Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Eu Sou Maior Do Que o Meu Sofrimento
Eu Sou Maior Do Que o Meu Sofrimento
getty images
4
Como “não queria deixar pontas soltas”, quis antes
devolver alguns pertences da namorada e de alguns
amigos. Entrou no autocarro com essa intenção, mas
sairia de lá ‘tocado’ por “um evento aleatório e sem
significado”. Sentada ao seu lado, uma mulher
divorciada começou a contar-lhe como tivera uma vida
difícil. Hugo não se lembra bem das palavras, mas
recorda-se da sua conclusão: apesar de tudo, ela disse-
lhe que valia a pena viver. Não saiu da viagem mudado,
mas a conversa plantou em si “uma semente” e
“gradualmente” acabou por desistir da ideia de suicídio.
Um fenómeno multifacetado
6
Sendo multifacetado, este é um comportamento que
envolve fatores de risco individuais, familiares,
comunitários e sociais, podendo ser determinado por
aspetos antropológicos, psicológicos e sociais, que
muitas vezes atuam em simultâneo. Mas “nunca
podemos dizer que o evento A levou ao comportamento
X”, apenas apontar fatores que contribuem para
aumentar o risco, referem os psiquiatras Sónia Farinha
Silva e Paulo Barbosa.
getty images
7
A exposição ao suicídio de pessoas próximas ou de
figuras públicas, histórias de abuso físico ou sexual,
doenças graves ou incapacitantes, acontecimentos
traumáticos recentes, situações de vulnerabilidade
(como pobreza ou desemprego) e o isolamento ou a falta
de apoio social podem também aumentar o risco de
ideação ou de comportamentos suicidas. E “uma pessoa
que já tentou o suicídio tem um risco acrescido de o
voltar a fazer”, realçam os médicos da ULSBA. “Um risco
que é maior nas semanas e meses seguintes e que se
vai esbatendo à medida que o tempo passa, mas que é
aumentado face ao resto da população.”
9
Naquele dia, quando regressava a Lisboa de carro com
o marido e o filho de 13 meses, depois de terem passado
o fim de semana no Alentejo, um acidente tirou-lhe o
chão. Cláudia sobreviveu, mas o marido e o filho não.
Ainda hoje se lembra bem de todos os sons, barulhos,
imagens associadas a esse dia. Recorda-se de acordar,
no meio do acidente, e de ninguém a ajudar. “Num
acidente daquela dimensão eu nem tinha bem noção do
estado do meu carro”, reconhece. “Até posso perceber
que o cenário pudesse não ser o melhor. Mas ninguém
me ajudou.” À exceção de um senhor, camionista, que
telefonou aos seus pais, de férias no Gerês, e pediu para
virem ter com ela.
10
Imediatamente se apercebeu que precisava de ajuda.
Além de ter decidido viver em casa dos pais “durante
uns tempos”, começou a ser acompanhada por uma
psicóloga e por um psiquiatra, que se coordenam entre
si. “Cheguei a ir à psicóloga três vezes por semana e ao
psiquiatra de três em três meses”, diz a jovem de 38
anos, acrescentando que hoje a frequência é menor.
11
realmente uma tábua de salvação.” Não só a ligava mais
ao marido e ao filho como a mantinha ocupada, deixando
menos espaço “para a cabeça pensar noutras coisas”.
13
Os primeiros anos da sua vida foram passados num
bairro diferente daquele no qual hoje vive em Évora,
num grande pátio em torno do qual a família da mãe
vivia. “Começou logo mal marcada. O meu primo faleceu
quando tínhamos três anos.” Hoje Carlos tem 28, mas
não apagou esse dia da memória. O que evoca é talvez
fruto do que lhe contam: enquanto os dois brincavam, o
primo deixou cair uma caneta dentro do poço que havia
no pátio, tentou apanhá-la e caiu. Quando os bombeiros
lá chegaram já não havia nada a fazer.
O tio, que para ele era como um pai, vivia fora do bairro.
Também foi com ele e com a mulher que cresceu —
passava os fins de semana em casa deles, porque os
pais trabalhavam — e a sua morte, em outubro de 2020
com um cancro no pulmão que se alastrou rapidamente,
foi muito dura para si. Era o tio, que também fora
futebolista e treinador, que o acompanhava nos treinos
e nos jogos de futebol em miúdo, era com ele que
passava férias. Era com ele que conversava, via-o como
um exemplo a seguir. “Ele dava tudo a toda a gente. O
campo onde treinava era a dois minutos de casa, mas
se havia miúdos do outro lado da cidade cujos pais não
os podiam levar aos treinos ia buscá-los e levá-los —
chegasse a casa a que horas chegasse”, recorda. Carlos
acompanhava-o nessas andanças e hoje, como treinador
de futsal, faz o mesmo. “Acabou por ter o papel de pai.”
15
sentia que precisava de uma pausa — e pensava que
talvez essa pausa fosse definitiva.”
16
embora porque agora tens que superar isto.” E quer
encontrar grupos nos quais possa participar, contando a
sua história, para ajudar outras pessoas que estejam a
passar por situações semelhantes.
18
acesso a ajuda, o mais cedo possível, num momento de
crise.”
16h-24h: 213 554 545, 912 802 669, 963 524 660
21h-24h (linha verde gratuita): 800 209 899
Conversa Amiga
Voz de apoio
Outros contactos
19