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Comprova Explica: Pesquisas eleitorais e de opinião diferem de enquetes informais porque seguem
métodos científicos para garantir que a amostra de pessoas entrevistadas é representativa da
população como um todo, buscando eliminar possíveis distorções e vieses. São enganosos os posts
que tentam desacreditar as pesquisas eleitorais com o vídeo de uma consulta feita pelo humorista
Sérgio Mallandro à sua plateia em um show. A enquete só mostra a opinião daquele grupo específico,
e não pode ser usada para tirar conclusões sobre a população em geral, dizem especialistas ouvidos
pelo Comprova.
Um exemplo disso é um vídeo que tem sido compartilhado do comediante Sérgio Mallandro fazendo
uma consulta com a plateia em um de seus shows, realizado em 5 de março de 2022. O humorista
pede que as pessoas levantem a mão caso tenham intenção de votar em uma série de pré-candidatos
à Presidência em 2022: Sergio Moro (PODE), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Lula (PT) ou
Jair Bolsonaro (PL), apresentados nesta ordem.
Algumas pessoas levantam as mãos para os primeiros candidatos mencionados, mas o público
irrompe em gritos e aplausos para Bolsonaro, indicando que a maioria dos presentes ali votariam por
sua reeleição. O vídeo foi publicado por vários políticos e comentaristas apoiadores do presidente
com textos que questionam os resultados dos institutos de pesquisa. O ex-presidente Lula lidera a
maioria das pesquisas sobre o cenário nacional, com Bolsonaro em segundo lugar.
Diante dos questionamentos, o Comprova decidiu explicar por que enquetes não podem ser usadas
para fazer inferências sobre as intenções de voto da população em geral, e o que as difere das
pesquisas eleitorais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Pesquisas x Enquetes
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A principal diferença entre uma pesquisa eleitoral e uma simples enquete está na aplicação dos
resultados. A pesquisa pode ser usada para inferir as intenções de voto de um universo maior (toda a
população de um país, ou de uma dada região), enquanto a enquete só informa sobre as intenções
daquele grupo específico que a respondeu — os resultados não podem ser extrapolados para a
população em geral.
Isso porque a pesquisa é feita com uma amostra cientificamente calculada da população, a fim de
representar o grupo como um todo e eliminar vieses, segundo explica Oswaldo Amaral, professor do
Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor do
Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop-Unicamp). “[A amostragem é feita] a partir de técnicas
que vem da análise estatística, da probabilística, que garantem que aquele número de eleitores
entrevistados é capaz de dar uma representação relativamente fiel, dentro de uma margem de erro e
um índice de confiança, da opinião da população como um todo”, diz o especialista.
Para montar essa amostra, é considerada uma série de critérios (conhecidos na estatística como
“variáveis”) para aproximar o grupo de entrevistados da composição real da população, como raça,
gênero, escolaridade, ocupação, etc. As variáveis usadas podem diferir entre os institutos de pesquisa.
“É como quando você está cozinhando uma sopa”, afirma Amaral. “Você não vai tomar a sopa inteira
para ver se ela está salgada ou não. Você mistura bem, deixa ela bem uniforme, e prova apenas um
pedacinho. Aquele pedaço que você prova é uma amostra, e aí você pode extrapolar para toda a panela
de sopa”.
Já as enquetes, que se popularizaram nas redes sociais, não levam em consideração critérios
científicos na montagem da amostra, e por isso são vulneráveis a distorções e vieses. Seguindo outro
exemplo do professor, imagine que alguém decida realizar uma enquete na porta do Maracanã, no
Rio de Janeiro, num dia de jogo do Flamengo contra o Madureira. “99,9% das pessoas vão dizer que
torcem para o Flamengo”, diz Amaral, porque o Maracanã é o estádio do Flamengo e do Fluminense.
Mas não se pode dizer, a partir desses resultados, que 99,9% das pessoas acompanhando a partida no
país — seja pela televisão, rádio ou outros meios — torcem para o Flamengo.
O mesmo problema se aplica à enquete realizada por Sérgio Mallandro, um humorista com histórico
de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Em 2018, quando ainda era candidato à Presidência,
Bolsonaro compareceu com a família a um show de stand-up de Mallandro. O comediante chamou o
então presidenciável ao palco e disse que ele seria eleito se falasse “há ieié glu glu”. Bolsonaro
concordou e repetiu as palavras. Depois da eleição, um programa da rádio Jovem Pan chegou a
brincar que o presidente devia a sua vitória àquela aparição no show de Mallandro. Durante a crise
hídrica de 2021, o governo Bolsonaro escalou o humorista em uma propaganda promovendo a
economia de energia.
Considerando esse histórico, é plausível que o público de um stand-up de Sérgio Mallandro conte
com uma proporção maior de apoiadores de Bolsonaro do que o todo da população brasileira, o que
explica a divergência da sua enquete com os resultados das pesquisas eleitorais. O levantamento feito
pelo humorista só serve para saber as intenções de voto de quem estava na plateia naquela noite, e
não deve ser usado para fazer inferências sobre o cenário nacional e tampouco para descreditar as
pesquisas feitas por institutos sérios.
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Isso também vale para enquetes realizadas na internet, seja por meio das redes sociais ou em sites
específicos. Conforme o Comprova já mostrou em verificações anteriores (1 e 2), essas enquetes são
feitas sem controle da amostra de entrevistados, dependendo da participação espontânea dos
respondentes.
Enquanto enquetes como a feita por Sérgio Mallandro muitas vezes fazem somente uma pergunta
sobre a opinião do público, as pesquisas eleitorais levantam também informações sobre raça, idade,
profissão, local de moradia e renda familiar dos entrevistados, o que permite a realização de análises
que considerem a proporção dessas diferentes variáveis na composição da população.
Pesquisas eleitorais ainda têm um cuidado maior na elaboração das perguntas, conforme explica
Rodolfo Costa Pinto, cientista político e diretor do instituto PoderData. “Uma pesquisa envolve várias
etapas, a principal sendo a redação do questionário, considerando como cada palavra pode influenciar
as escolhas do respondente e como a ordem das questões também pode influenciar as respostas”, disse
ao Comprova.
As pesquisas podem ser quantitativas, quando o objetivo é coletar dados e apontar preferências
eleitorais. Elas geram os números de intenção de votos e rejeição e são as mais popularmente
divulgadas. Mas também há pesquisas qualitativas, que têm intenção de compreender fenômenos e
motivações individuais que não são mensuráveis. Essas são utilizadas por partidos e candidatos para
definir estratégias de campanha e, apesar de serem registradas no Tribunal Superior Eleitoral, não são
divulgadas.
Por serem projeções feitas a partir de uma amostragem, as pesquisas eleitorais estão sujeitas a
inconsistências e falhas. Por isso, são acompanhadas sempre de uma margem de erro, que mostra uma
possível oscilação nos resultados — geralmente, de 1 a 4 pontos percentuais, para mais ou para
menos. Para eliminar essa margem de erro, seria necessário entrevistar todas as milhões de pessoas
com idade para votar na cidade, estado ou país, o que é inviável.
Mesmo com essas limitações, nas mais recentes eleições presidenciais no Brasil, os principais
institutos de pesquisa chegaram perto do resultado das urnas. Na última pesquisa publicada em
2018, o Ibope apontava que Jair Bolsonaro teria 36% dos votos; Fernando Haddad, 22%; Ciro Gomes,
11%; e Geraldo Alckmin, 7%. Já o instituto Datafolha apontava os mesmos números para Bolsonaro,
Haddad e Alckmin, mudando apenas as intenções de voto de Ciro Gomes para 13%. Depois de
fechadas as urnas do primeiro turno, Bolsonaro teve 46% dos votos válidos; Fernando Haddad, 29%;
Ciro Gomes, 12%; e Geraldo Alckmin, 4%.
No segundo turno, a última pesquisa divulgada pelo Ibope apontava 54% de intenções de voto para
Bolsonaro e 46% para Haddad. Já o Datafolha mostrava 55% para Bolsonaro e 45% para Haddad. No
resultado final, Bolsonaro teve 55% dos votos válidos e Haddad 44%.
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Em 2014, a última pesquisa divulgada antes do primeiro turno pelo Ibope mostrava Dilma Rousseff
com 40% das intenções de voto, Aécio Neves com 24% e Marina Silva com 21%. Já o Datafolha
divulgou Dilma com 40%, Aécio com 24% e Marina com 22%. Na eleição, Dilma ficou com 41%
dos votos válidos, Aécio com 33% e Marina com 22%.
Um levantamento do site Jota reuniu dados de todas as eleições para governador e presidente no
Brasil entre 1998 e 2018 e das pesquisas divulgadas por Datafolha, Ibope, Vox Populi e Sensus para
avaliar a influência do tempo que separa a realização da consulta e o dia da eleição. A conclusão foi
de que pesquisas feitas mais próximas das eleições têm maior grau de acerto dos resultados. As
pesquisas realizadas até 80 dias antes da eleição variaram 9 pontos percentuais do resultado real.
Depois de 80 dias, esse número caiu progressivamente até 5 pontos percentuais, nos últimos dias
antes da eleição.
Essa tendência é natural. Segundo especialistas, pesquisas eleitorais funcionam como “fotografias de
um momento” e são mais precisas quando realizadas em série, de modo a acompanhar possíveis
mudanças na opinião pública. “O objetivo de uma pesquisa eleitoral não é o de antecipar os resultados
da eleição, mas sim o de mostrar o cenário no momento em que foi realizada”, afirmou Marcia
Cavallari, diretora-executiva do Ipec (ex-Ibope Inteligência), à Agência Brasil. Quanto mais perto da
data da votação, mais difícil é que os eleitores mudem suas escolhas de candidato.
O registro no TSE
Todas as pesquisas eleitorais, para serem divulgadas em ano eleitoral e terem valor legal, devem ser
registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Para isso, precisam apresentar o nome de quem contratou
o instituto para a realização da pesquisa, o valor pago, a origem do dinheiro, a metodologia utilizada,
a amostragem, o sistema de verificação, o nome do estatístico responsável e o questionário que foi
apresentado aos entrevistados.
A realização de enquetes ou pesquisas de opinião que não respeitem os parâmetros estabelecidos fica
proibida a partir de 1º de janeiro em anos eleitorais, por determinação do TSE. Enquetes eleitorais
não podem ser divulgadas em revistas ou jornais, tampouco por meio de redes sociais ou aplicativos
de mensagens. Segundo o advogado Thiago Tommasi, especializado em direito eleitoral, mesmo as
enquetes como as do vídeo analisado nesta checagem são ilegais e estão proibidas. “Qualquer material
de pesquisa eleitoral para ser divulgado precisa respeitar as diretrizes estabelecidas pelo TSE. Fazer
pergunta de intenção de voto em show ou qualquer evento público é vedado, assim como a divulgação
do vídeo com a manifestação de quem seja”, disse ao Comprova.
Hoje existem cerca de 1.550 registros de empresas ou pessoas aptas a realizar pesquisas eleitorais no
Brasil. A maioria realiza consultas qualitativas. Apenas em 2022, até o momento de publicação desta
verificação, foram registradas 90 pesquisas no site do TSE, sendo 44 em âmbito nacional e 46 em
estados.
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