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CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA

Daniel Antônio da Cunha1


João Leonardo Silva Costa2
Onofre Alves Batista Júnior3

RESUMO: O presente artigo pretende mostrar a importância dos “canais de participação” no atual
estágio de crise da democracia representativa. Objetiva-se mostrar o que eles são, suas
características, vantagens e alguns exemplos da realidade brasileira, bem como diferenciá-los de
outros mecanismos de participação democrática.

PALAVRAS-CHAVE: canais de participação; democracia; argumentação pública.

ABSTRACT: The present article intends to address the importance of the “participation channels” in
the actual stage of crisis of the representative democracy. It aims to discover what they are, their
characteristics, their advantages and some examples found in Brazil, as also attempting to distinguish
them from other democratic mechanisms of participation.

KEY-WORDS: Participation channels; democracy; public argumentation

1. O CASO DO AUMENTO DOS SUBSÍDIOS DOS VEREADORES DA CAPITAL


MINEIRA: UM EXEMPLO DO ABISMO QUE EXISTE ENTRE REPRESENTANTES
E REPRESENTADOS

No dia 12 de Dezembro de 2011, apresentava-se, na Câmara Municipal


de Belo Horizonte, o projeto de lei municipal 2.045/2011, de autoria do Vereador Léo
Burguês,4 que fixava o subsídio parlamentar dos Vereadores para a legislatura 2013-
2016. Pretendia-se passar de R$9.288,05 para R$15.031,76, proporcionando um
aumento de 61,8%. Já no dia 16 de Dezembro, em sessão plenária na Câmara, os
Vereadores aprovavam o projeto, em tempo recorde 5 (em apenas cinco dias após a
propositura). Com 22 votos favoráveis e três contrários, mesmo debaixo das severas

1
Graduando no Curso de Direito Noturno pela Faculdade de Direito da UFMG. Monitor da disciplina
Teoria Geral do Estado II no turno Noturno em 2012.
2
Graduando no Curso de Direito Diurno pela Faculdade de Direito da UFMG. Monitor da disciplina
Teoria Geral do Estado II no turno Diurno em 2012.
3
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Ciências Jurídico-
Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Procurador do Estado. Professor
Adjunto do Quadro Permanente da Graduação e Pós-Graduação da UFMG.
4
Cf. PIRES, Leonardo Silveira de Castro. Projeto de Lei – 2045/2011. Disponível em
<http://www.leoburguesvereador.com.br/projeto-de-lei-20452011/>. Acesso: 16/01/2013.
5
Cf. ALMEIDA, Amanda, SOUTO, Isabella. Vereadores tem urgência em elevar o próprio salário.
Jornal Estado de Minas. Publicado em 14/12/2011. Disponível em
<http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/12/14/interna_politica,267260/vereadores-tem-
urgencia-em-elevar-o-proprio-salario.shtml>. Acesso: 16 de janeiro de 2013.
1
e ostensivas vaias dadas pelos cidadãos presentes ao plenário da Casa Legislativa,
concluíram a votação.6
O Vereador Henrique Braga contra argumentava no sentido de que “o
salário da Câmara em relação ao de outras capitais é vergonhoso. Em outras
capitais já se ganha 75% do salário dos deputados”. Suas palavras foram seguidas
de veementes protestos por parte dos cidadãos que acompanhavam a sessão. Sem
se intimidar, o vereador prosseguia afirmando que o “salário” seria para a próxima
legislatura. O curioso é que o representante parlamentar chegou a afirmar que quem
estivesse descontente deveria se “filiar a algum partido” e se candidatar nas
próximas eleições.7
O projeto aprovado na Câmara foi encaminhado para sanção do Chefe do
Executivo municipal. O Prefeito Márcio Lacerda, pressionado pelos parlamentares,
sujeitava-se, também, a uma pressão popular crescente, que alcançava as ruas e as
redes sociais, e que demandava o veto ao projeto de lei. As aflições do Chefe do
Executivo foram amenizadas por uma decisão jurídica do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG), que deu pela inconstitucionalidade do projeto. 8
Passados doze meses, os Vereadores de Belo Horizonte conseguiram,
finalmente, a aprovação de uma nova proposta de reajuste de seus subsídios,
embora em um percentual mais modesto (34,15%). A população da Capital mineira,
mais uma vez, sinalizou sua revolta, manifestando-se por meio de mensagens de
protestos nas ruas; promovendo “abaixo-assinados”; atacando a classe política nas
redes sociais informatizadas; etc. Entretanto, as manifestações de furor popular não
foram tão fortes como na primeira vez, e o reajuste, enfim, foi aprovado. A partir do
ano de 2013, apesar de todas as manifestações de protesto das massas, os
Vereadores da Capital vão receber R$12.459,92 mensais (ao invés dos R$9.288,05
atuais).9
6
Cf. ERNESTO, Marcelo. Vereadores de BH aprovam reajuste do próprio salário em 61,8%, Jornal
Estado de Minas. Publicado em 16/12/2011. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/12/16/interna_politica,267899/vereadores-de-bh-
aprovam-reajuste-do-proprio-salario-em-61-8.shtml>. Acesso: 17 de janeiro de 2013.
7
Cf. ERNESTO, Marcelo. cit.
8
CF. CIPRIANI, Juliana, SCORFIELD, Patricia. Márcio Lacerda decide vetar reajuste salaria para
vereadores de BH. Jornal Estado de Minas. Publicado em 23/01/2012. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/12/16/interna_politica,267899/vereadores-de-bh-
aprovam-reajuste-do-proprio-salario-em-61-8.shtml>. Acesso: 17/01/2013.
9
Cf. BRAGON, Rayder. Vereadores de Belo Horizonte aprovam aumento de 34 % nos próprios
salários, que vão a 12,5 mil. UOL Notícias. Publicado em 18/12/2012. Disponível em
2
São em embates como os acima colocados que se evidencia a distância
que o sistema representativo atual deixa entre a esfera governamental e a
sociedade civil. São situações como estas que evidenciam o antagonismo que fica,
muitas vezes, entre aquilo que a população em sua maioria deseja e o que os
representantes políticos querem e decidem. Esse é apenas um exemplo que bem
serve para retratar a crise do sistema representativo brasileiro e para mostrar o
estágio em que se encontra a democracia da cidade de Belo Horizonte.

2. UMA IDEIA DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

Para Rousseau, “o homem da democracia moderna só é livre no


10
momento em que vai às urnas depositar seu voto” . Em duros ataques ao sistema
representativo, afirma o filósofo: 11

“O povo inglês pensa ser livre, mas está redondamente enganado, pois só o é
durante a eleição dos membros do Parlamento; assim que estes são eleitos,
ele é escravo, não é nada. Nos breves momentos de sua liberdade, pelo
uso que dela faz bem merece perdê-la. [...] Indico apenas as razões por que
os povos modernos, que se creem livres, têm representantes e por que os
povos antigos não os tinham. De qualquer modo, no momento em que um
povo nomeia representantes, já não é um povo livre: deixa de ser povo”.

Na realidade, casos como o da Câmara dos Vereadores de Belo


Horizonte bem servem para evidenciar que não basta que se possibilitem eleições
livres. Nem mesmo os úteis e válidos mecanismos semidiretos (como o plebiscito e
o referendo) são suficientes para que se possa garantir uma atuação do corpo de
representantes legítima e capaz de, efetivamente, traduzir o ideal democrático.
Afinal, o sistema representativo apenas pode ser considerado compatível com o
ideal democrático se for possível (ou razoavelmente aceitável) tomar como
pressuposto a ideia de que o corpo de representantes efetivamente funciona como
se fosse o povo deliberando em praça pública. Se esse pressuposto não puder
sequer minimamente ser admitido, não se está em um Estado “Democrático” de
Direito.

<http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/12/18/vereadores-de-belo-horizonte-aprovam-
aumento-de-34-nos-proprios-salarios-que-vao-para-r-125-mil.htm>. Acesso: 17/01/2013.
10
Cf. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 294
11
Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 114-
116
3
Como avalia Rolf Storber, a necessidade de participação dos cidadãos,
como decorrência direta do princípio democrático, não pode se limitar às formas de
sufrágio, mas a esfera governamental deve permitir aberturas à participação popular,
possibilitando enquetes, consultas, audiências, garantindo o direito dos
administrados de apresentarem objeções e reclamações, assegurando, por
exemplo, o direito de audiência e participação no procedimento administrativo, etc. 12
A possibilidade de participação ampla do povo não só na tomada de decisões
políticas, mas também na atuação administrativa, é elemento conformador decisivo
da ordem democrática, necessário em todo processo de formação de vontade e
decisões em democracias.13
O resgate da democracia só se pode fazer por meio de uma criteriosa
abertura da participação política por novos “canais”, possibilitando a construção de
uma “democracia participativa” que favoreça a superação das limitações da
“democracia representativa”. O princípio democrático (ou como prefere Norbert
Achterberg, princípio da Partizipation)14 reclama uma participação mais efetiva da
sociedade civil na tomada de decisões na esfera política e governamental, isto é,
para um Estado Democrático de Direito não basta o exercício da soberania apenas
por intermédio dos representantes. Para tanto, reclamam-se canais que possibilitem
a efetiva influência do povo nas decisões políticas e governamentais. A “democracia
participativa” pressupõe uma permeabilidade ampliada da esfera governamental à
participação da sociedade civil.
Apenas assim é que, como afirma Amartya Sen, 15 pode-se substituir a
compreensão mais antiga de democracia, apresentada em termos estritamente
organizacionais, por uma ideia mais contemporânea que a toma como o “governo
por meio do debate”. Uma ideia mais atual de democracia reclama que se tome
como pontos centrais a participação política, o diálogo e a interação pública, e
coloca, sobretudo, em relevo, o papel crucial da argumentação pública na prática
democrática.16 Essa ideia de democracia apenas se torna viável a partir do momento

12
Nesse sentido, STORBER, Rolf. Wirtschaftsverwaltungsrecht. Tradução espanhola. Derecho
administrativo económico. Madrid: Ministerio para las Administraciones Publicas, 1992, p. 93-94.
13
Cf. STORBER, Rolf. Wirtschaftsverwaltungsrecht. cit. p. 94.
14
Cf. ACHTERBERG, Norbert. Allgemeines Verwaltungsrecht. 2. ed. Heidelberg: C.F. Müller
Juristicher Verlag, 1986, p. 356.
15
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 360-361.
16
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit., p. 360-361.
4
que os cidadãos podem deliberar, trocar opiniões e discutir os respectivos
argumentos sobre questões de política pública (argumentação pública). 17 Da mesma
forma, uma ideia de “governança democrática participativa” pressupõe que as
“deliberações” populares possam “influir”, por meio de canais de participação, nas
decisões tomadas na esfera estatal.
Nessa mesma direção, Habermas concebe esferas de deliberação
ampliadas para a sociedade civil e pressupõe a abertura de canais que possibilitem
influência nas decisões estatais.18 O que se quer é democratizar a “democracia
representativa”, buscando uma “democracia participativa” que possibilite espaços de
deliberação mais expandidos e canais que possibilitem influência direta da
sociedade civil na esfera estatal. Afinal, o que se pretende é que o cidadão possa
efetivamente participar e influir, não necessitando “vir como candidato”, como
parecia pretender alguns vereadores belorizontinos.

3. A CRISE DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Embora a estrutura institucional da prática contemporânea da democracia


seja em grande medida o produto da experiência europeia e americana dos últimos
séculos, a ideia de participação popular e razão pública já contou com experiências
de democracia local em diversos países e regiões, como na Índia 19, no Irã e na
antiga Báctria, que incorporaram elementos democráticos na administração
municipal, nos anos seguintes ao florescimento da democracia ateniense, em
grande parte sob influência grega.20
Por certo, como afirma Amartya Sen, embora Atenas antiga tenha uma
forte história democrática, não parece que se possa tomar a tradição do debate
público como categoria civilizacional do Ocidente. 21 Em suas palavras críticas:22

“Segundo essa forma de conceber as categorias civilizacionais, não parece


haver grande dificuldade em considerar os descendentes, por exemplo, dos
vikings e visigodos como herdeiros legítimos da tradição eleitoral da Grécia

17
Nesse sentido, ao comentar a obra Teoria de Justiça de John Rawls, Amartya Sen (A ideia de
justiça, cit. p. 359).
18
Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. II, p. 92.
19
Nesse sentido, SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 356-357.
20
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 364.
21
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 362-363.
22
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 363-364.
5
antiga (por serem parte da ‘linhagem europeia’), embora os gregos antigos
que mantiveram um intercâmbio intelectual muito ativo com outras
civilizações antigas ao leste e ao sul da Grécia (em particular o Irã, a Índia e
o Egito), parecem ter tido pouco interesse em conversar com os agitados
godos e visigodos.”

A história da democracia pode ser contada como uma luta histórica por
igualdade e liberdade que remonta à Antiguidade, sobretudo, à Grécia clássica. Pelo
menos no século de ouro de Péricles, os atenienses conheceram a possibilidade de
participação direta na tomada de decisões estatais, independentemente de
representação. Embora o cidadão grego não conhecesse os direitos e liberdades
fundamentais modernos, era livre na medida em que podia expressar sua opinião
sobre temas atinentes à vida pública (liberdade política). É verdade que o cidadão
que experimentava a liberdade política era uma minoria da população, uma vez que
havia escravos, mulheres e soldados, que não podiam participar da vida política na
ágora.
No complexo mundo atual, líquido e globalizado, é verdade que a
democracia direta nos moldes atenienses não é mais possível, sobretudo por causa
da própria complexidade das relações sociais e da impossibilidade de dedicação
integralmente à vida pública por parte do (alargado) corpo de cidadãos. Por isso, na
democracia representativa, embora a titularidade do poder soberano esteja com o
povo, as decisões governamentais ficam a cargo dos representantes.
Filósofos como Montesquieu, dando um tom aristocrático à lógica da
representação, concebem-na como imprescindível, porque consideram o povo
“excelente para escolher”, mas “péssimo para governar” 23. Por outro lado, para
Rousseau, a representação é contrária ao ideal democrático, uma vez que:

“A soberania não pode ser representada, pela mesma razão que não pode
ser alienada; consiste essencialmente na vontade geral e a vontade não se
representa: ou é a mesma, ou é outra – não existe meio termo .24

A problemática da representação política abre pelo menos duas linhas de


entendimento contrapostas: a “tese da duplicidade” e a “tese da Identidade”. 25 A
“tese da duplicidade” firma a ideia de que o governante é independente perante seus

23
apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. p. 293
24
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. p. 114
25
Nesse sentido: BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. p. 216-232
6
eleitores para deliberar em nome da “nação”, não havendo uma vinculação
necessária entre aquilo que o eleitor pensa ser adequado e aquilo que o eleito
decide. Segundo essa linha de pensamentos, o representante deve reverência
apenas à sua própria consciência, devendo responder perante toda a nação e não
perante alguns eleitores em particular. Por outro lado, a “tese da Identidade” vincula
representantes e representados, ou seja, os eleitos são vistos como “comissários”
daqueles que os elegeram, devendo guardar reverência ao jogo de interesses e
ideias que levaram os eleitores à escolha. Conforme Bonavides: 26

“A ‘duplicidade’ foi o ponto de partida para a elaboração de todo o moderno


sistema representativo. [...] Com efeito, toma-se aí o representante por nova
pessoa, portadora de uma vontade distinta daquela do representado, e do
mesmo passo, fértil de iniciativa e reflexão e poder criador. Senhor absoluto
de sua capacidade decisória, volvido de maneira permanente – na ficção
dos instituidores da moderna ideia representativa – para o bem comum, faz-
se ele órgão de um corpo político espiritual – a nação, cujo querer simboliza
e interpreta, quando exprime sua vontade de representante. [...] Tudo isso
em contraste com as tendências contemporâneas de sociedades de
massas, que se inclina a cercear as faculdades do representante, jungi-las a
organizações partidárias e profissionais ou aos grupos de interesse e fazer
o mandato cada vez mais imperativo. Essas tendências tem apoio teórico
nos fundamentos da representação segundo a regra da ‘identidade’, que em
boa lógica retira ao representante todo o poder próprio de intervenção
política animada pelos estímulos de sua vontade autônoma e o acorrenta
sem remédio à vontade dos governados, escravizando-o por inteiro a um
escrúpulo de fidelidade ao mandante.”

No plano normativo, a “tese da duplicidade” impera, entretanto, no plano


prático, o mandato do representante político está atrelado à comunidade em que
vive, à associação que participa, ao sindicato que pertence, etc. Na realidade, o
mandato do representante, muitas vezes, está atrelado aos interesses de algum
grupo da sociedade civil a quem responde diretamente para se reeleger e se manter
no poder, ou mesmo aos interesses de empresas e grandes corporações que
financiaram sua campanha eleitoral. De qualquer forma, no plano prático, os
mandatos aparecem, geralmente, vinculados a interesses particularizados de grupos
de pressão. Nesse contexto, ficam claras as razões que provocam a crise da
representatividade e os motivos que causam a fragilização da defesa dos interesses
maiores da coletividade (da “nação”) em prol de interesses particularizados de
grupos de pressão. Não são incomuns, ainda, conflitos diretos entre os interesses

26
BONAVIDES, PAULO. Op., cit., p. 218
7
dos representantes e o interesse dos representados, como o ocorrido na Câmara de
Belo Horizonte.
Em síntese, pode-se afirmar que a democracia representativa passa por
severa crise.

4. OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA

No atual cenário democrático, como afirma Francisco Paulo Marques, não


se pode ignorar certa disposição dos governos, dos novos movimentos sociais e dos
estudiosos em investir em mecanismos direcionados a operacionalizar um
envolvimento político mais efetivo da sociedade civil, de forma a corrigir o que é
apontado como problema estrutural das democracias modernas: “a rígida separação
entre o papel político-decisório da esfera dos representantes, de um lado, e as
funções preponderantemente publicitárias destinadas à esfera civil, de outro”. 27 Para
o Autor, pode-se verificar, por um lado, uma tendencial intenção de se reforçar a
argumentação pública, de modo a se instaurarem métodos de legitimação mais
consistentes, e, por outro, uma proliferação de movimentos e organizações sociais,
que, gradativamente, passam a tomar parte na execução e organização das políticas
públicas, favorecendo as oportunidades de participação popular. Da mesma forma, o
aperfeiçoamento dos institutos da democracia (liberdade, transparência pública)
favorece a abertura de novos meios de participação, bem como as múltiplas
inovações no campo das tecnologias de comunicação tendem a favorecer o
processo de democratização.
O que resta evidenciado é que, para o atendimento dos clamores
populares por maiores espaços de deliberação e participação, os mecanismos de
democracia semidireta (como o plebiscito e o referendo) não são suficientes. É
verdade que os mecanismos plebiscitários funcionavam como corretivos da lógica
da representação, entretanto, apenas excepcionalmente podem ser utilizados,
deixando a maioria das decisões governamentais nas mãos dos representantes e à
margem do crivo popular. Basta verificar que, na experiência democrática brasileira,
desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 -
CRFB/88, apenas em uma ocasião foi convocado um referendo (em 2005, para que
27
Cf. MARQUES, Francisco Paulo Jamil Almeida. Internet, canais de participação e efeitos políticos:
um estudo do Portal da Câmara. In: Revista Fronteiras – estudos midiáticos. 2010, p. 83.
8
se deliberasse acerca da proibição da comercialização de armas de fogo e
munições) e apenas um plebiscito teve lugar (em 1993, sobre a forma e o sistema
de governo no Brasil).28
Os canais de participação funcionam como porosidades abertas na esfera
estatal, que permitem a participação direta do povo no processo de tomada de
decisões. Servem para a democratização do processo decisório no âmbito estatal,
possibilitando à sociedade civil, de alguma forma, certa margem de “influência” na
tomada de decisões pelos representantes. Para que a democracia se torne “o
governo por meio do debate”, os canais de participação favorecem a superação das
deficiências da democracia (possível) representativa, na medida em que possibilitam
a argumentação pública e a interveniência direta (influência) do povo no processo
decisório que se verifica na esfera estatal.
Ao contrário dos mecanismos semidiretos (referendo e plebiscito), que
funcionam como canais de decisão popular, que vinculam o poder público, os canais
de participação abrem a possibilidade de “influência” da sociedade civil. Não se
prestam para a efetiva tomada de decisões populares, nem servem como meio
adequado para que se possa substituir o posicionamento dos representantes. Na
realidade, se usados como meios decisórios podem propiciar posicionamentos
distorcidos, uma vez que o nível de organização e a força dos grupos de interesses
podem ser decisivos e dissimular o que seria a real “vontade geral”. Para
determinada questão, por exemplo, a maioria pode não se sentir motivada a se
manifestar em um determinado sentido e a minoria, em virtude da facilitação da
possibilidade de participação, pode fazer prevalecer seus interesses, mesmo que
avesso ao bem comum, apenas porque foi capaz de se articular e se organizar
melhor.
Ao invés do opinar por vezes emocionado do povo e do “vozear confuso”
das massas, novas formas de participação parecem ter a virtude de filtrar e sintetizar
os fluxos comunicacionais. Por certo, as novas tecnologias (new media) facilitam a
manifestação da vontade popular, tanto que não são incomuns questionamentos via
internet, o compartilhamento de mensagens em redes sociais e outros mecanismos

28
Da mesma forma, apenas quatro projetos de iniciativa popular vingaram (a que resultou na Lei de
Crimes Hediondos, 8930/94; na Lei de combate a corrupção eleitoral, 9840/99; na Lei do fundo
nacional para moradia popular, 11.124/2005; e na Lei da Ficha-Limpa, Lei complementar n°135/2010).
9
com grande potencial de condensar o agir comunicativo. Não se pode negar que
essas novas tecnologias são capazes de catalisarem, inclusive, manifestações
populares das ruas. Basta verificar como os protestos ocorreram na Câmara de Belo
Horizonte, ou mesmo na “primavera árabe” (sobretudo no episódio que culminou
com a deposição do Presidente tunisiano Zine-el Abdine Ben Ali). É sabido que
diversos movimentos dessa natureza se iniciaram a partir das redes sociais. 29
Conforme afirma Habermas: 30

“A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada


para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os
fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se
condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do
mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se
reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma
linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da
prática comunicativa cotidiana.”

Por certo, tanto os canais de participação, como os mecanismos


semidiretos coadunam com o ideal de favorecimento da participação popular no
processo decisório estatal, reacendendo o debate acerca das limitações que a
representação política pode oferecer. Cumpre verificar algumas experiências que se
podem considerar como “canais de participação” e que favorecem o caminhar rumo
à consolidação da democracia enquanto “governo por meio do debate”.

5. ALGUNS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO

5.1. CONSELHOS POLÍTICOS

A própria CRFB/88 traz “canais de participação” quando trata dos


“conselhos políticos” da saúde, da assistência social, da criança e do adolescente, e
das políticas urbanas. Nesse mesmo sentido, Raichelis destaca que, verbis:31

29
Cf. TAVARES, Viviane Brunelly Araújo. O Papel das redes sociais na Primavera Árabe de 2011:
implicações para ordem internacional. Publicado: 06/11/2012. Disponível em
<http://mundorama.net/2012/11/06/o-papel-das-redes-sociais-na-primavera-arabe-de-2011-
implicacoes-para-a-ordem-internacional-por-viviane-brunelly-araujo-tavares/>. Acesso: 18/01/2013.
30
Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997, v. II, p. 92.
31
Cf. RAICHELIS, Raquel - Democratizar a gestão das políticas sociais: um desafio a ser enfrentado
pela sociedade civil. Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. São Paulo.
Disponível: <http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/texto1-4.pdf>. Acesso: 13/01/2013, p.
5.
10
Instrumentos de democracia direta como plebiscito, referendo e
projetos de iniciativa popular foram instituídos como mecanismos de
ampliação da participação popular nas decisões políticas. Nessa mesma
perspectiva, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu os conselhos
gestores de políticas públicas, que constituem uma das principais inovações
democráticas neste campo.

Os “conselhos políticos” traduzem o intento de fazer com que as decisões


estatais se abram a uma mais alargada participação de sujeitos sociais. Nas
palavras de Tatagiba, os “conselhos políticos” são:32

[…] concebidos como fóruns públicos de captação de


demandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos
sociais e como forma de ampliar a participação de segmentos com menos
acesso ao aparelho de Estado. Nesse grupo situam-se os conselhos [...] de
saúde, assistência social, de educação e de direitos da criança e do
adolescente.

Os “conselhos políticos” são instituições híbridas que contam com a


participação de atores do Executivo e da sociedade civil, relacionados com a área
temática de atuação (organizações de trabalhadores, prestadores de serviços e
usuários, etc.). São estruturas político-institucionais cuja função é possibilitar um
espaço deliberativo sobre políticas públicas e o controle da atuação do Estado.
Em geral, possuem uma forma institucional diversa em cada localidade do
território nacional, critério este que permite maior flexibilização da atuação conforme
a realidade local, contudo, as legislações locais devem sempre observar os
parâmetros da legislação federal. Por se tratar de estruturas institucionais de caráter
permanente, em geral, apresentam um plenário decisional que faz reuniões
periódicas, presididas por um dos conselheiros eleitos pela própria câmara. Os
critérios de eleição dos conselheiros variam de acordo com a legislação local, mas,
em geral, congregam representantes do Poder Público e da sociedade civil
organizada.
O modelo não é o mesmo para todos os conselhos. Os Conselhos
Tutelares, por exemplo, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei
8.069/90, contam com uma estrutura básica dada pelo Poder Público local, bem
como com representantes eleitos pela sociedade civil. O sistema de eleição varia de

32
Cf. TATAGIBA, Luciana. Os Conselhos Gestores e a Democratização das Políticas Públicas no Brasil. In:
DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Editora Paz e Terra,
2002, p. 25.
11
acordo com a localidade: existem processos eleitorais com a participação direta da
população local; indicação e eleição indireta feita pelas entidades competentes da
região; etc.
Existem “conselhos gestores” e “conselhos de política local”. Os primeiros
são formatados por leis orgânicas específicas de âmbito nacional, tais como os
Conselhos da Saúde (regulamentados pela Lei n. 8.142/1990) ou o Conselho de
Assistência Social (previsto na Lei n. 8.742/1993). Os “conselhos de política local”,
por outro giro, são criados por leis locais, como os Conselhos Municipais de Meio
Ambiente, Patrimônio, etc.33
A Lei n. 8.142 de 1990 disciplina a participação da coletividade na gestão
do Sistema Único de Saúde (SUS) e determina a criação do Conselho de Saúde,
nos seguintes termos:

“Art. 1°. O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei


n° 8.080, de 19 de setembro de 1990 , contará, em cada esfera de
governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes
instâncias colegiadas: I - a Conferência de Saúde; e II - o Conselho de
Saúde. [...]

§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e


deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo,
prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na
formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde
na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e
financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder
legalmente constituído em cada esfera do governo. [...].”

Tal como a Lei n. 8.142/1990, que vincula o repasse de verba federal aos
Municípios, Estados e Distrito Federal à existência de “conselhos políticos”, a Lei n.
8.742/1993 estabelece:

“Art. 30. É condição para os repasses, aos Municípios, aos


Estados e ao Distrito Federal dos recursos de que trata esta lei, a efetiva
instituição e funcionamento de: I - Conselho de Assistência Social, de
composição paritária entre governo e sociedade civil; [...].”

Se, por um lado, é verdade que os “conselhos políticos” representam uma


conquista democrática da sociedade civil, por outro, é também certo que as pessoas
políticas estatais, pela atuação dos agentes por elas escolhidos, usualmente,

33
Nesse sentido, AVRITZER, Leonardo; PEREIRA, Maria de Lourdes Dolabela. Democracia,
participação e instituições hibridas. Disponível em <http://api.ning.com/files>. Acesso em: 09. Fev.
2013.
12
estabelecem uma dinâmica de atuação que tende a comprometer a autonomia dos
conselhos. Conforme observa Raichelis:34

[…] são inúmeros os exemplos que expressam essa


interferência em todos os níveis, que vai desde a sonegação de
informações, principalmente as relativas ao orçamento, e das decisões
governamentais que passam ao largo dessa instância coletiva, até a
nomeação dos representantes da sociedade civil sem a mediação de
processo eleitoral democrático, mudanças unilaterais e manipulação nas
regras da eleição, cooptação de conselheiros, presidências impostas, etc.

Apesar dos problemas, não se pode deixar de verificar que os “conselhos


políticos” representam um avanço e que, como canais de participação, representam
uma inegável possibilidade de influência da sociedade civil no processo decisório
levado a cabo na esfera estatal.

5.2. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

Outro canal de participação usado no Brasil são as “audiências públicas”.


Trata-se de mecanismo capaz de, em diversas situações, dar maior legitimidade às
decisões estatais. O interessante é que o canal possibilita a participação direta dos
cidadãos no processo decisório, ou seja, permite a interveniência e influência direta
da sociedade civil na tomada de decisões, a partir do momento que abre espaço
para que informações sejam levadas à esfera pública, bem como impressões e
protestos, favorecendo, da mesma forma, o debate e a argumentação pública. As
“audiências públicas”, ainda, deixam mais transparente o processo de tomada de
decisão por parte dos gestores públicos, contribuindo, inclusive, para o controle
popular. Por certo, favorecem a publicização das decisões, contribuindo, assim, para
sua legitimidade, reafirmando, por outro giro, um direito difuso de participação dos
cidadãos e um direito de ser ouvido. 35
As “audiências públicas” são utilizadas no âmbito da Administração
Pública (nos termos do art. 32 da Lei Federal n. 9.784, de 29 de Janeiro de 1999);
no Legislativo (conforme art. 58, §2º, II, da CRFB/88); no Judiciário (art. 9º, §1º, da

34
Cf. RAICHELIS, Raquel. cit. p. 12.
35
Na mesma direção, FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Instrumentos da Administração Consensual: a
audiência pública e sua finalidade. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico
(REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 11, agosto/setembro/outubro, 2007.
Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em: 16 de janeiro de
2013, p. 2.
13
Lei n. 9.868/1999); no Ministério Público (art. 27, parágrafo único, IV, da Lei n.
8.625/1993).
A lei que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei n.
9.427/1996) em seu art. 4º, § 3º, estabelece que o processo decisório que implicar
afetação de direitos dos agentes econômicos ou dos consumidores, mediante
iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por via administrativa, será precedido
de audiência pública convocada pela ANEEL. Na mesma toada, a lei que instituiu
Agência Nacional do Petróleo – ANP (Lei n. 9.478/1997), em seu art. 19, dispõe que
serão precedidas de audiência pública convocada e dirigida pela ANP as iniciativas
de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que impliquem afetação
de direito dos agentes econômicos ou de consumidores. O Estatuto da Cidade (Lei
n. 10.257/2001), também, prevê a possibilidade de realização de “audiências
públicas”, buscando firmar uma gestão mais democrática para as cidades. Da
mesma forma, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000),
em seu art. 9º, § 4º, impõe que o Poder Executivo deve demonstrar e avaliar o
cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em “audiência pública”, na
comissão mista permanente de Deputados Federais e Senadores (ou o equivalente
nas Casas Legislativas estaduais e municipais).
Para Mariana Frossard, no âmbito do Poder Executivo, a importância das
“audiências públicas” é grande. Como afirma: 36

Na atividade do Poder Executivo, a presença normativa sobre


audiências públicas é vasta. A começar pela importante Lei de Licitações
(Lei 8.666/93) que determina em seu art. 39 o início do processo licitatório,
obrigatoriamente, com uma audiência pública, sempre que o valor estimado
for superior a 100 (cem) vezes R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil
reais). A audiência pública acontecerá com antecedência mínima de 15
(quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada,
com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos
mesmos meios previstos para a publicidade da licitação. Terão acesso e
direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os
participantes interessados.

No âmbito da Administração Pública, as “audiências públicas” são


obrigatórias em diversas situações, mas, mesmo nesses casos, conservam a
36
Cf. FROSSARD, Mariana Furbino. Os canais de participação democrática: um importante
complemento ao modelo de democracia representativa, em direção a uma maior participação
popular. Monografia de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) sob a orientação do Professor
Onofre Alves Batista Júnior. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2012, p. 39.
14
característica própria dos canais de participação, isto é, são consultivas e não
vinculativas. Por certo, porém, caso o Poder Público decida agir contrariamente ao
exposto nas audiências públicas, deve fazê-lo motivadamente, deixando claras as
justificativas da decisão.37
As opiniões e sugestões que são levadas para as “audiências públicas”
criam a possibilidade de discussões mais abertas, que expandem o espectro de
possibilidades, deixando a mostra os diversos pontos de vista, proporcionando à
Administração Pública uma visão mais abrangente dos problemas. Entretanto, não
basta a possibilidade aberta nas leis administrativas de realização de audiências
públicas se o Poder Público não compreende sua importância, da mesma forma que
apenas com a participação efetiva da sociedade civil as potencialidades do canal se
revelam. A participação do cidadão, não como mero espectador, mas como partícipe
ativo, é que possibilita efetividade e utilidade para as audiências públicas.
No âmbito do Poder Judiciário, as “audiências públicas” tem um caráter
mais abrangente e não propiciam apenas maior transparência e publicidade, mas
favorecem a coleta de informações e a formação do convencimento dos
magistrados, possibilitando, ainda, o debate e a argumentação pública, bem como a
integração de diferentes grupos nos processos judiciais relevantes para a
sociedade.38
A Lei n. 9.868/99 que versa sobre o processo e julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal - STF, em seu art. 9º, § 1º, dispõe, verbis:

“Art. 9º § 1º Em caso de necessidade de esclarecimento de


matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações
existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais,
designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a
questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de
pessoas com experiência e autoridade na matéria”.

37
Para um maior aprofundamento nos estudos, vale conferir MELO, Cristina Andrade. A audiência
pública na função administrativa. Dissertação de Mestrado em Direito sob a orientação do
Professor Florivaldo Dutra de Araújo. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2012.
38
Para um maior aprofundamento da questão, vale conferir MORAES, Anderson Júnio Leal.
Audiências públicas como instrumento de legitimação da jurisdição constitucional. Dissertação
de Mestrado em Direito sob a orientação da Professora Iara Menezes Lima. Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
15
A audiência pública, nesse caso, tem natureza instrutória e preparatória,
podendo ser realizada quando o relator do processo judicial carecer de maiores
esclarecimentos sobre a matéria ou sobre as circunstâncias de fato. As audiências
organizadas pelo STF devem garantir a participação igualitária dos representantes
das opiniões em confronto, nos termos do art. 154, parágrafo único, II e III do
Regimento Interno do STF, cabendo ao Ministro que presidir a audiência selecionar
as pessoas que serão ouvidas, divulgar a lista dos habilitados a se pronunciar,
determinar a ordem dos trabalhos e fixar o tempo que cada um disporá para se
manifestar. Em linhas gerais, as “audiências públicas” do Judiciário visam ampliar a
participação argumentativa dos interessados no provimento judicial, que, no caso do
controle concentrado de constitucionalidade, abrange toda a sociedade.
No Poder Legislativo, as audiências públicas servem como complemento
à atuação das comissões das Casas Legislativas, nos termos do art. 58, §2º, II da
CRFB/88. Os regimentos internos das Casas Legislativas disciplinam a utilização
das “audiências públicas” (art. 90, II, do Regimento do Senado Federal; artigos 255 a
258 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).
Com relação ao Ministério Público (MP), a Lei Orgânica do MP (Lei n.
8.625, de 12 de Fevereiro de 1993) prevê, especificamente, a possibilidade de
realização de audiências públicas. As audiências públicas no MP não são meros
elementos de instrução administrativa, tampouco de natureza político-
governamental, mas representam um canal efetivo por meio do qual o cidadão pode
efetivamente colaborar com o cumprimento de sua missão institucional de velar pelo
bem da coisa pública.
Enfim, as “audiências públicas” estão relacionadas à capacidade de se
influenciar as decisões do Poder Público e assumiram, nas últimas décadas, desde
a promulgação da CRFB/88, um lugar de destaque no processo de democratização,
favorecendo a aproximação necessária do povo à esfera estatal, possibilitando uma
mais efetiva participação da sociedade civil (sobretudo, da organizada) no processo
decisório estatal.

5.3. ORÇAMENTO PARTICIPATIVO

16
O orçamento público, que se materializa em lei votada pelos
representantes dos Legislativos, é instrumento fundamental da gestão
governamental, a partir do momento que nele vem previsto todo o plano de
despesas passíveis de serem feitas pelos governantes. É o orçamento público que
marca os recursos que podem ser empregados pelo Poder Público.
Pelo menos no Brasil, o “orçamento participativo” apareceu,
pioneiramente, na cidade de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), no final da década de
1980, por iniciativa do Governo Municipal, preocupado com demandas sociais.
Trata-se de um mecanismo que possibilita a participação direta da sociedade civil
nas discussões e definições de parcela do orçamento público, predominantemente
no âmbito municipal.
O “orçamento participativo”, na prática, se revela como um procedimento
no qual a comunidade participa diretamente e delibera acerca das prioridades de
gastos (em geral obras) da Prefeitura no Município. O mecanismo, assim, abre
espaço para que discussões com a participação dos gestores públicos e da
comunidade sejam travadas, possibilitando decisões compartilhadas com a
sociedade.
Por um lado, o “orçamento participativo” possibilita a participação direta
da sociedade civil nas discussões e na deliberação acerca das prioridades de
gastos, abrindo espaço para a argumentação pública, além de proporcionar um
maior fluxo de informações para a esfera governamental; por outro lado, abre veios
que favorecem de forma significativa o “controle social” por sobre a atuação
governamental. A sensível seara orçamentária, como sabido, sempre corre o risco
de ser afetada pelo lobby político, pelo clientelismo, pelo paternalismo e pela
influência de interesses particularizados, razão pela qual a participação popular
direta na preparação e no acompanhamento da execução orçamentária pode se
tornar um significativo mecanismo de “controle social”, além de importante
instrumento de captação dos anseios populares.
Apesar de muitos Municípios fazerem uso da prática do “orçamento
participativo”, até com certa regularidade, as leis municipais não costumam
estabelecer sua obrigatoriedade de realização, deixando sua possibilidade de

17
adoção à apreciação discricionária do Prefeito Municipal, a quem compete a
elaboração do projeto de orçamento e seu encaminhamento ao Legislativo.
Os “orçamentos participativos”, usualmente, são efetivados por meio de
assembleias descentralizadas (regionais ou temáticas), abertas à participação dos
munícipes que se interessarem. A participação é direta, sem nenhuma mediação:
qualquer pessoa pode participar das assembleias; qualquer um pode apresentar
sugestões e propor questões. Nas assembleias são discutidas demandas da cidade
e prioridades de gastos. Em um segundo momento, os participantes escolhem
delegados, a quem cabe a defesa das prioridades firmadas nas assembleias
regionais (ou temáticas). Os delegados funcionam como “representantes ad hoc”
com mandado imperativo, não podendo modificar ou alterar as deliberações
tomadas em assembleia sem debate prévio com os representados. Em Municípios
maiores, dentre os delegados, costumam-se escolher “conselheiros” que têm a
função de discutir e participar mais ativamente da elaboração da proposta de lei
orçamentária que deve ser encaminhada ao Legislativo.
O procedimento do “orçamento participativo” requer reuniões
preparatórias, nos primeiros meses do ano, para que a Prefeitura possa prestar
contas do exercício anterior e apresentar suas propostas de gastos para o ano
seguinte. Da mesma forma, é adequado que seja estabelecido um “regimento” que
discipline o procedimento de participação e deliberação no orçamento participativo.
Por certo, as secretarias municipais, as autarquias e os gestores públicos devem
acompanhar as reuniões e prestar os esclarecimentos necessários. Da mesma
forma, visitas e caravanas às comunidades são usualmente organizadas para
favorecer os debates e sensibilizar os participantes, de modo a possibilitar um fluxo
comunicacional construtivo e em direção ao consenso, capaz de ultrapassar as
barreiras postas por uma participação “estratégica” de pura defesa de interesses.
Nos dias de hoje, vale registrar, cada vez mais são criados mecanismos para
captação de demandas e sugestões de prioridades pela internet.
As críticas ao “orçamento participativo” dizem respeito ao questionamento
se ocorre uma efetiva participação da população da cidade nas deliberações. Para
Pedro Luiz Cavalcante:39
39
Cf. CAVALCANTE, Pedro Luiz. O Orçamento Participativo: estratégia rumo à gestão pública mais
legítima e democrática. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental - Res Pvblica.
18
[…] o OP é criticado por criar uma nova representação que não
necessariamente transfere para a base a capacidade de decisão final. O
modelo pode criar duplicação da esfera de representação, que embora seja
mais bem distribuída geograficamente, tende a corresponder a atualização
da estratégia leninista de duplo poder. Em outras palavras, as principais
decisões do OP ficam a cargo dos representantes ou delegados regionais, o
que indica outra estrutura piramidal de representação na qual a base
apenas define as prioridades, mas as decisões centrais dos investimentos
são dos representantes e dos tecnocratas.

Na mesma direção, afirma Mariana Furbino:

“Destaca-se que a efetividade do processo orçamentário está


diretamente ligada a dois pontos principais: uma tradição em associações
de bairro e a capacidade de investimento do poder público. Não basta o
poder público querer compartilhar o debate sobre as necessidades
prioritárias da cidade se os moradores não possuem interesse. Ao mesmo
tempo não basta grande empenho da comunidade em participar das arenas
de debate para ao final pouco recurso ser disponibilizado, de modo a
impossibilitar a concretização das obras desmotivando os participantes.
Nesses casos, o orçamento participativo não passa de uma formalidade.”

Alguns questionam se realmente os que participam não são apenas


aqueles atores ligados aos movimentos sociais que já mantém contato constante
com o Estado; outros se perguntam se, efetivamente, não se está apenas
estabelecendo um modelo informal de eleição de representantes. O uso da internet
também recebe questionamentos severos no sentido de se a alternativa eletrônica,
realmente, possibilita a participação da comunidade mais carente; da mesma forma,
se questiona se a internet não serve apenas para potencializar a exclusão daqueles
que já vivem à margem do Estado e que não possuem acesso à rede.
Apesar de todas as dúvidas e questionamentos, o que se pode afirmar é
que a experiência dos “orçamentos participativos” é um importante canal de acesso
do povo, capaz de potencializar a participação da sociedade civil nas discussões e
decisões tomadas na esfera estatal.

6. CONCLUSÕES

Os canais de participação e os mecanismos semidiretos são corretivos à


lógica da representação, embora, da mesma forma, uns e outros apresentem falhas

Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental. Brasília, v. 6,


n. 2, Jul/Dez 2007, p. 22.

19
e limitações. É certo, porém, que a abertura de canais por onde a sociedade possa
diretamente participar é salutar para o fortalecimento da democracia, possibilitando-
se, assim, o “controle social”, que favorece a diminuição de desvios e o combate ao
clientelismo, ao patrimonialismo e à corrupção.
Após longos anos sob a ditadura militar, a desconfiada e adolescente
democracia brasileira sinaliza para avanços no processo de fortalecimento
democrático. Por certo, esses processos participativos não foram ofertados à
comunidade, mas, ao contrário, são o resultado de lentas conquistas ligadas ao
desenvolvimento de mecanismos associativos, tais como as associações de bairro.
Sobretudo após a CRFB/88, as recentes experiências de “orçamentos
participativos”, “conselhos de política” e “audiências públicas” são mostras de que
variados canais de participação vem propiciando ao Brasil significativas práticas
democráticas.
Os “canais de participação” ampliam a possibilidade de atuação de
segmentos tradicionalmente excluídos do processo político decisório e propiciam à
comunidade a oportunidade de uma mais efetiva participação, que ultrapassa o
simples depositar do voto em representantes políticos do Executivo ou do
Legislativo. A possibilidade de que a voz de grupos sociais em situações de
vulnerabilidade possa ser ouvida, por si só, já favorece a inclusão à cena pública de
demandas que não costumam merecer os favores da classe política, salvo em
manobras populistas. Os “canais de participação” abrem a possibilidade de acesso
direto das camadas mais pobres da população, aproximando os gestores
governamentais das questões mais próximas do cotidiano.
Não restam dúvidas, ainda, de que o mecanismo acaba por propiciar forte
apelo à mobilização popular e à participação cidadã, favorecendo o afastamento da
apatia política de uma massa de pessoas sem maiores práticas de participação
democrática.
Enfim, o desafio de se formatar um “governo por meio do debate” reclama
a democratização da própria democracia, de modo a se abrirem canais que
permitam, da forma mais ampla possível, o acesso do povo ao processo de tomada
de decisões.

20
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