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Módulo 1 | Aula 1

INTRODUÇÃO AO
TERCEIRO SETOR E SEU
MARCO REGULATÓRIO

AULA 1
INTRODUÇÃO
Esse primeiro Módulo abordará um histórico sobre a
filantropia até a criação do Terceiro Setor, um panorama
sobre as possíveis formas de constituição legal de uma
entidade sem finalidade lucrativa, comentários sobre o título
de OSCIP e breve análise sobre o novo Marco Legal do
Terceiro Setor.

A função deste Módulo é introduzir o tema Terceiro Setor,


dando um panorama geral de sua evolução até os dias de
hoje. Lembre-se que haverá aprofundamento nos temas nos
módulos seguintes.
AULA 1

Breve histórico sobre a filantropia


e as Entidades sem Finalidade Lucrativa.

Esta primeira aula do Módulo 1, apresentará a evolução das ações de filantropia, desde a Antiguidade até a
Modernidade, possibilitando um melhor entendimento do contexto de seu desenvolvimento e como chegamos à
legislação e às práticas atuais.

Embarcaremos, agora, em uma viagem da filantropia através dos tempos.

Para introduzir o histórico da filantropia, começarei com 3 termos bastante usados, que você já escutou com certeza:

CARIDADE FILANTROPIA BENEFICÊNCIA

Qual a diferença entre eles?


Então vamos tentar definir.

Caridade é um princípio com um viés religioso, construído há séculos e que se mantém até os dias de hoje. A caridade,
no cristianismo, é uma virtude comparável a “amar ao próximo como amamos a nós mesmos” e tem um sentido de
algo esperado de um bom servo de Deus. Algo que requer uma ação direta de quem a pratica. Mas veja bem, não é
restrito ao Cristianismo. Você poderá encontrar o mesmo princípio em outras religiões.

A Filantropia corresponde a ações que partem do sentimento de amor à humanidade e de oferecer ajuda a quem
precisa. Embora possa parecer semelhante à Caridade, geralmente não representa um atendimento direto à
necessidade de outros. Ou seja, não se expressa por uma ação que impacte diretamente no necessitado. Por exemplo,
quando você faz uma doação em dinheiro para uma instituição ou alguém, que se encarregará de executar a ação de
auxílio diretamente.

Já a Beneficência é a ação de fazer algo em benefício do próximo. É mais próxima à Caridade, mas, de um modo geral,
não está relacionada com uma referência religiosa.

Bom, eu adotei definições que são mais comuns, mas você poderá encontrar algumas definições um pouco diferentes.
Nem uma, nem outra, estará errada. Apenas são pontos de vista diferentes e, possivelmente, válidos.

Mas quero te chamar a atenção para um detalhe. Observe que as 3 definições se referem, em um primeiro momento,
ao próximo ou, de forma mais geral, à humanidade. Isso acontece porque essa é a origem das ações no passado.
Apenas com o passar do tempo, é que começou a preocupação com questões ambientais, ciência e tecnologia,
proteção de animais, entre outros.

Você já havia pensado nisso?


Agora vamos ver o que você se lembra de sua época de escola. Você lembra quem foram suas professoras de História?
E se lembra que algumas versões da História foram mudando à medida que você foi avançando nos seus estudos?

Talvez você se recorde de alguma de suas aulas com o que falarei agora.

Se fizermos uma pesquisa, encontraremos ações de caridade, antes mesmo do Cristianismo se estabelecer. O mundo
estava organizado em povos, grupos étnicos ou mesmo tribos que viviam em constante disputa, seja por causa de
terra, de água, de alimentos, de escravos ou outros motivos. Alguns eram nômades, não tinham um local fixo para
habitar. Outros tinham se estabelecido em um território, no qual habitavam, plantavam e mantinham seus rebanhos.

Já naquela época, era possível encontrar indivíduos ou grupos que se dedicavam a cuidar de feridos de guerra, atingidos
por desastres naturais, doentes, órfãos ou diversos outros motivos que representassem alguma necessidade a ser
atendida.

É importante entender que, naquela época, o Estado ou governo não se preocupava com essas situações. Os povos
derrotados ou viravam escravos ou, simplesmente, não tinham direito nenhum. Os doentes, órfãos ou necessitados
eram largados à própria sorte e, geralmente morriam.

Essas ações, muitas vezes, encontravam amparo nas religiões, mesmo que politeístas. De acordo com os deuses de
cada civilização - egípcios, gregos, romanos, entre outros – adotava-se uma forma de tratar esses necessitados.

O tempo foi passando e os povos foram se fixando. Com isso, também veio, aos poucos, um processo de troca ou
permuta de produções entre esses povos. Não que tenha deixado de existir as guerras, disputas ou invasões. De certa
forma, isso ocorre até hoje em dia. Mas promoveu algumas mudanças nos hábitos.

Aliás, cabe uma reflexão sobre as relações entre as mudanças históricas e as mudanças políticas, sociais e culturais.
Como uma coisa puxa a outra e vice-versa. Há um revezamento entre causa e consequência desses fatores.

Fato é que, na idade Média, entre os séculos V e XV, as ações de caridade se fortaleceram à medida que o Cristianismo
também se consolidou como religião dominante. As irmandades – conventos e mosteiros – se destacavam nessas
atividades.

É claro que estou falando do Continente Europeu, que é a referência para todos os países ocidentais, que inclui a própria
Europa, as Américas e boa parte da África, se considerarmos o processo de colonização.

Nesse período, que se inicia com a queda do Império Romano, houve um primeiro momento que a população migrou
para as áreas rurais, desenvolvendo a agricultura, buscando fugir das constantes invasões das capitais ou grandes
cidades.

A Igreja ganhou enorme poder e estava, muitas vezes, acima da nobreza. Assim, as ações de caridade promovidas pelas
Irmandades, se destacavam na relação com a população em geral.

Depois, com o retorno da população para as cidades e o desenvolvimento do comércio, há uma nova estruturação das
cidades e da sociedade como um todo. O sistema feudal enfraquece, mas os reis são fortalecidos. Surge uma nova
classe social, a dos ricos comerciantes: a burguesia. Com tudo isso, a Igreja também é enfraquecida, com diversos
movimentos contestatórios.

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Isso marca o fim da Idade Média e estabelece o que se chamou de Renascimento. Nesse período, embora as ações de
caridade da Igreja estejam presentes, ganham força as ações filantrópicas, por meio dos chamados mecenas, que eram
os burgueses que, embora ricos, não tinha o reconhecimento dos nobres. A forma de obter o reconhecimento desejado
foi o patrocínio das artes e cultura, se estendendo para outras ações que dessem visibilidade.

Enquanto a caridade era exercida diretamente por aqueles que se propunham a ajudar, como uma obrigação e mérito
religioso, a filantropia consistia em apoiar, financeiramente, a quem necessitava.

Muitas vezes, uma ação filantrópica serviu como moeda de troca para que um burguês filantropo recebesse um título
de nobreza.

Vamos falar de algumas curiosidades dessa época.

Foi nesse período que aconteceram as Cruzadas e é quando se situam as histórias como Robin Hood, Ricardo Coração
de Leão e o Rei João sem Terra.

As cruzadas, apesar de serem mais conhecidas como um movimento religioso, foi um importante movimento de
desenvolvimento do comércio entre o ocidente e o oriente. A Igreja era a única instituição que se encontrava inserida
na maioria dos feudos ou reinos. Isso significa que era aceita e respeitada mesmo entre povos inimigos.

Essa credibilidade ou respeitabilidade permitiu que ela implantasse um sistema de transferência de valores ou riquezas
que foi a primeira semente do sistema bancário ou financeiro que temos hoje em dia.

É lógico que isso também a tornou rica e mais poderosa. Mais isso é outro assunto. Porém também é fato que a Igreja
ora apoiava à realeza, ora à população. Assim, as ações de caridade continuaram presentes durante todo esse período.

Bom, como falei, o fim da Idade Média foi marcado pelo retorno da população, em grande parte, para as cidades. Essa
mudança veio com mudanças culturais que levou ao que se chamou de Renascimento e mudanças sociais que
reforçaram o poder da realeza e o surgimento da burguesia.

Tudo isso foi impulsionado pelo desenvolvimento do comércio que, nos anos seguintes, no século XVI, deu origem ao
período conhecido como o das Grandes Navegações, que buscava o caminho marítimo entre a Europa e o Oriente,
visando estreitar o comércio. Talvez tenha sido o primeiro processo de globalização do mundo.

Nesse período, as ações de caridade e de filantropia se tornaram mais robustas e exigiram uma maior estruturação.
Também surgiram as primeiras Sociedades Beneficentes. Algumas atuavam em benefício dos necessitados. Outras,
eram sociedades de ajuda mútua, ou seja, buscava ajudar aos associados que, por sua vez, eram os necessitados.

Trazendo isso para os tempos atuais, podemos comparar as Santas Casas de Misericórdia, que atendem à população
carente, de um modo geral, e as Associações de Moradores de uma comunidade, que representam os moradores de
uma comunidade carente e são, portanto, os beneficiários.

É possível imaginar que, nesse período, toda as estruturas das instituições, sejam religiosas, comerciais, governos ou
qualquer outra, tinham uma complexidade bem maior. A própria estrutura legal havia evoluído, já que a realeza
(os governos) não tinham mais o mesmo poder que na Idade Média.

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Uma curiosidade dessa época é o surgimento das primeiras companhias seguradoras, dando cobertura para as
embarcações que partiam rumo ao Oriente, para retornarem com as especiarias e tecidos, envolvendo grandes
recursos financeiros e altos riscos.

Toda essa evolução ocorrida nesses dezessete séculos da era cristã, ou mesmo antes, a partir de iniciativas individuais e
pontuais, sem estruturação ou conexões, até as grandes entidades beneficentes internacionais, acabou por exigir uma
formalização e diversos mecanismos de gestão e controle.

Mas isso, falarei em outra aula.

Agora, faremos uma pausa na história para pensarmos nas motivações que levam as pessoas a se envolverem em uma
atividade de ajuda ao próximo.

Eu sei que já falei que antigamente o motivo estava relacionado à fé, à religião e à crença de que enobrecia o caráter
ajudar ao próximo. Também já falei que os filantropos, ao patrocinar as artes, ciências, saúde ou o que seja, buscavam
reconhecimento e títulos de nobreza.

Mas, me refiro a hoje em dia. O que você acha que leva alguém a praticar uma ação de caridade, filantropia ou
beneficência?

Mas, preste atenção. Não estou falando daqueles que trabalham em entidades sem finalidade lucrativa. Eles são
trabalhadores como outro qualquer, que desempenham suas funções e recebem seus salários.

Estou falando dos criadores ou dos dirigentes que se dedicam a uma causa, em paralelo às suas atividades normais.
Também dos indivíduos que, voluntariamente, praticam ações de beneficiar ao próximo.

Pense e anote quais podem ser as motivações, hoje em dia, para se praticar.

Bom, é lógico que são muitas as motivações que levam alguém a se envolver com atividades filantrópicas. E, às vezes, é
a soma de algumas delas.

Meu objetivo aqui, não é esgotarmos o assunto, que é bem complexo. Apenas pretendo te estimular a refletir um
pouco sobre o assunto, porque isso está diretamente ligado ao funcionamento de uma entidade, pode afetar a forma
como ela é constituída e administrada.

Bom, então vamos lá.

A primeira motivação que eu trago é o envolvimento em grupamentos religiosos ou movimentos iniciados a partir de
um grupo de pessoas ligados a uma religião. É lógico que isso tem origem remota, como já falamos anteriormente.
Talvez seja justificado pelo sentimento de proximidade com Deus ao se realizar essas atividades. Lembre-se que uma
referência forte é Jesus, que andava com pessoas simples e ajudava aos pobres, curava os doentes, alimentava os
famintos, entre outras ações.

Essa motivação é facilmente encontrada entre as variações das religiões de origem Cristã, em diversos países, dando
origem a várias festas que comemoram ou agradecem as graças concedidas por Deus, muitas vezes com ações de
caridade.

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Outra motivação muito forte, são as experiências pessoais. Refere-se a situações de grande impacto, vivenciadas por
aquele que se propõe a praticar a caridade. Nesse caso, quando se fala em experiência pessoal, pode ser algo que tenha
acontecido diretamente com o praticante, com familiares ou com entes próximos.

É comum a criação de grupos que buscam combater que se dirija após ter bebido, o uso de drogas lícitas ou ilícitas, o
abuso infantil ou os maus tratos a idosos a partir de uma situação vivenciada pelo praticante da caridade.

E antes que haja o questionamento se a criação de um grupo para combater os maus tratos a idosos, por exemplo, é
um ato de caridade, devo reforçar que sim. Tanto quanto auxiliar nos cuidados de órfãos, quanto nos cuidados com
acometidos pelo câncer.

Um caso clássico é o do ator Christopher Reeve, que fez o Superman, em 1978, e que ficou tetraplégico ao cair do
cavalo, em uma competição, em 1995. Ele criou uma Fundação para estimular a legalização da pesquisa com células-
tronco, visando auxiliar a todos que estivessem na mesma situação.

Outro caso pouco conhecido, mas emocionante, é dos tenores Plácido Domingo e José Carreras. Os dois, espanhóis,
traziam a rivalidade na música, mas, principalmente, por serem madrilenho e catalão eram inimigos. Um não aceitava se
apresentar onde o outro se apresentasse.

Em 1987, Carreras foi diagnosticado com leucemia. Apesar de ser rico à época, o tratamento era caro e ele não podia se
apresentar por causa do estado de saúde. Quando não tinha mais recursos para se tratar, ficou sabendo de uma
fundação, em Madrid, cuja finalidade era apoiar o tratamento de doentes com leucemia.

Graças ao apoio da fundação "Formosa", Carreras venceu a doença e voltou a cantar. Voltou a receber os altos cachês e
resolveu associar-se à fundação. Foi quando ficou sabendo que o fundador, maior colaborador e presidente da fundação
era Plácido Domingo. E mais, ficou sabendo que Domingo tinha criado a fundação para ajudá-lo e que se tinha
mantido no anonimato para que ele não se sentisse humilhado.

Em um concerto, em Madrid, Carreras interrompeu a apresentação de Plácido Domingo, subiu ao palco e agradeceu-
lhe publicamente. Uma jornalista perguntou a Plácido Domingo, porque criara a fundação "Formosa", para ajudar um
"inimigo" e o único artista que poderia fazer-lhe concorrência. A sua resposta foi curta e definitiva: “Porque uma voz
como aquela não poderia perder-se.»

Algum tempo depois, os dois se juntaram a Luciano Pavarotti e o trio ficou famosos no mundo inteiro.

Uma terceira motivação é de ordem pessoal e está ligada aos valores e crenças de cada um. É a simpatia pela causa.
Quando uma situação que você julga inaceitável ou injusta ou ainda que merece uma ajuda, um apoio, você acaba por
se envolver. Mesmo que você não vá se beneficiar do resultado de sua ação.

A recompensa, ainda que não seja essa a motivação do envolvimento, é o sentimento de fazer justiça ou de tornar o
mundo melhor de alguma forma.

Uma quarta motivação bem comum, é o desejo de reconhecimento público ou visibilidade. Essa motivação, de um
modo geral, não é bem-vista. É tida como vaidade ou egocentrismo. Mas, se pensarmos bem, apesar de parecer ser
um sentimento menos nobre, é justamente o reconhecimento ou a visibilidade que irá permitir a continuidade do apoio
à caridade. Pode ser uma relação de benefício mútuo.

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Bom, essas 4 motivações não são as únicas e podem ocorrer em conjunto. Também podemos pensar que servem de
referência tanto para uma pessoa, como para uma empresa. Ou, até mesmo, para o dono de uma empresa, que reflete
nas ações de sua empresa.

Você consegue perceber que isso pode impactar diretamente na sustentabilidade de uma instituição?

Seja na forma de estruturá-la, seja na forma de captar recursos para mantê-la. Vale a pena uma reflexão mais profunda
sobre esse tópico.

Bom, chegamos ao término dessa primeira aula. Vamos fazer uma pequena recordação do que foi apresentado.

1º – Caridade, Filantropia e Beneficência são termos próximos, mas indicam ações um pouco diferentes.
A Caridade tem uma relação maior com as crenças religiosas e, geralmente, corresponde a uma execução direta do ato
de ajudar; a Filantropia tem uma relação maior de autopromoção e, de um modo geral, não há envolvimento direto
com o ato de ajudar; e Beneficência está mais ligada à concessão de benefícios, podendo ser para pequenos grupos
ou para um público maior.

2º – Os atos de ajuda ao próximo se iniciaram há mais de 2000 anos e estavam ligados a iniciativas isoladas, relacionadas
à consequência de guerras, catástrofes ou doenças. Com o passar do tempo, essa ajuda foi se estruturando e, na Idade
Média, teve muito apoio do Cristianismo, por meio de ações em conventos e mosteiros ou das Igrejas. No
Renascimento, com o enriquecimento dos comerciantes, iniciaram-se as ações filantrópicas, com o patrocínio das artes,
da ciência e da saúde. Por fim, com uma ação mais globalizada, os atos de ajuda, que eram mais pessoais, começaram a
ganhar estrutura institucional.

3º – Existem várias motivações que levam alguém a se envolver em ajudar ao próximo ou utilizar seu tempo em ações
que beneficiem a outros. Entre as motivações possíveis, foram destacadas quatro. O envolvimento religioso, por meio
de grupos ligados por uma religião, agindo segundo as suas crenças e em busca de proximidade com as leis divinas.
A experiência pessoal, seja por algo acontecido com o próprio executor ou com alguém próximo, um ente querido.
A simpatia pela causa, como uma forma de se buscar justiça ou fazer o que é certo. E, por fim, o reconhecimento
público, atendendo a um desejo pessoal de reconhecimento de suas virtudes.

Lembre-se de anotar suas dúvidas e comentários e enviá-los pelo e-mail duvidas@projetocapacitar.com.br.


As respostas serão dadas nos encontros ao vivo, ao término de cada módulo.

Nos vemos na segunda aula. Até a próxima aula.

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