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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras


Departamento de Computação e Matemática

Processo 2019/00028-9:
Introdução à Teoria Qualitativa das Equações
Diferenciais Ordinárias

Bolsista: Isadora Zanato Leite


Orientador: Tiago de Carvalho

Ribeirão Preto
Julho de 2020
Resumo do Plano Inicial
O plano inicial do projeto, referente ao perı́odo de seis meses (abril de 2019 a setembro de
2019), é composto pelos seguintes tópicos:

1. O Teorema Fundamental de Existência e Unicidade de Soluções;

2. Dependência em Relação às Condições Iniciais e Parâmetros;

3. O Fluxo Definido por uma Equação Diferencial;

4. O Teorema do Fluxo Tubular;

5. Linearização das Equações Diferenciais;

6. O Teorema de Grobman-Hartman;

7. Conjuntos Limites e Atratores;

8. A Teoria de Poicaré-Bendixson em R2 .

Resumo do Projeto de Renovação da Bolsa de Iniciação


Cientı́fica
O projeto de renovação da bolsa, referente ao perı́odo de nove meses (outubro de 2019 a
junho de 2020), compreende os tópicos abaixo.

1. Estabilidade no Sentido de Liapounov;

2. Estabilidade Estrutural e o Teorema de Peixoto;

3. Bifurcações de Campos Vetoriais em R2 e em R3 ;

4. Campos Vetoriais Suaves por Partes.

Resumo do Conteúdo do Primeiro Relatório


Este relatório corresponde ao perı́odo de Abril a Julho de 2019.
No Capı́tulo 1 são apresentados alguns conceitos fundamentais para o desenvolvimento
dos próximos capı́tulos. Em suma, trata-se de alguns resultados relacionados à compacidade,
continuidade e continuidade uniforme.
No Capı́tulo 2 é utilizado o Método das Aproximações Sucessivas de Picard para provar o
Teorema de Existência e Unicidade de Soluções, o qual garante, se as hipóteses forem satisfeitas,
que o Problema de Valor Inicial possui solução única em um determinado intervalo.
No Capı́tulo 3 é demonstrado o Teorema de Dependência da Solução com Relação às
Condições Iniciais e Parâmetros, assim como é introduzido o conceito de Intervalo Maximal
de Existência juntamente com a resolução de exemplos.
O Capı́tulo 4 trata do Fluxo Definido por uma Equação Diferencial, sendo este referente a
sistemas lineares e, também, a não lineares.
O Capı́tulo 5 aborda o conceito de Linearização das Equações Diferenciais, além da Equi-
valência e Conjugação de Campos Vetoriais.
O Capı́tulo 6 enuncia alguns resultados importantes e demonstra o Teorema do Fluxo Tu-
bular.
Por fim, o Capı́tulo 7 apresenta o Teorema de Grobman-Hartman, o qual é essencial para o
estudo da estrutura local de pontos singulares hiperbólicos.

Resumo do Conteúdo do Segundo Relatório


Este relatório é referente às atividades realizadas durante o perı́odo de Agosto de 2019 a
Janeiro de 2020.
No Capı́tulo 1 são apresentados alguns conceitos básicos os quais serão utilizados no de-
senvolvimento da teoria, além de algumas definições importantes como a de pontos ↵ limite e
! limite. Feito isso, demonstramos alguns teoremas e desenvolvemos alguns exemplos.
O Capı́tulo 2 trata da Teoria de Poincaré-Bendixson em R2 . Inicialmente, estudamos al-
gumas ferramentas úteis no estudo de estabilidade e bifurcações de órbitas periódicas, como a
função do Primeiro Retorno. Isso nos proporcionou entender a teoria que envolve ciclos limites.
No Capı́tulo 3 é desenvolvida a teoria qualitativa por meio de retratos de fase. Aprendemos
como desenhar os mesmos e a entender a estrutura dos sistemas através dos autovalores e
autovetores. Além disso, o estudo também foi feito por meio do traço e do determinante da
matriz do sistema de equações.
No Capı́tulo 4, aplicamos o estudo desenvolvido no capı́tulo anterior para entender um
pouco sobre alguns modelos econômicos, entre eles encontra-se o famoso modelo IS-LM.
O Capı́tulo 5 aborda a estabilidade no sentido de Liapounov, assim como seu critério e um
estudo sobre instabilidade por meio do Teorema de Cetaev.
Por fim, o Capı́tulo 6 apresenta os conceitos de Estabilidade Estrutural e também o Teorema
de Peixoto.

iv
Resumo do Conteúdo do Terceiro Relatório
O terceiro reltório é referente aos últimos tópicos contidos no projeto de renovação da bolsa
de iniciação cientı́fica.
O Capı́tulo 1 aborda o estudo das bifurcações de famı́lias a um parâmetro de sistemas de
equações diferenciais em uma região plana, compacta e com fronteira de classe C r , com r 3.
No Capı́tulo 2 é desenvolvida a teoria de regularização de campos vetoriais descontı́nuos,
apresentando inúmeros conceitos como: a caracterização das possı́veis regiões da curva de
descontinuidade, as definições função de transição, ponto de pseudo-equilı́brio, assim como
algumas considerações locais a respeito dos pontos singulares e regulares.
O Capı́tulo 3 trata de duas aplicações fı́sicas de campos descontı́nuos em R2 : as oscilações
sı́smicas e o gerador elétrico valvulado.
Por fim, o Capı́tulo 4 apresenta uma aplicação de campos suaves por partes em R3 , mais
especificamente a interação entre células normais, imunes e tumorais primeiramente sem qui-
mioterapia e, após isso, com o uso da droga quimioterapêutica.

v
Sumário

1 Preliminares 1
1.1 Conceitos Importantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

2 O Teorema Fundamental de Existência e Unicidade de Soluções 3


2.1 Método das Aproximações Sucessivas de Picard . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2.2 Teorema Fundamental de Existência e Unicidadade . . . . . . . . . . . . . . . . 5

3 Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros 11


3.1 Teorema de Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e
Parâmetros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.2 Intervalo Maximal de Existência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

4 O Fluxo Definido por uma Equação Diferencial 23


4.1 O Fluxo de um Sistema Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
4.2 O Fluxo de um Sistema não Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

5 Linearização das Equações Diferenciais 29


5.1 Linearização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
5.2 Equivalência e Conjugação de Campos Vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

6 O Teorema do Fluxo Tubular 33


6.1 Fluxo Tubular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

7 Estrutura Local de Pontos Singulares Hiperbólicos 37


7.1 O Teorema de Grobman-Hartman . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

8 Conjuntos Limites e Atratores 45


8.1 Conceitos Importantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

vii
Sumário

9 A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2 55
9.1 A Função de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
9.2 Ciclos Limites no Plano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
9.3 Derivadas da Transformação de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
9.4 O Teorema de Poincaré-Bendixson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
9.5 Pontos Singulares no Interior de uma Órbita Periódica . . . . . . . . . . . . . . 66

10 Desenhando Retratos de Fase 67


10.1 Autovalores reais, distintos e de mesmo sinal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
10.2 Autovalores reais, distintos e com sinais opostos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
10.3 Autovalores reais e iguais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
10.3.1 Dois autovetores independentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
10.3.2 Um autovetor independente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
10.4 Autovalores complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74
10.5 Um dos Autovalores Nulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
10.6 Dois Autovalores Nulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
10.7 Determinando o Retrato de Fase a partir do Traço e do Determinante . . . . . . 80
10.8 Determinando o Retrato de Fase a partir de uma EDO . . . . . . . . . . . . . . 83
10.9 Estudo de Perturbações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

11 Aplicações Econômicas 89
11.0.1 O Modelo de Palomba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
11.1 Modelo Contı́nuo de Oligopólio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
11.1.1 Custos Marginais Constantes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
11.2 Diminuição dos Custos Marginais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
11.2.1 Caso de duas Empresas (n=2) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
11.3 Modelo Contı́nuo IS-LM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
11.3.1 Versão 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
11.3.2 Versão 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
11.4 Modelo de Tobin-Blanchard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
11.5 Modelos Simples de Inflação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
11.6 O Modelo Dornbusch sob Perfeita Previsão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

12 Estabilidade no Sentido de Liapounov 107


12.1 Estabilidade de Liapounov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
12.2 O Critério de Liapounov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
12.3 Teorema de Cetaev . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

viii
Sumário

13 Estabilidade Estrutural e o Teorema de Peixoto 117


13.1 Estabilidade Estrutural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
13.2 Teorema de Peixoto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124

14 Bifurcações 127
14.1 Formulação dos Resultados Principais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

15 Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos 145


15.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145
15.2 Considerações Locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149
15.2.1 Pontos Regulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
15.2.2 Pontos Singulares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

16 Aplicações 163
16.1 Oscilações Sı́smicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
16.2 Gerador Elétrico Valvulado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

17 Um Modelo Matemático sobre a Quimioterapia 175


17.1 Modelo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
17.2 Análise da Estabilidade sem Quimioterapia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
17.3 Análise da Estabilidade com Quimioterapia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179

Referências Bibliográficas 183

ix
Capı́tulo 1

Preliminares

Inicialmente, enunciaremos alguns resultados que serão de extrema importância para o


desenvolvimento dos próximos capı́tulos.

1.1 Conceitos Importantes


Definição 1.1.1. Suponha que f : E ! Rn seja diferenciável em E. Então f 2 C 1 (E) se a
derivada Df : E ! L(Rn ) for contı́nua em E.

Teorema 1.1.2. Suponha que E seja um subconjunto aberto de Rn e que f : E ! Rn . Então


@fi
f 2 C 1 (E) se as derivadas parciais , i, j = 1, 2, ..., n existem e são contı́nuas em E.
@xj

Teorema 1.1.3. Seja f : E ⇢ Rm ! Rn uma aplicação contı́nua. Se K ⇢ E é um conjunto


compacto, então f (K) também é compacto.

Corolário 1.1.4 (Weierstrass). Seja K ⇢ Rm compacto. Se f : K ! R é uma função


contı́nua, então existem x0 , x1 2 K tal que

f (x0 )  f (x)  f (x1 ), 8x 2 K.

Definição 1.1.5. Dizemos que a aplicação f : E ⇢ Rm ! Rn é uniformemente contı́nua em


E se dado " > 0, existe = (") tal que

kx yk < ) kf (x) f (y)k < ", 8x, y 2 E.

Teorema 1.1.6. Se K ⇢ Rm é compacto e f : K ! Rn é contı́nua, então f é uniformemente


contı́nua.

1
Capı́tulo 1. Preliminares

Definição 1.1.7. Seja V um espaço vetorial normado. A sequência {uk }k ⇢ V é chamada de


Sequência de Cauchy se, para todo " > 0, existe um N, tal que k, m N implica que

kuk um k < "

O espaço V é dito completo se toda sequência de Cauchy em V converge para algum


elemento de V.

Definição 1.1.8. Dizemos que uma sequência de funções {fn }, n = 1, 2, 3, ..., converge unifor-
memente em E para a função f se, para todo " > 0, existe um N 2 N, tal que n N implica
que
|fn (x) f (x)|  "

para todo x 2 E.

Teorema 1.1.9. A sequência de funções {fn } definida em E converge uniformemente em E


se, e somente se, para todo " > 0, existe um N 2 N tal que n N, m N e x 2 E implica
que
|fn (x) fm (x)|  ".

Teorema 1.1.10. Seja {fn } uma sequência de funções contı́nuas em E tal que fn ! f unifor-
memente em E, então f é contı́nua em E.

Definição 1.1.11. Seja E um subconjunto aberto de Rn . A função f : E ! Rn satisfaz a


condição de Lipschitz em E se existir uma constante positiva K tal que, para todo x, y 2 E,

|f (x) f (y)|  K|x y|

A função f é dita localmente Lipschitziana em E se, para cada ponto x0 2 E, existe


uma vizinhança de x0 , a qual denotaremos por N" (x0 ) 2 E e uma constante K0 > 0 tal que,
para todo x, y 2 N" (x0 ),

|f (x) f (y)|  K0 |x y|

Definição 1.1.12. Dizemos que E ⇢ Rn é um conjunto convexo se o segmento de reta unindo


dois pontos quaisquer de E está inteiramente contido em E. Ou seja, E é convexo se, para todos
x, y 2 E,
(1 s)y + sx 2 E, 8s 2 [0, 1].

2
Capı́tulo 2

O Teorema Fundamental de Existência


e Unicidade de Soluções

Neste capı́tulo iremos estabelecer o Teorema Fundamental de Existência e Unicidade de


Soluções para sistemas não lineares autônomos, os quais são da forma

ẋ = f (x), (2.1)

com as hipóteses de que f 2 C 1 (E), onde E é um subconjunto aberto de Rn .


Utilizaremos o Método das Aproximações sucessivas de Picard para provar este Teorema,
o qual garante, além da existência e unicidade de soluções, a continuidade e diferenciabilidade
das soluções com respeito às condições iniciais e parâmetros.

2.1 Método das Aproximações Sucessivas de Picard


Definição 2.1.1. Um problema de valor inicial (P.V.I.), ou problema de Cauchy, consiste em
uma equação diferencial com uma condição inicial.

Definição 2.1.2. Seja f 2 C 1 (E), onde E é um subconjunto aberto do Rn . Então x(t) é solução
da equação diferencial (2.1) no intervalo I se x(t) é diferenciável em I e 8t 2 I, x(t) 2 E e

x0 (t) = f (x(t)).

E dado x0 2 E, x(t) é solução do problema de valor inicial


8
<ẋ = f (x)
(2.2)
:x(t ) = x
0 0

no intervalo I se t0 2 I, x(t0 ) = x0 e x(t) é solução da equação diferencial (2.1) no intervalo I.

3
Capı́tulo 2. O Teorema Fundamental de Existência e Unicidade de Soluções

Em geral, a solução de (2.1) existe se f é contı́nua, contudo, isso não é suficiente para
garantir a unicidade da solução.

Exemplo 2.1.3. Resolva o PVI: 8


<ẋ = 3x2/3
:x(0) = 0.

Note que a equação diferencial é separável, logo,


dx
ˆ ˆ
2/3 2/3
= 3x , 3dt = x dx , 3dt = x 2/3 dx , t + C = x1/3 , x = (t + C)3
dt

Usando a condição incial x(0) = 0, temos:

x(t) = t3 , 8t 2 R.

Note que a curva v(t) = 0 também é solução do problema. Dessa forma, a continuidade de
f (x) = 3x2/3 não é suficiente para garantir a unicidade da solução. Isso ocorre pois a função
não é diferenciável em x = 0, embora seja contı́nua nesse ponto.

O Método de Picard se baseia no fato que x(t) é solução do PVI (2.2) se, e somente se, x(t)
é contı́nua e satisfaz a equação integral
ˆ t
x(t) = x0 + f (x(s))ds. (2.3)
0

As aproximações sucessivas para a solução dessa equação integral são definidas pela
sequência de funções

u0 (t) = x0
ˆ t
(2.4)
uk+1 (t) = x0 + f (uk (s))ds
0

Exemplo 2.1.4. Resolva o problema de valor inicial abaixo pelo método das aproximações
sucessivas de Picard. 8
<ẋ = ax
:x(0) = x .
0

Temos que f (x) = ax. Dessa forma,


u0 (t) = x0
ˆ t ˆ t ˆ t
u1 (t) = x0 + f (u0 (s))ds = x0 + f (x0 )ds = x0 + ax0 ds = x0 (1 + at)
0 0 0

4
2.2. Teorema Fundamental de Existência e Unicidadade

ˆ t ˆ t ˆ t
u2 (t) = x0 + f (u1 (s))ds = x0 + f (x0 (1 + as))ds = x0 + ax0 (1 + as)ds =
✓ 2
◆ 0 0 0
2t
x0 1 + at + a
2
t t ✓ 2

2t
ˆ ˆ
u3 (t) = x0 + f (u2 (s))ds = x0 + f (x0 1 + at + a )ds = x0 +
ˆ t ✓ ◆ 0 ✓ 0◆ 2
2 2 3
2t 2t 3t
ax0 1 + at + a ds = x0 1 + at + a +a .
0 2 2! 3!

Segue, por indução, que


✓ k

kt
uk (t) = x0 1 + at + ... + a .
k!

Logo,

lim uk (t) = x0 eat .


k!1

Isto é, a sequência das aproximações sucessivas converge para u(t) = x0 eat , que é solução
do problema de Cauchy.

2.2 Teorema Fundamental de Existência e Unicidadade


Lema 2.2.1. Seja E um subconjunto aberto de Rn e f : E ! Rn . Se f 2 C 1 (E), f é
localmente Lipschitziana em E.

Demonstração. Dado x0 2 E, como E é aberto, existe " > 0 tal que N" (x0 ) ⇢ E (note que
N" (x0 ) = {x 2 Rn /|x x0 | < "}, ou seja,
n N" (x0 ) é uma bola aberta centrada em x0 de raio
"o
"). Considere então o conjunto B0 = x 2 E/|x x0 |  . Temos que Df (x) é contı́nua
2
pois f 2 C 1 (E), além disso, kDf (x)k também é contı́nua, pois é uma composição de funções
contı́nuas. Como B0 é compacto, pelo corolário de Weierstrass, kDf (x)k atinge um máximo
em B0 e chamaremos de
K = max kDf (x)k.
x2B0

Considere agora N0 = N"/2 (x0 ). Sejam x, y 2 N0 , como N0 é convexo, temos que y+su 2 N0 ,
com s 2 [0, 1] e u = x y.
Seja F : [0, 1] ! Rn definida por F (s) = f (y + su), derivando F , obtemos:

F 0 (s) = Df (y + su)u.

5
Capı́tulo 2. O Teorema Fundamental de Existência e Unicidade de Soluções

Portanto,

|f (x) f (y)| = |F (1) F (0)|


ˆ 1
= F 0 (s)ds
0
ˆ 1
 |F 0 (s)|ds
ˆ0 1
= |Df (y + su)u|ds
0
ˆ 1
= kDf (y + su)k.|u|ds
0

 K.|u|
= K.|x y|.

Logo, |f (x) f (y)|  K.|x y| e, portanto, f é localmente Lipschitziana.

Teorema 2.2.2 (Existência e Unicidade de Soluções). Seja E um subconjunto aberto de Rn


contendo x0 e f 2 C 1 (E). Então existe a > 0 tal que o problema de valor inicial
8
<ẋ = f (x)
(2.5)
:x(0) = x
0

possui uma solução única no intervalo [ a, a].

Demonstração. Como f 2 C 1 (E), segue do Lema acima que f é localmente Lipschitziana.


Decorre disso que, para todo x0 2 E, existem ", K > 0 tais que, 8x, y 2 N" (x0 )

|f (x) f (y)|  K.|x y|.


"
Tome b = e B0 = {x 2 Rn /|x x0 |  b}. Ademais, B0 é compacto, então existe M tal
2
que
M = max |f (x)|.
x2B0

Considere as aproximações sucessivas definidas em (2.4). Assumindo que existe c > 0 tal
que uk (t) é definida e contı́nua em [ c, c] e satisfaz

max |uk (t) x0 |  b


[ c,c]

então f (uk (t)) é contı́nua em [ c, c], pois é uma composição de funções contı́nuas, visto que
f 2 C 1 (E). Com isso, ˆ t
uk+1 (t) = x0 + f (uk (s))ds
0

6
2.2. Teorema Fundamental de Existência e Unicidadade

está definida e é contı́nua em [ c, c]. Além disso,


ˆ t
|uk+1 x0 | = f (uk (s))ds  M c
0

Portanto, |uk+1 x0 |  M c, 8t 2 [ c, c].


b
Agora, escolheremos a = c de forma tal que 0 < a  . Por indução, segue que uk (t) é
M
definida, contı́nua e satisfaz

max |uk (t) x0 |  b, (2.6)


[ a,a]

8t 2 [ a, a] e 8k 2 N.
De (2.6), tem-se que, 8t 2 [ a, a], k 2 N e uk (t) 2 B0 ,
ˆ t
|u2 (t) u1 (t)| = (f (u1 (s)) f (u0 (s))ds
0
ˆ t
 |(f (u1 (s)) f (u0 (s))|ds
0

Mas, como f é localmente Lipschitz,


ˆ t ˆ t
|(f (u1 (s)) f (u0 (s))|ds = K |u1 (s) u0 (s)|ds
0 0
ˆ t
K max |uk (t) x0 |ds
0 [ a,a]

 Kbt
 Kba.

Então,
|u2 (t) u1 (t)|  Kba.
Assumindo que para j 2 vale:

max |uj (t) uj 1 (t)|  b(Ka)j 1 .


[ a,a]

Temos que, 8t 2 [ a, a],


ˆ t
|uj+1 (t) uj (t)| = (f (uj (s)) f (uj 1 (s))ds
0
ˆ t
 |(f (uj (s)) f (uj 1 (s))|ds
0
ˆ t
K |uj (s) uj 1 (s)|ds
0
ˆ t
K max |uj (t) uj 1 (t)|ds
0 [ a,a]

 b(Ka)j .

7
Capı́tulo 2. O Teorema Fundamental de Existência e Unicidade de Soluções

Logo, a desigualdade acima é válida para 8j 2 N.


Nesta etapa da demonstração, mostraremos que a sequência de funções contı́nuas {uk } é
uma sequência de Cauchy.
1
Seja ↵ = Ka e escolha a de forma que 0 < a < . Sejam N um número natural qualquer
K
e m, n 2 N, então, se m > n N e t 2 [ a, a], temos:

|um (t) un (t)| = |um (t) um 1 (t)| + |um 1 (t) um 2 (t)| + ... + |un+1 (t) un (t)|
m
X1
 |uj+1 (t) uj (t)|
j=n
1
X
 |uj+1 (t) uj (t)|
j=N
X1
 b(Ka)j
j=N
X1
= b↵j
j=N

= Sj .

Mas,
Sj = b↵N + b↵N +1 + ... + b↵j

↵Sj = b↵N +1 + b↵N +2 + ... + b↵j+1

) Sj ↵Sj = b↵N b↵j+1


b(↵N
↵j+1 )
) Sj =
↵ 1
b↵N
) lim Sj = .
j!1 1 ↵
Portanto,
b↵N
|um (t) un (t)|  .
1 ↵
b↵N
A medida que N ! 1, a expressão se aproxima de zero, visto que 0 < ↵ < 1.
1 ↵
Então, para todo " > 0, existe N tal que se m, n N ,

kum (t) un (t)k = max |um (t) un (t)| < "


[ a,a]

isto é, a sequência {uk } é de Cauchy e, portanto, converge para u(t) uniformemente, 8t 2 [ a, a].
Veremos, agora, que u(t) é contı́nua. Tomando o limite dos dois lados em (2.4),
✓ ˆ t ◆
lim uk+1 (t) = lim x0 + f (uk (s))ds .
k!1 k!1 0

8
2.2. Teorema Fundamental de Existência e Unicidadade

Como a convergência é uniforme, 8t 2 [ a, a], podemos inverter o limite e a integral. Logo,


ˆ t
u(t) = x0 + lim f (uk (s))ds.
0 k!1

Pelo fato de f 2 C 1 , temos:


ˆ t ⇣ ⌘
u(t) = x0 + f lim (uk (s)) ds
0 k!1

ˆ t
) u(t) = x0 + f (u(s))ds.
0

Como u(t) é contı́nua e f 2 C 1 , f (u(t)) também é contı́nua e, pelo Teorema Fundamental


do Cálculo,
u0 (t) = f (u(t))

8t 2 [ a, a].
Além disso, ˆ 0
u(0) = x0 + f (u(s))ds = x0
0

e de (2.6) segue que u(t) 2 N" (x0 ) ⇢ E,8t 2 [ a, a]. Portanto, u(t) é solução do problema de
valor inicial (2.5) em [ a, a].
Resta mostrar a unicidade da solução.
Suponhamos que a solução de (2.5) no intervalo [ a, a] não seja única e consideremos u(t) e
v(t) tais que ambas sejam solução do problema de valor inicial indicado. Então, pelo corolário
de Weierstrass, a função contı́nua |u(t) v(t)| atinge seu máximo em algum ponto t1 2 [ a, a].
Logo,

ku vk = max |u(t) v(t)|


[ a,a]

= |u(t1 ) v(t1 )|
ˆ t1
= f (u(s)) f (v(s))ds
0
ˆ t1
 |f (u(s)) f (v(s))|ds
0
ˆ t1
K |u(s) v(s)|ds
0
ˆ t1
K max |u(t) v(t)|ds
0 [ a,a]

 Kku vkt1
 Kaku vk.

9
Capı́tulo 2. O Teorema Fundamental de Existência e Unicidade de Soluções

Assim, ku vk  Kaku vk.


Como supomos que a solução não é única, ou seja, que u 6= v, segue que ku 6 0. Dessa
vk =
forma, Ka 1, o que é um absurdo pois 0 < Ka < 1. Portanto, u(t) = v(t), isto é, a solução
do problema de Cauchy no intervalo [ a, a] é única.

10
Capı́tulo 3

Dependência da Solução com Relação


às Condições Iniciais e Parâmetros

Neste capı́tulo, veremos que a solução do problema de Cauchy em um determinado intervalo


dependerá das condições iniciais.

3.1 Teorema de Dependência da Solução com Relação às


Condições Iniciais e Parâmetros
Lema 3.1.1 (Gronwall). Seja g(t) uma função contı́nua real que satisfaz
ˆ t
0  g(t)  C + K g(s)ds
0

8t 2 [0, a], em que C e K são constantes positivas. Então, temos que, 8t 2 [0, a],

g(t)  CeKt .
ˆ t
Demonstração. Tomando G(t) = C + K g(s)ds para t 2 [0, a]. Então, G(t) g(t) e
0
G(t) 0, 8t 2 [0, a]. Segue, do Teorema Fundamental do Cálculo e da hipótese, que

G0 (t) = Kg(t)
 KG(t).

Portanto,
dG dG 1
ˆ ˆ
 KG )  Kdt ) dG  Kdt
dt G G
) lnG  Kt + C1 ) G(t)  eKt+C1 ) G(t)  CeKt ,
8t 2 [0, a].

11
Capı́tulo 3. Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

Definição 3.1.2. Seja A = (aij ) uma matriz com i = 1, 2, ..., n e j = 1, 2, ..., m. Definimos a
norma da matriz A como sendo o maior valor absoluto dos seus elementos, isto é:

kAk = max|aij |.

Teorema 3.1.3 (Dependência das Condições Iniciais). Seja E um subconjunto aberto de Rn


que contém x0 e f 2 C 1 (E). Existem a > 0 e > 0 tal que, para todo y 2 N (x0 ), o o problema
de valor inicial 8
<ẋ = f (x)
:x(0) = y

possui uma solução única u(t, y) e u 2 C 1 (G), onde G = [ a, a] ⇥ N (x0 ) ⇢ Rn+1 . Além disso,
para cada y 2 N (x0 ), u(t, y) é uma função duas vezes diferenciável em t 2 [ a, a].

Demonstração. Como f 2 C 1 (E), temos, por (2.2.1), que f é localmente Lipschitziana.


Considere o conjunto compacto B0 = {x 2 Rn /|x x0 |  "/2}. Note que, pelo Corolário de
Weierstrass, as funções contı́nuas |f (x)| e kDf (x)k atingirão um máximo no conjunto compacto
"
B0 , os quais serão denotados por M0 = max |f (x)| e por M1 = max kDf (x)k. Tome = e,
x2B0 x2B0 4
para y 2 N (x0 ) defina a seguinte sequência de funções:

u0 (t, y) = y
ˆ t
uk+1 (t, y) = y + f (uk (s, y))ds.
0
Vamos mostrar que uk (t, y) está definida e é contı́nua para todo (t, y) 2 G e que 8y 2 N (x0 ):
"
kuk (t, y) x0 k = max |uk (t, y) x0 |  . (3.1)
t2[ a,a] 2
De fato, isso é satisfeito para k = 0. Assumindo que uk (t, y) é definida e contı́nua para
todo (t, y) 2 G, temos que uk+1 também é definida e contı́nua para todo (t, y) 2 G, visto
que f 2 C 1 (E) e que a composição de funções contı́nuas é contı́nua (ademais, a integral de
f (uk (s, t)) é contı́nua em t, pelo Teorema Fundamental do Cálculo).
Mostremos que vale (3.1).
Seja k = 0,

ku0 (t, y) x0 k = max |u0 (t, y) x0 |


t2[ a,a]

= max |y x0 |
t2[ a,a]

<
"
=
4
"
< .
2

12
3.1. Teorema de Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

Note que:
ˆ t
kuk+1 (t, y) yk = f (uk (s, y))ds
0
ˆ t
 kf (uk (s, y))kds
0
ˆ t
 max |f (uk (t, y))|ds
0
ˆ t
 M0 ds
0

 M0 a.

Agora, supondo que (3.1) vale para k, vamos mostrar que vale para k + 1:

kuk+1 (t, y) x0 k  kuk+1 (t, y) yk + ky x0 k


"
 M0 a +
4
"
<
2
"
se M0 a < .
4
Agora, mostraremos que as aproximações uk (t, y) convergem uniformemente para uma
função contı́nua u(t, y), 8(t, y) 2 G quando k ! 1. Como na demonstração do Teorema
Fundamental de Existência e Unicidade,
ˆ t
ku2 (t, y) u1 (t, y)k = (f (u1 (s, y)) f (u0 (s, y)))ds
0
ˆ t
 k(f (u1 (s, y)) f (u0 (s, y)))kds
0
ˆ t
K ku1 (s, y) ykds
0
ˆ t
K max ku1 (t, y) ykds
0

 Ka max ku1 (t, y) yk


 Ka max(ku1 (t, y) x0 k + kx0 yk)
⇣" "⌘
 Ka +
2 4
 Ka".

De modo análogo ao Teorema de Existência e Unicidade,

kuk+1 (t, y) uk (t, y)k  "(Ka)k .

13
Capı́tulo 3. Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

De fato, se 0 < a < 1/K, temos que

kuk+1 (t, y) uk (t, y)k < ".

Logo, uk (t, y) é uma sequência de Cauchy e, assim, temos uma sequência de funções uni-
formemente convergente. As aproximações convergem para uma função contı́nua u(t, y) que
satisfaz: ˆ t
u(t, y) = y + f (u(s, y))ds (3.2)
0
para (t, y) 2 G e u(0, y) = y.
Agora, devemos mostrar que u(t, y) é duas vezes diferenciável em relação a t. Derivando
(3.2) em relação a t, temos
@u
= f (u(t, y))
@t
@ 2u @ @u
2
= (f (u(t, y))) = Df (u(t, y)) = Df (u(t, y))f (u(t, y)).
@t @t @t
Sabemos que f 2 C 1 (E), isto é, f é continuamente diferenciável em E. Logo, as derivadas
acima são contı́nuas.
Portanto,
⇢ u(t, y) é solução do PVI apresentado no conjunto G = [ a, a] ⇥ N (x0 ), onde
1 "
a = min , .
K 4M0
De modo análogo ao que foi feito na demonstração do Teorema de Existência e Unicidade,
iremos mostrar que a solução é única.
Sejam u(t, y) e v(t, y) soluções do PVI definido no teorema, para y 2 N (x0 ), ku(t, y)
v(t, y)k assume um valor máximo em G, para algum t0 2 [ a, a]. Assim,

ku vk = max |u(t, y) v(t, y)|


G
ˆ t0
= f (u(s, y)) f (v(s, y))ds
0
ˆ t0
 |f (u(s, y)) f (v(s, y))|ds
0
ˆ t0
K |u(s, y) v(s, y)|ds
0
ˆ t0
 K max |u(t, y) v(t, y)| ds
t2[ a,a] 0

 Kaku vk.

Suponha que u(t, y) 6= v(t, y). Dessa forma, ku vk 6= 0 e isso implica que Ka 1, o que
é um absurdo. Assim, concluı́mos que a solução é única para (t, y) 2 G.
Além disso, devemos mostrar que u 2 C 1 (G), isto é, u é uma função de y continuamente
diferenciável.

14
3.1. Teorema de Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

Fixemos y0 2 N (x0 ) e consideremos as funções de t: u(t, y0 ) e u(t, y0 + h). Temos:

ˆ t ✓ ˆ t ◆
|u(t, y0 ) u(t, y0 + h)| = y0 + f (u(s, y0 ))ds y0 + h + f (u(s, y0 + h))ds
0 0
ˆ t
= h+ f (u(s, y0 + h)) f (u(s, y0 ))ds
0
ˆ t
 |h| + f (u(s, y0 + h)) f (u(s, y0 ))ds
0
ˆ t
 |h| + |f (u(s, y0 + h)) f (u(s, y0 ))|ds
0
ˆ t
 |h| + K |u(s, y0 + h) u(s, y0 )|ds.
0

Por (3.1.1), temos que

|u(t, y0 ) u(t, y0 + h)|  |h|eKt , 8t 2 [ a, a] (3.3)

Em seguida, definiremos (t, y0 ) como a matriz fundamental solução do problema de valor


inicial
8
< ˙ = A(t, y0 )
: (0, y ) = I
0

em que A(t, y0 ) = Df (u(t, y0 )) e I a matriz identidade n ⇥ n. Nota-se que A(t, y0 ) é contı́nua


8t 2 [ a, a] pois f 2 C 1 (E). Além disso, como [ a, a] é compacto, então A(t, y0 ) atinge valor
máximo neste conjunto. Chamaremos esse valor de N .
Mostremos que possui uma solução única (t, y0 ) 2 [ a, a] ⇥ N (y0 ), onde a > 0.
Pelo método de Picard,

0 (t, y0 ) =I

ˆ t
k+1 (t, y0 ) =I+ A(s, y0 ) k (s, y0 )ds.
0

Indutivamente e de modo análogo à demonstração do Teorema de Existência e Unicidade


mostraremos que

k j (t, y0 ) j 1 (t, y0 )k  (N a)j . (3.4)

15
Capı́tulo 3. Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

ˆ t
| 1 (t, y0 ) 0 (t, y0 )| = I + A(s, y0 ) 0 (s, y0 )ds I
0
ˆ t
= A(s, y0 )Ids
0
ˆ t
 kA(s, y0 )k ds
0
ˆ t
N ds
0

 N a.

ˆ t
| 2 (t, y0 ) 1 (t, y0 )| = (A(s, y0 ) 1 (s, y0 ) A(s, y0 ) 0 (s, y0 ))ds
0
ˆ t
= A(s, y0 )( 1 (s, y0 ) 0 (s, y0 ))ds
0
ˆ t
N k 1 (s, y0 ) 0 (s, y0 )k ds
0

 (N a)2 .

Suponha que vale (3.4) e mostremos que vale

k j+1 (t, y0 ) j (t, y0 )k  (N a)j+1 .

ˆ t
k j+1 (t, y0 ) j (t, y0 )k = A(s, y0 )( j (s, y0 ) j 1 (s, y0 ))ds
0
ˆ t
N k j (s, y0 ) j 1 (s, y0 )k ds
0
ˆ t
N (N a)j ds
0

 (N a)j+1 .

A seguir, veremos que a sequência { k} é uma sequência de Cauchy e, portanto, converge


uniformemente para (t, y0 ).
1
Temos que se 0 < a < , então k é uma sequência de Cauchy e converge uniformemente
N
para (t, y0 ), que satisfaz:
ˆ t
(t, y0 ) = I + A(s, y0 ) (s, y0 )ds
0

16
3.1. Teorema de Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

e (0, y0 ) = I. A unicidade é mostrada da mesma maneira como fizemos anteriormente.


Segue das funções contı́nuas u(t, y0 ), u(t, y0 + h) e (t, y0 ) e do Teorema de Taylor,

f (u) f (u0 ) = Df (u0 )(u u0 ) + R(u, u0 )

|R(u, u0 )|
onde ! 0, quando |u u0 | ! 0
|u u0 |
que

|u(t,ˆ y0 ) u(t, y0 + h) + (t, y0 )h|


t ˆ t
= (f (u(s, y0 )) f (u(s, y0 + h)))ds + Df (u(s, y0 )) (s, y0 )hds
0 0
ˆ t ˆ t
= (Df (u(s, y0 ))(u(s, y0 ) u(s, y0 + h)) + R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h)))ds + Df (u(s, y0 )) (s, y0 )hds .
0 0

Então,
|u(t, y0 ) u(t, y0 + h) + (t, y0 )h|
ˆ t ˆ t
= Df (u(s, y0 ))(u(s, y0 ) u(s, y0 + h) + (s, y0 )h)ds + R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))ds
0 0
ˆ t ˆ t
 Df (u(s, y0 ))(u(s, y0 ) u(s, y0 + h) + (s, y0 )h)ds + R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))ds
0 0
ˆ t ˆ t
 |Df (u(s, y0 ))||(u(s, y0 ) u(s, y0 + h) + (s, y0 )h)|ds + |R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))|ds
0 0
ˆ t ˆ t
 kDf (u(s, y0 ))k|(u(s, y0 ) u(s, y0 + h) + (s, y0 )h)|ds + |R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))|ds.
0 0
(3.5)
Pelo Teorema de Taylor,

|R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))|


! 0, quando |u(s, y0 ) u(s, y0 + h)| ! 0.
|u(s, y0 ) u(s, y0 + h)|

Logo, temos que 8"0 > 0, existe 0 tal que, se |h| < 0, então:

|R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))|


< "0
|u(s, y0 ) u(s, y0 + h)|

) |R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))| < "0 |u(s, y0 ) u(s, y0 + h)|

para todo s 2 [ a, a].

17
Capı́tulo 3. Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

Por (3.3),
ˆ t ˆ t
|R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))|ds < "0 |u(s, y0 ) u(s, y0 + h)|ds
0 0

 t"0 |h|eKt
 a"0 |h|eKa

Tomando g(t) = |u(t, y0 ) u(t, y0 + h) + (t, y0 )h| e voltando à desigualdade (3.5), obtemos
ˆ t ˆ t
g(t)  kDf (u(s, y0 ))kg(s)ds + |R(u(s, y0 ), u(s, y0 + h))|ds
0 0
ˆ t
 kDf (u(s, y0 ))kg(s)ds + a"0 |h|eKa
ˆ0 t
 max |Df (u(s, y0 ))|g(s)ds + a"0 |h|eKa
0
ˆ t
N g(s)ds + a"0 |h|eKa .
0

✓ ◆
Logo, para todo t 2 [ a, a], y0 2 N (x0 ) e |h| < min 0, , temos
2
ˆ t
g(t)  N g(s)ds + a"0 |h|eKa .
0

Segue, pelo Lema de Gronwall, que para qualquer "0 > 0 dado

g(t)  a"0 |h|eKa eN t


✓ ◆
para todo t 2 [ a, a] e |h| < min 0 , .
2
Fazendo "0 !, então

|u(t, y0 ) u(t, y0 + h) + (t, y0 )h| g(t)


lim = lim =0
|h|!0 |h| |h|!0 |h|

uniformemente 8t 2 [ a, a].
Pela definição de diferenciabilidade, 8(t, y0 ) 2 G

@u
(t, y0 ) = (t, y0 )
@y

Teorema 3.1.4. Seja E um subconjunto aberto de Rn+m que contém o ponto (x0 , µ0 ), onde
x0 2 Rn e µ0 2 Rm , e assuma que f 2 C 1 (E). Segue que existe a > 0 e > 0 tal que, para

18
3.2. Intervalo Maximal de Existência

todo y 2 N (x0 ) e µ 2 N (µ0 ), o problema de valor inicial


8
<ẋ = f (x, µ)
:x(0) = y

possui uma solução única u(t, y, µ) com u 2 C 1 (G), em que G = [ a, a] ⇥ N (x0 ) ⇥ N (µ0 ).

3.2 Intervalo Maximal de Existência


O Teorema de Existência e Unicidade mostra que se f 2 C 1 em um aberto de Rn , existirá
um a > 0 tal que o PVI
8
<ẋ = f (x)
:x(0) = x
0

possui solução única no intervalo [ a, a].


Além disso, o PVI possui solução única x(t) definida no intervalo maximal de existência
(↵, ), o qual é o maior intervalo onde a solução está definida.

Exemplo 3.2.1. Seja o problema de valor inicial


8
<ẋ = x2
:x(0) = 1

Solução:
dx dx 1 1
ˆ ˆ
= x2 ) 2 = dt ) dx = dt ) =t+K
dt x x2 x
1
) x(t) =
t+K
Aplicando a condição incial x(0) = 1, temos:

1
x(t) =
1 t
Note que t 6= 1, logo t 2 ( 1, 1) [ (1, 1), mas 0 2 ( 1, 1).
Portanto, a solução está definida no intervalo maximal de existência (↵, ) = ( 1, 1).

Exemplo 3.2.2. Considere o PVI abaixo


8 1
<ẋ =
2x
:x(0) = 1

19
Capı́tulo 3. Dependência da Solução com Relação às Condições Iniciais e Parâmetros

Encontre a solução e o intervalo maximal de existência.


Solução:
dx 1
ˆ ˆ
= ) 2xdx = dt ) 2xdx = dt ) x2 = t+K
dt 2x
p
) x(t) = t + K.

Aplicando a condição inicial,


p
x(t) = t + 1.

Para que x(t) esteja definida, t 2 ( 1, 1). Como 0 2 ( 1, 1), a solução está definida no
intervalo maximal de existência (↵, ) = ( 1, 1).

Exemplo 3.2.3. Considere o problema de valor inicial


8 x2
>
> ẋ1 = 2
>
> x3
<
x1
ẋ2 = 2
>
> x3
>
>
:
ẋ3 = 1

com x(1/⇡) = (0, 1, 1/⇡)T .


Solução:
dx3
ˆ ˆ
ẋ3 = 1 ) = 1 ) dx3 = dt ) dx3 = dt ) x3 (t) = t + K. (3.6)
dt
Pela condição inicial x3 (1/⇡) = 1/⇡, temos x3 (t) = t.

x1 dx2 x1 1 1
ẋ2 = 2
) = 2 ) dx2 = 2 dt. (3.7)
x3 dt t x1 t

x2 dx1 x2 1 1
ẋ1 =
2
) = 2 ) dx1 = 2 dt. (3.8)
x3 dt t x2 t
Dos dois últimos itens, temos que

1 1
ˆ ˆ
dx2 = dx1 ) x2 dx2 = x1 dx1 ) x2 dx2 = x1 dx1
x1 x2
) x22 = x21 + K.

Pela condição inicial,


x21 + x22 = 1. (3.9)

Substituindo (3.9) em (3.7), obtemos


✓ ◆
1 1 1 1 1
ˆ ˆ
p dx2 = 2 dt ) p dx2 = dt ) x2 (t) = cos +C .
1 x22 t 1 x22 t2 t

20
3.2. Intervalo Maximal de Existência

Aplicando a condição inicial x2 (1/⇡) = 1,


✓ ◆
1
x2 (t) = cos . (3.10)
t

De (3.9) e (3.10), ✓ ◆
1
x1 (t) = sin .
t
Portanto,
2 3
sin(1/t)
6 7
x(t) = 4 cos(1/t) 7
6
5
t
Como as duas primeira funções do sistema estão definidas para t 2 ( 1, 0) [ (0, 1),
enquanto que a última está definida para todo t 2 R e, pelo fato da condição incial estar no
intervalo (0, 1), podemos concluir que o intervalo maximal de existência de x(t) é (0, 1).

21
Capı́tulo 4

O Fluxo Definido por uma Equação


Diferencial

4.1 O Fluxo de um Sistema Linear


O fluxo do sistema linear
ẋ = Ax. (4.1)

é definido por eAt : Rn ! Rn . A função t = eAt satisfaz as seguintes propriedades básicas


para todo x 2 Rn :

(i) 0 (x) = x.

(ii) s ( t (x)) = s+t (x) 8s, t 2 R.

(iii) t ( t (x)) = t( t (x)) = x 8t 2 R.

Antes de verificar essas propriedades, serão necessários os seguintes conceitos.

Definição 4.1.1. Seja A uma matriz n ⇥ n. Então, para todo t 2 R, temos que
1
X Ak tk
eAt = .
k=0
k!

Para uma matriz A, eAt é uma matriz n ⇥ n, a qual pode ser computada em termos de
autovalores e autovetores de A.

Proposição 4.1.2. Se S e T são transformações lineares em Rn com a propriedade comutativa,


isto é, que satisfaz ST = T S, então es+t = es et .

Corolário 4.1.3. Se T é uma transformação linear de Rn , a inversa da transformação linear


eT é dada por (eT ) 1
=e T
.

23
Capı́tulo 4. O Fluxo Definido por uma Equação Diferencial

Mostraremos, agora, que valem as propriedades acima

Demonstração. (i) 0 (x) = (0, x) = e0 (x) = x.

(ii) s ( t (x)) = s (e
At
(x)) = eAs eAt (x) = eA(s+t) (x) = s+t (x) 8s, t 2 R.

(iii) t ( t (x)) = t (e
At
(x)) = e At At
e (x) = eA( t+t)
(x) = eA0 (x) = 0 (x) = x 8t 2 R
t( t (x)) = t (e
At
(x)) = eAt e At
(x) = eA(t t)
(x) = eA0 (x) = 0 (x) = x 8t 2 R.

Logo, t ( t (x)) = t( t (x)) = x 8t 2 R.

4.2 O Fluxo de um Sistema não Linear


Nesta seção veremos que o fluxo do sistema não linear

ẋ = f (x) (4.2)

satisfaz as mesmas propriedades do fluxo de um sistema linear.


O intervalo maximal de existência (↵, ) da solução (t, x0 ) do problema de Cauchy

8
<ẋ = f (x)
(4.3)
:x(0) = x
0

é denotado por I(x0 ) pois seus extremos, em geral, dependem da condição inicial.

Definição 4.2.1. Seja E um subconjunto aberto de Rn e f 2 C 1 (E). Para x0 2 E, e seja


(t, x0 ) a solução do problema de valor inicial (4.3) definida no intervalo maximal de existência
I(x0 ). Então, para t 2 I(x0 ), a função t : E ! E definida por

t (x0 ) = (t, x0 )

é chamada de fluxo da equação diferencial (4.2) ou fluxo do campo de vetores f (x).

Consideremos que o ponto inicial x0 está fixo e tome I = I(x0 ). A função (t, x0 ) : I ! E
define a curva das soluções ou trajetória de (4.2), a qual pode ser vista como o movimento ao
longo da curva no subconjunto E do espaço de fase Rn . Note que essa curva passa pelo ponto
x0 , visto que para t = 0, 0 (x0 ) = x0 .
Por outro lado, se x0 variar sobre K ⇢ E, o fluxo definido pela equação diferencial, t :
K ! E poderá ser visto como o movimento de todos os pontos que percencem a K.

24
4.2. O Fluxo de um Sistema não Linear

Figura 4.1: Trajetória ⌧ do Sistema (4.2).

Exemplo 4.2.2. Considere o PVI: 8


<ẋ = 1
x
:x(0) = x
0

1
com f (x) = 2 C 1 (E) e E = {x 2 R/x > 0}.
x p
Como solução do Problema de Valor Inicial temos que ✓ (t, x0 ) = ◆ x20 + 2t. Note que o
x20
fluxo está definido para x20 + 2t > 0 disso, segue que I(x0 ) = ,1 .
2
Teorema 4.2.3. Seja f : X ! Rn uma aplicação definida no conjunto X ⇢ Rn . A fim de que
f seja contı́nua, é necessário e suficiente que a imagem inversa f 1
(A) de todo aberto A ⇢ Rn
seja um conjunto aberto em X.

Teorema 4.2.4. Seja E um subconjunto aberto de Rn e f 2 C 1 (E). Então ⌦ é um subconjunto


aberto de R ⇥ E e 2 C 1 (⌦).

Teorema 4.2.5. Seja E um subconjunto aberto de Rn e f 2 C 1 (E). Então, para todo x0 2 E,


se t 2 I(x0 ) e s 2 I( t (x0 )), segue que s + t 2 I(x0 ) e

s+t (x0 ) = s ( t (x0 )).

Demonstração. Seja E um subconjunto aberto de Rn e f 2 C 1 (E), dividiremos a demonstração


desse teorema em três casos:
Caso 1: s > 0.
Suponha que s > 0, t 2 I(x0 ) e s 2 I( t (x0 )), para todo x0 2 E. Tomaremos o intervalo
maximal I(x0 ) = (↵, ) e definiremos a função x : (↵, s + t] ! E por
(
(r, x0 ), se ↵ < r  t
x(r) =
(r t, t (x0 )), se t < r  s + t.

25
Capı́tulo 4. O Fluxo Definido por uma Equação Diferencial

Temos que x(r) é solução do PVI em (↵, s + t].


Antes de mostrar que x(r) é diferenciável em r = t, mostraremos que x(r) é contı́nua nesse
ponto.

lim x(r) = lim (r, x0 ) = (t, x0 ) = t (x0 )


r!t r!t

lim x(r) = lim+ (r t, t (x0 )) = (0, t (x0 )) = 0 ( t (x0 )) = t (x0 ).


r!t+ r!t

Além disso, x(t) = lim x(r) = lim+ x(r) = t (x0 ). Portanto, x(r) é contı́nua em r = t.
r!t r!t
Agora, devemos mostrar que x(r) é diferenciável em r = t.
Considere y = x(r) = (r, x0 ), para ↵ < r  t, e z = x(r) = (r t, t (x0 )), para
t < r  s + t. Sabemos que ˙ = f ( ), pois é solução do PVI. Então,

y 0 = f (y)

dy
) = f ( (r, x0 )) = ˙ (t, x0 )
dt
Além disso,
z 0 = f (z)
dz
) = f ( (r t, t (x0 )) = ˙ (t t, t (x0 ))
dt
= ˙ (0, t (x0 )) = f ( (0, t (x0 ))) = f ( t (x0 ))

= f ( (t, x0 )) = ˙ (t, x0 ).

Logo, x(r) é diferenciável em r = t.


Assim, x(r) é solução do PVI e s + t 2 I(x0 ), pois I(x0 ) é o intervalo maximal de existência
da solução. Agora, pela unicidade, temos:

s+t (x0 ) = (s + t, x0 ) = x(s + t) = (s, t (x0 )) = s ( t (x0 )).

Caso 2: s = 0.
De fato, s + t = 0 + t = t 2 I(x0 ) (por hipótese),

s+t (x0 ) = 0+t (x0 ) = t (x0 )

e
s ( t (x0 )) = 0 ( t (x0 )) = t (x0 ).

Portanto,
s+t (x0 ) = s ( t (x0 )),

para s = 0.

26
4.2. O Fluxo de um Sistema não Linear

Figura 4.2: O Fluxo Definido por uma Equação Diferencial

Caso 3: s < 0.
A demonstração é análoga à demonstração do Caso 1.

Teorema 4.2.6. Seja E um subconjunto aberto de Rn e f 2 C 1 (E). Se (t, x0 ) 2 ⌦, então


existe uma vizinhança de x0 , a qual chamaremos de U , tal que {t} ⇥ U 2 ⌦. Além disso, o
conjunto V = t (U ) é aberto em E, t ( t (x)) = x, 8x 2 U e t( t (y)) = y, 8y 2 V .

Demonstração. Se (t, x0 ) 2 ⌦, então, pelas hipóteses do teorema, podemos utilizar o Teorema


da Dependência das Condições Iniciais e Parâmetros, o qual garante a existência de uma vizi-
nhança de x0 , a qual será denotada por U = N (x0 ), e " > 0, tal que (t ", t + ") ⇥ U ⇢ ⌦.
Assim, podemos concluir que {t} ⇥ U ⇢ ⌦.
Para x 2 U , tomamos y = t (x), 8t 2 I(x). Então t 2 I(y) desde que a função h(s) =
(s + t, y) seja solução da equação diferencial em [ t, 0] que satisfaz h( t) = y, isto é, t está
definida em V = t (U ). De (4.2.5), temos:

t ( t (x)) = t+t (x) = 0 (x) = x, 8x 2 U

t( t (y)) = t t (y) = 0 (y) = y, 8y 2 V

Resta mostrar que V é um conjunto aberto.


Seja V ⇤ ⇢ V o conjunto maximal de E no qual t está definida. V ⇤ é aberto porque ⌦ é
aberto e t : V ⇤ ! E é contı́nua pois, por (4.2.4), é contı́nua. Por (4.2.3), a imagem inversa
do conjunto aberto U pela aplicação contı́nua t, isto é, t (U ), é aberto em E. Portanto, V é
aberto em E.

27
Capı́tulo 4. O Fluxo Definido por uma Equação Diferencial

Definição 4.2.7. Seja E um subconjunto aberto de Rn , f 2 C 1 (E) e t :E ! E o fluxo


da equação diferencial (4.2) definida para todo t 2 R. O conjunto S ⇢ E é chamado de
invariante com relação ao fluxo t se t (S) ⇢ S para todo t 2 R. S é chamado de
positivamente invariante com relação ao fluxo t se t (S) ⇢ S para todo t 0 e negativamente
invariante com relação ao fluxo t se t (S) ⇢ S para todo t  0.

Exemplo 4.2.8. Considere o sistema não linear abaixo


" #
x1
f (x) = .
x2 + x21

A solução do problema de Cauchy, juntamente com a condição inicial x(0) = c, é dada por
2 3
c1 e t
t (c) = (t, c) =
4 c2 5.
c2 et + 1 (et e 2t )
3

x21
Mostraremos que o conjunto S = x 2 R2 /x2 = é invariante com relação ao fluxo
3
t.
c21
Seja c 2 S arbitrário, então c2 = e segue que
3
2 3 2 3 2 3
c1 e t c1 e t c1 e t
t (c) = (t, c) =
4 c2 5=4 c21 t c21 t 5=4 c21 2t 5 .
c2 et + 1 (et e 2t
) e + (e e 2t
) e
3 3 3 3
Desse modo, t (c) 2 S e, como c é arbitrário, concluı́mos que t (S) ⇢ S, 8t 2 R.

28
Capı́tulo 5

Linearização das Equações Diferenciais

Uma boa maneira de começar a analisar o sistema não linear

ẋ = f (x) (5.1)

é determinar os pontos de equilı́brio de (5.1) e descrever o comportamento de (5.1) próximo


dos pontos de equilı́brio. Mostraremos nos próximos capı́tulos que o comportamento local do
sistema não linear (5.1) próximo do um ponto esquilı́brio hiperbólico x0 é qualitativamente
determinado pelo comportamento do sistema linear

ẋ = Ax (5.2)

com a matriz A = Df (x0 ), próxima da origem. A função linear Ax = Df (x0 )x é chamada


parte linear de f em x0 .

5.1 Linearização
Definição 5.1.1. Um ponto x0 2 Rn é chamado de ponto de equilı́brio ou ponto crı́tico de
(5.1) se f (x0 ) = 0. Um ponto de equilı́brio x0 é chamado de ponto de equilı́brio hiperbólico
de (5.1) se nenhum dos autovalores da matriz A = Df (x0 ) possui parte real nula. O sistema
linear (5.2) com a matriz A = Df (x0 ) é chamado de linearização de (5.1) em x0 .
Note que se x0 é um ponto de equilı́brio de (5.1) e t : E ⇢ Rn ! Rn é o fluxo da equação
diferencial (5.1), então t (x0 ) = x0 8t 2 R.
Se x0 é chamado de ponto fixo do fluxo t, este também pode ser chamado de zero, de
ponto crı́tico ou de ponto singular do campo de vetores f : E ! Rn .

Definição 5.1.2. Um ponto de equilı́brio x0 de (5.1) é chamado de poço se todos os autovalores


da matriz Df (x0 ) possuem parte real negativa, de fonte se todos os autovalores de Df (x0 )

29
Capı́tulo 5. Linearização das Equações Diferenciais

possuem parte real positiva e de sela se for um ponto de equilı́brio hiperbólico e se Df (x0 )
possui, no mı́nimo, um autovalor com parte real positiva e um autovalor com parte real negativa.

Exemplo 5.1.3. Vamos classificar todos os pontos de equilı́brio do sistema não linear (5.1)
com " # " #
f1 (x) x21 x22 1
f (x) = = .
f2 (x) 2x2
Para encontrar os pontos de equilı́brio devemos fazer f (x) = 0, logo
8
< x2 x2 1 = 0
1 2
:2x = 0.
2

Como solução do sistema temos que (1, 0) e ( 1, 0) são pontos de equilı́brio do sistema.
Além disso,
2 3
@f1 (x) @f1 (x) " #
6 @x2 7 2x1 2x2
Df (x) = 4 @x1 5 = .
@f2 (x) @f2 (x) 0 2
@x1 @x2
Desse modo, " #
2 0
Df (1, 0) =
0 2
e " #
2 0
Df ( 1, 0) = .
0 2
Portanto, (1, 0) é uma fonte e ( 1, 0) é uma sela.

5.2 Equivalência e Conjugação de Campos Vetoriais


Definição 5.2.1. Dados os conjuntos U ⇢ Rm e V ⇢ Rn , um homeomorfismo entre U e V é
1
um bijeção contı́nua f : U ! V , cuja inversa f :V ! U também é contı́nua. Diz-se então
que U e V são conjuntos homeomorfos.

Definição 5.2.2. Seja f : U ! V uma bijeção de classe C k (k 1) entre abertos U, V ⇢ Rn .


1 1
Se sua inversa f : V ! U é diferenciável então f 2 C k . Diz-se então que f é um
difeomorfismo de classe C k .

Definição 5.2.3. Sejam X1 e X2 campos vetoriais definidos nos abertos 1, 2 ⇢ Rn , respec-


tivamente. Dizemos que X1 é topologicamente equivalente a X2 quando existe um homeo-
morfismo h : 1 ! 2 que leva órbitas de X1 em órbitas de X2 , preservando a orientação, isto

30
5.2. Equivalência e Conjugação de Campos Vetoriais

é, sejam p 2 1 e 1 (p) a órbita orientada de X1 passando por p, então, h( 1 (p)) = 2 (h(p))

(a órbita orientada de X2 passando por h(p)). O homeomorfismo h chama-se equivalência


topológica entre X1 e X2 .

Definição 5.2.4. Sejam 1 : D1 ! Rn e 2 : D2 ! Rn os fluxos gerados pelos campos X1 :


1 ! Rn e X 2 : 2 ! Rn , respectivamente. Diz-se que X1 é topológicamente conjugado
a X2 quando existe um difeomorfismo h : 1 ! 2 tal que h( 1 (t, x)) = 2 (t, h(x)), para
todo (t, x) 2 D1 .
O difeomorfismo h chama-se conjugação topológica entre X1 e X2 .
Toda conjugação é também uma equivalência, porém a conjugação, além de preservar a
orientação das órbitas, preserva o tempo. Uma equivalência h entre X1 e X2 leva ponto singular
em ponto singular e órbita periódica em órbita periódica.

Definição 5.2.5. Sejam X : ! Rn um campo de classe C k , k 1, ✓ Rn aberto e


A ✓ Rn 1
um aberto. Uma aplicação diferenciável f : A ! de classe C r chama-se seção
transversal local de X (de classe C r ), quando Df (a)(Rn 1 ) e X(f (a)) geram o Rn , para todo
a 2 A. Se f : A ! ⌃ for um homeomorfismo, dizemos que ⌃ é uma seção transversal de X.

Figura 5.1: Conjugação Topológica

31
Capı́tulo 6

O Teorema do Fluxo Tubular

6.1 Fluxo Tubular


Definição 6.1.1. Uma aplicação f : U ! Rn , definida no aberto U ⇢ Rm , chama-se forte-
mente diferenciável no ponto a 2 U quando existe uma transformação linear T : Rm ! Rn
tal que, para x, y 2 U vale

f (x) f (y) = T.(x y) + ⇢a (x, y)|x y|

onde
lim ⇢a (x, y) = 0.
(x,y)!(a,a)

Teorema 6.1.2. Seja f : U ! Rn uma aplicação diferenciável. A fim de que f seja fortemente
diferenciável no ponto a 2 U , é necessário e suficiente que a aplicação derivada f 0 : U !
L(Rm ; Rn ) seja contı́nua no ponto a.

Teorema 6.1.3 (Teorema da Aplicação Inversa). Seja f : U ! Rm , definida no aberto


U ⇢ Rm , fortemente diferenciável no ponto a 2 U e f 0 (a) ✓
: Rm ! ◆ R um isomorfismo.
m

@fi
(Equivalentemente: o determinante jacobiano det Jf (a) = (a) é diferente de zero.)
@xj
Então f é um homeomorfismo de um aberto V contendo a sobre um aberto W contendo f (a).
1
O homeomorfismo inverso f : W ! V é fortemente diferenciável no ponto f (a) e sua
derivada nesse ponto é [f 0 (a)] 1 . Se f 2 C k (k 1) então V pode ser tomado de modo que f
1
seja um difeomorfismo de V sobre W e, tem-se ainda f 2 Ck.

Lema 6.1.4. Sejam X1 : 1 ! Rn e X 2 : 2 ! Rn campos C k e h : 1 ! 2 um


difeomorfismo de classe C r . Então h é uma conjugação entre X1 e X2 se, e somente se,
Dh(p)X1 (p) = X2 (h(p)), 8p 2 1.

33
Capı́tulo 6. O Teorema do Fluxo Tubular

Demonstração. (() Sejam '1 : D1 ! 1 e '2 : D2 ! 2 os fluxos de X1 e X2 , respec-


tivamente. Suponha que h satisfaz Dh(p)X1 (p) = X2 (h(p)), 8p 2 1. Dado p 2 1 e seja
(t) = h('1 (t, p)), t 2 I1 (p). Então é solução do problema de valor inicial x0 = X2 (x),
x(0) = h(p), pois
◆✓
0 d'1
(t) = Dh('1 (t, p)). (t, p) = Dh('1 (t, p))X1 ('1 (t, p))
dt
✓ ◆ ✓ ◆
d'2 d'2
= X2 (h('1 (t, p))) = X2 ( (t)) = (t, (t)) = (t, h('1 (t, p)).
dt dt
Desse modo, (t) = h('1 (t, p)) = '2 (t, h(p)) + K.
Aplicando a condição inicial:
(0) = h('1 (0, p)) = '2 (0, h(p)) + K
) h(p) = h(p) + K
) x(0) = x(0) + K
) K = 0.
Portanto, h('1 (t, p)) = '2 (t, h(p)).
()) Suponhamos que h seja uma conjugação de classe C r e seja p 2 1, então

h('1 (t, p)) = '2 (t, h(p)),

8t 2 I1 (p), em que I1 (p) é um intervalo que contém o zero.


Derivando ambos os lados da igualdade com respeito a t em t = 0, obtém-se:
d'1
(h('1 (t, p)))0 = Dh('1 (t, p)). dt
(t, p) = Dh('1 (t, p))X1 ('1 (t, p)).
0 d'2
('2 (t, h(p))) = dt
(t, h(p)) = X2 (h(p)).
Logo, tem-se que Dh('1 (t, p))X1 ('1 (t, p)) = X2 (h(p)), 8t 2 I1 (p), o que implica que em
t=0
Dh(p)X1 (p) = X2 (h(p)).

Teorema 6.1.5 (Teorema do Fluxo Tubular). Seja p um ponto não singular de X : ! Rn


de classe C k e f : A ! ⌃ uma seção transversal local de X de classe C k com f (0) = p. Então
existe uma vizinhança V de p em e um difeomorfismo h : V ! ( ", ") ⇥ B de classe C k ,
onde " > 0 e B é uma bola aberta em Rn 1
de centro na origem 0 = f 1
(p) tal que

(a) h(⌃ \ V ) = {0} ⇥ B;

(b) h é uma C k -conjugação entre X|V e o campo constante Y : ( ", ") ⇥ B ! Rn , Y =


(1, 0, 0, ..., 0) 2 Rn .

34
6.1. Fluxo Tubular

Figura 6.1: Fluxo Tubular

Figura 6.2: Prova do Teorema 6.1.5

Demonstração. Seja : D ⇢ R ⇥ Rn 1
! o fluxo de X e seja F : DA = {(t, u) : (t, f (u)) 2
D} ⇢ R ⇥ A ! definida por F (t, u) = (t, f (u)). F aplica linhas paralelas ao eixo t em
curvas integrais do campo X.
Seja u1 2 A, então F (t, u1 ) = (t, f (u1 )), (t, f (u1 )) 2 D. Note que esta é a trajetória de X
que em t = 0 passa por f (u1 ).
Primeiramente, mostraremos que F é um difeomorfismo local em 0 = (0, 0) 2 R ⇥ Rn 1 .
Para que o Teorema da Aplicação Inversa possa ser utilizado, devemos satisfazer suas hipóteses,
isto é, mostrar que det(DF (0)) 6= 0 e que F é fortemente diferenciável no ponto 0.
i) Mostremos que det(DF (0)) 6= 0. Temos que
✓ ◆
@F @ @F @F @F
(0, 0) = (0, f (0)) = X( (0, p)) = X(p) e = , ...,
@t @t @u @x1 @xn 1
onde u = (x1 , ..., xn 1 ).
Além disso,

@F @ @ 0 @f
(0, 0) = (0, f (0)) = (f (0)) = (0)
@x1 @x1 @x1 @x1

35
Capı́tulo 6. O Teorema do Fluxo Tubular

..
.
@F @ @ 0 @f
(0, 0) = (0, f (0)) = (f (0)) = (0).
@xn 1 @xn 1 @xn 1 @xn 1
✓ ◆ ✓ ◆
@F @F @f @f
Logo, DF (0) = (0, 0), (0, 0) = X(p), (0), ..., (0) .
@t @u @x1 @xn 1
Temos que f é uma seção transversal local de X, logo, por definição, Df (0)(Rn 1 ) e X(p)
geram o Rn . Assim, esses vetores são linearmente independentes e, portanto, det(D(F (0)) 6= 0.
ii)A aplicação derivada f 0 é contı́nua no ponto 0 por hipótese, pois f é de classe C r . Logo,
por (6.1.2), f é fortemente diferenciável em 0.
Pelo Teorema da Aplicação Inversa, existem " > 0 e uma bola B ⇢ Rn 1
com centro na
origem 0 tais que F |( ", ") ⇥ B é um difeomorfismo sobre o aberto V = F ((", ") ⇥ B). Sejam
1
h = F : V ! ( ", ") ⇥ B e x 2 ⌃ \ V , então existe u 2 A tal que f (u) = x. Ainda
1
mais, h(x) = h(f (u)) = F (f (u)) e F (0, u) = (0, f (u)) = 0 (f (u)) = f (u). Desse modo,
1 1
F (F (0, u)) = F (f (u)), o que implica que h(x) = (0, u). Portanto, h(⌃ \ V ) = {0} ⇥ B.
Isto prova (a).
Para provar a parte (b), devemos mostrar que Dh 1 (t, u)Y (t, u) = X(h 1 (t, u)), 8(t, u) 2
( ", ") ⇥ B. ✓ ◆
1 @f @f
Dh (t, u)Y (t, u) = DF (t, u)(1, 0, ..., 0) = X( (t, f (u))), (u), ..., (u) (1, 0, ..., 0) =
@x1 @xn 1
X( (t, f (u))) = X(F (t, u)) = X(h 1 (t, u)).
Assim sendo, Dh 1 (t, u)Y (t, u) = X(h 1 (t, u)), 8(t, u) 2 ( ", ") ⇥ B.

36
Capı́tulo 7

Estrutura Local de Pontos Singulares


Hiperbólicos

Neste capı́tulo, vamos estudar os pontos singulares hiperbólicos, ou seja, pontos os quais
nenhum dos autovalores da matriz A = Df (x0 ) possui parte real nula.
O Teorema de Grobman-Hartman mostra que numa região próxima do ponto de equilı́brio,
o sistema não linear
ẋ = f (x) (7.1)

possui uma estrutura qualitativa equivalente ao sistema linear

ẋ = Ax (7.2)

onde A = Df (x0 ) e x0 é uma singularidade. Assumiremos que o ponto de equilı́brio x0 foi


transladado para a origem.

7.1 O Teorema de Grobman-Hartman


Definição 7.1.1. O número de autovalores de DX(x0 ) que têm parte real menor do que
0 chama-se ı́ndice de estabilidade de X em x0 . O ı́ndice determina a classe de conjugação
topológica local.

Teorema 7.1.2 (Desigualdade do Valor Médio). Dado U ⇢ Rm aberto, seja f : U ! Rn


diferenciável em cada ponto do segmento de reta aberto (a, a + v) e tal que sua restrição ao
segmento fechado [a, a + v] ⇢ U seja contı́nua. Se |f 0 (x)|  M para todo x 2 (a, a + v) então
|f (a + v) f (a)|  M.|v|.

Teorema 7.1.3 (Teorema de Grobman-Hartman). Sejam ⌦ ⇢ Rn um aberto contendo a ori-


gem, f 2 C 1 (⌦) e t o fluxo do sistema não linear (7.1), supondo f (0) = 0 e que a matriz

37
Capı́tulo 7. Estrutura Local de Pontos Singulares Hiperbólicos

A = Df (0) não possui autovalores com a parte real nula. Então existe um homeomorfismo
H :U ! V , com U e V contendo a origem, tal que para cada x0 2 U , existe um intervalo
aberto I0 ⇢ R contendo o zero tal que, para todo x0 2 U e t 2 I0 vale

H t (x0 ) = eAt H(x0 )

isto é, H leva trajetórias de (7.1) próximas a origem em trajetórias de (7.2) próximas a origem,
preservando a orientação.

Demonstração. Considere o sistema não linear (7.1) com f 2 C 1 (⌦), f (0) = 0 e A = Df (0).
Suponha que a matriz A seja escrita na forma
" #
P 0
A=
0 Q
onde os autovalores de P possuem parte real negativa e os autovalores de Q possuem parte real
positiva.
Seja t o fluxo do sistema não linear (7.1) e escreva a solução
" #
y(t, y0 , z0 )
X(t, x0 ) = t (x0 ) =
z(t, y0 , z0 )

onde " #
y0
x0 = 2 Rn ,
z0
y0 2 ⌦s , o subespaço estável de A, isto é, todos os autovalores tem parte real negativa e z0 2 ⌦u ,
o subespaço instável de A, isto é, todos os autovalores tem parte real positiva. Note que y0 e
z0 tem tantas coordenadas quanto a quantidade de linhas de P e Q, respectivamente.
Defina as funções
Ỹ : ⌦s ⌦u ! ⌦s por Ỹ (y0 , z0 ) = y(1, y0 , z0 ) e P y0
Z̃ : ⌦s ⌦u ! ⌦u por Z̃(y0 , z0 ) = z(1, y0 , z0 ) eQ z0
e
" #
Ỹ (y0 , z0 )
X̃(y0 , z0 ) = .
Z̃(y0 , z0 )
Logo, temos que
" # " # " # " #
Ỹ (0, 0) y(1, 0, 0) 0 0
X̃(0, 0) = = = ,
Z̃(0, 0) z(1, 0, 0) 0 0

pois, por hipótese, zero é um ponto de equilı́brio hiperbólico. Mostremos que DX̃(0, 0) = 0.

38
7.1. O Teorema de Grobman-Hartman

2 3
@y @y " #
(1, 0, 0) (1, 0, 0) eP 0 @x
6 7
DX̃(0, 0) = 4 @y
@z
0 @z0
@z 5 = (1, 0, 0) eA .
(1, 0, 0) (1, 0, 0) 0 e Q @(y0 , z0 )
@y0 @z0

De fato,

@x
DX̃(0, 0) = 0 () (1, 0, 0) = eA
@(y0 , z0 )
@x
Agora, resta mostrar que vale (1, 0, 0) = eA .
@(y0 , z0 )
Por (7.1),

@x
= f (x(t, y, z)).
@t
Derivando ambos os lados da igualdade com relação a (y0 , z0 ) no ponto (1, 0, 0), tem-se

@ 2x @f (x(t, y, z)) @f (x(1, 0, 0)) @x(1, 0, 0)


(1, 0, 0) = (1, 0, 0) = .
@(y0 , z0 )@t @(y0 , z0 ) @(y0 , z0 ) @(y0 , z0 )
Como as derivadas de segunda ordem são contı́nuas, pelo Teorema de Schwarz, temos

@ 2x @x(1, 0, 0)
(1, 0, 0) = A .
@t@(y0 , z0 ) @(y0 , z0 )

Por fim, o sistema linear acima possui como solução

@x(1, 0, 0)
= eA .
@(y0 , z0 )
Portanto, " # " #
DỸ (0, 0) 0
DX̃(0, 0) = = .
DZ̃(0, 0) 0

Como f 2 C 1 (⌦), então Ỹ (y0 , z0 ) e Z̃(y0 , z0 ) são continuamente diferenciáveis e, desse modo,

DỸ (y0 , z0 )  a

e
DZ̃(y0 , z0 )  a

no conjunto compacto |y0 |2 + |z0 |2  s20 . A constante a pode ser tomada tão pequena quanto
se queira, basta diminuir s0 .
Definiremos as funções suaves Y (y0 , z0 ) e Z(y0 , z0 ) da seguinte forma:

39
Capı́tulo 7. Estrutura Local de Pontos Singulares Hiperbólicos

8
<Y (y0 , z0 ) = Ỹ (y0 , z0 )
:Z(y , z ) = Z̃(y , z )
0 0 0 0
⇣ s ⌘2
0
para |y0 |2 + |z0 |2  e
2
8
<Y (y0 , z0 ) = 0
:Z(y , z ) = 0
0 0

para |y0 |2 + |z0 |2 s20 .


Pela Desigualdade do Valor Médio, temos que 8(y0 , z0 ) 2 Rn :

|Y (y0 , z0 )| = |Y (y0 , z0 ) Ỹ (0, 0)|


= |Y (y0 , z0 ) Y (0, 0)|
 a|(y0 , z0 ) (0, 0)|
 a|(y0 , z0 )|
p
 a |y0 |2 + |z0 |2
 a(|y0 |2 + |z0 |2 ).

De maneira análoga, temos |Z(y0 , z0 )|  a(|y0 |2 + |z0 |2 ), 8(y0 , z0 ) 2 Rn .


Denotando B = ep e C = eq e assumindo que já tenha sido feita a normalização dos
1
operadores, (Hartman[H], p.233), temos b = kBk < 1 e c = kC k < 1.
Além disso, vamos definir c⇤ = kCk.
Para " #
y
x= 2 Rn
z
vamos definir as transformações
" #
By
L(y, z) =
Cz
e " #
Y (y, z) + By
T (y, z) =
Z(y, z) + Cz
isto é, L(x) = eA x e T (x) = 1 (x).

Lema 7.1.4. Existe um homeomorfismo H0 : U ! V , em que U e V abertos de Rn contendo


a origem, tal que:
H0 T = L H0 .

40
7.1. O Teorema de Grobman-Hartman

A demonstração desse Lema será feita utilizando aproximações sucessivas. Para x 2 Rn


" #
(y, z)
H0 (y, z) = .
(y, z)
Então, H0 T = L H0 é equivalente ao par de equações

B (y, z) = (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz) (7.3)

C (y, z) = (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz) (7.4)

pois
" #
(Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz)
H0 T = H0 (T ) =
(Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz)
e " #
B (y, z)
L H0 = L(H0 ) = .
C (y, z)

Primeiramente, definiremos as aproximações sucessivas para equação (9.4.2) por

0 (y, z) =z

..
. (7.5)
1
k+1 (y, z) =C k (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz).

Segue, por indução, que para k = 1, 2, ...,, k (y, z) são contı́nuas e satisfazem k (y, z) =z
para |y| + |z| 2s0 .
Se k = 0, então 0 (y, z) = z e, dessa forma, 0 é contı́nua. Suponhamos que vale para
k (y, z). Provaremos que vale para k+1 . Sabendo que Z(y, z) = 0, se |y| + |z| 2s0 , então

1
k+1 =C k (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz)
1
=C (Z(y, z) + Cz)
1
=C (Cz)
= z.

Logo, k (y, z) =z e k (y, z) são contı́nuas 8k 2 N.


Agora, provaremos também por indução , que para j = 1, 2, ...

| j (y, z) j 1 (y, z)|  M rj (|y| + |z|)

41
Capı́tulo 7. Estrutura Local de Pontos Singulares Hiperbólicos

em que r = c[3 max(a, b, c⇤ )] , com 2 (0, 1) escolhido suficientemente pequeno, de modo que
ac(2s0 )1
r<1eM = . Para j = 1 e sabendo que Z(y, z) = 0 para |y| + |z| 2s0
r
1
| 1 (y, z) 0 (y, z)| = |C 0 (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz) z|
1
= |C (Z(y, z) + Cz) z|
1
= |C Z(y, z)|
1
 kC k|Z(y, z)|
 ca(|y| + |z|)
 M r(|y| + |z|) .

Assumindo que vale para j = 1, ..., k, mostraremos que também vale para k + 1:

1 1
| k+1 (y, z) k (y, z)| = |C k (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz) C k 1 (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz)|
1
= |C [ k (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz) k 1 (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz)]|
1
 kC k| k (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz) k 1 (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz)|
 cM rk (|By + Y (y, z)| + |Cz + Z(y, z)|)
 cM rk [b|y| + 2a(|y| + |z|)| + c⇤ |z|]
 cM rk [3 max(a, b, c⇤ )] (|y| + |z|)]
= M rk+1 (|y| + |z|)] .

Note que, k (y, z) é uma sequência de Cauchy de funções contı́nuas, portanto, converge
uniformemente para a função contı́nua (y, z), quando k ! 1. Além disso, (y, z) = z para
|y| + |z| 2s0 .
Tomando o limite em (7.5), temos

1
lim k+1 (y, z) = lim C k (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz)
k!1 k!1

e, portanto
C (y, z) = (Y (y, z) + By, Z(y, z) + Cz),

o que mostra que (y, z) é solução de (9.4.2).


A equação (9.4.1) pode ser escrita da seguinte forma

1
B (y, z) = (B 1 y + Y1 (y, z), C 1
z + Z1 (y, z))

onde as funções Y1 e Z1 são definidas através da inversa de T e


" #
1
B y + Y 1 (y, z)
T 1 (y, z) = 1
.
C z + Z1 (y, z)

42
7.1. O Teorema de Grobman-Hartman

Provamos que (y, z) = B (Y1 (y, z) + B 1 y, Z1 (y, z) + C 1


z) de modo análogo ao que
fizemos para (y, z), tomando 0 (y, z) = y como aproximação inicial. Dessa forma, obtemos a
aplicação contı́nua
" #
(y, z)
H0 (y, z) = .
(y, z)

Anteriormente, foi provado por indução que (y, z) é uma função contı́nua, o que é feito
de modo análogo para (y, z). Assim, podemos concluir que H0 (y, z) é contı́nua. Além disso,
existe a inversa de H0 . De (7.1.4), temos que existe H0 tal que

H0 T = L H0 .

Tomando a inversa de ambos os lados da equação, resulta em

1
T H0 1 = H0 1 L 1 .

Considere G0 = H0 1 e T 1
e L 1 , o fluxo não linear no tempo t = 1 e o fluxo linear,
respectivamente. Assim, temos que

1
T G0 = G0 L 1 .

Fazendo o mesmo processo que fizemos para H0 , concluı́mos que G0 é contı́nua. Logo, H0
é um homeomorfismo.
Isso finaliza a prova do Lema. Voltando à demonstração do Teorema...
Seja H0 o homeomorfismo do Lema acima e considere Lt e T t a famı́lia de transformações
definidas por Lt (x0 ) = eAt x0 e T t (x0 ) = t (x0 ).

Definimos
ˆ 1
H= L s H0 T s ds.
0

Segue de (7.1.4) que existe uma vizinhança da origem tal que

ˆ 1 ˆ 1
t t s s
LH=L L H0 T ds = Lt s H0 T s t dsT t .
0 0

43
Capı́tulo 7. Estrutura Local de Pontos Singulares Hiperbólicos

Tomando u = s t e usando o fato de que H0 = L 1 H0 T , segue


ˆ 1 t ˆ 0 ˆ 1 t
u u t u u
L H0 T duT = L H0 T du + L u H0 T u du T t
t t 0
ˆ 0 ˆ 1 t
u 1 u
= L L H0 T T du + L u H0 T u du T t
t 0
ˆ 0 ˆ 1 t
= L u 1 H0 T u+1 du + L u H0 T u du T t
t 0
ˆ 1 ˆ 1 t
v v
= L H0 T dv + L v H0 T v dv T t
1 t 0
ˆ 1
= L v H0 T v dv T t
0

= HT t .

Como
Lt H = HT t , (7.6)

então,
H t (x0 ) = eAt H(x0 ).

Para finalizar a demonstração, é suficiente verificar que H é um homeomorfismo. Note que


H é dada por ˆ 1
H= L s H0 T s ds,
0

isto é, H é a integral de uma composição de funções contı́nuas, visto que H0 é contı́nua e Lt (x0 )
e T t (x0 ) são, respectivamente, o fluxo do campo linear e não linear. Vale lembrar que o fluxo
é uma aplicação contı́nua.
Como vimos, H0 é um homeomorfismo, logo, possui inversa, a qual chamaremos de G0 .
1
Assim, a inversa de H é H , que será definida por
ˆ 1
1
H = T s H0 Ls ds.
0

1 1
Mais uma vez, H é a integral de uma composição de funções contı́nuas e assim H é
contı́nua. Portanto, a aplicação H é um homeomorfismo.

44
Capı́tulo 8

Conjuntos Limites e Atratores

8.1 Conceitos Importantes


Considere o sistema autônomo
ẋ = f (x) (8.1)

com f 2 C 1 (E), em que E é um subconjunto aberto de Rn . Para x 2 E, a função (. , x) :


R ! E define a solução curva, trajetória ou órbita de (8.1) que passa por x 2 E. Podemos
pensar na trajetória através do ponto x0 2 E como o movimento ao longo da curva

x0 = {x 2 E/x = (t, x0 ), t 2 R}

definida por (8.1) e que passa pelo ponto x0 em t = 0. Denotaremos a trajetória simplesmente
por , que será um subconjunto do espaço de fase Rn .

Definição 8.1.1. A trajetória positiva de (8.1) que passa pelo ponto x0 2 E é dada por
+
x0 = {x 2 E/x = (t, x0 ), t 0}. Analogamente, a trajetória negativa de (8.1) que passa pelo
+
ponto x0 2 E é dada por x0 = {x 2 E/x = (t, x0 ), t  0}. Assim, temos que = [ .

Definição 8.1.2. Um ponto p 2 E é um ponto !-limite da trajetória (. , x) do sistema (8.1)


se existe uma sequência tn ! 1 tal que

lim (tn , x) = p.
n!1

Similarmente, se existir uma sequência tn ! 1 tal que

lim (tn , x) = q.
n!1

e o ponto q 2 E, então o ponto q é chamado de um ponto ↵-limite da trajetória (. , x) de


(8.1).

45
Capı́tulo 8. Conjuntos Limites e Atratores

O conjunto de todos os pontos !-limite da trajetória é chamado de conjunto !-limite


de e é denotado por !( ).
De modo análogo, o conjunto de todos os pontos ↵-limite da trajetória é chamado de
conjunto ↵-limite de e é denotado por ↵( ). O conjunto ↵( ) [ !( ) é chamado de
conjunto limite de .

Definição 8.1.3. Um ponto a 2 Rn diz-se aderente a um conjunto X ⇢ Rn quando é limite


de uma sequência de pontos desse conjunto.

Definição 8.1.4. O conjunto de todos os pontos aderentes a X chama-se fecho de X e é


indicado com a notação X̄.

Definição 8.1.5. Um conjunto X ⇢ Rn chama-se chama-se fechado quando contém todos os


seus pontos aderentes, isto é, quando X = X̄.

Definição 8.1.6. Seja M um conjunto e X ✓ M . Dizemos que {U↵ }↵ 2 é uma cobertura


de X em M quando cada U↵ ✓ M e X ✓ [↵2 U↵ .

Definição 8.1.7. Seja (M, d) um espaço métrico e X ✓ M . Uma cobertura por abertos de X
é uma cobertura no sentido anterior no qual cada U↵ é um aberto em M .

Definição 8.1.8. Seja (M, d) um espaço métrico e X ✓ M . Dizemos que X é compacto em


M se para toda cobertura aberta de X em M existe uma subcobertura finita de X em M , isto
é, X ✓ [↵2 U↵ ) existe ↵1 , ↵2 , ..., ↵m 2 tal que X ✓ [U↵1 ... [ U↵m .

Teorema 8.1.9. K ⇢ Rn é fechado e limitado se, e somente se, K é compacto.

Proposição 8.1.10. Seja (M, d) um espaço métrico compacto. K ✓ M é fechado se, e somente
se, K é compacto.

Teorema 8.1.11. Um conjunto X ⇢ Rn é compacto se, e somente se, toda sequência em X


possui uma subsequência convergente para um ponto de X.

Definição 8.1.12. Uma cisão do conjunto X é uma decomposição da forma

X =A[B

no qual A, B são abertos em M e A \ B = ?.


A decomposição X = X \ ? é chamada de cisão trivial.

Definição 8.1.13. Um conjunto X é conexo quando a única cisão possı́vel é a cisão trivial.

46
8.1. Conceitos Importantes

Teorema 8.1.14. Os conjuntos ↵ e !-limites da trajetória de (8.1) são subconjuntos fe-


chados de E. Se está contido em um subconjunto compacto de Rn , então ↵( ) e !( ) são
subconjuntos não vazios, conexos e compactos de E.

Demonstração. Decorre da definição que !( ) ⇢ E. Para mostrar que !( ) é um subconjunto


fechado de E, tomaremos uma sequência de pontos em !( ), a qual denotaremos por pn , tal
que pn ! p 2 Rn e, por fim, mostraremos que p 2 !( ). Seja x0 2 e pn 2 !( ), segue que,
(n)
para cada n = 1, 2, ..., existe uma sequência tk ! 1 quando k ! 1 tal que

(n)
lim (tk , x0 ) = pn
k!1

n = 1, t11 < t12 < t13 < ... ! 1


n = 2, t21 < t22 < t23 < ... ! 1
..
.
n = l, tl1 < tl2 < tl3 < ... ! 1
Logo, existe k(n) tal que
(n) 1
| (tk , x0 ) pn | <
n
8k k(n).
(n) (n+1) (n)
Seja tn = tk(n) , queremos mostrar que tn ! 1. Assumindo que tk > tk , temos
tn+1 > tn , pois
(n+1) (n)
tn+1 = tk(n+1) > tk (n + 1)(n) > tk(n) = tn .

Portanto tn ! 1 e, pela desigualdade triangular

| ( t n , x0 ) p| = | ( tn , x0 ) p + pn pn |
 | ( tn , x0 ) pn | + |pn p|
1
 + |pn p|.
n

Quando n ! 1, temos | ( tn , x0 ) p| ! 0. Dessa forma, p 2 !( ), o que implica que


!( ) seja fechado.
Vamos mostrar agora que se está contido em K ⇢ Rn compacto, então !( ) é não vazio,
conexo e compacto em E.
Por hipótese, ⇢ K e (tn , x0 ) ! p 2 !( ). De fato, tem-se que (tn , x0 ) 2 ⇢ K,
8n 2 N. Como (tn , x0 ) é uma sequência no compacto K, então possui uma subsequência
convergente para um ponto de K, mas como (tn , x0 ) ! p, então toda subsequência de
(tn , x0 ) também converge para p. Portanto, p 2 K, o que implica em !( ) ⇢ K. Já provamos
que !( ) é fechado em E e que !( ) ⇢ K, em que K é compacto, então !( ) é compacto.

47
Capı́tulo 8. Conjuntos Limites e Atratores

Além disso, !( ) 6= ?, pois a sequência de pontos (n, x0 ) 2 K possui uma subsequência


convergente a um ponto p 2 !( ).
Finalmente, provemos que !( ) é conexo. Suponha, por absurdo, que !( ) não seja conexo.
Uma prova similar pode ser feita para estabelecer os mesmos resultados para ↵( ). Então
existem A, B ⇢ Rn abertos disjuntos e não vazios tais que !( ) = A [ B. Como A e B são
limitados, definimos a distância entre A e B como

= d(A, B) = inf |x y|.


x2A,y2B

Como os pontos de A são de !-limite, existe uma sequência tn 0 ! 1 tal que (tn 0 , x0 ) !
a 2 A. Assim, dado > 0, existe n̄, tal que, para n > n̄ tem-se

| (tn 0 , x0 ) A| < .
2
Analogamente, existe uma sequência tn 00 ! 1 tal que (tn 00 , x0 ) ! b 2 B. Então, dado
¯ , tal que, para n > n̄
> 0, existe n̄ ¯ tem-se

| (tn 00 , x0 ) B| <
2

) | (tn 0 , x0 ) A| > .
2
Logo, podemos definir a sequência
8
<tn 0 , se n é par
tn =
:t 00 , se n é ı́mpar
n

¯ }, para n > n⇤ tem-se


e, portanto, tomando n⇤ = max{n̄, n̄

| (tn , x0 ) A| <
2
e
| (tn 0 , x0 ) A| > .
2
A função d( (tn , x0 ), A) é uma função de t contı́nua e segue que deve existir uma sequência
tm ! 1 tal que d( (tm , x0 ), A) = /2. Como (tm , x0 ) ⇢ K, existe uma subsequência con-
vergindo para um ponto p 2 !( ) com d(p, A) = /2. Pela desigualdade triangular,

d(p, A) + d(p, B)  d(A < B)

) d(p, B)
2
o que implica que p 2
/Aep2
/ B, isto é, p 2
/ !( ), uma contradição.

48
8.1. Conceitos Importantes

Teorema 8.1.15. Seja p um ponto !-limite de (8.1), então todos os outros pontos da trajetória
(. , p) de (8.1) também são pontos !-limite, isto é, se p 2 !( ) então p⇢ !( ) e similarmente
se p 2 ↵( ) então p ⇢ ↵( ).

Demonstração. Seja p 2 !( ), onde é a trajetória de (t, x0 ). Seja q = (t⇤ , p), para algum
t⇤ 2 R. Como p é um ponto !-limite da trajetória (t, x0 ), temos que existe uma sequência
tn ! 1 tal que (tn , x0 ) ! p. Devido à continuidade com respeito às condições iniciais e às
propriedades de fluxo, temos

(tn + t⇤ , x0 ) = (t⇤ , (tn , x0 )) ! (t⇤ , p) = q.

Logo, q é um ponto !-limite. A mesma demonstração pode ser feita para um ponto ↵-limite.

Corolário 8.1.16. Os conjuntos !( ) e ↵( ) são invariantes com respeito ao fluxo t de (8.1).

Definição 8.1.17. Um conjunto fechado e invariante A ⇢ E é chamado de conjunto atrator


do sistema (8.1) se existir alguma vizinhança U de A tal que, para todo x 2 U , temos t (x) 2 U,
para todo t 0e t (x) ! A, quando t ! 1.
Observe que, dado um ponto de equilı́brio x0 de (8.1), temos que (t, x0 ) = x0 para todo
t 2 R e a trajetória possui um único ponto !-limite e ↵-limite, o próprio x0 .

Definição 8.1.18. Um ciclo limite ou órbita fechada isolada de (8.1) é uma curva fechada
que é solução do sistema e que não tem ponto de equilı́brio. O ciclo limite é chamado de
+
atrator, se existe " > 0 e uma vizinhança U de , tal que para todo x 2 U , d( x, ) < ".
Um ciclo limite é repulsor se existe " > 0 e uma vizinhança U de , tal que, para todo x 2 U ,
d( x, ) < ". Se não é atrator e nem repulsor, dizemos que é semi-estável.
Vale destacar que define uma curva fechada se, e somente se, para todo t 2 R vale

(t + T, x0 ) = (t, x0 )

em que T é o perı́odo da órbita periódica.

Exemplo 8.1.19. Considere o sistema


8
<ẋ = y + x(1 x2 y 2 )
:ẏ = x + y(1 x2 y 2 ).

Em coordenadas polares, temos x = r. cos ✓ e y = r. sin ✓.


Substituindo no sistema:
8
<(r. cos ✓)0 = r. sin ✓ + r. cos ✓(1 r2 . cos2 ✓ r2 . sin2 ✓)
:(r. sin ✓)0 = r. cos ✓ + r. sin ✓(1 r2 . cos2 ✓ r2 . sin2 ✓).

49
Capı́tulo 8. Conjuntos Limites e Atratores

Derivando o lado esquerdo da igualdade com relação a t, obtemos


8
<r0 . cos ✓ ✓0 .r. sin ✓ = r. sin ✓ + r. cos ✓(1 r2 )
(8.2)
:r0 . sin ✓ + ✓0 .r. cos ✓ = r. cos ✓ + r. sin ✓(1 r2 ).

Multiplicando a primeira equação de (8.2) por (cos ✓) e a segunda equação por (sin ✓) e, por
fim, somando ambas, encontramos
r0 = r(1 r2 ).

Multiplicando a primeira equação de (8.2) por ( sin ✓) e a segunda equação por (cos ✓) e,
por último, somando as duas, temos
✓0 = 1.

Logo, o sistema dado é correspondente ao sistema abaixo em coordenadas polares


8
<r0 = r(1 r2 )
:✓0 = 1.

Figura 8.1: A circunferência de raio 1(em azul) é um conjunto atrator.

Note que,

• se r = 1, então r0 = 0, isto é, não há variação do raio e o fluxo é definido por uma
circunferência de raio unitário;

• se r > 1, então r0 < 0, ou seja, o raio está decrescendo em forma de uma espiral;

50
8.1. Conceitos Importantes

• se 0 < r < 1, então r0 > 0, ou seja, o raio está crescendo em forma de uma espiral.

É claro que a origem é um ponto de equilı́brio. Além disso, como ✓0 = 1, o ângulo ✓ é


crescente, o que nos permite concluir que o fluxo ocorre no sentido anti-horário.
A circunferência de raio unitário é um conjunto !-limite de fluxos com r > 1 e r < 1. A
origem é um ponto ↵-limite de fluxos com r < 1 e fluxos com r > 1 não possuem um conjunto
↵-limite.

Exemplo 8.1.20. Considere o sistema abaixo


8
>
>ẋ = y + x(1 z 2 x2 y 2 )
>
<
ẏ = x + y(1 z 2 x2 y 2 )
>
>
>
:ż = 0.

Em coordenadas esféricas, temos x = ⇢. sin . cos ✓, y = ⇢. sin . sin ✓ e z = ⇢. cos . Substi-


tuindo no sistema:
8
>
> (⇢. sin . cos ✓)0 = ⇢. sin . sin ✓ + ⇢. sin . cos ✓(1 ⇢2 . cos2 ⇢2 . sin2 . cos2 ✓ ⇢2 . sin2 . sin2 ✓)
>
<
(⇢. sin . sin ✓)0 = ⇢. sin . cos ✓ + ⇢. sin . sin ✓(1 ⇢2 . cos2 ⇢2 . sin2 . cos2 ✓ ⇢2 . sin2 . sin2 ✓)
>
>
>
:(⇢. cos )0 = 0.

Derivando o lado esquerdo da igualdade em t, obtemos


8
>
> ⇢0 . sin . cos ✓ + 0 .⇢. cos . cos ✓ ✓0 .⇢. sin . sin ✓ = ⇢. sin . sin ✓ + ⇢. sin . cos ✓(1 ⇢2 )
>
<
⇢0 . sin . sin ✓ + 0 .⇢. cos . sin ✓ ✓0 .⇢. sin . cos ✓ = ⇢. sin . cos ✓ + ⇢. sin . sin ✓(1 ⇢2 )
>
>
>
:⇢0 . cos 0
.⇢. sin = 0.
(8.3)
Multiplicando a primeira equação de (8.3) por (cos ✓) e a segunda equação por (sin ✓) e, por
fim, somando ambas, encontramos

⇢0 = ⇢(1 ⇢2 ) sin2 .

Multiplicando a primeira equação de (8.3) por ( sin ✓) e a segunda equação por (cos ✓) e,
por último, somando as duas, temos
✓0 = 1.

Logo, o sistema dado é correspondente ao sistema abaixo


8
>
> ⇢0 = ⇢(1 ⇢2 ) sin2
>
<
✓0 = 1
>
>
>
:z 0 = 0.

51
Capı́tulo 8. Conjuntos Limites e Atratores

Note que cada plano z = z0 é invariante e, como ✓0 = 1, o fluxo é anti-horário.


Tomando ⇢ = 0, ⇢ = 1 ou = 0, temos ⇢0 = 0, logo a esfera de raio ⇢ e o eixo z são
conjuntos atratores.
Considerando o plano z = 0, temos = ⇡/2 e, assim, caı́mos no caso do exemplo anterior.
0
Para 0 < ⇢ < 1 temos ⇢ > 0 e, dessa forma, o raio cresce, isto é, o fluxo é atraı́do pela
circunferência de raio 1 e para ⇢ > 1 temos ⇢0 < 0 o que implica no decrescimento do raio, ou
seja, o fluxo é atraı́do pela circunferência de raio 1.
O mesmo raciocı́nio pode ser feito para z = z0 6= 0 e, com isso, pode-se encontrar o mesmo
retrato de fase, porém, diminuindo o raio das circunferências conforme nos distanciamos de
z = 0.

Figura 8.2: Sistema dinâmico com S 2 como parte de um conjunto atrator.

Exemplo 8.1.21. Considere o sistema


8
>
> ẋ = y + x(1 x2 y 2 )
>
<
ẏ = x + y(1 x2 y 2 )
>
>
>
:ż = ↵.

Em coordenadas cilı́ndricas, temos x = r. cos ✓ e y = r. sin ✓, z = z. Substituindo no sistema:


8
>
> (r. cos ✓)0 = r. sin ✓ + r. cos ✓(1 r2 . cos2 ✓ r2 . sin2 ✓)
>
<
(r. sin ✓)0 = r. cos ✓ + r. sin ✓(1 r2 . cos2 ✓ r2 . sin2 ✓)
>
>
>
:z 0 = ↵.

52
8.1. Conceitos Importantes

Derivando o lado esquerdo da igualdade das duas primeiras equações dos sistema com relação
a t, obtemos 8
<r0 . cos ✓ ✓0 .r. sin ✓ = r. sin ✓ + r. cos ✓(1 r2 )
(8.4)
:r0 . sin ✓ + ✓0 .r. cos ✓ = r. cos ✓ + r. sin ✓(1 2
r ).
Multiplicando a primeira equação de (8.4) por (cos ✓) e a segunda equação por (sin ✓) e, por
fim, somando ambas, encontramos
r0 = r(1 r2 ).

Multiplicando a primeira equação de (8.4) por ( sin ✓) e a segunda equação por (cos ✓) e,
por último, somando as duas, temos
✓0 = 1.

Logo, o sistema dado é correspondente ao sistema abaixo em coordenadas cilı́ndricas


8
>
>r0 = r(1 r2 )
>
<
✓0 = 1
>
>
>
:z 0 = ↵.

Observe que, substituindo r = 0 ou r = 1 na primeira equação do sistema em coordenadas


cilı́ndricas, temos r0 = 0, logo, neste caso, não temos variação do raio ao considerar o eixo z ou
o cilindro de raio 1.
Tomando 0 < r < 1, então r0 > 0 e, portanto, o raio da trajetória aumenta, se aproximando
da circunferência de raio 1. Tomando r > 1, então r0 < 0 e, assim, o raio da trajetória diminui,
o que faz com que a mesma se aproxime da circunferência de raio 1.
Além disso, note que a segunda equação do sistema (✓0 = 1) mostra que o fluxo ocorre no
sentido anti-horário.
Por fim, z 0 = ↵ revela um aumento da coordenada z para ↵ > 0.

Exemplo 8.1.22. Considere o sistema


8
>
> x0 = (y z)
>
<
y 0 = ⇢x y xz
>
>
>
:z 0 = z + xy.

Esse sistema é conhecido como Sistema de Lorenz. Para certos valores de , ⇢, , esse
sistema possui um comportamento não usual. Por exemplo, a figura abaixo mostra os retratos
de fase para = 10, ⇢ = 28 e = 8/3. Note que cada trajetória do sistema tem a forma de
uma ”superfı́cie ramificada”, as quais se intercalam e se interceptam. No entanto, dois pontos
próximos da trajetória podem caminhar para lugares diferentes após passados t instantes.

53
Capı́tulo 8. Conjuntos Limites e Atratores

Figura 8.3: Sistema dinâmico com um cilindro como um conjunto atrator.

Figura 8.4: Sistema de Lorenz.

54
Capı́tulo 9

A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2

9.1 A Função de Poincaré

A Função de Poincaré ou Função do Primeiro Retorno é uma das ferramentas mais úteis no
estudo de estabilidade e bifurcações de órbitas periódicas.

Seja a órbita periódica do sistema

ẋ = f (x) (9.1)

que passa por x0 e ⌃ o hiperplano perpendicular a em x0 . Para todo x 2 ⌃ suficientemente


próximo de x0 , a solução t (x) de (9.1), que passa por x em t = 0, interceptará ⌃ novamente
em um ponto P (x) próximo a x0 , para t 6= 0. A função x 7 ! P (x) é chamada de função do
primeiro retorno de Poincaré.

A função de Poincaré também pode ser definida quando ⌃ é uma superfı́cie suave, que passa
por x0 2 , mas não tangente a em x0 . Neste caso, diz-se que a superfı́cie ⌃ intersecta a
curva transversalmente em x0 .

55
Capı́tulo 9. A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2

Figura 9.1: Função do Primeiro Retorno.

Teorema 9.1.1 (Teorema da Função Implı́cita). Seja E ⇢ Rn+m um aberto e f 2 C 1 (E).


@f
Suponhamos que (a, b) 2 E é tal que f (a, b) = 0 e (a, b) 6= 0. Então existe uma vizinhança
@x
N (b), em que b 2 Rm , e uma única função g 2 C 1 (N )(b) tal que g(b) = a e f (g(y), y) = 0,
8y 2 N (b). Ou seja, a função g é definida implicitamente pela função f .

Teorema 9.1.2. Seja E um subconjunto aberto de Rn e f 2 C 1 (E). Suponhamos que t (x0 ) é


uma solução periódica de (9.1) de perı́odo T e que o ciclo

= {x 2 Rn : x = (t, x0 ), 0  t  T }

está contido em E. Seja ⌃ um hiperplano ortogonal a em x0 , ou seja,

⌃ = {x 2 Rn /(x x0 ).f (x0 ) = 0}

então existe > 0 e uma única função ⌧ (x) 2 C 1 (E) para x 2 N (x0 ) \ ⌃, tal que ⌧ (x0 ) = T e
(⌧ (x), x) 2 ⌃, para todo x 2 N (x0 ) \ ⌃.

Demonstração. Seja x0 2 \ ⌃. Definimos a função

F (t, x) = [ (t, x) x0 ]f (x0 )

Como 2 C 1 (R ⇥ E), temos que F 2 C 1 (R ⇥ E). Além disso, como é uma função
periódica de perı́odo T , segue que

F (T, x0 ) = [ (T, x0 ) x0 ]f (x0 ) = (x0 x0 )f (x0 ) = 0.

Ademais,

56
9.1. A Função de Poincaré

@F @
(T, x0 ) = (T, x0 )f (x0 ) = f (x0 )f (x0 ) = |f (x0 )|2
@t @t
Como x0 não é ponto de equilı́brio, temos que f (x0 ) 6= 0 e, desse modo, concluı́mos que
@F
(T, x0 ) 6= 0.
@t
Segue do Teorema da Função Implı́cita que existe > 0 e uma única função ⌧ (x) 2
C 1 (N (x0 ) \ ⌃), tal que ⌧ (x0 ) = T e F (⌧ (x), x) = 0, para todo x 2 N (x0 ) \ ⌃. Conse-
quentemente, (⌧ (x), x) 2 ⌃, 8x 2 N (x0 ) \ ⌃.

Definição 9.1.3. Para x 2 N (x0 ) \ ⌃, a função

P (x) = (⌧ (x), x)

á chamada de função de Poincaré de ⌃ e x0 . Note que, diretamente do teorema acima, P 2


C 1 (N (x0 ) \ ⌃).

Teorema 9.1.4. Seja f : [a, b] ! R uma função contı́nua. Se f é derivável em (a, b), então
existe c 2 (a, b) tal que
f (b) f (a)
f 0 (c) = .
b a
Teorema 9.1.5 (Teorema da Curva de Jordan). Se J é uma curva fechada, contı́nua e simples
(injetiva), de outro modo, J é a imagem homeomorfa de um ciclo, então R2 J tem duas
componentes conexas: Si (limitada) e Se (ilimitada), as quais têm J como fronteira comum.
Sendo uma curva fechada, segue que ⌃ é divido em dois segmentos: ⌃+ , localizado no
exterior da curva, e ⌃ , localizado no interior da curva.

Considere a função distância dada por

d(s) = P (s) s.

Segue que d(0) = P (0) 0 = (⌧ (0), 0) = 0 e d0 (s) = P 0 (s) 1. Logo, pelo Teorema do
Valor Médio de Lagrange, como d : [0, s] ! R é uma função contı́nua e d é derivável em (0, s),
então existe u 2 (0, s) tal que

d(s) d(0) d(s)


d0 (u) = = .
s 0 s
Como d0 (s) é contı́nua, temos que d0 (0) 6= 0, então d0 (s) terá o mesmo sinal de d0 (0) para
|s| suficientemente pequeno. Podemos dividir nos casos a seguir:

• Se d(s) < 0 para s > 0, logo d0 (0) < 0 e o ciclo limite é atrator;

57
Capı́tulo 9. A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2

• Se d(s) > 0 para s < 0, logo d0 (0) < 0 e o ciclo limite é atrator;

• Se d(s) > 0 para s > 0, logo d0 (0) > 0 e o ciclo limite é repulsor;

• Se d(s) < 0 para s < 0, logo d0 (0) > 0 e o ciclo limite é repulsor.

Note que se d0 (s) > 0, então P 0 (s) > 1 e, portanto, é repulsor. De modo análogo, se
d0 (s) < 0, então P 0 (s) < 1 e, dessa forma, é atrator.

Exemplo 9.1.6. Vimos que o sistema do exemplo (8.1.19) possui um ciclo limite dado por
(t) = (cos t, sin t). A função de Poincaré deste exemplo pode ser obtida encontrando a solução
do sistema abaixo com as condições iniciais r(0) = r0 e ✓(0) = ✓0 .
8
<r0 = r(1 r2 )
:✓ 0 = 1

Resolvendo o sistema, obtemos


 ✓ ◆ 1/2
1 2t
r(t, r0 ) = 1 + 1 e
r02
✓(t, ✓0 ) = t + ✓0 .

Note que T = 2⇡. Logo, a Função de Poincaré neste exemplo é:


 ✓ ◆ 1/2
1 4⇡
P (r0 ) = P (x) = (⌧ (x), x) = (T, x) = (2⇡, x) = 1 + 1 e .
r02
Como P 0 (1) = e 4⇡
< 1, então d0 (1) = P 0 (1) 1 < 0 e, portanto, o ciclo limite é atrator.

9.2 Ciclos Limites no Plano


Definição 9.2.1. Sejam ⇢ R2 um aberto, X : ! R2 um campo vetorial de classe C 1 e
uma órbita fechada de X. Denotaremos Ext e Int como, respectivamente, o exterior e o
interior da órbita .

Proposição 9.2.2. Seja ' a solução do sistema ẋ = f (x). Seja V uma vizinhança da órbita
e, considerando as condições da definição acima, existem apenas três tipos de ciclos limites:

• Atrator: quando lim t!1 d('(t, q), ) = 0, 8q 2 V ;

• Repulsor: quando lim t! 1 d('(t, q), ) = 0, 8q 2 V ;

• Semi-estável: quando lim t!1 d('(t, q), ) = 0, 8q 2 V \ Ext e lim t! 1 d('(t, q), ) =
0, 8q 2 V \ Int , ou o contrário.

58
9.3. Derivadas da Transformação de Poincaré

Demonstração. Suponha que em X temos uma V -vizinhança que não contém singularidades.
Seja p um ponto tal que p 2 , ⌃ uma seção transversal a que passa por p e ⇡ : ⌃0 ! ⌃
a função de Poincaré. Consideremos o sentido positivo de ⌃ de Ext para Int . Dado q 2
⌃ \ Ext , temos que ⇡(q) > q ou ⇡(q) < q. Estudemos o caso ⇡(q) > q.
[ e pelo segmento q⇡(q) ⇢ ⌃.
Considere a região limitada por , pelo arco da trajetória q⇡(q)
Chamaremos esta região de A.
Dado x 2 A, '(t, x) 2 A, 8t 0, isto é, a região A é homeomorfa a um anel e positivamente
invariante devido à unicidade e à orientação das órbitas. Além disso, '(t, x) intercepta ⌃ em
uma sequência monótona (xn )n que converge para p. Logo, o ciclo limite é atrator quando
limt!1 d('(t, q), ) = 0.
Se ⇡(q) < 0, basta considerar o campo X e repetir o mesmo raciocı́nio para concluir que
o ciclo limite é repulsor quando limt! 1 d('(t, q), ) = 0.
As mesmas considerações podem ser feitas para Int . Combinando todas as possibilidades,
temos a prova da proposição.

Observação: Temos que é um ciclo limite se, e somente se, p é um ponto fixo isolado de
⇡. Assim,

• é atrator , |⇡(x) p| < |x p|, 8x 6= p próximo de p;

• é repulsor , |⇡(x) p| > |x p|, 8x 6= p próximo de p;

• é semi-estável , |⇡(x) p| < |x p|, 8x 2 ⌃ \ Ext próximo de p e |⇡(x) p| > |x p|,


8x 2 ⌃ \ Int próximo de p, ou o contrário.

Pela definição de derivada,

|⇡(x) ⇡(p)|
|⇡ 0 (p)| = lim
x!p |x p|

Assim, se ⇡ 0 (p) > 1, então |⇡(x) ⇡(p)| > |x p| e é repulsor. Assim, se ⇡ 0 (p) < 1, então
|⇡(x) ⇡(p)| < |x p| e é atrator.

9.3 Derivadas da Transformação de Poincaré


O Teorema a seguir estabelece uma condição suficiente para classificar uma órbita periódica.

59
Capı́tulo 9. A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2

Teorema 9.3.1. Sejam ⇢ R2 um aberto e X = (X1 , X2 ) : ! R2 um campo vetorial de


classe C 1 . Seja uma órbita periódica de X de perı́odo T e ⇡ : ⌃ ! ⌃ a transformação de
Poincaré numa seção ⌃ transversal a passando por p. Então:
ˆ T
0
⇡ (p) = exp divX( (t))dt
0
´T ´T
onde divX(x) = D1 X1 (x)+D2 X2 (x). Se 0
divX( (t))dt < 0 então é atrator e se 0
divX( (t))dt >
0 então é repulsor.

9.4 O Teorema de Poincaré-Bendixson


Antes de provar o Teorema de Poicaré-Bendixson, estudaremos alguns lemas que irão nos
auxiliar na demonstração do mesmo.

Lema 9.4.1. Se p 2 ⌃ \ !( ), sendo ⌃ uma seção transversal a X e Y = {'(t)} uma órbita


de X, então p pode ser expresso como limite de uma sequência de pontos, '(tn ), de ⌃, onde
tn ! 1.

Demonstração. Por hipótese, sabemos que = {'(t, q)} e p 2 ⌃ \ !( ), como mostra a figura
abaixo.

Figura 9.2: Ilustração do Lema 9.4.1.

Consideremos a vizinhança V de p e a aplicação ⌧ : V ! R, tal que ⌧ (V \ ⌃) = 0. Como


p 2 !( ), existe uma sequência {t̄n } ! 1 e '(t̄n ) ! p quando n ! 1. Dessa forma,
existe n0 2 N, tal que '(t̄n ) 2 V , 8n n0 .

60
9.4. O Teorema de Poincaré-Bendixson

Se tn = t̄n + ⌧ ('(t̄n )), temos

'(tm ) = '(tn , q) = '(t̄n + ⌧ ('(t̄n )), q) = '(⌧ ('(t̄n )), '(t̄n ))

e, por definição de ⌧ , segue que '(tn ) 2 ⌃.


Como a aplicação ⌧ é contı́nua, obtemos

lim '(tn ) = lim '(t̄n + ⌧ ('(t̄n ))) = '(⌧ (p), p) = '(0, p) = p


n!1 n!1

pois '(t̄n ) ! p e ⌧ ('(t̄n )) ! ⌧ (p) quando n ! 1.

Observação: Note que uma seção transversal ⌃ a um campo X tem dimensão um, pois
estamos considerando o campo X em R2 . Logo, localmente, ⌃ é a imagem difeomorfa de um
intervalo da reta. Assim, ⌃ possui ordenação total induzida pela ordenação total do intervalo.
Por isso, podemos falar em sequências monótonas em ⌃.

Lema 9.4.2. Seja ⌃ uma seção transversal a X contida em . Se é uma órbita de X e


+
p 2 ⌃ \ , então p = {'(t, p); t > 0} intercepta ⌃ numa sequência monótona p1 , p2 , ..., pn , ...

Demonstração. Seja D = {0 < t1 < t2 < ... < tn < ...}. Se p1 = p2 , então é uma trajetória
fechada de perı́odo ⌧ = t1 e pn = p, 8n. Se p1 6= p2 , temos p1 < p2 ou p1 > p2 . Vamos tomar
p1 < p2 e, caso exista p3 , vamos mostrar que p3 > p2 .
Orientamos a seção transversal ⌃ conforme a imagem abaixo. Observamos que, devido ao
fato de ⌃ ser conexo e devido à continuidade do campo, as órbitas de X cruzam a seção sempre
no mesmo sentido, digamos, da esquerda para a direita.

Figura 9.3: Orientação da seção ⌃.

61
Capı́tulo 9. A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2

Consideremos então a curva de Jordan formada pela união do segmento p1 p2 ⇢ ⌃ com o


arco pd 1 p2 = {'(t, p); 0 < t < t1 }, como mostra a figura abaixo.
1 p2 da órbita, pd

Figura 9.4: Curva de Jordan, região Si e região Se .

Em particular, a órbita , a partir de p2 , isto é, para valores de t > t1 , fica contida em
Si . De fato, ela não pode interceptar o arco pd
1 p2 devido à unicidade das órbitas e não pode

interceptar o segmento p1 p2 porque contraria o sentido do fluxo.

Figura 9.5: Impossibilidades.

Pelo que foi visto acima, caso p3 exista, devemos ter p1 < p2 < p3 como mostra a Figura
(9.6). Continuando com este raciocı́nio, obteremos p1 , p2 , ..., pn , ...

62
9.4. O Teorema de Poincaré-Bendixson

Figura 9.6: Sequência monótona interceptando ⌃.

Portanto, {pn }n é uma sequência monótona.


De modo análogo, podemos mostrar para p2 < p1 .

Lema 9.4.3. Se ⌃ é uma seção transversal ao campo X e p 2 , então ⌃ intercepta !(p) no


máximo em um ponto.
+
Demonstração. Segue do lema anterior que o conjunto de pontos de p em ⌃ tem no máximo
um ponto limite, pois o mesmo forma uma sequência monótona. O Lema 9.4.1 garante a
existência da sequência de pontos '(tn ) em ⌃.

+
Lema 9.4.4. Sejam p 2 , com p contida num compacto, e uma órbita de X com ⇢ !(p).
Se !( ) contém pontos regulares então é uma órbita fechada e !(p) = .

Demonstração. Sejam q 2 ⇢ !( ) um ponto regular, V uma vizinhança de q e ⌃q a seção


transversal correspondente. Pelo Lema 9.4.1, existe uma sequência, tn ! 1, tal que (tn ) 2
⌃q e (tn ) ! q. Como (tn ) 2 !(p), a sequência { (tn )} reduz-se a um ponto, pelo Lema
(9.4.3). Isto prova que é periódica.
Provemos agora que = !(p). Como !(p) é conexo e é fechado e não vazio, basta provar
que é aberto em !(p).
Sejam p̄ 2 , Vp uma vizinhança de p̄ em e ⌃p a seção transversal correspondente. Vamos
mostrar que Vp \ = Vp \ !(p). Obviamente, Vp \ ⇢ Vp \ !(p). Suponha, por absudo, que
exista q 2 Vp \ !(p) tal que q 2
/ . Pelo Teorema do Fluxo Tubular e pela invariância de !(p),
existe t 2 R tal que '(t, q) 2 !(p) \ ⌃p e '(t, q) 6= p̄. Logo, existem dois pontos distintos de
!(p) em ⌃p , o que é impossı́vel pelo lema anterior. Logo, Vp \ = Vp \ !(p).

63
Capı́tulo 9. A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2

Portanto, U = [p2 Vp é aberto em M , ⇢ U e U \ !(p) = U \ = , isto é, é a interseção


de um aberto de R2 com !(p). Então, é aberto em !(p).

Teorema 9.4.5 (Poicaré-Bendixson). Seja ⇢ R2 um aberto, X : ! R2 um campo


vetorial de classe C k , com k 1, '(t) = '(t, p) uma curva integral de X, definida 8t 0, tal
+
que está contida num compacto K ⇢ .

Suponha que o campo X possua um número finito de singularidades em !(p). Têm-se as


seguintes alternativas:

(a) Se !(p) contém somente pontos regulares, então !(p) é uma órbita periódica.

(b) Se !(p) contém pontos regulares e singulares, então !(p) consiste de um conjunto de
órbitas, cada uma das quais tende a um desses pontos quando t ! ±1.

(c) Se !(p) não contém pontos regulares, então !(p) é um ponto singular.

Demonstração. Se acontece a hipótese de (a) e q 2 !(p), então a órbita q ⇢ !(p). Sendo !(p)
compacto, como p ⇢ !(p) e toda sequência no compacto possui uma subsequência convergente
para um ponto do compacto, então !( q ) 6= 0. Segue do Lema (9.4.4) que !(p) = q, que é
uma órbita fechada.

Figura 9.7: Caso (a)

64
9.4. O Teorema de Poincaré-Bendixson

Figura 9.8: Caso (b)

Figura 9.9: Caso (c)

Se acontece a hipótese (b) e é uma órbita contida em !(p), não é reduzida a um ponto
singular, então, pelo Lema (9.4.4) e por ↵( ) e !( ) serem conexos, concluı́mos que ↵( ) e !( )
são pontos singulares de X.
O caso (c) decorre do fato de !(p) ser conexo e de X possuir somente um número finito de
singularidades em !(p).

65
Capı́tulo 9. A Teoria de Poincaré-Bendixson em R2

9.5 Pontos Singulares no Interior de uma Órbita Periódica


Lema 9.5.1 (Lema de Zorn). Seja V um conjunto não vazio e parcialmente ordenado. Se todo
subconjunto totalmente ordenado tem uma cota superior, então V tem elemento maximal.

Teorema 9.5.2. Seja X um campo vetorial de classe C 1 num conjunto aberto ⇢ R2 . Se


é uma órbita fechada de X tal que Int ⇢ , então existe um ponto singular de X contido em
Int .

Demonstração. Vamos supor, por absurdo, que não existem pontos singulares em Int . Consi-
derando o conjunto ⌃ de órbitas fechadas de X contidas em Int , ordenadas da forma abaixo

1  2 ) Int 1 ◆ Int 2 .

Mostraremos que todo subconjunto S totalmente ordenado de (isto é, 1 6= 2 em S


implica que 1 < 2 ou 2 < 1) admite uma cota superior, ou seja, um elemento maior ou
igual que todo elemento de S. Um conjunto ordenado nessas condições chama-se indutivo.
De fato, seja = {\Int i ; i 2 S}. Notemos que 6= ø, pois cada Int i é compacto e a
famı́lia {Int i ; i 2 S} tem a propriedade da interseção finita. Isto é, qualquer interseção finita
de elementos da famı́lia é não vazia. Seja q 2 . Pelo Teorema de Poincaré-Bendixson, !(q) é
uma órbita fechada contida em , pois este conjunto é invariante por X e não contém pontos
singulares. Essa órbita é uma cota superior de S.
Pelo Lema de Zorn, tem um elemento maximal, o qual chamaremos de µ. Isto quer dizer
que não existe nenhuma órbita fechada de contida em Intµ. Por outro lado, p 2 µ e ↵(p),
!(p) são órbitas fechadas, pelo Teorema de Poicaré-Bendixson, visto que não possuem pontos
singulares. Como ↵(p) e !(p) não podem ser ambas iguais a µ, uma delas estará contida em
Intµ, o que é um absurdo, visto que µ é elemento maximal.
Por contradição, provamos que devem existir pontos singulares em Int .

Exemplo 9.5.3. Seja X um campo vetorial de classe C 1 em R2 que não possui pontos singulares
em
Br,R = {(x, y) : r2 < x2 + y 2 < R2 }

com 0 < r < R. Se X aponta para o interior de Br,R em todo ponto da fronteira, então X
tem uma órbita periódica em Br,R , pois, neste caso, se a órbita não fosse periódica, ela estaria
limitada em um compacto K ⇢ Br,R que contém um ponto singular, o que é um absurdo.

66
Capı́tulo 10

Desenhando Retratos de Fase

Neste capı́tulo, estudaremos a estrutura qualitativa de um sistema de equações lineares,


homogêneas e de primeira ordem por meio de retratos de fase. Considere o sistema na forma
8
< dx = ax + by
>
dt (10.1)
> dy
: = cx + dy
dt
Na forma matricial, temos
" # " #" #
x0 a b x
= (10.2)
y0 c d y
isto é,

X 0 = AX (10.3)
" # " # " #
0
x0 a b x
em que X = , A = e X = .
y0 c d y
Faremos a análise por meio dos autovalores e dos seus respectivos autovetores gerados pela
matriz A. Os autovalores, os quais são as raı́zes do polinômio caracterı́stico da matriz, serão
calculados fazendo

det(A I) = 0.

ou seja

a b 2
= (a + d) + (ad bc) = 0
c d

Por fim, podemos encontrar os autovetores associados aos autovalores da seguinte forma:

67
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

(A I)v = 0,

em que I é a matriz identidade e v o autovetor associado ao autovalor .

Definição 10.0.1. Seja um sistema linear homogêneo de primeira ordem com coeficientes
constantes na forma matricial, como (10.2). Os pontos (x, y) 2 R2 que satisfazem Ax = 0 são
chamados de pontos crı́ticos do sistema.

Considerando det A 6= 0, é natural que (0, 0) seja o único ponto crı́tico. Sendo assim, vamos
analisar os possı́veis casos de raı́zes do polinômio caracterı́stico da matriz A, já que os retratos
de fase dependem diretamente de tais raı́zes.

10.1 Autovalores reais, distintos e de mesmo sinal


Como temos dois autovalores, 1 e 2, logo teremos dois autovetores, v1 e v2 . Neste caso, a
solução do sistema é
1t 2t
x(t) = c1 .v1 .e + c2 .v2 .e .

Assim, se 1 > 0 e 2 > 0 temos que x(t) diverge, quando t ! 1. Geometricamente,


teremos que a trajetoria da solução irá se afastar do ponto crı́tico, o qual será chamado de nó
repulsor. No caso de 1 <0e 2 < 0, teremos que x(t) ! 0, quando t ! 1, dessa forma, a
trajetória irá convergir para o ponto crı́tico, chamado de nó atrator.

Exemplo 10.1.1. Seja o sistema


8
< dx = x
>
dt
> dy
: = 2y
dt
Na forma matricial,
" # " #" #
x0 1 0 x
= .
y0 0 2 y
O polinômio caracterı́stico da matriz A é dado por

1 0 2
= (1 ).(2 )= 3 + 2.
0 2
Logo, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = 1 e 2 = 2. Dessa forma, a
trajetória será um nó repulsor. Calculando os autovetores temos que v1 = (1, 0) e v2 = (0, 1),
respectivamente.

68
10.1. Autovalores reais, distintos e de mesmo sinal

Os autoespaços gerados são os eixos x e y do plano cartesiano. Vale destacar que a trajetória
sempre irá tangenciar o autoespaço gerado pelo autovalor de menor módulo. Assim, teremos o
seguinte retrato de fase:

Exemplo 10.1.2. Seja o sistema


8
< dx = 3x y
>
dt
> dy
: = 2x + 2y
dt
Na forma matricial,

" # " #" #


x0 3 1 x
= .
y0 2 2 y

O polinômio caracterı́stico da matriz A é dado por

3 1 2
= 5 + 4.
2 2

Logo, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = 1 e 2 = 4. Dessa forma, a


trajetória será um nó repulsor. Calculando os autovetores temos que v1 = (1, 2) e v2 = (1, 1),
respectivamente.
Os autoespaços gerados por tais vetores serão duas retas cujos vetores diretores são os
próprios autovetores, como segue na imagem a seguir

69
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

10.2 Autovalores reais, distintos e com sinais opostos


Aqui, novamente, teremos dois autovalores que irão gerar dois autovetores v1 e v2 . Segue
que a solução do sistema é dada por

1t 2t
x(t) = c1 .v1 .e + c2 .v2 .e

no qual 1 <0< 2. Neste caso, o ponto crı́tico é chamado de ponto de sela.


A órbita do autoespaço gerado por 1 converge para a origem, enquanto a órbita do auto-
espaço gerado por 2 converge para longe da origem. As trajetórias fora dos autoespaços são
hipérboles.

Exemplo 10.2.1. Dado o sistema


8
< dx = x
>
dt
> dy
: = 2y
dt
Na forma matricial,
" # " #" #
x0 1 0 x
= .
y0 0 2 y
O polinômio caracterı́stico da matriz A é dado por

70
10.2. Autovalores reais, distintos e com sinais opostos

1 0 2
=( 1 ).(2 )= 2.
0 2
Logo, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = 1e 2 = 2. Portanto, segue
que o ponto crı́tico é uma sela. Encontrando os autovetores temos que v1 = (1, 0) é o autovetor
associado ao autovalor 1 = 1 e v2 = (0, 1) é o autovetor associado ao autovalor 2 = 2.
Assim, segue que os autoespaços serão os eixos x e y. Porém, como v1 está associado a um
autovalor negativo, então a trajetória sobre o eixo x irá convergir para a origem. Analogamente,
como v2 está associado a um autovalor positivo, a trajetória sobre o eixo y irá divergir da origem.
As trajetórias fora dos eixos serão hipérboles, como segue o desenho abaixo:

Exemplo 10.2.2. Dado o sistema


8
< dx = 3x
>
2y
dt
> dy
: = 2x 2y
dt
Na forma de matriz,
" # " #" #
x0 3 2 x
= .
y0 2 2 y
O polinômio caracterı́stico da matriz A é dado por

3 2 2
= 2.
2 2

71
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

Logo, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = 1e 2 = 2. Portanto, segue


que o ponto crı́tico é uma sela. Encontrando os autovetores temos que v1 = (1, 2) é o autovetor
associado ao autovalor 1 = 1 e v2 = (2, 1) é o autovetor associado ao autovalor 2 = 2.
Temos que os autoespaços são retas passando pela origem, onde os vetores diretores são v1
e v2 . Logo, o retrato de fase do sistema é

10.3 Autovalores reais e iguais


Aqui, vamos supor que 1 = 2 = . Teremos dois subcasos, em que a diferença entre eles
é se o autovalor gera um ou dois autovetores.

10.3.1 Dois autovetores independentes


A solução do sistema é dada por

x(t) = c1 .v1 .e t + c2 .v2 .e t

onde é o autovalor e v1 e v2 são autovalores independentes. A trajetória é uma reta que passa
pela origem e, além disso, se < 0 a solução converge para (0, 0) quando t ! 1 e se >0
as soluções se afastam de (0, 0) quando t ! 1. Para este caso, o ponto crı́tico é chamado de
Nó Próprio.

72
10.3. Autovalores reais e iguais

Exemplo 10.3.1. Seja o sistema


8
< dx = x
>
dt
> dy
: =y
dt
Segue que a forma matricial do sistema é dada por
" # " #" #
x0 1 0 x
= .
y0 0 1 y
O polinômio caracterı́stico da matriz A é

1 0
= (1 )2 .
0 1
A raiz do polinômio caracterı́stico acima é 1 = 2 = = 1. Note que qualquer par de
vetores v1 e v2 satisfaz a equação (A I)v = 0. Neste caso, o retrato de fase desse sistema
será

10.3.2 Um autovetor independente


Exemplo 10.3.2. Seja o sistema
8
< dx = x + y
>
dt
> dy
: =y
dt

73
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

Na forma matricial
" # " #" #
x0 1 1 x
= .
y0 0 1 y
O polinômio caracterı́stico da matriz A é

1 1
= (1 )2 .
0 1
A raiz do polinômio caracterı́stico acima é 1 = 2 = = 1. Calculando os autovetores,
temos que v1 = v2 = v = (1, 0). Neste caso, o ponto crı́tico é chamado de Nó Impróprio e o
retrato de fase desse sistema será

Assim, quando t ! 1 as trajetórias possuirão como assintotas retas paralelas ao auto-


espaço gerado por v.

10.4 Autovalores complexos


Vamos considerar o sistema da forma
8
< dx = ax by
>
dt
> dy
: = bx + ay
dt

74
10.4. Autovalores complexos

Na forma matricial
" # " #" #
x0 a b x
= .
y0 b a y
O polinômio caracterı́stico da matriz A é

a b
= (a ) 2 + b2 = 2
2a + (a + b)2 .
b a
Logo, os autovalores são 1 = a + bi e 2 =a bi. Do estudo sobre coordenadas polares,
sabemos que x = r. cos ✓ e y = r. sin ✓. Substituindo no sistema, temos
8
<x0 = ax by
:y 0 = bx + ay
8
<(r. cos ✓)0 = a.r. cos ✓ b.r. sin ✓
)
:(r. sin ✓)0 = b.r. cos ✓ + a.r. sin ✓
8
<r0 . cos ✓ r.✓0 . sin ✓ = a.r. cos ✓ b.r. sin ✓
) (10.4)
:r0 . sin ✓ + r.✓0 cos ✓ = b.r. cos ✓ + a.r. sin ✓

Multiplicando a primeira linha do sistema (10.4) por cos ✓, a segunda linha por sin ✓ e
somando ambas, temos

r0 = a.r

Analogamente, multiplicando a primeira linha do sistema (10.4) por sin ✓, a segunda linha
por cos ✓ e somando ambas, temos

✓0 = b

Portanto, o sistema em coordenadas polares será da forma


8
<r0 = ar
.
:✓ 0 = b

Logo, 8
<r(t) = c0 eat
.
:✓(t) = ✓ + bt
0

75
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

Observa-se que a é responsável pelo cresciemnto ou decrescimento do raio, enquanto b é res-


ponsável pela rotação das soluções em torno da origem. As órbitas podem ser circunferências
(a = 0) ou espirais (a 6= 0). Neste último caso, se a > 0 as soluções espiralam para longe da
origem, enquanto se a < 0 elas espralam em direção à origem. Vale destacar que, necessaria-
mente, b 6= 0, pois, caso contrário, os autovalores seriam reais. Seja v1 = ↵ + i o autovetor
associado à 1 = a + bi, a solução geral do sistema será da forma

x(t) = (↵ + i)e(a+bi)t = (↵ + i)eat (cos bt + i sin bt).

Exemplo 10.4.1. Seja o sistema


8
< dx =
>
0.5x + y
dt
> dy
: = x 0.5y
dt
Calculando o polinômio caracterı́stico, temos

0.5 1
= ( 0.5 )2 + 1.
1 0.5

1 1
As raizes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = +i e 2 = i. Como
2 2
1
a = < 0 então as trajetórias serão espirais convergindo para a origem. Escolhendo um
2
ponto arbitrário e analisando o comportamento do campo de vetores sobre o mesmo, isto é,
seja o ponto (x, y) = (1, 0), temos que o vetor tangente à trajetória em (x, y) é v = ( 0.5, 1),
podemos concluir que as trajetórias espiralam no sentido anti-horário.

76
10.5. Um dos Autovalores Nulos

Exemplo 10.4.2. Seja o sistema


8
< dx = y
>
dt
> dy
: =x
dt
Calculando o polinômio caracterı́stico, temos

1 2
= + 1.
1

As raı́zes do polinômio caracterı́stico são 1 = i e 2 = i. Como a = 0, segue que as


trajetórias são elipses de centro na origem e, de modo análogo ao exemplo anterior, temos que
a rotação ocorre no sentido anti-horário.

10.5 Um dos Autovalores Nulos


A partir de agora discutiremos sistemas degenerados. Para isso, vamos considerar sistemas
dx
onde det A = 0, ou seja, o sistema possui mais de um ponto crı́tico. Se = 0, teremos
dt
x(t) = c0 , enquanto y(t) cresce ou decresce exponencialmente, dependendo do sinal do autovalor
dy
não nulo. Além disso, todos os pontos do eixo x serão pontos fixos. Se = 0, teremos y(t) = c1 ,
dt
enquanto x(t) cresce ou decresce exponencialmente, dependendo do sinal do autovalor não nulo
e todos os pontos do eixo y serão pontos fixos.

Exemplo 10.5.1. Dado o sistema

77
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

8
< dx = x
>
dt
> dy
: =0
dt
Calculando o polinômio caracterı́stico, temos

1 0
=( 1 ).( ).
0
Os autovalores são 1 = 1e 2 = 0. Como y 0 = 0 temos que as trajetórias não possuem
variação em y, ou seja, elas são paralelas ao eixo x. Além disso, como 1 = 1 < 0 as trajetórias
convergem para os pontos crı́ticos, os quais se encontram no eixo y.
Logo, o retrato de fase será da forma

Exemplo 10.5.2. Dado o sistema


8
< dx = 0
>
dt
> dy
: =y
dt
Calculando o polinômio caracterı́stico, temos

0 2
= .
0 1

78
10.6. Dois Autovalores Nulos

Os autovalores são 1 =0e 2 = 1. Como x0 = 0 temos que as trajetórias não possuem


variação em x, ou seja, elas são paralelas ao eixo y. Além disso, como 2 = 1 > 0 as trajetórias
se afastam dos pontos crı́ticos, os quais se encontram no eixo x.
Segue o retrato de fase

10.6 Dois Autovalores Nulos


Quando 1 = 2 = 0, teremos um sistema completamente degenerado, ou seja, todos os
pontos do plano de fase serão pontos crı́ticos. Além disso, todas as soluções do sistema são
funções constantes.

Exemplo 10.6.1. Seja o sistema


8
< dx = 0
>
dt
> dy
: =0
dt
Segue que o polinômio caracterı́stico é dado por

0 2
= .
0
e assim teremos que os autovalores são 1 = 2 = 0. Assim, o retrato de fase do sistema é

79
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

10.7 Determinando o Retrato de Fase a partir do Traço


e do Determinante
Podemos analisar o sistema (10.1) olhando para o traço e para o determinante da matriz
A. Assim, podemos determinar qual será o tipo do retrato de fase sem precisar calcular os
autovalores e os autovetores. Para isso, demonstraremos o seguinte teorema:

Teorema 10.7.1. Considere o sistema (10.2):

1. Se det A < 0, então o ponto crı́tico será uma sela;

2. Se det A = 0 e trA 6= 0, então o sistema será degenerado;

3. Se det A > 0 e trA = 0, então o sistema terá um centro na origem;

4. Se (trA)2 = 4 det A com det A > 0 e trA 6= 0, então o sistema terá um nó próprio ou um
nó impróprio na origem;

5. Se (trA)2 > 4 det A com det A > 0 e trA 6= 0, então o sistema terá um nó atrator ou um
nó repulsor na origem;

6. Se (trA)2 < 4 det A com det A > 0 e trA 6= 0, então o sistema terá um foco (atrator ou
repulsor).

80
10.7. Determinando o Retrato de Fase a partir do Traço e do Determinante

Demonstração. Note que o polinômio caracterı́stico da matriz A do sistema (10.2) é dado pelo
seguinte determinante

a b
= (a )(d ) bc.
c d
Desenvolvendo e igualando a zero, temos

2
(a + d) + (ad bc) = 0

2
) trA + det A = 0
2
Sabe-se que os autovalores da matriz A são as raı́zes do polinômio caracterı́stico trA +
det A, ou seja, os autovalores são dados por:
p
trA ± (trA)2 4 det A
= .
2
Portanto, calculando os autovalores, temos:
p
1. Como det A < 0, logo (trA)2 4 det A nos dará uma raiz real. Além disso, como
p
| (trA)2 4 det A > |trA|, então o polinômio terá uma raiz positiva e outra negativa.
Logo, o ponto crı́tico do sistema será uma sela.

2. Consisiderando det A = 0, as raı́zes do polinômio caracterı́tico serão da forma


p
trA ± (trA)2 trA ± |trA|
= = .
2 2

Consequentemente, teremos 1 = trA e 2 = 0 e o sistema será degenerado.

3. Como det A > 0 e trA = 0, as raı́zes do polinômio serão da forma


p
± 4 det A p
= = ±i det A.
2
Portanto, teremos que as órbitas serão centros.

4. Considerando (trA)2 = 4 det A com det A > 0 e trA 6= 0, segue que as raı́zes do polinômio
caracterı́stico serão dadas por
trA
=
2
logo, o polinômio terá apenas uma raiz e o ponto crı́tico será um nó próprio ou um nó
impróprio, dependendo da quantidade de autovetores independentes que o autovalor irá
gerar.

81
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

5. Considerando (trA)2 > 4 det A com det A > 0 e trA 6= 0 teremos que o polinômio carac-
p
terı́stico terá duas raı́zes de mesmo sinal, já que |trA| > | (trA)2 4 det A|. Portanto,
a origem será um nó atrator ou um nó repulsor, dependendo do sinal de trA.

6. Considerando (trA)2 < 4 det A com det A > 0 e trA 6= 0 teremos que o polinômio
caracterı́stico terá duas raı́zes complexas com parte real diferente de zero, dessa forma,
teremos um foco atrator ou repulsor.

Vale destacar que o fato das trajetórias se aproximarem ou se afastarem da origem de-
pendem do sinal de trA, ou seja, se trA < 0 as trajetórias se aproximam da origem e se
trA > 0 as trajetórias se afastam da origem.

Para o caso det A = trA = 0, teremos um sistema totalmente degenerado, como visto no
exemplo ( 15.2.11).
Podemos esboçar um diagrama o qual engloba os seis casos analisados através da parábola
2
dada por trA + det A = 0, conforme a figura a seguir:

82
10.8. Determinando o Retrato de Fase a partir de uma EDO

10.8 Determinando o Retrato de Fase a partir de uma


EDO
Em alguns casos, podemos encontrar as trajetórias do sistema resolvendo uma equação
diferencial. Considere o sistema
8
< dx = F (x, y)
>
dt
> dy
: = G(x, y)
dt
Se for possı́vel resolver a EDO
dy G(x, y)
=
dx F (x, y)
e se for possı́vel escrever a solução na forma implı́cita

H(x, y) = C (10.5)

em que C é uma constante, então a equação ( 10.5) é uma equação para as trajetórias do nosso
sistema. Isto é, as trajetórias são as curvas de nı́vel de H(x, y). Em alguns casos, não é possı́vel
obter a função H(x, y).

Exemplo 10.8.1. Seja o sistema 8


< dx = y
>
dt
> dy
: =x
dt
Para encontrarmos as trajetórias da solução, basta resolver a seguinte EDO:
dy x
=
dx y

) ydy = xdx
y2 x2
) + C1 = + C2
2 2
y 2 x2
) H(x, y) = =C
2 2
onde C é uma constante qualquer. Observe que H(x, y) é a função que determina um parabo-
loide hiperbólico no R3 .
Agora, vamos encontrar os pontos crı́ticos.
Derivadas parciais de primeira ordem:
@H
= x,
@x
83
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

@H
= y.
@y
Igualando as derivadas parciais a zero temos que o único ponto crı́tico é a origem.

Figura 10.1: Parabolóide Hiperbólico.

Figura 10.2: Retrato de Fase: Sela.

84
10.8. Determinando o Retrato de Fase a partir de uma EDO

Exemplo 10.8.2. Considere o sistema


8
< dx = 4 2y
>
dt
> dy
: = 12 3x2
dt
Para encontrarmos as trajetórias da solução, basta resolver a seguinte EDO:

dy 12 3x2
=
dx 4 2y

) (4 2y)dy = (12 3x2 )dx

) 4y y 2 + C1 = 12x x3 + C2

) H(x, y) = 4y y2 12x + x3 = C

Agora, vamos encontrar os pontos crı́ticos:

@H
= 12 + 3x2 = 0 ) x = ±2,
@x

@H
=4 2y = 0 ) y = 2.
@y
Logo, os pontos crı́ticos são ( 2, 2) e (2, 2).

Figura 10.3: Gráfico de H(x, y).

85
Capı́tulo 10. Desenhando Retratos de Fase

Figura 10.4: Retrato de Fase.

Pelas curvas de nı́vel, podemos notar que ( 2, 2) é um centro e (2, 2) é uma sela.

10.9 Estudo de Perturbações


Como vimos anteriormente, os autovalores 1 e 2 gerados pela matriz A determinam o
tipo de ponto crı́tico e como serão as trajetórias do sistema. De fato, 1 e 2 dependem dos
elementos de tal matriz. Se pensarmos em um campo aplicado, os elementos da matriz são,
de modo geral, determinadas quantidades fı́sicas. Tais medidas podem possuir pequenos erros,
logo, é extremamente importante estudarmos a influência desses erros nas trajetórias, também
chamados de perturbações.
O caso mais sensı́vel é quando o ponto crı́tico é um centro, ou seja, 1 = ni e 2 = ni.
Se forem feitas pequenas mudanças nos coeficientes da matriz A, teremos novos autovalores:
0 0
1 = m + ni e 2 =m ni. Dessa forma, as trajetórias em torno do ponto crı́tico deixarão de
ser curvas fechadas e passarão a ser espirais que convergem para a origem no caso de m < 0
ou espirais que divergem da origem caso m > 0, isto é, o ponto crı́tico passará de um centro
a um foco (atrator ou repulsor). Assim, no caso de um centro, pequenas perturbações podem
transformar um sistema estável em um sistema instável.

86
10.9. Estudo de Perturbações

Outro caso que merece uma atenção especial é quando 1 = 2, ou seja, quando o ponto
crı́tico é um Nó (próprio ou impróprio). Pequenas perturbações fazem com que os autovalores
se tornem diferentes. Se 1 e 2 forem reais, o ponto crı́tico continua sendo um nó (atrator ou
repulsor), enquanto se 1 e 2 forem complexos, o ponto crı́tico será um foco. A estabilidade
ou instabilidade não se altera, apenas as trajetórias serão diferentes.
Em outros casos, pequenas perturbações não alteram o sistema qualitativamente.

87
Capı́tulo 11

Aplicações Econômicas

11.0.1 O Modelo de Palomba


Giuseppe Palomba considera uma economia em que há apenas dois tipos de bens: os bens
de consumo (a) e os bens de capital (b). As premissas feitas por ele foram as seguintes:

1. Existem dois tipos de bens: Bens do tipo (a), que consistem nos bens prontos para o con-
sumo imediato, sendo eles duráveis ou não duráveis; e bens do tipo (b), usados no processo
produtivo para produzir novos bens, como por exemplo máquinas e equipamentos.

2. A economia está em uma situação dinâmica tentendo a aumentar seu equipamento de ca-
pital. Consequentemente, parte das commodities (produtos que funcionam como matéria
prima) do tipo (a) são desviadas do seu destino normal e alocadas para a categoria (b).

3. Em qualquer dado instante, bens do tipo (a) têm um coeficiente de aumento igual a "1 ,
enquanto bens do tipo (b) têm um coeficiente de aumento igual a "2 , em que "1 e "2
são constantes positivas. Isso significa que, na ausência da mudança do destino descrita
acima, bens do tipo (a) seriam aumentados continuamente, enquanto bens do tipo (b)
tenderiam a zero, devido à depreciação a uma taxa "2 .

4. O coeficiente de dininuição dos bens do tipo (a), devido a uma mudança de destino, é
igual a 1, enquanto o coeficiente de aumento dos bens do tipo (b), devido a mesma
razão, é igual a 2, em que 1 e 2 são constantes positivas.

Sejam C1 e C2 tais que denotam o volume dos bens do tipo (a) e do tipo (b), respectivamente,
teremos imediatamente o sistema de equações diferenciais
8
< dC1 = C1 ("1
>
1 C2 )
dt (11.1)
> dC
: 2 = C2 ("2 2 C1 )
dt

89
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

Primeiramente, vamos encontrar os pontos crı́ticos do sistema. Igualando o lado direito do


sistema (11.1) a zero, temos
8
<C1 ("1 1 C2 ) =0
(11.2)
: C ("
2 2 2 C1 ) = 0.

"1
Da primeira linha de (11.2), concluı́mos que C1 = 0 ou C2 = . Se C1 = 0, da segunda
1
"1
linha do mesmo sistema temos que C2 = 0. Além disso, se C2 = , substituindo na segunda
1
equação de (11.2), temos

"1
( "2 + 2 C1 ) = 0.
1
"1
Como "1 e 1 são constantes positivas, o mesmo concluı́mos para . Logo,
1

"2 + 2 C1 =0
"2
) C1 = .
2
✓ ◆
"2 "1
Portanto, os pontos de equilı́brio são (0, 0) e , .
2 1
Como os pontos crı́ticos são hiperbólicos, podemos aplicar o Teorema de Hartman-Grobman.
" #
"1 1 C2 1 C1
Df (C1 , C2 ) =
2 C2 "2 + 2 C1

Seja (C1 , C2 ) = (0, 0),


" #
"1 0
Df (0, 0) =
0 "2

O polinômio caracterı́stico da matriz Df (0, 0) é dado por

"1 0
= ("1 ).( "2 ) = 0.
0 "2

Logo, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = "1 e 2 = "2 . Portanto, segue
que o ponto crı́tico é uma sela. Encontrando os autovetores, temos que v1 = (1, 0) é o autovetor
associado ao autovalor 1 = "1 e v2 = (0, 1) é o autovetor associado ao autovalor 2 = "2 .
Para saber que o✓ponto ◆crı́tico é uma sela basta notar que det Df (0, 0) = "1 "2 < 0.
"2 "1
Seja (C1 , C2 ) = , ,
2 1

90
11.1. Modelo Contı́nuo de Oligopólio

2 "2 3
✓ ◆ 0 1
"2 "1
Df , =4 "1 2 5
2 1 2 0
1
✓ ◆
"2 "1
O polinômio caracterı́stico da matriz Df , é dado por
2 1

"2
1
2 2
"1 = + "1 "2 = 0.
2
1
p p
Logo, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = i "1 "2 e 2 = i "1 "2 . Como
a = 0, segue que temos
✓ um ◆centro. ✓ ◆
"2 "1 "2 "1
Note que trDf , = 0 e det Df , = "1 "2 > 0, assim, de fato, o ponto de
2 1 2 1
equilı́brio é um centro.
Mais tarde, Palomba percebeu que os parâmetros "1 , "2 , 1 e 2 deveriam ser considerados,
de modo mais geral, como funções contı́nuas do tempo.
Do ponto de vista matemático, a intuição de Palomba pode ser expressa pelo seguinte
sistema: 8
< dC1 = C1 ["1 (t)
>
1 (t)C2 ]
dt (11.3)
> dC2
: = C2 ["2 (t) 2 (t)C1 ].
dt
Palomba teve que contar com considerações de intuições gráficas. De fato, não existe um
único resultado possı́vel, visto que tudo depende da natureza das funções "1 (t), "2 (t), 1 (t) e
2 (t).

Além disso, devemos lembrar que Palomba foi o primeiro a sugerir que os fenômenos cı́clicos
deveriam ser mais geralmente analisados considerando os coeficientes como funções do tempo
ao invés de constantes.

11.1 Modelo Contı́nuo de Oligopólio


Vamos considerar um setor qualquer da economia. Quando o mesmo é composto por um
número reduzido de empresas, geralmente duas ou três, ofertando um produto ou serviço então
o sistema é denominado de Oligopólio.

11.1.1 Custos Marginais Constantes


Caso de duas Empresas (n=2)

91
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

Prestaremos atenção no que ocorre quando existe um aumento no número de empresas e o


que ocorre quando há uma mudança de custo marginal constante para um aumento do custo
marginal.
Para o caso de duas empresas, nosso modelo é
p(t) = 9 Q(t)
Q(t) = q1 (t) + q2 (t)
T C1 (t) = 3q1 (t)
T C2 (t) = 3q2 (t),
em que
p(t)- preço de venda;
Q(t)- quantidade vendida;
qi (t)- quantidade vendida pela empresa i;
T Ci (t)- custo total da empresa i.
Sabemos que a receita total (TR) e o lucro (⇡) da empresa i são dados da seguinte forma:

T Ri (t) = p(t).qi (t)

⇡i (t) = T Ri (t) T Ci (t)

Isso conduz à receita total e aos lucros de cada firma


EMPRESA 1
T R1 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q1 (t)

⇡1 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q1 (t) 3q1 (t)

EMPRESA 2
T R2 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q2 (t)

⇡2 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q2 (t) 3q2 (t)

Suponha que, para a empresa 1, o resultado é ajustado continuamente na proporção da


discrepância entre o nı́vel desejado e o nı́vel atual. O mesmo se aplica a empresa 2. Conse-
quentemente
EMPRESA 1
dq1 (t)
= K1 [x1 (t) q1 (t)] (11.4)
dt
EMPRESA 2
dq2 (t)
= K2 [x2 (t) q2 (t)], (11.5)
dt
em que xi (t) corresponde ao nı́vel desejado pela firma i.
O nı́vel esperado do resultado para cada empresa é o nı́vel de resultado que maximiza os
lucros assumindo que as outras empresas não alteram o seu nı́vel de resultado.

92
11.1. Modelo Contı́nuo de Oligopólio

Derivando a função do lucro e igualando a zero, temos


@⇡1 (t)
= 6 2q1 (t) q2 (t) = 0
@q1 (t)
@⇡2 (t)
= 6 q1 (t) 2q2 (t) = 0.
@q2 (t)
Rearranjando os termos das equações acima, obtemos
1
q1 (t) = 3 q2 (t)
2
1
q2 (t) = 3 q1 (t).
2

Mas, como o nı́vel esperado é o de lucro máximo, admitindo que a outra empresa não mo-
difica seus resultados, então
1
x1 (t) = 3 q2 (t)
2
1
x2 (t) = 3 q1 (t).
2

Substituindo nas equações de ajuste dinâmico (11.4) e (11.5), encontramos


8
< dq1 (t) = 3K1 K1 q2 (t) K1 q1 (t)
>
dt 2 (11.6)
>
: dq 2 (t) K 2
= 3K2 q1 (t) K2 q2 (t).
dt 2
Primeiro, considere um ponto fixo do sistema. Isso ocorre quando o nı́vel de resultado não
muda. Isto é representado por 8
>
<q1 (t) = 3 1
q2 (t)
2
> 1
:q2 (t) = 3 q1 (t).
2
Dessa forma, o ponto crı́tico é (2,2).
Escrevendo (11.6) na forma matricial, temos
" # " # " #" #
q̇1 (t) 3K1 K1 K1 /2 q1 (t)
= + .
q̇2 (t) 3K2 K2 /2 K2 q2 (t)
Além disso, a matriz do sistema é
" #
K1 K1 /2
A=
K2 /2 K2
3K1 K2
com tr(A) = (K1 + K2 ) < 0 e det(A) = > 0. Ademais,
4

(trA)2 4 det(A) = (K1 + K2 )2 3K1 K2 = (K1 K2 ) 2 + K1 K2 > 0


desde que K1 , K2 > 0.
Logo, temos um nó atrator.

93
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

11.2 Diminuição dos Custos Marginais

11.2.1 Caso de duas Empresas (n=2)


Voltando ao modelo
p(t) = 9 Q(t)
Q(t) = q1 (t) + q2 (t)
T C1 (t) = 3q12 (t)
T C2 (t) = 3q22 (t),

Isso conduz à receita total e aos lucros de cada firma


EMPRESA 1
T R1 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q1 (t)

⇡1 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q1 (t) 3q12 (t)

EMPRESA 2
T R2 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q2 (t)

⇡2 (t) = [9 q1 (t) q2 (t)]q2 (t) 3q22 (t)

Considerando o ajuste, como no caso acima


EMPRESA 1
dq1 (t)
= K1 [x1 (t) q1 (t)], K1 > 0 (11.7)
dt
EMPRESA 2
dq2 (t)
= K2 [x2 (t) q2 (t)], K2 > 0, (11.8)
dt
As empresas são maximizadoras do lucro, então
@⇡1 (t)
= 9 8q1 (t) q2 (t) = 0
@q1 (t)
@⇡2 (t)
= 9 q1 (t) 8q2 (t) = 0.
@q2 (t)
Rearranjando os termos das equações acima, obtemos
9 q2 (t)
q1 (t) =
8 8
9 q1 (t)
q2 (t) = .
8 8

Mas, como o nı́vel esperado é o de lucro máximo, admitindo que a outra empresa não mo-
difica seus resultados, então
9 q2 (t)
x1 (t) =
8 8
94
11.3. Modelo Contı́nuo IS-LM

9 q1 (t)
x2 (t) = .
8 8

Substituindo nas equações de ajuste dinâmico (11.7) e (11.8), encontramos


8
< dq1 (t) = 9K1 K1 q1 (t) K1 q2 (t)
>
dt 8 8 (11.9)
: dq2 (t) = 9K2 K2 q1 (t) K2 q2 (t).
>
dt 8 8
Primeiro, considere um ponto fixo do sistema. Isso ocorre quando o nı́vel de resultado não
muda. Isto é representado por 8
<q1 (t) = 9
> q2 (t)
8 8
:q2 (t) = 9
> q1 (t)
.
8 8
Dessa forma, o ponto crı́tico é (1,1).
O sistema pode ser expresso por
" # " # " #" #
q̇1 (t) 9K1 /8 K1 K1 /8 q1 (t)
= + .
q̇2 (t) 9K2 /8 K2 /8 K2 q2 (t)
Além disso, a matriz do sistema é
" #
K1 K1 /8
A=
K2 /8 K2
63K1 K2
com tr(A) = (K1 + K2 ) < 0 e det(A) = > 0. Ademais,
64
63 K1 K2
(trA)2 4 det(A) = (K1 + K2 )2 K1 K2 = (K1 K2 ) 2 + > 0.
16 16
Logo, temos um nó atrator.

11.3 Modelo Contı́nuo IS-LM

11.3.1 Versão 1
Começaremos com uma formulação simples do modelo. Este descreve o mercado de bens
com o mercado monetário.
IS: Curva que representa o equilı́brio no mercado de bens ou, equivalentemente, a igualdade
entre poupança e investimento.
LM: Curva que representa o equilı́brio no mercado monetário ou, equivalentemente, a igual-
dade entre oferta e demanda por moeda.

95
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

A despesa real é a soma das despesas do consumidor, despesas de investimento e despesas


do governo (assumindo que a economia é fechada).
A despesa do consumidor está relacionada com o rendimento disponı́vel real, a despesa de
investimento está negativamente relacionada com a taxa de juros e a despesa do governo é
considerada exógena. Portanto, faremos uma simples função linear da despesa

e(t) = a + b(1 t1 )y(t) hr(t),

com a > 0, 0 < b < 1, 0 < t1 < 1, h > 0, em que


e= despesa real;
a= despesa autônoma;
b= propensão marginal a consumir;
t1 = taxa marginal de imposto;
y= salário real;
h= coeficiente de investimento em resposta a r;
r= taxa nominal de juros.
A demanda por saldos monetários reais é assumida por ser positivamente relacionada ao
salário real e negativamente relacionada com a taxa nominal de juros.

md (t) = Ky(t) µr(t), K, µ > 0.

A oferta monetária nominal é assumida exógena em Ms = M0 e o nı́vel de preços é assumido


constante. Consequentemente, a balança monetária real é exógena em m0 = M0 /P .
Isso é necessário para ser mais preciso nas premissas de ajuste em cada um dos mercados.
Assumiremos que em mercados de bens a renda se ajusta de acordo com o excesso de demanda
nesse mercado e as taxas de juros de acordo com o excesso de demanda no mercado de moeda,
isto é

ẏ = y 0 (t) = ↵(e(t) y(t)), ↵ > 0

ṙ = r(t) = (md (t) m0 ), > 0.

Essas equações diferenciais podem ser expressas explicitamente em termos de y e r, em que


assumiremos que essas variáveis são funções contı́nuas do tempo. Omitiremos a variável tempo
(t) por conveniência.
ẏ = ↵[b(1 t1 ) 1]y ↵hr + ↵a

ṙ = Ky µr m0 .

96
11.3. Modelo Contı́nuo IS-LM

Exemplo 11.3.1. Considere o nı́vel de preços constante e os parâmetros abaixo


a = 50, K = 0.25,
b = 0.75, m0 = 8,
t1 = 0.25, µ = 0.5,
h = 1.525, ↵ = 0.1
= 0.8.
Substituindo nas equações, temos
8
<ẏ = 0.04375y 0.1525r + 5
:ṙ = 0.2y 0.4r 6.4
Note que (y,r)=(62,15) é ponto de equilı́brio do sistema. Escrevendo na forma matricial
" # " #" # " #
ẏ 0.04375 0.1525 y 5
= + .
ṙ 0.2 0.4 r 6.4
O polinömio caracterı́stico da matriz A é

0.04375 0.1525
A= = ( 0.04375 ).( 0.4 ) + 0.0305 = 0.
0.2 0.4
As raizes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = 0.186825 e 2 = 0.256925. Cal-
culando os autovetores, temos que v1 = (1, 0.9382) e v2 = (1, 1.397868). Neste caso, o ponto
crı́tico é chamado de nó atrator e o retrato de fase desse sistema será

97
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

11.3.2 Versão 2
Aqui, devemos estender a função de investimento para incluir o salário real. Em outras
palavras, os negócios alterarão o nı́vel de investimento de acordo com o nı́vel de renda. De-
vemos continuar com um simples modelo linear, porém, essa mudança nos conduzirá a uma
possibilidade de que a curva IS seja positivamente inclinada.
Considere as equações
e = a + b(1 t1 )y hr + jy
md = Ky µr
ẏ = ↵(e y)
ṙ = (md m0 ) com a > 0, 0 < b < 1, 0 < t1 < 1, h > 0, j > 0, K > 0, µ > 0, ↵ > 0, > 0.
Elas nos fornecem duas equações diferenciais:

ẏ = ↵[b(1 t1 ) + j 1]y ↵hr + ↵a

ṙ = Ky µr m0 .

com a curva IS obtida tomando ẏ = 0, isto é,

a [1 b(1 t1 ) j]y
r=
h

e com a curva LM obtida tomando ṙ = 0, isto é,

Ky m0
r= .
µ

Exemplo 11.3.2. Considere os parâmetros abaixo


a = 2, K = 0.25,
b = 0.8, m0 = 8,
t1 = 0.2, µ = 0.25,
h = 1.525, ↵ = 0.2
= 0.3, j = 0.95.
Substituindo nas equações, temos
8
<ẏ = 0.118y 0.305r + 0.4
:ṙ = 0.075y 0.075r 2.4

Note que (y,r)=(54.3316,22.3316) é ponto de equilı́brio do sistema. Escrevendo na forma


matricial

98
11.4. Modelo de Tobin-Blanchard

" # " #" # " #


ẏ 0.118 0.305 y 0.4
= + .
ṙ 0.075 0.075 r 2.4
O polinömio caracterı́stico da matriz A é

0.118 0.305
A= = (0.118 ).( 0.075 ) + 0.022875 = 0.
0.075 0.075
p p
193 + i 89651 193 i 89651
As raizes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = e 2= .
2000 2000
Neste caso, o ponto crı́tico é um foco repulsor e o retrato de fase desse sistema será

11.4 Modelo de Tobin-Blanchard


Houve um interesse por economistas sobre se o comportamento do mercado de ações pode
influenciar renda e taxa de juros, pelo menos no curto prazo. O modelo IS LM esboçado
anteriormente não é permitido para tal link. É plausı́vel pensar que o investimento irá, de
alguma forma, ser influenciado pelo comportamento do mercado de ações. Isso foi considerado
por Blanchard em 1981, seguindo a aproximação de investimento sugerida por Tobin em 1969,
a qual foi chamada de q-teoria de investimento.

99
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

A variável q representa o valor de mercado das ações na proporção dos custos de substituição.
Se todos os retornos futuros são iguais- denotados por R- e são descontados a uma taxa de
juros r, então o valor presente das ações (V ) é igual a R/r. Por outro lado, empresas investirão
enquanto o custo de substituição de algum notável estoque de capital (RC) for igual ao retorno
de investimento, R/p, em que p é a eficiência marginal do capital. Então

V R/r p
q= = = .
RC R/p r
Consequentemente, o investimento lı́quido é uma função positiva de q, o que ainda significa
que isso é inversamente proporcional a r. No longo prazo, r = p e, então, q = 1 e não há
investimento lı́quido.
Podemos expressar o gasto agregado (e) como

e(t) = a1 y(t) + a2 q(t) + g,

com 0 < a1 < 1, a2 > 0 e g representando o gasto do governo.


Além disso, a renda varia da seguinte forma

ẏ = (e(t) y(t)),

com coeficiente de reação > 0.


Por outro lado, assumimos que o mercado de moeda se ajusta instantaneamente, logo a
demanda por saldos monetários reais é igual a oferta por saldos monetários reais, isto é, como
md = Ky(t) µr(t),
ms = m0 ,
com K > 0 e µ > 0, então
Ky(t) µr(t) = m0 .

A próxima equação mostra que a taxa de juros dos tı́tulos e os rendimentos das ações são
iguais, visto que estes são substitutos perfeitos.

b1 y(t) + q̇ e (t)
r(t) = ,
q(t)
em que b1 y constitui o lucro da empresa, os quais são assumidos proporcionalmente aos resul-
tados e q̇ e constitui os ganhos de capital esperados. Assumiremos que q̇ e = q̇. Ocultando a
variável tempo, o modelo pode ser visto em termos de cinco equações
e = a1 y + a2 q + g,
m0 = Ky µr,
ẏ = (e y),

100
11.4. Modelo de Tobin-Blanchard

b1 y + q̇ e
r= ,
q
e
q̇ = q̇,
as quais podem ser reduzidas a duas equações diferenciais
8
>
<ẏ = (a1 1)y + a2 q + g
✓ ◆
> Kq qm0
:q̇ = b1 y
µ µ
Exemplo 11.4.1. Vamos ilustrar o modelo com um exemplo numérico:
e = 0.8y + 0.2q + 7;
8 = 0.25y 0.2r;
ẏ = 2(e y);
0.1y + q̇
r= .
q
A partir das equações acima podemos encontrar o seguinte sistema de equações diferenciais
8
<ẏ = 14 0.4y + 0.4q
:q̇ = 1.25qy 0.1y 40q

Os pontos de equilı́brio são (y, q) ⇡ (35.76, 0.7607) e (y, q) ⇡ (31.32, 3.681), os quais são
hiperbólicos. Aplicando o Teorema de Hartman-Grobman podemos aproximar o sistema não
linear por um sistema linear.
A matriz jacobiana é
" #
0.4 0.4
Df (y, q) =
1.25q 0.1 1.25y 40
Seja (y, q) ⇡ (35.76, 0.7607), então
" #
0.4 0.4
) A = Df (35.76, 0.76) = .
0.8509 4.7
Note que det A = 2.22 < 0, logo o ponto de equilı́brio do sistema será uma sela.
Temos que os autovalores são 1 ⇡ 4.766 e 2 ⇡ 0.4656. O autovetor associado a 1 é
v1 ⇡ (0.07743, 1) e o autovetor associaodo a 2 é v2 ⇡ ( 6.071, 1).
Seja (y, q) ⇡ (31.32, 3.681), então
" #
0.4 0.4
) A = Df (31.32, 3.681) = .
4.701 0.85
Note que det A = 2.22 > 0 e trA = 1.25 < 0. Além disso,

(trA)2 4 det A = 7.318 < 0,

101
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

logo o sistema terá um foco atrator.


Temos que os autovalores são 1 ⇡ 0.625 + 1.353i e 2 ⇡ 0.625 1.353i.

11.5 Modelos Simples de Inflação


Aqui, basicamente, o mercado de bens e o mercado de moeda se combinam para fornecer a
curva de demanda agregada.
MERCADO DE BENS
c = a + b(1 t)y
i = i0 h(r ⇡e)
y = c + i + g.
MERCADO DE MOEDA
md = Ky µr
ms = m p
md = ms
em que

102
11.5. Modelos Simples de Inflação

c=consumo real;
y=salário real;
i=investimento real;
r=taxa nominal de juros;
⇡ e =inflação esperada;
g=gasto real do governo;
md =demanda real de capital;
ms =oferta real de capital;
m=estoque monetário nominal;
p=nı́vel de preços.
A partir das equações acima podemos encontrar

(a + i0 + g) + (h/µ)(m p) + h⇡ e
y= (11.10)
1 b(1 t) + (hK/µ)
e
Ky (m p)
r= . (11.11)
µ
Fornecendo uma maior atenção para (11.10), devemos notar que essa é uma equação linear
em termos de (m p) e de ⇡ e , isto é,

y = a0 + a1 (m p) + a2 ⇡ e , (11.12)

a1 , a2 > 0 e isso representa a curva de demanda agregada.


Podemos expressar a curva de demanda agregada, de modo usual, por meio de uma relação
entre p e y.
✓ ◆ ✓ ◆ ✓ ◆
a0 + a1 m 1 a2
p= y+ ⇡e
a1 a1 a1
isto é,

p = c0 c1 y + c2 ⇡ e
a0 + a1 m 1 a2
em que c0 = , c1 = e c2 = , o que indica, claramente, uma relação inversa entre
a1 a1 a1
o nı́vel de preços (p) e o nı́vel de salário real (y).
Assumiremos que a taxa de inflação é proporcional ao hiato do produto (diferença entre o
PIB corrente e o PIB potencial, o que nos mostra o quanto a economia está distante de sua
capacidade máxima de produção) e ajustado prla inflação esperada.

⇡ = ↵(y yn ) + ⇡ e , ↵ > 0,

103
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

yn é o nı́vel de resultado esperado para ⇡ = ⇡ e = 0, isto é, o PIB potencial.


Derivando (11.12) em t, obtemos

ẏ = a1 (ṁ ⇡) + a2 ⇡˙ e ,

em que ṁ é o crescimento monetário, dado exogenamente.


Assumimos que as variáveis estão em termos logaritmos, então

dp d ln P
= = ⇡.
dt dt

Podemos, agora, combinar com a curva de Phillips e com o ajuste dinâmico por expectativas
inflacionárias, fornecendo o modelo
ẏ = a1 (ṁ ⇡) + a2 ⇡˙ e , a1 , a2 > 0
⇡ = ↵(y yn ) + ⇡ e , ↵ > 0
⇡˙ e = (⇡ ⇡ e ), > 0.

Exemplo 11.5.1. Considere o modelo numérico


ẏ = 10(15 ⇡) + 0.5⇡˙ e
⇡ = 0.2(y 15) + ⇡ e
⇡˙ e = 1.5(⇡ ⇡ e ).
Isso nos fornece o seguinte sistema de equações

8
<ẏ = 177.75 1.85y 10⇡ e
:⇡˙ e = 0.3y 4.5

O ponto de equilı́brio é (15, 15). Além disso,

!
1.85 10
A= .
0.3 0

Como trA = 1.85 < 0, det A = 3 > 0 e (trA)2 < 4 det A, temos que o sistema terá
um foco atrator. O mesmo pode ser notado calculando os autovalores de A, os quais são
1 ⇡ 0.925 + 1.46i e 2 ⇡ 0.925 1.46i.

104
11.6. O Modelo Dornbusch sob Perfeita Previsão

Figura 11.1: Retrato de fase do exemplo acima.

11.6 O Modelo Dornbusch sob Perfeita Previsão


Todos os modelos de Dornbusch começam com três mercados: o mercado de bens, o mercado
de moeda e o mercado de câmbio. O mercado de bens se reduz a duas simples relações: a
equação de despesa total e a equação de ajustamento de preços, onde a renda é considerada
constante no nı́vel completo de empregados.
MERCADO DE BENS
e = cy + g + h(s p), 0 < c < 1, h > 0
ṗ = a(e y), a > 0
MERCADO DE MOEDA
md = p + Ky µr, K > 0, µ > 0
ms = md = m
MERCADO DE ATIVOS INTERNACIONAIS
r = r⇤ + ṡe
ṡe = ṡ
em que
e = despesa total
y = renda real(exógena)

105
Capı́tulo 11. Aplicações Econômicas

g = gasto do governo
s = taxa de câmbio
p = nı́vel de preços
ṗ = taxa de inflação (p=ln P )
md = demanda por moeda
r = taxa de juros doméstica
ms = oferta de moeda
m = balança monetária exógena
r⇤ = juros no exterior
ṡe = mudança na taxa local esperada
ṡ = mudança na taxa de câmbio local

Manipulando as equações temos o sistema abaixo


8
>
<ṗ = a[g (1 c)y] ahp + ahs
 (11.13)
> 1 1
:ṡ = (Ky m) r⇤ + p
µ µ

Escrevendo (11.13) na forma matricial, temos:

" # 2 3 " #" #


ṗ a[g (1 c)y ah ah p
=4 1 ⇤
5+ .
ṡ (Ky m) r 1/µ 0 s
µ
ah
Como det A = < 0, conclui-se que o ponto crı́tico é uma sela.
µ

106
Capı́tulo 12

Estabilidade no Sentido de Liapounov

Considere uma solução x(t) de um sistema de equações diferenciais tal que x(t) é periódica
ou singular. Diz-se que x(t) é estável quando, para toda solução com valores iniciais próximos
aos de x(t) está definida para todo t 0 e permanece próximo a x(t) quando t ! 1.

12.1 Estabilidade de Liapounov

Considere o sistema

ẋ = f (t, x) (12.1)

em que f é uma função contı́nua e f : ⌦ ! Rn , ⌦ ⇢ R ⇥ Rn .

Definição 12.1.1. Seja '(t) uma órbita de (12.1), a qual está definida para t 0. Dizemos
que '(t) é estável se, para todo ✏ > 0, existir > 0 tal que se (t) é solução de (12.1) e
k (0) '(0)k < , então (t) está definida para todo t 0 e k (t) '(t)k < ✏.
Se, além disso, existir 1 tal que k (0) '(0)k < 1.

) lim k (t) '(t)k = 0,


t!+1

então dizemos que ' é assintoticamente estável.

107
Capı́tulo 12. Estabilidade no Sentido de Liapounov

Figura 12.1: Órbitas estável e assintoticamente estável.

Definição 12.1.2. Dizemos que um ponto singular x0 do sistema

ẋ = f (x), (12.2)

com x 2 ⇢ Rn , é estável quando, para toda vizinhança U de x0 , existe uma vizinhança U1


de x0 , tal que toda solução '(t) de (12.2) com '(0) 2 U1 está definida e contida em U para
todo t 0. Se, além disso,

lim '(t) = x0 ,
t !+1

então dizemos que x0 é assintoticamente estável.

108
12.1. Estabilidade de Liapounov

Figura 12.2: Singularidades estável e assintoticamente estável.

Teorema 12.1.3. As seguintes proposições são equivalentes:

1. O sistema ẋ = Ax é um atrator;

2. Todos os valores próprios de A têm parte real negativa;

3. Existem µ > 0 e K 1 tais que |eAt x| Ke µt


|x|, para todo x 2 Rn e t 0;

4. O sistema ẋ = Ax é topologicamente conjugado a ẋ = x.

Exemplo 12.1.4. Seja A ⇢ Rn um operador linear e assuma que todos os seus autovalores
possuem parte real negativa.
Considere o seguinte sistema
ẋ = Ax. (12.3)
Note que 0 2 Rn é um ponto singular de (12.3). Ademais, pelo teorema acima, existem K
e µ > 0 tais que |eAt |  Ke µt
, 8t 0.
De fato, a solução do sistema (12.3) fica restrita dentro de um conjunto e, pelo teorema do
confronto,

lim '(t) = x0 .
t !1

Logo, 0 2 Rn é um ponto singular assintoticamente estável.

Exemplo 12.1.5. Seja ẋ = Ax um centro em R2 . Podemos verificar que 0 2 R2 é uma


singularidade estável, mas não assintoticamente estável. Estável porque, para toda vizinhança
de x0 = 0, as soluções permanecem na mesma vizinhança. Não temos a estabilidade assintótica
pois as soluções não convergem para o ponto de equilı́brio.

109
Capı́tulo 12. Estabilidade no Sentido de Liapounov

De fato, verificar a estabilidade de ' equivale a verificar a estabilidade da solução nula de


ẋ = f (x + '(t), t) f ('(t), t). Suponhamos então que (12.1) tenha solução nula e que f seja
de classe C 1 . O desenvolvimento de Taylor de f (t, x) em torno de x = 0 nos fornece o sistema

ẋ = A(t)x + g(t, x), (12.4)


onde A(t) 2 L(Rn ), g(t, 0) ⌘ 0 e g(t, x) = o(|x|) quando x ! 0, para cada t. Um sistema
desse tipo é chamado de quase-linear. O Teorema abaixo estabelece uma condição suficiente
para que a solução nula seja assintoticamente estável em (12.4).

Teorema 12.1.6. Consideremos o sistema quase linear

ẋ = Ax + g(t, x), (12.5)

(t, x) 2 ⌦b , onde ⌦b = {(t, x) 2 R ⇥ Rn ; |x| < b}, A é um operador linear em Rn cujos auto-
valores têm parte real negativa, g é contı́nua e g(t, x) = o(|x|) uniformemente em t. Suponha,
ainda, que (12.5) tenha soluções únicas em cada ponto. Então, a solução nula de (12.5) é
assintoticamente estável.

Demonstração. Pelo teorema (12.1.3), sabemos que existem µ > 0 e K 1 tais que |etA |

Ke , 8t
0 (pois temos como hipótese que os autovalores de A têm parte real negativa).
µ
Ainda, existe 1 > 0 para o qual |x| < 1 implica que |g(t, x)|  |x|, para todo t 2 R.
2K
Dado |x| < = 1 /K e seja '(t) a solução de (12.5) em

⌦ 1 = (t, x) 2 R ⇥ Rn ; |x| < 1, (12.6)

com '(0) = x e intervalo maximal (! , !+ ). Sabemos que


ˆ t
tA
'(t) = e x + e(t s)A g(s, '(s))ds
0

8t 2 (! , !+ ). Por (12.6) temos que |x| < 1 , para todo t, isso implica que, para t 0,
ˆ t
tA
|'(t)| = e x + e(t s)A g(s, '(s))ds
0
ˆ t
tA
 |e x| + |e(t s)A g(s, '(s))|ds
0
ˆ t

 Ke |x| + Ke (t s)µ |g(s, '(s))|ds
0
ˆ t
tµ µ
 Ke |x| + K e µ(t s) |'(s)|ds
0 2K
µ t µs
ˆ

= Ke |x| + e µt e |'(s)|ds
2 0
✓ ˆ t ◆
µt µs
=e K|x| + e |'(s)|ds .
0

110
12.2. O Critério de Liapounov

Logo,
✓ ˆ t ◆
µt µs
e |'(t)|  K|x| + e |'(s)|ds .
0

Aplicando a desigualdade de Gronwall, obtemos

eµt |'(t)|  K|x|eµt/2 ,

8t 0.
Portanto,

1 µt/2 µt
|'(t)|  K e e
K
 1 e µt/2 .

Dessa forma,
µt/2
|'(t)|  1e (12.7)

8t 0.
Note que, no enunciado do Teorema, fizemos t 2 R. Logo, podemos fazê-lo tender ao
infinito. Tomando o limite de (12.7) quando t ! 1 podemos concluir que a solução nula é
assintoticamente estável.

Corolário 12.1.7. Seja x0 um ponto singular de

ẋ = f (x), (12.8)

com f : ! Rn , f de classe C 1 e um subconjunto aberto de Rn . Suponhamos que Df (x0 )


tem todos os autovalores com parte real negativa. Então, existem uma vizinhança U de x0 e
constantes K > 0 e v > 0 tais que, para todo x 2 U , a solução '(t) de (12.8) tal que '(0) = x
vt
está definida em U , 8t 0, e |'(t) x0 |  Ke |x x0 |, 8t 0. Em particular, x0 é
assintoticamente estável.

12.2 O Critério de Liapounov


Considere o sistema
ẋ = f (x), f : ! Rn (12.9)

em que f é de classe C 1 no aberto ⇢ Rn .

111
Capı́tulo 12. Estabilidade no Sentido de Liapounov

Sabemos que a solução de (12.9) que passa por x 2 será indicada por 'x (t), sendo que
'x (0) = x.
Seja V : ! R uma função diferenciável. Consideremos, para cada x 2 , V̇ (x) =
dV
DVx .f (x), isto é, V̇ (x) = V ('x (t)) |t=0 .
dt
Definição 12.2.1. Seja x0 um ponto singular de (12.9). Uma função Liapounov para x0 é uma
função V : U ! R diferenciável, definida em um aberto U tal que x0 2 U , satisfazendo as
seguintes condições:

1. V (x0 ) = 0 e V (x) > 0, 8x 6= x0 .

2. V̇  0 em U .
A função de Liapounov diz-se estrita quando

3. V̇ < 0 em U {x0 }.

O critério de Liapounov para o sistema (12.9) é

Teorema 12.2.2. Seja x0 um ponto singular de (12.9). Se existe uma função de Liapounov
para x0 , então x0 é estável. Se a função for estrita, x0 é assintoticamente estável.

Demonstração. Seja V : U ! R uma função de Liapounov para x0 . Dado B = {x 2


Rn ; |x x0 |  } ⇢ U , então o número m = min{V (x); |x x0 | = } é positivo. Em virtude
da continuidade de V , existe um aberto U1 3 x0 , contido em B, tal que V (x) < m para todo
x 2 U1 .
Como V é não crescente ao longo das órbitas de (12.9), o que pode ser concluı́do pela
definição (13.1.1), temos que 'x (t) permanece no interior de B, 8t 0 e x 2 U1 . Suponha que
'x (t) (órbita que passa por x) não permaneça no interior de B, então existiria algum t⇤ > 0, tal
que 'x (t⇤ ) 2(int B)c e, então V ('x (t⇤ )) m, o que contradiria o fato de V ser não crescente
ao longo das órbitas. Portanto, x0 é estável.
Vamos supor agora que V̇ < 0 em U {x0 }. Sejam x 2 U1 e {tn } uma sequência crescente
de números reais positivos tal que 'x (tn ) ! y 2 B. Temos que V ('x (tn )) ! V (y) e, como
V é decrescente, V ('x (tn )) > V (y), 8t 0. Suponhamos que y 6= x0 . Como V ('y (t)) < V (y),
então, em particular, V ('y (1)) < V (y). Para z suficientemente próximo de y temos que 'z (1)
está suficientemente próxima de 'y (1) e assim, V ('z (1)) ⇡ V ('y (1)). Portanto,

V ('z (1)) < V (y). (12.10)

Agora, considere 'x (tn ) = z = 'z (0). Isso implica que

'x (tn + 1) = 'z (1)

112
12.2. O Critério de Liapounov

e então,
V ('x (tn + 1)) = V ('z (1)).

Logo, por (12.10),


V ('x (tn + 1)) < V (y),

um absurdo, pois V̇ < 0 em U {x0 }. Portanto, y = x0 . Como B é compacto, isto é suficiente


para provar que x0 é assintoticamente estável.

Exemplo 12.2.3. Consideremos o sistema


8
<ẋ = x + 2x(x + y)2
(12.11)
:ẏ = y 3 + 2y 3 (x + y)2 , (x, y) 2 R2

A origem (0, 0) é um ponto singular isolado. Não podemos aplicar o Teorema (12.1.6), visto
1
que os autovalores possuem parte real positiva. Consideremos a função V (x, y) = (x2 + y 2 ).
2
Temos
V (0, 0) = 0

e
V (x, y) > 0, 8(x, y) 6= (0, 0).

Ainda,
1 1
V̇ (x, y) = xx0 + yy 0
2 2
= xx + yy 0
0

= x[ x + 2x(x + y)2 ] + y[ y 3 + 2y 3 (x + y)2 ]


= [2(x + y)2 1](x2 + y 4 ).

Assim, V̇ (x, y) < 0 numa vizinhança de (0, 0), exceto em (0, 0). Em virtude do Teorema
(12.2.2), (0, 0) é assintoticamente estável.

Exemplo 12.2.4. A origem (0, 0) é uma singularidade assintoticamente estável do sistema


8
<x0 = y xy 2
: y 0 = x3

com (x, y) 2 R2 .
1 1
De fato, V (x, y) = x4 + y 2 é uma função Liapounov estrita do sistema acima, pois
4 2
1. V (0, 0) = 0 e V (x, y) > 0, 8(x, y) 6= (0, 0).

113
Capı́tulo 12. Estabilidade no Sentido de Liapounov

1 3 0 1
2. V̇ (x, y) = 4x x + 2yy 0 = x3 (y xy 2 ) + y( x3 ) = x4 y 2 < 0, em uma vizinhança de
4 2
(0, 0), exceto em (0, 0).

Definição 12.2.5. Seja x0 uma singularidade assintoticamente estável de (12.9). O conjunto


B(x0 ) = {x 2 ; 'x (t) ! x0 quando t ! 1} chama-se bacia de atração ou variedade estável
de x0 .
O conjunto P ⇢ diz-se positivamente invariante para (12.9) quando para cada x 2 P ,
'x (t) está definido e contido em P , 8t 0.

Teorema 12.2.6. Sejam x0 uma singularidade de (12.9) e P ⇢ uma vizinhança de x0 ,


compacta e positivamente invariante. Seja V uma função C 1 tal que V̇ < 0 em P {x0 }.
Então x0 é assintoticamente estável e P ⇢ B(x0 ).

Demonstração. Sejam x 2 P e !(x) = {y 2 ; 9tn ! 1 com 'x (tn ) ! y} o conjunto


! limite de x. Como P é fechado, temos !(x) ⇢ P . Ainda, sabemos que !(x) é invariante.
Vamos mostrar que V é constante em !(x). De fato, como V é contı́nua, limn!1 V ('x (tn )) =
V (a) para toda sequência {tn } de números positivos tal que limn!1 'x (tn ) = a. De modo
análogo, limn!1 V ('x (sn )) = V (b) para toda sequência {sn } de números positivos tal que
limn!1 'x (sn ) = b. Suponha que V (a) > V (b). Como V̇ < 0 em P {x0 }, então existe n0 , tal
que 8n n0 ,

V ('x (sn0 )) < V ('x (tn )).

Como tn ! 1, existe tm0 tal que tm0 > sn0 com

V ('x (sn0 )) < V ('x (tm0 )),

o que contradiz o fato de V ser decrescente em t. Suponha que V (a) < V (b) e de modo análogo
chegamos a uma contradição.
Assim, V (a) = V (b), quaisquer que sejam a e b em !(x). Portanto, V é constante em !(x),
isto é, V̇ ⌘ 0 em !(x). Logo, !(x) = {x0 }.

12.3 Teorema de Cetaev


Definição 12.3.1. Um ponto singular x0 do sistema ẋ = f (x), f : ! Rn diz-se instável
quando não é estável.

114
12.3. Teorema de Cetaev

Por exemplo, seja A um operador linear em Rn que tenha algum autovalor com perte real
positiva. Então, o zero é um ponto singular instável do sistema linear ẋ = Ax.
O teorema abaixo, devido à Cetaev, fornece um critério para a instabilidade.

Teorema 12.3.2. Consideremos um sistema autônomo (12.9) admitindo um ponto singular


x0 . Seja D um domı́nio em tal que x0 2 @D. Suponhamos que exista uma função C 1 ,
V : ! R tal que V > 0 e V̇ > 0 em D e V ⌘ 0 em @D. Então x0 é instável.

Demonstração. Seja B ⇢ uma bola fechada com centro em x0 e x 2 D\intB. Suponhamos


que 'x (t) esteja definida e contida em B para todo t 0, isto é, suponhamos que x0 é uma
singularidade estável.
Em D, V cresce ao longo das soluções de (12.9), pois V̇ > 0 em D, e, devido a esse fato,
V ('x (t)) > V (x) > 0 para todo t > 0 tal que 'x (t) 2 D. Vamos mostrar que para um compacto
U disjunto de @D, 'x (t) 2 U , 8t 0. Seja V ('x (0)) = A e considere M = {y 2 D; V (y) <
A/2}. Seja U = D M e x 2 U , temos que V ('x (0)) > 0. Suponha que existe t̄ tal que
'x (t̄) 2
/ U . Então, pela continuidade do fluxo existe t̃ de forma que 'x (t̃) 2
/ U , mas 'x (t̃) 2 D,
isto é, existe t̃ tal que t̃ 2 M . Como V̇ > 0 em D, temos que

V ('x (0)) < V ('x (t̃)). (12.12)

Além disso,
V ('x (t̃)) < A/2. (12.13)

Por (12.12) e (12.13), temos


V ('x (0))
V ('x (0)) < V ('x (t̃)) < ,
2
o que é um absurdo, visto que V > 0 em D. Assim, conclui-se que para um compacto U
disjunto de @D, 'x (t) 2 U , 8t 0.
Como f e V são de classe C 1 , então 'x (t) é C 1 e V̇ é contı́nua, respectivamente. Dessa
forma, V̇ ('x (t)) também é uma função contı́nua, a qual está definida no conjunto compacto U
e, pelo teorema de Weierstrass, admite um mı́nimo. Logo, existe m > 0 para o qual

V̇ ('x (t)) m, (12.14)

8t 0.
Integrando (12.14), temos:
ˆ t ˆ t
V̇ ('x (s))ds mds
0 0

) V ('x (t)) V ('x (0)) mt

115
Capı́tulo 12. Estabilidade no Sentido de Liapounov

) V ('x (t)) V (x) mt

) V ('x (t)) V (x) + mt.

Fazendo t ! 1, então

lim V ('x (t)) = 1,


t!1

o que implica que V não é limitada em U .


Porém, V é limitada em U (função contı́nua em um conjunto compacto), o que é uma
contradição. Isso se deve à suposição de que 'x (t) fica restrita a B. Portanto, 'x (t) deve sair
de B e, assim, x0 é instável.

Figura 12.3: Ilustração do Teorema de Cetaev.

116
Capı́tulo 13

Estabilidade Estrutural e o Teorema de


Peixoto

Neste capı́tulo estudaremos o conceito de campo de vetores estruturalmente estável e dare-


mos condições necessárias e suficientes para um campo de vetores f de classe C 1 ser estrutu-
ralmente estável em uma região compacta do plano.
Estes são os sistemas cujos retratos de fase são suficientemente robustos de modo que não
se alteram qualitativamente sob pequenas perturbações de funções que os definem. A ideia de
estabilidade estrutural foi originada de Andronov e Potryagin em 1937.

13.1 Estabilidade Estrutural


Dizemos que f é um campo de vetores estruturalmente estável se, para cada campo de
vetores g próximo de f , o campo de vetores f e g são topologicamente equivalentes.
Se f 2 C1 (E) em que E ⇢ Rn é aberto, então a norma C 1 de f é

kf k1 = sup |f (X)| + sup kDf (X)k. (13.1)


X2E X2E

onde |.| denota a norma euclidiana no Rn e k.k denota a norma usual da matriz Df (X)
(kDf (X)k = max|X|1 |Df (X)|). A função k.k de classe C 1 (E) em R possui todas as pro-
priedades usuais de norma. O conjunto de funções C 1 (E) juntas com a norma C 1 é um espaço
de Banach, isto é, um espaço linear normado completo. Devemos usar a norma C 1 para medir
a distância entre duas funções C 1 (E). Se K ⇢ E compacto, então a norma C 1 de f em K é
definida por
kf k1 = max |f (X)| + max kDf (X)k < 1. (13.2)
X2K X2K

117
Capı́tulo 13. Estabilidade Estrutural e o Teorema de Peixoto

Definição 13.1.1. Seja E ⇢ Rn aberto. O campo de vetores f 2 C 1 (E) é dito estruturalmente


estável se existir " > 0 tal que, para todo g 2 C 1 (E) com

kf gk1 < ",

f e g são topologicamente equivalentes em E, isto é, existe um homeomorfismo H : E ! E o


qual mapeia trajetórias de
Ẋ = f (X) (13.3)

em trejetórias de
Ẋ = g(X). (13.4)

Nesse caso, dizemos que o sistema dinâmico (13.3) é estruturalmente estável. Se um campo
de vetores f 2 C 1 (E) não é estruturalmente estável, então f é dito estruturalmente instável.
Se K ⇢ E é compacto e f 2 C 1 (E) então, se usarmos a C 1 norma da Definição (13.1.1),
dizemos que o campo de vetores f é estruturalmente estável em K.
Além disso, se K é um subconjunto compacto de E e se g 2 C 1 (K) satisfaz

max |f (X) g(X)| + max kDf (X) Dg(X)k < ",


X2K X2K

então existe K̃ ⇢ E compacto que contém K e uma função função g̃ 2 C 1 (E) tal que g̃(X) =
g(X), 8x 2 K, g̃(X) = f (X), 8X 2 E K̃ e kf g̃k1 < ". Assim, para mostrar que f não
é estruturalmente estável em Rn , é suficiente mostrar que f não é estruturalmente estável em
algum compacto K ⇢ Rn com interior não vazio.
A estabilidade estrutural é tı́pica em qualquer sistema que modela problemas fı́sicos. Con-
sidere, por exemplo, um pêndulo amortecido. Se a massa, o comprimento e o atrito no pêndulo
for mudado por uma quantidade suficientemente pequena, ", o comportamento qualitativo
da solução irá permanecer o mesmo, isto é, o retrato de fase global dos dois sistemas (13.3) e
(13.4) que modela dois pêndulos serão topologicamente equivalentes. Assim, o sistema dinâmico
(13.3), que modela o sistema fı́sico o qual consiste em um pêndulo amortecido, é estruturalmente
estável. Por outro lado, o sistema dinâmico que modela um pêndulo não amortecido é estru-
turalmente instável, visto que a adição de qualquer pequena quantidade de atrito transforma o
movimento periódico não amortecido em um movimento amortecido.
É claro que um pêndulo sem atrito não é fisicamente realizável. Se formos considerar so-
mente problemas fı́sicos os quais conduzem a sistemas de equações diferenciais em R2 , então não
devemos nos preocupar com pequenas mudanças arbitrárias no modelo conduzindo a um dife-
rente comportamento qualitativo do sistema. Contudo existem sistemas de dimensões maiores
(n 3) os quais são modelos realistas para certos problemas fı́sicos e que são estruturalmente
instáveis.

118
13.1. Estabilidade Estrutural

Exemplo 13.1.2. O campo de vetores


!
y
f (X) =
x
em Rn não é estruturalmente estável. Para ver isso, tome K um subconjunto compacto do R2
o qual contém a origem em seu interior e mostre que f não é estruturalmente estável em K.
Seja k.k1 a norma C1 em K e defina o campo de vetores
!
y + µx
g(X) = .
x + µy
Então,

kf gk1 = max |f (X) g(X)| + max kDf (X) Dg(X)k


X2K X2K
! ! ! !
y y + µx 0 1 µ 1
= max + max
X2K x x + µy X2K 1 0 1 µ
! !
µx µ 0
= max + max
X2K µy X2K 0 µ
= |µX| + |µ|
= |µ|(|X| + 1)
"
e, seja d = maxX2K |X|, segue que, para todo " > 0, se escolhermos |µ| = então
(d + 2)
"
kf gk1 = |µ|(|X| + 1)  (d + 1) < ".
d+2

Vamos estudar a estrutura qualitativa de Ẋ = g(X).


! ! !
y + µx µ 1 x
Ẋ = = .
x + µy 1 µ y
!
µ 1
Seja A = , então trA = 2µ e det A = µ2 + 1. Dividiremos o nosso estudo em
1 µ
três casos:

1. µ < 0
Então, trA < 0, det A > 0 e (trA)2 < 4 det A. Logo, teremos um foco atrator.

2. µ = 0
Então, trA = 0, det A = 1 > 0. Portanto, teremos um centro.

119
Capı́tulo 13. Estabilidade Estrutural e o Teorema de Peixoto

3. µ > 0
Dessa forma, trA > 0, det A > 0 e (trA)2 < 4 det A. Logo, teremos um foco repulsor.

Os retratos de fase do sistema Ẋ = g(X) são dados pela figura abaixo.

Figura 13.1: Retrato de fase do sistema do exemplo (13.1.2)

Claramente, f não é topologicamente equivalente a g. Logo, f não é estruturalmente estável

120
13.1. Estabilidade Estrutural

em R2 . O número µ = 0 é chamado de valor de bifurcação para o sistema Ẋ = g(X).

Exemplo 13.1.3. O sistema


8
<ẋ = y + x(x2 + y 2 1)2
:ẏ = x + y(x2 + y 2 1)2

é estruturalmente instável em qualquer subconjunto compacto K ⇢ R2 , o qual contém o disco


unitário em seu interior. Isso pode ser visto considerando o sistema
8
<ẋ = y + x[(x2 + y 2 1)2 µ]
(13.5)
:ẏ = x + y[(x2 + y 2 1)2 µ]

De modo análogo ao exemplo anterior, temos

kf gk1 = |µ|(|X| + 1).


"
Seja d = maxX2K |X|, segue que, para todo " > 0, se escolhermos |µ| = então
(d + 2)
kf gk1 < ".

Escrevendo (13.5) em coordenadas polares, obtemos


8
<(r. cos ✓)0 = r. sin ✓ + r. cos ✓[(r2 1)2 µ]
(13.6)
:(r. sin ✓)0 = r. cos ✓ + r. sin ✓[(r2 1)2 µ]

Multiplicando a primeira equação de (13.6) por (cos ✓), a segunda por (sin ✓) e somando
ambas, encontramos

r0 = r[(r2 1)2 µ].

Multiplicando a primeira equação de (13.6) por ( sin ✓), a segunda por (cos ✓) e somando
ambas, encontramos

✓0 = 1.

Portanto, o sistema (13.5) pode ser representado, em coordenadas polares, por


8
<r0 = r[(r2 1)2 µ]
:✓ 0 = 1

De fato, a trajetória ocorre no sentido anti-horário, visto que ✓0 = 1. Vamos estudar o que
ocorre com o sistema dividindo o estudo em três casos:

121
Capı́tulo 13. Estabilidade Estrutural e o Teorema de Peixoto

1. µ < 0
Então (r2 1)2 µ > 0, o que implica que r0 > 0. Logo, temos que o raio cresce ao longo
da trajetória.

2. µ = 0
Caso r = 0 ou r = 1, temos um ponto de equilı́brio e uma trajetória periódica, respecti-
vamente. Para 0 < r < 1 e para r > 1 encontramos r0 > 0, isto é, o raio cresce ao longo
das trajetórias.

3. µ > 0
Considere (r2 1)2 µ = 0.
) (r2
1)2 = µ
p
) r2 1 = ± µ
8
< pµ + 1
2
)r = p
: µ+1
8p
< p
µ + 1 = r1
) r = pp
: µ + 1 = r2

Seja r < r1 ,

q
p
)r< µ+1
p
) r2 < µ+1
p
) r2 1< µ

) (r2 1)2 > µ.

Assim, r0 > 0. Portanto, para r < r1 , r cresce ao longo das trajetórias.


Seja r1 < r < r2 , q q
p p
) µ+1<r < µ+1
p p
) µ + 1 < r2 < µ + 1
p p
) µ < r2 1 < µ
p
) |r2 1| < µ

) (r2 1)2 < µ.

Logo, r0 < 0. Dessa forma, para r1 < r < r2 , r decresce ao longo das trajetórias.

122
13.1. Estabilidade Estrutural

Consequentemente, temos os retratos de fase mostrados na figura abaixo e o sistema com


µ = 0, ou seja, f(X), é estruturalmente instável, isto é, uma pequena perturbação modifica
sua estrutura qualitativa. O número µ = 0 é chamado de valor de bifurcação para o sistema
acima e, para µ = 0 o sistema tem um ciclo limite de multiplicidade dois representado por
(t) = (cos t, sin t)T .

Figura 13.2: Retrato de fase do sistema do exemplo (13.1.3)

123
Capı́tulo 13. Estabilidade Estrutural e o Teorema de Peixoto

Note que, para µ = 0, a origem é um ponto crı́tico não hiperbólico para o sistema do
exemplo (13.1.2) e (t) é um ciclo limite não hiperbólico do sistema no exemplo (13.1.3). Em
geral, sistemas dinâmicos com pontos de equilı́brio não hiperbólicos e/ou órbitas periódicas não
hiperbólicas não são estruturalmente estáveis. Isso não significa que sistemas dinâmicos com
somente pontos de equilı́brio hiperbólicos e órbitas periódicas hiperbólicas são estruturalmente
estáveis.

Teorema 13.1.4. Seja f 2 C 1 (E), E ⇢ Rn aberto contendo um ponto crı́tico hiperbólico x0


de ẋ = f (x). Então, para todo " > 0 existe > 0 tal que 8g 2 C 1 (E) com

kf gk1 <

existe um y0 2 N" (x0 ) tal que y0 é um ponto crı́tico hiperbólico de ẋ = g(x). Além disso,
Df (x0 ) e Dg(y0 ) têm a mesma quantidade de autovalores com parte real positiva e negativa.

Teorema 13.1.5. Seja f 2 C 1 (E), E ⇢ Rn aberto contendo a órbita periódica hiperbólica ⌃


de ẋ = f (x). Então, para todo " > 0 existe > 0 tal que 8g 2 C 1 (E) com

kf gk1 <

existe uma órbita periódica ⌃0 de ẋ = g(x) contida em uma " vizinhança de ⌃.

Um outro importante resultado para sistemas n-dimensionais é que qualquer sistema linear

ẋ = Ax

em que a matriz A não possui autovalores com parte real zero é estruturalmente estável no Rn .

13.2 Teorema de Peixoto


Definição 13.2.1. Um ponto x 2 E (ou x 2 M ) é um ponto não-errante do fluxo t definido
por

ẋ = f (x)

se, para qualquer vizinhança U de x e para todo T > 0, existe um t > T que

t (U ) \ U 6= ?.

124
13.2. Teorema de Peixoto

O conjunto não-errante ⌦ do fluxo t é um conjunto de todos os pontos não-errantes de t

em E (ou em M ). Todo ponto x 2 E ⌦ (ou em M ⌦) é chamado de ponto errante de t.

Pontos de equilı́brio e pontos em órbitas periódicas são exemplos de pontos não-errantes


de um fluxo e, para um fluxo planar, os únicos pontos não-errantes são pontos crı́ticos, pontos
em ciclos e gráficos- pontos de equilı́brio conectados por trajetórias regulares- especı́ficos. Em
geral, isso não pode ser estendido para dimensões maiores.

Exemplo 13.2.2. Seja S um quadrado com os lados opostos identificados de acordo com o
modelo para o toro. Seja (x, y) as coordenadas em S as quais são identificadas (mod1). O
sistema 8
<ẋ = !1
:ẏ = !
2

define o fluxo no toro. Resolvendo o sistema de equações temos que o fluxo é dado por

t (x0 , y0 ) = (!1 t + x0 , !2 t + y0 ).

Se !1 /!2 é irracional, então todos os pontos descrevem órbitas no toro as quais não são
fechadas, porém são densas. Se !1 /!2 é racional, então os pontos descrevem órbitas periódicas.
Nos dois casos todos os pontos de T 2 são pontos não-errantes, isto é, ⌦ = T 2 . Além disso, o
sistema é estruturalmente instável se, ao adicionarmos uma pequena constante arbitrária em
!1 e !1 /!2 mudar de irracional para racional, ou o contrário.

Figura 13.3: Fluxo no quadrado e o fluxo correspondente no toro.

Agora, enunciaremos o Teorema de Peixoto, provado em 1962, o qual caracteriza comple-


tamente a estabilidade estrutural de um campo de vetores C 1 em uma variedade M compacta,
bidimensional e diferenciável.

Teorema 13.2.3. Seja f um campo de vetores de classe C 1 em uma variedade M compacta,


bidimensional e diferenciável. Então f é estruturalmente estável em M se, e somente se,

i) O número de pontos crı́ticos e ciclos é finito e cada um deles é hiperbólico;

125
Capı́tulo 13. Estabilidade Estrutural e o Teorema de Peixoto

ii) Não existem trajetórias conectando um ponto de sela a outro ponto de sela ou a ele mesmo;

iii) O conjunto não-errante ⌦ consiste, apenass, em pontos crı́ticos e ciclos limites.

Além disso, se M é orientável, o conjunto dos campos de vetores estruturalmente estável


em C 1 (M ) é um subconjunto aberto e denso de C 1 (M ). Aberto pelo fato de que, ao pegarmos
um campo f 2 C 1 (M ), existe uma vizinhança tal que todo ponto da mesma é estruturalmente
estável e denso, porque, para todo campo em C 1 (M ), existe uma vizinhança suficientemente
pequena a qual contém um campo estruturalmente estável.
De acordo com o Teorema de Peixoto temos que a estabilidade estrutural é uma propriedade
genérica do campo de vetores em uma variedade M compacta, bidimensional e diferenciável,
isto é, a estabilidade estrutural é mantida após pequenas perturbações em um campo estrutu-
ralmente estável.

126
Capı́tulo 14

Bifurcações

Neste capı́tulo abordaremos o estudo das bifurcações de famı́lias a um parâmetro de sistemas


de equações diferenciais da forma
8
<ẋ = P (x, y, )
(14.1)
:ẏ = Q(x, y, ).

em uma região plana M ⇢ R2 , compacta e com fronteira suave @M , de classe C r , r 3.


Suporemos que percorre um intervalo compacto [a, b].
Um valor 0 2 [a, b] chama-se valor de bifurcação de (14.1), ou da famı́lia ⇠ : !
(P (., ., ), Q(., ., )) de campos vetoriais em M , se em toda vizinhança V ( 0 ) de 0 em [a, b]
existem valores 1 tais que ⇠( 0 ) não é topologicamente equivalente a ⇠( 1 ) em M . Mais
precisamente, não existe homeomorfismo h : M ! M que aplique arcos de trajetórias de
(14.1) com = 0 sobre arcos de trajetórias de (14.1) com = 1, preservando a orientação
dos mesmos.
Vejamos, a seguir, alguns exemplos tı́picos de bifurcações para famı́lias de sistemas de
equações diferenciais do tipo (14.1), ou seja, de campos vetoriais ⇠( ), no plano R2 , dependentes
de um parâmetro 2 R.

Exemplo 14.0.1 (Sela-nó). Considere ⇠( ) = (x2 + , y) ou, equivalentemente


8
<ẋ = x2 +
:ẏ = y.
Vamos encontrar a estrutura qualitativa do sistema. Dividiremos o problema em três casos.
CASO 1: < 0.
p p
Neste caso, temos dois pontos crı́ticos, ( , 0) e ( , 0). Como os pontos de equilı́brio
são hiperbólicos, podemos aplicar o Teorema de Grobman-Hartman.

127
Capı́tulo 14. Bifurcações

" #
2x 0
Df (x, y) = .
0 1

p
Seja (x, y) = ( , 0),

" p #
p 2 0
Df ( , 0) = .
0 1

p
Logo, os autovalores da matriz acima são 1 = 2 <0e 2 = 1 < 0. Portanto, segue
que o ponto crı́tico é um nó atrator.
p
Seja (x, y) = ( , 0),

" p #
p 2 0
Df ( , 0) = .
0 1

p
Logo, os autovalores da matriz acima são 1 =2 >0e 2 = 1 < 0. Portanto, segue
que o ponto crı́tico é uma sela.
CASO 2: = 0.
Aqui, o único ponto crı́tico é (x, y) = (0, 0) e

" #
0 0
Df (0, 0) = .
0 1

Note que os autovalores da matriz são 1 =0e 2 = 1. Não podemos aplicar o Teorema
de Grobman-Hartman, visto que o ponto crı́tico não é hiperbólico, o que é um forte indı́cio de
bifurcação.
CASO 3: > 0.
Neste caso não temos pontos crı́ticos.
Portanto, temos uma sela e um nó para < 0, os quais colapsam entre si para = 0,
formando um sela-nó. Estes pontos se cancelam para > 0.

128
Figura 14.1: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.1.

Exemplo 14.0.2 (Foco composto ou bifurcação de Andronov-Hopf). Considere o sistema


8
<ẋ = y x[ + (x2 + y 2 )
(14.2)
:ẏ = x y[ (x2 + y 2 )].

Escrevendo (14.2) em coordenadas polares, obtemos:


8
<r0 cos ✓ r✓0 sin ✓ = sin ✓ r cos ✓[ + r2 ]
(14.3)
:r0 sin ✓ + r✓0 cos ✓ = r cos ✓ r sin ✓[ + r ].2

Multiplicando a primeira equação de (14.3) por cos ✓, a segunda por sin ✓ e somando ambas,
temos

r0 = r[ + r2 ].

Multiplicando a primeira equação de (14.3) por sin ✓, a segunda por cos ✓ e somando
ambas, temos

✓0 = 1.

Dessa forma, escrevendo (14.2) em coordenadas polares encontramos

129
Capı́tulo 14. Bifurcações

8
<r0 = r[ + r2 ]
:✓0 = 1.

Como ✓0 = 1 > 0, o deslocamento ao longo da trajetória ocorre no sentido anti-horário.


Assim como no exemplo anterior, dividiremos o estudo em três casos:
CASO 1: < 0.
Vamos encontrar os pontos em que r0 = 0.

) r[ + r2 ] = 0

)r=0

ou
p
) + r2 = 0 ) r2 = )r=±

como r > 0,
p
)r= .
p
Caso r1 = 0 ou r2 = , temos um ponto de equilı́brio e uma trajetória periódica,
respectivamente.
Seja r1 < r < r2 ,

p
)0<r<

) r2 <

) r3 < r

) r r3 > 0

) r0 > 0.

Seja r > r2 ,
p
)r>

) r2 >

) r3 > r

) r r3 < 0

) r0 < 0.

Logo, r aumenta ao longo das trajetórias para r1 < r < r2 e diminui ao longo das trajetórias
para r > r2 .

130
CASO 2: = 0.

) r0 = r3 .

Caso r = 0, temos um ponto de equilı́brio. Para r > 0, temos que r0 < 0 e, portanto, r
diminui ao longo das órbitas.
CASO 3: > 0.
Neste caso, temos um único ponto de equilı́brio (r = 0).
Seja r > 0,

) + r2 > 0

) r( + r2 ) > 0

) r( + r2 ) < 0

r0 < 0.

Portanto, r diminui ao longo das trajetórias.


Assim, um foco instável e um ciclo estável ( < 0) colapsam entre si para = 0, formando
um foco atrator fraco. Para > 0 o foco atrator torna-se hiperbólico.

Figura 14.2: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.2.

Exemplo 14.0.3 (Ciclo semi-estável). Considere X = R X, onde X tem um ciclo semi-


estável, por exemplo

X = ([(x2 + y 2 )1/2 1]2 x y, [(x2 + y 2 )1/2 1]2 y + x)

e R é a rotação de ângulo dada por

131
Capı́tulo 14. Bifurcações

!
cos sin
R = .
sin cos
Primeiramente, vamos escrever o campo X em coordenadas polares:

X = ((r 1)2 r cos ✓ r sin ✓, (r 1)2 r sin ✓ + r cos ✓).

Fazendo X = R X, obtemos

!
(r 1)2 r cos ✓ cos r sin ✓ cos (r 1)2 r sin ✓ sin r cos ✓ sin
X =
(r 1)2 cos ✓ sin r sin ✓ sin + (r 1)2 r sin ✓ cos + r cos ✓ cos

8
<r0 cos ✓ r✓0 sin ✓ = (r 1)2 r cos ✓ cos r sin ✓ cos (r 1)2 r sin ✓ sin r cos ✓ sin
)
:r0 sin ✓ + r✓0 cos ✓ = (r 1)2 cos ✓ sin r sin ✓ sin + (r 1)2 r sin ✓ cos + r cos ✓ cos .

Multiplicando a primeira equação do sistema acima por cos ✓, a segunda por sin ✓ e somando
ambas, encontramos

r0 = (r 1)2 r cos r sin .

De modo análogo, multiplicando a primeira equação do sistema por sin ✓, a segunda por
cos ✓ e somando ambas, obtemos

✓0 = cos + (r 1)2 sin ✓.

Logo, o sistema será da forma


8
<r0 = (r 1)2 r cos r sin
(14.4)
:✓0 = cos + (r 1)2 sin ✓.

Dividiremos o estudo qualitativo em três casos:


CASO 1: < 0.
Como ⇡ 0, pertence ao quarto quadrante do ciclo trigonométrico. Assim, cos ⇡ 1
e sin ⇡ 0, mas sin < 0, o que implica em ✓0 > 0. Portanto, a rotação ocorre no sentido
anti-horário.
Encontrando os pontos crı́ticos,

r=0

132
ou
(r 1)2 cos sin =0

) tan = (r 1)2 0.

Porém, percence ao quarto quadrante, isto é, tan < 0. Assim, o único ponto em que
0
r = 0 é r = 0.
Seja r > 0, temos que r0 > 0, ou seja, o raio cresce ao longo das órbitas.
CASO 2: = 0.
Reescrevendo o sistema (14.4), temos
8
<r0 = (r 1)2 r
:✓0 = 1.

Como ✓0 = 1 > 0, então a rotação ocorre no sentido anti-horário. De fato, para r = 0 e


r = 1 temos um ponto de equilı́brio e um ciclo limite, respectivamente. Para 0 < r < 1 e r > 1
temos r0 > 0, logo o raio cresce ao longo das órbitas.
CASO 3: > 0.
Como ⇡ 0, isto é, está no primeiro quadrante do ciclo trigonométrico então ✓0 > 0, ou
seja, a rotação ocorre no sentido anti-horário.
Vamos encontrar os pontos de equilı́brio.

r0 = (r 1)2 r cos r sin


= r[(r 1)2 cos sin ].

Logo,
r=0

ou
(r 1)2 cos sin =0

) r2 2r + (1 tan ) = 0
p
2 ± 4 4(1 tan ) p
)r= = 1 ± tan .
2
p p
Então, para r = 0 temos um ponto de equilı́brio e para r1 = 1 tan e r2 = 1 + tan
temos ciclos limites.
Considere 0 < r < r1 ,

p
)0<r<1 tan
p
)r 1< tan

133
Capı́tulo 14. Bifurcações

) (r 1)2 > tan

) (r 1)2 cos sin >0

) r0 > 0.

Assim, o raio cresce ao longo das órbitas para 0 < r < r1 .


Agora, seja r1 < r < r2 ,

p
)r <1+ tan

p
)r 1< tan

) (r 1)2 < tan

) (r 1)2 cos sin <0

) r0 < 0.

Portanto, o raio diminui ao longo das órbitas para r1 < r < r2 .


Seja, r > r2 ,

p
)r >1+ tan

p
)r 1> tan

) (r 1)2 > tan

) (r 1)2 cos sin >0

) r0 > 0.

Logo, o raio cresce ao longo das órbitas para r > r2 .


Resumidamente, um ciclo atrator e um ciclo instável ( > 0) colapsam para = 0, formando
um ciclo semi-estável. Ambos os ciclos se cancelam para < 0.

134
Figura 14.3: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.3.

Exemplo 14.0.4 (Conexão de Selas). Considere ⇠( ) = R X, onde X tem uma ligação de


selas e R é uma rotação, como no exemplo anterior.
CASO A: Selas diferentes.
Duas separatrizes de selas diferentes p1 , p2 para < 0, colapsam para = 0, formando uma
conexão entre as selas p1 e p2 . Para > 0 as separatrizes desconectam-se.

Figura 14.4: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.4- CASO A.

CASO B: Selas iguais ou laço.


Inicialmente, temos selas coincidentes, p1 = p2 = p, formando um laço atrator de X. Quando
as separatrizes de sela se desconectam para > 0, aparece um ciclo atrator que resulta ser o
conjunto !-limite da separatriz instável da sela.

135
Capı́tulo 14. Bifurcações

Figura 14.5: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.4- CASO B.

Exemplo 14.0.5 (Laço de Sela-Nó). Se, no exemplo (14.0.1), a separatriz dos setores hi-
perbólicos da sela-nó penetra na região nodal da mesma, então, quando > 0, aparece um
ciclo atrator Y .

Figura 14.6: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.5.

Exemplo 14.0.6 (Ligações de Selas emergentes da eliminação de um Ciclo Semi-estável).


Se, no exemplo (14.0.3), há separatrizes de selas que espiralam por ambos os lados do ciclo
semi-estável ( = 0), após a eliminação deste ciclo aparecem, para uma sequência infinita { n },

n ! 0, ligações entre selas interiores e exteriores do campo X n , de comprimentos crescentes.

136
Figura 14.7: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.6.

Exemplo 14.0.7 (Ligações de Selas emergentes da eliminação de um laço de Sela). Se no


laço do exemplo (14.0.4-B), há separatrizes de selas cujo !-limite é o laço, então quando o
laço é quebrado ( < 0), aparecem infinitos ( n) com ligações das selas interiores ao laço,
conectando-se com as separatrizes estáveis da sela.

Figura 14.8: Diagrama de bifurcação do Exemplo 14.0.7.

137
Capı́tulo 14. Bifurcações

14.1 Formulação dos Resultados Principais


Denotaremos por Xr = Xr (M ), r 1, o conjunto de campos vetoriais X = (P, Q) de classe
C r em M , isto é, tais que P e Q são restrições a M de funções de classe C r em R2 .
Com o intuito de estudar teoremas importantes, definiremos alguns subconjuntos de Xr ⌃r ,
espaço dos campos não estruturalmente estáveis de classe C r numa região M compacta e conexa
de R2 , com fronteira suave @M , de classe C r .
Inicialmente, definiremos o conjunto de campos estruturalmente estáveis

⌃r = ⌃r (1) \ ⌃r (2) \ ⌃r (3) \ ⌃r (4).

• ⌃r (1) = ⌃r (1, a) \ ⌃r (1, b), onde

- ⌃r (1, a) é o conjunto de campos com todas as singularidades em M hiperbólicas.

- ⌃r (1, b) é o conjunto de campos sem singularidades contidas em @M .

• ⌃r (2) = ⌃r (2, a) \ ⌃r (2, b), onde

- ⌃r (2, a) é o conjunto de campos em que todas as órbitas periódicas contidas em M são


hiperbólicas.

- ⌃r (2, b) é o conjunto de campos com todas as órbitas periódicas em M disjuntas de @M .

• ⌃r (3) é o conjunto dos campos cuja tangência com @M é parabólica. Isto é, X.f (p) = 0
e X 2 .f (p) 6= 0.

• ⌃r (4) = ⌃r (4, a) \ ⌃r (4, b) \ ⌃r (4, c), onde

- ⌃r (4, a) é o conjunto de campos que não têm conexões de separatrizes de pontos singu-
lares em M .

- ⌃r (4, b) é o conjunto de campos que têm todas as órbitas contidas em M tangentes a


@M em, no máximo, um ponto.

- ⌃r (4, c) é o conjunto dos campos que têm todas as suas separatrizes de pontos singulares
transversais a @M .
4
[
Definiremos, a seguir, certos subconjuntos de Xr ⌃r = (Xr ⌃r (i)).
i=1

• ⌃r1 (1) = ⌃r1 (1, a) [ ⌃r1 (1, b), onde

- ⌃r1 (1, a) é o conjunto de campos X de ⌃r (1, b)\⌃r (2)\⌃r (3)\⌃r (4) que possuem vários
pontos singulares e um deles, p, é não hiperbólico em M , o qual será do tipo sela-nó ou

138
14.1. Formulação dos Resultados Principais

foco-composto. O ponto singular p é uma sela-nó de X se DX(p) tem um autovalor


0 = 0 e o outro 1 6= 0.

Figura 14.9: Sela-nó.

Uma sela-nó tem dois setores: um hiperbólico, à direita, e um nodal, à esquerda. Note
que duas separatrizes constituem a fronteira entre o setor nodal e o setor hiperbólico, e
uma separatriz separa as partes inferior e superior do setor hiperbólico.

Um ponto singular é um foco-composto se DX(p) tem os valores próprios da forma


= a ± bi, com a 6= 0 e a derivada terceira da transformação de retorno ⇢ : I0 ! I,
definida pelas órbitas de X num segmento I que passa por p é diferente de zero em p.

Figura 14.10: Foco composto.

Quando necessário distinguiremos cada um dos casos com as notações ⌃r1 (1, a, s-n) e
⌃r1 (1, b, f-c) para designar o subconjunto de campos de ⌃r1 (1, a) com uma sela-nó e com
um foco composto, respectivamente.

- ⌃r1 (1, b) é o conjunto de campos X em ⌃r (1, a) \ ⌃r (2) \ ⌃r (3) \ ⌃r (4) que têm um único
ponto singular p em @M que é um dos seguintes tipos

Foco: DX(p) tem autovalores complexos com parte real não nula.

139
Capı́tulo 14. Bifurcações

Figura 14.11: Foco.

Sela: DX(p) tem autovalores reais e com sinais opostos e os autovetores são transversais
a @M .

Figura 14.12: Sela.

Nó: DX(p) tem autovalores reais, distintos e de mesmo sinal. Os autoespaços são trans-
versais a @M .

Figura 14.13: Nó.

Utilizaremos ⌃r1 (1, b, f ), ⌃r1 (1, b, s), ⌃r1 (1, b, n) para nos referir ao conjunto de campos
⌃r1 (1, b) com foco, sela e nó, respectivamente.

140
14.1. Formulação dos Resultados Principais

• ⌃r1 (2) = ⌃r1 (2, a) [ ⌃r1 (2, b), onde

- ⌃r1 (2, a) é o conjunto de campos em ⌃r (1) \ ⌃r (2, b) \ ⌃r (3) \ ⌃r (4) que têm uma única
órbita periódica não hiperbólica.

Aqui, ⇡ denota a transformação de Poincaré.

- ⌃r1 (2, b) é o conjunto de campos em ⌃r (1) \ ⌃r (2, a) \ ⌃r (3) \ ⌃r (4) que têm uma única
órbita periódica em M tangente a @M .

Será importante para o nosso estudo definir alguns subconjuntos de ⌃r1 (2, a) e ⌃r1 (2, b).

˜ r (2, a) ⇢ ⌃r (2, a) é o conjunto o qual a órbita periódica não hiperbólica não é, si-
- ⌃ 1 1
multaneamente, ↵ e ! limite das separatrizes de selas ou de órbitas que são tangentes a
@M .

˜ r1 (2, b) ⇢ ⌃r1 (2, b) é o conjunto o qual a órbita periódica tangente a @M não é ↵ e nem
-⌃
! limite das separatrizes de selas ou das outras órbitas que são tangentes a @M .

141
Capı́tulo 14. Bifurcações

• ⌃r1 (3) é o conjunto dos campos de X em ⌃r (1) \ ⌃r (2) \ ⌃r (4) que têm um único ponto
p de tangência com @M que não é parabólica, ou seja, X.f (p) = X 2 .f (p) = 0, porém p é
um ponto de tangência cúbica, isto é, X 3 .f (p) 6= 0.

• ⌃r1 (4) = ⌃r1 (4, a) [ ⌃r1 (4, b) [ ⌃r1 (4, c), em que
- ⌃r1 (4, a) é o conjunto de campos vetoriais X de ⌃r (1) \ ⌃r (2) \ ⌃r (3) \ ⌃r (4, b) \ ⌃r (4, c)
que têm uma única separatriz Y , contida em intM cujos ↵ e !-limites são selas p e q de
X, tais que se p = q temos um laço simples com vértice em p.

- ⌃r1 (4, b) é o conjunto de campos vetoriais X de ⌃r (1) \ ⌃r (2) \ ⌃r (3) \ ⌃r (4, a) \ ⌃r (4, c)
que têm uma única órbita em M com exatamente dois pontos de tangência com @M .

142
14.1. Formulação dos Resultados Principais

- ⌃r1 (4, c) é o conjunto de campos vetoriais X de ⌃r (1) \ ⌃r (2) \ ⌃r (3) \ ⌃r (4, a) \ ⌃r (4, b)
que têm uma única separatriz de sela tangente a @M .

Será necessário para o estudo futuro distinguir subconjuntos de ⌃r1 (4, a). Denotaremos por
⌃r1 (4, a, d) os campos com ligação de selas diferentes e por ⌃r1 (4, a, `) os campos com um laço.
Além disso, precisaremos distinguir também o subconjunto ⌃ ˜ r1 (4, a, `) de campos de ⌃r1 (4, a, `)
para os quais o laço Y não é ↵ e nem !-limite de separatrizes de sela ou de órbitas tangentes
a @M .

Aqui, chamaremos o espaço Xr ⌃r , munido da topologia induzida por Xr , de X̃r1 .

Definição 14.1.1. Diz-se que X é estruturalmente estável por pequenas perturbações em ,


com ⇢ Xr (M ), se existe uma vizinhança U = U (X) de X em tal que para todo Y 2 U é
possı́vel encontrar um homeomorfismo h = hY : M ! M que transforma arcos de órbitas de
Y em arcos de órbitas de X, preservando a orientação dos mesmos.
Dessa forma, um campo vetorial estável por pequenas perturbações em X̃r1 é um campo
estruturalmente estável de primeira ordem (codimensão 1).

r
Definição 14.1.2. Denotamos por o espaço de famı́lias a um parâmetro de campos vetoriais.
Mais precisamente,

r
= C 1 ([a, b], Xr )

é o espaço de aplicações de classe C 1 de [a, b] em Xr = Xr (M ) munido da norma C 1 .

r r
Definição 14.1.3. Chamaremos de o subconjunto dos ⇠ 2 tais que

1) ⇠ é transversal a ⌃r1 .

143
Capı́tulo 14. Bifurcações

˜ ⌃r ) [ ⌃r , onde Int
2) ⇠[a, b] ⇢ (Int ˜ ⌃r é o interior de Xr ⌃r em X̃r1 .
1 1

r r
Teorema 14.1.4. 1) é aberto e denso em .

r r
2) ⇠ 2 é estruturalmente estável se, e somente se, ⇠ 2 .

144
Capı́tulo 15

Regularização de Campos Vetoriais


Descontı́nuos

Este capı́tulo tem o intuito de apresentar o processo de regularização de campos vetoriais


definidos em variedades descontı́nuas de dimensão 2, sendo que estas descontinuidades ocorrem
sobre uma subvariedade de codimensão 1. Este processo consiste em definir um novo campo
suave que é uma aproximação do campo descontı́nuo, o que é uma vantagem, visto que o
campo regularizado é um campo contı́nuo, para o qual se pode aplicar a teoria desenvolvida
até o momento.

15.1 Introdução
Consideremos M = R2 , ⌃ uma curva do R2 dada por ⌃ = f 1
(0), onde f : M ! R é uma
função C 1 que possui 0 2 R como valor regular, isto é, rf (p) 6= 0 para todo p 2 f 1
(0). Essa
curva de descontinuidade possui uma só componente conexa e separa o plano em duas regiões:
⌃+ = {p 2 M ; f (p) 0} e ⌃ = {p 2 M ; f (p)  0}.
Denotaremos por X r o espaço de campos vetoriais C r sobre M (r 1) e por ⌦ = ⌦(M, f )
o espaço dos campos vetoriais Z sobre M definidos por:
8
<X(p), para p 2 ⌃+
Z(p) =
:Y (p), para p 2 ⌃ .

No restantes do capı́tulo, utilizaremos a notação Z = (X, Y ) para ressaltar a dependência


de X e Y . Se olharmos para as soluções de ṗ = Z(p), observamos que pode não haver unicidade
sobre os pontos de ⌃. Sobre ⌃, as soluções de ṗ = Z(p) obedecem a formulação de Filippov, a
ser descrita abaixo.

145
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Considere o produto interno usual em R2 , dado por

Xf (p) =< X(p), rf (p) >= kX(p)kkrf (p)k cos ✓,

onde ✓ é o ângulo entre os vetores X(p) e rf (p). Dessa forma, se cos ✓ > 0, então o ângulo
entre os dois vetores X(p) e rf (p) é menor do que 90º, mas se cos ✓ < 0, então o ângulo entre
os dois vetores X(p) e rf (p) é maior do que 90º.
A partir do ângulo entre os vetores X(p) e rf (p), e também entre Y (p) e rf (p), iremos
distinguir partições da região de descontinuidade.

(i) p 2 ⌃ está na Região de Costura ⌃c se (Xf (p))(Y f (p)) > 0.

Figura 15.1: Região de Costura.

(ii) p 2 ⌃ está na Região de Escape ⌃e se Xf (p) > 0 e Y f (p) < 0.

Figura 15.2: Região de Escape.

(iii) p 2 ⌃ está na Região de Deslize ⌃d se Xf (p) < 0 e Y f (p) > 0.

146
15.1. Introdução

Figura 15.3: Região de Deslize.

Na região de costura temos, por exemplo, Xf (p) > 0 e Y f (p) > 0. Neste caso, o ângulo
entre os vetores X(p) e rf (p) é menor do que 90º. Analogamente, o ângulo entre os vetores
Y (p) e rf (p) é menor do que 90º, o que nos dá o esboço à direita na Figura 15.1.
Na região de escape o ângulo entre os vetores X(p) e rf (p) é menor do que 90º e o ângulo
entre os vetores Y (p) e rf (p) é maior do que 90º. Veja a Figura 15.2. Na região de deslize o
ângulo entre os vetores X(p) e rf (p) é maior do que 90º e o ângulo entre os vetores Y (p) e
rf (p) é menor do que 90º, o que pode ser visto na Figura 15.3.

Definição 15.1.1. Dizemos que uma função C 1 , ' : R ! R é uma Função de Transição
quando '(t) = 0 se t  1, '(t) = 1 de t 1 e '0 (t) > 0 se t 2 ( 1, 1). Veja a figura 15.4.

Figura 15.4: Função de Transição.

Definição 15.1.2. Uma '✏ Regularização de Z = (X, Y ) 2 ⌦ é uma famı́lia a um parâmetro


de campos vetoriais Z✏ em X r dada por

Z✏ = (1 '✏ (f (p)))Y (p) + '✏ (f (p))X(p),


✓ ◆
t
onde '✏ (t) = ' .

147
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Exemplo 15.1.3. Considere o sistema


8
<ẋ = 1
:ẏ = 2 + sqn(y).

Note que f (p) = y. Se y > 0, temos que sqn(y) = 1, então


8
<ẋ = 1
:ẏ = 3.

Logo, X(x, y) = (1, 3).


Se y < 0, temos que sqn(y) = 1, então
8
<ẋ = 1
:ẏ = 1.

Portanto, Y (x, y) = (1, 1).


Graficamente temos uma região de costura, pois Xf (p) =< X, rf >= (1, 3).(0, 1) = 3 > 0
e Y f (p) =< Y, rf >= (1, 1).(0, 1) = 1 > 0. Dessa forma, (Xf (p))(Y f (p)) > 0.
Considere
8
>
>0, se t  1;
>
<
'(t) = 1, se t 1;
>
>
>
:'0 (t) > 0, se t 2 ( 1, 1).
✓ ◆
t
e '✏ (t) = ' .

Assim,

Z✏ = (1 '✏ (f (p)))Y (p) + '✏ (f (p))X(p)


= (1 '✏ (y)) Y (x, y) + '✏ (y)X(x, y)
⇣ ⇣ y ⌘⌘ ⇣y ⌘
= 1 ' (1, 1) + ' (1, 3)
⇣ ⇣ y✏ ⌘ ⇣ y ⌘⌘ ✏ ⇣ ⇣ y ⌘ ⇣ y ⌘⌘
= 1 ' ,1 ' + ' , 3'
⇣ ✏ ⇣ ⌘⌘ ✏ ✏ ✏
y
= 1, 1 + 2' .

é uma '✏ regularização para este campo.

148
15.2. Considerações Locais

15.2 Considerações Locais

Definição 15.2.1. O Campo Vetorial Deslizante associado a Z 2 ⌦ é um campo vetorial


Z d tangente a ⌃d e definido em p 2 ⌃d por Z d (p) = m p, com m sendo o ponto do segmento
que une p + X(p) e p + Y (p) tal que m p é tangente a ⌃d .
Se p 2 ⌃d , então p 2 ⌃e para Z e podemos definir o campo vetorial de escape associado
a Z por Z e = ( Z)d . Usaremos a notação Z ⌃ para ambos os casos.

Observação: Aqui iremos encontrar o campo deslizante seguindo a convenção de Filippov.


Considere o seguinte caso, como apresentado na Figura 15.5, onde p = (p1 , 0). O vetor
X(p) + p tem coordenadas (x1 + p1 , x2 ) e o vetor Y (p) + p tem coordenadas (y1 + p1 , y2 ), no qual
X = (x1 , x2 ) e Y = (y1 , y2 ). Podemos encontrar a equação da reta r que passa pelos pontos
(x1 + p1 , x2 ) e (y1 + p1 , y2 ) através do seguinte determinante.

x1 + p1 x2 1
y1 + p1 y2 1 =0
x y 1

e concluir que a equação geral é dada por

(y2 x2 )x x1 y2 y2 p1 + x2 y1 + x2 p1
y= .
y1 x1

Analogamente, encontramos a equação da reta s que passa pelo ponto (p1 , 0) e tem como
vetor diretor (1, 0). A equação geral da reta é y = 0.
Se fizermos a interseção dessas duas retas encontraremos o ponto

✓ ◆
x1 y2 x2 y1
m= p1 + ,0 .
y2 x2

Logo, o campo deslizante é dado por

✓ ◆
⌃ x1 y2 x2 y1 Y f.X(p) Xf.Y (p)
Z (p) = m p= p1 + ,0 (p1 , 0) = ,
y2 x2 Y f (p) Xf (p)

onde f (x, y) = y.

149
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Figura 15.5: Convenção de Filippov.

Definição 15.2.2. Seja p 2 ⌃ e Z = (X, Y ). Um ponto p 2 ⌃d ou ⌃e é chamado de pseudo-


equilı́brio de Z se Z ⌃ (p) = 0.

Definição 15.2.3. Seja p 2 ⌃d (respectivamente p 2 ⌃e ) um ponto de pseudo-equilı́brio de Z.


Dizemos que p é do tipo sela se p é uma singularidade repulsora (respectivamente atratora)
de Z ⌃ sobre ⌃. Veja a Figura 15.6.

Figura 15.6: Pontos de Equilı́brio do tipo Sela.

Definição 15.2.4. Seja p 2 ⌃d . Dizemos que p será do tipo atrator se p é uma singularidade
atratora de Z ⌃ sobre ⌃. Seja p 2 ⌃e . Dizemos que p será do tipo repulsor se p é uma
singularidade repulsora de Z ⌃ sobre ⌃. Veja a Figura 15.7.

150
15.2. Considerações Locais

Figura 15.7: Pontos de Equilı́brio do tipo Atrator e Repulsor.

Definição 15.2.5. Dizemos que um ponto p 2 ⌃ é um ponto de dobra de X 2 X r se


Xf (p) = 0 e X 2 f (p) 6= 0. Isso significa que p é um ponto de tangência parabólica.

Figura 15.8: Ponto de Dobra.

Observação: Quando p é um ponto de dobra e X 2 f (p) > 0, dizemos que o ponto de dobra
é visı́vel. Se p é um ponto de dobra e X 2 f (p) < 0, dizemos que o ponto de dobra é invisı́vel.

Definição 15.2.6. Dizemos que p 2 ⌃ é um ponto ⌃-regular se (Xf (p))(Y f (p)) > 0 (isto é,
p 2 ⌃c ) ou (Xf (p))(Y f (p)) < 0 e Z ⌃ (p) 6= 0 (isto é, p 2 ⌃e [ ⌃d e não é ponto de equilı́brio de
Z ⌃ ).

Figura 15.9: Pontos ⌃-Regulares.

151
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Definição 15.2.7. Os pontos de ⌃ que não são ⌃-regulares são chamados de ⌃-singulares.
Se p é ⌃-singular, então é possı́vel classificá-lo em dois tipos:

(i) p é singularidade tangencial se (Xf (p))(Y f (p)) = 0. Se p é singularidade tangencial


dizemos que p 2 ⌃t .

(ii) p é de pseudo-equilı́brio de Z se Z ⌃ (p) = 0. Neste caso dizemos que p 2 ⌃p .

Definição 15.2.8. p 2 ⌃ é um ponto ⌃-Singular Elementar de Z = (X, Y ) se uma das


condições é satisfeita:

(i) p é um ponto de dobra de Z = (X, Y ). Isso significa que p é um ponto de dobra de Y


(Xf (p) 6= 0, Y f (p) = 0 e Y 2 f (p) 6= 0) ou p é um ponto de dobra de X (Y f (p) 6= 0,
Xf (p) = 0 e X 2 f (p) 6= 0).

d
(ii) Xf (p).Y f (p) < 0, det[X, Y ](p) = 0, mas (det[X, Y ] |⌃ )(p) 6= 0, ou seja, p é um ponto
dp
crı́tico hiperbólico de Z ⌃ .

Figura 15.10: Pontos ⌃-Singulares Elementares.

15.2.1 Pontos Regulares


Lema 15.2.9. Seja p 2 M um ponto ⌃-Regular de Z = (X, Y ). Então existe uma vizinhança
V de p em M e ✏0 tal que para todo ✏ < ✏0 , Z✏ não possui pontos crı́ticos em V .

Demonstração. Tomemos p 2 M um ponto ⌃-Regular de Z. Por definição, p 2 ⌃c ou p 2 ⌃e


ou ainda p 2 ⌃d , mas não é singularidade de Z ⌃ . Então, temos dois casos a considerar.
Caso 1: p 2 ⌃c .
Se p 2 ⌃c , então (Xf (p))(Y f (p)) > 0, isto é, Xf (p) > 0 e Y f (p) > 0 ou Xf (p) < 0 e
Y f (p) < 0. Vamos supor, sem perda de generalidade, que Xf (p) > 0 e Y f (p) > 0, em que
p = (0, 0). Desse modo, podemos assumir que ⌃ = {y = 0}, X = (0, 1), Y = (h, g) com

152
15.2. Considerações Locais

g(p) = b > 0 e f (x, y) = y. Nessas condições:

Z✏ (x, y) = (1 '✏ (f (p)))Y (p) + '✏ (f (p))X(p)


= (1 '✏ (y))(h(x, y), g(x, y)) + '✏ (y)(0, 1)
= ((1 '✏ (y))h(x, y), (1 '✏ (y))g(x, y)) + (0, '✏ (y))
= ((1 '✏ (y))h(x, y), (1 '✏ (y))g(x, y) + '✏ (y)).

Queremos mostrar que Z✏ 6= (0, 0). Para isso, basta provar que (1 '✏ (y))h(x, y) 6= 0 ou
que (1 '✏ (y))g(x, y) + '✏ (y) 6= 0. Mostraremos que (1 '✏ (y))g(x, y) + '✏ (y) 6= 0.
Sabemos que '✏ (y) 2 [0, 1]. Logo, (1 '✏ (y))g(x, y) 0 em uma vizinhança V de p, pois
g(p) = b > 0. Assim, (1 '✏ (y))g(x, y) + '✏ (y) = 0 se (1 '✏ (y))g(x, y) = 0 e '✏ (y) = 0. Mas
isso nunca ocorre, pois se '✏ (y) = 0, então (1 '✏ (y))g(x, y) > 0.
Portanto, Z✏ não possui pontos crı́ticos em V .
Caso 2: p 2 ⌃e ou p 2 ⌃d mas não é um ponto de pseudo-equilı́brio de Z ((Xf (p))(Y f (p)) <
0 com det[X, Y ](p) 6= 0).
Podemos assumir que p = (0, 0), ⌃ = {y = 0}, X = (0, 1), Y = (h, g) com g(p) = b > 0 e
f (x, y) = y. Nessas condições:

Z✏ (x, y) = (1 '✏ (f (p)))Y (p) + '✏ (f (p))X(p)


= (1 '✏ (y))(h(x, y), g(x, y)) + '✏ (y)(0, 1)
= ((1 '✏ (y))h(x, y), (1 '✏ (y))g(x, y)) + (0, '✏ (y))
= ((1 '✏ (y))h(x, y), (1 '✏ (y))g(x, y) '✏ (y)).

Temos que

0 1
det[X, Y ] = = h(x, y).
h(x, y) g(x, y)

Logo, por hipótese, h(x, y) 6= 0.


Suponha que Z✏ (x, y) = (0, 0). Então, (1 '✏ (y))h(x, y) = 0, mas, como h(x, y) 6= 0, temos
que 1 '✏ (y) = 0 e, dessa forma, '✏ (y) = 1. Substituindo '✏ (y) = 1 em (1 '✏ (y))g(x, y) '✏ (y),
obtemos Z✏ (x, y) = (0, 1). Logo, Z✏ não tem pontos crı́ticos em V .

153
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Figura 15.11: Pontos ⌃-Regulares e suas Regularizações.

15.2.2 Pontos Singulares


Lema 15.2.10. Seja p um ponto de dobra de Z = (X, Y ). Então existe ✏0 tal que para todo
✏  ✏0 temos que se p é um ponto de dobra de X (respectivamente de Y ) então

1. Z✏ não possui pontos crı́ticos numa vizinhança de p, onde Y é transversal, isto é, Y f 6= 0
em p;

2. Sobre a curva {Z✏ f = 0} o contato entre Z✏ e a curva {f = ✏} é quadrático.

Demonstração. 1. Seja p um ponto de dobra de X, então Xf (p) = 0, X 2 f (p) 6= 0 e


Y f (p) 6= 0. Numa vizinhança de p = (0, 0), tem-se X(x, y) = (a(x, y), b(x, y)), Y (x, y) =
(c(x, y), d(x, y)) e f (x, y) = y. Logo, Z✏ = ((1 '✏ (y))c(x, y) + a(x, y)'✏ (y), ((1
'✏ (y))d(x, y) + b(x, y)'✏ (y)).
Para que Z✏ = (0, 0), devemos ter

8
<(1 '✏ (y))c(x, y) + a(x, y)'✏ (y) = 0
:(1 '✏ (y))d(x, y) + b(x, y)'✏ (y) = 0.

Então,

c(x, y) d(x, y)
'✏ (y) = = . (15.1)
c(x, y) a(x, y) d(x, y) b(x, y)

154
15.2. Considerações Locais

Além disso,

a(x, y) b(x, y)
det[X, Y ] = = a(x, y)d(x, y) b(x, y)c(x, y).
c(x, y) d(x, y)

Por (15.1), temos que det[X, Y ](x, y) = 0.

No ponto p, tem-se det[X, Y ](p) = a(p)d(p) b(p)c(p) (*). Mas, temos que Xf (p) =
2
(a(p), b(p))(0, 1) = b(p) = 0, X f (p) = Xr(Xf (p)) = (a(p), b(p))(bx (p), by (p)) = a(p)bx (p) 6=
0, logo, a(p) 6= 0, e Y f (p) = (c(p), d(p))(0, 1) = d(p) 6= 0.

Voltando a (*), temos que det[X, Y ](p) 6= 0, o que é uma contradição. Assim, Z✏ 6= (0, 0).

Seja ✏0 > 0 tal que det[X, Y ](x, y) 6= 0 se |x|  ✏0 e |y|  ✏0 , é imediato que em uma
vizinhança de p, o campo Z✏ não possui singularidades.

2. Seja p 2 ⌃ um ponto de dobra de X, então Xf (p) = 0, X 2 f (p) 6= 0 e Y f (p) 6= 0.


Vamos assumir Xf (p) = 0, X 2 f (p) > 0 e Y f (p) > 0. Os outros casos são análogos.
Seja p = (0, 0) tal que f (x, y) = y, X(x, y) = (1, x) e Y (x, y) = (g(x, y), l(x, y)) com
l(0, 0) > 0, o campo vetorial Z✏ é escrito como

Z✏ = (Z✏1 , Z✏2 ) = (1 '✏ (f (x, y))))Y (x, y) + '✏ (f (x, y))X(x, y)


= (1 '✏ (y))(g(x, y), l(x, y)) + '✏ (y)(1, x)
= (g(x, y) g(x, y)'✏ (y) + '✏ (y), l(x, y) l(x, y)'✏ (y) + x'✏ (y)).

Devemos mostrar que Z✏ f = 0 e Z✏2 f 6= 0 no nı́vel {f = ✏}.

Note que Z✏ f = Z✏ rf = l(x, y) l(x, y)'✏ (y) + x'✏ (y). Logo,

Z✏ f (0, ✏) = l(0, ✏) l(0, ✏)'✏ (✏) + 0'✏ (✏) = l(0, ✏) l(0, ✏)'(1) = l(0, ✏) l(0, ✏) = 0.

Além disso, Z✏2 f = Z✏ r(Z✏ f ). Como


✓ ◆
@l(x, y) @l(x, y) 0
rZ✏ f = (1 '✏ (y)) + '✏ (y), (1 '✏ (y)) + (x l(x, y))('✏ (y)) ,
@x @y

então rZ✏ f (0, ✏) = (1, 0).

Portanto, Z✏2 f (0, ✏) = Z✏ (0, ✏)rZ✏ f (0, ✏) = (1, 0)(1, 0) = 1 6= 0. Logo, o contato é
quadrático, o que conclui a demonstração do lema.

155
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Figura 15.12: Pontos ⌃-Singulares Elementares e suas Regularizações.

Exemplo 15.2.11. Considere o seguinte sistema


8
<ẋ = y
:ẏ = sgn(x).

Note que f (p) = x. Se x < 0, temos que sqn(x) = 1, então


8
<ẋ = y
:ẏ = 1.

Portanto, X(x, y) = (y, 1).


Se x > 0, temos que sqn(x) = 1, então
8
<ẋ = y
:ẏ = 1.

Logo, Y (x, y) = (y, 1).


Note que este sistema é descontı́nuo e seu retrato de fase está dividido em duas regiões
separadas pela reta de descontinuidade ⌃ = {x = 0}.
Faremos agora alguns cálculos importantes para o estudo da região de descontinuidade e
para investigar a ocorrência de pontos singulares.
✓ ◆
@f @f
1. rf = , = (1, 0).
@x @y

156
15.2. Considerações Locais

2. Xf = X.rf = (y, 1).(1, 0) = y.

3. Y f = Y.rf = (y, 1).(1, 0) = y.

4. X 2 f = X.rY f = (y, 1).(0, 1) = 1.

5. Y 2 f = Y.rXf = (y, 1).(0, 1) = 1.

y 1
6. det[X, Y ] = = 2y.
y 1

Agora, por meio desses cálculos, estudaremos a estrutura qualitativa do sistema inicial.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Costura ⌃c , então (Xf (p))(Y f (p)) > 0.


Neste caso, temos (Xf (p))(Y f (p)) = y 2 > 0, se y 6= 0. Logo, qualquer ponto de ⌃
{(0, 0)} é um ponto de costura.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Escape ⌃e , então Xf (p) > 0 e Y f (p) < 0.


Assim, Xf (p) = y > 0 e Y f (p) = y < 0, o que é uma contradição. Dessa forma, não
existe região de escape.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Deslize ⌃d , então Xf (p) < 0 e Y f (p) > 0.


Portanto, Xf (p) = y < 0 e Y f (p) = y > 0, o que é uma contradição. Dessa forma, não
existe região de deslize.

• Note que não existem pontos singulares no campo X(p) = (y, 1), pois X(p) 6= (0, 0),
8p.

• Note que não existem pontos singulares no campo Y (p) = (y, 1), pois Y (p) 6= (0, 0),
8p.

• Vamos verificar se existem pontos singulares em ⌃:

1. Pontos de Dobra de X:
Note que Xf (p) = 0, se e somente se y = 0. Além disso, X 2 f = 1 6= 0, 8p. Então,
(0, 0) é um ponto de dobra de X. Ademais, (0, 0) é um ponto de dobra invisı́vel de
X.
2. Pontos de Dobra de Y :
Observe que Y f (p) = 0, se e somente se y = 0. Além disso, Y 2 f = 1 6= 0, 8p. Então,
(0, 0) é um ponto de dobra de Y . Além disso, (0, 0) é um ponto de dobra visı́vel de
Y.

157
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

3. Pontos de Pseudo-equilı́brio:
Como ⌃ é uma região de costura, não existem pontos de pseudo-equilı́brio.

Considere o sistema

8
<ẋ = y
:ẏ = 1.

Integrando ẏ = 1 obtemos y(t) = t + c1 . Substituindo isto na primeira equação do


t2
sistema (ẋ = y), encontramos ẋ = t + c1 e assim obtemos x(t) = + c1 t + c2 . Tomando
2
1 y2
c1 = 1 e c2 = 0, temos x = . Desse modo, podemos construir o retrato de fase para o
2
campo X. O processo é análogo para o campo Y .
O retrato de fase deste exemplo está ilustrado na Figura 15.13.

Figura 15.13: Retrato de Fase do Exemplo 15.2.11.

Considere

8
>
> 0, se t  1;
>
<
'(t) = 1, se t 1;
>
>
>
:'0 (t) > 0, se t 2 ( 1, 1)
✓ ◆
t
e '✏ (t) = ' .

Assim,

158
15.2. Considerações Locais

Z✏ (x, y) = (1 '✏ (f (p)))X(p) + '✏ (f (p))Y (p)


= (1 '✏ (x)) X(x, y) + '✏ (x)Y (x, y)
⇣ ⇣ x ⌘⌘ ⇣x⌘
= 1 ' (y, 1) + ' (y, 1)
⇣ ✏
⇣x⌘ ⇣x⌘ ✏
⌘ ⇣ ⇣ x ⌘ ⇣ x ⌘⌘
= y y' ,' 1 + y' ,'
⇣ ⇣ x ⌘✏ ⌘ ✏ ✏ ✏
= y, 2' 1

é uma '✏ regularização para este campo. O campo regularizado é ilustrado pela Figura 15.14.

Figura 15.14: Campo Regularizado do Exemplo 15.2.11.

Observação: Note que, no exemplo acima, a origem é um ponto de dobra de X e de Y .


Dessa forma, (0, 0) não é um ponto ⌃-singular elementar de Z = (X, Y ). Assim, um campo
arbitrariamente próximo a Z0 = (X, Y ) poderá não ter seu retrato de fase topologicamente
equivalente a Z0 . Tomemos, por exemplo, o campo
✓ ◆
sgn(x) sgn(x)
Zn = y+ , sgn(x) + ,
n n
que converge para Z quando n ! 1.
Note que f (p) = x. Se x < 0, temos que sqn(x) = 1, então
8
<ẋ = y 1/n
:ẏ = 1 1/n.
✓ ◆
1 1
Logo, Xn (x, y) = y , 1 .
n n

159
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Se x > 0, temos que sqn(x) = 1, então


8
<ẋ = y + 1/n
:ẏ = 1 + 1/n.
✓ ◆
1 1
Portanto, Yn (x, y) = y + , 1 + . Logo,
✓ ◆ n n
@f @f
1. rf = , = (1, 0).
@x @y
✓ ◆
1 1 1
2. Xn f = Xn .rf = y , 1 .(1, 0) = y .
n n n
✓ ◆
1 1 1
3. Yn f = Yn .rf = y + , 1 + .(1, 0) = y + .
n n n
✓ ◆
1 1 1
4. Xn2 f = Xn .rYn f = y , 1 .(0, 1) = 1 .
n n n
✓ ◆
2 1 1 1
5. Yn f = Yn .rXn f = y + , 1 + .(0, 1) = 1 + .
n n n


y 1/n 1 1/n 1
6. det[Xn , Yn ] = = 2y 1 + .
y + 1/n 1 + 1/n n
Agora, por meio desses cálculos, estudaremos a estrutura qualitativa do sistema.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Costura ⌃c , então (Xn f (p))(Yn f (p)) > 0.


Neste caso, temos (Xn f (p))(Yn f (p)) = y 2 1/n2 > 0. Logo, qualquer ponto (0, y) tal que
y< 1/n ou y > 1/n é um ponto de costura.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Escape ⌃e , então Xn f (p) > 0 e Yn f (p) < 0.


Assim, Xn f (p) = y 1/n > 0 e Yn f (p) = y + 1/n < 0, o que é uma contradição. Dessa
forma, não existe região de escape.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Deslize ⌃d , então Xn f (p) < 0 e Yn f (p) > 0.


Portanto, Xn f (p) = y 1/n < 0 e Yn f (p) = y + 1/n > 0 e a região de deslize sobre ⌃ é
1/n < y < 1/n.
✓ ◆
1 1
• Note que não existem pontos singulares no campo Xn (p) = y , 1 , pois
n n
Xn (p) 6= (0, 0), 8p.
✓ ◆
1 1
• Note que não existem pontos singulares no campo Yn (p) = y + ,1 + , pois
n n
Yn (p) 6= (0, 0), 8p.

160
15.2. Considerações Locais

• Vamos verificar se existem pontos singulares em ⌃:

1. Pontos de Dobra de Xn :
Note que Xn f (p) = 0, se e somente se y 1/n = 0, isto é, quando y = 1/n. Além
disso, Xn2 f = 1 1/n 6= 0, 8p. Então, (0, 1/n) é um ponto de dobra de Xn .
Ademais, (0, 1/n) é um ponto de dobra invisı́vel de Xn .

2. Pontos de Dobra de Yn :
Observe que Yn f (p) = 0, se e somente se y + 1/n = 0, isto é, quando y = 1/n.
Além disso, Yn2 f = 1 + 1/n 6= 0, 8p. Então, (0, 1/n) é um ponto de dobra de Yn .
Além disso, (0, 1/n) é um ponto de dobra visı́vel de Yn .

3. Pontos de Pseudo-equilı́brio:
Para que Z tenha pontos de pseudo-equilı́brio devemos ter que (Xn f (p))(Yn f (p)) < 0
e det[Xn , Yn ](p) = 0. Como vimos anteriormente, existe região de deslize sobre ⌃,
quando y 2 ( 1/n, 1/n). Dessa forma, a primeira condição é satisfeita. Além disso,
det[Xn , Yn ](p) = 0 se e somente se y = 0. Logo, o ponto (0, 0) é um ponto de
pseudo-equilı́brio de Zn .

O retrato de fase do campo perturbado pode ser observado na Figura 15.15.

Figura 15.15: Campo Perturbado do Exemplo.

Lema 15.2.12. Seja Z = (X, Y ) e p um ponto de equilı́brio hiperbólico de Z ⌃ . Então existe


✏0 tal que, para todo ✏ < ✏0 , Z✏ tem, em uma vizinhança de p, um ponto de equilı́brio que
é uma sela hiperbólica ou um nó hiperbólico. Desse modo, os autoespaços associados a esta
singularidade são transversais às curvas {f = ✏} e {f = ✏}.

161
Capı́tulo 15. Regularização de Campos Vetoriais Descontı́nuos

Figura 15.16: Ponto ⌃-Singular Hiperbólico e sua Regularização.

Definição 15.2.13. Uma ⌃-Conexão de Sela de Z = (X, Y ) em ⌦ é uma órbita de Z


conectando um ponto de sela de X ou Y e um ponto crı́tico de Z ⌃ do tipo sela ou dois pontos
de sela de Z ⌃ , ou dois pontos de sela de X e/ou de Y , de tal modo que é permitido aos seus
pontos interiores encontrar ⌃ somente em ⌃c .

Figura 15.17: ⌃ -Conexões de Sela.

Corolário 15.2.14. Seja Z = (X, Y ) em ⌦. Assuma que X e Y são campos suaves e que todas
as ⌃-singularidades de Z são hiperbólicas e que Z não possui ⌃-conexões de selas. Então, existe
✏0 tal que, para todo 0 < ✏ < ✏0 , temos

1. Todos os pontos crı́ticos de Z✏ são hiperbólicos;

2. Z✏ não tem conexões de sela.

162
Capı́tulo 16

Aplicações

16.1 Oscilações Sı́smicas


O efeito de um terremoto em estruturas construı́das pelo homem pode provocar resultados
devastadores, particularmente em áreas onde a atividade sı́smica não é esperada e as construções
não estão preparadas para suportá-la. Cálculos numéricos e experimentos mostram claramente
que uma pequena mudança em parâmetros como amplitude de força e dimensões estruturais
podem iniciar mudanças consideráveis no equilı́brio de uma estrutura rı́gida. Vamos analisar a
estrutura matemática que governa o equilı́brio de um bloco de concreto, o que é muito utilizado
na construção de edifı́cios. Nosso modelo corresponderá ao movimento deste bloco para um
dos lados, devido a perda de energia decorrente do impacto com o chão, assim, um terremoto
é simulado pelo efeito de uma oscilação senoidal na direção horizontal. Vamos considerar o
bloco como tendo dimensões H e B, de acordo com a figura abaixo, em que aH é a aceleração
do terremoto e g é a aceleração da gravidade.

Assumimos que o bloco é rı́gido e uniforme, de modo que seu centro de gravidade coincide
com o centro geométrico, que está a uma distância R de todos os seus vértices.

163
Capı́tulo 16. Aplicações

Se considerarmos um bloco estreito, as equações que descrevem o movimento ao redor dos


vértices O e O’ são dadas, respectivamente, pelo seguinte sistema:
8
<ẍ-x+1=- cos !t, se x > 0
:ẍ-x-1=- cos !t, se x < 0.

Para a análise qualitativa deste modelo, vamos considerar o caso particular em que =0e
ẋ = y.
Note que f (p) = x. Se x < 0, temos que
8
<ẋ = y
:ẏ = x + 1.

Logo, X(x, y) = (y, x + 1).


Se x > 0, temos que
8
<ẋ = y
:ẏ = x 1.

Portanto, Y (x, y) = (y, x 1).


Note que X e Y são campos vetoriais que descrevem o movimento do bloco, separados pela
reta de descontinuidade ⌃ = {x = 0}.
Faremos agora alguns cálculos importantes para o estudo da região de descontinuidade e
para investigar a ocorrência de pontos singulares.
✓ ◆
@f @f
1. rf = , = (1, 0).
@x @y

2. Xf = X.rf = (y, x + 1).(1, 0) = y.

3. Y f = Y.rf = (y, x 1).(1, 0) = y.

4. X 2 f = X.rXf = (y, x + 1).(0, 1) = x + 1.

5. Y 2 f = Y.rY f = (y, x 1).(0, 1) = x 1.

y x+1
6. det[X, Y ] = = 2y.
y x 1

Agora, por meio desses cálculos, estudaremos a estrutura qualitativa do sistema.

164
16.1. Oscilações Sı́smicas

• Se p 2 ⌃ está na Região de Costura ⌃c , então (Xf (p))(Y f (p)) > 0.

Neste caso, temos (Xf (p))(Y f (p)) = y 2 > 0, se y 6= 0. Logo, qualquer ponto de ⌃
{(0, 0)} é um ponto de costura.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Escape ⌃e , então Xf (p) > 0 e Y f (p) < 0.

Assim, Xf (p) = y > 0 e Y f (p) = y < 0, o que é uma contradição. Dessa forma, não
existe região de escape.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Deslize ⌃d , então Xf (p) < 0 e Y f (p) > 0.

Portanto, Xf (p) = y < 0 e Y f (p) = y > 0, o que é uma contradição. Dessa forma, não
existe região de deslize.

• Note que X(p) = (y, x+1) = (0, 0), quando (x, y) = ( 1, 0). Dessa forma, (x, y) = ( 1, 0)
é um ponto singular de X.

Escrevendo o campo X na forma matricial, temos

" # " #" # " #


ẋ 0 1 x 0
= + .
ẏ 1 0 y 1

O polinômio caracterı́stico da matriz A é dado por

1 2
= 1.
1

Assim, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 = 1 e 2 = 1. Portanto,


( 1, 0) é uma sela hiperbólica.

• Note que Y (p) = (y, x 1) = (0, 0), quando (x, y) = (1, 0). Dessa forma, (x, y) = (1, 0) é
um ponto singular de Y . Vamos determinar seu tipo topológico.

Escrevendo o campo Y na forma matricial, temos

" # " #" # " #


ẋ 0 1 x 0
= + .
ẏ 1 0 y 1

O polinômio caracterı́stico da matriz A é dado por

1 2
= 1.
1

165
Capı́tulo 16. Aplicações

Logo, as raı́zes do polinômio caracterı́stico acima são 1 =1e 2 = 1. Dessa forma,


(1, 0) também é uma sela hiperbólica.

• Vamos verificar se existem pontos singulares em ⌃:

1. Pontos de Dobra de X:
Note que Xf (p) = 0, se e somente se y = 0. Além disso, X 2 f = x + 1 6= 0, se e
somente se x 6= 1. Então, todo ponto da forma p = (x, 0), com x 6= 1, é um
ponto de dobra de X. Além disso, para x > 1, temos pontos de dobra visı́veis e,
para x < 1, temos pontos de dobra invisı́veis. Logo, (0, 0) é um ponto de dobra
visı́vel de X.

2. Pontos de Dobra de Y :
Observe que Y f (p) = 0, se e somente se y = 0. Além disso, Y 2 f = x 1 6= 0, se e
somente se x 6= 1. Então, todo ponto da forma p = (x, 0), com x 6= 1, é um ponto de
dobra de Y . Além disso, para x > 1, temos pontos de dobra visı́veis e, para x < 1,
temos pontos de dobra invisı́veis. Portanto, (0, 0) é um ponto de dobra invisı́vel de
Y.

3. Pontos de Pseudo-equilı́brio:
Como ⌃ é uma região de costura, não existem pontos de pseudo-equilı́brio.

O retrato de fase deste exemplo está ilustrado na Figura 16.1.

Figura 16.1: Retrato de Fase.

Considere

166
16.2. Gerador Elétrico Valvulado

8
>
> 0, se t  1;
>
<
'(t) = 1, se t 1;
>
>
>
:'0 (t) > 0, se t 2 ( 1, 1)

✓ ◆
t
e '✏ (t) = ' .

Assim,

Z✏ (x, y) = (1 '✏ (f (x, y))X(x, y) + '✏ (f (x, y))Y (x, y)


= (1 '✏ (x)) X(x, y) + '✏ (x)Y (x, y)
⇣ ⇣ x ⌘⌘ ⇣x⌘
= 1 ' (y, x + 1) + ' (y, x 1)
⇣ ⇣✏ x ⌘ ⇣x⌘ ✏ ⇣ x ⌘⌘ ⇣ ⇣ x ⌘ ⇣x⌘ ⇣ x ⌘⌘
= y y' , x x' +1 ' + y' , x' '
⇣ ⇣ x✏ ⌘ ⌘ ✏ ✏ ✏ ✏ ✏
= y, 2' +x+1

é uma '✏ regularização para este campo.


Vamos
⇣x⌘ analisar se existem pontos de equilı́brio em Z✏ . De fato, Z✏ (x, y) = (0, 0) se y = 0 e
se 2' + x + 1 = 0.
✏ ⇣x⌘
Seja g(x, ✏) = 2' + x, então g( ✏, ✏) = ✏ e g(✏, ✏) = 2 + ✏. Note que g é C 1 , logo

9x̄ 2 [ ✏, ✏] tal que g(x̄, ✏) = 1. Então, existem pontos de equilı́brio em Z✏ em [ ✏, ✏].
Considere abaixo a matriz Jacobiana do campo Z✏ .

0 1
0 1
J =@ ⇣x⌘ A.
2'0 +1 0

⇣x⌘
0
Temos que det J = 2' 1. Portanto, nada podemos afirmar sobre a dinâmica do

sistema.

16.2 Gerador Elétrico Valvulado

Vamos considerar as auto-oscilações de um Gerador Elétrico Valvulado com rede ressonante


no circuito em grade ou no circuito anôdo (veja figura abaixo).

167
Capı́tulo 16. Aplicações

Figura 16.2: Geradores Elétricos Valvulados.

Se desprezarmos a condutância do anôdo, a corrente na grade e a capacitância intereletrodos,


então a equação das oscilações deste Gerador Elétrico Valvulado pode ser escrita na seguinte
forma

d2 u du
LC + [RC M S(u)] +u=0 (16.1)
ds2 ds
onde

dia
S(u) =
du
é a inclinação da curva caracterı́stica da válvula que depende da voltagem na grade. Usaremos
uma aproximação linear para a curva caracterı́stica da válvula ia = ia (u) dada por
8
<0, se u  u0 .
ia =
:S(u+u ), se u u0
0

em que u0 é a voltagem eliminada da válvula (u0 > 0). Graficamente, temos

Figura 16.3: Curva Caracterı́stica da Valvula.

168
16.2. Gerador Elétrico Valvulado

Vamos agora introduzir as variáveis adimensionais

u
x=
u0
e
t = !0 s,

no qual

1/2
!0 = (LC)

é a frequência natural não-amortecida do circuito ressonante. Então, a equação 16.1 pode ser
escrita como
8
<ẍ+2h1 ẋ + x = 0, se x < 1
:ẍ-2h ẋ + x = 0, se x 1
2

onde

!0
h1 = RC
2
e
!0
h2 =
[M S RC].
2
Considere ẋ = y. Se x < 1, temos que
8
<ẋ = y
:ẏ = 2h1 y x.
Logo, X(x, y) = (y, 2h1 y x).
Se x 1, temos que
8
<ẋ = y
:ẏ = 2h y x.
2

Portanto, Y (x, y) = (y, 2h2 y x).


Note que X e Y são campos vetoriais separados pela reta de descontinuidade ⌃ = {x = 1}
e tomemos f : R ! R definida por f (x, y) = x + 1. Temos então:
2

✓ ◆
@f @f
1. rf = , = (1, 0).
@x @y
2. Xf = X.rf = (y, 2h1 y x).(1, 0) = y.

169
Capı́tulo 16. Aplicações

3. Y f = Y.rf = (y, 2h2 y x).(1, 0) = y.

4. X 2 f = X.rXf = (y, 2h1 y x).(0, 1) = 2h1 y x.

5. Y 2 f = Y.rY f = (y, 2h2 y x).(0, 1) = 2h2 y x.

y 2h1 y x
6. det[X, Y ] = = 2(h1 + h2 )y 2 .
y 2h2 y x

Identificaremos agora as regiões da reta de descontinuidade e verificaremos a existência ou


não de pontos singulares:

• Se p 2 ⌃ está na Região de Costura ⌃c , então (Xf (p))(Y f (p)) > 0.

Neste caso, temos (Xf (p))(Y f (p)) = y 2 > 0, se y 6= 0. Logo, qualquer ponto de ⌃
{( 1, 0)} é um ponto de costura.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Escape ⌃e , então Xf (p) > 0 e Y f (p) < 0.

Assim, Xf (p) = y > 0 e Y f (p) = y < 0, o que é uma contradição. Dessa forma, não
existe região de escape.

• Se p 2 ⌃ está na Região de Deslize ⌃d , então Xf (p) < 0 e Y f (p) > 0.

Portanto, Xf (p) = y < 0 e Y f (p) = y > 0, o que é uma contradição. Dessa forma, não
existe região de deslize.

• Vamos verificar se existem pontos singulares em ⌃:

1. Pontos de Dobra de X:
Note que Xf (p) = 0 se e somente se y = 0. Além disso, X 2 f = 2h1 y x 6= 0 se e
somente se x 6= 0. Isto significa que ( 1, 0) é um ponto de dobra de X. Além disso,
para x > 0, temos pontos de dobra invisı́veis e, para x < 0, temos pontos de dobra
visı́veis. Logo, ( 1, 0) é um ponto de dobra visı́vel de X.

2. Pontos de Dobra de Y :
Observe que Y f (p) = 0 se e somente se y = 0. Além disso, Y 2 f = 2h2 y x 6= 0 se e
somente se x 6= 0. Isto significa que ( 1, 0) é um ponto de dobra de Y . Além disso,
para x > 0, temos pontos de dobra invisı́veis e, para x < 0, temos pontos de dobra
visı́veis. Logo, ( 1, 0) é um ponto de dobra visı́vel de Y .

3. Pontos de Pseudo-equilı́brio:
Como (Xf (p))(Y f (p)) > 0, não existem pontos de pseudo-equilı́brio.

170
16.2. Gerador Elétrico Valvulado

• Note que X(p) = (y, 2h1 y x) = (0, 0), quando (x, y) = (0, 0). Mas, como o ponto
(0, 0) não pertence à região do campo X(x, y) (definido para x < 1), então X não possui
singularidades.

• Note que Y (p) = (y, 2h2 y x) = (0, 0), quando (x, y) = (0, 0). Dessa forma, (x, y) = (0, 0)
é um ponto singular de Y . Vamos determinar o tipo topológico desta singularidade.

Observemos que o campo Y pode ser escrito na forma

" # " #" #


ẋ 0 1 x
= .
ẏ 1 2h2 y

O polinômio caracterı́stico da matriz A é dado por

1
= (2h2 ) + 1 = 0.
1 2h2

Então

p q
2h2 ± 4h22 4
= = h2 ± h22 1.
2

Temos três casos a considerar:

1. Se h22 1 < 0 então 1 < h2 < 1.Logo, os autovalores 1 e 2 são conjugados


complexos, podendo o retrato de fase ser um foco ou um centro.

2. Se h22 1 > 0 então h2 > 1 ou h2 < 1. Assim, os autovalores 1 e 2 são reais e


distintos e, portanto, o retrato de fase pode ser umas sela ou um nó.

3. Se h22 1 = 0 então h2 = ±1. Neste caso, temos dois autovalores iguais

1 = 2 =1

ou
1 = 2 = 1.

Logo, o retrato de fase será um nó impróprio.

Os retratos de fase de alguns casos deste exemplo estão ilustrados na Figura 16.4.

171
Capı́tulo 16. Aplicações

Figura 16.4: Retratos de Fase.

Vamos calcular Z✏ (x, y) considerando a função de transição que já definimos anteriormente.

Z✏ (x, y) = (1 '✏ (f (x, y))X(x, y) + '✏ (f (x, y))Y (x, y)


= (1 '✏ (x + 1)) X(x, y) + '✏ (x + 1)Y (x, y)
= (1 '✏ (x + 1)(y, 2h1 y x) + '✏ (x + 1)(y, 2h2 y x)
= (y, x 2h1 y + 2(h1 + h2 )y'✏ (x + 1))
✓ ✓ ◆◆
x+1
= y, x 2h1 y + 2(h1 + h2 )y'

é uma '✏ regularização para este campo.
Note que (0, 0) é a única singularidade de Z✏ . Considere abaixo a matriz Jacobiana do
campo Z✏ .
0 1
0 1
J(x, y) = @ 2(h1 + h2 )y 0 A.
1+ '✏ (x + 1) 2h1 + 2(h1 + h2 )'✏ (x + 1)

Como (x, y) = (0, 0), então
!
0 1
J(0, 0) = .
1 2h1 + 2(h1 + h2 )'✏ (1)
Temos que det J(0, 0) = 1 > 0 e trJ(0, 0) = 2h1 + 2(h1 + h2 )'✏ (1). Portanto, (0, 0) pode
ter diferentes estruturas qualitativas, dependendo dos valores de h1 e h2 , podendo ser um

• centro, se trJ(0, 0) = 0;

172
16.2. Gerador Elétrico Valvulado

• nó (próprio ou impróprio), se trJ(0, 0) 6= 0 e (trJ(0, 0))2 = 4 det J(0, 0);

• nó (atrator ou repulsor), se trJ(0, 0) 6= 0 e (trJ(0, 0))2 > 4 det J(0, 0);

• foco (atrator ou repulsor), se trJ(0, 0) 6= 0 e (trJ(0, 0))2 < 4 det J(0, 0).

173
Capı́tulo 17

Um Modelo Matemático sobre a


Quimioterapia

Em um futuro próximo, o câncer tem pontencial de se tornar a causa principal de mortes


prematuras. Os tratamentos clássicos do câncer incluem quimioterapia, radioterapia e cirurgias.
Mais recentemente, a imunoterapia também tem sido uma alternativa na luta contra o desen-
volvimento do câncer. Embora exista uma compreensão consistente das respostas imunológicas
a vários patógenos, muitos aspectos da interação imuno-tumoral permanecem desconhecidos,
não apenas do ponto de vista biológico, mas também quantitativamente.

Modelos matemáticos de crescimento de tumores, sob a influência do sistema imunológico,


têm sido abordados em vários artigos nos quais os autores fazem uso de parâmetros estimados,
por meio de dados experimentais, para propor diferentes formas de interação imune-tumoral
e modelos de dinâmica tumoral, que são posteriormente validados. Em relação a interação
imune-tumoral com quimioterapia, busca-se também melhores estratégias de tratamento.

17.1 Modelo

Vamos considerar N1 o número de células tumorais, N2 o número de células normais, I o


número de células do sistema imunológico e Q a quantidade de droga quimioterapêutica. O
modelo será dado pelo seguinte sistema:

175
Capı́tulo 17. Um Modelo Matemático sobre a Quimioterapia

8 ✓ ◆
>
> dN1 N1 ↵12 N2 µN1 Q
>
> = r 1 N1 1 c1 IN1
>
> dt k1 k1 a+Q
>
> dN vN Q
>
< 2
= r2 ↵21 N2 N1
2
dt b+Q (17.1)
>
> dI ⇢N 1 I IQ
>
> = s mI + c 2 N1 I
>
> dt + N1 c+Q
>
> dQ
>
: = q(t) Q.
dt
Embora existam diferentes modelos matemáticos usados para descrever o crescimento do
tumor, considere o modelo logı́stico, em que r1 é a taxa de crescimento intrı́nseco e k1 é a capa-
cidade de transporte das células tumorais. Os coeficientes de competição entre as populações
N1 e N2 são dados por ↵ij , que mede os efeitos da população j na população i (i, j = 1, 2). O
parâmetro r2 representa a reprodução constante total de células normais.
A dinâmica na população de células imunes é ativada pela população de tumores a uma
taxa ⇢, sendo a constante de meia saturação da resposta funcional Michaelis-Menten dada
⇢IN1
por , e também há uma taxa de mortalidade natural de células imunes dada por m.
+ N1
Além disso, acrescentamos mais dois termos, c1 IN1 e c2 IN1 , em que o último representa a
inativação de células imunes que atuam nas células tumorais e o primeiro é devido à morte de
células tumorais devido à ação do sistema imunológico. O termo s descreve uma fonte natural
de células imunes.
Para modelar a quantidade de quimioterapia injetada no sistema, a função q = q(t) modela
a infusão do medicamento no sistema e é a taxa de lavagem do medicamento. A resposta
de cada população celular à quimioterapia é considerada da forma de Michaelis-Menten, com
parâmetros de meia saturação a, b e c; µ é a taxa de tratamento das células tumorais; v é a taxa
de mortalidade de células normais devido ao tratamento; e representa a taxa de mortalidade
de células imunes devido à droga quimioterapêutica.
A administração da droga q(t) assume duas formas diferentes:

1. Administração contı́nua q(t) = q > 0 e a infusão da droga ocorre a uma taxa contı́nua.

2. Administração em ciclos. Neste caso, q(t) é uma função periódica definida por

8
<qp > 0, n < t  n + ⌧
q(t) =
:0, n + ⌧ < t  n + T .

onde T é o tempo entre as infusões da droga, n = 0, T, 2T, 3T, ..., mT representa os


instantes de administração e ⌧ é o tempo necessário para a infusão.

Analisaremos a estabilidade do sistema, primeiramente, considerando que não há quimiote-


rapia e, após isso, estudaremos o caso em que há quimioterapia.

176
17.2. Análise da Estabilidade sem Quimioterapia

17.2 Análise da Estabilidade sem Quimioterapia


Como o modelo representa a evolução temporal de variáveis de estado não negativas, é
desejável que essas variáveis permaneçam com essa propriedade. Mas mesmo para uma condição
inicial positiva, não há razão aparente para as soluções não convergirem para um equilı́brio com
uma ou mais coordenadas. No entanto, a partir de agora, provaremos que isso não pode ocorrer,
dada a dinâmica nos planos N1 , N2 e I.

• No plano N2 = 0, o modelo é dado por

8 ✓ ◆
>
> dN1 N1
>
> = r 1 N1 1 c1 IN1
>
< dt k1
dN2
> = r2
>
> dt
>
> dI ⇢N1 I
: = s mI + c2 N1 I.
dt + N1

dN2
Como = r2 > 0, a população celular normal está aumentando estritamente, ou seja,
dt
as trajetórias seguem a direção de N2 < 0 a N2 > 0. Dessa forma, se a condição inicial
abranger N2 (0) 0, então os valores de N2 (t), com t > 0, sempre serão positivos (veja a
Figura 17.1).

Figura 17.1: Campo de Vetores no Plano N2 = 0.

• No plano I = 0, o sistema é escrito como

177
Capı́tulo 17. Um Modelo Matemático sobre a Quimioterapia

8 ✓ ◆
>
> dN1 N1 ↵12 N2
>
> = r 1 N1 1
>
< dt k1 k1
dN2
> = r2 ↵21 N2 N1
>
> dt
>
> dI
: = s.
dt
dI
À medida que = s > 0, as células imunes aumentam, ou seja, qualquer trajetória
dt
seguirá a direção de I < 0 a I > 0 (veja a Figura 17.2).

Figura 17.2: Campo de Vetores no Plano I = 0.

• Quando N1 = 0, obtém-se o seguinte sistema:

8
> dN
> 1 =0
>
>
< dt
dN2
= r2 (17.2)
>
> dt
>
: dI = s mI = f (I).
>
dt
dN1
Note que este plano é um subespaço invariante, já que = 0. Como consequência, dada
dt
uma condição inicial em que N1 (0) = 0, a população de câncer será sempre zero. Além
disso, ao resolver as equações neste plano com a condição inicial (0, N20 , I0 ), obtém-se:

8
>
> N1 (t) = 0
>
<
N2 (t) = r2 t + N20
>
>
>
:I(t) = I e mt + s (1 mt
0 e ).
m
178
17.3. Análise da Estabilidade com Quimioterapia

Considerando a variação das células imunes dada pela terceira equação em (17.2), percebe-
se que a reta H(t) = (0, r2 t+N2 (0), s/m) é um conjunto invariante dentro do plano N1 = 0.
Além disso, como @f /@I = m < 0, onde f (I) = s mI, concluı́mos que H(t) é um
atrator, o que significa que, para um valor grande de t > 0, a população I converge para
s/m e a população N2 vai para o infinito (veja a Figura 17.3).

Figura 17.3: Retrato de Fase no Plano N1 = 0.

17.3 Análise da Estabilidade com Quimioterapia


Agora, adicionaremos quimioterapia em nossa análise, a fim de estudar o Modelo (17.1)
completo. Temos o mesmo comportamento da situação sem quimioterapia nos subespaços
N2 = 0 e I = 0. Tomando N1 = 0 e q(t) = q (constante) chegamos no seguinte sistema:

8
> dN1
>
> =0
>
> dt
>
> dN2 vN2 Q
>
< = r2
dt b+Q
> dI IQ
>
> = s mI
>
> dt
>
>
c+Q
>
: dQ
=q Q = h(Q).
dt
179
Capı́tulo 17. Um Modelo Matemático sobre a Quimioterapia

O subespaço ainda é invariante, uma vez que a condição inicial (N1 , N2 , I, Q) = (0, N20 , I0 , Q0 )
nos fornece

t q t
Q(t) = Q0 e + (1 e ).

Como N1 = 0 é a solução para a população de células cancerı́genas, escrevemos g(t) e


f (t) como soluções para as populações de células normais e imunes, respectivamente. Vamos
considerar a solução do sistema de equações dada por Y (t) = (N1 (t), N2 (t), I(t), Q(t)) e W o
subespaço em que N1 = 0. Para uma condição inicial P = (0, N2 (0), I(0), Q(0)) 2 W , a solução
é dada por

⇣ q ⌘
t t
Y (t) = 0, g(t), f (t), Q(0)e + (1 e ) 2 W.

Logo, a solução permanecerá neste subespaço caso esteja inicialmente nele e, assim, W é
invariante. Consequentemente, podemos descartar N1 < 0.
O ponto de equilı́brio da equação quimioterapêutica é dado por Q(t) = q/ e é estável,
pois @h/@Q = , onde h(Q) = q Q. Temos outro subespaço invariante W3 ⇢ W , dado
por N1 = 0 e Q = q/ . Este é invariante pois, para P = (0, N2 (0), I(0), q/ ) 2 W3 , a solução
dada por Y (t) = (0, g(t), f (t), q/ ) 2 W3 . Quando q = 0 e Q(0) = 0, concluı́mos que W3
tem comportamento semelhante ao plano invariante sem quimioterapia, onde as soluções estão
ficando mais próximas da linha invariante I = s/m e N2 ! 1. À medida que q > 0 aumenta,
existe um ponto de equilı́brio na linha invariante com coordenadas
✓ ◆
(b + q)r2 s(q + c ) q
Pinf = (N2 , I, Q) = , ,
qv mq + q + cm
no subespaço com N1 = 0. Como N1 não muda no subespaço invariante W , analisaremos a
estabilidade neste subespaço. A matriz Jacobiana é:
2 3
vQ vN2 Q vN2
0
6 b+Q (b + Q)2 b+Q 7
6 7
J1 = 6 Q IQ I 7.
6 0 m 7
4 c+Q (c + Q)2 c+Q 5
0 0
Avaliando a matriz Jacobiana em Pinf , temos
2 3
vq br2 2
6 0 7
6 b +q q 2 + bq 7
J1 (Pinf ) = 6 q cs 2 7. (17.3)
6 0 m 7
4 c +q (q + c )(q(m + ) + cm ) 5
0 0

180
17.3. Análise da Estabilidade com Quimioterapia

Os autovalores de (17.3) são dados por

⇠1 = < 0,
✓ ◆
qv
⇠2 = < 0,
b +q
e ✓ ◆
mc + mq + q
⇠3 = < 0,
c +q
implicando que o ponto de equilı́brio seja estável nesse subespaço. O ponto, Pinf , ocorre devido
à morte de células normais pela droga quimioterapêutica.
Note que o estudo no espaço em que N1 = 0 é feito para verificar o que acontece quando
uma pessoa que não tem câncer é submetida à quimioterapia. Isso se aplica ao caso do fim do
tratamento, em que é difı́cil detectar a presença de células tumorais e assim o tratamento se
estende por um perı́odo maior, com o intuito de garantir a cura do paciente. Dessa forma, é
importante saber o que acontece quando pacientes já curados se submetem à quimioterapia.
Agora, vamos estudar o modelo de câncer em todo o domı́nio. O sistema (17.1) possui cinco
pontos de equilı́brio para q > 0, quatro deles têm a seguinte estrutura

⇣ q⌘
P ⇤ = N1⇤ , N2⇤ , I ⇤ ,

e um deles possui a estrutura


✓ ◆
r2 (q + b ) qs + cs q
Pinf = 0, , , .
qv mq + q + cm
O ponto Pinf representa a extinção das células cancerı́genas, e isso foi analisado no subespaço
W , com Q = q/ > 0. A matriz Jacobiana é
2 3
↵12 N1 r1 µN1 Q µN1
6 Ā c 1 N1 7
6 k1 (a + Q)2 a+Q 7
6 vQ vN2 Q vN2 7
6 ↵21 N2 ↵21 N1 0 7
J2 = 6
6 b+Q (b + Q)2 b+Q 7.
7
6 IQ I 7
6 B̄ 0 C̄ 7
4 (c + Q)2 c+Q 5
0 0 0
em que ✓ ◆
N1 r 1 N1 ↵12 N2 µQ
Ā = c1 I + r1 1 ,
k1 k1 k1 a+Q

IN1 ⇢ I⇢
B̄ = c2 I + ,
(N1 + )2 N1 +

181
Capı́tulo 17. Um Modelo Matemático sobre a Quimioterapia

e
Q N1 ⇢
C̄ = m c 2 N1 + .
c + Q N1 +
Consequentemente, J2 (Pint ) toma a forma

2 3
D̄ 0 0 0
6 7
6 ↵21 r2 (q + b ) vq br2 2 7
6 0 7
6 qv q+b q 2 + bq 7
J2 (Pinf ) = 6 s(q + c )(c2 ⇢) mq + q + cm 7
6 7
6 0 Ē 7
4 ((q + m(q + c )) q+c 5
0 0 0

onde
c1 s(q + c ) qµ r1 ↵12 r2 (q + b )
D̄ = + r1
q + m(q + c ) q+a k1 qv
e
cs 2
Ē = .
(q + c )(q + m(q + c ))
Os autovalores dessa matriz são

1 = ,
✓ ◆
qv
2 = ,
q+b
✓ ◆
mq + q + cm
3 = ,
q+c
e
c1 s(c + q) µq r1 ↵12 r2 (q + b )
4 = r1 .
mc + mq + q a +q k1 qv
Os três primeiros autovalores são negativos desde que os parâmetros sejam positivos. O
quarto será negativo sob a seguinte condição:

c1 s(c + q) µq r1 ↵12 r2 (q + b )
r1 < + + .
mc + mq + q a + q k1 qv

182
Referências Bibliográficas

[1] A. ANTUNES. Relatório de Iniciação Cientı́fica: Introdução à Teoria Qualitativa


das Equações Diferenciais Ordinárias Suaves e Suaves por Partes com aplicações às
Engenharias Mecânica e Elétrica. Universidade Estadual Paulista ”Júlio de Mesquita
Filho”, Faculdade de Ciências, Departamento de Matemática.

[2] D. GAZETTA. Relatório de Iniciação Cientı́fica: Introdução à Teoria Qualitativa das


Equações Diferenciais. Universidade Estadual Paulista ”Júlio de Mesquita Filho”,
Faculdade de Ciências, Departamento de Matemática.

[3] D. GAZETTA. Dissertação: Conjuntos Minimais e Caóticos em Campos de Veto-


res Planares Suaves por Partes. Universidade Estadual Paulista ”Júlio de Mesquita
Filho”, Faculdade de Ciências, Departamento de Matemática.

[4] E. LIMA. Curso de Análise, 10ª ed. Vol.2, IMPA, 2007.

[5] G. GANDOLFO. Economic Dynamics, 4th Edition. Heidelberg Springer-Verlag, New


York, 2010.

[6] J. SOTOMAYOR. Lições de Equações Diferenciais Ordinárias. Projeto Euclides,


IMPA, 1979.

[7] J. SOTOMAYOR. Curvas Definidas por Equações Diferenciais no Plano. IMPA, 1981.

[8] L. PERKO. Di↵erential Equations and Dynamical Systems. Springer-Verlag, New


York, 1991.

[9] P. HARTMAN. Ordinary Di↵erential Equations, 2ª ed. Society for Industrial and
Applied Mathematics, Philadelphia, 1973.

[10] M. VERGÈS. Dissertação: Regularização e Análise Qualitativa de Modelos da Teo-


ria do Controle. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Matemática, Es-
tatı́stica e Computação Cientı́fica, Departamento de Matemática.

183
Referências Bibliográficas

[11] R. SHONE. Economic Dynamics- Phase Diagrams and their Economic Application,
Second Edition. Cambridge, New York, 2002.

[12] W.F.F.M. GIL, T. CARVALHO, P.F.A. MANCERA and D.S. RODRIGUES. Dis-
sertação: A Mathematical Model on the Immune System Role in Achieving Better
Outcomes of Cancer Chemotherapy. Tendências em Matemática Aplicada e Compu-
tacional.

[13] W. RUDIN. Principles of Mathematical Analysis, 3ª ed. McGraw-Hill, 1976.

184

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