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20/04/2019 Especial: O voto no Brasil - Às urnas, cidadão!

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Especial: O voto no Brasil - Às urnas, cidadão!


O voto obrigatório é pouco presente no mundo e seus supostos benefícios não são
comprovados. Para que nos serve, então?
Julia Stadler
1/10/2014  

O centro de gravidade das democracias modernas éo sistema eleitoral: um conjunto de regras que
determina quem representa quem durante quanto tempo. Mas por seu excesso de detalhes équase
impossível ao leigo entendê-lo plenamente. Talvez seja por isso que circulem tantos mitos em torno
dele.

O sistema eleitoral brasileiro éproporcional, de lista aberta, para os mandatos nas Câmaras municipais
e estaduais e na Câmara dos Deputados. Os mandatos são distribuídos conforme os votos dos partidos
ou coligações que atingiram o quociente eleitoral (calculado a partir do número de vagas dividido pelo
número de votos válidos). Ou seja, mesmo dando seu voto para um candidato, o eleitor na prática vota
na legenda. Os chefes de governo (prefeitos, governadores e presidente), assim como os senadores, são
eleitos por regra majoritária –ganha o mais votado. Os votos brancos e nulos são considerados inválidos
e, ao contrário do que diz a lenda, não hánenhuma regra que determine que uma eleição com 50% de
votos brancos ou nulos seja anulada.

Outro componente pouco esclarecido éo voto obrigatório. Poucas regras dentro do sistema político
atingem o cidadão de forma tão direta. Alguns o consideram uma restrição da sua liberdade como
cidadão eleitor. Outros o entendem como um lembrete de que a nossa liberdade democrática também
exige momentos de ação. Essa ambiguidade tem sido traduzida pelo dualismo “direitos x deveres“. No
Brasil, odescontentamento com a participação compulsória fica mais palpávelem anos eleitorais. Isso
nem sempre tem a ver com o voto obrigatório em si, mas sim com a oferta de candidatos e a cultura
das campanhas eleitorais. Em maio de 2014, 61% dos eleitores entrevistadospelo Datafolha declararam-
se contra o voto obrigatório, e 57% responderam que não iriam votar este ano se o voto fosse
facultativo. O grupo de defensores do voto obrigatório, por outro lado, tende a crescer logo depois de
eleições com baixo comparecimento eleitoral. 

Embora haja diferentesconcepções quanto às democracias modernas –desde as contratualistas do


século XVII atéas contemporâneas, como em Max Weber e Benjamin Barber no   século XX –quase todas
consideram o voto um dever e um direito ao mesmo tempo. Pois éinegável que o direito de votar foi
uma conquista histórica e que eleições precisam de eleitores. Muitas vezes mal entendido como um
debate entre direito ou dever, os filósofos franceses e ingleses, ao longo do século XIX,se debruçaram,
na verdade, mais sobre a questão para quêe para quem servia esse direito, se seria um direito
individual ou um direito delegado. Na França, prevaleceu o entendimento de que o cidadão comum
não podia ser obrigado a votar, pois o voto foi-lhe concedido e não exigido. Em Considerações sobre o
governo representativo(1861), o inglês John Stuart Mill considera que o voto não seria um direito
individual, e sim um direito delegado, pois, o exercício de qualquer função política, seja como um
eleitor ou como um representante, éum poder sobre os outros.

Hoje hápaíses que exigem o comparecimento por lei e aplicam sanções financeiras(multas),
trabalhistas (não poder fazer concurso público), ou a restrição de direitos civis (não poder tirar o
passaporte), como éo caso do Brasil. Alguns países consideramo voto um dever civil, mas não aplicam
sanções para quem o descumpre. Na Itália, pode ser difícil para pais que não compareceram às urnas
achar um lugar nas creches públicas para os seus filhos. Nos anos 1950, no estado americano de Illinois,
aqueles que não votaram foram colocados no topo da lista de voluntários em júris populares, uma
tarefa pública não muito desejada. Na Alemanha, o voto éfacultativo, mas écomum que não votantes

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20/04/2019 Especial: O voto no Brasil - Às urnas, cidadão! - Revista de História

tenham que se justificar diante de seus familiares, amigos ou atésuperiores


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trabalho. Todos
casos mostram que sanções não estão restritas a sistemas eleitorais com voto obrigatório, e que na
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prática a divisão de deveres e direitos épouco nítida. A maioria das sanções
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benefícios públicos, e não a direitos individuais. E o segmento mais propenso a ser confrontado com
obrigações eleitorais éo dos funcionários públicos. O Brasil não éuma exceção.

O ano de 1930 foi um marco na história brasileira, e trouxe mudanças fundamentais para a ordem
política. O golpe de Estado que levou Getulio Vargas ao poder deu fim àprimeira experiência 
republicana e implementou mudanças institucionais que sobreviveram às décadas e às mudanças de
regime. Um símbolo dessa fase éo Código Eleitoral de 24 de fevereiro de 1932.Com ele, criam-se a
Justiça Eleitoral e o sufrágio feminino. O voto passa a ser secreto e direto, o alistamento eleitoral e o
voto tornam-se obrigatórios, com sanções para homens entre 21 e 60 anos que não fossem alistados. Os
títulos eleitorais chegaram a exigir fotos. Todas essas medidas representaram um novo combate a
fraudes eleitorais e mexeram com a cultura do coronelismo, do famoso “voto de cabresto“. E a decisão
pelo voto obrigatório estava ligada àpreocupação de que uma elevada abstenção comprometesse a
legitimidade do processo.

Desde o código eleitoral de 1965, o voto éobrigatório para todos os cidadãos entre 18 e 70 anos, e
facultativo para jovens de 16 e 17 anos, idosos com mais que 70 anos e analfabetos. Atépoucos anos
atrás, o voto obrigatório não era um item discutido publicamente. Desde 2013, este quadro
estámudando. Com mais da metade dos eleitores brasileiros a favor do fim da obrigatoriedade, cada
vez mais políticos e agentes públicos vêm se manifestando contra essa regra quase centenária – como
os senadores Francisco Dornelles(PP/RJ) e Paulo Paim(PT/RS), e o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Marco Aurélio Mello.Em face das várias práticas de corrupção eleitoral e da rápida
“amnésia” dos votantes (que logo se esquecem de quem escolheram para representá-los), há
controvérsias sobre a qualidade do voto no Brasil. Estudos indicam que os possíveis benefícios do voto
obrigatório não se comprovam. Em 2000, o cientista político Zachary Elkins concluiu, pelas pesquisas
realizadas nas eleições de 1994 e 1998, que haveria pouca diferença na equidade da participação
eleitoral, por segmentos sociais, caso o voto fosse facultativo.

O voto obrigatório não necessariamente aumenta a participação eleitoral. Poucos países usam essa
exigênciaatualmente (menos de 30) e muitos sistemas com voto facultativo ultrapassam, em
comparecimento às urnas, os sistemas com a obrigatoriedade. A Alemanha, com voto facultativo,
durante muitos anos contou com mais de 80% de participação dos eleitores. O Brasil atinge a mesma
participação aplicando o voto obrigatório e sanções.

Três supostos benefícios se destacam entre os argumentos dos defensores do voto obrigatório. A
“equalização”seria o processo em que o voto se “populariza”aténão ser mais restrito às elites
econômicas e intelectuais, e sim minimamente bem distribuído entre diferentes classes sociais. A
“homogeneização”significa diminuir a discrepância no comparecimento eleitoral entre diferentes
regiões. Por fim, haveria no voto obrigatório uma “natureza pedagógica”: habituar o eleitor ao
exercício do direito de votar.

Todas a medidas de moralização da vida pública nacional são indiscutivelmente úteis e merecem o
aplauso de quantos anseiam pela elevação do político no Brasil. Mas não tenhamos demasiadas ilusões.
A pobreza do povo, especialmente da população rural, e em consequência o seu atraso cívico e
intelectual constituirão sérios obstáculos às intenções mais nobres, afirmou Vitor Nunes Leal no
clássico livro Coronelismo, Enxada e Voto (1948). Em outras palavras, mudanças fundamentais não
dependem apenas de uma instituição. Épreciso identificar quais fatores as impedem. Um bom passo
seria aproximar o cidadão comum das regras que determinam a vida política que, por sua vez,
determina todo o resto.

Hoje, o Brasil tem o maior eleitorado do mundo a funcionar com voto obrigatório. O que temos
aprendido com ele?

Julia Stadler é autora da dissertação “The Brazilian Electoral Process and the Reforma Politica: The
Role of Informal Institutions (Universidade de Tübingen, Alemanha, 2008).
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BIRCH, Sarah. Full Participation. A comparative study of compulsory voting. New York: United Nations
University Press, 2009.

ELKINS, Zachary. “Quem iria votar? Conhecendo as consequências do voto obrigatório no Brasil”.
Opinião Pública, 6 (1), p. 109-136, 2000.

IDEA – Institute for Democracy and Electoral Assistance: www.idea.int.

LYRA, Augusto Tavares de. “Regime eleitoral, 1821-1921”. In: ARINOS, Afonso. Modelos alternativos de
representação política no Brasile regime eleitoral, 1821-1921. Brasília: UnB, 1980.

Confira na edição de outubro, nas bancas.

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