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1o Semestre de 2018/19
Índice
1 Análise Complexa 7
1.1 Notas Históricas Sobre Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.2 Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.1 Estrutura Algébrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.2.2 Inexistência de relação de ordem total em C . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.2.3 Potências de Expoente Inteiro e Polinómios Complexos . . . . . . . . . . 17
1.2.4 Estrutura Geométrica, Representação Polar e Fórmula de Euler . . . . . . 18
1.2.5 Raı́zes Índice n de um Número Complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.3 Funções Complexas de Variável Complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.3.1 Definição e Notação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.3.2 Funções Elementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.3.3 Limites . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.3.4 Continuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.4 Derivada complexa e Funções Analı́ticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
1.4.1 Derivada Complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
1.4.2 Equações de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.4.3 Teorema de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
1.4.4 Demonstração do Teorema de Cauchy-Riemann . . . . . . . . . . . . . . 38
1.4.5 Propriedades das Funções Analı́ticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
1.4.6 Condições de Cauchy-Riemann em Coordenadas Polares . . . . . . . . . 44
1.4.7 Noções Básicas de Topologia em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
1.4.8 Funções harmónicas em R2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
1.5 Integração em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
1.5.1 Curvas em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
1.5.2 Integral complexo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
1.5.3 Primitivação e teorema fundamental do cálculo . . . . . . . . . . . . . . 53
1.5.4 Teorema de Cauchy e suas consequências . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
1.5.5 Fórmulas integrais de Cauchy . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
1.6 Sucessões e Séries de Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
1.6.1 Sucessões de Números Complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
1.6.2 Séries Numéricas (Reais ou Complexas) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
1.6.3 Série Geométrica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
1.6.4 Resultados Gerais de Convergência de Séries Complexas . . . . . . . . . 71
1.6.5 Série Harmónica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
1.6.6 Séries de Mengoli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
1.6.7 Convergência Absoluta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
3
1.7 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
1.7.1 Analiticidade de uma Série de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
1.8 Séries de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
1.8.1 Teorema de Taylor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
1.8.2 Zeros de uma Função Analı́tica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80
1.9 Séries de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
1.9.1 Definição de Série de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
1.9.2 Teorema de Laurent . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
1.10 Singularidades, Resı́duos e Teorema dos Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
1.10.1 Singularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84
1.10.2 Classificação das Singularidades Isoladas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
1.10.3 Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
1.10.4 Teorema dos Resı́duos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
1.11 Aplicações do Teorema dos Resı́duos ao Cálculo de Integrais Reais . . . . . . . . 92
1.11.1 Integrais Trigonométricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
1.11.2 Integrais Impróprios de 1a espécie de Funções Racionais . . . . . . . . . . 94
1.11.3 Integrais Impróprios de 1a espécie envolvendo funções Trigonométricas . . 96
1.12 Apêndice A: Séries Reais de Termos Não Negativos . . . . . . . . . . . . . . . . 99
1.12.1 Séries de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
1.12.2 Séries Alternadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
1.13 Apêndice B: Convergência Uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105
1.13.1 Convergência Pontual e Convergência Uniforme de Sucessões de Funções 105
1.13.2 Convergência Pontual e Convergência Uniforme de uma Série de funções 107
5
6
Capı́tulo 1
Análise Complexa
1
1.1 Notas Históricas Sobre Números Complexos
A introdução do conceito de número complexo está relacionada com as tentativas de resolução
de equações algébricas, que tiveram lugar durante a Idade Média.
No seu compêndio de Álgebra, Al-Khawarizmi (780-850) apresenta a solução de vários tipos
de equações quadráticas, que estão de acordo com a “fórmula resolvente” que hoje consta dos
programas do ensino secundário, quando restrita a soluções positivas. Sob o califa al-Ma’mun,
cujo reinado ocorreu entre os anos 813 e 833, em Bagdad, al-Khawarizmi tornou-se membro da
“Casa da Sabedoria” (Dar al-Hikma), uma espécie de academia cujos estudos incidiam sobre a
álgebra, geometria e astronomia. Aı́ foram efectuadas traduções em árabe de obras do perı́odo
greco-romano, o que salvou algumas delas da destruição.
O compêndio de Al-Khawarizmi é um manual eminentemente prático, em estilo retórico (sem
fórmulas) seguindo a tradição babilónia e hindu da resolução de problemas práticos de agrimensura
e contabilidade, mas contendo também demonstrações geométricas das soluções dos problemas,
inspiradas nos métodos gregos. Al-Khwarizmi enunciou seis casos distintos de equações do segundo
e primeiro grau; em notação moderna, temos: (1) ax2 = bx, (2) ax2 = c, (3) bx = c, (4)
ax2 + bx = c, (5) ax2 + c = bx e (6) bx + c = ax2 . Isto era necessário pois os matemáticos desse
tempo não reconheciam coeficientes nulos nem números negativos. Al-Khwarizmi apresentou
sistematicamente as soluções de cada um desses problemas algébricos, e que eram conhecidas
desde o tempo dos babilónios, mas acrescentou-lhes demonstrações geométricas, inspiradas nos
Elementos de Euclides.
√ Visto que não considerava números negativos, o seu estudo não levou
à introdução de −1, como hoje é feito quando se define esse número como sendo uma das
soluções de x2 = −1.
Os métodos da álgebra conhecidos pelos árabes foram difundidos em Itália pela tradução em
latim da obra de al-Khawarizmi, feita por Gerard de Cremona (1114-1187). Mas foi o trabalho
matemático de Leonardo Pisano (1170-1250), mais conhecido pelo seu pseudónimo, Fibonacci,
que mais efectivamente difundiu a notação numérica e a álgebra em uso pelos árabes.
Ao tempo, Pisa era uma importante cidade comercial, que servia de nó a muitas rotas comer-
ciais do Mediterrâneo. Guglielmo Bonacci, o pai de Fibonnaci, era um despachante (ou, segundo
outros, um oficial aduaneiro) numa cidade hoje situada na Argélia, de nome Béjaı̈a, anteriormente
conhecida por Bugia ou Bougie, e de onde velas de cera eram exportadas para a Europa. Em
França, as velas ainda hoje são denominadas bougies. Fibonacci foi assim educado no norte de
1
Esta secção é de leitura facultativa.
7
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
África, pelos mouros, e mais tarde viajou extensivamente por todo o Mediterrâneo, tendo tido
a oportunidade de conhecer muitos mercadores e aprender o sistema de numeração árabe, bem
como a álgebra. Tornara-se então óbvio o facto de a aritmética e a álgebra elementar serem
bastante relevantes para a contabilidade e as finanças.
Nos três séculos seguintes, o trabalho de Fibonnaci dominou quer os aspectos teóricos da
álgebra quer as técnicas de resolução de problemas práticos. Com a ascenção da classe mercantil
em Itália, particularmente acentuada nos séculos XIV e XV, o ambiente matemático foi bastante
influenciado pela expansão do negócio dos maestri d’abbaco. Esta maior ênfase comercial gerou
grande procura por livros de matemática simplificados, escritos em linguagem comum e muito
diferentes dos longos tratados em latim com demonstrações geométricas, que os precederam.
No final do século XV, os maestri d’abbaco haviam acrescentado muito pouco aos resultados
conhecidos no século XII. Mas a atmosfera cultural mais exigente do Renascimento fez os textos
regressar paulatinamente à tradição teórica, representada pelos Elementos de Euclides e pelo
Libber Abbaci de Fibbonaci.
Merece especial destaque o livro Summa de arithmetica, geometria, proportioni e proportiona-
lità, de Luca Pacioli (1445-1517) que, por ser o primeiro texto impresso (e não manuscrito, como
anteriormente) de matemática, teve larga difusão e tornou-se popular por condensar num volume
toda a matemática conhecida até então. Se é certo que o conteúdo matemático da Summa acres-
centava pouco ao que já se conhecia, a sua apresentação diferia, de forma substancial, da das
suas fontes. Como vimos, as obras dos séculos XIII e XIV tinham um estilo puramente retórico,
com todo o conteúdo (excepto os números) descrito em linguagem verbal. Porém, a Summa
de Paccioli apresenta pela primeira vez os cálculos algébricos em forma abreviada, utilizando os
percursores das modernas fórmulas matemáticas.
Com isto, a álgebra inicia nova evolução. As equações do terceiro grau tornam-se alvo de
grande interesse, particularmente porque o maior rigor permitiu descobrir vários erros de que
padeciam os trabalhos dos maestri d’abbaco, e que foram transmitidos acriticamente de geração
em geração.
Como sabemos, da equação genérica do 3o grau,
x3 + ax2 + bx + c = 0,
y 3 + py + q = 0,
(c) x3 + q = px.
A data exacta da descoberta não se conhece, por causas que em seguida se explicam.
Naquela época, em Itália, o mundo dos matemáticos era extremamente competitivo. Os
estudantes pagavam directamente ao professor cada disciplina que frequentavam. Assim, caso
8
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
9
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Cardano indicou del Ferro como primeiro autor e Tartaglia como tendo descoberto o resultado
independentemente, o que deu origem a uma das mais intensas controvérsias sobre a prioridade
de uma descoberta.
Em Ars Magna (1545), Cardano apresenta as soluções de del Ferro e Tartaglia dos vários
casos de equações do 3o grau com coeficientes positivos. Isto torna-se possı́vel, em parte, à
custa do estabelecimento de identidades algébricas. Porém, permaneciam os métodos de prova de
Euclides. Ora, as considerações geométricas necessárias para obter as demonstrações criavam um
problema: que significado se devia dar a um número negativo? O que significava um segmento
de comprimento negativo, um quadrado de área negativa, ou um cubo de volume negativo?
O que significava a diferença a − b, quando a < b? Ora Euclides, os árabes, Fibonacci, os
maestri d’abaco, Pacioli, e Cardano contornaram sempre o problema da mesma forma: para
não admitirem coeficientes negativos consideraram vários casos para uma mesma equação (da
forma que vimos); pois só assim lhes era possı́vel interpretar as equações do segundo grau como
problemas geométricos envolvendo comprimentos de segmentos e áreas de polı́gonos.
Além disso, os números negativos introduziam uma enorme dificuldade quando apareciam
sob o sı́mbolo de raiz quadrada. Cardano estava ciente do problema e evitou discutir o casus
irreducibilis em Ars Magna. Para uma equação do 2o grau, ele explica assim a dificuldade 3 : “se
ax = x2 + b então: r
a a 2
x= ± − b. (1.1)
2 2
2
[...] Se não se pode subtrair b de a2 [no caso em que (a/2)2 − b < 0] então o problema é
um falso problema, e a solução que foi proposta não se verifica”. Esta impossibilidade apenas
significava que a interpretação geométrica da época (requerida pelos √
métodos de prova disponı́veis)
invalidava, à partida, os casos que poderiam levar à introdução de −1.
No entanto, no capı́tulo 37 de Ars Magna, Cardano enuncia o problema
x + y = 10
(1.2)
xy = 40
afirmando depois:
“É evidente que este caso é impossı́vel. No entanto, procederemos como se segue: dividimos
10 em duas partes iguais, cada uma igual a 5. Estas elevamos ao quadrado, o que dá
25. Subtraia 40 do 25 anteriormente obtido, como eu mostrei no capı́tulo sobre operações
[aritméticas] no livro VI, de onde resulta -15, a raiz√quadrada do√qual adicionada ou subtraida
de 5 dá as soluções do problema. Estas são 5 + −15 e 5 − −15.”
Como o problema (1.2) é equivalente à equação quadrática x2 + 40 = 10x, ele resolveu-o com a
fórmula (1.1), o que pode hoje ser considerado como óbvio mas decerto não o era na época. De
facto, o uso de propriedades algébricas como meio de demonstração estava ainda na sua infância.
Quando calculou (10/2) 2 − 40 = −15, ele comentou que “como tal resultado é negativo, o leitor
√
terá que imaginar −15” e concluiu admitindo que “isto é verdadeiramente sofisticado, pois com
isto pode-se fazer as operações que não se pode fazer no caso de um número negativo e de
outros [números]”. Assim, a rejeição das limitações da interpretação geométrica vigente produzia
uma nova entidade algébrica cujas propriedades eram bem distintas de tudo o que até então era
conhecido, uma entidade cuja interpretação geométrica escapava ao conhecimento da época. Por
3
traduzimos as fórmulas em notação moderna
10
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
isso, Cardano viu-se na obrigação de escrever “e assim progride a subtileza da aritmética sendo o
desı́gnio da mesma, como se diz, tão refinado quanto inútil”.
Em 1463, o humanista Johannes Müller, mais frequentemente designado pelo pseudónimo Re-
gimontanus, comunicou que havia descoberto “os óptimos livros de Diofanto”, o maior algebrista
grego e que viveu em Alexandria provavelmente na segunda metade do século III da nossa era. O
livro mais importante que escreveu é a Aritmética, onde introduz uma notação simbólica similar à
que fora sido desenvolvida até ao século XVI, com sı́mbolos diferentes para uma incógnita, para o
quadrado de uma incógnita, para o cubo, etc, e onde resolvia equações e inequações utilizando o
que ele designou por fórmulas inderminadas, e que são de facto propriedades algébricas genéricas,
hoje descritas através de fórmulas com quantificadores. Até ao Renascimento, a Aritmética de
Diofanto fora descoberta e traduzida várias vezes, a primeira das quais realizada por al-Karaji,
em Bagdad, no século X. Porém, nunca até então a obra tinha conseguido impôr-se aos métodos
geométricos de Euclides, largamente difundidos por al-Khwarizmi e, no Ocidente, por Fibonacci.
Considere-se, por exemplo, o seguinte problema do tomo II desse tratado: “Encontrar três
números tais que o quadrado de qualquer um deles menos o seguinte dá um quadrado”. Usando
notação moderna para descrever a solução de Diofanto, ele tomou x + 1, 2x + 1, e 4x + 1 como
os três números pretendidos e verificou que satisfaziam as seguintes condições:
ou seja, um quadrado, e
(2x + 1)2 − (4x + 1) = 4x2 ,
também um quadrado, e já agora
igualmente um quadrado. O facto de este problema ter uma infinidade de soluções permitiu a
Diofanto enunciar uma propriedade genérica que os números em questão satisfazem. Em notação
moderna, a propriedade escreve-se:
A sua técnica de demonstração usa os métodos algébricos, tı́picos da análise matemática moderna;
além disso, Diofanto não procurou posteriormente qualquer demonstração geométrica da validade
do resultado, como era norma.
Durante a segunda metade da década de 1560, Antonio Maria Pazzi descobriu uma cópia
manuscrita da Aritmética de Diofanto na Biblioteca do Vaticano e mostrou-a a Rafael Bombelli.
Convencidos dos seus méritos, os dois homens iniciaram a tradução da obra, tendo completado
o trabalho em cinco dos volumes que a constituem. Esta descoberta provocou uma mudança
significativa no ambiente matemático. Numa altura em que a vantagem dos métodos geométricos
na solução de questões algébricas tinha sido enfraquecida pelas descobertas das soluções das
equações do quarto grau e dos números negativos e complexos como soluções dessas equações,
a abordagem não geométrica de Diofanto encontrou finalmente um ambiente favorável à sua
difusão. Em 1572, quando Bombelli publica uma nova e mais completa edição o seu longo
tratado L’Algebra parte maggiore dell’Arithmetica divisa in tre libri, os termos de inspiração árabe
cosa (para incógnita) e census (para o seu quadrado) são substituı́dos pelas traduções tanto e
potenza da terminologia diofantina usada para representar número (arithmos, em grego) e potência
(dynamis, em grego). Além disso, Bombelli removeu quase todos os problemas práticos originários
11
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
dos maestri d’abbaco, substituindo-os pelos problemas abstractos de Diofanto. Na sua introdução
ao tomo III, ele anunciou que havia quebrado com o costume usual de enunciar problemas “...
sob o desfarce de acções humanas (compras, vendas, trocas directas, câmbios, juros, desfalques,
emissão de moeda, ligas, pesos, sociedades, lucro e prejuı́zo, jogos e outras inúmeras transacções
e operações baseadas na vida diária)”. Ele pretendia ensinar “a aritmética [álgebra] avançada,
à maneira dos antigos”. A variação introduzida pela álgebra de Bombelli, o seu tratamento de
problemas cuja solução era impossı́vel pelos métodos geométricos constituia, ao mesmo tempo, o
reconhecimento de que a solução dos problemas algébricos não requeria justificação geométrica.
Assim, em “l’Algebra” Bombelli segue
√ Cardano mas oferece uma discussão completa do casus
irreducibilis, introduzindo a notação −1 nas operações com números complexos. Por exemplo,
ele considera a equação
x3 = 15x + 4,
para a qual a fórmula de Cardano dá a solução:
q q
3 √ 3 √
x = 2 + −121 + 2 − −121
Definindo q
3 √ √
2+ −121 = a + b −1
e q
3 √ √
2− −121 = a − b −1,
e elevando ao cubo ambos os membros das igualdades acima, ele conclui facilmente que a = 2 e
b = 1, pelo que a solução √ √
x = 2 + −1 + 2 − −1 = 4,
apesar de ser real e positiva, só pôde ser obtida por intermédio de números complexos.
René Descartes (1596-1650), que foi essencialmente um filósofo, produziu também importante
obra cientı́fica. Instado pelos seus amigos a comunicar as suas ideias filosóficas, publicou em 1537
o “Discours de la méthod pour bien conduire sa raison et chercheur la vérité dans les sciences”.
Esta obra tem três apêndices cientı́ficos: “La Dioptrique, “Les Météores” e “La Géométrie”.
Em La Geometrie, Descartes introduz ideias que estão na base da moderna geometria analı́tica.
Porém — e infelizmente para a análise complexa — o filósofo considerava os números complexos
como uma impossibilidade geométrica. Por exemplo, no método que usou para resolver a equação
x2 = ax − b2 , com a e b2 positivos, Descartes introduz a palavra imaginário: “Para qualquer
equação podemos imaginar tantas raizes [quanto o seu grau determina], mas em muitos casos
não existe a quantidade que correponde à que imaginámos”.
John Wallis (1616-1703), na sua “Algebra”, fez notar que os números negativos — à existência
dos quais se havia também colocado objecções filosóficas durante vários séculos – têm uma
interpretação fı́sica perfeitamente razoável, cuja base era uma recta com uma marca designando
o ponto zero e os números positivos sendo aqueles que estão a uma correspondente distância
do zero para a direita, enquanto os negativos estão a uma distância correspondente (em valor
absoluto) para a esquerda. Assim surgiu o conceito moderno de recta real.
Abraham de Moivre (1667-1754) nasceu em França mas refugiou-se em Londres, aos dezoito
anos de idade, segundo se crê por motivos religiosos. Em 1698, mencionou que Newton descobrira,
em 1676, um caso particular da fórmula que, em notação moderna, se escreve:
n
cos θ + i sen θ = cos(nθ) + i sen(nθ).
12
1.1. NOTAS HISTÓRICAS SOBRE NÚMEROS COMPLEXOS
Abraham de Moivre conhecia este resultado e usou-o varias vezes, mas é devido a Euler o primeiro
enunciado explı́cito do mesmo.
Leonhard Euler (1707-1783) nasceu em Basileia, na Suiça, mas viveu a maior parte da sua
vida em S. Petersburgo e em Berlim. Privou com figuras importantes da história mundial como
Frederico II (o Grande) da Prússia e a czarina Catarina (a Grande) da Rússia.
Euler é considerado um dos melhores e mais produtivos matemáticos de todos os tempos. A
sua obra tocou tantas áreas distintas que é impossı́vel descrevê-la em poucas linhas. Seguindo
a tradição que estivera na base da génese do cálculo diferencial e integral, desenvolveu novas
ferramentas matemáticas e aplicou-as a problemas da vida real, ao mesmo tempo que tornou os
fundamentos do cálculo mais simples de compreender √ e de aplicar.
Euler introduziu a notação abreviada i = −1; além disso, muita da notação da análise
matemática moderna como, por exemplo, a representação P de uma função genérica por f (x), a
notação actual das funções trigonométricas, o sı́mbolo usado em somatórios e séries, a ele se
deve. Euler vizualizava correctamente os números complexos como pontos do plano, da mesma
forma que hoje o fazemos, embora não tenha explicitado uma construção dos números complexos
baseada nessa ideia. Também introduziu a representação polar, x + iy = r(cos θ + i sen θ);
descobriu que as soluções da equação z n = 1 são vértices de um polı́gono regular de n lados;
definiu a exponencial complexa a partir de
13
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
reais, (a, b). A sua soma foi definida por (a, b) + (c, b) = (a + b, c + d) e o seu produto por
(a, b) · (c, d) = (ac − bd, bc + ad). Isto constitui, com efeito, a definição algébrica moderna dos
números complexos. Finalmente, em 1831, Gauss decide-se a publicar um artigo onde introduz a
designação número complexo, Gauss sumariza assim as dificuldades enfrentadas:
“Se este assunto tem até agora sido tratado de um ponto de vista errado, e logo
envolto em mistério e obscurecido, é em grande medida√o uso de uma terminologia
desadequada que deve ser culpado. Tivessem +1, −1 e −1, em vez de sido chama-
dos de unidade positiva, negativa e imaginária (ou, pior ainda, impossı́vel), recebido
os nomes, por exemplo, de unidade directa, inversa e lateral, então dificilmente teria
existido qualquer contexto para tal obscuridade.”
• Conjugado de um complexo:
Se z = x + iy, define-se o seu conjugado por
z = x − iy (Re z = Re z e Im z = − Im z)
É óbvio que
z̄¯ = z , ∀z ∈ C
• Igualdade de complexos:
Se z = x + iy, w = a + ib ∈ C
Exemplo:
z=0 ⇔ Re z = Im z = 0
2. z = z̄ se e só se Im z = 0, ou seja
z = z̄ ⇔ z∈R
14
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
z + (w + u) = (z + w) + u = z + w + u
∗ propriedade comutativa
z+w =w+z
∗ existência de elemento neutro, 0
z+0=z
z + (−z) = 0;
se z = x + iy então −z = −x − iy.
⋄ O produto tem as seguintes propriedades:
∗ o produto de quaisquer números complexos é também um número complexo (fe-
chado para o produto)
Se z, w ∈ C ⇒ zw ∈ C
∗ propriedade associativa
z(wu) = (zw)u = zwu
∗ propriedade comutativa
zw = wz
∗ existência de elemento neutro, 1
1z = z
0z = 0
15
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
z(w + u) = zw + zu
• Simétrico/Diferença de complexos: Se w = a + ib ∈ C
z − w = (x − a) + i(y − b)
• Inverso/Quociente de complexos:
Se w = a + ib ∈ C \ {0}
1 w̄ a − ib
w−1 === = 2
w ww̄ a + b2
Como consequência da existência de inverso para todo o complexo não nulo, podemos
definir o quociente de dois complexos como sendo o produto pelo inverso. Se z = x + iy,
w = a + ib ∈ C e w 6= 0
z (x + iy)(a − ib)
=
w a 2 + b2
Os números complexos verificam as mesmas propriedades algébricas dos números reais, que
se designam por propriedades de corpo 4 . Em particular, a importante lei do anulamento do
produto é válida:
zw = 0 ⇔ z = 0 ∨ w = 0
Uma relação de ordem total (estrita) num conjunto M é uma relação, <, que verifica:
(1) Dados a, b ∈ M então verifica-se uma e só uma das seguintes proposições: a < b ou b < a
ou a = b. (tricotomia)
16
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
Um corpo munido de uma relação de ordem compatı́vel com a sua soma e produto diz-se um
corpo ordenado. Os números racionais e os números reais, com a soma, o produto e a relação de
ordem usuais, constituem dois bem conhecidos exemplos de corpos ordenados.
Dados quaisquer a, b ∈ M , diz-se que a > b se b < a. A partir das propriedades de corpo e
dos axiomas de ordem prova-se que se a < 0 então −a > 0 (basta usar o axioma 3. com b = 0 e
c = −a), de onde resulta que:
(5) Dados a, b, c ∈ M , se a < b e c < 0 então ac > bc.
em que ao , a1 , ... an são constantes complexas. Mais tarde demonstraremos o seguinte resultado:
Isto significa, que se P é um polinómio de grau n ∈ N, existem n complexos z1 , ..., zn tal que
P (zk ) = 0 para todo k = 1, ..., n e como tal podemos escrever o polinómio na forma factorizada
P (z) = an (z − z1 )...(z − zn )
5
Note que o que provámos aqui não é auto-evidente: vimos que em qualquer corpo ordenado (e não apenas
em R) se verifica 1 > 0, etc.
17
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Im z
Re z = α
Im z = β β z = α + iβ
α
Re z
Tal como em R2 , podemos também usar as coordenadas polares para representar um número
complexo. Assim, se z = x + iy ∈ C, denomina-se por módulo de z, o número real
p
|z| = x2 + y 2 .
Por outro lado se z 6= 0, denomina-se por argumento de z qualquer número real θ que verifique
as igualdades
x = |z| cos θ e y = |z| sen θ.
Isto implica que
y
,
tg θ =
x
para x 6= 0. Desta forma, o complexo z pode ser escrito na forma polar por:
z = |z| cos(arg z) + i sen(arg z) .
18
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
Im z
arg z = θ
z = reiθ
Re z
|z| = r
Trata-se da famosa fórmula de Euler. Esta definição justifica-se pelo facto de cos θ + i sen θ ter as
propriedades que se esperam de uma função exponencial. Usando apenas trigonometria, pode-se
provar facilmente que para quaisquer θ, ϕ ∈ R e k ∈ Z:
eiθ e−iθ = 1
1
e−iθ =
eiθ
k
eikθ = eiθ .
Recorrendo então à fórmula de Euler, a forma polar de um número complexo escreve-se, simples-
mente:
z = |z| ei arg z . (1.4)
Tomando z = −1 em (1.4) obtém-se
eiπ = −1,
fórmula também devida a Euler e que relaciona os três números não racionais mais conhecidos da
Matemática.
O valor do argumento de um complexo não é único:
se θ verifica a igualdade (1.4) então θ + 2kπ, com k ∈ Z, também verifica (1.4).
19
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
No entanto é único em cada intervalo de comprimento 2π, isto é, para cada z 6= 0 e α ∈ R existe
um único θ ∈ [α, α + 2π[ ou a ]α, α + 2π], tal que θ é o argumento de z.
z r
z = |z|e−iθ , zw = r ρei(θ+ϕ) , = ei(θ−ϕ)
w ρ
pelo que
z |z|
zz̄ = |z|2
, |zw| = |z||w| , =
w |w|
z
arg (z) = −arg (z) , arg (zw) = arg (z) + arg (w) , arg ( ) = arg (z) − arg (w)
w
20
1.2. NÚMEROS COMPLEXOS
Daqui se deduz que qualquer complexo z = |z|eiθ não nulo admite n raı́zes ı́ndice n distintas
dadas por:
√ p θ+2kπ
n
z = n |z|ei n , k = 0, 1, ..., n − 1.
É de notar que algumas propriedades das raı́zes reais 6 não são satisfeitas pelas raı́zes com-
plexas, mesmo se interpretadas no sentido da igualdade de conjuntos.
Exemplo:
√
4
√
1. Determinar todos os valores de −1 e i. Por um lado
√ √
4 π+2kπ
4
−1 = eiπ = ei 4 , k = 0, 1, 2, 3 ,
√ √
É óbvio que R2 ⊂ R1 pelo que 4 −1 6= i. No entanto, a igualdade verifica-se para 2 das
iπ 5iπ iπ
raı́zes: e 4 e a sua simétrica, e 4 = −e 4 .
6
Um exemplo de uma propriedade das raı́zes reais não satisfeita pelas complexas é: se x ∈ R+ , n, m e p ∈ N
então: √ √ √ √ p
nm
xmp = n xp e n xp = n x
.
21
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
p √ 2
4
2. Determinar todos os valores de 4
(1 + i)2 e 1+i . Por um lado
p √ √ π +2kπ
2
2i = 2 ei 4
4 4 4
(1 + i)2 = , k = 0, 1, 2, 3 ,
p
pelo que os valore possı́veis de 4 (1 + i)2 são os elementos do conjunto
√
4 iπ √4 5iπ √
4 9iπ √4 13iπ
R1 = { 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 , 2e 8 } .
q√ r
3 3
2 p
3 √
3
− π +2kπ
i 33
2
( 3 − i) = 2e−iπ/6 = 4e−iπ/3 = 4e , k = 0, 1, 2 ,
q√
3
pelo que os valores possı́veis de ( 3 − i)2 são os elementos do conjunto
√ πi √ 5πi √ 11πi
R1 = { 4e− 9 , 4e 9 , 4e 9 }
3 3 3
q√
Verifica-se neste caso que R1 = R2 . Pelo que neste caso se verifica que 3 ( 3 − i)2 =
p√ 2
3
3−i .
De facto podemos enunciar a seguinte propriedade:
22
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Exemplos:
1. Consideremos a função f (z) = z 2 + 3. Então
f (x + yi) = (x + yi)2 + 3 = x2 + 2xyi − y 2 + 3 = x2 − y 2 + 3 + 2xyi
Pelo que
Re f = u(x, y) = x2 − y 2 + 3 e Im f = v(x, y) = 2xy
É óbvio que o domı́nio de f é C.
z
2. A função f (z) = 2 , tem por domı́nio o conjunto
z +1
D = z ∈ C : z 2 + 1 6= 0 = C \ {i, −i}
23
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
P (z) = a0 + a1 z + · · · + an z n ,
Admitindo que P (z) e Q(z) não têm raı́zes comuns, então se z0 é uma raiz de Q(z) resulta que
P (z)
|f (z)| = Q(z) → ∞ quando |z − z0 | → 0. Este é o exemplo mais simples de uma singularidade
isolada de uma função complexa, conforme veremos mais tarde.
Exponencial Complexa
isto é, se z = x + iy
ez = ex eiy = ex cos y + i sen y
A exponencial complexa é uma extensão da exponencial real ao plano complexo. O domı́nio da
exponencial complexa é C, e
Desta forma podemos observar que as imagens por f (z) = ez de complexos com parte real cons-
tante (rectas verticais) são complexos com módulo constante (circunferências centradas na origem)
e a imagem de complexos com parte imaginária constante (rectas horizontais) são complexos com
argumento constante (semi-rectas com origem em 0) — ver Figura 1.3.
• Para todos z, w ∈ C,
ez+w = ez ew
24
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Re z = a1
Re z = a0
ez
|z| = ea0
Arg z = b0
Im z = b0
|z| = ea1
Im z = b1
Arg z = b1
• Para todo z ∈ C
ez+2kπi = ez , k∈Z
o que significa que a exponencial complexa é periódica de perı́odo 2πi.
• Para qualquer w ∈ C \ {0}, a equação ez = w pode sempre ser resolvida e tem uma
infinidade de soluções, que são dadas por:
(porquê?)
Funções Trigonométricas
1 iy −iy
Somando e subtraindo as identidades anteriores obtém-se, respectivamente, cos y = 2 e + e
1
e sen y = 2i eiy − e−iy .
Podemos então generalizar as funções trigonométricas reais a funções complexas de variável
complexa, definindo-as, para todo o z ∈ C, por:
eiz + e−iz eiz − e−iz sen z cos z
cos z = , sen z = , tg z = , cotg z =
2 2i cos z sen z
É óbvio que as funções sen z e cos z têm domı́nio C, enquanto que o domı́nio da função tg z é
C \ {z : cos z = 0} e o domı́nio da função cotg z é C \ {z : sen z = 0}.
As propriedades das funções trigonométricas complexas são análogas às das funções trigo-
nométricas reais, e podem ser facilmente justificadas a partir das suas definições. Em particular,
para quaisquer z, w ∈ C e k ∈ Z:
25
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• sen2 z + cos2 z = 1
• tg(z + kπ) = tg z
• sen(−z) = − sen z
• cos(−z) = cos z .
O contadomı́nio das funções sen z e cos z é C. Isto significa que quando as funções reais seno
e coseno são estendidas ao plano complexo, tanto as equações cos z = w como sen z = w passam
a ter solução para qualquer w ∈ C. Por periodicidade, essas equações têm uma infinidade de
soluções — pois se z̄ é solução de cos z = w ou sen z = w, então ẑ + 2kπ também o é, para
qualquer k ∈ Z. Chama-se a atenção que este facto implica, entre outras coisas, que as funções
sen z e cos z não são limitadas em C.
Funções Hipérbólicas
Para z ∈ C definem-se:
ez + e−z ez − e−z sh z ch z
ch z = , sh z = , tgh z = , cotgh z = .
2 2 ch z sh z
É óbvio que as funções sh z e ch z têm domı́nio C, enquanto que o domı́nio da função tgh z é
C \ {z : ch z = 0} e o domı́nio da função cotgh z é C \ {z : sh z = 0}.
Todas as igualdades verificadas pelas funções hiperbólicas reais são tambem verificadas pelas
funções hiperbólicas complexas. Em particular, para quaisquer z, w ∈ C e k ∈ Z
• ch2 z − sh2 z = 1
• sh(z + 2kπi) = sh z
• ch(z + 2kπi) = ch z
• sh(z ± w) = sh z ch w ± sh w ch z
• ch(z ± w) = ch z ch w ± sh z sh w
• sh(−z) = − sh z e ch(−z) = ch z .
Logaritmo Complexo
26
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
(Resp., arg z ∈]α, α + 2π] para o valor α de log). O caso particular em que se considera o
argumento principal, isto é
Exemplos:
√ h √ i
1. Determinar o valor principal de log(2 3 − 2i) + log(−1 − i) e de log (2 3 − 2i)(−1 − i) .
Por um lado
h √ i h √ i
log (2 3 − 2i)(−1 − i) = log (4e−iπ/6 )( 2e5πi/4 )
h √ i h √ i
= log (4 2e13 iπ/12 ) = log (4 2e−11 iπ/12 )
5 11π i
= log 2 −
2 12
Por outro lado
√ √
log(2 3 − 2i) + log(−1 − i) = log(4e−iπ/6 ) + log( 2e−3πi/4 )
iπ √ 3iπ 5 11π i
= log 4 − + log 2 − = log 2 −
6 4 2 12
Neste exemplo em particular, verifica-se que para o valor principal do logaritmo:
√ h √ i
log(2 3 − 2i) + log(−1 − i) = log (2 3 − 2i)(−1 − i)
27
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
h √ i √
2. Determinar o valor principal de log (− 3 − 3i)5 e de 5 log(− 3 − 3i). Por um lado
h √ i h√ i h√ i
log (− 3 − 3i)5 = log ( 12e4πi/3 ))5 = log ( 12)5 e20πi/3 )
h√ i 5 2πi
= log ( 12)5 e2πi/3 ) = log(12) +
2 3
Por outro lado
√ √ 5 10πi
5 log(− 3 − 3i) = 5 log 12e−2πi/3 = log(12) −
2 3
Verifica-se, neste exemplo, que para o valor principal do logaritmo
h √ i √
log (− 3 − 3i)5 = 5 log(− 3 − 3i) + 4πi
z w = ew log z , arg z ∈] − π, π]
1.3.3 Limites
Sendo f : D → C e z0 ∈ D, define-se
Proposição
Se f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), z0 = x0 + iy0 e L = A + iB então:
lim u(x, y) = A
(x,y)→(x0 ,y0 )
L = lim f (z) ⇔
z→z0
lim v(x, y) = B
(x,y)→(x0 ,y0 )
28
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
Demonstração:
Em primeiro lugar, assumindo que existem os limites
Por definição, para cada ǫ > 0 existem números positivos δ1 e δ2 tais que
ǫ
(x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ1 ⇒ |u(x, y) − A| <
2
e
ǫ
(x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ2 ⇒ |v(x, y) − B| <
2
Considere-se δ = min{δ1 , δ2 } Tem-se então que se (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ
u(x, y) + iv(x, y) − (A + iB) = u(x, y) − A + i v(x, y) − B
≤ u(x, y) − A + v(x, y) − B
ǫ ǫ
< + =ǫ
2 2
o que demonstra que o limite lim f (z) = A + iB.
z→z0
Reciprocamente, supondo que existe lim f (z) = A + iB, dados ǫ > 0 sabemos que existe
z→z
p0
δ > 0 tal que se (x + iy) − (x0 + iy0 ) = (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ então:
p
u(x, y) + iv(x, y) − (A + iB) = (u(x, y) − A)2 + (v(x, y) − B)2 < ǫ
p
Suponhamos que (x − x0 )2 + (y − y0 )2 < δ; então:
p
|u(x, y) − A| ≤ (u(x, y) − A)2 + (v(x, y) − B)2 < ǫ
e p
|v(x, y) − B| ≤ (u(x, y) − A)2 + (v(x, y) − B)2 < ǫ.
Proposição:
Se existirem lim f (z) e lim g(z), tem-se que:
z→z0 z→z0
29
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
1. lim eπz = −1.
z→i
Exemplo:
Re z
Observa-se que lim representa uma indeterminação do tipo 0/0. Escrevendo z = |z|eiθ
z→0 z
obtém-se
Re z |z| cos θ
= = e−iθ cos θ
z |z|eiθ
Fazendo |z| → 0 verifica-se Re (z)/z converge para um valor que depende de θ (ou seja do
argumento de z) e como tal o seu valor dependerá da forma como z está a convergir para 0.
Assim, por exemplo, se z está a convergir para 0 ao longo do semi-eixo real positivo (θ = 0)
tem-se
Re z
lim =1,
z→0 , z∈R+ z
enquanto que se z está a convergir para 0 ao longo do semi-eixo imaginário positivo (θ = π/2)
tem-se
Re z
lim =0.
z→0 , z∈iR + z
Re z
Conclui-se que lim não existe.
z→0 z
1.3.4 Continuidade
Sendo f : D → C e z0 ∈ D, diz-se que f é contı́nua em z0 se
lim f (z) = f (z0 )
z→z0
7
As vizinhanças de um ponto em C e R2 são discos centrados nesse ponto; ou seja, as vizinhanças em C e em
R2 são topologicamente idênticas.
30
1.3. FUNÇÕES COMPLEXAS DE VARIÁVEL COMPLEXA
3. Uma função polinomial é contı́nua em C dado que se obtém a partir da soma e produto de
funções contı́nuas em C.
Por um lado, Re log z = log |z| é uma função contı́nua em R2 \ {(0, 0)} (consequência da
continuidade da função logaritmo real em R+ . Por outro lado, Im log z = arg z é contı́nua
para todos os z tais que arg z ∈ ] − π, π[ (pois a função arg(x + iy) é contı́nua no interior de
cada num dos seus ramos). Falta então estudar a continuidade do valor principal do log z
em qualquer ponto z tal que arg z = π. Para isso, considere-se z0 6= 0 tal que arg z0 = π.
Então
π se Im z > 0
lim arg z =
z→z0 −π se Im z < 0
Conclui-se que não existe lim arg z para qualquer z0 6= 0 com arg z0 = π (pelo que a
z→z0
função arg z não é contı́nua nestes pontos). Consequentemente o domı́nio de continuidade
do valor principal de log z é
C \ {z ∈ C : arg z = π} = C \ {xeiπ : x ∈ R+ −
0 } = C \ R0
O conjunto
{xeiπ : x ∈ R+
0}
O conjunto
{z = xeiα : x ∈ R+
0}
31
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplos:
f ′ (z) = 2 − 2z , ∀z ∈ C
Observe-se que
f (z + h) − f (z)
pelo que este limite não existe. Conclui-se que para qualquer z ∈ C, lim
h→0 h
não existe e como tal o domı́nio de diferenciabilidade de f é o conjunto vazio.
32
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
f (z + h) − f (z) (z + h) Re(z + h) − z Re z
lim = lim
h→0 h h→0 h
z Re h + h Re z + h Re h
= lim
h→0 h
Re h
= Re z + lim (z + h) lim
h→0 h→0 h
Re h
= Re z + z lim
h→0 h
Observe-se que, escrevendo o número complexo h na forma polar, se tem
Re h |h| cos θ
lim = lim = eiθ cos θ
h→0 h |h|→0 |h|eiθ
Nota: Os casos anteriores (2 e 3), mostram que não é suficiente que u e v sejam diferenciáveis
em (x0 , y0 ) para que f = u + iv tenha derivada em z0 = x0 + iy0 . Por exemplo para f (z) =
f (x + iy) = 2x + 3iy
Re f = u(x, y) = 2x , Im f = v(x, y) = 3y
Tal como para as funções reais de variável real, é válido o seguinte resultado, com demonstração
análoga ao caso real.
Notemos que, tal como no cálculo real, o recı́proco não pode não ser verdade: existem funções
contı́nuas num determinado ponto do seu domı́nio que não têm derivada nesse ponto (casos 2 e
3 do exemplo anterior. É no entanto muitas vezes utilizado na forma de contra-recı́proco: se f
não é contı́nua em z0 então f não é diferenciável em z0 .
Exemplo:
O valor principal do logaritmo complexo não admite derivada no conjunto
{z = reiπ : r ≥ 0}
33
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Para facilitar a notação, definimos o disco centrado em z0 ∈ C e de raio ǫ > 0 como sendo o
subconjunto de C dado por:
def
D(z0 , ǫ) = z ∈ C : |z − z0 | < ǫ .8
A análise complexa estuda essencialmente as funções complexas de variável complexa que são
diferenciáveis em alguma região aberta do seu domı́nio.
Exemplos:
1. Para f (z) = 2z − z 2 vimos que o domı́nio de diferenciabilidade é C, pelo que o domı́nio de
analiticidade é tambem C. Esta função constitui um exemplo de função inteira.
2. Para f (z) = f (x + iy) = 2x + 3iy vimos que que o domı́nio de diferenciabilidade é o
conjunto vazio, pelo que o domı́nio de analiticidade é tambem o conjunto vazio.
3. Para f (z) = z Re z vimos que o domı́nio de diferenciabilidade é {0}, pelo que o domı́nio de
analiticidade é o conjunto vazio.
34
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
Demonstração: Sabendo, por hipótese, que existe o limite que define a derivada complexa,
f (z + w) − f (z)
f ′ (z) = lim , (1.6)
t→0 w
então calculando esse limite segundo as direcções do eixo real (fazendo w = t → 0) e do
eixo imaginário (fazendo w = it e t → 0), obtêm-se os limites:
f (x + iy + t) − f (x + iy) u(x + t, y) − u(x, y) v(x + t, y) − v(x, y)
lim = lim +i
t→0 t t→0 t t
∂u ∂v
= +i
∂x ∂x
f (x + iy + it) − f (x + iy) u(x, y + t) − u(x, y) v(x, y + t) − v(x, y)
lim = lim +i
t→0 it t→0 it it
∂v ∂u
= −i
∂y ∂y
(1.7)
Resulta assim que os dois limites em (1.7) são iguais ao limite em (1.6), ou seja,
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (z) = +i = −i ,
∂x ∂x ∂y ∂y
de onde resultam imediatamente as equações de Cauchy-Riemann (1.5).
35
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
pelo que
∂u ∂u ∂v ∂v
(x.y) = 2 − 2x , (x.y) = 2y , (x.y) = −2y , (x.y) = 2 − 2x ,
∂x ∂y ∂x ∂y
36
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
É óbvio que as condições de Cauchy-Riemann são válidas para qualquer (x, y) ∈ R2 . Vimos
na secção anterior que a sua derivada, f ′ (z), existe para todo z ∈ C. Este é um exemplo
de uma função que verifica as condições de Cauchy-Riemann e que tem derivada complexa
(em C).
Teorema de Cauchy-Riemann
Seja f : D → C uma função complexa de variável complexa, dada por f (z) = u(x, y)+iv(x, y)
num conjunto aberto D e z0 = x0 + iy0 ∈ D. Se as funções u e v são contı́nuas, têm derivadas
parciais contı́nuas numa vizinhança de (x0 , y0 ) e satisfazem as equações de Cauchy-Riemann no
ponto (x0 , y0 ),
∂u ∂v ∂u ∂v
(x0 , y0 ) = (x0 , y0 ) , (x0 , y0 ) = − (x0 , y0 ) ,
∂x ∂y ∂y ∂x
então a derivada f ′ (z0 ) existe (ou seja, f é diferenciável em z0 no sentido complexo) e
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (z0 ) = (x0 , y0 ) + i (x0 .y0 ) = (x0 , y0 ) − i (x0 , y0 )
∂x ∂x ∂y ∂y
Exemplos:
a) Para a função f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y) = ey cos x − iey sen x tem-se que
∂u ∂u ∂v ∂v
(x, y) = −ey sen x , (x, y) = ey cos x , (x, y) = −ey cos x , (x, y) = −ey sen x
∂x ∂y ∂x ∂y
∂u ∂v
f ′ (x + iy) = (x, y) + i (x, y) = −ey sen x − iey cos x
∂x ∂x
Note que f (z) = f (x + iy) = ey e−ix = e−i(x+iy) = e−iz e f ′ (z) = −if (z) = −ie−iz .
∂u ∂u ∂v ∂v
(x, y) = 3x2 , (x, y) = 0 , (x, y) = 0 , (x, y) = 3(y − 1)2
∂x ∂y ∂x ∂y
37
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
(B) as condições de Cauchy-Riemann são válidas sse x2 = (y − 1)2 , isto é para os pontos do
plano, (x, y) pertencentes a pelo menos uma das rectas de equação x = y − 1 ou x = 1 − y.
{x + iy ∈ C : x = 1 − y} ∪ {x + iy ∈ C : x = y − 1}
Esta secção, embora numa primeira passagem seja de leitura opcional, é muito importante
para o aluno compreender a relação entre a derivada complexa e a derivação no sentido de R2 .
Vamos por isso enunciar e provar um teorema que implica a condição suficiente anteriormente
descrita mas que, além disso, clarifica a noção de derivada complexa.
Se convencionarmos representar i ∈ C pelo o ponto (0, 1) ∈ R2 e 1 ∈ C pelo ponto (1, 0) ∈ R2 ,
podemos identificar cada ponto de C com um e um só ponto de R2 por:
Como tal, qualquer função complexa, f : A ⊂ C → C, com f (x + iy) = u(x, y) + iv(x, y), pode
ser interpretada como o campo vectorial (u, v) : A ⊂ R2 → R2 .
Recordamos que a função f é diferenciável no sentido de R2 em a ∈ A (com A aberto) se e
só se existe uma transformação linear Df (a) tal que
f (z + h) − f (z) − Df (a)h
−→ 0 quando h→0 (1.8)
h
Se f é diferenciável no sentido de R2 em a então:
a) f é contı́nua em a.
∂u ∂u ∂v ∂v
b) Existem as derivadas parciais ux = , uy = , vx = e vy = em a.
∂x ∂y ∂x ∂y
c) Df (a) é representada pela matriz jacobiana de f em a:
ux (a) uy (a)
Jf (a) =
vx (a) vy (a)
38
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
f (a + h) − f (a)
lim =ξ (1.9)
h→0 h
(ii) f tem derivada no sentido de R2 em a dada por Df (a)h = ξh, para qualquer h, onde
ξh designa o produto complexo de ξ por h.
f (z + h) − f (z) − ξh
−→ 0 quando h → 0,
h
o que, atendendo a (1.8), é equivalente a (ii).
Teorema de Cauchy-Riemann-Goursat
Seja f : A → C, onde A ⊂ C é aberto e a = a1 + ia2 ∈ A. São equivalentes as seguintes
proposições:
∂u ∂v ∂v ∂u
f ′ (a) = (a1 , a2 ) + i (a1 , a2 ) = (a1 , a2 ) − i (a1 , a2 )
∂x ∂x ∂y ∂y
Demonstração:
f (z + h) − f (z)
−→ f ′ (a) quando h → 0
h
Pelo Lema isto é equivalente a dizer que f tem derivada no sentido de R2 em a dada
por Df (a)h = f ′ (a)h, para qualquer h.
39
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Df (a)h = ξh
Isto prova que existe ξ ∈ C tal que Df (a)h = ξh para todo o h ∈ C se e só se
ux = vy e uy = −vx no ponto a. Assim sendo, e usando de novo o Lema, (b) é
equivalente a (c).
Se f ′ (a) existir, então pela equivalência de (a) e (c) e pelas equações (1.10):
α = Re f ′ (a)
β = Im f ′ (a)
40
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
α = r cos θ ,
β = r sen θ ,
Conclui-se que Jf (a) tem a forma de uma matriz de rotação multiplicada pelo escalar |f ′ (a)|,
sendo que o ângulo de rotação é, precisamente, o argumento de f ′ (a).
O aluno pode facilmente verificar que
cos θ − sen θ h1
= eiθ (h1 + ih2 )
sen θ cos θ h2
• f ± g é analı́tica em D e (f ± g)′ = f ′ ± g′ ;
• f g é analı́tica em D e (f g)′ = f ′ g + f g ′ ;
f ′ g − f g′
• f /g é analı́tica em D \ {z : g(z) = 0} e (f /g)′ = .
g2
Função composta
Se g é analı́tica num conjunto D ⊂ C e f é analı́tica no contradomı́nio de g, g(D), então
Função Inversa
Seja f uma função analı́tica e injectiva em D tal que f ′ (z) 6= 0 para qualquer z ∈ D, f −1 é
contı́nua em f (D) e f (D) é aberto. Então:
1
• f −1 é analı́tica em f (D) e (f −1 )′ (b) = , onde b = f (a).
f ′ (a)
41
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Como f ′ (z0 ) 6= 0, então o limite seguinte existe e, pela mudança de variável definida pela função
contı́nua z = f −1 (w):
Como f (D) é aberto e f −1 tem derivada complexa em f (D) então f −1 é analı́tica e a sua derivada
em f (D) é dada por (1.11).
∂u ∂v
f ′ (z) = f ′ (x + iy) = (x, y) + i (x, y) = 1
∂x ∂x
2. Para cada n ∈ N, a função f (z) = z n é inteira, dado que é o produto (iterado) de funções
inteiras. Para todo z ∈ C, a derivada é dada por:
(z n )′ = nz n−1
Provemos esta fórmula por indução. O caso n = 1 é o exemplo 1. Admitindo agora que
para certo n ∈ N, (z n )′ = nz n−1 então, usando a regra da derivada do produto e a hipótese
de indução:
42
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
43
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∂u = −r ∂v
∂θ ∂r
no ponto (r0 , θ0 ), então f admite derivada em z0 = r0 eiθ0 .
44
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
{z = xeiπ , x ∈ R+
0}
pelo que neste conjunto não existirá derivada. Para estudar a analiticidade no restante domı́nio,
considere-se
Re log z = u(r, θ) = log r , Im log z = v(r, θ) = θ
Assim
∂u 1 ∂u ∂v ∂v
= , =0 , =0 , =1
∂r r ∂θ ∂r ∂θ
verificam
• ponto interior de D se existe ǫ > 0 tal que D(z, ǫ) ⊂ D (note que D(z, ǫ) = Bǫ (z));
• ponto fronteiro se não for nem interior nem exterior, ou seja, se para qualquer ǫ > 0, o disco
D(z, ǫ) intersecta tanto D como o complementar de D. O conjunto de todos os pontos
fronteiros de D designa-se por fronteira de D e representa-se por ∂D;
Diz-se que D é
∀z ∈ D ∃ǫ > 0 : D(z, ǫ) ⊂ D.
45
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
⋄ A ∪ B = D;
⋄ Ā ∩ B = ∅ e A ∩ B̄ = ∅. 9
• Um conjunto aberto é conexo se e só se não pode ser escrito como a união de dois conjuntos
abertos e disjuntos.
• simplesmente conexo se for conexo e qualquer curva de fechada for homotópica a um ponto,
isto é, qualquer curva fechada em D pode ser deformada continuamente num ponto sem
sair do conjunto. 10
∂2u ∂2v
= .
∂x2 ∂x∂y
∂u ∂v
Por outro lado, derivando ambos os membros da equação ∂y = − ∂x em ordem a y e usando
o teorema de Schwarz, obtém-se:
∂2u ∂2v ∂2v
= − = − .
∂y 2 ∂y∂x ∂x∂y
9
Dois conjuntos não vazios tais que cada um deles é disjunto da aderência do outro, dizem-se separados. Então
D é conexo se e só se não pode ser escrito como a união de dois conjuntos separados.
10
Intuitivamente, um conjunto D ⊂ C é simplesmente conexo se for um “conjunto conexo sem buracos”; “D não
tem buracos” descreve-se rigorosamente pela proposição: para qualquer z : [0, 1] → D contı́nua, com z(0) = z(1)
existe z0 ∈ D e uma função contı́nua H : [0, 1] × [0, 1] → D tal que H(0, t) = z(t) ∀t ∈ [0, 1] e H(1, t) = z0 ,
∀t ∈ [0, 1]. A função H diz-se uma homotopia (de z(t) em z0 ) e deforma continuamente, sem sair de D, a curva
parametrizada por z(t) no ponto z0 .
11
A provar posteriormente, ver subsecção 1.5.5
46
1.4. DERIVADA COMPLEXA E FUNÇÕES ANALÍTICAS
Em consequência:
∂2v ∂2v
∆u = − =0 em A.
∂x∂y ∂x∂y
Derivando a primeira equação de Cauchy-Riemann em ordem a y e a segunda em ordem a
x, obtém-se identicamente:
∆v = 0 em A.
Observa-se pois que as partes real e imaginária de uma função analı́tica verificam a equação
de Laplace. Esta ligação entre funções analı́ticas e a equação de Laplace reforça a im-
portância das funções de variável complexa e abre caminho para numerosas aplicações da
matemática.
∇v = (vx , vy ) = (−uy , ux ).
Como D é simplemente conexo, então para que a equação anterior tenha solução, v, basta
que o campo vectorial (−uy , ux ) seja fechado, ou seja,
∂ ∂
− uy = ux ⇔ ∆u = 0 em D.
∂y ∂x
Exemplo:
Considere a função u : R2 → R definida por:
u(x, y) = y(x − 3) .
Vamos começar por mostrar que u é uma função harmónica em R2 . Por ser uma função polinomial,
u ∈ C 2 (R2 ). Por outro lado,
47
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
y2 x2
Então v(x, y) = 2 − 2 + 3x + c, c ∈ R e
y 2 x2
f (z) = f (x + iy) = y(x − 3) + i − + 3x + c , c∈R
2 2
Note que:
i 2 i
f (z) = − x + 2x(iy) + (iy)2 + 3i(x + iy) + ic = − z 2 − 3iz + ic.
2 2
1.5 Integração em C
1.5.1 Curvas em C
Sendo z(t) uma função complexa contı́nua de domı́nio [a, b] ⊂ R, define-se caminho ou curva
orientada em C como sendo o conjunto de pontos
n o
γ = z(t) = x(t) + iy(t) : t ∈ [a, b] ,
que se convenciona percorrido no sentido especificado por z(t). Os pontos z(a) e z(b) denominam-
se respectivamente o ponto inicial e o ponto final do caminho. A aplicação z(t) diz-se uma
parametrização de γ. 12
Exemplos:
48
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
• regular se z(t) é continuamente diferenciável, isto é, se x′ (t) e y ′ (t) existem e são contı́nuas
em ]a, b[). Nesse caso tem-se que
1. se z(t) = z0 +t(z1 −z0 ) = tz1 +(1−t)z0 tem-se que z ′ (t) = z1 −z0 (que é constante);
2. se z(t) = eit tem-se que z ′ (t) = ieit ;
4. se z(t) = t + it2 tem-se que z ′ (t) = 1 + 2it.
• simples se z(t) é injectiva em ]a, b] e em [a, b[, isto é, se t1 6= t2 então z(t1 ) 6= z(t2 ) ou
(t1 = a e t2 = b). 13 .
49
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Note-se que o integral do 2o membro da igualdade (1.13) pode ser interpretado como o integral
da função vectorial, F : [a, b] → C dada por F (t) = f (z(t))z ′ (t) para t ∈ [a, b], e que é obtido à
custa do integral de Riemann das funções reais de variável real por:
Z b Z b Z b
def
F (t) dt = Re F (t) dt + i Im F (t) dt (1.14)
a a a
Exemplo: R
Pretende-se determinar γ ez̄ dz em que γ é o segmento de recta que une −i a 1 + i. Uma
possı́vel parametrização de γ é
z(t) = −i + t (1 + i) − (−i) = t + i(2t − 1) , t ∈ [0, 1]
Assim
Z Z 1 Z 1
′ −3 + 4i 1−i
ez̄ dz = et+i(2t−1) t + i(2t − 1) dt = et+i(1−2t) (1 + 2i)dt = (e − ei )
γ 0 0 5
(esta desigualdade será necessária para majorar integrais complexos). Para tal, escreva-se
Z b
I= F (t) dt = reiθ ,
a
50
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Demonstração:
Consideremos primeiro o caso de uma curva aberta. Dado que a curva é aberta e simples,
z(s) e w(t) são injectivas em, respectivamente, [a, b] e [α, β]. Então ϕ : [α, β] → [a, b], que pode
ser definida por
Propriedades do integral
51
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplos:
pelo que
Z Z 1 Z 1
′ (1 + i)2 2i
f (z) dz = f (1 + i)t (1 + i)t dt = (1 + i) (t2 + it2 )dt = =
γ1 0 0 3 3
Por outro lado, uma parametrização possı́vel para γ2 é
z2 (t) = t + i , t ∈ [1, 2]
pelo que Z Z Z
2 2
′ 7
f (z) dz. = f (t + i) t + i dt = (t2 + i)dt = +i
γ2 1 1 3
Concluimos que Z Z Z
7 5i
f (z) dz = f (z) dz + f (z) dz. = +
γ γ1 γ2 3 3
onde γ é a circunferência |z| = 2 percorrida uma vez em sentido directo. Pela propriedade
da majoração do integral temos que
Z ez Z ez Z
2
dz ≤ 2 |dz| ≤ M |dz|
γ z +1 γ z +1 γ
52
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
ez
em que M é um majorante do módulo da função z 2 +1
em γ. Para o determinar, e escrevendo
z = x + iy, tem-se que
Então, para z ∈ γ
ez |ez | e2
2 ≤ 2 ≤
z +1 |z + 1| 3
e assim
Z ez e2 Z 4πe2
dz ≤ |dz| =
γ z2 + 1 3 γ 3
R
tendo em conta que γ |dz| é igual ao comprimento de γ, ou seja, 4π.
Sendo f : D → C, onde D é um subconjunto aberto de C, diz-se que f tem uma primitiva (ou é
primitivável) em D se existe F : D → C tal que
F ′ = f.
Esta definição implica, em particular, que F tem derivada em qualquer ponto do conjunto aberto
D e, consequentemente, f é analı́tica em D.
Exemplo:
1. A função F (z) = − cos z é uma primitiva de f (z) = sen z, visto que (− cos z)′ = sen z.
Dado que (− cos z + C)′ = sen z, qualquer que seja C ∈ C, − cos z + C é a expressão geral das
primitivas de sen z em C.
2. Se f e g são funções analı́ticas, vimos que o seu produto é tambem uma função analı́tica
e (f g)′ = f ′ g + f g ′ . Então podemos deduzir a fórmula da primitivação por partes
P (f g′ ) = f g − P (f ′ g)
53
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
O seguinte teorema (já conhecido no caso dos integrais de linha em R2 ), por um lado, ca-
racteriza as funções primitiváveis em C e, por outro lado, permite concluir a indepêndencia do
caminho de integração.
Dem.:
a) ⇒ b) (e fórmula (1.15)): Sendo γ : [a, b] → C tal que γ(a) = γ(b) e, usando desde já
a), resta-nos provar que I I
f (z) dz = F ′ (z) dz = 0
γ γ
Começamos por mostrar que
d
F γ(t) = F ′ γ(t) γ ′ (t)
dt
Usando a notação F (x + iy) = U (x, y) + iV (x, y) e γ(t) = x(t) + iy(t), temos:
d ∂U ′ ∂U ′ ∂V ′ ∂V ′
F x(t) + iy(t) = x (t) + y (t) + i x (t) + i y (t),
dt ∂x ∂y ∂x ∂y
onde as derivadas parciais de U e V são calculadas em x(t), y(t) . Como F é analı́tica em
A, usando as equações de Cauchy-Riemann:
d ∂U ′ ∂V ′ ∂V ′ ∂U ′
F x(t) + iy(t) = x (t) − y (t) + i x (t) + i y (t)
dt ∂x ∂x ∂x ∂x
∂U ′ ∂V
= x (t) + iy ′ (t) + −y ′ (t) + ix′ (t)
∂x ∂x | {z }
=i iy ′ (t)+x′ (t)
∂U ∂V
= x(t), y(t) + i x(t), y(t) x′ (t) + iy ′ (t)
∂x ∂x
′
′
= F γ(t) γ (t)
54
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Usando agora o teorema fundamental do cálculo para funções reais de variável real:
I Z b Z b
d
F ′ (z) dz = F ′ (γ(t))γ ′ (t) dt = F γ(t) dt = F γ(b) − F γ(a) = 0.
γ a a dt
Para provar a fórmula (1.15), tendo em conta que neste caso γ não é (em geral) uma curva
fechada, temos simplesmente:
Z
F ′ (z) dz = F γ(b) − F γ(a) .
γ
c) ⇒ a): Por hipótese, o integral complexo não depende do caminho de integração. Como
tal, fixando um z0 ∈ D, podemos definir a função F : D → C por
Z z Z
f (w) dw = f (w) dw
z0 γ
55
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo: Z
1 2
Vamos calcular o valor do integral + zez dz, sendo C a curva parametrizada por
C z−2
γ(t) = 3 cos(t) + 2i sen(t), com t ∈ [0, 3π/2].
2
Observe-se em primeiro lugar que a função zez é primitivável em C, pelo que o Teorema
Fundamental do Cálculo é aplicável. Assim
Z
2
2 γ(3π/2) 1 2 −2i e−4 − e9
zez dz = P zez = ez
= ,
C γ(0) 2 3 2
2 2
onde P zez designa uma primitiva da função f (z) = zez . Por outro lado, dado que todos os
1
ramos de log(z − 2) são primitivas da função z−2 num dado conjunto, há que ter o cuidado de
escolher um ramo que seja uma função analı́tica num conjunto aberto que contenha a curva C.
Para esse efeito, considere o ramo do logaritmo tal que − π4 ≤ arg (z − 2) < 7π
4 ; o seu domı́nio de
analiticidade é:
π 7π
D = {z ∈ C : z = 2 + reiθ onde − <θ< e r > 0}.
4 4
Para z ∈ D, vamos então usar o ramo14 :
π 7π
log(z − 2) = log |z − 2| + i arg (z − 2), onde − ≤ arg (z − 2) < .
4 4
d 1
Trata-se de uma função analı́tica em D, com a curva C contida em D e dz log(z − 2) = z−2 para
qualquer z ∈ D. Pelo Teorema Fundamental do Cálculo:
Z γ(3π/2)
1 3 5π
dz = log(z − 2) = log(−2i − 2) − log(3 − 2) = log 2 + i .
C z − 2 γ(0) 2 4
Finalmente: Z
1 2
e−4 − e9 3 5π
+ zez dz = + log 2 + i
C z−2 2 2 4
Teorema de Cauchy
Se γ é uma curva de Jordan seccionalmente regular e f é analı́tica num aberto simplesmente
conexo contendo γ, então I
f (z) dz = 0.
γ
14
Deve esboçar o domı́nio de analiticidade deste ramo de log(z − 2) e a curva C.
56
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Vamos assumir como provado que (no sentido de R2 ) uma função analı́tica, f , é de classe C 1
15 . Assim, sendo f = u + iv analı́tica em D, u e v são funções continuamente diferenciáveis em
Atendendo às condições do Teorema (γ uma curva de Jordan definida num aberto simplesmente
conexo D) e à hipótese adicional (u e v continuamente diferenciáveis em D) podemos aplicar o
Teorema de Green16 aos dois integrais de linha da expressão anterior, obtendo-se
I ZZ ZZ
∂(−v) ∂u ∂u ∂v
f (z) dz = − dx dy + i − dx dy
γ ∂x ∂y ∂x ∂y
intγ intγ
Exemplos:
1. Considere-se a função complexa f (z) = sh(cos2 z)). Dado que f é uma função inteira, o
Teorema de Cauchy permite concluir que
I
sh(cos2 z)) dz = 0
γ
57
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
não pertence (por exemplo D = {z : |z − z1 | < R + ǫ} com ǫ tão pequeno quanto seja
necessário). Pelo Teorema de Cauchy
I
1
dz = 0
γ z − z0
58
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
Sendo ainda, f uma função analı́tica em int (γ) \ int (γ1 ) ∪ ... ∪ int (γn ) , então
I n I
X
f (z) dz = f (z) dz
γ i=1 γi
Exemplo:
sendo R > 0 escolhido de forma a que D(z0 , R) ⊂ int γ. Idem para o sentido negativo.
2. Sendo γ uma curva de Jordan percorrida em sentido directo e tal que ±1 6∈ γ. Então
0 se ±1 6∈ int γ
I
1 πi se 1 ∈ int γ e − 1 6∈ int γ
dz =
2
γ z −1
−πi se −1 ∈ int γ e 1 6∈ int γ
0 se ±1 ∈ int γ
De facto:
∗ se ±1 não pertencem à região interior a γ o resultado é uma consequência imediata
do Teorema de Cauchy;
∗ para o caso em que 1 pertence à região interior a γ e −1 pertence à sua região
1
exterior, observa-se que z+1 é analı́tica num conjunto aberto simplesmente conexo
contendo γ e, como tal é aplicável a Fórmula Integral de Cauchy
I I 1
1 z+1 1
dz = dz = 2πi = πi
γ z2 − 1 γ z−1 z + 1 z=1
∗ para o caso em que −1 pertence à região interior a γ e 1 pertence à sua região ex-
1
terior, observa-se que z−1 é analı́tica num conjunto aberto e simplesmente conexo
contendo γ e, como tal, é aplicável a Fórmula Integral de Cauchy
I I 1
1 z−1 1
2
dz = dz = 2πi = −πi
γ z −1 γ z+1 z − 1 z=−1
59
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∗ por último, se tanto 1 como -1 pertencem à região interior à curva γ, pelo teorema
de Cauchy generalizado
I I I
1 1 1
2
dz = 2
dz + 2
dz = 0
γ z −1 γ1 z − 1 γ2 z − 1
lim (z − z0 )f (z) = 0
z→z0
Então I
f (z) dz = 0
γ
Dem:
Pelo Teorema de Cauchy generalizado, tem-se que para ǫ suficientemente pequeno
I I
f (z) dz = f (z) dz , ∀ǫ > 0
γ |z−z0 |=ǫ
tendo a circunferência a mesma orientação que γ. Por outro lado, dada a hipótese lim (z −
z→z0
z0 )f (z) = 0 podemos determinar δ tão pequeno quanto se necessite, de forma a que
ǫ
|z − z0 | < δ ⇒ |(z − z0 )f (z)| < ǫ ⇒ |f (z)| <
|z − z0 |
Assim
I I I
f (z) dz = f (z) dz ≤ |f (z)||dz|
γ |z−z0 |=ǫ |z−z0 |=ǫ
I I
ǫ
≤ |dz| = |dz| = 2πǫ ∀ǫ > 0
|z−z0 |=ǫ |z − z0 | |z−z0 |=ǫ
Fazendo ǫ → 0 obtém-se
I I
f (z) dz ≤0 ⇒ f (z) dz = 0
γ γ
60
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
f (z) − f (z0 )
lim (z − z0 ) =0
z→z0 z − z0
Assim estamos nas condições da generalização do teorema de Cauchy, e
I
f (z) − f (z0 )
dz = 0
γ z − z0
Então I I I
f (z) f (z) − f (z0 ) f (z0 )
dz = dz + dz = 0 + 2πif (z0 )
γ z − z0 γ z − z0 γ z − z0
Exemplo:
1. Vamos calcular I
e−z
dz
γ z − π2
sendo γ qualquer curva de Jordan em C orientada positivamente e tal que π2 ∈ int γ.
Dado que f (z) = e−z é inteira, estamos nas condições da fórmula integral de Cauchy
e podemos concluir que
I
e−z π −π/2
π dz = 2πif ( ) = 2πie
γ z − 2 2
2. Vamos calcular I
z
dz
γ 2z + 1
sendo γ qualquer curva de Jordan em C orientada positivamente e tal que − 21 ∈int γ.
Atendendo a que a função f (z) = z é inteira, por aplicação da fórmula integral de
Cauchy, obtem-se
I I 1
z 1 z 1 πi
dz = 1 dz = 2πif − =−
γ 2z + 1 2 γ z+2 2 2 2
61
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
3. Vamos calcular I
cos z
dz
γ z 3 + 9z
em que γ é a circunferência |z| = 1 percorrida uma vez em sentido directo. A função
integranda é analı́tica em C \ {0, −3i, 3i}; dos pontos onde a função não é analı́tica
apenas 0 pertence à região |z| < 1. Assim
I I cos z
cos z z 2 +9 cos z 2πi
3
dz = dz = 2πi 2 =
γ z + 9z γ z z + 9 z=0 9
onde utilizámos a fórmula integral de Cauchy e o facto de a função f (z) = zcos z
2 +9 ser
analı́tica num aberto, simplesmente conexo contendo γ (por exemplo |z| < 2),
Sendo f uma função analı́tica num aberto simplesmente conexo D. Então a sua derivada
f ′ é uma função analı́tica em D.
Demonstração:
Sendo z ∈ D arbitrário e f analı́tica em D, para qualquer curva de Jordan, γ, contida em
D, percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ, tem-se que
I
1 f (w)
f (z) = dw
2πi γ w − z
Em particular, para r > 0 tão pequeno que D(z, r) ⊂ D, tem-se que
I
1 f (w)
f (z) = dw
2πi |w−z|=r w − z
onde a circunferência é percorrida uma vez em sentido directo. Então
f (z + h) − f (z)
f ′ (z) = lim
h→0 h
I
1 f (w) f (w)
= lim − dw
h→0 2πhi |w−z|=r w − (z + h) w−z
I
1 1
= lim f (w) dw
h→0 2πi |w−z|=r (w − (z + h))(w − z)
Vamos mostrar que
I I
1 1 1 1
lim f (w) dw = f (w) dw
h→0 2πi |w−z|=r (w − (z + h))(w − z) 2πi |w−z|=r (w − z)2
Para tal
1 I 1 1
I
1
f (w) dw − f (w) 2
dw
2πi |w−z|=r (w − (z + h))(w − z) 2πi |w−z|=r (w − z)
I
1 |h|
≤ |f (w)| 2
|dw|
2π |w−z|=r |w − z| |w − (z + h)|
I
M |h| 1
≤ 2
|dw|
2πr |w−z|=r |w − (z + h)|
62
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
conclui-se que
I I
1 1 1
f (w) dw − f (w) dw
2π |w−z|=r (w − (z + h))(w − z) |w−z|=r (w − z)2
I
M |h|
≤
|dw|
2πr 2 r − |h| |w−z|=r
M |h|
= → 0 quando h → 0
r r − |h|
para qualquer curva de Jordan γ em D percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ.
Repetindo o argumento anterior verifica-se que para qualquer z ∈ D
I
′′ 2 f (w)
f (z) = dw
2πi γ (w − z)3
para qualquer curva de Jordan γ em D percorrida em sentido directo e tal que z ∈ int γ.
Conclui-se que a derivada de f ′ está bem definida e existe em D pelo que f ′ é analı́tica em
D.
Nas mesmas condições da Fórmula integral de Cauchy, tem-se que para qualquer n ∈ N0 ,
f (n) está bem definida, é analı́tica em D e staisfaz a fórmula
I
n! f (z)
f (n) (z0 ) = dz
2πi γ (z − z0 )n+1
Exemplo:
1. Pretendemos calcular o valor do integral
I
ez
dz
|z|=2 (z − 1)4
onde se supõe que a curva é percorrida uma vez em sentido directo. Começamos por observar
ez
que a função (z−1)4 é analı́tica em C \ {1}, pelo que não é analı́tica na região interior à
curva, e como tal não é aplicável o Teorema de Cauchy. Consideremos a função f (z) = ez ,
63
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
que é uma função inteira; para z0 = 1 (que pertence à região interior à curva) estamos em
condições de aplicar a fórmula integral de Cauchy generalizada para a derivada de ordem
n = 3. Assim I
ez 2πi z ′′′ eπi
4
dz = e =
|z|=2 (z − 1) 3!
z=1 3
2. Pretendemos calcular o valor do integral
I
log(z + 3)
2 (z 2 + 9)
dz
|z|=2 z
onde se supõe que a curva é percorrida uma vez em sentido directo e log z representa o
valor principal do logaritmo. A função f (z) = zlog(z+3)
2 (z 2 +9) está definida em C \ {−3i, 3i, −3, 0}
e é analı́tica em
iπ
C \ {0, 3i, −3i} ∪ {xe : x ≤ −3}
⋄ u ∈ C 2 (R2 ) .
⋄ para quaisquer x, y ∈ R2
∂2u ∂2u ∂ 2 2
∂ 2 2
∆u = + = − 3x + 3y − 6xy + 3y + 6xy − 3x =0
∂x2 ∂y 2 ∂x ∂y
64
1.5. INTEGRAÇÃO EM C
∂u ∂v ∂u ∂u
f ′ (z) = +i = −i = − 3x2 + 3y 2 − 6xy − i 3y 2 + 6xy − 3x2
∂x ∂x ∂x ∂y
Finalmente
I
f (z)
dz = −πi − 6x − 6y + i(−6y + 6x) =0
|z|=1 z3 (x,y)=(0,0)
1. Teorema de Morera
Se D ⊂ C é aberto e f : D → C é contı́nua e
I
f (z) dz = 0
γ
2. Teorema de Liouville
Se f é uma função inteira e limitada então f é constante.
Demonstração:
Dado que f é inteira, a Fórmula integral de Cauchy permite concluir que f ′ é inteira e para
todo z ∈ C se tem I
′ 1 f (w)
f (z) = dw
2πi |w−z|=R (w − z)2
65
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
66
1.6. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
N ∋ n 7→ zn = xn + iyn ∈ C,
ou seja, uma aplicação (ou função) que a cada número natural, n, faz corresponder um e um
só número complexo zn = xn + iyn . É costume representar uma sucessão por (zn ) ou ainda,
mais abreviadamente, pelo seu termo geral, zn . As sucessões xn = Re zn (a parte real de zn ) e
yn = Im zn (a parte imaginária de zn ) são sucessões reais.
A sucessão zn diz-se limitada se existe um número real positivo M tal que |zn | ≤ M para
todo n ∈ N.
• Se zn = xn + iyn então
Exemplos:
1
1. A sucessão zn = é limitada, visto que |zn | = n1 ≤ 1, para todo o n ∈ N.
in
n + 2i q √
2. A sucessão zn = é limitada, pois |zn | = 1 + n42 ≤ 5 para qualquer n ∈ N.
n
3. A sucessão zn = ein é limitada, pois |zn | = 1, para todo o n ∈ N.
Esta definição significa que dado qualquer erro ǫ > 0, existe uma ordem N ∈ N a partir da qual
todos os termos da sucessão (os termos zN +1 , zN +2 , . . .) são aproximações do limite, L, com erro
inferior a ǫ.
Exemplos:
in
1. A sucessão zn = é convergente e o seu limite é 0, visto que para qualquer ǫ > 0
n3
in 1 1
3 = 3 < ǫ para n > √
n n 3
ǫ
√
A definição de convergência é verificada para qualquer ǫ > 0 tomando N = N (ǫ) > 1/ 3 ǫ.
67
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
n + 2i
2. A sucessão zn = é convergente e o seu limite é 1, visto que para qualquer ǫ > 0
n
n + 2i 2i 2 2
− 1 = = < ǫ para n >
n n n ǫ
A definição de convergência é verificada para qualquer ǫ > 0 tomando N = N (ǫ) > 2/ǫ.
Teorema:
Sendo (zn ) uma sucessão complexa convergente, então
Diz-se que zn é uma sucessão de Cauchy se e só se para qualquer ǫ > 0, existe N ∈ N tal que
1. Se zn = xn + iyn e L = A + iB então
68
1.6. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
Limite infinito
Se (zn ) é uma sucessão complexa, definimos
• lim |zn | = ∞
n
1
• lim =0
n zn
Observa-se que se pelo menos uma das sucessões (Re zn ) ou (Im zn ) tende para infinito, então a
sucessão (zn ) terá também limite infinito. Porém, o recı́proco pode não se verificar.
Tal como no caso real, a álgebra de limites não é aplicável quando pelo menos uma das
sucessões converge para infinito.
Exemplo:
Ex. 1 As sucessões (neiπn ) e (n + ni ) convergem para ∞, tendo em conta que:
i
lim |neiπn | = lim n = ∞ e lim Re (n + ) = lim n = ∞
n n n n n
{z, z 2 , z 3 , . . . , z n , . . .}
69
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∞
X
Define-se, associada à série zn , a sucessão das somas parciais (SN )N ∈N , por
n=1
S1 = z1
S2 = z1 + z2
S3 = z1 + z2 + z3
..
.
N
X
SN = z1 + z2 + ... + zN = zn
n=1
..
.
N
X
Note-se que, no termo geral escrito na forma SN = zn , n é variável muda.
n=1
Definição: (Natureza da série)
• Se a sucessão das somas parciais SN é convergente em C, isto é, se existe S ∈ C tal que
lim SN = S
N →∞
∞
X
a série zn diz-se convergente e
n=1
∞
X
S= zn
n=1
S é denominado por a soma da série.
• Se a sucessão das somas parciais SN não converge em C (SN não tem limite ou tem limite
∞
X
infinito) a série zn diz-se divergente.
n=1
Proposição
A natureza de uma série não depende do valor dos seus primeiros termos, ou seja:
∞
X ∞
X
∀p, q ∈ N0 , as séries zn e zn têm a mesma natureza.
n=p n=q
Como z N +1 → 0 para |z| < 1 e z N +1 não converge em C quando |z| ≥ 1 (com z 6= 1), conclui-se
que:
70
1.6. SUCESSÕES E SÉRIES DE NÚMEROS COMPLEXOS
Chama-se a atenção para o facto de que zn → 0 não implica que a série de termo geral zn
seja convergente.
∞
X ∞
X ∞
X
• A série complexa zn é convergente sse as séries reais Re zn e Im zn são ambas
n n n
convergentes e
∞
X ∞
X ∞
X
zn = Re zn + i Im zn .
n n n
∞
X ∞
X
• Linearidade. Se as séries zn e wn são convergentes para as somas S e T , respecti-
n n
vamente, então
∞
X
⋄ a série (zn + wn ) é convergente e a sua soma é S + T .
n
∞
X
⋄ para qualquer λ ∈ C, a série (λzn ) é convergente e a sua soma é λS.
n
• Critério de Cauchy.
∞
X
A série zn é convergente
n
sse
a sucessão das somas parciais associada é uma sucessão de Cauchy
sse
para qualquer ǫ > 0, existe N ∈ N tal que:
para todos os n, m > N , |zn+1 + zn+2 + · · · + zm | < ǫ.
71
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
1 1 1 1 1 1
S2N − SN = + ··· + > + ··· + =N = ,
N +1 2N 2N 2N 2N 2
para qualquer N ∈ N. Em consequência, (SN ) não satisfaz o critério de Cauchy (basta tomar
ǫ < 21 ). Por isso, a série harmónica é divergente.
SN = z1 − zN +1 ,
∞
X
zn − zn+1 = z1 − lim zn
n→∞
n=1
O resultado anterior mostra que a natureza de certas séries complexas pode ser estudada à
custa da teoria das series de termos reais não negativos.
Para uma revisão dos conceitos e resultados essenciais sobre as séries de termos reais não
negativos, aconselha-se a leitura do apêndice A.
72
1.7. SÉRIES DE POTÊNCIAS
Teorema de Abel
Considere-se a série de potências centrada em z0 e de coeficientes cn . Então:
∞
X ∞
X
a) Se existe ξ ∈ C \ {z0 } tal que cn (ξ − z0 )n converge, a série cn (z − z0 )n converge
n=0 n=0
absolutamente em todos os valores de z para os quais |z − z0 | < |ξ − z0 |.
∞
X ∞
X
n
b) Se existe ξ̄ ∈ C \ {z0 } tal que cn (ξ̄ − z0 ) diverge, a série cn (z − z0 )n diverge em
n=0 n=0
todos os valores de z para os quais |z − z0 | > |ξ̄ − z0 |.
Demonstração:
P como vimos, basta provar o resultado para caso z0 = 0, isto é, para as séries
do tipo an z n .
P
a) Supondo que existe um ponto z = ξ onde a série an z n converge, então lim an ξ n = 0.
n→∞
A existência deste limite implica, em particular, que an ξ n é uma sucessão limitada, ou seja:
73
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
n
n n n|z|n |z|
|an z | = |an ||z| = |an ||ξ| = |an ξ n | ≤ M rn para qualquer n ∈ N.
|ξ|n |ξ|
P P
Note que a série M r n = M r n é convergente, P poisn é uma série geométrica de
Prazão
r < 1. Pelo critério geral de comparação, a série |an z | também converge; logo an z n
converge absolutamente para |z| < |ξ|.
P
b) Supondo que existe z = ξ¯ onde a série an z n diverge, então a série terá que divergir para
|z| > |ξ̄|. Pois, caso contrário — se existisse
P ẑ, com |ẑ| > |ξ̄|, onde a série convergisse —
como |ξ̄| < |ẑ|, pela alı́nea (a) a série n
an z convergiria absolutamente em z = ξ̄, o que
contradiz a hipótese.
P∞
O raio de convergência, R, de uma série de potências n=0 an (z − z0 )n define-se por:
( ∞
)
X
R = sup ρ ∈ [0, +∞[ : an (z − z0 )n converge em |z − z0 | < ρ
n=0
R está bem definido, pois o conjunto acima nunca é vazio e R ≥ 0. De notar que esse conjunto
pode ser não limitado; nesse caso, R = ∞.
Utilizando o teorema de Abel, conclui-se facilmente o seguinte (porquê?):
O disco de convergência da série de potências é definido como sendo o interior da sua região de
convergência, ou seja, a região dada por |z − z0 | < R.
Apoiando-nos nos critérios de convergência das séries de termos não negativos e no teorema
de Abel, podemos obter fórmulas para o cálculo do raio de convergência de (1.19). Assim:
∞
X
O raio de convergência da série an (z − z0 )n é dado por:
n=0
a
n
• R = lim , caso este limite exista.
n→∞ an+1
1 p
• = lim n |an |, caso este limite exista.
R n→∞
1 p
• = lim sup n |an | (Teorema de Cauchy-Hadamard).
R n→∞
74
1.7. SÉRIES DE POTÊNCIAS
a
n
Para mostrar que, caso o limite exista, R = lim , usamos o critério de D’Alembert.
n→∞ an+1
Mais uma vez, estudaremos apenas o caso z0 = 0. Assim:
|an+1 z n+1 | = |z|
an+1
n
= |z|
|an z | an an
an+1
def an
Supondo que existe R = lim , então:
an+1
|an+1 z n+1 | |z| |z|
L = lim n
= = .
n→∞ |an z | an
lim an+1
R
Para se ter L < 1 — caso em que, pelo critério de D’Alembert a série de potências é absolutamente
convergente — então é necessário que |z| < R. Tomando L > 1 conclui-se que para |z| > R a
série não converge absolutamente.
Além disso, a série diverge sempre para |z| > R. Caso contrário, isto é, se convergisse para
certo ẑ, com |ẑ| > R, então pelo teorema de Abel convergiria absolutamente em qualquer z tal
que R < |z| < |ẑ|, o que contradiz a conclusão do parágrafo
P anterior!
Conclui-se que o raio de convergência da série n
an z é R. Por mudança de variável w =
z − z0 , obtém-se o resultado para qualquer série de potências de z − z0 .
Exemplos:
∞
X (z − 2i)n
1. Considere-se a série . Por ser uma série de potências de centro em 2i e
n=0
n(5i)n
1
coeficientes an = n(5i)n , o seu disco de convergência será
{z ∈ C : |z − 2i| < R}
em que R é dado por (porque o limite existe)
a 5(n + 1)
n
R = lim = lim =5
n an+1 n n
ou seja, o disco de convergência é {z ∈ C : |z − 2i| < 5}.
∞
X
2. Considere-se a série (in)n z n . Por ser uma série de potências de centro em 0 e coeficientes
n=1
an = (in)n , o seu disco de convergência será
{z ∈ C : |z| < R}
em que R é dado por (porque o limite existe)
1 1
R= p = lim =0
limn n
!an | n n
O disco de convergência desta série é ∅ e o sua região de convergência é {0}.
75
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∞
X
3. Considere-se a série n(−i)n (z + i)2n Mais uma vez, o seu disco de convergência será
n=0
{z ∈ C : |z + i| < R}
dado que o centro da série é −i. Visto que no desenvolvimento só ocorrem potências de
expoente par, os coeficientes da série são dados por
n(−i)n para n par
an =
0 para n impar
p
e é fácil de perceber que não existem lim an /an+1 e lim 1/ n |an |. Então
n n
1 1
R= p = √
n
=1
lim sup n
|an | sup{lim n, lim 0}
n n
podemos concluir que esta série converge em {w ∈ C : |w| < 1}, o que implicará que a
série inicial é convergente para todos os valores de z tais que
76
1.8. SÉRIES DE TAYLOR
para qualquer curva regular, γ, contida em D(z0 , R) e onde a e z representam os pontos inicial
e final de γ, respectivamente. Em consequência, as primitivas de f (z) são dadas por
∞
X an
C+ (z − z0 )n+1 , C ∈ C.
n=0
n + 1
Teorema de Taylor:
Seja f uma função analı́tica num conjunto aberto D ⊂ C. Se z0 ∈ D, então f admite o
desenvolvimento em série de potências de z − z0 dado por
∞
X f (n) (z0 )
f (z) = (z − z0 )n quando |z − z0 | < R
n!
n=0
R é o supremo dos números reais positivos, ρ, para o quais o disco D(z0 , ρ) está contido no
domı́nio de analiticidade de f , isto é, R é a distância de z0 à fronteira de D.
Nota: conclui-se dos teoremas anteriores que afirmar que uma função f é analı́tica (ou
holomorfa) num ponto z0 ∈ C é equivalente a afirmar que f (z) admite uma representação em
série de potências de z − z0 válida numa vizinhança de z0 .
A série
∞
X f (n) (z0 )
(z − z0 )n
n=0
n!
denomina.se série de Taylor de f em torno de z0 .
No caso particular z0 = 0 a série
∞
X f (n) (0)
zn
n=0
n!
17
Estes resultados podem ser justificados a partir do conceito de convergência uniforme. Veja o Apêndice B.
77
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Por ser uma série de potências, ela é absolutamemente convergente em D(z0 , r) para todos
0 < r < R e pode ser integrada e derivada termo a termo. Isto é, se z ∈ D(z0 , R),
∞
X f (n) (z0 )
f ′ (z) = (z − z0 )n−1
n=1
(n − 1)!
Z ∞
X f (n) (z0 ) h i
f (w) dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ (n + 1)!
n=0
onde γ é uma curva seccionalmente regular contida em D(z0 , R) e a, z são o extremo inicial e
final (resp.) de γ. Em consequência, as primitivas da série de Taylor de f (z) em torno de z0 são
∞
X f (n) (z0 )
C+ (z − z0 )n+1 ,
(n + 1)!
n=0
Pretende-se mostrar que, dado z0 no domı́nio de analiticidade de f , existe R > 0, tal que para
todo z em D(z0 , R) se tem
∞
X f (n) (z0 )
f (z) = (z − z0 )n
n!
n=0
Sendo D o domı́nio de analiticidade de f , considere-se R o maior real positivo para o qual se tem
D(z0 , R) ⊂ D. Para qual quer z ∈ D(z0 , R), defina-se R0 = |z − z0 | e escolha-se R1 ∈]R0 , R[.
Sendo γ = {w : |w − z0 | = R1 } percorrida em sentido directo, por aplicação da fórmula Integral
de Cauchy tem-se que I
1 f (w)
f (z) = dw
2πi γ w − z
Por outro lado, e tendo em conta o valor da soma da série geométrica, temos que
X (z − z0 )n ∞
1 1 1 1
= = · z−z0 =
w−z w − z0 − (z − z0 ) w − z0 1 − w−z (w − z0 )n+1
0 n=0
Assim:
I ∞
1 X (z − z0 )n
f (z) = f (w) dw
2πi γ (w − z0 )n+1
n=0
78
1.8. SÉRIES DE TAYLOR
Atendendo a que a série geométrica pode ser integrada termo a termo em D(z0 , R1 ) (pois R1 <
R), então:
∞ h I i
X 1 f (w)
f (z) = n+1
dw (z − z0 )n
n=0
2πi γ (w − z0 )
Usando a fórmula integral de Cauchy generalizada, obtém-se o resultado.
• Para qualquer z ∈ C
∞ ∞ ∞
eiz − e−iz 1 X z n in (1 − (−1)n ) 1 X z n in X (−1)n z 2n+1
sen z = = = =
2i 2i n=0 n! i n! n=0
(2n + 1)!
n=0
n ı́mpar
este desenvolvimento será válido no maior cı́rculo centrado em 0 onde a função (valor
principal) log(1−z) é analı́tica. Como o seu domı́nio de analiticidade é C\{x ∈ R : x ≥ 1}
o domı́nio de convergência da série é |z| < 1. Atendendo a que o valor principal de log 1 é
0, tem-se que
∞
X z n+1
log(1 − z) =− + C ⇔ C = 0.
z=0 n+1 z=0
n=0
Desta forma:
∞
X z n+1
log(1 − z) = − , |z| < 1
n+1
n=0
79
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
∞
X (−1)n π 2n+1 i2n+1
= − (z − i)2n+1
n=0
(2n + 1)!
∞
X π 2n+1
= −i (z − i)2n+1
(2n + 1)!
n=0
z − i
sendo a igualdade válida em
< 1, ou seja, em |z − i| < 2. Por último
2i
z = (z − i) + i
80
1.9. SÉRIES DE LAURENT
z0 é um zero de ordem p ∈ N
⇔
Exemplos:
ez − 1 = ez−2kπi − 1 = (z − 2kπi)g(z)
com
z − 2kπi (z − 2kπi)2 (z − 2kπi)3
g(z) = 1 + + + + ···
2 3! 4!
• A função (ez − 1)2 tem um zero de ordem 2 em z0 = 0. De facto
z z2 z3 2
(ez − 1)2 = z 2 g(z) , g(z) = 1 + + + + ···
2 3! 4!
Note que g é analı́tica em C. (Porquê?)
∞ ∞
X a−n X
= + an (z − z0 )n
(z − z0 )n
n=1 n=0
(1.20)
81
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
No teorema de Laurent, podemos tomar os raios interior, r (resp. exterior, R) da região anular
A(z0 , r, R) como sendo o ı́nfimo de todos os σ ∈ R+ +
0 (resp., o supremo de todos os ρ ∈ R ∪{∞})
para os quais f é analı́tica em A(z0 , σ, ρ). Em particular, podemos ter r = 0 e R = ∞.
Demonstração:
Escolha-se z ∈ A(z0 , r, R) arbitrário, e sejam r1 , r2 números reais positivos para os quais
r < r1 < |z − z0 | < r2 < R. Considerem-se ainda γ1 e γ2 as circunferências de centro em z0 e
de raios respectivamente r1 e r2 , percorridas em sentido directo. Sendo l um segmento de recta
unindo γ1 a γ2 , defina-se
C = γ2 + l + (−γ1 ) + (−l)
Aplicando a fórmula integral de Cauchy, tem-se que
I I I
1 f (w) 1 f (w) 1 f (w)
f (z) = dw = dw − dw
2πi C w − z 2πi γ2 w − z 2πi γ1 w − z
Para w ∈ γ2
∞
1 1 1 X (z − z0 )n
= = =
w−z w − z0 − (z − z0 ) (w − z0 ) 1 − z−z0 (w − z0 )n+1
w−z0 n=0
z−z
0
onde tivemos em conta que |z − z0 | < r2 pelo que < 1. De modo análogo, para w ∈ γ1
w − z0
∞
1 1 −1 X (w − z0 )n
= = =−
w−z w − z0 − (z − z0 ) (z − z0 ) 1 − w−z0 (z − z0 )n+1
z−z0 n=0
82
1.9. SÉRIES DE LAURENT
w − z
0
onde tivemos em conta que |z − z0 | > r1 pelo que < 1. Então
z − z0
I ∞ I ∞
1 X (z − z0 )n 1 X (w − z0 )n
f (z) = f (w) dw + f (w) dw
2πi γ2 (w − z0 )n+1 2πi γ1 (z − z0 )n+1
n=0 n=0
I ∞ I −1
1 X (z − z0 )n 1 X (z − z0 )j
= f (w) n+1
dw + f (w) dw
2πi γ2 (w − z0 ) 2πi γ1 (w − z0 )j+1
n=0 j=−∞
∞ I
X 1 f (w)
= n+1
dw (z − z0 )n
n=−∞ γ
2πi (w − z0 )
onde, pelo teorema de Cauchy generalizado, γ1 e γ2 foram substituidas por qualquer curva de
Jordan em sentido positivo em A(z0 , r, R) com z0 no seu interior.
Note-se que o desenvolvimento em série é convergente, pois |z| > 1 implica que |1/z| < 1.
z
3. Sendo f (z) = (z−i)(z+2i) , vamos determinar todos os possı́veis desenvolvimentos em série
de f em torno de z0 = i. Dado que f é analı́tica em C \ {i, 2i} e z0 = i iremos ter dois
desenvolvimentos; em A(i, 0, 1) e em A(i, 1, ∞). Observe-se que, como f não é analı́tica
em i, nenhum dos desenvolvimentos será uma série de Taylor.
Para z ∈ A(i, 0, 1), tem-se:
z z 1 z−i+i 1
f (z) = = · = ·
(z − i)(z + 2i) z − i z − 2i z−i z − i + i − 2i
i 1 1 + i(z − i)−1 1
= 1+ = ·
z − i (z − i) − i i 1 − z−i
i
Dado que estamos a efectuar o desenvolvimento na região z ∈ A(i, 0, 1) tem-se que |z − i| <
1
1 e como tal z−i
representa a soma da série geométrica de razão z−i
i , e assim
1− i
∞ ∞ ∞
1 + i(z − i)−1 X z − i n X (z − i)n X (z − i)n−1
f (z) = = +
i i in−1 in
n=0 n=0 n=0
83
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
1 + i(z − i)−1 −1 1
f (z) = · (z−i) · i
i 1 − z−i
i
1
Desta forma, para z ∈ A(i, 1, ∞), a função i
1− z−i
representa a soma da série geométrica de
i
razão z−i . Assim,
∞ ∞ ∞
1 + i(z − i)−1 −1 X i n X in X in+1
f (z) = · (z−i) · =− − ,
i z−i (z − i)n+1 (z − i)n+2
i n=0 n=0 n=0
i
sendo que este desenvolvimento é válido para z−i < 1, ou seja, |z − i| > 1.
Isto significa que f é uma singularidade isolada se e só se f é analı́tica em todos os pontos de
uma vizinhança de z0 com excepção de z0 . A partir daqui, trataremos apenas deste tipo de
singularidades.
Exemplo:
1
1. A função f (z) = z é analı́tica em C \ {0}, pelo que 0 é uma singularidade isolada de f .
2. A função f (z) = ez1−1 é analı́tica em C \ {2kπi : k ∈ Z}. Assim as singularidades de
f são todos os complexos da forma 2kπi com k ∈ Z. Atendendo a que para cada k ∈ Z
existe ǫ > 0 tal que f é analt́ica na região 0 < |z − 2kπi| < ǫ (basta tomar para ǫ qualquer
número real positivo menor que 2π) todas as singularidades são isoladas.
3. A função f (z) = log z (valor principal) é analı́tica em C \ {x ∈ R : x ≤ 0}. Assim
as singularidades de f são todos os números reais não positivos. É óbvio que todas as
singularidades de f não são isoladas, pois qualquer vizinhnça de qualquer número real não
positivo contém outros números não positivos.
84
1.10. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
• z0 diz-se removı́vel se a série (1.21) tem parte principal nula, ou seja, se:
a−n = 0 , ∀n ∈ N .
Exemplo;
A função f (z) = senz z tem uma singularidade isolada em z = 0. Desenvolvendo em série de
Laurent em torno de z0 = 0, obtém-se
sen z z2 z4 z6
=1− + − + ··· , ∀z 6= 0 (1.22)
z 3! 5! 7!
É então óbvio que a parte principal da série é nula e como tal 0 é uma singularidade removı́vel
de f . Note-se que a série que representa a função senz z é uma função inteira (porquê?).
Usando esse facto, podemos então prolongar por analiticidade sen z/z a zero da seguinte
forma sen z
z se z 6= 0
F (z) =
1 se z = 0
2 4 6
em que o valor F (0) = 1 − z3! + z5! − z7! + · · ·
= 1.
z=0
A função
2 f (z) se z 6= z0
F (z) = ao + a1 (z − z0 ) + a2 (z − z0 ) + · · · =
a0 se z = z0
diz-se a extensão analı́tica de f a z0 , e então limz→z0 f (z) existe (é igual a a0 ). Podemos
então enunciar o seguinte resultado:
85
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Demonstração:
Pelo que vimos acima, se z0 é uma singularidade removı́vel então o limz→z0 f (z) existe.
Reciprocamente, se existe o limz→z0 f (z) então f (z) é limitada numa vizinhança de z0 , D;
ou seja, existe M > 0 tal que |f (z)| ≤ M para z ∈ D. Seja δ > 0 suficientemente pequeno
para que a região anular 0 < |z − z0 | ≤ r esteja contida em D e no domı́nio de analiticidade
de f . Tomando n ≥ 1 e 0 < δ < r, e utilizando o teorema de Laurent, os coeficientes da
série (1.21) válida em 0 < |z − z0 | < r são dados por:
I I
1 f (z) 1
a−n = dz = f (z)(z − z0 )n−1 dz.
2πi |z−z0|=δ (z − z0 )−n+1 2πi |z−z0|=δ
Desta forma:
I I
1 M δn−1
|a−n | ≤ |f (z)||z − z0 |n−1 |dz| ≤ |dz|
2π |z−z0 |=δ 2π |z−z0 |=δ
M δn−1 2πδ
= = M δn → 0 quando δ → 0
2π
Assim a−n = 0 para n ≥ 1, pelo que z0 é uma singularidade removı́vel de f (z).
Exemplo:
z
A função f (z) = sen z tem singularidades nos pontos kπ, k ∈ Z. Dado que
z 1
lim f (z) = lim z3 z5
= lim z2 z4
=1
z→0 z→0 z− 3! + 5! − ··· z→0 1− 3! + 5! − ···
Exemplo:
A função f (z) = sen
z4
z
tem uma singularidade isolada em z = 0. Desenvolvendo em série de
laurent em torno de z0 = 0, obtém-se
sen z 1 1 z z3
= − + − + ··· , ∀z 6= 0 (1.23)
z4 z 3 3!z 5! 7!
86
1.10. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
É então óbvio que a parte principal da série tem apenas dois termos não nulos, pelo que 0
é um polo, e dado que a potência de menor expoente da série é z −3 , a sua ordem é 3.
Demonstração:
Pela forma da série de Laurent, é fácil de concluir que se z0 é um pólo de ordem p, então
def
F (z) = (z − z0 )p f (z) = a−p + a−p+1 (z − z0 ) + · · · + a−p+n (z − z0 )n + · · ·
para 0 < |z − z0 | < ǫ. Assim sendo, F (z) é uma função analı́tica em z0 e F (z0 ) = a−p 6= 0,
donde se conclui que limz→z0 (z − z0 )p f (z) = F (z0 ) 6= 0.
Reciprocamente, se o limite anterior existe e é não nulo então F (z) = (z − z0 )p f (z) tem
uma singularidade removı́vel em z0 , pelo que o seu desenvolvimento em série de Laurent em
torno de z0 é da forma:
(z − z0 )p f (z) = F (z) = b0 + b1 (z − z0 ) + b2 (z − z0 )2 + · · · .
Note que b0 = limz→z0 (z − z0 )p f (z) 6= 0. Assim,
b0 b1
f (z) = p
+ + · · · + bp + bp+1 (z − z0 ) + bp+2 (z − z0 )2 + · · ·
(z − z0 ) (z − z0 )p−1
onde b0 6= 0, donde segue que z0 é um pólo de ordem p de f (z).
Exemplo:
z
A função f (z) = 1−cos z tem singularidades nos pontos 2kπ, k ∈ Z. Atendendo a que
o numerador se anula em 0 e não se anula em 2kπ, para k 6= 0 vamos estudar estas
singularidades separadamente. Assim, para classificar a singularidade 0, note-se que
z z z 1
f (z) = P∞ (−1)n z 2n
= z2 z4 z6
= = G(z),
1− 2 − 4! + 6! + ··· z2 1
− z2
+ z4
+ ··· z
n=0 (2n)! 2 4! 6!
1
em que G(z) = 1 2 4 é analı́tica numa vizinhança de 0 e G(0) = 2 6= 0. Conclui-
2
− z4! + z6! +···
se que 0 é um polo simples. Para 2kπ, k 6= 0, note-se em primeiro lugar que classificar a
singularidade 2kπ de f (z) é equivalente a classificar a singularidade 0 de f (z +2kπ). Assim,
e mais uma vez utilizando a série de MacLaurin de cos z,
z + 2kπ z + 2kπ 1
f (z + 2kπ) = = = 2 H(z)
1 − cos(z + 2kπ) 1 − cos z z
z+2kπ
em que H(z) = 1 z2 4 é analı́tica numa vizinhança de 0 e H(0) = 4kπ 6= 0. Conclui-
2
− 4! + z6! +···
mos que 0 é um polo de ordem 2 de f (z + 2kπ) pelo que 2kπ, k 6= 0 é um polo de ordem
2 de f (z).
87
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Exemplo:
A função f (z) = z 3 e1/z tem uma singularidade isolada em 0. Note-se que limz→0 f (z) não
existe dado que a exponencial complexa é periódica e não é limitada. Assim, suspeita-se
que a singularidade é essencial. De facto, fazendo o desenvolvimento em série de Laurent
de f em torno de 0
z 1 1 1
f (z) = z 3 + z 2 + + + + + ··· (1.24)
z 3! 4!z 5!z 2
é fácil de verificar que a parte singular da série (termos a vermelho) tem uma infinidade de
termos, pelo que se confirma que 0 é uma singularidade essencial.
1.10.3 Resı́duos
Se z0 é uma singularidade isolada de f , define-se Resı́duo de f em z0 , Res(f, z0 ), como sendo o
coeficiente a−1 do desenvolvimento em série de Laurent (com centro em z0 ) válida em A(z0 , 0, r).
Exemplo:
Sendo
sen z
1. f (z) = z , por (1.22), Res(f, 0) = 0.
sen z 1
2. f (z) = z4
, por (1.23), Res(f, 0) = − 3! .
1
3. f (z) = z 3 e1/z , por (1.24), Res(f, 0) = 4! .
Res(f, z0 ) = 0
1 dp−1 h p
i
Res(f, z0 ) = lim (z − z0 ) f (z)
(p − 1)! z→z0 dz p−1
Demonstração:
Por hipótese
a−p a−2 a−1
f (z) = p
+ ··· + 2
+ + a0 + a1 (z − z0 ) + · · ·
(z − z0 ) (z − z0 ) z − z0
sendo a série de Laurent uniformemente convergente numa região 0 < |z − z0 | < r. Assim:
88
1.10. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
dp−1
Derivando p − 1 vezes (note que dz p−1
(z − z0 )k = 0 para k < p − 1) resulta que:
dp−1 h p
i
(z − z0 ) f (z) = a−1 (p − 1)! + a 0 p(p − 1) · · · 3 · 2 (z − z0 )
dz p−1
+a1 (p + 1)p · · · 4 · 3 (z − z0 )2 + · · · .
dp−1 h p
i
lim (z − z0 ) f (z) = (p − 1)! a−1
z→z0 dz p−1
Exemplo:
Sendo
z
• f (z) = sen z , vimos anteriormente que 0 é uma singularidade removı́vel pelo que Res(f, 0) =
0.
z
• f (z) = 1−cos z vimos que 0 é um polo simples, pelo que
Proposição:
φ(z)
Se f (z) = ψ(z) , com φ(z) e ψ(z) analı́ticas em z0 , φ(z0 ) 6= 0, ψ(z0 ) = 0 e ψ ′ (z0 ) 6= 0 então
z0 é um pólo simples de f e
φ(z0 )
Res(f, z0 ) = ′
ψ (z0 )
Demonstração:
Como φ(z) e ψ(z) são analı́ticas em z0 , existem as séries de Taylor daquelas funções válidas
numa vizinhança de z0 . Assim sendo, e atendendo a que ψ(z0 ) = 0
89
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
De forma idêntica se pode provar a seguinte versão da regra de Cauchy, que pode ser útil na
classificação das singularidades não essenciais e cálculo dos respectivos resı́duos.
ii) γ uma curva de Jordan em D percorrida em sentido directo e tal que z1 ,...,zk ∈ int γ.
Então
I k
X
f (z) dz = 2πi Res(f, zj )
γ j=1
Exemplos:
temos que −2i está no exterior da curva enquanto 2i está no seu interior. Aplicando o teorema
dos resı́duos: I
2z + 6
2
dz = 2πi Res (f, 2i) .
|z−i|=2 z + 4
Como
4i + 6 2i + 3
lim (z − 2i)f (z) = = ,
z→2i 4i 2i
90
1.10. SINGULARIDADES, RESÍDUOS E TEOREMA DOS RESÍDUOS
pelo que se confirma que 0 é singularidade essencial e que Res (f, 0) = 3. Assim sendo:
I
3
e z dz = 6πi .
|z|=1
Atendendo a que
∞
X (−1)n π 2n+1 (πz)3 (πz)5 π3z2 π5 z4
sen(πz) = z 2n+1 = πz − + − ··· = z π − + − ···
(2n + 1)! 3! 5! 3! 5!
n=0
91
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
onde F (u, v) é uma função real dependendo das duas variáveis reais u e v 18 . Como consequência
da fórmula de Euler
eiθ + e−iθ eiθ − e−iθ
cos θ = e sen θ =
2 2i
18
Este Rmétodo serve também para qualquer integral do mesmo tipo num intervalo de comprimento 2π, por
π
exemplo, −π F (cos θ, sen θ) dθ.
92
1.11. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
dz
Temos então que, fazendo z = eiθ (o que implica que |z| = 1 e dθ = iz), o integral pode ser
escrito na forma I −1 −1 I
F ( z+z2 , z−z
2i )
I= dz = f (z) dz
|z|=1 iz |z|=1
1 z + z −1 z − z −1
onde f (z) = F , . Por aplicação do teorema dos resı́duos:
iz 2 2i
k
X
I = 2πi Res (f, zj )
j=0
Exemplo:
Vamos calcular o integral Z 2π
def dθ
I =
0 2 + sen2 θ
Considerando a parametrização z = eiθ ,
com θ ∈ [0, 2π] (da circunferência |z| = 1, percorrida
uma vez no sentido directo), o integral pretendido pode ser escrito como:
I I
1 dz z
I= 2 = 4i 4 2
dz
|z|=1 2 + z−z −1 iz |z|=1 z − 10z + 1
2i
A função
z
f (z) =
− 10z 2 + 1 z4
np √ p √ p √ p √ o
é analı́tica em C \ 5 + 2 6, − 5 + 2 6, 5 − 2 6, − 5 − 2 6 , sendo claro que:
q q
√ √
5 − 2 6 < 1.
5 + 2 6 > 1 e
Assim: q
√ 1 1
Res f, 5 − 2 6 = 2
√
√
=− √
4z − 20 z= 5−2 6
8 6
e q
√ 1 1
Res f, − 5 − 2 6 = 2
√ √
=− √ .
4z − 20 z=− 5−2 6
8 6
Resulta então que: r
Z 2π
dθ 2 2π 2
2
= −8π − √ = √ =π
0 2 + sen θ 8 6 6 3
93
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
em que
(C1) P e Q são polinómios reais;
(C3) Grau(Q)−Grau(P ) ≥ 2.
Observe-se que a condição (C2) faz com que a função P (x)/Q(x) seja limitada em R e a condição
(C3) faz com que o integral impróprio seja convergente.
Considera-se a função complexa auxiliar F (z) = P (z)/Q(z), e para R suficientemente grande
a curva ΓR como sendo a fronteira do semi-cı́rculo centrado na origem e de raio R definido no
semiplano {z : Im z ≥ 0}. Por aplicação do Teorema dos resı́duos
I k
P (z) X P def
dz = 2πi Res ( , zj ) = α
ΓR Q(z) Q
j=0
sendo zj , j = 0, ..., k os zeros de Q com parte imaginária positiva. Por outro lado
Então Z Z Z Z
R
P (z) P (z) P (x) P (z)
α= dz + dz = dx + dz
IR Q(z) SR Q(z) −R Q(x) SR Q(z)
Fazendo R → ∞, Z
P (z)
α = I + lim dz
R→∞ SR Q(z)
Dado que existe M ∈ R+ tal que para |z| = R suficientemente grande
P (z) M
≤ k−l ,
Q(z) |z|
onde k e l são os graus de Q(z) e P (z), respectivamente. Assim sendo, para R suficientemente
grande
Z P (z) Z M M πR Mπ
dz ≤ k−l
|dz| = k−l = k−l−1 ,
SR Q(z) SR |z| R R
Por aplicação da condição (C3) podemos concluir que k − l − 1 ≥ 2 − 1 = 1, pelo que
Z
P (z)
lim dz = 0
R→∞ SR Q(z)
Conclui-se que
Z ∞ k
P (x) X P
dx = α = 2πi Res ( , zj )
−∞ Q(x) Q
j=0
94
1.11. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
Visto que
1
F (z) = (1.25)
(z + 2i)(z − 2i)(z − 3i)(z + 3i)
vê-se que todas as singularidades de (1.25) são zeros de ordem 1 do denominador e não anulam
o numerador, pelo que são pólos simples de F (z). Como tal:
1 1
Res (F, 2i) = lim (z − 2i)F (z) = lim 2
=
z→2i z→2i (z + 2i)(z + 9) 20i
e
1 1
Res (F, 3i) = lim (z − 3i)F (z) = lim =−
z→3i z→3i (z 2 + 4)(z + 3i) 30i
Então I
π
F (z) dz = .
γ 30
Por outro lado, atendendo ao facto de que a curva γR é composta pelo segmento
IR = {z ∈ C : z = x , x ∈ [−R, R[}
e pela semicircunferência
podemos escrever Z Z
π
= F (z) dz + F (z) dz
30 IR SR
95
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
em que a ∈ R+ e:
(C1) f é analı́tica em C excepto num conjunto finito de singularidades;
sendo zj , para j = 0, 1, . . . , k , os zeros de Q com parte imaginária positiva. Note que o valor de
I não depende de R (desde que R > max{|z1 |, . . . , |zk |}). Por outro lado,
n o n o
ΓR = IR ∪ SR = z = x : x ∈] − R, R[ ∪ z = Reiθ : θ ∈ [0, π]
Então Z Z Z Z
R
iaz iaz
I= f (z)e dz + f (z) dz = f (z)e dx + f (z)eiaz dz
IR SR −R SR
96
1.11. APLICAÇÕES DO TEOREMA DOS RESÍDUOS AO CÁLCULO DE INTEGRAIS REAIS
Fazendo R → +∞, Z Z
∞
iax
I= f (z)e dx + lim f (z)eiaz dz
−∞ R→∞ SR
Lema de Jordan Seja a > 0 e f uma função analı́tica em C excepto num conjunto finito de
singularidades. Seja SR a semi-circunferência |z| = R, com Im z > 0.
a) Para qualquer R > 0: Z
π
|eiaz ||dz| <
SR a
b) Seja f (z) analı́tica em |z| > r, para algum r > 0 e tal que:
então: Z
lim f (z)eiaz dz = 0
R→∞ SR
Dem.:
a) Parametrizando
√ a semicircunferência por z(θ) = Reiθ = R cos θ + iR sen θ, com 0 ≤ θ ≤ π,
então R2 cos2 θ + R2 sen2 θ = R, pelo que:
Z Z π Z π
iaz iaR cos θ −aR sen θ
e |dz| = e e R dθ = e−aR sen θ R dθ (1.26)
SR 0 0
Como sen(π − θ) = sen(θ), para θ ∈ [0, π], então θ = π2 é um eixo de simetria do gráfico
da função g(θ) = e−aR sen θ . Desta forma, e atendendo também a que sen θ ≥ π2 θ para
qualquer θ ∈ [0, π/2]:
Z Z π/2 Z π/2
iaz 2aR π π
e |dz| ≤ 2 e−aR sen θ dθ ≤ 2 e− π θ dθ = 1 − e−aR < (1.27)
SR 0 0 a a
def
b) Como M (R) = max |f (z)| → 0 quando R → +∞,
|z|=R
Z Z
M (R)π
f (z)eiaz dz ≤ M (R) |eiaz ||dz| ≤ →0 quando R → +∞
SR SR a
P (x)
Exemplo importante: Se f (x) = Q(x) , onde P (x) e Q(x) são polinómios reais (isto é, os
seus coeficientes são reais), tem-se que se
97
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Conclui-se que Z ∞
f (x)eiax dx = I
−∞
Dado que ax ∈ R, resulta da fórmula de Euler que
Z ∞ Z ∞ Z ∞
iax
f (x)e dx = f (x) cos(ax) dx + i f (x) sen(ax) dx
−∞ −∞ −∞
pelo que
Z ∞ Z ∞
f (x) cos(ax) dx = Re I e f (x) sen(ax) dx = Im I
−∞ −∞
Exemplo:
Vamos determinar o integral Z ∞
cos x
dx
−∞ 4x2 + 1
utilizando o Teorema dos Resı́duos. Para tal considere-se a função complexa
eiz
F (z) =
4z 2 + 1
e, para R ∈ R+ suficientemente grande, a curva γR como sendo a fronteira do semi-cı́rculo
{z : |z| ≤ R e Im z ≥ 0}
Dado que
eiz
F (z) = i
i
, (1.28)
4 z− 2 z+ 2
como i/2 é zero de ordem 1 do denominador de (1.28) e não anula o numerador de (1.28),
conclui-se que i/2 é pólo simples de F . Consequentemente:
i e−1/2
Res (F, 2 ) = lim z −
i
F (z) =
z→i/2 2 4i
98
1.12. APÊNDICE A: SÉRIES REAIS DE TERMOS NÃO NEGATIVOS
Sendo assim I
e−1/2
F (z) dz = π
CR 2
Por outro lado
pelo que
I Z Z
e−1/2
π = F (z) dz = F (z) dz + F (z) dz
2 γR IR SR
e atendendo à definição de IR
Z R Z
e−1/2
π = F (x) dx + F (z) dz
2 −R SR
Fazendo R → ∞ Z Z
∞
e−1/2
π = F (x) dx + lim F (z) dz
2 −∞ R→∞ SR
e como tal Z ∞
e−1/2 π
F (x) dx = π = √
−∞ 2 2 e
Finalmente, visto x ∈ R
Z ∞ Z ∞ Z ∞
ei x cos x sen x π
2+1
dx = 2+1
dx + i 2+1
dx = √
−∞ 4x −∞ 4x −∞ 4x 2 e
concluindo-se que Z ∞
cos x π
dx = √
−∞ 4x2 + 1 2 e
Critérios de Convergência
99
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Demonstração:
P
a) Se SN = u1 +u2 +· · ·+uN e TN = v1 +v2 +· · ·+vN então como vn é convergente,
TN é convergente, logo limitada. Como, para todo o N ∈ N, 0 ≤ SN ≤ TN , SN
também é limitada; como também é monótona, logo é convergente.
P P
b) Caso contrário (isto é, se vn fosse convergente),
P então pela alı́nea a) un seria
convergente, o que contradiz a hipótese. Logo, vn tem que ser divergente.
Demonstração: Considere-se ǫ < l, ou seja, tal que l − ǫ > 0. Pela definição de limite,
existe uma ordem a partir da qual todos os termos da sucessão un /vn verificam
un
l−ǫ< < l + ǫ,
vn
100
1.12. APÊNDICE A: SÉRIES REAIS DE TERMOS NÃO NEGATIVOS
• Critério de D’Alembert
Seja un uma sucessão real de termos positivos tal que existe
un+1
l = lim
n→∞ un
Então:
X
a) Se l < 1 a série un é convergente.
n
X
b) Se l > 1 a série un é divergente.
n
101
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
b) Dado ǫ > 0 tão pequeno que l − ǫ > 1 (como l > 1, basta tomar ǫ < l − 1), a definição
de limite da sucessão un+1 /un garante-nos que a partir de certa ordem:
un+1
>l−ǫ>1
un
Seja r = l−ǫ. Procedendo de forma análoga à demonstração de (a) (exercı́cio), resulta
que, para algum L > 0:
0 < Lr n < un
P n P
Do critério geral de comparação, como Lr é divergente (r > 1), então un é
também divergente.
Exemplo:
∞
X n2 n2
Considere-se a série . Sendo un = tem-se que
en3 en3
n=1
(n+1)2 n + 1 2
un+1 e(n+1)3 3 −(n+1)3
lim = lim n2
= lim en =0<1
n un n n n
en3
∞
X n2
pelo que, por aplicação do Critério de D’Alembert, a série 3 é convergente.
n=1
en
• Critério da Raiz
Seja un sucessão real de termos não negativos, tal que existe
√
l = lim n un
n→∞
Então
X
⋄ se l < 1 a série un é convergente.
n
X
⋄ se l > 1 a série un é divergente.
n
Notas:
Exemplo:
∞
X n
Considere-se a série 2n+(−1) . Começamos por observar que o Critério de D’Alembert
n=0
n
não é aplicável; pois tomando un = 2n+(−1) , então:
2n
= 12 se n par,
un+1 2n+1
=
un 2n+2
2n−1
= 8 se n ı́mpar.
102
1.12. APÊNDICE A: SÉRIES REAIS DE TERMOS NÃO NEGATIVOS
un+1
Pode-se, por isso, concluir que lim não existe. No entanto
un n
√ 1 (−1)n
n+(−1) n
lim un = lim 2
n
= lim 21+ n = 2 > 1
n n n
∞
X n
pelo que, por aplicação do critério da raiz, a série 2n+(−1) é divergente.
n=0
Notas:
√
⋄ Define-se lim sup n un como o supremo do conjunto dos sublimites de un . Um subli-
mite de un é um limite de uma subsucessão de un .
√
⋄ Este resultado generaliza o critério da raiz às situações onde o lim n un não existe.
⋄ No caso l = 1, o critério da raiz é inconclusivo.
Exemplo:
∞
X 5
Considere-se a série . Começamos por observar que o critério da raiz não
n=0
(3 + (−1)n )n
é aplicável (e, consequentemente, o critério de D’Alembert também não) visto que, com
5
un = (3+(−1) n )n , se tem
1√ n
√ 4 5 para n par
n
un =
1√ n
2 5 para n ı́mpar
√
Assim sendo, a subsucessão dos termos pares de n un converge para 41 , mas a subsucessão
√ √
dos termos ı́mpares de n un converge para 21 ; desta forma, o limite de n un não existe. No
√
entanto, o conjunto dos sublimites da sucessão n un é
1 1
,
4 2
e assim
√ 1
lim sup n
un = <1
n 2
∞
X 5
pelo que, por aplicação do Critério da raź de Cauchy, a série é convergente.
(3 + (−1)n )n
n=0
103
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
• Critério do Integral
Seja f : [1, ∞[→ R uma função contı́nua, positiva e decrescente. Se, para qualquer n ∈ N,
se tem f (n) = un , então
∞
X Z N
un é convergente sse existe (em R) o lim f (x) dx.
N →∞ 1
n=1
∞
X
Demonstração: Seja SN a sucessão das somas parciais de un . Atendendo a que f é
n=1
decrescente, para qualquer n ∈ N se n ≤ x ≤ n + 1 então un+1 = f (n + 1) ≤ f (x) ≤
f (n) = un , o que implica que
Z n+1
un+1 ≤ f (x) dx ≤ un .
| {z } n |{z}
R n+1 R n+1
= n
f (n+1) dx = n
f (n) dx
104
1.13. APÊNDICE B: CONVERGÊNCIA UNIFORME
Critério de Leibnitz: Se (un ) é uma sucessão de termos reais positivos, decrescente e tal
∞
X
que lim un = 0, então a série alternada (−1)n un é convergente.
n→∞
n=1
Exemplo: Determinação do erro da aproximação da soma de uma série alternada por uma
soma parcial.
Se uma série alternada converge obedecendo às condições do critério de Leibniz então, para
N + 1 par, (−1)N +1 aN +1 > 0, e então:
X∞ XN
(−1)n an − (−1)n an = aN +1 − (aN +2 − aN +3 ) − (aN +4 − aN +5 ) − · · ·
| {z } | {z }
n=1 n=1 >0 >0
Assim, o erro que se comete ao aproximar a série (1.30) pela sua sucessão das somas parciais,
−a1 + a2 + · · · + (−1)N aN , é menor que aN +1 .
Nota: a estimativa anterior só foi provada para séries que satisfazem as condições do critério
de Leibniz. No caso geral não é possı́vel controlar o erro de aproximação da soma de uma série
da forma acima descrita.
105
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Convergência Pontual
• Diz-se que a sucessão {fn (z)}n converge no ponto z0 se para a sucessão numérica {fn (z0 )}n
for convergente. Se {fn (z)}n convergir em todos os pontos de um conjunto D dizemos
que {fn (z)}n é pontualmente convergente em D. Neste caso podemos definir, para cada
z ∈ D:
f (z) = lim fn (z) ⇔ ∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ, z) tal que ∀n > N se tem |fn (z)−f (z)| < ǫ
n→∞
Convergência Uniforme
• Diz-se que a sucessão fn converge uniformemente em D,
fn → f uniformemente em D ⇔
∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ) tal que ∀n > N se tem |fn (z) − f (z)| < ǫ , ∀z ∈ D
Note-se que, na noção de convergência uniforme, N é independente de z ∈ D.
∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ) tal que ∀n > N se tem sup |f (z) − fn (z)| < ǫ
z∈D
⇔ lim sup f (z) − fn (z) = 0
n→∞ z∈D
∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ) tal que ∀n > m > N se tem |fn (z) − fm (z)| < ǫ , ∀z ∈ D
∀ǫ > 0 ∃N = N (ǫ) tal que ∀m, n > N se tem sup |fn (z) − fm (z)| < ǫ
z∈D
⇔ lim sup fn (z) − fm (z) = 0
m,n→∞ z∈D
106
1.13. APÊNDICE B: CONVERGÊNCIA UNIFORME
Critério de Weierstrass
Seja fn (z) uma sucessão de funções definidas para z ∈ D que verifica
|fn (z)| ≤ Mn para quaisquer z ∈ D e n ∈ N
X X
e onde a série real de termos não negativos Mn é convergente. Então a série fn (z) é
n n
uniformemente convergente em D.
Propriedades da Soma de uma série de funções uniformemente convergente
X
Considere-se f (z) = fn (z) uniformemente em D ⊂ C aberto. Então
n
• se para todo n ∈ N, fn é contı́nua em D, tem-se que f é contı́nua em D e
Z XZ
f (z) dz = fn (z) dz
γ n γ
107
CAPÍTULO 1. ANÁLISE COMPLEXA
Z ∞ Z ∞
X
n
X an
f (w) dw = an (w − z0 ) dw = (z − z0 )n+1 − (a − z0 )n+1
γ γ n+1
n=0 n=0
para qualquer curva regular γ em D(z0 , R) onde a e z são os pontos inicial e final de γ, respec-
tivamente. Em consequência, as primitivas de f (z) são dadas por
∞
X an
C+ (z − z0 )n+1 , C ∈ C.
n+1
n=0
isto é, f é uma série de potências de centro z0 convergente em |z − z0 | < R. Então f é analı́tica
no seu domı́nio de convergência.
108
Capı́tulo 2
2.1 Introdução
2.1.1 Notação e Definições
Designa-se por equação diferencial uma relação de igualdade entre termos envolvendo uma função
y(x), as suas derivadas e a variável independente x. A equação poderá também depender de
parâmetros não directamente relacionados com a variável independente x. É talvez mais simples
pensar numa equação diferencial como uma equação cuja incógnita pertence a um espaço de
funções
Rn ⊃ D ∋ x = (x1 , x2 , . . . xn ) 7−→ y(x) = y1 (x), . . . , ym (x) ∈ Rm
(pode-se ter C em vez de R). Desta forma, x1 , . . . xn são as variáveis independentes (e a dimensão
do domı́nio de y, n ∈ N, o seu número) e y1 , . . . , ym as variáveis dependentes (e a dimensão do
contradomı́nio de y, m ∈ N, o seu número). Note que os (eventuais) parâmetros não são contados
como variáveis independentes ou dependentes da equação.
As equações diferenciais dizem-se ordinárias se o domı́nio da função y(x) está contido em R,
caso em que as derivadas que nela surgem são totais (em ordem a x ∈ R). Dizem-se parciais se
têm mais do que uma variável independente (o domı́nio de y(x) está contido em Rn ) e envolvem
derivadas parciais de y (em ordem a x1 , x2 , . . .).
As equações diferenciais classificam-se como escalares ou vectoriais consoante tenham uma
ou mais do que uma variável dependente (ou seja, o contradomı́nio de y(x) está contido em R
no caso escalar e Rm no caso vectorial). Nesteúltimo caso é costume considerar que a variável
dependente é o vector y(x) = y1 (x), . . . ym (x) ∈ Rm .
Por exemplo, a equação
dy
+ 2ayx = 0
dx
é ordinária, x é a variável independente e y = y(x) a variável dependente, enquanto a é um
parâmetro. Já a 2a Lei de Newton para o movimento de uma partı́cula em R3
é uma equação ordinária vectorial, pois r = r(t) = (x(t), y(t), z(t)). Aqui utilizou-se a notação
de Newton
dr d2 r
ṙ = r̈ = 2
dt dt
109
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
∂2u ∂2u
+ 2 = 0,
∂x2 ∂y
∂u ∂2u
=k 2
∂t ∂x
onde u : R × [0, L] → R; a equação das ondas unidimensional
∂2u 2
2∂ u
= c
∂t2 ∂x2
onde u : R × [0, L] → R. Também poderemos ter versões tridimensionais destas equações como,
por exemplo, a equação do calor no espaço:
2
∂u ∂ u ∂ 2 u ∂ 2 u def
=k + 2 + 2 = k ∇2 u
∂t ∂x2 ∂y ∂z
http://www.claymath.org/millennium/Navier-Stokes_Equations
Dedicaremos o que resta deste capı́tulo ao estudo das equações diferenciais ordinárias.
110
2.1. INTRODUÇÃO
y ′ = g(t).
estando bem definida em qualquer intervalo onde g é contı́nua. Note-se que existe uma infinidade
de soluções para a equação diferencial; o mesmo se passa com qualquer equação diferencial
ordinária de 1a ordem, y ′ = f (t, y), desde que f seja uma função contı́nua num conjunto aberto.
Acrescentando à equação de 1a ordem uma condição inicial, obtém-se um problema de valor
inicial (ou problema de Cauchy):
′
y = f (t, y)
(2.2)
y(t0 ) = y0
Em certas condições (veremos isso mais tarde) um problema de valor inicial tem solução única.
O intervalo máximo de solução, Imax , do problema de valor inicial é o “maior intervalo” onde
o problema (2.2) tem solução. Mais exactamente, Imax é o intervalo maximal de existência de
solução 1 .
1
O intervalo Imax diz-se maximal no sentido em que existe uma solução de (2.2) em Imax e qualquer outro
intervalo onde uma solução de (2.2) está definida está contido em Imax
111
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Resolvamos agora a equação não homogénea. Multiplicando a equação (2.4) por uma função
µ(t) tal que µ̇ = a(t)µ, por exemplo, tomando
Z
µ(t) = exp a(t)dt
112
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Exemplo
(1) Determinar a solução do seguinte problema de valor inicial, indicando o intervalo máximo
de existência de solução:
ẇ + w = e−2t
w(0) = 3
A equação ẇ + w = e−2t é linear, com a(t) = 1 e b(t) = e−2t obviamente contı́nuas em R.
Um factor integrante (em I = R) para a equação é:
R
dt
µ(t) = e = et
Sendo assim
d t
ẇ + w = e−2t ⇔ e w = e−t ⇔ w(t) = e−t (−e−t + C) , C ∈ R
dt
Dado que w(0) = 3 conclui-se que C = 4 e a solução do PVI é
w(t) = e−t 4 − e−t
O intervalo máximo de solução corresponde ao maior intervalo onde w(t) está bem definida
e é continuamente diferenciável. Neste caso, Imax = R. Note que solução está definida (e
é continuamente diferenciável) em I = R, pois a(t) e b(t) são contı́nuas em R.
113
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
2ex
Trata-se de uma equação linear, com a(x) = x1 + 1 e b(x) = x obviamente contı́nuas para
x > 0. Um factor integrante para a equação é:
1
R
µ(x) = e ( x +1) dx = xex
Sendo assim
1 2ex d x
v′ + +1 v = ⇔ xex v ′ + (1 + x)ex v = 2e2x ⇔ xe v = 2e2x
x x dx
pelo que
e2x + c
v(x) = , c ∈ R.
xex
Dado que v = y 2 , tem-se que
r r
e2x + c e2x + c
y(x) = ou y(x) = −
xex xex
tendo-se o primeiro caso se a condição inicial for positiva e o segundo se a condição inicial
for negativa. Assim e dado que y(1) = 2 > 0, tem-se que a solução do (PVI) é
r
e2x + 4e − e2
y(x) =
xex
Como e2x + 4e − e2 é sempre positivo e xex > 0 se e só se x > 0, então
e2x + 4e − e2
>0⇔x>0
xex
Além disso, o valor inicial x0 = 1 é positivo. Assim, Imax =]0, +∞[.
d dy dy
F (y) = F ′ (y) = f (y) = g(t).
dt dt dt
Em consequência, a solução geral da equação (2.5) é dada implicitamente por
Z Z
f (y)dy = g(t)dt + C
114
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Considere-se uma condição inicial genérica, y(t0 ) = y0 . Se C for escolhido por forma a que (t0 , y0 )
verifique a equação implı́cita, isto é, C = Φ(t0 , y0 ), então o gráfico da solução do PVI é uma
curva de nı́vel da função Φ(t, y). Para ser possı́vel definir uma função S(t) tal que y = S(t) seja
a única solução da equação implı́cita numa vizinhança de t0 , isto é, para que, para (t, y) numa
vizinhança de (t0 , y0 ),
Φ(t, y) = C ⇔ y = S(t)
então é obviamente necessário que a equação Φ(t, y) = C tenha uma e uma só solução pois, caso
contrário, não se pode definir a função S(t). Neste caso, S(t) diz-se uma solução explı́cita (local)
de Φ(t, y) = C. Para poder concluir da existência de solução explı́cita local da equação, é útil o
seguinte teorema:
G(t, y(t)) = 0
ou, equivalentemente, Z Z
f (y)dy − g(t)dt = C,
115
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo
(Note que y(t) ≡ 0 também é solução da equação diferencial). Atendendo a que y(0) = 5
tem-se que K = 5 e como tal a solução do PVI é
x2
−3x
y(x) = 5e 2
y(x) = Ke−3x
y(x) = y0 e−3x
116
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
K=0
K=-1/2
0
K=-1/2
K=1/2
K=1
−2
−4
−6
-0.45 -0.33 -0.21 -0.09 0.03 0.15 0.27 0.39
dy
M (t, y) + N (t, y) =0 (2.6)
dt
diz-se exacta se e só se é equivalente a
d
φ(t, y) = 0, (2.7)
dt
onde φ : A → R é de classe C 1 .
A solução geral, na forma implı́cita, da equação exacta é, então:
φ(t, y) = C, com C ∈ R.
Em que condições existe uma tal função φ, de forma a que a equação (2.6) seja equivalente
a (2.7)? Começamos por notar que a equação (2.7) se pode escrever:
∂φ ∂φ dy
+ =0 (2.8)
∂t ∂y dt
Comparando a equação (2.6) com (2.8), concluı́mos que para (2.6) ser exacta é necessário e
suficiente que:
∂φ ∂φ
M= e N= ,
∂t ∂y
117
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ou seja, (M, N ) = ∇φ, para certa função φ ∈ C 1 (A, R). Isto é equivalente a dizer que o campo
(M, N ) é um campo gradiente 3 .
dy
−g(t) + f (y) = 0,
dt
Este exemplo não parece muito interessante, pois obtivémos o potencial a partir do conhecimento
prévio da solução geral da equação separável.
Problemas mais interessantes – no sentido em que não podem ser facilmente resolvidos por
outros métodos – podem-se abordar tomando como ponto de partida a seguinte (e já vossa
conhecida) condição necessária para que um campo seja gradiente.
∂M ∂N
= em A
∂y ∂t
então existe φ : A → R de classe C 2 tal que (M, N ) = ∇φ. Em particular, isto implica que a
equação M (t, y) + N (t, y)y ′ = 0 é exacta.
Considerando agora um problema de valor inicial de uma equação exacta (2.7) com condição
inicial y(t0 ) = y0 , a sua solução geral é:
∂ ∂Φ
(Φ − C)(t0 , y0 ) = (t0 , y0 ) = N (t0 , y0 ) 6= 0.
∂y ∂y
∂M ∂N
a) = em A,
∂y ∂t
b) N (t0 , y0 ) 6= 0,
3
(M, N ) : A → R é um campo gradiente com um potencial φ ∈ C 1 (A, R).
4
A, B ⊂ R são conjuntos abertos
118
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Exemplo
(1) Determinar a solução geral da equação
dy
e4x + 2xy 2 + (cos y + 2x2 y) =0
dx
Sendo
M (x, y) = e4x + 2xy 2 e N (x, y) = cos y + 2x2 y
é fácil de verificar que
(i) M e N são continuamente diferenciáveis em U = R2 ;
∂M ∂N
(ii) = 4xy = para todo (x, y) ∈ R2 .
∂y ∂x
Conclui-se que (M, N ) é um campo gradiente em R2 , isto é, existe Φ : R2 → R tal que
∇Φ = (M, N ).
Cálculo de Φ
Z
∂Φ e4x
= M ⇒ Φ(x, y) = (e4x + 2xy 2 ) dx + C(y) ⇒ Φ(x, y) = + x2 y 2 + C(y)
∂x 4
e, por outro lado
∂Φ
= N ⇒ 2x2 y + C ′ (y) = cos y + 2x2 y ⇒ C(y) = sen y + D
∂y
pelo que
e4x
Φ(x, y) = + x2 y 2 + sen y + D , D ∈ R
4
Resolução da equação
Nestas circunstâncias 6
dy d e4x
e4x + 2xy 2 + (cos y + 2x2 y) =0 ⇔ + x2 y 2 + sen y = 0
dx dx 4
pelo que a solução geral da equação é definida implicitamente por
e4x
+ x2 y 2 + sen y = K , K ∈ R
4
5
De facto, as hipóteses garantem que φ é de classe C 2 ; mas esta conclusão mais forte não é necessária para o
que iremos fazer.
6
Note que precisamos apenas de um Φ : R2 → R tal que ∇Φ = (M, N ). Qualquer um destes potênciais, em
particular o que se obtém com C = 0, pode ser usado para resolver a equação exacta.
119
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
- A equação diferencial
dy
M (t, y) + N (t, y) =0
dt
é redutı́vel a exacta, com factor integrante só dependendo de t, µ = µ(t), se a função
∂M ∂N
∂y − ∂t
N
depender apenas de t. Se esta condição se verificar, o factor integrante é uma das soluções
da equação diferencial
∂M ∂N
∂y − ∂t
µ̇ = µ
N
- A equação diferencial
dy
M (t, y) + N (t, y) =0
dt
é redutı́vel a exacta, com factor integrante só dependendo de y, µ = µ(y), se a função
∂N ∂M
∂t − ∂y
M
depender apenas de y. Se esta condição se verificar, o factor integrante é uma das soluções
da equação diferencial
∂N ∂M
∂t − ∂y
µ̇ = µ
M
Φ(t, y) = C
em que Φ satisfaz
∂Φ ∂Φ
= µM , = µN
∂t ∂y
Exemplos:
120
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
∂M ∂N
= 3x2 + 2x + 3y 2 , = 2x
∂y ∂x
pelo que a equação não é exacta. Admitindo que é redutı́vel a exacta, existe um factor
integrante µ tal que a equação
dy
(3x2 y + 2xy + y 3 )µ + (x2 + y 2 )µ =0
dx
é exacta. A equação que o factor integrante satisfaz é:
∂µ ∂µ
(3x2 y + 2xy + y 3 ) + (3x2 + 2x + 3y 2 )µ = (x2 + y 2 ) + 2xµ
∂y ∂x
Supondo que µ = µ(x) (o que implica ∂µ/∂y = 0 e ∂µ/∂x = µ′ (x)) tem-se que
µ′ (x) 3x2 + 2x + 3y 2 − 2x
(3x2 + 2x + 3y 2 )µ = (x2 + y 2 )µ′ (x) + 2xµ ⇔ = =3
µ(x) x2 + y 2
dy
e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) + e3x (x2 + y 2 ) = 0,
dx
que, por construção, é exacta. Podemos novamente verificar esse facto observando que as
funções e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) e e3x (x2 + y 2 ) são diferenciáveis em R2 e:
∂ h 3x 2 i ∂ h 3x 2 i
e (3x y + 2xy + y 3 ) = e (x + y 2 )
∂y ∂x
Sendo assim (µM, µN ) é um campo gradiente em R2 , isto é, existe Φ : R2 → R tal que
∇Φ = (µM, µN ).
Cálculo de Φ
Z
∂Φ
= µN ⇒ Φ(x, y) = e3x (x2 + y 2 ) dy + C(x)
∂y
3x 2y3
⇒ Φ(x, y) = e x y+ + C(x)
3
121
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Resolução da equação
Nestas circunstâncias
dy dy
3x2 y + 2xy + y 3 + (x2 + y 2 ) = 0 ⇔ e3x (3x2 y + 2xy + y 3 ) + e3x (x2 + y 2 ) =0
dx dx
d 3x 2 y3
⇔ e x y+ =0
dx 3
pelo que a solução geral da equação é definida implicitamente por
3x 2 y3
e x y+ = k , k ∈ R.
3
µ′ (x) 1 − 2y
µ = (2xy − e−2y )µ′ (x) + 2yµ ⇔ =
µ(x) 2xy − e−2y
1 − 2y
Como se vê, a função não depende apenas da variável x, pelo que não existe
2xy − e−2y
factor de integração dependendo apenas de x.
122
2.2. EQUAÇÕES ESCALARES DE PRIMEIRA ORDEM
Supondo agora que µ = µ(y) (o que implica ∂µ/∂x = 0 e ∂µ/∂y = µ′ (y)) tem-se que
µ′ (y) 2y − 1 µ′ (y) 1
yµ′ + µ = 2yµ ⇔ = ⇔ =2−
µ(y) y µ(y) y
Neste caso a equação anterior pode ser resolvida pois o segundo membro depende apenas
de y. Como tal, o factor integrante é uma das suas soluções não nulas, por exemplo,
e2y
µ(y) = . Considere-se então a equação
y
2y 2y 1 dy
e + 2xe − =0
y dx
que, tendo sido obtida por multiplicação de ambos os membros da equação original pelo
factor integrante, é necessariamente exacta. Para confirmar este facto, observe-se que as
funções e2y e 2xe2y − y1 são diferenciáveis em R2 \ {(x, 0) : x ∈ R}, e
∂ h 2y i 2y ∂ h 2y 1i
e = 2e = 2xe −
∂y ∂x y
Cálculo de Φ
Z
∂Φ
= M µ ⇒ Φ(x, y) = e2y dx + C(y) ⇒ Φ(x, y) = xe2y + C(y)
∂x
∂Φ 1
= µN ⇒ 2xe2y + C ′ (y) = 2xe2y − ⇒ C(y) = −log|y| + const.
∂y y
pelo que
Φ(x, y) = xe2y − log|y| + const. , const. ∈ R
Resolução da equação
Nestas circunstâncias, para y > 0 ou y < 0:
dy 1 dy
y + (2xy − e−2y ) = 0 ⇔ e2y + (2xe2y − ) =0
dx y dx
d 2y
⇔ xe − log |y| + const. = 0
dx
pelo que a solução geral da equação é definida implicitamente por
123
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
onde a função f : D → R tem domı́nio aberto D ⊂ R2 . É costume designar f (t, y) por campo de
direcções da equação diferencial em (2.9); isto deriva do facto de a recta tangente ao gráfico
das soluções da equação diferencial ter, em cada ponto (t, y) desse gráfico, declive igual a
f (t, y). Note que se y(t) é solução da equação diferencial então f (t, y(t)) = dy
dt (t).
Nesta secção estudamos as condições que a função f (t, y) deve verificar para que a solução
do PVI:
• exista;
• seja única;
Estas questões matemáticas são muito importantes do ponto de vista das aplicações. Os
métodos numéricos que na prática são aplicados no cálculo aproximado de soluções de uma
equação diferencial ordinária exigem, como hipótese, que a solução do PVI exista, seja única e
que dependa continuamente das condições iniciais — isto é, que seja um problema bem posto. É
sabido que quando um PVI falha uma daquelas propriedades as soluções dos esquemas numéricos
correspondentes podem exibir comportamentos que as tornam inúteis, na óptica das aplicações.
admite pelo menos uma solução, y(t), num intervalo ]t0 − α, t0 + α[ para certo α > 0.
Pode-se então colocar a questão de saber se a continuidade de f (t, y) é suficiente para provar
unicidade de solução. A subsecção seguinte mostra que a resposta a esta questão é negativa.
124
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Podemos agora utilizar o método de “cortar” e “colar” a partir das soluções y(t) ≡ 0 e
y(t) = 41 (t + c)2 , para t > −c, para criar novas soluções do PVI. Será necessário, obviamente,
que que no “ponto de colagem” a nova solução seja uma função contı́nua, diferenciável e que
verifique a equação diferencial.
Para t1 > 0, defina-se
0
se t ≤ t1
yt1 (t) =
1 t − t 2 se t > t
1 1
4
Verifica-se que yt1 é diferenciável e verifica a equação diferencial em R\{t1 }, pois foi construı́da
à custa das soluções y(t) ≡ 0 e y(t) = 14 (t + c)2 , com c = −t1 . Note que esta escolha de c faz
precisamente com que
t 2
1
lim yt0 (t) = lim yt1 (t) ⇔ 0= −k ,
t→t− 1 t→t+1
2
125
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ou seja, que yt1 seja contı́nua em t1 e yt1 (t1 ) = 0. Também as derivadas laterais de yt1 em t1
existem e são nulas, pelo que yt1 satisfaz a equação diferencial em t1 .
√
O facto de existir uma infinidade de soluções mostra que a continuidade da função f (t, y) = y
no seu domı́nio não é suficiente para garantir unicidade de solução para o PVI.
De facto, temos que
p
|x| − p|y|
|f (t, x) − f (t, y)| = |x − y|,
x−y
onde o termo p
|x| − p|y|
,
x−y
126
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
não é limitado para x e y num vizinhança qualquer da origem. Isto implica, em particular, que
fixando y = 0 as taxas médias de crescimento da função f não são limitadas. Ora, foi precisamente
nos pontos onde a solução da equação é nula que se observou a bifurcação de soluções!
Teorema de Picard
Considere-se D ⊆ R2 aberto e f : D → R contı́nua e localmente lipschitziana relativamente a y
em D. Se (t0 , y0 ) ∈ D, o problema de valor inicial
ẏ = f (t, y)
y(t0 ) = y0
127
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
admite uma única solução, y(t), definida numa vizinhança de t0 , isto é, num intervalo ]t0 −α, t0 +α[
para algum α > 0.
A demonstração deste teorema é feita de forma construtiva, sendo obtida a solução à custa de
uma sucessão de aproximações da solução. Apresentaremos em seguida essa construção e depois
os vários passos da demonstração do teorema.
dy
= f (t, y)
dt (2.10)
y(t0 ) = y0
Z t
y(t) = y0 + f s, y(s) ds (2.11)
t0
Z t Z t Z t
′
y (s) ds = f s, y(s) ds ⇔ y(t) − y(t0 ) = f s, y(s) ds
t0 t0 t0
Usando agora a condição inicial do PVI (2.10), obtém-se a equação integral (2.11).
Reciprocamente, admitindo que y ∈ C 1 (I) é solução da equação integral (2.11) então, apli-
cando o teorema fundamental do cálculo ao integral do membro direito da equação conclui-se que
y(t) é diferenciável e que:
dy
= f (t, y(t)) ∀t ∈ I.
dt
Assim sendo, y(t) é solução da equação diferencial. Por outro lado, substituindo t por t0 na
equação integral (2.11), obtém-se y(t0 ) = y0 .
A equação integral é, do ponto de vista da análise matemática, muito útil pois é muito mais
fácil obter estimativas de integrais do que de derivadas.
128
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Iteradas de Picard
Derivamos agora a partir da equação integral uma sucessão de aproximações — as iteradas de
Picard. Trata-se de uma sucessão de funções contı́nuas yn : I → R definida recursivamente por:
y0 (t) = y0
Z t
y1 (t) = y0 + f s, y0 (s) ds
t0
Z t
y2 (t) = y0 + f t, y1 (s) ds
t0
..
.
Z t
yn+1 (t) = y0 + f s, yn (s) ds
t0
..
.
..
.
Na Figura 2.5 estão representadas as primeiras iteradas de Picard assim como a solução do PVI.
Pode-se verificar, por indução matemática, que:
n
x2 x4 x2n X x2k
yn (x) = 1 + + ··· + = .
1! 2! n! k!
k=0
129
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
2.5
y_1
y_2
y_3
y(t)
1.5
0.5
-0.05 0.07 0.19 0.31 0.43 0.55 0.67 0.79 0.91
Neste caso, a sucessão das iteradas de Picard, yn , é precisamente igual à sucessão das somas
2
parciais da série de Maclaurin da solução do (PVI), y(x) = ex . No entanto, e conforme se ilustra
no exemplo seguinte, tal tipo de identidade pode não se verificar mesmo em casos simples.
Rx Rx s3 2
y3 (x) = 1 + 0 (y2 (s))2 ds = 1 + 0 (1 + s + s2 + 3 ) ds =
2x4 x5 x6 x7
= 1 + x + x2 + x3 + 3 + 3 + 9 + 63
..
.
Por outro lado, resolvendo a equação diferencial, obtém-se
Z
d 1
y′ = y2 ⇔ y −2 dy = 1 ⇔ y(x) = .
dx c−x
130
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
10
y_0
5 y_1
y_2
y_3
y(t)
−5
-0.95 -0.75 -0.55 -0.35 -0.15 0.05 0.25 0.45 0.65 0.85
Pode-se provar (a demonstração não é inteiramente trivial) que as iteradas de Picard deste
problema verificam
onde Rn+1 (x) é uma função polinomial com um zero de ordem n + 1 em x = 0. Note que
Sn (x) = 1 + x + x2 + · · · + xn é a sucessão das somas parciais da série geométrica, cuja soma é
1
precisamente a solução do (PVI), y(x) = 1−x , mas somente em ] − 1, 1[.
Em casos menos simples que estes dois exemplos — quando f (t, y) não é uma função polino-
mial — as iteradas de Picard não são polinomiais; no entanto, e mesmo sem se conhecer a forma
explı́cita dessas iteradas, pode-se usar a análise matemática para provar a sua convergência local.
Para concluir a demonstração do Teorema de Picard, iremos mostrar que a sucessão das
iteradas de Picard, dada por
Z t
yn+1 (t) = y0 + f s, yn (s) ds , (2.15)
t0
converge uniformemente num certo intervalo, I = [t0 − α, t0 + α] para uma função contı́nua, y(t).
A partir deste facto, e tomando o limite quando n → ∞ em ambos os membros da igualdade
(2.15), poderemos então concluir que y(t) satisfaz a equação integral (2.11) em I, pelo que deverá
ser solução do PVI no intervalo aberto ]t0 − α, t0 + α[.
131
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
y0 + b
(t0 , y0 ) R
y0
y0 − b
t
t0 − a t0 t0 + a
2o ) Seja
M = max {|f (t, y)| : (t, y) ∈ R}
Para que t, yn (t) esteja no interior de R para t ∈ [t0 − α, t0 + α], é necessário que
|yn (t) − y0 | < b. Como
Z t Z t
|yn (t) − y0 | ≤ f s, yn (s) |ds| ≤ M |ds| = M |t − t0 | ≤ M α,
t0 t0
7
Se f : I → R é contı́nua no intervalo I e a, b ∈ I (sem que se tenha, necessariamente, b ≥ a) então obtém-se,
como caso particular da propriedade de majoração do integral complexo (Subsecção 1.5.2):
Z b Z b
f (t)dt ≤
|f (t)| |dt|.
a a
Rb Rb Ra Rb
Note que a
|f (t)| |dt| é igual a a
|f (t)| dt se b ≥ a e a b
|f (t)|dt se b < a. Em particular, a
|dt| = |b − a|.
132
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
isso implica que devemos ter M α < b. Para tal, é preciso exigir α < b/M .
def
Assim, para qualquer t ∈ [t0 − α, t0 + α] = Iα :
Z t
|yn+1 (t) − yn (t)| ≤ f s, yn (s) − f s, yn−1 (s) |ds|
t0
Z t
≤ K |yn (s) − yn−1 (s)| |ds|
t0
Z t
≤ K max yn (s) − yn−1 (s) |ds|
s∈Iα
t0
≤ Kα max yn (s) − yn−1 (s)
s∈Iα
133
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
A terceira restrição que introduzimos ao valor de α é r = Kα < 1, ou seja α < 1/K. Assim,
P
como |r| < 1, ∞ k
k=m br é uma série geométrica convergente. Por outro lado, o termo geral da
série (2.18) verifica
yk (t) − yk−1 (t) ≤ br k ,
e usando a convergência uniforme de yn (t) para y(t) em Iα , então tomando o limite em ambos
os membros de (2.20) conclui-se que que y(t) satisfaz a equação integral:
Z t
y(t) = y0 + f t, y(t) dt
t0
Como y(t) é contı́nua em Iα , então f t, y(t) é contı́nua em Iα . Por aplicação do teorema
fundamental do cálculo ao 2o membro da equação integral, podemos concluir que y ∈ C 1 (Iα ).
Unicidade de Solução
Supondo que y(t) e z(t) são duas soluções do PVI, então verificam
Z t
y(t) = y0 + f t, y(t) dt
t0
Z t
z(t) = y0 + f t, z(t) dt
t0
em Iα = [t0 − α, t0 + α], onde α satisfaz (2.19). Assim:
Z t
|y(t) − z(t)| ≤ f s, y(s) − f s, z(s) |ds|
t0
Z t
≤ K |y(s) − z(s)| |ds|
t0
Z
t
≤ K max y(s) − z(s) |ds|
s∈Iα t0
≤ Kα max y(s) − z(s)
s∈Iα
134
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
sendo a igualdade apenas verificada quando max y(s) − z(s) = 0. Como é impossı́vel que se
s∈Iα
verifique a desigualdade estrita para todo
o t ∈ Iα (pois o máximo de |y(t) − z(t)| é atingido num
ponto t1 ∈ Iα ) concluı́mos que max y(s) − z(s) = 0, ou seja:
s∈Iα
Teorema de Picard
Considere-se D ⊆ R2 aberto e f : D → R contı́nua e localmente lipschitziana relativamente a y
em D. Se (t0 , y0 ) ∈ D, o problema de valor inicial
ẏ = f (t, y)
y(t0 ) = y0
admite uma única solução, y(t), definida numa vizinhança de t0 , isto é, num intervalo do tipo
]t0 − α, t0 + α[. b 1
Além disso, a conclusão acima é válida para qualquer α < min a, M , K , onde a e b são as
dimensões de um rectângulo R = {(t, y) ∈ R2 : |t − t0 | ≤ a e |y − y0 | ≤ b} contido em D 8 ,
M = max |f (t, y)| e K é uma constante de Lipschitz de f em R 9 .
(t,y)∈R
Supondo que f satisfaz as condições do teorema de Picard, podemos desde já concluir o
seguinte: os gráficos de quaisquer duas soluções distintas, y1 (t) e y2 (t) da mesma equação dife-
rencial
y ′ = f (t, y)
não se podem intersectar; isto é, não existe t̃ ∈ R tal que
y1 (t̃) = y2 (t̃)
Isto porque, admitindo que o oposto seria válido então, e tomando ỹ = y1 (t̃) = y2 (t̃), o problema
de valor inicial
ẏ = f (t, y)
y(t̃) = ỹ
teria duas soluções distintas, y1 (t) e y2 (t), definidas numa vizinhança de t̃. Ora isto contradiz a
conclusão do teorema de Picard.
Exemplos:
8
Ver fig. 2.7
9
Ou seja, K > 0 é tal que |f (t, y) − f (t, x)| ≤ K|y − x| para quaisquer (t, y), (t, x) ∈ R.
135
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
dy p
= 3 1 − xy , y(0) = 0 (2.21)
dx
√
Começemos por observar que f (x, y) = 3 1 − xy
dy p
= 3 1 − xy , y(1) = 1 (2.22)
dx
√
Como vimos no exemplo anterior f (x, y) = 3 1 − xy verifica as condições do Teorema de Picard
em D = R2 \ {(x, y) : xy = 1}. Em primeiro lugar, e dado que f (x, y) é contı́nua em R2 ,
o Teorema de Peano garante que o PVI (2.22) admite pelo menos uma solução definida numa
vizinhança de x0 = 1. No entanto neste exemplo tem-se que (x0 , y0 ) = (1, 1) 6∈ D. Apesar
disso não se pode, de imediato, concluir que f (x, y) não verifica as condições do Teorema de
Picard num conjunto que contenha (1, 1). O facto de ∂f ∂y (1, 1) não existir não é suficiente para
garantir que f (x, y) não é lipschtziana em conjuntos contendo (1, 1); teremos, por isso, que o
verificar directamente. Assim, seja B qualquer subconjunto fechado e limitado de R2 , e (x, y1 ),
(x, y2 ) ∈ B:
p √ √
3 p
3 3 1 − xy1 − 3 1 − xy 2
|f (x, y1 ) − f (x, y2 )| = 1 − xy1 − 1 − xy 2 = |y1 − y2 |
y1 − y2
tem que ser limitada para todos (x, y1 ), (x, y2 ) ∈ B. Considere-se (x, y2 ) = (1, 1) e (x, y1 ) =
(1, 1 + h) para h ∈ R. Temos então que
√
3 −h
L(1, 1, 1 + h) = = |h|−2/3
h
É então fácil de observar que para valores de h próximos de 0 (o que corresponde a estarmos em
pontos (x, y) próximos de (1, 1)), |h−2/3 | aproxima-se de ∞ pelo que L(1, 1, 1+h) não é limitada.
Concluimos que f não é lipschtziana em qualquer conjunto contendo o ponto (1, 1), pelo que não
se verificam as condições do Teorema de Picard numa vizinhança de (1, 1). Concluimos então que
não se pode garantir unicidade de solução para (2.22).
136
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Tem-se então que f (x, y) é lipschitziana em B (com constante de Lipschitz L = 1, pelo que f é
localmente lipschitziana em R2 . O Teorema de Picard garante então unicidade de solução para
(2.23).
(4) Sendo a ∈ R, considere-se o problema de valor inicial
(
y ′ + ay = y 2 cos(y + t)
(2.24)
y(0) = 1
Definindo f (t, y) = −ay + y 2 cos(y + t), a equação pode-se escrever na forma y ′ = f (t, y). Note-
se que f (t, y) é continuamente diferenciável em R2 , logo é contı́nua e localmente lipshitziana
relativamente a y em R2 . Pelo teorema de Picard, existe solução única do problema de valor
inicial numa vizinhança de t0 = 0, ou seja, num intervalo ] − α, α[, para algum α > 0.
Determinemos agora um intervalo de valores de a para os quais a solução do problema (2.24)
está definida em R. Notando que a equação y ′ = f (t, y) = y(y − a) cos(y + t) tem as soluções
estacionárias u(t) ≡ 0 e v(t) ≡ a, basta tomarmos a > 1 para que se verifique
0 < y(0) = 1 < a
Como, pelo teorema de Picard, os gráficos de soluções distintas do problema y ′ = f (t, y) não se
podem intersectar, então uma solução que começa num ponto y(0) ∈]0, a[ deve permanecer nesse
intervalo (pois não se pode ter y(t) = u(t) = 0 ou y(t) = v(t) = a para qualquer t ∈ Imax ).
Assim sendo:
0 ≤ y(t) ≤ a ∀t ∈ Imax
Para concluirmos que Imax = R podemos aplicar o teorema de Picard (em versão melhorada)
sucessivamente. Por exemplo, tomando t1 = α e y1 = y(α), o problema
(
y ′ + ay = y 2 cos(y + t)
(2.25)
y(t1 ) = y1
tem solução única definida num intervalo ]t1 − α1 , t1 + α1 [, o que permite prolongar a solução
(única) do PVI (2.25) ao intervalo ] − α, α + α1 [. Repetindo este procedimento, pode-se provar
que Imax ⊃ [0, ∞[. Fazendo o mesmo do lado esquerdo do intervalo ]−α, α[, podemos igualmente
provar que Imax ⊃] − ∞, 0].
Em vez de discutirmos a prova neste exemplo particular, veremos na próxima secção uma
forma sistemática de o fazer utilizando o teorema do prolongamento da solução.
137
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = y0
dt
está definida num intervalo máximo de definição, Imax =]a, b[, cujos extremos, a, b ∈ R, verificam
(i) b = +∞ ou
(ii) b < +∞ e t, y(t) → ∂D quando t → b− ou
Note que os casos do tipo (iii) significam que a solução explode (respectivamente, quando
t → b ou t → a). Quanto aos casos do tipo (ii), por exemplo
t, y(t) → ∂D quando t → b−
significa que qualquer ponto limite do gráfico de y(t) para t ∈ [t0 , b[ (este gráfico é o conjunto
{(t, y(t)) : t ∈ [t0 , b[} ⊂ R2 ) pertence à fronteira de D, ∂D. Isto é equivalente a dizer que
qualquer sucessão tn ∈ ]a, b[ tal que tn → b e y(tn ) é convergente verifica:
lim tn , y(tn ) ∈ ∂D
n→+∞
Dem.:
Vamos provar a conclusão do teorema para o prolongamento para a direita, isto é, até b.
Seja J o conjunto dos τ ∈ R tais que existe solução y : [t0 , τ ] → R do problema de valor
inicial 10 . Pelo teorema de Picard, J 6= ∅. Se J não for majorado, então a conclusão do teorema
é satisfeita pois verifica-se o caso (i). Por outro lado, se J é majorado, como J 6= ∅ então existe
b = sup J < +∞.
Note que se y : I → R e ỹ : I˜ → R (onde I ⊂ I˜ são intervalos), então a solução ỹ restrita a I é uma solução
10
do PVI em I. Resulta da unicidade de solução do PVI que ỹ(t) = y(t) para qualquer t ∈ I; ou seja, a restrição de
ỹ ao domı́nio de y, I, coincide necessariamente com y.
138
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Admitamos que tanto (ii) como (iii) não se verificam. Como lim |y(t)| = +∞ não é verdade,
t→a+
então existe uma sucessão sn → b− tal que y(sn ) é limitada; sendo limitada, tal sucessão tem
uma subsucessão convergente. Isto mostra que existem sucessões tn ∈ ]a, b[ tais que tn → b e
y(tn ) é convergente.
Mas como (ii) não se verifica, então para pelo menos uma dessas sucessões,
tn , y(tn ) converge para um certo (b, ω) ∈ int D.
Seja δ < 13 dist (b, ω), ∂D ; assim sendo, B3δ (b, ω) é um subconjunto compacto de D. Seja
K a constante de Lipschitz de f em B3δ (b, ω) e
δ 1
α = min δ, , . (2.26)
M K
∂D
(t̄, ȳ)
2δ
(b, w)
2δ
Figura 2.8
Seja (t̄, ȳ) um termo da sucessão tn , y(tn ) tal que
(t̄, ȳ) − (b, ω)
< α (2.27)
Então o quadrado
n o
R = (t, y) : t ∈ [t̄ − δ, t̄ + δ] e y ∈ [ȳ − δ, ȳ + δ]
verifica
R ⊂ Bδ√2 (t̄, ȳ) ⊂ Bδ√2+α (b, ω) ⊂ B3δ (b, ω),
√ √
pois, tendo em conta (2.26), δ 2 + α ≤ δ 2 + δ < 3δ.
Pelo teorema de Picard (em versão melhorada) e (2.26), concluimos que a solução y(t) admite
extensão ao intervalo [t0 , t̄ + α] e que, tendo em conta (2.27), b − t̄ < α, o que implica que:
t̄ + α > b
Mas isto é absurdo, pois contradiz o facto de que b = sup J.
A demonstração do prolongamento para a esquerda (até a) é análoga à anterior.
Em qualquer um dos casos, verificar que a solução não pode ser prolongada até t = ∞
(ou t = −∞) porque a fronteira do conjunto D é atingida pode ser fácil de constatar pois a
139
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = y0
dt
então
y(t) ≤ u(t) para todo t ≥ t0
y(t) ≥ u(t) para todo t ≤ t0
Consequências:
du
= g(t, u) , u(t0 ) = α
dt
u
definida em Imax =]t0 − ǫ, T [, tendo-se que lim u(t) = +∞. Se y(t) é solução do PVI
t→T −
dy
= f (t, y) , y(t0 ) = α
dt
e f (t, y) ≥ g(t, y) para todo (t, y). Observe-se que, pelo teorema anterior, esta condição
implica que y(t) ≥ u(t) para todo t ≥ α; assim sendo, y(t) explode no intervalo ]t0 , T ], isto
y
é, existe Θ ∈]t0 , T ] tal que lim y.(t) = +∞ e consequentemente sup Imax =Θ
t→Θ−
140
2.3. EXISTÊNCIA, UNICIDADE E PROLONGAMENTO DE SOLUÇÕES
Exemplo 1
Considere-se o PVI
y ′ = (1 + y 2 )f (ty) , y(0) = 0 (2.28)
em que f é uma função de classe C 1 (R), verificando f (x) ≥ 1 para qualquer x ∈ R.
Como a função (1 + y 2 )f (ty) é contı́nua em R2 , e a função
∂
(1 + y 2 )f (ty) = 2yf (ty) + (1 + y 2 )f ′ (ty)t
∂y
u′ = 1 + u2 , u(0) = 0 ;
resolvendo a equação separável e fazendo uso da condição inicial, obtém-se a sua única solução:
u(t) = tg t,
141
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 2
Considere-se o problema de valor inicial
y ′ = −2(sen(ety ) + 2)y , y(0) = 1 (2.30)
Sendo
f (t, y) = −2(sen(ety ) + 2)y
é fácil de verificar que tanto f como ∂f /∂y são contı́nuas em R2 . Isto implica que f verifica
as condições do Teorema de Picard em D = R2 e assim (2.30) tem uma solução única numa
vizinhança de t0 = 0. Temos agora que mostrar que a solução pode ser prolongada a R. Obser-
vemos que para y(t) > 0 (isso acontecerá, pelo menos, numa vizinhança de t0 = 0), a equação é
equivalente a:
y′
= −2(sen(ety ) + 2)
y
Integrando esta igualdade de 0 a t, obtém-se:
Z t
log y(t) − log y(0) = (−2(sen(esy(s) ) + 2))ds
0
142
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
onde as soluções são funções y1 (t), ..., yn (t) : I → R de classe C 1 em I. Utilizando notação
vectorial, este sistema pode então ser escrito de forma abreviada como a equação vectorial
sendo
y1 (t) f1 t, y1 (t), . . . , yn (t)
.
.
y(t) =
.
e F (t, y(t)) =
.
. .
yn (t) fn t, y1 (t), . . . , yn (t)
Tal como no caso escalar (n = 1), sendo t0 ∈ I, denomina-se problema de valor inicial a
′
y (t) = F t, y(t) , t ∈ I
y(t0 ) = y0
onde se supõe que t0 ∈ I e y0 = y1 (t0 ), . . . , yn (t0 ) ∈ A.
def p
||(y1 , . . . , yn ) − (x1 , . . . , xn )|| = (y1 − x1 )2 + . . . + (yn − xn )2
para todos (t, y1 , . . . , yn ), (t, u1 , . . . , un ) em subconjuntos compactos de D. Isto é equivalente a
dizer que existe L ∈ R+ tal que:
11
Recordamos que, dados dois conjuntos A e B, o produto cartesiano de A por B, denotado A × B, é o conjunto
dos pares ordenados (a, b) tais que a ∈ A e b ∈ B. No nosso caso, se t ∈ R e y = (y1 , . . . , yn ) ∈ Rn , então
(t, y) ∈ R × Rn . É usual identificar (t, y) ∈ R × Rn com (t, y1 , . . . , yn ) ∈ Rn+1 ; neste sentido, podemos dizer que
R × Rn = Rn+1 .
143
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
O seguinte teorema tem demonstração análoga ao teorema homónimo que enunciámos ante-
riormente para o caso escalar.
admite solução única num intervalo ]t0 − α, t0 + α[, para certo α > 0.
Funções matriciais
No seguimento, será necessário estudar funções X cujo domı́nio é um intervalo real e cujo conjunto
de chegada é um espaço vectorial de matrizes reais (ou complexas) de dimensão n × m, que aqui
denotaremos por Mn×m (R) (ou C).
Genericamente, um função X : I ⊂ R → Mn×m (R), com
h i
X(t) = xij (t) i=1...n
j=1...m
pode, de facto, ser interpretada como uma função vectorial com as n × m componentes:
x11 (t), . . . , x1m (t), x21 (t), . . . , x2m (t), . . . . . . , xn1 (t), . . . , xnn (t).
Sendo assim, pode-se neste contexto utilizar os conceitos e resultados já discutidos quando se
estudou as funções vectoriais. A derivada de X(t) é, então, dada por
dX dxij
= i=1,...n ,
dt dt j=1...m
144
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
o resultado tem que ser deduzido (porquê?). No entanto isso, é tarefa relativamente fácil: calcu-
lando a derivada da componente (i, j) de X(t)Y (t), obtém-se:
m m m
d X X X
xik (t)ykj (t) = x′ik (t)ykj (t) + ′
xik (t)ykj (t) ,
dt
k=1 k=1 k=1
n
Exemplo: Dada uma função escalar ϕ : R → R e uma matriz n × n, A = aij i,j=1 , de
componentes aij ∈ R (independentes de t), vejamos como se calculam a derivada e o integral da
função matricial ϕ(t)A 12 .
d d n h in h in
ϕ(t)A = aij ϕ(t) = aij ϕ′ (t) = ϕ′ (t) aij = ϕ′ (t)A
dt dt i,j=1 i,j=1 i,j=1
Identicamente (verifique):
12
Note que ϕ(t)A é o produto do escalar ϕ(t) pela matriz constante A.
145
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Definição (Matriz Solução Fundamental): Uma matriz S(t) denomina-se matriz solução fun-
damental de (2.32) se e só se
(i) det S(t) 6= 0 para todo t ∈ I, o que significa que as colunas de S(t) são linearmente
independentes (S(t) é não singular) para qualquer t ∈ I;
Exemplo 1:
Considere-se a equação vectorial
′ 1 −1
y (t) = Ay(t) sendo A = (2.33)
0 −1
Atendendo a que a segunda equação só depende da função y, podemos resolvê-la. Assim:
y ′ = −y ⇔ y(t) = c1 e−t
d −t c1 −t
x′ − x = −c1 e−t ⇔ e x = −c1 e−2t ⇔ x(t) = e + c2 et
dt 2
Tem-se então que a solução geral da equação vectorial é
c1 −t
1 −t
2e + c2 et 2e et c1 def
y(t) = = = S(t)C,
c1 e−t e−t 0 c2
É agora fácil de verificar que a matriz S(t) acima definida é uma matriz solução fundamental
associada à equação (2.33). De facto
det S(t) = −1 6= 0 ∀t ∈ R
146
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
(ii) Verifica-se que yi′ (t) = Ayi (t), i = 1, 2 em que yi (t) representa a coluna i de S(t). De
facto, para i = 1
1 −t 1 −t 1 −t 1 −t
′ d 2 e −2e 1 −1 2e −2e
y1 (t) = −t = −t e Ay1 (t) = −t =
dt e −e 0 −1 e −e−t
e para i = 2
d et et 1 −1 et et
y2′ (t) = = e Ay2 (t) = =
dt 0 0 0 −1 0 0
Observe-se que não há uma única matriz solução fundamental da equação — por exemplo,
se S(t) é uma matriz solução fundamental qualquer matriz obtida por troca de colunas de S(t) é
tambem uma matriz solução fundamental.
Demonstração: (ii) é apenas outra forma de escrever a alı́nea (ii) da definição de S(t).
Quanto a (i), suponhamos que existe um t̂ ∈ I tal que S(t̂) é singular; isto é, para certo b ∈
Rn \ {0}, S(t̂)b = 0, e derivemos uma contradição. Como
S′ (t)b = A(t)S(t)b ,
Por unicidade de solução deste PVI, y(t) ≡ 0. Conclui-se então que S(t)b = 0 para todo o t ∈ I,
pelo que S(t) é singular para todo o t ∈ I; logo, em particular, também S(t0 ) é singular, o que
contradiz a hipótese.
Exemplo 2: Para obter uma matriz solução fundamental, S(t), da equação y′ = A(t)y,
podemos resolver os n problemas
′
y = A(t)y
com i = 1, 2, . . . n.
y(t0 ) = ei
147
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Resulta da definição que a matriz S(t) é invertı́vel para todo o t. Sendo assim
d d −1
0= S(t) S−1 (t) = S′ (t) S−1 (t) + S(t) S (t) ,
dt dt
d
pelo que S(t) dt S−1 (t) = −S′ (t) S−1 (t). Desta forma:
d −1
S (t) = −S−1 (t)S′ (t) S−1 (t)
dt
Atendendo a que S′ (t) = A(t)S(t) implica A(t) = S′ (t)S−1 (t), então a inversa da matriz solução
fundamental verifica:
d −1
S (t) = −S−1 (t)A(t) (2.34)
dt
Temos então que S −1 (t)y(t) = z(t) = C, com C ∈ Rn , o que nos permite concluir que:
(1) a solução geral da equação diferencial é y(t) = S(t)C;
(2) se y(t0 ) = y0 então C = S −1 (t0 )y(t0 ) = S −1 (t0 )y0 , pelo que a solução do PVI (2.35) é
y(t) = S(t)S−1 (t0 )y0 .
148
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
Dada uma matriz solução fundamental de y′ = A(t)y, pretendemos obter as soluções da equação
não homogénea y′ = A(t)y + b(t)
h in
Teorema (Fórmula de Variação das Constantes): Sendo A = aij (t) , com componentes
i,j=1
aij : I ⊂ R → R contı́nuas, b : I ⊆ R → Rn também contı́nua, y0 ∈ Rn e S(t) uma matriz
solução fundamental de y′ = A(t)y, então a solução do problema de valor inicial
′
y = A(t)y + b(t)
(2.36)
y(t0 ) = y0
ou seja
d −1
S (t)y(t) = S−1 (t)b(t) (2.38)
dt
Integrando entre t0 e t, e considerando que y(t0 ) = y0 , temos que:
Z t
−1 −1
S (t)y(t) − S (t0 )y0 = S−1 (s)b(s) ds
t0
Corolário (Fórmula de Variação das Constantes para a Solução Geral): Nas mesmas
condições do teorema anterior, a solução geral da equação
y′ = A(t)y + b(t)
é dada por: Z t
y(t) = S(t)C + S(t) S−1 (s)b(s) ds , C ∈ Rn ; (2.39)
149
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Rt
(onde x(s)ds representa uma primitiva da função vectorial x(t)).
Caso Homogéneo
Tal como anteriormente, o caso homogéneo corresponde a tomar b(t) ≡ 0 na equação (2.40).
Vamos assim estudar a equação
y′ (t) = Ay(t) (2.41)
h in
onde t ∈ R, y(t) ∈ Rn e A = aij com aij ∈ R.
i,j=1
tem por única solução y(t) = eat . Procedendo por analogia, definimos a exponencial de tA, que
denotamos por etA , da forma que se segue.
150
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
pelo que S1 (t) é também uma matriz solução fundamental. (A verificação é óbvia). Uma outra
matriz solução fundamental é:
e−t −et
−1 et 2
X(t) = S(t)S (0) =
0 e−t
Note que a exponencial da matriz tA, X(t), tem uma propriedade importante — é a única matriz
solução fundamental que verifica X(0) = I.
151
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Então a matriz A é diagonalizável se e só se mg (λ) = ma (λ) para qualquer valor próprio, λ,
de A. No caso particular de A admitir n valores próprios distintos, então A é necessariamente
diagonalizável. Se A tem pelo menos um valor próprio, λ, com multiplicidade algébrica ma (λ) > 1
e mg (λ) < ma (λ), então a matriz A não é diagonalizável.
dy d λt
= e v = eλt λv = eλt Av = A etλ v = Ay(t).
dt dt
Tendo em conta que
tomando a parte real e a parte imaginária de ambos os membros desta igualdade obtém-se u′ = Au
e û′ = Aû.
152
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
Vamos calcular uma matriz solução fundamental associada a y′ = Ay começando por calcular os
valores próprios de A:
Conclui-se de imediato que a matriz A é diagonalizável. Como tal, vamos calcular os seus dois
vectores próprios.
isto é
At 1 e−2t + 5e4t −5e−2t + 5e4t
e =
6 −e−2t + e4t 5e−2t + e4t
Para o estudo qualitativo de y′ = Ay é importante calcular as soluções do problema de valor
inicial
y′ = Ay , y(0) = y0 (2.43)
153
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
para alguns valores especiais de y0 ∈ R2 . Comecemos por analisar a solução de (2.43) quando
y0 = (0, 0). Neste caso, a solução do sistema é constante e igual a (0, 0), pelo que a origem é,
precisamente, o único ponto de equilı́brio do sistema.
Escolhendo um ponto inicial y0 = (−5, −1) (que pertence ao espaço próprio associado ao
valor próprio 4) então
At 1 e−2t + 5e4t −5e−2t + 5e4t −5 −5e4t 4t 5
y(t) = e y0 = −2t + e4t −2t + e4t = 4t = −e
6 −e 5e −1 −e 1
Escrevendo y(t) = x(t), y(t) obtemos as equações paramétricas da solução de (2.43)
x(t) = −5e4t
y(t) = −e4t
Por eliminação do parâmetro t obtém-se a equação cartesiana da solução, que é o conjunto dos
(x, y) ∈ R2 tais que x = 5y. Isto diz-nos que quando a condição inicial pertence ao espaço próprio
de λ = 4, a solução do (2.43) nele permanecerá para todo o t. Mais se observa que, e como neste
caso
lim e4t = +∞ , (2.44)
t→+∞
Fazendo y(t) = (x(t), y(t)), obtemos assim as equações paramétricas da solução do (2.43)
x(t) = −e−t
y(t) = e−t
Por eliminação do parâmetro t obtém-se a equação cartesiana da solução, que é o conjunto dos
(x, y) ∈ R2 tais que x = −y. Isto diz-nos que quando a condição inicial pertence ao espaço
próprio de λ = −2, a solução do (2.43) nele permanecerá para todo t. Mais se observa que, e
como nesse caso
lim e−2t = 0 , (2.45)
t→+∞
a solução do PVI aproxima-se do ponto de equilı́brio quando t → +∞. Devido a (2.44) e (2.45),
dizemos que a origem é um ponto de sela.
Em qualquer outra situação, a solução não é constante nem está confinada a uma recta. Por
exemplo, se y0 = (1, 1), a solução de (2.43) é dada por
At 1 e−2t + 5e4t −5e−2t + 5e4t 1 1 −2e−t + 54t
y(t) = e y0 = =
6 −e−2t + e4t 5e−2t + e4t 1 3 2e−t + e4t
Fazendo y(t) = x(t), y(t) , obtemos as equações paramétricas da solução do (2.43)
3x(t) = −2e−t + 5e4t
3y(t) = 2e−t + e4t
154
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
γδ2
x+y = 2 .
(6 + 5γ)x + 5γy
0
y
−2
−4
−4 −2 0 2 4
x
Figura 2.9: O Retrato de fase da equação y′ = Ay é o gráfico das equações cartesianas de várias soluções
de y′ = Ay, no espaço dos (x, y) ∈ R2 . As setas indicam o sentido em que as curvas são percorridas (t
crescente).
155
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
A figura 2.9 representa o gráfico das curvas, no espaço dos pontos (x, y) ∈ R2 , que resultam
das soluções da equação linear homogénea y′ = Ay após eliminação da variável t. Este tipo
de representação gráfica das soluções é comunmente designado por retrato de fase da equação
diferencial, sendo uma forma muito prática de visualizar o comportamento qualitativo das suas
soluções.
X0 (t) = I
Z t
Xn+1 (t) = I + AXn (s) ds para n ∈ N
t0
X0 (t) = I
Z t
X1 (t) = I + A ds = I + tA
t0
Z t t Z t Z
2
t2
X2 (t) = I + A + sA ds = I + A ds + sA2 ds = I + tA + A2
t0 t0 t0 2
Z t
s2 t2 t3
X3 (t) = I + A + sA2 + A3 ds = I + tA + A2 + A3
t0 2 2! 3!
Esta fórmula é análoga à que define a série de Maclaurin da função exponencial, eat =
P∞ (at)k
k=0 k! , para a, t ∈ R. No nosso caso trata-se de uma série de potências de matrizes onde,
em cada termo, aparece tA no lugar de ta. Isto leva-nos a conjecturar o seguinte:
156
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
Além disso, a série (2.46) converge uniformemente para t em intervalos do tipo [−R, R] (para
qualquer R > 0) e verifica AeAt = eAt A, para todo o t ∈ R.
Demonstração: Para provar este teorema, precisaremos em primeiro lugar de saber produzir
estimativas de matrizes. Sendo A = [aij ]ni,j=1 , consideramos:
1
|aij | ≤ kAk. (2.47)
n
De facto, esta função tem as propriedades de uma norma 15 ; mas vamos aqui provar apenas a
propriedade de kAk de que efectivamente precisamos.
Se B = [bij ]ni,j=1 é outra matriz real, então as componentes do produto AB verificam:
Xn X n n
X 1 1
aik bkj ≤ |aik | |bik | ≤ 2
kAkkBk = kAkkBk
n n
k=1 k=1 k=1
1
Ou seja, o módulo de cada componente de AB é majorado pelo mesmo valor: n kAkkBk. Desta
forma:
1
kABk ≤ n kAkkBk = kAkkBk
n
Pela desigualdade anterior, kAk k ≤ kAkkAk−1 k ≤ kAk2 kAk−2 k ≤ · · · ≤ kAkk , para k =
1, 2, 3, . . . . Como também kA0 k = kIk = 1 = kAk0 , resulta pois que:
Passamos agora à demonstração da convergência da série. Para tal, basta provar que todas
as componentes da soma da série (2.46) existem (em R).
(k)
Sendo δii = 1 e δij = 0 se i 6= j , e denotando cada componente (i, j) de Ak por aij , então
as componentes de eAt são as somas das séries reais 16 :
∞ k
t2 (2) tk (k) X t (k)
δij + tai,j + aij + · · · + aij + · · · = a com i, j = 1, 2, . . . n. (2.49)
2! k! k! ij
k=0
Vamos agora provar a convergência uniforme destas séries, para t num intervalo do tipo
[−R, R], com R > 0. Para |t| ≤ R, e usando (2.47) e (2.48), podemos majorar cada um dos
termos das séries anteriores como se segue:
k k
t (k) |t|k (k) Rk (k) Rk kAk k R k kAkk kAkR
a =
k! ij a ≤ a ≤ ≤ =
k! ij k! ij k! n k! n n k!
15
É fácil provar que para quaisquer duas matrizes reais, A, B, de dimensão n×n, se tem: (a) kAk = 0 ⇔ A = 0;
(b) kcAk = |c| kAk, para c ∈ R; (c) kA + Bk ≤ kAk + kBk; (d) kABk ≤ kAk kBk.
16
O sı́mbolo δij , designado na literatura por delta de Kronecker, representa as componentes da matriz identidade.
(0)
Note que aij = δij .
157
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Dado t ∈ R e A ∈ Mni,j=1 (R), listamos aqui algumas das propriedades de eAt = etA :
(b) S(t) = eAt é a única matriz solução fundamental de y′ = Ay que verifica S(0) = I.
eAt B = BeAt
158
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
Demonstração:
d At −At
e e = eAt Ae−At + eAt (−A)e−At = eAt Ae−At − eAt Ae−At = 0,
dt
então eAt e−At é constante. Em particular:
(e) (Exercı́cio)
X ′ (t) = AeAt eBt + eAt BeBt = AeAt eBt + BeAt eBt = (A + B)eAt eBt = (A + B)X(t).
em que
λ1 0 ... 0
0 λ2 ... 0
| ... |
Λ=
.
e S = v1 ... vn
. | ... |
0 0 ... λn
sendo λ1 , ..., λn os valores próprios de A e v1 , ..., vn os correspondentes vectores próprios.
Proposição: Se A e B são matrizes n × n semelhantes, isto é, se existe uma matriz S não
singular tal que A = SBS −1 então:
eAt = SeBt S −1
159
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
I I I
k z }| { z }| { z }| {
SBS −1 = (SB S −1 )(S B S −1 )(S B · · · · · · B S −1 )(S BS −1 ) = SB k S −1 .
| {z }
k vezes
Assim
∞ k ∞ k ∞ k
!
X t k X t X t
eAt = SBS −1 = SB k S −1 = S Bk S −1 = SeBt S −1 .
k! k! k!
k=0 k=0 k=0
então
eλ1 t 0 ... 0
0 eλ2 t ... 0
At Λt −1
−1
e = Se S =S
. S
.
0 0 ... eλn t
Observações:
⋄ Como consequência dos teoremas anteriores, dado que a matriz eAt é uma matriz
solução fundamental da equação ẏ = Ay, a sua solução é da forma y(t) = eAt C, com
C ∈ Rn . Atendendo a que eAt = SeΛt S −1 , então
pelo que a matriz S(t) = SeΛt é tambem uma matriz solução fundamental associada
à equação. No entanto, a não ser que a matriz S seja a matriz identidade, S(t) não é
a matriz eAt , visto que S(0) não é a matriz identidade.
⋄ Dada qualquer matriz A, como vimos a matriz eAt é a única matriz solução fundamental
associada à equação ẏ = Ay, S(t), que verifica S(0) = I.
⋄ Conhecida qualquer matriz solução fundamental, S(t), associada à equação ẏ = Ay,
tem-se que
eAt = S(t)S−1 (0)
160
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
Exemplo 1
Determinar a solução do seguinte PVI:
′
x =x+y x(0) 0
, =
y ′ = 3x − y y(0) 1
Podemos escrever a equação na forma matricial
′
′ x(t) 1 1 x(t)
y = Ay ⇔ =
y(t) 3 −1 y(t)
Cálculo de eAt
Os valores próprios da matriz A são ±2 (pelo que podemos concluir desde já que a matriz
A é diagonalizável).
O vector próprio associado ao valor próprio λ1 = 2 é uma solução não nula da equação
−1 1 a
(A − 2I)v = 0 ⇔ =0 ⇔ a=b
3 −3 b
pelo que podemos escolher, por exemplo v2 = (1, −3). Assim teremos
−1 1 1 2 0
A = SΛS = S −1
1 −3 0 −2
pelo que
At Λt −1 1 1 1 e2t 0 3 1
e = Se S =
4 1 −3 0 e−2t 1 −1
1 3e2t + e−2t e2t − e−2t
=
4 3e2t − 3e−2t e2t + 3e−2t
161
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
é também uma matriz solução fundamental, pelo que poderı́amos escrever a solução geral
da equação
2t
x(t) e e−2t c1
=
y(t) e2t −3e−2t c2
e, posteriormente, calcular as constantes c1 , c2 de modo a que seja verificada a condição
inicial. Na prática, isso corresponde a resolver o sistema de equações lineares, o que é
equivalente a inverter S(0) e multiplicar o resultado pelo valor inicial.
Exemplo:
A matriz
−1 0 0 0 0 0
0 1 2 0 0 0
0 2 3 0 0 0
A=
0 0 0 −1 3 0
0 0 0 3 2 1
0 0 0 −1 −1 1
é uma matriz diagonal por blocos A1 , A2 , A3 , em que
−1 3 0
1 2
A1 = −1 , A2 = , A3 = 3 2 1
2 3
−1 −1 1
162
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
Bloco de Jordan
Exemplo:
0 1 0 0
2 1 0
2 −1 1 0 0 1 0
J−1 = ; J23 = 0 2 1 ; J04 =
0 −1 0 0 0 1
0 0 2
0 0 0 0
163
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo:
Jλm11
0 0
0
Jλm22 0
J =
.
.
0 0 Jλmkk
17
A lista de valores próprios, λ1 , . . . λk , pode conter repetições. Nesse caso se, por exemplo, λ2 = λ1 (e λj 6= λ1 ,
para j ≥ 3) então λ1 tem dois vectores próprios associados linearmente independentes, v1 e v2 (multiplicidade
geométrica igual a 2) e m1 + m2 é a multiplicidade algébrica de λ1 .
164
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
(A − λi I)viG1 = vi
(A − λi I)viG2 = viG1
(A − λi I)viG3 = viG2 . . .
Exemplo:
Determinar eAt sendo
−2 0 1
A = 0 −3 −1
0 1 −1
Dado que a matriz não é nem diagonal, nem um bloco de Jordan (ou afim) nem diagonal por
blocos, teremos que determinar eAt pelo processo usual de cálculo de valores e vectores próprios.
Os valores próprios de A são as soluções de
det(A − λ I) = 0 ⇔ (λ + 2)3 = 0
Tem-se então que −2 é o valor próprio de A com multiplicidade algébrica 3. Note-se que só depois
de calcular a sua multiplicidade geométrica (número de vectores próprios linearmente independen-
tes associado a −2) poderemos concluir se A é diagonalizável (se a multiplicidade geométrica
for 3) ou não diagonalizável (se a multiplicidade geométrica for 2 ou 1). Os vectores próprios
associados a −2 são as soluções não nulas de
0 0 1 a 0
b=c=0
(A + 2I)v = 0 ⇔ 0 −1 −1 b = 0
⇔
a∈R
0 1 1 c 0
Então
v = (a, b, c) = (a, 0, 0) = a(1, 0, 0)
Conclui-se que a multiplicidade geométrica do valor próprio é 1, ou seja admite apenas um vector
próprio independente, que por exemplo pode ser v = (1, 0, 0). Sendo assim a matriz A é não
165
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
diagonalizável, pelo que é semelhante a uma matriz formada por um único bloco de Jordan, ou
seja:
A = SJS −1
em que
−2 1 0 1 | |
J = 0 −2 1 e S = 0 v1 v2
0 0 −2 0 | |
sendo v1 e v2 vectores próprios generalizados de v. O primeiro vector próprio generalizado é
solução não nula de
0 0 1 a 1 c=1
(A + 2I)v1 = v ⇔ 0 −1 −1 b = 0
⇔ b = −1
0 1 1 c 0 a∈R
Então
v1 = (a, b, c) = (a, −1, 1) = a(1, 0, 0) + (0. − 1, 1)
Podemos então escolher, por exemplo, v1 = (0. − 1, 1). O segundo vector próprio generalizado é
solução não nula de
0 0 1 a 0 c=0
(A + 2I)v2 = v1 ⇔ 0 −1 −1 b = −1
⇔ b=1
0 1 1 c 1 a∈R
Então
v1 = (a, b, c) = (a, 1, 0) = a(1, 0, 0) + (0.1, 0)
Podemos então escolher, por exemplo, v2 = (0.1, 0). Em consequência
1 0 0
S = 0 −1
1
0 1 0
Por ser um bloco de Jordan tem-se que
t2
1 t 2
eJt = e−2t 0 1 t
0 0 1
e finalmente 2
t2
1 2 t + t2
eAt = SeJt S −1 = e−2t 0 −t + 1 −t
0 t t+1
166
2.4. EQUAÇÕES VECTORIAIS OU SISTEMAS DE 1a ORDEM
Aplicando a fórmula (2.39), concluı́mos que a solução geral da equação (2.51) é dada por
Z t
At At
y(t) = e C + e e−As b(s) ds , C ∈ Rn
Se adicionalmente for dada a condição inicial y(t0 ) = y0 , a solução do PVI será neste caso dada
por Z t
y(t) = eA(t−t0 ) y0 + eAt e−As b(s) ds
t0
para todo t ∈ I.
Exemplo:
em que
−2 0 1 1
A = 0 −3 −1 , b(t) = 0
0 1 −1 2e−2t
Recorrendo ao resultado do exemplo anterior
t2 2
1 2 t + t2
eAt = e−2t 0 −t + 1 −t
0 t t+1
167
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Uma solução desta equação é uma função y : I → R de classe C n que a satisfaz. Aqui, I ⊂ R
denota um intervalo aberto.
Uma equação de ordem n ∈ N diz-se linear se é da forma
ou seja,
ẏ = A(t)y + h(t),
em que A(t) se designa por matriz companheira da equação (2.53).
A equação linear homogénea de 2a ordem é a equação (2.53) no caso especial b(t) = 0, isto
é:
ÿ + a1 (t) ẏ + a0 (t) y = 0 (2.54)
Como vimos, esta equação é equivalente a:
′
y 0 1 y
=
v −a0 (t) −a1 (t) v
| {z } | {z } | {z }
ẏ A(t) y
Aplicando agora a teoria, apresentada na secção anterior, das equações vectoriais lineares, a
solução geral de ẏ = A(t)y é dada por:
y u1 u2 c1
=
v u̇1 u̇2 c2
| {z } | {z } | {z }
y W (t) C
168
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
designa-se por matriz wronskiana de (2.54). W (t) é uma matriz solução fundamental da equação
vectorial de 1a ordem equivalente, logo as suas colunas, que são sempre da forma (y, ẏ) 18 , são
soluções linearmente independentes do sistema.
Desta forma, as soluções da eq. (2.54) são dadas por
onde u1 (t) e u2 (t) são duas soluções linearmente independentes de (2.54) 19 . Isto significa que as
soluções de (2.54) formam um espaço vectorial de dimensão 2. Desta forma, é válido o seguinte
resultado:
ÿ + a1 (t) ẏ + a0 (t) y = 0,
então c1 u(t)+ c2 v(t) é também solução de (2.54), para quaisquer constantes (reais ou complexas)
c1 , c2 .
ÿ + a1 ẏ + a0 y = 0 com a0 , a1 ∈ R (2.55)
P (r) = r 2 + a1 r 1 + a0 r 0 = r 2 + a1 r + a0
169
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
• D é um operador linear i.e. D(cy1 + dy2 ) = c Dy1 + d Dy2 , onde c, d são escalares,
y1 , y2 : I → R (ou C)
Notamos que o produto de operadores é, em geral, não comutativo. Por exemplo, os opera-
dores D e Ay = f (t)y(t)
P (D) = D 2 + a1 D + a0 .
P (D) = D 2 + a1 D + a0 = (D − λ1 )(D − λ2 )
Vejamos porquê. Usando a linearidade dos operadores e o facto de D comutar com o operador
produto por uma constante, cI (c ∈ R ou c ∈ C):
170
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
(D − λ1 )(D − λ2 )y = 0 se λ1 6= λ2
ea
(D − λ1 )2 y = 0 se λ1 = λ2
Vejamos agora como usar a factorização do polinómio diferencial para determinar a solução
geral da equação homogénea. Tendo em conta que D − λ1 e D − λ2 comutam 21 :
(D − λ1 ) (D − λ2 )y = 0 ⇔ (D − λ2 ) (D − λ1 )y = 0
| {z } | {z }
=0 =0
Como vimos anteriormente, o espaço de soluções da equação (2.55) tem dimensão 2, o que
significa que a solução geral da mesma pode ser dada por:
Caso 3: y(t) = d1 eλ1 t + d2 eλ2 t , com d1 , d2 ∈ C. Note que, neste caso, esta fórmula
representa o espaço vectorial das soluções complexas da equação (2.55).
21
Isto é, (D − λ1 )(D − λ2 ) = (D − λ2 )(D − λ1 ) (verifique).
171
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
No caso 3, e para obter uma fórmula para a solução geral real, notamos em primeiro lugar que
P (r) é um polinómio de coeficientes reais pelo que se λ1 = α + iβ (onde α, β ∈ R são a parte
real e a parte imaginária de λ1 ) então λ2 = λ̄1 = α − iβ. Então:
Assim sendo:
Assim, duas soluções linearmente independentes são e2t e e−2t , pelo que uma base do espaço de
soluções de (D − 2)(D + 2)y = 0 é < e2t , e−2t >. Concluimos que a solução geral da equação
y ′′ − 4y = 0 é y(t) = c1 e2t + c2 e−2t , com c1 , c2 ∈ R.
(D 2 − 6D + 9)y = 0 ⇔ (D − 3)2 y = 0
é < e3t , te3t >, e a solução geral da equação y ′′ − 6y ′ + 9y = 0 é y(t) = c1 e3t + c2 te3t , com
c1 , c2 ∈ R.
é < et cos t, et sen t >. Desta forma, a solução geral da equação y ′′ + 2y ′ + 2 = 0 é dada por
y(t) = c1 et cos t + c2 et sen t, com c1 , c2 ∈ R.
172
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
onde a0 (t), a1 (t),..., an−1 (t) e b(t) são funções reais definidas e contı́nuas em I. Considera-se:
def
y = (y0 , y1 , y2 , . . . , yn−2 , yn−1 ) = (y, y ′ , y ′′ , . . . , y (n−2) , y (n−1) )
onde A(t) é a matriz companheira da equação (2.57). Assim, a equação de ordem n é equivalente
à equação vectorial de 1a ordem:
y′ = A(t)y + h(t)
A solução geral de y′ = A(t)y é pois dada por:
y = X(t)C
Como as colunas de X(t) são soluções linearmente independentes de y′ = A(t)y, então X(t) é
uma matriz solução fundamental de y′ = A(t)y se e só se X(t) é uma matriz wronskiana de n
soluções linearmente independentes de
173
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Isto sugere que a solução geral destas equações possa ser obtida a partir de uma combinação
linear de soluções apropriadamente escolhidas. Como vimos, a equação (2.58) é uma equação de
ordem n com b(t) ≡ 0 (isto é, homogénea), pelo que é equivalente a
y′ = A(t)y
onde
0 1 0 ··· 0
0 0 1 ··· 0
A(t) = .. .. .. ..
. . . .
0 0 0 ··· 1
−a0 (t) −a1 (t) −a2 (t) · · · −an−1 (t)
22
É de notar que esta propriedade é verificada por todas as equações lineares homogéneas (diferenciais ou de
outro tipo).
174
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
é a matriz companheira de (2.58). Pela teoria das equações vectoriais lineares, o espaço de soluções
da equação X ′ = A(t)X, tem dimensão n, pelo que existem n soluções linearmente independentes,
X1 , ..., Xn . As funções X1 , ..., Xn são as colunas de uma matriz solução fundamental de y′ =
A(t)y ou, equivalentemente, de uma matriz wronskiana de n soluções linearmente independentes
da equação homogénea (2.58). Como tal, a solução geral de X ′ = A(t)X é da forma
ou seja
y y1 y2 yn
y′
y1′
y2′
yn′
.. = c1 .. +c2 .. + · · · + cn ..
. . . .
(n−1) (n−1) (n−1)
y (n−1) y y yn
| {z } | 1{z } | 2{z } | {z }
X(t) X1 (t) X2 (t) Xn (t)
Dado que a solução da equação P (D)y = 0 é apenas a primeira componente de X(t), ou seja, y,
então a solução geral da equação homogénea P (D)y = 0 é uma combinação linear das primeiras
componentes das funções vectoriais X1 , ..., Xn , ou seja, de y1 , y2 , · · · , yn .
Podemos então concluir que o espaço das soluções da equação
em que α1 , ... , αn são constantes (reais ou complexas) e y1 ,..., yn são n soluções linearmente
independentes da equação homogénea.
O seguinte resultado estabelece uma relação entre os valores próprios da matriz companheira, A,
e as raı́zes do polinómio caracterı́stico de (2.59):
175
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Este resultado sugere uma relação entre as raı́zes de P (R) e as soluções da equação ho-
mogénea. Para obter essas soluções vamos recorrer à factorização de P (R).
Admitindo que as raı́zes de P (λ) são:
λ1 com multiplicidade m1
λ2 com multiplicidade m2
.. ..
. .
λk com multiplicidade mk
então
P (R) = (R − λ1 )m1 (R − λ2 )m2 · · · (R − λk )mk ,
onde, tendo em conta que o grau de P (R) é n,
m1 + m2 + . . . + mk = n.
Tal como no caso das equações de ordem 2, o polinómio diferencial factoriza-se da mesma forma
que P (R):
P (D) = (D − λ1 )m1 (D − λ2 )m2 · · · (D − λk )mk
Como D − λi comuta com D − λj , pode-se trocar a ordem dos factores. Então as soluções de
(D − λj )mj y = 0 com j = 1, 2, . . . , k
são soluções de P (D)y = 0.
Para mj = 1, obtivémos a solução eλj t .
No caso mj = 2, obtivémos duas soluções linearmente independentes:
eλj t , teλj t
Para o caso geral, é útil o seguinte resultado.
176
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
• Caso 1: λj ∈ R. Então
• Caso 2: λj = αj + iβj ∈ C. Isto implica que λ̄j = αj − iβj também é raiz de P (R). Neste
caso, obtêm-se 2mj soluções linearmente independentes,
O número total de soluções reais linearmente independentes obtidas pelo procedimento anterior
é igual ao número de raı́zes, contando as multiplicidades, do polinómio caracterı́stico; ou seja,
igual a:
m1 + m2 + · · · + mk = n
Este procedimento permite assim obter uma base para o espaço de soluções da equação homogénea
(2.59) constituida apenas por funções reais.
Exemplo 1:
Consideremos a equação
P (R) = R6 + R5 + R4 + R3 = R3 (R3 + R2 + R + 1)
= R3 (R + 1)(R2 + 1) = R3 (R + 1)(R − i)(R + i)
177
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
• λ = 0, com multiplicidade 3:
e0t ,
|{z} te0t
|{z} , 2 0t
t|{z}
e
1 t t2
com c1 , c2 , . . . , c6 ∈ R.
Para obter um problema bem posto (onde a solução existe e é única), será necessário prescrever
o valor da solução e das suas derivadas até à ordem n − 1, num ponto t0 ∈ R:
O problema de valor inicial para uma equação de ordem n tem, então, a forma:
(n)
y + an−1 y (n−1) + . . . + a1 y ′ + a0 y = b(t)
y(t0 ) = y0,0 , y ′ (t0 ) = y0,1 , . . . , y (n−1) (t0 ) = y0,n−1
y(t) = 1 + t.
178
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
Exemplo 2:
Determinar a solução geral da equação
y ′′′ + 4y ′′ + 4y ′ = 0 (2.60)
Exemplo 3:
Determinar a solução do PVI
Comecemos por determinar a solução geral da equação. Fazendo y ′ = Dy, a equação pode ser
escrita na forma
Uma solução da equação (D + 6)y = 0 é e−6t . Por outro lado a equação (D + 2)y = 0 tem como
solução e−2t . Como tal a solução geral da equação é dada por
179
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
começamos por discutir o método mais geral, e que consiste na aplicação da fórmula da variação
das constantes (2.39). Em teoria, este método é aplicável a todos os problemas em que h(t)
é somente uma função contı́nua. Na prática, contudo, pode não ser fácil obter uma fórmula
explı́cita por primitivação (e invocando apenas funções elementares).
Como vimos, a equação não homogénea de ordem n pode ser escrita como a equação vectorial
de ordem 1:
y y 0
y′ y′ 0
y ′′ y ′′ 0
d
. = A . + . (2.63)
dt
.
. .
. . .
y (n−1) y (n−1) h(t)
em que
0 1 0 ... 0
0 0 1 .... 0
A=
...
0 0 0 ... 1
−a0 −a1 −a2 ... −an−1
é a já referida matriz companheira da equação (2.62). Sendo y1 ,...,yn soluções linearmente
independentes da equação homogénea associada (conforme foram determinadas na subsecção
anterior), a sua matriz Wronskiana é
y1 ... yn
y1′ ... yn′
W (t) =
. ... .
. ... .
(n−1) (n−1)
y1 ... yn
Como as colunas da matriz W (t) são soluções linearmente independentes da equação homogénea
associada a (2.63), a matriz W (t) é uma matriz solução fundamental da equação vectorial (2.63)
pelo que, por aplicação da fórmula da variação das constantes para equações vectoriais, tem-se
que uma solução particular de (2.63) será dada por
y 0
y′
0
y ′′
Z t
0
−1
. = W (t)
W (s)
. ds ,
.
.
. .
y (n−1) h(s)
180
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
Exemplo:
Determinar a solução geral da equação
y ′′ + 2y ′ + 2y = 2e−t (2.64)
• Cálculo de yG
Como foi referido, yG é a solução de
y ′′ + 2y ′ + 2y = 0
• Cálculo de yP
Para determinar yP vamos utilizar a fórmula da variação das constantes. Começamos por
observar que e−t cos t e e−t sen t são soluções da equação homogénea, e como tal uma
matriz Wronskiana é dada por:
e−t cos t e−t sen t e−t cos t e−t sen t
W (t) = =
(e−t cos t)′ (e−t sen t)′ −e−t (cos t + sen t) e−t (− sen t + cos t)
Assim Z
0
yP (t) = e−t cos t e−t sen t W −1 (t) dt = 2e−t
2e−t
181
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
se b(t) = tp eαt cos(βt) ou b(t) = tp eαt sen(βt), então o seu polinómio aniquilador é da
forma
p+1 p+1 p+1
PA (D) = D − (α + iβ) D − (α − iβ) = (D − α)2 + β 2
O método dos coeficientes indeterminados para resolver a equação P (D)y = b(t) consiste em:
1. Determinar o polinómio aniquilador, PA (D), de b(t). Seja k o seu grau.
2. Aplicar PA (D) a ambos os membros da equação inicial, donde resulta:
P (D)y = b(t) ⇒ PA (D)P (D)y = PA (D)b(t) ⇔ PA (D)P (D)y = 0
Note que a aplicação de PA (D) não produz uma equação equivalente à inicial. Embora
qualquer solução de P (D)y = b(t) seja solução de PA (D)P (D)y = 0, nem todas as soluções
da segunda equação resolvem a primeira.
Assim obtivemos uma equação diferencial linear homogénea de coeficientes constantes de
ordem n + k.
3. A solução geral da equação PA (D)P (D)y = 0 é dada por
y(t) = α1 y1 + ... + αn yn + β1 w1 + ... + βp wp
em que y1 , ..., yn são as soluções linearmente independentes da equação P (D)y = 0
determinadas previamente, ou seja:
yG (t) = α1 y1 + ... + αn yn
Tem-se então que existem β1 , ..., βk ∈ R tais que
yP = β1 w1 + ... + βp wp
é uma solução particular de P (D)y = b(t).
182
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
Exemplo:
Determinar a solução do PVI
y ′′ + 3y ′ + 2y = e−x , y(0) = 0 , y ′ (0) = 1 (2.67)
A solução da equação diferencial é da forma
y(x) = yG (x) + yP (x)
em que yG é a solução geral da equação homogénea associada, e yP é uma solução particular da
equação completa.
• Cálculo de yg
A equação homogénea associada é
y ′′ + 3y ′ + 2y = 0
Fazendo y ′ = Dy, obtém-se
(D 2 + 3D + 2)y = 0 ⇔ (D + 1)(D + 2)y = 0 ⇔ (D + 1)y = 0 ou (D + 2)y = 0
Uma solução da equação (D + 1)y = 0 é e−x . Por outro lado a equação (D + 2)y = 0 tem
como solução e−2x . Como tal
yG (x) = c1 e−x + c2 e−2x , c1 , c2 ∈ R
• Cálculo de yP
Dado que b(x) = e−x , podemos utilizar o método dos coeficientes indeterminados para
determinar a solução particular yP . O polinómio aniquilador de b(x) é
PA (D) = D + 1
Assim, e utilizando a factorização do polinómio caracterı́stico feito anteriormente
(D + 1)(D + 2)y = e−x ⇒ (D + 1)(D + 1)(D + 2)y = (D + 1)e−x ,
ou seja,
(D + 1)2 (D + 2)y = 0
A solução geral desta última equação (que é homogénea) é:
y(x) = c1 e−x + c2 xe−x + c3 e−2x
Dado que c1 e−x + c3 e−2x representa a solução geral da equação homogénea associada a
(2.67), conclui-se que a forma da solução particular é yP (x) = αxe−x . Seguidamente
teremos que determinar o valor da constante α de modo a que yP seja de facto solução
da equação y ′′ + 3y ′ + 2y = e−x . Substituindo yP (x) na equação não homogénea (2.67),
obtém-se:
(αxe−x )′′ + 3(αxe−x )′ + 2(αxe−x ) = e−x ⇔ α = 1
Conclui-se que
yP (x) = xe−x
183
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 1:
Dada a matriz
2 4 0
A = −1 −2 0
1 2 0
vamos — através da resolução de equações homogéneas escalares de ordem n de coeficientes
constantes — determinar a matriz eAt e a solução do (PVI):
′
x = 2x + 4y
y ′ = −x − 2y , x(0), y(0), z(0) = (1, 1, 1)
′
z = x + 2y
Comecemos por determinar uma matriz solução fundamental associada ao sistema (que é ho-
mogéneo). A partir da 1a equação,
x′ − 2x
x′ = 2x + 4y ⇒ y= .
4
184
2.5. EQUAÇÕES LINEARES DE ORDEM N
x′ −2x
Substituindo y por 4 na segunda equação, obtemos:
x′ − 2x ′ x′ − 2x
y ′ = −x − 2y ⇒ = −x − 2 ⇔ x′′ = 0 ⇔ x(t) = c1 + c2 t
4 4
Assim Z
x′ − 2x c2 − 2c1 − 2c1 t c2 t
y(t) = = e z= (x + 2y)dt = + c3
4 4 2
Então
x(t) c1 + c2 t 1 t 0 c1
c2 −2c1 −2c1 t = −1 1 t
y(t) =
4 2 4 − 2 0 c2
c2 t t
z(t) 2 + c3 0 2 1 c3
A matriz
1 t 0
S(t) = − 12
1
4 − t
2 0
t
0 2 1
é uma matriz solução fundamental associada ao sistema mas não é eAt (dado que para t = 0 não
iguala a matriz identidade. Tem-se que
−1
1 t 0 1 0 0 1 + 2t 4t 0
eAt −1
= S(t)S (0) = − 12
1
4 − t
2 0 − 12 1
4 0
= −t 1 − 2t 0
t
0 2 1 0 0 1 t 2t 1
Exemplo 2:
Determinar a solução geral da equação
1 −3
Y′ = Y
3 1
185
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Exemplo 3:
Vamos agora determinar a solução geral da equação
′
2 0 0 x = 2x
′
Y = 0 2
1 Y ⇔
y ′ = 2y + z
′
0 0 2 z = 2z
Neste caso não vamos conseguir reduzir o sistema a uma equação de ordem 3 em qualquer uma
das variáveis, consequência de nas duas últimas equações não há dependência em x e na primeira
não haver dependência nas variáveis y e z. No entanto conseguiremos aplicar o método aos
“sub-sistemas” ′
′ y = 2y + z
x = 2x e
z ′ = 2z
Para o primeiro
x′ = 2x ⇔ x(t) = c1 e2t
Para o outro sistema, podemos utilizar dois métodos: ou reduzir a uma equação de ordem 2
(forçosamente em y) e resolvê-lo como no exemplo anterior, ou como método alternativo que
resulta sempre que a matriz associada ao sistema é triangular, e que consiste em resolver a
equação em z ′ (dado que só depende de z) substituir na equação em y ′ (dado que, conhecida z
só depende de y). Assim
z ′ = 2z ⇔ z(t) = c2 e2t
Substituindo na equação em y ′
d −2t
y ′ = 2y + c2 e2t ⇔ y ′ − 2y = c2 e2t ⇔ e y = c2 ⇔ y(t) = e2t (c2 t + c3 )
dt
e substituindo na equação em x′ Finalmente, a solução da equação vectorial é dada por
c1
Y (t) = e2t c2 t + c3
c2
186
2.6. APÊNDICE C: TRANSFORMADA DE LAPLACE
para certas constantes M > 0 e α ∈ R, então a transformada de Laplace de f está bem definida
no semi-plano complexo Re s > α.
Nota: Se f : [0, ∞[→ C, então podemos definir a transformada de Laplace de f pela equação
(2.69), e a mesma estará bem definida para Re s > α, onde α ∈ R+ é obtido a partir da condição
de convergência (2.70).
Exemplo:
Função de Heaviside
187
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Se c ≥ 0
Z ∞ Z ∞
N
−ts −ts e−ts e−cs
L{Hc (t)}(s) = H(t − c)e dt = e dt = lim − = , Re s > 0
0 c N →∞ s c s
(1) Linearidade
L{f + g}(s) = L{f }(s) + L{g}(s)
e para α ∈ R
L{αf }(s) = αL{f }(s)
Em consequência, para quaisquer α, β ∈ R
L {αf + βg} (s) = αL{f }(s) + βL{g}(s)
188
2.6. APÊNDICE C: TRANSFORMADA DE LAPLACE
Demonstração:
= −L{tf (t)}(s)
(5) Integrando por partes (e atendendo a que, por hipótese, Re s > 0):
Z ∞ Z ∞
′ −st ′ −st
∞
L{f (t)}(s) = e f (t) dt = e f (t) 0 + s
e−st f (t) dt = −f (0) + sL{f (t)}(s)
0 0
Exemplos
a) Para b ∈ R, e usando a linearidade da transformada de Laplace:
eibt + e−ibt 1 1 1 s
L{cos(bt)}(s) = L{ }(s) = + = 2 , Re s > 0
2 2 s − ib s + ib s + b2
eibt − e−ibt 1 1 1 b
L{sen(bt)}(s) = L{ }(s) = − = 2 , Re s > 0
2i 2i s − ib s + ib s + b2
189
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
s+a
L{e−at cos(bt)}(s) = L{cos(bt)}(s + a) = , Re s > −a
(s + a)2 + b2
b
L{e−at sen(bt)}(s) = L{sen(bt)}(s + a) = , Re s > −a
(s + a)2 + b2
dn n!
L{tn eat }(s) = (−1)n L{eat
}(s) = , Re s > a
dsn (s − a)n+1
n!
L{tn }(s) = , Re s > 0
sn+1
1
L{f (t)}(s) = e−2s 2
= e−2s L{t}(s) = L H(t − 2)(t − 2) (s)
s
Y (s) = L{y(t)}(s)
obtém-se
1
Y (s) = B(s) + Q(s)
P (s)
onde P (s) é o polinómio caracterı́stico associado a (2.71), B(s) a transformada de Laplace
de b(t) e Q(s) um polinómio de grau menor ou igual que n−1. Quando as condições iniciais
são nulas, Q(s) = 0.
190
2.6. APÊNDICE C: TRANSFORMADA DE LAPLACE
L{y(t)}(s) = Y (s).
Em consequência:
y(t) = L−1 {Y (s)}(t)
Diz-se que y(t) é a transformada de Laplace inversa de Y (s). Utilizando este método,
obtém-se a solução, y(t), do PVI (2.71).
Exemplo:
2 1
−s 2 2
(s2 + 1)Y (s) = − e + + ,
s3 s3 s2 s
ou seja,
1 2 1
−s 2 2
Y (s) = 2 −e + + .
s +1 s3 s3 s2 s
191
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
−2 0 2 2s + 0
F1 (s) = + 2+ 3+ 2
s s s s +1
−2 d2 1 s
= + 2 +2 2
s ds s s +1
= e−s L −1 + 2t + t2 + cos t − 2 sen t (s)
n o
= L H(t − 1) − 1 + 2(t − 1) + (t − 1)2 + cos(t − 1) − 2 sen(t − 1) (s)
Conclui-se que
n
Y (s) = L − 2 + t2 + 2 cos t
o
−H(t − 1) − 1 + 2(t − 1) + (t − 1)2 + cos(t − 1) − 2 sen(t − 1) (s)
192
2.6. APÊNDICE C: TRANSFORMADA DE LAPLACE
Se f é contı́nua em t = 0 então:
Z ∞
δ(t)f (t) dt = f (0)
−∞
Desta forma: Z ∞
L {δc (t)} = δc (t)e−st dt = e−cs .
−∞
Exemplo:
193
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
Então
n
X
f (t) = Res est F (s), sj (2.73)
j=1
Im s
−
γR √
α + i R2 − α2
s1
sn
s
IR −IR
α
Re s
s2
sn−1
s3
+
γR
√
α − i R2 − α2
Sejam
+
γR = {s ∈ C : |s| = R e Re s ≥ α}
−
γR = {s ∈ C : |s| = R e Re s ≤ α}
as curvas de Jordan:
Γ+ +
R = γR + (−IR ) , Γ− −
R = γR + I R
194
2.6. APÊNDICE C: TRANSFORMADA DE LAPLACE
A transformada de Laplace de f (nos pontos s ∈ C onde o limite que define o integral impróprio
converge) será então dada por:
Z Z !
N
2πi L {f (t)} (s) = lim e−st ezt F (z) dz dt.
N →∞ 0 Γ−
R
pelo que, para esses valores de s, o limite que define L {f (t)} (s) existe e:
Z
F (z)
2πi L {f (t)} (s) = − dz.
Γ−
R
z−s
Considera-se agora R suficientemente grande, de tal forma que — para além das sigularidades
s1 , s2 , . . . , sn — também s está no interior da circunferência |z| = R, e a estimativa (2.72) é
válida para |z| = R (ou seja, R ≥ R̂). Aplicando a fórmula integral de Cauchy à curva Γ+ R e à
função F (que é analı́tica nessa curva e no seu interior):
Z Z
F (z) F (z)
2πi L {f (t)} (s) = − dz − dz + 2πi F (s)
Γ−R
z−s Γ+
R
z−s
| {z }
= 0
Z
F (z)
= − dz + 2πi F (s).
|z|=R z − s
Como:
Z Z Z
F (z) |F (z)| M/Rβ 2πRM
dz ≤ |dz| ≤ |dz| = β →0
|z|=R z − s |z|=R |z − s| R − |s| |z|=R R (R − |s|)
195
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
ou seja,
L {f (t)} (s) = F (s).
.
P (s)
Este teorema de inversão pode ser útil quando F (s) é uma função racional, isto é, F (s) = Q(s) ,
onde P (s) e Q(s) são polinómios. Neste caso, e como vimos na subsecção 1.11.3, basta que o
grau de Q(s) seja maior que o de P (s) para a condição (2.72) seja satisfeita.
Exemplo 1:
s+1
Determinar a transformada de Laplace inversa de F (s) = .
s2 +s−6
s+1
Como s2 + s − 6 = (s + 3)(s − 2), est F (s) = est (s+3)(s−2) tem por singularidades s = 2 e
2
s = −3, sendo ambas pólos simples. Note que o grau de s + s − 6 é maior que o de s − 1. Pelo
teorema de inversão da transformada de Laplace:
s+1
L−1 {F (s)} = L−1 = Res est F (s), 2 + Res est F (s), −3
(s + 3)(s − 2)
Exemplo 2:
Sendo F (s) uma função que verifica as condições do teorema de inversão da transformada de
Laplace, provar que
Z α+i∞
1
f (t) = L−1 {F (s)}(t) = est F (s) ds para t > 0. (2.75)
2πi α−i∞
Notamos em primeiro lugar que a equação (2.74) é válida para qualquer R muito grande;
tomando o limite em ambos os membros de (2.74) quando R → ∞, então:
Z Z ! Z Z
α+i∞
st st st
2πif (t) = lim e F (s) ds + e F (s) ds = e F (s) ds + lim est F (s) ds
R→∞ IR −
γR α−i∞ R→∞ γ −
R
R
Resta provar que limR→∞ −
γR est F (s) ds = 0.
196
2.6. APÊNDICE C: TRANSFORMADA DE LAPLACE
−
A curva γR é o arco de circunferência parametrizado por s(θ) = Reiθ , com π2 −κ ≤ θ ≤ 3π
2 +κ
−
e κ = arctg √R2α−α2 . Podemos escrever γR 1 + S + C 2 23 onde o parâmetro θ satisfaz:
= CR R R
π π 1 ;
2 −κ<θ < 2 para z(θ) ∈ CR
π 3π
2 <θ< 2 para z(θ) ∈ SR ;
3π 3π 2 .
2 <θ< 2 + κ para z(θ) ∈ CR
1 + C 2 , tendo em conta que ets = et Re s ≤ etα para
Para estimar os integrais ao longo de CR R
−
s ∈ γR : Z
M etα Z M etα
st
e F (s) ds ≤ |ds| = 2R|κ|
C − +C +
R R
Rβ CR− +CR+ Rβ
Como | arctg x| ≤ |x|, então R|κ| = R arctg √R2α−α2 ≤ R √R|α| = √ |α|2 2 , pelo que:
2 −α2
1−α /R
Z
st
2M etα |α|
e F (s) ds ≤ p −→ 0 quando R → ∞
C − +C + Rβ 1 − α2 /R2
R R
O integral ao longo de SR pode ser estimado usando o método da prova do lema de Jordan.
Em primeiro lugar,
Z Z 3π
ts 2 tR cos θ itR sen θ
e |ds| = e e R dθ
π
SR 2
Z 3π Z Z
2
π π
π
= etR cos θ R dθ = etR cos(ω+ 2 ) R dω = e−tR sen ω R dω.
π
2
0 0
23 1 2
A ideia desta decomposição baseia-se no facto de os comprimentos das curvas CR e CR não tenderem para
∞ quando R → ∞, o que permite uma majoração mais simples dos integrais correspondentes. Por outro lado, o
integral ao longo de SR pode ser estimado pelo método que foi usado na prova do lema de Jordan.
197
CAPÍTULO 2. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS
198
Capı́tulo 3
O objectivo de resolver uma equação diferencial parcial é determinar uma função u(x1 , ..., xn ) que
verifica uma relação de igualdade envolvendo as suas derivadas (que serão derivadas parciais).
Centraremos o nosso estudo nas equações diferenciais parciais lineares de segunda ordem em
domı́nios (espaciais) rectangulares, em que as equações são afins aos três tipos seguintes:
• Equação do Calor
∂u ∂2u ∂2u
=K + ... +
∂t ∂x21 ∂x2n
em que t > 0, x1 ∈ [0, L1 ],..., xn ∈ [0, Ln ], e K > 0 é a condutividade térmica do material.
Este tipo de equações está associado a processos envolvendo condução térmica e difusão1 .
• Equação de Laplace
∂2u ∂2u
+ ... + =0
∂x21 ∂x2n
em que x1 ∈ [0, L1 ],..., xn ∈ [0, Ln ]. Este tipo de equações está associado a processos
estacionários de condução térmica e difusão, à electrostática e ao movimento dos fluı́dos.
• Condições de Fronteira
Que predefinem o comportamento da função u na fronteira de R = [0, L1 ] × ... × [0, L1 ], e
que poderão ser de vários tipos:
⋄ Condições de Dirichlet
se definem o valor de u na fronteira de R;
1 ∂u ∂2u ∂2u
No caso de de tratar da equação de difusão, ∂t
=D ∂x2
+ ... + ∂x2
, D > 0 é o coeficiente de difusão da
1 n
susbtância.
199
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
⋄ Condições de Neumann
se definem o valor de ∂u
∂x na fronteira de R (ou seja, definem o fluxo de u na fronteira
de R);
• Condições Iniciais
que definem o estado inicial, isto é, para a equação do calor
∂u ∂2u
=K 2 , ∀t > 0 , x ∈]0, L[
∂t ∂x
sendo K > 0 a condutividade térmica (ou o coeficiente de difusão). Assumiremos condições de
fronteira de Dirichlet homógeneas, isto é
e a condição inicial
u(0, x) = f (x) , ∀x ∈]0, L[
em que f é uma função seccionalmente contı́nua e com derivada seccionalmente contı́nua definida
no intervalo [0, L].
Resolveremos então o problema de valores na fronteira e inicial
∂u ∂2u
=K 2 t > 0 , x ∈]0, L[
∂t ∂x
Começamos por notar que se f (x) ≡ 0 então a solução de (3.1) é u(t, x) ≡ 0. Se f não é
identicamente nula então u tambem não o será.
200
3.1. MÉTODO DE SEPARAÇÃO DE VARIÁVEIS
Vamos utilizar o método de separação de variáveis para determinar soluções do problema (3.1)
da forma
u(t, x) = T (t)X(x)
Pela observação acima feita, nem T (t) nem X(x) poderão ser identicamente nulas. Substituindo
na equação diferencial obtém-se
∂ ∂2 T ′ (t) X ′′ (x)
T (t)X(x) = K 2 T (t)X(x) ⇔ T ′ (t)X(x) = KT (t)X ′′ (x) ⇔ =
∂t ∂x KT (t) X(x)
Observe-se que, separadas as variáveis, pretende-se que para todos t > 0 e x ∈]0, L[ uma função
T ′ (t) X ′′ (x)
de t ( KT (t) ) iguale uma função de x ( X(x) ). Para que tal se verifique é necessário que ambos
igualem uma constante, isto é, para λ ∈ R
T ′ (t) X ′′ (x)
=λ e =λ
KT (t) X(x)
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira
É conveniente notar que, se não exigı́ssemos condições de fronteira nulas, o método de se-
paração de variáveis falharia neste ponto. A razão é muito simples — a lei do anulamento do
produto não seria aplicável.
Temos então dois problemas para resolver - correspondentes a duas equações diferenciais
ordinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′ = λKT
X(0) = X(L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1). Trata-se duma equação diferencial linear homogénea,
cuja solução tem que verificar condições de fronteira nulas. Nesta situação, a função nula é sempre
solução de (P1). Existem no entanto alguns valores de λ para os quais essa não é a única solução
de (P1).
Definição: λ diz-se um valor próprio de (P1), associado à função própria ϕ(x), sse ϕ(x) for
uma solução não nula de (P1).
Para continuar a nossa resolução, teremos que encontrar os valores própios de (P1) a fim de
determinar as suas soluções não nulas. Assim
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
201
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Princı́pio da Sobreposição
Observa-se que, relativamente a sobreposições com um número infinito de termos, será ne-
cessário verificar adicionalmente que a série obtida é uniformemente convergente em subconjuntos
compactos do domı́nio onde a equação diferencial é satisfeita.
é solução da equação do calor unidimensional que verifica condições de fronteira de Dirichlet nulas.
Para determinar as constantes cn teremos que utilizar a condição de fronteira u(0, x) = f (x).
Resulta então que:
∞
X nπx
cn sen = f (x) (3.3)
L
n=1
202
3.2. SÉRIES DE FOURIER
Exemplo:
Determinar a série de Fourier da função f : [−1, 1] → R definida por
−π se x ∈ [−1, 0[
f (x) =
π se x ∈ [0, 1]
2
Na maior parte das aplicações, f é contı́nua em x = ±L; nos casos em que a continuidade em x = ±L
não se verifica, pode-se de qualquer modo alterar a definição da função f de forma a que f (L) = f (L− ) e
f (−L) = f (−L+ ).
203
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Concluimos que
∞
X 2
SFf (x) = 1 − (−1)n sen(nπx)
n
n=1
Atendendo a que, para n par, 1 − (−1)n = 0, os termos de ordem par da série anterior são nulos:
∞
X 4
SFf (x) = sen (2k − 1)πx
2k − 1
k=1
Dado que tanto f como f ′ são funções seccionalmente contı́nuas em [−1, 1] o teorema anterior
permite-nos concluir que SFf (x) está bem definida para x ∈ [−1, 1]. Pela periodicidade das
funções sen(nπx), é fácil de compreender que SFf está bem definida para todo x ∈ R e que é
periódica de perı́odo 2. De seguida mostra-se alguna gráficos das aproximações da série de Fourier
da função f , isto é, o gráfico de alguns termos da sucessão das somas parciais
N
X 4
SN f (x) = sen (2k − 1)πx
2k − 1
k=1
204
3.2. SÉRIES DE FOURIER
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
−5
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
4
Gráfico da função (S3 f )(x) = 4 sen(πx) + 3 sen(3πx) + 45 sen(5πx)
205
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
0
-0.9 -0.57 -0.24 0.09 0.42 0.75
−1
−2
−3
−4
0
-0.9 -0.68 -0.46 -0.24 -0.02 0.2 0.42 0.64 0.86
−1
−2
−3
−4
P12 4
Gráfico da função (S12 f )(x) = n=1 2n−1 sen((2n − 1)πx)
Por ser uma função periódica de perı́odo 2, em R a soma da série de Fourier da função f será
dada pela extensão periódica de perı́odo 2 da função definida em (3.5).
206
3.2. SÉRIES DE FOURIER
0
-0.9 -0.68 -0.46 -0.24 -0.02 0.2 0.42 0.64 0.86
−1
−2
−3
−4
N
1 X
DN (x) = + cos kx
2
k=1
N
1 1 X
= + eikx + e−ikx
2 2
k=1
1 −iN x
= e + e−i(N −1)x + · · · + e−ix + 1 + eix + · · · + eiN x
2
1 −iN x
= e 1 + eix + ei2x + · · · + ei2N x
2
2N
1 −iN x X ix k
= e e
2
k=0
207
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Como o somatório acima obtido não é mais do que a soma dos primeiros 2N + 1 termos da série
geométrica de razão eix , então:
12
10
−2
−4
-2.85 -2.5 -2.15 -1.8 -1.45 -1.1 -0.75 -0.4 -0.05 0.3 0.65 1 1.35 1.7 2.05 2.4 2.75 3.1
Seja agora f uma função real, seccionalmente contı́nua em [−π, π], e admitamos que f foi
periodicamente extendida a R. 3 .
3
Ou seja, dada f : [−π, π] → R pode-se definir f (y) para qualquer y ∈ R tendo em conta que existem k ∈ Z e
def
x ∈ [−π, π] tais que y = x + 2kπ; assim sendo, considera-se que f (y) = f (x + 2kπ) = f (x). O que desta forma
se obtém é, como se sabe, a extensão periódica de f a R.
208
3.2. SÉRIES DE FOURIER
25
20
15
10
−5
-1.6 1.6
N
a0 X
SN (x) = + ak cos kx + bk sen kx
2
k=1
" N
#
1 Rπ 1 X Rπ R
π
= f (y) dy + −π f (y) cos ky dy cos kx + −π f (y) sen ky dy sen kx
π −π 2
k=1
Z N
!
1 π 1 X
= f (y) + cos ky cos kx + sen ky sen kx dy
π −π 2
k=1
Z π N
!
1 1 X
= f (y) + cos k(y − x) dy
π −π 2
k=1
Z
1 π
= f (y)DN (y − x) dy
π −π
Desta forma se deduziu uma fórmula integral para a sucessão das somas parciais da série de
Fourier de f :
Z Z
1 π 1 π
SN (x) = f (y)DN (y − x) dy = f (x + θ)DN (θ) dθ, (3.7)
π −π π −π
209
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
120
100
80
60
40
20
−20
-1.6 1.6
A fórmula (3.7) diz-nos, grosso modo, que SN (x) é uma “média ponderada” de f numa
vizinhança de x, em que R π os “pesos” são dados pelo núcleo de Dirichlet, DN (x). Note que a
“soma dos pesos” é π1 −π DN (θ) dθ = 1 5 . Nas figuras (3.6), (3.7) e (3.8) representa-se os
gráficos de DN (x) para alguns valores de N . Pode-se observar o comportamento oscilatório do
núcleo de Dirichlet: à medida que N cresce, as oscilações de DN (x) aumentam em amplitude
mas concentram-se junto de x = 0. Se f for seccionalmente C 1 então é possı́vel provar, a partir
da fórmula (3.7), que SN (x) converge da forma descrita pelo teorema da convergência pontual
(equação (3.4)).
∞
X nπx
Ssen f (x) = bn sen( )
n=1
L
em que
Z L
2 nπx
bn = f (x) sen( )dx
L 0 L
Esta série é obtida, efectuando a extensão ı́mpar de f ao intervalo [−L, L], e calculando a sua
série de Fourier. Observe-se que se uma dada função g é ı́mpar, os coeficientes da série de Fourier
5
Em rigor, o primeiro integral da equação (3.7) designa-se por convolução de f com DN .
210
3.2. SÉRIES DE FOURIER
verificam: Z L
1 nπx
an = g(x) cos( )dx = 0 , ∀n ≥ 0
L −L L
Z L Z L
1 nπx 2 nπx
bn = g(x) sen( )dx = g(x) sen( )dx
L −L L L 0 L
Pelo Teorema da convergência pontual das séries de Fourier e atendendo que se está a utilizar a
extensão ı́mpar de f a [−L, L], conclui-se que para x ∈ [0, L]
f (x) sendo x um ponto de continuidade de f
f (x+ ) + f (x− )
sendo x um ponto de descontinuidade de f
Ssen f (x) = 2
0 se x = L
0 se x = 0
Exemplo:
em que
Z 2 Z 1
nπx nπx 2 4 nπ
bn = f (x) sen dx = (1 − x) sen dx = − sen
0 2 0 2 nπ n2 π 2 2
Conclui-se que
∞
X 2 4 nπ nπx
Ssen f (x) = − 2 2 sen sen
n=1
nπ n π 2 2
Pelo Teorema da convergência pontual das séries de Fourier, tem-se que em [−2, 2]
f (x) se x ∈]0, 2]
Ssen f (x) = 0 se x = 0 (3.8)
−f (−x) se x ∈ [−2, 0[
211
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
em que
Z L Z L
2 2 nπx
a0 = f (x)dx , an = f (x) cos( )dx
L 0 L 0 L
Esta série é obtida, efectuando a extensão par de f ao intervalo [−L, L], e calculando a sua
série de Fourier. Observe-se que se uma dada função g é par os coeficientes da série de Fourier
verificam: Z Z
1 L 2 L
a0 = g(x)dx = g(x)dx
L −L L 0
Z L Z L
1 nπx 2 nπx
an = g(x) cos( )dx = g(x) cos( )dx
L −L L L 0 L
Z L
1 nπx
bn = g(x) sen( )dx = 0 ∀n ≥ 0
L −L L
Pelo Teorema da convergência pontual das séries de Fourier e atendendo que se está a utilizar a
extensão par de f a [−L, L], conclui-se que para x ∈ [0, L]
f (x) sendo x um ponto de continuidade de f
f (x+ ) + f (x− )
sendo x um ponto de descontinuidade de f
Scos f (x) = 2
f (L) se x = L
f (0) se x = 0
em que Z Z
π π
2 2 3
a0 = g(x)dx = dx =
π 0 π π 2
4
212
3.3. PROBLEMA DE DIRICHLET HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
e para n ∈ N
Z π Z π
2 2 2 nπ
an = g(x) cos(nx)dx = cos(nx)dx = − sen
π 0 π π nπ 4
4
Conclui-se que
∞
3 X 2 nπ
Scos g(x) = − sen cos(nx)
4 n=1 nπ 4
e em R a soma da série de cosenos da função g será a extensão periódica de perı́odo 2π, de (3.9)
a R.
em que f é uma função seccionalmente contı́nua em ]0, π[. Tal como deduzimos na Secção 3.1,
a solução do problema (3.10) é dada por
∞
X 2 Kt
u(t, x) = cn e−n sen(nx) , cn ∈ R
n=1
e para determinar as constantes (cn )n∈N usaremos a condição inicial, pelo que
∞
X
cn sen(nx) = f (x) (3.11)
n=1
3.3.1 Exemplo 1
Se a condição inicial for
f (x) = sen(2x) − 3 sen(5x)
por (3.11),
∞
X
cn sen(nx) = sen(2x) − 3 sen(5x)
n=1
213
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
c2 = 1 , c5 = −3 e cn = 0 ∀n ∈ N \ {2, 5}
Concluimos que a solução de (3.10) quando f (x) = sen(2x) − 3 sen(5x) é dada por
3.3.2 Exemplo 2
Se a condição inicial for
π π x se 0 ≤ x ≤ π2
f (x) = − x − =
2 2 π − x se π2 < x ≤ π
por (3.11),
∞
X π π
cn sen(nx) = − − x
2 2
n=1
pelo que para determinar as constantes (cn ) precisamos de determinar a série de senos da função
f (x) em [0, π]. Assim
X∞
Ssen f (x) = bn sen(nx)
n=1
em que
Z π Z π/2 Z π
2 2h i 4 nπ
bn = f (x) sen(nx) dx = x sen(nx) dx + (π − x) sen(nx) dx = 2
sen
π 0 π 0 π/2 πn 2
Dado que a extensão periódica (de perı́odo 2π) a R da extensão ı́mpar de f ao intervalo [−π, π]
é contı́nua, tem-se que para todo x ∈ [0, π]
∞
π π X 4 nπ
− x − = sen sen(nx)
2 2 πn2 2
n=1
4 nπ
cn = 2
sen
πn 2
π
− x − π2 é dada por
e a solução de (3.10) quando f (x) = 2
∞
X 4 nπ −n2 Kt
u(t, x) = 2
sen e sen(nx)
πn 2
n=1
214
3.4. PROBLEMA DE DIRICHLET NÃO HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
Vamos verificar em primeiro lugar que se u(t, x) é da forma dada em (3.13) então é solução de
(3.12). De facto, utilizando a linearidade da derivada
pelo que verifica a condição inicial de (3.12). Conclui-se que u(t, x) dada em (3.13) é solução de
(3.12). A função ue (x) é denominada uma solução estacionária de (3.12), pois não depende de t.
A equação u′′e = 0 tem como solução ue (x) = Ax + B. Dado que ue (0) = T1 e ue (L) = T2
conclui-se que
T2 − T1
ue (x) = x + T1
L
215
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Por outro pela Secção 1, dado que (3.14) é o problema da equação do calor com condições de
fronteira de Dirichlet homogéneas
∞
X n2 π 2 K nπx
v(t, x) = cn e− L2
t
sen
L
n=1
em que para todo n ∈ N, (cn ) são os coeficientes da série de senos da função f (x) − T2 −T
L x − T1
1
216
3.5. PROBLEMA DE NEUMANN HOMOGÉNEO PARA A EQUAÇÃO DO CALOR
UNIDIMENSIONAL
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
X ′ (0) = 0 ⇒ A = 0
X ′ (L) = 0 ⇒ Bω sen(ωx) = 0
pelo que,
B=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen(ωL) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = cos , com n ∈ N
L L
2 2
Temos assim que λ = 0, com X(x) = 1 e λ = −ω 2 = − nLπ2 e X(x) = cos nπx L , para n ∈ N, são
os valores próprios e as correspondentes funções próprias associadas.
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para λ = 0
T′ = 0 ⇒ T0 (t) = 1
e para cada n ∈ N
n2 π 2 n2 π 2 K
T′ = − KT ⇒ Tn (t) = e− L2
t
L2
217
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que as solução da equação do calor unidimensional, da
forma u(t, x) = T (t)X(x), que verificam condições de fronteira de Dirichlet nulas são as funções
da forma
n2 π 2 K nπx
u0 (t, x) = T0 (t)X0 (x) = c0 e un (t, x) = Tn (t)Xn (x) = e− L2
t
sen , , n∈N
L
Então
∞ ∞
X X n2 π 2 K nπx
u(t, x) = cn un (t, x) = c0 + cn e− L2
t
cos , , cn ∈ R
L
n=0 n=1
é solução da equação do calor unidimensional que verifica condições de fronteira de Neumann nulas.
Para determinar as constantes cn teremos que utilizar a condição de fronteira u(0, x) = f (x).
Resulta então que:
∞
X nπx
c0 + cn cos = f (x) (3.17)
L
n=1
Concluindo-se que as constantes cn são os coeficientes da série de cosenos de f em [0, L], ou seja
Z L
a0 1
c0 = = f (x)dx
2 L 0
e para cada n ∈ N
Z L
2 nπx
cn = an = f (x) cos dx
L 0 L
u(t, 0) = T1 , u(t, L) = T2 t>0
u(0, x) = f (x) x ∈ ]0, L[
218
3.7. A EQUAÇÃO DAS ONDAS
Multiplicando a equação do calor (3.18) por v e integrando em x no intervalo [0, L], obtém-se:
Z L Z L
∂v ∂2v
v dx = K v dx
0 ∂t 0 ∂x2
Integrando o segundo membro por partes, e usando as condições iniciaisem (3.18), obtém-se: 7
Z L 2 Z L 2 !
∂ v ∂v ∂v ∂v
v 2 dx = K v(t, 0) ∂x (t, 0) − v(t, L) ∂x (t, L) − dx
0 ∂x 0 ∂x
Z L 2
∂v
= −K dx ≤ 0
0 ∂x
1
RL 2 dE
Definido E(t) = v(t, x) dx, então conclui-se dos resultados anteriores que
2 0 ≤ 0. Por
dt
outro lado, pela condição inicial E(0) = 0; além disso, E(t) ≥ 0, para qualquer t ≥ 0. Assim
sendo, teremos necessariamente que E(t) ≡ 0, donde se conclui que:
∂2v
= c2 ∆u
∂t2
onde u(t, x) é uma função da posição e do tempo que descreve o comportamento da onda e c é
a velocidade de propagação da onda no meio em questão.
219
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
u(t, x)
0 x x
L
Começamos por notar que se f (x) ≡ 0 e g(x) ≡ 0 então a solução de (3.19) é u(t, x) ≡ 0. Se f
ou g não são identicamente nulas então u tambem não o será.
Tal como para a resolução da equação do calor unidimensional, e dado que estamos a consi-
derar condições de fronteira homogéneas, vamos utilizar o método de separação de variáveis para
determinar soluções do problema (3.19) da forma
u(t, x) = T (t)X(x)
Pela observação acima feita, nem T (t) nem X(x) poderão ser identicamente nulas. Substituindo
na equação diferencial obtém-se
∂2
2 ∂
2 T ′′ (t) X ′′ (x)
2
T (t)X(x) = c 2
T (t)X(x) ⇔ T ′′ (t)X(x) = c2 T (t)X ′′ (x) ⇔ 2 =
∂t ∂x c T (t) X(x)
Observe-se que, separadas as variáveis, pretende-se que para todos t > 0 e x ∈]0, L[ uma função
′′ ′′ (x)
de t ( cT2 T(t)
(t)
) iguale uma função de x ( XX(x) ). Para que tal se verifique é necessário que ambos
220
3.7. A EQUAÇÃO DAS ONDAS
T ′′ (t) X ′′ (x)
=λ e =λ
c2 T (t) X(x)
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira e possı́veis condições iniciais nulas (note que
pelo que já foi referido apenas uma delas o poderá ser)
Temos então dois problemas para resolver - correspondentes a duas equações diferenciais
ordinárias ′′
X − λX = 0
(P1) , (P2) T ′′ = λc2 T
X(0) = X(L) = 0
Começamos por resolver o problema (P1), que é um problema de valores próprios. Assim:
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
X(0) = 0 ⇒ B = 0
X(L) = 0 ⇒ A sen(ωx) = 0
pelo que,
A=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen(ωL) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = sen , com n ∈ Z
L L
2 2
Temos assim que λ = −ω 2 = − nLπ2 e X(x) = sen nπx L , para n ∈ Z, são os valores próprios
e as correspondentes funções próprias associadas. Note que para os ı́ndices n inteiros negativos
repetem-se os valores próprios e as funções próprias (a menos de combinação linear). Conclui-se
2 2
que qualquer λ que não seja da forma − nLπ2 (para algum n ∈ N) não é valor próprio de (P1), e
2 2
para cada n ∈ N, λ = − nLπ2 é valor próprio de (P1) associado à função própria Xn (x) = sen nπx
L .
221
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para cada n ∈ N
n2 π 2 2 n2 π 2 2 nπct nπct
T ′′ + c T =0 ⇒ (D 2 + c )T = 0 ⇒ Tn (t) = αn sen + βn cos
L2 L2 L L
Resolvidos (P1) e (P2), podemos concluir que as soluções da equação das ondas unidimensional,
da forma u(t, x) = T (t)X(x), que verificam condições de fronteira de Dirichlet nulas são as
funções da forma
nπx nπct nπct
un (t, x) = Tn (t)Xn (x) = sen αn sen + βn cos , n∈N (3.20)
L L L
Por sobreposição, a solução da equação diferencial que satisfaz as condições de fronteira será:
∞
X nπx nπct nπct
u(t, x) = sen αn sen + βn cos .
L L L
n=1
Procuremos agora as denominadas soluções de d’Alembert para a equação das ondas. Aten-
dendo às igualdades trigonométricas
1 1
sen(a) sen(b) = cos(a − b) − cos(a + b) , sen(a) cos(b) = sen(a − b) + sen(a + b)
2 2
podemos escrever
∞ ∞
X nπx nπct X βn nπ nπ
βn sen cos = sen (x − ct) + sen (x + ct)
n=1
L L n=1
2 L L
e
∞ ∞
X nπx nπct X αn nπ nπ
αn sen sen = cos (x − ct) − cos (x + ct)
L L 2 L L
n=1 n=1
Pela definição dos coeficientes das séries de Fourier de senos (αn ) e (βn ) se, em [0, L], f e g
forem funções contı́nuas com derivadas seccionalmente contı́nuas, teremos
∞ ∞
X nπx X nπc nπx
f¯(x) = βn sen e ḡ(x) = αn sen
L L L
n=1 n=1
222
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
Da mesma forma:
∞ ∞ Z x+ct
X nπx nπct X αn nπ nπs
αn sen sen = sen ds
L L 2 x−ct L L
n=1 n=1
Z ∞
x+ct X
1 nπαn nπs
= sen ds
2 x−ct n=1
L L
Z x+ct
1
= ḡ(s)ds.
2c x−ct
∂2u ∂2u
+ 2 =0
∂x2 ∂y
223
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Observa-se que se f (x) ≡ 0 a solução de (3.22) é u(x, y) ≡ 0. Por outro lado, pode-se provar que
se f não for identicamente nula então u também não o será. Tal como nos exemplos anteriores,
224
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
e tendo em conta que este problema tem 3 condições de fronteira homogéneas e um domı́nio
rectangular, o método de separação de variáveis consiste na determinação de soluções não nulas
do problema (3.22) da forma:
u(x, y) = X(x)Y (y) (3.23)
Note que nem X(x) nem Y (y) poderão ser identicamente nulas, pois caso contrário u(x,y) também
o será. Substituindo (3.23) na equação diferencial obtém-se
∂2 ∂2
X(x)Y (y) + X(x)Y (y) = 0 ⇔ X ′′ (x)Y (y) + X(x)Y ′′ (y) = 0
∂x2 ∂y 2
X ′′ (x) Y ′′ (y)
⇔ =−
X(x) Y (y)
Observe-se que as variáveis aparecem separadas: pretende-se que para todos os x ∈]0, a[ e
′′ (x) ′′ (y)
y ∈]0, b[, XX(x) , que é função apenas de x, iguale − YY (y) , que é função apenas de y. Para que
tal se verifique é necessário que ambos os membros sejam iguais a uma constante; isto é, para
λ ∈ R:
X ′′ (x) Y ′′ (y)
=λ e − =λ
X(x) Y (y)
Por outro lado, atendendo às condições de fronteira nulas
• u(0, y) = 0 implica X(0)Y (y) = 0 e como tal ou Y (y) é a função identicamente nula ou
X(0) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer (implicaria u ≡ 0) tem-se que
X(0) = 0.
• u(a, y) = 0 implica X(a)Y (y) = 0 e como tal ou Y (y) é a função identicamente nula ou
X(a) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer, tem-se que X(a) = 0.
• u(x, b) = 0 implica X(x)Y (b) = 0 e como tal ou X(x) é a função identicamente nula ou
Y (b) = 0. Dado que a primeira hipótese não pode ocorrer (implicaria u ≡ 0) tem-se que
Y (b) = 0.
Temos então dois problemas para resolver, envolvendo cada um deles uma equação diferencial
ordinária de 2a ordem:
′′ ′′
X − λX = 0 Y + λY = 0
(P1) , (P2)
X(0) = X(a) = 0 Y (b) = 0
Começamos por resolver o problema (P1), que é um problema de valores próprios. Assim:
X ′′ − λX = 0 ⇔ (D 2 − λ)X = 0
225
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
Como vimos no estudo da equação do calor, os casos λ = 0 e λ > 0, combinados com as duas
condições de fronteira nulas, produzem apenas a solução nula. Conclui-se que qualquer λ ≥ 0
não é valor próprio de (P1). Para o caso λ < 0, tem-se que
X(0) = 0 ⇒ B = 0
X(a) = 0 ⇒ A sen(ωx) = 0
pelo que,
A=0 ⇒ X(x) ≡ 0
ou
nπ nπx
sen(ωa) = 0 ⇒ ω= ⇒ X(x) = sen , com n ∈ Z
a a
2 2
Temos assim que λ = −ω 2 = − naπ2 e X(x) = sen nπx a , para n ∈ Z, são os valores próprios
e as correspondentes funções próprias associadas. Note que para os ı́ndices n inteiros negativos
repetem-se os valores próprios e as funções próprias (a menos de combinação linear). Conclui-se
2 2
que qualquer λ que não seja da forma − naπ2 (para algum n ∈ N) não é valor próprio de (P1), e
2 2
para cada n ∈ N, λ = − naπ2 é valor próprio de (P1) associado à função própria Xn (x) = sen nπx
a .
Para resolver o problema (P2), utilizaremos apenas os valores próprios de (P1), dado que
para outros valores de λ a única solução de (P1) é a nula. Assim, para cada n ∈ N
′′ n2 π 2 2 n2 π 2 nπy nπy
Y − 2 Y =0 ⇒ D − 2 Y = 0 ⇒ Yn (y) = an e a + bn e− a ,
a a
onde an , bn ∈ R. As soluções que satisfazem a condição Y (b) = 0 são as soluções de
nπb nπb
an e a + bn e− a = 0,
ou seja,
2nπb
bn = −an e a
226
3.8. EQUAÇÃO DE LAPLACE BIDIMENSIONAL
Então, para cada n ∈ N, os coeficientes αn são obtidos à custa dos coeficientes da série de senos
de f em [0, a] por Z
nπb 2 a nπx
−αn sh = f (x) sen dx.
a a 0 a
ou Z a
2 nπx
αn = − f (x) sen dx.
a sh(nπb/a) 0 a
4
X
u(x, y) = u1 (x, y)
i=1
em que u1 é solução de
2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = f1 (x) , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
u2 é solução de 2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = f2 (x) x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
227
CAPÍTULO 3. INTRODUÇÃO ÀS EQUAÇÕES DIFERENCIAIS PARCIAIS
u3 é solução de 2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = f3 (y) , u(a, y) = 0 y ∈]0, b[
e u4 é solução de
2
∂ u ∂2u
+ 2 =0 x ∈]0, a , y ∈]0, b[
∂x2 ∂y
u(x, 0) = 0 , u(x, b) = 0 x ∈]0, a[
u(0, y) = 0 , u(a, y) = f4 (y) y ∈]0, b[
A solução de cada um destes problemas é obtida pelo método utilizado na resolução de (3.22).
228