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BIOFÍSICA
3º Ano, 2º semestre
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ÍNDICE
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Cap. 1- Biofísica eléctrica do nervo e do músculo
As células podem ser procarióticas ou eucarióticas. As primeiras são muito mais simples e mais
pequenas que as segundas. Uma célula procariótica, normalmente associada a bactérias não tem a
maioria dos organelos que têm as células eucarióticas, existentes em todos os outros seres vivos
(protistas, fungos, plantas e animais). Um esquema simplificado de uma célula eucariótica é
apresentado na Fig. 1.
Fig.1. Esquema simplificado de uma célula eucariótica. 1. Nuclídeo; 2. Núcleo; 3. Ribossoma; 4.Vesícula;
5. Retículo endoplasmático; 6. Complexo de Golgi; 7. Citoesqueleto; 8. Retículo endoplasmático mole; 9.
Mitocôndria; 10. Vacúolo; 11. Citosol; 12. Lisosomas; 13. Centríolos.
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Núcleo (inclui o nucléolo, que não tem membrana, onde se situa o RNA): Organelo onde se situa o
centro de controlo da célula. É composto por cadeias longas de DNA que contém a grande maioria
do material genético da célula. As cadeias de DNA em conjunto com proteínas estruturais formam
os CROMOSSOMAS. O núcleo encontra-se separado do corpo celular (citoplasma) por uma
membrana denominada ENVELOPE.
Ribossoma: Componente da célula onde se realiza a síntese proteica, a partir dos aminoácidos.
É constituída por duas subunidades: a menor liga-se ao RNA mensageiro e a maior ao RNA de
transporte e aos aminoácidos.
Vesícula: Pequeno compartimento interior, protegido por uma camada bilipídica. Contem
substâncias resultantes da actividade celular.
Complexo de Golgi: Reserva intracelular de proteínas (após síntese), muito importante nos
processos excretórios (exocitose) de proteínas.
Mitocôndria: Funciona como uma “central de energia” na célula, uma vez que funciona como
centro de produção e armazenamento de ATP (adenosina tri-fosfato) utilizada como fonte de
energia química.
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Citosol: Meio interno da célula (água, sal, moléculas orgânicas). Ocupa 70% do volume da
célula.
Lisossomas: Organelos que contêm enzimas necessários para digerir substâncias em excesso
ou para destruir vírus ou pequenas bactérias existentes no interior da célula. Complementam-se
com os vacúolos (utilizados para armazenar substâncias em excesso).
Centríolos: Estrutura celular eucariótica que existe mais regularmente em animais. Estão
envolvidos na organização da divisão celular por mitose.
No que diz respeito a subdivisão das células em função das suas características e funções, a
tabela I (bastante alargada) apresenta uma série de tipos de células. No total, existem mais de 200
subtipos celulares, dividindo-se fundamentalmente em termos de funções desempenhadas, mas
também de aspecto e composição. Só no sistema nervoso existem pelo menos 50 subtipos de
células. No entanto, a divisão mais importante ocorre entre NEURÓNIOS e CÉLULAS GLIA
(astrocitos). A diferenciação celular ocorre durante o período de crescimento embrionário, durante
o qual as células indiferenciadas ou células tronco (stem cells) se dividem e se diferenciam. Na base,
podemos subdividir as células do organismo dos animais superiores em três subtipos principais, as
células germinativas ou gâmetas (germ cells), as já referidas células indiferenciadas (stem cells) e as
células somáticas (somatic cells) que são células diferenciadas que se organizam em tecidos e
executam tarefas biológicas diferenciadas segundo o sistema a que pertencem (aparelho
respiratório, digestivo, sistema nervoso, sistema ósseo, muscular, tecido conjuntivo, entre outros).
Cada tipo de célula especializada expressa o conteúdo genético inerente à própria espécie. A
diferenciação celular durante o processo de crescimento e desenvolvimento tem assim inerente um
processo de regulação genética. Esse processo de diferenciação envolve mecanismos de alteração
dos processos de síntese proteica associado a diferentes conformações dos receptores associados
aos processos de transmissão de informação entre células. No entanto, um número considerável de
células mantém uma configuração básica indiferenciada, basicamente para servir para regeneração
celular (substituição de células que terminaram a sua função vital). Entre os subtipos de células
apresentados na tabela I a maioria são células somáticas, com uma diferenciação funcional clara em
termos da sua actuação quando integradas nos diferentes tipos de tecidos.
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Tabela I: Súmula dos diferentes tipos de células no Homem e mamíferos superiores
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Vermelhas musculares Acção lenta
Brancas musculares Acção rápida
Células-saco Sistema alongamento
Muscular dos músculos
Células-cadeia
Fibras Purkinje Músculo cardíaco
Células musculares macias
Eritrócitos Glóbulos vermelhos
Monócitos Glóbulos brancos
Osteoclastos Controle tecido ósseo
Sangue e
Células dendriticas Tecido linfático
sistema
Granulócitos
linfático
Mastócitos Sistema imunitário
Células T
Somáticas Células B
Células sensoriais auditivas
Células sensoriais visuais
Células sensoriais olfactivas
Células sensoriais gustativas
Células sensoriais térmicas
Sistema Células Merkel Tacto
nervoso Células corpo Sensoriais sangue
Astrocitos Celulas Glia (SNC)
SNC. Existem milhares de
Neurónios tipos diferentes
Oligodendrócitos Isolamento axonios
Sistema nervoso
Células Schwann periférico
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1.2. Sinalização celular
A sinalização celular pode ocorrer de forma directa (junção comunicante), a curta distância
(paracrinal) ou longas distâncias (endocrinal). Os responsáveis pela sinalização celular são os
RECEPTORES, que são proteínas existentes nas membranas bilipídicas que separam as células e que
permitem a entrada ou saída de substâncias da célula. Os referidos receptores podem ainda ser
activados através de um mensageiro secundário que induz processos posteriores no interior da
célula.
Os receptores e canais existentes nas membranas celulares podem ser activados por
neurotransmissores (transmissão paracrinal), por células endócrinas (transmissão endocrinal) ou
simplesmente por iões componentes do espaço extracelular. Existem ainda receptores activados
por potencial eléctrico, pH ou outros. Os receptores podem ainda ser designados de
transmembranares (se atravessarem a membrana de um lado ao outro) ou metabotrópicos (caso
se situem apenas no exterior e estiverem ligados a processos de sinalização secundária.
A B
Os receptores transmembranares podem ser CANAIS IÓNICOS (que são muito comuns em processos
rápidos de transmissão eléctrica em células como os neurónios), ligados a enzimas ou activados por
proteínas G. No caso dos canais iónicos são normalmente activados por neurotransmissores. Os
receptores metabotrópicos estão normalmente associados a proteínas G e desencadeiam cadeias
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de processamento interno nas células, nomeadamente activando neurotransmissores internos
como o Inositol tri-fosfato (IP3).
Para além dos receptores activados por neurotransmissores (como assinalado nesta tabela)
existem também canais iónicos activados por potencial eléctrico, que permitem a alteração do
potencial interior de cada célula, uma vez que podem funcionar como reguladores da composição
iónica interna da célula. Em função dos seus diferentes componentes iónicos, vai haver também
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diferentes condições fisiológicas em termos de geração e condução de estímulos eléctricos. Estes
temas serão explanados no capítulo seguinte.
Tal como tudo na natureza as células também têm propriedades eléctricas. O POTENCIAL DE
MEMBRANA de uma célula é a diferença de potencial entre o meio interno e externo, ou seja
entre os dois lados da membrana. O material citoplasmático tem uma composição, em termos
iónicos, diferente do meio exterior, mas apenas em termos de concentrações específicas dos iões.
Ou seja, tanto no exterior como no interior da membrana, os iões predominantes são os
monovalentes (sódio, potássio e cloro) com pequenas concentrações de iões bivalentes como
cálcio, magnésio, zinco ou mesmo trivalentes como o ferro e o alumínio. No entanto, as diferenças
de potencial de membrana acabam por ser maioritariamente condicionadas pelas diferenças de
concentração dos iões monovalentes, como se pode observar na Fig. 3.
Fig. 3- Potencial de membrana criado por diferença de concentração de iões de ambos os lados da
membrana celular. De notar que no meio interno existe uma concentração muito maior de potássio e no
meio externo uma concentração mais elevada de sódio.
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As células podem ser do tipo excitável ou não excitável. No caso das segundas o potencial de
membrana mantém-se geralmente estável. No caso das células electricamente excitáveis, como é o
caso dos neurónios, células musculares e células secretórias, os canais e receptores presentes nas
membranas bilipídicas são sensíveis as diferenças de potencial entre os meios intra e extracelular.
Os neurónios são as células excitáveis mais comuns no organismo dos animais superiores.
Existem como constituintes fundamentais do tecido nervoso (central e periférico). A sua morfologia
é bastante característica, embora exista uma enorme variabilidade na estrutura dos neurónios (os
seus tamanhos podem variar entre 4 e 100 m, sendo das células maiores existentes em todo o
organismo). A figura 4 esquematiza a anatomia de um neurónio (neste caso de um neurónio com o
axónio longo e bainha de mielina).
Fig. 4- Estrutura completa de um neurónio com axónio longo (tipo I) e com bainha de mielina.
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Existem muitíssimos tipos de neurónios, sendo que a subdivisão mais importante ocorre entre
neurónios tipo I (axónios longos) e tipo II (axónios curtos). Os primeiros têm normalmente como
função a condução de estímulos nervosos a distâncias mais longas. Os mais comuns são os
neurónios PIRAMIDAIS (com o soma em forma de pirâmide), CÉLULAS DE PURKINJE (existentes no
cerebelo, axónios muito longos) ou NEURÓNIOS MOTORES (presente na espinal medula). Os
neurónios de tipo II mais comuns são as CÉLULAS GRANULARES (com o soma em forma de esfera) e
as CÉLULAS CESTO (que interagem com os neurónios piramidais tendo uma função inibitória,
activada por receptores GABA, ver tab.II).
No caso destas células as alterações nesta diferença de potencial podem gerar potenciais de
acção e oscilações, que depois se propagam ao longo da célula. Quando as células estão na situação
de equilíbrio a diferença de potencial é denominada POTENCIAL DE EQUILÍBRIO. Esse potencial de
equilíbrio depende da concentração interna e externa dos iões, do tipo de ião e da temperatura. A
equação que descreve o potencial de equilíbrio para cada ião é denominada EQUAÇÃO DE NERNST.
𝑅𝑇 [𝑋 ]
𝑉 , = ln
𝑧𝐹 [𝑋 ]
Eq. 1. Equação de Nernst para o potencial de equilíbrio de um ião.
-1 -1
R- constante de Rydberg (gases perfeitos). R = 8,314 J mol K
-1 -1
F- constante de Faraday (carga de 1 mole de iões) F = 96500 J V mol
A equação de Nernst permite calcular o potencial de repouso para um ião [4]. No entanto, numa
célula existem sempre vários iões, sendo que normalmente nas células electricamente excitáveis os
iões mais comuns são os iões monovalentes, como o Sódio (Na+) o Potássio (K+) e o Cloro (Cl-). Por
outro lado, a permeabilidade da membrana celular em relação aos diferentes iões não é a mesma,
sendo que o potencial de repouso da célula depende dessa permeabilidade relativa. O cálculo do
potencial em repouso para uma membrana plasmática (bilipídica com canais iónicos) é dado pela
EQUAÇÃO DE GOLDMAN:
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𝑅𝑇 𝑃 [𝐾 ] + 𝑃 [𝑁𝑎 ] + 𝑃 [𝐶𝑙 ]
𝑉 = ln
𝐹 𝑃 𝐾 +𝑃 𝑁𝑎 + 𝑃 [𝐶𝑙 ]
Eq. 2. Equação de Goldman para o potencial de equilíbrio de uma membrana plasmática de uma célula
excitável. Os valores de Px referem-se a permeabilidade da membrana aos iões que têm o papel mais
importante nos processos eléctricos.
No caso da maior parte dos animais, as concentrações externas do ião potássio são mais baixas
que as de sódio, sendo que o oposto ocorre com as concentrações internas (ver fig. 3). Deste modo,
aplicando a equação de Nernst, verifica-se que para concentrações internas de sódio e potássio
próximas dos valores que se encontram nas células não excitáveis, o valor do potencial de repouso
para o potássio [4], ou seja, Vrepouso, K+ é próximo de -80 mV. Por sua vez, o potencial de repouso
para o ião sódio Vrepouso, Na+ é positivo, da ordem dos 30 mV. Uma vez que, em situação de baixa
actividade, a permeabilidade dos iões de potássio é superior à dos de sódio, o potencial de repouso
das células normalmente excitáveis aproxima-se do potencial de repouso do potássio, mostrando
normalmente valores entre os -60 mV e os -70 mV.
A activação de canais de sódio ocorre assim quando o potencial de membrana sobe, enquanto a
sua descida activa os canais de potássio. Em consequência desse diferencial de potenciais de
repouso, ocorrem alterações muito significativas quando a permeabilidade relativa da membrana
plasmática aos iões varia. No caso das células electricamente excitáveis essas alterações dos
potenciais eléctricos dão origem aos POTENCIAIS DE ACÇÃO.
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Fig. 5- Processo esquemático da criação de um potencial de acção.
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fecham, mantendo-se os de potássio abertos. A diminuição da concentração interna de potássio
provoca a HIPERPOLARIZAÇÃO da membrana, ou seja uma descida do seu potencial eléctrico.
Quando o potencial atinge -70 mV (potencial de repouso para o potássio, eq. Nernst) a célula volta
novamente ao estado de repouso, aliás baixa mesmo mais um pouco devido ao excesso do fluxo de
potássio, sendo depois restabelecido valor do potencial de repouso (no caso dos neurónios oscila
entre os -65 e os -70 mV). A duração total do processo é inferior a 5 ms. Na fig. 4 está
esquematizado todo o processo de criação do potencial de acção.
A propagação do potencial de acção ao longo do axónio ocorre de forma muito mais eficiente
quando este é rodeado de uma bainha de MIELINA. Esta bainha é composta por oligodendrócitos
(no sistema nervoso central) e por CÉLULAS DE SCHWANN no sistema nervoso periférico. A bainha
de mielina não é contínua, sendo intervalada por zonas denominadas NÓDULOS DE RANVIER, locais
onde se encontram os canais de sódio e potássio responsáveis pela condução do estímulo eléctrico.
A presença de mielina aumenta a velocidade de propagação do estímulo eléctrico, que pode atingir
velocidades tão elevadas com 100 m/s, aumentando com o diâmetro do axónio.
Fig. 6- Modelo da membrana plasmática segundo a teoria do cabo. A membrana tem uma capacidade
(Cm) devida as diferenças de potencial transmembranares. Por sua vez, a passagem de iões dá origem a uma
corrente eléctrica, logo com uma resistência associada.
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A condução eléctrica de um estímulo ao longo de um cabo pode ser explicada pela seguinte
equação diferencial de segunda ordem:
𝜕𝑉 𝜕 𝑉
𝜏 =𝜆 −𝑉
𝜕𝑡 𝜕𝑥
Eq. 3- Equação diferencial que descreve a condução de um estímulo através de um axónio, segundo a
teoria do cabo.
O modelo da condução num cabo apenas é válido quando ocorre o transporte passivo de um
sinal eléctrico. Essa situação não acontece na maioria dos neurónios e outras células electricamente
excitáveis. Com efeito, e como se verifica na condução de estímulos em neurónios mielinizados, o
estímulo propaga-se de forma rápida enquanto atravessa o axónio revestido pela bainha de
mielina, e depois acaba por ter um novo impulso graças a presença de canais de sódio e potássio
quando atinge o nó de Ranvier (fig. 4) onde existe uma enorme concentração de canais de sódio e
potássio dependentes do potencial. Isto significa que o simples modelo de cabo não é válido, uma
vez que para além da condução através da membrana existem também os canais dependentes do
potenciais, e ainda os INTERCAMBIADORES, que têm o papel de repor as concentrações de sódio,
potássio e outros iões, de modo a contrabalançar as variações induzidas pela estimulação e
condução dos potenciais de acção. De modo a tentar obter um modelo o mais realista possível para
a condução de estímulos em axónios (mielinizados ou não) os cientistas HODGKIN e HUXLEY
estudaram (em meados do séc. XX) o axónio gigante da lula, um axónio não mielinizado com um
diâmetro de 0,5 mm (um dos maiores existentes no reino animal) [6]. Neste axónio existem canais
dependentes do potencial em todo o seu comprimento, pelo que ao longo do processo são
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introduzidas correntes de sódio e de potássio. Deste modo, no circuito equivalente há que notar
que, contrariamente ao que sucede na teoria do cabo, existem componentes condutivas (canais
iónicos dependentes do potencial) e capacitivas (a própria membrana), tal como se poderá
observar na fig. 7.
Fig. 7- Modelo da membrana segundo o modelo de Hodgkin e Huxley. A diferença em relação ao modelo
do cabo é notória, visto que existe agora o efeito de condução devido aos canais iónicos (de potássio, sódio
ou de outros iões, descrito pela letra l. [7].
Da teoria dos circuitos eléctricos, sabe-se que a carga de um condensador é igual a sua
capacidade a multiplicar de diferença de potencial entre as placas. Como, num processo de
condição de um impulso nervoso, a corrente e o potencial não são constantes, pode aplicar-se a
mesma expressão a potenciais variáveis, ou seja:
𝑑𝑞 𝜕𝐸
𝐼= =𝐶
𝑑𝑡 𝜕𝑡
Segundo a lei de Ohm, a diferença de potencial é igual à corrente vezes a resistência. Deste
modo, para cada um dos iões, a corrente vai ser dada pela seguinte expressão (considerando, por
exemplo, o ião de potássio):
𝑉
𝐼 = = 𝑔 𝑉
𝑅
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Em que gK é a condutividade dos canais de potássio e VK a diferença de potencial. No entanto, a
condutividade dos canais iónicos varia no tempo e também depende do potencial a que se
encontra a membrana. Desse modo, a corrente de cada ião é influenciada pelo factor
condutividade, o que a torna uma função não linear. Se incluirmos, como é de esperar, as “pilhas”
equivalentes (respeitantes a actividade dos canais iónicos, vem que:
Sendo que, como é óbvio, esta equação se pode também escrever para os outros iões.
𝜕𝐸
𝐼 = 𝐶 + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 )
𝜕𝑡
Eq. 4- Modelo de Hodgkin-Huxley para o axónio gigante da lula.
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Fig. 8- Curvas de condutividade em função do tempo, medidas para os iões de sódio e potássio no axónio
gigante da lula (T = 6ºC; V = -26 mV).
𝑔 (𝑉, 𝑡) = 𝑔 1 − 𝑒( )
𝑔 (𝑉, 𝑡) = 𝑔̅ 𝑛 (𝑉) 1 − 𝑒 ( )
Eq. 5- Equação temporal de condutividade do ião de potássio para o axónio gigante da lula (Modelo de
Hodgkin-Huxley)[6].
𝑛 (𝑉)- valor relativo da condutividade quando o tempo tende para infinito (varia entre zero e um).
- coeficiente que aproxima mais a curva ao seu aspecto real (n = 4 para o axónio gigante da lula).
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A modelação da variação temporal da condutância específica do sódio para cada valor de
potencial eléctrico foi feita de maneira similar por Hodgkin e Huxley. Porém, olhando para as curvas
experimentais, dando o comportamento de gNa em função de t, vemos que o comportamento da
condutividade do sódio em função do tempo é mais complexo que o da condutividade do potássio.
Neste caso, a condutividade do sódio inicialmente sobe em resposta ao aumento do potencial, mas
depois decai enquanto o potencial fica mantido num valor alto., devido à inactivação dos canais de
sódio dependentes do potencial. Há que salientar que durante o processo de condução do estímulo
os canais de sódio podem encontrar-se em três estados diferentes: abertos, fechados ou inactivos.
O modelo de Hodgkin e Huxley aproxima a curva experimental da condutividade do sódio (fig. 8) a
uma função que combina o efeito da fracção dos canais abertos e dos canais inactivos [6]. Assim, a
curva de condutividade de sódio pode aproximar-se à seguinte equação:
Eq. 6- Equação temporal de condutividade do ião de sódio para o axónio gigante da lula (Modelo de
Hodgkin-Huxley)
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O mecanismo de geração de um potencial de acção pode ser entendido a partir de uma análise
da figura acima. Inicialmente, existe um balanço entre a corrente de sódio para dentro e a corrente
de potássio para fora. No repouso, m é pequena e h é grande, de maneira que o termo m³h é
pequeno, mas não nulo. A variável de activação do K, n, tem um valor intermediário entre m e h,
mas n4 é também pequeno. Após o início do pulso de potencial, a despolarização aumenta m
rapidamente e ocorre a abertura dos canais de sódio. Após alguns milissegundos, h vai a zero e vai
haver a inactivação dos canais de sódio. Enquanto isso, n aumenta e a condutância do potássio
cresce, atingindo um valor estacionário elevado. Após o fim do pulso, n, m e h retornam aos seus
valores de repouso.
m, h e n está nas suas respectivas constantes de tempo, m, h e n. Observando a fig. 10, vemos
que as variáveis de activação do potássio (n) e de inactivação do sódio (h) levam muito mais tempo
para atingir seus valores de estado estacionário do que a variável de activação do sódio (m). Como
o comportamento temporal das três variáveis é exponencial, as constantes de tempo associadas às
variáveis n e h devem ser maiores do que a constante de tempo associada à variável m. Isso pode
ser mais bem entendido observando-se as figuras abaixo, que mostram como as constantes de
tempo e as variáveis de activação e inactivação dependem do potencial eléctrico no modelo de
Hodgkin e Huxley [6].
Fig. 10- Variação das constantes de tempo e das variáveis de activação e inactivação em função do
potencial eléctrico no modelo de Hodgkin e Huxley. De salientar o potencial de repouso da membrana
(próximo de -70 mV).
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Pode ser observado que a constante de tempo de activação do sódio, m, é aproximadamente dez
vezes menor que as constantes de tempo de activação do potássio, n, e de inactivação do sódio, h.
Isso significa que, quando ocorre uma despolarização, m varia bem mais rapidamente que n e h em
direcção ao seu valor de estado estacionário. Portanto, há um breve período durante o qual m é
grande e h ainda não é tão pequeno o que faz com que o termo m3h nas equações seja
suficientemente grande para implicar uma condutância de sódio suficientemente elevada para
gerar um potencial de acção [8].
Enquanto isso, como n tem um valor relativamente grande a variável n levará um tempo maior
para atingir um valor tal que a condutância de potássio correspondente seja grande o suficiente
para produzir uma corrente de potássio de dentro para fora da célula capaz de reduzir o potencial
de membrana da célula ao seu valor original.
Do mesmo modo, também podem observados os desses parâmetros numa situação de repouso,
com o potencial de membrana em torno de −70 mV (indicado por setas nas figuras). Note que o
valor de h aumenta com a hiperpolarização de célula e que existe uma faixa de valores de
hiperpolarização tal que m se mantém diferente de zero. Isto implica que uma possível estratégia
para se despolarizar a célula é, primeiro, hiperpolarizá-la um pouco e depois despolarizá-la. Quando
a célula é hiperpolarizada, o valor da variável de inactivação do sódio, h, cresce – um processo
chamado de desactivação. Posteriormente, quando ocorre a despolarização, a variável de activação
do sódio, m, cresce rapidamente e h se mantém com um valor relativamente alto por um certo
tempo (por causa da sua constante temporal mais elevada). Isto implica que o produto m3h pode
atingir valores maiores neste caso do que quando ocorre apenas uma despolarização a partir do
repouso.
Voltando à equação geral do modelo de Hodgkin-Huxley (Eq. 4) podemos substituir os valores de
condutividade dos canais.
𝜕𝐸
𝐼 = 𝐶 + 𝑔̅ 𝑛 (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔̅ 𝑚 ℎ (𝑉 − 𝐸 ) + 𝑔 (𝑉 − 𝐸 )
𝜕𝑡
Eq. 7- Forma da equação geral do modelo de Hodgkin e Huxley
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As condutâncias específicas máximas para cada um dos três canais e os respectivos potenciais de
reversão também foram determinados experimentalmente por Hodgkin e Huxley [6] e seus valores
são os seguintes (para o axónio gigante da lula):
𝑔̅ = 120 mS/cm2;
𝑔̅ = 36 mS/cm2;
𝑔̅ = 0,3 mS/cm2;
EK = −12 mV;
Ev = 10,163 mV;
Cm = 1 μF/cm2.
Fig. 11- Simulação em MATLAB da resolução da equação de Hodgkin e Huxley com um potencial de
repouso Vrep = -65 mV, injectando um impulso de corrente de 10 mA/cm2 durante 1 ms.
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1.5. Mapeamento biopotencial
Duração
Descrição Significado clínico
(ms)
Despolarização das aurículas, corrente flui do Longa- dilatação aurícula esquerda
P nodo sinoatrial para o nodo 80 Ausente- Arritmia (fibrilhação)
aurioventricular(ligação aurícula - ventrículo) Forma dentada - Flutuação
PR Condução do estímulo do nodo aurioventricular
para as células musculares dos ventrículos
50 /120
Despolarização dos ventrículos. Batimento Longa- excesso de potássio.
QRS cardíaco propriamente dito. Activação das células 70 / 110 Ondas Q longas – enfarte de
His-Purkinje. miocárdio
ST Ligação complexo QRS- onda T 80 / 120
T Recuperação dos ventrículos 160 Invertida - Isquémia, hipertrofia
Inexistente - excesso potássio
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Fig. 12. Perfil normal de um electrocardiograma (ECG) esquematizando os seus pontos específicos (tabela
III).
Para além dos factores atrás descritos, há ainda a salientar que um intervalo demasiado longo
entre os pontos Q e T significa hipocalcémia (o oposto indica hipercalcémia). As heterogeneidades
no traçado dos ECG podem ser perigosas, pelo que nestes casos se aconselha monitorização do
paciente.
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EEG tem a ver fundamentalmente com a detecção de anormalidades no padrão de actividade
cerebral, nomeadamente o risco de actividade epiléptica, correspondente ao disparo de múltiplos
potenciais de acção durante a estimulação nervosa. Os EEG podem também ser utilizados para
monitorizar pacientes com enxaqueca (violenta dor de cabeça unilateral, normalmente associada
ao défice de activação de receptores de serotonina- 5HT) ou, para caso mais graves, monitorização
de pacientes em coma ou diagnóstico de morte cerebral.
O EEG é um exame que tem escassa resolução espacial, não sendo possível, através da sua
realização, detectar as zonas do cérebro onde ocorrem as alterações dos estados funcionais atrás
descritas. Outras técnicas que utilizam muito maior resolução espacial como o PET (Positron
Espectral Tomography, ou seja tomografia espectral de positrões) ou a MRI (Magnetic Ressonance
Imaging, Ressonância magnética) permitem um estudo muito mais localizado da actividade
cerebral associada a processos fisiológicos e/ou patológicos.
A
B
27
Cap. 2- Electrofisiologia e estimulação funcional
28
Na tabela IV estão esquematizadas várias técnicas de registo, com destaque para os diferentes
métodos de registo intracelulares e extracelulares [9].
Ampl.
Designação Técnica Local sinal (mV)
Um só eléctrodo,
Unidade simples colocado numa região Neurónios (in vivo) 1
do cérebro
Dois eléctrodos, um de
Extracelular Potenciais de campo Neurónios, cel. 1a5
estimulação, outro de
musculares
registo
Eléctrodo de carbono,
Amperometria sensível a mudanças da Neurónios
composição química
Dois eléctrodos (um Axónios (gigante da
Potencial controlado
intracelular o outro lula). Fibras 100
(voltage clamp) extracelular) musculares.
Neurónios (usado
Corrente controlada Um eléctrodo, no qual 10 / 20
Intracelular para medir resposta
(current clamp) é injectada corrente.
dos canais)
Um eléctrodo (micro
Neurónios (permite
Patch clamp pipeta) muito fino (R = 1 G )
medição de canais
(cerca de 1 m
individuais)
diâmetro)
Fig. 15- Obtenção de sinais eléctricos devidos a activação de um único canal iónico usando a técnica de
patch clamp. Lado esquerdo: esquema de colocação do microeléctrodo. Lado direito: sinal eléctrico
respeitante á activação de um só canal.
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A utilização de imagens obtidas através de indicadores de fluorescência é também uma ferramenta
bastante útil na electrofisiologia. Uma grande parte dos mecanismos de condução de estímulos eléctricos e
de transmissão e actividade sinápticas dependem das trocas iónicas de ambos os lados da membrana
plasmática. A fluorescência é a capacidade de uma substância ou de um material de emitir luz numa gama
de comprimentos de onda diferente daquela que recebe. Isto significa que uma substância iluminada, por
exemplo, com luz ultravioleta, pode emitir luz visível. Em electrofisiologia a alteração de fluorescência de um
composto é normalmente resultado da alteração da concentração de um determinado ião. Para aumentar
ainda mais a eficiência deste processo, foram desenvolvidos indicadores intracelulares, ou seja que podem
entrar através das membranas das células, graças a sintetização de indicadores de fluorescência
(fluorocromos) com grupos que contém esteres AM como unidade fundamental. Uma vez dentro da célula, o
grupo ester AM é removido e o indicador liga-se ao ião com o qual tem maior afinidade. Os indicadores mais
utilizados para medir a entrada de cálcio nas células são o FURA-2 (cuja fluorescência varia conforme a
concentração deste ião e que é bastante selectivo para o cálcio), o QUIN-2 (também muito utilizado para
medir fluxos de cálcio mas que tem uma eficiência mais pequena) ou o INDO-1. Também existem
indicadores de fluorescência para medir concentrações de iões de zinco (TSQ, TFL-Zn), de cádmio e de outros
metais pesados. A análise simultânea de imagens obtidas por indicadores de fluorescência e da actividade
eléctrica das células permitiu, nos últimos anos, um enorme aumento dos conhecimentos sobre a anatomia
e a fisiologia do sistema nervoso central e também sobre os processos envolvidos na transmissão e
plasticidade sináptica, nomeadamente através do papel desempenados pelos diferentes iões.
B
A
Fig. 16- Imagens de fluorescência de sistemas neurais. A- estudo da variação da fluorescência de Fura-2
(medindo a entrada de cálcio no soma de um neurónio. B- imagem de fluorescência de uma rede neuronal.
30
2.2. Transmissão sináptica
Uma sinapse é uma estrutura de ligação entre dois neurónios ou entre um neurónio e uma outra
célula (por ex, uma componente de uma fibra muscular). As sinapses permitem a transmissão de
estímulos eléctricos entre células excitáveis. As zonas situadas antes e após a sinapse são
denominadas de pré- e pós-sináptica. No caso da sinapse entre dois neurónios a zona pré-sináptica
corresponde ao terminal do axónio e a zona pós-sináptica a uma dendrite de um neurónio
adjacente [9].
Existe uma divisão fundamental entre dois tipos de sinapse: a SINAPSE ELÉCTRICA e a SINAPSE
QUÍMICA. Na primeira o contacto é directo e efectuado por canais eléctricos activados pelo
potencial. É o tipo menos vulgar de sinapse, existindo apenas em locais onde a transmissão tem
que ser mais rápida (tal como em nervos com papel funcional de reflexos). A sinapse eléctrica tem
um intervalo (fenda sináptica) muito mais curto que a sinapse química (geralmente não maior que 2
a 3 nm, enquanto que a sinapse química tem um intervalo de 5 a 10 nm).
A SINAPSE QUÍMICA tem um processo de funcionamento que envolve a libertação de
neurotransmissores (ver cap. 1). O cérebro humano (adulto) tem um número de sinapses químicas
estimado em cerca de 5x1014 (quinhentos triliões). A maioria dessas sinapses existe entre os
terminais dos axónios e as dendrites dos neurónios mais próximos, embora também possam existir
no soma e mesmo entre dendrites.
O processo de transmissão sináptica tem os seguintes passos:
31
Fig. 17- Modelo de sinapse química, apresentando os diferentes componentes da transmissão sináptica
[10].
Na transmissão sináptica podem estar envolvidos vários neurotransmissores, sendo que o mais
abundante e o que tem o papel mais importante na transmissão do impulso excitatório do
potencial de acção é o GLUTAMATO. É este neurotransmissor, ao activar os receptores a ele
sensíveis presentes na membrana pós-sináptica que vai promover a despolarização da célula,
permitindo assim que o potencial de acção se transmita ao neurónio posterior. Existe uma grande
variedade de canais activados por este neurotransmissor. Na tabela V são apresentados os mais
importantes, classificado consoante as suas subunidades e em termos de acção farmacológica (por
exemplo, os receptores AMPA são activados de forma muito intensa pelo fármaco ácido α-amino-3-
hydroxi-5-metil-4-isoxazolepropiónico (cuja sigla é AMPA). Por sua vez os receptores de NMDA são
activados por N-metil-D-Aspartato. Finalmente os receptores de quainato são activados por este fármaco.
Como é evidente, nas sinapses químicas neuronais existem muitos outros receptores activados
por outros neurotransmissores tais como a nicotina, o ácido gama amino-butírico (GABA),
purinérgicos (adenosina), serotonina, ATP (P2X) e ainda canais iónicos activados directamente pelo
32
potencial eléctrico. Neste capítulo vai ser dada maior importância aos que contribuem para a
transmissão do potencial de acção entre os neurónios: os receptores de glutamato e os canais
dependentes do potencial.
No cap. 1 foi focado, com particular atenção, o papel dos canais iónicos na geração e na
transmissão do potencial de acção ao longo de uma célula electricamente excitável. Os canais
iónicos envolvidos nesse processo são, em grande maioria, de sódio e de potássio. Na região
sináptica assumem um papel extremamente relevante os canais de cálcio dependentes do
potencial. Estes podem ser divididos em canais activados a potencial elevado (High Voltage
activated- HVA) ou a potencial baixo (Low Voltage activated, LVA). Na tabela VI são apresentadas as
principais características dos canais de cálcio dependentes do potencial (ou activados pelo
potencial) presentes nas sinapses químicas dos neurónios.
33
Finalmente, outro tipo de receptores pode ainda ser envolvido na transmissão sináptica
excitatória: os receptores metabotrópicos de glutamato. Como se referiu no cap. 1 (ver fig. 2) os
receptores metabotrópicos têm um funcionamento diferente dos receptores ionotrópicos, uma vez
que não existe comunicação entre o interior e o exterior. Os receptores metabotrópicos,
normalmente ligados a proteínas G, desencadeiam processos celulares internos, que podem
envolver entre outros, a formação de neurotransmissores que actuam internamente, conhecidos
como mensageiros secundários. Estes neurotransmissores activam receptores localizados em
compartimentos internos celulares, promovendo a libertação de iões, como o cálcio. No caso dos
receptores metabotrópicos de glutamato o mensageiro secundário que é formado é o Inositol tri
fosfato (IP3). Existem oito tipos de receptores metabotrópicos de glutamato, subdivididos em três
grupos diferentes, apresentados na tabela VII.
mGluR2
Tipo II Diminui actividade dos Pré-sináptica
mGluR3 receptores NMDA
mGluR4
mGluR6 Diminui actividade dos
Tipo III Pré-sináptica
mGluR7 receptores NMDA
mGluR8
Muitos dos canais e receptores estudados nesta secção irão ter particular importância nos
processos de plasticidade sináptica, nomeadamente na potenciação de longa duração, tema do
próximo capítulo.
34
2.3. Plasticidade sináptica
A plasticidade sináptica é a alteração funcional das sinapses induzida pela actividade neuronal.
Ocorre apenas nas sinapses químicas (não existe nenhum mecanismo de plasticidade sináptica nas
sinapses eléctricas) [11]. A plasticidade sináptica está envolvida nos processos celulares de
formação da memória e da aprendizagem, segundo a teoria Hebbiana. Os mecanismos que estão
envolvidos na plasticidade sináptica incluem activação de kinases proteicas (como a calmodulina
kinase II) e a libertação de mensageiros secundários (como o IP3) que induzem a libertação de
cálcio armazenado em compartimentos intracelulares que depois participa na síntese de proteínas
e na modificação estrutural dos receptores ionotrópicos de glutamato, nomeadamente através de
processos de fosforilação dos referidos receptores, que aumentam a condutividade dos mesmos e
assim um aumento da eficiência da transmissão sináptica [11].
De seguida, são apresentados alguns dos mais importantes mecanismos de plasticidade
sináptica:
35
POTENCIAÇÃO DE CURTA DURAÇÃO (Short- term potentiation, STP): É o tipo de
plasticidade sináptica que tem uma duração relativamente curta (entre 30 e 40 minutos).
Está relacionada com a activação de quinases proteicas na zona pós-sináptica, tendo, ao
que se supõe, um mecanismo de indução semelhante à fase inicial da potenciação de
longa duração (LTP), estando relacionada com a activação dos receptores de NMDA.
A STP é uma LTP incompleta
Fig. 17. Curso temporal dos potenciais excitatórios pós-sinápticos (EPSP) após a aplicação de
estimulação tetânica (no instante t=0) [12] .
36
menos uma parte da indução da LTP é devida a activação de processos de síntese
proteica que ocorrem na zona pós-sináptica (dendrites dos neurónios subsequentes).
Uma súmula dos cursos temporais dos diferentes processos de plasticidade sináptica é
apresentada na fig. 18. Os resultados apresentados referem-se a registos obtidos no hipocampo,
mais concretamente resultantes da estimulação das sinapses entre as células piramidais da área
CA3 do hipocampo (cujos axónios são denominados colaterais de Schaffer) e as células
piramidais da área CA1.
Fig. 18- A aplicação de um tétano (conjunto de estímulos de alta frequência, 10-100 Hz), induz PTP
seguida de LTP, nas sinapses entre os axónios das células piramidais CA3 e as dendrites das células
piramidais CA1 do hipocampo. No canto superior da figura apresenta-se o sistema de registo
electrofisiógico (eléctrodo de estimulação - S; eléctrodo de registo – R), bem como o exemplo de dois
potenciais de campo extracelulares (antes e depois da indução de LTP) [13].
As sinapses atrás referidas são das mais estudadas do sistema nervoso central. Elas apresentam
uma forma de LTP que depende da activação dos receptores ionotrópicos de glutamato (neste caso
os receptores de NMDA, ver tab. V). No hipocampo existe ainda outra forma de LTP, que não
37
depende da activação destes receptores. Encontra-se nas sinapses entre os axónios das células
granulares (denominados fibras musgosas, mossy fiber, que são assim conhecidas por terem
vesículas sinápticas muito abundantes, o que lhes dá um aspecto musgoso) e as células piramidais
da área CA3.
A indução de LTP dependente dos receptores de NMDA depende não só da activação dos
referidos receptores mas também dos receptores metabotrópicos de glutamato (ver tab. VII) e da
consequente formação de segundos mensageiros como o IP3 que, uma vez formado, liga-se a
compartimentos intracelulares que contêm cálcio. Um outro mecanismo de libertação de cálcio de
compartimentos intracelulares é estimulado a partir de receptores de Rianodina. A acção conjunta
de todos os processos referidos causa um grande aumento da concentração interna de cálcio na
zona pós-sináptica. Os mecanismos de entrada de cálcio durante o processo de indução de LTP
estão explicados na fig. 19.
38
O cálcio que entra na célula após a indução da LTP (ocorrida durante a estimulação tetânica) é
deste modo libertado a partir de um grande número de fontes. Em relação à transmissão sináptica
básica (fig. 16) a estimulação da membrana pós-sináptica é muito maior, sendo que os receptores
de NMDA, que em situações em que a membrana pós-sináptica não está muito despolarizada (ou
seja, quando ocorre a transmissão sináptica com frequência mais baixa ou com estímulos
individuais) estão bloqueados por iões de magnésio. A intensa despolarização da membrana pós-
sináptica durante a estimulação tetânica remove aquele bloqueio (como se pode ver na figura) e
ocorre uma entrada de cálcio através dos receptores NMDA. Do mesmo modo, a activação dos
receptores metabotrópicos induz a libertação de cálcio por compartimentos internos.
Mais complexa é a explicação da totalidade dos processos no interior do neurónio que levam à
expressão da LTP. Na fig. 20 é efectuada uma compilação dos processos melhor conhecidos e que
podem, pelo menos em parte, mediar o processo de formação da LTP. O aumento muito
considerável da concentração de cálcio na célula leva a activação da cálcio-calmodulina kinase II
(CaMKII) que está envolvida na fosforilação dos receptores de AMPA. Deste modo, graças à
activação desta kinase a condutividade do receptor AMPA aumenta, o que faz com que aumente
também a despolarização da célula durante a transmissão sináptica, e logo a eficácia desta.
Existem, no entanto, mais processos que explicam este processo de aumento de eficiência
sináptica. Um deles é o facto de a indução da LTP estimular o aumento da quantidade de
receptores ionotrópicos de glutamato, sobretudo os receptores AMPA. Este aumento deve-se à
exocitose de receptores AMPA, inicialmente contidos no interior da célula. Um terceiro processo,
ainda não completamente esclarecido, tem a ver com a possibilidade de criação de um mensageiro
retrógrado (assim denominado porque é emitido em sentido contrário da transmissão sináptica),
podendo este ser o óxido nítrico (NO) que estimula um aumento de libertação do neurotransmissor
(sendo assim a LTP terá uma componente pré-sináptica). A fase posterior da LTP envolve a
transcrição proteica (CREB), estimulada por AMP cíclico. Com a transcrição proteica é estimulada a
formação de novas sinapses, o que faz com que a LTP induza também transformações estruturais
no sistema. Deste modo, a LTP não só se traduz no aumento da resposta individual a um estímulo
nervoso mas também no crescimento desse próprio sistema, com o aumento da densidade
sináptica.
39
Fig. 20- Esquema geral da indução e expressão da LTP. Na primeira fase ocorre a fosforilação e a
exocitose dos receptores de AMPA, bem como a provável emissão de um mensageiro retrógrado. Na
segunda fase a transcrição proteica (CREB) possibilita a formação de novas sinapses.
40
A indução da forma não-Hebbiana de LTP (assim denominada por não exigir a despolarização
simultânea de regiões pré- e pós-sináptca) é independente da activação de receptores de NMDA.
Na parte do sistema nervoso central onde este fenómeno é mais estudado (o hipocampo) a forma
não-Hebbiana de LTP existe nas sinapses entre os axónios das células granulares e as células
piramidais da área CA3. Os processos de indução e expressão desta forma de LTP são menos
conhecidos do que os da forma Hebbiana atrás apresentada. Durante bastante tempo ambas foram
consideradas como tendo origem numa modificação estrutural da zona pré-sináptica que dá origem
ao aumento da libertação de glutamato. No entanto, não existe ainda a certeza sobre a localização
e processos envolvidos nesta forma de LTP.
A relação da LTP com as questões patológicas é menos conhecida do que o seu papel na
plasticidade neural. No entanto, é conhecida a relação da LTP com algumas doenças como a
epilepsia, a doença de Parkinson e, sobretudo a doença de Alzheimer. Nesta doença uma grande
parte da degeneração do tecido neural ocorre no hipocampo. A doença de Alzheimer é em grande
parte devida à formação de placas de amilóide beta (A ) devido a erros no processo da proteína
precursora da amilóide (APP) Existem evidências que a acumulação de A impossibilita a formação
de LTP. Deste modo, é possível explicar os graves problemas cognitivos associados à doença de
Alzheimer.
Em animais utilizados em experiências in vitro a LTP dura até a morte das células. No caso de
experiências in vivo normalmente não termina. A memória de longo termo, associada a LTP, pode
durar anos ou mesmo décadas. No entanto, ainda não está completamente estabelecido na
comunidade científica a equivalência entre processos de plasticidade sináptica e memória, pelo
menos a memória cognitiva. É todavia conhecida a relação funcional entre a memória a nível
celular e os processos de plasticidade sináptica mais importantes, como a LTP.
41
Cap 3. Electroterapia
A electroterapia define-se como o uso de correntes eléctricas de baixa intensidade com o fim
de estimular diferentes sistemas orgânicos.
A utilização da electroterapia pode ser feita de forma directa, através da aplicação de eléctrodos
onde é injectada uma corrente eléctrica de baixa intensidade. Este tipo de electroterapia pode-se
subdividir-se, consoante o local de aplicação, em TRANSCUTÂNEA, com a colocação de eléctrodos
sobre a pele, com o objectivo de causar anestesia, fortalecimento muscular ou a cicatrização, entre
outros; e INTRACUTÂNEA, parcialmente invasiva, como na electrolipólise, estimulação da epiderme,
tratamento de estrias. No entanto, a maioria das técnicas de electroterapia envolvem, não a
aplicação directa de correntes eléctricas mas a utilização indirecta das correntes provenientes de
radiação electromagnética de baixa frequência (ondas rádio, micro-ondas, infravermelho) ou ainda
de alta frequência (luz visível, LASER) [14].
42
3.1. Introdução histórica
Os agentes físicos são acções empregues para obter uma resposta fisiológica no organismo, a
qual por sua vez desencadeia um efeito terapêutico. Todos os agentes físicos transportam energia
de origem mecânica, térmica ou electromagnética, a qual interacciona com as unidades orgânicas
(células, tecidos). Essa interacção pode ser terapêutica ou lesiva, consoante a quantidade de
energia emitida pelo agente físico. Por exemplo, no caso das radiações electromagnéticas, existem
as radiações não ionizantes, cuja energia é insuficiente para promover a ionização de átomos
presentes nas estruturas celulares e as radiações ionizantes, que podem causar danos biológicos
irreversíveis, como os raios X e os raios gama, os quais obviamente não podem ser utilizados em
electroterapia, apenas (quando muito) como meio de obtenção de imagens ou em medicina
nuclear.
43
Os agente físicos, na sua interacção com os sistemas orgânicos, produzem uma resposta que em
boa parte dos casos envolve a libertação de elementos químicos que induzem modificações com
efeitos benéficos (terapêuticos) ou lesivos. Desse modo o profissional tem sempre que ter em
conta adequação do tratamento em termos de correspondência entre estímulo e resposta. Tem
que haver sempre o cuidado de estudar bem a dosimetria de modo a evitar tanto a insuficiência da
estimulação dos tecidos absorventes como, sobretudo, a existência de efeitos lesivos, directos ou
colaterais.
Agente Físico
Térmico Mecânico Electromagnético
Resposta primária
Bioquímica Nível celular
Resposta secundária
Nível citológico Nível orgânico
Adequado Inadequado
Acção terapêutica Acção lesiva
44
3.3. A corrente eléctrica
A corrente eléctrica é fluxo de carga eléctrica que se move entre dois pontos a potencial distinto.
I = dQ/dt î (Eq. 8)
A unidade de corrente eléctrica é o Ampère (C/s), definida por André Ampère (séc. XVIII).
A diferença de potencial entre dois pontos é proporcional à corrente existente entre esses pontos
(R: resistência, V: diferença de potencial)
V=RI (Eq. 9)
Quando a corrente eléctrica é aplicada num sistema com múltiplas resistências, estas somam-
se. Os tecidos humanos são, regra geral, bons condutores de electricidade, sendo que a
condutividade (inverso da resistividade) varia com a composição dos tecidos. Quanto maior for a
percentagem de água nos tecidos menor será a resistência eléctrica. A resistência que a pele
oferece à passagem de corrente eléctrica é denominada de impedância cutânea. O limite máximo
de corrente eléctrica que é considerado como razoável para os tratamentos de electroterapia
oscila entre 80 e 120 mA (1 mA = 10-3 A). O principal obstáculo ao tratamento por electroterapia é
a impedância da pele, sendo que esta tem um valor variável em função da frequência da corrente
aplicada. Com o aumento da frequência a impedância da pele diminui de um factor bastante
considerável, como se pode observar na figura.
45
1,0E+05
Z( )
1,0E+04
1,0E+03
1,0E+02
1,0E+01
1,0E+00
1,0E+00 1,0E+01 1,0E+02 1,0E+03 1,0E+04 1,0E+05
f (Hz)
Fig. 23- Variação da impedância da pele com a frequência da corrente aplicada [14].
Segundo a Lei de Joule o calor que é libertado (expresso em calorias) é dado pela expressão
(Q- calor, t - intervalo de tempo):
Como a impedância da pele diminui com a frequência da corrente, a quantidade de calor vai
aumentar com a aplicação de protocolos que usam frequências mais elevadas. A
46
electroestimulação com baixas frequências pode causar um aumento de temperatura de 2ºC,
enquanto que uma estimulação de alta frequência pode causar aumentos internos de
temperatura que atingem 10ºC.
Podemos conceituar dose como a quantidade de energia recebida por unidade de área do
tecido (W/cm2). Os diferentes tecidos suportam energias que devem ser reduzidas, para evitar
efeitos lesivos, mas suficientes para estimular a produção de potenciais de membrana. A escolha
da área e dimensão dos eléctrodos é fundamental para o sucesso da electroterapia, se forem
demasiado pequenos pode haver um aumento muito grande da dose e, com isso, poder causar
lesões. Por sua vez, se a área dos eléctrodos for demasiado grande a dose será muito pequena e
poderá ser insuficiente para estimular os efeitos pretendidos.
47
poder estimular o efeito galvânico, tem que haver diferença entre as fases positiva e negativa.
Deste modo, a corrente que é existe nas instalações convencionais não serve para a
electroterapia, uma vez que o seu valor médio é nulo, não havendo diferença entre as fases
positiva e negativa. Caso a corrente seja pulsada ou interrompida pode ser utilizada para efeitos
terapêuticos.
Fig. 25 - Relação entre a intensidade mínima necessária para estimulação por electroterapia
(reobase) e a duração mínima dos impulsos (cronaxia), na estimulação bifásica por impulsos quadrados
[15].
Os impulsos eléctricos utilizados em electroestimulação têm valores que de um modo geral não
ultrapassam os 100 a 150 Hz, valor denominado de alcance biológico de electroestimulação. O
tempo necessário para a criação de um estímulo eléctrico é da ordem dos microsegundos (20 a 400
48
s), de modo a poder gerar um potencial de acção. Como cada impulso gera um potencial de acção,
uma frequência de estimulação de 100 Hz (por exemplo) gera 100 potenciais de acção por segundo.
As estimulações nervosas podem ser de três tipos: sensoriais, motoras e nociceptivas (dor). Os
impulsos que correspondem a estimulações sensoriais têm tempos de duração entre 20 e 50 s, as
nociceptivas oscilam entre 180 e 250 s, sendo que as motoras, que envolvem contracção
muscular, a duração dos estímulos está compreendida entre 150 e 400 s, sendo que têm forma
diferente das nociceptivas.
49
Tabela VIII - Tipos de correntes utilizadas em electroterapia
f (Hz) Duração ( s)
3.6. Galvanoterapia
A galvanoterapia distingue-se das formas de electroterapia por apresentar corrente numa só direcção,
enquanto que as outras são bifásicas. Deste modo, pode também ser designada por corrente contínua ou
corrente directa. O tratamento por galvanoterapia pode ser divido em três fases distintas, como se pode
ver na figura:
I (A)
a b c
t
Período de fecho do circuito (a): tempo percorrido entre entre o fecho do circuito e o
instante em que se atinge a corrente pretendida.
50
Período de estado (b): período de permanência da intensidade da corrente constante.
A galvanoterapia foi a primeiro método de electroterapia a ser utilizado para fins terapêuticos. A sua
utilização está baseada no facto de o meio biológico ser constituído por iões e partículas carregadas,
separados por membranas selectivamente permeáveis. Estas membranas geram gradientes e
desiquilíbrios em parâmetros como pressão e potencial eléctrico, que levam a reacções e a intercâmbio
de iões, no intuito de reequilibrar o meio em termos metabólicos. A aplicação de corrente eléctrica
(efectuada com corrente contínua, oriunda de pihas electroquímicas ou geradores) gera dois processos
nos iões e partículas carregadas presentes no meio:
Electroforese: Dispersão das partículas carregadas consoante a sua massa, através da aplicação
de uma corrente eléctrica. Aplicação Indirecta (c/ recurso a gel ou esponjas)
Quando o objectivo é separar proteínas e moléculas consoante a sua composição (electroforese) aplica-
se uma superfície de separação entre os eléctrodos e a superfície da pele. Essa superfície pode ser de
esponja ou gel. A aplicação dos eléctrodos directamente sobre a pele promove a separação das cargas
positivas e negativas, dando origem a electrólise.
51
Os efeitos mais importantes do fluxo de corrente eléctrica utilizada em galvanoterapia são os seguintes:
Efeito electrotérmico: O movimento das partículas carregadas provoca aumento de colisão entre
partículas causando uma pequena elevação de temperatura local. Essa elevação de temperatura
no entanto normalmente não excede 3ºC.
Efeito electrofísico: Migração das células carregadas electricamente carregadas para um dos
polos excitando principalmente os nervos periféricos.
Em termos de efeito electroquímico, nos pólos positivos decorrem reacções químicas que levam à
formação de ácidos, devido à atracção dos iões cloro (Cl-) pelo eléctrodo positivo. Por sua vez no pólo
negativo são atraídos iões positivos como o sódio e o potássio (Na+, K+), o que leva à formação de
soluções alcalinas.
52
Cap. 4- Propriedades mecânicas dos tecidos biológicos.
O campo vastíssimo do estudo das propriedades dos materiais é aqui introduzido a respeito das
propriedades de resistência, elasticidade, plasticidade e comportamento visco-elástico do tecido
ósseo, de todos os tecidos vivos o que mais se aproxima das características dos materiais rígidos
cujas propriedades estão melhor caracterizadas (caso do aço, polímeros ou cerâmicos).
A resistência dos materiais sólidos pode ser medida em função de diferentes tipos de
solicitações mecânicas. Na figura 28 são apresentadas algumas dessas solicitações.
53
(a) Tracção: caracteriza-se pela tendência de alongamento do elemento na direcção da força
actuante. ; (b) Compressão: a tendência é uma redução do elemento na direcção da força de
compressão; (c) Flexão: ocorre uma deformação na direcção perpendicular à da força actuante;
(d) Torção: forças actuam em um plano perpendicular ao eixo e cada secção transversal tende a
girar em relação às demais; (e) Flambagem: é um esforço de compressão em uma barra de secção
transversal pequena em relação ao comprimento, que tende a produzir uma curvatura na barra;
(f) Cisalhamento: forças actuantes tendem a produzir um efeito de corte, isto é, um deslocamento
linear entre secções transversais.
Qualquer solicitação de um material a uma acção externa tem inerente a aplicação de uma
força, e como se sabe (pelas leis da Física) uma força está associada a movimento, ou seja a
deslocamento. Em termos físicos e mecânicos as grandezas que nos vão permitir analisar as
propriedades dos materiais sujeitos a solicitações são a TENSÃO e a DEFORMAÇÃO.
A TENSÃO é simplesmente definida como a força por unidade de área de secção (corte):
= F / As
Eq. 12- Definição de tensão num material
Num corpo simétrico em torno de um eixo (como é o caso de um osso longo) a tensão pode ser
dividida em duas componentes: a componente do eixo de simetria (tensão normal) e a
componente perpendicular a esta (tensão de corte) [14]. No caso de a tensão normal e a tensão de
corte serem calculadas em função de uma secção que não coincide com o eixo de simetria os seus
valores são depender do ângulo de inclinação da secção (fig. 22).
Assim, para o caso em que a secção faz um ângulo com a perpendicular, vem:
= F cos / As
= F sin / As
Eq. 13- Tensão normal e tensão de corte numa secção transversal a uma força de tracção .
54
F
F F
Fig. 29- Direcção da aplicação de uma força de tracção num osso (cima) e representação das tensões
normal e de corte (baixo) [16].
55
b
Limite
elasticidade
Fig. 30- Máquina de ensaio de tracção (Esq.) e curva típica de tensão-deformação de um aço (liga ferro -
carbono, à direita). A tensão (F/As) é representada em ordenada e a deformação relativa = L/L no eixo
das abcissas. O ponto a corresponde à tensão limite elástica (a partir da qual a deformação é permanente ou
plástica), o ponto b o ponto limite de resistência e o ponto c o ponto de ruptura.
Como se pode verifica, o material apresentado deforma-se de forma constante até ao ponto a
(tensão limite elástica). A deformação elástica é reversível, ou seja, desaparece quando a tensão é
removida. A deformação elástica é consequência da movimentação dos átomos constituintes da
rede cristalina do material, desde que a posição relativa desses átomos seja mantida. Uma peça de aço, por
exemplo, sob efeito de tensões de tracção ou de compressão sofre deformações, que podem ser elásticas ou
plásticas. Tal comportamento deve-se à natureza cristalina dos metais, pela presença de planos de
escorregamento ou de menor resistência mecânica no interior do reticulado.
Até certo nível de tensão aplicada, o material trabalha no regime elástico. Nessa situação
existe, como se viu, uma relação de proporcionalidade directa entre a tensão e a deformação
relativa. Deste modo, o material obedece à LEI DE HOOKE, que determina que numa transformação
elástica a tensão é directamente proporcional à deformação relativa, ou seja:
56
(F/As) = Y ( L/L) =Y
Em que Y é o módulo de elasticidade, ou também designado MÓDULO DE YOUNG.
57
Coeficiente de Poisson: Este coeficiente, que caracteriza uma propriedade mecânica intrínseca dos
materiais, define-se como a razão entre as deformações específicas transversais e longitudinais
quando uma barra é submetida a um carregamento axial, tal como é mostrado na fig. . O sinal
negativo na expressão que define o coeficiente de Poisson, ν, é adoptado porque as deformações
transversais e longitudinais tendem a ter sinais contrários.
L
𝜀 =
2
F r
𝜀 =
’2
Fig. 32- Coeficiente de Poisson (v) numa barra deformada em ensaio de tracção.
Deste modo, o coeficiente de Poisson define-se como o simétrico da relação entre o valor da
deformação transversal e longitudinal. O sinal (-) explica-se pelo facto de, geralmente, as
deformações longitudinais e transversais serem simétricas.
𝜀
𝜈=−
𝜀
Os resultados acima apresentados são discutidos partindo do princípio que as propriedades dos
materiais não dependem da direcção da solicitação. Significa isto que se parte do princípio que os
materiais são ISOTRÓPICOS, ou seja que as suas propriedades mecânicas não variam em
consequência do eixo em que a força é aplicada. No entanto, isso nem sempre acontece. Por
58
exemplo, no caso do osso (estrutura cortical) este exibe um comportamento ANISOTRÓPICO (as
suas propriedades mecânicas dependem da direcção de solicitação).
Os materiais com comportamento anisotrópico têm assim três módulos de Young, consoante a
direcção de solicitação. No caso das solicitações segundo o eixo 1, o módulo de Young é menor que
no eixo 2 e ainda menor que no eixo 3 (E3 > E2 > E1). A tensão limite elástica do osso humano
depende da idade, atingindo um máximo por volta dos 20 anos e diminuindo depois
consideravelmente. No caso do fémur o valor máximo de tensão limite é de 120 MPa (1 Pa = 1
N/m2) aos 20 anos e diminui para cerca de 90 MPa aos 60 anos [17].
4.3. Viscoelasticidade
Ao contrário dos materiais elásticos, uma substância viscoelástica tem um componente elástico
e um componente viscoso. A viscosidade destas substâncias faz com que a taxa de deformação
dependa do tempo. Os materiais puramente elásticos têm uma taxa de deformação independente
do tempo, e não dissipam energia aquando da aplicação e posterior remoção de uma carga, sendo
que dissipam energia na mesma situação [18]. Na curva de tensão-deformação de um material
59
viscoelástico, é observada uma curva de histerese, sendo a área interna equivalente à energia
perdida no processo de aplicação e remoção da carga aplicada. Uma vez que a viscosidade é a
resistência à deformação plástica, um material viscoelástico vai perder energia no ciclo de aplicação
de carga (fig. 32).
Fig. 34- Curvas tensão-deformação para um material puramente elástico (a) e para um material
viscoelástico (b). A área a vermelho indica a energia dissipada num ciclo de carga.
Os materiais viscoelásticos, quando sujeitos a uma tensão constante, têm uma deformação
dependente do tempo. Este ccmportamento é denominado ARRASTAMENTO VISCOELÁSTICO (fig.
28). No instante t = 0 um material viscoelástico é mantido a uma tensão constante durante um
período de tempo suficientemente longo. O material responde à tensão com uma deformação que
aumenta à medida que o material começa a ceder. Quando a tensão é aplicada num período mais
curto o material mantém a sua deformação até ao instante t1, a partir do qual decai
instantaneamente. O ARRASTAMENTO VISCOELÁSTICO pode ser apresentado graficamente como o
módulo de arrastamento (tensão a dividir por deformação num determinado instante) em função
do tempo. Abaixo da tensão crítica o módulo de arrastamento é independente da tensão aplicada.
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Fig. 35- a) Tensão aplicada e b) deformação induzida em função do tempo para um material viscoelástico.
A viscoelasticidade do osso pode ser originada por factores relacionados com a sua estrutura,
uma vez que um osso é um compósito de COLAGÉNIO (bio-polímero) e de HIDROXIAPATITE (um
bio-cerâmico). A viscoelasticidade do osso surge em função da diminuição da sua densidade e com
o aparecimento de espaços vazios na sua estrutura, sendo que a viscoelasticidade é uma
propriedade típica de bio-polímeros como o colagénio [19].
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Referências Bibliográficas
[1] Bruce Alberts (2002). Cell Movements and the Shaping of the Vertebrate Body. Molecular
Biology of the Cell 4th ed, Chapter 21, Garland Science.
[2] Bruce Alberts (1983): Molecular Biology of the Cell. Cells of the Adult Human Body: A
Catalogue, p 941.
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[16] Walter D. Pilkey, Orrin H. Pilkey (1974). Mechanics of solids. p. 292.
[17] http://www.feppd.org/ICB-Dent/campus/ biomechanics_in_dentistry/ldv_data/ mech/
basic_bone.htm.
[18] Meyers and Chawla (1999): "Mechanical Behavior of Materials," 98-103.
[19] Garner, Elijah, Roderic Lakes, Taeyong Lee, Colby Swan, and Richard Brand. "Viscoelastic
Dissipation in Compact Bone: Implications for Stress-Induced Fluid Flow in Bone."
Transcations of the ASME 122 (2000): 166-172.
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