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net/publication/303444687

Como estudar elites [How to study elites]

Book · December 2015


DOI: 10.13140/RG.2.1.5016.9204

CITATIONS READS

0 383

2 authors:

Adriano Codato Renato MONSEFF  Perissinotto 


Universidade Federal do Paraná Universidade Federal do Paraná
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Who decides to run for office? A study of candidates for City Council (and their parties) in the 2016 elections View project

Right-wing in the Southern Cone : dynamics of power in political parties of Argentina, Brazil and Chile View project

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Como estudar elites
Renato Perissinotto
Adriano Codato (orgs.)
Como estudar elites
Reitor
Zaki Akel Sobrinho

Vice Reitor
Rogério Andrade Mulinari

Pró-Reitora de Extensão e Cultura


Deise Cristina de Lima Picanço

Diretora da Editora UFPR


Suzete de Paula Bornatto

Vice-Diretor da Editora UFPR


Cláudio de Sá Machado Júnior

Conselho Editorial
Cleverson Ribas Carneiro
Cristina Gonçalves Mendonça
Edson Luiz Almeida Tizzot
Emerson Joucoski
Everton Passos
Ida Chapaval Pimentel
Jane Mendes Ferreira
José Carlos Cifuentes Vasquez
José Eduardo Padilha de Souza
Marcia Santos de Menezes
Como estudar elites
Renato Perissinotto
Adriano Codato (orgs.)
® Renato Perissinotto e Adriano Codato (orgs.)

Como estudar elites

Coordenação Editorial
Lucas Massimo

Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica


Indústria Inc.

Revisão
Lucas Massimo e Fernando Leite

Capa
Indústria Inc.

Foto de capa
Renato Perissinotto

Série Pesquisa, n. 290


Ref. 823

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ


SISTEMA DE BIBLIOTECAS – BIBLIOTECA CENTRAL
COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS

Como estudar elites / Renato Perissinotto, Adriano Codato (orgs.). –


Curitiba : Ed. UFPR, 2015.
319 p. : il. – (Pesquisa; n. 290)

ISBN 978-85-8480-038-4
Inclui referências ao final de cada capítulo
Vários autores

1. Elites (Ciências sociais). 2. Metodologia. I. Perissinotto, Renato M.


(Renato Monseff), 1964-. II. Codato, Adriano Nervo. III. Série.

CDD 305.5

Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384

Direitos desta edição reservados à


Editora UFPR
Rua João Negrão, 280 - Centro
Tel.: (41) 3360-7489
80010-200 - Curitiba - Paraná - Brasil
www.editora.ufpr.br
editora@ufpr.br
2015

Esta obra foi publicada com recursos do Programa Nacional de


Cooperação Acadêmica (Procad) referentes ao projeto “Compo-
sição e recomposição de grupos dirigentes no Nordeste e no Sul
do Brasil” desenvolvido em parceria entre UFPR, PUC-RS e UFS.
"Toda pesquisa científica requer
paciência, autodisciplina e uma ines-
gotável capacidade de se aborrecer".
Terry Eagleton.
Sumário

Introdução: como estudar elites? 9


Renato Perissinotto e Adriano Codato

Capítulo 1 Metodologias para a identificação de elites: 15


três exemplos clássicos | Adriano Codato

Capítulo 2 O uso do survey no estudo do recrutamento político: 33


limites e vantagens | Bruno Bolognesi e Renato Perissinotto

Capítulo 3 O desenho e as fontes da pesquisa com elites 63


parlamentares brasileiras no século XX | Luiz Domingos
Costa, Lucas Massimo, Paula Butture e Ana Paula Lopes

Capítulo 4 Análise de elites em perspectiva relacional: a 95


operacionalização da Análise de Redes Sociais (ARS)
Emerson Urizzi Cervi

Capítulo 5 Viagem pela alta hierarquia: pesquisa de campo 121


e interações com elites eclesiásticas | Ernesto Seidl

Capítulo 6 Pesquisando grupos profissionais: dilemas clássicos 151


e contribuições recentes | Fernanda Petrarca

Capítulo 7 Antropologia, política e etnografia: fronteiras disciplinares 187


e trabalho de campo | Wilson José F. de Oliveira

Capítulo 8 Os empresários enquanto elite: a pesquisa empírica 217


Paulo Roberto Neves Costa

Capítulo 9 A prosopografia explicada para cientistas políticos 249


Flavio Heinz e Adriano Codato

Apêndices metodológicos  279

Apêndice 1 | Como elaborar um survey281


Apêndice 2 | Como formar matrizes de dados biográficos 291
Apêndice 3 | Como produzir uma ficha prosopográfica 301
Apêndice 4 | Como preparar um questionário com questões abertas 309

Sobre os autores 318

Como estudar elites.indb 7 2/22/16 12:15 PM


Introdução:
como estudar elites?

GUIAS DE METODOLOGIA de pesquisa dão dois significados ao termo


“método”: ora o entendem como a estratégia geral da investigação cien-
tífica (com ênfase na lógica do trabalho, nos padrões de análise ou no me-
canismo das explicações), ora como as técnicas de seleção, validação, pro-
cessamento e análise de dados. Este livro concentra-se nas técnicas, mais
exatamente nos procedimentos práticos para o estudo de um objeto em
particular: os grupos dominantes na hierarquia social.
Não há uma receita para abordar esse assunto. As estratégias empregadas
tendem a ser muito variadas e, em alguns casos, complementares. Essa di-
versidade de procedimentos é resultado natural tanto dos múltiplos propó-
sitos pretendidos pelos investigadores, quanto da variedade de evidências
fornecidas por estudos com elites. Além disso, um procedimento – análise
estatística inferencial com vinte mil candidatos a deputado ou etnografia
multinível com um único caso – pode funcionar melhor num determinado
estágio da pesquisa; outro procedimento, no estágio seguinte. Pesquisas

9
Como estudar elites

como as de Donald Searing sobre as carreiras de políticos profissionais no


“universo de Westminster”, interessadas em entender a ambição política,
podem apelar tanto para a análise dos efeitos das regras sobre a configu-
ração dos vários papéis sociais na instituição (lobistas, líderes de partido,
ministros), quanto para as características pessoais daqueles que estão in-
vestidos dessas funções, características essas verificadas em longas en-
trevistas face a face com todo tipo de representante (insiders, outsiders,
backbenchers, sindicalistas, empresários, etc.). O fundamental é saber que
técnica empregar para que tipo de fenômeno, se e quando um determina-
do artifício pode ou não ser bem aproveitado. Purismos metodológicos e a
adição a procedimentos fixos para tratamento de dados empíricos reforçam
identidades de grupos científicos, mas trazem prejuízo à ciência das coisas.
Quando se consulta a literatura já publicada sobre classes dirigentes, a
disparidade de abordagens dos objetos empíricos e o caráter idiossincrático
das questões de pesquisa nos faz perguntar se há qualquer sentido em reco-
mendar algum procedimento. Justamente por isso, este livro evita prescre-
ver receitas. Preferimos adotar o tom de “relato de campo” onde cada pes-
quisador ou grupo de pesquisadores narra a marcha da sua investigação, as
suas dificuldades e soluções práticas.
Todo trabalho de pesquisa vai da elaboração das questões a serem res-
pondidas, passa pela definição do objeto, pela escolha das variáveis, pela
identificação das fontes disponíveis e das evidências que delas se podem
extrair, pela elaboração do instrumento de coleta de dados, pela coleta de
dados propriamente dita, pela sua sistematização e ordenação, para, só en-
tão, analisar todo o material e, enfim, apresentar os resultados.
Contudo, esses procedimentos anteriores à publicação dos resultados
tendem a ser arquivados, ou, muitíssimo raramente, reutilizados em algu-
ma nova investigação por outro pesquisador. De uma maneira ou de outra,
ele quase sempre é mantido longe dos olhos do público. Assim, esse mesmo
público se vê impedido de tomar contato com o longo percurso de apren-
dizado prático que toda pesquisa envolve, seus erros e acertos, suas hesi-
tações, os bloqueios sucessivos de caminhos e as más escolhas que sempre
fazemos. É uma pena que seja assim, pois é certo que muito empenho indi-
vidual poderia ser poupado se as experiências referentes aos procedimen-
tos habituais de construção de uma investigação científica viessem a pú-
blico com mais frequência. Com isso, tempo, energia e dinheiro poderiam
ser mais bem direcionados e a própria apresentação de resultados finais
poderia ser mais rápida. Enfim, conhecer as grandes e pequenas medidas

10
Introdução

práticas tomadas por outros camaradas da mesma área de estudos pode


não apenas ajudar no desenvolvimento de mais trabalhos, como também
representar economia de escala em termos de recursos e tempo.
Em alguns países, a exposição das decisões tomadas no curso de uma
investigação é prática corrente. Há periódicos para veicular, ao invés dos
resultados, os procedimentos intermediários da pesquisa científica. No
Brasil, não há publicações dessa natureza em Ciência Política ou Sociologia
Política, de modo que os dados referentes aos labirintos do trabalho cientí-
fico raramente vêm à luz ou, quando vêm, aparecem na forma de relatórios
burocráticos de difícil acesso, destinados apenas a prestar contas à agência
de financiamento. Esta é a contribuição que este livro pretende produzir.
Não se pretende revelar os mecanismos de todo e qualquer tipo de pes-
quisa social. Seria de pouca ajuda uma obra que fosse uma reunião alea-
tória de pesquisas sobre “a política brasileira”, por exemplo, com pouco
ou nenhum contato entre si. Por essa razão, este livro tem uma unidade
temática. Todos os textos aqui reunidos trabalham com o problema das
elites ou dos grupos dirigentes em diversas dimensões da vida social: eli-
tes parlamentares, partidárias, eclesiásticas, econômicas, profissionais e
elites de movimentos sociais.
O primeiro capítulo tenta ser uma exposição didática de alguns dos mé-
todos de pesquisa consagrados para identificar grupos de elites. O segundo
capítulo mostra como uma investigação sobre o processo de recrutamento
e formação da nominata de candidatos dentro dos partidos políticos só po-
deria ser levada a termo por meio da aplicação presencial de um questioná-
rio. Uma vez tomada essa decisão, resta saber: qual seria o melhor forma-
to do questionário? O terceiro, sublinha que o estudo diacrônico da classe
política brasileira exige o uso intensivo de fontes documentais. Como são
apresentadas nessas fontes as evidências necessárias ao entendimento do
recrutamento e como se deve codificá-las? O quarto capítulo revela como a
análise de redes pode captar padrões ideológicos nos processos de coaliza-
ção política. Mas como usá-la? Quais são seus requisitos técnicos? O quinto
capítulo discute os percalços para se ter acesso à elite de uma organização
tão hermética como a Igreja Católica. Que estratégias o pesquisador deve
adotar para facilitar o acesso à alta hierarquia e como comportar-se numa
entrevista em que pesquisador e pesquisado pertencem a mundos tão dife-
rentes? O sexto capítulo analisa as dificuldades para se definir o que é “pro-
fissão”. Que procedimentos teóricos e metodológicos um pesquisador deve
utilizar para delimitar um campo profissional? O capítulo seguinte relata os

11
Como estudar elites

expedientes utilizados para o estudo de líderes de grupos que, normalmen-


te, não são tidos como “elites”, como é o caso nos movimentos em defesa
do meio ambiente. O oitavo capítulo analisa como é possível estudar a po-
sição política de elites econômicas. Essa elite deve ser definida em termos
patrimoniais (o tamanho da empresa) ou em termos de atuação institucio-
nal em organizações de classe? Uma vez definido o grupo, como acessá-lo
e que cuidados devemos ter ao formular questões sobre o que eles pensam
sobre a política? Por fim, o capítulo nove apresenta um resumo do que é e
de como se pode fazer prosopografia.
Esses são os problemas que este livro procura responder. A enorme
diversidade de questões é resultado da multiplicidade de objetos e de
preocupações teóricas e metodológicas que orientam as pesquisas aqui
relatadas. No entanto, a unidade da coletânea está garantida pelo fio que
conduz todos os textos e que pode ser resumido na pergunta que dá título
ao livro: como estudar elites?
Essa integração entre autores, temáticas, propósitos e objetos não é ca-
sual. Por meio do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica (Procad),
financiado pela Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Supe-
rior (Capes), professores de três instituições diferentes (Universidade Fe-
deral do Paraná, Universidade Federal de Sergipe e Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul) trabalharam coletivamente, de 2011 a 2015,
em projetos de pesquisa que tinham os grupos de elite como foco principal.
Este livro é o resultado deste esforço de reflexão conjunta.

Curitiba, inverno de 2015.

Renato Perissinotto
Adriano Codato

12
1. Metodologias para
a identificação de elites:
três exemplos clássicos
Adriano Codato

ESTUDOS SOBRE ELITES políticas podem ser reunidos em torno de quatro


grandes temas: exame de backgrounds sociais, análise de padrões de carrei-
ra, surveys sobre valores e atitudes de grupos de elite diante de temas pre-
cisos e pesquisas sobre interações entre grupos e seus graus de competição
e integração (HOFFMANN-LANGE, 2007, p. 911–912)1.
Seja qual for a temática investigada, duas questões se impõem antes de
tudo: de que artifício metodológico se lançar mão para identificar a elite?; e
como estimar o seu poder diante da não elite?

1
Para ilustrar, mencionamos aqui alguns trabalhos em cada domínio. Para backgrounds
sociais, ver (GÖHLMANN; VAUBEL, 2007; MATTHEWS, 1962). Para estudo de padrões de
carreira na política ver (BORCHERT; ZEISS, 2003; SCHLESINGER, 1966). Sobre valores de
elites, ver (CZUDNOWSKI, 1983; POWER; ZUCCO, 2012; PUTNAM, 1973). Sobre conflitos
intra-elite, ver (CODATO, 2015; HOFFMANN-LANGE; NEUMANN; STEINKEMPER, 1985).

15
Como estudar elites

O objetivo deste capítulo é expor e explicar, para aqueles muito inician-


tes, as metodologias empregadas nas pesquisas com elites políticas e sociais.
Assim, sintetizo as fórmulas para identificar posições de elite, já que uma
primeira dificuldade de todo o estudo nessa área é definir a população a ser
analisada. Isso implica em circunscrever “quem manda” ou quem faz parte
do círculo íntimo do poder e consegue influenciar decisões chave. Cientis-
tas políticos desenvolveram, no século XX, métodos sistemáticos para fazer
isso sem que se precise improvisar ou inventar uma metodologia a cada nova
pesquisa. Na primeira seção há uma síntese dos três padrões de análise co-
nhecidos para mostrar como toda definição de “quem manda” exige que se
pense três conceitos da teoria política: poder, influência e decisão. Na segun-
da seção, apresento como o Departamento Intersindical de Assessoria Parla-
mentar (DIAP) elabora, todos os anos, uma listagem dos políticos brasileiros
mais influentes intitulada Os “Cabeças” do Congresso Nacional. Nas três se-
ções seguintes, exponho detalhadamente vantagens e limites operacionais
dos métodos “posicional”, “decisional” e “reputacional”, enfatizando os
procedimentos práticos para aplicá-los e apontando algumas armadilhas.

1. Os padrões de análise para identificar posições de elite


Há três métodos consagrados (PUTNAM, 1976) nesse domínio de conheci-
mento para se definir a população a ser analisada.
O método posicional enfatiza que os que decidem são aqueles indivíduos
ou grupos que preenchem as posições formais de mando em uma comu-
nidade (diretorias de grandes empresas, cúpulas do Executivo, posições
superiores nas organizações políticas e militares). Sua grande vantagem é
identificar o maior número possível de indivíduos influentes com seguran-
ça. O livro mais representativo dessa abordagem é The Power Elite, de C.
Wright Mills (1956). Ele trata da solidariedade dos grupos dominantes dos
Estados Unidos em meados do século XX e do círculo de ferro formado pe-
las elites corporativas, políticas e militares.
O método decisional sustenta, por sua vez, que as pessoas com poder
são aquelas capazes de tomar as decisões estratégicas para uma comu-
nidade (ou influenciar as suas decisões mais importantes) e nem sempre
se confundem com aquelas que ocupam as posições formalmente de-
signadas como as mais relevantes. O estudo clássico aqui é o de Robert
Dahl, Who Governs? (1961), sobre a cidade de New Haven, em Connecti-
cut. Seu objetivo foi determinar “quem governa” uma comunidade, isto
é, entre os vários grupos de pressão e de interesse (incluindo também os

16
Metodologias para a identificação de elites

políticos profissionais), qual ou quais detêm influência suficiente para


estabelecer suas preferências nas decisões públicas2.
O método reputacional foi o método usado em Community Power Struc-
ture por Floyd Hunter (1953), uma monografia sobre Atlanta e depois apli-
cado em nível nacional no livro Top Leadership U.S.A. (1959)3. Trata-se de
um procedimento em duas etapas complementares. A primeira consiste em
elaborar uma lista ampla de lideranças em uma comunidade a partir das
posições formais que elas controlam em diferentes arenas decisórias (mé-
todo posicional). A segunda etapa consiste em submeter essa lista a espe-
cialistas solicitando que indiquem um pequeno número daqueles que são,
dentre os listados, os mais reputados, isto é, aqueles considerados como os
mais influentes ou os mais poderosos. O grupo de elite seria então formado
pelos que fossem mais vezes mencionados.
O quadro 1 a seguir resume como cada um desses métodos lida operacio-
nalmente com as noções de poder, influência e decisão.

Quadro 1. Poder, influência e processo decisório conforme os métodos posicional, reputacional e decisional

Método posicional Método decisional Método reputacional

Recursos de poder Poder de decisão Recursos de poder con- Recursos de poder


e influência formal cujas fontes são tingentes, dependentes posicionais e influência
as posições ocupadas das relações de força política com base
nas organizações funda- cambiantes entre uma no prestígio pessoal
mentais da comunidade pluralidade de grupos socialmente reconhecido

Envolvimento ativo Somente decisores


no processo decisório com poder político Atores políticos influen- Indivíduos considerados
tes, independentemente como influentes cujas
Envolvimento Decisores com mandatos de sua autoridade formal preferências são levadas
ativo e influência políticos e titulares de sobre o processo de em conta na tomada
política indireta no posições de liderança em tomada de decisões de decisão política
processo decisório organizações importantes

Fonte: Adaptado de Hoffmann-Lange (2007).

2
Dahl fornece uma descrição detalhada do método no apêndice do livro. É preciso calcu-
lar o número de iniciativas ou vetos bem-sucedidos de cada participante em uma decisão
e o número de insucessos. Em seguida deve-se considerar como mais influente o parti-
cipante que tiver a mais alta taxa de sucessos ou tiver a mais alta relação entre os seus
sucessos e o total de suas tentativas. Ver Dahl (1961, p. 331–333).
3
Hunter expõe minuciosamente o procedimento da pesquisa no apêndice. Ver Hunter
(1953 Apêndice).

17
Como estudar elites

Hoffmann-Lange chamou a atenção para uma coisa importante e que


normalmente tem passada despercebida: as diferenças entre essas metodo-
logias são substantivas. Enquanto a definição da população a ser estudada
pelo método decisional e posicional tende a incluir um maior número de
indivíduos e/ou grupos, a abordagem reputacional tende a restringir o uni-
verso observável (2007, p. 914). Vejamos a seguir como uma pesquisa com a
elite parlamentar brasileira consegue combinar esses métodos.

2. Identificando e hierarquizando elites na prática


No Brasil, o DIAP publica todos os anos a relação dos que são conside-
rados os parlamentares federais mais influentes (deputados e senado-
res). O propósito é “listar os operadores-chave do processo legislativo”.
A relação do DIAP é sempre composta por 100 nomes que “realmente
exercem influência no processo decisório do Poder Legislativo” (DIAP,
2014, p. 8). Como medir o poder desses agentes? Poder é entendido es-
sencialmente como habilidade, experiência, especialização ou posse de
recursos (“materiais, econômicos, organizacionais, humanos, técnicos,
partidários, ideológicos ou regionais”) passíveis de serem convertidos
em liderança política. Liderança ou influência política é, na definição
adotada pelo DIAP, “uma relação entre parlamentares na qual as pre-
ferências, desejos ou intenções de um ou mais parlamentares afetam a
conduta ou a disposição de agir de outros” (DIAP, 2014, p. 11). A meto-
dologia empregada é uma ilustração do método de Hunter combinado
com os outros dois. Primeiro são selecionados os membros, presidentes
e relatores das Comissões legislativas, as lideranças dos partidos polí-
ticos e os integrantes as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Essas
são as posições-chave das duas Casas tal como estipuladas formalmente
pela estrutura da organização (método posicional). Em seguida, a equipe
de técnicos do DIAP, com o concurso de outros experts4, classificam os
parlamentares em função das qualidades que reputam mais significa-
tivas (método reputacional): debatedores, articuladores, formuladores,
negociadores e formadores de opinião (DIAP, 2014, p. 12–13). Todavia,

4
O DIAP faz entrevistas com os próprios deputados federais e senadores, e também
com os assessores da Câmara e do Senado, jornalistas, cientistas políticos e analistas
de conjuntura.

18
Metodologias para a identificação de elites

essas características e o poder de condicionar a opinião ou a ação de


outros parlamentares deve ser atestada na análise das decisões efetivas
tomadas na Câmara e no Senado (método decisional).
O trabalho de hierarquização e classificação que o Departamento Inter-
sindical de Assessoria Parlamentar faz dos “Cabeças” do Congresso Nacio-
nal permite ressaltar alguns princípios metodológicos em estudos de elites.
Primeiro, é preciso eleger um ou uma combinação de métodos de identi-
ficação do grupo de elite analisado (PAPPI, 1984). Cada um deles enfatiza o
aspecto fundamental que precisa ser levado em conta. No caso do método
posicional é indispensável conhecer a estrutura formal da organização, isto
é, o organograma, os aparelhos e os cargos, seus níveis de poder e as respec-
tivas capacidades de exercer influência estando em um aparelho ou cargo.
No caso do método decisional, toda dificuldade está em selecionar “a” ou
“as” decisões mais importantes para uma comunidade, já que isso não é ób-
vio. Assim, é indispensável estudar uma série de políticas de governo. Além
disso, essas políticas – a resultante final do processo decisório – têm de ser
geradoras de conflitos que oponham grupos distintos de elite. Doutra ma-
neira é impossível saber quem perde, quem ganha, quem tem, quem não
tem capacidade de tomar decisões públicas ou exercer sua influência sobre
elas. No caso do método reputacional, é preciso escolher uma e somente
uma arena sobre a qual um conjunto restrito de indivíduos tem a fama de
exercer seu poder/influência (não há grupo hegemônico que influencie to-
das as decisões executivas e legislativas durante todo o tempo).
Segundo princípio metodológico: é imprescindível explicitar a definição
de “poder” com a qual se está lidando. Essa dificuldade passa, necessaria-
mente, pela discussão teórica sobre o conceito de poder, suas noções corre-
latas (“influência”, “autoridade” ou “liderança”, etc.) e suas implicações
no domínio empírico para o desenho do estudo5. Passa ainda pela forma
como se concebe a distribuição do poder numa comunidade ou organiza-
ção. Uma estrutura de poder pode ser competitiva (Dahl), hierarquizada
(Mills) ou altamente integrada (Hunter).
Terceiro e último princípio metodológico que o relato das pesquisas anu-
ais do DIAP com os líderes do Congresso sugerem: é preciso criar indica-
dores empiricamente observáveis, isto é, mensuráveis em termos de grau,

5
Para um panorama desse debate, ver a entrada Community Power Debate na Encyclo-
pedia of Power (DOWDING, 2011, p. 122–126).

19
Como estudar elites

de presença ou de ausência, distribuição ou concentração, etc. para tentar


hierarquizar os grupos de elite (ou os indivíduos) conforme o maior ou me-
nor poder que eles enfeixam. Nesse sentido, um relatório de métodos em-
pregados e das variáveis utilizadas no estudo, como elas foram construídas,
com que finalidade e o que pretendem explicar é mais do que necessário.
Vejamos em detalhe como operar cada método para identificar e hierar-
quizar elites empiricamente.

3. O método posicional
De acordo com Wright Mills (1956), os membros da elite são aqueles que
“ocupam as posições estratégicas de comando da estrutura social”. Essas
posições, por sua vez, são estratégicas porque controlam “as principais hie-
rarquias e organizações da sociedade moderna”: o aparelho do Estado, as
forças armadas e as grandes empresas capitalistas.
Em que pese a tautologia embutida na definição de quem é a elite, di-
zemos que esta é uma definição “posicional”, uma vez que a elite é discri-
minada em função das posições de comando que ela ocupa. Essas posições
são “institucionais”, isto é, para fazer parte da elite não é suficiente ocu-
par posições informais de mando, mas formais, nas principais instituições
econômicas, políticas e militares de uma dada sociedade. Escreve Mills: “A
riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é inerente
a toda e qualquer personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o
acesso às principais instituições, pois [são] as posições institucionais [que]
determinam em grande parte as oportunidades de ter e conservar essas ex-
periências a que se atribui tanto valor” (MILLS, 1956 capítulo 1).
Isso posto – a elite é aquele grupo social que ocupa, controla e comanda
as principais instituições de uma comunidade –, poderíamos formular, a
partir de Mills, seguindo os passos do seu livro, uma lista de procedimentos
“metodológicos” para os estudiosos dos grupos dirigentes.
Em primeiro lugar, é preciso se perguntar: quais são as instituições mais
importantes de uma sociedade determinada? Sociedades são históricas,
isto é, suas características variam ao longo do tempo (e também geografica-
mente, frise-se). Assim, não há “a” instituição ou “a” organização que con-
centra desde sempre todos os meios de poder. Em segundo lugar, uma vez
determinada a ou as instituições principais, é preciso descrever seus traços
fundamentais: seu poder é abrangente ou não, ou seja, afeta muitas áreas
da vida em comum ou da vida de indivíduos?; essas instituições exercem o
poder em regime de monopólio, oligopólio ou são concorrentes?

20
Metodologias para a identificação de elites

Em terceiro lugar, é preciso saber se as cúpulas dessas instituições,


seus ocupantes, estão ou não ligados entre si formando aquilo que Mills
chamou de uma “elite do poder”, e como é efetivamente essa ligação. As
questões aqui são do seguinte tipo: há evidências de conexões entre os
indivíduos que comandam as ordens institucionais principais?; qual é a
intensidade dessas conexões: forte, fraca?
Em quarto lugar, é preciso saber que tipo de recurso social confere poder
ao grupo ou aos grupos mais importantes. Aqueles que pertencem à elite
possuem, segundo Mills, “uma parte maior que os demais nas coisas e nas
experiências mais altamente valorizadas [pela sociedade]. Assim, a elite é
simplesmente o grupo que tem o máximo que se pode ter de [...] dinhei-
ro, poder e prestígio” (MILLS, 1956 capítulo 1). De onde vêm esse prestígio,
esse poder e esse dinheiro? É precisamente devido à posição central “nas
grandes instituições, que são a base necessária do poder, da riqueza e do
prestígio, e ao mesmo tempo constituem os meios do exercício do poder,
de adquirir e conservar riqueza, e de desfrutar as principais vantagens do
prestígio” que a elite é, afinal, elite (MILLS, 1956 capítulo 1).
Em quinto lugar, o controle dos recursos sociais mais valorizados por de-
terminados indivíduos que circulam pelas diferentes posições de elite pro-
duz o que Wright Mills chama de o “tipo de pessoa” característico daqueles
que dominam uma sociedade determinada. Essa noção é especialmente
útil: o tipo de pessoa de “elite” que uma organização social produz, traz ins-
crito nela aquilo que essa comunidade mais valoriza.
O sexto passo que podemos deduzir de A elite do poder é a necessidade
de delimitar afinal qual o tamanho da elite que realmente manda. Há uma
linha de corte acima da qual podemos dizer que um grupo de elite tem mais
poder do que outro? Para Mills, fazem parte das altas rodas executivos, po-
líticos e comandantes militares que tomam decisões de caráter nacional,
capazes de afetar toda a comunidade.
Por último, o sétimo procedimento metodológico para circunscrever e
descrever “a elite do poder” exige que se delimite o tipo de unidade desse
grupo. Esse atributo é bem mais exigente do que o descrito no terceiro pas-
so (conexões eventuais entre os indivíduos da elite através das instituições
que comandam). Um grupo de elite pode estar fechado em si mesmo graças
à sua: i) unidade “psicológica”: nesse caso, o grupo partilha a mesma hie-
rarquia de valores, as mesmas concepções de mundo, os mesmos princí-
pios; ii) unidade com base em “interesses”: as relações entre os indivíduos
que comandam as instituições-chave de uma sociedade pode gerar uma co-

21
Como estudar elites

munidade de interesses afins entre eles que devem ser perseguidos pelo gru-
po; e iii) unidade de “ação”: a proximidade entre os interesses perseguidos
pelas cúpulas das instituições centrais de uma comunidade pode produzir
uma ação coordenada entre elas a fim de atingirem mais facilmente seus
fins (MILLS, 1956 capítulo 1).
Essas etapas aqui descritas resumidamente foram pensadas por Wright Mills
para analisar uma sociedade. Podemos, entretanto, adaptá-las para uma insti-
tuição em particular. Por exemplo, se estudamos o Parlamento de um deter-
minado país, as mesmas questões se colocam. De saída: quem manda?; ou por
outra, quem é a elite do Legislativo nacional? Devemos assim buscar nas insti-
tuições formalmente descritas como sedes do poder essa resposta. Poderíamos
dizer: o presidente e todos os indivíduos que ocupam a mesa diretora da Casa.
A partir daí todos aqueles passos descritos acima precisariam ser dados: qual é
tipo de poder desse grupo e como ele é exercido; saber se esses indivíduos for-
mam um grupo coeso; que recursos eles conseguem mobilizar para chegarem
e se manterem nessa posição de “elite da elite” política; quais são as caracterís-
ticas desses indivíduos; qual o seu tamanho e o que os mantém unidos.

4. O método decisional
O método posicional para identificar qual é o grupo de elite é bastante in-
tuitivo e de fácil operacionalização. A elite é aquela que controla posições
formais de mando numa dada sociedade ou organização.
Mas o método posicional falha em três raciocínios básicos. Primeiro, as-
sume que quem controla as posições formais de mando possui, por isso,
a capacidade efetiva de tomar as decisões mais importantes para uma so-
ciedade ou organização, o que nem sempre é correto. Segundo, não leva
suficientemente em conta aqueles que têm o poder de impedir que certas
iniciativas de determinados grupos sejam transformadas em demandas; ou
impedir que essas demandas se tornem questões políticas e, a partir daí,
objeto de deliberação pelos governos; ou que, uma vez deliberadas, cer-
tas decisões sejam implementadas. E, terceiro, que só é possível saber se
um grupo de elite é elite e manda de fato, tem poder, estudando o ciclo do
processo decisório. É, segundo Robert Dahl, através da análise de decisões
concretas de governo que se pode determinar quem, efetivamente, possui a
capacidade de influenciar as decisões públicas. Este é o método decisional.
Os princípios do método decisional foram sistematizado por Dahl num
célebre artigo publicado na American Political Science Review em fins dos
anos cinquenta (1958). De acordo com ele, para se determinar quem gover-

22
Metodologias para a identificação de elites

na e quem é governado, quem tem poder de iniciativa, quem tem poder


de veto, só é possível responder de forma suficiente esses pontos “by an
examination of a series of concrete cases where key decisions are made:
decisions on taxation and expenditures, subsidies, welfare programs, mili-
tary policy, and so on”6 (DAHL, 1958, p. 469).
O artigo de Dahl desloca a pergunta fundamental colocada por Wright
Mills – quem é a elite numa comunidade – para uma questão ainda mais
ambiciosa e que está na base de toda a reflexão política: o que é o poder e
como podemos provar que um grupo tem, de fato, poder sobre outros.
Mas como medir isso? Testes nesse campo são problemáticos se não se
tem presente que é preciso diferenciar potencial de controle de um grupo
sobre uma questão-chave para a comunidade de controle efetivo sobre a
política em questão. Além disso, é preciso ter presente que uma ação polí-
tica efetiva é tanto mais provável se e somente se um grupo é capaz de agir
unido (é o que Dahl cama de potencial de unidade). Em seguida, não se deve
assumir que a ausência de igualdade política numa comunidade prova, por
si mesma, a existência de uma elite poderosa. Além disso, não é porque um
grupo tem um alto grau de influência numa área (educação, por exemplo)
que ele terá em todas (urbanismo, tributos, transportes, etc.), a menos que
isso seja constatado empiricamente (DAHL, 1958, p. 464–465).
Alternativamente, Dahl propõe um teste de hipótese para saber se há,
numa dada comunidade, uma elite governante baseado em três condições:
i) a elite dirigente hipotética deve ser um grupo bem definido empiricamen-
te, com contornos claros; ii) deve-se escolher uma quantidade razoável de
casos envolvendo decisões políticas chave, onde as preferências da suposta
elite dirigente estariam em confronto com as preferências de outros grupos
(a serem determinados); e iii) deve-se então provar, através do estudo dos
conflitos envolvendo as preferências da suposta elite dirigente contra as
preferência de outros grupos, que as primeiras prevalecem com uma boa
regularidade (DAHL, 1958, p. 466). Por isso, para comparar o potencial de
influência sobre decisões de dois grupos distintos (que podem ser classes,
partidos, etc.), é preciso, antes de tudo, saber que objetivos cada um deles
persegue, que interesses defendem (1958, p. 463–464).

6
Tradução: “através de um exame de uma série de casos concretos onde são tomadas
decisões importantes: decisões sobre tributação e gastos, subsídios, programas de bem-
-estar social, política militar, e assim por diante”.

23
Como estudar elites

Há dois pontos cegos nessa formulação. O estudo do processo decisó-


rio é feito sobre decisões efetivas e não sobre decisões frustradas (“não
decisões”). Por isso, aqui também, como no caso do método posicional,
não se identifica quem impede decisões. O outro ponto, objeto de crítica
dos marxistas, é que as perspectivas elitistas ignoram quem se beneficia
das decisões públicas. Esses de fato são dois problemas dessas aborda-
gens, mas o raciocínio dos estudos marxistas é igualmente problemá-
tico, seja porque sua ênfase nos condicionantes das estruturas sociais
faz com que se desinteressem completamente por estudar quem decide,
quem governa (PERISSINOTTO; CODATO, 2009); seja porque assumem
que quem se beneficia de determinada política de Estado deve estar, ne-
cessariamente, na origem dela.

5. O método reputacional
O método reputacional, como mencionamos mais acima, foi utilizado por
Floyd Hunter em Community Power Structure: A Study of Decision Makers
(1953). O livro conduziu os estudos sobre governo a um novo patamar ao
tentar compreender o jogo político olhando para grupos sociais específicos
de uma comunidade específica. Community Power Structure é uma pesquisa
monográfica sobre Atlanta, uma cidade média, à época com 500 mil pessoas,
no estado da Georgia, EUA. Hunter recupera e amplia os estudos políticos
de comunidades na tradição de Democracy in Jonesville (1949), de William
Lloyd Warner (STRONG, 1954). Trata-se de uma análise empírica sobre o que
é o poder, os tipos de poder que existem e como ele está distribuído entre os
grupos minoritários. Sua motivação é encontrar onde está, ou quem detém,
melhor dizendo, o “real power” por detrás do “formal power”.
Community Power Structure mostrou que o poder nos Estados Unidos
nos anos 1950 numa “regional city” estava concentrado – e não disperso
em múltiplos grupos de interesse que concorriam entre si. Além disso,
mostrou que se ele era gerido a partir da prefeitura municipal (adminis-
tration), não era ali que era produzido (policy). Esse poder estava reuni-
do nas mãos de uma pequena elite – top leaders –, formada por homens,
brancos, na sua maioria empresários de negócios e bancos, que estavam
interconectados, e as decisões que realmente importavam eram tomadas
no Piedmont Country Club. Nesse sentido, as análises de Hunter irão evi-
denciar que onde se decidem as coisas fundamentais, raramente (ou qua-
se nunca) são os comitês burocráticos, escritórios políticos ou repartições
administrativas formalmente designadas para tanto.

24
Metodologias para a identificação de elites

Hunter pediu a quatorze cidadãos, em geral profissionais liberais de alta


classe média, que tinham um bom conhecimento sobre como as coisas
funcionavam em Atlanta, que escolhessem apenas dez nomes de uma lista das
175 pessoas importantes. Hunter compilou essa lista de 175 notáveis a partir
das posições formais eles que ocupavam na cidade, isto é, na Chamber of
Commerce, na League of Women Voters, no Community Council, no comando
dos jornais locais e entre os líderes comunitários. Ele indagou então a cada
um daqueles 14 cidadãos bem informados mais ou menos o seguinte: “se
houvesse um projeto na cidade que devesse ser decidido por um grupo de
super-líderes, reconhecidos por quase todos como tais, você poderia escolher
dez dentre eles nessa lista de 175 que elaborei?” Após checar as indicações
repetidas com mais frequência, surgiram quarenta indivíduos reputados,
considerados pelos quatorze como os influentes de Atlanta. Vinte e sete deles
foram então entrevistados. Nova rodada de questões foram então feitas a esse
subgrupo. Hunter pediu que eles indicassem os líderes mais importantes da
cidade, dissessem o quão bem conheciam aquelas pessoas e quais eram os dois
principais problemas de Atlanta. Esses vinte e sete indicaram mais cinco líderes
que não estavam naquela relação original dos quarenta, mas concordaram
que aqueles quarenta eram os mais poderosos7. Essa relação, que ao final
somava 45 nomes, e que poderíamos chamar de a “elite da elite”, não é uma
amostra probabilística, no sentido estatístico, mas pretendia ser representativa
dessa população que transitava pelo restrito círculo do poder (HUNTER, 1953).
A estratégia de pesquisa empregada por Hunter, que supõe acesso aos
maiorais de uma comunidade, dezenas de entrevistas sistemáticas e obser-
vação direta, o que nem sempre é possível para pesquisadores iniciantes,
foi grandemente facilitada pelo seu conhecimento prévio do terreno. Hun-
ter chefiou, de 1946 a 1948, o Atlanta Community Council. Essa experiência
pessoal no segundo escalão da burocracia do serviço social da cidade lhe
valeu o embasamento que mais tarde seria utilizado para desenvolver seu
esquema analítico e escrever sua tese de doutorado em Sociologia e Antro-
pologia em 1951 sobre a estrutura de poder numa comunidade8.

7
Hunter também entrevistou 34 líderes da comunidade negra e 14 assistentes sociais e
planejadores urbanos. Fez a eles a maioria das perguntas que ele tinha feito aos princi-
pais líderes da comunidade. A partir desse grupo de controle, ele foi capaz de precisar
as informações que possuía sobre as relações econômicas, políticas e pessoais entre os
poderosos (DOMHOFF, 2005).
8
<http://www.encyclopedia.com/topic/Floyd_Hunter.aspx>. Acesso em: 2 set. 2015.

25
Como estudar elites

Existem, entretanto, algumas dificuldades apontadas por vários críti-


cos ao método reputacional. A primeira é sustentar (e não supor como hi-
pótese) que haja um conjunto de pessoas altamente influentes e que isso
possa, além de tudo, ser identificado. A segunda é concentrar-se apenas
na face pública, na face mais visível do poder, ignorando outras arenas.
A terceira dificuldade é assumir o pressuposto de que são os indivíduos
os sujeitos do poder numa sociedade cada vez mais organizada em tor-
no de instituições (governos, partidos, igrejas, sindicatos, etc.). Em tal
ordem social, os indivíduos que comandam essas instituições são inter-
cambiáveis e podem ser invisíveis aos olhos do público, mesmo do mais
informado. Um quarto problema da abordagem reputacional é assumir
que “poder” é aquilo que as pessoas acham que ele é, sem que se orien-
te o respondente sobre que tipo de poder a pesquisa procura (CLEGG,
1989, p. 49–50).
Teoricamente, nada garante que, ao se repetir o mesmo estudo no
mesmo lugar, mas em momentos distintos, se chegará a encontrar o
mesmo grupo de pessoas influentes ou a mesma “estrutura de poder”.
Todavia, os achados de Floyd Hunter se mostraram poderosos. Jennings
(1964) encontrará 57 dos 59 nomes identificados no estudo piloto e,
entre os top leaders, 23 dos 27 entrevistados por Hunter uma década
antes e concluirá que a técnica empregada em Community Power Structure
“measures more than simply respect, popularity, or social status. It
serves to locate people of consequence in community decision making”
(JENNINGS, 1964, p. 164 apud Domhoff 2005). Stone (1976), que analisou
o programa de renovação urbana de Atlanta entre 1950 e 1970, conseguiu
mostrar que os conflitos de interesse em torno do redesenho da cidades,
seus personagens e suas forças relativas faziam de Atlanta uma cidade
mais próxima daquela descrita por Hunter do que a New Haven de Dahl
(DOMHOFF, 2005).
De toda forma, caso se decida utilizar a metodologia reputacional, de-
ve-se observar algumas indicações. Eleger bem os especialistas que irão
reduzir, graças ao conceito gozado na comunidade, o grupo maior no
grupo menor (ou seja, aqueles 14 que indicaram 40 dos 175 da relação
original de Hunter), é uma recomendação importante para, em seguida,
se perguntar diretamente aos poderosos quem, dentre eles, são os mais
poderosos. Assumir que toda seleção tem um viés e que as indicações
dos mais influentes são subjetivas e dependem tanto das preferências
como do nível de conhecimento que um indivíduo tem da elite e de

26
Metodologias para a identificação de elites

como a política de fato funciona. Por fim, esse método é operacionali-


zável em pequenas ou em médias comunidades e com um universo bem
delimitado, passível de ser entrevistado. A partir de certo tamanho, há
muitos atores, muitas variáveis, muitos tipos de políticas, muitas arenas
com as quais se deve trabalhar9.

Conclusões
Todos esses três métodos não se diferenciam entre si em um postulado. O
“poder” é sempre entendido aqui como “capacidade de tomar decisões”
(ou como a competência para influenciar aqueles que têm, formalmen-
te, a função política de tomá-las: prefeitos, burocratas, gestores, etc.). O
objetivo essencial desses três autores foi estabelecer um método onde se
pode provar que um grupo tem poder ou tem mais poder do que outros,
já que essa é uma medida relacional. Nesse sentido, toda a discussão se
concentra em torno da definição dos indicadores empíricos que serão
utilizados para testar se um determinado grupo – que pode ser político,
econômico, social, etc. – detém ou não poder e o quanto poder ele de-
tém. Mas esses procedimentos não permitem identificar quem impede
que decisões públicas sejam tomadas (embora os procedimentos descri-
tos por Floyd Hunter tenham um bom potencial para isso); nem quem
se beneficia das decisões dos governos. Assim, não devemos pedir mais
do que eles podem nos oferecer, por exemplo uma teoria política sobre o
mundo social. No entanto, há uma dificuldade maior e mais importante:
o que esses métodos não discutem é o que poderíamos chamar de os fun-
damentos estruturais do poder.
As condições de acesso a postos de elite, isto é, as colocações privile-
giadas numa comunidade, o controle desigual de recursos (econômicos,
políticos, ideológicos), e o grau variável de influência de certos grupos
sociais estão, conforme o postulado dos marxistas, condicionados funda-
mentalmente, ainda que não exclusivamente, por seu lugar na estrutura
social (OFFE; WIESENTHAL, 1984). Grupos – frações de classe, camadas

9
Ver sobre esse ponto a crítica de Dahl (1960) ao livro de Hunter (1959) sobre os EUA.
O método reputacional se assemelha com a técnica de construção de amostragens
snowball (“cadeia de informantes”). Ela consiste em descobrir, para o caso de popula-
ções pouco acessíveis, quem são os seus integrantes a partir de indicações sucessivas
dos seus membros (‘Discovering new influential individuals by asking others’). Ver para
mais detalhes Goodman (1961).

27
Como estudar elites

ou categorias sociais – podem estar em posições mais altas ou mais baixas


na estrutura de classes, mais próximos ou mais distantes dos centros de
poder político, dentro ou fora dos sistemas de propriedade econômica,
etc. Isso determina de antemão a estrutura de oportunidades políticas10
de cada um e qualifica, de saída, quem pode e quem não pode ascender a
posições de mando numa comunidade.
Nesse sentido, essas são metodologias para verificar, empiricamente,
se, quando e de que maneira um determinado grupo de elite atua para
influir ou impor uma decisão política. Elas não servem, ainda que Wri-
ght Mills tenha pretendido, para compreender o universo sociopolítico de
uma era ou de uma civilização. O termo “estrutura de poder”, de Floyd
Hunter, é para ser empregado de maneira descritiva e não como um sinô-
nimo de sistema de dominação social, algo muito mais amplo. E as indica-
ções práticas de Dahl são um princípio para se começar a medir o grau de
participação que um dado sistema político permite. Mas não uma medida
completa de democracia.

10
Para a expressão, ver Tarrow (1994).

28
Metodologias para a identificação de elites

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30
2. O uso do survey no
estudo do recrutamento
político: limites e vantagens
Bruno Bolognesi
Renato Perissinotto

NA CIÊNCIA POLÍTICA o survey tem sido usado predominantemente em


estudos e levantamentos que buscam captar as preferências de eleitores,
suas posições político-ideológicas, seus valores em relação à democracia,
suas intenções de voto etc. Foi durante as décadas de 1970 e 1980 que o uso
dessa ferramenta se destacou, especialmente nas pesquisas de opinião e de
comportamento eleitoral, principalmente frente à onda mundial de rede-
mocratização ocorrida nessas décadas (SIMÕES & PEREIRA, 2009, p. 241).
No entanto, nos estudos acadêmicos brasileiros observa-se ainda um uso
parcimonioso dessa técnica (AGUIAR, 2001, p. 3) e surpreende o fato de que
pesquisas de survey ocorram apenas pontualmente. Ainda mais escasso é o
uso do survey para tentar captar processos em curso1 – como em estudos de

1
São os chamados estudos de aproximação longitudinal (Babbie, 2005).

33
Como estudar elites

painel – ou processos que ocorreram no passado, quando a memória do en-


trevistado é fundamental para o pesquisador entender determinados fenô-
menos políticos, como, por exemplo, os processos de socialização política
na infância, na adolescência ou no início da vida adulta.
Neste capítulo faremos uma discussão metodológica sobre a aplicação
de survey ao estudo de processos de recrutamento político. Para que um
estudo de recrutamento político seja feito, é preciso ir além dos estudos
sociográficos sobre as elites políticas, que, em geral, limitam-se a descrever
de maneira estática os atributos (econômicos, sociais, escolares, institucio-
nais) possuídos por determinados indivíduos (as “elites políticas”) e que
facilitam seu acesso aos postos de mando (para mais detalhes a esse respei-
to ver a discussão realizada no primeiro capítulo desta coletânea). Avançar
nesses estudos, ao contrário, implica identificar os caminhos e filtros pelos
quais esses indivíduos devem passar ao longo do tempo para chegarem a
posições de chefia ou representação. No entanto, no Brasil2, mesmo nesses
casos, em que se procura captar a “dinâmica” do recrutamento, as entre-
vistas realizadas pelos pesquisadores3 raramente discutem por que os ca-
minhos a serem percorridos devem ser esses e não outros, para não falar na
quase absoluta ausência de discussões sobre os aspectos motivacionais que
levam os indivíduos a se lançarem na atividade política.
Para suprir essa lacuna, elaboramos um questionário para estudar o
processo de seleção de candidatos a deputados federais nas eleições de
2010. Não pretendíamos apenas identificar as posições contextuais (so-
ciais, econômicas) e/ou institucionais dos entrevistados e formular expli-
cações causais a partir delas. Nosso objetivo foi estudar o processo pelo
qual tais indivíduos chegam à antessala da Câmara dos Deputados no Bra-
sil, que é a presença na lista de candidatos dos partidos políticos4.

2
Para os impactos do recrutamento político sobre o funcionamento da Câmara dos De-
putados, ver Power e Mochel (2009) e Marenco dos Santos (1997); para um estudo sobre
filtros seletivos no processo de recrutamento para a mesma instituição, ver Perissinotto e
Bolognesi (2010) e Perissinotto e Miríade (2009); para o problema das motivações subjeti-
vas e sua relação com a profissionalização política, ver Perissinotto e Veiga (2014).
3
Existe um debate sobre em que medida surveys conseguem ou não captar opiniões. Cf.
Johnston, 2009. Nossa intenção aqui, porém, é focar o problema do uso do survey para o
estudo de processos. Ou seja, não estamos preocupados em captar a percepção dos in-
divíduos acerca dos principais problemas sociais de um país ou medir a taxa de intenção
de votos em determinado candidato nas eleições. Interessa-nos operar a reconstrução
mental pelo qual o entrevistado passou ao longo de um processo político.
4
O questionário foi elaborado para a pesquisa Como se faz um Deputado: a seleção

34
O uso do survey no estudo do recrutamento político

Tendo em vista a discussão do nosso instrumento de coleta de dados,


organizamos este capítulo da seguinte maneira: na primeira parte discu-
timos as vantagens e desvantagens do uso do survey, listando da manei-
ra mais sistemática possível o que a literatura aponta como os principais
ganhos científicos e empíricos propiciados pelo uso dessa técnica assim
como seus limites mais significativos. A segunda seção apresenta a for-
ma como montamos o questionário à luz da teoria sobre recrutamento
e seleção de candidatos. Com exemplos oriundos de pesquisas sobre o
tema, encontrados na literatura internacional, ilustramos como constru-
ímos nossas questões de pesquisa e como procuramos contornar alguns
problemas importantes para chegar a uma ferramenta de coleta de dados
cujo conteúdo é bastante similar àquilo que a literatura sobre o tema con-
sidera relevante. Na terceira parte trazemos uma discussão mais prática
sobre o campo de pesquisa, relatando a experiência de condução de sur-
vey durante as eleições. Por fim, nas considerações finais, resumimos os
ganhos analíticos ao mobilizar o survey para estudos de processos de re-
crutamento político.

1. Vantagens e limites do uso do survey


As pesquisas de survey (ou de “levantamento”, como o termo é traduzi-
do de forma despreocupada em algumas publicações brasileiras, como
Fowler Jr. (2011) e Rosenberg (1976)) passaram por diversas fases ao lon-
go de seu uso científico. Se, no início dos levantamentos de opinião, a
técnica mais utilizada eram as aplicações face à face, hoje em dia é cres-
cente a mobilização de web-based surveys e de técnicas mistas que mobi-
lizam, ao mesmo tempo, entrevistas face à face, por telefone, websurvey
e IVR (sigla em inglês para Interactive Voice Response, onde o entrevis-
tado responde a perguntas pré-gravadas) (MARTIN, 2011, p. 6). As pes-
quisas sobre processo de recrutamento das elites políticas têm mostrado

dos candidatos a deputado federal nas eleições de 2010. Essa pesquisa é fruto da co-
operação entre a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Sergipe
(UFS) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A pesquisa foi
coordenada pelos professores Renato Monseff Perissinotto e Luciana Veiga, no Paraná,
Maria do Socorro Sousa Braga e Bruno Bolognesi, em São Paulo, Maria Luzia Álvares, no
Pará, Wilson Oliveira, em Sergipe e Flávio Heinz no Rio Grande do Sul. A discussão sobre
a amostra será retomada em momento oportuno. Por hora, basta saber que foram aplica-
dos 120 questionários distribuídos igualmente entre PT, PMDB, PSDB e DEM.

35
Como estudar elites

que a aplicação do survey face à face produz um melhor rendimento do


que as outras modalidades (SIMSEK, 1999, p. 82). De fato, a vida diária
intensa e marcada por uma agenda sem espaço para improvisos torna o
internet-based survey ou o envio de questionário por correios alternati-
vas temerárias5. Tanto num caso como no outro, há grandes chances de
que, na ausência de um aplicador, nossos políticos peçam ao seu staff
para responder ao questionário ou simplesmente não dispensem tempo
e atenção para fazê-lo.
É preciso ainda avaliar o impacto de variáveis contextuais na aplica-
ção de surveys (JOHNSTON, 2009, p. 386). Esses impactos podem gerar
erros sistemáticos, como viés de seleção (selection bias), ou ainda erros
de confiabilidade (reliability), caso os indivíduos passem por diferentes
experiências ao longo do período da coleta. Por exemplo: durante uma
campanha eleitoral, a queda do candidato nas pesquisas de intenção de
voto e o eventual desânimo que isso pode gerar dentro do partido podem
mudar radicalmente a percepção do mesmo quanto ao modo como ele foi
tratado por sua organização ou quanto à natureza do seu processo seleti-
vo. O inverso, é claro, pode acarretar numa postura muito mais otimista
pelo entrevistado. Nos dois casos, essas experiências contextuais afeta-
riam o conteúdo da resposta.
Contudo, mesmo com esses problemas, a coleta de campo, se bem
coordenada, pode trazer resultados válidos e inéditos, já que ao menos
teoricamente o survey permite ao pesquisador formular perguntas sobre
assuntos pouco trabalhados na literatura6 e trabalhar com hipóteses ainda
não testadas. Nesse sentido, pensamos que, se estivermos atentos às difi-
culdades da coleta, a pesquisa de survey tem algumas importantes vanta-
gens em relação a outros instrumentos de pesquisa. A seguir listamos as
que consideramos as mais importantes.

(i) A possibilidade de produzir bons dados quando a pesquisa é


bem desenhada.

5
Spada e Guimarães (2013), é um exemplo desse problema.
6
Como sugere Simões e Pereira (2009) ou Babbie (2005). A sugestão é no sentido de que
temas não explorados ou que contam com parcas fontes possam ter, no uso de survey,
uma ferramenta útil para o acesso aos dados. É o caso, por exemplo, da pesquisa de sele-
ção de candidatos, sempre tratada de modo formalista no Brasil, exigindo de nossa parte
uma ida ao campo para verificar as hipóteses formais dadas pela literatura.

36
O uso do survey no estudo do recrutamento político

O termo survey, em inglês, designa, em linhas gerais, “coleta sistemá-


tica de dados”. Se, por um lado, dados de pesquisa podem ser coletados
de várias outras formas, como etnografias, observações participantes,
prosopografias, entrevistas em profundidade e análise de conteúdo, por
outro lado, o survey parece ser o que mais confere controle ao pesquisador
na determinação do desenho de pesquisa, visto que provém dele a maior
parte da responsabilidade pela produção dos dados. Não se trata apenas
de dizer que o survey permite ao pesquisador elaborar suas próprias ques-
tões, o que outras técnicas também o fazem. Mais do que isso, o survey
permite conduzir o entrevistado a um conjunto de alternativas previa-
mente selecionadas, reduzindo o caráter aleatório e vago das respostas
(algo muito significativo em entrevistas em profundidade) e a possibili-
dade de obter informações não desejadas.

(ii) O survey é talvez o instrumento de pesquisa de cuja elabora-


ção o pesquisador participa mais diretamente e sobre o qual
tem mais controle, o que lhe permite formular questões es-
pecíficas para seu objeto de estudo e que não foram ainda
pensadas pela literatura7.

Essa vantagem pode ser obtida também com outros métodos, como
entrevistas em profundidade ou grupos focais. No entanto, o uso do
survey traz a vantagem da precisão e clareza das perguntas elaboradas,
assim como das alternativas de respostas apresentadas ao entrevista-
do. Por exemplo, nas pesquisas sobre seleção de candidatos, o tema da
“motivação política”, como variável que determina a disposição do in-
divíduo a se lançar como candidato, é tratado quase sempre de forma
acessória, quando sequer é tratado. Durante a elaboração do questio-
nário, pudemos incluir questões referentes a esse tópico, apontado por
Czudnowski (1975) como um dos pilares para o pleno entendimento do
processo pelo qual alguns indivíduos se candidatam a cargos políticos
e outros não. Assim, para além dos dados sociográficos e institucionais
com os quais a literatura trabalha, pudemos incluir perguntas sobre mo-

7
Outros instrumentos de coleta de dados, é claro, permitem a participação direta do pes-
quisador em sua elaboração, mas são quase sempre muito mais suscetíveis às limitações
das fontes ou do campo do que o survey.

37
Como estudar elites

tivações que contribuíram para uma visão mais complexa do processo


de seleção de candidatos (BOLOGNESI; MEDEIROS, 2014).

(iii) O survey conta também com a grande vantagem de poder lançar


mão de amostras a fim de produzir extrapolações estatísticas.

O uso de amostras geralmente conduz a conclusões sobre uma popu-


lação em geral, o que dá margem para generalizações sobre comporta-
mentos sociais ou teses científicas sobre determinados fenômenos com
custo operacional e material relativamente baixo – proposição da qual
partilham Halperin e Heath (2012, p. 230). Mesmo contando com amos-
tras reduzidas e experimentais, como o foi aqui, a utilização do ques-
tionário pode representar uma contribuição como estudo de caso sobre
um objeto pouco pesquisado, dando margem para que estudos futuros
possam ampliar os resultados. Além disso, a mobilização de diferentes
técnicas de amostragem8 permite generalizações seguras acerca da po-
pulação analisada.

(iv) A pesquisa de survey permite captar a lógica dos comporta-


mentos sociais, verificá-la e quantificá-la.

Mais do que isso, é possível, por meio do questionário, elaborar ques-


tões que levem em consideração a lógica dos respondentes, respeitando-
-se assim os termos e categorias mentais por eles utilizados ao tratar do
tema discutido pela pesquisa. De nada adiantaria formular questões com
um conjunto de termos desprovidos de sentido para o entrevistado ou,
pior, dotados de sentido radicalmente distinto daquele utilizado pelo pes-
quisador. Não nos adiantaria perguntar aos candidatos, por exemplo, qual
foi o “selectorate” responsável por sua nominação. Por outro lado, tam-
bém de nada adiantariam perguntas genéricas sobre quais os processos
partidários que o levaram até as listas. Nesse sentido, o meio-termo foi

8
Por exemplo, o uso de amostras complexas como uma técnica que reduz custos mone-
tários e de tempo e ainda assim permite uma generalização segura. Outras vantagens
são colocadas quando se aliam teoria e desenho amostral, como no caso de processos
puramente locais (como, por exemplo, as eleições primárias americanas) onde se opta
pela realização de amostras com n reduzido em diversos clusters em contraposição a
uma grande amostra aleatória nacional com grande n.

38
O uso do survey no estudo do recrutamento político

perguntar quais foram as pessoas ou grupos no interior do seu partido res-


ponsáveis pela candidatura do entrevistado. Isso fez com que a pergunta
fosse compreendida, possibilitando-nos mensurar o conceito desejado.

(v) Por meio do survey é possível estabelecer correlações entre va-


riáveis e relações causais a partir da coleta de dados e da teoria.

Com esse instrumento de coleta de dados e de posse de uma boa teo-


ria, pode-se ir até mesmo além daquilo que os dados revelam imediata-
mente, buscando o que King, Keohane e Verba (2000) classificam como
inferência científica. Por exemplo, podemos imaginar a princípio, como
faz certo senso comum progressista sobre o processo de recrutamento
de candidatos, que a ausência de candidatas nessa fase de confecção das
listas partidárias se deve ao caráter sexista dos selecionadores, sempre
dispostos a privilegiar homens. O survey pode (e de fato o fez, no nos-
so caso) revelar que as mulheres não se candidatam não porque são re-
jeitadas pelo partido, mas sim porque não possuem condições sociais,
familiares e de tempo para entrar na vida política, todas elas condições
para chegar até o partido. Uma boa teoria, portanto, poderia nos levar a
indagar sobre a natureza das relações de gênero que caracterizam a so-
ciedade brasileira como parte fundamental da explicação desses dados
revelados pelo questionário.

(vi) As pesquisas dessa natureza cumprem uma exigência funda-


mental da cientificidade: a replicabilidade (idem).

O mesmo questionário pode ser utilizado para diferentes populações,


em diferentes pontos do tempo e do espaço. A publicação da forma com
que o questionário foi montado e aplicado (além do próprio questioná-
rio), como é o caso deste capítulo, é fundamental para que esse critério se
cumpra9. O questionário ao qual nos referimos neste capítulo está publi-
cado integralmente no apêndice 1 deste livro (p.281).

(vii) A pesquisa de survey é específica.

9
Outro bom exemplo deste tipo de publicação pode ser encontrado em Freire, Viegas
e Seiceira (2009).

39
Como estudar elites

Podemos investigar temas muito específicos ou relações entre temas que


antes não haviam sido elaboradas pela literatura. Por exemplo, a seleção
de candidatos sempre foi retratada na literatura como o “jardim secreto”
dos partidos políticos (GALLAGHER; MARSH, 1988), um processo de difí-
cil acesso e realizado a portas fechadas no interior das legendas. Somado
a isso, sabemos que nos processos de seleção de candidatos na América
Latina predominam procedimentos informais em que fontes oficiais –
como estatutos ou programas de partido – pouco revelam sobre esse objeto
(FREIDENBERG; LEVITSKY, 2008). Desse modo, técnicas como a do survey
tornam viável acessar diretamente os atores do processo e indagá-los acer-
ca do “jardim secreto” do processo seletivo nos seus partidos.

(viii) O survey é capaz de coletar uma grande quantidade de dados,


mais do que a maioria das outras técnicas, como observação
participante, entrevista em profundidade e análise histórica.

É o que se denomina “range of applicability”. Isto é, com ele somos


capazes de criar perguntas pertinentes sem depender das limitações das
fontes. Isso permite aprofundar o vínculo com a teoria (linkage to the-
ory), o diálogo entre ela e os dados e, por conseguinte, desenvolver novos
conceitos (conceptual richness). Por exemplo, pesquisas em fontes frias
– como arquivos, jornais, livros – não conseguem ir além das informações
disponíveis na fonte escrita. Através de questionários conseguimos abor-
dar todos os pontos que o pesquisador julga pertinente para validar um
conceito, atenuando em alguma medida a condição de refém das fontes
produzidas por outros.
Temos então um conjunto de vantagens que fazem da aplicação do sur-
vey uma técnica de pesquisa bastante confiável, com forte presença nas
Ciências Sociais e que conta já com grande tradição de discussão meto-
dológica sobre as suas características (ALMEIDA, 2009; ONUKI; MAGA-
LHÃES; OLIVEIRA, 2012; RODRIGUES, 2006). Em nosso caso, procuramos
apontar como suas principais vantagens (i) o papel ativo do pesquisador
na elaboração do seu desenho de pesquisa; (ii) seu papel ativo na elabo-
ração do conteúdo das questões; (iii) a possibilidade de trabalhar com
amostras e inferências estatísticas; (iv) o respeito à lógica mental do en-
trevistado; (v) a possibilidade de estabelecer relações de causalidade ou
correlações estatísticas a partir dos dados; (vi) sua replicabilidade; (vii)
sua capacidade de especificação e (viii) a riqueza empírica e teórica.

40
O uso do survey no estudo do recrutamento político

Essas vantagens, no entanto, são acompanhadas por alguns limites im-


portantes. A seguir, apontamos os que consideramos os mais relevantes.

(i) O primeiro deles diz respeito à dificuldade de criar medi-


das para variáveis de percepção ou comportamento, tarefa
complexa tanto na montagem do questionário quanto em
sua aplicação e análise dos dados coletados, podendo ge-
rar o que a literatura chama de specification error (LEEUW;
HOX; DILMANN, 2008, p. 4).

É sempre um problema saber se nosso questionário permite medir exata-


mente aquilo que pretendemos. Como mensurar a posição ideológica de um
determinado indivíduo quando a percepção de tal postura pode ser afetada
pelo contexto político-social em que o mesmo está inserido? Como saber se o
entrevistado reconhece os termos da questão, se ele pensa com as categorias
ou em função das categorias de “direita” e “esquerda”, por exemplo? Para
evitar esse problema, é preciso conhecer, nem que seja um pouco, aqueles
que queremos entrevistar10. Ou seja, ter um conhecimento do contexto em
que vivem os entrevistados é fundamental para evitar a imposição de termos
não reconhecidos por eles e essa é uma tarefa sempre complicada, pois nem
sempre há informações prévias e disponíveis sobre isso. Uma alternativa ao
uso arbitrário de termos e expressões é produzir uma proxy, isto é, uma vari-
ável que seja “uma aproximação confiável da visão de mundo do entrevista-
do” (ALMEIDA, 2009, p. 113). Essa aproximação pode ser feita através de per-
guntas sobre situações a serem hipoteticamente enfrentadas pelo candidato
de modo a tentar captar a sua reação, também hipotética, a elas.
Por exemplo, queríamos determinar se os indivíduos eram ou não dis-
ciplinados em relação ao partido político ao qual estavam filiados. Em vez
de perguntarmos “O(a) senhor(a) poderia nos dizer se é disciplinado(a)
em relação ao partido a que pertence?”, o que implicaria pressupor que o
entrevistado teria sobre o termo “disciplinado” o mesmo entendimento

10
Um dos modos mais acertados para uma exploração prévia à realização de uma pes-
quisa de survey é fazer entrevistas em profundidade com uma amostra não representati-
va da população, de modo a ter mais clareza sobre os pontos a serem abordados, sobre
a maneira de formular questões, sobre que tipo de linguagem é a mais adequada para
o contexto em questão etc. A partir de então, pode-se dar início à elaboração de um
questionário de maneira bem mais segura.

41
Como estudar elites

que nós (i.e., estritamente fiel às determinações do partido), optamos por


perguntar: “Numa situação hipotética em que o(a) senhor(a) tenha uma
posição pessoal e seu partido uma posição divergente, o(a) senhor(a): 1.
Adota a posição do partido ou 2. Mantém sua posição pessoal?”. A dis-
ciplina continuou sendo o foco de nossa indagação, sem que a questão
fosse formulada diretamente nesses termos.

(ii) Uma segunda desvantagem consiste em elaborar escalas que


representam pouco a realidade das atividades em que os res-
pondentes estão envolvidos.

Seguindo o modelo de análise de Hazan e Rahat (2010), interessava-nos


saber em que medida o processo de seleção de candidatos era mais ou
menos inclusivo. Segundo os autores, é possível pensar num continuum
onde os processos totalmente inclusivos têm na escolha dos candidatos
toda a população habilitada eleitoralmente, como no caso das primárias
norte-americanas. No polo oposto, apenas um único líder do partido esco-
lhe quem serão os candidatos que figurarão na lista eleitoral. O problema
é que as escalas de inclusividade não correspondem ao que os candidatos
vivenciam nos processos em que são escolhidos. É possível que o mesmo
candidato, ou o mesmo grupo de candidatos, passe por diferentes níveis
de inclusão durante a seleção; pode ser que seja inicialmente escolhido
por filiados do partido ou que uma nova seleção seja conduzida por um
colégio intermediário de delegados e a decisão final da composição da lis-
ta fique a cargo de um líder único; ou então diferentes grupos de candida-
tos podem ser escolhidos por diferentes métodos de seleção. Esse é o caso
mais típico no Brasil, onde um método misto de seleção ocorre para com-
por listas (BOLOGNESI, 2013). Parte dos indicados é escolhida por votação
de filiados, uma segunda parte da lista pode ser escolhida por colégio de
líderes e ainda podemos ter cotas para lideranças políticas. Assim, temos
processos de seleção onde um método pode ou não ser predominante em
relação aos demais. Esse misto de métodos de escolha leva a uma elabo-
ração de uma escala de inclusividade mais segmentada, em que temos
zonas cinzentas que partilham métodos de seleção de candidatos combi-
nados e que não podem ser captadas por uma escala simples. Ou seja, esse
tipo de aplicação direta e descontextualizada de uma escala produzida
para outra situação pode acarretar imprecisão empírica ou alto risco de
erro de especificação, para ficarmos na terminologia técnica.

42
O uso do survey no estudo do recrutamento político

O problema que enfrentamos aqui, portanto, é o da produção de me-


didas válidas e confiáveis de conceitos ou fenômenos. Segundo Almei-
da (2009, p. 172), medidas válidas são aquelas que “medem exatamente
o que deve ser medido”. Como aponta Fowler Jr. (2011), o problema da
validade dos dados coletados é o principal responsável por criar viés na
pesquisa. A validade refere-se à capacidade de uma pergunta captar a
resposta verdadeira de um entrevistado. Contudo, isso apenas ocorre em
teoria. Metodólogos sempre contam com uma estimativa de erro entre a
interpretação da pergunta e a resposta dada a ela.
Ou seja, não podemos querer coletar dados sobre um fenômeno for-
mulando questões sobre temas distintos ou, pelo menos, percebidos
como distintos pelos entrevistados. Uma medida válida, ademais de me-
dir exatamente o que se pretende medir, é aquela que, se replicada, “ofe-
rece resultados semelhantes quando mobilizada a mesma metodologia,
mas por diferentes pesquisadores” (FOWLER JR., 2011). Isso, como ve-
remos adiante, tem implicações tanto para a elaboração do questionário
quanto para a condução da entrevista. Em resumo, é preciso ter plena
consciência da “régua” que estamos utilizando em nossas medidas. E
isso não é simples.

(iii) Após a coleta e tabulação dos dados, a associação entre va-


riáveis não é sempre perfeita. O uso de indicadores para re-
sumir os achados sempre será parcial, não correspondendo à
interação real entre duas ou mais variáveis (KING; KEOHANE;
VERBA, 2000, p. 21).

No caso específico de nosso trabalho, a associação entre seleção de


candidatos e inclusividade, como vimos acima, pode não ser linear. A fi-
xação em um ponto da escala artificializa os parâmetros encontrados na
amostra. Na verdade, o que se pode encontrar não são associações dadas,
mas sim possíveis associações entre as variáveis a partir da pergunta que o
pesquisador quer responder11.
Para sermos mais claros: a representação de um ponto numa escala a
partir de uma percepção subjetiva de um processo nem sempre represen-

11
Para um exemplo, ver a questão V.31 do Apêndice 1, ao final deste livro (p. 287).

43
Como estudar elites

ta definitivamente aquilo que queremos medir. Psicometristas alertam que


qualquer que seja a pergunta sempre haverá um “erro médio” (CORTADA DE
KOHAN, 2006, p. 74) que se refere à diferença na interpretação que cada res-
pondente faz da pergunta e sua formulação lógica de resposta. Ao pergun-
tarmos para um de nossos entrevistados acerca da inclusividade da seleção
de candidatos – como expomos no ponto anterior – é possível que alguns
entendam terem sido selecionados por vários grupos presentes em nossa
escala (filiados, delegados, líder único). Contudo, o indivíduo sente, subje-
tivamente, que os filiados tiveram um papel fundamental para sua seleção,
respondendo assim que foram esses os responsáveis pelo procedimento.

(iv) Por fim, a maior dificuldade do uso de survey é a ida ao campo.

O treinamento dos aplicadores/pesquisadores deve ser extremamente


qualificado, a fim de evitar vieses de várias ordens. A simples presença
do entrevistador junto do entrevistado pode ser encarada como um ele-
mento que interfere na resposta obtida, assim como uma série de outros
elementos, como as vestimentas dos entrevistadores, a entonação da per-
gunta, a ênfase em determinada frase etc.12
Várias podem ser as fontes de erros que normalmente são desprezados
nas pesquisas desse tipo. O mais importante aqui é que os aplicadores sai-
bam de todos os detalhes de suas tarefas e que todos se comportem da
mesma forma durante a aplicação do questionário. Isso só é obtido com
o treinamento intensivo de aplicadores, o conhecimento por parte destes
do questionário, o uso de cartões de resposta, barras de probes13 e outras
medidas que podem auxiliar na obtenção de uma conduta de procedi-
mentos universalizada nas entrevistas.

12
Aparecer para uma entrevista com pessoas de uma posição socioeconômica mais baixa
vestindo, por exemplo, um terno, aumenta muito a probabilidade de intimidação do respon-
dente; usar gírias para entrevistar desembargadores gera uma rejeição imediata e visível ao
entrevistador; o uso de palavras carregadas de sentido para o entrevistado pode produzir
rejeição ou empatia, dependendo das circunstâncias. Por exemplo, ao entrevistarmos, em
outra ocasião, uma série de pessoas de entidades filantrópicas que atuavam em conselhos
de assistência social, percebemos que não podíamos utilizar as palavras “política” e “partido”,
pois ambas consubstanciavam a ameaça de “partidarização” e “politização” da função essen-
cialmente caritativa da assistência social, apesar de todos os representantes das entidades
filantrópicas apoiarem o partido do governo e sua política. Ter um conhecimento prévio e
inicial do objeto de estudo ajuda a evitar esses problemas.
13
A barra de probes é uma referência que o aplicador do questionário tem junto às per-

44
O uso do survey no estudo do recrutamento político

Ao fim e ao cabo, se pudéssemos fazer um balanço das vantagens e li-


mites do uso de survey, certamente diríamos que as vantagens superam
em muito as dificuldades colocadas por esse tipo de instrumento. Além
disso, grande parte dos problemas que são impostos por essa escolha me-
todológica pode ser contornada com a etapa que descreveremos a seguir:
a montagem do questionário.

2. O survey e o desenho da pesquisa: montando o questionário a partir da literatura


sobre o tema
Antes de discutirmos especificamente a relação entre a literatura e a elabo-
ração do questionário (e o conteúdo deste), é preciso que tratemos de al-
guns problemas enfrentados antes mesmo da elaboração do questionário.

2.1. Alguns problemas prévios


No estudo de recrutamento político enfrentam-se sempre dificuldades
crescentes quando tentamos entrevistar os ocupantes de postos mais ele-
vados na estrutura política (senadores, governadores, ministros etc.). Na
medida em que nossos questionários buscam informações com os “pode-
rosos”, o uso de websurveys não é uma alternativa viável, já que, nesses
casos, aumenta-se muito a taxa de recusa ou de não resposta14 em fun-
ção de o entrevistado (ou o seu staff) simplesmente apagar a mensagem
eletrônica que contém as explicações sobre a pesquisa e o questionário
(HEERWEGH; ABTS; LOOSVELDT, 2007). Frente a essa dificuldade, apre-
sentava-se a alternativa da entrevista via telefone15 . Contudo, o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e suas regionais (os TREs) não forneciam os con-
tatos de telefone dos candidatos.

guntas no momento da conduta de campo. Trata-se de um apoio impresso no questio-


nário ou à parte que cumpre a rotina de verificação de problemas no questionário, na
formulação de perguntas e respostas ou ainda para auxiliar o entrevistado com a com-
preensão dos enunciados. Ao fim e ao cabo, esse instrumento auxilia no aperfeiçoamen-
to do questionário durante a fase de pré-teste, mas também pode ser útil em futuras pes-
quisas, pois ajuda a aumentar a precisão das perguntas, acompanhar sua compreensão
pelos respondentes e sanar problemas na conduta de campo.
14
Heerwegh, Abts e Loosveldt (2007) lembram ainda que a persistência na busca de um
mesmo respondente não aumenta a taxa de resposta nos surveys em geral. A maior fonte
de não resposta se deve à ausência de tentativa de contato.
15
Um dos principais métodos de coleta via telefone é o chamado CATI: Computer Assis-
ted Telephone Interview, em que um questionário estruturado é aplicado em IVR (Interac-
tive Voice Response) e o computador processa já as bases de dados da amostra.

45
Como estudar elites

A solução era então localizar a população-alvo e garantir uma cobertu-


ra da amostra de forma presencial, com entrevistas face à face. Para tanto,
selecionamos os estados que iriam compor a pesquisa: São Paulo, Paraná,
Sergipe, Rio Grande do Sul e Pará. Como estávamos preocupados em ter
uma amostra representativa da unidade de análise, qual seja, os partidos po-
líticos, a aplicação do questionário deveria cumprir os requisitos mínimos
para que pudéssemos falar sobre os partidos analisados. Tentando manter a
proporcionalidade da amostra, a pesquisa contou com maior quantidade de
questionários aplicados em estados onde mais candidatos lançaram-se como
deputados federais. O estado de São Paulo, por exemplo, está nominalmente
sobrerrepresentado em nossa amostra, porém respeitando a proporcionali-
dade da distribuição das candidaturas. Ainda assim, para a unidade de grupo
que nos interessava, foram coletados 30 questionários de cada partido, per-
mitindo, conforme aponta Pereira (2004), a comparação entre os mesmos. A
decisão foi por garantir alguma diversidade regional quanto às característi-
cas socioeconômicas e culturais, embora sem a pretensão de realizar qual-
quer inferência sobre o processo de seleção de candidatos no Brasil como um
todo, limitando nossas conclusões aos estados pesquisados.
O segundo problema a ser resolvido era, então, saber quais os partidos
políticos que seriam escolhidos para a amostra, já que dar conta do univer-
so de 29 partidos existentes à época da pesquisa no Brasil seria impossível.
A escolha recaiu sob os quatro grandes partidos brasileiros: DEM, PMDB,
PSDB e PT. Estes foram escolhidos com um critério muito simples: eram
os únicos que possuíam uma bancada na Câmara dos Deputados com, pelo
menos, 5% e mais de 10% dos votos do eleitorado nas eleições de 200616.
Em seguida, iniciamos uma busca nos partidos políticos, nos sites pessoais
de candidatos e qualquer outra fonte que pudesse nos dar acesso à amos-
tra. Essa prática mostrou-se eficiente em tempos eleitorais. Podemos pen-
sar que a vantagem de realizar uma pesquisa no período de campanha é
justamente esta: os concorrentes no pleito estão o tempo todo interessados
em divulgar o que pensam e falar com a maior quantidade de pessoas pos-
sível. Ao assumirem o mandato, essa disposição decai.

16
O corte de 5% refere-se aos partidos que, em teoria, desfrutariam dessa proporção
de votos nas eleições nacionais, funcionando como uma cláusula de barreira para que
tivessem acesso aos cargos partidários (como líder de partido e bancada partidária) na
Câmara dos Deputados. Além disso, são os partidos que contam com um patamar míni-
mo (10%) para atuarem como organizações relevantes no sistema partidário brasileiro.

46
O uso do survey no estudo do recrutamento político

Um terceiro problema era relativo ao modo de realização da pesquisa


que, em nosso caso, foi feita de forma voluntária por colaboradores, em
geral alunos de graduação e pós-graduação, que se dispuseram a expe-
rimentar a atividade de campo. Isso foi, certamente, um dos grandes li-
mitadores para que pudéssemos expandir nossa investigação para uma
amostra representativa do ponto de vista nacional e/ou regional, dada a
falta de recursos para remuneração de uma equipe mais ampla.
Uma vez equacionados esses problemas, restava-nos estruturar o ins-
trumento de coleta. Abaixo apontamos as principais dificuldades enfren-
tadas e como tentamos contorná-las.

2.2. Tipos de erros e formas de evitá-los ao montar o questionário


Há uma série de erros possíveis ao montar o questionário, como perguntas
mal formuladas, utilização de gírias ou regionalismos, ordenação pouco pro-
veitosa das perguntas, entre outros. Porém, lidaremos com os três que mais
nos preocuparam na investigação das elites políticas e seu recrutamento.

(i) O primeiro erro, e o mais importante, é não levar em con-


ta o objetivo da pesquisa “em termos dos conceitos a serem
pesquisados e da população-alvo” (GHUNTER, 2003, p. 2;
FOWLER JR., 2011, p. 25). Ou seja, o pesquisador deve ter
profundo conhecimento sobre o que a literatura revela, em
especial, dos conceitos e fenômenos que serão analisados
através do survey e também daqueles que responderão os
questionários.

O primeiro problema é resolvido por meio de uma exaustiva leitura da


literatura especializada. O segundo ponto é mais complicado. Em nosso
caso, havia dificuldades referentes ao ambiente em que seria aplicado o
questionário, sobre o qual não tínhamos qualquer controle. Preocupa-
va-nos, em especial, a possível recusa dos candidatos em respondê-lo,
visto que os mesmos estariam em campanha por votos e não estariam
interessados em dar entrevistas sem exposição midiática. Percebemos,
entretanto, que esse é o momento em que os candidatos mais desejam
falar, pois veem nisso uma garantia de alguma exposição pública que
possa render votos. Uma pesquisa acadêmica não é, certamente, a mais
atrativa das situações nesses casos. Por isso, quando contatamos o can-
didato ou seu staff, falávamos em pesquisa apenas em termos genéricos

47
Como estudar elites

para, depois, revelarmos que se tratava de um trabalho acadêmico com


fins estritamente científicos.

(ii) Um segundo erro importante na construção de questionários


diz respeito ao fenômeno largamente conhecido como social
desirability (ALMEIDA, 2009, p. 94). Nesses casos, os respon-
dentes podem ter suas respostas determinadas pelo contex-
to social ou político em que estão envolvidos. Os indivíduos
podem mascarar suas verdadeiras posições tendo em vista o
que é socialmente desejável.

No caso específico, ao perguntarmos, por exemplo, sobre as caracterís-


ticas importantes para que uma pessoa fosse escolhida para compor a lista
(ou sobre como foi o processo de seleção de candidatos ou, ainda, sobre
qual a função de um deputado federal), nossa intenção foi evitar dar aos
entrevistados apenas opções politicamente aceitáveis. Um caso típico no
Brasil é que políticos em geral tendem a esconder suas posições ideológicas
mais ligadas à direita, visto estar esta opção vinculada historicamente ao
período da ditadura militar, ainda vivo na memória de grande parte da po-
pulação17. Em nosso caso específico, havia um problema em perguntar aos
entrevistados sobre a avaliação valorativa que os mesmos faziam do pro-
cesso de seleção de candidatos, ou seja, se o consideravam “democrático”,
“hierárquico” ou “burocrático”. Prevendo um possível comportamento so-
cialmente desejável, onde a maior parte dos entrevistados responderia que
o processo foi democrático, incluímos outras perguntas a fim de mensurar
o conteúdo da resposta18. O resultado foi o esperado: mesmo entrevistados
que respondiam terem sido selecionados por um único líder do partido,
afirmavam que o procedimento havia sido “democrático”.

17
Outro exemplo disso é o fenômeno, constatado no Reino Unido nos anos 1990, qualificado
como “The Shy Tory Factor”. Após anos de governos do Partido Conservador, as pesquisas
indicavam que o Partido Trabalhista teria uma pequena maioria no Parlamento. Contudo, o
resultado foi que os conservadores conquistaram mais uma vez a maioria, com quase 10%
a mais de cadeiras. A explicação foi que os eleitores estavam “escondendo” suas intenções
de voto tendo em vista a continuidade do partido por tantos anos. Com a Era Trabalhista de
1997 a 2010, alguns analistas políticos se preocupavam com o fenômeno oposto. Ver “The
Shy Labour Factor”. Fonte: <http://www.mrs.org.uk/>. Acesso em: 15 set. 2015.
18
Para perguntas de verificação lógica ver as diferenças no conteúdo das perguntas V.19,
V.21 e V.31 do Apêndice 1, ao final deste livro (p.284 e p.287, respectivamente).

48
O uso do survey no estudo do recrutamento político

(iii) Por fim, tínhamos de lidar com os problemas de recall. Pro-


blemas de recall são aqueles em que é preciso contar com
a memória a médio e longo prazo do entrevistado. Erro co-
mum, apontado por Halperin e Heath (2012, p. 236), é o cha-
mado telescoping. Ao pedir que um indivíduo descreva uma
ação no passado, há tendência de que a memória desse even-
to se mescle com a lembrança de eventos mais recentes.

Esse problema era particularmente importante para nós por dois moti-
vos muito práticos. Primeiro, com o decorrer da campanha, os candida-
tos poderiam ter diferentes percepções sobre como foram selecionados.
Candidatos que estavam tendo um desempenho mais positivo poderiam
avaliar de maneira artificialmente positiva o processo de seleção e vice-
versa. Além disso, a dinâmica frenética das campanhas eleitorais poderia
afetar a memória sobre fenômenos ocorridos meses atrás, diminuindo
a exatidão da informação e, consequentemente, sua confiabilidade. Em
nosso caso, evitamos os problemas de recall conduzindo as entrevistas
em um momento delimitado no tempo, aplicando todos os questioná-
rios logo após o registro dos candidatos nas listas eleitorais na convenção
partidária de cada sigla, como estabelecido pelo calendário eleitoral bra-
sileiro daquele ano.

2.3. A literatura sobre seleção de candidatos e a elaboração do questionário


Até a presente pesquisa, a utilização de survey para o estudo de sele-
ção de candidatos no Brasil é praticamente nula, em qualquer das suas
formas ou tipos. Os estudos realizados até então foram empreendidos
levando-se em conta as estratégias dos partidos, a organização partidá-
ria ou a percepção que os líderes dos partidos têm ao operar a formação
das listas (BRAGA, 2008; ÁLVARES, 2008). No entanto, para a nossa sor-
te, outros estudos, notadamente no Reino Unido e em Portugal, con-
duziram entrevistas com candidatos para identificar os critérios para
a formação da lista partidária (por exemplo, NORRIS; LOVENDUSKI,
1995; FREIRE; VIEGAS; SEICEIRA, 2009). Foi esse conjunto de estudos
estrangeiros que nos forneceu algumas orientações iniciais para a mon-
tagem do questionário.
Uma das formas de antever os problemas pela literatura ou pela ausên-
cia de dados sobre um determinado processo ou população é o pré-teste.
O pré-teste é largamente mobilizado quando a população é muito hetero-

49
Como estudar elites

gênea ou não há apoio em estudos anteriores sobre o objeto e o problema


a ser investigado (ALMEIDA, 2009; SIMÕES; PEREIRA, 2009). Em nos-
so caso, encontramos na literatura estrangeira abundantes informações
que nos ajudaram na formulação de conceitos, indicadores e hipóteses,
reduzindo a necessidade de realizar o pré-teste do questionário. Isso foi
importante porque o ritmo da nossa pesquisa era definido pelo calendá-
rio eleitoral. A partir de meados de julho até o início de outubro dos anos
eleitorais as candidaturas são homologadas e estão em franca campanha
por votos, enquanto as convenções partidárias devem ocorrer até 30 dias
antes do início do pleito. Tínhamos assim um curto espaço de tempo para
aplicar o questionário, o que impossibilitava a realização do pré-teste.
Nessas situações, poder contar com o forte apoio de uma literatura espe-
cializada é algo ainda mais importante.
Mas por que aplicar o questionário no interior dos partidos políticos?
Por que não em outras instituições que poderiam indicar candidatos, tais
como sindicatos, igrejas, associações de bairros, movimentos sociais, as-
sociações profissionais, entre tantos outros?
Em primeiro lugar, porque a exigência de filiação partidária para con-
correr a posições políticas legislativas ou executivas é lei no Brasil19. Em
boa parte do mundo isso ocorre de forma semelhante. Alguns países,
como os Estados Unidos, El Salvador, Alemanha, Escócia e alguns outros
permitem que candidatos se lancem aos legislativos nacionais ou regio-
nais sem a exigência da filiação partidária.
Em segundo lugar, porque o partido político é histórica e organizacio-
nalmente a única instituição capaz de atuar tanto na sociedade quanto
nas arenas eleitoral e legislativa (PANEBIANCO, 2005). Essa característica
faz com que os partidos, mesmo se não formalmente compelidos, sigam
sendo o lócus por excelência onde são selecionados os candidatos.
Contudo, a despeito da importância central dos partidos, a seleção de
candidatos não é apenas um processo partidário. Existe, como aponta
Norris (2013), uma série de filtros que socializam, treinam e profissiona-
lizam, tornando apenas um certo grupo de indivíduos aptos para a vida
política. Esse processo maior de recrutamento, que antecede temporal e
metodologicamente a seleção de candidatos, está intimamente ligado a

19
Conforme a Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1997.

50
O uso do survey no estudo do recrutamento político

dois aparatos centrais para constituição do político: a socialização e a mo-


tivação (CZUDNOWSKI, 1975).
Para dar conta das dimensões extra e intrapartidárias do processo de
seleção de candidatos, dividimos nosso questionário em quatro blocos:
(i) questões pessoais sobre o candidato; (ii) questões referentes ao pro-
cesso de socialização política; (iii) questões que revelassem informações
sobre as motivações que levaram o entrevistado a entrar na vida políti-
ca e, por fim, (iv) questões sobre a percepção dos candidatos acerca do
processo de seleção dentro do seu partido. Tentando dar cabo de um
modelo completo de recrutamento político, os três blocos finais davam
conta justamente daquilo que a literatura aponta como fundamental
para que indivíduos se tornem políticos. Iniciamos com questões preo-
cupadas com a relação que os candidatos tiveram com a família, com as
atividades escolares (tais como os cursos que se graduaram ou o tipo de
escola, se pública ou privada, que frequentaram), com participação em
movimentos sociais, associações de bairro, sindicatos, órgãos de classe,
movimento estudantil ou religioso.
Em seguida, o questionário abordou o tema da motivação política. Pre-
ocupou-se em saber onde (em que instituição) e de que modo aquele indi-
víduo que, durante a entrevista, já estava suficiente engajado a ponto de
disputar uma vaga na Câmara dos Deputados, havia começado a se inte-
ressar por política. Pensamos que a motivação poderia estar associada à
participação dos indivíduos nas instituições pelas quais passaram ao lon-
go da vida. Por exemplo, vimos que boa parte dos entrevistados afirmava
ter se interessado por política durante a universidade ou quando frequen-
tou o sindicato ou órgão de classe profissional (PERISSINOTTO; VEIGA,
2014). Adicionalmente, percebemos que o partido político se revelou uma
organização que está diretamente associada com a profissionalização po-
lítica: boa parte dos entrevistados mostrou que passou a encarar a política
de forma profissional após assumir algum cargo dentro do partido. A jus-
tificativa para todas essas questões era muito simples: para que um indi-
víduo decida se dedicar à atividade política como profissional não basta
que possua recursos socioeconômicos importantes e que tenha a oportu-
nidade de fazê-lo. Essas são, certamente, condições necessárias, mas não
suficientes. É preciso ainda que ele tenha vontade de entrar na política.
Por fim, dedicamos a maior parte de nossas perguntas para o processo
de seleção de candidatos. A preocupação aqui é que, cumpridas as exi-
gências anteriores, um procedimento institucional poderia ser a chave

51
Como estudar elites

para explicar porque são tão poucos os indivíduos que conseguem dis-
putar uma eleição20.
A literatura aponta que seleções de candidatos conduzidas por primá-
rias abertas a todos os eleitores não são necessariamente mais democrá-
ticas. Nesses casos, a seleção feita por primárias ou por votação com a
participação de muitos membros do partido tende a escolher aqueles
candidatos que representam a média das características desejadas pela
maior parte dos selecionadores, o que pode excluir importantes grupos
minoritários, numa espécie de “tirania da maioria”. O espaço para mino-
rias ou grupos sub-representados fica mais restrito, mesmo que pareça,
à primeira vista, um processo muito mais inclusivo e democrático (HA-
ZAN; RAHAT, 2010). Por outro lado, candidatos escolhidos apenas por um
único líder do partido não estariam dispostos a colaborar com o partido
como instituição, com o grupo, manifestando laços de lealdade apenas
com aquele que o garantiu na lista eleitoral. Questões dessa natureza é
que nortearam a formação das perguntas sobre a seleção de candidatos.
Indagamos se os entrevistados haviam sido escolhidos para estarem ali
por votação ou por indicação, se os filiados do partido participaram da in-
dicação ou não, ou se a escolha foi realizada por delegados partidários. A
articulação dos dados coletados a partir dessas perguntas é que nos levou
a reconstruir peça a peça o processo pelo qual os candidatos a deputado
federal em 2010 foram nomeados.
Num segundo momento, ainda sobre o processo de seleção, tentamos
colher variáveis que pudessem nos dizer não somente algo sobre a se-
leção em si, mas também acerca das consequências desta. Ou seja, ten-
tamos mensurar o comportamento dos candidatos no período eleitoral
e sua relação com as bases políticas. Perguntamos se eles seriam disci-
plinados em relação aos partidos, quem estavam representando eleito-
ralmente (se o partido, se a região geográfica de onde vinham, se sua
categoria profissional etc.).
Desta forma conseguimos construir um questionário capaz de dar con-
ta das complexidades do processo de seleção de candidatos dentro dos
partidos analisados. Com ele, abordamos a dimensão dos recursos sociais

20
Vale dizer que os dados de Gallagher e Marsh (1988), mesmo que bastante defasados,
mostram que apenas 0,04% dos legalmente habilitados conseguem atingir o posto de
candidato por um partido qualquer nas democracias ocidentais.

52
O uso do survey no estudo do recrutamento político

possuídos pelos concorrentes, o processo de socialização política pelo


qual eles passaram a ponto de gerar motivações subjetivas fortes o su-
ficiente para fazer da política uma área atrativa de atuação e, por fim, o
processo seletivo no interior da organização partidária.

3. O campo: os entrevistadores, a aplicação e o questionário


São bastante escassos no Brasil os relatos sobre a conduta de campo em
pesquisa de survey depois de realizada a aplicação. Alguns autores (BA-
BBIE, 2005; SIMÕES; PEREIRA, 2009) sugerem condutas de pesquisa de
campo que, dependendo do contexto, devem ser levadas em considera-
ção e adotadas. Em nosso caso, gostaríamos de abordar três problemas
bastante importantes na aplicação do questionário: a figura do entrevis-
tador, a aplicação propriamente dita e o tipo de entrevista.
O uso do entrevistador (em vez da entrevista por telefone ou via in-
ternet) possui algumas vantagens. A primeira dela é prática. Os entre-
vistadores compõem parte da equipe de pesquisa e ajudam na solução
de problemas operacionais importantes, como, por exemplo, encontrar
o telefone ou o e-mail de candidatos em tempos eleitorais em um país
de proporções gigantescas como o Brasil, o que já é, por si só, uma tare-
fa bastante árdua. A segunda vantagem (e, talvez, a maior delas) é que
os entrevistadores garantem alta taxa de retorno já que estão o tempo
todo em contato com o entrevistado e seu staff de modo a garantir a
realização da entrevista21. Nesse sentido, a presença do entrevistador
amplia as chances de que os entrevistados responderão de fato ao ques-
tionário, permitindo atingir taxas de retorno impensáveis quando com-
paradas com outras estratégias de pesquisa. A terceira vantagem é que
é possível fazer do entrevistador um agente engajado em outras dimen-
sões da investigação e, assim, contar com a sua participação em outros
procedimentos, como a preparação dos questionários, a elaboração de
material de apoio e outros detalhes da pesquisa. O uso do entrevistador
ajuda, assim, a reduzir os custos que, em outros casos, exigem ainda
o envio de folders explicativos, material gráfico ou ainda a criação de
websites. A presença do entrevistador elimina boa parte desse aparato.

21
Babbie (2005, p. 253-254) admite que o estabelecimento de valores específicos para
taxas de retorno é rudimentar e bastante arbitrário. Porém, taxas muito abaixo da metade
da amostra oferecem o risco de inviabilizar a amostra em si.

53
Como estudar elites

A quarta vantagem é que a figura do entrevistador diminui a quantidade


de respostas “não sei” e “sem resposta”, já que a simples presença de
um interlocutor constrange a escolha dessa opção. O entrevistador pode
insistir para que o entrevistado escolha uma das opções disponíveis22. O
entrevistador pode ainda ajudar o entrevistado a entender o mecanismo
do questionário, os procedimentos de pesquisa ou desfazer confusões
sobre os itens listados e as opções de resposta. É muito importante que
se diga, porém, que não se trata de uma interferência na escolha do res-
pondente, mas sim de esclarecer possíveis dúvidas que este possa ter,
o que é geralmente feito através do uso de barras de probes. Por fim, o
entrevistador pode fazer observações que achar pertinentes quanto ao
comportamento do respondente, como tempo de resposta, conduta (se
nervoso, apreensivo, debochado, indolente etc.).
É claro que o uso do entrevistador tem desvantagens. A principal delas
é que a presença de um aplicador forçosamente reduz a privacidade do
entrevistado e isso pode levá-lo a se sentir constrangido para responder
questões mais polêmicas ou mais sensíveis socialmente. O respondente
pode, nesses casos, tentar usar o entrevistador para saber exatamente
qual a resposta aceitável ou esperada. Com entrevistadores mal treinados,
esses problemas podem se tornar ainda mais graves.
A conduta do entrevistador no campo é orientada por dois axiomas me-
todológicos. O primeiro é a neutralidade do pesquisador. Nas palavras de
Babbie (2005, p. 260), “o entrevistador deverá ser um meio neutro, atra-
vés do qual perguntas e respostas são transmitidas” (grifo no original). O
segundo axioma é que o survey deve ser um instrumento “irrealista de
cognição” (ibidem), ou seja, cada pergunta e cada item de resposta deve
representar exatamente a mesma coisa para cada respondente. Na práti-
ca esses axiomas dificilmente são efetivados à risca. Mesmo levando-se
em conta prescrições sobre a forma de se vestir, de se portar ou de falar,
elementos imprevistos interferem na percepção do entrevistado sobre o
entrevistador23. Contudo, o conhecimento prévio de elementos da políti-

22
Em tese, isso poderia ser um problema. Porém, não se trata de proibir que o entrevis-
tado diga que não sabe a resposta ou que não quer responder à pergunta, mas sim de
evitar que respondentes utilizem as opções “não sei” ou “não respondeu” como fuga
para agilizar o preenchimento do questionário ou não manifestar uma opinião que julga
comprometedora. Por essa razão, em questionários auto-administrados os pesquisado-
res geralmente preferem retirar essas opções de resposta.

54
O uso do survey no estudo do recrutamento político

ca partidária como o nome do partido, as exigências legais para uma can-


didatura, o formato esperado da seleção, entre outros, podem contribuir
para que o questionário seja aplicado da maneira mais padronizada possí-
vel para cada respondente.
O segundo problema que gostaríamos de discutir neste item é o da apli-
cação dos questionários. Esse procedimento se deu em sua maior parte
durante convenções partidárias que homologaram os candidatos a depu-
tado federal em 2010 ou em contatos posteriores, mas ainda assim duran-
te os 30 primeiros dias da campanha eleitoral daquele ano. Na maior parte
das vezes, se o entrevistado não podia nos dar a entrevista durante a con-
venção do partido, ele era contatado por telefone imediatamente nos dias
subsequentes à convenção, tentando evitar assim que o andamento da
campanha política afetasse as respostas. Este é um problema sério do pro-
cesso de pesquisa. As convenções partidárias não são o melhor momento
para a aplicação do questionário dado o caráter conturbado do ambiente
e a quantidade de estímulos que desviam a atenção do entrevistado. Mas
esse é um problema sobre o qual não tínhamos controle. Quando não con-
seguimos controlar o contexto da entrevista, é altamente recomendável
que o questionário seja o mais amigável possível para o entrevistado, e
aqui chegamos ao terceiro ponto.
Nosso questionário foi desenhado para que cada entrevista não levas-
se mais do que 20 minutos. A nosso ver, esse seria um tempo razoável
para que alguém em meio a uma convenção respondesse sem grandes
constrangimentos. No entanto, o que vimos foram reclamações por parte
dos entrevistados sobre o tempo excessivamente longo necessário para
responder à pesquisa. Isso se deveu em grande parte à dificuldade de en-
tendimento de algumas de nossas questões, que continham um número
excessivo de alternativas. Isso ocorreu porque, seguindo a recomendação
de Babbie (2005), procuramos usar o questionário para cobrir o máximo
possível de itens sobre um objeto ainda pouco estudado, o que nos levou

23
Por exemplo, a linguagem que o entrevistador utiliza, se mais ou menos formal; o so-
taque, que pode revelar determinadas origens; acessórios nas roupas e no corpo; ex-
pressões faciais inevitáveis frente a respostas polêmicas etc. Esses exemplos evidenciam
pequenos detalhes que podem fornecer ao entrevistado pistas sobre a condução do
questionário e sobre seu comportamento durante a entrevista. Mesmo entrevistadores
com anos de prática e treinamento podem incorrer nesses pequenos deslizes e revelar
esta ou aquela emoção.

55
Como estudar elites

a pecar por exagero. Esse exagero, combinado com o ambiente ineren-


temente pleno de distrações que é a convenção partidária, trouxe difi-
culdades para a aplicação. Observe-se que mesmo o pré-teste não teria
antecipado esse problema, pois seria impossível reproduzir o ambiente
da convenção partidária.
Para terminar este item com algumas recomendações suscitadas por
nossa experiência, sugerimos que o coordenador de pesquisa conte com
uma equipe de entrevistadores muito bem treinada, que procure anteci-
par o máximo possível os eventuais problemas contextuais a serem en-
frentados de modo a adaptar o questionário a eles e, nos casos em que
isso for possível, realizar o pré-teste do instrumento de coleta de dados.
Por fim, elaborar um questionário que não seja enfadonho nem demasia-
damente complexo. Avaliamos ainda que, para o caso de uma pesquisa
sobre seleção de candidatos, o questionário deve, apesar de simples, dar
conta das dimensões extra e intrapartidária do processo seletivo.

Conclusões
O capítulo procurou elencar os limites e vantagens da técnica de survey
para a pesquisa em Ciências Sociais em geral e para estudos de recruta-
mento político e seleção de candidatos, em particular.
No caso específico de nossa análise sobre o processo de seleção de can-
didatos em quatro grandes partidos brasileiros, pensamos que o survey
nos auxiliou em duas frentes, uma operacional e outra teórica.
Primeiramente, viabilizou a própria realização da pesquisa. Sua aplica-
ção nos permitiu gerar informações sobre o processo seletivo dentro dos
partidos políticos que não poderiam ser encontradas em qualquer outra
fonte. Em segundo lugar, o modo como estruturamos o questionário nos
possibilitou dar a devida importância ao caráter complexo do processo
de recrutamento político, chamando atenção para as dimensões extra e
intrapartidárias do mesmo. Desse modo pudemos encarar a seleção de
candidatos não como algo estático, localizado no momento da convenção
partidária, mas como um processo de longa duração, que se inicia muito
antes dos embates dentro do partido, mas certamente atinge seu auge no
interior dessa organização.
Em nenhum momento, porém, julgamos que o uso de survey pudesse
esgotar todas as possibilidades de uma pesquisa como essa ou que pudesse
simplesmente dispensar o uso de técnicas distintas. Entrevistas em pro-
fundidade com grupos reduzidos e a etnografia de momentos-chave do

56
O uso do survey no estudo do recrutamento político

processo eleitoral, como as convenções partidárias, podem ser conjugadas


com o uso do survey e produzir resultados mais completos e evitar sobre-
carregar o questionário com perguntas muito amplas e com uma lista de
alternativas demasiado extensa (CARNAGHAN, 2007). Pensamos, portanto,
que temos tudo a perder e nada a ganhar com a pureza metodológica.

57
Como estudar elites

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60
3. O desenho e as fontes da
pesquisa com elites parlamentares
brasileiras no século XX
Luiz Domingos Costa
Lucas Massimo
Paula Butture
Ana Paula Lopes

O valor de um instrumento de pesquisa reside, [...] em última


instância, no que podemos aprender com a sua utilização.
ROSEMBERG, 1976, p. 16.

ESSE CAPÍTULO RESULTA da experiência de uma pesquisa quantitativa


com os senadores brasileiros eleitos de 1889 até 20102. Nosso objetivo é ex-
por a aprendizagem obtida a partir do desenvolvimento de um projeto so-
bre as transformações sociais e políticas do pessoal político do Brasil. Esse
empenho se justifica, em primeiro lugar, em função da baixa atenção dedi-
cada à descrição do campo de pesquisa, especialmente entre os estudiosos
das elites parlamentares. Os segredos em publicações desses trabalhos são
vários. Pouco se conhece a respeito do manuseio das fontes e, sobretudo,
dos instrumentos utilizados por pesquisadores trabalhando com grandes

1
Os autores agradecem os comentários à primeira versão feitos por Renato Perissinotto
e Adriano Codato, bem como as sugestões de Bruno Bolognesi e Gabriel Vommaro para
aprimorar o conteúdo final do capítulo. As falhas remanescentes são de exclusiva respon-
sabilidade dos autores.
2
Esse texto se baseia no projeto “As transformações da classe política brasileira no século

63
Como estudar elites

amostras3. Em segundo lugar, porque ao apresentar as dificuldades, deci-


sões e procedimentos utilizados no decorrer do projeto, o texto apresentará
uma narrativa da construção metodológica da pesquisa, que é um dos in-
sumos fundamentais da prática científica. Uma descrição pormenorizada
da parte operacional da investigação permite, por fim, submeter à crítica
dos pares não apenas os resultados da pesquisa, mas também seus proce-
dimentos intermediários.
Portanto, um dos objetivos específicos dos bancos de dados diacrôni-
cos consiste em produzir uma coleção interligada e coerente de dados so-
bre um universo de indivíduos dispostos num longo intervalo temporal
(a esse respeito ver também o capítulo 9 deste livro). É uma tarefa que
pressupõe, afinal, uma linguagem de pesquisa social específica, dotada
de regras próprias e interessada em operacionalizar conceitos que sinali-
zam para uma dimensão temporal dilatada.
Um levantamento quantitativo de dados sobre um universo determinado
pressupõe o maior esclarecimento possível sobre as seguintes questões:

(i) A disponibilidade da informação de interesse para o estudo,


ou o problema relativo às fontes;

(ii) Os custos e benefícios da inclusão de determinada informa-


ção/variável no instrumento de coleta, tendo em vista a sua
utilidade para as categorias analíticas e as dificuldades de
sua coleta. Aqui a questão se refere à conversão dos conceitos
em variáveis empíricas dispersas;

(iii) Qual será o indexador das informações armazenadas, ten-


do-se em vista os objetivos analíticos. Embora a maioria dos

XXI: um estudo do perfil socioprofissional de deputados federais e senadores (1986-


2014)”, que faz parte das investigações sobre elites políticas brasileiras do Núcleo de
Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR) e do Observatório de Elites Polí-
ticas e Sociais do Brasil.
3
Justiça seja feita às exceções: os pesquisadores que utilizam surveys normalmente dis-
ponibilizam seus questionários (cf., por exemplo, as informações da pesquisa “Trajetó-
rias, perfis e padrões de interação de legisladores estaduais em doze estados da federa-
ção”, conduzida por pesquisadores do Centro de Estudos Legislativos da Universidade
Federal de Minas Gerais (CEL-UFMG). Também se consegue examinar as decisões das
pesquisas que lançam mão de bases de dados oficiais, como os dados do Tribunal Supe-
rior Eleitoral, já que os dados são de amplo conhecimento da comunidade especializada.

64
O desenho e as fontes da pesquisa

estudos de elites políticas tenha como preocupação os atribu-


tos individuais (socialmente determinados), é possível que se
considere os dados baseados em legislaturas inteiras, no man-
dato parlamentar e assim por diante. Essa questão se refere à
unidade de análise;

(iv) A relação entre o tamanho da amostra, o tamanho do ques-


tionário e a quantidade de variáveis. Não raro, há tendência
a incluir muitas variáveis. Mas o risco para essa opção é o ex-
cesso de dados, o que dificulta a operacionalização e gera cor-
relações simétricas ou recíprocas (ROSEMBERG, 1976). Essa
questão se refere à integração entre o universo e as variáveis.

A articulação entre essas questões são a base para um desenho ajustado


da pesquisa que consiga contornar ao máximo as defasagens entre o arca-
bouço teórico e a operacionalização empírica.
O texto está organizado da seguinte forma: a primeira seção apresenta
o desenho da pesquisa, com subseções dedicadas ao debate conceitual,
às variáveis selecionadas e à unidade de análise. Em seguida, a segunda
seção discute a relação de fontes disponíveis e como agrupar diferentes
materiais e a tradução das informações ali contidas para a padronização
da base de dados. Finalmente, as conclusões discutem as vantagens e li-
mites do caminho percorrido até aqui.

1. O desenho da pesquisa

1.1. Em busca de um conceito


Em meados de 2010, percebendo a franca expansão dos estudos sobre
o perfil das elites parlamentares no Brasil, surgiu o interesse de discutir
três achados da literatura especializada. Em primeiro lugar, a tese sobre
a “popularização da classe política brasileira” (RODRIGUES, 2006), que
aponta um deslocamento das bases sociais do recrutamento político para
as classes médias e médias-baixas. Em segundo lugar, a tese de que as
carreiras políticas são diferentes quando se caminha entre as diferentes
posições no eixo esquerda-centro e direita (SANTOS; SERNA, 2007). Por
fim, o argumento que afirma haver uma precária fronteira do campo polí-
tico brasileiro em relação ao seu entorno e que sustenta a baixa profissio-
nalização política dos nossos representantes (MARENCO, 1997).

65
Como estudar elites

No horizonte do nosso projeto estava a tentativa de revisitar critica-


mente essas explicações sobre o recrutamento legislativo no Brasil já que
a expansão da pesquisa sobre parlamentares trazia divergências cruciais,
como, por exemplo, as novas descobertas que demonstravam a existência
de carreiras políticas mais estruturadas entre os parlamentares (BRAGA;
VEIGA; MIRÍADE, 2009; PERISSINOTTO; BOLOGNESI, 2010). Para dialo-
gar com aquelas interpretações pioneiras, percebeu-se que a chave pro-
missora para a análise das transformações do pessoal político estava no
conceito de “profissionalização política”. Esse conceito permitiria, a nos-
so ver, lidar com o problema do recrutamento político numa perspectiva
mais ampla conceitual e historicamente.
A partir do conhecimento do projeto EurElite4 foi possível apostar que
os parlamentares brasileiros deveriam ser observados numa perspectiva
histórica mais ampla para situar o caso brasileiro diante das referências
estabelecidas por aquele projeto. O espírito básico do Projeto EurElite é a
comparação histórica das tendências assumidas pelo perfil da elite parla-
mentar na Europa desde 1848. Segundo alguns dos seus coordenadores,
o empreendimento faz parte da agenda de estudos inaugurados por Stein
Rokkan no final dos anos 1960, pois, no seu arcabouço conceitual, as uni-
dades nacionais não deveriam ser o objeto da investigação, mas apenas o
contexto para a observação dos padrões de recrutamento político em lon-
go prazo na Europa, incluindo recentemente também os países da Europa
pós-comunista (BEST; EDINGER, 2005).
O Projeto EurElite reuniu essas informações sobre tantos anos de histó-
ria parlamentar em muitos países, cada um deles com trajetórias bastante
singulares. Além da dificuldade de coletar as informações, houve ainda a
necessidade de operacionalizá-las em uma base de dados manuseável, ca-
paz de exprimir, com alguma clareza, a interdependência entre as mudan-
ças na estrutura social e as transformações na representação parlamentar
ao longo de 150 anos nos casos selecionados.
Os resultados identificaram a emergência de políticos recrutados nos
estratos sociais médios e possuidores de um estilo de carreira muito sóli-

4
Ele reúne, desde meados da década de 1980, uma rede de pesquisadores orienta-
dos teórica e empiricamente para a investigação do background social e do padrão
de carreira dos indivíduos eleitos para os principais parlamentos nacionais da Europa
(BEST; EDINGER, 2005).

66
O desenho e as fontes da pesquisa

do após a 2ª Guerra Mundial. A conclusão geral da coletânea organizada


por Best e Cotta (2000) sobre 11 países é que o sufrágio universal produz
profissionalização política e, esta, por sua vez, tende a provocar uma es-
pécie de coagulação da representação política: são os mesmos indivíduos
que permanecem nos cargos por muitos anos e ocorre um declínio das
chances de estender a representação para grupos de fora dos círculos es-
pecializados no ofício.
A pesquisa sobre recrutamento parlamentar no Brasil tem sido qua-
se totalmente orientada sincronicamente, abstraindo-se o fato de que a
composição do Legislativo de hoje é, na melhor das hipóteses, ligeira-
mente diferente da de dez anos atrás e sempre muito diferente daquela de
100 anos atrás (ELIASSEN; PEDERSEN, 1978, p. 286).
Uma perspectiva promissora para o estudo das transformações no re-
crutamento político reside no conceito de profissionalização política. A
operacionalização desse conceito exige um conjunto ampliado de variá-
veis em uma escala temporal que contemple muitas décadas e não apenas
algumas legislaturas.
Por fim, os trabalhos acima mencionados definiam profissionalização
de um modo teoricamente mais amplo: trata-se do modo pelo qual o sta-
tus social dá lugar ao status político como critério para o recrutamento
político. Assim definido, exige que se trate de duas dimensões que nem
sempre estavam articuladas no debate brasileiro: o background social e a
carreira política. A partir de então, uma nova pesquisa5 foi desenhada e
podemos sintetizá-la no quadro 1:

Quadro 1. Síntese do desenho da pesquisa

Tema Objeto Conceito central Pergunta Dimensões


explicativas

Transformações Elites políticas Profissionaliza- Como se deu o Background social


na composição parlamentares no ção política processo de pro-
da representação Brasil republicano fissionalização da Carreira política
legislativa ao (1889-2014) elite parlamentar
longo dos séculos no Brasil?
XIX, XX e XXI

Fonte: Elaboração própria.

5
O projeto iniciado em 2011, “As transformações na classe política do Século XXI: um estudo

67
Como estudar elites

Como a realização desse desenho exige uma investigação histórica, o in-


tervalo recoberto pela pesquisa foi ampliado para todo o período republica-
no, de modo que os problemas passavam para uma nova escala: as fontes
teriam que ser ampliadas, bem como o trabalho de coleta ficaria pelo menos
três vezes maior, exigindo nova provisão de prazo, recursos e pesquisadores.

1.2. A seleção das variáveis


Para transformar essas ideias em uma pesquisa efetiva, o passo seguinte
foi desenhar o instrumento de coleta de dados. As decisões foram toma-
das tendo-se em vista a combinação entre o objeto (elites parlamentares),
uma questão de pesquisa (profissionalização política) e a sua operaciona-
lização empírica (como montar a lista de variáveis).
A técnica de pesquisa que se convencionou para produzir dados biográ-
ficos de uma coletividade é a técnica da prosopografia (ou biografia cole-
tiva), que representa uma das interfaces mais produtivas entre a História
Social, a Sociologia e a Ciência Política (STONE, 2011).
É verdade, entretanto, que cada disciplina reserva para si uma apro-
priação particular da prosopografia que seja fiel à sua vocação. A História
Social, frequentemente, premia a microanálise (CHARLE, 2006, p. 43-44)
e a densidade de informações presentes no instrumento, incluindo atitu-
des e posições políticas, papel em eventos históricos, e assim por diante.
A Ciência Política, por sua vez, premia a macroanálise e os padrões de um
conjunto reduzido de variáveis de grandes quantidades de casos repre-
sentativos de uma elite6.
Em que pese a busca por um delicado equilíbrio prático entre o tama-
nho do universo (ou amostra) e a extensão da lista de variáveis contidas
no instrumento de coleta, qualquer experiência de pesquisa acaba se
deparando com a difícil eliminação de algumas informações biográficas
(que serão detalhadas no Quadro 2, adiante). Em outros termos, quais-

do perfil socioprofissional de deputados federais e senadores (1986-2014)”, foi encerrado em


2013. A partir de então, uma nova proposta foi apresentada ao CNPq para a ampliação tem-
poral da pesquisa, com o título: “As transformações da classe política brasileira nos séculos XIX,
XX e XXI: um estudo do perfil sócio-político de deputados federais e senadores (1889-2014)”.
6
Essa divisão do trabalho não é uma norma. Existem pesquisas de História Social com
amplo recurso à análise de longo prazo com universos ou amostras bastantes extensas
(cf. por exemplo, CHARLE, 2008), assim como há pesquisas em Ciência Política cujo ob-
jetivo é descrever e explicar pequenos grupos políticos — ver o capítulo 9 deste livro (em
particular o item 3, p.255-265) e Codato (2014).

68
O desenho e as fontes da pesquisa

quer indivíduos têm uma lista muito significativa de atividades em suas


biografias. Lidar com todas ou a maioria (isto é, uma ficha tão extensa
quanto um currículo individual carregado de tópicos) é inviável. E não se
trata de uma a dificuldade operacional, recolher muitos itens para muitos
indivíduos. Trata-se de uma dificuldade intelectual: não é possível combi-
nar muitas variáveis de modo rigoroso e ordenado para grandes amostras.
Assim, para usar uma expressão de Charles Ragin, é fundamental res-
peitar um “compromisso” entre a quantidade de casos (que são muitos) e a
quantidade de variáveis (que não pode ser exagerada), pela simples razão de
que não é possível estudar tanta informação (RAGIN, 2007, p. 97-98). Esse
assunto também é discutido no capítulo 9 deste livro (ver p.267 e p.270).
O quadro 2 procura ilustrar, de modo esquemático, três dimensões que
podem permear uma pesquisa sobre elites políticas. A seta dupla horizon-
tal representa uma trajetória individual desde a sua origem até a maturi-
dade e, quando o caso, o falecimento. Cronologicamente, o berço, o início

Quadro 2. Dimensões teóricas e as variáveis possíveis nos estudos de elites parlamentares

(A) (B) (C) (D)


Início da biografia Vida adulta e carreira Atividades exercidas Atividades posteriores
política prévia ao durante o mandato em ao mandato em análise
mandato em análise análise ou logo após

• Atributos sociais • Grau de escolari- • Atividade parlamentar • Derrotas eleitorais


dos pais e avós dade e diploma de (passagem pela mesa,
estudos superiores cargos de comissões ou
(quando obtidos) de bancadas e blocos)

• Trajetória escolar • Profissão(ões) • Tentativas eleitorais • Saídas para atividades


exercida(s) até a posteriores não eletivas e/ou sem
chegada no cargo indicação política (em-
presarias, de consultoria)

• Redes de parentesco, • Associações civis • Novas posições • Desistência da


matrimônios (sindicatos, clubes, etc) políticas ocupadas carreira política
depois de determi-
nado cargo público

• Militância partidária • Falecimento


(migração entre partidos;
pertencimento a cúpulas)

• Cargos públicos
eletivos e não eletivos)
ocupados antes do
mandato em análise

Fonte: Elaboração própria.

69
Como estudar elites

da trajetória e as informações familiares estão do lado esquerdo; ao passo


que a vida adulta e maturidade da atividade política está do lado direito.
O centro representa o elo entre as duas etapas temporais.
A parte indicada por (A) contém informações referentes à origem mais
remota dos membros de uma elite. Fortemente preocupados com os laços
iniciais de família, socialização primária e secundária, conexões feitas du-
rante a vida escolar (secundária e/ou universitária), os trabalhos que fazem
uso de dados dessa etapa da vida (muitas vezes, de dados sobre os pais e
avós) estão interessados em desvendar mecanismos sociais de premiação
de linhagens políticas, tradições e ligações locais como insumos constitu-
tivos dos grupos dirigentes de uma região em um certo período de tempo7.
Uma das dificuldades de alguns trabalhos que se limitam à dimensão
(A) é a obsessão pela exclusividade do uso das variáveis familiares. Os tra-
balhos que tomam por “elite política” apenas as famílias com atividade
política, como Doria (1995), acabam pressupondo aquilo que deveriam
definir: o que é a “elite política”. Em outras palavras, um jovem de uma
família política consagrada é alguém que pertence à elite política por seu
nascimento e socialização. Logo, a elite política é o conjunto das famílias
e seus herdeiros. Há uma redução da elite às famílias que se consolidam
no poder (ou, no mínimo, uma sobreposição entre a elite e as famílias que
a permeiam), de modo que os casos não pertencentes a tal condição po-
dem ser considerados “desviantes” ou “residuais”. Um indivíduo é da fa-
mília de elite e, por causa disso, a elite existe. Portanto, a causa do proces-
so social consiste na existência da família de elite (e em seus herdeiros) e
as consequências são suas relações de força com o mundo exterior8. Essa
observação não é correta, por outro lado, para os trabalhos que recons-
tituem as relações entre grupos familiares poderosos com as estruturas
sociais que pavimentam o caminho da elite até o topo, como a escola, as
ocupações e as próprias instituições políticas.

7
Como, por exemplo, a excelente análise sobre as carreiras nacionais dos filhos da elite
política gaúcha do Império elaborada por Vargas (2011). Também fazem uso desse tipo
de dados os trabalhos sobre mobilidade social geracional (VIANNA et al., 1997) e conver-
são de trajetórias familiares (MICELI, 1991).
8
Lawrence Stone identifica nesse tipo de análise uma indiferença à tradição teórica das Ci-
ências Sociais: “A técnica empregada consiste em fazer uma investigação meticulosamente
detalhada sobre a genealogia, os interesses comerciais e as atividades políticas do grupo,
os relacionamentos expostos por meio de detalhados estudos de caso, apoiados apenas
de maneira secundária e em um grau relativamente menor por suportes estatísticos. O

70
O desenho e as fontes da pesquisa

Para outros trabalhos, a dimensão (B) ocupa o centro da análise e a sua


preocupação reside em desvendar as tendências gerais de perfil socioe-
conômico (escolaridade e diploma) e de passagem pelas instituições polí-
ticas tradicionais como sindicatos, partidos e parlamento (BRAGA, 1998;
RODRIGUES, 1987, 2002; PERISSINOTO; COSTA; TRIBESS, 2009). Alguns
trabalhos situados nesse front, entretanto, concentram seu foco em pou-
cas variáveis sociais, como os trabalhos de Leôncio Martins Rodrigues
sobre a popularização da classe política, debruçado especialmente sobre
as ocupações prévias à política (RODRIGUES, 2006). Ou, então, quando o
objetivo consiste em associar formação escolar, ocupação prévia e suces-
so eleitoral (CORADINI, 2012).
A preocupação desses trabalhos está em estabelecer uma conexão entre
o mundo social (como grau de escolaridade, diploma ou patrimônio) e a
trajetória política (passagem por determinados partidos políticos (SAN-
TOS; SERNA 2007)) ou essas duas dimensões com o sucesso eleitoral (PE-
RISSINOTTO; MIRÍADE, 2009; PERISSINOTTO; BOLOGNESI, 2010). Esses
são trabalhos representativos, no Brasil, de uma tradição que procura as-
sociar de modo estrutural a relação entre o mundo social de partida e o
caminho traçado nas instituições políticas9.
A dimensão (C) se refere ao conjunto de trabalhos mais claramente preo-
cupados com atração, seleção e retenção de lideranças políticas pelas insti-
tuições. Fortemente dedicada ao estudo de legislativos, essa literatura pode
ser facilmente associada à tradição norte-americana sobre institucionalização
das casas parlamentares (POLSBY, 2008) e tem como preocupação central a

propósito de tal pesquisa é demonstrar a força de coesão do grupo em tela, mantido uni-
do por laços sanguíneos, sociais, educacionais e econômicos, sem falar de preconceitos,
ideais e ideologia. Quando o problema principal é político, argumenta-se que é essa rede
de vínculos puramente sociais e econômicos que dão ao grupo sua unidade e, portanto,
sua força política e, em grande medida, também sua motivação política, visto que a política
é uma questão dos ‘de dentro’ contra os ‘de fora’. Esta escola deve pouco ou nada às Ciên-
cias Sociais, apesar de que poderia ter aprendido muito com elas, e é largamente inocen-
te quanto ao uso consciente de teorias sociológicas ou psicológicas. Seus pressupostos,
entretanto, entendem claramente a política mais como uma questão de interações entre
pequenas elites dirigentes e seus clientes do que como movimentos de massa e esse au-
tointeresse, entendido como uma feroz competição hobbesiana pelo poder, pela riqueza
e pela segurança, é o que faz o mundo girar” (STONE, 2011, p. 116).
9
É possível afirmar que a associação teórica entre origem social, carreira política e chegada
a determinada posição de elite é a perspectiva que confere identidade e alguma unidade
aos trabalhos da Sociologia Política sobre elites parlamentares tal como realizados pelos
pesquisadores de tradição anglo-saxã e nórdica como, por exemplo, Guttsman (1974), Put-
nam (1976), Stanworth e Giddens (1974) e a próprio projeto EurElite citado acima.

71
Como estudar elites

dinâmica institucional e o peso das regras sobre as estratégias de carreira indi-


viduais. No Brasil, essa tradição está interessada em determinar, por exemplo,
as causas da reeleição dos deputados federais (PEREIRA; RENNO, 2007), ou
as opções paralelas para sobrevivência na carreira política (LEONI; PEREIRA;
RENNÓ, 2003). Finalmente, alguns trabalhos se utilizam de indicadores de
carreiras políticas para explicar a passagem por cargos de liderança política no
interior da Câmara dos Deputados (SILVA JÚNIOR; FIGUEIREDO FILHO, 2012).
Situados na dimensão (D) estão os trabalhos preocupados com uma
questão fundamental para a relação entre democracia e mercado: para
onde vão os políticos profissionais quando deixam a política? Trata-se de
uma perspectiva inclinada ao assunto da desistência da carreira política,
no interior da qual importa diferenciar aqueles que se retiram para ocupar
novas posições no interior de outras organizações como ONGs, empresas
transnacionais – decorrente de seu capital político acumulado e habili-
dades adquiridas (ALCÁNTARA, 2012, p. 124-129) – dos casos entendidos
como desistência por razões decorrentes de derrota eleitoral ou fracasso
na profissão política (FLORENTINO, 2008).
A pesquisa “As transformações na classe política dos séculos XIX, XX e
XXI: um estudo do perfil sócio-político de deputados federais e senado-
res (1889-2014)” se enquadra na dimensão (B). As variáveis selecionadas
(cf. Quadro 3 abaixo e apêndice 2 ao final do livro) insistem fortemente
sobre as características básicas de escolaridade, diploma, associativismo
e carreira política (cargos públicos ocupados, partidos, direção partidária
e as atividades parlamentares, incluindo, neste último caso, uma variável
típica da dimensão (C)).
Essa dimensão é grande o suficiente para produzir um instrumento de co-
leta de dados em uma planilha com cerca de 50 colunas. A ausência das di-
mensões (A) e (D) se deve menos a uma rejeição teórica das tradições que se
lidam com essas variáveis e mais a uma necessidade de recortar as biografias
em função da extensão do universo e, fundamentalmente, ao fato de que são
as variáveis da dimensão (B) que respondem mais diretamente pelo proble-
ma da profissionalização. Nesse caso, para utilizar a linguagem da metodolo-
gia quantitativa, a profissionalização é tomada como a variável dependente,
ao passo que as duas dimensões – background social e carreira política – são
desdobradas em uma série de variáveis explicativas ou independentes.
Essa decisão não é imune a críticas metodológicas. Por um lado, po-
de-se objetar que o instrumento despreza variáveis referentes às redes
familiares e de escolaridade básica, que representam fatores decisivos no

72
O desenho e as fontes da pesquisa

acesso primário ao universo político formal (nesse sentido, o instrumento


pecaria por formalismo). Por outro lado, pode-se apontar que essa lista de
variáveis é excessiva, podendo ocorrer diversos problemas internos du-
rante o seu manuseio, tais como colinearidade ou nulidade (o instrumen-
to, nesse caso, pecaria por falta de parcimônia).
Duas podem ser as respostas a essas críticas. Primeiro, no que diz res-
peito ao formalismo, sabemos, por exemplo, que as escolas básicas não se
constituem celeiros de elites políticas como se constituíam no passado.
Pelo menos não com a centralidade que ocupavam no Império. Estamos
seguros de que as variáveis de socialização excluídas do instrumento não
explicam por si sós o sucesso político individual e raramente têm alguma
correlação com as variáveis que explicam mais fortemente a profissionali-
zação política (diploma, ocupação e carreira política)10. Segundo, quanto
à falta de parcimônia, a ocorrência de colinearidade ou nulidade pode ser
contornada por meio das técnicas estatísticas, como regressão, por exem-
plo, retirando variáveis quando constatados esses equívocos. Portanto, a
opção foi considerar a maior quantidade possível das informações dispo-
níveis nas fontes e que são abordadas pelos trabalhos que serviram de
inspiração para o desenho de pesquisa aqui proposto.

1.3. A unidade de análise: biografias individuais ou mandatos parlamentares?


A coleta junto aos senadores foi concluída em abril de 2014, resultando
em uma base de dados que resume em 45 colunas as informações sobre
cada um dos 887 indivíduos que foram titulares dos 1 505 mandatos se-
natoriais do período republicano (1890-2010). A base de dados reúne uma
longa bateria de variáveis (são mais de 100 colunas no total) que estão
agrupadas em sete blocos de informação: identificação, filiação parti-
dária, carreira política, vínculos familiares, informações ocupacionais
e associativismo — para mais detalhes ver o apêndice 2 ao final do livro
(p.291). As 1 505 linhas do banco correspondem, cada uma delas, aos man-
datos dos titulares exercidos entre 21ª (1890) e a 54ª (2010) legislaturas.
A unidade de observação são as biografias individuais, mas a unidade de

10
Essa decisão foi tomada a posteriori, depois de termos utilizado essas variáveis nas
etapas iniciais da pesquisa. Após constatadas a baixa relevância para os padrões gerais,
essas variáveis foram retiradas da base de dados para economizar tempo de coleta e
minimizar as dificuldades de operacionalização dos dados.

73
Como estudar elites

análise são os mandatos. Assim, cada entrada se refere à carreira do in-


divíduo até o momento de ocupação daquela cadeira senatorial. Dessa
forma foi possível registrar, entre outras coisas, o aumento do tempo de
carreira do mesmo parlamentar quando ele fosse reeleito.
A relação entre o número de indivíduos e de seus mandatos em cada regime
político, bem como as fontes mobilizadas para cada conjunto de casos estão
listadas no quadro 3, abaixo. Percebe-se que, com a decisão de utilizar os man-
datos parlamentares e não as biografias como unidade de análise, houve o in-
cremento quantitativo do número de entradas, o que se explica pela reeleição
de parte do universo em uma ou mais ocasiões. O controle sobre a entrada do
indivíduo mais de uma vez na planilha se deu mediante os anos de eleição
para o Senado. Indivíduos com uma passagem como titular apareceram uma
vez; aqueles com duas passagens, duas vezes e assim sucessivamente.

Quadro 3. Distribuição das fontes utilizadas ao longo do tempo recoberto pela coleta dos dados

Período 1890-1915 1918-1937 1937-1945* 1945-1982 1982-2010

Fontes utilizadas Prodasen Prodasen e DHBB - DHBB DHBB

Entradas (un. análise) 625 226 0 358 296

Indivíduos (un. observação) 190 168 0 289 240

* Durante o Estado Novo as atividades legislativas foram suprimidas no país.


Fonte: Elaboração própria.

Por outro lado, a necessidade de conciliar duas fontes para uma parcela
dos casos acarretou uma série de dificuldades que discutiremos a seguir.
Na pesquisa sobre os senadores, o DHBB foi fonte exclusiva para os in-
divíduos eleitos entre 1946 e 2010. Os eleitos para a 35ª e 36ª legislaturas
(1930 a 1937) também aparecem no Dicionário do CPDOC, mas as infor-
mações obtidas sobre eles combinaram dados obtidos nos verbetes com o
material coletado nas fichas do Prodasen.

2. O percurso pelas fontes: identificação, integração e padronização

2.1. Um panorama das fontes sobre elites políticas no Brasil e algumas soluções
Estudos de elites se baseiam em diversos tipos de fontes para coleta
de dados. Em geral, para a maioria dos casos, as fontes são documentos
oficiais (RODRIGUES, 2006). Há também o uso de surveys (RODRIGUES,

74
O desenho e as fontes da pesquisa

1987); (PERISSINOTTO et al., 2007), entrevistas em profundidade (GRILL,


2008; MESSENBERG, 2007) e, mais raramente, o uso de memórias, dis-
cursos e biografias sobre os atores (MICELI, 2001). A partir dessas fontes
cria-se uma ficha biográfica própria bastante extensa sobre o universo,
baseada em informações presentes em todos os tipos de material, como
documentos, material de imprensa, dados dispersos em uma gama infini-
ta de fontes – como se nota, a variação no grau de complexidade de cada
fonte se reflete na estrutura básica de cada ficha biográfica, o que cria
algumas dificuldades para o intercâmbio de bases de dados, por exemplo
(BRAGA, 1998; CODATO, 2008). Para objetos mais afastados no tempo e
circunscritos em torno de coordenadas específicas (como uma década ou
uma cidade) é possível utilizar, ainda, anuários do tipo Who’s who (HEINZ,
2011) ou mesmo necrológios de jornais locais (NORONHA, 2011).
Com a expansão da Internet, informações sobre a vida dos políticos
estão ficando cada vez mais acessíveis11. Especialmente no que tange às
páginas pessoais, feitas pelas assessorias e publicitários, os materiais são
abundantes. Entretanto, diante de outras opções, esse tipo de fonte pare-
ce prescindível, sobretudo porque potencializa demais os vícios inerentes
à construção apologética das biografias feitas por encomenda. Pode-se di-
zer que esse conteúdo exagera o problema da “ilusão biográfica” (BOUR-
DIEU, 2006), isto é, a tentativa de dar um caráter linear e um “destino”
à trajetória do biografado, deturpando os fatores sociais e os contextos
que condicionam os acidentes de uma vida política. Além disso, essas
fontes sofrem de omissão sistemática de informações tidas como com-
prometedoras, como divórcios, participação em eventos com repercussão
negativa (como ditaduras e golpes), ou episódios que ocasionem desgaste
político no curto ou médio prazo (como migração partidária).
Dentre um conjunto tão variado de possibilidades, as decisões sobre
quais fontes utilizar envolveram os seguintes critérios: (i) viabilidade/aces-
so (o que excluiu as entrevistas, pois o universo era muito extenso e contava
com muitos indivíduos falecidos); (ii) possibilidade de uso direto e rápido
das informações (excluindo, portanto, memórias ou biografias pessoais) e

11
Para os portais legislativos estaduais, por exemplo, é possível encontrar muitas informa-
ções sobre os legisladores, mas o problema da irregularidade entre estados e indivíduos
ainda é muito marcado. Para uma excelente comparação de sites legislativos estaduais
em todo o Brasil, conferir Braga e Nicolás (2008).

75
Como estudar elites

(iii) a cobertura tão ampla quanto possível das biografias de parlamentares


eleitos ao longo de praticamente um século (o que nos levou a descartar
fontes direcionadas a setores isolados do nosso universo, como os políticos
mais “famosos” que aparecem, por exemplo, no Who’s who). Esses três cri-
térios são mais bem atendidos pelos dicionários e repertórios biográficos.
No Brasil, é possível afirmar que as informações biográficas mais abran-
gentes e sistemáticas estão consolidados nos Repertórios Biográficos (pro-
duzido para Câmara dos Deputados para os deputados federais), nos Da-
dos Biográficos (produzidos pelo Senado Federal para os senadores), nas
Radiografias do Congresso (produzido pelo DIAP) e no Dicionário Históri-
co-Biográfico Brasileiro (produzido pelo CPDOC-FGV).
A escolha sobre essas quatro fontes faz com que o pesquisador navegue
entre dois rochedos: optando por todos, ele conta com excessiva sobrepo-
sição de dados; optando apenas por um, a ausência de informações será
inevitável. A opção inicial foi utilizar o DHBB-CPDOC como fonte primor-
dial da pesquisa. Entretanto, como a atualização do Dicionário é lenta,
alguns parlamentares de período muito recente tiveram suas biografias
analisadas a partir dos Dados Biográficos do Senado Federal. A decisão de
incorporar a República Velha só foi possível após o acesso12 às fichas bio-
gráficas do Prodasen13. De forma definitiva, as fontes para a pesquisa são
essas três e a lista das variáveis que cada uma contempla estão resumidas
no quadro 4, que sintetiza as informações básicas utilizadas na pesquisa e
a sua ocorrência nas fontes consultadas – a descrição minuciosa das variá-
veis sobre às quais reunimos informações e das etapas da coleta de dados
é realizada no apêndice 2 deste livro. A decisão final optou por considerar
três fontes distintas que registram dados biográficos dos parlamentares
nacionais do Brasil: o DHBB, Dados Biográficos do Senado Federal e fichas
biográficas do PRODASEN.

12
Registramos aqui nossos agradecimentos à Rosa Maria Gonçalves Vasconcelos e toda a
equipe da Coordenação de Arquivo do Senado Federal (COARQ) pelo envio dos dados
e pela assistência com a manipulação das fontes primárias.
13
A exclusão das Radiografias do Congresso feitas pelo DIAP (Departamento Intersindical
de Assessoria Parlamentar) se deu porque o material está apenas parcialmente organiza-
do para a consulta online e porque representa material mais recente (de 1988 em diante)
e, portanto, se sobrepõe com a fonte do DHBB, que é a mais completa. Entretanto, tra-
ta-se de fonte com valor de pesquisa inegável que já produziu resultados interessantes
(MARCELINO; BRAGA; COSTA, 2009; BUTTURE, 2014) especialmente quando o foco
recai sobre as votações mais emblemáticas da Constituinte de 1987-88.

76
O desenho e as fontes da pesquisa

Quadro 4. Descrição simplificada das variáveis e sua ocorrência nas fontes utilizadas

Dados Biográficos Prodasen DHBB

Background social

1 Nome x x x

2 Foto x

3 Local de nascimento x x x

4 Data de nascimento x x x

5 Ocupação iniciais x x x

6 Ocupação anterior à entrada na carr. polít. x

7 Nível de escolaridade x x

8 Diploma superior x x

9 Atividade política regular de parentes x x

Carreira Política

10 Associativismo x x

11 Cargos públicos executivos e legislativos x x

12 Tempo de permanência nos cargos x x

13 Migração partidária x x

14 Tempo nos partidos x

15 Liderança partidária-diretórias e executivas x

16 Liderança partidária-bancadas parlamentar x

17 Comissões parlamentares x

Fonte: Elaboração própria.

O acesso às fichas do Prodasen representou uma das novidades da pes-


quisa, uma vez que aparece pouco nos estudos sobre elites parlamentares
brasileiras. Assim, o recuo histórico tornado possível com essa nova fonte
nos levou a perscrutar nossos materiais e procedimentos. Percebemos,
por exemplo, que o recurso a longas séries temporais precisa dar conta
não apenas da transformação no seu objeto – em nosso caso, as mudanças

77
Como estudar elites

pelas quais passam as elites e o seu entorno, como os partidos e o regi-


me político – como também a modificação na forma como esse objeto é
documentado. Assim, o estudo da eficácia de diferentes fontes em uma
pesquisa de caráter histórico e documental pode ajudar a entender como
o registro de biografias individuais se altera conforme muda o período
histórico porque as fontes podem registrar diferentes aspectos das biogra-
fias, de maneiras distintas.
A publicação "Dados biográficos do Senado Federal" foi utilizada de
maneira muito circunstancial durante a coleta dos dados. Ela é menos de-
talhada do que os verbetes do DHBB e do que as fichas do Prodasen. Desse
modo, a partir da comparação entre o desempenho das fontes, decidimos
descartá-la da discussão realizada neste capítulo.
Um exame detido das duas fontes biográficas para um intervalo tempo-
ral mais afastado será objeto de análise nas próximas seções do texto, com
o que espera-se contribuir para esclarecer as potencialidades e limites de
cada uma, DHBB e Prodasen.

2.2. O Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB)


O Dicionário Histórico Bibliográfico Brasileiro (DHBB) é uma das princi-
pais fontes para a pesquisa sobre elites políticas e intelectuais no Brasil.
O DHBB reúne algo entre seis e sete mil verbetes sobre os indivíduos que
tiveram presença na cena política em nível nacional e estadual a partir
de 1930. O Dicionário se concentra nos indivíduos que ocuparam cargos
formais na esfera federal, a partir de 1930, admitindo, além destes, os per-
sonagens de levantes e insurreições que tiveram lugar na década de 1920 e
outros episódios críticos. O DHBB agrega também biografias de membros
do poder Executivo, militares, embaixadores, parlamentares e dirigentes
de autarquias federais; na sociedade civil, os biografados são líderes de
associações de classe, jornalistas e membros do clero (BELOCH, 1983)
A primeira edição do DHBB foi publicada em 1984 e continha 4 493 ver-
betes. Foram selecionados personagens de destaque na cena política na-
cional entre 1930 e 1975 e, na primeira edição, a documentação sobre suas
biografias se estendeu até os eventos ocorridos em 1983. A segunda edição,
publicada 17 anos mais tarde, em 2001, foi bastante ampliada, passando a
apresentar 6 620 entradas. A nominata da segunda edição acolheu os indi-
víduos mais importantes da política brasileira entre 1975 e 1995 e as biogra-
fias na segunda edição se estenderam até 2000. A partir de então o DHBB
migrou para a plataforma eletrônica e as edições sucessivas passaram a as-

78
O desenho e as fontes da pesquisa

similar a colaboração de qualquer usuário, que pode fazer sugestões para a


atualização dos verbetes, desde que munido das devidas fontes.
A data de corte a partir da qual os indivíduos começam a ser biografados é
1930 e as explicações fornecidas pelos organizadores do DHBB para justificar
essa decisão são bastante sucintas14. Na introdução à primeira edição, Beloch
menciona rapidamente a Revolução de 1930 como um ponto de ruptura e re-
novação da elite política. Segundo ele, salvo algumas exceções, os indivíduos
cuja trajetória se encerrou em 1930 não foram admitidos e os fatos históricos
anteriores tiveram um tratamento menos aprofundado. Por isso, o DHBB foi
uma fonte privilegiada para a pesquisa sobre as elites políticas a partir de 1930.
A leitura dos verbetes do DHBB revela que existe uma estrutura básica
comum a todos os verbetes. Essa estrutura é composta por informações
familiares, formação universitária, carreira política e atividades desem-
penhadas pelo indivíduo ao deixar de exercer funções políticas. Essa é
a ordem em que as informações são apresentadas, e ainda que o grau de
detalhamento varie muito entre os verbetes, essa disposição parece ser
constante. Todos os verbetes apresentam a lista das fontes consultadas
para a sua elaboração, sendo elas majoritariamente compostas de maté-
rias publicadas na imprensa, livros e memórias publicadas pelos biografa-
dos e, ocasionalmente, entrevistas com seus familiares.
Os indivíduos são identificados pelo nome com o qual se tornaram co-
nhecidos no universo político. Logo no cabeçalho do verbete aparece o
nome político, seguido de seu nome completo e uma síntese da sua car-
reira política, abreviando, em uma linha, os principais cargos públicos e
mandatos eletivos ocupados com o respectivo intervalo temporal.
O primeiro assunto tratado no verbete são os vínculos familiares do
indivíduo. O verbete anota o local e a data de nascimento, o nome e a
ocupação dos pais e traz algumas informações sumárias sobre os antepas-
sados do parlamentar. Normalmente são resumidas as informações sobre
o pai, avós, tios, irmãos e primos. Alguns verbetes são mais detalhados
ao descrever a trajetória destes antepassados, indicando, por exemplo, o
histórico de pais e avós que emigraram para o Brasil.

14
Em setembro de 2014 foram publicados os verbetes com os políticos da República
Velha (1889-1930), mas infelizmente aparecem nessa relação apenas biografados que
exerceram mandatos na década de 1920. Esse aspecto será retomado no próximo subi-
tem, que trata da fonte utilizada para os titulares dos mandatos neste período.

79
Como estudar elites

O segundo bloco de informação trata da formação universitária do bio-


grafado. O nível de detalhes na caracterização da trajetória acadêmica va-
ria bastante entre os verbetes, mas em geral ela se inicia com informações
sobre a escolarização primária, cursos técnicos realizados pelo indivíduo
e, finalmente, o curso de graduação. Algumas entradas trazem dados so-
bre pós-graduação e isso é mais frequente entre os formados nos cursos
de Medicina e Direito.
Normalmente os dados sobre a formação universitária apontam para
as atividades profissionais desempenhadas pelo biografado antes de sua
entrada na política, ou seja, quando não existem dados seguros sobre a
profissão, o verbete dá a entender que a profissão exercida coincide com
aquele para a qual o biografado obteve um diploma universitário. O DHBB
é, infelizmente, pobre a esse respeito, pois não dá detalhes sobre a natu-
reza das funções e responsabilidades assumidas pelo indivíduo em sua
vida privada. Apesar disso, a combinação dos indícios presentes nesse
segundo bloco com a descrição pormenorizada do seu ambiente familiar
permite que o pesquisador deduza, com alguns prejuízos, a ocupação dos
indivíduos nos anos que precedem sua entrada na política.
Em muitos casos a carreira política do biografado se inicia ainda na mi-
litância estudantil. Essas situações aparecem nos verbetes de duas manei-
ras: a mais frequente é quando o indivíduo teve participação em organiza-
ções políticas de jovens universitários; mas ele também pode utilizar seu
grau universitário como credencial para se posicionar ideologicamente,
e, nestes casos, a militância não ocorre exatamente na universidade, mas
em jornais e revistas de grande circulação, ou em organizações (partidá-
rias ou não) de destaque político no plano local e em nível nacional.
O terceiro e mais bem documentado bloco de informações presentes nos
verbetes do DHBB é sobre a carreira política do biografado – e é por esse
motivo que a fonte se revelou decisiva para estudar o processo de profis-
sionalização dos agentes políticos que chegaram ao Senado. Esse setor do
verbete normalmente se inicia com os cargos ocupados no município, o
que inclui prefeitura, câmara de vereadores, secretarias e autarquias mu-
nicipais. A partir de então o DHBB apresenta a trajetória percorrida pelos
indivíduos até a sua chegada aos postos mais elevados da carreira: são
notificados os mandatos para deputado estadual, deputado federal e se-
nador (no âmbito parlamentar), os pleitos para presidência da república e
governos estaduais, as passagens por secretarias estaduais, ministérios,
gabinetes militares e demais órgãos da administração pública (tais como

80
O desenho e as fontes da pesquisa

agências, empresas estatais, universidades, superintendências, entre di-


versas espécies de autarquias federais e estaduais). Em regra o verbete in-
forma o nome do cargo e o período em que o biografado ocupou a função.
O final do verbete menciona de modo breve as atividades das quais se
ocupou o biografado depois de seu último cargo público, a família que
constituiu, os vínculos que ele estabeleceu ao longo da vida com entida-
des da sociedade civil e, quando foi o caso, os principais livros publica-
dos. Essas informações são genéricas e superficiais, normalmente apre-
sentadas em um parágrafo.
Esse padrão de disposição de informações só se altera quando o indiví-
duo passou pelas forças armadas: nesse caso é notável o esforço dos orga-
nizadores do Dicionário em reconstituir a trajetória percorrida pelos bio-
grafados nas várias patentes da carreira militar, especificando as datas e as
circunstâncias do assenso na cadeia de comando. Esses verbetes se distin-
guem porque a formação universitária é realizada exclusivamente em ins-
tituições militares, e, aqui também, há indicação precisa das datas em que
o indivíduo migra das forças armadas para cargos eletivos e não eletivos.
De um modo geral, é nítido que o DHBB é uma fonte importante para
estudos de elites políticas no Brasil, em particular para estudos sobre pa-
drões e perfis de carreira política, haja vista o nível de detalhamento com
que a fonte registra o percurso que os indivíduos fazem até se constituí-
rem como personagens da cena política nacional.
A descrição morfológica de como os verbetes estão organizados está
sendo realizada com base apenas em uma pequena parte das entradas do
dicionário, isto é, analisamos apenas as biografias de quem foi eleito se-
nador. Em que pese esse viés na escolha das entradas, detectamos uma
enorme heterogeneidade no grau de detalhamento entre os verbetes. Os
políticos mais experientes têm, em seus verbetes, registros específicos
sobre o número de votos obtidos em cada eleição, informações sobre par-
ticipação em comissões parlamentares e atuação em esferas de influência
informais, mas, sobretudo, essas “raposas” possuem documentação es-
trita de sua atividade na organização e condução de máquinas partidárias
– ao passo que para políticos menos expressivos os verbetes sonegam até
mesmo a militância em partidos políticos. Entre os “comuns”, portanto, a
biografia omite muitos dados e esses verbetes podem induzir o analista a
criar uma caricatura do mundo político naquele período.
Essa heterogeneidade era uma intuição generalizada entre os pesqui-
sadores que analisaram os verbetes. Ela é mensurada no quadro 5, que

81
Como estudar elites

traz o resultado do cruzamento entre a extensão do verbete (medido pelo


número de palavras) com a extensão da carreira política do indivíduo até
chegar a ser eleito senador (em anos):

Quadro 5. Cruzamento entre a extensão dos verbetes e a carreira política dos senadores eleitos entre 1945 e 2010

Tempo de carreira por faixas Média de palavras Desvio padrão Mediana

Até 10 anos de carreira 1 720 2 785 961

Entre 11 e 18 anos de carreira 2 046 3 253 1 186

Entre 19 e 26 anos de carreira 2 216 2 294 1 557

Acima de 27 anos de carreira 3 735 9 680 1 588

Fonte: Elaboração própria.

A diferença entre a média e o desvio padrão é reveladora da dispersão


do dado, e verifica a elevada heterogeneidade nos detalhes providos pelo
conjunto dos verbetes. Apesar disso, confirmamos haver uma elevação
gradual nas medianas dos verbetes quando partimos dos senadores com
carreiras mais curtas para os que tiveram carreiras mais longevas, como
era de se esperar.
De um modo geral encontramos no DHBB uma fonte confiável para a
mensuração da estrutura básica da carreira política dos senadores bra-
sileiros eleitos a partir de 1945. Como procuramos ressaltar, ao dedicar
bastante atenção à sequência de postos ocupados pelos parlamentares ao
longo da sua vida pública, o DHBB se mostrou uma ferramenta de traba-
lho importante para quem estuda o processo de profissionalização políti-
ca no Brasil a partir da segunda metade do século XX. Esse é o principal
aspecto positivo que deve ser ressaltado para futuras investigações sobre
elites políticas no dicionário.
Como vimos, o principal gargalo está relacionado à diferença de deta-
lhes fornecidos pelos verbetes, que ficou mais saliente no que se refere
aos partidos políticos. A maciça subnotificação de militância partidária
na maioria dos verbetes do DHBB pode levar a crer que essas organizações
eram bastante incipientes. Mas essa é uma visão ingênua, porque quan-
do lemos a biografia dos políticos mais experientes, notamos um intenso
engajamento na vida partidária – o que inclui a fundação de partidos, cria-
ção de diretórios, a coordenação de campanhas majoritárias etc. A dificul-

82
O desenho e as fontes da pesquisa

dade, nesses casos, é aquilatar em que medida o processo político é, de


fato, mais simples, ou quando ele foi mal documentado. Esse é o dilema
de reconstituir a vida político-partidária dos senadores brasileiros, e ele
é ainda mais severo quando se enfatiza a militância realizada no plano
municipal ou regional.
O próximo subitem discute de onde saíram os dados para os eleitos du-
rante a Primeira República.

3.3. Fichas biográficas do Prodasen


A segunda fonte de dados utilizada na pesquisa foi produzida pela Se-
cretaria de Tecnologia da Informação do Senado Federal (Prodasen), ór-
gão responsável pela manutenção, atualização e processamento de toda a
tecnologia de informação do Senado brasileiro15. O Prodasen foi criado em
1972, durante o regime ditatorial, a fim de atingir três propósitos: fornecer
assistência ao governo, possibilitar o controle do Congresso e transformar o
modo de estruturação e organização das ações governamentais. De acordo
com Baaklini (1994), o Prodasen fornecia assistência ao governo para con-
trole da memória legislativa e legal do País, permitindo que essas informa-
ções não só estivessem disponíveis ao Executivo como possibilitando, com
a devida manipulação, que o governo controlasse o Congresso.
A periodização proposta por Baaklini separa a história do Prodasen em
quatro fases distintas: a primeira corresponde à fase tecnológica (1970-
1975), quando houve a compra dos primeiros materiais físicos e a forma-
ção de uma equipe técnica, conferindo as bases para o início dos trabalhos
na Secretaria; a segunda é a fase integrativa (1975-1982), quando as bases
de dados são expandidas – os dois sistemas existentes até 197516 se am-
pliaram para mais de dez bases de dados integrados no segundo momen-
to. A terceira fase é a de consolidação (1982- 1985), período em que os tra-
balhos da Secretaria ganham visibilidade na cena política nacional e sua
autonomia operacional é posta em xeque, devido às pressões exercidas
pela Mesa Diretora para a nomeação de técnicos e diretores da secretaria.
O quarto período histórico do Prodasen é o político, que para Baaklini se

15
Uma relação mais detalhada com as demais competências desta secretaria pode ser
consultada no seu sítio eletrônico: <http://www.senado.gov.br/senado/prodasen>. Aces-
so em: 16 jul. 2015.
16
Sistema de Informações do Congresso Nacional (SICON) e Sistema Administrativo
Integrado (SAI).

83
Como estudar elites

inicia em 1985 e persiste até a década de 90. Esse é o momento em que os


recursos de processamento de dados do Prodasen passam a ser ostensi-
vamente utilizados pelos parlamentares. Eles tiveram um papel determi-
nante nos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-198817.
Iniciando com o auxílio da IBM, com a ajuda de pessoal qualificado e
com autonomia administrativa, foi na fase integrativa que a BSEN “Bio-
grafia dos Senadores Brasileiros (BSEN) – 1826-2013” foi criada, alimentada
por bibliotecários e contendo informações biográficas sobre aqueles que
serviram o Senado desde o período imperial. Esse banco hoje conta com
1 438 biografados. Embora recentemente se valha de informações cedi-
das por assessorias parlamentares, no recuo histórico estas informações
advêm, prioritariamente, de dados familiares. O Prodasen proveu para a
pesquisa os dados sobre os senadores da 21ª à 37ª Legislatura, que com-
preende os anos de 1889 a 1935.
O material fornecido à nossa equipe está dividido em 16 arquivos em
formato PDF (um arquivo para cada legislatura) que nos foram enviados
pela Coordenação de Arquivo do Senado Federal (COARQ). Os arquivos
estão organizados por ordem alfabética e contêm os seguintes blocos de
informações: 1. Dados de identificação; 2. Dados sobre filiação partidá-
ria: sigla do partido, ano de entrada e saída do partido; 3. Dados sobre
profissões: profissões exercidas ao longo da vida; 4. Dados sobre cargos
exercidos: cargos públicos e eletivos (separados por cargo com os respec-
tivos anos e local de exercício); 5. Dados familiares: informações sobre
a profissão dos ascendentes e, porventura, do exercício de cargos públi-
cos e/ou eletivos; 6. Trabalhos publicados: livros, discursos, participação
na elaboração de constituições; 7. Outras informações: item no qual é
possível levantar informações sobre associativismo, direção partidária,
exercício profissional e demais dados relevantes sobre a vida do políti-
co em questão. Essa divisão permite localizar facilmente as informações,
diminuindo o tempo de coleta dos dados. As informações presentes nas

17
Baaklini afirma que o Prodasen forneceu aos parlamentares as condições técnicas funda-
mentais para os rascunhos da nova Carta. Coube ao Prodasen elaborar o sistema que reunia
dados de 35 constituições (brasileiras e estrangeiras), além do questionário que coletou su-
gestões oriundas de iniciativas populares sobre o texto final. De acordo com o autor, “por
dois anos forneceu o suporte tecnológico e informacional que permitiu à Assembleia Nacio-
nal Constituinte considerar milhares de alterações e produzir milhares de votos em centenas
de horas de debates. Sem a capacidade tecnológica do Prodasen, o trabalho da Constituinte
teria se desacelerado para um ritmo de caracol” (BAAKLINI, 1994, p. 185; tradução livre).

84
O desenho e as fontes da pesquisa

fichas, embora padronizadas, são pouco uniformes, conforme se verifica


pela distribuição da quantidade de senadores por legislatura (gráfico 1).

Gráfico 1 – Total de senadores com fichas biográficas elaboradas pelo Prodasen (por legislatura)

83
76 73 75 74
72 71 70 71 72
67 67
58 61
57
44

21° 22° 23° 24° 25° 26° 27° 28° 29° 30° 31° 32° 33° 34° 35° 37°
Legislaturas

Fonte: Elaboração própria.

O Prodasen não é um dicionário biográfico histórico. Ele leva em conta


apenas as informações de identificação do Senador conforme coletadas
pelos historiadores do Senado e existem biografias mais valorizadas que
outras. Assim, fatos como origem das fontes de renda do Senador não fi-
cam evidenciadas, sendo dados como estudos universitários ou trajetória
profissional os maiores indicadores dos recursos econômicos e estraté-
gias profissionais adotadas pelo parlamentar.
Uma das principais dificuldades que encontramos no manuseio dessa
fonte foi a indistinção das legislaturas em que se exerciam os mandatos.
As planilhas informavam apenas o tempo de exercício de um determina-
do indivíduo (por exemplo, 30 anos), sem separar o período em que ele foi
senador em cada legislatura. Assim, para identificar a legislatura, foi neces-
sário fazer uma divisão entre o tempo de exercício do cargo eletivo e enqua-
drá-lo conforme as legislaturas existentes até então. Isto é, se a informação
constante na ficha identificava que o senador assumiu o cargo em 1900 e
neste cargo permaneceu até 1915, discriminamos cinco mandatos (25ª a 29ª
Legislatura). Por fim, definimos o universo dos senadores titulares toman-
do como base as informações presentes no site do Senado Federal18, que
especifica quem tomou posse no ano em que se iniciava cada legislatura.

85
Como estudar elites

No que concerne especificamente ao trabalho com as fichas, notamos


que, no momento de separação dos dados em blocos de informação, ocor-
riam algumas falhas pontuais. As principais defasagens foram observadas
nos blocos 2 (filiação partidária), em que estavam ausentes as datas de
vinculação e desvinculação ao partido e o nome extenso dos partidos po-
líticos. No bloco 3 (profissões) não há detalhamento sobre a formação do
senador, estando ausentes o ano de graduação e a Universidade em que o
indivíduo foi graduado.
No quarto bloco (carreira dos senadores), estão inclusos o nome e as da-
tas de entrada e saída de cada posto público. As informações sobre cargos
eletivos são a parte mais completa do Prodasen19. A fonte também preser-
va aqui a nomeação dada aos cargos à época, como os cargos de “lente”
(professor) e diretor de higiene, por exemplo. O quinto bloco (dados fami-
liares) também permite reconstituir a relação entre vínculos de família e o
pertencimento à elite política20.
O bloco seis é preenchido com diversas obras dos parlamentares, como
livros, poemas, discursos e até mesmo participação na elaboração da
Constituição do Brasil. Finalmente, o sétimo bloco (“outras informa-
ções”), traz dados sobre produção vínculos associativos, participação em
comissões do Senado, missões diplomáticas, cargos de importância na
carreira burocrática ou militar. Esses dados não obedecem a uma ordem
uniforme, havendo grande minúcia em alguns casos e ausência de infor-
mações em outros.
De um ponto de vista global, podemos observar que as informações
provenientes da fonte Prodasen tiveram de ser confrontadas com as do
DHBB. Os verbetes têm a vantagem de trazer informações detalhadas e
bem exploradas, principalmente no que diz respeito à notificação das da-
tas. Por outro lado, a coleta desses detalhes é mais morosa em compara-
ção à realizada junto às fichas Prodasen, onde, devido à sua organização
sistemática, as informações são apresentadas de forma mais clara e ob-

18
Sítio eletrônico: <http://www.senado.gov.br/senadores/periodos/legisAnt.shtm>. Acesso
em: 16 jul. 2015.
19
Em alguns casos consta, inclusive, o número de votos obtidos pelo político em deter-
minado cargo.
20
Além das relações políticas que se estabeleciam pelo matrimônio, esta parte das fichas
relaciona os parentes que tinham cargos políticos eminentes e/ou influência determina-
da por famílias com tradição na política.

86
O desenho e as fontes da pesquisa

jetiva. A coleta através desta fonte permite ao pesquisador que perceba


rapidamente a ausência de informação, uma vez que o campo onde ela
deveria aparecer está em branco.

Conclusões: considerações sobre os limites e as vantagens desse desenho


Esse capítulo se ocupou de descrever os procedimentos e estratégias ado-
tados por uma pesquisa quantitativa e longitudinal sobre as elites parla-
mentares brasileiras durante o período republicano. Diante dessa expe-
riência, é possível apontar algumas limitações inerentes a esse tipo de
trabalho, bem como destacar algumas de suas potencialidades.
A primeira limitação não consiste numa crítica a esta pesquisa, mas é
uma resistência à natureza das pesquisas desse tipo (quantitativas). For-
mulada pelos sociólogos qualitativos, trata-se de afirmar os problemas de
uma análise “objetivista”, isto é, que trata os atributos de modo fixo na
trajetória individual, perdendo as manobras e traduções dos caracteres
individuais para situações específicas, contingentes de uma percepção
social mutável e que outorga diferentes valores para os mesmos atributos
objetivos em cada momento21.
Esse aspecto é fundamental quando se quer mostrar a pluralidade de pa-
péis e a capacidade que os atores políticos tem de mobilizá-los em situações
variadas (LAHIRE, 2004). Essa problemática possui legitimidade científica
própria e não se confunde com uma tentativa de obter uma fotografia coleti-
va de certos grupos sociais. Essa fotografia perde o movimento “sócio-lógi-
co” do nível individual para destacar o movimento do nível estrutural que se
torna a lente de observação dos agentes durante séries temporais longas. Em
outras palavras, não é possível compreender a plasticidade dos atributos so-
ciais ao mesmo tempo em que se procura identificar as mudanças estruturais
de longo prazo no recrutamento das elites políticas nacionais.
Não obstante, essa não é uma incompatibilidade definitiva, apenas de
timing. Isso significa que é possível caminhar de um desenho quantitativo

21
Assim, não basta categorizar um indivíduo com a ocupação “empresário”. Esse caso
pode representar alguém aclamado como “empresário bem sucedido” no início de sua
trajetória política e, posteriormente, já com carreira consolidada e diante de supostas
realizações políticas, com um “empreendedor” versátil nas várias atividades pelas quais
pode “ajudar” a sociedade. Assim, essa tradução ou reconversão pode ser objeto de
investigação qualitativa para desvendar relações entre dinâmicas individuais e estruturas
sociais de premiação de trajetórias.

87
Como estudar elites

a outro qualitativo dependendo do que se está investigando, se existem


elementos específicos que necessitam de explicação separada e suple-
mentar. De resto, a rejeição às pesquisas quantitativas22 parece represen-
tar menos uma postura científica e mais uma mania intelectual arraigada
em certas regiões ou tradições teóricas (CANO, 2012).
Outra crítica se refere a um suposto anacronismo, dirigida a partir dos
historiadores sociais. Quando uma variável importante num dado perío-
do perde sua importância em outro, ela produz importantes correlações
estatísticas entre tempo e ocorrência da variável. Por exemplo, se o diplo-
ma de Economia é um dos mais comuns entre a elite política do século
XXI e, como se sabe, ele sequer existia no século XIX, haverá associação
estatística negativa entre posse do diploma e participação na elite políti-
ca do XIX. Essa informação é considerada anacrônica. Nesse caso, ocorre
um problema que não se refere à natureza da pesquisa: trata-se conjugar
melhor informação histórica, interpretação e manuseio das categorias. É
possível recorrer a diferentes saídas metodológicas, como a pesagem das
categorias, às análises que seccionam intervalos de tempo específicos e
assim por diante.
Do ponto de vista dos seus ganhos, a pesquisa aqui narrada deve muito
ao próprio aprendizado coletivo advindo da discussão da lista de variá-
veis e ao aprendizado sobre o exame e uso das fontes, que parece ser um
dos legados da técnica da prosopografia (STONE, 2011, p. 132). Quer dizer,
o mundo como visto pelos cientistas sociais é um mundo deformado por
certos dados, já que é impossível considerar todos os dados. Não obstan-
te, o exame cuidadoso das fontes é o que permite diminuir o formalismo
inerente ao instrumento de pesquisa e rever as hipóteses e os conceitos
originais da pesquisa baseada em largos intervalos temporais.

22
Na verdade, esse debate pode ser uma quimera metodológica que opõe o trabalho
quantitativo ao trabalho qualitativo: “Análises narrativas produzem correlações perfei-
tas, algo de que os analistas causais desconfiam, e com razão, dados seus pressupos-
tos e práticas de trabalho. [...] Os pesquisadores sabem que há ruído demais em seus
dados, muitos erros de mensuração e outros, para que ocorram correlações perfeitas.
Esperam correlações imperfeitas, mesmo quando sua teoria prevê uma correlação
perfeita. Mas, embora saibam que há erro em seus dados (os erros que impedem
correlações melhores), não jogam fora os dados imperfeitos, porque não sabem que
casos ou mensurações contêm erros. Para serem honestos, incluem todos os casos e,
assim, asseguram um resultado probabilístico. Isso perturba os analistas narrativos,
que veem a variância não explicada como um problema, não uma característica natural
da paisagem” (BECKER, 2007, p. 84).

88
O desenho e as fontes da pesquisa

Em outras palavras, ao procurar dar forma ao atacado (quando a base


de dados chega ao seu termo), o exame das fontes vai tornando o varejo
inteligível e aí está a chance a partir da qual as características do grupo
analisado podem ser inteligíveis histórica, sociológica e estatisticamente.

89
Como estudar elites

Referências

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92
4. Análise de elites em
perspectiva relacional: a
operacionalização da Análise
de Redes Sociais (ARS)
Emerson Urizzi Cervi

TRADICIONALMENTE OS ESTUDOS empíricos sobre elites políticas apresen-


tam duas características principais: (i) a unidade de análise é o indivíduo defi-
nido como integrante da elite política, suas características, origens, trajetórias,
preferências, visões de mundo etc. e (ii) o objeto de análise é quanto capital
político esses indivíduos conseguem acumular, o que se traduz em termos de
ocupação de postos decisórios, número de votos obtidos, funções-chave no
aparelho do Estado etc. Isso conduz os estudos de elites a uma abordagem
predominantemente microssociológica, onde unidade básica é o indivíduo e
suas relações com as estruturas de poder político. Trata-se, portanto, de um
conjunto de estudos predominantemente estáticos. No entanto, a abordagem
posicional não é a única possível para estudos de elites. A conexão entre inte-
grantes de um grupo minoritário entre si ou entre grupos distintos ajuda a en-
tender a coesão de identidade da elite. Nas palavras de Hartmann: “If we start
out by looking at the relationships between individual elites, we find that in
all major industrialized countries there has been marked growth in the inter-

95
Como estudar elites

dependencies among the key elites in business, politics and administration”


(HARTMANN, 2007, p. 103). O objetivo do capítulo não é discutir as relações
entre elites distintas, mas entre atores que pertencem à mesma elite, porém
situados em instituições distintas. Mais especificamente, analisaremos a in-
terconexão entre membros da elite política por meio dos partidos políticos.
A proposta deste capítulo é apresentar uma abordagem alternativa aos
estudos de elites políticas sem, contudo, apresentá-la como excludente em
relação a outras estratégias de análise mais tradicionais, como, por exem-
plo, o método posicional. Não se pretende analisar os indivíduos, mas sim
uma das principais instituições de capital político nas democracias con-
temporâneas: os partidos políticos. Além disso, não se quer estudar os in-
tegrantes das elites partidárias, mas sim o conjunto de relações formadas
entre os partidos políticos para disputas eleitorais, que são, ao fim e ao cabo,
relações entre os indivíduos que controlam suas cúpulas. Ou seja, a pro-
posta é substituir o modelo estático e individual de análise pelo dinâmico.
Nesse sentido, a pergunta que se busca responder não é “quem faz parte da
elite?”, já que para responder a essa questão seria preciso adotar uma abor-
dagem posicional, discutida em detalhes no primeiro capítulo deste livro
(especificamente a partir da página 20). A pergunta que se coloca é: “como
analisar as relações entre grupos e integrantes da elite?”.
Pretendemos discutir a consistência ideológica nas elites partidárias bra-
sileiras a partir do conjunto de relações firmadas pelos partidos para dispu-
tar as eleições municipais de capitais de estado no Brasil em 2012. Portanto,
as duas principais diferenças deste capítulo para os tradicionais estudos
sobre elites são: (i) não estamos analisando características individuais dos
integrantes das elites partidárias (nível microssociológico), mas sim as de-
cisões tomadas no âmbito das elites que compõem as direções municipais
dos partidos políticos (nível macrossociológico); (ii) nosso objeto não são as
posições institucionais com distintos capitais políticos, mas sim as relações
entre instituições/partidos que compõem uma rede de associação de eli-
tes partidárias com a finalidade de disputar eleições majoritárias. Trata-se
portanto de uma análise relacional das elites políticas e não de uma análise
posicional. Para tanto, usaremos técnicas conhecidas como Análise de Re-
des Sociais (ARS) para identificar os tipos de relações e as consistências das
redes de apoios a candidatos às prefeituras de capitais em 2012.
A ARS vem sendo usada em pesquisas empíricas nas Ciências Sociais
há quase 100 anos (ZANCAN et al., 2012; MORTON, 2004), sendo con-
siderada a metodologia mais adequada para quando o objetivo é iden-

96
Análise de elites em perspectiva relacional

tificar padrões relacionais e não as características individuais daqueles


que fazem parte da rede. A ARS permite identificar que tipo de relação
existe entre os integrantes da rede, quais são os componentes centrais,
com forte presença na rede e quais são os componentes periféricos, com
participação mais fraca na rede. Neste capítulo aplicamos a técnica para
análise das relações entre os partidos políticos e as redes formadas por
eles para as disputas majoritárias de capitais brasileiras em 2012. Para
tanto, usamos o software open source NodeXL1 desenvolvido por uma
equipe interinstitucional de pesquisadores.
O objetivo do capítulo é verificar se existe consistência ideológica nas
redes de coligações formadas pelas elites políticas dos principais partidos
brasileiros para as disputas majoritárias no Brasil. Para tanto, selecionamos
as três maiores agremiações que concorreram nas eleições de 2012, cada
uma ocupando uma posição específica no espectro ideológico: PT (esquer-
da), PMDB (centro) e PSDB (direita). Para testar a hipótese da consistência
ideológica nas coligações foram incluídos nas redes três partidos menores
(satélites) de cada uma das posições no espectro: PCdoB (esquerda), PTB
(centro) e DEM (direita)2. Com isso esperamos poder identificar os tipos
de relações entre os diretórios municipais a partir das coligações formadas
para as disputas municipais nas 26 capitais brasileiras.
Como exemplo para aplicação da técnica de redes na análise relacional
de integrantes de elites partidárias, nosso objeto de estudo é o conjunto
de redes políticas formadas pelos seis partidos citados acima. Não preten-
demos analisar a totalidade de coligações apresentadas em 2012, mas sim
a consistência das coligações que apoiaram candidatos a prefeito de um
dos seis partidos citados acima. Três grandes e três satélites, cada dupla
em uma posição no espectro ideológico. Nossa hipótese é que se houver
consistência ideológica nas redes formadas pelas coligações partidárias

1
O software foi desenvolvido e é mantido por um consórcio de pesquisadores de cinco
universidades: Cambridge, Maryland, Stanford, Porto e Oxford. Pode ser obtido gratui-
tamente no endereço eletrônico (<http://nodexl.codeplex.com/releases/view/117659>.
Acesso em: 15 set. 2015), assim como manuais para utilização do software.
2
O objetivo aqui não é testar a consistência ideológica dos partidos selecionados em
relação a todo o sistema partidário brasileiro, mas sim as relações entre três partidos
grandes e três pequenos, sendo dois deles em oposição frontal (PT-PSDB) e os demais
em posições intermediárias. Portanto, o posicionamento ideológico dos partidos aqui é
feita ad-hoc por ter a finalidade de servir como exemplo para aplicação da metodologia
de ARS e não para testar a consistência das posições ideológicas dos partidos, o que se-
ria um empreendimento muito mais complexo e não se adequaria ao espírito dessa obra.

97
Como estudar elites

em disputas majoritárias, teremos relações mais fortes entre PT e PCdoB;


entre PSDB e DEM e entre PMDB e PTB. No caso dos dois últimos parti-
dos, por estarem no centro da distribuição ideológica, espera-se que eles
também façam parte das redes dos partidos à esquerda (PT e PCdoB) e à
direita (PSDB e DEM). Além disso, quando consideradas todas as coligações
dos seis partidos em uma única rede, se houver consistência ideológica nas
conexões entre eles, teremos a formação de pelo menos dois clusters: um à
esquerda, centralizado pelo PT, e um à direita, onde predominará o PSDB.
Dependendo da forma como os partidos de centro se comportarem nas coli-
gações, poderemos ter um terceiro cluster, formado pelos partidos centrais.
A opção por limitar as redes às coligações em disputas para prefeituras
de capitais deve-se aos achados anteriores de que nesses municípios – com
mais eleitores e com disputas mais visíveis – os partidos sofrem mais restri-
ções a coligações com outras agremiações que ocupam posições em pontos
diferentes do espectro ideológico (CERVI, 2013). Ou seja, nas capitais, as
relações partidárias seriam mais consistentes do ponto de vista ideológico.
O texto está dividido em três partes. Na primeira, apresentamos os
principais conceitos e um breve histórico da aplicação da ARS nas Ciên-
cias Sociais e, mais recentemente, na Ciência Política. No tópico seguinte,
descrevemos o objeto empírico de análise e realizamos os testes de ARS,
em especial em relação ao número de conexões, distância geodésica e
densidade da rede. As análises dividem-se em duas partes. Inicialmente
expomos os coeficientes das redes formadas pelos seis partidos indicados
acima separadamente. Com isso pretendemos verificar até que ponto há
consistência ideológica nas coligações de apoio a candidatos a prefeito.
Em seguida, analisamos a rede completa, formada pelos seis partidos, para
identificar a formação ou não de clusters e, em seguida, para verificar se os
clusters são ideologicamente consistentes. Na última parte apresentamos
as considerações finais para os achados do estudo a respeito das relações
partidárias formadas por decisões das elites políticas para organizar as dis-
putas eleitorais nas capitais brasileiras em 2012.

1. ARS: definições básicas


Existem várias formas de conceituar uma rede social. Para Bourdieu (2003),
uma rede é uma configuração de relações objetivas entre as posições, de-
finida tanto pela sua própria existência quanto pelas determinações dos
ocupantes. Para Burt (1984) redes sociais são definidas por um conjunto de
atores conectados por relações sociais específicas. Portanto, nas análises de

98
Análise de elites em perspectiva relacional

redes sociais o interesse maior está nas ligações e papeis desempenhados


pelos atores sociais em suas interações. Fundamenta-se isso no fato de que
os atores políticos são interpendentes e que isso traz consequências rele-
vantes para cada integrante de uma rede (FREEMAN, 1979). O que interessa
aqui é o posicionamento na estrutura de uma rede em relação aos demais
atores e não o ator em si mesmo.
A análise de redes sociais dá prioridade às relações entre os atores
envolvidos nos processos políticos, diferenciando-se das técnicas que
visam descrever as características próprias dos atores (abordagem mi-
crossociológica) ou das estruturas organizacionais e sociais que limitam
e constrangem as ações individuais (abordagem macrossociológica). O
ponto forte da análise de redes é justamente permitir uma superação
da dicotomia micro versus macro. Nela, o objetivo é estudar como os
atores políticos (sejam eles indivíduos ou instituições) se organizam re-
lacionalmente em um ambiente maior. Como defende Marques (2007),
não é possível pensar em relações sociais apenas considerando as carac-
terísticas individuais de cada ator envolvido numa eventual relação ou
analisar de forma abstrata o ambiente institucional dentro do qual as
relações acontecem. É preciso levar em conta os diferentes mecanismos
relacionais, pensando relacionalmente, o que significa considerar os pe-
sos das instituições e das decisões individuais nos posicionamentos dos
atores políticos no espaço relacional. Por outro lado, é preciso reconhe-
cer as limitações da ARS como técnica de análise empírica: ao permitir
uma identificação relacional, o uso dessa técnica é limitada quanto a ex-
plicações sobre a natureza dos atores individuais ou sobre a composição
mais geral das instituições que fazem parte das estruturas relacionais.
Em outras palavras, não é possível fazer inferências sobre as intenções
individuais dos atores envolvidos nas relações sociais a partir da ARS,
assim como não se pode pensar em explicações sobre a natureza e ori-
gem das organizações que se relacionam entre si (através dos atores). A
técnica não foi pensada para isso. Ela serve exclusivamente para medir
as interações entre os atores, suas intensidades, direções e força das rela-
ções. Portanto, na ARS a unidade de análise é a relação e não os atores
envolvidos ou as organizações isoladamente.
Conforme Hanneman e Riddle (2005), a ARS possui uma linguagem pró-
pria para descrever a estrutura e o conteúdo das relações observadas, fugin-
do das preocupações sobre quão fortes ou fracos, iguais ou desiguais, são
os atores envolvidos para centrar atenção em como se localizam os atores

99
Como estudar elites

envolvidos nas relações. Para Costa (2011) há cinco aspectos importantes a


serem considerados em ARS. O primeiro deles é que a técnica não descon-
sidera as características e atributos dos indivíduos envolvidos nas relações.
Ao contrário, esses atributos são considerados em suas proporções como
possíveis explicações para o tipo de relação encontrada. No entanto, iden-
tificar atributos dos atores não é o objetivo final na ARS. Em segundo lugar,
a análise de redes sociais é uma metodologia que depende diretamente das
relações entre conceitos teóricos e dados empíricos, sendo mais que uma
simples técnica empírica. Sem consistência conceitual sobre quem são e
quais os interesses dos atores envolvidos, as explicações sobre relações não
se sustentam. O terceiro aspecto é que se trata de uma análise estrutural,
das estruturas de relações. Para tanto, seu sucesso depende de rigor meto-
dológico, empírico e matemático para que os achados sobre as estruturas
das relações sejam plausíveis. Em quarto lugar, a metáfora da rede exige a
apropriação de determinados conceitos necessários para diferenciá-la de
outros estudos que usam o termo “rede”, mas que têm como objetivo ana-
lisar os atores e não as suas relações.
Os principais conceitos da ARS são: nós, laços ou vértices, relação unidi-
recional ou bidirecional, densidade, modularidade, centralidade, proximi-
dade, intermediação e distância geodésica (COSTA, 2011). Por fim, o foco de
atenção da ARS nem sempre precisa estar nas relações predominantes ou
naqueles nós centrais, como tende a acontecer em outras técnicas que bus-
cam identificar padrões gerais de comportamentos. Ao contrário, a identi-
ficação de uma relação secundária, de um vértice fraco ou de um nó peri-
férico pode ser até mesmo mais explicativo do que as relações principais.
A Figura 1 representa os principais elementos de uma ARS. Os nós ou
vértices são os pontos de convergência (A, B, C, D, E, F). No caso, a rede é
formada por seis nós, que podem ser indivíduos, organizações, instituições,
partidos políticos, unidades geográficas como municípios ou países etc. Os
nós são ligados por arestas ou arcos, que podem ser unidirecionais (arcos),
quando a relação só tem uma direção e são indicados por uma seta. É o caso
do arco (1), que indica uma relação em direção única de (A) para (F). Ou
podem ser arestas bidirecionais, quando a direção da relação entre os nós
é indefinida. No exemplo, representado pela aresta (2), ligando (C) a (D). A
centralidade é definida pelo número de arestas ou arcos ligados a um nó.
Quanto maior o número de ligações, mais central é o nó. O número de liga-
ções a um vértice é chamado de grau. Nesse caso, o nó (A) é o mais central
por apresentar o maior número de ligações/graus a outros vértices.

100
Análise de elites em perspectiva relacional

Figura 1. Exemplo de componentes de uma análise de redes

2
C D

3
B A E

Fonte: Elaboração própria

A proximidade entre os vértices (número 3 na figura acima) indica a dis-


tância entre cada integrante da relação. Quanto mais distante, menor a força
da relação. A Distância Geodésica Média indica qual o grau de proximidade
ou distanciamento entre os vértices em uma rede. Quanto mais próximos
estiverem, maior a densidade da rede, o que indica maior integração en-
tre seus componentes. O conceito de intermediação aplica-se aos casos em
que há uma relação indireta entre os integrantes de determinada rede. No
exemplo acima é possível pensar que o vértice (A) faça a intermediação en-
tre os nós (B) e (F), visto que não existe aresta ligando os dois últimos (eles
não apresentam uma relação direta). No máximo apresentarão uma relação
intermediada por fazerem parte da mesma rede social. A modularidade é
um indicador que mostra o quão homogênea é a distribuição dos nós e vér-
tices em uma rede. No exemplo acima se vê pelo formato da rede (número
4) que suas extremidades não são equidistantes. Há uma distribuição maior
do lado direito da rede e uma concentração maior do lado esquerdo. Esse
formato reduz o valor da modularidade, indicando relações heterogêneas
entre os integrantes da rede. Neste caso, a modularidade é distorcida pela
presença do nó fraco (F), que está mais distante do centro e apresenta o
menor número de ligações. Enquanto isso, do outro lado, os nós (B) e (C)
apresentam maior proximidade do centro (A) e maior homogeneidade de
distâncias entre si e os demais nós. Eles são considerados nós fortes.

101
Como estudar elites

1.1. A história do uso da análise de redes


A ARS começa a ser usada de maneira mais sistemática em estudos de
Ciências Sociais a partir da década de 1930 e, principalmente, após a fun-
dação da revista Sociometry: A Journal of Research in Social Psychology,
em 1937. Esse periódico tinha como objetivo publicar resultados de pes-
quisas empíricas na área da Sociologia e foi onde as técnicas de análises
de redes ganharam visibilidade. Pouco antes, em 1934, o sociólogo Jacob
Moreno (1889-1974) publica o livro Who Shall Survive: A new aproach to
the problem of human interrelations. Antes, já nos anos 1920, pesquisado-
res da área de Psicologia utilizavam as análises de redes, principalmente
em pesquisas que analisavam os comportamentos das crianças. Como po-
de-se perceber, a ARS entra nas Ciências Sociais como técnica de análise
microssociológica, ou seja, ela visava entender os contextos e as relações
entre indivíduos. Com o tempo os usos foram sendo diversificados e a
ARS passou a ser aplicada em pesquisas sobre relações entre instituições
e organizações (MORTON, 2004).
Nas Ciências Sociais a metodologia começa a ser utilizada para es-
tudar a formação de redes sociais humanas, com os cientistas sociais
observando as tendências de aproximação entre pessoas com interes-
ses comuns. Da mesma forma, a ARS também pode ser usada para iden-
tificar barreiras ou dificuldades (distâncias) de comunicação entre os
integrantes de uma rede dentro de uma organização qualquer. Cross e
Parker (2004) identificaram três grandes benefícios com a aplicação da
ARS. O primeiro é a integração que a metodologia permite entre as pes-
soas que participam de uma rede, independente de que tipo ela seja:
empresarial, social, política etc. Além disso, ela permite identificar
quais atores são centrais em determinada rede e quais os periféricos. Por
fim, torna-se possível a identificação da diferença dos efeitos agrupados
(gerados pela rede) em oposição aos efeitos individuais/não integrados
sobre qualquer fenômeno social (ZANCAN et al., 2012). Por exemplo, é
possível imaginar que um ator político qualquer tenha um nível de in-
fluência no debate público em função de suas características pessoais,
tais como carisma ou posse de título distintivo em determinada área.
Mas, além do atributo individual, há também atributos relacionais que
são capazes de colocar alguns atores em posições centrais de redes im-
portantes ou muito conectadas. Nesse caso, ainda que não possua tan-
tos atributos individuais, o ator político pode ganhar importância por
conta da sua posição na rede.

102
Análise de elites em perspectiva relacional

No Brasil, o campo das Ciências Sociais não foi o primeiro a usar as téc-
nicas de ARS em estudos empíricos. Pesquisas em ciência administrativa,
publicadas na Revista de Administração de Empresas (RAE), da Escola de
Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, em
1984 foram as primeiras no país a analisarem estruturas organizacionais
de empresas a partir da análise de redes. Na Ciência Política a técnica da
ARS aparece inicialmente em estudos sobre as relações entre institui-
ções estatais e organizações sociais (MARQUES, 1999; 2006; JUNQUEIRA,
2004). Nesse período, i.e., fim da década de 1990 e início dos anos 2000,
os pesquisadores estão preocupados em entender as relações entre orga-
nizações representativas estatais e societais. Em um segundo momento
os estudos começam a dar atenção para as relações individuais na disputa
de poder, como por exemplo Olivieri (2007), que investiga as nomeações
para o cargo de diretor do Banco Central do Brasil usando ARS. Ou a pes-
quisa sobre os resultados de ações de uma ONG ligada à saúde pública
na cidade de São Paulo a partir das redes de amizade (SILVA, 2009). São
vários os exemplos de pesquisas usando ARS para descrever dinâmicas de
políticas públicas, em diferentes áreas.
Ainda no campo das políticas de saúde há a pesquisa de Argiles (2013)
que avalia redes de sociabilidade no atendimento domiciliar terapêutico.
Na área de políticas educacionais, a ARS foi usada para analisar os resulta-
dos de política pública para a educação no município de Icapuí, no estado
do Ceará, por Martins e Lotta (2010). No campo das políticas econômicas
existem vários estudos sobre iniciativas locais, cooperativas, que usam ARS
(FREITAS, 2013). Com o avanço do uso da técnica em estudos empíricos,
pesquisadores começaram a se preocupar com as questões teóricas por trás
na ARS. Algumas contribuições nessa área são de Marques et al. (2007), Car-
los (2011), Martins (2011) e Costa (2011).
Dois recentes desdobramentos no uso da técnica destacam-se na Ci-
ência Política brasileira. O primeiro é a utilização de ARS em pesquisas
sobre elites políticas em disputas eleitorais. Horochovski et al. (2012)
analisam as redes de financiadores eleitorais de candidatos a prefeito
em municípios do litoral do Paraná. Santos (2011) usa as análises de re-
des para estudar formas de acompanhamento do trabalho parlamentar
de políticos eleitos. Outra área em que a ARS tem avançado é o das pes-
quisas sobre política e novas tecnologias de comunicação, em especial
após o advento da web 2.0 e das redes sociais digitais. Cada vez mais os
conceitos de redes sociais são aplicados em estudos sobre as redes for-

103
Como estudar elites

madas em ambientes digitais (MOURA; SILVA, 2008; LIMA, 2011; MASSI-


MO, 2012; REIS, 2012; SANTOS, 2012; NUNOMURA, 2013). Em resumo, a
Ciência Política brasileira começa a usar análises de redes para investi-
gar relações organizacionais entre o Estado e a sociedade com a finalida-
de de medir o impacto das redes nos resultados de políticas públicas em
diferentes áreas. Passa a aplicar a ARS em estudos sobre as organizações
da elite política, em especial em momentos eleitorais, para chegar aos
mais recentes trabalhos que desenham redes entre elite política e cida-
dão comum, em ambientes digitais – que são os estudos sobre debates
públicos em redes sociais na internet.

1.2. O sistema partidário brasileiro


Até aqui apresentamos a definição, os principais conceitos e o histórico
do uso da ARS em pesquisas empíricas. No próximo tópico aplicaremos a
metodologia em uma análise de redes das coligações formadas para disputa
das prefeituras das 26 capitais de Estado brasileiras em 2012.
Partimos do princípio de que, do ponto de vista eleitoral, o sistema
partidário brasileiro é organizado em função de três principais partidos:
PT, PMDB e PSDB. São esses partidos que apresentaram os maiores nú-
meros de candidatos a prefeito e a vereador em 2012, além de terem,
juntos, eleito um terço dos prefeitos brasileiros na mais recente disputa.
Partimos também do princípio de que é possível distribuir os três parti-
dos em pontos distintos do espectro ideológico, seguindo os trabalhos
de Tarouco (2010) e Tarouco e Madeira (2013), que de maneira geral po-
sicionam o PT como um partido de esquerda, o PMDB um partido de
centro e o PSDB como um partido à direita no espectro ideológico. Inclu-
ímos outros três partidos menores, que apresentaram menos candidatos
a prefeito nas capitais em 2012, cada um próximo de um dos grandes na
distribuição da escala ideológica. São eles: PCdoB (esquerda), PTB (cen-
tro) e DEM (direita). O objetivo da ilustração dessa técnica é, como dis-
semos, é verificar se existe ou não consistência nas redes formadas pelas
coligações partidárias entre partidos grandes e seus satélites nas dispu-
tas de prefeituras. Espera-se que nas coligações de partidos em apoio a
um candidato do PT esteja presente o PCdoB e não o DEM — da mesma
forma que em coligações de apoio a candidato do PSDB apareça o DEM e
não o PCdoB. Por outro lado, os partidos posicionados no centro do es-
pectro ideológico, o PMDB e o PTB devem aparecer com mais constância
nas redes de coligações em apoio a candidatos de outros partidos. Isso

104
Análise de elites em perspectiva relacional

se houver alguma consistência ideológica/programática nas coligações


partidárias para disputas majoritárias em capitais3.
Caso os grandes partidos tenham organizado coligações por proximida-
de ideológica em relação às siglas menores, o modelo teórico esperado é o
apresentado na figura abaixo (Figura 2). De um lado PT e PCdoB formando
um cluster oposto ao cluster do PSDB e DEM. Os dois primeiros não se coli-
gam com os dois últimos. Entre os clusters, no centro, estão PMDB e PTB,
que tenderiam, esses sim, a se coligar com partidos das duas extremidades.

Figura 2. Modelo para teste de hipóteses da formação de redes entre partidos políti-
cos no Brasil conforme o grau de consistência ideológica das coligações eleitorais

PT PSDB

PMDB

PCdoB DEM

PTB
Fonte: Elaboração própria

A opção por analisar apenas as redes de coligações partidárias em capi-


tais justifica-se pelo que a literatura da área já tem demonstrado: coligações
em municípios maiores, que possuem horários eleitoral em rádio e televi-
são, tendem a ser mais consistentes do ponto de vista ideológico do que
as coligações em pequenos municípios, onde a disputa não tem visibilida-
de e os partidos são organizados por outros critérios que não os princípios
partidários (DANTAS, 2011; CODATO; CERVI; PERISSINOTTO, 2013; CERVI,
2013). Dada a diversidade de condições para disputa eleitoral nos mais de
5,6 mil municípios brasileiros, consideramos inadequado utilizar todo o

3
Como descrito no início do texto, o objetivo aqui é usar as siglas como exemplos de
formação de redes em eleições municipais e não discutir a consistência ideológica (ou
existência de ideologia partidária) nas coligações para disputas majoritárias municipais.

105
Como estudar elites

conjunto em uma análise cujo objetivo é verificar a consistência das redes


formadas. Não se pode comparar redes políticas formadas em milhares de
pequenos municípios, onde a eleição tem uma dinâmica distinta da que
se percebe em municípios grande, com populações na casa dos milhões.
Por isso optamos por trabalhar com um subgrupo bastante homogêneo no
que diz respeito às condições políticas de disputa eleitoral: o das capitais de
estado. No próximo tópico detalharemos o objeto empírico de análise e dis-
cutiremos os principais resultados para as redes formadas pelos partidos.

2. Aplicação da ARS para coligações partidárias em eleições para prefeitos de capitais


em 2012 no Brasil
Como já apresentado, usamos a ARS para identificar as redes formadas
pelos três principais partidos políticos brasileiros (PT, PMDB e PSDB) nas
coligações para disputas das prefeituras de capitais de Estado brasileiras
em 20124. Para testar a ideia de organização em rede, são incluídas três si-
glas menores, que gravitam em torno de cada um dos partidos principais e
se aproximam das posições de esquerda, centro e direita no espectro ide-
ológico, respectivamente PCdoB, PTB e DEM. Não se pretende, com isso,
verificar se existem associações entre os partidos, mas medir a força des-
sas relações, comparando-as entre as posições ideológicas e os tamanhos
dos partidos. As redes são formadas a partir das estruturas de coligações
em apoio aos candidatos de cada um dos partidos analisados aqui. Em
número maior, com redes mais densas, o PT, PMDB e PSDB. Em número
menor e com redes menos densas, o PCdoB, PTB e DEM. O primeiro passo
é identificar que partidos coligaram-se com a sigla que indicou candidato
a prefeito em cada capital.
As coligações são organizadas em pares de partidos para formarem os
nós e os vértices. Para os casos em que o partido lança candidato a prefei-
to sem se coligar a nenhum outro partido, na chamada candidatura soltei-

4
Em relação às técnicas de análises de rede, a organização dos gráficos apresentados
aqui se dá pelo método de multiescala de Harel-Koren, que é um algoritmo de proces-
samento que produz gráficos com distribuição uniforme dos nós e dos vértices entre
eles. Com isso é possível verificar que partidos estão mais interconectados entre si. Para
as análises de clusters usou-se o algoritmo de Clauset, Newman e Moore, que é um al-
goritmo aglomerativo com grande qualidade na separação dos clusters. Ele começa
considerando uma partição para cada vértice, que representa uma comunidade, e vai
mesclando cada nova interação na mesma comunidade até que se esgotem as relações
consideradas válidas e formem-se os clusters.

106
Análise de elites em perspectiva relacional

ra, o vértice o liga ao nó “sem colig.” (sem coligação. Quando o partido se


coliga com um dos outros 24 partidos existentes e não considerados aqui,
o vértice o liga ao nó “outro partido”. Sabemos que a decisão de reunir
todos os demais partidos em uma única categoria (“outro”) traz consequ-
ências para a análise, pois a rede considerará como a mesma coisa uma
coligação entre PT e PSB e PT e PP, por exemplo. Tanto PSB quanto PP es-
tão agrupados na categoria “outro”. No entanto, a opção pela junção dos
demais partidos em um único nó está relacionada ao fato de que estamos
testando a consistência das redes dos principais partidos com uma sigla
satélite de cada posição no espectro ideológico.
A hipótese testada aqui é a de que os partidos coligam-se por proximida-
de no espectro ideológico, pelo menos nos municípios de maior visibilida-
de das disputas, as capitais de estado.
Os três partidos grandes analisados aqui apresentaram 44 candidaturas a
prefeito nas 26 capitais de Estados em 2012. O PT teve candidato em 16 capi-
tais5, o PMDB em 11 capitais6 e o PSDB em 17 capitais7. Para a construção das
redes foram inseridas 61 candidaturas dos três partidos, o que significa que
se considerarmos o total de 43 candidaturas dos três partidos, no geral eles
estiveram coligados com 1,5 partido em média por município analisado aqui.
Das 16 candidaturas do PT, ele esteve coligado com o PCdoB em três
municípios (Rio Branco, Vitória e São Paulo), com o PMDB em três capitais
(Cuiabá, São Luís e Goiânia), com o PTB em duas (Salvador e São Luís), com
o DEM em uma (São Luís), com outros partidos em cinco municípios e sem
coligação em apenas quatro capitais (Campo Grande, Belo Horizonte, Tere-
sina e Natal). No PMDB, das 11 candidaturas a prefeitos de capitais, quatro
foram coligadas com o PTB (Campo Grande, João Pessoa, Rio de Janeiro e
Florianópolis), uma com o DEM (Campo Grande), uma com o PSDB (Boa
Vista), uma com o PT (Rio de Janeiro), uma com o PCdoB (Rio de Janeiro),
cinco com outros partidos e apenas uma sem coligação (Curitiba). Já das 17
candidatos do PSDB, cinco foram coligadas com o DEM (Rio Branco, Vitória,
Teresina, Natal e São Paulo), uma com o PMDB (Vitória), oito com outros

5
Rio Branco, Salvador, Fortaleza, Vitória, Goiânia, São Luís, Cuiabá, Campo Grande, Belo
Horizonte, Belém, João Pessoa, Recife, Teresina, Natal, Porto Alegre e São Paulo.
6
Rio Branco, Salvador, Campo Grande, Belém, João Pessoa, Curitiba, Rio de Janeiro, Na-
tal, Boa Vista, Florianópolis e São Paulo.
7
Rio Branco, Maceió, Macapá, Manaus, Fortaleza, Vitória, São Luís, Cuiabá, Campo Gran-
de, Belém, João Pessoa, Recife, Teresina, Rio de Janeiro, Natal, Porto Alegre e São Paulo.

107
Como estudar elites

partidos e três sem coligar (Macapá, Fortaleza e Rio de Janeiro). Como é


possível perceber pelos números, parece existir uma organização ideológi-
ca das candidaturas, o que nos permite testar a hipótese da consistência de
redes. O PT não se coligou com o DEM, nem com o PSDB. O PMDB se coligou
pelo menos uma vez com os cinco outros partidos considerados aqui.
Dos três partidos satélites, o PCdoB apresentou candidatos a prefeito
em seis capitais8. Coligou-se com o PT em duas delas (Manaus e Floria-
nópolis). Coligou-se com outros partidos em outras duas e lançou candi-
daturas solteiras em Fortaleza e Goiânia. O PTB apresentou candidatos
em apenas três municípios9. Coligou-se com o PSDB em Goiânia, com
o PMDB em Teresina e com outros partidos em Manaus. Já o DEM lan-
çou candidatos em oito capitais10. Coligou-se com PSDB em três delas
(Macapá, Salvador e Aracaju). Também se coligou com PTB em Aracaju e
Macapá. Coligou-se com outros partidos em três capitais e lançou candi-
datura solteira em Fortaleza.
As descrições gerais das coligações mostram uma tendência de redes
consistentes nos partidos satélites. Em primeiro lugar, o número de can-
didaturas apresentadas por eles é menor que a dos três partidos grandes.
Além disso, quando teve candidato a prefeito de capital, o PCdoB coli-
gou-se apenas com o PT dentre as agremiações consideradas na análise.
O PTB coligou-se com o PMDB e com o PSDB, enquanto o DEM coligou-se
com o PTB e o PSDB.
A partir dessas descrições iniciais daremos continuidade às análises das
principais estatísticas geradas pela ARS.
Em primeiro lugar, usaremos sempre gráficos unidirecionais, pois consi-
deramos que as coligações são firmadas para trocas de apoios políticos nos
sentidos dos dois partidos (nós), ainda que apenas um possa apresentar o
candidato a prefeito. A distância geodésica média, que é a distância média
entre todos os pares de vértices a partir da menor distância entre dois vérti-
ces, será usada para identificar as diferenças de distâncias entre os nós em
cada uma das redes. A densidade do gráfico, que é a razão que compara o
número de limites com o número máximo de limites se todos os vértices do
gráfico estivessem conectados será usado para comparar as densidades das

8
Macapá, Manaus, Fortaleza, Goiânia, Porto Alegre e Florianópolis.
9
Manaus, Goiânia e Teresina.
10
Maceió, Macapá, Manaus, Salvador, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e Aracaju.

108
Análise de elites em perspectiva relacional

redes de todos os partidos. Quanto mais próximo de 1,000 maior a densida-


de e mais conectados estão os vértices entre os nós de uma rede. O número
de vértices em um componente conectado, que é o número de vértices do nó
com mais vértices, mostrará o grau de centralidade do partido principal da
rede. O número de limites em um componente conectado, que é o máximo
de vértices que um nó poderia ter na rede, indica até quanto poderiam che-
gar as relações caso houvesse densidade máxima. A comparação entre as
estatísticas do número de vértices e do número de limites indicará quão dis-
tante a rede está do máximo de densidade que ela poderia chegar. Por fim, a
modularidade, usada para medir a homogeneidade dos integrantes da rede,
indicará como a rede de um partido distribui-se: se de maneira homogênea
– sem subgrupos – ou de forma heterogênea – com clusters ou subgrupos.
Quanto mais alto for o coeficiente de modularidade, maior a densidade en-
tre os vértices de um mesmo grupo em uma rede. Conexões muito distantes
entre si aumentam a possibilidade de formação de clusters na rede.
A análise está dividida em duas partes. Na primeira descreveremos as
redes de cada um dos partidos estudados. Serão, portanto, formadas seis
redes. Três de partidos grandes e três de partidos satélites. Para a apresen-
tação dos resultados os partidos serão agrupados por posição no espectro
ideológico. Aqui, pretende-se descrever a composição (número de partidos
de cada rede), a densidade e a modularidade para cada uma das redes. Nes-
sa primeira parte da análise não se espera encontrar a formação de clusters,
o que indicaria uma heterogeneidade grande nas formações de coligações
partidárias nas capitais de estado.
A segunda parte da análise, que é a parte central do estudo, reunirá todas
as coligações em duas redes. Uma levará em conta as coligações de todos
os partidos, inclusive com “outros partidos” e as candidaturas “sem coliga-
ção”. A outra considerará apenas a rede formada pelas coligações dos seis
partidos que são objeto do estudo. Espera-se ao final conhecer não apenas
as características de cada rede de coligações, mas também se a rede obtida
em 2012 se aproxima ou não do modelo teórico apresentado na Figura 2.
Para os dois partidos de esquerda, a rede do PT, como se vê, é mais com-
plexa, apresenta máximo de limites de 20, no próprio PT, o que mostra a
sua centralidade (como esperado). As categorias mais presentes na rede são
PCdoB e outros. Em seguida vem o PMDB. Um caso inesperado é a presen-
ça do DEM na rede do PT, coligados ambos os partidos em São Luís (MA).
Não há formação de clusters, com um único grupo. A distância geodésica
é de 1,469 e a densidade de 0,285. Quando comparado à rede do PCdoB,

109
Como estudar elites

Figura 3. Redes separadas de coligações dos partidos de esquerda

3.1. Rede de coligações do PT 3.2. Rede de coligações do PCdoB

sem colig.
PCdoB
PTB
PT

PT
PCdoB PMDB
PMDB

outros

outros

DEM sem colig.

Grupo Partido Número Grupo Partido Número

PT 20,0 PCdoB 7,0

PCdoB 5,0 Sem colig. 2,0

Outros 5,0 G1 PT 2,0

G1 PMDB 4,0 Outros 2,0

Sem colig. 3,0 PMDB 1,0

PTB 2,0 Distância Geodésica Média 1,469

DEM 1,0 Máximo de vértices em um 5


componente conectado
Distância Geodésica Média 1,469
Máximo de limites em um 7
Máximo de vértices em um 7 componente conectado
componente conectado
Densidade 0,400
Máximo de limites em um 20
componente conectado

Densidade 0,285

Fonte: Elaboração própria

percebe-se que a distância geodésica deste é menor (1,280) e a densidade


maior (0,400). Isso porque a rede do PCdoB é menor, com número máximo
de limites em 7, e mais homogênea, pois três categorias apresentam dois
componentes conectados (sem colig., PT e outros). Dentre os partidos coli-
gados, nenhuma novidade. Apenas PT e PMDB.

110
Análise de elites em perspectiva relacional

A rede formada pelas coligações do PMDB indica que ele é um típico


partido de centro. Faz pelo menos uma coligação com cada um dos cinco
outros partidos. Além disso, o maior número de vértices é com a categoria
“outros”, ou seja, ele apresenta uma das maiores diversidades partidárias
nas coligações. Dos considerados aqui, o partido mais presente na rede

Figura 4. Redes separadas de coligações dos partidos de centro

4.1. Rede de coligações do PMDB 4.2. Rede de coligações do PTB

PT
DEM
PTB
PSDB

PMDB

outros PCdoB
sem colig.
outros

PTB
PSDB PMDB

Grupo Partido Número Grupo Partido Número

PMDB 15,0 PTB 3,0

Outros 5,0 PMDB 1,0


G1
PTB 4,0 PSDB 1,0

PCdoB 2,0 Outros 1,0


G1
PSDB 1,0 Distância Geodésica Média 1,125

PT 1,0 Máximo de vértices em um 4


componente conectado
Sem colig. 1,0
Máximo de limites em um 3
DEM 1,0 componente conectado
Distância Geodésica Média 1,531 Densidade 0,500
Máximo de vértices em um 8
componente conectado Fonte: Elaboração própria

Máximo de limites em um 15
componente conectado

Densidade 0,250

111
Como estudar elites

do PMDB é o PTB. A alta distância geodésica de 1,531 e a baixa densidade


de 0,250 não surpreendem, dada a heterogeneidade dos componentes da
rede. O PTB, com um número bem menor de conexões máximas (três) apre-
senta uma das menores distâncias geodésicas (1,125), e uma das maiores
densidades (0,500), indicando homogeneidade da rede. Entre os partidos
analisados aqui, o PTB conecta-se com PMDB e PSDB, além de outras siglas.

Figura 5. Redes separadas de coligações dos partidos de direita

5.1. Rede de coligações do PSDB 5.2. Rede de coligações do DEM

PTB PSDB
DEM

outros

PSDB
PTB

outros
DEM
PMDB

sem colig. sem colig.

Grupo Partido Número Grupo Partido Número

PSDB 17,0 DEM 10,0

DEM 6,0 Outros 4,0

Outros 5,0 G1 PSDB 3,0


G1
Sem colig. 3,0 PTB 2,0

PTB 2,0 Sem colig. 1,0

PMDB 1,0 Distância Geodésica Média 1,280

Distância Geodésica Média 1,388 Máximo de vértices em um 5


componente conectado
Máximo de vértices em um 6
componente conectado Máximo de limites em um 10
componente conectado
Máximo de limites em um 17
componente conectado Densidade 0,400

Densidade 0,333
Fonte: Elaboração própria

112
Análise de elites em perspectiva relacional

Nas redes dos partidos de direita também não há nenhuma surpresa, as co-
nexões ficam próximas do esperado. Ou seja, no que diz respeito às opções
de redes eleitorais, os partidos políticos selecionados aqui demonstraram ter
consistência ideológica. No partido maior, em um total de 17 componentes co-
nectados no PSDB, o mais presente é o DEM. Também há conexões com PTB e
PMDB, além de “outros partidos”. A distância geodésica é relativamente alta
(1,388), resultado do grande número de conexões, e a densidade fica em 0,333.
O partido satélite de direita apresenta uma rede menos complexa, com máxi-
mo de 10 componentes conectados ao DEM. O Democratas coliga-se principal-
mente com “outros partidos”. Dentre os analisados aqui aparecem o PSDB e
PMDB, mantendo a consistência das coligações por proximidade ideológica. A
distância geodésica é relativamente baixa (1,280), e a densidade fica em 0,400.
Dos partidos grandes analisados aqui a rede de coligações mais complexa é
do PT, com 20 conexões máximas, seguido do PSDB, com 17, e do PDMB, com
15. Todos eles ficam acima de seus satélites, que apresentam redes mais sim-
ples: DEM com 10 conexões máximas, PTB com sete e PCdoB com apenas três.
As densidades das redes dos partidos satélites são maiores que a dos grandes
partidos. A maior densidade de rede é do PTB (0,500), seguido do DEM e PC-
doB, com 0,400. Depois vem PSDB com 0,333, PT com 0,285 e PMDB com 0,250.
Os coeficientes das redes individuais indicam duas coisas: a primeira é que
há consistência ideológica das redes dos partidos grandes e satélites de direi-
ta, centro e esquerda. As redes não mostram uma profusão de coligações en-
tre partidos de diferentes posições no espectro ideológico, exceto para os par-
tidos de centro, como esperado. A segunda coisa é que quanto maior a rede
(mais nós), mais difícil é manter a homogeneidade das conexões, levando os
partidos satélites a apresentarem redes menores, porém, mais densas. Isso é
explicado pelo fato de as redes dos partidos nanicos serem mais consistentes
do ponto de vista ideológico do que as redes dos grandes partidos.
Até aqui analisamos as redes dos partidos individualmente. A Figura 6,
a seguir, mostra a rede formada pelo conjunto de todas as coligações nas
disputas pelas prefeituras das capitais em 2012. São duas redes. Uma apre-
senta os resultados para todos os nós (incluindo “outros partidos” e “sem
coligação”) enquanto a outra mostra as conexões entre as coligações forma-
das apenas pelos seis partidos analisados aqui.
O gráfico 6.1 (que considera todos os nós de partidos nas coligações) mos-
tra-se o mais heterogêneo de todos Apresenta cinco subgrupos. O primeiro
formado pelo PT, PMDB, PCdoB e “sem colig.”. Depois, PT, PSDB, DEM e “ou-
tros” apresentam uma independência em relação ao demais, formando cada

113
Como estudar elites

Figura 6. Redes de coligações de partidos nas disputas para prefeituras de capitais de Estado em 2012

6.1. Rede de todas as coligações em capitais de Estado 6.2. Rede formada pelas coligações dos 6 partidos

PMDB PT
DEM PT
PMDB

PCdoB
PTB
outros

PSDB PSDB
PTB
PCdoB

sem colig. DEM

Grupo Partido Número Grupo Partido Número

PT 23,0 PT 23,0

PMDB 22,0 G1 PMDB 22,0


G1
Sem colig. 10,0 PCdoB 10,0

PCdoB 14,0 PSDB 13,0

G2 PTB 13,0 G2 DEM 25,0

G3 PSDB 25,0 PTB 18,0

G4 DEM 18,0 Distância Geodésica Média 1,055

G5 Outros 25,0 Máximo de vértices em um 6


componente conectado
Distância Geodésica Média 1,062
Máximo de limites em um 40
Máximo de vértices em um 8 componente conectado
componente conectado
Densidade 0,733
Máximo de limites em um 75
componente conectado Modularidade 0,112

Densidade 0,785

Modularidade 0,053

Fonte: Elaboração própria

um o seu próprio subgrupo. O total de conexões sobre para 75 e a distância


geodésica fica em 1,062. A densidade é de 0,785, bem acima das encontradas
nas redes individuais. Aqui, como se formam subgrupos é possível conside-

114
Análise de elites em perspectiva relacional

rar o coeficiente de modularidade, que fica em 0,053, bastante baixo, pois a


rede apresenta-se disforme. Os nós que apresentam maior número de cone-
xões individuais são o PSDB e “outros”, com 25, seguidos de PT, com 23, e
PMDB, com 22. Há, portanto, uma heterogeneidade maior na rede de coliga-
ções, com predomínio dos três partidos grandes considerados aqui.
A rede formada pelas coligações dos seis partidos analisados (figura 6) apre-
senta alguns coeficientes muito próximos da anterior. Distância geodésica mé-
dia de 1,055 e densidade de 0,733. Outros coeficientes são bastante distintos. O
número máximo de componentes conectados cai para 40 em função do menor
número de componentes e a modularidade mais do que dobra, passando para
0,112. Isso porque agora a rede é formada por dois subgrupos bem definidos e
com distâncias médias entre si muito próximas. O primeiro cluster é formado
por PT, PMDB e PCdoB. Com 20, 15 e 7 conexões respectivamente. O segundo
cluster tem PSDB, DEM e PTB, com 20, 5 e 3 conexões respectivamente. As dis-
tâncias médias do cluster 1 – mais à esquerda – são menores que as do cluster 2
– mais à direita, como pode-se perceber na imagem da rede. Porém, a principal
informação é que, considerando apenas as coligações dos seis partidos, forma-
ram-se apenas dois e não três clusters, com a separação do PMDB, que ficou
com os partidos de esquerda, e do PTB, que ficou com os partidos de direita.

Notas conclusivas
Como primeira conclusão é preciso destacar as limitações do uso de análise
de redes para estudos de elites. A primeira é que não se aplica às tradicionais
análises posicionais de atores. Só se deve usar análise de redes quando não
se pretende uma análise posicional, mas sim relacional dos atores, logo, não
pode ser usado em estudos sobre atores individuais, mas sim para conexões
entre diferentes atores passíveis de serem identificados como pertencentes
a diferentes grupos. Feita a observação sobre os limites do uso da técnica, é
possível afirmar como principal achado que existe consistência ideológica nas
coligações feitas pelos seis partidos analisados em campanhas para prefeitu-
ras de capitais em 2012. No entanto, o número de clusters foi menor do que
imaginávamos inicialmente. Nossa hipótese (representada na figura 2, p.105)
era de que haveria pelo menos três clusters, sendo um à esquerda, um no cen-
tro e outro à direita. O resultado foi que os seis partidos organizaram-se em
apenas dois clusters. Um à esquerda com PCdoB, PT e PMDB e outro à direita
com DEM, PSDB e PTB. Os dois partidos de centro não formaram um cluster.
O PMDB tendeu a se coligar mais com PT e PCdoB, enquanto o PTB coligou-
-se principalmente com DEM e PSDB. Essas composições foram obtidas ao se

115
Como estudar elites

considerar apenas as conexões formadas entre os seis partidos analisados e


não entre todos os que disputaram as eleições municipais de 2012. No entan-
to, quando consideramos todas as coligações, mantém-se no mesmo cluster
PMDB-PT-PCdoB (Figura 6.1), mas os outros partidos formam grupos distintos
em função da diversidade de coligações firmadas entre eles. Ao todo são cinco
clusters quando inserimos todos os partidos no modelo de ARS.
Em relação às redes centradas em cada partido, os resultados foram pró-
ximos do esperado. Os partidos considerados grandes (PT, PMDB e PSDB)
apresentaram redes mais complexas, com maiores números de vértices e
mais heterogêneas do que os seus satélites (PCdoB, PTB e DEM). A única
inconsistência ideológica foi uma coligação entre PT e DEM. Nas demais,
as redes menores, dos partidos satélite, mostraram-se mais homogêneas e
consistentes ideologicamente. A técnica de ARS mostrou-se adequada para
as análises relacionais entre partidos em coligações para disputas eleitorais.
Não foi nosso objetivo discutir o que deve caracterizar um partido de
esquerda ou de direita, mas sim o de apresentar as relações estabelecidas
entre eles. Do ponto de vista relacional, o partido mais heterogêneo dentre
os analisados aqui foi o PMDB, que teve seus candidatos a prefeito apoiados
por todos os cinco outros partidos. Em segundo lugar veio o PT, apoiado
por PMDB, PTB, PCdoB e DEM. Seguido de PSDB, que teve apoio do DEM,
PMDB e PTB. DEM contou com apoio apenas de partidos do centro ou di-
reita (PSDB e PTB). O mesmo ocorreu com PTB (PSDB e PMDB). Já o PCdoB
contou com apoio de partidos do centro e esquerda (PT e PMDB).
Apesar dos achados indicarem consistência ideológica nas redes for-
madas pelas coligações partidárias, é preciso considerar as limitações dos
resultados apresentados aqui. Trata-se de uma análise do comportamento
das elites partidárias a partir das relações entre diretórios municipais e não
um estudo sobre comportamento eleitoral. O sistema eleitoral brasileiro dá
autonomia aos diretórios partidários em definir coligações. Não existe uma
verticalização formal. Portanto, em disputas municipais é possível encon-
trar composições distintas de coligações partidárias entre diferentes muni-
cípios. As conclusões não podem ser extrapoladas para explicar possíveis
resultados de desempenho nas eleições. Nossa opção de tratar apenas das
coligações em capitais tinha como pressuposto a maior consistência ideoló-
gica no comportamento das elites partidárias. Um desdobramento da pes-
quisa apresentada aqui, para testar a relação entre consistência ideológica
das coligações e tamanho do município, deve replicar a técnica de ARS para
todos os 5,6 mil municípios brasileiros, agrupados por número de eleitores.

116
Análise de elites em perspectiva relacional

Referências

ARGILES, C. T. L. et al. Redes de sociabilidade: construções a partir do serviço residencial


terapêutico. Ciência e Saúde Coletiva, v. 18, n. 7, p. 2049-2058, 2013.

BOURDIEU, P. Introdução a uma sociologia reflexiva. In: _____. O poder simbólico. 6. ed.
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118
5. Viagem pela alta hierarquia:
pesquisa de campo e interações
com elites eclesiásticas
Ernesto Seidl

O TÍTULO DESTE CAPÍTULO inspira-se no livro Voyage en grande bourge-


osie: journal d’enquête, publicado em 1997 pelo casal de sociólogos france-
ses Michel Pinçon e Monique Pinçon-Charlot. A publicação apresenta um
conjunto de reflexões apoiado em experiências de dez anos de investiga-
ção junto à aristocracia e à alta burguesia. Obra original, relata com rigor as
condições concretas e subjetivas de pesquisa encontradas em um espaço
social pouco conhecido das Ciências Sociais. Mais do que isso, expõe com
minúcia procedimentos raramente levados à fase de publicação dos resul-
tados de estudos científicos das áreas de ciências humanas e que compõem
justamente o cotidiano das interações sociais de pesquisa, dos imprevistos,
descobertas e dificuldades na exploração do campo1.
É dentro dessa tomada de posição que se situa o presente trabalho, tam-
bém ele originado de pesquisas sobre um universo social que tem desperta-
do pouco interesse nas Ciências Sociais dentro e fora do Brasil – a alta esfera
eclesiástica2. O estudo em questão teve início no quadro de um doutora-

121
Como estudar elites

mento em Ciência Política e se desdobrou em novas pesquisas ao longo de


vários anos, tendo por objeto central a composição e as transformações da
elite eclesiástica no Brasil ao longo do século XX3. O material de base para as
reflexões aqui desenvolvidas são fundamentalmente experiências de conta-
to direto (sobretudo entrevistas gravadas e não gravadas, conversas e obser-
vações) e indireto (via telefone e mensagens) com uma variedade de dirigen-
tes religiosos católicos: em sua maioria bispos (em atividade ou eméritos),
teólogos, intelectuais, diretores de seminários e de faculdades, superiores de
ordens e de congregações, secretários regionais da Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil, sacerdotes dedicados a setores específicos (pastorais, em-
presariado) e, em menor escala, leigos administradores de órgãos ligados à
Igreja, como Cáritas Internacional e Associação de Professores Católicos. Em
suma, um espaço físico e, sobretudo, de relações entre uma multiplicidade
muito grande de agentes sociais, que chamo mundo da Igreja4.
Obviamente, não se trata aqui de contar a história da pesquisa ou da cons-
trução do objeto de análise, muito menos de explorar o imponderável ou o
pitoresco que todo investigador que adota alguma modalidade de trabalho
de campo, de viés etnográfico ou não, experimenta em certa medida. Preten-

1
Este texto beneficiou-se de discussões realizadas em duas reuniões do grupo CAPES
Procad/NF, uma ocorrida na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em
2011, e outra na Universidade Federal do Paraná, em 2012. Agradeço a Adriano Codato
e a Renato Perissinotto por diversas sugestões à versão final do capítulo.
2
Embora escolarmente canônicos, os estudos sobre elites são marginais na hierarquia
dos objetos das Ciências Sociais brasileiras (SEIDL, 2013a, 2013b). Por sua vez, dentro
dos estudos sobre religião – bastante valorizados e desenvolvidos no país – o alto clero
ou os dirigentes religiosos têm recebido pouquíssima atenção dos pesquisadores. Esse
ponto é desenvolvido em Seidl (2008b).
3
Uma primeira e mais intensa etapa desses estudos desenrolou-se entre 2000 e 2003,
seguida de outros momentos entre 2008 e 2014. Os primeiros resultados da pesqui-
sa encontram-se em Seidl (2003). Parte dos resultados posteriores está em Seidl (2007;
2008a; 2008b; 2009a; 2009b; 2012; 2013) e em Seidl e Neris (2011).
4
Gostaria de chamar atenção para o caráter múltiplo dos procedimentos metodológicos
empregados em meus estudos sobre o mundo da Igreja: pesquisa documental e biblio-
gráfica, registro fotográfico, questionários, entrevistas e observações diretas. Isso decorre
de uma perspectiva segundo a qual as Ciências Sociais não devem ser reféns das divisões
acadêmicas e, dessa forma, valer-se unicamente dos respectivos métodos considerados
próprios a cada uma delas: as fontes escritas e os arquivos sendo domínio da história; o
uso de questionários e do tratamento estatístico cabendo à Sociologia e à Ciência Política;
a entrevista e as observações, o dito “trabalho de campo”, constituindo a démarche própria
à Antropologia. Sem ignorar a existência de tipos dominantes de produção de dados cien-
tíficos no interior de cada uma dessas disciplinas, sua unidade epistemológica pode e deve
servir de estímulo ao uso extensivo e criativo de todos os instrumentos postos à disposição
do pesquisador empenhado em compreender alguma dimensão da vida social. Esta pers-
pectiva é mais bem desenvolvida em Seidl e Grill (2013).

122
Viagem pela alta hierarquia

do, neste texto, expor e discutir aspectos julgados indispensáveis a qualquer


pesquisa que invoque o princípio da reflexividade teórica (BOURDIEU, 1994a;
1994b; BOURDIEU; WACQUANT, 2006), raramente eles próprios objetos de
demonstração ou de questionamento sistemático5. Trata-se em especial de
abordar as condições específicas e as peculiaridades que marcaram o per-
curso de uma pesquisa concreta, com elementos não inteiramente transpo-
níveis ao contexto de outra investigação semelhante conduzida por outro
pesquisador, pois ainda que o objeto fosse exatamente o mesmo, as proprie-
dades sociais dos investigadores e suas idiossincrasias nunca seriam idên-
ticas6. Assim, o esforço é colocado em apresentar elementos que permitam
problematizações sobre processos de objetivação do pesquisador voltado
ao estudo de elites, em especial eclesiásticas e institucionais, e que sirvam
à vigilância que facilmente escapa a seus desejos. De forma combinada, são
dimensionadas questões caras às práticas de pesquisa que exigem interações
sociais diretas e põem em jogo a mobilização da identidade do pesquisador
sob registros variados e costumam envolver inseguranças e hesitações tanto
de sua parte quanto daqueles com quem interage7.

1. Negociando a pesquisa com religiosos: apresentação e manejos


Como mencionado, estudos sobre dirigentes da Igreja católica são raros.
Com algum caráter etnográfico, então, quase inexistentes, até onde se saiba8.
A ausência de um ponto de partida mínimo para uma pesquisa que cobraria

5
Em poucas palavras, a reflexividade teórica consiste na aplicação sistemática do racio-
nalismo a todas as operações do fazer científico, muito em especial àquelas mais iniciais
e decisivas, que dizem respeito à escolha da temática e à construção do objeto. Esse
princípio implica que o pesquisador se pergunte, por exemplo, sobre as origens de seu
interesse e do investimento em tal ou qual tema, por que formulou estas e não aquelas
perguntas, por que privilegiou estes e não outros níveis de observação. O uso das ferra-
mentas das Ciências Sociais para a compreensão das condições sociais de construção do
objeto de pesquisa e de realização concreta de suas operações está, assim, na base da
reflexividade como atitude crítica indispensável.
6
Está excluída qualquer intenção de me deter nos detalhes ditos pessoais de condução
da pesquisa e em idiossincrasias do investigador. No entanto, lembrando observações
de Becker (2007), sabe-se que é possível identificar muitos aspectos gerais e recorrentes
em pesquisas sociológicas a partir de casos específicos, isto é, pode-se tomar determina-
da idiossincrasia como uma variante de tal ou qual problema geral.
7
Um esforço recente para expor esse tipo de discussão a partir de experiências de cam-
po vividas por cientistas sociais mulheres no Brasil é encontrado na coletânea organizada
por Bonneti e Fleischer (2007). No mesmo sentido, consultar também o artigo de Leirner
(2009) sobre pesquisa com militares.
8
Minha principal referência inicial na construção da problemática em torno das elites ecle-

123
Como estudar elites

intensa relação direta com membros da instituição católica somente reforça-


va, portanto, certa insegurança em um pesquisador com pouco traquejo em
negociações e condução de entrevistas. Sobretudo com atores da Igreja. Por
outro lado, devo acrescentar que a experiência anterior em um estudo so-
bre a elite do Exército (SEIDL, 1999) – porém, com recorte histórico distante
no passado – criara expectativas de encontrar as mesmas formas de trata-
mento recebidas nessa outra instituição de características semelhantes às da
Igreja. Notadamente, receava desconfianças exageradas frente à pesquisa e,
sobretudo, embaraços ou bloqueios causados pela estrutura hierarquizada
da instituição, como o apego a formalidades preciosistas e a quase sempre
necessária intermediação de algum membro de posição inferior no acesso
aos indivíduos em postos mais elevados. No entanto, já desde os primeiros
contatos com a instituição católica ficou claro que, embora equivalentes na
estrutura de suas respectivas instituições, bispos e generais não são a mesma
coisa e Igreja e Exército apresentam muitas diferenças.
Começando pelas condições de contato inicial e de negociação de en-
trevistas e encontros com membros da Igreja, uma primeira surpresa veio
da facilidade e da naturalidade em contatá-los e em obter respostas quan-
to à proposição de encontro pessoal – como regra geral. Sem dúvida essa
surpresa também derivava de uma visão da esfera eclesiástica como algo
cerrado e essencialmente refratário à exploração por indivíduos exógenos.
Isto é, dei-me conta de que compartilhava em boa medida uma imagem
corrente no senso comum segundo a qual a Igreja, e em especial suas esfe-
ras mais altas, constitui um “mundo à parte”, cercado por mistérios, segre-
dos e códigos cujo acesso é privilégio dos “de dentro”.
Assim, a concordância em colaborar com o trabalho e a presteza em dar re-
torno ao contato realizado foram traços marcantes da relação estabelecida com
profissionais da Igreja, fato que seguramente tem a ver com a forma de apresen-

siásticas era então o artigo de Bourdieu e Saint Martin (1982) sobre o episcopado francês.
Embora amplamente apoiada em entrevistas, realizadas por uma assistente, a pesquisa traz
poucos elementos sobre as relações com o espaço investigado. Uma das poucas (porém,
muito úteis) alusões ao universo do alto clero aparece em outro texto de Bourdieu (1996,
p. 189-203). Por outro lado, pude servir-me em alguma medida de trabalhos com elemen-
tos etnográficos dedicados a outros grupos dirigentes, principalmente a alta burguesia e a
nobreza (CHAMBOREDON et al., 1994; COHEN, 1999; COOKSON; PERSELL, 1985; HERTZ;
IMBER, 1995; LE WITA, 1988; OSTRANDER, 1993; PINÇON; PINÇON-CHARLOT, 1997;
1998; 2000; SAINT MARTIN, 1993). O recente artigo Machado (2013) discute dificuldades
de pesquisa com uso de entrevistas com lideranças de várias religiões no Brasil.

124
Viagem pela alta hierarquia

tar o tema da pesquisa e as justificativas de solicitação de um depoimento. Há,


no entanto, uma série de nuanças nessa relação que dizem muito sobre diver-
sos aspectos tanto em um nível mais geral, sobre formas de regulação interna
das relações hierárquicas e com os leigos, quanto sobre as diferentes posições
existentes na esfera eclesiástica e os modos de ocupá-las – com as respectivas
variações de recursos sociais e de percursos de seus membros –, estando sem-
pre em jogo alguma representação sobre as Ciências Sociais e o papel do pes-
quisador. Antes de ver com mais detalhe essas variações, cabe comentar as es-
tratégias de apresentação da pesquisa e de aproximação com o meio estudado.
A fim de minimizar parte dos problemas inerentes a qualquer tipo de in-
vestigação que exija o estabelecimento de relação direta com o universo
investigado, nomeadamente, os questionamentos sobre os propósitos do
estudo, as desconfianças quanto aos “verdadeiros” interesses do pesquisa-
dor e a série de porquês que costumam surgir pelo lado daqueles com quem
o investigador se defronta, foram adotados princípios relativamente bem
conhecidos de apresentação. Assim, num primeiro período da pesquisa,
o status de doutorando de uma reconhecida universidade federal foi sem
dúvida valioso na execução de todo o trabalho de campo ao produzir per-
cepções de garantia de “seriedade” e de “boas intenções” que facilitaram
enormemente o desenrolar das atividades9. Talvez pudesse ser ainda me-
lhor caso fosse aluno de uma instituição católica.
Quanto à apresentação do tema e dos objetivos do estudo, optei por manter
certa generalidade. Preferi nunca evocar a denominação Ciência Política para
minha área de estudo, posto que os riscos de mal-entendidos seriam grandes
frente ao menor reconhecimento social dessa disciplina em relação às outras
Ciências Sociais e, sobretudo, devido à carga social da palavra “política”, re-
pleta de conotações que dão margens ao temor de “classificação de opções
ideológicas ou partidárias”, “denúncias de preferência ou adesões” e muitas
outras suspeitas. Nesse sentido, o uso do termo História, ao mesmo tempo
menos ofensivo e socialmente mais valorizado, como rótulo geral do estudo,

9
Exemplo disso, quase uma blague acadêmica, foi a grande presteza com a qual um
bispo da arquidiocese de Porto Alegre, presença constante na televisão na condição de
“especialista em artes”, aceitou minha solicitação de entrevista, via contato telefônico. No
dia marcado, ao me encontrar numa ampla sala da Cúria Metropolitana, visivelmente sem
saber que eu era o tal pesquisador (certamente muito mais jovem do que imaginara!),
me informou com certa gravidade que não poderíamos conversar naquele momento
“porque estava aguardando um pesquisador da UFRGS” para entrevistá-lo.

125
Como estudar elites

revelou-se acertado. Para ser mais preciso, o estudo não foi apresentado como
uma tese de doutorado em História, mas como um estudo na área de história
da Igreja, sem especificar a disciplina. Nos raros casos em que me foram pe-
didos detalhes quanto ao curso e ao orientador da tese, forneci todas as infor-
mações sempre ressalvando a abordagem “histórica” pretendida, escapando
assim às indagações sobre o que a Ciência Política teria a ver com a Igreja.
Por outro lado, em diversas situações de observação ou de convívio em gru-
po, como durante uma Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, me vali de uma
apresentação como sociólogo - outra denominação mais legítima aos olhos da
Igreja –, geralmente permanecendo, no entanto, o termo “pesquisador”, segu-
ramente o melhor passe partout encontrado na elaboração de minha identidade
ao longo do estudo10. Em etapas posteriores de pesquisa sobre a elite da Igreja,
já com o doutorado concluído e na condição de professor universitário, man-
tive as mesmas orientações quanto aos interesses da pesquisa, com esforços
muito menores para justificar encontros e entrevistas, salvo no contato com
bispos no período logo após a divulgação de casos de pedofilia de religiosos11.
Sem entrar em detalhes quanto às muitas e complexas relações entre
Igreja e Ciências Sociais (temos bispos sociólogos!), não deixaria de men-
cionar a familiaridade de parte da hierarquia, para não falar dos religiosos
intelectuais (teólogos, professores-pesquisadores), com pesquisadores ou
especialistas em e da Igreja. Se a Igreja talvez não chegue a registrar sistema-
ticamente o material produzido pela ciência sobre a instituição, a exemplo
do Exército (LEIRNER, 2009), por outro lado, dispõe de leigos e religiosos
com autoridade acadêmica que lhe assessoram em diversos temas, pesqui-
sam em seu nome e divulgam informação através de um robusto aparato
editorial e de comunicação. Dito de outra forma, o próprio mundo acadêmi-
co encarrega-se em parte da apropriação de conhecimento para a institui-
ção através de experts trafegando entre os dois espaços. Certamente, o Cen-

10
Os efeitos das representações correntes sobre os ofícios de sociólogo e de historiador
na relação com outros especialistas e com o público em geral são discutidos por Bour-
dieu e Chartier (2011).
11
O tópico “política” fez parte da maior parte dos roteiros de entrevista utilizados, em
especial com o episcopado, teólogos e dirigentes de pastorais. As questões propostas
buscavam captar não apenas tomadas de posição e visões pessoais, mas também even-
tuais relações com o político – sob registros variados – ao longo de seus trajetos e pos-
síveis efeitos na composição das carreiras. Sobre dificuldades de acesso e de condução
de entrevistas com líderes de diferentes religiões em pesquisas sobre os temas gênero e
sexualidade, consultar Machado (2013).

126
Viagem pela alta hierarquia

tro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (CERIS), criado em 1962


por ação conjunta da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e
da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), é a instituição que melhor
encarna as tarefas de subsidiar intelectualmente a Igreja brasileira em suas
diversas facetas12. Para mencionar um caso exemplar, a CNBB, órgão má-
ximo de representação da Igreja, há muitos anos conta com um sociólogo
assessor, intelectual orgânico de alto prestígio entre o episcopado e cons-
tantemente solicitado em eventos, como na Assembleia Geral dos Bispos13.
O fato de grande parte dos indivíduos que entrevistei estarem habituados
a controlar seu discurso e a apresentação de sua imagem em situações varia-
das, tais como entrevistas à imprensa, programas de rádio, aulas, palestras,
conferências e, obviamente, os eventos religiosos (missas, cursos, aconselha-
mentos), apresenta um duplo aspecto. Se por um lado tornava mais fácil o
consentimento do entrevistado em falar a um estranho e a deixar gravar seu
depoimento, por outro lado exigia o esforço de romper com suas representa-
ções sobre as situações da entrevista (o que se imaginava encontrar), o que me
levou a destacar o caráter pessoal e informal da “conversa” que lhe propunha.
Procurei, portanto, insistir nesse caráter de informalidade já a partir dos con-
tatos iniciais, sempre relembrado antes de começar a entrevista, ressaltando a
vontade de conhecer a “história do entrevistado dentro da Igreja”14.
Desconsiderando as situações de dificuldade de horário, agenda lotada
ou outras contingências com as quais se defronta qualquer interessado em
ver uma pessoa em condição formal, deparei-me com duas situações opos-
tas que ilustram bem o quanto pode haver de involuntário e de aleatório
numa pesquisa que envolva relações pessoais diretas. Trata-se aqui de cha-
mar atenção ao papel exercido por aquelas pessoas encarregadas de regular

12
Como informa o sítio do centro, “[...] atendendo uma exigência das ações pastorais e so-
ciais da Igreja Católica no Brasil, o CERIS tem, também, o objetivo de dar suporte técnico e
sociológico aos trabalhos da Igreja e sempre foi uma instituição que tem como marca a ava-
liação de projetos, pesquisa e monitoramento de experiências populares e pastorais, além
de assessoria a movimentos sociais e eclesiais, financiamento e apoio a pequenas iniciativas”.
Disponível em: <http://ceris.org.br/institucional/sobre-o-ceris/>. Acesso em: 26 ago. 2015.
13
Sobre o papel dos assessores na CNBB, ver Seidl (2008a); quanto à apropriação pela
Igreja do conhecimento das Ciências Sociais, consultar Coradini (2012), Montero (2007)
e Seidl (2007).
14
Era especialmente notória a preocupação revelada por muitos bispos, ao serem contata-
dos, em estar preparados para a entrevista e poder, assim, dar “boas respostas”. Esse dado
tem relação com a posição de autoridade dos bispos no sistema de poder da instituição, a
qual implica elevado grau de controle sobre suas falas.

127
Como estudar elites

parte do cotidiano profissional de outros indivíduos e de cujo auxílio o in-


vestigador não pode prescindir. Ambos os casos referem-se a tentativas de
marcar entrevistas com arcebispos de posição destacada, um deles emérito
há poucos anos, pelo intermédio de suas respectivas secretárias. No primeiro
caso, a solicitação feita por telefone teve por resposta a possibilidade de um
encontro de apenas meia hora, na semana seguinte ao contato. Chegando
com antecedência ao arcebispado no dia previsto, fui recebido cordialmente
pela secretária e, enquanto esperava minha hora, pude conversar descontrai-
damente e estabelecer uma relação de empatia que resultou numa “ajuda”
em obter uma segunda entrevista, para a outra semana, e essa com duração
excepcional de uma hora, realizada no primeiro horário da manhã. Tive aí,
portanto, oportunidade de utilizar circunstâncias excepcionais para me en-
contrar, sem dúvida, com o clérigo gaúcho de agenda mais comprometida.
O contraponto a essa circunstância inesperada de colaboração no acesso a
indivíduos em cargos de destaque na Igreja e com escassa disponibilidade de
tempo veio pouco depois. Após uma série de pedidos de encontro com um
arcebispo emérito feitos por telefone a sua secretária particular – cuja respos-
ta repetida sempre fora a de que iria encaminhá-los –, aproveitei o encontro
com um padre muito bem posicionado na instituição (secretário-executivo
da seção regional da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e com quem
vinha mantendo uma relação de confiança, para relatar o que se passava e
pedir colaboração. A reação foi imediata e teve efeito surpreendente. Em mi-
nha presença, ele telefonou à secretária em questão e, colocando o telefone
em som ambiente, explicou-lhe “meu caso” e lhe sugeriu que me “desse uma
chance”, numa evidente e desejada demonstração de poder. Como pude
ouvir, sua resposta ao padre foi rápida e positiva. No mesmo dia telefonei
novamente à secretária do arcebispo e pude então tranquilamente encami-
nhar a entrevista, finalmente contornando o bloqueio sistemático que havia
enfrentado para poder encontrar um arcebispo aposentado que passava a
maior parte do dia a ler no gabinete de sua residência.
Outra estratégia que julgo muito eficiente para a boa condução de investiga-
ção em ambientes institucionais, onde se encontra um corpo de funcionários
presente constantemente nos mesmos locais, como é o caso da Igreja católica e
do Exército, é a do contato visual mais amplo e longo possível com membros da
instituição. Isso não significa, obviamente, que se possa ou deva falar com to-
das as pessoas presentes num determinado recinto, tal como a cúria, o bispado,
uma casa de retiro espiritual ou um seminário. Mas o fato de ver e, especialmen-
te, ser visto por integrantes da instituição e que são, muitos deles, importantes

128
Viagem pela alta hierarquia

aos interesses da pesquisa – seja como informantes, mediadores ou meramen-


te como funcionários, porém muitas vezes facilitadores de contatos –, exerce
papel que, segundo experimentei, pode ser chave na aquisição da confiança
necessária na figura do pesquisador que circula num meio que “não é o seu”.
Assim, muitas vezes fui diretamente a repartições ou órgãos da Igreja, sem
ter feito contato prévio, tentar um pouco ao acaso ver determinadas pessoas
e, a partir desses encontros que permitem uma aproximação menos impesso-
al e dão corpo e cara ao pesquisador, distinta do telefonema ou da mensagem
eletrônica, buscar estabelecer bases para uma relação propícia ao recolhimen-
to de informações e à continuidade dos contatos. Em várias ocasiões, também
aproveitei a estada em outra cidade, geralmente em sedes de diocese, para
visitar o bispado e conversar com pessoas de pertencimento bastante variado
à instituição, visitas essas que se mostraram preciosas à coleta de materiais, à
sugestão de novos informantes, ao esclarecimento de dúvidas, à obtenção de
endereços e à observação do cotidiano; enfim, um conjunto de procedimen-
tos nem todos eles inicialmente previstos. Já no início da pesquisa de campo
percebi que os dividendos dessa abordagem direta eram enormes tratando-se
de uma instituição na qual predomina a lógica da familiaridade – no duplo
sentido de “não estranho” e de pertencimento ao grupo ou, propriamente, à
“família da Igreja”15. Foi assim que ao cabo de algum tempo, mediante esfor-
ços para estar presente em lugares estratégicos como os mencionados acima,
minha visibilidade converteu-se em certa garantia de confiança dentro de
círculos importantes da instituição, eliminando alguns dos obstáculos mais
comuns ao trabalho de campo que é a condição de estranho ou estrangeiro16.
De par com essa atitude com vistas a me tornar figura conhecida aos
olhos de parcela qualitativamente significativa de membros da Igreja do
ponto de vista de meus interesses, me vali do princípio da arborescência
ou ramificação para organizar uma parte importante dos encontros e das
entrevistas a serem realizados. Vale dizer, se possuía previamente uma lista
de interlocutores identificados a servir de base ao estudo – notadamente, o
conjunto dos bispos trabalhando no Rio Grande do Sul, eméritos inclusive,
e alguns clérigos em postos de destaque –, outra lista de igual tamanho foi
sendo elaborada somente à medida que avançava nos contatos previstos.

15
Sobre os elementos da “lógica familiar” invocada pela Igreja, ver Bourdieu (1996, p. 124-135).
16
Para uma discussão sobre as ambiguidades e desconfianças em situações de observa-
ção participante, consultar Oliveira (2010).

129
Como estudar elites

Sem demasiadas preocupações de linearidade, a dinâmica de pesquisa foi


estabelecendo paulatinamente um percurso próprio orientado à constitui-
ção das redes reais do meio estudado, adaptando-se, assim, aos circuitos
sociais locais conforme surgiam novas indicações, pistas, bloqueios ou er-
ros. No entanto, alguns passos preestabelecidos na ordem de contato dos
interlocutores mostraram-se eficazes no acúmulo tanto de informações es-
tratégicas quanto de respaldo da pesquisa junto ao universo investigado17.
Um passo a ser citado foi a decisão de iniciar a série de entrevistas com
membros do episcopado a partir de elementos que elegi como chaves. As-
sim, o primeiro bispo escolhido para se entrevistar foi o responsável pela
diocese sediada em meu município de origem, onde reside a maior parte
de meu grupo familiar e no qual ainda mantenho uma rede razoavelmen-
te extensa de relações de amizade. Apresentando a justificativa de desejar
começar o trabalho por minha cidade natal e, já então na ocasião da entre-
vista, situando minhas origens familiares, obtive condições que considero
privilegiadas para a situação: tempo de duração da entrevista indetermina-
do, interesse e disposição do entrevistado em prestar informações, ininter-
rupção da conversa e rápido estabelecimento de uma relação de empatia.
Minha primeira experiência de pesquisa e, em especial, de entrevista
gravada, com um membro do alto clero católico foi, portanto, das mais ani-
madoras e me encorajou a dar continuidade à sequência prevista de entre-
vistas com todos os bispos do Estado. Nesse sentido, o fato de tê-la iniciado
com um prelado que desfrutava de considerável visibilidade e “simpatia”
no cenário católico regional contribuiu em grande medida ao encaminha-
mento dos contatos subsequentes, posto que “ter conversado com Dom X”
me licenciava, em boa medida, a conversar com seus homólogos. Foi se-
guindo essa mesma ideia de me municiar inicialmente com a notoriedade
de determinados bispos a fim de garantir uma circulação respaldada pela
alta hierarquia no meio do episcopado gaúcho que obtive uma entrevista
com o então bispo presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
segundo prelado com o qual estabeleci relação. A partir dessas duas entre-
vistas encontrei-me em condições nitidamente mais favoráveis de condu-
ção do estudo e estrategicamente incorporei os nomes dos primeiros entre-
vistados em todas as apresentações e solicitações de encontro seguintes.

17
Para mais detalhes acerca do método reputacional o leitor pode consultar o primeiro
capítulo deste livro, em particular o item 5 (p. 24) e a nota de rodapé nº 9, na p.27 (N.R.).

130
Viagem pela alta hierarquia

O efeito progressivo da informação obtida junto a esses religiosos foi es-


pecialmente importante. Na ocasião da entrevista com o presidente nacio-
nal da CNBB, realizada em sua residência num município do interior, soube
de um encontro regional de dioceses que reuniria, numa cidade vizinha,
os respectivos bispos de três dioceses do extremo sul (incluindo o próprio
informante) e alguns clérigos de determinada região do estado. Fui, então,
até o local do retiro – um balneário pouco habitado naquele período do ano
– e, após rápida apresentação ao bispo responsável pelo evento, pude facil-
mente marcar entrevistas com os dois religiosos participantes, uma naque-
le mesmo dia, após o jantar, e outra no dia seguinte.
Porém, talvez o fato mais positivo de toda situação - sem falar na importân-
cia de travar pela primeira vez relação com um grupo de clérigos reunido, ser
apresentado diretamente por religiosos e, desse modo, poder consolidar estra-
tégias de apresentação e de elaboração de minha identidade como “pesquisa-
dor interessado no episcopado” –, foi a sugestão dada pelo bispo que me aco-
lheu de ir à Assembleia Geral dos Bispos que aconteceria dentro de poucos dias
no estado de São Paulo, “já que desejava entrevistar todos os bispos do Rio
Grande do Sul”. A ideia soou excepcional dada a possibilidade de encontrar
em um mesmo espaço vários bispos que, de outra forma, teria de ir visitar em
suas dioceses espalhadas pelo estado. Hesitando, contudo, sobre a viabilidade
de acesso à assembleia e aos bispos, indaguei se poderia contar com o auxílio
do bispo em questão para contatar seus colegas e pedir-lhes colaboração com a
pesquisa. Sua resposta afirmativa me encorajou, assim, a enveredar por um ca-
minho imprevisto no programa de investigação e que implicava uma série de
circunstâncias novas, tais como um longo deslocamento ao campo de trabalho
e uma estada mais demorada fora de casa, a convivência prolongada com re-
ligiosos e leigos membros da Igreja; ou seja, uma multiplicidade de variáveis
bastante típicas do ofício etnográfico para as quais tinha conhecimentos mais
acadêmicos do que práticos. Acrescento ainda que, entre os preparativos para
essa etapa, voltei a procurar o primeiro bispo que havia entrevistado e lhe pedi
o mesmo serviço solicitado a seu colega. Tive a reafirmação de apoio ao tra-
balho e a promessa de que agiria como mediador na obtenção das entrevistas
que pretendia fazer com alguns dos bispos gaúchos presentes na assembleia18.

18
Essa intensa experiência de observação e de interação diretas com o conjunto da elite
eclesiástica em carne e osso, reunida num espaço físico de acesso altamente controlado,
é apresentada em Seidl (2003, p. 415-437; 2008a).

131
Como estudar elites

Ainda um terceiro elemento-chave na composição desse grupo estratégico


formado pela rede inicial de contatos que constituíra me foi apresentado jus-
tamente durante a referida Assembleia Geral dos Bispos do Brasil. Trata-se de
um padre diocesano cujo cargo na estrutura administrativa regional da Igre-
ja permitia visão muito abrangente sobre grande variedade de dimensões da
instituição e com quem consegui criar laços fundamentais ao desenrolar da
pesquisa. Transformado em meu principal informante e “padrinho” de pes-
quisa, sua cooperação foi muito além do fornecimento de informações de di-
fícil obtenção junto a religiosos, pois me colocou à disposição vários contatos
institucionais (seminários, institutos, dioceses, ordens) e pessoais que abri-
ram as portas mais indispensáveis às minhas necessidades (um exemplo é a
intermediação, mencionada acima, que realizou para que pudesse ultrapassar
a barreira posta pela secretária de um bispo). Poderia também lembrar o fato
de ter sido incluído, por sugestão sua, na listagem de endereços eletrônicos
da sede regional da CNBB e assim receber, desde então, o boletim informativo
semanal divulgado pela instituição, com informações das mais diversas sobre
a Igreja regional e nacional, tais como anúncio de eventos exclusivos ou não a
religiosos (reunião de bispos, de pastorais, procissões, celebrações, romarias),
pronunciamentos de bispos, nomeações, sagrações e transferências de bispos
no estado ou bispos gaúchos fora do Rio Grande do Sul, entre muitas outras.
Por outro lado, apesar de contar – além dos bispos citados – com esse
indivíduo situado em posição crucial, dotado de recursos privilegiados e
sempre pronto a colaborar, em nenhum momento foi dispensado o prin-
cípio da triangulação, a checagem cruzada com pelos menos um outro in-
formante, como forma de não tornar a pesquisa prisioneira de uma única
fonte oral. O próprio número total de entrevistas realizadas numa primeira
etapa da pesquisa (51) bastaria para demonstrar as preocupações tanto com
a representatividade numérica dos indivíduos a servir de base empírica ao
estudo quanto com a apreensão da multiplicidade de pontos de vista dis-
poníveis sobre questões que lhe são pertinentes19. Mesmo assim, saliento o

19
É sabido que, como regra geral, as informações tendem a ser redundantes a partir
de 30 entrevistas. O número bastante elevado nessa pesquisa sobre a elite eclesiástica
deveu-se a dois motivos principais. A dificuldade em obter dados – em especial quanto a
origens familiares – sobre os dirigentes católicos através de outras fontes e meios (ques-
tionário enviado por correio, e-mail e fontes oficiais); e a própria natureza do objeto da
investigação, que envolvia dimensões como as transformações do papel de sacerdote e
de bispo, a reconstituição das disputas no espaço de formação teológica e as nuanças na
especialização de diferentes ordens, congregações e institutos.

132
Viagem pela alta hierarquia

repetido cruzamento de informações com vistas ao controle sobretudo de


dados de caráter mais factual e eventual – a cobrar do informante menos
uma avaliação do que uma descrição sobre algum ponto –, através de suces-
sivos questionamentos a indivíduos escolhidos pelo critério de quantidade
e qualidade de informação potencialmente disponível, tomando em conta
as distintas posições no interior da esfera eclesiástica.
É assim, por exemplo, que para entender as diversas fases pelas quais
passou um seminário maior em cinco décadas, entrevistei não apenas seu
atual reitor, ele próprio ex-aluno da instituição, mas também um padre
professor de teologia que trabalhava e morava no seminário praticamente
desde sua fundação, além de muitos religiosos ex-alunos. Ou ainda, que a
fim de reconstituir parte do processo de expansão do ensino de teologia
no estado, tenha conversado com indivíduos nele envolvidos a diferentes
títulos, seja como bispos protagonistas da criação de novos cursos em dife-
rentes dioceses, como alunos de teologia à época, ou ainda como professo-
res do até então principal centro de formação religiosa superior do estado.

2. Interações de campo: reflexividade, acesso e relações face a face


Entre os procedimentos metodológicos que procurei adotar nas investiga-
ções aqui mencionadas, provavelmente o de mais difícil realização seja o da
auto-objetivação através da explicitação de minha posição social, bem como
dos principais determinantes sociais e culturais presentes em meu trajeto. Os
pressupostos epistemológicos em que se fundamenta essa atitude já foram
amplamente discutidos tanto em obras dedicadas especificamente a questões
de epistemologia e de metodologia das Ciências Sociais quanto, de forma mi-
noritária, em capítulos ou seções de obras que tratam de algum tema de inves-
tigação em particular (BOURDIEU, 1990a; 1994a; 1994b; BOURDIEU; CHAM-
BOREDON; PASSERON, 1999; BOURDIEU; WACQUANT, 2006; CHAMPAGNE et
al., 1996; LAHIRE, 2005; PINÇON; PINÇON-CHARLOT, 1997). Por essa razão,
não pretendo retomá-los aqui. Bastaria fazer referência ao princípio geral da
neutralidade axiológica como linha de mira nos esforços de controle das per-
cepções do pesquisador sobre um mundo social no qual está inserido, em que
ocupa um espaço determinado e que estrutura suas visões sobre si próprio e
sobre os outros. Ao dispor das aquisições acumuladas pelas Ciências Sociais
quanto aos mecanismos e lógicas da vida social, seu uso pelo investigador
em uma socioanálise voltada a ele mesmo constitui o principal instrumento
de tentativa de neutralização de suas propriedades sociais frente ao universo
estudado e com o qual muitas vezes interage diretamente20.

133
Como estudar elites

No caso de uma pesquisa envolvendo uma instituição religiosa dominante,


cuja influência cultural se dá em diversos níveis e a qual, entre outras coisas,
controla parte significativa do sistema de ensino no país, não há dúvidas de
que as dificuldades de objetivação são consideráveis. Esse fato, aliado a pecu-
liaridades de meu trajeto social, reforçou a ideia de que a exposição daqueles
condicionantes e das implicações que tiveram sobre o desenvolvimento do
trabalho pudesse ser um exercício metodológico valioso21. Nessa linha de ra-
ciocínio, pretendo pôr em evidência as principais propriedades sociais a inter-
vir em minha relação com o universo investigado e, ao mesmo tempo, de que
maneira parte dessas propriedades agiram como trunfos de pesquisa.
O primeiro aspecto mais central a ser visto é minha relação com a religião
católica e com a Igreja. Ambos os ramos de minha família tiveram tradição
de pertencimento católico em graus bastante similares através de partici-
pação na organização comunitária, nas práticas religiosas habituais e no
empenho na transmissão da religião aos descendentes – praticamente to-
dos passaram pelas etapas de iniciação cristã marcada pelo batismo, segui-
da pela primeira comunhão e reafirmada pelo matrimônio religioso. Dentre
o ramo paterno, tive dois tios-avós padres jesuítas (irmãos de meu avô, por-
tanto com o mesmo nome de família que carrego) dos quais cheguei a co-
nhecer, de modo superficial, apenas um. Pelo lado materno não identifico
religiosos, porém era patente uma relativa participação, sobretudo de meu
avô, em atividades paroquiais e o entretenimento de boas relações com os
clérigos da área central da cidade, incluindo o bispo diocesano. Se quanto
ao grupo familiar a prática religiosa e a observação dos sacramentos eram

20
Pinçon & Pinçon-Charlot (1997, p. 53) lembram que “não há sociologia possível sem
sociologizar os sociólogos, ou seja, sem situá-los na relação com seu objeto”. A práti-
ca sistemática da “sociologia da sociologia”, o uso do instrumental sociológico pelos
pesquisadores para a compreensão de sua própria prática, constitui um dos pilares do
exercício científico controlado, tal como o concebe a perspectiva de Bourdieu (1994b)
apresentada especialmente em Lições da Aula.
21
Como indica Bourdieu (1990b, p. 108; grifos no original), a questão não é saber, “como
frequentemente se finge acreditar, se as pessoas que fazem sociologia da religião têm
fé ou não, nem mesmo se elas pertencem ou não à Igreja. Deixando de lado o problema
da fé em Deus, na Igreja e em tudo o que a Igreja ensina e garante, trata-se de colocar o
problema do investimento no objeto, da aderência ligada a uma forma de pertencimento,
e de saber em que a crença, tomada nesse sentido, contribui a determinar a relação com
o objeto científico, a determinar os investimentos nesse objeto, a escolha desse objeto.
[...] é a cada sociólogo da religião que cabe interrogar-se, para o interesse de sua própria
pesquisa, se, quando ele fala de religião, ele quer compreender as lutas que têm por
objeto as coisas religiosas, ou tomar partido nessas lutas”.

134
Viagem pela alta hierarquia

muito mais intensas nas duas gerações anteriores à minha, por outro lado,
o ambiente familiar e escolar em que realizei parte de minha socialização
continuavam, todavia, bastante marcados por uma forte ética católica.
Meu percurso escolar até a conclusão do Ensino Médio foi todo cumpri-
do em uma escola dirigida por irmãos Maristas, na qual a oração diária no
início das aulas, o ensino religioso e a inculcação dos princípios católicos,
aos mais variados títulos, tiveram consequências óbvias na formação das
percepções sobre uma infinidade de aspectos da vida social e sobre a pró-
pria religião e a instituição católica. Ao mesmo tempo, o envolvimento com
um grupo de jovens ligado à Igreja e coordenado por leigos, na pré-ado-
lescência, além do cumprimento da socialização formal católica (batismo,
primeira eucaristia, crisma), reafirmou esse conjunto de princípios morais
e de visões sociais e configurou um determinado tipo de pertencimento à
religião que ia além da mera prática individual.
Ao longo do percurso escolar esse pertencimento foi gradualmente se mo-
dificando até o abandono total, nos anos iniciais de estudo superior, de cren-
ças e práticas relacionadas ao mundo católico ou a qualquer outra religião,
não se tratando, contudo, de “rupturas”, “desilusões” ou “revoltas” frente
ao catolicismo ou à instituição católica, nem muito menos de uma conversão
a outra religião, seita ou filosofia esotérica. Sublinho esse aspecto pelo fato
de não ser incomum o caso de ex-católicos – leigos fiéis ou clérigos – utili-
zarem as Ciências Sociais como instrumento para acerto de contas pessoais
com a religião, com a hierarquia católica ou mesmo com algum outro religio-
so ou instituição católica em particular. Do mesmo modo, também seria útil
tornar explícito que a relação entre meu trajeto social e a escolha do tema de
investigação para essa pesquisa limita-se, até onde me é possível perceber, a
questões de investimento acadêmico ligadas a meu percurso escolar.
O interesse pelo estudo de elites teve início com uma pesquisa sobre o
alto oficialato do Exército e resultou numa dissertação de Mestrado em
Ciência Política. Uma série de indicações quanto ao peso notável da Igreja
católica na formação de grupos dirigentes no Rio Grande do Sul, combina-
da com a visibilidade numérica e de poder do clero gaúcho na hierarquia
da instituição, orientou a manutenção do investimento no terreno pouco
explorado das elites22.

22
A leitura do trabalho de Miceli (1988) sobre a elite eclesiástica na Primeira República,
rico em pistas de pesquisa e na indicação de fontes, foi central na elaboração do objeto.

135
Como estudar elites

Dessas condições de socialização e de proximidade com parte do uni-


verso católico deriva familiaridade considerável com uma série de ele-
mentos constitutivos da religião católica, entre as quais o vocabulário
peculiar, a organização hierárquica, a ritualística e a simbologia, a indu-
mentária, elementos da arquitetura e de espaços físicos, os códigos de
conduta (postura, tom de voz, expressões, maneira de se portar em di-
ferentes recintos católicos)23, além de outros. Se por um lado esse fato
representava a necessidade de esforços muito maiores ao distanciamento
e ao estranhamento fundamentais à apreensão analítica de algumas di-
mensões da instituição católica, por outro lado é inegável que ao mesmo
tempo me proporcionava recursos muito vantajosos no andamento de um
estudo que exigia contato pessoal com o universo analisado.
Afora a vantagem óbvia de o pertencimento familiar à religião, explici-
tado sempre que necessário, facilitar uma cumplicidade quase imediata
em qualquer relação com membros da Igreja – sem dúvida distinta da-
quela produzida caso tivesse me declarado agnóstico, ateu ou praticante
de outra religião –, o relativo domínio de alguns códigos fundamentais da
instituição funcionou como uma espécie de prova desse pertencimento
ao grupo (de fiéis) e eliminou grande parte das desconfianças suscitadas
pela situação de pesquisa. Em várias entrevistas fui indagado, já de início,
se era católico. Em um caso, ao final de uma entrevista bastante tensa,
marcada por reticências e ironias, laconismo e uma atitude de clara des-
confiança por parte de um teólogo, este me perguntou se eu era católico;
ao responder afirmativamente, disse que havia pensado que eu era pro-
testante, indicando o quanto uma determinada filiação religiosa poderia
gerar impactos negativos na interação. Nos contatos seguintes que tive
com esse padre (também professor de pós-graduação), o ceticismo deu
lugar à simpatia e muita colaboração.

23
Ao lado das formas de vestir, a hexis corporal ocupa lugar importante entre as estra-
tégias de apresentação de si e permite localizar rapidamente o espaço social pelo qual
circula o pesquisador e, ao mesmo tempo, seu grau de familiaridade com o universo
que investiga. A título de ilustração, citaria a moderação no tom de voz em conversas
e nos espaços da instituição e a observação de momentos de silêncio e de reverências
ritualísticas, como o sinal da cruz e a genuflexão ao entrar em recintos que o exigiam.
Um exemplo das precauções necessárias com a elaboração da imagem e do controle
de si em situações de observação ou entrevista é fornecido por Pinçon & Pinçon-Char-
lot (1997, p. 37-39). A esse respeito, consultar também Beaud e Weber (2007), Olivier
de Sardan (1995) e Ostrander (1993).

136
Viagem pela alta hierarquia

Porém, há ainda dois aspectos que facilitaram em ampla medida o aces-


so aos indivíduos que contava ver e que merecem comentário. O primeiro
já foi mencionado pouco acima e é o fato de ter tido dois tios-avós padres
jesuítas de sobrenome igual ao meu, um deles meu padrinho, embora já
falecido há vários anos. Não é difícil entender a lógica de favorecimento
aos mais “próximos” ou “semelhantes”, válida em muitas esferas sociais
– porém mais fortes em instituições que formam um “espírito de corpo”,
como as Forças Armadas, algumas religiões, certos tipos de escola, buro-
cracias –, intervindo nessa situação e que me permitia tirar vantagem do
parentesco com membros da instituição católica. É interessante verificar
que o efeito dessa circunstância era muito mais forte em meio ao clero
ligado a ordens ou congregações – sem contar, obviamente, o tratamen-
to dispensado pelos jesuítas –, tal como se a cumplicidade do “espírito
de corpo” se duplicasse pelo fato de, além de ter tios-avós padres, es-
ses também lhes tinham em comum a opção pelo sacerdócio religioso,
e não pelo diocesano. Ainda nessa lógica de pertencimento ou afiliação
percebida nos contatos com membros da Igreja, coloca-se a condição de
ex-aluno de uma escola Marista, dado que valia em situações muito va-
riadas por atestar percurso escolar com a chancela cristã, e sobremodo no
trato direto que tive com os próprios Irmãos Maristas e com padres pro-
fessores da maior universidade católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),
dirigida por aqueles religiosos.
O segundo aspecto a ser apresentado é mais complexo e remete a percep-
ções no seio da Igreja do Rio Grande do Sul de uma relação entre identidade
étnica e religiosidade, traço estruturante do catolicismo que se consolida
ao longo do século XX nesse estado. O predomínio de indivíduos de ascen-
dência alemã e italiana na estrutura geral da Igreja gaúcha (corpo clerical,
religiosos e funcionários), originários de regiões culturalmente marcadas
por essas etnias e pela prática católica, consolidou fortes representações
sociais segundo as quais a origem étnica funciona como indicador de cer-
to tipo de religiosidade. Nessa óptica, a população gaúcha de ascendência
alemã ou italiana seria portadora de “cultura religiosa” mais “sólida”, “in-
tensa” e “profunda” do que a da população “luso-brasileira”, visão reforça-
da pela fácil constatação de uma maioria absoluta daquelas etnias entre as
vocações sacerdotais no Rio Grande do Sul, notadamente entre o episcopa-
do. Dessa forma, minhas origens germânicas imediatamente identificáveis
pelo nome de família e confirmadas por características físicas inspiravam
muitas vezes, como percebi com facilidade, reações de empatia que acre-

137
Como estudar elites

dito remeter em parte a essa visão24, embora haja no estado expressiva


população de origem germânica cuja confissão é luterana. Por outro lado,
há fortes indicações de que tal empatia derive de uma percepção de per-
tencimento comum que extrapola a mera religiosidade, situando-se em um
sentimento de compartilhamento de uma origem étnica e de uma trajetória
social do grupo familiar marcada pela imigração e por uma série de aspec-
tos correlatos (como ética do trabalho, valorização das “origens” e reconhe-
cimento de ascensão social)25.
Ao longo dos contatos com membros da Igreja chamou-me atenção o
frequente interesse por minha própria origem étnica e geográfica, tema
que muitas vezes deu início a conversas descontraídas que rompiam com
a artificialidade inerente à situação de entrevista. Se os questionamentos
sobre aspectos biográficos e de formação profissional do pesquisador são
absolutamente legítimos como formas de eliminar parte do desequilíbrio
de informação entre investigador e investigado – uma vez que o primeiro
sempre dispõe de algum conhecimento prévio sobre o segundo, em raros
casos havendo reciprocidade –, as situações experimentadas são significa-
tivas de algumas das propriedades sociais e de percepções do clero gaúcho,
no caso, as conexões entre origem étnica e geográfica e religiosidade.
Já foi citado o interesse despertado por minhas origens familiares, sobretu-
do (mas não exclusivamente) em indivíduos de ascendência germânica, o que
permitia minha localização mais ou menos precisa no interior de uma catego-
ria de “descendentes de alemães”, adicionada pela “confissão católica” (com
frequência, mencionava nessa oportunidade meu parentesco com padres je-
suítas falecidos). Simultaneamente, dei-me conta de que ser natural de uma
cidade do interior do estado – no caso, um dos centros da colonização alemã –
também produzia percepções vantajosas, o que não causa nenhuma estranhe-
za quando se constata que a quase totalidade dos sacerdotes e religiosos do es-
tado nasceram fora da capital e provêm de áreas rurais ou de pequenos centros
urbanos. Não poucas vezes fui perguntado se havia nascido na “zona rural”
ou no “interior” (aqui como oposição a “cidade” e “zona urbana”), ao que res-
pondia negativamente, mas sempre ressaltando “conhecer um pouco da vida

24
Em diversas ocasiões, fui descontraidamente saudado em alemão, em tom de brincadeira.
Também durante as entrevistas eram comuns citações ou referências feitas nesse idioma.
25
Os elementos centrais dessas percepções e o processo de emergência de uma etni-
cidade teuto-brasileira em oposição à “cultura luso-brasileira” no sul do país são ampla-
mente discutidos em Seyferth (1982a; 1982b; 1986; 1999).

138
Viagem pela alta hierarquia

rural”. Esse aspecto tinha efeito especialmente visível durante relatos biográ-
ficos sobre o ambiente familiar e a socialização dos entrevistados, momento
em que a demonstração de alguma familiaridade com o universo descrito dava
muito respaldo aos propósitos da entrevista. Em outras palavras, havia boas
condições para eu ser considerado não somente um “amigo” da Igreja, para
utilizar expressão recorrente no Exército (LEIRNER, 2009), mas uma pessoa
com a qual os religiosos facilmente encontravam pontos de identificação que
levaram a relações de confiança e, mesmo, de cumplicidade.
Ainda na discussão de uma parte central dos encaminhamentos metodo-
lógicos adotados nesse estudo, caberia examinar em maior profundidade as
relações objetivas depreendíveis das situações de entrevista ou de contato in-
formal com grupo bastante extenso de indivíduos em posições variadas na es-
fera católica. Tendo sempre em perspectiva a reflexividade sobre as condições
da prática sociológica, trata-se de tornar mais explícitos os efeitos da interação
entre pesquisador e universo de pesquisa por meio da compreensão das dife-
rentes propriedades sociais detidas pelos indivíduos implicados, bem como de
suas percepções recíprocas, o que inclui aquelas sobre as próprias questões da
pesquisa. Assim, faz parte desse tipo de procedimento a tentativa de compre-
ensão da diferença entre as concepções do investigador e as do investigado so-
bre o objeto da pesquisa, as representações sobre o pesquisador variando em
função das representações que o entrevistado possui sobre o universo da in-
vestigação e da universidade (BOURDIEU, 2008; CHAMBOREDON et al., 1994;
DAMAMME, 1994; LEGAVRE, 1996). Entender as distorções inscritas na estru-
tura da relação de pesquisa, suas assimetrias e as consequências que daí deri-
vam é um passo necessário na tentativa de controlar melhor essas condições.
A interação com os membros da Igreja que compuseram o universo es-
tudado variou não apenas segundo as diferentes composições de capital
que aqueles indivíduos apresentam, mas também de acordo com os dife-
rentes papéis e posições que significam diferentes tipos de poder dentro da
instituição, como recorda Lagroye (2006). Considerando o tipo de recursos
sociais e culturais de que eu dispunha e a posição social que ocupava, nota-
damente fundada num capital cultural representado por extenso percurso
escolar e legitimado pelo pertencimento ao universo acadêmico em nível
elevado (doutorando e posteriormente professor), confirmaram-se em boa
medida as expectativas de estabelecer relações mais equilibradas, do ponto
de vista social, com indivíduos situados perto do polo mais intelectualiza-
do da Igreja, isto é, teólogos, professores e pesquisadores dos institutos de
teologia, principalmente. Ao mesmo tempo, também o esperava com rela-

139
Como estudar elites

ção aos membros do episcopado, a tomar em conta seus percursos escola-


res frequentemente marcados por especializações ou doutorados, estadas
de estudo no exterior e conhecimento de idiomas. No entanto, o desenrolar
das entrevistas com bispos fez com que percebesse diferenças significati-
vas entre suas posições e aquelas de clérigos dedicados a tarefas de ensino
e pesquisa frente a um pesquisador acadêmico, embora o caso dos prelados
considerados “intelectuais” se enquadre no segundo grupo.
Creio que isso se deva basicamente a duas razões: primeiro, pelo fato de a
formação intelectual dos bispos não incluir, necessariamente, uma titulação
escolar no mesmo nível da dos padres e teólogos professores – e de, portanto,
tanto o tipo de preparação recebida quanto a relação com o conhecimento for-
malizado serem distintos –, mesmo que vários desses bispos apresentem per-
cursos escolares idênticos aos seus e tenham tido trajetos profissionais muito
semelhantes até a nomeação ao episcopado. Segundo, pelo fato de a posição
do prelado, ainda que esse seja possuidor de títulos acadêmicos importantes e
“voltado à reflexão”, não desfrutar da mesma legitimidade percebida pelos sa-
cerdotes “intelectuais” no exercício de analisar, comentar ou avaliar aspectos
da Igreja católica e do catolicismo, isto é, de se colocar na condição de “pen-
sador” da instituição e da religião. Vale dizer, embora a totalidade dos clérigos
entrevistados, assim como dos leigos, possuam escolarização superior – uma
vez que a condição escolar para a sagração sacerdotal é o cumprimento dos
estudos de Filosofia, seguidos pelos de Teologia –, há uma grande heteroge-
neidade na composição dos recursos culturais desses indivíduos que interfere
diretamente no confronto com os recursos apresentados pelo investigador.
As percepções de diferenças entre o tipo de ensino obtido em uma uni-
versidade pública e laica e aquele obtido em um seminário maior e/ou em
um instituto de Teologia parecem frequentemente produzir sensações de
relativa inferioridade nos indivíduos cuja ocupação principal exigiu meno-
res investimentos intelectuais26. Tomando o outro polo, a tendência verifi-

26
Sem considerar as particularidades da estrutura pedagógica dos seminários e casas
de formação religiosa, instituições à parte no esquema de ensino, pode-se atribuir essa
percepção ao fato de o Ensino Superior público ser dominante no contexto brasileiro,
redobrada pela baixa posição ocupada por cursos como Filosofia e Teologia na hierar-
quia das carreiras universitárias. Além desses aspectos, seria plausível pensar no próprio
status social em declínio do religioso em sociedades fortemente secularizadas, sem es-
quecer os efeitos de imposição da ideologia meritocrática, defensora do ideal da “escola
libertadora”, na composição de uma imagem desvalorizada dos estudos e do tipo de
relação com o conhecimento oferecido por instituições de ensino religiosas.

140
Viagem pela alta hierarquia

cada é exatamente oposta, com os professores e pesquisadores (doutores)


de vida acadêmica situados no extremo. Nessas situações, o status de estu-
dante – ainda que de um curso de doutorado, e não de graduação –, quase
sempre uma posição confortável ao investigador, podia reforçar formas de
dominação favoráveis ao entrevistado pelo fato de ser mais velho e expe-
riente, ter formação mais completa, muitas vezes contar com estudos “mais
profanos” (passagem por universidades laicas) e se mover por ambientes
menos marcados pela religião. Nas situações posteriores de pesquisa, com
uma tese defendida “sobre a Igreja” ou “sobre o episcopado”, dezenas de
entrevistas realizadas e contatos estabelecidos com figurões da Igreja, pro-
fessor de uma universidade federal e, não menos importante, com um pou-
co mais de idade, esses efeitos diminuíram consideravelmente.
Várias indicações me levaram a essas observações. Algumas bastante
evidentes, outras, mais sutis. Assim, entre as primeiras está uma ten-
dência de os indivíduos dispondo de maiores recursos escolares e cultu-
rais apresentarem “interesse” mais explícito em colaborar com o estudo
e assim concederem algum tempo de seu dia para conversar sobre sua
“história”, sobre a “história da Igreja”, sobre o órgão ou instituição espe-
cífico a que pertencem ou ainda sobre aspectos pontuais. A julgar pelas
reações à solicitação de que participassem de uma pesquisa cujo tema
era a “história da Igreja”, ficou claro que esses indivíduos mais intelec-
tualizados demonstravam maior inclinação a “depor” sobre ou a “ana-
lisar” alguma dimensão da instituição, apresentando-se como especial-
mente autorizados a fornecer uma interpretação particular, muitas vezes
legitimada por um saber formal. Nesses casos é visível uma percepção
de que se realizava uma conversa “entre pares”, tanto entrevistador
quanto entrevistado com formação universitária avançada e interesses
de trabalho situados em um “terreno comum” (a Igreja, o catolicismo),
na qual a diferença fundamental entre leigo e sacerdote (ou ex-sacer-
dote) permanecia absolutamente apagada em detrimento da identifica-
ção como “pesquisadores”, “intelectuais” ou “historiadores”27. No polo

27
O uso de certo jargão das Ciências Sociais, a referência à Sociologia e à Antropologia
e a adoção de um tom didático são bastante frequentes nos discursos desses indivíduos.
Em alguns casos, após a entrevista, o próprio entrevistado revelava interesse pelo anda-
mento da pesquisa, fazendo perguntas e comentários e até mesmo falando de suas pró-
prias pesquisas, todos eles sinais de que “conhecia exatamente” as etapas da formação
acadêmica e “entendia” o momento pelo qual eu passava. Sobre a facilidade na condu-

141
Como estudar elites

oposto, encontram-se aqueles indivíduos cujos menores recursos esco-


lares ou a ausência de ligação com instâncias mais intelectualizadas da
Igreja conduziam a uma leitura mais modesta – expressa inclusive em
termos de “incompetência” – de sua potencial contribuição ao estudo
que lhes propunha28. Às hesitações, recusas iniciais e questionamentos
sobre o “quanto poderia realmente ajudar em minha pesquisa”, buscava
contrapor a estratégia de situar sua intervenção como “testemunha” ou
“informante”, insistindo sobretudo na ideia de uma conversa em torno
de sua história em relação à Igreja, diferentemente dos casos referidos
acima, em que era conveniente destacar a condição de “especialista” ou
de “intelectual” a partir da qual meu interlocutor falaria.
Duas situações de entrevista diametralmente opostas poderiam ajudar na
visualização desses aspectos. Numa primeira situação, temos um padre re-
ligioso de cerca de 50 anos, cuja principal atividade ao lado do atendimento
paroquial é escrever livros sobre imigração e cultura italianas no Rio Grande
do Sul. Embora tenha feito uma viagem de pesquisa a Itália, não possui espe-
cializações acadêmicas nem exerce funções de ensino ou de formação teoló-
gica ou filosófica. Desde o início da entrevista, realizada no depósito da edi-
tora em que trabalha e na qual reside, sua condição de entrevistado para uma
pesquisa de doutorado deixava perceber um desconforto que praticamente
desapareceu à medida que os temas avançavam de suas origens familiares
a seus interesses profissionais, longamente explorados. Porém, toda insegu-
rança inicial retornou com força ao entrarmos na parte final da conversa, mo-
mento em que lhe pedia para comentar determinados aspectos da estrutura
católica no Rio Grande do Sul. Ao indicar que passaríamos para a parte que
exigiria seu ponto de vista a respeito da Igreja, sua fisionomia contraiu-se em
sinal de atenção e, a partir daí, o diálogo tornou-se inicialmente menos fluido,
como se a expectativa de “perguntas difíceis” lhe tivesse turvado o raciocínio

ção de pesquisa com o clero anglicano na Inglaterra – em função de uma identificação


de status entre pesquisador e pesquisado –, ver Aldridge (1995). Sobre a posição de
dominação do pesquisador sob todos os aspectos em meio à alta burguesia e à nobreza,
consultar o artigo de Pinçon & Pinçon-Charlot (2007).
28
Longe de ser atribuída unicamente a uma questão de “educação” – fazendo parte dos có-
digos sociais de polidez –, a “modéstia” nos casos referidos pode ser interpretada, antes de
mais nada, como percepção de “incapacidade” ou “incompetência” em manifestar pontos
de vista sobre o tema apresentado. Por outro lado, nos contatos com indivíduos sentindo-
-se autorizados a falar sobre as questões sugeridas, é frequente o uso de expressões de
“modéstia” socialmente consagradas (“não sei se posso ajudar muito”, “vou dizer o pouco
que sei”, entre outras), porém quase invariavelmente seguidas de um pequeno sorriso.

142
Viagem pela alta hierarquia

até que, pouco a pouco, foi ficando à vontade com sua própria análise, dimi-
nuindo as pausas para pensar e estendendo as respostas com tranquilidade.
A segunda situação deu-se numa entrevista com um padre secular, em
torno de 65 anos, ocupando alto cargo na administração de uma universi-
dade católica no estado, professor de Filosofia em programa de pós-gradu-
ação, diretor da editora da universidade e detentor de vários títulos acadê-
micos, alguns obtidos no exterior, e com currículo ostentando quantidade
impressionante de publicações nas áreas de Filosofia e Teologia. Sua gentil
acolhida deu-se em seu amplo gabinete administrativo, onde comecei a
entrevista – como de praxe - por questões biográficas e sobre seu grupo fa-
miliar. Toda essa parte, nitidamente percebida como “questões menores”,
foi respondida de forma lacônica e sem entusiasmo, às vezes com certa iro-
nia, causando constrangimento que rapidamente me levou a acelerar em
direção aos pontos sobre os quais previa que meu interlocutor esperava ser
perguntado. Ou seja, sua atitude mostrava insatisfação frente a perguntas
“triviais” (“sigilosas”, para usar seu termo irônico) sobre uma figura “sufi-
cientemente conhecida” no meio intelectual gaúcho (afirmou que “já ha-
viam escrito sobre ele”) e cujo título de colaboração numa pesquisa cientí-
fica não poderia ser menos do que “analítico” ou “crítico”.
Acredito que essas duas experiências forneçam elementos importantes
para refletir quanto à estruturação da relação de entrevista com membros da
Igreja católica – e certamente com outros grupos, dominantes ou não. Antes
de qualquer coisa, chamam atenção para a pluralidade de hierarquias, escalas
de poder e de prestígio dentro das próprias elites. Assim, um ponto que apa-
rece em primeiro plano é a variação no equilíbrio da interação de acordo com
as propriedades sociais e a posição do entrevistado e suas consequências na
condução da relação. Se no primeiro caso a clara dominação pelo pesquisador
demonstrou ser uma vantagem questionável, no caso seguinte, a inversão da
situação em favor do entrevistado reforçou a necessidade de pensar a com-
plexidade das agressões simbólicas constitutivas desse tipo de relação, que
apesar de eufemizada, é uma relação de força (LEGAVRE, 1996, p. 216) entre
agentes sociais dotados de recursos que raramente são iguais29. Nesse sen-

29
Ver também os comentários sobre situações de pesquisa com indivíduos de grupos so-
ciais dominantes feitas por quatro jovens pesquisadoras em Chamboredon et al. (1994),
e o conjunto de discussões sobre a condução de entrevistas junto a grupos dominantes
diversos apresentado em Cohen (1999).

143
Como estudar elites

tido, o exame das condições de cada situação de interação experimentada,


notadamente das entrevistas, conduziu à adoção de leque mais amplo de ati-
tudes. Desde as estratégias de apresentação até o tipo de vocabulário empre-
gado, procurei pôr em evidência os trunfos julgados mais convenientes em
cada momento e a melhor forma de manejá-los a fim de aumentar a sensibili-
dade aos interesses da pesquisa e a neutralizar os desequilíbrios próprios aos
contextos que ela criava. Em outros termos, ficou bastante clara a necessida-
de de abandonar regras gerais e dançar conforme cada música. Entre essas
estratégias, citaria a menção a meus títulos escolares, algumas publicações,
estadas de estudo e experiências no exterior e as relações com professores
conhecidos, quando do encontro com agentes fortemente dotados de capital
cultural e em posição mais vantajosa na interação; e, ao revés, o destaque a
minhas origens em uma cidade do interior, certa familiaridade com alguns
aspectos da vida rural e o uso de expressões do cotidiano, no caso oposto.
Destacaria ainda, quanto a essas atitudes, o rápido abandono de uma
postura de “neutralidade” – no sentido mais vulgarizado do termo, como
equivalente a passividade, registro mecânico ou frieza – durante as entre-
vistas à medida que ganhava experiência e informação práticas que per-
mitiam intervenções estimulantes no andamento da situação proposta,
sem, no entanto, buscar a transformação de determinadas representações
do entrevistado de acordo com minhas expectativas30. Esse afastamento
da imagem difundida do entrevistador fazedor de perguntas, sem dúvida
gentil e atento, porém protegido pela dita imparcialidade científica, ge-
rou dividendos particularmente importantes ao criar climas de entrevista
propícios ao envolvimento mais integral do entrevistado. Além de permi-
tir melhor demonstração de familiaridade do pesquisador com os temas
abordados – umas das condições principais de uma comunicação “não-vio-
lenta” (BOURDIEU, 2008) – também provou estimular reações positivas de
investimento mental no entrevistado, tais como raciocínios longos, revi-
sões de comentários e acréscimos, maior demonstração das emoções, com
frequência dando à entrevista tonalidades de conversa.

30
Partilho da visão de Legavre (1996, p. 220), segundo a qual “crer que essas interven-
ções transformam radicalmente a verdade das representações que o entrevistado tem
de sua prática ou trajetória seria um erro. Não há, de um lado, ‘falsas’ imagens mentais
do entrevistado influenciado pelo pesquisador e, de outro lado, as ‘boas’ representações
do entrevistado quando a entrevista proposta é não-diretiva. O que há é simplesmente a
coprodução de uma certa realidade com o pesquisador” (grifos no original).

144
Viagem pela alta hierarquia

Considerações finais: por uma política do campo de pesquisa


Dos cursos de graduação aos de doutorado, é comum repetir-se a ideia de
que sempre se sabe como uma pesquisa começa, porém nunca como ter-
minará. Não compartilho a afirmação nesses termos e talvez seja o caso de
matizar melhor as sentenças. O pesquisador deveria preparar-se ao máxi-
mo para iniciar uma investigação em posição vantajosa com vistas a tirar
o maior proveito possível das incertezas dos rumos que tomará. É claro
que a proposição permanece vaga e isso não poderia ser muito diferente.
Mesmo assim, nela estão presentes novos elementos. Entre eles, a neces-
sidade de se reunir informações centrais a respeito do universo investiga-
do antes de se iniciar os contatos mais diretos e as interações próprias ao
campo; isto é, investir com seriedade numa “política do campo”, como
propõe Olivier de Sardan. Tal postura implica, via de regra, colocar-se
questões que costumam ser tomadas levianamente pelo pesquisador, tais
como: quais as características próprias do universo social estudado e qual
sua história social; quais as principais propriedades sociais dos agentes
que o compõem (idade, sexo, origens, escolarização etc.); quais as pro-
priedades do pesquisador e que posição ocupa no espaço social; e ain-
da, uma das mais complexas: como estão construídas nossas percepções
individuais – e também as coletivas, incluído um possível senso comum
acadêmico – desse espaço social e de seus agentes.
Certamente continuaríamos com o problema da relativa incerteza quan-
to aos rumos da pesquisa, questão bissexta e em parte incontornável. No
entanto, como sabido, já foi há muito tempo por terra qualquer ambição de
controle total das práticas de produção de conhecimento científico, dado
válido, aliás, para todas as áreas e particularmente discutido por antropólo-
gos e filósofos da ciência. E então? É mais do que óbvio que não se trata de
querer controlar o imponderável, a circunstância, o acaso e o desconheci-
do. Uma boa pista parece estar em como o investigador colocar-se em con-
dições de, em primeiro lugar, minimizar esses elementos; em segundo e
mais importante, saber transformá-los em dados de pesquisa – da mesma
forma que uma não-resposta, um silêncio ou um bloqueio de pesquisa o
são. Como insiste o metodologicamente atento Howard Becker (2007), o
pesquisador deve repetir constantemente que nada do que ele pode ima-
ginar é impossível e que é necessário, portanto, procurar as coisas mais
improváveis que podemos imaginar para integrar sua existência, ou a pos-
sibilidade de sua existência, ao nosso pensamento. Não é pedir pouco, mas
temos aí bons pontos de partida.

145
Como estudar elites

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148
6. Pesquisando grupos
profissionais: dilemas clássicos
e contribuições recentes
Fernanda Rios Petrarca

O ESTUDO DE GRUPOS profissionais se constituiu, nas Ciências Sociais,


como um importante tema de investigação e objeto legítimo de pesquisa
que suscitou divergentes interrogações. Tais divergências, inicialmente,
podem ser observadas pela variação no uso de um conjunto de termos,
como “profissão”, “grupos profissionais”, “ocupação” e “profissionaliza-
ção”, empregados alternadamente para definir o objeto em questão e que
resultam tanto de confrontos teóricos e metodológicos quanto dos esforços
e estratégias de diferentes autores na construção desta linha de estudos.
O tema, que ficou durante décadas concentrado na produção socioló-
gica anglo-americana, atualmente tem apresentado uma forte expansão,
sobretudo na sociologia francesa. Esta última, tradicionalmente, voltou-
-se mais para os conflitos no mundo do trabalho, relegando às profissões
um papel marginal. Um dos efeitos disso foi a polarização entre “socio-
logia das profissões”, com ênfase nas atividades liberais e mais influente
nos países de língua inglesa, e a “sociologia do trabalho”, com destaque

151
Como estudar elites

para o movimento sindical e mais dominante na França. Tal polarização


teórica é resultado, em parte, da dinâmica do mundo profissional nestes
países. Na França, o modelo da profissão liberal não teve o mesmo im-
pacto que nos Estados Unidos, mas foi significativa a existência de um
movimento operário político sindical muito mais autônomo (CHAPOU-
LIE, 1973). Isso fez com que determinados temas, como “organização
sindical”, “mundo do trabalho” e “classe operária” tivessem uma impor-
tância maior. Nesse sentido, as formas como as atividades profissionais
se organizaram tiveram implicações profundas na produção teórica das
Ciências Sociais, influenciando problematizações, formulações de con-
ceitos e modelos de análise. Ao contrário do que somos levados a pensar,
as teorias e os conceitos são histórica e geograficamente situados e es-
tão associados às circunstancias empíricas a partir das quais emergem,
como lembra Howard Becker (2007).
Além disso, as teorias, como conjuntos homogêneos e unificados de
pensamento, são mais o resultado de uma luta política – ou seja, corres-
pondem a uma estratégia de disputa entre grupos e autores para fazer
valer sua visão de mundo sobre o espaço social – do que de uma luta cien-
tífica de disputa entre conceitos abstratos. Assim, no universo sociológi-
co, como em todos os outros, está em jogo uma luta pelo monopólio da
legitimidade, sobretudo dos objetos de pesquisa.
A emergência contemporânea desse tema pode ser observada pelo lan-
çamento de um conjunto de livros e dossiês que visam apresentar pes-
quisas realizadas recentemente sobre diferentes universos profissionais,
além de monografias, dissertações e teses1. O desenvolvimento desses
trabalhos está associado não só a novas reformulações de pesquisa, mas
também a mudanças nas escolhas dos campos de investigação.
Entre as contribuições recentes já citadas, podemos identificar o uso da
expressão “grupos profissionais” no lugar de “profissão”. Consagrado na
sociologia anglo-americana, o termo “profissão” indica o monopólio de
exercício e controle das competências, atribuindo aos profissionais um
alto nível de expertise e autonomia, capazes de formar uma espécie de
“elite profissional” dotada de prestígio social e remuneração econômica.
Em contrapartida, defendendo o caráter polissêmico do termo, um con-

1
Dentre os lançados recentemente, podemos citar: Champy (2009; 2011); Demazière e
Gadéa (2009); Lallement (2008); Mathieu (2007).

152
Pesquisando grupos profissionais

junto de autores, influenciados pela tradição interacionista, têm preferi-


do se referir a “grupos profissionais” como uma estratégia de ampliação
dos campos de estudo, uma vez que a expressão permite incluir desde
aquelas atividades tradicionais que controlam o exercício profissional e
têm prestígio – como Medicina e Direito – como aquelas que têm um baixo
controle, ou controle algum, sobre critérios de entrada e que não dispõem
de reconhecimento social, como a prostituição.
Estabelecidos esses parâmetros iniciais, este capítulo tem por objeti-
vo apresentar uma agenda de pesquisa para o estudo dos grupos profis-
sionais que leve em consideração, por um lado, as diferentes tradições e
suas contribuições teóricas e metodológicas e, por outro, os desafios para
a pesquisa empírica. Entendo “agenda de pesquisa” como um programa
de trabalho que permite expor não só os diferentes problemas analíticos
e suas relações com fundamentos teóricos e metodológicos, mas também
as dificuldades presentes nesse tipo de investigação. Na tentativa de or-
ganizar essa discussão, fugindo da apresentação de uma “revisão” da lite-
ratura, partirei das dificuldades por mim enfrentadas no próprio dia-a-dia
das pesquisas que tenho empreendido ao longo de alguns anos sobre o
tema. Acredito, assim como pondera Becker (2007) em seu brilhante livro
Segredos e truques da pesquisa, que a teoria é “um mal necessário” que
pode facilmente sair do controle quando a tomamos como um princípio
generalizado dissociado das bases históricas e geográficas que as funda-
mentam e dos problemas concretos da pesquisa. Portanto, não há tarefa
mais ingrata que a de apresentar as teorias como pressupostos homogêne-
os e acabados de investigação.
Para dar conta das questões aqui propostas, o capítulo está organi-
zado em torno de três eixos fundamentais. Um primeiro eixo gira em
torno do exame das condições sociais de institucionalização e creden-
ciamento profissional. Nesse aspecto, os dilemas e os desafios estão as-
sociados ao papel do diploma na constituição de um saber profissional.
Num segundo eixo, o problema está centrado nas formas de socialização
profissional e na constituição de uma cultura profissional. Os questio-
namentos associados a esse eixo contribuíram para colocar em jogo o
exame das formas de aquisição e apropriação dos saberes técnicos. E,
por fim, um conjunto de indagações e questionamentos decorre da re-
lação entre profissão e outras esferas sociais. Mais especificamente, os
usos do saber profissional para o investimento em outras esferas sociais,
como a política, por exemplo. Dentro deste quadro, procuramos tratar

153
Como estudar elites

de uma agenda de pesquisa que mostre a grande variedade de situações


profissionais e contextos socioculturais e a necessidade de considerar a
especificidade de cada situação estudada. Tomarei de empréstimo aqui
alguns pequenos “truques”2 que Becker (2007) sugere para lidar com os
dilemas cotidianos da pesquisa empírica. Alguns foram aplicados a par-
tir do referido autor, outros foram criados durante o desenvolvimento
de algumas pesquisas por mim empreendidas3.

1. Condições sociais de institucionalização e credenciamento das profissões


Um dos primeiros problemas com o qual somos seduzidos a nos defron-
tar quando estudamos grupos profissionais, sobretudo as atividades mais
fortemente institucionalizadas, é o lugar que ocupa o diploma na forma-
ção de um saber específico. Este tema, bastante tratado pela literatura,
ocupou um lugar central na análise dos critérios fundamentais de entrada
numa profissão e para ser aceito nas atividades profissionais. O diploma
assumiu uma forma importante de habilitação para o exercício de uma
atividade, constituindo-se, assim, em uma licença essencial para a entra-
da em certos grupos profissionais.
Um dos estudos considerado marco principal para o surgimento des-
sa temática foi o de Carr-Saunders e Wilson em 1933, denominado The
Professions, que apontou os grupos profissionais que poderiam ser classi-
ficados como “profissões”. Esses autores deram destaque à importância
assumida pela posse de uma técnica intelectual, adquirida por meio do
treinamento especial, para o trabalho profissional. Isso quer dizer que
uma profissão surge quando um número definido de pessoas começa a
praticar uma técnica fundada em um conhecimento especializado. Tal
trabalho trouxe para as ciências sociais algumas das principais interro-
gações que marcaram o desenvolvimento das análises das profissões. Por
exemplo: como ocorre a formação de grupos profissionais? Como se dá o
processo de estabelecimento de um conhecimento especializado? Qual a
importância das instituições encarregadas de realizar o treinamento pro-

2
Becker (2007) chama de “truques” a tentativa de “domar as teorias”, encarando-as como
modos de pensar o real que permitem algum avanço nos problemas concretos da pesquisa.
3
Dentre as pesquisas utilizadas neste texto pode-se citar: “O Jornalismo como Profissão:
recursos sociais, titulação acadêmica e inserção profissional dos jornalistas no RS” (2007)
e “Atuação Profissional e Engajamento Militante na Defesa de Causas Sociais no Estado
de Sergipe” (2013). Ambas contaram com o financiamento do CNPq.

154
Pesquisando grupos profissionais

fissional (universidades)? Qual é a importância das credenciais para se


tornar membro de uma profissão (diploma, títulos)?
Depois desse clássico trabalho, o tema “profissionalização” e “cre-
dencialismo” passou a ocupar o centro das preocupações daqueles que
se dedicaram ao estudo das profissões, sendo fortemente abraçado por
Parsons (1967) dentro da perspectiva funcionalista. O estabelecimento
de organizações universitárias, a afirmação de uma deontologia4, assim
como o controle sobre o recrutamento dos membros, a importância das
credenciais sociais – entre os quais o diploma assume um peso essencial
para estabelecer uma reserva de mercado –, foram alguns dos temas que
ganharam destaque. Uma das preocupações centrais estava relacionada
ao papel que os títulos escolares exerciam para diferenciar os grupos pro-
fissionais de outros grupos sociais. Assim, foi com o funcionalismo norte-
-americano que a “sociologia das profissões” ganhou impulso e se consti-
tuiu como uma área de saber com pretensões universalizantes.
A dedicação de muitos estudiosos ingleses e norte-americanos a essa te-
mática está relacionada a determinadas condições sociais e históricas dessas
nações e do próprio desenvolvimento da Sociologia. Por um lado, o avanço
do capitalismo industrial na Inglaterra e nos Estados Unidos, no século XIX,
estimulou muitas ocupações recém-formadas a buscarem o reconhecimen-
to e receberem o título de profissão, uma vez que tal título estava associado
ao prestígio social dado às profissões liberais tradicionais, como a medicina
e a advocacia. Para conseguir um lugar privilegiado e seguro no mercado,
as ocupações precisavam buscar o apoio do Estado. Assim, ser reconheci-
do como profissional, nessas condições nacionais, além de possibilitar um
maior reconhecimento social, permitia uma proteção, confirmada pelo Es-
tado, contra a competição no mercado de trabalho (FREIDSON, 1998).
Por outro lado, o amplo crescimento da “sociologia das profissões” nos
Estados Unidos não está relacionado diretamente à tradição de fundado-
res nessa área, mas à estratégia de profissionalização dos próprios soci-
ólogos, os quais se viram colocados diante das demandas dos governos.
Estes últimos chamavam os sociólogos a darem respostas para a resolu-
ção dos problemas sociais (crime, violência, evasão escolar, entre outros).
Para responder às demandas da política sem serem por ela dominadas,

4
Representa o conjunto de deveres profissionais.

155
Como estudar elites

as ciências sociais norte-americanas tomaram para si a análise dos pro-


blemas sociais, reivindicando o monopólio de autoridade profissional
fundada em um saber acadêmico. A pesquisa dos problemas sociais com
base em um conhecimento científico do social opôs pesquisadores sem
formação universitária e profissionais com formação acadêmica. Daí o
papel fundamental que desempenhou a formação universitária na conso-
lidação do conhecimento científico do social. A luta entre os sociólogos e
os pesquisadores não universitários assumiu duas formas: de um lado, a
oposição entre definições diferenciadas da intervenção social; de outro,
uma oposição epistemológica entre racionalismo e empirismo. Isso se
traduziu numa oposição mais ampla entre a possibilidade de intervenção
social, com base em um conhecimento teórico, proporcionado pela for-
mação universitária e a intervenção pela mera observação empírica dos
problemas sociais, como explicita Breslau (1988).
Nesse confronto, a posição dominante era ocupada por uma parcela
dos sociólogos norte-americanos que prestavam serviço às agências go-
vernamentais. Os sociólogos “teóricos”, como eram definidos, ocupavam
um lugar de destaque na divisão do trabalho respondendo à função de
coordenadores sistematizando o resultado das pesquisas. Tais sociólogos
constituíam-se e apresentavam-se como uma comunidade científica ca-
paz, pelo conhecimento especializado, de oferecer um serviço ao Estado.
Tratava-se de uma comunidade, ou seja, de um conjunto de profissionais
calcados em princípios científicos e teóricos e que prestavam uma espécie
de consultoria ou assessoria técnica aos governos.
Assim, é sob essas condições de profissionalização da própria sociologia
norte-americana que se desenvolve toda uma literatura a respeito das pro-
fissões e da importância que deve assumir o título universitário na divisão
do trabalho social e na separação entre o mundo das profissões e o de ou-
tras ocupações. A construção de uma “sociologia das profissões”, por par-
te de uma geração de sociólogos norte-americanos, compôs as estratégias
políticas que serviram como um meio importante de promoção dos seus
membros e que permitiram a configuração de critérios profissionais inde-
pendentes das demandas do campo político (DUBAR, 1998). As profissões
representavam o progresso do conhecimento técnico a serviço da demo-
cracia. Um dos efeitos disso na produção da pesquisa foi a concentração
de estudos sobre o papel do diploma na separação entre o mundo das pro-
fissões e o de outras ocupações e a diminuição das pesquisas sobre classes
populares e sindicatos, como demonstram Becker (1999) e Dubar (1998).

156
Pesquisando grupos profissionais

A escola funcionalista se constituiu como uma das primeiras aborda-


gens a elaborar uma teorização sobre as profissões e a dar uma ênfase sis-
temática à vida profissional, baseando-se, sobretudo, na especialização
das tarefas profissionais que decorrem da alta divisão do trabalho. Essa
perspectiva definiu a profissão como uma comunidade homogênea cujos
membros partilham identidades, valores, elaboração de regras e interes-
se, centrando-se nos mecanismos que asseguram a coesão nas diversas
profissões. Dentro desse quadro, os estudos sobre profissões pretendiam
dar destaque à análise do papel e da função que determinadas tarefas de-
sempenhavam na divisão do trabalho, bem como mostrar como estavam
organizados os ofícios, qual era a sua dinâmica de funcionamento e as
suas principais características.
Nessa perspectiva, as estruturas particulares de uma profissão, suas
funções e sua política de formação – como a exigência do diploma acadê-
mico – servem para garantir a qualidade dos serviços prestados, uma vez
que os clientes não dispõem de competências específicas para apreciar
o que está sendo oferecido (PARSONS, 1962). Além disso, o Estado tem
meramente o papel de conceder o monopólio legal às profissões reco-
nhecendo a superioridade técnica das atividades profissionais. Seu pa-
pel, portanto, é passivo, permitindo às profissões a autoridade legal para
selecionar, recrutar, examinar, licenciar e estabelecer os limites formais
da sua jurisdição.
A distância da política governamental se torna essencial para marcar
a independência das profissões com relação ao universo político. Nessa
visão, ao construir uma política própria, as profissões protegem-se dos
interesses específicos do mundo da política. Os principais estudos nessa
área definiram o conceito de profissão como relacionado a um número li-
mitado de ocupações que compartilham características e especificidades
em que o título universitário funciona como medida suprema de todas as
hierarquias. Mas é fundamental que as profissões se distanciem do Estado
construindo, para isso, uma força autônoma e independente através das
associações profissionais.
Além disso, o funcionalismo trouxe determinados tipos de resposta para
o problema da valorização do título escolar e do que ele representa para
determinados grupos. Nessa linha, o conhecimento especializado adquire
uma conotação central e as universidades e instituições de ensino e pes-
quisa tornam-se o fundamento da estrutura institucional das profissões.
Com isso, emergem uma série de interrogações, tais como: quais são os tra-

157
Como estudar elites

ços característicos de uma profissão? Como é possível definir um tipo ideal


de profissão que se diferencia da ocupação e das semi-profissões? Decorre
dessas indagações o exame das instituições de ensino universitário e seu
papel na formação da competência técnica, assim como das associações
profissionais, como fundamentais para estabelecer a auto-organização do
grupo e manter os laços de solidariedade e coesão social.
O funcionalismo universalizou, no estudo das profissões, certas ques-
tões que resultam de processos históricos particulares, como por exem-
plo, o papel passivo do Estado, a autonomia das associações profissionais
e a imposição do diploma no controle dos ofícios. Os recém-chegados ao
estudo de certas profissões são facilmente seduzidos pela problemática
do diploma como marco fundador. O principal problema em tomar essa
questão como ponto de partida analítico é que ela é resultado de condi-
ções históricas específicas e não uma condição necessária constituída a
priori. Mas como analisar as atividades profissionais sem cair neste falso
problema? Já que, como falso problema, ele não se constitui como uma
indagação sociológica pertinente.
Um dos truques de Becker que podemos aplicar aqui é o seguinte: “tudo
tem de estar em algum lugar”5. Isto é, a atividade profissional que esta-
mos estudando se manifesta em um lugar específico e não num contexto
amplo ou no mundo em geral. Portanto, não se pode compreendê-la sem
antes um conhecimento detalhado da sua história social, de quem são os
seus membros, quem se dedica à sua representação e há quanto tempo,
quem investe nela etc. Assim, repetir para si mesmo “tudo está em algum
lugar” tem o efeito de fazer com que não nos esqueçamos da importância
de conhecer o mundo social “em primeira mão”. Isso envolve, por exem-
plo, a análise dos contextos históricos e das estratégias coletivas para
controlar um espaço determinado de atuação profissional e regulamentar
o ofício. A história social é um poderoso instrumento de ruptura não só
contra o senso comum, mas contra o senso comum científico.
Esse instrumento pode contribuir para romper com visões definidas
antecipadamente a partir de teorias abstratas sobre os universos profis-
sionais. Um investimento aprofundado na história social dos processos
de institucionalização pode contribuir para levantar informações sobre a

5
Para mais detalhes sobre esse truque ver Becker (2007, p.83).

158
Pesquisando grupos profissionais

dinâmica própria que assumiu a atividade profissional estudada. Em um


estudo empreendido sobre a profissão de jornalista (PETRARCA, 2007) foi
possível observar, por meio do estudo histórico do processo de institucio-
nalização dessa atividade, que as associações de representação profissio-
nal (sindicatos, associações e sociedades), em diferentes contextos his-
tóricos, exerceram tanto a função de controle do exercício do jornalismo
quanto se constituíram como instâncias de acumulação de recursos so-
ciais fundamentais para permitir um investimento na política e, em espe-
cial, na política estatal. A própria Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
se tornou durante muitos anos um espaço fundamental de aglutinação de
políticos, letrados e diplomatas, constituindo-se, ao mesmo tempo, em
uma arena da política e em um espaço de consagração jornalística. Tais
informações nos permitiram refletir sobre a importância da aproximação
com o Estado no processo de institucionalização da atividade.
A própria relação dos presidentes da associação com a política ilustra o
peso deste tipo de vínculo. Ao longo dos seus 96 anos de existência, a en-
tidade contou com presidentes jornalistas que exerciam, em sua maioria,
além das atividades político-partidárias, também as literárias, circulando
por espaços sociais diversos, além do jornalismo, como os da política e os
da cultura. Desempenharam funções não só em jornais, mas ocuparam
ainda cargos eletivos na política (senadores, governadores, deputados) e
em secretarias de governo.
Contudo, essa não é uma peculiaridade do jornalismo. Outros traba-
lhos mostram que esse processo também aconteceu no Direito, através
de instituições como a “Ordem dos Advogados”, em que os bacharéis se
colocaram na condição de influenciar o Estado através do conhecimento
jurídico (BONELLI, 1999). O mesmo aconteceu na Medicina, em que o Es-
tado se tornou o agenciador dos serviços de saúde pública, expandindo as
possibilidades de atuação profissional. Nesse processo de expansão dos
serviços de saúde, as entidades, como “Academia Nacional de Medicina”,
lutaram para garantir aos médicos espaços de decisão na estrutura buro-
crática (CORADINI, 1997; 2005; PEREIRA NETO, 2001).
Dentro desse quadro, as profissões obtêm seu prestígio e reconheci-
mento social por meio da relação intrínseca com a política estatal, ma-
nifestada pela inserção de seus membros – principalmente aqueles que
ocupam posição em instituições de representação – em partidos políti-
cos, movimentos sociais e na esfera estatal. Esta última se caracteriza
pela ocupação de cargos na burocracia pública. Portanto, representação

159
Como estudar elites

profissional e intervenção política não são atividades antagônicas, muito


pelo contrário, as instituições acadêmicas e as entidades de defesa dos
profissionais que mais se destacaram foram justamente aquelas que tam-
bém exigiram de seus membros, ao mesmo tempo, profissionalização e
inserção política.
Passamos então ao truque seguinte, bastante útil: “tudo acontece em
algum momento” (BECKER, 2007, p. 84). Já que saber tudo sobre o que
pretendemos estudar é humanamente impossível, precisamos definir a
partir de que ponto estamos olhando o universo social. Assim, o truque
anterior é uma condição para este segundo, uma vez que por meio dele
podemos perceber, por exemplo, em que momento certos acontecimen-
tos tomam um rumo importante para a organização profissional, o que
estava acontecendo na atividade profissional que levou ou se tornou uma
condição necessária para a emergência de certas discussões.
Em outras palavras: em que circunstâncias determinadas atividades
apresentam interesse em impor o diploma como um critério de entrada?
Como o título acadêmico cumpre a função de separar os membros de pro-
fissões específicas de outros que não podem exercê-las? (HUGHES, 1981;
1994). Isso envolve uma análise das estratégias coletivas, empreendidas
por associações, sindicatos, segmentos internos e que contribuem para
impor critérios de entrada e condições de exercício. Nesse sentido, nas
disputas concorrenciais internas, a definição das fronteiras jurídicas e
formais exerce força significativa. Assim, é preciso pensar as profissões
como espaços de disputa pelo controle do mercado e pela definição dos
critérios de seleção dos seus membros, da sua formação e a maneira como
os serviços devem ser prestados (DUBAR, 1998; STRAUSS, 1992).
O estabelecimento das fronteiras, por meio do qual o título acadêmi-
co exerce força fundamental, constitui, nas lutas profissionais, um dos
recursos fundamentais para tornar institucional aquilo que é resultado
de lutas entre grupos (BOLTANSKI, 1982). A profissão, vista como cate-
goria social homogênea, pode exercer um efeito de unificação simbólica
que fornece aos agentes critérios de identidade, princípios explícitos e
oficiais de pertencimento e que impõem a crença no caráter objetivo dos
critérios impostos.
Outro passo em direção ao questionamento do sistema de credenciais
consiste na análise das estratégias individuais que os agentes mobilizam
para se defenderem na luta cotidiana e valorizarem seu título: ou seja,
quais são os usos feitos do diploma. Assim, o valor vinculado a um título

160
Pesquisando grupos profissionais

escolar se define pelos usos que dele podem ser feitos e seu peso depen-
de do capital social acumulado pelos agentes sociais (BOURDIEU; BOL-
TANSKI, 1975). Os usos que podem ser feitos do diploma dependem de
uma estrutura de capital acumulado, a qual faz com que o valor do título
seja avaliado pelo conjunto de propriedades sociais e econômicas que o
seu portador possui. Contudo, a possibilidade de mobilizar um conjunto
de recursos individuais para a valorização do título acadêmico dependerá
das condições de institucionalização e do estabelecimento de exigências
para ocupar posições, postos e cargos. Uma das maneiras de dar conta,
empiricamente, de tais usos é confrontando o elenco dos títulos que os
agentes ostentam, levando em consideração para isso tanto aqueles estri-
tamente escolares e profissionais como aqueles obtidos pela posição de
origem e pelos vínculos com outras esferas sociais.
Pode-se exemplificar essa asserção com o caso das posições situadas
em “zonas de incerteza” do espaço social: os ofícios pouco profissionali-
zados e fragilmente institucionalizados. Nesses ofícios mal profissionali-
zados no que concerne às condições de acesso e às condições de exercício,
os postos e cargos mal delimitados e, desse modo, ditos “abertos”, dei-
xam aos seus ocupantes a possibilidade de defini-los. A definição desses
postos reside na liberdade dos ocupantes em delimitá-los introduzindo
neles seus princípios e sua definição e o futuro desses cargos estará su-
jeito àquilo que os seus ocupantes definirão como relevantes. O efeito
de “redefinição criadora” pode ser observado em ocupações com grande
dispersão ou em setores mais novos nos quais os cargos e as carreiras não
adquiriram rigidez. Nesses casos, o recrutamento faz-se com base em re-
lações e afinidades, não em nome de títulos escolares (BOURDIEU, 1998).
Dessa forma, o capital escolar só representará um valor para os agentes no
mercado de trabalho se a relação entre o diploma e o cargo for “rigorosa-
mente codificada” (BOURDIEU, 2001).
Dito de outro modo, por tratar-se de espaços sociais com uma institu-
cionalização mais flexível e uma fronteira formal e jurídica mal definida,
as tomadas de posição possíveis estarão mais respaldadas nas trajetórias
dos agentes que ocupam posições e postos nesses espaços, do que nas
normas que se institucionalizaram e que estruturam tais cargos. O mesmo
ocorre no caso das profissões em que a exigência e o valor do diploma não
estão claramente definidos e fixados. Nesses casos, quanto mais fluidas e
incertas forem a definição do diploma e também do cargo, assim como de
sua respectiva institucionalização, mais espaço sobrará para as “estraté-

161
Como estudar elites

gias de blefe” e, com isso, mais possibilidades terão aqueles que acumula-
ram elevado capital social e relacional para obter um rendimento elevado
do seu diploma (BOURDIEU, 1978; 1998; 2001).
Todavia, precisamos ter cuidado com esse tipo de problematização,
uma vez que ela facilmente pode nos afastar das diferentes formas de or-
ganização e institucionalização do espaço profissional. Ao tomar a pro-
fissão como espaço relativamente autônomo, corremos o risco de deixar
passar realidades empíricas nas quais faz sentido para a organização in-
terna a mobilização e a posse de diferentes tipos de recursos sociais. E
isso não significa, a priori, uma falta de autonomia ou fraca diferenciação.
Mas pode representar, em alguns casos, um poder de influência em outras
esferas. Diferentes contextos históricos podem engendrar novas configu-
rações nas quais faz sentido pensar a relação entre exercício profissional
e mobilização de saberes que não se apoiam exclusivamente no espaço
escolar-acadêmico, mas que têm como referência outras esferas, como a
política, por exemplo.
Dentro disso, um aspecto fundamental está relacionado ao fato de que
é preciso problematizar as lógicas históricas e institucionais que permi-
tem dar às profissões privilégios em diferentes países e de que forma os
contingentes históricos contribuem para conservar e estabelecer as con-
dições de controle da profissão sobre a divisão do trabalho e sobre o mer-
cado. Dito de outro modo, não basta fazer uma história social dos objetos,
é preciso, ainda, estar aberto para identificar as configurações e as dinâ-
micas próprias que emergem dessa história e que a compõem.
Essas reflexões permitem compreender as propriedades particulares
que algumas profissões carregam. Em nosso estudo, já citado, demons-
tramos, por exemplo, que diferentes gerações de jornalistas não separa-
vam suas atividades profissionais da intervenção na política e viam seus
ofícios como imbuídos de uma missão política, sobretudo uma missão
voltada à construção e intervenção no Estado. Seus passados históricos
são ainda reveladores do acúmulo de recursos sociais que variavam entre
o exercício profissional e o investimento na política partidária e governa-
mental. Esses recursos facilmente eram mobilizados para promover uma
consagração interna ao ofício. Nessa linha, trata-se de apreender a capaci-
dade do ofício se relacionar com a política como uma questão fundamen-
tal de sua constituição.
O que procuramos demonstrar aqui é que a universalização das parti-
cularidades tende a se tornar um grave problema para a Sociologia, uma

162
Pesquisando grupos profissionais

vez que cria falsos objetos de análise. Há uma série de oposições, como
profissão/ocupação, autonomia/heteronomia, que correspondem à es-
pecificidade de determinadas sociedades e na medida em que se tornam
universais, por meio das teorias generalizantes, contribuem para prejudi-
car o debate científico. Assim criam-se falsos problemas que na verdade
são resultados de categorias de pensamento fruto de uma particularida-
de. Uma das maneiras de evitar isso, como procuramos demonstrar, é por
meio da historicização dessas categorias que se impõem como universais.

2. Socialização, cultura e carreiras profissionais


Um dos problemas que costumam estar associados à análise das profis-
sões é a própria definição da profissão como um conceito. O que é uma
profissão? Quais são seus traços e características? Que atividades podem
ser incluídas e/ou excluídas? Essas indagações que se tornaram funda-
mentais dentro da tradição funcionalista, receberam uma dura crítica das
escolas que tomavam como ponto de partida as definições que os atores
davam às categorias da vida cotidiana. Dentro desta linha crítica, a pro-
fissão seria uma categoria prática e, portanto, não poderia representar um
conceito abstrato.
Nesse sentido, é possível estudar prostitutas, garis, pastores, pistolei-
ros como atividades que exigem um saber específico? Há espaço para a
investigação desses grupos? Desempenham eles um ofício profissional ou
realizam apenas uma atividade? É a prostituição uma profissão?
Para recolocarmos essa questão podemos lançar mão de um “truque”, o
qual consiste em procurar os casos excluídos do conceito (BECKER, 2007,
p. 162). Em vez de deixarmos o conceito de profissão definir o caso, o que
excluiria um grande número de atividades, partiríamos do contrário e dei-
xaríamos o caso definir o conceito. Isso permite perceber, por exemplo,
como a prostituição exige habilidade e conhecimento que nem todos pos-
suem, tais como: habilidade para identificar possíveis clientes; capacida-
de para negociar serviços e definir as regras do jogo; saber lidar com os
riscos próprios da atividade, como abordagem policial, clientes violentos
e consumo de drogas. Como se trata de uma atividade que não lida com
regras fixas, prescritas e regulamentadas que determinam as condutas, a
interação com o cliente se torna essencial no exercício e condução do ofí-
cio. E essa interação exige habilidade e aprendizagem. Este “truque” per-
mite identificar as dimensões, as práticas, as concepções que variam de
caso para caso, contribuindo para lançar novas perguntas que surgiriam

163
Como estudar elites

do próprio investimento no trabalho de campo, sobretudo, o processo de


aprendizagem das habilidades. Como se aprende a se prostituir? E a partir
de que regras? Onde se adquire essas habilidades? Que habilidades são
essas e como elas são transmitidas?
Um exemplo da apreensão e aquisição das habilidades próprias desse
ofício pode ser encontrado em Pryen (1999) e Mathieu (2007). Pryen (1999)
demonstra, por meio de um exaustivo trabalho de campo sobre a prosti-
tuição de rua na França, a aquisição de pelo menos três habilidades: (i) a
competência adaptativa que consiste em reconhecer os riscos e evitá-los
na medida do possível, como clientes perigosos, por exemplo; (ii) a com-
petência gestual, que consiste no domínio das técnicas do corpo, próprias
do ofício e que envolve um conjunto de gestos constitutivos da etiqueta
corporal da atividade e (iii) as competências relacionais, que representam a
habilidade de se tornar confidente e conselheira conjugal dos seus clientes
e a diplomacia para driblar situações violentas. Enquanto a primeira habili-
dade envolve o reconhecimento e a identificação, essa última competência
envolve, de maneira mais intensa, a capacidade de lidar com as relações
no dia a dia do ofício. Isso abrange um conhecimento sobre a clientela e
uma habilidade para resolver situações de perigo sem intensificar o risco.
Mathieu (2007) denomina essas práticas de “estratégias de evitamento”,
fundadas em um princípio de seleção que resulta da aprendizagem do ofí-
cio e destinada a não entrar em uma situação de ameaça física. Assim, a
negociação diplomática para evitar clientes potencialmente violentos ou
serviços inaceitáveis é preferível para evitar uma agressão.
Mas é claro, apesar de todas essas questões, ainda assim ser prostituta
não é uma “profissão”, não pelo menos do ponto de vista social. Os desa-
fios, para aqueles que se aventuram no estudo de grupos profissionais,
são ainda maiores quando nos deparamos com atividades como essas,
estigmatizadas, por vezes ilegais e pouco (ou nada) valorizadas social-
mente. Temos que considerar aqui o prestígio social do ofício, pois isso
afeta a forma como os atores sociais falam sobre suas atividades. Assim,
prostitutas, ladrões, pistoleiros, traficantes não falam de suas atividades
livremente, pois se trata de ofícios cuja legitimidade social é baixa ou
inexistente. Em geral, na forma como se apresentam, os ocupantes des-
ses ofícios estigmatizados e sem credibilidade social irão procurar outras
denominações para justificar o que fazem ou como foram parar ali. Isso
ocorre porque as estratégias de apresentação de si mesmo se dão num
acordo com os valores aceitos da sociedade na qual os indivíduos fazem

164
Pesquisando grupos profissionais

parte. Se os fatos do passado e a atividade presente de uma pessoa são


extremantes desvalorizados, uma estratégia de apresentação consiste em
demonstrar, pela expressão de uma “história triste”, o quanto ela não é
responsável pelo seu próprio fracasso (GOFFMAN, 1996). Nessa linha,
quanto mais essa pessoa se afasta daquilo que é socialmente valorizado,
mais ela se torna constrangida a acionar essa “história triste” para justifi-
car como passou a desempenhar aquele ofício. Segundo Goffman (1996) é
entre as prostitutas, presos e bêbados que mais se obtém essas histórias.
Além disso, há o que Pryen (1999) denomina de “interiorização do es-
tigma” no processo de construção das carreiras das prostitutas. Isso signi-
fica dizer que no processo de aprendizagem do ofício, sobretudo os mais
estigmatizados, os indivíduos incorporam a etiquetagem social dos seus
comportamentos definidos como não convencionais ou desviantes. Des-
sa incorporação nasce a identidade profissional desviante que funciona
como um facilitador para o exercício da atividade. Um exemplo de como
isso ocorre pode ser percebido nos relatos das mulheres sobre como se tor-
naram prostitutas. Segundo Pryen (1999), um elemento bastante comum
nesses relatos é o passado desviante, ou seja, as experiências anteriores,
classificadas socialmente como impróprias, como por exemplo, uma vida
sexual “promíscua” ou “liberal”, se torna um facilitador para um ofício
desviante. Isso constitui um dos elementos da “interiorização do estigma”.
Podemos perceber que um dos principais problemas do conceito de
profissão é que ele, como uma ferramenta de pesquisa, não trata o prestí-
gio como uma dimensão importante das representações sobre a profissão,
ou, dito de outro modo, como um elemento que pode contribuir para a
identidade profissional, como procuramos demonstrar acima. Mas pelo
contrário, o conceito como uma categoria fechada toma o prestígio como
um componente que permite distinguir o que é e o que não é profissão.
Freidson (1998; 2001) foi um dos autores a fazer avanços significativos
nessa direção permitindo os seguintes questionamentos: Quais são as im-
plicações do prestígio para o exercício da atividade? Qual a relação entre
prestígio e demais critérios, como carreira profissional e regulamentação?
Nessa linha, o trabalho de campo pode ser ao mesmo tempo revelador
e inquietante. Em um recente estudo sobre a prostituição6, descobri-

6
Trata-se de uma dissertação de mestrado do Programa de Pós Graduação em Sociologia
da UFS, ainda em andamento, por mim orientada.

165
Como estudar elites

mos, por exemplo, que algumas prostitutas lutam pela valorização do


seu trabalho e se organizam em torno da defesa dos seus direitos pro-
fissionais, criando associações, como é o caso da Associação Sergipana
de Prostitutas, e eventos para discutir os dilemas da categoria. Nesses
eventos discutem a criação do dia das prostitutas e a valorização das
“profissionais do sexo”7.
Outras acreditam que seu ofício exige habilidade e competência que
vão muito além das relações sexuais e que inclui a negociação do ser-
viço8, a capacidade de ouvir os dramas pessoais dos clientes, dar con-
selhos, fazer companhia. Assim, elas adquirem um conhecimento para
reconhecer a clientela, sobretudo o perfil dos clientes e suas demandas.
Isso identifica alguns aspectos da atividade que não são observados em
profissões cuja forma de entrada ocorre pela posse do título acadêmi-
co. Além disso, a hipótese da origem econômica e da posição social, com
frequência apresentada como determinantes para o investimento nessa
atividade, não explica os caminhos que conduzem a esse tipo de ofício e
o sentido que as pessoas dão a ele.
Diante disso, uma ordem de problemas que emerge no estudo das pro-
fissões traz à tona o peso da socialização profissional e do processo de
aprendizagem sobre a tarefa desempenhada. Onde e como se adquirem
as competências e as habilidades? Como se aprende o ofício? Os estudos
inaugurais nessa linha de pesquisa têm como base as teses dirigidas por
Robert Park e Everett Hughes. Uma dessas teses é o trabalho de Suther-
land (1937) sobre o ladrão profissional, na qual o autor parte do relato
testemunhal de um ladrão sobre o seu ofício. Ao tomar o relato biográ-
fico como ponto de partida, a obra citada contribui para pensar duas
questões. A primeira diz respeito ao uso do conceito de “profissão”. Ao
analisar uma atividade totalmente excluída da definição funcionalista
de profissão, o referido estudo contribuiu para fazer com que os pesqui-
sadores percebessem que, ao tomarem as definições encerradas no con-
ceito, cometiam o terrível erro de definir a população por um conjunto

7
Esse termo é, com freqüência, apresentado para se referir àquelas que investem nesse
tipo de atividade, constituindo, assim, uma categoria da vida cotidiana.
8
Esse momento é importante porque revela a negociação sobre o serviço que será ofe-
recido e o preço de cada um (sexo oral, sexo anal etc.). A habilidade de negociar é fun-
damental para não perder o cliente e obter os melhores lucros possíveis. O cliente não
pode se sentir extorquido ou explorado.

166
Pesquisando grupos profissionais

de características que excluía um grande número de atividades. Desse


modo, o conceito “profissão” não representava um achado empírico,
como afirma Becker (2007) para o caso do conceito de crime, mas um
“artefato criado por definição”.
A segunda contribuição de Sutherland foi a de pensar o sentido que os
profissionais dão à sua atividade e os espaços em que se inserem. Uma
das questões centrais colocava na pauta das ciências sociais a necessida-
de de compreender como as pessoas são levadas a fazerem o que fazem
e que sentido que elas dão para isso. O ladrão profissional precisa entrar
em mundo próprio de quem comete delitos, aprender uma linguagem e se
converter a uma “cultura profissional” que envolve reconhecimento pelos
pares. É no curso da carreira que a definição da atividade e o sentido dado
a ela se constrói. Mais especificamente, é um conjunto de circunstâncias e
eventos na vida de uma pessoa que cria a possibilidade desse tipo de atua-
ção profissional. Obras como The Professional Thief, de Sutherland (1937),
serviram de fundamento para uma reformulação na noção de profissão
empreendida até então, trazendo a necessidade de pensar a atividade pro-
fissional como um processo biográfico e identitário.
Tal modificação permitiu incluir novos universos empíricos cujos
membros acreditam que suas atividades exigem habilidade específica e
conhecimento próprio. Essa abordagem tem seus fundamentos na tradi-
ção pragmática americana e no conhecido “teorema de Thomas”9: “se as
pessoas definem situações como reais, elas são reais em suas consequ-
ências”. Esse pressuposto dirigiu a pesquisa sociológica empírica para
novos universos, permitindo a descoberta das atividades que passaram a
ser definidas como profissão. A ênfase recai daí em diante no exame das
carreiras, entendida aqui como elemento fundamental para compreen-
der os caminhos que levam a um determinado ofício. Essa concepção en-
volve o questionamento de como ocorreu a entrada no ofício, do desen-
volvimento das atividades internas – como a capacidade de negociação
do espaço – e dos processos biográficos. Estes últimos envolvem pensar
desde os investimentos iniciais de um indivíduo na atividade profissio-
nal até as mudanças, as viradas biográficas, as quais incluem possíveis
bifurcações e “turn point”10.

9
Essa expressão é utilizada por Collins (2009).
10
Hughes (1981) denomina de “turn point” os momentos de reorientação biográfica que

167
Como estudar elites

Durante meu doutoramento11 tive importantes professores que me auxilia-


ram na árdua tarefa de relacionar dados com possíveis reflexões teóricas. Um
destes professores, com quem frequentemente discutia meu trabalho, insistia
em me lançar uma pergunta: mas o que estes “loucos” querem com isso? Per-
guntas como esta supõem que a ação a ser estudada faz sentido para aqueles
que nela investem, apenas não sabemos que sentido é esse. Era justamente
isso que se tratava de procurar. Poderíamos aplicá-la para qualquer universo: o
que as prostitutas querem com esta atividade? E os pistoleiros? É preciso levar
em conta a capacidade interpretativa dos agentes sobre as significações que
concedem aos seus atos e suas situações de escolha, como também as modifi-
cações do “eu” e de seu esquema de imagens para julgar a si e aos outros.
Dessa forma, em vez de os cientistas sociais partirem de uma definição de
profissão, que tem como base a posse de um diploma, a imposição da forma-
ção por meio das instituições universitárias e o controle da entrada e das for-
mas de exercício profissional a partir das associações profissionais, deveriam
partir de como as pessoas compreendem o que fazem e o modo como fazem
e que categorias usam para organizar o mundo. Portanto, a profissão é apre-
sentada como uma categoria da vida cotidiana que implica um julgamento de
valor e prestígio e não um conceito sociológico que encerra um conjunto de
características (CHAPOULIE, 1985; LALLEMENT, 2004; HUGHES, 1994).
De modo geral, o ponto de partida de uma análise dos grupos profissio-
nais envolve pelo menos dois processos. De um lado, a análise da dinâ-
mica de uma atividade ao longo do tempo. De outro, a vida profissional
como resultado de um processo biográfico que está associado à formação
da identidade social do sujeito e a construção de imagem de si. A iniciação
em uma cultura profissional, nessa direção, implica em um processo de
conversão do indivíduo a uma nova concepção de si e do mundo, ou seja,
na aquisição de uma nova identidade. Essa conversão consiste na imersão
em uma cultura profissional.
Na análise do processo biográfico, a socialização profissional se torna
um elemento fundamental para compreensão da forma como os indivídu-
os incorporam a cultura do grupo profissional. Hughes (1994) identifica

podem ter como estimuladores as crises pessoais, os ciclos de vida, o desemprego ou


até mesmo promoções. Os trajetos profissionais são constituídos por tais rupturas.
11
Realizado dentre os anos de 2003 e 2007 no Programa de Pós Graduação em Sociolo-
gia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e que tomou como objeto de análise
a atividade jornalística.

168
Pesquisando grupos profissionais

pelo menos três grandes mecanismos de socialização profissional: (i) a


“passagem através do espelho”, que consiste em olhar o mundo profissio-
nal como refletido em um espelho. Essa metáfora representa a imersão na
cultura profissional e a passagem através do espelho é o momento em que
o iniciante passa a ver o mundo não mais com os olhos de um aprendiz,
mas com os olhos de um profissional; (ii) a “instalação da dualidade” que
representa o confronto entre o modelo ideal que caracteriza a profissão e
o modelo prático que diz respeito às tarefas cotidianas daquela profissão.
Essa segunda fase se caracteriza pelas lutas, no seio dos grupos profissio-
nais, para manter o controle das tarefas nobres. E por fim, (iii) a fase de
“conversão última”, que é o ajustamento da concepção de si. Essa fase
implica tomada de consciência e identificação das possibilidades, na qual
o individuo se vê entre escolhas a fazer e, para isso, ele precisa articular
os critérios do sucesso profissional com oportunidade. Nessa fase, o in-
divíduo pode fazer das estratégias de carreira uma forma de projeção de
si. Os relatos biográficos se tornam excelentes vias de acesso à cultura
profissional de um grupo12.
Nessa perspectiva, a conversão profissional implica desenvolver uma
concepção sobre si mesmo e sobre as atividades que realiza, as quais estão
diretamente relacionadas à inserção em um grupo confrontado com os
mesmos problemas. A carreira se desenvolve dentro de um grupo e diz
respeito à trajetória seguida por um indivíduo no interior das organiza-
ções de trabalho incluindo tanto os empregos ocupados como as mudan-
ças de percepções e de sentido que os indivíduos dão à sua tarefa e que
permite uma identificação com o seu trabalho.
Os estudos de Becker (1999; 2008), tanto sobre os músicos de jazz quanto
sobre os estudantes de medicina, demonstram como o processo de con-
versão a uma profissão tem início na realização das tarefas. No caso dos
estudantes de Medicina, a universidade funciona como um dos principais
locais de aprendizagem das categorias básicas de uma atividade e, nesse
processo, o indivíduo muda sua concepção de si e do mundo para se con-
verter a uma atividade profissional. Na rotina da escola de Medicina e nas
atividades da educação médica, como nas aulas, nos seminários, nos la-

12
Podemos citar vários trabalhos que, ao partir dos relatos biográficos, demonstram a
cultural profissional de um grupo, dentre eles, o de Sutherland (1937) sobre o ladrão
profissional e o de Becker (2008) sobre os músicos de jazz.

169
Como estudar elites

boratórios, na dissecação de cadáveres e no contato com os pacientes, os


alunos aprendem a classificar os doentes, os membros de outras categorias,
bem como o que é considerado ou não enfermidade e os processos de cura.
Essas análises trouxeram para o centro das discussões sociológicas
a importância da investigação da socialização profissional para a com-
preensão dos processos de formação de grupos profissionais. No caso
de alguns ofícios, como a prostituição, a socialização profissional pode
ser facilitada pela aprendizagem de um papel desviante. Assim, o in-
vestimento em uma atividade desviante depende de uma série de cir-
cunstâncias que conduzem os atores a identificarem a possibilidade de
novos investimentos profissionais. A idade das primeiras experiências
sexuais e as circunstâncias em que ocorreram, ou ainda, experiências
de emprego anteriores, como o trabalho em casas noturnas, em bares
etc., podem se constituir em eventos importantes na aquisição das com-
petências mobilizadas na relação de prostituição (PRYEN, 1999). Além
disso, importa também a maneira como o ator constrói uma imagem de
si mesmo através do relato das outras pessoas. No caso da prostituição,
Pryen (1999) mostra que se perceber como diferente ou ter uma con-
duta sexual avaliada pelos outros13 como “liberal”, “promíscua” e, por-
tanto, estigmatizante, tem um impacto na carreira das mulheres e na
concepção que farão delas mesmas. De maneira semelhante, os estudos
dos boxeadores profissionais de Wacquant (2000) e dos pistoleiros de
Barreira (1998) demonstram que um comportamento classificado como
desviante está na base das carreiras destes atores. Nesse caso, se destaca
experiências na infância e na adolescência com violência, recebendo o
rótulo de “danados”, “briguentos”, “bom de briga”, assim como, para
o caso anterior, de “promíscua” ou “liberal”. Contudo, tais eventos, se
pensados isoladamente, têm pouco poder de explicação. Eles só fazem
sentido quando associados a um conjunto de outros eventos, como co-
nhecer pessoas chave, construir laços e redes de relações com pessoas
próximas ao mundo da prostituição ou do crime14. Portanto, a explica-
ção de como alguém se torna prostituta, pistoleiro ou boxeador não está
apenas nas características sociais objetivas (origens sociais baixas, posi-

13
Aqui a autora se refere a “outros significativos” como pais, professores, pessoas próximas.
14
No caso dos matadores de aluguel, Barreira (1998) mostra que ter um homicídio ante-
rior é um importante credencial para entrada no sistema de pistolagem.

170
Pesquisando grupos profissionais

ção econômica degradante, baixa qualificação e formação escolar), mas


sim no conjunto de passos experimentados, situações vividas e eventos
que criam as condições para que outros ocorram.
Essa linha de estudos permite considerar o percurso dos atores sociais
no interior de uma carreira, os empregos ocupados, as mudanças nas per-
cepções, o processo de construção de categorias profissionais (ou seja, as
noções utilizadas pelos atores no desenvolvimento de certas atividades
para justificar suas práticas e que permitem organizar o mundo). Por con-
seguinte, tal proposta contribui para pensar as diferentes modalidades
de carreira no interior de uma profissão, levantando algumas questões:
de que forma a socialização escolar e profissional possibilita aos atores
acumularem um conjunto de habilidades específicas? Quais são essas ha-
bilidades e quais as bases sociais que as respaldam? Isso quer dizer que
a socialização profissional permite estabelecer um conjunto de contatos,
interações, vínculos e laços importantes na formação das carreiras profis-
sionais e de determinadas carreiras no interior de uma mesma profissão.
Entretanto, torna-se importante também articular essas habilidades de
origem profissional com outras de natureza diversa, acumuladas através
da socialização em espaços sociais variados, externos à atividade, tais
como o espaço familiar, o espaço da mobilização e da participação política
(partidos políticos, movimentos sociais). Por isso, é necessário perceber o
conjunto das habilidades que são mobilizadas para o exercício da profis-
são e em que espaços elas são obtidas. Demonstramos, por exemplo, em
trabalho já citado (PETRARCA, 2007), que as habilidades necessárias para
o exercício do jornalismo, como a construção de um amplo caderno de
endereços, resulta da capacidade de inserção dos jornalistas em múlti-
plos espaços, o que envolve desde o espaço familiar (relações constituídas
por redes familiares) até o espaço das amizades e da participação política,
manifestada em partidos e movimentos sociais. Essa múltipla inserção
permite, por um lado, acumular um conjunto de laços que poderão se tor-
nar fontes de informação e comporão o caderno de contatos do jornalista.
Por outro lado, a gestão dessas relações e contatos possibilita o acesso a
posições profissionais além das redações jornalísticas (assessorias, con-
sultorias). Assim a extensão das suas relações transforma-se em compe-
tências profissionais e permite, ao mesmo tempo, ampliar as formas de
investimento na profissão.
Dois aspectos se destacaram nessa linha de estudo. Por um lado, o exa-
me das carreiras profissionais e, por outro, a análise dos mundos sociais.

171
Como estudar elites

A análise das carreiras corresponde à investigação de um conjunto de


situações e eventos, na sua grande maioria imprevisíveis, pelas quais os
atores passam até ingressarem ou ascenderem num espaço profissional
determinado. Esses eventos ocorrem de maneira seqüencial e são depen-
dentes um do outro. Assim, para que o evento B ocorra foi fundamental
a existência de um evento A. O caminho que conduz a uma situação, ou
evento qualquer, resulta de um conjunto de eventos encadeados, uma vez
que é a sua seqüência que permite compreender a carreira de alguém. A
entrevista de Roberto Cardoso de Oliveira, feita por Marisa Peirano, for-
nece alguns indícios dos eventos significativos que permitiram ao entre-
vistado tornar-se antropólogo. Formado em Filosofia pela Universidade
de São Paulo (USP) e, segundo ele, sem chances de ser contratado como
professor por essa mesma universidade, viu-se na condição de possível
desempregado. Foi nesse momento que houve “a passagem para a antro-
pologia”. O relato abaixo é bastante ilustrativo:

Eu estava me formando ainda. Faltava uns meses para eu me


formar, Darcy Ribeiro foi fazer uma conferência na Biblio-
teca Municipal e eu fui assistir, e aí eu falei, tive uma certa
participação na conversa assim com ele, um amigo comum, o
[Og] Leme, um economista, nos apresentou, e o Darcy foi com
minha cara e disse que... me perguntou se eu não queria tra-
balhar com ele. Eu falei: “Olha, vamos ver”. Então, “Eu lhe
mando uma carta, eu entro em contato com você até dezem-
bro, mais ou menos”. Isso eu acho que devia ser em outubro,
setembro ou outubro. E realmente, no fim do ano, eu recebi
um aviso do Darcy, dizendo que tinha um lugar para mim. Se
eu não queria ir trabalhar com ele no Museu do Índio. Eu dis-
se a ele que não entendia nada de etnologia. Eu tinha assis-
tido a algumas conferências da Gioconda Mussolini, que era
uma excelente professora, mas... alguns seminários dela, mas
eu não tinha conhecimento nenhum em etnologia. Ele disse
que não, que eu não me preocupasse, que o importante era eu
ter uma base em sociologia, que ele achava que eu tinha, essa
coisa toda, e que eu tomasse aquela permanência lá, mesmo
porque ele ia me pagar muito pouco, como se fosse uma bolsa
de estudos para estudar etnologia. Falei, bom, nesse caso, eu
aceito. E fiz um plano de ficar um ano lá, porque, realmente,

172
Pesquisando grupos profissionais

eu estava recebendo muito pouco, já estava casado e já tinha


um filho. Então eu, Gilda, o Luís Roberto, pequenininho,
fomos para lá, ao Rio. Saímos de São Paulo para o Rio. Co-
mecei, exatamente em janeiro. Terminei a universidade em
dezembro, em janeiro de 54, estava trabalhando com Darcy.
(PEIRANO, 1978, não paginado).

O que nos interessa salientar, a partir do relato acima, são os eventos e


como os mesmos estão conectados e são dependentes. Um primeiro even-
to determinante aqui na carreira de Roberto Cardoso de Oliveira é a não
contratação pela USP. Esse evento o colocou diante de uma situação de
fragilidade econômica, ao mesmo tempo em que lhe permitiu uma aber-
tura para novas frentes e perspectivas. Sendo assim, outros podem ser
percebidos: a presença na conferência de Darcy Ribeiro; a apresentação
de um amigo à Darcy e sua atuação no Museu do Índio. Este último evento
teve uma importância significativa na carreira de Roberto, uma vez que é
dessa experiência e do contato com Darcy que mais tarde ele irá atuar no
Conselho Brasileiro de Pesquisas Educacionais e, finalmente, no Museu
Nacional. O seu livro sobre O processo de assimilação dos Terena emerge,
por uma sugestão de Darcy, dentro do Museu do Índio e se tornou uma
porta de entrada para o Museu Nacional. Esses eventos estão interligados,
uma vez que se tirarmos um deles de cena o desfecho final poderia ser
outro. O que permite o resultado final a que estamos interessados (como
Roberto C. de Oliveira, no caso, tornou-se antropólogo) é um conjunto de
fatos, eventos e situações conectados.
Já a noção de mundo social permite compreender a cultura de um
grupo profissional. Tal perspectiva na análise das profissões contribuiu
para reconhecer o trabalho de campo, através do método etnográfico,
da observação participante, da entrevista biográfica, como um dos mais
fecundos nas Ciências Sociais. Tal noção permite considerar que ativida-
des como prostitutas, pistoleiros e ladrões envolvem sujeitos sociais que
não são meramente passivos, marginalizados ou portadores de estigma,
mas atores que participam de um mundo social específico. Nessa relação
com o mundo da prostituição, da pistolagem e do roubo, e com outros
mundos sociais em que circulam, eles elaboram estratégias, comunicam-
-se, negociam com os interlocutores e vivem a experiência da atividade.
Algumas pistas de investigação emergem desse esquema mais geral. Pri-
meiro, como se aprende um ofício e quais são as formas de transmissão

173
Como estudar elites

do saber. Segundo, como ocorrem os processos de conversão a uma cul-


tura profissional, a um mundo profissional, com seus códigos, redes de
relações e formas de reconhecimento.
Vistas em conjunto, essas diferentes pistas permitem considerar a dinâ-
mica própria dos ofícios, suas formas de assimilação e transmissão dos sa-
beres. Isso implica tratar a imposição do diploma e a institucionalização,
por exemplo, não como um tipo ideal, uma condição essencial que permite
distinguir e hierarquizar ofícios, mas como uma forma de organização de
algumas atividades. O efeito disso para a pesquisa é a ampliação de objetos
de análise (dinâmicas profissionais diversificadas) e problemas de investi-
gação que estão centrados no processo de assimilação prática das habilida-
des e nas situações vividas que encaminham para determinadas carreiras.

3. Saberes profissionais e saberes profanos: diversidade e multiplicidade de usos


No estudo dos grupos profissionais, a análise da relação entre profissão e
outros espaços sociais permite apreender novas dinâmicas. Nessa linha,
um conjunto de questões emerge: de que forma a relação entre espaço pro-
fissional e outros espaços sociais podem permitir a formação de saberes
que podem ser mobilizados em favor da atuação profissional? Em que me-
dida os saberes profissionais podem ser adquiridos em outros domínios?
O exame da relação entre saberes profissionais e saberes obtidos em outros
domínios, também denominados de profanos, lança novos rumos analíticos
sobre a produção e formação do conhecimento especializado. Esse é o caso,
por exemplo, do saber militante, obtido pela intensa participação em esferas
associativas e espaços de mobilização coletiva. As transformações do espaço
de mobilização coletiva conduziram as organizações a incorporarem, além das
tradicionais formas de contestação (manifestação de rua, marchas, panfleta-
gem), o saber do especialista. Tal saber tem sido um recurso cada vez mais
acionado pelas associações na apresentação e defesa das causas, em detrimen-
to das formas mais tradicionais de luta. Assim cria-se um novo espaço de atua-
ção e uma nova figura surge: o “profissional militante”. Contudo, mais do que
concorrenciais, o que alguns estudos têm demonstrado15 é a intensa imbrica-
ção e complementaridade entre esses saberes. Os estudos têm se aproximado
de uma análise das múltiplas competências e da associação de certas esferas.

Entre esses estudos podemos citar: Petrarca (2007), que destaca os espaços sociais em
15

que se inserem os jornalistas e que contribuem para apreensão de saberes que podem

174
Pesquisando grupos profissionais

Um truque interessante aqui é não se deixar levar pelas categorias “pro-


fissional” e “militante” como categorias monolíticas e invariantes16. Ou
como categorias, por definição, conflitantes. Mas, ao contrário, procurar
demonstrar como elas se articulam, interagem uma sobre a outra e se
constrangem mutuamente. Tais questões dependem do contexto no qual
estão inseridas e das particularidades históricas. Essa questão nos enca-
minha para outro truque: o de pensar em combinações (BECKER, 2007, p.
265) e não em variáveis ou categorias independentes. A sociedade não é
uma máquina: as pessoas não agem da mesma maneira em todos os luga-
res, nem fazem os mesmos usos de seus saberes. Isso significa dizer que
o saber do especialista e o saber do militante não são, por princípio, anta-
gônicos ou contraditórios, mas podem se apresentar como indissociáveis.
Para tentar explicitar essa questão vou partir aqui de um estudo que em-
preendemos, recentemente, sobre a relação entre atuação profissional e
defesa de causas sociais (PETRARCA, 2012). Nessa pesquisa analisamos os
profissionais com qualificação técnica, reconhecida por instituições univer-
sitárias, e que ocupam posições em grupos de defesa de causas. Constata-
mos um total de 22 instituições que contam com profissionais qualificados
ocupando cargos técnicos, remunerados ou voluntários. Dentre os profis-
sionais, pode-se identificar um montante de 101, distribuídos em 20 forma-
ções diversificadas, com destaque para o Direito, que corresponde a 32% do
universo, seguido de profissionais da área da saúde, sobretudo Medicina e
Enfermagem, com 31,8% (Medicina, Enfermagem, Nutrição, Educação Físi-
ca e Biologia). Dos formados em Direito, todos estão inseridos na causa dos
direitos humanos. Além disso, 73% dos profissionais, no seu conjunto, estão
voltados à defesa dos direitos humanos, a qual se constitui como a causa que
mais agrega profissionais, sobretudo advogados. Em segundo lugar está a
luta contra o câncer e, em terceiro, a defesa do meio ambiente.
Ao longo do trabalho, deparamo-nos com um conjunto de dificuldades,
tais como: quem são esses profissionais, como pensam suas atividades pro-

ser mobilizados para o jornalismo; Lochard & Simonet-Cusset (2009) sobre a forma como
a vida associativa e a participação em organizações fornecem condições para uma “ex-
pertise coletiva” e Epstein (1996) que destaca como o ativismo da Aids e a agenda dos
ativistas se tornaram essenciais para a constituição de uma “ciência da Aids”.
16
Esse truque emergiu das pesquisas por mim empreendidas sobre diversos universos
profissionais, a partir dos quais foi possível perceber a importância que assumia os in-
vestimentos em espaços externos à profissão para valorização e ascensão profissional.

175
Como estudar elites

fissionais e como fazem a transição entre o mundo profissional e o mundo


da militância e da atuação na defesa de causas. Esta última questão, par-
ticularmente, envolve pensar o mundo da profissão, por definição, como
separado do mundo da militância e da defesa de causas. E, nesse sentido,
o profissional militante seria aquele que, dotado de uma série de caracte-
rísticas específicas (investimentos militantes prévios, recursos políticos,
origens sociais baixas etc.), consegue circular entre esses mundos sociais.
Essa questão, à primeira vista, parecia bem interessante e permitia
pensar as propriedades e os recursos que os profissionais devem ter para
circular com sucesso entre o espaço da profissão e o espaço da defesa
de causas. Num primeiro momento, concentramo-nos em analisar es-
ses profissionais, suas origens sociais, seus investimentos profissionais
e em outros espaços sociais. Isso permitiu um conhecimento bem amplo
dos atores que são mais propícios a estabelecer uma relação entre atua-
ção profissional e engajamento social. Com a aplicação de um questio-
nário detalhado (Cf. Apêndice 4 ao final do livro) sobre o percurso social,
profissional e político desses profissionais obtivemos dados importan-
tes, como idade, período de formação profissional, posição ocupada no
espaço profissional, nível de qualificação e investimento em outras es-
feras (religiosa, política e partidos).
O referido estudo permitiu constatar que, na sua grande maioria, esses
profissionais ocupavam uma posição instável no universo profissional,
com empregos incertos e desvalorizados. Assim, ao se dedicarem à parti-
cipação na defesa de causas, eles dividiam e diversificavam suas atuações
profissionais. Tratava-se, portanto, na sua esmagadora maioria, de jovens
recém-chegados ao mercado de trabalho e que precisavam construir uma
posição profissional para se fixar nos seus ofícios. Tomando como exem-
plo os advogados que investem no espaço da defesa dos direitos humanos
(PETRARCA, 2012), podemos perceber que eles se concentravam em es-
critórios de advocacia, além de dividirem essa função com outras, como
eventuais assessorias e consultorias jurídicas e o exercício do magistério
em faculdades particulares de Direito. Esse dado é particularmente rele-
vante porque permite mostrar que a defesa de causas humanitárias agrega
advogados cuja atuação está pautada pela defesa de clientes17. O fato de

17
Estamos nos referindo aqui a uma advocacia privada, por isso a característica funda-

176
Pesquisando grupos profissionais

estar envolvido com uma clientela pode proporcionar uma relação mais
próxima com os dramas do cliente. Portanto, eles estão mais inclinados a
investir no militantismo humanitário do que aqueles que seguem as car-
reiras jurídicas estatais, por exemplo. Desse modo, a posição ocupada no
mundo profissional se torna uma condição propícia para o engajamento.
O estudo de Epstein (1996) sobre a luta contra a Aids mostra, de maneira
similar, que os médicos que atuam em consultórios e que estão numa rela-
ção direta com a doença são mais inclinados que os pesquisadores a fazer
alianças com os ativistas. Logo, o exercício da atividade profissional pode
se constituir como um facilitador do engajamento.
Portanto, trata-se de advogados recém-formados, que estão investindo
no Direito via escritórios particulares, intensificando suas atuações pro-
fissionais em várias frentes, como assessorias jurídicas e exercício do ma-
gistério. E a defesa dos direitos humanos, manifestada seja pela atuação
nas comissões da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seja pela partici-
pação em movimentos sociais, representa apenas uma entre as atividades
secundárias com as quais se envolvem. Isso revela um multipertencimen-
to e uma intensa atuação em vários espaços concomitantemente. Essa
diversidade de atuação tem se revelado como uma condição importante
em situação de não emprego, uma vez que contribuem significativamente
para ampliar os contatos e as redes de relações que podem ser mobiliza-
das em determinadas situações.
Bom, isso tudo era bem interessante e já tínhamos uma explicação te-
órica pronta para compreender os dados: agentes com baixos ou fracos
recursos sociais se valem de múltiplas estratégias para evitar a desclassi-
ficação social e profissional. Dito de outro modo, a militância na defesa de
causas sociais constitui uma estratégia importante de investimento pro-
fissional em agentes cujas trajetórias são caracterizadas pela escassez dos
recursos, tais como a ampla rede de contato profissional – muitas vezes
proporcionadas pela posição familiar ou pelas relações de amizades – que
podem dar acesso aos postos mais valorizados.
No momento em que iniciamos nossas entrevistas biográficas com os
casos mais representativos, percebemos que a inserção múltipla, no es-
paço profissional e no espaço da militância na defesa de causas, permitia

mental é a defesa dos clientes — em contraposição a uma advocacia pública, ou exercício


do Direito em outros cargos como juízes, procuradores e promotores.

177
Como estudar elites

não só acumular recursos fundamentais, mas também orientar os inves-


timentos profissionais e dar um novo sentido a ele. Isso significa afirmar
que o engajamento constitui uma experiência reestruturante que permi-
tiu aos profissionais (advogados, médicos, jornalistas, entre outros) dar
uma coerência à sua atuação, contribuindo para ocupar um papel social
valorizante e que apresenta uma importante utilidade e visibilidade so-
cial. Nessa linha, o saber obtido pela atuação no universo da defesa de
causas se tornou fundamental para identificar um sentido positivo no
mundo profissional, sobretudo na expressão dos descontentamentos so-
ciais, contribuindo para resignificar o seu papel. Como se observa, o saber
profissional e o saber militante se apresentam como indissociáveis e com-
pletamente imbricados.
Portanto, um dos truques que podemos nos valer aqui é o de investi-
gar os significados do exercício profissional e pedir para as pessoas os
explicarem. Quando perguntamos para os profissionais sobre os signifi-
cados de seus ofícios, por exemplo, e pedimos que esclareçam algumas
de suas principais experiências, temos acesso a informações que podem
contribuir para melhorar nossa compreensão e até mesmo as limitações
das nossas reflexões teóricas. Os relatos abaixo, extraídos das entre-
vistas realizadas com os advogados envolvidos na defesa dos direitos
humanos, ilustram um pouco o que estamos querendo dizer. Ao serem
questionados sobre a forma como vêem suas atuações e o que isso sig-
nifica, eles afirmam:

Eu não me caracterizo uma advogada militante especifica-


mente da advocacia [...] a gente é visto como um sonhador por
viver acompanhando o movimento dos direitos humanos [...].
Eu vivo a advocacia numa aplicação de direito e da cidadania
e na aplicação do Estado democrático de direito e isso os cole-
gas vêem como algo dispensável, algo irrelevante. Normalmen-
te todos que estão nas comissões no início quando se organiza
a comissão há uma quantidade grande de participantes, e as
pessoas vão com objetivo diversos, alguns com objetivos pesso-
ais, alguns com objetivos profissionais outro querendo ocupar
mídia e quando chegam à realidade eles começam a se afastar,
porque o trabalho é muito mais profundo. É muito mais de res-
ponsabilidade e aí vai havendo uma seleção natural (entrevis-
ta realizada em abril de 2012).

178
Pesquisando grupos profissionais

Este ano teremos muito trabalho e, apesar de não sermos re-


compensados financeiramente, ganhamos duas coisas funda-
mentais: orgulho da profissão, pois nos encantamos com a ad-
vocacia. Além da gratidão das pessoas simples que ajudamos,
é algo muito bom (entrevista realizada em abril de 2012).

Aqui percebemos a necessidade de considerar aquilo que alguns auto-


res (COLLOVALD, 2002; FILLIEULE, 2001) chamam de “engajamentos de
si”, as concepções de mundo e as reconversões ideológicas que empre-
endem os profissionais ativistas e que permitem dar sentido aos recursos
acumulados. Portanto, não é a “competência técnica” em si mesma que
interessa, mas como os percursos dos profissionais ativistas, suas inser-
ções e experiências permitem orientar sua visão de si mesmo e do mundo,
fazendo com que a formação técnica ganhe novo sentido. Ao circular em
vários espaços, como organizações, fóruns, movimentos sociais e comis-
sões, esses profissionais enriquecem suas competências e intensificam
seus referenciais que passam a ser, ao mesmo tempo, políticos e profissio-
nais. O principal desafio nesse tipo de pesquisa é associar uma análise dos
recursos sociais que caracterizam a entrada e permanência na defesa de
causas com um exame das lógicas subjetivas que marcam tais ingressos e
permanência no engajamento.

Conclusões: por uma diversidade do estudo das práticas profissonais


Como podemos perceber, um conjunto de trabalhos tem colocado recen-
temente em evidência o estudo dos grupos profissionais reunindo, além
de uma diversidade de investimentos empíricos, uma sistematização das
discussões teóricas. Este é o caso do livro Sociologie dês professions, de
Claude Dubar (1998), na França; Sociologia das profissões, de Maria Lur-
des Rodrigues (2002), em Portugal; e os mais contemporâneos como os
de Demazière e Gadea (2009), Sociologie dês groupes professionneles e
Lallement (2008), Sociologie des relations professionnelles. Podemos ainda
destacar os trabalhos de Maria da Glória Bonelli (2013; 2002) e Bonelli,
Oliveira e Martins (2006) sobre profissionalismo e carreiras jurídicas no
Brasil. Esses trabalhos demonstram um pouco a expansão do tema nas Ci-
ências Sociais e as mudanças no seu tratamento. Algumas transformações
no mundo do trabalho influenciaram essa renovação, como por exemplo,
o declínio do sindicalismo, a emergência de novas atividades profissio-
nais e o crescimento das atividades de serviço. E, além disso, sobretudo

179
Como estudar elites

na França, as pesquisas se concentraram em examinar atividades profis-


sionais negligenciadas pelas teorias clássicas das profissões, apoiando-se
nas problemáticas da sociologia interacionista norte-americana.
Entretanto, outros trabalhos, que não se definem dentro dessa linha
de investigação, já haviam dado contribuição pertinente para as mudan-
ças no tratamento do tema. Podemos citar aqui o trabalho de Luc Bol-
tanski sobre os “cadres”18 na França e o de Bruno Latour sobre o ofício
de cientista (A vida de laboratório). Tais obras questionaram, embora
que de maneira diferente, o desempenho das atividades profissionais
e o processo de construção das categorias “cadres” e “cientistas”. No
trabalho de Boltanski há uma importante discussão sobre o estabeleci-
mento das fronteiras oficiais e jurídicas no interior de uma profissão.
Mais do que um princípio objetivo, elas representam a disputa interna
para imposição de normas e regulamentações. A crença nos critérios ob-
jetivos esconde, de certa forma, os conflitos e as lutas pela definição da
profissão. Já os trabalhos de Latour e Steve (1997) e Latour (2001) trazem
à tona a necessidade de pensar o dia a dia do trabalho e a importância
das relações cotidianas na dinâmica profissional. Sem a pretensão de
construírem uma linha de investigação sobre profissões, esses autores
contribuíram para repensar as formas de análise e investigação sobre os
universos profissionais, reforçando o papel determinante que tem um
intenso investimento no trabalho de campo.
A diversidade de trabalhos que analisam sob pontos de vista muitas
vezes antagônicos o desenvolvimento de certas práticas profissionais
permite uma modificação nesse campo de estudo. Uma das questões que
tem sido recorrente é pensar universos ignorados no que diz respeito à
temática da “profissão”. Esse é o caso da prostituição, por exemplo, e do
pastor profissional (CAMPOS, 2002). Por um lado, a prostituição esteve,
nas Ciências Sociais, mais atrelada à sua relação com a saúde pública ou
com a temática dos usos do corpo como formas de dominação e poder
(PRYEN, 1999). Por outro lado, universos como os dos pastores e padres
foram, tradicionalmente, pensados sob a óptica da Sociologia da Religião.
A onda recente de pesquisas sobre os universos profissionais, com ênfa-
se na noção de “grupos profissionais” em vez de profissão, trouxe conse-

18
Expressão de difícil tradução que representa, grosso modo, os executivos das empre-
sas. Por tal razão, optamos pela manutenção do termo em francês.

180
Pesquisando grupos profissionais

quências importantes, permitindo tanto a ampliação e extensão do objeto


de estudo, quanto a sua flexibilidade. Assim, a consolidação dessa área
tem enfatizado as dinâmicas e os processos de emergência, diferenciação
e legitimação dos grupos, incluindo a diversidade histórica das diferentes
atividades. O debate atual, portanto, sobre a análise dos grupos profis-
sionais é bastante heterodoxo e envolve pensar uma agenda de pesquisa
plural e diversa. Procuramos aqui, apenas, apontar alguns problemas que
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181
Como estudar elites

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184
7. Antropologia, política e
etnografia: fronteiras disciplinares
e trabalho de campo
Wilson José F. de Oliveira

After all, ethnography is uniquely equipped to look microscopi-


cally at the foundations of political institutions and their atten-
dant sets of practices, just as it is ideally suited to explain why
political actors behave the way the do and to identify the causes,
processes, and outcomes that are part and parcel of political life.
AUYERO, 2006, p. 258.

TENHO OBSERVADO QUE, nos últimos anos, a palavra “etnografia” tor-


nou-se uma espécie de moda corrente no universo acadêmico brasileiro:
todo mundo reconhece sua importância, muitos colegas incluem textos
etnográficos em suas disciplinas e até mesmo em seus artigos e traba-
lhos publicados. É também muito comum e frequente encontrarmos, nos
trabalhos de estudantes e professores das diferentes áreas das ciências
sociais, termos como “pesquisa etnográfica”, “dados etnográficos”, “et-
nografia” etc. No entanto, quando exploramos as definições de etnografia
subjacentes a tais utilizações somos quase sempre remetidos a princípios
e fundamentos disciplinares e institucionais muito diferentes e, algu-
mas vezes, até mesmo incompatíveis. Nesse sentido, pode-se dizer que
cientistas políticos e sociólogos tratam a etnografia como uma técnica de
pesquisa, que fazem questão de chamar de “qualitativa”, e que está dire-
tamente associada à Antropologia. Os antropólogos não deixam por me-
nos, pois animados pelo que Becker (2009, p. 6) qualifica de “pretensão

187
Como estudar elites

etnográfica” utilizam tal termo como sinônimo de “trabalho de campo” e


como marca “registrada” da Antropologia. Assim, em consonância com as
divisões e diferenças disciplinares e institucionais que, no Brasil, balizam
o exercício das ciências sociais nestas respectivas áreas (BEZERRA, 2013),
há certo consenso de que a etnografia constitui uma técnica de pesquisa
específica da Antropologia.
Essa concepção metodológica e disciplinar da etnografia contribui para
que sua originalidade e relevância sejam, em grande parte, ofuscadas.
Talvez, por isso, sua utilização como princípio de construção do objeto,
de levantamento de informações, de interpretação e de análise dos fe-
nômenos políticos ainda seja uma prática tão rara nas ciências sociais,
incluída a própria Antropologia. No que diz respeito ao estudo dos fenô-
menos políticos, pode-se dizer que os mesmos ainda estão muito distan-
tes da agenda etnográfica contemporânea. A situação é muito próxima
daquela constatada por Auyero (2006) quando salienta que a renovação,
o crescimento e o aumento do interesse dos cientistas sociais (principal-
mente, cientistas políticos e sociólogos) pelo trabalho etnográfico não se
fez acompanhar de estudos etnográficos sobre instituições, protagonis-
tas e práticas políticas.
Sem dúvida, a persistência de divisões disciplinares no estudo da vida
política constitui um dos fatores responsáveis por essa relação de dupla
ausência entre etnografia e política. No âmbito da Antropologia, a institu-
cionalização e a difusão de uma concepção essencialista da cultura, pró-
pria à tradição intelectual norte-americana e sua imposição como um mo-
delo de ciências sociais para os demais países (KUPER, 2002) constituiu
um dos fatores que contribuiu, e ainda hoje contribui, para a ausência e o
desprezo dos fenômenos do poder e da política na literatura etnográfica.
Isso porque tal concepção parte do pressuposto de que a cultura é uma es-
fera separada do poder e da política, assim como separada de uma série de
condições, processos e recursos sociais, devendo “ser explicada em seus
próprios termos” (KUPER, 2002, p. 310). Já no caso da Ciência Política, a
sedução e a hegemonia da linguagem estatística e quantitativa e a fixação
dos cientistas políticos por modelos formais, por abordagens estatísti-
cas, gráficos, regressões e correlações e por metodologias padronizadas,
acabam se tornando ingredientes decisivos para a marginalização das in-
vestigações não estatísticas como pré-científicas e inferiores e, evidente-
mente, para que a etnografia não figure em sua prática de pesquisa como
uma das metodologias fidedignas e confiáveis para a investigação da vida

188
Antropologia, política e etnografia

política (AUYERO, 2006; SCHATZ, 2009). Lamentavelmente, essa relação


de dupla ausência, da política na literatura etnográfica e da etnografia nas
investigações dos fenômenos políticos, tem contribuído para que aspec-
tos essenciais do funcionamento da vida política continuem sendo deixa-
dos de lado ou permaneçam encobertos, tais como: o ritmo da ação políti-
ca, a textura da vida política, a situação dos atores políticos, bem como as
complexidades diárias da política, os pequenos detalhes, seus meandros
diários e os significados implícitos (AUYERO, 2006).
Neste capítulo, argumento que a etnografia não deve ser reduzida a
uma “técnica qualitativa” de pesquisa, tratando-se antes de uma con-
cepção ampla da relação entre teoria e empiria, bem como da forma de
definição e de acesso ao próprio objeto de estudo. Nesse sentido, o tipo
de reflexão que ela nos desafia a incorporar na prática de pesquisa sobre a
política e, em particular, sobre os grupos dirigentes vai muito além de um
simples questionamento metodológico sobre as dificuldades de aplicação
de determinadas técnicas e, até mesmo, sobre as condições de acesso a
certos terrenos de investigação. Não estamos diante de uma simples téc-
nica qualitativa, dentro da divisão entre qualitativo e quantitativo, que,
infelizmente, ainda vigora nas ciências sociais. Em vez disso, a “revolu-
ção do olhar” (WINKIN, 1998) que a etnografia nos desafia a colocar em
prática no âmbito da pesquisa exige que transformações consideráveis
sejam realizadas simultaneamente na forma de definição do objeto e nos
procedimentos adotados para se ter acesso ao mesmo. Isso implica, entre
outras coisas, colocar em prática pressupostos epistemológicos, teóricos
e metodológicos que tenham na “reflexividade” (BEAUD; WEBER, 1998)
um dos princípios norteadores de todo o processo de investigação.
Para dar conta disso, retomo a discussão sobre a originalidade e a rele-
vância dos estudos antropológicos sobre a política, ao mesmo tempo em
que saliento alguns procedimentos que têm me guiado no desafio de in-
corporação da prática etnográfica na investigação de atores políticos, gru-
pos dirigentes e organizações políticas. Assim, faço, primeiramente, uma
retomada e uma discussão das contribuições que a Antropologia trouxe
para o universo da pesquisa dos fenômenos políticos. Num segundo mo-
mento, detenho-me nos princípios norteadores da prática etnográfica
para a investigação da vida política. Para isso, destaco um conjunto de
pesquisas em que a reflexividade, aliada a uma renovação dos procedi-
mentos de investigação, possibilitou trazer à tona objetos e dados novos
sobre a vida política, em geral, e sobre os grupos dirigentes, em particular.

189
Como estudar elites

1. Antropologia, poder e política moderna


Ethnography often expands – indeed, it often explodes – how we
understand the boundaries of the political. SCHATZ, 2009, p. 10.

Os estudos sobre o poder e a política não são recentes no âmbito da An-


tropologia. Pelo contrário, as tentativas de exploração da diversidade de
formas políticas têm como um dos pontos de partida principais os tra-
balhos pioneiros de Henry Maine e Lewis Morgan através das célebres
distinções entre família e indivíduo, parentesco e Estado, e outras dico-
tomias correlatas (ABÉLÈS; JEUDY, 1997; ERIKSEN; NIELSEN, 2007).Tais
iniciativas se desdobraram e se multiplicaram nos anos de 1930-1940
com o aparecimento do que mais tarde foi denominado de “Antropologia
Política” (KUPER, 1978; HEUSCH, 2006). Desse modo, pode-se dizer que
a reflexão sobre a diversidade de formas políticas esteve desde o início
no centro dos interesses dos antropólogos. É, talvez, nesse sentido que
se pode entender a afirmação de Donegani (2006) quando salienta que
a Antropologia e a Ciência Política surgiram com desafios comuns, mas
progressivamente desenvolveram conceitos, teorias, métodos, escolas e
instituições vinculadas a identidades diferenciadas.
Sem dúvida, os anos de 1930-1940 constituem um novo marco na emer-
gência de um conjunto heterogêneo de investigações antropológicas que
tinham como traço comum uma forte articulação entre o trabalho de cam-
po e a formulação teórica, com base em estudos empíricos sobre o poder
e a política nas chamadas “sociedades primitivas”, até então caracteriza-
das como sociedades que careciam, entre outras coisas, de um Estado no
sentido moderno do termo (ABÉLÈS; JEUDY, 1997, p. 6-7). Nesse período,
os questionamentos levantados pelas investigações antropológicas foram
muito além de uma simples modificação em relação aos procedimentos e
às técnicas de pesquisa dos fenômenos políticos ou ao comportamento do
pesquisador em campo frente a um objeto cujas definições lhes escapa-
vam. Desenvolvendo-se a partir de terrenos de análise bastante diferen-
ciados dos que até então orientavam o trabalho dos sociólogos e cientis-
tas políticos (TILLY, 1984), tais investigações expandiram os limites e as
fronteiras disciplinares, metodológicas e teóricas na compreensão da po-
lítica como objeto de estudo, tornando-se uma área que colocou em jogo
a própria “construção canônica dos fenômenos políticos” (BALANDIER,
2006, p. 20). Isso porque, durante muito tempo, os paradigmas da Ciência
Política foram dominados pelo evolucionismo e pela noção de desenvol-

190
Antropologia, política e etnografia

vimento político, os quais tinham como base a dicotomia entre “socieda-


des primitivas” e “modernas” e a concepção da mudança e do desenvolvi-
mento social e político como passagem do “natural”, “simples”, “arcaico”
para o “racional”, “complexo”, “desenvolvido” etc., (BOTTOMORE; NIS-
BET,1980). Um exemplo da permanência e longevidade de tais postulados
são as formulações de Parsons e Easton que, centradas na noção de siste-
ma, concebem a “passagem da não diferenciação das sociedades tradicio-
nais para o advento do Estado como resultado necessário de requisitos do
tipo sistêmico” (DONEGANI, 2006, p. 6).
No âmbito da antropologia, as investigações sobre a política foram,
inicialmente, dominadas pelas abordagens estrutural-funcionalistas que
enfatizavam a coerência e a integração dos sistemas sociais (KUPER, 1978;
ABÉLÈS; JEUDY, 1997). Em reação a tais abordagens e frente à observação
das tensões e mudanças impostas pela colonização ocidental, os anos de
1950-1960 se caracterizaram pelo surgimento de vertentes voltadas para
o exame das modificações impostas pela história às “sociedades tradicio-
nais” (KUPER, 1978; ABÉLÈS; JEUDY, 1997; DONEGANI, 2006). Nesse sen-
tido, as análises da distribuição de poder entre os grupos, a construção
de tipologias (que vão dos sistemas governamentais minimalistas aos for-
temente centralizados e diferenciados) e, ainda, a reintrodução da histó-
ria, foram importantes para essa mudança de orientação da Antropologia
(KUPER, 1978). Elas possibilitaram o afrontamento de certos pressupostos
corriqueiros da Ciência Política, principalmente os que dizem respeito à
aceitação das formas coercitivas do Estado moderno como inerentes ao
exercício do poder (CLASTRES, 1990; DONEGANI, 2006).
Nesse sentido, os estudos antropológicos do poder e da política con-
duziram à interrogação sobre a “relatividade das formas estatais” até en-
tão concebidas como inerentes ao exercício do poder, bem como sobre
as “condições de aparição e de desenvolvimento de circuitos especializa-
dos” de poder que caracterizam tanto as “sociedades ocidentais” quan-
to as “tradicionais” e que podem se exprimir das formas mais variadas
(parentela, religião, Estado etc.) (DONEGANI, 2006, p. 10-11). Ou seja, tais
pesquisas demonstraram que a política constitui “um aspecto de toda
a vida social, mas sem nenhuma identidade específica”, uma vez que o
poder se exprime em circuitos diversificados como parentesco, religião,
economia, entre outros. Assim, já que as funções políticas podem ser re-
alizadas por meio de espaços, organizações e relações que não são neces-
sariamente “qualificadas de política”, a política pode ser compreendida

191
Como estudar elites

como uma “qualificação flutuante” de certas relações sociais, impossibi-


litando determinar sua essência (DONEGANI, 2006, p. 10-11).
Um dos aspectos centrais nessas investigações é o reconhecimento do
poder e da função política como independentes da referência à existência
de um Estado já constituído, bem como o assentimento de que a “forma
estatal“ e sua existência na “modernidade” não são suficientes para de-
terminar sua finalidade e existência, nem tampouco a “única realização
da ‘verdadeira’ política” (ABÉLÈS, 1990; BALANDIER, 2006, p. 19). Quan-
to a isso, a situação colonial deixou evidente o desequilíbrio nas relações
de dominação entre sociedades ocidentais e africanas, explicitando, as-
sim, o quanto o Estado moderno não pode continuar sendo visto como
uma simples atualização de uma história linear herdada de um tempo
interrompido, nem tampouco como uma criação independente e livre de
“adaptação às situações particulares” (BALANDIER, 2006, p. 20).
Todavia, até então, os avanços proporcionados pelos estudos antropo-
lógicos da política ainda estavam limitados ao exotismo, à descrição das
“outras” sociedades e ao exame das situações de dependência colonial. É
somente aos poucos que a Antropologia desenvolve reflexões mais gerais
sobre a natureza e os fundamentos do poder e da política “para além da
multiplicidade de suas manifestações” e se torna uma das vias privile-
giadas de leitura política da modernidade (DONEGANI, 2006; ABÉLÈS;
JEUDY, 1997; BALANDIER, 2006). Isso porque as mudanças operadas
pela Antropologia Política em relação ao que era seu terreno original – os
domínios exteriores e exóticos – terão um impacto relevante também na
renovação do olhar sobre o próprio mundo ocidental ao salientar as parti-
cularidades de suas formas de realização do poder e da política, em vez da
aceitação tácita de sua generalidade e universalidade.
Isso se mostra de maneira especial na crítica às dicotomias entre “oci-
dental” ou “moderno” e “não ocidental” que traduzem, entre outras coisas,
uma grande divisão e hierarquização entre os fenômenos sociais e políti-
cos segundo sua proximidade em relação ao que aconteceu no chamado
“Ocidente”. Para isso contribuiu, decisivamente, a crítica dos pressupostos
subjacentes ao conceito de poder e de poder político e o questionamento
da própria universalidade de tais formulações, demonstrando como muitas
das investigações e resultados obtidos pelas pesquisas sobre tais fenôme-
nos têm sido feitas com base em categorias que mais funcionam como “ide-
ologias” do mundo ocidental, do que como conceitos universalmente apli-
cáveis a todas as sociedades (CLASTRES, 1990; LATOUR, 1994; GO, 2013).

192
Antropologia, política e etnografia

Como exemplo dessa crítica, Clastres (1990, p. 13) observou que as


análises das sociedades primitivas tomaram como “dadas” definições
de poder “em termos de relações hierarquizadas e autoritárias de co-
mando-obediência” e de poder político como “coerção”, que são par-
ticulares e próprias do Ocidente. Nesses termos, as sociedades que não
se encaixam em tais definições são classificadas como “sociedades sem
Estado”, “sociedades sem poder”, “sociedades sem política”. Trata-se,
com isso, de uma postura etnocêntrica que consiste em compreender
as diferenças “a partir do que é mais familiar” (CLASTRES, 1990, p. 14).
Diante disso, ele argumenta que tais definições e sua pretensão de uni-
versalidade, do mesmo modo que a noção de economia de subsistência,
expressa muito mais um julgamento de valor fundado numa aceitação
não reflexiva da cultura e ideologia própria da modernidade Ocidental,
do que um princípio analítico e universal que possibilite a descrição do
poder e da política de todas as sociedades.
Com base em tais noções, as classificações que pretendem dar conta
da variabilidade e diferença entre os sistemas políticos, acabam fazendo
um recenseamento “das sociedades segundo a maior ou menor proximi-
dade que seu tipo de poder mantém com o nosso [ocidental]”, fundado
no pressuposto de que há “uma continuidade entre todas essas diver-
sas formas de poder” e “de que a História tem um sentido único”, de
modo que os primitivos são “o que não somos mais” (CLASTRES, 1990,
p. 14-15). Nesse sentido, os procedimentos comumente utilizados para
caracterizar as diversas formas de organização política seguem classifi-
cações e tipologias que tomam como base e medida a chamada política
ocidental e as categorias que lhe são próprias e particulares, como co-
mando-obediência, coerção e Estado (CLASTRES, 1990; DUMONT, 1985;
LATOUR, 1994; GOODY, 2008). Por isso, grande parte das tipologias aca-
ba incorrendo em classificações valorativas que estipulam quantitativa-
mente o + e o – do poder e da política, de modo que aquelas situações
que se distanciam empiricamente desse modelo dominante são carac-
terizadas por categorias como “ausência”, “falta”, “carência” etc. Daí,
o uso de metáforas biológicas como “embrionário”, “nascente”, “pouco
desenvolvido”, bem como de designações derivadas dessas, como “pou-
co institucionalizado”, “periférico” etc.
Contrariamente ao que tem sido recorrente nessas classificações e tipo-
logias, o que a estrutura mental e a história de cada sociedade nos revelam
é uma profunda descontinuidade quanto às concepções e às práticas do

193
Como estudar elites

poder (CLASTRES, 1990). Por isso, em vez de nos limitarmos a fazer uma
tipologia dicotômica ou dualista com base numa concepção particular do
poder, o desafio levantado pelos estudos antropológicos da política con-
siste justamente em apreender as concepções próprias ou o pensamen-
to nativo em relação ao fenômeno do poder e da política e os principais
modos sob os quais tais fenômenos se realizam nas diferentes sociedades
com base na investigação das condições sociais, políticas e culturais con-
cretamente relacionadas à configuração de tais fenômenos.
Dando continuidade a esse tipo de crítica e aos problemas e desafios
que ela levantou, os questionamentos posteriores sugeriram tratar de
outra forma a chamada “política moderna” ou “ocidental”. Ou seja, foi o
questionamento da própria clivagem e divisão das sociedades entre “mo-
dernas” e “não modernas” que esteve no centro das discussões e que se
tornou uma das principais fontes para a renovação da agenda de pesqui-
sa sobre os fenômenos políticos. Nesse sentido, Latour (1994) salienta o
quanto tal divisão está diretamente associada à separação entre “Nós” e
“Eles”, ao mesmo tempo em que estabelece uma assimetria entre as so-
ciedades. Em conformidade com isso, o “Nós” moderno, social, político
ou cultural, geralmente é apresentado como algo coerente, distinto e que
tem uma verdade em si e que deve servir de modelo para o conhecimento
e avaliação dos outros povos (“Eles”).

Através do adjetivo moderno, assinalamos um novo regime,


uma aceleração, uma ruptura, uma revolução do tempo. Quan-
do as palavras ‘moderno’, ‘modernização’ e ‘modernidade’
aparecem, definimos, por contraste, um passado arcaico e está-
vel. Além disso, a palavra encontra-se sempre colocada em meio
a uma polêmica, a uma briga onde há ganhadores e perdedo-
res, os Antigos e os Modernos. ‘Moderno’, portanto, é duas ve-
zes assimétrico: assinala uma ruptura na passagem regular do
tempo; assinala um combate no qual há vencedores e vencidos
(LATOUR, 1994, p. 15).

Sem dúvida é essa assimetria que está na base dos impasses recorrentes
nas caracterizações dos diferentes sistemas políticos com base na ideologia
de “modernidade”. Por isso, segundo ele, deve-se evitar cair na “ontologia”
que os “modernos” têm de si mesmos e que acaba limitando nossas pes-
quisas à busca dos “fatos” que comprovem a existência da modernidade

194
Antropologia, política e etnografia

política e seu grau de desenvolvimento nos diversos países do mundo con-


temporâneo (LATOUR, 1994, p. 15). Contrariamente a isso, nosso desafio
consiste em abrir a “caixa preta” da fabricação da “política moderna”, re-
compondo de forma sincrônica todas as mediações entrelaçadas à sua im-
posição (LATOUR, 1994, p. 20-21). Tal tarefa difere da utilização corriqueira
de caracterizações da política com base em tipologias como “Estado versus
sociedades sem Estado”, “dominação institucional versus dominação pes-
soal” etc., que partem do pressuposto da universalidade do modelo Oci-
dental. Ela difere também de um tipo de reflexão sobre a história de uma
série de estruturas, sistemas, instituições e práticas políticas nas mais dife-
rentes sociedades, centradas na ideia de exclusividade e exemplaridade eu-
ropeias. Antes disso, trata-se de inserir a história das instituições políticas
modernas e ocidentais em suas relações de proximidade, de concorrência e
de dominação com a história das demais sociedades.
Tal é a perspectiva de Goody (2008, p. 14-15) quando salienta a necessi-
dade de introduzir uma “perspectiva comparativa mais ampla” que pos-
sibilite um conhecimento mais completo e preciso tanto dos outros povos
quanto da própria origem europeia, em vez de permanecer num contraste
grosseiro entre Ocidente e Oriente através de noções de “despotismo asiá-
tico”, “excepcionalidade asiática”, “terceiro mundo” etc. Para ele, um dos
exemplos marcantes disso são as discussões e análises de valores como
“humanismo”, “democracia” e “individualismo”, na medida em que fica
patente o quanto estamos diante de ideologias e crenças utilizadas em
contextos e a partir de relações sociais específicas e não de princípios
analíticos utilizáveis para descrições das sociedades e de seus regimes
políticos (GOODY, 2008, p. 273-301). De maneira geral, seu argumento
enfatiza o quanto se trata de valores disseminados de modo bem mais
amplo, não devendo ser tratados como exclusivamente ocidentais. Eles
devem ser considerados de forma contextual e contingente, em relação
a instituições e situações específicas e a períodos determinados, em vez
de tomá-los como característica, essência ou substância absoluta de de-
terminados países e falta ou ausência dos demais. Para isso, é importante
considerar as dinâmicas e relações internacionais como contexto impor-
tante de imposição e luta em torno de tais valores.
No que diz respeito ao humanismo e à secularização, tem-se tomado
como dado que o Ocidente tem sido o lugar do “secularismo”, do “racio-
nalismo” e, conseqüentemente, do “confinamento da religião à sua pró-
pria esfera”, ao contrário do que ocorre no resto do mundo (GOODY, 2008,

195
Como estudar elites

p. 275). No entanto, observa-se que o secularismo chinês aparece como


algo anterior ao europeu, do mesmo modo que se visualiza a importância
social e política da filiação religiosa em muitas sociedades contemporâne-
as e também no Ocidente. Desse modo, o Ocidente reivindica uma série
de valores centrados no humanismo que são tomados como sinônimos de
ocidentalização, quando, na verdade, tais princípios são frequentemen-
te retóricos e tem uma historicidade na medida em que são aplicados a
certos grupos e mudam no decorrer da história. Pode-se destacar como
exemplos disso a noção de domínio colonial que esteve associada a uma
missão “humanizadora” e educativa, com frequência nas mãos de insti-
tuições religiosas; ou o movimento mundial de independência posterior
à II Guerra, que teve como base slogans carregados de valores dos coloni-
zadores e contou com o apoio dos poderes ocidentais e das Nações Unidas
que impuseram regimes islâmicos para conter o comunismo, vistos como
corruptos e contrários a todos os valores democráticos; por fim, o mesmo
se aplica às quebras de compromissos humanistas que fundam a Conven-
ção de Genebra (GOODY, 2008, p. 276-280).
Nos últimos anos, a crítica denominada de pós-colonialista teve um pa-
pel importante na renovação do questionamento da clivagem entre socie-
dades “ocidentais” e “não ocidentais”, assim como na importância atribu-
ída às dinâmicas e relações internacionais na constituição de valores, de
instituições e de práticas políticas. Isso porque, semelhante às críticas ao
etnocentrismo europeu, tais trabalhos colocaram as relações entre ociden-
tais e não ocidentais no centro do debate, mostrando como os ocidentais
e a modernidade foi moldada na e por suas relações com os colonizados e
os povos não europeus (GO, 2013). Nesse sentido, eles chamam a atenção
para a necessidade de superar o que chamam de “a artificial bifurcação das
relações sociais” que tem como fundamento principal a repartição ou divi-
são das sociedades em ocidentais e não ocidentais. Tal superação implica a
ruptura com vários postulados comumente aceitos, tais como cortar a his-
tória da Europa das relações efetivamente estabelecidas com suas colônias,
as noções de originalidade europeia etc. Dessa forma, os estudos pós-co-
loniais constituem um conjunto de pensamentos, escritos e trabalhos que
criticam e pretendem ultrapassar “as estruturas de apoio do colonialismo
ocidental e seus legados”, ao mesmo tempo em que procuram incorporar
teorias relacionais que dê conta da “modernidade” com base em investi-
gações fundadas no exame da “interacional constituição das unidades so-
ciais, processos e práticas através do espaço” (GO, 2013, p. 28).

196
Antropologia, política e etnografia

2. Alteridade, nacionalidade e antropologia da política


Chamo a atenção para o fato de que, no contexto brasileiro, as
exigências relativas à alteridade adquiriram desde cedo con-
tornos específicos. PEIRANO, 1999, p. 226.

Ainda que através de percursos relativamente diferenciados, também no


caso da Antropologia brasileira, o interesse pela política não constitui uma
novidade, uma vez que na própria formação da disciplina questões relativas
à política sempre estiveram presentes (PÉCAUT, 1990; MICELI, 1989; 1995;
PEIRANO, 1999). Isso se deve, em parte, ao fato de que, diferentemente do
observado em outros países nos quais a Antropologia é pensada como estu-
do dos outros nacionais, “no Brasil a alteridade é localizada nos marcos da
própria fronteira nacional” (COMERFORD; BEZERRA, 2013, p. 446). Nesse
sentido, os estudos etnológicos desde os primórdios foram orientados pelo
desafio de tratar as relações, seja de aculturação ou de conflito, dos grupos
indígenas com a sociedade brasileira como uma maneira de estudar a so-
ciedade e a identidade nacional (CORRÊA, 1995; CASTRO, 1999; PEIRANO,
1999). Algo semelhante ocorreu também nas análises das relações raciais,
nas quais a preocupação com a temática nacional estava no centro dos inte-
resses, uma vez que os “outros” (negros, brancos, índios, grupos minoritá-
rios e imigrantes etc.) estavam “dentro de nós” (a sociedade nacional) e as
análises desses grupos estava estreitamente vinculada à reflexão sobre as
origens da nacionalidade e os destinos da nação (SCHWARCZ, 1999).
No entanto, apesar da dimensão política constituir um “aspecto familiar”
desde o início da antropologia brasileira (PEIRANO, 1999), é somente nos
anos 1990 que os fenômenos políticos ganham o estatuto de objeto de inves-
tigação antropológica. Em consonância com o desenvolvimento e as críticas
levantadas pela Antropologia da política no âmbito internacional, trata-se de
recusar as definições substantivas da política, como: o que é a política? Onde
ela está? Quais suas fronteiras? (COMERFORD; BEZERRA, 2013). Em vez dis-
so, levou-se em conta a sobreposição ou imbricação de atividades sociais
(política, religião, família, amizades etc.) ao abordar a política a partir das
diversas articulações de atividades (ABÉLÈS, 1990; ABÉLÈS; JEUDY, 1997;
SAWICKI, 1997), eventos e práticas sociais que ela propicia, assim como de
suas formas de manifestação e dos agentes que mobiliza.

Acompanhar as pessoas em atividades nas quais se envolvem,


ou delas se afastam, quando dizem estar a fazer política não

197
Como estudar elites

deixa de ter conseqüências para a própria concepção e recor-


te da política. Quando consideradas a partir do ponto de vista
dos agentes sociais, observa-se que as concepções de política em
jogo nos seus julgamentos e ações não se assemelham necessa-
riamente, no contexto dos Estados nacionais, à sua formulação
estatal. Daí a importância atribuída [...] à análise de eventos,
práticas, agentes e avaliações percebidas e classificadas como
políticas. Trata-se de um esforço coletivo que se afasta de abor-
dagens quantitativistas da política, perspectiva privilegiada
por certas análises no âmbito da Ciência Política e da Sociologia
(SAWICKI, 1997, p. 465-466).

Distinta da “Antropologia Política” que constituiu durante certo tem-


po uma subespecialidade “definida por um domínio previamente recor-
tado pelo analista” (a “cultura política”), o objetivo é “lançar um olhar
antropológico (que não é privilégio de antropólogos) sobre instituições,
relações e atividades pensadas socialmente como políticas” (SAWICKI,
1997, p. 467). Com base na etnografia e na comparação, tal abordagem
possibilita romper com as descrições etnocêntricas (de classe, etnia, na-
ção etc.) ao se colocar como objetivo a apreensão das “complexas ma-
neiras pela quais uma determinada sociedade estabelece recortes de
domínios, classificações e descontinuidades significativas, bem como
descrever e analisar o que em cada contexto é delimitado como perti-
nente à política” (SAWICKI, 1997, p. 467).
Como podemos ver, ainda que rapidamente, em vez de se reduzir a uma
simples técnica “qualitativa” de pesquisa, os desafios colocados pelos es-
tudos antropológicos para realização de investigações etnográficas sobre
a política nos colocam diante de interrogações bastante profundas e am-
plamente difundidas nas ciências sociais a respeito da própria definição
da política como objeto de estudo: dos limites e contornos do poder e da
política, de suas fronteiras e peculiaridades. De diferentes maneiras, tais
abordagens e redefinições evidenciam a necessidade de se levar a sério
e restituir o ponto de vista nativo sobre a política, ao mesmo tempo em
que reafirmam a importância de certo realismo na definição da política
enquanto objeto de estudo (FILLIEULE; FAVRE; JOBARD, 2007).

3. Etnografia, orientação reflexiva e estudo da política


Enquanto nas concepções corriqueiras de etnografia ela tem sido aceita

198
Antropologia, política e etnografia

por cientistas políticos e sociólogos como uma espécie de convite para a


adoção de “procedimentos qualitativos de pesquisa”, o mesmo não ocor-
re quando se trata de encará-la como uma exigência de reflexividade so-
bre as concepções, as formas de definição e os procedimentos adotados
para se ter acesso ao próprio objeto (SCHATZ, 2009). Ainda parece distan-
te na prática de investigação dos fenômenos políticos a adoção de uma
sensibilidade que esteja voltada para a apreensão dos significados que as
pessoas estudadas atribuem à sua realidade social e política, assim como
a tarefa de tomar como objeto de análise a própria existência dos agrega-
dos (LATOUR, 1994) como partidos, elites, militância política etc.
Como já se disse isso se deve, em parte, a certa sedução e hegemonia da
linguagem estatística e quantitativa no âmbito da Ciência Política e a mar-
ginalização das investigações não estatísticas como pré-científicas e infe-
riores (SCHATZ, 2009). Do mesmo modo, a defesa da abordagem “quali-
tativa” como contraponto obscurece o desafio que é próprio do trabalho
etnográfico, na medida em que simplesmente reúne numa mesma família
técnicas que são úteis de maneiras muito diferentes. Por isso, muito mais
do que uma simples técnica da família “qualitativa”, a etnografia tem um
valor inestimável na medida em que remete tanto a questões teóricas e
epistemológicas quanto às dimensões empíricas e até mesmo normativas.
Isso porque ela possibilita a revelação de “dados novos”: (i) evidências
detalhadas que trazem robustez para as generalizações ou significados
associados a outras tradições teóricas; (ii) investigações teoricamente es-
timulantes e empiricamente sólidas que possibilitem a expansão de como
compreendemos os próprios limites ou fronteiras da “política”, ao invés
das análises “triviais” que se contentem em perguntar sempre as mesmas
questões, seguindo os mesmos paradigmas e utilizando os mesmos pro-
cedimentos de pesquisa; (iii) inovações epistemológicas que permitem
a ruptura com amplas categorias e subtipos utilizados, dando conta de
complexas configurações de fatores, teorias e processos constitutivos que
capturam seu dinamismo (SCHATZ, 2009, p 10-12). Sendo assim, ela en-
volve o conjunto da prática científica na medida em que implica tomar
como objeto de análise as próprias concepções de ciência, de sociedade e
de política utilizadas pelo investigador.
Para isso, a própria definição de etnografia é algo que precisa ser mais
bem explicitada, uma vez que existe muito dissenso sobre o que a cons-
titui e/ou deve constituí-la. Sem dúvida a imersão no terreno de análise
através da observação participante tem sido considerada uma das carac-

199
Como estudar elites

terísticas definidoras da etnografia, tornando-se ultimamente até mesmo


sinônimo de etnografia. Todavia, é preciso acrescentar um aspecto que
tem sido muito pouco utilizado pelas utilizações corriqueiras da etnogra-
fia: trata-se mais propriamente de uma “sensibilidade que vai muito além
do contato face-a-face” (SCHATZ, 2009, p. 5):

É uma abordagem que se preocupa – com o envolvimento emo-


cional possível que isso implica –em recolher os significados que
as pessoas sob estudo atribuem à sua realidade social e política.
[...] Um estudo etnográfico – ceteris paribus – é provável que
conceda prioridade descritiva e/ou explicativa para as manei-
ras pelas quais ‘os nativos’ em geral entendem a sua existência
(SCHATZ, 2009, p. 5, p. 7).

Tal definição implica, primeiramente, ir além de uma oposição ou cli-


vagem entre “métodos qualitativos” e “quantitativos”. Segundo tal visão
“dicotômica” da metodologia, um “olhar etnográfico” sobre a realidade
do poder e da política requer a utilização de “métodos qualitativos” em
contraponto ao “quantitativismo” normalmente associados à Ciência Po-
lítica. Tal dicotomia obscurece os desafios epistemológicos, teóricos, em-
píricos e mesmo normativos que tal empreendimento implica. Até mesmo
porque a análise tanto dos dados “qualitativos” quanto dos “quantitati-
vos” requer uma atenção mais profunda ao “contexto social e investigati-
vo”, às condições de produção e às concepções e significados associados
ao conjunto material levantado e utilizado como “dados” para a investiga-
ção (SCHATZ, 2009, p. 2-5). Em segundo lugar, ela requer também a rup-
tura com a redução da etnografia à “observação direta” ou “participante”.
Isso porque se a imersão no terreno de análise constitui, sem dúvida, um
dos pontos de partida essenciais, é somente na medida em que esteja as-
sociada com a colocação em prática de uma “sensibilidade que está volta-
da para a apreensão dos significados que as pessoas estudadas atribuem
à sua realidade social e política” (SCHATZ, 2009, p. 5). Tal definição nos
permite, por um lado, distinguir a imersão etnográfica do “trabalho de
campo”, uma vez que isso implicaria que ele fosse feito a partir de uma
“geral sensibilidade etnográfica” ao ponto de vista nativo e, como sabe-
mos, nem sempre é o que ocorre. Por outro lado, evita também a redução
da etnografia à “observação participante”, uma vez que enquanto um tipo
de sensibilidade e imersão nas concepções, instituições e práticas nativas,

200
Antropologia, política e etnografia

ela pode ser feita com base em várias técnicas e não apenas na observação
direta. Nesse sentido, a etnografia tem fundamentado um conjunto de es-
tudos que utilizam dados produzidos a partir de documentos, arquivos,
entrevistas, questionários, estatísticas etc., e não apenas aqueles que fa-
zem da observação direta ou participante uma forma exclusiva de acesso
ao objeto (SCHATZ, 2009, p. 5-6; CEFAÏ, 2010).
Tais orientações conduzem à ruptura com as perspectivas fundadas em
clivagens disciplinares e institucionais que reduzem a etnografia a uma
“técnica de pesquisa” própria da Antropologia. Isso porque ela nos reme-
te mais para uma determinada maneira de construir o objeto, que não é
exclusiva de nenhuma disciplina em particular, do que para a sua defesa
como abordagem exclusiva de determinada disciplina na análise de qual-
quer tema ou objeto. Daí a necessidade de enfatizar as concepções e pres-
supostos associados ao uso da “etnografia”, bem como a ruptura com sua
redução a trabalho de campo e observação participante. Isso porque em
seus usos mais corriqueiros o termo “etnografia” ainda parece-nos reen-
viar à antiga divisão disciplinar e institucional, uma vez que ele tem sido
muito particularmente associado à Antropologia. Por isso, a persistência
do que Auyero (2006) designa como relação de dupla ausência entre etno-
grafia e política está vinculada, em grande parte, ao fato das investigações
sobre o poder e a política terem sido, durante muito tempo, realizadas
com base em recortes teóricos e procedimentos metodológicos marcada-
mente disciplinares e institucionais.

Por falta de opções, nos autodenominamos sociólogos, historia-


dores, economistas, cientistas políticos, filósofos, antropólogos.
[...] Qualquer que seja a etiqueta, a questão é sempre a de reatar
o nó górdio atravessando, tantas vezes quantas forem necessá-
rias, o corte que separa os conhecimentos exatos e o exercício
do poder, digamos a natureza e a cultura. Nós mesmos somos
híbridos, instalados precariamente no interior das instituições
científicas, meio engenheiros, meio filósofos, um terço instruído
sem que o desejássemos; optamos por descrever as tramas onde
quer que estas nos levem (LATOUR, 1994, p. 9).

Nesse espírito, pode-se falar da etnografia política como uma área de


estudos que emergiu de pesquisas realizadas a partir de várias filiações
disciplinares, deixando de ser diretamente associada à Antropologia e se

201
Como estudar elites

definindo como uma discussão das concepções e pressupostos associa-


dos a tal forma ou método de trabalho no estudo dos fenômenos políti-
cos. Ela difere de simplesmente “fazer trabalho de campo” e da própria
“observação participante” como técnica de pesquisa, na medida em que
se trata mais propriamente de um método baseado na proximidade e na
observação da temporalidade própria dos atores envolvidos em processos
políticos. Diferentemente da abordagem puramente “metodológica”, as
discussões sobre a reflexividade e a implicação do pesquisador na realiza-
ção da pesquisa constitui um bom ponto de partida para a ruptura com a
dicotomia “qualitativa” versus “quantitativo”, na medida em que implica
toda a prática de pesquisa.
Quanto a isso, observa-se que a década de 1980 constitui um marco no
aparecimento de novas formas de contestação do trabalho e da prática
etnográficas. Ainda que relativamente diferenciadas entre si, tais críticas
tiveram como fundamento comum a emergência de uma “antropologia
engajada” e que foi também denominada de “antropologia pós-moderna”
(KUPER, 2002, p. 262-265).

Apesar das diferenças de ênfase, todos esses autores [os antro-


pólogos pós-modernos] retornam a uns poucos temas centrais.
No cerne de seus argumentos existem três proposições perfeita-
mente compatíveis entre si, e todas são vulneráveis à crítica em
seus próprios termos. A primeira proposição é que houve uma
mudança histórica em todo o mundo nos termos do comércio
cultural. A segunda é que não é mais possível (se é que alguma
vez o foi) construir relatos objetivos de outros modos de vida. A
terceira é que há uma obrigação moral de louvar as diferenças
culturais e defender aqueles que estão resistindo à ocidentaliza-
ção (KUPER, 2002, p. 279).

Em consonância com essas críticas vimos emergir uma série de tra-


balhos voltados para discussões gerais sobre o sentido da etnografia e
da autoridade do antropólogo na realização do trabalho de campo, bem
como questionamentos a respeito do papel de pesquisador e do lugar dos
“nativos” em nossas pesquisas. Tais críticas deram margem ao surgimen-
to de relatos de pesquisa que tratavam mais do “estado de espírito” do
pesquisador e dos “dramas” por eles enfrentados no trabalho de campo,
do que sobre o que os “dados” coletados “diziam” a respeito da realida-

202
Antropologia, política e etnografia

de investigada. Em muitos casos, tais descrições partiam do pressuposto


segundo o qual a qualidade dos dados e do próprio trabalho de pesquisa
depende necessariamente dos sacrifícios e dificuldades enfrentadas pelo
pesquisador no campo.
Independente dos excessos produzidos por tais formulações, bem
como pelas críticas que lhes sucederam um dos aspectos que emergiu
com mais força a partir do debate que elas suscitaram diz respeito à im-
portância do princípio da “reflexividade” no trabalho de campo (WINKIN,
1998). Segundo tal princípio, um dos desafios que perpassa todo o pro-
cesso de definição e realização do trabalho de investigação consiste na
constante vigilância em relação às condições sociais, políticas e culturais
através das quais os dados etnográficos são produzidos (BEAUD; WEBER,
1998). Isso envolve desde uma “dúvida radical” a respeito de uma série
de pressupostos vinculados à própria existência do pesquisador como um
“ser social” (BOURDIEU, 1998), até a vigilância constante na operacionali-
zação de um conjunto de procedimentos próprios à definição, realização
e conclusão do trabalho de campo (BEAUD; WEBER, 1998).
Nesse sentido, falar em “reflexividade” remete necessariamente à
ideia, geralmente deixada de lado, de “auto-reflexividade”: o controle
das pré-noções comuns e eruditas que nos conduzem ao objeto e que,
muitas vezes, “falam por nós” durante a pesquisa; a constante autoaná-
lise, tanto do seu próprio “interesse” de pesquisa quanto do conjunto de
interações desenvolvidas no decorrer da investigação (teorias, proble-
mas, procedimentos utilizados etc.); a constante indagação a respeito
dos efeitos sociais que certas escolhas e posições assumidas durante o
processo de investigação têm em relação à pertinência e qualidade das
informações obtidas.
Dessa forma, as dificuldades, os constrangimentos e as emoções decor-
rentes do processo de inserção do pesquisador no terreno de análise, do
levantamento das informações sobre o que pretende investigar e das for-
mas de disponibilidade e de acesso aos documentos, registros e práticas
existentes são “portadoras de uma informação positiva sobre as situações
que as produzem”, podendo “se converter em fontes de informação capaz
de enriquecer nossa análise das formas da respectiva construção social”
e ser consideradas como uma “realidade social a ser analisada como tal”
(MERLLIÉ, 1996, p. 156-157). Em que medida nós estamos tão impregna-
dos de “pré-definições” comuns ou mesmo científicas sobre nosso objeto
que não o deixamos falar e mostrar-se como ele é e a partir de lugares que

203
Como estudar elites

nem sempre correspondem aos locais onde costumamos procurá-los? Por


que certas informações, documentos, práticas não estão ali onde deve-
riam sempre estar? Quais as perguntas, dúvidas, tensões, conflitos etc.,
que surgiram no próprio processo de levantamento dos dados pertinen-
tes (fichas, documentos, entrevistas etc.)? Em que medida essas questões
que vêm à tona durante o processo de pesquisa já nos diz algo sobre o
modo de configuração da própria realidade social a ser investigada? De
que forma o controle dessas “pulsões” (sociais e intelectuais) nos conduz
a uma apreensão mais condizente com a multidimensionalidade e com os
diversos modos de configuração do objeto e de suas relações com diferen-
tes formas de invenção política?
Não se trata, portanto, de tomar as dificuldades de aplicação de deter-
minadas técnicas de investigação, de acesso a certos terrenos de inves-
tigação e, até mesmo, de definição da própria “posição de pesquisador”
no universo investigado, como pretexto para discussões genéricas sobre o
sentido da etnografia e da autoridade do etnógrafo. Antes disso, pretendo
apenas demonstrar que levar a sério o processo de acesso ao universo de
pesquisa, os “termos” utilizados pelos nativos, o encadeamento concreto
e a configuração de suas experiências e as respectivas práticas que dão
sentido às suas condutas podem nos fornecer um meio pertinente de de-
finição do objeto e de desenvolvimento da análise: das concepções e prá-
ticas que conduzem ao ingresso em determinados grupos e organizações
políticas, dos significados que determinadas práticas tem para a apreen-
são de certas fronteiras existentes em tal universo. Nesse sentido, mais
do que partir de um objeto delimitado e pré-definido, uma etnografia da
política nos convida a “seguir” e “deixar falar” a própria política enquanto
objeto de investigação.
Distinta das utilizações corriqueiras que a reduzem à recusa das ques-
tões e interrogações teóricas, as quais, sem dúvida, permanecem no cen-
tro de qualquer investigação, a etnografia nos desafia a colocar em práti-
ca um princípio teórico e metodológico que evita as definições “a priori”
do objeto, assim como as “questões teóricas” que não estejam ancoradas
empiricamente. Enquanto orientação investigativa geral aplicada aos fe-
nômenos políticos, uma etnografia política requer, acima de tudo, uma
transformação do olhar sociológico, antropológico ou politólogo na me-
dida em que exige a reflexividade, certo realismo na definição do objeto
“política” e que se leve a sério e restitua o ponto de vista nativo sobre
organizações, atores, eventos, acontecimentos e práticas políticas. Por-

204
Antropologia, política e etnografia

tanto, saliento novamente que não se trata de uma simples técnica de


coleta de dados sobre os fenômenos políticos ou de uma forma de abor-
dagem que “está condenada ao tratamento idiográfico de acontecimen-
tos únicos ou de situações singulares”, uma vez que investiga também
a constituição de ordens, regularidades, racionalidades, legitimidades
etc. (CEFAÏ, 2010, p. 9-10).

4. Deixando falar os fenômenos políticos


É todo um trabalho de educar seu olhar, de neutralizar seus pre-
conceitos, de controlar suas emoções, de reter seu julgamento e,
sobretudo, de perseverar, com a obstinação que lhe dá o desejo
de saber, para explorar sempre mais ‘situações’, assegurar-se
da qualidade dos ‘dados’, controlar as múltiplas interpretações
que lhe dão os atores e produzir um relato que emerge da dinâ-
mica da investigação – que não seja a projeção de um sistema
teórico, de uma doutrina religiosa ou de uma ideologia política
(CEFAÏ, 2010, p. 547).

Um dos primeiros desafios que um olhar reflexivo sobre o objeto de aná-


lise nos coloca, consiste em levar a sério o próprio processo de levanta-
mento e coleta de documentos, registros e informações sobre o que se
pretende investigar. Isso difere de uma prática que se tornou corriqueira
na Sociologia nos últimos anos e que consiste em elaborar uma espécie
de lista das “peculiaridades” no percurso de determinada pesquisa e de
suas relações com diferenças de posição social dos investigadores e in-
vestigados no intuito de minimizar as dificuldades de acesso ao terreno
e de transformá-las em “dados”, como fazem, entre outros Pinçon e Pin-
çon-Charlot (1991) e Chamboredon (1994). Isso porque, em vez de partir
de uma problemática já pronta, o desafio consiste mais propriamente
em seguir e deixar falar o objeto não apenas sobre o que interessa ao pes-
quisador, ou no caso as diferenças de posição social, mas sobre o estatu-
to, as condições e as formas de existência do próprio objeto (FILLIEULE;
FAVRE; JOBARD, 2007).
Em relação a isso, durante minha pesquisa de doutorado sobre os diri-
gentes de organizações ambientalistas do Rio Grande do Sul, entre 1970 e
início dos anos 2000, uma das primeiras inquietações que foram impor-
tantes para a definição do objeto que pretendia abordar foi o próprio aces-
so aos documentos e fontes de informação sobre tal universo de pesquisa

205
Como estudar elites

(OLIVEIRA, 2005, p. 26-77). A prática usual sugeria que se poderia partir


do conjunto de organizações encontradas, após levantamento e consulta
de várias listagens, produzidas por instituições muito variadas e, assim,
examinar as variações desse quadro no decorrer do tempo: o aumento ou
a diminuição do número de organizações como indicador pertinente do
grau de diversificação do ambientalismo em tal situação. Com base nesse
quadro objetivo da quantidade de organizações existente e sua evolução
no tempo, seria plausível aplicar algumas das várias categorizações atu-
almente disponíveis na literatura pertinente como é o caso, entre outras,
das de “setor de movimentos sociais”, “organizações de movimentos so-
ciais”, “espaço dos movimentos sociais”, “capital militante”, “arena dos
movimentos sociais” etc. Mesmo que esse caminho se apresentasse como
o mais indicado e até mesmo o mais cômodo, era preciso interrogar-se se
ele era o mais adequado em função da disponibilidade e das caracterís-
ticas próprias do material encontrado. Pelo contrário, a forma de acesso
do material nos indicava o quanto era importante levar a sério o próprio
processo de levantamento de registros e de informações sobre as organi-
zações e os atores sociais vinculados à defesa de causas ambientais.
Ao me voltar para a análise das formas concretas de existência do mate-
rial sobre o ambientalismo, pude perceber, por um lado, a inexistência de
instituições responsáveis pelo cadastramento e registro das associações
atuantes no Rio Grande do Sul e, por outro, que as agências e organiza-
ções que dispõem de informações sobre as mesmas utilizavam critérios
muito particularizados e circunstanciais. Associado a isso, predominava
uma grande proliferação tanto dos esquemas de classificação da “história
do ambientalismo” quanto dos critérios e dos procedimentos de definição
e de seleção das organizações voltadas para a proteção do meio ambiente.
O exame atencioso das discrepâncias entre as informações das principais
listas de organizações ambientalistas encontradas mostrou que tais infor-
mações e os registros disponíveis sobre as organizações atuantes em tal si-
tuação se encontravam estreitamente relacionados às características das
instituições que as produziam: às diferentes formas de classificação do
ambientalismo que lhe são subjacentes e aos procedimentos particulares
que elas utilizavam para definir o conjunto heterogêneo de organizações
atuantes. Por outro lado, tal análise levantou também algumas pistas im-
portantes para a caracterização do modo de configuração desse conjunto
de organizações. Em linhas gerais, observei que, associada à inexistên-
cia de fronteiras ideológicas e institucionais entre o universo das orga-

206
Antropologia, política e etnografia

nizações atuantes na defesa de causas ambientais e à sua crescente im-


bricação com diversos tipos de reivindicações sociais e populares, havia
um padrão de distribuição e de articulação do conjunto de organizações
composto por um tipo de configuração que mesclava um grau elevado
de atomização e de dispersão do conjunto heterogêneo de organizações
ambientalistas com formas de intervenção altamente concentradas e cen-
tralizadas num número bastante reduzido de associações.
Diante de tal cenário, como estabelecer os recortes temporais que ca-
racterizavam a defesa ambiental em tal situação? Que organizações incluir
e quais descartar e com base em quais procedimentos? Tais questiona-
mentos, que constituem uma espécie de ponto de partida da investigação
das modalidades de engajamento na defesa desses tipos de causas, não
são muito diferentes das indagações que os próprios atores engajados no
ambientalismo levantavam constantemente em seus discursos e inter-
venções durante reuniões de associações, conselhos, comitês, encontros
de organizações etc. Isso porque a “história” das lutas ambientalistas, do
momento e das causas do seu nascimento e das mudanças que lhe ocorre-
ram era algo que estava em jogo a todo o momento nos eventos, nas inter-
venções e nos discursos dos que atuam na defesa de causas ambientais.
Em torno dessa preocupação se manifestava o que os próprios militantes
designavam como uma “crise de identidade” do ambientalismo, na me-
dida em que não se conseguia nunca definir quais eram suas “origens”
e “raízes”, nem “quem ele é”. Do mesmo modo, quando se relacionava
tais informações ao modo de difusão e de expansão das organizações am-
bientalistas em tal situação, era possível observar que sua forma de distri-
buição temporal e geográfica não tinha resultado numa maior articulação
entre as mesmas nem no estabelecimento de instâncias de hierarquização
e de representação da defesa ambiental.
Tal análise evidenciou que a defesa do meio ambiente era objeto da
intervenção de organizações sociais que atuavam simultaneamente nas
mais diferentes esferas sociais, tornando-se praticamente impossível es-
tabelecer o conjunto de entidades ambientalistas atuantes no Rio Gran-
de do Sul. O que se podia identificar eram conjuntos variados de orga-
nizações conforme os contextos em que se desenvolviam concretamente
diversos tipos de mobilizações associadas à proteção ambiental. Diante
disso, como aceitar, enquanto “um movimento”, o que se apresentava na
realidade como um conjunto bastante heterogêneo e multifacetado de or-
ganizações e de práticas que não desembocavam na demarcação de suas

207
Como estudar elites

definições coletivas e institucionais pelo estabelecimento de fronteiras


ideológicas, políticas e organizacionais e nem tampouco pela vinculação
dessas fronteiras a uma determinada “história do movimento”?
Acontece que, a exemplo do que tem sido prática usual no estudo dos
movimentos sociais, investigações sobre a defesa de causas ambientais
não consideram de maneira sistemática tais indagações, tratando-as como
simples “dados” que cabem ao investigador apenas a tarefa de descrever
ou explicar. É que uma grande parte deles ainda insiste em considerar tal
situação como uma realidade relativamente coerente e constante. Para
isso, a caracterização da defesa ambiental com base na categoria de “mo-
vimento social” tem sido a principal estratégia utilizada. Em decorrência
disso, as tarefas iniciais da investigação ou da exposição dos resultados
obtidos com tal tipo de pesquisa quase sempre se reduzem a uma espécie
de descrição do surgimento e das principais lutas e transformações ob-
servadas durante o percurso de algo cuja coesão e continuidade já estão
dadas empiricamente: “o movimento ecológico”. O olhar reflexivo sobre
as informações encontradas nos colocou no desafio de, em vez de partir
de uma definição prévia de “movimento social”, tomá-la como uma cate-
goria que está em jogo no próprio universo das organizações e das lideran-
ças engajadas na defesa desses tipos de causas, fazendo parte da própria
realidade que se pretende investigar.
Outra fonte de apreensão de como o objeto se apresenta empiricamen-
te à investigação diz respeito ao processo de negociação do ingresso no
terreno de análise. Quanto a isso, os contatos iniciais com as associações,
militantes e dirigentes que atuavam na defesa de causas ambientais na
situação em pauta, foram, desde o início, caracterizados por hesitações
e pela constante utilização, pelos próprios nativos, de termos e palavras
para definir minha posição de pesquisador.
Desse modo, durante todo o processo de investigação deparei-me com
a cobrança e a exigência dos dirigentes e militantes de diferentes organi-
zações quanto à explicitação do meu pertencimento a uma das associa-
ções. O fato de estar sempre presente em diversos eventos, locais e ati-
vidades sem estar filiado a nenhuma associação passou a ser visto com
suspeita por grande parte dos militantes, chegando a ser considerado,
por muitos deles, como uma espécie de “perigo” para a atuação das as-
sociações. Aos poucos, a presença continuada do pesquisador passou a
ser definida através do termo “espião”. Ao tomar como objeto de análise
a utilização recorrente de tais termos por parte dos próprios dirigentes e

208
Antropologia, política e etnografia

militantes para designar o pesquisador, foi possível perceber que o uso


de tais designações constituía uma situação exemplar para a apreensão
de certos aspectos centrais do trabalho dos dirigentes ambientalistas na
situação em pauta. De um lado, o olhar reflexivo sobre os diferentes usos
de tal termo em situações e eventos também diversificados, possibilitou
relacionar tais utilizações a certas concepções de sociedade e de política
que respaldam o engajamento e as práticas militantes nas organizações
ambientalistas. De outro lado, as qualificações militantes do pesquisador
como um “perigo”, um “intruso” e um “espião” constituíam uma forma
de evidenciar certas relações com as lógicas de recrutamento e de seleção
de seus militantes e as formas de definição das fronteiras, hierarquias,
disputas e conflitos entre tais organizações (OLIVEIRA, 2010).
Assim, tais informações constituíram uma via de acesso à observação
de que nos últimos anos tinha ocorrido um considerável aumento da
quantidade de organizações, bandeiras de luta e formas de intervenção
vinculadas ao ambientalismo, assim como um maior entrelaçamento das
redes de liderança de diferentes organizações e movimentos sociais que
atuavam na defesa de causas ambientais. Tais transformações colocaram
em jogo uma maior dificuldade no estabelecimento das fronteiras insti-
tucionais e ideológicas entre as associações ambientalistas decorrente da
proliferação do número de organizações envolvidas com a defesa do meio
ambiente e, principalmente, da diversificação dos vínculos e dos compro-
missos simultâneos dos dirigentes ambientalistas com outros tipos de or-
ganizações e “movimentos sociais”.
Como podemos ver, as negociações para o acesso ao terreno de inves-
tigação, com suas surpresas e inquietações, constituem situações pri-
vilegiadas para nos informar sobre as condições de produção tanto dos
materiais e informações que poderão ser utilizadas como “dados” para a
investigação quanto do próprio objeto de pesquisa e de suas formas de
configuração no universo pesquisado. Por isso, a escolha das técnicas de
investigação não pode ser definida de antemão com base numa espécie
de preferência teórica e metodológica prévia tanto a respeito do seu al-
cance e eficácia quanto dos lugares, atores e temporalidades relaciona-
das aos objetos de investigação. Como salienta Bennani-Chraïb (2010),
tais escolhas dependem dos próprios contextos de investigação e do
trabalho, por vezes longo e paciente, de confecção das redes de confian-
ça. O olhar reflexivo sobre tais negociações e a inserção das diferentes
técnicas utilizadas numa abordagem etnográfica possibilita ter acesso a

209
Como estudar elites

um conjunto de informações pertinentes sobre objeto em questão: for-


mas de interação entre diferentes atores, dinâmicas de funcionamento
organizacionais, redes de inter-reconhecimento, grau de homogeneida-
de entre seus membros, modalidades de decisão etc. Tais informações
não podem ser negligenciadas como matéria bruta ou anedótica, mas
levadas a sério na medida em que são formas de deixar falar o objeto que
nos oferecem a possibilidade de constituir, sob o concreto, os atores, os
lugares e as temporalidades próprias do objeto.

Conclusões
Como procurei demonstrar no decorrer deste capítulo, a incorporação
da etnografia aos estudos dos fenômenos políticos constitui uma prática
ainda pouco usual no âmbito das ciências sociais. A persistência de divi-
sões disciplinares e institucionais na forma de apropriação da prática et-
nográfica pelos cientistas sociais constitui, ainda hoje, um dos principais
fatores que tornam inviável uma maior aproximação entre etnografia e
política. A redução do “olhar” etnográfico a uma técnica “qualitativa” de
coleta e de levantamento de “dados”, própria da Antropologia, constitui
uma das principais fontes dessa dificuldade de apropriação da prática et-
nográfica pela Sociologia e Ciência Política. Por outro lado, a persistência
de uma concepção essencialista da cultura contribui para certo desprezo
dos fenômenos do poder e da política na literatura etnográfica.
Por isso, ainda é muito comum encontrar trabalhos de cientistas políti-
cos que, fundados nessa forma de conceber e praticar a etnografia parte de
uma problemática e de escolhas técnicas totalmente prontas a respeito dos
objetos, sejam eles instituições, partidos, militância, grupos dirigentes etc.
Nesses casos, o que chamam de etnografia serve apenas para amenizar o
forte peso dado de antemão às técnicas quantitativas e às explicações esta-
tísticas com base em teorias “eurocentristas”. Do outro lado, a concepção
essencialista dos antropólogos no tratamento dado aos fenômenos cultu-
rais não contribui nem um pouco para que os fenômenos relacionados ao
poder e à política sejam tratados como objeto de investigação prioritária e
que, portanto, tenham um papel importante no processo de construção e
definição dos objetos de estudo da própria Antropologia.
A incorporação de uma orientação e prática reflexiva nos processos
de investigação dos fenômenos políticos constitui um dos aspectos fun-
damentais para uma maior aproximação entre etnografia e política. Isso
exige uma profunda mudança de atitude a respeito das teorias que são

210
Antropologia, política e etnografia

comumente utilizadas para caracterizar os diferentes modelos de organi-


zação política. Nesse sentido, demonstrei que os estudos antropológicos
sobre o poder e a política trouxeram, sem dúvida, novos questionamentos
a respeito do nosso conhecimento das fronteiras da política, na medida
em que tinham como base realidades bastante diferenciadas das que do-
minavam o cenário intelectual até o momento. Eles conduziram a uma
expansão da compreensão que se tinha até então dos fenômenos políticos
e trouxeram consigo o potencial de explosão da definição “eurocentrista”
de poder, Estado, política etc. Desse modo, tais desenvolvimentos pos-
sibilitaram estabelecer um verdadeiro diálogo com as diferentes formu-
lações teóricas e disciplinares sobre a política, rompendo com aquelas
nomenclaturas e dicotomias pré-estabelecidas, classificações e tipologias
valorativas e “etnocêntricas” subjacentes a tais formulações e que, com
base numa problemática prévia e pronta, definem nosso objeto como
“pouco desenvolvido”, “institucionalmente frágil”, “periférico” etc.
Todavia, apesar disso, estudos etnográficos de organizações, atores
e práticas políticas ainda são raros no âmbito da Ciência Política e não
são predominantes no universo da própria Antropologia. Isso porque a
incorporação de uma orientação etnográfica envolve também profunda
mudança de atitude em relação à concepção disciplinar das técnicas de
pesquisa, ao processo de acesso ao terreno de investigação e ao próprio
material que pode ser utilizado como fonte de informação ou alçado à
qualidade de “dados”. Nesse sentido, ela nos orienta a uma escolha dos
procedimentos técnicos e das informações pertinentes para o trabalho
com base na dinâmica própria da investigação e nas condições e formas
de apresentação e de existência do objeto.
É nesse sentido que podemos falar da etnografia política como uma área
interdisciplinar de investigação teórica e metodológica de estudos da po-
lítica que atribui um papel decisivo à lógica própria das cenas, eventos,
práticas, atividades e interações, constatadas em situação, na constitui-
ção e no funcionamento cotidiano de determinado fenômeno político.
Desse modo, ela constitui uma ferramenta analítica que pode nos auxi-
liar a seguir e levar a sério a própria existência de agregados como grupos
dirigentes, partidos políticos, engajamento e militância política etc., em
vez de tomá-los como algo “dado” e evidente por si só. Sem dúvida, essa
maneira de olhar e investigar os fenômenos políticos constitui um gran-
de desafio ao universo acadêmico brasileiro, o qual tem uma propensão
muito grande a se deixar, rapidamente, levar pelas palavras prontas, pe-

211
Como estudar elites

los conceitos homogêneos e pelas explicações acabadas, principalmente


quando produzidas pelas vertentes europeias e norte-americanas e difun-
didas para a América Latina. Quanto a isso, a pesquisa orientada, desde o
começo, por uma atitude profundamente reflexiva em relação às próprias
teorias dominantes e sua difusão na produção acadêmica brasileira cons-
titui, talvez, um passo importante para que possamos finalmente seguir e
deixar falar a política em nossa realidade.

212
Antropologia, política e etnografia

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214
8. Os empresários enquanto
elite: a pesquisa empírica
Paulo Roberto Neves Costa

EM GERAL, quando se fala em elites, aqueles que possuem grande poder


econômico veem imediatamente à cabeça. Essa pode ser uma forma sin-
gela, porém pertinente, de comparação entre o senso comum e a aborda-
gem sociológica. Enquanto o senso comum, e muitas vezes a imprensa, faz
tal relação sem maiores cuidados, os estudos sobre elites mostram que o
importante não é constatar a existência de elites ou supostamente locali-
zá-las. Cabe à análise sociológica criar mecanismos de compreensão das
características desses grupos e dos seus impactos sobre a sociedade e a his-
tória e, nesse processo, produzir teorias e metodologias de análise.
Embora muito já se tenha feito, muito ainda há por fazer em relação
ao estudo dos empresários, ou seja, os proprietários e/ou controladores
do capital, seja ele privado, seja ele público. Nesse capítulo tratamos do
estudo dos empresários enquanto elite. Isso significa que estamos privi-
legiando as análises pautadas pelas questões, mas principalmente pelos
procedimentos metodológicos, típicos do estudo de elites, ou seja, vol-

217
Como estudar elites

tados para o processo de recrutamento, as características e o comporta-


mento dos indivíduos que comporiam uma dada elite. Essa abordagem,
embora não se oponha, distingue-se teoricamente e, principalmente, em
termos metodológicos, da análise dos empresários exclusivamente como
ator político, econômico ou social e como classe1.
Nossa preocupação concentra-se exclusivamente na dimensão empíri-
ca desse objeto e busca apreender da literatura especializada e de suas
experiências de pesquisas elementos que permitam analisar as caracterís-
ticas do processo de produção de dados sobre esse grupo e, assim, contri-
buir para o seu aprimoramento.
Suzanne Keller adverte que as informações a respeito das elites, cartas,
diários, memórias ou, podemos supor, qualquer outra fonte de informação,
só podem ser tomados como uma “matéria prima” que possui valor se bem
organizada e classificada a partir de um referencial teórico eficaz e capaz
de distinguir o conjunto do particular, o universal do temporal e caracterís-
tico (KELLER, 1971, p. 13). Porém, a autora poderia ter acrescentado entre
o que chama de “problemas”, “lacunas” e “fracassos” da análise das elites
(KELLER, 1971, p. 28) não apenas aquilo que diz respeito às questões, for-
mas de pensar ou abordagens para analisar sociologicamente as elites, mas
também aquilo que diz respeito ao processo de sistematização e aperfeiço-
amento dos procedimentos através dos quais se possa levantar as informa-
ções históricas que testariam e fundamentariam tais abordagens.
Assim, em relação ao nosso objeto, se, por um lado, tal processo só faz
sentido se bem resolvidas as questões teóricas, por outro, a produção de
dados é fundamental para o desenvolvimento não apenas do estudo dos
empresários enquanto elite, mas também de todas as questões, inclusive
teóricas, relacionadas a esse grupo nas sociedades capitalistas. Em suma,
devemos considerar que a produção de dados é parte constitutiva e funda-
mental da argumentação2.
Para tanto, o percurso que faremos pela literatura será estruturado da
seguinte forma: em primeiro lugar, buscamos, nos estudos clássicos sobre
elites, algumas indicações sobre a dimensão empírica dos estudos dos em-
presários. Em segundo lugar, consideramos as análises sobre o capitalismo

1
Em outro trabalho aprofundamos essa discussão (COSTA, 2013).
2
Em outros trabalhos tivemos a oportunidade de tratar de algumas das questões teóricas
relacionadas ao estudo dos empresários enquanto elite — ver Costa (2012b; 2014).

218
Os empresários enquanto elite

contemporâneo que têm no levantamento de informações sobre os empre-


sários uma parte importante de sua argumentação. Em seguida, tratamos
dos trabalhos que se reportam diretamente à questão dos empresários e
que produziram um levantamento de dados inspirado pela análise elitis-
ta. Em quarto lugar, consideramos outras questões metodológicas sobre os
procedimentos de coleta de informações juntos aos altos dirigentes de em-
presas. Por último, analisamos alguns dos trabalhos que remetem ao em-
presariado brasileiro e que são importantes para os objetivos desse capítu-
lo. Em cada um dos itens acima, condensamos as proposições que possam
contribuir para o aperfeiçoamento da produção de dados empíricos para o
estudo dos empresários enquanto elite. As questões teóricas subjacentes
aos trabalhos aqui contemplados, apesar de fundamentais, não serão trata-
das, quando muito apenas brevemente mencionadas para melhor situar o
trabalho de levantamento de dados.

1. Os empresários em alguns estudos clássicos sobre elites


Nesse momento, nosso objetivo não é revisar toda a vasta literatura dos
estudos sobre as elites em geral ou os empresários em particular, mas ape-
nas defender a idéia de que tais estudos podem trazer contribuições ao
estudo empírico dos empresários como elite. Partiremos dos trabalhos de
Charles Wright Mills e Robert Dahl devido ao seu impacto nos trabalhos
posteriores e por anteciparem e enfrentarem os problemas da análise dos
empresários enquanto elite.
Em Wright Mills, a localização dos empresários é marcada pelo crité-
rio do controle de grandes fortunas e de grandes empresas, os “homens
de cúpula do mundo das sociedades anônimas” (MILLS, 1981, p. 154). Há
referências dispersas ao longo da obra sobre a importância da considera-
ção de espaços sociais como, por exemplo, jantares, como forma dessa lo-
calização. Mas, ao analisar os “muito ricos”, que para Mills, significa “os
grandes homens de negócios” (MILLS, 1981, p. 129), o autor afirma que não
é fácil localizar esse grupo, ainda mais quando se adota uma abordagem
diacrônica. Ao considerar um período de mais de 30 anos, que implicaria
três gerações, das quais ele selecionou os 90 mais ricos, Mills chegou a um
grupo de 275 milionários, número significativo, ainda mais para esse tipo
de pesquisa3. Além disso, Mills lamenta a escassez de informações sobre as
grandes fortunas, o que o obrigou a recorrer a diversas fontes, documen-
tais, de imprensa e bibliográficas, para montar a lista e obter informações
sobre eles (MILLS, 1981, p. 123)4.

219
Como estudar elites

Enfim, apesar de não apresentar um capítulo, ou mesmo um anexo, volta-


do para os aspectos relativos à coleta de dados sobre a elite em geral e os em-
presários em particular, e de defender o método posicional, Mills não deixou
de fazer uma apresentação em detalhes da forma de localização e obtenção
de informações sobre os empresários, “os grandes homens de negócios”, que
seriam objeto de pesquisa, essencialmente histórica, embora, como é sabido,
sua preocupação não era com os empresários, mas sim com a elite do poder.
Por sua vez, Dahl entende que as variáveis sócio-econômicas e cultu-
rais contam apenas se têm alguma implicação na determinação do tipo
de pessoas que eram “[...] as mais influentes de acordo com uma medida
operacional de influência” (DAHL, 1961, p. 330; tradução livre). Para a ve-
rificação dessa tese, Dahl recorreu às fontes que indicariam os maiores
proprietários e utilizou também entrevistas, surveys e documentos histó-
ricos (DAHL, 1961, p. 330 e seguintes).
Em suma, mesmo considerando as diferenças entre o método posicional
de Mills e o decisional de Dahl, (o capítulo um deste livro faz uma exposição
detalhada sobre essas diferenças) verificamos, de um lado, a existência de
semelhanças no que diz respeito à importância, às dificuldades e à forma
de localização e do levantamento de informações sobre os indivíduos que
constituem o objeto da pesquisa empírica e, de outro, a variável que tende
a ser constante em todos os estudos que aqui serão contemplados, ou seja,
a do poder econômico de grande porte.
A ênfase na questão do porte da empresa para definir aqueles que com-
poriam a elite econômica não significa, é claro, deixar de lado os dirigentes
de médias, pequenas e micro empresas como objeto de estudo5. Substan-
tivamente, eles são parte importante do empresariado, pela relevância na
economia, na sociedade e na política; metodologicamente, podem ser um

3
Embora esse ponto não possa ser explorado aqui, a definição dos mais ricos é algo muito
complexo. O tópico já foi abordado por Michael Gilding, ao tratar das dificuldades metodo-
lógicas para a definição das “rich lists” (GILDING, 1999). Este autor afirma que até o início dos
anos 1980 esse tipo de lista era feita pelos radicais de esquerda como forma de denunciar
as desigualdades inerentes ao capitalismo e só depois passou a ser feita pelas revistas de
negócios, tornando-se não só referência como também um sucesso editorial.
4
Mills busca informações sobre as variáveis relacionadas ao background social (história fami-
liar), religião, idade de ingresso e trajetória na atividade empresarial, trajetória educacional,
renda, hábitos de vida, estilo de gestão e de liderança e até a “sorte" (aspas de Mills). Vale
mencionar também que o autor sugere uma tipologia das carreiras. (MILLS, 1981, p. 160).
5
Sobre a experiência de pesquisa com pequenos e médios empresários, ver Krishna e
Awasthi (1994).

220
Os empresários enquanto elite

grupo de controle com o qual comparar aqueles que seriam a elite econômi-
ca. Entretanto, por uma questão de precisão conceitual, a condição de elite
remete inescapavelmente a uma condição diferenciada, seja em termos de
poder econômico, seja de poder político.

2. Os empresários nos estudos sobre o capitalismo contemporâneo


Assim como no item anterior, nossa ideia não é recensear toda a literatura,
mas sim usar alguns trabalhos importantes para sustentar nossos argu-
mentos. O objetivo é apreender as sugestões metodológicas contidas nos
trabalhos que, embora não estejam voltados exclusivamente para a ques-
tão dos empresários, têm nestes uma dimensão importante de sua argu-
mentação e, em função disso, produzem sugestões interessantes para o
estudo empírico desse grupo nesse sentido que se colocam algumas das
mais importantes interpretações sobre as como uma elite. É característi-
cas do capitalismo contemporâneo.
Em primeiro lugar, podemos considerar o trabalho de Sklair (2001). O ob-
jetivo da autora é explicar como a “Transnational Capitalist Class” (TCC)
transformou o capitalismo em um “globalizing project”. Sklair busca situar
teoricamente e estabelecer empiricamente a TCC, identificando essa clas-
se, seus membros e as instituições através das quais ela exerce seu poder6.
Assim, Sklair procura fundamentar o conceito de TCC tanto em uma boa
teoria quanto em “evidências empíricas confiáveis” (SKLAIR, 2001, p. 1).
Para caracterizar empiricamente a “globalizing elite of corporate executi-
ves”, a autora entrevistou 88 executivos seniors e gerentes médios de uma
amostra de 82 “corporações transnacionais”. Tal amostra foi montada a
partir do levantamento da revista Fortune, em uma edição na qual foram
consideradas as 500 maiores corporações do mundo, dos levantamentos
anuais feitos pelo Financial Times baseados na capitalização das empresas
e da lista das maiores corporações privadas e outras empresas importantes
no capitalismo global feita pela Forbes. Sklair considerou também algumas
agências relacionadas à agenda econômica global. A pesquisa considerou o
ano de 1996 (SKLAIR, 2001, p. 34 e seguintes). A autora lançou mão ainda
de entrevistas para identificar a classe em questão, referindo-se, para tan-
to, às “corporações entrevistadas” (SKLAIR, 2001, p. 74).

6
Sklair fala de uma “corporate elite” como uma forma de expressão dessa “classe”
(SKLAIR, 2001, p. 295).

221
Como estudar elites

O trabalho de Dupuy (2005) é outro exemplo interessante. Dupuy utiliza uma


enquete realizada em 1974 com em torno de 600 quadros que atuavam em em-
presas de quatro países europeus para apreender os “sentimentos” e a “situ-
ação de deterioração” daqueles que atuavam como dirigentes das empresas.
Hughes (1999) discute o uso de entrevistas com dirigentes de empresas
de diferentes países como forma alternativa de obter ganhos analíticos na
construção de uma geografia econômica. Para tanto, ele entrevistou 66 di-
rigentes de empresas do setor de alimentos da Inglaterra e dos EUA.
Por sua vez, Kanter (1999), com o objetivo de defender a tese da existên-
cia de uma “world class” no processo de globalização, estudou cinco cidades
americanas importantes em termos de atividades de natureza global, o que
lhe permitiu compará-las, mas exigindo ajustes em cada local de pesquisa. As
informações eram de várias naturezas, do setor de atividade à “fonte da força
competitiva”. A pesquisa envolveu a aplicação de um extenso questionário a
centenas de pessoas, por parte de uma grande equipe de pesquisa, espalhada
em cada uma das cidades. Os questionários foram enviados para os dirigentes
de empresa e para os executivos-seniors, acompanhados de uma carta que ten-
tava levantar a importância da questão da globalização. Os questionários foram
aplicados em 1994, sendo que 2 655 retornaram. Foram feitas entrevistas, mui-
tas gravadas, com mais de 150 executivos de alto escalão de mais de 100 empre-
sas. Os documentos das empresas, as entrevistas em profundidade e os telefo-
nemas foram importantes para complementar o processo de coleta de dados.
Como o objeto fundamental da autora é a empresa, foram feitos grupos
focais até com os empregados, além de entrevistas pessoais ou por telefone
sobre temas surgidos das entrevistas anteriores com autoridades e líderes
cívicos, como forma de contemplar também a comunidade na qual a em-
presa se inseria. Com o objetivo de “estimular o diálogo e a ação”, foram
feitos fóruns, em geral em universidades ou câmeras de comércio, tendo
como participantes executivos, empregados e autoridades e líderes cívicos,
para discutir um relatório dos resultados da pesquisa7.

7
Kanter afirma: “O objetivo era encorajar os líderes a concordar com uma perspectiva,
um vocabulário comum, um conjunto de prioridades e de compromissos com a ação”.
Por fim, após a divulgação dos resultados, foram feitos acompanhamentos (“follow-up
actions”) junto a autoridades, associações e órgãos de imprensa. E conclui: “O processo
com um todo era um método não só para compreender o que seria a base de uma cola-
boração entre empresas e autoridades, mas também para ajudar a reforçá-la” (KANTER,
1999, p. 385 e seguintes; tradução livre).

222
Os empresários enquanto elite

Podemos citar também o trabalho de Marceau (1989), que se baseia em


duas pesquisas, conduzidas entre 1973 e 1980, a respeito da trajetória so-
cial, educacional e profissional dos alunos e ex-alunos de uma importante
escola de administração européia vindos de 20 diferentes países. Foram
usados documentos e realizadas entrevistas na Europa e nos EUA. Bowman
(1985), por sua vez, volta-se para a questão da competição no capitalismo
e reforça a importância das fontes bibliográficas de dados e do estudo de
caso, no caso da indústria de carvão americana.
Sansonetti (2004) descreve os aspectos metodológicos de sua pesqui-
sa sobre as diferenças e similaridades de gênero entre as elites políticas e
econômicas (“business elite”) em 27 países com democracia e economias
industrializadas. Segundo a autora, não se trata de um estudo de elites em
si, mas sim da relação entre gênero e tais elites. Para cada mulher entrevis-
tada, um homem de uma empresa da mesma dimensão econômica e ocu-
pando a mesma posição era entrevistado8. Isso implicou 30 entrevistados
de cada tipo de elite, em cada um dos países considerados. O questionário,
enviado pelo correio ou aplicado pessoalmente, continha mais de 100 ques-
tões fechadas, tratando da posição ocupada, capital social e redes, família,
distribuição de poder na sociedade e entre os gêneros, nacionalidade e ní-
vel educacional. Os dados foram coletados entre 1993 e 19929.
Boltanski e Chiapello (2009) tratam da questão da relação entre a degra-
dação econômica e social de um número crescente de pessoas e um capi-
talismo em expansão e transformação. Os autores usaram textos relacio-
nados à gestão empresarial, tratados por um programa de processamento
de dados, a partir dos quais se buscou apreender as mudanças no espírito
do capitalismo na França. Não houve entrevistas nem análise daqueles
que seriam a elite econômica, mas apenas a consulta a um material rela-
cionado à gestão empresarial como forma de perceber a visão predomi-
nante acerca do capitalismo na França nos anos 1990.

8
Em relação à dimensão, foram considerados volume de negócios, depósitos e prêmios,
respectivamente para indústria, bancos e seguradoras. As posições foram definidas em
“níveis”: no primeiro, os altos gerentes e CEOs; no segundo, os membros da diretoria; no
terceiro, gerentes seniors e, no quarto, gerentes setoriais (SANSONETTI, 2004).
9
Na localização das “women business” Samsonetti considerou as 250 maiores corpora-
ções industriais e os 10 maiores bancos e companhias de seguro. Uma das empresas foi
escolhida de forma randômica e nela se procurou uma mulher que estivesse em posição
de relevo. Os homens foram considerados apenas como contrapartida. Em função da
taxa de retorno, apenas 21 países foram considerados (SANSONETTI, 2004).

223
Como estudar elites

Por fim, podemos citar a pesquisa International Management Studies


(IMS), ainda em andamento, que especula sobre as características do novo
espírito do capitalismo. Tal pesquisa considera países como Alemanha,
Coréia do Sul, Suíça, EUA, Áustria, Japão, China, Inglaterra, Índia, Ar-
gentina e Brasil, e busca verificar o “novo espírito do capitalismo no top
management”, no contexto da internacionalização das carreiras dos altos
executivos e da globalização. O objeto são os CEOs e altos dirigentes das
100 maiores empresas industriais nesses países. Os dados foram produzi-
dos através de uma prosopografia, chamada de “life course analysis” e de
entrevistas em profundidade (POHLMANN; VALARINI, 2013)10.
Em suma, apesar da diversidade, os trabalhos acima mostram que além
da recorrência aos levantamentos feitos pelo próprio mundo corporativo,
a prática da entrevista é a principal fonte de coleta de informações. Mas
sugerem também que a análise dos empresários como elite pode ser feita
a partir do estudo das próprias empresas, a ponto de até os empregados
terem sido entrevistados.
Além disso, como sugere Kanter (1999), dependendo da questão teóri-
ca que sustenta a análise, há a necessidade do estudo e o levantamento
de informações junto à não elite do próprio mundo empresarial, e tam-
bém de outras elites da sociedade. O trabalho de Kanter mostra como a
comparação também se apresenta não apenas como questão metodo-
lógica, mas também como problema empírico, o que exigiu da autora
promover ajustes no processo de coleta de dados e do suporte de uma
grande equipe de trabalho.
Os trabalhos acima comentados indicam também como a pesquisa sobre
os empresários enquanto elite, da mesma forma que os estudos sobre ou-
tras elites, pode levar em conta as escolas e as técnicas e culturas gerenciais
expressas pelos meios de divulgação voltados para esse grupo, e até mesmo
o estudo de caso como parte de uma agenda mais ampla de pesquisa.
O que fica patente, porém, é que existe uma dependência das fontes
geradas pelo próprio mundo corporativo, pela imprensa, especializada ou
não, e pelo Estado, que são as fontes mais usadas de coleta de informações.
Convém notar que isso não é uma exclusividade do estudo do empresaria-
do. Em outros tipos de elite, como a parlamentar, por exemplo, também

10
Assim como Boltanski e Chiapello (2009), essa pesquisa analisa também publicações
especializadas voltadas para o chamado “mundo corporativo”.

224
Os empresários enquanto elite

a imprensa e em especial os órgãos do Estado são as principais fontes de


informação, o que revela que fontes mais propriamente científicas ainda
estão por serem construídas. Voltaremos a esse ponto mais adiante.

3. A elite econômica enquanto objeto de análise


Quando consideramos os trabalhos que se debruçam mais particularmen-
te sobre os empresários enquanto elite, constatamos tanto aspectos co-
muns quanto específicos em relação aos que foram acima comentados.
Whitley (1974), para analisar as conexões entre os dirigentes dos quatro
maiores bancos e das 40 maiores empresas industriais britânicas, consi-
derou um grupo de 261 diretores e utilizou publicações especializadas na
identificação das maiores empresas dos dois setores e na obtenção de in-
formações sobre os indivíduos11.
Stanworth e Giddens (1974) analisaram o “social background” e a estru-
tura da carreira dos “chairmen”, uma “elite dentro de uma elite”, de gran-
des corporações e bancos na Inglaterra nos primeiros 70 anos do século
XX. A seleção das empresas considerou o tamanho, a partir do critério dos
ativos líquidos (“net assets”). Como fontes, foram usados artigos acadêmi-
cos, publicações especializadas sobre grandes empresas e levantamentos
do tipo Who’s Who. Isso implicou 559 indivíduos, dos quais somente 460
foram considerados porque havia informações disponíveis sobre eles.
Pahl e Winkler (1974) utilizam uma abordagem bastante particular na
análise do que chamam de “economic elite”, exatamente em função da
forma como tratam esse grupo, ao apontarem para os limites do méto-
do posicional e sugerirem que as análises deveriam limitar esse conceito
aos que efetivamente exerceriam poder de alocação de capital. A despeito
das implicações teóricas e metodológicas dessas proposições, o processo
de coleta de dados passou por entrevistas com diretores, pelo acompa-
nhamento de todas as atividades diárias, dentro e fora do trabalho, de 71
diretores durante uma semana, a realização de grupos de discussão com
diretores selecionados em torno de temas que surgiram das duas primei-

11
Podemos destacar também a ponderação de Whitley (1974) em relação ao critério de
localização das maiores empresas, ao relativizar a variável “volume de negócios”, pois
não necessariamente isso significa volume de capital. Mas, considerando que poucas
das empresas com grande volume de negócios não possuíam também grande volume
de capital e que as que não estavam nesse segundo grupo tinham diretores comuns com
as do primeiro, Whitley manteve o critério de volume de negócios.

225
Como estudar elites

ras fases e o acompanhamento de todos os diretores de uma companhia


durante um dia completo de trabalho12.
Bourdieu e Saint Martin (1978) utilizaram informações sobre os dirigentes
das 200 maiores empresas comerciais e industriais de acordo com o volume
de capital, definidas a partir de uma revista especializada, e também acerca
dos CEOs ou PDG (présidents-directeurs généraux), das empresas nacionali-
zadas e semi-públicas e dos maiores bancos e seguradoras. Mas, de 241 in-
divíduos que fariam parte dessa amostra, somente 216 foram considerados,
dada a inexistência de informações sobre todo o grupo. Para que fosse feita
a comparação cronológica, foram coletadas informações dos anos de 1952,
1962 e 1972. Sempre que possível, os autores usaram também as entrevistas
e, em relação a esse aspecto, chamam a atenção para as dificuldades rela-
tivas ao uso dessa ferramenta pelos sociólogos. Muitas informações foram
recolhidas da Bibliothèque de La Chambre de Commerce et d'Industrie de Pa-
ris e do Office National de la Propriété Industrielle. O Who’s Who in France,
dicionários biográficos, documentos de entidades de representação e cur-
rículos dos dirigentes também foram utilizados.
Joly (1996) se debruça sobre a questão do recrutamento dos industriais
alemães e sua autonomia frente ao Estado e aos bancos, do Terceiro Reich
até a queda do muro de Berlim. Para tanto, considerou 165 diretores de dez
grandes empresas em 1933 e 538 dirigentes das 15 maiores empresas pós-1945,
seguindo o critério do volume de negócios. A pesquisa se apoiou em docu-
mentos das empresas e levantamentos do tipo Who’s Who. O autor fez uma
análise comparativa, no caso, entre períodos. Segundo o autor, para um perío-
do tão longo de análise da “elite econômica alemã”, os métodos reputacional
e decisional seriam inviáveis, daí o uso do método posicional, que permite o
tratamento estatístico e também procedimentos qualitativos e a avaliação da
importância das pessoas. As trajetórias familiar, profissional e escolar, idade
e local de nascimento foram as variáveis mais importantes. Como Joly usou
fontes públicas, pôde citar os nomes de empresas e pessoas13.

12
Foram estudadas 19 empresas a partir dos critérios de tamanho, localização e natureza
da atividade industrial (PAHL & WRINKLER, 1974).
13
Joly também usou material de imprensa, geral ou de economia, os quais teriam sido
muito úteis por conterem muitas informações, sendo que a distância cronológica ajudou
a neutralizar as distorções oriundas da forma como a imprensa relata os acontecimentos
(JOLY, 1996, p. 345 e seguintes). Em trabalho mais recente, Joly considera os dirigentes
industriais que aparecem regularmente em edições sucessivas do L’Annuaire Chaix: les
principales sociétés par action, au cours du 20e siècle (JOLY, 2012).

226
Os empresários enquanto elite

Em outro trabalho, Joly (2007) faz também um balanço dos estudos sobre o
recrutamento do “patronat” francês desde os anos 1960 e avalia que os levan-
tamentos sobre não só esse grupo como também as elites políticas têm sido
precários. Isso se passaria também na Alemanha e na Inglaterra. Joly constata
também que o primeiro desafio é selecionar as empresas e que a tendência
tem sido o uso dos levantamentos feitos pela imprensa especializada. O se-
gundo é selecionar as pessoas, os dirigentes dessas empresas, em geral de-
sembocando nos PDG, dado que eles concentrariam os poderes decisórios,
mas Joly levanta a questão da natureza parcial desse recorte e da necessidade
de considerar outros níveis da administração das empresas (JOLY, 2007).
Mayer e Whittington (1999) realizaram um estudo sobre as grandes em-
presas européias nos anos 1980 e 1990, por sua vez apoiado em pesquisa
que considera, do pós-II Guerra até os anos 1990, as 100 maiores empresas
nacionais do Reino Unido, da França e da Alemanha14. Os anos conside-
rados como referência foram 1983 e 1993. As empresas efetivamente con-
templadas na pesquisa variaram entre 60 e 75 em cada país. Foram usadas
fontes documentais e entrevistas com 78 dirigentes de empresa. A pesquisa
contemplou questões relacionadas às estratégias, ao desempenho, à pro-
priedade e liderança, mas o artigo em questão trata apenas das duas úl-
timas questões. Para tratar da propriedade, foram usados relatórios anu-
ais das empresas e levantamentos sobre as empresas de cada país. Sobre
a liderança, foram entrevistados os CEOs e usados material de imprensa e
levantamentos do tipo Who’s Who.
Em pesquisa sobre o perfil “demográfico e psicológico” dos jovens em-
presários na Índia, Kazmi (1999) utiliza uma série de entrevistas realizadas
com altos empresários indianos, feitas pelo jornal The Financial Express.
Kasmi admite que o uso desse tipo de fonte secundária limita as possibi-
lidades de seu uso, mas que não deixariam de ser um material importante
para a realização da pesquisa.
Em trabalho sobre o surgimento de uma “business elite”, definida como
“[...] os empresários do alto escalão que graças aos seus recursos finan-
ceiros e econômicos possuem uma influência significativa na tomada de
decisão nas grandes questões nacionais”, na Rússia dos anos 1990 (KRYSH-
TANOVSKAYA; WHITE, 2005; tradução livre). Os autores também utiliza-

14
O critério de considerar as 100 maiores foi usado também por Scheuch (2003) em seu
estudo sobre as relações entre as elites e os regimes políticos na Alemanha.

227
Como estudar elites

ram também fontes da imprensa mundial e um levantamento feito por um


jornal russo sobre os 100 indivíduos considerados mais influentes e, entre
eles, a presença dos grandes empresários.
Nair e Pandey (2006) realizaram, em 2002, uma pesquisa sobre os em-
presários de Kerala, um dos estados da Índia, que é importante no processo
de desenvolvimento econômico do país. Os dados foram coletados de um
levantamento sobre as empresas industriais feito pelo governo e de uma câ-
mara de comércio, chegando a uma amostra de 30 indústrias, considerando
diferentes tamanhos. A câmara de comércio também foi importante como
forma de localizar os dirigentes das empresas. O questionário foi enviado
para 104 pessoas com retorno de apenas 34.
O uso de fontes públicas ou governamentais ocorreu também em uma pes-
quisa sobre a questão da “classe” dos capitalistas na China, no caso, o China
Private Economy Yearbook. Essa fonte contém não apenas dados das empre-
sas, mas também levantamentos sobre as trajetórias pessoais e profissionais,
bem como das percepções e estratégias dos empresários (TSAI, 2005).
Em estudo mais recente, Saint Martin (2008) faz um balanço da litera-
tura sobre “grupos dirigentes”, em especial os estudos que enfatizam as
transformações em curso, as recomposições, reconversões e a internacio-
nalização crescente das elites. O objetivo é analisar as estratégias de legi-
timação das frações dominantes, com a progressiva imposição de recursos
centrados numa competência dita técnica, e uma crescente competição
entre as elites. No que diz respeito à pesquisa empírica, em função da na-
tureza e dos objetivos deste capítulo, a autora faz apenas uma referência
genérica aos dirigentes de grandes empresas e à importância das escolas
como objeto de análise do processo de constituição das elites, entre elas,
a econômica. Saint Martin destaca a sugestão de Michel Pinçon e Monique
Pinçon-Charlot de que até o endereço e as redes de relações, pessoais e pro-
fissionais também podem ser indicadores sugestivos15.
Hartmann (2011) discute a questão da internacionalização da elite eco-
nômica, verificando a formação e a carreira dos dirigentes das maiores
empresas de Alemanha, França, Grã-Bretanha, Itália, Espanha, China, Ja-
pão e EUA, de maneira ponderada em relação à importância mundial de
cada economia nacional, envolvendo três quartos das maiores empresas

15
Pinçon e Pinçon-Charlot (2007) fazem também sugestivas ponderações sobre o pro-
cesso de estudo sociológico de grupos como o que aqui chamamos de elite econômica.

228
Os empresários enquanto elite

do mundo16. Além de outra pesquisa realizada anteriormente, Hartmann


usou levantamentos de revistas como Financial Times, Forbes, Fortune,
L’Expansion e Xinhua.
Por último, as empresas de consultoria também produzem dados e uma
metodologia de pesquisa que pode ser útil para estudos acadêmicos sobre
os empresários enquanto elite, embora tenham pouco diálogo com tais es-
tudos. Mas ainda que os objetivos sejam distintos, os critérios são próximos
aos usados no campo acadêmico. Por exemplo, podemos citar as Pesquisas
de Líderes Empresariais Brasileiros, feitas pela Pricewatherhouse and Coo-
pers Brasil, que entrevista “líderes empresariais” de empresas de grande
faturamento e de diversos setores17. Trata-se da edição nacional de uma
pesquisa feita junto a 1,5 mil CEOs de empresas importantes de 45 países
(PRICEWATHERHOUSE; COOPERS, 2006)18.
Em suma, por um lado, quando levamos em conta as ponderações dos
autores acima comentados verificamos novamente que os critérios e as va-
riáveis usadas para localizar as maiores empresas é um sério problema para
o pesquisador, dado que, em geral, isso também depende das metodologias
usadas pelas publicações especializadas e pelo próprio Estado, seja para es-
tabelecer quais são as maiores empresas, seja para obter informações sobre
os indivíduos (Whos’s Who)19. Isso ocorre tanto na França e na Inglaterra
quanto na Rússia, na Índia e na China, seja por empresas privadas, seja pelo
Estado, portanto, com metodologias e procedimentos de coleta sujeitos a
dinâmicas que fogem ao controle acadêmico.
Por outro lado, as proposições de Pahl e Winkler (1974) são interessan-
tes não apenas pelo aspecto teórico, mas pelo fato de que não implicariam
mudanças profundas no que diz respeito à referência às grandes empre-
sas, mas apenas ao processo de definição dos indivíduos que comporiam o

16
Esse grupo foi dividido da seguinte forma: 50% para a indústria, 30% para o comércio
e os serviços e 20% para os bancos e seguradoras. Para a Grã-Bretanha, a ponderação do
setor financeiro foi de 25% em razão da importância financeira das empresas de Londres
(HARTMANN, 2011).
17
A pesquisa de 2006 contemplou 79 “líderes” de empresas com faturamento entre U$
100 milhões e U$ 10 bilhões e de setores como indústria, comércio, serviços de utilidade
pública, energia, telecomunicações etc. (PRICEWATERHOUSE; COOPERS, 2006).
18
O Grupo de Opinião Pública da Universidade de Lima faz trabalho semelhante, embora
com outros objetivos (GRUPO DE OPINIÃO PÚBLICA, 2003).
19
Os levantamentos do tipo Who’s Who são usados também por outros trabalhos, como
de Bond (2007), que analisa a relação entre as doações das empresas a partidos políticos
conservadores e a trajetória dos diretores por escolas e clubes de elite.

229
Como estudar elites

objeto. O fato desses autores proporem outro conceito de elite econômica


e outra metodologia, no caso, a decisional, como forma de ultrapassar os
limites do método posicional, mostra também que dificilmente se escapa
da consideração daqueles que estão em posições de destaque na direção
das grandes empresas. As ponderações de Joly a respeito dos limites das
fontes históricas sobre o processo decisório no interior das empresas impli-
cam também restrições ao uso do método decisional. Enfim, verificamos
que há a predominância do método posicional, embora isso não implique
necessariamente considerar apenas os CEOs ou PDG.
Outro aspecto que podemos destacar é quanto ao “n”. Em geral, salvo em
pesquisas com grande estrutura e equipe, a recorrência a um grande número
de indivíduos tende a implicar formas quantitativas de coleta dos dados. Em
relação ao número de empresas, uma saída tem sido o uso do número 100, ou
seja, das 100 maiores empresas, em geral decorrente de levantamentos feitos
por órgãos de imprensa especializadas em Economia. Por sua vez, o uso de mé-
todos qualitativos está restrito, de um lado, à existência de fontes e documen-
tos que contenham informações dessa natureza, e, de outro, ao difícil trabalho
de entrevistas. O exemplo de Hartman (2011), porém, mostra que é possível
estudar as opiniões e percepções dos empresários somente usando material de
imprensa. A comparação, seja cronológica, seja geográfica, também se mostrou
de grande importância nos estudos sobre os empresários enquanto elite.
Por fim, as revisões da literatura feitas por Joly (2007) e por Saint Martin
(2008) sugerem que as fontes secundárias, ou seja, dados de pesquisas ante-
riores e de trabalhos já realizados também permitem obter uma base empírica
para a construção de análises20. Esse é um dos motivos da exposição acima
ter seguido certa ordem cronológica da publicação dos trabalhos, ou seja, des-
tacar também como há ainda poucas referências aos trabalhos anteriores ou
a recorrência crítica aos resultados das experiências anteriores de pesquisa.

4. Questões metodológicas do estudo dos empresários enquanto elite


Os estudos dos empresários já se desenvolveram intensamente também no
que diz respeito à prática de coleta de dados, pesquisas e estudos sobre o pro-
cesso de aplicação de questionários entre os membros da “corporate elite”.
Tais estudos estão voltados mais propriamente para as questões gerenciais e

20
Esse é o caso dos trabalhos de Sklair (1996) e Alexander, Nicholas e Walter (1984).

230
Os empresários enquanto elite

para o mundo corporativo, e não para o espaço exclusivamente acadêmico.


Um exemplo muito interessante é o trabalho de Bednar e Westphal (2006).
Tais autores tratam da questão da aplicação de surveys voltados para os altos
dirigentes de empresas, no caso, em torno das questões relacionadas às es-
tratégias de gerenciamento (“strategic management” ou “strategic process”).
A partir de diversas pesquisas, próprias e de outros autores, especificamente
sobre como coletar informações junto a dirigentes de empresa, os autores
buscam contribuir com dicas práticas e também com problematizações te-
óricas para a produção de dados com boa qualidade. Usando elementos da
psicologia social ou “princípios da influência social” (“principles of social in-
fluence”), Bednar e Westphal (2006) concluem que as dificuldades com esse
tipo de pesquisa têm levado os estudiosos a abandonar o uso do survey.
Assim, os autores levantam várias questões relacionadas à aplicação de sur-
veys em geral e nos indivíduos que compõem a “corporate elite”. Dos pontos
levantados pelos autores visando tornar mais positiva a avaliação da relação
entre custos e benefícios da participação na pesquisa por parte dos possíveis
entrevistados, alguns podem ser destacados. Segundo Bednar e Westphal,
considerando que os questionários mais longos tendem a prejudicar a quali-
dade das respostas, seria interessante não apenas fazer questionários curtos e
concentrados nas questões cruciais da pesquisa, como também começar pelas
questões hierarquicamente mais importantes e mais complexas. Isso valeria
tanto para a aplicação de questionário, quanto para entrevista, embora nessa
segunda situação o entrevistador possa controlar a aplicação das questões.
Seja como for, os autores sugerem que o fundamental é o “ato de confian-
ça” que implica a decisão de se submeter a um questionário. Daí, a questão
da “reciprocidade” (“principles of reciprocity”). Bednar e Westphal falam
na utilização de mecanismos, mimos ou até incentivos monetários com o
objetivo de criar algum tipo de dívida ou obrigação por parte do responden-
te, embora sempre perpassado pela confiança e não por uma perspectiva
meramente econômica. Bednar e Westphal ressalvam que o uso de mimos
ou até de pequenas recompensas monetárias podem ser eficazes entre os
executivos, mesmo considerando que eles ganham altos salários, pois “[...]
a norma da reciprocidade transcende a consideração racional de custo e
benefícios” (BEDNAR; WESTPHAL, 2006; tradução livre)21.

21
O surpreendente é que os autores mencionam valores entre US$ 0,50 e US$ 1
(BEDNAR; WESTHPAHL, 2006).

231
Como estudar elites

Outra questão colocada pelos autores é o “princípio da influência social”,


ou a menção daqueles que já participaram da pesquisa como uma forma de
obter a colaboração do entrevistado, ou seja, essa se dar porque vários outros
já o fizeram. Inclusive, entendem que isso daria ao entrevistado maior con-
fiabilidade e tranqüilidade em relação ao uso das informações fornecidas. A
idéia seria a de que os indivíduos são mais seguidores do que iniciadores, uma
iniciativa bastante usada em anúncios comerciais que tentam mostrar que
todos estão participando ou consumindo algo22. Bednar e Westphal (2006)
também afirmam que a posição de autoridade legítima e, de outro, a posse de
uma “expertise” favorecem a obtenção da cooperação do entrevistado, inclu-
sive o apoio de universidades ou o endosso de algum executivo importante.
As pequenas quantias em incentivos monetários implicaram aumento da
possibilidade de resposta, sendo que o valor não importa e qualquer pe-
queno favor ou mimo, ou até mesmo a promessa de enviar um sumário dos
resultados, conta positivamente. O importante é criar certa obrigação de
reciprocidade, embora não se possa condicionar a recompensa a comple-
tar o questionário, mas sim dizer que completar o questionário seria algo
muito útil. Por sua vez, a prova social também funcionou positivamente e
o endosso por um executivo melhor ainda, dado o seu efeito de legitimação
da autoridade. Já o vínculo com uma universidade e o pedido emocional de
ajuda não se mostraram tão significantes. Enfim, os autores entendem que
é fundamental que haja uma relação positiva entre os custos e os benefícios
por parte do entrevistado (BEDNAR; WESTPAHL, 2006).
Segundo Brednar e Westphal, a “helping norm” também deve ser conside-
rada no processo de aplicação de questionários, ou seja, tentar convencer o
possível entrevistado de que a participação dele iria ajudar muito a pesquisa
e o pesquisador. Convém reforçar que para cada observação desse tipo, os
autores mencionam vários estudos, próprios e de outros autores, com altos
executivos, que comprovariam a pertinência de todas estas proposições23.

22
Se isso pode ser muito complicado quando se promete o anonimato total dos participan-
tes, o é também no início da pesquisa, embora possa permitir ao pesquisador priorizar os
nomes mais importantes e de grande reputação para criar um círculo virtuoso de sugestões.
A pesquisa International Management Studies acima mencionada adota um procedimento
interessante, ao começar pelos ex-CEOs aposentados que, além de terem maior disponibi-
lidade de tempo, têm certa ascendência ou ao menos contato com os que estão na ativa.
23
Os autores mencionam uma pesquisa feita por eles na qual enviaram questionários
para mais de 2600 top managers que estavam entre os mais importantes em 500 empre-
sas americanas, usando questionários diferentes – variando em extensão ou tamanho;

232
Os empresários enquanto elite

Também tratando do processo de coleta de informações junto a dirigen-


tes de empresa, Welch et al. (2002) afirmam que, quanto mais alto o cargo
do informante, mais confiável seria a informação, embora afirme que os
entrevistados ligados às pequenas e médias empresas tendem a ser mais
simpáticos e abertos. A entrevista em profundidade, entendida como “an
extended ‘face-to-face’ verbal interchange”, seria a ferramenta mais ade-
quada para se ter acesso a “business elites” e seus valores. Segundo os au-
tores, esse tipo de entrevista raramente é aplicado em elites, dado que em
geral volta-se para setores socialmente marginalizados, apesar do avanço
no uso de entrevistas com elites24.
Os autores consideram também que entrevistar elites é diferente de en-
trevistar não-elites e, de forma semelhante a Bednar e Westphal (2006),
estabelecem quatro temas como consensuais em relação a esse tipo de es-
tudo: 1- obter acesso às elites; 2- gerenciar a assimetria de poder entre en-
trevistador e entrevistado; 3- avaliar a abertura das elites e 4- manter conta-
to após a entrevista (“feedback”). Citar nomes importantes já entrevistados
pode tanto ajudar quanto dificultar para se obter novas entrevistas, e fazer
contatos após a entrevista e divulgar os resultados podem ser úteis para
obter novas informações (WELCH et al., 2002, p. 617)25.
Esse artigo se baseia em quatro pesquisas feitas em dois países (Finlândia
e Austrália), totalizando 90 entrevistados entre os agentes do International
Business (IB). Não houve por parte dos autores a preocupação em diversificar
a amostra em termos de setores, porte etc., dado que o artigo tem preocupa-
ções de ordem metodológica, ou seja, discutir aspectos da entrevista em pro-
fundidade com elites em IB. Na construção da amostra, ou melhor, na conse-
cução das entrevistas, os autores mencionam o método “cascata”, que parte
de uma carta de um top-manager que vai indicando os entrevistadores para

reciprocidade, inclusive usando incentivos monetários; prova social; legitimidade e auto-


ridade e “helping norm” − para uma mesma amostra, para verificar como esses aspectos
afetavam a qualidade das respostas. Retornaram 958 questionários de 387 companhias,
ou seja, um retorno de 36% (BEDNAR; WESTPHAL, 2006).
24
Segundo os autores, tais estudos tenderiam a serem marcados pela ausência de uma
definição clara e útil de elite. Para evitar a simples associação com as posições de topo, os
membros da elite poderiam ser definidos como informantes, geralmente masculinos, que
ocupam uma posição média ou superior na gerência, têm responsabilidade em área impor-
tante da corporação, têm longa experiência e tempo de empresa, possuem uma ampla rede
de relações pessoais e considerável experiência no exterior (WELCH et al., 2002, p. 613).
25
E isso é interessante também quando o pesquisador pretende realizar estudos de caso
ou grupos focais.

233
Como estudar elites

seus subordinados e assim por diante. O problema é que isso pode implicar
na seleção pelo top manager daqueles que vão participar. Existe também o
método “bola de neve”, que, como o método reputacional, busca saber quais
são os mais importantes portadores de informações relevantes, alguns até
fora da organização (para mais detalhes ver a discussão realizada no primeiro
capítulo deste livro). Segundo Welch et al., o melhor parece ser a combinação
dos dois métodos (WELCH et al., 2002, p. 620)26.
Quanto ao feedback, seu aspecto mais interessante seria aumentar a qua-
lidade das respostas, dado que elas passariam pela revisão do entrevistado,
daí a melhor eficácia do envio de um esboço de relatório (resultados). O en-
vio da transcrição das entrevistas foi a forma menos confiável e o envio de
um rascunho da versão final do relatório foi a mais adequada de feedback,
pois torna o pesquisador mais próximo de um consultor. Em relação à aber-
tura dos entrevistados, os autores sugerem também que os entrevistadores
se coloquem numa posição entre “terapeutas e espiões”, ou seja, enfatizan-
do a neutralidade acadêmica do trabalho e o desejo de ouvir o entrevista-
do27. Porém, não necessariamente alto grau de abertura significa alto grau
de utilidade das informações obtidas. Enfim, todas estas recomendações
estariam sujeitas aos contextos locais da pesquisa e Welch et al. (2002, p.
622 e seguintes) defendem a importância da pesquisa qualitativa e da en-
trevista em profundidade como forma de estudar os empresários enquanto
elite, no caso, da IB, embora reconheçam que a entrevista não é necessaria-
mente a melhor ou a única forma de obter dados28.
Em suma, os problemas levantados por Bednar e Westphal (2006) e Wel-
ch et al. (2002) certamente foram enfrentados por pesquisadores do meio
acadêmico, mas suas sugestões sobre a definição e a aplicação dos ques-
tionários são, além de surpreendentes, úteis. Os problemas levantados po-
dem acontecer mais intensamente nas pesquisas voltadas para as questões

26
Ezequiel Paz (2004), em pesquisa sobre a percepção dos empresários sobre a corrup-
ção, usou tanto a entrevista em profundidade quanto o sistema de indicação de novos
nomes por parte dos que haviam sido entrevistados. Como veremos adiante, procedi-
mento semelhante já foi utilizado por Boschi (1979) no Brasil no final dos anos 1970.
27
Os autores sugerem que, na presença de um intérprete, o entrevistado pode se sentir
menos à vontade para falar o que pensa e, nesse caso, é melhor usar um pesquisador
como intérprete do que uma pessoa local, dado que aquele também vai colaborar com
a tradução (WELCH et al. 2002, p. 622 e seguintes).
28
Outras interessantes ponderações sobre como entrevistar elites podem ser encontra-
das em Ostrander (1993).

234
Os empresários enquanto elite

gerenciais, mas quando se trata de temas como política e corrupção, tais


obstáculos certamente também ocorrem ou se agravam. Além disso, tais
pesquisas confirmam que, no que tange aos empresários, o tamanho do
questionário interfere na qualidade das respostas, mas não haveria muita
diferença entre questionários de extensão média e curta.
Tal questão é importante também porque é comum o pesquisador não
utilizar todos os dados obtidos pela pesquisa, o que implica desperdício de
tempo desde a elaboração do questionário, passando pela sua aplicação até o
seu processamento. Enfim, o pesquisador deve ter controle sobre a ansieda-
de de tratar diversos pontos em um mesmo questionário de uma única pes-
quisa. Sobre o método de coleta de informações, a aplicação de questionário,
abertos ou fechados, pessoalmente ou não e a entrevista em profundidade
parecem ser os instrumentos mais usados e sua escolha está sujeita aos con-
dicionantes impostos pelos conceitos e pelo referencial teórico subjacente.
Podemos notar ainda que há outros tipos de sentimentos de débito por
parte dos respondentes que podem favorecer a participação e a qualidade
das respostas. Por exemplo, o entrevistado ter tido na universidade uma fase
importante de sua formação e, por isso, dispor-se a contribuir como uma for-
ma de reciprocidade e gratidão. Uma forma de “mimo” pode ser a simples
ênfase, que em geral é autêntica, na importância não só da pesquisa, mas,
sobretudo da participação do entrevistado. Outra possibilidade é ressaltar os
eventuais ganhos ou benefícios sociais palpáveis decorrentes da pesquisa, o
que em geral é complicado em função da sua natureza acadêmica.
É sempre bom lembrar a observações de Pinçon e Pinçon-Charlot (2007)
acerca das dificuldades relativas à pesquisa sobre indivíduos como os altos
empresários, que, em geral, possuem não só alto capital econômico como
também educacional e cultural. Assim, a expertise do pesquisador pode
não ser relevante para o entrevistado, seja no momento da aplicação do
questionário, seja até mesmo antes, no momento de decidir se participa da
pesquisa, o que tem relação com a questão do “n” baixo.
Há um ponto em que os trabalhos acima comentados mostram ser funda-
mental e que é anterior à questão da qualidade das respostas ao questioná-
rio: o acesso aos indivíduos. Daí, a importância de os artigos sobre experiên-
cias de pesquisa e dos trabalhos que relatam esse tipo de dificuldade. Como
dissemos acima, boa parte das sugestões contidas nesses trabalhos já podem
ter sido praticadas, de forma mais ou menos conscientes, por diversos pes-
quisadores, mas eles ajudam a organizar tais procedimentos de forma mais
produtiva e ainda busca fazê-lo com algum tipo de fundamentação teórica.

235
Como estudar elites

Por fim, todas essas questões relacionadas à psicologia social reme-


tem à outra possibilidade de tratar da questão da “globalização” ou da
homogeneização da elite econômica em âmbito global, que também é
uma questão teórica. Ou seja, saber se os CEOs de diferentes países
reagiriam de formas semelhantes ou diferentes aos diversos mecanis-
mos de pesquisa poderia dar pistas importantes para o debate sobre a
globalização da elite econômica.

5. Empresariado, política e economia no Brasil: entre elite econômica e elite empresarial


No Brasil já há certo acúmulo de experiências com a análise dos empresá-
rios enquanto elite, embora essa abordagem não tenha ocupado posição
central nos estudos sobre esse tema. Além disso, convém destacar as duas
frentes possíveis dessa análise: a da elite econômica, ou seja, dos altos di-
rigentes de grandes empresas, e a elite empresarial, os altos dirigentes das
entidades de representação. Trata-se de dois sub-grupos da elite de um
mesmo grupo social, com suas respectivas particularidades29.
Como vimos acima, o uso da expressão elite não significa a recorrência às
questões teóricas e metodológicas do estudo de elites30. E isso tem impli-
cações sobre a pesquisa empírica. Tanto que o processo de levantamento
de dados sobre os empresários enquanto elite continua tendo como prin-
cipal referência os primeiros trabalhos sobre os empresários, ainda nos
anos 1960 e 1970, de Fernando Henrique Cardoso (1964) e Luciano Martins
(1968) e Luiz Carlos Bresser-Pereira (1974) e Renato Boschi (1979).
A pesquisa feita por Cardoso se deu através de entrevistas com roteiro pa-
dronizado e envolveu dirigentes de empresas industriais de São Paulo, Blu-
menau, Belo Horizonte, Recife e Salvador. O autor usou também o resultado
de survey junto aos dirigentes de empresas da grande São Paulo e, por fim, a
aplicação de questionários a 288 empresas. O critério utilizado para a seleção
das empresas foi o número de empregados (CARDOSO, 1964). Martins aplicou
um questionário aos dirigentes dos 50 maiores grupos industriais do Rio de
Janeiro e de São Paulo. Ainda que a pesquisa tenha se voltado para os grandes
e médios industriais, estes últimos foram considerados apenas quando adi-
cionavam algo às conclusões tiradas a partir dos primeiros (MARTINS, 1968).

29
Sobre essa distinção, ver Costa (2014).
30
Por exemplo, Eli Diniz utiliza a expressão “elites empresariais”, mas sua questão é
sobre a ação de entidades de representação (DINIZ, 2000).

236
Os empresários enquanto elite

Luiz Carlos Bresser-Pereira, ao estudar o papel dos empresários e admi-


nistradores industriais brasileiros, entrevistou diretores ativos das empre-
sas nacionais e estrangeiras com mais de 249 empregados, localizadas na
grande São Paulo (BRESSER-PEREIRA, 1974). Por sua vez, Renato Boschi
baseia sua obra em pesquisa que se caracterizou por entrevistas de natu-
reza não estruturada com dirigentes industriais como forma de criar um
clima mais informal e favorável à obtenção de informações. A amostra foi
criada a partir das indicações feitas pelos próprios entrevistados e se con-
centraram em São Paulo, entre setembro de 1975 e agosto de 197631. Para o
período de 1930 a 1964, a base empírica remete a documentos que relatam
as atividades dos principais industriais paulistas e à pesquisa realizada jun-
to com Eli Diniz (DINIZ; BOSCHI, 2004, p. 56 e seguintes).
Entre os diversos trabalhos mais recentes de Eli Diniz e Renato Boschi está
uma análise da representação de interesses empresariais no Brasil a partir
dos anos 1990. Foram aplicados questionários aos dirigentes de entidades
empresariais e também entrevistas em profundidade com tais dirigentes e
com as “lideranças do mundo empresarial”. Os problemas tratados giram
em torno dos “valores e percepções” e da “visão das lideranças empresa-
riais” acerca das mudanças ocorridas naquele momento. Os autores ressal-
vam que nem todos os dirigentes de entidade são empresários, pois, como
é comum, podem ser profissionais contratados pelas entidades. Foram rea-
lizadas 30 entrevistas, em um período de 18 meses, ou seja, entre junho de
2000 e dezembro de 2001. Quanto às “lideranças empresariais”, o critério
adotado para localização dos componentes desse grupo seria mais próximo
do reputacional, dado que considera o “critério de visibilidade pública” dos
empresários, resultando em sete nomes (DINIZ; BOSCHI, 2004)32.
Outro trabalho que ilustra a análise da elite empresarial no Brasil é o de
Payne (1995), que usa as expressões “business leaders” e “business elite”. A

31
Boschi complementou a pesquisa com a análise de uma das principais associações da
indústria, “[...] que compreendia o grosso dos interesses de um segmento substancial da elite
empresarial”, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB). Essa seria
uma forma de “qualificar a hipótese geral”, dada a impossibilidade, segundo Boschi, de um
teste empírico rigoroso (BOSCHI, 1979, p. 9).
32
Em relação a esse último aspecto, os autores partiram dos nomes que apareceram no fó-
rum da Gazeta Mercantil ente 1979 e 1989 e também dos dados do Grupo de Análise de
Conjuntura do Instituto de Pesquisa Social da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. A
partir dessas fontes, foram levantados os nomes dos empresários que mais apareceram na
grande imprensa (DINIZ; BOSCHI, 2004).

237
Como estudar elites

questão é a relação entre empresários e democracia no contexto da transição


democrática, mais especificamente entre 1986 e 1992. Em sua pesquisa, os
questionários foram aplicados entre 1986 e 1988, com 155 “leaders” indus-
triais: diretores de importantes entidades de representação desse setor; “pre-
sidentes, diretores e gerentes” de empresas industriais nacionais e multina-
cionais, principalmente de São Paulo; empresários que se destacaram como
porta-vozes em processos políticos entre 1964 e 1988 e por terem sido citados
em jornais, revistas, arquivos e fontes secundárias; e líderes que, mesmo es-
tando longe das atenções, eram considerados pelos seus pares como tal.
Foram realizadas entrevistas em profundidade sobre diversos assuntos, tais
como as relações de trabalho, os debates sobre a Constituinte de 1986, os sin-
dicatos e as entidades empresariais de representação, a gestão do Presidente
da República e outros fatores políticos. Em função da promessa de anonima-
to, as informações foram apresentadas de forma agregada e apenas relativas
a “background informations”. Foram entrevistados também proprietários ru-
rais e os dirigentes da UDR em 1992, mas não se identificam quantos33.
Podemos encontrar também algumas pesquisas sobre elites políticas no
Brasil que tem a mesma característica dos trabalhos de Mills e Dahl, ou seja,
considerar os empresários como parte de um objeto e de uma questão maior, as
elites políticas. Esse é o caso de trabalhos como os de José Murilo de Carvalho
e Joseph Love e Bert Barickman. No que diz respeito ao processo de levanta-
mento de dados, Carvalho (2003) recorreu a documentos históricos. Love e Ba-
rickman (2006) também recorreram a documentos e consideraram as posições
formais de poder, além de critérios reputacionais. As pesquisas que serviram
de base para esse trabalho se basearam em amostras de três estados com mais
de 200 indivíduos cada, dos quais em torno de um terço eram empresários, ou
seja, comerciantes, industriais, banqueiros e intermediários ou comissários, in-
vestidores em estradas de ferro e proprietários de minas. Há ainda os trabalhos
sobre a questão do Estado no Brasil que se reportam aos administradores de
empresas estatais, por vezes também chamados de “elite econômica”34.

33
Essas informações foram obtidas de uma breve nota metodológica contida no texto, o
que nem sempre acontece nos trabalhos.
34
Loureiro e Olivieri (2002) chamam de “elite econômica” os altos dirigentes das agências
econômicas do Estado e das grandes empresas industriais, mas nesse trabalho se dedi-
cam a fazer uma revisão bibliográfica. Martins (1985), ao tratar das interpretações sobre
o Estado no Brasil no pós-1964, analisa a origem social, as carreiras e o status funcio-
nal de 107 indivíduos dos quadros de agências estatais e aplica um survey e entrevistas

238
Os empresários enquanto elite

Pesquisas mais recentes sobre as elites brasileiras também podem ser cita-
das. Lima e Cheibub (1994) estudaram através de um survey os valores e opi-
niões das elites, entre elas 95 empresários de um total de 320 entrevistados,
entre outubro de 1993 e maio de 1994. Segundo os autores, Celso Lafer apre-
sentou os empresários da amostra feita entre as empresas e grupos privados,
industriais, agrícolas e financeiros, nacionais e multinacionais e de empresas
estatais, estratificados por tipo de capital (privado nacional, privado multi-
nacional e estatal) e por patrimônio líquido. Foram considerados também os
nomes mais citados por Gazeta Mercantil, Visão, Exame e Conjuntura Econô-
mica, de 1992. E compunha também a amostra algumas das “principais asso-
ciações e sindicatos empresariais”, também a partir de citações de imprensa.
Lamounier e Souza (2002) também estudaram as percepções da “elite”
brasileira sobre o passado recente. Foram entrevistadas 500 pessoas, dos
quais 71 “grandes empresários” (a partir da lista do “200 maiores grupos”
da Exame, com “acréscimos sugeridos por especialistas”) e considerando
os nomes mais “influentes na vida brasileira”. Foi utilizado um questioná-
rio com alternativas pré-fixadas em função do grande número de partici-
pantes, na grande maioria aplicados pessoalmente e os demais pelo cor-
reio; mais de 80% da amostra total é das regiões Sudeste e Centro-Oeste.
Outros estudos mais recentes, embora não se voltem para a questão dos em-
presários enquanto elite, comportam o trabalho de produção de dados a partir
de metodologias semelhantes às dos trabalhos comentados nos itens anterio-
res. Em sua pesquisa, Mancuso (2007) enviou questionários para 63 entidades
sindicais e associativas da indústria, obtendo 47 respostas. Por sua vez, Minella
(2007; 2013) sugere um procedimento metodológico que pode ser de grande uti-
lidade para o estudo dos empresários enquanto elite, que é a análise de redes.
Há também abordagens com certa perspectiva histórica. Marcovitch
(2006) descreve as trajetórias dos primeiros “empreendedores” brasileiros.
A lista de nomes se pautou pelo “êxito econômico”, pela presença de “carac-
terísticas típicas do empreendedorismo” e por suas “singularidades” frente
à história econômica do Brasil. A obra se caracteriza por uma narrativa his-
tórica da relação entre o indivíduo, sua família e as questões de seu tempo,
em especial as econômicas. Há ainda um trabalho do CPDOC (2011) que con-

qualitativas. Há também o trabalho de Schneider (1994), em seu estudo sobre as elites


burocráticas no Brasil, analisa a carreira de 281 ocupantes de altos cargos públicos entre
1964 e 1985, dos quais parte dirigiu grandes empresas estatais.

239
Como estudar elites

tem um conjunto de oito entrevistas com importantes empresários paulistas,


realizadas entre 2007 e 2011, cujo objetivo é apresentar “narrativas e visões
subjetivas sobre suas trajetórias”, mas que, por não seguir uma metodologia
clara, limita o alcance de sua utilidade enquanto fonte de dados.
Em pesquisas que realizamos recentemente, de um lado, procuramos
definir com precisão o objeto, chamado de elite empresarial, ou seja, os di-
rigentes de entidades de representação empresarial de diversos setores e
amplitude de ação (nacional ou estadual). Nessas pesquisas, procuramos
estudar esses dirigentes seguindo metodologias típicas de estudos sobre
elites, nas quais passamos por muitas das dificuldades acima comenta-
das35. Em outra frente, estudamos os senadores que exerceram atividades
empresariais antes do mandato, recorrendo basicamente ao material do
CPDOC (COSTA; COSTA; NUNES, 2014).
Por fim, podemos mencionar o trabalho de Lópes-Ruiz (2007), que anali-
sa os “executivos” das transnacionais que atuam no Brasil e os valores que
orientam as condutas que permitem a manutenção do capitalismo. Seu
objeto constitui-se de executivos de “corporações transnacionais”. Foram
realizadas 21 entrevistas, sendo 16 semi-estruturadas, além de consulta de
material de imprensa, nacional e estrangeira, especializada no meio cor-
porativo. Não houve intenção de criar uma amostragem e foi garantido o
anonimato de empresas e pessoas. O autor também freqüentou palestras
de recrutamento de empresas, eventos e folders do meio corporativo.
Em suma, verificamos que, embora exista um vasto repertório de traba-
lhos sobre os empresários no Brasil, proporcionalmente poucos o fizeram
a partir da questão dos empresários enquanto elite. Maior ainda é a lacuna
em relação a trabalhos sobre os aspectos metodológicos da pesquisa em-
pírica, embora possamos contatar que os estudos enfrentaram as dificul-
dades metodológicas do levantamento de dados necessários para o trata-
mento das questões sociológicas que lhes inspiravam. E tenderam a fazê-lo
de forma semelhante aquelas dos estudos sobre os empresários enquanto
elite, comentados nos itens anteriores.
Por exemplo, Cardoso (1964), Martins (1968) e Bresser-Pereira (1974), em-
bora também considerassem as maiores empresas, fizeram-no a partir do

35
Em alguns casos, durante a aplicação dos questionários, da mesma forma que ocorreu na
pesquisa de Diniz e Boschi (2004), também tivemos a presença de profissionais ou técnicos
entre os entrevistados, embora a grande maioria tenha sido de presidentes e alguns direto-
res. Ver Costa (2007); Costa e Engler (2008); Costa (2012a) e Costa, Roks e Santos Filho (2012).

240
Os empresários enquanto elite

critério do número de empregados. Isso mostra que a questão dos critérios


usados para definir as empresas das quais serão considerados seus dirigentes
podem ser adaptados e especializados. Entretanto, já naquele momento, os
estudiosos se ressentiam de uma dificuldade até hoje existente e que é co-
mum a praticamente todos os trabalhos acima comentados, ou seja, dos limi-
tes das fontes, sejam públicas, sejam privadas, de dados sobre as empresas e
principalmente sobre seus dirigentes. É nesse sentido que no Brasil ainda se
ressente da falta de fontes como as que existem já há muito tempo em outros
países, como os levantamentos do tipo Who’s Who, apesar da importância do
Dicionário Histórico Bibliográfico Brasileiro da Fundação Getúlio Vargas e de
levantamentos como o Valor 1000. E os empresários brasileiros também não
possuem o hábito de publicar suas biografias e currículos, o que facilitaria
muito a busca de informações básicas sobre suas trajetórias.
Mas um ponto importante que diferencia os estudos sobre o Brasil dos
trabalhos comentados nos itens anteriores é o fato de que aqui as análi-
ses sobre os empresários enquanto elite se desdobraram em três frentes:
a elite econômica, entendida como os altos dirigentes de grandes empre-
sas, privadas ou públicas, a elite empresarial, os dirigentes de entidades de
representação empresarial e os parlamentares empresários. Embora essa
seja uma questão que diga respeito aos parâmetros teóricos da pesquisa, as
proposições sugeridas pelos trabalhos aqui comentados podem ser usadas
nas três frentes possíveis de estudo sobre os empresários enquanto elite.
Mesmo assim, ainda nos faltam trabalhos que relatem suas experiências de
pesquisa, o que seria de grande contribuição para futuros estudos.

Considerações finais: desafios, dilemas e possíveis soluções para o estudo dos


empresários enquanto elite
Um dos objetivos deste capítulo foi apresentar os procedimentos adota-
dos em relação à pesquisa empírica por trabalhos de diversas naturezas
que tratam dos empresários enquanto elite, como uma contribuição para
os pesquisadores construírem os seus próprios desenhos de pesquisa. Ao
comentar a literatura, procuramos sumarizar os principais problemas e as
sugestões mais interessantes.
Como em muitos outros objetos de pesquisa, o estudo das empresas e
dos empresários como elite depende muito de como as próprias empresas e
suas entidades de representação cuidam da coleta de informações e da me-
mória acerca dos seus membros. O papel do Estado e das próprias ciências
sociais em cada país também pode influenciar a quantidade e a qualidade

241
Como estudar elites

dos dados coletados e conservados acerca dessa, e obviamente de outras


elites. E comentamos acima algumas das implicações dos procedimentos
metodológicos voltados para a produção de dados empíricos.
Em primeiro lugar, a localização dos indivíduos que comporão o objeto
de análise. No caso dos empresários, dificilmente se escapa da dimensão
posicional, embora o método reputacional, usado a partir de indicações
dos próprios empresários entrevistados ou de dimensões externas, tais
como a imprensa, em geral ou do “mundo corporativo”, também seja útil.
Parece-nos que o método mais produtivo é o posicional, dado que ele não
implica excluir o uso do reputacional ou mesmo do decisional, como mos-
tram os trabalhos de Mills, Dahl e Love e Barickman acima comentados.
Em segundo lugar, a questão do “n” baixo das pesquisas que envolvem
entrevistas dificulta a utilização de métodos quantitativos e restringe a
possibilidade de generalização das conclusões, mas implica ganhos analíti-
cos ao fornecer informações sobre processos que não aparecem nos proce-
dimentos quantitativos, ainda mais quando há escassez de fontes frias. O
estudo de caso, de indivíduo ou de empresa, também é uma possibilidade
que pode ser interessante, seja ou não articulada à abordagem de coletivos.
Em terceiro lugar, a consideração não apenas dos CEOs ou PDG, no caso
das empresas e dos presidentes das entidades de representação, e a impor-
tância do contato com os técnicos e assessores que possuem papel relevante
no funcionamento e na história da entidade. Outra questão que se coloca é
o aspecto ético da citação dos nomes de empresas e pessoas, o que pode ser
mais fácil quando de trata de períodos mais distantes historicamente ou de
informações públicas, o que, em geral, não é uma fonte muito farta de dados.
Não buscamos nesse texto apresentar fórmulas prontas e eficazes de levan-
tamento de dados para estudos dos empresários enquanto elites. Nosso obje-
tivo foi, a partir de diversos tipos de obras e experiências, contribuir para uma
linha de pesquisa na qual diversos e diferentes projetos se desenvolvem e vá-
rias e complexas questões sociológicas se articulam. Esperamos que esse texto
ao menos provoque mais debate sobre o assunto. Fica a proposição, não só em
relação aos estudos dos empresários enquanto elite, mas para todos os estu-
dos de elites, de que sejam produzidos artigos que relatem o trabalho de coleta
de dados e não apenas as conclusões que estes permitem. Isso certamente tra-
ria outras tantas contribuições para as pesquisas futuras. Por fim, vale sugerir
que os órgãos públicos e privados tenham procedimentos sistematizados para
a coleta de informações sobre esse grupo e que, para tanto, levem em conside-
ração as contribuições dos pesquisadores do meio acadêmico.

242
Os empresários enquanto elite

Referências

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or Actor in Regional Differentiation? Journal of Sociology, v. 20, n. 3, p. 332-349, 1984.

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246
9. A prosopografia explicada
para cientistas políticos
Flávio Heinz
Adriano Codato

DE UMA PERSPECTIVA diacrônica, sabe-se que estudos sobre elites podem


iluminar transformações históricas de uma dada sociedade. Mais concre-
tamente, podem nos dizer algo sobre essas mudanças se tomarmos as va-
riações nos perfis das classes dirigentes como uma proxy de processos bem
mais amplos, tais como a entrada e a saída de grupos e classes do restrito
círculo das elites políticas, os movimentos de mobilidade social e substi-
tuição geracional, as transformações dos prestígios relativos dos diferentes
ofícios ao longo do tempo, a densidade dos aparelhos de representação (le-
gislativos, partidos) e a operação dos seus respectivos filtros institucionais,
a queda e a ascensão política de regiões específicas e o predomínio das suas
classes dirigentes sobre o território nacional. No limite, estudos sobre perfis
de elite permitem estimar movimentos de separação (ou não) das diferentes
esferas das práticas sociais, em especial do universo político em relação ao
mundo social1. Uma forma útil de aceder à análise histórica de grupos di-
rigentes é através da prosopografia, ou a técnica das biografias coletivas2.

249
Como estudar elites

O objetivo deste capítulo é comentar o significado de prosopografia e


ilustrar como ela pode ser aplicada empiricamente. Na primeira seção en-
fatizamos o que ela não é – uma mera análise da estatística descritiva de
uma população determinada, em geral “de elite” – e o que ela deveria ser.
Na segunda seção mencionamos os trabalhos mais acessíveis e mais dire-
tamente ligados à temática das elites políticas que podem ser considerados
como exemplos de uso do método prosopográfico. Na terceira e na quarta
seções, expomos como a prosopografia foi empregada em dois estudos his-
tóricos, de Ciência Política e de Sociologia Política, a partir dos relatos das
nossas próprias experiências de pesquisa. Nas conclusões, sistematizamos
algumas recomendações bem práticas para serem seguidas por quem pre-
tende lançar mão dessa técnica de investigação social.

1. Prosopografia: a construção de um banco de dados


Consagrada pela pesquisa historiográfica e vinculada originalmente à His-
tória Antiga (CHASTAGNOL, 1970), a prosopografia disseminou-se entre
historiadores como um procedimento muito útil à análise de pequenas
coletividades – parlamentares, grupos profissionais, funcionários gover-
namentais, etc. –, permitindo acompanhar mudanças em suas respectivas
composições sociais e, com isso, variações nos critérios de acesso às posi-
ções de mando ao longo de sucessivas conjunturas3.
A definição canônica do que é a prosopografia pode ser encontrada
em Stone:

A prosopografia é a investigação das características comuns de


um grupo de atores na história por meio de um estudo coletivo
de suas vidas. O método empregado constitui em estabelecer um
universo a ser estudado e então investigar um conjunto de ques-
tões uniformes – a respeito de nascimento e morte, casamento e
família, origens sociais e posição econômica herdada, lugar de re-

1
Sobre esse ponto específico ver Love & Barickman (1986) onde se discute a separação
entre Rulers e Owners.
2
Para uma discussão sobre os múltiplos sentidos do termo “prosopografia” e suas nuan-
ças, ver Bulst (2005). Uma obra em português que traz textos úteis para se entender essa
técnica de pesquisa com elites é a organizada por Heinz (2006b).
3
Sobre isso, ver Offerlé (1999) e Charle (2006b), para a França, e Keats-Rohan para o
Reino Unido (2007).

250
A prosopografia explicada para cientistas políticos

sidência, educação, tamanho e origem da riqueza pessoal, ocupa-


ção, religião, experiência em cargos e assim por diante. Os vários
tipos de informações sobre os indivíduos desse universo são então
justapostos, combinados e examinados em busca de variáveis
significativas. Eles são testados com o objetivo de encontrar tan-
to correlações internas quanto correlações com outras formas de
comportamento ou ação (STONE, 2011, p. 115; grifos nossos).

Se para historiadores a prosopografia representa uma clara especializa-


ção no plano metodológico, sendo seu emprego incomum fora do campo da
História política e social de elites e de profissões, para os cientistas sociais
ela não deve apresentar maior dificuldade: as operações básicas da prosopo-
grafia assemelham-se muito àquelas da sociologia descritiva. Essa sociogra-
fia, portanto, é bem familiar à maioria dos especialistas de seu vasto campo
disciplinar. Prosopógrafos, entretanto, descrevem as propriedades sociais
de grupos em perspectiva diacrônica, comparando períodos e monitoran-
do alterações. É essa operação, a comparação das propriedades e atributos
de coletividades no tempo e suas modificações estruturais, a característica
central do método prosopográfico. A prosopografia pode ser, assim, uma al-
ternativa para se estender a análise da atuação de elites políticas e grupos
dirigentes a períodos de tempo mais recuados, permitindo obter ganhos
explicativos no desvelamento de padrões de comportamento político, de
reprodução e/ou renovação de famílias ideológicas e na explicitação de con-
tinuidades e recorrências de longa duração na sociedade e na política.
Em si, a prosopografia não constitui um exercício complicado. O proble-
ma é que, diferentemente da formatação de bases de dados obtidas a partir
do uso de questionários padronizados aplicados a grupos de respondentes
contemporâneos4, surveys que asseguram um elevado percentual de respos-
tas válidas, ou simplesmente de respostas, na prosopografia, quanto mais
distanciado no plano temporal se está dos agentes que se pretende analisar,
mais frequentes serão os casos de insuficiência de informações, de lacunas
nos documentos e de dados completamente perdidos (BURKE, 1991).
Uma peculiaridade dos estudos prosopográficos é que, quanto menos
notório (ou mais obscuro) for o indivíduo em seu tempo e na sua sociedade,

4
A propósito dos limites e vantagens do uso do survey no estudo do recrutamento polí-
tico, ver o capítulo 2 deste livro (p.33).

251
Como estudar elites

maior a probabilidade de inexistirem elementos confiáveis sobre sua vida e


trajetória, e, sobretudo, dados que permitam comparar suas características
sociais e culturais, seus percursos políticos, êxitos ou fracassos com os seus
contemporâneos. Um exemplo notável disso são os dicionários biográficos,
que trazem páginas e páginas cobrindo a trajetória de um Getúlio Vargas,
de um Carlos Lacerda, de um Afonso Arinos, mas que são muito parcimo-
niosos no trato dos assessores econômicos de Vargas no primeiro período
presidencial ou de políticos muito menos visíveis que Lacerda ou Arinos
no campo do poder. Confrontado permanentemente com o caráter lacunar
da empresa biográfica coletiva, o historiador sempre pode recorrer à sua
expertise profissional característica: o trato direto das fontes, a busca nos
arquivos daquelas informações, por vezes fragmentadas, que faltam para
se entender a carreira do deputado X ou a formação do burocrata Y. Cien-
tistas políticos e sociais não estão preparados para o trabalho de arquivos,
normalmente não conhecem seus meandros (onde estão as fontes menos
conhecidas, que tipo de documentação pode fornecer a informação dese-
jada), sua técnica (o que ler nos documentos, o que reter e o que ignorar)
ou, ainda, seu tempo próprio de produção de evidências (longo, por vezes
muito longo). Não obstante, cientistas políticos e sociais têm, no presen-
te, lançado mão cada vez mais da prosopografia, recorrendo a informações
fornecidas por instituições políticas ou culturais (dicionários biográficos
ou anuários legislativos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal).
Ao fazê-lo, contudo, incorrem em outros riscos, como aqueles relacionados
ao alto grau de generalização das características sócio-profissionais de um
indivíduo para o grupo como um todo ou ao peso excessivo concedido à
autodeclaração profissional nas notas biográficas ali reunidas.
É preciso considerar que o pesquisador, empenhado em reconstituir
biografias de indivíduos há muito tempo falecidos (a prosopografia é uma
“biografia coletiva”, portanto, sua matéria-prima são informações bio-
gráficas), está permanentemente sujeito aos vieses da produção da sua
fonte usada com mais frequência: os dicionários biográficos, sejam insti-
tucionais5, sejam sociais, como os anuários do tipo Who’s Who, em geral
construídos a partir do método reputacional. Dicionários de biografias, po-
líticas ou sociais, trazem um conjunto rico de toda sorte de informações

5
Ver, por exemplo, Abreu (2014), Abreu et al. (2001) e Monteiro (1994).

252
A prosopografia explicada para cientistas políticos

sobre membros de grupos dirigentes, mas precisam ser analisados à luz das
circunstâncias específicas de sua produção, do formato escolhido para a
apresentação dos dados, da participação do biografado na sua exposição,
enfim, das intencionalidades editoriais presentes em cada um deles, come-
çando da lista de quem merece ser biografado (HEINZ, 2011). Normalmen-
te, a consulta a esses dicionários exige cautela e determinação em depurar
as informações úteis em meio ao emaranhado discursivo que a reveste,
operação semelhante àquela exigida no tratamento de outra fonte de pre-
dileção de prosopógrafos: os necrológios.
Assim, a prosopografia não se resume à produção de tabelas de frequ-
ência com informações sócio-profissionais e de carreira sobre agentes po-
líticos do passado, a partir de dados pré-construídos, mas à produção de
uma base de dados que, em boa medida, reúna um conjunto de evidências
fabricadas pelo pesquisador, isto é, informações que reconheçam o aspecto
lacunar do perfil produzido como estruturado socialmente. E que busque
superar esse aspecto com pesquisa documental minuciosa.

2. Monografias exemplares
Alguns dos melhores resultados obtidos pela aplicação do método proso-
pográfico no Brasil estão na análise de grupos dirigentes. Referimo-nos, por
exemplo, aos trabalhos de Barman & Barman (1978) ou o estudo de José Murilo
de Carvalho (1996) sobre a elite política do Império e à vasta pesquisa compa-
rativa empreendida por Joseph Love (1982), John Wirth (1982) e Robert Levine
(1980) sobre as elites regionais de três estados da federação brasileira, cobrin-
do o período que vai do início da Primeira República, em fins do século XIX, ao
golpe do Estado Novo6. Estas três pesquisas tiveram seus resultados reexami-
nados e submetidos a novo processamento computacional uma década mais
tarde, resultando em um trabalho que, pelo volume e pela riqueza dos dados
ali reunidos, constitui ótimo exemplo das imensas possibilidades da aborda-
gem prosopográfica em estudos de elites (LOVE; BARICKMAN, 1991).
Embora a prosopografia de tradição francesa tenha se imposto paulati-
namente entre os historiadores brasileiros nas últimas duas décadas, nota-
damente através da divulgação dos trabalhos de Christophe Charle, as mais
importantes contribuições para a história dos grupos dirigentes brasileiros

6
Exemplos mais recentes de retomada de uma perspectiva prosopográfica exitosa no
trato da política brasileira do século XIX são (MARTINS, 2007; VARGAS, 2010).

253
Como estudar elites

foram gestadas no ambiente intelectual (e interdisciplinar) de cursos de


História e Ciências Sociais de universidades norte-americanas. Evidente-
mente não se deve imaginar que a prosopografia fosse desconhecida, e é
provável que possibilidades de análise biográfica coletiva de grupos políti-
cos dirigentes já tivessem sido identificadas por outros autores nos Estados
Unidos. Mas a verdade é que a problemática do poder político e o lugar de
seus agentes encontrou primeiro uma proposta metodológica clara e útil
nas biografias coletivas produzidas nos departamentos de História e de
Política Comparada latinoamericana de universidades norte-americanas.
Segundo Love, “aquele foi um período [anos 1960/1970] em que, na Ciência
Política e na História, havia muito interesse pelas elites. Houve também a
possibilidade [...] de informatizar todos os dados, de utilizar o computa-
dor para organizar e analisar as tendências estatísticas. Aproveitamos essa
nova tecnologia para organizar as nossas pesquisas” (LOVE, 2003, p. 6).
Outros trabalhos, metodologicamente muito bem desenhados, oferece-
ram boas ideias aos pesquisadores de grupos dirigentes. É o caso de Paul-An-
dré Linteau (2006), que produziu ótima análise da elite política municipal de
Montreal – prefeitos e conselheiros eleitos entre 1880 e 1914 –, destacando
alguns elementos que foram centrais na completa reconfiguração das elites
políticas locais, como a origem étnica dos representantes, a mudança do per-
fil demográfico da cidade e de sua região circundante e a mudança no padrão
linguístico local, com o ‘afrancesamento’ – via imigração massiva de popu-
lação rural francófona convertida em novo eleitorado – de uma cidade cuja
elite social e política fora, até então, exclusivamente anglófona. No trabalho
de Linteau, a recomposição social do eleitorado de Montreal, num espaço
de três décadas, explica a radical transformação social de sua elite política.
O recurso deste autor, e de vários outros, ao estender as suas análises a qua-
dros cronológicos amplos, permitindo comparar diferentes configurações
temporais de grupos de elites, é uma característica muito positiva e muito
estimulante permitida pela prosopografia. Outro célebre trabalho de inspira-
ção prosopográfica é o de Cantón (1966). Originalmente uma dissertação de
mestrado orientada por Seymour Lipset em Berkeley, ele analisou os parla-
mentares argentinos em três momentos, 1890, 1916 e 1946, identificando as
circunstâncias históricas, culturais, os determinantes políticos e socioeconô-
micos ligados às mudanças produzidas na elite política da Argentina.
Na sequência apresentamos dois relatos de pesquisas conduzidas pelos
autores deste capítulo, a construção dos problemas analíticos e como a pro-
sopografia foi por nós empregada.

254
A prosopografia explicada para cientistas políticos

3. Prosopografia na prática: estudando os políticos profissionais


A prosopografia, como vimos, é bem mais do que uma técnica de coleta
de dados ou uma colagem de várias “histórias de vida”. Ela deve ser, antes
de mais nada, um recurso para organizar, a partir de um problema socio-
lógico determinado, os dados biográficos de um grupo para, aí então, se
pensar as regularidades que há entre os atributos de seus atores conforme
os contextos históricos, tal como proposto por Stone (2011). Esse primeiro
relatório de pesquisa começa, portanto, circunscrevendo o problema ge-
ral que uma análise prosopográfica com um grupo de elite pode enfrentar
e como ele foi resolvido.

3.1. Transformando variáveis estruturais em nomes próprios


Na tese de doutorado Elites e instituições no Brasil: uma análise contextual
do Estado Novo, defendida em 2008 na Unicamp (CODATO, 2008a), ten-
tei dar conta de um paradoxo histórico nunca enfrentado diretamente até
então pela Historiografia nacional e pelos estudos de Ciência Política no
Brasil: como a “oligarquia”, isto é, a classe política dirigente de São Paulo,
que se opôs à Revolução de 1930 e organizou o Levante Constitucionalista
em 1932, pode alinhar-se a Vargas durante o Estado Novo, participar do seu
governo e defender o regime?
Até onde recorda, São Paulo foi à guerra contra a União em 1932 em nome
de uma nova ordem política. Seu objetivo principal era a devolução da auto-
nomia estadual, comprometida pela “aventura de outubro” (isto é, a Revo-
lução de 1930), pela inesperada e indesejada centralização política nas mãos
de Vargas e de seu grupo íntimo e pela “invasão” tenentista nos negócios
políticos do estado. Em editorial, o diário O Estado de S. Paulo lamentava os
adiamentos seguidos da convocação da Assembleia Constituinte pelo Gover-
no Provisório, reprovava o fato de São Paulo ainda não ser governado por um
civil, paulista e prócer do Partido Democrático e se perguntava, dramatica-
mente: “Haverá na história política de algum povo tragédia mais dolorosa do
que a tragédia de São Paulo?” (apud Borges 1979, p.179).
Em 1945, boa parte da elite política paulista abrigou-se em um dos dois
partidos nacionais herdeiros do “Ditador”, como aquele jornal chamou Ge-
túlio Vargas durante anos. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1946,
São Paulo contava com uma bancada de trinta e oito representantes. Desse
total, quase metade pertencia ao Partido Social Democrático e sete esta-
vam filiados ao Partido Trabalhista Brasileiro. Dos pessedistas, nada menos
do que doze deles haviam servido no regime Estado Novo. Dos petebistas,

255
Como estudar elites

cinco ocuparam algum cargo na máquina política varguista. Praticamente


setenta por cento da facção PTB/PSD da bancada estadual havia, então, em-
barcado na ditadura de 1937 (CODATO, 2008b).
O que aconteceu nesse intervalo entre a Revolução de 1930 e a Constitui-
ção de 1946 com essa classe política estadual? Como foi possível desarticular
as poderosas organizações partidárias regionais, trocar praticamente todas
as lideranças políticas nacionais, federalizar as grandes questões sociais e
converter a ideologia do liberalismo oligárquico em estatismo autoritário?
A Revolução de 1930, e o conflituoso período político que se seguiu a ela,
marcaram um importante processo de conversão no mundo das elites po-
líticas brasileiras. Esse parecia ser a mim um dos problemas-chave dessa
temporada. Como isso se deu? Qual a sua natureza? Que mecanismo insti-
tucional tornou possível essa conversão? Essas eram então as minhas am-
biciosas questões de pesquisa.
Ocorre que, embora a documentação histórica para esse período (ar-
quivos privados, correspondências pessoais, documentos oficiais, depoi-
mentos de protagonistas, memórias, etc.) trate quase exclusivamente das
disputas políticas intrarregionais e inter-regionais, não existiam estudos
sobre os políticos profissionais, como se poderia esperar. Os atores políti-
cos foram tema quase sempre de biografias ou apareceram nas memórias
e nas autobiografias, onde os feitos e os fatos da história de um indivíduo,
suas amizades, inimizades, aspirações, frustrações, contavam mais do que
a estrutura política na qual esses agentes estavam inseridos. Assim, quatro
perguntas simples sobre os profissionais da política nos anos 1930-1940,
tomados um como grupo de elite, quase nunca tinham sido postas pela li-
teratura: quem são?; de onde vêm?; o que fazem?; como pensam?
Para formar uma visão de conjunto da transformação do perfil das elites, e
uma visão particular da dinâmica política de cada unidade da federação após
1937, o período mais misterioso desse ciclo histórico, o ideal teria sido poder
abordar três ou mais casos exemplares, Pernambuco, o Rio Grande do Sul e
Minas Gerais, por exemplo, como haviam feito Levine, Love e Wirth.
A quantidade de variáveis mobilizadas para radiografar a estrutura da eli-
te política, o volume de informações exigido para tanto, aliada à barafunda
da maior parte dos arquivos públicos, tornou inviável um exame da lógica
política específica de diferentes estados e, na sequência, a comparação en-
tre eles. Somem-se a esses empecilhos práticos a ausência de bibliografia
sobre a elite política especificamente, resultado de dois preconceitos usu-
ais presentes na maior parte dos estudos dessa área. De um lado, o caráter

256
A prosopografia explicada para cientistas políticos

centralizador e a política de nacionalização do Estado Novo contribuíram


para que houvesse grande desinteresse pela dimensão regional do regime
(GERTZ, 1991, p. 112), já que se supunha que todas ocorrências da política
estadual deveriam ser tão somente atualizações tardias do que acontecia
no nível nacional. De outro lado, o tratamento padrão que em geral se dis-
pensou ao período posterior à Revolução de 1930, entendido a partir de ca-
tegorias societais ou econômicas sempre muito genéricas – “dinâmica de
classes, formas de produção, estágios de desenvolvimento”7 –, relegou a
segundo plano não apenas a política regional, mas a própria política insti-
tucional e seus atores, os políticos profissionais.
Tendo presente essas dificuldades – fontes documentais, historiografia
e, em especial, bibliografia sobre a política e os políticos –, decidi tratar
do estado mais anti-varguista de todos: São Paulo. Além disso, decidi
tratar de política e de políticos no período do Estado Novo, onde havia,
visivelmente, menos presença e influência da classe política, já que parti-
dos, parlamentos e eleições estavam proibidos. Logo, seria o momento e
o lugar onde deveria haver, teoricamente, o maior conflito entre Getúlio
Vargas e a oligarquia regional, essa última representada orgulhosamente
pelos paulistas. Contudo, talvez esse problema muito empírico pudesse
servir para se repensar questões mais amplas ainda, sobre como teria sido
possível cooptar e disciplinar uma classe dirigente hegemônica e redefinir
o padrão de desenvolvimento do país.
Assim, o tema “Getúlio Vargas versus a oligarquia paulista” pode ser con-
vertido na forma mais tangível de se representar a contraposição entre um
modelo agroexportador e um modelo urbano-industrial, o maior desafio
histórico do pós-1930 no Brasil. Para utilizar a fórmula de Przeworsky e
Teune (1970), ao armar o problema assim, converti, num primeiro momen-
to, para enfatizar o pano de fundo estrutural para o assunto que escolhi es-
tudar, nomes próprios em variáveis mais abstratas: Getúlio Vargas represen-
tando a via de desenvolvimento mais moderna e os oligarcas de São Paulo,
a via mais atrasada de desenvolvimento nacional. Esse conflito, que não é
apenas econômico, no sentido ortodoxo do termo, mas fundamentalmen-
te político, entre dois grandes projetos capitalistas (agrário e industrial), é
central em qualquer relato ou explicação dos desdobramentos de 1930, já

7
A observação é de Schwartzman, (1983, p. 367–368). Para uma explicação do argumen-
to, ver Schwartzman (1982, p. 26; 36–37).

257
Como estudar elites

que estipula limites para a influência de agentes sociais, como as frações


de classe. Contudo, ele não pode ser a explicação inteira da transformação
histórica que se operou. Assim, esse período de transição capitalista deve-
ria ser conhecido a partir das ocorrências concretas implicadas no proces-
so de acomodação das diferentes facções da elite política ao autoritarismo
varguista. Num segundo momento, que é o que nos interessa nesse relato
sobre o emprego prático da prosopografia, eu então reconverti variáveis
estruturais em nomes próprios. Ou seja: tive de dar nomes e sobrenomes,
refazendo circunstâncias e arranjos entre uma elite política que passou a
controlar o Estado nacional (a “varguista”) e outra elite que se viu, politica-
mente, alijada dele. Esse foi, em essência, o que o Estado Novo representou
para os paulistas. Para retomar a lamúria do editorialista de O Estado de S.
Paulo, a grande tragédia do seu povo.

3.2. Fazendo a prosopografia da elite política paulista


O desafio principal que enfrentei em minha pesquisa não foi o de determi-
nar que interesses econômicos “os políticos” de um lado e de outro represen-
tavam ou a serviço de que fração de classe estavam, mas o da caracterização
sociológica de um grupo de elite e a discussão das suas funções para a trans-
formação de um dado sistema de dominação e acumulação. Em períodos de
mudança social, é preciso lembrar, a natureza da elite política parece contar
mais, ou mais decisivamente, que em períodos de reprodução social. Mo-
mentos revolucionários, fases de modificação de regimes políticos ou fases
de transição modo de um modo de acumulação a outro não são indiferentes
ao tipo de elite que pilota o Estado e às suas escolhas estratégicas. 1930 e 1937
foram um pouco de tudo isso. Daí o foco nos agentes políticos.
Para definir quem fazia parte da elite diriegnte de São Paulo no pós-1937,
adotei, tal qual o estudo clássico de Love (1982) sobre o estado na Primeira
e Segunda Repúblicas, o critério posicional. A base de constituição desse
grupo está na razão direta dos recursos institucionais – isto é, das posições
políticas – que seus membros controlam8. Esse procedimento consiste
em identificar as posições formais de mando numa comunidade (cargos,

8
Conforme a observação clássica de Wright Mills, “o poder não pertence a um homem.
A riqueza não se centraliza na pessoa do rico. A celebridade não é inerente a qualquer
personalidade. Ser célebre, ser rico, ter poder, exige o acesso às principais instituições,
pois as posições institucionais determinam em grande parte as oportunidades de ter e
conservar essas experiências a que se atribui tanto valor” (MILLS, 1981, p. 19, grifos meus).

258
A prosopografia explicada para cientistas políticos

postos, funções); em seguida, discriminar os ocupantes dessas posições:


a “elite”; por fim, analisar o contorno e a conduta desses agentes sociais a
partir de uma série de variáveis pré-selecionadas9. Não utilizei, porque não
me pareceu nem adequado, nem factível o critério reputacional (prestígio
ou reconhecimento do grupo em questão). A reputação não seria um bom
indicador porque se tratava de um período de transformação do universo
das elites onde há, justamente, uma crise das reputações estabelecidas e,
com a Revolução de 1930, a indução de outros juízos de reconhecimento
político e prestígio social.
A fim de estudar a elite política paulista e sua relação com a ditadura de
Vargas, elegi como objeto o Departamento/Conselho Administrativo do esta-
do de São Paulo (DAESP)10. O universo da pesquisa compreendia os quatorze
indivíduos que integraram o DAESP entre 1939 e 1945. Embora os integrantes
desse aparelho não fossem uma amostra, em termos estatísticos, da clas-
se política paulista, o número – apenas 14 – não é tão insignificante como
pode parecer à primeira vista. Há, no caso de pequenos grupos, uma vanta-
gem metodológica não desprezável em empreendimentos prosopográficos.
Quanto mais variáveis forem integradas ao exame de um grupo de elite, mais
revelador poderá vir a ser o estudo. Um questionário extenso, prevê Char-
le, exige uma população-alvo bem concisa: “A multiplicidade das pequenas
amostras, saturadas de informações e, se possível, comparáveis entre si ou
com as de outros pesquisadores, parece preferível ao tratamento exaustivo
das grandes amostras com poucas variáveis” (CHARLE, 2006a, p. 31).
Ao lado ou acima desse benefício metodológico, havia uma questão pro-
priamente histórica. Love estudou todos os 263 indivíduos que formaram
a elite política paulista entre 1889 e 1937. Para continuar sua pesquisa até
1945, mesmo acrescentando ao universo os secretários de estado11, os três
interventores, o prefeito da capital, os chefes do Departamento das Muni-
cipalidades (nomeados pelo Interventor), e considerando as poucas subs-
tituições dos titulares dessas pastas ao longo do tempo, o grupo chegaria a
pouco mais de trinta pessoas. Se somássemos os quatorze do DAESP, des-
contássemos as sobreposições de nomes, o total da elite não seria nem 20%

9
Sobre o método posicional, veja o capítulo 1 deste livro (p.20).
10
Para maiores detalhes do significado e funcionamento do DAESP, ver Codato (2011; 2014).
11
Havia sete secretarias no estado de São Paulo: Justiça, Fazenda e Tesouro, Viação e
Obras Públicas, Educação e Saúde, Agricultura, Indústria e Comércio, Segurança Pública
e a Secretaria de Governo

259
Como estudar elites

do universo estudado por Love. Porém, conforme minhas estimativas, a eli-


te estadual no Estado Novo somaria algo em torno de quarenta pessoas que
detinham posições chave na administração estadual. Ou talvez ainda me-
nos: Amaral, adotando critérios semelhantes aos de Love, encontrou trinta
e um indivíduos na elite política rio-grandense (AMARAL, 2005, p. 147).
Logo, a corporação do Departamento Administrativo deveria representar
algo em torno de 35 a 40% da elite política paulista naquele momento. Gru-
pos minúsculos como esses não inviabilizam a pesquisa, é bom lembrar. Ao
invés, são um sintoma dos regimes autoritários a serem explicados.
King, Keohane e Verba, preocupados com a possibilidade de encontrar
regularidades na pesquisa social e com a capacidade dos nossos estudos
conseguirem fazer generalizações, reconhecem que pesquisas circunscri-
tas podem ser importantes se forem capazes de produzir resumos históri-
cos detalhados ou “inferências descritivas”. O ponto fundamental, a meu
ver, é que a ocorrência escolhida, se não pode permitir inferências causais
definitivas, possui uma série de “implicações observáveis” (KING; KEOHA-
NE; VERBA, 1994, p. 212). Certas ocorrências são mais significativas para
o todo sem que se precise estudar tudo: todos os estados, todas as classes
dirigentes estaduais, todos os conflitos políticos. São Paulo me pareceu, en-
tão, uma espécie de caso-limite, onde as ocorrências históricas desse perío-
do de transformações eram mais intensas12.
Para estudar os 14 do DAESP, elaborei uma ficha-padrão ou, conforme o
termo técnico, um questionário biográfico onde dispus as informações reu-
nidas sobre os membros da elite política de São Paulo em seis categorias.
Elas englobavam os requisitos típicos para o exame de grupos dirigentes:
1) perfil social, 2) atividades profissionais, 3) situação econômica, 4) carreira
política, 5) conexões interpessoais e 6) posições ideológicas. O corpus de infor-
mações reunido no questionário biográfico não traduz, como é óbvio, todos
os aspectos da vida de um indivíduo, mas somente aqueles que permitem
cruzamentos e comparações e cuja finalidade é dar uma ideia bem precisa
das características sociopolíticas do conjunto dos indivíduos estudados.
Esse inquérito das biografias coletivas, tão exaustivo quanto as fontes to-

12
São Paulo, ou seja, as relações de suas elites políticas com a ditadura do Estado Novo se
tornaram, assim, um “exemplo dramático” e não um “exemplo paradigmático”, isto é, um
caso único, extraordinário e decisivo para a explicação do problema considerado. Sobre
essa diferença ver Eckstein (1975, p. 79–137).

260
A prosopografia explicada para cientistas políticos

leravam, permitiu assim reconstruir as trajetórias profissionais e os perfis


sociais do grupo estudado. No Apêndice metodológico deste livro (Cf. apên-
dice 3, p. 301) incluímos um exemplo de como o perfil de um indivíduo foi
construído a partir dessas seis categorias listadas acima13.

3.3. Multiplicando as fontes de dados


Recorde-se que meu objetivo central era analisar a forma, a direção e a
natureza do processo de transformação das elites políticas no pós-1930 a
partir do estudo descritivo do perfil social e profissional de um grupo pe-
queno, mas potencialmente representativo, da elite política paulista.
Todavia, esse é um universo extremamente complexo e, da mesma manei-
ra que se deve falar de classes dirigentes regionais, por oposição às nacionais,
há também uma hierarquia ou uma estratificação propriamente política entre
as várias facções oligárquicas estaduais. As posições de elite e os diferentes
grupos derivados dessas posições, podem ter assim mais ou menos poder,
prestígio, influência, autoridade, reconhecimento social, etc. Logo, existem,
na política estadual, tanto uma alta oligarquia, quanto uma média e uma bai-
xa oligarquias, sendo distintos seus respectivos poderes políticos e capacida-
des sociais. Além disso, e o mais importante para a nossa discussão neste ca-
pítulo, são distintas as informações disponíveis, em quantidade e qualidade,
para os indivíduos que integram a elite política nacional, o pelotão de frente
da elite política estadual e seus grupos subalternos, muitíssimo menos repu-
tados. Esses últimos podem ser formados por coronéis do interior, mandões
locais, caciques partidários, deputados com cadeiras cativas na Câmara Esta-
dual, mas sem qualquer visibilidade para além das fronteiras do seu estado.
Um dos propósitos do autoritarismo do Estado Novo, para implementar
o seu programa reformista, era controlar as “situações políticas estaduais”,

13
A ficha prosopográfica depende do nível de profundidade e do grau de detalhe sobre
as biografias coletivas que o estudo espera alcançar, além, é claro, das características que
se quer relevar do grupo estudado. Aqui não há muitas receitas e os dados podem ser
sistematizados num software mais simples (Excel, por exemplo) ou mais complexo, com
mais recursos e projetado para esse fim (File Maker, por exemplo). Ou serem registrados
em papel e datilografados, se você preferir. Uma sugestão simples e especialmente boa de
Ferrari é elaborar, para aqueles indivíduos mais representativos do grupo em questão, para
os quais se achou muito mais dados ou para aqueles que pretendemos construir um perfil
individual, uma ficha em separado (FERRARI, 2010, p. 543). Discuti as formas concretas do
adesismo da classe política de São Paulo ao Estado Novo e as sucessivas reconversões
ideológicas de três membros do DAESP – Marcondes Filho, Miguel Reale e Marrey Júnior
– num artigo em que a existência de fichas individuais foi muito útil. Ver Codato (2013).

261
Como estudar elites

i.e., os poderes das oligarquias regionais. Dois expedientes políticos foram


empregados sucessivamente pelo regime, com graus de sucesso muito
altos. Primeiro, a nomeação de interventores federais no lugar dos gover-
nadores (em 1937). Em seguida, a indicação dos conselheiros dos Departa-
mentos Administrativos dos estados (1939), um dispositivo de supervisão
do trabalho legislativo dos interventores. Esses departamentos estavam, e
essa foi uma das principais conclusões do meu estudo, no princípio da fa-
bricação de uma espécie muito própria de contra-elite regional, através do
processo de reciclagem dos recursos humanos da própria elite. No entanto,
ao menos em São Paulo, se os inquilinos do DAESP eram os “homens do
armandismo” e os “paredros do PRP”, não estavam todos dentre os gran-
des quadros políticos do estado. Nem sempre possuíam, naquela altura, em
fins dos anos trinta, uma carreira política nacional. São, em sua maioria,
políticos conhecidos, é certo, mas em São Paulo: deputados estaduais, di-
rigentes de partidos da elite, editores de jornais políticos, militantes e ide-
ólogos de movimentos de direita. Assim, reunir todas as informações mais
significativas sobre eles, para reconstruir suas trajetórias sociais e perfis
políticos e ideológicos, não foi uma tarefa tão simples.
Dos quatorze indivíduos que estudei, mais da metade não tinha um ver-
bete no Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (ABREU et al., 2001)14. Da-
queles que o tinham, a maioria estava ou incompleta, ou com informações
erradas. Por isso foi preciso multiplicar as fontes de dados utilizadas nessa
investigação, lançando mão de arquivos privados de políticos mais destaca-
dos, contemporâneos ao quatorze do DAESP, livros de depoimentos e me-
mórias desses protagonistas (REALE, 1986), quando haviam, cartas pessoais
e até mesmo entrevistas com descendentes. A pesquisa realizada na biblio-
teca particular de Gofredo da Silva Telles Jr., um endereço onde havia as atas
do Departamento paulista muito bem organizadas, valeu pelos documentos
que pude ler, mas especialmente pelas muitas conversas – quase entrevistas
– com o filho do presidente do DAESP, já um jovem político àquela altura.
Elaborei para cada conselheiro do DAESP um verbete biográfico o mais
detalhado possível15. Nesses momentos é obrigatório não apenas contar com o

14
Sobre a lógica de construção do DHBB, veja o capítulo 3 deste livro (ver p.78).
15
Essas “Biografias políticas dos membros do Departamento Administrativo do estado de
São Paulo durante o Estado Novo” estão disponíveis no site Research Gate: <http://bit.
ly/1JNqUl9>. Acesso em: 7 set. 2015.

262
A prosopografia explicada para cientistas políticos

acaso para topar com os dados que mais se precisará, mas alguma imaginação
para cavar evidências onde for possível. Como a grande maioria deles virou
nome de rua, consultei com grande proveito um livro chamado História das
Ruas de São Paulo. No Banco de Dados Folha (da Folha de S. Paulo) consegui
ler alguns necrológios em jornais velhos. Quando um desses atores havia
sido (felizmente, para a pesquisa), secretário de estado, algumas secretárias,
mas não todas, traziam uma curtíssima biografia que, às vezes, continha
uma informação inédita. Refazer o cursus honorum, a sequência de posições
políticas, foi, ao lado do perfil ideológico, uma das tarefas mais complicadas.
Como, nesses casos de poucas pessoas, tudo é muito importante, ou ao
menos nós temos a ilusão de que tudo deve afinal significar algo, foi preciso
começar a estudá-los pelos Annaes da Câmara Municipal de São Paulo, uma
publicação dificílima de se acessar, mas não tanto como o raríssimo livro
manuscrito de assentamentos do Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, Propostas para admissão de sócios: 1933-1938.
O trabalho de Sérgio Braga, Quem foi quem na Assembleia Constituinte de
1946 (BRAGA, 1998), resolveu muitos problemas, mas apenas para aqueles
integrantes do Departamento que, depois do Estado Novo, tiveram uma
carreira nacional. Alguma coisa eu pude encontrar em O legislativo paulista
(NOUH; CARNEIRO, 1983). Esse é um daqueles títulos que existem somen-
te na Biblioteca da Divisão do Arquivo Histórico da Assembleia Legislativa
do estado de São Paulo, e ele está acessível desde que se saiba da existên-
cia dessa repartição. As relações de conflito entre a elite nacional e a elite
estadual são daqueles quebra-cabeças que exigem juntar muitos e muitos
papéis antes de se tentar dar qualquer ordem a eles. Esses papéis, eu acabei
encontrando-os em dois grandes Arquivos. Mas só se deve visitá-los depois
que se souber muito bem o que irá procurar lá dentro: o Arquivo Getúlio Var-
gas, no Museu da República (isto é, no Palácio do Catete); e os documentos
do Gabinete Civil da Presidência da República (Série: Governos Estaduais)
guardados nas latas do Arquivo Nacional16. Igual lição eu aprendi depois de
ler a primeira vez os dois abundantes volumes dos Diários de Vargas. Desco-
bertos apenas nos anos 1990, eles cobrem o interessantíssimo quotidiano da
Presidência e do presidente entre outubro de 1930 e 1942, quando sua reda-
ção é interrompida (VARGAS, 1995). Embora haja um bom aparato crítico, os

16
Resumi uma parte dos resultados em Codato (2010).

263
Como estudar elites

nomes e as situações políticas nas quais os atores políticos estão implicados


demandam, de quem lê esses calhamaços, grande conhecimento contextual
para que as menções a fulano ou a sicrano façam algum sentido. E uma paci-
ência incrível para se contentar com uma entrada do tipo “Golfe”, só isso, as-
sim mesmo, num dia perdido de 1936 onde, aparentemente, nada aconteceu.
Credenciais sociais são encontráveis preferencialmente no que chamamos
de “livros de sociedade”, como o Jubileu social: 1894-1944 (Imprensa Oficial
do Estado, 1944). Alguns who’s who podem parecer, à primeira vista, bem dis-
pensáveis, mas às vezes revelam-se inestimáveis, como o insubstituível Brasil
e brasileiros de hoje, de Afrânio Coutinho (1961). Outros títulos, que só se con-
sultam quando se precisa muito, do tipo Academia Paulista de Letras: 90 anos,
é outra daquelas fontes autocongratulatórias que não se deve nunca esnobar. A
nominata dos membros do glorioso Centro Acadêmico da Faculdade de Direito
de São Paulo no início do século XX é essencial para se estabelecer, por exem-
plo, quem foi contemporâneo de quem, de que geração era e que atividades po-
líticas teve na juventude (MACHADO JR., 1993). A reportagem de Joel Silveira
feita para a revista Diretrizes em 1943, e depois publicada como livro, Grã-finos
em São Paulo, uma etnografia mais do que profissional dos salões das famílias
quatrocentonas paulistas, é um desses achados que só se descobriria na pesqui-
sa prosopográfica e que recompensa todo o esforço e tempo desperdiçado em
horas de trabalho inútil. Com alguma sorte se pode contar com o fato de que ou-
tro pesquisador obsessivo leu o Correio Paulistano, o jornal oficial do PRP, antes
de você (PERISSINOTTO, 2001). Isso economizará muitos e muitos quilômetros
de arquivo, principalmente se essa publicação não estiver digitalizada, como
quase nada estava na primeira metade dos anos 2000. Mas nada poderá substi-
tuir a leitura dos jornais da década de 1930 ou 1940, em papel, onde se pode de
repente achar uma matéria perdida no rodapé da página ou uma menção que
só para você fará sentido: Horácio Lafer, importante líder empresarial de São
paulo, designado em junho de 1939 para integrar o DAESP, aparentemente sem
ser consultado, escreveu ao Ministro da Justiça Francisco Campos alegando ter
outros compromissos e solicitou a nomeação de um substituto17.
A parte do trabalho mais absorvente foi a de determinar o perfil político-
-ideológico dos membros do Departamento Administrativo de São Paulo.
Estabeleci uma lista de todos os acontecimentos chave do intervalo 1920-

Ver O Sr. Laffer e sua nomeação para o Departamento Administrativo. Correio da Ma-
17

nhã, 24 jun. 1939, p. 14. Jornal lido no Arquivo Edgard Leuenroth, em Campinas (SP).

264
A prosopografia explicada para cientistas políticos

1945 e procurei reconstituir a posição de cada um diante deles (a favor ou


contra; participou ou não; etc.)18. Às vezes só consegui evidências indiretas
e de uma fonte surpreendente. No Arquivo Getúlio Vargas, guardado no
Centro de Pesquisa e Documentação da História Contemporânea do Brasil
(CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, há muitos informes da polícia polí-
tica ao presidente. O serviço de vigilância e espionagem do Estado Novo
monitorava a correspondência que os líderes políticos de São Paulo, exi-
lados no exterior, enviavam a suas famílias e as cartas que ex-colegas de
partido (PRP, PD, PC) trocavam entre si fofocando sobre quem estava em
ascensão, quem não junto ao Ditador. Os agentes abriam essas cartas, da-
tilografavam o seu conteúdo, interpretavam e comentavam as avaliações
dos remetentes, decodificando para a posteridade as referências cifradas
a alguns dos nomes respeitáveis do estado. Havia também nesse papelório
longas mensagens ou simples telegramas onde políticos, julgando-se bem
informados, ou julgando que deveriam por bem informar o presidente da
situação política no seu estado, faziam um relatório das posições abertas ou
das intenções ocultas dos seus adversários, que eles próprios adivinhavam.
Em seguida, sugeriam a Vargas que medidas tomar. Algumas vezes Getúlio
até comentava uma dessas fofocas em seu Diário. Aí ficava perfeito.
Enfim, o que quero ressaltar é que essa multiplicidade de fontes, táti-
cas, soluções ad hoc, a peregrinação por um sem-número de endereços é a
única estratégia possível para estabelecer a biografia coletiva de um grupo,
capturar suas especificidades e regularidades. Vejamos na sequência outra
pesquisa e outros caminhos para fazer prosopografia.

4. Descobrindo os porquês da prosopografia: da classe no papel à classe social real

4.1. Da Burguesia aos burgueses em carne e osso


Meu primeiro contato com a prosopografia foi acidental. Embora já co-
nhecesse o livro de Peter Burke sobre Veneza e Amsterdã no século XVII
(BURKE, 1991), sequer lembrava do termo “prosopografia” quando me
mudei para Paris em 1992 para fazer meu doutoramento. Eu concluíra um

18
São eles: (1922) 18 do Forte; (1924-1927) Coluna Prestes; (1930) Revolução; (1931)
Clube Três de Outubro; (1932) Levante Constitucionalista; (1932) Lado governista; (1935)
Intentona Comunista; (1937) Golpe que instaura o Estado Novo; (1938) Revolta Integra-
lista; (1932) Ação Integralista Brasileira; (1945) Golpe que põe fim ao Estado Novo.

265
Como estudar elites

ano antes um mestrado sobre a organização patronal rural no Rio Grande


do Sul nos embates que sucederam à apresentação do I Plano Nacional de
Reforma Agrária da Nova República nos anos oitenta (HEINZ, 1991). Nessa
dissertação, me interessara pelos atores centrais do processo político, que
eram os líderes associativos do patronato rural no Sul do país. Entrevista-
ra alguns deles e os tratara no texto de forma muito genérica como legíti-
mos “representantes da burguesia agrária”. Todavia, faltaram-me, então,
recursos teóricos e metodológicos que permitissem ir além dessa classi-
ficação abstrata e pouco útil à explicitação das características sociais dos
indivíduos escolhidos.
Essa primeira pesquisa revelara, contudo, uma grande diversidade de
posturas e estratégias entre a “burguesia agrária” brasileira. Se um objeti-
vo político geral parecia tê-los temporariamente associado, ficara eviden-
te, por outro lado, sua diversidade interna, suas trajetórias distintas, seus
perfis escolares e familiares característicos. Curiosamente, o problema que
havia me impactado – a diversidade sob uma mesma classificação geral –,
e para o qual eu não dispunha de qualquer estratégia de metodológica ou
mesmo de instrumentos para descrever e pensar seus atributos específi-
cos, não provocou nenhum questionamento por parte dos avaliadores na
cerimônia de defesa do mestrado em Sociologia. Historiadores lidam com
baixo grau de elaboração teórica, deixando-se, quase sempre, guiar-se pe-
las fontes. Esse era o estágio no qual eu me encontrava e foi assim que eu
apresentei os resultados daquela pesquisa.
Uma vez em França, deparei-me por acaso, enquanto organizava pilhas
de papéis de minha primeira orientadora, Hélène Delorme, com um pe-
queno recorte de um escrito de Christophe Charle, editado pela revista
Liber, publicação encartada na Actes de Recherche em Sciences Sociales
(CHARLE, 1990). O texto, uma resenha de vários trabalhos sobre elites
e poder na Alemanha, trazia dois poderosos insights metodológicos que
marcariam meu trabalho e os interesses novos de pesquisa: priorizar a
dimensão comparativa (Charle evocava a configuração do poder político,
econômico e cultural na Alemanha tendo em mente o caso francês, e vice-
-versa) e recorrer à elaboração de perfis sociais coletivos dos atores envol-
vidos, isto é, a prosopografia.
A prosopografia e a comparação foram fundamentais para resgatar pro-
blemas que haviam surgido durante a pesquisa de mestrado e que haviam
permanecido sem resposta: quem eram os “fazendeiros” mobilizados na
luta contra a reforma agrária?; que grupos compunham essa “classe”, o que

266
A prosopografia explicada para cientistas políticos

os aproximava e os diferenciava?; que predicados sociais eram prevalentes


nos grupos mais radicalizados, e quais pareciam viger entre os mais mode-
rados?; o que o background social e cultural dos indivíduos participantes
nos revelava sobre o ativismo político dos representantes do universo da
grande propriedade no Brasil?
Essas muitas questões desembocaram num novo projeto de doutorado
e em minha tese, Les fazendeiros à l’heure syndicale: représentation profes-
sionnelle, intérêts agraires et politique au Brésil, 1945-1967 (HEINZ, 1996).
Em resumo, tentei avaliar a reação à ampliação de direitos sociais a traba-
lhadores rurais e a briga contra as iniciativas por reforma agrária a partir da
análise da ação de duas organizações patronais, elaborando o perfil coleti-
vo de seus dirigentes. O corte cronológico foi proporcionado pela própria
história de uma das organizações, a Confederação Rural Brasileira (CRB),
criada em 1951 a partir de uma lei de outubro de 1945, e que, por força da
extensão do modelo urbano já consagrado à legislação sindical rural, dá lu-
gar, em 1967, à Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

4.2. Selecionando os grupos estudados: a confecção da “amostra”


Se desde a dissertação de mestrado (1991) a questão da complementaridade
e da tensão entre representação oficial (isto é, sindical, legal) e representação
privada (associações não dependentes ou relacionadas formalmente à estrutu-
ra do Estado) do patronato rural se fizera presente, na tese de doutorado pude
então explorar os indícios oferecidos pela pesquisa prosopográfica através da
análise comparada de duas entidades: a já mencionada CRB, “não-oligárquica
mas clientelista, de ambição transregional, parlamentar e partidarista, ‘oficial’,
sindical e ‘moderna’ na ótica das transformações do pós-30”; e a poderosa So-
ciedade Rural Brasileira (SRB), a entidade “regional, paulista, liberal-conser-
vadora, fortemente identificada com a Velha República oligárquica, nostálgica
de um certo poder rural irreversivelmente declinante, antivarguista, constitu-
cionalista em 1932 e sem partido em 1945” (HEINZ, 2006a, p. 130–131).
Para fazê-lo, avaliei duas amostras de grupos dirigentes (presidentes, vi-
ce-presidentes, diretores, membros de conselhos superiores e consultivos),
atuantes num período de pouco mais de quinze anos (de 1951 a 1967 para
a Confederação Rural Brasileira; e de 1949 a 1966 para a Sociedade Rural
Brasileira). Essas amostras, de sessenta e sete dirigentes da CRB e de vinte e
sete da SRB, correspondiam, aproximadamente, a um terço do conjunto de
diretores de cada uma das entidades no período, mais precisamente 32,9%
de 194 líderes da Confederação e 35,5% de 76 comandantes da Sociedade.

267
Como estudar elites

A constituição dessas amostras não, contudo, foi feita ao acaso:

Em face do problema fundamental da falta de informações gerais


sobre as carreiras desses dirigentes, analisamos aqueles que estive-
ram no centro do movimento de representação patronal rural dos
anos 1945-1967, e cujas notas biográficas disponíveis, parciais ou
integrais, nos possibilitavam reconstituir as estratégias profissio-
nais e/ou políticas. Nossa escolha não [foi], pois, aquela que pode-
ria garantir maior ‘confiabilidade sociológica’, uma vez que nossa
amostra foi construída através de procedimentos não aleatórios de
seleção, sujeita, portanto, à intervenção de critérios que não con-
trolávamos. Se decidimos pelo estudo de dirigentes previamente
‘selecionados’ por fontes do tipo Who’s Who” – um procedimento
imposto pelo caráter esparso ou incompleto de outros documentos
–, é preciso reconhecer o quanto esta pré-seleção “editorial pode
orientar o nosso trabalho. Com efeito, o que aparece no Who’s
Who ou nos dicionários biográficos – notoriedade pública, laços
familiares, riqueza, influência política, excelência profissional –,
constitui capitais que não se encontram igualmente distribuídos ou
disponíveis ao conjunto de dirigentes. Assim, a terça parte de diri-
gentes incluídos na amostra possuía provavelmente capitais mais
importantes que as duas terças partes restantes [...]. Realizamos
uma escolha difícil, mas ponderada, entre o estudo de um grupo
restrito e único, a elite de uma elite dirigente, sobre o qual poderí-
amos estabelecer um perfil, e aquele de uma amostra talvez mais
‘representativa’ do conjunto dos dirigentes patronais, mas cuja
exequibilidade era remota (HEINZ, 2006a, p. 131 nota 21).

O propósito geral da pesquisa era lançar luz sobre as conexões entre pro-
priedade da terra, representação associativa e carreira política num período
de profundas transformações do quadro legal das relações de trabalho e do
direito fundiário no Brasil, período esse com crescente incorporação dos
temas do universo rural à agenda política e parlamentar do País.

4.3. Correlações significativas entre perfis políticos e ações sociais


A pesquisa prosopográfica sobre parte da classe dirigente brasileira nos
anos 1950 ajudou a revelar forte correlação entre militância associativa e
carreira política dos diretores da CRB. Isso lhes seria de grande utilidade no

268
A prosopografia explicada para cientistas políticos

ativismo parlamentar orientado para o que chamavam de a defesa das “cau-


sas da agropecuária”. Havia entre os chefes da Confederação Rural Brasileira
nada menos do que 29 deputados federais (com 60 mandatos somados até
o final dos anos 1960) e oito senadores, duas dezenas de deputados estadu-
ais, um número importante de secretários estaduais, diretores de agências
estatais e ministros de Estado. No espectro partidário, dividiam-se entre a
União Democrática Nacional (17 representantes) e o Partido Social Demo-
crático (14). Havia ainda quatro políticos desse grupo de elite inscritos no
Partido Trabalhista Brasileiro. A representação de políticos entre dirigentes
da Sociedade Rural Brasileira era bem menos significativa: apenas cinco dos
seus 27 dirigentes possuíam mandatos como deputados federais.
Assim, por força de seu perfil social, da forma e da natureza da sua incorpo-
ração ao universo político nacional, o ativismo dos dirigentes da Confederação
Rural Brasileira era um híbrido muito interessante da época de mutações pelas
quais passava o Brasil pós-Vargas: conservadores em questões relacionadas à
propriedade da terra, seus dirigentes tenderam, entretanto, a apoiar ações go-
vernamentais de extensão de direitos sociais a populações rurais. Ao mesmo
tempo, somavam forças com setores menos transigentes em temas de política
fundiária, especialmente face a proposições de reforma agrária. Nesse caso,
se alinhavam com os dirigentes e as lideranças políticas ligadas à Sociedade
Rural Brasileira. Mais conservadora e refratária a quaisquer variações no status
quo, a SRB, entidade com pouquíssimos políticos parlamentares, mostrou-se,
quase sempre, contrária a iniciativas governamentais no espaço rural.

Conclusões
A importância analítica dada ao estudo das propriedades e das trajetórias
coletivas de um conjunto de agentes pressupõe um esquema interpretativo
do mundo social. Esse esquema deriva, por sua vez, de dois princípios sub-
jacentes: em primeiro lugar, o foco em agregados concretos de indivíduos,
historicamente situados, é central para se entender o funcionamento do
mundo social (no lugar de grandes abstrações teóricas como “classes so-
ciais”, por exemplo); em segundo lugar, seus atributos, enquanto grupo,
são relevantes para explicar tanto seus comportamentos efetivos (opções,
decisões concretas, disposições subjetivas), como a configuração assumida
pelas instituições (“Estado”, “regime político”, etc.).
Dito isso, recordemos então os elementos chave da definição de Stone
(2011), citada no início deste capítulo. A prosopografia é, ao lado de outros
artifícios também estudados nesse livro, uma técnica de pesquisa. Ela está

269
Como estudar elites

baseada em recomendações bem simples e precisas. Depois da eleição do


grupo a ser estudado, procura-se identificar suas características comuns fa-
zendo uma “biografia coletiva” dessa confraria (uma biografia é a descrição
dos fatos da vida de uma pessoa; aqui, de várias, que têm algo em comum).
Todos os indivíduos são caracterizados a partir de uma série de atributos
pré-definidos (familiares, sociais, políticos, econômicos, etc.). As informa-
ções então obtidas são processadas para se estabelecer relações significati-
vas entre elas. Toda dificuldade está em como proceder para produzir essas
informações e, a partir dessa massa de dados, dar um sentido a ela que su-
pere a mera descrição sociográfica do grupo.
Ferrari (2010) propôs três interrogações bem diretas, mas com um
grande potencial heurístico para orientar aqueles que pretendem fazer
análise prosopográfica.
Primeira pergunta: quem estudar e quantos estudar? A forma mais usu-
al para identificar o grupo pesquisado é através do método posicional. Em
prosopografia de grupos de elites, eles ocupam o topo das organizações,
que podem ser partidos, parlamentos, associações civis, governos, buro-
cracias, forças armadas, etc. É estratégico escolher indivíduos que perten-
çam à mesma instituição, mas que ocupem, dentro dela, posições desse-
melhantes. Isso permite revelar, por exemplo, a heterogeneidade presente
num agregado social. Por outro lado, isso impede que se trabalhe com uma
amostra aleatória de componentes da elite (FERRARI, 2010, p. 541–542).
O tamanho do grupo depende do tempo que pode ser despendido na pes-
quisa e dos recursos humanos e materiais de que se dispõe. É preciso lem-
brar que como se trata de construir um banco de dados da forma mais inter-
pretativa possível, nossa experiência mostra que grupos muito grandes são
viáveis apenas quando há poucas fontes a manejar e elas já são conhecidas
pelo pesquisador. Grupos pequenos, por sua vez, podem exigir um traba-
lho colossal de localização das informações, processamento dos dados e as
fontes podem se multiplicar quase que indefinidamente, como no exemplo
sobre a classe política paulista nos anos 1940. É bom evitar também aquela
compulsão de encontrar tudo ou de ler tudo sobre o grupo19. Ferrari lembra
que “à medida que se consultam mais fontes, os rendimentos são decres-
centes pois muitas informações se repetem” (2010, p. 541).

19
Esse aspecto também foi discutido no capítulo 3 deste livro. Ver em particular o subi-
tem sobre a seleção das variáveis, na p.68.

270
A prosopografia explicada para cientistas políticos

Segunda pergunta: para quê usar a prosopografia? Um problema co-


mum em pesquisas desse gênero é que, ao final, se coleciona um volume
enorme de informações sobre origens sociais, ocupações, carreiras políti-
cas, conexões sociais e, depois de tudo, não se sabe muito bem o que isso
explica, nem para que serve. Por isso, toda pesquisa, use a técnica que for,
tem de estar orientada para responder a uma questão maior, mais ambi-
ciosa, onde os atributos de um grupo ou de um indivíduo façam sentido
para além deles mesmos.
É encantador descobrir que o todo-poderoso Ministro do Trabalho e da
Justiça de Getúlio Vargas, durante boa parte do Estado Novo, foi Marcon-
des Filho. Que foi ele também o personagem principal de um programa
semanal na Rádio Nacional, produzido pelo Departamento de Impren-
sa e Propaganda do regime, Falando aos trabalhadores brasileiros, onde
apresentava, em tom paternal, as leis sociais decretadas pelo Ditador. E
que tudo isso é muito interessante justamente porque Marcondes Filho
havia sido, nada mais, nada menos, que um daqueles membros legíti-
mos e insignes da classe política paulista antivarguista. Ele foi secretário
particular de Bernardino de Campos, líder do PRP, e afilhado político de
Carlos de Campos, presidente do estado em começos dos anos 1920. Fun-
dou e dirigiu o São Paulo Jornal, órgão mais popular do PRP, empastelado
pelos insurrecionados durante a Revolução de 1930. Assinou, em 1932, o
célebre Manifesto dos perrepistas contra o Governo Provisório que mais
tarde conduziu São Paulo à guerra contra Getúlio. E também serviu o go-
verno durante o Estado Novo; e fundou o PTB. Entretanto, tudo isso só
faz sentido quando se pensa esse conjunto de informações factuais a par-
tir do problema das relações intra-elites no pós-1930 brasileiro e por que
e como esse transformismo político foi possível – ou o que ele simboliza
de mais geral para entender esse período histórico. Assim, mais do que
relações entre “pessoas”, seus motivos e objetivos, a prosopografia deve
ajudar a esclarecer, através dos atributos coletivos que destaca, relações
objetivas entre fenômenos sociais.
Terceira pergunta: como fazer prosopografia? Nenhuma grande ideia re-
siste se não há dados disponíveis e acessíveis. Isso é tão óbvio e tão verda-
deiro que não se entende porque não se começa a pensar já o projeto de
pesquisa indicando onde se conseguirá as informações, se elas são viáveis
e de que maneira se imagina que elas possam ser trabalhadas. Assim, na
pesquisa prosopográfica, a primeira (e principal) reflexão que se deve fazer
é sobre as fontes dos dados: sua natureza, potencialidades, limites.

271
Como estudar elites

Cada tipo de fonte possui uma particularidade e os problemas de se traba-


lhar com cada uma delas já são bem conhecidos. Memórias e autobiografias
dão uma ordem e uma coerência às trajetórias dos indivíduos que nenhu-
ma vida consegue ter. Jornais antigos misteriosamente adquirem aquela
aura de verdade que basta uma notícia ou opinião estar impressa para que
isso seja assumido como conhecimento objetivo, esquecendo-se que são
produtos de múltiplas escolhas políticas, ideológicas, editoriais. Ler a his-
tória do segundo governo de Getúlio Vargas no Última Hora é um risco que
não se precisaria correr. Diários oficiais trazem dados oficiais (nominatas
de políticos de um partido, datas de entrada e saída de cargos públicos) e é
muito mais prático assumir uma informação factual registrada neles como
verdadeira até que uma outra fonte a desminta. Atas parlamentares, discur-
sos políticos, mensagens presidenciais registram aquilo que seus emissores
querem que saibamos e somente à custa de muito esforço analítico se pode
depreender desse material conflitos entre interesses, relações de força e
hierarquias entre grupos políticos ou sociais.
Por fim: embora não seja obrigatório, espera-se, no texto ou na tese, que
se faça um comentário crítico detalhado sobre o material primário ou se-
cundário. Ele previne o leitor sobre quais informações foram extraídas, de
onde, com que objetivos e como inferências foram feitas. Depois de tudo, a
prosopografia da elite estará tão completa quanto possível.

272
A prosopografia explicada para cientistas políticos

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Como estudar elites

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275
Apêndices
Apêndice 1 – Como elaborar um survey1
Caminhos para o poder: seleção de candidatos para Deputado Federal no Brasil nas eleições 2010

UFSCar UFPR UFPA UFS PUC-RS

SURVEY – Aspirantes e Candidatos


Coordenadores: Profa. Dra. Maria do Socorro Braga (UFSCar), Profa. Dra. Luciana Veiga (UFPR),
Prof. Dr. Renato Monseff Perissinotto (UFPR), Profa. Dra. Maria Luzia Álvares (UFPA); Prof. Dr. Wilson
Oliveira (UFS); Prof. Dr. Flávio Heinz (PUC-RS).
Pesquisadores: Prof. Dr. Emerson Cervi (UFPR), Bruno Bolognesi (UFSCar), Carolina Almeida de
Paula (IESP), Sandra Avi dos Santos (UFPR) e Ivan Ervolino (UFSCar).

Bloco A - DADOS INICIAIS Bloco B - BACKGROUND POLÍTICO


E PROFISSIONAL
V.1. Nome:
V.7. O senhor pode me dizer até qual nível
V.2. Idade: educacional estudou? [Se responder de 1 a 9
pular para a V.8.]
V.3. Partido:

V.4. Origem Política:


1. Ensino primário incompleto.
2. Ensino primário completo.
V.5. Sexo:
3. Ensino básico incompleto.
4. Ensino básico completo.
5. Ensino médio incompleto.
0. Feminino 6. Ensino médio completo.
1. Masculino 7. Ensino técnico incompleto.
99. NR 8. Ensino técnico completo.
9. Ensino superior incompleto.
V. 6. Estado civil: 10. Ensino superior completo.
11. Especialização completa.
12. Mestrado completo.
13. Doutorado completo.
1. Casado
88. NS
2. Solteiro
99. NR
3. Separado ou divorciado
4. Viúvo
99. NR

1
Survey mencionado no capítulo 2 “O uso do survey no estudo do recrutamento político:
limites e vantagens”.

281
Como estudar elites

V.7.a. SE superior completo ou acima, o V.11.a. Se SIM, qual outro partido o senhor
senhor poderia dizer qual curso? já foi filiado?

Partido 1 Ano
V.8. O senhor poderia nos dizer a sua profissão?
Partido 2 Ano
[Se responder político profissional, ir para a V.9.]
Partido 3 Ano

V.8.a. [No caso de profissão NÃO POLÍTICA V.12. O senhor já ocupou cargo político antes
na V.8.] O senhor exerce esta profissão junto desta candidatura?
com sua atividade política?

1. Sim [Ir para a V.13.]


0. Não 0. Não [Ir para a V.14.]
1. Sim 88. NS
88. NS 99. NR
99. NR
V.13. [ANEXO 02] Se SIM,marcar quantas
V.9. [ANEXO 01] Destas organizações, o senhor opções foram necessárias por ordem
poderia nos dizer a qual o senhor é vinculado? cronológica (1ª, 2ª, etc):

1. Organizações recreativas ou culturais   Vereador


2. Organizações religiosas
  Prefeito
3. Organizações sociais
4. Organizações acadêmicas   Deputado estadual
5. Sindicatos   Deputado federal
6. Organizações profissionais que não sindicatos
 Senador
7. Movimento estudantil
8. Organizações de mulheres  Governador
9. Associação de Bairro
  Secretário de Estado
10. Outras Qual?
  Secretário Municipal
V.10. O senhor poderia nos dizer desde quando   Assessor parlamentar
o senhor é filiado a este partido?
  Executivo de Empresa Estatal
  Dirigente Partidário
V.11. O senhor foi filiado a outro partido,   Outros cargos político-administrativos
anterior a este?
88. NS
99. NR
1. Sim [Ir para v.11.a.]
0. Não [Ir para a V.12.]
88. NS
99. NR

282
Como elaborar um survey

V.14. O senhor poderia nos dizer, quanto 7. Possibilidade de representar meu partido
tempo em média dedica às atividades político- 8. Possibilidade de desenvolver uma carreira
partidárias no período de um mês? política
88. NS
V.14.a. Políticas 99. NR

V.16. [ANEXO 04] O senhor poderia nos


dizer os três tipos de apoios que mais foram
1. Mais de 5 horas
importantes para a sua candidatura?
2. De 5 até 10 horas
[Marcar por ordem de importância].
3. De 10 até 20 horas
4. De 20 até 40 horas 1º 2º 3º
5. Mais de 40 horas
88. NS 1. Apoio da Família
99. NR 2. Amigos e colegas de trabalho
3. Apoio dos militantes do partido
V.14.b. Partidárias 4. Apoio de organização em que participa ou
representa
5. Apoio da mídia
6. Apoio dos dirigentes do partido
1. Até 5 horas
7. Apoio de eleitores
2. De 5 até 10 horas
8. Não teve muito apoio
3. De 10 até 20 horas
88. NS
4. De 20 até 40 horas
99. NR
5. Mais de 40 horas
88. NS
V.17. [ANEXO 05] Quais as três principais
99. NR
características que o senhor julga serem
as mais importantes para ser candidato
a Deputado Federal?
Bloco C - PROCESSO DE SELEÇÃO
1º 2º 3º
V.15. [ANEXO 03] Dentre as razões a seguir,
poderia nos dizer, em ordem de importância, 1. Conhecimento sobre o funcionamento da
as três principais que justificariam a sua “política”
candidatura para a Câmara dos Deputados? 2. Recursos financeiros próprios
3. Domínio de oratória e retórica política
1º 2º 3º
4. Possuir bom trânsito no partido
5. Possuir densidade eleitoral (bom de voto)
1. O status que se obtém através do cargo
6. Boa reputação pessoal ou prestígio
de deputado
profissional fora da vida política
2. A possibilidade de lutar por ideais que defende
7. Firmeza ideológica
3. Possibilidade de colaborar com o bem
8. Apoio de movimentos sociais e de base
público e comum
9. Disponibilidade (tempo)
4. Chance de ser eleito
88. NS
5. Possibilidade de representar o meu grupo
99. NR
social ou profissional
6. Possibilidade de representar a região onde vivo

283
Como estudar elites

V.18. [ANEXO 05] O senhor poderia dizer V.20.a. [ANEXO 07] Se NÃO, por favor, nos
quais características avalia como as três mais indique dentre as alternativas abaixo, quais
importantes para ser eleito Deputado Federal? fatores o senhor julga limitar as chances de
candidaturas femininas [selecionar 3 opções
1º 2º 3º
de resposta, por ordem de importância].
1. Conhecimento sobre o funcionamento 1º 2º 3º
da “política”
2. Recursos financeiros próprios 1. As mulheres colocam a família acima
3. Domínio de oratória e retórica política de uma carreira política
4. Possuir bom trânsito no partido 2. As mulheres não têm um preparo adequado
5. Possuir densidade eleitoral (bom de voto) para o exercício de cargos políticos
6. Boa reputação pessoal ou prestígio 3. As mulheres encontram dificuldade
profissional fora da vida política em conciliar as funções políticas com as
7. Firmeza ideológica atividades familiares e domésticas
8. Apoio de movimentos sociais e de base 4. Os partidos limitam as oportunidades
9. Disponibilidade (tempo) de as mulheres alçarem cargos e postos
88. NS políticos
99. NR 5. As mulheres têm pouco interesse
por política
V.19. [ANEXO 06] Sobre o processo de seleção 6. A vida política é impraticável para as
de candidatos em seu partido, o senhor diria que mulheres
o mesmo é [selecionar três opções de resposta]. 88. NS
99. NR

V.21. [ANEXO 08] Das opções abaixo, quais


1. Democrático (participação de filiados e membros)
o senhor considera serem os objetivos do
2. Competitivo (alta concorrência)
processo de seleção de candidatos em seu
3. Hierárquico (indicação de líderes)
partido? Responda sim ou não.
4. Burocrático (segue regras formais e etapas)
5. Centralizado (intervenção da executiva
1. Garantir a qualidade dos candidatos
nacional e/ou regional)
6. Descentralizado (NÃO intervenção da Sim Não
executiva nacional e/ou regional)
2. Promover renovação entre os candidatos
88. NS
e parlamentares
99. NR
Sim Não
V.20. Na sua opinião, o senhor considera adequada 3. Evitar excesso de concorrência entre os
a quantidade de mulheres que concorrem à candidatos da lista
Câmara dos Deputados por seu partido?
Sim Não
4. Reduzir lógicas clientelistas dentro do partido
1. Sim [Ir para a V.21] Sim Não
0. Não [Ir para a V.20.a.]
88. NS
99. NR

284
Como elaborar um survey

5. Promover a participação de militantes e 2. Acatar a posição do partido


filiados na escolha dos candidatos 88. NS
99. NR
Sim Não
6. Centralizar o processo de recrutamento dos V. 23. Em que momento de sua vida começou a
candidatos se manifestar o seu interesse por política:
Sim Não
7. Descentralizar a seleção, permitindo
indicações de líderes regionais ou locais 1. Na vida familiar, pois em casa sempre se
discutiu política
Sim Não
2. Durante o segundo grau escolar, no
8. Criar laços de lealdade entre candidato e partido movimento estudantil
3. Durante a faculdade, no movimento
Sim Não
estudantil
9. Criar laços de lealdade entre candidato 4. No meu local de trabalho
e líderes 5. No sindicato
Sim Não 5. Por influência de amigos
6. Outra: Qual?
10. Assegurar a ligação dos candidatos com a
base social do partido
V.24. O senhor se dedica à atividade política em
Sim Não tempo integral?
11. Garantir disciplina dos candidatos
e possíveis eleitos
1. Sim [Ir para a V.24.a. e V.24.b.]
Sim Não
0. Não [Ir para a V.24.c.]
12. Preencher uma quantidade mínima de 88. NS
candidatos na lista do partido 99. NR
Sim Não
88. NS V.24.a. [Se respondeu SIM na questão
99. NR V.24] O senhor poderia nos dizer em qual
momento de sua vida passou a se dedicar
Agora, por favor, escolha as três opções mais integralmente às atividades políticas?
importantes
1º 2º 3º
1. Antes de filiar-me ao partido político
2. Desde que me filiei ao partido
V.22. Caso exista uma divergência pontual
3. Desde quando tenho meu primeiro cargo
entre o programa político do seu partido e as
no partido
opiniões do senhor, o comportamento durante
4. Desde quanto assumi cargo de confiança
a campanha deveria ser...
5. Desde quando assumi cargo eletivo
6.  Outra Qual?
88. NS
1. Manter a minha posição pessoal 99. NR

285
Como estudar elites

V.24.b. [Se respondeu SIM na questão V.26. Tendo em vista o comportamento do


V.24] O Senhor poderia nos dizer qual a eleitor, o senhor acredita que ele vota:
principal razão que o levou a se dedicar
integralmente à atividade política?
1. Por simpatia pessoal pelo candidato
2. Por adesão às idéias do candidato
1. O aumento de minhas responsabilidades 3. Por simpatia pelo partido
político-partidárias 4. Por adesão às propostas do partido político
2. A vontade de me profissionalizar como 88. NS
político 99. NR
3. Falta de tempo para me dedicar à outra
atividade V.27. O senhor poderia nos dizer o quanto
4. Incentivo para me profissionalizar vindo considera importante a participação de filiados
de colegas e familiares do partido no momento da escolha dos
5. Outra Qual? candidatos?

V. 24.c. [Se respondeu NÃO na questão


V.24] O senhor poderia nos dizer qual a
1. Muito importante
principal razão que o impede de se dedicar
2. Importante
integralmente à atividade política?
3. Tanto faz
4. Pouco importante
5. Nada importante
1. Não tenho interesse em dedicar-me 88. NS
integralmente à atividade política 99. NR
2. A minha renda depende substancialmente
de minha outra atividade profissional V.28. O quanto essa participação ocorre
3. Gosto mais de minha profissão de origem realmente em seu partido?
do que da atividade política
4. A má fama dos políticos profissionais
5. Outra Qual?
1. Em todo o processo de seleção dos
candidatos
V.25. O senhor poderia nos dizer qual a
2. Apenas pontualmente
principal razão que o levou a se interessar
3. Em nenhum momento do processo de
por política?
escolha dos candidatos
88. NS
99. NR
1. Ter poder para tomar decisões importantes
2. Vontade de mudar a política
3. Seguir a carreira política
4. Como forma de obter prestígio e influência
5. Simples curiosidade
6. Outra: Qual?

286
Como elaborar um survey

V.29. [ANEXO 09] O senhor poderia nos dizer 5. Votos de lideranças e/ou Executiva do partido
qual tipo de apoio obteve ou espera obter de
Sim Não
seu partido para campanha eleitoral?
6. Indicação de lideranças regionais
Sim Não
1. Recurso Financeiro 7. Indicação da Executiva (regional ou estadual)
2. Material de campanha (panfletos, santinhos)
Sim Não
3. Espaço no horário eleitoral gratuito
4. Apoio da militância 8. Indicação de um único líder do partido
5. Apoio político de parlamentares ou líderes
Sim Não
do partido
6. Desfrutar do programa do partido 88. NS
7. Desfrutar do prestígio do partido 99. NR
8. Não espero obter/Não obtive apoio
88. NS
V.32. Sobre as lideranças do seu partido, o
99. NR
senhor poderia nos dizer as três pessoas que
acredita serem as mais influentes em seu
V.30. O senhor poderia nos dizer quantas
partido no Estado.
vezes foi candidato a Deputado Federal
por seu partido?
1. Posição:
2. Posição:
V.31. [ANEXO 10] Tendo em vista sua 3. Posição:
experiência durante o processo de seleção de
candidatos a deputado federal em seu partido, o V.33. Por favor, o senhor poderia citar três
senhor diria que o processo é feito em sua maior nomes que considera importantes dentro do
parte por (após a respostas, solicitar a indicação partido para o sucesso de sua candidatura.
do processo predominante no partido).
1. Posição:
Opção predominante: 
2. Posição:

1. Voto dos filiados do partido 3. Posição:

Sim Não
V.34. Quando o senhor resolveu tornar-se
2. Indicação de filiados candidato, o senhor acreditava que seria de fato
escolhido pelo partido para compor a lista?
Sim Não
3. Indicação por associações ou instituições
ligadas ao partido
1. Sim [Ir para a V.34.a.]
Sim Não 0. Não [Ir para a V.34.b.]
4. Voto por delegados e/ou representantes 88. NS
eleitos do partido 99. NR

Sim Não

287
Como estudar elites

V.34.a [ANEXO 11] Por que o senhor V.35.a. [ANEXO 13] Se SIM, por qual motivo?
acreditava que conseguiria de fato ser
candidato pelo partido?
1º 2º 3º 1. Baixa concorrência dentro do partido
2. Grande montante de recurso financeiro
1. Baixa concorrência dentro do partido 3. Boa inserção dentro do partido
2. Baixa concorrência em meu estado 4. Possibilidade de fazer uma boa votação
3. Sua boa inserção dentro do partido 5. Boa reputação em minha vida pessoal
4. Possibilidade de fazer uma boa votação e/ou profissional
5. Boa reputação em minha vida pessoal e/ 6. Influência de líder partidário importante
ou profissional 7. Possuo boa quantidade de recursos
6. Possibilidade de trazer votos para o financeiros próprios
partido, mesmo se não eleito 88. NS
7. Influência de líder partidário importante 99. NR
8. Possuo boa quantidade de recursos
financeiros próprios V.36. E o senhor acredita que o partido aposta
88. NS em sua vitória?
99. NR

V.34.b. [ANEXO 12] Por que o senhor


1. Sim [Ir para a V.36.a.]
NÃO acreditava que conseguiria de fato ser
0. Não [Ir para a V.36.b.]
candidato pelo partido?
88. NS
1º 2º 3º 99. NR

1. Alta concorrência dentro do partido V.36.a. [ANEXO 14] Se SIM, por qual motivo?
2. Alta concorrência em meu estado
3. Pouca inserção dentro do partido
4. Pouca possibilidade de fazer boa votação
1. Baixa concorrência dentro do partido
5. Não tenho apoio de líder partidário
2. Baixa concorrência em meu estado
importante
3. Boa inserção dentro do partido
6. Pouca quantidade de recursos financeiros
4. Possibilidade de fazer uma boa votação
próprios
5. Boa reputação em minha vida pessoal e/
88. NS
ou profissional
99. NR
6. Influência de líder partidário importante
7. Possuo boa quantidade de recursos
V. 35. E o senhor acredita que pode vencer
financeiros próprios
as eleições?
88. NS
99. NR

1. Sim [Ir para a V.35.a.]


0. Não [Ir para a V.36.]
88. NS
99. NR

288
Como elaborar um survey

V.36.b. [ANEXO 12] Se NÃO, por qual motivo?

1. Alta concorrência dentro do partido


2. Alta concorrência em meu estado
3. Pouca inserção dentro do partido
4. Pouca possibilidade de fazer boa votação
5. Não tenho apoio de líder partidário
importante
6. Pouca quantidade de recursos financeiros
próprios
88. NS
99. NR

V.37. Sabendo das posições ideológicas que


as pessoas usualmente assumem e tendo em
vista uma escala de 1 a 7, onde 1 é a extrema
esquerda e 7 é a extrema direita, o senhor
poderia me dizer em que posição se situa?

1 2 3 4 5 6 7

88. NS
99.NR

V.37.b. E o seu partido?

1 2 3 4 5 6 7

88. NS
99. NR

Ficamos muito gratos por sua colaboração.


Lembro que os dados serão apresentados sempre
de forma agregada. Qualquer dúvida, o senhor
esteja à vontade para entrar em contato conosco
Entrevistador:
V. 39. Data da entrevista: ___/___/___
Hora: ___:___
Local:

289
Apêndice 2 - Como formar matrizes de dados biográficos1

Título do Projeto de Pesquisa: As transformações da classe po-


lítica brasileira nos séculos XIX, XX e XXI: um estudo do perfil
sócio-político de deputados federais e senadores (1889-2014)

1. Contextualização da coleta
OS BANCOS DE DADOS discriminados neste documento fazem parte de
uma pesquisa que está mapeando a carreira política e o background social
da classe política brasileira. Essa expressão se refere a todos os indivíduos
que foram parlamentares na Câmara dos Deputados e no Senado Federal
do Brasil, desde a proclamação da República em 1889. A coleta tem sido
realizada retrospectivamente, e em três etapas, que fazem cortes tempo-
rais a partir das fontes disponíveis em diferentes períodos. Na primeira
etapa coletamos os dados para os senadores eleitos durante a democracia
recente, entre 1986 e 2010, e a fonte foi o DHBB – CPDOC/FGV2. Na segun-
da etapa coletamos os dados dos senadores eleitos entre o primeiro ciclo
pluripartidário (1945-1964) e a Ditadura Militar (1964-1982) e a fonte uti-
lizada foi o Dicionário Histórico Bibliográfico Brasileiro (DHBB – CPDOC/
FGV). Os verbetes do dicionário também foram acessados na internet. A
terceira etapa da coleta se refere aos senadores eleitos entre 1890 e 19343,
e nesta terceira etapa a principal fonte consultada foram as fichas biográ-

291
Como estudar elites

ficas do PRODASEN, que nos foram enviadas por e-mail pela Coordenação
de Arquivo do Senado Federal (COARQ). O documento abaixo é detalha-
damente explicado no capítulo 3 deste livro.

2. Apresentação dos bancos de dados


Os bancos são instrumentos de coleta de dados. Eles têm como objetivo
sistematizar em uma matriz sujeita à manipulação estatística as infor-
mações biográficas presentes em uma determinada fonte. No entanto,
cada fonte organiza essas informações de uma determinada maneira.
A função do banco é padronizar essas diferenças. Portanto, toda vez
que se altera a fontes dos dados, espera-se que sejam feitos ajustes na
matriz, tendo em vista aperfeiçoar o trabalho de coleta de dados. Por
isso, para cada uma das fontes acima referida (DHBB e PRODASEN) foi
elaborada uma matriz.
Cada coluna da matriz registra uma determinada informação do titu-
lar do mandato (logo, cada linha se refere ao titular). Os indivíduos que
se reelegem possuem mais de uma entrada, isto é, ele é titular de dois
mandatos. Nesses casos, as informações básicas (como nome e data de
nascimento) são repetidas, mas o bloco de colunas que registram as in-
formações sobre carreira política do mesmo indivíduo será mais extenso,
pois estamos registrando no banco que, com a reeleição, o mesmo político
ocupou mais de uma vez o mesmo cargo. Os suplentes não foram admiti-
dos na base de dados.
Na primeira fase da coleta (1986/2010) levantamos os dados sobre
240 indivíduos, que foram titulares em 296 mandatos. Na segunda fase
(1946/1982) temos 289 indivíduos ocupando 358 mandatos. Na terceira
fase da coleta (1890/1937) coletamos dados de 358 indivíduos, que foram
titulares em 851 mandatos senatoriais.
Apresentaremos a seguir as colunas e a relação de códigos elaborados
para cada uma das três fases da coleta dos dados.

1
Descrição pormenorizada das fases da coleta e das variáveis do banco de dados men-
cionados no capítulo 3 "O desenho e as fontes da pesquisa com elites parlamentares
brasileiras no século XX".
2
Como discutido no capítulo 3 (ver p.78), a publicação "Dados biográficos do Senado Brasi-
leiro" foi consultada apenas de maneira circunstancial na primeira etapa da pesquisa.
3
A 37ª legislatura foi interrompida em 10 de novembro de 1937, com o golpe que ins-
taurou o regime do Estado Novo no Brasil. Entre 1937 e 1945 toda a atividade legislativa
foi suprimida no Brasil.

292
Como formar matrizes de dados biográficos

3. A primeira e a segunda fases da coleta (1945/2010)


A divisão entre a primeira e a segunda fase foi apenas operacional: como o
grupo de pesquisa não contava com recursos suficientes para contemplar um
período extenso, a primeira fase (com os eleitos entre 1986 e 2010) foi a pri-
meira investida sobre o universo com esse instrumento de coleta. Depois de
terminada essa etapa, percebendo que os resultados se tornaram consisten-
tes, uma nova equipe foi composta para realizar a coleta dos senadores dos
dois regimes políticos anteriores (Segunda fase, 1945-1982), o que totalizava
um universo relativamente similar ao da primeira etapa. Além do mais, as
fontes não se alteraram significativamente, como foi para o caso da etapa 3.
Para as etapas 1 e 2 as fontes foram prioritariamente o DHBB- CPDOC/FGV.
Para os políticos recém chegados aos cargos eletivos nacionais – e que portanto
não estavam biografados pela fonte prioritária (DHBB) – recorremos ao mate-
rial produzido pelo próprio Senado, que é armazenado no site da instituição.
De posse dos senadores eleitos (excluindo-se, desse modo, os suplentes
que eventualmente tenham assumido a cadeira), os pesquisadores entram
diretamente com o nome do senador no site do DHBB (http://cpdoc.fgv.br/
acervo/dhbb) e baixam a sua biografia em formato “doc”. A partir daí, a lei-
tura minuciosa é acompanhada do destaque das informações no próprio
texto para posterior entrada na matriz de dados.
A matriz preparada para essa coleta contém cinco blocos de informações
formatadas sequencialmente de modo a conjugar a estrutura convencional
do verbete biográfico, por um lado, e a própria separação das questões teó-
ricas gerais da pesquisa. A estrutura da planilha de coleta e armazenamento
de dados foi a seguinte:

• Coluna “ID”. Essa coluna faz a lista numérica das entradas no banco.
• Coluna “Nome do digitador”. Quem fez a coleta desta linha.

1. Primeiro bloco – informações gerais e do mandato – 9 colu-


nas. Esse bloco contém dados como o nome completo, nome
político, local e ano de nascimento, partido pelo qual foi eleito
e estado que representa na Câmara Alta.
2. Segundo bloco – background social – 8 colunas. Essa parte
da planilha registra até três ocupações prévias ao ingresso na
vida política-pública, a ocorrência ou não de parentes na po-
lítica, o grau de formação escolar e o diploma acadêmico para
os que alcançaram formação superior completa.

293
Como estudar elites

3. Terceiro Bloco – carreira política – 36 colunas. Dedicado para


reunir os cargos públicos percorridos em sequência até o mo-
mento de chegada no mandato de senador. Para cada cargo
público (eletivo ou de nomeação) utilizamos três colunas (car-
go por extenso, cargo categorizado e ano de ingresso), com um
mínimo de zero cargos até o máximo de 12 cargos.
4. Quarto Bloco – Filiação partidária – 16 colunas. Trata-se de
seção preocupada com a migração partidária. Procura mape-
ar, em ordem cronológica, todos os partidos políticos a que o
indivíduo esteve filiado ao longo de sua trajetória política. Uti-
lizamos duas colunas para cada filiação (a sigla do partido e o
ano de ingresso), com ocorrências distribuídas entre um e oito
partidos políticos ao longo da trajetória individual.
5. Quinto bloco – Direção partidária – 6 colunas. Aqui o objetivo
foi registrar a passagem por cargos de direção partidária ao
longo da trajetória individual que fossem externas ao exercício
parlamentar (excluindo, portanto, as lideranças de bancadas
parlamentares). Foram registrados até 3 cargos de dirigentes
partidários com duas colunas cada uma, o cargo categorizado
e período de passagem pelo cargo.
6. Sexto bloco - Associativismo – 6 colunas [caracterização dos
vínculos associativos realizados pelo senador]. Aqui a entrada
se dava por meio do código da organização/associação a que
havia pertencido (conferir códigos abaixo) e ano de entrada, li-
mitadas a até três associações ou organizações civis.

Abaixo relacionamos os códigos utilizados em cada bloco de colunas. Em


todos os casos onde não encontramos informação o código utilizado é 99.

Estado de nascimento
Bloco 1 – informações de identificação e
mandato (nome, nascimento, partido e
1 - Acre
mandato foram inseridos por extenso)
2 - Alagoas
Códigos utilizados 3 - Amapá
4 - Amazonas
Sexo 5 - Bahia
6 - Ceará
1 - Homem 7 - Distrito Federal
2 - Mulher 8 - Goiás

294
Como formar matrizes de dados biográficos

9 - Espírito Santo 24 - São Paulo


10 - Maranhão 25 - Santa Catarina
11 - Mato Grosso 26 - Sergipe
12 - Mato Grosso do Sul 27 - Tocantins
13 - Minas Gerais
14 - Pará
15 - Paraíba Bloco 2 – background social (Ocupação 1,
16 - Paraná ocupação 2, ocupação 3 / parentesco político e
17 - Pernambuco curso de graduação – entradas por extenso).
18 - Piauí
Códigos utilizados:
19 - Rio de Janeiro
20 - Rio Grande do Norte
Grau de formação escolar
21 - Rio Grande do Sul
22 - Rondônia
1 - Sem formação
23 - Roraima
2 - Ensino Fundamental Incompleto
24 - São Paulo
3 - Ensino Fundamental Completo
25 - Santa Catarina
4 - Ensino Médio Incompleto
26 - Sergipe
5 - Ensino Médio Completo
27 - Tocantins
6 - Ensino Técnico Incompleto
7 - Ensino Técnico Completo
Estado eleito senador
8 - Ensino Superior Incompleto
9 - Ensino Superior Completo
1 - Acre
10 - Pós-Graduação Latu Sensu
2 - Alagoas
(aperfeiçoamento e especialização)
3 - Amapá
11 - Mestrado
4 - Amazonas
12 - Doutorado
5 - Bahia
13 - Pós-Doutorado
6 - Ceará
7 - Distrito Federal
8 - Goiás
Bloco 3 – carreira política (cargos ocupados,
9 - Espírito Santo
partidos a que esteve filiado e ano de ingresso
10 - Maranhão
em cada um foram inseridos por extenso)
11 - Mato Grosso
12 - Mato Grosso do Sul Códigos para “cargo categorizado”
13 - Minas Gerais
14 - Pará 1 - Ministro;
15 - Paraíba 2 - Outros cargos de nomeação burocracia
16 - Paraná federal (superintendências federais, DASs,
17 - Pernambuco Chefia de DENIT, ANAC e assim por diante);
18 - Piauí 3 - Secretário Estadual;
19 - Rio de Janeiro 4 - Outros cargos nomeação burocracia estadual
20 - Rio Grande do Norte (superintendências estaduais, cargos de emprego
21 - Rio Grande do Sul em DER, regionais de saúde, educação e assim
22 - Rondônia por diante);
23 - Roraima 5 - Secretário Municipal de Capital Estadual;

295
Como estudar elites

6 - Outros cargos de nomeação municipal


Bloco 5 – Associativismo (o ano de ingresso
de capital estadual;
foi inserido por extenso)
7 - Secretário Municipal de cidade do interior;
8 - Outros cargos de nomeação municipal
1 - Associações sindicais patronais/empresariais
de cidade do interior;
2 - Associações produtores rurais
9 - Presidente
3 - Associações sindicais trabalhadores
10 -Governador
4 - Associações religiosas (católicas,
11 - Senador
evangélicas, etc.)
12 - Deputado Federal
5 - Associações acadêmicas/profissionais/
13 - Deputado Estadual
imprensa (OAB, CREAs, Ass. Médicas, ABCP,
14 - Prefeito
ABRI, SBS, ANPUH e afins)
15 - Vereador
6 - Associações movimento estudantil (CAs,
16 - Vice-presidente
DCEs, UNE, UPE e afins)
17 - Vice-governador
7 - Associações sociais/culturais (academia de
18 - Vice-prefeito
letras, clubes literários, Rotary, maçonaria, etc.)
8 - Associações ligadas a novas questões
sociais (meio ambiente, gênero, raça e direitos
Bloco 4 – direção partidária (o ano de cada
diversos, deficientes e afins)
posição ocupada na organização do partido
9 - Associações assistencialistas (aquelas
foi inserido por extenso)
explicitamente dedicadas à assistência social,
Códigos dos cargos de dirigentes partidários drogas, pobreza etc)
utilizados: 10 - Associações esportivas (clubes futebol,
federações esportivas etc.)
1 - Dirigente partidário nível nacional (Diretório) 11 - Sindicatos/organizações trabalhadores
2 - Dirigente partidário nível estadual ou rurais (MST)
Regional (Diretório)
3 - Dirigente partidário nível municipal capital
(Diretório)
4 - Dirigente partidário nível municipal interior
(Diretório)
5 - Dirigente nacional (Comissão Executiva)
6 - Dirigente estadual (Comissão Executiva)
7 - Dirigente municipal capital (Comissão
Executiva)
8 - Dirigente municipal interior (Comissão
Executiva)
9 - Dirigente partidário provisório (Diretório
Provisório)
10 - Não teve nenhuma atuação como dirigente
partidário
Outro Especificar na célula

296
Como formar matrizes de dados biográficos

4. A terceira fase da coleta (1890/1934)


Na terceira fase coletamos os dados dos senadores eleitos entre 1890 e 1934.
A principal fonte consultada foram as fichas biográficas do PRODASEN. O
banco de dados precisou ser reconfigurado, de modo que o coletador regis-
trasse as informações na ordem em que elas apareciam nas fichas biográficas.
As fichas biográficas estão organizadas por legislaturas. Assim, para o
total de 16 legislaturas no período, recebemos da COARQ 16 arquivos PDF,
cada um deles com cerca de 80 laudas – existem fichas mais detalhadas,
que chegam a ocupar uma inteira, ao passo que outras contém menos in-
formações, e ocupam um espaço menor no arquivo.
A matriz que elaboramos nesta terceira fase da coleta possui três colunas
para a identificação da fonte e do coletador, e oito blocos de informação
com dados do titular do mandato.

• Coluna “ID”. Essa coluna faz a lista numérica das entradas no banco.
• Coluna “Nome do digitador”. Quem fez a coleta desta linha
• Coluna “Número do arquivo PDF”. Esse número indica de qual arquivo
PDF as informações desta linha foram extraídas.

1. Identificação – 11 colunas [Identificação do senador]. Esse


bloco contém dados como o nome completo, local e data de
nascimento e óbito, etc.
2. Filiação partidária – 19 colunas. [Descrição dos partidos em
que o senador foi filiado]. Registramos a sigla de cada partido,
o ano de entrada e o ano de saída. Reservamos espaço para até
seis partidos, e na última coluna o coletador anota o total de
partidos pelo qual passou aquele senador.
3. Carreira política – 81 colunas [Descrição dos cargos públicos
ocupados pelo senador]. Reservamos espaço para até 20 car-
gos públicos. A coleta registra quatro informações sobre cada
um deles: nome do cargo, cargo categorizado, ano de entrada
e ano de saída. Por último é feito o registro do total de cargos.
4. Síntese da carreira – 5 colunas [síntese da carreira do senador].
Registramos o ano do primeiro cargo público e do último cargo
público até a sua chegada ao senado. A diferença entre esses
dois anos é a terceira coluna, que nos informa o seu tempo de
carreira. A seguir a matriz registra o total de cargos, e, depois
anotamos qual o perfil da carreira (ver a codificação abaixo)

297
Como estudar elites

5. Dados Familiares – 4 colunas [caracterização da pertença do


senador a uma família política]. Registramos nessas colunas
se o indivíduo possui antepassados vinculados à política,
qual é o grau de parentesco (pai, tio, avô etc.), quais os seus
cargos e sua profissão.
6. Informações ocupacionais – 6 colunas [informações sobre
a ocupação do senador, formação universitária, ocupações,
etc.]. Uma coluna registra se ele teve formação superior, outra
registra o nome do curso e outra o ano de diplomação. As três
colunas restantes são preenchidas com as profissões exercidas
antes da atividade política.
7. Direção partidária – 6 colunas [caracterização de direção
partidária desempenhada pelo senador]. Reservamos espaço
para três partidos, registrando no banco a sigla e o âmbito de
influência do senador dentro do partido.
8. Associativismo – 6 colunas [caracterização dos vínculos as-
sociativos realizados pelo senador]. Aqui o coletador anota o
nome da associação e ano de entrada. Existe espaço para até
três vínculos associativos

Abaixo relacionamos os códigos utilizados em cada bloco de colunas. Em


todos os casos onde não encontramos informação o código utilizado é 99.

Bloco 1 – Identificação Bloco 3 – carreira política


Coluna sexo
Coluna cargo_categorizado

1 - Masculino 1 - Cargo não eletivo de nível municipal


2 - Feminino 2 - Cargo não eletivo de nível estadual
(1º escalão – secretários estaduais)
3 - Cargo não eletivo de nível estadual
Bloco 2 – Filiação partidária (2ºescalão –presidente de bancos, institutos,
chefes de polícia)
Sem informações codificadas. Todos os
4 - Cargo não eletivo de nível federal
dados foram inseridos exatamente como
(1º escalão – ministro)
discriminados na fonte.
5 - Cargo não eletivo de nível federal
(2º escalão – secretario, conselheiro, etc)
6 - Vereador

298
Como formar matrizes de dados biográficos

7 - Prefeito/ intendente
Bloco 7 – direção partidária
8 - Deputado estadual
9 - Deputado federal Coluna nível
10 - Governador/interventor/presidente
de província 0 - Não foi dirigente partidário
11 - Senador 101 - Foi dirigente partidário em
12 - Presidente nível municipal
102 - Foi dirigente partidário em nível estadual
103 - Foi dirigente partidário em nível federal
Bloco 4 – síntese da carreira
Coluna perfil de carreira
Bloco 8 – vínculos associativos

1 - Parlamentar puro (nunca ocupou Não há informações codificadas. O coletador


um cargo indicado) insere na matriz o nome por extenso da
2 - Burocrático puro (nunca foi eleito para associação ao qual o senador foi vinculado.
um mandato)
3 - Misto com início na parlamentar
4 - Misto com início na burocrática

Bloco 5 – dados familiares


Coluna Família Política

1 - Sim
0 - Não

As demais informações foram registradas no


banco como estava informado na fonte. Por
exemplo, se a ficha indica que o pai do senador
foi deputado e fazendeiro, o coletador anota
exatamente essas palavras na matriz.

Bloco 6 – informações ocupacionais


Coluna Formação Superior

1 - Sim
0 - Não

As demais informações foram registradas no


banco como estava informado na fonte. Por
exemplo, se a ficha indica que o senador foi
advogado, jurista e senador, o coletador anota
exatamente essas palavras na matriz.

299
Apêndice 3 – Como produzir uma ficha prosopográfica1

ESTA É UMA TÍPICA ficha individual, saturada com o máximo de infor-


mações disponíveis nas fontes e redigida como um verbete de dicionário
histórico-biográfico. Durante a pesquisa, fichas individuais foram elabo-
radas a partir de um questionário biográfico padronizado.
Esse questionário estava dividido em seis blocos de informações e, den-
tro de cada bloco, havia uma série de variáveis significativas, como diria
Stone (2011), para os objetivos da investigação:

1) perfil social (local e data de nascimento, filiação, escolarida-


de, instituições escolares pelas quais passou e em que data);
2) atividades profissionais (todas as ocupações que o indivíduo
teve ao longo da vida, ordenadas conforme suas datas de en-
trada e saída);
3) situação sócioeconômica (derivada, indiretamente, das ocu-
pações);

301
Como estudar elites

4) carreira política ou burocrática (todos os mandatos, fun-


ções e postos ocupados, dispostos cronologicamente con-
forme suas datas de entrada e saída e os partidos políticos
correspondentes);
5) conexões interpessoais (patrocínios políticos, negócios em
comum, laços de casamento, de parentesco ou presença, nas
mesmas instituições, ao mesmo tempo, que membros do De-
partamento Administrativo paulista); e
6) posições ideológicas (estimadas a partir do posicionamento
e/ou participação nos principais eventos políticos do período
estudado; da atividade jornalística ou literária).

Para construir esse perfil consultei nove fontes diferentes, referidas


aqui no rodapé do texto. Note que a ficha é bastante completa porque
se trata de um político bem importante, com uma carreira longa e de
projeção nacional.
Marquei aqui em negrito as informações que correspondiam às variá-
veis listadas acima a fim de destacar o que considerei como o mais impor-
tante de reter.
Alexandre Marcondes Machado Filho (1892-1974)

Marcondes Filho nasce a 31 de agosto de 1892 em São Paulo (SP) e falece


na mesma cidade a 16 de outubro de 1974. Filho do industrial Alexandre
Marcondes Machado e Maria Albertina Marcondes Machado, cursa o pri-
mário e o secundário no Colégio São Luiz, completa os estudos superiores
na Faculdade de Direito de São Paulo, a 7 de dezembro de 1914, e torna-se
secretário particular de Bernardino de Campos, líder do Partido Republi-
cano Paulista (PRP). Ainda como estudante, “trabalhou no escritório do
jurista Alfredo Pujol, companheiro e advogado de Rui Barbosa na Campa-
nha Civilista (1910) [...]. Graças a essas atividades, desde sua juventude
Marcondes Filho conviveu com o mundo político, principalmente em São
Paulo e no Rio de Janeiro” (FGV-CPDOC, 1983, p. 2083).
Casa-se com Maria Mercedes Marcondes Machado e deixa de ser promo-
tor público para montar seu escritório privado como advogado na capital

1
Ficha biográfica a partir dos dados prosopográficos mencionada no capítulo 9 “A proso-
pografia explicada para cientistas políticos”.

302
Como produzir uma ficha prosopográfica

paulista. Especializado em Direito Comercial (falências), conta-se que sua


banca era uma das mais ativas e requisitadas da cidade. Marcondes Filho
é um dos fundadores do Instituto dos Advogados de São Paulo (BRAGA,
1998, p.688). Jornalista, cria e dirige, em 1927, o São Paulo Jornal, órgão
mais popular do Partido Republicano Paulista (PRP). Foi também redator
de O País2. A partir de 1940, é diretor do jornal A Noite.
Tendo sua candidatura o aval de Carlos de Campos, presidente do es-
tado, Marcondes Filho torna-se vereador pelo PRP à Câmara Municipal
de São Paulo na 12ª Legislatura (MILLIET, G.; GAMA JR., F. I. DA, s.d.),
entre 15 de janeiro de 1926 e 15 de janeiro de 1928, sendo imediatamente
promovido a líder da bancada. É eleito duas vezes deputado federal: de
1927 a 1929 e em 1930. O primeiro mandato de deputado federal coincide
com o de Marrey Júnior pelo Partido Democrático (PD). Na Câmara, “con-
tinuou a combater o PD e tornou-se importante auxiliar de Manuel Vila-
boim e de José Cardoso de Almeida, que lideravam a maioria parlamentar
em apoio ao governo de Washington Luís” (FGV-CPDOC, 1983, p. 2083).
Apoia a candidatura de Júlio Prestes à Presidência da República contra o
candidato da Aliança Liberal, Getúlio Vargas, preferido do PD.
É eleito para o segundo mandato de deputado, em 1930, juntamente
com Armando Prado, João Carvalhal Filho e Cirilo Júnior (todos pelo
PRP), e fica no cargo de maio a outubro, já que todas as atividades parla-
mentares são suspensas com a deflagração da Revolução de 1930, a 3 de
outubro. Contrário ao movimento, perde o mandato, tem seu periódico,
São Paulo Jornal, empastelado pelos revoltosos, abandona a política par-
tidária e volta e exercer a advocacia.
Em 1932, é um dos signatários do Manifesto divulgado a 19 de janeiro
deste ano redigido pelo PRP contra o Governo Provisório de Vargas. Com
a derrota do movimento constitucionalista, Marcondes Filho afasta-se da
vida política.
Só volta a ocupar cargos públicos quando é convidado por Getúlio Var-
gas para ser vice-presidente do Departamento Administrativo do Estado
de São Paulo (DAESP) em 1939. Permanece na função até 1941. No final
desse ano, Marcondes é indicado presidente da União Cultural Brasileira
(UCB), “uma entidade fundada por defensores” do Estado Novo. Mirando

2
Cf. notas explicativas a Manoel Luiz Lima Salgado Guimarães et alli (1982, p. 393)

303
Como estudar elites

o plebiscito a ser realizado em 1943, conforme a Constituição de 1937, “a


UCB estaria fadada [...] a transformar-se num embrião de partido políti-
co”. Ela deveria organizar e dirigir a força política dos trabalhadores urba-
nos a fim garantir apoio ao ditador (PARANHOS, 2007, p.133).
De 1941 a 1945 Marcondes Filho é Ministro do Trabalho, Indústria e
Comércio:

Em dezembro [de 1941], Vargas convidou Marcondes Filho


para o cargo [de ministro do Trabalho, em substituição ao in-
terino Dulfe Pinheiro Machado], ressaltando sua ligação com
São Paulo, onde se encontrava grande parte da indústria ins-
talada em território nacional. Segundo o historiador João Fos-
ter Dulles, essa escolha teve relação com a crise política que
em meados do ano levara à demissão do interventor paulista,
Ademar de Barros (FGV-CPDOC, 1983, p. 2083).

Assume o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e ao mesmo


tempo começa um programa semanal na Rádio Nacional produzido pelo
Departamento de Imprensa e Propaganda, Falando aos trabalhadores brasi-
leiros. Reportando as decisões do MTIC, “a história das leis sociais, seu con-
teúdo, seus pontos polêmicos, tudo isso era tratado pelo ministro em tom
pedagógico e até mesmo paternal” (GOMES, 1988, p.233) no show de rádio.
Entre 1942 e 1943 é também ministro interino da Justiça e Negócios
Interiores. É efetivado no cargo em 1943 e o exerce até 1945.

Durante o Estado Novo [...] foi um dos principais organiza-


dores da Conferência dos Conselhos Administrativos dos
Estados realizada no Rio de Janeiro - DF (1943) e um dos
idealizadores e Presidente do CNPIC [Conselho Nacional
de Política Industrial e Comercial] durante o Estado Novo
(1944-1945). Um dos mais destacados dirigentes ideológicos
do Estado Novo, durante sua gestão no Ministério do Traba-
lho coordenou os trabalhos que resultaram na implantação
da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho[...] [em 1o. de
maio de 1943]. No curso de sua gestão ministerial, implantou
um programa radiofônico semanal (Hora do Brasil) desti-
nado a propagar a ideologia oficial do regime estado-novista
(BRAGA, 1998 p. 688-689).

304
Como produzir uma ficha prosopográfica

É contra o movimento de redemocratização em 1945. Marcondes Filho


elabora o documento que serve de base à lei Constitucional nº 9 (Ato Adi-
cional), que concentra a iniciativa política da transição no Executivo fe-
deral. Deixa em março de 1945 o Ministério da Justiça e passa a cuidar da
organização do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), agremiação da qual
se torna vice-presidente de honra.
É pelo PTB de São Paulo que Marcondes Filho se elege senador em 1945
à Assembleia Constituinte, que ocorreria em 1946 e substituiria a Carta do
Estado Novo.

Único senador eleito pelo PTB para a Assembleia [Constituinte


de 1946], assumiu o mandato já em andamento dos trabalhos
constituintes, na 61a sessão, a 13 de maio de 1946. Embora,
de acordo com João Almino (1980, p. 342), Marcondes Filho,
“segundo a correspondência pessoal de Vargas (CPDOC), te-
nha sido designado para coordenar a posição do PTB na Cons-
tituinte”, em virtude de enfermidade, o senador petebista foi
pouco atuante em plenário [...] Também em virtude da do-
ença que lhe acometeu durante o processo de elaboração cons-
titucional, não pôde exercer de fato a liderança da bancada
petebista na Constituinte para a qual havia sido indicado,
que foi exercida na prática pelo Deputado Gurgel do Amaral
(PTB-DF) (BRAGA, 1998 p. 689).

Em 1947 é membro da Comissão Interparlamentar de Direito Social. O


cargo de senador se estende até 1950, recandidata-se e é novamente elei-
to para o período 1951-1954. Nesse segundo mandato, assume a presidên-
cia da Comissão de Reestruturação do PTB (1951) e, durante quase toda a
legislatura, a vice-presidência do Senado Federal. Em 1954, é presidente
do Senado. Marcondes Filho é membro da Comissão de Justiça e da Co-
missão Revisora do Código Comercial. Em 1955, é indicado novamente
ministro da Justiça e Negócios Interiores, agora no governo Café Filho,
mas logo se retira da vida política.
Durante sua trajetórita, publica vários livros, entre eles: Discursos:
legislatura federal de 1927-1929. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1930.;
Vocações da unidade: conferências e discursos. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1941; Unidade moral e social. Rio de Janeiro: s. c. p., 1942; An-
teprojeto da nova Lei de falências. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça

305
Como estudar elites

e Negócios Interiores, 1943; Pro brasilia fiant eximia: discurso proferi-


do no Senado Federal, na sessão de 22 de janeiro de 1954. São Paulo:
Martins, 1954; Publica ainda alguns artigos, como O momento consti-
tucional brasileiro (MACHADO FILHO, 1943, p.1-18) e Algumas Casas de
Parlamento da Europa (MACHADO FILHO, 1957).

306
Como produzir uma ficha prosopográfica

Referências

ALMINO, J. Os democratas autoritários. Liberdades individuais, de associação política


e sindical na Constituinte de 1946. São Paulo: Brasiliense, 1980.

BRAGA, S. S. Quem foi quem na Assembleia Constituinte de 1946. Um perfil socioeconômico


e regional da Constituinte de 1946. Vol. II. Brasília: Câmara dos Deputados, 1998.

FGV-CPDOC. Dicionário histórico-biográfico brasileiro (1930-1983). Vol III. Rio de Janeiro:


Forense-Universitária/Finep, 1983.

GOMES, A. DE C. A invenção do trabalhismo. São Paulo: Vértice, Ed. Revista dos Tribunais;
Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988

GUIMARÃES, M. L. DE L. S. et alli (orgs.) A revolução de 30: textos e documentos.


Vol. I. Brasília: Editora UnB, 1982.

MACHADO FILHO, A. M. Arquivos do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.


Rio de Janeiro, vol. 1, n. 4 p. 1-18, dez. 1943.

_____. Revista do Serviço Público, Rio de Janeiro, vol. 77, n. 2/3, nov.-dez. 1957.

MILLIET, G.; GAMA JR., F. I. DA (orgs.), Annaes da Câmara Municipal de São Paulo: 1926
(1o. anno da 12a. Legislatura). São Paulo: Ferrari & Losasso, s.d.

PARANHOS, A. O roubo da fala: origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. 2ª. ed.


São Paulo: Boitempo, 2007.

STONE, L. Prosopografia. Revista de Sociologia e Política, v. 19, n. 39, p. 115–137, jun. 2011.

307
Apêndice 4 – Como preparar um questionário com
questões abertas1

Pai
Bloco A - DADOS INICIAIS
Mãe
V.1. Nome:
Avô Materno

V.2. Idade: Avó Materna


Avô Paterno
V.3. Cidade em que nasceu:
Avó Paterna
V.4. Sexo:
V.7. Qual o grau de escolarização dos seguintes
ascendentes?

0. Feminino Pai
1. Masculino
Mãe
99. NR
Avô Materno
V.5. Estado civil:
Avó Materna
Avô Paterno

1. Casado Avó Paterna


2. Solteiro
3. Separado ou divorciado V.8. O pai participava de alguma entidade ou
4. Viúvo associação?
99. NR

0. Não
BLOCO B: Origens Sociais 1. Sim
88. NS
V.6. Qual a profissão dos seguintes 99. NR
ascendentes? (Especificar ao máximo, evitando
categorias genéricas, como, por exemplo,
“militar”, “comerciante”, “funcionário
público” ou “professor”.)

1
Questionário mencionado no capítulo 6 “Pesquisando grupos profissionais: dilemas
clássicos e contribuições recentes”.

309
Como estudar elites

V.9. Se sim. De que tipo? V.12. Se sim. De que tipo?

1. Associações Religiosas 1. Associações Religiosas


2. Partidos Políticos 2. Partidos Políticos
3. Associações de Bairro 3. Associações de Bairro
4. Movimentos Sociais 4. Movimentos Sociais
5. Sindicato 5. Sindicatos
6. Cooperativa 6. Cooperativas
7. Mais de um 7. Mais de um tipo de participação
88. NR 88. NR
99. NS 99. NS
Outros. Qual? Outros. Qual?

V.10. De que forma? V.13. De que forma?

1. Simpatizante 1. Simpatizante
2. Militante 2. Militante
3. Associado 3. Associado
Outros. Qual? 88. NR
99. NS
V.10.a. Se sim, ocupou algum cargo? Outros. Qual?

0. Não V.13.a. Se sim, ocupou algum cargo?


1. Sim
88. NS
99. NR 0. Não
1. Sim
V.10.b. Se sim, qual? 88. NS
99. NR
V.11. A mãe participava alguma de alguma
entidade ou associação? V.13.b. Se sim, qual?

V.14. Quantos irmãos têm?


0. Não
1. Sim
88. NS V.15. Quantos irmãos concluíram curso
99. NR superior?

V.16. Se casado, qual a profissão de seu cônjuge


ou companheiro?

310
Como preparar um questionário com questões abertas

V.21. Se privado
BLOCO C: Trajeto Escolar

V.17. Qual colégio em que concluiu seu 1º Grau?


1. Bolsa
V.17.a. Nome 2. Recursos Próprios
88. NS
V.17.b. Em que ano? 99. NR

V.17.c. Esse colégio era público (  ) V.22. Se bolsa, qual a origem:


ou privado (  ) ?
V.23. Se recursos próprios, qual a origem:
V.17.d. Em que município estava situado?
1. Pais
2. Trabalho
V.17.e. Se privado. Outros. Qual?

V.24. Quais cursos de graduação


que você concluiu?
1. Bolsa
2. Recursos Próprios
Curso
88. NR
99. NS Ano (entrada e conclusão)
Instituição
V.18. Se bolsa, qual a origem:
V.25. Se privado.
V.19. Se recursos próprios, qual a origem:

1. Pais
2. Trabalho 1. Bolsa
Outros. Quais? 2. Recursos Próprios
88. NS
V.20. Qual colégio em que concluiu o 2º Grau? 99. NR

Nome V.26. Se bolsa, qual a origem:

V.20.a. Esse colégio era público (  ) V.27. Se recursos próprios, qual a origem:
ou privado (  )?
1. Pais
V.20.b. Em que município estava situado? 2. Trabalho
Outros. Qual?

311
Como estudar elites

V.28. Você realizou vestibular (es) para outro (s) V.33. Se possuir pós-graduação: em que área,
curso (s) além dos acima especificados? qual ano de entrada e de conclusão, em que
universidade e qual o nível (especialização,
mestrado ou doutorado):
0.Não
Curso
1.Sim
88. NS Ano
99. NR
Instituição

V.29. Se sim quais? Nível

Curso V.34. Você começou algum tipo de pós-


graduação que não foi concluído? Se sim,
Ano
especifique abaixo:
Instituição
Curso
V.30. Você começou algum curso que
Ano
não foi concluído?
Instituição
Nível (Especialização, mestrado ou doutorado)
0. Não
1. Sim
88. NS V.35. Precisou trabalhar para concluir seus
99. NR estudos de graduação?

V.31. Se sim quais?

0. Não
Curso
1. Sim
Ano 88. NS
Instituição 99. NR

V.32. Qual sua titulação mais alta? Se possuir


pós-graduação responder a próxima. BLOCO D: Trajeto Profissional:

V.36. Em que instituição você atua?

1. Graduação
2. Especialização
3. Mestrado V.37. Qual cargo você ocupa atualmente?
4. Doutorado
5. Pós-doutorado
88. NS V.38. Desde quando ocupa este cargo?
99. NR

312
Como preparar um questionário com questões abertas

V.39. Qual o Tipo de Vínculo: V.44. Em que tipo de instituição?

1. Efetivo 1. ONG
2. Estagiário 2. Instituição Filantrópica
3. Confiança 3. Movimento Social
4. Comissionado 4. Outro. Qual?
5. Cedido 88. NS
6. Outro. Qual? 99. NR

V.45 Você poderia nos dizer como entrou em


V.40. Quais os empregos ou atividades
contato com a causa em que atua (acrescentar
profissionais que exerceu anteriormente?
a causa a qual se dedica o entrevistado, como
(Informe em ordem cronológica)
homofobia, câncer, negro etc.). Fizemos uma lista
abaixo:

V.41. Que funções já desempenhou devido à 1. Por meio de amigos


sua formação e quais cargos ocupou? 2. Através de conhecidos, colegas de trabalho.
3. Por meio da divulgação nos jornais
Emprego/ocupação 4. Por meio da participação em outros
Instituição movimentos sociais
Período 5. Familiares.
Fatores que contaram para ocupação de cada 6. Outro. Qual?
cargo: 1 (indicação de amigos); 2 (convites de 88. NS
colegas de trabalho); 3 (concurso); 4 (outros) 99. NR

V.42. Que empregos ou atividades V.46. Quem são os membros e quem incitou
profissionais você desempenha atualmente? você a trabalhar na organização.

Emprego/ocupação 1. Amigos
Instituição 2. Conhecidos, colegas de trabalho
Período 3. Participação em outros grupos e movimentos
Fatores que contaram para ocupação de cada sociais
cargo: 1 (indicação de amigos); 2 (convites de 4. Família
colegas de trabalho); 3 (concurso); 4 (outros) 5. Outro. Qual?
88. NS
V.43. Você faz ou já fez no passado alguma 99. NR
atividade voluntária?
V.47. Seu cargo atual é remunerado:

0. Não
1. Sim 0. Não
88. NS 1. Sim
99. NR 88. NS
99. NR

313
Como estudar elites

V.48. Marque com um “x” dentro dos V.50.a. Se sim, qual a condição abaixo
parênteses abaixo sua renda atual em salários
mínimos
1. Financiado
1. Até 5: (  )
2. Quitado. Se quitado, desde quando:
2.De 5 a 10: (  )
88. NS
3.De 10 a 15: (  )
99. NR
4.De 20 a 25: (  )
5.De 25 a 30: (  )
V.51. Quais outros bens possui?
6.De 30 a 35: (  )
7.De 40 a 45: (  )
8.De 45 a 50: (  )
9. Acima de 50: (  )
BLOCO E. Participação sindical e político
V.49. Possui casa própria? partidária

V.52. Você participa do sindicato ou associação


da sua categoria profissional.
0. Não
1. Sim
88. NS
99. NR 0. Não
1. Sim
V.49.a. Se sim, qual a condição abaixo 88. NS
99. NR

V.52.a.Se sim desde quando?


1. Financiada
2. Quitada. Se quitada, desde quando:
V.52.b. De que forma?
88. NS
99. NR

V.50. Possui carro próprio? 1. Simpatizante


2. Filiado
3. Militante

0. Não
V.53. Já teve oportunidade de exercer cargos
1. Sim
de direção em sindicatos ou associações
88. NS
profissionais?
99. NR

0. Não
1. Sim
88. NS
99. NR

314
Como preparar um questionário com questões abertas

V.53.a. Se sim em que período? V.56.b. Você ocupava algum cargo nesta
instituição?
V.53.b. Qual o cargo?

V.54. Participa de conselhos técnicos?


0. Não
1. Sim
V.54.a. Se sim qual?
88. NS
99. NR
V.54.b. Se sim qual o cargo?

V.56.c. Se sim, qual?


V.55. Você participa de algum partido político?

1. Presidente
0. Não
2. Vice-Presidente
1. Sim
3. Secretário
88. NS
4. Tesoureiro
99. NR
5. Outro. Qual?

V.55.a. Se Sim, qual?


V.57. Você já participou de algum outro
movimento, ONG, associação, etc.?
V.55.b. Desde quando?

V.55.c. De que forma?


0. Não
1. Sim
88. NS
1. Simpatizante 99. NR
2. Filiado
3. Militante V.57.a. Se sim da lista abaixo quais?

V.56. Participou de movimento estudantil?


1. Ambientalista
2. Contra a homofobia
0. Não 3. De apoio a Mulher
1. Sim 4. De apoio a criança e o adolescente
88. NS 5. Movimento negro
99. NR 6. De apoio pessoas com câncer
7. Aos portadores de necessidades especiais
V.56. a. Se sim, da lista abaixo quais? 8. Outro. Qual?
88. NS
99. NR
1. Grêmio estudantil
2. Centro Acadêmico
3. Diretório Central dos estudantes

315
Como estudar elites

V.57.b. De que forma?

1. Voluntário
2. Funcionário
3. Estagiário
4. Outro. Qual?
88. NS
99. NR

V.57.c. Dentre os fatores abaixo, qual


deles contribuíram para o acesso aos cargos
e funções desempenhadas? (Coloque dentro
das indicações abaixo o número
correspondente à função acima desempenhada
(Voluntário, Funcionário, Estagiário, outro)
e o respectivo fator que pesou.
Ex: na função 1 pesou indicações de amigos:
a) [1]. Na função 3 pesou concurso: c) [3]

a) indicações de amigos, conhecidos, colegas


de trabalho:

b) convites de colegas de trabalho:

c) concurso

d) outros (especificar)

V.57.d. Em que período?

1. Atualmente
2. De 1-5 anos atrás
3. De 6-10 anos atrás
4. De 11-15 anos atrás
5. De 16-20 anos atrás
88. NS
99. NR

316
Sobre os autores

Adriano Codato é professor de Ciência Política na Universidade Federal do


Paraná (UFPR) e editor da Revista de Sociologia e Política
(www.scielo.br/rsocp). Realizou estágio de pós-doutorado no
Centre européen de sociologie et de science politique de la
Sorbonne (CESSP-Paris). Coordena o Observatório de elites
políticas e sociais do Brasil (http://observatory-elites.org/). É
pesquisador do CNPq.

Ana Paula Lopes é mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Gradua-


ção em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e doutoranda em Ciência Política na Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul.

Bruno Bolognesi é professor de Ciência Política na Universidade Federal do


Paraná (UFPR), doutor em Ciência Política pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCAR) e pesquisador do Núcleo de
Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) da
mesma universidade e do Núcleo de Pesquisa em Sociologia
Política Brasileira (NUSP/UFPR).

Emerson Urizzi Cervi é doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de


Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) e professor do Progra-

318
Sobre os autores

ma de Pós-Graduação em Ciência Política e do Programa de


Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal
do Paraná (UFPR).

Ernesto Seidl é doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio


Grande do Sul, professor do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Uni-
versidade Federal de Sergipe (UFS). É pesquisador do CNPq.

Fernanda é pós-doutora em Sociologia pela Universidade Federal do


Rios Petrarca Rio Grande do Sul, professora do Programa de Pós-Gradu-
ação em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe
(UFS) e pesquisadora do Laboratório de Estudos do Poder
e da Política (LEPP).

Flávio Heinz é doutor em História e Sociologia do Mundo Contemporâneo


pela Université de Paris X (Nanterre), professor visitante do Pro-
grama de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Núcleo de Pesqui-
sa em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR).

Lucas Massimo é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência


Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Editor Exe-
cutivo da Revista de Sociologia e Política (www.scielo.br/rsocp)
e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política
Brasileira (NUSP-UFPR).

Luiz Domingos Costa é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Po-


lítica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), professor da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e do Cen-
tro Universitário Uninter e pesquisador do Núcleo de Pes­quisa
em Sociologia Política Brasileira (NUSP-UFPR).

Paula Butture é mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Gradua-


ção em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná
(UFPR) e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Sociologia
Política Brasileira (NUSP-UFPR).

Paulo Roberto é doutor em Ciência Sociais pela Universidade Estadual de


Neves Costa Campinas (UNICAMP) e Professor do Programa de Pós-Gradu-
ação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná
(UFPR). É pesquisador do CNPq.

Renato Monseff é pós-doutor pela University of Oxford, professor do Pro-


Perissinotto grama de Pós-Graduação em Ciência Política da Universi-
dade Federal do Paraná (UFPR) e coordenador do Núcleo
de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira (NUSP/UFPR).
É pesquisador do CNPq.

Wilson José é doutor em Antropologia Social pela Universidade Fede-


Ferreira de Oliveira ral do Rio Grande do Sul, professor do Programa de Pós-
-Graduação em Sociologia e do Programa de Pós-Gradua-
ção em Antropologia da Universidade Federal de Sergipe
(UFS). Pesquisador do Laboratório de Estudos do Poder e
da Política (LEPP-UFS) e do Observatório de Elites Políticas
e Sociais do Brasil (UFPR).

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Este livro foi composto pelas fontes Avenir Next e
Guardian TextEgyp, impresso em offset, nos papeis Polén
Soft 80 g/m² para o miolo, cartão supremo 250 g/m² para
a capa, pela gráfica ICQ - Curitiba (PR) – para a Editora
UFPR, em dezembro 2015.

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