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Compreender a abstenção eleitoral.

Entre o
desinteresse e a desconfiança

Fernando Simões Cabete

Ensaio de Projecto apresentado à Faculdade de


Economia da Universidade de Coimbra para obtenção da
Licenciatura em Sociologia

Orientador: Professor Daniel Francisco

Coimbra 2014

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“toda pesquisa científica requer paciência, autodisciplina e uma inesgotável capacidade de
se aborrecer”. Terry Eagleton.

Questão de partida

Que relações podem ser estabelecidas entre o progressivo aumento da abstenção


eleitoral em Portugal desde 1975,em todos os tipos de actos eleitorais e a evolução dos
principais indicadores sociais? É possível concluir por uma causa dominante?

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Resumo

As eleições são nas democracias representativas, o canal mais comum e mais relevante de
participação dos cidadãos na vida politica das sociedades. Apesar das limitações que
encerra esta forma de participação, e do surgimento de outras formas que vão sendo
experimentadas, nomeadamente, formas mais diretas e descentralizadas, o exercício do
voto continua a ser nestas democracias, a principal forma de legitimar o poder politico e
dos cidadãos fazerem representar os seus interesses; ainda que isso nem sempre seja
evidente. É por se reconhecer esta característica do voto como suporte do regular
funcionamento das democracias que o progressivo aumento da abstenção eleitoral, nas
democracias em geral e na Portuguesa em particular, é objecto de preocupação e estudo.
Assumindo que como dito acima, esta é ainda a principal forma de legitimação do poder
politico, a baixa participação, deslegitima esse poder, criando um vazio de representação,
na medida em que os eleitos não representam como é suposto a maioria dos eleitores. As
razões que levam os cidadãos a absterse podem ser estruturais , - uma cultura politica
baixa, falta de informação que suporte as decisões de voto, falta de meios em geral - ou
decisões individuais, em que o cidadão dotado de meios e capacidades para votar, opta
por não o fazer, em função de opções racionais sobre como usar o seu tempo da forma
que entende mais proveitosa, ou a melhor forma de demonstrar o seu entendimento dos
processos democráticos.

O que se pretende com este estudo é analisar o progressivo aumento da abstenção


eleitoral - em todos os tipos de eleições – em Portugal no pós 25 de Abril de 74, e procurar
estabelecer relações entre este aumento e a evolução dos principais indicadores sociais
no mesmo período. Será utilizada informação estatística disponível nos vários organismos
nacionais ou comunitários que disponibilizam este tipo de informação, e tratamento
estatístico para procurar relações de causa ou influencia ente os indicadores e o aumento
da abstenção

Palavras chave: abstenção, confiança, desinteresse

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Indice

1-Introdução …………………………………………………………………………………………………………5

2- Estado da arte …………………………………………………………………………………………………..7

2.1- ) A importância da participação eleitoral como função legitimadora

do poder em democracia……………………………………………………………………………..7

2.2- Os números………………………………………………………………………………………….8

3- Causas possíveis …………………………………………………………………………………………….10

3.1- Formas de abstenção ………………………………………………………………………..10

3.2- Causas estruturais……………………………………………………………………………….11

3.3- Causas ligadas á acção…………………………………………………………………………12

3.3.1- A confiança ou desconfiança…………………………………………………....13

3.3.2- O eleitor racional e individualista…………………………………………….14

4- Objectivos………………………………………………………………………………………………………15

5- Modelo de analise……………………………………………………………………………………….…..15

5.1- Definição dos conceitos, dimensões e indicadores………………………………….15


5.2- Explicitação do modelo de analise…………………………………………………………16
5.3-Esquematização do modelo de analise……….…………………………………………….19
6- Referencias bibliográficas……………………………………………………………………………………….20

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INTRODUÇÃO

É comum ouvir dizer que o progressivo aumento da abstenção em Portugal se deve ao


facto de que a politica e os políticos já não correspondem aos anseios e problemas dos
cidadãos; este é pelo menos o sentimento mais comum assumido pelos cidadãos e mais
divulgado pelos meios de comunicação social. Fato comprovado, é que esse aumento da
abstenção existe, já os motivos porque tal acontece são variados e interdependentes, os
cidadãos abstêm-se quer devido a motivos de ordem estrutural quer a motivos
individuais. O que também é consensualmente aceite, é que nas ultimas décadas se tem
verificado um decréscimo da participação eleitoral nas democracias representativas, quer
nas consolidadas, quer naquelas em processo de consolidação. (Costa 2006 p20)
Assumindo a democracia como sistema de governo que resulta da entrega da soberania
do estado aos cidadãos, a participação nas actividades que dizem respeito ao governo do
mesmo, é o critério fundamental que determina a essência do regime democrático
(Martins 2004 p 138), ou um dos pilares fundamentais de legitimação das democracias
liberais (Martins 2004 p 221). O voto é a forma de participação que mobiliza o maior
numero de cidadãos, advindo dai a sua importância central no processo democrático.
Nesse sentido a abstenção eleitoral como uma das formas possíveis de não participação
politica pode colocar em causa a própria essência do regime. De par com o aumento da
abstenção no pós 25 de Abril em Portugal ocorreram também no mesmo período
modificações dramáticas na estrutura económica e social do país. Portugal evolui muito e
de forma acelerada, em certos indicadores evoluímos tanto nos últimos 40 anos como os
países do centro da Europa fizeram em mais de um seculo; é o caso por exemplo do
acesso á informação, da redução da taxa de mortalidade infantil, ou do aumento drástico
do nº de jovens a frequentar e concluir o ensino superior, ou a taxa de alfabetização em
geral. Muitos outros aspectos da vida das pessoas no país conheceram evoluções
semelhantes, apesar de outros não terem evoluído da mesma forma e tenhamos ainda a
respeito destes um diferencial muito grande em relação aos países mais desenvolvidos;
desde logo o desenvolvimento económico é ainda metade em termos de PIB, o

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desenvolvimento da industria é ainda baixo e muito concentrado em sectores de baixo
valor acrescentado.

Todas estas modificações na sociedade portuguesa influenciaram certamente a forma


como os cidadãos se relacionam com a politica e com os seus representantes; é
relativamente consensual que o nível cultural e de conhecimentos têm efeitos na forma
como as pessoas entendem a politica, os partidos e o poder, o mesmo é valido para o
estrato socioeconómico do cidadão; outros indicadores do desenvolvimento não terão
relações tão directas e fáceis de estabelecer como estes e mesmo para estes casos a
influencia que tem vindo a ser entendida, tem vindo a conhecer modificações ao longo do
tempo. No entanto, e entendendo a abstenção como uma decisão que os cidadãos tomam
com base em tudo o que são e as influencias a que estão sujeitos; mesmo factores menos
evidentes, como ser ou não sócio de um clube desportivo ou associação recreativa,
podem ter influencia na tomada de decisão de votar. “estamos a assistir a um declínio do
associativismo( especialmente civico) ;……; o que, não sendo a mesma coisa que o declínio
objectivo, é igualmente significativo, se não mais”. (Cabral 2001 p 14). Alguns indicadores
terão uma influência visível por si só, enquanto outros farão sentir a sua influencia mais
visivelmente quando conjugados com outros, formando valores e atitudes não
mensuráveis á partida, mas eventualmente com efeitos mais determinantes na abstenção
do que os primeiros.

O declínio do associativismo e da participação eleitoral referidos acima podem em ultima


instancia por em perigo o próprio regime democrático, abrindo caminho a um eventual
regresso a regimes de índole autoritária de tão má memoria para os que os viveram. O
que não invalida a tese, defendida por alguns autores, de que o aumento da abstenção é
apenas um sintoma de normalização da vida politica . indicativa de uma satisfação
implícita com o funcionamento regular das instituições democráticas. (Magalhães 2001 p
2) Quer o problema seja tão grave como alguns defendem ou tão benigno como outros
entendem, compreende-lo é importante para perceber aquilo com que estamos em
presença e agir tanto quanto possível em conformidade.

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2- Estado da arte

2.1- ) A importância da participação eleitoral como função legitimadora do poder em


democracia

É comum falar hoje, e cada vez mais, da crise das democracias representativas, derivada
da falta de interesse e participação dos cidadãos nos processos eleitorais. Esta ideia de
que o sistema está em crise emerge do reconhecimento de que apesar das insuficiências
da representação, na medida em que esta implica um desvio em relação ao ideal de
participação completa que se realizaria nas democracias diretas, é nas sociedades
numerosas e complexas o meio mais relevante de manter o sistema democrático em
funcionamento regular. Isto mesmo é sublinhado por vários autores que se têm dedicado
ao estudo do funcionamento das sociedades democráticas, como a seguir se mostra .
Começo por sublinhar a importância do voto nas democracias da nossa área geo-cultural,
que são basicamente democracias representativas. E, como tal, a principal forma de
ligação entre a sociedade e as instituições políticas é exactamente o voto, através da
participação eleitoral . (Freire 2001 p 19 ).Um dos pilares fundamentais de legitimação das
democracias liberais assenta nos processos de representação e de delegação de poderes,
em grande parte consubstanciados nas eleições para os órgãos de poder político ( Leite e
Faria 2004 p 1).
A importância desta forma de legitimação do poder politico está ligada a sua capacidade
de mobilizar uma grande parte do eleitorado para questões genéricas do funcionamento
do sistema politico; ao contrário de outras formas de participação que apesar da
visibilidade que lhe advém da sua especificidade, envolvem um nº menor de cidadãos e
dizem respeito a assuntos que interessam apenas a uma parte dos cidadãos. (Freire 2001p
19 ). Apesar desta importância e do consequente problema que representa a abstenção,
as concepções mais liberais tendam a desvalorizar este factor, invocando a experiência de
algumas democracias consolidadas com baixos níveis de participação eleitoral, como os
EUA ou a Suíça.. ( Leite e Faria 2004 ), para estes a abstenção eleitoral não significa
automaticamente ou necessariamente o colapso da arquitetura institucional do estado ou
a deslegitimação da ordem politica que ele subjaz ( Freire,Lobo e Magalhães p 254)
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2.2- ) Os numeros

Aquilo que se tem vindo a verificar em quase todas as sociedades democráticas é que nas
últimas décadas se tem verificado um decréscimo da participação politica nas
democracias representativas, quer nas consolidadas quer naquelas em processo de
consolidação, ao mesmo tempo em que aumenta a abstenção eleitoral. (Costa 2006 p20)
Nos vinte e dois países da Europa ocidental que realizaram eleições de forma contínua
desde o pós-guerra, a abstenção média entre 1945 e 1949 era de 19%. Após os anos 70,
esse valor não parou de aumentar, ascendendo hoje a 23%1. Nas democracias mais
recentes, as taxas de abstenção são ainda superiores.
Por exemplo, nas eleições realizadas na Europa de Leste até 1995, a abstenção média foi
de 27%. Em Portugal, a abstenção em eleições legislativas disparou após os anos 70 para
nunca mais baixar (Magalhães 2001 p 1)
Parece pois legitimo concluir que a abstenção é um problema quer das democracias mais
maduras quer das mais jovens como a portuguesa e até nalgumas das mais consolidadas
o problema é ainda maior como ilustra os casos dos Estados Unidos e da Suiça. Os maiores
índices correspondem à Suíça, com 51,2%, seguido pelo Japão (33,7%) e Estados Unidos,
(32,8%).
Na Suíça, pelo menos desde a década de 80, o percentual sempre foi superior a 50%, o
que significa afirmar que, no mínimo, a metade da população com direito de voto se
absteve( Costa 2006 p23). Portugal apesar das suas especificidades relativamente as
democracias ocidentais mais maduras não deixa por isso de seguir a corrente de
progressivo desinteresse dos cidadãos pela participação eleitoral, e o tendencial aumento
da abstenção eleitoral, na última década, nas democracias estabilizadas da Europa, mas
também em Portugal. ( Leite e Faria 2004 p 1 ) ou como afirma Freire; em Portugal,
sobretudo a partir da década de 90, este fenómeno (abstenção) tem-se acentuado
muito, bastante mais do que nas democracias da nossa área geo-cultural. (Freire 2001p
19). Partimos de uma participação de 75,4%, em 1976, e acabámos em 2001 com uma
participação 50,9% (idem). O quadro seguinte dá uma ideia mais visivel do aumento da
abstenção em Portugal no periodo em analise.

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Quadro estatistico 1
Evolução da taxa de abstenção em todos os actos eleitorais desde 1974

Presidencia Assembleia Autarquias Parlamento Assembleia da Assembleia do


da Republica da Republica Locais Europeu Madeira Açores
Anos % Anos % Anos % Anos % Anos % Anos %
1976 25 1975 9 1976 35 1987 28 1976 25 1976 33
1980 16 1976 17 1979 26 1989 49 1980 19 1980 24
1986 22 1979 13 1982 29 1994 65 1984 29 1984 38
1991 38 1980 15 1985 36 1999 60 1988 32 1988 41
1996 34 1983 22 1989 39 2004 61 1992 34 1992 38
2001 50 1985 26 1993 37 2009 63 1996 35 1996 41
2006 39 1987 29 1997 40 2014 66 2000 38 2000 47
2011 54 1991 33 2001 40 2004 40 2004 44
1995 34 2005 39 2007 40 2008 53
1999 39 2009 41 2011 43 2012 52
2002 38 2013 47
2005 36
2009 40
2011 42

Dif 26,6 26,6 12,3 15 17 17


Fonte: Pordata. Diferença calculada entre a média dos três primeiros atos eleitorais e a média dos três
ultimos, para cada um dos tipos de eleições.

Importa pois, uma vez assumido que o problema existe, passar á sua caracterização e aos
perigos que encerra.

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3- ) Causas possiveis

3.1 – Formas de abstenção

Tendo em conta a natureza multicomposta do social é natural que uma avaliação das
causas da abstenção revele múltiplas razões, é isso que se conclui quando se verifica
aquilo que já foi investigado sobre o assunto. São diversas as dimensões envolvidas,
havendo um caráter múltiplo de variáveis, e uma compreensão mais ampla tem de ter
claro que há uma pluralidade e diversidade de enfoques (Costa 2006 p 15).(1) Assim sendo
pode catalogar-se a abstençao segundo as diferentes formas em que ocorre e as
diferentes causas que a provocam; as formas a que aqui se alude são, agrupamentos de
causas prováveis segundo critérios que obedecem a uma logica de classificação das
mesmas entre mais estrutura ou mais acção. Segundo Freire (2004) a abstenção pode
tomar duas formas principais. Pode ser passiva e resultar de factores sociológicos tais
como o isolamento (social e/ou geográfico), ou défice de recursos (instrução, rendimento,
profissão, etc.), ou seja exige a mobilização pessoal de recursos de que muitos cidadãos
não dispõem, sejam eles de ordem material ou imaterial.(estrutura) (Cabral 2001 p 15);.
Ou pode ser activa e resultar de uma recusa do próprio sistema político e da legitimidade
do sistema democrático, (Freire 2001 p 21 ). No mesmo sentido uma outra classificação
pode ser utilizada, a de abstenção apática. O termo foi utilizado por Khan (1992), que a
divide em duas categorias: a que ocorre por falta de incentivo próprio, tal como a
indiferença imposta pela lei do esforço mínimo, ou características psicológicas do
indivíduo e a que decorre de um desincentivo provocado pelas barreiras sociais ou pelas
regras do jogo político e seu desenrolar que tornam os benefícios da participação
inferiores ao custo de votar. (Costa 2006 p 16 ).
É certo que é forçado estabelecer esta distinção entre estrutura e acção, se aceitarmos
que não é realmente possível separar uma da outra, de tal forma elas estão imbricadas,
mas como método para procurar entender o fenómeno em causa pode aceitar-se o seu
uso como o fazem aqui os autores citados.
As causas “mais estruturais” serão aqui entendidas como aquelas em que o defice de
recursos tem um peso superior da opção de exercer ou não o direito de voto do que a
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vontade própria de o fazer. Ou dito de outra forma as causas mais estruturais serão
aquelas mais ligadas á posse de recursos. As causas “mais ação” serão as mais ligadas ao
livre arbitrio dos individuos considerados como tendo recursos de todos os tipos para
exercer o direito de voto em condições de liberdade e consciencia, mas que por motivos
vários optam por não o fazer, implicando uma maior ligação a valores.

3.2- Causas estruturais


As causas estruturais foram as que primeiro foram apontadas como justificação para os
niveis de abstenção observados a partir de 1975. Apesar destas causas se aplicarem
apenas a alguns grupos sociais que não disporiam dos recursos necessários ao exercicio do
voto, esses grupos seriam suficientemente numerosos para justificar os niveis de
abstenção. Entendia-se que a abstenção podia ser provocada por um defice de recursos
dos cidadãos que os tornava incapazes de fazer escolhas politicas e de votar, enquanto os
mais instruidos teriam mais capacidade e mais propensão para exercer o direito de voto,
(Magalhães 2001p 3). Esta ideia de que os factores estruturais seriam os causadores da
abstenção está bem patente na afirmação de Manuel Vilaverde Cabral, quando diz a
proposito da explicação actual para a abstenção que:

“O André Freire mostrou que, no caso português, mas também lá fora, o actual crescimento
da abstenção eleitoral não é, nem podia ser, tradicional. Isto é, os factores sociológicos
tradicionais que tendiam a explicar a abstenção – a daquela figura imaginária da senhora
idosa e analfabeta, que vive “para trás do sol posto”, sociologicamente distante do sistema,

mas sem que isso chegue a afectar este último – não aumentaram. (Cabral2001p 16)

A imagem da “senhora idosa e analfabeta que vive “para trás do sol posto”, traduz de
forma quase completa os indicadores sociais que sustentavam as causas que justificavam
a abstenção. Estão presentes nesta alegoria, os indicadores demográficos como o
isolamento espacial, a idade e o defice de instrução, entendidos como sendo as principais
causas da abstenção nos estudo iniciais sobre a abstenção. Este defice de recursos pode
traduzir-se em, desencorajamento dos cidadãos em face do grau elevado de

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conhecimentos técnicos exigidos á actividade politica ( Martins p195), ou no sentimento
de menor competência política ou falta de integração dos cidadãos relativamente às
instituições e aos processos democráticos (Leite e faria 2004 p 1) (11). Esta abstenção
provocada pela falta de recursos reflete as desigualdades estruturais da democracia e
pode ser vista como violação da própria democracia . (Magalhães 2001p 3) . A falta de
integração social, entendida como sendo capaz de potenciar um nivel elevado de
contactos interpessoais que fornecem informação sobre temas e candidatos, (Magalhães
2001p 3), e de forma generica o acesso á informação e educação eram tambem vistos
como tendo influencia determinante no processo de decisão de exercer o voto. Em
resumo, o defice de recursos, a falta de integração social, a falta de competencia politica e
conhecimentos tecnicos seriam as principais causas da abstenção, que poderiam ser
consideradas estruturais na medida em que não dependiam da vontade própria dos
individuos, mas do que a estrutura social envolvente lhes concedia como ferramentas
para exercer o voto. No entanto, a evolução em sentido contrário dos indicadores
relativos a estes aspectos, que evoluiram positivamente e os da participação eleitoral que
evoluiram negativamente induziram a necessidade de procurar em factores mais ligados a
ação as causas para o aumento da abstenção.

3.3- Causas ligadas á acção

È a insuficiencia das explicações baseadas nas causas estruturais que leva a que a enfase
na procura de respostas para o fenomeno da abstenção se desloque para as causas mais
ligadas ao individuo á sua capacidade de escolha . Como o entendem Leite e Faria:

O aumento do abstencionismo em meios urbanos e escolarizados, a diminuição da


fidelidade partidária no voto eleitoral, a menor relevância do posicionamento ideológico
esquerda/direita, o crescimento do individualismo e do voto conjuntural e instrumental, são
algumas das novas tendências atitudinais e comportamentais que evidenciaram as
insuficiências das explicações tradicionais sobre a abstenção. (Leite e faria 2004 p 1)

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As causas estruturais estão ligadas á insuficiencia de recursos de vários tipos as
causas ação, estão ligadas a valores e atitudes dos individuos.(Magalhães 2001 p 4 )
que apesar de serem moldadas nas estruturas sociais onde estes pertencem, não
têm o caracter deterministico que têm as causas estruturais; elas condicionam mas
não determinam a opção de votar ou não dos eleitores. Tal como para as
estruturais, têm sido apontadas várias causas especificas que poderiam justificar o
aumento da abstenção no periodo mais recente

3.3.1) A confiança ou desconfiança

Intuitivamente, é razoavel pensar que o grau de confiança que os individuos têm nos
politicos e nas instituições são um factor que influencia o comportamento eleitoral, e em
termos da investigação cientifica feita sobre a matéria, existem estudos que apontam para
tal influencia. Alguns autores defendem que existe um certo consenso, de um
questionamento a respeito dos partidos politicos, um declínio acentuado da confiança e
credibilidade, de sua importância enquanto instância de representação (Costa 2006 p23)
(4), e que esses grau de confiança está diretamente relacionado com a participação
eleitoral,revelando que quanto maior essa confiança maior a participação eleitoral( Freire;
Magalhães 2002 p10 ). No entanto segundo outros autores a confiança como atitude
explicativa da abstenção não pode ser tomada como certa já que Estudos em diversos
países têm revelado efeitos muito modestos da confiança institucional sobre os níveis de
participação política individual (Magalhães 2001 p5). A confiança nas instituições pode
asssim ser entendida como indutora da intenção de voto ou não ter muito a ver com isso,
ou pode ainda e um tanto paradoxalmente ser indutora da abstenção quando se indicia
uma demonstração de conformismo politico ou de satisfação com a democracia.(Martins
2004 p194), ou ainda como delegação de poder por parte dos cidadãos em instituições
politicas nas quais depositam confiança.(Magalhães 2001 p6). Conclui-se que apesar da
confiança nos politicos e nas instituições ser assiduamente reclamada como constituindo
causa maior da abstenção eleitoral,essa assunção está longe de poder ser entendida
como um dado adquirido.

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3.3.2) O eleitor racional e individualista

O modelo do eleitor racional, assenta na convicção de que as pessoas fazem escolhas


racionais baseadas na informação e nos recursos de que dispõem, optando por aquelas
que têm uma melhor relação custo beneficio (Freire, André e Magalhães, Pedro 2002). Em
sociedades em que o mercado tem cada vez mais influencia nas vidas das pessoas, estas
podem não se sentir motivadas para a politica em geral e para o exercicio do voto em
particular porque estas actividades concorrem diretamente com uma multiplicidade de
outras actividades que são mais proximas ás pessoas e nas quais estas sentem um retorno
mais imediato. Por exemplo pode ser mais gratificante ir á praia num dia de verão do que
ficar numa fila a espera de votar,- ou ir ao futebol ou ao centro comercial.
Contrariamente ao que seria de esperar, o aumento da qualidade de vida leva os
indivíduos a optar por actividades de lazer em detrimento de atividades politicas .
(Martins p195). Mesmo que os eleitores disponham de elevados recursos económicos ou
educacionais, os seus valores e atitudes podem predispô-los a aplicar esses recursos
noutras actividades que não a participação eleitoral (Magalhães 2001 ).
Por outro lado a evolução social e a mercadorização de quase todos os sectores da vida
levou a um aumento do individualismo, na medida em que quase tudo pode ser comprado
restando pouco espaço para a necessidade de partilha, este individualismo concorre
depois para a falta de ideias propriamente politicas na medida em que os individuos não
têm a noção de que os bens de que usufruem se produzem por meio da interações sociais.
O acto de consumo é cada vez mais individual e a politica transformada tambem ela em
acto de consumo pela força dos media e da mensagem politica instantanea, torna-se por
este processo tambem cada vez mais individual levando a que a possivel motivação
cruzada entre os indivviduos não aconteça. - o individualismo crescente associado a
desvinculação partidária e ideologica deu um impulso renovado as teorias da escolha
racional (dows,1957;ward,1995) cit in Freire orgs 2002 p225)

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4- Objectivos

Objectivo geral- Compreender as causas do aumento da abstenção em Portugal.

Objectivos específicos – Compreender as relações de causalidade entre o progressivo


aumento da abstenção em todos os tipos de eleições e a evolução social no mesmo
período. Nomeadamente pretende-se perceber se as causas estruturais ainda são uma
causa relevante na explicação da abstenção, e em caso negativo se a abstenção se pode
explicar predominantemente por um aumento da desconfiança na política e nos políticos,
ou se é função de um desinteresse que não depende dessa confiança.

5- Modelo de análise

5.1- Definição dos conceitos dimensões e indicadores


Abstenção – Abstenção dos eleitores inscritos (INE)
Causas estruturais – Causas sociais que os indivíduos não controlam no processo de
decisão de exercer o voto.
Dimensão demográfica – Indicadores: Índice de envelhecimento; População por
dimensão dos lugares
Dimensão educativa – Indicadores: Taxa de analfabetismo; Nível de escolaridade
Dimensão Económica – Indicadores: População por actividade económica; Rendimento
das famílias
Causas acção- Causas relacionadas com o livre arbítrio dos indivíduos.
Dimensão confiabilidade – Indicadores: “Trust in politicians”; “Trust in country's
parliament”; “Trust in the European Parliament”;
Dimensão interesse - Indicadores : “How interested in politics”; “Making mind up about
political issues”; “Could take an active role in a group involved with political issues.

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5.2- Explicitação do modelo de análise

Hipótese 1- O aumento da abstenção está relacionado com a evolução da estrutura social


da sociedade Portuguesa.

Tal como resulta do estado da arte, o modelo de análise que a esta proposta de
investigação diz respeito desenvolverse-á segundo duas abordagens complementares;
uma que segue uma linha presente em (Magalhães 2001 ) que procura interrogar as
modificações na estrutra social em Portugal no que concerne aos fatores que limitam, ou
impedem os cidadãos de exercer plenamente o seu direito de voto. Esta aproximação ao
problema assenta na assunção teorica,- e em confirmações empiricas- de que os cidadãos
mais desfavorecidos em termos de educação, de rendimento, de acesso á informação ou
de distancia fisica aos centros do poder, são aqueles que mais se abstêm. Deste modo, a
verificação da hipotese de que o aumento da abstenção ainda estaria relacionado com a
permanencia de sectores da população que careceriam destas condições para o pleno
exercicio dos seus direitos civicos; nomeadamente o voto; será avalido pela existencia ou
não de correlações entre a evolução dos resultados eleitorais para todos os actos
eleitorais ocorridos desde 1975, com a evolução de indicadores sociais, nomeadamente,
educativos, demográficos e económicos. Quer os indicadores eleitorais quer os
indicadores sociais serão os disponiveis na base de dados Pordata provenientes da
Comissão nacional de eleições e do INE, respectivamente.
Concretamente, será utilizada como variável dependente a taxa de abstenção dos diversos
actos eleitorais e como variáveis independentes; a evolução do índice de envelhecimento,
a evolução do índice de urbanização enquanto indicadores demográficos; a evolução da
taxa de analfabetismo e a evolução da taxa de escolarização como indicadores educativos;
a evolução do rendimento das famílias e a população por actividade económica enquanto,
enquanto indicadores económicos.

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Hipótese 2- O aumento da abstenção é dominantemente explicado pela variação, da
confiança relativamente aos políticos e às instituições
Hipótese 3- O aumento da abstenção é função do desinteresse dos Portugueses em
relação á politica

Se a primeira abordagem se desenvolve por referencia á procura de causas ligadas a


factores estruturais a segunda e a terceira, estão relacionadas com a procura e
identificação de causas ligadas á acção individual dos cidadãos. Assenta na exploração da
teoria da escolha racional segundo a qual os indivíduos escolhem em cada momento e de
acordo com as informações disponíveis tomar as decisões que revelem uma melhor
relação custo/beneficio. Assumindo que se os cidadãos se abstêm, por vontade própria,
ou seja, que tal não resulta de causas imputaveis a factores estruturais, então a abstenção
terá necessariamente a ver com desinteresse pelo fenómeno político e pela democracia.
O que será procurado neste estudo é a identificação das causas desse desinteresse. A
ideia que circula na sociedade com mais força é a de que os cidadãos se abstêm porque
perderam a confiança na politica e nos politicos, devido a actuação pouco correcta destes
ao longo do tempo, com casos recorrentes de má gestão da coisa publica, de corrupção,
de compadrio e com a ideia de que os politicos são “todos iguais”, e desse modo o voto
não faz mais do que trocar de politicos mantendo as politicas e a má gestão das
instituições publicas. Esta ideia, está presente na 2ª hipótese, tal como enunciada acima, e
este estudo pretende comparar principalmente variáveis do European Social Survey,
relativas á confiança dos Portugueses nas instituições com a evolução da abstenção
procurando correlações entre cada uma da variáveis independentes e a abstenção e entre
a variação média do conjunto das variáveis independentes e a variável dependente.
Concretamente estudar-se-á a eventual correlação entre a variável dependente
abstenção, - considerada como a média ponderada da variação da abstenção dos vários
tipos de eleições no período - e as variáveis independentes.: “Trust in politicians”; “Trust
in country's parliament”; “Trust in the European Parliament”;.

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Para o tratamento da hipótese relativa ao interesse na política, usar-se-ão também os
dados do Eurpean SocialSurvey, nomeadamente as eventuais correlações entre a variável
dependente abstenção e as variáveis independentes: “How interested in politics”;
“Making mind up about political issues”; “Could take an active role in a group involved
with political issues. Tal como para o caso da hipótese anterior, far-se-á o estudo separado
de cada variável e o estudo da média do conjunto das variáveis independentes.

18
5.3-Esquematização do modelo de análise

Causas estruturais Hipotese 1 Causas ação Hipotese 2

O aumento da abstenção está relacionado O aumento da abstenção é dominantemente


com a evolução da estrutura social da explicado pela variação , da confiança
sociedade Portuguesa. relativamente aos politicos e ás instituições

Abstenção eleitoral Abstenção eleitoral

Indicadores Indicadores Indicadores “Trust in politicians”


demográficos educativos económicos

Indice de Taxa de População por “Trust in country's parliament”


envelhecimento analfabetismo activ. Económica

Pop.P.dimensão Nivel de Rendimento das


“Trust in the European Parliament”
dos lugares escolaridade famílias

Causas ação Hipotese 3

O aumento da abstenção é função do


desinteresse dos Portugueses em relação á
politica

Abstenção eleitoral

“How interested in politics”

“Making mind up about political


issues”

“Could take an active role in a


group involved with political issues” 19
6- Referências bibliográficas

1- Martins, Manuel Meirinho (2004), Participação Politica e Democracia-Ocaso


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2- Freire, André; Lobo, Marina Costa; Magalhães, Pedro (orgs.), (2004), Portugal a
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20
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