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Cálculo II

Apontamentos Teóricos
e
Folhas Práticas

Paulo Saraiva
1 de fevereiro de 2022
2
Conteúdo

1 Cálculo Integral de Funções Reais de Variável Real 1


1.1 Primitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.1 Definição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.1.2 Cálculo de primitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.2.1 Somatórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.2.2 Definição e propriedades do integral definido . . . . . . . . . . . 26
1.2.3 Teorema Fundamental do Cálculo Integral e cálculo de integrais . 35
1.2.4 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
1.2.5 Integrais impróprios: definição e cálculo . . . . . . . . . . . . . . 45
1.3 Integral duplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

2 Séries 73
2.1 Definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
2.2 Séries Geométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
2.3 Séries e Integrais Impróprios. Critérios de convergência . . . . . . . . . . 81
2.4 Convergência absoluta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
2.5 Séries de Potências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
2.6 Séries de Taylor/MacLaurin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97

3 Equações Diferenciais de Primeira Ordem 109


3.1 Generalidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 109
3.2 Equações de variáveis separadas/separáveis . . . . . . . . . . . . . . . . 117
3.3 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
3.3.1 Juros compostos continuamente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120
3.3.2 Equação diferencial logı́stica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
3.3.3 Ajustamento de preços num mercado . . . . . . . . . . . . . . . 126
3.4 Equações diferenciais totais exactas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
3.5 Equações diferenciais lineares de ordem 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
3.6 Mudança de variável em equações diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . 137
3.6.1 Equações homogéneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
3.6.2 Equações de Bernoulli . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

3
4 CONTEÚDO

4 Equações Diferenciais Lineares e Equações às Diferenças Lineares 151


4.1 Equações Diferenciais Lineares. Os operadores D e P(D). . . . . . . . . . 151
4.2 Equações às Diferenças Lineares. Os operadores E e P(E). . . . . . . . . 154
4.3 Operadores Lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158
4.4 Equações diferenciais lineares homogéneas . . . . . . . . . . . . . . . . 160
4.5 Raı́zes complexas da equação auxiliar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
4.6 Equações às diferenças lineares homogéneas . . . . . . . . . . . . . . . . 166
4.7 Equações não homogéneas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171
4.7.1 Equações diferenciais não homogéneas . . . . . . . . . . . . . . 171
4.7.2 Equações às diferenças não homogéneas . . . . . . . . . . . . . . 177
4.8 Convergência e divergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181
4.9 O operador diferença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
4.10 Aplicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188
4.10.1 Dois modelos de economia fechada . . . . . . . . . . . . . . . . 188
4.10.2 Juro composto (revisitado) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
Introdução
As notas teóricas e folhas de exercı́cios aqui disponibilizados destinam-se aos alunos
de Cálculo II da licenciatura em Economia da FEUC. Trata-se de uma versão revista e
aperfeiçoada dos textos que serviram de base às aulas desta unidade curricular no ano
lectivo 2007/08 e cobre os aspectos básicos relativos ao cálculo integral de funções reais
de variável real (f.r.v.r.), séries, equações diferenciais de primeira ordem, equações dife-
renciais lineares de ordem n e equações às diferenças lineares de ordem n (temas que, no
seu todo ou em parte, eram tratados em Matemática I e Matemática II do antigo plano de
estudos). Como pressupostos, assume-se que o aluno domina os raciocı́nios e as técnicas
apresentadas em Cálculo I, sem esquecer, como é evidente, todos os tópicos abordados na
matemática do ensino secundário.
A divisão destes apontamentos em quatro capı́tulos corresponde inteiramente aos te-
mas acima descritos. Assim, o Capı́tulo 1 abordará o chamado Cálculo Integral de f.r.v.r.,
encontrando-se partido em três secções principais: primitivas, integrais e integrais du-
plos. Trata-se do capı́tulo mais extenso, e a sua primeira secção é dedicada às principais
técnicas de primitivação - operação inversa da derivação. A segunda secção centra-se no
conceito de integral definido e suas aplicações (nomeadamente, no cálculo de áreas de
regiões planas), bem como numa breve abordagem aos integrais impróprios. Por último,
far-se-á uma breve introdução aos integrais duplos de f.r. de duas variáveis reais.
O segundo capı́tulo é dedicado às séries numéricas, às séries de potências e ao desen-
volvimento de funções em série de Taylor, sendo o conceito de sucessão é basilar para a
sua abordagem. Como é usual neste tópico, a questão da convergência das séries é tratada
com alguma premência, sendo apresentados os principais critérios que apoiam a decisão
da natureza de uma série.
Um assunto de extrema importância - desde logo, pelas aplicações práticas - é o das
equações diferenciais, tópico desenvolvido no terceiro capı́tulo destas notas. Aqui o autor
restringiu-se aos principais tipos de equações diferenciais de primeira ordem, centrando-
se nas técnicas de resolução, aflorando brevemente outros aspectos importantes a abordar
quando se trata este assunto (questões de convergência das soluções, por exemplo). Esta
opção justifica-se pelo facto de esta unidade curricular constituir um curso introdutório.
Por outro lado, o capı́tulo inclui diversos exemplos de aplicações das equações diferenci-
ais no contexto da Economia como factor de motivação para o seu estudo. A referência
bibliográfica principal deste capı́tulo é a obra de Murteira e Saraiva [7].
O quarto e último capı́tulo é dedicado às equações diferenciais lineares e às equações
às diferenças lineares de ordem n. Trata-se de assuntos que, no caso das equações com
coeficientes constantes, podem ser abordados com vantagem em paralelo, dado que as
técnicas de resolução são bastante similares (nomeadamente, se a abordagem escolhida
for a do chamado polinómio anulador). As referências principais deste capı́tulo são a já
mencionada obra [7] e ainda [10], também de Saraiva e Murteira.
Os quatro capı́tulos contemplam ainda seis folhas práticas com exercı́cios e proble-
mas, fruto da colaboração dos Professores Ana Margarida Monteiro, Jorge Marques e
Rui Pascoal, aos quais o autor agradece também a leitura atenta que fizeram dos pre-
sentes apontamentos no decorrer do segundo semestre de 2007/08. Ao longo do texto

i
ii CONTEÚDO

são ainda propostos diversos exercı́cios, alguns com dificuldade acima da média, como
motivação para os alunos que anseiam por desafios mais elaborados. Esta vertente virá
a ser enriquecida em futuras edições com a inclusão de outras aplicações dos temas aqui
desenvolvidos.
Finalmente, o autor deseja aos leitores-alunos um bom trabalho ao longo do semestre
e uma adequada utilização do presente manual. Esta passa, necessariamente, por uma
leitura crı́tica e assı́dua das notas teóricas, por um confronto com a visão de outros autores
(nomeadamente, os referidos na bibliografia) e por uma realização dos exercı́cios (os das
folhas práticas, os que são propostos no meio das notas e outros que o aluno entenda
serem necessários para uma melhor compreensão dos assuntos). O autor ficará deveras
satisfeito se, findo o semestre, estes apontamentos ficarem enriquecidos com oportunas
notas acrescentadas pelo aluno durante as aulas ou durante o seu esforço de trabalho
individual!

O docente, Paulo Saraiva


Capı́tulo 1

Cálculo Integral de Funções Reais de


Variável Real

O presente capı́tulo aborda o essencial do Cálculo Integral para funções reais de uma
variável real e uma breve passagem pelo cálculo de integrais dulpos. Começamos por
apresentar as principais técnicas de primitivação (ou anti-derivação), operação inversa
da derivação. De seguida, introduzimos o conceito de integral definido, motivando-o a
partir do problema que está na sua génese: o cálculo de áreas de regiões planas. Após
a apresentação do Teorema Fundamental do Cálculo Integral (o qual relaciona o cálculo
de integrais com o cálculo de primitivas), abordaremos algumas aplicações. Veremos
como alargar o conceito de integral ao caso de funções contı́nuas num intervalo aberto ou
semi-aberto, de extremos finitos ou infinitos. Por último, ocupar-nos-emos da definição e
cálculo de integrais duplos.

1.1 Primitivas
As subsecções que compõem esta secção dedicam-se à introdução do conceito de primi-
tiva de uma f.r.v.r. e ao estudo e exemplificação dos métodos que permitem calcular tais
primitivas.

1.1.1 Definição
Admita que é dada a taxa de variação de uma função F que pretende conhecer. Dito
de outro modo, sabendo que F 0 (x) = f (x), como determinar F ? A tı́tulo de exemplo,
suponha que
F 0 (x) = |{z}
5x4 . (1.1)
=f (x)

Facilmente se deduz que


F (x) = x5
é uma solução para a questão proposta, pois que F satisfaz (1.1). O problema que aqui se
introduz designa-se por primitivação ou anti-derivação (uma vez que se trata do processo

1
2CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

inverso ao da derivação). A função F tal que F (x) = x5 é dita uma primitiva de 5x4 . Já
deve ter notado que tal solução não é única, porquanto também

G(x) = x5 + 3

é uma primitiva de 5x4 (repare que continuamos a ter G0 (x) = 5x4 ). Daı́ que tenhamos
escrito uma e não a primitiva. Na realidade, qualquer função da forma

x5 + C, C∈R

é uma primitiva de 5x4 .


Formalizemos o que acima se introduziu e exemplificou.

Definição 1. [primitiva de uma f.r.v.r.] Uma função F é dita uma primitiva de uma
função f dada num intervalo I se

F 0 (x) = f (x), ∀x∈I . (1.2)

Escreveremos nesse caso Z


F (x) = f (x) dx,

lendo-se ”F é uma primitiva de f em I”.

Nota 1. 1. Na notação utilizada f diz-se função primitivanda (ou integranda) e dx


indica que estamos a primitivar em relação Rà variável independente x (variável de
integração ou de primitivação). O sı́mbolo é um S alongado e foi pela primeira
vez utilizado por Leibniz a respeito dos integrais, os quais constituem somas gene-
ralizadas (daı́ a letra S). Estes, por sua vez, estão relacionados com as primitivas,
como adiante se verá.

2. Atendendo ao que se disse em 1., às primitivas também é costume chamar integrais
indefinidos.

Tendo observado que a primitiva não está univocamente determinada (ao contrário
da derivada), o seguinte resultado clarificará qual o conjunto de primitivas de uma dada
função.

Teorema 1. Seja F uma primitiva de f num intervalo I. Então G é uma primitiva de f


em I se, e só se (sse), G é da forma

G(x) = F (x) + C, C ∈ R.

Uma consequência deste teorema é que

”se f 0 = g 0 em ]a, b[ , então ∃C∈R tal que g = f + C”


A constante C diz-se constante de primitivação.
1.1. PRIMITIVAS 3
R
Doravante, f (x) dx denotará o conjunto de todas as primitivas de f num dado in-
tervalo. Assim, Z
5x4 dx = x5 + C, C ∈ R.

Geometricamente, a solução geral de um problema de primitivação é uma famı́lia de


curvas todas com a mesma forma, podendo cada uma delas ser deduzida a partir da curva
de equação y = F (x) mediante translações na direcção do eixo dos yy.
Se a questão posta for, por exemplo, a de determinar a função F tal que
F 0 (x) = 5x4
cujo gráfico contém o ponto (0, 1), então temos:
Z
F (x) = 5x4 dx = x5 + C

para algum C a determinar. Eis uma representação gráfica de alguns membros desta
famı́lia de curvas.

Figura 1.1: Representantes da famı́lia de curvas y = x5 + C.

Uma vez que é dito que


F (0) = 1,
vem:
1 = 05 + C ⇔ C = 1.
Deste modo, a função F procurada é tal que
F (x) = x5 + 1,
(a qual constitui uma solução particular do problema de primitivação). Este problema é
dito de valor (ou condição) inicial.
Por último, cabe aqui dizer que o problema de primitivação constitui o caso mais
simples das chamadas equações diferenciais (assunto a abordar nos capı́tulos 3 e 4).

1.1.2 Cálculo de primitivas


Vamos agora estudar com algum detalhe as principais técnicas de primitivação.
4CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Primitivação imediata
Conhecendo as regras de derivação, é bastante simples estabelecer regras de primitivação,
bastando para tal inverter uma tabela de derivação. As primitivas que se obtêm por este
processo dizem-se imediatas.
Eis uma tabela de primitivas imediatas, na qual u = f (x) e C representa uma cons-
tante real arbitrária.
Função Primitiva Restrição
1. 0 C
2. a ax + C
um+1
3. um u0 +C m 6= −1
m+1
u 6= 0, se m ∈ Z− \ {−1}
u > 0, se m ∈ R\Q
u0
4. ln |u| + C u 6= 0
u 0
u
5. loga |u| + C u 6= 0, a ∈ R+ \ {1}
u ln a
6. eu u0 eu + C
7. au u0 ln a au + C a ∈ R+ \ {1}
8. u0 cos u sin u + C
9. u0 sin u − cos u + C
10. u0 sec2 u tg u + C
11. u0 cossec2 u −cotg u + C
u0
12. √ arcsin u + C |u| < 1
1 − u2
(ou − arccos u + C) |u| < 1
u0
13. arctg u + C
1 + u2
(ou −arccotg u + C)
TABELA I

Esta tabela pode se considerada, por assim dizer, a ”tabuada” da primitivação. Qual-
quer das regras pode ser confirmada derivando a função que surge na coluna do meio e
verificando que se obtém a que lhe corresponde na coluna da esquerda. Refira-se ainda
que a regra 4. resulta de as funções ln u e ln(−u) terem a mesma expressão para a deri-
vada. De facto,
d −u0 u0
[ln (−u))] = = , se u < 0
dx −u u
e
d u0
[ln u] = , se u > 0.
dx u
Como (
ln u, se u > 0
ln |u| = ,
ln(−u), se u < 0
1.1. PRIMITIVAS 5

é válida a referida regra de primitivação.


Antes de apresentarmos alguns exemplos, cabe aqui enunciar duas importantes pro-
priedades básicas da primitivação.

Teorema 2. Sejam f e g duas funções contı́nuas em algum intervalo I e considere uma


constante α ∈ R \ {0}. Então:
R R R
1) (f ± g) (x)dx = f (x)dx ± g(x)dx ;
R R
2) (αf ) (x)dx = α f (x)dx .

Estas duas propriedades traduzem a chamada linearidade da operação de primitivação.


2
Exemplo 1. Primitivemos a função f tal que f (x) = 5x3 +
. Temos:
x
Z Z Z Z Z
3 2 3 1
f (x)dx = 5x dx + dx = 5 x dx + 2 dx
x x
x4 5
+ 2 ln |x| + C = x4 + ln x2 + C,

= 5× C ∈ R,
4 4
concluindo o exemplo. 

Nota 2. Deve ter constatado que não considerámos duas constantes provenientes da
primitivação da cada uma das parcelas. Ora, isto sucede porque

C1 + C2 = C (constante real).

Assim, subentenderemos esta simplificação sempre que se pretenda determinar a primiti-


va de somas algébricas de funções.

arctg (3x)
Exemplo 2. Primitivemos a função g tal que g(x) = . Note que
1 + 9x2
d 3 3
[arctg (3x)] = 2 = .
dx 1 + (3x) 1 + 9x2

Assim,
 
 
1 R 3 
arctg (3x) dx = 13 
R R
g(x)dx = 2 2
arctg (3x) dx
1 + 9x  1 + 9x | {z }
| {z } =u(x)
=u0 (x)
2
arctg 2 (3x)
= 1 [arctg(3x)] +C = + C, C ∈ R,
(regra 3.) 3 2 6

concluindo o exemplo. 
6CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

sin x
Exemplo 3. Pretende-se primitivar a função h tal que h(x) = . Procuremos
5 + cos2 x
relacionar esta função com a que surge como função primitivanda na regra 13. da Tabela
I. Ora,  
!
sin x 1 sin x 1  sin x 
h(x) = = =  2  .
 
2 cos2x
5 + cos x 5 1+ 5 5 

cos x 
1+ √
5
Como  
d cos x sin x
√ =− √ ,
dx 5 5
vem:
   
 
√1
1 √    − 5 sin x 
Z Z Z
1  sin x  
h(x)dx = 2  dx = − 5 2  dx
 
5  5
   
cos x   cos x 
1+ √ 1+ √
5 5
√  
5 cos x
= − arctg √ + C,
5 5
com C ∈ R. 
Exercı́cio 1. (*) (1 ) Verifique que
d d 1
[arcsin x] = [− arccos x] = √ , x ∈ ]−1, 1[ .
dx dx 1 − x2
Por que razão não é legı́timo deduzir que que arcsin x = − arccos x a partir destas
igualdades? Indique uma identidade válida envolvendo arcsin x e arccos x.
De seguida apresentamos outra tabela de primitivação, complementar à Tabela I., que
inclui casos não directamente obtidos por inversão da tabela de derivadas das funções
elementares, mas após utilização de manipulações algébricas mais ou menos simples.
Função Primitiva Restrição
1. u0 tg u − ln |cos u| + C cos u 6= 0
2. u0 cotg u ln |sin u| + C sin u 6= 0
3. u0 sec u tg u sec u + C cos u 6= 0
4. u0 cossec u cotg u −cossec u + C sin u 6= 0
u0 u
5. √ arcsin +C −a < u < a, a 6= 0
a2 − u 2 a
u0 1  u 
6. arctg +C a 6= 0
a2 + u2 a a
7. u0 sec u ln |sec u + tg u| + C cos u 6= 0, sec u + tg u 6= 0
8. u0 cossec u ln |cossec u − cotg u| + C sin u 6= 0, cossec u − cotg u 6= 0
TABELA II
1
Neste exercı́cio e nos que se seguirem, o sı́mbolo (*) indica que possui dificuldade acima da média.
1.1. PRIMITIVAS 7

Repare que manipulações algébricas como as aplicadas no exemplo 3 justificam a


regra 6. desta tabela no caso geral. Assim, a partir de agora podemos invocá-la directa-
mente, escrevendo:
 
R sin x R − sin x 1 cos x
dx = − √ 2 dx = − √ arctg √ +C
5 + cos2 x 5 + cos 2x 5 5
√  
5 cos x
=− arctg √ + C, C ∈ R.
5 5

Exercı́cio 2. Confirme as restantes regras pelo processo de derivação das funções na


coluna do meio. Procure deduzi-las mediante adequadas manipulações algébricas.

Vamos agora dedicar-nos a técnicas especiais de primitivação utilizadas para certos


tipos de funções. Começaremos pela primitivação por partes.

Primitivação por partes

Não sendo a derivada do produto igual ao produto das derivadas, o mesmo é expectável
que aconteça quanto à primitivação. Temos a seguinte regra:

Teorema 3. [regra de primitivação por partes] Sejam f e g duas funções tais que F é
uma primitiva de f . Então:
Z Z
(f × g) (x) dx = F (x) g(x) − F (x) × g 0 (x) dx

Tendo então o produto de duas funções, para que esta regra seja aplicável é forçoso
conhecer uma primitiva de uma delas. Salientamos porém que nem sempre o facto
de a função primitivanda ser produto de duas funções implica a aplicação da regra de
primitivação por partes.
Por vezes, a técnica aplica-se quando temos apenas uma função: consideramos que
esta é produto de 1 pela própria função.

Exemplo 4. Determinemos uma primitiva de f (x) = ln x. Como x é uma primitiva de 1,


temos:
Z Z Z
1
ln x dx = 1 × ln x dx = x ln x − x dx = x (ln x − 1) + C, C ∈ R,
|{z} x
primeira

finalizando o exemplo. 

Quando se pretende primitivar o produto de duas funções das quais apenas conhece-
mos a primitiva de uma delas, devemos começar por essa. Por outro lado, deve-se começar
a primitivar pelo factor que menos se simplifica por derivação.
8CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Exemplo 5. Determinemos uma primitiva de g(x) = x cos x. Note que conhecemos as


primitivas de ambas as funções (x e cos x). Contudo, é a primeira que mais se simplifica
por derivação. Assim, começaremos a primitivar pela segunda. Temos:
Z Z
| {z x} dx = sin x x − sin x × 1 dx = x sin x + cos x + C, C ∈ R,
x cos
primeira

o que termina o exemplo. 


Por vezes, a aplicação sucessiva do método de primitivação por partes leva-nos a uma
expressão em que surge a primitiva que desejamos calcular. Igualando a primitiva inicial
à expressão obtida, resultará daı́ uma equação cuja incógnita é a primitiva a calcular.
R
Exemplo 6. Calculemos e2x sin x dx. Neste caso, conhecemos primitivas para am-
bas as funções factores. Como nenhuma delas se simplifica mais do que a outra por
derivação, é indiferente a escolha da função pela qual devemos começar. Comecemos
por e2x . Vem:
e2x
Z Z
2x 1
e sin x dx = sin x − e2x cos x dx
|{z} 2 2
primeira

e2x 1 e2x
 Z 
1 2x
= sin x − cos x + e sin x dx
2 2 2 2
e2x e2x
Z
1
= sin x − cos x − e2x sin x dx.
2 4 4
R
Tomando Y = e2x sin x dx, vem:

e2x e2x 1
Y = sin x − cos x − Y.
2 4 4
Resolvendo esta equação em ordem a Y , resulta
2e2x e2x
Y = sin x − cos x.
5 5
Assim:
2e2x e2x
Z
e2x sin x dx = sin x − cos x + C, C ∈ R,
5 5
concluindo o exemplo. 
Exercı́cio 3. (*) Obtenha a seguinte fórmula de recorrência:
 
2n − 3
Z Z
1 1 1 x 1
dx = 2 + dx , n ∈ N.
(x2 + a2 )n a 2n − 2 (x2 + a2 )n−1 2n − 2 (x2 + a2 )n−1
R 1
(Sugestão: Aplique o método de primitivação por partes a dx e tente obter
(x2 + a2 )n−1
1
R
uma expressão onde surja (x2 +a 2 )n dx.)
1.1. PRIMITIVAS 9

Primitivação de funções racionais


Recorde que uma função racional é toda aquela que se exprime mediante um quociente
de funções polinomiais:
P (x) am xm + ... + a1 x + a0
= .
Q(x) bn xn + ... + b1 x + b0
Caso m < n a função racional diz-se própria.
Para primitivar uma função racional, se esta não for própria, devemos começar por
efectuar a divisão dos polinómios até que o grau do resto seja inferior ao do denominador.
Ter-se-á nesse caso:
P (x) R(x)
= D(x) + .
Q(x) Q(x)
Nesta expressão, D(x) é um polinómio dito a parte inteira (facilmente primitivável) e
R(x)
é função racional própria, dita parte própria. De seguida, devemos decompor
Q(x)
Q(x) no produto de factores após determinação dos zeros (ou raı́zes), reais e complexos
(2 ), de Q(x). Teremos:
q1  qr
Q(x) = bn (x − α1 )p1 ... (x − αk )pk (x − β1 )2 + γ12 ... (x − βr )2 + γr2 ,


onde α1 , ..., αk são zeros reais de Q(x) com multiplicidades p1 , ...pk , respectivamente, e
β1 ± γ1 i, ..., βr ± γr i (3 ) são zeros complexos de Q(x) com multiplicidades q1 , ...qr , res-
pectivamente. Deveremos certificar-nos se, eventualmente, R (x) e Q(x) possuem alguns
zeros em comum, caso em que haverá simplificação de factores.
R(x)
A fase seguinte consiste em decompor na soma dos chamados elementos sim-
Q(x)
ples, do modo que se segue.
Raı́zes reais: A cada factor do tipo (x − α)p faremos corresponder a seguinte soma de
fracções:
A1 A2 Ap
p + p−1 + ... + .
(x − α) (x − α) x−α
q
Raı́zes complexas: A cada factor do tipo (x − β)2 + γ 2 faremos corresponder a se-
guinte soma de fracções:
A1 x + B1 A2 x + B2 Aq x + Bq
q +  q−1 + ... + .
2
(x − β)2 + γ 2
 2
(x − β) + γ2 (x − β) + γ 2

Cada uma das parcelas nas somas acima referidas diz-se elemento simples. A de-
R(x)
composição de só estará concluı́da quando determinarmos o valor das constantes.
Q(x)
O processo mais geral para o fazer é o método dos coeficientes indeterminados. Os
elementos simples são facilmente primitiváveis (através das Tabelas I e II).
2
Poderá ser-lhe útil neste ponto realizar uma breve revisão do cálculo de números complexos (raı́zes de
polinómios, cálculo algébrico de números complexos, etc.)
3
Note que se a + b i é raiz de um polinómio, também o seu conjugado, a − b i, o será.
10CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

R x2 + 3x + 1
Exemplo 7. Calculemos dx. Note que a função primitivanda é uma
(x + 2)2 (x2 + 1)
função racional própria (pois temos 2 < 4). Factorizemos o denominador. Temos:
(x + 2)2 x2 + 1 = 0 ⇔ x = −2 (raiz real dupla) ∨ x2 + 1 = 0


⇔ x = −2 (r.r. dupla) ∨ x = ±i (raı́zes complexas simples).


Assim,
Raiz
Elemento simples (ou soma de el. simples)
A1 A2
−2 2 +
(x + 2) x+2
Bx + C
±i
x2 + 1
Devemos determinar os valores das constantes A1 , A2 , B e C tais que:
x2 + 3x + 1 A1 A2 Bx + C
2 = 2 + + 2 .
2
(x + 2) (x + 1) (x + 2) x+2 x +1
Reduzindo ao mesmo denominador, vem:
x2 + 3x + 1 A1 (x2 + 1) + A2 (x2 + 1) (x + 2) + (Bx + C) (x + 2)2
= ,
(x + 2)2 (x2 + 1) (x + 2)2 (x2 + 1)
ou seja:
x2 +3x+1 = A1 x2 + 1 +A2 x3 + 2x2 + x + 2 +Bx x2 + 4x + 4 +C x2 + 4x + 4
   

o que equivale a:
x2 +3x+1 = (A2 +B)x3 +(A1 + 2A2 + 4B + C) x2 +(A2 + 4B + 4C) x+(A1 + 2A2 + 4C) .
Igualando os coeficientes dos termos do mesmo grau de ambos os membros, obtemos o
seguinte sistema de equações lineares nas incógnitas A1 , A2 , B e C :


 A2 + B =0
A1 + 2A2 + 4B + C = 1


 A2 + 4B + 4C =3
A1 + 2A2 + 4C =1

Cuja solução é:


1 9 9 12
A1 = − , A2 = − , B = eC = .
5 25 25 25
Deste modo,
x2 + 3x + 1 − 15 − 259 9 12 

R R 25
x + 25
dx = + + 2 dx
(x + 2)2 (x2 + 1) (x + 2)2 x + 2 x + 1
R 1 R 3x + 4
= − 15 (x + 2)−2 dx − 25 9 3
R
dx + 25 dx
x+ 2 x2 + 1 
1 1
 9 3 3
R 2x R 1
= 5 x+2 − 25 ln |x + 2| + 25 2 dx + 4 dx
x2 + 1 x2 + 1
= 51 x+2
1 9 3 3
  
− 25 ln |x + 2| + 25 2
ln (x2 + 1) + 4arctg x + K, K ∈ R,
o que conclui o exemplo. 
1.1. PRIMITIVAS 11

O método dos coeficientes indeterminados, apesar de ser de aplicação geral, leva a


cálculos extensos (manualmente). Vamos agora apresentar alguns processos particulares
de obtenção das constantes.
Regra do ”tapa” para raı́zes reais simples: Admitamos que α é uma raiz real simples
de Q(x). Podemos escrever
Q(x) = (x − α) Q1 (x)
onde α não é raiz de Q1 (x). Então
R(x) R(x) A
= = + E(x).
Q (x) (x − α) Q1 (x) x−α
Multiplicando ambos os membros por Q (x), vem:
 
A
R(x) = + E(x) Q (x) = AQ1 (x) + E(x) (x − α) Q1 (x) .
x−α
Fazendo x = α nesta igualdade, vem:
R(α) = AQ1 (α) ,
pelo que:  
R(x)
A= .
Q1 (x) x=α
Ou seja, tendo o denominador factorizado ”tapa-se” o factor (x − α) e escreve-se a
fracção restante, calculando-se o valor desta para x = α.
Regra do ”tapa” para raı́zes complexas simples: Admitamos agora que β ± γi é um
par de raı́zes complexas conjugadas simples de Q(x). Podemos então escrever
Q(x) = (x − β)2 + γ 2 Q1 (x) ,
 

em que β ± γi não são raı́zes de Q1 (x). Procedendo como no caso anterior, temos:
R(x) R(x) Ax + B
= 2 = + E(x).
(x − β)2 + γ 2

Q (x) (x − β) + γ 2 Q1 (x)
Multiplicando ambos os membros por Q (x), obtemos:
 
Ax + B
R(x) = + E(x) Q (x)
(x − β)2 + γ 2
= (Ax + B) Q1 (x) + E(x) (x − β)2 + γ 2 Q1 (x) .
 

Substituindo x por β + γi, obtemos:


R(β + γi) = (A(β + γi) + B) Q1 ((β + γi)) ,
de onde resultarão os valores de A e B. Assim, podemos dizer que para encontrar
estas constantes devemos resolver a seguinte equação:
 
R(x)
= Ax + B .
Q1 (x) x=β+γi (ou β−γi)
12CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

R 3x + 1
Exemplo 8. Calculemos dx. Note que
x4 − 1
x4 − 1 = x2 − 1 x2 + 1 = (x − 1) (x + 1) x2 + 1 ,
  

pelo que x4 − 1 tem apenas raı́zes reais simples (−1 e 1) e raı́zes complexas simples (±i).
Temos então:
3x + 1 3x + 1 A B Cx + D
4
= 2
= + + 2 .
x −1 (x − 1) (x + 1) (x + 1) x−1 x+1 x +1
Determinemos as constantes através das regras práticas acima enunciadas.
   
3x + 1 3x + 1 1
A= 2
=1 e B= 2
= .
(x + 1) (x + 1) x=1 (x − 1) (x + 1) x=−1 2
De  
3x + 1
= Cx + D
(x − 1) (x + 1) x=i
resulta:
3i + 1
= Ci + D
−2
o que equivale a
3 1
C =− eD=− .
2 2
Assim,
3x + 1 1 1 1 1 3x + 1
4
= + − .
x −1 x − 1 2 x + 1 2 x2 + 1
Notando que
3x + 1 3x 1 3 2x 1
= + = + ,
x2 + 1 x2 + 1 x2 + 1 2 x2 + 1 x2 + 1
deixamos ao leitor a terefa de concluir o exemplo. 
Regra dos ”agás”: Para o caso das raı́zes reais múltiplas há também um método parti-
cular de cálculo das constantes, dito regra dos ”agás” ou da divisão ascendente.
Admitamos que Q(x) = (x − α)k Q1 (x), onde α não é raiz de Q1 (x). Então
R(x) R(x) A1 A2 Ak
= k
= k
+ k−1
+ ... + + E (x) .
Q (x) (x − α) Q1 (x) (x − α) (x − α) x−α
Multiplicando ambos os membros por Q (x) vem:
" #
A1 A2 Ak
R(x) = k
+ k−1
+ ... + + E (x) (x − α)k Q1 (x)
(x − α) (x − α) x − α

ou seja:
h i
R(x) = A1 + A2 (x − α) + A3 (x − α)2 + ... + Ak (x − α)k−1 Q1 (x)
+E (x) (x − α)k Q1 (x) .
1.1. PRIMITIVAS 13

Faça-se agora x = α + h nesta igualdade. Vem:

R(α+h) = A1 + A2 h + A3 h2 + ... + Ak hk−1 Q1 (α + h)+E (α + h) hk Q1 (α + h) .


 

Deste modo:
 
2 k−1 R(x)
A1 + A2 h + A3 h + ... + Ak h + ... = .
Q1 (x) x=α+h

Quer isto dizer que as constantes A1 , A2 , A3 , ..., Ak são, por esta ordem, iguais
aos coeficientes do polinómio na variável h resultante da divisão ascendente de
R(α + h) por Q1 (α + h) . Em resumo, para determinar A1 , A2 , A3 , ..., Ak efectua-
se a seguinte divisão ascendente
 
R(x)
.
Q1 (x) x=α+h

Os coeficientes dos termos de grau 0, 1, 2, ..., k − 1 do polinómio em h daqui resul-


tante dar-nos-ão os valores de A1 , A2 , A3 , ..., Ak , respectivamente.
R 3x + 1
Exemplo 9. Calculemos dx. Como −1 é raiz real tripla do denomi-
(x + 2) (x + 1)3
nador e −2 é raiz real simples, temos de efectuar a seguinte decomposição em elementos
simples:
3x + 1 A1 A2 A3 B
3 = 3 + 2 + + .
(x + 2) (x + 1) (x + 1) (x + 1) x+1 x+2
Pela regra do ”tapa”, vem:
 
3x + 1
B= = 5.
(x + 1)3 x=−2

Procedendo como indicado na regra dos ”agás”, vem:


 
3x + 1 −2 + 3h
=
x + 2 x=−1+h 1+h

Devemos efectuar esta divisão de maneira ascendente (i.e., dispondo os polinómios por
ordem crescente do grau dos termos que os compõem) até obtermos no quociente um
polinómio do segundo grau (uma vez que necessitamos de três coeficientes para as três
constantes). Vem:
−2 + 3h
5 h + (−5)h2 + ...
= (−2) + |{z}
1+h | {z } | {z }
A1 A2 A3

Assim,
3x + 1 −2 5 5 5
3 = 3 + 2 − + .
(x + 2) (x + 1) (x + 1) (x + 1) x+1 x+2
A conclusão do exemplo ficará a cargo do leitor. 
14CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Um último exemplo serve para ilustrar que a aplicação deste procedimentos deve ser
precedida de alguma análise da função racional em causa.
R 1
Exemplo 10. Calculemos 2
dx. Note que a função primitivanda já é função
x +x+1
racional própria. Além disso, as raı́zes do polinómio em denominador são

1 3
− ± i (raı́zes complexas simples).
2 2
Assim,
 2 √ !2
1 3
x2 + x + 1 = x + + .
2 2
(facto que também seria confirmável pelo método de completamento do quadrado (4 )).
Ax + B
Note que a fracção dada já é da forma , com A = 0 e B = 1. Logo, não
(x − β)2 + γ 2
adianta aplicar a regra do ”tapa” para raı́zes complexas simples. Finalmente, temos:
!
x + 12
Z Z
1 1 1
dx =  √ 2  dx = √3 arctg √ +C
x2 + x + 1 3 1 2 3
2
+ x + 2 2 2
√ " √  #
2 3 2 3 1
= arctg x+ + C, C ∈ R,
3 3 2
onde aplicámos a sexta regra da Tabela II. 

Primitivação de potências de funções trigonométricas


Quando a função primitivanda é um produto de senos ou de cossenos, devemos utilizar
uma das seguintes fórmulas:
1
sin p cos q = 2
[sin (p + q) + sin (p − q)]
1
sin p sin q = 2
[cos (p − q) − cos (p + q)]
1
cos p cos q = 2
[cos (p + q) + cos (p − q)]
As primitivas das funções que resultam são imediatas.
R
Exemplo 11. Para calcular sin (2x) cos (5x) dx, temos
Z Z
1
sin (2x) cos (5x) dx = [sin (7x) + sin (−3x)] dx
2
Z Z 
1
= sin (7x) dx − sin (3x) dx
2
 
1 1 1
= − cos (7x) + cos (3x) + C, C ∈ R,
2 7 3
o que conclui o exemplo. 
4
Ver [9].
1.1. PRIMITIVAS 15

Se a função primitivanda for uma potência de uma função trigonométrica ou o produto


de funções deste tipo, podem surgir cinco casos que passaremos a analisar.

1. Funções da forma sinm f (x) ou cosp f (x), m, p ∈ N,

(a) pelo menos um dos expoentes, m ou p, é inteiro positivo ı́mpar


Neste caso, deve-se transformar a potência de expoente ı́mpar num produto de
potências com a mesma base tendo um dos factores expoente 1. De seguida,
passa-se o outro factor para a co-função, através de sin2 f (x) + cos2 f (x) = 1.
(b) ambos os expoentes, m e p, são inteiros positivo pares
Passa-se ao arco duplo, por intermédio das seguintes fórmulas:

sin2 [f (x)] = 21 [1 − cos (2f (x))] ,


cos2 [f (x)] = 21 [1 + cos (2f (x))] ,
sin f (x) cos f (x) = 12 sin (2f (x)) .

2. Funções da forma tg m f (x) ou cotg p f (x), m, p ∈ N


Neste caso, deve-se transformar a potência num produto em que um dos factores é
1
tg 2 f (x) (resp., cotg 2 f (x)), factor que se substitui por − 1 (resp.,
cos2 f (x)
1
2 −1). Efectuando as operações, obtemos uma primitiva imediata resolúvel
sin f (x)
pela regra da primitiva da potência e outra do mesmo tipo da primitiva inicial.

3. Funções da forma sinm f (x) cosp f (x)

(a) m ou p inteiros positivos ı́mpares: procede-se como em 1. (a)


(b) m e p inteiros positivos pares: procede-se como em 1. (b)
(c) m inteiro positivo par e p inteiro negativo (ou vice-versa): faz-se
sin2 f (x) = 1 − cos2 f (x) ou cos2 f (x) = 1 − sin2 f (x).

4. Potências pares de sec x ou cossec x


Nestes casos, destaca-se sec2 x ou cossec2 x e ao factor resultante aplica-se uma
das fórmulas

sec2 x = 1 + tg 2 x ou cossec2 x = 1 + cotg 2 x.

5. Potências ı́mpares de sec x ou cossec x


Também nestes casos se destaca sec2 x ou cossec2 x. Depois, primitiva-se por partes
começando por este factor.

Daremos apenas um exemplo destes casos. Procure outros na Folha N.º 1.


16CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL
R
Exemplo 12. Calculemos tg 3 x dx. Temos:
Z Z Z  
3 2 1
tg x dx = tg x tg x dx = tg x − 1 dx
cos2 x
tg 2 x
Z Z
1
= tg x dx − tg x dx = + ln |cos x| + C, C ∈ R,
cos2 x 2

finalizando o exemplo. 

Primitivação por substituição


A regra de que nos iremos ocupar de seguida, dita de substituição, resulta da inversão da
regra de derivação da composta (para mais detalhes, consulte [12]). Seja f : I ⊂ R −→ R
uma função primitivável num intervalo aberto I e consideremos uma função φ : J −→ I
injectiva e continuamente derivável tal que x = φ (t). Então:
Z Z
f (x) dx = f [φ (t)] φ0 (t) dt. (1.3)

O objectivo desta substituição - também dita mudança de variável - é converter a função


primitivanda numa que seja primitivável por algum dos processos conhecidos (imediata,
por partes, função racional ou potência de funções trigonométricas). Por outro lado, a
substituição pode ser dada através da função inversa de φ (i.e., t = φ−1 (x)) ou qualquer
outra relação entre x e a nova variável de primitivação.
R ex
Exemplo 13. Calculemos dx. Uma observação atenta da função primi-
e2x − 2ex + 1
tivanda permite-nos concluir que, fazendo

ex = t, (1.4)

é possı́vel convertê-la numa função racional na variável t. De facto,

ex
 
t
2x x
= 2
e − 2e + 1 ex =t t − 2t + 1

Diferenciando ambos os membros de (1.4), vem:

ex dx = dt.

Então, efectuando a substituição indicada, de acordo com a regra (1.3) vem:

ex
Z Z
1 1 1
2x x
dx = 2
dt = − +C =− x + C, C ∈ R.
e − 2e + 1 (t − 1) t−1 e −1

Note que de (1.4) resulta x = ln t, função injectiva no seu domı́nio. 


1.1. PRIMITIVAS 17

As mudanças de variável mais usuais estão listadas na tabela seguinte (extraı́da de


[12]). Utilizaremos a notação R (...) que indica que se trata de uma função racional
(i.e., envolvendo apenas somas, diferenças, produtos e quocientes) do que surgir entre
parênteses (e.g., as funções
erx − 2esx erx
e
(3erx + 2) esx 1 − 2esx epx

são exemplos de R (erx , esx , epx , ...)).

Nota
p 3. Quando se efectua uma substituição, é frequente surgir uma expressão do tipo
f 2 (t), cuja simplificação é, como sabemos:
p
f 2 (t) = |f (t)| .

Para aliviarmos os cálculos, convenciona-se que, caso Df não seja indicado, f é sempre
positiva (a única alteração que se poderia produzir ocorreria no sinal).
18CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Tipo de função Substituição Restrições e simplificações


rx sx mx
1. R (a , a , . . .) a =t m = m.d.c. (r, s, . . .)
2. R (loga x) t = loga x
 p  r !
ax + b q ax + b s ax + b
3. R x, , ,... = tm m = m.m.c. (q, s, . . .)
cx + d cx + d cx + d
 p r

4. R x, (ax + b) q , (ax + b) s , . . . ax + b = tm m = m.m.c. (q, s, . . .)
 p r

5. R x, x , x , . . .
q s x = tm m = m.m.c. (q, s, . . .)
a
√ x = sin t
b a

6. R x, a2 − b 2 x 2
(ou x = cos t)
√  a b
7. R x, a2 + b 2 x 2 x = tg t
√  ab
8. R x, b 2 x 2 − a2 x = sec t
ba
√ √ x = sin2 t
b a

9. R x, x, a − bx
(ou x = cos2 t)
√ √  a 2b
10. R x, x, a + bx x = tg t
√ √  ab
11. R x, x, bx − a x = sec2 t
b
p m+1
12. xm (a + bxn ) q a + bxn = tq ∈Z
n
p m+1 p
13. xm (a + bxn ) q a + bxn = xn t + ∈Z
n q
1
14. x = a tg t k = 2, 3, ...
(x2 + a2 )k
P (x) b
15. ax + =t k = 2, 3, ... e gr (P ) ≤ 2k
(ax2 + bx + c)k 2
P (x)
16. k x = p + qt k = 2, 3, ... e gr (P ) ≤ 2k
(x − p)2 + t2
xk−1
17. xk = at k ∈ Q, ... e k > 1
x2k ± a2
1−t2
tg x2 = t 2t

18. R (sin x, cos x) sin x = 1+t2
e cos x = 1+t2
R (sin x, cos x)
19. cos x = t
e R (−u, v) = −R (u, v)
R (sin x, cos x)
20. sin x = t
e R (u, −v) = −R (u, v)
t √ 1 ,
R (sin x, cos x) sin x = √1+t e cos x =
21. tg x = t  π 2 1+t2
e R (−u, −v) = R (u, v) se t ∈ 0, 2
TABELA III
1.1. PRIMITIVAS 19
R√
Exemplo 14. Calculemos 1 − x2 dx. A substituição a fazer é a indicada na regra 6.
da Tabela III, com a = b = 1. Faça-se

x = sin t,
h π πi
com t ∈ − , (5 ). Então
2 2
dx = (sin t)0 dt = cos t dt

e √ p √ h π πi
1 − x2 = 1 − sin2 t = cos2 t = cos t (pois t ∈ − , )
2 2
Logo,
Z √ Z Z Z
2 1
1− x2 dx = cos t cos t dt = cos t dt = (1 + cos (2t)) dt
2
 
1 1
= t + sin (2t) + C, C ∈ R.
2 2
Devemos agora regressar à variável inicial. Temos:

x = sin t ⇐⇒ t = arcsin x

e √
sin (2t) = 2 sin t cos t = 2x 1 − x2 .
Logo,
Z √ 



2
1 1 2
1 2

1 − x dx = arcsin x + × 2x 1 − x +C = arcsin x + x 1 − x +C,
2 2 2
com C ∈ R, o que conclui o exemplo. 

Notas Finais
Até agora, não nos referimos ainda às circunstâncias em que existe uma primitiva de uma
função num dado intervalo. O resultado seguinte diz-nos um dos casos em que tal se pode
garantir.
Teorema 4. Se f é contı́nua em [a, b], então f tem primitiva nesse intervalo.
Apesar da sua importância, o problema deste teorema é que ele não afirma de que
maneira chegar a tal primitiva. De facto, sabe-se que funções como
±x
2 e sin x cos x 1
e−x , n (n ∈ N), sin (x2 ) , , , ,
x px x ln x
p 1 1
(1 − x2 ) (1 − k 2 x2 ), p , 1 − k 2 sin2 x, p ,
(1 + x ) (1 + k 2 x2 )
2
1 − k 2 sin2 x
5
Serviria qualquer outro intervalo onde a função sin fosse invertı́vel.
20CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

(k 6= 1 e k 6= −1 nos 4 últimos casos) têm primitiva pois são contı́nuas em subintervalos


fechados de R, mas tal primitiva não pode obter-se como soma finita de funções elemen-
tares (as que lhe foram apresentadas no inı́cio de Cálculo I)! Contudo, existem outros
métodos (numéricos, por exemplo) que permitem obter aproximações para as primitivas
das funções mencionadas.
O cálculo manual de primitivas baseia-se num conjunto de regras algébricas que,
quando executadas numa determinada sequência, permitem obter o resultado descrito
como soma de um número finito de funções elementares. Por conseguinte, deverá exis-
tir um algoritmo para a primitivação de f.r.v.r. Em 1968, o matemático Risch provou
que é possı́vel decidir, mediante um algoritmo, em que circunstâncias uma primitiva é
exprimı́vel como soma finita de funções elementares. Como é compreensı́vel, a execu-
ção deste tipo de algoritmos envolve programas computacionais. A complexidade do
algoritmo de Risch e o facto de não funcionar em todos os casos fizeram com que tal
implementação não pudesse ser utilizada com sucesso. Os programas com capacidade
de cálculo de primitivas mais conhecidos e utilizados hoje em dia (Derive, Mathematica,
Maple, Scratchpad) baseiam-se em versões parcelares do algoritmo que Bronstein viria
a desenvolver em 1987. Tal algoritmo é o mais eficaz até agora conhecido para o efeito,
mas é muito exigente em termos de memória e de capacidade de cálculo. Em todo o caso,
as sucessivas versões dos programas referidos vêm incluindo cada vez mais casos, o que
origina uma gradual perda de importância do cálculo manual de primitivas. Para mais
detalhes, consulte [12].
1.1. PRIMITIVAS 21

C ÁLCULO II
A NO LECTIVO DE 2014/15 FOLHA N.º 1

PRIMITIVAÇÃO

1. Verifique as seguintes fórmulas de primitivação:


R 1 −x
R 1 √
(a) dx = − ln (e + 1) + C (b) √ dx = ln (x + 1 + x2 ) + C
1 + ex 1 + x2
R R 1 √
(c) sec x dx = ln | sec x + tg x | + C (d) √ dx = arcsin (x/ 5) + C
5 − x2

R 1 x2 − 1 R 1 √
(e) √ dx = +C (f ) √ dx = 2arctg ( x) + C
x2 x2 − 1 x (1 + x) x

2. Determine a primitiva F da função f cujo gráfico contém o ponto P :


1
(a) f (x) = 2x − 2 , P = (2, 1) (b) f (x) = , P = (−e, 1)
x
(c) f (x) = −x−2 , P = (1/3, 2) (d) f (x) = sin x , P = (0, −1)

3. Recorrendo às Tabelas I e II, calcule as seguintes primitivas:


R  √ 3
 R √ 3 R √
(a) 2−x+ x+ √ 3 2
x
dx (b) (x − x) dx (c) x 1 − x2 dx

R 3x 2
√  R 2 x R ex
(d) e + ex
− ex dx (e) √ dx (f ) dx
x e2x − 2ex + 1
R ln | x | R R sin x
(g) dx (h) sin x cos x dx (i) dx
x 1 − sin2 x
R e2x R sin (2x) R 1
(j) dx (k) dx (l) dx
1 + e2x 1 + sin2 x x ln | x |
R 3ex R sin (x − π/2) R 2
(m) dx (n) dx (o) dx
1 + e2x 1 + sin2 x 3x2 + 4
R 1 R x R x
(p) √ dx (q) √ dx (r) √ dx
1 − 2x2 1 − x4 1 − x2
R arcsin (2x) R 1 R tg x 2
(s) √ dx (t) dx (u) (e tg x + etg x ) dx
1 − 4x2 tg x
R 1 R x R 1
(v) dx (w) dx (x) dx
(x − 2)2 (x + 2)2
2 x2 + 2x + 10
22CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

4. Calcule, usando a fórmula de primitivação por partes, as seguintes primitivas:


R 3 x2
xe−x dx
R R
(a) x ln | x | dx (b) (c) x e dx
R ln | x |
sin x e−x dx
R R
(d) x2 sin x dx (e) dx (f )
x2
R R 2 R
(g) sin x cos (2x) dx (h) x ln x dx (i) arctg (1/x) dx
R R R
(j) sin (ln x) dx (k) arcsin x dx (l) sin(6x) cos (4x) dx

5. Calcule as seguintes primitivas de funções racionais:


R 2x + 3 R 3x − 4 R (x − 1)3
(a) dx (b) dx (c) dx
3x + 2 x2 + 1 x2 + 4
R 1 R 1 R 1
(d) 2
dx (e) 2
dx (f ) 3
dx
x −4 x +x x −1
R x R 2x + 1 R 2x + 1
(g) 4
dx (h) dx (i) dx
x −1 x2 (x + 1) x(x + 1)2

6. Utilizando as fórmulas

1 1
sin2 [f (x)] = [1 − cos (2f (x))] e cos2 [f (x)] = [1 + cos (2f (x))] ,
2 2

calcule:
sin2 (2x) dx
R R
(a) (b) cos2 (5x) dx
R R
(c) (sin x + cos x)2 dx (d) (sin x cos x)2 dx

7. Calcule:
R 2 R R R
(a) tg x dx (b) cotg3 x dx (c) tg4 x dx (d) sin 3
(2x) dx

8. Utilizando a fórmula de primitivação por substituição e a Tabela III, calcule:



R √ R x2 + 1 R 2
(a) 4 − x2 dx (b) dx (c) dx
x ex − e−x

R 2 ln x R 1 R x
(d) 2 dx (e) √ dx (f ) √ dx
x(1 − ln x) 1+ x 1− 3x
R ex − 1 R ln2 x R √
(g) dx (h)  dx (i) x x + 1 dx
e2x + ex x 4 − ln2 x
1.1. PRIMITIVAS 23

9. Calcule as primitivas seguintes, sabendo que s, m, n, a e b são parâmetros definidos


em cada um dos consuntos indicados.
R sx R 2 sy
(a) e dx, s ∈ R (b) e dy, s ∈ R\ {0}
s
R 1−n R (xm − xn )2
(c) (nx) n dx, n ∈ N (d) √ dx, m, n ∈ N
x
R x√ R ax
(e) e a − bex dx, a, b ∈ R (f ) e cos (bx) dx, a, b ∈ R\ {0}
R at + b R a2x − 1
(g) dt, a, b ∈ R\ {0} (h) √ dx, a ∈ R+ \ {1}
a2 t2 + b2 a x

10. Calcule:
R √x R √ R 1 + x3
(a) e dx (b) x x − 1 dx (c) √ dx
4 − x2
R x − arcsin (2x)
sec3 x dx ln2 x dx
R R
(d) (e) (f ) √ dx
1 − 4x2
R ln (x2 − 1) R arctg x R √
(g) dx (h) dx (i) x2 − 1 dx
x3 x2

11. A função custo marginal de uma empresa, Cmg , é conhecida em cada uma das
alı́neas seguintes. São também conhecidos os custos fixos diários de produção da
referida empresa. Determine a função custo total de produção de x unidades diárias.
(a) Cmg (x) = x2 − 4x + 110, custos fixos: 340 (u.m./dia)
x
(b) Cmg (x) = 1 + 2e 3 , custos fixos: 12 (u.m./dia)
24CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

1.2 Integrais
Vamos nesta secção introduzir o conceito de integral enquanto soma generalizada, fa-
zendo apelo à sua conexão com o problema do cálculo de áreas. De seguida, enuncia-
remos algumas propriedades dos integrais definidos. O principal teorema desta secção
será objecto de análise na subsecção seguinte, e fará a ligação entre o conceito de inte-
gral e o de primitiva. De seguida, daremos alguns exemplos de cálculo e de aplicações
dos integrais. Por último, abordaremos os chamados integrais impróprios, i.e., integrais
que surgem quando a função integranda é contı́nua num intervalo aberto (com extremos
finitos ou infinitos).

1.2.1 Somatórios
Como sabe, dada uma sucessão (uk )k∈N , a notação de somatório
n
X
uk
k=1

abrevia a seguinte soma:


u1 + u2 + ... + un .
Assim,
7
X
k 3 = 13 + 23 + ... + 73 = 784.
k=1
Apresentemos agora algumas fórmulas de somas bastante úteis em certos contextos.
Recorde que se diz que os termos de uma sucessão (uk )k∈N estão em progressão
aritmética de razão r ∈ R se
uk+1 − uk = r, k = 1, 2, 3, ...
Não é tarefa difı́cil provar (pelo método de indução matemática) que uma progressão
aritmética de razão r e cujo primeiro termo é u1 = a tem o seguinte termo geral
uk = a + (k − 1) r, k = 1, 2, 3, ...
Por outro lado, também se demonstra que a soma dos n primeiros termos de uma pro-
gressão aritmética de razão r e primeiro termo u1 = a é
n
X u1 + un
u1 + u2 + ... + un = uk = ×n
k=1
2

(deve ler-se ”metade da soma do 1º com o último termo, multiplicada pelo número de
parcelas”). Em particular, se uk = k, k = 1, 2, 3, ... vem:
n
X 1+n
1 + 2 + ... + n = k= × n.
k=1
2

O seguinte diagrama é uma maneira de ilustrar (e demonstrar) a fórmula.


1.2. INTEGRAIS 25

Figura 1.2: Demontração ilustrativa de fórmula da soma 1 + 2 + 3 + · · · + n.

Diz-se que os termos de uma sucessão (uk )k∈N0 (6 ) estão em progressão geométrica
de razão r ∈ R se se verificar:
uk+1
= r, k = 0, 1, 2, 3, ...
uk
Mostra-se facilmente que o termo geral de uma progressão geométrica de razão r ∈ R e
primeiro termo u0 = a é:
uk = a rk , k = 0, 1, 2, 3, ...
Existe também um fórmula que nos dá a soma dos n primeiros termos de uma progressão
geométrica de razão r ∈ R e primeiro termo u0 = a que passaremos a deduzir. Pretende-
se então obter uma fórmula para:
a + a r + a r2 + ... + a rn−1 .
Note que
(1 − r) (a + a r + a r2 + ... + a rn−1 ) =
= a + a r + a r2 + ... + a rn−1 − r (a + a r + a r2 + ... + a rn−1 )
= a + a r + a r2 + ... + a rn−1 − a r − a r2 − ... − a rn−1 − a rn
= a − a rn = a (1 − rn ) .
Deste modo, desde que r 6= 1, temos:
n−1
X 1 − rn
a + a r + a r2 + ... + a rn−1 = a rk = a ×
k=0
1−r

1 − rn
(deve ler-se ”produto do 1.º termo pelo quociente , onde n é o número parcelas”).
1−r
Em particular, se u0 = 1, temos:
n−1
X 1 − rn
1 + r + r2 + ... + rn−1 = rk = .
k=0
1−r
6
Em muitos contextos onde surgem as progressões geométricas, é usual o primeiro termo ser u0 (e não
u1 ), motivo pelo qual optámos por tomar k ∈ N0 .
26CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

A última soma que queremos referir é o chamado desenvolvimento binomial de


Newton: n  
n
X n k n(n − 1) 2
(1 + x) = x = 1 + nx + x + ... + xn ,
k=0
k 2
onde os números  
n n!
=
k k! (n − k)!
são ditos coeficientes binomiais (7 ). Como recordará, os coeficientes binomiais são fa-
cilmente calculados utilizando o chamado triângulo de Pascal:

Figura 1.3: Triângulo de Pascal.

A propriedade básica deste triângulo é que, com excepção dos 1’s no princı́pio e fim de
cada linha, cada elemento é a soma dos dois elementos que estão na linha anterior nas
posições k − 1 e k, i.e.,      
n n−1 n−1
= + .
k k−1 k
Exercı́cio 4. Recorra ao método de indução matemática para demonstrar as seguintes
propriedades:
n n (n + 1) (2n + 1) n n2 (n + 1)2
k2 = k3 =
P P
(a) (b) .
k=1 6 k=1 4

1.2.2 Definição e propriedades do integral definido


Ao abordarmos o cálculo de áreas de polı́gonos, são conhecidas diversas fórmulas para
certos casos. Para polı́gonos irregulares ou com um elevado número de lados, uma es-
tratégia para o cálculo da área consiste em dividi-los em pedaços (por exemplo, triângulos
7
A forma mais geral do binómio de Newton é a que se segue:
n  
n
X n
(x + y) = xk y n−k .
k
k=0
1.2. INTEGRAIS 27

ou polı́gonos regulares) que correspondam a figuras cuja área seja conhecida. Quando
passamos ao cálculo de áreas de regiões não poligonais (por exemplo, delimitadas por
secções cónicas) os processos tornam-se mais complexos. Os gregos legaram-nos um
método, dito de exaustão, o qual corresponde ao cálculo do limite da soma das áreas
de duas sequências de polı́gonos - uma de polı́gonos inscritos e outra de polı́gonos cir-
cunscritos à região cuja área se pretende determinar - com um número cada vez maior
de lados. Tal método foi utilizado nomeadamente no cálculo de um valor aproximado da
área da região circular, inscrevendo-a e circunscrevendo-a através de polı́gonos regulares
com n lados. À medida que n cresce, é intuitivo que as áreas dos polı́gonos das duas
sequências se tornam cada vez melhores aproximações da área do cı́rculo, como se pode
observar na figura seguinte.

Figura 1.4: Método de exaustão.

Séculos mais tarde, uma versão deste método viria a estar na origem do Cálculo Integral
aplicado ao cálculo de áreas de regiões quaisquer (delimitadas por gráficos de funções).
Seja f uma f.r.v.r. contı́nua e não negativa definida num intervalo [a, b]. Pretende-se
determinar a (medida da) área da seguinte região plana:

R = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ 0 ≤ y ≤ f (x) ,



(1.5)

que denotaremos por A (R).

Figura 1.5: Região R. Como calcular A (R)?


28CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Para tal, vamos considerar uma partição de [a, b] em n subintervalos de pontos igual-
b−a
mente espaçados, sendo ∆x = a largura de cada subintervalo. Quer isto dizer que
n
vamos considerar os pontos:

a = x0 < x1 < x2 < ... < xn = b,

tais que
xi − xi−1 = ∆x, i = 1, 2, ..., n

ou seja,
xi = a + i∆x, i = 0, 1, 2, ..., n.

Uma vez que f é contı́nua num intervalo fechado, podemos garantir que em cada subin-
tervalo [xi−1 , xi ] , i = 1, 2, ..., n existem mi e Mi tais que

f (mi ) = mı́nx∈[xi−1 ,xi ] f (x) e f (Mi ) = máxx∈[xi−1 ,xi ] f (x).

Ora, considerando definidos para cada subintervalo dois rectângulos de largura ∆x e de


alturas, respectivamente, f (mi ) e f (Mi ), temos:

Arect. insc = f (mi ) ∆x ≤ f (Mi ) ∆x = Arect. circ.

Considerando a soma s(n) das áreas dos rectângulos inscritos e a soma S(n) correspon-
dente aos rectângulos circunscritos, temos:

n
X n
X
s(n) = f (mi ) ∆x ≤ A (R) ≤ f (Mi ) ∆x = S(n).
i=1 i=1

As somas s(n) e S(n) dizem-se soma inferior e superior, respectivamente, e são apro-
1.2. INTEGRAIS 29

ximações da área A (R) que pretendemos determinar. Mais, parece intuitivo que quantos
mais forem os subintervalos considerados na partição, mais próximos de A (R) estarão
s(n) e S(n). Dito de outro modo, parece que

lim s(n) = A (R) = lim S(n).


n→+∞ n→+∞

É o que se afirma no seguinte resultado.


Teorema 5. Seja f uma f.r.v.r. contı́nua e não negativa num intervalo [a, b]. Então

lim s(n) = lim S(n).


n→+∞ n→+∞

Repare que, dada a igualdade entre os limites, o teorema das sucessões enquadradas
permite-nos escolher qualquer elemento ci ∈ [xi−1 , xi ] , i = 1, 2, ..., n (e não forçosamente
mi e Mi ). Tendo isto em conta, vamos definir A (R).

Definição 2 (Área de uma região plana). Seja R a região plana descrita por (1.5).
Então n
X
A (R) = lim f (ci ) ∆x, ci ∈ [xi−1 , xi ] ,
n→+∞
i=1

b−a
onde ∆x = .
n
30CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Como lim ∆x = 0, também se pode fazer depender A (R) do lim na definição de


n→+∞ ∆x→0
área.
Exemplo 15. Considere a função f tal que f (x) = x3 e a seguinte região plana:
R = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [0, 1] ∧ 0 ≤ y ≤ f (x) .


1
Prove que A (R) = .
4
Resolução: Note que a função dada é contı́nua e não negativa em [0, 1]. Façamos a
1−0 1
partição deste intervalo em n subintervalos de largura ∆x = = . Pela definição
n n

de área, é arbitrário o ponto ci escolhido em cada subintervalo [xi−1 , xi ] da partição.


i
Escolhendo o extremo direito de cada [xi−1 , xi ] , i.e., tomando ci = , vem:
n
n n   3 n
X X i 1 1 X 3
A (R) = lim f (ci ) ∆x = lim = lim 4 i
n→+∞
i=1
n→+∞
i=1
n n n→+∞ n
i=1
" #
1 n2 (n + 1)2
= lim 4
(ver exerc. 4) n→+∞ n 4
n4 + 2n3 + n2 1
= lim = .
n→+∞ 4n4 4
o que conclui o exemplo. 
Observe que se a região for do seguinte tipo:
R = (x, y) ∈ R2 : y ∈ [c, d] ∧ 0 ≤ x ≤ f (y) ,


teremos então n
X
A (R) = lim f (ci ) ∆y, ci ∈ [yi−1 , yi ] ,
n→+∞
i=1
d−c
onde ∆y = (quer isto dizer que devemos considerar uma partição do intervalo
n
[c, d], no eixo dos yy).
1.2. INTEGRAIS 31

Exemplo 16. Considere a seguinte região plana:

R = (x, y) ∈ R2 : y ∈ [0, 1] ∧ 0 ≤ x ≤ y 2 .


1
Prove que A (R) = .
3
Resolução: Trata-se de considerar a função f tal que f (y) = y 2 , contı́nua e não negativa
em [0, 1]. O procedimento de partição do intervalo [0, 1] em n subintervalos de largura

1 i
∆y = e a consideração dos pontos ci = facilmente levam a
n n
n n  2 n
X X i 1 1 X 2
A (R) = lim f (ci ) ∆y = lim = lim i
n→+∞
i=1
n→+∞
i=1
n n n→+∞ n3 i=1
n  
1 X 2 1 n (n + 1) (2n + 1)
= lim 3 i = lim
n→+∞ n (exerc. 4) n→+∞ n3 6
i=1
1
= (...) = ,
3
o que finaliza a resolução. 
O matemático alemão Riemann viria a generalizar as somas acima consideradas para
partições em subintervalos de qualquer largura e para funções não necessariamente contı́nuas.
Definição 3 (Soma de Riemann). Seja f uma f.r.v.r. definida em [a, b] e seja ∆ uma
partição de [a, b] tal que

a = x0 < x1 < x2 < ... < xn = b.

Designemos por ∆xi = xi − xi−1 a largura do subintervalo [xi−1 , xi ]. Se ci é qualquer


em [xi−1 , xi ] , então
X n
f (ci ) ∆xi
i=1

é dita soma de Riemann de f para a partição ∆.


32CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

A norma de uma partição ∆ denota-se por k∆k e define-se como a largura do maior
subintervalo da partição. A noção de integral definido de uma função num intervalo [a, b]
está ligada à existência do limite das somas de Riemann quando a norma da partição tende
para zero.

Definição 4 (Integral Definido). Seja f uma f.r.v.r. definida em [a, b]. Diremos que f é
integrável em [a, b] se existir
Xn
lim f (ci ) ∆xi .
k∆k→0
i=1
Rb
Nesse caso, denotaremos por a
f (x)dx tal limite, i.e.,
n
X Z b
lim f (ci ) ∆xi = f (x)dx.
k∆k→0 a
i=1

Os valores a e b dizem-se, respectivamente, limites inferior e superior de integração e


Rb
a
f (x)dx diz-se integral definido de f entre a e b.
R
Nota 4. Não é casual a escolha de para sı́mbolo de integral definido, semelhante ao
que utilizámos para as primitivas - também ditas integrais indefinidos. Veremos qual a
relação entre os integrais e as primitivas quando enunciarmos o Teorema Fundamental
do Cálculo Integral. Entretanto, note que o resultado de um integral é um número real,
enquanto que o de uma primitiva é uma famı́lia de funções.

À semelhança do que acontecia com as primitivas, é possı́vel enunciar o seguinte


resultado:

Teorema 6. Se f é contı́nua em [a, b], então f é integrável em [a, b].

Nota 5. Integrabilidade não implica continuidade. Com efeito, há funções descontı́nuas
em [a, b] (com um número finito ou infinito numerável de descontinuidades) que também
são integráveis.

Teorema 7 (integrais definidos e áreas). Seja f uma f.r.v.r. contı́nua e não negativa num
intervalo [a, b] e R a região definida por (1.5). Então
Z b
A (R) = f (x)dx.
a

Nota 6. No que se segue, sempre que falarmos de áreas de regiões planas, admitir-se-
á que f não é identicamente nula no intevalo de integração (pois não se definem áreas
nulas).

Voltaremos a esta questão mais adiante para abordarmos o caso em que as funções são
não positivas. Para já, enunciaremos sem demonstrar algumas propriedades dos integrais
definidos.
1.2. INTEGRAIS 33

Teorema 8 (propriedades dos integrais definidos). Sejam f e g duas f.r.v.r.


Ra
1. Se f está definida em x = a, então a f (x)dx = 0.
Ra Rb
2. Se f é integrável em [a, b], então b f (x)dx = − a f (x)dx.
3. Se f é integrável nos três intervalos determinados pelos valores reais a, b e c, então
Z b Z c Z b
f (x)dx = f (x)dx + f (x)dx.
a a c

4. Se f é integrável em [a, b] e k é uma constante arbitrária real, então k f é uma


função integrável em [a, b] e tem-se:
Z b Z b
k f (x)dx = k f (x)dx.
a a

5. Se f e g são integráveis em [a, b] , então o mesmo acontece com as funções f ± g,


e tem-se: Z b Z Z b b
(f ± g) (x)dx = f (x)dx ± g(x)dx.
a a a
Rb
6. Se f é integrável e não negativa em [a, b] , então a
f (x)dx ≥ 0.
Rb
7. Se f e g são integráveis em [a, b] e f (x) ≤ g (x) , ∀x∈[a,b] , então: a
f (x)dx ≤
Rb
a
g(x)dx.
Rb Rb
8. Se f é integrável em [a, b] , então a
f (x)dx ≤ a
|f (x)| dx.

Admitamos agora que f (x) ≤ 0, ∀x∈[a,b] . Note que uma consequência da propriedade
Rb
6. é que a f (x)dx ≤ 0, pelo que o valor deste integral não é a medida de uma área.
Assim, suponha que pretendemos determinar a área, A (R), para

R = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ f (x) ≤ y ≤ 0 .




Então Z b Z b
A (R) = −f (x)dx = − f (x)dx.
a a
34CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Exemplo 17. Considere a função f tal que f (x) = −x3 e a seguinte região plana:
R = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [0, 1] ∧ f (x) ≤ y ≤ 0 .


De acordo com o que acima se disse, temos:


Z 1 Z 1
3 1
x3 dx = ,

A (R) = − −x dx =
0 0 4
utilizando o exemplo 15. 
A região cuja área se pretende calcular pode ser de um dos seguintes dois tipos:
[Região do tipo I, verticalmente simples]
R1 = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ f (x) ≤ y ≤ g (x)}
ou
[Região do tipo II, horizontalmente simples]
R2 = {(x, y) ∈ R2 : y ∈ [c, d] ∧ f (y) ≤ x ≤ g (y)}
representadas na figura que se segue:

Figura 1.6: R1 : região do tipo I; R2 : região do tipo II

Teremos então:
Z b
[Região do tipo I] A (R1 ) = [g (x) − f (x)] dx
a
e Z d
[Região do tipo II] A (R2 ) = [g (y) − f (y)] dy,
c
Mais geralmente, as regiões podem decompor-se numa reunião finita de regiões dis-
juntas ou que partilham apenas a sua fronteira, do tipo I ou do tipo II (ou de ambos os
tipos), bastando utilizar estas fórmulas e as propriedades acima enunciadas para o cálculo
das áreas.
Por último, sublinhe-se que o cálculo de integrais é possı́vel para funções integrandas
negativas. No entanto, para que um dado integral definido num intervalo [a, b] represente
uma área é necessário que a função integranda seja não negativa nesse intervalo.
Vamos de seguida enunciar um importantı́ssimo resultado que nos fornece um método
de cálculo de integrais sem recurso aos limites de somatórios.
1.2. INTEGRAIS 35

1.2.3 Teorema Fundamental do Cálculo Integral e cálculo de inte-


grais
Vimos já que um integral não é mais do que um somatório generalizado. De um modo
semelhante, uma derivada é uma generalização de uma diferença. Não deve pois ser
muito surpreendente verificar que os integrais e as derivadas estão intimamente relacio-
nados. Nesta sub-secção tratamos do resultado que, por um lado, relaciona estas duas
noções, e que, por outro, nos fornece um modo de cálculo de integrais à custa de primi-
tivas. Referimo-nos ao chamado Teorema Fundamental do Cálculo Integral (doravante
designado por TFCI).
Seja f uma f.r.v.r. contı́nua em [a, b] (8 ). A primeira parte do TFCI afirma que
Z x
I (x) = f (t) dt (1.6)
a

é uma primitiva de f , isto é,


Z x 
0 d
I (x) = f (t) dt = f (x).
dx a

Para justificar este resultado, considere a região

R = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ 0 ≤ y ≤ f (x) ,




onde se admite que f é contı́nua em [a, b]. Para cada x ∈ [a, b], a área da sub-região

Rx = (t, y) ∈ R2 : t ∈ [a, x] ∧ 0 ≤ y ≤ f (t)




é dada por Z x
I (x) = f (t) dt.
a
Logo, a área da sub-região definida entre as rectas verticais de abcissa x e x + h é
I (x + h) − I (x).

Figura 1.7: A (Rx ) = I(x) e A (Rx+h ) − A (Rx ) = I(x + h) − I(x).

8
Em rigor, o que se afirma no TFCI é válido também para funções que possuam descontinuidades num
conjunto finito ou infinito numerável de pontos em [a, b] .
36CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Esta é aproximadamente igual à área de um rectângulo de largura h e altura f (x), ou seja,

I (x + h) − I (x) ≈ f (x) h

o que equivale a:
I (x + h) − I (x)
≈ f (x) .
h
Prova-se que esta aproximação é tanto melhor quanto mais pequeno for h. No limite,
temos:
I (x + h) − I (x)
lim = f (x) ,
h→0 h
ou seja:
I 0 (x) = f (x).
Relembramos que I não é a única primitiva de f . De facto, sendo ξ uma qualquer
constante real, a função J tal que
Z x
J (x) = f (t) dt
ξ
Ra
também satisfaz J 0 (x) = f (x). Assim, como ξ
f (t) dt é uma constante, temos:
Z x Z a
J (x) = f (t) dt + f (t) dt = I(x) + C,
a ξ

onde C é uma constante real arbitrária. Recuperámos assim o facto segundo o qual duas
primitivas de uma mesma função diferem de uma constante.
Na sequência do anterior raciocı́nio, sejam F e I duas primitivas de f , sendo a segunda
expressa como em (1.6). Então

F (x) − I (x) = C

para alguma constante C ∈ R. Assim,


Z x
F (x) = f (t) dt + C.
a

Calculemos F (b) − F (a), recorrendo a esta igualdade. Vem:


 
Z b
 a
 Z Z b

F (b) − F (a) = f (t) dt + C −   f (t) d t + C  =
 f (t) dt.
a a a
| {z }
=0

o que demonstra a segunda parte do TFCI: se F é uma primitiva de f em [a, b], então
Z b
f (x) dx = [F (x)]ba = F (b) − F (a) .
a
1.2. INTEGRAIS 37

Teorema 9 (Teorema Fundamental do Cálculo Integral). Seja f uma f.r.v.r. contı́nua


em [a, b]. R
x
1) I(x) = a f (t) dt é uma primitiva de f .
Rb
2) Se F é uma primitiva de f em [a, b], então a
f (x) dx = [F (x)]ba = F (b) − F (a) .
Esta é sem dúvida uma maneira mais prática de calcular o valor dos integrais, uma
vez que se evita recorrer a partições e limites de somatórios. Fica agora também clara a
notação introduzida aquando das primitivas.
Nota 7. Note que a parte 2) do TFCI se aplica à custa da diferença entre os valores de
uma primitiva entre os extremos de integração, sendo indiferente a primitiva escolhida.
De facto,

[F (x) + C]ba = [F (b) + C] − [F (a) + C] = F (b) − F (a) .

Evidentemente, na prática escolheremos a mais simples de todas: aquela em que C = 0.


Exemplo 18. Determine o valor dos seguintes integrais:
R1 R1 R1 1
(a) 0
x3 dx (b) 0
ey dy (c) 0
dx.
x2 +x+1

Resolução: Comecemos por sublinhar que, em cada um dos casos, a função integranda é
contı́nua no respectivo intervalo de integração, pelo que se garante a sua integrabilidade.
x4
(a) Como F (x) = é uma primitiva de f (x) = x3 , temos:
4
Z 1  4 1
3 x 1 0 1
x dx = = − = .
0 4 0 4 4 4

(b) Dado que G (y) = ey é uma primitiva de g (y) = ey , temos:


Z 1
ey dy = [ey ]10 = e − 1.
0

1 √ h √ i
2 3 2 3 1
R
(c) Recorde que 2
dx = 3
arctg 3
x+ 2
+C, C ∈ R, (ver exemplo
x +x+1
10). Assim:
" √ " √  ##1
Z 1
1 2 3 2 3 1
dx = arctg x+
0 x2 + x + 1 3 3 2
0
√ " √ !# √ √
2 3  √  3 2 3 π π  π 3
= arctg 3 − arctg = − = ,
3 3 3 3 6 9

concluindo esta sequência de exemplos. 


38CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Derivando integrais indefinidos Para qualquer constante real ξ pode-se escrever


Z x Z
f (t) dt = f (x) dx.
ξ

Tendo isto em conta, a 1.ª parte do TFCI pode ser reescrita como se segue:
Z x  Z 
d d
f (t) dt = f (x) dx = f (x).
dx ξ dx

Exemplo 19. Note que, fruto do que acima se escreveu, temos:


Z x 
d 1 1
dt =
dx 0 1 + t100 1 + x100
mas também Z x 
d 1 1
100
dt = .
dx 99 1+t 1 + x100
Ainda: Z 1   Z x 
d 1 d 1 1
100
dt = − 100
dt = − .
dx x 1+t dx 1 1+t 1 + x100
No entanto, Z 1 
d 1
dt = 0,
dx 0 1 + t100
R1 1
uma vez que 0 1+t100
dt tem como resultado um valor real (constante). 
No cálculo de integrais, como vimos no anterior exemplo, começamos por determinar
uma primitiva da função integranda (por motivos óbvios, é usual escolher aquela em que
C = 0), e aplicar a 2.ª parte do TFCI. No entanto, gostarı́amos de referir fórmulas
especiais no caso da integração por partes e da integração por substituição.
Integração por partes: Seja F uma primitiva de uma f.r.v.r. f , contı́nua em [a, b] . Então
Z b Z b
b
f (x) g (x) dx = [F (x) g (x)]a − F (x) g 0 (x) dx.
a a
R
Exemplo 20. Uma vez que cos x dx = sin x + C, temos:
Z π Z π
π
x cos xdx = [x sin x]0 − sin xdx = (0 − 0) + [cos x]π0 = −1 − 1 = −2,
0 0

concluindo o presente exemplo. 


Exercı́cio 5. (*) Seja Z 1
Im n = xm (1 − x)n dx.
0
Recorrendo à fórmula de integração por partes, prove que
m! n!
Im n = , com m, n ∈ N.
(m + n + 1)!
1.2. INTEGRAIS 39

Integração por substituição: Seja f uma função integrável em [a, b] e admitamos que
φ : t → x = φ (t) é uma função injectiva e continuamente derivável em [c, d] , onde

φ (c) = a e φ (d) = b.

Então: Z b Z d
f (x) dx = f [φ (t)] φ0 (t) dt.
a c

Observe que,
R d uma vez que o resultado de um integral é um número real, calculado
0
o valor de c f [φ (t)] φ (t) dt não há que voltar à variável inicial.
R1√
Exemplo 21. Calcule 0 1 − x2 dx e descreva, caso possı́vel, a região plana cuja área
é determinada por este integral.
Resolução: Recorde que (ver exemplo 14) a substituição indicada é
h π πi
x = sin t, t∈ − , ,
2 2

de onde resultam dx = cos t dt e 1 − x2 = cos t. Os novos limites de integração são:
( (
x = sin t x = sin t π
⇐⇒ t = 0 e ⇐⇒ t = .
x=0 x=1 2

Logo,
π π  π2
1 √
Z Z Z 
2
2 1 2 1 1 π
1 − x2 dx = cos t dt = (1 + cos (2t)) dt = t + sin (2t) = (...) = .
0 0 2 0 2 2 0 4

Note que a função integranda é contı́nua e não negativa em [0, 1] . Logo, podemos confir-
mar que o integral dado representa a área de uma região, a qual é descrita por:
n √ o
R = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [0, 1] ∧ 0 ≤ y ≤ 1 − x2 .

De y = 1 − x2 vem y 2 = 1 − x2 ∧ y ≥ 0 ou seja x2 + y 2 = 1 ∧ y ≥ 0.

Como x ∈ [0, 1], R é o quarto de cı́rculo de raio 1 centrado na origem, acima traçado.
40CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

1.2.4 Aplicações
Vamos agora deter-nos sobre algumas das aplicações do Cálculo Integral.

Cálculo de Áreas
O cálculo de áreas de regiões planas, aplicação que está na génese dos integrais, foi já
abordado com algum detalhe na secção anterior. Acrescentamos apenas que, no caso em
que temos uma região do tipo I mas f e g podem não manter a mesma posição relativa no
intervalo [a, b] é costume sintetizar o cálculo da área no integral
Z b
|f (x) − g(x)| dx
a

havendo que distinguir posteriormente, ao decompormos este integral na soma de vários,


qual das funções é superior a qual em cada subintervalo de [a, b]. Idem, mutatis mutandis,
para regiões do tipo II.

Exemplo 22. Calcule a área da região plana R, a sombreado, representada na figura


seguinte:

Resolução: Pelo que acima se disse, temos:


Z 2 √
A (R) = x3 − x dx.
0

Ora,√é tarefa simples confirmar que os pontos de intersecção entre as curvas y = x3 e


y = x para x ∈ [0, 2] são (0, 0) e (1, 1). Assim:
Z 2 Z 1 Z 2 √
3
√ √ 3
 3
√  29 − 8 2
A (R) = x − x dx = x − x dx+ x − x dx = (...) = .
0 0 1 6

Deixamos ao leitor a tarefa de confirmar o resultado. 

Seguem-se duas propriedades dos integrais relacionadas coma paridade de funções.


1.2. INTEGRAIS 41

Teorema 10. (1) Seja f uma função contı́nua em [a, b] e em [−b, −a].
R −a Rb
(a) se f é par, então −b
f (x) dx = f (x) dx
a
R −a Rb
(b) se f é ı́mpar, então −b
f (x) dx = − a f (x) dx

(2) Seja f uma função contı́nua em [−a, a]. Então:


Ra Ra
(a) se f é par, então −a
f (x) dx = 2 0 f (x) dx
Ra
(b) se f é ı́mpar, então −a f (x) dx = 0

2x
Exemplo 23. Como a função f tal que f (x) = é contı́nua e ı́mpar em [−1, 1], a
1 + x2
propriedade (2) (b) garante-nos que:
Z 1
f (x) dx = 0.
−1

Em certos problemas de aplicação no contexto da Economia surge a necessidade de


calcular áreas. É o que procuramos exemplificar de seguida.

Exemplo 24. Na figura seguinte estão representadas uma função-procura p1 = f (x), em


(a), e uma função-oferta p2 = g(x), em (b), relativas ao mercado de um bem, assim como
duas regiões a sombreado que passaremos a interpretar.

Figura 1.8: Excedente do consumidor e excedente do produtor.

Uma função-procura relaciona os vários preços que os consumidores estão dispostos a


pagar por quantidades diferentes de um bem, enquanto que uma função-oferta representa
os preços aos quais os produtores oferecem quantidades diferentes de um bem. O mercado
desse bem diz-se em equilı́brio quando a oferta iguala a procura. Admitamos que o ponto
de equilı́brio do referido mercado é atingido em (x0 , p0 ). Os economistas utilizam o
conceito de excedente do consumidor como uma medida aproximada e rápida para o
42CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

benefı́cio que o consumidor tem ao comprar x0 unidades de um bem ao preço fixo unitário
p0 , em vez de pagar o montante que até estaria disposto a pagar por quantidades menores
ou iguais que x0 , caso o vendedor conseguisse extrair-lho (9 ). Tal benefı́cio é a área da
região a sombreado em (a) e é calculado simbolicamente por:
Z x0
Excedente do consumidor = f (x)dx − p0 x0
0

Por outro lado, ainda na mesma situação de equilı́brio no mercado em (x0 , p0 ), os pro-
dutores que estariam dispostos a fornecer o bem a preços inferiores a p0 , acabam por
ter um benefı́cio. Este, dito excedente do produtor, é traduzido pela área da região a
sombreado na figura (b). Simbolicamente, temos:
Z x0
Excedente do produtor = p0 x0 − g(x)dx.
0

Concretizemos através do mercado de um bem cujas leis de procura e oferta são:

p = fd (x) = 120 − x2 e p = fs (x) = x2 + 2x + 8.

O equilı́brio no mercado é atingido quando

fd (x) = fs (x),

ou seja, quando
120 − x2 = x2 + 2x + 8,
equação cujas soluções são
x = −8 ∨ x = 7.
Atendendo ao contexto do problema, rejeitaremos a primeira solução. Dado que

fd (7) = fs (7) = 71,

o ponto de equilı́brio de mercado é (7, 71). Em equilı́brio, temos:


Z 7
686
Excedente do consumidor = (120 − x2 )dx − 71 × 7 = (· · · ) =
0 3
e Z 7
833
x2 + 2x + 8 dx = (· · · ) =

Excedente do produtor = 71 × 7 − ,
0 3
o que finaliza o exemplo. 
Em Economia, custo marginal, lucro marginal, produção marginal, utilidade margi-
nal, etc., traduzem taxas de variação das funções custo total, lucro total, produção total,
utilidade total, respectivamente. Tendo isto em conta, não é difı́cil encontrarmos outros
exemplos de aplicações dos integrais em diversos contextos da Economia.
9
Graficamente, há claramente um benefı́cio em pagar p0 por quantidades x ≤ x0 .
1.2. INTEGRAIS 43

Exemplo 25. O investimento I(t) é a taxa de variação do capital K no instante t, i.e.:


dK
(t) = I (t) .
dt
3
Admita que I (t) = 103 t 2 . Determine a variação de capital em 5 anos.
3
Resolução: As funções capital tal que o investimento é I (t) = 103 t 2 são:
Z
5
K(t) = I (t) dt = (· · · ) = 400t 2 + C.

R5
Como se pretende determinar a variação de capital em 5 anos, devemos calcular 0
I (t) dt.
Temos: Z 5 h 5 5
i √
K(5) − K(0) = I (t) dt = 400t 2 = 104 5,
0 0

o que conclui o exemplo. 


Exercı́cio 6. Interprete geometricamente o problema subjacente ao exemplo anterior.

Valor Médio de uma Função


Da introdução ao conceito de integral, resulta que a área, A (R) , da seguinte região plana:

R = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ 0 ≤ y ≤ f (x) ,



(1.7)

onde f é contı́nua e não negativa em [a, b], está compreendida entre a área do rectângulo
inscrito e o rectângulo circunscrito, i.e.,
Z b
f (m) (b − a) ≤ f (x) dx ≤ f (M ) (b − a) .
a

O seguinte resultado afirma que existe algum rectângulo de largura (b − a) cuja área é
exactamente igual à área A (R).
Teorema 11 (T. do valor médio para integrais). Se f é uma função contı́nua em [a, b] ,
então existe algum c ∈ [a, b] tal que
Z b
f (x) dx = f (c) (b − a) .
a
44CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Demonstração. Se a função for constante em [a, b], o resultado é óbvio, pois podemos
tomar para c qualquer valor no intervalo dado.
Se f não for constante, o Teorema de Weierstrass permite concluir que existem f (m) e
f (M ) valores mı́nimo e máximo, respectivamente, da função em [a, b]. Assim,

f (m) ≤ f (x) ≤ f (M ) , ∀x∈[a,b] ,

de onde resulta: Z b Z b Z b
f (m) dx ≤ f (x) dx ≤ f (M ) dx
a a a

Estas desigualdades equivalem a:


Z b
f (m) (b − a) ≤ f (x) dx ≤ f (M ) (b − a) ,
a

ou ainda a: Z b
1
f (m) ≤ f (x) dx ≤ f (M ) .
b−a a
Pelo Teorema do Valor Intermédio para funções contı́nuas aplicado a f , sabemos que
existe c ∈ [a, b] tal que
Z b
1
f (c) = f (x) dx,
b−a a
de onde resulta a igualdade enunciada.

Nota 8. Observe que o teorema não requer que f seja não negativa. Contudo, a sua
interpretação geométrica em termos de áreas de regiões planas exige-o.

Ao valor Z b
1
f (x) dx
b−a a
que resulta da demonstração do teorema anterior chamamos Valor Médio da função f
no intervalo [a, b].
1.2. INTEGRAIS 45

O nome atribuı́do a este valor pode ser justificado pelo seguinte facto. Supondo que
b−a
efectua a partição de [a, b] em subintervalos igualmente espaçados de largura ∆x =
n
e que escolhemos ci ∈ [xi−1 , xi ] para cada i = 1, ..., n, a média aritmética dos valores de
f nestes pontos é:
n n  
1 1X 1X b−a
an = [f (c1 ) + ... + f (cn )] = f (ci ) = f (ci )
n n i=1 n i=1 b−a
n   n
1 X b−a 1 X
= f (ci ) = f (ci ) ∆x.
b − a i=1 n b − a i=1

Tomando limites, vem:


" n
# Z b
1 X 1
lim an = lim f (ci ) ∆x = f (x) dx,
n→+∞ n→+∞ b − a i=1 b−a a

uma vez que f é integrável em [a, b].

Exemplo 26. A função f tal que f (x) = 3x2 − 2x é integrável em [1, 4], uma vez que é
contı́nua nesse intervalo. O valor médio de f em [1, 4] é dado por:
Z 4
1
f (x) dx = (· · · ) = 16.
4−1 1

Como a função é não negativa em [1, 4] (prove-o), podemos interpretar este valor dizendo
que existe um rectângulo de largura 3 (= 4 − 1) e altura 16 cuja área mede 48 e coincide
com A (R), ou seja:
A (R) = 48,
onde R = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [1, 4] ∧ 0 ≤ y ≤ 3x2 − 2x} . 

1.2.5 Integrais impróprios: definição e cálculo


Uma região limitada e fechada tem uma área cuja medida se pode calcular, como vimos,
recorrendo a integrais definidos. Coloca-se agora a seguinte questão: e que acontece se a
região for ilimitada? Será, neste caso, possı́vel atribuir-lhe uma área?
46CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Figura 1.9: Representação gráfica de região ilimitada.

Concretizemos. Suponhamos que f é uma função contı́nua e não negativa num inter-
valo [a, +∞[, a ∈ R e consideremos a seguinte região:

R = (x, y) ∈ R2 : x ≥ a ∧ 0 ≤ y ≤ f (x) .


Fará sentido calcular A (R) ? A resposta é afirmativa, desde que para tal generalizemos
o conceito de área. Mais, tal medida da área será calculável mediante um integral ge-
neralizado, no qual o limite superior de integração será +∞, i.e., afirmaremos que, em
determinadas circunstâncias, é legı́timo escrever
Z +∞
A (R) = f (x) dx,
a

com um sentido que adiante definiremos com rigor. Um tal integral é um exemplo dos
chamados integrais impróprios.

Definição 5 (Integrais Impróprios). Seja f uma função contı́nua e não limitada num
intervalo I do tipo [a, +∞[, ]−∞, a], [a, b[, ]a, b], a, b ∈ R ou ]a, b[, com a, b ∈ R (R é a
notação para R reunido com os sı́mbolos +∞ e −∞). Chamamos integral impróprio de
1.ª espécie de f no intervalo referido ao integral (generalizado)
Z +∞ Z a Z b
f (x) dx ( f (x) dx ou f (x) dx, nos restantes casos).
a −∞ a

O integral diz-se impróprio de 2.ª espécie se f possui pelo menos um ponto de desconti-
nuidade em ]a, b[ .

Os integrais impróprios de 2.ª espécie decompõem-se numa soma de um número


finito de integrais impróprios de 1ª espécie. Por este motivo, daremos ênfase aos integrais
impróprios de 1.ª espécie. Dentro destes, focaremos aqueles que possuem um (ou ambos)
limite de integração infinito.
Regressemos ao problema inicial. Sendo a região R ilimitada, serı́amos tentados a
afirmar que a sua área seria ”infinita” (por definição, a área de uma região é um valor
positivo finito). Veremos que tal não é necessariamente verdade.
1.2. INTEGRAIS 47

Para generalizarmos o conceito de integral para o caso dos integrais impróprios, seja
X > a. A área de

RX = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, X] ∧ 0 ≤ y ≤ f (x)




é dada por Z X
A (RX ) = f (x) dx.
a
Ora, quando X −→ +∞, temos RX a tender para R, de modo que parece natural dizemos
que Z X
A (R) = lim f (x) dx,
X→+∞ a
desde que este limite exista, ou seja,
Z +∞ Z X
f (x) dx = lim f (x) dx.
a X→+∞ a

Como o integral impróprio é, afinal de contas, o resultado de um limite, falaremos de


convergência de integrais impróprios.
Definição 6 (Convergência R +∞f uma função contı́nua em
R X de Integrais Impróprios). Seja
[a, +∞[ e L = lim a f (x) dx. O integral impróprio a f (x) dx diz-se:
X→+∞

R +∞
(a) convergente, se L ∈ R; neste caso, pode-se escrever: a
f (x) dx = L.

(b) divergente para +∞ (resp., −∞), se L = +∞ (resp., −∞);


R +∞
neste caso, pode-se escrever: a f (x) dx = +∞ (resp.,−∞).
(c) divergente, se L não existir.

Determinar a natureza de um integral impróprio Rsignifica estudar a sua convergência.


+∞
Se f for contı́nua e não negativa em [a, +∞[ e a f (x) dx for convergente, então
podemos afirmar que a área da região ilimitada R é
Z +∞
A (R) = f (x) dx = L
a
R +∞
(como é natural, terá de ser L > 0). Se a f (x) dx = +∞, à região R não se pode
atribuir uma medida para a área. Contudo, com algum abuso de linguagem, alguns autores
dizem que a área de R é ”infinita”.
Exercı́cio 7. Generalize a definição e observações acima para os casos dos integrais
impróprios de funções contı́nuas em intervalos do tipo ]−∞, a], [a, b[, ]a, b], a, b ∈ R.
Exemplo 27. Consideremos a região plana:

R = (x, y) ∈ R2 : x ≥ 1 ∧ 0 ≤ y ≤ e−x .

48CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Averiguemos se é possı́vel atribuir um valor (número não negativo) à medida da área de


R. Comece porRnotar que a função e−x é contı́nua e não negativa em [1, +∞[. Falta
+∞
apenas saber se 1 e−x dx é convergente. Como
Z
e−x dx = −e−x + C,

temos: Z X X
e−x dx = −e−x 1 = −e−X + e−1 .

1
Ora, Z X
e−x dx = lim −e−X + e−1 = e−1 ∈ R+ .
 
lim
X→+∞ 1 X→+∞
R +∞ −x
Assim, o integral impróprio 1 e dx é convergente e
Z +∞
A (R) = e−x dx = e−1 ,
1

o que conclui o exemplo. 


A utilização directa da noção de convergência de integrais impróprios permite deter-
minar a natureza de famı́lias de integrais impróprios. A tı́tulo de exemplo, mostraremos
que 
R +∞ 1 1

 α > 1 =⇒ 1
dx =
xα α−1


.

 R +∞ 1
 0 < α ≤ 1 =⇒
 dx = +∞
1

Estudemos os diversos casos. Para α = 1 temos
Z X
1
dx = ln |X| − ln |1| = ln |X| .
1 x
Dado que Z X
1
lim dx = lim ln |X| = +∞
X→+∞ 1 x X→+∞
R +∞ 1
podemos dizer que 1 dx diverge para +∞. Se α 6= 1, temos:
x
Z X  −α+1 X
1 x 1 −α+1

dx = = X − 1 .
1 xα −α + 1 1 1−α
Assim,
Z X  
1 1
X −α+1 − 1

lim dx = lim
X→+∞ 1 xα X→+∞ 1−α
 1  1
 , se −α + 1 < 0  , se α > 1
α−1 α−1
 
= = ,
 
se −α + 1 > 0
 
+∞ +∞ se α < 1
1.2. INTEGRAIS 49

o que mostra o pretendido.


1
Em termos geométricos, e uma vez que as funções são contı́nuas e não negativas

em [1, +∞[, podemos dizer que a área da região
 
2 1
Rα = (x, y) ∈ R : x ≥ 1 ∧ 0 ≤ y ≤ α
x
1
é igual a , se α > 1 e é ”infinita” se 0 < α ≤ 1.
α−1
Exercı́cio 8. Mostre através de processos análogos aos que acima descrevemos que:

 Rb 1 (b − a)1−α  R +∞ αx

 α < 1 =⇒ a α dx = α > 0 =⇒ e dx = +∞

 (x − a) 1−α 
 1
1) 2) α .
1
R +∞ αx e
α < 0 =⇒ 1 e dx = −
 
 R b 
 α ≥ 1 =⇒ a α dx = +∞


(x − a) α

É também possı́vel efectuar mudanças de variável no cálculo de integrais impróprios.


De facto, se f é contı́nua em [a, +∞[ e se g 0 é contı́nua em [α, β[, tal que

g (α) = a e limg (t) = +∞,


t→β

então Z +∞ Z β
f (x) dx = f [g (t)] g 0 (t)dt.
a α

É ainda possı́vel estabelecer propriedades do mesmo género para os outros casos de


integrais impróprios de 1ª espécie.
Exemplo 28. Mostremos que
Z −1 Z +∞
1 1 1
∀α∈N , dx = dx.
−∞ x α (−1)α 1 xα
De facto, faça-se a seguinte mudança de variável x = −t no integral impróprio do 1º
membro. Vem:

x = −1 =⇒ t = 1, x −→ −∞ =⇒ t −→ +∞ e dx = −dt

Logo,
Z −1 1 +∞ +∞ +∞
−1
Z Z Z Z
1 1 1 1 1 1
dx = dt = α α dt = dt = dx.
−∞ xα +∞ (−t)α 1 (−1) t (−1)α 1 tα (−1)α 1 xα
Esta igualdade apenas é válida para α ∈ N, uma vez que xα não tem significado quando
x < 0, nem para alguns α racionais, nem para nenhum α irracional. Por último, cabe
R −1 1 R +∞ 1
aqui referir que a natureza de −∞ α dx resulta da estabelecida para 1 dx. 
x xα
50CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Nota 9. Em certos casos, pode acontecer que uma mudança de variável converta um inte-
gral impróprio num integral definido. Se tal acontecer, o integral inicial é, evidentemente,
convergente.
1
Exercı́cio 9. Mostre que a mudança de variável x = converte o integral impróprio
t
Z +∞
15
dx
1 x2 +3

num integral definido. Calcule o valor de tal integral.

O caso em que os dois extremos de integração são infinitos merece especial atenção .

Definição 7. Seja f uma função integrável em qualquer intervalo fechado. Seja a ∈ R


qualquer. Se existirem os limites
Z a Z Y
lim f (x) dx = A e lim f (x) dx = B,
X→+∞ −X Y →+∞ a

R +∞
então dizemos que o integral impróprio −∞
f (x) dx é convergente e que
Z +∞
f (x) dx = A + B.
−∞

R +∞
É frequente vermos na literatura sobre este tema que, para estudar −∞
f (x) dx, va-
mos calcular Z Y
lim f (x) dx.
Y →+∞X→+∞ −X

Deve entender que esta é apenas uma forma simbólica de indicar a soma dos dois limites
indicados na definição acima, uma vez que
Z Y Z a Z Y
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx
−X −X a

Como deve então ser interpretado o limite da definição acima? Vejamos este exemplo.

Exemplo 29. Pretende-se mostrar que


Z +∞
dx
= π.
−∞ 1 + x2

Para tal, note que


Z Y
dx
= [arctg x]Y−X = arctg Y − arctg (−X) .
−X 1 + x2
1.2. INTEGRAIS 51

Seja a um qualquer valor real. Como


Z Y
dx π
lim 2
= lim [arctg Y − arctg a] = − arctg a
Y →+∞ a 1 + x Y →+∞ 2
e Z a
dx  π
lim = arctg a − − ,
X→+∞ −X 1 + x2 2
vem Z +∞
dx π  π
2
= − − = π,
−∞ 1 + x 2 2
e portanto Z +∞
dx
2
= π,
−∞ 1 + x
como se pretendia mostrar. 
Outro aspecto que devemos
RX ter em conta é que Y e X devem
RY tender para +∞ de modo
independente. Assim, −X f (x) dx pode existir sem que −X f (x) dx exista.
Exemplo 30. O integral Z +∞
x
dx
−∞ 1 + x2
diverge. De facto,
 Y
Z Y  
x 1 2 1 2
 2

2
dx = ln 1 + x = ln 1 + Y − ln 1 + X
−X 1 + x 2 −X 2
Note que
lim ln 1 + Y 2 = +∞ e lim − ln 1 + X 2 = −∞.
  
Y →+∞ X→+∞

Como isto acontece com X e Y independentes, podemos afirmar que


1
ln 1 + Y 2 − ln 1 + X 2
 
2
não se aproxima de nenhum valor quando Y → +∞ e X → +∞. Contudo, é fácil
verificar que Z Z
x
lim dx
Z→+∞ −Z 1 + x2

converge para zero. 


R +∞
Se o integral impróprio −∞ f (x) dx diverge mas existe
Z Z
lim f (x) dx,
Z→+∞ −Z

chamamos a este limite o valor principal de Cauchy do integral impróprio dado. Escreve-
se então: Z +∞ Z Z
v.p. f (x) dx = lim f (x) dx.
−∞ Z→+∞ −Z
52CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Nota 10. É possı́vel alargar estes conceitos para integrais impróprios de 2ª espécie onde
a função integranda é contı́nua em [a, c[ ∪ ]c, b] (com a < c < b) e lim |f (x)| = +∞. Tal
x→c
R1 1
generalização permite demonstrar, por exemplo, que −1 dx é divergente e que o seu
x
valor principal de Cauchy é nulo (consulte os pormenores em [12]).
Que sucede quando estamos na presença de um integral impróprio cuja função in-
tegranda é tal que a sua primitiva não se pode exprimir como soma finita de funções
elementares? Existem ferramentas que, em certos casos, nos permitem determinar a natu-
reza de um integral impróprio sem haver necessidade de calcular tal integral. Falamos dos
diversos critérios de convergência para integrais impróprios. Não é objecto do presente
texto o estudo exaustivo destes métodos. Contudo, a tı́tulo de exemplo, enunciaremos o
chamado 1.º critério de comparação.
Teorema 12 (1º critério de comparação). Sejam f e g duas funções contı́nuas e não
negativas num intervalo [a, +∞[ e suponhamos que existe algum valor M > 0 tal que
f (x) ≤ M g(x), ∀x ∈ [a, +∞[ .
Então:
R +∞ R +∞
(i) se a
g (x) dx é convergente, então a f (x) dx é convergente
R +∞ R +∞
e a f (x) dx ≤ M a g (x) dx
R +∞ R +∞
(ii) se a
f (x) dx é divergente, então a g (x) dx é divergente
Este resultado pode generalizar-se para o caso de integrais impróprios sobre regiões
do tipo ]−∞, a], [a, b[, ]a, b], a, b ∈ R . Eis uma aplicação do referido critério.
R +∞
Exemplo 31. Mostrámos num exemplo anterior que 1 e−x dx = e−1 (convergente,
portanto). Que sucede com o integral impróprio
Z +∞
2
e−x dx ?
1

Note que
x2 ≥ x, ∀x ≥ 1
pelo que
−x2 ≤ −x
e
2
e−x ≤ e−x , ∀x ≥ 1.
Como ambas as funções são contı́nuas e não negativas em [1, +∞[ aRconvergência de
R +∞ −x +∞ 2
1
e dx permite concluir, segundo o teorema anterior, que também 1 e−x dx será
convergente. 
Exercı́cio 10. (*) Utilize
R −1 uma versão análoga à do 1º critério de comparação para estu-
2
dar a natureza de −∞ e−x dx. Deduza ainda a natureza do integral
Z +∞
2
e−x dx.
−∞
1.2. INTEGRAIS 53

No Apêndice 1.2, e a tı́tulo de informação, referimos este e outros critérios de con-


vergência para integrais impróprios. Tais ferramentas nada nos dizem acerca da maneira
como podemos determinar o valor para o qual convergem os integrais impróprios (em
caso de convergência). Uma maneira de obter um valor aproximado seria recorrer a uma
função que aproxime a função integranda no intervalo dado. Voltaremos a este tema mais
adiante.
54CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

C ÁLCULO II

A NO LECTIVO 2014/15 FOLHA N.º 2

INTEGRAÇÃO

1. Determine o valor de cada um dos seguintes integrais definidos.


R1 R0 R1
1 + x − 3x2 dx

(a) −1
e dx (b) −3
(5x − 1) dx (c) −3

√ R5 √
 
R1 3x 2 R6 x+1 3
(d) 0 e + x − ex dx (e) 5
√ dx (f ) 1
2x − 1 dx
e x
R e ln | x | Rπ Rπ sin x
(g) dx (h) 2
sin x cos x dx (i) 4
dx
1
x 0 0
1 − sin2 x
R 1 e2x R1 1 R1 1
(j) 0 dx (k) 0
dx (l) 0
2
dx
1 + e2x 2
x −4 x3 −1
R 1 3ex R5 R −1
(m) 0 dx (n) −1
|x − 4| dx (o) −3
3
|3x + 1| dx
1 + e2x
R 1 arcsin (2x) R 21 x R1 x
(p) 04 √ dx (q) − 12
√ dx (r) 0
2
√ dx
1 − 4x2 1 − x4 1 − x2

2. Usando a fórmula de integração por partes, calcule:


Re R1 R1 2
(a) 1
ln x dx (b) 0
xe−x dx (c) 0
x3 ex dx

3. Calcule os seguintes integrais utilizando o método de integração por substituição:



R2 √ R √ 3 x2 + 1 R 2 ex − 1
(a) 0 4 − x dx 2 (b) 1 dx (c) 1 2x dx
x e + ex
R √e 2 ln x R 4 dx R 43 dx
(d) 1 2 dx (e) 0
√ (f ) 3 √
x(1 − ln x) 1+ x 4 x x2 + 1
2

4. Calcule:
Rx 2 Rx 2 R2 2
(a) d
dx 0
e−t dt (b) d
dx 1
e−t dt (c) d
dx x
e−t dt
1.2. INTEGRAIS 55

5. Calcule a área da região a sombreado em cada uma das seguintes alı́neas.

6. Calcule a área de cada uma das regiões planas delimitadas pelas seguintes funções:

(a) y = x2 e y = x (b) y = |x| e y = 4 − x2


3π π
(c) y = ln x, y = ex , x = 1 e x = e (d) y = cos x, y = sin x, x = ex=
4 4
56CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

7. Calcule a área das regiões planas definidas por cada um dos seguintes conjuntos:
(a) R = {(x, y) ∈ R2 : y ≥ x − 2 ∧ y ≤ −x2 + 4}
(b) R = {(x, y) ∈ R2 : y ≥ x2 − 5x + 6 ∧ y ≤ 2}
(c) R = {(x, y) ∈ R2 : x2 + y 2 ≤ 4}

8. Calcule a área da região plana delimitada pela parábola de equação y = −x2 +4x−3
e pelas suas rectas tangentes nos pontos (0, −3) e (3, 0) .
9. Dadas as seguintes funções procura e oferta:
p = fd (x) = 116 − 4x − x2 e p = fs (x) = x2 + 2x + 8,
determine os excedentes do consumidor e do produtor no ponto de equilı́brio.
10. Um oleoduto de uma plataforma de perfuração está avariado. Como consequência
desta situação, o petróleo está a ser derramado a uma taxa que, no instante t, é de
(35t + 80) barris por hora, (onde t é o tempo decorrido desde o inı́cio do derrame).
Quantos barris serão derramados durante o primeiro dia?
11. Os custos de manutenção de uma fábrica são dados por M (t) e verificou-se que
aumentam com o envelhecimento daquela bem como do equipamento. Se os custos
de manutenção aumentarem a uma taxa anual de M 0 (t) = 75t2 + 9000 (u.m.), onde
t representa o número de anos desde o inı́cio de funcionamento da fábrica, calcule
os custos totais de manutenção da mesma do quarto ao sexto ano.
12. Calcule o valor médio de cada uma das seguintes funções no intervalo dado:

(a) f (x) = 2x + 8, [3, 7] ;


1
(b) f (x) = √ , [1, 6] ;
x+3

(c) f (x) = 2 + x + 4, [−2, 3] .

R5
13. Seja A = 2 f (x) dx. Sabendo que o valor médio de f no intervalo [2, 5] é 20,
calcule o valor de A.
14. Foram depositados num banco 103 u.m. a uma taxa de juro nominal/ano de 8% com-
posta continuamente. Calcule o valor médio do referido montante nos próximos 5
anos. (Nota: O valor actual de um montante A0 depositado à taxa de juro nomi-
nal/ano de r% ao ano, composta continuamente, é dado por:
r
A (t) = A0 e 100 t ,
t: n.º de anos decorridos após o depósito).
1.2. INTEGRAIS 57

15. Calcule, caso sejam convergentes, os seguintes integrais impróprios


R +∞ 1 R +∞ R +∞ 1
(a) 1 2 dx (b) 0 e−x dx (c) 1 √ dx
(4x + 3) x x
R0 1 R0 R +∞
(e) −∞ et − e2t dt (f ) 1 e−x sin x dx

(d) −∞ 2 dy
y +4
R0 x
R +∞ |x| R +∞ ex + e−x
(g) −∞
xe dx (h) −∞ dx (i) −∞ dx
1 + x4 2

R4 1 R 1 cos ( 3 x) R1
(j) 0
√ dx (k) 0 √3
dx (l) 0 x ln x dx
x x2

R4 1 R 4 e− x R3 x
(m) 0
√ dx (n) 0 √ dx (o) 1
dx
16 − x2 x 2−x
R1 1 R π sin t R 1 e−1/x
(p) −1
dx (q) 0
√ dt (r) −1
dx
x3 5
cos t x2

16. Verifique se é possı́vel calcular a área de cada uma das seguintes regiões ilimitadas.
n o
2 1
(a) R = (x, y) ∈ R : x ∈ [0, 2] ∧ 0 ≤ y ≤ 4−x2 √

(b) R = (x, y) ∈ R2 : 0 ≤ y ≤ x21+4




(c) R = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [0, 1] ∧ 0 ≤ y ≤ |ln x|}


58CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

1.3 Integral duplo


Nesta secção vamos tratar da noção da integrabilidade de uma função f : R2 −→ R,
limitada, numa região plana , D, limitada e fechada, bem dos métodos de cálculo de
integrais duplos. A referência principal será [2]. Como motivação, vamos associar a
noção de integral duplo à sua interpretação enquanto volume de um certo sólido, caso f
seja não negativa em D. Todavia, desde já se observa que é possı́vel calcular o valor de
um integral duplo sobre uma região onde f tenha um sinal qualquer.
Admita que f : R2 −→ R é contı́nua e limitada em D, uma região limitada e fechada.
Admitamos que f é não-negativa em D. O integral duplo denota-se por
ZZ ZZ
f (x, y) dxdy ou por f (x, y) dA.
D D

Antes de definirmos com com rigor tal integral, sublinha-se que este pode ser interpretado
como o volume do sólido abaixo da superfı́cie de equação z = f (x, y) e acima da região
D, como representado na figura. Analiticamente, o sólido S é definido por

S = (x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ D ∧ 0 ≤ z ≤ f (x, y) ,




tendo-se portanto ZZ
V (S) = f (x, y) dxdy.
D

No diagrama que se segue, a região D foi particionada num largo número de sub-
regiões rectangulares elementares Di . A cada uma destas, está associado o sólido

Si = (x, y, z) ∈ R3 : (x, y) ∈ Di ∧ 0 ≤ z ≤ f (x, y) .



1.3. INTEGRAL DUPLO 59

Denotaremos tal partição, escrevendo

P = {Di } .

No que seguirá, é importante definir a norma de uma partição P. Trata-se da quantidade


kPk tal que

kPk = medida do maior dos comprimentos das diagonais dos Di .

Cada sub-região Di tem área Ai e nela vamos considerar um ponto genérico (xi , yi ). O
volume do paralelepı́pedo de base Di e altura f (xi , yi ) é dado por

f (xi , yi ) Ai .

Quer isto dizer que


V (Si ) ≈ f (xi , yi ) Ai
e, portanto, X
V (S) ≈ f (xi , yi ) Ai ,
i

como se intui pela figura:

À medida que consideramos partições de D com um número cada vez maior de pe-
quenas sub-regiões Di , a área de cada uma destas tenderá para zero, ou seja, kPk → 0.
Acontecendo isto, os rectângulos tenderão para D e, por conseguinte, a soma tenderá para
ZZ
f (x, y) dxdy.
D

Subjacente à noção de integral duplo está, como se vê, o conceito de limite.


O cálculo de integrais duplos faz-se à custa do cálculo sucessivo de dois integrais
simples, como mais adiante se verá.
60CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

O método mais directo de calcular o valor de um integral duplo é, de facto, o de


considerar D particionado em pequenos rectângulos, como se pode observar na figura.
Vamos agora fixar uma linha de rectângulos, como a figura também exibe.
O volume do sólido acima da linha de pequenos rectângulos em D e abaixo da su-
perfı́cie de equação z = f (x, y) é aproximado por
X
f (xi , yj ) δxi δyj .
i

Ora, para cada j fixo tem-se:


! !
X X Z b(yj )
f (xi , yj ) δxi δyj = f (xi , yj ) δxi δyj ≈ f (x, yj ) dx δyj
i i a(yj )

onde os limites de integração se definem como mostra a figura. Para compreender a


aproximação feita, deve relembrar as noções de soma de Riemann e de integral definido
na variável x.
Tendo estimado os volumes dos sólidos acima de cada linha j separadamente, po-
demos estimar o volume total de S adicionando-os. Assim, uma aproximação de V (S)
será
! !
X Z b(yj ) Z d Z b(y) Z d Z b(y)
f (x, yj ) dx δyj ≈ f (x, y) dx dy = f (x, y) dxdy.
j a(yj ) c a(y) c a(y)
1.3. INTEGRAL DUPLO 61

Novamente, para perceber a primeira aproximação, devemos ter em conta as noções


de soma de Riemann e de integral definido, agora na variável y. É intuitivo que tais
aproximações melhoram à medida que o número de rectângulos elementares aumenta,
isto é, à medida que kPk → 0. Segue-se que
ZZ XX Z d Z b(y)
f (x, y) dxdy = lim f (xi , yj ) δxi δyj = f (x, y) dxdy,
D kPk→0 c a(y)
j i

caso este limite exista.


Então um integral duplo calcula-se como o cálculo de dois integrais, primeiramente
na variável x, e depois na variável y.
Note que podı́amos igualmente ter começado por fixar colunas de rectângulos na
partição de D. Um raciocı́nio semelhante permitir-nos-ia mostrar que
ZZ XX Z bZ d(x)
f (x, y) dxdy = lim f (xi , yj ) δyj δxi = f (x, y) dydx.
D kPk→0 a c(x)
i j

Neste caso, o integral duplo calcula-se como o cálculo de dois integrais, primeiramente
na variável y, e depois na variável x.

Isto significa que


ZZ Z d Z b(y) Z bZ d(x)
f (x, y) dxdy = f (x, y) dxdy = f (x, y) dydx. (1.8)
D c a(y) a c(x)

Exemplo 32. Seja f tal que f (x, y) = x2 y 3 + 3x e considere o rectângulo

D = [0, 1] × [0, 2] .
RR
Calcule D
f (x, y) dxdy por dois métodos.
62CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Resolução: Por um lado, temos


2 1 x=1 2
x3 x2
ZZ Z Z Z 
2 3 3

f (x, y) dxdy = x y + 3x dxdy = ×y +3× dy
D 0 0 0 3 2 x=0
Z 2  3  4 y=2
24 3
 
y 3 y 3 13
= + − 0 dy = + y = + ×2= .
0 3 2 12 2 y=0 12 2 3

Por outro lado, temos também:


ZZ Z 1 Z 2  4
y=2 Z 1
2 3 2y

f (x, y) dxdy = x y + 3x dydx = x + 3xy dx
D 0 0 0 4 y=0
Z 1  x=1
 2
  4 3 2 4 13
= 4x + 6x − 0 dx = x + 3x = +3= ,
0 3 x=0 3 3

o que conclui o exemplo. 

Regressemos ao cálculo de integrais. Os dois modos de cálculo do integral duplo


indicados em (1.8) correspondem a integrações sucessivas (ou iteradas) e a duas maneiras
de descrever a região D. De facto,
ZZ Z d Z b(y) Z d
f (x, y) dxdy = f (x, y) dxdy = I(y)dy
D c a(y) c
| {z }
I(y)

o que corresponde à seguinte descrição de D:

D = (x, y) ∈ R2 : y ∈ [c, d] ∧ a (y) ≤ x ≤ b (y) ,




ou seja, D considerada uma região do tipo II (i.e., horizontalmente simples). Por outro
lado,
ZZ Z b Z d(x) Z b
f (x, y) dxdy = f (x, y) dy dx = J(x)dx
D a c(x) a
| {z }
J(x)

o que corresponde à seguinte descrição de D:

D = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [a, b] ∧ c (x) ≤ y ≤ d (x) ,




ou seja, D considerada uma região do tipo I (i.e., verticalmente simples).


Vejamos agora outro exemplo.

Exemplo 33. Seja f tal que f (x, y)RR= 1 e admita que D é o triângulo definido pelos
pontos (0, 0), (3, 0) e (1, 3). Calcule D f (x, y) dxdy por dois métodos.
Resolução: A região triangular é delimitada pelas rectas x = 0, y = 3x e
1.3. INTEGRAL DUPLO 63

y = − 23 (x − 3) (deixamos a dedução destas equações ao cuidado do leitor). A região


pode ser descrita como uma região horizontalmente simples. Neste caso, tem-se:
 
2 y 2y
D = (x, y) ∈ R : y ∈ [0, 3] ∧ ≤ x ≤ − + 3 .
3 3
Assim,
ZZ Z 3 Z − 2y +3 Z 2 Z 2
3 x=− 2y +3 9
f (x, y) dxdy = 1dxdy = [x]x= y 3 dy = (3 − y) dy = (...) = .
D 0 y
3
0 3
0 2
Por outro lado, a região não é verticalmente simples, mas pode ser descrita como a
reunião de duas sub-regiões desse tipo. De facto,
D = D1 ∪ D2
 
 2 2 3
= (x, y) ∈ R : x ∈ [0, 1] ∧ 0 ≤ y ≤ 3x ∪ (x, y) ∈ R : x ∈ [1, 3] ∧ 0 ≤ y ≤ − (x − 3) .
2
Logo,
ZZ ZZ ZZ
f (x, y) dxdy = f (x, y) dxdy + f (x, y) dxdy
D D1 D2
Z 1 Z 3x Z 3 Z − 23 (x−3)
9
= 1dydx + 1dydx = (...) = ,
0 0 1 0 2
concluindo o exemplo. 
Nota 11. Atendendo a que o volume de um sólido cuja altura é 1 é numericamente igual
à área da sua base, pode-se escrever que
ZZ
A (D) = 1dxdy.
D

Assim, no anterior exemplo o valor encontrado corresponde à área do triângulo que


representa a região D.
64CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Estamos em condições de generalizar a noção de integral para funções quaisquer (não


necessariamente não-negativas em D).
Definição 8 (Integrabilidade de uma função real de duas variáveis reais). Seja f :
R2 −→ R uma função definida em D ⊂ R2 . Seja
P = {Di }
uma participação genérica de D em rectângulos cuja norma é kPk. Dizemos que f é
integrável em D se, para qualquer partição P, existir um número real I tal que
XX
lim f (xi , yj ) δxi δyj = I.
kPk→0
i j

O número I, caso exista, diz-se integral duplo de f sobre D e representa-se por


ZZ ZZ
f (x, y) dxdy ou por f (x, y) dA.
D D

Nota 12. O limite que define um integral, quando existe, é único.


Tal como acontecia com os integrais simples, temos o seguinte resultado:
Teorema 13. Se f : R2 −→ R é uma função contı́nua em D ⊂ R2 , então f é integrável
sobre D.
Vamos agora enunciar, sem demonstração, algumas propriedades das funções in-
tegráveis.
Teorema 14. Seja D ⊂ R2 , uma região que é a reunião de um número finito de regiões
dos tipos I ou II. Sejam f e g duas funções integráveis em D. Então:
(1) f + g é integrável em D e tem-se:
ZZ ZZ ZZ
[f (x, y) + g (x, y)] dxdy = f (x, y) dxdy + g (x, y) dxdy.
D D D

(2) Para todo o α ∈ R, αf é integrável em D e tem-se:


ZZ ZZ
[αf (x, y)] dxdy = α f (x, y) dxdy.
D D

(3) Se f (x, y) ≥ g (x, y), para todo o (x, y) ∈ D, então


ZZ ZZ
f (x, y) dxdy ≥ g (x, y) dxdy.
D D

(4) Se f (x, y) ≥ 0, para todo o (x, y) ∈ D, então


ZZ
f (x, y) dxdy ≥ 0.
D

(5) Se D = D1 ∪ D2 , onde são regiões disjuntas (ou que se intersectam quando muito na
sua fronteira) e cada uma delas é uma reunião finita de reigiões regiões dos tipos I ou II,
então ZZ ZZ ZZ
f (x, y) dxdy = f (x, y) dxdy + f (x, y) dxdy.
D D1 D2
1.3. INTEGRAL DUPLO 65

Refira-se, de passagem, que já aplicámos algumas destas propriedades em exemplos


anteriores.
A inversão da ordem de integração consiste na conversão da ordem pela qual são
feitas as duas integrações na sua ordem inversa. Se a região D for rectangular, tal inversão
é bastante simples, bastando trocar os limites de integração exteriores pelos interiores,
ao mesmo tempo que se inverte a ordem de integração. Contudo, se não estivermos na
presença de um rectângulo a inversão da ordem de integração pode converter um integral
duplo na soma de dois integrais duplos, como se pôde observar no exemplo 32.
Observe que na notação ZZ
f (x, y) dxdy
D
o ”dxdy” não traduz a ordem de integração. Esta só está definida quando se definem os
limites de integração.
A escolha de uma ordem de integração em detrimento da sua inversa não está tanto
associada ao número de integrais a calcular, mas antes à complexidade da primitiva a
calcular, como se verá no seguinte exemplo.

Exemplo 34. Determine o valor de



a a− a2 −x2
xey
Z Z
J= dydx,
0 0 (y − a)2

onde a > 0.
Resolução: Note que a primitiva da função integranda em ordem a y, pela qual de-
verı́amos começar, não parece de fácil obtenção. Para inverter a ordem de integração, é
preciso esboçar a região D associada ao integral.
Note que esta está definida como uma região verticalmente simples, como se segue:
n √ o
D = (x, y) ∈ R2 : x ∈ [0, a] ∧ 0 ≤ y ≤ a − a2 − x2 .
√ √
De y = a − a2 − x2 resulta y − a = − a2 − x2 . Elevando ao quadrado, vem

(y − a)2 = a2 − x2

ou seja
x2 + (y − a)2 = a2 .

Então, uma vez que y ≤ a − a2 − x2 , trata-se de uma semi-circunferência de centro
em (0, a) e raio a. Apenas traçaremos a parte desta circunferência que interessa para o
esboço de D.
66CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Para inverter a ordem de integração, descrevamos a região como uma região hori-
zontalmente simples. Resolvendo em ordem a x (note que, como x ∈ [0, a], apenas nos
interessa resolver para x ≥ 0), vem
q p
x = a2 − (y − a)2 = 2ay − y 2 .

Assim, n p o
D = (x, y) ∈ R2 : y ∈ [0, a] ∧ 2ay − y 2 ≤ x ≤ a .
Logo,
a a Z a Z a
xey ey
Z Z
J = √ 2 dxdy y
= 2 √ xdxdy
0 2ay−y 2 (y − a) (pois e 2 não depende de x) 0 (y − a)
(y−a)
2ay−y 2
a  2 x=a Z a Z a
ey ey
Z
x 1 2 1 y
= 2 √ dy = 2 (y − a) dy = e dy
0 (y − a) 2 x= 2ay−y2 0 (y − a) 2 0 2

1 a
= (...) = (e − 1)
2
concluindo o exemplo. 
1.3. INTEGRAL DUPLO 67

C ÁLCULO II
A NO LECTIVO 2014/15 FOLHA N.º 3

INTEGRAL DUPLO

1. Calcule cada um dos seguintes integrais duplos (k é um parâmetro real)


R2R 1 R1R1
(a) 1 02 3dydx; (b) 0 0 xy (xy + y 2 ) dxdy;
R1R3 R2Rx
(c) 1
1
(x + y) dxdy; (d) 1 0
kdydx;
3

RπRπ R1 R2
(e) 0
6
0
2
(x sin y) dydx; (f ) −2 0
(3xy 2 + 5x2 ) dxdy.

2. Esboce a região plana fechada subjacente a cada um do integrais e inverta a ordem


de integração em cada um dos seguintes integrais duplos
R1R1 R 2 R √4−x2 R 1 R √1−x2
(a) f (x, y) dxdy (b) f (x, y) dydx (c) √ f (x, y) dydx
0 y −2 0 −1 − 1−x2

3. Calcule os seguintes integrias duplos, após inversão da ordem de integração


R1R2 R e R ln x R1R2 2
(a) 0 0 (y + 3) dxdy (b) 1 0 (1 − y) dydx (c) 0 2x ey dydx
RR
4. Calcule em cada um dos casos D f (x, y) dxdy, após esboçar a região D. Indique
ainda os integrais que podem representar o volume de um sólido.
(a) D = (x, y) ∈ R2 : x ∈ 0, 21 ∧ x ≤ y ≤ 21
  
f (x, y) = 2
(b) D = (x, y) ∈ R2 : x ∈ 0, 21 ∧ 2x ≤ y ≤ 1 f (x, y) = 3x+5y
  
4
2y
(c) D = [0, 1] × [1, 2] f (x, y) = 1+x2

1 − x − y, se x + y ≤ 1
(d) D = [0, 1] × [0, 1] f (x, y) =
0, se x + y > 1
1
(e) D é a região definida por y ≥ x2 e x ≥ y 2 f (x, y) = 2
y
(f ) D = {(x, y) ∈ R2 : x ∈ [3, 5] ∧ 2 ≤ y ≤ x − 1} f (x, y) = 24
x
(g) D = {(x, y) ∈ R2 : y ∈ [0, 8] ∧ y + 2 ≤ x ≤ 10} f (x, y) = 2
68CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Apêndice 1.1 [Tabelas de Primitivação]

Função Primitiva Restrição


1. 0 C
2. a ax + C
um+1
3. um u0 +C m 6= −1
m+1
u 6= 0, se m ∈ Z− \ {−1}
u > 0, se m ∈ R\Q
u0
4. ln |u| + C u 6= 0
u 0
u
5. loga |u| + C u 6= 0
u ln a
6. eu u0 eu + C
7. au u0 ln a au + C a>0
8. u0 cos u sin u + C
9. u0 sin u − cos u + C
10. u0 sec2 u tg u + C
11. u0 cossec2 u −cotg u + C
u0
12. √ arcsin u + C |u| < 1
1 − u2
(ou − arccos u + C) |u| < 1
u0
13. arctg u + C
1 + u2
(ou −arccotg u + C)
TABELA I

Função Primitiva Restrições


1. u0 tg u − ln |cos u| + C cos u 6= 0
2. u0 cotg u ln |sin u| + C sin u 6= 0
3. u0 sec u tg u sec u + C cos u 6= 0
4. u0 cossec u cotg u −cossec u + C sin u 6= 0
u0 u
5. √ arcsin +C −a < u < a, a 6= 0
a2 − u2 a
u0 1  u 
6. arctg +C a 6= 0
a2 + u 2 a a
7. u0 sec u ln |sec u + tg u| + C cos u 6= 0, sec u + tg u 6= 0
8. u0 cossec u ln |cossec u − cotg u| + C sin u 6= 0, cossec u − cotg u 6= 0
TABELA II
1.3. INTEGRAL DUPLO 69

Tipo de função Substituição Restrições e simplificações


rx sx mx
1. R (a , a , . . .) a =t m = m.d.c. (r, s, . . .)
2. R (loga x) t = loga x
 p  r !
ax + b q ax + b s ax + b
3. R x, , ,... = tm m = m.m.c. (q, s, . . .)
cx + d cx + d cx + d
 p r

4. R x, (ax + b) q , (ax + b) s , . . . ax + b = tm m = m.m.c. (q, s, . . .)
 p r

5. R x, x , x , . . .
q s x = tm m = m.m.c. (q, s, . . .)
a
√ x = sin t
b a

6. R x, a2 − b 2 x 2
(ou x = cos t)
√  a b
7. R x, a2 + b 2 x 2 x = tg t
√  ab
8. R x, b 2 x 2 − a2 x = sec t
ba
√ √ x = sin2 t
b a

9. R x, x, a − bx
(ou x = cos2 t)
√ √  a 2b
10. R x, x, a + bx x = tg t
√ √  ab
11. R x, x, bx − a x = sec2 t
b
p m+1
12. xm (a + bxn ) q a + bxn = tq ∈Z
n
p m+1 p
13. xm (a + bxn ) q a + bxn = xn t + ∈Z
n q
1
14. x = a tg t k = 2, 3, ...
(x2 + a2 )k
P (x) b
15. ax + =t k = 2, 3, ... e gr (P ) ≤ 2k
(ax2 + bx + c)k 2
P (x)
16. k x = p + qt k = 2, 3, ... e gr (P ) ≤ 2k
(x − p)2 + t2
xk−1
17. xk = at k ∈ Q, ... e k > 1
x2k ± a2
1−t2
tg x2 = t 2t

18. R (sin x, cos x) sin x = 1+t2
e cos x = 1+t2
R (sin x, cos x)
19. cos x = t
e R (−u, v) = −R (u, v)
R (sin x, cos x)
20. sin x = t
e R (u, −v) = −R (u, v)
t √ 1 ,
R (sin x, cos x) sin x = √1+t e cos x =
21. tg x = t  π 2 1+t2
e R (−u, −v) = R (u, v) se t ∈ 0, 2
TABELA III
70CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL

Apêndice 1.2 [Critérios de Convergência dos Integrais


Impróprios]
Se quisermos determinar a natureza de integrais impróprios de funções não negati-
vas (respectivamente, não positivas) num dado intervalo podemos garantir que ou temos
convergência ou divergência para +∞ (resp., para −∞). De facto, temos o seguinte
resultado:

Teorema 15. Seja f uma função não nula e com um número finito de pontos de desconti-
nuidade num intervalo [a, b], a, b ∈ R. Se f é não negativa (resp., não positiva) em [a, b],
então Z b
f (x) dx ∈ ]0, +∞] (resp., [−∞, 0[ ).
a

Os resultados seguintes permitem-nos determinar a natureza de integrais impróprios


sem recorrer à definição, a qual falha quando a primitiva da função integranda não conse-
gue exprimir-se como soma finita de funções elementares.
No que se segue, I designa um intervalo aberto ou semi-aberto de extremos a e b, com
a, b ∈ R e a < b.

Teorema 16 (1.º critério de comparação). Sejam f e g duas funções contı́nuas e não


negativas num intervalo I. Se existe M > 0 tal que

f (x) ≤ M g(x), ∀x∈I ,

então:
Rb Rb
(i) se a
g (x) dx é convergente, então a f (x) dx é convergente
Rb Rb
e a f (x) dx ≤ M a g (x) dx
Rb Rb
(ii) se a
f (x) dx é divergente, então a g (x) dx é divergente
R +∞ ln(e+x)
Exemplo 35. Pretende-se determinar a natureza de 0 x
dx. Para tal, note que

1 ln (e + x)
≤ , ∀x∈]0,+∞[ .
x x
R +∞ 1
R +∞ ln(e+x)
Como 0 x
dx = +∞, podemos concluir que também 0 x
dx = +∞. 

Teorema 17 (2.º critério de comparação). Sejam f e g duas funções contı́nuas e não


negativas num intervalo I. Seja d tal que:


 −∞, se I = ]−∞, b] , com b ∈ R
 +
a , se I = ]a, b] , com a, b ∈ R
d= − .

 b , se I = [a, b[ , com a, b ∈ R
+∞, se I = [a, +∞[ , com a ∈ R

1.3. INTEGRAL DUPLO 71

e L = lim fg(x)
(x)
. Então:
x→d
 Rb Rb
 (i) a f (x) dx é convergente ⇐⇒ a g (x) dx é convergente
(1) se L ∈ R+ , então
Rb Rb
f (x) dx = +∞ ⇐⇒

(ii) a a
g (x) dx = +∞
 Rb Rb
 (i) a g (x) dx é convergente =⇒ a f (x) dx é convergente
(2) se L = 0, então
 Rb Rb
(ii) a
f (x) dx = +∞ =⇒ a
g (x) dx = +∞
 Rb Rb
 (i) a f (x) dx é convergente =⇒ a g (x) dx é convergente
(3) se L = +∞, então
 Rb Rb
a
g (x)
(ii) dx = +∞ =⇒ a
f (x) dx = +∞
R π cos x Rπ 1
Exemplo 36. Para determinar a natureza de 02 x dx vamos comparar com  π 0 x dx.
2

Dado que ambas as funções integrandas são contı́nuas e não negativas em 0, 2 e como
cos x
x
lim+ 1 = 1,
x→0
x
Rπ 1
Rπ cos x
estamos no caso (i). Como 0
2
x
dx = +∞ o mesmo sucede com 0
2
x
dx. 
Acrescentamos que se f for contı́nua e não positiva num intervalo I, então g = −f
é função contı́nua e não negativa em tal intervalo. A g são aplicáveis os critérios acima
descritos e têm-se as seguintes conclusões:
Rb Rb Rb Rb
(i) a g (x) dx é convergente =⇒ a f (x) dx é convergente e a f (x) dx = − a [−f (x)] dx
Rb Rb
(ii) a g (x) dx = +∞ =⇒ a f (x) dx = −∞
Por último, admitamos que f não mantém sinal constanteR bnum intervalo I nas condições
acima descritas e pretendemos determinar a natureza de a f (x) dx. Dizemos que tal
Rb
integral é absolutamente convergente se a |f (x)| dx for convergente. A relação entre
convergência e convergência absoluta é estabelecida no resultado que se segue.
Teorema 18. Se f é contı́nua com um número finito de pontos de descontinuidade em I,
então
Z b Z b
f (x) dx é absolutamente convergente =⇒ f (x) dx convergente.
a a
R +∞ sin x
R +∞ sin x
Exemplo 37. O integral 1 2 dx é absolutamente convergente uma vez que x2
dx
R x+∞ 1 1
é convergente (compare com 1 x2
dx através do 1º critério de comparação). 
Note que um integral pode ser convergente sem ser absolutamente convergente. Nesse
caso falamos de convergência simples. Temos:
Z b Z b Z b
f (x) dx é simplesmente convergente ⇐⇒ |f (x)| dx = +∞ e f (x) dx é convergente.
a a a
72CAPÍTULO 1. CÁLCULO INTEGRAL DE FUNÇÕES REAIS DE VARIÁVEL REAL
Capı́tulo 2

Séries

Vamos dedicar o presente capı́tulo a um breve estudo das séries numéricas e de potências,
assim como aos desenvolvimentos de funções em série de Taylor/MacLaurin. Focaremos
também a relação entre as séries e os integrais impróprios definidos em [a, +∞[, com
a ∈ N0 . Como as séries estão relacionadas com as sucessões de números reais, sugere-se
ao leitor que recorde as principais definições e propriedades relativas às sucessões.

2.1 Definições
Suponha que é dada uma sucessão de números reais, (un )n∈N e que nos propomos calcular
a soma S dos seus k primeiros termos. Como k é finito, sabemos que tal soma é finita,
sendo dada por:
Xk
S= un .
n=1

Questão diferente é a de saber se faz sentido atribuir um valor à soma de todos os termos
da sucessão, i.e., se é possı́vel dizer que

+∞
X
un (2.1)
n=1

é igual a algum número real S. O facto de o número de parcelas ser infinito levar-nos-ia a
dizer que a soma é também infinita. Vamos ver que isso nem sempre é verdade, precisando
para tal de clarificar o conceito de soma com um número infinito de parcelas. O somatório
introduzido em (2.1) diz-se série de números reais (ou série numérica) de termo geral
un e a clarificação relativa à questão proposta far-se-á, como em muitos outros conceitos
do Cálculo, à custa de limites.

73
74 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Comecemos por notar que todos os números racionais podem ser considerados somas
de séries de números reais. A tı́tulo de exemplo, observe que:
+∞ +∞
1 X X 3
= 0, (3) = 0, 333... = 3 × 10−1 + 3 × 10−2 + 3 × 10−3 + ... = 3 × 10−n = .
3 n=1 n=1
10n

Ou seja, é mesmo possı́vel afirmar que certas séries têm soma S ∈ R (num sentido que
adiante definiremos com precisão).
O seguinte exemplo adicional apela de uma forma premente para a necessidade de
clarificar o que se entende por soma de uma série.
Exemplo 1. Que significado atribuir à ”soma” dos termos de un = (−1)n+1 , n ∈ N ?
Isto é, será que
1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + ...
é igual a algum número real? Se tentarmos aplicar propriedades usuais da adição (asso-
ciatividade, nomeadamente), temos:
(1 − 1) + (1 − 1) + (1 − 1) + ...
e, portanto, tudo leva a crer que tal ”soma” valerá zero. Mas o agrupamento dos termos
pode ser feito de modo diferente:
1 + (−1 + 1) + (−1 + 1) + (−1 + 1) + ...
o que nos induziria a afirmar que a ”soma” valerá 1. Aumentando a confusão, também
podemos afirmar que 21 é um valor plausı́vel para tal ”soma”. De facto, se S = 1 − 1 +
1 − 1 + 1 − 1 + ... temos:
S = 1 − 1 + 1 − 1 + 1 − 1 + ... = 1 − (1 − 1 + 1 − 1 + ...) = 1 − S,
de onde resultaria S = 12 . Este tipo de quebra-cabeças, análogo a outros que já vêm da
Grécia Antiga (como o Paradoxo de Aquiles e da tartaruga, atribuı́do a Zenão de Eleia,
que viveu no séc. V a.C.) levou muitos séculos a ser clarificado. O próprio Euler (visto
por muitos como o maior matemático de todos os tempos) propôs que se considerasse
para soma a média aritmética dos valores 0 e 1. 
O problema do Exemplo 1 reside no facto de estarmos a pressupor que as regras
válidas para séries hão-de ser as mesmas que as utilizadas para somatórios (i.e., somas
com parcelas em número finito).
Formalizemos o conceito de série, desta forma clarificando a questão da sua soma.
Definição 1. [série numérica] Chamamos série numérica ou série de números reais a
qualquer sı́mbolo do tipo
X+∞
un (2.2)
n=1
+∞
P
(ou, mais geralmente, a todo o sı́mbolo do tipo un , com p ∈ Z). A un chamamos
n=p
termo geral da série.
2.1. DEFINIÇÕES 75

A resposta ao problema da soma de uma série está relacionada com a sucessão (Sn )n∈N ,
dita sucessão associada à série (2.2), definida por:
n
X
Sn = u1 + u2 + ... + un = uk , n = 1, 2, 3, ...
k=1

Esta é também chamada sucessão das somas parciais da série (2.2) e parece claro que
+∞
X
un = lim Sn ,
n→+∞
n=1

caso este limite exista.


+∞
P
Definição 2. [série convergente] Uma série un é dita convergente se e só se existe
n=1
S ∈ R tal que
S = lim Sn .
n→+∞

Nesse caso, S é dito soma da série e podemos escrever


+∞
X
un = S = lim Sn .
n→+∞
n=1

Se lim Sn = +∞ (−∞) ou não existe, diremos que a série é divergente.(1 ).


n→+∞

Exemplo 2 (Exemplo 1 (cont.)). Podemos agora esclarecer a questão da série


+∞
X
(−1)n+1 .
n=1

A sucessão associada é dada por



1, se n é ı́mpar
S1 = 1, S2 = 1 − 1 = 0, S3 = 1 − 1 + 1 = 1, ... Sn = , n ∈ N.
0, se n é par

Assim, a série dada é divergente uma vez que

lim Sn
n→+∞

não existe. 
1
Nos dois primeiros casos, diremos que a série diverge para +∞ (−∞) e é legı́timo escrever
+∞
X
un = +∞(−∞).
n=1
76 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Antes de enunciarmos algumas propriedades das séries, queremos apresentar um im-


portante resultado relativo à convergência de séries.
+∞
P
Teorema 1. [Condição Necessária de Convergência] Se a série un é convergente,
n=1
então lim un = 0
n→+∞

Demonstração. Sendo a série dada convergente e considerando a sucessão das somas


parciais, (Sn )n∈N , podemos afirmar que

lim Sn = S,
n→+∞

sendo S a soma da série. Repare que, para cada n ∈ N,

Sn+1 = Sn + un+1 .

Aplicando limites, e uma vez que

lim Sn+1 = lim Sn = S,


n→+∞ n→+∞

vem:
S = S + lim un+1 ,
n→+∞

de onde resulta
lim un+1 = 0,
n→+∞

ou, equivalentemente,
lim un = 0,
n→+∞

o que demonstra o pretendido.


Pela lei lógica da conversão (2 ), é imediato o que se afirma no seguinte corolário.
+∞
P
Corolário 1. Se lim un 6= 0 ou não existe, então un é divergente.
n→+∞ n=1

Exemplo 3. Considere a sucessão un de termo geral


 n−3
n+5
.
n+8
Como
 n−3  n−3 " n+8 # n−3
n+8
−3 −3 −3
lim 1 + = lim 1+ = lim 1+
n→+∞ n+8 n→+∞ n+8 n→+∞ n+8
1
= e−3 = e−3 .
2
A Lei Lógica da Conversão afirma que uma implicação p =⇒ q é logicamente equivalente a
∼ q =⇒∼ p (onde ∼ é a negação proposicional).
2.1. DEFINIÇÕES 77

Deste modo,
+∞  n−3
X n+5
n=1
n+8
é divergente. 

Note que o teorema acima demonstrado apenas afirma que é necessário (mas não
+∞
P
suficiente) que lim un = 0 para que a série un seja convergente. Assim, existem
n→+∞ n=1
séries divergentes cujo termo geral é uma sucessão convergindo para zero. De facto,
considere as chamadas séries de Dirichlet:
+∞
X 1
, α > 0.
n=1

É fácil verificar que


1
lim = 0, ∀α > 0.
n→+∞ nα
Contudo, havemos de provar que

+∞
P 1
converge se α > 1


α

n=1 n

.
 +∞
P 1
= +∞ se 0 < α ≤ 1


α
n=1 n

Assim sendo, a série de Dirichlet


+∞
X 1
,
n=1
n

mais conhecida por série harmónica, diverge (pois α = 1). A divergência desta série é
muito lenta, o que pode ser visualizado através de uma tabela de cálculo (e.g., recorrendo
ao Excel).
Eis agora duas propriedades operatórias das séries.
+∞
P +∞
P
Teorema 2. Admitamos que un e vn são duas séries convergentes, tendo-se
n=1 n=1

+∞
X +∞
X
un = A e vn = B,
n=1 n=1

e seja α ∈ R. Então as seguintes séries convergem para as somas indicadas:


+∞
X +∞
X
(i) (un ± vn ) = A ± B, (ii) (α un ) = α A.
n=1 n=1
78 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Convém neste momento referir que a natureza de uma série (i.e., a sua convergência
ou divergência) não depende da inclusão ou supressão de termos em número finito. Quer
isto dizer que, dado k ∈ Z,
+∞
X +∞
X
un converge se e só se un converge.
n=1 n=k

Como é evidente, o mesmo não se pode dizer acerca da soma da série. De facto, se
+∞
X
un = S,
n=1

então
+∞
X k−1
X
un = S − un .
n=k n=1

Por último, a soma de uma série convergente pode sempre ser aproximada pela soma
parcial, SN , a qual consiste na soma dos N primeiros termos da série. Simbolicamente:
+∞
X N
X
S= un ≈ SN = un (2.3)
n=1 n=1

Se designarmos por RN a soma dos termos desprezados, temos:


+∞
X N
X +∞
X
un = SN + RN = un + un .
n=1 n=1 n=N +1

Limitando superiormente o valor absoluto de RN , podemos obter um majorante para o


erro cometido na aproximação indicada em (2.3).
2.2. SÉRIES GEOMÉTRICAS 79

2.2 Séries Geométricas


Outro tipo de séries para as quais é muito fácil determinar a sua soma são as séries
geométricas.

Definição 3. [série geométrica] Chamamos série geométrica a toda aquela cujo termo
geral é uma progressão geométrica, i.e., a toda a série da forma
+∞
X
a rn ,
n=0

onde r é a razão e a é o primeiro termo.

Note que, seguindo a indicação dada acerca das progressões geométricas, optaremos
por começar este tipo de séries no termo de ordem zero.
Sendo un = a rn , n = 0, 1, 2, ..., vamos estabelecer em que condições temos séries
geométricas convergentes.

Caso r = 1 : Se o termo geral for uma progressão geométrica de razão 1 e 1º termo


u0 = a a sucessão das somas parciais é:

S1 = a, S2 = a + a = 2a, S3 = a + a + a = 3a
..
.
Sn = na, n ∈ N.

Logo, 
 +∞, se a > 0
lim Sn = lim n a = .
n→+∞ n→+∞
−∞, se a < 0

Em qualquer dos casos, a série diverge.

Caso r 6= 1 : Neste caso, temos:

S1 = a
S2 = a + ar = a (1 + r)
S3 = a + ar + ar2 = a (1 + r + r2 )
..
.
2 n−1 2 n−1 1 − rn
Sn = a + ar + ar + . . . + ar = a (1 + r + r + . . . + r )=a , n ∈ N.
1−r
Recorde agora que
lim rn = 0 ⇐⇒ |r| < 1
n→+∞
e
lim rn = +∞,
(
se r > 1
n→+∞
.
lim rn não existe, se r ≤ −1
n→+∞
80 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Deste modo, se |r| < 1 teremos:

1 − rn
 
a
lim Sn = lim a =
n→+∞ n→+∞ 1−r 1−r
e
+∞
X a
a rn = .
n=0
1−r

As conclusões extraı́das nesta dedução estão resumidas no resultado que se segue.


+∞
a rn é con-
P
Teorema 3. [convergência da série geométrica] Uma série geométrica
n=0
vergente se e só se
|r| < 1.
Em caso de convergência, temos:
+∞
X a
a rn = .
n=0
1−r

+∞
(−1)n diverge, uma
P
Baseando-nos neste teorema, podemos concluir de novo que
n=0
vez que esta é uma série geométrica de razão r = −1 ∈
/ ]−1, 1[.
É também este tipo de séries que está na base da expressão de dı́zimas infinitas
periódicas na forma de fracção, exemplo que serviu de motivação na introdução ao pre-
sente capı́tulo.

Exemplo 4. Determine a fracção representativa da dı́zima 0, (08).


Resolução: Note que:
+∞   n 
8 8 8 X 8 1
0, (08) = 0, 080808 . . . = 2 + 4 + 6 + . . . = .
10 10 10 n=0
102 102

Esta é uma série geométrica convergente, uma vez que a sua razão é
1
r= ∈ ]−1, 1[ .
102
8
Logo, como a =
102
8
102 8
0, (08) = 1 = ,
1− 102
99
o que conclui o exemplo. 

No apêndice 2.1 apresentamos um exemplo relacionado com progressões e séries


geométricas no contexto do cálculo com juros compostos.
2.3. SÉRIES E INTEGRAIS IMPRÓPRIOS. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA 81

2.3 Séries e Integrais Impróprios. Critérios de convergência


Existem vários critérios que permitem determinar a natureza de séries de termos não
negativos. Começamos a presente subsecção explorando a relação entre séries e integrais
impróprios de funções definidas em [a, +∞[, onde a ∈ N.
A tı́tulo de exemplo, regressemos às séries de Dirichlet
+∞
X 1
, α > 0. (2.4)
n=1

Na figura seguinte vemos o gráfico de


1
y= ,

conjuntamente com uma região a sombreado composta por rectângulos.

A soma das áreas destes rectângulos constitui uma visualização da soma da série (2.4).
+∞
P 1
Ela torna intuitiva a seguinte conclusão: a série α
é convergente/divergente se e só
n=1 n
se o integral impróprio Z +∞
1
dx
1 xα
é convergente/divergente.
82 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Atendendo ao estudo já feito a respeito desta famı́lia de integrais impróprios (ver a
figura anterior e a secção 2.5 do Capı́tulo 1), podemos concluir que
+∞
X 1
α
converge se α > 1 e diverge se 0 < α ≤ 1.
n=1
n

As conclusões que foi possı́vel estabelecer no exemplo descrito baseiam-se no se-


guinte resultado.

Teorema 4. [Critério do Integral] Seja f uma função positiva, contı́nua e decrescente


quando x ≥ 1 e an = f (n) , n ∈ N. Então

+∞
X Z +∞
an e f (x) dx são ambas convergentes ou ambas divergentes.
n=1 1

No exemplo inicial, as funções

1
f (x) = , α>0

são positivas e contı́nuas em [1, +∞[. Como

1
f 0 (x) = (−α) < 0, ∀x ∈ [1, +∞[ ,
xα+1

as mesmas funções são decrescentes em [1, +∞[. Estando nas condições do critério do
integral, podemos dizer que
+∞ Z +∞
X 1 1
α
converge sse α
dx converge.
n=1
n 1 x

Sabendo que o integral impróprio converge quando α > 1 e diverge se 0 < α ≤ 1, as


mesmas conclusões são extensı́veis à série.
+∞
P 1 1
Entretanto, não é legı́timo concluir que a soma da série nα
seja igual a ,
R +∞ n=1 α − 1
valor para o qual converge 1 x1α dx, pois o critério nada afirma a respeito da soma. Por
exemplo, Euler mostrou que
+∞
X 1 π2
2
= ≈ 1, 645,
n=1
n 6

enquanto que
Z +∞
1
dx = 1.
1 x2
2.3. SÉRIES E INTEGRAIS IMPRÓPRIOS. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA 83

Exemplo 5. Mostre que a série


+∞
X 1
n=1
n2 +1
é convergente.
Resolução: É tarefa fácil (faça-o!) mostrar que a função f tal que
1
f (x) =
x2 +1
é positiva, contı́nua e decrescente em [1, +∞[ . Estando nas condições do Critério do
Integral, podemos dizer que
+∞
X 1
n=1
n2 + 1
terá a mesma natureza de Z +∞
1
dx.
1 x2 +1
Ora,
Z +∞ Z X
1 1
dx = lim dx = lim [arctg (x)]X
1
1 x2 + 1 X→+∞ 1 x2 + 1 X→+∞

π π π
= lim [arctg (X) − arctg (1)] = − = .
X→+∞ 2 4 4
Assim, a série dada é também convergente. 
Nota 1. À semelhança do que antes foi dito, não podemos afirmar que
+∞
X 1 π
= .
n=1
n2 +1 4

Contudo, é possı́vel afirmar que:


N +∞ N Z +∞
X 1 X 1 X 1 1
≤ ≤ + dx.
n=1
n2 + 1 n=1 n2 + 1 n=1 n2 + 1 N x2 +1

Note que, se N for dado, é possı́vel calcular o valor exacto do somatório


N
X 1
.
n=1
n2 + 1

Por outro lado, quanto maior for o valor de N , melhor a aproximação. Assim, por exem-
plo para N = 200, temos:
+∞
X 1
1, 072 ≤ ≤ 1, 077.
n=1
n2 + 1
84 CAPÍTULO 2. SÉRIES

A terminar esta secção, acrescente-se que o Critério do Integral é extensı́vel a funções


que satisfazem as condições para todo o x ≥ N > 1, considerando então o integral
impróprio
Z +∞
f (x) dx.
N

Os resultados de seguida elencados são extremamente úteis no estabelecimento da


natureza de uma série de termos não negativos. Deixá-los-emos enunciados sem incluir a
demonstração, as quais poderão ser encontradas em várias das referências bibliográficas.

Teorema 5 (1º Critério de Comparação). Sejam an e bn duas sucessões de termos não


negativos. Se existe M > 0 tal que

an ≤ M b n , ∀n∈N ,

então:
+∞
P +∞
P +∞
P +∞
P
(i) se bn é convergente, então an é convergente e an ≤ M bn
n=1 n=1 n=1 n=1
+∞
P +∞
P
(ii) se an é divergente, então bn é divergente
n=1 n=1

Exemplo 6. A série
+∞
X 1
n=1
2 + 3n
é uma série de termos não negativos. Por outro lado,
 n
1 1 1
n
≤ n = .
2+3 3 3

Como
+∞  n
X 1
n=1
3
1
é uma série geométrica convergente (pois r = 3
∈ ]−1, 1[), podemos concluir, pela parte
(i) do 1º critério de comparação, que
+∞
X 1
n=1
2 + 3n

é convergente. 

Exercı́cio 11. Mostre que


1 1
≤ √ , ∀n ≥ 4.
n 2+ n
2.3. SÉRIES E INTEGRAIS IMPRÓPRIOS. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA 85

Recorra à parte (ii) do 1.º critério de comparação para deduzir a natureza da série
+∞
X 1

n=4
2+ n
+∞
P 1
e, a partir desta, indique a natureza de √ .
n=1 2 + n
Por vezes, não é evidente a relação de majoração/minoração entre os termos gerais
das séries a que devemos aplicar o teorema anterior. Em tais casos devemos recorrer ao
seguinte resultado.
Teorema 6 (2.º Critério de Comparação). Sejam an uma sucessão de termos não nega-
an
tivos e bn uma sucessão de termos positivos. Admita que L = lim . Então:
n→+∞ bn

+∞
P +∞
P
(i) a é convergente ⇐⇒ bn é convergente



 n
+ n=1 n=1
(1) se L ∈ R , então
 +∞
P +∞
P
 (ii) an = +∞ ⇐⇒ bn = +∞


n=1 n=1

+∞ +∞
 (i) P bn é convergente =⇒ P an é convergente



n=1 n=1
(2) se L = 0, então
 +∞
P +∞
P
 (ii) an = +∞ =⇒ bn = +∞


n=1 n=1

+∞
P +∞
P
(i) a é convergente =⇒ bn é convergente



 n
n=1 n=1
(3) se L = +∞, então
 +∞
P +∞
P
 (ii) bn = +∞ =⇒ an = +∞


n=1 n=1

Exemplo 7. Pretende-se estudar a natureza da série de termos não negativos:


+∞ √
X n
2
.
n=1
n +1
Para tal, consideremos uma série de Dirichlet
+∞
X 1
,
n=1

em que
1 3
α=2− = ,
2 2
assim escolhido por ser a diferença entre o grau do polinómio em denominador e o expo-
ente fraccionário da função em numerador. Temos:

n
n2 +1 n2
L= lim 1 = lim = 1 ∈ R+ .
n→+∞ 3/2 n→+∞ n2 + 1
n
86 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Deste modo, as séries


+∞ √ +∞
X n X 1
2
e 3/2
n=1
n + 1 n=1 n
têm a mesma natureza. Como a segunda é convergente (α > 1), a primeira também o
será. 

Os seguintes critérios são autónomos, no sentido de não requererem a comparação


com outra série de natureza conhecida.

Teorema 7 ( Critério de Cauchy ou da raiz). Se an ≥ 0 e



lim n
an = L ∈ R,
n→+∞

então temos:
+∞
P
(i) se L < 1, então a série an é convergente.
n=1
+∞
(ii) se L > 1 ou L = 1+ , então a série
P
an é divergente.
n=1

(iii) se L = 1− , então o critério é inconclusivo.

Teorema 8 ( Critério de D’Alembert ou da razão). Se an > 0 e


an+1
lim = L ∈ R,
n→+∞ an

então temos:
+∞
P
(i) se L < 1, então a série an é convergente.
n=1
+∞
(ii) se L > 1 ou L = 1+ , então a série
P
an é divergente.
n=1

(iii) se L = 1− , então o critério é inconclusivo.

Nota 2. Observe que a parte (ii) de cada um dos critérios anteriores inclui o caso L =
+∞.

O seguinte resultado aplica-se nos casos em que o critério da razão se revela incon-
clusivo.

Teorema 9 (Critério de Raabe). Se an > 0 e


 
an
lim n − 1 = L ∈ R,
n→+∞ an+1
2.3. SÉRIES E INTEGRAIS IMPRÓPRIOS. CRITÉRIOS DE CONVERGÊNCIA 87

então temos:
+∞
P
(i) se L > 1, então a série an é convergente.
n=1
+∞
(ii) se L < 1 ou L = 1− ,
P
então a série an é divergente.
n=1

(iii) se L = 1+ , então o critério é inconclusivo.


Exemplo 8. Estude a convergência das seguintes séries:
+∞
 n +∞ +∞
P n P 1 P 1
(i) (ii) (iii) α
, α > 0.
n=1 2n + 7 n=0 n! n=1 n

Resolução: O critério da raiz pode aplicar-se para concluir que


+∞  n
X n
n=1
2n + 7
é convergente. De facto,
s n
n n 1
lim = < 1.
n→+∞ 2n + 7 2
Por outro lado, o critério da razão permite concluir que também
+∞
X 1
n=0
n!
é convergente, uma vez que
1
(n+1)! 1
lim 1 = lim = 0 < 1.
n→+∞
n!
n→+∞ n+1
Por último, é tarefa fácil provar que, se
1
an = ,

então
an+1
lim = 1− ,
n→+∞ an
pelo que o critério da razão se revela inconclusivo. Ora,
   α 
an n+1
lim n − 1 = lim n −1
n→+∞ an+1 n→+∞ n
α x+1 α x+1 α
 
−1 −
 
x+1 x x
1
= lim x − 1 = lim 1 = lim x+1
(passagem às f.r.v.r.) x→+∞ x x→+∞
x
x→+∞
x
−1
α
y −1
=x+1 lim = (· · · ) = α.
( lim =1) y→1 y − 1 (r. de l’Hôpital)
x→+∞ x

Atendendo às conclusões do critério de Raabe, obtemos as mesmas conclusões a que


anteriormente havı́amos chegado acerca da natureza das séries de Dirichlet. 
88 CAPÍTULO 2. SÉRIES

2.4 Convergência absoluta


Considere a série
+∞
X cos n
. (2.5)
n=1
5n
Não existe nenhuma ordem a partir da qual os termos desta série mantenham sinal cons-
tante, pelo que os critérios apresentados na se revelam inapropriados para o estudo da
sua natureza. Contudo, se considerássemos a série dos módulos correspondente, i.e., se
tivéssemos a série
+∞
X cos n
n=1
5n
já estarı́amos nas condições dos referidos resultados. Para estabelecer a relação entre
uma série de termos de sinal qualquer e a respectiva série dos módulos, temos a seguinte
definição.
Definição 4. [série absolutamente convergente] Dizemos que uma série
+∞
X
an
n=1

é absolutamente convergente se
+∞
X
|an |
n=1
for convergente.
+∞
P cos n
Deste modo, como é convergente (recorra ao 1.º critério de comparação
n=1 5n
para chegar a esta conclusão), podemos afirmar que a série (2.5) é absolutamente conver-
gente.
Uma questão natural é a de saber que relação se estabelece entre a convergência e a
convergência absoluta.
+∞
P
Teorema 10. Se an é absolutamente convergente, então é convergente. Além disso,
n=1

+∞
X +∞
X
an ≤ |an | .
n=1 n=1

Note que o recı́proco deste teorema não é verdadeiro. De facto, podem existir séries
convergentes que não são absolutamente convergentes. Temos a seguinte definição:
Definição 5. [série simplesmente convergente] Dizemos que uma série
+∞
X
an
n=1
2.4. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 89

é simplesmente convergente se
+∞
X
|an | = +∞
n=1
+∞
P
mas an é convergente.
n=1

De entre as séries que podem ser absolutamente convergentes ou simplesmente con-


vergentes situam-se as chamadas séries alternadas. Estas são séries em que dois quais-
quer termos consecutivos têm sinais contrários. Assim, as séries alternadas têm a seguinte
forma:
+∞
X +∞
X
n
(−1) un ou (−1)n+1 un , com un ≥ 0.
n=1 n=1

Da definição de convergência absoluta, resulta:


+∞
X +∞
X +∞
X
(−1)n un (ou (−1)n+1 un ) é absolutamente convergente ⇐⇒ un é convergente.
n=1 n=1 n=1

Note que, para que uma série alternada convirja, é forçoso que

lim un = 0,
n→+∞

fruto da condição necessária de convergência. Além disso, temos a seguinte condição


suficiente de convergência para uma série alternada.
+∞ +∞
(−1)n un (ou (−1)n+1 un ), com un ≥ 0.
P P
Teorema 11. [Critério de Leibniz] Seja
n=1 n=1
Se (un )n∈N é decrescente e lim un = 0, então a série alternada é convergente.
n→+∞

+∞
P
Nota 3. A convergência a que se refere o resultado anterior só será simples se un =
n=1
+∞.
Outro facto relativo às séries alternadas nas condições do teorema anterior é o se-
guinte:
+∞
X
0≤ (−1)n+1 un ≤ u1
n=1
e
+∞
X
−u1 ≤ (−1)n un ≤ 0.
n=1

Exemplo 9. Mostre que a série harmónica alternada:


+∞
X 1
(−1)n (2.6)
n=1
n
90 CAPÍTULO 2. SÉRIES

é simplesmente convergente.
Resolução: De facto, a sua série dos módulos é a série harmónica, que é divergente.
Sendoassim,
 a série harmónica alternada não pode ser absolutamente convergente. Con-
1
tudo, é decrescente e converge para zero. Pelo critério de Leibniz, a série (2.6)
n n∈N
é (simplesmente) convergente. 
O resultado seguinte permite-nos obter aproximações para a soma de séries alternadas
convergentes com tanta precisão quanto se queira.
+∞ +∞
(−1)n un (ou (−1)n+1 un ) com un ≥
P P
Teorema 12. [resto da série alternada] Seja
n=1 n=1
0, uma série alternada convergente cuja soma é S e tal que (un )n∈N é decrescente. Se
aproximarmos a soma S pelo valor SN de uma soma parcial, então o valor absoluto do
resto envolvido nesta aproximação não excede o módulo do primeiro termo desprezado,
i.e.,
|S − SN | = |RN | ≤ uN +1 .
+∞
(−1)n+1 un , deixando ao lei-
P
Demonstração. Utilizaremos a série alternada na forma
n=1
tor a tarefa de provar para a que se escreve na outra forma. Note que:
+∞
X N
X
RN = S − SN = (−1)n+1 un − (−1)n+1 un
n=1 n=1
+∞
X
= (−1)n+1 un = (−1)N +2 uN +1 + (−1)N +3 uN +2 + (−1)N +4 uN +3 ...
n=N +1
N
= (−1) (uN +1 − uN +2 + uN +3 − ...) .

Assim, e porque (un )n∈N é decrescente, temos:

|RN | = uN +1 − uN +2 + uN +3 − uN +4 + uN +5 ...

= uN +1 − (uN +2 − uN +3 ) − (uN +4 − uN +5 ) − ... ≤ uN +1 ,

o que conclui a demonstração.


Exemplo 10. Obtenha uma aproximação da soma da série
+∞
X 1
(−1)n+1 ,
n=1
n!

quando toma a soma dos seus seis primeiros termos.


Resolução: Note que a série dos módulos
+∞ +∞
X 1 X 1
(−1)n+1 =
n=1
n! n=1
n!
2.4. CONVERGÊNCIA ABSOLUTA 91

1
é convergente. De facto, se un = , n ∈ N, temos:
n!
un+1
lim = (...) = 0.
n→+∞ un

O critério da razão (ver secção anterior) permite extrair a conclusão apresentada. As-
sim, a série dada é absolutamente convergente. Observe agora que a série dada está
nas condições do Teorema do Resto para séries alternadas, pois (un )n∈N é decrescente.
Assim, quando se escreve:
+∞ 6
X n+1 1 X 1 91
(−1) = S ≈ S6 = (−1)n+1 = (. . .) = ≈ 0, 63194,
n=1
n! n=1
n! 144

devemos ter em conta que:


1
|S − S6 | = |R6 | ≤ u7 = ≈ 0, 0002,
5040
o que nos fornece um majorante para o erro absoluto cometido na aproximação. Logo,

S ∈ [S6 − u7 , S6 + u7 ]

ou seja, utilizando a aproximação de u7 ,

0, 63174 = 0, 63194 − 0, 0002 ≤ S ≤ 0, 63194 + 0, 0002 = 0, 63214,

o que conclui o exemplo. 


92 CAPÍTULO 2. SÉRIES

2.5 Séries de Potências


Uma série de potências centrada em c ∈ R é toda a série da forma:
+∞
X
an (x − c)n . (2.7)
n=0

As séries de potências têm uma importante ligação com os desenvolvimentos de funções


em série de Taylor, tema tratado na secção seguinte. Importa sublinhar que, x é uma
variável real: para cada concretização de x obtemos uma série numérica de cujo estudo
nos ocupámos nas secções prévias. Por outro lado, é crucial o conceito de intervalo de
convergência da série de potências (2.7), o qual consiste no conjunto de pontos x que
convertem a série dada numa série numérica convergente. Prova-se que tal conjunto é um
intervalo I, centrado em c, que pode ser de um dos três tipos seguintes:
(i) I = R (ii) I = {c} (iii) I = I (R)
No caso (iii), a notação I (R) designa um intervalo com extremos c − R e c + R, onde
R > 0 designa o chamado raio de convergência da série. Observemos que I (R) pode
ser um dos seguintes intervalos:
]c − R, c + R[ , [c − R, c + R[ , ]c − R, c + R] ou [c − R, c + R]
A decisão a respeito da inclusão dos extremos faz-se substituindo x por cada um destes
valores e estudando as séries numéricas daı́ resultantes. A figura seguinte ilustra (iii).

O raio de convergência determina-se por aplicação à série


+∞
X
|an (x − c)n |
n=0

de um de entre dois critérios apresentados na secção 2.3: o critério da raiz e o critério


da razão. Em geral, desta aplicação resultam as seguintes fórmulas para o raio de con-
vergência:
p 1 an+1 1
lim n |an | = ; lim = . (2.8)
n→+∞ R n→+∞ an R
Nos casos extremos, temos
R = +∞ =⇒ caso (i)
.
R=0 =⇒ caso (ii)
2.5. SÉRIES DE POTÊNCIAS 93

Exemplo 11. Determine o intervalo de convergência de cada uma das seguintes séries:
+∞ +∞ xn +∞
xn n n xn .
P P P
(i) (ii) (iii)
n=0 n=0 n! n=0

Resolução: No primeiro caso, sabemos de antemão que o intervalo de convergência irá


ser ]−1, 1[ . Basta repararmos que estamos na presença de uma série geométrica de razão
r = x, pelo que se verifica a convergência para todos os valores x tais que

|x| < 1,

sendo divergente para |x| ≥ 1. Além disso, para os valores de x ∈ ]−1, 1[ temos:
+∞
X 1
xn = .
n=0
1−x

Como é de esperar, a aplicação de uma das fórmulas (2.8) permitiria chegar à mesma
conclusão quanto ao raio e ao intervalo de convergência. De facto, temos:

an = 1

e
an+1
lim = 1,
n→+∞ an
pelo que
1
= 1 ⇐⇒ R = 1.
R
Assim, o intervalo de convergência I (R) contém ]−1, 1[. As séries
+∞
X +∞
X
n
(−1) e 1
n=0 n=0

são divergentes (aplique-se a condição necessária de convergência), pelo que


I (R) = ]−1, 1[. Quanto ao segundo exemplo, temos:
1
an =
n!
e
1 an+1 1
= lim = (· · · ) = lim = 0 (= 0+ ).
R n→+∞ an n→+∞ n+1
Daqui vem
R = +∞.
Logo,
I (R) = R.
94 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Por último, para o caso (iii) temos:


an = n n .
Dado que
1 p √
= lim n |an | = lim n nn = +∞.
R n→+∞ n→+∞

Logo, R = 0 e o intervalo de convergência reduz-se a {0}, pois a série é centrada na


origem. 
De seguida um exemplo de uma série de potências não centrada na origem.
Exemplo 12. Determine o intervalo de convergência da seguinte série:
+∞
X
2−n (x + 3)n .
n=0

Resolução: Como
an = 2−n ,
vem:
1 p √
n 1
= lim n |an | = lim 2−n = ,
R n→+∞ n→+∞ 2
pelo que
R = 2.
Como a série é centrada em c = −3, o intervalo de convergência conterá pelo menos
]−3 − 2, −3 + 2[ = ]−5, −1[ .
Uma análise às séries resultantes da substituição de x pelos valores extremos permite
concluir que nenhum deles pertencerá a I (R). Logo, I (R) = ]−5, −1[. 
Para concluirmos esta secção, vamos enunciar duas propriedades que nos permitirão
obter séries de potências por derivação ou integração termo a termo de séries de potências
dadas.
+∞
an (x − c)n uma série de potências cujo intervalo de convergência
P
Teorema 13. Seja
n=0
é I.
1. Se a, b ∈ I, então
Z b "X
+∞
# +∞
X Z b
n
an (x − c) dx = an (x − c)n dx.
a n=0 n=0 a

2. Para cada x ∈ int (I) , temos:


" +∞ # +∞
d X X d
an (x − c)n = an [(x − c)n ] .
dx n=0 n=1
dx
2.5. SÉRIES DE POTÊNCIAS 95

Apliquemos os resultados agora apresentados no exemplo que se segue.


Exemplo 13. Consideremos a série
+∞
X
xn .
n=0

Para cada y ∈ ]−1, 1[, temos:


Z y "X+∞
# +∞ Z y +∞
n
X
n
X y n+1
x dx = x dx = .
0 n=0 n=0 0 n=0
n+1

Mas como
+∞
X 1
xn = ,
n=0
1−x
vem: " +∞ #
Z y Z y
X 1
x n
dx = dx = [− ln |1 − x|]y0 = − ln (1 − y) .
0 n=0 0 1−x
Logo,
+∞
X y n+1 y2 y3
ln (1 − y) = − = −y − − − . . . , com y ∈ ]−1, 1[ .
n=0
n + 1 2 3

Por outro lado, para x ∈ ]−1, 1[ , verifica-se


" +∞ # +∞ +∞
d X n X d
n
X
x = [x ] = nxn−1 .
dx n=0 n=0
dx n=1

Como " +∞ #  
d X n d 1 1
x = = ,
dx n=0 dx 1 − x (1 − x)2
vem:
+∞ +∞
1 X X
2 = nxn−1 = nxn−1 ,
(1 − x) n=0 n=1

de onde resulta:
+∞
x X
2 = nxn = x + 2x2 + 3x3 + . . . , com x ∈ ]−1, 1[ .
(1 − x) n=1

Terminamos com outras propriedades operatórias das séries de potências.


Teorema 14. Admita que
+∞
X +∞
X
f (x) = an xn , x ∈ I1 e g (x) = bn xn , x ∈ I2 .
n=0 n=0
96 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Então:
+∞
an k n xn , ∀x : kx ∈ int (I1 )
P
(i) f (k x) =
n=0
+∞
(ii) f (xp ) = an xpn , ∀x : xp ∈ int (I1 )
P
n=0
+∞
(iii) xk f (x) = an xk+n , ∀x ∈ int (I1 )
P
n=0
+∞
(an ± bn ) xn , ∀x ∈ int (I1 ∩ I2 ) .
P
(iv) f (x) ± g (x) =
n=0

Exemplo 14. Determine a série de potências centrada em 0 de


3x − 1
f (x) = .
x2 − 1

Resolução: A decomposição
3x − 1 3x − 1 A B
= = +
x2 − 1 (x − 1) (x + 1) x−1 x+1

dá como resultado


A = 1 e B = 2.
Assim,
3x − 1 1 2 1 2
2
= + =− +
x −1 x−1 x+1 1 − x 1 − (−x)
+∞
X +∞
X +∞
X
n n n
= − x + 2(−1) x = [−1 + 2(−1)n ] xn
n=0 n=0 n=0
2 3 4
= 1 − 3x + x − 3x + x − ...

sendo que o intervalo de convergência desta série é a intersecção dos intervalos de con-
vergência das duas séries parcelares, ou seja, ]−1, 1[. 
2.6. SÉRIES DE TAYLOR/MACLAURIN 97

2.6 Séries de Taylor/MacLaurin


Vimos em Cálculo I que uma função pode ser aproximada mediante um polinómio, dito
polinómio de Taylor. Na secção anterior vimos que algumas funções constituem a soma
de séries de potências, os quais mais não são que polinómios de ”grau infinito”. Fará então
sentido dizer que uma função é igual a um polinómio deste tipo? E em que sentido? Para
responder a esta questão, vamos definir as séries de Taylor/MacLaurin de uma função.

Definição 6. Seja f uma função com derivadas de todas as ordens em c. Então a série
+∞ (n) 00 (n)
X f (c) f (c) f (c)
(x − c)n = f (c)+f 0 (c) (x − c)+ (x − c)2 +. . .+ (x − c)n +. . .
n=0
n! 2! n!

é chamada Série de Taylor de f em c. Além disso, se c = 0, então a série diz-se Série de


MacLaurin de f .

Esta série é pois uma generalização do polinómio de Taylor. Temos ainda o seguinte
importante resultado.

Teorema 15. Se f é uma função representada por uma série de potências centrada em c,
+∞
X
f (x) = an (x − c)n ,
n=0

para todo o x num intervalo aberto I contendo c, então

f (n) (c)
an =
n!
e temos:
+∞ f (n) (c)
(x − c)n
P
f (x) =
n=0 n! (2.9)
00 (n)
f (c) 2 f (c) n
= f (c) + f 0 (c) (x − c) + 2!
(x − c) + . . . + n!
(x − c) + . . .

Observação: O teorema afirma que se uma série de potências converge para alguma
função f , então a série terá de ser uma série de Taylor. Contudo, não se afirma
f (n) (c)
que toda a série cujos coeficientes são an = convergirá para f (x). Pode
n!
acontecer que a série convirja mas não para f (x). Neste caso, o intervalo de vali-
dade da igualdade restringe-se ao ponto c (e a fórmula revela-se inútil). Em casos
excepcionais, é até possı́vel que a série convirja para uma função distinta de f . Nou-
tras ocasiões, a fórmula é válida para qualquer x. Usualmente, a igualdade (2.9) é
válida para valores de x próximos de c e inválida para pontos que não estejam nessa
vizinhança.
98 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Exemplo 15. Determine a série de MacLaurin para cada uma das seguintes funções:
1
(i) g (x) = (ii) h (x) = sin x.
1−x

Resolução: Para o primeiro caso, temos:


1
g (x) = g (0) = 1
1−x
1
g 0 (x) = g 0 (0) = 1
(1 − x)2
00 2
g (x) = g 00 (0) = 2
(1 − x)3
2×3
g 000 (x) = g 000 (0) = 2 × 3
(1 − x)4
.. ..
. .
n!
g (n) (x) = g (n) (0) = n!
(1 − x)n+1
.. ..
. .
Logo,
+∞ (n) +∞
X g (0) n
X
(x − 0) = x n = 1 + x + x2 + . . . + xn + . . .
n=0
n! n=0

Esta série converge para x ∈ ]−1, 1[ e sabemos que a sua soma é a própria função
1
g (x) = , isto é:
1−x
+∞
1 X
= xn , x ∈ ]−1, 1[ .
1 − x n=0
Para o segundo caso, temos:
h (x) = sin x h (0) = 0
h0 (x) = cos x h0 (0) = 1
00
h (x) = − sin x h00 (0) = 0
h000 (x) = − cos x h000 (0) = −1
h(4) (x) = sin x h(4) (0) = 0
.. ..
. .
Logo,
+∞ (n) X (−1)n +∞
X h (0) n 1 3 1 5
(x − 0) = 0 + x + 0 − x + 0 + x + ... = x2n+1 .
n=0
n! 3! 5! n=0
(2n + 1)!

Pode-se provar que esta série converge para qualquer valor x ∈ R e, mais adiante,
provar-se-á que a sua soma é a própria função h (x). 
2.6. SÉRIES DE TAYLOR/MACLAURIN 99

Vamos agora perceber em que circunstâncias podemos, por exemplo, igualar as séries
do exemplo anterior a g(x) e a h(x), respectivamente. Recordando o que dissemos
aquando dos polinómios de Taylor, para uma função genérica f temos:
n
X f (k) (c)
f (x) = (x − c)k + Rn (x) ,
k=0
k!

onde
f (n+1) (z)
Rn (x) = (x − c)n+1 ,
(n + 1)!
para algum z entre c e x. Se Rn (x) −→ 0, o resultado seguinte diz-nos que a série de
Taylor de f converge mesmo para f (x), para todo o x ∈ I.

Teorema 16. Se lim Rn (x) = 0 para todo o x ∈ I, então a série de Taylor de f


n−→+∞
converge e é igual a f (x):
+∞ (n)
X f (c)
f (x) = (x − c)n .
n=0
n!

Demonstração. Para cada n ∈ N0 , o n-ésimo termo da sucessão das somas parciais da


série de Taylor é um polinómio de Taylor de grau n de f :

Sn (x) = Pn (x) .

De acordo com a fórmula de Taylor (ver [9])

Pn (x) = f (x) − Rn (x) .

Daqui resulta que:

lim Sn (x) = lim [f (x) − Rn (x)] = f (x) − lim Rn (x) .


n−→+∞ n−→+∞ n−→+∞

Deste modo, e tendo em conta a definição de soma de uma série convergente, para uma
dado x a série de Taylor converge para f (x) se e só se Rn (x) convergir para 0.
Vamos regressar aos exemplos que abordámos anteriormente.

Exemplo 16. Mostre que a série de MacLaurin da função

h(x) = sin x

converge para a própria função no seu intervalo de convergência.


Resolução: De acordo com o teorema anterior,
+∞
X (−1)n 2n+1
sin x = x (2.10)
n=0
(2n + 1)!
100 CAPÍTULO 2. SÉRIES

para todo o x ∈ R se e só se

f (n+1) (z) n+1


lim Rn (x) = lim x = 0,
n−→+∞ n−→+∞ (n + 1)!

para todo o x ∈ R. Ora,

f (n+1) (x) = ± sin x ou f (n+1) (x) = ± cos x.

Então
f (n+1) (z) ≤ 1,
para todo o z ∈ R. Assim

f (n+1) (z) n+1 1


0 ≤ |Rn (x)| = x ≤ |x|n+1 .
(n + 1)! (n + 1)!

Prova-se que, para cada x fixo,

|x|n+1
lim = 0.
n−→+∞ (n + 1)!

Pelo Teorema do enquadramento, podemos concluir que

lim Rn (x) = 0
n−→+∞

e portanto, a série de MacLaurin de sin x converge para sin x, isto é:


+∞
X (−1)n 2n+1
sin x = x
n=0
(2n + 1)!

para todo o x ∈ R. 

O processo para encontrar a série de Taylor de uma função encontra-se resultado no


seguinte quadro.

1. Por derivação sucessiva, encontre uma expressão geral para f (n) (x) e para f (n) (c) .
f (n) (c) P f (n) (c)
+∞
2. Forme os an = e construa a série de Taylor f (x) = (x − c)n .
n! n=0 n!
3. Determine o intervalo de convergência da série resultante.
4. Dentro do intervalo de convergência, verifique se a série converge ou não para f (x).

Repare que o primeiro passo conduz a cálculos não só fastidiosos como difı́ceis. Con-
tudo, há maneiras de abreviar os procedimentos acima descritos, baseando-nos em de-
senvolvimentos conhecidos para certas funções (como as dos exemplos anteriores) e apli-
cando as propriedades do desenvolvimento em série de potências: adição, subtracção,
derivação, integração, etc.
2.6. SÉRIES DE TAYLOR/MACLAURIN 101

Exemplo 17. Obtenha o desenvolvimento em série de MacLaurin de cada uma das se-
guintes funções:

x
(i) (ii) sin (x2 ).
1 + 3x

Resolução: No primeiro caso, vamos partir do desenvolvimento:

+∞
1 X
= xn , x ∈ ]−1, 1[ .
1 − x n=0

Repare que

+∞ +∞ +∞
x 1 X X X
=x =x (−3x)n = x (−3)n xn = (−3)n xn+1 ,
1 + 3x 1 − (−3x) n=0 n=0 n=0

sendo este desenvolvimento válido para todo o x tal que:

|−3x| < 1

ou seja, para x ∈ − 13 , 13 . No caso (ii), e aproveitando (2.10) temos:,


 

+∞ +∞
2
X (−1)n 2 2n+1
X (−1)n 4n+2 x6 x10 x14
= x2 −
 
sin x = x = x + − + ...
n=0
(2n + 1)! n=0
(2n + 1)! 3! 5! 7!

Esta fórmula continua a ser válida para todo o x ∈ R. 

Apresentamos de seguida a lista dos desenvolvimentos elementares. A dedução dos


mesmos pode ser feita aplicando directamente a definição, ou as referidas propriedades.
102 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Deixamos esta tarefa como exercı́cio.


Intervalo de
Função Série de Taylor/MacLaurin
Convergência
1 +∞
xn
P
= ]−1, 1[
1−x n=0
+∞ 1 n
ex
P
= x R
n=0 n!
1 +∞
(−1)n (x − 1)n
P
= ]0, 2[
x n=0
+∞
P (−1)n n+1
ln (1 + x) = x ]−1, 1]
n=0 n + 1
P (−1)n−1
+∞
ln x = (x − 1)n ]0, 2]
n=1 n
P (−1)n 2n+1
+∞
sin x = x R
n=0 (2n + 1)!
P (−1)n 2n
+∞
cos x = x R
n=0 (2n)!
P (−1)n 2n+1
+∞
arctg x = x [−1, 1]
n=0 2n + 1
+∞ (2n)!
x2n+1
P
arcsin x = 2n 2
[−1, 1]
n=0 2 (n!) (2n + 1)
k (k − 1) 2 k (k − 1) (k − 2) 3
(1 + x)k = 1 + kx + x + x+
2! 3! ]−1, 1[ (*)
k (k − 1) ...(k − n + 1) n
+... + x + ...
n!
(*): para certos valores de k, os extremos poderão pertencer.
A série na última linha diz-se Série Binomial, sendo válida mesmo para valores racio-
nais de k. Quando k é inteiro positivo, a série reduz-se a uma simples expansão binomial.

Exemplo 18. Obtenha o desenvolvimento em série de MacLaurin de f (x) = 3 x + 1 e
indique onde é válido tal desenvolvimento. √
Resolução: De acordo com o quadro acima, a série de Taylor de f (x) = 3 x + 1 =
1
(x + 1) 3 é:
1 2 2×5 2×5×8 3
1 + x − 2 x2 + 3 x3 − x + ..., x ∈ [−1, 1] .
3 3 2! 3 3! 34 4!
Supondo que a série dada converge para a função no seu intervalo de convergência,
temos:
√ 1 2 2×5 2×5×8 4
3
x + 1 = 1 + x − 2 x2 + 3 x3 − x + ...,
3 3 2! 3 3! 34 4!
sendo este desenvolvimento válido em [−1, 1] . 
Exemplo 19. Obtenha o desenvolvimento em série de MacLaurin de f (x) = ln (1 + x) e
indique onde é válido tal desenvolvimento.
2.6. SÉRIES DE TAYLOR/MACLAURIN 103

Resolução: Note que Z x


1
ln (1 + x) = dt. (2.11)
0 1+t
1
Aproveitando o desenvolvimento de , vem:
1−t
+∞ +∞
1 1 X X
= = (−t)n = (−1)n tn .
1+t 1 − (−t) n=0 n=0

Logo, de (2.11) vem:


" +∞ # +∞ +∞
x x
xn+1
Z X X Z X
n n n n n
ln (1 + x) = (−1) t dt = (−1) t dt = (−1) ,
0 n=0 n=0 0 n=0
n+1

confirmando o resultado da tabela. O raio de convergência da série acima é R = 1


(confirme-o!) e é tarefa simples confirmar que para os valores extremos a série apenas
converge quando x = 1. 
No derradeiro exemplo, vamos utilizar o desenvolvimento em série para obter uma
aproximação de um integral de uma função cuja primitiva não se pode obter como soma
finita de funções elementares.
Exemplo 20. Obtenha uma aproximação de
Z 1
2
e−x dx
0

com erro inferior a 0, 01.


Resolução: Utilizando o desenvolvimento em série de MacLaurin da exponencial, agora
com −x2 no lugar de x, vem:
+∞
2
X 1 x4 x6 x 8
e−x = (−1)n x2n = 1 − x2 + − + − ...
n=0
n! 2! 3! 4!

Logo,
" +∞ # +∞
Z 1 X 1 Z 1 Z 1
−x2 n 2n
X 1 n
e dx = (−1) x dx = (−1) x2n dx
0 0 n=0
n! n=0
n! 0
+∞ 1 +∞
x2n+1
 
X 1 X 1
= (−1)n = (−1)n
n=0
n! 2n + 1 0 n=0 n! (2n + 1)
1 1 1 1
= 1− + − + − ...
3 10 42 216
Se tomarmos os quatro primeiros termos, vem:
Z 1
2 1 1 1
e−x dx ≈ 1 − + − = 0, 74.
0 3 10 42
104 CAPÍTULO 2. SÉRIES

Sendo esta uma série alternada, o erro será inferior ao módulo do quinto termo:
1
≈ 0, 005 < 0, 01,
216
o que conclui o exercı́cio. 
2.6. SÉRIES DE TAYLOR/MACLAURIN 105

C ÁLCULO II
A NO LECTIVO 2014/15 FOLHA N.º 4

SÉRIES

1. Uma companhia comprou uma máquina pelo preço de 225 000 euros, tendo esti-
mado que o seu valor se irá depreciar à taxa de 30% ao ano. Encontre uma fórmula
que lhe permita saber qual o valor da máquina em função de t, que representa o n.º
de anos decorridos desde a compra do referido equipamento (t = 0, 1, 2, 3, ...).

2. Um fabricante de jogos electrónicos pretende introduzir no mercado um novo pro-


duto, tendo estimado que o volume anual de vendas será de 8000 unidades. Além
disso, o referido fabricante prevê que em cada ano 10% das unidades vendidas fi-
carão inoperantes. Qual o nº de unidades em uso no final do 1º ano de vendas? E
no final do 2º ? E quantas unidades estarão em uso após n anos?

3. A despesa anual dos turistas numa estância balnear é estimada em 100 milhões de
euros. Em cada ano, aproximadamente 75% deste rendimento é gasto na própria
cidade, e desta quantia aproximadamente 75% são gastos novamente na mesma
cidade, e assim por diante. Escreva a série geométrica que dá a despesa total gerada
pelos 100 milhões de euros e calcule a soma da série.

4. Verifique que as seguintes séries são divergentes:


n−7
n4 n4 + 2
+∞ +∞ +∞ +∞

P P P P n+3
(a) 4
(b) (c) sin n (d)
n=1 n + 12 n=2 ln n n=1 n=1 n+7

5. Calcule, se possı́vel, a soma das seguintes séries:


+∞ +∞
 n
1
, a ∈ IR+
P −n+1 P
(a) 2 (b) √
n=1 n=1 a
+∞ +∞
n−1
(cos α)n , α ∈ IR
P P
(c) 5 a , |a| < 1 (d)
n=1 n=1

p
6. Exprima os seguintes números decimais de dı́zima infinita periódica na forma ,
q
com p e q inteiros.

(a) −2, 999 . . . (b) 0, 621621 . . . (c) 8, 013013 . . . (d) 3, 0123888 . . .

7. Aplique o critério do integral no estudo da natureza de cada uma das séries:


+∞ 2 +∞ n +∞ 1 +∞ n
ne− 2
P P P P
(a) (b) (c) √ √ (d)
n=1 3n + 5 n=2 n=1 n ( n + 1) n=1 n4 +1
106 CAPÍTULO 2. SÉRIES

8. Aplique algum dos critérios de comparação para estudar a natureza de cada uma
das seguintes séries:
+∞
P 2 + (−1)n +∞
P ln (n + e) +∞
P 1 +∞
P 5n2 + 2n + 3
(a) (b) (c) (d)
n=1 n3 n=1 n n=2 ln n n=1 n3 + 4n
9. Aplique o critério da razão ou o critério da raiz para estudar a natureza de cada uma
das seguintes séries:
+∞ n3 32n +∞ nn +∞ +∞ e3n
(5n)n
P P P P
(a) n
(b) (c) (d) n
n=0 5 n=1 n! n=2 n=1 n

10. Estude a natureza de cada uma das seguintes séries alternadas:


(−1)n+1
+∞
P +∞
P (−1)n (−2)n
+∞
P +∞
P (−2)n
(a) (b) √ (c) 2
(d) 2n+1
n=1 n n=1 n n=2 n + n n=1 3

11. Para cada uma das séries convergentes do exercı́cio anterior, determine uma apro-
ximação para a respectiva soma quando toma o somatório dos seus cinco primeiros
termos. Indique ainda um majorante do erro absoluto cometido em tal aproximação.
12. Determine, se possı́vel, o intervalo de convergência das seguintes séries de funções:
+∞
P n
+∞
P n
+∞
P xn +∞
P xn +∞
P (2x)n
(a) n!x (b) (nx) (c) (d) (e)
n=1 n=1 n=1 n n=1 n! n=2 (n − 1)!
+∞
P (−1)n xn +∞
P nxn +∞
P (x − 2)n P (−1)n xn+1
+∞
(f) √ (g) 3
(h) 2
(i)
n=1 n n=2 n − 1 n=1 n + n n=1 n+1
+∞
P (x − 1)n +∞
P n (x + 1)n−1
(j) (k)
n=1 3n+1 n=1 52n

an+1 n
13. Determine o parâmetro real a por forma a que a série de termo geral x seja
n+1
convergente no intervalo [−3, 3[ .
14. Recorra à tabela dos desenvolvimentos conhecidos para determinar os desenvolvi-
mentos em série de Taylor/MacLaurin de :
 
5x 3 1+x
(a) e (b) (c) sin(3x) + x cos(3x) (d) ln
(1 − x) (1 + 2x) 1−x

(e) (1 + x) ln (1 + x) (f) 1 + x3
Em cada um dos casos, indique ainda o conjunto de valores para os quais a série
converge para a função dada.
1
15. Recorrendo ao desenvolvimento de 1−x e às propriedades do desenvolvimento em
série de potências, deduza a série de MacLaurin de f (x) = arctg x que surge na
tabela dos desenvolvimentos.
16. Utilize séries para obter uma aproximação de π com erro inferior a 0, 01.
2.6. SÉRIES DE TAYLOR/MACLAURIN 107

Apêndice 2.1 [Juro Composto]


Admita que um certo capital P é investido, rendendo juros à taxa de juro r compostos
anualmente. Se At representar o valor a receber pelo investidor ao fim de t anos, temos:
A1 = P + rP = P (1 + r) (ao fim de um ano)
A2 = A1 + rA1 = (1 + r) A1 = P (1 + r)2 (ao fim de dois anos)
.. .. ..
. . .
At = At−1 + rAt−1 = (1 + r) At = P (1 + r)t (ao fim de t anos
Numa outra situação, vamos supor que a mesma quantia é investida à mesma taxa de
juro r, mas sendo o juro composto mensalmente. Então
 r 12t
At = P 1 +
12
é agora o termo geral para a quantia a receber passados t anos. Mais geralmente, se m
for o número de perı́odos por ano em que é feita a composição do juro, ao fim de t anos
temos o seguinte montante:  r mt
At = P 1 + .
m
Numa situação limite, admita que o juro é composto continuamente. Nesse caso,
estamos a supor que o nº de perı́odos verifica: m → +∞. Assim, ao fim de t anos,
temos:
 r mt h r m it
At = lim P 1 + = P lim 1+ = P (er )t = P ert .
m→+∞ m m→+∞ m
Exemplo 21. Suponha que foi feito um investimento de P = 1000 euros a uma taxa de
juro anual de 5% durante 6 anos. Admita quatro situações:
(a) juro composto anualmente
(b) juro composto trimestralmente
(c) juro composto mensalmente
(d) juro composto continuamente.
Ao fim dos 6 anos o valor do capital é:
(a) At = P (1 + 0, 05)t (ao fim de t anos) A6 = 1000 (1 + 0, 05)6 ≈ 1340, 09564
(ao fim de 6 anos)
 4t
0, 05
(b) At = P 1 + (ao fim de t anos) A6 = 1000 (1 + 0, 0125)24 ≈ 1347, 35105
4
(ao fim de 6 anos)
 12t  72
0, 05 0, 05
(c) At = P 1 + (ao fim de t anos) A6 = 1000 1 + ≈ 1349, 017744
12 12
(ao fim de 6 anos)

(d) At = P e0,05t (ao fim de t anos) A6 = 1000e0,3 ≈ 1349, 858808


(ao fim de 6 anos)
108 CAPÍTULO 2. SÉRIES

o que conclui o exemplo. 


Admita que um trabalhador recebe o seu salário mensal no final de cada mês e que
investe mensalmente uma quantia P num fundo de pensões. Estes depósitos estão sujeitos
a uma taxa de juro anual r (em percentagem). Consideremos duas situações:
(a) juro composto mensalmente

(b) juro composto continuamente.


Seja At a sucessão que nos dá o montante acumulado ao fim de t anos. Obtenhamos o
termo geral em cada um dos casos. Note que a situação é diferente da anterior, uma vez
que agora há depósitos mensais sujeitos a juro.
(a) Se ut representar o montante acumulado passados t meses, temos:
 r  r
u1 = P, u2 = P + 1 + u1 = P + P 1 + ,
12 12
 r   r   r 2
u3 = P + 1 + u2 = P + P 1 + +P 1+
12 12 12
..
.
 r  r 2  r 12−1
u12 = P + P 1 + +P 1+ + ··· + P 1 +
12 12 12
Como At representa o montante acumulado ao fim de t anos, temos A1 = u12 . Assim,
r r 2 r 12−1
  
A1 = P + P 1 + 12 + P 1 + 12 + · · · + P 1 + 12

r r 2 r 12×2−1
  
A2 = P + P 1 + 12
+P 1+ 12
+ ··· + P 1 + 12
..
.
r r 2 r 12×t−1
  
At = P + P 1 + 12
+P 1+ 12
+ ··· + P 1 + 12

r

Como os termos desta soma estão em progressão geométrica de razão 1 + 12 , vem:
r 12×t

1 − 1 + 12
   
12 r 12t
At = P × r
 =P 1+ −1 .
1 − 1 + 12 r 12
(b) No caso contı́nuo, temos:
" #
 r m  r 2m  r (12t−1)m
At = lim P + P 1 + 12 + P 1 + 12 + · · · + P 1 + 12
m→+∞ m m m
r r r
= P + P e 12 + P e2 12 + ... + P e(12t−1) 12
r (12t)
1 − e 12 P [ert − 1]
= P r  = r .
1 − e 12 e 12 − 1
Por último, gostarı́amos de referir que as sucessões At são, em cada caso, as somas
parciais de séries geométricas de razão superior a 1. Logo, serão divergentes (para +∞).
Capı́tulo 3

Equações Diferenciais de Primeira


Ordem

A importância das equações diferenciais é imensa pelas aplicações na modelação de


inúmeros fenómenos em diversas campos do conhecimento. Como este texto se destina
a alunos do primeiro ano, limitar-nos-emos a uma breve introdução aos métodos mais
elementares relativos à resolução deste tipo de equações. Por outro lado, centrar-nos-emos
nas equações de primeira ordem, abordando no capı́tulo seguinte as equações diferenciais
lineares de ordem superior.

3.1 Generalidades
Uma equação diferencial é toda aquela que relaciona uma ou mais variáveis dependen-
tes com uma ou mais variáveis independentes e com as derivadas (de qualquer ordem)
daquelas em relação a estas. Eis alguns exemplos de equações diferenciais:
du dv
+ = uv (3.1)
dt dt
dy
= sin x (3.2)
dx
d2 y
2
+ p2 y = 0 (3.3)
dx
 3 5
du du
3
−x +u=0 (3.4)
dx dx
3
d4 v
 
dv
− 5 + 7v = 0 (3.5)
dt4 dt
dy
y +x=0 (3.6)
dx
109
110 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

∂ 2V ∂ 2V
+ =0 (3.7)
∂x2 ∂y 2
∂f ∂f
x +y = nf. (3.8)
∂x ∂y
As equações (3.1)-(3.6), como envolvem apenas uma variável independente, dizem-
se equações diferenciais ordinárias. As duas últimas constituem exemplos de equações
diferenciais parciais, uma vez que as derivadas nelas presentes envolvem as derivadas
parciais de uma variável dependente relativamente a mais do que uma variável indepen-
dente.
A ordem de uma equação diferencial é a ordem da derivada de maior ordem que
nela aparece. Assim, as equações (3.1), (3.2), (3.6) e (3.8) são exemplos de equações
diferenciais de primeira ordem, sendo as restantes equações de ordem superior (de ordens
2, 3, 4 e 2, respectivamente).
O grau de uma equação é o expoente da derivada de maior ordem que surge na
equação. Assim, com excepção da equação (3.4), que é de grau 5, todas as outras são
de grau 1.
Tal como se disse na introdução, ocupar-nos-emos apenas do estudo de equações di-
ferenciais ordinárias, de primeira ordem e de grau 1.
Uma solução de uma equação diferencial é qualquer relação funcional, explı́cita ou
implı́cita, entre as variáveis presentes na equação que não envolva derivadas (nem dife-
renciais) e que seja compatı́vel com a equação dada. Assim, não é difı́cil mostrar que
y = − cos x
e
f (x, y) = xn + y n
são soluções de (3.2) e de (3.8), respectivamente, expressas na forma explı́cita em ambos
os casos. Para tal, basta calcular as derivadas envolvidas nas equações e verificar que tais
funções as satisfazem. Por outro lado, todas as circunferências da forma
x2 + y 2 = K, K ∈ R+
0

são soluções da equação (3.6), sendo estas dadas na forma implı́cita.


Note que podemos partir de qualquer equação envolvendo x e y (variáveis indepen-
dente e dependente, respectivamente) e uma constante de modo a obter uma equação
diferencial de primeira ordem que tenha aquela por solução. Isto pode fazer-se por
diferenciação ou por derivação implı́cita da equação dada e eliminação da constante.
Exemplo 1. Dada a famı́lia de circunferências de equação
x2 + (y − C)2 = C 2 , C ∈ R, (3.9)
determine uma equação diferencial que tenha (3.9) por solução.
Resolução: Derivando implicitamente ambos os membros de (3.9) e dividindo por 2,
obtemos:
dy
x + (y − C) = 0. (3.10)
dx
3.1. GENERALIDADES 111

dy
Se admitirmos que 6= 0 (1 ), daqui resulta
dx
x
y − C = − dy
dx

e também
dy
x + y dx
C= dy
.
dx

Substituindo em (3.9), vem:

dy
2
x2 x + y dx
x2 + = ,
dy 2 dy 2
 
dx dx

o que equivale a
 dy
x2 − y 2
− 2xy = 0. (3.11)
dx
Esta é pois uma equação diferencial ordinária de ordem 1 que tem (3.9) por solução. 

O raciocı́nio implı́cito no exemplo anterior é o inverso do que nos vai predominante-


mente interessar: dada uma equação diferencial ordinária de primeira ordem, procuramos
obter a chamada solução geral (ou integral geral), a qual deverá envolver uma constante
arbitrária real. Assim, a equação (3.9) constitui a solução geral de (3.11). Além disso,
cada valor possı́vel para C permite obter uma circunferência diferente, solução da equação
(3.11). Cada uma destas representa uma solução particular (ou integral particular) de
(3.11). Na figura seguinte estão representadas algumas dessas circunferências.

Por analogia, uma equação diferencial de ordem n terá como solução geral uma
equação (ou relação funcional) envolvendo n constantes reais arbitrárias. A importância
deste facto está patente no seguinte exercı́cio.

1 dy
O que é verdade, pois de = 0 resulta y = K (constante), que não equivale a (3.9).
dx
112 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Exercı́cio 1. Mostre (através de dupla derivação implı́cita) que a famı́lia de circunferências


de equação
x2 + (y − c)2 = r2 , c, r ∈ R, (3.12)
é solução geral da equação diferencial ordinária de ordem 2
 3  2 
dy dy dy
+ −x = 0. (3.13)
dx dx dx2

Repare que o conjunto de circunferências (3.12) é distinto do que é representado por


(3.9), como se pode observar na figura seguinte:

sendo aquele a solução geral de uma equação diferencial de ordem 2.


Vimos que uma solução particular de uma equação diferencial se obtém atribuindo um
valor particular a C na solução geral. É de salientar que isto pode resultar de informações
adicionais sob a forma das chamadas condições (ou valores) iniciais ou condições fron-
teira. Por exemplo, se procurássemos a equação da circunferência solução de (3.11) que
passa no ponto (2, 2), a substituição de x e y em (3.9) leva a:

22 + (2 − C)2 = C 2

cuja resolução implica


C = 2.
Logo, a circunferência procurada é:

x2 + (y − 2)2 = 4

(ver figura na página seguinte). Note que pode haver condições iniciais que conduzam a
indeterminações. Pense no que sucederia se procurássemos ”a” circunferência solução de
(3.11) que passa no ponto (0, 0).
3.1. GENERALIDADES 113

Exemplo 2. De entre as circunferências que são solução de (3.13), indique aquela que
passa pelos pontos (0, 0) e (0, 1).

Resolução: Recorde que (3.12) é a solução geral da referida equação diferencial. Subs-
tituindo x e y por cada um dos pares de valores dados, vem:
c2 = r2 e (1 − c)2 = r2 .
Daqui resulta:
1
c=r= ,
2
pelo que a circunferência procurada é
 2
2 1 1
x + y− = ,
2 4
o que conclui o exemplo. 
A representação gráfica mais usual da solução geral de uma equação diferencial de
primeira ordem é feita por um processo semelhante ao da obtenção das curvas de nı́vel
de uma função de duas variáveis. Tendo a solução geral, são atribuı́dos alguns valores às
constantes de modo a obter soluções particulares mas que sejam representativas de todas
as possı́veis curvas-solução. Estas serão depois representadas simultaneamente no mesmo
referencial cartesiano ortonormado.
114 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Exemplo 3. Prova-se que o integral geral da equação diferencial

dy
4y = −x
dx


x2 + 4y 2 = C, C ∈ R+
0.

Representando alguns integrais particulares, eis um esboço das curvas relativas a estas
soluções:

Trata-se de uma famı́lia de elipses cujo semi-eixo maior é horizontal (degeneradas na


origem quando C = 0). 

Escrevendo uma equação diferencial na forma

dy
= f (x, y), (3.14)
dx

é ainda possı́vel tirar partido da interpretação geométrica da derivada para representar a


dy
solução geral. Recorde que y 0 (x) = é o valor do declive da recta tangente à curva
dx
y = y(x) no ponto (x, y). Deste modo, resolver (3.14) consiste em determinar a curva
cujo declive da recta tangente é, em cada ponto, igual a f (x, y). Se em cada ponto (x, y)
do plano (para x no domı́nio da equação diferencial) traçarmos a recta tangente à curva
solução da equação diferencial, podemos ficar com uma ideia acerca da forma da solução.
Quantas mais tangentes forem traçadas, mais facilmente se intui a solução y(x).
A tı́tulo de exemplo, consideremos a equação

dy
= x, x ∈ R.
dx

Traçando alguns pedaços das rectas tangentes em diversos pontos, podemos esboçar a
solução y = y(x) que passa num ponto genérico (x0 , y0 ), como se visualiza nas figuras
seguintes.
3.1. GENERALIDADES 115

A gráficos como estes chamamos campo de direcções da equação diferencial.

Exemplo 4. Esboce um campo de direcções da equação diferencial


dy
= 2x + y.
dx

Resolução: Construamos uma tabela com o declive em diversos pontos representativos.

x −2 −2 −1 −1 0 0 1 1 2 2
y −1 1 −1 1 −1 1 −1 1 −1 1
dy
dx
= 2x + y −5 −3 −3 −1 −1 1 1 3 3 5

Eis um esboço dos pontos e os correspondentes declives das curvas nesses pontos.
116 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Vamos de seguida abordar métodos de resolução de diversos tipos de equações dife-


renciais ordinárias de primeira ordem cuja forma normal é:
dy
= F (x, y).
dx
Estas equações podem também ser escritas equivalentemente na forma diferencial:

A (x, y) dx + B (x, y) dy = 0 (3.15)

ou
M (x, y) dx = N (x, y) dy. (3.16)
3.2. EQUAÇÕES DE VARIÁVEIS SEPARADAS/SEPARÁVEIS 117

3.2 Equações de variáveis separadas/separáveis


Uma equação diferencial diz-se de variáveis separáveis se se puder escrever na forma

A1 (x)B1 (y)dx = A2 (x)B2 (y)dy. (3.17)

Esta ainda assume a forma:


A(x)dx = B (y) dy, (3.18)
onde A(x) = A 1 (x)
A2 (x)
e B(y) = B 2 (y)
B1 (y)
, com A2 (x), B1 (y) 6= 0. Dizemos então que se-
parámos as variáveis, pelo que a equação (3.18) é dita de variáveis separadas. Primiti-
vando ambos os membros desta equação, obtemos a respectiva solução geral:
Z Z
A(x)dx = B (y) dy + C, C ∈ R.

Por vezes, e por questões práticas, é mais conveniente escrever a constante de outro modo,
como se verá no exemplo que se segue.

Exemplo 5. Resolva a equação

dy
= αy, α ∈ R.
dx

Resolução: Separando as variáveis na equação dada, vem:

1
dy = αdx
y

com y 6= 0. Primitivando membro a membro, vem:


Z Z
1
dy = αdx + K, K ∈ R,
y
ou seja:
ln |y| = αx + K
de onde resulta:
|y| = eαx+K = eαx eK ,
solução que pode ser escrita na forma

y = Ceαx ,

onde C = ±eK é uma constante arbitrária real. 

Nota 1. 1. A constante real α ∈ R deve ser entendida como um parâmetro do pro-


blema proposto, não tendo o mesmo estatuto da constante arbitrária real C.
118 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

2. Numa das passagens do exemplo exigiu-se que y 6= 0. Observe que, no entanto,


y = 0 é solução da equação dada. Contudo, ela é contemplada na solução geral
geral, permitindo que se faça C = 0. Sempre que uma equação diferencial possua
uma solução não abrangida pela solução geral ela será dita solução singular. As
soluções singulares podem resultar das restrições eventualmente impostas no pro-
cesso de resolução da equação. A não ser que tal seja explicitamente sugerido,
optaremos por não determinar as soluções singulares das equações que abordar-
mos.
3. Por vezes é mais prático começar por escrever a constante na forma de ln |C| (ou
de outro modo). Assim procedendo, na resolução da equação do exemplo anterior
viria
ln |y| = αx + ln |C|
de onde resultaria
y = ±Ceαx = Keαx , com K = ±C.
Pelas observação 2., temos: y = Keαx , com K ∈ R.
A equação do exemplo anterior pode ser escrita recorrendo ao operador diferencial
linear
d
D= :F →F
dx
dy ,
y 7−→
dx
onde F é o espaço das funções diferenciáveis em algum intervalo (não vazio) (2 ). De
facto, a equação
dy
− αy = 0
dx
equivale a
(D − α) y = 0.
Assim,
a solução geral de (D − α) y = 0 é y = Ceαx , C ∈ R.
Terminamos com outro exemplo de equação de variáveis separáveis.
Exemplo 6. Resolva o problema
dy

 xy
 = 2 (y + 3)
dx .


y(1) = 0
2
Em traços sucintos, um operador linear é toda a aplicação φ : A −→ B, onde A e B são dois espaços
vectoriais (que podem ser espaços de funções, de vectores, de matrizes, etc) verificando:
(i) φ (a + b) = φ (a) + φ (b)
, a, b ∈ A, α ∈ R.
(ii) φ (α a) = α φ (a)
3.2. EQUAÇÕES DE VARIÁVEIS SEPARADAS/SEPARÁVEIS 119

Resolução: A separação de variáveis na equação dada conduz a


y 2
dy = dx,
y+3 x
com x 6= 0 e y 6= −3. Da primitivação de ambos os membros resulta:

y − 3 ln |y + 3| = 2 ln |x| + ln |C|

ou seja:
y = ln Cx2 (y + 3)3
ou ainda
ey = Kx2 (y + 3)3 , com K = ±C ∈ R\ {0} .
Como pretendemos a solução particular que obedece a y(1) = 0, a substituição nesta
equação de x e y por 1 e 0, respectivamente, conduz a
1
1 = 27K ⇐⇒ K = .
27
Logo,
27ey = x2 (y + 3)3
é a solução particular para o problema com condições iniciais dado. 
120 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

3.3 Aplicações
A tı́tulo ilustrativo, abordaremos três aplicações das equações diferenciais de variáveis
separáveis.

3.3.1 Juros compostos continuamente


Pretende-se determinar o montante S (t) acumulado ao fim de t anos quando é feito um
investimento de uma quantia P numa conta cuja taxa de juro anual é r, composta continua-
mente. Recorde que, nestas circunstâncias, a taxa de crescimento do montante acumulado
é proporcional ao capital acumulado em cada instante, isto é:

dS
= rS.
dt
A solução geral desta equação diferencial de variáveis separáveis é:

S = Cert .

Note que nos é dada uma condição inicial:

S (0) = P,

pelo que, da solução geral resulta:


C = P.
Logo,
S = P ert ,
o que traduz um crescimento exponencial para um montante P investido inicialmente nas
condições descritas. Na figura seguinte estão representadas simulações para a variação de
S (t) ao longo de 20 anos, com r = 7% e P = 50, 100, 200, 300, 400.
3.3. APLICAÇÕES 121

Para esta taxa de juro, pode-se colocar a questão de saber ao fim de quantos anos o inves-
timento inicial é, e.g., quadruplicado. Tal questão consiste em determinar o menor valor
de t para o qual
4P ≤ P e0,07t .
Uma vez que P > 0, isto equivale a

4 ≤ e0,07t

ou seja,
1
t≥ ln 4 ≈ 19, 8 anos.
0, 07
Assim, o montante acumulado é multiplicado por um factor ligeiramente superior a 4 em
20 anos (como se pode apreciar na figura acima).

3.3.2 Equação diferencial logı́stica


A presente subsecção é uma adaptação do artigo de Shulman, [11], Using original sources
to teach the logistic equations.
Malthus [T. R. Malthus, (1766-1834)] postulou que a taxa (relativa) de variação de
uma população em relação ao tempo é proporcional ao tamanho da população, i.e.,

dN
(t) = kN (t), (3.19)
dt
onde N (t) é a população no instante t e k é uma constante de proporcionalidade. A
solução de (3.19) para uma população inicial

N (0) = N0

é dada por:
N (t) = N0 ekt .

Exemplo 7. Admita que a taxa (relativa) de crescimento da população de uma colónia de


camelos, devido à diferença entre o número de nascimentos e de mortes, é proporcional
à população existente em cada instante t, e suponha que existe uma taxa constante de
imigração C (devido à popularidade da colónia). Então a população N (t) satisfaz em
cada instante a equação:
dN
= kN + C,
dt
onde k é a constante de proporcionalidade (k e C são positivas). Resolvamos esta
equação diferencial. Temos:
1
dN = dt
kN + C
122 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

de onde resulta
1
ln (kN + C) = t + D, D ∈ R.
k
Logo,
kN + C = ekt ekD .
Fazendo E = ekD ∈ R+ , temos:
C E kt
N =− + e , E ∈ R+ .
k k
Para um valor inicial de N (0) camelos, temos:
−C + E
N (0) = ,
k
ou seja,
E = C + kN (0) .
Deste modo,
C C + kN (0) kt
N (t) = − + e .
k k
Tome-se k = 0, 3, C = 0, 1 e N (0) = 300, vem:
1 901 0,3t
N (t) = − + e .
3 3
Questão: haverá alguns valores para k, C e N (0) que levem a um decréscimo da
população de camelos? 
Exercı́cio 12. Admita que um dado paı́s muito procurado como destino de trabalho de-
cidia impor um tecto para a taxa de imigração. Suponha que os governantes desse paı́s
adoptaram para modelo de crescimento a seguinte lei de Malthus modificada
dN
(t) = kN (t) + C
dt
onde C representa uma taxa constante de imigração. Critique a equação escolhida para
modelar o crescimento descrito. 

Como temos vindo a observar, o crescimento exponencial das populações (sejam elas
humanas ou outras) previsto pela lei de Malthus (também conhecida por Lei do cres-
cimento das populações) não parece modelar com muita fidelidade os fenómenos cuja
própria natureza leva a uma limitação desse crescimento.
As populações cujo crescimento está sujeito a limitações, devido a factores como
a escassez de alimento ou de água, têm o seu efectivo populacional em cada instante
modelado por uma equação de crescimento limitado, que assume a forma:
dx
= k(M − x), (3.20)
dt
3.3. APLICAÇÕES 123

onde M representa a dimensão máxima da população, x (t) é a dimensão da população


no instante t e k a constante de proporcionalidade. Neste modelo, a taxa (relativa) de
crescimento da população é proporcional à diferença entre as dimensões máxima e actual
da população.

Exemplo 8. Se uma reserva de elefantes africanos pode manter uma manada de 600
elefantes e tem actualmente uma manada de 250, a qual cresce anualmente a uma taxa
exponencial de 12% (em relação a (M − x)), qual será a dimensão da manada daqui a
10 anos? Para responder a esta questão, é necessário resolver a equação (3.20). Note
que se trata de uma equação com variáveis separáveis. Temos:
1
dx = kdt,
M −x
de onde resulta
− ln (M − x) = kt + ln C, C ∈ R+ ,
ou seja
(M − x)−1 = Cekt
ou ainda:
1
x = M − De−kt , D= .
C
Com os dados fornecidos, temos:

x (t) = 600 − De−0,12t , D ∈ R+ .

Como x (0) = 250, após a substituição na solução geral obtemos:

D = 350.

Logo,
x (t) = 600 − 350e−0,12t .
Ao fim de 10 anos, temos:

x (10) = 600 − 350e−1,2 ≈ 313.

o que conclui o exemplo. 

Finalmente, Verhulst (1840) viria a propor um modelo mais completo que tivesse
em conta o tecto populacional e, em certa medida, uma taxa (relativa) de crescimento
proporcional ao efectivo populacional. Referimo-nos à chamada equação diferencial
logı́stica:
dy  y
= ky 1 − , k, L > 0, (3.21)
dt L
onde k representa uma constante de proporcionalidade e L uma constante dita capaci-
dade de carga do meio ambiente ou capacidade sustentável, a qual traduz o número
124 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

máximo de indivı́duos dessa população em virtude dos recursos disponı́veis. Uma po-
pulação que satisfaz (3.21) tem um crescimento limitado, aproximando-se da capacidade
sustentável à medida que t cresce. Da equação deduz-se que se y (t) está entre 0 e L,
dy dy
então > 0 e a população cresce. Se y (t) > L, então < 0 e a população tenderá a
dt dt
descrescer (isto é, o crescimento é inibido perante uma sobredensidade populacional). O
gráfico de y é dito curva logı́stica e está representado na figura que se segue.

Figura 3.1: Curva logı́stica.

Vamos resolver a equação (3.21) começando por separar as variáveis, temos:

1
 y  dy = kdt
y 1−
L
de onde resulta Z Z
L
dy = kdt + ln C.
y (L − y)
Como
Z Z    
L 1 1 y
dy = + dy = ln y − ln (L − y) = ln ,
y (L − y) y L−y L−y

temos:  
y
ln = kt + ln C,
L−y
ou seja:
y
= Cekt .
L−y
Esta equação permite explicitar y como função de t. De facto, temos:

y 1 + Cekt = LCekt


ou ainda

LCekt Cekt L L
y= = 1
 = , com b ∈ R.
1 + Cekt kt
Ce 1 + C e −kt 1 + be−kt
3.3. APLICAÇÕES 125

Assim, a solução geral da equação logı́stica geral é:

L
y (t) = , com b ∈ R.
1 + be−kt
Note que, sendo k > 0, confirma-se que:

lim y (t) = L,
t→+∞

capacidade sustentável da população.


Já em 1920, Pearl e Reed viriam a estabelecer as condições necessárias para que uma
função descreva adequadamente o crescimento populacional numa área limitada. Se-
gundo aqueles autores, uma tal função y(t) obedecerá às seguintes condições:
- deverá ter um crescimento assimptótico para uma recta y = k quando t → +∞;
- deverá ter um decréscimo assimptótico para a recta y = 0 quando t → −∞;
- deverá ter um ponto de inflexão (α, β), sendo convexa à esquerda de t = α e côncava à
direita de t = α;
y = k quando t → +∞.

Exemplo 9. Devido a um incêndio florestal, sobrecaça e a doenças diversas, a população


de coelhos da Tapada de Mafra ficou extinta. Num determinado ano, 20 indivı́duos desta
espécie foram reintroduzidos, estimando-se que a capacidade sustentável do Parque Na-
tural da Tapada de Mafra é de 10 000 coelhos. Passados cinco anos, verificou-se que
o número aproximado de coelhos era já de 200 indivı́duos. A taxa de crescimento da
população p de coelhos é regida pela equação:

dp  p 
= kp 1 − , k > 0, 20 ≤ p ≤ 10000,
dt 10 000
onde t é medido em anos. A solução da equação diferencial que modela o fenómeno é:
10 000
p (t) = .
1 + be−kt
Uma vez que p(0) = 20, temos
10 000
20 = ,
1+b
pelo que
b = 499.
Logo,
10 000
p (t) = .
1 + 499e−kt
Por outro lado, de p(5) = 200 vem:

10 000
200 =
1 + 499e−5k
126 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

que equivale a:  
1 499
k = ln ≈ 0, 464.
5 49
Deste modo,
10 000
p (t) = .
1 + 499e−0,464t
Após 15 anos a população de coelhos será de
10 000
p (15) = ≈ 6786.
1 + 499e−0,464×15
Como se pode observar,
lim p (t) = 10 000,
t→+∞

confirmando o que havı́amos visto acima. Deixamos como exercı́cio o esboço da curva
logı́stica correspondente a este problema. 

3.3.3 Ajustamento de preços num mercado


Recorde as noções de função procura e função oferta relativamente ao mercado de um
bem. Admita que as funções procura e oferta relativas ao mercado de um bem são mode-
ladas por:
xd (p) = 4 − p e xs (p) = 2p − 2,
respectivamente.
Os economistas argumentam que o preço p tende a aumentar se a procura superar a
oferta, decrescendo na situação inversa. O preço de equilı́brio é atingido, como sempre,
quando a oferta é igual à procura, o que, no presente caso corresponde a

p = 2.

Perante oscilações do preço, o mercado tende a efectuar ajustamentos que corrijam o valor
momentâneo de p, processo que é conhecido por tâtonnement. Os economistas têm em
vista uma situação em que um leiloeiro anuncia um determinado preço (unitário) para
uma mercadoria, ouve as quantidades que os transaccionistas estão dispostos a vender ou
comprar àquele preço, e depois faz elevar ou descer o valor de p consoante o excesso de
procura, xd − xs , é positivo ou negativo, respectivamente (3 ).
Admita que o preço p num tâtonnement é ajustado de acordo com a regra:
dp 1
= (xd − xs )5 .
dt 108
Substituindo pelas funções dadas e simplificando, isto significa que
dp 9
= (2 − p)5 .
dt 4
3
A tradicional fixação diária dos preços do ouro feita no Rotschild’s Bank de Londres é operada nestes
termos.
3.3. APLICAÇÕES 127

Separando as variáveis nesta equação diferencial de variáveis separáveis, temos:


4
dp = dt.
9 (2 − p)5
Primitivando membro a membro, vem:
Z Z
4 1
5 dp = dt ⇐⇒ = t + c, c ∈ R+
0
9 (2 − p) 9 (2 − p)4
o que equivale a
1
(2 − p)4 = ,
9 (t + c)
Excluindo as raı́zes complexas, daqui resulta
1
2 − p = ±√ √
4
,
3 t+c
ou seja
1
p(t) = 2 ± √ √
4
. (3.22)
3 t+c
Vamos exprimir c em função de p(0). Temos:
1
p(0) = 2 ± √ √ .
34c

Uma vez que c ∈ R+ , cálculos algébricos simples permitem-nos chegar a


1
c=
9 (2 − p(0))4

Suponhamos que p(0) = 1. Então


1
c=
9
e, como p(0) < 2, teremos de escolher o sinal negativo na solução (3.22). Assim,
1 1
p(t) = 2 − √ q =2− √
4
.
34 t+ 1 9t + 1
9

Repare que esta solução satisfaz a noção de convergência para o preço de equilı́brio, pois:
 
1
lim p(t) = lim 2− √ 4
= 2.
t−→+∞ t−→+∞ 9t + 1
Note que quando p(t) = 2 a taxa de variação do preço é nula:
dp 9
= (2 − p (t))5 = 0,
dt 4
128 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

o que significa que o preço se manterá a este nı́vel assim que seja atingido.
Quando p(0) = 2 isto traduz que o preço se manterá constante desde o inı́cio.
Admitindo que p (0) = 3, virá c = 91 , mas como p (0) > 2, teremos de escolher o
sinal positivo em (3.22). Logo,
1
p(t) = 2 + √
4
9t + 1
e verifica-se novamente que
lim p(t) = 2.
t−→+∞

O gráfico seguinte mostra-nos a tendência dos preços para diversos valores do preço
inicial. Em todos os casos o preço converge bastante lentamente para o preço de equilı́brio,
se não começar já nesse nı́vel.
3.4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS TOTAIS EXACTAS 129

3.4 Equações diferenciais totais exactas


Consideremos a equação
f (x, y) = c, (3.23)
onde c é uma constante. Se diferenciarmos ambos os membros de (3.23), vem:
∂f ∂f
df = dx + dy = 0.
∂x ∂y
Reciprocamente, se df (x, y) = 0 então (3.23) verifica-se. Assim, se uma equação dife-
rencial ordinária de primeira ordem

A (x, y) dx + B (x, y) dy = 0 (3.24)

possuir a propriedade
∂f ∂f
A= e B= (3.25)
∂x ∂y
para alguma função diferenciável f : D ⊂ R2 −→ R, a sua solução geral terá a forma

f (x, y) = c, c ∈ R.

Uma equação deste tipo diz-se total exacta (abreviando, escreveremos EDTE).
Note que se as equações em (3.25) forem satisfeitas, então
∂ 2f ∂ 2f
   
∂A ∂ ∂f ∂ ∂f ∂B
= = = = = .
∂y ∂y ∂x ∂x∂y ∂y∂x ∂x ∂y ∂x
Reciprocamente, a equação (3.24) será exacta sempre que se tenha:
∂A ∂B
= .
∂y ∂x
Exemplo 10. Considere as seguintes equações diferenciais:
dx xdy
(a) ydx + xdy = 0 (b) − 2 =0 (c) ex sin ydx + ex cos ydy = 0
y y
Mostre que cada uma destas equações diferenciais é total exacta. Resolva-a e esboce
algumas das curvas da respectiva solução geral.
Resolução:

(a) Na equação dada temos A (x, y) = y e B (x, y) = x, pelo que


∂A ∂B
=1= .
∂y ∂x
Assim, trata-se de uma EDTE, pelo que existe alguma função f tal que
∂f ∂f
(x, y) = A(x, y) = y e (x, y) = B(x, y) = x. (3.26)
∂x ∂y
130 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Primitivando a primeira em ordem a x, virá:


Z
f (x, y) = ydx + φ (y) = yx + φ (y) ,

onde φ (y) é uma função que apenas dependerá de y. Derivando f (x, y) em ordem
a y e tendo em conta (3.26) vem:
∂f
(x, y) = x + φ0 (y) = x.
∂y
Assim, φ0 (y) = 0 e φ (y) = k. O integral geral da EDTE será
f (x, y) = C,
onde
f (x, y) = xy.
A famı́lia de curvas
xy = C
é constituı́da por hipérboles equiláteras cujos eixos são as bissectrizes dos qua-
drantes pares e ı́mpares, reunida com os eixos coordenados. Deixamos ao leitor a
demonstração desta conclusão.
1 x
(b) Para a equação em (b) temos A (x, y) = e B (x, y) = − 2 , o que nos conduz a:
y y
∂A 1 ∂B
=− 2 = .
∂y y ∂x
A equação é EDTE, pelo que a equação é da forma
df (x, y) = 0
e o integral geral será da forma
f (x, y) = C, C∈R
para alguma função f tal que
∂f 1 ∂f x
(x, y) = A(x, y) = e (x, y) = B(x, y) = − 2 .
∂x y ∂y y
Procedendo como no exemplo anterior, mostra-se que
x
f (x, y) = ,
y
pelo que
x
= C, C∈R
y
é o integral geral. Trata-se de uma famı́lia de rectas passando na origem e com
declive C1 acrescida do eixo dos yy (note que o eixo dos xx não faz parte desta
famı́lia).
3.4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS TOTAIS EXACTAS 131

(c) Neste último exemplo, A (x, y) = ex sin y e B (x, y) = ex cos y e, portanto,

∂A ∂B
= ex cos y = .
∂y ∂x
Mais uma vez, estamos na presença de uma EDTE. Procuremos f tal que a equação
dada se escreve na forma
df (x, y) = 0,
isto é, tal que
∂f ∂f
(x, y) = A(x, y) = ex sin y e (x, y) = B(x, y) = ex cos y.
∂x ∂y
Vem: Z
f (x, y) = ex sin ydx + φ (y) = ex sin y + φ (y) .

Procedendo como em (a), vem:


∂f
(x, y) = ex cos y + φ0 (y) = ex cos y,
∂y

pelo que φ0 (y) = 0 e φ (y) = k. Podemos então tomar f (x, y) = ex sin y e

ex sin y = C, C ∈ R.

será o integral geral da EDTE. As famı́lias de curvas que representam a solução


geral em cada uma das alı́neas estão representadas na figura da página seguinte,
concluindo os exemplos. 
132 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Figura 3.2: Representação gráfica das soluções do exemplo 10.

Na maior parte dos casos, temos

A (x, y) dx + B (x, y) dy = 0 (3.27)

com
∂A ∂B
6= ,
∂y ∂x
e a equação não será exacta. Contudo, pode suceder que exista alguma função µ (x, y) tal
que
[µ (x, y) A (x, y)] dx + [µ (x, y) B (x, y)] dy = 0
seja já uma EDTE. Diremos nesse caso que µ (x, y) é um factor integrante da equação
(3.27). A partir da multiplicação da equação pelo factor integrante, a resolução seguirá os
mesmos passos de uma EDTE.
Exemplo 11. Mostre que a ED

2xydx − 4x2 + 5y 3 dy = 0


não é exacta. Admitindo que tal equação possui um factor integrante da forma
µ (x, y) = y n , determine n e resolva a equação diferencial.
Resolução: Note que A (x, y) = 2xy e B (x, y) = − (4x2 + 5y 3 ), pelo que, em geral,
∂A ∂B
= 2x 6= −8x =
∂y ∂x
e a equação não é EDTE. Para que µ (x, y) = y n seja factor integrante, a equação

y n A (x, y) dx + y n B (x, y) dy = 0 ⇐⇒ 2xy n+1 dx− 4x2 y n + 5y n+3 dy = 0


 
| {z } | {z }
=M (x,y) =N (x,y)

terá de ser EDTE, ou seja, teremos de encontrar n tal que:


∂M ∂N
= .
∂y ∂x
3.4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS TOTAIS EXACTAS 133

Ora
∂M ∂N
= 2 (n + 1) xy n = −8xy n = .
∂y ∂x
Daqui resulta
2 (n + 1) = −8
ou seja
n = −5.
O factor integrante será
µ (x, y) = y −5 ,
pelo que, multiplicando ambos os membros da equação dada por y −5 , vem:

2xy −4 dx − 4x2 y −5 + 5y −2 dy = 0.


Aplicando o processo descrito para EDTE, prova-se que o integral geral será

f (x, y) = C, C ∈ R,

onde
x2 5
f (x, y) = + ,
y4 y
o que conclui o exemplo. 

Exercı́cio 13. (*) Não é fácil arranjar métodos que nos permitam construir factores in-
tegrantes dependentes de duas variáveis. Contudo, se uma equação admitir um factor
integrante µ (x, y) = µ (x) (isto é, dependendo apenas de x) é possı́vel deduzir a ex-
pressão para o factor µ (x). Realize tal dedução, bem como a que corresponde ao caso
µ (x, y) = µ (y).
134 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

3.5 Equações diferenciais lineares de ordem 1


Uma equação diferencial diz-se linear de primeira ordem na variável dependente y se
tiver a forma
dy
a (x) + b(x)y = c(x), (3.28)
dx
com a (x) não identicamente nula. A designação linear resulta do facto de o 1º membro
dy
exprimir uma combinação linear de e de y, cujos coeficientes são as funções a (x)
dx
e b(x). Existem três métodos para a resolução deste tipo de equações. Apresentaremos
agora a resolução pelo método do factor integrante, deixando os restantes para o apêndice
3.1. Começando por dividir ambos os membros de (3.28) por a (x), obtemos:
dy
+ P (x)y = Q(x). (3.29)
dx
Esta equação admite um factor integrante dependendo apenas de x:
R
P (x)dx
µ (x) = e . (3.30)

De facto, (3.29) equivale a

[P (x)y − Q(x)] dx + dy = 0,

equação que não é EDTE (se P (x) 6= 0). Multiplicando por (3.30), vem:
R R
P (x)dx P (x)dx
e [P (x)y − Q(x)] dx + e dy = 0. (3.31)

Notando que
d h R P (x)dx i R
e = e P (x)dx P (x), (3.32)
dx
facilmente se observa que
∂ h R P (x)dx i R ∂ h R P (x)dx i
e [P (x)y − Q(x)] = e P (x)dx P (x) = e ,
∂y ∂x
pelo que (3.31) é EDTE.
O processo de resolução da EDTE que se obtém de (3.29) pode ser atalhado no pre-
sente caso. De facto, multiplicando ambos os membros de (3.29) pelo factor integrante,
temos:
R dy R R
e P (x)dx + e P (x)dx P (x)y = e P (x)dx Q(x).
dx
Tendo em conta (3.32), vem:
d h R P (x)dx i R dy R
e y = e P (x)dx + e P (x)dx P (x)y
dx dx
ou seja, a EDTE que se obtém após multiplicação pelo factor integrante equivale a:
d h R P (x)dx i R
e y = e P (x)dx Q(x).
dx
3.5. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES DE ORDEM 1 135

Logo, a solução geral será


R
Z R
P (x)dx P (x)dx
e y= e Q(x)dx + C, C ∈ R,

de onde ainda será possı́vel explicitar y.


Exemplo 12. Resolva a equação diferencial
dy
x + 2y = 8x2 .
dx

Resolução: Trata-se de uma ED do tipo (3.28), pelo que é linear de 1.ª ordem na variável
dependente y. Começando por dividir ambos os membros por x (com x 6= 0), vem
dy 2
+ y = 8x. (3.33)
dx x
Um factor integrante é:
2 2
R
dx
µ (x) = e x = eln x = x2 .
Multiplicando ambos os membros de (3.33) por este factor, vem:
dy
x2 + 2xy = 8x3 ,
dx
ou seja
d  2 
x y = 8x3 .
dx
Assim, Z
x y = 8x3 dx + C
2

ou seja,
x2 y = 2x4 + C, C ∈ R,
o que conclui o exemplo. 
Nota 2. Note que a equação do exemplo anterior equivale a
dx
x + (2y − 8x2 ) = 0.
dy
Facilmente se observa que x = 0 é solução particular da mesma, a qual é coberta pela
constante C = 0 do integral geral.
Exercı́cio 14. Mostre que a seguinte equação diferencial
dy
x (x + 1) + y = (x + 1).
dx
é linear de 1.ª ordem na variável dependente y. Resolva-a pelo método acima exposto.
136 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Observe que uma equação que se escreva na forma


dx
a (y) + b(y)x = c(y)
dy
é linear de 1.ª ordem na variável dependente x. Deixamos ao leitor a tarefa de deduzir a
solução geral nestes casos.
Aplicação: Regressemos à situação do mercado de um bem em que as funções procura-
oferta são as definidas no exemplo da secção 3. Admitamos que o modelo de
tâtonnement para o ajustamento dos preços assume que a taxa de variação dos
preços é agora dupla do excesso de procura em cada instante t, i.e.,
dp
= 2 (xd − xs ) = 12 − 6p
dt
o que equivale ainda a:
dp
+ 6p = 12. (3.34)
dt
Trata-se de uma ED linear de 1.ª ordem em p cujo factor integrante é:
R
6dt
µ (t) = e = e6t .
Multiplicando ambos os membros de (3.34) pelo factor integrante e resolvendo a
equação obtida, vem:
p(t) = 2 + Ce−6t .
Quando t = 0, vem p (0) = C + 2, pelo que
p(t) = 2 + (p (0) − 2) e−6t . (3.35)
Temos novamente
lim p(t) = 2,
t−→+∞

que é o preço de equilı́brio. Mais uma vez, assim que seja atingido tal preço este
manter-se-á estável.
Quando p (0) = 2 a solução é uma recta horizontal, correspondendo a uma função
constante.
Se p (0) > 2, o 2º termo de (3.35) é positivo e tende para zero. Logo, p (t) > 2
para todo o t e
lim p(t) = 2+ .
t−→+∞

No caso em que p (0) < 2, teremos:


lim p(t) = 2− .
t−→+∞

No gráfico da página seguinte exibem-se as curvas de variação do preço para di-


versos valores do preço inicial. Estes são semelhantes aos que obtivemos an-
tes, verificando-se no entanto que no actual caso a convergência para o nı́vel de
equilı́brio se faz com maior rapidez. 
3.6. MUDANÇA DE VARIÁVEL EM EQUAÇÕES DIFERENCIAIS 137

3.6 Mudança de variável em equações diferenciais


Em muitas ocasiões deparamos com equações diferenciais que, não sendo de nenhum dos
tipos até agora estudados, podem converter-se em algum destes através de uma conveni-
ente mudança de variável (4 ). Estas podem reportar-se à variável dependente ou à variável
independente. Restringir-nos-emos às primeiras, focando alguns casos de equações dife-
renciais onde as mudanças de variável a efectuar estão devidamente tipificadas.
Antes de abordarmos os casos referidos, gostarı́amos de observar que uma dada equação
diferencial pode por vezes converter-se numa de um tipo conhecido através da simples
troca dos papéis das variáveis dependente e independente.

Exemplo 13. Resolva a equação diferencial

dy
y ln y + (x − ln y) = 0, (3.36)
dx
recorrendo a uma inversão dos papéis de x e de y. Determine ainda a solução particular
que contém o ponto (0, 1).
Resolução: A equação dada não é de variáveis separáveis, não é exacta nem linear de
primeira ordem em y. Contudo, admitamos que x passa a ser a variável dependente,
sendo agora y a variável independente. Manipulações algébrica simples permitem escre-
ver (3.36) na forma:
dx 1 1
+ x= . (3.37)
dy y ln y y
Obtivemos assim uma equação diferencial linear de primeira ordem na variável depen-
dente x, com
1 1
P (y) = e Q(y) = .
y ln y y
Um factor integrante para (3.37) é:
R
P (y)dy
µ (y) = e = ln y.
4
Esta técnica corresponde, no caso da primitivação, ao método de primitivação por substituição.
138 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

dx 1
Logo, multiplicando ambos os membros de (3.37) por ln y, obtemos dy
+ y ln y
x = y1 .

dx 1 ln y
ln y + x= ,
dy y y
que terá de ser uma EDTE. Escrevendo-a na forma diferencial, vem:
x − ln y
ln y dx + dy = 0 (3.38)
y
e temos, de facto,  
∂ 1 ∂ x − ln y
[ln y] = = .
∂y y ∂x y
A solução de (3.38) é da forma

f (x, y) = C, C ∈ R,

sendo f tal que


∂f ∂f x − ln y
= ln y e = .
∂x ∂y y
Da primeira resulta:
Z
f (x, y) = ln ydx + φ (y) = x ln y + φ (y) .

x − ln y
Derivando esta em ordem a y e igualando a , vem:
y
x x ln y
+ φ0 (y) = − ,
y y y
pelo que
ln y
φ0 (y) = −
y
e, portanto,
(ln y)2
φ (y) = − + c.
2
Assim, podemos tomar
(ln y)2
f (x, y) = x ln y −
2
e o integral geral da equação (3.38) é:

(ln y)2
x ln y = + C, C ∈ R. (3.39)
2
Obtenhamos a solução particular que passa por (0, 1) . De (3.39) vem:

C = 0.
3.6. MUDANÇA DE VARIÁVEL EM EQUAÇÕES DIFERENCIAIS 139

A solução requerida é
1
(ln y)2 − x ln y = 0,
2
de onde resulta:
1
ln y = 0 ∨ ln y − x = 0,
2
ou, equivalentemente,
y=1 ∨ y = e2x .
Na seguinte figura podemos observar alguns integrais particulares de (3.36), destacando
os que obedecem à condição inicial imposta.

3.6.1 Equações homogéneas


Uma função f : D ⊂ R2 −→ R diz-se homogénea de grau n se

f (λx, λy) = λn f (x, y) , ∀ (x, y) , (λx, λy) ∈ D.

Quando uma função é definida à custa de potências de x e de y é extremamente fácil


verificar se estamos na presença de uma função homogénea, bastando conferir se a soma
dos expoentes de x e y em cada um dos termos é sempre igual a um mesmo n. Por
exemplo, a função f tal que
f (x, y) = x5 − x2 y 3
é claramente homogénea de grau 5, soma dos expoentes de x e de y em cada parcela. De
facto,
f (λx, λy) = (λx)5 − (λx)2 (λy)3 = λ5 f (x, y) .

Exercı́cio 15. Considere a seguinte função de produção de Cobb-Douglas

P (L, K) = A Lα K β , L, K ∈ R+ ,
140 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

onde L e K designam os números de unidades de trabalho e de capital empregues na


produção de P (L, K) unidades de um determinado bem, A é uma constante positiva e
0 < α < 1, 0 < β < 1.
(a) Verifique que P é homogénea de grau α + β.
∂P ∂P
(b) Prove que L (L, K) + K (L, K) = (α + β) P (L, K) , ∀(L,K)∈Df .
∂L ∂K
Note que
λy y
= λ0 ,
λx x
pelo que qualquer função y
F (x, y) = G
x
x x
é homogénea de grau zero. O mesmo se aplica a qualquer função de (uma vez que é
y y
y
função de ). Além disso, prova-se que
x
 y
n
 f (x, y) = x F , para (x, y) ∈ D, com x 6= 0
x



se f é homogénea de grau n, então   .
 n x
 f (x, y) = y G , para (x, y) ∈ D, com y 6= 0


y
(3.40)
Uma equação diferencial diz-se homogénea se puder ser escrita na forma
dy
A (x, y) + B (x, y) =0 (3.41)
dx
onde A e B são funções homogéneas do mesmo grau.
A mudança de variável dependente de y para v por meio de
y = vx (3.42)
permite separar as variáveis v e x (i.e., converte a equação (3.41) numa ED de variáveis
separáveis. De facto, de (3.42) vem
dy dv
= x + v. (3.43)
dx dx
Aproveitando a propriedade (3.40), a equação (3.41) assume a seguinte forma:
 
n n dv
x F (v) + x G (v) x + v = 0,
dx
para algumas funções F e G. Assumindo que x 6= 0, esta ainda se pode escrever na
forma:
G (v) 1
dv + dx = 0,
F (v) + vG (v) x
que é de variáveis separadas. Resolvida esta equação, há que regressar às variáveis inici-
ais.
3.6. MUDANÇA DE VARIÁVEL EM EQUAÇÕES DIFERENCIAIS 141

Exemplo 14. Resolva a equação diferencial


dy
x3 + y 3 = 3xy 2
dx
e encontre o integral particular satisfaz y(1) = 0.
Resolução: Como se verifica facilmente, as funções A (x, y) = x3 + y 3 e B (x, y) = 3xy 2
são homogéneas de grau 3. Efectuando a mudança de variável de y para v por meio de
(3.42) e tendo em conta (3.43), vem:
 
3 3 3 2 2 dv
x + v x = 3xv x x+v .
dx
Dividindo ambos os membros por x3 (para x 6= 0) e simplificando termos, obtemos:
dv
1 − 2v 3 = 3xv 2
dx
de onde resulta
1 3v 2
dx = dv.
x 1 − 2v 3
Primitivando ambos os membros desta equação diferencial, vem:
1
ln |x| = − ln 1 − 2v 3 + ln |k| , k ∈ R\ {0}
2
o que equivale a

ln x 1 − 2v 3 = ln |k|
ou seja, √
x 1 − 2v 3 = K (com K = ±k).
Regressando à variável y, r  y 3
x 1−2 = K,
x
o que ainda pode ser escrito na forma
p √
x3 − 2y 3 = K x
ou ainda
x3 − 2y 3 = Cx
onde C = K 2 > 0. Podemos generalizar e dizer que C ∈ R, uma vez que se prova (faça-
o!) que esta equação é também solução se C = 0 ou C < 0. Quanto à solução particular
que satisfaz y (1) = 0, substituindo no integral geral obtemos
C = 1,
pelo que
x3 − 2y 3 = x
é a solução procurada. Esta encontra-se destacada entre várias outras soluções particu-
lares cujo esboço se pode observar na figura seguinte:
142 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Nota 3. Em certas ocasiões é mais conveniente efectuar a mudança de variável

x = vy.
 
x x
Esta torna-se mais vantajosa em funções do tipo f , como por exemplo e y , pois
y
1
v
permite-nos obter e em vez de e .
v

3.6.2 Equações de Bernoulli


Algumas equações não lineares conseguem transformar-se em equações lineares de 1.ª
ordem através de uma adequada mudança de variável. Entre estas encontram-se as cha-
madas equações de Bernoulli, dos tipos I e II.
Dizemos que uma equação diferencial é de Bernoulli do tipo I em y se puder escrever-
se na forma
dh dy
+ P (x)h (y) = Q(x), (3.44)
dy dx
onde h é uma função dependendo apenas de y. Efectuando a mudança de variável depen-
dente
z = h (y) ,
vem
dz dh dy
= .
dx dy dx
Substituindo na equação (3.44), vem:

dz
+ P (x)z = Q(x),
dx
equação diferencial linear de 1.ª ordem na nova variável e cujo integral geral se obtém
pelo processo descrito na secção anterior.
3.6. MUDANÇA DE VARIÁVEL EM EQUAÇÕES DIFERENCIAIS 143

Exemplo 15. Resolva a equação diferencial


dy
sin y − 2 cos x cos y + cos x = 0.
dx
e encontre o integral particular satisfaz y(1) = 0.
Resolução: Note que esta equação pode escrever-se na forma (3.44), pois equivale a
dy
sin y + 2 cos x (− cos y) = − cos x. (3.45)
dx
Note que se tomarmos h (y) = − cos y então
dh
= sin y.
dy
A substituição a fazer será:
z = − cos y,
pelo que
dz dy
= sin y .
dx dx
Substituindo na equação (3.45) vem:
dz
+ 2 cos x z = − cos x.
dx
A resolução desta equação linear de 1.ª ordem em z leva-nos à relação:
1
e2 sin x z = − e2 sin x + C
2
(os pormenores ficam a cargo do leitor). Em termos das variáveis originais, temos:
1
cos y − + Ce−2 sin x = 0, C ∈ R.
2
A solução particular que satisfaz y(1) = 0 é
1 1 −2(sin 1+sin x)
cos y − − e = 0,
2 2
o que conclui o exemplo. 
Uma equação diferencial diz-se de Bernoulli do tipo II em y se se puder exprimir na
seguinte forma:
dy
+ P (x) y = Q (x) y n , n 6= 0, 1. (3.46)
dx
A exclusão dos casos n = 0 e n = 1 prende-se com o facto de, então, estarmos na
presença de equações lineares de 1.ª ordem e de equações de variáveis separáveis, respec-
tivamente. Para resolvermos uma equação diferencial de Bermoulli do tipo II começaremos
por multiplicar ambos os membros de (3.46) por (1 − n) y −n . Virá então
dy
(1 − n) y −n + (1 − n) P (x) y 1−n = (1 − n) Q (x) . (3.47)
dx
144 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Efectuemos de seguida a mudança de variável de y para z por meio de

z = y 1−n .

Nesse caso
dz dy
= (1 − n) y −n
dx dx
e a subsituição em (3.47) conduz-nos a

dz
+ (1 − n) P (x) z = (1 − n) Q (x) .
dx
Esta é claramente uma equação diferencial linear de 1.ª ordem na nova variável depen-
dente cuja resolução nos dará uma relação funcional entre z e x. A conclusão da resolução
de (3.46) far-se-á regressando à variável inicial.

Exemplo 16. Determine o integral geral da equação diferencial

dy 2
+ xy = xe−x y −3 .
dx

Resolução: Esta equação está claramente na forma (3.46) com n = −3. Multiplicando
ambos os membros por
[1 − (−3)] y 3 = 4y 3 ,
vem
dy 2
4y 3 + 4xy 4 = 4xe−x . (3.48)
dx
Fazendo
z = y 1−n = y 4 ,
temos
dz dy
= 4y 3 .
dx dx
Da substituição dos termos em (3.48) resulta

dz 2
+ 4xz = 4xe−x .
dx
Esta equação diferencial linear de 1.ª ordem tem por integral geral a função
2 2
z = 2e−x + Ce−2x

(ficando a demonstração deste facto a cargo do leitor). Regressando à variável y, vem:


2 2
y 4 = 2e−x + Ce−2x , C ∈ R,

o que conclui o exercı́cio. 


3.6. MUDANÇA DE VARIÁVEL EM EQUAÇÕES DIFERENCIAIS 145

Nota 4. Como nota final desta secção, querı́amos referir que existem outros tipos de
equações diferenciais em que as mudanças de variáveis estão devidamente tipificadas
mas que aqui não abordaremos por limitações de tempo. Contudo, o leitor deverá estar
capacitado para, perante uma dada mudança de variável sugerida, efectuá-la e resolver
a equação diferencial obtida.

Exercı́cio 16. Considere a equação diferencial


dy
= (9x + 4y + 1)2 .
dx
Resolva-a, após efectuar a seguinte mudança de variável dependente

z = 9x + 4y + 1.

Nota 5. Não existe nenhuma razão para que uma equação diferencial não seja de diversos
tipos. Por exemplo, a equação diferencial
dy y
=−
dx x
é de variáveis separáveis, EDTE, homogénea, e linear de 1.ª ordem. É um bom exercı́cio
resolvê-la recorrendo a cada um dos quatro métodos e mostrar que as soluções obtidas
em cada um dos casos são equivalentes.

Exercı́cio 17. (*) Para cada n ∈ Z, considere a equação diferencial


dy
3x = 2xn − 3y.
dx
Para qual ou quais valores de n é esta equação:

(i) de variáveis separáveis; (ii) EDTE; (iii) linear; (iv) homogénea ?

Para cada um dos casos, determine a respectiva solução geral.


146 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

C ÁLCULO II
A NO LECTIVO 2014/15 FOLHA N.º 5

EQUAÇÕES DIFERENCIAIS ORDINÁRIAS DE 1.ª ORDEM

1. Resolva as seguintes equações diferenciais:


(a) y 0 = xe−x (b) y 0 = xey (c) y 0 = 3y − 2
1−y √
(d) y 0 = (e) x2 y 0 = 1 + 2y 2 (f ) 4 + x2 y 0 = xy + x
x2
(g) ex y 0 = e−y + e−2x−y (h) y 0 = y 2 − 4 (i) ey sin (2x) dx = (e2y − y) cos x dy

2. Verifique se as seguintes equações são exactas e resolva-as:


(a) (x3 + y 3 ) dx + 3xy 2 dy = 0 (b) (2x + y) dx − (x + 6y) dy = 0
1
(c) (x + y)2 dx + (2xy + x2 − 1) dy = 0 (d) (x2 y 3 − 1+9x2
) dx + x3 y 2 dy = 0
(e) [2x sin (x + y) + cos (x + y)] dx + cos(x + y) dy = 0
(f ) (tg x − sin x sin y) dx + cos x cos y dy = 0
3. Resolva as seguintes equações lineares pelo método do factor integrante:
y 2y 1
(a) y 0 + = x2 (b) y 0 + = 2
x x x
x
(c) y 0 − ytg x = x (d) y 0 + ytg x =
sec x

(e) (6x2 y − x) dx + (x3 + 1) dy = 0 (f ) (x2 − 9)y 0 + xy = x + 3
(g) x(y 0 + y) + y = e−x sin (2x) (h) xy 0 − 2y = x4 + x3

4. Mostre que as equações seguintes são homogéneas e resolva-as:


(a) (y − x) dx + (y + x) dy = 0 (b) (y + x) dx + (y − x) dy = 0
(c) (x2 + y 2 ) dx + (x2 − xy) dy = 0 (d) (x + yey/x ) dx − xey/x dy = 0
p
(e) xy 0 = y + x2 − y 2 (f ) y dx + x(ln x − ln y − 1) dy = 0

5. Resolva as seguintes equações de Bernoulli:


1
(a) y 0 + y = ex y 2 (b) xy 0 + y =
y2
(c) cos xy 0 = y 2 − y sin x (d) 3xy 2 y 0 − 3y 3 = x4 cos x
(e) 2yx0 − x + x3 y cos y = 0 (f ) (2xy 5 − y) dx + 2x dy = 0
1 dy arctgy
(g) yy 0 + xy 2 = x (h) 1+y 2 dx
+ x
=x
3.6. MUDANÇA DE VARIÁVEL EM EQUAÇÕES DIFERENCIAIS 147

6. Resolva os seguintes problemas de valor inicial:



(a) xy 0 = −y 2 ∧ y(−2) = 1 (b) (xy + x) dx − 4 + x2 dy = 0 ∧ y(0) = 1
(c) xy 0 = y + x sin (y/x) ∧ y(1) = π/2 (d) (xy 2 − sin (2x)) dx = y(1 − x2 ) dy ∧ y(0) = 2
p
(e) xy 0 + y = 3 (xy)2 ∧ y(1) = 4 (f ) y 0 = 2xy + x3 ∧ y(0) = 1/2
148 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

Apêndice 3.1 E.D. lineares de 1.ª ordem - método de variação da cons-


tante
Regressemos à equação diferencial linear de 1.ª ordem na variável y, que escrevere-
dy
mos com o coeficiente de dx igual a 1:
dy
+ P (x) y = Q (x) . (3.49)
dx
A equação que se obtém desta tomando zero para segundo membro
dy
+ P (x) y = 0
dx
diz-se equação homogénea associada a (3.49). Trata-se claramente de uma equação de
variáveis separáveis, pois dela resulta
1
dy + P (x) dx = 0. (3.50)
y
Resolvida esta, a solução geral de (3.50) é então:
R
y = Ce− P (x)dx
.
A resolução da equação (3.49), também dita equação completa, far-se-á considerando C
não como constante, mas como função de x. Assim, deveremos procurar C (x) tal que
R
y = C (x) e− P (x)dx
(3.51)
é a solução geral de (3.49). Assim sendo, derivando (3.51), vem:
dy dC − R P (x)dx R
= e − C (x) P (x) e− P (x)dx .
dx dx
dy
Substituindo e y em (3.49), vem:
dx
dC − R P (x)dx R R
e − C (x) P (x) e− P (x)dx + P (x) C (x) e− P (x)dx = Q (x)
dx
que equivale a:
dC R
= Q (x) e P (x)dx .
dx
Daqui resulta: Z  R 
C (x) = Q (x) e P (x)dx dx + K.

Substituindo em (3.51), temos:


Z  R   R
y = Q (x) e P (x)dx
dx + K e− P (x)dx
Z  R   R R
= Q (x) e P (x)dx
dx e− P (x)dx + Ke− P (x)dx . (3.52)

que constitui a solução geral de (3.49).


3.6. MUDANÇA DE VARIÁVEL EM EQUAÇÕES DIFERENCIAIS 149

Exemplo 17. Determine o integral geral da equação diferencial


dy 1
− y = x.
dx x

Resolução: Vamos resolver esta equação diferencial linear de 1.ª ordem em y recorrendo
ao método de variação da constante. A equação homogénea associada à equação dada
é:
dy 1
− y = 0,
dx x
a qual equivale a:
1 1
dy − dx = 0.
y x
A solução geral desta equação é:

y = Cx, C ∈ R.

Façamos variar a constante e procuremos C (x) tal que

y = C (x) x

é solução geral da equação dada. Temos:


dy dC
= x + C (x) .
dx dx
dy
Substituindo e y na equação completa, vem:
dx
dC 1 dC
x + C (x) − C (x) x = x ⇐⇒ = 1.
dx x dx
Logo, Z
C (x) = 1dx + K = x + K
e
y = C (x) x = (x + K) x = x2 + Kx, K ∈ R,
o que conclui o exemplo. 

Nota 6. 1. Este procedimento, também conhecido por Método de Lagrange, pode ser
generalizado para equações diferenciais lineares de ordem n, as quais se escrevem
na forma:

dn y dn−1 y dy
n
+ a 1 (x) n−1
+ ... + an−1 (x) + an (x)y = Q(x),
dx dx dx
passando a designar-se por método de variação das constantes.
150 CAPÍTULO 3. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS DE PRIMEIRA ORDEM

2. Na expressão (3.52) podemos distinguir uma parcela que é integral geral da equação
homogénea associada, sendo a restante um integral particular da equação com-
pleta: Z  R   R R
y= Q (x) e P (x)dx
dx e− P (x)dx + Ke
|
− P (x)dx
{z }.
| {z } I. G. eq. homogénea
I. P. eq. completa

Este facto é também generalizável para equações diferenciais lineares de ordem n.


Capı́tulo 4

Equações Diferenciais Lineares e


Equações às Diferenças Lineares

O presente capı́tulo constitui uma primeira introdução aos métodos de resolução de


equações diferenciais lineares de ordem n e da sua correspondente discreta, as equações
às diferenças lineares de ordem n. Como tal, restringiremos bastante o nosso estudo,
quedando-nos em ambos os casos pelas equações com coeficientes constantes. Para um
tratamento mais completo destas equações, aconselhamos a consulta de [7] e [9] respec-
tivamente. A fonte principal será contudo [2]. O tratamento simultâneo destes dois tipos
de equações prende-se com a similitude de processos de resolução.

4.1 Equações Diferenciais Lineares. Os operadores D e


P(D).
Uma equação diferencial diz-se linear de ordem n (n ∈ N) se puder escrever-se na
forma:
dn y dn−1 y dy
an (x) n + an−1 (x) n−1 + ... + a1 (x) + a0 (x)y = q(x), (4.1)
dx dx dx
(com an (x) não identicamente nula). Caso os coeficientes sejam constantes, a equação
assume a expressão:

dn y dn−1 y dy
an n
+ a n−1 n−1
+ ... + a1 + a0 y = q(x), (4.2)
dx dx dx
e será sobre estas que nos iremos debruçar.
À equação que se obtém de (4.1) ou de (4.2) tomando para segundo membro a função
identicamente nula chamamos equação homogénea associada.
Vamos recorrer à teoria dos operadores diferenciais lineares, primeiro para reescrever
esta equação, e depois para apresentar um método para a sua resolução.

151
152CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Um operador é toda a aplicação entre espaços vectoriais de funções (ver apêndice


4.1), isto é, uma aplicação que transforma cada função numa função.
No que se segue, iremos considerar
F = {f : R → R tal que f é n vezes diferenciável}
e, para cada k = 1, ..., n, os operadores
dk
Dk = :F →F
dxk
tais que, para cada y ∈ F,
dk y
Dk (y) = .
dxk
Estamos na presença dos chamados operadores diferenciais de ordem k. Por convenção,
toma-se:
D0 = I operador identidade,
o qual transforma cada função em si própria. Assim sendo, (4.2) pode escrever-se na
forma:
an Dn + an−1 Dn−1 + ... + a1 D + a0 I y = q(x).

(4.3)
ou ainda
P (D) y = q(x).
onde
P (D) = an Dn + an−1 Dn−1 + ... + a1 D + a0
(usualmente, omite-se I). Refira-se que P (D) é um polinómio simbólico em D, uma vez
que as potências de D traduzem ordens de derivação. Por outro lado, o próprio P (D) é
um operador diferencial (combinação linear de operadores diferenciais).
Exemplo 1. A equação diferencial
d2 y dy
2
− − 2y = 0 (4.4)
dx dx
equivale a
D2 − D − 2 y = 0.


Tomando
P (D) = D2 − D − 2,
polinómio simbólico em D, é conveniente factorizá-lo. Para tal, recorreremos à chamada
equação auxiliar ou caracterı́stica:
z2 − z − 2 = 0
a qual equivale a:
(z − 2) (z + 1) = 0.
Assim,
P (D) = D2 − D − 2 = (D − 2) (D + 1) .
4.1. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES. OS OPERADORES D E P(D). 153

Apesar de simbólicos, os polinómios P (D) gozam de propriedades análogas às dos


polinómios usuais. Por exemplo, não é difı́cil mostrar que

(D − 2) (D + 1) y = (D + 1) (D − 2) y.

De facto,
 
dy dy
(D − 2) (D + 1) y = (D − 2) +y = (D − 2) + (D − 2) y
dx dx
d2 y dy dy d2 y dy 2

= − 2 + − 2y = − − 2y = D − D − 2 y
dx2 dx dx dx2 dx
e também
 
dy dy
(D + 1) (D − 2) y = (D + 1) − 2y = (D + 1) − 2 (D + 1) y
dx dx
d2 y dy dy 2

= + − 2 − 2y = D − D − 2 y.
dx2 dx dx
Mais adiante voltaremos aos operadores diferenciais e à questão da factorização de
P (D).

Exercı́cio 1. Reescreva cada uma das seguintes equações diferenciais na forma

P (D) y = q(x),

apresentando o polinómio diferencial P (D) na forma factorizada.

d2 y
(a) − y = 2x (b) y 00 + y 0 − 6y = −5xex
dx2
d3 y d2 y dy
(c) − 3 + 3 −y =0 (d) 2y 00 − 4y = 3ex
dx3 dx2 dx
Exercı́cio 2. Mostre que as funções

y = e2x e y = e−x

são soluções da equação diferencial (4.4). Tendo em conta a escrita desta equação na
forma
P (D)y = 0
com P (D) factorizado, formule uma hipótese que relacione as raı́zes da equação auxiliar
e as soluções da equação diferencial.
154CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

4.2 Equações às Diferenças Lineares. Os operadores E e


P(E).
Seja (yt )t=0,1,2,... uma sucessão desconhecida. Se conhecermos alguns termos da sucessão,
podemos tentar obter o respectivo termo geral. Assim, se tivermos os seguintes exemplos:
(a) 1, 1, 1, 1, 1, ... (b) 1, 3, 5, 7, ... (c) 1, −3, 9, −27, 81, ...
é fácil deduzir que tais sucessões têm os seguintes termos gerais:
(a) yt = 1, t = 0, 1, 2, ... (b) yt = 2t + 1, t = 0, 1, 2, ... (c) yt = (−3)t , t = 0, 1, 2, ...
respectivamente. As equações às diferenças, que começaremos a abordar nesta secção,
partem de alguma relação de recorrência entre os termos de uma sucessão desconhecida,
(yt )t=0,1,2,... , sendo o objectivo da sua resolução obter o termo geral desta sucessão.
Dada uma sucessão (yt )t=0,1,2,... , as sucessões
(yt+1 )t=0,1,2,... , (yt+2 )t=0,1,2,... , . . . , (yt+n )t=0,1,2,... ,
obtêm-se daquela omitindo os seus primeiros termos (primeiro, dois primeiros, n primei-
ros, respectivamente). Chamamos equação às diferenças de ordem n a toda a relação
entre as sucessões (yt )t=0,1,2,... , (yt+1 )t=0,1,2,... , (yt+2 )t=0,1,2,... , . . . , (yt+n )t=0,1,2,... . As e-
quações às diferenças são também conhecidas por relações de recorrência e a sua ordem
define-se como a diferença entre o maior e o menor dos ı́ndices das referidas sucessões.
Eis alguns exemplos:
(1) yt+1 − yt = 0 (de ordem 1).

(2) yt+1 − 2yt = 1 (de ordem 1)

(3) yt+1 + t2 yt = 2t (de ordem 1) .

(4) yt+2 + 2yt+1 + yt = 0 (de ordem 2)

2
(5) yt+4 + yt yt+1 + t = 3 (de ordem 4)
As soluções de uma equação às diferenças são funções de domı́nio discreto, isto é,
sucessões (de números reais). Tal como acontece para equações diferenciais de ordem n
(n ∈ N), também a solução geral de uma equação às diferenças de ordem n contém n
constantes reais arbitrárias. Por exemplo, se tomarmos a equação (4), podemos sempre
escolher y0 e y1 de modo arbitrário e obter
y2 , y3 , ...
a partir da equação dada. De facto, de (4) vem:
y2 = −2y1 − y0

y3 = −2y2 − y1 = (· · · ) = 3y1 + 2y0

y4 = −2y3 − y2 = (· · · ) = −4y1 − 3y0 .


4.2. EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS LINEARES. OS OPERADORES E E P(E). 155

Note que y0 e y1 funcionam como constantes reais arbitrárias.


Toda a equação que se possa escrever na forma
(n) (n−1) (1) (0)
at yt+n + at yt+n−1 + ... + at yt+1 + at yt = qt ,

onde
(n) (n−1) (1) (0)
at , at , ..., at , at , qt
são sucessões de números reais, diz-se equação às diferenças linear de ordem n. Deter-
nos-emos no caso das equações às diferenças lineares com coeficientes constantes, isto é,
naquelas que assumem a forma:

an yt+n + an−1 yt+n−1 + ... + a1 yt+1 + a0 yt = qt , (4.5)

com ai ∈ R, an 6= 0. Como é evidente, resolver esta equação consiste em obter o termo


geral de (yt )t=0,1,2,... . Para tal é importante, como se verá mais adiante, encontrar a solução
geral da chamada equação homogénea associada, isto é, a que se obtém de (4.5) tomando
para segundo membro a sucessão constante nula.
Seja S o espaço vectorial das sucessões de números reais. Vamos agora considerar o
operador E (operador shift ou operador salto em frente), definido como se segue:

E:S→S

tal que
Eyt = yt+1 .
Mais geralmente, definiremos os operadores potências de E como se segue:

E 2 yt = E (Eyt ) = E (yt+1 ) = yt+2

E 3 yt = E (E 2 yt ) = E (yt+2 ) = yt+3
..
 .
E k yt = E E k−1 yt = yt+k , k = 1, 2, . . .

convencionando-se ainda que E 0 = I (operador identidade em S).


Podemos exprimir todas as equações às diferenças lineares de ordem n à custa dos
operadores E k . De facto, (4.5) equivale a:

an E n + an−1 E n−1 + ... + a1 E + a0 yt = qt ,




ou ainda a
P (E) yt = qt
onde
P (E) = an E n + an−1 E n−1 + ... + a1 E + a0 .
Este polinómio simbólico em E deve também ser factorizado, preparando o terreno para
a resolução da equação dada.
156CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Exemplo 2. Note que

yt+2 − 5yt+1 + 6yt = 0, t = 0, 1, 2, ...

equivale a
E 2 − 5E + 6 yt = 0

(4.6)
ou ainda a
P (E) yt = 0,
com P (E) = E 2 − 5E + 6. Resolvendo a equação auxiliar

z 2 − 5z + 6 = 0

vem
(z − 3) (z − 2) = 0.
Logo,
P (E) = (E − 3) (E − 2) .

Exercı́cio 3. Reescreva cada uma das seguintes equações às diferenças na forma

P (E) y = qt , (t ∈ N0 ).

apresentando o polinómio P (E) na forma factorizada.

(a) yt+2 − yt = 2t (b) yt+2 + yt+1 − 6yt = −5t(−1)t

(c) yt+3 − 3yt+2 + 3yt+1 − yt = 0 (d) 2yt+2 − 4yt = 3t

Tal como acontece com os polinómios diferenciais P (D), também os polinómios


simbólicos P (E) satisfazem propriedades operatórias semelhantes às dos polinómios usu-
ais. Assim, é fácil notar que

(E − 3) (E − 2) yt = (E − 2) (E − 3) yt .

Efectivamente, temos:

(E − 3) (E − 2) yt = (E − 3) (yt+1 − 2yt ) = (E − 3) yt+1 − 2 (E − 3) yt

= yt+2 − 3yt+1 − 2yt+1 + 6yt = yt+2 − 5yt+1 + 6yt ,

e também

(E − 2) (E − 3) yt = (E − 2) (yt+1 − 3yt ) = (E − 2) yt+1 − 3 (E − 2) yt

= yt+2 − 2yt+1 − 3yt+1 + 6yt = yt+2 − 5yt+1 + 6yt .


4.2. EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS LINEARES. OS OPERADORES E E P(E). 157

Exercı́cio 4. Mostre que as sucessões

yt = 2t , t ∈ N0 e yt = 3t , t ∈ N0

são soluções da equação às diferenças (4.6). Tendo em conta a escrita desta equação na
forma
P (E)yt = 0,
com P (E) factorizado, formule uma hipótese que relacione as raı́zes da equação auxiliar
com as soluções da referida equação às diferenças.
158CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

4.3 Operadores Lineares


O que a seguir se descreve é o suporte básico para a compreensão da resolução das
equações diferenciais e às diferenças lineares homogéneas associadas.
Se A é uma matriz m × n, i.e. A ∈ Rm×n , X e Y são vectores-coluna n × 1 e α ∈ R,
então
(1) A (X + Y ) = A X + A Y ; (2) A (α X) = α A X. (4.7)
Por este motivo, toda a matriz é dita linear. Um operador que partilhe estas propriedades
diz-se linear (qualquer operador linear pode ser identificado através de uma matriz A).
Temos então o seguinte resultado:
Teorema 1. Os operadores D e P (D), E e P (E) são operadores lineares (nos respecti-
vos espaços de definição).
Recordará por certo de Álgebra Linear que o núcleo ou espaço-nulo de uma matriz
A ∈ Rm×n é o seguinte subespaço:

Ker (A) = N (A) = X ∈ Rn×1 : A X = 0 ,




onde 0 é o vector-nulo m × 1. Uma vez que A é um operador linear, qualquer combinação


linear de vectores de Ker (A) pertence ainda a Ker (A) (1 ). De facto, sejam X, Y ∈
Ker (A). Então
AX =0 e A Y = 0,
pelo que
A (α X + β Y ) = αA X + βA Y = α 0+β 0 = 0.
Admitamos que k ≤ n. Um conjunto de k vectores do núcleo de A constitui uma
base deste subespaço se cada vector de Ker (A) se puder exprimir como combinação
linear única destes vectores. Qualquer conjunto de k vectores linearmente independen-
tes pertencentes ao núcleo de A forma uma base desse subespaço. A dimensão de tal
subespaço é o número de vectores de qualquer base de Ker (A).
Consideremos a equação diferencial linear de ordem n escrita na forma

P (D)y = 0, (4.8)

onde P (D) é o polinómio diferencial linear de grau n. Estamos interessados em deter-


minar
Ker (P (D)) = {f ∈ F : P (D) f = 0} .
Ou seja:
f ∈ Ker (P (D)) ⇐⇒ P (D) f = 0.
Além disso, Ker (P (D)) é um subespaço vectorial de F, pelo que o nosso propósito será
determinar uma base de Ker (P (D)). Isto sucede uma vez que, se

{f1 , f2 , ..., fk }
1
Aliás, esta consequência resulta directamente do facto de Ker (A) ser um subespaço vectorial de Rn .
4.3. OPERADORES LINEARES 159

constituir uma base de Ker (P (D)) então qualquer solução de (4.8) será combinação
linear única dos elementos da base, i.e., existirão escalares c1 , c2 , ..., ck ∈ R tais que:
f = c1 f1 + c2 f2 + ... + ck fk ,
de maneira única.
De modo semelhante, a respeito de uma equação às diferenças lineares
P (E) yt = 0 (4.9)
estamos interessados em obter
Ker (P (E)) = {yt ∈ S : P (E) yt = 0} ,
ou, mais precisamente, numa base para este subespaço vectorial de S. De facto, sendo
n o
(1) (2) (k)
ft , ft , ..., ft
uma base de Ker (P (E)), cada solução de (4.9) pode escrever-se de modo único como
combinação linear das sucessões de tal base.
De seguida vamos justificar que se a equação (4.9) for de ordem n, então
k = dim [Ker (P (E))] = n (grau do polinómio).
De facto,
P (E) yt = 0 ⇐⇒ an yt+n + an−1 yt+n−1 + ... + a1 yt+1 + a0 yt = 0.
Uma vez que an 6= 0, temos:
yt+n = − (an )−1 (an−1 yt+n−1 + ... + a1 yt+1 + a0 yt ). (4.10)
Uma vez conhecidos os valores de y0 , y1 , ..., yn−1 , o uso repetido de (4.10) permite obter
os restantes termos da sequência (yt )t=0,1,2,... solução de (4.9). No entanto, y0 , y1 , ..., yn−1 ,
podem ser escolhidos de maneira arbitrária. Cada vector n-dimensional
(y0 , y1 , ..., yn−1 )T
determina uma solução de (4.9) e vice-versa. Isto traduz que existe uma correspondência
bijectiva entre o conjunto de soluções de (4.9) e o conjunto dos vectores de dimensão n.
Logo, dim [Ker (P (E))] = n.
Por outro lado, sabe-se que dado um ponto x = x0 , quaisquer números reais y0 , y1 , ..., yn−1 ,
determinam uma solução única f da equação (4.8) satisfazendo as condições iniciais:
f (x0 ) = y0 , Df (x0 ) = y1 , ..., Dn−1 f (x0 ) = yn−1 .
Por conseguinte, um argumento semelhante ao que acima utilizámos para sucessões (soluções
de equações às diferenças lineares de ordem n) permite estabelecer que também
k = dim [Ker (P (D))] = n.
Doravante, à base de Ker (P (D)) (respectivamente, de Ker (P (E))) chamaremos
sistema fundamental de soluções da equação homogénea P (D) y = 0 (respectivamente,
de P (E) yt = 0).
Os resultados aqui enunciados serão imediatamente requisitados nas próximas secções.
160CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

4.4 Equações diferenciais lineares homogéneas


Retomemos a equação diferencial linear de ordem n com coeficientes constantes (4.2)
que, como já sabemos, pode ser escrita na forma

P (D) y = q(x).

Da secção anterior resulta que o espaço de soluções da equação homogénea associada

P (D) y = 0 (4.11)

tem dimensão n. O problema da obtenção do integral geral de (4.11) reduz-se portanto


à determinação de um sistema fundamental de soluções (doravante, S.F.S.) de (4.11).
Por definição de base, se {y1 , y2 , ..., yn } for um tal sistema então qualquer outra função y
solução de (4.11) pode exprimir-se de modo único como combinação linear única dessas
funções, i.e.,
y = c1 y1 + c2 y2 + ... + cn yn , (4.12)
onde c1 , c2 , ..., cn ∈ R são constantes. Dado que (4.12) envolve n constantes reais ar-
bitrárias, estamos na presença do integral geral da equação homogénea associada.
Observe que para obter um S.F.S. de (4.11) não basta encontrar n soluções distintas,
mas é necessário que tais soluções sejam linearmente independentes (2 ). Felizmente, uma
vez obtido P (D) na forma factorizada, esta tarefa torna-se fácil.
Consideremos a equação

P (D) y = (D − α1 )m1 (D − α2 )m2 · · · (D − αk )mk y = 0, (4.13)

onde {α1 , α2 , ..., αk } são as raı́zes distintas, reais ou complexas, do polinómio auxiliar
P (z) (as raı́zes complexas, como sabemos, ocorrem aos pares). Recorde que nesta
factorização os factores comutam.
Desde o Capı́tulo 3 que se sabe que

y = eαx é uma solução de (D − α) y = 0.

Assim sendo, se (D − α) é um factor de P (D), então y = eαx é também uma solução de


P (D) y = 0. De facto:

P (D) eαx = Q (D) (D − α) eαx = Q (D) 0 = 0,

onde Q (D) é um polinómio diferencial de grau n − 1.


Que sucede no caso de a multiplicidade de α ser maior do que um? Consideremos a
equação
(D − α)2 y = 0. (4.14)
2
Existe uma condição necessária e suficiente para que um conjunto de n soluções de uma equação dife-
rencial (resp., equação às diferenças) constitua um sistema fundamental de soluções da equação homogénea.
Para tal, consulte o apêndice 4.2.
4.4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES HOMOGÉNEAS 161

É fácil verificar, por substituição directa, que eαx e xeαx são soluções de (4.14). Além
disso, tais soluções são linearmente independentes uma vez que nenhuma delas é múltiplo
escalar da outra.
A generalização dos argumentos acima expostos permite concluir que cada factor
(D − α)m contribui com m soluções linearmente independentes de

(D − α)m y = 0, (4.15)

mais precisamente, com as funções:

eαx , xeαx , x2 eαx , . . . , xm−1 eαx .

Qualquer solução daquela equação é combinação linear única destas soluções.

Teorema 2. Um S.F.S. da equação (4.15) é dado por


 αx
e , xeαx , x2 eαx , . . . , xm−1 eαx .

O integral geral da referida equação é:

y = c0 eαx + c1 xeαx + c2 x2 eαx + . . . + cm−1 xm−1 eαx , com c0 , c1 , c2 , ..., cm−1 ∈ R.

Para o caso geral da equação (4.13) temos de exibir

m1 + m2 + ... + mk = n

soluções que constituam um S.F.S. da referida equação, as quais são construı́das para cada
um dos factores (D − αi )mi , i = 1, . . . , k, do mesmo modo que acima se fez.

Exemplo 3. Exiba um S.F.S. de

P (D) y = (D − α) (D − β)3 (D − γ)2 y = 0, α, β, γ ∈ R e diferentes,

e construa de seguida o seu integral geral.


Resolução: A equação dada é de ordem 6, pelo que deveremos exibir 6 soluções linear-
mente independentes. Atendendo à multiplicidade de cada uma das raı́zes, temos:
 αx βx
e , e , xeβx , x2 eβx , eγx , xeγx

para S.F.S. e

y = c0 eαx + c1 eβx + c2 xeβx + c3 x2 eβx + c4 eγx + c5 xeγx , com c0 , c1 , c2 , c3 , c4 , c5 ∈ R

é o seu integral geral. 

Exemplo 4. Determine o integral geral de cada uma das seguintes equações diferenciais:

d2 y dy
(a) 2
+ 2 − 3y = 0 (b) y 000 + y 00 − y 0 − y = 0
dx dx
162CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Resolução: (a) A equação pode escrever-se na forma

P (D) y = D2 + 2D − 3 y = 0.


As raı́zes da equação auxiliar

P (z) = z 2 + 2z − 3 = 0

são
z = −3 ∨ z = 1.
Logo, P (z) = (z + 3) (z − 1) e a equação diferencial equivale a:

(D + 3) (D − 1) y = 0.

Um S.F.S. de tal equação é:


e−3x , ex


e
y = Ae−3x + Bex , com A, B ∈ R
é o seu integral geral.
(b) A equação dada escreve-se na forma

P (D) y = D3 + D2 − D − 1 y = 0.


Facilmente se prova que:

P (z) = z 3 + z 2 − z − 1 = (z − 1) (z + 1)2 ,

pelo que a equação se escreve na forma

(D − 1) (D + 1)2 y = 0.

Um S.F.S. de tal equação é:


ex , e−x , xe−x


e
y = Aex + Be−x + Cxe−x = Aex + (B + Cx) e−x , com A, B, C ∈ R
é o seu integral geral. 
4.5. RAÍZES COMPLEXAS DA EQUAÇÃO AUXILIAR 163

4.5 Raı́zes complexas da equação auxiliar


Na secção anterior vimos como a solução geral de uma equação diferencial linear de
ordem n, P (D) y = 0, pode ser construı́da à custa das raı́zes α1 , α2 , · · · , αk da equação
auxiliar P (z) = 0. Sendo P um polinómio com coeficientes reais, estaremos apenas
interessados em soluções da equação homogénea que sejam funções reais. Note contudo
que a equação auxiliar pode ter raı́zes complexas. Como adaptar os resultados teóricos a
este caso?
Admitamos que α = β + γi ∈ C é raiz simples da equação auxiliar. Então também
α = β − γi o será e a equação caracterı́stica tem a seguinte forma:

P (z) = Q (z) (z − α) (z − α) = Q(z) (z − β)2 + γ 2 = 0.


 

Assim, a equação diferencial escreve-se como se segue:

P (D) y = Q(D) (D − α) (D − α) y = Q(D) (D − β)2 + γ 2 y = 0.


 

Devido a este facto, os termos do integral geral correspondentes a cada par de raı́zes
complexas conjugadas, α, α, simples, têm a seguinte forma:

Aeαx + Beαx . (4.16)

Nesta expressão as constantes A e B são complexas. Contudo, estamos apenas interessa-


dos em formas reais das soluções. Para as obter, teremos de recorrer à chamada Fórmula
de Euler:
eiθ = cos θ + i sin θ
(e, por conseguinte, e−iθ = cos θ − i sin θ). A extensão da definição de exponencial para
números complexos e a demonstração desta fórmula encontra-se no apêndice 4.3. Pela
sua aplicação, temos:

eαx = e(β+γi)x = eβx eiγx = eβx (cos (γx) + i sin (γx))

e
eαx = e(β−γi)x = eβx e−iγx = eβx (cos (γx) − i sin (γx)) .
Substituindo em (4.16) vem:

Aeαx + Beαx = Aeβx (cos (γx) + i sin (γx)) + Beβx (cos (γx) − i sin (γx))

= eβx [(A + B) cos (γx) + i (A − B) sin (γx)]

= eβx [a cos (γx) + b sin (γx)] ,

onde a = A + B e b = i(A − B). Desejamos apenas considerar valores reais para as


constantes a e b. Das relações entre estas e as constantes A e B resulta:
1 1
A= (a − bi) e B = (a + bi) .
2 2
164CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Assim, na expressão (4.16) A e B terão de ser complexos conjugados.


Podemos então dizer que
 βx
e cos (γx) , eβx sin (γx)

é um S.F.S. da equação

(D − α) (D − α) y = (D − β)2 + γ 2 y = 0.
 

No seguinte resultado sintetizam-se estas conclusões em conjunto com o caso das


raı́zes complexas múltiplas.
Teorema 3. Seja α = β + γi uma raiz complexa com multiplicidade m de P (z) = 0,
equação caracterı́stica da equação diferencial linear P (D)y = 0. Então esta raiz (e a
sua conjugada) contribui com o seguinte conjunto:

{eβx cos (γx) , eβx sin (γx) , xeβx cos (γx) , xeβx sin (γx) , x2 eβx cos (γx) , x2 eβx sin (γx) ,
. . . , xm−1 eβx cos (γx) , xm−1 eβx sin (γx)}

para o integral geral de tal equação diferencial. Neste deverá constar a seguinte combinação
linear destas soluções:

eβx (C1 cos (γx) + C2 sin (γx)) + xeβx (C3 cos (γx) + C4 sin (γx))
+x2 eβx (C5 cos (γx) + C6 sin (γx)) + . . . + xm−1 eβx (C2m−1 cos (γx) + C2m sin (γx)) ,

onde as constantes Ci são arbitrárias e reais.


Exemplo 5. Determine o integral geral de cada uma das seguintes equações diferenciais:
d2 y d3 y
(a) 2 + 4y = 0 (b) 3 = y
dx dx

Resolução: (a) A equação pode escrever-se na forma

P (D)y = D2 + 4 y = 0.


As soluções de P (z) = 0 são


z = ±2i.
Assim, em vez da forma factorizada P (D)y = (D − 2i) (D + 2i) y = 0 preferiremos a
forma
P (D)y = (D − 0)2 + 22 y = D2 + 4 y = 0,
 

que é a que já tı́nhamos. De modo análogo, em vez de {e−2ix , e2ix } o S.F.S. terá a forma:
 0x
e cos (2x) , e0x sin (2x) = {cos (2x) , sin (2x)}

e o integral geral da equação dada será:

y = C1 cos (2x) + C2 sin (2x) , C1 , C2 ∈ R.


4.5. RAÍZES COMPLEXAS DA EQUAÇÃO AUXILIAR 165

(b) A equação dada equivale a

P (D)y = D3 − 1 y = 0.


Como √
3 1 3
P (z) = z − 1 = 0 ⇐⇒ z = 1 ∨ z = − ± i.
2 2
  √ 2  h i
1 2
2
Logo, P (z) = (z − 1) z + 2 + 23 = (z − 1) z + 21 + 34 e a equação tem


a forma " #
2
1 3
P (D)y = (D − 1) D+ + y = 0.
2 4
Um S.F.S. será: ( √ ! √ !)
− 12 x 3 1 3
x
e ,e cos x , e− 2 x sin x ,
2 2
pelo que o integral geral da equação dada será:
√ ! √ !
− 21 x 3 1 3
y = C1 ex + C2 e cos x + C3 e− 2 x sin x
2 2
√ ! √ !!
1 3 3
= C1 ex + e− 2 x C2 cos x + C3 sin x ,
2 2

onde C1 , C2 , C3 são constantes reais arbitrárias. 


166CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

4.6 Equações às diferenças lineares homogéneas


No caso das equações às diferenças lineares homogéneas escritas na forma

P (E) yt = 0, t = 0, 1, 2, . . .

o problema da determinação da solução geral tem uma resolução semelhante ao caso das
equações diferenciais.
Admitamos que a forma factorizada da equação é:

P (E) yt = (E − α1 )m1 (E − α2 )m2 · · · (E − αk )mk yt = 0, (4.17)

onde os αi , i = 1, ..., k, são raı́zes não nulas e distintas (3 ). Cada factor (E − α)m contri-
bui para a solução geral com m soluções linearmente independentes - nomeadamente, as
sucessões  t t 2 t
α , tα , t α , . . . , tm−1 αt
hão-de constar no S.F.S.. Assim:

Teorema 4. Um S.F.S. da equação (E − α)m yt = 0, t = 0, 1, 2, . . . é dado por


 t t 2 t
α , tα , t α , . . . , tm−1 αt

e a sua solução geral será:

yt = c0 αt + c1 tαt + c2 t2 αt + . . . + cm−1 tm−1 αt .

Tomando em consideração cada factor em (4.17), devemos construir

m1 + m2 + . . . + mk = n

soluções linearmente independentes, sendo n a ordem da equação às diferenças, as quais


serão geradas de acordo com o processo acima descrito.

Exemplo 6. Exiba um S.F.S. de

P (E) yt = (E − α) (E − β)3 (E − γ)2 yt = 0, α, β, γ ∈ R\ {0} ,

e construa de seguida a sua solução geral.


Resolução: Sendo a equação de ordem 6, procuremos 6 soluções linearmente indepen-
dentes. Atendendo à multiplicidade de cada uma das raı́zes, temos:
 t t
α , β , tβ t , t2 β t , γ t , tγ t
3
Uma raiz nula do polinómio caracterı́stico conduz a uma sucessão constante e nula a partir de certa
ordem. De facto,
P (E) yk = 0 ⇔ (E − 0) yk = 0 ⇔ yk+1 = 0.
Assim, y0 = a e yk = 0, k = 1, 2, 3, .... Esta solução pode sempre ser contemplada na solução geral
tomando nulas as constantes.
4.6. EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS LINEARES HOMOGÉNEAS 167

para S.F.S. e

yt = c0 αt + c1 β t + c2 tβ t + c3 t2 β t + c4 γ t + c5 tγ t

= c0 αt + c1 + c2 t + c3 t2 β t + (c4 + c5 t) γ t , com c0 , c1 , c2 , c3 , c4 , c5 ∈ R


é a sua solução geral. 

De modo análogo, quando o polinómio caracterı́stico P possui um par de raı́zes com-


plexas, α = β + γi e α = β − γi, em vez de

P (E) yt = Q(E) (E − α) (E − α) yt

escreveremos
P (E) yt = Q(E) (E − β)2 + γ 2 yt = 0.
 

Tendo em conta que apenas estamos interessados em soluções que sejam sucessões de
números reais, em vez de termos

Aαt + Bαt , A, B ∈ C,

para a parte da solução geral correspondente às raı́zes complexas, vamos representá-la
de uma outra forma que torne tal facto imediatamente visı́vel. Entretanto, note que é
igualmente possı́vel provar que Aαt + Bαt ∈ R sempre que A e B sejam complexos
conjugados.
Dado α = β + γi ∈ C, sejam ρ ∈ R+ e θ ∈ [0, 2π[ tais que
p
ρ = |α| = β 2 + γ 2 (módulo de α)

e 
 ρ cos θ = β
. (4.18)
ρ sin θ = γ

O valor θ diz-se argumento positivo mı́nimo de α e será denotado por arg α (4 ). Deste
modo, temos as seguintes representações para o complexo α:

α = β + γi = ρ [cos θ + i sin θ] = ρ cis θ = ρ eiθ .


(repr. trigonométrica) (repr. trigonométrica abreviada) (repr. polar)

Neste caso,
α = β − γi = ρ cis (−θ) = ρ ei(−θ) .
Prova-se então o seguinte resultado:
4
Em rigor, qualquer valor de θ que satisfaça as relações (4.18) é dito argumento de α. Alguns autores
optam por escolher θ ∈ ]−π, π], dito argumento principal. Ao escolhermos θ ∈ [0, 2π[ escolhemos o
argumento positivo mı́nimo.
168CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Teorema 5. (a) Um S.F.S. da equação

(E − α) (E − α) yt = (E − β)2 + γ 2 yt = 0,
 
t = 0, 1, 2, . . .

é dado por
ρt cos (θt) , ρt sin (θt)


e a sua solução geral será:

yt = ρt [a cos (θt) + b sin (θt)] , t = 0, 1, 2, . . .

com a, b ∈ R.
(b) Um S.F.S. da equação
m
[(E − α) (E − α)]m yt = (E − β)2 + γ 2 yt = 0,

t = 0, 1, 2, . . .

é dado por

{ρt cos (θt) , ρt sin (θt) , tρt cos (θt) , tρt sin (θt) , t2 ρt cos (θt) , t2 ρt sin (θt) , . . . ,
tm−1 ρt cos (θt) , tm−1 ρt sin (θt)}

e a sua solução geral será:

yt = ρt a0 + a1 t + ... + am−1 tm−1 cos (θt) + b0 + b1 t + ... + bm−1 tm−1 sin (θt) ,
   

t = 0, 1, 2, . . . , com ai , bi ∈ R.

Exemplo 7. Determine a solução geral de cada uma das seguintes equações às diferenças
definidas para t = 0, 1, 2, . . . .

(a) yt+2 + 3yt+1 + 2yt = 0 (b) yt+3 + yt+1 + 10yt = 0 (c) yt+3 = 2yt+2

Resolução: As resoluções serão apresentadas de maneira abreviada. Deixaremos ao


leitor o cuidado de completar e verificar os pormenores.

(a) À custa da factorização do polinómio caracterı́stico, esta equação pode escrever-se


na forma:
E 2 + 3E + 2 yt = (E + 1) (E + 2) yt = 0.


Assim,
(−1)t , (−2)t


será um S.F.S. dessa equação e

yt = A (−1)t + B (−2)t , t = 0, 1, 2, . . .

(com A, B ∈ R) a sua solução geral.


4.6. EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS LINEARES HOMOGÉNEAS 169

(b) O polinómio caracterı́stico desta equação tem as seguintes raı́zes:

z = −2 ∨ z = 1 + 2i ∨ z = 1 − 2i.

Assim, a equação dada pode escrever-se na forma:

E 3 + E + 10 yt = (E + 2) (E − 1 − 2i) (E − 1 + 2i) yt


= (E + 2) (E − 1)2 + 4 yt = 0.
 

Além disso, como √ √


ρ = |1 + 2i| = 12 + 22 = 5
e dado que
 √
 5 cos θ = 1 h πh
, θ ∈ [0, 2π[ ⇐⇒ tg θ = 2, θ ∈ 0, ⇐⇒ θ = arctg (2) ,
 √ 2
5 sin θ = 2

um S.F.S. será:
 √ t √ t 
t
(−2) , 5 cos (t arctg (2)) , 5 sin (t arctg (2))

e a solução geral será:


√ t
t
yt = A (−2) + 5 [b cos (t arctg (2)) + c sin (t arctg (2))] , t = 0, 1, 2, . . . ,

com A, b, c ∈ R.

(c) Retrocedendo duas unidades em cada um dos ı́ndices da equação dada, esta equivale
a
yt+1 − 2yt = (E − 2) yt = 0, t = 2, . . .
cuja solução geral é

yt = C 2t , t = 2, 3, . . . (com C ∈ R).

Como a equação dada começa com t = 0, 1, 2, ... a solução geral implica que
y0 = A e y1 = B são valores arbitrários reais. 

Nota 1. Na anterior equação a solução nula da equação caracterı́stica não é considerada


uma vez que ela daria origem à sucessão nula (0t = 0, t = 0, 1, 2, ...). Ora, qualquer
conjunto de sucessões contendo a sucessão nula é linearmente dependente. Embora seja
perceptı́vel que tal sucessão é solução da equação dada, repare que ela está contemplada
na solução geral: basta que tome y0 = y1 = 0 e C = 0.
170CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Exemplo 8. Resolva a seguinte equação às diferenças yt+2 − 4yt+1 + 4yt = 0,


t = 0, 1, 2, . . . para os valores iniciais y0 = 3 e y1 = 5.
Resolução: Os métodos expostos permitem chegar à solução geral da equação:

yt = A 2t + B t2t , t = 0, 1, 2, . . . (com A, B ∈ R).

Resolvendo o sistema
  
 y0 = 3  A=3  A=3
⇐⇒ ⇐⇒ .
y1 = 5 2A + 2B = 5 B= − 21
  

Logo,
yt = 3 2t − t2t−1 , t = 0, 1, 2, . . .
é a solução particular procurada. 
4.7. EQUAÇÕES NÃO HOMOGÉNEAS 171

4.7 Equações não homogéneas


Para abordarmos a questão da obtenção da solução geral no caso das equações não ho-
mogéneas, começaremos por requisitar alguns resultados relativos a sistemas de equações
lineares. Consideremos as matrizes genéricas A ∈ Rm×n , X ∈ Rn×1 e b ∈ Rm×1 . Seja
X = p uma qualquer solução particular do sistema

AX = b.

É sabido que qualquer outro vector-coluna u ∈ Rn×1 é solução deste sistema se, e só se,

u = X0 + p,

onde X0 é solução do sistema homogéneo

AX = 0

(i.e., X0 ∈ Ker (A)).


Aproveitando este facto e o que já se disse nas secções anteriores acerca das equações
diferenciais lineares e as equações às diferenças lineares, podemos dizer que, em ambos
os casos, qualquer solução da equação completa se exprime como soma de uma solução
da equação homogénea com uma solução particular da equação completa.

4.7.1 Equações diferenciais não homogéneas


Temos o seguinte resultado:

Teorema 6. A equação diferencial linear de ordem n, completa,

P (D)y = q(x) (4.19)

tem solução geral


y (x) = yGH (x) + p (x) ,
onde yGH é a solução geral da equação homogénea associada e p é uma solução parti-
cular da equação completa.

A questão que se coloca agora é a dos métodos para construir uma solução particular
de (4.19). Aquele que aqui apresentamos é por vezes conhecido por método do polinómio
anulador, e é válido apenas no caso em que a função q é ela própria solução de uma
equação homogénea.
Admitamos que
Q (D) q = 0,
para algum polinómio diferencial Q de grau m. Supondo que P tem grau n, procuramos
uma função particular p tal que
P (D)p = q.
172CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Operando em ambos os membros através de Q(D), vem:


Q (D) P (D)p = Q (D) q = 0.
Então, p será necessariamente uma solução de
Q (D) P (D)y = 0,
equação diferencial homogénea de ordem (m + n) - dita equação homogénea auxiliar -
cujo integral geral é:
yb = (c1 y1 + c2 y2 + ... + cn yn ) + (cn+1 yn+1 + cn+2 yn+2 + ... + cn+m yn+m ) , (4.20)
onde
{y1 , y2 , . . . , yn }
é S.F.S. de P (D)y = 0 e {y1 , y2 , . . . , yn+m } é S.F.S. de Q (D) P (D)y = 0. Quer isto
dizer que o integral geral da equação homogénea associada surge no primeiro parêntesis
em (4.20). Como p se vai exprimir na forma (4.20), não há necessidade de incluir a
expressão no primeiro parêntesis no cálculo de p, uma vez que se anula por aplicação de
P (D). Assim,
p = cn+1 yn+1 + cn+2 yn+2 + ... + cn+m yn+m
será o integral particular da equação completa que procuramos, onde as constantes
cn+1 , cn+2 , . . . , cn+m
se obtêm após substituição na equação completa P (D)y = q.
Partimos da assunção de que era possı́vel encontrar Q(D), polinómio diferencial anu-
lador de q, no segundo membro de P (D)y = q. O que já fizemos na secção anterior
permite facilmente deduzir polinómios anuladores quando q é uma função pertencente a
uma certa famı́lia de funções. De facto, temos:
Teorema 7. 1. O operador diferencial
(D − α)m , α ∈ R,
anula cada uma das funções
eαx , xeαx , x2 eαx , ..., xm−1 eαx .

2. Sendo α = β + γi ∈ C, o operador diferencial


m
(D − β)2 + γ 2 , β, γ ∈ R,


anula cada uma das funções


eβx cos(γx), xeβx cos(γx), x2 eβx cos(γx), ..., xm−1 eβx cos(γx),

eβx sin(γx), xeβx sin(γx), x2 eβx sin(γx), ..., xm−1 eβx sin(γx).
4.7. EQUAÇÕES NÃO HOMOGÉNEAS 173

Nota 2. Em cada um dos casos, o operador diferencial referido anula também qualquer
produto das funções referidas por uma constante.

Exemplo 9. Determine a solução geral de cada uma das seguintes equações diferenciais
lineares:

(a) (D2 + 9) y = xex (b) (D2 − 1) y = ex (c) (D2 − 1) y = sin (2x)

Resolução: Como habitualmente, deixaremos ao leitor a tarefa de completar e verificar


os pormenores relativos à resolução destas equações.
(a) A solução geral da equação (D2 + 9) y = 0 é

yGH = A cos (3x) + B sin (3x) , A, B ∈ R.

Um polinómio diferencial anulador de q(x) = xex é

Q (D) = (D − 1)2 .

Aplicando-o a ambos os membros da equação completa, vem:

Q (D) D2 + 9 y = Q (D) q = 0.


Esta equação homogénea auxiliar tem solução geral

yb = [C1 cos (3x) + C2 sin (3x)] + C3 ex + C4 xex .

Note que em parêntesis rectos está a solução geral da equação homogénea associ-
ada, pelo que a solução particular p da equação completa dada terá a forma

p = C3 ex + C4 xex = (C3 + C4 x) ex .

Calculando as derivadas de p, temos:

Dp (x) = (· · · ) = (C3 + C4 + C4 x) ex

e
D2 p (x) = (· · · ) = (C3 + 2C4 + C4 x) ex .
Substituindo na equação diferencial completa e simplificando, vem:

(C3 + 2C4 + C4 x + 9C3 + 9C4 x) ex = xex ,

ou seja
[(10C3 + 2C4 ) + 10C4 x] ex = [0 + 1x] ex ,
(para todo o x real). Assim, terá de ser

10C3 + 2C4 = 0 e 10C4 = 1,


174CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

de onde resulta
1 1
C3 = − e C4 = .
50 10
Logo, uma solução particular da equação dada é:
 
1 1
p(x) = − + x ex
50 10
e a sua solução geral será:
 
1 1
y = yGH + p = A cos (3x) + B sin (3x) + − + x ex , A, B ∈ R.
50 10

(b) A solução geral da equação homogénea associada é:

yGH = Ae−x + Bex , A, B ∈ R.

Um polinómio anulador de q(x) = ex será

Q(D) = D − 1.

Da aplicação deste a ambos os membros da equação completa resulta

Q(D)P (D)y = Q(D)q = 0,

ou seja:
D2 − 1 (D − 1) y = 0


ou ainda
(D + 1) (D − 1)2 y = 0
Esta equação homogénea auxiliar tem por integral geral

yb = C0 e−x + C1 ex + C2 xex , C0 , C1 , C2 ∈ R.

Notando que as duas primeiras parcelas constituem o integral geral da equação


homogénea associada, terá de ser

p = C2 xex

para solução particular da equação completa. Daqui resulta:

Dp (x) = (· · · ) = C2 (x + 1) ex

e
D2 p (x) = (· · · ) = C2 (x + 2) ex .
Após substituição na equação completa e posterior simplificação, obtemos:

2C2 ex = ex
4.7. EQUAÇÕES NÃO HOMOGÉNEAS 175

(para todo o x real). Logo,


2C2 = 1
e C2 = 12 . Finalmente,
1
p(x) = xex
2
e
1
y = yGH + p = Ae−x + Bex + xex , A, B ∈ R
2
é a solução geral da equação dada.

(c) Continuamos a ter


yGH = Ae−x + Bex , A, B ∈ R
como integral geral da equação homogénea associada. Agora um polinómio anu-
lador de q(x) = sin (2x) = e0x sin (2x) será

Q(D) = (D − 0)2 + 22 = D2 + 4.

Aplicando Q(D) a ambos os membros da equação completa, vem

Q(D)P (D)y = Q(D)q = 0,

ou seja:
D2 + 4 (D − 1) (D + 1) y = 0.


Esta é a equação homogénea auxiliar, cujo integral geral se exprime na forma

yb = C0 e−x + C1 ex + a cos (2x) + b sin (2x) , C0 , C1 , a, b ∈ R.

Observando que as duas primeiras parcelas constituem o integral geral da equação


homogénea associada, o integral particular da equação completa terá de ser da
forma:
p = a cos (2x) + b sin (2x) ,
para as constantes a e b a procurar. Ora,

Dp (x) = −2a sin (2x) + 2b cos (2x)

e
D2 p (x) = −4a cos (2x) − 4b sin (2x) .
Substituindo na equação completa e simplificando, vem:

(−5a) cos (2x) + (−5b) sin (2x) = sin (2x)

(para todo o x real). Deste modo, terá de ser:

−5a = 0 e − 5b = 1
176CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

de onde resulta a = 0 e b = − 51 . Por último,


1
p(x) = − sin (2x) ,
5
e
1
y = yGH + p = Ae−x + Bex − sin (2x) , A, B ∈ R
5
como integral geral da equação completa dada. 
Pode suceder que o segundo membro se exprima como uma soma de funções que se
enquadram em tipos distintos (ver 1. e 2. do teorema 7). Nessas situações, é necessário
ter em conta o seguinte resultado.
Teorema 8. (a) Sejam Q1 (D) e Q2 (D) polinómios diferenciais lineares de graus m e m0 ,
respectivamente. Se Q1 (D) anula y1 e Q2 (D) anula y2 , então Q1 (D)Q2 (D) anula (y1 + y2 ) ,
isto é,
[Q1 (D)Q2 (D)] (y1 + y2 ) = 0
para quaisquer f.r.v.r. y1 , y2 , (m + m0 )-diferenciáveis.
(b) Se P (D) y1 = q(x) e P (D) y2 = r(x), então

P (D) [y1 + y2 ] = q(x) + r(x).

Exemplo 10. Determine a solução geral da seguinte equação diferencial linear

D2 − 1 y = ex + sin (2x) .


Resolução: Repare que a equação dada tem a forma

D2 − 1 y = q(x) + r(x),


onde q(x) = ex e r(x) = sin (2x) são os segundos membros de (b) e (c), respectivamente,
no exemplo 9. Assim sendo, sabemos que

D2 − 1 y = q(x)


tem solução particular


1
y1 (x) = xex
2
e
D2 − 1 y = r(x)


tem solução particular


1
y2 (x) = − sin (2x) .
5
Pelo teorema anterior,
1 1
p(x) = y1 (x) + y2 (x) = xex − sin (2x)
2 5
4.7. EQUAÇÕES NÃO HOMOGÉNEAS 177

será solução particular da equação completa dada. Uma vez que a equação homogénea
associada foi já resolvida e tem integral geral

yGH = Ae−x + Bex , A, B ∈ R,

podemos concluir que


1 1
y = Ae−x + Bex + xex − sin (2x) , A, B ∈ R,
2 5
será o integral geral da equação dada. 

4.7.2 Equações às diferenças não homogéneas


O seguinte teorema é o análogo ao da subsecção anterior, agora para equações às diferenças.
Teorema 9. A equação às diferenças linear de ordem n, completa,

P (E)yt = qt , t = 0, 1, 2, ... (4.21)

tem solução geral


(H)
yt = yt + pt ,
(H)
onde yt é a solução geral da equação homogénea associada e pt é uma solução parti-
cular da equação completa.
Adoptando uma técnica análoga à do polinómio diferencial anulador, temos os casos
previstos no seguinte teorema:
Teorema 10. 1. O operador

(E − α)m , α ∈ R\ {0} ,

anula cada uma das sucessões

αt , tαt , t2 αt , ..., tm−1 αt .

2. Sendo α = β + γi = ρ cis (θ) ∈ C, o operador


m
(E − β)2 + γ 2 , β, γ ∈ R,


anula cada uma das sucessões

ρt cos(θt), tρt cos(θt), t2 ρt cos(θt), . . . , tm−1 ρt cos(θt),

ρt sin(θt), tρt sin(θt), t2 ρt sin(θt), . . . , tm−1 ρt sin(θt).


178CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Vejamos como funciona a técnica através do seguinte exemplo.


Exemplo 11. Determine a solução geral da equação

P (E)yt = (E − 1) yt = t2t , t = 0, 1, 2, ...

Resolução: A solução geral da equação homogénea associada é


(H)
yt = A 1t = A, A ∈ R.

Verifica-se que
Q (E) = (E − 2)2
anula qt = t2t . Aplicando a ambos os membros da equação completa, temos:

Q (E) P (E)yt = Q (E) qt = 0

(para todo o t = 0, 1, 2, ...). Assim, a solução geral desta equação homogénea auxiliar é:

ybt = C0 1t + C1 2t + C2 t2t = C0 + C1 2t + C2 t2t .

Atendendo à forma da solução geral da equação homogénea associada, a solução parti-


cular da equação completa assumirá a forma:

pt = C1 2t + C2 t2t = (C1 + C2 t) 2t .

Ora, daqui resulta:


pt+1 = (C1 + C2 + C2 t) 2t+1 .
A equação dada equivale a
yt+1 − yt = t2t ,
Substituindo y por p, vem:

(C1 + C2 + C2 t) 2t+1 − (C1 + C2 t) 2t = t2t

ou seja:
(2C2 − C2 ) t2t + (2C1 + 2C2 − C1 ) 2t = t2t
(para todo o t = 0, 1, 2, ...). Logo,

C2 = 1 e C1 + 2C2 = 0,

ou seja, C2 = 1 e C1 = −2. Finalmente,

pt = (−2 + t) 2t

é solução particular da equação completa e


(H)
yt = yt + pt = A + (−2 + t) 2t , A∈R

a sua solução geral. 


4.7. EQUAÇÕES NÃO HOMOGÉNEAS 179

O seguinte resultado é o correspondente ao teorema 8, agora para equações às diferenças.

Teorema 11. (a) Se Q1 (E) anula qt e Q2 (E) anula rt , então Q1 (E)Q2 (E) anula (qt + rt ) ,
isto é,
[Q1 (E)Q2 (E)] (qt + rt ) = 0.
(b) Se P (E) pt = qt e P (E) p∗t = rt , então

P (E) [pt + p∗t ] = qt + rt .

Exemplo 12. Resolva a equação às diferenças

(E − 1) yt = t2t + 5t + 4.

Resolução: A equação dada é

yt+1 − yt = qt + rt ,

onde
qt = t2t e rt = 5t + 4.
Vimos já no exemplo 11. que
(H)
yt = A, A∈R (4.22)
é a solução geral da equação homogénea associada. Por outro lado, do mesmo exemplo
sabemos que
pt = (−2 + t) 2t
é solução particular de
(E − 1) yt = t2t = qt .
Procuremos uma solução particular, p∗t , de.

(E − 1) yt = 5t + 4 = rt . (4.23)

Atendendo a que
rt = 5t + 4 = 4 × 1t + 5t × 1t ,
o teorema 10. permite dizer que

Q(E) = (E − 1)2

é polinómio anulador de rt . Aplicando-o a ambos os membros da equação completa, vem:

(E − 1)2 (E − 1) yt = (E − 1)2 rt = 0

ou seja,
(E − 1)3 yt = 0.
180CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Esta equação homogénea auxiliar tem solução geral

ybt = B0 + B1 t + B2 t2 ,

e como a solução geral da equação homogénea é (4.22), teremos de procurar uma solução
particular da equação completa (4.23) na forma:

p∗t = B1 t + B2 t2 .

Ora,
Ep∗t = p∗t+1 = (. . .) = B2 t2 + (2B2 + B1 ) t + (B1 + B2 )
pelo que
(E − 1) p∗t = rt
equivale a

B2 t2 + (2B2 + B1 ) t + (B1 + B2 ) − B1 t − B2 t2 = 5t + 4,

de onde resulta
3 5
B1 = e B2 = .
2 2
Logo,
3 5
p∗t = t + t2 .
2 2
Atendendo ao teorema anterior,
3 5
pt + p∗t = (−2 + t) 2t + t + t2
2 2
é solução particular da equação completa dada. A sua solução geral será:
3 5
yt = A + (−2 + t) 2t + t + t2 , A∈R
2 2
o que conclui o exemplo. 

Nota 3. Por vezes é possı́vel converter equações não lineares em equações lineares me-
diante a técnica de mudança de variável. Sobre este assunto, veja o apêndice 4.4.
4.8. CONVERGÊNCIA E DIVERGÊNCIA 181

4.8 Convergência e divergência


O comportamento das soluções das equações diferenciais e das equações às diferenças
quando x cresce indefinidamente é muitas vezes de interesse, uma vez que nos permite
antever o que acontecerá a longo prazo. Neste aspecto, são essenciais o estudo da con-
vergência, monotonia e limitação. No que concerne às equações diferenciais lineares com
coeficientes constantes, tal estudo é apresentado com maior pormenor em [9].
Os diagramas abaixo indicam o comportamento de alguns tipos de funções que sur-
gem na solução das equações diferenciais que surgem neste capı́tulo.

Figura 4.1: Comportamento de alguns tipos de funções.

Note em particular que:


lim xk e−αx = 0,
x→+∞

por maior que seja a constante positiva k e por menor que seja a constante positiva α.
Isto é um exemplo do facto segundo o qual as exponenciais dominam sobre as potências.
Tal fenómeno está bem patente no primeiro gráfico, onde se observa que a exponencial
y = eαx cresce mais rapidamente que a potência y = xk .

Exercı́cio 5. (*) Dados k ∈ N e α ∈ R+ constantes, mostre que lim xk e−αx = 0,


x→+∞
através de dois métodos:
(a) por aplicação sucessiva da regra de L’Hôpital;
(b) por utilização do desenvolvimento em série de MacLaurin de eαx , com x ≥ 0.

Quando a equação caracterı́stica possui uma raiz α = β+γi ∈ C, as soluções oscilam:


limitadamente se β ≤ 0, ilimitadamente no caso contrário. Além disso, se β < 0 a solução
converge. Observe as figuras seguintes:
182CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Figura 4.2: Comportamento de alguns tipos de funções, consoante os valores de β e γ.

No caso das equações às diferenças, a situação é muito semelhante, sendo que agora
os termos eαx são substituı́dos pelas sucessões αt . Observe as principais situações nas
figuras da página seguinte.
4.8. CONVERGÊNCIA E DIVERGÊNCIA 183

Figura 4.3: Comportamento de alguns tipos de sucessões, consoante os valores de α.

Exemplo 13. Descreva o comportamento da solução geral da equação diferencial


d2 y dy
2
+ 2 − 3y = 0
dx dx
e da solução particular que satisfaz as condições fronteira y (0) = 1 e y (1) = 2e − e−3 .
Resolução: A solução geral desta equação é:

y = Aex + Be−3x , A, B ∈ R.

Uma vez que lim e−3x = 0, se A for não nula o comportamento da solução é dominado
x→+∞
pelo termo Aex . Assim,

  +∞, se A > 0
lim y(x) = lim Aex + Be−3x = −∞, se A < 0 .
x→+∞ x→+∞
0, se A = 0

Diremos que a solução da equação tem o comportamento assimptótico do primeiro termo.


A solução particular que obedece às condições fronteira dadas é:

y = 2ex − e−3x ,
184CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Figura 4.4: O comportamento de y = 2ex − e−3x é dominado pelo de y = 2ex

confirmando-se que o primeiro termo domina o comportamento da solução (como se


ilustra na figura que se segue).
No caso das equações às diferenças existe um resultado importante em termos de
convergência da solução geral das equações homogéneas.
Teorema 12. Seja M = máx {|α1 | , |α2 | , . . . , |αk |}, onde α1 , α2 , ..., αk são as raı́zes da
equação auxiliar da equação homogénea de ordem n, P (E) yt = 0. Então M < 1 é uma
condição necessária e suficiente para que a solução desta equação convirja para zero
quaisquer que sejam os valores iniciais, y0 , y1 , . . . , yn−1 .
Exemplo 14. Descreva o comportamento da solução geral da equação às diferenças:
yt+2 + 3yt+1 + 2yt = 0, t = 0, 1, 2, 3, ...
e da solução particular que satisfaz as condições fronteira y0 = 2 e y1 = −3.
Resolução: A solução geral desta equação é:
yt = A(−1)t + B(−2)t , A, B ∈ R.
Se B é não nula, o comportamento da solução geral é dominado pelo segundo termo (a
solução tem o comportamento assı́mptótico do segundo termo), pelo que oscilará ilimi-
tadamente (oscilações ditas explosivas, segundo alguns autores) quando t → +∞. Se
B = 0, a solução oscilará mas de maneira limitada - entre os valores A e −A - à medida
que t → +∞. A solução particular que obedece às condições fronteira dadas é:
yt = (−1)t + (−2)t , t = 0, 1, 2, ...
cujo comportamento é de facto dominado pelo termo (−2)t . 
Exercı́cio 6. (a) Considere a solução geral de uma equação diferencial linear, de ordem
2 e com coeficientes constantes. Descreva o comportamento da solução geral nos casos
em que a equação caracterı́stica possui:
(i) duas raı́zes reais distintas; (ii) uma raiz dupla;
(iii) um par de raı́zes complexas conjugadas.
4.8. CONVERGÊNCIA E DIVERGÊNCIA 185

(b) Idem (mutatis mutandis) para o caso de uma equação às diferenças linear, de ordem
2 e com coeficientes constantes.
(c) Para cada um dos tipos de equações, investigue a existência de condições suficientes
para que um dos termos da solução geral seja dominante.
186CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

4.9 O operador diferença


O operador diferença que adiante definimos permite mais uma vez destacar as semelhanças
entre as equações diferenciais e as equações às diferenças. Chamamos operador diferença
(para adiante) ao operador ∆ : S → S, que se define no espaço das sucessões de números
reais através de
∆yt = yt+1 − yt .
Podemos igualmente definir operadores diferença de ordem superior por recorrência. As-
sim,

∆2 yt = ∆ (∆yt ) = ∆ (yt+1 − yt ) = ∆yt+1 − ∆yt = yt+2 − 2yt+1 + yt , t = 0, 1, 2, ...


..
.
∆ yt = ∆ ∆k−1 yt
k


..
.

Observe-se que

Eyt = yt+1 = yt+1 − yt + yt = ∆yt + yt = (∆ + 1) yt .

Logo,
E = ∆ + 1.
Generalizando, prova-se que
E k = (∆ + 1)k .

Exercı́cio 7. Utilize as relações entre as potências de ∆ e as potências de E para escrever


a equação
yt+2 + 2yt+1 + yt = 0
à custa dos operadores ∆k .

Existe uma outra semelhança entre o operador ∆ e o operador diferencial linear D. De


facto, pode-se obter uma
Pversão discreta
R do Teorema Fundamental do Cálculo Integral,
com no ∆ lugar de D e no lugar de . De facto, temos:

N
X −1
∆yt = (y1 − y0 ) + (y2 − y1 ) + . . . + (yN − yN −1 ) = yN − y0 .
t=0

Assim, se Ft é tal que ∆Ft = ft , a equação às diferenças

∆yt = ft

tem solução geral


yt = Ft + C,
4.9. O OPERADOR DIFERENÇA 187

onde C é uma constante arbitrária real. Para que se confirme este facto é apenas necessário
observar que
N
X −1 N
X −1 N
X −1
0 = ∆yt − ft = ∆yt − ∆ft = ∆ (yt − ft ) =
t=0 t=0 t=0

= (yN − FN ) − (y0 − F0 ) = yN − FN − C.

À falta de melhor nome, a toda a sucessão Ft que satisfaça

∆Ft = ft (4.24)

chamaremos primitiva discreta de ft . Na seguinte tabela estabelece-se uma lista de


sucessões ft e as respectivas primitivas discretas Ft .

∆Ft = ft Ft
ft = 0 Ft =C
ft = b Ft = bt + C
ft = at Ft = 21 at(t − 1) + C
ft = r t Ft = (r − 1)−1 rt + C (r 6= 1)

Exemplo 15. A equação às diferenças yt+1 = yt + 3t + 1 pode reescrever-se na forma:

∆yt = 3t + 1.

Tomando a = 3 e b = 1 na tabela acima, obtemos a solução geral


3 3 1
yt = t(t − 1) + t + C = t2 − t + C,
2 2 2
o que conclui o exemplo. 

Exemplo 16. A equação às diferenças yt+2 −2yt+1 +yt = 0 pode reescrever-se na forma:

E 2 − 2E + 1 yt = (E − 1)2 yt = ∆2 yt = 0.


Daqui vem
∆yt = c,
de onde
yt = ct + d,
onde c e d são constantes reais arbitrárias. 
188CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

4.10 Aplicações
4.10.1 Dois modelos de economia fechada
Primeiro modelo: Suponhamos que num modelo simples de uma economia fechada sem
despesas governamentais, o rendimento nacional no ano t é dado por Yt , composto
pelo consumo e pelo investimento no mesmo perı́odo, denotados por Ct e por It ,
respectivamente:
Yt = Ct + It . (4.25)
Admitamos que, em cada ano, o investimento é proporcional ao rendimento do ano
anterior:
It = αYt−1 , (α > 0). (4.26)
Por outro lado, o consumo em cada ano é proporcional ao rendimento nesse mesmo
ano:
Ct = βYt , (β > 0). (4.27)
As equações (4.25), (4.26) e (4.27) dão origem à seguinte equação às diferenças:

Yt = βYt + αYt−1 ,

a qual equivale a:
(1 − β) Yt = αYt−1
ou ainda    t
α α
Yt = Yt−1 = Y0 , t = 1, 2, 3, ...
1−β 1−β
Se quisermos que o rendimento cresça anualmente, deveremos ter
α
> 1.
1−β
Das equações (4.25) e (4.27) resulta que 1 − β > 0, pelo que a condição acima
deduzida equivale a
α>1−β
ou seja,
α + β > 1.

O modelo do multiplicador-acelerador de Samuelson Admita que no modelo anterior


o rendimento anual depende ainda de despesas do governo consideradas constantes,
denotadas por G. Temos então:

Yt = Ct + It + G. (4.28)

Admita ainda que a despesa de consumo em cada perı́odo é proporcional ao rendi-


mento nacional no periodo anterior:

Ct = αYt−1 (4.29)
4.10. APLICAÇÕES 189

e que o investimento privado induzido em qualquer perı́odo é propocional ao acréscimo


do consumo nesse perı́odo em relação ao perı́odo anterior (princı́pio da aceleração):

It = β (Ct − Ct−1 ) . (4.30)

As constantes α e β são parâmetros ditos, respectivamente, multiplicador e acele-


rador, representando o primeiro a propensão marginal ao consumo. Admitiremos
que
0<α<1
uma vez que o rendimento do ano anterior não é convertido na totalidade em con-
sumo no perı́odo actual. Além disso β > 0, uma vez que é suposto que um
decréscimo do consumo causará um investimento negativo (interpretado como um
desvio de fundos que seriam destinados ao investimento). Substituindo (4.29) e
(4.30) em (4.28), vem:

Yt = αYt−1 + β (Ct − Ct−1 ) + G

= αYt−1 + β (αYt−1 − αYt−2 ) + G

que equivale a

Yt − α (1 + β) Yt−1 + αβYt−2 = G, t = 2, 3, 4, ...

Esta ainda pode escrever-se na forma

Yt+2 − α (1 + β) Yt+1 + αβYt = G, t = 0, 1, 2, 3, 4, ...

Esta equação às diferenças completa de ordem 2 pode ser resolvida no caso geral
pelos processos que aprendemos. Deixamos ao leitor essa tarefa, bem como a dis-
cussão do tipo de solução da equação homogénea associada em função dos dois
parâmetros. Limitar-nos-emos a exemplificar com um caso particular. Admita que

G = 900, α = 0, 8 e β = 0, 375.

Então a equação completa equivale a:

Yt+2 − 1, 1Yt+1 + 0, 3Yt = 900, t = 0, 1, 2, 3, 4, ...

A factorização do polinómio P (E) = E 2 − 1, 1E + 0, 3 que resulta da factorização


do polinómio caracterı́stico dá origem a:

P (E) Yt = (E − 0, 6) (E − 0, 5) Yt = 900.

A equação homogénea associada tem solução geral

YtGH = A (0, 6)t + B (0, 5)t .


190CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Uma vez que 900 = 900×1t , o polinómio anulador do segundo membro é (E − 1) .


Aplicando-o a ambos os membros da equação completa, a equação homogénea
auxiliar
(E − 1) (E − 0, 6) (E − 0, 5) Yt = 0
tem solução geral
[
Y t
GH
= A (0, 6)t + B (0, 5)t + C.
Assim, a solução particular da equação completa a procurar é

pt = C.

Substituindo na equação completa facilmente se chega a

C = 4500.

Logo, a solução geral da equação dada é:

Yt = A (0, 6)t + B (0, 5)t + 4500, C ∈ R, t = 0, 1, 2, ...

Dado que |0, 6| < 1 e |0, 5| < 1, facilmente se observa que

lim Yt = 4500.
t→+∞

Isto significa que, a longo prazo, o rendimento nacional Yt se tornará estável, con-
vergindo para o nı́vel de equilı́brio, 4500.

4.10.2 Juro composto (revisitado)


Uma equação às diferenças de ordem 1 pode exprimir-se na forma

∆yt + pt yt = qt .

Vamos considerar o caso especial em que esta equação se escreve como:

yt+1 − ryt = qt .

Multiplicando ambos os membros pelo ”factor de soma” µt = r−t−1 , vem:

r−t−1 yt+1 − r−t yt = r−t−1 qt ,

i.e.,
∆ r−t yt = r−t−1 qt .


Se uma primitiva discreta do segundo membro for conhecida, então a equação pode
resolver-se.
Vejamos o caso especial da acumulação de capital sujeito a juro composto. Admita-
mos que 1000 euros são investidos à taxa de juro de 10% ao ano, composto anualmente.
4.10. APLICAÇÕES 191

Após 40 anos, qual será o capital acumulado? A equação às diferenças que modela este
fenómeno num contexto de variável discreta é:
yt+1 = yt + 0.1 yt , t = 0, 1, 2, . . .
o que equivale a:
yt+1 − ryt = 0,
com r = 1.01. Da análise feita acima, sabemos que a equação às diferenças pode exprimir-
se na forma:
∆ r−t yt = 0


e a sua solução é (ver tabela da secção anterior):


r−t yt = C,
ou seja
yt = Crt ,
onde C é uma cosntante arbitrária. Como a condição inicial nos diz que y0 = 1000, vem
C = y0 = 1000 e a solução particular é:
yt = 1000 (1.01)t , t = 0, 1, 2, . . .
Em particular, y40 ≈ 45259.26.
Suponhamos que na situação anterior era feito um investimento adicional de 1000
euros em cada ano. Entãoa nova equação às diferenças será dada por:
yt+1 = yt + 0.1 yt + 1000, t = 0, 1, 2, . . .
a qual equivale a
yt+1 − ryt = qt ,
com r = 1.1 e qt = 1000. Seguindo o mesmo processo de resolução acima descrito,
temos: t
∆ r−t yt = r−t−1 qt = 1000r−t−1 = 1000r−1 r−1
  

Da última linha da tabela de primitivas discretas, sabemos que


−1 −1 t
Ft = r−1 − 1 r +C
é a expressão de todas as primitivas discretas de r−t . Logo,
−1 −1 t
r−t yt = 1000r−1 r−1 − 1 r +C
o que equivale a
1000
yt = + Crt .
1−r
Para y0 = 1000 vem:
C = 11 000.
Logo,
1000
yt = + 11 000rt = −10 000 + 11 000 (1.1)t
1−r
é a solução particular pedida e y40 ≈ 487 851.82.
192CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

C ÁLCULO II
A NO LECTIVO 2014/15 FOLHA N.º 6
E. D. LINEARES DE ORDEM n COM COEFICIENTES CONSTANTES
1. Resolva as seguintes equações diferenciais lineares homogéneas com coeficientes
constantes:
d2 y dy d2 y d3 y dy
(a) dx2
− 6 dx = −8y (b) dx2
− 25y = 0 (c) dx3
= 25 dx

d2 y dy d3 y d y 2 dy d2 y dy
(d) dx2
= 4 dx − 29y (e) dx3
− 5 dx2 + 33 − 29y = 0 (f) dx2
− 6 dx + 9y = 0
dx
d4 y d y 2 d4 y d y 2 d4 y 2
d y
(g) dx4
+ 8 dx 2 − 9y = 0 (h) dx4
+ 8 dx2 + 16y = 0 (i) dx4
− 18 dx 2 + 81y = 0

d4 y 3
d y dy d y3 d y2 dy
(j) dx4
+ 3 dx 3 − 4 dx = 0 (k) y (n+2) + 4y (n+1) + 4y (n) = 0 (l) 3 dx 3 + 5 dx2 − 2 dx = 0

2. Determine o integral particular da equação indicada, que satisfaz as condições ini-


ciais referidas.
d2 y
 
dy π  3π
(a) 2 − 6 + 10y = 0, y (0) = 1, y = 3 exp .
dx dx 2 2
d3 y d2 y dy dy d2 y
(b) 3
+ 4 2
+4 = 0, y (0) = (0) = 0, (0) = −4.
dx dx dx dx dx2
3. Resolva as seguintes equações diferenciais lineares completas com coeficientes
constantes:
d2 y dy d2 y dy
(a) dx2
− 3 dx + 2y = e3x (b) dx2
− 3 dx + 2y = x
d2 y d2 y
(c) dx2
− y = ex (d) dx2
− y = xex

d2 y dy d2 y dy
(e) dx2
− 4 dx + 4y = xe2x (f) dx2
− 4 dx + 4y = x (e2x + 1)
d2 y dy d2 y dy
(g) dx2
− dx
− 2y = ex cos (2x) (h) dx2
− dx
− 2y = ex cos (2x) + ex sin (2x)
d2 y dy d2 y dy
(i) − 4 + 5y = e2x (j) dx2
− 4 dx + 5y = e2x sin x
dx2 dx
d2 y dy d y3 d y 2
dy −2x
(k) dx2
− 2 dx = 3x2 (l) 3 dx3 + 5 dx2 − 2 dx = cos x + e

d2 y dy
4. Sabendo que 2 − 4 + 3y = q (x) tem uma solução particular dada por yP C =
dx dx
xex , determine:
(a) q (x) ; (b) a solução geral da equação completa em causa.

5. Descreva o comportamento da solução geral da equação homogénea associada às


equações (a), (c), (e) e (g) do exercı́cio 3.
4.10. APLICAÇÕES 193

EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS LINEARES DE ORDEM n COM


COEFICIENTES CONSTANTES

1. Considere uma equação às diferenças linear de ordem 1 com coeficientes constan-
tes, escrita na forma:

yt+1 = ayt + b, t = 0, 1, 2, 3, ...

(a) Mostre que a solução geral desta equação é:



1 − at
 C at + b , se a 6= 1


yt = 1 − a , C ∈ R.


 C + bt, se a = 1

(b) Mostre que C = y0 em cada um dos casos.


(c) Que modificações teria de efectuar em (a) e (b) se fosse t = m, m + 1, m +
2, ....?

2. Encontre a solução geral da equação às diferenças 5yt+1 = 3yt + 4 e a solução


particular que verifica y0 = 3. Descreva o seu comportamento e desenhe o gráfico
da sucessão.

3. Calcule a solução geral das equações às diferenças (todas definidas em N0 ), os 5


primeiros termos para y0 = 1 e descreva o comportamento da solução desenhando
o respectivo gráfico:

(a) yt+1 − yt = 3 (b) yt+1 = yt (c) yt+1 = yt − 1 (d) yt+1 = −yt + 2

(e) yt+1 = 2yt − 3 (f) yt+1 = −3yt + 1 (g) yt+1 + 3yt = −1.

4. Calcule a solução geral das seguintes equações às diferenças e a solução particular
que verifica a condição inicial indicada em cada caso.

(a) yt+1 = −yt + 3, y0 = 4; (b) yt+1 − 3yt = 1, y0 = − 21 ; (c) yt+1 = 5yt − 2, y0 = 2;


(d) yt+1 − 31 yt = 0, y0 = −1; (e) yt+1 − 13 yt = 0, y0 = 1.

5. Considere a seguinte equação às diferenças:

yt+2 − 6yt+1 + 9yt = 8t − 8.


(1) (2)
(a) Verifique que yt = 3t e yt = t3t formam um S.F.S. para a equação
homógenea correspondente.
(b) Verifique que yt∗ = 2t é uma solução particular da equação completa.
194CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

(c) Encontre a solução geral da equação completa.


(d) Determine a solução particular da equação completa para a qual y0 = y1 = 0.

6. Considere a seguinte equação às diferenças:


1
yt+2 − yt = g (t) .
4
(1) t (2) t
(a) Verifique que yt = 21 e yt = − 21 formam um sistema fundamental de
soluções para a equação homógenea correspondente.
(b) Sabendo que yt∗ = 2t t determine g (t).
(c) Encontre a solução geral da equação completa.
(d) Determine a solução particular da equação completa para a qual y1 = 2 e
y2 = 0.

7. Determine a solução geral das equações às diferenças homogéneas:


(a) 4yt+2 − 2yt+1 + 41 yt = 0 (b) 2yt+2 + 4yt+1 + 2yt = 0

(c) yt+2 − 2yt+1 + 4yt = 0 (d) yt+2 + 24yt+1 + 169yt = 0

8. Determine a solução geral das seguintes equações às diferenças:


(a) yt+2 − yt+1 − 6yt = 5t (b) yt+2 − yt+1 − 6yt = (−2)t

(c) yt+2 − 6yt+1 + 8yt = t2 + 2t (d) yt+2 − 6yt+1 + 6yt = 3t + 5

(e) yt+2 − 6yt+1 + 6yt = 5 (f) 5yt+2 − 2yt+1 + yt = t2t

1 t 1 t
 
(g) 5yt+2 − 2yt+1 + yt = t 5
(h) 5yt+2 − 2yt+1 + yt = 5


(i) yt+2 − 8yt+1 + 16yt = cos t π2 (j) yt+2 − 4 2yt+1 + 16yt = cos t π2
 

√ √
(k) yt+2 − 2yt+1 + yt = 2 (l) yt+2 − 4 2yt+1 + 16yt = 2

(m) yt+2 − 2yt+1 + 2yt = 2 (n) yt+2 − yt = 3

9. Considere as equações em 8. (c), (f), (g), (h), (k), (l), (m) e (n). Para cada uma
delas, determine a sua solução particular para a qual y0 = y1 = 0 e analise o seu
comportamento.
10. Escreva a seguinte equação às diferenças em termos do operador E e resolva-a:
(a) ∆2 yt + 2∆yt − 3yt = 3t2 (b) ∆3 yt − 3∆yt − 2yt = 0.
4.10. APLICAÇÕES 195

Apêndice 4.1 Espaços Vectoriais - definições básicas


Seja dado um conjunto não vazio E e um corpo K (5 ) munido de uma operação interna
⊕ : E × E → E - dita adição - e de uma aplicação • : K × E → E - dita multiplicação
escalar. Diremos que (E, ⊕, •) é um espaço vectorial sobre K se:
(A1) ⊕ é comutativa
(A2) ⊕ é associativa
(A3) ⊕ possui elemento neutro (denotado por 0E )
(A4) todo o elemento x ∈ E possui simétrico em E (denotado por −x)
(M1) ∀α∈K , ∀x,y∈E α • (x ⊕ y) = α • x ⊕ α • y
(M2) ∀α∈K , ∀x,y∈E (α + β) • x = α • x ⊕ β • x
(M3) ∀α,β∈K , ∀x∈E (αβ) • x = α • (β • x)
(M4) ∀x∈E 1 • x = x (1 elemento neutro da multiplicação em K)
Os elementos de E dizem-se vectores e os de K dizem-se escalares.
Eis alguns exemplos de espaços vectoriais reais (isto é, sobre R).

1. (Rn , +, ·) onde + é a adição usual de vectores definida por:


(x1 , x2 , . . . , xn ) + (y1 , y2 , . . . , yn ) = (x1 + y1 , x2 + y2 , . . . , xn + yn )
e · é tal que
α · (x1 , x2 , . . . , xn ) = (αx1 , αx2 , . . . , αxn ) .

2. (Rm×n , +, ·) onde + é a adição usual de matrizes m × n e · é a multiplicação de um


escalar por uma matriz.
3. F = {f : R → R tal que f é n vezes diferenciável} munido da adição usual de
funções e · : R × F →F tal que
(α · f ) (x) = αf (x) .

4. S = {ut : N0 → R } munido da adição usual de sucessões e · : R × S →S tal que


(α · u)t = αut .

Seja (E, ⊕, •) um espaço vectorial real (6 ) e F um subconjunto de E. F é dito um


subespaço vectorial de E se F for espaço vectorial para as mesmas operações de E.
Uma condição necessária e suficiente para que F seja um subespaço vectorial de E é que
se verifiquem os três axiomas seguintes:
(1) 0E ∈ F
(2) u ⊕ v ∈ F, ∀u,v∈F
(3) α • u ∈ F, ∀α∈R ∀u∈F
5
Um corpo K é um conjunto não vazio com uma adição e uma multiplicação, satisfazendo certas pro-
priedades. No que nos diz respeito nestes apontamentos, K = R, com a adição e multiplicação usuais.
6
As definições e resultados que se seguem são análogas se K for diferente de R.
196CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Se S é um subespaço do espaço vectorial E, então S = {0E } ou S = E ou S ⊂ E e


S 6= {0E }, caso em que S é dito subespaço próprio de E.
Uma combinação linear dos vectores de {u1 , u2 , ..., um } ⊂ E é qualquer vector

v = α1 u1 ⊕ α2 u2 ⊕ . . . ⊕ αm um ,

com α1 , α2 , . . . , αm ∈ R.
Um conjunto {u1 , u2 , ..., un } ⊂ E diz-se linearmente independente se

α1 u1 ⊕ α2 u2 ⊕ . . . ⊕ αn un = 0E

apenas puder ocorrer se


α1 = α2 = . . . = αn = 0.
Uma base do espaço vectorial E é todo o conjunto não vazio de vectores

B = {e1 , e2 , ..., en } ⊂ E,

que é linearmente independente e tal que todo o vector v ∈ E se escreve de modo único
como combinação linear dos elementos de B. Todo o espaço vectorial possui alguma base
e todas as bases de um espaço vectorial têm o mesmo número de elementos. Se n for tal
valor, este dir-se-á dimensão do espaço vectorial e escreveremos

dim E = n.

Por convenção, dim {0E } = 0.


Para mais pormenores, consulte [6].
4.10. APLICAÇÕES 197

Apêndice 4.2 Sistemas Fundamentais de Soluções


Dado um conjunto {y1 , y2 , . . . , yn } ⊂ F (espaço das funções reais de variável real n
vezes diferenciáveis), chamamos Wronskiano dessas funções ao determinante

y1 y2 ... yn
y10 y20 ... yn0
W (y1 , y2 , . . . , yn ) (x) = .. .. .. ..
. . . .
(n−1) (n−1) (n−1)
y1 y2 . . . yn (x)

Um conjunto {y1 , y2 , . . . , yn } de soluções de

dn y dn−1 y dy
an (x) n
+ a n−1 (x) n−1
+ ... + a1 (x) + a0 (x)y = 0
dx dx dx
é um S.F.S. desta equação se e só se W (y1 , y2 , . . . , yn ) (x) não for a função identicamente
nula.

Exemplo: Verifique que {e−x , e2x } é um S.F.S. de

d2 y dy
2
− − 2y = 0.
dx dx

Resolução: Vimos já (ver secção 1.) que as funções

y1 = e−x e y = e2x .

constituem soluções da equação homogénea dada. Ora,

y1 y2 e−x e2x
W (y1 , y2 ) (x) = = = 3ex 6= 0,
y10 y20 −e−x 2e2x

o que prova o pretendido. 

No caso das equações às diferenças homogéneas de ordem n existe um resultado


análogo ao anterior. Seja
(n) (n−1) (1) (0)
at yt+n + at yt+n−1 + ... + at yt+1 + at yt = 0, t = 0, 1, 2, ...

uma equação às diferenças (com coeficientes


n constantes ou variáveis)
o e S o espaço das
[1] [2] [n]
sucessões de números reais. Um conjunto yt , yt , . . . , yt ⊂ S de soluções desta
equação constitui um S.F.S. se
[1] [2] [n]
y0 y0 ... y0
[1] [2] [n]
y1 y1 ... y1
.. .. ... .. 6= 0.
. . .
[1] [2] [n]
yn−1 yn−1 . . . yn−1
198CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Exemplo: Verifique que {2t , 3t } é um S.F.S. de

yt+2 − 5yt+1 + 6yt = 0, t = 0, 1, 2, ...

Resolução: Vimos já (ver secção 2.) que as sucessões


[1] [2]
yt = 2t e yt = 3t

são soluções da equação dada. Note agora que


[1] [2]
y0 y0 20 30
= = 1 6= 0,
[1]
y1 y1
[2]
21 31

o que confirma o pretendido.


4.10. APLICAÇÕES 199

Apêndice 4.3 Exponencial de Números Complexos


A exponencial complexa resulta da extensão para números complexos da série de
MacLaurin para a função exponencial. Assim, dado z ∈ C chamamos exponencial de z,
denotada igualmente por ez , à soma da série
+∞
X 1 n
z .
n=0
n!

Como esta série converge para todo o z ∈ C, temos:


+∞
X 1 n
ez = z .
n=0
n!

A soma desta série é (em geral) um número complexo, pelo que ez ∈ C.


A exponencial complexa satisfaz a seguinte propriedade:

ez+w = ez ew , z, w ∈ C.

A demonstração desete resultado pode ser consultada em [2] e envolve a operação de


multiplicação de séries.
Um outro importante resultado relaciona a exponencial complexa com as funções tri-
gonométrircas.
Teorema 13. Seja θ ∈ R. Então

eiθ = cos θ + i sin θ.

Demonstração. Tem-se:
+∞

X 1 n iθ (iθ)2 (iθ)3 (iθ)4
e = (iθ) = 1 + + + + + ...
n=0
n! 1! 2! 3! 4!
θ2 θ3 θ4 θ5
= 1 + iθ − −i + + i − ...
2! 3!  4!  5!
θ2 θ4 θ3 θ5
 
= 1− + − ... + i θ − + − ...
2! 4! 3! 5!
+∞ +∞
X (−1)n 2n X (−1)n 2n+1
= θ +i θ
n=0
(2n)! n=0
(2n + 1)!
= cos θ + i sin θ,

o que demonstra o pretendido.


Corolário 1.
Corolário (Fórmula de Euler):
eiπ + 1 = 0.
200CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS

Demonstração. Faça-se θ = π na identidade do teorema anterior.


O teorema anterior permite apresentar uma nova representação dos números comple-
xos. De facto, seja
α = β + γi ∈ C
a representação trigonométrica de z. Então

α = ρeiθ (4.31)

onde ρ = |α| e θ = arg (α) . De facto, tendo em conta a representação trigonométrica de


α e o resultado expresso no teorema, vem:

α = β + γi = ρ (cos θ + i sin θ) = ρeiθ .

A igualdade (4.31) diz-se representação polar do complexo α. Prova-se que se α =


β − γi então
α = ρe−iθ .
4.10. APLICAÇÕES 201

Apêndice 4.4 Mudança de variável em equações às diferenças


Por vezes, é possı́vel converter uma equação às diferenças que não é linear numa outra
que já é linear através de uma mudança de variável. Esta técnica consiste, no presente tipo
de equações, na substituição da sucessão-incógnita por uma outra com ela relacionada.

Exemplo: Resolva a seguinte equação às diferenças:


yt − 1
yt+1 =
yt + 3
após efectuar a seguinte mudança de variável:
1
yt = − 1.
zt

Resolução: A equação dada converte-se em:



1
−1 −1
1 zt
−1=  
zt+1 1
−1 +3
zt

ou ainda, após simplificações várias, em:


1
zt+1 − zt = .
2
Deixamos ao leitor a tarefa de mostrar que a solução geral desta equação é:
1
zt = A + t.
2
Regressando à variável inicial, e uma vez que
1
zt = ,
1 + yt
a solução geral converte-se em:
1 1
= A + t,
1 + yt 2
ou seja:
2
yt = − 1, A ∈ R,
2A + t
o que conclui o exemplo. 
202CAPÍTULO 4. EQUAÇÕES DIFERENCIAIS LINEARES E EQUAÇÕES ÀS DIFERENÇAS
Bibliografia

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gral em R e Rn , Editora McGraw-Hill de Portugal, 1995. [517 AZE]

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[3] BREDA, Ana d’Azevedo, Joana Nunes da Costa, Cálculo com funções de várias
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[5] LARSON, HOSTETLER and EDWARDS, Cálculo, Vols 1 e. 2., São Paulo, Editora
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[6] LIMA, T. P. e VITÓRIA, J., Álgebra Linear, Universidade Aberta, Lisboa, 1998.
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[7] MURTEIRA, José, SARAIVA, Paulo, Equações Diferenciais Ordinárias:


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[8] PIRES, Cesaltina, Cálculo para economistas, Lisboa, Editora McGraw-Hill de Por-
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[9] SARAIVA, Paulo, Cálculo I: Apontamentos Teóricos e Folhas Práticas, FEUC,


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[10] SARAIVA, Paulo e MURTEIRA, José, Equações de diferenças: introdução teórica


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[11] SHULMAN, B., Using original sources to teach the logistic equations, UMAP Mo-
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[12] SILVA, Jaime Carvalho, Princı́pios de Análise Matemática Aplicada, Lisboa, Edi-
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[13] ZILL, Dennis G., A first course in differential equations with modelling applications,
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