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1 Análise Complexa 7
1.1 Notas Históricas Sobre Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.1 Estrutura Algébrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.2 Inexistência de relação de ordem total em C . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.2.3 Potências de Expoente Inteiro e Polinómios Complexos . . . . . . . . . . 17
1.2.4 Estrutura Geométrica: Representação Polar e Fórmula de Euler . . . . . 18
1.2.5 Raı́zes Índice n de um Número Complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.3 Funções Complexas de Variável Complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.3.1 Definição e Notação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.3.2 Funções Elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.3.3 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.3.4 Continuidade: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.4 Derivada Complexa e Funções Analı́ticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
1.4.1 Equações de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.4.2 Teorema de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1.4.3 Demonstração do Teorema de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . 38
1.4.4 Propriedades das Funções Analı́ticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
1.4.5 Condições de Cauchy-Riemann em Coordenadas Polares . . . . . . . . . 43
1.4.6 Noções Básicas da Topologia em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
1.4.7 Funções harmónicas em R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
1.5 Integração em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
1.5.1 Curvas em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
1.5.2 Integral complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
1.5.3 Primitivação em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
1.5.4 Teorema de Cauchy e suas consequências . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
1.6 Séries de Potências em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
1.6.1 Sucessões de Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
1.6.2 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
1.6.3 Analiticidaddede de uma Série de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . 74
1.6.4 Teorema de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
1.6.5 Zeros de uma Função Analı́tica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
1.7 Séries de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
1.7.1 Definição de Série de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
1.7.2 Teorema de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
1.8 Singularidades, Resı́duos e Teorema dos Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
3
1.8.1 Singularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
1.8.2 Classificação das Singularidades Isoladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
1.8.3 Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
1.8.4 Teorema dos Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
1.9 Aplicações do Teorema dos Resı́duos ao Cálculo de Integrais Reais . . . . . . . . 91
1.9.1 Integrais Trigonométricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
1.9.2 Integrais Impróprios de 1a espécie de Funções Racionais . . . . . . . . . . 93
1.9.3 Integrais Impróprios de 1a espécie envolvendo funções Trigonométricas . . 95
1.10 Apêndice A - Séries Numéricas (Reais ou Complexas) . . . . . . . . . . . . . . . 99
1.10.1 Série Geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
1.10.2 Resultados Gerais de Convergência de Séries Complexas . . . . . . . . . 100
1.10.3 Série Harmónica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
1.10.4 Séries de Mengoli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
1.10.5 Convergência Absoluta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
1.10.6 Séries Reais de Termos Não Negativos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
1.10.7 Séries de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
1.10.8 Séries Alternadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107
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Capı́tulo 1
Análise Complexa
7
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
como a álgebra. Tornara-se então óbvio o facto de a aritmética e a álgebra elementar serem
bastante relevantes para a contabilidade e as finanças.
Nos três séculos seguintes, o trabalho de Fibonnaci dominou quer os aspectos teóricos da
Álgebra quer as técnicas de resolução de problemas práticos. Com a ascenção da classe mercantil
em Itália, particularmente acentuada nos séculos XIV e XV, o ambiente matemático foi bastante
influenciado pela expansão do negócio dos maestri d’abbaco. Esta maior ênfase comercial gerou
grande procura por livros de matemática simplificados, escritos em linguagem comum e muito
diferentes dos longos tratados em latim com demonstrações geométricas, que os precederam.
No final do século XV, os maestri d’abbaco haviam acrescentado muito pouco aos resultados
conhecidos no século XII. Mas a atmosfera cultural mais exigente do Renascimento fez os textos
regressar paulatinamente à tradição teórica, representada pelos Elementos de Euclides e pelo
Libber Abbaci de Fibbonaci.
Merece especial destaque o livro Summa de arithmetica, geometria, proportioni e proportiona-
lità, de Luca Pacioli (1445-1517) que, por ser o primeiro texto impresso (e não manuscrito, como
anteriormente) de matemática, teve larga difusão e tornou-se popular por condensar num volume
toda a matemática conhecida até então. Se é certo que o conteúdo matemático da Summa acres-
centava pouco ao que já se conhecia, a sua apresentação diferia, de forma substancial, da das
suas fontes. Como vimos, as obras dos séculos XIII e XIV tinham um estilo puramente retórico,
com todo o conteúdo (excepto os números) descrito em linguagem verbal. Porém, a Summa
de Paccioli apresenta pela primeira vez os cálculos algébricos em forma abreviada, utilizando os
percursores das modernas fórmulas matemáticas. matemáticas.
Com isto, a álgebra inicia nova evolução. As equações do terceiro grau tornam-se alvo de
grande interesse, particularmente porque o maior rigor permitiu descobrir vários erros de que
padeciam os trabalhos dos maestri d’abbaco, e que foram transmitidos acriticamente de geração
em geração.
Como sabemos, da equação genérica do 3o grau,
x3 + ax2 + bx + c = 0,
y 3 + py + q = 0,
(c) x3 + q = px.
A data exacta da descoberta não se conhece, por causas que em seguida se explicam.
Naquela época, em Itália, o mundo dos matemáticos era extremamente competitivo. Os
estudantes pagavam directamente ao professor cada disciplina que frequentavam. Assim, caso
ficassem descontentes com o nı́vel ou a qualidade do ensino, podiam suspender sumariamente
o pagamento. Um professor que caı́sse em desgraça podia ser forçado a deixar a escola, ou
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1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
mesmo a cidade. Para lutar pela sua reputação, assegurando assim a subsistência, os professores
participavam em competições públicas em que o vencedor ganhava prestı́gio e, presumivelmente,
um maior número de alunos. O formato destas competições era a de um duelo: o desafiante
iniciava a contenda propondo uma lista de problemas a um professor mais famoso, enquanto o
desafiado ripostava com uma lista de problemas de dificuldade comparável. Ela declarado vencedor
aquele que conseguisse um maior número de respostas correctas. Em tal atmosfera, o guardião de
uma nova solução ou técnica de demonstração dispunha de uma vantagem considerável sobre os
seus potenciais concorrentes. O segredo era, assim, muito importante, sendo que um matemático
nunca sentia grande interesse pela publicação das suas mais importantes descobertas.
Deste modo, a descoberta de del Ferro não foi comunicada à comunidade matemática, pelo
que as ideias novas que introduzia (e suscitava) não tiveram impacto imediato. A morte de
del Ferro, em 1526, permitiu a um seu discı́pulo, Fiore, libertar-se da promessa de sigilo que
havia contraı́do. Fiori não perdeu muito tempo e, em 1530, desafiou Tonini da Coi para uma
competição. Incapaz de resolver os problemas, Tonini da Coi desafiou por sua vez um seu rival,
Niccolò Tartaglia. Nessa ocasião, Tartaglia respondeu que esses problemas eram impossı́veis. Mas
quando, em 1535, Fiori o desafiou directamente, Tartaglia descobriu sozinho a solução e ganhou
mesmo a competição, ao conseguir resolver também a equação reduzida no caso (b).
Uma dificuldade com estas equações, que é visı́vel no caso (b) mas que não aparece no
caso (a), é a possibilidade de aparecer a raiz quadrada de um número negativo como resultado
intermédio do cálculo de uma solução real positiva. Utilizando notação moderna, a dedução é
simples. Substituindo x = u + v em x3 = px + q obtém-se:
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CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Em Ars Magna (1545), Cardano apresenta as soluções de del Ferro e Tartaglia dos vários
casos de equações do 3o grau com coeficientes positivos. Isto torna-se possı́vel, em parte, à
custa do estabelecimento de identidades algébricas. Porém, permaneciam os métodos de prova de
Euclides. Ora, as considerações geométricas necessárias para obter as demonstrações criavam um
problema: que significado se devia dar a um número negativo? O que significava um segmento
de comprimento negativo, um quadrado de área negativa, ou um cubo de volume negativo?
O que significava a diferença a − b, quando a < b? Ora Euclides, os árabes, Fibonacci, os
maestri d’abaco, Pacioli, e Cardano contornaram sempre o problema da mesma forma: para
não admitirem coeficientes negativos consideraram vários casos para uma mesma equação (da
forma que vimos); pois só assim lhes era possı́vel interpretar as equações do segundo grau como
problemas geométricos envolvendo comprimentos de segmentos e áreas de polı́gonos.
Além disso, os números negativos introduziam uma enorme dificuldade quando apareciam
sob o sı́mbolo de raiz quadrada. Cardano estava ciente do problema e evitou discutir o casus
irreducibilis em Ars Magna. Para uma equação do 2o grau, ele explica assim a dificuldade 2 : “se
ax = x2 + b então: r
a a 2
x= ± − b. (1.1)
2 2
2
[...] Se não se pode subtrair b de a2 [no caso em que (a/2)2 − b < 0] então o problema é
um falso problema, e a solução que foi proposta não se verifica”. Esta impossibilidade apenas
significava que a interpretação geométrica da época (requerida pelos √
métodos de prova disponı́veis)
invalidava, à partida, os casos que poderiam levar à introdução de −1.
No entanto, no capı́tulo 37 de Ars Magna, Cardano enuncia o problema
x + y = 10
(1.2)
xy = 40
afirmando depois:
“É evidente que este caso é impossı́vel. No entanto, procederemos como se segue: dividimos
10 em duas partes iguais, cada uma igual a 5. Estas elevamos ao quadrado, o que dá
25. Subtraia 40 do 25 anteriormente obtido, como eu mostrei no capı́tulo sobre operações
[aritméticas] no livro VI, de onde resulta -15, a raiz√quadrada do√qual adicionada ou subtraida
de 5 dá as soluções do problema. Estas são 5 + −15 e 5 − −15.”
Como o problema (1.2) é equivalente à equação quadrática x2 + 40 = 10x, ele resolveu-o com a
fórmula (1.1), o que pode hoje ser considerado como óbvio mas decerto não o era na época. De
facto, o uso de propriedades algébricas como meio de demonstração estava ainda na sua infância.
Quando calculou (10/2) 2 − 40 = −15, ele comentou que “como tal resultado é negativo, o leitor
√
terá que imaginar −15” e concluiu admitindo que “isto é verdadeiramente sofisticado, pois com
isto pode-se fazer as operações que não se pode fazer no caso de um número negativo e de
outros [números]”. Assim, a rejeição das limitações da interpretação geométrica vigente produzia
uma nova entidade algébrica cujas propriedades eram bem distintas de tudo o que até então era
conhecido, uma entidade cuja interpretação geométrica escapava ao conhecimento da época. Por
isso, Cardano viu-se na obrigação de escrever “e assim progride a subtileza da aritmética sendo o
desı́gnio da mesma, como se diz, tão refinado quanto inútil”.
Em 1463, o humanista Johannes Müller, mais frequentemente designado pelo pseudónimo Re-
gimontanus, comunicou que havia descoberto “os óptimos livros de Diofanto”, o maior algebrista
2
traduzimos as fórmulas em notação moderna
10
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
grego e que viveu em Alexandria provavelmente na segunda metade do século III da nossa era. O
livro mais importante que escreveu é a Aritmética, onde introduz uma notação simbólica similar à
que fora sido desenvolvida até ao século XVI, com sı́mbolos diferentes para uma incógnita, para o
quadrado de uma incógnita, para o cubo, etc, e onde resolvia equações e inequações utilizando o
que ele designou por fórmulas inderminadas, e que são de facto propriedades algébricas genéricas,
hoje descritas através de fórmulas com quantificadores. Até ao Renascimento, a Aritmética de
Diofanto fora descoberta e traduzida várias vezes, a primeira das quais realizada por al-Karaji,
em Bagdad, no século X. Porém, nunca até então a obra tinha conseguido impôr-se aos métodos
geométricos de Euclides, largamente difundidos por al-Khwarizmi e, no Ocidente, por Fibonacci.
Considere-se, por exemplo, o seguinte problema do tomo II desse tratado: “Encontrar três
números tais que o quadrado de qualquer um deles menos o seguinte dá um quadrado”. Usando
notação moderna para descrever a solução de Diofanto, ele tomou x + 1, 2x + 1, e 4x + 1 como
os três números pretendidos e verificou que satisfaziam as seguintes condições:
ou seja, um quadrado, e
(2x + 1)2 − (4x + 1) = 4x2 ,
também um quadrado, e já agora
igualmente um quadrado. O facto de este problema ter uma infinidade de soluções permitiu a
Diofanto enunciar uma propriedade genérica que os números em questão satisfazem. Em notação
moderna, a propriedade escreve-se:
A sua técnica de demonstração usa os métodos algébricos, tı́picos da análise matemática moderna;
além disso, Diofanto não procurou posteriormente qualquer demonstração geométrica da validade
do resultado, como era norma.
Durante a segunda metade da década de 1560, Antonio Maria Pazzi descobriu uma cópia
manuscrita da Aritmética de Diofanto na Biblioteca do Vaticano e mostrou-a a Rafael Bombelli.
Convencidos dos seus méritos, os dois homens iniciaram a tradução da obra, tendo completado o
trabalho em cinco dos volumes. Esta descoberta provocou uma mudança significativa no ambiente
matemático. Numa altura em que a vantagem dos métodos geométricos na solução de questões
algébricas tinha sido enfraquecida pelas descobertas das soluções das equações do quarto grau e
dos números negativos e complexos como soluções dessas equações, a abordagem não geométrica
de Diofanto encontrou finalmente um ambiente favorável à sua difusão. Em 1572, quando Bom-
belli publica uma nova e mais completa edição o seu longo tratado L’Algebra parte maggiore
dell’Arithmetica divisa in tre libri, os termos de inspiração árabe cosa (para incógnita) e census
(para o seu quadrado) são substituı́dos pelas traduções tanto e potenza da terminologia diofan-
tina usada para representar número (arithmos, em grego) e potência (dynamis, em grego). Além
disso, Bombelli removeu quase todos os problemas práticos originários dos maestri d’abbaco,
substituindo-os pelos problemas abstractos de Diofanto. Na sua introdução ao tomo III, ele anun-
ciou que havia quebrado com o costume usual de enunciar problemas “... sob o desfarce de acções
humanas (compras, vendas, trocas directas, câmbios, juros, desfalques, emissão de moeda, ligas,
pesos, sociedades, lucro e prejuı́zo, jogos e outras inúmeras transacções e operações baseadas na
11
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
vida diária)”. Ele pretendia ensinar “a aritmética [álgebra] avançada, à maneira dos antigos”. A
variação introduzida pela álgebra de Bombelli, o seu tratamento de problemas cuja solução era
impossı́vel pelos métodos geométricos constituia, ao mesmo tempo, o reconhecimento de que a
solução dos problemas algébricos não requeria justificação geométrica.
Assim, em “l’Algebra” Bombelli segue√ Cardano mas oferece uma discussão completa do casus
irreducibilis, introduzindo a notação −1 nas operações com números complexos. Por exemplo,
ele considera a equação
x3 = 15x + 4,
para a qual a fórmula de Cardano dá a solução:
q q
3 √ 3 √
x = 2 + −121 + 2 − −121
Definindo q
3 √ √
2 + −121 = a + b −1
e q
3 √ √
2 − −121 = a − b −1,
e elevando ao cubo ambos os membros das igualdades acima, ele conclui facilmente que a = 2 e
b = 1, pelo que a solução √ √
x = 2 + −1 + 2 − −1 = 4,
apesar de ser real e positiva, só pôde ser obtida por intermédio de números complexos.
René Descartes (1596-1650), que foi essencialmente um filósofo, produziu também importante
obra cientı́fica. Instado pelos seus amigos a comunicar as suas ideias filosóficas, publicou em 1537
o “Discours de la méthod pour bien conduire sa raison et chercheur la vérité dans les sciences”.
Esta obra tem três apêndices cientı́ficos: “La Dioptrique, “Les Météores” e “La Géométrie”.
Em La Geometrie, Descartes introduz ideias que estão na base da moderna geometria analı́tica.
Porém — e infelizmente para a análise complexa — o filósofo considerava os números complexos
como uma impossibilidade geométrica. Por exemplo, no método que usou para resolver a equação
x2 = ax − b2 , com a e b2 positivos, Descartes introduz a palavra imaginário: “Para qualquer
equação podemos imaginar tantas raizes [quanto o seu grau determina], mas em muitos casos
não existe a quantidade que correponde à que imaginámos”.
John Wallis (1616-1703), na sua “Algebra”, fez notar que os números negativos — à existência
dos quais se havia também colocado objecções filosóficas durante vários séculos – têm uma
interpretação fı́sica perfeitamente razoável, cuja base era uma recta com uma marca designando
o ponto zero e os números positivos sendo aqueles que estão a uma correspondente distância
do zero para a direita, enquanto os negativos estão a uma distância correspondente (em valor
absoluto) para a esquerda. Assim surgiu o conceito moderno de recta real.
Abraham de Moivre (1667-1754) nasceu em França mas refugiou-se em Londres, aos dezoito
anos de idade, segundo se crê por motivos religiosos. Em 1698, mencionou que Newton descobrira,
em 1676, um caso particular da fórmula que, em notação moderna, se escreve:
n
cos θ + i sen θ = cos(nθ) + i sen(nθ).
Abraham de Moivre conhecia este resultado e usou-o varias vezes, mas coube a Euler o primeiro
enunciado explı́cito do mesmo.
12
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
Leonhard Euler (1707-1783) nasceu em Basileia, na Suiça, mas viveu a maior parte da sua
vida em S. Petersburgo e em Berlim. Privou com figuras importantes da história mundial como
Frederico II (o Grande) da Prússia e a czarina Catarina (a Grande) da Rússia.
Euler é considerado um dos melhores e mais produtivos matemáticos de todos os tempos.
A sua obra tocou tantas áreas distintas que é impossı́vel descrevê-la em poucas linhas. Alguns
dos seus maiores sucessos devem-se à facilidade com que ele formulava problemas da vida real
utilizando para tal a linguagem da análise matemática. Tal era a atmosfera que se vivia depois
do sucesso de Newton e de Leibniz na criação do cálculo diferencial, assunto que Euler depois
desenvolveu sem ter deixado de tornar os seus fundamentos consideravelmente mais simples de
compreender e de aplicar. √
Euler introduziu a notação abreviada i = −1; além disso, muita da notação da análise
matemática moderna como, por exemplo, a representação P de uma função genérica por f (x), a
notação actual das funções trigonométricas, o sı́mbolo usado em somatórios e séries, a ele se
deve. Euler vizualizava correctamente os números complexos como pontos do plano, da mesma
forma que hoje o fazemos, embora não tenha explicitado uma construção dos números complexos
baseada nessa ideia. Também introduziu a representação polar, x + iy = r(cos θ + i sen θ);
descobriu que as soluções da equação z n = 1 são vértices de um polı́gono regular de n lados;
definiu a exponencial complexa a partir de
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CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
reais, (a, b). A sua soma foi definida por (a, b) + (c, b) = (a + b, c + d) e o seu produto por
(a, b) · (c, d) = (ac − bd, bc + ad). Isto constitui, com efeito, a definição algébrica moderna dos
números complexos. Finalmente, em 1831, Gauss decide-se a publicar um artigo onde introduz a
designação número complexo, Gauss sumariza assim as dificuldades enfrentadas:
“Se este assunto tem até agora sido tratado de um ponto de vista errado, e logo
envolto em mistério e obscurecido, é em grande medida√o uso de uma terminologia
desadequada que deve ser culpado. Tivessem +1, −1 e −1, em vez de sido chama-
dos de unidade positiva, negativa e imaginária (ou, pior ainda, impossı́vel), recebido
os nomes, por exemplo, de unidade directa, inversa e lateral, então dificilmente teria
existido qualquer contexto para tal obscuridade.”
Números Complexos
Estrutura Algébrica
Define-se o conjunto dos números complexos como sendo
C = z = x + iy tal que x, y ∈ R, em que i2 = −1
• Conjugado de um complexo:
Se z = x + iy, define-se o seu conjugado por
z = x − iy (Re z = Re z e Im z = − Im z)
É óbvio que
z̄¯ = z , ∀z ∈ C
• Igualdade de complexos:
Se z = x + iy, w = a + ib ∈ C
Exemplo:
z=0 ⇔ Re z = Im z = 0
2. z = z̄ se e só se Im z = 0, ou seja
z = z̄ ⇔ z∈R
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1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
• Soma/Produto de complexos:
Se z = x + iy, w = a + ib ∈ C
z + (w + u) = (z + w) + u = z + w + u
∗ propriedade comutativa
z+w =w+z
∗ existência de elemento neutro, 0
z+0=z
z + (−z) = 0
1z = z
0z = 0
z(w + u) = zw + zu
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CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• Simétrico/Diferença de complexos: Se w = a + ib ∈ C
z − w = (x − a) + i(y − b)
• Inverso/Quociente de complexos:
Se w = a + ib ∈ C \ {0}
1 w̄ a − ib
w−1 = == = 2
w ww̄ a + b2
Como consequência da existência de inverso para todo o complexo não nulo, podemos
definir o quociente de dois complexos como sendo o produto pelo inverso. Se z = x + iy,
w = a + ib ∈ C e w 6= 0
z (x + iy)(a − ib)
=
w a 2 + b2
z+z z−z
Re z = ; Im z =
2 2i
e se além disso w = a + ib ∈ C
zw = 0 ⇔ z=0 ∨ w=0
Uma relação de ordem total (estrita) num conjunto M é uma relação, <, que verifica:
(1) Dados a, b ∈ M então verifica-se uma e só uma das seguintes proposições: a < b ou b < a
ou a = b. (tricotomia)
16
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
Um corpo munido de uma relação de ordem compatı́vel com a sua soma e produto diz-se um
corpo ordenado. Os números racionais e os números reais, com a soma, o produto e a relação de
ordem usuais, constituem dois bem conhecidos exemplos de corpos ordenados.
Dados quaisquer a, b ∈ M , diz-se que a > b se b < a. A partir das propriedades de corpo e
dos axiomas de ordem prova-se que se a < 0 então −a > 0 (basta usar o axioma 3. com b = 0 e
c = −a), de onde resulta que:
em que ao , a1 , ... an são constantes complexas. Mais tarde demonstraremos o seguinte resultado:
Isto significa, que se P é um polinómio de grau n ∈ N, existem n complexos z1 , ..., zn tal que
P (zk ) = 0 para todo k = 1, ..., n e como tal podemos escrever o polinómio na forma factorizada
P (z) = an (z − z1 )...(z − zn )
3
Note que o que provámos aqui não é auto-evidente: vimos que em qualquer corpo ordenado (e não apenas em
R) se verifica 1 > 0, etc.
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CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Im z
Re z = α
Im z = β β z = α + iβ
α
Re z
Tal como em R2 , podemos também usar as coordenadas polares para representar um número
complexo. Assim, se z = x + iy ∈ C, denomina-se por módulo de z, o número real
p
|z| = x2 + y 2 .
Por outro lado, denomina-se por argumento de z qualquer número real θ que verifique as igualdades
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1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
Im z
Arg z = θ
z = reiθ
Re z
|z| = r
Trata-se da famosa fórmula de Euler. Esta definição justifica-se pelo facto de cos θ + i sen θ ter as
propriedades que se esperam de uma função exponencial. Usando apenas trigonometria, pode-se
provar facilmente que para quaisquer θ, ϕ ∈ R e k ∈ Z:
eiθ e−iθ = 1
1
e−iθ =
eiθ
k
eikθ = eiθ .
Recorrendo então à fórmula de Euler, a forma polar de um número complexo escreve-se, simples-
mente:
z = |z| ei arg z . (1.4)
Tomando z = −1 em (1.4) obtém-se
eiπ = −1,
fórmula também devida a Euler e que relaciona os três números não racionais mais conhecidos da
Matemática.
O valor do argumento de um complexo não é único:
se θ verifica a igualdade (1.4) então θ + 2kπ, com k ∈ Z, também verifica (1.4).
19
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
No entanto é único em cada intervalo de comprimento 2π, isto é, para cada z 6= 0 e α ∈ R existe
um único θ ∈ [α, α + 2π[ ou a ]α, α + 2π], tal que θ é o argumento de z.
z r
z = |z|e−iθ , zw = r ρei(θ+ϕ) , = ei(θ−ϕ)
w ρ
pelo que
z |z|
z z̄ = |z|2
, |zw| = |z||w| , =
w |w|
z
arg (z) = −arg (z) , arg (zw) = arg (z) + arg (w) , arg ( ) = arg (z) − arg (w)
w
20
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
É de notar que as propriedades das raı́zes reais 4 não são satisfeitas pelas raı́zes complexas,
mesmo se interpretadas no sentido da igualdade de conjuntos.
Exemplo:
√
4
√
1. Determinar todos os valores de −1 e i. Por um lado
√ √
4 π+2kπ
4
−1 = eiπ = ei 4 , k = 0, 1, 2, 3 ,
√ √
É óbvio que R2 ⊂ R1 pelo que 4 −1 6= i. No entanto, a igualdade verifica-se para 2 das
iπ 5iπ iπ
raı́zes: e 4 e a sua simétrica, e 4 = −e 4 .
4
Se x ∈ R+ , n, m e p ∈ N então
√ √ √ √ p
nm
xmp = n
xp e n
xp = n
x
21
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
p √ 2
2. Determinar todos os valores de 4
(1 + i)2 e 4 1 + i . Por um lado
p √ √ π +2kπ
2
(1 + i)2 = 2i = 2 ei 4
4 4 4
, k = 0, 1, 2, 3 ,
p
pelo que os valore possı́veis de 4 (1 + i)2 são os elementos do conjunto
√
4 iπ √4 5iπ √
4 9iπ √4 13iπ
R1 = { 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 } .
q√ r
3
2 p
3 √ −π
3 +2kπ
2e−iπ/6 = 4e−iπ/3 = 4 ei 3
3 3
( 3 − i)2 = , k = 0, 1, 2 ,
q√
3
pelo que os valores possı́veis de ( 3 − i)2 são os elementos do conjunto
√ πi √ 5πi √ 11πi
R1 = { 4e− 9 , 4e 9 , 4e 9 }
3 3 3
q√
Verifica-se neste caso que R1 = R2 . Pelo que neste caso se verifica que 3 ( 3 − i)2 =
p√ 2
3
3−i .
De facto podemos enunciar a seguinte propriedade:
22
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Exemplos:
1. Consideremos a funçãoo f (z) = z 2 + 3. Então
f (x + yi) = (x + yi)2 + 3 = x2 + 2xyi − y 2 + 3 = x2 − y 2 + 3 + 2xyi
Pelo que
Re f = u(x, y) = x2 − y 2 + 3 e Im f = v(x, y) = 2xy
É óbvio que o domı́nio de f é C.
z
2. A função f (z) = z 2 +1
, tem por domı́nio o conjunto
D = {z ∈ C : z 2 + 1 6= 0} = C \ {i, −i}
23
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Funções Elementares
P (z) = a0 + a1 z + · · · + an z n ,
Admitindo que P (z) e Q(z) não têm raı́zes comuns, então se z0 é uma raiz de Q(z) resulta que
P (z)
|f (z)| = Q(z) → ∞ quando |z − z0 | → 0. Este é o exemplo mais simples de uma singularidade
isolada de uma função complexa, conforme veremos mais tarde.
Exponencial Complexa
isto é, se z = x + iy
ez = ex eiy = ex cos y + i sen y
A exponencial complexa é uma extensão da exponencial real ao plano complexo. O domı́nio da
exponencial complexa é C, e
Desta forma podemos observar que as imagens por f (z) = ez de complexos com parte real cons-
tante (rectas verticais) são complexos com módulo constante (circunferências centradas na origem)
e a imagem de complexos com parte imaginária constante (rectas horizontais) são complexos com
argumento constante (semi rectas com origem em 0) - ver Figura 1.3
• Para todos z, w ∈ C,
ez+w = ez ew
24
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Re z = a1
Re z = a0
ez
|z| = ea0
Arg z = b0
Im z = b0
|z| = ea1
Im z = b1
Arg z = b1
• Para todo z ∈ C
ez+2kπi = ez , k∈Z
o que significa que a exponencial complexa é periódica de perı́odo 2πi.
• Para qualquer w ∈ C \ {0}, a equação ez = w pode sempre ser resolvida e tem uma
infinidade de soluções, que são dadas por:
(porquê?)
Funções Trigonométricas
1 iy −iy
Somando e subtraindo as identidades anteriores obtém-se, respectivamente, cos y = 2 e + e
e sen y = 2i1 eiy − e−iy .
Podemos então generalizar as funções trigonométricas reais a funções complexas de variável
complexa, definindo-as, para todo o z ∈ C, por:
eiz + e−iz eiz − e−iz sen z cos z
cos z = , sen z = , tg z = , cotg z =
2 2i cos z sen z
É óbvio que as funções sen z e cos z têm domı́nio C, enquanto que o domı́nio da função tg z é
C \ {z : cos z = 0} e o domı́nio da função cotg z é C \ {z : sen z = 0}.
As propriedades das funções trigonométricas complexas são análogas às das funções trigo-
nométricas reais, e podem ser facilmente justificadas a partir das suas definições. Em particular,
para quaisquer z, w ∈ C e k ∈ Z:
25
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• sen2 z + cos2 z = 1
• tg(z + kπ) = tg z
• sen(−z) = − sen z
• cos(−z) = cos z .
O contadomı́nio das funções sen z e cos z é C. Isto significa que quando as funções reais seno
e coseno são estendidas ao plano complexo, tanto as equações cos z = w como sen z = w passam
a ter solução para qualquer w ∈ C. Por periodicidade, essas equações têm uma infinidade de
soluções — pois se z̄ é solução de cos z = w ou sen z = w, então ẑ + 2kπ também o é, para
qualquer k ∈ Z. Chama-se a atenção que este facto implica, entre outras coisas, que as funções
sen z e cos z não são limitadas em C.
Funções Hipérbólicas
Para z ∈ C definem-se:
ez + e−z ez − e−z sh z ch z
ch z = , sh z = , tgh z = , cotgh z = .
2 2 ch z sh z
É óbvio que as funções sh z e ch z têm domı́nio C, enquanto que o domı́nio da função tgh z é
C \ {z : ch z = 0} e o domı́nio da função cotgh z é C \ {z : sh z = 0}.
Todas as igualdades verificadas pelas funções hiperbólicas reais são tambem verificadas pelas
funções hiperbólicas complexas. Em particular, para quaisquer z, w ∈ C e k ∈ Z
• ch2 z − sh2 z = 1
• sh(z + 2kπi) = sh z
• ch(z + 2kπi) = ch z
• sh(z ± w) = sh z ch w ± sh w ch z
• ch(z ± w) = ch z ch w ± sh z sh w
• sh(−z) = − sh z e ch(−z) = ch z .
Logaritmo Complexo
26
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
(Resp., arg z ∈]α, α + 2π] para o valor α de log). O caso particular em que se considera o
argumento principal, isto é
Exemplo:
√ h √ i
1. Determinar o valor principal de log(2 3 − 2i) + log(−1 − i) e de log (2 3 − 2i)(−1 − i) .
Por um lado
h √ i h √ i
log (2 3 − 2i)(−1 − i) = log (4e−iπ/6 )( 2e5πi/4 )
h √ i h √ i
= log (4 2e13 iπ/12 ) = log (4 2e−11 iπ/12 )
5 11 i π
= log(2) −
2 12
Por outro lado
√ √
log(2 3 − 2i) + log(−1 − i) = log(4e−iπ/6 ) + log( 2e−3πi/4 )
iπ √ 3iπ 5 11 i π
= log 4 − + log( 2) − = log(2) −
6 4 2 12
Verifica-se, neste exemplo, que para o valor principal do logaritmo,
√ h √ i
log(2 3 − 2i) + log(−1 − i) = log (2 3 − 2i)(−1 − i)
27
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
h √ i √
2. Determinar o valor principal de log (− 3 − 3i)5 e de 5 log(− 3 − 3i). Por um lado
h √ i h√ i h√ i h√ i
log (− 3 − 3i)5 = log ( 12e4πi/3 ))5 = log ( 12)5 e20πi/3 ) = log ( 12)5 e2πi/3 )
5 2πi
= log(12) +
2 3
Por outro lado
√ √ 5 10πi
5 log(− 3 − 3i) = 5 log[ 12e−2πi/3 ] = log(12) −
2 3
Verifica-se, neste exemplo, que para o valor principal do logaritmo
h √ i √
log (− 3 − 3i)5 = 5 log(− 3 − 3i) + 4πi
z w = ew log z , arg z ∈] − π, π]
Limites
Sendo f : D → C e z0 ∈ D, define-se
Proposição
Se f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), z0 = x0 + iy0 e L = A + iB então
lim u(x, y) = A
(x,y)→(x0 ,y0 )
L = lim f (z) ⇔
z→z0
lim v(x, y) = B
(x,y)→(x0 ,y0 )
28
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Demonstração:
Em primeiro lugar, assumindo que existem os limites
Por definição, para cada ǫ > 0 existem números positivos δ1 e δ2 tais que
ǫ
(x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ1 ⇒ |u(x, y) − A| <
2
e
ǫ
(x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ2 ⇒ |v(x, y) − B| <
2
Considere-se δ = min{δ1 , δ2 } Tem-se então que se (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ
|u(x, y) + iv(x, y) − (A + iB)| = |u(x, y) − A + i v(x, y) − B |
≤ |u(x, y) − A| + |v(x, y) − B|
ǫ ǫ
< + =ǫ
2 2
o que demonstra que o limite lim f (z) = A + iB.
z→z0
Reciprocamente, supondo que existe lim f (z) = A + iB, dados ǫ > 0 sabemos que existe
z→z0
δ > 0 tal que
0 < |(x + yi) − (x0 + iy0 )| < δ ⇒ |u(x, y) + v(x, y)i − (A + iB)| < ǫ
O resultado anterior permite mostrar que, se existirem lim f (z) e lim g(z), tem-se que
z→z0 z→z0
29
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
z 2 − (i + 1)z + i (z − 1)(z − i)
2. lim = lim = −i
z→1 z 2 + (i − 1)z − i z→1 (z − 1)(z + i)
Exemplo:
Re (z)
Observa-se que lim representa uma indeterminação do tipo 0/0. Escrevendo z = |z|eiθ
z→0 z
obtem-se
Re (z) |z| cos(θ)
= = e−iθ cos(θ)
z |z|eiθ
Fazendo |z| → 0 verifica-se Re (z)/z converge para um valor que depende de θ (ou seja do
argumento de z) e como tal o seu valor dependerá da forma como z está a convergir para 0.
Assim, por exemplo, se z está a convergir para 0 ao longo do semi eixo real positivo (θ = 0)
tem-se
Re (z)
lim =1,
z→0 , z∈R+ z
enquanto que se z está a convergir para 0 ao longo do semi eixo imaginário positivo (θ = π/2)
tem-se
Re (z)
lim =0.
z→0 , z∈iR+ z
Re (z)
Conclui-se que lim não existe.
z→0 z
Continuidade:
30
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
O conjunto
{xeiπ : x ∈ R+
0}
é denominado corte do valor principal do logaritmo (complexo).
8. De modo análogo se mostra que, para cada α ∈ R, o domı́nio de continuidade do ramo α
do logaritmo
log z = log |z| + i arg z , arg z ∈ ]α, α + 2π]
é
C \ {z = xeiα : x ∈ R+
0}
O conjunto
{z = xeiα : x ∈ R+
0}
é denominado corte do ramo α do logaritmo (complexo).
31
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
f ′ (z) = 2 − 2z , ∀z ∈ C
Observe-se que
f (z + h) − f (z)
pelo que este limite não existe. Conclui-se que para qualquer z ∈ C, lim
h→0 h
não existe e como tal o domı́nio de diferenciabilidade de f é o conjunto vazio.
32
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
f (z + h) − f (z) (z + h) Re(z + h) − z Re z
lim = lim
h→0 h h→0 h
z Re h + h Re z + h Re h
= lim
h→0 h
Re h
= Re z + lim (z + h) lim
h→0 h→0 h
Re h
= Re z + z lim
h→0 h
Nota: Os casos anteriores (2 e 3), mostram que não é suficiente que u e v sejam diferenciáveis
em (x0 , y0 ) para que f = u + iv tenha derivada em z0 = x0 + iy0 . Por exemplo para f (z) =
f (x + iy) = 2x + 3iy
Re f = u(x, y) = 2x , Im f = v(x, y) = 3y
Tal como para as funções reais de variável real, é válido o seguinte resultado (que tem de-
monstração análoga).
Notemos que, tal como no cálculo real, o recı́proco não pode não ser verdade: existem funções
contı́nuas num determinado ponto do seu domı́nio que não têm derivada nesse ponto (casos 2 e
3 do exemplo anterior. É no entanto muitas vezes utilizado na forma de contra-recı́proco: se f
não é contı́nua em z0 então f não é diferenciável em z0 .
Exemplo:
O valor principal do logaritmo complexo não admite derivada no conjunto
{z = reiπ : r ≥ 0}
33
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Para facilitar a notação, definimos o disco centrado em z0 ∈ C e de raio ǫ > 0 como sendo o
subconjunto de C dado por:
def
D(z0 , ǫ) = z ∈ C : |z − z0 | < ǫ .6
A análise complexa estuda essencialmente as funções complexas de variável complexa que são
diferenciáveis nalguma região do seu domı́nio.
Exemplo:
1. Para f (z) = 2z − z 2 vimos que o domı́nio de diferenciabilidade é C, pelo que o domı́nio de
analiticidade é tambem C. Esta função é um exemplo de função inteira.
2. Para f (z) = f (x + iy) = 2x + 3iy vimos que que o domı́nio de diferenciabilidade é o
conjunto vazio, pelo que o domı́nio de analiticidade é tambem o conjunto vazio.
3. Para f (z) = zRe z vimos que o domı́nio de diferenciabilidade é {0}, pelo que o domı́nio de
analiticidade é o conjunto vazio.
Equações de Cauchy-Riemann
Considere-se a função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y) e um ponto z0 = x0 + iy0 pertencente
ao domı́nio de f . Vamos estudar qual (ou quais) as propriedades de uma função complexa que
adimite derivada num ponto.
34
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
∂u ∂v
= +i
∂x ∂x
f (x + iy + it) − f (x + iy) u(x, y + t) − u(x, y) v(x, y + t) − v(x, y)
lim = lim +i
t→0 it t→0 it it
∂v ∂u
= −i
∂y ∂y
(1.7)
Resulta assim que os dois limites em (1.7) são iguais ao limite em (1.6), ou seja,
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (z) = +i = −i ,
∂x ∂x ∂y ∂y
de onde resultam imediatamente as equações de Cauchy-Riemann (1.5).
35
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
36
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
Teorema de Cauchy-Riemann
O seguinte Teorema fornece uma condição suficiente à existência de derivada complexa.
Teorema de Cauchy-Riemann
Seja f : D → C uma função complexa de variável complexa, dada por f (z) = u(x, y)+iv(x, y)
num conjunto aberto D e z0 = x0 + iy0 ∈ D. Se as funções u e v são contı́nuas, têm derivadas
parciais contı́nuas numa vizinhança de (x0 , y0 ) e satisfazem as equações de Cauchy-Riemann no
ponto (x0 , y0 ),
∂u ∂v ∂u ∂v
(x0 , y0 ) = (x0 , y0 ) , (x0 , y0 ) = − (x0 , y0 ) ,
∂x ∂y ∂y ∂x
então a derivada f ′ (z0 ) existe (ou seja, f é diferenciável em z0 no sentido complexo) e
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (z0 ) = (x0 , y0 ) + i (x0 .y0 ) = (x0 , y0 ) − i (x0 , y0 )
∂x ∂x ∂y ∂y
Exemplo:
(1) Para a função f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y) = ey cos x − iey sen x tem-se que
∂u ∂u ∂v ∂v
(x, y) = −ey sen x , (x, y) = ey cos x , (x, y) = −ey cos x , (xy) = −ey sen x
∂x ∂y ∂x ∂y
∂u ∂v
f ′ (z) = (x, y) + i (x, y) = −ey sen x − iey cos x
∂x ∂x
Note que f (z) = f (x + iy) = ey e−ix = e−i(x+iy) = e−iz e f ′ (z) = −if (z) = −ie−iz .
(2) Para a função f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y) = x3 + i(y − 1)3 tem-se que
∂u ∂u ∂v ∂v
(x, y) = 3x2 , (x, y) = 0 , (x, y) = 0 , (x, y) = 3(y − 1)2
∂x ∂y ∂x ∂y
37
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
{z = x + iy : x = 1 − y} ∪ {z = x + iy : x = y − 1}
Esta secção, embora numa primeira passagem seja de leitura opcional, é no entanto muito
importante para o aluno compreender a relação entre a derivada complexa e a derivação no sentido
de R2 . Vamos por isso enunciar e provar um teorema que implica a condição necessária e suficiente
anteriormente descrita mas que, além disso, clarifica a noção de derivada complexa.
Se convencionarmos representar i ∈ C pelo o ponto (0, 1) ∈ R2 e 1 ∈ C pelo ponto (1, 0) ∈ R2 ,
podemos identificar cada ponto de C com um e um só ponto de R2 por:
Como tal, qualquer função complexa, f : A ⊂ C → C, com f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), pode
ser interpretada como o campo vectorial (u, v) : A ⊂ R2 → R2 .
Recordamos que a função f é diferenciável no sentido de R2 em a ∈ A (com A aberto) se e
só se existe uma transformação linear Df (a) tal que
f (z + h) − f (z) − Df (a)h
−→ 0 quando h→0 (1.8)
h
Se f é diferenciável no sentido de R2 em a então:
a) f é contı́nua em a.
∂u ∂u ∂v ∂v
b) Existem as derivadas parciais ux = , uy = , vx = e vy = em a.
∂x ∂y ∂x ∂y
c) Df (a) é representada pela matriz jacobiana de f em a:
ux (a) uy (a)
Jf (a) =
vx (a) vy (a)
38
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
(ii) f tem derivada no sentido de R2 em a dada por Df (a)h = ξh, para qualquer h, onde
ξh designa o produto complexo de ξ por h.
Teorema de Cauchy-Riemann-Goursat
Seja f : A → C, onde A ⊂ C é aberto e a = a1 + ia2 ∈ A. São equivalentes as seguintes
proposições:
Demonstração:
Df (a)h = ξh
39
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Isto prova que existe ξ ∈ C tal que Df (a)h = ξh para todo o h ∈ C se e só se
ux = vy e uy = −vx no ponto a. Assim sendo, e usando de novo o Lema, (b) é
equivalente a (c).
Se f ′ (a) existir, então pela equivalência de (a) e (c) e pelas equações (1.10):
α = Re f ′ (a)
β = Im f ′ (a)
α = r cos θ ,
β = r sen θ ,
40
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
Conclui-se que Jf (a) tem a forma de uma matriz de rotação multiplicada pelo escalar |f ′ (a)|,
sendo que o ângulo de rotação é, precisamente, o argumento de f ′ (a).
O aluno pode facilmente verificar que
cos θ − sen θ h1
= eiθ (h1 + ih2 )
sen θ cos θ h2
• f ± g é analı́tica em D e (f ± g)′ = f ′ ± g ′ ;
• f g é analı́tica em D e (f g)′ = f ′ g + f g ′ ;
f ′g − f g′
• f /g é analı́tica em D \ {z : g(z) = 0} e (f /g)′ = .
g2
Função composta
Se g é analı́tica num conjunto D ⊂ C e f é analı́tica no contradomı́nio de g, g(D), então
Função Inversa
Seja f uma função analı́tica e bijectiva em D tal que
Então:
1
f −1 é analı́tica em f (D) e (f −1 )′ (b) = , onde b = f (a).
f ′ (a)
Demonstração: Sendo b ∈ f (D), cosidere-se a ∈ D tal que b = f (a). Se z ∈ D e
w = f (z) ∈ f (D), então z = f −1 (w) e:
41
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Como f ′ (z0 ) 6= 0, então o limite seguinte existe e, pela mudança de variável definida pela função
contı́nua z = f −1 (w):
f −1 (w) − f −1 (b) z−a 1
lim = lim = ′ (1.11)
w→b w−b z→a f (z) − f (a) f (a)
Como f (D) é aberto e f −1 tem derivada complexa em f (D) então f −1 é analı́tica e a sua derivada
em f (D) é dada por (1.11).
42
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
2k + 1
Dtgh = C \ {z = πi : k ∈ Z} , Dcotgh = C \ {z = kπi : k ∈ Z}
2
tendo-se nos seus domı́nios
′ sh z ′ 1 ′ ch z ′ 1
tgh z = = 2 e cotgh z = =−
ch z ch z sh z sh2 z
A seguinte secção é de leitura opcional. Nela pode encontrar outra forma de estudar a analiticidade
dos ramos do logaritmo.
∂U ∂u ∂x ∂u ∂y ∂u ∂u
= + = cos θ + sen θ
∂r ∂x ∂r ∂y ∂r ∂x ∂y
43
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
{z = xeiπ , x ∈ R+
0}
pelo que neste comjunto não existirá derivada. Para estudar a analiticidade no restante domı́nio,
considere-se
Re log z = u(r, θ) = log r , Im log z = v(r, θ) = θ
Assim
∂u 1 ∂u ∂v ∂v
= , =0 , =0 , =1
∂r r ∂θ ∂r ∂θ
verificam
44
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
• ponto interior de D se existe ǫ > 0 tal que D(z, ǫ) ⊂ D (note que D(z, ǫ) = Bǫ (z));
• ponto fronteiro se não for nem interior nem exterior, ou seja, se para qualquer ǫ > 0, o disco
D(z, ǫ) intersecta tanto D como o complementar de D. O conjunto de todos os pontos
fronteiros de D designa-se por fronteira de D e representa-se por ∂D;
Diz-se que D é
∀z ∈ D ∃ǫ > 0 : D(z, ǫ) ⊂ D.
– A ∪ B = D;
– Ā ∩ B = ∅ e A ∩ B̄ = ∅. 7
• Um conjunto aberto é conexo se e só se não pode ser escrito como a união de dois conjuntos
abertos e disjuntos.
7
Dois conjuntos tais que cada um deles é disjunto da aderência do outro, dizem-se separados. Então D é conexo
se e só se não pode ser escrito como a união de dois conjuntos separados.
45
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• simplesmente conexo se for conexo e qualquer curva fechada for homotópica a um ponto,
isto é, qualquer curva fechada em D pode ser deformada continuamente num ponto sem
sair do conjunto. 8
Funções harmónicas em R2
Seja U ⊂ R2 aberto, e u : U → R. A função u diz-se harmónica em U sse u ∈ C 2 (U ) e para todo
(x, y) ∈ U
2 ∂2u
def ∂ u
∆u = + =0
∂x2 ∂y 2
∆ designa o operador laplaciano (por vezes também representado por ∇2 ).
Exemplo:
Considere a função u : R2 → R definida por:
u(x, y) = y(x − 3) .
Vamos começar por mostrar que u é uma função harmónica em R2 . Por ser uma função polinomial,
u ∈ C 2 (R2 ). Por outro lado,
46
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
e
∂u ∂v x2
=− ⇒ x − 3 = −c′ (x) ⇒ c(x) = − + 3x + c
∂y ∂x 2
y2 x2
Então v(x, y) = 2 − 2 + 3x + c, c ∈ R e
y2 x2
f (z) = f (x + iy) = y(x − 3) + i − + 3x + c , c∈R
2 2
Note que:
i 2 i
f (z) = − x + 2x(iy) + (iy)2 + 3i(x + iy) + ic = − z 2 − 3iz + ic.
2 2
Integração em C
Curvas em C
Sendo z(t) uma função complexa contı́nua de domı́nio [a, b] ⊂ R, define-se caminho ou curva
orientada em C como sendo o conjunto de pontos:
n o
γ = z(t) = x(t) + iy(t) : t ∈ [a, b]
que se convenciona percorrida no sentido especificado por z(t). Os pontos z(a) e z(b) denominam-
se respectivamente o ponto inicial e o ponto final do caminho. A aplicação z(t) diz-se uma
parametrização de γ 9
Exemplos:
1. Parametrização de um segmento de recta
O segmento de recta que une z0 a z1 pode ser parametrizado por:
z(t) = z0 + t(z1 − z0 ) = tz1 + (1 − t)z0 onde 0≤t≤1
47
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• regular se z(t) é continuamente diferenciável e não se anula em ]a, b[, isto é se x′ (t) e y ′ (t)
existem, são contı́nuas e não se anulam simultaneamente em ]a, b[). Nesse caso tem-se que
• simples se z(t) é injectiva em ]a, b] e em [a, b[, isto é, se t1 6= t2 então z(t1 ) 6= z(t2 ) ou
(t1 = a e t2 = b). 10 .
10
Ou seja, um caminho simples apenas se pode autointersectar nos extremos.
48
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Integral complexo
Se γ ⊂ C é um caminho seccionalmente regular, parametrizado por z : [a, b] → C, e f uma
função complexa contı́nua em γ, define-se
Z Z b
f (z) dz = f (z(t))z ′ (t) dt (1.13)
γ a
Note-se que o integral do 2o membro da igualdade (1.13) pode ser interpretado como o integral
da função vectorial, F : [a, b] → C dada por F (t) = f (z(t))z ′ (t) para t ∈ [a, b], e que é obtido à
custa do integral de Riemann das funções reais de variável real por:
Z b Z b Z b
def
F (t) dt = Re F (t) dt + i Im F (t) dt (1.14)
a a a
Exemplo: R
Pretende-se determinar γ ez̄ dz em que γ é o segmento de recta que une −i a 1 + i. Uma
possı́vel parametrização de γ é
Assim
Z Z 1 Z 1
z̄ t+i(2t−1) ′ −3 + 4i 1−i
e dz = e (t + i(2t − 1)) dt = et+i(1−2t) (1 + 2i)dt = (e − ei )
γ 0 0 5
(esta desigualdade será necessária para majorar integrais complexos). Para tal, escreva-se
Z b
I= F (t) dt = reiθ ,
a
49
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Demonstração:
Consideremos primeiro o caso de uma curva aberta. Dado que a curva é aberta e simples,
z(s) e w(t) são injectivas em, respectivamente, [a, b] e [α, β]. Então ϕ : [α, β] → [a, b], que pode
ser definida por
Propriedades do integral
Exemplo:
50
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
pelo que
Z Z 1 Z 1
′ (1 + i)2 2i
f (z) dz = f ((1 + i)t) (1 + i)t dt = (1 + i) (t2 + it2 )dt = =
γ1 0 0 3 3
Por outro lado, uma parametrização possı́vel para γ2 é
z2 (t) = t + i , t ∈ [1, 2]
pelo que Z Z Z 2
2 ′ 7
f (z) dz. = f (t + i) t + i dt = (t2 + i)dt = + i
γ2 1 1 3
Concluimos que Z Z Z
7 5i
f (z) dz = f (z) dz + f (z) dz. = +
γ γ1 γ2 3 3
Exemplo:
Vamos determinar um valor máximo para
Z ez
2
dz
γ z +1
sendo γ a circunferência |z| = 2 percorrida uma vez em sentido directo. Pela propriedade
enunciada acima temos que
Z ez Z ez Z
2
dz ≤ 2 |dz| ≤ M |dz|
γ z +1 γ z +1 γ
51
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
ez
em que M é um majorante do módulo da função z 2 +1
em γ. Para o determinar, e escrevendo
z = x + iy, tem-se que
p
|ez | = |ex+iy | = ex ≤ e2 pois na curva x ≤ |z| = x2 + y 2 = 2
Então, para z ∈ γ
ez |ez | e2
2 ≤ 2 ≤
z +1 |z + 1| 3
e assim
Z ez e2 Z 4πe2
dz ≤ |dz| =
γ z2 + 1 3 γ 3
R
visto sabermos que γ |dz| = comprimento (γ) = 4π.
Primitivação em C
Sendo f : D → C, onde D é um subconjunto aberto de C, diz-se que f tem uma primitiva (ou é
primitivável) em D se existe F : D → C tal que
F ′ = f.
Esta definição implica, em particular, que F tem derivada em qualquer ponto do conjunto aberto
D e, consequentemente, f é analı́tica em D.
Exemplo:
1. A função F (z) = − cos z é uma primitiva de f (z) = sen z, visto que (− cos z)′ = sen z.
Dado que (− cos z + C)′ = sen z, qualquer que seja C ∈ C, − cos z + C é a expressão geral das
primitivas de sen z em C.
2. Se f e g são funções analı́ticas, vimos que o seu produto é tambem uma função analı́tica
e (f g)′ = f ′ g + f g ′ . Então podemos deduzir a fórmula da primitivação por partes
P (f g ′ ) = f g − P (f ′ g)
52
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
O seguinte Teorema (já conhecido no caso dos integrais de linha em R2 ), por um lado,
caracteriza as funções primitiváveis em C e, por outro lado, permite concluir a indepêndencia do
caminho de integração.
Dem.:
a) ⇒ b) (e fórmula (1.15)): Sendo γ : [a, b] → C tal que γ(a) = γ(b) e, usando desde já
a), resta-nos provar que I I
f (z) dz = F ′ (z) dz = 0
γ γ
Começamos por mostrar que
d
F γ(t) = F ′ γ(t) γ ′ (t)
dt
Usando a notação F (x + iy) = U (x, y) + iV (x, y) e γ(t) = x(t) + iy(t), temos:
d ∂U ′ ∂U ′ ∂V ′ ∂V ′
F x(t) + iy(t) = x (t) + y (t) + i x (t) + i y (t),
dt ∂x ∂y ∂x ∂y
onde as derivadas parciais de U e V são calculadas em x(t), y(t) . Como F é analı́tica em
A, usando as equações de Cauchy-Riemann:
d ∂U ′ ∂V ′ ∂V ′ ∂U ′
F x(t) + iy(t) = x (t) − y (t) + i x (t) + i y (t)
dt ∂x ∂x ∂x ∂x
∂U ′ ∂V
= x (t) + iy ′ (t) + −y ′ (t) + ix′ (t)
∂x ∂x | {z }
=i iy ′ (t)+x′ (t)
∂U ∂V
= x(t), y(t) + i x(t), y(t) x′ (t) + iy ′ (t)
∂x ∂x
′
′
= F γ(t) γ (t)
53
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Usando agora o teorema fundamental do cálculo para funções reais de variável real:
I Z b Z b
′ ′ ′ d
F (z) dz = F (γ(t))γ (t) dt = F γ(t) dt = F γ(b) − F γ(a) = 0.
γ a a dt
Para provar a fórmula (1.15), tendo em conta que neste caso γ não é (em geral) uma curva
fechada, temos simplesmente:
Z
F ′ (z) dz = F γ(b) − F γ(a) .
γ
c) ⇒ a): Por hipótese, o integral complexo não depende do caminho de integração. Como
tal, fixando um z0 ∈ D, podemos definir a função F : D → C por
Z z Z
f (w) dw = f (w) dw
z0 γ
ou seja, para qualquer z ∈ D tem-se que F ′ (z) = f (z). Conclui-se que F é analı́tica e é
uma primitiva de f em D.
54
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Exemplo: Z
1 2
Vamos calcular o valor do integral + zez dz, sendo C a curva parametrizada por
C z−2
γ(t) = 3 cos(t) + 2i sen(t), com t ∈ [0, 3π/2].
2
Observe-se em primeiro lugar que a função zez é primitivável em C, pelo que o Teorema
Fundamental do Cálculo é aplicável. Assim
Z 2 γ(3π/2) 1 2 −2i e−4 − e9
2
zez dz = P zez = ez
= ,
C γ(0) 2 3 2
2 2
onde P zez designa uma primitiva da função f (z) = zez . Por outro lado, dado que todos os
1
ramos de log(z − 2) são primitivas da função z−2 num dado conjunto, há que ter o cuidado de
escolher um ramo que seja uma função analı́tica num conjunto aberto que contenha a curva C.
Para esse efeito, considere o ramo do logaritmo tal que − π4 ≤ arg (z − 2) < 7π
4 ; o seu domı́nio de
analiticidade é:
π 7π
D = {z ∈ C : z = 2 + reiθ onde − <θ< e r > 0}.
4 4
Para z ∈ D, vamos então usar o ramo11 :
π 7π
log(z − 2) = log |z − 2| + i arg (z − 2), onde − ≤ arg (z − 2) < .
4 4
d 1
Trata-se de uma função analı́tica em D, com a curva C contida em D e dz log(z − 2) = z−2 para
qualquer z ∈ D. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo:
Z γ(3π/2)
1 3 5π
dz = log(z − 2) = log(−2i − 2) − log(3 − 2) = log 2 + i .
C z−2 γ(0) 2 4
Finalmente: Z
1 2
e−4 − e9 3 5π
+ zez dz = + log 2 + i
C z−2 2 2 4
Teorema de Cauchy
Se γ é uma curva de Jordan seccionalmente regular e f é analı́tica num aberto simplesmente
conexo contendo γ, então I
f (z) dz = 0.
γ
11
Deve esboçar o domı́nio de analiticidade deste ramo de log(z − 2) e a curva C.
55
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Vamos assumir como provado que (no sentido de R2 ) uma função analı́tica, f , é de classe C 1
12 .
Assim, sendo f = u + iv analı́tica em D, u e v são funções continuamente diferenciáveis em
D. Tem-se então que
I I
f (z) dz = u(x, y) + iv(x, y) dx + idy
γ γ
I I
= u(x, y) dx − v(x, y) dy + i v(x, y) dx + u(x, y) dy
γ γ
Atendendo às condições do Teorema (γ uma curva de Jordan definida num aberto simplesmente
conexo D) e à hipótese adicional (u e v continuamente diferenciáveis em D) podemos aplicar o
Teorema de Green13 aos dois integrais de linha da expressão anterior, obtendo-se
I ZZ ZZ
∂(−v) ∂u ∂u ∂v
f (z) dz = − dx dy + i − dx dy
γ ∂x ∂y ∂x ∂y
intγ intγ
Exemplos:
1. Considere-se a função complexa f (z) = sh(cos2 z)). Dado que f é uma função inteira, o
Teorema de Cauchy permite concluir que
I
sh(cos2 z)) dz = 0
γ
56
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
não pertence (por exemplo D = {z : |z − z1 | < R + ǫ} com ǫ tão pequeno quanto seja
necessário). Pelo Teorema de Cauchy
I
1
dz = 0
γ z − z0
57
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Por continuidade de f em D, para qualquer ǫ > 0 existe r > 0 para o qual se tem
|f (w) − f (z)| < ǫ sempre que |z − w| < r. Assim
F (z) − F (z ) Z
1 ǫ
− f (z) ≤ |dw| = ǫ
z − z1 |z − z1 | s
Conclui-se que
F (z) − F (z1 )
lim = f (z)
z1 →z z − z1
ou seja, para qualquer z ∈ D tem-se que F ′ (z) = f (z), pelo que F é analı́tica e é uma
primitiva de f em D.
58
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Sendo ainda, f uma função analı́tica em int (γ) \ int (γ1 ) ∪ ... ∪ int (γn ) , então
I n I
X
f (z) dz = f (z) dz
γ i=1 γi
Exemplo:
De facto:
∗ se ±1 não pertencem à região interior a γ o resultado é uma consequência imediata
do Teorema de Cauchy;
∗ para o caso em que 1 pertence à região interior a γ e −1 pertence à sua região
1
exterior, observa-se que z+1 é analı́tica num conjunto aberto simplesmente conexo
contendo γ e, como tal é aplicável a Fórmula Integral de Cauchy
I I 1
1 z+1 1
2
dz = dz = 2πi = πi
γ z −1 γ z−1 z + 1 z=1
∗ para o caso em que −1 pertence à região interior a γ e 1 pertence à sua região ex-
1
terior, observa-se que z−1 é analı́tica num conjunto aberto e simplesmente conexo
contendo γ e, como tal, é aplicável a Fórmula Integral de Cauchy
I I 1
1 z−1 1
2
dz = dz = 2πi = −πi
γ z −1 γ z+1 z − 1 z=−1
59
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∗ por último, se tanto 1 como -1 pertencem à região interior à curva γ, pelo teorema
de Cauchy generalizado
I I I
1 1 1
2−1
dz = 2−1
dz + 2−1
dz = 0
γ z γ1 z γ2 z
lim (z − z0 )f (z) = 0
z→z0
Então I
f (z) dz = 0
γ
Dem:
Pelo Teorema de Cauchy generalizado, tem-se que para ǫ suficientemente pequeno
I I
f (z) dz = f (z) dz , ∀ǫ > 0
γ |z−z0 |=ǫ
tendo a circunferência a mesma orientação que γ. Por outro lado, dada a hipótese lim (z −
z→z0
z0 )f (z) = 0 podemos determinar δ tão pequeno quanto se necessite, de forma a que
ǫ
|z − z0 | < δ ⇒ |(z − z0 )f (z)| < ǫ ⇒ |f (z)| <
|z − z0 |
Assim
I I I
f (z) dz = f (z) dz ≤ |f (z)||dz|
γ |z−z0 |=ǫ |z−z0 |=ǫ
I I
ǫ
≤ |dz| = |dz| = 2πǫ ∀ǫ > 0
|z−z0 |=ǫ |z − z0 | |z−z0 |=ǫ
Fazendo ǫ → 0 obtém-se
I I
f (z) dz ≤ 0 ⇒ f (z) dz = 0
γ γ
60
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
f (z) − f (z0 )
lim (z − z0 ) =0
z→z0 z − z0
Então I I I
f (z) f (z) − f (z0 ) f (z0 )
dz = dz + dz = 0 + 2πif (z0 )
γ z − z0 γ z − z0 γ z − z0
Exemplo:
1. Vamos calcular I
e−z
dz
γ z − π2
sendo γ qualquer curva de Jordan em C orientada positivamente e tal que π2 ∈ int γ.
Dado que f (z) = e−z é inteira, estamos nas condições da fórmula integral de Cauchy
e podemos concluir que
I
e−z π −π/2
π dz = 2πif ( ) = 2πie
γ z− 2 2
2. Vamos calcular I
z
dz
γ 2z + 1
61
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
3. Vamos calcular I
cos z
dz
γ z3+ 9z
em que γ é a circunferência |z| = 1 percorrida uma vez em sentido directo. A função
integranda é analı́tica em C \ {0, −3i, 3i}; dos pontos onde a função não é analı́tica
apenas 0 pertence à região |z| < 1. Assim
I I cos z
cos z z 2 +9 cos z 2πi
3 + 9z
dz = dz = 2πi 2 + 9 z=0
=
γ z γ z z 9
onde utilizámos a fórmula integral de Cauchy e o facto de a função f (z) = zcos z
2 +9 ser
analı́tica num aberto, simplesmente conexo contendo γ (por exemplo |z| < 2),
Sendo f uma função analı́tica num aberto simplesmente conexo D. Então a sua derivada
f ′ é uma função analı́tica em D.
Demonstração:
Sendo z ∈ D arbitrário e f analı́tica em D, para qualquer curva de Jordan, γ, contida em
D, percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ, tem-se que
I
1 f (w)
f (z) = dw
2πi γ w − z
Em particular, para r > 0 tão pequeno que D(z, r) ⊂ D, tem-se que
I
1 f (w)
f (z) = dw
2πi |w−z|=r w − z
onde a circunferência é percorrida uma vez em sentido directo. Então
f (z + h) − f (z)
f ′ (z) = lim
h→0 h
I
1 f (w) f (w)
= lim − dw
h→0 2πhi |w−z|=r w − (z + h) w−z
I
1 1
= lim f (w) dw
h→0 2πi |w−z|=r (w − (z + h))(w − z)
Vamos mostrar que
I I
1 1 1 1
lim f (w) dw = f (w) dw
h→0 2πi |w−z|=r (w − (z + h))(w − z) 2πi |w−z|=r (w − z)2
Para tal
1 I 1 1
I
1
f (w) dw − f (w) 2
dw
2πi |w−z|=r (w − (z + h))(w − z) 2πi |w−z|=r (w − z)
I
1 |h|
≤ |f (w)| 2
|dw|
2π |w−z|=r |w − z| |w − (z + h)|
I
M |h| 1
≤ 2
|dw|
2πr |w−z|=r |w − (z + h)|
62
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
conclui-se que
I I
1 1 1
f (w) dw − f (w) dw
2π |w−z|=r (w − (z + h))(w − z) |w−z|=r (w − z)2
I
M |h|
≤
|dw|
2πr2 r − |h| |w−z|=r
M |h|
= →0 quando h→0
rr − |h|
para qualquer curva de Jordan γ em D percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ.
Repetindo o argumento anterior verifica-se que para qualquer z ∈ D
I
2 f (w)
f ′′ (z) = dw
2πi γ (w − z)3
para qualquer curva de Jordan γ em D percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ.
Conclui-se que a derivada de f ′ está bem definida e existe em D pelo que f ′ é analı́tica em
D.
Nas mesmas condições da Fórmula integral de Cauchy, tem-se que para qualquer n ∈ N0 ,
f (n) está bem definida, é analı́tica em D e staisfaz a fórmula
I
(n) n! f (z)
f (z0 ) = dz
2πi γ (z − z0 )n+1
Exemplo:
1. Pretendemos calcular o valor do integral
I
ez
dz
|z|=2 (z − 1)4
onde se supõe que a curva é percorrida uma vez em sentido directo. Começamos por observar
ez
que a função (z−1) 4 é analı́tica em C \ {1}, pelo que não é analı́tica na região interior à
curva, e como tal não é aplicável o Teorema de Cauchy. Consideremos a função f (z) = ez ,
63
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
que é uma função inteira; para z0 = 1 (que pertence à região interior à curva) estamos em
condições de aplicar a fórmula integral de Cauchy generalizada para a derivada de ordem
n = 3. Assim I
ez 2πi z ′′′ eπi
4
dz = e =
|z|=2 (z − 1) 3! 3
z=1
2. Pretendemos calcular o valor do integral
I
log(z + 3)
2 2
dz
|z|=2 z (z + 9)
onde se supõe que a curva é percorrida uma vez em sentido directo e log z representa o
valor principal do logaritmo. A função f (z) = zlog(z+3)
2 (z 2 +9) está definida em C \ {−3i, 3i, −3, 0}
e é analı́tica em
C \ {0, 3i, −3i} ∪ {xeiπ : x ≤ −3}
– u ∈ C 2 (R2 ) .
– para quaisquer x, y ∈ R2
∂2u ∂2u ∂ 2 2
∂ 2 2
∆u = + = − 3x + 3y − 6xy + 3y + 6xy − 3x =0
∂x2 ∂y 2 ∂x ∂y
64
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
∂u ∂v ∂u ∂u
f ′ (z) = +i = −i = − 3x2 + 3y 2 − 6xy − i 3y 2 + 6xy − 3x2
∂x ∂x ∂x ∂y
Finalmente
I
f (z)
3
dz = −πi − 6x − 6y + i(−6y + 6x) =0
|z|=1 z (x,y)=(0,0)
1. Teorema de Morera
Se D ⊂ C é aberto e f : D → C é contı́nua e
I
f (z) dz = 0
γ
2. Teorema de Liouville
Se f é uma função inteira e limitada então f é constante.
Demonstração:
Dado que f é inteira, a Fórmula integral de Cauchy permite concluir que f ′ é inteira e para
todo z ∈ C se tem I
′ 1 f (w)
f (z) = dw
2πi |w−z|=R (w − z)2
65
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
66
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS EM C
Séries de Potências em C
Sucessões de Números Complexos
Uma sucessão de números complexos, (zn )n∈N é uma aplicação
N ∋ n 7→ zn = xn + iyn ∈ C,
ou seja, uma aplicação (ou função) que a cada número natural, n, faz corresponder um e um
só número complexo zn = xn + iyn . É costume representar uma sucessão por (zn ) ou ainda,
mais abreviadamente, pelo seu termo geral, zn . As sucessões xn = Re zn (a parte real de zn ) e
yn = Im zn (a parte imaginária de zn ) são sucessões reais.
A sucessão zn diz-se limitada se existe um número real positivo M tal que |zn | ≤ M para
todo n ∈ N.
• Se zn = xn + iyn então
Exemplos:
1 1
1. A sucessão zn = é limitada, visto |zn | = n ≤ 1, para todo n ∈ N.
in
(n + 2i)
q
n2 +4
√
2. A sucessão zn = é limitada, visto |zn | = n2
≤ 5, para todo n ∈ N.
n
3. A sucessão zn = ein é limitada, visto |zn | = 1, para todo n ∈ N.
L = lim zn = lim zn ⇔ zn → L
n→∞
Esta definição significa que dado qualquer erro ǫ > 0, existe uma ordem N ∈ N a partir da qual
todos os termos da sucessão (os termos zN +1 , zN +2 , . . .) são aproximações do limite, L, com erro
inferior a ǫ.
Exemplos:
in
1. A sucessão zn = é convergente e o seu limite é 0, visto que para qualquer ǫ > 0
n3
in 1 1
3 = 3 < ǫ para n > √
n n 3
ǫ
√
A definição de convergência verfica-se para N > 1/ 3 ǫ.
67
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
(n + 2i)
2. A sucessão zn = é convergente e o seu limite é 1, visto que para qualquer ǫ > 0
n
n + 2i 2i 2 2
− 1 = = < ǫ para n >
n n n ǫ
A definição de convergência é verficada para N > 2/ǫ.
Teorema:
Sendo (zn )n ⊂ C uma sucessão convergente, então
Diz-se que zn é uma sucessão de Cauchy se e só se para qualquer ǫ > 0, existe N ∈ N tal que
Prova-se que uma sucessão complexa é convergente se e só se é uma sucessão de Cauchy.
Listamos em seguida algumas propriedades dos limites de sucessões complexas convergentes,
que nos permitem utilizar a ´’algebra de limites conhecida das sucessões de termos reias conver-
gentes.
Propriedades:
Se (zn ) e (wn ) são sucessões complexas convergentes, então
1. Se zn = xn + iyn e L = A + iB então
68
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS EM C
Limite infinito
Se (zn )n é uma sucessão complexa, definimos
• lim |zn | = ∞
n
1
• lim =0
n zn
Observa-se que se pelo menos uma das sucessões (Re zn ) ou (Im zn ) diverge para infinito, então
a secessão (zn ) terá tambem limite infinito. Porém, o recı́proco pode não ser verificado.
Tal como no caso real, a ágebra de limites não é aplicável quando pelo menos uma das
sucessões seja divergente para infinito.
Exemplo:
i
lim |neiπn | = lim n = ∞ e lim Re (n + ) = lim n = ∞
n n n n n
{z, z 2 , z 3 , . . . , z n , . . .}
Séries de Potências
Para o estudo de alguns dos conceitos e resultados essenciais sobre séries numéricas de termos
reais ou complexos aconselha-se a leitura do Apêndice A.
Para z0 ∈ C e an uma sucessão de termos complexos define-se a série de potências de z − z0
(ou série de potências centrada em z0 ) por:
∞
X
an (z − z0 )n = a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + · · · + an (z − z0 )n + · · · (1.19)
n=0
69
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Teorema de Abel
Considere-se a série de potências centrada em z0 e de coeficientes cn . Então:
∞
X ∞
X
n
a) Se existe ξ ∈ C \ {z0 } tal que cn (ξ − z0 ) converge, a série cn (z − z0 )n converge
n=0 n=0
absolutamente em todos os valores de z para os quais |z − z0 | < |ξ − z0 |.
∞
X ∞
X
b) se existe ξ¯ ∈ C tal que cn (ξ¯ − z0 )n diverge, a série cn (z − z0 )n diverge em todos os
n=0 n=0
valores de z para os quais |z − z0 | > |ξ¯ − z0 |.
Demonstração:
ComoPfoi observado, basta demonstrar o resultado para o caso z0 = 0, isto é, para as séries
do tipo n
an z .
P
a) Supondo que existe um ponto ξ onde a série an ξ n converge, então lim an ξ n = 0. A
n→∞
existência deste limite implica, em particular, que an ξ n é uma sucessão limitada, ou seja:
70
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS EM C
P
b) Supondo que existe z = ξ¯ onde a série an z n diverge, então a série terá que divergir para
¯
|z| > |ξ|. Pois, caso contrário — se existisse ¯ onde a série convergisse —
ẑ, com |ẑ| > |ξ|,
¯ < |ẑ|, pela alı́nea (a) a série P ¯ o que
como |ξ| an z n convergiria absolutamente em z = ξ,
contradiz a hipótese.
P
O raio de convergência, R, de uma série de potências ∞ n
n=0 an (z − z0 ) define-se por:
( ∞
)
X
R = sup ρ ∈ [0, +∞[ : an (z − z0 )n converge em |z − z0 | < ρ
n=0
R está bem definido, pois o conjunto acima nunca é vazio e R ≥ 0. De notar que esse conjunto
pode ser não limitado; nesse caso, R = ∞.
Utilizando o teorema de Abel, conclui-se facilmente o seguinte (porquê?):
Apoiando-nos nos critérios de convergência das séries de termos não negativos e no teorema
de Abel, podemos obter fórmulas para o cálculo do raio de convergência de (1.19). Assim:
∞
X
O raio de convergência da série an (z − z0 )n é dado por:
n=0
a
n
• R = lim , caso este limite exista.
n→∞ an+1
p
• R1 = limn→∞ n |an |, caso este limite exista.
1 p
• = lim sup n |an | (Teorema de Cauchy-Hadamard).
R n→∞
a
n
Para mostrar que, caso o limite exista, R = lim ,, é uma consequência do critério de
n→∞ an+1
D’Alembert. Mais uma vez estudaremos o caso z0 = 0. Assim
|an+1 z n+1 | = |z|
an+1
n
= |z|
|an z | an an
an+1
def an
Supondo que existe R = lim , então:
an+1
|an+1 z n+1 | |z| |z|
L = lim = an = R .
n→∞ |an z n | lim an+1
71
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Para se ter L < 1 — caso em que, pelo critério de D’Alembert a série de potências é absolutamente
convergente — então é necessário que |z| < R. Tomando L > 1 conclui-se que para |z| > R a
série não converge absolutamente.
Além disso, a série diverge sempre para |z| > R. Caso contrário, isto é, se convergisse para
certo ẑ, com |ẑ| > R, então pelo teorema de Abel convergiria absolutamente em qualquer z tal
que R < |z| < |ẑ|, o que contradiz a conclusão do parágrafo anterior!
P
Conclui-se que o raio de convergência da série an z n é R.
p
Por outro lado, e se o limite existir, R1 = lim n |an | é uma consequência do critério da raiz,
n→∞
e a demonstração deste facto é anaáloga à anterior.
Exemplo:
∞
X (z − 2i)n
1. Considere-se a série . Por ser uma série de potências de centro em 2i e
n(5i)n
n=0
1
coeficientes an = n(5i)n , o seu disco de convergência será
{z ∈ C : |z − 2i| < R}
{z ∈ C : |z| < R}
1 1
R= p = lim =0
limn n
!an | n n
Conclui-se que a série converge apenas em 0, ou seja a sua região de convergência é {0}.
(observe-se que para esta série o disco de convergẽncia é vazio.)
∞
X
3. Considere-se a série n(−i)n (z + i)2n Mais uma vez o seu disco de convergência será
n=0
{z ∈ C : |z + i| < R}
72
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS EM C
dado que o centro da série é −i. Visto que no desenvolvimento só ocorrem potências de
expoente par, os coeficientes da série são dados por
n(−i)n para n par
an =
0 para n impar
p
e é fácil de perceber que não existem lim an /an+1 e lim 1/ n |an |. Então
n n
1 1
R= p = √ =1
lim sup |an |
n
sup{lim n n, lim 0}
n n
podemos concluir que esta série converge em {w ∈ C : |w| < 1}, o que implicará que a
série inicial é convergente para todos os valores de z tais que
73
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
em que r < R. Dado que, para todo n ∈ N a função fn (z) = an (z − z0 )n é inteira, pode-se
∞
X
então concluir que a série f (z) = an (z − z0 )n é analı́tica em {z : |z − z0 | < R}, e para todo
n=0
z no interior do cı́rculo de convergência
∞
X
′
f (z) = nan (z − z0 )n−1
n=1
Z ∞ Z ∞
X X an
f (w) dw = an (w − z0 )n dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ γ n+1
n=0 n=0
para qualquer curva regular γ em D(z0 , R) onde a e z são os pontos inicial e final de γ, respec-
tivamente. Em consequência, as primitivas de f (z) são dadas por
∞
X an
C+ (z − z0 )n+1 ,
n+1
n=0
Nesta secção vamos estudar a relação que existe entre uma função analı́tica (no sentido de admitir
derivada num aberto não vazio) e uma função definida por uma série de potências.
• Z ∞ Z ∞
X X an
f (w) dw = an (w − z0 )n dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ γ n+1
n=0 n=0
para qualquer curva regular γ em D(z0 , R) onde a e z são os pontos inicial e final de γ,
respectivamente. Em consequência, as primitivas de f (z) são dadas por
∞
X an
C+ (z − z0 )n+1 ,
n+1
n=0
74
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS EM C
Teorema de Taylor
O recı́proco do resultado anterior (se f é analı́tica pode ser escrita como série de potências) é
dado pelo seguinte resultado.
Teorema de Taylor:
R é o supremo dos números reais positivos, ρ, para o quais o disco D(z0 , ρ) está contido no
domı́nio de analiticidade de f , isto é, R é a distância de z0 à fronteira de D.
Nota: conclui-se dos teoremas anteriores que afirmar que uma função f é analı́tica (ou
holomorfa) num ponto z0 ∈ C é equivalente a afirmar que f (z) admite uma representação em
série de potências de z − z0 válida numa vizinhança de z0 .
A série
∞
X f (n) (z0 )
(z − z0 )n
n!
n=0
denomina.se série de Taylor de f em torno de z0 .
No caso particular z0 = 0 a série
∞
X f (n) (0)
zn
n!
n=0
denomina-se série de Maclaurin de f .
Por ser uma série de potências, pode ser integrada e derivada termo a termo, isto é, se
z ∈ D(z0 , R)
∞
X f (n) (z0 )
• f ′ (z) = (z − z0 )n−1
(n − 1)!
n=1
Z ∞
X f (n) (z0 )
• f (w) dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ (n + 1)!
n=0
onde γ é uma curva seccionalmente regular contida em D(z0 , R) e z,a são o extremo inicial e
final (resp.) de γ. Em consequência, as primitivas da série de Taylor de f (z) em torno de z0 são
∞
X f (n) (z0 )
C+ (z − z0 )n+1 ,
(n + 1)!
n=0
75
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Pretende-se mostrar que, dado z0 no domı́nio de analiticidade de f , existe R > 0, tal que para
todo z em BR (z0 ) se tem
∞
X f (n) (z0 )
f (z) = (z − z0 )n
n!
n=0
Sendo D o domı́nio de analiticidade de f , considere-se R o maior real positivo para o qual se tem
D(z0 , R) ⊂ D. Para qual quer z ∈ D(z0 , R), defina-se R0 = |z − z0 | e escolha-se R1 ∈]R0 , R[.
Sendo γ = {w : |w − z0 | = R1 } percorrida em sentido directo, por aplicação da fórmula Integral
de Cauchy, tem-se que I
1 f (w)
f (z) = dw
2πi γ w − z
Por outro lado, e recorrendo à soma da série geométrica, temos quer
X (z − z0 )n ∞
1 1 1 1
= = · z−z0 =
w−z w − z0 − (z − z0 ) w − z0 1 − w−z (w − z0 )n+1
0 n=0
f (n) (0) 1
an = =
n! n!
Como o domı́nio de analiticidade de ez é C temos então quebrado
∞
X zn
ez = , ∀z ∈ C
n!
n=0
• No caso mais geral, para p ∈ N e c ∈ C \ {0} uma constante, a série de Taylor centrada em
p
z0 da função ec(z−z0 ) é
∞ n
p
X c
ec(z−z0 ) = (z − z0 )pn , ∀z ∈ C .
n!
n=0
76
1.6. SÉRIES DE POTÊNCIAS EM C
• Para qualquer z ∈ C
∞ ∞ ∞
eiz − e−iz 1 X z n in (1 − (−1)n ) 1 X z n in X (−1)n z 2n+1
sen z = = = =
2i 2i n! i n! (2n + 1)!
n=0 n=0 , n ı́mpar n=0
∞
p
X (−1)n c2n+1
sen c(z − z0 ) = (z − z0 )p(2n+1) , ∀z ∈ C .
(2n + 1)!
n=0
∞
X (−1)n c2n
cos c(z − z0 )p = (z − z0 )p(2n) , ∀z ∈ C .
(2n)!
n=0
No caso mais geral, para p ∈ N e c ∈ C \ {0} uma constante, a série de Taylor centrada em
1
z0 da função 1−c(z−z 0)
P é
∞
1 X
= cn (z − z0 )pn
1 − c(z − z0 )p
n=0
este desenvolvimento será válido no maior cı́rculo centrado em 0 onde a função (valor
principal) log(1− z) é analt́ica. Como o seu demı́nio de analiticidade é C\{x ∈ R : x ≥ 1}
77
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
o domı́nio de convergência da série é |z| < 1. Atendendo a que o valor principal de log 1 = 0
tem-se que
∞
X z n+1
log(1 − z) =− + C ⇔ C=0
z=0 n+1 z=0
n=0
pelo
∞
X z n+1
log(1 − z) = − , |z| < 1
n+1
n=0
∞
X (−1)n π 2n+1 i2n+1
= −
(2n + 1)!
n=0
∞
X π 2n+1
= −i (z − i)2n+1
(2n + 1)!
n=0
z−i
sendo a igualdade válida em | | < 1, ou seja em |z − i| < 2. Por último
2i
z = (z − i) + i
78
1.7. SÉRIES DE LAURENT
Exemplos:
• A função f (z) = z 3 − 3z 2 + 3z − 1 tem um zero de ordem 3 em z0 = 0. De facto
z 3 − 3z 2 + 3z − 1 = (z − 1)3 g(z) , g(z) ≡ 1
Séries de Laurent
Definição de Série de Laurent
Sendo z0 ∈ C, a série
∞
X a−2 a−1
an (z − z0 )n = · · · + 2
+ + a0 + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 )2 + · · ·
n=−∞
(z − z0 ) z − z0
∞ ∞
X a−n X
= + an (z − z0 )n
(z − z0 )n
n=1 n=0
(1.20)
79
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Teorema de Laurent
Teorema de Laurent:
Se f é analı́tica na região anular A(z0 , r, R) = {z ∈ C : r < |z − z0 | < R}, então f pode ser
desenvolvida em série de Laurent em torno de z0
∞
X
f (z) = an (z − z0 )n
n=−∞
No teorema de Laurent, podemos tomar os raios interior, r (resp. exterior, R) da região anular
A(z0 , r, R) como sendo o ı́nfimo de todos os σ ∈ R+ +
0 (resp., o supremo de todos os ρ ∈ R ∪{∞})
para os quais f é analı́tica em A(z0 , σ, ρ). Em particular, podemos ter r = 0 e R = ∞.
Demonstração:
Escolha-se z ∈ A(z0 , r, R) arbitrário, e sejam r1 , r2 números reais positivos para os quais
r < r1 < |z − z0 ! < r2 < R. Considerem-se ainda γ1 e γ2 as circunferências de centro em z0 e
de raios respectivamente r1 e r2 , percorridas em sentido directo. Sendo l um segmento de recta
unindo γ1 a γ2 , defina-se
C = γ2 ∪ l ∪ γ1− ∪ l−
Aplicando a Fórmula Integral de Cauchy, tem-se que
I I I
1 f (w) 1 f (w) 1 f (w)
f (z) = dw = dw − dw
2πi C w − z 2πi γ2 w − z 2πi γ1 w − z
Para w ∈ γ2
∞
1 1 1 X (z − z0 )n
= = =
w−z w − z0 − (z − z0 ) (w − z0 ) 1 − z−z0 (w − z0 )n+1
w−z0 n=0
z−z
0
onde tivemos em conta que |z − z0 | < r2 pelo que < 1. De modo análogo, para w ∈ γ1
w − z0
∞
1 1 −1 X (w − z0 )n
= = =−
w−z w − z0 − (z − z0 ) (z − z0 ) 1 − w−z0 (z − z0 )n+1
z−z0 n=0
80
1.7. SÉRIES DE LAURENT
w − z
0
onde tivemos em conta que |z − z0 | > r1 pelo que < 1. Então
z − z0
I ∞ I ∞
1 X (z − z0 )n 1 X (w − z0 )n
f (z) = f (w) dw + f (w) dw
2πi γ2 (w − z0 )n+1 2πi γ1 (z − z0 )n+1
n=0 n=0
I ∞ I −1
1 X (z − z0 )n 1 X (z − z0 )j
= f (w) dw + f (w) dw
2πi γ2 (w − z0 )n+1 2πi γ1 (w − z0 )j+1
n=0 j=−∞
∞ I
X 1 f (w)
= n+1
dw (z − z0 )n
n=−∞ γ
2πi (w − z 0 )
onde, pelo Teorema de Cauchy Generalizado, γ1 e γ2 foram substituidas por qualquer curva de
Jordan em sentido positivo em A(z0 , r, R) com z0 no seu interior.
Note-se que o desenvolvimento em série é convergente, pois |z| > 1 implica que |1/z| < 1.
z
3. Sendo f (z) = (z−i)(z+2i) , vamos determinar todos os desenvolvimentos em série possı́veis
de f em torno de z0 = i. Dado que f é analı́tica em C \ {i, 2i} e z0 = i iremos ter dois
desenvolvimentos; em A(i, 0, 1) e em A(i, 1, ∞). Observe-se que, como f não é analı́tica
em i nenhum dos desenvolvimentos será em série de Taylor.
Para z ∈ A(i, 0, 1) tem-se
z 1 1 1
f (z) = =z· · = (z − i + i)(z − i)−1
(z − i)(z + 2i) z − i z − 2i z − i + i − 2i
1 1 + i(z − i)−1 1
−1
= (z − i + i)(z − i) =
(z − i) − i i 1 − (z−i) i
Dado que estamos a efectuar o desenvolvimento na região z ∈ A(i, 0, 1) tem-se que |z −i| <
1
1 e como tal (z−i)
representa a soma da série geométrica de razão (z−i)
i , e assim
1− i
1 + i(z − i)−1 X ∞ ∞ ∞
(z − i) n X (z − i)n X (z − i)n−1
f (z) = = +
i i in−1 in
n=0 n=0 n=0
81
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
1
1. A função f (z) = z é analı́tica em C \ {0}, pelo que 0 é uma singularidade isolada de f .
2. A função f (z) = ez1−1 é analı́tica em C \ {2kπi : k ∈ Z}. Assim as singularidades de
f são todos os complexos da forma 2kπi com k ∈ Z. Atendendo a que para cada k ∈ Z
existe ǫ > 0 tal que f é analt́ica na região 0 < |z − 2kπi| < ǫ (basta tomar para ǫ qualquer
número real positivo menor que 2π) todas as singularidades são isoladas.
3. A função f (z) = log z (valor principal) é analı́tica em C \ {x ∈ R : x ≤ 0}. Assim
as singularidades de f são todos os números reais não positivos. É óbvio que todas as
singularidades de f não são isoladas, pois qualquer vizinhnça de qualquer número real não
positivo contém outros números não positivos.
82
1.8. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
• z0 diz-se removı́vel se a série (1.21) tem parte principal nula, ou seja, se:
a−n = 0 , ∀n ∈ N .
Exemplo;
A função f (z) = senz z tem uma singularidade isolada em z = 0. Desenvolvendo em série de
Laurent em torno de z0 = 0, obtém-se
sen z z2 z4 z6
=1− + − + ··· , ∀z 6= 0 (1.22)
z 3! 5! 7!
É então óbvio que a parte principal da série é nula e como tal 0 é uma singularidade removı́vel
de f . Note-se que a série que representa a função senz z é uma função inteira (porquê?).
Usando esse facto, podemos então prolongar por analiticidade sen z/z a zero da seguinte
forma sen z
z se z 6= 0
F (z) =
1 se z = 0
2 4 6
em que o valor F (0) = 1 − z3! + z5! − z7! + · · ·
= 1.
z=0
A função
2 f (z) se z 6= z0
F (z) = ao + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 ) + · · · =
a0 se z = z0
diz-se a extensão analı́tica de f a z0 , e então limz→z0 f (z) existe (é igual a a0 ). Podemos
então enunciar o seguinte resultado:
83
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Demonstração:
Pelo que vimos acima, se z0 é uma singularidade removı́vel então o limz→z0 f (z) existe.
Reciprocamente, se existe o limz→z0 f (z) então f (z) é limitada numa vizinhança de z0 , D;
ou seja, existe M > 0 tal que |f (z)| ≤ M para z ∈ D. Seja δ > 0 suficientemente pequeno
para que a região anular 0 < |z − z0 | ≤ r esteja contida em D e no domı́nio de analiticidade
de f . Tomando n ≥ 1 e 0 < δ ≤ r, e utilizando o teorema de Laurent, os coeficientes da
série (1.21) válida em 0 < |z − z0 | < r são dados por:
I I
1 f (z) 1
a−n = dz = f (z)(z − z0 )n−1 dz.
2πi |z−z0 |=δ (z − z0 )−n+1 2πi |z−z0 |=δ
Desta forma:
I I
1 n−1 M δ n−1
|a−n | ≤ |f (z)||z − z0 | |dz| ≤ |dz|
2π |z−z0 |=δ 2π |z−z0 |=δ
M δ n−1 2πδ
= = M δn → 0 quando δ→0
2π
Assim a−n = 0 para n ≥ 1, pelo que z0 é uma singularidade removı́vel de f (z).
Exemplo:
z
A função f (z) = sen z tem singularidades nos pontos kπ, k ∈ Z. Dado que
z 1
lim f (z) = lim z3 z5
= lim z2 z4
=1
z→0 z→0 z− 3! + 5! − ··· z→0 1− 3! + 5! − ···
Exemplo:
A função f (z) = sen
z4
z
tem uma singularidade isolada em z = 0. Desenvolvendo em série de
laurent em torno de z0 = 0, obtém-se
sen z 1 1 z z3
= − + − + ··· , ∀z 6= 0 (1.23)
z4 z 3 3!z 5! 7!
84
1.8. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
É então óbvio que a parte principal da série tem apenas dois termos não nulos, pelo que 0
é um polo, e dado que a potência de menor expoente da série é z −3 , a sua ordem é 3.
Demonstração:
Pela forma da série de Laurent, é fácil de concluir que se z0 é um pólo de ordem p, então
def
F (z) = (z − z0 )p f (z) = a−p + a−p+1 (z − z0 ) + · · · + a−p+n (z − z0 )n + · · ·
para 0 < |z − z0 | < ǫ. Assim sendo, F (z) é uma função analı́tica em z0 e F (z0 ) = a−p 6= 0,
donde se conclui que limz→z0 (z − z0 )p f (z) = F (z0 ) 6= 0.
Reciprocamente, se o limite anterior existe e é não nulo então F (z) = (z − z0 )p f (z) tem
uma singularidade removı́vel em z0 , pelo que o seu desenvolvimento em série de Laurent em
torno de z0 é da forma:
(z − z0 )p f (z) = F (z) = b0 + b1 (z − z0 ) + b2 (z − z0 )2 + · · · .
Note que b0 = limz→z0 (z − z0 )p f (z) 6= 0. Assim,
b0 b1
f (z) = p
+ + · · · + bp + bp+1 (z − z0 ) + bp+2 (z − z0 )2 + · · ·
(z − z0 ) (z − z0 )p−1
onde b0 6= 0, donde segue que z0 é um pólo de ordem p de f (z).
Exemplo:
z
A função f (z) = 1−cos z tem singularidades nos pontos 2kπ, k ∈ Z. Atendendo a que
o numerador se anula em 0 e não se anula em 2kπ, para k 6= 0 vamos estudar estas
singularidades separadamente. Assim, para classificar a singularidade 0, note-se que
z z z 1
f (z) = P∞ (−1)n z 2n
= z2 z4 z6
= = G(z),
1− − + + ··· z2 1
− z2
+ z4
+ ··· z
n=0 (2n)! 2 4! 6! 2 4! 6!
1
em que G(z) = 1 2 4 é analı́tica numa vizinhança de 0 e G(0) = 2 6= 0. Conclui-
2
− z4! + z6! +···
se que 0 é um polo simples. Para 2kπ, k 6= 0, note-se em primeiro lugar que classificar a
singularidade 2kπ de f (z) é equivalente a classificar a singularidade 0 de f (z +2kπ). Assim,
e mais uma vez utilizando a série de MacLaurin de cos z,
z + 2kπ z + 2kπ 1
f (z + 2kπ) = = = 2 H(z)
1 − cos(z + 2kπ) 1 − cos z z
z+2kπ
em que H(z) = 1 2 4 é analı́tica numa vizinhança de 0 e H(0) = 4kπ 6= 0. Conclui-
2
− z4! + z6! +···
mos que 0 é um polo de ordem 2 de f (z + 2kπ) pelo que 2kπ, k 6= 0 é um polo de ordem
2 de f (z).
85
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
A função f (z) = z 3 e1/z tem uma singularidade isolada em 0. Note-se que limz→0 f (z) não
existe dado que a exponencial complexa é perioódica e não é limitada. Assim, suspeita-se
que a singularidade é essencial. De facto, fazendo o desenvolvimento em série de Laurent
de f em torno de 0
z 1 1 1
f (z) = z 3 + z 2 + + + + + ··· (1.24)
z 3! 4!z 5!z 2
é fácil de verificar que a parte singular da série (termos a vermelho) tem um número infinito
de termos, pelo que se confirma que 0 é uma singularidade essencial.
Resı́duos
Se z0 é uma singularidade isolada de f , define-se Resı́duo de f em z0 , Res(f, z0 ), como sendo o
coeficiente a−1 do desenvolvimento em série de Laurent (com centro em z0 ) válida em A(z0 , 0, r).
Exemplo:
Sendo
sen z
1. f (z) = , por (1.22), Res(f, 0) = 0.
z
sen z
2. f (z) = 4 , por (1.23), Res(f, 0) = − 3!1 .
z
3. f (z) = z 3 e1/z , por (1.24), Res(f, 0) = 1
4! .
Res(f, z0 ) = 0
1 dp−1 h p
i
Res(f, z0 ) = lim (z − z 0 ) f (z)
(p − 1)! z→z0 dz p−1
Demonstração:
Por hipótese
a−p a−2 a−1
f (z) = + ··· + + + a0 + a1 (z − z0 ) + · · ·
(z − z0 )p (z − z0 )2 z − z0
86
1.8. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
sendo a série de Laurent uniformemente convergente numa região 0 < |z − z0 | < r. Assim:
dp−1 h p
i
(z − z 0 ) f (z) = a −1 (p − 1)! + a 0 p(p − 1) · · · 3 · 2 (z − z0 )
dz p−1
+a1 (p + 1)p · · · 4 · 3 (z − z0 )2 + · · · .
dp−1 h p
i
lim (z − z 0 ) f (z) = (p − 1)! a−1
z→z0 dz p−1
Exemplo:
Sendo
z
• f (z) = , vimos anteriormente que 0 é uma singularidade removı́vel pelo que Res(f, 0) =
sen z
0.
z
• f (z) = vimos que 0 é um polo simples, pelo que
1 − cos z
Res(f, 0) = lim zf (z) = G(0) = 2
z→0
Proposição:
φ(z)
Se f (z) = ψ(z) , com φ(z) e ψ(z) analı́ticas em z0 , φ(z0 ) 6= 0, ψ(z0 ) = 0 e ψ ′ (z0 ) 6= 0 então
z0 é um pólo simples de f e
φ(z0 )
Res(f, z0 ) = ′
ψ (z0 )
Demonstração:
Como φ(z) e ψ(z) são analı́ticas em z0 , existem as séries de Taylor daquelas funções válidas
numa vizinhança de z0 . Assim sendo, e atendendo a que ψ(z0 ) = 0
φ(z) φ(z0 ) + a1 (z − z0 ) + · · · 1 φ(z0 ) + a1 (z − z0 ) + · · ·
= ′ 2
= ,
ψ(z) ψ (z0 )(z − z0 ) + b2 (z − z0 ) + · · · z − z0 ψ ′ (z0 ) + b2 (z − z0 ) + · · ·
pelo que
φ(z) φ(z0 )
lim (z − z0 ) = ′ 6= 0.
z→z0 ψ(z) ψ (z0 )
87
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
z
Se aplicarmos este resultado à função do exemplo anterior, f (z) = 1−cos z , o cálculo do resı́duo
é bastante mais fácil.
De forma idêntica se pode provar a seguinte versão da regra de Cauchy, que pode ser útil na
classificação das singularidades não essenciais e cálculo dos respectivos resı́duos.
Teorema:
φ(z)
Se f (z) = ψ(z) , com φ(z) e ψ(z) analı́ticas em z0 e tais que φ(z0 ) = ψ(z0 ) = 0 e ψ ′ (z0 ) 6= 0
então:
φ(z) φ′ (z0 )
lim = ′ .
z→z0 ψ(z) ψ (z0 )
γ uma curva de Jordan em D percorrida em sentido directo e tal que z1 ,...,zk ∈ int γ.
Então
I k
X
f (z) dz = 2πi Res(f, zj )
γ j=1
Exemplos:
88
1.8. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
Assim
4i + 6
lim (z − 2i)f (z) =
z→2i 4i
concluimos que 2i é pólo simples e Res (f, 2i) = i+3
2i . Conclui-se que
I
2z + 6
2
dz = π(2i + 3) .
|z−i|=2 z + 4
pelo que se confirma que 0 é singularidade essencial e que Res (f, 0) = 3. Então
I
3
e z dz = 6πi .
|z|=1
Atendendo a que
∞
X (−1)n π 2n+1 (πz)3 (πz)5 π3z2 π5 z4
sen(πz) = z 2n+1 = πz − + − ··· = z π − + − ···
(2n + 1)! 3! 5! 3! 5!
n=0
e a que para qualquer k ∈ Z se tem
sen π(z + k) = ± sen(πz)
89
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Finalmente I
z−1 3 2
dz = −2πi +0− = −2i
|z|= 32 z sen(πz) π π
(4.) Prtendemos calcular o valor do integral
I
1 1 2 1
+ sen + sen dz
σ sen z z z
I
f (z) dz
γ
90
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
Finalmente I Z
f (z) dz = 2 f (z) dz = 8πi .
σ γ
onde F (u, v) é uma função real dependendo das duas variáveis reais u e v. Como consequência
da fórmula de Euler
eiθ + e−iθ eiθ − e−iθ
cos θ = e sen θ =
2 2i
91
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Temos então que, fazendo z = eiθ (o que implica que |z| = 1 e dz dθ = iz), o integral pode ser
escrito na forma I −1 −1 I
F ( z+z2 , z−z
2i )
I= dz = f (z) dz
|z|=1 iz |z|=1
1 z + z −1 z − z −1
onde f (z) = F , . Por aplicação do teorema dos resı́duos:
iz 2 2i
k
X
I = 2πi Res (f, zj )
j=0
Exemplo:
Vamos calcular o integral Z 2π
def dθ
I =
0 2 + sen2 θ
Considerando a parametrização z = eiθ ,
com θ ∈ [0, 2π] (da circunferência |z| = 1, percorrida
uma vez no sentido directo), o integral pretendido pode ser escrito como:
I I
1 dz z
I= 2 = 4i 4 2
dz
|z|=1 2 + z−z −1 iz |z|=1 z − 10z + 1
2i
A função
z
f (z) =
− 10z 2 + 1 z4
np √ p √ p √ p √ o
é analı́tica em C \ 5 + 2 6, − 5 + 2 6, 5 − 2 6, − 5 − 2 6 , sendo claro que:
q q
√ √
5 − 2 6 < 1.
5 + 2 6 > 1 e
Assim: q
√ 1 1
Res f, 5 − 2 6 = =− √
4z 2 − 20 z=√5−2√6 8 6
e q
√ 1 1
Res f, − 5 − 2 6 = =− √ .
4z 2 − 20 z=−√5−2√6 8 6
Resulta então que: r
Z 2π
dθ 2 2π 2
= −8π − √ = √ =π
0 2 + sen2 θ 8 6 6 3
92
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
(C3) Grau(Q)−Grau(P ) ≥ 2.
Observe-se que a condição (C2) faz com que a função P (x)/Q(x) seja limitada em R e a condição
(C3) faz com que o integral impróprio seja convergente.
Considera-se a função complexa auxiliar F (z) = P (z)/Q(z), e para R suficientemente grande
a curva ΓR como sendo a fronteira do semi-cı́rculo centrado na origem e de raio R definido no
semiplano {z : Im z ≥ 0}. Por aplicação do Teorema dos resı́duos
I k
P (z) X P def
dz = 2πi Res ( , zj ) = α
ΓR Q(z) Q
j=0
sendo zj , j = 0, ..., k os zeros de Q com parte imaginária positiva. Por outro lado
Então Z Z Z Z
R
P (z) P (z) P (x) P (z)
α= dz + dz = dx + dz
IR Q(z) SR Q(z) −R Q(x) SR Q(z)
Fazendo R → ∞, Z
P (z)
α = I + lim dz
R→∞ SR Q(z)
Dado que existe M ∈ R+ tal que para |z| = R suficientemente grande
P (z) M
≤ k−l ,
Q(z) |z|
onde k e l são os graus de Q(z) e P (z), respectivamente. Assim sendo, para R suficientemente
grande
Z P (z) Z M M πR Mπ
dz ≤ k−l
|dz| = k−l = k−l−1 ,
SR Q(z) SR |z| R R
Por aplicação da condição (C3) podemos concluir que k − l − 1 ≥ 2 − 1 = 1, pelo que
Z
P (z)
lim dz = 0
R→∞ SR Q(z)
Conclui-se que
Z ∞ k
P (x) X P
dx = α = 2πi Res ( , zj )
−∞ Q(x) Q
j=0
93
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Visto que
1
F (z) = (1.25)
(z + 2i)(z − 2i)(z − 3i)(z + 3i)
vê-se que todas as singularidades de (1.25) são zeros de ordem 1 do denominador e não anulam
o numerador, pelo que são pólos simples de F (z). Como tal:
1 1
Res (F, 2i) = lim (z − 2i)F (z) = lim 2
=
z→2i z→2i (z + 2i)(z + 9) 20i
e
1 1
Res (F, 3i) = lim (z − 3i)F (z) = lim =−
z→3i z→3i (z + 3i)(z 2 + 4) 30i
Então I
π
F (z) dz = .
γ 30
Por outro lado, atendendo ao facto de que a curva γR é composta pelo segmento
IR = {z ∈ C : z = x , x ∈ [−R, R[}
e pela semicircunferência
podemos escrever Z Z
π
= F (z) dz + F (z) dz
30 IR SR
94
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
e como tal Z ∞
π
F (x) dx =
−∞ 30
em que a ∈ R+ e
(C1) f é analı́tica em C excepto num conjunto finito de singularidades.
(C2) f não tem singularidades no eixo real;
Para ambos os casos, considera-se a função complexa auxiliar
F (z) = f (z) eiaz
e para R suficientemente grande a curva ΓR como sendo a fronteira do semi-cı́rculo centrado na
origem e de raio R definido no semiplano {z : Im z ≥ 0}. Por aplicação do Teorema dos resı́duos
I k
X
f (z)eiaz dz = 2πi Res (F, zj ) ≡ α
ΓR j=0
sendo zj , j = 0, ..., k os zeros de Q com parte imaginária positiva. Por outro lado
ΓR = IR ∪ SR = {z = x : x ∈] − R, R[} ∪ {z = Reiθ : θ ∈ [0, π]}
Então Z Z Z Z
R
iaz iaz
α= f (z)e dz + f (z) dz = f (z)e dx + f (z)eiaz dz
IR SR −R SR
Fazendo R → +∞, Z Z
∞
α= f (z)eiax dx + lim f (z)eiaz dz
−∞ R→∞ SR
Lema de Jordan Seja a > 0 e f uma função analı́tica em C excepto num conjunto finito de
singularidades. Seja SR a semicircunferência |z| = R, com Im z > 0.
95
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
b) Seja f (z) analı́tica em |z| > r, para algum r > 0 e tal que:
então: Z
lim f (z)eiaz dz = 0
R→∞ SR
Dem.:
a) Parametrizando
√ a semicircunferência por z(θ) = Reiθ = R cos θ + iR sen θ, com 0 ≤ θ ≤ π,
então R2 cos2 θ + R2 sen2 θ = R, pelo que:
Z Z π Z π
iaz iaR cos θ −aR sen θ
e |dz| = e e R dθ = e−aR sen θ R dθ (1.26)
SR 0 0
Como sen(π − θ) = sen(θ), para θ ∈ [0, π], então θ = π2 é um eixo de simetria do gráfico
da função g(θ) = e−aR sen θ . Desta forma, e atendendo também a que sen θ ≥ π2 θ para
qualquer θ ∈ [0, π/2]:
Z Z π/2 Z π/2
iaz 2aR π π
e |dz| ≤ 2 e−aR sen θ dθ ≤ 2 e− π
θ
dθ = 1 − e−aR < (1.27)
SR 0 0 a a
def
b) Como M (R) = max |f (z)| → 0 quando R → +∞,
|z|=R
Z Z
iaz
M (R)π
f (z)e dz ≤ M (R)
|eiaz ||dz| ≤ →0 quando R → +∞
SR SR a
P (x)
Exemplo importante: Se f (x) = Q(x) , onde P (x) e Q(x) são polinómios reais (isto é, os
seus coeficientes são reais), tem-se que se
96
1.9. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
Conclui-se que Z ∞
f (x)eiax dx = α
−∞
pelo que
Z ∞ Z ∞
f (x) cos(ax) dx = Re α e f (x) sen(ax) dx = Im α
−∞ −∞
Exemplo:
Vamos determinar o integral Z ∞
cos x
dx
−∞ 4x2 + 1
utilizando o Teorema dos Resı́duos. Para tal considere-se a função complexa
eiz
F (z) =
4z 2 + 1
{z : |z| ≤ R e Im z ≥ 0}
Dado que
eiz
F (z) = i
i
, (1.28)
4 z− 2 z+ 2
como i/2 é zero de ordem 1 do denominador de (1.28) e não anula o numerador de (1.28),
conclui-se que i/2 é pólo simples de F . Consequentemente:
i e−1/2
Res (F, ) = lim z −
i
2
F (z) =
z→i/2 2 4i
Sendo assim I
e−1/2
F (z) dz = π
CR 2
97
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
pelo que
I Z Z
e−1/2
π = F (z) dz = F (z) dz + F (z) dz
2 γR IR SR
e atendendo à definição de IR
Z R Z
e−1/2
π = F (x) dx + F (z) dz
2 −R SR
Fazendo R → ∞ Z Z
∞
e−1/2
π = F (x) dx + lim F (z) dz
2 −∞ R→∞ SR
e como tal Z ∞
e−1/2 π
F (x) dx = π = √
−∞ 2 2 e
Finalmente, visto x ∈ R
Z ∞ Z ∞ Z ∞
ei x cos x sen x π
2
dx = 2
dx + i 2
dx = √
−∞ 4x + 1 −∞ 4x + 1 −∞ 4x + 1 2 e
concluindo-se que Z ∞
cos x π
2
dx = √
−∞ 4x + 1 2 e
98
1.10. APÊNDICE A - SÉRIES NUMÉRICAS (REAIS OU COMPLEXAS)
S1 = z1
S2 = z1 + z2
S3 = z1 + z2 + z3
..
.
N
X
SN = z1 + z2 + ... + zN = zn
n=1
..
.
N
X
Note-se que, no termo geral escrito na forma SN = zn , n é variável muda.
n=1
Definição: (Natureza da série)
• Se a sucessão das somas parciais SN é convergente em C, isto é, se existe S ∈ C tal que
lim SN = S
N →∞
∞
X
a série zn diz-se convergente e
n=1
∞
X
S= zn
n=1
S é denominado por a soma da série.
• Se a sucessão das somas parciais SN não converge em C (SN não tem limite ou tem limite
∞
X
infinito) a série zn diz-se divergente.
n=1
Proposição
A natureza de uma série não depende de um segmento inicial de termos, no sentido de que:
∞
X ∞
X
∀p, q ∈ N0 , as séries zn e zn têm a mesma natureza.
n=p n=q
99
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Série Geométrica
∞
X
Para cada z ∈ C, a série z n denomina-se série geométrica de razão z. Para z = 1, a série
n=0
diverge. Para z 6= 1, a correspondente sucessão das somas parciais é dada por:
N
X 1 − z N +1
SN = zn = .
1−z
n=0
Como z N +1 → 0 para |z| < 1 e z N +1 não converge em C quando |z| ≥ 1 (com z 6= 1), conclui-se
que:
∞
X
Se lim zn 6= 0 então a série zn é divergente.
n→∞
n=0
Chama-se a atenção para o facto de que zn → 0 não implica que a série de termo geral zn
seja convergente.
∞
X ∞
X ∞
X
• A série complexa zn é convergente sse as séries reais Re zn e Im zn são ambas
n n n
convergentes e
∞
X ∞
X ∞
X
zn = Re zn + i Im zn .
n n n
∞
X ∞
X
• Linearidade. Se as séries zn e wn são convergentes para as somas S e T , respecti-
n n
vamente, então
∞
X
– a série (zn + wn ) é convergente e a sua soma é S + T .
n
100
1.10. APÊNDICE A - SÉRIES NUMÉRICAS (REAIS OU COMPLEXAS)
∞
X
– para qualquer λ ∈ C, a série (λzn ) é convergente e a sua soma é λS.
n
• Critério de Cauchy.
∞
X
A série zn é convergente
n
sse
a sucessão das somas parciais associada é uma sucessão de Cauchy
sse
para qualquer ǫ > 0, existe N ∈ N tal que:
para todos os n, m > N , |zn+1 + zn+2 + · · · + zm | < ǫ.
Série Harmónica
A série harmónica é dada por:
∞
X 1
n
n=1
1 1 1 1 1 1
S2N − SN = + ··· + > + ··· + =N = ,
N +1 2N 2N 2N 2N 2
para qualquer N ∈ N. Em consequência, (SN ) não satisfaz o critério de Cauchy (basta tomar
ǫ < 12 ). Por isso, a série harmónica é divergente.
Séries de Mengoli
Uma série de Mengoli (ou série telescópica) é uma série da forma
∞
X
zn − zn+1
n=1
SN = z1 − zN +1 ,
∞
X
zn − zn+1 = z1 − lim zn
n→∞
n=1
Convergência Absoluta
X X
A série zn diz-se absolutamente convergente se a série real |zn | convergir. Costuma-se
X X
designar |zn | como a série dos módulos (de zn ).
101
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
X
A série zn diz-se simplesmente convergente se for convergente e a série dos seus módulos
X X
for divergente i.e., se a série zn convergir e a série |zn | divergir. A partir do critério de
Cauchy, deduz-se a:
Critérios de Convergência
Demonstração:
P
a) Se SN = u1 +u2 +· · ·+uN e TN = v1 +v2 +· · ·+vN então como vn é convergente,
TN é convergente, logo limitada. Como, para todo o N ∈ N, 0 ≤ SN ≤ TN , SN
também é limitada; como também é monótona, logo é convergente.
P P
b) Caso contrário (isto é, se vn fosse convergente),
P então pela alı́nea a) un seria
convergente, o que contradiz a hipótese. Logo, vn tem que ser divergente.
102
1.10. APÊNDICE A - SÉRIES NUMÉRICAS (REAIS OU COMPLEXAS)
Demonstração: Considere-se ǫ < l, ou seja, tal que l − ǫ > 0. Pela definição de limite,
existe uma ordem a partir da qual todos os termos da sucessão un /vn verificam
un
l−ǫ< < l + ǫ,
vn
pelo que (como vn ≥ 0):
2n+1
√ ∞
n n
X 1
lim =2<∞ e √ diverge
n √1 n
n n=1
∞
X 2n + 1
pelo segundo critério geral de comparação a série √ é divergente.
n=1
n n
• Critério de D’Alembert
Seja un uma sucessão real de termos positivos tal que existe
un+1
l = lim
n→∞ un
Então:
X
a) Se l < 1 a série un é convergente.
n
X
b) Se l > 1 a série un é divergente.
n
103
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
P
Demonstração: A ideia genérica desta prova é estabelecer uma comparação da série un
com uma série geométrica de razão, r, apropriada. Para tal:
a) Dado ǫ > 0 tão pequeno que l + ǫ < 1 (como l < 1, basta tomar ǫ < 1 − l), a definição
de limite da sucessão un+1 /un garante-nos que a partir de certa ordem:
un+1
< l + ǫ < 1.
un
Seja r = l + ǫ. Então:
un+1 rn+1
<l+ǫ=r = n
un r
un
Multiplicando ambos os membros da desigualdade anterior por r n+1
obtém-se:
un+1 un
n+1
< n.
r r
Assim, un /rn é decrescente, logo majorada por um certo M > 0:
un
≤M ⇒ un ≤ M r n
rn
Além disso, un > 0 para qualquer n P
P ∈ N. Do critério geral de comparação, como
M rn é convergente (r < 1), então un também é uma série convergente.
b) Dado ǫ > 0 tão pequeno que l − ǫ > 1 (como l > 1, basta tomar ǫ < l − 1), a definição
de limite da sucessão un+1 /un garante-nos que a partir de certa ordem:
un+1
>l−ǫ>1
un
Seja r = l + ǫ. Procedendo com em a) (exercı́cio), resulta que, para algum M > 0:
0 < M r n < un
P P
Do critério geral de comparação, como M rn é divergente (r > 1), então un é
também divergente.
Exemplo:
∞
X n2 n2
Considere-se a série . Sendo un = 3 tem-se que
n=1
en 3 en
(n+1)2 n + 1 2
un+1 e(n+1)
3 3 −(n+1)3
lim = lim n 2 = lim en =0<1
n un n
3
n n
en
∞
X n2
pelo que, por aplicação do Critério de D’Alembert, a série é convergente.
n=1
en 3
• Critério da Raiz
Seja un sucessão real de termos não negativos, tal que existe
√
l = lim n un
n→∞
Então
104
1.10. APÊNDICE A - SÉRIES NUMÉRICAS (REAIS OU COMPLEXAS)
X
– se l < 1 a série un é convergente.
n
X
– se l > 1 a série un é divergente.
n
Notas:
Exemplo:
∞
X n
Considere-se a série 2n+(−1) . Começamos por observar que o Critério de D’Alembert
n=0
n
não é aplicável visto que sendo un = 2n+(−1) se tem
2n
2n+1
para n par
un+1
lim =
n un 2n+2
2n−1
para n impar
∞
X n
pelo que, por aplicação do Critério da raź, a série 2n+(−1) é divergente.
n=0
Então
X
a) se l < 1 a série un é convergente;
n
X
b) se l > 1 a série un é divergente;
n
Notas:
√
– Define-se lim sup n un como o maior dos sublimites de un . Um sublimite de un é um
limite de uma subsucessão de un .
√
– Este resultado generaliza o critério da raiz às situações onde o lim n un não existe.
– No caso l = 1, o critério da raiz é inconclusivo.
105
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
∞
X 5
Considere-se a série . Começamos por observar que o Critério da raź
(3 + (−1)n )n
n=0
não é aplicável (e consequentemente o de D’Alembert também não) visto que sendo un =
5
(3+(−1)n )n se tem
√n
√ 4 5 para n par
lim n un = √
n n 5 para n impar
2
√
podendo-se fácilmente concluir que o limite não existe. No entanto a sucessão n un tem
duas subsucessões convergentes, pelo que o conjunto dos sublimites é
√
n
√
n
5 5 1 1
{lim , lim }={ , }
n 4 n 2 4 2
e assim
√ 1
lim sup n
un = <1
2
∞
X 5
pelo que, por aplicação do Critério da raź de Cauchy, a série é convergente.
(3 + (−1)n )n
n=0
• Critério do Integral
Seja f : [1, ∞[→ R uma função contı́nua, positiva e decrescente. Se, para qualquer n ∈ N,
se tem f (n) = un , então
∞
X Z N
un é convergente sse existe (em R) o lim f (x) dx.
N →∞ 1
n=1
∞
X
Demonstração: Seja SN a sucessão das somas parciais de un . Atendendo a que f é
n=1
decrescente, para qualquer n ∈ N se n ≤ x ≤ n + 1 então un+1 = f (n + 1) ≤ f (x) ≤
f (n) = un , o que implica que
Z n+1
un+1 ≤ f (x) dx ≤ un . (Porquê?)
n
N
X Z N N
X −1
SN − u1 = un ≤ f (x) dx ≤ un = SN −1 , (1.30)
n=2 1 n=1
RN
Note que, como f é uma função positiva, a sucessão TN = 1 f (x) dx é crescente. Das
desigualdades (1.30) conclui-se que TN é convergente sse SN é convergente, o que é equi-
valente à conclusão que querı́amos obter.
106
1.10. APÊNDICE A - SÉRIES NUMÉRICAS (REAIS OU COMPLEXAS)
Séries de Dirichlet
Uma série de Dirichlet é uma série da forma
∞
X 1
, α∈R
nα
n=1
Séries Alternadas
Uma série de termos reais diz-se alternada se os seus termos forem alternadamente positivos e
negativos. Se assumirmos que o primeiro termo de uma série alternada é negativo (respectivamente
positivo), então a série pode ser escrita na forma
∞
X
(−1)n an (1.31)
n=1
P∞ P∞
resp. n+1 a = − na
n=1 (−1) n n=1 (−1) n , em que an > 0. Basta então estudar (1.31).
Critério de Leibnitz:Se (un ) é uma sucessão de termos reais positivos, decrescente e tal
∞
X
que lim un = 0, então a série alternada (−1)n un é convergente.
n→∞
n=1
O erro que se comete ao aproximar a série (1.31) pela sua sucessão das somas parcias −a1 +
a2 + · · · + (−1)N aN é menor que aN +1 .
A série harmónica alternada,
∞
X (−1)n
,
n
n=1
é um exemplo de uma série que converge mais não converge absolutamente. Trata-se do exemplo
mais simples de uma série simplesmente convergente.
107
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
108
Capı́tulo 2
Introdução
Notação e Definições
Designa-se por equação diferencial uma relação de igualdade entre termos envolvendo uma função
y(x), as suas derivadas e a variável independente x. A equação poderá também depender de
parâmetros não directamente relacionados com a variável independente x. É talvez mais simples
pensar numa equação diferencial como uma equação cuja incógnita pertence a um espaço de
funções
Rn ⊃ D ∋ x = (x1 , x2 , . . . xn ) 7−→ y(x) = y1 (x), . . . , ym (x) ∈ Rm
(pode-se ter C em vez de R). Desta forma, x1 , . . . xn são as variáveis independentes (e a dimensão
do domı́nio de y, n ∈ N, o seu número) e y1 , . . . , ym as variáveis dependentes (e a dimensão do
contradomı́nio de y, m ∈ N, o seu número). Note que os (eventuais) parâmetros não são contados
como variáveis independentes ou dependentes da equação.
As equações diferenciais dizem-se ordinárias se o domı́nio da função y(x) está contido em R,
caso em que as derivadas que nela surgem são totais (em ordem a x ∈ R). Dizem-se parciais se
têm mais do que uma variável independente (o domı́nio de y(x) está contido em Rn ) e envolvem
derivadas parciais de y (em ordem a x1 , x2 , . . .).
As equações diferenciais classificam-se como escalares ou vectoriais consoante tenham uma
ou mais do que uma variável dependente (ou seja, o contradomı́nio de y(x) está contido em R
no caso escalar e Rm no caso vectorial). Nesteúltimo caso é costume considerar que a variável
dependente é o vector y(x) = y1 (x), . . . ym (x) ∈ Rm .
Por exemplo, a equação
dy
+ 2ayx = 0
dx
é ordinária, x é a variável independente e y = y(x) a variável dependente, enquanto a é um
parâmetro. Já a 2a Lei de Newton para o movimento de uma partı́cula em R3
é uma equação ordinária vectorial, pois r = r(t) = (x(t), y(t), z(t)). Aqui utilizou-se a notação
de Newton
dr d2 r
ṙ = r̈ = 2
dt dt
109
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
∂2u ∂2u
+ = 0,
∂x2 ∂x2
(já introduzida na Análise Complexa), onde u : D ⊂ R2 → R; a equação do calor unidimensional,
∂u ∂2u
=k 2
∂t ∂x
onde u : R × [0, L] → R; a equação das ondas unidimensional
∂2u 2
2∂ u
= c
∂t2 ∂x2
onde u : R × [0, L] → R. Também poderemos ter versões tridimensionais destas equações como,
por exemplo, a equação do calor no espaço:
2
∂u ∂ u ∂ 2 u ∂ 2 u def
=k + 2 + 2 = k ∇2 u
∂t ∂x2 ∂y ∂z
http://www.claymath.org/millennium/Navier-Stokes_Equations
Dedicaremos o que resta deste capı́tulo ao estudo das equações diferenciais ordinárias.
110
2.1. INTRODUÇÃO
y ′ = g(t).
estando bem definida em qualquer intervalo onde g é contı́nua. Note-se que existe uma infinidade
de soluções para a equação diferencial; o mesmo se passa com qualquer equação diferencial
ordinária de 1a ordem, y ′ = f (t, y), desde que f seja uma função contı́nua num conjunto aberto.
Acrescentando à equação de 1a ordem uma condição inicial, obtém-se um problema de valor
inicial (ou problema de Cauchy):
′
y = f (t, y)
(2.2)
y(t0 ) = y0
Em certas condições (veremos isso mais tarde) um problema de valor inicial tem solução única.
O intervalo máximo de solução, Imax , do problema de valor inicial é o “maior intervalo” onde
o problema (2.45) tem solução. Mais exactamente, Imax é o intervalo maximal de existência de
solução 1 .
1
O intervalo Imax diz-se maximal no sentido em que existe uma solução de (2.45) em Imax e qualquer outro
intervalo onde uma solução de (2.45) está definida está contido em Imax
111
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Equações Lineares
Uma equação escalar de primeira ordem diz-se linear, se pode ser escrita na forma
Resolvamos agora a equação não homogénea. Multiplicando a equação (2.4) por uma função
µ(t) tal que µ̇ = a(t)µ, por exemplo, tomando
Z
µ(t) = exp a(t)dt
112
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Exemplo
(1) Determinar a solução do seguinte problema de valor inicial, indicando o intervalo máximo
de existência de solução:
ẇ + w = e−2t
w(0) = 3
A equação ẇ + w = e−2t é linear, com a(t) ≡ 1 e b(t) = e−2t obviamente contı́nuas em R.
Um factor integrante (em I = R) para a equação é:
R
1dt
µ(t) = e = et
Sendo assim
d t
ẇ + w = e−2t ⇔ e w = e−t ⇔ w(t) = e−t (−e−t + C) , C ∈ R
dt
Dado que w(0) = 3 conclui-se que C = 4 e a solução do PVI é
O intervalo máximo de solução corresponde ao maior intervalo onde y(t) está bem definida
e é continuamente diferenciável. Neste caso, Imax = R. Note que solução está definida (e
é continuamente diferenciável) em I = R, pois a(t) e b(t) são contı́nuas em R.
113
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ex
Trata-se de uma equação linear, com a(x) = x1 + 1 e b(x) = x obviamente contı́nuas para
x > 0. Um factor integrante para a equação é:
R 1
+1 dx
µ(x) = e x
= xex
Sendo assim
1 ex 1 d x
v′ + +1 v = ⇔ xex v ′ + + 1 xex v = e2x ⇔ xe v = e2x
x x x dx
pelo que
e2x + c
v(x) = , c∈R
xex
Dado que v = y 2 , tem-se que
r r
e2x + c e2x + c
y(x) = ou y(x) = −
xex xex
tendo-se o primeiro caso se a condição inicial for positiva e o segundo se a condição inicial
for negativa. Assim e dado que y(1) = 2 > 0, tem-se que a solução do (PVI) é
r
e2x + 4e − e2
y(x) =
xex
Equações Separáveis
Uma equação escalar de primeira ordem, diz-se separável se pode ser escrita na forma
dy
f (y) = g(t) (2.5)
dt
Para se poder encontrar a sua solução geral, é necessário que f é g estejam definidas e sejam
contı́nuas em subconjuntos
R abertos de R.
Se F (y) = f (y)dy então:
d dy dy
F (y) = F ′ (y) = f (y) = g(t).
dt dt dt
Em consequência, a solução geral da equação (2.5) é dada implicitamente por
Z Z
f (y)dy = g(t)dt + C
Considere-se uma condição inicial genérica, y(t0 ) = y0 . Se C for escolhido por forma a que (t0 , y0 )
verifique a equação implı́cita, isto é, C = Φ(t0 , y0 ), então o gráfico da solução do PVI é uma
curva de nı́vel da função Φ(t, y). Para ser possı́vel definir uma função S(t) tal que y = S(t) seja
114
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
a única solução da equação implı́cita numa vizinhança de t0 , isto é, para que, para (t, y) numa
vizinhança de (t0 , y0 ),
Φ(t, y) = C ⇔ y = S(t)
então é obviamente necessário que a equação Φ(t, y) = C tenha uma e uma só solução pois, caso
contrário, não se pode definir a função S(t). Neste caso, S(t) diz-se uma solução explı́cita (local)
de Φ(t, y) = C. Para poder concluir da existência de solução explı́cita local da equação, é útil o
seguinte teorema:
Seja G : D → R uma função de classe C 1 num conjunto aberto D ⊂ R2 tal que (t0 , y0 ) ∈ D,
G(t0 , y0 ) = 0 e
∂G
(t0 , y0 ) 6= 0.
∂y
Então a equação
G(t, y) = 0
define uma única função y de classe C 1 numa vizinhança de t0 tal que y(t0 ) = y0 e:
G(t, y(t)) = 0
∂
Φ − C (t0 , y0 ) = F ′ (y0 ) = f (y0 ).
∂y
Consequentemente, basta verificar que f (y0 ) 6= 0 para garantir a existência de solução explı́cita
do PVI numa vizinhança de t0 .
ou, equivalentemente, Z Z
f (y)dy − g(t)dt = C,
115
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo
(Note que y(t) ≡ 0 também é solução da equação diferencial). Atendendo a que y(0) = 5
tem-se que K = 5 e como tal a solução do PVI é
x2
−3x
y(x) = 5e 2
y(x) = Ke−3x
y(x) = y0 e−3x
116
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
K=0
K=-1/2
0
K=-1/2
K=1/2
K=1
−2
−4
−6
-0.45 -0.33 -0.21 -0.09 0.03 0.15 0.27 0.39
Equações Exactas
dy
M (t, y) + N (t, y) =0 (2.6)
dt
diz-se exacta se e só se é equivalente a
d
φ(t, y) = 0, (2.7)
dt
onde φ : A → R é de classe C 1 .
A solução geral, na forma implı́cita, da equação exacta é, então:
φ(t, y) = C, com C ∈ R.
Em que condições existe uma tal função φ, de forma a que a equação (2.6) seja equivalente
a (2.7)? Começamos por notar que a equação (2.7) se pode escrever:
∂φ ∂φ dy
+ =0 (2.8)
∂t ∂y dt
Comparando a equação (2.6) com (2.8), concluı́mos que para (2.6) ser exacta é necessário e
suficiente que:
∂φ ∂φ
M= e N= ,
∂t ∂y
117
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ou seja, (M, N ) = ∇φ, para certa função φ ∈ C 1 (A, R). Isto é equivalente a dizer que o campo
(M, N ) é um campo gradiente 3 .
Este exemplo não parece muito interessante, pois obtivémos o potencial a partir do conhecimento
prévio da solução geral da equação exacta.
Problemas mais interessantes – no sentido em que não podem ser facilmente resolvidos por
outros métodos – podem-se abordar tomando como ponto de partida a seguinte (e já vossa
conhecida) condição necessária para que um campo seja gradiente.
então existe φ : A → R de classe C 2 tal que (M, N ) = ∇φ. Em particular, isto implica que a
equação M (t, y) + N (t, y)y ′ = 0 é exacta.
Exemplo
118
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
119
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Φ(t, y) = C
em que Φ satisfaz
∂Φ ∂Φ
= µM , = µN
∂t ∂y
Exemplos:
∂M ∂N
= 3x2 + 2x + 3y 2 , = 2x
∂y ∂x
pelo que a equação não é exacta. Admitindo que é redutı́vel a exacta, existe um factor
integrante µ tal que a equação
dy
(3x2 y + 2xy + y 3 )µ + (x2 + y 2 )µ =0
dx
é exacta. Pelo que
∂µ ∂µ
(3x2 y + 2xy + y 3 ) + (3x2 + 2x + 3y 2 )µ = (x2 + y 2 ) + 2xµ
∂y ∂x
µ′ (x) 3x2 + 2x + 3y 2 − 2x
(3x2 + 2x + 3y 2 )µ = (x2 + y 2 )µ′ (x) + 2xµ ⇔ = =3
µ(x) x2 + y 2
Sendo assim (µM, µN ) é um campo gardiente em R2 , isto é, existe Φ : R2 → R tal que
∇Φ = (µM, µN ).
120
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Cálculo de Φ
Z h i
∂Φ
= M µ ⇒ Φ(x, y) = e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) dx + C(y)
∂x
y 3 3x
⇒ Φ(x, y) = x2 ye3x + e + c(y)
3
e, por outro lado
∂Φ
= µN ⇒ (x2 + y 2 )e3x + C ′ (y) = e3x (x2 + y 2 ) ⇒ C(y) = const.
∂y
pelo que
y 3 3x
Φ(x, y) = x2 ye3x + e + const. , const. ∈ R
3
Resolução da equação
Nestas circunstâncias
dy dy
3x2 y + 2xy + y 3 + (x2 + y 2 ) = 0 ⇔ e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) + e3x (x2 + y 2 ) =0
dx dx
d 2 3x y 3 3x
⇔ x ye + e + const. = 0
dx 3
pelo que a solução geral da equação é definida implicitamente por
y 3 3x
x2 ye3x + e =k , k∈R
3
121
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Cálculo de Φ
Z h i
∂Φ
= M µ ⇒ Φ(x, y) = e2y dx + C(y) ⇒ Φ(x, y) = xe2y + c(y)
∂x
e, por outro lado
∂Φ 1
= µN ⇒ 2xe2y + C ′ (y) = 2xe2y − ⇒ C(y) = −log|y| + const.
∂y y
pelo que
Φ(x, y) = xe2y − log|y| + const. , const. ∈ R
Resolução da equação
Nestas circunstâncias, para y 6= 0
dy 1 dy
y + (2xy − e−2y ) = 0 ⇔ e2y + (2xe2y − ) =0
dx y dx
d 2y
⇔ xe − log |y| + const. = 0
dx
pelo que a solução geral da equação é definida implicitamente por
xe2y − log |y| = k , k ∈ R
122
2.3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS DE ORDEM N .
EQUAÇÕES VECTORIAIS.
ou seja é uma equação que relaciona uma função, y(t), e as suas primeiras n derivadas. A sua
solução é uma função real pertencente ao espaço vectorial
que verifica a equação diferencial. A solução geral de uma equação diferencial de ordem n
dependerá de n constantes arbitrárias. Um problema de valor inicial para esta equação será da
forma
y (n) (t) = f t, y(t), y ′ (t), · · · , y (n−1) (t)
y(t0 ) = y0 , y ′ (t0 ) = y1 , y ′′ (t0 ) = y2 , · · · , y (n−1) (t0 ) = yn−1
No caso das equações de ordem 2 é também comum a resolução de problemas de valor na fronteira.
Por exemplo no problema
y ′′ (t) = f t, y(t), y ′ (t) para t ∈ [a, b]
y(a) = α , y(b) = β
onde a0 (t), a1 (t),..., an−1 (t) e b(t) são funções reais definidas e contı́nuas num intervalo I ⊂ R.
Exemplo: As equações de ordem 2
5 ′
y ′′ + 5y ′ = et , y ′′ − y =1
t
são equações lineares, a equação de ordem 3
y ′′′ = y y ′ y ′′
não é linear.
Nesta Secção estudaremos o caso homogéneo, isto é vamos resolver a equação (2.38) no caso
em que b(t) ≡ 0,
y (n) + an−1 (t) y (n−1) + ... + a1 (t) y ′ + a0 (t) y = 0 . (2.10)
Iremos agora enunciar algumas propriedades importantes das soluções de (2.10).
123
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Se u(t) e v(t) são soluções (reais ou complexas) de (2.10), então c1 u(t) + c2 v(t) é tambem
solução de (2.10), para quaisquer constantes (reais ou complexas) c1 , c2 .
Deixaremos a demonstração como um exercı́cio.
y(t) = α1 y1 + ... + αn yn
em que α1 , ... , αn são constantes reais, e y1 ,..., yn são n soluções linearmente independentes da
equação.
Com esta generalidade não há forma sistemática de determinar uma base para o espaço de
soluções da equação linear homogénea.
e definindo P (D) = Dn + an−1 Dn−1 + ... + a1 D + a0 , a equação pode ser escrita na forma
abreviada
P (D)y = h(t)
É preciso notar que P (D) é um operador, isto é, uma função cujo domı́nio é um conjunto de
funções de classe C n , sendo n o grau de P . O termo P (D) designa um polinómio diferencial
e em consequência da linearidade da derivada, demonstra-se que pode ser factorizado da mesma
forma que um polinómio numérico. Por exemplo, se y é uma função de classe C 2 :
124
2.3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS DE ORDEM N .
EQUAÇÕES VECTORIAIS.
Cálculo de uma base do espaço de soluções da equação
Dada a equação
y (n) + an−1 y (n−1) + ... + a1 y ′ + a0 y = 0 ⇔ Dn + an−1 Dn−1 + ... + a1 D + a0 y = 0
Teorema:
Se a e b são números (reais ou complexos) distintos e
então
y(t) é solução de (D − a)m (D − b)n y = 0
Pelo que (desde que os λj sejam distintos uns dos outros), iremos resolver as equações
e uma base do espaço de soluções de (D − λ)y = 0 é (por exemplo) < eλt >.
Exemplo:
Resolver a equação y ′′ − 4y = 0. Usando a notação y ′ = Dy, a equação pode ser
escrita na forma (D2 − 4)y = 0. O polinómio caracterı́stico associado à equação é
P (R) = R2 − 4 = (R − 2)(R + 2). Então
Assim
125
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
e uma base do espaço de soluções de (D − λ)2 y = 0 é (por exemplo) < eλt , teλt >.
Exemplo:
Podemos então concluir (usando indução) que uma base do espaço de soluções da equação
(D − λ)m y = 0
é por exemplo
eλt , teλt , , ..., tm−1 eλt
126
2.3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS DE ORDEM N .
EQUAÇÕES VECTORIAIS.
• Cálculo de uma base do espaço de soluções de (D − λ)m y = 0 no caso em que
λ = a + ıb é uma raiz complexa do polinómio caracterı́stico.
Começamos por recordar que se P (R) é um polinómio de coeficientes reais então
isto é, num polinómio de coeficientes reais as raı́zes complexas ocorrem em pares de conjuga-
dos. Então, se (R−(a+ib))m é um dos factores do polinómio caracterı́stico, (R−(a−ib))m
também será. Determinaremos em simultâneo as bases do espaço de soluções das equações
(D − (a + ib))m y = 0 e (D − (a − ib))m y = 0 .
m = 1 Se a multiplicidade das raı́zes a+ib e a−ib é 1, de forma idêntica ao caso real poderemos
afirmar que uma base do espaço de soluções da equação (D − (a + ib))y = 0 é, por
exemplo, < e(a+ib)t > e uma base do espaço de soluções da equação (D−(a−ib))y = 0
é, por exemplo, < e(a−ib)t >. Obtivémos então < e(a+ib)t , e(a−ib)t > como sendo uma
base complexa do espaço de soluções da equção (D − (a + ib))(D − (a − ib))y = 0.
Atendendo ao princı́pio da sobreposição, as suas partes real e imaginária também são
soluções da equação. Assim
e(a+ib)t = eat cos(bt) + ieat sen(bt) , e(a−ıb)t = eat cos(bt) − ieat 0 sen(bt)
é fácil de concluir que, por exemplo, < eat cos(bt), eat sen(bt) > e uma base (real) do
espaço de soluções da equação (D − (a + ib))(D − (a − ib))y = 0.
Exemplo:
Resolver a equação y ′′ + 16y = 0. Usando a notação y ′ = Dy, a equação pode ser
escrita na forma (D2 + 16)y = 0. O polinómio caracterı́stico associado à equação é
P (R) = R2 + 16 = (R − 4i)(R + 4i). Então Assim
∗ uma base complexa do espaço de soluções de (D − 4i)(D + 4i)y = 0 é < e4iit , <
e−4iit > ;
pelo que
∗ uma base real do espaço de soluções de (D−4i)(D+4i)y = 0 é < cos(4t), sen(4t) >.
e a solução geral da equação y ′′ + 16y = 0 é c1 cos(4t) + c2 sen(4t), c1 , c2 ∈ R.
No caso geral, usando indução (e imitando o caso real), podemos concluir que uma base do
espaço de soluções da equação
(D − (a + ib)m (D − (a − ib)m y = 0
127
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 1:
Determinar a solução geral da equação
y ′′′ + 4y ′′ + 4y ′ = 0 (2.13)
Uma solução da equação Dy = 0 é e0t . Por outro lado a equação (D + 2)2 y = 0 tem como
soluções, por exemplo, e−2t e te−2t . Como tal a solução geral de (2.13) é
Exemplo 2:
Determinar a solução geral da equação
y ′′ + 2y ′ + 2y = 0 (2.14)
As soluções complexas da equação são e(−1+i)t e e(−1−i)t , pelo que Re e(−1+i)t e Im e(−1+i)t serão
soluções reais de (2.14). Assim, a solução geral de (2.14) é
Exemplo 3:
Determinar a solução do PVI
Começemos por determinar a solução geral da equação. Fazendo y ′ = Dy, a equação pode ser
escrita na forma
Uma solução da equação (D + 6)y = 0 é e−6t . Por outro lado a equação (D + 2)y = 0 tem como
solução e−2t . Como tal a solução geral da equação é dada por
128
2.3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS DE ORDEM N .
EQUAÇÕES VECTORIAIS.
Equações Vectoriais Lineares — Caso Homogéneo
Como caso particular das equações que estudámos na secção anterior, vamos agora resolver a
equação vectorial de primeira ordem, no caso linea, caso homogéneo. Isto é vamos resolver a
equação
Y′ (t) = A(t)Y(t) (2.16)
h in
com Y ∈ Rn , A(t) = aij (t) , isto é uma matriz n × n, cujas entradas são funções reais de
i,j=1
variável real.
A equação vectorial pode ser escrita na forma de sistema
′
y1 (t) = a11 y1 (t) + ... + a1n yn (t)
.. .. ..
. . .
′
yn (t) = an1 y1 (t) + ... + ann yn (t)
Usando o método de substituição, em regra geral, esta equação pode ser reduzida a uma equação
de ordem n, linear, homogénea numa das componentes yi , i = 1, · · · n. Observe-se que se as
funções aij (t) forem constantes para todo i, j ∈ {1, · · · , n} , a equação de ordem n que se obtem
ao resolver o sistema é também de coeficientes constantes.
Exemplo 1:
Determinar a solução geral da equação
′ 1 −3
Y = Y
3 1
1 ′
y=− x −x
3
pele que, substituindo na segunda equação
1 ′ ′ 1
− x −x = 3x + − x′ − x
3 3
que é uma equação de segunda ordem (linear, de coeficientes constantes, homogénea) em x.
Simplificando e resolvendo
129
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
e tornando a substituir
1 ′
y=− x − x = −bet cos(3t) + aet sen(3t)
3
Finalmente, a solução da equação vectorial é dada por
t a cos(3t) + b sen(3t)
Y (t) = e
−b cos(3t) + a sen(3t)
Exemplo 2:
Vamos agora determinar a solução geral da equação
′
2 0 0 x = 2x
Y′ = 0 2 1 Y ⇔ y ′ = 2y + z
′
0 0 2 z = 2z
Neste caso não vamos conseguir reduzir o sistema a uma equação de ordem 3 em qualquer uma
das variáveis, consequência de nas duas últimas equações não haver dependência em x e na
primeira não haver depndência nas variáveis y e z. No entanto conseguiremos aplicar o método
aos “sub-sistemas” ′
′ y = 2y + z
x = 2x e
z ′ = 2z
Para o primeiro
x′ = 2x ⇔ x(t) = c1 e2t
Para o outro sistema, podemos utilizar dois métodos: ou reduzir a uma equação de ordem 2
(forçosamente em y) e resolvê-lo como no exemplo anterior, ou como método alternativo que
resulta sempre que a matriz associada ao sistema é triangular, e que consiste em resolver a
equação em z ′ (dado que só depende de z) substituir na equação em y ′ (dado que, conhecida z
só depende de y). Assim
z ′ = 2z ⇔ z(t) = c2 e2t
Substituindo na equação em y ′
d −2t
y ′ = 2y + c2 e2t ⇔ y ′ − 2y = c2 e2t ⇔ e y = c2 ⇔ y(t) = e2t (c2 t + c3 )
dt
e substituindo na equação em x′ Finalmente, a solução da equação vectorial é dada por
c1
Y (t) = e2t c2 t + c3
c2
130
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
onde as soluções são funções y1 (t), ..., yn (t) : I → R de classe C 1 em I. Utilizando notação
vectorial, este sistema pode então ser escrito de forma abreviada como a equação vectorial
sendo
y1 (t) f1 t, y1 (t), . . . , yn (t)
.
.
Y (t) =
.
e F (t, Y (t)) =
.
. .
yn (t) fn t, y1 (t), . . . , yn (t)
Tal como no caso escalar (n = 1), sendo t0 ∈ I, denomina-se problema de valor inicial a
′
Y (t) = F t, Y (t) , t ∈ I
Y (t0 ) = Y0
onde se supõe que t0 ∈ I e Y0 = y1 (t0 ), . . . , yn (t0 ) ∈ A.
Funções matriciais
No seguimento, será necessário estudar funções X cujo domı́nio é um intervalo real e cujo conjunto
de chegada é um espaço vectorial de matrizes reais (ou complexas) de dimensão n × m, que aqui
denotaremos por Mn×m (R) (ou C).
Genericamente, um função X : I ⊂ R → Mn×m (R), com
h i
X(t) = xij (t) i=1...n
j=1...m
pode, de facto, ser interpretada como uma função vectorial com as n × m componentes:
x11 (t), . . . , x1m (t), x21 (t), . . . , x2m (t), . . . . . . , xn1 (t), . . . , xnn (t).
Sendo assim, pode-se neste contexto utilizar os conceitos e resultados já discutidos quando se
estudou as funções vectoriais. A derivada de X(t) é, então, dada por
dX dxij
= i=1,...n ,
dt dt j=1...m
131
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
o resultado tem que ser deduzido (porquê?). No entanto isso, é tarefa relativamente fácil: calcu-
lando a derivada da componente (i, j) de X(t)Y (t), obtém-se:
m m m
d X X X
xik (t)ykj (t) = x′ik (t)ykj (t) + ′
xik (t)ykj (t) ,
dt
k=1 k=1 k=1
Definição (Matriz Solução Fundamental): Uma matriz S(t) denomina-se matriz solução fun-
damental de (2.18) se e só se
(i) det S(t) 6= 0 para todo t ∈ I, o que significa que as colunas de S(t) são linearmente
independentes (S(t) é não singular) para qualquer t ∈ I;
132
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Exemplo:
No Exemplo 1 da Secção 2.4.1, resolvemos a equação vectorial
′ 1 −3
Y = Y (2.19)
3 1
É agora fácil de verificar que a matriz S(t) acima definida é uma matriz solução fundamental
associada à equação (2.19). De facto
det S(t) = −1 6= 0 ∀t ∈ R
(ii) Verifica-se que Yi′ (t) = AYi (t), i = 1, 2 em que Yi (t) representa a coluna i de S(t). De
facto, para i = 1
t
′ d et cos(3t) e (cos(3t) − 3 sen(3t))
Y1 (t) = =
dt et sen(3t) et (sen(3t) + 3 cos(3t))
e
1 −3 et cos(3t) et (cos(3t) − 3 sen(3t))
AY1 (t) = =
3 1 et sen(3t) et (sen(3t) + 3 cos(3t))
enquanto que para i = 2
d et sen(3t) et (3 cos(3t) + sen(3t))
Y2′ (t) = =
dt −et cos(3t) et (3 sen(3t) − cos(3t)
e
1 −3 et sen(3t) et (sen(3t) + 3 cos(3t))
AY2 (t) = =
3 1 −et cos(3t) et (3 sen(3t) − cos(3t))
Observe-se que não há uma única matriz solução fundamental da equação — por exemplo,
se S(t) é uma matriz solução fundamental qualquer matriz obtida por troca de colunas de S(t) é
tambem uma matriz solução fundamental.
pelo que S1 (t) é tambem uma matriz solução fundamental. (A verificação é óbvia).
133
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Demonstração: (ii) é apenas outra forma de escrever a alı́nea (ii) da definição de S(t).
Quanto a (i), suponhamos que existe um t̂ ∈ I tal que S(t̂) é singular, isto é, para certo b ∈
Rn \ {0}, S(t̂)b = 0, e derivemos uma contradição. Como
S′ (t)b = A(t)S(t)bfb; ,
Por unicidade de solução deste PVI, Y (t) ≡ 0. Conclui-se então que S(t)b = 0 para todo o t ∈ I,
pelo que S(t) é singular para todo o t ∈ I; logo, em particular, também S(t0 ) é singular, o que
contradiz a hipótese.
Exemplo: Para obter uma matriz solução fundamental, S(t), da equação Y ′ = A(t)Y ,
podemos resolver os n problemas
′
Y = A(t)Y
com i = 1, 2, . . . n.
Y (t0 ) = ei
Resulta da definição que a matriz S(t) é invertı́vel para todo o t. Sendo assim
d d −1
0= S(t) S−1 (t) = S′ (t) S−1 (t) + S(t) S (t) ,
dt dt
d
pelo que S(t) dt S−1 (t) = −S′ (t) S−1 (t). Desta forma:
d −1
S (t) = −S−1 (t)S′ (t) S−1 (t)
dt
Atendendo a que S′ (t) = A(t)S(t) implica A(t) = S′ (t)S−1 (t), então a inversa da matriz solução
fundamental verifica:
d −1
S (t) = −S−1 (t)A(t) (2.20)
dt
134
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Temos então que S −1 (t)Y (t) = z(t) = C, com C ∈ Rn , o que nos permite concluir que:
(2) se Y (t0 ) = Y0 então C = S −1 (t0 )Y (t0 ) = S −1 (t0 )Y0 , pelo que a solução do PVI (2.21) é
Y (t) = S(t)S−1 (t0 )Y0 .
Dada uma matriz solução fundamental de Y ′ = A(t)Y , pretendemos obter as soluções da equação
não homogénea Y ′ = A(t)Y + B(t)
h in
Teorema (Fórmula de Variação das Constantes): Sendo A = aij(t) , com componentes
i,j=1
aij : I ⊂ R → R contı́nuas, b : I ⊆ R → Rn também contı́nua, Y0 ∈ Rn
e S(t) uma matriz
solução fundamental de Y ′ = A(t)Y , então a solução do problema de valor inicial
′
Y = A(t)Y + b(t)
(2.22)
Y (t0 ) = Y0
135
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ou seja
d −1
S (t)Y (t) = S −1 (t)b(t) (2.24)
dt
Integrando entre t0 e t, e considerando que Y (t0 ) = y0 , temos que:
Z t
−1 −1
S (t)Y (t) − S (t0 )Y0 = S −1 (s)b(s) ds
t0
Corolário (Fórmula de Variação das Constantes para a Solução Geral): Nas mesmas
condições do teorema anterior, a solução geral da equação
Y ′ = A(t)Y + b(t)
é dada por: Z t
Y (t) = S(t)C + S(t) S−1 (s)b(s) ds , C ∈ Rn ; (2.25)
Rt
(onde x(s)ds representa uma primitiva da função vectorial x(t)).
Exemplo:
Determine a solução da equação
′ t 1 0
Y (t) = Y + (2.26)
−t2 −t 1
Começemos por determinar uma matriz solução fundamental, resolvendo o sistema homogéneo
associado
′ t 1 x′ = tx + y
Y (t) = 2 Y ⇔
−t −t y = −t2 x − ty
′
136
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
onde Y = (x, y). Pela primeira equação y = x′ − tx, pelo que substituindo na segunda equação
′
x′ − tx = −t2 x − t x′ − tx ⇔ x′′ − tx′ − x = −t2 x − tx′ + t2 x ⇔ x′′ − x = 0
Fazendo Dx = x′ esta última equação pode ser escrita na forma (D2 − 1)x = 0 e então é fácil
de concluir que
x(t) = aet + be−t
e consequentemente
y = x′ − tx = aet − be−t − atet − bte−t
Obtem-se a solução (da equação homogénea
x(t) aet + be−t et e−t a
YH (t) = = =
y(t) aet − be−t − atet − bte−t et − tet −e−t − te−t b
E a matriz
et e−t
S(t) =
et − tet −e−t − te−t
é uma matriz solução fundamental. Podemos então aplicar a fórmula da variação das constantes
para obter a solução da equação (2.26)
Z
Y (t) = S(t)C + S(t) S −1 (t)B(t)dt
Z
a e−t (1 + t) e−t
1 0
= S(t) + S(t) t t
b e (1 + t) −e
2 1
R −t
a 1 Re dt =
= S(t) + S(t)
b 2 − et dt
et e−t a 1 et e−t −e−t
= +
et − tet −e−t − te−t b 2 et − tet −e−t − te−t −et
aet + be−t − 1
=
a(1 + t)et + b(−1 − t)e−t + t
137
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Caso Homogéneo
Tal como anteriormente, o caso homogéneo corresponde a tomar B(t) ≡ 0 na equação (2.27).
Vamos assim estudar a equação
Y ′ (t) = AY (t) (2.28)
h in
onde t ∈ R, Y (t) ∈ Rn e A = aij com aij ∈ R.
i,j=1
def
A0 = I,
tem por única solução y(t) = eat . Procedendo por analogia, definimos a exponencial de tA, que
denotamos por etA , da forma que se segue.
Exemplo 3:
1 −3
Sendo A = , pretendemos calcular eAt para t ∈ R. Revisitando o Exemplo 1 da
3 1
secção 2,4.1 (resolução da equação diferencial (2.19)), e concluimos num exemplo posterior que
uma matriz solução fundamental é
t cos(3t) sen(3t)
S(t) = e
sen(3t) − cos(3t)
138
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
No entanto, e dado que S(0) 6= Id2 , S(t) não é eA t. Mas pela proposção anterior
−1
At −1 t cos(3t) sen(3t) 1 0 t cos(3t) − sen(3t)
e = S(t)S (0) = e =e
sen(3t) − cos(3t) 0 −1 sen(3t) cos(3t)
Note que a exponencial da matriz tA, X(t), tem uma propriedade importante — é a única matriz
solução fundamental que verifica X(0) = I.
tomando a parte real e parte imaginária em ambos os membros desta igualdade obtém-se u′ = Au
e v′ = Av.
X0 (t) = I
Z t
Xn+1 (t) = I + AXn (s) ds para n∈N
t0
5
Se A é uma matriz real, então Ā = A. Se (λ, V ) é um par valor próprio, vector próprio (complexo) de A,
então (λ̄, V̄ ) é também um par valor próprio, vector próprio de A, pois AV = ĀV = AV = λV = λ̄V̄ . Neste caso,
Re eλ̄t V = Re eλt V e Im eλ̄t V = − Im eλt V . Por cada par de vectores próprios conjugados, V e V , produzem-se
desta forma duas (não quatro!) funções reais linearmente indendentes, Re eλt V e Im eλt V .
139
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
X0 (t) = I
Z t
X1 (t) = I + A ds = I + tA
t0
Z t t Z t Z
2
t2
X2 (t) = I + A + sA ds = I + A ds + sA2 ds = I + tA + A2
t0 t0 t0 2
Z t
s2 t2 t2
X3 (t) = I + A + sA2 + A3 ds = I + tA + A2 + A3
t0 2 2! 3!
P∞Esta fórmula é análoga à que define a série de McLaurin da função exponencial, eat =
(at)n
n=0 n! , para a, t ∈ R. No nosso caso trata-se de uma série de potências de matrizes onde,
em cada termo, aparece tA no lugar de ta. Isto leva-nos a conjecturar o seguinte:
Além disso, a série (2.30) converge uniformemente para t em intervalos do tipo [−R, R] (para
qualquer R > 0) e verifica AeAt = eAt A, para todo o t ∈ R.
Demonstração: Para provar este teorema, precisaremos em primeiro lugar de saber produzir
estimativas de matrizes. Sendo A = [aij ]ni,j=1 , consideramos:
140
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Vamos agora provar a convergência uniforme destas séries, para t num intervalo do tipo
[−R, R], com R > 0. Para |t| ≤ R, e usando (2.31) e (2.32), podemos majorar cada um dos
termos das séries anteriores como se segue:
k k
t (k) |t|k (k) Rk (k) Rk kAk k Rk kAkk kAkR
a =
k! ij a ≤ a ≤ ≤ =
k! ij k! ij k! n k! n n k!
Como a série real k
n
1 X kAkR
n k!
k=0
1 kAkR
é convergente — a sua soma é ne — então, pelo critério de Weierstrass, as séries (2.33)
convergem uniformemente para t em intervalos do tipo [−R, R]; isto vale para qualquer R > 0.
Em particular, as séries (2.33) convergem pontualmente para qualquer t ∈ R. Isto prova que etA
está bem definida por (2.30), é diferenciável em R e pode ser derivada termo a termo.
Usando o resultado anterior, podemos agora calcular a derivada de etA :
d tA d t2 t3 tn
e = I + tA + A2 + A3 + · · · + An + · · ·
dt dt 2! 3! n!
2t 2
3t 3 nt n−1
= 0 + A + A2 + A + ··· + An + · · ·
2! 3! n!
t2 2 t3 3 tn n
= A I + tA + A + A + · · · + A + · · · = A etA
2! 3! n!
t2 2 t3 3 tn n
= I + tA + A + A + · · · + A + · · · A = etA A
2! 3! n!
8
O sı́mbolo δij , designado na literatura por delta de Kronecker, representa as componentes da matriz identidade.
(0)
Note que aij = δij .
141
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Assim sendo:
d tA
e = A etA = etA A
dt
Note também que e0A = I. Isto conclui a demonstração do teorema.
(b) S(t) = eAt é a única matriz solução fundamental de Y ′ = AY que verifica S(0) = I.
eAt B = BeAt
Demonstração:
(e) (Exercı́cio)
X ′ (t) = AeAt eBt + eAt BeBt = AeAt eBt + BeAt eBt = (A + B)eAt eBt = (A + B)X(t).
142
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Como consequência da teoria desenvolvida para o caso geral em que A(t) é uma função
matricial e as propriedades de eAt podemos deduzir o seguinte:
— Caso Homogéneo
Se A = [ai,j ] é uma matriz n × n, com ai,j ∈ R, o problema de valor inicial
Ẏ = AY
Y (t0 ) = Y0
Começemos por determinar uma matriz solução fundamental associada ao sistema (ho-
mogéneo). Assim
x′ − 2x
x′ = 2x + 4y ⇒ y =
4
Substituindo na segunda equação, obtemos
x′ − 2x ′ x′ − 2x
y ′ = −x−2y ⇒ = −x−2 ⇒ x′′ = 0 ⇒ x(t) = c1 +c2 t
4 4
Assim Z
x′ − 2x c2 − 2c1 − 2c1 t c2 t
y(t) = = e z= (x + 2y)dt = + c3
4 4 2
Então
x(t) c1 + c2 t 1 t 0 c1
c2 −2c1 −2c1 t = −1 1 t
y(t) =
4 2 4 − 2 0 c2
c2 t t
z(t) 2 + c3 0 2 1 c3
A matriz
1 t 0
S(t) = − 21
1
4 − t
2 0
t
0 2 1
143
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
é uma matriz solução fundamental associada ao sistema mas não é eAt (dado que para t = 0
não iguala a matriz identidade. Tem-se que
−1
1 t 0 1 0 0 1 + 2t 4t 0
eAt = S(t)S −1 (0) = − 12 1
4 − t
2 0 − 12 1
4 0
= −t 1 − 2t 0
t
0 2 1 0 0 1 t 2t 1
Se adicionalmente for dada a condição inicial Y (t0 ) = Y0 , a solução do PVI será neste caso
dada por
Z t
A(t−t0 ) At
Y (t) = e Y0 + e e−As b(s) ds
t0
para todo t ∈ I.
Exemplo:
Determinar a solução do PVI
em que
−2 0 1 1
A = 0 −3 −1 , b(t) = 0
0 1 −1 2e−2t
Vamos em primeiro lugar determinar a matriz eAt resolvenso o sistema homogéneo associado, isto
é determinar a soluçãp geral de ′
x = −2x + z
y ′ = −3y − z
′
z =y−z
144
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
P (R) = R2 + 4R + 4 = (R + 2)2
d 2t t2
x′ + 2x = ae−2t + bte−2t ⇔ e x = a + bt ⇔ x = e−2t c + at + b
dt 2
Tem-se então que a solução do sistema homogéneo
2 t2
x(t) c + at + b t2 t 2 1 a
y(t) = e−2t −a + b − bt = e−2t −1 1 − t 0 b ≡ S(t)C
z(t) H a + bt 1 t 0 c
t2
2
1 2 t + t2
eAt = S(t)S −1 (0) = e−2t 0 1 − t −t
0 t 1+t
Assim, a solução da equação é dada pela fórmula da variação das constantes (versão com a
exponencial da matriz A)
x(t) 1 Z t 1
y(t) = eAt −1 + eAt e−As 0 ds
z(t) 0 0 2e−2s
s2 2
1 Z t 1 2 −s + s2 1
= eAt −1 + eAt e2s 0 1 + s s 0 ds
0 0
0 −s 1−s 2e−2s
1 2t t2 t3
2 (e − 1) + 1 + 2 + 3
= e−2t −1 + t − t2
t+t 2
145
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 1:
Seja
3 5
A= .
1 −1
Vamos calcular uma (MSF) associada a Y ′ = AY começando por calcular os valores próprios de
A:
det(A − λI) = 0 ⇔ (3 − λ)(−1 − λ) − 5 = 0 ⇔ λ2 − 2λ − 8 = 0 ⇔ λ = 4 ∨ λ = −2
9
Se A é uma matriz real, então Ā = A. Se (λ, v) é um par valor próprio, vector próprio (complexo) de A,
então (λ̄, v̄) é também um par valor próprio, vector próprio de A, pois Av̄ = Āv̄ = Av = λv = λ̄v̄. Neste caso,
Re eλ̄t v̄ = Re eλt v e Im eλ̄t v̄ = − Im eλt v. Por cada par de vectores próprios conjugados, v e v̄, produzem-se
desta forma duas (não quatro!) funções reais linearmente independentes, Re eλt v e Im eλt v.
146
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
Conclui-se de imediato que a matriz A é diagonalizável. Como tal vamos calcular os vectores
própios associados.
• λ = 4, o vector próprio associado é uma solução não nula de
−1 5 v1 0
(A − 4I)v = 0 ⇔ = ⇔ v1 − 5v2 = 0
1 −5 v2 0
isto é
At −1 −e−2t − 5e4t 5e−2t − 5e4t
e =
6 e−2t − e4t −5e−2t − e4t
É importante calcular as soluções do problema de valor inicial
Y ′ = AY , Y (0) = Y0 (2.35)
para alguns valores especiais de Y0 ∈ R2 . Começemos por analisar a solução de (2.35) quando
Y0 = (0, 0). Neste caso, a solução do sistema é constante e, igual a (0, 0), pelo que a origem é o
único ponto de equilı́brio do sistema.
Se Y0 = (−5, −1), isto é, quando a condição inicial pertence ao espaço próoprio associado ao
valor próprio 4,
At −1 −e−2t − 5e4t 5e−2t − 5e4t −5 −5e4t 4t 5
Y (t) = e Y0 = = = −e
6 e−2t − e4t −5e−2t − e4t −1 −e4t 1
147
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Fazendo Y (t) = (x(t), y(t)), obtemos então as equações paramétricas da solução do (2.35)
x(t) = −e−t
y(t) = e−t
Eliminando o parâmetro t, no espaço (x, y) a equação cartesiana da solução é x = −y; isto é, se
a condição inicial pertence ao espaço próprio de λ = −2, a solução do (2.35) nele permanecerá
para todo t. Mais se observa que, neste caso
Nesta direcção, quando t → +∞, a solução do (PVI) aproxima-se do ponto de equilı́brio. Por
este facto, (2.36) e (2.37), dizenos que o equilı́brio é um ponto de sela.
Em qualquer outra situação, a solução não é constante nem está confinada a uma recta. Por
exemplo, se Y0 = (1, 1), a solução de (2.35) é dada por
At −1 −e−2t − 5e4t 5e−2t − 5e4t 1 1 −2e−t + 54t
Y (t) = e Y0 = =
6 e−2t − e4t −5e−2t − e4t 1 3 2e−t + e4t
em que, para facilitar a escrita, fizémos γ = α + β e δ = −α + 5δ. Fazendo Y (t) = (x(t), y(t)),
obtemos as equações paramétricas da solução do (2.35)
−6x(t) = −2e−t + 5e4t
−6y(t) = 2e−t + e4t
148
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS DE 1¯A ORDEM (OU SISTEMAS)
0
y
−2
−4
−4 −2 0 2 4
x
Exemplo 2:
Vamos determinar eAt , sendo
2 0 1
A = 0 −1 0 .
1 0 2
Começemos por calcular uma matriz solução fundamental S(t). Os valores próprios de A são as
soluções da equação
det(A − λI) = 0 ⇔ (−1 − λ)((2 − λ)2 − 1) = 0 ⇔ λ = −1 , λ = 1 , λ = 3
Conclui-se de imediato que a matriz A é diagonalizável. Como tal vamos calcular os vectores
própios associados. Para λ = −1, o vector próprio será v = (a, b, c) ∈ R3 \ {(0, 0, 0)} tal que
3 0 1 a 0
(A + I)v = 0 ⇔ 0 0 0 b = 0 ⇔ a=c=0
1 0 3 c 0
Tem-se então que
v = (a, b, c) = (0, b, 0) = b(0, 1, 0)
donde podemos escolher v1 = (0, 1, 0). Para λ = 1,
1 0 1 a 0
(A − I)v = 0 ⇔ 0 −2 0 b = 0 ⇔ a+c=0 , b=0
1 0 1 c 0
149
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
isto é
e−t + e3t 0 −e−t + e3t
1
eAt = 0 2e−t 0
2 −t 3t −t 3t
−e + e 0 e +e
dY
= AY + H(t) , Y (0) = [0 1 0]T
dt
sem que
et
H(t) = 0
et
a solução é dada pela fórmula da variação das constantes (usando a exponencial da matriz A)
Z t
At At
y(t) = e Y (0) + e e−As H(s) ds .
0
150
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N > 1 — CASO NÃO HOMOGÉNEO
Então
s
0 Z t e−s + e−3s 0 e−3s − e−s e
1
Y (t) = eAt 1 + 0 2es 0 0 ds
2 0
0 e−3s − e−s 0 e−3s + e−s es
t −2t
0 e + e3t 0 e3t − et e −1
1
= e−t + 0 2e−t 0 0
4 3t t
0 e −e 0 et + e3t e −2t −1
1 t
−2e
= e−t
− 12 et
e yP uma solução particular da equação (2.38). Iremos estudar dois métodos para determinar yP :
um em que se “adivinha” a solução particular da equação (especı́fico para equações de coeficientes
constantes e casos particulares de b(t)) - o Método dos coeficientes indeterminados - e outro onde
se aplica uma fórmula (de aplicação geral) - Fórmula da Variação das Constantes.
E assim
151
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Assim
′
x0 0 1 0 . . . 0 x0 0
x1 0 0 1 . . . 0 x1 0
. . . . . . . . . .
. = . . . . . . . . + . (2.39)
. . . . . . . . . .
xn−2 0 0 0 . . . 1 xn−2 0
xn−1 −a0 (t) −a1 (t) −a2 (t) . . . −an−1 (t) xn−1 b(t)
A matriz
0 1 0 . . . 0
0 0 1 . . . 0
. . . . . . .
A=
. . . . . . .
. . . . . . .
0 0 0 . . . 1
−a0 −a1 −a2 . . . −an−1
é denominada matriz companheira da equação
Exemplo 1:
Considere-se a equação de ordem 2
pelo que a equação de ordem 2 pode ser escrita como a equação vectorial de ordem 1 em R2
′
x0 0 1 x0 0
= +
x1 −b(t) −a(t) x1 h(t)
Exemplo 2:
Considere-se a equação de ordem 3
152
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N > 1 — CASO NÃO HOMOGÉNEO
pelo que a equação de ordem 3 pode ser escrita como a equação vectorial de ordem 1 em R3
′
x0 0 1 0 x0 0
x1 = 0 0 1 x1 + 0
x2 −c(t) −b(t) −a(t) x2 h(t)
Matriz Wronskiana
Sendo y1 ,...,yn soluções linearmente independentes da equação homogénea associada (de-
terminadas na Secção 2.4. no caso das equações de coeficientes constantes), define-se matriz
Wronskiana associada como sendo a matriz n × n
y1 ... yn
y1′ ... yn′
W (t) =
. ... .
. ... .
(n−1) (n−1)
y1 ... yn
Como as colunas da matriz W (t) são soluções da equação homogénea associada a (2.39), a matriz
W (t) é uma matriz solução fundamental da equação vectorial (2.39) pelo que, por aplicação da
fórmula da variação das constantes para equações vectoriais, tem-se que uma solução de (2.39)
será dada por
y 0
y′ 0
′′
y Z t 0
−1
. = W (t)C + W (t)
W (s) . ds .
.
.
. .
y (n−1) b(s)
Conclui-se que a solução da equação (2.38) é dada por
0
Z t
.
−1
y(t) = c1 y1 + · · · + cn yn + y1 (t) ... yn (t) W (s)
. ds
0
b(s)
Exemplo 1:
y ′′ + 2y ′ + 2y = 2e−t (2.40)
Começemos por determinar uma base do espaço de soluções da equação homogénea associad, isto
é resolver a equação
y ′′ + 2y ′ + 2y = 0 ⇔ D2 + 2D + 2 y = 0 ⇔ (D + 1)2 + 1 y = 0
153
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
pelo que uma base do espaço de soluções será e−t cos t e e−t sen t, e a sua solução geral é
e−t cos t e−t sen t e−t cos t e−t sen t
W (t) = =
(e cos t) (e−t sen t)′
−t ′ −t −t
−e (cos t + sen t) e (− sen t + cos t)
Exemplo 2:
A fórmula da variação das constantes é também aplicável no caso em que a equação não
tem coeficientes constantes. Desde que se conheça uma base de soluções da equação homogénea
associada, o cálculo da solução é análogo ao que fizémos no exemplo anterior. Assim, considere-se
a equação diferencial
3 ′
y ′′ + t − y − 2y = t4 , t > 0
t
É fácil de verificar que as funções
2 /2
y1 (t) = e−t , y2 (t) = t2 − 2
são soluções linearmente independentes da equação homogénea associada e como tal formam uma
base do seu espaço de soluçõe. Assim podemos construir a matriz Wronskiana associada
" 2
#
e−t /2 t2 − 2
W (t) = 2
−te−t /2 2t
e pela fórmula da variação das constantes a solução geral da equação é dada por
h i c h iZ
0
2 1 2 /2 −1
y(x) = e−t /2 t2 −2 + e −t 2
t −2 W (t) dt
c2 t4
ou seja
2 /2 t4
y(t) = c1 e−t + c2 (t2 − 2) + 4 − 2t2 +
2
154
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N > 1 — CASO NÃO HOMOGÉNEO
PA (D) = (D − λ)p+1
se b(t) = tp eat cos(bt) ou b(t) = tp eat sen(bt), então o seu polinómio aniquilador é da forma
O método dos coeficientes indeterminados para resolver a equação P (D)y = b(t) consiste em:
Note que a aplicação de PA (D) não produz uma equação equivalente à inicial. Embora
qualquer solução de P (D)y = h(t) seja solução de PA (D)P (D)y = 0, nem todas as
soluções da segunda equação resolvem a primeira.
Assim obtivemos uma equação diferencial linear homogénea de coeficientes constantes de
ordem n + k.
yG (t) = α1 y1 + ... + αn yn
yP = β1 w1 + ... + βp wp
155
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 1:
Determinar a solução do PVI
y ′′ + 3y ′ + 2y = e−x , y(0) = 0 , y ′ (0) = 1 (2.42)
A solução da equação diferencial é da forma
y(x) = yH (x) + yP (x)
em que yH é a solução geral da equação homogénea associada, e yP é uma solução particular da
equação completa.
• Cálculo de yH
A equção homogénea associada é
y ′′ + 3y ′ + 2y = 0
Fazendo y ′ = Dy, obtém-se
(D2 + 3D + 2)y = 0 ⇔ (D + 1)(D + 2)y = 0 ⇔ (D + 1)y = 0 ou (D + 2)y = 0
Uma solução da equação (D + 1)y = 0 é e−x . Por outro lado a equação (D + 2)y = 0 tem
como solução e−2x . Como tal
yH (x) = c1 e−x + c2 e−2x , c1 , c2 ∈ R
• Cálculo de yP
Dado que h(x) = e−x , podemos utilizar o métododos coeficientes indeterminados para
determinar a solução particular yP . O polinómio aniquilador de h(x) é
PA (D) = D + 1
Assim, e utilizando a factorização do polinómio caracterı́stico feito anteriormente:
(D + 1)(D + 2)y = e−x ⇒ (D + 1)(D + 1)(D + 2)y = (D + 1)e−x
Ou seja
(D + 1)2 (D + 2)y = 0
Resolvendo a equação homogénea obtém-se que
y(x) = c1 e−x + c2 xe−x + c3 e−2x
Dado que c1 e−x + c3 e−2x representa a solução geral da equação homogénea associada
a (2.42), conclui-se que a forma da solução particular é w(x) = αxe−x . Seguidamente
teremos que determinar o valor da constante α de modo a que w seja solução da equação
y ′′ + 3y ′ + 2y = e−x . Tem-se então que
(αxe−x )′′ + 3(αxe−x )′ + 2(αxe−x ) = e−x ⇔ α=1
Conclui-se que
yP (x) = xe−x
156
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N > 1 — CASO NÃO HOMOGÉNEO
Exemplo 2:
Determinar a solução do PVI
• Cálculo de yH
A equção homogénea associada é
y ′′ + 16y = 0
Fazendo y ′ = Dy, obtém-se (D2 + 16)y = 0, pelo que
• Cálculo de yP
Dado que b(t) = sen(4t), podemos utilizar o métododos coeficientes indeterminados para
determinar a solução particular yP . O polinómio aniquilador de b(t) é
Assim
Ou seja
(D2 + 16)2 y = 0
Resolvendo esta equação homogénea obtém-se que
157
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Dado que c1 sen(4t)+c2 cos(4t) representa a solução geral da equação homogénea associada
a (2.43), conclui-se que a forma da solução particular é w(t) = c3 t sen(4t) + c4 t cos(4t).
Seguidamente teremos que determinar as constantes c3 ec4 de modo a que w seja solução
da equação y ′′ + 16y = sen(4t). Tem-se então que
′′ c3 = 0
(c3 t sen(4t) + c4 t cos(4t)) + 16(c3 t sen(4t) + c4 t cos(4t)) = sen(4t) ⇔
c4 = −1/8
Conclui-se que
t cos(4t)
yP (t) = −
8
• Cálculo da solução geral de (2.43)
Como já foi referido
t cos(4t)
y(t) = yH (t) + yP (t) = c1 sen(4t) + c2 cos(4t) − , c1 , c2 ∈ R
8
1 t cos(4t)
y(t) = sen(4t) + cos(4t) −
32 8
onde a função f : D → R tem domı́nio aberto D ⊂ R2 . É costume designar f (t, y) por campo de
direcções da equação diferencial em (2.45); isto deriva do facto de a recta tangente ao gráfico
das soluções da equação diferencial ter, em cada ponto (t, y) desse gráfico, declive igual a
f (t, y). Note que se y(t) é solução da equação diferencial então f (t, y(t)) = dy
dt (t).
Nesta secção estudamos as condições que a função f (t, y) deve verificar para que a solução
do PVI:
• exista;
• seja única;
158
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Estas questões matemáticas são muito importantes do ponto de vista das aplicações. Os
métodos numéricos que na prática são aplicados no cálculo aproximado de soluções de uma
equação diferencial ordinária exigem, como hipótese, que a solução do PVI exista, seja única e
que dependa continuamente das condições iniciais — isto é, que seja um problema bem posto. É
sabido que quando um PVI falha uma daquelas propriedades as soluções dos esquemas numéricos
correspondentes podem exibir comportamentos que as tornam inúteis, na óptica das aplicações.
Teorema de Peano
Se exigirmos apenas continuidade de f (t, y), podemos provar o:
Pode-se então colocar a questão de saber se a continuidade de f (t, y) é suficiente para provar
unicidade de solução. A subsecção seguinte mostra que a resposta a esta questão é negativa.
1
y(t) = (t + c)2
4
é continuamente diferenciável e satisfaz a equação diferencial para t > −c.
Podemos agora utilizar o método de “cortar” e “colar” a partir das soluções y(t) ≡ 0 e
y(t) = 14 (t + c)2 , para t > −c, para criar novas soluções do PVI. Será necessário, obviamente,
que que no “ponto de colagem” a nova solução seja uma função contı́nua, diferenciável e que
verifique a equação diferencial.
159
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ou seja, que yt1 seja contı́nua em t1 e yt1 (t1 ) = 0. Também as derivadas laterais de yt1 em t1
existem e são nulas, pelo que yt1 satisfaz a equação diferencial em t1 .
O facto de existirem uma infinidade de soluções mostra que a continuidade da função f (t, y) =
√
y no seu domı́nio não é suficiente para garantir unicidade de solução para o PVI.
160
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
onde o termo p
|x| − p|y|
,
x−y
não é limitado para x, y num vizinhança qualquer da origem. Isto implica, em particular, que
fixando y = 0 as taxas médias de crescimento da função f não são limitadas. Ora, foi precisamente
nos pontos onde a solução da equação é nula que se observou a bifurcação de soluções!
Condição de Lipshitz
Nesta Secção, definiremos uma classe de funções contı́nuas que não são necessáriamente dife-
renciáveis relativamente a y, mas para as quais o Teorema de Picard é válido. O exemplo anterior
sugere que se introduza a seguinte condição adicional sobre f , que é devida a Lipshitz.
161
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
• Critério
∂f
Se f é contı́nua num aberto D ⊂ R2 e existe e é contı́nua em D ⊂ R2 então f é
∂y
localmente lipschitziana relativamente a y em D.
Teorema de Picard
Enunciaremos, de seguida, o resultado que estabelece existência e unicidade de solução de um
problema de valor inicial relativo a uma equação diferencial ordinária e escalar de primeira ordem.
Veremos mais tarde que este teorema pode ser generalizado às equações vectoriais de primeira
ordem, garantindo nessa versão a existência e unicidade de problemas de valor inicial envolvendo
essas equações e (como sua consequência) também envolvendo equações lineares de ordem n.
Teorema de Picard
Considere-se D ⊆ R2 e f : D → R, D contı́nua em (t, y) ∈ D e localmente lipschitziana
relativamente a y em D. Se (t0 , y0 ) ∈ D, o problema de valor inicial
ẏ = f (t, y)
y(t0 ) = y0
admite uma única solução, y(t), para t pertencente a ]t0 − α, t0 + α[ para certo α > 0.
162
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Usando agora a condição inicial do PVI (2.45), obtém-se a equação integral (2.46).
Reciprocamente, admitindo que y ∈ C(I) é solução da equação integral (2.46) então, apli-
cando o teorema fundamental do cálculo ao integral do membro direito da equação conclui-se que
y(t) é diferenciável e que:
dy
= f (t, y(t)) ∀t ∈ I.
dt
Assim sendo, y(t) é solução da equação diferencial. Por outro lado, substituindo t por t0 na
equação integral (2.46), obtém-se y(t0 ) = y0 .
A equação integral é, do ponto de vista da Análise Matemática, muito útil pois a estimação
de integrais é mais fácil que a das derivadas.
Iteradas de Picard
y0 (t) = y0
Z t
y1 (t) = y0 + f s, y0 (s) ds
t0
Z t
y2 (t) = y0 + f t, y1 (s) ds
t0
..
.
Z t
yn+1 (t) = y0 + f s, yn (s) ds
t0
..
.
163
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Por outro lado a sucessão (yn )n∈N0 das iteradas de Picard associadas ao (PVI) é
y0 (x) = y0 = 1
Z t Z x
y1 (x) = 1 + 2sy0 (s) ds = 1 + (2s) ds = 1 + x2
0 0
Z x Z x
x4
y2 (x) = 1 + (2sy1 (s)) ds = 1 + 2s(1 + s2 ) ds = 1 + x2 +
0 0 2
Z x Z x
s4 x4 x6
y3 (x) = 1 + (2sy2 (s)) ds = 1 + 2s(1 + s2 + ) ds = 1 + x2 + +
0 0 2 2 6
..
.
Na Figura (2.5) estão representadas as primeiras iteradas de Picard assim como a solução do
(PVI).
3
2.5
y_1
y_2
y_3
y(t)
1.5
0.5
-0.05 0.07 0.19 0.31 0.43 0.55 0.67 0.79 0.91
Neste caso, a sucessão das iteradas de Picard, yn , é precisamente igual à sucessão das somas
2
parciais da série de McLaurin da solução do (PVI), y(x) = ex . No entanto, e conforme se ilustra
no exemplo seguinte, tal tipo de identidade pode não se verificar mesmo em casos simples.
164
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Vamos construir a sucessão (yn )n∈N0 das iteradas de Picard associadas ao (PVI). Assim:
y0 (x) = y0 = 1
Rx Rx
y1 (x) = 1 + 0 (y0 (s))2 ds = 1 + 0 1 ds = 1 + x
Rx Rx x3
y2 (x) = 1 + 0 (y1 (s))2 ds = 1 + 0 (1 + s)2 ds = 1 + x + x2 + 3
Rx Rx s3 2
y3 (x) = 1 + 0 (y2 (s))2 ds = 1 + 0 (1 + s + s2 + 3 ) ds =
2x4 x5 x6 x7
= 1 + x + x2 + x3 + 3 + 3 + 9 + 63
..
.
Por outro lado, resolvendo a equação diferencial, obtém-se
Z
′ 2 d 1
y =y ⇔ y −2 dy = 1 ⇔ y(x) = .
dx c−x
A solução do (PVI) será então
1
y(x) = , IMax =] − ∞, 1[
1−x
Na Figura (2.6) estão representadas as primeiras iteradas de Picard, bem como a solução do (PVI).
É de observar que quando nos aproximamos do ponto x = 1 (onde a solução do (PVI) explode)
a convergência das iteradas de Picard torna-se cada vez mais lenta.
Pode-se provar (a demonstração não é inteiramente trivial) que as iteradas de Picard deste
problema verificam
onde Rn+1 (x) é uma função polinomial com um zero de ordem n + 1 em x = 0. Note que
Sn (x) = 1 + x + x2 + · · · + xn é a sucessão das somas parciais da série geométrica, cuja soma
1
é precisamente a solução do (PVI), y(x) = 1−x , mas somente em ] − 1, 1[. Em casos menos
simples que estes dois exemplos — quando f (t, y) não é uma função polinomial — as iteradas
de Picard não são polinomiais; no entanto, e mesmo sem se conhecer a forma explicita dessas
iteradas, pode-se usar a análise matemática para provar a sua convergência local.
Para proceder ao resto da demonstarção do Teorema de Picard, teremos que mostrar que
a sucessão das iteradas de Picard associada, yn (t), converge uniformente, num certo intervalo
I = [t0 − α, t0 + α] para uma função contı́nua y(t) então tomando o limite quando n → ∞
em ambos os membros da fórmula que define as iteradas de Picard obtém-se que y(t) satisfaz a
equação integral em I, pelo que é solução do PVI no intervalo aberto ]t0 − α, t0 + α[.
165
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
15
10
y_0
5 y_1
y_2
y_3
y(t)
−5
-0.95 -0.75 -0.55 -0.35 -0.15 0.05 0.25 0.45 0.65 0.85
166
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
y0 + b
(t0 , y0 ) R
y0
y0 − b
t
t0 − a t0 t0 + a
2o ) Seja
M = max {|f (t, y)| : (t, y) ∈ R}
Para que t, yn (t) esteja no interior de R para t ∈ [t0 − α, t0 + α], é necessário que
|yn (t) − y0 | < b. Como
Z t Z t
|yn (t) − y0 | ≤ f s, yn (s) |ds| ≤ M |ds| = M |t − t0 | ≤ M α,
t0 t0
isso implica que devemos ter M α < b. Para tal, é preciso exigir α < b/M .
def
Assim, para qualquer t ∈ [t0 − α, t0 + α] = Iα :
Z t
|yn+1 (t) − yn (t)| ≤ f s, yn (s) − f s, yn−1 (s) |ds|
t0
Z t
≤ K |yn (s) − yn−1 (s)| |ds|
t0
Z t
≤ K max yn (s) − yn−1 (s) |ds|
s∈Iα
t0
≤ Kα max yn (s) − yn−1 (s)
s∈Iα
167
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Rt
Como y1 (t) − y0 = f (s, y0 ) ds, resulta então da desigualdade anterior que:
t0
Z t
n
max yn+1 (t) − yn (t) ≤ (Kα) max f (s, y0 ) ds
t∈Iα t∈Iα t0
Z t
≤ (Kα)n max |f (s, y0 )| |ds|
t∈Iα t0
Z t
≤ (Kα)n max M |ds|
t∈Iα t0
= (Kα)n M α < (Kα)n b
Definindo r = Kα, então
max yn+1 (t) − yn (t) < brn .
(2.51)
t∈Iα
Utilizando somas telescópicas:
yn (t) = yn (t) − yn−1 (t) + yn−1 (t) − yn−2 (t) + . . .
. . . + y2 (t) − y1 (t) + y1 (t) − y0 + y0
Xn
= y0 + yk (t) − yk−1 (t)
k=1
Isto significa que yn (t) é a sucessão das somas parciais da série
n−1
X
y0 + yk (t) − yk−1 (t) (2.52)
k=0
A terceira restrição que introduzimos ao valor de α é r = Kα < 1, ou seja α < 1/K. Assim,
P
como |r| < 1, ∞ k
k=m br é uma série geométrica convergente. Por outro lado, o termo geral da
série (2.52) verifica
yk (t) − yk−1 (t) ≤ brk ,
168
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
A terceira restrição que introduzimos ao valor de α é r = Kα < 1, ou seja α < 1/K. Assim,
P br m
como |r| < 1, ∞ k
k=m br é uma série geométrica convergente e a sua soma é 1−r . Desta forma,
para qualquer t ∈ Iα :
brm
yn (t) − ym (t) ≤ →0 quando m, n → ∞,
1−r
o que implica que yn (t) verifica o critério de Cauchy para convergência uniforme em Iα . Assim,
yn (t) converge uniformemente em Iα para uma função contı́nua y : Iα → R, desde que tomemos:
b 1
α < min a, , (2.54)
M K
e usando a convergência uniforme de yn (t) para y(t) em Iα , então tomando o limite em ambos
os membros de (2.55) conclui-se que que y(t) satisfaz a equação integral:
Z t
y(t) = y0 + f t, y(t) dt
t0
Como y(t) é contı́nua em Iα , então f t, y(t) é contı́nua em Iα . Por aplicação do teorema
fundamental do cálculo ao 2o membro da equação integral, podemos concluir que y ∈ C 1 (Iα ).
Unicidade de Solução
Supondo que y(t) e z(t) são duas soluções do PVI, então verificam
Z t
y(t) = y0 + f t, y(t) dt
t0
Z t
z(t) = y0 + f t, z(t) dt
t0
169
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplos:
(1) Considere-se o problema de valor inicial
dy p
= 3 1 − xy , y(0) = 0 (2.56)
dx
√
Começemos por observar que f (x, y) = 3 1 − xy
dy p
= 3 1 − xy , y(1) = 1 (2.57)
dx
√
Como vimos no exemplo anterior f (x, y) = 3 1 − xy verifica as condições do Teorema de Picard
em D = R2 \ {(x, y) : xy = 1}. Em primeiro lugar, e dado que f (x, y) é contı́nua em R2 ,
o Teorema de Peano garante que o PVI (2.57) admite pelo menos uma solução definida numa
vizinhança de x0 = 1. No entanto neste exemplo tem-se que (x0 , y0 ) = (1, 1) 6∈ D. Observe-se
que este facto não implica de imediato que f (x, y) não verifique as condições do Teorema de Picard
num conjunto que contenha (1, 1), pois o facto de ∂f ∂y (1, 1) não existir não implica que f (x, y)
não seja lipschtziana em conjuntos contendo (1, 1). Teremos então que verificar directamente este
facto. Assim, seja B qualquer subconjunto fechado e limitado de R2 , e (x, y1 ), (x, y2 ) ∈ B.
√ √
p
3
p
3 3 1 − xy1 − 3 1 − xy 2
|f (x, y1 ) − f (x, y2 )| = | 1 − xy1 − 1 − xy 2 | = |y1 − y2 |
y1 − y2
170
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
tem que ser limitada para todos (x, y1 ), (x, y2 ) ∈ B. Considere-se (x, y2 ) = (1, 1) e (x, y1 ) =
(1, 1 + h) para h ∈ R. Temos então que
√
3
−h
L(1, 1, 1 + h) = = |h|−2/3
h
É então fácil de observar que para valores de h próximos de 0 (o que corresponde a estarmos em
pontos (x, y) próximos de (1, 1)), |h−2/3 | aproxima-se de ∞ pelo que L(1, 1, 1+h) não é limitada.
Concluimos que f não é lipschtziana em qualquer conjunto contendo o ponto (1, 1), pelo que não
se verificam as condições do Teorema de Picard numa vizinhança de (1, 1). Concluimos então que
não se pode garantir unicidade de solução para (2.57).
(3) Considere-se o problema de valor inicial
dy
= |x + y| , y(1) = −1 (2.58)
dx
Começemos por observar que f (x, y) = |x + y| está definida e é contı́nua em R2 o Teorema de
Peano garante que o PVI (2.58) admite pelo menos uma solução definida numa vizinhança de
x0 = 1. Por outro lado, ∂f /∂y está definida e é contı́nua em D = R2 \ {(x, y) : x + y = 0}.
Visto (x0 , y0 ) 6∈ D, teremos que averiguar directamente se f (x, y) é lipsctziana numa vizinhança
do ponto (x0 , y0 ) = (1, −1). conjunto limitado e fechado que contenha (1, −1). Assim, seja B
qualquer subconjunto fechado e limitado de R2 , e (x, y1 ), (x, y2 ) ∈ B.
|f (x, y1 ) − f (x − y2 )| = | |x + y1 | − |x + y2 | | ≤ (x + y1 ) − (x + y2 ) = |y1 − y2 |
Tem-se então que f (x, y) é lipschitziana em B (com constante de Lipschitz L = 1, pelo que f é
localmente lipsichitziana em R2 . O Teorema de Picard garante então unicidade de solução para
(2.58).
Prolongamento de Solução
Sem acrescentar mais condições a f , a conclusão do teorema de Picard pode ser substancialmente
melhorada da forma que em seguida se descreve.
(i) a = −∞ ou
(ii) a < −∞ e t, y(t) → ∂D quando t → a+ ou
Note que os casos do tipo (iii) significam que a solução explode (respectivamente, quando
t → b ou t → a). Quanto aos casos do tipo (ii), por exemplo
t, y(t) → ∂D quando t → b−
significa que qualquer ponto limite do gráfico de y(t) para t ∈ [t0 , b[ (este gráfico é o conjunto
{(t, y(t)) : t ∈ [t0 , b[} ⊂ R2 ) pertence à fronteira de D, ∂D. Isto é equivalente a dizer que
qualquer sucessão tn ∈ ]a, b[ tal que tn → b e y(tn ) é convergente verifica:
lim tn , y(tn ) ∈ ∂D
n→+∞
Dem.:
Vamos provar a conclusão do teorema para o prolongamento para a direita, isto é, até b.
Seja J o conjunto dos τ ∈ R tais que existe solução y : [t0 , τ ] → R do problema de valor
inicial 11 . Pelo teorema de Picard, J 6= ∅. Se J não for majorado, então a conclusão do teorema
é satisfeita pois verifica-se o caso (i). Por outro lado, se J é majorado, como J 6= ∅ então existe
b = sup J < +∞. Pelo teorema de Picard, J 6= ∅. Se J não for majorado, então a conclusão
do teorema é satisfeita pois verifica-se o caso (i). Por outro lado, se J é majorado, como J 6= ∅
então existe b = sup J < +∞.
Admitamos que tanto (ii) como (iii) não se verificam. Como lim |y(t)| = +∞ não é verdade,
t→a+
então existe uma sucessão sn → b− tal que y(sn ) é limitada; sendo limitada, tal sucessão tem
uma subsucessão convergente. Isto mostra que existem sucessões tn ∈ ]a, b[ tais que tn → b e
y(tn ) é convergente.
Mas como (ii) não se verifica, então para pelo menos uma dessas sucessões,
tn , y(tn ) converge para um certo (b, ω) ∈ int D.
Seja δ < 13 dist (b, ω), ∂D ; assim sendo, B3δ (b, ω) é um subconjunto compacto de D. Seja
K a constante de Lipshitz de f em B3δ (b, ω) e
δ 1
α = min δ, , . (2.59)
M K
Seja (t̄, ȳ) um termo da sucessão tn , y(tn ) tal que
(t̄, ȳ) − (b, ω)
< α (2.60)
Então o quadrado
n o
R = (t, y) : t ∈ [t̄ − δ, t̄ + δ] e y ∈ [ȳ − δ, ȳ + δ]
11
Note que se y : I → R e ỹ : I˜ → R (onde I ⊂ I˜ são intervalos), então a solução ỹ restrita a I é uma solução
do PVI em I. Resulta da unicidade de solução do PVI que ỹ(t) = y(t) para qualquer t ∈ I; ou seja, a restrição de
ỹ ao domı́nio de y, I, coincide necessariamente com y.
172
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
∂D
(t̄, ȳ)
2δ
(b, w)
2δ
Figura 2.9
verifica
R ⊂ Bδ√2 (t̄, ȳ) ⊂ Bδ√2+α (b, ω) ⊂ B3δ (b, ω),
√ √
pois, tendo em conta (2.59), δ 2 + α ≤ δ 2 + δ < 3δ.
Pela demonstração do teorema de Picard e (2.59), concluimos que a solução y(t) admite
extensão ao intervalo [t0 , t̄ + α] e que, tendo em conta (2.60), b − t̄ < α, o que implica que:
t̄ + α > b
Mas isto é absurdo, pois contradiz o facto de que b = sup J.
A demonstração do prolongamento para a esquerda (até a) é análoga à anterior.
Em qualquer um dos casos, verificar que a solução não pode ser prolongada até t = ∞
(ou t = −∞) porque a fronteira do conjunto D é atingida pode ser fácil de constatar pois a
função f (t, y) é dada e, consequentemente, conhecemos os subconjuntos de R2 onde o gráfico
da solução não pode entrar. Para mostrar que a solução explode (ou que não explode) ou, mais
genericamente, que o seu gráfico está confinado a uma certa região de R2 , é muito útil o seguinte
critério.
Comparação de Soluções
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = y0
dt
e u(t) a solução do PVI
du
= g(t, u) , u(t0 ) = y0
dt
173
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Se
f (t, y) ≤ g(t, y) , ∀(t, y) ∈ D
então
y(t) ≤ u(t) para todo t ≥ t0
y(t) ≥ u(t) para todo t ≤ t0
Consequências:
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = α
dt
e f (t, y) ≥ g(t, y) para todo (t, y) (observe-se que pelo teorema anterior esta condição
implica que y(t) ≥ u(t) para todo t ≥ α), então y(t) explode no intervalo ]t0 , T ], isto é,
y
existe Θ ∈]t0 , T ] tal que lim y.(t) = +∞ e consequentemente sup Imax =Θ
t→Θ−
174
2.6. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Exemplo 1
Considere-se o (PVI)
y ′ = (1 + y 2 )f (ty) , y(0) = 0
em que f é uma função de classe C 1 (R), verificando f (x) ≥ 1 para qualquer x ∈ R.
Como a função (1 + y 2 )f (ty) é contı́nua em R2 , e a função
∂
(1 + y 2 )f (ty) = 2yf (ty) + (1 + y 2 )f ′ (ty)t
∂y
é tambem contı́nua em R2 , o teorema de Picard garante a existência de uma solução única
y = φ(t) num vizinhança aberta da origem tal que φ(0) = 0.
Pretendemos agora mostrar que o intervalo máximo de definição da solução do problema de
valor inicial é majorado.
ẏ
ẏ = (1 + y 2 )f (ty) ⇒ = f (ty)
1 + y2
Integrando em t obtem-se Z Z
t t
ẏ(s)
ds = f (s y(s)) ds
0 1 + y 2 (s) 0
pelo que Z t
arctg y(t) − arctg y(0) = f (s y(s)) ds
0
Visto y(0) = 0
Z t
y(t) = tg f (s y(s)) ds
0
Se f (x) ≥ 1 e atendendo a que a função tangente é monótona crescente em ] − π2 , π2 [, podemos
escrever
Z t
y(t) ≥ tg 1 ds = tg t
0
Como limπ tg t = ∞ a solução explode e como tal o intervalo máximo de definição da solução do
t→ 2
problema de valor inicial é majorado.
Exemplo 2
Considere-se o problema de valor inicial
Sendo
f (t, y) = −2(sen(ety ) + 2)y
é fácil de verificar que tanto f como ∂f /∂y são contı́nuas em R2 . Isto implica que f verifica
as condições do Teorema de Picard em D = R2 e assim (2.61) tem uma solução única numa
vizinhança de t0 = 0. Temos agora que mostrar que a solução pode see prolongada a R. Observe-
se que para y0 6= 0, a equação é equivalente a:
y′
= −2(sen(ety ) + 2)
y
175
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
−6 ≤ −2(sen(esy(s) ) + 2) ≤ −2
Em primeiro lugar, isto implica que y(t) nunca atinge o valor 0, pelo que a desigualdade estima o
valor de y(t) para qualquer t ∈ R. A mesma desigualdade implica também que y(t) não explode
em tempo finito, pois log y(t) é sempre finito para qualquer t ∈ R. Como o domı́ınio de f é R2 ,
o teorema do prolongamento de solução garante a existência de uma solução global.
em que
λ1 0 ... 0
0 λ2 ... 0
| ... |
Λ=
.
e S = v1 ... vn
. | ... |
0 0 ... λn
176
2.7. APẼNDICE 1 - CÁLCULO DA MATRIZ E AT POR DIAGONALIZAÇÃO
Observações:
– Como consequência dos teoremas anteriores, dado que a matriz eAt é uma matriz
solução fundamental da equação Ẏ = AY, a sua solução é da forma Y(t) = eAt C,
com C ∈ Rn . Atendendo a que eAt = SeΛt S −1 , então
pelo que a matriz S(t) = SeΛt é tambem uma matriz solução fundamental associada
à equação. No entanto, a não ser que a matriz S seja a matriz identidade, S(t) não é
a matriz eAt , visto que S(0) não é a matriz identidade.
– Dada qualquer matriz A, a matriz eAt é a única matriz solução fundamental associada
à equação Ẏ = AY, S(t), que verifica S(0) = I.
– Conhecida qualquer matriz solução fundamental, S(t), associada à equação Ẏ = AY,
tem-se que
eAt = S(t)S −1 (0)
Exemplo 1
Determinar a solução do seguinte PVI:
′
x =x+y x(0) 0
, =
y ′ = 3x − y y(0) 1
Cálculo de eAt
177
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Os valores próprios da matriz A são ±2 (pelo que podemos concluir desde já que a matriz
A é diagonalizável).
O vector prórpio associado ao valor próprio λ1 = 2 é uma solução não nula da equação
−1 1 a
(A − 2I)v = 0 ⇔ =0 ⇔ a=b
3 −3 b
pelo que podemos escolher, por exemplo v2 = (1, −3). Assim teremos
−1 1 1 2 0
A = SΛS = S −1
1 −3 0 −2
pelo que
At Λt −1 1 1 1 e2t 0 3 1 1 3e2t + e−2t e2t − e−2t
e = Se S = −2t =
4 1 −3 0 e 1 −1 4 3e2t − 3e−2t e2t + 3e−2t
é tambem uma matriz solução fundamental, pelo que poderı́amos escrever a solução geral
da equação 2t
x(t) e e−2t c1
=
y(t) e2t −3e−2t c2
e à posteriori calcular as constantes c1 , c2 de modo a que seja verificada a condição inicial (o
que na prática corresponde a determinar a matriz S −1 e multiplicá-la pela condição inicial).
178
2.7. APẼNDICE 1 - CÁLCULO DA MATRIZ E AT POR DIAGONALIZAÇÃO
Exemplo:
A matriz
−1 0 0 0 0 0
0 1 2 0 0 0
0 2 3 0 0 0
A=
0 0 0 −1 3 0
0 0 0 3 2 1
0 0 0 −1 −1 1
é uma matriz diagonal por blocos A1 , A2 , A3 , em que
−1 3 0
1 2
A1 = −1 , A2 = , A3 = 3 2 1
2 3
−1 −1 1
Bloco de Jordan
179
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo:
0 1 0 0
2 1 0
2 −1 1 0 0 1 0
J−1 = ; J23 = 0 2 1 ; J04 =
0 −1 0 0 0 1
0 0 2
0 0 0 0
Exemplo:
180
2.7. APẼNDICE 1 - CÁLCULO DA MATRIZ E AT POR DIAGONALIZAÇÃO
Jλm11
0 0
0
Jλm22 0
J =
.
.
0 0 Jλmkk
(A − λi I)viG1 = vi
(A − λi I)viG2 = viG1
(A − λi I)viG3 = viG2 . . .
Exemplo:
Determinar eAt sendo
−2 0 1
A = 0 −3 −1
0 1 −1
12
A lista de valores próprios, λ1 , . . . λk , pode conter repetições. Nesse caso se, por exemplo, λ2 = λ1 (e λj 6= λ1 ,
para j ≥ 3) então λ1 tem dois vectores próprios associados linearmente independentes, v1 e v2 (multiplicidade
geométrica igual a 2) e m1 + m2 é a multiplicidade algébrica de λ1 .
181
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Dado que a matriz não é nem diagonal, nem um bloco de Jordan (ou afim) nem diagonal por
blocos, teremos que determinar eAt pelo processo usual de cálculo de valores e vectores próprios.
Os valores próprios de A são as soluções de
det(A − λ I) = 0 ⇔ (λ + 2)3 = 0
Tem-se então que −2 é o valor próprio de A com multiplicidade algébrica 3. Note-se que só depois
de calcular a sua multiplicidade geométrica (número de vectores próprios linearmente independen-
tes associado a −2) poderemos concluir se A é diagonalizável (se a mult. geom. for = 3) ou não
diagonalizável (se a mult. geom. for = 2 ou = 1). Os vectores próprios associados a −2 são as
soluções não nulas de
0 0 1 a 0
b=c=0
(A + 2I)v = 0 ⇔ 0 −1 −1 b = 0
⇔
a∈R
0 1 1 c 0
Então
v = (a, b, c) = (a, 0, 0) = a(1, 0, 0)
Conclui-se que a multiplicidade geométrica do valor próprio é 1, ou seja admite apenas um vector
próprio independente, que por exemplo pode ser v = (1, 0, 0). Sendo assim a matriz A é não
diagonalizável, pelo que é semelhante a uma matriz formada por um único bloco de Jordan, ou
seja:
A = SJS −1
em que
−2 1 0 1 | |
J = 0 −2 1 e S = 0 v1 v2
0 0 −2 0 | |
sendo v1 e v2 vectores próprios generalizados de v. O primeiro vector próprio generalizado é
solução não nula de
0 0 1 a 1 c=1
(A + 2I)v1 = v ⇔ 0 −1 −1 b = 0 ⇔ b = −1
0 1 1 c 0 a∈R
Então
v1 = (a, b, c) = (a, −1, 1) = a(1, 0, 0) + (0. − 1, 1)
Podemos então escolher, por exemplo, v1 = (0. − 1, 1). O segundo vector próprio generalizado é
solução não nula de
0 0 1 a 0 c=0
(A + 2I)v2 = v1 ⇔ 0 −1 −1 b = −1 ⇔ b=1
0 1 1 c 1 a∈R
Então
v1 = (a, b, c) = (a, 1, 0) = a(1, 0, 0) + (0.1, 0)
182
2.8. APÊNDICE 2 -TRANSFORMADA DE LAPLACE
183
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Por vezes usa-se a notação L{f (t)}(s) para representar L{f }(s), em situações em que se designa
a função f pela fórmula que a define.
Nota: Se f : [0, ∞[→ C, então podemos definir a transformada de Laplace de f pela equação
(2.64), e a mesma estará bem definida para Re s > α, onde α ∈ R+ é obtido a partir da condição
de convergência (2.65).
Exemplo:
Se c ≥ 0
Z ∞ Z ∞
N
−ts −ts e−ts e−cs
L{Hc (t)}(s) = H(t − c)e dt = e dt = lim − = , Re s > 0
0 c N →∞ s c s
184
2.8. APÊNDICE 2 -TRANSFORMADA DE LAPLACE
(1) Linearidade
L{f + g}(s) = L{f }(s) + L{g}(s)
e para α ∈ R
L{αf }(s) = αL{f }(s)
Em consequência, para quaisquer α, β ∈ R
dn
L{f (t)}(s) = (−1)n L{tn f (t)}(s)
dsn
L{f (n) (t)}(s) = −f (n−1) (0) − sf (n−2) (0)... − sn−2 f ′ (0) − sn−1 f (0) + sn L{f (t)}(s)
Demonstração:
185
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
= −L{tf (t)}(s)
(5) Integrando por partes (e atendendo a que, por hipótese, Re s > 0):
Z ∞ Z ∞
∞
L{f ′ (t)}(s) = e−st f ′ (t) dt = e−st f (t)0 + s e−st f (t) dt = −f (0) + sL{f (t)}(s)
0 0
Exemplos
a) Para b ∈ R, e usando a linearidade da transformada de Laplace:
eibt + e−ibt 1 1 1 s
L{cos(bt)}(s) = L{ }(s) = + = 2 , Re s > 0
2 2 s − ib s + ib s + b2
eibt − e−ibt 1 1 1 b
L{sen(bt)}(s) = L{ }(s) = − = 2 , Re s > 0
2i 2i s − ib s + ib s + b2
b) Para a e b ∈ R, e usando a propriedade da translação da transformada de Laplace:
s+a
L{e−at cos(bt)}(s) = L{cos(bt)}(s + a) = , Re s > −a
(s + a)2 + b2
b
L{e−at sen(bt)}(s) = L{sen(bt)}(s + a) = , Re s > −a
(s + a)2 + b2
186
2.8. APÊNDICE 2 -TRANSFORMADA DE LAPLACE
dn n!
L{tn eat }(s) = (−1)n L{e at
}(s) = , Re s > a
dsn (s − a)n+1
n!
L{tn }(s) = , Re s > 0
sn+1
1
L{f (t)}(s) = e−2s 2
= e−2s L{t}(s) = L H(t − 2)(t − 2) (s)
s
Y (s) = L{y(t)}(s)
obtém-se
1
Y (s) = B(s) + Q(s)
P (s)
onde P (s) é o polinómio caracterı́stico associado a (2.66), B(s) a transformada de Laplace
de b(t) e Q(s) um polinómio de grau menor ou igual que n−1. Quando as condições iniciais
são nulas, Q(s) = 0.
L{y(t)}(s) = Y (s).
Em consequência:
y(t) = L−1 {Y (s)}(t)
Diz-se que y(t) é a transformada de Laplace inversa de Y (s). Utilizando este método,
obtém-se a solução, y(t), do PVI (2.66).
187
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo:
2 n 2 o
L {b(t)} (s) = L t2 (s) − L H(t − 1)t2 (s) = 3 − L H(t − 1) (t − 1) + 1) (s)
s
2 2
= 3 − e−s L (t + 1)2 (s) = 3 − e−s L t2 + 2t + 1 (s)
s s
2 2 2 1
= 3 − e−s + +
s s3 s2 s
2 1
−s 2 2
L {ÿ + y} (s) = L {ÿ} (s) + L {y} (s) = − e + +
s3 s3 s2 s
2 1
−s 2 2
−ẏ(0) − sy(0) + s2 L {y} (s) + L {y} (s) = − e + +
s3 s3 s2 s
Usando a notação Y (s) = L {y(t)} (s), e atendendo a que y(0) = ẏ(0) = 0, tem-se então:
2 1
−s 2 2
(s2 + 1)Y (s) = − e + + ,
s3 s3 s2 s
ou seja:
1 2 −s 2 2 1
Y (s) = − e + +
s2 + 1 s3 s3 s2 s
188
2.8. APÊNDICE 2 -TRANSFORMADA DE LAPLACE
−2 0 2 2s + 0
F1 (s) = + 2+ 3+ 2
s s s s +1
−2 d2 1 s
= + 2 +2 2
s ds s s +1
= e−s L −1 + 2t + t2 + cos t − 2 sen t (s)
n o
= L H(t − 1) − 1 + 2(t − 1) + (t − 1)2 + cos(t − 1) − 2 sen(t − 1) (s)
Conclui-se que
n o
Y (s) = L −2 + t2 + 2 cos t + H(t − 1) − 1 + 2(t − 1) + (t − 1)2 + cos(t − 1) − 2 sen(t − 1) (s)
δ(t) = 0 ∀t ∈ R \ {0}
Z ∞
δ(x) dx = 1
−∞
189
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Se f é contı́nua em t = 0 então:
Z ∞
δ(t)f (t) dt = f (0)
−∞
Desta forma: Z ∞
L {δc (t)} = δc (t)e−st dt = e−cs .
−∞
Exemplo:
o que é equivalente a
(s2 + 2s + 1)Y (s) = 2e−2s ,
ou seja
2 t n o
Y (s) = e−2s = e −2s
L 2te (s) = L 2H(t − 2)(t − 2)e −(t−2)
(s)
(s + 1)2
190
2.8. APÊNDICE 2 -TRANSFORMADA DE LAPLACE
Então
n
X
f (t) = Res est F (s), sj (2.68)
j=1
Im s
− √
γR
α + i R 2 − α2
s1
sn
s
IR −IR
α
Re s
s2
sn−1
s3
+
γR
√
α − i R − α2
2
Sejam
+
γR = {s ∈ C : |s| = R e Re s ≥ α}
−
γR = {s ∈ C : |s| = R e Re s ≤ α}
as curvas de Jordan:
Γ+ +
R = γR + (−IR ) , Γ− −
R = γ R + IR
191
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
A transformada de Laplace de f (nos pontos s ∈ C onde o limite que define o integral impróprio
converge) será então dada por:
Z Z !
N
2πi L {f (t)} (s) = lim e−st ezt F (z) dz dt.
N →∞ 0 Γ−
R
pelo que, para esses valores de s, o limite que define L {f (t)} (s) existe e:
Z
F (z)
2πi L {f (t)} (s) = − dz.
− z − s
ΓR
Considera-se agora R suficientemente grande, de tal forma que — para além das sigularidades
s1 , s2 , . . . , sn — também s está no interior da circunferência |z| = R, e a estimativa (2.67) é
válida para |z| = R (ou seja, R ≥ R̂). Aplicando a fórmula integral de Cauchy à curva Γ+ R e à
função F (que é analı́tica nessa curva e no seu interior):
Z Z Z
F (z) F (z) F (z)
2πi L {f (t)} (s) = − dz − dz + 2πi F (s) = 2πi F (s) − dz.
− z − s + z − s
ΓR ΓR |z|=R − s
z
| {z }
=0
Como:
Z Z Z
F (z) |F (z)| M/Rβ 2πRM
dz ≤ |dz| ≤ |dz| = β →0
|z|=R z − s |z|=R |z − s| R − |s| |z|=R R (R − |s|)
ou seja,
L {f (t)} (s) = F (s).
192
2.8. APÊNDICE 2 -TRANSFORMADA DE LAPLACE
.
P (s)
Este teorema de inversão pode ser útil quando F (s) é uma função racional, isto é, F (s) = Q(s) ,
onde P (s) e Q(s) são polinómios. Neste caso, e como vimos na subsecção 1.9.3, basta que o
grau de Q(s) seja maior que o de P (s) para a condição (2.67) seja satisfeita.
Exemplo 1:
s+1
Determinar a transformada de Laplace inversa de F (s) = .
s2 +s−6
s+1
Como s2 + s − 6 = (s + 3)(s − 2), est F (s) = est (s+3)(s−2) tem por singularidades s = 2 e
2
s = −3, sendo ambas pólos simples. Note que o grau de s + s − 6 é maior que o de s − 1. Pelo
teorema de inversão da transformada de Laplace:
−1 −1 s+1
L {F (s)} = L = Res est F (s), 2 + Res est F (s), −3
(s + 3)(s − 2)
Exemplo 2:
Sendo F (s) uma função que verifica as condições do teorema de inversão da transformada de
Laplace, provar que
Z α+i∞
−1 1
f (t) = L {F (s)}(t) = est F (s) ds para t > 0. (2.70)
2πi α−i∞
Notamos em primeiro lugar que a equação (2.69) é válida para qualquer R muito grande;
tomando o limite em ambos os membros de (2.69) quando R → ∞, então:
Z Z ! Z Z
α+i∞
st st
2πif (t) = lim e F (s) ds + e F (s) ds = est F (s) ds + lim est F (s) ds
R→∞ IR −
γR α−i∞ R→∞ γ −
R
R
Resta provar que limR→∞ −
γR est F (s) ds = 0.
193
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
−
A curva γR é o arco de circunferência parametrizado por s(θ) = Reiθ , com π2 −κ ≤ θ ≤ 3π
2 +κ
−
e κ = arctg √R2α−α2 . Podemos escrever γR 1 + S + C 2 13 onde o parâmetro θ satisfaz:
= CR R R
π π 1 ;
2 −κ<θ < 2 para z(θ) ∈ CR
π 3π
2 <θ< 2 para z(θ) ∈ SR ;
3π 3π 2 .
2 <θ< 2 + κ para z(θ) ∈ CR
1 + C 2 , tendo em conta que ets = et Re s ≤ etα para
Para estimar os integrais ao longo de CR R
−
s ∈ γR : Z
M etα Z M etα
st
e F (s) ds ≤ |ds| = 2R|κ|
C − +C +
R R
Rβ CR− +CR+ Rβ
Como | arctg x| ≤ |x|, então R|κ| = R arctg √R2α−α2 ≤ R √R|α| = √ |α|2 2 , pelo que:
2 −α2
1−α /R
Z
2M etα |α|
est F (s) ds ≤
p −→ 0 quando R→∞
C − +C + Rβ 1 − α2 /R2
R R
O integral ao longo de SR pode ser estimado usando o método da prova do lema de Jordan.
Em primeiro lugar,
Z Z 3π
ts 2 tR cos θ itR sen θ
e |ds| = e e R dθ
π
SR 2
Z 3π Z Z
2
π π
tR cos θ tR cos(ω+ π2 )
= e R dθ = e R dω = e−tR sen ω R dω.
π
2
0 0
13 1 2
A ideia desta decomposição baseia-se no facto de os comprimentos das curvas CR e CR não tenderem para
∞ quando R → ∞, o que permite uma majoração mais simples dos integrais correspondentes. Por outro lado, o
integral ao longo de SR pode ser estimado pelo método que foi usado na prova do lema de Jordan.
194
Capı́tulo 3
Séries de Fourier
Definição e convergência pontual
Para qualquer L ∈ R+ , considere-se uma função f : [−L, L] → R. Pode-se associar a f a sua
Série de Fourier, ou série trigonométrica
∞
a0 X nπx nπx
SFf (x) = + an cos( ) + bn sen( )
2 L L
n=1
em que Z Z
L L
1 1 nπx
a0 = f (x) dx , an = f (x) cos( )dx
L −L L −L L
e Z L
1 nπx
bn = f (x) sen( )dx
L −L L
Teorema: (convergência pontual da série de Fourier)
195
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Note-se que a série de Fourier SFf está bem definida em R, é periódica de perı́odo 2L e está
relacionada, no sentido descrito em (3.1)) com a extensão periódica, f¯, de f a R, isto é:
f¯(x) sendo x um ponto de continuidade de f
SFf (x) =
f¯(x+ ) + f¯(x− )
sendo x um ponto de descontinuidade de f¯
2
Exemplo:
Determinar a série de Fourier da função f : [−1, 1] → R definida por
−π se x ∈ [−1, 0[
f (x) =
π se x ∈ [0, 1]
A série de Fourier associada a f será
∞
a0 X
SFf (x) = + an cos(nπx) + bn sen(nπx)
2
n=1
Dado que tanto f como f ′ são funções seccionalmente contı́nuas em [−1, 1] o teorema anterior
permite-nos concluir que SFf (x) está bem definida para x ∈ [−1, 1]. Pela periodicidade das
funções sen(nπx), é fácil de compreender que SFf está bem definida para todo x ∈ R e que é
periódica de perı́odo 2. De seguida mostra-se alguna gráficos das aproximações da série de Fourier
da função f , isto é, o gráfico de alguns termos da sucessão das somas parciais
N
X 4
SN f (x) = sen (2k − 1)πx
2k − 1
k=1
196
3.1. SÉRIES DE FOURIER
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
−5
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
197
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
0
-0.9 -0.68 -0.46 -0.24 -0.02 0.2 0.42 0.64 0.86
−1
−2
−3
−4
P12 4
Gráfico da função (S12 f )(x) = n=1 2n−1 sen((2n − 1)πx)
Por ser uma função periódica de perı́odo 2, em R a soma da série de Fourier da função f será
dada pela extensão periódica de perı́odo 2 da função definida em (3.2).
198
3.1. SÉRIES DE FOURIER
0
-0.9 -0.68 -0.46 -0.24 -0.02 0.2 0.42 0.64 0.86
−1
−2
−3
−4
199
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Exemplo:
200
3.2. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE QUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Pelo Teorema da convergência pontual das séries de Fourier e atendendo que se está a utilizar a
extensão par de f a [−L, L], conclui-se que para x ∈ [0, L]
f (x) sendo x um ponto de continuidade de f
f (x+ ) + f (x− )
sendo x um ponto de descontinuidade de f
Scos f (x) = 2
f (L) se x = L
f (0) se x = 0
em que Z Z
π π
2 2 3
a0 = g(x)dx = dx =
π 0 π π 2
4
e para n ∈ N
Z π Z π
2 2 2 nπ
an = g(x) cos(nx)dx = cos(nx)dx = − sen
π 0 π π nπ 4
4
Conclui-se que
∞
3 X 2 nπ
Scos g(x) = − sen cos(nx)
4 nπ 4
n=1
e em R a soma da série de cosenos da função g será a extensão periódica de perı́odo 2π, de (3.4)
a R.
201
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
• Equação do Calor
∂u ∂2u ∂2u
=K + ... +
∂t ∂x21 ∂x2n
em que t > 0, x1 ∈ [0, L1 ],..., xn ∈ [0, Ln ], e K > 0 é a condutividade térmica do material.
Este tipo de equações está associado a processos envolvendo condução térmica e difusão2 .
• Equação de Laplace
∂2u ∂2u
+ ... + =0
∂x21 ∂x2n
em que x1 ∈ [0, L1 ],..., xn ∈ [0, Ln ]. Este tipo de equações está associado a processos
estacionários de condução térmica e difusão, à electrostática e ao movimento dos fluı́dos.
• Condições de Fronteira
Que predefinem o comportamento da função u na fronteira de R = [0, L1 ] × ... × [0, L1 ], e
que poderão ser de vários tipos:
– Condições de Dirichlet
se definem o valor de u na fronteira de R;
– Condições de Neumann
se definem o valor de ∂u
∂x na fronteira de R (ou seja, definem o fluxo de u na fronteira
de R);
• Condições Iniciais
que definem o estado inicial, isto é, para a equação do calor
202
3.2. INTRODUÇÃO AO ESTUDO DE QUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
∂u ∂2u
=K 2 , ∀t > 0 , x ∈]0, L[
∂t ∂x
sendo K > 0 a condutividade térmica (ou o coeficiente de difusão). Assumiremos condições de
fronteira de Dirichlet homógeneas, isto é
e a condição inicial
u(0, x) = f (x) , ∀x ∈]0, L[
em que f é uma função seccionalmente contı́nua e com derivada seccionalmente contı́nua definida
no intervalo [0, L].
Resolveremos então o problema de valores na fronteira e inicial
∂u ∂2u
= K t > 0 , x ∈]0, L[
∂t
∂x2
Começamos por notar que se f (x) ≡ 0 então a solução de (3.5) é u(t, x) ≡ 0. Se f não é
identicamente nula então u tambem não o será.
Vamos utilizar o método de separação de variáveis para determinar soluções do problema (3.5)
da forma
u(t, x) = T (t)X(x)
Pela observação acima feita, nem T (t) nem X(x) poderão ser identicamente nulas. Substituindo
na equação diferencial obtém-se
∂ ∂2 T ′ (t) X ′′ (x)
T (t)X(x) = K 2 T (t)X(x) ⇔ T ′ (t)X(x) = KT (t)X ′′ (x) ⇔ =
∂t ∂x KT (t) X(x)
Observe-se que, separadas as variáveis, pretende-se que para todos t > 0 e x ∈]0, L[ uma função
T ′ (t) X ′′ (x)
de t ( KT (t) ) iguale uma função de x ( X(x) ). Para que tal se verifique é necessário que ambos
igualem uma constante, isto é, para λ ∈ R
T ′ (t) X ′′ (x)
=λ e =λ
KT (t) X(x)
203
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
É conveniente notar que, se não exigı́ssemos condições de fronteira nulas, o método de se-
paração de variáveis falharia neste ponto. A razão é muito simples — a lei do anulamento do
produto não seria aplicável.
Temos então dois problemas para resolver - correspondentes a duas equações diferenciais
ordinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′ = λKT
X(0) = X(L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1). Trata-se duma equação diferencial linear homogénea,
cuja solução tem que verificar condições de fronteira nulas. Nesta situação, a função nula é sempre
solução de (P1). Existem no entanto alguns valores de λ para os quais essa não é a única solução
de (P1).
Definição: λ diz-se um valor próprio de (P1). associado à função própria ϕ(x), sse ϕ(x) for
uma solução não nula de (P1).
Para continuar a nossa resolução, teremos que encontrar os valores própios de (P1) a fim de
determinar as suas soluções não nulas. Assim
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D2 − λ)X = 0
X(0) = 0 ⇒ B = 0
X(L) = 0 ⇒ A sen(ωx) = 0
pelo que,
A=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen(ωL) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = sen , com n ∈ Z
L L
2 2
Temos assim que λ = −ω 2 = − nLπ2 e X(x) = sen nπx L , para n ∈ Z, são os valores próprios
e as correspondentes funções próprias associadas. Note que para os ı́ndices n inteiros negativos
204
3.3. PROBLEMA DE DIRICHLET HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
repetem-se os valores próprios e as funções próprias (a menos de combinação linear). Conclui-se
2 2
que qualquer λ que não seja da forma − nLπ2 (para algum n ∈ N) não é valor próprio de (P1), e
2 2
para cada n ∈ N, λ = − nLπ2 é valor próprio de (P1) associado à função própria Xn (x) = sen nπx
L .
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para cada n ∈ N
n2 π 2 n2 π 2 K
T′ = − KT ⇒ Tn (t) = e− L2
t
L2
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que as solução da equação do calor unidimensional, da
forma u(t, x) = T (t)X(x), que verificam condições de fronteira de Dirichlet nulas são as funções
da forma
n2 π 2 K nπx
un (t, x) = Tn (t)Xn (x) = e− L2 t sen , , n∈N (3.6)
L
Princı́pio da Sobreposição
Observa-se que, relativamente a sobreposições com um número infinito de termos, será ne-
cessário verificar adicionalmente que a série obtida é uniformemente convergente em subconjuntos
compactos do domı́nio onde a equação diferencial é satisfeita.
é solução da equação do calor unidimensional que verifica condições de fronteira de Dirichlet nulas.
Para determinar as constantes cn teremos que utilizar a condição de fronteira u(0, x) = f (x).
Resulta então que:
∞
X nπx
cn sen = f (x) (3.7)
L
n=1
205
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
em que f é uma função seccionalmente contı́nua em ]0, π[. Tal como deduzimos na Secção 3.2.1,
a solução do problema (3.8) é dada por
∞
X 2 Kt
u(t, x) = cn e−n sen(nx) , cn ∈ R
n=1
e para determinar as constantes (cn )n∈N usaremos a condição inicial, pelo que
∞
X
cn sen(nx) = f (x) (3.9)
n=1
Exemplo 1
Se a condição inicial for
f (x) = sen(2x) − 3 sen(5x)
por (3.9),
∞
X
cn sen(nx) = sen(2x) − 3 sen(5x)
n=1
c2 = 1 , c5 = −3 e cn = 0 ∀n ∈ N \ {2, 5}
Concluimos que a solução de (3.8) quando f (x) = sen(2x) − 3 sen(5x) é dada por
Exemplo 2
Se a condição inicial for
π π x se 0 ≤ x ≤ π2
f (x) = − x − =
2 2 π − x se π2 < x ≤ π
por (3.9),
∞
X π π
cn sen(nx) = − − x
2 2
n=1
pelo que para determinar as constantes (cn ) precisamos de determinar a série de senos da função
f (x) em [0, π]. Assim
X∞
Ssen f (x) = bn sen(nx)
n=1
em que
Z π Z π/2 Z π
2 2h i 4 nπ
bn = f (x) sen(nx) dx = x sen(nx) dx + (π − x) sen(nx) dx = 2
sen
π 0 π 0 π/2 πn 2
206
3.4. PROBLEMA DE DIRICHLET NÃO HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
Dado que a extensão periódica (de perı́odo 2π) a R da extensão ı́mpar de f ao intervalo [−π, π]
é contı́nua, tem-se que para todo x ∈ [0, π]
∞
π π X 4 nπ
− x − = 2
sen sen(nx)
2 2 πn 2
n=1
4 nπ
cn = 2
sen
πn 2
π
− x − π2 é dada por
e a solução de (3.8) quando f (x) = 2
∞
X 4 nπ −n2 Kt
u(t, x) = 2
sen e sen(nx)
πn 2
n=1
207
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Vamos verificar em primeiro lugar que se u(t, x) é da forma dada em (3.11) então é solução de
(3.10). De facto, utilizando a linearidade da derivada
pelo que verifica a condição inicial de (3.10). Conclui-se que u(t, x) dada em (3.11) é solução de
(3.10). A função ue (x) é denominada uma solução estacionária de (3.10), pois não depende de t.
A equação u′′e = 0 tem como solução ue (x) = Ax + B. Dado que ue (0) = T1 e ue (L) = T2
conclui-se que
T2 − T 1
ue (x) = x + T1
L
Por outro pela Secção 1, dado que (3.12) é o problema da equação do calor com condições de
fronteira de Dirichlet homogéneas
∞
X n2 π 2 K nπx
v(t, x) = c n e− L2
t
sen
L
n=1
em que para todo n ∈ N, (cn ) são os coeficientes da série de senos da função f (x) − T2 −T
L x − T1
1
208
3.5. PROBLEMA DE NEUMANN HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
isto é, vamos estudar a propagção de calor numa barra de comprimento L em que não há troca de
calor com o exterior pelas suas extremidades (o significado das condições de Neumenn ∂u ∂x (t, 0) =
∂u
∂x (t, L) = 0 é que o fluxo de calor através da fronteira do corpo, que neste caso são os pontos
x = 0 e x = L, é nulo).
Observa-se que se f (x) ≡ 0 então a solução de (3.14) é u(t, x) ≡ 0. Se f não é identicamente
nula então u tambem não o será.
Vamos utilizar o método de separação de variáveis para determinar soluções do problema
(3.14) da forma
u(t, x) = T (t)X(x)
Pela observação acima feita, nem T (t) nem X(x) poderão ser identicamente nulas. Substituindo
na equação diferencial, tal como nos casos anteriores
∂ ∂2 T ′ (t) X ′′ (x)
T (t)X(x) = K 2 T (t)X(x) ⇔ =
∂t ∂x KT (t) X(x)
Observe-se que, separadas as variáveis, pretende-se que para todos t > 0 e x ∈]0, L[ uma função
T ′ (t) X ′′ (x)
de t ( KT (t) ) iguale uma função de x ( X(x) ). Para que tal se verifique é necessário que ambos
igualem uma constante, isto é, para λ ∈ R
T ′ (t) X ′′ (x)
=λ e =λ
KT (t) X(x)
Temos então dois problemas para resolver — correspondentes a duas equações diferenciais or-
dinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′ = λKT
X ′ (0) = X ′ (L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1). Trata-se de um problema de valores próprios e para
os determinar teremos que encontra as soluções não nulas de (P1). Assim
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D2 − λ)X = 0
209
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
O caso λ > 0 combinado com as condições de fronteira, produz apenas a solução nula.
Conclui-se que qualquer λ > 0 não é valor próprio de (P1).
Para o caso λ = 0 obtém-se X(x) = Ax + B que combinado com as condições de fronteira,
produz X(x) = B. Pelo que λ = 0 é valor próprio de (P1) associado à funçã própria X0 (x) = 1
Para o caso λ < 0, tem-se que
X ′ (0) = 0 ⇒ A = 0
X ′ (L) = 0 ⇒ Bω sen(ωx) = 0
pelo que,
B=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen(ωL) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = cos , com n ∈ N
L L
2 2
Temos assim que λ = 0, com X(x) = 1 e λ = −ω 2 = − nLπ2 e X(x) = cos nπx L , para n ∈ N, são
os valores próprios e as correspondentes funções próprias associadas.
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para λ = 0
T′ = 0 ⇒ T0 (t) = 1
e para cada n ∈ N
n2 π 2 2 2
− n π2 K t
T′ = − KT ⇒ T n (t) = e L
L2
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que as solução da equação do calor unidimensional, da
forma u(t, x) = T (t)X(x), que verificam condições de fronteira de Dirichlet nulas são as funções
da forma
n2 π 2 K nπx
u0 (t, x) = T0 (t)X0 (x) = c0 e un (t, x) = Tn (t)Xn (x) = e− L2
t
sen , , n∈N
L
Então
∞ ∞
X X n2 π 2 K nπx
u(t, x) = cn un (t, x) = c0 + c n e− L2
t
cos , , cn ∈ R
L
n=0 n=1
é solução da equação do calor unidimensional que verifica condições de fronteira de Neumann nulas.
Para determinar as constantes cn teremos que utilizar a condição de fronteira u(0, x) = f (x).
Resulta então que:
∞
X nπx
c0 + cn cos = f (x) (3.15)
L
n=1
Concluindo-se que as constantes cn são os coeficientes da série de cosenos de f em [0, L], ou seja
Z L
a0 1
c0 = = f (x)dx
2 L 0
e para cada n ∈ N
Z L
2 nπx
c n = an = f (x) cos dx
L 0 L
210
3.6. UNICIDADE DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA DE DIRICHLET PARA A EQUAÇÃO DO
CALOR
u(t, 0) = T1 , u(t, L) = T2 t>0
u(0, x) = f (x) x ∈ ]0, L[
Multiplicando a equação do calor (3.16) por v e integrando em x no intervalo [0, L], obtém-se:
Z L Z L
∂v ∂2v
v dx = K v dx
0 ∂t 0 ∂x2
Integrando o segundo membro por partes, e usando as condições iniciaisem (3.16), obtém-se: 4
Z L 2 Z L 2 !
∂ v ∂v ∂v ∂v
v 2 dx = K v(t, 0) ∂x (t, 0) − v(t, L) ∂x (t, L) − dx
0 ∂x 0 ∂x
Z L 2
∂v
= −K dx ≤ 0
0 ∂x
1
RL 2 dE
Definido E(t) = 2 0 v(t, x) ≤ 0. Por
dx, então conclui-se dos resultados anteriores que
dt
outro lado, pela condição inicial E(0) = 0; além disso, E(t) ≥ 0, para qualquer t ≥ 0. Assim
sendo, teremos necessariamente que E(t) ≡ 0, donde se conclui que:
211
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Um outro exemplo de equação diferencial parcial de extrema relevância fı́sica é a equação das ondas
(linear). No mundo da fı́sica, os fenómenos ondulatórios são comuns: os exemplos óbvios são as
perturbações na superfı́cie de um fluı́do, as vibrações de cordas em instrumentos musicais, a as
perturbações de pressão no ar que consistem na propagação de som, e a radiação electromagnética.
Se a amplitude das perturbações for suficientemente pequena e regular, a variável de perturbação
u(x, t) associada às ondas verifica a equação das ondas (linear)
∂2v
= c2 ∆u
∂t2
onde u(t, x) é uma função da posição e do tempo que descreve o comportamento da onda e c é
a velocidade de propagação da onda no meio em questão.
A equação das ondas unidimensional pode ser usada como modelo matemático de uma corda
vibrante.
Considere-se o problema de ondas (não forçadas) numa corda de comprimento finito L, com
posição e velocidade inicial dadas e extremidades fixas.
u(t, x)
0 x x
L
212
3.7. A EQUAÇÃO DAS ONDAS
fronteira e inicial 2
∂ u 2
2∂ u
= c t > 0 , x ∈]0, L[
∂t2 ∂x2
u(t, 0) = u(t, L) = 0 t>0
(3.17)
u(0, x) = f (x) x ∈]0, L[
∂u
∂t (0, x) = g(x) x ∈]0, L[
Começamos por notar que se f (x) ≡ 0 e g(x) ≡ 0 então a solução de (3.17) é u(t, x) ≡ 0. Se f
ou g não são identicamente nulas então u tambem não o será.
Tal como para a resolução da equação do calor unidimensional, e dado que estamos a consi-
derar condições de fronteira homogéneas, vamos utilizar o método de separação de variáveis para
determinar soluções do problema (3.17) da forma
u(t, x) = T (t)X(x)
Pela observação acima feita, nem T (t) nem X(x) poderão ser identicamente nulas. Substituindo
na equação diferencial obtém-se
∂2
2 ∂
2
′′ 2 ′′ T ′′ (t) X ′′ (x)
T (t)X(x) = c T (t)X(x) ⇔ T (t)X(x) = c T (t)X (x) ⇔ =
∂t2 ∂x2 c2 T (t) X(x)
Observe-se que, separadas as variáveis, pretende-se que para todos t > 0 e x ∈]0, L[ uma função
′′ ′′ (x)
de t ( cT2 T(t)
(t)
) iguale uma função de x ( XX(x) ). Para que tal se verifique é necessário que ambos
igualem uma constante, isto é, para λ ∈ R
T ′′ (t) X ′′ (x)
=λ e =λ
c2 T (t) X(x)
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira e possı́veis condições iniciais nulas (note que
pelo que já foi referido apenas uma delas o poderá ser)
Temos então dois problemas para resolver - correspondentes a duas equações diferenciais
ordinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′′ = λc2 T
X(0) = X(L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1), que é um problema de valores próprios. Assim:
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D2 − λ)X = 0
213
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
X(0) = 0 ⇒ B = 0
X(L) = 0 ⇒ A sen(ωx) = 0
pelo que,
A=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen(ωL) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = sen , com n ∈ Z
L L
2 2
Temos assim que λ = −ω 2 = − nLπ2 e X(x) = sen nπx L , para n ∈ Z, são os valores próprios
e as correspondentes funções próprias associadas. Note que para os ı́ndices n inteiros negativos
repetem-se os valores próprios e as funções próprias (a menos de combinação linear). Conclui-se
2 2
que qualquer λ que não seja da forma − nLπ2 (para algum n ∈ N) não é valor próprio de (P1), e
2 2
para cada n ∈ N, λ = − nLπ2 é valor próprio de (P1) associado à função própria Xn (x) = sen nπx
L .
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para cada n ∈ N
n2 π 2 2 n2 π 2 2 nπct nπct
T ′′ + c T =0 ⇒ (D2 + c )T = 0 ⇒ Tn (t) = αn sen + βn cos
L2 L2 L L
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que as soluções da equação das ondas unidimensional,
da forma u(t, x) = T (t)X(x), que verificam condições de fronteira de Dirichlet nulas são as
funções da forma
nπx nπct nπct
un (t, x) = Tn (t)Xn (x) = sen αn sen + βn cos , n∈N (3.18)
L L L
Por sobreposição, a solução da equação diferencial que satisfaz as condições de fronteira será:
∞
X nπx nπct nπct
u(t, x) = sen αn sen + βn cos .
L L L
n=1
214
3.7. A EQUAÇÃO DAS ONDAS
ou seja:
Z L
2 nπx
αn = g(x) sen dx.
nπc 0 L
Procuremos agora as denomihadas soluções de D’Alembert para a equação das ondas. Aten-
dendo às igualdades trigonométricas
1 1
sen(a) sen(b) = cos(a − b) − cos(a + b) , sen(a) cos(b) = sen(a − b) + sen(a + b)
2 2
podemos escrever
∞ ∞
X nπx nπct X βn nπ nπ
βn sen cos = sen (x − ct) + sen (x + ct)
L L 2 L L
n=1 n=1
e
∞ ∞
X nπx nπct X αn nπ nπ
αn sen sen = cos (x − ct) − cos (x + ct)
L L 2 L L
n=1 n=1
Pela definição dos coeficientes das séries de Fourier de senos (αn ) e (βn ) se, em [0, L], f e g
forem funções contı́nuas com derivadas seccionalmente contı́nuas, teremos
∞ ∞
X nπx X nπc nπx
f¯(x) = βn sen e ḡ(x) = αn sen
L L L
n=1 n=1
∞
X nπx nπct 1 ¯
βn sen cos = f (x − ct) + f¯(x + ct) .
L L 2
n=1
Da mesma forma:
∞ ∞ Z x+ct
X nπx nπct X αn nπ nπs
αn sen sen = sen ds
L L 2 x−ct L L
n=1 n=1
Z ∞
x+ct X
1 nπαn nπs
= sen ds
2 x−ct L L
n=1
Z x+ct
1
= ḡ(s)ds
2c x−ct
215
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
∂2u ∂2u
+ 2 =0
∂x2 ∂y
∂2u ∂2u
+ 2 = f (x, y)
∂x2 ∂y
é conhecida como a equação de Poisson, em homenagem Siméon-Denis Poisson, que foi aluno de
Laplace.
Para além da sua importância teórica, as equações de Laplace e Poisson surgem como as
soluções estacionárias numa grande variedade de modelos fı́sicos. Por exemplo, u(x, y) pode ser
interpretada como o deslocamento de uma membrana e f (x, y) representa uma força externa que
actua sobre a superfı́cie da membrana. Outro exemplo é o equilı́brio térmico de placas: neste caso,
u(x, y) representa a temperatura e f (x, y) uma fonte de calor externa. Na mecânica de fluidos,
u(x, y) representa a função potencial cujo gradiente v = ∇u é o vector velocidade do um de um
fluido cujo fluxo é invariante por translações segundo uma certa direcção. Esta mesma teoria do
potencial é aplicável à electrostática bidimensional e aos potenciais gravitacionais.
Uma vez que a equação de Laplace — e, também, a de Poisson — descrevem situações
estacionárias, elas surgem associadas a problemas de valor na fronteira. Note-se que as equações
do calor e das ondas — que descrevem sistemas fı́sicos que evoluem com o tempo — estão
associadas a problemas de valor na fronteira e de valor inicial.
Procuramos uma solução, u(x, y), para a equação de Laplace — definida para (x, y) numa
região aberta e limitada, D ⊂ R2 — que satisfaz certas condições quando (x, y) pertence à
fronteira do conjunto D. Observamos que no caso bidimensional a fronteira de D é constituı́da
por uma ou mais curvas simples e fechadas. Como já referido, os tipos mais importantes de
condições de fronteira são
216
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
Observa-se que se f (x) ≡ 0 a solução de (3.19) é u(x, y) ≡ 0. Por outro lado, pode-se provar que
se f não for identicamente nula então u também não o será. Tal como nos exemplos anteriores,
e tendo em conta que este problema tem 3 condições de fronteira homogéneas e um domı́nio
rectangular, o método de separação de variáveis consiste na determinação de soluções não nulas
do problema (3.19) da forma:
u(x, y) = X(x)Y (y) (3.20)
Note que nem X(x) nem Y (y) poderão ser identicamente nulas, pois caso contrário u(x,y) também
o será. Substituindo (3.20) na equação diferencial obtém-se
∂2 ∂2
X(x)Y (y) + X(x)Y (y) = 0 ⇔ X ′′ (x)Y (y) + X(x)Y ′′ (y) = 0
∂x2 ∂y 2
X ′′ (x) Y ′′ (y)
⇔ =−
X(x) Y (y)
Observe-se que as variáveis aparecem separadas: pretende-se que para todos os x ∈]0, a[ e
′′ (x) ′′ (y)
y ∈]0, b[, XX(x) , que é função apenas de x, iguale − YY (y) , que é função apenas de y. Para que
tal se verifique é necessário que ambos os membros sejam iguais a uma constante; isto é, para
λ ∈ R:
X ′′ (x) Y ′′ (y)
=λ e − =λ
X(x) Y (y)
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira nulas
• u(0, y) = 0 implica X(0)Y (y) = 0 e como tal ou Y (y) é a função identicamente nula ou
X(0) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer (implicaria u ≡ 0) tem-se que
X(0) = 0.
• u(a, y) = 0 implica X(a)Y (y) = 0 e como tal ou Y (y) é a função identicamente nula ou
X(a) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer, tem-se que X(a) = 0.
• u(x, b) = 0 implica X(x)Y (b) = 0 e como tal ou X(x) é a função identicamente nula ou
Y (b) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer (implicaria u ≡ 0) tem-se que
Y (b) = 0.
Temos então dois problemas para resolver, envolvendo cada um deles uma equação diferencial
ordinária de 2a ordem:
′′ ′′
X − λX = 0 Y + λY = 0
(P1) , (P2)
X(0) = X(a) = 0 Y (b) = 0
217
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Começamos por resolver o problema (P1), que é um problema de valores próprios. Assim:
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D2 − λ)X = 0
X(0) = 0 ⇒ B = 0
X(a) = 0 ⇒ A sen(ωx) = 0
pelo que,
A=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen(ωa) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = sen , com n ∈ Z
a a
2 2
Temos assim que λ = −ω 2 = − naπ2 e X(x) = sen nπx a , para n ∈ Z, são os valores próprios
e as correspondentes funções próprias associadas. Note que para os ı́ndices n inteiros negativos
repetem-se os valores próprios e as funções próprias (a menos de combinação linear). Conclui-se
2 2
que qualquer λ que não seja da forma − naπ2 (para algum n ∈ N) não é valor próprio de (P1), e
2 2
para cada n ∈ N, λ = − naπ2 é valor próprio de (P1) associado à função própria Xn (x) = sen nπx
a .
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para cada n ∈ N
′′ n2 π 2 2 n2 π 2 nπy nπy
Y − 2 Y =0 ⇒ D − 2 Y = 0 ⇒ Yn (y) = an e a + bn e− a ,
a a
onde an , bn ∈ R. As soluções que satisfazem a condição Y (b) = 0 são as soluções de
nπb nπb
an e a + bn e− a = 0,
ou seja,
2nπb
bn = −an e a
218
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que um conjunto de soluções linearmente independentes
da equação de Laplace bidimensional, da forma u(x, y) = X(x)Y (y), que verificam as condições
de fronteira homogéneas, é constituı́do pelas funções:
nπx nπ(y − b)
un (x, y) = Xn (x)Yn (y) = sen sh , n∈N (3.21)
a a
Podemos agora procurar uma solução da equação diferencial que satisfaça todas as condições
de fronteira recorrendo ao princı́pio da sobreposição:
∞
X nπx nπ(y − b)
u(x, y) = αn sen sh
a a
n=1
Então, para cada n ∈ N, os coeficientes αn são obtidos à custa dos coeficientes da série de senos
de f em [0, a] por Z
nπb 2 a nπx
−αn sh = f (x) sen dx.
a a 0 a
ou Z a
2 nπx
αn = − f (x) sen dx.
a sh(nπb/a) 0 a
em que u1 é solução de
2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = f1 (x) , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
219
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
u2 é solução de 2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = f2 (x) x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
u3 é solução de 2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = f3 (y) , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
e u4 é solução de
2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = f4 (y) y ∈]0, b[
A solução de cada um destes problemas é obtida pelo método utilizado na resolução de (3.19).
220
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
pelo que
∂2u 1 ∂2v 1 ∂v 1 ∂2u 1 ∂2v
= − , = −
∂r2 r ∂r∂θ r2 ∂θ r2 ∂θ2 r ∂θ∂r
Somando as duas expressões anteriores obtemos a equação de Laplace em coordenadas polares
∂ 2 u 1 ∂u 1 ∂2u
+ + =0
∂r2 r ∂r r2 ∂θ2
onde f é uma função real de variável real periódica de perı́odo 2π. Observe-se que não podemos
aplicar a separação de variáveis a este problema pois o domı́nio não é rectangular. Para ultrapassar
este problema, vamos efectuar a mudança para coordenadas polares. Obtemos assim o problema
de valores na fronteira
∂ 2 u 1 ∂u 1 ∂2u
+ + = 0 para r ∈]0, α[ , θ ∈] − π, π[
∂r2 r ∂r r2 ∂θ2 (3.24)
u(α, θ) = f (θ) para θ ∈] − π, π[
u(r, θ) = R(r)Θ(θ)
221
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
O problema (P1) é um problema de valores próprios para a equação Θ′′ − λΘ = 0 com condições
de fronteira periódicas no intervalo [−π, π]. Resolvendo a equação
Θ(θ) = aθ + b a, b ∈ R
Aplicando as condições de fronteira, obtemos que a = 0 e como tal 0 é valor próprio de (P1)
associado à solução constante.
Se λ > 0 (λ = µ2 ), a solução geral da equação é
e é fácil de concluir que as condições de fronteira obrigam a que a = b = 0, pelo que pata qualquer
λ > 0, λ não é valor próprio de (P1).
Se λ < 0 (λ = −µ2 ), a solução geral da equação é
Para que esta função seja periódica de perı́odo 2π é necessário que µ seja um número inteiro
(positivo). Assim, as condições de fronteira são verificadas apenas no caso em que µ = n, n ∈ N.
Nesse caso os valores próprios de (P1) são λ = −n2 associados às soluções
Vamos agora resolver o problema (P2) para os casos λ = −n2 , n ∈ N0 , ou seja, vamos resolver
a equação
r2 R′′ + rR′ − n2 R = 0 (3.25)
Trata-se de uma equação diferencial linear de segunda ordem, de coeficientes não constantes — a
equação de Euler. Devido à sua forma (cada termo é o produto de uma derivada de ordem k por
uma potência rk ) podemos conjecturar que existe soluções particulares da forma rk para certos
valores k ∈ R. Substituindo na eqiação, para r > 0, obtemos
Ou seja, dado n ∈ N, duas soluções linearmente independentes da equação (3.25) são R(r) = rn
e R(r) = r−n , pelo que a solução geral é da forma
Rn (r) = cn rn + dn r−n
Atendendo a que pretendemos que R(r) seja limitada quando r → 0 escolhemos dn = 0 para
todo n ∈ N, e consequentemente
Rn (r) = cn rn , n∈N
222
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
Por outro lado, para n = 0, a equação k 2 − n2 = 0 tem apenas uma raı́z, pelo que o procedimento
anterior apenas permite encontrar a solução constante. No entanto verifica-se que para n = 0 a
equação
r2 R′′ + rR′ = 0
não depende de R, pelo que podemos fazer a mudança de variável S(r) = R′ (r) e assim reduzi-la
a uma equação de primeira ordem
rS ′ + S = 0
Trata-se de uma equação separável que pode ser resolvida da forma usual
S′ 1 d0
=− ⇔ log S = − log r + d0 ⇔ S=
S r r
pelo que
d0
R′ = ⇔ R(r) = d0 log r + c0
r
Mais uma vez, atendendo a que a solução deve ser limitada, teremos que escolher d0 = 0.
Concluimos assim, que para qualquer n ∈ N0
un (r, θ) = Rn (r)Θ( θ) = rn cn cos(nθ) + dn sen(nθ)
é uma solução periódica da equação diferencial, pelo que qualquer combinação linear destas
funções tambem o será. Ou seja, a solução formal da equação tem a forma
∞
X
u(r, θ) = c0 + rn cn cos(nθ) + dn sen(nθ)
n=1
para θ ∈ [−π, π]. Pelo que as constantes (cn )n∈N0 e (dn )n∈N podem ser determinadas pela série
de Fourier associada a f no intervalo [−π, π], isto é
Z Z
2 π 1 π
c0 = f (θ)dθ , cn = f (θ) cos(nθ)dθ
π −π π −π
e Z π
1
dn = f (θ) sen(nθ)dθ
π −π
223