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RESUMO: O presente artigo pretende mostrar a importância dos “canais de participação” no atual
estágio de crise da democracia representativa. Objetiva-se mostrar o que eles são, suas
características, vantagens e alguns exemplos da realidade brasileira, bem como diferenciá-los de
outros mecanismos de participação democrática.
ABSTRACT: The present article intends to address the importance of the “participation channels” in
the actual stage of crisis of the representative democracy. It aims to discover what they are, their
characteristics, their advantages and some examples found in Brazil, as also attempting to distinguish
them from other democratic mechanisms of participation.
1
Graduando no Curso de Direito Noturno pela Faculdade de Direito da UFMG. Monitor da disciplina
Teoria Geral do Estado II no turno Noturno em 2012.
2
Graduando no Curso de Direito Diurno pela Faculdade de Direito da UFMG. Monitor da disciplina
Teoria Geral do Estado II no turno Diurno em 2012.
3
Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Ciências Jurídico-
Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Procurador do Estado. Professor
Adjunto do Quadro Permanente da Graduação e Pós-Graduação da UFMG.
4
Cf. PIRES, Leonardo Silveira de Castro. Projeto de Lei – 2045/2011. Disponível em
<http://www.leoburguesvereador.com.br/projeto-de-lei-20452011/>. Acesso: 16/01/2013.
5
Cf. ALMEIDA, Amanda, SOUTO, Isabella. Vereadores tem urgência em elevar o próprio salário.
Jornal Estado de Minas. Publicado em 14/12/2011. Disponível em
<http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/12/14/interna_politica,267260/vereadores-tem-
urgencia-em-elevar-o-proprio-salario.shtml>. Acesso: 16 de janeiro de 2013.
1
e ostensivas vaias dadas pelos cidadãos presentes ao plenário da Casa Legislativa,
concluíram a votação.6
O Vereador Henrique Braga contra argumentava no sentido de que “o
salário da Câmara em relação ao de outras capitais é vergonhoso. Em outras
capitais já se ganha 75% do salário dos deputados”. Suas palavras foram seguidas
de veementes protestos por parte dos cidadãos que acompanhavam a sessão. Sem
se intimidar, o vereador prosseguia afirmando que o “salário” seria para a próxima
legislatura. O curioso é que o representante parlamentar chegou a afirmar que quem
estivesse descontente deveria se “filiar a algum partido” e se candidatar nas
próximas eleições.7
O projeto aprovado na Câmara foi encaminhado para sanção do Chefe do
Executivo municipal. O Prefeito Márcio Lacerda, pressionado pelos parlamentares,
sujeitava-se, também, a uma pressão popular crescente, que alcançava as ruas e as
redes sociais, e que demandava o veto ao projeto de lei. As aflições do Chefe do
Executivo foram amenizadas por uma decisão jurídica do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais (TJMG), que deu pela inconstitucionalidade do projeto. 8
Passados doze meses, os Vereadores de Belo Horizonte conseguiram,
finalmente, a aprovação de uma nova proposta de reajuste de seus subsídios,
embora em um percentual mais modesto (34,15%). A população da Capital mineira,
mais uma vez, sinalizou sua revolta, manifestando-se por meio de mensagens de
protestos nas ruas; promovendo “abaixo-assinados”; atacando a classe política nas
redes sociais informatizadas; etc. Entretanto, as manifestações de furor popular não
foram tão fortes como na primeira vez, e o reajuste, enfim, foi aprovado. A partir do
ano de 2013, apesar de todas as manifestações de protesto das massas, os
Vereadores da Capital vão receber R$12.459,92 mensais (ao invés dos R$9.288,05
atuais).9
6
Cf. ERNESTO, Marcelo. Vereadores de BH aprovam reajuste do próprio salário em 61,8%, Jornal
Estado de Minas. Publicado em 16/12/2011. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/12/16/interna_politica,267899/vereadores-de-bh-
aprovam-reajuste-do-proprio-salario-em-61-8.shtml>. Acesso: 17 de janeiro de 2013.
7
Cf. ERNESTO, Marcelo. cit.
8
CF. CIPRIANI, Juliana, SCORFIELD, Patricia. Márcio Lacerda decide vetar reajuste salaria para
vereadores de BH. Jornal Estado de Minas. Publicado em 23/01/2012. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/12/16/interna_politica,267899/vereadores-de-bh-
aprovam-reajuste-do-proprio-salario-em-61-8.shtml>. Acesso: 17/01/2013.
9
Cf. BRAGON, Rayder. Vereadores de Belo Horizonte aprovam aumento de 34 % nos próprios
salários, que vão a 12,5 mil. UOL Notícias. Publicado em 18/12/2012. Disponível em
2
São em embates como os acima colocados que se evidencia a distância
que o sistema representativo atual deixa entre a esfera governamental e a
sociedade civil. São situações como estas que evidenciam o antagonismo que fica,
muitas vezes, entre aquilo que a população em sua maioria deseja e o que os
representantes políticos querem e decidem. Esse é apenas um exemplo que bem
serve para retratar a crise do sistema representativo brasileiro e para mostrar o
estágio em que se encontra a democracia da cidade de Belo Horizonte.
“O povo inglês pensa ser livre, mas está redondamente enganado, pois só o é
durante a eleição dos membros do Parlamento; assim que estes são eleitos,
ele é escravo, não é nada. Nos breves momentos de sua liberdade, pelo
uso que dela faz bem merece perdê-la. [...] Indico apenas as razões por que
os povos modernos, que se creem livres, têm representantes e por que os
povos antigos não os tinham. De qualquer modo, no momento em que um
povo nomeia representantes, já não é um povo livre: deixa de ser povo”.
<http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2012/12/18/vereadores-de-belo-horizonte-aprovam-
aumento-de-34-nos-proprios-salarios-que-vao-para-r-125-mil.htm>. Acesso: 17/01/2013.
10
Cf. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 294
11
Cf. ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 114-
116
3
Como avalia Rolf Storber, a necessidade de participação dos cidadãos,
como decorrência direta do princípio democrático, não pode se limitar às formas de
sufrágio, mas a esfera governamental deve permitir aberturas à participação popular,
possibilitando enquetes, consultas, audiências, garantindo o direito dos
administrados de apresentarem objeções e reclamações, assegurando, por
exemplo, o direito de audiência e participação no procedimento administrativo, etc. 12
A possibilidade de participação ampla do povo não só na tomada de decisões
políticas, mas também na atuação administrativa, é elemento conformador decisivo
da ordem democrática, necessário em todo processo de formação de vontade e
decisões em democracias.13
O resgate da democracia só se pode fazer por meio de uma criteriosa
abertura da participação política por novos “canais”, possibilitando a construção de
uma “democracia participativa” que favoreça a superação das limitações da
“democracia representativa”. O princípio democrático (ou como prefere Norbert
Achterberg, princípio da Partizipation)14 reclama uma participação mais efetiva da
sociedade civil na tomada de decisões na esfera política e governamental, isto é,
para um Estado Democrático de Direito não basta o exercício da soberania apenas
por intermédio dos representantes. Para tanto, reclamam-se canais que possibilitem
a efetiva influência do povo nas decisões políticas e governamentais. A “democracia
participativa” pressupõe uma permeabilidade ampliada da esfera governamental à
participação da sociedade civil.
Apenas assim é que, como afirma Amartya Sen, 15 pode-se substituir a
compreensão mais antiga de democracia, apresentada em termos estritamente
organizacionais, por uma ideia mais contemporânea que a toma como o “governo
por meio do debate”. Uma ideia mais atual de democracia reclama que se tome
como pontos centrais a participação política, o diálogo e a interação pública, e
coloca, sobretudo, em relevo, o papel crucial da argumentação pública na prática
democrática.16 Essa ideia de democracia apenas se torna viável a partir do momento
12
Nesse sentido, STORBER, Rolf. Wirtschaftsverwaltungsrecht. Tradução espanhola. Derecho
administrativo económico. Madrid: Ministerio para las Administraciones Publicas, 1992, p. 93-94.
13
Cf. STORBER, Rolf. Wirtschaftsverwaltungsrecht. cit. p. 94.
14
Cf. ACHTERBERG, Norbert. Allgemeines Verwaltungsrecht. 2. ed. Heidelberg: C.F. Müller
Juristicher Verlag, 1986, p. 356.
15
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 360-361.
16
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit., p. 360-361.
4
que os cidadãos podem deliberar, trocar opiniões e discutir os respectivos
argumentos sobre questões de política pública (argumentação pública). 17 Da mesma
forma, uma ideia de “governança democrática participativa” pressupõe que as
“deliberações” populares possam “influir”, por meio de canais de participação, nas
decisões tomadas na esfera estatal.
Nessa mesma direção, Habermas concebe esferas de deliberação
ampliadas para a sociedade civil e pressupõe a abertura de canais que possibilitem
influência nas decisões estatais.18 O que se quer é democratizar a “democracia
representativa”, buscando uma “democracia participativa” que possibilite espaços de
deliberação mais expandidos e canais que possibilitem influência direta da
sociedade civil na esfera estatal. Afinal, o que se pretende é que o cidadão possa
efetivamente participar e influir, não necessitando “vir como candidato”, como
parecia pretender alguns vereadores belorizontinos.
17
Nesse sentido, ao comentar a obra Teoria de Justiça de John Rawls, Amartya Sen (A ideia de
justiça, cit. p. 359).
18
Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno
Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. II, p. 92.
19
Nesse sentido, SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 356-357.
20
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 364.
21
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 362-363.
22
Cf. SEN, Amartya. A ideia de justiça. cit. p. 363-364.
5
antiga (por serem parte da ‘linhagem europeia’), embora os gregos antigos
que mantiveram um intercâmbio intelectual muito ativo com outras
civilizações antigas ao leste e ao sul da Grécia (em particular o Irã, a Índia e
o Egito), parecem ter tido pouco interesse em conversar com os agitados
godos e visigodos.”
A história da democracia pode ser contada como uma luta histórica por
igualdade e liberdade que remonta à Antiguidade, sobretudo, à Grécia clássica. Pelo
menos no século de ouro de Péricles, os atenienses conheceram a possibilidade de
participação direta na tomada de decisões estatais, independentemente de
representação. Embora o cidadão grego não conhecesse os direitos e liberdades
fundamentais modernos, era livre na medida em que podia expressar sua opinião
sobre temas atinentes à vida pública (liberdade política). É verdade que o cidadão
que experimentava a liberdade política era uma minoria da população, uma vez que
havia escravos, mulheres e soldados, que não podiam participar da vida política na
ágora.
No complexo mundo atual, líquido e globalizado, é verdade que a
democracia direta nos moldes atenienses não é mais possível, sobretudo por causa
da própria complexidade das relações sociais e da impossibilidade de dedicação
integralmente à vida pública por parte do (alargado) corpo de cidadãos. Por isso, na
democracia representativa, embora a titularidade do poder soberano esteja com o
povo, as decisões governamentais ficam a cargo dos representantes.
Filósofos como Montesquieu, dando um tom aristocrático à lógica da
representação, concebem-na como imprescindível, porque consideram o povo
“excelente para escolher”, mas “péssimo para governar” 23. Por outro lado, para
Rousseau, a representação é contrária ao ideal democrático, uma vez que:
“A soberania não pode ser representada, pela mesma razão que não pode
ser alienada; consiste essencialmente na vontade geral e a vontade não se
representa: ou é a mesma, ou é outra – não existe meio termo .24
23
apud BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. p. 293
24
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. p. 114
25
Nesse sentido: BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. p. 216-232
6
eleitores para deliberar em nome da “nação”, não havendo uma vinculação
necessária entre aquilo que o eleitor pensa ser adequado e aquilo que o eleito
decide. Segundo essa linha de pensamentos, o representante deve reverência
apenas à sua própria consciência, devendo responder perante toda a nação e não
perante alguns eleitores em particular. Por outro lado, a “tese da Identidade” vincula
representantes e representados, ou seja, os eleitos são vistos como “comissários”
daqueles que os elegeram, devendo guardar reverência ao jogo de interesses e
ideias que levaram os eleitores à escolha. Conforme Bonavides: 26
26
BONAVIDES, PAULO. Op., cit., p. 218
7
dos representantes e o interesse dos representados, como o ocorrido na Câmara de
Belo Horizonte.
Em síntese, pode-se afirmar que a democracia representativa passa por
severa crise.
28
Da mesma forma, apenas quatro projetos de iniciativa popular vingaram (a que resultou na Lei de
Crimes Hediondos, 8930/94; na Lei de combate a corrupção eleitoral, 9840/99; na Lei do fundo
nacional para moradia popular, 11.124/2005; e na Lei da Ficha-Limpa, Lei complementar n°135/2010).
9
com grande potencial de condensar o agir comunicativo. Não se pode negar que
essas novas tecnologias são capazes de catalisarem, inclusive, manifestações
populares das ruas. Basta verificar como os protestos ocorreram na Câmara de Belo
Horizonte, ou mesmo na “primavera árabe” (sobretudo no episódio que culminou
com a deposição do Presidente tunisiano Zine-el Abdine Ben Ali). É sabido que
diversos movimentos dessa natureza se iniciaram a partir das redes sociais. 29
Conforme afirma Habermas: 30
29
Cf. TAVARES, Viviane Brunelly Araújo. O Papel das redes sociais na Primavera Árabe de 2011:
implicações para ordem internacional. Publicado: 06/11/2012. Disponível em
<http://mundorama.net/2012/11/06/o-papel-das-redes-sociais-na-primavera-arabe-de-2011-
implicacoes-para-a-ordem-internacional-por-viviane-brunelly-araujo-tavares/>. Acesso: 18/01/2013.
30
Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997, v. II, p. 92.
31
Cf. RAICHELIS, Raquel - Democratizar a gestão das políticas sociais: um desafio a ser enfrentado
pela sociedade civil. Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. São Paulo.
Disponível: <http://www.fnepas.org.br/pdf/servico_social_saude/texto1-4.pdf>. Acesso: 13/01/2013, p.
5.
10
Instrumentos de democracia direta como plebiscito, referendo e
projetos de iniciativa popular foram instituídos como mecanismos de
ampliação da participação popular nas decisões políticas. Nessa mesma
perspectiva, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu os conselhos
gestores de políticas públicas, que constituem uma das principais inovações
democráticas neste campo.
32
Cf. TATAGIBA, Luciana. Os Conselhos Gestores e a Democratização das Políticas Públicas no Brasil. In:
DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Editora Paz e Terra,
2002, p. 25.
11
acordo com a localidade: existem processos eleitorais com a participação direta da
população local; indicação e eleição indireta feita pelas entidades competentes da
região; etc.
Existem “conselhos gestores” e “conselhos de política local”. Os primeiros
são formatados por leis orgânicas específicas de âmbito nacional, tais como os
Conselhos da Saúde (regulamentados pela Lei n. 8.142/1990) ou o Conselho de
Assistência Social (previsto na Lei n. 8.742/1993). Os “conselhos de política local”,
por outro giro, são criados por leis locais, como os Conselhos Municipais de Meio
Ambiente, Patrimônio, etc.33
A Lei n. 8.142 de 1990 disciplina a participação da coletividade na gestão
do Sistema Único de Saúde (SUS) e determina a criação do Conselho de Saúde,
nos seguintes termos:
Tal como a Lei n. 8.142/1990, que vincula o repasse de verba federal aos
Municípios, Estados e Distrito Federal à existência de “conselhos políticos”, a Lei n.
8.742/1993 estabelece:
33
Nesse sentido, AVRITZER, Leonardo; PEREIRA, Maria de Lourdes Dolabela. Democracia,
participação e instituições hibridas. Disponível em <http://api.ning.com/files>. Acesso em: 09. Fev.
2013.
12
estabelecem uma dinâmica de atuação que tende a comprometer a autonomia dos
conselhos. Conforme observa Raichelis:34
34
Cf. RAICHELIS, Raquel. cit. p. 12.
35
Na mesma direção, FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Instrumentos da Administração Consensual: a
audiência pública e sua finalidade. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico
(REDAE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 11, agosto/setembro/outubro, 2007.
Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp>. Acesso em: 16 de janeiro de
2013, p. 2.
13
Lei n. 9.868/1999); no Ministério Público (art. 27, parágrafo único, IV, da Lei n.
8.625/1993).
A lei que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei n.
9.427/1996) em seu art. 4º, § 3º, estabelece que o processo decisório que implicar
afetação de direitos dos agentes econômicos ou dos consumidores, mediante
iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por via administrativa, será precedido
de audiência pública convocada pela ANEEL. Na mesma toada, a lei que instituiu
Agência Nacional do Petróleo – ANP (Lei n. 9.478/1997), em seu art. 19, dispõe que
serão precedidas de audiência pública convocada e dirigida pela ANP as iniciativas
de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que impliquem afetação
de direito dos agentes econômicos ou de consumidores. O Estatuto da Cidade (Lei
n. 10.257/2001), também, prevê a possibilidade de realização de “audiências
públicas”, buscando firmar uma gestão mais democrática para as cidades. Da
mesma forma, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000),
em seu art. 9º, § 4º, impõe que o Poder Executivo deve demonstrar e avaliar o
cumprimento das metas fiscais de cada quadrimestre, em “audiência pública”, na
comissão mista permanente de Deputados Federais e Senadores (ou o equivalente
nas Casas Legislativas estaduais e municipais).
Para Mariana Frossard, no âmbito do Poder Executivo, a importância das
“audiências públicas” é grande. Como afirma: 36
37
Para um maior aprofundamento nos estudos, vale conferir MELO, Cristina Andrade. A audiência
pública na função administrativa. Dissertação de Mestrado em Direito sob a orientação do
Professor Florivaldo Dutra de Araújo. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 2012.
38
Para um maior aprofundamento da questão, vale conferir MORAES, Anderson Júnio Leal.
Audiências públicas como instrumento de legitimação da jurisdição constitucional. Dissertação
de Mestrado em Direito sob a orientação da Professora Iara Menezes Lima. Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
15
A audiência pública, nesse caso, tem natureza instrutória e preparatória,
podendo ser realizada quando o relator do processo judicial carecer de maiores
esclarecimentos sobre a matéria ou sobre as circunstâncias de fato. As audiências
organizadas pelo STF devem garantir a participação igualitária dos representantes
das opiniões em confronto, nos termos do art. 154, parágrafo único, II e III do
Regimento Interno do STF, cabendo ao Ministro que presidir a audiência selecionar
as pessoas que serão ouvidas, divulgar a lista dos habilitados a se pronunciar,
determinar a ordem dos trabalhos e fixar o tempo que cada um disporá para se
manifestar. Em linhas gerais, as “audiências públicas” do Judiciário visam ampliar a
participação argumentativa dos interessados no provimento judicial, que, no caso do
controle concentrado de constitucionalidade, abrange toda a sociedade.
No Poder Legislativo, as audiências públicas servem como complemento
à atuação das comissões das Casas Legislativas, nos termos do art. 58, §2º, II da
CRFB/88. Os regimentos internos das Casas Legislativas disciplinam a utilização
das “audiências públicas” (art. 90, II, do Regimento do Senado Federal; artigos 255 a
258 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados).
Com relação ao Ministério Público (MP), a Lei Orgânica do MP (Lei n.
8.625, de 12 de Fevereiro de 1993) prevê, especificamente, a possibilidade de
realização de audiências públicas. As audiências públicas no MP não são meros
elementos de instrução administrativa, tampouco de natureza político-
governamental, mas representam um canal efetivo por meio do qual o cidadão pode
efetivamente colaborar com o cumprimento de sua missão institucional de velar pelo
bem da coisa pública.
Enfim, as “audiências públicas” estão relacionadas à capacidade de se
influenciar as decisões do Poder Público e assumiram, nas últimas décadas, desde
a promulgação da CRFB/88, um lugar de destaque no processo de democratização,
favorecendo a aproximação necessária do povo à esfera estatal, possibilitando uma
mais efetiva participação da sociedade civil (sobretudo, da organizada) no processo
decisório estatal.
16
O orçamento público, que se materializa em lei votada pelos
representantes dos Legislativos, é instrumento fundamental da gestão
governamental, a partir do momento que nele vem previsto todo o plano de
despesas passíveis de serem feitas pelos governantes. É o orçamento público que
marca os recursos que podem ser empregados pelo Poder Público.
Pelo menos no Brasil, o “orçamento participativo” apareceu,
pioneiramente, na cidade de Porto Alegre (Rio Grande do Sul), no final da década de
1980, por iniciativa do Governo Municipal, preocupado com demandas sociais.
Trata-se de um mecanismo que possibilita a participação direta da sociedade civil
nas discussões e definições de parcela do orçamento público, predominantemente
no âmbito municipal.
O “orçamento participativo”, na prática, se revela como um procedimento
no qual a comunidade participa diretamente e delibera acerca das prioridades de
gastos (em geral obras) da Prefeitura no Município. O mecanismo, assim, abre
espaço para que discussões com a participação dos gestores públicos e da
comunidade sejam travadas, possibilitando decisões compartilhadas com a
sociedade.
Por um lado, o “orçamento participativo” possibilita a participação direta
da sociedade civil nas discussões e na deliberação acerca das prioridades de
gastos, abrindo espaço para a argumentação pública, além de proporcionar um
maior fluxo de informações para a esfera governamental; por outro lado, abre veios
que favorecem de forma significativa o “controle social” por sobre a atuação
governamental. A sensível seara orçamentária, como sabido, sempre corre o risco
de ser afetada pelo lobby político, pelo clientelismo, pelo paternalismo e pela
influência de interesses particularizados, razão pela qual a participação popular
direta na preparação e no acompanhamento da execução orçamentária pode se
tornar um significativo mecanismo de “controle social”, além de importante
instrumento de captação dos anseios populares.
Apesar de muitos Municípios fazerem uso da prática do “orçamento
participativo”, até com certa regularidade, as leis municipais não costumam
estabelecer sua obrigatoriedade de realização, deixando sua possibilidade de
17
adoção à apreciação discricionária do Prefeito Municipal, a quem compete a
elaboração do projeto de orçamento e seu encaminhamento ao Legislativo.
Os “orçamentos participativos”, usualmente, são efetivados por meio de
assembleias descentralizadas (regionais ou temáticas), abertas à participação dos
munícipes que se interessarem. A participação é direta, sem nenhuma mediação:
qualquer pessoa pode participar das assembleias; qualquer um pode apresentar
sugestões e propor questões. Nas assembleias são discutidas demandas da cidade
e prioridades de gastos. Em um segundo momento, os participantes escolhem
delegados, a quem cabe a defesa das prioridades firmadas nas assembleias
regionais (ou temáticas). Os delegados funcionam como “representantes ad hoc”
com mandado imperativo, não podendo modificar ou alterar as deliberações
tomadas em assembleia sem debate prévio com os representados. Em Municípios
maiores, dentre os delegados, costumam-se escolher “conselheiros” que têm a
função de discutir e participar mais ativamente da elaboração da proposta de lei
orçamentária que deve ser encaminhada ao Legislativo.
O procedimento do “orçamento participativo” requer reuniões
preparatórias, nos primeiros meses do ano, para que a Prefeitura possa prestar
contas do exercício anterior e apresentar suas propostas de gastos para o ano
seguinte. Da mesma forma, é adequado que seja estabelecido um “regimento” que
discipline o procedimento de participação e deliberação no orçamento participativo.
Por certo, as secretarias municipais, as autarquias e os gestores públicos devem
acompanhar as reuniões e prestar os esclarecimentos necessários. Da mesma
forma, visitas e caravanas às comunidades são usualmente organizadas para
favorecer os debates e sensibilizar os participantes, de modo a possibilitar um fluxo
comunicacional construtivo e em direção ao consenso, capaz de ultrapassar as
barreiras postas por uma participação “estratégica” de pura defesa de interesses.
Nos dias de hoje, vale registrar, cada vez mais são criados mecanismos para
captação de demandas e sugestões de prioridades pela internet.
As críticas ao “orçamento participativo” dizem respeito ao questionamento
se ocorre uma efetiva participação da população da cidade nas deliberações. Para
Pedro Luiz Cavalcante:39
39
Cf. CAVALCANTE, Pedro Luiz. O Orçamento Participativo: estratégia rumo à gestão pública mais
legítima e democrática. Revista de Políticas Públicas e Gestão Governamental - Res Pvblica.
18
[…] o OP é criticado por criar uma nova representação que não
necessariamente transfere para a base a capacidade de decisão final. O
modelo pode criar duplicação da esfera de representação, que embora seja
mais bem distribuída geograficamente, tende a corresponder a atualização
da estratégia leninista de duplo poder. Em outras palavras, as principais
decisões do OP ficam a cargo dos representantes ou delegados regionais, o
que indica outra estrutura piramidal de representação na qual a base
apenas define as prioridades, mas as decisões centrais dos investimentos
são dos representantes e dos tecnocratas.
6. CONCLUSÕES
19
e limitações. É certo, porém, que a abertura de canais por onde a sociedade possa
diretamente participar é salutar para o fortalecimento da democracia, possibilitando-
se, assim, o “controle social”, que favorece a diminuição de desvios e o combate ao
clientelismo, ao patrimonialismo e à corrupção.
Após longos anos sob a ditadura militar, a desconfiada e adolescente
democracia brasileira sinaliza para avanços no processo de fortalecimento
democrático. Por certo, esses processos participativos não foram ofertados à
comunidade, mas, ao contrário, são o resultado de lentas conquistas ligadas ao
desenvolvimento de mecanismos associativos, tais como as associações de bairro.
Sobretudo após a CRFB/88, as recentes experiências de “orçamentos
participativos”, “conselhos de política” e “audiências públicas” são mostras de que
variados canais de participação vem propiciando ao Brasil significativas práticas
democráticas.
Os “canais de participação” ampliam a possibilidade de atuação de
segmentos tradicionalmente excluídos do processo político decisório e propiciam à
comunidade a oportunidade de uma mais efetiva participação, que ultrapassa o
simples depositar do voto em representantes políticos do Executivo ou do
Legislativo. A possibilidade de que a voz de grupos sociais em situações de
vulnerabilidade possa ser ouvida, por si só, já favorece a inclusão à cena pública de
demandas que não costumam merecer os favores da classe política, salvo em
manobras populistas. Os “canais de participação” abrem a possibilidade de acesso
direto das camadas mais pobres da população, aproximando os gestores
governamentais das questões mais próximas do cotidiano.
Não restam dúvidas, ainda, de que o mecanismo acaba por propiciar forte
apelo à mobilização popular e à participação cidadã, favorecendo o afastamento da
apatia política de uma massa de pessoas sem maiores práticas de participação
democrática.
Enfim, o desafio de se formatar um “governo por meio do debate” reclama
a democratização da própria democracia, de modo a se abrirem canais que
permitam, da forma mais ampla possível, o acesso do povo ao processo de tomada
de decisões.
20
REFERÊNCIAS
21
AVRITZER, Leonardo; PEREIRA, Maria de Lourdes Dolabela. Democracia,
participação e instituições hibridas. Disponível em <http://api.ning.com/files>.
Acesso em: 09. Fev. 2013
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