“A SUPER-REPRESENTAÇÃO DA VONTADE DE POUCOS”: UMA ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO VOTO NO BRASIL
Santo Antônio de Jesus, Bahia
Abril de 2021 Adailson Domingos de Velasques Neto Rayssa Fagundes dos Santos (Ensino Médio – 2ª Série, Turma A)
A OBRIGATORIEDADE DO VOTO NO BRASIL
Análise crítica do artigo de opinião “A super-representação da vontade de poucos” da jornalista Karolina Roeder. Observando a questão do voto no Brasil, com o objetivo de descobrir se o voto é um direito ou um dever do cidadão.
Trabalho apresentado a professora Renata Queiroz
na disciplina de Redação da 2ª Série do Ensino Médio, como requisito de nota da I Unidade.
Santo Antônio de Jesus, Bahia
Abril de 2021 a. Artigo de opinião tomado para análise: “A super-representação da vontade de poucos” da jornalista Karolina Roeder, publicado em setembro de 2017.
A super-representação da vontade de poucos
Qual a consequência mais provável da desobrigatoriedade do voto no Brasil? Os políticos deixarem de buscar o voto dos mais pobres
Recentes dados eleitorais de democracias em diferentes países do mundo,
disponíveis no International Idea – Institute for democracy and electoral assistance, mostram que tirar a obrigatoriedade do voto diminui a participação eleitoral em ao menos 25%. Em alguns países a participação chegou a taxas impressionantes, como no Chile, em 2016, onde apenas 34% da população foi às urnas, passados apenas cinco anos do fim da obrigatoriedade do voto. O voto é obrigatório em quase todos os países da América do Sul e nos que inauguraram a exigência – Bélgica e Austrália. Nesses últimos dois países, desde 1950, o comparecimento eleitoral fica acima de 85%, dados próximos aos do Brasil. Vale lembrar que Bélgica e Austrália são conhecidos pelos altos níveis de igualdade, liberdade e direitos individuais. No Brasil, o voto é facultativo aos analfabetos, maiores de 70 anos e jovens entre 16 e 17 anos. A penalidade para os que não comparecem às urnas é uma multa simbólica de R$ 3,51. Há, na simples decisão do voto, fatores de ordem individual, social e institucional. Mudanças nas regras eleitorais fazem mudar as formas de votar e, consequentemente, a estratégia dos políticos na conquista do eleitorado. A ciência política aponta que o comparecimento eleitoral é uma função da vontade, capacidade e oportunidade de participar do eleitor. Variáveis como interesse político, engajamento, ideia de dever cívico e de eficácia política fazem com que as pessoas participem mais. E essas características são profundamente maiores quanto maior o nível de escolaridade e renda. A própria participação eleitoral pode gerar uma noção mais apurada de dever cívico que se transforma em mais participação eleitoral. Em países onde o voto é facultativo, quem vai às urnas é quase que exclusivamente a população de maior renda, em detrimento de grupos como os pouco escolarizados, os de baixa renda, mulheres e negros. Qual a consequência mais provável da desobrigatoriedade do voto no Brasil? Os políticos deixarem de buscar o voto dos mais pobres. Assim como o eleitor na hora do voto, políticos e partidos desenham sua estratégia eleitoral de acordo com as regras vigentes e com o comportamento do eleitor. O voto obrigatório obriga, portanto, a ida dos representantes aos que têm seu voto como arma. Na medida em que o voto como barganha for retirado das populações pobres e excluídas, não lhes resta nem mais a promessa de campanha para aquela obra na periferia ou algum ganho real no direito do trabalhador. A classe política não terá interesse em atender as populações que deixarem de votar. É prioridade dos líderes dos principais partidos representados na Câmara a aprovação do fundo público de financiamento de campanha que destinaria, além dos R$ 888,7 milhões já garantidos pelo Fundo Partidário para 2018, uma bagatela de R$ 3,5 bilhões para financiar a campanha desses partidos. Com dinheiro do Estado e voto apenas dos mais ricos, o que esperar de nossos políticos? Em um contexto no qual a maior parte da classe política brasileira encontra-se fragilizada por sucessivos escândalos de corrupção, essa mesma classe política recorre ao instinto de sobrevivência em que o eleitor não é prioridade. Tampouco o debate de um programa político para o país e sua população diversa. A não obrigatoriedade do comparecimento do eleitor às urnas, somado a um sistema hiperfragmentado de partidos fracos e pouco enraizados na sociedade, desobrigaria os políticos a procurar – e eventualmente atender – essa população. É isso que queremos? Ou é isso que nossos políticos querem?
Karolina Roeder, doutoranda em Ciência Política, é pesquisadora do Núcleo
de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, e do Laboratório de Análise dos Partidos Políticos e Sistemas Partidários da UFPR.
b. Análise crítica do artigo de opinião apresentado.
O processo eleitoral no Brasil foi fundado em 23 de janeiro de 1532, isto é, 32
anos após a chegada de Cabral em terras brasileiras. Nesta data os moradores de São Vigente – primeira Capitania Hereditária instituída na colônia – se reuniram para eleger, de forma indireta, os membros do Conselho Municipal. A partir deste momento iniciou-se a história do voto no Brasil, uma história marcada pela luta de homens e mulheres pelo direito ao voto universal, secreto e periódico. Resultado: a existência do atual Regimento Eleitoral brasileiro. As 7 constituições brasileiras passaram por um processo evolutivo que culminou no sufrágio universal, exercido pelo voto direto e secreto – em vigor nos dias atuais. Poderíamos realizar um recorte histórico e, chegaríamos a conclusão de que o ato de votar modificou-se ao longo da história do país, principalmente, sobre o aspecto de quem podia ir às urnas registrar o seu voto, mesmo que esse registro não fosse fidedigno a vontade popular, uma vez que, as eleições brasileiras sempre foram marcadas pelas fraudes eleitorais. Mas além de uma contextualização, é possível fazer uma reflexão: a Constituição Federal em seu capítulo 4, artigo 14 garante ao cidadão brasileiro o direito ao sufrágio universal, efetivado pelo voto secreto e direto, como mencionado anteriormente. Entretanto, a própria Carta Magna estipula a obrigatoriedade do voto, salvo para os analfabetos; os maiores de 70 anos e os maiores de 16 e menores de 18 anos. Nesse caso, o direito se torna um dever? Para responder a este questionamento deve se levar em consideração a verdadeira natureza do voto, a qual consiste na livre manifestação política do indivíduo e, por se tratar de um ato livre, se pressupõe – pela lógica – a liberdade de abstenção. Assim sendo, obrigatoriedade e voto não possuem nenhuma relação, a não ser, para a manipulação do eleitor, uma prática, infelizmente, prosaica no Brasil. Os defensores da obrigatoriedade do voto – como a jornalista Karolina Roeder – costumam apresentar como argumento para sustentação de seu ponto de vista a seguinte declaração: fazer do voto um ato facultativo diminuiria a participação popular, em especial entre os mais pobres. Esse fator desestimularia a criação de políticas públicas, pelos políticos eleitos, que atendam as camadas mais necessitadas da sociedade. Fazendo a análise sob outro prisma, isto é, pela perspectiva daqueles que se posicionam favoráveis a facultatividade do voto – grupo ao qual simpatizamos – o que de fato aconteceria é o não comparecimento às urnas dos indivíduos de mais fácil manipulação, pois perderiam o apetite pelo voto, o que dificultaria o papel do político. Desta forma, o candidato precisaria, além de convencer o eleitor a discar o seu número na urna eletrônica, induzi-lo a sair de casa para comparecer a uma seção eleitoral. Teríamos assim, votos conscientes e, não meramente o ‘votar por votar’. “O voto obrigatório obriga, portanto, a ida dos representantes aos que têm seu voto como arma. Na medida em que o voto como barganha for retirado das populações pobres e excluídas, não lhes resta nem mais a promessa de campanha para aquela obra na periferia ou algum ganho real no direito do trabalhador.” O trecho retirado do artigo de opinião ilustra um outro argumento muito utilizado pelos defensores do voto obrigatório: o voto compulsório faz com que a maioria dos eleitores compareçam as urnas. No entanto, o entendimento de que a participação eleitoral da maioria ocorre em virtude do voto obrigatório é um mito. Isso porque, dados da Justiça Eleitoral mostram uma tendência nas eleições no Brasil: queda no comparecimento de eleitores às urnas.
O gráfico a seguir apresenta o número de abstenção (percentual de eleitores
que não compareceram as suas respectivas seções eleitorais) nas eleições gerais nos pleitos de 2006, 2010, 2014 e 2018. Gráfico construído com informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O número de cidadãos que abdica do direito de exercer o sufrágio aumenta a
cada eleição, embora a obrigatoriedade do ato de votar seja uma norma constitucional. Eis uma contrariedade da obrigatoriedade do voto. Vale salientar que, é completamente inaceitável a tentativa de construir uma relação entre o voto e uma barganha, como feito pela autora do artigo de opinião. O voto é reflexo da vontade e do desejo do indivíduo de participação na vida política do país, é a manifestação do poder da sociedade. É o ato de votar que faz cumprir as palavras da Constituição Cidadã – “Todo o poder emana do povo”, portanto, é inadmissível a iniciativa de correlacionar voto e moeda de troca. Ainda é possível analisar que, o conjunto de direitos estabelecidos pela Constituição brasileira, majoritariamente, funciona como uma condição de privilégio aos indivíduos. Como já dito anteriormente, o voto obrigatório constitui-se como um direito, assim como o trabalho ou o lazer, contudo, caso seja de escolha pessoal parar de exercer o direito social de trabalhar, por exemplo, esse alguém, certamente não será punido por sua escolha, mas, quando se trata do voto, não há opção de negar? Quando existe a necessidade ou escolha de não votar, o indivíduo sofrerá consequências, conforme o artigo 7, no primeiro parágrafo do Código Eleitoral, caso o eleitor não vote e nem se justifique, deverá pagar uma multa, cujo valor será definido por um juiz eleitoral. Sem a prova de que votou, de que pagou multa ou de que se justificou, o eleitor fica impedido de se inscrever em concurso público, obter passaporte ou carteira de identidade, entre outras penalidades. Se o mesmo deixar de votar em três eleições consecutivas, seu título será cancelado. Logo, podemos concluir que sob o regime da obrigatoriedade do voto, é notável que muitos eleitores votam apenas para evitar complicações legais ou burocráticas e sem propósito político. Tirar a liberdade de escolha e punir um cidadão por não querer exercer um direito, não vai de encontro aos princípios de uma democracia e o castigo faz com que os eleitores tenham medo de complicações e não interesse por política, afinal, não há lei que o faça incumbir por um assunto que não lhe parece dizer respeito. A obrigatoriedade do voto também é alegada em razão da frágil democracia existente no Brasil, os apoiadores do comparecimento obrigatório as urnas afirmam que o voto no Brasil poderia ser facultativo, desde que, existisse no país uma espécie de “amadurecimento” do regime democrático. De fato este é um argumento plausível, afinal acabamos de sair de um processo de redemocratização, todavia como podemos evoluir se não são dadas as oportunidades para tais avanços? A população brasileira só alcançará consciência política, fortalecendo, portanto, a nossa democracia, quando aprender a escolher seus representantes com consciência. Para tanto é necessário alterações na lei e, principalmente, no sistema educacional; o qual deve ter como primícia fundamental a formação de cidadãos mais conscientes.
“O voto deve ser facultativo, visto que corresponde ao exercício da cidadania,
se faz, portanto, responsabilidade de cada um.” (Luiz Flávio Gomes, jurista)
Por todas essas ideias apresentadas observa-se que, a obrigatoriedade do voto
faz com que grande parte do eleitorado brasileiro construa certo tipo de desilusão mesclado com decepção fase ao processo eleitoral no país, prova disso é o alto número de abstenções registrados nos últimos pleitos. Encerramos esta análise com um questionamento feito pelo ministro do Supremo Tribunal Federal e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral – Marco Aurélio Mello - “Como se pode admitir que algo seja, simultaneamente, o exercício da cidadania, um direito do cidadão e uma obrigação desse mesmo cidadão?”.
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