Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Este estudo debate a aplicação da semiótica na análise de infográficos, tendo em vista os
resultados de um projeto de pesquisa e extensão do curso de Comunicação Social da
UFMG sobre o uso da infografia no contexto da pandemia de covid-19. Destaca-se a
relevância dos aspectos semióticos desse formato visual de representação de dados para o
jornalismo, resgatando definições e modelos classificatórios. Em seguida, apresentamos
uma proposta metodológica que utiliza a teoria do signos de Charles Peirce, mais
precisamente as tricotomias ícone, índice e símbolo e a tríade dos interpretantes (emocional,
energético e lógico). Ao aplicar a metodologia semiótica em um projeto de caráter
educacional e científico, pretende-se reforçar a relevância do pensamento de Peirce nas
iniciativas acadêmicas da área de Comunicação no Brasil.
PALAVRAS-CHAVE:
infografia, semiótica, covid-19
Abstract
This study discusses the application of semiotics in the analysis of infographics, considering
the results of a research project conducted in the Social Communication Department of
UFMG/Brazil in the context of the covid-19 pandemic. We highlight the relevance of the
semiotic approach to understand how inforgraphics are used for data representation in
journalism, recovering definitions and classificatory models. We present a methodological
proposal that uses Charles Peirce's theory of signs, more precisely the icon, index and
symbol trichotomies and the triad of interpretants (emotional, energetic and logical). By
applying the semiotic methodology in an educational and scientific project, it is intended to
reinforce the relevance of Peirce's thinking in academic initiatives in the area of
Communication in Brazil.
KEYWORDS:
infographics, semiotics, covid-19
Essa iniciativa foi motivada pela eclosão da pandemia de covid-19 em 2020. Desde o
início da crise sanitária, houve uma grande demanda por gráficos e visualizações na
cobertura jornalística, seja na mídia impressa, nos telejornais ou na internet. Diversos
veículos nacionais e internacionais utilizaram a infografia e a visualização de dados para
reportar o andamento da pandemia (TEIXEIRA, 2020). Nesse contexto, os infográficos
interativos se destacaram como “um dos principais recursos utilizados pelo jornalismo
digital na construção de narrativas e produção de informações sobre o novo coronavírus e
os seus efeitos individuais e coletivos” (SILVA, 2020: 7).
Ao atribuir uma escala de pontos que varia de 0 a 3 para cada um desses critérios,
os infográficos avaliados a partir dessa metodologia poderiam ser julgados e comparados,
evidenciando seus pontos fortes e fracos.
interpretantes de um infográfico
Para a elaboração do nosso roteiro, também foi essencial explorar os possíveis
efeitos interpretativos gerados por um infográfico. É importante reforçar que as
interpretações são mediadas pelos signos e estão condicionadas à maneira particular como
os objetos são por eles representados. Ou seja, dependendo da maneira como o signo se
apresenta ao leitor, ele é capaz de gerar diferentes tipos de interpretantes. Uma das
subdivisões dos interpretantes elaborada por Peirce considera o atual efeito determinado
por um signo na mente de um intérprete, chamado de interpretante dinâmico (CP 4.536).
Por outro lado, o signo em si também possui um potencial interpretativo,
independentemente do intérprete. Esse potencial interpretativo, que pode ser entendido
como o propósito de um signo, recebe o nome de interpretante imediato (CP 4.536). Peirce
também indica a existência de um interpretante final, que seria o interpretante idealmente
alcançado caso as sucessivas cadeias de interpretação de um signo pudessem ser conduzidas
até a exaustão, numa espécie de “soma” de todos os interpretantes dinâmicos gerados (CP
8.315).
Por outro lado, optamos por incorporar outra tríade dos interpretantes, conhecida
por interpretantes emocionais, energéticos e lógicos, apresentada por Peirce no manuscrito
318, de 1907 (EP2[3]: 409; SANTAELLA, 1995: 104). Esses interpretantes podem ser
caracterizados por sentimentos, esforços ou raciocínios lógicos.
A elaboração desse roteiro passou por uma etapa preliminar de validação, que
consistiu na sua aplicação, em caráter de teste, em 3 infográficos, por parte de 3 estudantes
de jornalismo envolvidos no projeto. Em seguida, os estudantes foram estimulados a relatar
suas impressões e dificuldades na aplicação do modelo, de forma a aprimorar as perguntas
e ajustar as categorias de análise do roteiro. As impressões relatadas pelos estudantes
também contribuíram para fornecer pistas relevantes sobre a maneira como a própria
metodologia semiótica é compreendida e aplicada.
Aspectos a) O infográfico possui uma legenda? Como ela é? O que ela contém?
simbólicos b) O infográfico utiliza algum elemento convencional?
- Mapa, Plano cartesiano, Gráficos de barra, de pizza, de linha etc.
c) O infográfico exige algum conhecimento técnico do leitor?
d) Os textos do infográfico estão escritos em língua portuguesa ou em outra
língua?
Nesta parte da análise, devemos nos apoiar nas propriedades levantadas nos tópicos
anteriores para sugerir quais seriam as possíveis interpretações proporcionadas pelo
infográfico. Aqui, podemos especular sobre quais efeitos seriam provocados no leitor, a
partir dos elementos identificados anteriormente (é o potencial comunicativo do
infográfico).
Figura 5: Captura de tela de uma das seções Figura 6: identidade visual do projeto “Como ler
do website do projeto “Como ler infográficos?” infográficos?”
Fonte:
https://comolerinfograficos.fafich.ufmg.br/
Fonte:
https://comolerinfograficos.fafich.ufmg.br/
Por fim, a abordagem semiótica dos infográficos inspirou a elaboração de duas análises de
infográficos referentes a outro contexto jornalístico. Analisamos dois infográficos que
tratam dos acidentes nas barragens da Vale do Rio Doce, ocorridos nas cidades de Mariana
e Brumadinho, em Minas Gerais (ANDRADE; CAMARGO; RIBEIRO, 2020).
Analisamos os infográficos “Rastro de Lama” (GERAQUE et al., 2015), publicado pela
Folha de São Paulo em 2015, e o infográfico “Na Av. Paulista, lama de Brumadinho
formaria paredão de 175m de altura” (PONCEANO; MARIN, 2019), vinculado a uma
matéria do Estadão, publicada em 2019. Ambos os infográficos se destacam por propor
analogias visuais para explicar os dois acidentes. No primeiro caso, é utilizado um diagrama
vertical para demonstrar os impactos dos dejeto da mina ao longo do trajeto do Rio Doce
(figura 9). No segundo caso, um mapa em perspectiva compara o espaço que a lama
ocuparia na Avenida Paulista na cidade de São Paulo (figura 10).
Figura 9: Trecho do infográfico sobre o acidente Figura 10: Trecho do infográfico sobre o acidente
na barragem da cidade de Mariana, em MG. na barragem da cidade de Brumadinho, em MG.
A equipe reportou algumas impressões que nos ajudam a refletir sobre como a
semiótica de Peirce é encarada como ferramenta analítica pelos jovens pesquisadores de
semiótica. Como mencionado, a elaboração do roteiro passou por uma etapa preliminar de
validação das perguntas, na qual os estudantes foram incentivados aplicá-lo em alguns
infográficos, a fim de observar e refletir sobre suas dúvidas acerca da metodologia.
Por fim, houve uma certa dificuldade em separar, com clareza, os interpretantes
emocionais dos interpretantes energéticos. Embora Peirce tenha definido o interpretante
emocional como um sentimento (feeling) e o interpretante energético como um esforço
(effort) (EP2: 409, 430), os estudantes relataram inseguranças em isolar o “aspecto
qualitativo do efeito produzido pelo signo” do seu “significado emotivo” (SANTAELLA,
1995: 105). Tal dificuldade também é compreensível, afinal, uma qualidade de sentimento,
para ser percebida por um intérprete, requer uma certa dose de secundidade. Assim, a
solução adotada em nosso roteiro de análise foi estimular o leitor a caracterizar os
sentimentos evocados por aquele infográfico (interpretantes emocionais) em termos de
pares de conceitos, comuns às teorias da Gestalt (GOMES FILHO, 2000), tais como
conforto/desconforto, equilíbrio/desequilíbrio, harmonia/desarmonia e assim por diante.
Já no âmbito dos interpretantes energéticos, estimulamos a identificação de reações
provocadas no leitor.
agradecimentos
Agradeço a UFMG pelo apoio institucional na execução deste projeto. Agradeço
também aos integrantes dessa equipe pelas valiosas contribuições e insights: Enaile Andrade,
Gabriela Camargo e Luigy Hudson, alunos de Iniciação Científica. Iuri Cordeiro e Franklin
Limeira, bolsistas do projeto de extensão. Paulo Ferreira, Eliane Estevão, Fabio Paes e Julia
de Paula, voluntários do projeto. E aos colegas professores do DCS, Geane Alzamora e
Carlos D’Andrea.
notas
[1] Disponível em: <link>. Acesso em 23 out. 2020. O projeto está
registrado
na plataforma institucional SIEX/UFMG com o número 403749.
Disponível em: <link>. Acesso em: 05 dez. 2020.
[2] A
sigla CP se refere aos Collected Papers de Peirce, seguida de número do volume
e número do parágrafo.
CAI, Weiyi; GLANZ, James; WATKINS, Derek; WU, Jin. How the virus got out? The
New York Times, Nova Iorque, 2020. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/interactive/2020/03/22/world/coronavirus-
spread.html >. Acesso em: 25 set. de 2020.
COVID-19 is now in 50 countries, and things will get worse. Briefing. The Economist. 29
de Fevereiro de 2020. Disponível em:
<https://www.economist.com/briefing/2020/02/29/covid-19-is-now-in-50-
countries-and-things-will-get-worse >. Acesso em: 15 jul. 2020.
GERAQUE et. al. Rastro de Lama. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em:
<http://arte.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/11/22/rastro-lama/index.html >.
Acesso em: 25 set. 2020.
GOMES FILHO, João. Gestalt do objeto: sistema de leitura visual da forma. São Paulo:
Escrituras Editora, 2000.
RIBEIRO, Daniel Melo. Uma análise semiótica dos gráficos do achatamento da curva da
pandemia da Covid-19. Revista Dispositiva. [on-line]. Dossiê: Comunicação,
política e saúde. Volume 9, Número 16, Belo Horizonte, dezembro de 2020, p. 147-
167. Disponível em:
<http://periodicos.pucminas.br/index.php/dispositiva/article/view/24233 >.
Acesso em: 11 jan. 2021.
SANTAELLA, Lucia. Teoria geral dos signos: semiose e autogeração. São Paulo:
Pioneira, 1995.
STEVENS, Harris. Why outbreaks like coronavirus spread exponentially, and how to
"flatten the curve". The Washington Post. Washington, DC, 2020. Disponível em:
<https://www.washingtonpost.com/graphics/2020/world/corona-simulator/ >.
Acesso em: 25 set. de 2020.