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leitura daqueles; a tal ponto que, mais de uma vez, topônimos para a
designação dos territórios conquistados foram tomados desses relatos,
como nos casos de “California”, “Patagonia” e “Amazonas”. Nesse
sentido, é sabido que, embora Carlos V tivesse proibido que se
levassem livros de cavalaria à América, isso não foi cumprido, o que
permitiu que essas leituras continuassem a alimentar o imaginário dos
conquistadores.
Não deixa de ser interessante o fato de que o gênero narrativo
dominante no momento em que a Espanha inicia sua expansão imperial
tivesse de nacional apenas o processo de transformação final de uma
literatura tomada do estrangeiro. Em boa medida, isso pode ser
explicado pelo fato de que o enorme distanciamento da realidade
histórica que esse fenômeno significava estava facilitando o processo de
idealização da própria aventura. De fato, a América não seria ocupada
pela Espanha com base num pensamento racionalista, mais afim ao
ideário burguês, porém como espaço para a consolidação de um sistema
feudal de domínio que se exerceu mediante a conquista militar. Se, por
um lado, Espanha entende que a América passa a ser uma continuação
do seu próprio território, pela mesma razão sente-se autorizada a extrair
dela, pela força, as riquezas que, em última instância, iriam servir para
financiar a continuidade da defesa de uma ideologia e de um sistema
próprios da Idade Média: o cristianismo e o feudalismo, cujo campeão
era, na ficção, o cavaleiro andante.
Não deixa de ser sintomático, nessa aproximação da novela de
cavalaria com a conquista da América, o fato de que um gênero, cuja
existência na Idade Média está provada, só se desenvolvesse de
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Gaula, tem uma estrofe a mais, bem diferente) pode não ser da autoria
de João de Lobeira; e, mesmo que fosse, o fato não obriga a atribuir-lhe
o Amadís. Pelo contrário, pareceria mais provável que o autor do
Amadís de Gaula utilizasse o poema atribuído a Lobeira e lhe
acrescentasse uma estrofe de sua autoria.
Por último, Antônio Ferreira, nos seu Poemas lusitanos, acima
mencionados, inclui dois sonetos relativos aos amores de Amadís e
Briolanja e diz terem sido compostos pelo seu pai na época do rei de
Portugal dom Diniz (1261-1325), em nome do filho deste, o infante dom
Afonso (1290-1357) que, assim, se identificaria com o “señor don
Alfonso de Portugal”, mencionado no capítulo XL do livro I do Amadís de
Gaula, como alguém que teria mandado escrever de outra maneira a
história desses amores. Essa personagem também poderia ser
identificada com o irmão do rei dom Diniz, desse nome, que viveu entre
1263/65 e 1312, coetâneo, assim, de João de Lobeira. Mas também
caberia pensar em que se tratasse do bastardo Afonso Sanches (1282-
1329). Ou poderia se tratar de um contemporâneo de Montalvo, dom
Afonso de Portugal, que, em 1490, casou-se com Isabel, filha dos Reis
Católicos e que morreria depois numa queda do cavalo, embora nesta
caso se tratasse de um príncipe e não apenas de um infante, como
menciona Antônio Ferreira.
Em síntese, apesar das diversas menções, falta um texto do
Amadís de Gaula em português para que a tese de sua origem
portuguesa seja provada. Pode ter existido, mas o maior obstáculo para
aceitar sua existência é o da data, dada a antigüidade das menções
castelhanas, o que permite supor, até, que o texto português de Vasco
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crer, na prática, que sua história esteja baseada na verdade. Esse tipo
de contradições, em que se justifica a diluição da verdade narrada por
um historiador mediante a mediação de um tradutor e um narrador do
que estes narraram, e que será um tópico das novelas de cavalaria,
seria um dos aspectos mais diretamente parodiados por Cervantes em
Don Quijote de la Mancha. Apesar desse relativismo, o narrador do
Amadís de Gaula é um narrador onisciente que raras vezes se permite
mais de uma versão dos fatos, ficando longe ainda do perspectivismo
narrativo que seria a pedra fundamental do romance na mencionada
obra de Cervantes.
Assunto do Amadís
O fundamental da narrativa de Montalvo é a aventura marcada pelo
seu caráter maravilhoso, isto é, alheio à ordem natural. A aventura supõe
o enfrentamento do perigo – do perigo da vida, habitualmente – e serve
como prova das qualidades do cavaleiro colocadas a serviço da
sociedade. A história se inicia com o abandono de Amadís nas águas do
rio, por ser filho dos amores clandestinos de Perión, rei de Gaula, e
Elisena, filha de Garínter, rei da Bretanha. O herói será criado pelo
escudeiro Gandales de Escócia. O posterior reconhecimento de Amadís
o integra na corte de Lisuarte, rei da Grã Bretanha, onde é armado
cavaleiro. Amadís e a filha de Lisuarte, Oriana, apaixonam-se
mutuamente. Com esse amor como pano de fundo, desenvolvem-se as
infindáveis aventuras do herói, tais como seu encantamento e
desencantamento no palácio de Arcaláus; o combate com seu irmão
Galaor sem que ambos se reconheçam; o episódio do arco dos leais
amadores que testava a fidelidade dos amantes, a penitência de Amadís
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