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UTAD – Escola de Ciências e Tecnologia

Licenciatura em Eng. Reabilitação e Acessibilidade

BIOFÍSICA
3º Ano, 2º semestre

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ÍNDICE

Cap. 1- Biofísica eléctrica do nervo e do músculo ...................................................................................... 4


1.1. Introdução: estrutura e funções celulares ................................................................................................................... 4
1.2. Sinalização celular .............................................................................................................................................................. 9
1.3. Condução eléctrica num tecido excitável ........................................................................................................................ 11
1.4. Modelo quantitativo. Equação de Hodgkin - Huxley ..................................................................................................... 17
1.5. Mapeamento biopotencial ................................................................................................................................................ 25

Cap. 2- Electrofisiologia e estimulação funcional ........................................................................... 28


2.1. Electrofisiologia: métodos e técnicas ............................................................................................................................... 28
2.2. Transmissão sináptica ...................................................................................................................................................... 31
2.3. Plasticidade sináptica........................................................................................................................................................ 35
Cap 3. Electroterapia .............................................................................................................................. 42
3.1. Introdução histórica ......................................................................................................................................................... 43
3.2. Agentes físicos da electroterapia ...................................................................................................................................... 43
3.3. A corrente eléctrica .......................................................................................................................................................... 45
3.4. Relação dose/intensidade em electroterapia .................................................................................................................... 47
3.5. Tipos de correntes utilizadas em electroterapia .............................................................................................................. 47
3.6. Galvanoterapia.................................................................................................................................................................. 50
Cap. 4- Propriedades mecânicas dos tecidos biológicos. .......................................................................... 53
4.1. Resumo das principais propriedades mecânicas ............................................................................................................. 53
4.2. Tensão e deformação ........................................................................................................................................................ 54
4.3. Viscoelasticidade.............................................................................................................................................................. 59
Referências Bibliográficas....................................................................................................................... 62

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Cap. 1- Biofísica eléctrica do nervo e do músculo

1.1. Introdução: estrutura e funções celulares


As células (do latim cellula, pequeno quarto) são a base funcional mais elementar de todos os
organismos vivos. Alguns seres vivos como as bactérias são compostos por uma só célula. No caso
de ser humano, o corpo é constituído por aproximadamente 1014 células (ou seja, cerca de 100
triliões). O tamanho típico de uma célula é aproximadamente de 10 m (embora algumas sejam
muito maiores que isso) e a sua massa média é da ordem de 10-9 g. A teoria celular foi desenvolvida
por Schleiden e Schwann em meados do séc. XIX. Todas as células têm a capacidade de se replicar
(mitose ou meiose), capacidade metabólica e contêm informação genética no núcleo que contem
toda a informação necessária para a execução dos processos celulares. São delimitadas por
membranas constituídas por uma camada bi-lipídica intercaladas por proteínas (com ou sem canais
de comunicação) [1].

As células podem ser procarióticas ou eucarióticas. As primeiras são muito mais simples e mais
pequenas que as segundas. Uma célula procariótica, normalmente associada a bactérias não tem a
maioria dos organelos que têm as células eucarióticas, existentes em todos os outros seres vivos
(protistas, fungos, plantas e animais). Um esquema simplificado de uma célula eucariótica é
apresentado na Fig. 1.

Fig.1. Esquema simplificado de uma célula eucariótica. 1. Nuclídeo; 2. Núcleo; 3. Ribossoma; 4.Vesícula;
5. Retículo endoplasmático; 6. Complexo de Golgi; 7. Citoesqueleto; 8. Retículo endoplasmático mole; 9.
Mitocôndria; 10. Vacúolo; 11. Citosol; 12. Lisosomas; 13. Centríolos.

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Núcleo (inclui o nucléolo, que não tem membrana, onde se situa o RNA): Organelo onde se situa o
centro de controlo da célula. É composto por cadeias longas de DNA que contém a grande maioria
do material genético da célula. As cadeias de DNA em conjunto com proteínas estruturais formam
os CROMOSSOMAS. O núcleo encontra-se separado do corpo celular (citoplasma) por uma
membrana denominada ENVELOPE.

Ribossoma: Componente da célula onde se realiza a síntese proteica, a partir dos aminoácidos.
É constituída por duas subunidades: a menor liga-se ao RNA mensageiro e a maior ao RNA de
transporte e aos aminoácidos.

Vesícula: Pequeno compartimento interior, protegido por uma camada bilipídica. Contem
substâncias resultantes da actividade celular.

Retículo endoplasmático: Rede de cisternas (depósitos ou sacos) que liga vesículas e


estruturas tubulares em células eucarióticas. O retículo endoplasmático DURO (RER) está envolvido
na síntese de proteínas, estando muito ligado ao ribossoma. O retículo endoplasmático MOLE (SER)
está ligado ao metabolismo de gorduras e carbo-hidratos. Finalmente, o retículo sarcoplasmático
(SR) existente em alguns tecidos musculares, contém uma enorme quantidade de cálcio, dentro de
compartimentos intracelulares.

Complexo de Golgi: Reserva intracelular de proteínas (após síntese), muito importante nos
processos excretórios (exocitose) de proteínas.

Citoesqueleto: Estrutura de microtúbulos que fornece rigidez estrutural ao citoplasma.


Permite também os movimentos celulares. Existe também em células procarióticas.

Mitocôndria: Funciona  como  uma  “central  de  energia”  na  célula,  uma  vez  que  funciona  como  
centro de produção e armazenamento de ATP (adenosina tri-fosfato) utilizada como fonte de
energia química.

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Citosol: Meio interno da célula (água, sal, moléculas orgânicas). Ocupa 70% do volume da
célula.

Lisossomas: Organelos que contêm enzimas necessários para digerir substâncias em excesso
ou para destruir vírus ou pequenas bactérias existentes no interior da célula. Complementam-se
com os vacúolos (utilizados para armazenar substâncias em excesso).

Centríolos: Estrutura celular eucariótica que existe mais regularmente em animais. Estão
envolvidos na organização da divisão celular por mitose.

No que diz respeito a subdivisão das células em função das suas características e funções, a
tabela I (bastante alargada) apresenta uma série de tipos de células. No total, existem mais de 200
subtipos celulares, dividindo-se fundamentalmente em termos de funções desempenhadas, mas
também de aspecto e composição. Só no sistema nervoso existem pelo menos 50 subtipos de
células. No entanto, a divisão mais importante ocorre entre NEURÓNIOS e CÉLULAS GLIA
(astrocitos). A diferenciação celular ocorre durante o período de crescimento embrionário, durante
o qual as células indiferenciadas ou células tronco (stem cells) se dividem e se diferenciam. Na base,
podemos subdividir as células do organismo dos animais superiores em três subtipos principais, as
células germinativas ou gâmetas (germ cells), as já referidas células indiferenciadas (stem cells) e as
células somáticas (somatic cells) que são células diferenciadas que se organizam em tecidos e
executam tarefas biológicas diferenciadas segundo o sistema a que pertencem (aparelho
respiratório, digestivo, sistema nervoso, sistema ósseo, muscular, tecido conjuntivo, entre outros).
Cada tipo de célula especializada expressa o conteúdo genético inerente à própria espécie. A
diferenciação celular durante o processo de crescimento e desenvolvimento tem assim inerente um
processo de regulação genética. Esse processo de diferenciação envolve mecanismos de alteração
dos processos de síntese proteica associado a diferentes conformações dos receptores associados
aos processos de transmissão de informação entre células. No entanto, um número considerável de
células mantém uma configuração básica indiferenciada, basicamente para servir para regeneração
celular (substituição de células que terminaram a sua função vital). Entre os subtipos de células
apresentados na tabela I a maioria são células somáticas, com uma diferenciação funcional clara em
termos da sua actuação quando integradas nos diferentes tipos de tecidos.

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Tabela I: Súmula dos diferentes tipos de células no Homem e mamíferos superiores

Divisão Designação Constituinte


Óvulo Gâmeta feminino
Gâmetas
Espermatozóide Gâmeta masculino

Indiferenciadas Célula tronco ou célula mãe


Queratinócitos Constituem 95% da pele
Células Huxley 2ª camada do cabelo
Pele Constituintes do epitélio
Epiteliais (pele que reveste
cavidades interiores)
Células salivares Glândula salivar
Células mamárias Glândula mamária
Células lacrimais Glândula lacrimal
Secretórias Células de Moll Glândula sudorípara
Células sebáceas Segregação lipídica
Células prostáticas Segregação de sémen
Células de Clara Pulmões
Somatotropos
Lactotropos
Hipófise
Tirotropos
Corticotropos
Hormonais Epitelial tiroidica Tiróide
Células cromafins Supra-Renais

Somáticas Células Leydig Testosterona


Células Theca Estrogénio
Corpus Luteum Progesterona
Hepatócitos Fígado
Lipócitos Gordura
Podócitos
Rim
Funcionais Tubulócitos
Pneumócitos Pulmão
Células de Langerhans Pâncreas
Células Epyidimis Ap. Reprod. masculino
Orgaos Corti
Fibroblastos
Ossos
Ósseas reticulares
Osteoblastos
Matriciais Odontoblastos
Dentes
Cimentoblastos
Célula estrela (Ito) Fígado (fibras)
Célula estrela (PASc) Pâncreas
Hialócitos Olho (humor aquoso)

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Vermelhas musculares Acção lenta
Brancas musculares Acção rápida
Células-saco Sistema alongamento
Muscular dos músculos
Células-cadeia
Fibras Purkinje Músculo cardíaco
Células musculares macias
Eritrócitos Glóbulos vermelhos
Monócitos Glóbulos brancos
Osteoclastos Controle tecido ósseo
Sangue e
Células dendriticas Tecido linfático
sistema
Granulócitos
linfático
Mastócitos Sistema imunitário
Células T
Somáticas Células B
Células sensoriais auditivas
Células sensoriais visuais
Células sensoriais olfactivas
Células sensoriais gustativas
Células sensoriais térmicas
Sistema Células Merkel Tacto
nervoso Células corpo Sensoriais sangue
Astrocitos Celulas Glia (SNC)
SNC. Existem milhares de
Neurónios tipos diferentes
Oligodendrócitos Isolamento axonios
Sistema nervoso
Células Schwann periférico

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1.2. Sinalização celular

A sinalização celular faz parte de um complexo sistema de comunicação que governa e


coordena as actividades e funções celulares. A habilidade que as células possuem em perceber e
correctamente responder ao seu ambiente envolvente, forma a base do desenvolvimento, da
reparação de tecidos, da imunidade e de outras funções de homeostasia em tecidos [3].

A sinalização celular pode ocorrer de forma directa (junção comunicante), a curta distância
(paracrinal) ou longas distâncias (endocrinal). Os responsáveis pela sinalização celular são os
RECEPTORES, que são proteínas existentes nas membranas bilipídicas que separam as células e que
permitem a entrada ou saída de substâncias da célula. Os referidos receptores podem ainda ser
activados através de um mensageiro secundário que induz processos posteriores no interior da
célula.

Os receptores e canais existentes nas membranas celulares podem ser activados por
neurotransmissores (transmissão paracrinal), por células endócrinas (transmissão endocrinal) ou
simplesmente por iões componentes do espaço extracelular. Existem ainda receptores activados
por potencial eléctrico, pH ou outros. Os receptores podem ainda ser designados de
transmembranares (se atravessarem a membrana de um lado ao outro) ou metabotrópicos (caso
se situem apenas no exterior e estiverem ligados a processos de sinalização secundária.

A B

Fig.2- Imagem modelizada de um receptor transmembranar (A) e de um receptor metabotrópico (B).

Os receptores transmembranares podem ser CANAIS IÓNICOS (que são muito comuns em processos
rápidos de transmissão eléctrica em células como os neurónios), ligados a enzimas ou activados por
proteínas G. No caso dos canais iónicos são normalmente activados por neurotransmissores. Os
receptores metabotrópicos estão normalmente associados a proteínas G e desencadeiam cadeias

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de processamento interno nas células, nomeadamente activando neurotransmissores internos
como o Inositol tri-fosfato (IP3).

TABELA II : Receptores transmembranares

Tipo Neurotransmissor Sub Onde se encontram


Acetilcolina (ACh) Todo o organismo Excitatório
A1 Todo o organismo Inibitório
A2A Neurónios, músculo cardíaco Ambos
Purinérgicos Adenosina
A2B Todo o organismo Inibitório
A3
Neurónios
M1 Glândulas exócrinas
Inibitório
Muscarínicos Muscarina M2 Músculo cardíaco Inibitório
(mAchRs) Acetilcolina (Ach) Vasos sanguíneos, gland.
M3 salivares, tecido muscular
Excitatório
M4 Neurónios
1
Tecido muscular, vasos
Excitatório
sanguíneos
2
Neurónios, pâncreas, tracto
Adrenalina Inibitório
Adrenérgicos gastrointestinal
Noradrenalina Músculo cardíaco, células
1 Excitatório
adiposas
2
Múltiplos sistemas Ambos
CB1 Neurónios, hepatócitos,
Excitatório
Canabinóides THC tracto gastrointestinal
CB2 Células T, terminais nervosos Ambos
GABAérgicos GABA GABAA Todo o organismo Inibitório
Delta Neurónios (quase todo o
Kappa cérebro)
Ópio Efeitos
Opiáceos
Morfina mu diversos
OP4
Serotonina 5 HT 5HT3 Neurónios. Vasos sanguíneos. Ambos
NMDA
Neurónios (todo o cérebro e
Glutamato AMPA espinal medula)
Excitatório
Kainato

Para além dos receptores activados por neurotransmissores (como assinalado nesta tabela)
existem também canais iónicos activados por potencial eléctrico, que permitem a alteração do
potencial interior de cada célula, uma vez que podem funcionar como reguladores da composição
iónica interna da célula. Em função dos seus diferentes componentes iónicos, vai haver também

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diferentes condições fisiológicas em termos de geração e condução de estímulos eléctricos. Estes
temas serão explanados no capítulo seguinte.

1.3. Condução eléctrica num tecido excitável

Tal como tudo na natureza as células também têm propriedades eléctricas. O POTENCIAL DE
MEMBRANA de uma célula é a diferença de potencial entre o meio interno e externo, ou seja
entre os dois lados da membrana. O material citoplasmático tem uma composição, em termos
iónicos, diferente do meio exterior, mas apenas em termos de concentrações específicas dos iões.
Ou seja, tanto no exterior como no interior da membrana, os iões predominantes são os
monovalentes (sódio, potássio e cloro) com pequenas concentrações de iões bivalentes como
cálcio, magnésio, zinco ou mesmo trivalentes como o ferro e o alumínio. No entanto, as diferenças
de potencial de membrana acabam por ser maioritariamente condicionadas pelas diferenças de
concentração dos iões monovalentes, como se pode observar na Fig. 3.

Fig. 3- Potencial de membrana criado por diferença de concentração de iões de ambos os lados da
membrana celular. De notar que no meio interno existe uma concentração muito maior de potássio e no
meio externo uma concentração mais elevada de sódio.

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As células podem ser do tipo excitável ou não excitável. No caso das segundas o potencial de
membrana mantém-se geralmente estável. No caso das células electricamente excitáveis, como é o
caso dos neurónios, células musculares e células secretórias, os canais e receptores presentes nas
membranas bilipídicas são sensíveis as diferenças de potencial entre os meios intra e extracelular.

Os neurónios são as células excitáveis mais comuns no organismo dos animais superiores.
Existem como constituintes fundamentais do tecido nervoso (central e periférico). A sua morfologia
é bastante característica, embora exista uma enorme variabilidade na estrutura dos neurónios (os
seus tamanhos podem variar entre 4 e 100 m, sendo das células maiores existentes em todo o
organismo). A figura 4 esquematiza a anatomia de um neurónio (neste caso de um neurónio com o
axónio longo e bainha de mielina).

Fig. 4- Estrutura completa de um neurónio com axónio longo (tipo I) e com bainha de mielina.

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Existem muitíssimos tipos de neurónios, sendo que a subdivisão mais importante ocorre entre
neurónios tipo I (axónios longos) e tipo II (axónios curtos). Os primeiros têm normalmente como
função a condução de estímulos nervosos a distâncias mais longas. Os mais comuns são os
neurónios PIRAMIDAIS (com o soma em forma de pirâmide), CÉLULAS DE PURKINJE (existentes no
cerebelo, axónios muito longos) ou NEURÓNIOS MOTORES (presente na espinal medula). Os
neurónios de tipo II mais comuns são as CÉLULAS GRANULARES (com o soma em forma de esfera) e
as CÉLULAS CESTO (que interagem com os neurónios piramidais tendo uma função inibitória,
activada por receptores GABA, ver tab.II).

No caso destas células as alterações nesta diferença de potencial podem gerar potenciais de
acção e oscilações, que depois se propagam ao longo da célula. Quando as células estão na situação
de equilíbrio a diferença de potencial é denominada POTENCIAL DE EQUILÍBRIO. Esse potencial de
equilíbrio depende da concentração interna e externa dos iões, do tipo de ião e da temperatura. A
equação que descreve o potencial de equilíbrio para cada ião é denominada EQUAÇÃO DE NERNST.

𝑅𝑇 [𝑋 ]
𝑉 , =  ln  
𝑧𝐹 [𝑋 ]
Eq. 1. Equação de Nernst para o potencial de equilíbrio de um ião.
-1 -1
R- constante de Rydberg (gases perfeitos). R = 8,314 J mol K
-1 -1
F- constante de Faraday (carga de 1 mole de iões) F = 96500 J V mol

z- nº de electrões de valência do ião X.

A equação de Nernst permite calcular o potencial de repouso para um ião [4]. No entanto, numa
célula existem sempre vários iões, sendo que normalmente nas células electricamente excitáveis os
iões mais comuns são os iões monovalentes, como o Sódio (Na+) o Potássio (K+) e o Cloro (Cl-). Por
outro lado, a permeabilidade da membrana celular em relação aos diferentes iões não é a mesma,
sendo que o potencial de repouso da célula depende dessa permeabilidade relativa. O cálculo do
potencial em repouso para uma membrana plasmática (bilipídica com canais iónicos) é dado pela
EQUAÇÃO DE GOLDMAN:

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𝑅𝑇 𝑃 [𝐾 ] + 𝑃 [𝑁𝑎 ] + 𝑃 [𝐶𝑙 ]
𝑉 =  ln  
𝐹 𝑃 𝐾 +𝑃 𝑁𝑎 + 𝑃 [𝐶𝑙 ]

Eq. 2. Equação de Goldman para o potencial de equilíbrio de uma membrana plasmática de uma célula
excitável. Os valores de Px referem-se a permeabilidade da membrana aos iões que têm o papel mais
importante nos processos eléctricos.

No caso da maior parte dos animais, as concentrações externas do ião potássio são mais baixas
que as de sódio, sendo que o oposto ocorre com as concentrações internas (ver fig. 3). Deste modo,
aplicando a equação de Nernst, verifica-se que para concentrações internas de sódio e potássio
próximas dos valores que se encontram nas células não excitáveis, o valor do potencial de repouso
para o potássio [4], ou seja, Vrepouso, K+ é próximo de -80 mV. Por sua vez, o potencial de repouso
para o ião sódio Vrepouso, Na+ é positivo, da ordem dos 30 mV. Uma vez que, em situação de baixa
actividade, a permeabilidade dos iões de potássio é superior à dos de sódio, o potencial de repouso
das células normalmente excitáveis aproxima-se do potencial de repouso do potássio, mostrando
normalmente valores entre os -60 mV e os -70 mV.

A activação de canais de sódio ocorre assim quando o potencial de membrana sobe, enquanto a
sua descida activa os canais de potássio. Em consequência desse diferencial de potenciais de
repouso, ocorrem alterações muito significativas quando a permeabilidade relativa da membrana
plasmática aos iões varia. No caso das células electricamente excitáveis essas alterações dos
potenciais eléctricos dão origem aos POTENCIAIS DE ACÇÃO.

Um potencial de acção é assim uma variação transitória do potencial eléctrico da membrana,


gerado pela acção de CANAIS IÓNICOS DEPENDENTES DO POTENCIAL. Estes canais abrem
consoante a diferença de potencial na membrana. Depois através da abertura de canais
subsequentes o impulso (ou potencial de acção) propaga-se espacialmente através da célula.
Embora os potenciais de acção não se propaguem exclusivamente em neurónios é precisamente
neste tipo de células que o modelo de geração e propagação destes potenciais é melhor conhecido,
sobretudo devido aos estudos efectuados no axónio da lula (anos 70 do século passado em Woods
Hole, USA).

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Fig. 5- Processo esquemático da criação de um potencial de acção.

Quando o potencial da membrana sobe, ocorre a abertura de CANAIS DE SÓDIO DEPENDENTES


DO POTENCIAL, permitindo que os iões de sódio entrem no meio intracelular (onde inicialmente
existem em menor número). Na fase subsequente ocorre a abertura de CANAIS DE POTÁSSIO
DEPENDENTES DO POTENCIAL, o que induz a saída de iões de potássio para o meio externo (onde
estes são mais escassos). O aumento da concentração interna de sódio provoca uma
DESPOLARIZAÇÃO, ou seja um aumento do potencial de membrana (ver eq. de Goldman). A um
potencial próximo dos 40 mV (potencial de repouso para o sódio, eq. Nernst) os canais de sódio

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fecham, mantendo-se os de potássio abertos. A diminuição da concentração interna de potássio
provoca a HIPERPOLARIZAÇÃO da membrana, ou seja uma descida do seu potencial eléctrico.
Quando o potencial atinge -70 mV (potencial de repouso para o potássio, eq. Nernst) a célula volta
novamente ao estado de repouso, aliás baixa mesmo mais um pouco devido ao excesso do fluxo de
potássio, sendo depois restabelecido valor do potencial de repouso (no caso dos neurónios oscila
entre os -65 e os -70 mV). A duração total do processo é inferior a 5 ms. Na fig. 4 está
esquematizado todo o processo de criação do potencial de acção.

A propagação do potencial de acção ao longo do axónio ocorre de forma muito mais eficiente
quando este é rodeado de uma bainha de MIELINA. Esta bainha é composta por oligodendrócitos
(no sistema nervoso central) e por CÉLULAS DE SCHWANN no sistema nervoso periférico. A bainha
de mielina não é contínua, sendo intervalada por zonas denominadas NÓDULOS DE RANVIER, locais
onde se encontram os canais de sódio e potássio responsáveis pela condução do estímulo eléctrico.
A presença de mielina aumenta a velocidade de propagação do estímulo eléctrico, que pode atingir
velocidades tão elevadas com 100 m/s, aumentando com o diâmetro do axónio.

No caso da condução de estímulos através de dendrites e axónios não mielinizados a propagação


do potencial de acção é explicada como se tratasse da condução de impulso ao longo de um cabo
eléctrico. Daí a denominação de TEORIA DO CABO. Nesta teoria o axónio é considerado como um
cabo eléctrico cilíndrico, sendo aproximado a uma série de circuitos compostos por uma
capacitância e uma resistência em paralelo (ver fig. 6).

Fig. 6- Modelo da membrana plasmática segundo a teoria do cabo. A membrana tem uma capacidade
(Cm) devida as diferenças de potencial transmembranares. Por sua vez, a passagem de iões dá origem a uma
corrente eléctrica, logo com uma resistência associada.

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A condução eléctrica de um estímulo ao longo de um cabo pode ser explicada pela seguinte
equação diferencial de segunda ordem:

𝜕𝑉 𝜕 𝑉
𝜏 =𝜆 −𝑉
𝜕𝑡 𝜕𝑥
Eq. 3- Equação diferencial que descreve a condução de um estímulo através de um axónio, segundo a
teoria do cabo.

V (x,t) – potencial da membrana em função do tempo e do local.

– Constante temporal do circuito RC ( = rmCm)

– Constante espacial da condução eléctrica ( = (rm/rl)1/2)

1.4. Modelo quantitativo. Equação de Hodgkin - Huxley

O modelo da condução num cabo apenas é válido quando ocorre o transporte passivo de um
sinal eléctrico. Essa situação não acontece na maioria dos neurónios e outras células electricamente
excitáveis. Com efeito, e como se verifica na condução de estímulos em neurónios mielinizados, o
estímulo propaga-se de forma rápida enquanto atravessa o axónio revestido pela bainha de
mielina, e depois acaba por ter um novo impulso graças a presença de canais de sódio e potássio
quando atinge o nó de Ranvier (fig. 4) onde existe uma enorme concentração de canais de sódio e
potássio dependentes do potencial. Isto significa que o simples modelo de cabo não é válido, uma
vez que para além da condução através da membrana existem também os canais dependentes do
potenciais, e ainda os INTERCAMBIADORES, que têm o papel de repor as concentrações de sódio,
potássio e outros iões, de modo a contrabalançar as variações induzidas pela estimulação e
condução dos potenciais de acção. De modo a tentar obter um modelo o mais realista possível para
a condução de estímulos em axónios (mielinizados ou não) os cientistas HODGKIN e HUXLEY
estudaram (em meados do séc. XX) o axónio gigante da lula, um axónio não mielinizado com um
diâmetro de 0,5 mm (um dos maiores existentes no reino animal) [6]. Neste axónio existem canais
dependentes do potencial em todo o seu comprimento, pelo que ao longo do processo são

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introduzidas correntes de sódio e de potássio. Deste modo, no circuito equivalente há que notar
que, contrariamente ao que sucede na teoria do cabo, existem componentes condutivas (canais
iónicos dependentes do potencial) e capacitivas (a própria membrana), tal como se poderá
observar na fig. 7.

Fig. 7- Modelo da membrana segundo o modelo de Hodgkin e Huxley. A diferença em relação ao modelo
do cabo é notória, visto que existe agora o efeito de condução devido aos canais iónicos (de potássio, sódio
ou de outros iões, descrito pela letra l. [7].

Da teoria dos circuitos eléctricos, sabe-se que a carga de um condensador é igual a sua
capacidade a multiplicar de diferença de potencial entre as placas. Como, num processo de
condição de um impulso nervoso, a corrente e o potencial não são constantes, pode aplicar-se a
mesma expressão a potenciais variáveis, ou seja:

𝑑𝑞 𝜕𝐸
𝐼= =𝐶
𝑑𝑡 𝜕𝑡
Segundo a lei de Ohm, a diferença de potencial é igual à corrente vezes a resistência. Deste
modo, para cada um dos iões, a corrente vai ser dada pela seguinte expressão (considerando, por
exemplo, o ião de potássio):

𝑉
𝐼 = = 𝑔  𝑉
𝑅

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Em que gK é a condutividade dos canais de potássio e VK a diferença de potencial. No entanto, a
condutividade dos canais iónicos varia no tempo e também depende do potencial a que se
encontra a membrana. Desse modo, a corrente de cada ião é influenciada pelo factor
condutividade,  o  que  a  torna  uma  função  não  linear.  Se  incluirmos,  como  é  de  esperar,  as  “pilhas”  
equivalentes (respeitantes a actividade dos canais iónicos, vem que:

IK=gK (V, t) [V(t)-EK (t)]

Sendo que, como é óbvio, esta equação se pode também escrever para os outros iões.

A expressão [V(t)-EK (t)] é denominada FORÇA CONDUTORA (Driving Force), ou seja a


diferença entre o potencial da membrana em cada instante de tempo, e o valor de equilíbrio para
cada ião.

Se considerarmos a totalidade dos iões presentes obtemos a equação diferencial total do


modelo:

𝜕𝐸
𝐼 = 𝐶   + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 )
𝜕𝑡
Eq. 4- Modelo de Hodgkin-Huxley para o axónio gigante da lula.

Hodgkin e Huxley mediram as correntes de potássio e de sódio em função do tempo, no axónio


da lula e obtiveram a curva da variação da condutividade para ambos os tipos de canais. Essa
condutividade varia no tempo consoante os valores expressos na fig. 8. Pode verificar-se que a
condutividade dos iões de potássio é menor que a dos de sódio durante o processo de formação do
potencial de acção (primeiros 2 ms) e depois a condutividade do potássio predomina sobre a do
sódio. Ainda há a salientar que com o aumento da diferença de potencial aplicada na membrana, a
condutividade do ião potássio, aumenta, sendo muito maior para valores da ordem dos -20 mV que
para valores da ordem dos -50 mV. No entanto, o aspecto das curvas da condutividade do potássio
em função do tempo mantém-se próxima a uma exponencial.

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Fig. 8- Curvas de condutividade em função do tempo, medidas para os iões de sódio e potássio no axónio
gigante da lula (T = 6ºC; V = -26 mV).

Devido ao aspecto da curva de condutividade do potássio, aproximada a uma exponencial foi


elaborada por Hodgkin e Huxley a seguinte curva de aproximação:

𝑔   (𝑉, 𝑡) =     𝑔 1 − 𝑒( )

No entanto, a curva de condutividade dos canais de potássio não é exactamente uma


exponencial. Usando métodos matemáticos, Hodgkin e Huxley aproximaram a curva de
condutividade para uma função que inclui o termo 𝑒   que se aproxima da curva
experimental. Deste modo, chegaram a equação que melhor se aproxima à curva experimental da
condutividade dos canais de potássio.

𝑔   (𝑉, 𝑡) =     𝑔̅ 𝑛 (𝑉)       1 − 𝑒 ( )

Eq. 5- Equação temporal de condutividade do ião de potássio para o axónio gigante da lula (Modelo de
Hodgkin-Huxley)[6].

𝑔̅ - Valor máximo que é possível atingir durante o processo de condução do estímulo.

𝑛 (𝑉)- valor relativo da condutividade quando o tempo tende para infinito (varia entre zero e um).

- coeficiente que aproxima mais a curva ao seu aspecto real (n = 4 para o axónio gigante da lula).

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A modelação da variação temporal da condutância específica do sódio para cada valor de
potencial eléctrico foi feita de maneira similar por Hodgkin e Huxley. Porém, olhando para as curvas
experimentais, dando o comportamento de gNa em função de t, vemos que o comportamento da
condutividade do sódio em função do tempo é mais complexo que o da condutividade do potássio.
Neste caso, a condutividade do sódio inicialmente sobe em resposta ao aumento do potencial, mas
depois decai enquanto o potencial fica mantido num valor alto., devido à inactivação dos canais de
sódio dependentes do potencial. Há que salientar que durante o processo de condução do estímulo
os canais de sódio podem encontrar-se em três estados diferentes: abertos, fechados ou inactivos.
O modelo de Hodgkin e Huxley aproxima a curva experimental da condutividade do sódio (fig. 8) a
uma função que combina o efeito da fracção dos canais abertos e dos canais inactivos [6]. Assim, a
curva de condutividade de sódio pode aproximar-se à seguinte equação:

𝑔 (𝑉, 𝑡) = 𝑔̅ 𝑚 (𝑉, 𝑡)ℎ(𝑉, 𝑡)  

Eq. 6- Equação temporal de condutividade do ião de sódio para o axónio gigante da lula (Modelo de
Hodgkin-Huxley)

Nesta equação, m e h são fracções que se aproximam do comportamento da fracção n para


eq. 5. A sua variação de m (variável de activação do sódio) é inicialmente pequena e aumenta com
o tempo de maneira semelhante à do potássio. Por sua vez h (variável de inactivação do sódio) tem
um valor inicial mais alto e depois decai para zero. Quando h = 0 todos os canais de sódio estão
inactivos. Os expoentes foram calculados por Hodgkin e Huxley como sendo 3 e 1, de modo a
ajustarem-se melhor à curva experimental da condutividade do sódio [6].

Fig. 9- Variação temporal dos coeficientes m, n e h durante um estímulo (modelo de Hodgkin-Huxley).

21
O mecanismo de geração de um potencial de acção pode ser entendido a partir de uma análise
da figura acima. Inicialmente, existe um balanço entre a corrente de sódio para dentro e a corrente
de potássio para fora. No repouso, m é pequena e h é grande, de maneira que o termo m³h é
pequeno, mas não nulo. A variável de activação do K, n, tem um valor intermediário entre m e h,
mas n4 é também pequeno. Após o início do pulso de potencial, a despolarização aumenta m
rapidamente e ocorre a abertura dos canais de sódio. Após alguns milissegundos, h vai a zero e vai
haver a inactivação dos canais de sódio. Enquanto isso, n aumenta e a condutância do potássio
cresce, atingindo um valor estacionário elevado. Após o fim do pulso, n, m e h retornam aos seus
valores de repouso.

A chave para se entender o comportamento do potencial de membrana gerado pelas variáveis

m, h e n está nas suas respectivas constantes de tempo, m, h e n. Observando a fig. 10, vemos
que as variáveis de activação do potássio (n) e de inactivação do sódio (h) levam muito mais tempo
para atingir seus valores de estado estacionário do que a variável de activação do sódio (m). Como
o comportamento temporal das três variáveis é exponencial, as constantes de tempo associadas às
variáveis n e h devem ser maiores do que a constante de tempo associada à variável m. Isso pode
ser mais bem entendido observando-se as figuras abaixo, que mostram como as constantes de
tempo e as variáveis de activação e inactivação dependem do potencial eléctrico no modelo de
Hodgkin e Huxley [6].

Fig. 10- Variação das constantes de tempo e das variáveis de activação e inactivação em função do
potencial eléctrico no modelo de Hodgkin e Huxley. De salientar o potencial de repouso da membrana
(próximo de -70 mV).

22
Pode ser observado que a constante de tempo de activação do sódio, m, é aproximadamente dez
vezes menor que as constantes de tempo de activação do potássio, n, e de inactivação do sódio, h.
Isso significa que, quando ocorre uma despolarização, m varia bem mais rapidamente que n e h em
direcção ao seu valor de estado estacionário. Portanto, há um breve período durante o qual m é
grande e h ainda não é tão pequeno o que faz com que o termo m3h nas equações seja
suficientemente grande para implicar uma condutância de sódio suficientemente elevada para
gerar um potencial de acção [8].
Enquanto isso, como n tem um valor relativamente grande a variável n levará um tempo maior
para atingir um valor tal que a condutância de potássio correspondente seja grande o suficiente
para produzir uma corrente de potássio de dentro para fora da célula capaz de reduzir o potencial
de membrana da célula ao seu valor original.
Do mesmo modo, também podem observados os desses parâmetros numa situação de repouso,
com o potencial de   membrana   em  torno   de   −70   mV   (indicado  por   setas   nas   figuras).   Note   que   o  
valor de h aumenta com a hiperpolarização de célula e que existe uma faixa de valores de
hiperpolarização tal que m se mantém diferente de zero. Isto implica que uma possível estratégia
para se despolarizar a célula é, primeiro, hiperpolarizá-la um pouco e depois despolarizá-la. Quando
a célula é hiperpolarizada, o valor da variável de inactivação do sódio, h, cresce – um processo
chamado de desactivação. Posteriormente, quando ocorre a despolarização, a variável de activação
do sódio, m, cresce rapidamente e h se mantém com um valor relativamente alto por um certo
tempo (por causa da sua constante temporal mais elevada). Isto implica que o produto m3h pode
atingir valores maiores neste caso do que quando ocorre apenas uma despolarização a partir do
repouso.
Voltando à equação geral do modelo de Hodgkin-Huxley (Eq. 4) podemos substituir os valores de
condutividade dos canais.

𝜕𝐸
𝐼 = 𝐶   + 𝑔̅  𝑛 (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔̅ 𝑚 ℎ  (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 )
𝜕𝑡
Eq. 7- Forma da equação geral do modelo de Hodgkin e Huxley

23
As condutâncias específicas máximas para cada um dos três canais e os respectivos potenciais de
reversão também foram determinados experimentalmente por Hodgkin e Huxley [6] e seus valores
são os seguintes (para o axónio gigante da lula):

𝑔̅ = 120 mS/cm2;

𝑔̅ = 36 mS/cm2;

𝑔̅ = 0,3 mS/cm2;

ENa = 115 mV;

EK = −12 mV;

Ev = 10,163 mV;

Cm = 1 μF/cm2.

A solução numérica das equações do modelo de Hodgkin e Huxley mostra o aparecimento de


potenciais de acção para correntes acima de um valor limiar, conforme observado
experimentalmente.

Fig. 11- Simulação em MATLAB da resolução da equação de Hodgkin e Huxley com um potencial de
repouso Vrep = -65 mV, injectando um impulso de corrente de 10 mA/cm2 durante 1 ms.

24
1.5. Mapeamento biopotencial

O mapeamento biopotencial consiste na recolha e análise de sinais resultante da actividade


eléctrica. Funcionam como importante método de diagnóstico médico no ser humano. Os
processos mais utilizados são o ELECTROCARDIOGRAMA (ECG) que consiste na recolha de sinais
eléctricos resultantes da activação do músculo cardíaco e o ELECTROENCEFALOGRAMA (EEG), mais
complexo, que mede a actividade respeitante a estimulação dos neurónios e células do sistema
nervoso central.

Os electrocardiogramas (ECG) consistem na medição dos estímulos eléctricos associados à


actividade do músculo cardíaco. Os impulsos no coração iniciam-se no nodo sinoatrial (local onde
se inicia o estímulo que, sendo comunicada ao miocárdio (fibras musculares) dá origem a sístole
(batida cardíaca de impulsão). A diferença de potencial pode assim ser medida por eléctrodos
colocados em lados diferentes do músculo cardíaco, o que permite diagnosticar qualquer problema
que possa ocorrer (basta para tal comparar um determinado conjunto de sinais recolhidos num
individuo com os padrões normais), seja uma simples arritmia ou um caso mais grave (onde possa
ser detectado um dano no sistema muscular cardíaco).
O perfil normal de um electrocardiograma (ECG) apresenta pontos específicos, denominados por
letras entre P e T. Na tabela III estão esquematizados os pontos mais importantes de um traçado
normal de um ECG.

Tabela III: Explicação esquematizada dos diferentes pontos de um traçado ECG

Duração
Descrição Significado clínico
(ms)
Despolarização das aurículas, corrente flui do Longa- dilatação aurícula esquerda
P nodo sinoatrial para o nodo 80 Ausente- Arritmia (fibrilhação)
aurioventricular(ligação aurícula - ventrículo) Forma dentada - Flutuação
PR Condução do estímulo do nodo aurioventricular
para as células musculares dos ventrículos
50 /120
Despolarização dos ventrículos. Batimento Longa- excesso de potássio.
QRS cardíaco propriamente dito. Activação das células 70 / 110 Ondas Q longas – enfarte de
His-Purkinje. miocárdio
ST Ligação complexo QRS- onda T 80 / 120
T Recuperação dos ventrículos 160 Invertida - Isquémia, hipertrofia
Inexistente - excesso potássio

25
Fig. 12. Perfil normal de um electrocardiograma (ECG) esquematizando os seus pontos específicos (tabela
III).

Para além dos factores atrás descritos, há ainda a salientar que um intervalo demasiado longo
entre os pontos Q e T significa hipocalcémia (o oposto indica hipercalcémia). As heterogeneidades
no traçado dos ECG podem ser perigosas, pelo que nestes casos se aconselha monitorização do
paciente.

No caso do ELECTROENCEFALOGRAMA (EEG) a análise das ondas obtidas é muitíssimo mais


complexa. Cada neurónio cria, de forma individual, potenciais de acção que são transmitidos à
célula seguinte por TRANSMISSÃO SINÁPTICA (Cap. 2). Os sinais medidos num EEG representam a
soma de milhares (ou milhões) de transmissões sinápticas individuais. Esses sinais são demasiado
pequenos para serem detectados de forma individual. No entanto, quando a actividade de um
grupo de neurónios é SINCRONIZADA, torna-se possível de detectar através do EEG. A actividade
medida num EEG mostra, de um modo geral, ondas com frequências típicas de oscilação,
correspondente a diferentes estados (ou ritmos) de actividade cerebral. O objectivo de registar um

26
EEG tem a ver fundamentalmente com a detecção de anormalidades no padrão de actividade
cerebral, nomeadamente o risco de actividade epiléptica, correspondente ao disparo de múltiplos
potenciais de acção durante a estimulação nervosa. Os EEG podem também ser utilizados para
monitorizar pacientes com enxaqueca (violenta dor de cabeça unilateral, normalmente associada
ao défice de activação de receptores de serotonina- 5HT) ou, para caso mais graves, monitorização
de pacientes em coma ou diagnóstico de morte cerebral.
O EEG é um exame que tem escassa resolução espacial, não sendo possível, através da sua
realização, detectar as zonas do cérebro onde ocorrem as alterações dos estados funcionais atrás
descritas. Outras técnicas que utilizam muito maior resolução espacial como o PET (Positron
Espectral Tomography, ou seja tomografia espectral de positrões) ou a MRI (Magnetic Ressonance
Imaging, Ressonância magnética) permitem um estudo muito mais localizado da actividade
cerebral associada a processos fisiológicos e/ou patológicos.

A
B

Fig. 13- Métodos e técnicas de mapeamento biopotencial no cérebro: A- Traçado de um


electroencefalograma (EEG). B- Imagem obtida por ressonância magnética; C- Imagem obtida por PET
(Tomografia Espectral de Positrões).

27
Cap. 2- Electrofisiologia e estimulação funcional

2.1. Electrofisiologia: métodos e técnicas

A Electrofisiologia é o estudo das propriedades eléctricas das células. Consiste na medição de


potenciais eléctricos ou de correntes eléctricas. As técnicas electrofisiológicas clássicas incluem a
utilização de eléctrodos em forma de disco ou agulha, circuitos impressos ou ainda pequenos tubos
ou pipetas de vidro preenchidas com um electrólito (cloreto de potássio, por exemplo). Podem ser
analisadas amostras provenientes de tecidos vivos (acute preparations) ou então resultantes de
culturas celulares (culture cells).
Em electrofisiologia podem ser executadas medidas em uma população celular (extracelulares)
ou de uma só célula (intracelulares). Uma das técnicas mais utilizadas em medições intracelulares é
a utilização como eléctrodo de uma pipeta com uma ponte extremamente fina (diâmetro da ordem
dos micrómetros) cheia com electrólito. Ao colocar a ponta do eléctrodo na célula, é possível que o
vidro adira à camada lipídica e que o electrólito entre em contacto directo com o citosol. Nesse
caso podem registar-se potenciais eléctricos da totalidade da célula (whole-cell recording) ou
apenas de um canal (patch clamp).. No caso dos registos extracelulares, os potenciais de campo
(field potentials) são criados por uma população de células. Normalmente, os potenciais de campo
resultam da transmissão sináptica. Como se pode ver na fig. 14, a entrada de iões positivos na
membrana pós-sináptica gera um potencial negativo no exterior do soma (devido à saída de cargas
positivas do meio extracelular) e uma correspondente subida de potencial do soma (devido à
entrada de cargas positivas no soma).

Fig. 14- Estimulação da transmissão sináptica no hipocampo de um mamífero. 1. Eléctrodo de registo


colocado no soma. 2. Eléctrodo de registo colocado na região dendrítica.

28
Na tabela IV estão esquematizadas várias técnicas de registo, com destaque para os diferentes
métodos de registo intracelulares e extracelulares [9].

Tabela IV. Algumas das técnicas electrofisiológicas mais utilizadas

Ampl.
Designação Técnica Local sinal (mV)
Um só eléctrodo,
Unidade simples colocado numa região Neurónios (in vivo) 1
do cérebro
Dois eléctrodos, um de
Extracelular Potenciais de campo Neurónios, cel. 1a5
estimulação, outro de
musculares
registo
Eléctrodo de carbono,
Amperometria sensível a mudanças da Neurónios
composição química
Dois eléctrodos (um Axónios (gigante da
Potencial controlado
intracelular o outro lula). Fibras 100
(voltage clamp) extracelular) musculares.
Neurónios (usado
Corrente controlada Um eléctrodo, no qual 10 / 20
Intracelular para medir resposta
(current clamp) é injectada corrente.
dos canais)
Um eléctrodo (micro
Neurónios (permite
Patch clamp pipeta) muito fino (R = 1 G )
medição de canais
(cerca de 1 m
individuais)
diâmetro)

Os registos intracelulares podem ser executados com a introdução de um microeléctrodo dentro


de uma célula ou colocando este em contacto com a membrana, promovendo a adesão do vidro do
eléctrodo a uma zona da membrana, o que permite registos de apenas um canal [9]. Na fig.15 são
ilustrados alguns exemplos de sinais obtidos através da técnica de patch clamp.

Fig. 15- Obtenção de sinais eléctricos devidos a activação de um único canal iónico usando a técnica de
patch clamp. Lado esquerdo: esquema de colocação do microeléctrodo. Lado direito: sinal eléctrico
respeitante á activação de um só canal.

29
A utilização de imagens obtidas através de indicadores de fluorescência é também uma ferramenta
bastante útil na electrofisiologia. Uma grande parte dos mecanismos de condução de estímulos eléctricos e
de transmissão e actividade sinápticas dependem das trocas iónicas de ambos os lados da membrana
plasmática. A fluorescência é a capacidade de uma substância ou de um material de emitir luz numa gama
de comprimentos de onda diferente daquela que recebe. Isto significa que uma substância iluminada, por
exemplo, com luz ultravioleta, pode emitir luz visível. Em electrofisiologia a alteração de fluorescência de um
composto é normalmente resultado da alteração da concentração de um determinado ião. Para aumentar
ainda mais a eficiência deste processo, foram desenvolvidos indicadores intracelulares, ou seja que podem
entrar através das membranas das células, graças a sintetização de indicadores de fluorescência
(fluorocromos) com grupos que contém esteres AM como unidade fundamental. Uma vez dentro da célula, o
grupo ester AM é removido e o indicador liga-se ao ião com o qual tem maior afinidade. Os indicadores mais
utilizados para medir a entrada de cálcio nas células são o FURA-2 (cuja fluorescência varia conforme a
concentração deste ião e que é bastante selectivo para o cálcio), o QUIN-2 (também muito utilizado para
medir fluxos de cálcio mas que tem uma eficiência mais pequena) ou o INDO-1. Também existem
indicadores de fluorescência para medir concentrações de iões de zinco (TSQ, TFL-Zn), de cádmio e de outros
metais pesados. A análise simultânea de imagens obtidas por indicadores de fluorescência e da actividade
eléctrica das células permitiu, nos últimos anos, um enorme aumento dos conhecimentos sobre a anatomia
e a fisiologia do sistema nervoso central e também sobre os processos envolvidos na transmissão e
plasticidade sináptica, nomeadamente através do papel desempenados pelos diferentes iões.

B
A

Fig. 16- Imagens de fluorescência de sistemas neurais. A- estudo da variação da fluorescência de Fura-2
(medindo a entrada de cálcio no soma de um neurónio. B- imagem de fluorescência de uma rede neuronal.

30
2.2. Transmissão sináptica

Uma sinapse é uma estrutura de ligação entre dois neurónios ou entre um neurónio e uma outra
célula (por ex, uma componente de uma fibra muscular). As sinapses permitem a transmissão de
estímulos eléctricos entre células excitáveis. As zonas situadas antes e após a sinapse são
denominadas de pré- e pós-sináptica. No caso da sinapse entre dois neurónios a zona pré-sináptica
corresponde ao terminal do axónio e a zona pós-sináptica a uma dendrite de um neurónio
adjacente [9].
Existe uma divisão fundamental entre dois tipos de sinapse: a SINAPSE ELÉCTRICA e a SINAPSE
QUÍMICA. Na primeira o contacto é directo e efectuado por canais eléctricos activados pelo
potencial. É o tipo menos vulgar de sinapse, existindo apenas em locais onde a transmissão tem
que ser mais rápida (tal como em nervos com papel funcional de reflexos). A sinapse eléctrica tem
um intervalo (fenda sináptica) muito mais curto que a sinapse química (geralmente não maior que 2
a 3 nm, enquanto que a sinapse química tem um intervalo de 5 a 10 nm).
A SINAPSE QUÍMICA tem um processo de funcionamento que envolve a libertação de
neurotransmissores (ver cap. 1). O cérebro humano (adulto) tem um número de sinapses químicas
estimado em cerca de 5x1014 (quinhentos triliões). A maioria dessas sinapses existe entre os
terminais dos axónios e as dendrites dos neurónios mais próximos, embora também possam existir
no soma e mesmo entre dendrites.
O processo de transmissão sináptica tem os seguintes passos:

O potencial de acção (ver cap. 1.3 e 1.4) chega ao terminal do axónio.


A despolarização causada pelo potencial de acção abre os canais de cálcio.
O aumento da concentração de cálcio estimula a acção das vesículas sinápticas.
O neurotransmissor contido nas vesículas é libertado para a fenda sináptica.
Ao chegar a zona pós-sináptica o neurotransmissor activa os receptores.
A abertura dos receptores despolariza a zona pós-sináptica devido ao influxo de catiões.
O neurotransmissor é reabsorvido pelo terminal pré-sináptico.

Na figura 17 são apresentados os mecanismos de transmissão numa sinapse química.

31
Fig. 17- Modelo de sinapse química, apresentando os diferentes componentes da transmissão sináptica
[10].

Na transmissão sináptica podem estar envolvidos vários neurotransmissores, sendo que o mais
abundante e o que tem o papel mais importante na transmissão do impulso excitatório do
potencial de acção é o GLUTAMATO. É este neurotransmissor, ao activar os receptores a ele
sensíveis presentes na membrana pós-sináptica que vai promover a despolarização da célula,
permitindo assim que o potencial de acção se transmita ao neurónio posterior. Existe uma grande
variedade de canais activados por este neurotransmissor. Na tabela V são apresentados os mais
importantes, classificado consoante as suas subunidades e em termos de acção farmacológica (por
exemplo, os receptores AMPA são activados de forma muito intensa pelo fármaco ácido α-amino-3-
hydroxi-5-metil-4-isoxazolepropiónico (cuja sigla é AMPA). Por sua vez os receptores de NMDA são
activados por N-metil-D-Aspartato. Finalmente os receptores de quainato são activados por este fármaco.
Como é evidente, nas sinapses químicas neuronais existem muitos outros receptores activados
por outros neurotransmissores tais como a nicotina, o ácido gama amino-butírico (GABA),
purinérgicos (adenosina), serotonina, ATP (P2X) e ainda canais iónicos activados directamente pelo

32
potencial eléctrico. Neste capítulo vai ser dada maior importância aos que contribuem para a
transmissão do potencial de acção entre os neurónios: os receptores de glutamato e os canais
dependentes do potencial.

Tabela V: Receptores ionotrópicos de glutamato

AMPA GluA1, GluA2, GluA3, GluA4 Na+, K+, Ca2+ (s/GluA2)

NMDA GluN1, GluN2 (A a D), NRL1A, Na+, K+, Ca2+ (bloqueado


NRL1B por Mg2+)
Quainato GluK1, GluK2, GluK3, GluK4, GluK5 Na+, K+

No cap. 1 foi focado, com particular atenção, o papel dos canais iónicos na geração e na
transmissão do potencial de acção ao longo de uma célula electricamente excitável. Os canais
iónicos envolvidos nesse processo são, em grande maioria, de sódio e de potássio. Na região
sináptica assumem um papel extremamente relevante os canais de cálcio dependentes do
potencial. Estes podem ser divididos em canais activados a potencial elevado (High Voltage
activated- HVA) ou a potencial baixo (Low Voltage activated, LVA). Na tabela VI são apresentadas as
principais características dos canais de cálcio dependentes do potencial (ou activados pelo
potencial) presentes nas sinapses químicas dos neurónios.

Tabela VI: Canais de cálcio dependentes do potencial

Tipo Subunidades Função Bloqueador


L Cav1.1 a Cav1.4 Contracção cardíaca, entrada de cálcio na Nifedipina
membrana pós-sináptica dos neurónios
N Cav2.2 Libertação neurotransmissor CgTX VI
HVA
P/Q Cav2.1 Libertação neurotransmissor Aga IV-A
R Cav2.3
LVA T Cav3.1 a Cav3.3 Ritmo cardíaco, entrada de cálcio na Anandamina
membrana pós-sináptica dos neurónios

33
Finalmente, outro tipo de receptores pode ainda ser envolvido na transmissão sináptica
excitatória: os receptores metabotrópicos de glutamato. Como se referiu no cap. 1 (ver fig. 2) os
receptores metabotrópicos têm um funcionamento diferente dos receptores ionotrópicos, uma vez
que não existe comunicação entre o interior e o exterior. Os receptores metabotrópicos,
normalmente ligados a proteínas G, desencadeiam processos celulares internos, que podem
envolver entre outros, a formação de neurotransmissores que actuam internamente, conhecidos
como mensageiros secundários. Estes neurotransmissores activam receptores localizados em
compartimentos internos celulares, promovendo a libertação de iões, como o cálcio. No caso dos
receptores metabotrópicos de glutamato o mensageiro secundário que é formado é o Inositol tri
fosfato (IP3). Existem oito tipos de receptores metabotrópicos de glutamato, subdivididos em três
grupos diferentes, apresentados na tabela VII.

Tabela VII: Receptores metabotrópicos de glutamato

Subunidade Actuação Localização


mGluR1
Tipo I Aumenta actividade Pós-sináptica
mGluR5 dos receptores NMDA

mGluR2
Tipo II Diminui actividade dos Pré-sináptica
mGluR3 receptores NMDA

mGluR4
mGluR6 Diminui actividade dos
Tipo III Pré-sináptica
mGluR7 receptores NMDA

mGluR8

Muitos dos canais e receptores estudados nesta secção irão ter particular importância nos
processos de plasticidade sináptica, nomeadamente na potenciação de longa duração, tema do
próximo capítulo.

34
2.3. Plasticidade sináptica

A plasticidade sináptica é a alteração funcional das sinapses induzida pela actividade neuronal.
Ocorre apenas nas sinapses químicas (não existe nenhum mecanismo de plasticidade sináptica nas
sinapses eléctricas) [11]. A plasticidade sináptica está envolvida nos processos celulares de
formação da memória e da aprendizagem, segundo a teoria Hebbiana. Os mecanismos que estão
envolvidos na plasticidade sináptica incluem activação de kinases proteicas (como a calmodulina
kinase II) e a libertação de mensageiros secundários (como o IP3) que induzem a libertação de
cálcio armazenado em compartimentos intracelulares que depois participa na síntese de proteínas
e na modificação estrutural dos receptores ionotrópicos de glutamato, nomeadamente através de
processos de fosforilação dos referidos receptores, que aumentam a condutividade dos mesmos e
assim um aumento da eficiência da transmissão sináptica [11].
De seguida, são apresentados alguns dos mais importantes mecanismos de plasticidade
sináptica:

FACILITAÇÃO SINÁPTICA: Também conhecida como facilitação por pares de impulsos


(paired-pulse facilitation ou PPF, no original). Este processo ocorre quando dois impulsos
são aplicados com um intervalo inferior a 100 ms. O segundo potencial excitatório pós-
sináptico tem uma amplitude superior ao primeiro, podendo ser até cinco vezes maior
que este. Os mecanismos que explicam esta forma de plasticidade sináptica estão
centrados na zona pré-sináptica (terminais dos axónios) e envolvem a activação dos
canais de cálcio. Segundo a teoria do cálcio residual a PPF é causada pelo cálcio que
permanece no botão pré-sináptico após a aplicação do primeiro estímulo.

POTENCIAÇÃO PÓS-TETÂNICA (Post-tetanic potentiation, PTP). Ocorre após uma


estimulação tetânica (aplicação de estímulos de alta frequência, com uma frequência
entre 10 e 300 Hz). Consiste num aumento temporário das respostas sinápticas após a
estimulação de alta frequência. Tem uma duração relativamente curta (5 a 10 minutos,
no máximo). É considerada como tendo origem pré-sináptica.

35
POTENCIAÇÃO DE CURTA DURAÇÃO (Short- term potentiation, STP): É o tipo de
plasticidade sináptica que tem uma duração relativamente curta (entre 30 e 40 minutos).
Está relacionada com a activação de quinases proteicas na zona pós-sináptica, tendo, ao
que se supõe, um mecanismo de indução semelhante à fase inicial da potenciação de
longa duração (LTP), estando relacionada com a activação dos receptores de NMDA.
A STP é uma LTP incompleta

Fig. 17. Curso temporal dos potenciais excitatórios pós-sinápticos (EPSP) após a aplicação de
estimulação tetânica (no instante t=0) [12] .

POTENCIAÇÃO DE LONGA DURAÇÃO (Long-term potentiation, LTP): Aumento duradouro


da eficácia da transmissão sináptica, induzida por actividade neuronal ou por acção
farmacológica. É considerado como o principal candidato ao papel de mecanismo
funcional da formação da memória e da aprendizagem. Muitos dos estudos sobre esta
forma de plasticidade sináptica são realizados no HIPOCAMPO, estrutural cortical
localizada no cérebro, normalmente associada à aprendizagem e à memória. Os
mecanismos da formação de LTP não são ainda totalmente conhecidos e existe mesmo
alguma controvérsia sobre a localização do processo de indução deste fenómeno:
segundo alguns autores, o processo de formação da LTP ocorreria na zona pré-sináptica,
para outros, na zona pós-sináptica, finalmente a teoria hoje mais aceite é uma acção
simultânea de ambas as localizações. No entanto, não há hoje em dia dúvidas que pelo

36
menos uma parte da indução da LTP é devida a activação de processos de síntese
proteica que ocorrem na zona pós-sináptica (dendrites dos neurónios subsequentes).

A LTP não é uma situação irreversível. É possível revertê-la, usando a situação


inversa, a LTD

Uma súmula dos cursos temporais dos diferentes processos de plasticidade sináptica é
apresentada na fig. 18. Os resultados apresentados referem-se a registos obtidos no hipocampo,
mais concretamente resultantes da estimulação das sinapses entre as células piramidais da área
CA3 do hipocampo (cujos axónios são denominados colaterais de Schaffer) e as células
piramidais da área CA1.

Fig. 18- A aplicação de um tétano (conjunto de estímulos de alta frequência, 10-100 Hz), induz PTP
seguida de LTP, nas sinapses entre os axónios das células piramidais CA3 e as dendrites das células
piramidais CA1 do hipocampo. No canto superior da figura apresenta-se o sistema de registo
electrofisiógico (eléctrodo de estimulação - S; eléctrodo de registo – R), bem como o exemplo de dois
potenciais de campo extracelulares (antes e depois da indução de LTP) [13].

As sinapses atrás referidas são das mais estudadas do sistema nervoso central. Elas apresentam
uma forma de LTP que depende da activação dos receptores ionotrópicos de glutamato (neste caso
os receptores de NMDA, ver tab. V). No hipocampo existe ainda outra forma de LTP, que não

37
depende da activação destes receptores. Encontra-se nas sinapses entre os axónios das células
granulares (denominados fibras musgosas, mossy fiber, que são assim conhecidas por terem
vesículas sinápticas muito abundantes, o que lhes dá um aspecto musgoso) e as células piramidais
da área CA3.

A indução de LTP dependente dos receptores de NMDA depende não só da activação dos
referidos receptores mas também dos receptores metabotrópicos de glutamato (ver tab. VII) e da
consequente formação de segundos mensageiros como o IP3 que, uma vez formado, liga-se a
compartimentos intracelulares que contêm cálcio. Um outro mecanismo de libertação de cálcio de
compartimentos intracelulares é estimulado a partir de receptores de Rianodina. A acção conjunta
de todos os processos referidos causa um grande aumento da concentração interna de cálcio na
zona pós-sináptica. Os mecanismos de entrada de cálcio durante o processo de indução de LTP
estão explicados na fig. 19.

Fig. 19- Mecanismos de entrada de cálcio durante a indução da LTP.

38
O cálcio que entra na célula após a indução da LTP (ocorrida durante a estimulação tetânica) é
deste modo libertado a partir de um grande número de fontes. Em relação à transmissão sináptica
básica (fig. 16) a estimulação da membrana pós-sináptica é muito maior, sendo que os receptores
de NMDA, que em situações em que a membrana pós-sináptica não está muito despolarizada (ou
seja, quando ocorre a transmissão sináptica com frequência mais baixa ou com estímulos
individuais) estão bloqueados por iões de magnésio. A intensa despolarização da membrana pós-
sináptica durante a estimulação tetânica remove aquele bloqueio (como se pode ver na figura) e
ocorre uma entrada de cálcio através dos receptores NMDA. Do mesmo modo, a activação dos
receptores metabotrópicos induz a libertação de cálcio por compartimentos internos.
Mais complexa é a explicação da totalidade dos processos no interior do neurónio que levam à
expressão da LTP. Na fig. 20 é efectuada uma compilação dos processos melhor conhecidos e que
podem, pelo menos em parte, mediar o processo de formação da LTP. O aumento muito
considerável da concentração de cálcio na célula leva a activação da cálcio-calmodulina kinase II
(CaMKII) que está envolvida na fosforilação dos receptores de AMPA. Deste modo, graças à
activação desta kinase a condutividade do receptor AMPA aumenta, o que faz com que aumente
também a despolarização da célula durante a transmissão sináptica, e logo a eficácia desta.
Existem, no entanto, mais processos que explicam este processo de aumento de eficiência
sináptica. Um deles é o facto de a indução da LTP estimular o aumento da quantidade de
receptores ionotrópicos de glutamato, sobretudo os receptores AMPA. Este aumento deve-se à
exocitose de receptores AMPA, inicialmente contidos no interior da célula. Um terceiro processo,
ainda não completamente esclarecido, tem a ver com a possibilidade de criação de um mensageiro
retrógrado (assim denominado porque é emitido em sentido contrário da transmissão sináptica),
podendo este ser o óxido nítrico (NO) que estimula um aumento de libertação do neurotransmissor
(sendo assim a LTP terá uma componente pré-sináptica). A fase posterior da LTP envolve a
transcrição proteica (CREB), estimulada por AMP cíclico. Com a transcrição proteica é estimulada a
formação de novas sinapses, o que faz com que a LTP induza também transformações estruturais
no sistema. Deste modo, a LTP não só se traduz no aumento da resposta individual a um estímulo
nervoso mas também no crescimento desse próprio sistema, com o aumento da densidade
sináptica.

39
Fig. 20- Esquema geral da indução e expressão da LTP. Na primeira fase ocorre a fosforilação e a
exocitose dos receptores de AMPA, bem como a provável emissão de um mensageiro retrógrado. Na
segunda fase a transcrição proteica (CREB) possibilita a formação de novas sinapses.

40
A indução da forma não-Hebbiana de LTP (assim denominada por não exigir a despolarização
simultânea de regiões pré- e pós-sináptca) é independente da activação de receptores de NMDA.
Na parte do sistema nervoso central onde este fenómeno é mais estudado (o hipocampo) a forma
não-Hebbiana de LTP existe nas sinapses entre os axónios das células granulares e as células
piramidais da área CA3. Os processos de indução e expressão desta forma de LTP são menos
conhecidos do que os da forma Hebbiana atrás apresentada. Durante bastante tempo ambas foram
consideradas como tendo origem numa modificação estrutural da zona pré-sináptica que dá origem
ao aumento da libertação de glutamato. No entanto, não existe ainda a certeza sobre a localização
e processos envolvidos nesta forma de LTP.
A relação da LTP com as questões patológicas é menos conhecida do que o seu papel na
plasticidade neural. No entanto, é conhecida a relação da LTP com algumas doenças como a
epilepsia, a doença de Parkinson e, sobretudo a doença de Alzheimer. Nesta doença uma grande
parte da degeneração do tecido neural ocorre no hipocampo. A doença de Alzheimer é em grande
parte devida à formação de placas de amilóide beta (A ) devido a erros no processo da proteína
precursora da amilóide (APP) Existem evidências que a acumulação de A impossibilita a formação
de LTP. Deste modo, é possível explicar os graves problemas cognitivos associados à doença de
Alzheimer.
Em animais utilizados em experiências in vitro a LTP dura até a morte das células. No caso de
experiências in vivo normalmente não termina. A memória de longo termo, associada a LTP, pode
durar anos ou mesmo décadas. No entanto, ainda não está completamente estabelecido na
comunidade científica a equivalência entre processos de plasticidade sináptica e memória, pelo
menos a memória cognitiva. É todavia conhecida a relação funcional entre a memória a nível
celular e os processos de plasticidade sináptica mais importantes, como a LTP.

41
Cap 3. Electroterapia

A electroterapia define-se como o uso de correntes eléctricas de baixa intensidade com o fim
de estimular diferentes sistemas orgânicos.

A utilização da electroterapia pode ser feita de forma directa, através da aplicação de eléctrodos
onde é injectada uma corrente eléctrica de baixa intensidade. Este tipo de electroterapia pode-se
subdividir-se, consoante o local de aplicação, em TRANSCUTÂNEA, com a colocação de eléctrodos
sobre a pele, com o objectivo de causar anestesia, fortalecimento muscular ou a cicatrização, entre
outros; e INTRACUTÂNEA, parcialmente invasiva, como na electrolipólise, estimulação da epiderme,
tratamento de estrias. No entanto, a maioria das técnicas de electroterapia envolvem, não a
aplicação directa de correntes eléctricas mas a utilização indirecta das correntes provenientes de
radiação electromagnética de baixa frequência (ondas rádio, micro-ondas, infravermelho) ou ainda
de alta frequência (luz visível, LASER) [14].

• Analsegia • Electrolipólise • Ultrasons


• Fortalecimento • Remoção de • LASER
muscular rugas • Microondas
• Cicatrização • Infravermelho

Transcutânea Intracutânea Indirecta

Fig. 21 - Esquema dos diferentes métodos utilizados em electroterapia

42
3.1. Introdução histórica

Os fundamentos históricos da electrofisiologia remontam a tempos anteriores ao conhecimento


científico sobre a corrente eléctrica. A utilização de peixes que são capazes de produzir descargas
eléctricas na cura de problemas de saúde já é referida por Galeno, conhecido médico da
antiguidade (c.150 a.C.). No entanto, o primeiro processo cientificamente estabelecido para a
electroterapia foi a galvanoterapia (originária nos estudos do físico italiano Galvani, no final do
século XVIII, que descobriu que a aplicação de uma corrente eléctrica causa contracção nos
músculos das patas de uma rã). A iontoforese (aplicação de fármacos por via transcutânea) surgiu
no início do séc. XX por LeDuc. Também no inicio do século passado foi descoberto que a aplicação
de correntes eléctricas de frequência elevada não causavam qualquer excitação sensorial mas
criavam uma forma de energia térmica, em interacção com a matéria. Essa forma de estimulação,
por radiofrequência, foi utilizada primeiro pelo francês D'Arsonval, tendo sido denominada por
diatermia pelos alemães Zeynek e Nagelschidt. Na diatermia foram inicialmente utilizadas ondas
electromagnéticas de frequência relativamente baixa (1 MHz) e posteriormente por microondas
com frequências muito mais elevadas (da ordem dos GHz). Evoluções posteriores incluem a
electroanalsegia e a electroestimulação com fins de aumento da força e da massa muscular.

3.2. Agentes físicos da electroterapia

Os agentes físicos são acções empregues para obter uma resposta fisiológica no organismo, a
qual por sua vez desencadeia um efeito terapêutico. Todos os agentes físicos transportam energia
de origem mecânica, térmica ou electromagnética, a qual interacciona com as unidades orgânicas
(células, tecidos). Essa interacção pode ser terapêutica ou lesiva, consoante a quantidade de
energia emitida pelo agente físico. Por exemplo, no caso das radiações electromagnéticas, existem
as radiações não ionizantes, cuja energia é insuficiente para promover a ionização de átomos
presentes nas estruturas celulares e as radiações ionizantes, que podem causar danos biológicos
irreversíveis, como os raios X e os raios gama, os quais obviamente não podem ser utilizados em
electroterapia, apenas (quando muito) como meio de obtenção de imagens ou em medicina
nuclear.

43
Os agente físicos, na sua interacção com os sistemas orgânicos, produzem uma resposta que em
boa parte dos casos envolve a libertação de elementos químicos que induzem modificações com
efeitos benéficos (terapêuticos) ou lesivos. Desse modo o profissional tem sempre que ter em
conta adequação do tratamento em termos de correspondência entre estímulo e resposta. Tem
que haver sempre o cuidado de estudar bem a dosimetria de modo a evitar tanto a insuficiência da
estimulação dos tecidos absorventes como, sobretudo, a existência de efeitos lesivos, directos ou
colaterais.

Agente Físico
Térmico Mecânico Electromagnético

Resposta primária
Bioquímica Nível celular

Resposta secundária
Nível citológico Nível orgânico

Adequado Inadequado
Acção terapêutica Acção lesiva

Fig. 22- Esquema de acção dos agentes físicos em electroterapia [14].

44
3.3. A corrente eléctrica

A corrente eléctrica é fluxo de carga eléctrica que se move entre dois pontos a potencial distinto.

I = dQ/dt î (Eq. 8)

A unidade de corrente eléctrica é o Ampère (C/s), definida por André Ampère (séc. XVIII).

A diferença de potencial entre dois pontos é proporcional à corrente existente entre esses pontos
(R: resistência, V: diferença de potencial)

V=RI (Eq. 9)

Quando a corrente eléctrica é aplicada num sistema com múltiplas resistências, estas somam-
se. Os tecidos humanos são, regra geral, bons condutores de electricidade, sendo que a
condutividade (inverso da resistividade) varia com a composição dos tecidos. Quanto maior for a
percentagem de água nos tecidos menor será a resistência eléctrica. A resistência que a pele
oferece à passagem de corrente eléctrica é denominada de impedância cutânea. O limite máximo
de corrente eléctrica que é considerado como razoável para os tratamentos de electroterapia
oscila entre 80 e 120 mA (1 mA = 10-3 A). O principal obstáculo ao tratamento por electroterapia é
a impedância da pele, sendo que esta tem um valor variável em função da frequência da corrente
aplicada. Com o aumento da frequência a impedância da pele diminui de um factor bastante
considerável, como se pode observar na figura.

45
1,0E+05
Z( )

1,0E+04

1,0E+03

1,0E+02

1,0E+01

1,0E+00
1,0E+00 1,0E+01 1,0E+02 1,0E+03 1,0E+04 1,0E+05
f (Hz)
Fig. 23- Variação da impedância da pele com a frequência da corrente aplicada [14].

A potência representa a velocidade com que a energia é transmitida no tratamento. Em


termos físicos a potência (energia emitida por unidade de tempo) é dada pela seguinte expressão
(P- potência):

P=VI (Eq. 10)

A unidade de potência é o Watt (W), e traduz-se, no caso dos tratamentos de electroterapia,


na quantidade de calor que entra no sistema. No caso de a potência ser muito elevada, pode
traduzir-se em dor ou excesso de calor, pelo que deve ser evitada a aplicação de correntes e
tensao simultaneamente elevadas.

Segundo a Lei de Joule o calor que é libertado (expresso em calorias) é dado pela expressão
(Q- calor, t - intervalo de tempo):

𝑄 = 0,24  𝑅  𝐼 ∆𝑡 (Eq. 11)

Como a impedância da pele diminui com a frequência da corrente, a quantidade de calor vai
aumentar com a aplicação de protocolos que usam frequências mais elevadas. A

46
electroestimulação com baixas frequências pode causar um aumento de temperatura de 2ºC,
enquanto que uma estimulação de alta frequência pode causar aumentos internos de
temperatura que atingem 10ºC.

3.4. Relação dose/intensidade em electroterapia

Podemos conceituar dose como a quantidade de energia recebida por unidade de área do
tecido (W/cm2). Os diferentes tecidos suportam energias que devem ser reduzidas, para evitar
efeitos lesivos, mas suficientes para estimular a produção de potenciais de membrana. A escolha
da área e dimensão dos eléctrodos é fundamental para o sucesso da electroterapia, se forem
demasiado pequenos pode haver um aumento muito grande da dose e, com isso, poder causar
lesões. Por sua vez, se a área dos eléctrodos for demasiado grande a dose será muito pequena e
poderá ser insuficiente para estimular os efeitos pretendidos.

Fig. 24- Exemplo de eléctrodos utilizados em tratamentos de electroterapia [14].

3.5. Tipos de correntes utilizadas em electroterapia

A estimulação eléctrica de estruturas biológicas com objectivos como analgesia,


fortalecimento, relaxamento, drenagem, entre outros, tem que ser feito de uma forma em que se
aproxime aos parâmetros da estimulação nervosa (cap. 2). Para que isso aconteça, ou seja para se

47
poder estimular o efeito galvânico, tem que haver diferença entre as fases positiva e negativa.
Deste modo, a corrente que é existe nas instalações convencionais não serve para a
electroterapia, uma vez que o seu valor médio é nulo, não havendo diferença entre as fases
positiva e negativa. Caso a corrente seja pulsada ou interrompida pode ser utilizada para efeitos
terapêuticos.

Os impulsos mais utilizados são os impulsos quadados bifásicos , sobretudo em estimulações


motoras (funcional e neuromuscular). Os impulsos quadrados são também os que ocorrem no
sistema nervoso e nas fibras musculares. Os impulsos fisiológicos respeitam dois princípios, a
cronaxia (tempo mínimo necesssário para primeira contracção muscular) e a reobase (intensidade
de corrente mínima para a primeira contracção). Deste modo a curva que descreve a relação
entre a intensidade e a duração dos impulsos em electroterapia é a seguinte:

Fig. 25 - Relação entre a intensidade mínima necessária para estimulação por electroterapia
(reobase) e a duração mínima dos impulsos (cronaxia), na estimulação bifásica por impulsos quadrados
[15].

Os impulsos eléctricos utilizados em electroestimulação têm valores que de um modo geral não
ultrapassam os 100 a 150 Hz, valor denominado de alcance biológico de electroestimulação. O
tempo necessário para a criação de um estímulo eléctrico é da ordem dos microsegundos (20 a 400

48
s), de modo a poder gerar um potencial de acção. Como cada impulso gera um potencial de acção,
uma frequência de estimulação de 100 Hz (por exemplo) gera 100 potenciais de acção por segundo.
As estimulações nervosas podem ser de três tipos: sensoriais, motoras e nociceptivas (dor). Os
impulsos que correspondem a estimulações sensoriais têm tempos de duração entre 20 e 50 s, as
nociceptivas oscilam entre 180 e 250 s, sendo que as motoras, que envolvem contracção
muscular, a duração dos estímulos está compreendida entre 150 e 400 s, sendo que têm forma
diferente das nociceptivas.

Os principais objectivos da electroestimulação celular são os seguintes:


Estimulação da contracção muscular quando esta não ocorre de forma voluntária
(trauma, cirurgia, imobilização prolongada).
Aumento da capacidade muscular para atletas de competição de alto nível.
Para baixas frequências (menores que 10 Hz): pré-fortalecimento muacular e
minimização dos impactos negativos de actividade muito intensa, tal como a produção
de ácido láctico e a produção de endorfinas.

A electroestimulação compreende os princípios físicos da corente eléctrica e a sua interacção


com os diferentes tecidos. Os diferentes tipos de estimulação têm objectivos e alvos diferentes,
sendo que na tabela seguinte se apresentam as correntes mais utilizadas em estimulação de fibras
musculares. Existem alguns factores comuns aos tipos de corrente utilizadas: a duração dos
impulsos (entre 150 e 400 s), a emissão com intensidade crescente (rampa de subida), num
intervalo de segundos, e no final a regressão da estimulação até zero (rampa de descida),
também num espaço de segundos. Segundo as frequências, a electroterapia pode ser também
caracterizada como de baixa, média ou alta frequência . A estimulação de baixa frequência (até
150 Hz) inclui os principais tipos de electroterapia para efeitos terapêuticos, como o NMES, FES e
TENS (ver tabela VIII). A estimulação de média frequência (1000 a 10.000 Hz) compreende, entre
outras, a estimulação russa e a estimulação australiana, que servem fundamentalmente para
baixar a impedância da pele. Se forem moduladas permitem a obtenção de estímulos
terapêuticos. Finalmente, a estimulação de alta frequência (acima de 300.000 Hz)compreende os
tratamentos com radiofrequência, ondas curtas ou microondas. O objectivo dos tratamentos de
electroterapia de alta frequência é a elevação da temperatura dos tecidos, devido à acção das
ondas electromagnéticas.

49
Tabela VIII - Tipos de correntes utilizadas em electroterapia

f (Hz) Duração ( s)

Estimulação transcutânea neuromuscular, actua


NMES* 10-150 400 fundamentalmente nas fibras musculares, na
acção excitomotora´e efeito motor.
Corrente utilizada para aprimorar movimentos.
FES** 10-150 150-400 Permite a variação do tempo dos impulsos e
também pode actuar no sistema nervoso.

TENS *** >10; 90-130 variada Electroanalgesia, tonificação muscular.

Corrente de média frequência. Utilizada para


Corrente Russa 150-2.500 400 baixar a impedância da pele. Quando modulada,
pode gerar efeitos terapêuticos.

* -Estimulação eléctrica neuromuscular; ** - Estimulação eléctrica funcional, *** -Estimulação


eléctrica nervosa transcutânea.

3.6. Galvanoterapia

A galvanoterapia distingue-se das formas de electroterapia por apresentar corrente numa só direcção,
enquanto que as outras são bifásicas. Deste modo, pode também ser designada por corrente contínua ou
corrente directa. O tratamento por galvanoterapia pode ser divido em três fases distintas, como se pode
ver na figura:

I (A)

a b c
t

Fig. 26 - Fases do processo de galavoterapia

Período de fecho do circuito (a): tempo percorrido entre entre o fecho do circuito e o
instante em que se atinge a corrente pretendida.

50
Período de estado (b): período de permanência da intensidade da corrente constante.

Período de abertura (c): passagem da corrente a zero, de forma progressiva.

A galvanoterapia foi a primeiro método de electroterapia a ser utilizado para fins terapêuticos. A sua
utilização está baseada no facto de o meio biológico ser constituído por iões e partículas carregadas,
separados por membranas selectivamente permeáveis. Estas membranas geram gradientes e
desiquilíbrios em parâmetros como pressão e potencial eléctrico, que levam a reacções e a intercâmbio
de iões, no intuito de reequilibrar o meio em termos metabólicos. A aplicação de corrente eléctrica
(efectuada com corrente contínua, oriunda de pihas electroquímicas ou geradores) gera dois processos
nos iões e partículas carregadas presentes no meio:

Electroforese: Dispersão das partículas carregadas consoante a sua massa, através da aplicação
de uma corrente eléctrica. Aplicação Indirecta (c/ recurso a gel ou esponjas)

Electrólise: Dissociação química de compostos através da aplicação de uma corrente eléctrica


superior às forças de coesão iónica e molecular. Aplicação Directa

Quando o objectivo é separar proteínas e moléculas consoante a sua composição (electroforese) aplica-
se uma superfície de separação entre os eléctrodos e a superfície da pele. Essa superfície pode ser de
esponja ou gel. A aplicação dos eléctrodos directamente sobre a pele promove a separação das cargas
positivas e negativas, dando origem a electrólise.

Fig. 27 - Processos de electroforese (esquerda) e de electrólise (direita).

Adaptado de Agne, Jones E. (2009).

51
Os efeitos mais importantes do fluxo de corrente eléctrica utilizada em galvanoterapia são os seguintes:

Efeito electrotérmico: O movimento das partículas carregadas provoca aumento de colisão entre
partículas causando uma pequena elevação de temperatura local. Essa elevação de temperatura
no entanto normalmente não excede 3ºC.

Efeito electroquímico: consiste na electrólise.

Efeito electrofísico: Migração das células carregadas electricamente carregadas para um dos
polos excitando principalmente os nervos periféricos.

Em termos de efeito electroquímico, nos pólos positivos decorrem reacções químicas que levam à
formação de ácidos, devido à atracção dos iões cloro (Cl-) pelo eléctrodo positivo. Por sua vez no pólo
negativo são atraídos iões positivos como o sódio e o potássio (Na+, K+), o que leva à formação de
soluções alcalinas.

52
Cap. 4- Propriedades mecânicas dos tecidos biológicos.

4.1. Resumo das principais propriedades mecânicas

O campo vastíssimo do estudo das propriedades dos materiais é aqui introduzido a respeito das
propriedades de resistência, elasticidade, plasticidade e comportamento visco-elástico do tecido
ósseo, de todos os tecidos vivos o que mais se aproxima das características dos materiais rígidos
cujas propriedades estão melhor caracterizadas (caso do aço, polímeros ou cerâmicos).
A resistência dos materiais sólidos pode ser medida em função de diferentes tipos de
solicitações mecânicas. Na figura 28 são apresentadas algumas dessas solicitações.

Fig. 28. Diferentes tipos de solicitação de um material sólido.

53
(a) Tracção: caracteriza-se pela tendência de alongamento do elemento na direcção da força
actuante. ; (b) Compressão: a tendência é uma redução do elemento na direcção da força de
compressão; (c) Flexão: ocorre uma deformação na direcção perpendicular à da força actuante;
(d) Torção: forças actuam em um plano perpendicular ao eixo e cada secção transversal tende a
girar em relação às demais; (e) Flambagem: é um esforço de compressão em uma barra de secção
transversal pequena em relação ao comprimento, que tende a produzir uma curvatura na barra;
(f) Cisalhamento: forças actuantes tendem a produzir um efeito de corte, isto é, um deslocamento
linear entre secções transversais.

4.2. Tensão e deformação

Qualquer solicitação de um material a uma acção externa tem inerente a aplicação de uma
força, e como se sabe (pelas leis da Física) uma força está associada a movimento, ou seja a
deslocamento. Em termos físicos e mecânicos as grandezas que nos vão permitir analisar as
propriedades dos materiais sujeitos a solicitações são a TENSÃO e a DEFORMAÇÃO.
A TENSÃO é simplesmente definida como a força por unidade de área de secção (corte):

= F / As
Eq. 12- Definição de tensão num material

Num corpo simétrico em torno de um eixo (como é o caso de um osso longo) a tensão pode ser
dividida em duas componentes: a componente do eixo de simetria (tensão normal) e a
componente perpendicular a esta (tensão de corte) [14]. No caso de a tensão normal e a tensão de
corte serem calculadas em função de uma secção que não coincide com o eixo de simetria os seus
valores são depender do ângulo de inclinação da secção (fig. 22).
Assim, para o caso em que a secção faz um ângulo com a perpendicular, vem:

= F cos / As
= F sin / As
Eq. 13- Tensão normal e tensão de corte numa secção transversal a uma força de tracção .

54
F

F F

Fig. 29- Direcção da aplicação de uma força de tracção num osso (cima) e representação das tensões
normal e de corte (baixo) [16].

Os materiais têm diferentes comportamentos quando solicitados por forças de tensão. A


realização de ensaios mecânicos em que se mede o valor da deformação em função de uma tensão
aplicada de forma crescente é a forma de melhor estudar as propriedades mecânicas desses
materiais. Daí estes ensaios, denominados por curvas tensão-deformação serem muito utilizados
tanto para o estudo dos materiais como também para ensaios de controlo de qualidade (em
ambiente industrial ou laboratorial). Através da análise de uma curva tensão-deformação podem
verificar-se propriedades como a TENSÃO LIMITE ELÁSTICA, o MÓDULO DE ELASTICIDADE, as
propriedades de plasticidade, entre outras, Um exemplo de uma curva de tensão-deformação é
apresentada na fig. 23.

55
b

Limite
elasticidade

Fig. 30- Máquina de ensaio de tracção (Esq.) e curva típica de tensão-deformação de um aço (liga ferro -
carbono, à direita). A tensão (F/As) é representada em ordenada e a deformação relativa = L/L no eixo
das abcissas. O ponto a corresponde à tensão limite elástica (a partir da qual a deformação é permanente ou
plástica), o ponto b o ponto limite de resistência e o ponto c o ponto de ruptura.

Como se pode verifica, o material apresentado deforma-se de forma constante até ao ponto a
(tensão limite elástica). A deformação elástica é reversível, ou seja, desaparece quando a tensão é
removida. A deformação elástica é consequência da movimentação dos átomos constituintes da
rede cristalina do material, desde que a posição relativa desses átomos seja mantida. Uma peça de aço, por
exemplo, sob efeito de tensões de tracção ou de compressão sofre deformações, que podem ser elásticas ou
plásticas. Tal comportamento deve-se à natureza cristalina dos metais, pela presença de planos de
escorregamento ou de menor resistência mecânica no interior do reticulado.

Até certo nível de tensão aplicada, o material trabalha no regime elástico. Nessa situação
existe, como se viu, uma relação de proporcionalidade directa entre a tensão e a deformação
relativa. Deste modo, o material obedece à LEI DE HOOKE, que determina que numa transformação
elástica a tensão é directamente proporcional à deformação relativa, ou seja:

56
(F/As) = Y ( L/L) =Y
Em que Y é o módulo de elasticidade, ou também designado MÓDULO DE YOUNG.

Ultrapassado o limite de proporcionalidade, tem lugar a fase plástica, na qual ocorrem


deformações crescentes sem variação de tensão (patamar de escoamento). O valor constante dessa
tensão é uma importante característica e é denominada resistência ao escoamento. Após o
escoamento, a estrutura interna do material sofre alterações e o material passa pelo encruamento,
em que se verifica novamente a variação de tensão com a deformação específica, porém de forma
não-linear. Este processo antecipa a ruptura do material, a qual ocorre pouco depois de atingir a
tensão limite de resistência.

É no entanto importante salientar que nem todos os materiais apresentam um


comportamento igual ao representado na figura. Por exemplo, no caso de uma liga de alumínio
(material que apresenta comportamento mais plástico que o aço ou ferro) a zona de escoamento
não é nítida. No caso de materiais FRÁGEIS (assim denominados porque têm uma capacidade de
deformação muito pequena e uma ruptura muito rápida) não existe deformação plástica (é o caso
dos materiais cerâmicos e do vidro). Por sua vez no caso dos materiais DÚCTEIS (como a maioria
dos metais) existe deformação plástica antes da ruptura. Por sua vez, os polímeros convencionais
apresentam uma incrível capacidade de deformação, mesmo para tensões relativamente baixas,
podendo atingir valores relativos de e muito elevados. Por isso (ou pelo menos também por isso)
são normalmente denominados de PLÁSTICOS.

Fig. 31- Curvas de tensão-deformação para um cerâmico (A) e de um metal (B).

57
Coeficiente de Poisson: Este coeficiente, que caracteriza uma propriedade mecânica intrínseca dos
materiais, define-se como a razão entre as deformações específicas transversais e longitudinais
quando uma barra é submetida a um carregamento axial, tal como é mostrado na fig. . O sinal
negativo na expressão que define o coeficiente de Poisson, ν, é adoptado porque as deformações
transversais e longitudinais tendem a ter sinais contrários.

L
𝜀 =
2
F r

𝜀 =
’2

Fig. 32- Coeficiente de Poisson (v) numa barra deformada em ensaio de tracção.

Deste modo, o coeficiente de Poisson define-se como o simétrico da relação entre o valor da
deformação transversal e longitudinal. O sinal (-) explica-se pelo facto de, geralmente, as
deformações longitudinais e transversais serem simétricas.

𝜀
𝜈=−
𝜀

Na maioria dos materiais o coeficiente de Poisson varia entre 0,25 e 0,33.

Os resultados acima apresentados são discutidos partindo do princípio que as propriedades dos
materiais não dependem da direcção da solicitação. Significa isto que se parte do princípio que os
materiais são ISOTRÓPICOS, ou seja que as suas propriedades mecânicas não variam em
consequência do eixo em que a força é aplicada. No entanto, isso nem sempre acontece. Por

58
exemplo, no caso do osso (estrutura cortical) este exibe um comportamento ANISOTRÓPICO (as
suas propriedades mecânicas dependem da direcção de solicitação).

Fig. 33- Diferença de comportamento entre um material isotrópico e anisotrópico.

Os materiais com comportamento anisotrópico têm assim três módulos de Young, consoante a
direcção de solicitação. No caso das solicitações segundo o eixo 1, o módulo de Young é menor que
no eixo 2 e ainda menor que no eixo 3 (E3 > E2 > E1). A tensão limite elástica do osso humano
depende da idade, atingindo um máximo por volta dos 20 anos e diminuindo depois
consideravelmente. No caso do fémur o valor máximo de tensão limite é de 120 MPa (1 Pa = 1
N/m2) aos 20 anos e diminui para cerca de 90 MPa aos 60 anos [17].

4.3. Viscoelasticidade

Ao contrário dos materiais elásticos, uma substância viscoelástica tem um componente elástico
e um componente viscoso. A viscosidade destas substâncias faz com que a taxa de deformação
dependa do tempo. Os materiais puramente elásticos têm uma taxa de deformação independente
do tempo, e não dissipam energia aquando da aplicação e posterior remoção de uma carga, sendo
que dissipam energia na mesma situação [18]. Na curva de tensão-deformação de um material

59
viscoelástico, é observada uma curva de histerese, sendo a área interna equivalente à energia
perdida no processo de aplicação e remoção da carga aplicada. Uma vez que a viscosidade é a
resistência à deformação plástica, um material viscoelástico vai perder energia no ciclo de aplicação
de carga (fig. 32).

Fig. 34- Curvas tensão-deformação para um material puramente elástico (a) e para um material
viscoelástico (b). A área a vermelho indica a energia dissipada num ciclo de carga.

A viscoelasticidade consiste num rearranjo das moléculas. Os polímeros deformam-se segundo


este princípio, sendo que após atingir a nova posição o material se torna rígido devido a uma força
de tensão secundária, que mantém a coesão do material.

Os materiais viscoelásticos, quando sujeitos a uma tensão constante, têm uma deformação
dependente do tempo. Este ccmportamento é denominado ARRASTAMENTO VISCOELÁSTICO (fig.
28). No instante t = 0 um material viscoelástico é mantido a uma tensão constante durante um
período de tempo suficientemente longo. O material responde à tensão com uma deformação que
aumenta à medida que o material começa a ceder. Quando a tensão é aplicada num período mais
curto o material mantém a sua deformação até ao instante t1, a partir do qual decai
instantaneamente. O ARRASTAMENTO VISCOELÁSTICO pode ser apresentado graficamente como o
módulo de arrastamento (tensão a dividir por deformação num determinado instante) em função
do tempo. Abaixo da tensão crítica o módulo de arrastamento é independente da tensão aplicada.

60
Fig. 35- a) Tensão aplicada e b) deformação induzida em função do tempo para um material viscoelástico.

A viscoelasticidade do osso pode ser originada por factores relacionados com a sua estrutura,
uma vez que um osso é um compósito de COLAGÉNIO (bio-polímero) e de HIDROXIAPATITE (um
bio-cerâmico). A viscoelasticidade do osso surge em função da diminuição da sua densidade e com
o aparecimento de espaços vazios na sua estrutura, sendo que a viscoelasticidade é uma
propriedade típica de bio-polímeros como o colagénio [19].

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Referências Bibliográficas

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