Você está na página 1de 11

OBRAS PASTORAIS E DOUTRINÁRIAS

DO MUNDO IBÉRICO

CALILA E DIMNA

María Jesús Ducay Lacarra


Universidad de Zaragoza

O ensino da fé cristã na Península Ibérica


(sécs. XIV, XV e XVI)


Obras Pastorais e doutrinárias do mundo


ibérico

Calila e Dimna

Para citação e referência:


DUCAY LACARRA, María Jesús. “Calila e Dimna”. In: TEODORO, Leandro Alves (Org.).
O ensino da fé cristã na Península Ibérica (séculos XIV, XV e XVI). Banco de dados
(Online). 2019. Disponível em:
Consulta em: XX/XX/ XXXX.
Calila e Dimna

Por volta de 1251, o futuro Afonso X, ainda infante, patrocinou a tradução de Calila e
Dimna, reelaboração de uma antiga coleção de contos hindus, que havia feito uma longa jornada
pelo Oriente. Parece certo que a coleção remonta à Índia, onde os predicadores budistas faziam
uso abundante de parábolas para apoiar o ensinamento religioso. Posteriormente, algumas
destas histórias seriam reagrupadas por escrito, o que contribuiria para sua disseminação pelo
Oriente e depois pela Europa. De uma dessas recompilações, o Panchatantra, (datada entre o
século III e o século IV), deriva parte do material de Calila. A obra continuou sua andança pela
Pérsia (séc. VI) e pelo mundo árabe (séc. VIII) até chegar às terras hispânicas. No Calila e
Dimna castelhano encontramos dois capítulos preliminares, nos quais se narra de forma
novelizada a transmissão da obra. No primeiro (“Como o rei Sirechuel enviou Berzebuev a terra
da Índia”) conta-se o translado desde sua terra de origem, a Índia, até a Pérsia. Ali aparece a
figura do sábio Burzoe, viajante infatigável até que encontra o conhecimento, capturado, então,
nas páginas de um livro. Burzoe toma a iniciativa de viajar por ter lido que nas montanhas da
Índia cresciam umas ervas que ressuscitavam os mortos. Diante de sua insistência, o rei autoriza
que ele parta e proporciona-lhe os meios para realizar sua expedição, porém, logo que parte,
percebe que se equivocou. Finalmente, alguns sábios hindus ajudam-no a reinterpretar suas
leituras e explicam-lhe seu erro: pelas ervas que conferem a imortalidade é possível entender
certos livros que levam à sabedoria, entre eles o Calila e Dimna. Localizadas e traduzidas estas
obras, regressa com elas para sua terra. Como estudaram diversos pesquisadores, se nos
atentarmos ao rigor histórico, o Calila como tal não existiu na Índia. O médico Burzoe seria o
autor de uma compilação a partir de materiais procedentes do Panchatantra e o Mahabharata,
dentre outros. Portanto, a descoberta do Calila na Índia é um anacronismo. No pano de fundo
da aventura de Burzoe, subjazem reminiscências de aventuras iniciáticas. Eterno insatisfeito
(como descobriremos logo no capítulo seguinte), pretende, com a sua viagem, encontrar solução
para um dos grandes problemas da humanidade: a enfermidade e a morte. A busca de algumas
ervas capazes de ressuscitar os falecidos recorda a peregrinação de Gilgamesh em busca da erva
da vida eterna, ou a lenda narrada pelo historiador árabe al-Tabari, segundo a qual os beduínos
atacavam o império persa, caminhando, assim, para sua destruição segura, pela necessidade
inescapável de se apossar de uma semente sem a qual eles não poderiam viver. As coincidências
não são estranhas, já que, em quase todas as teogonias primitivas, a essência da vida ou da
eterna juventude encontra-se na vegetação.

1
A versão castelhana medieval assume uma experiência literária que impulsiona a arte
de narração no século XIII. A variedade de estruturas narrativas e de procedimentos de inserção
fazem da obra um texto complexo, na qual cada capítulo constitui uma história única e
independente (com exceção do quarto, acrescentado pelo tradutor árabe, Ibn al Muqaffa'), que
por sua vez pode servir como uma “estrutura” para outros contos inseridos, embora nem todos
cumpram esta função. Os seis primeiros enquadram numerosos contos que, ocasionalmente,
chegam a incluir outros. Estas histórias de estrutura mais complexa são as mais próximas do
original sânscrito do Panchatantra. Os capítulos restantes, especialmente a partir do número
nove (“Do gato e do rato”) até o final, têm modelos sânscritos menos evidentes e esquemas
organizacionais mais simples. Os trabalhos mais recentes sobre o Kalila y Dimna árabe
concluem que a obra constava, originalmente, somente de 15 capítulos, sem contar os prólogos
distintos. Os dois últimos da versão afonsina. “As garças e o sarapico” (capítulo 17) e “Da
raposa e da pomba e do alcaravão” (capítulo 18), aparecem também em alguns manuscritos
árabes, porém, são adições tardias que não procedem do modelo persa traduzido por al-
Muqaffa'; neles, encontramos alguns dos contos com paralelos folclóricos mais claros, como
ocorre com o último capítulo. A tradução castelhana caracteriza-se também por articular em
uma ordem diferente os distintos preâmbulos e por excluir um capítulo habitual nos manuscritos
árabes (“Do rei dos ratos e de seus ministros”). Nenhuma destas novidades se atribui ao tradutor
castelhano senão às características do modelo escolhido, que seriam manuscritos copiados em
Al Andalus (conhecido pelos arabistas como recensio hispanica).
Ao longo do livro encontramos histórias protagonizadas por animais, cuja conduta
deve ser vista como um claro reflexo da humana; ou por humanos, mas em ambos os casos as
advertências que emergem das histórias constituem regras de conduta úteis para todos,
especialmente para os governantes. Convém recordar que esta obra, assim como o Sendebar,
não foi concebida como um mero entretenimento, muito menos foi destinada a leitura infantil
ou juvenil, pelo contrário, foi um “espelho de príncipes”; daí o interesse dos sucessivos
governantes — entre os quais Afonso X que não será mais que outro elo — na promoção de
sua difusão.
O Calila e Dimna é um compêndio de castigos destinados à formação dos governantes;
é, portanto, um espelho dos príncipes. A universalidade ética de seus conteúdos propiciou o
interesse pela obra e sua total assimilação no contexto cultural e ideológico da Castela do século
XIII. Não se deve esquecer que o Calila ao longo de sua extensa bagagem de transmissão e
apesar das modificações, acréscimos ou exclusões de que tem sido objeto, nunca mudou sua

2
identidade de manual de formação. Através das distintas histórias estruturais que compõem a
obra, é-nos oferecido uma lista completa das principais qualidades que o mandatário deve
contemplar para governar a si mesmo e aos demais.
Na esfera de atuação social, insiste-se sobremaneira na amizade e em seus diferentes
tipos (seguindo a classificação aristotélica): a amizade pura, incorporada pelos personagens do
capítulo V (a pomba, o rato, o corvo e o veado) que permanecem unidos e se ajudam nas
contrariedades; a amizade por interesse (cap. IX); a amizade rompida por causa da inveja e da
ganância, é o caso da história de Calila e Dimna: Dimna sente que seu lugar junto ao rei foi
arrebatado pelo boi e não parará até conseguir que o Leão o mate (cap. III). Este episódio não
poderia terminar assim, isto é, Dimna não devia ficar sem castigo, daí que o tradutor árabe
introduz o capítulo IV para castigar o “alcoviteiro e falso”. A amizade também pode ser perdida
por ciúme (capítulo VII) ou romper-se pela vingança (capítulo X).
As normas insistem que os indivíduos não devem agir com precipitação; exaltam o
bom entendimento e a sabedoria como virtudes condutoras do comportamento (capítulo XVI)
e recomendam fugir da insensatez (capítulo XII). Outro dos argumentos mais frequentes é
buscar conselho e prestar atenção às recomendações (capítulo XVIII), assim como ser
consciente das próprias possibilidades. É fundamental não confiar naqueles que lhe rodeiam até
que tenham demonstrado sua lealdade (cap. XVII). Em definitivo, a virtude que dá consistência
a todo o aparato ético do comportamento humano é a moderação (capítulo XI). O Calila será o
meio transmissor do saber e contribuirá para melhorar o mundo, daí que seja destinado àqueles
que foram designados para reger o povo e trabalhar pelo bem comum, aos reis e aos altos
dignitários, isto é, à corte.

Palavras-chave: Contos orientais. Panchatantra. Espelho de príncipes. Sabedoria. Não agir


com precipitação. Amizade. Moderação.
María Jesús Ducay Lacarra
Universidad de Zaragoza

3
Calila e Dimna

Hacia 1251, siendo todavía infante, el futuro Alfonso X patrocina la traducción del
Calila e Dimna, reelaboración de una vieja colección de cuentos hindú, que había realizado un
largo periplo por Oriente. Parece seguro que la colección se remonta a la India, donde los
predicadores budistas hacían abundante uso de parábolas para apoyar la enseñanza religiosa.
Posteriormente, algunas de estas historias serían recogidas por escrito, lo que contribuiría a su
diseminación por Oriente y después por Europa. De una de estas recopilaciones, el
Panchatantra (datada entre el siglo III y el siglo IV), deriva parte del material del Calila. La
obra continuó su andadura a través de Persia (siglo VI) y del mundo árabe (siglo VIII) hasta
llegar a tierras hispanas. En el Calila e Dimna castellano encontramos dos capítulos
preliminares, en los que se narra de forma novelizada la transmisión de la obra. En el primero
(“Cómmo el rey Sirechuel enbió a Berzebuey a tierra de India”) se cuenta el traslado desde su
tierra de origen, la India, hasta Persia. Allí aparece la figura del sabio Berzebuey, viajero
infatigable hasta que encuentra el conocimiento, plasmado luego en las páginas del libro.
Berzebuey lleva la iniciativa del viaje al haber leído que en los montes de la India crecían unas
hierbas que resucitaban a los muertos. Ante su insistencia, el rey le autoriza a marcharse y le
proporciona los medios para realizar su expedición, pero pronto se da cuenta de su
equivocación. Finalmente, unos sabios hindúes le ayudan a reinterpretar sus lecturas y le
explican su error: por las hierbas que conceden la inmortalidad cabe entender ciertos libros que
conducen a la sabiduría, entre ellos el Calila e Dimna. Localizados y traducidos estos, regresa
con ellos a su tierra. Como han estudiado diversos investigadores, si nos atenemos al rigor
histórico el Calila como tal no existió en la India. El médico Burzoe sería el autor de una
compilación a partir de materiales procedentes del Panchatantra y el Mahabharata, entre otros.
Por lo tanto, el hallazgo del Calila en la India es un anacronismo. En el trasfondo de la aventura
de Berzebuey subyacen reminiscencias de aventuras iniciáticas. Eterno insatisfecho (como se
nos descubrirá luego en el capítulo siguiente), con su viaje pretende encontrar solución para
uno de los grandes problemas de la humanidad: la enfermedad y la muerte. La búsqueda de
unas hierbas capaces de resucitar a los fallecidos recuerda al periplo de Gilgamesh tras la hierba
de la vida eterna, o a la leyenda, narrada por el historiador árabe al-Tabari, según la cual los
beduinos atacaban el imperio persa, caminando así hacia su segura destrucción, por la necesidad

4
ineludible de hacerse con una simiente sin la cual no podían vivir. Las coincidencias no son
extrañas, ya que, en casi todas las teogonías primitivas, la esencia de la vida o de la eterna
juventud se encuentra en la vegetación.
La versión castellana medieval supone una experiencia literaria que impulsa el arte de
la narración en el siglo XIII. La variedad de estructuras narrativas y de procedimientos de
inserción hacen de la obra un texto complejo, en el que cada capítulo constituye una historia
única e independiente (con la excepción del cuarto, añadido por el traductor árabe, Ibn al
Muqaffa'), que a su vez puede servir de ‘marco’ para otros cuentos insertados, si bien no todos
cumplen esta función. Los primeros seis encuadran numerosos cuentos que, en ocasiones,
llegan a incluir otros. Estas historias de estructura más compleja son las más próximas al
original sánscrito del Panchatantra. Los restantes capítulos, en especial desde el número nueve
(“Del gato y del mur”) hasta el final, tienen unos modelos sánscritos menos evidentes y unos
esquemas organizativos más simples. Los trabajos más recientes sobre el Kalila y Dimna árabe
concluyen que originalmente constaba solo de 15 capítulos, sin contar los distintos prólogos.
Los dos últimos de la versión alfonsí, “Las garças y el çarapico” (capítulo 17) y “De la gulpexa
y de la paloma y del alcaraván” (capítulo 18), aparecen también en algunos manuscritos árabes,
pero son adiciones tardías que no proceden del modelo persa traducido por al-Muqaffa'; en ellos
encontramos algunos de los cuentos con paralelos folclóricos más claros, como ocurre con el
capítulo último. La traducción castellana se caracteriza también por articular en un orden
diferente los distintos preámbulos y por excluir un capítulo, habitual en los manuscritos árabes
(“Del rey de los ratones y de sus ministros”). Ninguna de estas novedades se atribuye al
traductor castellano sino a las características del modelo escogido, que serían manuscritos
copiados en Al Andalús (conocidos por los arabistas como recensio hispanica).
A lo largo del libro encontramos historias protagonizadas por animales, cuya conducta
debe verse como un claro reflejo de la humana, o por humanos, pero en uno y otro caso las
advertencias que se desprenden de los relatos constituyen normas de conducta útiles para todos,
pero muy en especial para los gobernantes. Conviene recordar que esta obra, al igual que el
Sendebar, no era concebida como un mero entretenimiento, ni mucho menos iba destinada a
lectura infantil o juvenil, sino más bien como un “espejo de príncipes”; de ahí el interés de los
sucesivos gobernantes – entre los que Alfonso X no será más que otro eslabón –, por promover
su difusión.
El Calila e Dimna es un compendio de castigos destinado a la formación de los
gobernantes; es, por tanto, un espejo de príncipes. La universalidad ética de sus contenidos

5
propició el interés por la obra y su total asimilación en el contexto cultural e ideológico de la
Castilla del siglo XIII. No hay que olvidar que el Calila, a lo largo de su extenso bagaje de
transmisión y pese a las modificaciones, adiciones o supresiones de que ha sido objeto, nunca
ha mudado su entidad de manual de formación. A través de las distintas historias marco que
componen la obra se nos ofrece un completo elenco de las principales cualidades que ha de
contemplar el mandatario para gobernarse a sí mismo y a los demás.
En la esfera de actuación social se insiste sobremanera en la amistad y sus distintos
tipos (siguiendo la clasificación aristotélica): la amistad pura, encarnada por los personajes del
capítulo V (la paloma, el ratón, el cuervo y el gamo) que permanecen unidos y se ayudan en las
contrariedades; la amistad por interés (cap. IX); la amistad rota a causa de la envidia y codicia,
es el caso de la historia de Calila y Dimna: Dimna siente que su lugar ante el rey ha sido
arrebatado por el buey y no parará hasta conseguir que el león mate al buey (cap. III). Este
episodio no podía terminar así, es decir, Dimna no debía quedar sin castigo, de ahí que el
traductor árabe introdujese el capítulo IV para escarmentar al “mesturero y falso”. La amistad
también puede perderse a causa de los celos (cap. VII) o romperse por la venganza (cap. X).
Se insiste entre las normas que los individuos no deben obrar con precipitación; se
ensalza el buen entendimiento y la sabiduría como virtud rectora del comportamiento (cap.
XVI) y se recomienda huir de la necedad (cap. XII). Otro de los argumentos más frecuentes es
aconsejarse uno mismo y prestar atención a las recomendaciones (cap. XVIII), así como ser
consciente de las propias posibilidades. Es fundamental no fiarse de los que te rodean hasta que
te hayan demostrado su lealtad (cap. XVII). En definitiva, la virtud que da consistencia a todo
el aparato ético del comportamiento humano es la mesura (cap. XI). El Calila será el medio
transmisor del saber y contribuirá a mejorar el mundo, de ahí que vaya destinado a los que han
sido designados para regir al pueblo y trabajar por el bien común, a los reyes y a los altos
dignatarios, es decir, a la corte.

Palabras Clave: Cuentos orientales. Panchatantra. Espejo de príncipes. Sabiduría. No obrar


con precipitación. Amistad. Mesura.

María Jesús Ducay Lacarra


Universidad de Zaragoza

6
Trecho traduzido e modernizado

Como a diversidade das ciências é muito grande, espalhadas por muitas nações e
línguas de não pouca utilidade e ensinamento, para aqueles que trabalham com elas tirar algum
fruto, deliberei eu, Juan de Capua, menor entre outros letrados, não só discorrer sobre as
scripturas morais e as que tratam algo de medicina, mas também as sagradas e divinas ciências,
para que pelo meu trabalho possamos desfrutar dessas ciências em nossa língua latina. E
parecendo-me ser o presente compêndio cheio de deleite e sabedoria e de informações para os
homens muito necessária, a reverência e honra do muito reverendíssimo padre em Cristo e
senhor D. Matheo, que teve dispensação divina do título de cardeal diácono em Santa Maria do
Pórtico, fui motivado a fazer-lhe em vernáculo. O compêndio que foi originalmente feito na
Índia e daquela língua foi traduzido para a dos persas, transmitindo-o na sua própria linguagem
os árabes e posteriormente também os hebreus. Portanto, tem sido o nosso propósito em nossos
dias o fazer-lhe em nossa língua, dedicando-o a sua paternidade venerável, pela qual este seu
intérprete devotíssimo é assegurado com a salvaguarda de sua autoridade e magnificência, e
com maior audácia possa pôr a mão, de forma mais livre, para transferir de uma língua em outra
as coisas que são mais luzidas, mais nobres e de maiores proveitos.

Autor do documento: Pablo Hurus


Nome do documento: Calila y Dimma. Exemplario contra los engaños y peligros del mundo
trad. de la versión latina.
Data da composição: 1493.
Lugar de composição ou impressão: Zaragosa
Imagem: Manuscrito da Biblioteca Nacional de Espanha
http://bdh.bne.es/bnesearch/CompleteSearch.do?languageView=es&field=todos&text=Calila
+e+Dimna&showYearItems=&exact=on&textH=&advanced=false&completeText=&pageSiz
e=1&pageSizeAbrv=30&pageNumber=3

7
8
9

Você também pode gostar