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Tesouro Gelmírez foi recebido com todas as honras em
Braga a 19 de janeiro de 1102, antes de se escapar dois
dias depois, com as mais valiosas relíquias da
arquidiocese, entre as quais os restos mortais de São
Frutuoso, o patrono bracarense
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atraíam peregrinos e eram também uma fonte de
riqueza e de poder, deixando assim Braga ainda mais
economicamente debilitada face à ascensão de Santiago
de Compostela no noroeste da Península”, sublinha o
professor galego.
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Ultrapassada por Santiago na corrida às relíquias e à
rota das peregrinações, Braga vai contar com o apoio do
novo senhor das terras portucalenses, D. Henrique de
Borgonha e mais tarde do filho rebelde, para poder
consolidar a sua influência, mas num novo território que
se começava a demarcar do sul do rio Minho até às
margens do Mondego: o Condado Portucalense. “As
relíquias tinham de facto um valor simbólico, porque ao
roubar estas relíquias, Gelmírez estava a privar Braga
não só do seu patrono como também a reclamar para si
um importante santo galego que fundou vários
mosteiros no território e que se encontrava em Braga
enquanto antigo centro do poder religioso na Galiza”,
lembra o professor da Universidade do Porto.
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percurso do enigmático bispo de Santiago como um
exemplo de “realpolitik ao vivo”.
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por terminar nas mãos de Gelmírez, que, por sua vez, a
vai usar também para abrir as portas de Santiago, de
onde o prodigioso bispo tinha sido expulso por uma
revolta burguesa. “A descrição na ‘História
Compostelana’ é fabulosa, porque Gelmírez entra na
cidade em cima de um burro com a cabeça do santo,
puxado por um frade e diz-se que a cidade
imediatamente se rendeu a seus pés”, recorda o
historiador portuense.
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Amaral afastam de imediato as teorias, que consideram,
no mínimo, anacrónicas.
“Uma das coisas que faz com que Gelmírez não seja mais
reconhecido é porque se trata de uma figura incómoda,
tanto para a historiografia oficial portuguesa como
espanhola, é uma figura de fronteira com alianças muito
confusas. Num momento é aliado da grande figura da
nobreza galega da época, o Conde de Trava, com quem
partilha o projeto de um grande reino de Galiza e
Portugal, para confrontar o rei leonês que casou com a
rainha galega Urraca. Seria também este o projeto de
Gelmírez? Não está nada claro, uma vez que também se
aliou com Urraca e mesmo, ao início, com Braga na sua
confrontação com a igreja de Toledo, mas a
historiografia portuguesa trata Gelmírez como um aliado
do projeto do Conde de Trava, mesmo que este bispo
tenha feito tantas alianças distintas que é difícil dizer que
os dois homens partilhavam os mesmos objetivos
territoriais. Há também quem veja Gelmírez como um
aliado de D. Teresa, a mãe de D. Afonso Henriques, mas
as alianças nesta época eram bastante flutuantes”,
recorda o autor galego.
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campos eclesiásticos rivais vão poder, ao final,
reclamar-se vencedores.
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Do lado de cá do rio Minho, nas décadas que se seguem,
Braga vai gradualmente trocar o protagonismo
peninsular pelo de capital religiosa de um reino
nascente, sem nunca deixar de lembrar que teria sido
fundada por São Pedro de Rates, amigo do apóstolo São
Tiago, embora sem poder desafiar a relíquia de
Compostela. “A grande opção de Braga vai-se dar com
o arcebispo bracarense Paio Mendes, o homem de D.
Afonso Henriques, quando Braga vai aceitar transformar
o seu estatuto de potência eclesiástica regional em
cabeça de um novo Estado nascente. Vai lentamente
abdicar de um papel fora do domínio portucalense, para
assumir, em contrapartida, o de ser cabeça de um novo
Estado que estava a nascer. Uma transformação que vai
ser decisiva para a criação de Portugal. Mas até esse
momento, a tensão com Santiago vai ser sempre ‘taco a
taco’”, remata Luís Amaral.
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Igreja de São Francisco de Real, em Braga, onde se
encontram os restos mortais de São Frutuoso
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