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A Cultura do Mosteiro

- Apontamentos -
Após a queda do Império Romano do Ocidente o continente europeu iniciou
uma «viagem» que durou cinco séculos. A História designou por Alta Idade
Média o período que teve o seu início no século V d.C. e que terminou cerca
do ano mil, um ano temido pela premonição do fim dos tempos.

Este início de uma nova idade do Homem sobre a Terra, que a História
classificou de Média, revelar-se-ia de grandes conquistas sociais e humanas.
No processo criativo do Homem, não foi uma época de definição de estilos ou
de produtividade artística, uma vez que a instabilidade política e social nesse
tempo de enorme desorientação, após o desaparecimento das referências
culturais do mundo romano dificultaram o exercício de contemplação e de
criatividade, num mundo em que o importante era sobreviver.
As invasões «Bárbaras» do século V
Os Reinos da Europa no século V
As cidades «adormeceram» com o desaparecimento progressivo da vida
urbana. O deslocamento da população para os campos era uma opção ditada
naturalmente pela força das circunstâncias. As cidades, como antigos centros
de Poder, eram agora alvos preferenciais das incursões bélicas que conduziam
à destruição e à degradação social.

No século V, os Ostrogodos, Visigodos, Burgúndios, Francos, Saxões, Vândalos


e Vikings, chamados bárbaros pelo mundo romano em decadência,
introduziram-se em territórios do Ocidente europeu, umas vezes
violentamente, outras como colonos, trazendo para locais outrora
romanizados um heterogéneo «mosaico» de culturas.
Os Guerreiros Bárbaros
Guerreiro Visigodo
À Igreja, dispersa pelo mundo ocidental e ainda em organização, coube a
gigantesca tarefa de exercer uma autoridade cultural. Através de uma intensa
actividade pedagógica, criou normas de comportamento sócio-religioso e
moral e foi mediadora junto de populações desavindas, compostas por
bárbaros dominadores e gente que recentemente aderira à Fé Cristã.

A Igreja centralizou a sua liderança no Sumo Pontífice e rapidamente surgiu


poderosa entre populações aculturadas, servida por cardeais, bispos e
sacerdotes, uma hierarquia de homens competentes, naturalmente
seleccionados, que aceitaram professar e trabalhar numa sociedade de
muitos perigos, enquanto outros se isolavam na vida monástica, predispondo-
se à reflexão em refúgios contemplativos.
Destes últimos nasceu a autocrítica no seio da Igreja, bem como as primeiras
acções reformistas e a ideia clara do seu papel formativo e informativo que
tanta importância veio a ter no desenvolvimento da Idade Média, e na
preparação da mudança de um mundo ignorante, pleno de crenças e medos,
para um novo mundo de saber empírico e científico.

A arte, muito dispersa entre manifestações culturais divergentes, apenas


conheceu no século VIII alguma coerência na definição de um estilo de
representação designado por Carolíngio, excepção possível na unidade do
império centralizador de Carlos Magno, rei dos Francos, império que depois se
desmembrou nos reinados dos seus sucessores por acção das invasões dos
povos normandos e húngaros. Só no século X uma outra tentativa unificadora
dos reis da Alemanha, Otão I, Otão II e Otão III, criaria um outro estilo artístico
a que a História chamou de Otoniano.
As primeiras monarquias e condados surgiam por toda a Europa e às normas
de unificação política correspondiam normas de generalização das formas
plásticas. A guerra forçou as populações ao abandono das cidades, mas nem
o campo lhes ofereceu de imediato a segurança desejada: o roubo, o crime e
o envolvimento involuntário em confrontações bélicas levou-as a procurar
protecção continuamente.

A terra era objecto de disputa e dividida algumas vezes. Os feitos de guerra


levavam os reis a fazer doações e a atribuir títulos nobiliárquicos, que
recompensavam os seus guerreiros mais valorosos.

Foi para junto destes homens que constituíam uma nova nobreza, que
hordas errantes de homens, mulheres e crianças se deslocaram; conseguiram
o direito a habitar a terra, cumprindo, como contrapartida, a obrigação de a
cultivarem para o senhor, constituindo, em caso de guerra, o seu exército
protector.
Começou, assim, uma relação de direitos e obrigações a que a História
chamou feudalismo.

Para protegerem conforme o prometido, e para se defenderem, começaram a


construir espaços fortificados – últimos redutos de resistência aos agressores,
a princípio constituídos por rudimentares paliçadas de madeira rodeadas por
um fosso.

Em torno desses castelos aglomeravam-se os casebres humildes de


construção precária, sempre sacrificados em situação de guerra.

Com o tempo, esses castelos adquiriram robustez e a paliçada deu lugar a


uma sólida muralha coroada de ameias (um dentado que constituía a
protecção dos defensores do castelo, que assim se podiam refugiar numa
galeria ao longo de toda a periferia da muralha, chamada «caminho de
ronda».
No centro do terreiro do castelo, uma torre de menagem elevava-se mais alto
do que a restante muralha (por vezes rodeada por um fosso) – era
inicialmente a residência do senhor, o local privilegiado de vigilância e
algumas vezes o último reduto defensivo.

Se alguma presença ameaçadora era vislumbrada no horizonte, ao sinal da


sentinela toda a população procurava abrigar-se no interior da muralha,
trazendo consigo todos os bens móveis que conseguiam reunir (animais,
alfaias, géneros, etc.) e ocupando posições para defender o castelo; uma
ponte elevatória era içada e o fosso exterior cheio de água dificultava a subida
da muralha aos assaltantes.

Eram confrontos feitos de tentativas insistentes e de longos cercos, onde a


fome deveria dissuadir de qualquer resistência.

O grande castelo sitiado, rodeado de casebres em chamas, era bem o símbolo


visual dessa sociedade feudal no princípio da Idade Média.
Um mundo com três únicos estratos sociais: os servos, procurando sobreviver
e dificilmente produzindo riqueza, enfileirando com as alfaias como armas nas
tropas do seu senhor; o senhor feudal, guerreiro e nobre, detentor de terras e
de poder; e uma Igreja de grande capacidade administrativa e intelectual,
com prestígio crescente e inicialmente alheia ao feudalismo, mas que
disputaria mais tarde a posse da terra.

A Igreja exerceu o seu domínio na primeira metade da Idade Média, através


do seu próprio poder cultural e de algumas concessões à cultura bárbara.

Quando, cerca do século XI, se concluiu a aglutinação entre as duas culturas,


iniciou-se uma nova idade para o Homem medieval, a Idade Média Românica
em que, plena de consciência, a Igreja fomentou os três acontecimentos que
constituíram o «motor» da nova cultura e das expressões da sua arte: as
Cruzadas, as Peregrinações e a formação das Ordens Religiosas.
O Românico

No século XI, a Igreja dividira a Europa em províncias eclesiásticas. Como uma


«mestra», era ouvida por uma população que a ela aderia com entusiasmo.
Nascia, assim, uma consciência colectiva unificadora feita de algum medo e
muita submissão.

Após vários concílios, o primeiro passo para a unificação ocidental foi a


organização de Cruzadas, proclamadas e defendidas pela Igreja, desde o
anúncio papal às homilias dos sacerdotes nas mais longínquas igrejas dos
bispados e arcebispados.

As oito cruzadas tornaram-se, assim, uma espécie de peregrinações armadas


destinadas a libertar a Terra Santa e a cidade sagrada de Jerusalém do
domínio islâmico.
A troco de diversas benesses espirituais e da certeza da «Salvação», os
senhores feudais deixaram as suas terras com alguns homens armados (servos
e prisioneiros) e confluíram para antigos caminhos, onde se lhes juntavam
outros exércitos, redescobrindo então as estradas outrora abertas pelos
romanos.

Conseguia, deste modo, a Igreja estabelecer uma relativa paz na Europa e


irmanar pela primeira vez aqueles que, por ambição ou despotismo, estavam
desavindos.

Da Terra Santa estes cruzados trouxeram as primeiras relíquias de tanto valor


na vida religiosa medieval, testemunhos visíveis de figuras e acontecimentos
do princípio do Cristianismo: um pedaço das vestes da Virgem, de um
Apóstolo ou de um Santo, um pedaço da cruz onde Cristo sofreu a Paixão, o
Santo Sudário ou os restos mortais de um mártir, príncipes e nobres doaram-
nas a igrejas que rapidamente se tornaram centros de devoção.
Cruzados
Bastava acontecer um milagre junto a uma dessas relíquias para que aí
acorressem multidões em peregrinação, na esperança de milagre igual.
Nessas ocasiões, muitas dádivas eram entregues pelos peregrinos como
pedido ou agradecimento.

Peregrinações periódicas sulcaram esquecidas estradas romanas de Lubeck,


Colónia, Ratisbona, Tournai, Autum, Leon ou Porto até Santiago de
Compostela, de igreja em igreja: a peregrinação era, muitas vezes, a
experiências espiritual de uma vida.

Graças a estas romagens, de pequenas igrejas nasceram catedrais. Dádivas e


doações enriqueceram a Igreja e a arte românica, por isso, foi-se definindo
como essencialmente sacra.
A arquitectura românica

A arquitectura militar e civil saída da sociedade feudal continuou a tradição


da Alta Idade Média com as suas sólidas fortificações e habitações precárias.

Apenas a arquitectura religiosa evoluiu como a razão de ser e o suporte de


quase toda a expressão plástica, pensada e executada no sentido de valorizar
os templos onde Cristo era o centro de devoção e os Apóstolos e Santos
patronos.

A arquitectura, com expressões estéticas muito diferentes conforme as


origens e influências culturais das populações, desenvolveu-se com
expressões de sobriedade e peso quase asfixiante no norte e nordeste
europeu por influência Viking, Visigótica e Normanda, e com o uso de uma
policromia de materiais, prenúncio da leveza arquitectónica do Gótico, no
centro e Sul da Europa, por influência árabe e bizantina.
A Igreja Românica

De planta rectangular, estas igrejas tinham herdado o carácter espacial das


basílicas romanas e paleocristãs: três naves, a maior das quais era a central.
Após a transposição do portal ilustrado pela mais solene representação
escultórica da igreja, as naves encaminhavam o visitante por entre colunas
toscamente esculpidas em direcção ao altar, algumas vezes parcialmente
envolto por uma abside curva que assim o sacralizava.

A perda de referências com aspectos específicos da tecnologia construtiva


romana, levavam estes construtores, que todavia reutilizaram o arco de volta
perfeita na definição das portas, janelas e na construção das três abóbadas de
berço que vulgarmente cobriam a construção, a realizar uma arquitectura
estruturada em excesso, sem ousadia, reforçando medrosamente com
contrafortes as já grossas paredes, e abrindo poucos vãos para entrada de luz.
Os ambientes soturnos apenas iluminados pela chama de velas ampliavam
talvez o medo já latente nas populações, valorizando as homilias feitas, por
certo, em tom ameaçador.

Algumas igrejas foram ampliadas na sua forma rectangular – próximo da


abside, de um lado e de outro do altar, foram acrescentados dois braços
laterais e as plantas adquiriram a forma de cruz latina.
As Catedrais

As grandes catedrais utilizavam também esta configuração de impacto


naturalmente ampliado pelo sobredimensionamento em largura e altura. As
grandes catedrais, pondo de passagem obrigatória ou término das rotas de
peregrinação, adaptaram assim a sua forma arquitectónica à funcionalidade e
às necessidades ditadas pelos rituais festivos dos dias solenes.

A fachada, ladeada por uma ou duas torres sineiras, centralizava a atenção


dos visitantes no portal «historiado», onde Cristo surgia em majestade
rodeado pelos anjos e evangelistas, ou julgando os vivos e os mortos; no
interior, o acesso ao altar era possível pelas naves laterais que conduziam à
periferia do transepto, uma zona que se prolongava pela abside propriamente
chamada de deambulatório, pois os cortejos de peregrinos que entravam na
catedral percorriam-na perifericamente (deambulavam), deixando as ofertas
junto do alter e nas pequenas capelas, os absidiolos, tomando depois lugar na
nave central para assistir à celebração eucarística.
(…) A arquitectura românica valoriza o espaço interior como tal e não pelos
seus elementos plásticos ou escultóricos. As medidas correspondem a um
critério harmonioso, em que o comprimento do templo e a largura das naves
laterais devem ser múltiplos e submúltiplos, respectivamente, da largura da
nave central.

O templo românico, em que readquirem maior importância a abside e a nave


circundante, tem como elementos principais a abóbada de meio cano, o arco
em faixa assente em pilares, o arco formeiro, e por vezes o trifório. (…)
Características gerais

No final dos séculos XI e XII, na Europa, surge a arte românica cuja estrutura
era semelhante às construções dos antigos romanos. Existem características
comuns que definem o estilo românico, mas existem muitas especificidades
regionais.

As características mais significativas da arquitectura românica são:

- As igrejas serão maiores: para tal surgem pequenas evoluções nos métodos
construtivos e nos materiais;
- Uso da pedra;
-Abóbadas em substituição ao telhando de madeira das basílicas;
- Pilares maciços que sustentavam as paredes espessas;
- Aberturas raras e estreitas usadas como janelas;
- Torres, que aparecem no cruzamento das naves ou na fachada;
- Arcos de 180o;
- Horizontalidade;
- Solidez – a «Fortaleza de Deus»;
- Uso de contrafortes;
- A pintura e a escultura decoram os edifícios, são carregados de
esquematização e simbolismo;
- Plantas em forma de Cruz Latina, com várias naves;
- As naves laterais prolongam-se e passam por detrás da abside, formando
o deambulatório;
- Do deambulatório saíam as capelas radiantes ou absidiolos;
-Estilo essencialmente clerical;
A Escultura Românica

A representação das formas naturais a partir de uma óptica conceptual de


beleza e como via de expressão da realidade transcendente de Deus é um dos
fundamentos da escultura românica.

A escultura também aparece subordinada à arquitectura. Isto significa que o


escultor é obrigado a adaptar-se aos elementos arquitectónicos – tímpanos,
capitéis, etc. – e a uma lógica geométrica própria, que impõe uma distorção
das formas próprias dos animais, plantas e pessoas esculpidas.

A função da escultura românica é transmitir a uma comunidade analfabeta as


ideias doutrinais do cristianismo através de um rigoroso sistema iconográfico
que inclui representações idealizadas ou descritivas de episódios bíblicos.

Paralelamente, a arte escultórica românica introduz uma galeria de animais


fantásticos de clara proveniência pagã e sacraliza um bestiário com uma
finalidade premeditadamente intimidatória.
Surgem representações zoomórficas, fantásticas, deformadas, mitológicas,
apocalípticas, abstractas, simbólicas, didácticas.
A Pintura Românica
Com a decadência progressiva do Império Romano do Ocidente, a partir do
século IV, também cai o sistema de tradições estéticas greco-latinas, que são
superadas pelos conceitos artísticos dos povos bárbaros.

A pintura cristã ficou relegada durante muito tempo às miniaturas dos


evangeliários, saltérios e bíblias, que mantêm o seu contacto com a pintura
clássica, embora haja uma tendência para usar cores mais luminosas, para
acentuar o grafismo e dotar as personagens de expressões mais exageradas.

Na esteira destes trabalhos, durante a época carolíngia, desenvolve-se uma


expressão plástica mais dinâmica e expressiva que se baseia no princípio
neoplatónico de que a forma visível é produto da beleza invisível. De certa
maneira, as imagens representadas, que também abrangem ciclos da pintura
mural, actuam como ideogramas doutrinários que servem de ilustração nos
sermões dos monges dedicados à conversão dos povos bárbaros.

Temas: Cristo e a Virgem Maria, Deus Omnipotente, Tetramorfos (os quatro


símbolos dos evangelistas).
É uma pintura que apresenta uma representação policromática, bastante
colorida.
Eva e Adão

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