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Os Maias: “Jantar dos Gouvarinho”

Bom dia a todos, hoje vamos-vos apresentar a análise que nós fizemos ao episódio 3 denominado de
“O Jantar dos Gouvarinho”. Ele encontra-se no capítulo XII a partir da nossa página 388 onde diz “A
condessa esperava-os (…)”. Recomendamos que abram o livro para uma melhor compreensão e
acompanhamento do nosso estudo deste episódio.
Primeiramente, como já estudamos, a intriga principal é a relação incestuosa entre Carlos da Maia e
Maria Eduarda que se desenvolve a par com a crónica de costumes, de maneira a “integrar” ambos
na sociedade portuguesa.
Um dos tópicos analisados foi a relação deste episódio com a intriga principal que se baseia no que
acontece após Carlos se envolver com a condessa: Carlos, depois de sair da casa da “titi”, foi visitar
Maria Eduarda, onde lhe declarou o seu amor, que é correspondido, ou seja, a consumação do
incesto inconsciente. Assim, podemos concluir que enquanto Carlos estava com a condessa, apesar
de ele ter negado, ele ainda pensava na Maria Eduarda.
Neste jantar temático, onde várias personagens, tais como: Os Gouvarinho, Carlos da Maia, João da
Ega, o sr. Sousa Neto e sua mulher, D. Maria da Cunha e a Baronesa de Alvim estiveram envolvidos,
foram debatidos vários assuntos polémicos cujos quais iremos mencionar posteriormente.
Posto isto, neste excerto podemos observar em particular, uma descrição mais pormenorizada do
Conde Gouvarinho e do sr. Sousa Neto:
O Conde Gouvarinho é retratado no livro como um político incompetente e ignorante, mas poderoso
com muita influência e com um carater patriota (pág. 391 onde diz “Mas temos grandes glórias; o
infante D. Henrique é de primeira ordem; e a tomada de Ormuz é um primor…. E eu que conheço
alguma coisa de sistemas coloniais, posso afirmar que não há hoje colónias nem mais suscetíveis de
riqueza, nem mais crentes no progresso, nem mais liberais que as nossas!...”).
O conde é uma personagem-tipo que representa o Portugal conservador. É caracterizado pela sua
falta de cultura, pela sua falta de memória (pág. 393 quando ele não se lembra do paradoxo brilhante
que teria ouvido “…nós lhe ouvimos um paradoxo brilhante! Até foi em casa da Sr.ª D. Maria da
Cunha… Vossa Excelência não se lembra, Sr.ª D. Maria? Esta minha desgraçada memória!...”). É
descrito também pela sua ignorância, mostrando ser inapto para as suas funções.
É importante por em destaque que, através desta personagem, podemos verificar a grande
contradição entre o ser e o parecer, pois o conde Gouvarinho é um representante da alta política e do
poder instituído, por outro lado não tem qualquer visão histórica ou qualquer tipo de cultura relevante
para a sua posição. O facto de se ter pessoas como ele à frente do país é também o motivo para o
povo português se encontrar progressivamente decadente.
Passamos agora para a caracterização de Sousa Neto. Este, é representante da administração
pública e surge como figurante e personagem-tipo da burocracia, contudo revela falta de cultura e
mediocridade intelectual. Ironicamente, o narrador apresenta-o "cheio de curiosidade inteligente"-
(pág.405) a perguntar a Carlos da Maia se "em Inglaterra havia também literatura".
Sousa Neto é um amigo e próximo do Conde de Gouvarinho que, quando não conseguia argumentar,
por falta de conhecimentos, Sousa Neto falava "do alto da sua considerável posição
burocrática"(pág.404), dizendo, ser seu costume "não entrar nunca em discussões, e acatar todas as
opiniões alheias, mesmo quando elas sejam absurdas..."
É um homem ignorante e defende a imitação do estrangeiro e acompanha as conversas sem intervir.
Mostrando-se ser uma personagem com pouca capacidade intelectual, sem opinião própria e
ineficiente na Administração.
Como já tínhamos abordado, ao longo deste jantar são discutidos vários temas, entre esses estão
incluídos o fascínio pelo estrangeiro, a escravatura, os paradoxos e a educação das mulheres.
Um dos primeiros temas debatidos foi o fascínio estrangeiro onde as personagens falavam dos países
como se já lá tivessem estado. E, numa tentativa de demonstrar conhecimentos, o Conde de
Gouvarinho explica à senhora de escarlate como era o país que Carlos da Maia havia visitado.
(quando diz “País de grande prosperidade, a Holanda!... Em nada inferior ao nosso… Já conheci
mesmo um holandês que era excessivamente instruído…”).
Mas, quem sente mais fascínio pelo estrangeiro é Sousa Neto, que questiona Carlos sobre a
Inglaterra e sobre a sua literatura. «E diga-me uma coisa – prosseguiu o Sr. Sousa Neto (…).-
Encontra-se por lá, em Inglaterra, desta literatura amena, como entre nós (…) poetas de pulso?...”».
Um dos temas mais importantes abordados neste jantar foi a escravatura que fez desencadear uma
discussão argumentativa entre Sousa Neto e João da Ega onde este último demonstrou um caráter
crítico e impiedoso, defendendo a escravatura (como podemos observar em várias citações: “Ega
declarou muito decididamente ao Sr. Sousa Neto que era pela escravatura. Os desconfortos da vida,
segundo ele, tinham começado com a libertação dos negros.” e “Só houvera duas civilizações em que
o homem conseguira viver com razoável comodidade (…) Porquê? Porque numa e noutra existira a
escravatura absoluta…”
Por outro lado, Sousa Neto demonstrou bastante superficialidade nas suas opiniões e ainda alguma
ignorância, que como já referimos define a sua personalidade.
Outro tema muito comentado foram os paradoxos de Barros, o ministro do Reino. Vendo Sousa Neto
um pouco atordoado com a discussão, o Conde interrompe-a, dizendo que Ega estava apenas a
tentar fazer um paradoxo.
Neste momento, inicia-se uma conversa sobre os mesmos, onde o Conde referiu que conhecia uma
pessoa que elaborava brilhantes paradoxos (Barros), dificílimos de sustentar (“Segundo o conde,
quem os fazia também brilhantes e difíceis de sustentar, excessivamente difíceis, era o Barros, o
ministro do Reino.”; no entanto não se conseguiu lembrar de nenhum, revelando, portanto, bastante
falta de memória (que também já foi referido).
Por fim, um dos últimos temas presentes neste jantar foi a educação das mulheres onde nos são
apresentadas diferentes conceções. Por um lado, o conde Gouvarinho defende que é agradável que
uma mulher possa falar sobre coisas amenas, como livros ou um artigo de revista. Por outro lado, Ega
opõe-se a esta perspetiva, pois para ele uma mulher só deveria ter duas prendas, a que se devia dar
mais importância – cozinhar bem e amar bem. Pois ele acredita que “uma mulher com prendas,
sobretudo prendas literárias (…) é um monstro”, minimizando assim, as mulheres. Perante isto, o
conde mudou de opinião afirmando que “decerto o lugar da mulher era junto ao berço, não na
biblioteca”, mostrando aqui o seu carácter facilmente influenciável.
Entre estes dois temas que foram debatidos, falou-se, no seguimento da conversa sobre os
paradoxos, na Sociedade Protetora dos Animais e os seus benefícios.
Ega, que tanto animou aquele jantar, disse uma piada sobre este assunto, que fez com que toda a
gente solta uma gargalhada. Entre esses risos, estavam, mais particularmente, os de Carlos e de
Condessa que fez com que se quebrasse toda a frialdade que até ao momento os tinha conservado.
Aproveitando o clima, Carlos ocupa-se de se justificar acerca do seu romance com Maria Eduarda
que foi comentado pela condessa no inicio deste excerto quando diz “Esperei meia hora; mas
compreendi logo que estaria entretido com a brasileira…”.
Para se justificar acerca do romance, que foi espalhado por Dâmaso “Ela confessou-lhe logo que fora
Dâmaso…”, Carlos da Maia diz que apenas vai à casa de Maria para cuidar da sua governanta “É
perfeitamente verdade que eu vou a casa dessa senhora, (…) mas é porque ela tem a governanta
muito doente com uma bronquite e eu sou o médico da casa.”, ao ouvir estas palavras a condessa
ficou muito satisfeita (como podemos observar ““A Condessa bebia estas palavras, deliciosamente,
dominada pelo belo olhar com que ele lhas murmurava”).
Para concluir a análise dos temas que foram abordados ao jantar, um outro tema abordado em
particular foi o diálogo entre o Carlos e a baronesa acerca da Estagnação Social que o país
enfrentava, Carlos afirma o seguinte: “(…) – Creio que não há nada de novo em Lisboa, minha
senhora, desde a morte do Sr. D. João VI. (…)”
Após a análise dos temas e da intervenção das personagens em cada um deles, nós estudamos a
importância da personagem João da Ega e a identificação de marcas do estilo queirosiano.
Neste jantar Ega introduz-se nas conversas do Conde Gouvarinho e Sousa Neto sempre com muita
ironia para ilustrar a ignorância e incapacidade destas duas personagens. Tal ironia que confere
leveza e humor à narrativa e que está associada a uma intenção crítica que permite evidenciar
contradições.
Consequentemente, como já estudamos, N’Os Maias, Eça de Queirós reflete a sua forma de pensar e
exprime a descrição real do seu modo de ver o mundo e a vida através de várias opções linguísticas:
Uma delas é a expressividade do verbo que para além de exprimir as emoções, sentimentos,
intenções e ações das personagens ou uma visão peculiar do narrador, é também usado no pretérito
imperfeito e no gerúndio (onde está escrito “Agora andava com a mania de aprender francês.” e mais
à frente “lhe estava falando da Sociedade Protetora de Animais.”). Outra característica queirosiana,
que é observada por todo o livro é o uso de diminutivos “migalhinha de pão”; “o seu corpinho nervoso
e ondeado…”, e muitos outros.
Uma das marcas de Eça na literatura é também a utilização de empréstimos, ou seja, a utilização de
palavras estrangeiras como “…touriste…”; “…jambon aux épinards”; “Que chic”, etc…
Eça de Queirós também utiliza um recurso expressivo com o nome de hipálage que é visto, por
exemplo, quando Carlos e a Condessa se cumprimentaram no inicio do jantar: “A condessa, um
pouco corada, estendeu a Carlos a mão amuada (…)”. Nesta frase quem está amuada não é a mão,
mas sim condessa por Carlos não mostrar agrado ao estar ali.
Logo no inicio do excerto é descrito ao pormenor a maneira como a condessa e como a sala de jantar
estavam, podendo verificar, e não só neste parágrafo, que Eça utiliza imenso a adjetivação
“(…)Uma cesta de esplendidas flores quase enchia a mesa (…)! – Logo, no 1º parágrafo do excerto.
“ (…)de mãos atrás das costas, um cavalheiro alto, escaveirado, grave, com uma barba rala (…)” – ao
descrever como é que o conde estava.
E muitas mais.
O uso de advérbios de valor modal com função caricatural e crítica:
“E o conde fez-se extremamente sério (…)!”; “É perfeitamente verdade que eu vou a casa dessa
senhora” e “O conde de Gouvarinho bateu no ombro de Carlos, carinhosamente…”. E por fim, a
ironia – usada para evidenciar os aspetos caricatos e reveladores dos disparates das personagens ou
dos factos (como já vimos João da Ega representar)
Para concluir, o ambiente marcado pela futilidade e ociosidade da alta burguesia e aristocracia
lisboeta; apresenta uma visão crítica relativamente à mediocridade, ignorância e superficialidade da
elite social lisboeta, em geral, e à incapacidade da classe política dirigente. A crítica que Eça faz à
sociedade do século XIX, caracterizando-a como uma sociedade fútil, corrupta, superficial, e
ignorante, procurando agitar as ideias sociais, politicas e literárias, constitui uma verdadeira caricatura
da sociedade portuguesa da época, conservando-se até à atualidade, apesar dos contextos serem
diferentes.
Damos assim por terminada a nossa apresentação, esperamos que tenham entendido a análise do
excerto e que tenham gostado. Obrigada pela atenção.

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