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Como a Coca-Cola (não) chegou a Portugal

E-Mail

Esta é uma história que começa em 1927, com a famosa


campanha publicitária de Fernando Pessoa e que só
termina 50 anos depois, quando um Governo de Mário
Soares pediu 300 milhões de dólares emprestados aos
EUA. Salazar tinha pavor da visão do mundo
representada pela Coca-Cola

texto Filipe Fernandes Jornalista

“O refresco americano Coca-Cola. No primeiro dia:


estranha-se. No quinto dia: entranha-se”, dizia o
anúncio feito por Fernando Pessoa e publicado pelo
“Diário de Lisboa” a 16 de julho de 1927. A campanha
publicitária iniciara-se dias antes e o vendedor da Coca-
Cola era Carlos Moitinho de Almeida, que tinha um
escritório comercial de comissões, consignações e conta
própria. Importou a Coca-Cola dos Estados Unidos que
vinha em garrafões e em garrafas e era depois
distribuída pelo mercado de restauração de Lisboa.

A partir de 10 de agosto de 1927 os anúncios deixaram


as páginas dos jornais, e a Coca-Cola deixou de ser
vendida em Lisboa por ação das autoridades sanitárias,
que apreenderam, inutilizaram e selaram os stocks do
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refrigerante importado. Na base esteve uma lei de 24 de
agosto de 1926, feita por pressão das autoridades norte-
americanas, que proibia vários estupefacientes, como a
cocaína (folhas de coca, cocaína bruta e preparada e
seus sais, ecgonina), e que só poderiam ser usados
“para usos legítimos, médicos ou científicos” e teriam de
ser autorizados pela Direção-Geral da Saúde, na
dependência do ministro do Interior.

A 8 de outubro de 1927 surgiu a ordem do ministro das


Finanças, então Sinel de Cordes, que impedia “a
importação do produto denominado Coca-Cola, refresco,
por ser considerado nocivo para a saúde pública”. A
proibição levou a Coca-Cola a usar os canais
diplomáticos para pressionar, e o secretário de Estado,
Frank Billings Kellogg (1925-1929), interveio junto do
ministro dos Negócios Estrangeiros, Bettencourt
Rodrigues, em Genebra, para saber das causas deste
gesto.

A resposta de Ricardo Jorge, diretor-geral da Saúde, a


23 de dezembro de 1927, foi: “Pelas análises químicas
repetidas não se apurou com segurança que a Coca-Kola
contivesse cocaína, alcaloide difícil de indiciar-se em
doses mínimas. O nome do produto, a ser verdadeiro,
indica que na sua composição entra qualquer preparado
de coca; ora, esta droga é um estupefaciente dos
abrangidos pelo Decreto com força de lei nº 12210, de
24 de agosto de 1926; e tanto basta para condenar o
produto em questão. A coca só pode vender-se como
medicamento nas condições legais, e não como género
de consumo alimentar. Dado que o nome não seja
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verdadeiro e o produto não tenha coca, a mesma
proibição se deve manter porque se trataria nesse caso
duma falsificação de título e duma fraude sobre a
natureza da substância. Essa denominação teria ainda o
inconveniente de induzir ao uso de estupefacientes que
a lei condena e persegue. Nos anúncios com que se fez
nos periódicos propaganda da Coca-Kola, dizia-se: ‘A
princípio estranha-se, mas depois entranha-se.’ Um
convite ao vício ou uma especulação com o vício.”

O símbolo do american way of life

A comercialização da Coca-Cola começou em 1880, mas


as suas vendas circunscreviam-se aos Estados Unidos,
até que depois da I Guerra Mundial se iniciaram as
exportações. Em 1930 foi criada a Coca-Cola Export
Corporation que ficou com a comercialização da bebida
nos mercados externos, tendo rapidamente entrado em
28 países. Nesta altura as suas operações na Europa
eram reduzidas à Inglaterra, Noruega, Bélgica, França e
Alemanha, onde chegaram a vender 5 milhões de
garrafas em 1939 em pleno III Reich.

Robert Woodruff esteve várias décadas à frente da


empresa e viu durante a II Guerra Mundial uma
oportunidade. Conseguiu que empregados da empresa
acompanhassem, como “observadores técnicos”, as
Forças Armadas norte-americanas. No fim da guerra,
dois terços dos militares bebiam Coca-Cola e havia 64
linhas de engarrafamento no estrangeiro, em grande
parte à custa do Governo.

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CAPITALISMO “A Coca-Cola queria ser a coisa mais
americana da América.” Desde o início que a marca foi
associada à publicidade em massa, a uma sociedade de
alto consumo e à livre iniciativa George Marks/getty
images

Depois da II Guerra Mundial, a Coca-Cola expandiu-se


rapidamente por toda a Europa porque a empresa
descobriu uma forma de concentrar e transportar a base
da bebida, o que permitiu desenvolver o modelo de
negócio em franchising. Os representantes nos
mercados locais forneciam o capital, as matérias-
primas, com exceção do concentrado, e a mão de obra,
geriam as linhas de produção e faziam a distribuição. A
Coca-Cola apoiava no lançamento do negócio, fornecia
o concentrado, supervisionava a qualidade do produto e
da publicidade e recebia os royalties, mas permitia que

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as empresas distribuidoras ficassem com a maior parte
dos lucros.

A identificação entre os Estados Unidos da América e a


Coca-Cola foi muito forte e fazia parte da estratégia da
própria empresa que queria ser “a coisa mais americana
da América”. Como refere Richard Kuisel, em “Seducing
the French: The Dilemma of Americanization”, “desde o
início que a bebida foi associada à publicidade de massa,
a uma sociedade de alto consumo e à livre iniciativa”.
Portugal fazia parte dos planos da Coca-Cola, mas este
tripé associado à bebida e à americanização apavoraram
Oliveira Salazar.

O chairman, o cardeal e Salazar

Em 1941 um diplomata britânico escreveu que o medo


de Salazar de uma interferência dos Estados Unidos na
Europa, depois da guerra, atingia “a obsessão”. Pouco
depois, a David Eccles, ministro britânico, Salazar
considerou “os americanos como um povo bárbaro e
iluminado, não por Deus mas pela luz elétrica”. Mesmo
em 1963 ainda Salazar mantinha a sua aversão e
desabafou a Alberto Franco Nogueira: “Quero este país
pobre mas independente; e não o quero colonizado pelo
capital americano!” Por isso não surpreende que tenha
mantido a Coca-Cola longe da chamada Metrópole,
embora se tenha relacionado com os representantes da
marca, que eram defensores do regime e do império
colonial.

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Em 3 de março de 1946, António Oliveira Salazar
ofereceu no Hotel Aviz um jantar em honra do cardeal
de Nova Iorque, Francis Spellman, em que foi
apresentado a James A. Farley, chairman da The Coca-
Cola Export Corporation desde 1938, que iniciava a sua
viagem de ofensiva sobre a Europa para implantar a
Coca-Cola. James A. Farley era de origem irlandesa,
católico, tinha sido presidente dos Correios nos tempos
de Roosevelt, fora uma das figuras relevantes do Partido
Democrático, a que presidiu durante oito anos, e chegou
a ser capa da “Time” por duas vezes em 1932 e 1934 e
era uma figura influente entre os democratas
conservadores.

A partir de então James A. Farley tentou seduzir Salazar.


Em 1946 regressou a Portugal e, acompanhado por
Theodore Xanthaky, conselheiro da embaixada
americana em Lisboa, foi recebido por António de
Oliveira Salazar. Em outubro de 1948 fez um périplo pela
Europa acompanhado pelo filho James e por Alexander
Makinsky e a 8 de outubro de 1948 o diário “O Século”
abria a primeira página com uma entrevista com James
Farley. No dia seguinte foi recebido por Salazar. Nessa
entrevista sublinhou que pediria ao “velho amigo, o
embaixador MacVeagh, que me ponha em contacto com
alguns ministros. Apenas para uma troca de impressões
pessoais”.

Em 18 de maio de 1949 numa reunião de Salazar com o


ministro da Economia, António Júlio de Castro
Fernandes, o assunto foi discutido. “A Coca-Cola —
(insistência para ser admitida no mercado)”, escreveu
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Salazar no seu diário. A 19 de outubro de 1950, Salazar
reúne-se em São Bento com James Farley e Xanthaky e
um dos temas é a questão da Coca-Cola em Portugal.

Em carta de 16 de novembro de 1950 Farley referiu ao


governante português que Portugal era o único país da
Europa, fora da Cortina de Ferro, “em que não estamos
empenhados em operações dos nossos negócios e
espero intensamente que nos próximos tempos seja
possível gozar deste privilégio no seu país”. A conversa
e a carta fizeram com que as relações de Salazar com
James Farley passassem a ser meramente formais,
porque a Coca-Cola para Salazar não era um “privilégio”,
mas uma maldição.

Salazar considerava os americanos um povo bárbaro e


iluminado não por Deus mas pela luz elétrica

Mas se James Farley falhou em Portugal, foi bem-


sucedido em Espanha, que em 1951 começou a produzir
e vender a Coca-Cola, que já era engarrafada na
Holanda, Bélgica e Luxemburgo desde 1947, e na Suíça,
Itália e França desde 1949. Mas a entrada da Coca-Cola
nestes mercados foi sempre acompanhada de polémica.
Por um lado, havia os interesses ligados ao vinho, à
cerveja e a outras bebidas a criar obstáculos, e mesmo
processos, como na Bélgica e na Suíça, por causa da
dose de cafeína, que poderia ser nefasta e perigosa.

Surgia muitas vezes a oposição ideológica liderada pelos


comunistas, como aconteceu em Itália e em França. O
jornal do partido, “L’Unita” chegou a prevenir os leitores

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para o facto de a Coke, um diminutivo da Coca-Cola,
poder embranquecer os cabelos das crianças, e quando
o Papa concedeu uma audiência a James Farley,
considerou-a uma aliança vergonhosa entre a Coca-Cola
e o Vaticano.

O jornal comunista francês, “L’Humanité”, cunhou


palavras como “marshallisation” e “coca-colonisation” e
não esquecia o facto de os americanos terem
orquestrado a sua saída do Governo francês em 1947. A
8 de novembro de 1949 o diário comunista fazia a
manchete: “Serons-nous coca-colonisés?” Referia que
“l’invasion du Coca-Cola” faria baixar as vendas de vinho
e que a redução de tarifas exigida para os produtos
americanos iria agravar o profundo défice comercial.

Insinuavam também que o sistema de distribuição da


bebida poderia funcionar como uma rede de espionagem
norte-americana. Baseavam-se no facto de Alexander
Makinsky, que Franco Nogueira apelidava de espião da
CIA, e de Claus M. Halle, que foi diretor da Coca-Cola
Export Corp e das operações da Coca-Cola na Europa
Central até 1970, terem estado ligados a serviços
secretos.

A tentativa africana de vender Coca-Cola na Metrópole

Em 8 de setembro de 1950 constitui-se em Moçambique


a Companhia de Refrigerantes Mac-Mahon para explorar
a indústria de fabrico da bebida conhecida como Coca-
Cola, que tinha sido autorizado a Henry Haye por
despacho de 21 de março de 1950. João Marques Pinto,

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fundador da Jomar, que tinha uma demarcação florestal
em Cabinda desde 1950, foi autorizado em 1 de agosto
de 1955, a instalar em Luanda uma fábrica da Coca-
Cola.

A empresa norte-americana fez várias tentativas, e usou


desde desde ex-diplomatas até ao flanco colonial para
chegar ao centro do império, a Metrópole, como se
designava Portugal Continental. Em 14 de julho de 1952
Oliveira Salazar recebeu Rudolf Rahn, um diplomata
alemão que esteve em Lisboa em 1938, e que a partir
de 1950, depois de desnazificado, passou a diretor
financeiro de uma filial da Coca-Cola em Düsseldorf que
lhe falou das pretensões da Coca-Cola para Portugal.

DIPLOMACIA James A. Farley, um católico que dirigiu o


Partido Democrático durante oito anos e foi duas vezes

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capa da “Time”, empenhou-se na entrada da Coca-Cola
em Portugal. Em 1948 deu uma entrevista ao diário “O
Século” George Karger/Getty Images

Em 1956, João Marques Pinto fez uma exposição a


Salazar para ser autorizado a fabricar e vender no
Portugal Metropolitano a Coca-Cola, que já se
comercializava em Moçambique, Angola, Índia e Macau,
“até, já bem mais perto, nas Lajes da ilha Terceira, nos
Açores”. Acrescentava João Marques Pinto que se
tratava da instalação de uma fábrica de refrigerantes,
igual a qualquer outra, de capital português, com
centenas de trabalhadores portugueses, cliente da
industrial nacional em açúcar, garrafas, gás carbónico,
cápsulas, madeiras e contraplacados, cortiças e só o
extrato viria da Inglaterra, com uma permuta com o
vinho do Porto ou da Bélgica, ou da Noruega.

Juntava argumentos habituais na Europa do sul de que


a Coca-Cola não só não afetaria como aumentaria o
consumo do vinho, de cerveja, dos refrigerantes e das
águas engarrafadas, e anexava análises feitas por
laboratórios nacionais, a partir de amostras de Coca-
Cola engarrafadas pela Congolaise des Boissons em
Kinshasa, que consideravam a Coca-Cola como não
nociva para a saúde, mas nem assim conseguiu a sua
fábrica de Coca-Cola em Portugal.

O desembarque da Pepsi-Cola e a fábrica de Coca-Cola

Dias depois da derrota de Humberto Delgado, o general


Coca-Cola como lhe chamaram, a Pepsi-Cola

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desembarcou nas praias da linha de Cascais distribuída
pela Sociedade Central de Cervejas, detentora da
cerveja Sagres, num domingo encalorado de 3 de agosto
de 1958. A notícia do “Diário de Lisboa” referia que “esta
bebida, em que não entra álcool, é feita com
concentrados”. Nos dias seguintes fez-se o que foi
considerado “o primeiro lançamento em Portugal de um
refrigerante em moldes de marketing moderno”.

Um dos anúncios de imprensa dizia: “Pepsi Cola é a


bebida afamada em 77 países”, mas não o era junto do
poder instituído em Portugal e não se fez esperar a
resposta do Governo. A 5 de agosto de 1958, num dos
seus últimos atos como ministro da Economia, Ulisses
Cortês, fez um despacho em que lançava a máquina
burocrática e fiscalizadora sobre a Sociedade Central de
Cervejas.

Foi tão certeiro que no dia seguinte, a 6 de agosto,


quando Oliveira Salazar lhe pediu explicações sobre o
fabrico da Pepsi-Cola em Portugal, o chefe de gabinete
do ministro Economia fez chegar de imediato uma cópia
do despacho ministerial do dia anterior. Esta poderosa
reação governamental levou a que Sociedade Central de
Cervejas, a 9 de agosto de 1958, dia em que tomou
posse o novo presidente Américo Thomaz, suspendesse
a produção.

Mas nos calores de agosto de 1958 debatia-se nos


bastidores da burocracia a laboração de uma fábrica da
Coca-Cola, que estava em construção em Queijas, e que
já tinha encomendado equipamentos e camiões, feito

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formação de pessoas no estrangeiro, e que este
despacho vinha fazer perigar.

“O senhor arrisca-se a introduzir em Portugal o que eu


detesto acima de tudo: o modernismo e a famosa
efficiency”, disse Salazar

Em 1957, António de Melo Guimarães Ferreira conseguiu


uma licença para fabricar a Coca-Cola afirmando ter um
acordo “com a firma norte-americana proprietária dessa
marca”. Foi criada a Coporel-Companhia Produtora de
Refrigerantes, em que participavam também José Pinto
de Sousa, e António Pinto de Sousa, administradores da
Fábrica Portuense de Borracha no Porto e da Fábrica de
Borracha Repenicado & Bengala em Lisboa.

Com a possibilidade de perder o negócio da Coca-Cola,


a Coporel fez uma exposição a Salazar em defesa do seu
negócio, mas omitiam que um despacho em março de
1958, dirigido à Coporel em que se referia que “por
‘fabrico de refrigerantes legalmente autorizados’ deve
entender-se o fabrico de refrigerantes cuja circulação e
consumo estão legalmente autorizados pelas entidades
com legitimidade para o fazer. Assim, não estando
autorizada a circulação e consumo do produto Coca-
Cola, o fabrico deste refrigerante não está legalmente
autorizado”. Apesar de terem recorrido à Justiça, o
acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de
março de 1961 não deu razão à Coporel.

Esta ação da burocracia a esta agitação da Coca-Cola e


da Pepsi estava sob observação do poder. Em 3 de

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dezembro de 1957, um dos pontos da agenda da reunião
de Salazar com Ulisses Cortês, ministro da Economia, foi
“o caso Coca-Cola”, e, quase um ano depois, a 21 de
novembro de 1958, uma reunião com o novo ministro
da Economia, Ferreira Dias debruça-se sobre “a questão
da Coca-Cola e outras (condicionamento industrial e
outros)”.

A futura lei foi discutida entre os dois governantes em


20 de janeiro de 1959 e pelo seu punho Salazar escreveu
“um projeto de decisão a Coca-Cola e outros
refrigerantes”, o que seria a base da lei de 25 de
fevereiro de 1959 que proibia os refrigerantes que
contivessem alcaloides (caso da cafeína na Pepsi), pelo
que eram oficialmente banidas as colas, desde que
contivessem aquele alcaloide.

A perseguição de Salazar não era aos refrigerantes de


cola mas aos símbolos de uma certa visão mundo que a
Coca-Cola e a Pepsi-Cola representavam. No verão de
1955 tinha sido lançada a Invicta Cola pela CUF-
Portuense, que foi um sucesso de vendas, mas viu a
Coca Cola Company processá-la pelo uso do termo
‘Cola’, tendo mudado por algum tempo para Invicta
Negra, mas em 1962 voltou à designação original.
Depois em 1958 surgiu a Canada Dry com a Spur-Cola
e outras empresas como a Cola Fontelina de Viseu, a
Cola Lara de Lamego, A Sempre Vencedora Cola de
Lisboa, Bi-Cola de Sesimbra, o Refresco Jota Cola de
Monção, Janeca Cola de Vila Nova da Barquinha,
Cristacola do Soito, entre outras.

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O príncipe russo e a abertura com Marcello Caetano

Nos anos 60 a figura que tenta fazer entrar a Coca-Cola


em Portugal é o príncipe iraniano Alexander Makinsky,
que estudou em São Petersburgo e em Paris. Em 1925
já trabalhava para a Fundação Rockefeller e participou
no programa Refugee Scholars, ajudando mais de 300
professores e investigadores europeus perseguidos pelo
totalitarismo nazi nos anos 30 a irem para Estados
Unidos, e que a Fundação Rockefeller considerou como
um dos programas mais importantes nos seus cem anos
de história.

Em 1940 refugiou-se com a família em Lisboa e


manteve-se na Fundação Rockefeller em Nova Iorque
até 1946 quando se tornou quadro da Coca-Cola para a
Europa tendo por base a capital francesa. Em 10 de maio
de 1952 foi nomeado, juntamente com J. Paul Austin,
vice-presidente da Coca-Cola Export Corporation,
ficando com os negócios da Europa Continental a partir
de Paris. Uma das grandes vitórias da atividade
diplomática ao serviço dos negócios da Coca-Cola de
Alexander Makinsky foi ter conseguido fazer a
distribuição da bebida na Bulgária em 1965.

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1 A famosa campanha criada por Fernando Pessoa e
publicada desde 16 de julho de 1927 no “Diário de
Lisboa” 2 A notícia do “The Wall Street Journal”, em
1977, que dá conta do empréstimo de 300 milhões de
dólares a Portugal 3 O jantar, no Hotel Aviz, em honra
do cardeal Frances Spellman, a 3 de março de 1946,
onde James A. Farley foi apresentado a Salazar

Nos diários de Salazar existe a 27 de fevereiro de 1961


uma anotação com um pedido de audiência de Makinski,
designado como “amigo íntimo do secretário de Estado
dos Negócios Estrangeiros” e com a referência que fora
uma intercessão de Arminda Lacerda Cértima e do
marido, António Cértima.

Segundo José Freire Antunes, as várias insistências para


que o regime se abrisse à Coca-Cola terão culminado
numa carta escrita por António Oliveira Salazar a
Alexander Makinsky: “Sei perfeitamente que o senhor
não tem nada a ver com vinhos, nem com sumos de
frutas, e é bem por outra razão que — apesar das
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excelentes relações que mantemos, o senhor e eu, e que
datam da época em que representava a Fundação
Rockefeller e não sonhava sequer em fazer parte da
Coca-Cola — sempre me opus à sua aparição no
mercado português. Trata-se daquilo a que eu poderia
chamar ‘a nossa paisagem moral’.”

Na carta acrescentava que “Portugal, tal como o concebo


e tal como quereria mantê-lo, é um país conservador,
paternalista e — Deus seja louvado — ‘atrasado’, termo
que eu considero mais lisonjeiro do que pejorativo. O
senhor arrisca-se a introduzir em Portugal aquilo que eu
detesto acima de tudo, ou seja, o modernismo e a
famosa efficiency. Estremeço perante a ideia de ver os
vossos camiões a percorrer, a toda a velocidade, as ruas
das nossas velhas cidades, acelerando, à medida que
passassem, o ritmo dos nossos hábitos seculares. É que
nós temos um ritmo próprio, talvez lento, sobre o qual
a revolução industrial não exerceu ainda a sua influência
nefasta”, escreve José Freire Antunes em “Salazar
contra a Coca-Cola: ‘Estremeço perante a ideia’”, na
“Visão”, de 26 de setembro de 1996.

1970, a abertura de Marcello Caetano

Em 31 de julho de 1970 uma nova lei atribuía ao


secretário de Estado da Indústria a autorização para
inclusão nos refrigerantes de edulcorantes, saponina ou
alcaloides, desde que houvesse parecer favorável prévio
da Direção-Geral da Saúde.

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No início de 1972 Carlos Vinhas entrou em contacto com
responsáveis da Pepsi Cola e da sua subsidiária Monsieur
Henry Wines, distribuidora dos vinhos da sua marca
Cavenal registada nos Estados Unidos, para a eventual
representação em Portugal do produto. Ligado aos
negócios do vinho através das Caves Nacionais,
Companhia Comercial C. Vinhas, Carlos Vinhas
deslocou-se a Nova Iorque e, no regresso em maio de
1972, apresentou o projeto a Albano Homem de Mello,
engenheiro agrónomo e ligado a organização agrícola do
regime, a que se juntariam Vasco Quevedo, da Inapa, e
o Grupo do Conde Caria.

A 4 de julho de 1977 venderam-se na Baixa lisboeta as


primeiras garrafas de Coca-Cola

Em setembro de 1972 chegou a Lisboa a delegação da


Pepsi mas as negociações emperraram porque o
Governo pretendia que em troca da concessão da licença
da Pepsi se fizesse uma campanha de uma nova marca
de um só tipo de vinho à escolha do importador e
exportador em branco, tinto ou rosé, no valor de 1
milhão de dólares por ano, durante três anos e
assumissem a exportação de 200 mil caixas no primeiro
ano, 400 mil no segundo e 600 mil no terceiro. Na
mesma altura a Coca-Cola, através de Alexandre
Makinsky, negociava a sua entrada com a Sociedade
Central de Cervejas (SCC), mas em carta de 25 de
outubro de 1972 a Alexandre Ribeiro da Cunha, ex-
secretário de Salazar e do Ministério dos Negócios
Estrangeiros, Alexander Makinsky dava conta de que as
relações com a SCC tinham sofrido alterações e que
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estavam em negociação com três empresas
exportadoras de vinho português em que cada uma
ficaria com 20% enquanto a SCC seria o maior acionista
com 40%.

Mas esta empresa não aceitou e o consórcio que surgiu


era formado por António e Jorge Avillez, então gestores
e acionistas da José Maria da Fonseca, e da J. M. da
Fonseca Internacional, associada da empresa americana
Hueblein, o Banco Borges & Irmão, a Sogrape e a Camilo
Alves, com as negociações a decorrerem em Madrid com
o príncipe Alexander Makinsky e com um responsável da
Coca-Cola Espanha.

Nenhum dos negócios avançou porque entretanto surgiu


o 25 de Abril de 1974 e as condições sociais e
económicas para o negócio mudaram e esfumaram-se
alguns dos protagonistas ligados aos negócios.

O empréstimo Coca-Cola e a entrada em Portugal

No início de 1976 o empresário Sérgio Geraldes Barba


reuniu-se em Paris com Alexander Makinsky, relações
públicas da Coca-Cola na Europa, e com J. Paul Austin,
presidente mundial da Coca-Cola. Em 21 de maio de
1976, a Falder, de Sérgio Geraldes Barba, requeria ao
Governo português autorização para o fabrico e venda
da Coca-Cola.

Sérgio Geraldes Barba Sérgio fez fortuna e alguma fama


quando nos anos 60 adquiriu os terrenos do antigo Hotel
Aviz e construiu o Edifício Imaviz e o Hotel Sheraton, em
Lisboa. Criou a Socarmar em 1969, que foi nacionalizada
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em 16 de abril de 1975, em que detinha 45% e a
Companhia Nacional de Navegação, do Grupo CUF, os
restantes 55%. Foi também administrador da Salvor do
Grupo CUF.

Em maio de 1976 a Direção-Geral da Saúde emitiu um


parecer favorável. A 1 de outubro de 1976 a embaixada
dos EUA enviou para a Secretaria de Estado uma
informação sobre o franchise da Coca-Cola em que
mostrava preocupação empresários portugueses porque
eram “indivíduos cujas reputações podem causar
problemas políticos e outros à Coca-Cola”.

Estas cautelas da diplomacia norte-americana


radicavam no facto de empresários como Sérgio
Geraldes Barba ou Bernardo Mendes de Almeida (conde
de Caria), que tiveram empresas nacionalizadas e
mantinham litígios com o Estado português por causa
das respetivas indemnizações, estarem ligados à Coca-
Cola. No início de dezembro de 1976 conheceram-se os
acionistas do projeto industrial da Coca-Cola, que seriam
Sérgio Geraldes Barba com 62%, seguindo-se o conde
de Caria, com a Supersumos (Fruto Real) com 14%,
Manuel Bullosa com 10%, a Família Avillez-Soares
Franco da José Maria da Fonseca, com 10% e Manuel
Nunes Corrêa com 4%.

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Ricardo Jorge, enquanto diretor-geral da Saúde, proibiu


a entrada da Coca-Cola logo nos anos 20. Temia-se a
cocaína d.r.

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Foi num Governo liderado por Mário Soares, em 1977,


que foi permitido o fabrico do refrigerante Gilbert
UZAN/Gamma-Rapho via Getty Images

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Sérgio Barba foi o empresário que conseguiu a


autorização para a sua produção. Chegaram a chamar-
lhe ‘senhor Coca-Cola’ Noé Ramos/Arquivo Expresso

O processo de autorização para o fabrico e


comercialização de Coca-Cola em Portugal foi analisado
e aprovado em duas reuniões do Conselho de Ministros,
presididas pelo primeiro-ministro Mário Soares,
realizadas a 24 e 30 de dezembro de 1976. A 10 de
janeiro de 1977 o secretário de Estado da Indústria
Ligeira, José Eduardo Trigo de Morais, assinou o
despacho de autorização

A 4 de janeiro de 1977, dias antes do despacho final da


aprovação da entrada da Coca-Cola, o “The Wall Street
Journal” publicava um artigo intitulado de “The Coca-

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Cola diplomacy”, onde se relacionava a concessão de um
empréstimo dos Estados Unidos a Portugal com a
autorização à Coca-Cola. “Durante semanas o Governo
de Portugal aguardou nervosamente uma palavra de
Washington sobre o pedido para que um empréstimo de
emergência de 300 milhões de dólares fosse aprovado e
o dinheiro estava a caminho. No fim de semana o
empréstimo foi finalmente autorizado. Pode ter sido
apenas coincidência, mas pouco antes de o empréstimo
ter sido aprovado Portugal terminou a proibição de 50
anos contra a Coca-Cola. Se fôssemos imaginativos,
logo suspeitaríamos de que algum burocrata de Lisboa
achou que o empréstimo de 300 milhões de dólares não
saía devido à proibição de se fabricar Coca-Cola”, dizia
o “The Wall Street Journal”.

Três dias depois da aprovação, a 13 de janeiro, ainda


este despacho não tinha sido publicado em “Diário da
República” já o secretário de Estado anulava o seu
anterior despacho e determinava a instauração de
processo disciplinar ao funcionário José Melro Félix, “por
ter desviado do meu gabinete e entregado, conforme
sua declaração, ao advogado dr. Abranches Ferrão cópia
do meu despacho de 10 do corrente mês, antes da sua
difusão e publicação pelos meios oficiais”. Mas este
funcionário tinha sido nomeado dias antes para a
Comissão Interministerial da Metalúrgica Duarte Ferreira
em representação do ministério da Indústria e
Tecnologia.

A 3 de março de 1977 deu-se a constituição da Refrige,


Sociedade Industrial de Refrigerantes, com o capital
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social de 100 milhões de escudos. Pouco depois foi
criada a Coca-Cola Portugal Refrigerantes, com a função
o apoio às marcas e a elaboração de planos de marketing
e publicidade para o seu distribuidor. A 4 de julho de
1977, uma segunda-feira, venderam-se na baixa
lisboeta as primeiras garrafas 200 ml de Coca-Cola.
Neste princípio utilizavam uma linha de enchimento na
unidade industrial da Fruto Real em Alfragide com
capacidade de 10 mil garrafas/hora. Nessa altura já a
Refrige tinha planos para a construção de uma fábrica
própria, e em junho de 1978 deu-se o arranque da
produção de Coca-Cola em fábrica própria situada na
Quinta da Salmoura, em Palmela.

A 1 de abril de 1977, na página 20, uma pequena nota


na secção Gente do Expresso dizia: “Sogrape: falando
em bebidas, parece que também a Sogrape está de
parabéns, visto lhe ter cabido em sorte a representação
da Pepsi-Cola em Portugal. Parabéns à Sogrape... e, ao
que dizem, a Jorge de Brito”, que então era acionista da
Sogrape. Mas em julho de 1977 a Pepsi acordava com a
nacionalizada Sociedade Central de Cervejas, que em
breve uniria os seus ativos, aos da Cergal na empresa
pública Centralcer. Dez anos depois a Pepsi passou para
a atual Sumol-Compal.

Sérgio Geraldes Barba continuou à frente da Refrige até


1997, altura em que a sociedade passou para o controlo
dos engarrafadores espanhóis através da Lusobega,
permanecendo o empresário como presidente honorário,
até à data do seu falecimento em novembro de 2006.

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Em 2013 as oito engarrafadoras ibéricas deram origem
à Coca-Cola Iberian Partners, que em 2015 se juntou à
Coca-Cola Enterprises, que atuava no leste da Europa, e
à alemã Coca-Cola Erfrischungsgetränke e surgiu a
Coca-Cola European Partners. Em maio de 2021 deu-se
a união da Coca-Cola European Partners (CCEP) com a
Coca-Cola Amatil e nasceu o maior engarrafador
mundial de Coca-Cola: a Coca-Cola Europacific Partners.

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