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Os autores deste livro e a editora empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os

procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação.
Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências, as atualizações legislativas, as mudanças regulamentares
governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre os temas que constam do livro, recomendamos
enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as
informações contidas no texto estão corretas e de que não houve alterações nas recomendações ou na legislação
regulamentadora.
Data do fechamento do livro: 22/11/2022
Atendimento ao cliente: (11) 5080‑0751 | faleconosco@grupogen.com.br
Traduzido de:
POCKET COMPANION TO GUYTON AND HALL TEXTBOOK OF MEDICAL PHYSIOLOGY,
FOURTEENTH EDITION
© 2021 by Elsevier, Inc.
Previous editions 2016, 2012, 2006, 2001, 1998.
ISBN: 978-0-323-64007-7
Esta edição de Pocket Companion to Guyton and Hall Textbook of Medical Physiology, 14a edição, de John E.
Hall e Michael E. Hall, é publicada por acordo com a Elsevier Inc.
Direitos exclusivos para a língua portuguesa
© 2023 by
GEN | Grupo Editorial Nacional S.A.
Publicado pelo selo Editora Guanabara Koogan Ltda.
Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro – RJ – 20040-040
grupogen.com.br
Capa: Margaret Reid
Adaptação de capa: Bruno Gomes
Produção digital: Ozone
Ficha catalográfica

H184g
14. ed.

Hall, John E., 1946-


Guyton & Hall fundamentos de fisiologia / John E. Hall, Michael E. Hall ; revisor científico Carlos Alberto Mourão
Júnior ; tradução Patricia Lydie Voeux. – 14. ed. – Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2023.
21 cm.
Tradução de: Pocket companion to guyton and hall textbook of medical physiology
Inclui índice
ISBN 978-85-9515-951-8
1. Fisiologia humana. I. Hall, Michael E. II. Mourão Júnior, Carlos Alberto. II. Voeux, Patricia Lydie. III.
Título.

22-80714 CDD: 612


CDU: 612
Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
Prefácio

A fisiologia humana é a disciplina que liga as ciências básicas à medicina clínica. De caráter integrativo, engloba o
estudo de moléculas e componentes subcelulares, células, tecidos e sistemas de órgãos, bem como o dos sistemas de
feedback que coordenam esses componentes do corpo e nos permitem funcionar como seres vivos. Como a fisiologia
humana é uma disciplina em rápida expansão e abrange um amplo escopo, a imensa quantidade de informações que
são aplicáveis à prática da medicina pode ser esmagadora. Por conseguinte, ao escrever esta versão de bolso, um dos
nossos principais objetivos foi filtrar essa enorme quantidade de dados, a fim de produzir uma edição que fosse
pequena o suficiente para ser carregada no bolso do jaleco e ser utilizada com frequência, mas, ainda assim,
contivesse a maior parte dos princípios fisiológicos básicos necessários para o estudo da medicina e de outras áreas
da saúde.
Esta versão de bolso foi concebida para acompanhar o Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica, em sua 14a
edição, e não para o substituir. Destina-se a fornecer uma visão geral e concisa dos fatos e dos conceitos mais
importantes do livro original, apresentados de modo a facilitar a rápida compreensão dos princípios fisiológicos
básicos. Algumas características mais importantes desta versão de bolso:

Foi concebida para servir como um guia para os estudantes que desejam rever um grande volume do texto original
com rapidez e eficiência. Como os títulos das seções indicam, de maneira sucinta, os principais contextos nos
parágrafos que se seguem, é possível rever rapidamente muitos dos principais conceitos do livro, estudando, em
primeiro lugar, os títulos em destaque dos parágrafos
Seu sumário corresponde ao do Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica, 14a edição, e seu texto foi atualizado
paralelamente com o deste livro
Seu tamanho foi reduzido para que pudesse caber convenientemente no bolso de um jaleco, como um recurso de
informação imediata.

Embora este guia abranja os fatos mais importantes necessários para o estudo da fisiologia, os detalhes que
enriquecem os conceitos fisiológicos ou os exemplos clínicos de fisiologia anormal estão contidos no Tratado
original. Recomendamos, portanto, que a versão de bolso seja utilizada em conjunto com o Guyton & Hall Tratado
de Fisiologia Médica, 14a edição.
O doutor Michael Hall, médico com formação em medicina interna, cardiologia e fisiologia, juntou-se à
preparação da 14a edição do Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica e desta versão de bolso.
Agradecemos muito pelas sugestões e pelos comentários valiosos de nossos colegas do Department of
Physiology and Biophysics do University of Mississippi Medical Center. Também somos gratos a Stephanie Lucas,
pela excelente assistência, e a James Perkins, pelas ilustrações maravilhosas. Agradecemos também a Kathleen
Nahm, Elyse O’Grady, Manikandan Chandrasekaran e a toda a equipe da Elsevier, pelo apoio editorial contínuo e
pela excelência da produção.
Temos nos esforçado para tornar este livro tão preciso quanto possível, e esperamos que seja valioso para seu
estudo da fisiologia. Assim, seus comentários e sugestões para melhorar esta versão de bolso serão sempre muito
apreciados.

John E. Hall, PhD


Michael E. Hall, MD, MS
Jackson, Mississippi
Valores Normais para Medidas Comuns de Laboratório Selecionadas

Substância Média (valor “normal”) Intervalo


Eletrólitos

Sódio (Na+) 142 mmol/l 135 a 145 mmol/l


Potássio (K ) +
4,2 mmol/l 3,5 a 5,3 mmol/l
Cloro (Cl–) 106 mmol/l 98 a 108 mmol/l
Hiato aniônico 12 mEq/l 7 a 16 mEq/l
Bicarbonato ( ) 24 mmol/l 22 a 29 mmol/l
Íon hidrogênio (H ) + 40 nmol/l 30 a 50 nmol/l
pH arterial 7,4 7,25 a 7,45
pH venoso 7,37 7,32 a 7,42
Íon cálcio (Ca ) ++
5 mg/dl 4,65 a 5,28 mg/dl
Cálcio total 10 mg/dl 8,5 a 10,5 mg/dl
Íon magnésio (Mg++) 0,8 mEq/l 0,6 a 1,1 mEq/l
Magnésio total 1,8 mEq/l 1,3 a 2,4 mEq/l
Fosfato total 3,5 mg/dl 2,5 a 4,5 mg/dl
Químicos não eletrólitos do sangue
Albumina 4,5 g/dl 3,5 a 5,5 g/dl
Fosfatase alcalina H: 38 a 126 U/l
M: 70 a 230 U/l
Bilirrubina total 14 mg/dl 0,2 a 1 mg/dl
Bilirrubina conjugada 1 mg/dl 0 a 0,2 mg/dl
Ureia 90 mg/dl 10 a 26 mg/dl
Creatinina 282 mOsm/l 0,6 a 1,3 mg/dl
Glicose 7 g/dl 70 a 115 mg/dl
Osmolaridade 275 a 300 mOsm/l
Proteína, total 6 a 8 g/dl
Ácido úrico H: 3 a 7,4 mg/dl
M: 2,1 a 6,3 mg/dl
Gases do sangue
O2 saturado, arterial 98% 95 a 99%
PO2 arterial 90 mmHg 80 a 100 mmHg
PO2 venosa 40 mmHg 25 a 40 mmHg
PCO2 arterial 40 mmHg 35 a 45 mmHg
PCO2 venosa 45 mmHg 41 a 51 mmHg
Hematologia
Hematócrito (Hct) H: 42% H: 39 a 49%
M: 38% M: 35 a 45%
Hemoglobina (Hgb) H: 15 g/dl H: 13,5 a 17,5 g/dl
M: 14 g/dl M: 12 a 16 g/dl
Eritrócitos 8
H: 5,5 × 10 µl 4,3 a 5,7 × 108 µl
M: 4,7 × 108 µl 4,3 a 5,7 × 108 µl
VCM 90 fl 80 a 100 fl
TP 10 a 14 s
Plaquetas 150 a 450 × 103 µl
Leucócitos, total 4,5 a 11 × 103 µl
Neutrófilos 57 a 67%
Linfócitos 23 a 33%
Monócitos 3 a 7%
Eosinófilos 1 a 3%
Basófilos 0 a 1%
Lipídios
Colesterol total < 200 mg/dl
LDL < 130 mg/dl
HDL H: > 29 mg/dl
M: > 35 mg/dl
Triglicerídios H: 40 a 160 mg/dl
M: 35 a 135 mg/dl

Esta tabela não é uma lista completa dos valores comuns de laboratório. A maioria desses valores compreende valores de referência
aproximados usados por University of Mississipi Medical Center Clinical Laboratories; os intervalos normais podem variar entre
diferentes laboratórios clínicos. A média de valores “normais” e as unidades de medida podem também ser ligeiramente diferentes
das citadas no Guyton & Hall Tratado de Fisiologia Médica, 14a edição. Por exemplo, eletrólitos são frequentemente relatados em
miliequivalente por litro (mEq/l), uma medida da carga elétrica de um eletrólito, ou em milimol por litro (mmol/l).
H, homens; M, mulheres; PO2, pressão parcial de oxigênio; PCO2, pressão parcial de dióxido de carbono; VCM, volume corpuscular
médio; TP, tempo de protrombina; LDL, lipoproteina de baixa densidade; HDL, lipoproteina de alta densidade.
Sumário

PARTE 1
Introdução à Fisiologia: Célula e Fisiologia Geral

CAPÍTULO 1
Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do “Meio Interno”

CAPÍTULO 2
A Célula e suas Funções

CAPÍTULO 3
Controle Genético da Síntese de Proteínas, da Função Celular e da Reprodução Celular

PARTE 2
Fisiologia da Membrana, do Nervo e do Músculo

CAPÍTULO 4
Transporte de Substâncias Através das Membranas Celulares

CAPÍTULO 5
Potencial de Membrana e Potencial de Ação

CAPÍTULO 6
Contração do Músculo Esquelético

CAPÍTULO 7
Excitação do Músculo Esquelético: Transmissão Neuromuscular e Acoplamento
Excitação‑Contração

CAPÍTULO 8
Excitação e Contração do Músculo Liso

PARTE 3
O Coração

CAPÍTULO 9
Músculo Cardíaco: O Coração como Bomba e o Funcionamento das Valvas Cardíacas

CAPÍTULO 10
Excitação Rítmica do Coração

CAPÍTULO 11
Fundamentos da Eletrocardiografia

CAPÍTULO 12
Interpretação Eletrocardiográfica de Anormalidades no Músculo Cardíaco e no Fluxo Sanguíneo
Coronariano: Análise Vetorial

CAPÍTULO 13
Arritmias Cardíacas e sua Interpretação Eletrocardiográfica

PARTE 4
Circulação

CAPÍTULO 14
Visão Geral da Circulação: Pressão, Fluxo e Resistência
CAPÍTULO 15
Distensibilidade Vascular e Funções dos Sistemas Arterial e Venoso

CAPÍTULO 16
A Microcirculação e o Sistema Linfático: Trocas Capilares, Líquido Intersticial e Fluxo de Linfa

CAPÍTULO 17
Controle Local e Humoral do Fluxo Sanguíneo nos Tecidos

CAPÍTULO 18
Regulação Nervosa da Circulação e Controle Rápido da Pressão Arterial

CAPÍTULO 19
O Papel dos Rins no Controle da Pressão Arterial em Longo Prazo e na Hipertensão

CAPÍTULO 20
Débito Cardíaco, Retorno Venoso e suas Regulações

CAPÍTULO 21
Fluxo Sanguíneo Muscular e Débito Cardíaco durante o Exercício; Circulação Coronariana e
Cardiopatia Isquêmica

CAPÍTULO 22
Insuficiência Cardíaca

CAPÍTULO 23
Valvas e Bulhas Cardíacas; Doenças Cardíacas Valvares e Congênitas
CAPÍTULO 24
Choque Circulatório e seu Tratamento

PARTE 5
Líquidos Corporais e Rins

CAPÍTULO 25
Regulação dos Compartimentos de Líquidos Corporais: Líquidos Extracelulares e Intracelulares;
Edema

CAPÍTULO 26
Sistema Urinário: Anatomia Funcional e Formação da Urina pelos Rins

CAPÍTULO 27
Filtração Glomerular, Fluxo Sanguíneo Renal e seus Respectivos Controles

CAPÍTULO 28
Reabsorção e Secreção Tubulares Renais

CAPÍTULO 29
Concentração e Diluição da Urina; Regulação da Osmolaridade e Concentração de Sódio do
Líquido Extracelular

CAPÍTULO 30
Regulação Renal de Potássio, Cálcio, Fosfato e Magnésio; Integração de Mecanismos Renais para o
Controle do Volume Sanguíneo e do Líquido Extracelular

CAPÍTULO 31
Equilíbrio Acidobásico

CAPÍTULO 32
Diuréticos e Doenças Renais

PARTE 6
Células Sanguíneas, Imunidade e Coagulação Sanguínea

CAPÍTULO 33
Hemácias, Anemia e Policitemia

CAPÍTULO 34
Resistência do Corpo a Infecções: I. Leucócitos, Granulócitos, Sistema Mononuclear Fagocitário e
Processo Inflamatório

CAPÍTULO 35
Resistência do Corpo a Infecções: II. Imunidade e Alergia

CAPÍTULO 36
Tipos Sanguíneos, Transfusão e Transplante de Tecidos e de Órgãos

CAPÍTULO 37
Hemostasia e Coagulação Sanguínea

PARTE 7
Respiração

CAPÍTULO 38
Ventilação Pulmonar

CAPÍTULO 39
Circulação Pulmonar, Edema Pulmonar e Líquido Pleural

CAPÍTULO 40
Princípios de Troca Gasosa; Difusão de Oxigênio e Dióxido de Carbono pela Membrana
Respiratória

CAPÍTULO 41
Transporte de Oxigênio e Dióxido de Carbono no Sangue e Líquidos Teciduais

CAPÍTULO 42
Regulação da Respiração
CAPÍTULO 43
Insuficiência Respiratória: Fisiopatologia, Diagnóstico, Oxigenoterapia

PARTE 8
Fisiologia da Aviação, do Voo Espacial e do Mergulho em Grandes Profundidades

CAPÍTULO 44
Fisiologia da Aviação, das Grandes Altitudes e do Voo Espacial

CAPÍTULO 45
Fisiologia do Mergulho em Grandes Profundidades e Outras Condições Hiperbáricas

PARTE 9
Sistema Nervoso: A. Princípios Gerais e Fisiologia Sensorial

CAPÍTULO 46
Organização do Sistema Nervoso, Funções Básicas das Sinapses e Neurotransmissores

CAPÍTULO 47
Receptores Sensoriais e Circuitos Neurais para o Processamento das Informações

CAPÍTULO 48
Sensações Somáticas: I. Organização Geral, Sentidos do Tato e de Posição

CAPÍTULO 49
Sensações Somáticas: II. Dor, Cefaleia e Sensações Térmicas

PARTE 10
Sistema Nervoso: B. Os Órgãos Especiais dos Sentidos

CAPÍTULO 50
O Olho: I. Óptica da Visão

CAPÍTULO 51
O Olho: II. Funções Receptora e Neural da Retina

CAPÍTULO 52
O Olho: III. Neurofisiologia Central da Visão

CAPÍTULO 53
O Sentido da Audição

CAPÍTULO 54
Os Sentidos Químicos: Gustação e Olfação

PARTE 11
Sistema Nervoso: C. Neurofisiologia Motora e Integrativa

CAPÍTULO 55
Funções Motoras da Medula Espinhal e Reflexos Medulares

CAPÍTULO 56
Controle da Função Motora pelo Córtex Cerebral e pelo Tronco Encefálico

CAPÍTULO 57
Contribuições do Cerebelo e dos Núcleos da Base para o Controle Motor

CAPÍTULO 58
Córtex Cerebral, Funções Intelectuais do Cérebro, Aprendizado e Memória

CAPÍTULO 59
Sistema Límbico e Hipotálamo: Mecanismos Comportamentais e Motivacionais do Cérebro

CAPÍTULO 60
Estados da Atividade Cerebral: Sono, Ondas Cerebrais, Epilepsia, Psicose e Demência

CAPÍTULO 61
Sistema Nervoso Autônomo e Medula Adrenal

CAPÍTULO 62
Fluxo Sanguíneo Cerebral, Liquor e Metabolismo Cerebral

PARTE 12
Fisiologia Digestiva

CAPÍTULO 63
Princípios Gerais da Função Digestiva: Motilidade, Controle Nervoso e Circulação Sanguínea

CAPÍTULO 64
Propulsão e Mistura dos Alimentos no Trato Digestivo

CAPÍTULO 65
Funções Secretoras do Trato Digestivo

CAPÍTULO 66
Digestão e Absorção no Trato Digestivo

CAPÍTULO 67
Fisiologia dos Distúrbios do Trato Digestivo

PARTE 13
Metabolismo e Regulação da Temperatura

CAPÍTULO 68
Metabolismo dos Carboidratos e Formação do Trifosfato de Adenosina

CAPÍTULO 69
Metabolismo Lipídico

CAPÍTULO 70
Metabolismo das Proteínas

CAPÍTULO 71
Fígado

CAPÍTULO 72
Equilíbrio Dietético; Regulação da Alimentação; Obesidade e Inanição; Vitaminas e Minerais

CAPÍTULO 73
Energética Celular e Taxa Metabólica

CAPÍTULO 74
Regulação da Temperatura Corporal e Febre
PARTE 14
Endocrinologia e Reprodução

CAPÍTULO 75
Introdução à Endocrinologia

CAPÍTULO 76
Hormônios Hipofisários e seu Controle pelo Hipotálamo

CAPÍTULO 77
Hormônios Metabólicos da Tireoide

CAPÍTULO 78
Hormônios Adrenocorticais
CAPÍTULO 79
Insulina, Glucagon e Diabetes Melito

CAPÍTULO 80
Paratormônio, Calcitonina, Metabolismo do Cálcio e do Fósforo, Vitamina D, Ossos e Dentes

CAPÍTULO 81
Funções Reprodutoras e Hormonais Masculinas; Função da Glândula Pineal

CAPÍTULO 82
Fisiologia Feminina Antes da Gravidez e Hormônios Femininos

CAPÍTULO 83
Gravidez e Lactação

CAPÍTULO 84
Fisiologia Fetal e Neonatal

PARTE 15
Fisiologia do Exercício

CAPÍTULO 85
Fisiologia do Exercício
PARTE 1

Introdução à Fisiologia: Célula e Fisiologia Geral

Capítulo 1 Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do “Meio Interno”

Capítulo 2 A Célula e suas Funções

Capítulo 3 Controle Genético da Síntese de Proteínas, da Função Celular e da Reprodução Celular


CAPÍTULO 1

Organização Funcional do Corpo Humano e Controle do “Meio Interno”

A fisiologia é a ciência que busca compreender a função dos organismos vivos e de seus componentes. Em fisiologia
humana, estamos interessados nas características do corpo humano que nos permitem perceber o meio ambiente, nos
movimentarmos, pensarmos e nos comunicarmos, nos reproduzirmos e realizarmos todas as funções que nos
conferem a capacidade de sobreviver e prosperar como seres vivos.
A fisiologia humana vincula as ciências básicas à medicina clínica e integra as numerosas funções das moléculas
e dos componentes subcelulares, das células, dos tecidos e dos órgãos nas funções do ser humano vivo. Essa
integração exige comunicação e coordenação por uma grande variedade de sistemas de controle, que operam em
todos os níveis, desde os genes que programam a síntese de moléculas até os complexos sistemas nervoso e
hormonal, que coordenam as funções das células, dos tecidos e dos órgãos em todo o corpo. A vida do ser humano
depende dessa função global, que é consideravelmente mais complexa do que a soma das funções das células, dos
tecidos e dos órgãos individuais.
As células são as unidades vivas do corpo. Cada órgão consiste em um agregado de muitas células, que
são mantidas juntas por estruturas de sustentação intercelulares. Em sua totalidade, o corpo contém 35 a 40 trilhões
de células, cada uma delas adaptada para o desempenho de funções especiais. As funções celulares individuais são
coordenadas por numerosos sistemas reguladores, que atuam nas células, nos tecidos, nos órgãos e nos sistemas de
órgãos.
Embora as numerosas células do corpo sejam diferentes umas das outras nas suas funções especiais, todas elas
têm certas características básicas. Por exemplo: (1) o oxigênio combina-se com produtos de degradação das
gorduras, dos carboidratos ou das proteínas para liberar a energia necessária para a função das células; (2) a maioria
das células tem a capacidade de se reproduzir, e, sempre que houver destruição de células, as remanescentes
frequentemente regeneram novas células até restaurar o número apropriado de células; e (3) as células estão
banhadas em líquido extracelular, cujos constituintes são controlados com precisão.
Os microrganismos que vivem no corpo superam numericamente as células humanas.
Comunidades de microrganismos, com frequência denominadas microbiota, vivem na pele, na boca, no intestino e no
nariz. Por exemplo, o trato gastrointestinal normalmente contém uma população complexa e dinâmica de 400 a 1.000
espécies de microrganismos, que ultrapassam o número de nossas células humanas. Esses microrganismos podem
causar doenças, porém eles geralmente vivem em harmonia com seus hospedeiros humanos e fornecem funções
vitais, incluindo imunidade e digestão de alimentos, que são essenciais para a nossa sobrevivência.

HOMEOSTASE: MANUTENÇÃO DE UM MEIO INTERNO QUASE CONSTANTE

Praticamente todos os órgãos e tecidos do corpo desempenham funções que ajudam a manter os constituintes do
líquido extracelular, de modo que sejam relativamente estáveis, condição denominada homeostase. Grande parte de
nossa discussão sobre fisiologia tem como foco os mecanismos pelos quais as células, os tecidos e os órgãos
contribuem para a homeostase.

Sistema de transporte e de troca do líquido extracelular: o sistema circulatório do sangue


Cerca de 50 a 70% do corpo humano adulto consiste em líquido, com cerca de dois terços no interior das células e
um terço no líquido extracelular, que circunda as células e circula no sangue. O líquido extracelular é transportado
por todo o corpo em dois estágios. O primeiro estágio consiste no movimento do sangue por todo o sistema
circulatório, ao passo que o segundo estágio é o movimento de líquido entre os capilares sanguíneos e as células. O
sistema circulatório mantém os líquidos do meio interno continuamente misturados por meio do bombeamento do
sangue através do sistema vascular. À medida que o sangue passa pelos capilares, grande parte de seu líquido
difunde-se em ambos os sentidos no líquido intersticial existente entre as células, o que possibilita uma troca
contínua de substâncias entre as células e o líquido intersticial e entre o líquido intersticial e o sangue.

Origem dos nutrientes no líquido extracelular

O sistema respiratório fornece oxigênio para o corpo e remove o dióxido de carbono


O sistema gastrointestinal digere o alimento e facilita a absorção de vários nutrientes, incluindo carboidratos, ácidos
graxos e aminoácidos, no líquido extracelular
O fígado modifica a composição química de muitas das substâncias absorvidas em formas mais utilizáveis, e outros
tecidos do corpo (p. ex., adipócitos, rins, glândulas endócrinas) ajudam a modificar as substâncias absorvidas ou a
armazená-las até que sejam necessárias
O sistema musculoesquelético consiste em músculos esqueléticos, ossos, tendões, articulações, cartilagem e
ligamentos. Sem esse sistema, o corpo não poderia se movimentar até o local adequado para a obtenção dos
alimentos necessários para a nutrição. Esse sistema também protege os órgãos internos e sustenta o corpo.

Remoção de produtos finais do metabolismo

O sistema respiratório não apenas fornece oxigênio ao líquido extracelular, mas também remove o dióxido de
carbono, que é produzido pelas células, liberado do sangue nos alvéolos e, em seguida, liberado no ambiente externo
Os rins excretam a maior parte dos produtos de degradação diferentes do dióxido de carbono. Eles desempenham
uma importante função na regulação da composição do líquido extracelular ao controlar a excreção de sais, água e
produtos de degradação das reações químicas das células. Por meio do controle dos volumes e da composição dos
líquidos corporais, os rins também regulam o volume sanguíneo e a pressão arterial
O fígado elimina certos produtos de degradação produzidos no corpo, bem como as substâncias tóxicas que são
ingeridas
O trato gastrointestinal elimina materiais não digeridos e alguns produtos de degradação do metabolismo nas fezes.

Regulação das funções do corpo

O sistema nervoso dirige a atividade do sistema muscular, possibilitando, assim, a locomoção. Ele também controla a
função de muitos órgãos internos por meio do sistema nervoso autônomo, o que permite que percebamos nossos
ambientes externo e interno, tornando-nos seres inteligentes, de modo que possamos obter as condições mais
vantajosas para a nossa sobrevivência
Os sistemas hormonais controlam muitas funções metabólicas das células, como crescimento, taxa metabólica e
atividades especiais associadas à reprodução. Os hormônios são secretados na corrente sanguínea e são transportados
até os tecidos de todo o corpo para ajudar a regular a função celular.

Proteção do corpo

O sistema imunológico fornece ao corpo um mecanismo de defesa que o protege de invasores estranhos, como
bactérias e vírus, aos quais o corpo é exposto diariamente
O sistema tegumentar, composto principalmente pela pele, fornece proteção contra lesões e defesa contra invasores
estranhos, além de proteger os tecidos subjacentes da desidratação. A pele também serve para regular a temperatura
do corpo.

Reprodução
O sistema reprodutor é responsável pela formação de novos seres humanos. Até mesmo essa função pode ser
considerada uma função homeostática, visto que ela gera novos corpos, nos quais podem existir trilhões de células
adicionais em um ambiente interno bem regulado.

SISTEMAS DE CONTROLE DO CORPO

O corpo humano tem milhares de sistemas de controle, que são essenciais para a homeostase. Por exemplo, os
sistemas genéticos atuam em todas as células para controlar as funções intracelulares e extracelulares. Outros
sistemas de controle operam dentro dos órgãos ou em todo o corpo para controlar as interações dos órgãos.
A regulação das concentrações de oxigênio e de dióxido de carbono no líquido extracelular fornece um bom
exemplo dos diversos sistemas de controle que operam em conjunto. Nesse caso, o sistema respiratório atua em
associação com o sistema nervoso. Quando a concentração de dióxido de carbono no sangue aumenta para além do
normal, ocorre a excitação do centro respiratório, o que faz a pessoa respirar rápida e profundamente. Essa respiração
aumenta a expiração de dióxido de carbono e, portanto, o remove do sangue e do líquido extracelular até que a sua
concentração retorne ao normal.

Faixas normais e características físicas de importantes constituintes do líquido extracelular


A Tabela 1.1 mostra alguns importantes constituintes do líquido extracelular, juntamente a seus valores normais,
faixas normais e limites máximos, que podem ser mantidos por curtos períodos de tempo sem a ocorrência de morte.
Observe a estreiteza das faixas; os níveis fora dessas faixas constituem, com frequência, a causa ou o resultado de
doenças.

Características dos sistemas de controle


Natureza do feedback negativo da maioria dos sistemas de controle do corpo. Para a regulação da
concentração de dióxido de carbono, conforme discutido anteriormente, a presença de uma concentração elevada de
dióxido de carbono no líquido extracelular aumenta a ventilação pulmonar, o que diminui a concentração de dióxido
de carbono em direção a valores normais. Esse mecanismo é um exemplo de feedback negativo (retroalimentação
negativa), isto é, qualquer estímulo que possa modificar a concentração de dióxido de carbono é contrabalançado por
uma resposta que é negativa ao estímulo desencadeante.

Tabela 1.1 Constituintes importantes e características físicas do líquido extracelular, faixa normal de controle e limites não letais
aproximados por curtos períodos.

Valor normal Faixa Limites não letais


Parâmetro Unidades médio normal aproximados
Oxigênio (venoso) mmHg 40 25 a 40 10 a 1.000
Dióxido de carbono mmHg 45 41 a 51 5 a 80
(venoso)
Íons sódio mEq/l 142 135 a 145 115 a 175
Íon potássio mEq/l 4,2 3,5 a 5,3 1,5 a 9,0
Íon cálcio mEq/l 1,2 1,0 a 1,4 0,5 a 2,0
Íon cloreto mEq/l 106 98 a 108 70 a 130
Íon bicarbonato mEq/l 24 22 a 29 8 a 45
Glicose mg/dl 90 70 a 115 20 a 1.500
Temperatura corporal °C 37,0 37,0 18,3 a 43,3
Acidobásico pH 7,4 7,3 a 7,5 6,9 a 8,0
O grau de eficácia com que um sistema de controle mantém as condições constantes é determinado pelo ganho
do feedback negativo. O ganho é calculado de acordo com a seguinte fórmula:

Ganho = Correção/Erro

Alguns sistemas de controle, como os que regulam a temperatura corporal, têm ganhos de feedback altos, de até ‒
33, o que significa simplesmente que o grau de correção é 33 vezes maior do que o erro remanescente.
Sistemas de controle antecipatório e adaptativo que antecipam alterações. Devido às numerosas
interconexões dos sistemas de controle, o controle total de determinada função corporal pode ser mais complexo do
que aquele executado por simples feedback negativo. Por exemplo, alguns movimentos do corpo ocorrem tão
rapidamente que não há tempo suficiente para que os sinais nervosos realizem o seu trajeto de algumas das partes
periféricas do corpo até o encéfalo e, em seguida, retornem à periferia a tempo para controlar os movimentos. Assim,
o encéfalo utiliza um controle antecipatório para produzir as contrações musculares necessárias. Os sinais nervosos
sensoriais das partes em movimento informam ao encéfalo, de modo retrospectivo, se o movimento apropriado,
conforme previsto por ele, foi executado corretamente. Do contrário, o encéfalo corrige os sinais antecipatórios que
ele enviará aos músculos da próxima vez que o movimento for necessário. Esse processo também é denominado
controle adaptativo, que, de certo modo, é um feedback negativo atrasado.
O feedback positivo às vezes pode causar ciclos viciosos e morte; outras vezes, pode ser útil. Um
sistema de feedback positivo responde a determinada perturbação com mudanças que a amplificam, levando,
portanto, à instabilidade, em vez de à estabilidade. Por exemplo, a hemorragia grave pode reduzir a pressão arterial
até um nível tão baixo que não há fluxo sanguíneo suficiente para o coração, de modo a manter o bombeamento
cardíaco normal. Em consequência, a pressão arterial cai para valores mais baixos, diminuindo ainda mais o fluxo
sanguíneo para o coração, causando a sua fraqueza. Cada ciclo desse feedback produz mais do mesmo, constituindo
um feedback positivo ou ciclo vicioso.
Em alguns casos, o corpo utiliza o feedback positivo para a sua vantagem; um exemplo é a geração de sinais
nervosos. Quando a membrana da fibra nervosa é estimulada, o pequeno extravasamento de íons sódio na célula
provoca a abertura de mais canais, a entrada de mais sódio, maior alteração do potencial de membrana, e assim por
diante. Por conseguinte, um leve vazamento de sódio dentro da célula torna-se uma explosão de entrada de sódio no
interior da fibra nervosa, criando o potencial de ação nervoso.

Variabilidade fisiológica
Embora algumas variáveis fisiológicas, como as concentrações plasmáticas de íons, sejam rigorosamente reguladas,
outras, como o peso corporal e a adiposidade, exibem amplas variações entre diferentes indivíduos, em fases distintas
da vida e até mesmo em diversos momentos do dia. A pressão arterial, a taxa metabólica, a atividade do sistema
nervoso, os hormônios e outras variáveis fisiológicas mudam ao longo do dia, à medida que nos movimentamos e
realizamos as atividades diárias normais. Por conseguinte, quando discutimos valores “normais”, é preciso ter em
mente que muitos dos sistemas de controle do corpo estão reagindo constantemente a perturbações, de modo que
pode existir uma variabilidade entre indivíduos distintos, dependendo de variáveis como peso corporal e altura, dieta,
idade, sexo, ambiente, genética e outros fatores. Essas fontes de variabilidade fisiológica são considerações
complexas, porém importantes, quando se discute a fisiologia normal e a fisiopatologia das doenças.

RESUMO: AUTOMATICIDADE DO CORPO

O corpo é uma ordem social de muitos trilhões de células, organizadas em várias estruturas funcionais, das quais as
maiores são denominadas órgãos. Cada estrutura funcional ou órgão ajuda a manter o meio interno constante.
Enquanto a homeostase é mantida, as células do corpo continuam vivendo e funcionando de maneira adequada. Por
conseguinte, cada célula beneficia-se da homeostase e, ao mesmo tempo, contribui para a sua manutenção. Essa
interação recíproca fornece a estabilidade e a harmonia funcional do organismo, até que um ou mais sistemas
percam a sua capacidade de contribuir com a sua parcela de função. Quando essa perda ocorre, todas as células do
corpo sofrem. A disfunção extrema leva à morte, ao passo que a disfunção moderada leva à doença.
CAPÍTULO 2

A Célula e suas Funções

ORGANIZAÇÃO DA CÉLULA

A Figura 2.1 ilustra as principais características de uma célula típica, incluindo o núcleo e o citoplasma, que são
separados pela membrana nuclear. O citoplasma é separado do líquido intersticial por uma membrana celular que
envolve a célula. As substâncias que compõem a célula são coletivamente denominadas protoplasma, que é formado
principalmente por:

Água: constitui 70 a 85% da maioria das células, com exceção dos adipócitos (células adiposas)
Íons/eletrólitos: fornecem produtos químicos inorgânicos para as reações celulares. Alguns dos íons mais
importantes da célula são: potássio, magnésio, fosfato, sulfato, bicarbonato e pequenas quantidades de sódio, cloreto
e cálcio
Proteínas: normalmente constituem 10 a 20% da massa celular. Podem ser divididas em dois tipos: proteínas
estruturais e proteínas globulares (funcionais), que consistem principalmente em enzimas
Lipídios: constituem cerca de 2% da massa celular total. Entre os lipídios mais importantes nas células, destacam-se:
fosfolipídios, colesterol, triglicerídios e gorduras neutras. Nos adipócitos (células adiposas), os triglicerídios são
responsáveis por até 95% da massa celular e representam o principal depósito de energia do corpo
Carboidratos: desempenham uma importante função na nutrição da célula e, como parte das glicoproteínas, têm
funções estruturais. A maioria das células humanas não armazena grandes quantidades de carboidratos, que
geralmente representam, em média, cerca de 1% da massa celular total, porém podem alcançar até 3% nas células
musculares e 6% nas células hepáticas. A pequena quantidade de carboidratos nas células é comumente armazenada
na forma de glicogênio, um polímero insolúvel de glicose.

ESTRUTURA CELULAR

A célula, apresentada na Figura 2.1, não é simplesmente um saco de líquido e produtos químicos; na verdade, ela
também contém estruturas físicas altamente organizadas, denominadas organelas. Algumas das principais organelas
das células são: membrana celular, membrana nuclear, retículo endoplasmástico, complexo de Golgi, mitocôndrias,
lisossomos e centríolos.
A célula e suas organelas são circundadas por membranas compostas por lipídios e proteínas. As
membranas que circundam as células e suas organelas incluem a membrana celular, a membrana nuclear e as
membranas do retículo endoplasmático, das mitocôndrias, dos lisossomos e do complexo de Golgi. Essas membranas
fornecem barreiras que impedem o movimento livre de água e de substâncias hidrossolúveis de um compartimento
celular para outro. Com frequência, as proteínas na membrana penetram a membrana, produzindo vias (canais) para
possibilitar o movimento de substâncias específicas através das membranas.
Figura 2.1 Reconstrução de uma célula típica, mostrando as organelas internas no
citoplasma e no núcleo.

A membrana celular é uma bicamada lipídica com proteínas inseridas. A bicamada lipídica é
composta quase inteiramente por fosfolipídios, esfingolipídios e colesterol. Os fosfolipídios são os lipídios mais
abundantes da célula e apresentam uma porção hidrossolúvel (hidrofílica) e uma porção apenas solúvel em gorduras
(hidrofóbica). As porções hidrofóbicas dos fosfolipídios estão voltadas uma para a outra, ao passo que as partes
hidrofílicas estão dirigidas para as duas superfícies da membrana, em contato com o líquido intersticial circundante e
com o citoplasma celular.
Essa membrana de bicamada lipídica é altamente permeável a substâncias lipossolúveis, como oxigênio, dióxido
de carbono e álcool, porém atua como uma importante barreira para substâncias hidrossolúveis, como íons e glicose.
Na camada lipídica, flutuam proteínas, cuja maior parte consiste em glicoproteínas (proteínas combinadas com
carboidratos).
Existem dois tipos de proteínas de membrana: as proteínas integrais, que se projetam através da membrana, e as
proteínas periféricas, que estão aderidas à superfície interna da membrana e não a penetram. Muitas das proteínas
integrais formam canais estruturais (poros), através dos quais as substâncias hidrossolúveis, particularmente os íons,
podem se difundir. Outras proteínas integrais atuam como proteínas carreadoras para o transporte de substâncias, às
vezes contra seus gradientes de difusão.
As proteínas integrais também atuam como receptores de substâncias, como hormônios peptídicos, que não
penetram facilmente a membrana celular.
As proteínas periféricas normalmente estão ligadas a uma das proteínas integrais e, em geral, atuam como
enzimas, que catalisam reações químicas da célula.
Os carboidratos da membrana ocorrem principalmente em associação a proteínas e lipídios, na forma de
glicoproteínas e glicolipídios. Em geral, as porções “glico” dessas moléculas projetam-se para fora da célula. Muitos
outros compostos de carboidratos, denominados proteoglicanos – que são principalmente carboidratos ligados entre
si por pequenos cernes de proteína –, estão frouxamente ligados à superfície externa; assim, toda a superfície externa
da célula frequentemente apresenta um revestimento frouxo de carboidrato, denominado glicocálix.
Os carboidratos na superfície externa da célula desempenham múltiplas funções: (1) com frequência, têm carga
elétrica negativa e, portanto, repelem outras moléculas que apresentam carga negativa; (2) o glicocálix das células
pode ligar-se a outras células, estabelecendo, assim, conexões entre as células; (3) alguns carboidratos atuam como
receptores para a ligação de hormônios; e (4) outros carboidratos atuam em reações imunes, conforme discutido no
Capítulo 35.
O retículo endoplasmático sintetiza diversas substâncias na célula. Uma grande rede de túbulos e
vesículas, denominada retículo endoplasmático (RE), penetra em quase todas as partes do citoplasma. A membrana
do RE proporciona uma extensa área de superfície para a síntese de muitas substâncias utilizadas dentro das células e
liberadas por algumas delas. Essas substâncias incluem proteínas, carboidratos, lipídios e outras estruturas, como
lisossomos, peroxissomos e grânulos secretores.
Os lipídios são produzidos dentro da parede do RE. Para a síntese de proteínas, os ribossomos ligam-se à
superfície externa do RE rugoso (granular). Esses ribossomos atuam em associação ao ácido ribonucleico
mensageiro (RNAm) para sintetizar muitas proteínas que, em seguida, entram no complexo de Golgi, onde as
moléculas sofrem modificações adicionais antes de sua liberação ou de sua utilização na célula. Parte do RE não tem
ribossomos aderidos e é denominada RE liso ou agranular. O RE liso atua na síntese de substâncias lipídicas e em
outros processos das células promovidos por enzimas intrarreticulares.
O complexo de Golgi funciona em associação ao retículo endoplasmático. O complexo de Golgi tem
membranas semelhantes às do RE liso, é proeminente em células secretoras e está localizado no lado da célula em
que as substâncias secretoras são liberadas. Pequenas vesículas de transporte, também denominadas vesículas do RE,
desprendem-se continuamente do RE e, em seguida, fundem-se com o complexo de Golgi. Dessa maneira, as
substâncias sequestradas nas vesículas do RE são transportadas do RE até o complexo de Golgi. Em seguida, as
substâncias são processadas no complexo de Golgi para formar lisossomos, vesículas secretoras e outros
componentes citoplasmáticos.
Os lisossomos proporcionam um sistema digestório intracelular. Os lisossomos, que são encontrados
em grande número em muitas células, consistem em pequenas vesículas esféricas circundadas por uma membrana,
que contém enzimas digestivas. Essas enzimas permitem aos lisossomos decompor as substâncias intracelulares em
estruturas, particularmente estruturas celulares danificadas, partículas alimentares que foram ingeridas pelas células e
materiais indesejáveis, como bactérias.
As membranas que envolvem os lisossomos geralmente impedem o contato das enzimas internas com outras
substâncias na célula, impossibilitando, assim, a sua ação digestiva. Quando essas membranas são danificadas, as
enzimas são liberadas e clivam as substâncias orgânicas com as quais entram em contato, transformando-as em
substâncias altamente difusíveis, como aminoácidos e glicose.
As mitocôndrias liberam energia na célula. As mitocôndrias são as “usinas de energia” da célula, pois
fornecem um suprimento adequado de energia para abastecer as reações químicas da célula. Essa energia é fornecida
principalmente pela reação química do oxigênio com os três tipos de alimentos: a glicose derivada dos carboidratos,
os ácidos graxos derivados das gorduras e os aminoácidos derivados das proteínas. Após a sua entrada na célula, os
alimentos são clivados em moléculas menores, que, por sua vez, entram nas mitocôndrias, onde outras enzimas
removem o dióxido de carbono e os íons hidrogênio, em um processo denominado ciclo do ácido cítrico. Um
sistema de enzimas oxidativas, que também está localizado nas mitocôndrias, provoca a oxidação progressiva dos
átomos de hidrogênio. Os produtos finais das reações mitocondriais são água e dióxido de carbono. A energia
liberada é utilizada pelas mitocôndrias para sintetizar uma substância de alta energia, o trifosfato de adenosina
(ATP), uma substância química altamente reativa que pode se difundir por toda a célula para liberar a sua energia
sempre que ela for necessária para a realização das funções celulares.
As mitocôndrias também são autorreplicativas; ou seja, uma mitocôndria é capaz de formar uma segunda, uma
terceira, e assim por diante, sempre que houver necessidade de quantidades aumentadas de ATP na célula.
Existem muitas estruturas e organelas citoplasmáticas. São encontradas centenas de tipos de células no
corpo, e cada tipo apresenta uma estrutura especial. Por exemplo, algumas células são rígidas e têm um grande
número de estruturas filamentosas ou tubulares, que são compostas de proteínas fibrilares. Uma importante função
dessas estruturas tubulares é atuar como citoesqueleto, proporcionando estruturas f ísicas rígidas para determinadas
partes das células. Algumas das estruturas tubulares, denominadas microtúbulos, podem transportar substâncias de
uma área da célula para outra.
Uma das importantes funções de muitas células é secretar substâncias especiais, como enzimas digestivas. Quase
todas as substâncias são formadas pelo sistema do RE-complexo de Golgi e são liberadas no citoplasma, no interior
de vesículas de armazenamento, denominadas vesículas secretoras. Após um período de armazenamento na célula,
essas vesículas são expelidas pela membrana celular para serem utilizadas em outra parte do corpo.
O núcleo é o centro de controle da célula e contém grandes quantidades de ácido
desoxirribonucleico (genes). Os genes determinam as características das proteínas da célula, incluindo as
enzimas do citoplasma. Além disso, eles controlam a reprodução. Em primeiro lugar, os genes se reproduzem por
meio de um processo de mitose, em que são formadas duas células-filhas, cada uma das quais recebe um dos dois
conjuntos de genes.
A membrana nuclear, também denominada envoltório nuclear ou carioteca, separa o núcleo do citoplasma. Essa
estrutura é composta de duas membranas; a membrana externa é contínua com o RE, e o espaço entre as duas
membranas nucleares também é contínuo com o compartimento interno do RE. Ambas as camadas da membrana são
penetradas por vários milhares de poros nucleares, que consistem em grandes complexos de proteínas, de quase 100
nm de diâmetro. Embora o diâmetro do canal central do poro seja de apenas cerca de 9 nm, ele é grande o suficiente
para permitir a passagem de moléculas com peso molecular de até 44.000 com razoável facilidade.
Na maioria das células, os núcleos contêm uma ou mais estruturas, denominadas nucléolos, que, diferentemente
de muitas das outras organelas, não têm uma membrana circundante. Os nucléolos contêm grandes quantidades de
RNA e proteínas do tipo encontrado nos ribossomos. Um nucléolo aumenta de tamanho quando a célula está
sintetizando ativamente proteínas. O RNA ribossômico é armazenado no nucléolo e transportado através dos poros
da membrana nuclear para o citoplasma, onde é utilizado para a produção de ribossomos maduros, que
desempenham um importante papel na formação das proteínas.

SISTEMAS FUNCIONAIS DA CÉLULA

Endocitose: incorporação de substâncias pela célula


A célula obtém nutrientes e outras substâncias a partir do líquido circundante através da membrana celular por meio
de difusão e transporte ativo. As partículas muito grandes entram na célula por endocitose, cujas principais formas
são a pinocitose e a fagocitose.

A pinocitose refere‑se à ingestão de pequenos glóbulos de líquido extracelular, formando minúsculas vesículas no
citoplasma da célula. Esse processo é o único método pelo qual grandes moléculas, como as proteínas, podem entrar
nas células. Em geral, essas moléculas ligam-se a receptores especializados, situados na superfície externa da
membrana, que estão concentrados em pequenas cavidades, denominadas cavidades revestidas. No lado interno da
membrana celular, abaixo dessas cavidades, encontra-se uma rede constituída de uma proteína fibrilar, denominada
clatrina, e de um filamento contrátil de actina e miosina. Após a ligação das proteínas aos receptores, a membrana
sofre invaginação, e as proteínas contráteis envolvem a cavidade, causando o fechamento de suas bordas sobre as
proteínas ligadas, com formação de uma vesícula pinocitária
A fagocitose refere‑se à ingestão de grandes partículas, como bactérias, células e porções de tecido em
degeneração. Essa ingestão ocorre de modo muito semelhante à pinocitose, exceto que envolve grandes partículas,
em vez de moléculas. Apenas determinadas células têm a capacidade de realizar a fagocitose, notavelmente os
macrófagos teciduais e alguns leucócitos. A fagocitose é iniciada quando proteínas ou grandes polissacarídeos na
superf ície da partícula se ligam a receptores presentes na superf ície do fagócito. No caso das bactérias, elas
geralmente estão ligadas a anticorpos específicos, que, por sua vez, ligam-se aos receptores dos fagócitos, arrastando
as bactérias com eles. Essa intermediação dos anticorpos é denominada opsonização e é discutida de modo mais
detalhado nos Capítulos 34 e 35.
Os lisossomos digerem substâncias estranhas pinocitadas e fagocitadas dentro da célula. Quase
que imediatamente após o aparecimento de vesículas pinocitárias ou fagocitárias dentro de uma célula, os lisossomos
fixam-se às vesículas e esvaziam as suas enzimas digestivas no interior da vesícula. Assim, são formadas vesículas
digestivas, dentro das quais as enzimas começam a hidrolisar proteínas, carboidratos, lipídios e outras substâncias
presentes nas vesículas. Os produtos da digestão são pequenas moléculas de aminoácidos, glicose, fosfato e outras
substâncias que podem se difundir através da membrana das vesículas para o citoplasma. As substâncias não
digeridas, denominadas corpo residual, são excretadas através da membrana celular por um processo denominado
exocitose, que é essencialmente o oposto da endocitose.

Síntese de estruturas celulares pelo retículo endoplasmático e pelo complexo de Golgi


A síntese da maioria das estruturas celulares começa no RE. Muitos dos produtos formados no RE são
transferidos, em seguida, para o complexo de Golgi, onde são processados antes de sua liberação no citoplasma. O
RE rugoso (granular), que se caracteriza por um grande número de ribossomos aderidos à superfície externa, é o
local da síntese de proteínas. Os ribossomos sintetizam proteínas e liberam muitas delas através da parede do RE
para dentro das vesículas e dos túbulos endoplasmáticos, denominados matriz endoplasmática.
Quando as proteínas entram no RE, as enzimas situadas na parede do RE produzem rápidas modificações,
incluindo congregação de carboidratos para a formação de glicoproteínas. Além disso, com frequência, ocorrem
ligação cruzada, enovelamento e encurtamento das proteínas para a formação de moléculas mais compactas.
O RE também sintetiza lipídios, particularmente fosfolipídios e colesterol, que são incorporados à bicamada
lipídica do RE. Pequenas vesículas de RE, ou vesículas de transporte, separam-se continuamente do retículo liso. A
maior parte dessas vesículas migra rapidamente para o complexo de Golgi.
O complexo de Golgi processa substâncias formadas no RE. À medida que as substâncias são formadas
no RE, elas são transportadas através dos túbulos do retículo em direção às porções do RE liso, que se localizam
mais próximo ao complexo de Golgi. Pequenas vesículas de transporte, constituídas de pequenos envelopes de RE
liso, separam-se continuamente e difundem-se para a camada mais profunda do complexo de Golgi. As vesículas de
transporte sofrem uma rápida fusão com o complexo de Golgi e liberam seu conteúdo nos espaços vesiculares dele.
Aqui, são acrescentados mais carboidratos às secreções, e as secreções do RE são compactadas. À medida que as
secreções alcançam as camadas mais externas do complexo de Golgi, a compactação e o processamento continuam.
Por fim, vesículas pequenas e grandes desprendem-se do complexo de Golgi, carregando com elas as substâncias
secretoras compactadas e difundindo-se por toda a célula.
Em uma célula altamente secretora, as vesículas formadas pelo complexo de Golgi são principalmente vesículas
secretoras, que se difundem para a membrana celular, fundem-se com ela e, por fim, liberam suas substâncias para o
exterior por meio de um mecanismo denominado exocitose. Entretanto, algumas das vesículas formadas no
complexo de Golgi são destinadas ao uso intracelular. Por exemplo, os lisossomos são formados por porções
especializadas do complexo de Golgi.

As mitocôndrias obtêm energia a partir dos nutrientes


As principais substâncias a partir das quais as células extraem energia são o oxigênio e um ou mais dos produtos
alimentares – carboidratos, gorduras e proteínas – que reagem com o oxigênio. Nos seres humanos, quase todos os
carboidratos são convertidos em glicose pelo sistema digestório e pelo fígado antes de alcançarem a célula; de modo
semelhante, as proteínas são convertidas em aminoácidos, ao passo que as gorduras são convertidas em ácidos
graxos. No interior da célula, essas substâncias reagem quimicamente com o oxigênio sob a influência de enzimas,
que controlam a velocidade da reação e canalizam a energia liberada na direção correta.
As reações oxidativas ocorrem dentro das mitocôndrias, e a energia liberada é utilizada na
formação de ATP. O ATP é um nucleotídio composto pela base nitrogenada adenina, pelo açúcar pentose ribose e
por três radicais fosfato. Os últimos dois radicais fosfato estão ligados ao restante da molécula por ligações de
fosfato de alta energia, cada uma das quais contém cerca de 12.000 calorias de energia por mol de ATP nas
condições habituais do corpo. As ligações de fosfato de alta energia são instáveis, de modo que podem ser quebradas
instantaneamente sempre que houver necessidade de energia para promover outras reações celulares.
Quando o ATP libera a sua energia, um radical de ácido fosfórico é liberado, com formação de difosfato de
adenosina (ADP). A energia derivada dos nutrientes celulares leva à recombinação do ADP e do ácido fosfórico para
formar um novo ATP, e todo o processo se repete continuamente.
A maior parte do ATP produzido na célula é formada nas mitocôndrias. Após a sua entrada nas
células, a glicose é submetida à ação das enzimas presentes no citoplasma, que a convertem em ácido pirúvico, um
processo denominado glicólise. Menos de 5% do ATP formado na célula ocorrem por meio da glicólise.
O ácido pirúvico derivado dos carboidratos, os ácidos graxos derivados dos lipídios e os aminoácidos derivados
das proteínas são todos convertidos em acetil coenzima A (acetil-CoA) na matriz mitocondrial. Em seguida, essa
substância é processada por outra série de enzimas, em uma sequência de reações químicas denominada ciclo do
ácido cítrico ou ciclo de Krebs.
No ciclo do ácido cítrico, a acetil-CoA é clivada em íons hidrogênio e dióxido de carbono. Os íons hidrogênio
são altamente reativos e, por fim, combinam-se com o oxigênio que se difundiu para dentro das mitocôndrias. Essa
reação libera uma enorme quantidade energia, que é utilizada para a conversão de grandes quantidades de ADP em
ATP. Esse processo de conversão exige um grande número de enzimas proteicas, que constituem partes integrais das
mitocôndrias.
O evento inicial da formação de ATP consiste na remoção de um elétron do átomo de hidrogênio, convertendo-o,
assim, em íon hidrogênio. O evento terminal é o movimento do íon hidrogênio através de grandes proteínas
globulares, denominadas ATP sintetase, que se projetam através das membranas das camadas membranosas
mitocondriais, que se projetam para dentro da matriz mitocondrial. A ATP sintetase é uma enzima que utiliza a
energia do movimento dos íons hidrogênio para converter o ADP em ATP, e os íons hidrogênio combinam-se com o
oxigênio para formar água. O ATP recém-formado é transportado para fora das mitocôndrias em todas as partes do
citoplasma e do nucleoplasma da célula, onde é utilizado para energizar as funções da célula. Esse processo global é
denominado mecanismo quimiosmótico de formação do ATP.
O ATP é utilizado em numerosas funções celulares. O ATP promove três tipos de função celular: (1) o
transporte através das membranas, como o que ocorre com a bomba de sódio-potássio, que transporta o sódio para
fora da célula e o potássio para dentro da célula; (2) a síntese de compostos químicos por toda a célula; e (3) o
trabalho mecânico, como o que ocorre com a contração das fibras musculares ou com o movimento ciliar e
ameboide.

Movimento das células


O tipo de movimento mais óbvio no corpo é aquele que ocorre nas células musculares especializadas dos músculos
esquelético, cardíaco e liso, que constituem quase 50% da massa corporal total. Dois outros tipos de movimento
ocorrem em outras células: o movimento ameboide e o movimento ciliar.
Movimento ameboide de toda uma célula em relação ao seu ambiente circundante. Um exemplo
de movimento ameboide é o movimento dos leucócitos através dos tecidos. Em geral, o movimento ameboide se
inicia com a protrusão de um pseudópode a partir de uma extremidade da célula. Isso resulta da exocitose contínua,
que forma uma nova membrana celular na borda condutora do pseudópode, e da endocitose contínua da membrana
nas porções central e caudal da célula.
Dois outros efeitos também são essenciais para o movimento da célula para a frente. O primeiro efeito consiste
na adesão do pseudópode aos tecidos adjacentes, de modo que ele se fixe em sua posição dianteira, enquanto o
restante do corpo celular é puxado para a frente em direção ao ponto de fixação. Essa fixação é efetuada por
proteínas receptoras, que revestem a parte interna das vesículas exocíticas.
O segundo requisito para o movimento é a energia disponível necessária para puxar o corpo celular na direção do
pseudópode. No citoplasma de todas as células, encontram-se moléculas da proteína actina. Quando essas moléculas
sofrem polimerização para formar uma rede filamentosa, essa rede se contrai quando se liga a outra proteína, como,
por exemplo, uma proteína de ligação da actina, como a miosina. Todo esse processo, cuja energia provém do ATP,
ocorre no pseudópode de uma célula em movimento, na qual essa rede de filamentos de actina se forma no interior
do pseudópode em crescimento.
O fator mais importante para iniciar o movimento ameboide é a quimiotaxia, que resulta do aparecimento de
certas substâncias quimiotáticas no tecido.
O movimento ciliar é um movimento dos cílios semelhante ao de um chicote na superfície das
células. O movimento ciliar ocorre em dois locais do corpo: nas superfícies internas das vias respiratórias e nas
superfícies internas das tubas uterinas (i. e., as trompas de Falópio do sistema reprodutor). Na cavidade nasal e nas
vias respiratórias inferiores, o movimento em chicote dos cílios faz uma camada de muco se movimentar em direção
à faringe, em uma velocidade de cerca de 1 cm/min; dessa maneira, as vias que apresentam muco ou partículas
aprisionadas no muco são continuamente limpas. Nas tubas uterinas, os cílios produzem um movimento lento de
líquido do óstio da tuba uterina em direção à cavidade do útero; é principalmente esse movimento de líquido que
transporta o óvulo do ovário para o útero.
O mecanismo do movimento ciliar não está totalmente elucidado, porém são necessários pelo menos dois fatores:
(1) disponibilidade de ATP; e (2) condições iônicas apropriadas, incluindo concentrações adequadas de magnésio e
cálcio.
CAPÍTULO 3

Controle Genético da Síntese de Proteínas, da Função Celular e da


Reprodução Celular

Genes do núcleo celular controlam a síntese de proteínas. Os genes controlam a síntese de proteínas na
célula e, dessa maneira, a função celular. As proteínas desempenham um papel fundamental em quase todas as
funções das células, atuando como enzimas que catalisam as reações da célula e como importantes componentes das
estruturas físicas da célula.
Cada gene é uma molécula helicoidal de dupla fita de ácido desoxirribonucleico (DNA), que controla a formação
do ácido ribonucleico (RNA). Por sua vez, o RNA espalha-se por todas as células para controlar a síntese de uma
proteína específica. Todo o processo, desde a transcrição do código genético no núcleo até a tradução do código de
RNA e a formação de proteínas no citoplasma da célula, é frequentemente denominado expressão gênica, mostrada
na Figura 3.1. Como existem cerca de 25.000 genes que codificam proteínas em cada célula, é possível formar
grandes números de proteínas celulares diferentes. De fato, as moléculas de RNA transcritas a partir do mesmo gene
podem ser processadas de maneiras distintas pela célula, dando origem a versões alternativas da proteína. Nos seres
humanos, estima-se que o número total de diferentes proteínas produzidas pelos vários tipos de células seja de, pelo
menos, 100.000.
Os nucleotídios são organizados para formar duas fitas de DNA fracamente ligadas uma à outra.
Os genes estão ligados por meio de suas extremidades em longas moléculas helicoidais de DNA de dupla fita, que
são formadas por três blocos básicos de construção: (1) ácido fosfórico, (2) desoxirribose (um açúcar) e (3) quatro
bases nitrogenadas – duas purinas (adenina e guanina) e duas pirimidinas (timina e citosina).
Figura 3.1 Esquema geral pelo qual os genes controlam a função celular.

O primeiro estágio da formação do DNA consiste na combinação de uma molécula de ácido fosfórico, uma
molécula de desoxirribose e uma das quatro bases para formar um nucleotídio. Por conseguinte, podem ser formados
quatro nucleotídios, cada um a partir de uma das quatro bases. Vários nucleotídios estão ligados entre si para formar
as duas fitas de DNA, que estão frouxamente ligadas entre si.
A estrutura de cada fita de DNA é formada por moléculas alternadas de ácido fosfórico e desoxirribose. As bases
de purinas e pirimidinas estão ligadas à lateral das moléculas de desoxirribose, e ligações frouxas entre as bases de
purina e pirimidina das duas fitas de DNA as mantêm unidas. A base purínica adenina de uma fita liga‑se sempre à
base pirimidínica timina da outra fita, ao passo que a guanina sempre se liga à citosina.
O código genético consiste em trincas de bases. Cada grupo de três bases (trinca) sucessivas na fita de
DNA é denominado palavra do código. As palavras do código controlam a sequência de aminoácidos na proteína a
ser sintetizada no citoplasma. Por exemplo, uma palavra do código pode ser composta por uma sequência de adenina,
timina e guanina, ao passo que a próxima palavra do código pode ser uma sequência de citosina, guanina e timina.
Essas duas palavras do código têm significados totalmente distintos, visto que as suas bases são diferentes. A
sequência de palavras sucessivas do código da fita de DNA é conhecida como código genético.

TRANSCRIÇÃO: TRANSFERÊNCIA DO CÓDIGO DE DNA DO NÚCLEO CELULAR PARA O CÓDIGO DE


RNA DO CITOPLASMA

Como o DNA está localizado no núcleo e muitas funções das células são realizadas no citoplasma, deve haver algum
método pelo qual os genes do núcleo controlem as reações químicas do citoplasma. Esse controle é obtido por
intermédio do RNA, cuja formação é controlada pelo DNA. Durante esse processo, o código de DNA é transferido
para o RNA por meio de um processo denominado transcrição. O RNA difunde-se do núcleo através dos poros
nucleares para o citoplasma, de onde controla a síntese de proteínas.
O RNA é sintetizado no núcleo a partir de um modelo do DNA. Durante a síntese de RNA, as duas fitas
do DNA separam-se, e uma delas é utilizada como molde para a síntese de RNA. As trincas do código no DNA são
responsáveis pela formação das trincas de códigos complementares (denominadas códons) no RNA. Em seguida,
esses códons controlam a sequência de aminoácidos em uma proteína a ser sintetizada posteriormente no citoplasma.
Cada fita de DNA em cada cromossomo carrega o código para cerca de 2.000 a 4.000 genes.
Os elementos de construção básicos do RNA são quase sempre os mesmos do DNA, exceto que, no RNA, o
açúcar ribose substitui o açúcar desoxirribose, ao passo que a pirimidina uracila substitui a timina. Os elementos de
construção básicos do RNA combinam-se para formar quatro nucleotídios, exatamente do modo como foi descrito
para a síntese de DNA. Esses nucleotídios contêm as bases adenina, guanina, citosina e uracila.
A próxima etapa da síntese de RNA é a ativação dos nucleotídios, que ocorre por meio da adição de dois radicais
fosfato a cada nucleotídio para a formação de trifosfatos. Os últimos dois fosfatos são unidos ao nucleotídio por
ligações fosfato de alta energia, que derivam do trifosfato de adenosina (ATP) da célula. Esse processo de ativação
disponibiliza grandes quantidades de energia, que é utilizada para promover reações químicas que adicionam cada
novo nucleotídio de RNA à extremidade da cadeia de RNA.
Montagem de cadeia de RNA a partir de nucleotídios ativados, usando a fita de DNA como
molde. A montagem da molécula de RNA ocorre sob a influência da enzima RNA polimerase, conforme a seguir:

Na fita de DNA imediatamente à frente do gene que deve ser transcrito, existe uma sequência de nucleotídios,
denominada promotor. Uma RNA polimerase reconhece esse promotor e liga-se a ele.
A polimerase provoca o desenrolamento de duas voltas da hélice de DNA e a separação das porções não
desenroladas.
A polimerase move-se ao longo da fita de DNA e começa a formar moléculas de RNA pela ligação de nucleotídios
de RNA complementares à fita de DNA.
Em seguida, os nucleotídios de RNA sucessivos ligam-se entre si para formar uma fita de RNA.
Quando a RNA polimerase alcança a extremidade do gene no DNA, ela encontra uma sequência de moléculas de
DNA, denominada sequência de terminação da cadeia, que faz a polimerase se separar da fita de DNA. A fita de
RNA é, então, liberada no nucleoplasma.

O código presente na fita de DNA é transmitido na forma complementar para a molécula de RNA da seguinte
maneira:

Base de DNA Base de RNA


Guanina Citosina
Citosina Guanina
Adenina Uracila
Timina Adenina

Existem vários tipos diferentes de RNA. As pesquisas sobre o RNA revelaram muitos tipos diferentes de
RNA. Alguns estão envolvidos na síntese de proteínas, ao passo que outros desempenham funções reguladoras de
genes ou estão envolvidos na modificação pós-transcricional do RNA. Os seguintes seis tipos de RNA desempenham
papéis independentes e diferentes na síntese de proteínas:

RNA mensageiro precursor (pré‑RNAm): grande fita simples imatura de RNA processada no núcleo para formar o
RNAm maduro. Ele inclui dois tipos diferentes de segmentos, denominados íntrons, que são removidos por um
processo denominado splicing, e éxons, que são retidos no RNAm final.
Pequeno RNA nuclear (RNAsn): direciona o processo de splicing do pré-RNAm para formar o RNAm.
RNAm: carrega o código genético até o citoplasma para controlar a síntese de proteínas.
RNA ribossômico (RNAr): juntamente às proteínas, forma os ribossomos, estruturas nas quais ocorre a montagem das
moléculas de proteína.
RNA transportador (RNAt): transporta os aminoácidos ativados até os ribossomos para serem utilizados na
montagem das proteínas.
Micro‑RNA (miRNA): molécula de RNA de fita simples de 21 a 23 nucleotídios, que podem regular a transcrição e a
tradução de genes.

Existem 20 tipos de RNAt, e cada um deles combina-se especificamente com um dos 20 aminoácidos e
transporta esse aminoácido específico até os ribossomos, onde ele é incorporado à molécula de proteína. O código no
RNAt que permite o reconhecimento de um códon específico é uma trinca de bases nucleotídicas, denominada
anticódon. Durante a formação da molécula de proteína, as três bases do anticódon combinam-se frouxamente por
meio de uma ponte de hidrogênio com as bases do códon do RNAm. Dessa maneira, os vários aminoácidos são
alinhados ao longo da cadeia de RNAm, estabelecendo, assim, a sequência correta de aminoácidos na molécula de
proteína.

TRADUÇÃO: FORMAÇÃO DE PROTEÍNAS NOS RIBOSSOMOS

Para produzir proteínas, uma extremidade da fita de RNAm entra no ribossomo e, em seguida, toda a fita passa
através dele em pouco mais de um minuto. Durante a sua passagem, o ribossomo procede à leitura do código
genético e faz a sucessão correta de aminoácidos se ligar entre si para formar ligações químicas, denominadas
ligações peptídicas. O RNAm não reconhece os diferentes tipos de aminoácidos; todavia, ele reconhece os diferentes
tipos de RNAt. Cada tipo de molécula de RNAt carrega apenas um tipo específico de aminoácido, que é incorporado
à proteína.
Por conseguinte, à medida que a fita de RNAm passa através do ribossomo, cada um de seus códons atrai um
RNAt específico, que, por sua vez, libera um aminoácido específico. Em seguida, esse aminoácido combina-se com
os aminoácidos precedentes para formar uma ligação peptídica, e essa sequência continua sendo construída até a
formação de uma molécula inteira de proteína. Nesse ponto, aparece um códon de terminação da cadeia, que indica
a conclusão do processo, e a proteína é, então, liberada no citoplasma ou no seu interior, através da membrana do
retículo endoplasmático.

CONTROLE DA FUNÇÃO GÊNICA E ATIVIDADE BIOQUÍMICA NAS CÉLULAS

Os genes controlam a função de cada célula ao determinar a proporção relativa dos vários tipos de enzimas e
proteínas estruturais que são formados. A regulação da expressão gênica abrange todo o processo, desde a transcrição
do código genético no núcleo até a formação de proteínas no citoplasma.
O promotor controla a expressão gênica. A síntese de proteínas nas células começa com a transcrição do
DNA em RNA, processo controlado por elementos reguladores no promotor de um gene. Nos eucariotos, incluindo
os mamíferos, o promotor basal consiste em uma sequência de sete bases (TATA AAA), denominada TATA box, que
é o sítio de ligação da proteína de ligação ao TATA e de vários outros fatores de transcrição importantes,
coletivamente denominados complexo do fator de transcrição IID. Além do complexo do fator de transcrição IID, é
nessa região que o fator de transcrição IIB liga-se ao DNA e à RNA polimerase 2 para facilitar a transcrição do DNA
em RNA. Esse promotor basal é encontrado em todos os genes que codificam proteínas, e a polimerase deve ligar-se
a ele antes que possa iniciar o seu percurso ao longo da fita de DNA para sintetizar RNA. O promotor a montante
(upstream) está localizado mais a montante do sítio de início da transcrição e contém vários sítios de ligação para
fatores de transcrição positivos ou negativos, que podem efetuar a transcrição por meio de interações com proteínas
ligadas ao promotor basal. A estrutura e os sítios de ligação de fatores de transcrição no promotor a montante
(upstream) variam de gene para gene e dão origem aos diferentes padrões de expressão dos genes em tecidos
distintos.
A transcrição dos genes nos eucariotos também é influenciada por amplificadores (enhancers), regiões do DNA
capazes de se ligarem a fatores de transcrição. Os amplificadores podem ter uma localização distante do gene sobre o
qual atuam ou até mesmo em um cromossomo diferente. Embora os amplificadores possam estar localizados a certa
distância de seu gene-alvo, eles podem ficar relativamente próximos quando o DNA está enrolado no núcleo. No
genoma humano, estima-se que haja 110.000 sequências de amplificadores de genes.
Controle do promotor por meio de feedback negativo pelo produto celular. Quando a célula produz
uma quantidade crítica de substância, ela causa a inibição do promotor responsável pela sua síntese por feedback
negativo. Essa inibição pode ocorrer por meio da ligação de uma proteína repressora reguladora ao operador
repressor ou da quebra dessa ligação por uma proteína ativadora reguladora. Em ambos os casos, o promotor torna-se
inibido.
Existem outros mecanismos disponíveis para o controle da transcrição pelo promotor, incluindo os seguintes:

Um promotor pode ser controlado por fatores de transcrição localizados em outra parte no genoma.
Em alguns casos, a mesma proteína reguladora atua como ativador de um promotor e como repressor de outro,
permitindo que diferentes promotores sejam controlados ao mesmo tempo pela mesma proteína reguladora.
O DNA nuclear é empacotado em unidades estruturais específicas, os cromossomos. Dentro de cada cromossomo, o
DNA é enrolado em torno de pequenas proteínas, denominadas histonas, que são mantidas unidas firmemente em um
estado compactado com outras proteínas. Enquanto o DNA estiver nesse estado compactado, ele não pode atuar para
formar RNA. Entretanto, existem múltiplos mecanismos que podem fazer áreas selecionadas dos cromossomos se
tornarem descompactadas, possibilitando a transcrição do RNA. Ainda assim, fatores de transcrição específicos
controlam a taxa real de transcrição pelo promotor no cromossomo.

O SISTEMA GENÉTICO DO DNA CONTROLA A REPRODUÇÃO CELULAR

Os genes e seus mecanismos reguladores determinam não apenas as características de crescimento das células, mas
também quando e se essas células sofrerão divisão para formar novas células. Dessa maneira, o sistema genético
controla cada estágio do desenvolvimento humano, desde o óvulo fertilizado unicelular até o funcionamento de todo
o corpo.
Com exceção das hemácias maduras, das células do músculo estriado e dos neurônios, a maioria das células do
corpo tem a capacidade de gerar outras células de seu próprio tipo. Normalmente, enquanto houver nutrientes
disponíveis em quantidades suficientes, cada célula aumentará de tamanho até se dividir por mitose para formar duas
células novas. As diferentes células do corpo têm períodos distintos de ciclo de vida, que variam desde apenas 10
horas, para as células altamente estimuladas da medula óssea, até o tempo de vida total do corpo humano, no caso de
muitas células nervosas.
A reprodução celular começa com a replicação do DNA. A mitose só pode ocorrer após a replicação de
todo o DNA nos cromossomos. O DNA é duplicado apenas uma vez, de modo que o resultado consiste em duas
réplicas exatas de todo o DNA. Essas réplicas tornam-se, em seguida, o DNA das duas células-filhas que serão
formadas na mitose. A replicação do DNA é semelhante ao modo pelo qual o RNA é transcrito a partir do DNA,
exceto por algumas diferenças importantes:

Ambas as fitas de DNA são replicadas, e não apenas uma delas.


Ambas as fitas da hélice de DNA são replicadas de ponta a ponta, e não pequenas porções delas, como ocorre
durante a transcrição do RNA por genes.
As principais enzimas para a replicação do DNA consistem em um complexo de várias enzimas, denominadas DNA
polimerase, que é comparável à RNA polimerase.
Cada fita de DNA recém-formada permanece ligada por ponte de hidrogênio fraca à fita de DNA original, que é
utilizada como molde. Por conseguinte, as duas hélices de DNA que são formadas são duplicatas uma da outra e
ainda estão enroladas.
As duas novas hélices se desenrolam pela ação de enzimas que cortam periodicamente cada hélice ao longo de seu
comprimento, giram cada segmento o suficiente para causar a separação e, em seguida, unem a hélice.

Reparo do DNA, “revisão” do DNA e “mutação”. Durante o período entre a replicação do DNA e o início da
mitose, existe um período de revisão e reparo das fitas de DNA. Sempre que nucleotídios de DNA inadequados são
combinados com os nucleotídios da fita molde original, enzimas especiais removem as áreas defeituosas e as
substituem pelos nucleotídios complementares corretos. Devido à revisão e ao reparo, o processo de transcrição
raramente comete um erro. Entretanto, quando um erro é cometido, ele é denominado mutação.
Cromossomos e sua replicação. As hélices de DNA do núcleo são empacotadas em cromossomos. A célula
humana contém 46 cromossomos, dispostos em 23 pares. Além do DNA no cromossomo, existe uma grande
quantidade de proteínas, compostas principalmente de histonas, em torno das quais pequenos segmentos de cada
hélice de DNA são enrolados. Durante a mitose, as sucessivas espirais são empacotadas umas contra as outras, o que
possibilita o empacotamento da longa molécula de DNA em um arranjo enrolado e enovelado. A replicação dos
cromossomos em sua totalidade ocorre logo após a replicação das hélices de DNA. Os dois cromossomos recém-
formados permanecem temporariamente ligados entre si em um ponto denominado centrômero, que está localizado
próximo ao seu centro. Esses cromossomos duplicados, porém ainda ligados, são denominados cromátides.
A mitose é o processo pelo qual a célula se divide em duas novas células‑filhas. Dois pares de
centríolos (i. e., pequenas estruturas situadas próximas a um polo do núcleo) começam a se afastar um do outro. Esse
movimento é produzido pela polimerização sucessiva de microtúbulos proteicos, que crescem para fora de cada par
de centríolos. À medida que os túbulos crescem, eles empurram um par de centríolos em direção a um polo da célula,
e o outro, em direção ao polo oposto. Ao mesmo tempo, outros microtúbulos crescem radialmente, afastados de cada
um dos pares de centríolos, formando uma estrela espinhosa, denominada áster, em cada extremidade da célula. O
complexo de microtúbulos que se estendem entre os pares de centríolos é denominado fuso, e todo o conjunto de
microtúbulos mais os pares de centríolos é denominado aparelho mitótico. Então, a mitose ocorre por meio de várias
fases:

A prófase é o início da mitose. Enquanto o fuso está se formando, os cromossomos do núcleo se condensam em
cromossomos bem-definidos
A prometáfase é o estágio em que as espinhas microtubulares em crescimento do áster perfuram e fragmentam o
envelope nuclear. Ao mesmo tempo, os microtúbulos do áster ligam-se às cromátides no centrômero, onde as
cromátides emparelhadas ainda estão ligadas umas às outras
A metáfase é o estágio em que os dois ásteres do aparelho mitótico são empurrados para mais longe, ficando
afastados, por meio de crescimento adicional do fuso mitótico. De modo simultâneo, as cromátides são empurradas
com força pelos microtúbulos aderidos para o centro da célula, alinhando-se para formar a placa equatorial do fuso
mitótico
A anáfase é o estágio em que as duas cromátides de cada cromossomo são separadas no centrômero. Portanto, todos
os 46 pares de cromossomos são separados, formando dois conjuntos de 46 cromossomos‑filhos
A telófase é o estágio em que os dois conjuntos de cromossomos-filhos são separados por completo. Em seguida,
ocorre a dissolução do aparelho mitótico, e forma-se uma nova membrana nuclear em torno de cada conjunto de
cromossomos.

A diferenciação celular possibilita que diferentes células do corpo possam desempenhar funções
distintas. À medida que o ser humano se desenvolve a partir de um óvulo fertilizado, este se divide repetidamente
até formar trilhões de células. As novas células sofrem diferenciação gradual uma das outras, de modo que certas
células apresentam características genéticas distintas de outras células. Esse processo de diferenciação ocorre devido
à inativação de certos genes e à ativação de outros durante sucessivos estágios de divisão celular, o que possibilita
que diferentes células do corpo realizem funções distintas.
PARTE 2

Fisiologia da Membrana, do Nervo e do Músculo

Capítulo 4 Transporte de Substâncias Através das Membranas Celulares

Capítulo 5 Potencial de Membrana e Potencial de Ação

Capítulo 6 Contração do Músculo Esquelético

Capítulo 7 Excitação do Músculo Esquelético: Transmissão Neuromuscular e Acoplamento Excitação‑Contração

Capítulo 8 Excitação e Contração do Músculo Liso


CAPÍTULO 4

Transporte de Substâncias Através das Membranas Celulares

As diferenças entre a composição dos líquidos intracelular e extracelular são causadas por mecanismos de transporte
das membranas celulares. As principais diferenças na composição são as seguintes:

O líquido extracelular apresenta maiores concentrações de sódio, cálcio, bicarbonato e cloreto, em comparação com
o líquido intracelular
O líquido intracelular apresenta maiores concentrações de potássio, fosfatos, magnésio e proteínas, em comparação
com o líquido extracelular.

A MEMBRANA CELULAR É COMPOSTA POR UMA BICAMADA LIPÍDICA QUE CONTÉM PROTEÍNAS
DE TRANSPORTE

A bicamada lipídica forma uma barreira contra o movimento da maioria das substâncias hidrossolúveis. Entretanto,
as substâncias lipossolúveis menores conseguem passar diretamente através da bicamada lipídica. As moléculas de
proteína na bicamada lipídica representam uma via de transporte alternativa para as substâncias hidrossolúveis:

As proteínas de canal proporcionam uma via aquosa para o movimento de íons (principalmente) através da
membrana
As proteínas carreadoras ligam-se a moléculas específicas e, em seguida, sofrem mudanças conformacionais, que
movem as moléculas através da membrana.

O transporte através da membrana celular ocorre por meio de difusão ou transporte ativo:

A difusão refere-se ao movimento aleatório de moléculas através dos espaços intermoleculares na membrana celular
ou em associação a uma proteína carreadora. A energia que produz a difusão é a energia do movimento cinético
normal da matéria
O transporte ativo refere-se ao movimento de substâncias através da membrana em associação a uma proteína
carreadora, bem como contra um gradiente eletroquímico. Esse processo exige uma fonte de energia, além da energia
cinética.

DIFUSÃO

A difusão refere‑se ao movimento contínuo de moléculas em líquidos ou gases. A difusão através


da membrana celular pode ser dividida em dois subtipos:

A difusão simples indica que as moléculas se movem através de uma membrana sem que ocorra a ligação a proteínas
carreadoras. Ela pode ocorrer por meio de duas vias: (1) através dos interstícios da bicamada lipídica e (2) através de
canais de proteínas preenchidos com água, que se estendem pela membrana celular
A difusão facilitada necessita de uma proteína carreadora. A proteína carreadora ajuda a passagem de moléculas
através da membrana, provavelmente por meio de sua ligação química a essas moléculas e de seu transporte através
da membrana.
A taxa de difusão de uma substância lipossolúvel através da membrana celular é diretamente
proporcional à sua lipossolubilidade. A lipossolubilidade do oxigênio, do nitrogênio, do dióxido de carbono,
dos gases anestésicos e da maioria dos álcoois é tão alta que eles conseguem se difundir diretamente através da
bicamada lipídica da membrana celular.
A água e outras moléculas insolúveis em lipídios, principalmente íons, difundem‑se através dos
canais proteicos na membrana celular. A água passa prontamente através de canais proteicos transmembrana,
denominados aquaporinas. Outras moléculas insolúveis em lipídios (principalmente íons) de tamanho pequeno o
suficiente conseguem passar através de outros canais proteicos específicos.
Os canais proteicos têm permeabilidade seletiva para o transporte de uma ou mais moléculas
específicas. A permeabilidade seletiva dos canais proteicos a diferentes substâncias resulta das características do
próprio canal, como diâmetro, formato e natureza das cargas elétricas existentes ao longo da sua superfície interna.
As comportas dos canais proteicos fornecem uma maneira de controlar a sua permeabilidade.
Acredita-se que as comportas sejam extensões moleculares da proteína transportadora, que podem fechar a abertura
do canal ou podem ser levantadas da abertura por uma mudança conformacional na própria molécula de proteína. A
abertura e o fechamento das comportas são controlados de duas maneiras principais:

Comportas reguladas por voltagem. Nesse caso, a conformação molecular da comporta é controlada pelo potencial
elétrico através da membrana celular. Por exemplo, a carga negativa normal existente no lado interno da membrana
celular faz as comportas de sódio permanecerem rigorosamente fechadas. Quando a parte interna da membrana perde
a sua carga negativa (i. e., torna-se menos negativa), ocorre a abertura das comportas, o que possibilita a passagem de
íons sódio para dentro através dos canais de sódio. A abertura das comportas dos canais de sódio dá início a
potenciais de ação nas fibras nervosas
Comportas reguladas por substância química. Algumas comportas de canais proteicos são abertas pela ligação de
outra molécula à proteína, o que produz uma mudança conformacional na proteína da membrana, que abre ou fecha a
comporta. Esse processo é denominado controle químico (ou por ligante) da comporta. Um dos exemplos mais
importantes de controle químico da comporta é o efeito da acetilcolina sobre o canal de cátions de acetilcolina da
junção neuromuscular.

A difusão facilitada também é chamada de difusão mediada por transportador. As moléculas


transportadas por difusão facilitada geralmente não conseguem atravessar a membrana celular sem a assistência de
uma proteína carreadora específica:

A difusão facilitada envolve duas etapas: (1) a molécula a ser transportada entra em um canal fechado e liga-se a um
receptor específico; e (2) ocorre uma mudança conformacional na proteína carreadora, de modo que o canal agora se
abre para o lado oposto da membrana onde a molécula é depositada
A difusão facilitada difere da difusão simples em um importante aspecto. A taxa de difusão simples aumenta de
modo proporcional à concentração da substância que sofre difusão. Na difusão facilitada, a taxa de difusão aproxima-
se de um valor máximo, denominado Vmáx, à medida que a concentração da substância aumenta. Essa taxa máxima é
determinada pela velocidade em que a molécula de proteína carreadora pode sofrer a mudança conformacional
Entre as substâncias mais importantes que atravessam as membranas celulares por difusão facilitada, destacam-se a
glicose e a maioria dos aminoácidos.

Fatores que afetam a velocidade efetiva da difusão


As substâncias podem se difundir em ambas as direções através da membrana celular. Em geral, o
mais importante é a velocidade efetiva de difusão de uma substância em determinada direção. Essa velocidade é
determinada pelos seguintes fatores:

Permeabilidade. A permeabilidade de uma membrana a determinada substância é expressa como a velocidade


efetiva de difusão da substância através de cada unidade de área da membrana para uma unidade de diferença de
concentração entre os dois lados da membrana (quando não há nenhuma diferença elétrica ou de pressão)
Diferença de concentração. A velocidade efetiva de difusão através de uma membrana celular é proporcional à
diferença na concentração da substância que sofre difusão nos dois lados da membrana
Potencial elétrico. Se um potencial elétrico for aplicado através de uma membrana, os íons movem-se através da
membrana, em virtude de suas cargas elétricas. Quando grandes quantidades de íons se movem através da
membrana, surge uma diferença de concentração desses mesmos íons na direção oposta à diferença de potencial
elétrico. Quando a diferença na concentração alcança um nível alto o suficiente, os dois efeitos equilibram-se
mutuamente, criando um estado de equilíbrio eletroquímico. A diferença elétrica que equilibra determinada diferença
de concentração pode ser calculada utilizando-se a equação de Nernst (ver Capítulo 5).

Osmose através de membranas seletivamente permeáveis: difusão efetiva de água


A osmose refere‑se ao movimento efetivo de água através de membranas seletivamente
permeáveis, causado por uma diferença de concentração da água. A água é a substância mais abundante
que se difunde através da membrana celular. Entretanto, a quantidade que se difunde em cada direção é tão
precisamente equilibrada em condições normais que não ocorre nem mesmo o mais leve movimento efetivo de
moléculas de água. Em consequência, o volume de uma célula permanece constante. Todavia, pode haver o
desenvolvimento de uma diferença de concentração de água através de uma membrana celular. Quando isso ocorre,
há um movimento efetivo de água através da membrana, que faz a célula inchar ou encolher, dependendo da direção
do movimento efetivo. A diferença de pressão necessária para interromper a osmose é denominada pressão osmótica.
A pressão osmótica exercida por partículas em uma solução é determinada pelo número de
partículas por unidade de volume de líquido, e não pela massa das partículas. Em média, a energia
cinética de cada molécula ou íon que colide em uma membrana é aproximadamente a mesma, independentemente de
seu tamanho molecular. Em consequência, o fator que determina a pressão osmótica de uma solução é a concentração
da solução quanto ao número de partículas por unidade de volume, e não quanto à massa do soluto.
O osmol expressa a concentração em termos de número de partículas. Um osmol é 1 molécula-
grama de soluto não dissociado. Portanto, 180 g de glicose, que correspondem ao peso de 1 molécula-grama de
glicose, equivalem a 1 osmol de glicose, visto que a glicose não se dissocia. Uma solução que tem 1 osmol de soluto
dissolvido em cada quilograma de água tem osmolaridade de 1 osmol/kg, ao passo que uma solução que tem 1/1.000
osmol dissolvido por quilograma tem uma osmolaridade de 1 mOsm/kg. A osmolaridade normal dos líquidos
extracelular e intracelular é de cerca de 300 mOsm/kg, e a pressão osmótica desses líquidos é de cerca de 5.500
mmHg.

TRANSPORTE ATIVO DE SUBSTÂNCIAS ATRAVÉS DAS MEMBRANAS

O transporte ativo pode mover uma substância contra um gradiente eletroquímico. O gradiente
eletroquímico é a soma de todas as forças de difusão que atuam na membrana. Essas forças incluem as causadas por
diferença de concentração, por diferença elétrica e por diferença de pressão. Quando uma membrana celular move
uma substância contra um gradiente eletroquímico, o processo é denominado transporte ativo.
O transporte ativo pode ser dividido em dois tipos, de acordo com a fonte de energia utilizada
para o transporte. Em ambos os casos de transporte ativo, o transporte depende de proteínas transportadoras que
atravessam a membrana celular, assim como ocorre na difusão facilitada:

Transporte ativo primário. A energia origina-se diretamente da quebra do trifosfato de adenosina (ATP) ou de algum
outro composto de fosfato de alta energia
Transporte ativo secundário. A energia deriva secundariamente da energia que foi armazenada na forma de
diferenças de concentração iônica entre os dois lados da membrana, originalmente criadas por transporte ativo
primário. O gradiente eletroquímico de sódio impulsiona a maioria dos processos de transporte ativo secundário.

Transporte ativo primário


A bomba de sódio‑potássio transporta íons sódio para fora das células e íons potássio para
dentro das células. A bomba de sódio-potássio (Na+/K+), presente em todas as células do corpo, é responsável
pela manutenção das diferenças de concentração de sódio e potássio através da membrana celular e pelo
estabelecimento de um potencial elétrico negativo dentro das células. Três íons sódio se ligam a uma proteína
transportadora no interior da célula, ao passo que dois íons potássio se ligam à proteína transportadora no exterior da
célula. A proteína transportadora tem atividade de adenosina trifosfatase (ATPase), e a ligação simultânea de íons
sódio e potássio provoca o aumento da atividade de ATPase da proteína. Em seguida, a ATPase cliva uma molécula
de ATP, com a consequente formação de uma molécula de difosfato de adenosina e liberação de uma ligação de
fosfato de alta energia. Acredita-se que essa energia produza uma mudança conformacional na molécula da proteína
transportadora, expulsando os íons sódio para fora e os íons potássio para dentro.
A bomba de Na+/K+ controla o volume celular. A bomba de Na+/K+ transporta três moléculas de sódio para
fora da célula para cada duas moléculas de potássio bombeadas para o interior da célula. Essa perda efetiva e
contínua de íons do interior da célula inicia uma força osmótica para mover a água para fora da célula. Além disso,
quando a célula começa a inchar, a bomba de Na+/K+ é automaticamente ativada, movendo para o exterior ainda mais
íons que carregam água com eles. Por conseguinte, a bomba de Na+/K+ desempenha uma função de vigilância
contínua na manutenção do volume normal das células.
O transporte ativo satura da mesma forma que a difusão facilitada. Quando a diferença de
concentração da substância a ser transportada é pequena, a taxa de transporte aumenta de modo aproximadamente
proporcional ao aumento da concentração. Em concentrações elevadas, a taxa de transporte é limitada pelas taxas
com que as reações químicas de ligação, liberação e mudanças conformacionais das proteínas transportadoras podem
ocorrer.
O cotransporte e o contratransporte são duas formas de transporte ativo secundário. Quando íons
sódio são transportados para fora das células por transporte ativo primário, geralmente há o desenvolvimento de um
grande gradiente de concentração de sódio. Esse gradiente representa uma forma de armazenamento de energia, visto
que o excesso de sódio fora da membrana celular está sempre tentando se difundir para o interior da célula:

Cotransporte. A energia de difusão do sódio pode puxar outras substâncias junto com o sódio (na mesma direção)
através da membrana celular, utilizando uma proteína transportadora especial
Contratransporte. O íon sódio e a substância a ser contratransportada movem-se para lados opostos da membrana,
sendo o movimento do sódio sempre para o interior da célula. Mais uma vez, faz-se necessária uma proteína
transportadora.

A glicose e os aminoácidos podem ser transportados para dentro da maioria das células por
cotransporte de sódio. As proteínas transportadoras têm dois sítios de ligação em seu lado externo – um para o
sódio e outro para a glicose e os aminoácidos. Mais uma vez, a concentração de íons sódio é relativamente alta no
lado de fora e relativamente baixa no interior da célula, fornecendo a energia para o transporte. Uma propriedade
especial das proteínas transportadoras é que a mudança conformacional – que possibilita o movimento do sódio para
o interior da célula – não ocorre até que uma molécula de glicose ou de aminoácido também se ligue à sua proteína
transportadora específica.
Os íons cálcio e hidrogênio podem ser transportados para fora das células por meio do
contratransporte de sódio:

O contratransporte de sódio‑cálcio ocorre na maioria das membranas celulares, com movimento de íons sódio para o
interior da célula, ao passo que os íons cálcio se movem para o exterior; ambos estão ligados à mesma proteína
transportadora em forma de contratransporte
O contratransporte de sódio‑hidrogênio ocorre particularmente nos túbulos proximais dos rins, onde os íons sódio se
movem do lúmen do túbulo para o interior das células tubulares, ao passo que os íons hidrogênio são
contratransportados para o lúmen.
CAPÍTULO 5

Potencial de Membrana e Potencial de Ação

Existem potenciais elétricos através das membranas de praticamente todas as células do corpo. Além disso, as células
nervosas e musculares são excitáveis, isto é, elas são capazes de autogerar impulsos elétricos em suas membranas.
Este capítulo trata dos potenciais de membrana que são gerados tanto em repouso quanto durante potenciais de ação
que ocorrem nas células nervosas e musculares.

FÍSICA BÁSICA DOS POTENCIAIS DE MEMBRANA

Potenciais de membrana causados por diferenças de concentração de íons através de uma


membrana seletivamente permeável:

Potencial de difusão do potássio. A membrana da célula neuronal é muito mais permeável a íons potássio, em
comparação com a maioria dos outros íons. Os íons potássio tendem a se difundir para fora, em virtude da sua alta
concentração no interior da célula. Como eles apresentam cargas positivas, a perda de íons potássio da célula cria um
potencial de membrana negativo no seu interior. Esse potencial é grande o suficiente para bloquear qualquer difusão
efetiva de potássio, apesar do alto gradiente de concentração de íons potássio. Nas grandes fibras nervosas de
mamíferos, a diferença de potencial necessária para interromper qualquer difusão efetiva adicional de potássio é de
cerca de –94 mV, com negatividade no interior da membrana da fibra
Potencial de difusão de sódio. Suponha que uma membrana celular seja permeável a íons sódio, mas não a outros
íons. Os íons sódio irão se difundir para dentro da célula, devido à elevada concentração de sódio fora da célula. A
difusão de íons sódio para o interior da célula produzirá um potencial positivo dentro da célula. Em milissegundos, o
potencial de membrana aumentará até um nível alto o suficiente para bloquear qualquer difusão efetiva adicional de
íons sódio para dentro da célula.
Esse potencial é de cerca de +61 mV para as grandes fibras nervosas de mamíferos, com potencial positivo no
interior da membrana da fibra.

A equação de Nernst descreve a relação do potencial de difusão com a diferença de


concentração de íons através de uma membrana. O potencial de membrana que impede a difusão efetiva de
um íon em qualquer direção através da membrana é denominado potencial de Nernst para aquele íon. A equação de
Nernst é a seguinte:

em que FEM é a força eletromotriz em milivolts e z é a carga elétrica do íon (p. ex., +1 para o K+). O sinal do
potencial é positivo (+) se o íon que está sendo considerado for negativo e negativo (–) se ele for positivo.
A equação de Goldman é usada para calcular o potencial de difusão quando a membrana é
permeável a vários íons diferentes. Quando a membrana é permeável a vários íons diferentes, o potencial de
difusão depende de três fatores: (1) da polaridade da carga elétrica de cada íon; (2) da permeabilidade da membrana
(P) a cada íon; e (3) das concentrações (C) dos respectivos íons no interior (i) e no exterior (o, do inglês out) da
membrana. A equação de Goldman é a seguinte:

Observe as seguintes características e implicações da equação de Goldman:

Os íons sódio, potássio e cloreto são os íons mais importantes envolvidos no desenvolvimento dos potenciais de
membrana nos neurônios e nas fibras nervosas, bem como nas células neuronais do sistema nervoso central
O grau de importância de cada um dos íons na determinação da voltagem é proporcional à permeabilidade da
membrana para aquele íon em particular
Um gradiente de concentração de íon positivo de dentro para fora da membrana causa eletronegatividade dentro da
membrana
As permeabilidades dos canais de sódio e de potássio sofrem mudanças rápidas durante a transmissão de um impulso
nervoso e são principalmente responsáveis pela transmissão de sinais nos neurônios.

POTENCIAL DE REPOUSO NA MEMBRANA DOS NEURÔNIOS

O potencial de repouso da membrana é estabelecido pelos potenciais de difusão,


permeabilidade da membrana e bomba de sódio‑potássio eletrogênica:

Potencial de difusão do potássio. Uma alta razão de íons potássio de dentro para fora da célula, de 35:1, produz um
potencial de Nernst de –94 mV, de acordo com a equação de Nernst
Potencial de difusão do sódio. A razão de íons sódio de dentro para fora da membrana é de 0,1, o que resulta em um
potencial de Nernst de +61 mV
Permeabilidade da membrana. A permeabilidade da membrana da fibra nervosa ao potássio é cerca de 100 vezes
maior em comparação com a permeabilidade ao sódio, de modo que a difusão de potássio contribui muito mais para
o potencial de membrana. Na equação de Goldman, esse alto valor de permeabilidade ao potássio resulta em um
potencial de membrana interno de –86 mV, um valor próximo ao potencial de difusão do potássio de –94 mV
Bomba de sódio‑potássio (Na+/K+) eletrogênica. A bomba de Na+/K+ transporta três íons sódio para fora da célula
para cada dois íons potássio bombeados para dentro, o que produz uma perda contínua de cargas positivas do lado
interno da membrana. Por conseguinte, a bomba de Na+/K+ é eletrogênica, visto que ela produz um déficit efetivo de
íons positivos no interior da célula, o que gera uma carga negativa de cerca de –4 mV dentro da membrana celular.

POTENCIAL DE AÇÃO NO NEURÔNIO

Os sinais neurais são transmitidos por potenciais de ação, que consistem em mudanças rápidas no potencial de
membrana. Cada potencial de ação se inicia com uma mudança repentina do potencial normal de repouso negativo
para um potencial de membrana positivo e, em seguida, termina com uma mudança quase igualmente rápida de volta
ao potencial negativo de repouso.
Os estágios sucessivos do potencial de ação são os seguintes (Figura 5.1):

Fase de repouso. Trata-se do potencial de membrana em repouso antes da ocorrência do potencial de ação
Fase de despolarização. Nesse momento, a membrana torna-se repentinamente permeável aos íons sódio, permitindo
o movimento de grandes números de íons sódio de carga positiva para o interior do axônio. O movimento de íons
sódio faz o potencial de membrana aumentar rapidamente na direção positiva
Fase de repolarização. Em alguns décimos de milésimos de segundo após a membrana se tornar altamente
permeável aos íons sódio, os canais de sódio dependentes de voltagem começam a se fechar, ao passo que os canais
de potássio dependentes de voltagem começam a se abrir. Em seguida, a difusão rápida de íons potássio para o
exterior restabelece o potencial de membrana em repouso negativo normal.
Os canais de sódio e de potássio dependentes de voltagem são ativados e inativados durante o
curso de um potencial de ação. O canal de sódio dependente de voltagem é necessário para a despolarização e
para a repolarização da membrana neuronal durante um potencial de ação. O canal de potássio dependente de
voltagem também desempenha um importante papel no aumento da velocidade de repolarização da membrana. Esses
dois canais dependentes de voltagem estão presentes além da bomba de Na+/K+ e dos canais de vazamento de
Na+/K+ que estabelecem a permeabilidade da membrana em repouso.

Figura 5.1 Alterações na condutância de sódio e de potássio durante o curso do


potencial de ação. A condutância do sódio aumenta vários milhares de vezes durante
os estágios iniciais do potencial de ação, ao passo que a condutância do potássio
aumenta apenas cerca de 30 vezes durante os estágios finais do potencial de ação e
por um curto período depois.

Resumo dos eventos que causam o potencial de ação:

Durante a fase de repouso, antes do início do potencial de ação, a condutância para os íons potássio é cerca de cem
vezes maior do que a condutância para os íons sódio. Essa diferença é causada por um vazamento muito maior de
íons potássio do que de íons sódio pelos canais de vazamento
No início do potencial de ação, os canais de sódio dependentes de voltagem tornam-se instantaneamente ativados e
permitem um aumento de até 5.000 vezes na permeabilidade ao sódio (também denominada condutância de sódio).
Em seguida, o processo de inativação fecha os canais de sódio em algumas frações de milissegundo.
O início do potencial de ação também inicia o processo de comporta dependente de voltagem dos canais de potássio,
o que os faz se abrirem mais lentamente
No fim do potencial de ação, o retorno do potencial de membrana ao estado negativo faz os canais de potássio se
fecharem e voltarem ao seu estado original, porém, mais uma vez, somente após um retardo.

O ciclo de feedback positivo abre os canais de sódio. Se qualquer evento causar uma elevação do
potencial de membrana de –70 mV para o nível zero, a própria voltagem crescente faz muitos canais de sódio
dependentes de voltagem começarem a se abrir. Essa ação possibilita a rápida entrada de íons sódio, o que, por sua
vez, provoca maior elevação do potencial de membrana, abrindo, assim, ainda mais canais de sódio dependentes de
voltagem. Esse processo constitui um ciclo de feedback positivo, que continua até que todos os canais de sódio
dependentes de voltagem sejam ativados (abertos).
O início do potencial de ação ocorre somente depois que o potencial limiar é alcançado. O
potencial limiar é alcançado quando o número de íons sódio que entram na fibra nervosa se torna maior do que o
número de íons potássio que deixam a fibra. Um súbito aumento do potencial de membrana em uma grande fibra
nervosa, de –70 mV para cerca de –55 mV, geralmente provoca a geração explosiva do potencial de ação. O nível de
–55 mV é considerado o limiar da membrana para a estimulação.
Um novo potencial de ação não pode ocorrer enquanto a membrana ainda estiver despolarizada
em virtude do potencial de ação anterior. Pouco depois do início do potencial de ação, os canais de sódio
tornam-se inativados; nesse momento, nenhuma quantidade de sinal excitatório aplicada a esses canais abrirá as
comportas de inativação. A única condição capaz de reabri-las ocorre quando o potencial de membrana retorna ou
quase retorna ao potencial de repouso da membrana original. Em seguida, em outra pequena fração de segundo, as
comportas de inativação dos canais abrem-se, e um novo potencial de ação pode ser iniciado:

Período refratário absoluto. Um potencial de ação não pode ser deflagrado durante o período refratário absoluto,
mesmo com um forte estímulo. Para grandes fibras nervosas mielínicas, esse período é de cerca de 1/2.500 s, o que
indica que é possível a transmissão de cerca de 2.500 impulsos, no máximo, por segundo
Período refratário relativo. Ocorre depois do período refratário absoluto. Durante esse período, são necessários
estímulos mais intensos do que o normal para excitar a fibra nervosa e para iniciar um potencial de ação.

PROPAGAÇÃO DO POTENCIAL DE AÇÃO

Em geral, um potencial de ação deflagrado em qualquer ponto de uma membrana excita regiões adjacentes dela,
resultando em propagação do potencial de ação. Por conseguinte, o processo de despolarização segue o seu percurso
ao longo de toda a extensão da fibra nervosa:

Direção da propagação. Uma membrana excitável não tem uma única direção de propagação; em vez disso, o
potencial de ação propaga-se em ambas as direções, afastando-se do estímulo. As sinapses químicas determinam a
direção dos potenciais de ação
Princípio do tudo ou nada. Uma vez deflagrado um potencial de ação em qualquer ponto da membrana de uma fibra
normal, o processo de despolarização percorre toda a membrana em condições normais e pode não se propagar se as
condições não forem adequadas.

RESTABELECIMENTO DOS GRADIENTES IÔNICOS DE SÓDIO E POTÁSSIO APÓS O TÉRMINO DOS


POTENCIAIS DE AÇÃO: IMPORTÂNCIA DO METABOLISMO ENERGÉTICO

A transmissão de cada impulso ao longo da fibra nervosa reduz infinitesimalmente as diferenças de concentração de
sódio e de potássio entre os lados interno e externo da membrana. As fibras nervosas podem transmitir 100 mil a 50
milhões de impulsos antes que as diferenças de concentração iônicas tenham diminuído até o ponto em que não é
possível a ocorrência de potenciais de ação. Ainda assim, com o tempo, torna-se necessário restabelecer as diferenças
de concentração de sódio e de potássio através da membrana, o que é obtido pela bomba de Na+/K+.

CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DA TRANSMISSÃO DE SINAL EM TRONCOS NERVOSOS


As grandes fibras nervosas são mielínicas e as delgadas são amielínicas. A parte central da fibra é o
axônio, e a membrana do axônio é utilizada para conduzir o potencial de ação. Ao redor dos axônios maiores, existe
uma bainha de mielina espessa, depositada pelas células de Schwann. A bainha consiste em múltiplas camadas de
membrana celular contendo a substância lipídica esfingomielina, que é um excelente isolante. Na junção entre duas
células de Schwann sucessivas, uma pequena área não isolada, de apenas 2 a 3 µm de comprimento, permanece onde
os íons ainda podem fluir com facilidade entre o líquido extracelular e o interior do axônio. Essa área é denominada
nódulo de Ranvier.
Condução saltatória de nódulo a nódulo nas fibras mielínicas. Embora os íons não consigam fluir de
maneira significativa através das bainhas espessas dos neurônios mielínicos, eles podem fluir com considerável
facilidade através dos nódulos de Ranvier. Por conseguinte, o impulso neuronal salta de um nódulo para outro ao
longo da fibra, origem do termo “saltatória”. A condução saltatória é importante por duas razões principais:

Aumento da velocidade. Ao fazer o processo de despolarização saltar intervalos extensos (de até cerca de 1,5 mm) ao
longo do eixo da fibra nervosa, esse mecanismo aumenta a velocidade de transmissão nervosa nas fibras mielínicas
em até 5 a 50 vezes
Conservação da energia. A condução saltatória conserva a energia para o axônio, visto que apenas os nódulos
despolarizam, o que pode permitir um movimento de íons 100 vezes menor do que seria necessário e, por
conseguinte, exige pouca energia para restabelecer as diferenças de concentração de sódio e de potássio através da
membrana após uma série de impulsos neuronais.

A velocidade de condução é maior nas grandes fibras nervosas mielínicas. A velocidade de condução
do potencial de ação nas fibras nervosas varia de apenas 0,25 m/s nas fibras amielínicas muito pequenas até 100 m/s
nas fibras mielínicas muito grandes. A velocidade aumenta aproximadamente com o diâmetro da fibra nas fibras
nervosas mielínicas e aproximadamente com a raiz quadrada do diâmetro da fibra nas fibras amielínicas.
CAPÍTULO 6

Contração do Músculo Esquelético

Cerca de 40% da massa corporal consistem em músculo esquelético e talvez outros 10% sejam constituídos por
músculo liso e músculo cardíaco. Muitos dos princípios de contração aplicam-se a todos os três tipos de músculo.
Neste capítulo, será considerada a função do músculo esquelético. As funções do músculo liso serão discutidas no
Capítulo 8, e as do músculo cardíaco, no Capítulo 9.

ANATOMIA FISIOLÓGICA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO

A Figura 6.1 mostra a organização do músculo esquelético. Na maioria dos músculos, as fibras estendem-se por todo
o comprimento do músculo. Cada fibra é inervada por apenas uma terminação nervosa.
Miofibrilas são compostas por filamentos de actina e de miosina. Cada fibra muscular contém
centenas a milhares de miofibrilas; por sua vez, cada miofibrila (ver Figura 6.1D) é composta por cerca de 1.500
filamentos de miosina e por 3.000 filamentos de actina, dispostos lado a lado. Esses filamentos consistem em
grandes moléculas de proteína polimerizadas, que são responsáveis pela contração muscular. Na Figura 6.1, os
filamentos espessos são denominados miosina, e os filamentos finos, actina. Observe as seguintes características:

Bandas claras e escuras. Os filamentos de miosina e de actina se interdigitam parcialmente, o que faz as miofibrilas
terem bandas claras e escuras alternadas. As bandas claras contêm apenas filamentos de actina e são denominadas
bandas I. As bandas escuras, denominadas bandas A, contêm filamentos de miosina, bem como as extremidades dos
filamentos de actina. O comprimento da banda A é o comprimento do filamento de miosina. O comprimento da
banda I modifica-se com a contração muscular
Pontes cruzadas. As pequenas projeções das laterais dos filamentos de miosina são pontes cruzadas. Projetam-se das
superfícies do filamento de miosina ao longo de todo o seu comprimento, exceto no centro. As pontes cruzadas de
miosina interagem com os filamentos de actina, causando contração
Linha Z (disco Z). As extremidades dos filamentos de actina estão ligadas às linhas Z (ver Figura 6.1E). A linha Z
passa através da miofibrila e de uma miofibrila para outra, ligando e alinhando as miofibrilas ao longo da fibra
muscular. Portanto, toda a fibra muscular tem bandas claras e escuras, conferindo aos músculos esquelético e
cardíaco a sua aparência estriada
Sarcômero. A porção de uma miofibrila situada entre duas linhas Z sucessivas é denominada sarcômero. Durante o
repouso, os filamentos de actina se sobrepõem aos filamentos de miosina com uma quantidade ótima de
interdigitação no músculo esquelético e uma interdigitação ligeiramente mais curta no músculo cardíaco.

MECANISMO GERAL DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

O início e a execução da contração muscular ocorrem nas seguintes etapas sequenciais:

Um potencial de ação propaga-se ao longo de um neurônio motor até as suas terminações nas fibras musculares, e
cada terminação nervosa secreta uma pequena quantidade do neurotransmissor denominado acetilcolina.
Figura 6.1 Organização do músculo esquelético, do nível macroscópico ao molecular.
F, G, H e I são seções transversas nos níveis indicados.

A acetilcolina difunde-se para uma área local da membrana muscular, causando a abertura dos canais de cátions
regulados pela acetilcolina. Os íons sódio, potássio e cálcio movem-se através dos canais de cátions ao longo de seus
gradientes eletroquímicos individuais. O efeito final consiste no desenvolvimento de uma despolarização local,
denominada potencial gerador ou potencial de placa motora. Por sua vez, a despolarização local leva à abertura dos
canais de sódio dependentes de voltagem na membrana muscular. Em seguida, ocorre um potencial de ação na fibra
muscular.
O potencial de ação propaga-se ao longo da membrana da fibra muscular, fazendo o retículo sarcoplasmático liberar
íons cálcio dentro do sarcoplasma.
Os íons cálcio geram forças de atração entre os filamentos de actina e de miosina das miofibrilas, o que os faz
deslizarem juntos, constituindo o processo de contração.
Os íons cálcio são continuamente bombeados de volta para o retículo sarcoplasmático, onde permanecem
armazenados até a chegada de um potencial de ação muscular; essa remoção de íons cálcio do sarcoplasma faz a
contração muscular cessar.
MECANISMO MOLECULAR DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

A contração muscular ocorre por um mecanismo de filamentos deslizantes. As forças mecânicas


geradas pelas interações dos filamentos de actina e de miosina fazem os filamentos de actina deslizarem entre os
filamentos de miosina. Em condições de repouso, essas forças são inibidas; entretanto, quando um potencial de ação
se propaga pela membrana da fibra muscular, o retículo sarcoplasmático libera grandes quantidades de íons cálcio,
que ativam as forças entre os filamentos de miosina e de actina, levando ao início da contração.
Os filamentos de miosina são compostos por várias moléculas de miosina. As caudas das moléculas
de miosina reúnem-se para formar o corpo do filamento, ao passo que as cabeças da miosina e parte de cada
molécula de miosina projetam-se para as laterais do corpo, formando um braço que se estende da cabeça para fora do
corpo. Os braços protuberantes e as cabeças são, em conjunto, denominados pontes cruzadas. Uma importante
característica da cabeça da miosina é o fato de que ela funciona como uma enzima adenosina trifosfatase, que
possibilita a clivagem do trifosfato de adenosina (ATP), fornecendo, assim, a energia para o processo de contração.
Filamentos de actina são compostos por actina, tropomiosina e troponina. Cada filamento de actina
tem cerca de 1 µm de comprimento. As bases dos filamentos de actina são inseridas fortemente nas linhas Z, ao
passo que as outras extremidades projetam-se em ambas as direções nos sarcômeros adjacentes, onde ficam nos
espaços existentes entre as moléculas de miosina.

Interação de um filamento de miosina, dois filamentos de actina e íons cálcio para causar a
contração
O filamento de actina é inibido pelo complexo troponina-tropomiosina. A ativação é estimulada por íons cálcio:

Inibição pelo complexo troponina‑tropomiosina. Os sítios ativos no filamento de actina normal do músculo relaxado
são inibidos ou fisicamente cobertos pelo complexo troponina-tropomiosina. Em consequência, os sítios não podem
se ligar às cabeças dos filamentos de miosina para iniciar a contração até que o efeito inibitório do complexo
troponina-tropomiosina seja ele próprio inibido
Ativação por íons cálcio. O efeito inibitório do complexo troponina-tropomiosina sobre os filamentos de actina é
inibido por íons cálcio. Os íons cálcio combinam-se com a troponina C, fazendo o complexo de troponina puxar a
molécula de tropomiosina. Essa ação “descobre” os sítios ativos da actina, permitindo a ligação das cabeças de
miosina e a ocorrência da contração.

Interação do filamento de actina ativado com as pontes cruzadas de miosina: o mecanismo da


catraca da contração muscular. Quando a cabeça da miosina se liga a um sítio ativo, a cabeça inclina-se
automaticamente em direção ao braço, que é arrastado ao longo do filamento de actina. Essa inclinação da cabeça é
denominada força de deslocamento. Imediatamente após a inclinação, a cabeça separa-se automaticamente do sítio
ativo. Em seguida, a cabeça retorna à sua direção perpendicular normal. Nessa posição, ela se combina com um novo
sítio ativo mais adiante no filamento de actina. Por conseguinte, as cabeças das pontes cruzadas dobram-se para a
frente e para trás e, passo a passo, seguem o seu trajeto ao longo do filamento de actina, puxando as extremidades
dos filamentos de actina em direção ao centro do filamento de miosina.
A força de contração é máxima quando há sobreposição ótima entre os filamentos de actina e as
pontes cruzadas dos filamentos de miosina. Um músculo não consegue desenvolver tensão em um sarcômero
não fisiológico muito longo, visto que não há sobreposição entre os filamentos de actina e de miosina. À medida que
o sarcômero se encurta e os filamentos de actina e de miosina começam a se sobrepor, a tensão aumenta de modo
progressivo. A tensão máxima é mantida em um sarcômero com cerca de 2,0 µm de comprimento, visto que o
filamento de actina está sobreposto a todas as pontes cruzadas do filamento de miosina. Com maior encurtamento, as
extremidades dos dois filamentos de actina começam a se sobrepor (além de se sobrepor aos filamentos de miosina),
causando a diminuição da tensão muscular. Quando o comprimento do sarcômero diminui para cerca de 1,65 µm, as
duas linhas Z do sarcômero encontram as extremidades dos filamentos de miosina, e a força da contração diminui
acentuadamente.

ENERGÉTICA DA CONTRAÇÃO MUSCULAR

A contração muscular necessita de ATP para o desempenho de três funções principais:


A maior parte do ATP é utilizada para ativar o mecanismo de catraca da contração muscular
O transporte ativo de íons cálcio para dentro do retículo sarcoplasmático leva ao término da contração
O transporte ativo de íons sódio e potássio através da membrana da fibra muscular mantém um ambiente iônico
apropriado para a propagação de potenciais de ação.

Existem três fontes principais de energia para a contração muscular. A concentração de ATP na fibra
muscular é suficiente para manter a contração máxima por apenas 1 a 2 segundos. Após a clivagem do ATP em
difosfato de adenosina (ADP), o ADP é refosforilado para a formação de novo ATP. Existem várias fontes de energia
para essa refosforilação:

A fosfocreatina tem uma ligação de alta energia semelhante à do ATP, porém apresenta mais energia livre. A energia
liberada dessa ligação faz um novo íon fosfato inorgânico se ligar ao ADP para reconstituir o ATP. A energia
combinada do ATP e da fosfocreatina é capaz de causar a contração muscular máxima por apenas 5 a 8 segundos
A quebra do glicogênio em ácido pirúvico e ácido láctico libera energia, que é utilizada para converter o ADP em
ATP. As reações glicolíticas podem ocorrer na ausência de oxigênio. A taxa de formação de ATP pela glicólise é
cerca de 2,5 vezes mais rápida do que a formação de ATP quando os nutrientes celulares reagem com o oxigênio.
A glicólise por si só é capaz de sustentar uma contração muscular máxima por apenas cerca de 1 minuto
O metabolismo oxidativo ocorre quando o oxigênio é combinado com os vários nutrientes celulares para liberar ATP.
Mais de 95% de toda a energia utilizada pelos músculos para a contração sustentada e prolongada provêm dessa
fonte. Os nutrientes consumidos são carboidratos, gorduras e proteínas.

CARACTERÍSTICAS DA CONTRAÇÃO DO MÚSCULO COMO UM TODO

As contrações isométricas não encurtam o músculo, enquanto as contrações isotônicas


encurtam o músculo sob uma tensão constante:

Ocorre contração isométrica quando o músculo não se encurta durante a contração. As contrações isométricas
verdadeiras não podem ser geradas no corpo intacto, visto que os denominados componentes elásticos em série se
esticam durante a contração, resultando em certo encurtamento do músculo. Esses elementos elásticos incluem os
tendões, as extremidades dos sarcolemas das fibras musculares e, talvez, os braços articulados das pontes cruzadas de
miosina
Ocorre contração isotônica quando o músculo se encurta e a tensão sobre este permanece constante. As
características da contração isotônica dependem da carga contra o qual o músculo se contrai, bem como da inércia da
carga.

As fibras rápidas são adaptadas para contrações musculares fortes, enquanto as fibras lentas
são adaptadas para a atividade muscular prolongada. Cada músculo é composto por uma mistura das
denominadas fibras musculares rápidas e lentas com outras fibras situadas entre esses dois extremos. Todavia,
determinado músculo pode apresentar predominantemente fibras musculares rápidas (p. ex., músculo tibial anterior),
ao passo que outros músculos podem ter predominantemente fibras musculares lentas (p. ex., músculo sóleo):

As fibras lentas (tipo I, fibras vermelhas) (1) são fibras musculares menores, (2) têm alta capilaridade e grande
número de mitocôndrias para sustentar os altos níveis de metabolismo oxidativo e (3) contêm grandes quantidades de
mioglobina, que confere ao músculo lento uma aparência avermelhada, que explica o nome “fibra vermelha”. O
déficit de mioglobina vermelha no músculo rápido é responsável pelo nome “músculo branco”
As fibras rápidas (tipo II, fibras brancas) (1) são maiores para maior força de contração, (2) apresentam um extenso
retículo sarcoplasmático para a rápida liberação de íons cálcio, (3) têm grandes quantidades de enzimas glicolíticas
para a rápida liberação de energia e (4) têm menor capilaridade e menos mitocôndrias, visto que o metabolismo
oxidativo é de importância secundária.

Mecânica da contração do músculo esquelético


A somação de força consiste em somar contrações individuais para aumentar a intensidade da
contração muscular total. A somação ocorre de duas maneiras:
Somação por múltiplas unidades motoras. Quando o sistema nervoso central envia um sinal fraco para contrair
determinado músculo, as unidades motoras no músculo que contêm menos fibras musculares menores são
estimuladas em preferência às unidades motoras maiores. Em seguida, à medida que a força do sinal aumenta,
unidades motoras maiores também começam a ser excitadas, as quais, com frequência, têm até 50 vezes a força
contrátil das unidades menores; esse fenômeno é denominado princípio de tamanho
Somação por frequência e tetanização. À medida que a frequência da contração muscular aumenta, aparece um
ponto em que cada nova contração ocorre antes do término da anterior. Como resultado, a segunda contração é
acrescentada parcialmente à primeira, de modo que a força total da contração aumenta progressivamente, com
frequência crescente. Quando a frequência alcança um nível crítico, as contrações sucessivas fundem-se, e a ação
parece ser totalmente uniforme; esse processo é denominado tetanização.

A hipertrofia muscular é o aumento da massa total de um músculo; a atrofia muscular é a


diminuição da massa:

A hipertrofia muscular resulta do aumento do número de filamentos de actina e de miosina em cada fibra muscular.
Quando o número de proteínas contráteis aumenta o suficiente, as miofibrilas dividem-se dentro de cada fibra
muscular para formar novas miofibrilas. É principalmente esse grande aumento do número de miofibrilas adicionais
que causa a hipertrofia das fibras musculares; entretanto, com treinamento de resistência muito intenso, o número
total de fibras musculares também pode aumentar
Atrofia muscular. Quando um músculo permanece sem uso por um longo período, a taxa de degradação das proteínas
contráteis ocorre mais rapidamente do que a taxa de reposição; em consequência, ocorre atrofia muscular. A atrofia
começa quase imediatamente quando um músculo perde o seu suprimento nervoso, visto que ele não recebe mais os
sinais contráteis que são necessários para manter o seu tamanho normal.
CAPÍTULO 7

Excitação do Músculo Esquelético: Transmissão Neuromuscular e


Acoplamento Excitação‑Contração

JUNÇÃO NEUROMUSCULAR E TRANSMISSÃO DE IMPULSOS DAS TERMINAÇÕES NERVOSAS PARA


AS FIBRAS MUSCULARES ESQUELÉTICAS

As fibras musculares esqueléticas são inervadas por grandes fibras nervosas mielínicas, que se originam de
motoneurônios da medula espinhal. Normalmente, cada fibra nervosa estimula três a várias centenas de fibras
musculares esqueléticas. A terminação nervosa estabelece uma junção, denominada junção neuromuscular, e o
potencial de ação na fibra muscular propaga-se em ambas as direções até as extremidades da fibra muscular.

Secreção de acetilcolina pelos terminais nervosos


Quando um impulso nervoso alcança a junção neuromuscular, vesículas contendo acetilcolina
são liberadas no espaço sináptico. Na superfície interna da membrana neural, encontram-se barras densas
lineares (Figura 7.1). Em ambos os lados de cada barra densa, encontram-se canais de cálcio dependentes de
voltagem. Quando o potencial de ação se propaga pelo terminal nervoso, ocorre a abertura desses canais, permitindo
a difusão de íons cálcio para dentro do terminal nervoso. Acredita-se que os íons cálcio ativem a proteinoquinase
dependente de Ca2+‑calmodulina, que fosforila as proteínas sinapsinas, que ancoram as vesículas de acetilcolina ao
citoesqueleto do terminal pré-sináptico e liberam as vesículas de acetilcolina, permitindo o seu movimento adjacente
para as barras densas. Algumas das vesículas fundem-se com a membrana neural e descarregam a acetilcolina no
espaço sináptico pelo processo de exocitose.
A acetilcolina abre canais iônicos dependentes de acetilcolina nas membranas pós‑sinápticas. Os
canais de cátions dependentes de acetilcolina estão localizados na membrana muscular, imediatamente adjacentes às
barras densas. Quando duas moléculas de acetilcolina se ligam aos receptores de canais, uma mudança
conformacional abre o canal. O principal efeito da abertura dos canais dependentes de acetilcolina consiste em
permitir o movimento de grandes números de íons sódio para dentro da fibra muscular, que carregam com eles um
grande número de cargas positivas. Esse efeito cria uma mudança de potencial local na membrana da fibra muscular,
denominado potencial da placa motora ou potencial gerador. Por sua vez, esse potencial normalmente leva à
abertura dos canais de sódio dependentes de voltagem, o que inicia um potencial de ação na membrana muscular,
causando a contração muscular.
A acetilcolina liberada na fenda sináptica é destruída pela acetilcolinesterase ou sofre difusão
para fora. Uma vez liberada na fenda sináptica, a acetilcolina continua ativando os receptores de acetilcolina
enquanto permanecer nesse espaço. A maioria das moléculas de acetilcolina é degradada pela enzima
acetilcolinesterase. Uma pequena quantidade difunde-se para fora da fenda sináptica. O curto período durante o qual
a acetilcolina permanece na fenda sináptica – alguns milissegundos, no máximo – é suficiente para excitar a fibra
muscular em condições normais.
A acetilcolina produz um potencial de placa motora que excita a fibra muscular esquelética. O
movimento de íons sódio para dentro da fibra muscular faz o potencial de membrana interno, na área local da placa
motora, aumentar na direção positiva em até 50 a 75 mV, criando o potencial de placa motora. O potencial da placa
motora criado pela estimulação da acetilcolina normalmente é maior do que o necessário para iniciar um potencial de
ação na fibra muscular. Por conseguinte, cada potencial de ação em um neurônio motor leva à contração das fibras
musculares.

Figura 7.1 Liberação de acetilcolina das vesículas sinápticas na membrana neural da


junção neuromuscular. Observe a proximidade dos locais de liberação na membrana
neural com os receptores de acetilcolina na membrana muscular, nas aberturas das
fendas subneurais.

Substâncias que aumentam ou bloqueiam a transmissão na junção neuromuscular

Substâncias que têm ações semelhantes à acetilcolina. Muitos compostos, incluindo metacolina, carbacol e nicotina,
têm o mesmo efeito da acetilcolina sobre a fibra muscular. A diferença entre essas substâncias e a acetilcolina é que
elas não são destruídas pela colinesterase ou são destruídas lentamente
Substâncias que bloqueiam a transmissão neuromuscular. Um grupo de substâncias, conhecidas como agentes
curariformes, pode impedir a passagem de impulsos da placa motora para o músculo. Assim, a d-tubocurarina
compete com a acetilcolina pelos sítios nos receptores de acetilcolina, de modo que a acetilcolina não pode aumentar
a permeabilidade dos canais de acetilcolina da membrana muscular o suficiente para iniciar um potencial de ação
Substâncias que inativam a acetilcolinesterase. Três substâncias particularmente bem conhecidas – neostigmina,
fisostigmina e fluorofosfato de di-isopropil – inativam a acetilcolinesterase. Em consequência, os níveis de
acetilcolina aumentam com sucessivos impulsos nervosos, causando o acúmulo de grandes quantidades de
acetilcolina, e, em seguida, estimulam repetidamente a fibra muscular. A ação da neostigmina e da fisostigmina dura
várias horas. O fluorofosfato de di-isopropil, que pode ter aplicação militar potencial como um poderoso gás
venenoso para os nervos, inativa a acetilcolinesterase durante meses.

Miastenia gravis causa fraqueza muscular


Ocorre fraqueza devido à incapacidade das junções neuromusculares de transmitir sinais
suficientes das fibras nervosas para as fibras musculares. Acredita-se que a miastenia gravis seja uma
doença autoimune, em que os pacientes desenvolvem anticorpos contra seus próprios canais iônicos dependentes de
acetilcolina. Os potenciais da placa motora que ocorrem nas fibras musculares são, em sua maior parte, muito fracos
para iniciar a abertura dos canais de sódio dependentes de voltagem; portanto, não ocorre despolarização da fibra
muscular. Se a doença estiver avançada o suficiente, o paciente pode morrer de paralisia – em particular, paralisia dos
músculos respiratórios. Entretanto, a doença geralmente pode ser amenizada pela administração de neostigmina ou
de outro fármaco anticolinesterase para permitir o acúmulo de acetilcolina, que alcança altos níveis na fenda
sináptica.

POTENCIAL DE AÇÃO MUSCULAR

A condução do potencial de ação nas fibras nervosas é qualitativamente, mas não


quantitativamente, semelhante à das fibras musculares esqueléticas. Algumas das diferenças e
semelhanças quantitativas incluem as seguintes:

O potencial de membrana em repouso é de cerca de –80 a –90 mV nas fibras musculares esqueléticas, cerca de 10 a
20 mV mais negativo do que na maioria dos neurônios
A duração do potencial de ação é de 1 a 5 milissegundos no músculo esquelético, ou seja, cerca de 5 vezes mais do
que nos grandes nervos mielínicos
A velocidade de condução é de 3 a 5 m/s no músculo esquelético, ou seja, cerca de 1/18 da velocidade de condução
nas grandes fibras nervosas mielínicas que excitam o músculo esquelético.

ACOPLAMENTO EXCITAÇÃO‑CONTRAÇÃO

Os túbulos transversais são extensões internas da membrana celular. Os túbulos transversais (túbulos
T) seguem um percurso transversal às miofibrilas. Eles começam na membrana celular e atravessam a fibra muscular
de um lado para o lado oposto. No local de origem dos túbulos T na membrana celular, eles estão abertos para o
exterior e, portanto, contêm líquido extracelular em seus lumens. Como os túbulos T são extensões internas da
membrana celular, quando um potencial de ação se propaga através de uma membrana da fibra muscular, ele também
se propaga ao longo dos túbulos T para o interior da fibra muscular.
O retículo sarcoplasmático é composto por túbulos longitudinais e cisternas terminais. Os túbulos
longitudinais correm paralelamente às miofibrilas e terminam em grandes câmaras, denominadas cisternas terminais.
As cisternas fazem contato com os túbulos T. No músculo cardíaco, uma única rede de túbulos T para cada
sarcômero está localizada no nível da linha Z. No músculo esquelético de mamíferos, existem duas redes de túbulos
T para cada sarcômero que se localiza próximo às duas extremidades dos filamentos de miosina, que são os pontos
em que são criadas as forças mecânicas da contração muscular. Assim, o músculo esquelético dos mamíferos tem
uma organização ideal para a rápida excitação da contração muscular.
Liberação de íons cálcio pelas cisternas terminais do retículo sarcoplasmático. Os íons cálcio no
retículo sarcoplasmático são liberados quando ocorre um potencial de ação no túbulo T adjacente. Acredita-se que o
potencial de ação produza a rápida abertura dos canais de cálcio através das membranas das cisternas terminais do
retículo sarcoplasmático. Esses canais permanecem abertos por alguns milissegundos; durante esse período, os íons
cálcio responsáveis pela contração muscular são liberados dentro do sarcoplasma que circunda as miofibrilas.
Uma bomba de cálcio remove íons cálcio do líquido sarcoplasmático. Uma bomba de cálcio
continuamente ativa, a bomba de Ca2+-ATPase do retículo sarcoplasmático (SERCA), está localizada nas paredes dos
túbulos longitudinais do retículo sarcoplasmático e bombeia íons cálcio para longe das miofibrilas, de volta para os
túbulos sarcoplasmáticos. Essa bomba é capaz de concentrar os íons cálcio cerca de 10.000 vezes dentro dos túbulos.
Além disso, no interior do retículo, existe uma proteína de ligação do cálcio, denominada calsequestrina, que pode
proporcionar um aumento adicional de 40 vezes no armazenamento de cálcio. Essa transferência de cálcio para
dentro do retículo sarcoplasmático provoca a depleção de íons cálcio no líquido sarcoplasmático, o que resulta em
término da contração muscular.
CAPÍTULO 8

Excitação e Contração do Músculo Liso

CONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO

Muitos dos princípios de contração aplicados ao músculo esquelético também se aplicam ao músculo liso.
Essencialmente, as mesmas forças de atração que ocorrem entre os filamentos de miosina e de actina no músculo
esquelético também causam contração no músculo liso, porém a disposição física interna dos filamentos de actina e
de miosina nas fibras musculares lisas é ligeiramente diferente daquela do músculo esquelético.

Tipos de músculo liso


Em geral, o músculo liso pode ser dividido em dois tipos principais:

Músculo multiunitário. As características mais importantes das fibras musculares lisas multiunitárias são que cada
fibra pode se contrair independentemente das outras, e o controle é exercido principalmente por sinais nervosos. Os
exemplos incluem as fibras musculares lisas do músculo ciliar do olho, a íris do olho e os músculos piloeretores, que
causam a ereção dos pelos quando estimulados pelo sistema nervoso simpático
Músculo liso unitário. Também denominado músculo liso sincicial e músculo liso visceral, trata-se de massa de
centenas de milhões de fibras musculares que se contraem em conjunto como uma única unidade. As membranas
celulares das fibras adjacentes estão conectadas eletricamente por junções comunicantes (gap junctions), o que
permite a propagação dos potenciais de ação de uma fibra para outra, de modo que as fibras musculares se contraem
em conjunto. Esse tipo de músculo é encontrado nas paredes do trato gastrointestinal, nos ductos biliares, nos
ureteres, no útero, nas tubas uterinas e nos vasos sanguíneos.

Base física para a contração do músculo liso


O músculo liso não tem o mesmo arranjo estriado de filamentos de actina e de miosina do
músculo esquelético:

Os filamentos de actina ligam‑se aos corpos densos. Alguns dos corpos densos estão dispersos no interior da célula e
são mantidos em posição por um arcabouço de proteínas estruturais que ligam um corpo denso a outro. Outros estão
ligados à membrana celular e formam pontes com corpos densos das células adjacentes, o que permite que a força de
contração seja transmitida de uma célula para a outra. Por conseguinte, os corpos densos desempenham um papel
semelhante ao das linhas Z no músculo esquelético
Os filamentos de miosina estão intercalados entre os filamentos de actina. Os filamentos de miosina têm um
diâmetro que é mais de duas vezes o dos filamentos de actina
Unidades contráteis. As unidades contráteis individuais consistem em filamentos de actina que se irradiam a partir
de dois corpos densos; esses filamentos se sobrepõem a um único filamento de miosina, localizado a meio caminho
entre os corpos densos.

Comparação da contração do músculo liso e da contração do músculo esquelético


Embora a maioria dos músculos esqueléticos se contraia e relaxe rapidamente, a maior parte da
contração do músculo liso é uma contração tônica prolongada, que às vezes dura horas ou até dias.
As características tanto físicas quanto químicas do músculo liso são diferentes daquelas do músculo esquelético.
Algumas dessas diferenças são as seguintes:

Ciclagem lenta das pontes cruzadas de miosina. A rapidez da ciclagem das pontes cruzadas no músculo liso (i. e., a
taxa de ligação da ponte cruzada de miosina e a liberação da actina) é muito mais lenta no músculo liso do que no
músculo esquelético
Baixa necessidade de energia. Apenas 1/10 a 1/300 da energia é necessária para sustentar uma contração no músculo
liso, em comparação com a do músculo esquelético
Início lento da contração e do relaxamento. Um músculo liso típico começa a se contrair 50 a 100 milissegundos
após ser excitado e apresenta uma duração total de contração de 1 a 3 segundos, o que é 30 vezes mais do que no
músculo esquelético
Força máxima de contração aumentada. A força máxima de contração do músculo liso por unidade de seção
transversa do músculo é, com frequência, maior que a do músculo esquelético. Foi postulado que esse aumento da
força de contração resulte do período prolongado de ligação das pontes cruzadas de miosina aos filamentos de actina.

O músculo liso pode se encurtar até uma porcentagem maior de sua extensão do que o músculo
esquelético. O músculo esquelético tem uma distância útil de contração de apenas cerca de um quarto a um terço
de seu comprimento em repouso, ao passo que o músculo liso com frequência pode se contrair mais de dois terços de
seu comprimento estirado.
Mecanismo de tranca facilita a retenção prolongada das contrações do músculo liso. Após o
músculo liso ter alcançado a sua concentração máxima, o grau de ativação do músculo geralmente pode ser reduzido
para níveis bem menores do que o nível inicial; contudo, o músculo pode manter a sua força total de contração. Esse
processo é denominado mecanismo de tranca (ou mecanismo de trava). A importância do mecanismo de tranca é a
sua capacidade de manter uma contração tônica prolongada no músculo liso durante horas com consumo
relativamente pequeno de energia.

REGULAÇÃO DA CONTRAÇÃO PELOS ÍONS CÁLCIO

Os íons cálcio combinam‑se com a calmodulina para causar a ativação da miosinoquinase e a


fosforilação da cabeça da miosina. O músculo liso não contém troponina; em vez disso, tem calmodulina, outra
proteína reguladora de ligação do cálcio. Embora essa proteína reaja com íons cálcio, ela é diferente da troponina,
uma vez que inicia a contração; a calmodulina exerce esse efeito por meio da ativação das pontes cruzadas de
miosina. Por conseguinte, no músculo liso, a regulação da contração baseia-se na miosina, e não na actina, conforme
observado no músculo esquelético. Essa ativação e a contração subsequente ocorrem na seguinte sequência:

Os íons cálcio ligam-se à calmodulina; em seguida, o complexo calmodulina-cálcio liga-se e ativa a miosinoquinase,
uma enzima de fosforilação.
Uma das cadeias leves de cada cabeça da miosina, denominada cadeia reguladora, torna-se fosforilada em resposta à
miosinoquinase.
Quando a cadeia reguladora é fosforilada, a cabeça tem a capacidade de se ligar ao filamento de actina, causando
contração muscular. Quando a cadeia leve de miosina não é fosforilada, não ocorre o ciclo de ligação-liberação da
cabeça com o filamento de actina.

A miosinofosfatase é importante na finalização da contração. Quando a concentração de íons cálcio cai


abaixo de um nível crítico, os processos já mencionados são revertidos de maneira automática, com exceção da
fosforilação da cabeça da miosina. A reversão dessa etapa necessita de outra enzima, a miosinofosfatase, que cliva o
fosfato da cadeia leve reguladora; em seguida, o ciclo é interrompido, e ocorre o relaxamento.

CONTROLES NERVOSO E HORMONAL DA CONTRAÇÃO DO MÚSCULO LISO

Junções neuromusculares do músculo liso


As junções neuromusculares do tipo altamente estruturado encontradas nas fibras musculares
esqueléticas não ocorrem no músculo liso:

Junções difusas. Trata-se dos locais de liberação do transmissor. Na maioria dos casos, as fibras nervosas
autonômicas formam as denominadas junções difusas, que secretam a sua substância transmissora na matriz que
reveste o músculo liso; em seguida, a substância transmissora difunde-se por uma curta distância até as fibras
Varicosidades nos terminais axonais. Os axônios que inervam as fibras musculares lisas não têm pés terminais com
ramificações típicas do tipo encontrado na placa motora das fibras musculares esqueléticas. Em vez disso, a maioria
dos axônios terminais finos apresenta múltiplas varicosidades, que estão distribuídas ao longo de seus eixos. As
varicosidades contêm vesículas carregadas de substância transmissora
Junções de contato. No tipo de músculo liso multiunitário, as varicosidades situam-se diretamente sobre a membrana
da fibra muscular. As junções de contato desempenham uma função semelhante àquela das junções neuromusculares
do músculo esquelético.

A acetilcolina e a noradrenalina podem ter efeitos excitatórios ou inibitórios na junção


neuromuscular do músculo liso. A acetilcolina e a noradrenalina são secretadas por neurônios autonômicos que
inervam o músculo liso; contudo, essas substâncias nunca são secretadas pelos mesmos neurônios. A acetilcolina é
uma substância transmissora excitatória para as fibras musculares lisas em alguns órgãos, porém atua como
substância inibitória para o músculo liso encontrado em outros órgãos. Quando a acetilcolina excita uma fibra
muscular, a noradrenalina normalmente a inibe, e vice-versa.

Potencial de membrana e potencial de ação no músculo liso


O potencial de membrana em repouso depende do tipo de músculo liso e da condição momentânea do músculo. Em
geral, é de cerca de –50 a –60 mV ou cerca de 30 mV menos negativo do que no músculo esquelético.
Os potenciais de ação ocorrem no músculo liso unitário (p. ex., músculo liso visceral) da mesma
forma que no músculo esquelético. Os potenciais de ação do músculo liso visceral ocorrem em duas formas:

Potenciais de pico. Os potenciais de ação de pico típicos ocorrem na maioria dos tipos de músculo liso unitário.
Podem ser desencadeados por estimulação elétrica, por estiramento ou pela ação de hormônios ou substâncias
transmissoras, ou podem resultar de geração espontânea na fibra muscular
Potenciais de ação com platô. O início desse tipo de potencial de ação assemelha-se ao do potencial de pico típico.
Entretanto, a repolarização é retardada por várias centenas de milissegundos. O platô é responsável pelos períodos
prolongados de contração que ocorrem no ureter, no útero (sob algumas condições) e em certos tipos de músculo liso
vascular.

Os íons cálcio são importantes na geração dos potenciais de ação do músculo liso. O sódio
participa pouco da geração do potencial de ação na maioria dos músculos lisos. Em vez disso, o movimento de íons
cálcio para o interior da fibra é principalmente responsável pelo potencial de ação.
Os potenciais de ondas lentas no músculo liso unitário podem levar à geração espontânea de
potenciais de ação. As ondas lentas são oscilações lentas no potencial de membrana. A onda lenta não é um
potencial de ação:

Causa das ondas lentas. Existem duas possíveis causas para as ondas lentas: (1) oscilações na atividade da bomba de
sódio, que fazem o potencial de membrana se tornar mais negativo quando o sódio é bombeado rapidamente e menos
negativo quando bombeado lentamente; e (2) condutância dos canais iônicos, que pode aumentar e diminuir de
maneira rítmica
Importância das ondas lentas. Os potenciais de ação podem ser iniciados quando o potencial da onda lenta aumenta
acima do limiar (cerca de –35 mV). O potencial de ação propaga-se pela massa muscular, e ocorre a contração. As
ondas lentas podem causar contrações musculares no músculo liso gástrico.

Os potenciais de ação espontâneos são frequentemente gerados quando ocorre estiramento do


músculo liso visceral. Os potenciais de ação espontâneos resultam da combinação dos potenciais de onda lenta
normais, bem como da diminuição da negatividade do potencial de membrana, causada pelo estiramento. Essa
resposta ao estiramento faz a parede do intestino, quando estirada de maneira excessiva, sofrer contração automática,
resistindo, assim, ao estiramento.

Fatores teciduais locais e hormônios podem causar a contração do músculo liso, sem a necessidade
de potencial de ação
Ocorre relaxamento do músculo liso nos vasos sanguíneos em resposta a fatores teciduais
locais. Essa resposta vasodilatadora é necessária para o controle local do fluxo sanguíneo.
Muitos hormônios circulantes no sangue afetam a contração do músculo liso. Um hormônio causa
contração quando a membrana da célula muscular contém receptores excitatórios para o respectivo hormônio. Em
contrapartida, o hormônio produz relaxamento quando a membrana contém receptores inibitórios.
PARTE 3

O Coração

Capítulo 9 Músculo Cardíaco: O Coração como Bomba e o Funcionamento das Valvas Cardíacas

Capítulo 10 Excitação Rítmica do Coração

Capítulo 11 Fundamentos da Eletrocardiografia

Capítulo 12 Interpretação Eletrocardiográfica de Anormalidades no Músculo Cardíaco e no Fluxo Sanguíneo


Coronariano: Análise Vetorial

Capítulo 13 Arritmias Cardíacas e sua Interpretação Eletrocardiográfica


CAPÍTULO 9

Músculo Cardíaco: O Coração como Bomba e o Funcionamento das Valvas


Cardíacas

O coração humano é constituído de duas bombas: o coração direito, que recebe o sangue proveniente dos tecidos
periféricos e o bombeia através dos pulmões, e o coração esquerdo, que recebe o sangue oxigenado proveniente dos
pulmões e o bombeia de volta aos tecidos periféricos. Cada bomba é composta de um átrio e um ventrículo. Os átrios
atuam como condutos e bombas precursoras (primer pumps), que enchem os ventrículos com sangue. Os ventrículos
sofrem contração e exercem uma alta pressão sobre o sangue, que é responsável pela sua propulsão pela circulação.
O coração tem um sistema de condução especial, que mantém a sua própria ritmicidade e transmite potenciais de
ação por todos os músculos cardíacos.

CARACTERÍSTICAS QUE DISTINGUEM O MÚSCULO CARDÍACO DO MÚSCULO ESQUELÉTICO

Os músculos cardíaco e esquelético têm as seguintes semelhanças e diferenças:

Tanto o músculo cardíaco quanto o músculo esquelético são estriados e têm filamentos de actina e miosina, que se
interdigitam e deslizam uns ao longo dos outros durante a contração
O músculo cardíaco tem discos intercalares entre as células musculares cardíacas, o que constitui uma das diferenças
em relação ao músculo esquelético. Esses discos apresentam uma resistência elétrica muito baixa, o que possibilita a
rápida propagação do potencial de ação entre as células musculares cardíacas
O músculo cardíaco é um sincício constituído de numerosas células musculares cardíacas, nas quais o potencial de
ação se propaga rapidamente de uma célula para outra
A junção atrioventricular (AV) conduz lentamente os impulsos dos átrios para os ventrículos. Em indivíduos
normais, trata-se de uma via exclusiva, visto que o sincício atrial e o sincício ventricular normalmente são isolados
um do outro por tecido fibroso.

A torção do ventrículo esquerdo ajuda na sua ejeção e no seu relaxamento. O ventrículo esquerdo é
organizado em camadas que seguem direções diferentes, resultando no movimento de torção durante a sístole
(contração): (1) uma camada subepicárdica externa, que gira na direção esquerda, e (2) uma camada subendocárdica
interna, que gira na direção oposta (para a direita). Essas camadas espiraladas causam a rotação do ápice do coração
no sentido horário e a rotação da base do coração no sentido anti-horário. Isso resulta na torção do ventrículo
esquerdo durante a sístole, puxando a base do coração em direção ao ápice. No fim da sístole, o ventrículo esquerdo
é semelhante a uma mola comprimida, que retoma à sua forma durante a diástole (relaxamento), permitindo a rápida
entrada do sangue nas câmaras.

Potenciais de ação no músculo cardíaco


O potencial de membrana em repouso do músculo cardíaco é de cerca de –85 mV, ao passo que o potencial de ação é
de 105 mV. As membranas permanecem despolarizadas por 0,2 segundo nos átrios e por 0,3 segundo nos ventrículos.
Fases do potencial de ação do músculo ventricular cardíaco:
Fase 0 (despolarização). Os canais rápidos de sódio dependentes de voltagem se abrem, e o sódio entra rapidamente
no interior da célula (o potencial de membrana torna-se mais positivo)
Fase 1 (repolarização inicial). Ocorre o fechamento dos canais rápidos de sódio, e os íons potássio deixam a célula
através dos canais abertos de potássio
Fase 2 (platô). Ocorre a abertura dos canais de cálcio, o cálcio entra na célula, e os canais rápidos de potássio se
fecham
Fase 3 (repolarização rápida). Os canais de potássio se fecham, ocorre a abertura dos canais lentos de potássio e o
potencial da membrana celular retorna ao seu nível de repouso.

A lenta entrada de íons sódio e cálcio nas células do músculo cardíaco é uma das causas do platô
do potencial de ação. O potencial de ação do músculo esquelético é gerado pela entrada de sódio através dos
canais rápidos de sódio, que permanecem abertos por apenas cerca de 10 milésimos de segundo. No músculo
cardíaco, os canais rápidos de sódio também se abrem no início do potencial de ação, porém o músculo cardíaco tem
canais lentos de cálcio únicos ou canais de sódio‑cálcio. Os íons cálcio e sódio fluem através dos canais lentos para
dentro da célula após o pico inicial do potencial de ação e mantêm o platô. O cálcio que entra na célula por meio
desses canais também promove a contração do músculo cardíaco.
Outra causa do platô do potencial de ação é uma diminuição na permeabilidade das células
musculares cardíacas aos íons potássio. A diminuição da permeabilidade cardíaca ao potássio também impede
o retorno do potencial de membrana ao músculo cardíaco, e esse mecanismo não está presente no músculo
esquelético. Quando ocorre o fechamento dos canais lentos de cálcio-sódio, após 0,2 a 0,3 segundo, a permeabilidade
ao potássio aumenta rapidamente. Por conseguinte, os íons potássio saem dos miócitos cardíacos, e o potencial de
membrana retorna ao seu nível de repouso.
A difusão do cálcio para dentro das miofibrilas promove a contração muscular. O potencial de ação
propaga-se em cada fibra muscular cardíaca ao longo dos túbulos transversais (T), causando a liberação de íons
cálcio pelos túbulos sarcoplasmáticos longitudinais para dentro do retículo sarcoplasmático. Esses íons catalisam as
reações químicas que promovem o deslizamento dos filamentos de actina e de miosina uns sobre os outros, o que
produz a contração muscular. Esse mecanismo também está presente no músculo esquelético.
Entretanto, outra forma de entrada de cálcio no sarcoplasma é exclusiva do músculo cardíaco. Os túbulos T do
músculo cardíaco apresentam um volume 25 vezes maior do que aqueles presentes no músculo esquelético. Esses
túbulos contêm grandes quantidades de cálcio, que são liberadas durante o potencial de ação. Além disso, os túbulos
T abrem-se diretamente no líquido extracelular do músculo cardíaco, de modo que o seu conteúdo de cálcio depende
altamente da concentração extracelular de cálcio. No fim do platô do potencial de ação, o influxo de íons cálcio para
dentro da fibra muscular cessa de maneira abrupta, e o cálcio é bombeado de volta para o retículo sarcoplasmático e
para os túbulos T. Assim, a contração termina.

CICLO CARDÍACO

Os eventos que ocorrem desde o início de um batimento cardíaco até o início do próximo batimento são
denominados ciclo cardíaco:

Cada batimento cardíaco começa com um potencial de ação espontâneo, que é iniciado no nó sinusal do átrio direito,
próximo à abertura da veia cava superior
O potencial de ação propaga-se por ambos os átrios e pelo nó AV e pelo feixe AV nos ventrículos
Ocorre um atraso de cerca de 0,13 segundo no nó AV e no feixe AV, o que possibilita a contração dos átrios antes da
contração dos ventrículos.

A Figura 9.1 ilustra os eventos do ciclo cardíaco. Os ventrículos se enchem de sangue durante a diástole e se
contraem durante a sístole. As três curvas na parte superior da Figura 9.1 mostram a pressão aórtica, a pressão
ventricular esquerda e a pressão atrial esquerda. As curvas abaixo delas indicam as mudanças que ocorrem no
volume ventricular, no eletrocardiograma e no fonocardiograma (registro das bulhas cardíacas).
A propagação do potencial de ação no coração inicia cada batimento cardíaco. O eletrocardiograma
é um registro da voltagem gerada pelo coração a partir da superfície do corpo durante cada batimento cardíaco (ver
Figura 9.1):
A onda P é causada pela propagação da despolarização através dos átrios, o que provoca a contração atrial. A
pressão atrial aumenta imediatamente após a onda P
As ondas QRS aparecem como resultado da despolarização, que ocorre em cerca de 0,16 segundo após o início da
onda P, iniciando a contração ventricular; em seguida, a pressão ventricular começa a aumentar
A onda T é causada pela repolarização do ventrículo.

Os átrios funcionam como bombas precursoras para os ventrículos. Cerca de 80% do enchimento
ventricular ocorrem durante a diástole, antes da contração dos átrios, o que promove os 20% restantes do
enchimento. Quando os átrios são incapazes de funcionar adequadamente, como ocorre durante a fibrilação atrial,
pouca dificuldade é encontrada, a não ser que o indivíduo faça exercícios físicos ou que a frequência dos batimentos
ventriculares aumente de modo excessivo, quando podem ocorrer dispneia e outros sintomas de insuficiência
cardíaca. As ondas de pressão atrial (ver Figura 9.1) incluem as seguintes ondas:

Figura 9.1 Eventos do ciclo cardíaco para a função ventricular esquerda, mostrando
as mudanças na pressão atrial esquerda, na pressão ventricular esquerda, na pressão
aórtica, no volume ventricular, no eletrocardiograma e no fonocardiograma. Valva AV:
valva atrioventricular.

A onda a, que é causada pela contração atrial


A onda c, que ocorre durante a contração ventricular, devido ao leve refluxo de sangue e abaulamento das valvas AV
em direção aos átrios
A onda v, que é causada pelo enchimento dos átrios a partir do retorno venoso.

Os ventrículos enchem‑se de sangue durante a diástole. Os seguintes eventos ocorrem imediatamente


antes e durante a diástole:

Durante a sístole, as valvas AV estão fechadas, e os átrios enchem-se de sangue


No início da diástole, há o período de relaxamento isovolumétrico, causado pelo relaxamento ventricular. Quando a
pressão ventricular diminui abaixo da pressão dos átrios, as valvas AV se abrem
Durante a diástole, a pressão mais elevada nos átrios empurra o sangue para dentro dos ventrículos
O período de enchimento rápido dos ventrículos ocorre durante o primeiro terço da diástole e fornece a maior parte
do enchimento ventricular
A contração atrial ocorre durante o último terço da diástole e contribui com cerca de 20% do enchimento do
ventrículo. Essa contração é comumente conhecida como “pontapé atrial”.

Fluxo de sangue dos ventrículos durante a sístole. São observados os seguintes eventos durante a sístole:

No início da sístole, ocorre contração ventricular, as valvas AV se fecham e a pressão começa a aumentar no
ventrículo. Não há saída de sangue durante o primeiro 0,2 a 0,3 segundo de contração ventricular (o período de
contração isovolumétrica). Observe que o termo isovolumétrico significa “o mesmo volume” e refere-se ao volume
ventricular
Quando a pressão ventricular esquerda excede a pressão aórtica de cerca de 80 mmHg e a pressão ventricular direita
ultrapassa a pressão arterial pulmonar em 8 mmHg, as valvas aórtica e pulmonar se abrem, respectivamente. Esse
fluxo de saída ventricular é denominado período de ejeção
A maior parte da ejeção ocorre durante a primeira parte desse período (período de ejeção rápida)
O período de ejeção rápida é seguido do período de ejeção lenta. Durante esse período, a pressão aórtica pode
ultrapassar ligeiramente a pressão ventricular, visto que a energia cinética do sangue que deixa o ventrículo é
convertida em pressão na aorta, o que aumenta um pouco a sua pressão
Durante o último período da sístole, as pressões ventriculares caem abaixo das pressões aórtica e da artéria
pulmonar; portanto, as valvas aórtica e pulmonar se fecham nesse momento.

A fração do volume diastólico final que é ejetada é denominada fração de ejeção:

No fim da diástole, o volume de cada ventrículo é de 110 a 120 ml; esse volume é denominado volume diastólico
final
O volume sistólico, que é de cerca de 70 ml, é a quantidade de sangue ejetada a cada batimento
O volume sistólico final, o volume que permanece no ventrículo ao fim da sístole, é de cerca de 40 a 50 ml
A fração de ejeção é calculada dividindo-se o volume sistólico pelo volume diastólico final; o seu valor é de cerca de
60% no coração normal.

A ejeção ventricular aumenta a pressão na aorta para 120 mmHg (pressão sistólica). Quando a
pressão ventricular ultrapassa a pressão diastólica na aorta, a valva aórtica se abre, e o sangue é ejetado dentro da
aorta. A pressão sistólica na aorta aumenta para cerca de 120 mmHg e distende a aorta elástica e outras artérias.
Quando a valva aórtica se fecha no fim da ejeção ventricular, ocorre um leve refluxo de sangue, seguido da súbita
cessação do fluxo, o que causa uma incisura ou um discreto aumento da pressão aórtica. Durante a diástole, o sangue
continua fluindo para a circulação periférica, e a pressão arterial diminui para 80 mmHg (pressão diastólica).
As valvas cardíacas impedem o refluxo do sangue durante a sístole. As valvas AV (i. e., a valva
tricúspide e a valva mitral) evitam o refluxo de sangue dos ventrículos para os átrios durante a sístole. De modo
semelhante, as valvas semilunares (i. e., as valvas aórtica e pulmonar) impedem o refluxo de sangue da aorta e do
tronco pulmonar para o ventrículo durante a diástole. As valvas AV têm músculos papilares que se fixam a elas por
meio das cordas tendíneas. Durante a sístole, os músculos papilares se contraem para evitar o abaulamento excessivo
das valvas para dentro dos átrios. As valvas aórtica e pulmonar são mais espessas do que as valvas AV e não têm
nenhum músculo papilar fixado.
O diagrama de volume‑pressão do ventrículo esquerdo determina o trabalho sistólico do
coração. O ciclo cardíaco pode ser representado em um diagrama de volume‑pressão, que representa graficamente
a pressão intraventricular como função do volume ventricular esquerdo. As fases do ciclo cardíaco são as seguintes:

Fase I: período de preenchimento, durante o qual o volume ventricular esquerdo aumenta a partir do volume sistólico
final para o volume diastólico final, ou de 45 para 115 ml, representando um aumento de 70 ml
Fase II: período de contração isovolumétrica, durante o qual o volume ventricular permanece constante no volume
diastólico final, porém a pressão intraventricular aumenta até alcançar o nível da pressão diastólica aórtica, ou 80
mmHg
Fase III: período de ejeção, durante o qual a pressão sistólica aumenta ainda mais, devido à contração ventricular
adicional, e o volume ventricular diminui em 70 ml (efluxo ventricular), que é o volume sistólico
Fase IV: período de relaxamento isovolumétrico, durante o qual o volume ventricular permanece em 45 ml, porém a
pressão intraventricular diminui até o seu nível de pressão diastólica.

A área dentro do diagrama de volume-pressão representa o trabalho de volume‑pressão (ou trabalho sistólico
externo) do ventrículo durante cada ciclo cardíaco. Esse diagrama e o trabalho cardíaco são afetados pela pré e
pós‑carga no coração. A pré-carga é geralmente considerada a pressão diastólica final, ao passo que a pós-carga é
considerada a pressão na artéria que sai do ventrículo (aorta ou tronco pulmonar).
O consumo de oxigênio do coração depende do trabalho cardíaco. O consumo cardíaco de oxigênio
depende principalmente do tipo de trabalho de volume-pressão. Além disso, constatou-se que esse consumo de
oxigênio é proporcional à tensão do coração multiplicada pelo tempo de manutenção dessa tensão. De acordo com a
lei de Laplace, a tensão da parede no coração é proporcional à pressão multiplicada pelo diâmetro do ventrículo. Por
conseguinte, a tensão da parede ventricular e o consumo de oxigênio do miocárdio aumentam na presença de altas
pressões sistólicas ou quando o coração está dilatado.

REGULAÇÃO DO BOMBEAMENTO CARDÍACO

O mecanismo de Frank‑Starling é responsável pela regulação intrínseca da capacidade de


bombeamento cardíaco. Quando o retorno venoso de sangue aumenta, o músculo cardíaco distende-se ainda
mais, o que o faz bombear com maior força de contração. O mecanismo de Frank‑Starling do coração pode ser
enunciado de outra maneira: dentro dos limites fisiológicos, o coração bombeia todo o sangue que retorna a ele sem
deixar acumular nenhum excesso nas veias. O estiramento extra do músculo cardíaco durante o aumento do retorno
venoso, dentro dos limites, faz os filamentos de actina e de miosina se interdigitarem em um comprimento mais ideal
para a geração de força. Além disso, o maior estiramento da parede atrial direita provoca o aumento reflexo de 10 a
20% da frequência cardíaca, o que ajuda o coração a bombear mais sangue.
A capacidade do coração de bombear sangue pode ser ilustrada graficamente de várias maneiras. Em primeiro
lugar, o trabalho sistólico pode ser plotado para cada ventrículo em função de sua pressão atrial correspondente. O
débito ventricular (ou débito cardíaco) também pode ser representado graficamente como função da pressão atrial
(ver Figura 20.1).
O sistema nervoso autônomo afeta o bombeamento cardíaco. Com uma forte estimulação simpática, a
frequência cardíaca de um adulto jovem aumenta de um valor de repouso de 72 batimentos por minuto (bpm) para
180 a 200 bpm, e a força de contração dos músculos cardíacos aumenta drasticamente. Por conseguinte, a
estimulação simpática pode aumentar o débito cardíaco em 2 a 3 vezes. O coração apresenta um tônus simpático de
repouso; desse modo, a inibição do sistema simpático diminui a frequência cardíaca e a força de contração do
coração, com consequente redução do débito cardíaco. Isso é explicado de modo detalhado no Capítulo 20.
A estimulação parassimpática afeta principalmente os átrios e pode diminuir drasticamente a frequência cardíaca
e ligeiramente a força de contração dos ventrículos. O efeito combinado diminui o débito cardíaco em 50% ou mais.
A contratilidade cardíaca é afetada por diversos fatores. Entre os fatores que afetam a contratilidade
cardíaca, destacam-se as concentrações extracelulares de eletrólitos. O excesso de potássio no líquido extracelular
faz o coração se tornar flácido e reduz a frequência cardíaca, causando, assim, uma acentuada diminuição da
contratilidade. O excesso de cálcio no líquido extracelular faz o coração sofrer contração espástica. Em contrapartida,
a diminuição da concentração de íons cálcio torna o coração flácido.
A avaliação da contratilidade cardíaca demonstrou ser difícil. A taxa de mudança da pressão ventricular ou dP/dt
tem sido utilizada como índice de contratilidade, particularmente o pico dP/dt. Entretanto, esse índice é afetado tanto
pela pré quanto pela pós-carga.
CAPÍTULO 10

Excitação Rítmica do Coração

O coração tem um sistema especial de autoexcitação de impulsos rítmicos para provocar a sua contração repetida.
Esse sistema conduz os impulsos por todo o coração e provoca a contração dos átrios em um sexto de segundo antes
da contração dos ventrículos, o que possibilita o enchimento extra dos ventrículos com sangue antes da contração.

SISTEMA EXCITATÓRIO E CONDUTOR ESPECIALIZADO DO CORAÇÃO

As partes do sistema de condução rítmico e suas respectivas funções são as seguintes:

Nó sinusal (ou nó sinoatrial), que inicia o impulso cardíaco e, em geral, serve como marca-passo do coração
Feixes internodais, que conduzem os impulsos do nó sinusal para o nó atrioventricular (AV)
Nó AV, que retarda os impulsos provenientes dos átrios para os ventrículos
Feixe AV, que retarda e conduz os impulsos provenientes do nó AV para os ventrículos
Ramos direito e esquerdo do feixe de fibras de Purkinje, que conduzem impulsos para todas as partes dos
ventrículos.

O nó sinusal controla a frequência de batimentos de todo o coração. O potencial de membrana de


uma fibra do nó sinusal é de –55 a –60 mV, em comparação com –85 a –90 mV de uma fibra muscular ventricular.
O potencial de ação no nó sinusal é causado pelos seguintes eventos:

Os canais rápidos de sódio são inativados durante o potencial de membrana de repouso normal; porém, nesse
potencial, ocorre o extravasamento lento de sódio para o interior da fibra
Entre os potenciais de ação, o potencial de repouso aumenta gradualmente, devido ao escoamento lento de sódio, até
o potencial alcançar –40 mV
Nesse potencial, os canais de cálcio tipo L tornam-se ativados, o que possibilita a rápida entrada de cálcio,
provocando, assim, o potencial de ação. Por conseguinte, a permeabilidade das fibras nodais sinusais ao sódio e ao
cálcio provoca autoexcitação
Um número acentuadamente aumentado de canais de potássio abrem‑se em cerca de 100 a 150 milissegundos após a
abertura dos canais de cálcio tipo L, possibilitando a saída de potássio das células. Isso faz o potencial de membrana
voltar ao seu potencial de repouso, e o ciclo de autoexcitação começa mais uma vez, com escoamento lento de sódio
para dentro das fibras nodais sinusais.

As vias internodais e interatriais transmitem os impulsos cardíacos através dos átrios. A via
internodal é constituída pelas seguintes partes: a via internodal anterior, a via internodal média e a via internodal
posterior; todas elas transmitem impulsos do nó sinoatrial para o nó AV. Alguns feixes de fibras musculares atriais
transmitem impulsos mais rapidamente do que o músculo atrial normal, e um desses feixes, o feixe interatrial
anterior (também denominado feixe de Bachmann), conduz impulsos do átrio direito para a parte anterior do átrio
esquerdo.

Tabela 10.1Tempo de chegada do impulso.

Nó sinusal 0s
Nó atrioventricular 0,03 s
Feixe atrioventricular 0,12 s
Septo ventricular 0,16 s

O nó atrioventricular retarda a condução dos impulsos dos átrios para os ventrículos. Esse retardo
possibilita o esvaziamento do conteúdo dos átrios dentro dos ventrículos antes que ocorra a contração ventricular. A
Tabela 10.1 mostra o tempo de chegada de impulsos em partes do sistema de condução a partir de um impulso
iniciado no nó sinusal.
Observe que ocorre um atraso de 0,09 segundo entre o nó AV e o feixe AV. A velocidade de condução desse
sistema é de apenas 0,02 a 0,05 m/segundo, ou 1/12 da velocidade do músculo cardíaco normal. As razões dessa
condução lenta no nó e no feixe AV são as seguintes: (1) o potencial de membrana é muito menos negativo no nó e
no feixe AV do que no músculo cardíaco normal; e (2) existe um número pequeno de junções comunicantes entre as
células no nó e no feixe AV, de modo que a resistência ao fluxo de íons é grande.
Transmissão rápida do impulso cardíaco no sistema Purkinje ventricular. O feixe AV situa-se logo
abaixo do endocárdio e é o primeiro a receber o impulso cardíaco. Em seguida, o feixe AV divide-se nos ramos
esquerdo e direito. As fibras de Purkinje normalmente conduzem o impulso cardíaco para dentro dos ventrículos. O
sistema de Purkinje apresenta as seguintes características:

Os potenciais de ação viajam a uma velocidade de 1,5 a 4,0 m/segundo, o que corresponde a seis vezes a velocidade
no músculo cardíaco
A alta permeabilidade das junções comunicantes presentes nos discos intercalares entre as células das fibras de
Purkinje provavelmente causa a alta velocidade de transmissão.

Os sincícios atrial e ventricular são separados e isolados um do outro. Os métodos dessa separação
são os seguintes: os átrios e os ventrículos são separados por uma barreira fibrosa, que atua como isolante elétrico,
forçando os impulsos atriais a entrarem nos ventrículos através do feixe AV.
A transmissão dos impulsos através do músculo cardíaco ocorre a uma velocidade de 0,3 a 0,5
m/segundo. Como as fibras de Purkinje estão situadas logo abaixo do endocárdio, o potencial de ação propaga-se
no restante do músculo ventricular a partir dessa área. Em seguida, os impulsos cardíacos viajam pelas espirais do
músculo cardíaco e, por fim, alcançam a superf ície epicárdica. O tempo de trânsito do endocárdio para o epicárdio é
de 0,03 segundo. A última parte do coração a ser estimulada é a superf ície epicárdica do ventrículo esquerdo, na
base do coração. O tempo de transmissão a partir dos ramos iniciais do feixe até essa superf ície epicárdica é de cerca
de 0,06 segundo.

CONTROLE DA EXCITAÇÃO E DA CONDUÇÃO NO CORAÇÃO

O nó sinusal é o marca‑passo natural do coração. As taxas rítmicas intrínsecas das diferentes áreas do
coração são mostradas na Tabela 10.2.

Tabela 10.2Taxa de descarga intrínseca.

Origem da descarga Vezes/minuto


Nó sinusal 70 a 80
Nó atrioventricular 40 a 60
Sistema de Purkinje 15 a 40

O nó sinusal é o marca-passo natural, visto que a sua descarga é mais rápida que a dos outros tecidos no sistema
de condução cardíaco. Quando o nó sinusal descarrega, ele envia impulsos ao nó AV e às fibras de Purkinje,
provocando a sua descarga antes que eles possam descarregar intrinsecamente. Em seguida, os tecidos e o nó sinusal
se repolarizam ao mesmo tempo, porém o nó sinusal perde a sua hiperpolarização mais rapidamente e descarrega
mais uma vez – antes que o nó AV e as fibras de Purkinje possam sofrer autoexcitação. Em certas ocasiões, algum
tecido cardíaco desenvolve uma taxa rítmica mais rápida que a do nó sinusal; isso é denominado marca‑passo
ectópico. A localização mais comum desse novo marca-passo é o nó AV ou na porção penetrante do feixe AV.
Ocorre bloqueio AV quando os impulsos não passam dos átrios para os ventrículos. Durante o
bloqueio AV, os átrios continuam o seu batimento normal, porém o marca-passo ventricular situa-se no sistema de
Purkinje, que normalmente descarrega em uma taxa de 15 a 40 batimentos por minuto (bpm). Após um bloqueio
súbito, o sistema de Purkinje não emite impulsos rítmicos por 5 a 30 segundos, visto que foi saturado pelo ritmo
sinusal. Por conseguinte, durante esse período, os ventrículos não conseguem se contrair, e o indivíduo pode
desmaiar, devido à ausência de fluxo sanguíneo cerebral. Essa condição é denominada síndrome de Stokes‑Adams.

Nervos simpáticos e parassimpáticos controlam a ritmicidade do coração e a condução do impulso


pelos nervos cardíacos
A estimulação parassimpática (vagal) retarda o ritmo e a condução cardíacos. A estimulação dos
nervos parassimpáticos para o coração libera o neurotransmissor acetilcolina das terminações nervosas vagais. A
acetilcolina produz os seguintes efeitos:

Diminuição da taxa de descarga do nó sinusal


Diminuição da excitabilidade das fibras entre o músculo atrial e o nó AV.

A frequência cardíaca diminui pela metade do normal com uma estimulação vagal leve a moderada, porém uma
estimulação forte pode interromper temporariamente os batimentos cardíacos, resultando em ausência de impulsos
através dos ventrículos. Nessas condições, as fibras de Purkinje desenvolvem o seu próprio ritmo em 15 a 40 bpm.
Esse fenômeno é denominado escape ventricular.
Os mecanismos dos efeitos vagais sobre a frequência cardíaca são os seguintes:

A acetilcolina aumenta a permeabilidade do nó sinusal e das fibras juncionais AV ao potássio, o que provoca a
hiperpolarização desses tecidos e os torna menos excitáveis.
O potencial de membrana das fibras do nó sinusal diminui de –55 a –60 mV para –65 a –75 mV.

Devido ao maior potencial negativo, a taxa normal de aumento no potencial de membrana, causada pelo
extravasamento de sódio nesses tecidos, requer muito mais tempo para alcançar o limiar de autoexcitação.
A estimulação simpática aumenta o ritmo e a condução cardíacos. A estimulação dos nervos
simpáticos para o coração tem os seguintes três efeitos básicos:

Aumenta a taxa de descarga do nó sinusal


Aumenta a taxa de condução dos impulsos cardíacos em todas as partes do coração
Aumenta a força de contração tanto no músculo atrial quanto no músculo ventricular.

A estimulação simpática libera noradrenalina nas terminações nervosas simpáticas, o que estimula os receptores
adrenérgicos. Os mecanismos dos efeitos da noradrenalina sobre o coração ainda não foram esclarecidos, porém
acredita-se que envolvam dois efeitos básicos. Em primeiro lugar, acredita-se que a noradrenalina aumente a
permeabilidade das fibras musculares cardíacas ao sódio e ao cálcio, o que aumenta o potencial de membrana em
repouso e torna o coração mais excitável; em consequência, a frequência cardíaca aumenta. Em segundo lugar, a
maior permeabilidade ao cálcio aumenta a força de contração do músculo cardíaco.
CAPÍTULO 11

Fundamentos da Eletrocardiografia

Conforme a onda de despolarização passa através do coração, as correntes elétricas propagam-se dentro do tecido
circundante, e uma pequena parte delas alcança a superfície do corpo. O potencial elétrico gerado por essas correntes
pode ser registrado com eletrodos, que são colocados sobre a pele em lados opostos do coração. Esse registro é
denominado eletrocardiograma (ECG).
O ECG normal (Figura 9.1) é composto da seguinte maneira:

Uma onda P, que é causada pelo potencial elétrico gerado a partir da despolarização dos átrios antes de sua
contração
Um complexo QRS, que é causado pelo potencial elétrico gerado a partir dos ventrículos antes de sua contração
Uma onda T, que é causada pelo potencial gerado a partir da repolarização dos ventrículos.

As contrações atriais e ventriculares estão associadas às ondas do eletrocardiograma. Na Figura


9.1, as relações entre o ECG e as contrações atriais e ventriculares podem ser vistas e indicam o seguinte:

A onda P precede imediatamente a contração atrial


O complexo QRS precede imediatamente a contração ventricular
Os ventrículos permanecem contraídos por alguns milissegundos após o término da onda T de repolarização
Os átrios permanecem contraídos até serem repolarizados, porém uma repolarização atrial normalmente não pode ser
vista no ECG, visto que ela é obscurecida pelo complexo QRS
O intervalo P-Q ou P-R no ECG tem um valor normal de 0,16 segundo, que é a duração de tempo entre a primeira
deflexão da onda P e o início do complexo QRS;
isso representa o tempo entre o início da contração atrial e o início da contração ventricular
O intervalo Q-T tem um valor normal de 0,35 segundo, que é a duração de tempo entre o início da onda Q e o
término da onda T. Esse valor se aproxima do tempo de contração ventricular
A frequência cardíaca pode ser determinada com a recíproca do intervalo de tempo entre cada batimento cardíaco ou
a recíproca do intervalo R-R (tempo entre duas ondas R sucessivas).

Durante o processo de despolarização, a corrente elétrica média flui da base do coração para o
ápice. O coração está suspenso em um meio altamente condutor; por conseguinte, quando uma área do coração se
despolariza, a corrente flui a partir dessa área em direção a uma área polarizada. A primeira área que se despolariza é
o septo ventricular, e a corrente flui rapidamente a partir dessa área para as outras superfícies endocárdicas do
ventrículo. Em seguida, a corrente flui das superfícies internas eletronegativas do coração para as superfícies
externas eletropositivas, com o fluxo de corrente média da base do coração para o ápice em um padrão elíptico.
Durante essa despolarização, um eletrodo colocado próximo à base do coração será eletronegativo, ao passo que
aquele colocado próximo ao ápice será eletropositivo.

DERIVAÇÕES ELETROCARDIOGRÁFICAS

As derivações bipolares dos membros envolvem um eletrocardiograma registrado a partir de


eletrodos localizados em dois membros diferentes; existem três derivações bipolares padrão dos
membros:

Para o registro da derivação I, o terminal negativo do ECG é conectado ao braço direito, ao passo que o terminal
positivo é conectado ao braço esquerdo. Durante o ciclo de despolarização, o ponto em que o braço direito se conecta
ao tórax é eletronegativo, em comparação com o ponto em que o braço esquerdo se conecta, de modo que o ECG tem
um registro positivo quando essa derivação é utilizada
Para registrar a derivação II, o terminal negativo do ECG é conectado ao braço direito, e o terminal positivo, à perna
esquerda. Durante a maior parte do ciclo de despolarização, a perna esquerda é eletropositiva, em comparação com o
braço direito, de modo que o ECG tem um registro positivo quando essa derivação é utilizada
Para registrar a derivação III, o terminal negativo do ECG é conectado ao braço esquerdo, e o terminal positivo, à
perna esquerda. Durante a maior parte do ciclo de despolarização, a perna esquerda é eletropositiva, em comparação
com o braço esquerdo, de modo que o ECG tem um registro positivo quando essa derivação é utilizada.

A lei de Einthoven estabelece que o potencial elétrico de qualquer derivação dos membros
equivale à soma dos potenciais das outras duas derivações dos membros. Os sinais positivos e
negativos das várias derivações precisam ser observados quando se utiliza a lei de Einthoven. Essa lei declara que, se
os ECGs forem registrados simultaneamente com as três derivações dos membros, a soma dos potenciais registrados
nas derivações I e III será igual ao potencial na derivação II.

Potencial de derivação I + Potencial de derivação III = Potencial de derivação II

O exemplo anterior ilustra a lei de Einthoven. Como mostra a Figura 11.6 do Tratado de Fisiologia Médica, 14a
edição, o braço direito é –0,2 mV em relação ao potencial médio do corpo, o braço esquerdo é +0,3 mV e a perna
esquerda é +1,0 mV. Quando se observam os medidores da figura, pode-se perceber que a derivação I registra um
potencial positivo de +0,5 mV, visto que essa é a diferença entre –0,2 mV no braço direito e +0,3 mV no braço
esquerdo. De modo semelhante, a derivação III registra um potencial positivo de +0,7 mV, e a derivação II registra
um potencial positivo de +1,2 mV, visto que essas são as diferenças de potencial instantâneas entre os respectivos
pares de membros.
O uso dos dados mencionados mostra que a soma das voltagens nas derivações I e III é igual à voltagem na
derivação II, ou seja, +0,5 + 0,7 = 1,2. Do ponto de vista matemático, esse princípio, denominado lei de Einthoven, é
válido em qualquer instante determinado, enquanto os três ECG bipolares padrão estão sendo registrados.
As derivações torácicas (derivações precordiais) podem ser utilizadas para a detecção de
anormalidades elétricas mínimas nos ventrículos. As derivações torácicas (precordiais), conhecidas como
derivações V1, V2, V3, V4, V5 e V6, são conectadas ao terminal positivo do ECG, e o eletrodo indiferente, ou eletrodo
negativo, é simultaneamente conectado ao braço esquerdo, à perna esquerda e ao braço direito. Os registros QRS das
derivações V1 e V2, que são colocadas sobre o coração, próximo à base, geralmente fornecem uma leitura negativa,
ao passo que os registros QRS das derivações V4, V5 e V6, que estão mais próximas do ápice, fornecem com
frequência uma leitura positiva. Como essas derivações podem registrar o potencial elétrico imediatamente abaixo do
eletrodo, é possível detectar pequenas alterações no potencial elétrico da musculatura cardíaca, como as geradas por
um infarto agudo do miocárdio.
As derivações aumentadas também são utilizadas no registro dos eletrocardiogramas. Outro
sistema de derivações amplamente utilizado é o das derivações aumentadas dos membros. Nesse tipo de registro,
dois dos membros são conectados por meio de resistências elétricas ao terminal negativo do ECG, e o terceiro
membro é conectado ao terminal positivo. Quando o terminal positivo está no braço direito, a derivação é conhecida
como derivação aVR; quando o terminal positivo está no braço esquerdo, é conhecida como derivação aVL; e
quando o terminal positivo está na perna esquerda (ou no pé), é conhecida como derivação aVF.
CAPÍTULO 12

Interpretação Eletrocardiográfica de Anormalidades no Músculo Cardíaco


e no Fluxo Sanguíneo Coronariano: Análise Vetorial

Qualquer mudança na transmissão de impulsos através do coração altera os potenciais elétricos ao redor dele, o que
provoca alterações das ondas no eletrocardiograma. Por conseguinte, as anormalidades do músculo cardíaco podem
ser detectadas, em sua maioria, pela análise do eletrocardiograma (ECG).

ANÁLISE VETORIAL DO ELETROCARDIOGRAMA

Os vetores podem representar potenciais elétricos. Vários princípios são utilizados na análise vetorial
dos potenciais elétricos:

A corrente no coração flui da área de despolarização para as áreas polarizadas, e o potencial elétrico gerado pode ser
representado por um vetor, com a ponta da seta apontando na direção positiva. A cauda do vetor está sempre onde
começa a despolarização
O comprimento do vetor é proporcional à voltagem do potencial
O potencial gerado em qualquer circunstância pode ser representado por um vetor médio instantâneo
No Capítulo 11, são descritas as três derivações bipolares padrão e as três derivações unipolares dos membros. Cada
derivação é um par de eletrodos conectados ao corpo em lados opostos do coração; a direção do eletrodo negativo
para o eletrodo positivo é denominada eixo da derivação. Os eixos dessas derivações são mostrados na Figura 12.1
Quando um vetor é horizontal e aponta para o lado esquerdo do indivíduo, o eixo é definido como 0 grau
A escala dos vetores gira em sentido horário a partir do ponto de referência de 0 grau
O eixo da derivação I é 0 grau, visto que os eletrodos estão situados na direção horizontal em cada um dos braços
O eixo da derivação II é +60°, visto que o braço direito está conectado ao tronco no canto superior direito, ao passo
que a perna esquerda está conectada ao tronco no canto inferior esquerdo
Quando o vetor que representa o fluxo médio de corrente contínua no coração é perpendicular ao eixo de uma das
derivações bipolares dos membros, a voltagem registrada no ECG nessa derivação é muito baixa
Quando o vetor tem aproximadamente a mesma direção que o eixo de uma das derivações bipolares dos membros,
quase toda a voltagem é registrada nessa derivação.

O eletrocardiograma normal representa os vetores que ocorrem durante alterações do potencial


elétrico no ciclo cardíaco:

A onda P representa a despolarização dos átrios, que se inicia no nó sinusal e se propaga em todas as direções;
contudo, os pontos médios do vetor apontam para o nó atrioventricular (AV)
O complexo QRS representa a despolarização ventricular, que começa no septo ventricular e prossegue em direção
ao ápice do coração, com direção média de 59°


Figura 12.1 Eixos das derivações bipolares e unipolares padrão. aVF: terminal positivo
na perna (ou pé) esquerda; aVL: terminal positivo no braço esquerdo; aVR: terminal
positivo no braço direito; I a III: derivações.

A onda T representa a repolarização do ventrículo, que normalmente começa próximo ao ápice do coração e
prossegue em direção à base. Como o músculo cardíaco próximo ao ápice torna-se eletropositivo após se repolarizar,
enquanto o músculo próximo da base ainda está eletronegativo, o vetor de onda T apresenta uma direção semelhante
à do complexo QRS.

Vários fatores deslocam o eixo elétrico médio dos ventrículos para a esquerda (sentido
anti‑horário):

Alterações na posição do coração, como as que ocorrem durante a expiração ou quando a pessoa se deita, visto que
o conteúdo abdominal exerce pressão para cima contra o diafragma
Acúmulo de gordura abdominal, que também exerce pressão para cima sobre o coração
Hipertrofia do ventrículo esquerdo, causada por hipertensão, estenose da valva aórtica ou insuficiência aórtica.

O desvio do eixo esquerdo pode ser causado por hipertensão, que resulta em hipertrofia ventricular esquerda. Em
indivíduos com essa condição, ocorre o aumento da massa do ventrículo esquerdo e, portanto, da carga elétrica total
nesse lado do coração. Assim, o término positivo do vetor do ECG aponta para o aumento da carga. Observe, na
Figura 12.12 do Tratado de Fisiologia Médica, 14a edição, que os vetores das derivações I e III são representados e
que a linha tracejada vertical se estende a partir das extremidades desses vetores. O vetor resultante é traçado a partir
da origem da intersecção das duas linhas tracejadas e representa o eixo elétrico médio nessa condição.
Vários fatores deslocam o eixo elétrico médio dos ventrículos para a direita (sentido horário):

Inspiração
Posição em pé
Ausência de gordura abdominal, permitindo a rotação do coração em sentido horário, em comparação com o
indivíduo normal
Hipertrofia ventricular direita.

CONDIÇÕES QUE CAUSAM VOLTAGENS ANORMAIS DO COMPLEXO QRS


A hipertrofia do coração aumenta a voltagem do complexo QRS. O ECG é considerado de alta
voltagem quando a soma das voltagens das ondas QRS das três derivações padrão dos membros ultrapassa 4 mV. A
determinação é realizada pela soma dos valores absolutos de cada voltagem. A causa mais comum de complexos
QRS de alta voltagem é a hipertrofia ventricular direita ou esquerda.
Condições que diminuem a voltagem do complexo QRS:

Os corações com infartos agudos do miocárdio antigos apresentam diminuição da massa muscular cardíaca. Essa
condição também retarda a onda de condução através do coração e diminui a quantidade de músculo que é
despolarizada de uma vez. Por conseguinte, ocorrem diminuição da voltagem QRS e prolongamento do complexo
QRS
As doenças infiltrativas do coração, como amiloidose cardíaca, podem levar à deposição de proteínas anormais no
músculo cardíaco, o que reduz as voltagens eletrocardiográficas, apesar do aumento da massa cardíaca
As condições que circundam o coração podem causar um “curto‑circuito” no potencial elétrico cardíaco. Tanto o
líquido no pericárdio (derrame pericárdico) quanto a efusão pleural (derrame pleural) conduzem as correntes ao
redor do coração e evitam que grande parte da voltagem alcance a superfície do corpo. O enfisema pulmonar também
diminui a condução dos potenciais cardíacos, visto que o volume excessivo de ar nos pulmões isola o coração.

Condições que causam prolongamento do complexo QRS:

A causa mais comum de complexo QRS estendido é a condução prolongada através dos ventrículos, que ocorre em
corações tanto hipertrofiados quanto dilatados e aumenta a duração das ondas QRS em cerca de 0,02 a 0,05 segundo
O bloqueio dos impulsos no sistema de Purkinje prolonga o complexo QRS, visto que a duração da despolarização
ventricular aumenta em um ou em ambos os ventrículos.

CORRENTE DE LESÃO

Diversas anormalidades fazem uma parte do coração permanecer despolarizada o tempo todo; a corrente que flui da
área despolarizada para as áreas polarizadas do coração é denominada corrente de lesão. Algumas anormalidades
que podem causar a corrente de lesão são as seguintes:

Trauma mecânico
Processos infecciosos que danificam a membrana do músculo cardíaco
Isquemia coronariana, devido à doença aterosclerótica (causa mais comum).

O eixo da corrente de lesão pode ser determinado com o eletrocardiograma. Quando parte do
coração é lesionada e emite uma corrente de lesão, o único momento em que o coração volta ao potencial zero é no
fim do complexo QRS, visto que todo o coração está despolarizado nesse momento (ver Figura 9.1). O eixo da
corrente de lesão é determinado da seguinte maneira:

Em primeiro lugar, determina‑se o ponto J, que é o ponto de potencial zero no fim do complexo QRS.
Determina‑se o nível do segmento TP em relação ao ponto J nas três derivações padrão.
Efetua‑se a plotagem das voltagens nas coordenadas das três derivações para determinar o eixo da corrente de lesão
e verificar que a extremidade negativa do vetor se origina na área lesionada dos ventrículos.

A localização de infartos agudos do miocárdio pode ser diagnosticada pelo eletrocardiograma. A


corrente de lesão também é útil para determinar se o infarto ocorreu em uma parte específica do coração. Um
potencial de lesão negativo encontrado em uma das derivações precordiais indica que esse eletrodo está em uma área
de forte potencial negativo e que a corrente de lesão se origina na parede anterior dos ventrículos. Em contrapartida,
um segmento TP positivo em relação ao ponto J indica a existência de um infarto na parede ventricular posterior.

ANORMALIDADES NA ONDA T

Normalmente, o ápice do ventrículo se repolariza antes da base, e a onda T resultante apresenta um eixo elétrico
médio semelhante ao do complexo QRS. Várias condições alteram o eixo elétrico da onda T:
Durante o bloqueio de ramo, um dos ventrículos se despolariza antes do outro. O primeiro ventrículo a se
despolarizar também é o primeiro a se repolarizar, o que provoca o desvio do eixo na onda T. Por conseguinte, o
bloqueio do ramo esquerdo provoca um desvio de eixo para a direita na onda T
Durante o encurtamento na despolarização da base do coração, a base se repolariza antes do ápice, o que inverte a
onda T. A causa mais comum de encurtamento da despolarização é a isquemia leve do músculo cardíaco na base dos
ventrículos.
CAPÍTULO 13

Arritmias Cardíacas e sua Interpretação Eletrocardiográfica

Com frequência, a disfunção cardíaca não ocorre devido à anormalidade do músculo cardíaco, mas sim devido ao
ritmo anormal do coração. As causas das arritmias cardíacas incluem: (1) ritmicidade anormal do nó sinusal, (2)
deslocamento do marca-passo do nó sinusal para outras partes do coração, (3) bloqueio da transmissão do impulso no
coração, (4) anormalidades na via de transmissão do coração e (5) geração espontânea de impulsos anormais em
qualquer parte do coração.

RITMOS SINUSAIS ANORMAIS

Estimulação do marca‑passo do coração provoca taquicardia. O aumento da frequência cardíaca,


denominado taquicardia, é normalmente definido como uma frequência cardíaca superior a 100 batimentos por
minuto (bpm). As causas de taquicardia com início sinusal incluem as seguintes:

Aumento da temperatura corporal


Estimulação simpática do coração, que ocorre após a perda de sangue ou desidratação, diminuindo a pressão arterial
e aumentando a estimulação simpática por meio de mecanismos barorreceptores; nessas circunstâncias, a frequência
cardíaca pode aumentar até 150 a 180 bpm
Hipertireoidismo
Dor ou ansiedade
Estimulantes, como nicotina, cafeína ou substâncias ilícitas (p. ex., cocaína ou anfetaminas).

Estimulação vagal causa bradicardia. Uma frequência cardíaca lenta, geralmente de menos de 60 bpm, é
denominada bradicardia. A estimulação do nervo vago diminui a frequência cardíaca, devido à liberação do agente
transmissor parassimpático, a acetilcolina, que diminui o potencial de membrana do nó sinusal. Na síndrome do seio
carotídeo, um processo aterosclerótico provoca a sensibilidade excessiva dos barorreceptores na parede arterial. Em
consequência, o aumento da pressão externa sobre o pescoço faz a placa aterosclerótica no seio carotídeo estimular
os barorreceptores, que, então, estimulam o nervo vago e causam bradicardia.

BLOQUEIO CARDÍACO NAS VIAS DE CONDUÇÃO INTRACARDÍACA

Raramente, o impulso do nó sinoatrial é bloqueado antes de sua entrada no músculo atrial, condição denominada
bloqueio sinoatrial. Nessa condição, a onda P pode ser obscurecida pela onda QRS, e os ventrículos adquirem um
ritmo que geralmente se origina do nó atrioventricular (AV). A frequência cardíaca esperada com o nó AV como
marca-passo seria de 40 a 60 bpm.
O bloqueio atrioventricular inibe ou bloqueia os impulsos que se originam no nó sinoatrial. As
seguintes condições causam o bloqueio AV:

Isquemia do nó AV ou do feixe AV, que ocorre durante a isquemia coronariana se a região da isquemia incluir o nó ou
o feixe AV
Compressão do feixe AV, que pode ser causada por tecido cicatricial ou áreas calcificadas do coração
Inflamação do nó ou do feixe AV, que pode ocorrer durante a miocardite, a difteria ou a febre reumática
Estimulação vagal intensa do coração
Medicamentos, como digitálicos ou betabloqueadores.

Podem ocorrer os seguintes tipos de bloqueio AV:

Bloqueio de primeiro grau. Nessa condição, o intervalo PR (ou PQ) aumenta de um valor normal de 0,16 segundo
para mais de 0,20 segundo em um coração que está batendo em uma frequência normal
Bloqueio de segundo grau. Quando a condução através da junção AV diminui o suficiente para aumentar o intervalo
PR de 0,25 segundo para 0,45 segundo, apenas uma parte dos impulsos passa através do ventrículo. Por conseguinte,
os átrios batem mais rapidamente do que os ventrículos, e ocorrem batimentos ausentes (ou batimentos faltantes) dos
ventrículos
No bloqueio AV de segundo grau de Mobitz tipo I (também denominado fenômeno de Wenckebach), ocorre o
prolongamento progressivo do intervalo PR até ocorrer um batimento ventricular faltante, seguido, então, de
reinicialização do intervalo PR
No bloqueio AV de segundo grau de Mobitz tipo II, há um número fixo de ondas P não conduzidas para cada
complexo QRS. Diferentemente do bloqueio de segundo grau tipo I, que geralmente é benigno, o bloqueio AV de
segundo grau tipo II com frequência exige o implante de um marca-passo para evitar a ocorrência de síncope e
parada cardíaca
Bloqueio de terceiro grau. Trata-se do bloqueio completo da junção AV, com dissociação completa das ondas P e do
complexo QRS. Por conseguinte, os ventrículos “escapam” da influência do marca-passo sinoatrial. Nessa condição,
não ocorrem batimentos faltantes, porém eles apresentam um ritmo de escape ventricular lento. A condição em que o
bloqueio AV vai e vem é denominada síndrome de Stokes‑Adams.

CONTRAÇÕES PREMATURAS

A maioria das contrações prematuras (extrassístoles) resulta de focos ectópicos que geram impulsos cardíacos
anormais. As seguintes condições causam focos ectópicos:

Isquemia local
Inflamação do músculo cardíaco, em consequência de pressão por placa calcificada
Irrigação tóxica do nó AV, do sistema de Purkinje ou do miocárdio por medicamentos, substâncias ou estimulantes,
como nicotina e cafeína.

Os focos ectópicos podem causar contrações prematuras que se originam no átrio, na junção AV
ou no ventrículo. As consequências das contrações prematuras são as seguintes:

Contrações atriais prematuras. O intervalo PR diminui nessa condição, e a quantidade depende de quão longe a
origem do foco ectópico está da junção AV. A contração atrial prematura produz batimentos ventriculares
prematuros, que podem ter um déficit de pulso se os ventrículos não tiverem tempo suficiente para se encher de
sangue
Contrações prematuras no nó e no feixe AV. Com frequência, a onda P falta no eletrocardiograma, visto que é
sobreposta ao complexo QRS
Contrações ventriculares prematuras. Os focos ectópicos originam-se no ventrículo, e, com frequência, o complexo
QRS é prolongado, visto que os impulsos precisam passar através do músculo cardíaco, que os conduz em uma taxa
muito mais lenta do que o sistema de Purkinje. A voltagem QRS aumenta, uma vez que um dos lados do coração se
despolariza antes do outro, o que causa um grande potencial elétrico entre os músculos despolarizado e polarizado.
Por conseguinte, as contrações ventriculares prematuras (CVP) normalmente exibem complexos QRS amplos de alta
voltagem.

TAQUICARDIA PAROXÍSTICA

Acredita-se que a taquicardia paroxística seja causada por vias reentrantes, que estabelecem uma autoexcitação
repetida local. O ritmo rápido da área faz ela se tornar o novo marca-passo cardíaco. A taquicardia paroxística indica
que a frequência cardíaca aumenta em rápidas rajadas e, depois de alguns segundos, minutos ou horas, retorna ao
normal. O tratamento consiste na administração de agentes farmacológicos que diminuem a permeabilidade do
músculo cardíaco ao sódio ou ao potássio e, portanto, inibem a descarga rítmica rápida da área irritável.
Existem dois tipos básicos de taquicardia paroxística:

Taquicardia atrial paroxística. Quando a origem da taquicardia está no átrio, porém não está próxima ao nó
sinoatrial, aparece uma onda P invertida, causada pela despolarização atrial na direção oposta à normal. Quando o
ritmo anormal se origina no nó AV, as ondas P são obscurecidas ou invertidas; essa condição é denominada
taquicardia supraventricular
Taquicardia ventricular. Esse tipo de taquicardia normalmente não ocorre a não ser que haja isquemia significativa
nos ventrículos. Com frequência, essa anormalidade inicia uma fibrilação letal.

FIBRILAÇÃO VENTRICULAR

A fibrilação ventricular é a mais grave de todas as arritmias cardíacas. Ela ocorre quando um impulso estimula
primeiro uma parte dos músculos ventriculares e, em seguida, outra até finalmente estimular a si próprio. Essa
estimulação faz muitas porções dos ventrículos se contraírem ao mesmo tempo, enquanto outras partes relaxam. Por
conseguinte, os impulsos viajam ao redor do músculo cardíaco; esse fenômeno também é denominado movimentos
circulares.

Movimentos circulares
Os movimentos circulares são a base da fibrilação ventricular. Quando um impulso percorre todo o ventrículo
normal, ele morre, visto que todo o músculo ventricular se encontra em um estado refratário. Entretanto, três
condições permitem que o impulso continue em torno do coração, dando início a movimentos circulares:

Aumento da distância da via em torno do ventrículo. No momento em que os impulsos retornam ao músculo
originalmente estimulado, este não se encontra mais em um estado refratário, de modo que o impulso continua
viajando ao redor do coração. É provável que isso ocorra particularmente em corações que estão dilatados ou que
apresentam doença valvar ou outras condições com uma via longa de condução
Diminuição da velocidade de condução. No momento em que o impulso mais lento viaja ao redor do coração, o
músculo não é mais refratário a um novo impulso e é novamente estimulado. Esse fenômeno ocorre com frequência
no sistema de Purkinje durante a isquemia do músculo cardíaco ou na presença de altas concentrações de potássio no
sangue
Encurtamento do período refratário dos músculos. Essa condição possibilita a estimulação repetida à medida que o
impulso viaja ao redor do coração e ocorre após a administração de adrenalina ou após a estimulação elétrica
repetitiva.

A desfibrilação cardíaca faz praticamente todas as partes dos ventrículos se tornarem refratárias. Do ponto de
vista clínico, o coração pode ser desfibrilado pela aplicação de uma corrente contínua de alta voltagem através do
tórax com eletrodos colocados em ambos os lados do coração.

FIBRILAÇÃO ATRIAL

Como os átrios e os ventrículos estão isolados uns dos outros, pode ocorrer fibrilação ventricular sem fibrilação atrial
e vice-versa. As causas da fibrilação atrial são idênticas às da fibrilação ventricular. As causas frequentes da
fibrilação atrial incluem aumento do átrio esquerdo em decorrência de lesões da valva mitral ou de pressão
ventricular esquerda cronicamente elevada devido à pressão arterial mal controlada. Os átrios não bombeiam se
estiverem fibrilando, e a eficiência do bombeamento ventricular diminui de 20 a 30%. Um indivíduo pode viver
durante anos com fibrilação atrial, embora haja alguma debilidade cardíaca.
O flutter atrial é diferente da fibrilação atrial, visto que uma única onda grande frontal se propaga repetidamente
ao redor dos átrios. Assim, os átrios se contraem 250 a 300 vezes por minuto; como um dos lados do átrio se contrai
enquanto o outro relaxa, a força da contração atrial é fraca.
Tanto a fibrilação atrial quanto o flutter atrial podem causar estagnação de sangue nos átrios (em particular, na
aurícula do átrio esquerdo), devido ao comprometimento da função de contração do átrio. Pode haver formação de
coágulos sanguíneos nos átrios, que embolizam para o cérebro, causando isquemia ou acidente vascular encefálico.
Por conseguinte, os pacientes com essas arritmias são frequentemente tratados com anticoagulantes para reduzir o
risco de embolia.
PARTE 4

Circulação

Capítulo 14 Visão Geral da Circulação: Pressão, Fluxo e Resistência

Capítulo 15 Distensibilidade Vascular e Funções dos Sistemas Arterial e Venoso

Capítulo 16 A Microcirculação e o Sistema Linfático: Trocas Capilares, Líquido Intersticial e Fluxo de Linfa

Capítulo 17 Controle Local e Humoral do Fluxo Sanguíneo nos Tecidos

Capítulo 18 Regulação Nervosa da Circulação e Controle Rápido da Pressão Arterial

Capítulo 19 O Papel dos Rins no Controle da Pressão Arterial em Longo Prazo e na Hipertensão

Capítulo 20 Débito Cardíaco, Retorno Venoso e suas Regulações

Capítulo 21 Fluxo Sanguíneo Muscular e Débito Cardíaco durante o Exercício; Circulação Coronariana e Cardiopatia
Isquêmica

Capítulo 22 Insuficiência Cardíaca

Capítulo 23 Valvas e Bulhas Cardíacas; Doenças Cardíacas Valvares e Congênitas

Capítulo 24 Choque Circulatório e seu Tratamento


CAPÍTULO 14

Visão Geral da Circulação: Pressão, Fluxo e Resistência

A função da circulação é suprir as necessidades dos tecidos ao transportar nutrientes até eles, remover produtos de
degradação, transferir hormônios de uma parte do corpo para outra e, em geral, manter as condições homeostáticas
dos líquidos teciduais para a sobrevivência e a função ideal das células.

CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DA CIRCULAÇÃO

A circulação é dividida em circulação pulmonar, que supre os pulmões, e circulação sistêmica (também denominada
circulação periférica), que supre os demais tecidos do corpo. Os elementos funcionais da circulação são os
seguintes:

As artérias, que transportam o sangue sob alta pressão até os tecidos e têm paredes vasculares fortes e rápido fluxo
sanguíneo
As arteríolas, que são os últimos ramos pequenos do sistema arterial e atuam como condutos de controle, por meio
dos quais o sangue é liberado nos capilares. Esses vasos apresentam paredes musculares resistentes, que podem
sofrer contração ou dilatação, o que lhes confere a capacidade de alterar acentuadamente o fluxo sanguíneo para os
capilares, em resposta a mudanças nas necessidades dos tecidos
Os capilares, que realizam a troca de líquidos, nutrientes, produtos de degradação do metabolismo e outras
substâncias entre o sangue e o líquido intersticial. Eles têm paredes finas e são altamente permeáveis a pequenas
moléculas
As vênulas, que coletam o sangue dos capilares e, de modo gradual, coalescem em veias progressivamente maiores
As veias, que atuam como condutos para o transporte de sangue proveniente dos tecidos de volta ao coração. Além
disso, elas atuam como reservatório de sangue, têm paredes finas, baixa pressão e fluxo sanguíneo rápido.

A circulação é um circuito fechado. A contração do lado esquerdo do coração impulsiona o sangue na


circulação sistêmica por meio da aorta, que desemboca em artérias menores, arteríolas e, por fim, capilares. Como os
vasos sanguíneos são passíveis de distensão, cada contração cardíaca causa a distensão dos vasos; durante o
relaxamento do coração, os vasos se retraem, possibilitando a manutenção do fluxo sanguíneo para os tecidos,
mesmo entre os batimentos cardíacos. O sangue que deixa os tecidos entra nas vênulas e, em seguida, flui para veias
cada vez maiores, que transportam o sangue até o lado direito do coração.
Então, o lado direito do coração bombeia o sangue através da artéria pulmonar, das pequenas artérias, das
arteríolas e dos capilares, onde ocorre a troca de oxigênio e dióxido de carbono entre o sangue e os tecidos. A partir
dos capilares pulmonares, o sangue flui para as vênulas e as veias de grande calibre e desemboca no átrio e no
ventrículo esquerdos antes de ser novamente bombeado para a circulação sistêmica.
A alteração do fluxo sanguíneo em qualquer parte da circulação altera transitoriamente o fluxo
em outras partes. A constrição forte das artérias na circulação sistêmica reduz de maneira transitória o débito
cardíaco total e o fluxo sanguíneo para os pulmões tanto quanto o fluxo na circulação sistêmica.
Além disso, a súbita constrição de um vaso sanguíneo precisa ser sempre acompanhada da dilatação oposta da
outra parte da circulação, visto que o volume de sangue não pode se modificar rapidamente, e o sangue não pode ser
comprimido. Por exemplo, uma forte constrição das veias na circulação sistêmica desloca o sangue para o coração,
dilatando-o e causando o seu bombeamento com mais força; esse é um dos mecanismos pelos quais o débito cardíaco
é regulado. Em caso de constrição ou dilatação prolongadas de uma parte da circulação, podem ocorrer alterações no
volume sanguíneo total por meio da troca com o líquido intersticial ou devido a mudanças na excreção de líquidos
pelos rins.
A maior parte do volume sanguíneo está contida nas veias da circulação sistêmica. Cerca de 84%
de todo o volume de sangue encontra-se na circulação sistêmica, com 64% nas veias, 13% nas artérias e 7% nas
arteríolas e nos capilares sistêmicos. O coração contém cerca de 7% do volume de sangue, ao passo que os vasos
pulmonares contêm cerca de 9%.
A velocidade do fluxo sanguíneo é inversamente proporcional à área de seção transversa
vascular. Como aproximadamente o mesmo volume de sangue flui através de cada segmento da circulação, os vasos
com grande área de seção transversa, como os capilares, apresentam menor velocidade do fluxo sanguíneo. As áreas
totais aproximadas de seção transversa dos vasos sistêmicos de um indivíduo médio são apresentadas na tabela a
seguir.

Vaso Área de seção transversa (cm2)


Aorta 2,5
Pequenas artérias 20
Arteríolas 40
Capilares 2.500
Vênulas 250
Pequenas veias 80
Veias cavas 8

Assim, em condições de repouso, a velocidade do fluxo sanguíneo nos capilares é apenas cerca de 1/1.000 da
velocidade do fluxo na aorta.
Pressões nas diversas partes da circulação. Como a ação de bombeamento do coração é pulsátil, a pressão
arterial aórtica aumenta e alcança o seu valor máximo, a pressão sistólica, durante a sístole e cai para o seu valor
mais baixo, a pressão diastólica, ao fim da diástole. No adulto saudável, a pressão sistólica é de cerca de 120 mmHg,
e a pressão diastólica, de 80 mmHg. Essa pressão arterial é geralmente escrita como 120/80 mmHg. A diferença
entre as pressões sistólica e diastólica é denominada pressão de pulso (120 – 80 = 40 mmHg). À medida que o
sangue flui através da circulação sistêmica, a pressão arterial cai progressivamente para cerca de 0 mmHg no
momento em que alcança a porção final da veia cava no átrio direito do coração.
Nos capilares sistêmicos, a pressão varia desde valores altos de 35 mmHg, próximo às extremidades arteriolares,
até valores baixos de 10 mmHg, próximo às extremidades venosas; no entanto, a pressão capilar funcional média é
de cerca de 17 mmHg. Em alguns capilares, como os capilares glomerulares renais, a pressão é muito mais alta e
normalmente alcança, em média, cerca de 60 mmHg.
As pressões na circulação pulmonar são muito mais baixas do que na circulação sistêmica. A
pressão nas artérias pulmonares também é pulsátil, porém a pressão arterial sistólica é de cerca de 25 mmHg, e a
pressão diastólica, de cerca de 8 mmHg, com pressão arterial pulmonar média de apenas 16 mmHg. A pressão
capilar pulmonar é, em média, de apenas 8 mmHg. Contudo, o fluxo sanguíneo total nos pulmões é o mesmo daquele
na circulação sistêmica, devido à menor resistência vascular dos vasos sanguíneos pulmonares.

PRINCÍPIOS BÁSICOS DA FUNÇÃO CIRCULATÓRIA

Embora os detalhes do funcionamento circulatório sejam complexos, três princípios básicos fundamentam as
principais funções do sistema:

O fluxo sanguíneo para a maioria dos tecidos é controlado de acordo com as necessidades do tecido. Os tecidos
necessitam de maior fluxo sanguíneo quando estão em atividade do que quando estão em repouso – em certas
ocasiões, eles necessitam de um fluxo sanguíneo até 20 vezes maior. Os microvasos presentes em cada tecido
monitoram continuamente as necessidades do tecido e controlam o fluxo sanguíneo no nível necessário para a
atividade tecidual. Os mecanismos neurais e hormonais proporcionam um controle adicional do fluxo sanguíneo para
os tecidos
O débito cardíaco representa a soma de todos os fluxos sanguíneos teciduais locais. Após o sangue fluir por um
tecido, ele retorna imediatamente ao coração através das veias. O coração responde de modo automático ao fluxo de
entrada do sangue ao bombear quase a sua totalidade imediatamente de volta para as artérias. Nesse sentido, o
coração responde às demandas dos tecidos, porém, com frequência, necessita da ajuda da estimulação neural para
bombear as quantidades necessárias de fluxo sanguíneo
A pressão arterial com frequência é controlada independentemente do controle do fluxo sanguíneo local ou do
controle do débito cardíaco. O sistema circulatório tem um extenso sistema de controle da pressão arterial. Se a
pressão arterial cair abaixo do normal, uma descarga de reflexos nervosos desencadeia uma série de alterações
circulatórias que elevam a pressão de volta ao normal, incluindo aumento da força de bombeamento do coração,
contração de grandes reservatórios venosos para fornecer mais sangue ao coração e constrição da maioria das
arteríolas em todo o corpo. Para períodos prolongados, os rins desempenham um papel adicional, secretando
hormônios que controlam a pressão e regulando o volume sanguíneo.

INTER‑RELAÇÕES DE PRESSÃO, FLUXO E RESISTÊNCIA

O fluxo de sangue através de um vaso sanguíneo é determinado pelo gradiente de pressão e


pela resistência vascular. O fluxo de sangue através de um vaso pode ser calculado pela fórmula F = ∆P/R, em
que F é o fluxo sanguíneo, ∆P é a diferença de pressão entre as duas extremidades do vaso e R é a resistência
vascular. Observe que é a diferença de pressão entre as extremidades do vaso que fornece a força motriz para o
fluxo, e não a pressão absoluta no vaso. Por exemplo, se a pressão em ambas as extremidades do vaso fosse de 100
mmHg, não haveria fluxo sanguíneo, apesar da elevada pressão.
Em virtude da extrema importância da relação entre pressão, fluxo e resistência, o leitor deve se familiarizar com
as duas outras formas algébricas dessa relação: ∆P = F × R e R = ∆P/F. Em geral, a pressão arterial é expressa em
milímetros de mercúrio (mmHg), o fluxo sanguíneo é expresso em mililitros por minuto (ml/min) e a resistência
vascular é expressa em milímetros de mercúrio por mililitro por minuto (mmHg/ ml por minuto). Na circulação
pulmonar, o gradiente de pressão é muito menor do que na circulação sistêmica, ao passo que o fluxo sanguíneo é o
mesmo da circulação sistêmica. Por conseguinte, a resistência vascular pulmonar total é muito menor do que a
resistência vascular sistêmica.
O diâmetro do vaso exerce um acentuado efeito sobre a resistência ao fluxo sanguíneo: lei de
Poiseuille. De acordo com a lei de Poiseuille, a resistência vascular é diretamente proporcional à viscosidade do
sangue e ao comprimento do vaso sanguíneo e inversamente proporcional ao raio do vaso elevado à quarta potência:

A diminuição do raio de um vaso sanguíneo aumenta acentuadamente a resistência vascular.


Como a resistência vascular está inversamente relacionada com a quarta potência do raio, até mesmo pequenas
mudanças no raio podem causar alterações muito grandes na resistência. Por exemplo, se o raio de um vaso
sanguíneo aumentar de um para dois (duas vezes o normal), a resistência diminui para 1/16 do normal (1/24), e o
fluxo aumenta para 16 vezes em relação ao normal se o gradiente de pressão permanecer inalterado. Por conseguinte,
os pequenos vasos na circulação apresentam o maior grau de resistência, ao passo que os vasos de grande calibre
exibem pouca resistência ao fluxo sanguíneo.
Para uma disposição dos vasos sanguíneos em paralelo, como a que ocorre na circulação sistêmica, em que
diferentes órgãos são, cada um deles, supridos por uma artéria que se ramifica em múltiplos vasos, a resistência total
pode ser expressa da seguinte maneira:
em que R1, R2 e Rn são as resistências de cada um dos vários leitos vasculares na circulação. A resistência total é
inferior à resistência de qualquer um dos leitos vasculares individuais.
Para a disposição dos vasos sanguíneos em série, como a que ocorre em um tecido no qual o sangue flui através
de artérias, arteríolas, capilares e veias, a resistência total corresponde à soma das resistências individuais:

Rtotal = R1 + R2 + ... Rn

em que R1, R2 e Rn são as resistências dos vários vasos sanguíneos dispostos em série nos tecidos.
A condutância é a medida da facilidade com que o sangue pode fluir através de um vaso e constitui a recíproca
da resistência.

Condutância = 1/Resistência

O aumento do hematócrito eleva acentuadamente a viscosidade do sangue. Quanto maior for a


viscosidade, menor será o fluxo sanguíneo em um vaso se todos os outros fatores permanecerem constantes. A
viscosidade normal do sangue é cerca de três vezes maior do que a da água. O principal fator que torna o sangue tão
viscoso é a presença de grandes números de hemácias em suspensão, em que cada uma delas exerce atrito contra as
células adjacentes e contra a parede dos vasos sanguíneos.
A porcentagem de sangue composta por células, denominada hematócrito, é normalmente de cerca de 40%, o que
indica que cerca de 40% do sangue é constituído por células, ao passo que o restante corresponde ao plasma. Quanto
maior for a porcentagem de células no sangue (i. e., quanto maior o hematócrito), maior será a viscosidade do sangue
e, portanto, maior será a resistência ao fluxo sanguíneo.
A autorregulação atenua o efeito da pressão arterial sobre o fluxo sanguíneo tecidual. O efeito da
pressão arterial sobre o fluxo sanguíneo em muitos tecidos é geralmente bem menor do que o esperado, com base na
discussão anterior. A razão desse efeito é que o aumento da pressão arterial normalmente desencadeia aumentos
compensatórios da resistência vascular em poucos segundos por meio da ativação dos mecanismos de controle
locais, que são discutidos no Capítulo 17. Em contrapartida, na presença de reduções da pressão arterial, a resistência
vascular diminui prontamente na maioria dos tecidos, e o fluxo sanguíneo é mantido relativamente constante. A
capacidade de cada tecido de ajustar a sua resistência vascular e de manter o fluxo sanguíneo normal durante
alterações da pressão arterial entre cerca de 70 e 175 mmHg é denominada autorregulação do fluxo sanguíneo.
As alterações do fluxo sanguíneo nos tecidos raramente persistem por mais de algumas horas, mesmo quando
elevações da pressão arterial ou aumentos dos níveis de vasoconstritores ou vasodilatadores são mantidos. A razão
dessa relativa constância do fluxo sanguíneo é que, por fim, os mecanismos autorreguladores locais de cada tecido
superam a maioria dos efeitos dos vasoconstritores para restaurar o fluxo sanguíneo apropriado para as necessidades
do tecido em questão.
CAPÍTULO 15

Distensibilidade Vascular e Funções dos Sistemas Arterial e Venoso

DISTENSIBILIDADE VASCULAR

A distensibilidade das artérias permite que elas acomodem o débito pulsátil do coração e estabeleçam uma média nas
pressões das pulsações, o que proporciona um fluxo de sangue contínuo e uniforme através dos pequenos vasos
sanguíneos dos tecidos. As veias são ainda mais distensíveis do que as artérias, o que permite que elas armazenem
grandes quantidades de sangue, que podem ser mobilizadas quando necessário. Em média, as veias são cerca de oito
vezes mais distensíveis do que as artérias na circulação sistêmica. Na circulação pulmonar, a distensibilidade das
veias assemelha-se à das veias na circulação sistêmica. Entretanto, as artérias dos pulmões são mais distensíveis do
que as da circulação sistêmica.
A distensibilidade vascular é normalmente expressa da seguinte maneira:

A complacência vascular (capacitância vascular) é a quantidade total de sangue que pode ser armazenada em
determinada parte da circulação para cada mmHg de pressão. É calculada da seguinte maneira:

Quanto maior for a complacência do vaso, mais facilmente ele será distendido pela pressão.
A complacência está relacionada com a distensibilidade da seguinte forma:

Complacência = Distensibilidade × Volume

A complacência de uma veia na circulação sistêmica é cerca de 24 vezes maior do que a sua artéria
correspondente, visto que é cerca de oito vezes mais distensível e apresenta um volume cerca de três vezes maior (8
× 3 = 24).
A estimulação simpática diminui a capacitância vascular. A estimulação simpática aumenta o tônus da
musculatura lisa nas veias e nas artérias, provocando o desvio de sangue para o coração, que constitui um importante
método utilizado pelo corpo para aumentar o bombeamento cardíaco. Por exemplo, durante uma hemorragia, o
aumento do tônus simpático dos vasos, particularmente das veias, reduz o tamanho dos vasos, de modo que a
circulação possa continuar quase normalmente, mesmo quando houver perda de até 25% do volume sanguíneo total.
Os vasos expostos ao aumento de volume inicialmente apresentam uma elevação acentuada da
pressão, porém o estresse‑relaxamento da parede do vaso permite o retorno da pressão ao normal.
O efeito do estiramento vascular para causar relaxamento tardio é geralmente denominado complacência tardia ou
estresse‑relaxamento. A complacência tardia é um valioso mecanismo por meio do qual a circulação consegue
acomodar quantidades extras de sangue quando necessário, conforme observado após uma transfusão de sangue
muito grande. A complacência tardia no sentido inverso permite que a circulação se reajuste, no decorrer de um
período de minutos ou horas, a um volume sanguíneo diminuído após uma hemorragia grave.

ONDAS DE PULSO DA PRESSÃO ARTERIAL

A cada batimento cardíaco, uma nova onda de sangue enche as artérias. Não fosse pela distensibilidade do sistema
arterial, o fluxo sanguíneo através dos tecidos só ocorreria durante a sístole cardíaca, e não haveria nenhum fluxo
sanguíneo durante a diástole. A combinação entre a distensibilidade das artérias e a sua resistência ao fluxo reduz as
pulsações de pressão para quase zero no momento em que o sangue alcança os capilares, o que permite um fluxo
contínuo, em vez de pulsátil, através dos tecidos.
No adulto jovem, a pressão no pico de cada pulso, denominada pressão sistólica, é normalmente de cerca de 120
mmHg. Já a pressão em seu ponto mais baixo, denominada pressão diastólica, é de cerca de 80 mmHg. A diferença
entre essas duas pressões, que é de cerca de 40 mmHg, é denominada pressão de pulso.
Os dois fatores mais importantes que podem elevar a pressão de pulso são: (1) o aumento do volume sistólico (i.
e., a quantidade de sangue bombeada para a aorta a cada batimento cardíaco) e (2) a diminuição da complacência
arterial. Pode ocorrer diminuição da complacência arterial quando as artérias se enrijecem com o envelhecimento
(arteriosclerose).
Traçados anormais de pressão de pulso. Várias outras condições fisiopatológicas da circulação podem
provocar traçados anormais da onda de pressão de pulso, além de alterar a pressão de pulso (Figura 15.1):

Na estenose valvar aórtica, a pressão de pulso aórtica diminui acentuadamente, devido à redução do fluxo sanguíneo
através da valva aórtica estenótica
Na persistência do canal arterial, parte do sangue bombeado para a aorta flui imediatamente através do canal arterial
aberto para dentro da artéria pulmonar, o que permite que a pressão diastólica caia para valores muito baixos antes do
próximo batimento cardíaco, aumentando, assim, a pressão de pulso
Na insuficiência aórtica, a valva aórtica está ausente ou não funciona adequadamente. Após cada batimento
cardíaco, o sangue que flui para a aorta flui imediatamente de volta ao ventrículo esquerdo durante a diástole,
causando uma queda da pressão aórtica para um nível muito baixo entre os batimentos cardíacos, com consequente
aumento da pressão de pulso.

Figura 15.1 Traçados da pressão de pulso aórtica na arteriosclerose, na estenose


aórtica, na persistência do canal arterial e na insuficiência aórtica.
Os pulsos de pressão são amortecidos nos vasos menores. As pulsações da pressão na aorta são
progressivamente reduzidas (amortecidas) (1) pela resistência ao movimento do sangue nos vasos e (2) pela
complacência dos vasos. A resistência amortece as pulsações, visto que uma pequena quantidade de sangue deve
fluir para a frente, de modo a distender o próximo segmento do vaso; quanto maior for a resistência, mais difícil será
a ocorrência desse fluxo para a frente. A complacência amortece a pulsação, uma vez que, quanto mais complacente
for um vaso, maior será a quantidade de sangue necessária para produzir uma elevação da pressão. O grau de
amortecimento das pulsações arteriais é diretamente proporcional ao produto da resistência pela complacência.
A pressão arterial pode ser medida indiretamente pelos métodos auscultatório e oscilométrico.
No método auscultatório, um estetoscópio é colocado sobre um vaso, como a artéria braquial, e o manguito de
pressão é inflado ao redor do braço, próximo ao vaso. Enquanto a inflação do manguito não for suficiente para fechar
o vaso, nenhum som pode ser ouvido com o estetoscópio, apesar da pulsação do sangue na artéria. Quando a pressão
do manguito é grande o suficiente para fechar a artéria durante parte do ciclo de pressão arterial, um som é ouvido a
cada pulsação, e esses sons são denominados sons de Korotkoff.
Na determinação da pressão arterial pelo método auscultatório, a pressão no manguito é inicialmente elevada
bem acima da pressão sistólica arterial. Enquanto a pressão do manguito for maior do que a pressão sistólica, a
artéria braquial permanecerá colapsada, de modo que nenhum jato de sangue fluirá para a parte inferior da artéria
durante o ciclo cardíaco; por conseguinte, nenhum som de Korotkoff será ouvido na parte distal da artéria. Assim que
a pressão no manguito cai para valores abaixo da pressão sistólica, o sangue começa a fluir pela artéria abaixo do
manguito durante o pico da pressão sistólica, e são ouvidos sons de batidas rítmicas na artéria braquial em sincronia
com os batimentos cardíacos. Assim que esses sons começam a ser ouvidos, o nível de pressão indicado pelo
manômetro conectado ao manguito é aproximadamente igual ao da pressão sistólica.
À medida que a pressão no manguito é ainda mais reduzida, os sons de Korotkoff mudam de qualidade e passam
a ser um som rítmico mais grave. Por fim, quando a pressão no manguito cai para o nível da pressão diastólica (i. e.,
a artéria não se fecha mais durante a diástole), os sons mudam repentinamente e passam a ter uma qualidade abafada,
com frequência desaparecendo por completo após outra queda de 5 a 10 mmHg na pressão do manguito. Quando os
sons de Korotkoff adquirem uma qualidade abafada, a pressão no manômetro é quase igual à pressão diastólica,
embora essa medida superestime ligeiramente a pressão diastólica. A pressão arterial média pode ser estimada a
partir das pressões sistólica e diastólica medidas pelo método auscultatório da seguinte maneira:

Para um adulto jovem médio, a pressão arterial média é de cerca de ( × 80 mmHg) + ( × 120 mmHg), ou 93,3
mmHg.
Os dispositivos oscilométricos automatizados, como o método auscultatório, utilizam um manguito de
esfigmomanômetro com um sensor de pressão eletrônico para detectar oscilações de pressão que ocorrem quando o
sangue flui através de uma artéria (em geral, a artéria braquial). São utilizados algoritmos eletrônicos específicos
para inflar e desinflar o manguito automaticamente e converter as oscilações da pressão dele em sinais digitais de
pressão sistólica e diastólica e frequência cardíaca. Os monitores oscilométricos automatizados de pressão arterial
exigem menos habilidade do que a técnica auscultatória e podem ser utilizados em casa, evitando o efeito do “jaleco
branco”, que aumenta a pressão arterial em alguns pacientes quando um profissional de saúde está presente.

VEIAS E SUAS FUNÇÕES

As veias são capazes de sofrer contração e dilatação; portanto, podem armazenar pequenas ou grandes quantidades
de sangue e disponibilizar o sangue necessário ao sistema circulatório. As veias também podem impulsionar o
sangue para a frente por meio de uma “bomba venosa”, que ajuda a regular o débito cardíaco.
Relação entre a pressão atrial direita (pressão venosa central) e a pressão venosa periférica.
Como o sangue proveniente das veias sistêmicas flui para o átrio direito, qualquer fator capaz de afetar a pressão
atrial direita normalmente afeta a pressão venosa em todas as partes do corpo. A pressão atrial direita é determinada
pela capacidade do coração de bombear o sangue para fora do átrio direito e pela tendência do sangue de fluir dos
vasos periféricos de volta ao átrio direito.
A pressão atrial direita normal é de cerca de 0 mmHg, porém pode aumentar até alcançar 20 a 30 mmHg em
condições anormais, como na insuficiência cardíaca grave ou após uma transfusão maciça.
O aumento da resistência venosa pode aumentar a pressão venosa periférica. Quando as grandes
veias são distendidas, elas oferecem pouca resistência ao fluxo sanguíneo. Entretanto, muitas das grandes veias que
entram no tórax são comprimidas pelos tecidos adjacentes, de modo que elas são pelo menos parcialmente
colapsadas ou colapsadas para um estado ovoide. Assim, as grandes veias com frequência oferecem uma resistência
significativa ao fluxo de sangue, e a pressão nas veias periféricas é, em geral, 4 a 7 mmHg mais elevada do que a
pressão atrial direita. A obstrução parcial de uma grande veia aumenta acentuadamente a pressão venosa periférica
distal à obstrução.
Efeito da pressão atrial direita elevada sobre a pressão venosa periférica. Quando a pressão atrial
direita aumenta acima de seu nível normal de 0 mmHg, o sangue começa a se acumular nas grandes veias, causando
a sua distensão. As pressões nas veias periféricas não aumentam até a abertura dos pontos colapsados entre as veias
periféricas e as grandes veias centrais, o que geralmente ocorre com uma pressão atrial direita de cerca de 4 a 6
mmHg. Quando a pressão atrial direita aumenta ainda mais, como ocorre durante a insuficiência cardíaca grave, ela
provoca uma elevação correspondente da pressão venosa periférica.
Efeito da pressão gravitacional sobre a pressão venosa. A pressão na superfície de um corpo de água
exposto ao ar é igual à pressão atmosférica, porém a pressão aumenta 1 mmHg para cada 13,6 mmHg de distância
abaixo da superfície. Essa pressão é o resultado do peso da água; portanto, é denominada pressão hidrostática
gravitacional.
A pressão hidrostática gravitacional também ocorre no sistema cardiovascular, devido ao peso do sangue nos
vasos. Em um adulto que está de pé e absolutamente imóvel, a pressão nas veias dos pés é de cerca de 90 mmHg,
devido ao peso hidrostático do sangue nas veias localizadas entre o coração e os pés.
Válvulas venosas e a bomba venosa: efeitos sobre a pressão venosa. Não fossem as válvulas
existentes nas veias, o efeito da pressão gravitacional faria a pressão venosa nos pés ser sempre igual a 90 mmHg em
um adulto na posição ortostática. Entretanto, toda vez que os músculos são contraídos e a pessoa movimenta as
pernas, isso comprime as veias nos músculos ou as veias adjacentes a eles e impele o sangue para fora das veias.
As válvulas existentes nas veias são dispostas de modo que o fluxo de sangue só possa ocorrer em direção ao
coração. Em consequência, toda vez que uma pessoa movimenta as pernas ou tensiona os músculos, uma certa
quantidade de sangue é impelida em direção ao coração, e a pressão nas veias é reduzida. Esse sistema de
bombeamento é denominado bomba venosa (ou bomba muscular ou coração periférico) e mantém a pressão venosa
nos pés próximo a 25 mmHg em um adulto que caminha.
Todavia, se o indivíduo permanece perfeitamente imóvel, a bomba venosa não funciona, e ocorre uma rápida
elevação da pressão venosa até o valor total da pressão hidrostática de 90 mmHg. Se as válvulas do sistema venoso
se tornarem incompetentes ou forem destruídas, a efetividade da bomba venosa também será reduzida. Quando
ocorre o desenvolvimento de incompetência valvular, a maior pressão nas veias das pernas pode aumentar ainda mais
o tamanho das veias e, por fim, destruir por completo a função das válvulas. Quando a função das válvulas é
destruída por completo, ocorre o desenvolvimento de veias varicosas, e as pressões venosa e capilar aumentam e
alcançam altos níveis, provocando extravasamento de líquido dos capilares e edema das pernas quando o indivíduo
está em pé.
As veias funcionam como reservatórios de sangue. Mais de 60% do sangue no sistema circulatório está
geralmente contido nas veias. Por essa razão, e pelo fato de as veias serem tão complacentes, o sistema venoso pode
atuar como reservatório sanguíneo para a circulação. Por exemplo, quando o corpo perde sangue, a ativação do
sistema nervoso simpático provoca a constrição das veias, o que interrompe grande parte do déficit do sistema
circulatório causado pela perda de sangue.
Certas partes do sistema circulatório são tão complacentes que são particularmente importantes como
reservatórios sanguíneos. Essas áreas incluem: (1) o baço, que às vezes pode diminuir de tamanho para liberar até
100 ml de sangue no reservatório da circulação; (2) o fígado, cujos seios podem liberar várias centenas de mililitros
de sangue no restante da circulação; (3) as grandes veias abdominais, que podem contribuir com até 300 ml; e (4) o
plexo venoso abaixo da pele, que também pode contribuir com várias centenas de mililitros.
CAPÍTULO 16

A Microcirculação e o Sistema Linfático: Trocas Capilares, Líquido


Intersticial e Fluxo de Linfa

Uma importante função da microcirculação – o transporte de nutrientes para os tecidos e a remoção de produtos de
excreção – ocorre nos capilares. Os capilares apresentam uma única camada de células endoteliais altamente
permeáveis, que permitem a rápida troca de nutrientes e produtos de excreção celular entre os tecidos e o sangue
circulante. Cerca de 10 bilhões de capilares, com uma área de superfície total de 500 a 700 m2 (cerca de um oitavo do
tamanho de um campo de futebol americano), desempenham essa função para o corpo.

ESTRUTURA DA MICROCIRCULAÇÃO E DO SISTEMA CAPILAR

O sangue entra nos capilares através de uma arteríola e sai por uma vênula. O sangue proveniente
das arteríolas percorre uma série de metarteríolas, cuja estrutura é intermediária entre a das arteríolas e a dos
capilares (Figura 16.1). As arteríolas são altamente musculares e desempenham um importante papel no controle do
fluxo sanguíneo para os tecidos. As metarteríolas não têm uma camada de músculo liso contínua, mas sim fibras
musculares lisas, que envolvem o vaso em pontos intermitentes, denominados esfíncteres pré‑capilares. A contração
do músculo nesses esfíncteres pode abrir e fechar a entrada do capilar.
Essa disposição da microcirculação não é encontrada em todas as partes do corpo, porém disposições
semelhantes têm os mesmos propósitos. As metarteríolas e as arteríolas estão em estreito contato com os tecidos que
suprem, e as condições locais, como mudanças na concentração de nutrientes ou produtos de degradação do
metabolismo, podem ter efeitos diretos sobre esses vasos no controle do fluxo sanguíneo local.
A parede capilar fina é altamente permeável à maioria dos solutos, exceto proteínas, no plasma.
Os capilares também são muito porosos, com vários milhões de fendas, ou poros, que compõem suas paredes para
cada centímetro quadrado de superf ície capilar. Em virtude da alta permeabilidade dos capilares à maioria dos
solutos e da grande área de superf ície, à medida que o sangue flui para os capilares, grandes quantidades de
substâncias dissolvidas difundem-se em ambas as direções através dos poros. Dessa maneira, quase todas as
substâncias dissolvidas no plasma, com exceção das proteínas plasmáticas, misturam-se continuamente com o
líquido intersticial.
O fluxo sanguíneo é intermitente através dos capilares, fenômeno denominado
vasomotricidade. Em muitos tecidos, o fluxo de sangue através dos capilares não é contínuo; em vez disso, flui e é
interrompido a cada poucos segundos. A causa dessa intermitência é a contração das metarteríolas e dos esfíncteres
pré‑capilares, que é influenciada principalmente pelo oxigênio e pelos produtos de degradação do metabolismo
tecidual. Quando as concentrações de oxigênio do tecido estão reduzidas (p. ex., devido ao aumento da utilização de
oxigênio), os períodos de fluxo de sangue ocorrem com mais frequência e são de maior duração, permitindo, assim,
que o sangue transporte quantidades aumentadas de oxigênio e de outros nutrientes aos tecidos.
Figura 16.1 Componentes da microcirculação.

TROCAS DE ÁGUA, NUTRIENTES E OUTRAS SUBSTÂNCIAS ENTRE O SANGUE E O LÍQUIDO


INTERSTICIAL

A difusão através da membrana capilar é o meio mais importante de transferência de


substâncias entre o plasma e o líquido intersticial. À medida que o sangue atravessa o capilar, quantidades
enormes de moléculas de água e substâncias dissolvidas difundem-se para dentro e para fora através da parede
capilar, proporcionando uma mistura contínua de líquido intersticial e plasma. As substâncias lipossolúveis, como o
oxigênio e o dióxido de carbono, podem sofrer difusão direta através das membranas celulares, sem a necessidade de
passar pelos poros. As substâncias hidrossolúveis, como a glicose e os eletrólitos, difundem-se através dos poros
intercelulares na membrana capilar. A taxa de difusão da maioria dos solutos é tão grande que as células situadas a
uma distância de 50 µm dos capilares podem receber quantidades adequadas de nutrientes.
Os principais fatores que afetam a taxa de difusão através das paredes capilares são listados a seguir.

O tamanho dos poros no capilar. Na maioria dos capilares, o tamanho dos poros é de 6 a 7 nm. Os poros de algumas
membranas capilares, como os dos sinusoides capilares do fígado, são muito maiores e, portanto, muito mais
permeáveis a substâncias dissolvidas no plasma.
O tamanho molecular da substância que se difunde. A água e a maioria dos eletrólitos, como o sódio e o cloro,
apresentam um tamanho molecular que é menor do que o do poro, o que possibilita a rápida difusão através da
parede capilar. Entretanto, as proteínas plasmáticas têm um tamanho molecular que é ligeiramente maior do que a
largura dos poros, o que restringe a sua difusão.
A diferença de concentração da substância entre os dois lados da membrana. Quanto maior for a diferença entre as
concentrações de uma substância nos dois lados da membrana capilar, maior será a taxa de difusão em uma das
direções através da membrana. A concentração de oxigênio no sangue normalmente é maior do que no líquido
intersticial, o que possibilita a passagem de grandes quantidades de oxigênio do sangue para os tecidos. Em
contrapartida, as concentrações de produtos de degradação do metabolismo são maiores nos tecidos do que no
sangue, o que permite o movimento desses produtos para o sangue, que os transportará para longe dos tecidos.

INTERSTÍCIO E LÍQUIDO INTERSTICIAL

Cerca de um sexto do corpo consiste em espaços entre as células, coletivamente denominados interstício. O líquido
nesses espaços é denominado líquido intersticial. O interstício tem dois tipos principais de estruturas sólidas: (1)
feixes de fibras de colágeno e (2) filamentos de proteoglicanos. O colágeno fornece a maior parte da força tensional
dos tecidos, ao passo que os filamentos de proteoglicanos, que são compostos principalmente de ácido hialurônico,
são muito finos e formam uma trama de filamentos reticulares finos, com frequência descritos como “pilha de
cerdas”.
O gel no interstício consiste em filamentos de proteoglicanos e líquido retido. O líquido presente no
interstício deriva da filtração e da difusão a partir dos capilares e apresenta quase a mesma constituição do plasma,
exceto por concentrações mais baixas de proteínas. O líquido intersticial é principalmente retido nos pequenos
espaços existentes entre os filamentos de proteoglicanos e tem as características de um gel.
Em virtude do grande número de filamentos de proteoglicanos, o líquido e os solutos não fluem com facilidade
através do gel tecidual. Em vez disso, os solutos difundem‑se principalmente através do gel. A velocidade dessa
difusão é de cerca de 95 a 99% em relação à difusão através do líquido livre.
A quantidade de líquido livre no interstício é menos de 1% do líquido total na maioria dos
tecidos. Embora quase todo o líquido no interstício esteja retido no gel tecidual, também há pequenas quantidades
de líquido livre. Quando os tecidos desenvolvem edema, essas pequenas porções de água livre podem se expandir
enormemente.

A FILTRAÇÃO DE LÍQUIDOS PELOS CAPILARES É DETERMINADA PELAS PRESSÕES HIDROSTÁTICA


E COLOIDOSMÓTICA E PELO COEFICIENTE DE FILTRAÇÃO CAPILAR

Embora a troca de nutrientes, oxigênio e produtos de degradação metabólicos através dos capilares ocorra quase
totalmente por meio de difusão, a distribuição dos líquidos através dos capilares é determinada por outro processo:
fluxo em massa ou ultrafiltração de plasma livre de proteínas. As paredes capilares são altamente permeáveis à água
e à maioria dos solutos do plasma, com exceção das proteínas plasmáticas. Por conseguinte, as diferenças de pressão
hidrostática através da parede capilar forçam o plasma livre de proteínas (ultrafiltrado) através da parede capilar para
dentro do interstício. Em contrapartida, a pressão osmótica causada pelas proteínas plasmáticas (denominada pressão
coloidosmótica) tende a produzir um movimento de líquido por osmose dos espaços intersticiais para o sangue. As
pressões hidrostática e coloidosmótica do líquido intersticial também influenciam a filtração de líquido através da
parede capilar.
A taxa em que a ultrafiltração capilar ocorre depende da diferença das pressões hidrostática e coloidosmótica dos
líquidos capilar e intersticial. Com frequência, essas forças são denominadas forças de Starling, em homenagem a
Ernest Starling, o fisiologista que descreveu pela primeira vez a sua importância funcional.
Quatro forças determinam a filtração de líquido através da membrana capilar. As quatro principais
forças que determinam o movimento de líquidos através dos capilares são as seguintes:

A pressão hidrostática capilar (Pc), que força o líquido para fora através da membrana capilar
A pressão hidrostática do líquido intersticial (Pi), que força o líquido para dentro através da membrana capilar
quando a Pi é positiva, porém para fora do interstício quando a Pi é negativa
A pressão coloidosmótica do plasma (Πp), que tende a causar osmose de líquido para dentro através da membrana
capilar
A pressão coloidosmótica do líquido intersticial (Πi), que tende a provocar osmose do líquido para fora através da
membrana capilar.
A taxa efetiva de filtração para fora dos capilares é determinada pelo equilíbrio dessas forças e pelo coeficiente de
filtração capilar (Kf), da seguinte forma:

Filtração = Kf × (Pc – Pi – Πp + Πi)

Pressão hidrostática capilar. Quando o sangue flui através de muitos capilares, a pressão é, em média, de 30
a 40 mmHg nas extremidades arteriais e de 10 a 15 mmHg nas extremidades venosas, ou cerca de 25 mmHg nas
partes intermediárias. Quando os capilares estão fechados, a pressão no seu interior após o local de fechamento é
aproximadamente igual à pressão nas extremidades venosas dos capilares (10 mmHg). Quando expressa como média
em determinado período de tempo, incluindo os períodos de abertura e de fechamento dos capilares, a pressão
capilar média funcional está mais próxima da pressão nas extremidades venosas dos capilares do que a pressão nas
extremidades arteriolares. Embora a pressão capilar funcional alcance, em média, cerca de 17 mmHg em muitos
tecidos, como no músculo esquelético, em alguns tecidos, como nos rins, a pressão hidrostática capilar pode alcançar
até 60 a 65 mmHg (ver Capítulo 27).
Pressão hidrostática do líquido intersticial negativa (subatmosférica) no tecido subcutâneo
frouxo. As medições da pressão hidrostática do líquido intersticial fornecem um valor médio de cerca de –3 mmHg
no tecido subcutâneo frouxo. Uma das razões básicas para essa pressão negativa é o sistema de bombeamento
linfático (discutido adiante). Quando o líquido entra nos capilares linfáticos, qualquer movimento do tecido o
impulsiona para a frente através do sistema linfático e, por fim, de volta à circulação. Dessa maneira, o líquido livre
que se acumula no tecido é bombeado para longe, em consequência do movimento tecidual. Essa ação de
bombeamento dos capilares linfáticos parece ser responsável pela ligeira pressão negativa intermitente que ocorre
nos tecidos em repouso.
Nos tecidos circundados por estruturas rígidas (bainhas fibrosas), como o cérebro, os rins e o
músculo esquelético, as pressões hidrostáticas do líquido intersticial são positivas. Por exemplo, a
pressão hidrostática média do líquido intersticial cerebral é de cerca de +4 a +16 mmHg. Nos rins, a pressão
hidrostática média do líquido intersticial é de cerca de +6 mmHg.
A pressão coloidosmótica do plasma é, em média, de cerca de 28 mmHg. As proteínas são as únicas
substâncias dissolvidas no plasma que não atravessam facilmente a membrana capilar. Essas substâncias exercem
uma pressão osmótica, denominada pressão coloidosmótica. A concentração normal de proteínas no plasma é, em
média, de cerca de 7,3 g/dl. Aproximadamente 19 mmHg da pressão coloidosmótica devem-se às proteínas
dissolvidas, porém 9 mmHg adicionais resultam dos cátions de carga positiva, principalmente íons sódio, que se
ligam às proteínas plasmáticas de carga negativa. Esse efeito é denominado efeito Donnan, que faz a pressão
coloidosmótica do plasma ser aproximadamente 50% maior do que a pressão produzida pelas proteínas de modo
isolado.
As proteínas plasmáticas são constituídas principalmente por uma mistura de albumina, globulina e fibrinogênio.
Cerca de 80% da pressão coloidosmótica total do plasma resultam da fração de albumina, 20% provêm da globulina
e apenas uma porcentagem muito pequena resulta do fibrinogênio.
A pressão coloidosmótica média do líquido intersticial é de cerca de 8 mmHg. Embora o tamanho
habitual dos poros capilares seja menor do que o tamanho molecular das proteínas plasmáticas, isso não se aplica a
todos os poros. Assim, pequenas quantidades de proteínas plasmáticas extravasam pelos poros para dentro dos
espaços intersticiais. A concentração média de proteínas do líquido intersticial corresponde a cerca de 40% daquela
do plasma ou cerca de 3 g/dl, produzindo uma pressão coloidosmótica de cerca de 8 mmHg. Em alguns tecidos,
como o fígado, a pressão coloidosmótica do líquido intersticial é muito maior, visto que os capilares são mais
permeáveis às proteínas plasmáticas.
Resumo das trocas de volume de líquido através da membrana capilar. A pressão capilar média nas
extremidades arteriolares dos capilares é 15 a 25 mmHg maior do que nas extremidades venulares. Devido a essa
diferença, o líquido é filtrado para fora dos capilares nas extremidades arteriolares, ao passo que é reabsorvido pelos
capilares nas extremidades venulares. Uma pequena quantidade de líquido flui das extremidades arteriolares dos
capilares através dos tecidos para as extremidades venulares.
Entretanto, normalmente existe um estado de quase equilíbrio entre a quantidade de líquido filtrado para fora nas
extremidades arteriolares dos capilares e a quantidade de líquido que retorna para a circulação por absorção nas
extremidades venulares dos capilares. Ocorre um ligeiro desequilíbrio, e uma pequena quantidade de líquido é
filtrada em excesso, em relação à quantidade reabsorvida. Por fim, esse líquido retorna à circulação pelo sistema
linfático. A Tabela 16.1 mostra as forças médias que existem ao longo de todo o capilar e ilustra os princípios desse
equilíbrio. As pressões nos capilares arteriais e venosos fornecidas na Tabela 16.1 são médias para calcular a pressão
capilar funcional média, que é de cerca de 17,3 mmHg.
O pequeno desequilíbrio de forças (da ordem de 0,3 mmHg) produz uma filtração ligeiramente maior do que a
reabsorção de líquido nos espaços intersticiais.
A taxa de filtração capilar também é determinada pelo coeficiente de filtração capilar (Kf). O
coeficiente de filtração em um tecido médio é de cerca de 0,01 ml/min de líquido por milímetro de mercúrio por 100
g de tecido. Para todo o corpo, o coeficiente de filtração capilar é de cerca de 6,67 ml/min de líquido por mmHg. Por
conseguinte, a taxa efetiva de filtração capilar para todo o corpo é expressa da seguinte maneira:

Filtração efetiva = Kf × Pressão de filtração efetiva = 6,67 × 0,3


= 2 ml/min

Devido às diferenças extremas nas permeabilidades e nas áreas de superfície dos sistemas capilares em diferentes
tecidos, o coeficiente de filtração capilar pode variar em mais de 100 vezes entre os tecidos. Por exemplo, o
coeficiente de filtração capilar nos rins é de cerca de 4,2 ml/min/mmHg por 100 gramas de peso dos rins, valor
equivalente a quase 400 vezes o valor de Kf de muitos outros tecidos, o que obviamente produz uma alta taxa de
filtração nos capilares glomerulares dos rins.

Tabela 16.1Equilíbrio de forças através dos capilares.

Força mmHg
Forças médias que tendem a mover o líquido para fora
Pressão hidrostática capilar média 17,3
Pressão hidrostática do líquido intersticial negativa 3
Pressão coloidosmótica do líquido intersticial 8
Força total para fora 28,3
Forças médias que tendem a mover os líquidos para dentro
Pressão coloidosmótica do plasma 28
Força total para dentro 28
Soma das forças médias
Para fora 28,3
Para dentro –28
Força efetiva para fora 0,3

Um desequilíbrio anormal de pressões nos capilares pode causar edema. Se a pressão hidrostática
capilar média aumentar acima do valor normal de 17 mmHg, a pressão efetiva, que produz filtração de líquidos nos
espaços teciduais, também aumenta. Uma elevação de 20 mmHg na pressão capilar média provoca o aumento da
pressão efetiva de filtração de 0,3 para 20,3 mmHg, resultando em 68 vezes mais filtração efetiva de líquido nos
espaços intersticiais em relação à que normalmente ocorre. A prevenção do acúmulo de líquido em excesso nos
espaços exigiria 68 vezes o fluxo normal de líquido no sistema linfático, uma quantidade que é demasiado grande
para ser transportada pelos vasos linfáticos. Em consequência, aumentos significativos da pressão capilar podem
causar o acúmulo de líquido nos espaços intersticiais, condição denominada edema.
De modo semelhante, a redução da pressão coloidosmótica do plasma aumenta a força de filtração efetiva e, por
conseguinte, a taxa de filtração efetiva de líquidos nos tecidos.

SISTEMA LINFÁTICO

O sistema linfático transporta líquido dos espaços teciduais para o sangue. É importante ressaltar que os vasos
linfáticos também transportam proteínas e grandes materiais particulados para longe dos espaços teciduais, visto que
essas substâncias não podem ser removidas por meio de absorção direta nos capilares sanguíneos.
Quase todos os tecidos do corpo têm canais linfáticos. A maior parte da linfa proveniente da porção inferior do
corpo flui para o ducto torácico e desemboca no sistema venoso, na junção da veia jugular interna esquerda com a
veia subclávia. A linfa do lado esquerdo da cabeça, do braço esquerdo e de partes do tórax também entra no ducto
torácico antes de escoar nas veias. A linfa proveniente do lado direito do pescoço e da cabeça, do braço direito e de
partes do tórax entra no ducto linfático direito, que, em seguida, escoa no sistema venoso, na junção da veia
subclávia direita com a veia jugular interna.
A linfa deriva do líquido intersticial. À medida que a linfa começa a fluir dos tecidos, ela apresenta quase a
mesma composição do líquido intersticial. Em muitos tecidos, a concentração de proteínas é, em média, de cerca de
2 g/dl; todavia, em outros tecidos, como o fígado, a concentração de proteínas pode alcançar até 6 g/dl.
Além de transportar líquidos e proteínas dos espaços intersticiais para a circulação, o sistema linfático constitui
uma das principais vias de absorção de nutrientes a partir do trato gastrointestinal, conforme discutido no Capítulo
66. Após uma refeição gordurosa, por exemplo, a linfa do ducto torácico contém, às vezes, até 1 a 2% de gordura.
A taxa de fluxo linfático é determinada pela pressão hidrostática do líquido intersticial e pela
bomba linfática. A taxa total de fluxo linfático é de aproximadamente 120 ml/h ou 2 a 3 l/dia. Entretanto, essa taxa
de formação pode mudar de maneira acentuada em determinadas condições patológicas associadas à filtração
excessiva de líquido dos capilares para o interstício:

O aumento da pressão hidrostática do líquido intersticial eleva a taxa de fluxo de linfa. Nas pressões hidrostáticas
normais do líquido intersticial, na faixa subatmosférica, o fluxo de linfa é muito lento em tecidos frouxos, como a
pele. À medida que a pressão aumenta e alcança valores ligeiramente acima de 0 mmHg, o fluxo linfático tem um
aumento de mais de 20 vezes. Quando a pressão intersticial alcança +1 a +2 mmHg, o fluxo de linfa se estabiliza,
visto que o aumento da pressão tecidual não apenas aumenta a entrada de líquido nos capilares linfáticos, como
também comprime os vasos linfáticos maiores, impedindo, assim, o fluxo de linfa
A bomba linfática aumenta o fluxo de linfa. Existem válvulas em todos os canais linfáticos. Além disso, cada
segmento do vaso linfático funciona como uma bomba automática separada, isto é, o enchimento de um segmento
provoca a sua contração, e o líquido é bombeado através da válvula para o próximo segmento linfático. Essa ação
preenche o segmento linfático, que, em poucos segundos, também se contrai, e o processo continua ao longo do vaso
linfático até o esvaziamento completo do líquido. Essa ação de bombeamento impulsiona a linfa para a frente, em
direção à circulação. Além do bombeamento produzido pela contração intrínseca dos vasos, fatores externos
comprimem os vasos linfáticos. Por exemplo, a contração dos músculos que circundam os vasos linfáticos ou o
movimento de partes do corpo podem aumentar o bombeamento linfático. Em algumas condições, como durante o
exercício físico, o bombeamento da linfa pode aumentar o fluxo linfático em até 10 a 30 vezes.

O sistema linfático proporciona um mecanismo de transbordamento, que devolve à circulação o


excesso de líquidos e proteínas que entram nos espaços teciduais. Quando o sistema linfático falha,
como ocorre em caso de obstrução de um vaso linfático importante, as proteínas e o líquido acumulam-se no
interstício, provocando edema. A acumulação de proteínas no interstício é particularmente importante para a
formação do edema, uma vez que o sistema linfático fornece o único mecanismo por meio do qual as proteínas que
extravasam dos capilares retornam à circulação em quantidades significativas. Quando as proteínas se acumulam nos
espaços intersticiais em consequência de insuficiência linfática, a pressão coloidosmótica do líquido intersticial
aumenta, possibilitando a filtração de mais líquido no interstício. Assim, o bloqueio completo dos vasos linfáticos
resulta em edema grave.
As bactérias e os resíduos dos tecidos são removidos pelo sistema linfático nos linfonodos. Em
virtude da permeabilidade muito alta dos capilares linfáticos, as bactérias e outras pequenas partículas presentes nos
tecidos podem passar para a linfa. A linfa segue o seu percurso até o sangue por uma série de linfonodos. É nesses
linfonodos que bactérias e outros resíduos são filtrados, fagocitados por macrófagos e, por fim, digeridos e
convertidos em aminoácidos, glicose, ácidos graxos e outras substâncias de baixo peso molecular antes de serem
liberados no sangue.
CAPÍTULO 17

Controle Local e Humoral do Fluxo Sanguíneo nos Tecidos

CONTROLE LOCAL DO FLUXO SANGUÍNEO EM RESPOSTA ÀS NECESSIDADES TECI DUAIS

A maioria dos tecidos controla o seu próprio fluxo sanguíneo, de acordo com suas necessidades metabólicas
específicas. Essa autorregulação é benéfica para o tecido, visto que possibilita o fornecimento de oxigênio e
nutrientes e a remoção de produtos de degradação de acordo com a taxa de atividade tecidual. A autorregulação
permite que o fluxo sanguíneo de um tecido seja regulado independentemente do fluxo de sangue para outro tecido.
Em determinados órgãos, o fluxo sanguíneo tem outros propósitos além de fornecer nutrientes e remover
produtos de excreção. Por exemplo, o fluxo sanguíneo para a pele influencia a perda de calor do corpo, o que ajuda a
controlar a temperatura corporal. O fornecimento de quantidades adequadas de sangue aos rins permite que eles
excretem rapidamente os produtos residuais do corpo.
Em geral, quanto maior for a taxa metabólica de um órgão, maior será o seu fluxo sanguíneo. Por exemplo, a
Tabela 17.1 mostra que existe um elevado fluxo de sangue em órgãos glandulares, como a glândula tireoide e as
glândulas adrenais, que apresentam altas taxas metabólicas. Em contrapartida, nos músculos esqueléticos em
repouso, o fluxo sanguíneo é baixo, visto que a atividade metabólica do músculo também é baixa no estado de
repouso. Entretanto, durante o exercício físico intenso, a atividade metabólica do músculo esquelético pode aumentar
em mais de 60 vezes, e o fluxo sanguíneo, em até 20 vezes.

MECANISMOS DE CONTROLE DO FLUXO SANGUÍNEO

O controle do fluxo sanguíneo local nos tecidos pode ser dividido em duas fases: (1) controle agudo e (2) controle de
longo prazo. O controle agudo ocorre em segundos a minutos por meio da constrição ou da dilatação de arteríolas,
metarteríolas e esfíncteres pré-capilares. Já o controle de longo prazo ocorre durante o período de alguns dias,
semanas ou até mesmo meses e, em geral, proporciona um controle ainda melhor do fluxo, de acordo com as
necessidades dos tecidos. O controle de longo prazo ocorre principalmente como resultado de aumentos ou
diminuições do tamanho físico e do número de vasos sanguíneos que irrigam os tecidos.

Controle agudo do fluxo sanguíneo local


O aumento no metabolismo tecidual incrementa o fluxo sanguíneo para os tecidos. Em muitos
tecidos, como o músculo esquelético, o aumento do metabolismo de até oito vezes o normal produz o aumento agudo
do fluxo sanguíneo em cerca de quatro vezes. Inicialmente, a elevação do fluxo é menor que a do metabolismo;
todavia, quando o metabolismo aumenta o suficiente para remover a maior parte dos nutrientes do sangue, um
aumento adicional do metabolismo só pode ocorrer com o aumento concomitante do fluxo sanguíneo para fornecer
os nutrientes necessários.

Tabela 17.1Fluxo sanguíneo para vários órgãos e tecidos em condições basais.

Órgão Débito cardíaco (%) Fluxo (ml/min) ml/min por 100 g de tecido
Cérebro 14 700 50
Coração 4 200 70
Brônquios 2 100 25
Rins 22 1.100 360
Fígado (portal + arterial) 27 1.350 95
Portal (21) (1.050)
Arterial (6) (300)
Músculo (em estado inativo) 15 750 4
Osso 5 250 3
Pele (tempo frio) 6 300 3
Glândula tireoide 1 50 160
Glândulas adrenais 0,5 25 300
Outros tecidos 3,5 175 1,3
Total 100 5.000

A disponibilidade reduzida de oxigênio aumenta o fluxo sanguíneo nos tecidos. Um dos nutrientes
necessários para o metabolismo dos tecidos é o oxigênio. Sempre que a disponibilidade de oxigênio para os tecidos
diminuir, como em grandes altitudes, presença de pneumonia ou envenenamento por monóxido de carbono (que
inibe a capacidade da hemoglobina de transportar o oxigênio), o fluxo sanguíneo nos tecidos aumentará
acentuadamente. Por exemplo, o envenenamento por cianeto, que reduz a capacidade dos tecidos de utilizar o
oxigênio, pode provocar o aumento do fluxo sanguíneo tecidual em até sete vezes.
O aumento da demanda de oxigênio e nutrientes aumenta o fluxo sanguíneo para os tecidos. Na
ausência de um suprimento adequado de oxigênio e nutrientes (p. ex., em decorrência do aumento do metabolismo
tecidual), as arteríolas, as metarteríolas e os esfíncteres pré-capilares relaxam, diminuindo, assim, a resistência
vascular e permitindo maior fluxo para os tecidos. O relaxamento dos esfíncteres pré-capilares permite que o fluxo
ocorra com mais frequência em capilares que estão fechados, devido à contração periódica dos esfíncteres pré-
capilares (vasomotricidade).
O acúmulo de metabólitos vasodilatadores aumenta o fluxo sanguíneo para os tecidos. Quanto
maior for o metabolismo do tecido, maior será a taxa de produção de metabólitos teciduais, como adenosina,
compostos de fosfato de adenosina, dióxido de carbono, ácido láctico, íons potássio e íons hidrogênio. Foi sugerido
que cada uma dessas substâncias atue como vasodilatador, contribuindo para o aumento do fluxo sanguíneo
associado à estimulação do metabolismo tecidual.
A falta de outros nutrientes pode causar vasodilatação. A deficiência de glicose, de aminoácidos ou de
ácidos graxos pode contribuir para a vasodilatação local, embora isso não tenha sido comprovado. Ocorre
vasodilatação em pacientes com beribéri, que geralmente apresentam deficiência de vitaminas do complexo B, como
tiamina, niacina e riboflavina. Como todas essas vitaminas estão envolvidas no mecanismo de fosforilação oxidativa
para a geração de trifosfato de adenosina, a deficiência delas pode levar à redução da capacidade de contração do
músculo liso, causando, assim, a vasodilatação local.

Exemplos especiais de controle metabólico agudo do fluxo sanguíneo local


A hiperemia reativa ocorre após o bloqueio do fornecimento de sangue aos tecidos por algum
tempo. Se o fluxo sanguíneo for bloqueado por alguns segundos a várias horas e, em seguida, for desbloqueado, o
fluxo para o tecido geralmente aumenta em quatro a sete vezes em relação ao normal. O aumento do fluxo continua
durante alguns segundos ou por mais tempo, caso o fluxo tenha sido interrompido por 1 hora ou mais. Esse
fenômeno, denominado hiperemia reativa, parece constituir uma manifestação dos mecanismos metabólicos locais
de regulação do fluxo sanguíneo. Após a ocorrência de oclusão vascular, os metabólitos vasodilatadores teciduais
acumulam-se nos tecidos, e observa-se o desenvolvimento de deficiência de oxigênio. O fluxo sanguíneo extra
durante a hiperemia reativa dura o suficiente para compensar quase exatamente a deficiência de oxigênio tecidual e
remover os metabólitos vasodilatadores acumulados.
A hiperemia ativa ocorre quando a taxa metabólica dos tecidos aumenta. Quando um tecido se torna
altamente ativo, como o músculo durante o exercício ou até mesmo o cérebro durante o aumento da atividade mental,
o fluxo sanguíneo para o tecido aumenta. Isso parece estar relacionado com o aumento do metabolismo tecidual
local, que causa o acúmulo de substâncias vasodilatadoras e, possivelmente, um ligeiro déficit de oxigênio. A
dilatação dos vasos sanguíneos locais ajuda o tecido a receber os nutrientes adicionais que são necessários para
manter o seu novo nível de funcionamento.
Autorregulação do fluxo sanguíneo durante alterações na pressão arterial: mecanismos
metabólicos e miogênicos. Em qualquer tecido do corpo, elevações agudas da pressão arterial provocam o
aumento imediato do fluxo sanguíneo. Todavia, em menos de 1 minuto, o fluxo sanguíneo em muitos tecidos retorna
ao nível normal, embora a pressão arterial permaneça elevada. Esse processo é denominado autorregulação do fluxo
sanguíneo:

A teoria metabólica de autorregulação sugere que, quando a pressão arterial aumenta e o fluxo sanguíneo torna-se
excessivamente grande, o fluxo em excesso fornece oxigênio e nutrientes extras aos tecidos, causando a constrição
dos vasos sanguíneos e o retorno do fluxo ao normal, apesar da pressão arterial elevada
A teoria miogênica da autorregulação sugere que o súbito estiramento dos pequenos vasos sanguíneos causa a
contração automática do músculo liso nas paredes dos vasos. Essa propriedade intrínseca do músculo liso possibilita
a sua resistência ao estiramento excessivo. Em contrapartida, em condições de baixa pressão, o grau de estiramento
do vaso é menor, e ocorre o relaxamento do músculo liso, com diminuição da resistência vascular e manutenção
relativamente constante do fluxo sanguíneo, apesar da pressão arterial mais baixa.

A importância relativa desses dois mecanismos de autorregulação do fluxo sanguíneo continua sendo discutida
pelos fisiologistas. Parece provável que ambos os mecanismos possam contribuir para a manutenção de um fluxo
sanguíneo relativamente estável durante as variações da pressão arterial.
Mecanismos especiais para controle agudo do fluxo sanguíneo em tecidos específicos. Os
mecanismos gerais de controle do fluxo sanguíneo local discutidos até agora são encontrados na maioria dos tecidos
corporais; no entanto, também existem mecanismos especiais que controlam o fluxo sanguíneo em determinadas
áreas. Esses mecanismos são discutidos em relação a órgãos específicos, porém estes três mecanismos são notáveis:

Nos rins, o fluxo sanguíneo é regulado, em parte, por um mecanismo denominado feedback tubuloglomerular, em
que a composição do líquido na parte inicial do túbulo distal é detectada pela mácula densa. A mácula densa está
localizada onde o túbulo distal passa adjacente às arteríolas aferentes e eferentes, no aparelho justaglomerular.
Quando um excesso de líquido é filtrado do sangue através do glomérulo para o sistema tubular, os sinais de
feedback da mácula densa provocam a constrição das arteríolas aferentes, reduzindo, assim, o fluxo sanguíneo renal
e possibilitando o retorno da taxa de filtração glomerular ao normal (ver Capítulo 27 para uma discussão mais
detalhada)
No cérebro, as concentrações de dióxido de carbono e íons hidrogênio desempenham papéis proeminentes no
controle do fluxo sanguíneo local. O aumento do dióxido de carbono ou de íons hidrogênio provoca a dilatação dos
vasos sanguíneos cerebrais, o que possibilita a rápida remoção do excesso de dióxido de carbono e de íons
hidrogênio
Na pele, o controle do fluxo sanguíneo está estreitamente ligado à temperatura corporal e é controlado, em grande
parte, pelo sistema nervoso central, por meio dos nervos simpáticos, conforme discutido no Capítulo 74. Quando os
seres humanos são expostos ao aquecimento corporal, o fluxo sanguíneo da pele pode aumentar muitas vezes,
alcançando 7 a 8 l/min no corpo inteiro. Quando a temperatura corporal é reduzida, o fluxo sanguíneo da pele
diminui, caindo para pouco acima de zero em temperaturas muito baixas.

As células endoteliais controlam o fluxo sanguíneo por meio da liberação do vasodilatador, o


óxido nítrico. Os mecanismos locais para o controle do fluxo sanguíneo tecidual atuam principalmente nos
microvasos dos tecidos, visto que o feedback local das substâncias vasodilatadoras ou da deficiência de oxigênio
pode alcançar apenas esses vasos, e não as grandes artérias a montante. Entretanto, quando o fluxo sanguíneo através
da porção microvascular da circulação aumenta, as células endoteliais que revestem os vasos maiores liberam uma
substância vasodilatadora, denominada fator de relaxamento derivado do endotélio, que parece ser principalmente
óxido nítrico. Essa liberação de óxido nítrico é causada, em parte, pelo aumento da tensão de cisalhamento sobre as
paredes endoteliais, que ocorre quando o sangue flui mais rapidamente através dos grandes vasos. Em seguida, a
liberação de óxido nítrico relaxa os vasos maiores, causando a sua dilatação. Sem a dilatação dos vasos de maior
calibre, a efetividade do fluxo sanguíneo local torna-se comprometida, visto que uma parte significativa da
resistência no fluxo sanguíneo encontra-se nas arteríolas e nas pequenas artérias a montante.
As células endoteliais também liberam substâncias vasoconstritoras. A mais importante dessas
substâncias é a endotelina, um peptídeo liberado quando os vasos sanguíneos sofrem lesão. O estímulo habitual para
a sua liberação é a ocorrência de dano ao endotélio, como aquele causado por esmagamento dos tecidos ou injeção de
uma substância química traumatizante no vaso sanguíneo. Após a ocorrência de grave dano a um vaso sanguíneo, a
liberação de endotelina local e a vasoconstrição subsequente ajudam a impedir o sangramento excessivo das artérias.

Regulação do fluxo sanguíneo a longo prazo


A maioria dos mecanismos discutidos até agora atua em questão de poucos segundos a alguns minutos após a
ocorrência de alteração das condições locais do tecido. Mesmo com o funcionamento completo desses mecanismos
agudos, o fluxo sanguíneo é geralmente ajustado apenas em cerca de 75% das necessidades teciduais. No decorrer de
um período de horas, dias e semanas, observa-se o desenvolvimento de uma regulação local de longo prazo do fluxo
sanguíneo, que ajuda a regular o fluxo de modo a corresponder com mais precisão às necessidades metabólicas dos
tecidos.
Regulação do fluxo sanguíneo por alterações na vascularização dos tecidos. Se o metabolismo de
um tecido permanecer aumentado por um período prolongado, o tamanho físico dos vasos no tecido aumenta; em
algumas condições, o número de vasos sanguíneos também aumenta. Um dos principais fatores que estimulam esse
aumento da vascularização é a baixa concentração de oxigênio dos tecidos. Os animais que vivem em grandes
altitudes, por exemplo, apresentam vascularização aumentada. De modo semelhante, os pintos que nascem em baixos
níveis de oxigênio têm até duas vezes mais vascularização em relação aos pintos em condições normais. Esse
crescimento de novos vasos é denominado angiogênese.
A angiogênese ocorre principalmente em resposta à presença de fatores angiogênicos liberados (1) de tecidos
isquêmicos, (2) de tecidos em rápido crescimento e (3) de tecidos que apresentam altas taxas metabólicas.
Muitos fatores angiogênicos são pequenos peptídeos. Quatro dos fatores angiogênicos mais bem
caracterizados são o fator de crescimento endotelial vascular, o fator de crescimento dos fibroblastos, o fator de
crescimento derivado de plaquetas e a angiogenina, todos isolados de tumores ou de outros tecidos em rápido
crescimento ou que apresentam suprimento sanguíneo inadequado. A deficiência de oxigênio nos tecidos induz a
expressão de fatores indutores de hipóxia, fatores de transcrição que regulam positivamente a expressão gênica e a
formação de fatores angiogênicos.
A angiogênese começa com o brotamento de novos vasos a partir de pequenas vênulas ou, em certas ocasiões, de
capilares. A membrana basal das células endoteliais é dissolvida, seguida pela rápida produção de novas células
endoteliais, que emergem do vaso em cordões estendidos, em direção à fonte do fator angiogênico. As células
continuam a se dividir e, por fim, dobram-se para formar um tubo. Em seguida, o tubo conecta-se com outro tubo,
que brota de outro vaso doador, formando uma alça capilar através da qual o sangue começa a fluir. Se o fluxo for
suficiente, as células musculares lisas finalmente invadem a parede, de modo que alguns desses vasos crescem para
se transformar em pequenas arteríolas e, talvez, em vasos maiores.
Pode ocorrer formação de vasos sanguíneos colaterais quando houver bloqueio de uma artéria
ou de uma veia. Com frequência, surgem novos canais vasculares ao redor de uma artéria ou veia bloqueada, que
permitem que o tecido afetado recupere, pelo menos parcialmente, o seu suprimento de sangue. Um exemplo
importante é o desenvolvimento de vasos sanguíneos colaterais após a trombose de uma das artérias coronárias.
Muitos indivíduos com idade superior a 60 anos apresentam bloqueio de pelo menos um dos vasos coronários
menores, porém a maioria não sabe que isso aconteceu, devido ao desenvolvimento gradual de vasos sanguíneos
colaterais à medida que os vasos começam a se fechar, fornecendo, assim, fluxo sanguíneo suficiente ao tecido para
prevenir qualquer dano ao miocárdio. Entretanto, quando a trombose ocorre muito rapidamente para permitir o
desenvolvimento de vasos sanguíneos colaterais, podem ocorrer infartos agudos do miocárdio graves.
Remodelagem vascular em resposta a alterações crônicas no fluxo sanguíneo ou na pressão arterial
A estrutura dos grandes vasos sanguíneos também se adapta a alterações em longo prazo na pressão arterial e no
fluxo sanguíneo. Por exemplo, na hipertensão crônica, as grandes e pequenas artérias e as arteríolas sofrem
remodelagem para acomodar o aumento do estresse da pressão arterial mais elevada. Nos pequenos vasos sanguíneos
que sofrem contração em resposta à elevação da pressão arterial, as células musculares lisas vasculares e as células
endoteliais se reorganizam gradualmente (no decorrer de um período de vários dias ou semanas) ao redor do menor
diâmetro do lúmen; esse processo é denominado remodelagem eutrófica concêntrica e não resulta em qualquer
alteração na área transversal total da parede vascular (Figura 17.1).
Em artérias maiores que não se contraem em resposta ao aumento da pressão, a parede do vaso é exposta ao
aumento da tensão da parede, que estimula a resposta de remodelagem hipertrófica e o aumento da área de seção
transversa da parede vascular. A resposta hipertrófica aumenta o tamanho das células musculares lisas vasculares e
estimula a formação adicional de matriz extracelular, o que reforça a resistência da parede vascular para suportar as
pressões mais elevadas.
Além disso, ocorre remodelagem quando um vaso sanguíneo é exposto cronicamente a um fluxo sanguíneo
aumentado ou reduzido. Após a formação de uma fístula conectando uma grande artéria e uma grande veia, a taxa de
fluxo sanguíneo aumenta na artéria (devido à redução da resistência vascular a jusante) e, por fim, leva ao aumento
do diâmetro da artéria (remodelagem excêntrica), enquanto a espessura da parede do vaso pode permanecer
inalterada. Entretanto, a espessura da parede, o diâmetro do lúmen e a área transversal da parede vascular no lado
venoso da fístula aumentam em resposta aos incrementos na pressão e no fluxo sanguíneo (remodelagem hipertrófica
excêntrica).
Esses padrões de remodelagem sugerem que o aumento em longo prazo da tensão sobre a parede vascular causa
hipertrofia e aumento da espessura da parede em grandes vasos sanguíneos, ao passo que o aumento da taxa de fluxo
sanguíneo provoca remodelagem excêntrica e aumento do diâmetro luminal para acomodar o aumento do fluxo
sanguíneo. Reduções crônicas da pressão arterial e do fluxo sanguíneo têm efeitos opostos. Assim, a remodelagem
vascular representa uma importante resposta adaptativa dos vasos sanguíneos ao crescimento e ao desenvolvimento
dos tecidos, bem como às alterações fisiológicas e patológicas da pressão arterial e do fluxo sanguíneo para os
tecidos.
Figura 17.1 Remodelagem vascular em resposta ao aumento crônico da pressão
arterial ou do fluxo sanguíneo.

CONTROLE HUMORAL DA CIRCULAÇÃO

Vários hormônios são secretados na circulação e transportados no sangue para todo o corpo. Alguns desses
hormônios exercem efeitos importantes sobre a função circulatória:

A noradrenalina e a adrenalina, que são liberadas pela medula adrenal, atuam como vasoconstritores em muitos
tecidos por meio da estimulação dos receptores alfa-adrenérgicos. Todavia, a adrenalina é muito menos potente como
vasoconstritor e pode até mesmo causar vasodilatação leve ao estimular os receptores beta-adrenérgicos presentes em
alguns tecidos, como o músculo esquelético
A angiotensina II, um potente vasoconstritor, geralmente é formada em resposta à depleção de volume ou à redução
da pressão arterial
A vasopressina, também denominada hormônio antidiurético, é um dos vasoconstritores mais potentes do corpo. Ela
é sintetizada pelas células nervosas do hipotálamo e transportada até a neuro-hipófise, onde é liberada em resposta à
redução do volume sanguíneo, como ocorre na hemorragia, ou em caso de aumento da osmolaridade do plasma,
como ocorre na desidratação
As prostaglandinas são sintetizadas em quase todos os tecidos do corpo. Essas substâncias exercem efeitos
intracelulares importantes, porém algumas delas são liberadas na circulação; em particular, a prostaciclina e as
prostaglandinas da série E, que são vasodilatadores. Algumas prostaglandinas, como o tromboxano A2 e as
prostaglandinas da série F, são vasoconstritores
A bradicinina, que é formada no sangue e nos líquidos teciduais, é um potente vasodilatador, que também aumenta a
permeabilidade capilar. Por esse motivo, o aumento dos níveis de bradicinina pode causar edema pronunciado e
aumento do fluxo sanguíneo em alguns tecidos
A histamina, um poderoso vasodilatador, é liberada nos tecidos lesionados ou inflamados. A maior parte da
histamina é liberada pelos mastócitos, nos tecidos danificados, ou pelos basófilos, no sangue. À semelhança da
bradicinina, a histamina aumenta a permeabilidade capilar e provoca edema tecidual, bem como maior fluxo
sanguíneo.

Controle vascular feito por íons e outros fatores químicos. Muitos íons e fatores químicos podem dilatar
ou contrair os vasos sanguíneos locais. Seus efeitos específicos são os seguintes:

O aumento da concentração de íons cálcio intracelulares provoca vasoconstrição


O aumento da concentração de íons potássio causa vasodilatação
O aumento da concentração de íons magnésio provoca vasodilatação
O aumento da concentração de íons sódio provoca vasodilatação
O aumento da osmolaridade do sangue, em decorrência de quantidades aumentadas de glicose ou de outras
substâncias não vasoativas, causa vasodilatação
O aumento da concentração de íons hidrogênio (diminuição do pH) provoca vasodilatação
O aumento da concentração de dióxido de carbono causa vasodilatação na maioria dos tecidos e vasodilatação
acentuada no cérebro.
CAPÍTULO 18

Regulação Nervosa da Circulação e Controle Rápido da Pressão Arterial

Com exceção de determinados tecidos, como a pele, a regulação do fluxo sanguíneo é principalmente uma função
dos mecanismos de controle locais. O controle neural afeta principalmente as funções mais globais, como a
redistribuição do fluxo sanguíneo para diferentes partes do corpo, o aumento da atividade de bombeamento do
coração e o fornecimento de um rápido controle da pressão arterial. O controle da circulação pelo sistema nervoso é
exercido quase que inteiramente por intermédio do sistema nervoso autônomo.

SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

Os dois componentes do sistema nervoso autônomo são o sistema nervoso simpático, que é mais importante no
controle da circulação, e o sistema nervoso parassimpático, que contribui para a regulação da função cardíaca.
A estimulação simpática causa vasoconstrição e aumenta a frequência e a contratilidade
cardíacas. As fibras vasomotoras simpáticas saem da medula espinhal por meio de todos os nervos espinhais
torácicos e o primeiro ou os dois primeiros nervos espinhais lombares. Em seguida, passam para a cadeia simpática e
seguem dois trajetos até a circulação: (1) através de nervos simpáticos específicos, que inervam principalmente a
vasculatura das vísceras internas e do coração; e (2) através dos nervos espinhais, que inervam principalmente a
vasculatura das áreas periféricas. Quase todos os vasos sanguíneos, com exceção dos capilares, são inervados por
fibras nervosas simpáticas. A estimulação simpática das pequenas artérias e das arteríolas aumenta a resistência
vascular e diminui a velocidade do fluxo sanguíneo pelos tecidos. A inervação dos grandes vasos, em particular das
veias, permite que a estimulação simpática reduza o volume dos vasos.
As fibras simpáticas também se dirigem para o coração e estimulam a sua atividade, aumentando a frequência e a
força de bombeamento.
A estimulação parassimpática diminui a frequência e a contratilidade cardíacas. Embora o sistema
nervoso parassimpático desempenhe um importante papel no controle de muitas outras funções autonômicas do
organismo, seu principal papel no controle do sistema cardiovascular consiste em diminuir acentuadamente a
frequência cardíaca e reduzir ligeiramente a contratilidade do músculo cardíaco.

Sistema vasoconstritor simpático e seu controle pelo sistema nervoso central


Os nervos simpáticos conduzem um grande número de fibras nervosas vasoconstritoras e apenas algumas fibras
vasodilatadoras. As fibras vasoconstritoras são distribuídas para quase todos os segmentos da circulação. Essa
distribuição é maior em alguns tecidos, como a pele, o intestino e o baço.
Centro vasomotor no cérebro e seu controle do sistema vasoconstritor. Localizada bilateralmente na
substância reticular do bulbo e no terço inferior da ponte, encontra-se uma área denominada centro vasomotor, que
transmite impulsos parassimpáticos através dos nervos vagos para o coração e impulsos simpáticos através da
medula espinhal e dos nervos simpáticos periféricos para quase todos os vasos sanguíneos do corpo (Figura 18.1).
Figura 18.1 Anatomia do controle nervoso simpático da circulação. A linha vermelha
tracejada mostra o nervo vago, que transporta sinais parassimpáticos para o coração.
Embora a organização dos centros vasomotores não seja totalmente compreendida, certas áreas parecem ter
especial importância:

Uma área vasoconstritora está localizada bilateralmente nas porções anterolaterais da parte superior do bulbo. Os
neurônios que se originam nessa área distribuem suas fibras por toda a medula espinhal, onde estimulam os
neurônios vasoconstritores pré-ganglionares do sistema nervoso simpático
Uma área vasodilatadora está localizada bilateralmente nas porções anterolaterais da metade inferior do bulbo. As
fibras provenientes desses neurônios inibem a atividade vasoconstritora da área C-1, causando a vasodilatação
Uma área sensorial está localizada bilateralmente no núcleo do trato solitário, nas porções posterolaterais do bulbo e
na parte inferior da ponte. Os neurônios dessa área recebem sinais nervosos sensoriais principalmente por meio dos
nervos vago e glossofaríngeo, e os sinais de saída dessa área sensorial ajudam a controlar as atividades das áreas
vasoconstritoras e vasodilatadoras, proporcionando o controle reflexo de muitas funções circulatórias. Um exemplo é
o reflexo barorreceptor para o controle da pressão arterial (discutido posteriormente).

Constrição parcial dos vasos sanguíneos pelo tônus vasoconstritor simpático. Em condições
normais, a área vasoconstritora do centro vasomotor transmite sinais continuamente às fibras nervosas
vasoconstritoras simpáticas por todo o corpo, provocando o disparo lento dessas fibras, em uma frequência de cerca
de 0,5 a 2 impulsos por segundo. Esse tônus vasoconstritor simpático mantém o estado parcial de constrição dos
vasos sanguíneos. Quando esse tônus vasomotor é bloqueado (p. ex., por anestesia espinhal), os vasos sanguíneos por
todo o corpo se dilatam, e a pressão arterial pode cair até valores baixos, como 50 mmHg.
Controle do centro vasomotor pelos centros nervosos superiores. Um grande número de áreas em
toda a substância reticular de ponte, mesencéfalo e diencéfalo pode excitar ou inibir o centro vasomotor.
O hipotálamo desempenha um papel especial no controle do sistema vasoconstritor, pois pode exercer potentes
efeitos excitatórios ou inibitórios sobre o centro vasomotor.
Muitas áreas do córtex cerebral também podem excitar ou inibir o centro vasomotor. Por exemplo, a estimulação
do córtex motor excita o centro vasomotor. Muitas áreas do cérebro podem ter efeitos profundos sobre a função
cardiovascular.
A noradrenalina é o neurotransmissor vasoconstritor simpático. A noradrenalina, que é secretada nas
terminações dos nervos vasoconstritores, atua diretamente nos receptores alfa-adrenérgicos do músculo liso vascular,
causando a vasoconstrição.
A medula adrenal libera noradrenalina e adrenalina durante a estimulação simpática. Os impulsos
simpáticos são geralmente transmitidos para a medula adrenal ao mesmo tempo que são transmitidos para os vasos
sanguíneos, estimulando a liberação de adrenalina e noradrenalina no sangue circulante. Esses dois hormônios são
transportados pela corrente sanguínea para todas as partes do corpo, onde atuam diretamente sobre os vasos
sanguíneos, causando vasoconstrição por meio da estimulação dos receptores alfa-adrenérgicos. Entretanto, a
adrenalina também tem efeitos beta-adrenérgicos potentes, que causam vasodilatação em certos tecidos, como o
musculoesquelético.

PAPEL DO SISTEMA NERVOSO NO CONTROLE RÁPIDO DA PRESSÃO ARTERIAL

Uma das funções mais importantes do sistema nervoso simpático consiste em proporcionar o rápido controle da
pressão arterial, causando vasoconstrição e estimulação cardíaca. Ao mesmo tempo que a atividade simpática
aumenta, com frequência, ocorre a inibição recíproca dos sinais vagais parassimpáticos para o coração, o que
também contribui para maior frequência cardíaca. Em consequência desses efeitos autonômicos, ocorrem três
alterações principais para aumentar a pressão arterial:

A maioria das arteríolas existentes em todo o corpo sofre constrição, causando o aumento da resistência vascular
periférica total e a elevação da pressão arterial
As veias e os vasos maiores da circulação sofrem constrição, o que desloca o sangue dos vasos periféricos para o
coração, fazendo-o bombear com mais força, o que também ajuda a elevar a pressão arterial
O coração é estimulado diretamente pelo sistema nervoso autônomo, o que intensifica ainda mais o bombeamento
cardíaco. Grande parte desse efeito é produzido pelo aumento da frequência cardíaca, às vezes de até três vezes o
normal. Além disso, a estimulação simpática aumenta diretamente a força contrátil do músculo cardíaco,
aumentando, assim, a sua capacidade de bombear maiores volumes de sangue.

Uma importante característica do controle nervoso é que ele é rápido, iniciando em poucos segundos. Em
contrapartida, a súbita inibição da estimulação nervosa pode diminuir a pressão arterial em poucos segundos.
O sistema nervoso autônomo contribui para o aumento da pressão arterial durante o exercício
muscular. Durante a prática de exercícios intensos, os músculos necessitam de um aumento acentuado do fluxo
sanguíneo. Parte desse aumento resulta da vasodilatação local, porém aumentos adicionais do fluxo resultam da
elevação simultânea da pressão arterial durante o exercício. Com o exercício intenso, pode ocorrer a elevação da
pressão arterial até 30 a 40%.
Ao mesmo tempo que as áreas motoras do sistema nervoso são ativadas para produzir o exercício, a maior parte
do sistema de ativação reticular no cérebro também é ativada, o que aumenta acentuadamente a estimulação das áreas
vasoconstritoras e cardioaceleradoras do centro vasomotor. Esses efeitos aumentam instantaneamente a pressão
arterial, para acompanhar o ritmo da atividade muscular aumentada. Entretanto, a vasodilatação no músculo é
mantida, apesar do aumento da atividade simpática, devido ao efeito predominante dos mecanismos de controle
locais no músculo.
O sistema nervoso autônomo aumenta a pressão arterial durante a reação de alarme. Em
situações de medo extremo, a pressão arterial com frequência aumenta e alcança até 200 mmHg em poucos
segundos. Essa reação de alarme gera o aumento da pressão arterial necessário para o fornecimento imediato de
sangue a qualquer um dos músculos do corpo que precise responder instantaneamente para fugir do perigo percebido.

Mecanismos reflexos para a manutenção da normalidade da pressão arterial


Além de circunstâncias especiais, como estresse e exercício, o sistema nervoso autônomo funciona para manter a
pressão arterial no nível normal ou próximo ao normal por meio de mecanismos reflexos de feedback negativo.
Sistema de controle reflexo dos barorreceptores arteriais. O reflexo barorreceptor arterial é iniciado por
receptores de estiramento, denominados barorreceptores, localizados particularmente nas paredes do seio carotídeo e
no arco aórtico. Os sinais provenientes dos receptores do seio carotídeo são transmitidos através do nervo de Hering
para o nervo glossofaríngeo e, em seguida, para o núcleo do trato solitário, na área bulbar do tronco encefálico. Os
sinais provenientes do arco aórtico são transmitidos através dos nervos vagos para a mesma área do bulbo. Os
barorreceptores controlam a pressão arterial da seguinte maneira:

O aumento da pressão nos vasos sanguíneos que contêm barorreceptores provoca o aumento do disparo de impulsos
Os sinais liberados pelos barorreceptores entram no núcleo do trato solitário, inibem o centro vasoconstritor do bulbo
e excitam o centro vagal
Os efeitos finais consistem em inibição da atividade simpática e estimulação da atividade parassimpática, que
causam (1) vasodilatação das veias e das arteríolas e (2) diminuição da frequência cardíaca e da força de contração
cardíaca
A vasodilatação das veias e das arteríolas e a diminuição da frequência cardíaca e da força de contração do coração
provocam a diminuição da pressão arterial, devido ao declínio da resistência vascular periférica e do débito cardíaco.

Os barorreceptores mantêm a pressão arterial em um nível relativamente constante durante


mudanças na postura corporal e em outras atividades diárias. Quando uma pessoa que está deitada se
levanta, a pressão arterial na cabeça e na parte superior do corpo tende a cair. A redução da pressão diminui os sinais
enviados pelos barorreceptores aos centros vasomotores, desencadeando uma forte descarga simpática, que minimiza
a redução da pressão arterial. Na ausência de barorreceptores funcionais, as reduções acentuadas da pressão arterial
podem diminuir o fluxo sanguíneo cerebral para um nível baixo, a ponto de o indivíduo perder a consciência.
As atividades diárias que tendem a aumentar a pressão arterial, como alimentação, agitação e defecação, podem
causar elevações extremas da pressão arterial na ausência de reflexos barorreceptores normais. Uma importante
finalidade do sistema barorreceptor arterial consiste em reduzir a variação diária da pressão arterial para cerca de
metade a um terço das alterações de pressão que ocorreriam na ausência do sistema barorreceptor.
Qual é a importância dos barorreceptores na regulação de longo prazo da pressão arterial? Os
barorreceptores arteriais proporcionam um poderoso controle de momento a momento da pressão arterial, porém a
sua importância na regulação da pressão arterial de longo prazo tem sido controversa, visto que eles tendem a se
reconfigurar em 1 a 2 dias para a pressão arterial à qual estão expostos. Por exemplo, se a pressão arterial aumentar
do seu valor normal de 100 mmHg para um valor elevado de 160 mmHg, os impulsos barorreceptores são
inicialmente transmitidos em uma frequência muito alta. Entretanto, a frequência de disparos dos barorreceptores
volta a níveis quase normais no decorrer de um período de 1 a 2 dias, mesmo quando a pressão arterial média
permanece em 160 mmHg.
Essa reconfiguração dos barorreceptores pode atenuar a sua potência para a correção de distúrbios que tendam a
alterar a pressão arterial por mais de alguns dias. No entanto, estudos experimentais sugerem que os barorreceptores
não se reconfigurem por completo; portanto, eles podem contribuir para a regulação de longo prazo da pressão
arterial, particularmente ao influenciar a atividade da inervação simpática dos rins (ver Capítulos 19 e 30). Além
disso, os estudos realizados demonstraram que a estimulação elétrica crônica das fibras nervosas aferentes do seio
carotídeo pode causar reduções sustentadas da atividade simpática e da pressão arterial. Esses achados sugerem que a
maior parte, se não toda, da reconfiguração do reflexo, que ocorre durante aumentos sustentados da pressão arterial,
deve-se à reconfiguração dos próprios barorreceptores, em vez do sistema nervoso central.
Os reflexos cardiopulmonares ajudam a regular a pressão arterial. Localizados nas paredes dos átrios
e das artérias pulmonares, existem receptores de estiramento, denominados receptores cardiopulmonares ou
receptores de baixa pressão, que são semelhantes aos receptores de estiramento barorreceptores das artérias
sistêmicas. Esses receptores de baixa pressão desempenham um importante papel no processo de minimizar
alterações da pressão arterial em resposta a alterações do volume sanguíneo. Embora os receptores de baixa pressão
não tenham a capacidade de detectar diretamente a pressão arterial sistêmica, eles detectam alterações da pressão no
coração e na circulação pulmonar causadas por alterações de volume, além de desencadearem reflexos que
acompanham paralelamente os reflexos barorreceptores, de modo a tornar o sistema reflexo total mais potente para o
controle da pressão arterial.
O aumento do estiramento dos átrios provoca a diminuição reflexa da atividade simpática para os rins, causando
a diminuição da secreção de renina, a vasodilatação das arteríolas aferentes, o aumento da taxa de filtração
glomerular e a diminuição da reabsorção tubular de sódio. Essas alterações fazem os rins excretarem mais sódio e
água, livrando o organismo do excesso de volume.
Controle da pressão arterial por quimiorreceptores carotídeos e aórticos, que são sensíveis à
falta de oxigênio, ao excesso de dióxido de carbono ou ao excesso de íons hidrogênio. O reflexo
quimiorreceptor, estreitamente associado ao sistema de controle barorreceptor, atua do mesmo modo que o reflexo
barorreceptor, exceto que a resposta é iniciada por quimiorreceptores, em vez de receptores de estiramento.
Os quimiorreceptores estão localizados em dois corpos (glomos) carotídeos, um dos quais está situado na
bifurcação de cada artéria carótida comum, e em vários corpos para‑aórticos adjacentes à aorta. Toda vez que a
pressão arterial cai abaixo de um nível crítico, os quimiorreceptores são estimulados, devido ao fluxo sanguíneo
reduzido para os glomos e à consequente redução da disponibilidade de oxigênio e ao acúmulo excessivo de dióxido
de carbono e íons hidrogênio, que não são removidos pelo fluxo sanguíneo lento. Os sinais transmitidos dos
quimiorreceptores para o centro vasomotor excitam o centro vasomotor, que, por sua vez, eleva a pressão. Os
quimiorreceptores também podem contribuir para o aumento da pressão arterial em condições como obesidade grave
e apneia obstrutiva do sono (i. e., transtorno do sono associado a episódios repetitivos de interrupção da respiração e
hipóxia durante a noite).

A resposta isquêmica do sistema nervoso central eleva a pressão arterial em resposta à redução do
fluxo sanguíneo para o centro vasomotor cerebral
Quando o fluxo sanguíneo para o centro vasomotor na parte inferior do tronco encefálico diminui o suficiente para
provocar isquemia cerebral (i. e., deficiência nutricional), os neurônios do centro vasomotor são fortemente
excitados. Quando isso ocorre, a pressão arterial sistêmica com frequência aumenta até o nível máximo de
capacidade de bombeamento cardíaco. O baixo fluxo sanguíneo para o cérebro provoca o acúmulo de dióxido de
carbono nos centros vasomotores. O aumento da concentração de dióxido de carbono é um potente agente para
estimular as áreas de controle nervoso simpático do bulbo. Outros fatores, como o acúmulo de ácido láctico, também
podem contribuir para a estimulação do centro vasomotor e o aumento da pressão arterial.
A elevação da pressão arterial em resposta à isquemia cerebral é conhecida como resposta isquêmica do sistema
nervoso central. Essa resposta constitui um sistema de controle de emergência, que atua rapidamente e com potência
para impedir qualquer declínio da pressão arterial quando o fluxo sanguíneo para o cérebro se torna perigosamente
reduzido. Às vezes, esse processo é denominado mecanismo de último recurso para o controle da pressão arterial.
A reação de Cushing é uma resposta isquêmica do sistema nervoso central que resulta do
aumento da pressão na abóbada craniana. Quando a pressão do líquido cefalorraquidiano (liquor) aumenta
para se igualar à pressão arterial, uma resposta isquêmica do sistema nervoso central é iniciada, a qual é capaz de
elevar a pressão arterial para 250 mmHg. Essa resposta ajuda a proteger os centros vitais do cérebro contra a perda
de nutrição, o que poderia ocorrer se a pressão na abóbada craniana ultrapassasse a pressão arterial normal e
provocasse a compressão dos vasos sanguíneos que irrigam o cérebro.
Se a isquemia cerebral se tornar grave a ponto de a elevação máxima da pressão arterial não ser suficiente para
aliviar a isquemia, as células neuronais começarão a apresentar problemas metabólicos e, em 3 a 10 minutos, tornar-
se-ão inativas, causando a redução da pressão arterial.
CAPÍTULO 19

O Papel dos Rins no Controle da Pressão Arterial em Longo Prazo e na


Hipertensão

SISTEMA RIM‑VOLUME PLASMÁTICO PARA O CONTROLE DA PRESSÃO ARTERIAL

O controle da pressão arterial em curto prazo pelo sistema nervoso simpático, discutido no Capítulo 18, ocorre
principalmente por meio de mudanças na resistência e na capacitância vasculares e na capacidade de bombeamento
cardíaco. Entretanto, o corpo também dispõe de poderosos mecanismos para a regulação da pressão arterial em longo
prazo, os quais estão estreitamente ligados ao controle do volume de líquidos corporais pelos rins, mecanismo
conhecido como sistema de feedback rim‑volume. Quando a pressão arterial aumenta excessivamente, os rins
excretam quantidades aumentadas de sódio e de água, devido à natriurese por pressão e à diurese por pressão,
respectivamente. Em consequência do aumento da excreção renal, o volume de líquido extracelular e o volume
sanguíneo diminuem até que a pressão arterial seja normalizada e que os rins excretem quantidades normais de sódio
e de água.
Em contrapartida, quando a pressão arterial cai excessivamente, os níveis renais de sódio e a excreção de água
são reduzidos. No decorrer do período de algumas horas a dias, se o indivíduo beber água e consumir sal em
quantidades suficientes para aumentar o volume sanguíneo, a pressão arterial voltará ao seu nível anterior. Esse
mecanismo da pressão arterial é de ação lenta, exigindo, às vezes, vários dias, 1 semana ou mais para alcançar o
equilíbrio; por conseguinte, não é de grande importância para o controle agudo da pressão arterial. No entanto, esse
mecanismo é, sem dúvida, o mais potente de todos os mecanismos de controle da pressão arterial em longo prazo.
O débito renal de sal e de água é equilibrado pela ingestão de sal e de água em condições
estáveis. A Figura 19.1 mostra o efeito de várias pressões arteriais sobre o volume de urina produzido por um rim
isolado, demonstrando a ocorrência de aumentos acentuados no débito de volume (diurese por pressão) e de sódio
(natriurese por pressão) à medida que ocorre a elevação da pressão arterial. Enquanto a pressão arterial permanecer
acima do ponto de equilíbrio normal, o débito renal excederá a ingestão de sal e de água, resultando em declínio
progressivo do volume de líquido extracelular. Em contrapartida, se a pressão arterial cair abaixo do ponto de
equilíbrio, o débito renal de água e de sal será menor do que a ingestão, com consequente aumento progressivo do
volume de líquido extracelular. O único ponto da curva em que pode ocorrer um equilíbrio entre o débito renal e a
ingestão de sal e de água é na pressão arterial normal (ponto de equilíbrio).
O mecanismo rim‑volume fornece um ganho quase infinito por feedback para controle da
pressão arterial em longo prazo. Para ilustrar por que o mecanismo de feedback rim-volume demonstra um
“ganho quase infinito” no controle da pressão arterial, suponha que a pressão arterial aumente para 150 mmHg.
Nesse nível, o débito renal de água e de sal é cerca de três vezes maior do que a ingestão. O corpo perde líquido, o
volume sanguíneo diminui e a pressão arterial também diminui. Além disso, essa perda de líquido não cessa até a
pressão arterial diminuir e alcançar o ponto de equilíbrio (ver Figura 19.1, curva A). Em contrapartida, se a pressão
arterial cair abaixo do ponto de equilíbrio, os rins diminuem a excreção de sal e de água até um nível abaixo da
ingestão, provocando o acúmulo de líquido e volume sanguíneo até que a pressão arterial retorne ao ponto de
equilíbrio. Como há pouco ou nenhum erro remanescente na pressão arterial após a correção completa, esse sistema
de feedback tem um ganho quase infinito.
Figura 19.1 A regulação da pressão arterial pode ser analisada comparando‑se a
curva de débito renal com a curva de ingestão de sal e de água. O ponto de equilíbrio
descreve o nível em que a pressão arterial é regulada. A curva A (linha vermelha)
mostra a curva de débito renal normal. Por sua vez, a curva B (linha cor‑de‑rosa)
representa a curva de débito renal na hipertensão.

Dois determinantes do nível de pressão arterial em longo prazo. Na Figura 19.1, é possível observar
que a pressão arterial em longo prazo é determinada por dois fatores: (1) a curva de débito renal para o sal e a água
e (2) o nível de ingestão de sal e de água. Enquanto esses dois fatores permanecerem constantes, a pressão arterial
também será mantida em seu nível normal de 100 mmHg. Para que a pressão arterial sofra desvio do nível normal
por períodos prolongados, é preciso que um desses fatores seja alterado.
Na curva B da Figura 19.1, uma anormalidade do rim causou o deslocamento da curva de débito renal de 50
mmHg para a pressão arterial mais elevada. Esse deslocamento resulta em um novo ponto de equilíbrio, e a pressão
arterial segue esse novo nível de pressão em poucos dias. Embora a maior ingestão de sal e de água possa,
teoricamente, elevar a pressão arterial, o corpo tem múltiplos mecanismos neuro-humorais que o protegem contra
grandes elevações da pressão arterial quando a ingestão de sal e de água está aumentada. Essa proteção contra
grandes aumentos da pressão arterial é obtida, em grande parte, pela diminuição da formação de angiotensina II (Ang
II) e aldosterona, o que aumenta a capacidade do rim de excretar sal e água e resulta em uma curva acentuada de
débito renal. Por conseguinte, a curva de débito renal crônico é muito mais íngreme do que a curva aguda mostrada
na Figura 19.1, e, na maioria das pessoas, aumentos significativos do débito de sal e de água podem ser obtidos com
elevações mínimas da pressão arterial.
O aumento da resistência vascular periférica total não eleva a pressão arterial em longo prazo se
não houver alteração na ingestão de líquidos ou na função renal. Quando a resistência vascular periférica
total aumenta de forma aguda, a pressão arterial aumenta quase que imediatamente. No entanto, se a resistência
vascular renal não aumentar e os rins continuarem a apresentar uma função normal, a elevação aguda da pressão
arterial não é mantida. O aumento da resistência em qualquer parte do corpo, exceto nos rins, não modifica o ponto
de equilíbrio da pressão arterial, conforme determinado pela curva de débito renal. Com o aumento da resistência
periférica e da pressão arterial, os rins são submetidos à diurese por pressão e à natriurese por pressão, o que causa a
perda de sal e de água do corpo. Essa perda continua até que a pressão arterial retorne ao ponto de equilíbrio normal
(ver Figura 19.1, curva A).
Em muitos casos, quando a resistência periférica total aumenta, a resistência vascular renal também aumenta, o
que provoca hipertensão, devido ao deslocamento da curva de função renal para pressões arteriais mais altas. Quando
esse deslocamento ocorre, é o aumento da resistência vascular renal, e não o da resistência periférica total, que
mantém a elevação da pressão arterial em longo prazo.
O aumento do volume de líquido pode elevar a pressão arterial se a capacidade vascular não
aumentar. Os seguintes eventos sequenciais estabelecem uma ligação dos aumentos do volume de líquido
extracelular e do volume sanguíneo com a elevação da pressão arterial (por ordem de ocorrência):

Aumento do volume de líquido extracelular e aumento do volume sanguíneo.


Aumento da pressão média de enchimento circulatório.
Aumento do retorno venoso de sangue ao coração.
Aumento do débito cardíaco.
Aumento da pressão arterial.

O aumento do débito cardíaco por si só tende a elevar a pressão arterial. Todavia, o aumento do débito cardíaco
também provoca o excesso de fluxo sanguíneo em muitos dos tecidos que respondem por meio de vasoconstrição, o
que tende a normalizar o fluxo sanguíneo. Esse fenômeno, denominado autorregulação, tende a aumentar a
resistência vascular periférica total. Com o maior volume de líquido extracelular, pode haver o aumento inicial do
débito cardíaco e do fluxo sanguíneo tecidual; entretanto, depois de vários dias, a resistência periférica total começa
a aumentar, devido à autorregulação, e o débito cardíaco geralmente retorna ao seu valor normal.
Se os aumentos no volume de líquido extracelular e no volume sanguíneo estiverem associados ao aumento da
capacidade vascular, a pressão arterial pode não aumentar. Por exemplo, indivíduos com cirrose hepática com
frequência apresentam aumento acentuado do volume de líquido extracelular em decorrência da diminuição da
síntese hepática de proteínas plasmáticas e extravasamento subsequente de líquido do sangue para os tecidos. O
tecido hepático fibroso também pode impedir o fluxo de sangue através do fígado, produzindo altas pressões na
circulação portal, distensão das veias e aumento da capacidade vascular. De modo similar, os indivíduos com grandes
veias varicosas apresentam aumento da capacidade vascular. Nesses casos, os rins conservam efetivamente o sal e a
água, e os aumentos do volume de líquido extracelular e do volume sanguíneo atuam como resposta compensatória,
ajudando a prevenir a diminuição da pressão arterial.

HIPERTENSÃO (PRESSÃO SANGUÍNEA ELEVADA)

As pressões arteriais sistólica/diastólica normais correspondem a cerca de 120/80 mmHg, com pressão arterial média
de 93 mmHg em condições de repouso. Ocorre hipertensão quando a pressão diastólica ultrapassa 85 a 90 mmHg ou
quando a pressão sistólica é superior a 130 a 140 mmHg. Os estudos clínicos realizados sugerem que as pressões
arteriais acima de 130 mmHg aumentam de maneira substancial o risco de doença cardiovascular.
Assim, até mesmo uma elevação crônica moderada da pressão arterial leva à redução da expectativa de vida em
decorrência de pelo menos três fatores:

A carga de trabalho excessiva imposta ao coração leva a insuficiência cardíaca precoce e doença arterial coronariana,
doença cardíaca congestiva ou ambas, geralmente causando a morte.
A pressão arterial elevada pode causar a ruptura de um vaso sanguíneo principal no cérebro ou hipertrofia e
obstrução final de um vaso sanguíneo cerebral. Ambas as situações levam à isquemia cerebral e à morte de uma parte
do cérebro, condição denominada acidente vascular encefálico.
A pressão arterial elevada pode causar dano aos rins e, por fim, pode levar à insuficiência renal.

A hipertensão pode ocorrer de várias maneiras. Contudo, em todos os tipos de hipertensão estudados até o
momento, foi constatada a ocorrência de um deslocamento da curva de débito renal para pressões arteriais mais
elevadas. As lições aprendidas com o tipo de hipertensão denominado hipertensão por sobrecarga de volume foram
cruciais para compreender o papel do mecanismo de feedback rim-volume na regulação da pressão arterial.
Alterações da função circulatória durante o desenvolvimento da hipertensão por sobrecarga de
volume. Em experimentos nos quais a massa renal de animais foi cirurgicamente reduzida para cerca de 30% do
normal, constatou-se que o aumento da ingestão de sal e de água provoca hipertensão acentuada. Embora a redução
da massa renal funcional por si só não provoque hipertensão significativa, ela reduz a capacidade do rim de excretar
efetivamente uma grande carga de sal e de água. Quando há aumento da ingestão de sal e de água e a função renal
está comprometida, observa-se a seguinte sequência de eventos:

Ocorre a expansão do volume de líquido extracelular e do volume sanguíneo


O aumento do volume sanguíneo eleva a pressão média de enchimento circulatório, o retorno venoso e o débito
cardíaco
O aumento do débito cardíaco eleva a pressão arterial
Durante o primeiro dia após o aumento da ingestão de sal e de água, ocorre uma diminuição da resistência periférica
total, causada principalmente pelos reflexos barorreceptores, que tentam evitar a elevação da pressão
Após vários dias, o débito cardíaco retorna gradualmente para o seu valor normal, como resultado da autorregulação
do fluxo sanguíneo em longo prazo, que, simultaneamente, provoca o aumento secundário da resistência periférica
total
À medida que a pressão arterial aumenta, os rins excretam o excesso de volume de líquido por meio de diurese por
pressão e de natriurese por pressão, com o restabelecimento do equilíbrio entre a ingestão e o débito renal de sal e de
água.

Essa sequência ilustra o modo pelo qual a anormalidade inicial da função renal e o excesso de ingestão de sal e
de água podem causar hipertensão. Além disso, mostra como os aspectos da hipertensão por sobrecarga de volume
podem não ser aparentes após os rins terem tido tempo suficiente para restabelecer o equilíbrio de sódio e de água e
após os mecanismos autorreguladores terem produzido o aumento da resistência periférica total. A seguir, são
apresentados dois exemplos clínicos de hipertensão por sobrecarga de volume:

A hipertensão por sobrecarga de volume pode ocorrer em pacientes sem rim e cuja função renal seja mantida com o
uso de um rim artificial. Se o volume sanguíneo de um paciente cuja função renal esteja sendo mantida com o uso de
um rim artificial não for regulado em nível normal e aumentar, observa-se o desenvolvimento de hipertensão quase
exatamente da mesma maneira discutida anteriormente
A secreção excessiva de aldosterona provoca hipertensão por sobrecarga de volume. Em certas ocasiões, um tumor
das glândulas adrenais causa a secreção excessiva de aldosterona, o que aumenta a reabsorção de sal e de água pelos
túbulos renais (ver Capítulo 30). Esse processo reduz o débito urinário, causando o aumento do volume de líquido
extracelular e desencadeando a mesma sequência de eventos descrita anteriormente para a hipertensão por sobrecarga
de volume.

PAPEL DO SISTEMA RENINA‑ANGIOTENSINA NO CONTROLE DA PRESSÃO ARTERIAL

Além de sua capacidade de controlar a pressão arterial por meio de mudanças no volume de líquido extracelular, os
rins controlam a pressão por meio do sistema renina‑angiotensina. Quando a pressão arterial cai e atinge níveis
excessivamente baixos, os rins liberam uma enzima proteica, a renina, que ativa o sistema renina-angiotensina e
ajuda a elevar a pressão arterial de várias maneiras, auxiliando, assim, a corrigir a queda inicial da pressão.
Componentes do sistema renina‑angiotensina e papel da angiotensina II na regulação da
pressão arterial. O sistema renina-angiotensina atua no controle agudo da pressão arterial da seguinte maneira:

A diminuição da pressão arterial estimula a secreção de renina no sangue pelas células justaglomerulares do rim
A renina catalisa a conversão do substrato da renina (angiotensinogênio), liberando um peptídeo de 10 aminoácidos,
a angiotensina I
A angiotensina I é convertida em Ang II pela ação de uma enzima conversora presente no endotélio dos vasos em
todo o corpo, particularmente nos pulmões e nos rins
A Ang II, o principal componente ativo desse sistema, é um potente vasoconstritor que ajuda a elevar a pressão
arterial
A Ang II permanece no sangue até ser rapidamente inativada por múltiplas enzimas sanguíneas e teciduais,
coletivamente denominadas angiotensinases
A Ang II tem dois efeitos principais que podem elevar a pressão arterial

A Ang II provoca a constrição das arteríolas e das veias em todo o corpo, aumentando, assim, a resistência periférica
total e diminuindo a capacidade vascular, o que promove o aumento do retorno venoso para o coração. Esses efeitos
são importantes para prevenir reduções excessivas da pressão arterial em circunstâncias agudas, como a ocorrência
de hemorragia.
A Ang II diminui a excreção de sal e de água pelos rins. Essa ação aumenta lentamente o volume de líquido
extracelular, o que produz a elevação da pressão arterial no decorrer de um período de algumas horas a dias.

Os efeitos da angiotensina II sobre a retenção renal de sal e de água são particularmente


importantes para o controle da pressão arterial em longo prazo. A Ang II causa a retenção de sal e de
água pelos rins de duas maneiras.

A Ang II atua diretamente sobre os rins, provocando a retenção de sal e de água. Ela causa a constrição das
arteríolas eferentes, o que diminui o fluxo sanguíneo através dos capilares peritubulares, com consequente aumento
da reabsorção a partir dos túbulos. Além disso, a Ang II estimula diretamente as células epiteliais dos túbulos renais
a aumentar a reabsorção de sódio e de água
A Ang II estimula as glândulas adrenais a secretarem aldosterona, o que aumenta a reabsorção de sal e de água
pelas células epiteliais dos túbulos renais.

Papel do sistema renina‑angiotensina na manutenção de uma pressão arterial normal, apesar


das grandes variações na ingestão de sal. Uma das funções mais importantes do sistema renina-angiotensina
é permitir que uma pessoa possa consumir quantidades muito pequenas ou muito grandes de sal sem provocar
grandes alterações no volume de líquido extracelular ou na pressão arterial. Por exemplo, quando o consumo de sal
aumenta, o volume do líquido extracelular e a pressão arterial tendem a aumentar. O aumento do consumo de sal
também diminui a secreção de renina e a formação de Ang II, o que, por sua vez, diminui a reabsorção tubular renal
de sal e de água. A redução da reabsorção tubular permite que o indivíduo excrete as quantidades extras de sal e de
água, com aumentos mínimos do volume de líquido extracelular e da pressão arterial.
Quando a ingestão de sal está abaixo dos níveis normais, são observados os efeitos opostos. Enquanto o sistema
renina-angiotensina estiver totalmente operante, o consumo de sal pode ser de até 1/10 do normal ou até 10 vezes
acima do normal, com uma alteração de apenas alguns milímetros de mercúrio na pressão arterial. Em contrapartida,
quando o sistema renina-angiotensina está bloqueado, as mesmas alterações na ingestão de sal provocam grandes
variações na pressão arterial – que, com frequência, alcançam até 50 mmHg.
A formação excessiva de angiotensina II provoca hipertensão. Em certas ocasiões, ocorre o
desenvolvimento de um tumor de células justaglomerulares secretor de renina, que provoca a formação excessiva de
Ang II, levando quase invariavelmente à hipertensão grave.
Um dos efeitos da Ang II consiste em aumentar a resistência periférica total, que é a principal causa da elevação
da pressão arterial e ocorre quando há uma súbita elevação dos níveis de Ang II. A elevação da pressão arterial em
longo prazo associada à formação excessiva de Ang II decorre principalmente das várias ações da Ang II que causam
retenção renal de sal e de água.

O comprometimento da circulação renal causa hipertensão


Qualquer condição capaz de reduzir acentuadamente a capacidade dos rins de excretar sal e água pode causar
hipertensão. Os tipos de disfunção circulatória renal que podem causar hipertensão grave são: (1) dano vascular
renal, como o que ocorre na estenose das artérias renais; (2) constrição das arteríolas aferentes; e (3) aumento da
resistência à filtração de líquidos através da membrana glomerular (i. e., diminuição do coeficiente de filtração
capilar glomerular). Cada um desses fatores reduz a capacidade dos rins de formar um filtrado glomerular, o que, por
sua vez, provoca a retenção de sal e de água, bem como o aumento do volume sanguíneo e da pressão arterial. Em
seguida, a elevação da pressão arterial ajuda a atenuar a redução da taxa de filtração glomerular e diminui a
reabsorção tubular, permitindo a excreção renal de quantidades normais de sal e de água, apesar dos distúrbios
vasculares.
A constrição das artérias renais causa hipertensão. Quando um rim é removido e se coloca um grampo
constritor na artéria renal do rim remanescente, o efeito imediato consiste em uma acentuada redução da pressão da
artéria renal para além da constrição produzida. Em poucos minutos, a pressão arterial sistêmica começa a aumentar,
e essa elevação continua por vários dias, até que a pressão arterial renal para além da constrição retorne a níveis
quase normais. A hipertensão produzida dessa maneira é denominada hipertensão de rim único de Goldblatt, em
homenagem a Harry Goldblatt, que primeiro descreveu as características da hipertensão causada por esse método em
animais de laboratório.
A rápida elevação da pressão arterial observada na hipertensão de Goldblatt é causada pela ativação do
mecanismo vasoconstritor da renina-angiotensina. Devido ao fluxo sanguíneo deficiente através do rim após a
redução da pressão arterial renal, ocorre a secreção de grandes quantidades de renina, causando o aumento da
formação de Ang II e a rápida elevação da pressão arterial. A elevação mais tardia da pressão arterial, que ocorre ao
longo de um período de vários dias, é causada pela retenção de líquidos. A retenção de líquidos e a expansão do
volume de líquido extracelular prosseguem até que haja elevação suficiente da pressão arterial para fazer a pressão
de perfusão renal retornar para níveis quase normais.
Além disso, ocorre hipertensão quando a artéria de um rim sofre constrição e a artéria do outro rim permanece
normal, situação geralmente denominada hipertensão de dois rins de Goldblatt. O rim que apresenta vasoconstrição
retém sal e água, devido à pressão arterial reduzida nele. O rim normal retém sal e água, devido à renina produzida
pelo rim isquêmico e ao aumento da Ang II circulante, que faz o rim oposto reter sal e água. Ambos os rins retêm sal
e água, o que resulta no desenvolvimento de hipertensão.
A coarctação da aorta acima das artérias renais provoca hipertensão, com características
semelhantes às descritas na hipertensão de rim único de Goldblatt. A coarctação da aorta resulta em
diminuição da pressão de perfusão nos dois rins, o que estimula a liberação de renina e a formação de Ang II, bem
como a retenção de sal e de água pelos rins. Essas alterações produzem a elevação da pressão arterial na parte
superior do corpo acima da coarctação, ajudando, assim, a normalizar a pressão de perfusão dos rins.
A isquemia desigual em um ou em ambos os rins pode causar hipertensão. Quando ocorre isquemia
renal desigual, as características da hipertensão são quase idênticas às da hipertensão de dois rins de Goldblatt. O
tecido renal com isquemia desigual secreta renina, que, por sua vez, estimula a formação de Ang II, fazendo até
mesmo os néfrons não isquêmicos reterem sal e água. Esse tipo de hipertensão é mais comum do que a hipertensão
causada por constrição das principais artérias renais ou por coarctação da aorta, particularmente em pacientes idosos
com aterosclerose.
A toxemia gravídica (pré‑eclâmpsia) está associada à hipertensão. Embora a causa precisa da
hipertensão na pré-eclâmpsia não esteja totalmente compreendida, muitos fisiologistas acreditam que ela seja
causada por isquemia da placenta, que libera fatores tóxicos que causam muitas das manifestações desse distúrbio,
incluindo disfunção endotelial, comprometimento da natriurese por pressão e hipertensão na mãe.
Outro fator patológico que pode causar hipertensão na pré-eclâmpsia é um processo autoimune que provoca
espessamento das membranas glomerulares, o que reduz o coeficiente de filtração dos capilares glomerulares e a
taxa de filtração de líquidos dos glomérulos para os túbulos renais.

As causas da hipertensão primária (essencial) humana são incertas


Cerca de 25 a 30% dos adultos que vivem em sociedades industrializadas apresentam pressão elevada, embora a
incidência de hipertensão seja maior entre os idosos. Em cerca de 90% dessas pessoas, a causa precisa da hipertensão
é desconhecida, e a condição é denominada hipertensão primária (ou essencial).
Embora as causas exatas da hipertensão primária não estejam totalmente elucidadas, o ganho de peso excessivo e
o estilo de vida sedentário parecem desempenhar um importante papel. Estudos de diferentes populações sugerem
que o ganho de peso em excesso e a obesidade são responsáveis por 65 a 75% do risco de desenvolver hipertensão
primária. A maioria dos pacientes com hipertensão que apresentam obesidade ou sobrepeso têm alterações
significativas na função renal e desenvolvem lentamente hipertensão primária ao longo de muitos anos. A obesidade
também constitui um importante fator de risco para o desenvolvimento do diabetes melito tipo II, que, junto à
hipertensão, pode causar lesão renal progressiva, elevando ainda mais a pressão arterial e, em alguns pacientes,
causando doença renal grave. O tratamento efetivo da hipertensão com medicamentos que aumentem a capacidade
do rim de excretar sal e água em pressões arteriais mais baixas pode retardar a progressão da doença renal e da
doença cardiovascular.

RESUMO DOS SISTEMAS INTEGRADOS PARA A REGULAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL


Como visto, a pressão arterial é regulada por vários sistemas e cada um deles desempenha uma função específica.
Alguns sistemas são mais importantes para a regulação aguda da pressão arterial e reagem rapidamente, em questão
de segundos ou minutos. Já outros respondem ao longo de um período de vários minutos a horas. Por fim, alguns
sistemas proporcionam uma regulação da pressão arterial em longo prazo, no decorrer de dias, meses ou anos.
Os reflexos do sistema nervoso são mecanismos de controle da pressão arterial de ação rápida.
Os três reflexos nervosos que atuam rapidamente (em segundos) são: (1) o mecanismo de feedback dos
barorreceptores; (2) o mecanismo isquêmico do sistema nervoso central; e (3) o mecanismo quimiorreceptor. Esses
mecanismos são poderosos para a prevenção de reduções agudas da pressão arterial (p. ex., durante uma hemorragia
grave). Esses mecanismos também atuam para evitar elevações excessivas da pressão arterial, como as que podem
ocorrer em resposta à transfusão de sangue em excesso.
Mecanismos intermediários de controle da pressão arterial que atuam após minutos. Os três
mecanismos que são importantes para o controle da pressão arterial após vários minutos de alteração aguda da
pressão são: (1) o mecanismo vasoconstritor renina‑angiotensina; (2) o relaxamento da vasculatura por estresse; o
(3) o deslocamento de líquido através das paredes capilares para dentro e para fora da circulação, de modo a
reajustar o volume sanguíneo de acordo com as necessidades.
O papel do mecanismo vasoconstritor renina-angiotensina já foi descrito. O mecanismo de relaxamento por
estresse é demonstrado pelo seguinte exemplo: quando a pressão arterial nos vasos sanguíneos se torna muito alta, os
vasos são distendidos e continuam a sofrer distensão por vários minutos ou horas. Como resultado, a capacidade
vascular dos vasos aumenta, e a pressão nos vasos tende a cair para o seu valor normal.
O mecanismo de deslocamento de líquido capilar indica que, quando a pressão capilar cai excessivamente, o
líquido é absorvido dos tecidos para os capilares da circulação, aumentando, assim, o volume sanguíneo e ajudando o
retorno da pressão arterial ao normal. Em contrapartida, quando ocorre a elevação excessiva da pressão capilar, o
líquido é perdido da circulação, com consequente redução do volume sanguíneo e da pressão arterial.
A regulação da pressão arterial em longo prazo envolve o mecanismo de feedback rim‑volume. O
mecanismo de controle de feedback rim-volume leva várias horas para produzir qualquer resposta significativa,
porém, em seguida, atua poderosamente, controlando a pressão arterial ao longo de dias, semanas e meses. Enquanto
a função renal permanecer inalterada, os distúrbios que tendem a alterar a pressão arterial, como aumento da
resistência periférica total, têm efeito mínimo sobre a pressão arterial durante longos períodos. Os fatores que
alteram a capacidade dos rins de excretar sal e água podem causar grandes alterações em longo prazo na pressão
arterial. Esse mecanismo, se tiver tempo suficiente, controla a pressão arterial em um nível que proporciona o débito
normal de sal e de água pelos rins.
Muitos fatores podem afetar o mecanismo de feedback rim-volume e, portanto, o controle da pressão arterial em
longo prazo. Um dos fatores mais importantes é o sistema renina-angiotensina, que permite que o indivíduo tenha
consumo muito baixo ou muito alto de sal, com alterações mínimas na pressão arterial. Por conseguinte, o controle
da pressão arterial começa com medidas dos reflexos nervosos para salvar a vida, prossegue com as características de
sustentação dos controles intermediários de pressão e, por fim, é estabilizado no nível de pressão em longo prazo
pelo mecanismo de feedback rim-volume.
CAPÍTULO 20

Débito Cardíaco, Retorno Venoso e suas Regulações

O débito cardíaco é a quantidade de sangue bombeada pelo coração para a aorta a cada minuto. Ele representa,
também, a quantidade de sangue que flui pela circulação periférica e transporta substâncias para os tecidos e a partir
deles. O débito cardíaco de um adulto médio é de aproximadamente 5 l/min, e o índice cardíaco, que é o débito
cardíaco por metro quadrado de área de superfície corporal, corresponde a 3 l/min/m2.
O retorno venoso é a quantidade de sangue que flui das veias para o átrio direito a cada minuto, e é igual ao
débito cardíaco, exceto por alguns batimentos cardíacos quando o sangue é temporariamente armazenado ou
removido do coração e dos pulmões.

CONTROLE DO DÉBITO CARDÍACO PELO RETORNO VENOSO: MECANISMO DE FRANK‑STARLING

Na ausência de alterações substanciais da força cardíaca, o débito cardíaco normalmente é controlado por fatores que
afetam o retorno venoso. Um dos reguladores mais importantes do retorno venoso é o metabolismo tecidual. O
aumento da taxa metabólica dos tecidos resulta em vasodilatação local, que diminui a resistência periférica total e,
assim, aumenta o retorno venoso. O retorno venoso elevado aumenta a pressão de enchimento diastólica nos
ventrículos, o que, por sua vez, resulta em maior força de contração dos ventrículos. Esse mecanismo de aumento da
capacidade de bombeamento cardíaco é denominado lei de Frank‑Starling do coração. Essa lei declara que, dentro
de limites, o aumento do volume de sangue que retorna ao coração provoca o maior estiramento do músculo
cardíaco, de modo que o coração se contrai com mais força e bombeia para fora todo o excesso do retorno venoso.
Um importante conceito que pode ser aprendido a partir da lei de Frank-Starling é que, com exceção de
alterações momentâneas, o débito cardíaco é igual ao retorno venoso. Por conseguinte, os fatores que controlam o
retorno venoso também controlam o débito cardíaco. Se isso não fosse assim – por exemplo, se o débito cardíaco
fosse maior do que o retorno venoso –, ocorreria o rápido esvaziamento de sangue dos pulmões. Em contrapartida, se
o débito cardíaco fosse menor do que o retorno venoso, a vasculatura pulmonar ficaria rapidamente preenchida de
sangue.
Quando o retorno venoso aumenta, o estiramento do átrio direito desencadeia dois reflexos que ajudam a
aumentar o débito cardíaco. Em primeiro lugar, o estiramento do nó sinusal produz um efeito direto sobre a taxa de
disparo do nó, resultando no aumento de 10 a 15% da frequência cardíaca, o que ajuda a bombear o sangue extra que
está retornando ao coração. Em segundo lugar, o estiramento extra no átrio direito desencadeia um reflexo de
Bainbridge, com impulsos que se dirigem primeiro para o centro motor e, em seguida, de volta ao coração por meio
dos nervos simpáticos e vagos. Esse reflexo causa o aumento da frequência cardíaca, que também ajuda a bombear
para fora o excesso do retorno venoso. Junto ao mecanismo de Frank-Starling, o reflexo de Bainbridge ajuda a
manter os volumes das câmaras cardíacas dentro dos limites normais.
O débito cardíaco é o somatório do fluxo sanguíneo de todos os tecidos. Como o retorno venoso é a
soma de todos os fluxos sanguíneos dos locais teciduais, qualquer fator capaz de afetar o fluxo sanguíneo tecidual
também afetará o retorno venoso e o débito cardíaco.
O metabolismo local é uma das principais maneiras pelas quais o fluxo sanguíneo tecidual pode ser alterado. Por
exemplo, se o músculo bíceps do braço direito for utilizado repetidamente para o levantamento de peso, a taxa
metabólica desse músculo aumenta rapidamente, causando a rápida vasodilatação local. Por conseguinte, o fluxo
sanguíneo para o músculo bíceps aumenta rapidamente, o que, por sua vez, provoca o aumento do retorno venoso e
do débito cardíaco. De maneira notável, o aumento do débito cardíaco é dirigido principalmente para a área do
metabolismo aumentado, o músculo bíceps, devido à sua vasodilatação.
As alterações do débito cardíaco podem ser previstas pela lei de Ohm. A lei de Ohm, quando aplicada
à circulação, pode ser expressa pela seguinte relação:

Se a pressão atrial direita for igual ao seu valor normal de 0 mmHg, a relação pode ser simplificada pela seguinte
equação:

Se voltarmos ao exemplo do aumento da taxa metabólica em um tecido periférico, o aumento da utilização de


oxigênio que também ocorre desencadeia a vasodilatação local e diminui a resistência periférica total, o que causa
aumento do fornecimento de oxigênio aos tecidos locais, do retorno venoso e do débito cardíaco. Se a pressão
arterial for constante, o débito cardíaco em longo prazo varia de maneira recíproca com a resistência periférica total.
Por conseguinte, a diminuição da resistência periférica total aumenta o débito cardíaco, ao passo que o aumento da
resistência periférica total causa a redução do débito cardíaco.

O débito cardíaco máximo alcançado pelo coração é limitado pelo platô da curva de débito cardíaco
A curva de débito cardíaco, em que o débito cardíaco é representado graficamente como uma função da pressão
atrial direita, pode ser afetada por diversos fatores que modificam o nível de platô dessa curva. Alguns desses fatores
incluem:

Aumento da estimulação simpática, que eleva o platô


Diminuição da estimulação parassimpática, que eleva o platô
Hipertrofia cardíaca, que eleva o platô
Infarto agudo do miocárdio, que diminui o platô
Doença valvar cardíaca, como estenose ou insuficiência valvar, que diminui o platô
Anormalidade do ritmo cardíaco, que pode diminuir o platô.

DÉBITO CARDÍACO PATOLOGICAMENTE ALTO OU PATOLOGICAMENTE BAIXO

O débito cardíaco elevado é quase sempre causado pela redução da resistência periférica total.
Uma característica distintiva de muitas condições com débito cardíaco elevado é que elas resultam de uma
diminuição crônica da resistência periférica total. Entre essas condições, destacam-se as seguintes:

O beribéri é causado por uma deficiência de tiamina e a capacidade reduzida associada de utilizar nutrientes
celulares resulta em acentuada vasodilatação, diminuição da resistência periférica total e aumento do débito cardíaco
A fístula (shunt) arteriovenosa é causada pela comunicação direta entre uma artéria e uma veia, o que diminui a
resistência periférica total e, portanto, aumenta o débito cardíaco
O hipertireoidismo provoca o aumento do consumo de oxigênio, o que, por sua vez, ocasiona a liberação de produtos
vasodilatadores, que diminuem a resistência periférica total e, portanto, aumentam o débito cardíaco
A anemia diminui a resistência periférica total (1) ao reduzir o fornecimento de oxigênio aos tecidos, causando
vasodilatação, e (2) ao diminuir a viscosidade do sangue, devido à falta de hemácias. Em consequência, ocorre a
elevação do débito cardíaco.

O débito cardíaco baixo pode ser causado por fatores cardíacos ou periféricos. O infarto agudo do
miocárdio grave, a doença valvar grave, a miocardite, o tamponamento cardíaco e certos distúrbios metabólicos
podem diminuir o débito cardíaco ao reduzirem o platô da curva de débito cardíaco (ver Capítulo 22).
Os seguintes fatores periféricos podem reduzir o retorno venoso e, portanto, diminuir o débito cardíaco:

Diminuição do volume sanguíneo


Dilatação venosa aguda, que provoca o acúmulo venoso
Obstrução de grandes veias
Diminuição da massa tecidual, particularmente diminuição da massa muscular esquelética
Diminuição da taxa metabólica dos tecidos.

ANÁLISE QUANTITATIVA DA REGULAÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO

A curva de débito cardíaco é utilizada para descrever a capacidade do coração de aumentar o seu débito quando a
pressão atrial direita aumenta. A Figura 20.1 mostra a intersecção da curva de débito cardíaco com duas curvas de
retorno venoso; a curva de débito cardíaco alcança o seu platô em 13 l/min. Trata-se de uma curva de débito cardíaco
normal; a estimulação simpática eleva o platô dessa curva, ao passo que a inibição simpática ou a depressão da
função cardíaca reduz o platô da curva.
A curva de débito cardíaco normal (ver Figura 20.1) é representada graficamente para uma pressão intrapleural
de –4 mmHg (i. e., a pressão externa normal do lado de fora do coração). À medida que a pressão intrapleural
aumenta, o coração tende a colapsar, particularmente os átrios. Por exemplo, se a pressão intrapleural aumentar de –4
mmHg para –1 mmHg, o volume do átrio direito diminui. Para que o tamanho do átrio direito retorne ao normal, faz-
se necessária uma pressão atrial direita adicional de 3 mmHg para superar os 3 mmHg adicionais da pressão
intrapleural. Por conseguinte, a curva de débito cardíaco desloca-se para a direita em exatamente 3 mmHg. A curva
de débito cardíaco pode ser deslocada para a direita ou para a esquerda por vários fatores:

Inspiração normal, que desloca a curva para a esquerda


Expiração normal, que desloca a curva para a direita
Respiração com pressão negativa, que desloca a curva para a esquerda
Respiração com pressão positiva, que desloca a curva para a direita
Abertura cirúrgica da caixa torácica, que desloca a curva para a direita e provoca o aumento da pressão intrapleural
para 0 mmHg (pressão atmosférica)

Figura 20.1 As duas curvas sólidas demonstram a análise do débito cardíaco e da


pressão atrial direita quando as curvas de débito cardíaco e de retorno venoso estão
normais. A transfusão de uma quantidade de sangue equivalente a 20% do volume
sanguíneo faz a curva de retorno venoso se deslocar para a curva tracejada. Em
consequência, o débito cardíaco e a pressão atrial direita deslocam‑se do ponto A
para o ponto B. Pes: pressão média de enchimento sistêmico.

Tamponamento cardíaco, que desloca a curva para a direita e produz a sua rotação para baixo até um grau
dependente da quantidade de líquido existente na cavidade pericárdica.

A curva de retorno venoso descreve a relação entre o retorno venoso e a pressão atrial direita. A
curva de retorno venoso normal (ver Figura 20.1, linha cor-de-rosa sólida) cruza a curva de débito cardíaco normal
no ponto A, com pressão atrial direita de 0 mmHg; essa é a pressão atrial direita normal. A pressão média de
enchimento sistêmico (Pes) está localizada no ponto em que a curva de retorno venoso cruza a abscissa; essa pressão
tem um valor de 7 mmHg.
A pressão média de enchimento sistêmico é uma medida do grau de enchimento do sistema
circulatório com sangue. A pressão média de enchimento sistêmico é proporcional à quantidade de volume de
sangue que excede o volume vascular sem estresse e é inversamente proporcional à complacência vascular total.
Desse modo, a diminuição da complacência vascular total aumenta a pressão média de enchimento sistêmico se o
volume vascular permanecer inalterado. A complacência vascular total é sensível a alterações da complacência tanto
arterial quanto venosa, porém é muito mais sensível a alterações da complacência venosa. A inclinação da parte
linear da curva de retorno venoso é igual a um dividido pelo valor da resistência ao retorno venoso. Se a pressão
média de enchimento sistêmico for conhecida, é possível determinar o retorno venoso com a seguinte relação:

O numerador dessa fórmula é igual ao gradiente de pressão para o retorno venoso, que é a pressão média dos
vasos periféricos até o coração. Por conseguinte, se o gradiente de pressão para o retorno venoso aumentar, o retorno
venoso também aumentará.
Na Figura 20.1, a linha de retorno venoso tracejada representa uma condição de excesso de volume sanguíneo.
Essa hipervolemia aumentou a pressão média de enchimento sistêmico para 16 mmHg e diminuiu a resistência ao
retorno venoso, visto que o volume de sangue em excesso provocou a distensão dos vasos sanguíneos e diminuiu a
sua resistência.
A resistência ao retorno venoso é a resistência média entre os vasos periféricos e o coração. A
resistência venosa é um importante determinante da resistência ao retorno venoso: se a resistência venosa aumentar,
o sangue é represado nas veias altamente distensíveis, e a pressão venosa aumenta em pequeno grau. Assim, o
retorno venoso diminuirá de maneira significativa.
A curva de retorno venoso é deslocada para cima e para a direita durante a estimulação simpática e deslocada
para baixo e para a esquerda durante a inibição simpática ou em caso de redução do volume sanguíneo. A curva de
débito cardíaco eleva-se drasticamente durante a estimulação simpática; quando combinado com a curva de retorno
venoso deslocada para cima e para a direita, o débito cardíaco aumenta acentuadamente. A estimulação simpática
também aumenta a resistência venosa, o que, por si só, aumenta a resistência ao retorno venoso; no entanto, a pressão
média de enchimento sistêmico aumenta ainda mais, assim como o retorno venoso.

MÉTODOS PARA MEDIÇÃO DO DÉBITO CARDÍACO

O débito cardíaco pode ser calculado por vários métodos, incluindo os seguintes:

Fluxometria eletromagnética
Fluxometria ultrassônica
Método de diluição do indicador
Método de oxigênio de Fick
Ecocardiografia
Bioimpedância elétrica do tórax.
O procedimento de Fick pode ser utilizado para calcular o débito cardíaco por meio da seguinte relação:

Com essa técnica, a amostra de sangue venoso é removida da artéria pulmonar, ao passo que a amostra de sangue
arterial é coletada de qualquer artéria do corpo.
CAPÍTULO 21

Fluxo Sanguíneo Muscular e Débito Cardíaco durante o Exercício;


Circulação Coronariana e Cardiopatia Isquêmica

REGULAÇÃO DO FLUXO SANGUÍNEO NO MÚSCULO ESQUELÉTICO EM REPOUSO E DURANTE O


EXERCÍCIO

Durante o repouso, o fluxo sanguíneo no músculo esquelético é, em média, de 3 a 4 ml/min/100 g de músculo.


Durante o exercício, essa taxa pode aumentar 15 a 25 vezes, e o débito cardíaco pode aumentar até seis ou sete vezes
acima do normal. Esse aumento do fluxo sanguíneo é necessário para fornecer nutrientes extras para o músculo em
atividade e retirar os subprodutos metabólicos da contração muscular. Durante a contração do músculo esquelético, o
fluxo sanguíneo muscular cai acentuadamente (devido à compressão mecânica dos vasos), porém aumenta
rapidamente entre as contrações.
Fatores vasodilatadores aumentam o fluxo sanguíneo no músculo esquelético durante o
exercício. A contração muscular aumenta a taxa metabólica tecidual, o que reduz rapidamente a concentração de
oxigênio nos tecidos e causa a vasodilatação dos vasos. Durante o exercício, o músculo esquelético libera fatores
vasodilatadores, incluindo os seguintes:

Adenosina
Íons potássio
Íons hidrogênio
Ácido láctico
Dióxido de carbono.

A ativação simpática reduz o fluxo sanguíneo no músculo esquelético. Durante a estimulação


simpática maciça, como a que ocorre no choque circulatório, o fluxo sanguíneo no músculo esquelético pode
diminuir para um quarto do normal. Esse efeito decorre dos efeitos diretos da estimulação nervosa simpática e da
liberação de noradrenalina e adrenalina pela medula adrenal. A estimulação nervosa simpática e a liberação de
noradrenalina pelas glândulas adrenais estimulam predominantemente os receptores alfa-adrenérgicos, ao passo que
a liberação de adrenalina pelas glândulas adrenais estimula predominantemente os receptores beta-adrenérgicos. A
estimulação dos receptores α provoca vasoconstrição, ao passo que a estimulação dos receptores β periféricos causa
vasodilatação.
Durante o exercício, as alterações cardiovasculares fornecem mais nutrientes e removem
maiores quantidades de subprodutos metabólicos do músculo. As alterações cardiovasculares que
ocorrem durante o exercício incluem as seguintes:

Descarga simpática maciça, que aumenta a frequência e a força cardíacas e provoca constrição arteriolar e
venoconstrição na maior parte da vasculatura, exceto no músculo em exercício, no cérebro e no leito coronariano
Redução dos impulsos parassimpáticos, que também aumenta a frequência cardíaca
Vasodilatação local no músculo durante o exercício, que diminui a resistência ao retorno venoso
Aumento da pressão média de enchimento sistêmico, principalmente devido à venoconstrição, mas também devido à
constrição arteriolar
Aumento do retorno venoso e do débito cardíaco, em decorrência do aumento da pressão média de enchimento
sistêmico, da diminuição da resistência ao retorno venoso e do aumento da força e da frequência cardíacas
Aumento da pressão arterial média, um importante resultado do aumento da atividade simpática durante o exercício;
as causas dessa elevação da pressão são: (1) constrição arteriolar e das pequenas artérias, exceto no músculo em
exercício; (2) aumento da contratilidade e da frequência cardíacas; e (3) aumento da pressão média de enchimento
sistêmico.

A elevação da pressão arterial pode variar de 20 a 80 mmHg, dependendo do tipo de exercício executado.
Quando o exercício é realizado em condições de tensão, como no exercício isométrico, durante o qual muitos dos
músculos são contraídos por períodos significativos, ocorre um grande aumento da pressão arterial. Durante o
exercício mais isotônico, como natação ou corrida, ocorre muito menos aumento da pressão arterial.
Se o aumento da pressão arterial for impedido durante o exercício, como ocorre no paciente com
comprometimento do sistema nervoso simpático, o débito cardíaco aumenta apenas cerca de um terço do aumento
normal. Quando a pressão arterial aumenta normalmente, o fluxo sanguíneo pelo músculo esquelético aumenta 20
vezes, de cerca de 1 l/min durante o repouso para 20 l/min durante o exercício. Se a elevação da pressão arterial for
impedida durante o exercício, o fluxo sanguíneo no músculo esquelético raramente aumenta mais do que cerca de
oito vezes.
A elevação da pressão arterial ajuda a aumentar o fluxo sanguíneo (1) ao impulsionar o sangue através do sistema
arterial e de volta ao coração e (2) ao dilatar as arteríolas, o que reduz a resistência periférica total e permite maior
fluxo de sangue pelo músculo esquelético e de volta ao coração.

CIRCULAÇÃO CORONARIANA

O fluxo sanguíneo coronariano em repouso é de cerca de 225 ml/min e pode aumentar três a quatro vezes durante o
exercício. O fluxo coronariano é fornecido ao músculo cardíaco principalmente pela artéria coronária esquerda, que
supre a maior parte do ventrículo esquerdo, e pela artéria coronária direita, que supre o ventrículo direito e parte da
parte posterior do ventrículo esquerdo. À semelhança do músculo esquelético, o fluxo sanguíneo para o músculo
cardíaco diminui durante a contração muscular, o que, no coração, coincide com a sístole. O fluxo apresenta uma
grande redução nos vasos subendocárdicos, visto que eles estão situados na parte média do músculo cardíaco. Os
vasos superficiais, denominados vasos epicárdicos, apresentam uma diminuição muito menor no fluxo durante a
sístole.

O metabolismo muscular local é o principal controlador do fluxo coronariano


Vários fatores vasodilatadores são liberados durante o aumento da atividade muscular cardíaca e a redução da
concentração de oxigênio, incluindo os seguintes:

Adenosina
Compostos de fosfato de adenosina
Íons potássio
Íons hidrogênio
Dióxido de carbono
Bradicinina
Prostaglandinas.

A liberação dos fatores vasodilatadores ocorre em resposta a alterações do metabolismo local e é um importante
regulador do fluxo coronariano. A maior parte desses fatores contribui para a vasodilatação do músculo esquelético
em exercício. Um dos reguladores mais importantes do fluxo coronariano é a adenosina. Existem alguns efeitos
simpáticos sobre o fluxo coronariano; todavia, em comparação com os fatores vasodilatadores, os efeitos simpáticos
sobre o fluxo coronariano são geralmente modestos. Os vasos epicárdicos exibem uma preponderância de receptores
α e, portanto, sofrem constrição durante a estimulação simpática. Em contrapartida, as artérias subendocárdicas
apresentam mais receptores β e sofrem vasodilatação durante a estimulação simpática. Em geral, o efeito global da
estimulação simpática consiste em uma pequena redução do fluxo coronariano.
O controle do fluxo coronariano é importante, visto que é necessário um constante fornecimento de oxigênio para
a manutenção do metabolismo cardíaco normal. O metabolismo das gorduras, que necessita de oxigênio,
normalmente fornece 70% da energia para o coração. Em condições de isquemia moderada, a glicólise anaeróbia
pode fornecer energia para o metabolismo cardíaco.

A cardiopatia isquêmica é responsável por cerca de 35% das mortes nos EUA a cada ano
A aterosclerose é uma das principais causas de cardiopatia isquêmica. Os indivíduos que têm
predisposição genética à aterosclerose e os que apresentam sobrepeso ou obesidade com diabetes melito e
hipertensão correm alto risco de desenvolver aterosclerose. Os estágios do desenvolvimento da aterosclerose e seus
efeitos sobre o coração são os seguintes:

Ocorre deposição de grandes quantidades de colesterol sob o endotélio das artérias em todo o corpo, incluindo as
artérias coronárias.
Posteriormente, essas áreas são invadidas por tecido fibroso.
Essa alteração é seguida de um estágio necrótico.
Por fim, ocorre um estágio de calcificação.
O resultado é o desenvolvimento da placa aterosclerótica, que pode se projetar para dentro do lúmen do vaso. A
superfície rugosa da placa inicia a formação de coágulos sanguíneos.
O coágulo sanguíneo é denominado trombo e pode causar a oclusão parcial ou completa dos vasos coronários.
Um coágulo que se desprende e flui a jusante é denominado êmbolo.
Um trombo ou êmbolo pode bloquear por completo o fluxo sanguíneo para determinada área do coração, causando a
morte (infarto) do tecido miocárdico.
O resultado é o infarto agudo do miocárdio.

Quando a aterosclerose provoca a constrição lenta dos vasos coronários ao longo de muitos anos, pode ocorrer o
desenvolvimento de vasos colaterais, que mantêm o fluxo coronariano em um nível quase normal. O
desenvolvimento desses vasos pode evitar ou até mesmo adiar um infarto agudo do miocárdio durante muitos anos.
O espasmo coronariano também pode causar infarto agudo do miocárdio. O espasmo coronariano
pode provocar oclusão temporária dos vasos coronários e, assim, causar infarto agudo do miocárdio. O espasmo pode
ser causado por irritação de um vaso por uma placa aterosclerótica áspera ou resultar de reflexos nervosos ou de
fatores circulantes. Além disso, pode ocorrer espasmo coronariano em vasos que não apresentam dano
aterosclerótico.
Pode ocorrer morte após um grave infarto agudo do miocárdio. Existem várias causas de morte após
um infarto agudo do miocárdio:

Diminuição do débito cardíaco


Edema pulmonar
Fibrilação ventricular
Ruptura do coração.

Ocorre diminuição do débito cardíaco após o infarto agudo do miocárdio, devido à redução da massa de tecido
cardíaco que normalmente se contrai. Além disso, pode ocorrer maior enfraquecimento do coração, visto que parte
do músculo isquêmico se projeta para fora durante a alta pressão intraventricular da sístole; esse fenômeno é
denominado distensão sistólica. Se grandes áreas do coração estiverem danificadas, o débito cardíaco pode cair até
níveis muito baixos, podendo reduzir a pressão arterial. Por sua vez, a redução da pressão diminui o fluxo
coronariano e enfraquece ainda mais o coração. Esse ciclo vicioso de eventos é denominado choque cardiogênico.
Se o lado esquerdo do coração estiver gravemente danificado, o sangue voltará para a circulação pulmonar,
causando edema pulmonar. A pressão capilar pulmonar aumenta nessa condição, podendo causar o extravasamento
de líquido no interstício pulmonar. O edema impede a oxigenação adequada do sangue e causa o acúmulo de dióxido
de carbono no sangue, podendo levar à morte.
O momento mais perigoso para a ocorrência de fibrilação ventricular ou contração descoordenada do ventrículo
é geralmente nos primeiros 10 minutos após o infarto agudo do miocárdio. Os seguintes fatores aumentam a
tendência à fibrilação cardíaca:

Aumento da concentração de potássio extracelular, que resulta da perda de potássio do músculo cardíaco isquêmico
Corrente de lesão da área infartada
Aumento da irritabilidade do músculo cardíaco, que resulta dos reflexos simpáticos após o infarto agudo do
miocárdio
Movimentos circulares, que ocorrem devido à dilatação do coração após o infarto do agudo miocárdio, que aumenta
o comprimento da via de condução dos impulsos ao coração.

A ruptura cardíaca é outra causa de morte após um infarto agudo do miocárdio. Se a distensão sistólica for grave
após o infarto, a área às vezes sofre ruptura, o que provoca a rápida perda de sangue dentro da área pericárdica. Em
consequência, ocorre o tamponamento cardíaco, que provoca acentuada diminuição do débito cardíaco, devido à
incapacidade do coração de se encher adequadamente durante a diástole.
O tratamento adequado de um paciente com infarto agudo do miocárdio com frequência leva à
recuperação de grande parte da função miocárdica. Se o paciente sobreviver ao período inicial crítico após
sofrer infarto agudo do miocárdio, o tratamento médico adequado pode aumentar a probabilidade de recuperação.
Após a ocorrência de um infarto, o tecido necrótico no centro da área danificada do miocárdio é gradualmente
substituído por tecido fibroso. Durante as fases iniciais de recuperação de um infarto agudo do miocárdio, os tecidos
na margem do infarto geralmente apresentam apenas o fluxo sanguíneo mínimo necessário para evitar a morte
tecidual. Qualquer aumento na atividade cardíaca pode fazer o tecido cardíaco normal roubar o fluxo sanguíneo do
tecido marginal, causando a síndrome do roubo coronariano. Essa condição pode provocar isquemia do tecido nas
margens do infarto e levar à morte. Por conseguinte, é fundamental que os pacientes mantenham repouso absoluto
após sofrer infarto agudo do miocárdio. Além disso, administra-se, em geral, oxigênio aos pacientes durante a
recuperação, o que pode ajudar a fornecer um pouco mais de oxigênio ao coração e, assim, melhorar a função
cardíaca. No decorrer de semanas a meses, parte do tecido cardíaco normal sofre hipertrofia, o que ajuda a função
cardíaca a retornar ao normal.
Em certas ocasiões, após a recuperação de infarto agudo do miocárdio extenso, a função cardíaca retorna quase
ao normal. Todavia, na maioria dos casos, ela permanece abaixo da função de um coração normal. Nesses pacientes,
a reserva cardíaca diminui de modo significativo abaixo da reserva normal de 300%; ou seja, o coração normalmente
pode bombear 300% mais sangue por minuto do que o necessário durante o repouso. Embora o débito cardíaco em
repouso possa estar normal após a recuperação parcial de um infarto agudo do miocárdio, a quantidade de atividade
extenuante que pode ser realizada é limitada.
A angina de peito é uma dor que se origina no coração. Em muitos casos, os pacientes com coração
parcialmente recuperado e aqueles sem infarto agudo do miocárdio, porém com cardiopatia isquêmica, apresentam
dor no coração, denominada angina de peito. Essa dor surge quando o coração está sobrecarregado em relação à
quantidade de fluxo sanguíneo coronariano fornecido, e ocorre isquemia cardíaca. A dor associada a essa isquemia é
sentida sob o esterno, mas pode ser referida para áreas superficiais do corpo, como o braço esquerdo, o ombro
esquerdo, o pescoço, a face e, às vezes, o braço e o ombro direitos.
A dor da angina é causada pela falta de suprimento de oxigênio ao coração. A glicólise anaeróbia desencadeada
produz ácido láctico ou outros compostos causadores de dor. Vários tratamentos úteis para a angina e a isquemia
cardíaca incluem os seguintes:

Nitrovasodilatadores, como a nitroglicerina, que liberam o vasodilatador óxido nítrico


Betabloqueadores, que diminuem a necessidade de oxigênio do coração durante condições de estresse
Angioplastia coronariana, em que um balão é inflado dentro de uma artéria coronária com estreitamento
aterosclerótico, visando aumentar o diâmetro do lúmen
Stent de artéria coronária, que consiste em um tubo cilíndrico de malha de aço inoxidável, colocado em uma artéria
coronária aterosclerótica após a realização de angioplastia para ajudar a manter a artéria desobstruída
Cirurgia de revascularização do miocárdio, durante a qual enxertos vasculares são ligados a partir da aorta até um
ponto da artéria coronária distal à área de constrição.
CAPÍTULO 22

Insuficiência Cardíaca

O termo insuficiência cardíaca refere-se à incapacidade do coração de bombear sangue suficiente para manter as
necessidades do corpo. Com frequência, a causa dessa insuficiência consiste na diminuição da contratilidade do
miocárdio, em decorrência da redução do fluxo sanguíneo coronariano ou do espessamento excessivo do ventrículo
esquerdo, que compromete o seu enchimento durante a diástole. Todavia, a insuficiência cardíaca também pode
resultar de dano às valvas cardíacas, pressão externa ao redor do coração, deficiência de vitamina B, doença
muscular cardíaca primária ou qualquer anormalidade que reduza a eficiência do coração como bomba.

DINÂMICA CIRCULATÓRIA NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

A ativação do sistema nervoso simpático proporciona uma rápida compensação para a


insuficiência cardíaca. Imediatamente após a ocorrência de dano ao coração em pacientes com insuficiência
cardíaca, a contratilidade miocárdica diminui drasticamente, o que resulta em um platô mais baixo na curva do débito
cardíaco. Em apenas alguns segundos, os reflexos simpáticos são ativados, e os reflexos parassimpáticos são
reciprocamente inibidos ao mesmo tempo. A estimulação simpática tem dois efeitos principais sobre a circulação:

O coração é fortemente estimulado


Ocorre constrição da vasculatura periférica.

Com a estimulação simpática, o coração torna-se uma bomba muito mais forte, e a frequência cardíaca aumenta,
elevando o platô da curva de débito cardíaco. Essa maior capacidade de bombeamento do coração ajuda a restaurar o
débito cardíaco.
A estimulação simpática durante a insuficiência cardíaca também aumenta o tônus dos vasos sanguíneos
periféricos, particularmente das veias, o que ajuda a restaurar o débito cardíaco. A pressão média de enchimento
sistêmico aumenta para 12 a 14 mmHg, o que aumenta a tendência do sangue de fluir de volta para o coração, apesar
do aumento da resistência arterial e venosa.
A retenção renal de sódio e de água proporciona uma compensação crônica para a insuficiência
cardíaca. A depressão do débito cardíaco que ocorre durante a insuficiência cardíaca reduz a pressão arterial e o
débito urinário, resultando em retenção de sódio e de água e em aumento do volume sanguíneo. A consequente
hipervolemia aumenta a pressão média de enchimento sistêmico e o gradiente de pressão para o retorno venoso, o
que aumenta o retorno venoso. Embora a retenção moderada de líquido seja benéfica na insuficiência cardíaca, o
excesso de retenção pode aumentar a carga de trabalho de um coração já danificado, levando à formação de edema
grave em todo o corpo, que pode ser letal.
A recuperação cardíaca também ajuda a restaurar o débito cardíaco durante a insuficiência
cardíaca. O processo de recuperação cardíaca depende dos fatores que iniciaram a insuficiência cardíaca. Por
exemplo, se o fator desencadeante foi um infarto agudo do miocárdio, um suprimento sanguíneo colateral pode se
desenvolver rapidamente após o dano cardíaco inicial. O miocárdio não danificado sofre hipertrofia, que compensa
uma grande parte do dano cardíaco e ajuda a aumentar o débito cardíaco. A recuperação do débito cardíaco para
níveis normais durante períodos prolongados é denominada insuficiência cardíaca compensada. A insuficiência
compensada tem as seguintes características:
Débito cardíaco relativamente normal, contanto que a pessoa permaneça em repouso e não submeta o coração a
demandas adicionais
Aumento da pressão atrial direita, que provoca ingurgitamento das veias jugulares
Diminuição da reserva cardíaca
Aumento da frequência cardíaca
Pele pálida ou pegajosa (que se normaliza após a recuperação)
Sudorese e náuseas (que também se normalizam após a recuperação)
Falta de ar (dispneia)
Ganho de peso em consequência da retenção de líquidos.

Uma das características fundamentais do diagnóstico de um paciente com insuficiência cardíaca compensada é o
aumento da pressão atrial direita e a consequente distensão das veias cervicais. O aumento da pressão atrial direita
durante a insuficiência cardíaca compensada ocorre porque (1) o sangue do coração danificado retorna ao átrio
direito, (2) o retorno venoso aumenta, devido à estimulação simpática, e (3) o rim retém sódio e água, o que aumenta
o volume sanguíneo e o retorno venoso.
Os reflexos simpáticos, a redução da pressão arterial e a estimulação do sistema
renina‑angiotensina‑aldosterona causam a retenção de sódio e de água durante a insuficiência
cardíaca. A retenção de sódio e de água pelos rins durante a insuficiência cardíaca é um fator fundamental no
aumento compensatório do volume sanguíneo e da pressão média de enchimento sistêmico. As principais causas da
retenção de sódio e de água são as seguintes:

Diminuição da pressão arterial, que reduz a taxa de filtração glomerular


Constrição simpática das arteríolas aferentes, que também diminui a taxa de filtração glomerular
Aumento da formação de angiotensina II (Ang II), que ocorre nos rins, devido ao aumento da liberação de renina; as
reduções da pressão arterial e do fluxo sanguíneo renal, bem como o aumento do débito simpático, contribuem para a
liberação aumentada de renina. A concentração elevada de Ang II no sangue causa a constrição das arteríolas
eferentes nos rins, o que diminui a pressão capilar peritubular e, portanto, promove a retenção de sódio e de água. A
Ang II também tem um efeito direto sobre os túbulos renais, promovendo a retenção de sódio
Aumento da liberação de aldosterona, que ocorre em virtude da estimulação das glândulas adrenais pelo aumento
dos níveis sanguíneos de Ang II e da concentração plasmática elevada de potássio, observadas durante a insuficiência
cardíaca. O aumento da concentração de aldosterona provoca a retenção renal de sódio nas partes distais do néfron
Aumento da liberação de hormônio antidiurético (ADH), que ocorre devido à retenção renal de sódio e à baixa
pressão arterial na insuficiência cardíaca. Esse hormônio promove a retenção de água nos rins.

Na insuficiência cardíaca descompensada, as respostas compensatórias são incapazes de


manter um débito cardíaco adequado. Em alguns pacientes, o coração é demasiado fraco para restaurar o
débito cardíaco a um nível adequado para manter as necessidades nutricionais do corpo e fazer os rins excretarem as
quantidades diárias necessárias de líquidos. Por conseguinte, os rins continuam retendo líquido, e o músculo cardíaco
continua distendido até que a interdigitação dos filamentos de actina e de miosina ultrapassem os níveis ideais. Em
seguida, a contratilidade cardíaca diminui ainda mais, e sobrevém um ciclo vicioso. Acredita-se que a insuficiência
cardíaca descompensada tenha as seguintes causas:

Os túbulos longitudinais do retículo sarcoplasmático não conseguem acumular cálcio o suficiente, o que constitui
uma das causas básicas da fraqueza do miocárdio
A fraqueza do miocárdio provoca a retenção excessiva de líquidos, o que, por sua vez, causa a superdistensão dos
sarcômeros e a redução adicional da contratilidade cardíaca
A retenção excessiva de líquidos provoca edema do músculo cardíaco, o que resulta em endurecimento da parede
ventricular do coração, que, por sua vez, inibe o enchimento diastólico
O conteúdo de noradrenalina das terminações nervosas simpáticas do coração diminui para níveis muito baixos,
reduzindo ainda mais a contratilidade cardíaca.

Dispõe-se de vários tratamentos para a insuficiência cardíaca descompensada, incluindo os seguintes:


Uso de diuréticos, como a furosemida. Esse fármaco também provoca venodilatação, o que diminui a pré-carga
cardíaca
Uso de fármaco cardiotônico, como os digitálicos. Acredita-se que esses medicamentos diminuam o transporte de
cálcio para fora das células miocárdicas pelo trocador de sódio-cálcio. Assim, ocorre o acúmulo de maior quantidade
de cálcio na célula, o que aumenta a contratilidade cardíaca
Diminuição da ingestão de sódio e de água. Quando combinada com o uso de diuréticos, a diminuição da ingestão
de sódio e de água reduz o excesso de líquidos no corpo, o que melhora a função cardíaca e possibilita o
estabelecimento de um equilíbrio entre a ingestão e a excreção de líquidos, apesar do baixo débito cardíaco.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA UNILATERAL ESQUERDA

Na insuficiência cardíaca unilateral esquerda, o sangue retorna aos pulmões, o que aumenta a pressão dos capilares
pulmonares e a tendência ao desenvolvimento de edema pulmonar. As principais características da insuficiência
cardíaca unilateral esquerda são as seguintes:

Aumento da pressão atrial esquerda


Congestão pulmonar
Edema pulmonar se a pressão capilar pulmonar ultrapassar cerca de 28 mmHg
A pressão arterial e o débito cardíaco permanecem quase normais, desde que o paciente permaneça em repouso
Intolerância ao exercício, que, quando realizado, pode agravar o edema pulmonar.

Em contrapartida, a insuficiência cardíaca unilateral direita é acompanhada de aumento da pressão atrial direita
e edema periférico. Não há elevação da pressão atrial esquerda nem edema pulmonar.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE BAIXO DÉBITO – CHOQUE CARDIOGÊNICO

Pode ocorrer choque cardiogênico em condições associadas a uma função miocárdica deprimida, porém a sua
ocorrência é mais comum após o infarto agudo do miocárdio, quando o débito cardíaco e a pressão arterial com
frequência diminuem rapidamente. A diminuição da pressão resulta em redução do fluxo coronariano, o que pode
enfraquecer o coração e diminuir ainda mais o débito cardíaco e a pressão arterial. Para interromper esse ciclo
vicioso, são utilizados os seguintes tratamentos:

São administrados digitálicos para aumentar a força cardíaca


Administra-se um medicamento vasopressor para aumentar a pressão arterial
Administra-se sangue ou plasma para aumentar a pressão arterial. A elevação da pressão ajuda a aumentar o fluxo
coronariano
Infusão do ativador do plasminogênio tecidual (uma enzima) para dissolver os trombos coronarianos se o tratamento
for iniciado durante ou logo após a formação de coágulos
Cirurgia para a retirada do coágulo na artéria coronária, com frequência em associação com a revascularização do
miocárdio.

Pode ocorrer edema pulmonar progressivo agudo em pacientes com insuficiência cardíaca de
longa duração. Quando o paciente já apresenta algum grau de edema pulmonar e um evento agudo deprime ainda
mais a função ventricular esquerda, pode haver a rápida formação de mais líquido de edema pulmonar. Esse aumento
do líquido de edema reduz a oxigenação do sangue, causando a vasodilatação dos tecidos periféricos. Por
conseguinte, ocorre o aumento do retorno venoso em consequência da vasodilatação, e o aumento resultante da
pressão capilar pulmonar pode levar à formação de mais líquido de edema pulmonar e reduzir ainda mais a
oxigenação sanguínea. Em muitos aspectos, o tratamento desse ciclo de edema pulmonar exige medidas drásticas e,
em alguns casos, é o oposto do tratamento do choque cardiogênico. As seguintes opções de tratamento podem ser
utilizadas:

Aplicação de torniquetes nos braços e nas pernas, de modo a sequestrar o sangue nesses membros e, assim, reduzir o
volume sanguíneo pulmonar; dessa maneira, obtém-se uma diminuição da quantidade de edema pulmonar
Administração de diurético/venodilatador de ação rápida, como a furosemida
Administração de oxigênio para o paciente respirar
Administração de digitálicos para aumentar a força do coração.

Embora os agentes expansores de volume sejam algumas vezes utilizados no choque cardiogênico para aumentar
a pressão arterial, são utilizadas medidas de redução de volume para diminuir o líquido do edema nos pulmões
quando há edema pulmonar agudo progressivo.
Diminuição da reserva cardíaca em todos os tipos de insuficiência cardíaca. A reserva cardíaca é o
aumento percentual do débito cardíaco que pode ser alcançado durante o esforço máximo.
Se um paciente com reserva cardíaca diminuída for submetido a um teste de esforço, com frequência, são
observados os seguintes efeitos:

Dispneia (respiração curta e falta de ar)


Fadiga muscular extrema
Aumento excessivo da frequência cardíaca.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM DISFUNÇÃO DIASTÓLICA E FRAÇÃO DE EJEÇÃO NORMAL OU


REDUZIDA

A insuficiência cardíaca após infarto agudo do miocárdio ou qualquer anormalidade que reduza a função da
contratilidade cardíaca é geralmente denominada insuficiência cardíaca sistólica ou insuficiência cardíaca com
fração de ejeção reduzida. A fração de ejeção (FE), frequentemente avaliada por ecocardiografia, refere-se à fração
do volume diastólico final do ventrículo esquerdo que é ejetada com cada contração. Uma FE de 0,6 indica que 60%
do volume diastólico final do ventrículo são bombeados a cada batimento cardíaco. Os valores normais para a FE são
considerados entre 50 e 70%. Entretanto, quando o coração está enfraquecido em consequência de infarto agudo do
miocárdio ou outra anormalidade, a FE pode estar acentuadamente reduzida.
A insuficiência cardíaca também pode estar associada a uma FE normal se o músculo cardíaco se tornar espesso
e rígido (hipertrofia concêntrica), de modo que o enchimento dos ventrículos durante a diástole se torna prejudicado
e os ventrículos retêm um volume de sangue menor do que o normal. Nessas condições, a quantidade total de sangue
bombeado pelo coração não é suficiente para suprir as necessidades do organismo, mesmo que o coração esteja
bombeando com uma FE normal ou até mesmo aumentada. Essa condição é denominada insuficiência cardíaca com
fração de ejeção preservada e, com frequência, ocorre em pacientes idosos, particularmente naqueles com obesidade
e que apresentam diabetes melito e hipertensão como parte de uma constelação de distúrbios denominada síndrome
cardiometabólica. Mais de 50% dos pacientes com insuficiência cardíaca apresentam insuficiência cardíaca com
fração de ejeção preservada.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE ALTO DÉBITO

Em muitos tipos de insuficiência cardíaca de alto débito, a capacidade de bombeamento do coração não está
diminuída, mas, sim, sobrecarregada pelo excesso de retorno venoso. Com mais frequência, essa condição é causada
por uma anormalidade circulatória que diminui drasticamente a resistência periférica total, como nas seguintes
condições:

Fístulas arteriovenosas
Beribéri. A falta de vitaminas B, particularmente de tiamina (B1), em pacientes com essa condição diminui
acentuadamente a resistência periférica, o que aumenta o retorno venoso. Além disso, a contratilidade cardíaca está
reduzida, embora o débito cardíaco permaneça elevado, dado o retorno venoso aumentado
Tireotoxicose. O aumento da taxa metabólica em decorrência do aumento de hormônio tireoidiano (tireoxina)
provoca a redução da resistência periférica total e o aumento do retorno venoso. Com frequência, a curva de débito
cardíaco está deprimida, devido ao enfraquecimento do músculo cardíaco, porém o débito cardíaco ainda aumenta,
em virtude do aumento do retorno venoso de sangue ao coração.
CAPÍTULO 23

Valvas e Bulhas Cardíacas; Doenças Cardíacas Valvares e Congênitas

BULHAS CARDÍACAS

A ausculta das bulhas cardíacas é um método utilizado há muito tempo para examinar os pacientes. As bulhas
cardíacas estão associadas ao fechamento das valvas cardíacas; nenhum som é emitido com a abertura das valvas,
exceto o estalido da valva mitral, que, às vezes, pode ser ouvido durante a abertura dessa valva.
Quando se ausculta o coração com um estetoscópio, os sons são descritos como tum‑tá, tum‑tá. O “tum” está
associado ao fechamento das valvas atrioventriculares (A-V) no início da sístole; o “tá” ocorre no fim da sístole,
produzido pelo fechamento das valvas aórtica e pulmonar.
A primeira bulha cardíaca está associada ao fechamento das valvas atrioventriculares. A primeira
bulha cardíaca (B1) é causada pela vibração das valvas tensas e do sangue circundante, das paredes ventriculares e
dos principais vasos ao redor do coração. O fechamento dessas valvas no início da sístole é provocado pelos efeitos
da contração ventricular, que aumenta a pressão intraventricular e resulta em fluxo retrógrado do sangue contra as
valvas A-V. Após o fechamento dessas valvas, a vibração para trás e para a frente dos folhetos elásticos da valva e
das cordas tendíneas provoca a reverberação do sangue circundante e das paredes ventriculares. A valva mitral fecha-
se primeiro, seguida da valva tricúspide.
A segunda bulha cardíaca está associada ao fechamento das valvas semilunares. A segunda bulha
cardíaca (B2) ocorre no fim da sístole, quando a energia total do sangue nos ventrículos é menor do que na aorta e na
artéria pulmonar. Isso faz as valvas semilunares (valvas aórtica e pulmonar) se fecharem e começarem novamente a
vibração dos folhetos valvares e do sangue circundante, da parede ventricular e dos vasos sanguíneos. Quando a
vibração dessas estruturas entra em contato com a parede torácica, o som, com amplificação adequada, pode ser
ouvido fora do corpo. A valva aórtica fecha primeiro, seguida da valva pulmonar.
A comparação entre a primeira e a segunda bulhas cardíacas mostra que o primeiro som, o tum, é mais alto,
devido à mudança da alta taxa de pressão através das valvas A-V. Além disso, o som da primeira bulha cardíaca é de
menor intensidade do que o som da segunda bulha, devido ao baixo módulo de elasticidade das valvas e à maior
quantidade de sangue que vibra nos ventrículos em comparação com a vibração na aorta e na artéria pulmonar. Esse
efeito é análogo ao som mais grave produzido pelas cordas espessas de um piano ou de uma guitarra após serem
tocadas.
A terceira bulha cardíaca ocorre no início do terço médio da diástole. Acredita-se que a causa do som
seja o influxo de sangue nos ventrículos. Esse som cardíaco é ouvido apenas após a entrada de uma quantidade
suficiente de sangue nos ventrículos para criar a tensão elástica nas paredes, que é necessária para a reverberação.
Esse som pode ser ouvido com a campânula do estetoscópio em crianças e adultos jovens normais ou em indivíduos
com idade superior a 40 anos com doença cardíaca e pode ser registrado pelo fonocardiograma.
A quarta bulha cardíaca está associada à contração atrial. É difícil ouvir um som cardíaco atrial com o
estetoscópio, exceto em pacientes com espessamento da parede ventricular esquerda, que, em geral, está associado à
hipertensão. O som está associado à contração atrial e ao influxo associado de sangue dentro dos ventrículos e ocorre
durante o último terço da diástole.

As lesões valvares podem resultar de febre reumática


A febre reumática é uma doença autoimune em que o sistema imune do paciente danifica ou destrói as valvas
cardíacas. Os pacientes com essa doença contraem uma infecção por estreptococo hemolítico do grupo A, e o
antígeno M é liberado pelos estreptococos. Com isso, ocorre a formação de anticorpos contra o antígeno M, e o
complexo antígeno-anticorpo tem a propensão de se fixar às valvas cardíacas. Em seguida, o sistema imune ataca o
complexo antígeno M-anticorpo-valva cardíaca e provoca danos, incluindo lesões hemorrágicas, fibrinosas e
bulbosas.
Na febre reumática, ocorrem duas lesões valvares:

Valvas estenosadas, quando o dano às valvas faz os folhetos ficarem aderidos um ao outro
Insuficiência ou regurgitação valvar, quando as valvas são parcialmente destruídas ou não conseguem se fechar
adequadamente, o que resulta em refluxo de sangue através das valvas.

Os sopros cardíacos são sons cardíacos anormais causados por lesões valvares
A estenose aórtica causa um sopro sistólico com som áspero. Com a maior expectativa de vida e o
envelhecimento da população, a estenose aórtica tornou-se a doença valvar cardíaca mais comum. No indivíduo
idoso, a valva aórtica com frequência sofre espessamento, torna-se calcificada e mais rígida e pode obstruir
parcialmente o fluxo a partir do ventrículo esquerdo. Devido à pequena abertura da valva aórtica nessa condição, a
pressão intraventricular precisa aumentar até 300 a 400 mmHg para ejetar o sangue ventricular através da pequena
abertura. A ejeção do sangue em jato provoca a vibração intensa da parede aórtica. O som resultante é áspero e, às
vezes, pode ser ouvido a uma distância de vários centímetros. A vibração pode ser sentida na parte superior do tórax.
As características comuns da estenose aórtica são as seguintes:

Hipertrofia ventricular esquerda intensa, devido ao aumento da carga de trabalho ventricular


Aumento crônico do volume sanguíneo, como compensação renal para a diminuição inicial da pressão arterial; a
massa de hemácias também aumenta em decorrência da hipóxia leve
Elevação crônica da pressão atrial esquerda, secundária à hipervolemia, o que aumenta o retorno venoso para o
coração. O maior retorno venoso também aumenta o volume diastólico final ventricular e a pressão diastólica final,
que são necessários para que o coração se contraia com força suficiente para vencer a resistência ao fluxo de saída
Dor da angina de peito, na estenose grave.

A insuficiência aórtica provoca um sopro diastólico de tipo sibilante. Em virtude da incapacidade de


fechamento completo da valva aórtica, o sangue reflui através dessa valva para dentro do ventrículo esquerdo durante
a diástole. O sopro apresenta um timbre relativamente alto, causado pelo jato retrógrado de sangue dentro do
ventrículo. A vibração associada é mais bem auscultada sobre o ventrículo esquerdo. As características da
insuficiência aórtica são as seguintes:

O volume sistólico aumenta até 300 ml, com 70 ml para a periferia e 230 ml de volta para o coração
A hipertrofia ventricular esquerda é causada pelo aumento do volume sistólico necessário para o coração
A pressão diastólica aórtica diminui rapidamente, devido ao refluxo de sangue para dentro do ventrículo esquerdo
Ocorre aumento crônico do volume sanguíneo.

A isquemia coronariana frequentemente está associada a lesões valvares aórticas. O grau de


hipertrofia ventricular esquerda é particularmente grande na estenose aórtica e na insuficiência aórtica e, com
frequência, está associado à isquemia coronariana. Na estenose aórtica, o músculo ventricular precisa desenvolver
uma tensão muito alta para criar a pressão intraventricular elevada necessária para forçar o sangue através da valva
aórtica estenosada. O consumo de oxigênio do ventrículo aumenta, exigindo um aumento do fluxo coronariano para
fornecer esse oxigênio. A alta tensão da parede do ventrículo provoca uma acentuada redução do fluxo coronariano
durante a sístole, particularmente nos vasos subendocárdicos.
Nessa condição, a pressão diastólica intraventricular aumenta, podendo causar compressão das camadas internas
do músculo cardíaco e redução do fluxo coronariano. É provável que ocorra isquemia coronariana na estenose aórtica
grave. Na insuficiência aórtica, a pressão diastólica intraventricular também aumenta, o que comprime a camada
interna do músculo cardíaco e diminui o fluxo coronariano. A pressão diastólica aórtica cai durante a regurgitação,
podendo causar a redução direta do fluxo coronariano. Ambos os mecanismos podem levar à redução do fluxo
coronariano e resultar em isquemia coronariana.
A estenose mitral é um sopro diastólico de som fraco, que é mais bem auscultado durante as
fases intermediária e final da diástole. Na estenose mitral, o sangue passa com dificuldade do átrio esquerdo
para o ventrículo esquerdo. O átrio esquerdo é incapaz de desenvolver uma pressão muito acima de 30 mmHg; em
consequência, a velocidade do fluxo sanguíneo através da valva mitral nunca aumenta de modo acentuado. A
velocidade desenvolvida é suficiente para criar um sopro de baixa frequência, fraco e ressonante, que é mais bem
detectado no fonocardiograma. A estenose mitral apresenta as seguintes características:

O débito cardíaco e a pressão arterial média podem inicialmente diminuir, mas não tanto quanto a redução
observada na estenose aórtica. O aumento do volume sanguíneo ajuda a elevar o débito cardíaco para o valor normal
O volume atrial aumenta e pode levar à fibrilação atrial
A pressão atrial esquerda aumenta e pode causar edema pulmonar
Ocorre insuficiência ventricular direita na estenose grave, visto que o ventrículo direito precisa bombear com muito
mais dificuldade, devido ao aumento da pressão arterial pulmonar.

DINÂMICA CIRCULATÓRIA ANORMAL EM CARDIOPATIAS CONGÊNITAS

Em certas ocasiões, o coração e os vasos sanguíneos associados são malformados durante a vida fetal. As três
principais anormalidades congênitas são as seguintes:

Estenose de um canal de fluxo sanguíneo no coração ou de um dos vasos sanguíneos circundantes


Derivação (shunt) da esquerda para a direita, anormalidade em que o sangue flui do lado esquerdo do coração ou da
aorta para o lado direito do coração ou para a artéria pulmonar
Derivação (shunt) da direita para a esquerda (tetralogia de Fallot), anormalidade em que o sangue não passa pelos
pulmões e segue diretamente para o lado esquerdo do coração.

Uma das causas mais comuns de defeitos cardíacos congênitos é uma infecção viral, como a rubéola, durante o
primeiro trimestre de gestação, uma vez que o coração fetal está sendo formado nesse período e é suscetível ao dano.
A persistência do canal arterial é uma derivação (shunt) da esquerda para a direita. Como os
pulmões estão colapsados durante a vida fetal, a maior parte do fluxo sanguíneo não passa pelos pulmões e entra na
aorta por meio do canal arterial, que conecta a artéria pulmonar e a aorta. Após o nascimento, a alta concentração de
oxigênio no sangue aórtico que passa pelo canal arterial provoca o seu fechamento na maioria dos recém-nascidos.
Em certas ocasiões, o canal não fecha, o que resulta em uma condição denominada persistência do canal arterial.
Em indivíduos com persistência do canal arterial, a pressão elevada na aorta força o sangue através do canal
aberto e para dentro da artéria pulmonar, e o sangue recircula várias vezes pelos pulmões. Por conseguinte, a
saturação de oxigênio do sangue arterial é maior do que o normal, a não ser que tenha ocorrido insuficiência
cardíaca. A persistência do canal arterial apresenta as seguintes características:

O volume sanguíneo aumenta para compensar a diminuição do débito cardíaco


Esse sopro é ouvido durante a sístole e a diástole, porém é mais alto durante a sístole
A reserva cardíaca diminui
Ocorre hipertrofia do ventrículo esquerdo, devido ao sangue extra que precisa ser bombeado pelo ventrículo
esquerdo
Ocorre hipertrofia do ventrículo direito, devido à pressão arterial pulmonar elevada
Pode ocorrer edema pulmonar se o lado esquerdo do coração estiver excessivamente sobrecarregado.

Outras derivações (shunts) da esquerda para a direita que podem ocorrer incluem a comunicação interventricular
e a comunicação interatrial.
A tetralogia de Fallot é uma derivação (shunt) da direita para a esquerda. Em indivíduos com
tetralogia de Fallot, ocorrem, simultaneamente, quatro anormalidades cardíacas:

A aorta é deslocada sobre o septo ventricular e origina-se do ventrículo direito.


Há uma comunicação interventricular, que faz o ventrículo direito bombear o sangue tanto do ventrículo esquerdo
quanto do ventrículo direito através da aorta.
A estenose da artéria pulmonar ou da valva pulmonar também está presente, e, devido à alta resistência arterial
pulmonar, grande parte do sangue do ventrículo direito é desviada dos pulmões e entra na aorta. Os níveis sanguíneos
de oxigênio podem estar gravemente reduzidos, dada a falta de fluxo sanguíneo através dos pulmões.
Ocorre hipertrofia ventricular direita, visto que o lado direito do coração precisa bombear grandes quantidades de
sangue contra a alta pressão na aorta.

Com frequência, a tetralogia de Fallot pode ser tratada com sucesso por meio de cirurgia.
CAPÍTULO 24

Choque Circulatório e seu Tratamento

O choque circulatório ocorre quando o fluxo sanguíneo é inadequado para suprir as demandas dos tecidos, causando
dano generalizado aos tecidos em todo o corpo. Quando ocorrem danos ao sistema cardiovascular, incluindo o
coração e os vasos sanguíneos e o sistema nervoso simpático, o choque torna-se progressivamente mais grave.
Os fatores passíveis de diminuir o débito cardíaco e levar ao choque incluem os seguintes:

Anormalidades cardíacas, que diminuem a capacidade de bombeamento do coração, incluindo infarto agudo do
miocárdio, estados cardiotóxicos, disfunções cardíacas e valvares e arritmias cardíacas
Fatores que reduzem o retorno venoso, incluindo diminuição do volume sanguíneo, diminuição do tônus vascular
(particularmente o das veias) e obstrução do fluxo sanguíneo.

O débito cardíaco nem sempre diminui durante o choque. Um débito cardíaco inadequado pode resultar de
aumentos excessivos da taxa metabólica ou de padrões de perfusão anormais que desviam o sangue para outros
vasos, diferentes dos que fornecem nutrientes aos tecidos locais. Nesses casos, o débito cardíaco normal não é
suficiente para suprir as necessidades dos tecidos.

CHOQUE CAUSADO POR HIPOVOLEMIA (CHOQUE HEMORRÁGICO)

Choque não progressivo (choque compensado)


Uma das causas mais comuns de choque é a rápida perda de sangue. Se os reflexos simpáticos e outros fatores
proporcionarem uma compensação suficiente para evitar qualquer deterioração adicional da circulação, esse tipo de
choque reversível é denominado choque compensado. Os mecanismos que compensam a perda de sangue e seus
efeitos cardiovasculares são os seguintes:

Ativação do sistema nervoso simpático, que constitui o primeiro mecanismo reflexo que aumenta a pressão arterial,
ajudando a elevar a pressão até o seu nível normal. Os barorreceptores arteriais e cardiopulmonares são os principais
ativadores do sistema nervoso simpático na hipotensão moderada. A diminuição do volume sanguíneo no choque
compensado provoca a redução da pressão média de enchimento sistêmico, o que, por sua vez, reduz o retorno
venoso, o débito cardíaco e a pressão arterial. A redução das pressões arterial e atrial estimula o sistema nervoso
simpático por meio dos barorreceptores, o que provoca vários efeitos cardiovasculares, incluindo constrição das
arteríolas (com aumento da resistência vascular periférica total), constrição das veias (com aumento da pressão média
de enchimento sistêmico e do retorno venoso) e frequência cardíaca mais rápida. Na ausência desses reflexos, uma
pessoa morreria após perder apenas 15 a 20% do volume sanguíneo no decorrer de um período de 30 minutos, o que
contrasta com a perda de 30 a 40% do volume sanguíneo que uma pessoa com reflexos simpáticos normais consegue
suportar
Aumento da secreção de adrenalina e de noradrenalina pela medula adrenal, que causa a constrição das arteríolas e
das veias periféricas e aumenta a frequência cardíaca
Resposta isquêmica do sistema nervoso central, que ocorre durante a hipotensão grave, quando a pressão arterial cai
abaixo de 50 mmHg
Relaxamento reverso por estresse, que faz os vasos sanguíneos, particularmente as veias, se contraírem para
acomodar o volume diminuído e, assim, ajudar a evitar a diminuição da pressão arterial e do débito cardíaco
Aumento da formação de angiotensina II, que causa a contração das arteríolas periféricas e provoca a retenção de
sódio e de água pelos rins
Aumento da liberação de vasopressina (hormônio antidiurético), que contrai os vasos sanguíneos periféricos e
provoca a retenção de água pelos rins
Outros mecanismos que aumentam o volume sanguíneo para o normal, incluindo a absorção de líquido dos
intestinos e espaços intersticiais, diminuição do volume urinário, aumento da sede e aumento do apetite por sódio.

Choque progressivo – causado pelo ciclo vicioso de deterioração cardiovascular


Quando o choque se torna grave o suficiente, várias estruturas do sistema circulatório começam a se deteriorar,
provocando um ciclo vicioso progressivo de diminuição do débito cardíaco. Por conseguinte, o choque causará mais
choque.
O fluxo coronariano deficiente provoca deterioração cardíaca no choque progressivo. Com a grave
redução da pressão arterial, particularmente da pressão diastólica, o fluxo sanguíneo coronariano também diminui, o
que desencadeia a isquemia coronariana. Essa condição enfraquece o miocárdio e diminui ainda mais o débito
cardíaco. Um ciclo de feedback positivo pode se desenvolver e causar deterioração cardíaca progressiva.
A insuficiência circulatória periférica também pode ocorrer durante o choque hemorrágico
progressivo. Durante diminuições moderadas do débito cardíaco, o fluxo sanguíneo para o cérebro e para o coração
é geralmente preservado. Quando a pressão arterial cai para níveis suficientemente baixos, o fluxo sanguíneo
cerebral começa a diminuir, e o fluxo para o centro vasomotor também diminui. Se o fluxo diminuir o suficiente, a
descarga simpática do centro vasomotor cai drasticamente, o que pode resultar em maior redução da pressão arterial
e em insuficiência circulatória periférica progressiva.
Pode ocorrer coagulação sanguínea em pequenos vasos durante o choque hemorrágico
progressivo. Devido ao baixo fluxo sanguíneo durante o choque, grandes quantidades de metabólitos teciduais,
incluindo ácido carbônico e ácido láctico, não são removidas adequadamente dos tecidos, permitindo o acúmulo de
concentrações locais de ácidos. O consequente aumento da concentração de íons hidrogênio e de outros produtos
causadores de isquemia provoca a aglutinação local de sangue e a formação de coágulos sanguíneos. O sangue mais
espesso nesses pequenos vasos sanguíneos é denominado sangue estagnado.
O aumento da permeabilidade capilar diminui ainda mais o volume sanguíneo durante o choque
hemorrágico progressivo. Devido à hipóxia capilar e à falta de outros nutrientes durante o choque, a
permeabilidade capilar aumenta, possibilitando a transudação de líquidos e proteínas nos tecidos. Essa perda de
líquido para o interstício diminui o volume sanguíneo, agravando o choque de modo progressivo.
A liberação de toxinas pode causar depressão cardíaca no choque hemorrágico progressivo. As
bactérias gram-negativas mortas nos intestinos liberam uma toxina denominada endotoxina. Essa toxina provoca o
aumento do metabolismo celular, que pode ser prejudicial no choque, visto que as células que estão vivas recebem
uma nutrição inadequada. A endotoxina também deprime o coração. Esses dois fatores podem levar ao dano celular
progressivo e ao choque.
Ocorre deterioração celular generalizada durante o choque hemorrágico progressivo. Durante o
choque, o dano celular generalizado normalmente ocorre primeiro nos tecidos com alto metabolismo, como o fígado.
Entre os efeitos que causam dano celular, destacam-se os seguintes:

O transporte ativo diminuído de sódio e de potássio através das membranas celulares causa o acúmulo de sódio nas
células e a perda de potássio, e as células começam a inchar
A atividade mitocondrial diminui
Os lisossomos começam a se romper nos tecidos de todo o corpo, liberando hidrolases, que, em seguida, provocam
dano intracelular generalizado
O metabolismo celular da glicose diminui.

Choque irreversível
No choque irreversível, embora a administração de transfusão de sangue possa aumentar temporariamente o débito
cardíaco e a pressão arterial para níveis normais, o débito cardíaco começa logo a cair, seguido rapidamente de
morte. Isso ocorre porque o aumento temporário do débito cardíaco não impede o dano tecidual generalizado
causado pela acidose, pela liberação de hidrolases, pelos coágulos sanguíneos e por outros fatores destrutivos. Assim,
alcança-se um estágio depois do qual nem mesmo uma terapia rigorosa será efetiva.
Uma das principais causas do choque irreversível é a depleção de compostos de fosfatos de alta energia. Após a
degradação do trifosfato de adenosina na célula em difosfato de adenosina, monofosfato de adenosina e, por fim,
adenosina, esta última se difunde para fora da célula e é convertida em ácido úrico, que não pode retornar para a
célula. Novas moléculas de adenosina podem ser sintetizadas em uma taxa de apenas 2% da quantidade celular total
por hora. Por conseguinte, os compostos de fosfato de alta energia dificilmente se regeneram durante o choque, o que
contribui para o estágio final do choque irreversível.

FISIOLOGIA DO TRATAMENTO DO CHOQUE

Terapia de reposição
A reposição de sangue constitui a terapia apropriada no choque hemorrágico. A infusão
intravenosa de sangue total é extremamente útil para o tratamento do choque hemorrágico. A maioria dos bancos de
sangue estoca sangue na forma de concentrado de hemácias, embora se disponha também de plasma fresco
congelado. A combinação de concentrado de hemácias e plasma é atualmente utilizada para o tratamento do choque
hipovolêmico, em vez do sangue total. Outras terapias, como infusão de noradrenalina, tiveram poucos benefícios.
Em situações como campo de batalha, os concentrados de hemácias frequentemente não estão disponíveis, de modo
que se utiliza o plasma como substituto. O plasma mantém a pressão coloidosmótica do sangue, porém o hematócrito
diminui com essa terapia, impondo uma carga extra ao coração, visto que o débito cardíaco precisa aumentar para
manter o fornecimento de oxigênio aos tecidos. O plasma também fornece fatores de coagulação adicionais ao
sangue, o que pode interromper o sangramento dos pacientes. Entretanto, a administração de sangue constitui a
terapia ideal para o choque hemorrágico.
Em situações nas quais não se dispõe de concentrado de hemácias nem de plasma para o tratamento de um
paciente com choque hemorrágico, pode-se utilizar um substituto do plasma. Contudo, o substituto precisa ter uma
alta pressão coloidosmótica, de modo que o líquido não transude rapidamente através dos poros capilares para o
interstício. A dextrana e outros polímeros polissacarídeos de alto peso molecular foram desenvolvidos e
demonstraram permanecer no compartimento sanguíneo após a infusão intravenosa.
A infusão de plasma constitui a terapia adequada para o choque hipovolêmico em pacientes com
obstrução intestinal ou queimaduras. Na obstrução intestinal, o bloqueio e a distensão dos intestinos
impedem, em parte, o fluxo sanguíneo venoso, aumentando, assim, a pressão capilar e o extravasamento de líquido
altamente proteináceo no lúmen intestinal. Na presença de bloqueio intestinal grave, pode ocorrer choque; todavia, se
a infusão intravenosa de plasma for iniciada em pouco tempo, as condições hemodinâmicas são rapidamente
restauradas para a normalidade. Em pacientes com queimaduras graves, o plasma transuda através das áreas
danificadas da pele, causando uma acentuada redução do volume plasmático. Portanto, a infusão intravenosa de
plasma constitui a terapia adequada para o choque que pode ocorrer no paciente com queimaduras.
A infusão intravenosa de uma solução eletrolítica balanceada constitui a terapia apropriada para
o choque hipovolêmico em pacientes com desidratação. Diversas condições podem resultar em
desidratação, incluindo vômito, diarreia, sudorese excessiva, diabetes melito, diabetes insípido, uso excessivo de
diuréticos, destruição do córtex adrenal com perda da aldosterona e perda de líquidos por rins nefróticos. Se a
desidratação for grave, poderá ocorrer choque. O problema pode ser corrigido com a infusão intravenosa rápida de
uma solução eletrolítica balanceada, como a solução de Ringer com lactato.
O choque traumático pode ser causado por hipovolemia e dor. Com frequência, um paciente com
traumatismo em decorrência de contusão corporal grave também apresenta hipovolemia. A administração de sangue
pode corrigir a hipovolemia, porém a dor associada ao traumatismo é um fator agravante adicional. Às vezes, essa
dor inibe o centro vasomotor, resultando em diminuição do débito simpático e aumento da estimulação
parassimpática, o que pode reduzir a pressão arterial, o retorno venoso do sangue ao coração e a frequência cardíaca.
A administração de um analgésico adequado pode ajudar a aliviar a dor e seus efeitos sobre o sistema nervoso
simpático.
O choque neurogênico é causado por vasodilatação e aumento da capacitância vascular;
portanto, a terapia deve aumentar a resistência vascular e diminuir a capacitância para a
normalidade. O choque neurogênico resulta de uma perda súbita do tônus vasomotor em todo o corpo, com
consequente diminuição da resistência vascular e aumento da capacitância vascular total. O volume sanguíneo
normal é insuficiente para encher adequadamente o sistema circulatório, o que resulta em diminuição da pressão
média de enchimento sistêmico. Algumas causas do choque neurogênico incluem:

Anestesia geral profunda, que deprime o centro vasomotor


Raquianestesia, particularmente quando o agente anestésico migra por toda a medula espinhal, bloqueando o fluxo
nervoso simpático
Lesão cerebral, como a ocorrência de concussão ou contusão nas regiões basais do cérebro, próximo ao centro
vasomotor, o que diminui drasticamente o fluxo simpático do centro vasomotor.

A terapia de escolha para o choque neurogênico consiste na infusão intravenosa de um medicamento


simpaticomimético, como noradrenalina ou adrenalina, para a reposição do tônus vascular neurogênico perdido.
O choque anafilático é causado por uma reação alérgica. Quando um antígeno entra na corrente
sanguínea de um indivíduo altamente alérgico, ocorre uma reação antígeno-anticorpo. Um dos principais efeitos
dessa reação é a liberação de histamina ou de substâncias semelhantes à histamina pelos basófilos e mastócitos. A
histamina tem vários efeitos:

Aumento da capacidade vascular, devido à dilatação venosa


Dilatação das arteríolas, o que resulta em diminuição da pressão arterial
Aumento da permeabilidade capilar, o que causa perda de líquido do compartimento vascular.

Os efeitos da histamina podem diminuir a pressão arterial e o retorno venoso, provocando choque anafilático.
Uma pessoa pode morrer em minutos após o aparecimento de sintomas do choque anafilático. A rápida
administração de um medicamento simpaticomimético, que diminui a capacidade vascular e provoca a contração das
arteríolas, com frequência salva a vida do paciente.
O choque séptico é causado por disseminação generalizada de bactérias pelo corpo. Existem
muitas causas de choque séptico, todas as quais começam com uma infecção bacteriana. Quando um número
suficiente de bactérias se espalha por todo o corpo, ocorrem muitos dos seguintes efeitos:

Febre alta
Taxa metabólica alta
Vasodilatação acentuada em todo o corpo
Débito cardíaco alto, causado por vasodilatação periférica, talvez em metade dos pacientes
Estagnação do sangue, causada pela aglutinação das hemácias
Coagulação intravascular disseminada.

Um caso especial de choque séptico ocorre quando as bactérias do cólon, que contêm uma toxina denominada
endotoxina, são liberadas durante o estrangulamento do intestino.
A terapia contra o choque, além daquelas mencionadas anteriormente, inclui as seguintes opções:

Colocação do paciente em posição de rebaixamento da cabeça, que promove o retorno venoso


Oxigênio
Administração de glicocorticoides, que estabilizam os lisossomos e demonstraram ser úteis no choque anafilático.

OUTROS EFEITOS DO CHOQUE NO ORGANISMO

Durante o choque, particularmente o choque hipovolêmico, a diminuição do débito cardíaco reduz o fornecimento de
oxigênio e de outros nutrientes aos tecidos, bem como a remoção de dióxido de carbono e outros produtos de
degradação dos tecidos. Pode ocorrer dano celular generalizado, incluindo o comprometimento da capacidade das
mitocôndrias de sintetizar trifosfato de adenosina e depressão da bomba de sódio-potássio da membrana celular.
Além disso, podem ocorrer os seguintes efeitos:

Fraqueza muscular
Diminuição da temperatura corporal, devido à redução do metabolismo
Função mental deprimida
Diminuição da função renal e deterioração renal.
PARTE 5

Líquidos Corporais e Rins

Capítulo 25 Regulação dos Compartimentos de Líquidos Corporais: Líquidos Extracelulares e Intracelulares; Edema

Capítulo 26 Sistema Urinário: Anatomia Funcional e Formação da Urina pelos Rins

Capítulo 27 Filtração Glomerular, Fluxo Sanguíneo Renal e seus Respectivos Controles

Capítulo 28 Reabsorção e Secreção Tubulares Renais

Capítulo 29 Concentração e Diluição da Urina; Regulação da Osmolaridade e Concentração de Sódio do Líquido


Extracelular

Capítulo 30 Regulação Renal de Potássio, Cálcio, Fosfato e Magnésio; Integração de Mecanismos Renais para o
Controle do Volume Sanguíneo e do Líquido Extracelular

Capítulo 31 Equilíbrio Acidobásico

Capítulo 32 Diuréticos e Doenças Renais


CAPÍTULO 25

Regulação dos Compartimentos de Líquidos Corporais: Líquidos


Extracelulares e Intracelulares; Edema

A manutenção de um volume e de uma composição relativamente constantes dos líquidos corporais é necessária para
a homeostase. Alguns dos problemas mais importantes na clínica médica surgem devido a anormalidades nos
sistemas de controle que mantêm essa constância. Nesta parte, discutiremos a regulação geral do volume de líquidos
corporais, o controle dos componentes do líquido extracelular, a regulação da troca de líquidos entre os
compartimentos extracelulares e intracelulares e a regulação do equilíbrio acidobásico.

A ENTRADA E A SAÍDA DE LÍQUIDOS SÃO EQUILIBRADAS DURANTE CONDIÇÕES ESTÁVEIS

O aporte total de água e eletrólitos precisa ser cuidadosamente contrabalançado por uma eliminação igual do
organismo, de modo a evitar aumentos ou diminuições dos volumes de líquidos e das concentrações de eletrólitos. A
Tabela 25.1 mostra a ingestão e a eliminação diárias aproximadas de água do corpo em condições normais e durante
o exercício intenso e prolongado. Na maioria das condições, a principal maneira de regular a saída consiste em
alterar a excreção renal. O volume de urina pode ser tão baixo quanto 0,5 l/dia em uma pessoa desidratada ou tão
elevado quanto 20 l/dia em um indivíduo que ingeriu grandes quantidades de líquidos. A capacidade dos rins de
ajustar a saída até esse extremo para contrabalançar o aporte também ocorre com os eletrólitos do corpo, como sódio,
cloreto e potássio.

Tabela 25.1Quantidade diária de entrada e saída de água.

Parâmetro Normal (ml/dia) Com exercício vigoroso e prolongado (ml/dia)


Entrada
Líquidos ingeridos 2.100 ?
A partir do metabolismo 200 200
Entrada total 2.300 ?
Saída
Insensível, pela pele 350 350
Insensível, pelos pulmões 350 650
Suor 100 5.000
Fezes 100 100
Urina 1.400 500
Saída total 2.300 6.600
Ocorre uma considerável quantidade de perda insensível de água por evaporação a partir do sistema respiratório
e pela difusão através da pele. Uma pequena quantidade de perda de água também ocorre nas fezes, e quantidades
variáveis de líquido são perdidas no suor. Em clima quente ou durante a realização de exercício intenso, a perda de
líquido pelo suor pode ser extrema. Embora os rins tenham a capacidade de compensar perdas excessivas de água por
meio da redução da excreção de líquido, existem mecanismos para a regulação da sede e, portanto, para a ingestão de
líquido, conforme discutido no Capítulo 29. Em conjunto, esses mecanismos normalmente mantêm um equilíbrio
entre a entrada e a saída de líquidos e eletrólitos do corpo.

COMPARTIMENTOS DE LÍQUIDOS CORPORAIS

A quantidade total de água corporal é, em média, de cerca de 60% do peso corporal, ou cerca de 42 l em um homem
adulto de 70 kg. Como as mulheres geralmente apresentam maior porcentagem de gordura corporal em comparação
com os homens, a quantidade de água corporal total delas é, em média, cerca de 50% de seu peso corporal. Em
prematuros e recém-nascidos, a água corporal total varia entre 70 e 75% do peso corporal. Por conseguinte, quando
se discutem os valores médios dos compartimentos dos líquidos corporais, é preciso reconhecer a existência de
variações, dependendo da idade, do sexo e da porcentagem de gordura corporal.
O líquido corporal total está distribuído em dois compartimentos principais: (1) o líquido intracelular, que
corresponde a cerca de 40% do peso corporal, ou 28 l em um homem de 70 kg; e (2) o líquido extracelular, que
corresponde a cerca de 20% do peso corporal, ou 14 l em um homem de 70 kg.
Os dois principais compartimentos de líquido extracelular são o líquido intersticial, que representa cerca de três
quartos do líquido extracelular, e o plasma, que constitui cerca de um quarto do líquido extracelular, ou cerca de 3 l.
O plasma é a porção não celular do sangue que se mistura continuamente com o líquido intersticial através dos poros
das membranas capilares.
O sangue contém líquidos intracelular e extracelular. O volume sanguíneo médio em um ser humano
adulto normal corresponde a 8% do peso corporal, ou cerca de 5 l. Aproximadamente 60% do sangue consistem em
plasma, ao passo que cerca de 40% consistem em hemácias. O hematócrito, isto é, a fração do sangue que é
composta pelas hemácias, é normalmente de cerca de 0,42 nos homens e de cerca de 0,38 nas mulheres. Na presença
de anemia grave, o hematócrito pode cair para valores tão baixos quanto 0,10, valor praticamente insuficiente para
manter a vida. Quando há produção excessiva de hemácias, resultando em policitemia, o hematócrito pode aumentar
e alcançar valores de até 0,65.
Os constituintes dos líquidos extracelular e intracelular diferem. A Tabela 25.2 compara as
composições dos líquidos intracelular e extracelular.
O plasma e o líquido intersticial do compartimento extracelular são separados por membranas capilares altamente
permeáveis, de modo que as suas composições iônicas são semelhantes. A diferença mais importante entre esses dois
compartimentos é que o plasma apresenta maior concentração de proteína. Os capilares têm baixa permeabilidade às
proteínas; portanto, apenas pequenas quantidades de proteínas extravasam para os espaços intersticiais na maioria
dos tecidos.
O líquido intracelular é separado do líquido extracelular por uma membrana celular altamente seletiva, que é
permeável à água, mas não à maioria dos eletrólitos encontrados no organismo. Por essa razão, a concentração de
água e a osmolaridade dos líquidos intracelular e extracelular são aproximadamente iguais em condições estáveis,
embora as concentrações de vários solutos sejam acentuadamente diferentes nesses compartimentos de líquido.

Tabela 25.2Composições químicas dos líquidos intracelular e extracelular.

Substância química Líquido intracelular Líquido extracelular


Na+ (mmol/l) 14 142
K+ (mmol/l) 140 4
Cl– (mmol/l) 4 106
HCO3– (mmol/l) 10 24
Ca2+ (mmol/l) 0,0001 2,4
Mg2+ (mmol/l) 58 1,2

SO42– (mmol/l) 2 1
Fosfatos (mmol/l) 75 4
Glicose (mg/dl) 0 a 20 90
Aminoácidos (mg/dl) 200? 30
Proteína (g/dl) 16 2

MENSURAÇÃO DOS VOLUMES DOS COMPARTIMENTOS DE LÍQUIDOS CORPORAIS | PRINCÍPIO


INDICADOR‑DILUIÇÃO

O volume de um líquido em um compartimento do corpo pode ser estimado por meio da injeção de uma substância
no compartimento, permitindo que se disperse uniformemente e, em seguida, seja realizada a análise da extensão da
diluição dessa substância. Esse método baseia-se no pressuposto de que a quantidade total de substância que
permanece no compartimento de líquido após a sua dispersão é a mesma da quantidade total que foi injetada no
compartimento. Por conseguinte, quando uma pequena quantidade de substância contida em uma seringa A é
injetada no compartimento B e a substância se dispersa por todo o compartimento até estar misturada em
concentrações iguais em todas as áreas, pode-se estabelecer a seguinte relação:

Esse método pode ser utilizado para medir o volume de praticamente qualquer compartimento do corpo nas
seguintes condições: (1) a quantidade do indicador injetado no compartimento (o numerador da equação) é
conhecida; (2) a concentração do indicador no compartimento é conhecida; (3) o indicador se dispersa
uniformemente por todo o compartimento; e (4) o indicador só se dispersa no compartimento onde está sendo
medido.
A Tabela 25.3 mostra alguns dos indicadores que podem ser utilizados para medir os volumes de líquidos dos
compartimentos corporais. Os volumes de dois dos compartimentos, os líquidos intersticiais intracelulares e
extracelulares, não podem ser medidos diretamente, porém podem ser calculados a partir dos valores obtidos de
outros volumes de líquidos corporais.

TROCAS DE LÍQUIDOS E EQUILÍBRIO OSMÓTICO ENTRE OS LÍQUIDOS INTRACELULAR E


EXTRACELULAR

Como as membranas celulares são altamente permeáveis à água, porém relativamente impermeáveis até mesmo a
pequenos íons, como sódio e cloreto, a distribuição do líquido entre os compartimentos intracelular e extracelular é
determinada principalmente pelos efeitos osmóticos desses íons. Os princípios básicos da osmose e da pressão
osmótica são apresentados no Capítulo 4. Portanto, nesta seção, serão discutidos apenas os princípios mais
importantes, na medida em que se aplicam à regulação do volume.

Tabela 25.3Medição dos volumes de líquidos corporais.

Volume Indicadores
Água corporal 3H O, 2H O,
2 2 antipirina
total

Líquido 22Na, 125I‑iotalamato, inulina


extracelular

Líquido Calculado como a água corporal total – volume do líquido extracelular


intracelular
Volume de 125
I‑albumina, corante azul de Evans (T‑1824)
plasma
Volume de Hemácias marcadas com 51Cr; calculado como: volume de sangue = volume de
sangue plasma/(1 – hematócrito)
Líquido Calculado como: volume de líquido extracelular – volume de plasma
intersticial

A osmose é a difusão efetiva de água através de uma membrana seletivamente permeável. A


adição de um soluto à água pura reduz a concentração da água e provoca o movimento dela em direção à região de
alta concentração de soluto. O termo de concentração utilizado para medir o número total de partículas de soluto na
solução é o osmol: 1 osmol é igual a 1 mol (6,02 × 1023) de partículas de soluto. Para as soluções biológicas, utiliza-
se comumente o termo miliosmol (mOsm), que corresponde a 1/1.000 osmol.
A concentração osmolar de uma solução é denominada osmolalidade, em que a concentração é expressa em
osmóis por quilograma de água, e osmolaridade, em que a concentração é expressa em osmóis por litro de solução.
A quantidade de pressão necessária para impedir a osmose da água através de uma membrana semipermeável é
denominada pressão osmótica. Quando expressa matematicamente, a pressão osmótica (π) é diretamente
proporcional à concentração de partículas osmoticamente ativas na solução:

π = CRT

em que C é a concentração de solutos em osmóis por litro, R é a constante de gases ideais e T é a temperatura
absoluta em graus Kelvin. Se π for expressa em milímetros de mercúrio (a unidade de pressão comumente utilizada
para líquidos biológicos), π corresponde a cerca de 19,3 mmHg para a uma solução com osmolaridade de 1 mOsm/l
Assim, para cada miliosmol de gradiente de concentração através da membrana celular, são necessários 19,3 mmHg
de força para impedir a difusão de água através da membrana. Por conseguinte, diferenças muito pequenas na
concentração de soluto através da membrana podem causar a rápida osmose de água.
Líquidos isosmóticos, hiperosmóticos e hiposmóticos. Uma solução é denominada isotônica se nenhuma
força osmótica se desenvolver através da membrana celular quando uma célula normal é colocada na solução. Uma
solução isotônica apresenta a mesma osmolaridade da célula, e as células não encolhem nem incham quando
colocadas na solução. Exemplos de soluções isotônicas incluem a solução de cloreto de sódio a 0,9% e a solução de
glicose a 5%.
Uma solução é denominada hipertônica quando ela contém uma concentração mais alta de substâncias osmóticas
do que a célula. A força osmótica que se desenvolve provoca o fluxo de água para fora da célula, reduzindo, assim, o
volume de líquido intracelular e aumentando a concentração de líquido intracelular.
Uma solução é denominada hipotônica se a concentração osmótica de substâncias na solução for menor do que a
concentração da célula. A força osmótica provoca o fluxo de água para dentro da célula até que o líquido intracelular
tenha aproximadamente a mesma concentração do líquido extracelular ou até que a célula se rompa, em
consequência do intumescimento excessivo.

VOLUME E OSMOLALIDADE DOS LÍQUIDOS EXTRACELULAR E INTRACELULAR EM CONDIÇÕES


ANORMAIS

Alguns dos fatores passíveis de modificar acentuadamente os volumes extracelular e intracelular são a ingestão de
grandes quantidades de água, desidratação, infusão intravenosa de várias soluções, perda de grandes quantidades de
líquido do trato gastrointestinal e perda de quantidades anormais de líquido por meio da transpiração ou pelos rins.
É possível estimar as mudanças nos volumes dos líquidos intracelular e extracelular e definir a terapia que
precisa ser instituída tendo-se em mente os seguintes princípios básicos:

A água move‑se rapidamente através das membranas celulares; portanto, as osmolaridades dos líquidos intracelular
e extracelular permanecem quase exatamente iguais entre si, exceto por alguns minutos após uma mudança em um
dos compartimentos
As membranas celulares são quase totalmente impermeáveis à maioria dos solutos; portanto, o número de osmóis
nos líquidos extracelular e intracelular permanece relativamente constante, a não ser que haja adição ou perda de
solutos do compartimento extracelular.

Efeito da adição de solução salina ao líquido extracelular. Se uma solução isotônica for adicionada ao
compartimento de líquido extracelular, a osmolaridade do líquido extracelular não se altera, e não ocorre osmose
através das membranas celulares. O principal efeito observado consiste em aumento do volume do líquido
extracelular (Figura 25.1). O sódio e o cloreto permanecem principalmente no líquido extracelular, visto que a
membrana da célula se comporta como se fosse praticamente impermeável ao cloreto de sódio.
Se uma solução hipertônica for adicionada ao líquido extracelular, a osmolaridade do líquido extracelular
aumentará e provocará a osmose de água para fora das células, para dentro do compartimento extracelular. O efeito
final consiste em aumento do volume extracelular (maior do que o volume de líquido adicionado), diminuição do
volume do líquido intracelular e aumento da osmolaridade de ambos os compartimentos.
Se uma solução hipotônica for adicionada ao líquido extracelular, a osmolaridade do líquido extracelular
diminuirá, e parte da água extracelular se difundirá para dentro das células até que os compartimentos intracelular e
extracelular tenham a mesma osmolaridade. Os volumes tanto intracelular quanto extracelular estão aumentados em
virtude da adição de líquido hipotônico, embora o volume intracelular sofra aumento em maior grau.

EDEMA: EXCESSO DE LÍQUIDO NOS TECIDOS

Edema intracelular: aumento do líquido intracelular


Três condições tendem particularmente a causar edema intracelular: (1) hiponatremia, (2) depressão dos sistemas
metabólicos dos tecidos e (3) falta de nutrição adequada das células. Quando os sistemas metabólicos da célula estão
deprimidos ou recebem uma nutrição inadequada, os íons sódio, que normalmente extravasam para o interior das
células, não podem mais ser bombeados de maneira efetiva para fora das células, e o excesso de íons sódio provoca a
osmose de água para o interior das células.
Figura 25.1 Efeito da adição de soluções isotônicas, hipertônicas ou hipotônicas de
NaCl sobre o líquido extracelular após o equilíbrio osmótico. O estado normal é
indicado pelas linhas contínuas, ao passo que os desvios do normal são mostrados
por linhas tracejadas. Os volumes dos compartimentos dos líquidos intracelular e
extracelular são mostrados na abscissa de cada diagrama, ao passo que as
osmolaridades desses compartimentos estão indicadas nas ordenadas.

O edema intracelular também pode ocorrer em tecidos inflamados. Em geral, a inflamação aumenta a
permeabilidade da membrana celular, possibilitando a difusão de sódio e de outros íons para o interior das células,
com osmose subsequente de água para dentro das células.

Edema extracelular: aumento do líquido nos espaços intersticiais


As duas causas gerais de edema extracelular são: (1) o extravasamento anormal de líquido do plasma para os espaços
intersticiais através dos capilares e (2) a incapacidade dos vasos linfáticos de devolverem o líquido do interstício ao
sangue, uma condição frequentemente denominada linfedema.
Fatores que podem aumentar a filtração capilar e causar edema do líquido intersticial. Para
compreender as causas da filtração capilar excessiva, é útil analisar os determinantes da filtração capilar, discutidos
no Capítulo 16, como mostra a seguinte equação:

Filtração = Kf × (PC −P −π
li C + πli)
em que Kf é o coeficiente de filtração capilar (o produto da permeabilidade pela área de superfície dos capilares), Pc é
a pressão hidrostática do capilar, Pli é a pressão hidrostática do líquido intersticial, πc é a pressão coloidosmótica do
plasma capilar e πli é a pressão coloidosmótica do líquido intersticial. Assim, qualquer uma das seguintes alterações
pode aumentar a taxa de filtração capilar:

Aumento do coeficiente de filtração capilar, que possibilita o aumento do extravasamento de líquidos e proteínas
plasmáticas através das membranas capilares. Isso pode resultar de reações alérgicas, infecções bacterianas e
substâncias tóxicas que provocam lesão das membranas capilares e aumentam a sua permeabilidade às proteínas do
plasma.
Aumento da pressão hidrostática capilar, que pode resultar de obstrução de veias, fluxo excessivo de sangue das
artérias para os capilares ou incapacidade do coração de bombear sangue rapidamente para fora das veias
(insuficiência cardíaca).
Diminuição da pressão coloidosmótica do plasma, que pode resultar da incapacidade do fígado de produzir
quantidades suficientes de proteínas plasmáticas (cirrose), da perda de grandes quantidades de proteína na urina na
presença de determinadas doenças renais (síndrome nefrótica) ou da perda de grandes quantidades de proteína
através de áreas queimadas da pele ou outras lesões de desnudamento.
Aumento da pressão coloidosmótica do líquido intersticial, que retira líquido do plasma para os espaços teciduais.
Essa situação ocorre, com mais frequência, como resultado de bloqueio linfático, que impede o retorno das proteínas
dos espaços intersticiais para o sangue (ver seções seguintes).

O bloqueio linfático provoca edema. Quando ocorre bloqueio linfático, o edema pode tornar-se
particularmente grave, visto que as proteínas do plasma que extravasam para o interstício não têm nenhuma outra
maneira para retornar ao plasma. A elevação da concentração de proteína aumenta a pressão coloidosmótica do
líquido intersticial, que retira ainda mais líquido para fora dos capilares.
O bloqueio do fluxo linfático pode ser particularmente grave na presença de infecção dos linfonodos, como a que
ocorre na infecção por filárias. Os vasos linfáticos também podem ser bloqueados por certos tipos de câncer ou após
a cirurgia na qual os vasos linfáticos são removidos ou obstruídos.

Fatores de segurança que normalmente previnem o edema


Embora muitas anormalidades possam causar acúmulo de líquido nos espaços intersticiais, os distúrbios precisam ser
substanciais para que ocorra o desenvolvimento de edema clinicamente significativo. Três fatores principais de
segurança normalmente impedem o acúmulo de líquido nos espaços intersticiais:

A complacência dos tecidos é baixa enquanto a pressão hidrostática do líquido intersticial estiver na faixa negativa.
A baixa complacência (definida como a mudança de volume por alteração de pressão por milímetro de mercúrio)
indica que pequenos aumentos do volume de líquido intersticial estão associados a elevações relativamente grandes
da pressão hidrostática do líquido intersticial. Quando o volume de líquido intersticial aumenta, a pressão
hidrostática do líquido intersticial aumenta acentuadamente, opondo-se ainda mais à filtração capilar excessiva. O
fator de segurança que protege contra a formação de edema em relação a esse efeito é de aproximadamente 3 mmHg
em muitos tecidos, como a pele.
O fluxo linfático pode aumentar em até 10 a 50 vezes. Os vasos linfáticos retiram grandes quantidades de líquidos e
proteínas em resposta ao aumento da filtração capilar. O fator de segurança em relação a esse efeito foi calculado em
cerca de 7 mmHg.
Ocorre diluição das proteínas do líquido intersticial à medida que aumenta o fluxo linfático. À medida que ocorre a
filtração de quantidades aumentadas de líquido para o interstício, a pressão do líquido intersticial aumenta,
provocando maior fluxo linfático. Esse efeito diminui a concentração de proteína do interstício, visto que
quantidades maiores de proteína são removidas, em comparação com a quantidade que pode ser filtrada pelos
capilares. A diminuição da concentração de proteína do líquido tecidual reduz a força de filtração efetiva através dos
capilares e tende a impedir o maior acúmulo de líquido. O fator de segurança para esse efeito foi calculado em cerca
de 7 mmHg na maioria dos tecidos.
Quando são combinados todos os fatores de segurança, o fator de segurança total que protege contra o edema é
de cerca de 17 mmHg.
CAPÍTULO 26

Sistema Urinário: Anatomia Funcional e Formação da Urina pelos Rins

As múltiplas funções dos rins na manutenção da homeostase incluem as seguintes:

Excreção de produtos de degradação metabólicos e substâncias químicas estranhas


Regulação do equilíbrio hídrico e eletrolítico
Regulação da osmolaridade e das concentrações de eletrólitos dos líquidos corporais
Regulação da pressão arterial por meio da excreção de quantidades variáveis de sódio e de água e secreção de
substâncias, como a renina, que levam à formação de produtos vasoativos, como a angiotensina II
Regulação do equilíbrio acidobásico por meio da excreção de ácidos e da regulação das reservas de tampões dos
líquidos corporais
Regulação da produção de hemácias por meio da secreção de eritropoetina, que estimula a produção de hemácias
Regulação da produção de 1,25-di-hidroxivitamina D3
Gliconeogênese: síntese de glicose a partir de aminoácidos durante o jejum prolongado
Secreção, metabolismo e excreção de hormônios.

ANATOMIA FISIOLÓGICA DOS RINS

Organização geral dos rins e do trato urinário. No adulto, cada rim pesa cerca de 150 g e é recoberto por
uma cápsula fibrosa firme, que protege suas delicadas estruturas internas (Figura 26.1). As duas principais regiões do
rim são o córtex externo e a medula interna. A medula é dividida em 8 a 10 massas cônicas de tecido, denominadas
pirâmides renais. A base de cada pirâmide origina-se na borda entre o córtex e a medula e termina na papila, que se
projeta para dentro do espaço da pelve renal, uma continuação em forma de funil da extremidade superior do ureter.
A borda externa da pelve é dividida em bolsas abertas, denominadas cálices maiores, que se estendem para baixo e
se dividem em cálices menores, que coletam a urina dos túbulos de cada papila. As paredes dos cálices, da pelve e do
ureter contêm elementos contráteis que propulsionam a urina em direção à bexiga, onde a urina é armazenada até o
seu esvaziamento por meio da micção.
Figura 26.1 Organização geral dos rins e do sistema urinário.

O fluxo sanguíneo renal constitui cerca de 22% do débito cardíaco. Normalmente, o fluxo sanguíneo
para os dois rins corresponde a cerca de 22% do débito cardíaco, ou 1.100 ml/min. O sangue flui para cada rim
através de uma artéria renal, que se ramifica progressivamente para formar as artérias interlobares, artérias
arqueadas, artérias interlobulares e arteríolas aferentes, que levam aos capilares glomerulares, onde começa a
filtração dos líquidos e dos solutos (ver Figura 26.2). Os capilares de cada glomérulo coalescem para formar uma
arteríola eferente, que leva a uma segunda rede de capilares, os capilares peritubulares, que circundam os túbulos.
Os capilares peritubulares deságuam nos vasos do sistema venoso, que correm em paralelo aos vasos arteriolares e
progressivamente formam a veia interlobular, veia arqueada, veia interlobar e veia renal. A veia renal deixa o rim
juntamente à artéria renal e ao ureter. Os vasos retos são capilares peritubulares especializados que mergulham
dentro da medula renal e seguem um trajeto paralelo às alças de Henle. A porção externa do rim, o córtex renal,
recebe a maior parte do fluxo sanguíneo do rim; apenas 1 a 2% do fluxo sanguíneo renal total passa pelos vasos
retos, que suprem a medula renal.
A circulação renal tem duas características distintas: (1) a alta taxa de fluxo sanguíneo; e (2) a presença de dois
leitos capilares – os capilares glomerulares e peritubulares –, que estão dispostos em série e separados por arteríolas
eferentes. Os capilares glomerulares filtram grandes quantidades de líquido e de solutos, cuja maior parte é
reabsorvida a partir dos túbulos renais para os capilares peritubulares.
O néfron é a unidade funcional do rim. Cada rim tem cerca de 800 mil a 1 milhão de néfrons, cada um dos
quais com capacidade de formar urina. Cada néfron é composto de: (1) uma rede de capilares glomerulares,
denominada glomérulo, no qual são filtradas grandes quantidades de líquido a partir do sangue; (2) uma cápsula que
envolve o glomérulo, denominada cápsula de Bowman; e (3) um longo túbulo, no qual o líquido filtrado é convertido
em urina em seu trajeto até a pelve renal, que recebe a urina de todos os néfrons.
O túbulo renal é subdividido nos seguintes segmentos principais, cada um dos quais com diferentes
características estruturais e funcionais: (1) o túbulo contorcido proximal, que está situado na porção externa do rim
(córtex); (2) a alça de Henle, que inclui os ramos descendente e ascendente que penetram a parte interna do rim
(medula); o (3) túbulo contorcido distal, que está localizado no córtex renal; e (4) o túbulo conector, o túbulo coletor
cortical e o ducto coletor cortical, que começam no córtex e seguem o seu percurso para baixo na medula para
formar (5) o ducto coletor medular. A urina passa da pelve renal para a bexiga, onde é armazenada até ser finalmente
expelida do corpo por meio do processo da micção.

MICÇÃO

A micção, processo por meio do qual a bexiga urinária é esvaziada quando se torna repleta, envolve duas etapas
principais: (1) o enchimento progressivo da bexiga até a tensão de suas paredes ultrapassar um nível limiar, o que
desencadeia a segunda etapa, que consiste na (2) ativação de um reflexo nervoso, denominado reflexo de micção, que
esvazia a bexiga ou, caso isso não ocorra, pelo menos produz um desejo consciente de urinar.
Figura 26.2 (Parte superior) Seção do rim humano, mostrando os principais vasos
que fornecem o fluxo de sangue ao rim. (Parte inferior) A microcirculação de cada
néfron.

Anatomia fisiológica e conexões nervosas da bexiga


Os ureteres transportam a urina da pelve renal até a bexiga, onde passam obliquamente através da parede da bexiga,
antes de desaguar dentro da câmara da bexiga. Não ocorrem mudanças importantes na composição da urina à medida
que ela flui pelos ureteres até a bexiga. As contrações peristálticas do ureter, intensificadas por estimulação
parassimpática, forçam a urina da pelve renal para a bexiga.
A bexiga urinária é uma câmara de músculo liso, composta de duas partes principais: (1) o corpo, que constitui a
principal porção da bexiga e coleta a urina; e (2) o colo da bexiga, uma extensão do corpo da bexiga em forma de
funil que se conecta com a uretra.
O músculo liso da bexiga é denominado músculo detrusor. Quando ocorre a contração das fibras, elas podem
aumentar a pressão da bexiga para 40 a 60 mmHg; portanto, elas desempenham um importante papel no
esvaziamento da bexiga.
O colo da bexiga (parte posterior da uretra) é composto pelo músculo detrusor entrelaçado com uma grande
quantidade de tecido elástico. Nessa área, o músculo é denominado esfíncter interno; o seu tônus natural impede o
esvaziamento da bexiga até que a pressão em sua parte proximal aumente acima de um limiar crítico.
Após a uretra posterior, a uretra passa através do diafragma urogenital, que contém uma camada de músculo
denominada esfíncter externo da bexiga. Trata-se de um músculo esquelético voluntário, que pode ser utilizado de
maneira consciente para impedir a micção, mesmo quando os controles involuntários procuram esvaziar a bexiga.
Os nervos pélvicos fornecem o principal suprimento nervoso da bexiga. As fibras nervosas sensitivas
e as fibras nervosas motoras seguem o seu curso através dos nervos pélvicos, que se conectam com a medula
espinhal por meio do plexo sacral. As fibras nervosas sensitivas detectam o estiramento da parede da bexiga e
iniciam reflexos que provocam o esvaziamento da bexiga. Os nervos motores transmitidos para os nervos pélvicos
são fibras parassimpáticas.

O reflexo da micção é um reflexo da medula espinhal


O reflexo da micção é um ciclo completo único de: (1) aumento progressivo e rápido da pressão da bexiga; (2)
aumento sustentado da pressão da bexiga; e (3) retorno da pressão ao tônus basal da bexiga da seguinte maneira:

Os sinais sensitivos dos receptores de estiramento da parede da bexiga são conduzidos até os segmentos sacrais da
medula espinhal por meio dos nervos pélvicos e, em seguida, retornam de modo reflexivo à bexiga através dos
nervos parassimpáticos, por meio dos nervos pélvicos
Quando o reflexo de micção é forte o suficiente, ele provoca outro reflexo, que passa pelos nervos pudendos para o
esfíncter externo, de modo a inibi-lo. Se essa inibição for mais potente do que os sinais constritores voluntários para
o esfíncter externo, ocorre micção
O reflexo da micção é um reflexo autonômico da medula espinhal, porém ele pode ser inibido ou facilitado por
centros no tronco encefálico, principalmente a ponte, e por vários centros no córtex cerebral, que são principalmente
excitatórios, mas também podem se tornar inibitórios.

A FORMAÇÃO DA URINA RESULTA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR, REABSORÇÃO TUBULAR E


SECREÇÃO TUBULAR

A primeira etapa da formação da urina é a filtração do líquido dos capilares glomerulares para os túbulos renais. À
medida que o filtrado glomerular passa pelos túbulos, o seu volume é reduzido, e a sua composição é alterada por
reabsorção tubular (retorno de água e de solutos dos túbulos de volta ao sangue) e por secreção tubular (o movimento
efetivo de água e de solutos nos túbulos), cada uma das quais é altamente variável, dependendo das necessidades do
corpo. Assim, a excreção de diferentes substâncias na urina envolve combinações específicas de filtração, reabsorção
e secreção, conforme expresso pela seguinte relação:
Em geral, a reabsorção tubular é quantitativamente mais importante do que a secreção tubular para a formação da
urina, porém a secreção é importante na determinação das taxas de excreção de íons potássio e hidrogênio e algumas
outras substâncias. Os produtos de degradação metabólitos que precisam ser eliminados do sangue, como ureia,
creatinina, ácido úrico e uratos, são pouco reabsorvidos e, portanto, são excretados em grandes quantidades na urina.
Certas substâncias estranhas e fármacos também são pouco reabsorvidos e são secretados do sangue para dentro dos
túbulos, de modo que suas taxas de excreção são elevadas. Em contrapartida, os eletrólitos, como íons sódio, cloreto
e bicarbonato, são altamente reabsorvidos, de modo que apenas pequenas quantidades aparecem na urina. Certas
substâncias nutricionais, como os aminoácidos e a glicose, sofrem reabsorção completa a partir dos túbulos e, em
geral, não aparecem na urina, mesmo quando grandes quantidades são filtradas pelos capilares glomerulares.
Cada um desses processos é controlado fisiologicamente; contudo, podem ocorrer alterações nas taxas de
excreção de diversas substâncias por meio de alterações na filtração glomerular, na reabsorção tubular ou na secreção
tubular, conforme discutido nos Capítulos 27 e 28.
CAPÍTULO 27

Filtração Glomerular, Fluxo Sanguíneo Renal e seus Respectivos Controles

O primeiro passo para a formação de urina é a filtração de grandes quantidades de líquido e de solutos através dos
capilares glomerulares; diariamente, são filtrados quase 180 l de líquidos. A maior parte desse filtrado é reabsorvida,
deixando apenas cerca de 1 l de líquido a ser excretado a cada dia, embora a taxa de excreção renal seja altamente
variável, dependendo da ingestão de líquido.
Composição do filtrado glomerular. A composição do filtrado glomerular é quase idêntica à do plasma,
exceto que, normalmente, não tem quase nenhuma proteína (apenas cerca de 0,03%). A taxa de filtração glomerular
(TFG) é normalmente de cerca de 125 ml/min ou cerca de 20% do fluxo plasmático renal; assim, a fração do fluxo
plasmático renal que é filtrada (fração de filtração) alcança, em média, cerca de 0,2.

DETERMINANTES DA TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR

A TFG é determinada pela pressão de filtração efetiva através dos capilares glomerulares e pelo coeficiente de
filtração dos capilares glomerulares (Kf), que é o produto da permeabilidade pela área de superfície dos capilares:

TFG = Kf × Pressão de filtração efetiva

A pressão de filtração efetiva é a soma das forças hidrostática e coloidosmótica que atuam através dos capilares
glomerulares, que inclui: (1) a pressão hidrostática no interior dos capilares – isto é, a pressão hidrostática glomerular
(PG), que normalmente é de cerca de 60 mmHg e promove a filtração; (2) a pressão hidrostática na cápsula de
Bowman, fora dos capilares (PB), que normalmente é de 18 mmHg e se opõe à filtração; (3) a pressão coloidosmótica
das proteínas plasmáticas dos capilares glomerulares (πG), que, em média, é de 32 mmHg e se opõe à filtração; e (4)
a pressão coloidosmótica das proteínas na cápsula de Bowman (πB), que é próxima a zero e, portanto, tem pouco
efeito sobre a filtração em condições normais.

Pressão de filtração efetiva = PG – PB – πG = 10 mmHg

TFG = Kf × (PG – PB – πG) = 125 ml/min

A diminuição do coeficiente de filtração dos capilares glomerulares (Kf) reduz a taxa de filtração
glomerular. Embora a ocorrência de alterações no Kf tenha um efeito proporcional sobre a TFG, esse não é o
mecanismo principal para o controle fisiológico da TFG. Todavia, em algumas doenças, como a hipertensão e o
diabetes melito não controlados, a TFG é reduzida, devido ao aumento da espessura da membrana dos capilares
glomerulares, ou devido ao dano grave aos capilares e à perda da área de superfície de filtração glomerular, ambos os
quais reduzem o Kf.
O aumento da pressão da cápsula de Bowman reduz a taxa de filtração glomerular. As alterações
da pressão da cápsula de Bowman normalmente não controlam a TFG; todavia, em certos estados patológicos, como
a obstrução do trato urinário, a pressão na cápsula de Bowman pode aumentar e alcançar um nível elevado, a ponto
de a TFG
estar reduzida. Por exemplo, a precipitação de cálcio ou de ácido úrico pode levar à formação de cálculos, que se
alojam no trato urinário, frequentemente no ureter, com consequente obstrução do fluxo urinário e aumento da
pressão na cápsula de Bowman.
O aumento da pressão coloidosmótica capilar glomerular reduz a taxa de filtração glomerular. Os
dois fatores que influenciam a pressão coloidosmótica capilar glomerular são: (1) a pressão coloidosmótica arterial; e
(2) a fração do plasma filtrado pelos capilares glomerulares (fração de filtração). A ocorrência de aumento da
pressão coloidosmótica arterial ou da fração de filtração aumenta a pressão coloidosmótica capilar glomerular. Em
contrapartida, a diminuição da pressão coloidosmótica plasmática arterial ou da fração de filtração reduz a pressão
coloidosmótica glomerular. Como a fração de filtração consiste na razão TFG/fluxo plasmático renal, a ocorrência de
diminuição do fluxo plasmático renal aumenta a fração de filtração. Por conseguinte, mesmo com uma pressão
hidrostática glomerular constante, a diminuição do fluxo sanguíneo renal tende a aumentar a pressão coloidosmótica
glomerular e a reduzir a TFG.
O aumento da pressão hidrostática do capilar glomerular eleva a taxa de filtração glomerular. A
pressão hidrostática glomerular é determinada por três variáveis, cada uma das quais é regulada fisiologicamente:

Pressão arterial. A elevação da pressão arterial tende a aumentar a pressão hidrostática glomerular e a TFG.
Entretanto, esse efeito normalmente é amortecido pela autorregulação, que minimiza o efeito da pressão arterial
sobre a pressão hidrostática glomerular
Resistência arteriolar aferente. O aumento da resistência das arteríolas aferentes reduz a pressão hidrostática
glomerular e a TFG (Figura 27.1)
Resistência arteriolar eferente. O aumento da resistência arteriolar eferente eleva a resistência ao fluxo de saída dos
capilares glomerulares e aumenta a pressão hidrostática glomerular, o que tende a elevar a TFG, contanto que a
elevação da resistência eferente não reduza em grau acentuado o fluxo sanguíneo renal (ver Figura 27.1). Em caso de
grave constrição eferente (p. ex., um aumento de mais de três a quatro vezes na resistência), a acentuada diminuição
do fluxo sanguíneo renal mais do que compensa o aumento da pressão hidrostática glomerular e reduz a TFG.

FLUXO SANGUÍNEO RENAL

Embora os dois rins constituam apenas cerca de 0,4% do peso corporal total, eles recebem um fluxo sanguíneo
combinado de cerca de 1.100 ml/min ou cerca de 22% do débito cardíaco. Um importante propósito desse fluxo
elevado é fornecer plasma suficiente para as altas taxas de filtração glomerular que são necessárias para a regulação
precisa dos volumes de líquidos corporais e das concentrações de solutos. Portanto, os mecanismos que regulam o
fluxo sanguíneo renal estão estreitamente ligados aos que controlam a TFG e a excreção renal.
O fluxo sanguíneo renal é determinado pelo gradiente de pressão através da vasculatura renal e pela resistência
vascular renal total, conforme expresso pela seguinte relação:

A resistência vascular renal total é a soma das resistências dos segmentos vasculares individuais, incluindo as
artérias, as arteríolas, os capilares e as veias. A maior parte da resistência vascular renal reside em três segmentos
principais: as artérias interlobulares, as arteríolas aferentes e as arteríolas eferentes.
Figura 27.1 Efeito da alteração da resistência arteriolar aferente ou da resistência
arteriolar eferente sobre a taxa de filtração glomerular e o fluxo sanguíneo renal.

CONTROLE FISIOLÓGICO DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR E FLUXO SANGUÍNEO RENAL

Os determinantes da TFG que são mais variáveis e mais sujeitos ao controle fisiológico incluem a pressão
hidrostática glomerular e a pressão coloidosmótica dos capilares glomerulares. Por sua vez, essas pressões são
influenciadas pelo sistema nervoso simpático, por hormônios, por autacoides (substâncias vasoativas liberadas nos
rins) e por outros mecanismos de controle por feedback (retroalimentação) intrarrenais.
A ativação intensa do sistema nervoso simpático reduz a taxa de filtração glomerular. A ativação
intensa do sistema nervoso simpático provoca a constrição das arteríolas renais e diminui o fluxo sanguíneo renal e a
TFG. Esse efeito é mais importante na redução da TFG durante distúrbios agudos e graves, como aqueles induzidos
pela reação de defesa, isquemia cerebral ou hemorragia grave.
Controle hormonal e parácrino da circulação renal. Vários hormônios e autacoides também podem
influenciar a TFG e o fluxo sanguíneo renal:

A noradrenalina e a adrenalina, que são liberadas pela medula adrenal, causam constrição das arteríolas aferentes e
eferentes e diminuem a TFG e o fluxo sanguíneo renal
A endotelina, um peptídeo liberado pelas células endoteliais vasculares danificadas dos rins e de outros tecidos,
causa a constrição das arteríolas renais e diminui a TFG e o fluxo sanguíneo renal
A angiotensina II causa a constrição das arteríolas eferentes em maior grau do que as arteríolas aferentes e, portanto,
tende a aumentar a pressão hidrostática glomerular, enquanto diminui o fluxo sanguíneo renal. O aumento da
formação de angiotensina II geralmente ocorre com a redução da pressão arterial ou a depleção de volume, ambas as
quais tendem a reduzir a TFG. Nessas circunstâncias, o aumento dos níveis de angiotensina II ajuda a evitar reduções
da TFG por meio de constrição das arteríolas eferentes
O óxido nítrico derivado do endotélio diminui a resistência vascular renal e aumenta a TFG e o fluxo sanguíneo
renal. Esse autacoide liberado das células endoteliais vasculares em todo o corpo é importante para a prevenção da
vasoconstrição excessiva dos rins
As prostaglandinas (particularmente as prostaglandinas E2 e I2) atenuam os efeitos vasoconstritores renais dos
nervos simpáticos ou da angiotensina II, particularmente os efeitos sobre as arteríolas aferentes. O bloqueio da
síntese de prostaglandinas (p. ex., com ácido acetilsalicílico e anti-inflamatórios não esteroides) pode, portanto,
causar reduções significativas da TFG e do fluxo sanguíneo renal, particularmente em pacientes com redução do
volume de líquido extracelular em consequência de vômitos, diarreia, desidratação ou terapia com diuréticos.

AUTORREGULAÇÃO DA TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR E FLUXO SANGUÍNEO RENAL

Nos rins normais, a ocorrência de uma queda da pressão arterial para 75 mmHg ou de uma elevação até 160 mmHg
modifica a TFG em apenas alguns pontos percentuais; essa relativa constância da TFG e do fluxo sanguíneo renal é
denominada autorregulação. Embora a autorregulação da TFG e do fluxo sanguíneo renal não seja perfeita, ela evita
grandes alterações da TFG e, portanto, da excreção renal de água e de solutos, que, de outro modo, ocorreriam com
alterações da pressão arterial.
Feedback tubuloglomerular e autorregulação da taxa de filtração glomerular. O feedback
tubuloglomerular tem duas partes – um mecanismo arteriolar aferente e um mecanismo arteriolar eferente –, ambas
as quais dependem do arranjo anatômico especial do complexo justaglomerular. O complexo justaglomerular
consiste em células da mácula densa na porção inicial do túbulo distal e em células justaglomerulares nas paredes
das arteríolas aferentes e eferentes. Quando ocorre a redução da pressão arterial, o fornecimento de cloreto de sódio
diminui para as células da mácula densa, que são capazes de detectar essa mudança. Por sua vez, a diminuição da
concentração de cloreto de sódio na mácula densa produz dois efeitos principais: (1) diminuição da resistência das
arteríolas aferentes, o que aumenta a pressão hidrostática glomerular e a TFG para níveis normais; e (2) aumento da
liberação de renina pelas células justaglomerulares das arteríolas aferentes e eferentes, o que provoca o aumento da
formação de angiotensina II. Em seguida, a angiotensina II aumenta a pressão arterial, comprime as arteríolas
eferentes e eleva a pressão hidrostática glomerular e a TFG para níveis normais.
Autorregulação miogênica do fluxo sanguíneo renal e taxa de filtração glomerular. Esse mecanismo
refere-se à capacidade intrínseca dos vasos sanguíneos de sofrerem contração quando ocorre a elevação da pressão
arterial. A contração evita o estiramento excessivo dos vasos e, ao aumentar a resistência vascular, ajuda a prevenir
aumentos exagerados do fluxo sanguíneo renal e da TFG quando a pressão arterial se eleva. Em contrapartida,
quando ocorre a redução da pressão arterial, o mecanismo miogênico diminui a resistência vascular.

Outros fatores que influenciam o fluxo sanguíneo renal e a taxa de filtração glomerular

Uma dieta rica em proteínas aumenta a TFG e o fluxo sanguíneo renal, em parte pela estimulação do crescimento
dos rins e pela redução da resistência vascular renal. O feedback tubuloglomerular também contribui para o efeito da
dieta rica em proteínas para elevar a TFG. Uma refeição rica em proteínas aumenta a liberação de aminoácidos no
sangue, que são reabsorvidos no túbulo proximal por meio de cotransporte com sódio. Isso desencadeia o aumento da
reabsorção tubular proximal de aminoácidos e sódio, a diminuição da liberação de cloreto de sódio na mácula densa,
a redução da resistência arteriolar aferente e o aumento da TFG
A hiperglicemia, que ocorre no diabetes melito não controlado, também aumenta o fluxo sanguíneo renal e a TFG
por meio de feedback tubuloglomerular, visto que a glicose, à semelhança dos aminoácidos, é cotransportada com
sódio no túbulo proximal
Os glicocorticoides aumentam o fluxo sanguíneo renal e a TFG ao reduzirem a resistência vascular renal
A febre aumenta o fluxo sanguíneo renal e a TFG ao reduzir a resistência vascular renal
O envelhecimento diminui o fluxo sanguíneo renal e a TFG principalmente devido à redução do número de néfrons
funcionais; o fluxo sanguíneo renal e a TFG geralmente diminuem cerca de 10% durante cada década de vida após os
40 anos.
CAPÍTULO 28

Reabsorção e Secreção Tubulares Renais

Após a sua entrada nos túbulos renais, o filtrado glomerular flui de maneira sequencial através dos túbulos proximais,
das alças de Henle, dos túbulos distais, dos túbulos coletores e dos ductos coletores antes de ser excretado como
urina. Ao longo desse trajeto, algumas substâncias são reabsorvidas a partir dos túbulos para o sangue capilar
peritubular, ao passo que outras são secretadas do sangue para os túbulos. A urina que é formada e todas as
substâncias na urina representam a soma de três processos renais básicos.

Excreção urinária = Filtração glomerular – Reabsorção tubular + Secreção tubular

SECREÇÃO TUBULAR: O MOVIMENTO EFETIVO DE SOLUTOS DOS CAPILARES PERITUBULARES


PARA DENTRO DOS TÚBULOS

Algumas substâncias entram nos túbulos não apenas por filtração glomerular, mas também por secreção dos capilares
peritubulares para dentro dos túbulos por meio de duas etapas: (1) difusão simples da substância dos capilares
peritubulares para o interstício renal; e (2) movimento da substância através do epitélio tubular para o lúmen por
transporte ativo ou passivo. As substâncias que são secretadas ativamente nos túbulos incluem íons potássio e
hidrogênio, bem como certos ácidos orgânicos, bases orgânicas e algumas outras substâncias que aparecem na urina.

REABSORÇÃO DE SOLUTOS E DE ÁGUA DOS TÚBULOS PARA OS CAPILARES PERITUBULARES

Para que uma substância seja reabsorvida, ela precisa primeiro ser transportada através da membrana epitelial tubular
renal para o líquido intersticial e, em seguida, através da membrana capilar peritubular para o sangue. Os solutos
podem ser transportados através das membranas celulares (via transcelular) por transporte ativo ou passivo ou
através de espaços juncionais entre as células (via paracelular) por transporte passivo. A água é transportada através
e entre as células epiteliais por osmose.
Após a sua absorção no líquido intersticial renal, a água e os solutos são transportados através das paredes dos
capilares peritubulares por ultrafiltração (fluxo em massa), um processo que é mediado por forças hidrostáticas e
coloidosmóticas. Diferentemente dos capilares glomerulares, que filtram grandes quantidades de líquido e de solutos,
os capilares peritubulares têm uma grande força de reabsorção, que rapidamente move o líquido e os solutos do
interstício renal para o sangue.
As taxas de reabsorção de substâncias são seletivas e altamente variáveis. Algumas substâncias
filtradas, como a glicose e os aminoácidos, sofrem reabsorção quase completa pelos túbulos, de modo que a taxa de
excreção urinária é essencialmente zero (Tabela 28.1).
Os íons presentes no plasma, como sódio, cloreto e bicarbonato, também são, em sua maioria, altamente
reabsorvidos dos túbulos, porém as suas taxas de reabsorção e de excreção urinária variam, dependendo das
necessidades do corpo. Os produtos de degradação do metabolismo, como a ureia e a creatinina, são mal
reabsorvidos e são excretados em quantidades relativamente grandes. A reabsorção tubular é altamente seletiva, o
que permite aos rins regular a excreção das substâncias de forma independente umas das outras.

Tabela 28.1Taxas de filtração, de reabsorção e de excreção de diversas substâncias pelos rins.


Substância Quantidade Quantidade Quantidade % de carga filtrada
filtrada reabsorvida excretada reabsorvida
Glicose (g/dia) 180 180 0 100
Bicarbonato 4.320 4.318 2 > 99,9
(mEq/dia)
Sódio (mEq/dia) 25.560 25.410 150 99,4
Cloreto 19.440 19.260 180 99,1
(mEq/dia)
Ureia (g/dia) 46,8 23,4 23,4 50
Creatinina 1,8 0 1,8 0
(g/dia)

O transporte ativo necessita de energia e pode mover solutos contra um gradiente


eletroquímico. O transporte diretamente acoplado a uma fonte de energia, como a hidrólise do trifosfato de
adenosina (ATP), é denominado transporte ativo primário. Um exemplo é a bomba de sódio‑potássio adenosina
trifosfatase (ATPase), que desempenha um importante papel na reabsorção de íons sódio em muitas partes do néfron.
As membranas basolaterais das células epiteliais tubulares apresentam um extenso sistema de sódio-potássio
ATPase, que hidrolisa o ATP e utiliza a energia liberada para o transporte de íons sódio para fora da célula dentro do
interstício renal. Ao mesmo tempo, o potássio é transportado do interstício para o interior da célula. Esse
bombeamento de sódio para fora da célula, através da membrana basolateral, favorece a difusão passiva do sódio
para o interior da célula através da membrana luminal (o lado voltado para o lúmen tubular) e a difusão passiva do
potássio para fora da célula, dentro do lúmen tubular.
Certas partes do néfron têm mecanismos adicionais para movimentar grandes quantidades de sódio no interior da
célula. Nos túbulos proximais, uma extensa borda em escova no lado luminal da membrana multiplica a superfície 20
vezes. Além disso, há proteínas carreadoras de sódio, que se ligam aos íons sódio na superfície luminal da
membrana e os liberam no interior da célula, proporcionando a difusão facilitada de sódio através da membrana para
dentro da célula. Essas proteínas carreadoras de sódio também são importantes para o transporte ativo secundário de
outras substâncias, como a glicose e os aminoácidos.
A reabsorção ativa secundária de glicose e de aminoácidos ocorre através da membrana tubular
renal. Durante o transporte ativo secundário, duas ou mais substâncias interagem com uma proteína de membrana
específica e são cotransportadas juntas através da membrana. Como uma das substâncias (p. ex., sódio) difunde-se a
favor de seu gradiente eletroquímico, a energia liberada é utilizada para conduzir a outra substância (p. ex., glicose)
contra o seu gradiente eletroquímico. O transporte ativo secundário não necessita de energia diretamente do ATP ou
de outras fontes de fosfato de alta energia; com efeito, a fonte de energia é aquela liberada pela difusão facilitada
simultânea de outra substância transportada a favor de seu gradiente eletroquímico.
Transporte máximo de substâncias que são reabsorvidas ativamente. Muitos dos nutrientes, como a
glicose e os aminoácidos, são reabsorvidos por meio de transporte ativo secundário com o sódio. Na maioria dos
casos, a reabsorção dessas substâncias apresenta um transporte máximo, que se refere à sua taxa máxima de
absorção. Quando a carga filtrada dessas substâncias ultrapassa o transporte máximo, a quantidade em excesso é
excretada. O limiar é a carga tubular em que o transporte máximo é ultrapassado em um ou mais néfrons, resultando
no aparecimento desse soluto na urina. Em geral, o limiar ocorre com uma carga tubular ligeiramente mais baixa do
que o transporte máximo, visto que nem todos os néfrons apresentam o mesmo transporte máximo, e alguns néfrons
excretam a glicose antes que outros tenham alcançado o seu transporte máximo.
Reabsorção passiva de água por osmose associada principalmente à reabsorção de sódio.
Quando os solutos são transportados para fora do túbulo por transporte ativo primário ou secundário, as suas
concentrações diminuem no túbulo e aumentam no interstício. Esse efeito cria uma diferença de concentração, que
provoca a osmose da água na mesma direção em que os solutos são transportados – do lúmen tubular para o
interstício. Algumas partes do túbulo renal, em particular os túbulos proximais, são altamente permeáveis à água, e a
reabsorção ocorre tão rapidamente que existe apenas um pequeno gradiente de concentração através da membrana.
Entretanto, no segmento ascendente da alça de Henle, a permeabilidade à água é sempre baixa, de modo que quase
nenhuma água é reabsorvida, apesar do alto gradiente osmótico. Nos túbulos distais, túbulos coletores e ductos
coletores, a permeabilidade à água depende da presença ou da ausência do hormônio antidiurético (ADH). Na
presença de ADH, esses segmentos do túbulo renal são altamente permeáveis à água. Uma grande parte do fluxo
osmótico de água nos túbulos renais ocorre através de canais de água (aquaporinas) nas membranas celulares. Nos
túbulos distais, túbulos coletores e ductos coletores, a inserção de aquaporinas na membrana celular é regulada pelo
ADH.
Alguns solutos são reabsorvidos por difusão passiva. Quando o sódio, um íon positivo, é reabsorvido
através da célula tubular, íons negativos, como o cloreto, também tendem a sofrer difusão passiva pela via
paracelular (entre as células). Além disso, ocorre a reabsorção adicional de cloreto, devido a um gradiente de
concentração que se desenvolve quando a água é reabsorvida do túbulo por osmose, concentrando, assim, os íons
cloreto no lúmen tubular.
As substâncias sem carga, como a ureia, também sofrem reabsorção passiva a partir do túbulo, visto que a
reabsorção osmótica de água tende a concentrar esses solutos no lúmen tubular, favorecendo a sua difusão para o
interstício renal. A ureia e muitos outros produtos de degradação não permeiam o túbulo quase tão rapidamente
quanto a água, o que possibilita a excreção de grandes quantidades dessas substâncias na urina.

REABSORÇÃO E SECREÇÃO AO LONGO DAS DIFERENTES PARTES DO NÉFRON

Os túbulos proximais têm alta capacidade de reabsorção ativa e passiva. Cerca de 65% da carga
filtrada de água, sódio, cloreto, potássio e vários outros eletrólitos é reabsorvida nos túbulos proximais. Por
conseguinte, uma importante função dos túbulos proximais é conservar substâncias que são necessárias para o corpo,
como glicose, aminoácidos, proteínas, água e eletrólitos. Em contrapartida, os túbulos proximais não são tão
permeáveis a produtos de degradação do corpo e reabsorvem uma porcentagem muito menor da carga filtrada de
substâncias. O túbulo proximal também constitui um importante local para a secreção de grandes quantidades de íons
hidrogênio e ácidos e bases orgânicos.
A alça de Henle é composta por três segmentos de função distinta: o segmento descendente
delgado, o segmento ascendente delgado e o segmento ascendente espesso. A alça de Henle penetra a
medula renal e desempenha um importante papel, possibilitando a formação de urina concentrada pelo rim. A alça de
Henle descendente delgada é altamente permeável à água, que sofre rápida reabsorção do líquido tubular para o
interstício hiperosmótico (a osmolaridade aumenta para 1.200 a 1.400 mOsm/l na medula renal interna);
aproximadamente 20% do volume do filtrado glomerular é reabsorvido no segmento descendente delgado da alça de
Henle, tornando o líquido tubular hiperosmótico à medida que se move para a medula renal interna.
Nos segmentos delgado e espesso da alça de Henle ascendente, a permeabilidade à água é praticamente zero,
porém ocorre a reabsorção de grandes quantidades de sódio, cloreto e potássio, o que torna o líquido tubular diluído
(hipotônico) à medida que ele se move de volta ao córtex. Ao mesmo tempo, o transporte ativo de cloreto de sódio
para fora do segmento ascendente espesso da alça de Henle para o interstício produz uma alta concentração desses
íons no líquido intersticial da medula renal.
A reabsorção de cloreto de sódio na alça de Henle está estreitamente ligada à atividade da bomba de sódio-
potássio ATPase na membrana basolateral. Além disso, o cloreto de sódio é rapidamente transportado através da
membrana luminal pelo cotransportador de 1 sódio, 2 cloretos, 1 potássio. Cerca de 25% das cargas filtradas de
sódio, cloreto e potássio são reabsorvidos na alça de Henle, principalmente no ramo ascendente espesso. Ocorre
também a reabsorção de quantidades consideráveis de outros íons, como cálcio, bicarbonato e magnésio, no
segmento ascendente espesso da alça de Henle.
O ramo ascendente espesso da alça de Henle constitui o local de ação dos potentes diuréticos de alça, como a
furosemida, o ácido etacrínico e a bumetanida, que inibem o cotransportador de 1 sódio, 2 cloretos, 1 potássio.
O túbulo distal inicial dilui o líquido tubular. O segmento espesso do ramo ascendente deságua no túbulo
distal. A primeira parte do túbulo distal forma parte do complexo justaglomerular, que fornece um controle por
feedback da taxa de filtração glomerular (TFG) e do fluxo sanguíneo no mesmo néfron, conforme descrito no
Capítulo 27. A próxima parte inicial do túbulo distal tem muitas características similares às da alça de Henle
ascendente e reabsorve avidamente a maioria dos íons; entretanto, é praticamente impermeável à água e à ureia. Por
esse motivo, é denominada segmento diluidor; além disso, dilui o líquido tubular. O líquido que deixa essa parte do
néfron apresenta, em geral, osmolaridade de apenas cerca de 100 mOsm/l.
Um cotransportador de cloreto de sódio movimenta o cloreto de sódio do lúmen para o interior das células
epiteliais do túbulo distal inicial. Os diuréticos tiazídicos, que são utilizados no tratamento de distúrbios como a
hipertensão e a insuficiência cardíaca, inibem o cotransportador de cloreto de sódio.
O túbulo distal final e o túbulo coletor cortical apresentam características funcionais
semelhantes. Os túbulos distais e os túbulos coletores corticais têm dois tipos principais e distintos de células: as
células principais, que reabsorvem o sódio e a água do lúmen e secretam potássio para o lúmen, e as células
intercalares, que podem reabsorver íons potássio e secretar íons hidrogênio no lúmen tubular.
As membranas tubulares de ambos os segmentos são quase totalmente impermeáveis à ureia, e a sua
permeabilidade à água é controlada pela concentração de ADH. Na presença de níveis elevados de ADH, esses
segmentos são altamente permeáveis à água. A reabsorção de sódio e a secreção de potássio pelas células principais
são controladas pelo hormônio aldosterona. A secreção de íons hidrogênio pelas células intercalares desempenha um
importante papel na regulação do equilíbrio acidobásico dos líquidos corporais.
As células principais constituem importantes locais de ação dos diuréticos poupadores de potássio, incluindo a
espironolactona e a eplerenona (antagonistas dos efeitos da aldosterona no receptor de mineralocorticoides) e a
amilorida (um bloqueador dos canais de sódio).
Existem dois tipos de células intercalares, o tipo A e o tipo B. As células intercalares tipo A secretam íons
hidrogênio por um transportador de hidrogênio ATPase e por um transportador de hidrogênio-potássio ATPase, que
também reabsorve íons potássio. As células intercalares tipo A são particularmente importantes na eliminação de
íons hidrogênio e reabsorvem bicarbonato na acidose. As células intercalares tipo B desempenham funções opostas
àquelas das células tipo A e secretam bicarbonato no lúmen tubular, enquanto reabsorvem íons hidrogênio na
alcalose.
Os ductos coletores medulares são os locais finais para o processamento da urina. Embora os
ductos coletores medulares reabsorvam menos de 10% da água e do sódio filtrados, eles têm extrema importância
para a determinação do débito urinário final de água e de solutos. Algumas das características especiais desse
segmento tubular são as seguintes:

A sua permeabilidade à água é controlada pelo ADH; na presença de níveis elevados de ADH, ocorre a rápida
reabsorção de água, reduzindo, assim, o volume de urina e concentrando a maioria dos solutos na urina.
É altamente permeável à ureia, e os transportadores de ureia especiais facilitam a difusão da ureia através das
membranas luminal e basolateral. Esse processo permite que parte da ureia no túbulo seja absorvida no interstício
medular, além de ajudar a elevar a osmolaridade da medula renal, o que contribui para a capacidade geral dos rins de
formar urina concentrada.
Secreta íons hidrogênio contra um grande gradiente de concentração; desse modo, desempenha um papel
fundamental na regulação do equilíbrio acidobásico.

REGULAÇÃO DA REABSORÇÃO TUBULAR

Como é essencial manter um equilíbrio preciso entre a reabsorção tubular e a filtração glomerular, existem múltiplos
mecanismos nervosos, hormonais e locais de controle que regulam a taxa de reabsorção tubular, bem como a TFG.
Uma característica importante da reabsorção tubular é o fato de que a excreção de água e de solutos pode ser
regulada de forma independente, particularmente por meio de controle hormonal.
Balanço glomerulotubular: a taxa de reabsorção aumenta em resposta ao aumento da carga
tubular. Se houver o aumento da TFG, a taxa absoluta de reabsorção tubular aumentará aproximadamente na
proporção da elevação da TFG. Embora o balanço glomerulotubular ajude a evitar a sobrecarga das partes mais
distais do túbulo renal quando a TFG aumenta, ele não impede totalmente a ocorrência de mudanças na excreção
urinária. Por conseguinte, a autorregulação da TFG e o balanço glomerulotubular atuam em conjunto para prevenir
mudanças excessivas do fluxo de líquido nos túbulos distais quando existem distúrbios, como elevação da pressão
arterial, que, de outro modo, prejudicariam a homeostase do sódio e do volume.
Forças físicas dos capilares peritubulares e do líquido intersticial renal. À medida que o filtrado
glomerular passa pelos túbulos renais, mais de 99% da água e a maior parte dos solutos são reabsorvidos, em
primeiro lugar no interstício renal e, em seguida, nos capilares peritubulares. Do líquido que é normalmente filtrado
pelos capilares glomerulares (125 ml/min), cerca de 124 ml/min são reabsorvidos pelos capilares peritubulares.
A reabsorção através dos capilares peritubulares é regulada pelas pressões hidrostática e coloidosmótica, que
atuam através dos capilares, e pelo coeficiente de filtração capilar (Kf), como mostra a seguinte equação:

Reabsorção = Kf × (Pc – Pli – πc + πli)

em que Pc é a pressão hidrostática dos capilares peritubulares, Pli é a pressão hidrostática do líquido intersticial, πc é a
pressão coloidosmótica das proteínas plasmáticas dos capilares peritubulares e πli é a pressão coloidosmótica das
proteínas no interstício renal. Os dois principais determinantes da reabsorção através dos capilares peritubulares que
são diretamente influenciados por mudanças hemodinâmicas renais são as pressões hidrostática e coloidosmótica dos
capilares peritubulares. Por sua vez, a pressão hidrostática dos capilares peritubulares é influenciada: (1) pela pressão
arterial e (2) pela resistência das arteríolas aferentes e eferentes (Tabela 28.2).
A pressão coloidosmótica dos capilares peritubulares é influenciada (1) pela pressão coloidosmótica plasmática
sistêmica e (2) pela fração de filtração, que é definida pela relação TFG/fluxo plasmático renal. Quanto maior for a
fração de filtração, maior será a fração do plasma que é filtrada através dos capilares glomerulares e,
consequentemente, mais concentradas serão as proteínas que permanecem no plasma. Desse modo, o aumento da
fração de filtração tende a elevar a taxa de reabsorção dos capilares glomerulares.
O aumento da pressão arterial reduz a reabsorção tubular. Mesmo pequenos aumentos da pressão
arterial podem elevar as taxas de excreção urinária do sódio e da água, fenômenos denominados natriurese por
pressão e diurese por pressão, respectivamente. Existem pelo menos três mecanismos principais pelos quais o
aumento da pressão arterial aumenta a excreção urinária:

O aumento da pressão arterial provoca elevações discretas do fluxo sanguíneo renal e da TFG; nos rins normais, a
TFG e o fluxo sanguíneo renal geralmente mudam menos de 10% entre pressões arteriais de 75 e 160 mmHg, devido
aos mecanismos autorreguladores renais, discutidos no Capítulo 27.
O aumento da pressão arterial eleva a pressão hidrostática dos capilares peritubulares, particularmente nos vasos
retos da medula renal; por sua vez, isso diminui a reabsorção através dos capilares peritubulares, o que aumenta o
extravasamento de sódio de volta ao lúmen tubular, diminuindo, assim, a reabsorção efetiva de sódio e de água e
aumentando o débito urinário.
O aumento da pressão arterial diminui a formação de angiotensina II, o que reduz acentuadamente a reabsorção de
sódio pelos túbulos renais.

A aldosterona estimula a reabsorção renal de sódio e a secreção renal de potássio. A aldosterona,


que é secretada pelo córtex adrenal, atua sobre receptores de mineralocorticoides nas células principais do túbulo
coletor cortical para estimular a bomba de sódio-potássio ATPase, que aumenta a reabsorção de sódio do túbulo e a
secreção de potássio no túbulo. Na ausência de aldosterona, conforme observado na destruição ou no mau
funcionamento das glândulas adrenais (doença de Addison), ocorrem acentuada perda de sódio do corpo e acúmulo
de potássio. Em contrapartida, a secreção excessiva de aldosterona, como a que ocorre em pacientes com tumores
adrenais (síndrome de Conn), está associada à retenção de sódio e à depleção de potássio.

Tabela 28.2Fatores que podem influenciar a reabsorção nos capilares peritubulares.

↑ P → ↓ Reabsorção
c

↓R →↑P A c

↓R →↑P E c

↑ Pressão arterial → ↑ P c

↑ π → ↑ Reabsorção
c

↑π →↑π A c
↑ FF → ↑ π c

↑ Coeficiente de filtração capilar → ↑ Reabsorção


πc : pressão coloidosmótica dos capilares peritubulares; πA: pressão coloidosmótica do plasma sistêmico; FF : fração de filtração;
Pc : pressão hidrostática dos capilares peritubulares; RA e RE: resistências arteriolares aferente e eferente, respectivamente.

A angiotensina II aumenta a reabsorção de sódio e de água. A angiotensina II, que é o hormônio de


retenção de sódio mais potente do corpo, aumenta a reabsorção de sódio e de água por meio de três efeitos principais:

A angiotensina II estimula a secreção de aldosterona, que, por sua vez, aumenta a reabsorção de sódio.
A angiotensina II causa a constrição das arteríolas eferentes, o que reduz a pressão hidrostática dos capilares
peritubulares e aumenta a fração de filtração ao reduzir o fluxo sanguíneo renal. Ambos os efeitos tendem a aumentar
a força de reabsorção nos capilares peritubulares e a reabsorção tubular de sódio e de água.
A angiotensina II estimula diretamente a reabsorção de sódio na maioria dos segmentos tubulares.

Essas múltiplas ações da angiotensina II provocam uma acentuada retenção de sódio e de água pelos rins em
circunstâncias associadas a baixa pressão arterial, volume diminuído de líquido extracelular ou ambos, conforme
observado durante a hemorragia ou a perda de sal e de água dos líquidos corporais.
O hormônio antidiurético aumenta a reabsorção de água. O ADH, que é secretado pela neuro-hipófise,
aumenta a permeabilidade à água dos túbulos distais, túbulos coletores e ductos coletores. Em seguida, essas porções
do néfron reabsorvem a água avidamente e formam uma urina altamente concentrada. Esses efeitos ajudam o corpo a
conservar a água durante determinadas circunstâncias, como a desidratação, que estimula acentuadamente a secreção
de ADH. Na ausência de ADH, essas porções do néfron são praticamente impermeáveis à água, causando a excreção
de grandes quantidades de urina diluída pelos rins, condição denominada diabetes insípido.
O peptídeo atrial natriurético reduz a reabsorção de sódio e água. Células específicas dos átrios
cardíacos, quando distendidas em consequência da expansão do volume de plasma, secretam um peptídeo
denominado peptídeo atrial natriurético. Níveis mais elevados desse peptídeo inibem a reabsorção de sódio e de
água pelos túbulos renais, com consequente aumento da excreção de sódio e de água.
O paratormônio aumenta a reabsorção de cálcio e diminui a reabsorção de fosfato. O
paratormônio é um dos hormônios reguladores de cálcio e fosfato mais importantes do corpo. A sua principal função
nos rins consiste em aumentar a reabsorção de cálcio, particularmente nos túbulos distais e no túbulo conector, que
conecta os túbulos distais com o ducto coletor cortical. Outra ação do paratormônio consiste em inibir a reabsorção
de fosfato pelos túbulos proximais.
A ativação do sistema nervoso simpático aumenta a reabsorção de sódio. A ativação intensa do
sistema nervoso simpático causa a constrição das arteríolas aferentes e eferentes, diminuindo, assim, a TFG. Ao
mesmo tempo, a ativação simpática aumenta diretamente a reabsorção de sódio no túbulo proximal, na alça de Henle
ascendente e no túbulo distal, enquanto estimula a liberação de renina e a formação de angiotensina II.

UTILIZAÇÃO DE MÉTODOS DE CLEARANCE PARA QUANTIFICAR A FUNÇÃO RENAL

O clearance (depuração) renal é o volume de plasma que é completamente depurado de uma


substância a cada minuto. Para determinada substância X, o clearance renal é definido como a razão entre a taxa
de excreção da substância X e a sua concentração no plasma, como mostra a seguinte relação:

em que CX é o clearance renal em mililitros por minuto, UX × é a taxa de excreção da substância X (UX é a
concentração de X na urina, V é taxa de fluxo de urina em mililitros por minuto) e PX é a concentração plasmática de
X. Os clearances renais podem ser utilizados para quantificar diversos aspectos das funções do rim, incluindo as
taxas de filtração glomerular, de reabsorção tubular e de secreção tubular de várias substâncias.
O clearance renal da creatinina ou da inulina pode ser utilizado como estimativa da taxa de
filtração glomerular. A creatinina, um subproduto do metabolismo do músculo esquelético, é filtrada no
glomérulo, porém não é reabsorvida nem secretada de modo apreciável pelos túbulos; por conseguinte, todos os 125
ml de plasma que são filtrados nos túbulos a cada minuto (TFG) são depurados de creatinina. Isso indica que o
clearance da creatinina é aproximadamente igual à TFG. Por essa razão, o clearance da creatinina é utilizado com
frequência como índice da TFG. Uma medida ainda mais acurada da TFG é o clearance da inulina, um
polissacarídeo que não é reabsorvido nem secretado pelos túbulos renais.
O clearance do ácido paramino‑hipúrico pode ser utilizado para estimar o fluxo plasmático renal.
Algumas substâncias, como o ácido paramino-hipúrico (PAH), são filtradas livremente e não são reabsorvidas pelos
túbulos, mas sim secretadas dentro dos túbulos; por conseguinte, o clearance renal dessas substâncias é maior do que
a TFG. De fato, cerca de 90% do fluxo plasmático através do rim é completamente depurado do PAH, e o clearance
renal do PAH (CPAH) pode ser utilizado como estimativa do fluxo plasmático renal, de acordo com a seguinte
equação:

em que UPAH e PPAH são as concentrações urinária e plasmática do PAH, respectivamente, e é a taxa de fluxo
urinário.
A fração de filtração é determinada pela relação TFG/fluxo plasmático renal. Se o fluxo plasmático renal for de
650 ml/min e a TFG for de 125 ml/min, a fração de filtração será de 125/60, ou 0,19.
Cálculo da reabsorção ou secreção tubular a partir dos clearances renais. Para substâncias que são
completamente reabsorvidas a partir dos túbulos (p. ex., aminoácidos e glicose), a taxa de clearance é igual a zero,
visto que a taxa de secreção urinária é zero. Para substâncias que são altamente reabsorvidas (p. ex., sódio), a taxa de
clearance é geralmente inferior a 1% da TFG ou menos de 1 ml/min. Em geral, os produtos de degradação do
metabolismo, como a ureia, são pouco reabsorvidos e apresentam taxas de clearance relativamente altas.
A taxa de reabsorção tubular é calculada como a diferença entre a taxa de filtração da substância (TFG × PX) e a
taxa de excreção urinária (UX × ), da seguinte maneira:

Se a taxa de excreção de uma substância for maior do que a carga filtrada, a taxa em que ela aparece na urina
representa a soma da taxa de filtração glomerular mais a secreção tubular da substância; por conseguinte, a taxa de
secreção é a diferença entre a taxa de excreção urinária de uma substância e a taxa de sua filtração, conforme a
equação a seguir.
CAPÍTULO 29

Concentração e Diluição da Urina; Regulação da Osmolaridade e


Concentração de Sódio do Líquido Extracelular

Para que funcionem adequadamente, as células precisam estar banhadas em líquido extracelular com uma
concentração relativamente constante de eletrólitos e outros solutos. A concentração total de solutos no líquido
extracelular (e, portanto, a osmolaridade) é determinada pela quantidade de soluto dividida pelo volume de líquido
extracelular. Os solutos mais abundantes no líquido extracelular são o sódio e o cloreto. Por conseguinte, a
osmolaridade do líquido extracelular é determinada principalmente pelas quantidades de cloreto de sódio e de água
extracelulares, que são estabelecidas pelo equilíbrio entre o aporte e a excreção dessas substâncias.
Neste capítulo, serão discutidos os mecanismos que permitem ao rim excretar uma urina tanto diluída quanto
concentrada e, por conseguinte, regular a concentração e a osmolaridade do sódio no líquido extracelular. Além
disso, serão discutidos os mecanismos que governam a ingestão de líquidos.

OS RINS EXCRETAM O EXCESSO DE ÁGUA POR MEIO DA FORMAÇÃO DE URINA DILUÍDA

Quando há excesso de água no organismo e a osmolaridade do líquido extracelular está reduzida, os rins podem
excretar uma urina com osmolaridade baixa, de até 50 mOsm/l. Em contrapartida, quando o organismo apresenta um
déficit de água e a osmolaridade do líquido extracelular está aumentada, os rins podem excretar uma urina com alta
concentração, de até 1.200 a 1.400 mOsm/l. De forma igualmente importante, os rins podem excretar um grande
volume de urina diluída ou um pequeno volume de urina concentrada sem que haja uma grande alteração na taxa de
excreção de solutos.
O hormônio antidiurético controla a osmolaridade urinária. Quando a osmolaridade dos líquidos
corporais aumenta para acima do normal, a neuro-hipófise secreta mais hormônio antidiurético (ADH), o que
aumenta a permeabilidade dos túbulos distais e dos ductos coletores à água, provocando a reabsorção de quantidades
aumentadas de água e a diminuição do volume de urina, sem causar alteração acentuada na excreção renal de solutos.
Quando há excesso de água no organismo e a osmolaridade do líquido extracelular está reduzida, a secreção de
ADH diminui, reduzindo, assim, a permeabilidade dos túbulos distais e dos ductos coletores à água e causando a
excreção de quantidades aumentadas de urina diluída.
A urina diluída é causada pela diminuição do ADH e pela redução da reabsorção de água. Quando
ocorre a formação do filtrado glomerular, a sua osmolaridade é aproximadamente a mesma do plasma (300 mOsm/l).
À medida que o líquido flui através dos túbulos proximais, os solutos e a água são reabsorvidos em proporções
iguais, e ocorre pouca alteração da osmolaridade. À medida que o líquido flui pela alça de Henle descendente, a água
é reabsorvida, e o líquido tubular alcança um equilíbrio com o líquido intersticial circundante, que normalmente é
hipertônico (com osmolaridade elevada de até 1.200 a 1.400 mOsm/l). No ramo ascendente da alça de Henle,
particularmente no segmento espesso, ocorre a reabsorção intensa de sódio, potássio e cloreto; contudo, essa parte do
túbulo é impermeável à água, mesmo na presença de ADH, e o líquido tubular torna-se mais diluído à medida que
flui no túbulo distal inicial. Independentemente da presença de ADH, o líquido que deixa o túbulo distal inicial é
hiposmótico, com osmolaridade de apenas cerca de um terço da osmolaridade do plasma.
À medida que o líquido diluído da parte inicial do túbulo distal passa para o túbulo contorcido distal final, para os
ductos coletores corticais e para os ductos coletores medulares, ocorre a reabsorção adicional de cloreto de sódio e
outros solutos. Na ausência de ADH, o túbulo é relativamente impermeável à água, e a reabsorção adicional de
solutos provoca uma diluição ainda maior do líquido tubular, diminuindo a sua osmolaridade para valores baixos de
até 50 mOsm/l. A incapacidade de reabsorver água e a reabsorção contínua de solutos levam a um grande volume de
urina diluída (Figura 29.1).

OS RINS CONSERVAM ÁGUA CORPORAL POR MEIO DA EXCREÇÃO DE URINA CONCENTRADA

Quando o organismo apresenta déficit de água e a osmolaridade plasmática e os níveis de ADH estão elevados, os
rins formam uma urina concentrada por meio da excreção contínua de solutos, ao passo que aumentam a reabsorção
de água e diminuem o volume de urina. Os dois requisitos básicos para a formação de urina concentrada são os
seguintes:

Nível elevado de ADH, que possibilita a reabsorção intensa de água pelos túbulos distais e túbulos coletores
Osmolaridade elevada do líquido intersticial da medula renal.

O líquido tubular que flui para fora da alça de Henle é normalmente diluído, com osmolaridade de apenas cerca
de 100 mOsm/l. O interstício medular fora dos túbulos coletores na medula renal é, em geral, altamente concentrado
com cloreto de sódio e ureia, devido à atuação do multiplicador de contracorrente, que depende das características
de permeabilidade especiais da alça de Henle. À medida que o líquido flui nos túbulos distais e, por fim, nos túbulos
e ductos coletores, a água é reabsorvida até que a osmolaridade do líquido tubular alcance um equilíbrio com a
osmolaridade do líquido intersticial medular circundante. Esse processo leva à formação de urina altamente
concentrada, com osmolaridade de 1.200 a 1.400 mOsm/l na presença de níveis elevados de ADH (ver Figura 29.1).

Figura 29.1 Alterações na osmolaridade do líquido tubular à medida que ele passa
através dos segmentos tubulares na presença de níveis elevados de hormônio
antidiurético (ADH) e na ausência de ADH. Os valores numéricos indicam os volumes
aproximados em mililitros por minuto ou as osmolaridades em miliosmóis por litro de
líquido que flui ao longo dos diferentes segmentos tubulares.

O mecanismo multiplicador de contracorrente produz um interstício medular renal


hiperosmótico. Para que a medula renal aumente a sua osmolaridade na faixa de 1.200 a 1.400 mOsm/l, o
interstício medular precisa acumular mais solutos em comparação com a água. Quando esse acúmulo ocorre, a alta
osmolaridade é mantida por um equilíbrio na entrada e saída de solutos e de água na medula.
Os principais fatores que contribuem para o acúmulo da concentração de solutos na medula renal são os
seguintes:

Transporte ativo de íons sódio e cotransporte de potássio, cloreto e outros íons para fora do ramo ascendente espesso
da alça de Henle para o interstício medular
Transporte ativo de íons dos ductos coletores para o interstício medular
Difusão de grandes quantidades de ureia dos ductos coletores medulares internos para o interstício medular, que é
facilitada por transportadores específicos da ureia, UT-A1 e UT-A3
Difusão de apenas pequenas quantidades de água dos túbulos coletores medulares para o interstício, que é muito
menor do que a reabsorção de solutos para o interstício medular, praticamente sem difusão de água para a medula a
partir da alça de Henle ascendente.

A troca por contracorrente nos vasos retos preserva a hipermoslaridade da medula renal. Duas
características especiais dos vasos retos, que transportam o fluxo sanguíneo para a medula renal, ajudam a preservar
as altas concentrações de solutos:

O fluxo sanguíneo nos vasos retos é baixo, correspondendo a apenas 1 a 2% do fluxo sanguíneo renal total. Esse
fluxo lento é suficiente para suprir as necessidades metabólicas dos tecidos e ajuda a minimizar a perda de solutos do
interstício medular.
Os vasos retos servem como trocadores por contracorrente, minimizando a remoção de solutos do interstício
medular. Essa característica de troca por contracorrente deve-se ao formato em U dos capilares dos vasos retos.

À medida que o sangue desce para a medula, ele se torna progressivamente mais concentrado, visto que os
capilares dos vasos retos são altamente permeáveis à água e aos solutos. Todavia, à medida que ascende de volta ao
córtex, o sangue torna-se progressivamente menos concentrado, visto que os solutos se difundem de volta para o
interstício medular, e a água move-se para os vasos retos. Embora a troca de líquidos e solutos ocorra rapidamente
através dos vasos retos, há pouca perda efetiva de solutos do líquido intersticial.

COMO QUANTIFICAR A CONCENTRAÇÃO E A DILUIÇÃO DA URINA PELOS RINS: CLEARANCE


(DEPURAÇÃO) OSMOLAR E DE ÁGUA LIVRE

Quando a urina está diluída, a água é excretada em maior quantidade do que os solutos. Em contrapartida, quando a
urina está concentrada, os solutos são excretados em maior quantidade do que a água. O clearance de solutos do
sangue pode ser expresso na forma de clearance osmolar (Cosm), uma medida do volume de plasma depurado de
solutos a cada minuto:

em que Uosm é a osmolaridade da urina, é a taxa de fluxo urinário e Posm é a osmolaridade plasmática.
As taxas relativas em que os solutos na água são excretados podem ser avaliadas utilizando-se o conceito de
clearance de água livre (CH2O), que é definido como a diferença entre a excreção de água (taxa de fluxo urinário) e o
clearance osmolar:

A taxa de clearance de água livre representa a taxa em que a água sem solutos é excretada pelos rins. Quando o
clearance de água livre é positivo, a água está sendo excretada em excesso pelos rins; quando o clearance de água
livre é negativo, os solutos estão sendo removidos do sangue em excesso pelos rins, juntamente à conservação de
água.
DISTÚRBIOS DA CAPACIDADE DE CONCENTRAÇÃO DA URINA

Pode ocorrer comprometimento da capacidade dos rins de concentrar a urina na presença de uma ou mais das
seguintes anormalidades:

Diminuição da secreção de ADH, denominada diabetes insípido central. O diabetes insípido central resulta em
incapacidade de produzir ou de liberar ADH da neuro-hipófise, em decorrência de traumatismos cranianos, infecções
ou anormalidades congênitas
Incapacidade dos rins de responderem ao ADH, condição denominada diabetes insípido nefrogênico. Essa
anormalidade pode ser provocada pela incapacidade do mecanismo de contracorrente de formar um interstício
medular renal hiperosmótico ou pela incapacidade dos túbulos distais e coletores e dos ductos coletores de responder
ao ADH. As doenças renais que provocam dano à medula renal ou os medicamentos que comprometem a função da
alça de Henle, como os diuréticos que inibem a reabsorção de eletrólitos nesse segmento, podem comprometer a
capacidade de concentração da urina. Aumentos pronunciados do fluxo sanguíneo medular podem remover alguns
dos solutos da medula renal e reduzir a capacidade de concentração máxima. Mesmo na presença de altos níveis de
ADH, a concentração máxima da urina é limitada pelo grau de hiperosmolaridade do interstício medular.

Além disso, certos medicamentos, como o lítio (utilizado no tratamento do transtorno bipolar) e as tetraciclinas
(antibióticos utilizados no tratamento de infecções), podem prejudicar a capacidade de resposta dos segmentos distais
do néfron ao ADH.

CONTROLE DA OSMOLARIDADE E CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO DO LÍQUIDO EXTRACELULAR

A regulação da osmolaridade do líquido extracelular e a regulação da concentração de sódio estão estreitamente


associadas, visto que o sódio é o cátion mais abundante do compartimento extracelular. Em geral, a concentração
plasmática de sódio é regulada dentro de limites estreitos de 140 a 145 mEq/l, com concentração média de cerca de
142 mEq/l. A osmolaridade situa-se em torno de 300 mOsm/l (cerca de 282 mOsm/l quando corrigida para a atração
interiônica) e raramente muda mais do que 2 a 3%.
Embora múltiplos mecanismos controlem a quantidade de sódio e de água excretada pelos rins, dois sistemas
principais estão particularmente envolvidos na regulação da concentração de sódio e na osmolaridade do líquido
extracelular: (1) o sistema de feedback osmorreceptor-ADH e (2) o mecanismo da sede.

Sistema de feedback osmorreceptor‑ADH


Quando a osmolaridade (concentração plasmática de sódio) aumenta acima do normal, o sistema de feedback
osmorreceptor-ADH atua da seguinte maneira:

O aumento da osmolaridade do líquido extracelular estimula as células osmorreceptoras localizadas no hipotálamo


anterior, próximo aos núcleos supraópticos, para enviar sinais que são retransmitidos para a neuro-hipófise
Os potenciais de ação conduzidos até a neuro-hipófise estimulam a liberação de ADH, que é armazenado nos
grânulos secretores das terminações nervosas
O ADH, que é transportado no sangue até os rins, aumenta a permeabilidade à água na parte final dos túbulos distais,
nos túbulos coletores corticais e nos ductos coletores medulares
O aumento da permeabilidade à água nos segmentos distais do néfron provoca o aumento da reabsorção de água e da
excreção de um pequeno volume de urina concentrada. Essa ação causa a diluição dos solutos do líquido extracelular,
corrigindo, dessa maneira, o líquido extracelular inicial excessivamente concentrado.

Ocorre a sequência oposta de eventos quando o líquido extracelular se torna muito diluído (hiposmótico).
Síntese de ADH nos núcleos supraópticos e paraventriculares do hipotálamo e liberação de ADH
pela neuro‑hipófise. O hipotálamo contém dois tipos de neurônios magnocelulares grandes que sintetizam ADH:
cerca de cinco sextos do ADH são sintetizados nos núcleos supraópticos, e cerca de um sexto, nos núcleos
paraventriculares. Ambos os núcleos têm axônios que se estendem até a neuro-hipófise. Uma vez sintetizado, o
ADH é transportado para baixo pelos axônios ou pelos neurônios que terminam na neuro-hipófise.
A secreção de ADH em resposta a um estímulo osmótico é rápida, de modo que os níveis plasmáticos de ADH
podem aumentar várias vezes em minutos, proporcionando um meio rápido de alterar a excreção renal de água.
Estimulação da liberação de ADH pela diminuição da pressão arterial e/ou do volume sanguíneo.
A liberação de ADH também é controlada por reflexos cardiovasculares, incluindo o reflexo barorreceptor arterial e
o reflexo cardiopulmonar, ambos discutidos no Capítulo 18. Os estímulos aferentes transportados pelos nervos vago
e glossofaríngeo fazem sinapse com núcleos do trato solitário, e as projeções desses núcleos transmitem sinais aos
núcleos hipotalâmicos, que controlam a síntese e a secreção de ADH. Sempre que houver redução da pressão arterial
e do volume sanguíneo, como a que ocorre durante a hemorragia, o aumento da secreção de ADH por meio dessas
vias reflexas provoca o aumento da reabsorção de líquido pelos rins, o que ajuda a restaurar a pressão arterial e o
volume sanguíneo para níveis normais.
Embora a regulação diária habitual da secreção de ADH seja efetuada principalmente por mudanças na
osmolaridade plasmática, as grandes alterações no volume sanguíneo, como as que ocorrem durante a hemorragia,
também provocam elevações acentuadas dos níveis de ADH.

Tabela 29.1Regulação da secreção de hormônio antidiurético.

Aumento do ADH Diminuição do ADH


↑ Osmolaridade plasmática ↓ Osmolaridade plasmática
↓ Volume sanguíneo ↑ Volume sanguíneo
↓ Pressão arterial ↑ Pressão arterial
Náuseas Fármacos e substâncias
Hipóxia Álcool
Fármacos e substâncias Clonidina (anti‑hipertensivo)
Morfina Haloperidol (bloqueador da dopamina)
Nicotina
Ciclofosfamida

ADH : hormônio antidiurético.

Outros fatores que estimulam a secreção de ADH. Os diversos fatores capazes de aumentar ou de
diminuir a secreção de ADH estão resumidos na Tabela 29.1.

IMPORTÂNCIA DA SEDE NO CONTROLE DA OSMOLARIDADE E CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO


EXTRACELULAR

Embora os rins minimizem a perda de líquido por meio do sistema de feedback osmorreceptor-ADH, é necessária
uma ingestão adequada de líquido para contrabalançar as perdas de líquidos que normalmente ocorrem por meio da
sudorese, da respiração e do trato intestinal. A ingestão de líquido é regulada por fatores que estimulam a sede, que,
juntamente ao mecanismo osmorreceptor-ADH, mantém o controle preciso da osmolaridade e da concentração de
sódio do líquido extracelular.
Muitos dos estímulos envolvidos no controle da secreção de ADH também aumentam a sede – o desejo
consciente de água (Tabela 29.2). Dois dos estímulos mais importantes para a sede são: aumento da osmolaridade do
líquido extracelular; e diminuição do volume de líquido extracelular e da pressão arterial. Um terceiro estímulo
importante para a sede é a angiotensina II. Como a formação de angiotensina II também é estimulada pelo baixo
volume sanguíneo e pela pressão arterial baixa, o seu efeito sobre a sede, bem como as suas ações sobre os rins para
diminuir a excreção de líquido, ajuda a restaurar o volume sanguíneo e a pressão arterial para valores normais.
Outros fatores que influenciam a ingestão de água incluem a sensação de secura na boca e nas membranas
mucosas do esôfago e o grau de distensão gástrica. Esses estímulos para o trato gastrointestinal são de duração
relativamente curta, e o desejo de beber só é satisfeito por completo quando ocorre a normalização da osmolaridade
plasmática, do volume sanguíneo ou de ambos.
Tabela 29.2Controle da sede.

Aumento da sede Diminuição da sede


↑ Osmolaridade plasmática ↓ Osmolaridade plasmática
↓ Volume sanguíneo ↑ Volume sanguíneo
↓ Pressão arterial ↑ Pressão arterial
↑ Angiotensina II ↓ Angiotensina II
Boca seca Distensão gástrica

Respostas integradas dos mecanismos osmorreceptor‑ADH e da sede. Em geral, os mecanismos do


ADH e da sede atuam paralelamente para regular de forma precisa a osmolaridade do líquido extracelular e a
concentração de sódio, apesar do constante desafio da desidratação. Mesmo na presença de desafios adicionais, como
alta ingestão de sal, esses mecanismos de feedback são capazes de manter a osmolaridade plasmática razoavelmente
constante. Quando um dos mecanismos do ADH ou da sede falha, o outro geralmente ainda consegue manter a
osmolaridade e a concentração de sódio extracelulares relativamente constantes, contanto que a ingestão de líquido
seja suficiente para equilibrar o volume obrigatório diário de urina e as perdas de água causadas pela respiração, pela
sudorese e pelas perdas gastrointestinais. Entretanto, se houver falha simultânea dos mecanismos de ADH e da sede,
nem a concentração de sódio nem a osmolaridade podem ser controladas de maneira adequada. Na ausência desses
mecanismos, não existem outros mecanismos de feedback no corpo capazes de regular com precisão a concentração
plasmática de sódio e a osmolaridade.
Papel da angiotensina II e da aldosterona no controle da osmolaridade e concentração de sódio
no líquido extracelular. Conforme discutido no Capítulo 28, a angiotensina II e a aldosterona são os dois
reguladores hormonais mais importantes da reabsorção tubular renal de sódio. Apesar da importância desses
hormônios na regulação da excreção de sódio, eles normalmente não exercem um papel importante na concentração
plasmática de sódio, por duas razões:

A angiotensina II e a aldosterona aumentam a reabsorção tanto de sódio quanto de água pelos túbulos renais, levando
ao aumento do volume de líquido extracelular e da quantidade de sódio, porém com pouca alteração na
concentração de sódio.
Contanto que os mecanismos do ADH e da sede estejam funcionais, qualquer tendência ao aumento da concentração
plasmática de sódio é compensada pelo aumento da ingestão de água ou pela elevação da secreção de ADH, o que
tende a diluir o líquido extracelular de volta ao normal.

Em condições extremas associadas à perda completa da secreção de aldosterona em decorrência de


adrenalectomia ou doença de Addison, os rins excretam grandes quantidades de sódio, o que pode levar à diminuição
da concentração plasmática de sódio. Uma das razões para isso é o fato de que as grandes perdas de sódio são
acompanhadas de grave depleção de volume e redução da pressão arterial, o que pode ativar o mecanismo da sede e
levar a maior diluição da concentração plasmática de sódio, embora o aumento da ingestão de água ajude a
minimizar a diminuição do volume de líquidos corporais. Por conseguinte, podem ocorrer condições extremas,
durante as quais a concentração plasmática de sódio pode sofrer alterações significativas, mesmo com um
mecanismo de ADH-sede funcional. Ainda assim, o mecanismo de ADH-sede é, de longe, o sistema de feedback
mais potente do organismo para controlar a osmolaridade e a concentração de sódio do líquido extracelular.
CAPÍTULO 30

Regulação Renal de Potássio, Cálcio, Fosfato e Magnésio; Integração de


Mecanismos Renais para o Controle do Volume Sanguíneo e do Líquido
Extracelular

REGULAÇÃO DA CONCENTRAÇÃO E EXCREÇÃO DE POTÁSSIO NO LÍQUIDO EXTRACELULAR

A concentração de potássio do líquido extracelular é normalmente regulada em cerca de 4,2 mEq/l e raramente
aumenta ou diminui mais do que ± 0,3 mEq/l. Uma dificuldade especial da regulação da concentração de potássio é o
fato de que cerca de 98% do potássio total do organismo estão contidos nas células, e apenas 2% encontram-se no
líquido extracelular. A incapacidade de eliminar o potássio ingerido diariamente do líquido extracelular poderia
resultar em hiperpotassemia (aumento da concentração plasmática de potássio) potencialmente fatal. Em
contrapartida, uma pequena perda de potássio do líquido extracelular pode causar hipopotassemia grave na ausência
de respostas compensatórias rápidas.
Regulação da distribuição corporal de potássio. Após a ingestão de uma grande refeição, a elevação da
concentração de potássio no líquido extracelular seria fatal se o potássio ingerido não se movesse rapidamente para
dentro das células. Por exemplo, a absorção de 40 mEq de potássio (a quantidade contida em uma refeição rica em
vegetais e frutas) em um volume de líquido extracelular de 14 l aumentaria a concentração plasmática de potássio em
cerca de 2,9 mEq/l se todo o potássio permanecesse no compartimento extracelular. Felizmente, a maior parte do
potássio ingerido move-se rapidamente para dentro das células até que os rins possam, com o tempo, eliminar o
excesso. A Tabela 30.1 fornece um resumo de alguns dos fatores que influenciam a distribuição do potássio entre os
compartimentos intracelular e extracelular.
O hormônio mais importante que aumenta a captação de potássio pelas células após uma refeição é a insulina.
Em indivíduos que apresentam deficiência de insulina em decorrência de diabetes melito, o aumento da concentração
plasmática de potássio após uma refeição é muito maior que o normal.

Tabela 30.1Fatores que alteram a distribuição do potássio entre os líquidos intracelular e extracelular.

Fatores que deslocam o K+ para dentro das Fatores que deslocam o K+ para fora das
células (diminuem o K+ extracelular) células (aumentam o K+ extracelular)
Insulina Deficiência de insulina (diabetes melito)
Aldosterona Deficiência de aldosterona (doença de
Addison)
Estimulação beta‑adrenérgica Bloqueio beta‑adrenérgico
Alcalose Lise celular
Exercício intenso
Aumento da osmolaridade do líquido
extracelular
Acidose
O aumento da ingestão de potássio estimula a secreção de aldosterona, que aumenta a captação de potássio pelas
células. A secreção excessiva de aldosterona, como a que ocorre na síndrome de Conn, quase sempre está associada à
hipopotassemia, em parte devido ao movimento do potássio extracelular para o interior das células. Em
contrapartida, pacientes com produção deficiente de aldosterona (doença de Addison) com frequência apresentam
hiperpotassemia significativa, devido ao acúmulo de potássio no espaço extracelular, bem como à retenção renal de
potássio.
A acidose metabólica aumenta a concentração extracelular de potássio, em parte ao provocar a perda de potássio
das células, ao passo que a alcalose metabólica diminui a concentração de potássio no líquido extracelular.
A lesão celular pode causar a liberação de grandes quantidades de potássio das células para o compartimento
extracelular. Essa liberação pode causar hiperpotassemia significativa se houver destruição de grandes quantidades
de tecido, como ocorre na lesão muscular grave ou na lise de hemácias.
O exercício intenso pode causar hiperpotassemia por meio da liberação de potássio do músculo esquelético.
O aumento da osmolaridade do líquido extracelular provoca desidratação celular, o que, por sua vez, eleva a
concentração de potássio intracelular e promove a difusão de potássio das células para o líquido extracelular.
A secreção variável de potássio nos túbulos distais e coletores determina a maior parte das
alterações diárias na sua excreção. A manutenção do equilíbrio de potássio depende principalmente da
excreção renal, visto que a quantidade de potássio nas fezes normalmente corresponde a cerca de 5 a 10% da
ingestão de potássio. A excreção renal de potássio é determinada pela soma de três processos: (1) a taxa de filtração
de potássio (taxa de filtração glomerular [TFG] multiplicada pela concentração plasmática de potássio); (2) a taxa de
reabsorção de potássio pelos túbulos renais; e (3) a taxa de secreção de potássio pelos túbulos renais. Cerca de 65%
do potássio filtrado são reabsorvidos no túbulo proximal, ao passo que outros 25 a 30% são reabsorvidos na alça de
Henle.
Entretanto, a variação diária normal da excreção de potássio é regulada principalmente pela secreção nos túbulos
distais e coletores, e não por alterações na filtração glomerular ou na reabsorção tubular. Às vezes, o potássio é
reabsorvido nesses segmentos tubulares (p. ex., durante a depleção de potássio), ao passo que outras vezes é
secretado em grandes quantidades, dependendo das necessidades do corpo. No caso de uma alta ingestão de potássio,
a excreção adicional necessária de potássio é obtida quase totalmente pelo aumento de sua secreção nos túbulos
distais e coletores.
As células principais da porção final dos túbulos distais e túbulos coletores corticais secretam
potássio. A secreção de potássio do sangue dos capilares peritubulares no lúmen dos túbulos distais e coletores é
um processo em três etapas, que envolve: (1) a difusão passiva de potássio do sangue para o interstício renal; (2) o
transporte ativo de potássio do interstício para dentro das células tubulares pela bomba de sódio-potássio adenosina
trifosfatase (ATPase) na membrana basolateral; e (3) a difusão passiva de potássio do interior da célula para o líquido
tubular. Os principais fatores que controlam a secreção de potássio pelas células principais incluem os seguintes:

Aumento da concentração de potássio extracelular, que aumenta a secreção de potássio. Os mecanismos para esse
efeito incluem a estimulação da bomba de sódio-potássio ATPase, o aumento do gradiente de potássio do líquido
intersticial para o lúmen tubular e o efeito de uma concentração mais elevada de potássio para estimular a secreção
de aldosterona, o que estimula ainda mais a secreção de potássio
Aumento da concentração de aldosterona, que aumenta a secreção de potássio. Esse efeito é mediado por diversos
mecanismos, incluindo a estimulação da bomba de sódio-potássio ATPase e o aumento da permeabilidade da
membrana luminal ao potássio
Aumento da taxa de fluxo tubular, que eleva a secreção de potássio. O mecanismo para o efeito de uma elevada taxa
de fluxo de volume é o seguinte: quando o potássio é secretado no líquido tubular, a sua concentração luminal
aumenta, reduzindo, assim, a força motriz para a difusão de potássio para dentro do túbulo. Com o aumento da taxa
de fluxo tubular, o potássio secretado passa continuamente pelo túbulo, e a elevação da concentração de potássio
tubular é minimizada, aumentando, assim, a secreção final de potássio
Aumento agudo da concentração de íons hidrogênio (acidose), que diminui a secreção de potássio. O mecanismo
envolvido para esse efeito consiste na inibição da bomba de sódio-potássio ATPase pela concentração elevada de
íons hidrogênio.
As células intercalares podem reabsorver ou secretar potássio. Em condições de grave depleção de
sódio, ocorre a interrupção da secreção e da reabsorção efetiva de potássio pelas células intercalares tipo A da porção
final dos túbulos distais e dos túbulos coletores. Quando os líquidos corporais contêm potássio em excesso, as
células intercalares tipo B na porção final dos túbulos distais e dos túbulos coletores secretam ativamente o potássio
no lúmen tubular e desempenham funções opostas às das células tipo A.
A aldosterona é o principal mecanismo hormonal para o controle por feedback da concentração
de íons potássio do líquido extracelular. A aldosterona e a concentração de íons potássio do líquido
extracelular estão ligadas por um mecanismo de feedback direto, que atua da seguinte maneira: sempre que a
concentração de potássio do líquido extracelular aumentar acima do normal, a secreção de aldosterona será
estimulada, o que aumentará a excreção renal de potássio, levando a concentração de potássio extracelular a valores
normais. As alterações opostas ocorrem quando a concentração de potássio é excessivamente baixa.

REGULAÇÃO RENAL DA EXCREÇÃO E CONCENTRAÇÃO EXTRACELULAR DE CÁLCIO

À semelhança de outras substâncias, a ingestão de cálcio precisa ser equilibrada com a sua perda efetiva em longo
prazo. No entanto, diferentemente de íons como o sódio e o cloreto, grande parte da excreção de cálcio ocorre nas
fezes. Apenas cerca de 10% do cálcio ingerido normalmente são reabsorvidos no trato intestinal, e o restante é
excretado nas fezes. A maior parte do cálcio do corpo (99%) é armazenada nos ossos, com apenas cerca de 1% no
líquido intracelular e 0,1% no líquido extracelular. Por conseguinte, os ossos atuam como grandes reservatórios para
o armazenamento de cálcio e como fontes desse mineral quando a concentração de cálcio do líquido extracelular
tende a diminuir (hipocalcemia).

O paratormônio é um importante regulador da captação e da liberação de cálcio pelo osso


A diminuição da concentração de cálcio no líquido extracelular promove o aumento da secreção de paratormônio
(PTH), que atua diretamente sobre os ossos, aumentando a reabsorção de sais ósseos (liberação de sais ósseos dos
ossos) e, portanto, a liberação de grandes quantidades de cálcio dentro do líquido extracelular. Quando a
concentração de íons cálcio está elevada (hipercalcemia), a secreção de PTH diminui, e o excesso de cálcio é
depositado nos ossos.
Todavia, os ossos não têm um suprimento inesgotável de cálcio. Em longo prazo, a ingestão de cálcio precisa ser
equilibrada com a sua excreção pelo trato gastrointestinal e pelos rins. O regulador mais importante da reabsorção de
cálcio nesses locais é o PTH, que controla a concentração plasmática de cálcio por meio de três efeitos principais: (1)
estimulação da reabsorção óssea; (2) estimulação da ativação da vitamina D, que aumenta a absorção intestinal de
cálcio; e (3) aumento direto da reabsorção tubular renal de cálcio. Esse processo é discutido de modo mais detalhado
no Capítulo 80.
O paratormônio reduz a excreção renal de cálcio. Como o cálcio não é secretado pelos túbulos renais, a
sua taxa de excreção é determinada pelas taxas de filtração de cálcio e pela reabsorção tubular. Um dos principais
reguladores da reabsorção tubular renal de cálcio é o PTH, que aumenta a reabsorção de cálcio no ramo ascendente
espesso da alça de Henle e no túbulo distal, com consequente redução da excreção urinária de cálcio. Em
contrapartida, a diminuição do PTH promove a excreção de cálcio por meio da redução da reabsorção na alça de
Henle e nos túbulos distais.
Uma concentração plasmática maior de fosfato estimula o PTH, o que aumenta a reabsorção de cálcio pelos
túbulos renais e diminui a excreção de cálcio.
A reabsorção de cálcio também é estimulada pela acidose metabólica e inibida pela alcalose metabólica.

INTEGRAÇÃO DE MECANISMOS RENAIS PARA O CONTROLE DO LÍQUIDO EXTRACELULAR

Quando se discute a regulação do volume do líquido extracelular, são considerados, em particular, os fatores que
controlam a quantidade de cloreto de sódio do líquido extracelular, visto que esse conteúdo geralmente acompanha
de modo paralelo o volume do líquido extracelular, contanto que os mecanismos do hormônio antidiurético (ADH)-
sede estejam operantes. Na maioria dos casos, a responsabilidade pela regulação do volume extracelular é colocada
sobre os rins, que adaptam a sua excreção para compensar ingestões variáveis de sal e de água.
A ingestão e a excreção de sódio são equilibradas sob condições estáveis. Em condições estáveis,
uma pessoa precisa excretar quase precisamente a quantidade de sódio ingerida. Mesmo na presença de distúrbios
que provoquem alterações significativas na excreção renal de sódio, o equilíbrio entre a ingestão e a excreção
geralmente é restaurado em poucos dias. Mesmo na presença de doença renal grave, a excreção normal de sódio pode
ser obtida, devido a compensações intrarrenais, neuro-hormonais e outras compensações sistêmicas, como aumento
da pressão arterial, o que pode provocar danos ao organismo em longo prazo.
A excreção de sódio é controlada por meio da alteração da taxa de filtração glomerular ou da
reabsorção tubular de sódio. Os rins alteram a excreção de sódio e de água por meio da alteração da taxa de
filtração, da taxa de reabsorção tubular ou de ambas da seguinte maneira:

Excreção = Filtração glomerular – Reabsorção tubular

Conforme discutido anteriormente, a filtração glomerular e a reabsorção tubular são reguladas por múltiplos
fatores, incluindo hormônios, atividade simpática e pressão arterial. Em geral, a TFG é de cerca de 180 l/dia, a
reabsorção tubular é de 178,5 l/dia e a excreção urinária é de 1,5 l/dia. Pequenas mudanças da TFG ou da reabsorção
tubular têm o potencial de causar grandes alterações na excreção renal.
Em geral, a reabsorção tubular e a TFG são rigorosamente reguladas, de modo que a excreção pelos rins possa
ser exatamente equilibrada com a ingestão de água e eletrólitos. Mesmo na presença de distúrbios que alterem a TFG
ou a reabsorção tubular, as mudanças na excreção urinária são minimizadas por vários mecanismos de
tamponamento. Dois mecanismos de tamponamento intrarrenais são: (1) o balanço glomerulotubular, que permite
que os túbulos renais aumentem as suas taxas de reabsorção em resposta ao aumento da TFG e da carga de sódio
filtrada; e (2) o feedback da mácula densa, em que o aumento do fornecimento de cloreto de sódio aos túbulos
distais, em decorrência do aumento da TFG ou da diminuição da reabsorção de sódio pelo túbulo proximal ou pela
alça de Henle, provoca a constrição arteriolar aferente e a diminuição da TFG.
Como nenhum desses mecanismos de feedback intrarrenais atua perfeitamente para restaurar a normalidade do
débito urinário, mudanças na TFG ou na reabsorção tubular podem levar a alterações significativas na excreção de
sódio e de água. Quando esse fenômeno ocorre, os mecanismos de feedback sistêmicos passam a atuar, causando
alterações na pressão arterial e mudanças em vários hormônios. Esses mecanismos fazem a excreção de sódio
finalmente ser igual à sua ingestão.

IMPORTÂNCIA DA NATRIURESE SOB PRESSÃO E DA DIURESE SOB PRESSÃO NA MANUTENÇÃO


DO EQUILÍBRIO DE SÓDIO E LÍQUIDOS DO ORGANISMO

Um dos mecanismos mais potentes para o controle do volume sanguíneo e do volume do líquido extracelular e para a
manutenção do equilíbrio de sódio e de líquido é o efeito da pressão arterial sobre a excreção de sódio e de água
(natriurese por pressão e diurese por pressão, respectivamente). Como a diurese e a natriurese por pressão em geral
ocorrem paralelamente, esses mecanismos são, com frequência, designados simplesmente como natriurese por
pressão. Conforme discutido no Capítulo 19, esse feedback entre os rins e a circulação também desempenha um
papel dominante na regulação em longo prazo da pressão arterial.
A natriurese sob pressão é um componente‑chave do mecanismo de feedback rins‑líquidos
corporais. Durante alterações na ingestão de sódio e de líquidos, o mecanismo de feedback rins-líquidos corporais
ajuda a manter o equilíbrio hídrico e a minimizar as alterações do volume sanguíneo, do volume do líquido
extracelular e da pressão arterial da seguinte maneira:

O aumento da ingestão de líquidos (admitindo-se que o sódio acompanhe o líquido) acima do nível do débito
urinário provoca o acúmulo temporário de líquido no organismo e um pequeno aumento do volume sanguíneo e do
volume de líquido extracelular.
O aumento da volemia eleva a pressão de enchimento circulatória média e o débito cardíaco.
O aumento do débito cardíaco eleva a pressão arterial, o que aumenta o débito urinário por meio da natriurese por
pressão. A inclinação da relação da natriurese por pressão normal assegura que apenas um ligeiro aumento da
pressão arterial é necessário para aumentar várias vezes a excreção urinária.
O aumento da excreção de líquido equilibra a ingestão maior, evitando o acúmulo adicional de líquido.
O mecanismo de feedback rins-líquidos corporais impede o acúmulo contínuo de sal e de água no organismo
durante a ingestão aumentada de sal e de água. Enquanto a função renal estiver normal e a natriurese por pressão
estiver atuando de modo efetivo, grandes aumentos da ingestão de sal e de água podem ser acomodados com um
aumento apenas ligeiro da volemia, do volume de líquido extracelular e da pressão arterial. A sequência oposta de
eventos ocorre quando a ingestão de líquido cai abaixo do normal.
Os sistemas nervoso e hormonal, além dos mecanismos intrarrenais, com frequência podem aumentar a excreção
de sal e de água para compensar o aumento da ingestão, mesmo sem aumento mensurável da pressão arterial em
muitos indivíduos. Todavia, alguns indivíduos são mais “sensíveis ao sal” e apresentam aumentos significativos da
pressão arterial, mesmo com aumentos moderados da ingestão de sódio. Quando ocorre a elevação da pressão
arterial, a natriurese por pressão proporciona um meio fundamental para manter o equilíbrio entre a ingestão de sódio
e a sua excreção urinária.

DISTRIBUIÇÃO DO LÍQUIDO EXTRACELULAR ENTRE O ESPAÇO INTERSTICIAL E O SISTEMA


VASCULAR

Em geral, a volemia e o volume de líquido extracelular são controlados de modo simultâneo e paralelo entre si.
Entretanto, algumas condições podem alterar acentuadamente a distribuição do líquido extracelular entre os espaços
intersticiais e o sangue.
Conforme discutido no Capítulo 25, os principais fatores que podem causar perda de líquido do plasma para os
espaços intersticiais (edema) incluem: (1) aumento da pressão hidrostática capilar; (2) diminuição da pressão
coloidosmótica do plasma; (3) aumento da permeabilidade dos capilares; e (4) obstrução dos vasos linfáticos.

FATORES NEURAIS E HORMONAIS AUMENTAM A EFICÁCIA DO CONTROLE POR FEEDBACK


RINS‑LÍQUIDOS CORPORAIS

Os mecanismos neurais e hormonais atuam em conjunto com a natriurese por pressão para minimizar as alterações
na volemia, no volume de líquido extracelular e na pressão arterial que ocorrem em resposta aos desafios diários. No
entanto, a função renal anormal ou os fatores neurais e hormonais anormais que influenciam os rins podem levar a
graves mudanças na pressão arterial e nos volumes dos líquidos corporais (conforme discutido adiante).
Controle da excreção renal pelo sistema nervoso simpático: reflexo barorreceptor arterial e dos
receptores de estiramento de baixa pressão. Os rins recebem uma extensa inervação simpática, e, em
algumas condições, alterações na atividade simpática podem modificar a excreção renal de sódio e de água e o
volume de líquido extracelular. Por exemplo, quando a volemia diminui devido à ocorrência de hemorragia, a
ativação reflexa do sistema nervoso simpático ocorre em consequência da diminuição da pressão nos vasos
sanguíneos pulmonares e em outras regiões de baixa pressão do tórax e da baixa pressão arterial. Por sua vez, o
aumento da atividade simpática reduz a excreção de sódio e de água por meio de vários efeitos: (1) vasoconstrição
renal, que diminui a TFG; (2) aumento da reabsorção tubular de sal e de água; e (3) estimulação da liberação de
renina e aumento da formação de angiotensina II (Ang II) e aldosterona, ambas as quais elevam ainda mais a
reabsorção tubular. Juntos, esses mecanismos desempenham um importante papel na rápida restituição da volemia,
que ocorre após condições agudas associadas à redução da volemia, à baixa pressão arterial ou a ambas.
A diminuição reflexa da atividade simpática renal pode contribuir para a rápida eliminação do excesso de líquido
na circulação após a ingestão de uma refeição que contém grandes quantidades de sal e de água.
A angiotensina II é um potente controlador da excreção renal de sódio. Quando a ingestão de sódio
aumenta para acima do normal, ocorrem a diminuição da secreção de renina e a formação de Ang II, causando vários
efeitos sobre os rins, que reduzem a reabsorção tubular de sódio (ver Capítulo 28). Em contrapartida, quando a
ingestão de sódio é reduzida, o aumento dos níveis de Ang II provoca a retenção de sódio e de água e opõe-se à
redução da pressão arterial, que, de outro modo, ocorreria. As alterações na atividade do sistema renina-angiotensina
atuam como um poderoso amplificador do mecanismo de natriurese por pressão, de modo a manter a pressão arterial
e os volumes de líquidos corporais estáveis.
Embora a Ang II seja um dos hormônios mais potentes para a retenção de sódio e de água do organismo, nem a
diminuição nem o aumento da Ang II circulante exercem um grande efeito sobre o volume de líquido extracelular ou
sobre a volemia em indivíduos com sistema cardiovascular normal sob os demais aspectos. A razão disso é que, com
grandes aumentos dos níveis de Ang II, como os que ocorrem na presença de tumor secretor de renina nos rins, há
uma retenção apenas transitória de sódio e de água, o que eleva a pressão arterial. Essa elevação aumenta
rapidamente o débito renal de sódio e de água, superando, assim, os efeitos da retenção de sódio da Ang II e
restabelecendo o equilíbrio entre a ingestão e a excreção de sódio com uma pressão arterial mais alta.
Em contrapartida, o bloqueio da formação de Ang II com medicamentos, como inibidores da enzima conversora
ou antagonistas da Ang II, aumenta acentuadamente a capacidade de excreção renal de sal e de água, porém não
produz uma grande mudança no volume de líquido extracelular. Após o bloqueio da Ang II, ocorre um aumento
transitório da excreção de sódio e de água, o que reduz a pressão arterial, ajudando, assim, o restabelecimento do
equilíbrio de sódio. Esse efeito dos bloqueadores da Ang II demonstrou ser importante para reduzir a pressão arterial
em pacientes hipertensos.
A aldosterona é um importante regulador da excreção renal de sódio. A função da aldosterona na
regulação do equilíbrio do sódio está estreitamente relacionada com o que foi descrito para a Ang II; na presença de
ingestão diminuída de sódio, o aumento dos níveis de Ang II estimula a secreção de aldosterona, o que contribui para
a diminuição da excreção urinária de sódio e a manutenção do equilíbrio de sódio. Em contrapartida, com uma alta
ingestão de sódio, a supressão da formação de aldosterona diminui a reabsorção tubular de sódio, o que permite a
excreção renal de quantidades aumentadas de sódio. As alterações na síntese de aldosterona também ajudam o
mecanismo de natriurese por pressão a manter o equilíbrio de sódio durante variações na ingestão de sódio.
Quando ocorre a formação de aldosterona em excesso, conforme observado em pacientes com tumores das
glândulas adrenais, o aumento da reabsorção de sódio e a diminuição da excreção de sódio geralmente duram apenas
alguns dias, e o volume de líquido extracelular aumenta apenas cerca de 10 a 15%, provocando a elevação da pressão
arterial. Quando a pressão arterial aumenta o suficiente, os rins “escapam” da retenção de sódio e de água (devido à
natriurese por pressão) e, posteriormente, excretam quantidades de sódio iguais à ingestão diária, apesar dos níveis
elevados e contínuos de aldosterona.
Controle da excreção renal de água pelo hormônio antidiurético. Conforme explicado anteriormente, o
ADH desempenha um importante papel ao permitir que os rins formem um pequeno volume de urina concentrada,
enquanto excretam quantidades normais de sódio e de outros eletrólitos. Esse efeito é particularmente importante
durante a privação de água. Em contrapartida, quando há excesso de volume de líquido extracelular, a diminuição
dos níveis de ADH reduz a reabsorção de água pelos rins e ajuda a eliminar o excesso de volume do corpo.
Entretanto, os níveis excessivos de ADH raramente provocam grandes aumentos da pressão arterial ou do
volume de líquido extracelular. A infusão de grandes quantidades de ADH em animais aumenta inicialmente o
volume de líquido extracelular em apenas 10 a 15%. À medida que a pressão arterial aumenta em resposta a esse
volume elevado, uma grande parte do volume em excesso é excretada, devido à diurese por pressão; após vários dias,
a volemia e o volume de líquido extracelular não se elevam mais do que 5 a 10%, e a pressão arterial eleva-se menos
de 10 mmHg. Os altos níveis de ADH não provocam aumentos significativos do volume de líquidos corporais ou da
pressão arterial, embora níveis elevados de ADH possam causar reduções graves das concentrações de íons sódio
extracelulares.

RESPOSTAS INTEGRADAS A ALTERAÇÕES DA INGESTÃO DE SÓDIO

A integração dos vários sistemas de controle que regulam a excreção de sódio e de líquidos pode ser resumida por
meio de uma análise das respostas homeostáticas ao aumento da ingestão dietética de sódio. À medida que a ingestão
de sódio aumenta, ocorre um atraso da eliminação de sódio em relação à sua ingestão, o que causa um ligeiro
aumento do equilíbrio cumulativo de sódio e do volume de líquido extracelular. É principalmente esse pequeno
aumento do volume de líquido extracelular que desencadeia vários mecanismos do organismo para aumentar a
excreção de sódio. Esses mecanismos são os seguintes:

Ativação dos reflexos dos receptores de baixa pressão, que se originam dos receptores de estiramento do átrio direito
e dos vasos sanguíneos pulmonares. Esses reflexos inibem a atividade simpática e a formação de Ang II, ambas as
quais tendem a diminuir a reabsorção tubular de sódio
Aumento da secreção pelos átrios cardíacos do hormônio atrial natriurético, que reduz a secreção de renina e a
reabsorção tubular renal de sódio
Supressão da formação de angiotensina II, causada pelo aumento da pressão arterial e do volume extracelular, que
causa a diminuição da reabsorção tubular de sódio, eliminando o efeito normal da Ang II de aumentar a reabsorção
de sódio. Além disso, a diminuição dos níveis de Ang II reduz a secreção de aldosterona, reduzindo ainda mais a
reabsorção de sódio
Um pequeno aumento da pressão arterial, particularmente em indivíduos sensíveis ao sal, que promove a excreção
de sódio por meio de natriurese por pressão. Se os mecanismos neurais, hormonais e intrarrenais atuarem de modo
efetivo, podem não ocorrer aumentos mensuráveis da pressão arterial, mesmo com grandes aumentos da ingestão de
sódio.

A ativação combinada dos sistemas natriuréticos e a supressão dos sistemas de retenção de sódio e de água levam
ao aumento da excreção de sódio quando ocorre aumento da ingestão de sódio. As alterações opostas são observadas
quando a ingestão de sódio é reduzida abaixo dos níveis normais.

CONDIÇÕES QUE CAUSAM GRANDE AUMENTO DA VOLEMIA E DO VOLUME DE LÍQUIDO


EXTRACELULAR

Apesar dos potentes mecanismos de regulação que mantêm a volemia e o volume de líquido extracelular em níveis
razoavelmente constantes, existem diversas condições fisiopatológicas que podem causar grandes aumentos em
ambas as variáveis. Quase todas essas condições resultam de anormalidades circulatórias, incluindo as seguintes:

Doença cardíaca. Na insuficiência cardíaca congestiva, a volemia pode aumentar em 10 a 15%, e o volume de
líquido extracelular às vezes aumenta 200% ou mais. A retenção de líquido pelos rins ajuda a pressão arterial e o
débito cardíaco a retornarem para a sua normalidade se a insuficiência cardíaca não for muito grave. Entretanto, se o
coração estiver muito enfraquecido, a pressão arterial poderá não aumentar o suficiente para restaurar o débito
urinário normal. Quando isso ocorre, os rins retêm líquido até que haja o desenvolvimento de congestão circulatória
grave, quando o indivíduo pode morrer por edema, sobretudo edema pulmonar
Aumento da capacidade circulatória. Qualquer condição capaz de aumentar a capacidade vascular também provoca
o aumento da volemia para preencher essa capacidade extra. Exemplos de condições associadas ao aumento da
capacidade vascular incluem a gravidez (em consequência do aumento da capacidade vascular do útero, da placenta e
de outros órgãos aumentados) e as veias varicosas, que, em casos graves, podem aprisionar até um litro extra de
sangue.

CONDIÇÕES QUE CAUSAM GRANDE AUMENTO DO VOLUME DE LÍQUIDO EXTRACELULAR COM


VOLEMIA NORMAL OU DIMINUÍDA

Em algumas condições fisiopatológicas, o volume de líquido extracelular torna-se acentuadamente aumentado,


porém a volemia permanece normal ou até mesmo ligeiramente diminuída. Essas condições são geralmente iniciadas
por extravasamento de líquido e de proteínas no interstício, o que tende a diminuir a volemia. A resposta dos rins a
essas condições é semelhante à resposta observada após uma hemorragia: os rins retêm sal e água, na tentativa de
restaurar a volemia normal. Confira, a seguir, dois exemplos:

A síndrome nefrótica, caracterizada pela perda de proteínas plasmáticas na urina, reduz a pressão coloidosmótica do
plasma e faz os capilares de todo o corpo filtrarem grandes quantidades de líquido no interstício, com consequente
formação de edema e diminuição do volume plasmático
Cirrose hepática associada à diminuição da síntese de proteínas plasmáticas pelo fígado. A sequência de eventos que
ocorre durante a cirrose hepática assemelha-se àquela observada na síndrome nefrótica, exceto que, na cirrose, a
diminuição da concentração plasmática de proteínas resulta da destruição dos hepatócitos, que são incapazes de
sintetizar proteínas plasmáticas em quantidade suficiente. A cirrose também está associada à formação de tecido
fibroso nas estruturas hepáticas, o que impede acentuadamente o fluxo de sangue portal através do fígado. Isso eleva
a pressão capilar em toda a circulação portal e contribui para o extravasamento de líquido e de proteínas para a
cavidade peritoneal, condição denominada ascite.
CAPÍTULO 31

Equilíbrio Acidobásico

A concentração do íon hidrogênio é regulada com precisão. A concentração de íons hidrogênio (H+) no
líquido extracelular é normalmente muito baixa, em média 0,00000004 nEq/l (40 nEq/l). As variações normais são de
apenas cerca de 3 a 5 nEq/l. Como a concentração de H+ no líquido extracelular é extremamente baixa e é difícil
trabalhar com esses números pequenos, a concentração de H+ é geralmente expressa como unidades de pH. O pH é o
logaritmo da recíproca da concentração de H+, expresso em equivalentes por litro:

O sangue arterial normalmente tem pH de 7,4, ao passo que o pH do sangue venoso e dos líquidos intersticiais é
de cerca de 7,35. Considera-se que um indivíduo seja portador de acidose quando o pH arterial cai significativamente
abaixo de 7,4, e de alcalose quando ocorre a elevação do pH acima de 7,4. O limite inferior de pH com o qual uma
pessoa pode viver por mais de algumas horas é de cerca de 6,8, ao passo que o limite superior é de cerca de 8,0.

DEFESA CONTRA MUDANÇAS NA CONCENTRAÇÃO DE H+: TAMPÕES, PULMÕES E RINS

O corpo dispõe de três defesas principais contra alterações na concentração de H+ nos líquidos corporais:

Os sistemas químicos de tampão acidobásico dos líquidos corporais, que imediatamente se combinam com um ácido
ou com uma base para impedir mudanças excessivas na concentração de H+
O sistema respiratório, que regula a remoção de CO2 e, portanto, de ácido carbônico (H2CO3) do líquido extracelular.
Esse mecanismo opera em segundos a minutos e atua como segunda linha de defesa
Os rins, que podem excretar urina ácida ou alcalina, ajustando, assim, a concentração de H+ do líquido extracelular
para o normal durante a acidose ou a alcalose. Esse mecanismo opera lentamente, porém de forma poderosa, ao
longo de horas ou vários dias para regular o equilíbrio acidobásico.

TAMPONAMENTO DO ÍON HIDROGÊNIO (H+) NOS LÍQUIDOS CORPORAIS

Um tampão é qualquer substância capaz de se ligar ao H+ de modo reversível. A fórmula geral de uma reação de
tamponamento é a seguinte:

Nesse exemplo, o H+ livre combina-se com o tampão para formar um ácido fraco (tampão de hidrogênio).
Quando a concentração de H+ aumenta, a reação é forçada para a direita, e maior quantidade de H+ liga-se ao tampão
enquanto ele estiver disponível. Quando a concentração de H+ diminui, a reação é deslocada para a esquerda, e
ocorre a liberação de H+ do tampão.
Entre os sistemas tampão mais importantes do corpo, estão as proteínas celulares e, em menor grau, as proteínas
no plasma e nos líquidos intersticiais. O sistema tampão fosfato ( / ) não é um tampão importante no
líquido extracelular, porém tem importância como tampão intracelular e como tampão no líquido tubular renal. O
tampão mais importante do líquido extracelular é o sistema tampão bicarbonato ( / pressão parcial de CO2
[PCO2]), sobretudo pelo fato de que os componentes do sistema, CO2 e , são estreitamente regulados pelos
pulmões e pelos rins, respectivamente.

Sistema tampão bicarbonato


O sistema tampão bicarbonato consiste em uma solução aquosa que contém dois ingredientes principais: um ácido
fraco, H2CO3, e um sal de bicarbonato, como o bicarbonato de sódio (NaHCO3). O H2CO3 é formado no organismo
por meio da reação do CO2 com a água (H2O).

O H2CO3 se ioniza para formar pequenas quantidades de H+ e .

O segundo componente do sistema, o sal de bicarbonato, existe principalmente como NaHCO3 no líquido
extracelular. O NaHCO3 é quase totalmente ionizado para formar e íons sódio (Na+):

Reunindo todo o sistema, tem-se o seguinte:

Quando um ácido forte é adicionado a essa solução tampão, o aumento de H+ é tamponado pelo :

A reação oposta ocorre quando uma base forte, como o hidróxido de sódio (NaOH), é adicionada a uma solução
de tampão bicarbonato:

Nesse caso, a OH– do NaOH combina-se com o H2CO3 para formar mais . A base fraca NaHCO3 substitui
a base forte NaOH. Ao mesmo tempo, a concentração de H2CO3 diminui (uma vez que reage com NaOH), causando
a combinação de mais CO2 com H2O para substituir o H2CO3:

O resultado é uma tendência dos níveis de CO2 a diminuir, porém o CO2 reduzido no sangue inibe a respiração e,
portanto, diminui a taxa de expiração de CO2. A elevação do no sangue é compensada pelo aumento na
excreção renal de .
A equação de Henderson‑Hasselbach fornece a relação do bicarbonato e dióxido de carbono
com o pH. A equação de Henderson-Hasselbach é a seguinte:
Nessa equação, o CO2 representa o elemento ácido, visto que ele se combina com a H2O para formar H2CO3, ao
passo que o representa o elemento básico. O é expresso em miliosmóis por litro, e a PCO2 é expressa
em milímetros de mercúrio. Quanto maior for a PCO2, menor será o pH; quanto maior for o , mais alto será o
pH.
Quando distúrbios do equilíbrio acidobásico resultam de alterações primárias na concentração de
extracelular, eles são denominados distúrbios acidobásicos metabólicos. A acidose causada pela diminuição primária
da concentração de é denominada acidose metabólica, ao passo que a alcalose provocada pelo aumento
primário da concentração de é denominada alcalose metabólica. A acidose causada pelo aumento da PCO2
recebe o nome de acidose respiratória, ao passo que a alcalose causada pela redução da PCO2 é denominada alcalose
respiratória.

REGULAÇÃO RESPIRATÓRIA DO EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO

Como os pulmões expelem o CO2 do corpo, a rápida ventilação dos pulmões diminui a concentração sanguínea de
CO2, que, por sua vez, diminui as concentrações de H2CO3 e H+ no sangue. Em contrapartida, a redução da
ventilação pulmonar aumenta as concentrações de CO2 e de H+ no sangue.
O aumento da concentração de H+ estimula a ventilação alveolar. Não apenas a frequência de
ventilação pulmonar influencia a concentração de H+ por meio de uma mudança na PCO2 dos líquidos corporais,
como também o aumento da concentração de H+ estimula acentuadamente a ventilação alveolar. À medida que o pH
diminui do seu valor normal de 7,4 para o valor fortemente ácido de 7,0, a ventilação alveolar aumenta quatro a
cinco vezes em relação à taxa normal. Por sua vez, esse aumento da ventilação alveolar reduz a PCO2 do sangue e
normaliza a concentração de H+. Em contrapartida, se o pH aumentar acima do normal, a respiração torna-se
deprimida, e a concentração de H+ aumenta em direção ao seu valor normal. O sistema respiratório pode fazer a
concentração de H+ e o pH retornarem para cerca de dois terços do normal em poucos minutos após a ocorrência
súbita de distúrbio do equilíbrio acidobásico.
As anormalidades da respiração podem causar distúrbios acidobásicos. O comprometimento da
função pulmonar, como no enfisema pulmonar grave, diminui a capacidade dos pulmões de eliminar o CO2, o que
provoca o acúmulo de CO2 no líquido extracelular, com tendência à acidose respiratória. A capacidade de responder
à acidose metabólica também está prejudicada, visto que as reduções compensatórias da PCO2, que normalmente
ocorreriam devido ao aumento da ventilação, estão atenuadas. Em contrapartida, a hiperventilação (rara) reduz a PCO2
e provoca alcalose respiratória.

CONTROLE RENAL DO EQUILÍBRIO ACIDOBÁSICO

Os rins controlam o equilíbrio acidobásico por meio da excreção de urina ácida, que reduz a quantidade de ácido no
líquido extracelular, ou de urina básica, que remove as bases do líquido extracelular.
O mecanismo geral pelo qual os rins excretam urina ácida ou básica é o seguinte: uma grande quantidade de
é filtrada continuamente nos túbulos; se o for excretado na urina, a base é removida do sangue. Uma
grande quantidade de H+ também é secretada no lúmen tubular, removendo, assim, o ácido do sangue. Se a secreção
de H+ for maior do que a filtração de , haverá uma perda efetiva de ácido do líquido extracelular. Em
contrapartida, se a filtração de for maior do que a secreção de H+, ocorrerá uma perda efetiva de base. Além
da secreção de H+ e da reabsorção do filtrado, os rins podem gerar um novo a partir das reações que
ocorrem nos túbulos renais. Por conseguinte, os rins regulam a concentração de H+ do líquido extracelular por meio
de três mecanismos fundamentais: (1) a secreção de H+, (2) a reabsorção do filtrado e (3) a produção de um
novo .

Secreção de H+ e reabsorção de HCO3– pelos túbulos renais


A secreção de íons hidrogênio e a reabsorção de ocorrem em praticamente todas as partes dos túbulos, exceto
nos ramos descendente e ascendente delgado da alça de Henle. O bicarbonato não é reabsorvido diretamente pelos
túbulos; em vez disso, ele é reabsorvido em consequência da reação do H+ secretado com o filtrado no
líquido tubular, sob a influência da anidrase carbônica no epitélio tubular. Para cada reabsorvido, um H+
precisa ser secretado.
O H+ é secretado no líquido tubular por meio de contratransporte de sódio‑hidrogênio no túbulo
proximal, no ramo ascendente espesso da alça de Henle e no túbulo distal. Ver Figura 31.1. O H+
secretado é consumido pela reação com , formando H2CO3, que se dissocia em CO2 e H2O. O CO2 difunde-se
na célula e é utilizado para formar novamente H2CO3 e, por fim, , que é reabsorvido através das membranas
basolaterais dos túbulos.
Em geral, mais de 99% do filtrado é reabsorvido pelos túbulos renais, ao passo que cerca de 95% da
reabsorção ocorre nos túbulos proximais, nas alças de Henle e na parte inicial dos túbulos distais.

Figura 31.1 Mecanismos celulares para: (1) secreção ativa de H+ no túbulo renal; (2)
reabsorção tubular de por meio da combinação com H+ para formar H2CO3, que
se dissocia em CO2 e H2O; e (3) reabsorção de Na+ em troca do H+ secretado. Esse
padrão de secreção de H+ ocorre no túbulo proximal, no ramo ascendente espesso da
alça de Henle e na parte inicial do túbulo distal. ATP: trifosfato de adenosina.

Na parte final dos túbulos distais e nos túbulos coletores, o H+ é secretado por transporte ativo
primário. Iniciando na parte terminal dos túbulos distais e continuando pelo restante do sistema tubular, as células
intercalares tipo A do epitélio tubular secretam H+ por transporte ativo primário. As proteínas de transporte
específicas incluem a adenosina trifosfatase (ATPase) transportadora de hidrogênio e uma hidrogênio‑potássio
ATPase transportadora. Os mesmos mecanismos básicos são utilizados para a reabsorção de na parte
terminal do túbulo distal e do túbulo coletor, em relação aos utilizados nos outros segmentos tubulares. Embora a
quantidade total de H+ secretada na parte terminal dos túbulos distais e nos ductos coletores não seja grande, esses
segmentos são capazes de aumentar a concentração de H+ em até 900 vezes, o que reduz o pH do líquido tubular para
cerca de 4,5, que é o limite inferior de pH que pode ser alcançado nos rins normais.
O é titulado contra íons hidrogênio nos túbulos. Em condições normais, a taxa de secreção tubular
de H+ é de cerca de 4.400 mEq/dia, ao passo que a taxa de filtração de é de cerca de 4.320 mEq/dia. As
quantidades desses dois íons que entram nos túbulos são quase iguais, e eles se combinam para formar CO2 e H2O; o
e o H+ normalmente se titulam-se um ao outro nos túbulos.
O processo de titulação não é exato, visto que geralmente existe um discreto excesso de H+ nos túbulos para ser
secretado na urina. O excesso de H+ (cerca de 80 mEq/dia) livra o corpo dos ácidos não voláteis produzidos pelo
metabolismo. A maior parte do H+ não é excretada na forma de H+ livre, mas sim combinada com outros tampões
urinários, particularmente o fosfato e a amônia (NH3).
Na alcalose, a urina apresenta em comparação com o H+. Como o não pode ser
+
reabsorvido, a não ser que reaja com H , o excesso dele permanece na urina e é finalmente excretado, o que ajuda a
corrigir a alcalose.
Na acidose, há um excesso de H+ em relação ao na urina. O excesso de H+ no líquido tubular
provoca a reabsorção completa do filtrado, e o excesso de H+ passa para a urina após se combinar com
tampões nos túbulos, como o fosfato e o NH3. Por conseguinte, o mecanismo básico pelo qual os rins corrigem a
acidose ou a alcalose consiste na titulação incompleta de H+ contra o , permitindo a passagem do H+ ou do
na urina e, portanto, a sua remoção do líquido extracelular.

A COMBINAÇÃO DO EXCESSO DE H+ COM OS TAMPÕES FOSFATO E AMÔNIA NO TÚBULO GERA


NOVOS ÍONS

Quando o H+ é secretado em maiores quantidades do que o filtrado no líquido tubular, apenas uma pequena
parte do excesso de hidrogênio pode ser excretada na urina na forma iônica (H+); o pH mínimo da urina é de cerca de
4,5, o que corresponde a uma concentração de H+ de apenas 10−4,5 mEq/l, ou 0,03 mEq/l.
A excreção de grandes quantidades de H+ (mais de 500 mEq/dia na acidose grave) na urina é realizada
principalmente por meio da combinação de H+ com tampões no líquido tubular. Os dois tampões mais importantes
são o tampão fosfato e o tampão NH3. Para cada H+ secretado que se combina com um tampão não bicarbonato, um
novo é formado nas células tubulares renais e acrescentado aos líquidos corporais.
O tampão fosfato carreia excesso de H+ para a urina e produz novos . O sistema tampão fosfato
é composto por e . O H+ que permanece no túbulo renal, além daquele que reage com , pode
reagir com , formando , que pode ser excretado como sal de sódio, NaH2PO4. Para cada H+ excretado
com tampão fosfato, um novo é produzido no túbulo renal e reabsorvido. O gerado nas células
tubulares representa um ganho efetivo de pelo sangue, e não meramente uma substituição do filtrado.
Em condições normais, cerca de 75% do fosfato filtrado são reabsorvidos, e apenas cerca de 30 a 40 mEq/dia
estão disponíveis para o tamponamento do H+; por conseguinte, na presença de acidose grave, uma grande parte do
tamponamento do excesso de H+ no líquido tubular ocorre por meio do sistema tampão NH3.
A amônia é o tampão urinário mais importante na acidose crônica. O sistema tampão amônia é
composto de NH3 e do íon amônio ( ). Os íons amônio são sintetizados a partir da glutamina, que é ativamente
transportada para dentro das células dos túbulos proximais, dos ramos ascendentes espessos da alça de Henle e dos
túbulos distais. Uma vez no interior da célula, cada molécula de glutamina é metabolizada para formar dois e
dois .O é secretado no lúmen tubular em troca de Na+, ao passo que o atravessa a membrana
basolateral, juntamente ao Na+ reabsorvido. Para cada molécula de glutamina metabolizada, são secretados dois
na urina, e ocorre a reabsorção de dois no sangue. gerado por esse processo constitui o novo
bicarbonato adicional ao sangue.
Nos túbulos coletores, o H+ é ativamente secretado pela membrana tubular dentro do lúmen, onde se combina
com a NH3, que se difunde no lúmen tubular para formar , que, então, é excretado. Para cada excretado,
um novo é gerado e adicionado ao sangue.
Uma das características mais importantes do sistema tampão NH3 renal é o fato de que o metabolismo da
glutamina renal é acentuadamente estimulado pela acidose, aumentando, assim, a formação de e de um novo
, que é utilizado para o tamponamento de H+. Na acidose crônica, o mecanismo dominante de eliminação de
ácido é a excreção de .

QUANTIFICAÇÃO DA EXCREÇÃO RENAL DE ÁCIDOS E BASES

A taxa total de secreção de hidrogênio pode ser calculada da seguinte maneira:


Esse cálculo pressupõe que quase todo o H+ secretado se combina com o , que é reabsorvido ou excretado
com fosfato (acidez titulável) ou tampão NH3.
A taxa de excreção efetiva de ácido é calculada da seguinte maneira:

A razão para subtrair a excreção de é que a perda de equivale à adição de H+ ao sangue. Na


acidose, a taxa de excreção efetiva de ácido aumenta acentuadamente, removendo o ácido do sangue. A taxa de
excreção efetiva de ácido também é igual à taxa de adição de um novo ao sangue. Os rins compensam a
acidose com uma adição efetiva de de volta para o sangue à medida que ocorre mais excreção de e
acidez titulável urinária. Na alcalose, a excreção de ácido titulável e de cai para zero, ao passo que a excreção
de aumenta. Na alcalose, ocorre a secreção efetiva negativa de ácido.
A secreção tubular renal de íons hidrogênio é estimulada por aumentos da PCO2 e da
concentração de H+ extracelular. Na alcalose, a secreção tubular de H+ diminui para um nível que é muito baixo
para a ocorrência de reabsorção completa de , o que permite que os rins aumentem a excreção de . Na
acidose, a secreção tubular de H+ é suficiente para reabsorver todo o filtrado, e o excesso de H+ é excretado
como e ácido titulável, contribuindo, assim, com grandes quantidades de novo para o sangue.
Os dois estímulos mais importantes para aumentar a secreção de H+ pelos túbulos na acidose consistem em: (1)
aumento da PCO2 do líquido extracelular na acidose respiratória e (2) aumento da concentração de H+ do líquido
extracelular (diminuição do pH) na acidose respiratória e metabólica.

CORREÇÃO RENAL DA ACIDOSE: AUMENTO DA EXCREÇÃO DE H+ E ADIÇÃO DE HCO3 AO LÍQUIDO


EXTRACELULAR

Ocorre acidose quando o pH arterial cai abaixo de 7,4. Se a redução do pH for causada pela diminuição de ,a
condição é denominada acidose metabólica; já se a redução do pH for causada pelo aumento da PCO2, a condição é
denominada acidose respiratória.
Independentemente de a acidose ser respiratória ou metabólica, ambas as condições diminuem a razão /H+
+
no líquido tubular renal. Isso resulta em excesso de H nos túbulos renais, causando a reabsorção completa de
e deixando uma quantidade adicional de H+ disponível para combinação com os tampões urinários e
. Na acidose, os rins reabsorvem todo o filtrado e contribuem com novo por meio da
formação de e ácido titulável (acidez titulável).
A acidose metabólica resulta da diminuição de bicarbonato no líquido extracelular. A diminuição da
concentração de no líquido extracelular reduz a filtração glomerular de . As respostas compensatórias
incluem: estimulação da respiração, que elimina o CO2; aumento da reabsorção renal de ; e excreção de ácido
titulável e de , que leva à formação de um novo e retorna o pH para valores normais.
As principais causas de acidose metabólica são as seguintes:

Formação de ácidos metabólicos em excesso no corpo. Um exemplo é a acidose metabólica que ocorre no diabetes
melito, em que são formadas grandes quantidades de ácido acetoacético a partir do metabolismo das gorduras
Ingestão de ácidos metabólicos em excesso. Isso pode ocorrer, por exemplo, com a ingestão de certos medicamentos,
como o ácido acetilsalicílico e o álcool metílico, que são metabolizados para produzir ácido fórmico
Perda excessiva de base dos líquidos corporais. Isso ocorre mais comumente com diarreia grave, em que grandes
quantidades de secreções gastrointestinais contendo são perdidas do corpo
Diminuição da secreção tubular renal de H+ ou redução da reabsorção de . Isso pode decorrer de uma
condição denominada acidose tubular renal, em que os rins são incapazes de secretar quantidades adequadas de H+.
Em consequência, grandes quantidades de não são reabsorvidas e perdidas na urina, provocando um estado
continuado de acidose metabólica. A insuficiência renal crônica, que ocorre quando a função renal declina
acentuadamente e o H+ não é adequadamente secretado pelos túbulos, também causa a formação de ácido nos
líquidos corporais. Nesses casos, os rins são incapazes de compensar a acidose pelos mecanismos discutidos
anteriormente.

A acidose respiratória é causada pela diminuição da ventilação, com aumento da PCO2. A


diminuição da taxa de ventilação pulmonar aumenta a PCO2 do líquido extracelular, causando a elevação do H2CO3,
da concentração de H+ e da acidose respiratória. Como compensação, o aumento da PCO2 estimula a secreção de H+
pelos túbulos renais, provocando o aumento da reabsorção de . O excesso de H+ remanescente nas células
tubulares combina-se com tampões, levando à geração de um novo , que é adicionado de volta ao sangue.
Essas alterações ajudam o pH do plasma a retornar ao normal.
As causas comuns de acidose respiratória são condições patológicas que provocam danos aos centros
respiratórios ou que comprometem a capacidade dos pulmões de eliminar efetivamente o CO2. Por exemplo, o dano
ao centro respiratório no bulbo pode causar acidose respiratória. A obstrução das passagens do sistema respiratório, a
pneumonia, a diminuição da área de superfície pulmonar ou qualquer fator capaz de interferir na troca de gases entre
o sangue a membrana alveolar podem causar acidose respiratória.

CORREÇÃO RENAL DA ALCALOSE: REDUÇÃO DA SECREÇÃO TUBULAR DE H+ E AUMENTO DA


EXCREÇÃO DE HCO3

Ocorre alcalose quando o pH arterial eleva-se acima de 7,4. Se o aumento do pH resultar principalmente do aumento
do plasmático, a condição é denominada alcalose metabólica; já se a alcalose for causada pela redução da
PCO2, ela é denominada alcalose respiratória.
As respostas compensatórias à alcalose são basicamente opostas àquelas da acidose. Na alcalose, a razão
/CO2 no líquido extracelular aumenta, causando a elevação do pH (diminuição da concentração de H+).
Independentemente de a alcalose ser causada por anormalidades metabólicas ou respiratórias, ainda ocorre o
aumento da razão /H+ no líquido tubular renal. O efeito final consiste em excesso de , que não pode
ser reabsorvido dos túbulos e, portanto, é excretado na urina. Na alcalose, o é removido do líquido
extracelular por meio de excreção renal.
A alcalose metabólica resulta da diminuição da concentração de do líquido extracelular. O
aumento do no líquido extracelular aumenta a carga filtrada de , que, por sua vez, resulta em excesso
de em relação ao H+ no líquido tubular renal. Esse excesso não é reabsorvido, visto que não há H+ suficiente
com o qual o possa reagir, de modo que ele é excretado na urina. Na alcalose metabólica, as principais
compensações consistem em aumento da excreção renal de e diminuição da taxa de ventilação, o que
aumenta a PCO2.
A alcalose metabólica não é tão comum quanto a acidose metabólica, porém algumas causas importantes
incluem:

Excesso de secreção de aldosterona. Isso promove a reabsorção excessiva de Na+ e, ao mesmo tempo, estimula a
secreção de H+ pelas células intercalares dos túbulos coletores, a produção excessiva de pelos rins e,
portanto, o desenvolvimento de alcalose metabólica
Vômito do conteúdo gástrico. O vômito do conteúdo gástrico apenas, sem vômito do conteúdo do trato
gastrointestinal inferior, provoca a perda de cloreto de hidrogênio secretado pela mucosa do estômago. O resultado
consiste em perda de ácido do líquido extracelular e desenvolvimento de alcalose metabólica
Ingestão de medicamentos alcalinos. Uma das causas mais comuns de alcalose metabólica é a ingestão de
medicamentos, como NaHCO3, para o tratamento de gastrite ou de úlcera péptica.

A alcalose respiratória é causada pelo aumento da ventilação, que diminui o . A alcalose


respiratória raramente é causada por condições patológicas físicas; todavia, em certas ocasiões, uma crise de
ansiedade causa o aumento da respiração a ponto de provocar alcalose. Ocorre alcalose respiratória fisiológica
quando um indivíduo sobe até grandes altitudes. O baixo conteúdo de oxigênio do ar estimula a respiração, que
causa a perda excessiva de CO2 e o desenvolvimento de alcalose respiratória discreta. Os principais meios de
compensação consistem nos tampões químicos dos líquidos corporais e na capacidade dos rins de aumentar a
excreção de .
A Tabela 31.1 mostra os vários distúrbios acidobásicos e as alterações características no pH do sangue, na
concentração de H+, na PCO2 e na concentração de .

Tabela 31.1Características dos distúrbios acidobásicos primários.

Distúrbio pH H+ PCO2

Acidose respiratória ↓ ↑ ⇑ ↑
Alcalose respiratória ↑ ↓ ⇓ ↓
Acidose metabólica ↓ ↑ ↓ ⇓
Alcalose metabólica ↑ ↓ ↑ ⇑

O principal evento é indicado pela seta dupla (⇑ ou ⇓). Observe que os distúrbios acidobásicos respiratórios são iniciados pelo
aumento ou pela redução da PCO2, ao passo que os distúrbios metabólicos são iniciados pelo aumento ou pela redução do .
CAPÍTULO 32

Diuréticos e Doenças Renais

DIURÉTICOS E SEUS MECANISMOS DE AÇÃO

Os diuréticos aumentam o volume de urina e a taxa de excreção urinária de sódio. Muitos


diuréticos aumentam o volume de urina e a excreção urinária de solutos, particularmente o sódio e o cloreto. Em sua
maioria, os diuréticos utilizados clinicamente atuam sobretudo para diminuir a taxa de reabsorção de cloreto de sódio
nos túbulos renais, o que, por sua vez, provoca natriurese (aumento da excreção de sódio) e diurese (aumento da
excreção de água).
O uso clínico mais comum dos diuréticos consiste em reduzir o volume de líquido extracelular em doenças
associadas a edema e hipertensão.
Ocorre equilíbrio entre a ingestão de sal e de água e o débito renal durante a terapia crônica
com diuréticos. Alguns diuréticos podem aumentar o débito urinário em mais de 20 vezes dentro de poucos
minutos após a sua administração. Entretanto, o efeito dos diuréticos sobre o débito renal de sal e de água desaparece
gradualmente, devido à ativação de mecanismos compensatórios, iniciados pela redução do volume de líquido
extracelular. Por exemplo, a redução do volume de líquido extracelular diminui a pressão arterial e a taxa de filtração
glomerular (TFG), ao passo que aumenta a secreção de renina e a formação de angiotensina II. Todas essas respostas
finalmente anulam o efeito do diurético sobre o débito urinário, que, em condições estáveis, torna-se igual ao aporte
– porém apenas após a ocorrência de uma redução no volume de líquido extracelular.
Dispõe-se de muitos diuréticos para uso clínico, os quais apresentam diferentes mecanismos de ação e, portanto,
inibem a reabsorção tubular em diferentes locais ao longo do néfron renal. A Tabela 32.1 apresenta as classes gerais
de diuréticos e seus mecanismos de ação.

DOENÇAS RENAIS

As doenças renais podem ser divididas em duas categorias principais: (1) lesão renal aguda (LRA), em que os rins
abruptamente param de trabalhar por completo ou quase por completo, mas, por fim, podem recuperar uma função
quase normal; e (2) doença renal crônica (DRC), em que ocorre perda progressiva da função dos néfrons,
diminuindo gradualmente a função geral dos rins. Nessas duas categorias gerais, estão incluídas muitas doenças
renais específicas que podem acometer os vasos sanguíneos, os glomérulos, os túbulos, o interstício renal e partes do
trato urinário fora dos rins. Neste capítulo, serão discutidas as anormalidades fisiológicas que ocorrem em alguns dos
tipos mais importantes de doenças renais.
As doenças renais estão entre as causas mais importantes de morte e de incapacidade em muitos países do
mundo. Por exemplo, nos EUA, em 2018, estimou-se que mais de 30 milhões de adultos apresentavam DRC, com
muitos mais milhões de indivíduos portadores de LRA ou de formas menos graves de disfunção renal.

Tabela 32.1Classes de diuréticos, mecanismos de ação e locais de ação nos túbulos.

Local de ação
Classe Exemplo Mecanismo de ação nos túbulos
Diuréticos Manitol Inibição da reabsorção de água e de Principalmente
osmóticos solutos por meio de aumento da o túbulo
osmolaridade do líquido tubular proximal
Diuréticos de alça Furosemida, Inibição do cotransporte Na+‑K+‑Cl– na Ramo
bumetanida membrana lumina ascendente
espesso da
alça de Henle
Diuréticos Hidroclorotiazida Inibição do cotransporte de Na+‑Cl– na Parte inicial
tiazídicos clortalidona membrana luminal dos túbulos
distais
Inibidores da Acetazolamida Inibição da secreção de H+ e Túbulos
anidrase carbônica reabsorção de , o que diminui a proximais
reabsorção de Na+
Antagonistas do Espironolactona, Inibição da ação da aldosterona sobre Túbulos
receptor de eplerenona o receptor de mineralocorticoides coletores
mineralocorticoides tubular e diminuição da reabsorção de
Na+ e da secreção de K+
Bloqueadores dos Amilorida, Bloqueio da entrada de Na+ nos canais Túbulos
canais de sódio triantereno de sódio da membrana luminal e coletores
diminuição da reabsorção de Na+ e da
secreção de K+

Lesão renal aguda


Foram identificadas três categorias principais de LRA.
Lesão renal aguda pré‑renal causada pela diminuição do aporte sanguíneo para os rins. A
diminuição do aporte sanguíneo para os rins pode ser uma consequência de: insuficiência cardíaca, que reduz o
débito cardíaco e a pressão arterial; condições associadas à diminuição do volume sanguíneo e da pressão arterial,
como hemorragia grave; ou qualquer outro fator capaz de reduzir a pressão arterial, como sepse. Quando o fluxo
sanguíneo para os rins diminui para menos de 20% da taxa normal, as células renais tornam-se hipóxicas. Reduções
adicionais do fluxo, se forem prolongadas, causam danos ou morte às células renais. Se a LRA não for corrigida, esse
tipo de insuficiência pode evoluir para a LRA intrarrenal.
Lesão renal aguda intrarrenal causada por anormalidades do próprio rim, incluindo
anormalidades que afetam os vasos sanguíneos, os glomérulos ou os túbulos. A glomerulonefrite
aguda é um tipo de LRA intrarrenal causada por uma reação imunológica anormal que desencadeia a inflamação dos
glomérulos. A inflamação aguda geralmente regride em cerca de 2 semanas, embora, em alguns pacientes, muitos
glomérulos sejam destruídos sem a possibilidade de reparo. Em uma pequena porcentagem de pacientes, a
deterioração renal contínua leva à DRC progressiva.
Outras causas de LRA intrarrenal incluem necrose tubular aguda, causada por isquemia renal grave ou toxinas e
medicamentos, que provocam danos às células epiteliais tubulares. Se o dano não for demasiado grave, pode ocorrer
alguma regeneração das células epiteliais tubulares, e a função renal pode ser restaurada.
A lesão renal aguda pós‑renal é causada por obstrução do sistema coletor urinário em qualquer
ponto, desde os cálices até a saída da bexiga urinária. As causas importantes de obstrução do trato urinário
consistem em cálculos renais, que são provocados pela precipitação de cálcio, urato ou cisteína.

A doença renal crônica é frequentemente associada à perda irreversível de néfrons funcionais


Com frequência, os sintomas clínicos graves de DRC só ocorrem quando o número de néfrons funcionais cai para
pelo menos 70% abaixo do normal. A manutenção de concentrações plasmáticas normais de eletrólitos e do volume
normal dos líquidos corporais ocorre à custa de compensações sistêmicas, como hipertensão, que, em longo prazo,
pode provocar problemas clínicos adicionais.
À semelhança da LRA, a DRC pode decorrer de distúrbios dos vasos sanguíneos, glomérulos, túbulos, interstício
renal e trato urinário inferior. Apesar da grande variedade de distúrbios que podem causar DRC, o resultado é
essencialmente o mesmo: a redução do número de néfrons funcionais.
A doença renal crônica pode iniciar um ciclo vicioso que leva à doença renal terminal. Em alguns
casos, um insulto inicial ao rim leva à deterioração progressiva da função renal e à perda adicional de néfrons até o
ponto em que o indivíduo, para sobreviver, precisa receber tratamento com diálise ou se submeter a transplante com
um rim funcional. Essa condição é denominada doença renal terminal.
As causas dessa lesão progressiva não são conhecidas, porém alguns pesquisadores acreditam que a lesão possa
estar relacionada, em parte, ao aumento da pressão ou ao estiramento dos glomérulos remanescentes, que resulta da
vasodilatação adaptativa ou do aumento da pressão arterial. O aumento da pressão e o estiramento das arteríolas e
dos glomérulos finalmente provocam esclerose (i. e., substituição do tecido normal por tecido fibroso) desses vasos.
Essas lesões escleróticas causam a obliteração dos glomérulos, o que leva à redução adicional da função renal e a um
ciclo vicioso lentamente progressivo, que termina em doença renal terminal. Entre as causas mais comuns de doença
renal terminal, estão o diabetes melito e a hipertensão, que, juntos, são responsáveis por mais de 70% de todos os
casos de DRC.
Algumas das causas gerais de DRC são as seguintes:

Lesão dos vasos sanguíneos renais. Algumas causas comuns de lesão vascular renal são: aterosclerose das grandes
artérias renais; hiperplasia fibromuscular de uma ou mais das grandes artérias; e nefrosclerose, uma condição
causada por lesões escleróticas dos vasos menores e dos glomérulos que, com frequência, resulta de hipertensão ou
de diabetes melito
Lesão glomerular. Um exemplo é a glomerulonefrite crônica, que resulta de várias doenças que provocam
inflamação e danos aos capilares glomerulares. Diferentemente da forma aguda dessa doença, a glomerulonefrite
crônica é uma doença lentamente progressiva, que pode levar à lesão renal irreversível. Isso pode constituir uma
doença renal primária, que ocorre após a glomerulonefrite aguda, ou pode ser secundária a uma doença sistêmica,
como o lúpus eritematoso sistêmico
Lesão do interstício renal. A doença primária ou secundária do interstício renal é denominada nefrite intersticial.
Essa doença pode resultar de lesão vascular, glomerular ou tubular, que destrói néfrons individuais, ou pode envolver
dano primário ao interstício renal por venenos, medicamentos ou infecções bacterianas. A lesão intersticial renal
causada por infecção bacteriana é denominada pielonefrite. Essa infecção pode resultar de bactérias que alcançam os
rins pela circulação sanguínea ou, mais comumente, pela via ascendente a partir do trato urinário inferior, passando
pelos ureteres e alcançando os rins. Na pielonefrite de longa duração, a invasão dos rins por bactérias não apenas
provoca danos ao interstício medular, mas também lesiona progressivamente os túbulos, os glomérulos e outras
estruturas do rim, levando, por fim, à perda dos néfrons funcionais.

Função do néfron na doença renal crônica


A perda da função de néfrons demanda dos néfrons sobreviventes maior excreção de água e
solutos. Normalmente, os rins filtram cerca de 180 l de líquido por dia nos capilares glomerulares e, em seguida,
transformam esse filtrado em aproximadamente 1,5 l de urina, à medida que o líquido flui ao longo dos segmentos
sucessivos do néfron. Independentemente do número de néfrons funcionais, os rins precisam excretar o mesmo
volume de urina e solutos (se a ingestão for constante), de modo a manter o equilíbrio hídrico. Por conseguinte, a
perda de néfrons funcionais exige que os néfrons sobreviventes excretem quantidades adicionais de água e de solutos
para impedir o acúmulo grave dessas substâncias nos líquidos corporais. Isso é obtido pelo aumento da TFG ou pela
redução da taxa de reabsorção tubular nos néfrons sobreviventes. Essas adaptações permitem que o equilíbrio hídrico
e o equilíbrio eletrolítico sejam mantidos com pouca alteração no volume extracelular ou na composição de
eletrólitos, mesmo em pacientes que tiveram uma perda de até 70% dos néfrons.
Diferentemente dos eletrólitos, muitos produtos de degradação do metabolismo, como a ureia e a creatinina,
acumulam-se quase em proporção igual ao número de néfrons destruídos. Contudo, essas substâncias não são
avidamente reabsorvidas pelos túbulos renais, e a sua taxa de excreção depende, em grande parte, da filtração
glomerular. Se a TFG diminuir, essas substâncias acumulam-se no corpo transitoriamente, com consequente aumento
da concentração plasmática até que a carga filtrada (TFG × concentração plasmática) e a taxa de excreção
(concentração da urina × volume de urina) retornem ao normal, isto é, à mesma taxa em que a substância é ingerida
ou produzida no corpo.
Algumas substâncias, como o fosfato, o urato e os íons hidrogênio, são mantidas próximo ao seu valor normal até
que a TFG caia abaixo de 20 a 30% do normal. As concentrações plasmáticas elevam-se em seguida, mas não
proporcionalmente ao declínio da TFG (Figura 32.1). No caso dos íons sódio e cloreto, as suas concentrações
plasmáticas são mantidas em um nível praticamente constante, mesmo com reduções pronunciadas da TFG (ver
curva C da Figura 32.1). Esse efeito é obtido por uma acentuada diminuição da reabsorção tubular desses eletrólitos.

Efeitos da insuficiência renal sobre os líquidos corporais


O efeito da insuficiência renal sobre os líquidos corporais depende da ingestão de água e alimentos e do grau de
comprometimento da função renal. Partindo-se do pressuposto de que a ingestão permaneça relativamente constante,
ocorrem os seguintes efeitos importantes da insuficiência renal:

Retenção de água e desenvolvimento de edema


Aumento da ureia do líquido extracelular (uremia) e de outros nitrogênios não proteicos (azotemia). Os nitrogênios
não proteicos incluem a ureia, o ácido úrico, a creatinina e alguns compostos menos importantes, que, em geral, são
os produtos finais do metabolismo das proteínas

Figura 32.1 Padrões representativos de adaptação para diferentes tipos de solutos na


doença renal crônica. A curva A mostra as alterações aproximadas nas concentrações
plasmáticas de solutos, como a creatinina e a ureia, que são filtrados e pouco
reabsorvidos. Já a curva B mostra as concentrações aproximadas de solutos, como o
fosfato, o urato e os íons hidrogênio. Por fim, a curva C mostra as concentrações
aproximadas de solutos, como sódio e cloreto.
A acidose resulta da incapacidade dos rins de livrarem o corpo de produtos ácidos normais. Os tampões dos líquidos
corporais normalmente conseguem tamponar 500 a 1.000 mmol de ácido, sem aumentos letais da concentração de H+
extracelular. Entretanto, a cada dia, o corpo normalmente produz cerca de 50 a 80 mmol a mais de ácidos
metabólicos do que álcalis metabólicos. Por conseguinte, a insuficiência renal completa leva a um grave acúmulo de
ácido no sangue em poucos dias
Ocorre anemia, visto que, se os rins estiverem gravemente danificados, serão incapazes de formar quantidades
adequadas de eritropoetina, que estimula a medula óssea a produzir hemácias
Ocorre osteomalacia, visto que, na insuficiência renal prolongada, são produzidas quantidades inadequadas da forma
ativa da vitamina D, o que causa a diminuição da absorção intestinal de cálcio e a redução da disponibilidade de
cálcio para os ossos.
À medida que a osteomalacia se desenvolve, os ossos são parcialmente reabsorvidos e tornam-se acentuadamente
enfraquecidos. Outra causa importante da desmineralização dos ossos na insuficiência renal crônica é a elevação da
concentração sérica de fosfato, que ocorre devido à diminuição da TFG. O nível sérico mais elevado de fosfato
aumenta a ligação do fosfato ao cálcio no plasma, diminuindo o cálcio ionizado sérico, que, por sua vez, estimula a
secreção de paratormônio, aumentando a liberação de cálcio dos ossos e causando maior desmineralização.
PARTE 6

Células Sanguíneas, Imunidade e Coagulação Sanguínea

Capítulo 33 Hemácias, Anemia e Policitemia

Capítulo 34 Resistência do Corpo a Infecções: I. Leucócitos, Granulócitos, Sistema Mononuclear Fagocitário e Processo
Inflamatório

Capítulo 35 Resistência do Corpo a Infecções: II. Imunidade e Alergia

Capítulo 36 Tipos Sanguíneos, Transfusão e Transplante de Tecidos e de Órgãos

Capítulo 37 Hemostasia e Coagulação Sanguínea


CAPÍTULO 33

Hemácias, Anemia e Policitemia

HEMÁCIAS (ERITRÓCITOS)

Uma das principais funções das hemácias (eritrócitos) consiste em transportar a hemoglobina, uma proteína que
carrega o oxigênio dos pulmões até os tecidos. As hemácias normais são discos bicôncavos, embora os formatos
possam mudar acentuadamente à medida que as células passam pelos capilares. Uma hemácia normal tem um grande
excesso de membrana celular em relação à quantidade de material que ela contém. A deformação da célula não
distende a membrana e, em consequência, não provoca a ruptura da célula. O número médio de hemácias por
milímetro cúbico é de 5.200.000 (± 300.000) em homens e de 4.700.000 (± 300.000) em mulheres saudáveis.
As hemácias têm a capacidade de concentrar a hemoglobina. Nos indivíduos normais, a porcentagem
de hemoglobina quase sempre está próximo ao nível máximo em cada célula (cerca de 34 g/dl). O sangue contém,
em média, 15 g de hemoglobina por 100 ml nos homens e 14 g nas mulheres. Cada grama de hemoglobina pura tem
a capacidade de se combinar com aproximadamente 1,34 ml de oxigênio. Em um indivíduo saudável, mais de 20 ml
de oxigênio podem ser transportados em combinação com a hemoglobina em cada 100 ml de sangue.
Formação das células sanguíneas. Todas as células do sangue circulante são derivadas de células‑tronco
hematopoéticas multipotentes. As células pluripotentes diferenciam-se para formar as células do sangue periférico. À
medida que essas células se reproduzem, uma parte permanece exatamente igual às células multipotentes originais.
Essas células são retidas na medula óssea para manter um suprimento constante. As células em estágio inicial que se
originaram das células-tronco não podem ser reconhecidas como diferentes tipos de células sanguíneas, embora já
tenham se comprometido com uma linhagem específica de células; essas células são denominadas células‑tronco
comprometidas. As diferentes células-tronco comprometidas produzem diferentes colônias de tipos específicos de
células sanguíneas. Uma célula-tronco comprometida que produz hemácias é denominada unidade formadora de
colônias de eritrócitos, e utiliza-se a abreviatura UFC‑E para designar esse tipo de célula-tronco. De modo
semelhante, as unidades formadoras de colônias que produzem granulócitos e macrófagos são denominadas
UFC‑GM, e assim por diante.
O crescimento e a reprodução das diversas células-tronco são controlados por várias proteínas, denominadas
fatores indutores de crescimento, que promovem o crescimento, mas não a diferenciação das células. A diferenciação
é uma função de outro conjunto de proteínas, denominadas fatores indutores de diferenciação. Cada um desses
indutores de diferenciação faz um tipo de célula-tronco se diferenciar em uma ou mais etapas em direção ao tipo
final de célula sanguínea adulta. A formação dos indutores de crescimento e dos indutores de diferenciação é
controlada por fatores fora da medula óssea. No caso das hemácias, a exposição do corpo a um baixo nível de
oxigênio por um longo período induz o crescimento, a diferenciação e a produção de um número acentuadamente
aumentado de hemácias.

A eritropoetina regula a produção de hemácias


A massa total de hemácias no sistema circulatório é normalmente regulada dentro de limites estreitos. Qualquer
condição que diminua a quantidade de oxigênio transportador para os tecidos geralmente aumenta a taxa de produção
de hemácias. O principal fator que estimula a produção de hemácias é o hormônio circulante denominado
eritropoetina. Em geral, cerca de 90% da eritropoetina é formada nos rins, e o restante é produzido principalmente no
fígado. A estrutura renal onde a eritropoetina é formada não é conhecida. Alguns estudos sugerem que a eritropoetina
seja secretada por células intersticiais semelhantes a fibroblastos ao redor dos túbulos no córtex e na medula externa,
onde ocorre o consumo de grande parte do oxigênio do rim. Outras células, incluindo as células epiteliais renais,
também secretam eritropoetina em resposta à hipóxia (Figura 33.1).
Quando ambos os rins são removidos cirurgicamente ou são destruídos por doença, o indivíduo sempre se torna
extremamente anêmico, visto que a quantidade de eritropoetina formada em tecidos não renais é suficiente para
induzir a formação de apenas um terço até metade do número de hemácias necessário para o corpo.
A maturação das hemácias requer vitamina B12 (cianocobalamina) e ácido fólico. Tanto a vitamina
B12 quanto o ácido fólico são essenciais para a síntese de DNA. A falta de uma dessas vitaminas resulta em
diminuição da quantidade de DNA e, portanto, em falha na maturação e na divisão nucleares. Além de sua
incapacidade de proliferar, as hemácias tornam-se maiores do que o normal, transformando-se em macrócitos,
células que apresentam formatos irregulares e membranas celulares frágeis. Eles são capazes de transportar
normalmente o oxigênio, porém a sua fragilidade os faz terem uma vida curta – de metade a um terço do normal.
Portanto, a deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico causa falha de maturação durante o processo de
eritropoese.

Figura 33.1 Função do mecanismo da eritropoetina para aumentar a produção de


hemácias quando a oxigenação tecidual diminui.

Uma causa comum de falha de maturação é a incapacidade do trato gastrointestinal de absorver a vitamina B12.
Com frequência, essa incapacidade ocorre em indivíduos que apresentam anemia perniciosa, doença em que a
anormalidade básica consiste em atrofia da mucosa gástrica. As células parietais das glândulas gástricas secretam
uma proteína, denominada fator intrínseco, que se combina com a vitamina B12, tornando-a disponível para absorção
pelo intestino. O fator intrínseco liga-se fortemente à vitamina B12 e a protege da digestão pelas enzimas
gastrointestinais. O complexo fator intrínseco-vitamina B12 liga-se a sítios de receptores específicos nas membranas
da borda em escova das células da mucosa do íleo. Em seguida, a vitamina B12 é transportada para o sangue pelo
processo de pinocitose. A falta de fator intrínseco causa a perda de uma grande parte da vitamina, em decorrência da
ação enzimática no intestino e da falha de absorção.

Formação da hemoglobina
A síntese de hemoglobina começa nos eritroblastos policromatófilos e continua no estágio de reticulócito, quando a
célula deixa a medula óssea e passa para a corrente sanguínea. Durante a formação da hemoglobina, a molécula do
heme combina-se com uma longa cadeia polipeptídica, denominada globina, para formar uma subunidade da
hemoglobina, denominada cadeia de globina. Quatro cadeias de globina ligam-se frouxamente entre si para formar a
molécula de hemoglobina.
A característica mais importante da molécula de hemoglobina é a sua capacidade de ligação frouxa e irreversível
ao oxigênio. O átomo de oxigênio liga-se frouxamente a uma das denominadas ligações de coordenação do átomo de
ferro na hemoglobina. Quando ligado ao ferro do heme, o oxigênio é transportado como oxigênio molecular,
composto de dois átomos de oxigênio. O oxigênio é liberado nos líquidos teciduais na forma de oxigênio molecular
dissolvido, em vez de oxigênio iônico.

Metabolismo do ferro
O ferro é importante para a formação da hemoglobina, da mioglobina e de outras substâncias, como citocromos,
citocromo oxidase, peroxidase e catalase. A quantidade total de ferro no corpo é, em média, de cerca de 4 a 5 g.
Cerca de 65% dessa quantidade encontram-se na forma de hemoglobina. Cerca de 4% estão na forma de mioglobina,
1% está na forma dos vários compostos de heme que promovem a oxidação intracelular, 0,1% está combinado com a
proteína transferrina no plasma sanguíneo e 15 a 30% estão armazenados principalmente no sistema
reticuloendotelial e nas células do parênquima hepático, principalmente na forma de ferritina.
Transporte e armazenamento de ferro. Quando o ferro é absorvido pelo intestino delgado, ele rapidamente
se combina com uma betaglobulina, denominada apotransferrina, para formar a transferrina, que é transportada no
plasma. Esse ferro está frouxamente ligado. O excesso de ferro no sangue é depositado nos hepatócitos e nas células
reticuloendoteliais da medula óssea. Uma vez no citoplasma da célula, o ferro combina-se com a proteína
apoferritina para formar a ferritina. Quantidades variáveis de ferro podem se combinar em grupos de radicais de
ferro na ferritina.
Quando a quantidade de ferro no plasma diminui abaixo do normal, o ferro é facilmente removido da ferritina e
transportado pela transferrina no plasma até áreas do corpo em que ele é necessário. Uma característica singular da
molécula de transferrina é a sua capacidade de se ligar fortemente a receptores nas membranas celulares dos
eritroblastos na medula óssea. A transferrina é ingerida nos eritroblastos por endocitose, juntamente ao ferro ligado.
A transferrina libera, então, o ferro diretamente nas mitocôndrias, onde ocorre a síntese do heme.
Quando as hemácias alcançam o fim de sua vida de cerca de 120 dias e são destruídas, a hemoglobina liberada é
fagocitada por células do sistema de monócitos-macrófagos. O ferro livre que é liberado pode ser armazenado no
reservatório de ferritina ou pode ser reutilizado para a formação de nova hemoglobina.

ANEMIAS

A anemia refere-se à deficiência de hemoglobina ou de hemácias e pode ser causada pela rápida perda ou pela
produção lenta de hemácias:

A anemia por perda sanguínea ocorre após uma hemorragia significativa. O corpo é capaz de substituir o plasma em
1 a 3 dias, porém a concentração de hemácias permanece baixa. Após a ocorrência de hemorragia significativa, é
necessário um período de 3 a 4 semanas para que o número de hemácias retorne a níveis normais
A anemia aplásica é causada por disfunção da medula óssea, que pode ser devida à exposição à radiação gama para
o tratamento do câncer ou a produtos químicos tóxicos, como inseticidas ou benzeno na gasolina. Na presença de
distúrbios autoimunes, como o lúpus eritematoso, o sistema imune ataca as células saudáveis da medula óssea, o que
destrói as células-tronco e pode levar ao desenvolvimento de anemia aplásica. Os indivíduos com anemia aplásica
grave geralmente morrem, a não ser que sejam tratados com transfusões de sangue ou transplante de medula óssea
A anemia megaloblástica resulta da falta de vitamina B12, de ácido fólico ou do fator intrínseco. A falta dessas
substâncias leva à produção lenta de hemácias na medula óssea. Em consequência, essas hemácias crescem e
transformam-se em células grandes e de forma estranha, denominadas megaloblastos ou macrócitos
A anemia hemolítica resulta da ruptura de hemácias frágeis quando estas passam através dos capilares. Na anemia
hemolítica, o número de hemácias formadas é normal ou acima do normal; todavia, como essas células são
extremamente frágeis, a sua vida é muito curta. A anemia falciforme é um tipo de anemia hemolítica causada por
uma composição anormal das cadeias de globina da hemoglobina. Quando essa hemoglobina anormal é exposta a
baixas concentrações de oxigênio, ela precipita em longos cristais dentro das hemácias, o que faz a célula adquirir
uma forma anormal em foice e ser extremamente frágil.

POLICITEMIA

A policitemia é uma condição em que o número de hemácias na circulação aumenta, devido à hipóxia crônica ou à
aberração genética. Os indivíduos que vivem em grandes altitudes apresentam policitemia fisiológica, como
resultado da pressão atmosférica de oxigênio muito baixa. A policitemia também pode ocorrer em indivíduos com
insuficiência cardíaca, em virtude da diminuição do fornecimento de oxigênio aos tecidos.
A policitemia vera é uma alteração genética na linhagem das células hemocitoblásticas. As células blásticas
continuam produzindo hemácias, apesar da presença de um número excessivo dessas células na circulação. Assim, o
hematócrito pode aumentar e alcançar 60 a 70%.
Como a policitemia aumenta acentuadamente a viscosidade do sangue, o fluxo sanguíneo através dos vasos é
geralmente lento.
CAPÍTULO 34

Resistência do Corpo a Infecções: I. Leucócitos, Granulócitos, Sistema


Mononuclear Fagocitário e Processo Inflamatório

Nossos corpos têm um sistema especial para combater os diversos agentes infecciosos e tóxicos aos quais estamos
continuamente expostos. Os leucócitos (glóbulos brancos) são as unidades móveis do sistema protetor do corpo. Eles
são formados na medula óssea e no tecido linfático e transportados no sangue até área de inflamação, a fim de
proporcionar uma defesa rápida e potente contra os agentes infecciosos. Em geral, são encontrados cinco tipos de
leucócitos no sangue, nas seguintes porcentagens aproximadas:

Neutrófilos (polimorfonucleares): 62%


Eosinófilos (polimorfonucleares): 2,3%
Basófilos (polimorfonucleares): 0,4%
Monócitos: 5,3%
Linfócitos: 30,0%.

Os três tipos de células polimorfonucleares têm aparência granular e são denominados granulócitos. Os
granulócitos e os monócitos protegem o corpo contra microrganismos invasores pela sua ingestão por meio da
fagocitose. Os linfócitos atuam principalmente em conexão com o sistema imune para atacar microrganismos
invasores específicos e destruí-los.
Formação dos leucócitos. Duas linhagens de leucócitos são formadas a partir das células‑tronco
hematopoéticas multipotentes: a linhagem mielocítica e a linhagem linfocítica. Os granulócitos e os monócitos são
produtos da linhagem mielocítica, ao passo que os linfócitos são produtos da linhagem linfocítica.
O tempo de vida dos leucócitos varia. A principal razão pela qual os leucócitos estão presentes no sangue é
para serem transportados da medula óssea ou dos tecidos linfoides para áreas do corpo onde são necessários. O
tempo de vida dos granulócitos liberados pela medula óssea normalmente é de 4 a 8 horas no sangue circulante e de
mais 4 a 5 dias nos tecidos. Na presença de infecção grave dos tecidos, o tempo de vida total com frequência é
reduzido para apenas algumas horas, visto que os granulócitos dirigem-se rapidamente para a área infectada,
desempenham a sua função e são destruídos no processo.
Os monócitos também apresentam um curto tempo de trânsito, de 10 a 20 horas, no sangue antes de sua entrada
nos tecidos. Uma vez nos tecidos, eles aumentam acentuadamente de tamanho, transformando-se em macrófagos
teciduais. Nessa forma, eles podem viver por vários meses, a não ser que sejam destruídos durante o desempenho de
suas funções fagocíticas.
Os linfócitos entram no sistema circulatório continuamente com a drenagem da linfa dos linfonodos. Após
algumas horas, eles passam do sangue de volta para os tecidos por diapedese/extravasamento e voltam a entrar na
linfa para retornar ao sangue repetidamente; assim, ocorre uma circulação contínua de linfócitos por todo o tecido.
Os linfócitos apresentam tempo de vida de meses ou até mesmo anos, dependendo da necessidade do corpo por essas
células.

OS NEUTRÓFILOS E OS MACRÓFAGOS ATACAM OS AGENTES INFECCIOSOS


Os neutrófilos e os monócitos, principalmente, atacam e destroem as bactérias, os vírus e outros agentes nocivos
invasores. Os neutrófilos são células maduras que podem atacar e destruir bactérias e vírus no sangue circulante. Os
monócitos do sangue são células imaturas que têm pouca capacidade de lutar contra agentes infecciosos. Todavia,
após a sua entrada nos tecidos, eles se transformam em macrófagos teciduais, que são extremamente capazes de
combater os agentes patogênicos. Tanto os neutrófilos quanto os macrófagos movem-se pelos tecidos por meio de
movimento ameboide quando estimulados por produtos formados nas áreas de inflamação. Essa atração dos
neutrófilos e dos macrófagos para a área inflamada é denominada quimiotaxia.
A principal função dos neutrófilos e dos macrófagos é a fagocitose. A fagocitose precisa ser um
processo altamente seletivo; caso contrário, as células e as estruturas normais também seriam ingeridas. A maioria
das estruturas naturais nos tecidos apresenta superfícies lisas que resistem à fagocitose; entretanto, se a superfície for
rugosa, a probabilidade de ocorrer fagocitose aumenta. A maioria das substâncias naturais do corpo apresenta
revestimentos proteicos protetores, que repelem os fagócitos. Com frequência, os tecidos mortos e a maioria das
partículas estranhas não têm revestimento protetor, o que os torna sujeitos à fagocitose. O corpo também desenvolve
anticorpos contra agentes infecciosos, como as bactérias. Os anticorpos aderem às membranas bacterianas, tornando
as bactérias mais suscetíveis à fagocitose.
Uma vez que uma partícula estranha tenha sido fagocitada, os lisossomos e outros grânulos citoplasmáticos
entram imediatamente em contato com as vesículas fagocíticas e despejam enzimas digestivas e agentes bactericidas
nelas.

PROCESSO INFLAMATÓRIO: PAPEL DOS NEUTRÓFILOS E DOS MACRÓFAGOS

Quando ocorre lesão tecidual, o tecido lesionado libera diversas substâncias, que causam alterações secundárias no
tecido circundante. Essas substâncias aumentam o fluxo sanguíneo local e a permeabilidade dos capilares, o que
provoca o extravasamento de grandes quantidades de líquido para os espaços intersticiais, a migração de um grande
número de granulócitos e monócitos nos tecidos e edema local. Todo esse complexo de alterações teciduais é
denominado inflamação.
Um dos primeiros resultados da inflamação é o isolamento da área de lesão dos tecidos remanescentes. Os
espaços teciduais e os vasos linfáticos na área inflamada são bloqueados por coágulos de fibrinogênio, de modo que
o líquido quase não flui através desses espaços. Esse processo retarda a disseminação das bactérias ou dos produtos
tóxicos. A intensidade da inflamação é geralmente proporcional à gravidade da lesão tecidual. Os estafilococos que
invadem os tecidos liberam toxinas celulares letais, e esse processo é seguido de rápido desenvolvimento de
inflamação. De modo característico, as infecções estafilocócicas são rapidamente isoladas. Em comparação, os
estreptococos não causam essa destruição tão intensa dos tecidos locais, de modo que o isolamento se desenvolve
lentamente. Em consequência, os estreptococos têm maior tendência a se disseminarem pelo corpo e a causarem
morte do que os estafilococos, embora estes últimos sejam muito mais destrutivos para os tecidos.

Respostas dos macrófagos e dos neutrófilos durante o processo inflamatório


Os macrófagos teciduais fornecem a primeira linha de defesa contra as infecções. Alguns minutos
após o início da inflamação, os macrófagos presentes nos tecidos iniciam as suas ações fagocíticas. Muitos
macrófagos sésseis desprendem-se de suas ligações e tornam-se móveis em resposta a fatores quimiotáticos. Esses
macrófagos migram para a área de inflamação e contribuem com a sua atividade.
A invasão da área inflamada por neutrófilos constitui a segunda linha de defesa. Durante a primeira
hora ou após o início do processo inflamatório, um grande número de neutrófilos invade a área inflamada, em
decorrência dos produtos no tecido inflamado, que atraem essas moléculas e desencadeiam quimiotaxia na área.
Algumas horas após o início da inflamação aguda grave, o número de neutrófilos aumenta até quatro a cinco
vezes. Essa neutrofilia é causada por produtos inflamatórios que são transportados no sangue para a medula óssea,
onde os neutrófilos dos capilares medulares são mobilizados e movem-se para dentro do sangue circulante. Esse
processo resulta na disponibilidade de mais neutrófilos para a área do tecido inflamado.
A segunda invasão de macrófagos no tecido inflamado constitui a terceira linha de defesa.
Juntamente à invasão de neutrófilos, os monócitos do sangue entram no tecido inflamado e aumentam de tamanho,
transformando-se em macrófagos. O número de monócitos no sangue circulante é normalmente baixo, e o
reservatório de armazenamento de monócitos na medula óssea é muito menor que o dos neutrófilos. O acúmulo de
macrófagos no tecido inflamado é muito mais lento do que o dos neutrófilos. Depois de vários dias a várias semanas,
os macrófagos passam a constituir as células fagocíticas dominantes na área inflamada, devido ao aumento da
produção de monócitos pela medula óssea.
O aumento da produção de granulócitos e de monócitos pela medula óssea constitui a quarta
linha de defesa. Esse processo resulta da estimulação das células progenitoras granulocíticas e monocíticas da
medula. São necessários 3 a 4 dias para que os granulócitos e os monócitos recém-formados alcancem o estágio de
saída da medula óssea.
Controle por feedback das respostas dos macrófagos e dos neutrófilos. Mais de duas dúzias de
fatores foram implicados no controle das respostas dos macrófagos e neutrófilos à inflamação. Acredita-se que os
cinco fatores seguintes desempenhem um papel dominante:

Fator de necrose tumoral.


Interleucina-1.
Fator estimulador de colônias de granulócitos-monócitos.
Fator estimulador de colônias de granulócitos.
Fator estimulador de colônias de monócitos.

Esses cinco fatores são formados pelos macrófagos e pelas células T ativadas nos tecidos inflamados. Os
principais instrumentos para o aumento da produção de granulócitos e de monócitos pela medula óssea consistem em
três fatores estimuladores de colônias. A combinação do fator de necrose tumoral, da interleucina-1 e dos fatores
estimuladores de colônias fornece um poderoso mecanismo de feedback, que se inicia com a inflamação tecidual e
prossegue para a formação de leucócitos de defesa e a remoção da causa, bem como da inflamação.
Formação de pus. Quando os neutrófilos e os macrófagos engolfam um grande número de bactérias e de
tecido necrótico, praticamente todos os neutrófilos e muitos dos macrófagos morrem. A combinação de porções
variáveis de tecido necrótico, neutrófilos mortos, macrófagos mortos e líquido tecidual é comumente conhecida
como pus. Quando a infecção é suprimida, as células mortas e o tecido necrótico no pus gradualmente sofrem
autólise no decorrer de um período de alguns dias e são absorvidos nos tecidos circundantes, até o desaparecimento
da maior parte das evidências de dano tecidual.
A produção de eosinófilos é estimulada por infecções parasitárias. Os parasitas são, em sua maioria,
demasiado grandes para serem fagocitados. Os eosinófilos ligam-se à superfície dos parasitas e liberam substâncias,
como enzimas hidrolíticas, formas reativas de oxigênio e polipeptídeos larvicidas, denominados proteínas básicas
principais, que, então, matam muitos dos parasitas invasores.
Em geral, os eosinófilos constituem cerca de 2% de todos os leucócitos do sangue. Além de combaterem
infecções parasitárias, os eosinófilos têm propensão a se acumularem em tecidos nos quais ocorreram reações
alérgicas. A migração de eosinófilos para tecidos alérgicos inflamados resulta da liberação do fator quimiotáxico de
eosinófilos dos mastócitos e basófilos. Acredita-se que os eosinófilos procedam à destoxificação de algumas das
substâncias indutoras de inflamação que são liberadas pelos mastócitos e basófilos e destruam os complexos
alergênios-anticorpos, evitando, assim, a disseminação do processo inflamatório.
Os basófilos são mastócitos circulantes. Os mastócitos e os basófilos liberam heparina no sangue, o que
impede a coagulação sanguínea. Essas células também liberam histamina, bem como quantidades menores de
bradicinina e serotonina, que contribuem para o processo inflamatório. Os mastócitos e os basófilos desempenham
um importante papel em algumas reações alérgicas. A classe de anticorpos de imunoglobulina E (responsáveis pelas
reações alérgicas) tem propensão a se ligar aos mastócitos e basófilos. A ligação resultante do antígeno alérgico ao
anticorpo imunoglobulina E provoca a ruptura dos mastócitos ou dos basófilos, com a liberação de grandes
quantidades de histamina, bradicinina, serotonina, heparina, substância de reação lenta da anafilaxia e enzimas
lisossomais. Por sua vez, essas substâncias causam as reações vasculares e teciduais locais que são características das
manifestações alérgicas.

LEUCEMIAS
As leucemias são divididas em dois tipos gerais: linfoide e mieloide. As leucemias linfoides são causadas pela
produção cancerosa descontrolada de células linfoides, que, em geral, começa em um linfonodo ou outro tecido
linfoide e, em seguida, propaga-se para outras áreas do corpo. Já nas leucemias mieloides começa pela produção
cancerosa de células mieloides jovens na medula óssea e, em seguida, propaga-se por todo o corpo; por conseguinte,
os leucócitos são produzidos em muitos órgãos extramedulares. Em geral, as células leucêmicas não são funcionais,
de modo que elas são incapazes de fornecer a proteção habitual contra a infecção, que está associada aos leucócitos.
Quase todas as leucemias se disseminam para o baço, os linfonodos, o fígado e outras regiões ricamente
vascularizadas, independentemente de a origem da leucemia ser a medula óssea ou os linfonodos. As células de
rápido crescimento invadem os tecidos circundantes, utilizam os elementos metabólicos desses tecidos e,
subsequentemente, provocam a destruição tecidual por inanição metabólica.
CAPÍTULO 35

Resistência do Corpo a Infecções: II. Imunidade e Alergia

IMUNIDADES INATA E ADQUIRIDA

A imunidade refere-se à capacidade de resistir a organismos ou toxinas que provocam danos aos tecidos do corpo. A
maioria dos organismos tem imunidade inata, que consiste em ações gerais, como fagocitose de bactérias, destruição
de patógenos por secreções ácidas, enzimas digestivas no trato gastrointestinal, resistência da pele à invasão e
determinadas substâncias químicas no sangue que se ligam a organismos estranhos ou toxinas e os destroem. Já a
imunidade adquirida é a capacidade de desenvolver mecanismos de proteção poderosos contra agentes invasores
específicos, como bactérias letais, vírus, toxinas e até mesmo tecidos estranhos de outros organismos.
A imunidade adquirida é iniciada por antígenos. Ocorrem dois tipos básicos de imunidade adquirida no
corpo. A imunidade humoral, ou imunidade dos linfócitos B (visto que os linfócitos B produzem os anticorpos),
envolve o desenvolvimento de anticorpos circulantes, que têm a capacidade de atacar um agente invasor. A
imunidade celular, ou imunidade dos linfócitos T (visto que os linfócitos ativados são linfócitos T), é obtida pela
formação de um grande número de linfócitos ativados, que são produzidos especificamente para destruir o agente
estranho.
Como a imunidade adquirida não se desenvolve antes da invasão por um organismo estranho ou uma toxina, o
corpo precisa dispor de algum mecanismo para reconhecer a invasão. Em geral, cada organismo invasor ou toxina
contém um ou mais compostos químicos específicos, que são diferentes de todos os outros compostos. Essas
substâncias são denominadas antígenos e iniciam o desenvolvimento da imunidade adquirida.
Para que uma substância, como um polipeptídeo, seja antigênica, ela normalmente precisa ter um peso molecular
de pelo menos 8.000 quilodáltons. Entretanto, as respostas imunes também podem ser geradas contra substâncias
menores, denominadas haptenos, se elas estiverem ligadas a uma proteína carreadora grande. O processo de
antigenicidade depende da ocorrência regular, na superf ície das grandes moléculas, de grupos moleculares
denominados epítopos; as proteínas e os grandes polissacarídeos são quase antigênicos, visto que eles contêm esse
tipo de característica estereoquímica.
Os linfócitos são responsáveis pela imunidade adquirida. Os linfócitos são encontrados nos linfonodos
e em tecidos linfoides especiais, como no baço, nas áreas submucosas do trato gastrointestinal e na medula óssea. O
tecido linfoide é distribuído com vantagem pelo corpo para interceptar os organismos invasores e as toxinas antes
que eles possam se disseminar.
Existem duas populações de linfócitos, os linfócitos T e os linfócitos B, ambos os quais são derivados de
células‑tronco hematopoéticas multipotentes, que se diferenciam para formar os linfócitos. Os linfócitos T,
processados no timo, são responsáveis pela imunidade celular. Já os linfócitos B, processados no fígado durante
metade da vida fetal e na medula óssea no fim da vida fetal e após o nascimento, são responsáveis pela imunidade
humoral.
Timo pré‑processa os linfócitos T. Os linfócitos dividem-se rapidamente e desenvolvem uma extrema
diversidade para reagir contra diversos antígenos específicos no timo. Os linfócitos T processados deixam o timo e
disseminam-se para os tecidos linfoides em todo o corpo. A maior parte do pré-processamento dos linfócitos T no
timo ocorre pouco antes e depois do nascimento. A remoção do timo depois desse período diminui, porém não
elimina, o sistema de linfócitos T. Entretanto, a remoção do timo vários meses após o nascimento impede o
desenvolvimento de toda a imunidade mediada por células, incluindo a rejeição de transplantes de órgãos.
Fígado e medula óssea pré‑processam os linfócitos B. Nos seres humanos, os linfócitos B são pré-
processados no fígado durante a metade da vida fetal e na medula óssea no fim da vida fetal e após o nascimento. Os
linfócitos B diferem dos linfócitos T, visto que eles secretam ativamente anticorpos, grandes moléculas proteicas
capazes de se combinar com substâncias antigênicas e destruí-las. Os linfócitos B também exibem maior diversidade
do que os linfócitos T, uma vez que formam muitos milhões de anticorpos com diferentes reatividades específicas.
Após o processamento, os linfócitos B migram para os tecidos linfoides em todo o corpo e se alojam em locais
próximos às áreas de linfócitos T.
Quando um antígeno específico entra em contato com os linfócitos T e B no tecido linfoide, um conjunto de
linfócitos T e B sofre ativação, formando linfócitos T ativados e linfócitos B ativados, que, subsequentemente,
produzem anticorpos. Os linfócitos T ativados e os anticorpos recém-formados reagem especificamente com os
antígenos que iniciaram o seu desenvolvimento e os inativam ou destroem.
Linfócitos T e B pré‑formados aguardam a ativação por um antígeno. Milhões de tipos de linfócitos T
e B pré-formados são capazes de responder a um antígeno apropriado. Cada um desses linfócitos tem a capacidade
de produzir apenas um tipo de anticorpo ou um tipo de linfócito T com um único tipo de especificidade. Uma vez
que o linfócito específico é ativado pelo seu antígeno, ele se reproduz e forma um enorme número de linfócitos
duplicados. Se o linfócito for B, seus descendentes secretarão anticorpos que circularão por todo o corpo. Se for um
linfócito T, seus descendentes se tornarão linfócitos T sensibilizados, que serão liberados no sangue, onde circularão
pelos líquidos teciduais em todo o corpo e retornarão para a linfa. Cada conjunto de linfócitos capaz de formar um
anticorpo específico ou um linfócito T ativado é denominado clone de linfócitos. Os linfócitos de cada clone são
idênticos, e todos são derivados de um tipo específico de linfócito progenitor.

ATRIBUTOS ESPECÍFICOS DO SISTEMA DOS LINFÓCITOS B: IMUNIDADE HUMORAL E


ANTICORPOS

Após a entrada de um antígeno estranho, os macrófagos presentes no tecido linfoide fagocitam o antígeno e o
apresentam aos linfócitos B adjacentes. Os linfócitos B específicos para o antígeno, anteriormente no seu estado
dormente, aumentam imediatamente e, por fim, transformam-se em plasmócitos secretores de anticorpos. Os
plasmócitos produzem anticorpos gamaglobulina, que são secretados na linfa e transportados para a circulação
sanguínea.
Alguns dos plasmócitos são de vida curta e proporcionam uma rápida proteção, porém sofrem apoptose após
alguns dias de intensa secreção de anticorpos. Outros plasmócitos são de vida longa e residem nos tecidos durante
muitos anos, proporcionando uma imunidade vitalícia contra algumas doenças infecciosas, como sarampo e varíola,
após a exposição inicial ao antígeno.
Formação de células de memória aumenta a resposta do anticorpo quando houver exposição
subsequente ao antígeno. Alguns dos linfócitos B formados durante a ativação do clone específico não se
transformam em plasmócitos, mas formam novos linfócitos B semelhantes aos do clone original. Isso faz a
população do clone especificamente ativado se tornar muito maior. Esses linfócitos B circulam por todo o corpo e
residem em todo o tecido linfoide, porém permanecem imunologicamente dormentes até serem novamente ativados
por uma nova quantidade do mesmo antígeno. As células do clone expandido de linfócitos são denominadas células
de memória. A exposição subsequente ao mesmo antígeno provoca uma resposta humoral mais rápida e mais
potente, devido ao número aumentado de linfócitos do clone específico. O aumento da potência e da duração da
resposta secundária constitui a razão pela qual a vacinação é frequentemente efetuada pela injeção de antígeno em
várias doses, com períodos de várias semanas ou meses entre as injeções.
Os anticorpos são proteínas gamaglobulinas, denominadas imunoglobulinas. Todas as
imunoglobulinas são compostas de combinações de cadeias polipeptídicas leves e pesadas. Cada cadeia leve e pesada
tem uma porção variável e uma porção constante. A porção variável é diferente para cada anticorpo específico; é
essa porção que se liga a um tipo particular de antígeno. A porção constante determina outras propriedades do
anticorpo, como difusibilidade, aderência a estruturas nos tecidos e ligação ao complexo do complemento. Existem
cinco classes gerais de anticorpos imunoglobulina (Ig), cada uma delas com uma função específica: IgM, IgA, IgG,
IgD e IgE. A classe IgG é a maior e, normalmente, constitui cerca de 75% dos anticorpos de uma pessoa.
Os anticorpos atacam diretamente o invasor ou ativam o sistema complemento, que
subsequentemente destrói o organismo invasor. Os anticorpos podem inativar um agente invasor
diretamente por uma das seguintes formas:

Aglutinação, em que múltiplas partículas grandes com antígenos em suas superfícies, como bactérias ou hemácias,
são ligadas entre si, formando grumos
Precipitação, em que o complexo molecular de antígenos solúveis e anticorpos torna-se tão grande que fica insolúvel
Neutralização, em que os anticorpos recobrem os sítios tóxicos do agente antigênico
Lise, em que os anticorpos provocam a ruptura de uma célula invasora ao atacar diretamente as membranas celulares.

Embora os anticorpos exerçam alguns efeitos diretos na destruição dos invasores, a maior parte da proteção
proporcionada por eles decorre dos efeitos amplificadores do sistema complemento.
O sistema complemento é ativado pela reação antígeno‑anticorpo. O termo complemento é utilizado
para descrever um sistema de cerca de 20 proteínas normalmente presentes no plasma, que podem ser ativadas pela
reação antígeno-anticorpo. Os principais componentes nesse sistema são 11 proteínas, designadas por C1 a C9, B e
D. Quando um anticorpo se liga a um antígeno, um sítio reativo específico na porção constante do anticorpo torna-se
exposto ou ativado. Esse sítio do anticorpo ativado liga-se diretamente à molécula C1 do sistema complemento,
desencadeando uma cascata de reações sequenciais. Quando o complemento é ativado, ocorre a formação de vários
produtos finais, que ajudam a destruir o organismo invasor ou a neutralizar uma toxina.
O complemento pode estimular a fagocitose por neutrófilos e macrófagos, causar a ruptura das membranas
celulares de bactérias ou outros organismos invasores, promover a aglutinação, atacar a estrutura de vírus, promover
a quimiotaxia dos neutrófilos e macrófagos e induzir a liberação de histamina por mastócitos e basófilos,
promovendo a vasodilatação e o extravasamento de plasma, que, por sua vez, promovem o processo inflamatório. A
ativação do complemento por uma reação antígeno-anticorpo é denominada via clássica.

ATRIBUTOS ESPECIAIS DOS LINFÓCITOS T: LINFÓCITOS T ATIVADOS E IMUNIDADE CELULAR

Quando os macrófagos apresentam um antígeno específico, ocorre a proliferação de linfócitos T do clone linfoide
específico, causando a liberação de um grande número de linfócitos T ativados, da mesma maneira que os anticorpos
são liberados pelos linfócitos B ativados. Os linfócitos T ativados passam para a circulação e são distribuídas por
todo o corpo, onde circulam durante meses ou até mesmo anos. Os linfócitos T de memória são formados da mesma
maneira que os linfócitos B de memória no sistema de anticorpos; com a exposição subsequente ao mesmo antígeno,
a liberação de linfócitos T ativados ocorre muito mais rapidamente e com muito mais intensidade do que durante a
primeira resposta.
Os antígenos ligam-se às moléculas receptoras na superfície dos linfócitos T, da mesma maneira que se ligam aos
anticorpos. Essas moléculas são compostas por uma unidade variável semelhante à porção variável do anticorpo
humoral, porém a parte da haste da molécula receptora está firmemente ligada à membrana celular.
Células apresentadoras de antígeno, proteínas do complexo de histocompatibilidade principal
(MHC) e receptores de antígeno nos linfócitos T. Assim como as respostas de anticorpos dos linfócitos B, as
respostas dos linfócitos T são extremamente específicas em relação ao antígeno e são tão importantes quanto os
anticorpos na defesa contra infecções. Embora os linfócitos B reconheçam antígenos intactos, os linfócitos T
respondem a antígenos apenas quando estão ligados a moléculas específicas, denominadas proteínas do complexo de
histocompatibilidade principal (MHC), na superfície de uma célula apresentadora de antígenos (Figura 35.1).
Os três principais tipos de células apresentadoras de antígenos são os macrófagos, os linfócitos B e as células
dendríticas. As células dendríticas estão localizadas por todo o corpo e são mais efetivas na apresentação de
antígenos para os linfócitos T.
As proteínas do MHC ligam-se aos fragmentos peptídicos das proteínas dos antígenos degradadas dentro da
célula apresentadora de antígenos e, em seguida, os transportam até a superfície celular. Existem dois tipos de
proteínas do MHC: MHC I e MHC II. As proteínas MHC I apresentam antígenos para os linfócitos T citotóxicos, ao
passo que as proteínas MHC II apresentam antígenos para os linfócitos T auxiliares. Os antígenos na superfície das
células apresentadoras de antígenos ligam-se a moléculas receptoras na superfície do linfócito T, da mesma maneira
que se ligam aos anticorpos plasmáticos.

Figura 35.1 A ativação dos linfócitos T exige a interação de receptores de linfócitos T


com um antígeno (proteína estranha), que é transportado até a superfície da célula
apresentadora de antígeno por uma proteína do complexo de histocompatibilidade
principal (MHC). As proteínas de adesão de células entre si possibilitam a ligação do
linfócito T à célula apresentadora de antígeno por tempo suficiente para se tornar
ativada.

Diferentes tipos de linfócitos T e suas funções


Os três grupos principais de linfócitos T são: linfócitos T auxiliares, linfócitos T citotóxicos e linfócitos T reguladores
(também denominados linfócitos T supressores). As funções de cada um desses tipos celulares são muito distintas.
Os linfócitos T auxiliares são os mais numerosos. Os linfócitos T auxiliares servem como reguladores de
praticamente todas as funções imunes. Essa tarefa é realizada pela formação de uma série de proteínas mediadoras,
denominadas linfocinas, que atuam sobre outras células do sistema imune e da medula óssea. Vários subgrupos de
linfócitos T auxiliares secretam diferentes linfocinas, incluindo as interleucinas (IL) 2 a 6, o fator estimulador de
colônias de granulócitos‑monócitos e a interferon. Na ausência das linfocinas produzidas pelos linfócitos T
auxiliares, o restante do sistema imune é quase paralisado. Os linfócitos T auxiliares são inativados ou destruídos
pelo vírus da imunodeficiência humana (síndrome da imunodeficiência adquirida), deixando o corpo quase
totalmente desprotegido contra doenças infecciosas.
Os linfócitos T auxiliares desempenham as seguintes funções:

Estimulam o crescimento e a proliferação dos linfócitos T citotóxicos e supressores por meio das ações de IL-2, IL-4
e IL-5
Estimulam o crescimento e a diferenciação dos linfócitos B para formar plasmócitos e anticorpos, principalmente por
meio das ações de IL-4, IL-5 e IL-6
Ativam o sistema dos macrófagos
Estimulam os próprios linfócitos T auxiliares; a IL-2 tem efeito de feedback positivo direto, estimulando a ativação
do linfócito T auxiliar, que atua como amplificador para intensificar a resposta imune celular.
Linfócitos T citotóxicos são capazes de matar microrganismos por meio de ataque direto. Como
os linfócitos T citotóxicos são capazes de matar diretamente os microrganismos, eles também são denominados
células killer. Os receptores de superfície dos linfócitos T citotóxicos fazem eles se ligarem fortemente aos
microrganismos ou a células que contêm o antígeno de ligação específico. Após a ligação, os linfócitos T citotóxicos
secretam proteínas formadoras de poros, denominadas perforinas, que literalmente perfuram grandes orifícios na
membrana das células atacadas. Esses orifícios rompem o equilíbrio osmótico das células, levando à morte celular.
Os linfócitos T citotóxicos são particularmente importantes na destruição de células infectadas por vírus, células
cancerosas ou células de órgãos transplantados.
Linfócitos T suprimem as funções dos linfócitos T citotóxicos e auxiliares. Acredita-se que as funções
supressoras dos linfócitos T auxiliares tenham o propósito de regular as atividades das outras células, de modo que
não ocorram reações imunes excessivas passíveis de causar danos graves ao corpo.

TOLERÂNCIA DO SISTEMA DE IMUNIDADE ADQUIRIDA AOS TECIDOS DO PRÓPRIO CORPO:


PAPEL DO PRÉ‑PROCESSAMENTO NO TIMO E NA MEDULA ÓSSEA

O sistema imune normalmente reconhece os próprios tecidos de um indivíduo como completamente distintos dos
organismos invasores. Acredita-se que a maior parte dessa tolerância se desenvolva durante o processamento dos
linfócitos T no timo e dos linfócitos B na medula óssea. Embora o mecanismo de indução de tolerância não seja
totalmente compreendido, acredita-se que a exposição contínua a autoantígenos no feto provoque a destruição dos
linfócitos T e B que autorreagem.
A falha do mecanismo de tolerância leva ao desenvolvimento de doenças autoimunes, em que o sistema imune
ataca os tecidos do corpo. Foram descritas mais de cem doenças que resultam de autoimunidade, incluindo: (1) febre
reumática, em que o corpo se torna imunizado contra os tecidos das articulações e das valvas cardíacas; (2)
glomerulonefrite, em que o corpo se torna imunizado contra a membrana basal dos glomérulos; (3) miastenia gravis,
em que o corpo se torna imunizado contra as proteínas receptoras de acetilcolina da junção neuromuscular; (4)
esclerose múltipla, em que o sistema imune ataca a mielina que reveste as fibras nervosas, interrompendo a
comunicação do sistema nervoso; e (5) lúpus eritematoso, em que o corpo se torna imunizado contra muitos tecidos.

ALERGIA E HIPERSENSIBILIDADE

Um efeito colateral importante, porém indesejável, da imunidade consiste no desenvolvimento de alergias ou de


outros tipos de hipersensibilidade imunológica. As alergias podem ser causadas por linfócitos T ativados e podem
provocar erupções cutâneas, edema ou ataques asmáticos em resposta a determinados produtos químicos ou
medicamentos. Por exemplo, em alguns indivíduos, uma resina da hera venenosa induz a formação de linfócitos T
auxiliares e citotóxicos ativados, que se difundem na pele e provocam um tipo característico de reação imune
mediada por células a essa planta.
Algumas alergias são causadas por anticorpos IgE, denominados reaginas ou anticorpos sensibilizantes, para
distingui-los dos anticorpos IgG mais comuns. Uma característica especial dos anticorpos IgE é a sua capacidade de
se ligar fortemente aos mastócitos e aos basófilos, causando a liberação de diversas substâncias que induzem
vasodilatação, aumento da permeabilidade capilar e atração dos neutrófilos e dos eosinófilos. A urticária, a febre do
feno e a asma podem resultar desse mecanismo.
CAPÍTULO 36

Tipos Sanguíneos, Transfusão e Transplante de Tecidos e de Órgãos

TIPOS SANGUÍNEOS: SISTEMA ABO

Os antígenos tipo A e tipo B ocorrem nas superfícies das hemácias em grande parte da população. Esses antígenos,
ou aglutinógenos, causam reações transfusionais. Com o objetivo de transfusão, o sangue é agrupado com base na
presença ou ausência dos aglutinógenos sobre as hemácias. Quando os aglutinógenos A e B estão ausentes, o grupo
sanguíneo é tipo O. Quando apenas o aglutinógeno tipo A está presente, o grupo sanguíneo é tipo A. Quando apenas
o aglutinógeno tipo B está presente, o grupo sanguíneo é tipo B. Quando ambos os aglutinógenos A e B estão
presentes, o grupo sanguíneo é tipo AB (Tabela 36.1).
Quando o aglutinógeno tipo A não está presente nas hemácias de uma pessoa, ocorre o desenvolvimento de
anticorpos no plasma, denominados aglutininas anti‑A. Quando o aglutinógeno tipo B não está presente nas
hemácias, os anticorpos denominados aglutininas anti‑B desenvolvem-se no plasma. O sangue tipo O contém
aglutininas anti-A e anti-B, ao passo que o sangue tipo A contém aglutinógenos tipo A e aglutininas anti-B. O sangue
tipo B contém aglutinógenos tipo B e aglutininas anti-A; o sangue tipo AB contém aglutinógenos tipo A e B, porém
não tem aglutininas (Tabela 36.1).
A prevalência aproximada dos diferentes tipos sanguíneos entre um grupo de indivíduos estudados foi a seguinte:

O 47%
A 41%
B 9%
AB 3%

As aglutininas são gamaglobulinas das subclasses das imunoglobulinas M e G. A origem das aglutininas em
pessoas que não têm a substância antigênica em seu sangue parece ser a entrada no corpo de pequenas quantidades
de antígenos do grupo A e do grupo B nos alimentos e através de contato com bactérias.
Quando amostras de sangue são incompatíveis, de modo que as aglutininas plasmáticas anti-A ou anti-B são
misturadas com hemácias que contêm aglutinógenos A ou B, as hemácias se aglutinam, formando grumos. Esses
grumos podem causar a obstrução de pequenos vasos sanguíneos em todo o sistema circulatório. Em alguns casos, os
anticorpos induzem a lise das hemácias por meio da ativação do sistema complemento e da formação de um
complexo de ataque à membrana, que se insere na bicamada lipídica das membranas celulares; essa inserção cria
poros na membrana, que são permeáveis a íons, causando a lise osmótica das células.
Um dos efeitos mais letais das reações transfusionais é a insuficiência renal. O excesso de hemoglobina das
hemácias hemolisadas extravasa através das membranas glomerulares para dentro dos túbulos renais. A reabsorção
de água a partir dos túbulos provoca a elevação da concentração de hemoglobina, o que resulta em precipitação da
hemoglobina e bloqueio subsequente dos túbulos.

Tabela 36.1Tipos sanguíneos com seus genótipos e aglutinógenos e aglutininas constituintes.


Genótipos Tipo sanguíneo Aglutinógenos Aglutininas
OO O – Anti‑A e anti‑B
OA ou AA A A Anti‑B
OB ou BB B B Anti‑A
AB AB AeB –

TIPOS SANGUÍNEOS DO SISTEMA Rh

O sistema Rh é outro fator importante durante a transfusão sanguínea, uma vez que, nesse sistema, a ocorrência
espontânea de aglutininas é rara. Em vez disso, o indivíduo precisa ser inicialmente exposto a um antígeno Rh, em
geral por meio de transfusão sanguínea ou durante a gravidez. Quando hemácias contendo o fator Rh são injetadas
em uma pessoa sem o fator, ocorre o desenvolvimento de aglutininas anti-Rh, que alcançam uma concentração
máxima em cerca de 2 a 4 meses. Com várias exposições ao fator Rh, a pessoa Rh-negativa torna-se fortemente
sensibilizada, e a incompatibilidade do fator Rh no sangue leva à aglutinação e à hemólise. Cerca de 85 a 95% das
pessoas de vários grupos étnicos no mundo inteiro são Rh-positivas.
A eritroblastose fetal, uma doença hemolítica do feto e do recém-nascido, caracteriza-se pela aglutinação
progressiva e pela fagocitose subsequente das hemácias. No caso típico, a mãe é Rh-negativa, e o pai, Rh-positivo.
Se o recém-nascido herdou o antígeno Rh-positivo do pai e a mãe desenvolveu aglutininas anti-Rh em resposta a
esse antígeno, as aglutininas podem se difundir através da placenta para a circulação fetal, causando a aglutinação
das hemácias. O tratamento para a eritroblastose fetal consiste em substituir o sangue do recém-nascido por sangue
Rh-negativo.

TRANSPLANTE DE TECIDOS E DE ÓRGÃOS

O autoenxerto é o transplante de tecidos ou de um órgão inteiro de uma parte do corpo para outra. Já o isoenxerto é o
transplante de um órgão entre gêmeos idênticos. O aloenxerto é o transplante de um órgão de um ser humano para
outro. Por fim, o xenoenxerto é o transplante de um órgão de uma espécie para outra.
No caso de autoenxertos e isoenxertos, todas as células do órgão transplantado contêm praticamente os mesmos
antígenos e sobrevivem indefinidamente se elas receberem um suprimento sanguíneo adequado. No caso de
aloenxertos e xenoenxertos, ocorrem quase sempre reações imunes, que causam a morte das células do enxerto em 1
a 5 semanas após o transplante, a não ser que seja administrada uma terapia específica para prevenir essas reações.
Quando os tecidos são adequadamente tipados e semelhantes para seus antígenos celulares entre o doador e o
receptor, pode ocorrer sobrevida bem-sucedida do aloenxerto em longo prazo. É necessária uma terapia
farmacológica simultânea para minimizar as reações imunes.
A tipagem tecidual é realizada para identificar o complexo do antígeno leucocitário humano. Os
antígenos mais importantes na rejeição de enxertos constituem um complexo, denominado antígeno leucocitário
humano (HLA). Apenas seis desses antígenos estão presentes na superfície celular de qualquer indivíduo, porém
existem mais de 150 tipos de antígenos HLA; esse número representa mais de 1 trilhão de combinações possíveis.
Em consequência, é praticamente impossível que duas pessoas, com exceção dos gêmeos idênticos, tenham os
mesmos seis antígenos HLA.
Os antígenos HLA estão presentes nos leucócitos e nas células teciduais. Alguns dos antígenos HLA não são
gravemente antigênicos; por conseguinte, uma compatibilidade precisa de antígenos entre doador e receptor não é
essencial para a sobrevida do aloenxerto, porém os melhores resultados são obtidos em indivíduos com a
compatibilidade mais próxima possível entre doador e receptor.
Com frequência, a prevenção da rejeição do enxerto pode ser obtida pela supressão do sistema imune com: (1)
hormônios glicocorticoides, que inibem os genes que codificam várias citocinas, em particular a interleucina-2, um
fator essencial que induz a proliferação dos linfócitos T e a formação de anticorpos; (2) vários medicamentos, como
a azatioprina, que são tóxicos para o sistema linfoide e, portanto, bloqueiam a formação de anticorpos e de linfócitos
T; (3) ciclosporina e tacrolimo, que inibem a formação de linfócitos T auxiliares (esses medicamentos são
particularmente eficazes para bloquear a reação de rejeição mediada por linfócitos T); ou (4) terapia
imunossupressora com anticorpos, incluindo anticorpos antilinfócitos específicos ou anticorpos contra o receptor de
interleucina 2.
CAPÍTULO 37

Hemostasia e Coagulação Sanguínea

EVENTOS DA HEMOSTASIA

O termo hemostasia significa a prevenção da perda de sangue. Quando um vaso é seccionado ou rompido, a
hemostasia é obtida por meio de: (1) espasmo vascular; (2) formação de um tampão plaquetário; (3) formação de um
coágulo sanguíneo, como resultado da coagulação do sangue; e (4) crescimento final de tecido fibroso, para fechar
permanentemente a ruptura no vaso.

O traumatismo do vaso sanguíneo causa a constrição da parede do vaso. A constrição resulta de reflexos nervosos,
espasmos miogênicos locais e liberação de fatores humorais locais do tecido traumatizado, do endotélio vascular e
das plaquetas sanguíneas, como a substância vasoconstritora tromboxano A2
Um tampão plaquetário pode preencher um pequeno orifício no vaso sanguíneo. Quando as plaquetas entram em
contato com uma superfície vascular danificada, elas começam a: (1) intumescer e assumir formatos irregulares; (2)
liberar grânulos que contêm diversos fatores, que aumentam a aderência das plaquetas (p. ex., difosfato de adenosina,
fator ativador de plaquetas); e (3) formar tromboxano A2. O difosfato de adenosina, o fator ativador de plaquetas e o
tromboxano atuam sobre plaquetas adjacentes para ativá-las, de modo que possam aderir às plaquetas originalmente
ativadas, formando um tampão plaquetário
A formação do coágulo sanguíneo constitui o terceiro mecanismo da hemostasia. A formação do coágulo se inicia
nos primeiros 15 a 20 segundos se o traumatismo à parede vascular for grave e em 1 a 2 minutos se o traumatismo
for pequeno. Dentro de 3 a 6 minutos após a ruptura de um vaso, toda a abertura ou a extremidade rompida do vaso é
preenchida pelo coágulo (se a abertura do vaso não for muito grande). Depois de 20 minutos a 1 hora, o coágulo se
retrai, fechando ainda mais o vaso. Uma vez formado o coágulo sanguíneo, ele é invadido por fibroblastos, que, em
seguida, formam tecido conjuntivo em todo o coágulo.

MECANISMO DA COAGULAÇÃO SANGUÍNEA

A coagulação sanguínea ocorre em três etapas essenciais:

Um complexo de substâncias ativadas, denominado ativador da protrombina, é formado por uma complexa cascata
de reações químicas em resposta à ruptura ou ao dano do vaso sanguíneo
O ativador da protrombina catalisa a conversão da protrombina em trombina
A trombina atua como enzima, convertendo o fibrinogênio em fibras de fibrina, que formam um emaranhado de
plaquetas, células sanguíneas e plasma para formar o coágulo.

Conversão da protrombina em trombina. A protrombina é uma proteína plasmática instável, que pode ser
facilmente clivada em compostos menores, um dos quais é a trombina. Ela é produzida continuamente pelo fígado e
é utilizada em todo o corpo para a coagulação sanguínea. Se o fígado não conseguir produzir protrombina, a
concentração no plasma cai em 24 horas para níveis insuficientes para promover a coagulação sanguínea normal. A
vitamina K é necessária para a ativação normal da protrombina no fígado; por conseguinte, tanto a falta de vitamina
K quanto a presença de doença hepática impedem a formação normal de protrombina, o que resulta em tendência
hemorrágica.
Conversão de fibrinogênio em fibrina | Formação do coágulo. O fibrinogênio é uma proteína de alto
peso molecular formada no fígado. Em virtude de seu grande tamanho molecular, apenas uma pequena quantidade de
fibrinogênio normalmente extravasa pelos poros capilares para o líquido intersticial; como o fibrinogênio é um dos
fatores essenciais no processo da coagulação, os líquidos intersticiais geralmente não coagulam. A trombina é uma
enzima que atua sobre a molécula de fibrinogênio para remover quatro peptídeos de baixo peso molecular para
formar uma molécula de monômero de fibrina. O monômero de fibrina sofre polimerização com outras moléculas de
monômero de fibrina, formando as longas fibras de fibrina que produzem o retículo do coágulo.
O retículo de fibrina recém-formado é fortalecido por uma substância denominada fator estabilizador da fibrina,
que normalmente está presente em pequenas quantidades no plasma. Essa substância também é liberada pelas
plaquetas aprisionadas no coágulo. O fator estabilizador de fibrina, que é uma enzima, forma ligações covalentes
entre moléculas de monômero de fibrina e fibras de fibrina adjacentes, fortalecendo, assim, a rede de fibrina.
Início da coagulação: formação do ativador da protrombina. O ativador da protrombina é formado de
duas maneiras: (1) pela via extrínseca, que começa com a ocorrência de traumatismo da parede vascular e do tecido
adjacente; e pela (2) via intrínseca, que começa no sangue. Ambas as vias envolvem uma série de proteínas
betaglobulinas plasmáticas. Esses fatores da coagulação sanguínea são enzimas proteolíticas que induzem as
reações em cascata sucessivas do processo da coagulação.

O mecanismo extrínseco para iniciar a formação do ativador da protrombina começa com o traumatismo da parede
vascular ou dos tecidos extravasculares e ocorre de acordo com as três etapas a seguir:
1. Liberação da tromboplastina tecidual. O tecido traumatizado libera um complexo de vários fatores,
denominado tromboplastina tecidual; esses fatores incluem fosfolipídios das membranas do tecido
traumatizado e um complexo lipoproteico, que atua como enzima proteolítica.
2. Ativação do fator X. O complexo lipoproteico da tromboplastina tecidual associa-se ao fator VII da
coagulação sanguínea e, na presença de fosfolipídios teciduais e íons cálcio, atua enzimaticamente sobre o
fator X para formar o fator X ativado.
3. Efeito do fator X ativado para formar o ativador da protrombina. O fator X ativado forma imediatamente um
complexo com o fosfolipídio tecidual liberado como parte da tromboplastina tecidual e com o fator V; esse
complexo é denominado ativador da protrombina. Em poucos segundos, o ativador da protrombina cliva a
protrombina para formar a trombina, e o processo da coagulação prossegue conforme anteriormente descrito.
O fator X ativado é a protease que cliva a protrombina em trombina.
O mecanismo intrínseco para iniciar a formação do ativador da protrombina começa com o traumatismo ao sangue
ou com a exposição do sangue ao colágeno na parede vascular traumatizada. O fator intrínseco ocorre por meio da
seguinte cascata de reações:
1. Ativação do fator XII e liberação de fosfolipídios plaquetários. Quando ocorre traumatismo, o fator XII é
ativado para formar uma enzima proteolítica, denominada fator XII ativado. De modo simultâneo, o
traumatismo sanguíneo danifica as plaquetas, causando a liberação de fosfolipídios plaquetários, que contêm
uma lipoproteína denominada fator plaquetário III, que desempenha um papel nas reações subsequentes da
coagulação.
2. Ativação do fator XI. O fator XII ativado atua enzimaticamente para ativar o fator XI. Essa segunda etapa da
via intrínseca requer a presença de cininogênio de alto peso molecular.
3. Ativação do fator IX pelo fator XI ativado. Em seguida, o fator XI ativado atua enzimaticamente sobre o fator
IX para ativá-lo.
4. Ativação do fator X. O fator IX ativado, que atua em conjunto com o fator VIII, com os fosfolipídios
plaquetários e com fator III das plaquetas traumatizadas, ativa o fator X. Quando o fator VIII ou as plaquetas
estão presentes em quantidades escassas, essa etapa torna-se deficiente. O fator VIII está ausente em
indivíduos que apresentam hemofilia clássica. As plaquetas são o fator da coagulação ausente na doença
hemorrágica denominada trombocitopenia.
5. Ação do fator X ativado para formar o ativador da protrombina. Essa etapa da via intrínseca é a mesma etapa
final da via extrínseca (i. e., o fator X ativado combina-se com o fator V e com os fosfolipídios plaquetários
ou teciduais para formar o complexo denominado ativador da protrombina). Por sua vez, o ativador da
protrombina inicia a clivagem da protrombina para formar trombina, desencadeando, assim, o processo final
da coagulação.

Necessidade de íons cálcio para a coagulação sanguínea. Com exceção das duas primeiras etapas da via
intrínseca, os íons cálcio são necessários para promover todas as reações; na ausência de íons cálcio, a coagulação do
sangue não ocorre. Felizmente, a concentração de íons cálcio raramente cai abaixo do suficiente para afetar de
maneira significativa a cinética da coagulação sanguínea. Quando o sangue é removido, é possível prevenir a sua
coagulação ao se reduzir a concentração de íons cálcio abaixo do nível limiar para a coagulação. Isso pode ser obtido
por meio de desionização do cálcio por intermédio de reação com substâncias, como o íon citrato, ou precipitação do
cálcio com substâncias, como o íon oxalato.

Anticoagulantes intravasculares evitam a coagulação sanguínea no sistema vascular normal


Os fatores mais importantes para a prevenção da coagulação no sistema vascular normal são: (1) a uniformidade do
endotélio, que impede a ativação por contato do sistema intrínseco da coagulação; (2) uma camada de glicocálice no
endotélio, que repele os fatores da coagulação e as plaquetas; e (3) uma proteína ligada à membrana endotelial
(denominada trombomodulina), que se liga à trombina. O complexo trombomodu-lina-trombina também ativa uma
proteína plasmática, denominada proteína C, que inativa os fatores V e VIII ativados. Quando ocorre dano à parede
endotelial, a sua uniformidade e a sua camada de glicocálice-trombomodulina são perdidas, o que ativa o fator XII e
as plaquetas e inicia a via intrínseca da coagulação.
As células endoteliais intactas também produzem outras substâncias, como a prostaciclina e o óxido nítrico, que
inibem a agregação plaquetária e o início da coagulação sanguínea. Quando as células endoteliais são danificadas, a
sua produção de prostaciclina e de óxido nítrico é acentuadamente reduzida.
Os agentes que removem a trombina do sangue, como as fibras de fibrina que se formam durante o processo da
coagulação e uma alfaglobulina, denominada antitrombina III, constituem os anticoagulantes mais importantes no
sangue. A trombina é absorvida pelas fibras de fibrina à medida que elas se desenvolvem, o que impede a
disseminação da trombina no restante do sangue e evita a propagação excessiva do coágulo. A trombina que não é
adsorvida pelas fibras de fibrina combina-se com a antitrombina III, que ativa a trombina.
Heparina. Na presença de heparina em excesso, a remoção da trombina da circulação é quase instantânea. Os
mastócitos, localizados no tecido conjuntivo pericapilar em todo o corpo, e os basófilos do sangue produzem
heparina. Essas células secretam continuamente pequenas quantidades de heparina, que se difundem para o sistema
circulatório. A heparina é amplamente utilizada como agente farmacológico na prática médica em concentrações
muito mais altas do que as que ocorrem fisiologicamente, a fim de impedir a coagulação intravascular.
Plasmina causa lise dos coágulos sanguíneos. O plasminogênio é uma proteína plasmática que, quando
ativada, se transforma em uma substância denominada plasmina (ou fibrinolisina), enzima proteolítica que se
assemelha à tripsina. A plasmina digere as fibras de fibrina e de outros fatores da coagulação. O plasminogênio fica
retido no coágulo, juntamente a outras proteínas plasmáticas.
Os tecidos lesionados e o endotélio vascular liberam lentamente um poderoso ativador, denominado ativador do
plasminogênio tecidual, que converte o plasminogênio em plasmina e remove o coágulo. A plasmina não apenas
destrói as fibras de fibrina, mas também atua como enzima proteolítica que digere o fibrinogênio e vários outros
fatores da coagulação. Pequenas quantidades de plasmina são continuamente formadas no sangue. O sangue também
contém outro fator, a α2‑antiplasmina, que se liga à plasmina e provoca a sua inativação; a taxa de formação de
plasmina precisa aumentar acima de determinado nível crítico para que ela se torne efetiva.

CONDIÇÕES CAUSADORAS DE SANGRAMENTO EXCESSIVO EM HUMANOS

O sangramento excessivo pode resultar de deficiência de vitamina K, de hemofilia ou de trombocitopenia


(deficiência de plaquetas). A vitamina K é necessária para a formação de cinco fatores da coagulação importantes:
protrombina, fator IX, fator X e proteína C. Na ausência de vitamina K, a insuficiência desses fatores da coagulação
pode resultar em grave tendência à hemorragia.
A hemofilia é causada por uma deficiência de fator VIII ou IX e ocorre quase exclusivamente em
homens. A hemofilia A, ou hemofilia clássica, é causada pela deficiência de fator VIII e é responsável por cerca de
85% dos casos. Os outros 15% dos casos de hemofilia resultam de uma deficiência do fator IX. Ambos os fatores são
transmitidos geneticamente por meio do cromossomo feminino como traço recessivo; as mulheres quase nunca
apresentam hemofilia, visto que pelo menos um dos dois cromossomos X tem os genes apropriados.
A trombocitopenia é uma deficiência de plaquetas do sistema circulatório. Os indivíduos com
trombocitopenia apresentam tendência ao sangramento de pequenos vasos ou capilares. Em consequência, ocorrem
pequenas hemorragias puntiformes em todos os tecidos do corpo. A pele da pessoa apresenta muitas petéquias
pequenas, isto é, manchas vermelhas ou arroxeadas, que dão à doença o nome de púrpura trombocitopênica.

CONDIÇÕES TROMBOEMBÓLICAS

Um coágulo anormal que se desenvolve em um vaso sanguíneo é denominado trombo. Um êmbolo é um trombo que
flui livremente. Em geral, os êmbolos não param de fluir até alcançar um ponto estreito do sistema circulatório. Nos
seres humanos, as condições tromboembólicas geralmente resultam de uma superfície endotelial áspera ou de um
fluxo sanguíneo lento. O endotélio áspero pode iniciar o processo da coagulação. Quando o fluxo sanguíneo é muito
lento, a concentração de fatores pró-coagulantes com frequência aumenta o suficiente em determinada área para
iniciar a coagulação. Os êmbolos que se originam em grandes artérias ou no lado esquerdo do coração podem fluir
perifericamente e obstruir artérias ou arteríolas no cérebro, nos rins ou em outro local. Os êmbolos que se originam
no sistema venoso ou no lado direito do coração geralmente fluem para os pulmões, causando embolia arterial
pulmonar.

ANTICOAGULANTES PARA USO CLÍNICO

A heparina, que é extraída de vários tecidos animais e pode ser preparada em forma quase pura, aumenta a eficácia
da antitrombina III. A ação da heparina no corpo é quase instantânea e, em dosagens normais (0,5 a 1,0 mg/kg), pode
aumentar o tempo de coagulação de cerca de 6 minutos para 30 minutos ou mais. Se uma dose excessiva de heparina
for administrada, pode-se administrar uma substância denominada protamina, que se combina eletrostaticamente
com a heparina para causar a sua inativação
Os cumarínicos, como a varfarina, causam a diminuição dos níveis plasmáticos de protrombina e dos fatores VIII,
IX e X. A varfarina produz esse efeito ao competir com a vitamina K pelos locais reativos nos processos enzimáticos
de formação de protrombina e dos outros três fatores da coagulação.
PARTE 7

Respiração

Capítulo 38 Ventilação Pulmonar

Capítulo 39 Circulação Pulmonar, Edema Pulmonar e Líquido Pleural

Capítulo 40 Princípios de Troca Gasosa; Difusão de Oxigênio e Dióxido de Carbono pela Membrana Respiratória

Capítulo 41 Transporte de Oxigênio e Dióxido de Carbono no Sangue e Líquidos Teciduais

Capítulo 42 Regulação da Respiração

Capítulo 43 Insuficiência Respiratória: Fisiopatologia, Diagnóstico, Oxigenoterapia


CAPÍTULO 38

Ventilação Pulmonar

O sistema respiratório tem como principais funções fornecer oxigênio (O2) aos tecidos e remover o dióxido de
carbono (CO2). Os principais eventos funcionais da respiração são: (1) a ventilação pulmonar, que é a entrada e a
saída de ar dos alvéolos; (2) a difusão de O2 e de CO2 entre o sangue os alvéolos; (3) o transporte de O2 e de CO2 até
os tecidos periféricos e a partir deles; e (4) a regulação da ventilação. Este capítulo discute a ventilação pulmonar.

MECÂNICA DA VENTILAÇÃO PULMONAR

Músculos que promovem expansão e contração dos pulmões


O volume pulmonar aumenta e diminui com a expansão e a contração da cavidade torácica.
Qualquer aumento ou redução do volume da cavidade torácica normalmente produz mudanças simultâneas no
volume pulmonar.

A respiração normal silenciosa é realizada pelo diafragma. Durante a inspiração, a contração do diafragma aumenta
o volume torácico, causando a expansão dos pulmões. Durante a expiração, o diafragma relaxa, e a retração elástica
dos pulmões, da parede torácica e das estruturas abdominais comprime os pulmões
Durante a respiração intensa, as forças elásticas não são fortes o suficiente para causar a expiração rápida. A força
extra é obtida principalmente por meio da contração dos músculos abdominais, o que pressiona o conteúdo
abdominal para cima, contra o diafragma.

A elevação e a depressão da caixa torácica provocam a expansão e a contração dos pulmões.


Quando a caixa torácica se eleva, as costelas projetam-se quase diretamente para a frente, de modo que o esterno
também se move para a frente e para longe da coluna vertebral, o que aumenta a espessura anteroposterior do tórax.

Os músculos que elevam a caixa torácica são os músculos da inspiração. A contração dos músculos intercostais
externos faz as costelas se moverem para cima e para a frente, em um movimento de “alça de balde”. Os músculos
acessórios incluem os músculos esternocleidomastóideo, serrátil anterior e escaleno
Os músculos que deprimem a caixa torácica são os músculos da expiração, incluindo os músculos intercostais
interno e reto do abdome. Outros músculos abdominais comprimem o conteúdo abdominal para cima, em direção ao
diafragma.

Pressões que causam movimento do ar para dentro e para fora dos pulmões
A pressão intrapleural é a pressão do líquido presente no espaço entre a pleura visceral e a
pleura parietal. A pressão pleural normal no início da inspiração é de cerca de –5 cm de água (cmH2O), que é a
quantidade de sucção necessária para manter os pulmões em seu volume de repouso. Durante a inspiração, a
expansão da caixa torácica traciona a superfície dos pulmões com maior força e gera uma pressão mais negativa, que
alcança, em média, cerca de –7,5 cmH2O.
Pressão intra‑alveolar: pressão do ar dentro dos alvéolos pulmonares. Quando a glote se abre sem
que haja nenhum movimento de ar, as pressões em todas as partes da árvore respiratória são iguais à pressão
atmosférica, que é considerada como 0 cmH2O.
Durante a inspiração, a pressão nos alvéolos diminui para cerca de –1 cmH2O, o que é suficiente para mover cerca
de 0,5 l de ar para dentro dos pulmões nos 2 segundos necessários para a inspiração
Durante a expiração, ocorrem mudanças opostas. A pressão alveolar aumenta para cerca de +1 cmH2O, o que força
0,5 l do ar inspirado para fora dos pulmões durante os 2 a 3 segundos da expiração.

A complacência pulmonar é a mudança do volume pulmonar para cada unidade de mudança na


pressão transpulmonar. A pressão transpulmonar é a diferença entre as pressões intra-alveolar e intrapleural. A
complacência total normal de ambos os pulmões em conjunto no adulto médio é de cerca de 200 ml/cmH2O. A
complacência depende das seguintes forças:

As forças elásticas dos tecidos pulmonares são determinadas principalmente pelas fibras de elastina e colágeno
As forças elásticas causadas pela tensão superficial nos alvéolos respondem por cerca de dois terços das forças
elásticas totais nos pulmões normais.

Surfactante, tensão superficial e colapso alveolar


A atração das moléculas de água entre si exerce uma força elástica de tensão superficial. A
superfície de água que reveste os alvéolos tenta se contrair, visto que as moléculas de água se atraem entre si. Essa
força tenta mover o ar para fora dos alvéolos, causando uma tendência ao colapso dos alvéolos. O efeito final é a
produção de uma força contrátil elástica de todo o pulmão, denominada força elástica de tensão superficial.
O surfactante reduz o trabalho da respiração (aumento da complacência pulmonar) ao diminuir
a tensão superficial dos alvéolos. O surfactante é secretado por células epiteliais alveolares tipo II. Os seus
principais componentes são: fosfolipídio dipalmitoil fosfatidilcolina, apoproteínas surfactantes e íons cálcio. A
presença de surfactante na superfície alveolar reduz a tensão superficial para um doze avos a metade da tensão
superficial de uma superfície de água pura.
Os alvéolos menores têm maior tendência a colapsar. Observe, na equação (lei de Laplace) a seguir, que
a pressão de colapso gerada nos alvéolos está inversamente relacionada com o raio do alvéolo, o que significa que os
alvéolos menores têm maior tendência a sofrer colapso:

Pressão = (2 × Tensão superficial)/Raio

O surfactante, a “interdependência” e o tecido fibroso ajudam a estabilizar o tamanho dos


alvéolos. Se alguns alvéolos fossem pequenos e outros grandes, teoricamente, os menores tenderiam a colapsar e a
provocar a expansão dos alvéolos maiores. Em geral, essa instabilidade dos alvéolos não ocorre, devido às seguintes
razões:

Interdependência. Os alvéolos adjacentes, os ductos alveolares e outros espaços de ar tendem a se apoiar uns aos
outros, de modo que geralmente não é possível existir um grande alvéolo adjacente a um pequeno alvéolo, visto que
eles compartilham paredes septais comuns
Tecido fibroso. O pulmão é constituído de cerca de 50 mil unidades funcionais, cada uma das quais contém um ou
alguns ductos alveolares e alvéolos associados. Todas são circundadas por septos fibrosos, que atuam como suportes
adicionais
Surfactante. O surfactante reduz a tensão superficial, permitindo que o fenômeno de interdependência e o tecido
fibroso superem os efeitos da tensão superficial.
À medida que um alvéolo se torna menor, as moléculas de surfactante na superfície alveolar são espremidas umas
contra as outras, aumentando a sua concentração e, portanto, reduzindo ainda mais a tensão superficial.

VOLUMES E CAPACIDADES PULMONARES

Grande parte dos volumes e das capacidades pulmonares pode ser medida com um espirômetro. A capacidade
pulmonar total (CPT), a capacidade residual funcional (CRF) e o volume residual (VR) não podem ser medidos com
um espirômetro. A Figura 38.1 mostra o registro de um espirômetro para ciclos respiratórios sucessivos em diversas
profundidades de inspiração e expiração.
Os volumes pulmonares somados são iguais ao volume máximo de expansão possível dos
pulmões. Os quatro volumes pulmonares aparecem à esquerda na Figura 38.1. Os volumes pulmonares mostrados
correspondem a indivíduos médios saudáveis do sexo masculino, embora os volumes pulmonares variem de modo
considerável dependendo de aptidão fÍsica, idade, altura, sexo e outros fatores, como a altitude onde o indivíduo
reside.

O volume corrente (VC) é o volume de ar (cerca de 500 ml) inspirado e expirado a cada respiração normal
O volume de reserva inspiratório (VRI) é o volume extra de ar (cerca de 3.000 ml) que pode ser inspirado além e
acima do volume corrente normal
O volume de reserva expiratório (VRE) é a quantidade extra de ar (cerca de 1.100 ml) que pode ser expirada durante
a expiração forçada após o término de uma expiração corrente normal

Figura 38.1 Excursões respiratórias durante a respiração normal e durante a


inspiração e a expiração máximas.

O volume residual (VR) é o volume de ar (cerca de 1.200 ml) que permanece nos pulmões após a expiração forçada
máxima.

As capacidades pulmonares são combinações de dois ou mais volumes pulmonares. As


capacidades pulmonares estão listadas na Figura 38.1 e podem ser descritas da seguinte maneira:

A capacidade inspiratória (CI) é a soma do VC e do VRI. A CI é a quantidade de ar (cerca de 3.500 ml) que um
indivíduo pode inspirar, desde o início do nível expiratório normal até a distensão máxima dos pulmões
A capacidade residual funcional (CRF) é igual à soma do VRE e do VR. A CRF é a quantidade de ar que permanece
nos pulmões ao fim de uma expiração normal (cerca de 2.300 ml)
A capacidade vital (CV) equivale à soma entre o VRI, o VC e o VRE. A CV refere-se à quantidade máxima de ar que
uma pessoa pode expelir dos pulmões após pre-enchê-los ao máximo e, em seguida, expirar até a sua extensão
máxima (cerca de 4.600 ml)
A capacidade pulmonar total (CPT) é o volume máximo em que os pulmões podem se expandir com o máximo
esforço inspiratório possível (cerca de 5.800 ml). A CPT equivale à soma da CV com o VR.
VENTILAÇÃO ALVEOLAR

O volume minuto é a quantidade total de ar novo que entra nas passagens respiratórias a cada
minuto. O volume minuto equivale ao VC multiplicado pela frequência respiratória. O VC normal é de cerca de 500
ml, ao passo que a frequência respiratória normal é de cerca de 12 respirações/min; por conseguinte, o volume
minuto normalmente alcança, em média, cerca de 6 l/min.
A ventilação alveolar é a frequência com que o ar novo alcança as áreas de troca gasosa dos
pulmões. Durante a inspiração, parte do ar nunca alcança as áreas de troca gasosa, porém preenche as vias
respiratórias; esse ar é denominado ar do espaço morto. Como a ventilação alveolar é o volume total de ar novo que
entra nos alvéolos, ela é igual à frequência respiratória multiplicada pela quantidade de ar novo que entra nos
alvéolos a cada respiração:

em que A é o volume de ventilação alveolar por minuto, Freq é a frequência de respiração por minuto, VC é o
volume corrente e VEM é o volume de espaço morto. Com um VC normal de 500 ml, um espaço morto normal de 150
ml e uma frequência respiratória de 12 respirações/min, a ventilação alveolar é igual a 12 × (500−150), ou 4.200
ml/min.
Existem três tipos de ar de espaço morto:

O espaço morto anatômico é o ar presente nas vias respiratórias condutoras, que não participa da troca gasosa
O espaço morto alveolar é o ar nas partes de troca gasosa do pulmão, que não consegue participar da troca gasosa; é
quase zero nos indivíduos normais
O espaço morto fisiológico é a soma do espaço morto anatômico e do espaço morto alveolar (i. e., o ar do espaço
morto total).

FUNÇÕES DAS VIAS RESPIRATÓRIAS

Traqueia, brônquios e bronquíolos


O ar distribui‑se para os pulmões por meio da traqueia, dos brônquios e dos bronquíolos. A
traqueia é a via respiratória de primeira geração, ao passo que os dois brônquios principais direito e esquerdo são as
vias respiratórias de segunda geração. Cada divisão posterior é uma geração adicional. Existem 20 a 25 gerações
antes que o ar inspirado alcance os alvéolos.
As paredes dos brônquios e dos bronquíolos são musculares. As paredes são compostas
principalmente por músculo liso em todas as áreas da traqueia e dos brônquios não ocupadas por placas
cartilaginosas. As paredes dos bronquíolos consistem quase inteiramente em músculo liso, exceto os bronquíolos
mais terminais (bronquíolos respiratórios), que têm um número muito pequeno de fibras musculares lisas. Muitas
doenças pulmonares obstrutivas resultam do estreitamento dos brônquios menores e dos bronquíolos, com frequência
devido à contração excessiva do músculo liso.
A resistência ao fluxo de ar é maior nos brônquios maiores, e não nos bronquíolos terminais
pequenos. O motivo dessa alta resistência nos brônquios maiores é a existência de relativamente poucos brônquios
em comparação com cerca de 65 mil bronquíolos terminais paralelos, em que cada um deles deixa passar apenas uma
quantidade mínima de ar. Todavia, em condições patológicas, os bronquíolos menores geralmente desempenham um
papel mais importante na determinação da resistência ao fluxo de ar por dois motivos: (1) são facilmente ocluídos,
em virtude de seu pequeno tamanho; e (2) sofrem contração fácil, visto que apresentam maior proporção de fibras
musculares lisas em suas paredes em relação ao seu diâmetro.
A adrenalina e a noradrenalina causam a dilatação da árvore brônquica. O controle direto dos
bronquíolos por fibras nervosas simpáticas é relativamente fraco, visto que poucas dessas fibras alcançam as partes
centrais do pulmão. Entretanto, a árvore brônquica é exposta à noradrenalina e à adrenalina circulantes que são
liberadas da medula das glândulas adrenais. Esses dois hormônios, particularmente a adrenalina, em virtude de sua
maior estimulação dos receptores beta‑adrenérgicos, causam a dilatação da árvore brônquica.
O sistema nervoso parassimpático causa a constrição dos bronquíolos. Algumas fibras nervosas
parassimpáticas, derivadas do nervo vago, penetram o parênquima pulmonar. Esses nervos secretam acetilcolina, que
causa constrição bronquiolar leve a moderada. Quando uma doença como a asma já tiver causado alguma constrição,
a estimulação nervosa parassimpática com frequência agrava a condição. Quando isso ocorre, os fármacos que
bloqueiam os efeitos da acetilcolina, como a atropina, às vezes podem ser utilizados para relaxar as vias respiratórias
o suficiente para aliviar a obstrução.

Revestimento por muco e ação dos cílios na limpeza das vias respiratórias
Todas as vias respiratórias são mantidas úmidas por uma camada de muco. O muco é secretado por
células mucosas caliciformes individuais no revestimento epitelial das passagens e por pequenas glândulas
submucosas. Além de manter as superfícies úmidas, o muco retém pequenas partículas do ar inspirado. Ele é
removido das vias respiratórias pela ação de cerca de 200 cílios presentes em cada célula epitelial.
Toda a superfície das passagens respiratórias é revestida por epitélio ciliado. O nariz e as vias
respiratórias inferiores estão incluídos nas passagens respiratórias até os bronquíolos terminais. Os cílios batem
continuamente em uma frequência de 10 a 20 vezes por segundo, e a direção de seu movimento de força aponta para
a faringe. Os cílios dos pulmões batem para cima, ao passo que os do nariz batem para baixo. Esse batimento
contínuo faz o revestimento de muco fluir em direção à faringe. O muco e suas partículas retidas são, então,
deglutidos ou tossidos para o exterior do corpo.
CAPÍTULO 39

Circulação Pulmonar, Edema Pulmonar e Líquido Pleural

As anormalidades na hemodinâmica pulmonar podem limitar a troca gasosa nos pulmões. Este capítulo discute a
circulação pulmonar normal e como o edema pulmonar pode ser causado por anormalidades vasculares.

ANATOMIA FISIOLÓGICA DO SISTEMA CIRCULATÓRIO PULMONAR

Os pulmões têm três circulações: pulmonar, brônquica e linfática:

Circulação pulmonar com baixa pressão e alto fluxo. A artéria pulmonar tem paredes finas e distensíveis, o que
confere à árvore arterial pulmonar uma grande complacência. Essa alta complacência permite que as artérias
pulmonares acomodem o volume sistólico do ventrículo direito, com apenas aumentos limitados da pressão. As veias
pulmonares têm características de distensibilidade semelhantes às das veias na circulação sistêmica
Circulação brônquica com alta pressão e baixo fluxo. O fluxo sanguíneo brônquico equivale a cerca de 1 a 2% do
débito cardíaco total. O sangue oxigenado nas artérias brônquicas supre o tecido conjuntivo, os septos e os brônquios
grandes e pequenos dos pulmões. Como o sangue brônquico desemboca nas veias pulmonares e não passa pelo lado
direito do coração, o débito ventricular esquerdo é cerca de 1 a 2% maior que o débito ventricular direito
Circulação linfática. Os vasos linfáticos são encontrados em todos os tecidos de suporte dos pulmões. As partículas
que entram nos alvéolos são removidas por esses vasos; as proteínas plasmáticas que extravasam dos capilares
pulmonares também são removidas dos tecidos pulmonares, ajudando a prevenir a formação de edema.

PRESSÕES NO SISTEMA PULMONAR

As pressões sanguíneas são baixas, em comparação com as da circulação sistêmica:

Pressão da artéria pulmonar. Nos seres humanos, a pressão arterial pulmonar sistólica média normal é de cerca de
25 mmHg, a pressão arterial pulmonar diastólica é de cerca de 8 mmHg e a pressão arterial pulmonar média é de
cerca de 15 mmHg
Pressão capilar pulmonar. A pressão capilar pulmonar média foi estimada em cerca de 7 mmHg
Pressões do átrio esquerdo e das veias pulmonares. A pressão média no átrio esquerdo e nas principais veias
pulmonares alcança, em média, cerca de 2 mmHg no indivíduo em decúbito.

A pressão do átrio esquerdo pode ser estimada pela medida da pressão de oclusão da artéria
pulmonar. A mensuração direta da pressão do átrio esquerdo é difÍcil, visto que exige a passagem de um cateter
retrógrado através do ventrículo esquerdo. A pressão de oclusão da artéria pulmonar pode ser medida pela passagem
de um cateter com balonete através do lado direito do coração e da artéria pulmonar, até que o cateter se fixe
firmemente a um ramo menor da artéria. Como todo o fluxo sanguíneo foi interrompido nos vasos sanguíneos que se
estendem a partir da artéria conectada, uma conexão quase direta é feita através dos capilares pulmonares com o
sangue nas veias pulmonares. A pressão de oclusão (em cunha) geralmente é apenas 2 a 3 mmHg maior do que a
pressão do átrio esquerdo. Com frequência, a mensuração da pressão de oclusão é utilizada para estimar as alterações
na pressão do átrio esquerdo em indivíduos com vários tipos de insuficiência cardíaca esquerda.
VOLUME SANGUÍNEO DOS PULMÕES

Os pulmões funcionam como um reservatório de sangue. O volume sanguíneo pulmonar é de cerca de


450 ml ou cerca de 9% do volume sanguíneo total. A quantidade de sangue nos pulmões pode variar desde apenas
metade até duas vezes o normal em várias condições fisiológicas e patológicas.
Doença cardíaca pode desviar sangue da circulação sistêmica para a circulação pulmonar. A
insuficiência cardíaca esquerda, a estenose mitral ou a insuficiência mitral podem causar a estagnação do sangue na
circulação pulmonar, aumentando acentuadamente as pressões e os volumes vasculares pulmonares. Como o volume
da circulação sistêmica é cerca de nove vezes o do sistema pulmonar, o desvio de sangue de um sistema para outro
afeta acentuadamente o sistema pulmonar, porém, em geral, tem apenas um efeito discreto na circulação sistêmica.

FLUXO SANGUÍNEO E SUA DISTRIBUIÇÃO ATRAVÉS DOS PULMÕES

O fluxo sanguíneo pulmonar é quase igual ao débito cardíaco. Na maioria das condições, os vasos
sanguíneos pulmonares atuam como tubos passivos e distensíveis, que se dilatam com o aumento da pressão e se
estreitam com a redução da pressão. O sangue é distribuído aos segmentos dos pulmões nos quais os alvéolos são
mais bem oxigenados. Essa distribuição é obtida pelo mecanismo descrito a seguir.
A distribuição do fluxo sanguíneo pulmonar é controlada pelo O2 alveolar. Quando a concentração de
O2 alveolar diminui abaixo do normal, os vasos sanguíneos adjacentes sofrem constrição, o que é o oposto do efeito
normalmente observado nos vasos sanguíneos sistêmicos. Esse efeito vasoconstritor produzido pelo baixo nível de
O2 serve para distribuir o fluxo sanguíneo para longe das áreas pulmonares com pouca ventilação.
O sistema nervoso autônomo não tem uma influência importante sobre a resistência vascular
pulmonar. Entretanto, a estimulação simpática exerce um efeito significativo na constrição dos grandes vasos
pulmonares capacitativos, particularmente as veias. Essa constrição fornece um meio pelo qual a estimulação
simpática pode deslocar uma grande parte do sangue extra dos pulmões para outros segmentos da circulação, quando
necessário, para combater a pressão arterial baixa.

EFEITO DOS GRADIENTES DE PRESSÃO HIDROSTÁTICA NOS PULMÕES SOBRE O FLUXO


SANGUÍNEO PULMONAR REGIONAL

No adulto médio, a distância entre o ápice e a base dos pulmões é de cerca de 30 cm, o que gera uma diferença de 23
mmHg na pressão arterial. Esse gradiente de pressão tem um efeito acentuado sobre o fluxo sanguíneo nas diversas
regiões pulmonares.
Zonas 1, 2 e 3 do fluxo sanguíneo pulmonar. Em condições normais e em várias condições patológicas, é
possível encontrar qualquer uma de três possíveis zonas de fluxo sanguíneo pulmonar:

A zona 1 (parte superior do pulmão) não tem nenhum fluxo sanguíneo, visto que a pressão capilar nunca se eleva
acima da pressão alveolar. Nessa zona, pressão alveolar > pressão arterial > pressão venosa, e, consequentemente, os
capilares estão fechados. A zona 1 não ocorre em condições normais, porém pode ocorrer quando a pressão da artéria
pulmonar está diminuída (p. ex., após hemorragia grave) ou quando ocorre elevação da pressão alveolar (p. ex.,
durante a ventilação com pressão positiva)
A zona 2 (parte média do pulmão) apresenta um fluxo sanguíneo intermitente que ocorre durante a sístole, quando a
pressão arterial é maior do que a pressão alveolar. Entretanto, não ocorre fluxo sanguíneo durante a diástole, quando
a pressão arterial é menor do que a pressão alveolar. Por conseguinte, o fluxo sanguíneo da zona 2 é determinado
pela diferença entre as pressões arterial e alveolar. O fluxo sanguíneo dessa zona começa nos pulmões normais cerca
de 10 cm acima do nível médio do coração e estende-se até o topo dos pulmões
A zona 3 (base do pulmão) apresenta fluxo sanguíneo alto e contínuo, visto que a pressão capilar permanece maior
do que a pressão alveolar durante a diástole e a sístole. O fluxo sanguíneo da zona 3 ocorre nas regiões inferiores dos
pulmões, a partir de cerca de 10 cm acima do nível do coração até a base dos pulmões. Além disso, quando o
indivíduo está em decúbito, nenhuma parte do pulmão está mais de alguns centímetros acima do nível do coração, e
o fluxo sanguíneo de um indivíduo sadio consiste totalmente em fluxo sanguíneo da zona 3, incluindo os ápices dos
pulmões.
A resistência vascular pulmonar diminui durante o exercício intenso. Durante o exercício fÍsico, o
fluxo sanguíneo através dos pulmões aumenta quatro a sete vezes. Esse fluxo extra é acomodado nos pulmões de
duas maneiras: (1) por meio do aumento do número de capilares abertos, às vezes alcançando três vezes; e (2) por
meio da distensão dos capilares e do aumento do fluxo através de cada capilar em mais de duas vezes. No indivíduo
saudável médio, essas duas mudanças em conjunto diminuem a resistência vascular pulmonar, de modo que ocorre
pouca elevação da pressão arterial pulmonar, mesmo durante o exercício máximo.

DINÂMICA CAPILAR PULMONAR

As paredes alveolares têm tantos capilares que eles quase se tocam, fazendo o sangue capilar fluir como uma lâmina,
em vez de fluir através de vasos individuais, como ocorre na maioria dos outros tecidos.

Troca de líquidos nos capilares pulmonares e dinâmica do líquido intersticial pulmonar


A dinâmica da troca de líquidos através dos capilares pulmonares é qualitativamente igual à dos
tecidos periféricos. Entretanto, do ponto de vista quantitativo, existem várias diferenças importantes:

A pressão capilar pulmonar é baixa (cerca de 7 mmHg), em comparação com a maior pressão capilar funcional nos
tecidos periféricos (cerca de 17 mmHg)
A pressão do líquido intersticial é de cerca de –5 a –8 mmHg; ou seja, é ligeiramente mais negativa do que no tecido
subcutâneo periférico
A permeabilidade capilar é alta, o que permite o extravasamento de quantidades extras de proteínas dos capilares;
por conseguinte, a pressão coloidosmótica do líquido intersticial também é alta, alcançando, em média, cerca de 14
mmHg, em comparação com a média inferior a 7 mmHg nos tecidos subcutâneos periféricos
As paredes alveolares são delgadas. O epitélio alveolar que reveste as superfícies alveolares é tão frágil que sofre
ruptura quando a pressão hidrostática do líquido intersticial se torna maior do que a pressão atmosférica (i. e., mais
de 0 mmHg), o que permite a descarga de líquido dos espaços intersticiais para dentro dos alvéolos.

A pressão de filtração média nos capilares pulmonares é de +1 mmHg. O valor da pressão de filtração
média deriva do seguinte (Figura 39.1):

Força total para fora (29 mmHg). As forças que tendem a causar movimento de líquido para fora dos capilares
incluem a pressão capilar (7 mmHg), a pressão coloidosmótica do líquido intersticial (14 mmHg) e a pressão do
líquido intersticial (–8 mmHg)
Força total para dentro (28 mmHg). Apenas a pressão coloidal do plasma (28 mmHg) tende a causar absorção de
líquido dentro dos capilares
Pressão de filtração média efetiva (+1 mmHg). Como a força total para fora (29 mmHg) é ligeiramente maior do que
a força total para dentro (28 mmHg), a pressão de filtração média efetiva é ligeiramente positiva (29 − 28 = + 1
mmHg).

Essa pressão causa uma perda contínua de líquido a partir dos capilares pulmonares.

Edema pulmonar
O edema pulmonar é causado pelos mesmos fatores básicos do edema periférico. As causas mais
comuns de edema pulmonar são as seguintes:

A insuficiência cardíaca esquerda, ou doença da valva mitral, pode causar grandes aumentos da pressão capilar
pulmonar, com inundação subsequente dos espaços intersticiais e dos alvéolos
A lesão da membrana capilar pulmonar causada por infecções ou pela inalação de gases nocivos pode produzir
rápido extravasamento de proteínas plasmáticas e líquido para fora dos capilares.
Figura 39.1 Forças hidrostáticas e osmóticas em mmHg na membrana capilar (à
esquerda) e na membrana alveolar (à direita) dos pulmões. A figura também mostra a
extremidade de um vaso linfático (no centro) que bombeia líquido a partir dos espaços
intersticiais pulmonares.

Quando o volume de líquido intersticial pulmonar aumenta em mais de 50%, o líquido vaza para
os alvéolos. Por conseguinte, exceto nos casos mais leves de edema pulmonar, o líquido do edema entra nos
alvéolos.
Os fatores de segurança agudos tendem a evitar o edema pulmonar. Todos os seguintes fatores de
segurança devem ser superados antes que ocorra formação de edema: (1) negatividade normal da pressão do líquido
intersticial; (2) bombeamento linfático de líquido para fora dos espaços intersticiais; e (3) diminuição da pressão
coloidosmótica do líquido intersticial causada pela eliminação das proteínas em consequência da perda aumentada de
líquido dos capilares pulmonares.
A pressão capilar pulmonar geralmente aumenta para se igualar à pressão coloidosmótica do
plasma antes que ocorra edema pulmonar significativo. Nos seres humanos, que normalmente apresentam
pressão coloidosmótica do plasma de 28 mmHg, a pressão capilar pulmonar precisa aumentar de um nível normal de
7 mmHg para mais de 28 mmHg para causar edema pulmonar, proporcionando um fator de segurança agudo contra o
edema pulmonar de cerca de 21 mmHg.
O crescimento do sistema linfático proporciona um fator de segurança crônico contra o edema
pulmonar. Os vasos linfáticos podem se expandir acentuadamente e proliferar ao longo de um período de várias
semanas a meses, aumentando, talvez em até 10 vezes, a sua capacidade de transportar líquidos e proteínas para
longe dos espaços intersticiais. Em alguns pacientes com estenose mitral crônica, foi medida uma pressão capilar
pulmonar de 40 a 45 mmHg sem desenvolvimento de edema pulmonar significativo. Essa alta pressão seria letal em
um indivíduo que não estivesse adaptado para isso.
O edema pulmonar letal pode ocorrer rapidamente, em questão de minutos a horas. Quando a
pressão capilar pulmonar aumenta até mesmo discretamente acima do nível do fator de segurança, pode ocorrer
edema pulmonar letal em questão de minutos a horas. Na insuficiência cardíaca esquerda aguda, em que a pressão
capilar pulmonar se eleva, em certas ocasiões, para 40 a 50 mmHg, é frequente a ocorrência de morte nos primeiros
30 minutos após o início do edema pulmonar agudo.

LÍQUIDO NA CAVIDADE PLEURAL


Durante a sua expansão e contração na respiração normal, os pulmões deslizam para a frente e
para trás dentro da cavidade pleural. Pequenas quantidades de líquido intersticial transudam continuamente
através das membranas pleurais para dentro do espaço pleural. Esses líquidos contêm proteínas que conferem ao
líquido pleural uma aparência mucoide, possibilitando o fácil deslizamento dos pulmões em movimento. A
quantidade total de líquido nas cavidades pleurais é de apenas alguns mililitros. O espaço pleural – isto é, o espaço
entre as pleuras parietal e visceral – é denominado espaço potencial, visto que, em geral, ele é tão estreito que não
constitui um espaço físico óbvio.
Derrame pleural: coleção de grandes quantidades de líquido livre no espaço pleural. Os seguintes
mecanismos constituem as causas mais prováveis de derrame:

O bloqueio da drenagem linfática da cavidade pleural permite o acúmulo de líquido em excesso


A insuficiência cardíaca causa pressões capilares periféricas e pulmonares excessivamente altas, levando à
transudação excessiva de líquido para dentro da cavidade pleural
A redução da pressão coloidosmótica do plasma permite a transudação excessiva de líquido dos capilares
O aumento da permeabilidade capilar causado por infecção ou por qualquer outra fonte de inflamação das
superfícies pleurais permite uma rápida descarga de proteínas plasmáticas e de líquido na cavidade pleural.
CAPÍTULO 40

Princípios de Troca Gasosa; Difusão de Oxigênio e Dióxido de Carbono


pela Membrana Respiratória

O oxigênio (O2) difunde-se dos alvéolos para o sangue pulmonar, ao passo que o dióxido de carbono (CO2) se
difunde na direção oposta. A taxa de difusão dos gases respiratórios é um tema muito complexo, pois exige a
compreensão da física da difusão e da troca gasosa.

FÍSICA DA DIFUSÃO DOS GASES E SUAS PRESSÕES PARCIAIS

Os gases respiratórios se difundem das áreas de alta pressão parcial para áreas de baixa pressão
parcial. A taxa de difusão dos gases respiratórios (O2, nitrogênio e CO2) é diretamente proporcional à pressão
causada por cada gás individualmente, denominada pressão parcial do gás. A pressão parcial é utilizada para
expressar a concentração de um gás, visto que é a pressão do gás que causa o seu movimento por difusão de uma
parte do corpo para outra. As pressões parciais do O2, do CO2 e do nitrogênio são designadas como PO2, PCO2 e PN2,
respectivamente.
A pressão parcial de um gás é calculada multiplicando‑se a sua concentração percentual pela
pressão total exercida por todos os gases. O ar tem uma composição de cerca de 79% de nitrogênio e cerca
de 21% de oxigênio. A pressão total ao nível do mar (pressão atmosférica) é, em média, de 760 mmHg; por
conseguinte, 79% dos 760 mmHg são causados pelo nitrogênio (cerca de 600 mmHg) e 21% pelo O2 (cerca de 160
mmHg). A PN2 na mistura é de 600 mmHg, ao passo que a PO2 é de 160 mmHg; a pressão total é de 760 mmHg, que
é a soma das pressões parciais individuais.
A pressão parcial de um gás em uma solução é determinada pelo seu coeficiente de solubilidade
e pela sua concentração. Algumas moléculas, em particular o CO2, são física ou quimicamente atraídas pelas
moléculas de água, o que permite a dissolução de muito mais delas, sem produzir excesso de pressão na solução. A
relação entre a concentração e a solubilidade do gás na determinação da pressão parcial de um gás é expressa pela lei
de Henry:

A pressão de vapor d’água na temperatura corporal é de 47 mmHg. Quando o ar entra nas vias
respiratórias, a água evapora das superfícies das vias respiratórias, umidificando o ar. A pressão exercida pelas
moléculas de água para escapar da superfície é a pressão de vapor d’água, que é de 47 mmHg na temperatura
corporal. Quando a mistura de gases se torna totalmente umidificada, a pressão parcial do vapor d’água na mistura de
gases também é de 47 mmHg. Essa pressão parcial é designada como PH2O.

AS COMPOSIÇÕES DO AR ALVEOLAR E DO AR ATMOSFÉRICO SÃO DIFERENTES

Composição do ar alveolar e sua relação com o ar atmosférico. As diferenças são apresentadas na


Tabela 40.1 e podem ser explicadas da seguinte maneira:
O ar alveolar é apenas parcialmente substituído pelo ar atmosférico em cada respiração.
O O2 é constantemente absorvido do ar alveolar.
O CO2 sofre difusão constante do sangue pulmonar para os alvéolos.
O ar atmosférico seco é umidificado antes de alcançar os alvéolos.

O vapor d’água dilui os outros gases no ar inspirado. A Tabela 40.1 mostra que o ar atmosférico é
composto principalmente de nitrogênio e O2 e contém quase nenhum CO2 ou vapor d’água. O ar atmosférico torna-se
totalmente umidificado à medida que passa pelas vias respiratórias. A pressão do vapor d’água (47 mmHg) à
temperatura corporal normal dilui os outros gases no ar inspirado. A PO2 diminui de 159 mmHg no ar atmosférico
para 149,3 mmHg no ar umidificado, ao passo que a PN2 diminui de 597 mmHg para 563,4 mmHg (ver Tabela 40.1).
A substituição lenta do ar alveolar por ar atmosférico auxilia a estabilização do controle
respiratório. A quantidade de ar alveolar substituída por novo ar atmosférico a cada respiração corresponde a
apenas cerca de um décimo do total; portanto, são necessárias muitas respirações para substituir o ar alveolar por
completo. Essa substituição lenta do ar alveolar evita mudanças súbitas nas concentrações de gases no sangue.
A concentração de O2 alveolar é controlada pela taxa de entrada de novo O2 nos pulmões e sua
absorção no sangue. Quanto mais rápido o O2 for absorvido pelos capilares pulmonares, menor será a sua
concentração nos alvéolos. Quando maiores quantidades de novo O2 proveniente da atmosfera são inspiradas nos
alvéolos, a concentração de O2 nos alvéolos aumenta.
O ar expirado é uma combinação entre o ar do espaço morto e o ar alveolar. Quando o ar é expirado
dos pulmões, a primeira parte desse ar (ar do espaço morto) consiste em ar umidificado típico (ver Tabela 40.1). Em
seguida, mais e mais ar alveolar mistura-se com o ar do espaço morto, até que todo o ar do espaço morto tenha sido
eliminado e apenas o ar alveolar seja expirado no fim da expiração. O ar normal expirado apresenta as concentrações
aproximadas de gases e pressões parciais fornecidas na Tabela 40.1.

DIFUSÃO DE GASES PELA MEMBRANA RESPIRATÓRIA

Uma unidade respiratória é composta de um bronquíolo respiratório, ductos alveolares, átrios e


alvéolos. Existem cerca de 300 milhões de unidades respiratórias nos dois pulmões. As paredes dos alvéolos são
extremamente delgadas e, dentro delas, existe uma rede quase sólida de capilares interconectados; o fluxo sanguíneo
na parede alveolar tem sido descrito como semelhante a uma lâmina de sangue fluindo. A troca gasosa ocorre através
das membranas de todas as partes terminais dos pulmões, e não apenas nos alvéolos. Essas membranas são
coletivamente denominadas membrana respiratória ou membrana pulmonar ou membrana alvéolo‑capilar.

Tabela 40.1Pressões parciais dos gases respiratórios à medida que entram e saem dos pulmões (ao nível do mar).

Ar atmosférico, Ar umidificado, Ar alveolar, mmHg Ar expirado, mmHg


Gás mmHg (%) mmHg (%) (%) (%)
N2 597 (78,62) 563,4 (74,09) 569 (74,9) 566 (74,5)
O2 159 (20,84) 149,3 (19,67) 104 (13,6) 120 (15,7)
CO2 0,3 (0,04) 0,3 (0,04) 40 (5,3) 27 (3,6)
H2O 3,7 (0,50) 47 (6,20) 47 (6,20) 47 (6,20)
Total 760 (100) 760 (100) 760 (100) 760 (100)

A membrana respiratória é composta de diversas camadas. A troca de O2 e de CO2 entre o sangue e o


ar alveolar exige a sua difusão através das seguintes camadas da membrana respiratória (Figura 40.1):

Uma camada de líquido contendo surfactante, que reveste o alvéolo


O epitélio alveolar, que é composto de células epiteliais finas
Uma membrana basal epitelial
Um espaço intersticial delgado, situado entre o epitélio alveolar e a membrana endotelial capilar
Uma membrana basal capilar, que se funde em certos locais com a membrana basal epitelial
A membrana endotelial do capilar.

Figura 40.1 Ultraestrutura da membrana respiratória alveolar, mostrada em seção


transversa.

A membrana respiratória é otimizada para a troca gasosa

Espessura da membrana. Apesar do grande número de camadas, a espessura total da membrana respiratória é, em
média, de apenas 0,6 micrômetro
Área de superfície da membrana. A área de superfície total da membrana respiratória é grande – cerca de 70 metros
quadrados no adulto saudável médio
Volume de sangue capilar. O volume de sangue capilar é de 60 a 140 ml
Diâmetro dos capilares. O diâmetro médio dos capilares pulmonares é de cerca de 5 micrômetros; em geral, a
membrana das hemácias toca a parede do capilar.

Diversos fatores determinam a taxa de difusão de um gás através da membrana respiratória. Os


seguintes fatores determinam a rapidez com que um gás atravessa a membrana respiratória:

Espessura da membrana respiratória. A taxa de difusão através da membrana é inversamente proporcional à sua
espessura. O líquido de edema no espaço intersticial e nos alvéolos diminui a taxa de difusão, visto que os gases
respiratórios precisam se mover não apenas através da membrana, mas também através das camadas extras de
líquido. A fibrose pulmonar também pode aumentar a espessura de algumas partes da membrana respiratória
Área de superfície da membrana respiratória. Na presença de enfisema, muitos dos alvéolos coalescem, com
dissolução das paredes alveolares, o que diminui a área de superfície total em até cinco vezes
Coeficiente de difusão. O coeficiente de difusão para a transferência de cada gás através da membrana respiratória
depende de sua solubilidade na membrana e, inversamente, da raiz quadrada de seu peso molecular
Diferença de pressão através da membrana respiratória. A diferença entre as pressões parciais de gás nos alvéolos e
no sangue capilar é diretamente proporcional à taxa de transferência do gás através da membrana em qualquer
direção.

Capacidade de difusão da membrana respiratória


A capacidade de difusão do CO2 é 20 vezes maior do que a do O2. A capacidade da membrana
respiratória de trocar um gás entre os alvéolos e o sangue pulmonar pode ser expressa em termos quantitativos pela
sua capacidade de difusão, que é definida como o volume de um gás que se difunde através da membrana por minuto
para uma diferença de 1 mmHg na pressão parcial. Todos os fatores discutidos que afetam a difusão através da
membrana respiratória podem afetar a capacidade de difusão. A capacidade de difusão do O2 nos pulmões quando o
indivíduo está em repouso é de cerca de 21 ml/min por mmHg. A capacidade de difusão do CO2 é cerca de 20 vezes
esse valor, ou aproximadamente 440 ml/min por mmHg.
Aumento da capacidade de difusão de oxigênio durante o exercício. Durante o exercício, a
oxigenação do sangue aumenta não apenas como resultado da maior ventilação alveolar, mas também devido ao
aumento da capacidade da membrana respiratória de transmitir O2 para o sangue. Durante o exercício intenso, a
capacidade de difusão do O2 pode aumentar para cerca de 65 ml/min por mmHg, que corresponde a três vezes a
capacidade de difusão em condições de repouso. Esse aumento é causado pelos seguintes fatores:

Aumento da área de superfície. A abertura dos capilares pulmonares fechados e a dilatação dos capilares abertos
aumentam a área de superfície para a difusão de O2
Melhora da relação ventilação‑perfusão ( ).

O exercício melhora a relação entre a ventilação dos alvéolos e a perfusão dos capilares alveolares com sangue.

EFEITO DA RELAÇÃO VENTILAÇÃO‑PERFUSÃO SOBRE A CONCENTRAÇÃO DE GÁS ALVEOLAR

Mesmo em condições normais e, particularmente, na presença de muitas doenças pulmonares, algumas áreas dos
pulmões são bem ventiladas, porém quase não apresentam fluxo sanguíneo, ao passo que outras áreas têm fluxo
sanguíneo suficiente, porém pouca ou nenhuma ventilação. Em qualquer uma dessas condições, a troca gasosa
através da membrana respiratória é reduzida. Foi desenvolvido um conceito quantitativo para ajudar a compreender a
troca respiratória de gás quando ocorre um desequilíbrio entre a ventilação alveolar e o fluxo sanguíneo alveolar.
Esse conceito é denominado relação ventilação‑perfusão ( ).
A é a relação entre a ventilação alveolar e o fluxo sanguíneo pulmonar. Quando a (ventilação
alveolar) está normal para determinado alvéolo e o (fluxo sanguíneo) está normal para o mesmo alvéolo, a relação
também é considerada normal:

Quando a for igual a zero, não há ventilação alveolar, de modo que o ar no alvéolo entra em equilíbrio com o O2 e
o CO2 no sangue. Como o sangue que perfunde os capilares consiste em sangue venoso, os gases existentes nele
entram em equilíbrio com os gases alveolares. Por conseguinte, a PO2 alveolar é de 40 mmHg, e a PCO2, de 45 mmHg
quando a é igual a zero
Quando a tende ao infinito, não há fluxo de sangue capilar para transportar o O2 para longe e liberar o CO2 nos
alvéolos. O ar alveolar agora torna-se igual ao ar inspirado umidificado, que apresenta uma PO2 de 149 mmHg e uma
PCO2 de 0 mmHg
Quando a está normal, tanto a ventilação alveolar quanto o fluxo de sangue capilar alveolar estão normais; em
consequência, a troca de O2 e de CO2 é quase ideal. A PO2 alveolar é normalmente de cerca de 104 mmHg, ao passo
que a PCO2 alveolar normalmente é de cerca de 40 mmHg.
Conceito de shunt fisiológico (quando a está abaixo do normal)

Quanto maior for o shunt fisiológico, maior será a quantidade de sangue que não consegue ser
oxigenado ao passar pelos pulmões. Sempre que a relação estiver abaixo do normal, uma fração do
sangue venoso passará através dos capilares pulmonares sem ser oxigenada. Essa fração é denominada sangue de
shunt (ou sangue desviado). Alguma quantidade de sangue adicional flui através dos vasos brônquicos, em vez de
fluir através dos capilares alveolares (normalmente, cerca de 2% do débito cardíaco); esse sangue também consiste
em sangue desviado não oxigenado. A quantidade total de fluxo de sangue desviado por minuto é denominada shunt
fisiológico.

Conceito de espaço morto fisiológico quando a relação é maior do que o normal

Quando o espaço morto fisiológico é grande, a maior parte do trabalho da ventilação é


desperdiçada, visto que parte do ar ventilado nunca alcança o sangue. Quando a ventilação alveolar está
normal, porém o fluxo sanguíneo alveolar está baixo, há muito mais O2 disponível nos alvéolos do que a quantidade
que pode ser transportada pelo sangue que flui; a ventilação desses alvéolos não perfundidos é considerada
desperdiçada, visto que o O2 não pode se difundir para o sangue. A ventilação das áreas do espaço morto anatômico
das vias respiratórias também é desperdiçada. A soma desses dois tipos de ventilação desperdiçada é denominada
espaço morto fisiológico.

Anormalidades da relação ventilação‑perfusão


A relação está elevada na região superior do pulmão e baixa na região inferior do pulmão. O
fluxo sanguíneo e a ventilação aumentam da região superior para a base do pulmão, porém o fluxo sanguíneo
aumenta de maneira mais progressiva. Portanto, a relação é mais alta na região superior do pulmão do que na
base. Em ambos os extremos, as desigualdades da ventilação e da perfusão diminuem a eficiência dos pulmões para a
troca gasosa. Entretanto, durante o exercício, o fluxo sanguíneo para a região superior do pulmão aumenta
acentuadamente, de modo que ocorre muito menos espaço morto fisiológico, e a eficiência da troca gasosa aproxima-
se do ideal. As diferenças na ventilação e na perfusão no topo e na base do pulmão na posição vertical e seu efeito
sobre a PO2 e a PCO2 regionais estão resumidos na Tabela 40.2.
A relação pode aumentar ou diminuir na presença de doença pulmonar obstrutiva crônica.
A maioria dos tabagistas crônicos apresenta obstrução brônquica, que pode causar aprisionamento do ar alveolar,
resultando em enfisema. Por sua vez, o enfisema provoca a destruição de muitas das paredes alveolares. Por
conseguinte, ocorrem duas anormalidades nos tabagistas que causam uma relação anormal:

baixa: devido à obstrução de muitos dos pequenos bronquíolos, os alvéolos além da obstrução não são
ventilados
alta: nas áreas onde as paredes alveolares foram destruídas, porém ainda ocorre ventilação alveolar, a
ventilação é desperdiçada, em virtude do fluxo sanguíneo inadequado.

Tabela 40.2Características no ápice e na base do pulmão.

Ápice do pulmão Base do pulmão


Ventilação Baixa Alta
Perfusão (fluxo sanguíneo) Mais baixa Mais alta
Relação Maior Menor
PO2 alveolar local Mais alta Mais baixa

PCO2 alveolar local Mais baixa Mais alta


CAPÍTULO 41

Transporte de Oxigênio e Dióxido de Carbono no Sangue e Líquidos


Teciduais

O oxigênio (O2) é transportado principalmente em combinação com a hemoglobina até os capilares dos tecidos
periféricos, de onde se difunde para as células teciduais. Nas células teciduais, o O2 reage com vários nutrientes para
formar grandes quantidades de dióxido de carbono (CO2). Em seguida, o CO2 entra nos capilares teciduais e é
transportado até os pulmões. Este capítulo discute os princípios físicos e químicos do transporte de O2 e CO2 no
sangue e nos líquidos corporais.

DIFUSÃO DE OXIGÊNIO DOS ALVÉOLOS PARA O SANGUE DOS CAPILARES PULMONARES

A pressão parcial de O2 do sangue pulmonar aumenta para se igualar à do ar alveolar no


primeiro terço do capilar pulmonar. A pressão parcial de O2 (PO2) alcança, em média, 104 mmHg no alvéolo,
ao passo que, no sangue venoso que entra no capilar, ela é, em média, de apenas 40 mmHg. Por conseguinte, a
diferença inicial na pressão parcial que causa a difusão de O2 para o capilar pulmonar é de 104 ‒ 40 mmHg, ou 64
mmHg. A PO2 aumenta para se igualar à do ar alveolar no momento em que o sangue foi movido até um terço da
distância através do capilar, alcançando quase 104 mmHg.
O sangue dos capilares pulmonares torna‑se quase totalmente saturado com O2, mesmo
durante o exercício intenso. A utilização de oxigênio pode aumentar 20 vezes durante o exercício intenso. A
elevação do débito cardíaco reduz o tempo de residência do sangue nos capilares pulmonares para menos da metade
do normal. Entretanto, o sangue ainda está quase totalmente saturado com O2 quando sai dos capilares pulmonares,
devido às seguintes razões:

Aumento da capacidade de difusão. Conforme discutido no Capítulo 40, a capacidade de difusão do O2 aumenta
quase três vezes durante o exercício, devido ao aumento da área de superfície capilar e à melhor relação ventilação-
perfusão nas partes superiores dos pulmões
Fator de segurança do tempo de trânsito. Como o sangue se torna quase totalmente saturado com O2 no primeiro
terço do leito capilar pulmonar, ainda pode ocorrer saturação completa durante grandes aumentos do débito cardíaco.

O fluxo venoso brônquico “desviado” diminui a PO2 do sangue de um valor nos capilares
pulmonares de PO2 para um valor arterial de cerca de 95 mmHg. Cerca de 2% do sangue que entra no átrio
esquerdo passam diretamente da aorta através da circulação brônquica. Esse fluxo de sangue representa o fluxo
desviado, visto que é desviado após as áreas de troca gasosa do pulmão; a sua PO2 é típica do sangue venoso – isto é,
cerca de 40 mmHg. Em seguida, esse sangue mistura-se com o sangue oxigenado dos pulmões, e essa mistura é
denominada mistura venosa de sangue.
A PO2 tecidual é determinada pela taxa de transporte de O2 para os tecidos e pela taxa de
utilização de O2 pelos tecidos. A PO2 nas partes iniciais dos capilares periféricos é de 95 mmHg, ao passo que a
PO2 no líquido intersticial que circunda as células teciduais é, em média, de 40 mmHg. Essa diferença de pressão
provoca a rápida difusão de O2 do sangue para os tecidos. A PO2 do sangue que deixa os capilares teciduais também é
de cerca de 40 mmHg. A PO2 tecidual pode ser afetada por dois fatores principais:
Taxa de fluxo sanguíneo e distribuição tecidual de O2. Se o fluxo sanguíneo através de determinado tecido aumentar,
quantidades maiores de O2 serão transportadas nesse tecido durante determinado período, o que leva ao aumento da
PO2 tecidual
Taxa de metabolismo dos tecidos. Se as células utilizam mais oxigênio do que o normal para o seu metabolismo, a
PO2 do líquido intersticial tende a diminuir.

Difusão do dióxido de carbono das células teciduais para o sangue. Existe uma grande diferença entre
a difusão de CO2 e a de O2: o CO2 pode se difundir cerca de 20 vezes mais rapidamente do que o O2 para
determinada diferença de pressão parcial.

TRANSPORTE DE OXIGÊNIO NO SANGUE ARTERIAL

Cerca de 97% do O2 são transportados para os tecidos em combinação química com a


hemoglobina. Os 3% restantes de O2 são transportados para os tecidos em um estado dissolvido na água do plasma
e das células. A hemoglobina combina-se com grandes quantidades de O2 quando a PO2 está elevada e, em seguida,
libera O2 quando a PO2 está baixa. A hemoglobina capta grandes quantidades de O2 quando o sangue passa pelos
pulmões. À medida que o sangue passa pelos capilares teciduais, onde a PO2 cai para cerca de 40 mmHg, grandes
quantidades de O2 são liberadas da hemoglobina, e o O2 livre difunde-se, então, para as células teciduais.
A curva de dissociação oxigênio‑hemoglobina mostra a porcentagem de saturação da
hemoglobina com o O2 como função da PO2. A curva de dissociação oxigênio-hemoglobina mostrada na
Figura 41.1 demonstra o aumento progressivo da porcentagem de hemoglobina que está ligada ao O2 à medida que a
PO2 do sangue aumenta, denominada porcentagem de saturação da hemoglobina. Observe as seguintes
características da curva:

Figura 41.1 Curva de dissociação oxigênio‑hemoglobina.

Quando a Po2 é de 95 mmHg (sangue arterial), cerca de 97% da hemoglobina está saturada com O2, e o conteúdo de
O2 é de cerca de 19,4 ml por 100 ml de sangue; em média, cerca de quatro moléculas de O2 estão ligadas a cada
molécula de hemoglobina
Quando a Po2 é de 40 mmHg (sangue venoso misto), a saturação da hemoglobina com O2 é de 75%, e o conteúdo de
O2 é de cerca de 14,4 ml por 100 ml de sangue; em média, três moléculas de O2 estão ligadas a cada molécula de
hemoglobina
Quando a Po2 é de 25 mmHg (sangue venoso misto durante o exercício moderado), 50% da hemoglobina está
saturada com O2, e o conteúdo de O2 é de cerca de 10 ml por 100 ml de sangue; em média, duas moléculas de
oxigênio estão ligadas a cada molécula de hemoglobina.

O formato sigmoide da curva de dissociação oxigênio‑hemoglobina resulta da ligação mais forte


do O2 à hemoglobina, à medida que mais moléculas de O2 se tornam ligadas. Cada molécula de
hemoglobina pode se ligar a quatro moléculas de O2. Após a ligação de uma molécula de O2, a afinidade da
hemoglobina pela segunda molécula aumenta, e assim por diante. Observe que a afinidade pelo O2 é alta nos
pulmões, onde o valor da PO2 é de cerca de 95 mmHg (a porção plana da curva), e baixa nos tecidos periféricos, onde
o valor da PO2 é de cerca 40 mmHg (na parte íngreme da curva; ver Figura 41.1).
A quantidade máxima de O2 transportada pela hemoglobina é de cerca de 20 ml de O2 por 100
ml de sangue. Em geral, cada 100 ml de sangue contêm cerca de 15 g de hemoglobina, e cada grama de
hemoglobina pode ligar-se a cerca de 1,34 ml de O2 quando a sua saturação alcança 100% (15 × 1,34 = 20 ml de O2
por 100 ml de sangue). Entretanto, a quantidade total de O2 ligada à hemoglobina no sangue arterial normal é de
cerca de 97%, de modo que aproximadamente 19,4 ml de O2 são transportados em cada 100 ml de sangue. A
hemoglobina no sangue venoso que deixa os tecidos periféricos tem saturação de 75% com O2, de modo que a
quantidade de O2 transportada pela hemoglobina no sangue venoso é de cerca de 14,4 ml de O2 por 100 ml de
sangue. Por conseguinte, cerca de 5 ml de O2 são normalmente transportados e utilizados pelos tecidos em cada 100
ml de sangue.
A hemoglobina atua para manter uma PO2 constante nos tecidos. Embora a hemoglobina seja
necessária para o transporte de O2 até os tecidos, ela desempenha outra função importante e essencial para a vida
como sistema de tamponamento do oxigênio tecidual.
Em condições basais, os tecidos necessitam de cerca de 5 ml de O2 a partir de cada 100 ml de sangue. Para que
ocorra liberação de 5 ml de O2, a PO2 do sangue precisa cair para cerca de 40 mmHg. Normalmente, a PO2 tecidual
não aumenta acima de 40 mmHg, visto que o O2 necessário para os tecidos nesse nível não é liberado da
hemoglobina; por conseguinte, a hemoglobina estabelece o nível de PO2 tecidual em um limite superior de cerca de
40 mmHg.
Durante o exercício intenso, a utilização de O2 aumenta até 20 vezes o normal. Esse aumento da utilização pode
ser alcançado com pouca redução adicional da PO2 tecidual – até um nível de 15 a 25 mmHg –, devido à inclinação
acentuada da curva de dissociação e ao aumento do fluxo sanguíneo nos tecidos, causado pela diminuição da PO2 (i.
e., uma pequena queda da PO2 provoca a liberação de grandes quantidades de O2).
A curva de dissociação oxigênio‑hemoglobina é desviada para a direita nos tecidos
metabolicamente ativos, nos quais há aumento da temperatura, da PCO2 e da concentração de íons
hidrogênio. A curva de dissociação oxigênio-hemoglobina mostrada na Figura 41.1 refere-se ao sangue em
condições normais. Ocorre um desvio da curva para a direita quando a afinidade pelo O2 está baixa, o que facilita a
liberação de O2 da hemoglobina. Para qualquer valor de PO2, a porcentagem de saturação com O2 é baixa quando a
curva está desviada para a direita. A curva de dissociação oxigênio-hemoglobina também é desviada para a direita
como adaptação à hipoxemia crônica associada à vida em grandes altitudes. A hipoxemia crônica aumenta a síntese
de 2,3-difosfoglicerato, fator que se liga à hemoglobina, diminuindo a sua afinidade pelo O2.
O monóxido de carbono interfere no transporte de O2, visto que ele tem cerca de 250 vezes mais
afinidade pela hemoglobina. O monóxido de carbono (CO) combina-se com a hemoglobina no mesmo ponto da
molécula que o O2 e, portanto, consegue deslocar o O2 da hemoglobina. Como o CO liga-se com uma tenacidade
cerca de 250 vezes maior do que o O2, quantidades relativamente pequenas de CO podem ocupar uma grande parte
dos sítios de ligação da hemoglobina, tornando-os indisponíveis para o transporte de O2. Um paciente com grave
intoxicação por CO pode ser auxiliado com a administração de O2 puro, visto que o O2 em pressões alveolares
elevadas desloca o CO de sua combinação com a hemoglobina de maneira mais efetiva do que o O2 em baixas
pressões alveolares.

TRANSPORTE DE CO2 PELO SANGUE


Em condições de repouso, cerca de 4 ml de CO2 são transportados dos tecidos para os pulmões
em cada 100 ml de sangue. Cerca de 70% do CO2 são transportados na forma de HCO3, 23% em combinação
com a hemoglobina e proteínas plasmáticas e 7% no estado dissolvido no líquido do sangue:

Transporte na forma de (70%). O CO2 dissolvido reage com a água no interior das hemácias, formando ácido
carbônico. Essa reação é catalisada pela enzima anidrase carbônica. A maior parte do ácido carbônico dissocia-se
imediatamente em e H+; por sua vez, o H+ combina-se com a hemoglobina. Grande parte do difunde-
se das hemácias para o plasma, e os íons cloreto difundem-se para o interior das hemácias, de modo a manter a
neutralidade elétrica. Esse fenômeno é denominado desvio de cloreto
Transporte em combinação com a hemoglobina e proteínas plasmáticas (23%). O dióxido de carbono reage
diretamente com os radicais amina das moléculas de hemoglobina e as proteínas plasmáticas, formando o composto
carbamino-hemo-globina (HbCO2). Essa combinação de CO2 com hemoglobina é facilmente reversível, de modo que
o CO2 é facilmente liberado nos alvéolos, onde a pressão parcial de CO2 (PCO2) é menor que a dos tecidos capilares
Transporte no estado dissolvido (7%). Apenas cerca de 0,3 ml de CO2 é transportado na forma de CO2 dissolvido por
cada 100 ml de sangue, o que representa cerca de 7% de todo o CO2 transportado no sangue.
CAPÍTULO 42

Regulação da Respiração

A taxa de ventilação alveolar é regulada pelo sistema nervoso para manter a tensão de O2 do sangue arterial (pressão
parcial de O2 [PO2]) e tensão de CO2 (pressão parcial de CO2 [PCO2]) em níveis relativamente constantes em uma
variedade de condições. Este capítulo descreve o funcionamento desse sistema regulador.

CENTRO RESPIRATÓRIO

Os centros respiratórios são compostos de três grupos principais de neurônios, localizados


bilateralmente no bulbo e na ponte do tronco encefálico:

O grupo respiratório dorsal gera potenciais de ação inspiratórios de maneira estavelmente crescente “em rampa” e é
responsável pelo ritmo básico da respiração. Esse grupo está localizado na parte dorsal do bulbo e recebe estímulos
de quimiorreceptores periféricos e de outros tipos de receptores por meio dos nervos vago e glossofaríngeo
O centro pneumotáxico, localizado dorsalmente na parte superior da ponte, ajuda a controlar a frequência e o padrão
da respiração. Ele transmite sinais inibitórios para o grupo respiratório dorsal e, portanto, controla a fase de
enchimento do ciclo respiratório. Como ele limita a inspiração, tem efeito secundário sobre o aumento da frequência
respiratória
O grupo respiratório ventral, localizado na parte ventrolateral do bulbo, pode causar expiração ou inspiração,
dependendo dos neurônios do grupo que são estimulados.
O grupo respiratório ventral permanece inativo durante a respiração normal de repouso, porém estimula os músculos
expiratórios abdominais quando há necessidade de níveis mais elevados de respiração.

O reflexo de Hering‑Breuer impede a insuflação dos pulmões. O reflexo de Hering-Breuer é iniciado


por receptores de estiramento nervosos, localizados nas paredes dos brônquios e dos bronquíolos. Quando os
pulmões se tornam excessivamente insuflados, os receptores enviam sinais por meio dos nervos vagos para o grupo
respiratório dorsal, que “desliga a rampa” inspiratória e, portanto, interrompe qualquer inspiração adicional. Esse
mecanismo é denominado reflexo de insuflação de Hering‑Breuer.

CONTROLE QUÍMICO DA RESPIRAÇÃO

O principal objetivo da respiração é manter concentrações fisiológicas de O2, CO2 e H+ nos


tecidos. O excesso de CO2 ou de H+ estimula principalmente o centro respiratório, causando o aumento da força dos
sinais inspiratórios e expiratórios para os músculos respiratórios. Em contrapartida, o oxigênio atua principalmente
nos quimiorreceptores periféricos, localizados nos corpos carotídeos e para-aórticos. Por sua vez, esses
quimiorreceptores transmitem sinais nervosos apropriados para o centro respiratório para o controle da respiração.
O aumento da PCO2 ou da concentração de H+ estimula uma área quimiossensível do centro
respiratório central. Os neurônios sensores na zona quimiossensível são especialmente excitados pelo H+;
entretanto, o H+ não atravessa facilmente a barreira hematoencefálica. Por essa razão, mudanças na concentração de
H+ do sangue têm pouco efeito agudo sobre a estimulação dos neurônios quimiossensíveis, em comparação com o
CO2. Entretanto, acredita-se que o CO2 estimule esses neurônios secundariamente por meio do aumento da
concentração de H+. O CO2 difunde-se para o cérebro e reage com a água para formar ácido carbônico, que, por sua
vez, dissocia-se em H+ e . Em seguida, o H+ tem um potente efeito estimulador direto.
O aumento da PCO2 do sangue tem um potente efeito agudo, mas apenas um efeito crônico fraco
na estimulação do impulso respiratório. A excitação do centro respiratório pelo CO2 é maior durante as
primeiras horas de aumento da PCO2 no sangue, com declínio gradual do grau de excitação nos próximos 1 a 2 dias.
Esse declínio é causado pelos seguintes mecanismos:

Os rins facilitam o retorno da concentração de H+ para um nível normal após o CO2 aumentar primeiro a
concentração de H+. Os rins aumentam o bicarbonato sanguíneo, que se liga ao H+ no sangue e no líquido
cefalorraquidiano, reduzindo a sua concentração
Mais importante é a difusão do através da barreira hematoencefálica e sua combinação direta com o H+
próximo aos neurônios respiratórios.

SISTEMA QUIMIORRECEPTOR PERIFÉRICO: PAPEL DO OXIGÊNIO NO CONTROLE DA RESPIRAÇÃO

O O2 não é importante no controle direto do centro respiratório central. As mudanças na


concentração de O2 praticamente não têm efeito direto sobre o centro respiratório em relação à alteração do impulso
respiratório; entretanto, quando ocorre uma acentuada redução dos níveis de O2 arterial, o corpo dispõe de um
mecanismo especial para o controle respiratório, que está localizado nos quimiorreceptores periféricos, fora do centro
respiratório do cérebro. Esse mecanismo responde quando a PO2 arterial cai para 60 a 70 mmHg.
A diminuição do oxigênio arterial estimula os quimiorreceptores. Os quimiorreceptores periféricos
também respondem a mudanças na PCO2 e na concentração de H+, além de reduções da PO2. Os dois tipos seguintes
de quimiorreceptores transmitem sinais nervosos ao centro respiratório para ajudar a regular a atividade respiratória:

Os corpos carotídeos estão localizados nas bifurcações das artérias carótidas comuns; suas fibras nervosas aferentes
inervam a área respiratória dorsal do bulbo
Os corpos para‑aórticos estão localizados ao longo do arco da aorta; suas fibras nervosas aferentes também inervam
a área respiratória dorsal.

A falta de estímulo de O2 é frequentemente compensada por diminuições da PCO2 do sangue e


da concentração de H+. Quando uma pessoa respira ar contendo muito pouco O2, a diminuição da PO2 arterial
excita os quimiorreceptores carotídeos e aórticos, aumentando, assim, a respiração. O aumento da respiração leva à
diminuição da PCO2 arterial e da concentração de H+. Essas duas alterações provocam uma grave depressão do centro
respiratório, de modo que o efeito final do aumento da respiração em resposta à PO2 baixa é, em grande parte,
contrabalançado. O efeito da PO2 arterial baixa sobre a ventilação alveolar é muito maior em outras condições,
incluindo as seguintes:

Doença pulmonar. Na pneumonia, no enfisema e em outras condições que impedem a troca gasosa adequada através
da membrana pulmonar, uma quantidade demasiado pequena de O2 é absorvida no sangue arterial. Ao mesmo tempo,
a PCO2 arterial e a concentração de H+ permanecem quase normais ou aumentam, devido ao transporte deficiente de
CO2 através da membrana
Aclimatação à baixa concentração de O2. Quando alpinistas escalam uma montanha durante um período de vários
dias, em vez de algumas horas, eles conseguem suportar concentrações muito mais baixas de O2 atmosférico, visto
que o centro respiratório perde cerca de quatro quintos de sua sensibilidade a mudanças na PCO2 arterial e no H+, e a
baixa concentração de O2 pode, então, estimular o sistema respiratório a um nível muito mais elevado de ventilação
alveolar.

REGULAÇÃO DA RESPIRAÇÃO DURANTE O EXERCÍCIO

Durante o exercício intenso, os valores da PO2, da PCO2 e do pH arteriais permanecem quase


normais. O exercício intenso pode aumentar o consumo de O2 e a formação de CO2 em até 20 vezes, porém a
ventilação alveolar geralmente aumenta quase exatamente de acordo com o nível maior de metabolismo por meio de
dois mecanismos:

Impulsos colaterais. Acredita-se que o cérebro, ao transmitir impulsos para os músculos em contração, transmite
impulsos nervosos colaterais para o tronco encefálico, de modo a excitar o centro respiratório
Movimentos corporais. Durante o exercício, os movimentos dos braços e das pernas aumentam a ventilação
pulmonar ao excitar proprioceptores das articulações e dos músculos, que, por sua vez, transmitem impulsos
excitatórios para o centro respiratório.

Os fatores químicos também podem desempenhar um papel no controle da respiração durante


o exercício. Quando um indivíduo se exercita, os fatores nervosos normalmente estimulam o centro respiratório em
quantidade apropriada para suprir o O2 extra necessário para o exercício e eliminar o excesso de CO2. Todavia, em
certas ocasiões, os sinais nervosos são muito fortes ou muito fracos na sua estimulação do centro respiratório. Nesses
casos, os fatores químicos desempenham um papel significativo ao efetuar o ajuste final na respiração, necessário
para ajudar a normalizar os gases sanguíneos.
CAPÍTULO 43

Insuficiência Respiratória: Fisiopatologia, Diagnóstico, Oxigenoterapia

O diagnóstico e o tratamento bem-sucedidos dos distúrbios respiratórios exigem o conhecimento dos princípios
fisiológicos básicos da respiração e da troca gasosa. A doença pulmonar pode resultar de ventilação inadequada e de
anormalidades da troca gasosa dos pulmões ou do transporte de O2 dos pulmões para os tecidos periféricos.

MÉTODOS ÚTEIS PARA ESTUDAR AS ANORMALIDADES RESPIRATÓRIAS

Os testes mais fundamentais de desempenho pulmonar consistem em determinações da PO2,


da PCO2 e do pH do sangue. Com frequência, é importante medir a pressão parcial de O2 (PO2), a pressão parcial
de CO2 (PCO2) e o pH rapidamente para ajudar a determinar a terapia adequada para indivíduos com angústia
respiratória aguda ou anormalidades agudas do equilíbrio acidobásico.

Mensuração do fluxo expiratório máximo


A expiração forçada é uma prova simples de função pulmonar. A Figura 43.1 B mostra a relação
instantânea entre o volume pulmonar e o fluxo expiratório de ar quando uma pessoa saudável expira com o máximo
de força possível após ter inspirado a quantidade máxima de ar. Assim, a expiração se inicia na capacidade pulmonar
total e termina no volume residual (ver Figura 43.1 B). A curva média mostra o fluxo expiratório máximo em todos
os volumes pulmonares de um indivíduo saudável. Observe que o fluxo expiratório alcança um valor máximo de
mais de 400 l/min com um volume pulmonar de 5 l e, em seguida, diminui progressivamente à medida que o volume
pulmonar diminui. Um importante aspecto da curva é o fato de que o fluxo expiratório alcança um valor máximo
além do qual o fluxo não pode ser mais aumentado, mesmo com esforço adicional. Por essa razão, a parte
descendente da curva que representa o fluxo expiratório máximo é considerada independente do esforço.
O fluxo expiratório máximo é limitado pela compressão dinâmica das vias respiratórias. A Figura
43.1 A mostra o efeito da pressão aplicada ao exterior dos alvéolos e das vias respiratórias como resultado da
compressão da caixa torácica. As setas indicam que a mesma quantidade de pressão é aplicada ao exterior dos
alvéolos e dos bronquíolos. Essa pressão força o ar dos alvéolos para os bronquíolos e tende a colapsar os
bronquíolos ao mesmo tempo, o que, por sua vez, se opõe ao movimento de ar para o exterior. Quando os
bronquíolos estão quase totalmente colapsados, uma força expiratória adicional pode aumentar acentuadamente a
pressão alveolar, mas também pode aumentar o grau de colapso bronquiolar e a resistência das vias respiratórias na
mesma quantidade, impedindo, assim, o aumento adicional do fluxo. Além do grau crítico de força expiratória, foi
alcançado um fluxo expiratório máximo.
A curva de fluxo expiratório máximo‑volume é útil para diferenciar as doenças pulmonares
obstrutivas e restritivas. A Figura 43.1 B mostra uma curva de fluxo máximo-volume normal, juntamente às
curvas geradas por pacientes com doença pulmonar obstrutiva ou doença pulmonar restritiva (ou constritiva).
Figura 43.1 A, Colapso da via respiratória durante um esforço expiratório máximo,
efeito que limita a taxa de fluxo expiratório. B, Efeito de duas anormalidades
respiratórias – constrição dos pulmões e obstrução das vias respiratórias – sobre a
curva de fluxo expiratório máximo‑volume. CPT: capacidade pulmonar total; VR:
volume residual.

Doença pulmonar restritiva. A curva de fluxo-volume em uma doença pulmonar restritiva (p. ex., fibrose intersticial)
caracteriza-se por volumes pulmonares baixos e taxas de fluxo expiratório ligeiramente mais altas do que o normal
em cada volume pulmonar, conforme ilustrado
Doenças pulmonares obstrutivas. A curva de fluxo-volume nas doenças pulmonares obstrutivas (p. ex., bronquite
crônica, enfisema, asma) caracteriza-se por volumes pulmonares elevados e taxas de fluxo expiratório abaixo do
normal. A curva também pode ter uma aparência “escavada”, conforme a ilustração.

FISIOPATOLOGIA DE ANORMALIDADES PULMONARES ESPECÍFICAS

A doença pulmonar obstrutiva caracteriza‑se pelo aumento da resistência ao fluxo de ar e por


altos volumes pulmonares. Os pacientes com doença pulmonar obstrutiva sentem mais facilidade ao respirar em
volumes pulmonares elevados, visto que isso aumenta o calibre das vias respiratórias (por meio do aumento da tração
radial) e, portanto, diminui a resistência ao fluxo de ar. Os mecanismos de obstrução das vias respiratórias incluem os
seguintes:

O lúmen das vias respiratórias pode ser parcialmente obstruído por secreções excessivas (p. ex., bronquite crônica),
líquido de edema ou aspiração de alimentos ou líquidos
O músculo liso da parede das vias respiratórias pode estar contraído (p. ex., asma) ou espessado em consequência de
inflamação e edema (p. ex., asma, bronquite), ou pode ocorrer hipertrofia das glândulas mucosas (p. ex., bronquite
crônica)
Fora das vias respiratórias, a destruição do parênquima pulmonar pode diminuir a tração radial, causando o
estreitamento das vias respiratórias (p. ex., enfisema).

A doença pulmonar restritiva caracteriza‑se por baixos volumes pulmonares. Os pacientes com
doença pulmonar restritiva consideram mais fácil respirar com volumes pulmonares baixos, visto que é difícil
expandir os pulmões. A expansão dos pulmões pode ser restrita pelas seguintes razões:

Parênquima pulmonar anormal, em que a fibrose excessiva aumenta a elasticidade do pulmão (p. ex., fibrose
pulmonar, silicose, asbestose, tuberculose)
Distúrbios da pleura (p. ex., pneumotórax, derrame pleural)
Problemas neuromusculares (p. ex., poliomielite, miastenia gravis).

Enfisema pulmonar crônico


O termo enfisema pulmonar significa excesso de ar nos pulmões. O enfisema pulmonar crônico indica
um complexo processo obstrutivo e destrutivo dos pulmões e, em geral, representa a consequência de tabagismo
prolongado. Os seguintes eventos fisiopatológicos contribuem para o seu desenvolvimento:

Obstrução das vias respiratórias. A infecção crônica, o excesso de muco e o edema inflamatório do epitélio
bronquiolar combinam-se para causar a obstrução crônica de muitas vias respiratórias menores
Destruição das paredes alveolares. A obstrução das vias respiratórias torna a expiração particularmente difícil,
causando o aprisionamento de ar nos alvéolos, com hiperdistensão subsequente das paredes alveolares. Essa
hiperdistensão, combinada com processos inflamatórios locais, pode causar uma acentuada destruição das células
epiteliais que revestem os alvéolos.

Os efeitos fisiológicos do enfisema crônico são extremamente variados. Esses efeitos dependem da
gravidade da doença e do grau relativo de obstrução bronquiolar versus destruição do parênquima pulmonar. Em
geral, o enfisema crônico progride lentamente ao longo de muitos anos. O enfisema tem as seguintes consequências:

Aumento da resistência das vias respiratórias, causado por obstrução brônquica. A expiração é particularmente
difícil, visto que a força externa aos pulmões comprime os bronquíolos, o que aumenta ainda mais a sua resistência
Diminuição da capacidade de difusão, causada pela acentuada perda das paredes alveolares, o que reduz a
capacidade dos pulmões de oxigenar o sangue e remover o CO2
Relação ventilação‑perfusão anormal. As áreas pulmonares com obstrução bronquiolar apresentam uma
muito baixa (shunt fisiológico), resultando em oxigenação deficiente do sangue, ao passo que outras áreas com
perda das paredes alveolares apresentam uma muito alta (espaço morto fisiológico), resultando em desperdício
da ventilação
Aumento da resistência vascular pulmonar. A perda das paredes alveolares diminui o número de capilares
pulmonares, o que aumenta a resistência vascular pulmonar e pode causar hipertensão pulmonar.

Pneumonia
A pneumonia é um distúrbio pulmonar inflamatório. Um tipo comum de pneumonia é a pneumonia
bacteriana, causada mais frequentemente por pneumococos. Os alvéolos infectados são progressivamente
preenchidos com transudato proteico e células. Por fim, grandes áreas do pulmão tornam-se “consolidadas”, o que
indica que estão repletas de líquido e restos celulares.

Atelectasia
A atelectasia refere‑se ao colapso dos alvéolos pulmonares. Duas causas comuns de atelectasia são
apresentadas a seguir:

Obstrução das vias respiratórias. O ar aprisionado além de uma obstrução brônquica é absorvido, causando o
colapso alveolar. Se o pulmão não conseguir colapsar, ocorre o desenvolvimento de uma pressão negativa nos
alvéolos, causando o acúmulo de líquido de edema
Ausência de surfactante. Na doença da membrana hialina (também denominada síndrome da angústia respiratória),
a quantidade de surfactante secretada pelos alvéolos está acentuadamente diminuída. Em consequência, a tensão
superficial do líquido alveolar aumenta, fazendo os pulmões colapsarem ou serem preenchidos com líquido.

Asma
A asma é uma doença pulmonar obstrutiva. A causa habitual da asma consiste na hipersensibilidade dos
bronquíolos a substâncias estranhas presentes no ar. A reação alérgica produz: (1) edema localizado na parede dos
pequenos bronquíolos, bem como secreção de muco espesso no lúmen bronquiolar; e (2) espasmo do músculo liso
bronquiolar. Em ambos os casos, ocorre o aumento acentuado da resistência das vias respiratórias.
O indivíduo com asma, em geral, consegue inspirar adequadamente, porém tem grande
dificuldade em expirar. As mensurações clínicas mostram uma acentuada redução da taxa expiratória máxima na
asma, resultando em dispneia, ou “falta de ar”. A capacidade residual funcional e o volume residual do pulmão estão
aumentados durante uma crise de asma, devido à dificuldade de expirar o ar dos pulmões.

Tuberculose
Na tuberculose, os bacilos da tuberculose causam: (1) invasão da região afetada por macrófagos; e (2) isolamento da
lesão por tecido fibroso, formando um tubérculo. Esse processo de isolamento ajuda a limitar a transmissão adicional
de bacilos da tuberculose nos pulmões. Entretanto, em seus estágios avançados, a tuberculose provoca fibrose em
muitas áreas e reduz a quantidade total de tecido pulmonar funcional.

HIPÓXIA E OXIGENOTERAPIA

A hipóxia pode resultar de múltiplas causas. O seguinte esquema geral é uma classificação descritiva das
causas de hipóxia:

Oxigenação inadequada do sangue nos pulmões normais


a. Deficiência de O2 na atmosfera
b. Hipoventilação (p. ex., em distúrbios neuromusculares, abuso de narcóticos)

Doença pulmonar
a. Hipoventilação, causada pelo aumento da resistência das vias respiratória ou pela diminuição da
complacência pulmonar
b. Relação alveolar desigual
c. Diminuição da difusão através das membranas respiratórias

Shunts cardíacos arteriovenosos (derivações “da direita para a esquerda”)

Transporte inadequado de O2 pelo sangue até os tecidos


a. Anemia ou hemoglobina anormal
b. Deficiência circulatória geral
c. Deficiência circulatória localizada (vasos periféricos, cerebrais, coronários)
d. Edema tecidual

Capacidade inadequada de utilização de O2 pelos tecidos


a. Intoxicação das enzimas celulares (cianeto)
b. Diminuição da capacidade metabólica celular, devido à toxicidade, à deficiência de vitaminas ou a outros
fatores.

Oxigenoterapia em diferentes tipos de hipóxia


A oxigenoterapia é altamente benéfica em certos tipos de hipóxia, mas não em outros.
Considerando-se os princípios fisiológicos básicos dos vários tipos de hipóxia, é possível decidir rapidamente
quando a terapia com O2 pode ter valor e, caso tenha, o quão valiosa ela será.
Hipóxia atmosférica. A oxigenoterapia pode corrigir o nível reduzido de O2 nos gases inspirados e, assim,
proporcionar uma terapia com 100% de efetividade
Hipóxia por hipoventilação. O indivíduo que recebe O2 a 100% pode mobilizar cinco vezes mais O2 nos alvéolos a
cada respiração, em comparação com a respiração normal de ar. Mais uma vez, no caso de hipóxia por
hipoventilação, a terapia com O2 pode ser extremamente benéfica
Hipóxia causada pelo comprometimento da difusão pela membrana alveolar. Nessa situação, ocorre essencialmente
o mesmo resultado da hipóxia por hipoventilação, visto que a terapia com O2 pode aumentar a PCO2 nos pulmões de
um valor normal de cerca de 100 mmHg para um valor de até 600 mmHg, aumentando, assim, o gradiente de difusão
de O2
Hipóxia causada por deficiências no transporte de O2. Para a hipóxia causada por anemia, transporte anormal de O2
pela hemoglobina, deficiência circulatória ou shunt fisiológico, a terapia com O2 é menos valiosa, visto que o O2 já
está disponível nos alvéolos. Em vez disso, o problema consiste no transporte deficiente de O2 para os tecidos. O O2
extra pode ser transportado no estado dissolvido no sangue quando o O2 alveolar estiver aumentado para o nível
máximo; o O2 extra pode ser a diferença entre a vida e a morte
Hipóxia causada por utilização inadequada de O2 pelos tecidos. Nesse tipo de hipóxia, o sistema de enzimas
metabólicas dos tecidos simplesmente é incapaz de utilizar o O2 fornecido. Portanto, é duvidoso que a terapia com
O2 possa ter qualquer benefício mensurável.

HIPERCAPNIA

A hipercapnia refere‑se ao excesso de CO2 nos líquidos corporais. Quando a PCO2 alveolar aumenta
para um valor acima de cerca de 60 a 75 mmHg, o indivíduo responde ao respirar o mais rápido e profundamente
possível, e a dispneia torna-se grave. À medida que a PCO2 aumenta para 80 a 100 mmHg, o indivíduo torna-se
letárgico e, às vezes, até mesmo semicomatoso.
Cianose significa pele azulada. A cianose é causada pela presença de hemoglobina desoxigenada nos vasos
sanguíneos da pele, particularmente nos capilares. Essa hemoglobina desoxigenada tem coloração azul a púrpura
escura. Em geral, a cianose definitiva aparece sempre que o sangue arterial contém mais de 5 g de hemoglobina
desoxigenada em cada 100 ml de sangue. O indivíduo com anemia quase nunca se torna cianótico, visto que não há
hemoglobina suficiente para que 5 g dela sejam desoxigenados no sangue arterial. Em comparação, em uma pessoa
com excesso de hemácias (policitemia), o grande excesso de hemoglobina disponível com frequência leva à cianose,
mesmo em condições normais.
PARTE 8

Fisiologia da Aviação, do Voo Espacial e do Mergulho em Grandes


Profundidades

Capítulo 44 Fisiologia da Aviação, das Grandes Altitudes e do Voo Espacial

Capítulo 45 Fisiologia do Mergulho em Grandes Profundidades e Outras Condições Hiperbáricas


CAPÍTULO 44

Fisiologia da Aviação, das Grandes Altitudes e do Voo Espacial

Os avanços na aeronáutica tornaram cada vez mais importante compreender os efeitos da altitude, das baixas pressões
dos gases e de outros fatores – como as forças de aceleração e a ausência de gravidade – sobre o corpo humano. Este
capítulo discute cada um desses desafios para a homeostasia do corpo.

EFEITOS DA BAIXA PRESSÃO DE OXIGÊNIO SOBRE O ORGANISMO

A diminuição da pressão barométrica constitui a causa básica da hipóxia em grandes altitudes.


Observe, na Tabela 44.1, que, com o aumento da altitude, a pressão barométrica e a pressão parcial de oxigênio (PO2)
atmosférica diminuem de modo proporcional. A diminuição da PO2 alveolar é ainda mais reduzida pelo CO2 e pelo vapor
d’água:

CO2. A pressão parcial alveolar de CO2 (PCO2) cai de um valor de 40 mmHg ao nível do mar para valores menores com o
aumento da altitude. Em uma pessoa aclimatada com um aumento de cinco vezes na ventilação, a PCO2 pode ficar
reduzida a apenas 7 mmHg, devido ao aumento da ventilação
Pressão de vapor d’água. Nos alvéolos, a pressão de vapor d’água permanece em 47 mmHg enquanto a temperatura do
corpo estiver normal, independentemente da altitude.

O dióxido de carbono e a pressão do vapor d’água reduzem a tensão de O2 alveolar. A pressão


barométrica é de 253 mmHg no topo do Monte Evereste, de 8.848 metros; 47 mmHg devem ser de vapor d’água,
deixando 206 mmHg para outros gases. Em uma pessoa aclimatada, 7 dos 206 mmHg devem ser de CO2. Se nenhum O2
fosse utilizado pelo corpo, um quinto dos 199 mmHg remanescente seria de O2, e quatro quintos seriam de nitrogênio, ou
a PO2 nos alvéolos seria de 40 mmHg. Entretanto, parte desse O2 alveolar é normalmente absorvida pelo sangue, deixando
uma PO2 alveolar de apenas cerca de 35 mmHg. Somente as pessoas mais aclimatadas conseguem sobreviver quando
respiram o ar ambiente nessa altitude.
A respiração de O2 puro aumenta a saturação de O2 alveolar em grandes altitudes. A Tabela 44.1
mostra a saturação de O2 arterial quando uma pessoa respira ar e quando respira O2 puro:

Respiração de ar ambiente. Até uma altitude de cerca de 3.048 metros, a saturação de O2 arterial permanece pelo menos
tão elevada quanto 90%; ela cai progressivamente até que seja de cerca de 70% em 6.096 metros e para muito menos em
altitudes ainda mais altas
Respiração de O2 puro. Quando se respira O2 puro, o espaço dos alvéolos anteriormente ocupado pelo nitrogênio passa a
ser ocupado pelo O2. A 9.144 metros, os aviadores poderiam ter uma PO2 alveolar tão alta quanto 139 mmHg, em vez dos
18 mmHg que teriam ao respirar ar ambiente.

Um indivíduo que permanece em grandes altitudes por dias, semanas ou anos torna‑se cada vez
mais aclimatado à PO2 baixa. A aclimatação permite que uma pessoa trabalhe mais intensamente sem efeitos
hipóxicos ou ascenda a altitudes ainda mais elevadas.

Tabela 44.1Efeitos da exposição aguda a baixas pressões atmosféricas nas concentrações de gases alveolares e na saturação de oxigênio
arterial.

Altitude Pressão PO2 no Respiração de ar ambiente a Respiração de oxigênio puro


(metros) barométrica ar PCO2 nos PO2 nos Saturação PCO2 nos PCO2 nos Saturação
(mmHg) (mmHg) alvéolos alvéolos de alvéolos alvéolos de
(mmHg) (mmHg) oxigênio (mmHg) (mmHg) oxigênio
arterial arterial
(%) (%)
0 760 159 40 (40) 104 97 (97) 40 673 100
(104)
3.048 523 110 36 (23) 67 (77) 90 (92) 40 436 100
6.096 349 73 24 (10) 40 (53) 73 (85) 40 262 100
9.144 226 47 24 (7) 18 (30) 24 (38) 40 139 99
12.192 141 29 36 58 84
15.240 87 18 24 16 15
aOs números entre parênteses são valores em indivíduos aclimatados.

PCO2 : pressão parcial de dióxido de carbono; PO2 : pressão parcial de oxigênio.

Os principais mecanismos de aclimatação são os seguintes:

Aumento da ventilação pulmonar


Aumento da concentração de hemácias no sangue
Aumento da capacidade de difusão nos pulmões
Aumento da vascularização dos tecidos
Aumento da capacidade das células de utilizar o O2, apesar da baixa PO2.

A ventilação pulmonar pode aumentar cinco vezes em uma pessoa aclimatada, porém apenas cerca
de 65% em uma pessoa não aclimatada. A exposição aguda a um ambiente hipóxico aumenta a ventilação alveolar
até um máximo de cerca de 65% acima do normal. Se a pessoa permanecer em uma altitude muito elevada durante vários
dias, a ventilação aumentará gradualmente até um valor médio de cerca de cinco vezes o normal (400% acima do
normal):

Aumento agudo da ventilação pulmonar. O aumento imediato de 65% na ventilação pulmonar ao ascender a uma grande
altitude libera grandes quantidades de CO2, reduzindo a PCO2 e aumentando o pH dos líquidos corporais. Ambas as
alterações inibem o centro respiratório e, portanto, opõem-se ao efeito da PO2 baixa para estimular os quimiorreceptores
respiratórios periféricos nos glomos carotídeos e para-aórticos
Aumento crônico da ventilação pulmonar. A inibição aguda causada por reduções da PCO2 desaparece em 2 a 5 dias,
permitindo que o centro respiratório responda com força total à hipóxia, aumentando a ventilação em cerca de cinco
vezes. A redução da inibição resulta principalmente da diminuição da concentração de íons bicarbonato no líquido
cefalorraquidiano e nos tecidos cerebrais. Por sua vez, isso diminui o pH dos líquidos ao redor dos neurônios
quimiossensíveis do centro respiratório bulbar, aumentando, assim, a atividade do centro.

O hematócrito e o volume sanguíneo aumentam durante a aclimatação. A hipóxia constitui um


importante estímulo para o aumento da produção de hemácias. Com uma aclimatação total ao O2 baixo, o hematócrito
aumenta do valor normal de 40 a 45 para cerca de 60, em média, com o aumento proporcional da concentração de
hemoglobina. Além disso, o volume sanguíneo aumenta, com frequência em 20 a 30%, resultando em elevação total da
hemoglobina circulante de 50% ou mais. Essa elevação da concentração de hemoglobina e do volume sanguíneo se inicia
depois de 2 semanas, alcançando metade de seu desenvolvimento em 1 mês e o desenvolvimento total apenas depois de
muitos meses.
A capacidade de difusão pulmonar pode aumentar até três vezes após a aclimatação. A capacidade de
difusão normal de O2 através da membrana pulmonar é de cerca de 21 ml/mmHg por minuto. Os seguintes fatores
contribuem para o aumento de três vezes após a aclimatação:

O aumento do volume sanguíneo nos capilares pulmonares expande os capilares e aumenta a área de superfície através
da qual o O2 pode se difundir no sangue
O aumento do volume pulmonar expande a área de superfície da membrana alveolar
O aumento da pressão arterial pulmonar força o sangue para um número maior de capilares alveolares, particularmente
nas partes superiores dos pulmões, que são pouco perfundidas em condições habituais.

A hipóxia crônica aumenta o número de capilares em alguns tecidos. Com frequência, o débito cardíaco
aumenta em até 30% imediatamente após o indivíduo alcançar uma altitude elevada; todavia, em seguida, ele diminui
para valores normais no decorrer de um período de várias semanas, à medida que o hematócrito aumenta. Por
conseguinte, a quantidade de O2 transportado para os tecidos permanece quase normal. O número de capilares em alguns
tecidos aumenta, particularmente em animais nascidos e criados em grandes altitudes. A maior capilaridade é
particularmente acentuada em tecidos como o músculo cardíaco e o músculo esquelético, em que a vascularização
desempenha uma função principalmente nutritiva, mas não em tecidos como os rins, em que o fluxo sanguíneo é regulado
por outros fatores.
O mal das montanhas agudo pode se desenvolver em uma pessoa que ascende rapidamente a
grandes altitudes. A doença geralmente se manifesta em poucas horas ou até cerca de 2 dias após a subida. Com
frequência, é acompanhada dos seguintes eventos: (1) edema cerebral agudo, em decorrência da vasodilatação dos vasos
sanguíneos cerebrais, o que eleva a pressão capilar e provoca o extravasamento do líquido nos tecidos; e (2) edema
pulmonar agudo. A hipóxia provoca contração muito maior das arteríolas pulmonares em algumas partes dos pulmões,
forçando todo o fluxo sanguíneo pulmonar através de uma quantidade cada vez menor de vasos não contraídos, com
consequente elevação da pressão capilar e produção de edema local, que se dissemina progressivamente. Embora o
edema pulmonar possa ser letal, permitir que a pessoa respire O2 puro normalmente reverte o processo em algumas horas.
O mal crônico das montanhas pode se desenvolver em uma pessoa que permanece por muito
tempo em grandes altitudes. Os seguintes efeitos contribuem para o desenvolvimento do mal das montanhas: (1) a
massa de hemácias e o hematócrito tornam-se extremamente elevados; (2) a pressão arterial pulmonar aumenta ainda
mais do que o normal; (3) o lado direito do coração torna-se acentuadamente dilatado; (4) a pressão arterial periférica
começa a cair; (5) ocorre insuficiência cardíaca congestiva; e (6) com frequência, ocorre morte, a não ser que a pessoa
seja transferida para uma altitude mais baixa.

AUSÊNCIA DE PESO NO ESPAÇO

Desafios fisiológicos da ausência de peso (microgravidade) no espaço. A maioria dos problemas


fisiológicos da ausência de peso no espaço parece estar relacionada com três efeitos: (1) cinetose durante os primeiros
dias da viagem; (2) translocação de líquidos dentro do corpo, devido à falta de gravidade para produzir gradientes
normais de pressão hidrostática; e (3) diminuição da atividade física, visto que não há necessidade de força de contração
muscular para se opor à força da gravidade. As seguintes consequências fisiológicas ocorrem como resultado de períodos
prolongados de viagem espacial:

Diminuição do volume sanguíneo


Diminuição da massa de hemácias
Diminuição da força muscular e da capacidade de trabalho
Diminuição do débito cardíaco máximo
Perda de cálcio e de fosfato dos ossos e perda da massa óssea.

As consequências fisiológicas da ausência de gravidade prolongada são semelhantes àquelas experimentadas por
pessoas que permanecem acamadas por um longo período. Por essa razão, programas extensos de exercícios são
realizados durante as missões espaciais prolongadas, e a maior parte dos efeitos mencionados é acentuadamente reduzida,
com exceção de alguma perda óssea. Nas expedições espaciais anteriores, em que o programa de exercícios foi menos
vigoroso, os astronautas apresentaram uma grave redução da capacidade de trabalho nos primeiros dias após o retorno à
Terra. Eles também tiveram tendência a desmaios quando se levantavam durante o primeiro dia ou logo após retornar à
gravidade, devido à diminuição do volume sanguíneo e, talvez, à redução das respostas dos mecanismos de controle
agudo da pressão arterial. Mesmo com um programa de exercícios, os desmaios e os efeitos de “descondicionamento”
sobre o sistema cardiovascular, os músculos esqueléticos e o osso continuam sendo um problema após a ausência de
gravidade prolongada.
CAPÍTULO 45

Fisiologia do Mergulho em Grandes Profundidades e Outras Condições


Hiperbáricas

Os mergulhadores são submetidos a pressões cada vez mais altas à medida que descem para águas mais profundas. O
ar precisa ser fornecido sob alta pressão nesse ambiente, expondo o sangue nos pulmões a pressões extremamente
elevadas de gases alveolares, condição denominada hiperbarismo. Essas altas pressões podem causar enormes
alterações na fisiologia do corpo e podem ser letais.
À medida que uma pessoa desce em maiores profundidades no mar, a pressão aumenta, e os
gases são comprimidos em volumes menores.

Aumento da pressão. Uma coluna de água do mar de 10,1 m de profundidade exerce a mesma pressão em seu fundo
do que a pressão atmosférica acima da Terra. Portanto, uma pessoa a 10,1 m abaixo da superfície do oceano está
exposta a uma pressão de 2 atm, sendo a primeira pressão atmosférica causada pelo ar acima da água, e a segunda,
pelo peso da própria água (Tabela 45.1)
Diminuição do volume. Se uma redoma de vidro ao nível do mar contém 1 l de ar, o volume será comprimido para
0,5 l a 10,1 m abaixo da superfície do mar, onde a pressão é de 2 atm; a 8 atm (71 m), o volume será de 0,125 l. O
volume para o qual determinada quantidade de gás é comprimido é inversamente proporcional à pressão, conforme
mostrado na Tabela 45.1. Esse princípio físico é denominado lei de Boyle.

EFEITO DE ALTAS PRESSÕES PARCIAIS DE GASES INDI VI DUAIS SOBRE O CORPO

Pode ocorrer narcose por nitrogênio quando a pressão de nitrogênio é alta. Quando um
mergulhador permanece submerso em grandes profundidades no mar por 1 hora ou mais e respira ar comprimido, a
profundidade na qual surgem os primeiros sintomas de narcose leve é de cerca de 36 metros. Nesse nível, os
mergulhadores começam a exibir jovialidade e parecem perder muitos de seus cuidados. Entre 61 e 76 metros, a
força diminui consideravelmente. Além de 76 metros, os mergulhadores geralmente se tornam apáticos, em
consequência de narcose por nitrogênio.

Tabela 45.1Efeito da profundidade do mar sobre a pressão e o volume de gases.

Profundidade (metros) Atm Volume (l)


Nível do mar 1 1,0000
10,1 2 0,5000
20,2 3 0,3333
30,5 4 0,2500
40,5 5 0,2000
50,6 6 0,1667
61 7 0,1429
91,4 10 0,1000
121,9 13 0,0769
152,4 16 0,0625

A quantidade de O2 transportada no sangue aumenta acentuadamente em uma pressão parcial


de O2 extremamente alta. À medida que a pressão aumenta progressivamente para milhares de milímetros de
mercúrio, uma grande porção do O2 total é fisicamente dissolvida no sangue, em vez de se ligar à hemoglobina. Se a
pressão parcial de O2 (PO2) nos pulmões for de cerca de 3.000 mmHg (pressão de 4 atm), a quantidade total de O2
fisicamente dissolvido no sangue será de 9 ml por decilitro de sangue.
O cérebro é particularmente suscetível à intoxicação aguda pelo O2. A exposição a 4 atm de O2 (PO2 =
3.040 mmHg) provoca convulsões, seguidas de coma na maioria das pessoas depois de 30 minutos.
A toxicidade do O2 ao sistema nervoso é causada por radicais livres oxidantes. Inicialmente, o
oxigênio molecular precisa ser convertido em uma forma “ativa” antes que possa oxidar outros compostos químicos.
Existem várias formas de oxigênio ativo, denominadas radicais livres de oxigênio. Um dos radicais mais importantes
é o radical livre superóxido O2−, bem como o radical peróxido na forma de peróxido de hidrogênio:

PO2 de tecido normal. Mesmo quando a PO2 tecidual está normal (40 mmHg), ocorre a formação contínua de
pequenas quantidades de radicais livres a partir do oxigênio molecular dissolvido. Os tecidos também contêm
enzimas que removem esses radicais livres, particularmente as enzimas peroxidase, catalase e superóxido dismutase
PO2 tecidual elevada. Acima de cerca de 2 atm, a PO2 tecidual aumenta acentuadamente, e as grandes quantidades de
radicais livres oxidantes sobrecarregam os sistemas enzimáticos para removê-los. Um dos principais efeitos dos
radicais livres oxidantes consiste em oxidar os ácidos graxos poli-insaturados das estruturas membranosas das
células. Outro efeito é oxidar algumas das enzimas celulares, o que resulta em grave dano aos sistemas metabólicos
das células.

O envenenamento crônico por O2 causa deficiência pulmonar. Uma pessoa pode ser exposta a 1 atm de
pressão de O2 quase indefinidamente sem desenvolver toxicidade aguda de O2 no sistema nervoso. Entretanto, após
apenas cerca de 12 horas de exposição a 1 atm de O2, começam a se desenvolver congestão das vias respiratórias,
edema pulmonar e atelectasia. Esse aumento da suscetibilidade dos pulmões a níveis elevados de O2 resulta da
exposição direta à pressão de O2 elevada.
Quando uma pessoa respira ar sob alta pressão durante um longo período, a quantidade de
nitrogênio dissolvido nos líquidos corporais torna‑se excessiva. O sangue que flui pelos capilares
pulmonares torna-se saturado com nitrogênio para a mesma pressão alta que aquela na mistura respirada. Depois de
várias horas, uma quantidade suficiente de nitrogênio é transportada para os tecidos do corpo para saturá-los com
altos níveis de nitrogênio dissolvido.
A doença descompressiva resulta da formação de bolhas de nitrogênio nos tecidos. Como o
nitrogênio não é metabolizado pelo corpo, ele permanece dissolvido nos tecidos corporais até que a pressão de
nitrogênio nos pulmões tenha diminuído de volta a algum nível mais baixo, quando o nitrogênio pode ser, então,
removido pelo processo respiratório inverso. No entanto, se grandes quantidades de nitrogênio estiverem dissolvidas
no organismo de um mergulhador e ele retornar subitamente à superfície do mar, quantidades significativas de bolhas
de nitrogênio podem penetrar os líquidos corporais, tanto intracelulares quanto extracelulares, causando danos leves
ou graves, a depender do número e do tamanho das bolhas formadas. Esse fenômeno é denominado doença
descompressiva, também conhecida como bends.
Muitos sintomas da doença descompressiva são causados por bolhas de gás que bloqueiam os
vasos sanguíneos. No início, apenas os vasos de menor calibre são bloqueados por pequenas bolhas de nitrogênio;
entretanto, à medida que as bolhas coalescem, vasos progressivamente maiores são afetados. Como resultado, podem
ocorrer isquemia e, às vezes, morte do tecido:

Dor articular. Cerca de 89% dos indivíduos com doença descompressiva apresentam dor nas articulações e nos
músculos das pernas e dos braços. A dor articular é responsável pelo termo “bends” (dobras ou juntas), geralmente
aplicado a essa condição
Sintomas do sistema nervoso. Em 5 a 10% dos indivíduos com doença descompressiva, os sintomas do sistema
nervoso variam desde tontura, em cerca de 5%, até paralisia ou colapso e perda da consciência, em 3%
Engasgos. Cerca de 2% dos indivíduos com doença descompressiva apresentam “engasgos”, que são causados por
números maciços de microbolhas que provocam a obstrução dos capilares dos pulmões; essa condição é
caracterizada por grave falta de ar, que, com frequência, é seguida de edema pulmonar grave e, em certas ocasiões,
morte.

O tanque de descompressão é utilizado no tratamento da doença descompressiva. Para tratar a


doença descompressiva, o mergulhador é colocado em um tanque pressurizado, e a pressão é, então, reduzida
gradualmente até alcançar a pressão atmosférica normal, dando tempo suficiente para que o nitrogênio acumulado
seja expelido pelos pulmões.

OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA

O O2 hiperbárico pode ser terapêutico em algumas condições clínicas. O O2 hiperbárico geralmente é


administrado em uma PO2 de 2 a 3 atm de pressão. Acredita-se que os mesmos radicais livres oxidantes responsáveis
pela toxicidade do O2 também sejam responsáveis pelos benefícios terapêuticos. A terapia com O2 hiperbárico tem
sido particularmente benéfica nas seguintes condições:

Gangrena gasosa. As bactérias que causam a gangrena gasosa, que são espécies de clostrídios, crescem melhor em
condições anaeróbias, e seu crescimento é interrompido em pressões de O2 superiores a cerca de 70 mmHg. Com
frequência, a oxigenação hiperbárica dos tecidos pode interromper por completo o processo infeccioso; portanto,
pode converter uma condição que outrora era quase 100% fatal em uma condição curada na maioria dos casos,
quando tratada precocemente
Hanseníase. A oxigenação hiperbárica pode ter um efeito quase tão notável na cura da hanseníase quanto na cura da
gangrena gasosa, também devido à suscetibilidade do bacilo da hanseníase à destruição por altas pressões de O2
Outras condições. A terapia com O2 hiperbárico tem sido valiosa no tratamento de doença descompressiva, embolia
gasosa arterial, envenenamento por monóxido de carbono, osteomielite e infarto agudo do miocárdio.
PARTE 9

Sistema Nervoso: A. Princípios Gerais e Fisiologia Sensorial

Capítulo 46 Organização do Sistema Nervoso, Funções Básicas das Sinapses e Neurotransmissores

Capítulo 47 Receptores Sensoriais e Circuitos Neurais para o Processamento das Informações

Capítulo 48 Sensações Somáticas: I. Organização Geral, Sentidos do Tato e de Posição

Capítulo 49 Sensações Somáticas: II. Dor, Cefaleia e Sensações Térmicas


CAPÍTULO 46

Organização do Sistema Nervoso, Funções Básicas das Sinapses e


Neurotransmissores

ESTRUTURA GERAL DO SISTEMA NERVOSO

O sistema nervoso inclui os sistemas sensorial (aferente) e motor (eferente), interligados por
mecanismos de integração complexos que processam as informações. Os neurônios constituem a
unidade funcional básica do sistema nervoso. Em geral, eles consistem em um corpo celular (soma), vários dendritos
e um único axônio. Todavia, existe uma enorme variabilidade na morfologia dos neurônios em diferentes partes do
encéfalo. Estima-se que o sistema nervoso seja composto por mais de 80 a 100 bilhões de neurônios.
Uma grande parte da atividade do sistema nervoso origina-se da estimulação de receptores sensoriais,
localizados nas terminações distais dos neurônios sensoriais. Os sinais seguem o seu percurso ao longo dos nervos
periféricos até alcançar a medula espinhal e, em seguida, são transmitidos para todo o encéfalo. As mensagens
sensoriais recebidas são processadas e integradas com informações armazenadas em agrupamentos neuronais, de
modo que os sinais resultantes possam ser utilizados para gerar uma resposta motora apropriada.
A divisão motora do sistema nervoso controla uma variedade de atividades corporais, como contração dos
músculos estriados e lisos e secreção das glândulas exócrinas e endócrinas. Apenas uma proporção relativamente
pequena de impulsos sensoriais recebida pelo encéfalo é, de fato, utilizada para gerar uma resposta motora imediata.
A maior parte da informação sensorial não é relevante, motivo pelo qual é descartada. Os impulsos sensoriais podem
ser armazenados na forma de memórias, que podem determinar as funções corporais dentro de minutos, semanas ou
anos.
As informações armazenadas como memória podem se tornar parte do mecanismo de processamento utilizado
para manejar os impulsos aferentes sensoriais subsequentes. O cérebro compara as novas experiências sensoriais com
aquelas armazenadas na memória e, desse modo, desenvolve estratégias bem-sucedidas para produzir respostas
motoras.

SINAPSES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Ocorrem interações dos neurônios em junções especializadas, denominadas sinapses. Em geral,


um axônio forma ramos em sua terminação, que exibem pequenas regiões dilatadas, denominadas terminais
sinápticos ou botões sinápticos. Os botões sinápticos situam-se próximo a uma estrutura pós-sináptica adjacente (um
dendrito ou soma). Eles são separados por um espaço estreito (20 a 30 nm), denominado fenda sináptica. Os botões
sinápticos contêm vesículas sinápticas, que contêm uma substância química neurotransmissora. Quando liberado
pelo terminal axonal, o transmissor liga-se a receptores do neurônio pós-sináptico e altera a permeabilidade de sua
membrana a determinados íons.
As sinapses químicas e as sinapses elétricas são os dois principais tipos de sinapses do sistema
nervoso central. A maioria das sinapses consiste em sinapses químicas. O neurônio pré‑sináptico libera uma
substância transmissora, que se liga aos receptores pós‑sinápticos, provocando excitação ou inibição. A transmissão
de sinais nas sinapses químicas é “unidirecional” – do terminal pré-sináptico do axônio para o dendrito ou soma pós-
sináptico.
O tipo menos comum de sinapse (nos mamíferos) é a sinapse elétrica. Essas sinapses consistem em junções
comunicantes, que formam canais de baixa resistência entre os neurônios pré e pós-sinápticos. Nessas sinapses,
diversos íons podem se mover livremente entre os dois neurônios, mediando, assim, a rápida transferência de sinais,
que podem se propagar por grandes agrupamentos de neurônios.
Quando um botão sináptico é ativado por um potencial de ação, o transmissor é liberado na fenda sináptica, de
onde se liga a receptores específicos no dendrito ou no soma pós-sináptico para causar excitação ou inibição da
membrana pós-sináptica.

Liberação de neurotransmissores pelos terminais pré‑sinápticos: papel dos íons cálcio

Quando estimulados por um potencial de ação, os canais de cálcio dependentes de voltagem na membrana pré-
sináptica do botão sináptico se abrem, e os íons cálcio se movem para dentro do terminal
Os íons cálcio facilitam o movimento das vesículas sinápticas para os locais de liberação na membrana pré-sináptica.
As vesículas fundem-se com a membrana pré-sináptica e liberam a sua substância neurotransmissora na fenda
sináptica por meio de exocitose. A quantidade de neurotransmissor liberado é diretamente proporcional à quantidade
de cálcio que entra no terminal.

Ações dos neurotransmissores nos neurônios pós‑sinápticos: função das proteínas receptoras
Os receptores são proteínas complexas com: (1) um componente de ligação, que se estende para dentro da fenda
sináptica; e (2) um componente intracelular, que se estende através da membrana e para o interior do neurônio pós-
sináptico. O componente intracelular pode ser um canal iônico específico para determinado íon ou uma classe de
íons, ou pode formar um segundo mensageiro ativador. Em ambos os casos, os receptores estão ligados a canais
iônicos dependentes de ligantes. Os receptores dos neurotransmissores que regulam diretamente os canais iônicos
são, com frequência, denominados receptores ionotrópicos, ao passo que os que atuam por meio de sistemas de
segundos mensageiros são denominados receptores metabotrópicos:

Os canais iônicos dependentes de ligantes podem ser catiônicos, possibilitando a passagem de íons sódio, potássio
ou cálcio, ou aniônicos, possibilitando a passagem principalmente de íons cloreto
Os canais dependentes de ligantes que permitem a entrada de sódio no neurônio pós-sináptico geralmente são
excitatórios, ao passo que os canais que possibilitam a entrada de cloreto (ou a saída de potássio) são geralmente
inibitórios. A abertura e o fechamento dos canais ocorrem em frações de um milissegundo, proporcionando, assim,
uma rápida comunicação entre os neurônios
Os segundos mensageiros ativadores consistem, em sua maioria, em proteínas G, que estão ligadas a um receptor no
neurônio pós-sináptico. Quando o receptor é ativado, uma parte da proteína G é liberada no citoplasma do neurônio
pós-sináptico (como segundo mensageiro), onde executa uma das quatro ações seguintes possíveis: (1) abre um
canal iônico específico e o mantém aberto por mais tempo do que ocorre com os canais dependentes de ligantes; (2)
ativa o monofosfato cíclico de adenosina ou o monofosfato cíclico de guanosina, o que estimula o mecanismo
metabólico específico do neurônio; (3) ativa as enzimas, que, em seguida, iniciam reações bioquímicas no neurônio
pós-sináptico; ou (4) ativa a transcrição gênica e a síntese de proteínas, que podem alterar o metabolismo ou a
morfologia da célula. Cada uma dessas atividades está particularmente bem adaptada para a indução de mudanças em
longo prazo na excitabilidade, bioquímica, estrutura ou atividade funcional do neurônio pós-sináptico.

Substâncias químicas que funcionam como transmissores sinápticos


Foram identificadas mais de 50 substâncias transmissoras diferentes. Essas substâncias podem ser divididas em dois
grupos: transmissores de molécula pequena e peptídeos neuroativos. Algumas moléculas gasosas, como o óxido
nítrico (NO), o sulfeto de hidrogênio (H2S) e o monóxido de carbono (CO), também podem atuar como moduladores
transmissores, embora o seu papel como verdadeiros neurotransmissores permaneça incerto.
Os transmissores de molécula pequena e de ação rápida podem ser sintetizados e empacotados
em vesículas sinápticas no terminal do axônio. O efeito dos transmissores de molécula pequena sobre a
membrana pós-sináptica na abertura ou no fechamento de um canal iônico é geralmente breve, com duração de 1 ms
ou menos. As vesículas sinápticas desses neurotransmissores podem ser recicladas. Elas se fundem com a membrana
pré-sináptica, entram nela e são subsequentemente reabastecidas com a substância transmissora.
A acetilcolina é um transmissor de molécula pequena. A acetilcolina é sintetizada a partir da
acetilcoenzima A e da colina na presença da enzima colina acetiltransferase. Esta última substância é sintetizada no
corpo do neurônio e liberada nos botões sinápticos por mecanismos de transporte axonal. Quando a acetilcolina é
liberada das vesículas na fenda sináptica, ela se liga a receptores existentes na membrana pós-sináptica. Em questão
de milissegundos, a acetilcolina é clivada em acetato e colina pela enzima acetilcolinesterase, que está presente em
quantidade abundante na fenda sináptica. Em geral, os transmissores de molécula pequena são rapidamente
inativados pouco após a sua ligação ao seu receptor. Nesse exemplo, a colina é ativamente transportada de volta para
o botão sináptico para a síntese subsequente de acetilcolina adicional.
Os neuropeptídeos transmissores são normalmente sintetizados no corpo do neurônio como
componentes integrais de grandes proteínas. Os neuropeptídeos são grandes moléculas que são clivadas no
corpo celular e empacotadas em vesículas no complexo de Golgi, tanto como agente peptidérgico ativo quanto como
precursor da substância neuroativa. As vesículas são conduzidas até os terminais do axônio, e o transmissor é
liberado na fenda sináptica, conforme descrito mais adiante. Todavia, quantidades menores dos peptídeos neuroativos
são liberadas, em comparação com os transmissores de molécula pequena, e as suas vesículas não parecem ser
recicladas. Uma característica especial dos neuropeptídeos é a duração prolongada de sua atividade, em comparação
com os transmissores de molécula pequena. Esses peptídeos podem alterar a função dos canais iônicos e modificar o
metabolismo celular ou a expressão gênica, ações que podem ser sustentadas por minutos, horas, dias ou até mesmo
por mais tempo.
Na maioria dos casos, os neurônios liberam apenas um agente neurotransmissor. Contudo, dois ou mais
transmissores de molécula pequena e transmissores neuropeptídicos podem ser colocalizados em um único botão
sináptico. Em outros casos, esses transmissores podem estar localizados em diferentes populações de vesículas
sinápticas do mesmo neurônio, contribuindo para a cotransmissão de sinais para um neurônio pós-sináptico. Ainda
não foi estabelecido como o neurônio é capaz de coordenar a utilização de dois ou mais transmissores.

Eventos elétricos durante a excitação neuronal

A membrana do neurônio tem um potencial de repouso da membrana de cerca de –65 milivolts (mV). Quando esse
potencial se torna menos negativo (por despolarização), a célula torna-se mais excitável, ao passo que a redução
desse potencial para um valor mais negativo (i. e., hiperpolarização) torna a célula menos excitável
Lembre-se de que os íons sódio e cloreto estão mais concentrados no líquido extracelular, em comparação com o
líquido intracelular. Os íons potássio apresentam uma concentração intracelular maior
Lembre-se, também, de que o potencial de Nernst (força eletromotriz [FEM], em mV) para um íon é o potencial
elétrico que se opõe ao movimento do íon a favor de seu gradiente de concentração

O potencial de Nernst para o sódio é de cerca de +61 mV. Como o potencial de repouso da membrana dos neurônios
é de aproximadamente –65 mV, pode-se esperar que o sódio se movimente para dentro da célula em repouso.
Todavia, apenas pequenas quantidades de sódio podem entrar, visto que os canais de sódio dependentes de voltagem
normalmente estão fechados. Uma pequena quantidade de sódio pode “extravasar” para dentro do neurônio, ao passo
que o potássio “extravasa” para fora; contudo, a bomba de sódio-potássio mantém os gradientes iônicos para ambos
os íons durante o estado de repouso
O potencial de repouso da membrana de um neurônio típico é de cerca –65 mV, visto que ele é muito mais permeável
aos íons potássio do que aos íons sódio. Os íons potássio com carga elétrica positiva movem-se para fora da célula,
deixando para trás espécies de íons de carga negativa; por conseguinte, o interior torna-se negativamente carregado
em relação ao ambiente extracelular. O interior do corpo celular (e dendritos) consiste em um líquido altamente
condutor, essencialmente sem qualquer resistência elétrica. Por conseguinte, as mudanças no potencial elétrico que
ocorrem em uma parte da célula facilmente podem se propagar para todo o neurônio
Quando a interação receptor-transmissor resulta na abertura dos canais de sódio dependentes de ligantes na
membrana pós-sináptica, o sódio entra no neurônio pós-sináptico, e o potencial de membrana é despolarizado para o
potencial de Nernst para o sódio (+61 mV). Esse potencial local positivo é denominado potencial pós‑sináptico
excitatório (PPSE). Se o potencial de membrana do neurônio pós-sináptico alcançar o limiar, um potencial de ação é
gerado. Acredita-se que o potencial de ação seja iniciado na porção inicial do axônio, que tem cerca de sete vezes
mais canais de sódio dependentes de voltagem do que outras partes do neurônio. Na maioria dos casos, a descarga
simultânea de muitos terminais axonais é necessária para levar o neurônio pós-sináptico ao valor limiar. Esse
processo é denominado somação, conceito discutido posteriormente.

Eventos elétricos durante a inibição neuronal

Os neurotransmissores que abrem seletivamente os canais de cloreto ou de potássio dependentes de ligantes podem
produzir um potencial pós-sináptico inibitório (PPSI)
O potencial de Nernst para o cloreto é de cerca de –70 mV. Como esse valor é mais negativo do que o potencial de
repouso da membrana pós-sináptica, os íons cloreto movem-se para dentro da célula, tornando o potencial de
membrana mais negativo (hiperpolarizado), de modo que a célula se torna menos excitável (inibida). De modo
semelhante, quando um transmissor abre seletivamente os canais de potássio, os íons potássio com carga elétrica
positiva saem da célula, tornando, assim, o interior mais negativo.

Os PPSEs e PPSIs são somados ao longo do tempo e no espaço

Ocorre somação temporal quando um segundo potencial pós-sináptico (excitatório ou inibitório) a partir do mesmo
neurônio pré-sináptico chega antes de a membrana pós-sináptica retornar ao seu nível de repouso. Como um
potencial pós-sináptico típico pode durar até 15 ms e os canais iônicos permanecem abertos por apenas cerca de 1 ms
(ou menos), geralmente há tempo suficiente para que ocorra a abertura de vários canais ao longo do curso de um
único potencial pós-sináptico. Os efeitos desses dois potenciais são aditivos (somados ao longo do tempo)
Ocorre somação espacial quando dois ou mais terminais axonais pré-sinápticos são ativados de maneira simultânea.
Os seus efeitos individuais são somados, causando o aumento do potencial pós-sináptico. A magnitude de um único
PPSE geralmente é de apenas 0,5 a 1,0 mV – bem menos do que os 10 a 20 mV que costumam ser necessários para
alcançar o limiar. A somação espacial permite que os PPSEs combinados ultrapassem o valor limiar para um
potencial de ação
Determinado neurônio pós-sináptico integra os efeitos de múltiplos PPSEs e PPSIs. Em consequência, o neurônio
pode se tornar: (1) mais excitável e aumentar a sua taxa de disparo; ou (2) menos excitável e diminuir o seu nível de
disparo.

Funções especiais dos dendritos na excitação dos neurônios


Como a área de superfície da árvore dendrítica é muito grande, acredita-se que cerca de 80 a 95% de todos os botões
sinápticos terminem em dendritos. Os dendritos contêm poucos canais iônicos dependentes de voltagem e, portanto,
não são capazes de propagar potenciais de ação. Em vez disso, atuam para propagar a corrente elétrica por meio de
condução eletrotônica, que está sujeita a decaimento (decremento) ao longo do tempo e do espaço. Os potenciais
pós-sinápticos excitatórios (ou inibitórios) que surgem nos pontos distais da árvore dendrítica podem diminuir para
um nível tão baixo no momento em que alcançam o corpo celular e o axônio inicial que a corrente é insuficiente para
alcançar o limiar. Em contrapartida, as sinapses nos dendritos proximais ou no corpo celular do neurônio exercem
maior influência sobre o início dos potenciais de ação, visto que estão mais próximos do segmento inicial do axônio
e têm menos tempo para decair a um nível abaixo do valor limiar.

Estado de excitação do neurônio e frequência de disparo


Muitos fatores contribuem para o potencial limiar de um neurônio. Alguns neurônios são inerentemente mais
excitáveis do que outros e necessitam de menos corrente para alcançar o limiar, ao passo que outros disparam em
uma frequência mais rápida quando o limiar é ultrapassado. A frequência de disparo de um neurônio aumenta
progressivamente à medida que o potencial de membrana aumenta para acima do valor limiar.
CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DA TRANSMISSÃO SINÁPTICA

Quando as sinapses são repetidamente estimuladas em uma frequência rápida, a resposta do neurônio pós-sináptico
diminui ao longo do tempo, e a sinapse apresenta o fenômeno de fadiga. Essa diminuição da capacidade de resposta
resulta principalmente do acúmulo de íons cálcio no botão sináptico e da exaustão do suprimento de
neurotransmissor
Quando se aplica uma estimulação repetitiva (tetânica) a uma sinapse excitatória, seguida por um breve período de
repouso, a ativação subsequente dessa sinapse pode exigir menos corrente e produzir uma resposta intensificada.
Esse fenômeno é denominado facilitação pós‑tetânica
O pH do ambiente sináptico extracelular influencia a excitabilidade neuronal. Um ambiente ácido diminui a
excitabilidade, ao passo que um ambiente alcalino aumenta a atividade neuronal
A diminuição do suprimento de oxigênio reduz a atividade sináptica
Os efeitos de fármacos e agentes químicos sobre a excitabilidade neuronal são diversificados. Por exemplo, a cafeína
aumenta diretamente a excitabilidade de muitos neurônios, ao passo que a estricnina aumenta indiretamente a
atividade dos neurônios ao inibir determinadas populações de interneurônios inibitórios.
CAPÍTULO 47

Receptores Sensoriais e Circuitos Neurais para o Processamento das


Informações

RECEPTORES SENSORIAIS

Um complexo sistema de receptores sensoriais nos permite perceber estímulos, como toque, sons, luz, dor, frio e
calor, e detectar muitos outros sinais dentro de nosso corpo e no mundo ao nosso redor. Neste capítulo, serão
discutidos os mecanismos básicos que transformam esses sinais sensoriais em sinais nervosos, que são transmitidos e
processados no sistema nervoso central.

Tipos de receptores sensoriais e estímulos por eles detectados

Os mecanorreceptores detectam a deformação física da membrana do receptor ou do tecido imediatamente adjacente


ao receptor
Os termorreceptores (para calor ou frio) detectam mudanças na temperatura do receptor
Os nociceptores detectam a presença de dano físico ou químico aos tecidos
Os fotorreceptores (eletromagnéticos) detectam a luz (fótons) que atinge a retina
Os quimiorreceptores são responsáveis pelo paladar e pelo olfato, pelos níveis de O2 e CO2 no sangue, pela
osmolaridade e por outros fatores químicos dos líquidos corporais.

Os receptores sensoriais são altamente sensíveis a um tipo específico de modalidade de


sensação – princípio da “linha rotulada”. Um receptor sensorial estimulado inicia os potenciais de ação, que
seguem o seu percurso até a medula espinhal por meio de seu neurônio aferente. A especificidade das fibras nervosas
para transmitir apenas uma modalidade de sensação é denominada princípio da linha rotulada. Os potenciais de ação
que se originam nos vários tipos de receptores sensoriais são qualitativamente semelhantes. A nossa capacidade de
diferenciar modalidades de sensação distintas não está relacionada, portanto, com as características do potencial de
ação, mas sim com o local onde o potencial de ação termina no cérebro. Por exemplo, os potenciais de ação que são
conduzidos ao longo de neurônios que compõem o sistema anterolateral (trato espinotalâmico) são percebidos como
dor, ao passo que os potenciais de ação conduzidos ao longo do sistema coluna dorsal‑lemnisco medial são
percebidos como toque ou pressão.
Transdução do estímulo sensorial em impulsos nervosos. Quando ativado por um estímulo adequado,
um potencial elétrico local, denominado potencial receptor, é gerado no receptor. Seja qual for o tipo de estímulo –
mecânico, químico ou físico (calor, frio ou luz) –, o processo de transdução resulta na alteração da permeabilidade
iônica da membrana do receptor e, consequentemente, na alteração da diferença de potencial através da membrana.
Uma amplitude máxima do potencial receptor de cerca de 100 mV é obtida quando a permeabilidade da membrana
ao sódio alcança o seu nível máximo.
A fibra sensitiva ligada a cada receptor exibe o “fenômeno limiar”. Quando o potencial receptor
ultrapassa um valor limiar, um potencial de ação autopropagado é iniciado na fibra nervosa associada. O potencial
receptor diminui com o tempo e com a distância.
O potencial receptor é proporcional à intensidade do estímulo. À medida que a intensidade do
estímulo aumenta, os potenciais de ação subsequentes geralmente aumentam de frequência. A amplitude do potencial
receptor pode se modificar de modo substancial com uma estimulação de intensidade relativamente pequena, porém,
em seguida, aumenta apenas minimamente com maior intensidade do estímulo.
Os receptores sensoriais adaptam‑se parcial ou completamente a seus estímulos com o passar
do tempo. Essa adaptação ocorre por um de dois mecanismos. Em primeiro lugar, as propriedades f ísico-químicas
do receptor podem ser alteradas pelo estímulo; por exemplo, quando um corpúsculo de Pacini é inicialmente
deformado (e a permeabilidade de sua membrana aumenta), o líquido presente em suas lamelas concêntricas
redistribui a pressão aplicada. Essa redistribuição se reflete na diminuição da permeabilidade da membrana, causando
a diminuição ou a adaptação do potencial receptor. Em segundo lugar, um processo de acomodação às vezes pode
ocorrer na fibra sensorial, envolvendo uma inativação gradual dos canais de sódio com o decorrer do tempo.
Os receptores são classificados em receptores de adaptação lenta ou de adaptação rápida. Os
receptores de adaptação lenta continuam transmitindo sinais com pouca mudança de frequência enquanto o estímulo
estiver presente. Por essa razão, são denominados receptores tônicos e são capazes de transmitir um estímulo por
períodos prolongados sem decremento. Alguns exemplos são os fusos musculares, os órgãos tendinosos de Golgi, os
receptores de dor, os barorreceptores e os quimiorreceptores.
Já os receptores de adaptação rápida são ativados somente quando houver mudança na intensidade do estímulo.
Por conseguinte, esses receptores são denominados receptores de variação ou detectores de movimento. O
corpúsculo de Pacini é um dos receptores de adaptação mais rápida. Outros receptores de adaptação rápida incluem
os dos canais semicirculares e das articulações (proprioceptores).

CLASSIFICAÇÃO GERAL DAS FIBRAS NERVOSAS

Dois esquemas foram elaborados para classificar as fibras nervosas periféricas:

No esquema de classificação mais geral, as fibras periféricas são divididas em tipos A e C, ao passo que as fibras
mielínicas do tipo A são subdivididas em fibras α, β, γ e δ (Figura 47.1). Esse esquema se baseia no diâmetro e na
velocidade de condução de cada fibra; a fibra do tipo Aα é o maior tipo de fibra nervosa e conduz potenciais de ação
mais rapidamente
Um segundo esquema, concebido principalmente pelos fisiologistas sensoriais, distingue cinco categorias principais,
que também se baseiam no diâmetro das fibras e na velocidade de condução.

A intensidade é representada nas fibras sensoriais utilizando a somação espacial e temporal. Na


pele, um único tronco nervoso sensorial contém várias centenas de fibras de dor, que representam uma área de pele
de cerca de 5 cm de diâmetro; essa área é denominada campo receptivo desse nervo. Um estímulo intenso que
abrange todo o campo receptor pode ativar todas as fibras do tronco nervoso sensorial, ao passo que um estímulo
menos intenso ativa menor número de fibras.
As gradações de intensidade do estímulo são sinalizadas pela participação de um número variável de fibras
paralelas no mesmo nervo (somação espacial) ou por uma mudança da frequência de impulsos que se propagam em
uma única fibra (somação temporal).
Figura 47.1 Classificações e funções fisiológicas das fibras nervosas.

TRANSMISSÃO E PROCESSAMENTO DE SINAIS EM GRUPOS DE NEURÔNIOS


Um agregado de neurônios pode ser designado como grupo neuronal. Por exemplo, todo o encéfalo pode ser
considerado um grupo neuronal. Outros grupos neuronais incluem o córtex cerebral, o tálamo, um núcleo individual
no tálamo, e assim por diante. Cada grupo neuronal tem a sua organização especial para o processamento de sinais de
forma peculiar, permitindo que todos os conjuntos de grupos executem as numerosas funções do sistema nervoso.
Apesar de suas diferentes funções, os grupos neuronais apresentam muitos princípios funcionais semelhantes.
Os sistemas aferentes podem fornecer uma excitação limiar ou facilitação subliminar a um
grupo neuronal. Potenciais de ação podem ser gerados por um grupo de neurônios quando eles são estimulados
pelos seus respectivos potenciais limiares. Em outros grupos de neurônios, os potenciais de membrana podem ser
ligeiramente despolarizados, mas não o suficiente para alcançar um valor limiar. Esses neurônios são considerados
facilitados, visto que, agora, podem ser excitados por pequenos potenciais pós-sinápticos excitatórios, que, de outro
modo, proporcionariam um nível de estimulação abaixo do limiar.
A divergência de sinais diferentes constitui uma característica comum em alguns grupos
neuronais. Os sinais fracos que entram em um grupo neuronal podem excitar maior número de fibras nervosas que
deixam o grupo, o que constitui um fenômeno denominado divergência. Uma forma de divergência é a amplificação,
em que uma única fibra nervosa se ramifica para estabelecer contato com dois ou mais neurônios pós-sinápticos, que,
por sua vez, têm ramificações que também estimulam dois ou mais neurônios adicionais; o sinal inicial do neurônio
é, portanto, amplificado muitas vezes por neurônios sucessivos no grupo. Em outra forma de divergência, os
neurônios ativados no grupo projetam-se para múltiplos alvos em diferentes localizações.
Convergência de sinais de múltiplas entradas para excitar um único neurônio. Diversas fibras de
entrada a partir de um único neurônio aferente podem terminar em um único neurônio no grupo, aumentando
acentuadamente a probabilidade de alcançar um potencial de ação no neurônio pós-sináptico. Ocorre outro tipo de
convergência quando sinais de entrada de múltiplas fontes aferentes diferentes fazem sinapse com um único neurônio
do grupo, o que permite a somação de informações a partir de diferentes fontes.
Uma única fibra de entrada pode dar origem a sinais de saída tanto excitatórios quanto
inibitórios. Uma única fibra de entrada pode fornecer uma saída excitatória para um neurônio no próximo grupo
(pós-sináptico), que é um neurônio excitatório (retransmissão), ou pode fazer sinapse com um interneurônio
inibitório no próximo grupo, que, então, pode inibir neurônios de transmissão no grupo pós-sináptico.
O processamento de sinais em grupos neuronais pode envolver um circuito reverberatório
(oscilatório). Nesses circuitos, os axônios de saída do grupo dão origem a ramos colaterais, que fazem sinapse com
interneurônios excitatórios localizados dentro do grupo. Em seguida, esses interneurônios fornecem uma
retroalimentação positiva para os mesmos neurônios de saída do grupo, levando a uma sequência de autopropagação
de sinais. Os potenciais pós-sinápticos excitatórios produzidos pelos interneurônios excitatórios podem ser
facilitadores ou efetivamente estimular o disparo pelos neurônios de saída. Esta última situação constitui o substrato
para um grupo de células neuronais que emite uma sequência contínua de sinais eferentes. Alguns grupos neuronais
geram um sinal eferente rítmico, como ocorre nos centros respiratórios na formação reticular do bulbo. Essa função
utiliza um circuito reverberante.

Instabilidade e estabilidade dos circuitos neuronais


A conectividade extensa e diversificada no sistema nervoso pode produzir instabilidade
funcional no cérebro quando as operações ocorrem de forma incorreta. Uma crise epiléptica fornece um
exemplo de sinais reverberantes descontrolados no sistema nervoso central. Dois mecanismos principais limitam a
instabilidade funcional no sistema nervoso:

Os circuitos inibitórios fornecem uma inibição por feedback dentro de um circuito neuronal. A saída de um grupo
neuronal ativa interneurônios inibitórios localizados no grupo, que, em seguida, fornecem um feedback inibitório
para os principais neurônios eferentes do grupo. Esse tipo de circuito forma um “freio” regulado internamente sobre
a saída do grupo
A fadiga sináptica indica que a transmissão sináptica se torna progressivamente mais fraca com períodos longos e
intensos de excitação. O mecanismo da fadiga sináptica pode envolver depleção do transmissor, incapacidade de
liberação do transmissor devido à diminuição da captação ou da utilização de cálcio ou infrarregulação dos
receptores quando há hiperatividade.
CAPÍTULO 48

Sensações Somáticas: I. Organização Geral, Sentidos do Tato e de Posição

CLASSIFICAÇÃO DAS SENSAÇÕES SOMÁTICAS

As sensações somáticas são os mecanismos nervosos que coletam informação sensorial de todo o corpo. Elas podem
ser classificadas em três tipos fisiológicos:

A mecanorrecepção inclui as sensações táteis e de posição (proprioceptivas) produzidas pelo deslocamento mecânico
de algum tecido do corpo.
A termorrecepção detecta aumentos ou diminuições da temperatura.
A nocicepção detecta a ocorrência de danos aos tecidos ou a liberação de moléculas mediadoras de dor.

As modalidades sensoriais transmitidas por meio dos sistemas sensoriais somáticos incluem o tato discriminativo
(precisamente localizado), o tato grosseiro (mal localizado), a pressão, a vibração e os sentidos de posição estática e
de movimento do corpo, que são denominados coletivamente propriocepção. As sensações exteroceptivas são as que
se originam da estimulação de estruturas da superfície do corpo, como a pele e os tecidos subcutâneos, bem como de
estruturas mais profundas, incluindo músculo, fáscia e tendões. Os sinais sensoriais que se originam de órgãos
internos (estruturas derivadas do endoderma) são denominados sensações viscerais.

DETECÇÃO E TRANSMISSÃO DE SENSAÇÕES TÁTEIS

Embora o toque, a pressão e a vibração sejam, com frequência, classificados como sensações
separadas, eles são detectados individualmente por mecanorreceptores táteis. Pelo menos seis tipos de
mecanorreceptores são classificados como receptores táteis (Figura 48.1):

As terminações nervosas livres são encontradas em densidade variável em todas as áreas da pele, bem como na
córnea do olho
Os corpúsculos de Meissner são receptores encapsulados de adaptação rápida encontrados nas áreas da pele sem
pelos (glabra), como as pontas dos dedos das mãos e os lábios – áreas que são particularmente sensíveis até mesmo
ao mais leve toque
Os discos de Merkel (conhecidos como receptores de terminação expandida) são encontrados na pele glabra, mas
também estão presentes em quantidade moderada nas superfícies da pele com pelos. Esses receptores são de
adaptação relativamente lenta e, portanto, podem sinalizar o toque contínuo de objetos contra a pele
Os órgãos do folículo piloso são entrelaçados na base de cada pelo sobre a superfície do corpo. São de adaptação
rápida e detectam o movimento de objetos que deslocam os pelos sobre a superfície da pele
Os órgãos terminais de Ruffini são terminações encapsuladas localizadas na pele e nos tecidos mais profundos, bem
como nas cápsulas articulares. Eles exibem pouca adaptação e, portanto, sinalizam o toque contínuo e a pressão
aplicada sobre a pele ou o movimento em torno da articulação onde estão localizados
Figura 48.1 Mecanorreceptores da pele. Observe os agrupamentos de discos de
Merkel, localizados na epiderme basal, conectando‑se a uma única grande fibra
mielínica. As células de Meissner também estão situadas na epiderme basal,
margeando as cristas papilares, ao passo que o corpúsculo de Pacini e as
terminações de Ruffini são encontrados na derme; uma fibra mielínica inerva cada
um desses órgãos receptores.

Os corpúsculos de Pacini estão presentes na pele e em tecidos profundos, como a fáscia. São de adaptação rápida e
são particularmente importantes na detecção da vibração ou de outras alterações rápidas no movimento dos tecidos.

A maioria dos receptores táteis transmite sinais ao longo de fibras do tipo Aβ mielínicas relativamente grandes,
que apresentam altas velocidades de condução. Em contrapartida, as terminações nervosas livres estão ligadas a
pequenas fibras do tipo Aδ mielínicas e às fibras do tipo C amielínicas, que conduzem em velocidades relativamente
lentas.
Cada um dos receptores táteis também está envolvido na detecção de vibração. Os corpúsculos de Pacini
detectam a maior parte dos estímulos vibratórios rápidos (30 a 800 ciclos/segundo) e estão ligados às grandes fibras
mielínicas de condução rápida (tipo Aβ). A vibração de baixa frequência (até cerca de 80 ciclos/segundo) estimula os
corpúsculos de Meissner e os outros receptores táteis, que se adaptam menos rapidamente, em comparação com os
corpúsculos de Pacini.
A sensação de coceira (prurido) é percebida por meio de terminações nervosas livres altamente sensíveis e de
adaptação rápida nas camadas superficiais da pele, que transmitem principalmente por meio de fibras do tipo C.
Acredita-se que a função dessa modalidade sensorial seja chamar a atenção para irritações leves na pele, que podem
ser aliviadas pelo movimento ou pelo ato de arranhar, estímulo que parece superar os sinais de prurido.

VIAS SENSITIVAS DE TRANSMISSÃO DE SINAIS SOMÁTICOS PARA O SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Os sinais somatossensoriais são transmitidos principalmente pelo sistema coluna


dorsal‑lemnisco medial e pelo sistema anterolateral. Com poucas exceções, a informação sensorial
conduzida pelas fibras nervosas da superfície do corpo (exceto a face) entra na medula espinhal por meio das raízes
posteriores. Uma vez no sistema nervoso central, os sinais são divididos em uma de duas vias. Os sinais que se
originam dos termorreceptores e dos nociceptores são conduzidos ao longo do sistema anterolateral (descrito no
Capítulo 49). Já os sinais que se originam dos mecanorreceptores seguem o seu percurso no sistema coluna dorsal-
lemnisco medial (CD-LM). Essas modalidades incluem o tato discriminativo, a vibração e a propriocepção. A
informação somatossensorial da face é conduzida principalmente em ramos do nervo trigêmeo. Quando as fibras do
nervo trigêmeo entram no tronco encefálico, elas também se separam em duas vias: uma delas é especializada no
processamento da dor, na temperatura e no tato grosseiro, ao passo que a outra é responsável pelo tato discriminativo,
pela vibração e pela propriocepção.

TRANSMISSÃO PELO SISTEMA COLUNA DORSAL‑LEMNISCO MEDIAL

O sistema coluna dorsal‑lemnisco medial caracteriza‑se por um alto grau de organização


somatotópica (espacial)

Neurônios sensoriais primários. Os prolongamentos centrais dos neurônios sensitivos primários que entram na
medula espinhal por meio da face medial da raiz posterior são as fibras mielínicas maiores, que transportam sinais
relacionados com o tato discriminativo, a vibração e a propriocepção. Quando entram na medula espinhal, algumas
dessas fibras fazem sinapses locais na substância cinzenta, ao passo que muitas simplesmente passam para a área da
coluna dorsal e ascendem sem fazer sinapse até alcançar os núcleos da coluna dorsal, na parte caudal do bulbo.
Nesse local, as fibras que transportam informação a partir dos membros inferiores fazem sinapse no núcleo grácil, ao
passo que as que provêm dos membros superiores terminam no núcleo cuneiforme
Núcleos da coluna dorsal. Os axônios das células nos núcleos grácil e cuneiforme formam o lemnisco medial, que
cruza a linha média na parte caudal do bulbo, como decussação sensitiva. Esse feixe de fibras continua em direção
rostral para o tálamo, onde os axônios terminam no complexo ventrobasal, principalmente no núcleo ventral
posterolateral (VPL). Em seguida, os axônios dos neurônios do VPL entram no ramo posterior da cápsula interna e
projetam-se para o córtex somatossensorial primário (área SI), no giro pós-central
Via do lemnisco medial. As fibras do sistema CD-LM exibem um elevado grau de organização somatotópica
(orientação espacial). As fibras que transportam sinais provenientes dos membros inferiores ascendem pela porção
medial da coluna dorsal, terminam no núcleo grácil e formam as porções ventral e lateral do lemnisco medial. Por
fim, terminam lateralmente no VPL; os neurônios nessa região projetam-se para a parte mais medial de SI, na parede
medial do hemisfério cerebral. As informações provenientes dos membros superiores seguem o seu percurso na parte
lateral da coluna dorsal, terminam no núcleo cuneiforme e entram nas porções dorsal e medial do lemnisco medial.
Essas fibras fazem sinapse na parte medial do VPL e, por fim, alcançam o território dos membros superiores de SI,
no hemisfério contralateral à superfície do corpo, onde os sinais se originaram. Em todo o sistema, existe uma
relação de correspondência entre a origem na periferia e a terminação no córtex SI
Sinais somatossensoriais da face. Os sinais somatossensoriais táteis da face seguem o seu percurso no nervo
trigêmeo e entram no tronco encefálico no nível da parte média da ponte, e as fibras sensitivas primárias terminam
no núcleo principal do nervo trigêmeo. A partir daí, os axônios cruzam a linha média e seguem em direção rostral,
adjacentes ao lemnisco medial, e, por fim, terminam medialmente em uma porção do complexo ventrobasal, o núcleo
ventral posteromedial (VPM). Esse sistema de fibras é comparável ao sistema CD-LM e transmite tipos semelhantes
de informação somatossensorial da face (p. ex., vibração, tato fino, pressão e sinais proprioceptivos)
Áreas somatossensoriais do córtex cerebral. O giro pós-central compreende o córtex somatossensorial primário, que
corresponde às áreas 3, 1 e 2 de Brodmann. Uma segunda área somatossensorial (SII), que é muito menor do que a
SI, está localizada imediatamente posterior à região da face de SI, ladeando o sulco lateral. No interior de SI, a
segregação das partes do corpo é mantida de modo que a região da face está localizada ventralmente, mais próxima
do sulco lateral, o membro superior continua medial e dorsalmente a partir da região da face, estendendo-se em
direção à convexidade do hemisfério, e o membro inferior projeta-se na superfície medial do hemisfério. De fato,
existe uma representação completa, porém separada do corpo, nas áreas 3, 1 e 2. Dentro de cada uma dessas
representações do corpo, um volume desigual de córtex é dedicado a cada uma das partes do corpo. As superfícies do
corpo com alta densidade de receptores sensitivos, particularmente nos lábios, no polegar e nos outros dedos das
mãos, são representadas por áreas maiores do córtex do que aquelas com uma densidade relativamente baixa de
receptores.

Anatomia funcional do córtex somatossensorial primário

O córtex somatossensorial primário contém seis camadas celulares de disposição horizontal, numeradas de I a VI,
começando com a camada I, na superfície cortical. A camada IV é a mais proeminente, visto que ela recebe as
projeções do VPL e do VPM do tálamo ventrobasal. A partir desse ponto, a informação é transmitida dorsalmente
para as camadas I a III e ventralmente para as camadas V e VI
Um exército de colunas verticais de neurônios se estende por todas as seis camadas. Essas colunas funcionalmente
determinadas variam de 0,3 a 0,5 mm de largura, e estima-se que cada uma delas contenha cerca de 10 mil neurônios.
Na parte mais anterior da área 3 em SI, os arranjos de colunas verticais estão relacionados com os estímulos
aferentes dos músculos, ao passo que, na parte posterior da área 3, eles processam os impulsos aferentes cutâneos.
Na área 1, as colunas verticais processam estímulos cutâneos aferentes adicionais, ao passo que, na área 2, elas estão
relacionadas com a pressão e a propriocepção.

As funções das áreas somatossensoriais primária e de associação podem ser deduzidas de estudos
de pacientes com lesões nessas áreas

As lesões que acometem o córtex somatossensorial primário resultam em: (1) incapacidade de localizar com
precisão os estímulos cutâneos na superfície do corpo, embora possa haver retenção de alguma capacidade de
localização grosseira; (2) incapacidade de avaliar graus de pressão ou o peso dos objetos que tocam a pele; e (3)
incapacidade de identificar objetos pelo tato ou pela textura (astereognosia)
As lesões que acometem as áreas de Brodmann 5 e 7 danificam o córtex de associação para a sensibilidade
somática. Os sinais e os sintomas comuns incluem: (1) incapacidade de reconhecer objetos que têm formato ou
textura relativamente complexos quando palpados com a mão contralateral; (2) perda da consciência do lado
contralateral do corpo (heminegligência; esse sintoma é mais agudo com lesões no lobo parietal não dominante); e,
(3) ao sentir um objeto, a exploração só ocorre do lado ipsilateral da lesão, de modo que o lado contralateral é
ignorado (amorfossíntese).

Características da transmissão e análise de sinais pelo sistema coluna dorsal‑lemnisco medial


O campo receptor de um neurônio cortical de SI é determinado pela combinação dos neurônios sensoriais primários,
dos neurônios nucleares da coluna dorsal e dos neurônios talâmicos que fornecem projeções aferentes para a área SI.
A discriminação de dois pontos é utilizada para avaliar o sistema coluna dorsal‑lemnisco medial.
A discriminação de dois pontos pode ser utilizada para determinar a capacidade de um indivíduo de distinguir dois
estímulos cutâneos aplicados simultaneamente como dois pontos separados. Essa capacidade varia de modo
substancial em toda a superfície do corpo, devido a diferenças na densidade dos receptores sensitivos. Nas
extremidades dos dedos das mãos e nos lábios, a estimulação de dois pontos próximos um do outro, separados por 1
a 2 mm, pode ser distinguida como pontos separados, ao passo que, nas costas, os dois pontos precisam estar
separados por uma distância de pelo menos 30 a 70 mm. Essa função depende dos elementos de processamento
central na via CD-LM para reconhecer que os dois sinais excitatórios gerados perifericamente estão separados, e não
sobrepostos.
A inibição lateral é utilizada para aumentar o grau de contraste no padrão espacial percebido. A
inibição lateral utiliza a inibição do impulso aferente da porção periférica de um campo receptor para definir melhor
os limites da zona excitada. No sistema CD-LM, a inibição lateral ocorre no nível dos núcleos da coluna dorsal e nos
núcleos talâmicos.
O sistema coluna dorsal‑lemnisco medial é particularmente efetivo na percepção de estímulos
de variação rápida e repetitivos, o que constitui a base da sensação de vibração. Essa capacidade reside
nos corpúsculos de Pacini de adaptação rápida, que são capazes de detectar vibrações de até 700 ciclos/segundo, e
nos corpúsculos de Meissner, que detectam frequências ligeiramente mais baixas, como 200 ciclos/segundo e
inferiores.
A sensação proprioceptiva é a consciência da posição ou do movimento do corpo. A sensação de
movimento do corpo também é denominada cinestesia ou propriocepção dinâmica. O sistema nervoso utiliza uma
combinação de receptores táteis e musculares e cápsulas articulares para produzir o sentido de propriocepção. Para os
movimentos de pequenas partes do corpo, como os dedos das mãos, acredita-se que os receptores táteis na pele e nas
cápsulas articulares sejam de importância mais crítica para a determinação do sinal proprioceptivo. Para os
movimentos complexos dos membros superiores e inferiores, em que alguns ângulos articulares aumentam, ao passo
que outros diminuem, os fusos musculares constituem um determinante dominante da sensação proprioceptiva. Nos
extremos da angulação articular, o estiramento imposto aos ligamentos e aos tecidos profundos ao redor da
articulação pode ativar os corpúsculos de Pacini e as terminações de Ruffini. Estes últimos receptores de adaptação
rápida provavelmente são responsáveis pela detecção da taxa de variação do movimento.

Transmissão de sinais sensoriais pela via anterolateral


Os sinais que seguem ao longo de pequenas fibras mielínicas do tipo Aδ e de fibras amielínicas do tipo C podem se
originar de receptores táteis, que, em geral, consistem em terminações nervosas livres na pele. Essa informação é
transmitida junto aos sinais de dor e de temperatura na porção anterolateral da substância branca da medula espinhal.
Conforme será discutido no Capítulo 49, o sistema anterolateral estende-se para a parte ventrobasal do tálamo, bem
como para os núcleos intralaminar e posterior do tálamo. Embora alguns estímulos dolorosos possam ser muito bem
localizados, a organização precisa de correspondência no sistema CD-LM, e a dispersividade relativa do sistema
anterolateral provavelmente responde pela capacidade de localização menos efetiva do sistema anterolateral.
A transmissão na via anterolateral assemelha-se àquela do sistema CD-LM, exceto pelas seguintes diferenças: (1)
as velocidades de transmissão no sistema anterolateral são de metade a um terço da velocidade no sistema CD-LM;
(2) o grau de localização espacial é deficiente; (3) as gradações de intensidade são muito menos pronunciadas; e (4) a
capacidade de transmitir sinais repetitivos rápidos é fraca no sistema anterolateral. Além das sensações de dor e de
temperatura, o sistema anterolateral transmite as sensações de cócegas, prurido (coceira), tato grosseiro e sensações
sexuais.
CAPÍTULO 49

Sensações Somáticas: II. Dor, Cefaleia e Sensações Térmicas

A dor é principalmente um mecanismo protetor do corpo. Ela não é uma sensação pura, mas sim uma resposta a uma
lesão tecidual, que é monitorada pelo sistema nervoso.

DOR RÁPIDA, DOR LENTA E SUAS MODALIDADES

A “dor rápida” é sentida em cerca de 0,1 segundo após a aplicação do estímulo doloroso, ao passo que a “dor lenta”
começa 1 segundo ou mais após o estímulo doloroso. Em geral, a dor lenta está associada ao dano tecidual e é
percebida como queimação, dor surda ou dor crônica.
Os receptores de dor são terminações nervosas livres. Eles são encontrados em maiores número e densidade na
pele, no periósteo do osso, nas paredes das artérias, nas superfícies articulares e na dura-máter e seus reflexos no
interior da abóboda craniana.

RECEPTORES DE DOR E SUA ESTIMULAÇÃO

Os estímulos mecânicos e térmicos tendem a provocar dor rápida


Os estímulos químicos geralmente, mas nem sempre, tendem a produzir dor lenta. Alguns dos agentes químicos mais
comuns que provocam sensação de dor lenta são: bradicinina, serotonina, histamina, íons potássio, ácidos,
acetilcolina e enzimas proteolíticas. A concentração tecidual dessas substâncias parece estar diretamente relacionada
com o grau de dano tecidual e o grau de sensação dolorosa percebido. As prostaglandinas e a substância P
intensificam a sensibilidade dos receptores de dor, porém não os excitam diretamente
Os receptores de dor adaptam-se muito lentamente ou não se adaptam. Em alguns casos, a ativação desses receptores
torna-se progressivamente maior, à medida que o estímulo doloroso continua; isso é denominado hiperalgesia.

VIAS DUPLAS DE TRANSMISSÃO DE SINAIS DE DOR PARA O SISTEMA NERVOSO CENTRAL

Os sinais de dor rápida produzidos por estímulos mecânicos ou térmicos são transmitidos por meio de fibras do tipo
Aδ nos nervos periféricos, em velocidades entre 6 e 30 m/s. Em contrapartida, os sinais de dor lenta do tipo crônico
são transmitidos por fibras do tipo C, em velocidades que variam de 0,5 a 2,0 m/s. Esses dois tipos de fibras nervosas
são separados na medula espinhal; as fibras do tipo Aδ excitam principalmente neurônios na lâmina I da coluna
posterior, ao passo que as fibras do tipo C excitam neurônios na substância gelatinosa. Estas últimas células
projetam-se, então, mais profundamente na substância cinzenta e ativam os neurônios localizados principalmente na
lâmina V, mas também nas lâminas VI e VII. Os neurônios que recebem impulsos das fibras do tipo Aδ (dor rápida)
dão origem ao trato neoespinotalâmico, ao passo que os que recebem impulsos das fibras do tipo C dão origem ao
trato paleoespinotalâmico.
O trato neoespinotalâmico facilita a localização da dor rápida. Os axônios dos neurônios na lâmina I
que formam o trato neoespinotalâmico cruzam a linha média, próximo de sua origem, e ascendem pela substância
branca da medula espinhal como parte do sistema anterolateral. Algumas dessas fibras terminam na formação
reticular do tronco encefálico, porém a maioria se projeta para o núcleo ventral posterolateral do tálamo (tálamo
ventrobasal). A partir desse ponto, os neurônios talâmicos projetam-se para o córtex somatossensorial primário (SI).
Esse sistema é utilizado principalmente para a localização de estímulos dolorosos.
O sistema paleoespinotalâmico pode transmitir a percepção de dor lenta crônica. Do ponto de vista
filogenético, a via paleoespinotalâmica é a mais antiga das duas vias da dor. Os axônios das células na lâmina V, à
semelhança daqueles da lâmina I, cruzam a linha média próximo ao seu nível de origem e ascendem no sistema
anterolateral. Os axônios das células da lâmina V terminam quase exclusivamente no tronco encefálico, e não no
tálamo. No tronco encefálico, essas fibras alcançam a formação reticular, o colículo superior e a substância cinzenta
periaquedutal. Um sistema de fibras ascendentes, principalmente a partir da formação reticular, segue em direção
rostral para os núcleos intralaminares e os núcleos posteriores do tálamo, bem como para regiões do hipotálamo. Os
sinais de dor transmitidos ao longo dessa via normalmente são localizados apenas em uma grande parte do corpo. Por
exemplo, se o estímulo se origina na mão esquerda, ele pode ser localizado “em alguma parte” do membro superior
esquerdo:

O papel do córtex SI na percepção da dor não está totalmente esclarecido. A remoção completa do córtex SI não
elimina a percepção da dor. Entretanto, essas lesões interferem na capacidade de interpretar a qualidade da dor e de
determinar a sua localização precisa
O fato de que as áreas reticulares do tronco encefálico e os núcleos talâmicos intralaminares, que recebem impulsos
da via paleoespinotalâmica, fazem parte do sistema ativador ou de alerta do tronco encefálico pode explicar por que
os indivíduos com síndromes de dor lenta crônica têm dificuldade para dormir.

SISTEMA DE SUPRESSÃO DA DOR (ANALGESIA) NO ENCÉFALO E NA MEDULA ESPINHAL

O grau com que diferentes indivíduos reagem a estímulos dolorosos é altamente variável, em grande parte devido ao
mecanismo de supressão da dor (analgesia), que reside no sistema nervoso central. Esse sistema de supressão da dor
é constituído de três componentes principais:

A substância cinzenta periaquedutal do mesencéfalo e da parte rostral da ponte recebe impulsos das vias ascendentes
da dor, além de projeções descendentes do hipotálamo e de outras regiões do prosencéfalo
O núcleo magno da rafe (serotonina) e o núcleo reticular paragigantocelular (noradrenalina) no bulbo recebem
impulsos da substância cinzenta periaquedutal e projetam-se para os neurônios na coluna posterior da medula
espinhal
Na coluna posterior, os interneurônios secretores de encefalina recebem impulsos de vias serotoninérgicas
descendentes dos axônios do núcleo magno da rafe, e estes últimos estabelecem contato sináptico direto com as
fibras de dor, causando a inibição tanto pré-sináptica quanto pós-sináptica do sinal de entrada. Acredita-se que esse
efeito seja mediado pelo bloqueio dos canais de cálcio na membrana da fibra sensitiva terminal.

Sistema opioide do encéfalo: endorfinas e encefalinas


Os neurônios na substância cinzenta periaquedutal e no núcleo magno da rafe (mas não nos neurônios reticulares
bulbares noradrenérgicos) têm receptores de opiáceos em suas membranas de superfície. Quando estimulados por
compostos opioides (analgésicos) administrados de modo exógeno ou por agentes neurotransmissores opioides
endógenos (endorfinas e encefalinas) encontrados no encéfalo, o circuito supressor da dor é ativado, levando à
redução da percepção da dor.

Inibição da transmissão da dor por sinais sensoriais táteis simultâneos


A ativação de grandes fibras sensoriais táteis de condução rápida das raízes posteriores parece suprimir a transmissão
dos sinais de dor na coluna posterior, provavelmente por meio de circuitos inibitórios laterais. Embora esses circuitos
não estejam bem elucidados, isso provavelmente explica por que o alívio da dor é obtido pela acupuntura ou
simplesmente esfregando-se a pele na área de um estímulo doloroso.

Tratamento da dor por meio de estimulação elétrica


Os eletrodos estimuladores, quando implantados nas colunas posteriores da medula espinhal ou posicionados
estereotaxicamente no tálamo ou na substância cinzenta periaquedutal, têm sido utilizados para reduzir a dor crônica.
O nível de estimulação pode ser regulado para cima ou para baixo pelo paciente para controlar mais efetivamente a
supressão da dor.

Dor referida
Em geral, a dor referida origina-se de sinais em órgãos ou tecidos internos (viscerais). As fibras de dor de alguns
tecidos viscerais fazem sinapse com neurônios da medula espinhal, que também recebem estímulos de dor de áreas
cutâneas. Por exemplo, a dor da parede do ventrículo esquerdo do coração é referida para a superfície do lado
esquerdo da mandíbula e do pescoço ou do braço esquerdo, onde o paciente acredita que a dor se origina. A dor
referida implica que os sinais aferentes viscerais provenientes do coração convergem para os mesmos neurônios da
medula espinhal que recebem impulsos cutâneos da periferia (a convergência também pode ocorrer no tálamo).

Algumas anormalidades clínicas da dor e outras sensações somáticas

A hiperalgesia descreve uma sensibilidade excessiva a estímulos dolorosos. O dano tecidual local ou a liberação
local de determinadas substâncias químicas podem reduzir o limiar para a ativação dos receptores de dor e a geração
subsequente de sinais dolorosos
A interrupção do suprimento sanguíneo ou o dano ao tálamo ventrobasal (região somatossensorial) podem causar a
síndrome talâmica. Inicialmente, caracteriza-se por perda de todas as sensações na superfície contralateral do corpo.
A sensibilidade pode retornar depois de algumas semanas a meses, porém as sensações são mal localizadas e quase
sempre dolorosas. Por fim, alcança-se um estado em que até mesmo uma estimulação mínima da pele pode levar a
sensações extremamente dolorosas, conhecidas como hiperpatia
O herpes‑zóster (cobreiro), uma infecção viral de um gânglio da raiz dorsal ou de um gânglio sensitivo de um nervo
craniano, pode provocar dor segmentar e exantema cutâneo intenso na área suprida pelo gânglio afetado
Pode ocorrer dor lancinante intensa na distribuição cutânea de um dos três ramos principais do nervo trigêmeo (ou do
nervo glossofaríngeo); essa condição é denominada tique doloroso ou neuralgia do trigêmeo (ou neuralgia do
glossofaríngeo). Em alguns casos, é causada por um vaso sanguíneo que comprime a superfície do nervo trigêmeo na
cavidade craniana; com frequência, pode ser corrigida por meio de cirurgia
A síndrome de Brown‑Séquard é causada por dano extenso à metade direita ou esquerda da medula espinhal, como
ocorre na hemissecção. Em consequência, ocorre um conjunto característico de déficits somatossensoriais. A
transecção do sistema anterolateral resulta em perda da sensação de dor e de temperatura no lado contralateral, que
normalmente se inicia um ou dois segmentos caudais no nível da lesão. No lado ipsilateral da lesão, as sensações da
coluna dorsal são perdidas, iniciando-se aproximadamente no nível da lesão e estendendo-se por todos os níveis
caudalmente à lesão. Se a lesão afetar vários segmentos da medula espinhal, pode ocorrer perda ipsilateral de todas
as sensações nos dermátomos que correspondem à localização da lesão espinhal. Naturalmente, esses pacientes
também apresentam déficits motores.

CEFALEIA

Pode ocorrer cefaleia quando a dor de estruturas mais profundas é referida à superfície da
cabeça. Na cefaleia, a origem dos estímulos de dor pode ser intracraniana ou extracraniana; neste capítulo, iremos
nos concentrar nas origens intracranianas. O encéfalo, em si, é insensível à dor. Entretanto, a dura-máter e as bainhas
dos nervos cranianos contêm receptores de dor que transmitem sinais, que seguem o seu percurso com os nervos
cranianos X e XII e entram na medula espinhal nos níveis C2 e C3. Quando ocorrem danos às estruturas
somatossensoriais, o paciente experimenta a sensação de formigamento ou alfinetadas e agulhadas. Conforme
descrito anteriormente, as exceções são o tique doloroso e a síndrome da dor talâmica.
Cefaleia de origem intracraniana. A pressão exercida sobre os seios venosos e o estiramento da dura-máter
ou dos vasos sanguíneos e nervos cranianos que passam através da dura-máter resultam em cefaleia. Quando as
estruturas acima da tenda do cerebelo são afetadas, a dor é referida para a parte frontal da cabeça, ao passo que o
comprometimento de estruturas subtentoriais resulta em cefaleia occipital.
A inflamação das meninges normalmente produz dor que afeta toda a cabeça. De modo semelhante, se um
pequeno volume de líquido cefalorraquidiano for removido (de apenas 20 ml) e o paciente não estiver em decúbito, a
gravidade provoca o “afundamento” do cérebro, o que leva ao estiramento das meninges, dos vasos e dos nervos
cranianos, resultando em cefaleia difusa. Acredita-se que a cefaleia que ocorre após o consumo excessivo de álcool
seja decorrente da irritação tóxica direta do álcool e seus produtos de oxidação sobre as meninges.
Acredita-se que a cefaleia da enxaqueca resulte de fenômenos vasculares, embora o mecanismo envolvido não
seja bem compreendido. As emoções desagradáveis ou a ansiedade, quando prolongadas, podem causar espasmos
das artérias cerebrais, o que pode resultar em dor induzida por isquemia. Nos casos de espasmo e isquemia
prolongados, a parede muscular do vaso afetado pode perder a sua capacidade de manter o tônus normal. A pulsação
do sangue circulante distende (dilata) e relaxa alternadamente a parede do vaso, o que estimula os receptores de dor
na parede vascular ou nas meninges, que circundam os pontos de entrada dos vasos no cérebro ou no crânio. O
resultado é uma cefaleia intensa.

Cefaleia de origem extracraniana


A tensão emocional pode causar a espasticidade dos músculos da cabeça, em particular aqueles inseridos no couro
cabeludo e no pescoço, com irritação das áreas de inserção. A irritação das estruturas nasais e acessórias do nariz
pode levar à cefaleia sinusal. A dificuldade de focar os olhos pode levar à contração excessiva do músculo ciliar e
dos músculos da face, como, por exemplo, quando uma pessoa aperta os olhos para aguçar o foco em um objeto.
Essa contração pode resultar em dor ocular e facial, comumente conhecida como cefaleia por fadiga ocular.

SENSAÇÕES TÉRMICAS

Termorreceptores e sua estimulação

Os receptores da dor são estimulados apenas por graus extremos de frio ou de calor. Nesse caso, a sensação
percebida é de dor, e não de temperatura
Acredita-se que os receptores de calor sejam terminações nervosas livres, visto que os sinais de calor são
transmitidos por meio de fibras sensoriais do tipo C
O receptor de frio foi identificado como uma pequena terminação nervosa, cujas extremidades se projetam na face
basal das células epidérmicas basais. Os sinais desses receptores são transmitidos por meio de fibras sensoriais do
tipo Aδ. Existem 3 a 10 vezes mais receptores de frio do que receptores de calor.

Ativação dos receptores de frio e de calor por temperaturas na faixa de 7 a 50°C


As temperaturas abaixo de 7°C e acima de 50°C ativam os receptores da dor; os dois extremos são percebidos como
dor, e não como frio ou calor. O pico de temperatura para a ativação dos receptores de frio é de cerca de 24°C, e
ocorre ativação máxima dos receptores de calor em cerca de 45°C. Tanto os receptores de frio quanto os receptores
de calor podem ser estimulados com temperaturas na faixa de 31 a 43°C.
Quando o receptor de frio é submetido a uma diminuição abrupta da temperatura, ele é, no início, fortemente
estimulado. Em seguida, após os primeiros segundos, a geração de potenciais de ação cai de maneira drástica.
Entretanto, a diminuição dos disparos progride mais lentamente durante os próximos 30 minutos ou mais, o que
indica que os receptores de frio e de calor respondem à temperatura no estado estável, bem como a mudanças na
temperatura. Isso explica por que uma temperatura externa fria é percebida muito mais fria a princípio quando a
pessoa sai de um ambiente quente.
Acredita-se que o mecanismo estimulador dos termorreceptores resulte de alterações induzidas pela temperatura
na taxa metabólica da fibra nervosa. Para cada 10°C de mudança na temperatura, ocorre uma mudança aproximada
de duas vezes na taxa de reações químicas intracelulares.
A densidade dos termorreceptores na superfície da pele é relativamente pequena. Por conseguinte, as mudanças
de temperatura que afetam apenas uma pequena área de superfície não são detectadas tão efetivamente quanto as
mudanças de temperatura que afetam uma grande área da pele. Se todo o corpo for estimulado, uma mudança de
temperatura pequena, de apenas 0,01°C, pode ser detectada. Os sinais térmicos são transmitidos por meio do sistema
nervoso central paralelamente com os sinais de dor.
PARTE 10

Sistema Nervoso: B. Os Órgãos Especiais dos Sentidos

Capítulo 50 O Olho: I. Óptica da Visão

Capítulo 51 O Olho: II. Funções Receptora e Neural da Retina

Capítulo 52 O Olho: III. Neurofisiologia Central da Visão

Capítulo 53 O Sentido da Audição

Capítulo 54 Os Sentidos Químicos: Gustação e Olfação


CAPÍTULO 50

O Olho: I. Óptica da Visão

PRINCÍPIOS FÍSICOS DA ÓPTICA

A luz atravessa objetos transparentes a uma velocidade mais lenta do que a do ar. O índice de refração de uma
substância transparente é a relação entre a velocidade da luz no ar e a sua velocidade através do material transparente
A direção de propagação da luz é sempre perpendicular ao plano da frente de onda. Quando uma onda luminosa
passa através de uma superfície angulada, ela é inclinada (refratada), formando um certo ângulo se os índices de
refração dos dois meios forem diferentes. O grau de refração depende do índice de refração do material que atua
como barreira e do ângulo de incidência da luz.

Aplicação dos princípios refrativos às lentes

Uma lente convexa focaliza os raios de luz. Os raios de luz que atravessam o perímetro da lente se curvam (são
refratados) em direção aos que passam através da região central (tornando-os perpendiculares à frente de onda). Os
raios de luz convergem
Uma lente côncava diverge os raios de luz. No perímetro da lente, as ondas de luz são refratadas, de modo que o seu
trajeto se torna perpendicular à frente de onda ou à interface e se curvam, afastando-se das que passam através da
região central.
Isso é denominado divergência
A distância focal de uma lente é a distância além da lente convexa em que os raios de luz paralelos convergem para
um único ponto
Cada fonte de luz pontual à frente de uma lente convexa é focalizada no lado oposto da lente, alinhada com o centro
dela; isto é, o objeto parece estar de cabeça para baixo e invertido da esquerda para a direita
Uma lente com maior potência refrativa causa maior desvio dos raios de luz. A unidade de medida da potência
refrativa é a dioptria. Uma lente esférica (ou convexa) que converge raios de luz paralelos até um ponto situado a 1
m além da lente tem uma potência refrativa de +1 dioptria, ao passo que uma lente com uma potência refrativa de +2
dioptria focaliza a luz em 0,5 m.

ÓPTICA DO OLHO

O olho é opticamente semelhante a uma câmera fotográfica. Ele tem uma lente (cristalino), uma abertura variável (a
pupila) e uma retina, que corresponde ao filme. O sistema de lentes do olho focaliza uma imagem invertida e de
cabeça para baixo na retina. Entretanto, percebemos a imagem de cabeça para cima porque o cérebro foi treinado
para considerar uma imagem invertida como normal.
A acomodação é uma mudança da forma do cristalino que possibilita que o olho focalize um
objeto próximo. Quando se desloca o olhar de um objeto distante para um objeto próximo, o processo de
acomodação envolve as seguintes mudanças: (1) o cristalino torna-se mais convexo; (2) ocorre o estreitamento do
diâmetro da pupila; e (3) ocorre a adução (convergência) dos dois olhos. Quando o cristalino está em um estado
relaxado, sem nenhuma tensão exercida sobre as bordas de sua cápsula, ele assume uma forma quase esférica, em
virtude de suas próprias propriedades elásticas intrínsecas. Quando as fibras não elásticas da zônula fixadas ao
perímetro do cristalino são esticadas e tracionadas radialmente pela sua fixação ao músculo ciliar inativo, o cristalino
é relativamente plano ou menos convexo. Quando o músculo ciliar é ativado por fibras parassimpáticas pós-
ganglionares no nervo oculomotor, as fibras circulares do músculo ciliar se contraem, produzindo uma ação
semelhante a um esfíncter, que relaxa a tensão sobre as fibras da zônula e permite que o cristalino se torne mais
convexo, em virtude de sua própria elasticidade inerente. Isso aumenta a sua capacidade de refração e permite ao
olho focalizar objetos próximos. Ao mesmo tempo, o músculo esfíncter da pupila é ativado, a pupila se contrai e os
dois olhos são desviados medialmente.
A presbiopia é a perda da acomodação pelo cristalino. À medida que um indivíduo envelhece, o
cristalino começa a perder as suas propriedades elásticas intrínsecas, torna-se menos responsivo e tem menor
capacidade de focalizar objetos próximos. Essa condição (presbiopia) é corrigida com o uso de óculos de leitura
destinados a aumentar objetos próximos com bifocais, em que uma das lentes (parte superior) se destina a melhorar a
visão a distância, ao passo que a segunda lente (parte inferior) tem maior capacidade de refração para melhorar a
visão de perto.
O diâmetro da pupila (íris) também é um fator na acomodação. A maior profundidade de foco possível
ocorre quando a pupila está extremamente pequena. O ato de semicerrar os olhos reduz a abertura da pupila e
melhora a nitidez da imagem; com uma abertura muito pequena, quase todos os raios de luz atravessam o centro do
cristalino, e os raios mais centrais estão sempre em foco.

Erros de refração

A emetropia refere-se ao olho normal. Quando o músculo ciliar está completamente relaxado, todos os objetos
distantes estão em foco nítido na retina
A hipermetropia, também conhecida como “hiperopia”, é causada por um bulbo do olho (globo ocular) muito curto,
de frente para trás, ou por um sistema de lentes muito fraco, que faz os raios de luz focalizarem atrás da retina. Essa
condição é corrigida por meio de uma lente convexa
A miopia, também conhecida como “visão curta”, deve-se ao alongamento anteroposterior do bulbo do olho ou à
potência refrativa excessiva do sistema de lentes do olho, que faz os raios de luz focalizarem a frente da retina. Essa
condição é corrigida por meio de uma lente côncava, que diminui a refração ao produzir divergência dos raios de luz
incidentes
O astigmatismo é causado por diferenças substanciais na curvatura em distintos planos através do olho. Por exemplo,
a curvatura no plano vertical através do olho pode ser muito menor do que a curvatura através de um plano
horizontal. Em consequência, os raios de luz provenientes de diversas direções que entram no olho são focalizados
em diferentes pontos. Essa condição exige uma lente cilíndrica para a sua correção. Sem o auxílio de óculos, a
pessoa com astigmatismo nunca enxerga com foco nítido
O ceratocone é uma condição que resulta de uma córnea de formato incomum, com abaulamento proeminente em
um dos lados, que causa um grave problema de refração, que não pode ser corrigido pelo uso de uma única lente. A
melhor solução é uma lente de contato que adira à superfície da córnea. Essa lente é moldada para compensar o
abaulamento na córnea, de modo que a superfície anterior da lente de contato se torne uma superfície refrativa mais
uniforme e efetiva
A catarata é causada pela opacidade que se forma em uma parte do cristalino. O tratamento de escolha consiste em
substituir o cristalino por uma lente artificial implantada.

A acuidade visual é máxima no interior da região da fóvea da retina


A fóvea é composta inteiramente de cones fotorreceptores, tendo, cada um deles, um diâmetro de cerca de 1,5 µm.
Nos seres humanos, a acuidade visual normal permite a discriminação de dois pontos de luz como distintos quando
separados por pelo menos 25 segundos de arco na retina.
Normalmente, a fóvea tem menos de 0,5 mm de diâmetro, o que indica que a acuidade máxima ocorre em menos
de 2 graus do campo visual. A redução da acuidade fora da região da fóvea deve-se, em parte, à presença de
bastonetes fotorreceptores misturados com cones e à ligação de alguns bastonetes e cones às mesmas células
ganglionares.
O quadro para examinar a acuidade visual é geralmente colocado a uma distância de aproximadamente 6 m do
indivíduo. Se as letras de determinado tamanho forem reconhecidas a uma distância de 6 m, diz-se que a pessoa tem
uma visão 6/6. Se o indivíduo só consegue enxergar letras a uma distância de 6 m, que deveriam ser visíveis a uma
distância de até 60 m, o indivíduo tem uma visão 6/60.

Determinação da distância entre um objeto e o olho: “percepção de profundidade”


O conhecimento do tamanho de um objeto permite ao cérebro calcular a sua distância em relação ao olho. Se um
indivíduo olha um objeto distante sem mover os olhos, nenhuma paralaxe de movimento é aparente. Todavia, se a
cabeça for movida de um lado para o outro, os objetos próximos se movem rapidamente em toda a retina, ao passo
que os objetos distantes se movem muito pouco ou não se movem.
A visão binocular também ajuda a determinar a distância de um objeto. Como os olhos normalmente estão
afastados entre si por uma distância de cerca de 5 cm, um objeto colocado à frente da ponte do nariz a uma distância
de 2,5 cm é visto por uma pequena parte da retina periférica de ambos os olhos. Em contrapartida, a imagem de um
objeto a uma distância de 6 m cai em pontos estreitamente correspondentes no meio de cada retina. Esse tipo de
paralaxe binocular (estereopsia) proporciona a capacidade de avaliar acuradamente distâncias a partir dos olhos.

Sistema de líquidos do olho: líquido intraocular

O humor vítreo situa-se entre o cristalino e a retina e é mais gelatinoso do que o líquido. As substâncias podem se
difundir através do humor aquoso, porém esse líquido tem pouco movimento ou fluxo
O humor aquoso é um líquido aquoso secretado pelo revestimento epitelial dos processos ciliares no corpo ciliar, a
uma taxa de 2 a 3 µl/min. Esse líquido migra entre os ligamentos de sustentação do cristalino e através da pupila para
dentro da câmara anterior do olho (entre o cristalino e a córnea). A partir desse local, o líquido flui para o ângulo
entre a córnea e a íris e, em seguida, por meio de uma rede trabecular para entrar no canal de Schlemm, que
desemboca diretamente nas veias extraoculares.

A pressão intraocular é normalmente de cerca de 15 mmHg, com faixa de 12 a 20 mmHg. Pode-se utilizar um
tonômetro para medir a pressão intraocular. Esse aparelho consiste em uma pequena plataforma, que é posicionada
sobre a córnea anestesiada.
Aplica-se uma pequena força à plataforma, que desloca a córnea para dentro. A distância do deslocamento para
dentro é calibrada em termos de pressão intraocular.
O glaucoma é uma condição em que a pressão intraocular pode alcançar níveis perigosamente altos (na faixa de
60 a 70 mmHg). À medida que a pressão aumenta acima de 20 a 30 mmHg, os axônios das células ganglionares da
retina que formam o nervo óptico são comprimidos; isso limita o fluxo axonal, causando, às vezes, uma lesão
permanente do neurônio. A compressão da artéria central da retina também pode levar à morte neuronal na retina. O
glaucoma pode ser tratado com colírios que reduzem a secreção de humor aquoso ou que aumentam a sua absorção.
Se a terapia farmacológica falhar, são realizados procedimentos cirúrgicos para abrir os espaços trabeculares ou para
drenar a rede trabecular diretamente nos espaços subconjuntivais, fora do bulbo do olho.
CAPÍTULO 51

O Olho: II. Funções Receptora e Neural da Retina

ANATOMIA E FUNÇÃO DOS ELEMENTOS ESTRUTURAIS DA RETINA

A retina é composta de dez camadas ou divisões. As camadas da retina estão listadas a seguir em
sequência, iniciando pela camada mais externa (i. e., a mais distante do centro do bulbo do olho; Figura 51.1):

1. Camada pigmentar
2. Camada fotorreceptora de bastonetes e cones
3. Membrana limitante externa
4. Camada nuclear externa contendo os corpos celulares dos bastonetes e dos cones
5. Camada plexiforme externa
6. Camada nuclear interna
7. Camada plexiforme interna
8. Camada ganglionar
9. Camada de fibras do nervo óptico
10. Membrana limitante interna.

Quando a luz atravessa o sistema de lentes do olho, ela primeiro encontra a membrana limitante interna, as fibras
do nervo óptico e a camada de células ganglionares; em seguida, ela continua através das camadas restantes para
alcançar os bastonetes e os cones. A fóvea é uma região especializada de cerca de 1 mm2 na região central da retina.
No centro da fóvea, existe uma área de 0,3 mm de diâmetro, denominada fóvea central, que é a região de acuidade
visual máxima; ela contém apenas cones. Além disso, a fibras do nervo óptico e os vasos sanguíneos subjacentes são
deslocados lateralmente para expor melhor os cones à luz que chega.
Bastonetes e cones são componentes essenciais dos fotorreceptores. Cada fotorreceptor consiste em:
(1) um segmento externo, (2) um segmento interno, (3) uma região nuclear e (4) um corpo sináptico ou terminal
sináptico. Os receptores são denominados bastonetes ou cones, com base no seu formato (Figura 51.1).
A rodopsina, o fotopigmento sensível à luz, é encontrada no segmento externo dos bastonetes, e um pigmento
semelhante sensível a cores, denominado fotopsina ou pigmento dos cones, é encontrado no segmento externo dos
cones. Esses fotopigmentos são proteínas incorporadas a um conjunto empilhado de discos membranosos no
segmento externo do receptor; eles representam invaginações da membrana celular externa do fotorreceptor. Os
segmentos internos dos bastonetes e dos cones são semelhantes e contêm os componentes citoplasmáticos e as
organelas comuns a outros corpos celulares neuronais. Os núcleos dos fotorreceptores individuais são contínuos com
seu próprio segmento interno, porém a membrana limitante externa da retina forma uma separação ou divisão
incompleta entre a camada dos segmentos internos e a camada dos núcleos dos fotorreceptores (a camada nuclear
externa).
O corpo sináptico contém mitocôndrias, vesículas sinápticas e outras estruturas que são normalmente
encontradas nos terminais axonais no cérebro. O pigmento preto, a melanina, reduz o reflexo da luz por todo o bulbo
do olho. A importância desse pigmento é mais bem ilustrada pela sua ausência em indivíduos com albinismo, que
raramente apresentam acuidade visual superior a 6/30. A camada pigmentar também armazena grandes quantidades
de vitamina A, que é utilizada na síntese de pigmentos visuais.
Figura 51.1 Camadas da retina.

A artéria central da retina e a coroide fornecem o suprimento sanguíneo da retina. A artéria


central da retina fornece o suprimento sanguíneo apenas para as camadas mais internas da retina (axônios das células
ganglionares até a camada nuclear interna). As camadas mais externas da retina recebem o seu suprimento sanguíneo
por meio de difusão a partir da coroide altamente vascularizada, que está situada entre a esclera e a retina.
Quando uma pessoa sofre descolamento da retina, surge uma linha de separação entre a retina neural e o epitélio
pigmentar. Devido ao suprimento sanguíneo independente das camadas internas da retina por meio da artéria central
da retina, a retina pode sobreviver por vários dias e resistir à degeneração funcional se for cirurgicamente recolocada
em sua relação normal com o epitélio pigmentar.

FOTOQUÍMICA DA VISÃO

Ciclo visual rodopsina‑retinal e excitação dos bastonetes


Rodopsina e sua decomposição pela energia luminosa. O fotopigmento dos bastonetes, a rodopsina
(púrpura visual), está concentrado na porção do segmento externo que se projeta na camada pigmentar. A rodopsina
é uma combinação da proteína escotopsina e do pigmento carotenoide, o retinal ou, mais especificamente, o 11-cis
retinal. Quando a energia luminosa é absorvida pela rodopsina, a porção retinal é transformada na configuração todo-
trans (all‑trans), e os componentes retinal e escotopsina começam a se separar. Em uma série de reações que
ocorrem com extrema velocidade, o componente retinal é convertido em lumirrodopsina, metarrodopsina I,
metarrodopsina II e, por fim, escotopsina; em seguida, ocorre a clivagem do todo-trans retinal. Durante esse
processo, acredita-se que a metarrodopsina II induza alterações elétricas na membrana dos bastonetes, que levam à
transmissão subsequente do impulso através da retina.
Neoformação de rodopsina. Durante o primeiro estágio da neoformação da rodopsina, o todo-trans retinal é
convertido na configuração 11-cis, que, em seguida, combina-se imediatamente com a escotopsina para formar
rodopsina. Uma segunda via para a formação de rodopsina envolve a conversão do todo-trans retinal em todo-trans
retinol, uma forma de vitamina A. O retinol é convertido enzimaticamente em 11-cis retinol e, em seguida, em 11-cis
retinal, que se combina com a escotopsina para formar rodopsina. Se houver um excesso de retinal na retina, ele é
convertido em vitamina A, reduzindo, assim, a quantidade total de rodopsina. A cegueira noturna ocorre em
indivíduos com deficiência de vitamina A, visto que os bastonetes são os fotorreceptores que são utilizados ao
máximo em condições de pouca luminosidade, e causa a redução drástica da formação de rodopsina, devido à
ausência de vitamina A. Às vezes, essa condição pode ser revertida em 1 hora ou menos com uma injeção
intravenosa de vitamina A.

Excitação do bastonete quando a rodopsina é ativada pela luz


Os bastonetes são fotorreceptores que se comportam de modo bastante diferente dos outros elementos receptores
neurais. No escuro (na ausência de fotoestimulação), as membranas dos segmentos externos dos bastonetes são
permeáveis ao sódio, isto é, os íons sódio entram no segmento externo e alteram o seu potencial de membrana de um
nível típico de −70 a −80 mV, observado nos receptores sensoriais, para um valor mais positivo, de −40 mV. Isso é
conhecido como corrente de sódio ou corrente de escuro; isso faz uma pequena quantidade de transmissor ser
liberada no escuro. Quando a luz atinge o segmento externo do bastonete, as moléculas de rodopsina sofrem uma
série de reações, descritas anteriormente, o que diminui a condutância do sódio no segmento externo e reduz a
corrente de escuro. Alguns íons sódio continuam a ser bombeados para fora através da membrana celular, tornando o
interior hiperpolarizado e interrompendo o fluxo de transmissor.
Quando a luz atinge um fotorreceptor, a hiperpolarização transitória nos bastonetes alcança um pico em cerca de
0,3 segundo e dura mais de 1 segundo. A magnitude do potencial receptor é proporcional ao logaritmo da
intensidade da luz, o que tem grande significado funcional, visto que permite ao olho discriminar a intensidade da luz
dentro de uma faixa milhares de vezes maior do que seria possível de outro modo. Isso é o resultado de uma cascata
química extremamente sensível, que amplifica os efeitos estimuladores em cerca de 1 milhão de vezes, da seguinte
maneira: a rodopsina ativada (metarrodopsina II) atua como uma enzima para ativar muitas moléculas de
transducina, proteína que também é encontrada na membrana do segmento externo do disco. A transducina ativada
ativa a fosfodiesterase, enzima que hidrolisa imediatamente muitas moléculas de monofosfato de guanosina cíclico
(GMPc). A perda de monofosfato de guanosina cíclico resulta em fechamento de muitos canais de sódio, o que é
acompanhado por um potencial de membrana cada vez mais negativo (hiperpolarizado). Em cerca de 1 segundo, a
metarrodopsina II é inativada, e toda a cascata é revertida: o potencial de membrana torna-se mais despolarizado à
medida que os canais de sódio são reabertos, e, mais uma vez, o sódio entra no segmento externo com o
restabelecimento da corrente de escuro. Os cones são fotorreceptores que se comportam de maneira semelhante,
porém o fator de amplificação é 30 a 300 vezes menor que o dos bastonetes.

Fotoquímica da visão em cores: o papel dos cones


À semelhança dos bastonetes, o processo de transdução fotoquímica nos cones envolve uma opsina e um retinal. Nos
cones, a opsina é denominada fotopsina, que tem uma composição química diferente daquela da rodopsina, ao passo
que o componente retinal é exatamente o mesmo dos bastonetes. Existem três tipos de cones, e cada um deles se
caracteriza por um fotopsina diferente, que apresenta sensibilidade máxima a determinado comprimento de onda da
luz na porção azul, verde ou vermelha do espectro luminoso.

Adaptação à luz e à escuridão


Se forem expostas à luz brilhante por vários minutos, grandes proporções das substâncias fotoquímicas dos
bastonetes e dos cones serão esgotadas, e uma grande parte do retinal será convertida em vitamina A, o que reduz a
sensibilidade global à luz (processo denominado adaptação à luz). Em contrapartida, quando uma pessoa permanece
na escuridão por vários minutos, a opsina e o retinal são convertidos de volta em pigmentos sensíveis à luz. Além
disso, a vitamina A é convertida em retinal, proporcionando ainda mais pigmento fotossensível (processo
denominado adaptação ao escuro). Este último processo ocorre cerca de quatro vezes mais rapidamente nos cones
do que nos bastonetes, porém os cones exibem menor mudança de sensibilidade no escuro. A adaptação dos cones
cessa após apenas alguns minutos, ao passo que os bastonetes, de adaptação mais lenta, continuam a se adaptar por
minutos a horas, e a sua sensibilidade aumenta ao longo de uma ampla faixa.
A adaptação também pode ocorrer por meio de mudanças no tamanho da pupila. O tamanho das pupilas pode se
alterar 30 vezes em uma fração de segundo. A adaptação neural também pode ocorrer nos circuitos existentes dentro
da retina e do cérebro. Se a intensidade da luz aumentar, a transmissão das células bipolares para as células
horizontais, as células amácrinas e as células ganglionares também pode aumentar. Embora esta última forma de
adaptação seja menos substancial do que as alterações pupilares, a adaptação neural, assim como a adaptação pupilar,
ocorre rapidamente.
O valor dos processos de adaptação à luz e ao escuro é que eles proporcionam ao olho a capacidade de alterar a
sua sensibilidade em 500 mil vezes até 1 milhão de vezes. Essa capacidade pode ser apreciada quando, vindo de um
ambiente muito iluminado, entra-se em um cômodo escuro. A sensibilidade da retina é baixa, uma vez que ela está
adaptada à luz, e pouco pode ser visto no cômodo escuro. À medida que a adaptação ao escuro progride, a visão no
escuro melhora. Estima-se que a intensidade da luz solar seja 10 bilhões de vezes maior do que a intensidade da luz
em uma noite estrelada; contudo, o olho pode funcionar em certo grau nas duas condições, em virtude de sua enorme
faixa de adaptação.

VISÃO EM CORES

Mecanismo tricromático de detecção de cores


A sensibilidade espectral dos três tipos de cones baseia-se nas curvas de detecção da luz para os três pigmentos do
cone. Todas as cores visíveis (exceto azul, verde e vermelho) são resultado da estimulação combinada de dois ou
mais tipos de cones. Em seguida, o sistema nervoso interpreta a relação de atividade dos três tipos como cor. A
estimulação igual de cones azuis, verdes e vermelhos é interpretada como luz branca.
A mudança da cor da luz que ilumina uma cena não altera substancialmente as tonalidades de cores. Esse
princípio é denominado constância de cores; acredita-se que o mecanismo resida no córtex visual primário.
Quando determinado tipo de cone está ausente na retina, algumas cores não podem ser distinguidas de outras. O
indivíduo que carece de cones vermelhos apresenta protanopia. O espectro geral é reduzido na extremidade do
comprimento de onda longo pela ausência de cones vermelhos. A cegueira para cores vermelho-verde é um defeito
genético em indivíduos do sexo masculino, transmitido pelas mulheres. Os genes no cromossomo X codificam os
respectivos cones. Esse defeito raramente ocorre em mulheres, visto que, com a presença de dois cromossomos X,
elas quase sempre têm uma cópia do gene.

FUNÇÃO NEURAL DA RETINA

Circuito neural da retina

Os fotorreceptores (bastonetes e cones) transmitem sinais para a camada plexiforme externa, onde fazem sinapse
com as células bipolares e as células horizontais
As células horizontais transmitem sinais horizontalmente dos bastonetes e dos cones para as células bipolares
As células bipolares transmitem sinais verticalmente dos bastonetes, dos cones e das células horizontais para a
camada plexiforme interna, onde fazem sinapse com as células ganglionares e as células amácrinas
As células amácrinas transmitem sinais em duas direções, diretamente a partir das células bipolares para as células
ganglionares ou horizontalmente dentro da camada plexiforme interna para outras células amácrinas
As células ganglionares transmitem sinais da retina através do nervo óptico para o cérebro.

Na fóvea, os sinais de um cone passam através de uma célula bipolar e, em seguida, para uma célula ganglionar.
O sinal é modificado por células horizontais, que transmitem sinais inibitórios lateralmente na camada plexiforme
externa, e por células amácrinas, que transmitem sinais lateralmente na camada plexiforme interna.
Mais perifericamente na retina, onde os bastonetes são mais abundantes, os sinais de vários fotorreceptores
podem convergir em um único neurônio bipolar, que pode ter impulsos eferentes apenas para uma célula amácrina,
que, em seguida, se projeta para uma célula ganglionar. Isso representa a via de visão pura dos bastonetes. As células
horizontais e as células amácrinas podem fornecer uma conectividade lateral.
Os neurotransmissores presentes na retina incluem o glutamato (utilizado pelos bastonetes e pelos cones) e o
ácido gama-aminobutírico, a glicina, a dopamina, a acetilcolina e as indolaminas (utilizados pelas células amácrinas.
Ainda não foi esclarecido qual transmissor é utilizado pelas células horizontais, bipolares ou interplexiformes.
Os sinais dos fotorreceptores para as células ganglionares são transmitidos por condução eletrotônica. A célula
ganglionar é o único neurônio da retina capaz de gerar um potencial de ação, o que assegura que os sinais na retina
reflitam de maneira acurada a intensidade da iluminação, além de conferir aos neurônios da retina maior flexibilidade
nas suas características de resposta.

Inibição lateral para aumentar o contraste visual: função das células horizontais
Os prolongamentos das células horizontais estabelecem uma conexão lateral com os terminais sinápticos dos
fotorreceptores e com os dendritos das células bipolares. Os fotorreceptores situados no centro de um feixe de luz são
estimulados ao máximo, ao passo que aqueles na periferia são inativados por células horizontais, que também são
ativadas pelo feixe de luz. Diz-se que a periferia é inibida, ao passo que a região central é excitada, o que constitui a
base para melhorar o contraste visual. As células amácrinas também podem contribuir para o aumento do contraste
por meio de suas projeções laterais na camada plexiforme interna.

Existem dois tipos de células bipolares


Algumas células bipolares se despolarizam quando seus bastonetes e cones associados são estimulados pela luz, ao
passo que outras se hiperpolarizam. Por conseguinte, metade das células bipolares pode transmitir sinais inibitórios,
ao passo que a outra metade pode transmitir sinais excitatórios; esse fenômeno pode proporcionar um segundo
mecanismo para a inibição lateral.

Células amácrinas e suas funções


Foram identificados aproximadamente 30 tipos de células amácrinas por métodos morfológicos ou histoquímicos. As
células amácrinas podem responder vigorosamente ao início de um estímulo visual, ao desaparecimento dele, a
ambos os estímulos ou a apenas um estímulo de movimento. Assim, as células amácrinas ajudam a analisar os sinais
visuais antes que eles saiam da retina.

Células ganglionares e fibras do nervo óptico


A retina contém cerca de 1,6 milhão de células ganglionares, 100 milhões de bastonetes e 3 milhões de cones; por
conseguinte, 60 bastonetes e 2 cones, em média, convergem para cada célula ganglionar da retina. Estudos iniciais
realizados em gatos descreveram três tipos de células ganglionares, designadas como células W, X e Y:

As células ganglionares tipo W (40%) têm um corpo celular de 10 µm de diâmetro e transmitem potenciais de ação a
uma velocidade de 8 m/s. Essas células recebem a maior parte de suas entradas dos bastonetes (por meio das células
bipolares e das células amácrinas) e exibem um campo dendrítico relativamente amplo. As células ganglionares tipo
W parecem ser particularmente sensíveis ao movimento no campo visual e são provavelmente responsáveis pela
visão pouco grosseira dos bastonetes em condições de baixa luminosidade
As células ganglionares tipo X (55%) têm um corpo celular com diâmetro de 10 a 15 µm e conduzem a uma
velocidade de cerca de 14 m/s. Essas células exibem campos dendríticos relativamente pequenos e, portanto,
representam locais distintos no campo visual. Cada célula X recebe aferência de pelo menos um cone, de modo que
essa classe de células é provavelmente responsável pela visão em cores
As células ganglionares tipo Y (5%) têm diâmetros de até 35 µm e conduzem a uma velocidade de cerca de 50 m/s.
A sua propagação dendrítica é ampla, e elas respondem rapidamente a mudanças na intensidade ou no movimento
em qualquer parte do campo visual, porém sem acurácia. Acredita-se que elas forneçam pistas apropriadas que fazem
os olhos se moverem em direção a estímulos visuais excitantes.

Células P e M. Em primatas, incluindo os seres humanos, utiliza-se uma classificação diferente das células
ganglionares da retina. As duas classes gerais de células ganglionares da retina que foram mais extensamente
estudadas são denominadas células magnocelulares (M) e parvocelulares (P). As células M e P em primatas
desempenham funções semelhantes às células Y e X, respectivamente, em gatos. As diferentes funções das células M
e P são discutidas no Capítulo 52.

Excitação das células ganglionares


Os axônios das células ganglionares formam as fibras do nervo óptico. Mesmo quando não são estimulados, eles
transmitem potenciais de ação com uma frequência entre 5 e 40 por segundo. Por conseguinte, os sinais visuais são
sobrepostos a esse nível basal de disparo.
Muitas células ganglionares são particularmente sensíveis a mudanças na intensidade da luz. Algumas células
respondem com aumento do disparo quando a intensidade da luz aumenta, ao passo que outras aumentam o seu
disparo quando a intensidade da luz diminui. Esses efeitos decorrem da presença de células bipolares despolarizantes
e hiperpolarizantes. A responsividade à flutuação da intensidade luminosa é igualmente bem desenvolvida nas
regiões periférica e da fóvea da retina.

Transmissão de sinais de cor pelas células ganglionares


Algumas células ganglionares são estimuladas por todos os três tipos de cones. Acredita-se que essas células
sinalizem a luz branca. Entretanto, a maioria das células ganglionares é estimulada pela luz de um comprimento de
onda e inibida por outra. Por exemplo, a luz vermelha pode excitar, ao passo que a luz verde pode inibir determinada
célula ganglionar; isso é denominado mecanismo de oposição de cores, e acredita-se que seja o processo utilizado
para diferenciar as cores. Como o substrato para esse processo está presente na retina, o reconhecimento e a
percepção de cores podem realmente começar na retina, no nível do elemento receptivo sensorial primário.
CAPÍTULO 52

O Olho: III. Neurofisiologia Central da Visão

VIAS VISUAIS

Os axônios das células ganglionares da retina formam o nervo óptico. Os axônios que se originam das metades nasais
das retinas cruzam no quiasma óptico e unem-se aos axônios das retinas temporais que passam através do quiasma
sem cruzar. Os axônios da retina, após passarem pelo quiasma óptico, continuam como trato óptico; a maioria
termina no núcleo geniculado dorsolateral. Os axônios dos neurônios geniculados prosseguem posteriormente como
radiações geniculocalcarinas (ópticas) e terminam no córtex visual primário (estriado).
Os axônios da retina estendem-se para outras regiões do cérebro, incluindo: (1) núcleo supraquiasmático do
hipotálamo, para controlar os ritmos circadianos; (2) núcleos pré‑tectais, para ativar o reflexo pupilar à luz; (3)
colículo superior, para controlar os movimentos oculares direcionais rápidos; e (4) núcleo geniculado ventrolateral,
presumivelmente para ajudar a controlar algumas funções comportamentais.

Função do núcleo geniculado dorsolateral do tálamo


O núcleo geniculado dorsolateral (NGDL) é uma estrutura laminada que consiste em seis camadas dispostas
concentricamente, localizadas na extremidade do tálamo. Os axônios da retina que terminam no NGDL surgem a
partir da retina nasal contralateral e da retina temporal ipsilateral, de modo que transmitem a informação ponto a
ponto a partir do campo visual contralateral. As fibras nasais contralaterais terminam nas camadas I, II e VI, ao passo
que as fibras temporais ipsilaterais terminam nas camadas II, III e V. A informação proveniente dos dois olhos
continua segregada no NGDL, assim como a aferência das células ganglionares da retina. As camadas I e II são
denominadas camadas magnocelulares, visto que elas contêm neurônios relativamente grandes e recebem a sua
aferência quase inteiramente das grandes células ganglionares retinianas tipo M (Figura 52.1). Essa via de condução
rápida não distingue cores, e a sua transmissão ponto a ponto é precária, visto que não há muitas células ganglionares
M e seus dendritos se espalham amplamente na retina. As camadas III a VI são denominadas camadas
parvocelulares, visto que elas contêm uma grande quantidade de neurônios relativamente pequenos, que recebem
suas aferências das células ganglionares retinianas tipo P (Figura 52.1); essas células transmitem informações em
cores e conduzem informação espacial acurada ponto a ponto. Assim, a informação proveniente da retina é
processada ao longo de pelo menos duas vias paralelas: (1) uma corrente dorsal, que transmite a informação dos
bastonetes e das grandes células ganglionares (M) que especificam as informações de localização e de movimento; e
(2) uma corrente ventral, que transmite informações sobre cor e formato dos cones e das pequenas células
ganglionares (P).

ORGANIZAÇÃO E FUNÇÃO DO CÓRTEX VISUAL

O córtex visual primário, ou área 17 de Brodmann, também é designado como V1. Ele está localizado na superfície
medial do hemisfério, revestindo ambas as paredes do sulco calcarino próximo ao polo occipital. O córtex visual
primário recebe aferência visual de cada olho e contém a representação de todo o campo visual contralateral. O
campo visual inferior está contido na margem superior do sulco calcarino, ao passo que o campo visual superior está
localizado na margem inferior. A porção macular da retina é representada posteriormente, próximo ao polo occipital,
e os sinais da retina mais periférica alcançam territórios mais anteriores.

Figura 52.1 Seis camadas do córtex visual primário. As conexões mostradas no lado
esquerdo da figura originam‑se nas camadas magnocelulares do núcleo geniculado
lateral (NGL) e transmitem sinais visuais em preto e branco de rápida variação. As vias
à direita originam‑se nas camadas parvocelulares (camadas III a VI) do NGL; elas
transmitem sinais que fornecem detalhes espaciais acurados, bem como cores.
Observe, em particular, as áreas do córtex visual denominadas blobs (grumos) de
cores, que são necessárias para a detecção de cor.

O córtex visual secundário (V2 a V5), também denominado áreas de associação visual, circunda a área visual
primária e corresponde às áreas 18 e 19 de Brodmann, bem como ao giro temporal médio e às áreas 7a e 37 de
Brodmann.
O córtex visual primário tem uma estrutura em camadas. À semelhança de todas as outras áreas do
neocórtex, o córtex visual primário é organizado em seis camadas de disposição horizontal. As fibras geniculadas
tipo M que entram terminam mais densamente em uma subdivisão da camada IV, denominada IVcα, ao passo que as
fibras tipo P terminam principalmente nas camadas IVa e IVcβ.
Existe, também, uma organização vertical em colunas em V1. Uma disposição vertical dos neurônios
com cerca de 50 µm de largura estende-se por toda a espessura do córtex, desde a superfície pial até a substância
branca subcortical subjacente. Quando os sinais talâmicos terminam na camada IV, os sinais são propagados por
circuitos locais ascendentes e descendentes na coluna.
Os blobs (grumos) de cores estão entremeados entre essas colunas. Os blobs de cores consistem em
agregados de neurônios, que respondem especificamente a sinais de cores mediados pelas colunas corticais
circundantes.
Os sinais visuais dos dois olhos permanecem segregados por meio de projeções do núcleo
geniculado dorsolateral até V1. As células em uma coluna vertical na camada IV respondem principalmente a
aferências de um olho, ao passo que os neurônios da próxima coluna adjacente são preferencialmente responsivos ao
outro olho; são as denominadas colunas de dominância ocular.

Duas vias principais para análise da informação visual


As ligações neuronais na via das células M seguem um fluxo mais dorsal a partir de V1 na área 18 (V2),
rostralmente adjacente, e, em seguida, para o córtex parietal. Essa via sinaliza o “local” do estímulo ao transmitir a
informação relativa à localização precisa da imagem visual no espaço, a forma grosseira da imagem e se ela está em
movimento.
Em contrapartida, uma via mais ventral, a partir de V1 para V2 adjacente, e o córtex de associação temporal
transmitem a informação da célula P necessária para a análise dos detalhes visuais. Esses sinais são utilizados para
reconhecer texturas, letras e palavras, junto à cor dos objetos; portanto, eles determinam “o que” o objeto é e o seu
significado.

PADRÕES NEURONAIS DE ESTIMULAÇÃO DURANTE A ANÁLISE DAS IMAGENS VISUAIS

O córtex visual detecta a orientação das linhas e margens. Conforme discutido anteriormente (ver Capítulo 51), uma
importante função do sistema visual envolve a detecção de contraste, particularmente dos limites formados por linhas
e bordas. Os neurônios na camada IV de V1, denominados células simples, apresentam uma sensibilidade máxima às
linhas ou bordas que estão alinhadas em uma orientação preferida.
Outras células em V1, denominadas células complexas, são sensíveis às linhas ou bordas com orientação
preferida, mas podem detectar se a linha está deslocada lateral ou verticalmente por uma distância definida.
Uma terceira classe de células, denominada células hipercomplexas, está localizada principalmente nas áreas de
associação visual. Essas células detectam linhas ou bordas que têm comprimento específico, formato angulado
específico ou alguma outra característica relativamente complexa.
Vários tipos de neurônios no córtex visual participam de alguns circuitos organizados em série, bem como vias
nas quais a informação é transmitida de forma paralela. Ambas as categorias de organização funcional são
importantes para a visão normal.

Detecção de cores
A cor é detectada por meio do contraste de cores. Com frequência, a cor é contrastada com a parte branca da cena,
que constitui a base para o conceito de constância de cores, discutida no Capítulo 51. O contraste de cores é
detectado por um processo oponente, em que certas cores excitam certos neurônios e inibem outros.
A remoção de V1 provoca perda da visão consciente. Os indivíduos com perda da visão consciente ainda
podem ser capazes de reagir, por ato reflexo, a mudanças na intensidade da luz, ao movimento na cena visual e a
padrões grosseiros de estímulos luminosos. Isso se deve principalmente à atividade dos centros visuais subcorticais,
como o colículo superior.

Campos visuais; perimetria


O campo de visão (i. e., a área observada por um olho) é dividido em parte nasal (medial) e parte temporal (lateral).
O processo de avaliação do campo visual de cada olho independente é denominado perimetria. O indivíduo focaliza
um único ponto no centro do campo visual, enquanto um segundo ponto pequeno é movimentado para dentro e para
fora do campo visual. O indivíduo identifica, então, a sua localização.
Existe um ponto cego na parte do campo visual ocupada pelo disco do nervo óptico. Um ponto cego em qualquer
outra parte do campo visual é denominado escotoma. Na retinite pigmentar, partes da retina sofrem degeneração, e o
pigmento melanina em excesso é depositado nessas áreas. Em geral, esse processo se inicia na retina periférica e, em
seguida, propaga-se para áreas centrais.

Movimentos oculares e seu controle


Para que uma cena visual seja interpretada corretamente, o cérebro precisa ser capaz de mover os olhos para a
posição, de modo a visualizar adequadamente a cena. O movimento dos olhos é executado por três pares de
músculos: (1) os músculos retos medial e lateral do bulbo do olho; (2) os músculos retos superior e inferior do bulbo
do olho; e (3) os músculos oblíquos superior e inferior do bulbo do olho. Os músculos retos medial e lateral
funcionam para movimentar os olhos de um lado para o outro. Os músculos retos superior e inferior contraem-se
para mover os olhos para cima e para baixo. Os músculos oblíquos funcionam principalmente para efetuar a rotação
do bulbo do olho, de modo a manter os campos visuais na posição vertical. Esses músculos são inervados por
motoneurônios nos núcleos dos terceiro, quarto e sexto nervos cranianos. A atividade desses motoneurônios é
influenciada por uma variedade de áreas do cérebro, incluindo células dos lobos frontal, parietal e occipital, bem
como a formação reticular do tronco encefálico, o colículo superior, o cerebelo e os núcleos vestibulares. São
consideradas três categorias gerais de movimentos oculares: os movimentos de fixação, o movimento sacádico e o
movimento de perseguição visual.
A fixação envolve movimentos dos olhos para focalizar determinada parte do campo visual na
fóvea. A fixação voluntária é controlada pelos campos visuais frontais, pela área 8 de Brodmann e por uma área no
lobo occipital, que representa uma parte do córtex visual secundário (área 19).
O movimento sacádico dos olhos é um mecanismo de pontos de fixação sucessivos. Quando os
olhos saltam rapidamente de um objeto para outro, cada salto é denominado sacada. Esses movimentos são rápidos,
e o cérebro suprime a imagem visual durante eles, de modo que, normalmente, não há consciência do movimento de
ponto a ponto.
Os movimentos de perseguição visual possibilitam a fixação dos olhos em um alvo móvel. O
sistema de controle dos movimentos de perseguição visual envolve a transmissão da informação visual para o
cerebelo por diversas vias. Em seguida, o cérebro calcula a trajetória do alvo e ativa os motoneurônios apropriados
para mover os olhos, de modo que o alvo seja mantido em foco na fóvea.
Os colículos superiores são principalmente responsáveis pela orientação dos olhos e da cabeça em direção a um
estímulo visual (ou auditivo). O campo visual é mapeado no colículo superior, independentemente de haver um mapa
semelhante no córtex visual. Acredita-se que essa atividade seja mediada principalmente pela aferência por meio das
células ganglionares da retina tipo M (e, talvez, por outras células). O colículo superior também dirige o movimento
da cabeça e do corpo em direção a um estímulo visual por meio de suas projeções descendentes no trato tetoespinhal.
Outras aferências sensitivas, como a audição e a somatossensação, são canalizadas por meio do colículo superior e
suas conexões descendentes, de modo que o colículo superior desempenha uma função de integração global em
relação à orientação dos olhos e do corpo em direção a vários pontos de estímulo.

CONTROLE AUTÔNOMO DA ACOMODAÇÃO E DA ABERTURA PUPILAR

As fibras parassimpáticas do olho originam-se no núcleo de Edinger‑Westphal e seguem o seu percurso através do
nervo oculomotor até o gânglio ciliar, onde as fibras pós-ganglionares se originam e se estendem até o olho por meio
dos nervos ciliares. As fibras simpáticas originam-se nas células da coluna intermediolateral da medula espinhal e
passam para o gânglio cervical superior. As fibras simpáticas pós-ganglionares seguem o seu trajeto sobre as artérias
carótida interna e oftálmica, alcançando, por fim, o olho. Esses nervos excitam: (1) o músculo ciliar, que controla a
focalização da lente do olho; e (2) o esfíncter da íris, que contrai a pupila.
Quando o ponto de fixação dos olhos se modifica, o poder de focalização da lente é ajustado na direção correta
por meio da ativação adequada da inervação autônoma dos músculos ciliar e esfíncter da pupila em cada olho.
Quando os olhos focalizam de longe para perto (e vice-versa), eles também precisam convergir. A convergência
envolve a ativação bilateral dos músculos retos mediais em cada olho. As áreas do cérebro que controlam as
alterações pupilares e a convergência são separadas o suficiente, visto que as lesões podem interromper uma função,
mas não a outra. Por exemplo, uma pupila de Argyll Robertson é aquela que não apresenta reflexos normais à luz,
porém é capaz de acomodação. Essa pupila constitui um importante sinal diagnóstico de doença do sistema nervoso
central, como neurossífilis.
CAPÍTULO 53

O Sentido da Audição

MEMBRANA TIMPÂNICA E SISTEMA OSSICULAR

A membrana timpânica tem o formato de um cone, e o cabo do martelo está fixado no seu centro. A cadeia ossicular
também inclui a bigorna, que está ligada ao martelo por meio de ligamentos, de modo que os dois ossos se
movimentam juntos quando a membrana timpânica vibra. Em sua outra extremidade, a bigorna articula-se com o
estribo, que, por sua vez, está ligado à janela do vestíbulo (janela oval) do labirinto membranáceo. O músculo tensor
do tímpano, ligado ao martelo, mantém a membrana timpânica tensa.
A equalização de impedância entre as ondas sonoras no ar e as ondas sonoras no líquido coclear
é mediada pela cadeia ossicular. A amplitude de movimento do estribo na janela do vestíbulo corresponde a
apenas três quartos da amplitude do cabo do martelo. A cadeia ossicular não amplifica as ondas sonoras pelo
aumento do movimento do estribo, como normalmente se acredita; em vez disso, o sistema aumenta a força do
movimento em cerca de 1,3 vez. Como a área da membrana timpânica é muito grande em relação à área de superfície
da janela do vestíbulo (55 mm2 versus 3,2 mm2), o sistema de alavanca multiplica a pressão da onda sonora exercida
contra a membrana timpânica por um fator de 22. O líquido no labirinto membranáceo tem inércia muito maior do
que o ar; a amplificação da pressão acrescentada pela cadeia ossicular é necessária para provocar a vibração do
líquido. Juntos, a membrana timpânica e os ossículos proporcionam a equalização de impedância entre as ondas
sonoras no ar e as vibrações do som no líquido do labirinto membranáceo. Na ausência de uma cadeia ossicular
funcional, os sons normais são pouco perceptíveis.
Atenuação da condução do som por contração dos músculos estapédio e tensor do tímpano.
Quando sons extremamente altos são transmitidos pela cadeia ossicular, um reflexo de amortecimento do martelo é
acionado pelo músculo estapédio, que atua como antagonista do músculo tensor do tímpano. Dessa maneira, a
rigidez da cadeia ossicular aumenta, e a condução do som, particularmente em frequências mais baixas, é
acentuadamente reduzida. Esse mesmo mecanismo é utilizado para diminuir a sensibilidade à própria voz.

Transmissão do som pelo osso


Como a cóclea está incorporada ao osso, a vibração do crânio pode estimulá-la. Quando um diapasão vibrando é
aplicado ao crânio na região frontal ou no processo mastoide, é possível ouvir um zumbido. Todavia, em geral, até
mesmo sons relativamente altos no ar não têm energia suficiente para possibilitar uma audição efetiva por meio de
condução óssea.

CÓCLEA

Anatomia funcional da cóclea


A cóclea consiste em três tubos espiralados posicionados lado a lado. A rampa do vestíbulo e a rampa média são
separadas pela membrana vestibular (membrana de Reissner), ao passo que a rampa média e a rampa do tímpano são
separadas pela membrana basilar. O órgão de Corti está situado sobre a superfície da membrana basilar e dentro da
rampa média. O teto do órgão de Corti é formado pela membrana tectória. No fim da cóclea, em frente às janelas da
cóclea (redonda) e do vestíbulo (oval), a rampa do vestíbulo é contínua com a rampa do tímpano no helicotrema. A
rigidez global da membrana basilar é cem vezes menor no helicotrema do que próximo à janela do vestíbulo. Em
consequência, a parte mais rígida, próximo à janela do vestíbulo, é mais sensível às vibrações de alta frequência, ao
passo que a extremidade mais complacente, próximo ao helicotrema, é sensível às vibrações de baixa frequência.

Transmissão de ondas sonoras na cóclea: propagação da onda


Quando uma onda sonora atinge a membrana timpânica, os ossículos começam a se movimentar, e a base do estribo
é empurrada para dentro do labirinto membranáceo, na janela do vestíbulo. Essa ação inicia uma onda sonora, que se
propaga ao longo da membrana basilar, em direção ao helicotrema.
Padrão de vibração da membrana basilar para diferentes frequências sonoras. Cada onda tem o seu
início relativamente fraco, porém torna-se mais forte na parte da membrana basilar que apresenta uma frequência de
ressonância igual à da onda sonora. A onda morre essencialmente nesse ponto e não afeta o restante da membrana
basilar. Além disso, a velocidade de propagação da onda sonora é maior próximo à janela do vestíbulo e, em seguida,
diminui gradualmente à medida que prossegue em direção ao helicotrema.
Padrão de amplitude da vibração da membrana basilar. A amplitude máxima de vibração para a
frequência sonora propaga-se de forma organizada sobre a superfície da membrana basilar. Por exemplo, a vibração
máxima de um som de 8.000 ciclos/s (8.000 Hz) ocorre próximo à janela do vestíbulo, ao passo que a de um som de
200 Hz está localizada próximo ao helicotrema. O principal método para a discriminação do som é o local da
vibração máxima da membrana basilar para esse som.

Função do órgão de Corti


O órgão de Corti tem dois tipos de células receptoras: as células ciliadas internas e as células ciliadas externas.
Existe uma única fileira de cerca de 3.500 células ciliadas internas, e há três a quatro fileiras de células ciliadas
externas, que totalizam cerca de 12 mil células. Aproximadamente 95% das fibras sensoriais do oitavo nervo
craniano que inervam a cóclea estabelecem contato sináptico com as células ciliadas internas. Os corpos celulares
das fibras sensoriais são encontrados no gânglio espiral, que está localizado no modíolo ósseo (o centro), que serve
como suporte para a membrana basilar em uma das extremidades. Os processos centrais dessas células ganglionares
entram no tronco encefálico, na parte rostral do bulbo, para fazer sinapse nos núcleos cocleares.
A vibração da membrana basilar excita as células ciliadas. A superfície apical das células ciliadas dá
origem a muitos estereocílios, que se projetam para cima na membrana tectória sobrejacente. Quando a membrana
basilar vibra, os cílios das células ciliadas incorporados à membrana tectória são inclinados em uma direção e, em
seguida, na direção oposta. Esse movimento abre mecanicamente os canais iônicos, levando à despolarização ou à
hiperpolarização da célula ciliada, dependendo da direção da inclinação.
Potenciais receptores das células ciliadas e excitação das fibras nervosas auditivas. Os
aproximadamente cem cílios que se projetam da superfície apical das células ciliadas aumentam progressivamente de
comprimento, desde a região de fixação na membrana basilar até o modíolo. Quando os estereocílios são inclinados
em relação aos mais compridos, os canais de potássio na membrana da célula ciliada são abertos, o potássio
proveniente do líquido da rampa média entra e a célula ciliada é despolarizada. A despolarização abre os canais de
cálcio dependentes de voltagem e provoca o influxo de íons cálcio, o que aumenta a despolarização. O processo
exatamente inverso ocorre quando os cílios se afastam dos estereocílios mais longos, isto é, quando a célula ciliada é
hiperpolarizada.
O líquido que banha os cílios e a superfície apical das células ciliadas é denominado endolinfa. Esse líquido
aquoso é diferente da perilinfa na rampa do vestíbulo e na rampa do tímpano, que, à semelhança do líquido
extracelular, é rica em sódio e pobre em potássio. A endolinfa é secretada pela estria vascular (epitélio especializado
na parede da rampa média) e é rica em potássio e pobre em sódio. O potencial elétrico através da endolinfa,
denominado potencial endococlear, é de cerca de +80 mV. Entretanto, o interior da célula ciliada é de cerca de −70
mV. Portanto, a diferença de potencial através da membrana dos cílios e da superfície apical das células ciliadas é de
cerca de 150 mV, o que aumenta acentuadamente a sua sensibilidade.

Determinação da frequência sonora: o princípio do lugar


O sistema nervoso determina a frequência sonora pelo ponto de estimulação máxima ao longo da membrana basilar.
Os sons na extremidade de alta frequência do espectro estimulam ao máximo a extremidade basal próximo à janela
do vestíbulo. A estimulação de baixa frequência estimula ao máximo a extremidade apical próximo ao helicotrema.
No entanto, as frequências sonoras inferiores a 200 Hz são discriminadas de forma diferente. Essas frequências
provocam salvas sincronizadas de impulsos da mesma frequência no oitavo nervo craniano, e as células nos núcleos
cocleares que recebem a aferência dessas fibras podem distinguir as frequências.

Determinação da intensidade

À medida que o som fica mais intenso, a amplitude de vibração na membrana basilar aumenta, e as células ciliadas
são ativadas mais rapidamente.
Com o aumento da amplitude de vibração, mais células ciliadas são ativadas, e a somação espacial aumenta o sinal.
As células ciliadas externas são ativadas por vibrações de grande amplitude, que, de alguma forma, fornecem sinais
ao sistema nervoso de que o som ultrapassou certo nível que delimita a alta intensidade.

O sistema auditivo pode discriminar entre um sussurro suave e um ruído alto, o que pode representar um aumento
de até 1 trilhão de vezes na energia sonora. Por conseguinte, a escala de intensidade é comprimida pelo cérebro para
fornecer uma ampla faixa de discriminação de sons.
Em virtude da ampla faixa de sensibilidade sonora, a intensidade é expressa como o logaritmo da intensidade
real. A unidade de intensidade sonora é o bel, e os níveis de sons são mais frequentemente expressos em unidades de
0,1 bel ou como um decibel (dB).
O limiar para a audição nos seres humanos é diferente em intensidades distintas. Por exemplo, um som de 3.000
Hz pode ser ouvido em um nível de intensidade de 70 dB, ao passo que um som de 100 Hz só pode ser ouvido se a
intensidade for aumentada para um nível 10.000 vezes maior.
Em geral, a faixa de audição é de 20 a 20.000 Hz. Entretanto, o nível de intensidade é importante, visto que, em
um nível de 60 dB, a faixa de frequência é de apenas 500 a 5.000 Hz. A faixa total de som só pode ser ouvida quando
o nível de intensidade for alto.

MECANISMOS AUDITIVOS CENTRAIS

Vias nervosas auditivas


As fibras sensoriais primárias do gânglio espiral entram no tronco encefálico e terminam nos núcleos cocleares
dorsal e ventral. A partir desse ponto, os sinais são enviados ao núcleo olivar superior contralateral (e ipsilateral),
onde as células dão origem a fibras nervosas, que entram no lemnisco terminal e terminam no colículo inferior. As
células no colículo inferior projetam-se para o núcleo geniculado medial do tálamo; a partir dele, os sinais são
transmitidos para o córtex auditivo primário, localizado principalmente no giro superior do lobo temporal.
É importante compreender que: (1) a partir dos sinais eferentes dos núcleos cocleares, os sinais são transmitidos
bilateralmente por meio das vias centrais, com predomínio contralateral; (2) os colaterais das vias centrais fazem
sinapse na formação reticular do tronco encefálico; e (3) as representações espaciais da frequência sonora
(organização tonotópica) são encontradas em muitos níveis nos vários grupos de células das vias auditivas centrais.

Função do córtex cerebral na audição


O córtex auditivo primário situa-se principalmente no plano supratemporal do giro temporal superior, mas também
se estende para o lado lateral do lobo temporal, sobre grande parte do córtex insular e até mesmo para a porção
lateral do opérculo parietal. Existem duas subdivisões principais: (1) o córtex auditivo primário; e (2) o córtex de
associação auditivo (também denominado córtex auditivo secundário). Pelo menos seis representações tonotópicas
(mapas) de frequência sonora foram descritas no córtex auditivo primário. Cada região presumivelmente seleciona
alguma característica particular do som ou da percepção sonora e realiza uma análise dela.
A destruição bilateral do córtex auditivo primário não elimina a capacidade de detectar o som; entretanto,
provoca dificuldade de localizar os sons no ambiente. As lesões no córtex auditivo secundário interferem na
capacidade de interpretar o significado de determinados sons, o que é particularmente verdadeiro para as palavras
faladas e é denominado afasia receptiva.
Determinação da direção de origem do som
O núcleo olivar superior é dividido nas partes medial e lateral. O núcleo olivar superior lateral determina a direção
do som por meio da detecção da diferença na intensidade do som transmitido a partir das duas orelhas. Já o núcleo
olivar superior medial localiza os sons pela detecção da diferença do tempo de chegada do som nas duas orelhas. O
sinal aferente para as células individuais neste último núcleo é segregado, de modo que os sinais da orelha direita
alcançam um sistema dendrítico, e o sinal eferente das sinapses da orelha esquerda faz sinapse com um sistema
dendrítico separado no mesmo neurônio.

Sinais centrífugos do sistema nervoso central para os centros auditivos inferiores


Cada nível de processamento na via auditiva central dá origem a fibras descendentes ou retrógradas, que se projetam
de volta para os núcleos cocleares, bem como para a cóclea. Essas conexões centrífugas são mais pronunciadas no
sistema auditivo do que em qualquer outra via sensitiva. Especula-se que essas conexões permitam atender
seletivamente a determinadas características sonoras.

ANORMALIDADES DA AUDIÇÃO

As dificuldades de audição podem ser avaliadas com um audiômetro, que permite que frequências sonoras
específicas sejam emitidas individualmente em cada orelha. Quando um paciente apresenta surdez neurossensorial,
tanto a condução aérea quanto a condução óssea são afetadas, e o dano geralmente envolve um ou mais componentes
neurais do sistema auditivo. Quando apenas a condução aérea é afetada, a causa geralmente consiste em dano à
cadeia ossicular, quase sempre devido a infecções crônicas da orelha média.
CAPÍTULO 54

Os Sentidos Químicos: Gustação e Olfação

Os sentidos da gustação e da olfação permitem que um indivíduo seja capaz de distinguir alimentos indesejáveis ou
mesmo letais daqueles que são agradáveis e nutritivos. O sentido da gustação é principalmente uma função das
papilas gustativas, porém o sentido da olfação contribui substancialmente para a percepção da gustação. A textura do
alimento, percebida por receptores táteis na boca, também contribui para a experiência da gustação.

SENTIDO DA GUSTAÇÃO

Embora muitos subtipos diferentes de receptores de sabor tenham sido identificados, as sensações primárias da
gustação são agrupadas em cinco categorias principais:

O sabor azedo é causado por substâncias ácidas; a intensidade do sabor é proporcional ao logaritmo da concentração
de íons hidrogênio
O sabor salgado é atribuído principalmente aos cátions de sais ionizados, porém alguns ânions também ativam
receptores adicionais, o que explica a ligeira diferença entre alimentos de sabor salgado
O sabor doce resulta da ativação de vários tipos de receptores, incluindo açúcares, glicóis, álcoois, aldeídos e outras
substâncias químicas orgânicas
O gosto amargo também é causado pela ativação de vários receptores associados a substâncias químicas orgânicas.
Duas das substâncias mais comuns são compostos de cadeia longa contendo nitrogênio e alcaloides. Esse grupo
inclui compostos medicinais, como quinina, cafeína, estricnina e nicotina. Concentrações altas de sais também
podem produzir sabor amargo. Com frequência, um forte sabor amargo faz uma substância ser rejeitada; assim, o
consumo de alcaloides venenosos encontrados em algumas plantas é evitado
O sabor umami, palavra japonesa que significa delicioso, é dominante em alimentos que contêm L-glutamato, como
extrato de carne e queijo envelhecido. Acredita-se que a sensação prazerosa do sabor umami seja importante para a
nutrição ao promover a ingestão de proteínas.

Limiar para o sabor


Uma concentração de cloreto de sódio de 0,01 M é percebida como salgada, ao passo que a quinina é percebida como
amarga em uma concentração de apenas 0,000008 M. Essa alta sensibilidade ao sabor amargo desempenha uma
função protetora para evitar a ingestão de alcaloides venenosos amargos. Algumas pessoas têm “paladar cego” para
determinadas substâncias, provavelmente devido a variações normais no número ou na presença de determinadas
classes de receptores.

Papilas gustativas e suas funções


A papila gustativa é composta de células epiteliais, algumas das quais são células de suporte, denominadas células de
sustentação, ao passo que outras são células receptoras verdadeiras. Estas últimas são continuamente substituídas
por células epiteliais adjacentes por meio de divisão mitótica. Existem cerca de cem células gustativas em cada
papila gustativa. O tempo de vida de uma célula gustativa é de cerca de 10 dias, embora exista uma considerável
variação. Algumas células gustativas são eliminadas em apenas 2 dias, ao passo que outras podem sobreviver por
mais de 3 semanas. As superfícies apicais das células gustativas estão dispostas em torno de um poro gustativo. As
microvilosidades ou cílios gustativos projetam-se a partir do poro e fornecem a superfície receptora para as
moléculas produtoras de sabor. Entrelaçadas entre os corpos celulares, encontram-se fibras nervosas sensitivas, que
formam elementos pós-sinápticos e respondem à atividade das células gustativas.
As 3 mil a 10 mil papilas gustativas em um adulto são encontradas em três tipos de papilas
linguais. As papilas fungiformes são encontradas nos dois terços anteriores da língua. Já as papilas circunvaladas
formam uma configuração em forma de V no terço posterior da língua. Por fim, as papilas folhadas encontram-se ao
longo das margens laterais da língua. Um pequeno número de papilas gustativas também é encontrado no palato, nas
tonsilas e na epiglote, bem como na parte proximal do esôfago. Normalmente, cada papila gustativa responde apenas
a uma das cinco substâncias gustativas primárias. A presença de altas concentrações de substâncias pode estimular
mais de um tipo de receptor.
À semelhança de outros receptores, as células gustativas produzem um potencial receptor. A
célula gustativa se despolariza quando é ativada por uma substância apropriada; o grau de despolarização é
proporcional à concentração da substância. A ligação de uma substância produtora de sabor ao seu receptor pode
abrir canais iônicos (para as sensações do sabor salgado e sabor azedo) ou pode ativar receptores acoplados à
proteína G (para os sabores doce, amargo e umami) e transmissores de segundos mensageiros no interior das células
gustativas. As células gustativas adaptam-se rapidamente (em poucos segundos).

Transmissão de sinais de sabor para o sistema nervoso central


As fibras gustativas dos dois terços anteriores da língua passam inicialmente por ramos do nervo trigêmeo e, em
seguida, juntam-se à corda do tímpano, um ramo do nervo facial. A sensação gustativa do terço posterior da língua é
transmitida por fibras no nervo glossofaríngeo, ao passo que as fibras gustativas da epiglote ou de outras áreas
seguem o seu trajeto em ramos do nervo vago. Todas as fibras gustativas convergem para o trato solitário, no tronco
encefálico, e, por fim, fazem sinapse na porção rostral do núcleo do trato solitário. A partir daí, os axônios passam
rostralmente em vias mal definidas para o núcleo ventromedial do tálamo e, em seguida, para o córtex cerebral, na
região ventral do giro pós-central.
Além da via cortical para a percepção do sabor, os reflexos do paladar envolvem fibras que seguem o seu trajeto
a partir do trato solitário diretamente para os núcleos salivatórios superior e inferior, que contêm neurônios
parassimpáticos pré-ganglionares para a ativação da secreção salivar. A adaptação ao sabor ocorre no nível do
receptor, porém pelo menos metade dessa adaptação ocorre por meio de mecanismos centrais.

SENTIDO DA OLFAÇÃO

O sentido da olfação é pouco desenvolvido nos seres humanos, em comparação com a maioria dos outros mamíferos.

Membrana olfatória
A superfície receptora para o olfato na parte superior da cavidade nasal abrange uma área de superfície total de cerca
de 5 cm2 nos seres humanos. As células receptoras olfatórias são neurônios bipolares derivados do sistema nervoso
central. A maioria das pessoas tem cerca de 100 milhões dessas células, que são intercaladas com células de
sustentação. A superfície apical da célula receptora tem 4 a 25 cílios olfatórios que contêm os receptores; esses cílios
projetam-se no muco que cobre a superfície epitelial.

Estimulação das células olfatórias


As moléculas odoríferas difundem-se para o muco e ligam-se a proteínas receptoras que estão ligadas à proteína G
citoplasmática. Com a ativação, a subunidade α da proteína G separa-se e ativa a adenilciclase que, por sua vez, leva
à formação de monofosfato de adenosina cíclico. Em seguida, os canais de sódio são abertos pelo monofosfato de
adenosina cíclico, possibilitando a entrada de íons sódio na célula. Pode ocorrer um potencial de ação nas fibras
sensitivas olfatórias quando um nível limiar crítico de despolarização for alcançado.
À semelhança do sistema da gustação, a intensidade da estimulação olfatória é proporcional ao logaritmo da
força do estímulo. Os receptores adaptam-se em cerca de 50% em 1 segundo e, em seguida, adaptam-se muito pouco.
Todavia, a maioria dos odores adapta-se até a extinção em 1 ou 2 minutos, o que é principalmente uma função dos
mecanismos centrais, e não da adaptação do receptor olfatório.

Busca por sensações primárias do olfato


Foram relatadas até cem sensações olfatórias, porém esse número foi reduzido para sete sensações primárias de
odores: canforado, almiscarado, floral, hortelã, etéreo, penetrante e pútrido.
O olfato, ainda mais do que o paladar, está associado às qualidades afetivas de ser agradável ou desagradável.
Para algumas moléculas odoríferas, o limiar é extremamente baixo, da ordem de 1/25 bilionésimo de um miligrama.
Entretanto, a faixa de sensibilidade é apenas 10 a 50 vezes a do nível limiar, o que é relativamente baixo em
comparação com outros sistemas sensoriais.

Transmissão de sinais olfatórios para o sistema nervoso central


O bulbo olfatório situa-se sobre a lâmina cribriforme do etmoide, que separa as cavidades craniana e nasal. Os
nervos olfatórios passam através das perfurações da lâmina cribriforme e entram no bulbo olfatório, onde terminam
em relação aos glomérulos; o bulbo olfatório é um conjunto emaranhado de dendritos das células mitrais e células
em tufo, além de fibras nervosas olfatórias. Os axônios das células mitrais e das células em tufo (células tufosas)
deixam o bulbo olfatório por meio do trato olfatório e entram em regiões especializadas do córtex, sem passar
inicialmente pelo tálamo.
A área olfatória medial é representada pelos núcleos septais, que se projetam para o hipotálamo e para outras
regiões que controlam o comportamento. Acredita-se que esse sistema esteja envolvido em funções primitivas, como
lambida, salivação e outros comportamentos alimentares.
A área olfatória lateral é composta pelas regiões pré-piriforme, piriforme e cortical dos núcleos amigdaloides. A
partir dessa área, os sinais são dirigidos para estruturas límbicas menos primitivas, como o hipocampo, que
aparentemente é o sistema que associa determinados odores a respostas comportamentais específicas.
As fibras que se originam no cérebro seguem um percurso centrífugo para alcançar as células granulares no bulbo
olfatório. As células granulares inibem os neurônios mitrais e em tufo do bulbo, o que refina a capacidade de
distinguir diferentes odores.
PARTE 11

Sistema Nervoso: C. Neurofisiologia Motora e Integrativa

Capítulo 55 Funções Motoras da Medula Espinhal e Reflexos Medulares

Capítulo 56 Controle da Função Motora pelo Córtex Cerebral e pelo Tronco Encefálico

Capítulo 57 Contribuições do Cerebelo e dos Núcleos da Base para o Controle Motor

Capítulo 58 Córtex Cerebral, Funções Intelectuais do Cérebro, Aprendizado e Memória

Capítulo 59 Sistema Límbico e Hipotálamo: Mecanismos Comportamentais e Motivacionais do Cérebro

Capítulo 60 Estados da Atividade Cerebral: Sono, Ondas Cerebrais, Epilepsia, Psicose e Demência

Capítulo 61 Sistema Nervoso Autônomo e Medula Adrenal

Capítulo 62 Fluxo Sanguíneo Cerebral, Liquor e Metabolismo Cerebral


CAPÍTULO 55

Funções Motoras da Medula Espinhal e Reflexos Medulares

A medula espinhal é mais do que simplesmente um canal para os neurônios, uma vez que ela pode processar
informações sensoriais e tem a capacidade de gerar atividades motoras complexas. Neste capítulo, discutiremos o
controle da função muscular pela medula espinhal.

ORGANIZAÇÃO DAS FUNÇÕES MOTORAS DA MEDULA ESPINHAL

Os neurônios motores do corno anterior (coluna anterior), encontrados em todos os níveis da medula espinhal, dão
origem a axônios que saem da medula por meio de suas raízes anteriores e, em seguida, passam distalmente nos
nervos periféricos para inervar os músculos esqueléticos. Um neurônio motor e todas as fibras musculares que ele
inerva são denominados coletivamente unidade motora.
Os neurônios motores do corno anterior da medula espinhal são de dois tipos: motoneurônios alfa e gama (Figura
55.1). Os motoneurônios alfa são os maiores e dão origem a axônios mielínicos, que têm, em média, cerca de 14 µm
de diâmetro e conduzem potenciais de ação muito rapidamente. Os motoneurônios gama são muito menores, com
axônios de cerca de 5 µm de diâmetro, e conduzem potenciais de ação em uma velocidade menor que os
motoneurônios alfa.
Figura 55.1 Fibras sensoriais periféricas e neurônios motores anteriores que inervam
o músculo esquelético.

Um terceiro tipo de célula é o interneurônio, que contribui para as funções motoras e sensoriais da medula
espinhal. Existem cerca de 30 vezes mais interneurônios do que neurônios motores. Os interneurônios são pequenos
e altamente excitáveis, com taxas de disparo espontâneo elevadas, de até 1.500 vezes por segundo. Os interneurônios
recebem a maior parte do estímulo sináptico para a medula espinhal como informação sensorial de entrada ou como
sinais descendentes provenientes de centros motores superiores.
A célula de Renshaw é um tipo de interneurônio que recebe estímulos de ramos colaterais dos axônios dos
neurônios motores; em seguida, ela fornece conexões inibidoras com os mesmos neurônios motores ou vizinhos. Por
conseguinte, o sistema motor, à semelhança dos sistemas sensoriais, utiliza a inibição lateral para focar ou ressaltar
seus sinais. Outros interneurônios se interconectam com um ou mais segmentos adjacentes ascendentes ou
descendentes da medula. Estas últimas células são denominadas neurônios proprioespinhais.

RECEPTORES SENSORIAIS MUSCULARES – FUSOS NEUROMUSCULARES E ÓRGÃOS TENDINOSOS


DE GOLGI – E SUAS FUNÇÕES NO CONTROLE MUSCULAR

Função receptora do fuso neuromuscular


O feedback sensorial dos músculos esqueléticos inclui: (1) o fuso neuromuscular, que detecta o comprimento do
músculo; e (2) o órgão tendinoso de Golgi, que detecta a tensão do músculo (Figura 55.1).
Um fuso neuromuscular mede 3 a 10 mm de comprimento e consiste em 3 a 12 fibras musculares intrafusais
finas, que, na verdade, são fibras musculares estriadas. Cada fuso está ligado em suas extremidades distais ao
músculo esquelético extrafusal associado. A região central de cada fibra intrafusal é desprovida de elementos
contráteis de actina-miosina; em vez disso, ela forma uma cápsula que contém vários núcleos. Quando os núcleos
estão dispostos de forma mais ou menos linear, a fibra é denominada fibra de cadeia nuclear; quando os núcleos
estão simplesmente agregados ou agrupados na região central, ela é denominada fibra de bolsa nuclear.
Normalmente, um fuso neuromuscular contém 1 a 3 fibras de bolsa nuclear e 3 a 9 fibras de cadeia nuclear. Os
elementos contráteis de localização distalmente a cada fibra intrafusal são inervados por axônios relativamente
pequenos dos motoneurônios gama.
Dois tipos de fibra sensorial estão associados às fibras intrafusais do fuso neuromuscular. Uma dessas fibras é
denominada terminação primária, ou terminação anuloespiral. A terminação primária é um tipo de fibra sensorial
primária mielínica tipo Ia, com diâmetro médio de 17 µm e velocidade de condução de 70 a 120 m/s. Normalmente,
um fuso também tem pelo menos uma terminação secundária ou tipo II, que apresenta um diâmetro médio de 8 µm;
ela é levemente mielínica e conduz em uma velocidade mais lenta do que as fibras tipo Ia. A terminação primária
envolve-se em torno da região central (nuclear) de uma fibra intrafusal de bolsa nuclear e de cadeia nuclear, ao passo
que a terminação secundária forma numerosos e pequenos ramos terminais, que se agrupam em torno da região
nuclear apenas de fibras intrafusais de cadeia nuclear.

Respostas estáticas e dinâmicas do fuso neuromuscular


Quando a região central de um fuso é lentamente estirada, o número de impulsos nas terminações primária e
secundária aumenta em proporção ao grau de estiramento; esse aumento é denominado resposta estática. Como as
fibras de cadeia nuclear são inervadas por fibras sensoriais tanto primárias quanto secundárias, acredita-se que a
resposta estática seja mediada pelas fibras intrafusais.
Quando o comprimento de um fuso aumenta rapidamente, a fibra sensorial primária exibe uma vigorosa resposta,
denominada resposta dinâmica. Essa resposta parece sinalizar a taxa de alteração no comprimento. Como a maioria
das fibras de bolsa nuclear está associada principalmente às terminações primárias, presume-se que elas sejam
responsáveis pela resposta dinâmica.
Controle da intensidade das respostas estática e dinâmica pelos motoneurônios gama. Os
motoneurônios gama são divididos em duas categorias, com base no tipo de fibra intrafusal que eles inervam. Os
motoneurônios gama que se distribuem para as fibras de bolsa nuclear são denominados dinâmicos, ao passo que os
que se distribuem para as fibras de cadeia nuclear são denominados estáticos. A estimulação de um motoneurônio
gama dinâmico aumenta apenas a resposta dinâmica, ao passo que a estimulação do motoneurônio gama estático
aumenta a resposta estática.
Os fusos neuromusculares exibem um nível de fundo contínuo de atividade, que pode ser modulado para cima
(por meio de aumento do disparo) ou para baixo (por meio de diminuição do disparo), conforme necessário para a
atividade muscular em curso.

Reflexo de estiramento muscular


As fibras sensoriais tipo Ia entram na medula espinhal por meio das raízes dorsais e dão origem a ramos que
terminam na medula espinhal, próximo ao seu nível de entrada, ou ascendem para o cérebro. Os ramos que terminam
na medula espinhal fazem sinapse diretamente (monossinápticos) com os motoneurônios alfa no corno anterior.
Esses neurônios inervam fibras extrafusais no mesmo músculo a partir do qual as fibras sensoriais primárias se
originam. Esse circuito constitui o substrato para o reflexo de estiramento. Esse reflexo tem dois componentes: uma
fase dinâmica, enquanto o fuso está sendo estirado, e uma fase estática, quando o músculo não aumenta mais de
comprimento e já alcançou um novo comprimento estático. Uma importante função do reflexo de estiramento é o seu
efeito de amortecimento contra movimentos oscilatórios ou bruscos. Na ausência de mecanismos sensoriais dos fusos
normalmente funcionais, aparece uma contração repetitiva incomum dos músculos, denominada clônus.

Papel do fuso neuromuscular na atividade motora voluntária


Cerca de 31% dos axônios que se distribuem para qualquer músculo específico são de motoneurônios gama.
Entretanto, quando os sinais são transmitidos a partir do córtex motor ou de outros centros de controle, os
motoneurônios alfa e gama são coativados. A estimulação dos motoneurônios gama durante a contração de um
músculo mantém a sensibilidade do fuso e impede que ele “se afrouxe” e interrompa o seu estímulo. O sistema do
neurônio motor gama é mais fortemente influenciado por projeções descendentes das regiões facilitadoras da
formação reticular do tronco encefálico, que, por sua vez, são influenciadas pelo estímulo do cerebelo, dos núcleos
da base e do córtex cerebral, bem como das fibras de dor espinorreticulares ascendentes.
Aplicações clínicas do reflexo de estiramento
O estado geral de atividade reflexa pode ser avaliado testando-se o reflexo de estiramento em várias localizações
articulares principais. Por exemplo, a percussão do tendão patelar no joelho causa o estiramento dos fusos no
músculo quadríceps e normalmente provoca a contração reflexa desse grupo muscular (reflexo de estiramento), que
causa o movimento brusco do joelho. Um reflexo muito forte ou muito rápido pode indicar algum tipo de problema,
ao passo que um reflexo fraco ou ausente sugere outros problemas.
O clônus – contração alternada dos músculos agonistas e antagonistas que cruzam uma articulação – é um sinal
de função anormal do reflexo de estiramento. Com frequência, esse sinal é proeminente no tornozelo, onde uma
rápida dorsiflexão mantida, induzida pelo examinador, pode provocar movimentos bruscos sustentados (flexão e
extensão alternadas) do pé na articulação do tornozelo. Isso é um sinal de que os circuitos da medula espinhal que
medeiam o reflexo de estiramento não estão sendo apropriadamente influenciados por projeções descendentes do
cérebro.

Reflexo tendinoso de Golgi


O órgão tendinoso de Golgi (Figura 55.1) é um receptor encapsulado por meio do qual um pequeno feixe de fibras do
tendão do músculo passa imediatamente antes de sua inserção óssea. As fibras sensoriais misturam-se e entrelaçam-
se com as fibras do tendão e são estimuladas quando a tensão imposta pela contração muscular aumenta. À
semelhança do fuso muscular, o órgão tendinoso responde vigorosamente quando o tendão é submetido ao
estiramento (resposta dinâmica) e, em seguida, ajusta-se a um nível estacionário, que é proporcional ao grau de
tensão (resposta estática).
Os sinais do órgão tendinoso são conduzidos por meio de grandes fibras mielínicas tipo Ib, cuja
condução é quase tão rápida quanto a das fibras tipo Ia dos fusos neuromusculares. Ao entrar na
medula espinhal, as fibras tipo Ib formam ramos, alguns dos quais terminam localmente no grupo de interneurônios,
ao passo que outros entram em uma via ascendente longa. Os interneurônios inibitórios locais ligam o estímulo do
órgão tendinoso aos motoneurônios alfa que inervam os músculos associados ao órgão tendinoso. Diferentemente do
estímulo do fuso neuromuscular, que excita seus motoneurônios relacionados, o órgão tendinoso provoca a inibição
dos neurônios motores que inervam o músculo associado ao órgão tendinoso. Esse impulso negativo evita a lesão do
músculo quando excede o limite superior de tensão. Além disso, por meio de suas projeções ascendentes, os órgãos
tendinosos fornecem impulsos ao cerebelo e às áreas motoras do córtex cerebral, que são utilizados por esses centros
para controlar o movimento.

REFLEXO FLEXOR E REFLEXOS DE RETIRADA

O reflexo de retirada (flexor) é desencadeado por receptores de dor, comumente aqueles localizados na pele. Os
músculos ativados são aqueles necessários para afastar o corpo do estímulo doloroso. Em geral, são músculos
flexores dos membros, porém o reflexo não se limita a esses músculos. As fibras sensoriais que conduzem esses
sinais terminam no grupo de interneurônios da medula espinhal, cuja maioria fornece um impulso excitatório para os
neurônios motores apropriados do corno anterior, ao passo que outros inibem os neurônios motores que inervam
músculos antagonistas. Este último mecanismo é denominado inibição recíproca.

REFLEXO EXTENSOR CRUZADO

Com frequência, o reflexo extensor cruzado ocorre em associação com o reflexo flexor. A retirada de um membro de
um estímulo doloroso pode exigir o suporte de uma ou mais partes do corpo. Por exemplo, a retirada de um pé pode
exigir que o outro pé sustente todo o corpo. Nessa situação, os interneurônios que recebem os sinais de dor de um pé
podem se projetar através da linha média para excitar os neurônios motores contralaterais apropriados para apoiar o
corpo; com frequência, são neurônios motores extensores. Se a extremidade inferior for inicialmente afetada pelo
estímulo da dor, é possível que os impulsos se propaguem para níveis mais rostrais da medula, através de neurônios
proprioespinhais que fazem sinapse com os neurônios motores, inervando, assim, a musculatura dos membros
superiores que pode ser necessária para estabilizar o corpo.
REFLEXOS POSTURAIS E DE LOCOMOÇÃO

Reflexos posturais e de locomoção da medula


Em experimentos realizados com animais, nos quais a medula espinhal é isolada do restante do cérebro por meio de
transecção em nível cervical, certos padrões motores reflexos são liberados dos mecanismos de controle
descendentes normais do cérebro:

A pressão exercida sobre um coxim plantar faz o membro ser estendido contra a pressão aplicada. Em alguns animais
que são mantidos no lugar sobre todos os quatro membros, esse reflexo pode gerar força muscular suficiente para
sustentar todo o corpo. Esse reflexo é denominado reação de suporte positiva
De modo semelhante, quando um animal com transecção da medula cervical é colocado de lado, ele procura se
levantar até a posição em pé, porém essa manobra raramente é bem-sucedida. Esse reflexo é denominado reflexo de
endireitamento da medula
Se um animal com medula transeccionada for suspenso em uma esteira, de modo que cada um dos membros possa
tocar a superfície da esteira, todos os quatro membros se moverão de maneira sincrônica e coordenada, como se o
animal estivesse tentando andar na esteira.

Essas observações indicam que os circuitos intrínsecos para a medula espinhal são capazes de gerar movimentos
em um único membro, em um par de membros ou em todos os quatro membros. Esse circuito envolve conexões
entre neurônios motores flexores e extensores em um único segmento da medula, através da linha média e rostral, e
caudalmente através do sistema proprioespinhal.

TRANSEÇÃO DA MEDULA ESPINHAL E CHOQUE ESPINHAL

Quando a medula espinhal é seccionada, todas as suas funções abaixo da transeção tornam-se substancialmente
deprimidas, situação denominada choque espinhal. A condição pode persistir por algumas horas, dias ou semanas.
Acredita-se que represente um período durante o qual a excitabilidade dos neurônios espinhais é drasticamente
reduzida, devido à perda de todas as projeções descendentes. Como ocorre em outras áreas do sistema nervoso, os
neurônios afetados readquirem gradualmente a sua excitabilidade, à medida que eles se reorganizam e se adaptam
aos novos níveis de estímulo sináptico reduzido.
Alguns dos sintomas mais comuns que aparecem durante o choque espinhal incluem os seguintes:

A pressão arterial pode cair significativamente, o que indica que a atividade do sistema nervoso simpático foi
totalmente interrompida
Todos os reflexos do músculo esquelético tornam‑se não funcionais. Nos seres humanos, podem ser necessárias 2
semanas a vários meses para que a atividade reflexa retorne ao normal. Se a transecção for incompleta e algumas vias
descendentes permanecerem intactas, alguns reflexos tornam-se hiperativos
Os reflexos autonômicos sacrais que regulam a função da bexiga e do intestino podem ser suprimidos por várias
semanas.
CAPÍTULO 56

Controle da Função Motora pelo Córtex Cerebral e pelo Tronco Encefálico

Cada movimento intencional ou voluntário que um indivíduo decide fazer de forma consciente tem pelo menos
algum componente controlado pelo córtex cerebral. Entretanto, nem todo movimento é voluntário, e grande parte do
controle dos músculos e da sua atividade coordenada envolve vários componentes do sistema nervoso central –
incluindo os núcleos da base, o cerebelo, o tronco encefálico e a medula espinhal –, que atuam em conjunto com
áreas do córtex cerebral.

CÓRTEX MOTOR E TRATO CORTICOESPINHAL

Córtex motor primário


O córtex motor primário está localizado no lobo frontal, dentro do giro imediatamente anterior ao sulco central,
denominado giro pré‑central ou área 4 de Brodmann. Na década de 1930, durante os procedimentos neurocirúrgicos
realizados em seres humanos, Penfield e Rasmussen descobriram que a estimulação de pontos no giro pré-central
provocava o movimento ou a ativação de músculos em várias partes do corpo. Eles observaram que a ativação
muscular era somatotopicamente organizada nesse giro, de modo que a estimulação da porção mais lateral causava a
ativação dos músculos da cabeça e do pescoço; a ativação da porção média levava ao movimento da mão, do braço
ou do ombro; e a estimulação da porção medial do giro causava a ativação do tronco e dos membros inferiores. Em
alguns pontos de estimulação, os músculos eram ativados de modo individual, ao passo que, em outros pontos, um
grupo de músculos era ativado.

Área pré‑motora
Imediatamente anterior à porção lateral do córtex motor primário, encontra-se o córtex pré‑motor. Esse córtex forma
uma parte da área 6 de Brodmann e contém um mapa somatotopicamente organizado da musculatura do corpo.
Entretanto, a estimulação desse córtex normalmente produz padrões mais complexos de movimentos do que aqueles
gerados no córtex motor primário e envolve grupos de músculos. Por exemplo, o braço e o ombro podem ser
ativados para colocar a mão em posição para a execução de determinada tarefa.

Área motora suplementar


A área motora suplementar está localizada na porção medial da área 6 de Brodmann, na convexidade dorsal e na
parede medial do hemisfério, imediatamente anterior à parte da extremidade inferior do giro pré-central. A
estimulação dessa área exige maior intensidade e, em geral, provoca a ativação muscular bilateral, normalmente
envolvendo os membros superiores.
Algumas áreas especializadas do controle motor localizadas no córtex motor dos seres
humanos:

A área de Broca (área motora da fala) está localizada imediatamente anterior à porção do córtex motor primário,
próximo à fissura silviana, e está envolvida na formação de palavras. A atividade nessa área envolve a musculatura
necessária para converter expressões vocais simples em palavras inteiras e frases completas
O campo ocular frontal (área 8 de Brodmann) também está localizado imediatamente anterior ao giro pré-central,
porém um pouco mais dorsal do que a área de Broca. Essa região cortical controla os movimentos oculares
conjugados necessários para os movimentos oculares sacádicos, bem como para os movimentos oculares voluntários
para desviar o olhar de um objeto para outro
A área de rotação da cabeça associada ao campo ocular frontal está funcionalmente ligada à área 8 e serve para
permitir movimentos da cabeça correlacionados com o movimento ocular
A área dos movimentos finos da mão está localizada no córtex pré-motor, imediatamente anterior à região da mão da
área 4. Quando essa área é danificada, os músculos da mão não ficam paralisados, porém determinados movimentos
da mão são perdidos, condição denominada apraxia motora.

TRANSMISSÃO DE SINAIS DO CÓRTEX MOTOR PARA OS MÚSCULOS

Trato corticoespinhal (piramidal)


O trato corticoespinhal (piramidal) é a via eferente mais importante do córtex motor e origina-se principalmente do
córtex motor primário (30%) e do córtex pré-motor (30%), sendo o restante dividido entre várias outras áreas,
incluindo o córtex somatossensorial primário (giro pós-central), o córtex suplementar, as áreas do lobo parietal e as
porções do giro do cíngulo. Depois de deixar o córtex, os axônios desse trato entram no ramo posterior da cápsula
interna e passam caudalmente pelo tronco encefálico até a superf ície ventral do bulbo, onde estão contidos nas
pirâmides da medula. Na junção do bulbo com a medula espinhal, a maior parte das fibras cruza a linha média para
entrar no funículo lateral da medula espinhal e formar o trato corticoespinhal lateral, que se estende por toda a
medula. As poucas fibras que não cruzam continuam até a parte torácica da medula espinhal, no trato
corticoespinhal anterior.
As maiores fibras no trato piramidal medem cerca de 16 µm de diâmetro, e acredita-se que se originem das
células gigantes de Betz encontradas no giro pré-central. Existem cerca de 34 mil células de Betz, e o número total
de fibras no trato corticoespinhal é de cerca de 1 milhão, de modo que as grandes fibras representam apenas cerca de
3% de todo o trato.

Outras vias neurais provenientes do córtex motor


Além de projeções para a medula espinhal, os ramos das fibras do trato piramidal alcançam muitas outras áreas,
incluindo o caudado e o putame, o núcleo rubro, a formação reticular, os núcleos da parte basilar da ponte e olivar
inferior. As projeções para o núcleo rubro podem fornecer uma via alternativa para o córtex motor influenciar a
medula espinhal por meio do trato rubroespinhal se os axônios corticoespinhais forem danificados em um nível
caudal ao núcleo rubro.

Vias sensoriais aferentes do córtex motor


Também é importante considerar as áreas do cérebro que fornecem os sinais aferentes para as áreas motoras que dão
origem ao sistema corticoespinhal; são áreas circundantes do córtex nos mesmos hemisférios e nos hemisférios
contralaterais, incluindo o córtex somatossensorial e as fibras de uma variedade de núcleos do tálamo, que conduzem
a informação proveniente das vias somatossensoriais ascendentes, do cerebelo, dos núcleos da base e do sistema de
ativação reticular.

Excitação das áreas de controle motor da medula espinhal pelo córtex motor primário e pelo núcleo
rubro
À semelhança dos neurônios no córtex visual, as células do córtex motor estão organizadas em colunas verticais de
células. Cada coluna vertical pode controlar a atividade de um grupo de músculos sinérgicos ou de um músculo
individual. Estima-se que 50 a 100 neurônios piramidais precisem ser ativados de modo simultâneo ou em rápida
sucessão para provocar a contração muscular. Com frequência, se houver necessidade de um forte sinal para provocar
a ativação inicial do músculo, um sinal mais fraco é capaz de manter a contração posterior por períodos mais longos.
O substrato para essa função pode envolver duas populações de neurônios corticoespinhais. Os neurônios dinâmicos
produzem um alto sinal por curtos períodos e podem especificar o desenvolvimento da força adequada necessária
para iniciar o movimento, ao passo que os neurônios estáticos produzem um sinal menos intenso, em uma velocidade
menor, para manter a força de contração. O núcleo rubro também exibe neurônios com propriedades dinâmicas e
estáticas, em que a variedade dinâmica ultrapassa em número o seu correspondente no córtex, ao passo que a
variedade estática é proporcionalmente menor do que a encontrada no córtex.

A retroalimentação somatossensorial para o córtex motor ajuda a controlar a precisão da contração


muscular
Os sinais que surgem nos fusos musculares, nos órgãos tendinosos de Golgi e na pele próximo às articulações
quando ocorrem movimentos são retransmitidos para o córtex motor e influenciam os sinais eferentes do córtex
motor. Em geral, o sinal somatossensorial tende a aumentar a atividade do córtex motor. Por exemplo, quando os
dedos da mão seguram um objeto, a compressão da pele pelo objeto tende a causar excitação adicional dos músculos
e aperto dos dedos em torno do objeto.

Estimulação dos neurônios motores espinhais


Um grande número de fibras corticoespinhais termina nas intumescências cervical e lombossacral da medula
espinhal, o que provavelmente reflete o controle sobre os músculos dos membros superiores e inferiores exercido por
esse sistema. A maior parte do impulso cortical concentra-se no grupo de interneurônios espinhais, porém alguns
axônios corticoespinhais fazem sinapse diretamente com os neurônios motores do corno anterior. É importante
reconhecer que o sistema corticoespinhal pode conduzir sinais de comando, que ativam padrões de movimento, cuja
composição é determinada por agregados de interneurônios espinhais. De modo semelhante, não é necessário que os
sinais corticoespinhais inibam diretamente a ação dos músculos antagonistas. Isso pode ser obtido pela ativação dos
circuitos medulares intrínsecos que produzem inibição recíproca.

Efeito das lesões no córtex motor ou na via corticoespinhal: acidente vascular encefálico
Um acidente vascular encefálico (AVE) é causado pela ruptura de um vaso sanguíneo, que sangra no cérebro, ou por
trombose de um vaso, que provoca isquemia local no tecido cerebral adjacente. Quando qualquer evento acomete o
córtex motor primário (origem do trato corticoespinhal), os déficits motores resultantes caracterizam-se pela perda do
controle voluntário dos movimentos distintos que envolvem as partes distais dos membros, particularmente os dedos
e as mãos. Isso não significa necessariamente que os músculos estejam paralisados por completo, mas sim que houve
perda do controle dos movimentos finos. Além disso, os movimentos posturais ou o posicionamento grosseiro dos
membros podem não ser afetados. Entretanto, o acidente vascular encefálico hemorrágico ou isquêmico normalmente
acomete um território maior do que apenas o córtex motor primário. Quando o dano tecidual se estende além do
córtex motor primário e afeta os neurônios que se projetam para o caudado, o putame ou a formação reticular,
ocorrem sintomas característicos, como hiper-reflexia, hipertonia e espasticidade.

CONTROLE DAS FUNÇÕES MOTORAS PELO TRONCO ENCEFÁLICO

Sustentação do corpo contra a gravidade: papéis dos núcleos reticulares e vestibulares


As áreas pontina e medular da formação reticular funcionam em oposição uma à outra por meio de suas
contribuições para o sistema reticuloespinhal. Os níveis pontinos tendem a excitar os músculos antigravitacionais, ao
passo que os níveis medulares os inibem. Os níveis pontinos são fortemente ativados por fibras somatossensoriais
ascendentes, núcleos vestibulares e núcleos cerebelares, e, quando não sofrem oposição por níveis medulares, a
excitação dos músculos antigravitacionais é forte o suficiente para sustentar o corpo. Em contrapartida, a influência
inibitória derivada das fibras reticuloespinhais medulares é fortemente influenciada pelo impulso do córtex cerebral e
do núcleo rubro. Por conseguinte, os sistemas pontino e medular podem ser seletivamente ativados ou inativados
para produzir a excitação ou a inibição desejadas dos músculos antigravitacionais.

Papel dos núcleos vestibulares para excitar os músculos antigravitacionais


O núcleo vestibular lateral transmite sinais excitatórios (principalmente por meio do trato vestibuloespinhal lateral)
que excitam fortemente os músculos antigravitacionais. Esse sistema é influenciado mais fortemente pelo aparelho
sensorial vestibular e utiliza os músculos antigravitacionais para manter o equilíbrio.

O animal descerebrado desenvolve rigidez espástica


Quando o tronco encefálico é seccionado aproximadamente nos níveis médios dos colículos, deixando os tratos
reticuloespinhais e vestibuloespinhais intactos, surge uma condição denominada rigidez por descerebração. Essa
condição caracteriza-se por hiperatividade nos músculos antigravitacionais, principalmente no pescoço, no tronco e
nos membros. A ativação dos músculos antigravitacionais não sofre oposição, visto que os tratos corticoespinhais e
rubroespinhais foram seccionados, juntamente à ativação cortical das fibras reticuloespinhais medulares. Embora a
condução cortical no sistema reticuloespinhal pontino também tenha sido interrompida, ainda há uma ativação
suficiente de outros impulsos excitatórios, como as vias somatossensoriais ascendentes e os núcleos cerebelares. O
exame dos músculos antigravitacionais revela que seus reflexos de estiramento estão acentuadamente aumentados, e
diz-se que eles apresentam espasticidade. Acredita-se que a influência descendente das fibras reticuloespinhais
pontinas afete principalmente os motoneurônios gama. Isso é fundamentado pela observação de que a secção das
raízes dorsais nessa situação elimina a hiperatividade dos músculos antigravitacionais. A ativação intensificada
nesses músculos depende da ação do impulso do motoneurônio gama para os fusos musculares e do aumento
resultante da atividade das fibras aferentes primárias Ia.

SENSAÇÕES VESTIBULARES E MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO

Aparelho vestibular
Os órgãos sensoriais para detectar sensações vestibulares estão localizados em um sistema de câmaras ósseas, na
porção petrosa do osso temporal. Cada invólucro ósseo abriga uma câmara membranosa ou estrutura tubular que
contém as células ciliadas e as extremidades terminais de fibras sensoriais primárias do oitavo nervo craniano, que
levam até o cérebro. As estruturas membranosas incluem os três canais semicirculares, ou ductos e duas câmaras
maiores, o utrículo e o sáculo.

Função do utrículo e do sáculo na manutenção do equilíbrio estático


Dentro de cada utrículo e sáculo, existe uma pequena estrutura especializada, denominada mácula. A mácula é uma
área plana de cerca de 2 mm de diâmetro, localizada no plano horizontal da superfície inferior do utrículo e no plano
vertical do sáculo. A superfície de cada mácula é recoberta por uma camada gelatinosa, na qual estão incorporados
cristais de carbonato de cálcio densos, denominados estatocônios.
A mácula contém células de sustentação e células ciliadas sensoriais, cujos cílios se projetam para cima dentro da
camada gelatinosa. Cada célula tem cerca de cem cílios pequenos, denominados estereocílios, e um grande cílio, o
cinocílio. Este último é sempre o cílio mais alto e está posicionado para um lado da superf ície apical da célula
ciliada. Os estereocílios tornam-se progressivamente mais curtos em direção ao lado oposto do cinocílio. Filamentos
minúsculos conectam a ponta de cada cílio com o próximo cílio adjacente e servem para abrir os canais iônicos na
membrana do cílio, que é banhada pelo líquido endolinfático. Quando os estereocílios são curvados em direção ao
cinocílio, os canais de cátions se abrem, os íons positivos entram na célula a partir da endolinfa e a célula é
despolarizada. Em contrapartida, o movimento dos estereocílios para longe do cinocílio resulta em fechamento dos
canais da membrana, e ocorre hiperpolarização. Em cada mácula, grupos de cílios das células ciliadas são orientados
em direções específicas, de modo que alguns são estimulados, ao passo que outros são inibidos com o movimento da
cabeça em qualquer direção. O cérebro reconhece padrões de excitação e de inibição nas fibras sensoriais e traduz
esse padrão em orientação da cabeça. O utrículo e o sáculo são sensíveis à aceleração linear (mas não à velocidade
não linear). Quando a cabeça acelera em qualquer plano em relação à gravidade, os estatocônios são desviados, e
deslocam os cílios das células ciliadas em uma direção específica, o que despolariza algumas células e hiperpolariza
outras.

Detecção da rotação da cabeça pelos canais semicirculares


Os três canais semicirculares membranosos são os canais anterior, posterior e lateral; cada um deles está orientado
em ângulo reto com os outros, de modo que eles representam os três planos no espaço. O canal lateral encontra-se no
plano horizontal verdadeiro quando a cabeça é inclinada 30 graus para a frente, ao passo que os canais anterior e
posterior estão no plano vertical, com o canal anterior inclinado para a frente a 45 graus, e o canal posterior inclinado
posteriormente a 45 graus. O epitélio sensorial em cada canal é formado por uma ampola, composta de células
ciliadas sensoriais recobertas por uma pequena crista, denominada crista ampular, que se projeta dentro de uma
massa gelatinosa sobrejacente, a cúpula. Cada canal contém endolinfa, que está livre para se mover com a rotação da
cabeça; à medida que o faz, a cúpula é deslocada juntamente aos cílios que se projetam para dentro dela a partir das
células ciliadas. O movimento em uma direção é despolarizante, ao passo que o movimento na direção oposta é
hiperpolarizante.
Quando a cabeça começa a girar (aceleração angular), a endolinfa nos canais tende a permanecer estacionária,
devido à inércia, que produz um fluxo de endolinfa relativo oposto ao da rotação da cabeça. A cúpula é desviada, os
cílios são deslocados e as células ciliadas são despolarizadas ou hiperpolarizadas, dependendo da direção de deflexão
da cúpula. Se a rotação da cabeça persistir na mesma direção, a endolinfa alcança as mesmas direção e velocidade da
rotação da cabeça, a cúpula não é mais desviada e as células ciliadas não são estimuladas. Quando a rotação é
interrompida, há novamente fluxo da endolinfa em relação à cúpula (na direção da rotação); algumas células ciliadas
despolarizam, ao passo que outras são hiperpolarizadas. Os canais semicirculares não servem para manter o
equilíbrio, mas sim para sinalizar o início (ou o término) da rotação da cabeça; por conseguinte, eles desempenham
uma função preditiva.

Ações reflexas vestibulares

As mudanças súbitas na orientação da cabeça resultam em ajustes posturais, que decorrem da ativação de receptores
no utrículo, no sáculo ou nos canais semicirculares. A ativação das respostas motoras é obtida por projeções dos
núcleos vestibulares para o trato vestibuloespinhal lateral
Quando ocorre mudança na orientação da cabeça, os olhos devem ser movidos para manter uma imagem estável na
retina. Essa correção é efetuada por meio de conexões dos canais semicirculares com os núcleos vestibulares, que,
em seguida, controlam os neurônios motores dos terceiro, quarto e sexto nervos cranianos, por meio de projeções
através do fascículo longitudinal medial
Os proprioceptores nos músculos e nas articulações do pescoço fornecem um sinal para os núcleos vestibulares, que
neutraliza a sensação de desequilíbrio quando o pescoço é dobrado
O impulso do sistema visual, que sinaliza um leve desvio na posição de uma imagem na retina, é efetivo para a
manutenção do equilíbrio quando o sistema vestibular está danificado.

Conexões neurais do aparelho vestibular com o sistema nervoso central


Os núcleos vestibulares são ricamente interligados com os componentes da formação reticular do tronco encefálico.
Essas vias são utilizadas para regular os movimentos dos olhos por meio do fascículo longitudinal medial e para
controlar a postura do tronco e dos membros, junto aos tratos vestibuloespinhais. As primeiras conexões funcionam
para manter os olhos em um alvo quando a orientação da cabeça muda. A percepção do movimento da cabeça e do
corpo é obtida pelo impulso vestibular para o tálamo, que, em seguida, projeta-se para o córtex cerebral. Pouco se
sabe sobre a anatomia e a função dessa via.
O sistema vestibular também mantém projeções extensas para o cerebelo e recebe projeções dele. O lobo
floculonodular do cerebelo está relacionado com a função dos canais semicirculares e, quando afetado por lesões,
provoca a perda do equilíbrio durante rápidas mudanças na direção do movimento da cabeça. A úvula do cerebelo
desempenha um papel semelhante em relação ao equilíbrio estático.
CAPÍTULO 57

Contribuições do Cerebelo e dos Núcleos da Base para o Controle Motor

CEREBELO E SUAS FUNÇÕES MOTORAS

O cerebelo é vital para o controle dos movimentos rápidos. A ocorrência de danos ao cerebelo geralmente não
provoca paralisia muscular, porém causa a incapacidade de utilizar os músculos afetados de forma rápida, uniforme e
coordenada.

Áreas anatômicas e funcionais do cerebelo


O cerebelo consiste em um córtex de três camadas em torno de quatro pares de núcleos de localização central. O
córtex de superfície apresenta numerosas dobras, denominadas folhas, que são semelhantes aos giros do córtex
cerebral. O córtex cerebelar é constituído de três subdivisões principais: o lobo anterior, o lobo posterior e o lóbulo
floculonodular. Os lobos anterior e posterior são, ainda, divididos em: um plano sagital em uma porção mediana, o
vermis do cerebelo; uma zona intermediária ligeiramente mais lateral; e a grande zona lateral.
O vermis do cerebelo e a zona intermediária contêm um mapa somatotópico da superfície do corpo, que reflete a
entrada sensorial periférica dos músculos, dos tendões, das cápsulas articulares e de alguns receptores cutâneos.
Os hemisférios laterais recebem sinais principalmente do córtex cerebral por meio dos núcleos pontinos basilares.
As partes de cada hemisfério exibem uma organização somatotópica fraturada, o que indica que algumas regiões do
corpo estão espacialmente separadas de suas partes adjacentes. Por exemplo, um território do membro inferior pode
estar localizado adjacente a uma parte da face, e algumas regiões do corpo são representadas em mais de um local.
Os núcleos do cerebelo incluem: núcleo do fastígio ou medial; núcleos globoso e emboliforme, que são
coletivamente denominados núcleos interpósitos; e núcleo lateral, ou denteado. Os sinais eferentes desses núcleos
são dirigidos para o córtex cerebral por meio do tálamo e do tronco encefálico.

CIRCUITOS NEURAIS DO CEREBELO

Vias aferentes cerebelares

A maior projeção aferente, denominada sistema pontocerebelar, origina-se de células dos núcleos pontinos basilares.
Quase todas as regiões do córtex cerebral se projetam para células nos núcleos pontinos, que, em seguida, dão
origem a axônios pontocerebelares. Essa é a via principal por meio da qual a informação cortical é transmitida ao
cerebelo
A projeções olivocerebelares originam-se de células nos núcleos olivares inferiores
As fibras espinocerebelares originam-se na medula espinhal ou no bulbo
As fibras reticulocerebelares originam-se de uma variedade de grupos de células no tronco encefálico
As fibras vestibulares originam-se dos núcleos vestibulares e do aparelho vestibular sensorial.

Vias eferentes cerebelares

As partes medianas (vermis do cerebelo) do córtex cerebelar projetam-se para o núcleo do fastígio (medial) e, em
seguida, para os núcleos vestibulares e a formação reticular
O córtex da zona intermediária projeta-se para os núcleos globoso e emboliforme (núcleos interpósitos) e, em
seguida, para os núcleos talâmicos ventrolateral e ventral anterior. A partir do tálamo, os sinais são transmitidos para
o córtex cerebral e para os núcleos da base
Os hemisférios laterais projetam-se para o núcleo denteado (lateral) do cerebelo e, em seguida, para os núcleos
talâmicos ventrolateral e ventral anterior, que se projetam para o córtex cerebral.

Unidade funcional do córtex cerebelar: células de Purkinje e células nucleares profundas


As três camadas do córtex cerebelar, começando mais próximo à superfície da pia-máter, são a camada molecular, a
camada de células de Purkinje e a camada de células granulosas. O circuito fundamental através do córtex
cerebelar, que se repete cerca de 30 milhões de vezes, é mostrado na Figura 57.1. O principal tipo de célula é a célula
de Purkinje, que recebe estímulos para a sua árvore dendrítica em forma de leque, localizada na camada molecular.
Essa entrada aferente provém de duas fontes principais: (1) as fibras trepadeiras, que se originam de células do
complexo olivar inferior; e (2) as fibras paralelas, que representam axônios das células granulosas. As células
granulosas recebem sinais aferentes das fibras musgosas, que são formadas por todos os outros sistemas aferentes
cerebelares. Constatou-se que outra classe de fibras aferentes, que aparentemente fazem sinapse com as células de
Purkinje – as fibras multicamadas –, se origina a partir de grupos de células produtoras de aminas biogênicas, como
o locus ceruleus, e outros núcleos, incluindo partes do hipotálamo.

Figura 57.1 O lado esquerdo da figura mostra o circuito neuronal básico do cerebelo,
com neurônios excitatórios indicados em vermelho, e a célula de Purkinje (um
neurônio inibitório), em preto. O lado direito da figura mostra a relação física dos
núcleos cerebelares profundos com o córtex cerebelar e suas três camadas.

O circuito cerebelar fundamental é concluído pelo axônio da célula de Purkinje, que estabelece um contato
sináptico com um dos núcleos cerebelares, embora alguns axônios de Purkinje se estendam até os núcleos
vestibulares. A transmissão de sinais pelo circuito fundamental é influenciada por três outros aspectos:

As células de Purkinje e as células nucleares do cerebelo exibem um elevado nível de atividade de fundo, que pode
ser aumentado ou diminuído.
As células dos núcleos centrais recebem sinais excitatórios diretos das fibras trepadeiras e da maioria dos sistemas de
fibras musgosas, ao passo que o sinal proveniente das células de Purkinje é inibitório.
Três outros interneurônios inibitórios (células em cesto, células estreladas e células de Golgi) presentes no córtex
cerebelar também influenciam a transmissão de sinais pelo circuito fundamental.

FUNÇÃO DO CEREBELO NO CONTROLE MOTOR GLOBAL

O cerebelo tem uma função de liga/desliga. Durante quase todos os movimentos, determinados músculos
precisam ser rapidamente ativados e desativados. Como as fibras aferentes musgosas e trepadeiras podem estabelecer
contato excitatório direto com as células nucleares cerebelares (os neurônios eferentes cerebelares), é provável que
essas conexões estabeleçam o sinal de liga. Entretanto, as fibras aferentes musgosas e trepadeiras também passam
através do córtex cerebelar, onde podem ativar as células de Purkinje, que inibem neurônios nucleares cerebelares e,
dessa maneira, especificam o sinal de desliga. Sabe-se que as lesões cerebelares causam a incapacidade de executar
movimentos alternados rápidos (p. ex., pronação/supinação do punho), déficit conhecido como disdiadococinesia.
As células de Purkinje aprendem a corrigir erros motores. Foi proposto que o estímulo aferente das
fibras trepadeiras para uma célula de Purkinje modifica a sua sensibilidade ao estímulo aferente de fibras paralelas. O
estímulo das fibras trepadeiras é mais vigoroso quando ocorre uma desigualdade entre o resultado antecipado de um
movimento e o seu resultado real. À medida que o movimento é executado, a desigualdade diminui, e a atividade das
fibras trepadeiras começa a voltar ao seu nível anterior. Durante o período de aumento da atividade das fibras
trepadeiras, a célula de Purkinje pode se tornar mais ou menos responsiva aos estímulos das fibras paralelas.
O vestibulocerebelo associa‑se com o tronco encefálico e a medula espinhal para controlar o
equilíbrio e os movimentos posturais. O vestibulocerebelo é uma combinação do flóculo e do nódulo do
cerebelo e de certos núcleos vestibulares do tronco encefálico. Esses componentes do cérebro calculam a velocidade
e a direção do movimento, isto é, avaliam onde o corpo estará nos próximos milissegundos. Essa computação é a
chave para a mudança para o próximo movimento sequencial ou para manter o equilíbrio. Como o circuito
vestibulocerebelar está associado principalmente aos músculos axiais e dos cíngulos, esse sistema parece estar
principalmente envolvido na configuração e na manutenção da postura adequada para o movimento.
O espinocerebelo está envolvido no controle dos movimentos das partes distais dos membros. O
espinocerebelo consiste na zona intermediária dos lobos anterior e posterior, juntamente à maior parte do vermis e
dos lobos anterior e posterior. É a porção do córtex cerebelar que recebe a maior parte das projeções ascendentes da
medula espinhal (tratos espinocerebelar e cuneocerebelar), particularmente o estímulo aferente dos fusos
neuromusculares, dos órgãos tendinosos de Golgi e das cápsulas articulares. Ele também recebe estímulos aferentes
do córtex cerebral por meio dos núcleos pontinos, de modo que recebe informações relativas aos movimentos
intencionais, bem como aos movimentos em execução.
O espinocerebelo pode estar envolvido em movimentos de amortecimento. Por exemplo, quando um braço é
movido, desenvolve-se um ímpeto que precisa ser superado para interromper o movimento. Quando lesões afetam o
espinocerebelo, ocorre ultrapassagem (overshoot). O braço pode se estender além do alvo em determinada direção;
em seguida, à medida que a correção é feita, o braço pode ultrapassar o limite na direção oposta. Às vezes, esse
efeito é interpretado como tremor de ação ou tremor intencional.
Os movimentos extremamente rápidos, como os movimentos dos dedos na digitação, são denominados
movimentos balísticos, o que significa que todo o movimento é pré-planejado e colocado em execução para percorrer
uma distância específica e, em seguida, parar. Os movimentos sacádicos dos olhos também são movimentos
balísticos. Esses tipos de movimentos são afetados quando o espinocerebelo é danificado. O movimento é iniciado
devagar, a sua força de desenvolvimento é fraca e o seu término é lento, resultando em ultrapassagem (overshoot) ou
passar do ponto (past pointing).
O cerebrocerebelo está envolvido no planejamento, no sequenciamento e na sincronização dos
movimentos. As zonas laterais dos hemisférios cerebelares recebem a maior parte de sua aferência do córtex
cerebral por meio dos núcleos pontinos e não recebem projeções diretamente da medula espinhal. O planejamento de
um movimento pretendido e sequencial é transmitido a partir dos córtices pré-motor e sensorial para a parte basilar
da ponte e, em seguida, para os núcleos cerebelares e o córtex do hemisfério lateral. Foi relatado que a atividade no
núcleo denteado reflete o movimento que será executado, e não o movimento em curso.
Quando ocorre dano à zona lateral do hemisfério, perde-se o tempo apropriado para os movimentos sequenciais;
ou seja, o movimento seguinte pode começar muito cedo ou muito tarde, e os movimentos complexos, como aqueles
para escrever ou correr, são descoordenados ou não progridem em uma sequência ordenada de um movimento para o
próximo. A função de sincronização envolvida na estimativa da progressão dos fenômenos auditivos e visuais
também pode ser prejudicada. Por exemplo, uma pessoa pode perder a capacidade de prever com base no som ou na
visão a rapidez com que um objeto está se aproximando.

Anormalidades clínicas do cerebelo

A dismetria e a ataxia são movimentos que ultrapassam ou que não alcançam o alvo pretendido. O efeito é
denominado dismetria, e os movimentos anormais são denominados atáxicos
Passar do ponto (past pointing) refere-se à incapacidade do sinal de movimento de finalizar no momento adequado,
de modo que o membro continua o movimento além do alvo de intenção
A disdiadococinesia refere-se à incapacidade de executar movimentos alternados rápidos. O controlador que passa
da extensão para a flexão (ou vice-versa) não tem o seu momento adequadamente sincronizado
A disartria é um defeito da fala que envolve a progressão inapropriada de uma sílaba para a seguinte. Ela resulta em
fala arrastada, em que algumas sílabas são sustentadas, ao passo que outras são descartadas muito rapidamente
O tremor intencional só ocorre quando se tenta executar um movimento voluntário e é intensificado à medida que o
membro se aproxima de seu alvo
O nistagmo cerebelar é um tremor dos olhos que ocorre com a tentativa de fixar um ponto na periferia do campo
visual
A hipotonia refere-se à diminuição do tônus muscular nos músculos afetados, acompanhada de diminuição dos
reflexos.

NÚCLEOS DA BASE E SUAS FUNÇÕES MOTORAS

A expressão núcleos da base refere-se à região do cérebro que inclui o núcleo caudado, o putame, o globo pálido, a
substância negra e o núcleo subtalâmico. Essas estruturas estão localizadas profundamente dentro de cada
hemisfério cerebral.

Função dos núcleos da base na execução de padrões de atividade motora: circuitos do putame
Um importante papel dos núcleos da base é funcionar em associação com o sistema corticoespinhal para controlar
padrões complexos de atividade motora. Os circuitos que interligam as estruturas que compõem os núcleos da base
são intrincados e complexos. Uma representação rudimentar dessas conexões é mostrada na Figura 57.2.
Em geral, as funções que envolvem o movimento estão principalmente associadas ao putame, e não ao núcleo
caudado. Os sinais iniciados nos córtices pré-motor e suplementar são transmitidos para o putame e, em seguida,
para o globo pálido. Esta última estrutura apresenta subdivisões interna e externa, que estão ligadas uma à outra
sinapticamente, mas que também se projetam para diferentes localizações. O segmento externo está ligado de modo
recíproco com o núcleo subtalâmico, ao passo que o segmento interno se projeta para o tálamo e a substância negra.
Os núcleos motores no tálamo que recebem estímulos aferentes do pálido se projetam de volta às regiões pré-motora
e motora primária do córtex.
Esse conjunto de conexões forma uma série de alças que ligam o córtex motor a partes do putame e do globo
pálido. Por sua vez, essas células projetam-se para os núcleos motores do tálamo, que transmitem sinais de volta para
o córtex motor. Dentro de cada alça, existem dois circuitos, as vias direta e indireta. A via direta vai dos neurônios
inibitórios do putame até as células do segmento do pálido interno, que, em seguida, projetam-se para os núcleos
motores do tálamo. Os neurônios no segmento interno formam um circuito palidotalâmico inibitório, que envolve
neurônios talamocorticais que se projetam para o córtex motor. O resultado é que os neurônios talamocorticais são
desinibidos, o que permite a transmissão de impulsos excitatórios do tálamo para o córtex motor. A via direta
aumenta o movimento.
Figura 57.2 Circuito do putame através dos núcleos da base para a execução
subconsciente de padrões aprendidos de movimento.

Em contrapartida, a via indireta envolve uma série de sinais inibitórios transmitidos através do putame e do
segmento do pálido externo, que normalmente resultam em desinibição das células no núcleo subtalâmico. Os
neurônios subtalâmicos são liberados e enviam sinais excitatórios para os neurônios do segmento do pálido interno,
que fornecem impulsos inibitórios para os núcleos motores do tálamo. Isso resulta em diminuição da ativação
talâmica do córtex motor e redução da atividade motora corticalmente mediada. Todavia, quando essa via é
disfuncional (como na doença de Huntington), os neurônios nos núcleos motores do tálamo não são inibidos a partir
do segmento do pálido interno, que permite aos neurônios talamocorticais excitar o córtex motor, resultando na
produção de movimentos involuntários; esses movimentos não são voluntariamente iniciados e não podem ser
interrompidos. As vias direta e indireta são ativadas quando um movimento voluntário é executado. A via direta leva
à ativação dos músculos necessários para a execução acurada do movimento, ao passo que a via indireta funciona
para inibir músculos que interfeririam no movimento pretendido.
Além da conectividade complexa, o ambiente sináptico dos núcleos da base contém uma variedade diversificada
de agentes neurotransmissores; os neurônios individuais do putame e do núcleo caudado podem expressar mais de
um agente neurotransmissor. Em consequência, as lesões que afetam os núcleos da base dão origem a uma ampla
variedade de sinais e sintomas clínicos:

As lesões no globo pálido podem causar movimentos de contorção da mão, do braço ou do rosto, denominados
atetose
As lesões subtalâmicas podem causar movimentos bruscos de um membro, denominados hemibalismo
As lesões do putame podem causar movimentos de sacudidela das mãos ou do rosto, denominados coreia
A degeneração das células dopaminérgicas da substância negra leva à doença de Parkinson, que se caracteriza por
bradicinesia (lentidão do movimento), marcha em pequenos passos, rigidez, ausência de expressão facial e tremor de
repouso (rolagem de pílula).

Papel dos núcleos da base no controle cognitivo da motricidade: circuito do caudado


À semelhança do putame, o núcleo caudado recebe projeções densas do córtex cerebral; entretanto, as áreas de
associação corticais estão primariamente envolvidas, em vez do córtex motor. O sinal eferente do núcleo caudado
que é enviado para o segmento interno do globo pálido e o tálamo finalmente segue o seu trajeto até os córtices pré-
frontal, pré-motor e motor suplementar. Por conseguinte, parece que o núcleo caudado pode controlar padrões
motores que estão associados à memória da experiência anterior. Um exemplo disso é uma situação na qual uma
pessoa é confrontada por uma ameaça. Primeiro, a pessoa reconhece a situação como perigosa com base na
experiência anterior; em seguida, um julgamento é feito para agir em resposta à ameaça. Quando o julgamento ou a
memória da experiência passada estão associados a um movimento, é provável que os circuitos através do núcleo
caudado estejam envolvidos no controle das ações.

Função dos núcleos da base para alterar a sincronização e dimensionar a intensidade de


movimentos
Dois parâmetros importantes de qualquer movimento são a velocidade e a amplitude do movimento, denominados
funções de sincronização e escalonamento. Essas duas características estão comprometidas em pacientes que
apresentam lesões dos núcleos da base, particularmente aqueles com lesões que afetam o núcleo caudado. Isso tem
uma boa correlação com o fato de que o córtex parietal posterior (particularmente no hemisfério não dominante)
constitui o local das coordenadas espaciais do corpo e sua relação com o ambiente externo. Essa parte do córtex
projeta-se fortemente para o núcleo caudado.

Síndromes clínicas resultantes de lesão dos núcleos da base


A doença de Parkinson pode ser causada pela perda das fibras nervosas secretoras de
dopamina. A doença de Parkinson caracteriza-se por: (1) presença de rigidez em muitos grupos musculares; (2)
tremor em repouso, quando nenhum movimento voluntário está sendo executado; e (3) dificuldade em iniciar o
movimento (acinesia). Acredita-se que uma grande parte dessa sintomatologia esteja associada à perda progressiva
das células produtoras de dopamina na substância negra. Esses neurônios são conhecidos por se projetarem
difusamente ao longo do núcleo caudado e do putame, e a gravidade dos sintomas parece ser proporcional ao grau de
perda das células na substância negra.
Tratamento da doença de Parkinson. Como a perda de células resulta em níveis diminuídos de dopamina,
pode-se administrar um precursor da dopamina, L‑dopa, para aumentar a disponibilidade de dopamina. Essa
substância pode atravessar a barreira hematoencefálica; a dopamina, por sua vez, não tem essa capacidade. Esse
tratamento apresenta pelo menos dois problemas significativos: (1) nem toda a L-dopa alcança o cérebro de modo
consistente, visto que os tecidos fora do sistema nervoso central são capazes de produzir dopamina; e (2) à medida
que mais e mais neurônios sofrem degeneração na substância negra, é necessário administrar mais L-dopa:

O L-deprenil (selegilina na Denominação Comum Brasileira) é um inibidor da monoaminoxidase, a substância que


decompõe a dopamina após a sua liberação no cérebro. Além disso, parece retardar a degeneração das células da
substância negra e pode ser combinado com L-dopa para aumentar a disponibilidade de dopamina
O transplante de neurônios da substância negra fetal no caudado e no putame tem sido realizado na tentativa de
aumentar os níveis de dopamina, porém com sucesso limitado. As células transplantadas permanecem viáveis por
apenas um curto período (semanas a meses), e o uso de tecido fetal abortado cria um dilema ético. Linhagens de
células em cultura (p. ex., fibroblastos) que foram alteradas geneticamente para produzir dopamina estão começando
a ser promissoras como abordagem alternativa
Um procedimento denominado palidotomia também tem sido utilizado como tratamento. Cogitou-se que os déficits
motores observados na doença de Parkinson resultam de sinais anormais transmitidos do globo pálido para o tálamo.
Embora os efeitos diretos da perda de dopamina pareçam ser restritos ao caudado e ao putame, seus axônios que se
projetam para o globo pálido ainda são funcionais. Por conseguinte, uma abordagem tem sido a colocação de um
eletrodo no globo pálido próximo às suas vias eferentes para produzir uma lesão destrutiva, visando interromper a
projeção para o tálamo.

A doença (coreia) de Huntington é um distúrbio autossômico dominante geneticamente


transmitido. Em geral, a doença de Huntington não aparece até a terceira ou quarta décadas de vida. Caracteriza-se
por movimentos coreiformes (em sacudidela) em determinadas articulações, que progridem gradualmente a ponto de
acometerem grande parte do corpo. Observa-se, também, o aparecimento gradual de demência grave, em conjunto
com os déficits motores. O substrato neural para essa doença é menos bem compreendido em comparação com a
doença de Parkinson. Acredita-se que a doença de Huntington envolva a perda de neurônios de ácido gama-
aminobutírico no núcleo caudado e no putame e, talvez, a perda de neurônios de acetilcolina em várias partes do
cérebro, incluindo o córtex cerebral. O gene responsável por esse defeito foi isolado e localizado no braço curto do
cromossomo 4.

INTEGRAÇÃO DAS DIFERENTES PARTES DO SISTEMA DE CONTROLE GLOBAL DO MOVIMENTO

Nível espinhal. Os padrões de movimento que envolvem quase todos os músculos do corpo são organizados na
medula espinhal. Esses padrões variam desde o reflexo de retirada relativamente simples até o movimento
coordenado de todos os quatro membros
Nível do rombencéfalo (tronco encefálico). Em relação à função somatomotora, os neurônios no tronco encefálico
desempenham um importante papel no controle dos movimentos oculares reflexivos que envolvem o aparelho
sensorial vestibular. Além disso, o tronco encefálico medeia o controle da postura e do equilíbrio, influenciado pelo
sistema vestibular, e desempenha um importante papel na regulação do tônus muscular por meio de neurônios
motores gama
Nível do córtex motor. O impulso do córtex motor é fornecido à medula espinhal por meio da vasta rede de fibras do
sistema corticoespinhal. Em geral, as áreas motoras do córtex podem elaborar um programa motor único e
específico, que é enviado até a medula espinhal, ativando vários grupos musculares. Como alternativa, o córtex pode
fazer uma seleção entre o conjunto de padrões motores definidos pelos circuitos intrínsecos da medula espinhal
Cerebelo. O cerebelo funciona em vários níveis na hierarquia de controle motor. No nível espinhal, ele pode facilitar
os reflexos de estiramento, de modo que a capacidade de manejar uma mudança inesperada na carga é aumentada.
No tronco encefálico, o cerebelo está interligado com o sistema vestibular para ajudar a regular a postura do
equilíbrio e os movimentos oculares. O impulso eferente do cerebelo é dirigido principalmente para o tálamo, que,
em seguida, influencia o córtex cerebral para fornecer comandos motores acessórios ou para programar
antecipadamente a progressão de um movimento rápido em determinada direção para um movimento rápido na
direção oposta
Núcleos da base. Esses neurônios e grupos de células associadas funcionam com áreas motoras do córtex para
controlar padrões aprendidos de movimento e diversos movimentos sequenciais planejados para executar tarefas
autogeradas ou internamente guiadas. Nessa função, estão incluídas modificações no programa motor necessárias
para regular a velocidade e o tamanho do movimento.
CAPÍTULO 58

Córtex Cerebral, Funções Intelectuais do Cérebro, Aprendizado e


Memória

ANATOMIA FISIOLÓGICA DO CÓRTEX CEREBRAL

O córtex cerebral é uma camada de 2 a 5 mm de mais de 80 bilhões de neurônios, com uma área de superfície total
de aproximadamente 0,25 m2.
Os neurônios corticais estão distribuídos, em sua maioria, em três categorias: (1) granulares (ou estrelados), (2)
fusiformes e (3) piramidais. As células granulares consistem em neurônios de circuitos locais com axônios curtos,
que atuam principalmente como interneurônios e utilizam o glutamato (excitatório) ou o GABA [ácido
gamaaminobutírico] (inibitório) como neurotransmissores. Em contrapartida, os neurônios fusiformes e piramidais
têm axônios longos, que dão origem a quase todas as fibras que saem do córtex. As células fusiformes projetam-se
para o tálamo, ao passo que os neurônios piramidais se projetam para outros locais no mesmo hemisfério ou no
hemisfério oposto, bem como para uma variedade de regiões subcorticais, como o núcleo rubro, a parte basilar da
ponte e a medula espinhal.
Os neurônios do córtex cerebral estão organizados em seis camadas horizontais. A camada IV recebe sinais
sensoriais provenientes do tálamo, ao passo que os neurônios da camada V dão origem às longas projeções
subcorticais para o tronco encefálico e a medula espinhal. As fibras corticotalâmicas originam-se de células na
camada VI. As interconexões corticotalâmicas são mais significativas, visto que o dano ao córtex isoladamente
parece resultar em menos disfunção do que a que ocorre quando tanto o córtex quanto o tálamo são danificados. As
camadas I, II e III são especializadas para receber impulsos e projetam-se para outras partes do córtex no mesmo
hemisfério ou no hemisfério oposto.

FUNÇÕES DE ÁREAS CORTICAIS ESPECÍFICAS

Muitas áreas do córtex cerebral são especializadas no desempenho de funções específicas. Algumas áreas,
denominadas córtex primário, apresentam conexões diretas com a medula espinhal para controlar o movimento, ao
passo que outras regiões primárias recebem impulsos sensoriais dos núcleos talâmicos que representam cada um dos
sentidos especiais (com exceção do olfato) e a somatossensação (somestesia). As áreas corticais secundárias são
denominadas córtex de associação e servem para interligar várias partes do córtex no mesmo hemisfério ou no
hemisfério oposto.

Áreas de associação

A área parietoccipitotemporal inclui: (1) a área parietal posterior, que contém as coordenadas espaciais para todas
as partes do lado contralateral do corpo, bem como de seu entorno contralateral; (2) a área para a compreensão da
linguagem, denominada área de Wernicke, localizada no giro temporal superior; (3) a área do giro angular,
localizada no lobo parietal inferior, responsável pelo processamento inicial da linguagem visual (leitura); e (4) uma
área para nomeação dos objetos, localizada na parte anterior do lobo occipital
A área de associação pré‑frontal funciona em estreita associação com as áreas motoras do lobo frontal para o
planejamento de padrões complexos e sequências de movimentos. Grande parte de seu impulso provém do córtex de
associação parietoccipitotemporal, e seu principal impulso eferente é enviado para o núcleo caudado para
processamento adicional. Essa área também está envolvida em funções não motoras, que incluem transformações
relacionadas com a memória para a resolução de problemas e outros comportamentos guiados internamente. A área
de associação pré-frontal contém uma região especializada, a área de Broca, que está envolvida nos aspectos motores
da fala e recebe impulsos da área de Wernicke, no lobo temporal. A área de Broca fornece impulsos eferentes para o
córtex motor adjacente, que controla os músculos necessários para a fala
O córtex de associação límbica inclui o polo anterior do lobo temporal, a face ventral do lobo frontal e uma parte do
córtex cingulado. Essa área está envolvida com os complexos processos de comportamento emocional e
motivacional e está ligada a estruturas do sistema límbico, como o hipotálamo, a amígdala e o hipocampo
A área de reconhecimento facial está localizada nas superfícies medioventrais dos lobos occipital e temporal.

Conceito de hemisfério dominante


As funções interpretativas da área de Wernicke, do giro angular e das áreas da fala motoras frontais estão mais
altamente desenvolvidas em um hemisfério, o hemisfério dominante. Em aproximadamente 95% de todos os
indivíduos, o hemisfério esquerdo é dominante, independentemente da lateralidade. Ainda não foi elucidado como
um hemisfério passa a ser dominante.
Com frequência, atribui-se à área de Wernicke uma função interpretativa geral, visto que a ocorrência de dano a
essa área resulta na incapacidade de compreender a linguagem falada ou escrita, mesmo quando o indivíduo não
apresenta déficit auditivo e pode ser capaz de ler as palavras em uma página. De modo semelhante, o dano ao giro
angular (com a área de Wernicke intacta) pode não comprometer a capacidade de compreender a linguagem falada;
entretanto, perde-se a capacidade de compreender as palavras escritas, condição denominada cegueira de palavras.
A área no hemisfério não dominante que corresponde à área de Wernicke também está envolvida na função da
linguagem. Ela é responsável pela compreensão do conteúdo emocional ou entonação da linguagem falada. De modo
semelhante, uma área no lobo frontal não dominante corresponde à área de Broca e é responsável pela transmissão da
entonação e das inflexões que conferem cor emocional ou significado à fala. De certa maneira, essas áreas também
são dominantes para determinada função da linguagem.

Funções intelectuais superiores do córtex pré‑frontal: função executiva


A função do córtex pré-frontal é complexa e multifatorial e pode ser explicada pela descrição dos déficits observados
em indivíduos que apresentam grandes lesões nesse córtex:

Diminuição da agressividade e respostas sociais inadequadas. Essas características são mais evidentes quando as
lesões acometem a parte ventral do córtex pré-frontal, que é a área de associação límbica
Incapacidade de progredir em direção às metas ou de elaborar pensamentos sequenciais. O córtex pré-frontal reúne
informações de áreas disseminadas do cérebro para desenvolver soluções para problemas, exigindo respostas
motoras ou não motoras. Na ausência dessa função, os pensamentos perdem a sua progressão lógica, e o indivíduo
perde a capacidade de focalizar a atenção, tornando-se altamente passível de distração
O córtex pré‑frontal como local da memória de trabalho. A capacidade de manter e de classificar fragmentos de
informações que serão utilizados em uma função de resolução de problemas é descrita como memória de trabalho
(working memory). Ao combinar esses fragmentos armazenados de informação, uma pessoa tem a capacidade de
fazer prognósticos, planejar o futuro, retardar uma resposta enquanto reúne mais informações, considerar as
consequências das ações antes de sua execução, correlacionar informações de muitas fontes e controlar as ações de
acordo com as leis morais ou da sociedade. Todas essas ações são consideradas funções intelectuais de ordem
superior e parecem ser definitivas para a experiência humana.

Função do cérebro na comunicação: componentes aferente e eferente da linguagem


A comunicação tem dois aspectos: o componente aferente da linguagem (aspecto sensorial) e o componente eferente
da linguagem (aspecto motor). Alguns indivíduos são capazes de ouvir ou identificar palavras escritas ou faladas,
mas não compreendem o significado delas. A ocorrência de uma lesão na área de Wernicke pode causar essa
condição, denominada afasia receptiva ou sensorial, ou simplesmente afasia de Wernicke. Se a lesão se estender
além dos limites da área de Wernicke, ocorrerá uma incapacidade total de utilizar a linguagem como comunicação,
condição denominada afasia global.
Se um indivíduo for capaz de formular a linguagem verbal em sua mente, porém não conseguir vocalizar a
resposta, a condição é denominada afasia motora. Isso indica uma lesão envolvendo a área de Broca no lobo frontal,
denominada afasia de Broca. O defeito não está no controle da musculatura necessária para a fala, mas sim na
elaboração dos complexos padrões de ativação neural e muscular que definem os aspectos motores da linguagem. As
lesões que acometem as áreas de linguagem correspondentes no hemisfério não dominante causam aprosodia
sensorial (i. e., incapacidade de compreender as qualidades emocionais da fala) ou aprosodia motora (i. e.,
incapacidade de conferir conteúdo emocional à fala).

O corpo caloso e a comissura anterior comunicam pensamentos, memórias, experiências e outras


informações entre os dois hemisférios cerebrais
O corpo caloso fornece interconexões abundantes para a maioria das áreas dos hemisférios cerebrais, com exceção
das partes anteriores dos lobos temporais, que estão interconectadas pela comissura anterior. Algumas das conexões
funcionais mais importantes mediadas por esses dois feixes de fibras são as seguintes:

O corpo caloso permite a comunicação da área de Wernicke, no hemisfério esquerdo, com o córtex motor, no
hemisfério direito. Na ausência dessa conexão, o movimento voluntário do lado esquerdo do corpo a um comando
comunicado não é possível
As informações visuais e somatossensoriais do lado esquerdo do corpo alcançam o hemisfério direito. Sem o corpo
caloso, essa informação sensorial não consegue se estender até a área de Wernicke, no hemisfério esquerdo. Em
consequência, essas informações não podem ser utilizadas para processamento pela área de Wernicke, e o lado
esquerdo do corpo e o campo visual esquerdo são ignorados
Na ausência do corpo caloso, apenas a metade esquerda do cérebro consegue compreender a palavra tanto escrita
quanto falada. O lado direito do cérebro só pode compreender a palavra escrita, mas não a linguagem verbal.
Entretanto, as respostas emocionais podem envolver ambos os lados do cérebro (e do corpo) se a comissura anterior
estiver intacta.

PENSAMENTOS, CONSCIÊNCIA E MEMÓRIA

Os substratos neurais para os três processos de pensamentos, consciência e memória são pouco compreendidos. A
teoria holística dos pensamentos, em termos simples, indica que o todo é maior do que a soma de suas partes. Esse
conceito sugere que um pensamento resulta de uma estimulação padronizada do córtex cerebral, do tálamo e do
sistema límbico, e que cada uma dessas áreas contribui com sua própria característica ou qualidade particular para o
processo. A consciência talvez possa ser descrita como o fluxo contínuo de percepção do ambiente ou de
pensamentos sequenciais.

Memória: papéis da facilitação sináptica e da inibição sináptica


As memórias derivam de mudanças na transmissão sináptica entre neurônios, que ocorrem como resultado de uma
atividade neural anterior. Essas mudanças fazem as novas vias, as vias facilitadas ou vias inibidas se desenvolverem
no circuito neural apropriado. As vias neurais novas ou alteradas são denominadas traços de memória. Embora
pensemos em memórias como uma coleção positiva de experiências anteriores, elas muito provavelmente são, em
certo sentido, memórias negativas. Nossas mentes são inundadas com informações sensoriais, e uma importante
função cerebral reside na capacidade de ignorar as informações irrelevantes ou estranhas. Esse processo é
denominado habituação. Em contrapartida, o cérebro tem a capacidade de aumentar ou de armazenar certos traços de
memória por meio da facilitação de circuitos sinápticos, mecanismo denominado sensibilização da memória.
Algumas memórias duram apenas alguns segundos, ao passo que outras têm uma duração de várias horas, dias,
meses ou anos. Em consequência, foram descritas três categorias de memórias: (1) as memórias de curto prazo, que
duram apenas alguns segundos ou minutos, a não ser que sejam convertidas em memória de longo prazo; (2) a
memória de médio prazo, que dura dias a semanas, porém é finalmente perdida; e (3) a memória de longo prazo, que,
uma vez armazenada, pode ser recuperada anos mais tarde ou durante toda a vida.
Memórias de curto prazo. As memórias de curto prazo são ilustradas pela memória de um novo número de
telefone, que pode ser recuperado alguns segundos ou minutos depois, se a pessoa continuar pensando nele. Algumas
teorias para explicar esse mecanismo são as de que: (1) esse tipo de memória ocorre em virtude de uma atividade
neural contínua em um circuito reverberante; (2) ocorre como resultado da ativação de sinapses em terminações pré-
sinápticas que normalmente resultam em facilitação ou inibição prolongada; e (3) ocorre devido ao acúmulo de
cálcio nos terminais axônicos, que pode levar ao aumento do impulso sináptico eferente desse terminal.
Memórias de médio prazo. As memórias de médio prazo (intermediárias) podem resultar de alterações
químicas ou físicas temporárias na membrana pré-sináptica ou pós-sináptica, que podem persistir por alguns minutos
até várias semanas. Conforme ilustrado na Figura 58.1, a estimulação de um terminal facilitador ao mesmo tempo
que a ativação de outro impulso sensorial libera serotonina em locais sinápticos no terminal sensorial. A estimulação
dos receptores de serotonina ativa a adenilciclase no terminal sensorial principal, o que resulta na formação de
monofosfato de adenosina cíclico, que leva à liberação de uma proteinoquinase e à fosforilação de uma proteína que
bloqueia os canais de potássio no terminal sensorial. A diminuição da condutância do potássio prolonga os potenciais
de ação que alcançam o terminal sensorial, o que, por sua vez, permite o aumento da entrada de cálcio no terminal
sensorial, o aumento da liberação de neurotransmissor do terminal sensorial e a facilitação da transmissão nessa
sinapse.

Figura 58.1 Possível mecanismo neuronal para a memória intermediária de longo


prazo. AMPc: monofosfato de adenosina cíclico.

Memórias de longo prazo. Acredita-se que as memórias de longo prazo resultem de mudanças estruturais na
sinapse, que intensificam ou suprimem a condução do sinal. Essas mudanças estruturais incluem: (1) aumento do
número de locais de liberação de vesículas sinápticas; (2) aumento do número de vesículas sinápticas disponíveis; (3)
aumento do número de terminais sinápticos; e (4) alteração no formato ou no número de espinhas pós-sinápticas.

Consolidação da memória
Para que as memórias sejam convertidas em memória de longo prazo, elas precisam ser consolidadas, isto é, elas
devem iniciar as alterações químicas ou estruturais subjacentes à formação de uma memória de longo prazo. Em
geral, são necessários 5 a 10 minutos para uma consolidação mínima, ao passo que pode ser necessária 1 hora ou
mais para uma forte consolidação, que exige a síntese de RNA mensageiro e proteínas nos neurônios.
O treino repetitivo da mesma informação na mente potencializa a transferência da memória de curto prazo para a
memória de longo prazo. Com o passar do tempo, as características importantes da experiência sensorial tornam-se
progressivamente mais fixadas nas memórias armazenadas. Durante a consolidação, as memórias são codificadas em
várias classes de informação. Por exemplo, experiências novas e antigas sobre determinado tópico são comparadas
em termos de semelhanças e diferenças, e é a última informação que é armazenada.

Papel do hipocampo e de outras regiões do cérebro na memória


As lesões do hipocampo levam à amnésia anterógrada, que se refere à incapacidade de formar ou de armazenar
novas memórias. As memórias formadas antes do início da lesão não são afetadas, aparentemente pelo fato de que o
hipocampo (e o núcleo dorsomedial do tálamo) está ligado aos denominados centros de punição e de recompensa.
Em outras palavras, nossas experiências no hipocampo podem ser associadas ao prazer ou à punição, o que se torna,
então, a base para iniciar o processo de memória. A perda da memória de longo prazo ocorre devido a lesões do
tálamo e, em alguns casos, a dano ao hipocampo. O tálamo pode constituir uma parte do mecanismo que procura as
memórias armazenadas e procede à sua “leitura”. Os indivíduos com lesões do hipocampo não têm dificuldade em
aprender habilidades físicas que exigem apenas a repetição manual e não envolvem a verbalização ou outros tipos de
inteligência simbólica de ordem superior, o que sugere que os mecanismos de memória para funções estejam
distribuídos em mais de um local no cérebro.
CAPÍTULO 59

Sistema Límbico e Hipotálamo: Mecanismos Comportamentais e


Motivacionais do Cérebro

SISTEMAS DE ATIVAÇÃO: FUNÇÃO DE MOTIVAÇÃO NO CÉREBRO

Sem a transmissão contínua de sinais nervosos da parte inferior do encéfalo para o cérebro, este é incapaz de
funcionar. Os sinais provenientes do tronco encefálico ativam o cérebro de duas maneiras: (1) estimulam o nível
basal de atividade em amplas áreas do cérebro; e (2) ativam os sistemas neuro-humorais, que liberam
neurotransmissores facilitadores ou inibitórios específicos, semelhantes a hormônios, em áreas selecionadas do
cérebro.

Controle da atividade cerebral por sinais excitatórios contínuos do tronco encefálico


Área reticular excitatória do tronco encefálico: uma força motriz para a atividade cerebral. Uma
área excitatória reticular forma projeções espinhais descendentes para a medula espinhal, que exercem uma
influência excitatória sobre os neurônios motores que inervam a musculatura antigravitacional. Essa mesma área
reticular também envia fibras rostrais para diversos locais, incluindo o tálamo, de onde os neurônios se distribuem
para todas as regiões do córtex cerebral.
Dois tipos de sinais alcançam o tálamo. Um tipo surge de grandes neurônios reticulares colinérgicos, é
rapidamente transmitido e excita o cérebro por apenas alguns milissegundos. O segundo tipo de sinal origina-se de
pequenos neurônios reticulares, que geram potenciais de ação relativamente lentos, que terminam principalmente nos
núcleos intralaminares e reticulares do tálamo. Os sinais excitatórios do último impulso aferente formam-se
lentamente e produzem um efeito generalizado, que controla o nível basal de excitabilidade dos neurônios corticais.
O nível de atividade na área reticular excitatória é determinado, em grande parte, por impulsos aferentes de vias
somatossensoriais ascendentes – as vias de dor, em particular. Esse fenômeno foi deduzido a partir de experimentos
em animais, em que o tronco encefálico foi transeccionado em uma área imediatamente rostral à entrada do nervo
trigêmeo; isso eliminou efetivamente todas as entradas somatossensoriais ascendentes, tornando a área reticular
excitatória silenciosa, uma vez que o animal entra em um estado semelhante ao coma. O córtex também fornece
impulsos excitatórios descendentes para a área reticular excitatória, que serve como feedback positivo e permite que
a atividade cerebral reforce a ação do sistema reticular ascendente. O tálamo e o córtex são ligados por conexões
recíprocas. Parte do processo do “pensamento” pode envolver a formação de memórias resultante da transferência
bidirecional de sinais entre o tálamo e o córtex.
A parte inferior do tronco encefálico na área ventromedial do bulbo contém uma área reticular
inibitória. À semelhança da área reticular excitatória mais rostral, a região reticular inibitória fornece projeções
espinhais descendentes, que inibem a atividade dos músculos antigravitacionais. De modo similar, a área reticular
inibitória projeta-se rostralmente para diminuir a excitação do cérebro por meio de sistemas serotoninérgicos,
conforme discutido posteriormente.

CONTROLE NEURO‑HORMONAL DA ATIVIDADE CEREBRAL


Um segundo método para alterar a atividade de base no cérebro envolve projeções de grupos de células que utilizam
agentes neurotransmissores excitatórios ou inibitórios, que funcionam como sinalizadores químicos; esses três
agentes são: noradrenalina, dopamina e serotonina.

O sistema da noradrenalina origina-se de neurônios do locus ceruleus, localizado na parte rostral da ponte e na parte
caudal do mesencéfalo. Essas células têm axônios muito longos e difusamente salientes, que se estendem para muitas
áreas do cérebro, incluindo o tálamo e o córtex cerebral. Na maioria de seus alvos sinápticos, a noradrenalina exerce
efeitos excitatórios; entretanto, em algumas regiões, ela provoca inibição. Com frequência, os efeitos da
noradrenalina são moduladores, isto é, eles podem não causar um potencial de ação no neurônio-alvo, mas podem
elevar o nível de excitabilidade da célula, tornando-a mais suscetível ao disparo de potenciais de ação em resposta a
estímulos subsequentes
Os neurônios dopaminérgicos estão concentrados, em sua maioria, em dois locais no mesencéfalo, que dão origem
aos sistemas mesoestriatal e mesolímbico. Os neurônios da parte compacta da substância negra representam uma
importante fonte de fibras dopaminérgicas, que se projetam rostralmente para o caudado e o putame como sistema
nigroestriatal. As projeções dopaminérgicas podem produzir excitação ou inibição. Em alguns circuitos dos núcleos
da base, os neurônios apresentam receptores que causam potenciais pós-sinápticos excitatórios quando se ligam à
dopamina, ao passo que receptores em outros circuitos produzem o efeito oposto (inibição). Um segundo grupo de
neurônios que contêm dopamina é encontrado no núcleo tegmental anterior, localizado imediatamente medial e
posterior à parte reticulada da substância negra. Esses neurônios projetam-se difusamente para o lobo frontal, o
estriado ventral, a amígdala e outras estruturas límbicas associadas ao reforço positivo. A atividade excessiva nas
projeções dopaminérgicas mesocorticais para o estriado ventral e o córtex pré-frontal pode contribuir para o
desenvolvimento da esquizofrenia
Os núcleos da rafe são grupos descontínuos relativamente pequenos e finos de células, de localização adjacente à
linha mediana em vários níveis do tronco encefálico, que se estendem do mesencéfalo até o bulbo. A maioria (mas
não todos) desses neurônios utiliza a serotonina como neurotransmissor, e um grande número de células produtoras
de serotonina projeta-se para o tálamo e o córtex. Quando liberada no córtex, a serotonina quase sempre produz
efeitos inibitórios.

Vários outros sistemas de neurotransmissores desempenham importantes papéis funcionais no tálamo e no córtex
cerebral, incluindo as encefalinas e endorfinas, o ácido GABA, o glutamato, a vasopressina, o hormônio
adrenocorticotrófico, o hormônio estimulador de α-melanócito, o neuropeptídeo Y, a adrenalina, a histamina, as
endorfinas, a angiotensina II, o peptídeo intestinal vasoativo (VIP) e a neurotensina.

SISTEMA LÍMBICO

O sistema límbico é o circuito neuronal combinado que controla o comportamento emocional e os impulsos
motivacionais. Esse grande complexo de estruturas cerebrais é integrado por componentes subcorticais e corticais. O
grupo subcortical inclui o hipotálamo, a área septal, a área paraolfatória, o epitálamo, o núcleo anterior do tálamo,
o hipocampo, a amígdala e porções dos núcleos da base. Circundando as estruturas subcorticais, encontra-se o córtex
límbico, composto de córtex orbitofrontal, giro subcaloso, giro cingulado e giro para-hipocampal. Entre as estruturas
subcorticais, o hipotálamo constitui a principal fonte eferente; ele se comunica com os núcleos do tronco encefálico
por meio do feixe do prosencéfalo medial, que conduz sinais em duas direções: para o tronco encefálico e de volta
para o prosencéfalo.

Anatomia funcional do sistema límbico: posição‑chave do hipotálamo


A influência do hipotálamo estende-se caudalmente até o tronco encefálico e rostralmente até o diencéfalo, o córtex
límbico e a hipófise. O hipotálamo controla (1) muitas funções vegetativas e endócrinas e (2) muitos aspectos do
comportamento e da motivação.
Funções de controle vegetativo e endócrino. O hipotálamo pode ser dividido em vários grupos de células
responsáveis por determinadas funções, embora a localização da função não seja precisa:

A regulação cardiovascular envolve o controle da pressão arterial e da frequência cardíaca e, em geral, está
concentrada nas áreas posteriores e laterais do hipotálamo, que aumentam a pressão arterial e a frequência cardíaca,
ou na área pré-óptica, que diminui a pressão arterial e a frequência cardíaca. Esses efeitos são mediados por centros
cardiovasculares nas regiões reticulares da ponte e do bulbo
A regulação da temperatura corporal é controlada por neurônios na área pré-óptica que percebem mudanças na
temperatura do sangue que flui pela área. Aumentos ou diminuições da temperatura sinalizam as células apropriadas
para ativar mecanismos de redução ou de elevação da temperatura corporal
A regulação da água corporal é controlada por mecanismos que criam sede ou controle da excreção de sal e de água
na urina. O centro da sede está localizado na parte lateral do hipotálamo; o desejo de beber é iniciado quando a
osmolaridade está elevada nos tecidos locais. Os neurônios do núcleo supraóptico liberam o hormônio antidiurético
[ADH] (ou vasopressina) na neuro-hipófise, que, em seguida, entra na circulação e atua sobre os túbulos e ductos
coletores dos rins para aumentar a reabsorção de água, tornando a urina mais concentrada
A contração uterina e a ejeção de leite pelas mamas são estimuladas pela ocitocina, que é liberada por neurônios do
núcleo paraventricular
A regulação gastrointestinal e a regulação da alimentação são controladas por várias áreas do hipotálamo. A parte
lateral do hipotálamo é responsável pelo desejo de buscar alimentos, de modo que a ocorrência de danos a essa área
pode resultar em inanição. O núcleo ventromedial é denominado centro da saciedade, visto que a sua atividade
produz um sinal para parar de comer. Os núcleos mamilares estão envolvidos em certos reflexos relacionados com a
ingestão de alimentos, como lamber os lábios e deglutir
A regulação da adeno‑hipófise é efetuada por fatores estimuladores e inibitórios do hipotálamo, que são
transportados por um sistema porta até o lobo anterior da hipófise. Na adeno-hipófise, eles atuam sobre as células
glandulares que produzem os hormônios adeno-hipofisários. Os neurônios hipotalâmicos que produzem esses fatores
são encontrados na zona periventricular, no núcleo arqueado e no núcleo ventromedial
Controle dos ritmos circadianos pelo núcleo supraquiasmático (NSQ) do hipotálamo. Os neurônios do NSQ servem
como um “relógio-mestre”, com uma frequência de disparo do marca-passo que segue um ritmo circadiano, a qual é
fundamental para a manutenção do padrão circadiano de sono-vigília de 24 horas. O NSQ é organizado em grupos
funcionais específicos, que controlam os padrões rítmicos dos relógios biológicos em quase todos os tecidos e órgãos
do corpo. Embora os ritmos circadianos do NSQ sejam endógenos e autossustentados, eles são alterados
(“arrastados”) por mudanças ambientais, como temperatura e tempo do ciclo de luz-escuridão.

Funções comportamentais do hipotálamo e estruturas límbicas associadas. O comportamento


emocional é afetado pela estimulação do hipotálamo ou por lesões no hipotálamo. Os efeitos da estimulação incluem:
(1) aumento do nível geral de atividade, levando à raiva e à agressividade; (2) sensação de tranquilidade, prazer e
recompensa; (3) medo e sentimentos de punição e aversão; e (4) excitação sexual. Os efeitos causados por lesões do
hipotálamo incluem: (1) extrema passividade e perda da motivação; e (2) ingestão excessiva de alimentos e bebidas,
raiva e comportamento violento.

Função de “recompensa” e “punição” do sistema límbico


Os principais locais que evocam a sensação de prazer ou de recompensa quando estimulados são encontrados ao
longo do fascículo prosencefálico medial, particularmente nas partes lateral e ventromedial do hipotálamo. Em
contrapartida, as áreas que, quando estimuladas, evocam comportamento aversivo incluem a substância cinzenta
periaquedutal do mesencéfalo, as zonas periventriculares do tálamo e do hipotálamo, a amígdala e o hipocampo.

Associação da ira com centros de punição


Nos animais, a intensa estimulação dos centros de aversão na parte lateral do hipotálamo e na zona periventricular
evoca uma resposta de ira. Essa resposta é caracterizada por postura de defesa, garras estendidas, cauda elevada,
sibilos e salivação, rosnado e piloereção. Normalmente, a reação de agressividade é mantida sob controle pela
atividade no hipotálamo ventromedial.

Importância da recompensa ou da punição no comportamento


Uma grande parte do nosso comportamento diário é controlada por punição e recompensa. A administração de
tranquilizantes inibe os centros tanto de punição quanto de recompensa, de modo que diminui a afetividade
comportamental em geral. No entanto, esses medicamentos não são seletivos, e outras funções hipotalâmicas também
podem ser deprimidas, criando, assim, efeitos colaterais potencialmente prejudiciais. Além disso, a estimulação que
afeta o centro de recompensa ou de punição tende a construir fortes traços de memória, e as respostas a essa
estimulação são consideradas reforçadas. Assim, os estímulos que são essencialmente indiferentes tendem a se tornar
habituais.

FUNÇÕES ESPECÍFICAS DE OUTRAS PARTES DO SISTEMA LÍMBICO

Hipocampo
A estimulação do hipocampo pode induzir agressividade, passividade e aumento do impulso sexual. O hipocampo é
hiperexcitável, e até mesmo estímulos elétricos fracos podem produzir convulsões epilépticas. As lesões do
hipocampo levam à incapacidade profunda de formar novas memórias com base em qualquer tipo de simbolismo
verbal (linguagem), condição denominada amnésia anterógrada. Por conseguinte, o hipocampo provavelmente
transmite sinais para a consolidação da memória (p. ex., transformação da memória de curto prazo em memória de
longo prazo).

Amígdala
A amígdala (corpo amigdaloide), que consiste em um grande agregado de células, está localizada no polo
anteromedial de cada lobo temporal e apresenta duas subdivisões: um grupo nuclear corticomedial e um grupo de
núcleos basolaterais. Os impulsos eferentes da amígdala são variados e extensos, alcançando o córtex, o hipocampo,
o septo, o tálamo e o hipotálamo. A estimulação da amígdala produz alterações em: frequência cardíaca, pressão
arterial, motilidade gastrointestinal, defecação e micção, dilatação das pupilas, piloereção e secreção de hormônios
da adeno-hipófise. Além disso, podem ser provocados movimentos involuntários, incluindo postura tônica,
movimentos circulares, clônus e movimentos associados ao olfato e à ingestão de alimentos. Comportamentos como
ira, medo, fuga e atividade sexual podem ser induzidos. A destruição bilateral dos polos temporais leva à síndrome
de Klüver‑Bucy, que inclui extrema oralidade, perda do medo, diminuição da agressividade, comportamento manso,
alterações no comportamento alimentar, cegueira psíquica e impulso sexual excessivo.

Córtex límbico
As contribuições distintas de várias partes do córtex límbico são pouco compreendidas. O conhecimento de sua
função resulta principalmente de lesões que causam danos ao córtex. A destruição bilateral do córtex temporal
anterior provoca a síndrome de Klüver-Bucy, conforme descrito anteriormente. As lesões bilaterais no córtex
orbitofrontal posterior levam à insônia e à inquietação. A destruição bilateral dos giros cingulados anteriores e
subcalosos provoca uma reação de extrema agressividade.
CAPÍTULO 60

Estados da Atividade Cerebral: Sono, Ondas Cerebrais, Epilepsia, Psicose e


Demência

SONO

O sono é definido como o estado de inconsciência do qual uma pessoa pode ser despertada por estímulos sensoriais
ou outros estímulos. Existem dois tipos de sono que se alternam entre si: o sono de ondas lentas e o sono com
movimentos oculares rápidos (REM).
Sono de ondas lentas. O sono de ondas lentas é o tipo de sono profundo e reparador, caracterizado pela
diminuição do tônus vascular periférico, da pressão arterial, da frequência respiratória e da taxa metabólica. Os
sonhos podem ocorrer durante o sono de ondas lentas, porém geralmente não são lembrados.
Sono REM. O sono REM é denominado sono paradoxal, visto que o cérebro é muito ativo e ocorrem contrações
do músculo esquelético. Normalmente, o sono REM ocorre em episódios que ocupam cerca de 25% do tempo de
sono em adultos jovens. Cada episódio tem duração de 5 a 30 minutos, e repete-se a intervalos de cerca de 90
minutos. Quando um indivíduo está extremamente cansado, o sono REM pode não ocorrer; todavia, ele acaba
retornando à medida que o indivíduo fica mais descansado. O sono REM apresenta várias características
importantes: (1) os sonhos ocorrem e, com frequência, podem ser lembrados, pelo menos em parte; (2) é mais difícil
acordar uma pessoa durante o sono REM; contudo, pela manhã, despertamos normalmente durante um período de
sono REM; (3) o tônus muscular está substancialmente deprimido; (4) a frequência cardíaca e a respiração tornam-se
irregulares; (5) apesar da diminuição do tônus, ocorrem contrações musculares, além dos REM; e (6) o metabolismo
cerebral aumenta em até 20% e o eletroencefalograma (EEG) mostra ondas cerebrais que são características do
estado de vigília.

Teorias básicas do sono


Inicialmente, acreditava-se que existia uma teoria passiva do sono, em que o sistema de ativação reticular promovia
o sono simplesmente pela diminuição de sua atividade. Esse conceito foi desafiado por experimentos realizados em
animais, que mostraram que a transecção do tronco encefálico em níveis médios da ponte resultou em um animal que
nunca dormia. Agora, acredita-se que o sono seja causado por um mecanismo ativo, que inibe outras partes do
cérebro.

Centros neuronais, substâncias neuro‑humorais e mecanismos capazes de causar sono: possível


papel da serotonina
O sono pode ocorrer pela estimulação de qualquer um de três locais do cérebro. O local mais potente é constituído
pelos núcleos da rafe da parte caudal da ponte e do bulbo. Muitos dos neurônios nos núcleos da rafe utilizam a
serotonina como transmissor, e os medicamentos que bloqueiam a formação de serotonina impedem o sono.
A estimulação do núcleo do trato solitário também promove o sono, porém isso só ocorre se os núcleos da rafe
também estiverem funcionais.
A ativação do nível supraquiasmático do hipotálamo e dos núcleos da linha média do tálamo produz sono.
Entretanto, alguns estudos mostraram que os níveis sanguíneos de serotonina estão mais baixos durante o sono do
que durante a vigília, o que sugere a possível participação de outras substâncias. Uma possibilidade é o peptídeo
muramil, que se acumula no líquido cefalorraquidiano e na urina. Quando quantidades da ordem de microgramas
dessa substância são injetadas no terceiro ventrículo, o sono é induzido em poucos minutos.
O sono REM é intensificado por agonistas colinérgicos. Acredita-se que as projeções de neurônios colinérgicos
da formação reticular do mesencéfalo sejam responsáveis pelo início do sono REM. Essas projeções poderiam ativar
os neurônios que levam à ativação do sono REM e evitar os sistemas que contribuem para a produção do estado de
vigília e sistema de ativação reticular.
O sono e suas importantes funções fisiológicas. O estado prolongado de vigília (ausência de sono) está
associado à lentidão do pensamento, à irritabilidade e até mesmo ao comportamento psicótico. O sono restabelece o
equilíbrio normal da atividade em muitas partes do encéfalo, desde os centros intelectuais superiores do córtex até as
funções vegetativas e comportamentais do hipotálamo e do sistema límbico. A privação do sono afeta outros
sistemas do corpo que regulam a pressão arterial, a frequência cardíaca, o tônus vascular periférico, a atividade
muscular, a taxa metabólica basal e o sistema imune. Em geral, as pessoas dormem mais quando acometidas de
doenças. Acredita-se que o sono induzido por doença seja benéfico para desviar os recursos energéticos das
demandas neurais e motoras para lutar contra lesões infecciosas ou prejudiciais, embora os mecanismos desses
processos estejam pouco elucidados.

ONDAS CEREBRAIS

Os potenciais elétricos que se originam próximo à superfície do cérebro e que são registrados fora da cabeça são
denominados ondas cerebrais; o processo de registro é denominado eletroencefalograma. Os potenciais registrados
variam de 0 a 200 µV, e a sua frequência varia de uma vez a cada poucos segundos até 50 ou mais por segundo.
Podem surgir padrões de ondas distintos, e alguns são característicos de anormalidades cerebrais específicas. Foram
descritos quatro padrões principais de ondas cerebrais: as ondas alfa, beta, teta e delta:

As ondas alfa são ondas rítmicas, com frequência de 8 a 12 Hz, com cerca de 50 µV. Elas são encontradas em
pessoas normais que estão acordadas, porém em repouso (com os olhos fechados)
As ondas beta ocorrem em frequências de 14 a 80 Hz, com voltagem inferior a 50 µV quando os olhos estão abertos
na luz. As projeções talamocorticais precisam estar intactas para que essas ondas sejam registradas;
presumivelmente, o impulso reticular ascendente para o tálamo também precisa estar funcional
As ondas teta têm frequências na faixa de 4 a 7 Hz e ocorrem principalmente nas regiões parietal e temporal em
crianças, mas podem aparecer em adultos durante o estresse emocional. Essas ondas também aparecem em
associação a distúrbios cerebrais e estados cerebrais degenerativos
As ondas delta são todas as ondas inferiores a 3,5 Hz; elas ocorrem durante o sono profundo, na presença de doença
cerebral orgânica grave e em lactentes. As ondas delta persistem no córtex na ausência de impulso do tálamo e dos
centros cerebrais inferiores. Como podem ser vistas durante o sono de ondas lentas, esse estado de sono
provavelmente se deve à liberação do córtex da influência dos centros inferiores.

Efeito dos níveis variáveis de atividade cerebral na frequência do EEG


À medida que a pessoa progride do estado de vigília alerta para o sono profundo, ocorre mudança gradual na
atividade das ondas cerebrais, de ondas de baixa voltagem/alta frequência (alfa) para ondas de alta voltagem/baixa
frequência (delta). Essas mudanças também podem ser descritas como uma progressão da atividade assíncrona
(vigília) para padrões síncronos (sono profundo). O sono REM é paradoxal, visto que é um estado de sono, porém o
cérebro exibe atividade assincrônica característica do estado de vigília.

CONVULSÕES E EPILEPSIA

As convulsões são interrupções temporárias da função cerebral causadas por atividade neuronal excessiva e
descontrolada. Elas podem variar desde fenômenos experienciais, que são quase imperceptíveis, até convulsões
dramáticas. As convulsões podem ser causadas por múltiplas condições neurológicas ou clínicas, incluindo distúrbios
eletrolíticos, hipoglicemia, substâncias, eclâmpsia, encefalopatia hipertensiva, meningite e outros distúrbios.
Diferentemente das convulsões sintomáticas, a epilepsia é uma condição crônica, caracterizada por crises
convulsivas recorrentes, que podem variar desde sintomas breves e quase indetectáveis até períodos de tremores
vigorosos e convulsões. Os três tipos de epilepsia incluem crise tônico‑clônica generalizada, crise de ausência e
crise focal:

Crise tônico‑clônica generalizada (grande mal). A crise tônico-clônica generalizada é a variedade mais grave, e
parece resultar de descargas intensas em muitas partes do cérebro, incluindo o córtex, o tálamo e o tronco encefálico.
Inicialmente, as crises tônicas generalizadas afetam uma grande parte do corpo, seguidas por crises tônico-clônicas
alternadas. Essa atividade pode persistir por 3 a 4 minutos e é seguida de depressão pós-convulsão do sistema
nervoso, que pode deixar o indivíduo com estupor, sonolência e fadiga durante várias horas. A atividade do EEG
durante uma crise desse tipo revela padrões de alta voltagem/alta frequência característicos. As crises tônico-clônicas
generalizadas podem ser precipitadas em indivíduos suscetíveis a: (1) fortes estímulos emocionais; (2) alcalose
causada por hiperventilação; (3) substâncias; (4) febre; e (5) ruídos altos ou luzes intermitentes. Além disso, o
traumatismo e os tumores cerebrais podem levar à atividade convulsiva. As crises tônico-clônicas generalizadas
ocorrem em indivíduos predispostos a circuitos eletrogênicos anormais no cérebro
Crise de ausência (crises de pequeno mal). A crise de ausência é uma atividade convulsiva menos grave, durante a
qual o indivíduo perde a consciência por 3 a 30 segundos e exibe pequenos espasmos dos músculos ao redor da
cabeça ou da face, particularmente piscar dos olhos. Essa atividade envolve uma função anormal do sistema
talamocortical. Às vezes, a crise de ausência pode evoluir para uma crise tônico-clônica generalizada
Crises epilépticas focais (parciais). A atividade convulsiva focal pode envolver praticamente qualquer parte do
cérebro e quase sempre é causada por alguma anormalidade local, como formação de tecido cicatricial, tumor,
isquemia ou alguma anormalidade congênita. A apresentação típica consiste em contração muscular focal, que
progride para acometer partes adjacentes do corpo. Com frequência, pode-se utilizar o EEG para localizar o foco
inicial da atividade cerebral anormal, de modo que ele possa ser cirurgicamente removido.

PAPÉI S DOS SISTEMAS DE NEUROTRANSMISSORES ESPECÍFICOS EM TRANSTORNOS CEREBRAIS

Depressão e psicose maníaco‑depressiva


A depressão e as psicoses maníaco-depressivas (PMD) podem resultar de uma diminuição da produção de
noradrenalina, serotonina ou de ambas. Os fármacos que aumentam os efeitos excitatórios da noradrenalina,
incluindo inibidores da monoaminoxidase (IMAO) e antidepressivos tricíclicos, podem ser utilizados no tratamento
da depressão. Os fármacos que intensificam as ações da serotonina também podem ser efetivos. Os transtornos
maníaco-depressivos (transtorno bipolar) podem ser tratados efetivamente com lítio, que, supostamente, diminui a
liberação de noradrenalina e aumenta a síntese de serotonina.

Esquizofrenia
Existem pelo menos três explicações possíveis para a esquizofrenia, que é diagnosticada em indivíduos que ouvem
vozes, apresentam delírios de grandeza ou sofrem de intenso medo ou paranoia. As explicações incluem: (1) circuito
anormal no córtex pré-frontal; (2) atividade excessiva dos sistemas de dopamina que se projetam para o córtex; ou
(3) função anormal do circuito límbico relacionada com o hipocampo. A teoria do débito excessivo de dopamina
envolve os neurônios dopaminérgicos do mesencéfalo (o sistema dopaminérgico mesolímbico), que são distintos
daqueles da substância negra, que estão relacionados com a doença de Parkinson. As evidências que sustentam essa
teoria provêm do fato de que os sintomas esquizofrênicos são aliviados por medicamentos como a clorpromazina e o
haloperidol, que são antagonistas da dopamina e agonistas inversos, respectivamente.

Doença de Alzheimer e demência


A doença de Alzheimer, observada principalmente em indivíduos idosos, caracteriza-se pelo acúmulo de placas
amiloides e emaranhados neurofibrilares em áreas disseminadas do cérebro, incluindo o córtex cerebral, o
hipocampo e os núcleos da base. A demência grave que sobrevém pode estar relacionada com a perda generalizada
de influxo colinérgico para o córtex cerebral, em decorrência da perda de neurônios no núcleo basal de Meynert.
Muitos pacientes também apresentam uma anormalidade genética que envolve a apolipoproteína E, uma proteína que
transporta o colesterol.
Há evidências de que a doença vascular encefálica causada por hipertensão arterial e aterosclerose possa
desempenhar um papel fundamental na demência. Cerca de 10% dos cérebros de indivíduos com demência mostram
evidências de demência vascular isolada. Em indivíduos idosos com doença de Alzheimer, a doença vascular é
comum, e cerca de 50% dos pacientes apresentam evidências patológicas de acidentes vasculares encefálicos
silenciosos, que consistem em pequenos infartos cerebrais que não causam sintomas imediatamente aparentes.
CAPÍTULO 61

Sistema Nervoso Autônomo e Medula Adrenal

O sistema nervoso autônomo (SNA) é a divisão do sistema nervoso que controla as funções viscerais do corpo. Esse
sistema atua rapidamente para controlar a pressão arterial, a motilidade e a secreção gastrointestinais, o esvaziamento
da bexiga urinária, a sudorese, a temperatura corporal e muitas outras atividades.

ORGANIZAÇÃO GERAL DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

As partes centrais do sistema nervoso autônomo estão localizadas no hipotálamo, no tronco encefálico e na medula
espinhal. Os centros superiores do encéfalo, como o córtex límbico e partes do córtex cerebral, podem influenciar a
atividade do sistema nervoso autônomo ao enviar sinais para o hipotálamo e as áreas inferiores do encéfalo.
Com frequência, o sistema nervoso autônomo também opera por meio de reflexos viscerais. Os sinais sensoriais
subconscientes dos órgãos viscerais podem entrar nos gânglios autônomos, no tronco encefálico ou no hipotálamo e,
em seguida, retornar as respostas reflexas subconscientes diretamente aos órgãos viscerais para controlar as suas
atividades.
Os sinais autônomos eferentes são transmitidos aos vários órgãos do corpo por meio de duas subdivisões
principais, denominadas sistema nervoso simpático e sistema nervoso parassimpático.
O sistema nervoso autônomo é um sistema motor para os órgãos viscerais, os vasos sanguíneos e as glândulas
secretoras. O corpo celular do neurônio pré‑ganglionar está localizado no tronco encefálico ou na medula espinhal.
O axônio desse neurônio projeta-se como uma fibra pré-ganglionar finamente mielínica para um gânglio autônomo.
O neurônio pós-ganglionar tem o seu corpo celular nos gânglios e envia um axônio amielínico, a fibra
pós‑ganglionar, para as células efetoras viscerais.
Em geral, os gânglios simpáticos estão localizados próximo ao sistema nervoso central, ao passo que os gânglios
parassimpáticos estão localizados próximo aos tecidos efetores. As vias simpáticas têm fibras pré-ganglionares
curtas e fibras pós-ganglionares longas, ao passo que as vias parassimpáticas apresentam fibras pré-ganglionares
longas e fibras pós-ganglionares curtas.

Anatomia fisiológica do sistema nervoso simpático


Na divisão simpática do sistema nervoso autônomo, os neurônios motores viscerais estão localizados no corno
intermediolateral da medula espinhal, do nível T1 a L2. Os axônios desses neurônios motores deixam a medula
espinhal por meio da raiz ventral. A partir desse ponto, o axônio pode seguir um de três percursos:

Pode entrar na cadeia simpática por meio do ramo branco e terminar em seu nível de origem.
Pode entrar na cadeia simpática por meio do ramo branco e ascender ou descer antes de terminar na cadeia simpática
em um nível diferente.
Pode entrar na cadeia simpática por meio do ramo branco e sair sem fazer sinapse por meio de um nervo esplâncnico
e terminar em um gânglio pré‑vertebral.

O neurônio pós-ganglionar origina-se em um dos gânglios da cadeia simpática ou nos gânglios pré-vertebrais. A
partir de uma dessas fontes, as fibras pós-ganglionares seguem até alcançar seus destinos.
As fibras nervosas simpáticas pré‑ganglionares seguem o seu percurso até a medula adrenal
sem fazer sinapse. As fibras nervosas simpáticas pré-ganglionares que inervam a medula adrenal originam-se no
corno intermediolateral da medula espinhal e passam através das cadeias simpáticas e dos nervos esplâncnicos para
alcançar a medula adrenal, onde terminam diretamente sobre as células neuronais modificadas, que secretam
adrenalina e noradrenalina na corrente sanguínea. Do ponto de vista embriológico, as células secretoras da medula
adrenal são derivadas do tecido nervoso e são análogas aos neurônios pós-ganglionares.

Anatomia fisiológica do sistema nervoso parassimpático


Na divisão parassimpática do sistema nervoso, os neurônios motores viscerais estão localizados em núcleos distintos
do tronco encefálico ou nos segmentos 2 a 4 da medula espinhal sacral. Os axônios desses neurônios motores deixam
o tronco encefálico por meio dos nervos cranianos III, VII, IX e X ou deixam a medula espinhal sacral por meio dos
nervos pélvicos.
As fibras parassimpáticas no terceiro nervo craniano seguem o seu percurso até os esfíncteres pupilares e os
músculos ciliares do olho. As fibras do sétimo nervo craniano seguem o seu percurso até as glândulas lacrimais,
nasais e submandibulares, ao passo que as fibras do nono nervo craniano seguem para a glândula parótida. Cerca de
75% de todas as fibras nervosas parassimpáticas estão localizados no nervo vago ou nervo craniano X. O nervo vago
fornece impulsos parassimpáticos para o coração, os pulmões, o esôfago, o estômago, o intestino delgado, a metade
proximal do cólon, o fígado, a vesícula biliar, o pâncreas e as partes superiores dos ureteres.
As fibras parassimpáticas sacrais distribuem suas fibras para o cólon descendente, o reto, a bexiga urinária e as
partes inferiores dos ureteres e dos órgãos genitais externos.

CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DAS FUNÇÕES SIMPÁTICA E PARASSIMPÁTICA

Os dois principais neurotransmissores do sistema nervoso autônomo são a acetilcolina e a noradrenalina. Os


neurônios autônomos que secretam acetilcolina são denominados colinérgicos, ao passo que os que secretam
noradrenalina são denominados adrenérgicos. Todos os neurônios pré-ganglionares das divisões simpática e
parassimpática do sistema nervoso autônomo são colinérgicos. Por conseguinte, a acetilcolina e as substâncias
semelhantes à acetilcolina excitam os neurônios pós-ganglionares simpáticos e parassimpáticos.
Praticamente todos os neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso parassimpático secretam acetilcolina e são
colinérgicos. Os neurônios simpáticos pós-ganglionares secretam, em sua maioria, noradrenalina e são adrenérgicos.
Entretanto, as fibras nervosas simpáticas pós-ganglionares das glândulas sudoríparas e, talvez, de alguns vasos
sanguíneos são colinérgicas.

Síntese e secreção de acetilcolina e de noradrenalina pelas terminações nervosas pós‑ganglionares


A acetilcolina é sintetizada nas terminações finais das fibras nervosas colinérgicas pela reação da acetilcoenzima A
com colina. Uma vez liberada pelas terminações nervosas colinérgicas, a acetilcolina é rapidamente degradada pela
enzima acetilcolinesterase.
A noradrenalina e a adrenalina são sintetizadas a partir do aminoácido tirosina. A tirosina é convertida em dopa,
que, em seguida, é convertida em dopamina, que é subsequentemente convertida em noradrenalina. Na medula
adrenal, essa reação prossegue um passo adiante para transformar 80% da noradrenalina em adrenalina. A ação da
noradrenalina termina por meio da recaptação nas terminações nervosas adrenérgicas ou por difusão das terminações
nervosas para os líquidos circundantes.

Receptores nos órgãos efetores


Os receptores colinérgicos são subdivididos em receptores muscarínicos e nicotínicos. Os
receptores muscarínicos utilizam proteínas G como mecanismo de sinalização e são encontrados em todas as células
efetoras estimuladas pelos neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso parassimpático, bem como naquelas
estimuladas pelos neurônios colinérgicos pós-ganglionares do sistema nervoso simpático. Os receptores nicotínicos
são canais iônicos dependentes de ligantes, que são encontrados nas sinapses entre os neurônios pré-ganglionares e
pós-ganglionares dos sistemas nervosos simpático e parassimpático, bem como na junção neuromuscular do músculo
esquelético.
Receptores adrenérgicos alfa e beta. Existem dois tipos principais de receptores alfa, alfa1 e alfa2, que
estão ligados a diferentes proteínas G. Os receptores beta são divididos em receptores beta1, beta2 e beta3, visto que
certas substâncias químicas afetam apenas determinados receptores beta. Os receptores beta também utilizam as
proteínas G para sinalização.
A noradrenalina e a adrenalina têm afinidades ligeiramente diferentes pelos receptores alfa e beta-adrenérgicos.
A noradrenalina excita principalmente os receptores alfa, embora excite em menor grau os receptores beta. A
adrenalina excita ambos os tipos de receptor de maneira aproximadamente igual. Os efeitos relativos da
noradrenalina e da adrenalina sobre vários órgãos efetores são determinados pelos tipos de receptores localizados
nesses órgãos.
A estimulação dos receptores alfa resulta em vasoconstrição, dilatação da íris e contração dos esfíncteres do
intestino e da bexiga urinária.
A estimulação dos receptores beta1 provoca o aumento da frequência cardíaca e da força de contração. A
estimulação dos receptores beta2 causa vasodilatação do músculo esquelético, broncodilatação, relaxamento uterino,
termogênese e glicogenólise. A estimulação dos receptores beta3 induz lipólise no tecido adiposo e conversão da
energia nos lipídios em calor (termogênese).

Ações excitatórias e inibitórias da estimulação simpática e parassimpática


A estimulação simpática causa efeitos excitatórios em alguns órgãos, porém efeitos inibitórios em outros. Da mesma
maneira, a estimulação parassimpática causa excitação em alguns órgãos, porém inibição em outros. Em certas
ocasiões, as duas divisões do sistema nervoso autônomo atuam de modo recíproco em um órgão, em que um sistema
provoca o aumento da atividade e o outro sistema causa a diminuição da atividade. Entretanto, a maior parte dos
órgãos é controlada predominantemente por um dos dois sistemas.

Efeitos da estimulação simpática e parassimpática em órgãos específicos


Olhos. O sistema nervoso autônomo controla duas funções dos olhos: a abertura da pupila e o foco da lente
(cristalino). A estimulação simpática provoca a contração do músculo dilatador da pupila, que resulta em dilatação
da pupila, ao passo que a estimulação parassimpática contrai o músculo esfíncter da pupila, o que resulta em
constrição pupilar. O foco da lente é controlado quase totalmente pelo sistema nervoso parassimpático. A excitação
parassimpática contrai o músculo ciliar, que libera a tensão sobre o ligamento suspensor da lente e permite que ela se
torne mais convexa. Essa mudança permite ao olho focar objetos próximos.
Glândulas. As glândulas nasais, lacrimais, salivares e gastrointestinais são fortemente estimuladas pelo
sistema nervoso parassimpático, resultando em quantidades copiosas de secreção aquosa. A estimulação simpática
causa a vasoconstrição dos vasos sanguíneos que suprem as glândulas e, dessa maneira, com frequência reduz a taxa
de secreção dessas glândulas. A estimulação simpática tem um efeito direto sobre as células glandulares alimentares,
induzindo a formação de uma secreção concentrada que contém muco e enzimas extras.
As glândulas sudoríparas secretam grandes quantidades de suor quando os nervos simpáticos são estimulados. A
estimulação parassimpática não tem nenhum efeito sobre a secreção das glândulas sudoríparas. As fibras simpáticas
da maioria das glândulas sudoríparas são colinérgicas; quase todas as outras fibras simpáticas são adrenérgicas.
As glândulas apócrinas nas axilas secretam uma secreção odorífera espessa como resultado da estimulação
simpática, porém não respondem à estimulação parassimpática. Essas glândulas são controladas por fibras
adrenérgicas, e não por fibras colinérgicas.
Plexo nervoso intramural do sistema gastrointestinal. A estimulação simpática e parassimpática pode
afetar a atividade gastrointestinal, principalmente pelo aumento ou pela diminuição da atividade do plexo intramural
(sistema nervoso entérico, localizado no intestino). Em geral, a estimulação parassimpática aumenta a atividade
global do trato gastrointestinal. A função normal do trato gastrointestinal não é muito dependente da estimulação
simpática. Entretanto, a estimulação simpática forte inibe o peristaltismo e aumenta o tônus de vários esfíncteres no
trato gastrointestinal.
Coração. A estimulação simpática aumenta a frequência e a força das contrações cardíacas. Já a estimulação
parassimpática produz o efeito oposto.
Vasos sanguíneos sistêmicos. A estimulação simpática provoca a vasoconstrição de muitos dos vasos
sanguíneos do corpo, particularmente as vísceras abdominais e a pele nos membros.
Pressão arterial. O rápido controle da pressão arterial é determinado por dois fatores: a propulsão do sangue
pelo coração e a resistência ao fluxo desse sangue através dos vasos sanguíneos. A estimulação simpática aumenta a
propulsão pelo coração e a resistência ao fluxo, resultando em aumento da pressão arterial. A estimulação
parassimpática diminui a capacidade de bombeamento do coração, porém tem pouco efeito sobre a resistência
vascular periférica. Essa mudança resulta em ligeira queda da pressão arterial.
Outras funções do corpo. As estruturas endodérmicas, como os ductos do fígado, a vesícula biliar, o ureter, a
bexiga urinária e os brônquios, são inibidas, em sua maior parte, pela estimulação simpática e excitadas pela
estimulação parassimpática. A estimulação simpática também exerce múltiplos efeitos metabólicos, como a liberação
de glicose do fígado, a elevação do nível de glicemia, o aumento da glicogenólise no fígado e no músculo, o aumento
da força do músculo esquelético, o aumento da taxa metabólica basal e o aumento da atividade mental. Os simpáticos
e os parassimpáticos estão envolvidos na execução dos atos sexuais masculino e feminino, conforme explicado nos
Capítulos 81 e 82.

Função da medula adrenal


A estimulação dos nervos simpáticos para a medula adrenal faz grandes quantidades de adrenalina e de noradrenalina
serem liberadas no sangue circulante. Cerca de 80% da secreção da medula adrenal consistem em adrenalina, e cerca
de 20%, em noradrenalina. Os efeitos da adrenalina e da noradrenalina liberadas pela medula adrenal duram 5 a 10
vezes mais do que quando são liberadas por neurônios simpáticos, visto que esses hormônios são lentamente
removidos do sangue durante um período de 2 a 4 minutos.
A noradrenalina circulante causa vasoconstrição, aumento da frequência e da contratilidade cardíacas, inibição do
trato gastrointestinal e dilatação das pupilas. Em virtude da sua capacidade de estimular fortemente os receptores
beta, a adrenalina circulante tem maior efeito do que a noradrenalina sobre o desempenho cardíaco. A adrenalina
causa apenas constrição fraca dos vasos sanguíneos nos músculos, resultando em discreta elevação da pressão
arterial, porém em aumento drástico do débito cardíaco.
A adrenalina e a noradrenalina são liberadas pela medula adrenal ao mesmo tempo que os órgãos são estimulados
diretamente pela ativação simpática generalizada. Esse mecanismo duplo de estimulação simpática proporciona um
fator de segurança para assegurar o melhor desempenho, quando necessário.

Tônus simpático e parassimpático


A atividade basal do sistema nervoso autônomo é conhecida como tônus simpático e parassimpático. Os tônus
simpático e parassimpático permitem uma divisão simples do sistema nervoso autônomo para aumentar ou diminuir
a atividade de um órgão visceral ou para contrair ou dilatar um leito vascular. Normalmente, o tônus simpático
contrai as arteríolas sistêmicas em aproximadamente metade de seu diâmetro máximo, ao passo que o tônus
parassimpático mantém a motilidade gastrointestinal normal.

Descargas discretas ou em massa do sistema nervoso autônomo


Em alguns casos, o sistema nervoso simpático torna-se muito ativo e causa uma reação generalizada por todo o
corpo, denominada resposta de alarme ou ao estresse. Outras vezes, a ativação ou inativação simpáticas ocorrem em
áreas isoladas do corpo. Por exemplo, ocorrem vasodilatação e sudorese locais em resposta ao aumento local da
temperatura.
Em geral, o sistema nervoso parassimpático é responsável por mudanças altamente específicas na função
visceral, como alterações na secreção salivar e gástrica ou no esvaziamento da bexiga e do reto. Além disso, os
reflexos cardiovasculares parassimpáticos geralmente atuam apenas no coração para aumentar ou diminuir a
frequência de seus batimentos e têm pouco efeito sobre a resistência vascular.
A ativação generalizada do sistema nervoso simpático pode ser provocada por medo, raiva ou dor intensa. A
resposta de alarme ou ao estresse que resulta é frequentemente denominada reação de luta ou fuga. A ativação
simpática generalizada provoca o aumento da pressão arterial, do fluxo sanguíneo muscular, da taxa metabólica, do
nível de glicemia, da glicogenólise e do estado de alerta mental, bem como diminuição do fluxo sanguíneo para o
trato gastrointestinal e os rins e menor tempo de coagulação. Esses efeitos permitem que o indivíduo realize uma
atividade muito mais extenuante do que seria possível de outra maneira.

Controle medular, pontino e mesencefálico do sistema nervoso autônomo


Muitas áreas neuronais na substância reticular do tronco encefálico e ao longo do percurso do trato solitário do bulbo
(medula oblonga), da ponte e do mesencéfalo, bem como em muitos núcleos especiais, controlam funções
autônomas, como a pressão arterial, a frequência cardíaca, a secreção glandular no trato gastrointestinal, o
peristaltismo gastrointestinal e o grau de contração da bexiga urinária.
Os sinais do hipotálamo e até mesmo do cérebro influenciam as atividades de quase todos os centros de controle
autônomo do tronco encefálico. Por exemplo, a estimulação em áreas apropriadas, principalmente da parte posterior
do hipotálamo, pode ativar os centros de controle cardiovascular do bulbo com intensidade suficiente para aumentar
a pressão arterial para mais do dobro do normal. De modo semelhante, outros centros hipotalâmicos controlam a
temperatura corporal, aumentam ou diminuem a salivação e a atividade gastrointestinal e causam o esvaziamento da
bexiga urinária. Por conseguinte, até certo ponto, os centros autônomos no tronco encefálico atuam como estações de
retransmissão para o controle de atividades iniciadas em níveis superiores do encéfalo, particularmente no
hipotálamo.

FARMACOLOGIA DO SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

Substâncias que atuam nos órgãos efetores adrenérgicos: substâncias simpaticomiméticas


As substâncias que atuam como a noradrenalina e a adrenalina no terminal nervoso simpático são denominadas
substâncias simpaticomiméticas ou adrenérgicas. Existem muitas substâncias nessa categoria, e elas diferem entre si
no grau com que estimulam os vários receptores adrenérgicos e sua duração de ação. As substâncias
simpaticomiméticas apresentam, em sua maioria, uma duração de ação de 30 minutos a 2 horas, ao passo que a ação
da noradrenalina e da adrenalina tem uma duração de apenas 1 a 2 minutos.
A fenilefrina estimula especificamente os receptores alfa. O isoproterenol estimula os receptores tanto beta1
quanto beta2, ao passo que o salbutamol estimula apenas os receptores beta2.
Substâncias que causam liberação de noradrenalina pelas terminações nervosas. Certas
substâncias têm ação simpaticomimética indireta ao induzir a liberação de noradrenalina das vesículas de
armazenamento nas terminações nervosas simpáticas, em vez de ativar diretamente os receptores adrenérgicos. A
efedrina, a anfetamina e a tiramina pertencem a essa classe de compostos.
Substâncias que bloqueiam a atividade adrenérgica. A atividade adrenérgica pode ser bloqueada em
vários pontos: (1) a síntese e o armazenamento de noradrenalina nas terminações nervosas simpáticas podem ser
bloqueados pela reserpina; (2) a liberação de noradrenalina dos terminais simpáticos pode ser bloqueada pela
guanetidina; e (3) os receptores adrenérgicos podem ser bloqueados pela fenoxibenzamina e pela fentolamina, que
bloqueiam os receptores alfa1 e alfa2. Os bloqueadores alfa1-adrenérgicos seletivos incluem a prazosina e a
terazosina, ao passo que a ioimbina bloqueia os receptores alfa2. O propranolol bloqueia os receptores tanto beta1
quanto beta2, ao passo que o atenolol, o nebivolol e o metoprolol bloqueiam principalmente os receptores beta1.

Substâncias que atuam nos órgãos efetores colinérgicos


Os receptores de acetilcolina localizados nas células nervosas pós-ganglionares do sistema nervoso tanto simpático
quanto parassimpático são receptores de acetilcolina de tipo nicotínico. Já os receptores de acetilcolina localizados
nos órgãos efetores parassimpáticos são receptores de acetilcolina de tipo muscarínico. Por conseguinte, as
substâncias que atuam como a acetilcolina nos órgãos efetores são denominadas substâncias
parassimpaticomiméticas ou muscarínicas. A pilocarpina atua diretamente sobre o tipo muscarínico de receptor
colinérgico. A ação muscarínica dessa substância também estimula as fibras simpáticas colinérgicas que inervam as
glândulas sudoríparas, resultando em sudorese profusa.
Substâncias que potencializam a atividade da acetilcolina. Algumas substâncias não têm efeito direto
sobre os receptores colinérgicos, porém potencializam a ação da acetilcolina ao inibir a acetilcolinesterase e,
portanto, impedir a rápida destruição da acetilcolina; alguns exemplos dessas substâncias são: neostigmina,
piridostigmina e ambenônio.
Substâncias que bloqueiam a atividade colinérgica. As substâncias que bloqueiam o efeito da
acetilcolina sobre o tipo muscarínico de receptores colinérgicos são denominadas substâncias antimuscarínicas.
Essas substâncias, que incluem a atropina, a homatropina e a escopalamina, não afetam a ação nicotínica da
acetilcolina sobre os neurônios pós-ganglionares ou o músculo esquelético.

Substâncias que estimulam ou bloqueiam neurônios pós‑ganglionares simpáticos e


parassimpáticos
Todos os neurônios pós-ganglionares simpáticos e parassimpáticos contêm o tipo nicotínico de receptor de
acetilcolina. As substâncias que estimulam os neurônios pós-ganglionares da mesma maneira que a acetilcolina são
denominadas substâncias nicotínicas. A nicotina excita os neurônios pós-ganglionares simpáticos e parassimpáticos
ao mesmo tempo, o que resulta em forte vasoconstrição simpática e aumento da atividade gastrointestinal.

Substâncias que bloqueiam a transmissão de impulsos dos neurônios pré‑ganglionares para os


neurônios pós‑ganglionares
As substâncias bloqueadoras ganglionares inibem o efeito da acetilcolina na estimulação dos neurônios pós-
ganglionares nos sistemas simpático e parassimpático de modo simultâneo. As substâncias tetraetilamônio,
hexametônio e pentolínio são utilizadas para bloquear a atividade simpática, porém raramente são utilizadas para
bloquear a atividade parassimpática. O efeito do bloqueio simpático ofusca acentuadamente o efeito do bloqueio
parassimpático em muitos tecidos. Embora as substâncias bloqueadoras ganglionares possam ser administradas para
reduzir rapidamente a pressão arterial em pacientes com hipertensão grave, elas apresentam várias reações adversas e
são difíceis de controlar, o que limita o seu uso.
CAPÍTULO 62

Fluxo Sanguíneo Cerebral, Liquor e Metabolismo Cerebral

A função do cérebro está estreitamente associada ao fluxo sanguíneo cerebral. A cessação total do fluxo de sangue
para o cérebro provoca a inconsciência em 5 a 10 segundos, visto que a falta de fornecimento de oxigênio ao cérebro
causa praticamente a cessação de sua atividade metabólica.

FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL

Em geral, o fluxo sanguíneo cerebral de uma pessoa adulta é, em média, de 50 a 65 ml/100 g ou cerca de 750 a 900
ml/min. Por conseguinte, embora o cérebro constitua apenas cerca de 2% do peso corporal, ele recebe
aproximadamente 15% do débito cardíaco total em repouso.
Regulação do fluxo sanguíneo cerebral. Três fatores metabólicos – dióxido de carbono, íons hidrogênio e
oxigênio – têm efeitos potentes sobre o fluxo sanguíneo cerebral. O dióxido de carbono combina-se com a água para
formar ácido carbônico, que se dissocia parcialmente para formar íons hidrogênio. Os íons hidrogênio induzem
vasodilatação cerebral proporcionalmente à sua concentração no sangue cerebral. As substâncias que aumentam a
acidez do cérebro e, portanto, a concentração de íons hidrogênio aumentam o fluxo sanguíneo cerebral. Essas
substâncias incluem o ácido láctico, o ácido pirúvico e outros compostos ácidos que são formados durante o
metabolismo. A redução da pressão parcial de oxigênio no tecido cerebral provoca o aumento imediato do fluxo
sanguíneo cerebral, em decorrência da vasodilatação local dos vasos sanguíneos do cérebro.
A mensuração do fluxo sanguíneo cerebral local indica que o fluxo de sangue em segmentos individuais do
cérebro modifica-se em poucos segundos em resposta à atividade neuronal local. O ato de fechar o punho provoca o
aumento imediato do fluxo sanguíneo no córtex motor do hemisfério cerebral oposto. O ato da leitura aumenta o
fluxo sanguíneo no córtex occipital e na área de percepção da linguagem temporal. Os astrócitos (também
denominados células astrogliais), que consistem em células não neuronais especializadas em formato de estrela e
sustentam e protegem os neurônios, parecem ajudar a acoplar a atividade neuronal com a regulação do fluxo
sanguíneo local ao liberar metabólitos vasoativos em resposta à estimulação de neurônios adjacentes.
A autorregulação do fluxo sanguíneo cerebral protege o cérebro de mudanças na pressão
arterial. Assim, a pressão arterial pode cair para apenas 60 mmHg ou aumentar para 140 mmHg sem a ocorrência
de alterações significativas no fluxo sanguíneo cerebral de indivíduos que apresentam autorregulação normal.
Quando a pressão arterial cai abaixo de 60 mmHg, o fluxo sanguíneo cerebral normalmente fica comprometido. Se
houver elevação da pressão arterial acima do limite de autorregulação, o fluxo sanguíneo aumenta rapidamente, e a
distensão excessiva ou a ruptura dos vasos sanguíneos do cérebro podem resultar em edema cerebral ou hemorragia
cerebral.
Na hipertensão arterial crônica, ocorre a remodelação hipertrófica dos vasos sanguíneos cerebrais, e a curva de
autorregulação é deslocada para pressões arteriais mais altas. Esse reajuste da autorregulação do fluxo sanguíneo
cerebral protege, em parte, o cérebro dos efeitos prejudiciais da pressão arterial alta, mas também pode torná-lo
vulnerável à isquemia se a pressão arterial for reduzida excessivamente ou com muita rapidez.
Papel do sistema nervoso simpático no controle do fluxo sanguíneo cerebral. A circulação cerebral
tem uma densa inervação simpática; em certas condições, a estimulação simpática pode causar constrição acentuada
das artérias cerebrais. Durante o exercício físico intenso ou em estados de maior atividade circulatória, os impulsos
simpáticos podem contrair as artérias de grande e de médio porte e impedir que a pressão alta alcance os pequenos
vasos sanguíneos. Esse mecanismo é importante para a prevenção da hemorragia vascular cerebral. Todavia, em
muitas condições nas quais o sistema nervoso simpático é ativado de modo moderado, o fluxo sanguíneo cerebral é
mantido relativamente constante por mecanismos autorregulatórios.

Microcirculação cerebral
A densidade dos capilares é quatro vezes maior na substância cinzenta do que na substância branca do encéfalo. Por
conseguinte, o nível de fluxo sanguíneo para a substância cinzenta é quatro vezes maior que o da substância branca,
o que corresponde às necessidades metabólicas muito maiores da substância cinzenta. Os capilares cerebrais
apresentam bem menos “vazamento” do que os capilares em outras partes do corpo. Os capilares no cérebro são
circundados por “pés gliais”, que proporcionam suporte físico para evitar a distensão excessiva dos capilares em caso
de exposição a uma pressão elevada.
O acidente vascular encefálico ocorre quando os vasos sanguíneos cerebrais são obstruídos ou
rompidos. Os acidentes vasculares encefálicos são causados, em sua maior parte, por placas arterioscleróticas que
ocorrem em uma ou mais das grandes artérias do encéfalo. O material da placa pode desencadear a formação de
coágulo sanguíneo, obstrução da artéria e perda subsequente da função em áreas do cérebro supridas pelo vaso. Em
cerca de 20% dos indivíduos que apresentaram acidente vascular encefálico, os vasos sanguíneos cerebrais sofreram
ruptura em decorrência de pressão arterial elevada. A hemorragia resultante comprime o tecido cerebral, levando à
isquemia local e ao edema.
Os efeitos neurológicos de um acidente vascular encefálico são determinados pela área do encéfalo afetada. Se a
artéria cerebral média no hemisfério dominante estiver envolvida, o indivíduo provavelmente perde a função da área
de Wernicke, que está envolvida na compreensão da fala. Além disso, esses indivíduos frequentemente perdem a
capacidade de falar, em consequência do dano à área motora de Broca, responsável pela formação das palavras. A
perda de outras áreas de controle motor do hemisfério dominante pode causar paralisia espástica dos músculos do
lado oposto do corpo.
Pequenos infartos ou micro-hemorragias em pequenos vasos sanguíneos podem causar acidentes vasculares
encefálicos silenciosos, sem nenhum sintoma imediatamente aparente, a não ser um declínio cognitivo sutil. Cerca de
25% dos indivíduos com idade superior a 80 anos já sofreram um ou mais infartos encefálicos silenciosos.

LIQUOR (LÍQUIDO CEFALORRAQUIDIANO)

Toda a cavidade que envolve o cérebro e a medula espinhal apresenta um volume de cerca de 1.650 ml; cerca de 150
ml desse volume são ocupados pelo líquido cefalorraquidiano (LCR), ou liquor, ao passo que o restante é ocupado
pelo encéfalo e pela medula espinhal. Esse líquido, conforme a Figura 62.1, está presente nos ventrículos cerebrais,
nas cisternas ao redor do cérebro e no espaço subaracnoide ao redor do cérebro e da medula espinhal. Essas câmaras
estão conectadas umas às outras, e a pressão do LCR é regulada em nível constante.
Figura 62.1 As setas indicam o trajeto do fluxo do líquido cefalorraquidiano desde os
plexos corioides, nos ventrículos laterais, até as vilosidades aracnoides, que se
projetam para os seios da dura.

Função do amortecimento do liquor. O cérebro e o LCR têm aproximadamente a mesma densidade


específica, e o cérebro flutua essencialmente no LCR. Um golpe na cabeça desloca todo o cérebro simultaneamente
com o crânio, de modo que nenhuma parte isolada do cérebro é momentaneamente contorcida.

Formação, fluxo e absorção do liquor


Cerca de 500 ml de LCR são formados diariamente. A maior parte desse líquido origina-se dos plexos corioides dos
quatro ventrículos. Quantidades adicionais de líquido são secretadas pelas superfícies ependimárias dos ventrículos e
pelas membranas aracnoides. O plexo corioide é uma proliferação de vasos sanguíneos semelhante a uma couve-flor,
recoberto por uma fina camada de células epiteliais. Essa estrutura projeta-se no corno temporal de cada ventrículo
lateral, para a porção posterior do terceiro ventrículo e para o teto do quarto ventrículo.
O LCR é absorvido por múltiplas vilosidades aracnoides que se projetam para o grande seio venoso sagital, bem
como para outros seios venosos do cérebro. O LCR desemboca no sangue venoso através das superfícies dessas
vilosidades.
O espaço perivascular funciona como um sistema linfático para o encéfalo. À medida que os vasos
sanguíneos que irrigam o encéfalo penetram mais profundamente, eles carregam uma camada de pia‑máter. A pia-
máter está apenas frouxamente aderente aos vasos, o que cria um espaço perivascular entre ela e os vasos. O espaço
perivascular segue as artérias e veias para dentro do encéfalo, até as arteríolas e vênulas.
As proteínas que extravasam nos espaços intersticiais do encéfalo fluem pelos espaços perivasculares até o
espaço subaracnoide. Ao alcançar o espaço subaracnoide, as proteínas fluem para o LCR e são absorvidas por meio
das vilosidades aracnoides dentro das veias cerebrais.

Pressão do liquor
O LCR é formado em uma taxa quase constante; por conseguinte, a taxa de absorção desse líquido pelas vilosidades
aracnoides normalmente determina tanto a quantidade de líquido presente no sistema ventricular quanto a pressão do
LCR.
As vilosidades aracnoides funcionam como válvulas unidirecionais, que possibilitam o fluxo do LCR para o
sangue dos seios venosos, porém impedem o fluxo de sangue para o LCR. Normalmente, essa ação de válvula das
vilosidades possibilita o fluxo do LCR para dentro dos seios venosos quando a pressão do líquido é
aproximadamente 1,5 mmHg acima da pressão do sangue nos seios venosos. Quando as vilosidades se tornam
bloqueadas por grandes partículas ou por fibrose, pode ocorrer elevação drástica da pressão do LCR.
A pressão normal do LCR é de cerca de 10 mmHg. Os tumores cerebrais, a hemorragia ou os processos
infecciosos podem comprometer a capacidade de absorção das vilosidades aracnoides e elevar a pressão do LCR para
níveis três a quatro vezes acima do normal.
A obstrução ao fluxo do liquor pode causar hidrocefalia. A hidrocefalia causada pela obstrução do fluxo
do LCR com frequência é denominada hidrocefalia comunicante ou hidrocefalia não comunicante. Na hidrocefalia
comunicante, o líquido flui prontamente do sistema ventricular para dentro do espaço subaracnoide, ao passo que, na
hidrocefalia não comunicante, ocorre o bloqueio do fluxo de líquido para fora de um ou mais dos ventrículos.
O tipo comunicante de hidrocefalia geralmente é causado por bloqueio do fluxo de líquido dentro do espaço
subaracnoide em torno das regiões basais do cérebro ou por bloqueio das próprias vilosidades aracnoides. O tipo não
comunicante de hidrocefalia é comumente causado pelo bloqueio do aqueduto do mesencéfalo (aqueduto de Sylvius),
em consequência de defeito congênito ou de tumor cerebral. A formação contínua de LCR pelos plexos corioides nos
dois ventrículos laterais e no terceiro ventrículo provoca um acentuado aumento do volume desses ventrículos, o que
achata o encéfalo em uma estrutura fina contra o crânio. Em recém-nascidos, o aumento da pressão também provoca
inchaço de toda a cabeça, visto que ainda não há fusão dos ossos do crânio.

Barreiras sangue‑liquor e sangue‑cérebro


Os constituintes do LCR não são exatamente os mesmos do líquido extracelular em outras partes do corpo. Além
disso, muitas substâncias moleculares grandes não passam do sangue para o LCR ou para os líquidos intersticiais do
cérebro. Entre o sangue e o LCR e o líquido cerebral existem barreiras, denominadas barreira hematoliquórica e
barreira hematencefálica. Essas barreiras são altamente permeáveis à água, ao dióxido de carbono, ao oxigênio, à
maioria das substâncias lipossolúveis, como o álcool, e à maioria dos anestésicos. Elas são ligeiramente permeáveis
aos eletrólitos, como sódio, cloreto e potássio, e são quase totalmente impermeáveis às proteínas plasmáticas e à
maioria das grandes moléculas orgânicas não lipossolúveis.
A causa da baixa permeabilidade dessas barreiras é a maneira pela qual as células endoteliais dos capilares estão
unidas umas às outras. As membranas das células endoteliais adjacentes são fundidas firmemente uma à outra, em
vez de apresentar poros em fenda extensos entre elas, como no caso da maioria dos outros capilares do corpo. Com
frequência, essas barreiras tornam impossível alcançar concentrações efetivas de substâncias terapêuticas, como
anticorpos proteicos e compostos não lipossolúveis no LCR ou no parênquima cerebral.
Em algumas áreas do hipotálamo, na glândula pineal e na área postrema, as substâncias se difundem com maior
facilidade para os espaços teciduais. A facilidade de difusão nessas áreas é importante, visto que elas têm receptores
sensoriais que respondem a mudanças específicas dos líquidos corporais, como alterações na osmolaridade e na
concentração de glicose, bem como receptores para hormônios peptídicos que regulam a sede, como a angiotensina
II.

Edema cerebral
Uma das complicações mais graves da hemodinâmica cerebral e da dinâmica dos líquidos anormais consiste no
desenvolvimento de edema cerebral. Como o cérebro está envolto em uma calota craniana sólida, o acúmulo de
líquido de edema comprime os vasos sanguíneos, resultando em diminuição do fluxo de sangue e destruição do
tecido cerebral. O edema cerebral pode ser causado pelo aumento acentuado da pressão capilar ou por uma
concussão, em que os tecidos e os capilares do cérebro são traumatizados, e o líquido capilar vaza para esses tecidos.
Uma vez iniciado, o edema cerebral às vezes entra em um ciclo vicioso. O líquido do edema comprime a
vasculatura, que, por sua vez, diminui o fluxo sanguíneo e provoca isquemia cerebral. A isquemia causa dilatação
arteriolar e aumenta ainda mais a pressão capilar. A maior pressão capilar aumenta a quantidade de líquido do edema,
que se torna progressivamente mais grave. A redução do fluxo sanguíneo também diminui o fornecimento de
oxigênio, o que aumenta a permeabilidade dos capilares, permitindo maior extravasamento de líquido. A diminuição
do fornecimento de oxigênio deprime o metabolismo cerebral, o que desativa as bombas de sódio das células
cerebrais, causando o seu intumescimento.
Quando esse processo se inicia, é preciso recorrer a medidas heroicas para impedir a destruição total do cérebro.
Uma dessas medidas consiste na administração de uma infusão intravenosa de uma substância osmótica concentrada,
como o manitol. Isso puxa o líquido do tecido cerebral por meio de osmose e rompe o ciclo vicioso. Outro
procedimento consiste em remover rapidamente o líquido dos ventrículos laterais do cérebro por meio de punção
ventricular, aliviando, assim, a pressão intracerebral.

METABOLISMO CEREBRAL

Em condições de repouso, o metabolismo cerebral é responsável por 15% do metabolismo total do corpo, embora a
massa cerebral corresponda a apenas 2% da massa corporal total. Em condições de repouso, o metabolismo cerebral
é aproximadamente 7,5 vezes o metabolismo médio dos tecidos em outras partes do corpo.
O cérebro tem capacidade anaeróbica limitada. A maioria dos tecidos do organismo pode viver sem
oxigênio por vários minutos. Durante esse tempo, as células obtêm a sua energia a partir do metabolismo anaeróbico.
Em virtude da elevada taxa metabólica do cérebro, a degradação anaeróbica do glicogênio não é capaz de fornecer a
energia necessária para sustentar a atividade neuronal. Por conseguinte, a maior parte da atividade neuronal depende
do fornecimento de glicose e oxigênio do sangue a cada segundo.
Em condições normais, a maior parte da energia cerebral é fornecida pela glicose. Uma
característica essencial do fornecimento de glicose aos neurônios é o fato de que o seu transporte pelas membranas
celulares dos neurônios não depende da insulina. Mesmo em pacientes que apresentam casos graves de diabetes
melito, a glicose sofre rápida difusão para dentro dos neurônios. Quando um paciente diabético recebe tratamento
excessivo com insulina, a concentração de glicose no sangue pode cair para um nível extremamente baixo, visto que
o excesso de insulina faz quase toda a glicose no sangue ser rapidamente transportada para as células não neurais
sensíveis à insulina em todo o corpo. Quando isso ocorre, uma quantidade insuficiente de glicose permanece no
sangue para suprir os neurônios, e pode ocorrer grave prejuízo da função mental, levando a desequilíbrio mental,
transtornos psicóticos e, às vezes, coma.
PARTE 12

Fisiologia Digestiva

Capítulo 63 Princípios Gerais da Função Digestiva: Motilidade, Controle Nervoso e Circulação Sanguínea

Capítulo 64 Propulsão e Mistura dos Alimentos no Trato Digestivo

Capítulo 65 Funções Secretoras do Trato Digestivo

Capítulo 66 Digestão e Absorção no Trato Digestivo

Capítulo 67 Fisiologia dos Distúrbios do Trato Digestivo


CAPÍTULO 63

Princípios Gerais da Função Digestiva: Motilidade, Controle Nervoso e


Circulação Sanguínea

O sistema digestório fornece ao corpo um suprimento contínuo de água, eletrólitos, vitaminas e nutrientes. Isso
exige: (1) o movimento dos alimentos pelo sistema digestório; (2) a secreção de sucos digestivos e a digestão dos
alimentos; (3) a absorção de produtos da digestão, água, eletrólitos e vitaminas; (4) a circulação do sangue e da linfa
para o transporte das substâncias absorvidas; e (5) o controle local, nervoso e hormonal de todas essas funções.

PRINCÍPIOS GERAIS DE MOTILIDADE DIGESTIVA

Anatomia fisiológica da parede gastrointestinal


As funções motoras do intestino são realizadas por camadas de músculo liso. A parede intestinal é
composta pelas seguintes camadas (da superfície externa para a interna): (1) túnica serosa; (2) camada de músculo
liso longitudinal; (3) camada de músculo liso circular; (4) tela submucosa; e (5) túnica mucosa. Além disso, uma
camada esparsa de fibras musculares lisas, a lâmina muscular da mucosa, situa-se nas camadas mais profundas da
mucosa.
O músculo liso gastrointestinal funciona como um sincício. As fibras musculares lisas nas camadas
musculares longitudinal e circular estão eletricamente conectadas por meio de junções comunicantes, que
possibilitam o movimento de íons de uma célula para outra. Cada camada muscular funciona como um sincício;
quando ocorre um potencial de ação, ele geralmente segue em todas as direções no músculo. A distância percorrida
depende da excitabilidade do músculo. Como existem poucas conexões entre as camadas musculares longitudinal e
circular, a excitação de uma dessas camadas com frequência também excita a outra.

Atividade elétrica do músculo liso gastrointestinal


O ritmo da maioria das contrações gastrointestinais é determinado pela frequência das ondas
lentas do potencial de membrana do músculo liso. Essas ondas não são potenciais de ação, elas são
alterações lentas e ondulantes do potencial de membrana em repouso que excitam o aparecimento de potenciais de
pico intermitentes; por sua vez, os potenciais de pico excitam a contração muscular. A causa das ondas lentas não é
totalmente compreendida, embora pareçam ser causadas por interações complexas das células musculares lisas com
as células especializadas, denominadas células intersticiais de Cajal, que se acredita que atuem como marca‑passos
elétricos para as células musculares lisas. Essas células marca-passos estão interpostas entre as camadas de músculo
liso, com contatos de tipo sináptico com as células musculares lisas. As células intersticiais de Cajal sofrem
mudanças cíclicas no potencial de membrana, devido aos canais iônicos que se abrem periodicamente e produzem
correntes internas (marca-passo), que podem gerar uma atividade de ondas lentas.
Os potenciais de pico são verdadeiros potenciais de ação e causam contração muscular. Os
potenciais de pico ocorrem quando o potencial de membrana em repouso torna-se mais positivo do que cerca de –40
mV (o potencial de membrana em repouso normal situa-se entre –50 e –60 mV). Os canais responsáveis pelos
potenciais de ação possibilitam a entrada de um número particularmente grande de íons cálcio, juntamente a um
número menor de íons sódio; por conseguinte, eles são denominados canais de cálcio‑sódio.
O nível básico do potencial de membrana em repouso da musculatura lisa gastrointestinal pode
ser aumentado ou diminuído. Em geral, o potencial de membrana em repouso é, em média, de cerca de –56 mV.

Os fatores que despolarizam a membrana incluem: (1) distensão do músculo; (2) estimulação pela acetilcolina; (3)
estimulação por nervos parassimpáticos que liberam acetilcolina em suas terminações; e (4) estimulação por
hormônios gastrointestinais
Os fatores que hiperpolarizam a membrana incluem: (1) o efeito da noradrenalina ou da adrenalina sobre a
membrana muscular; e (2) a estimulação dos nervos simpáticos que liberam noradrenalina em suas terminações.

CONTROLE NEURAL DA FUNÇÃO GASTROINTESTINAL: SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO

O trato gastrointestinal tem o seu próprio sistema nervoso, denominado sistema nervoso
entérico. O sistema nervoso entérico situa-se inteiramente na parede intestinal; ele começa no esôfago e estende-se
até o ânus. O sistema entérico é composto principalmente de dois plexos:

O plexo mioentérico (plexo de Auerbach) é externo e está localizado entre as camadas de músculo liso. A
estimulação dele causa: (1) aumento do tônus da parede intestinal; (2) aumento da intensidade das contrações
rítmicas; (3) aumento da frequência das contrações; e (4) aumento da velocidade de condução. O plexo mioentérico
também é útil para inibir o esfíncter pilórico (que controla o esvaziamento gástrico), o esfíncter da válvula ileocecal
(que controla o esvaziamento do intestino delgado para o ceco) e o esfíncter esofágico inferior (que possibilita a
entrada do alimento no estômago)
O plexo submucoso (plexo de Meissner) está situado na tela submucosa. Diferentemente do plexo mioentérico, o
plexo submucoso está principalmente relacionado com o controle da função da parede interna do intestino. Por
exemplo, muitos sinais sensoriais originam-se do epitélio gastrointestinal e são integrados ao plexo submucoso para
ajudar a controlar a secreção intestinal local, a absorção local, a contração local da musculatura submucosa (lâmina
da muscular da mucosa) e o fluxo sanguíneo local.

Controle autonômico do trato digestivo


A estimulação parassimpática aumenta a atividade do sistema nervoso entérico. O aumento da
atividade do sistema nervoso entérico incrementa, por sua vez, a atividade da maioria das funções gastrointestinais.
A inervação parassimpática para o intestino é composta das divisões craniana e sacral:

As fibras parassimpáticas cranianas inervam o esôfago, o estômago, o intestino delgado, o pâncreas e a primeira
metade do intestino grosso por meio dos nervos vagos
As fibras parassimpáticas sacrais inervam a metade distal do intestino grosso por meio dos nervos pélvicos. As
regiões sigmoide, retal e anal têm uma inervação particularmente rica em fibras parassimpáticas, que atuam nos
reflexos da defecação.

A estimulação simpática geralmente inibe a atividade do trato digestivo. O sistema simpático inerva
todas as partes do trato gastrointestinal, em vez de inervar mais extensamente as porções mais próximas à cavidade
oral e ao ânus, como é o caso do sistema parassimpático. As terminações nervosas simpáticas secretam
noradrenalina, que exerce seus efeitos de duas maneiras: (1) em menor extensão, por uma ação direta que inibe o
músculo liso; e, (2) em maior extensão, por meio de um efeito inibitório sobre o sistema nervoso entérico.

Reflexos gastrointestinais
Três tipos de reflexos são essenciais para o controle gastrointestinal.

Os reflexos que ocorrem inteiramente no sistema nervoso entérico controlam a secreção gastrointestinal, o
peristaltismo, as contrações de mistura e os efeitos inibitórios locais
Os reflexos do intestino para os gânglios simpáticos e de volta para o intestino transmitem sinais a longa distância.
Os sinais provenientes do estômago causam evacuação do cólon (reflexo gastrocólico); os sinais do cólon e do
intestino delgado inibem a motilidade e a secreção do estômago (reflexos enterogástricos); e os reflexos do cólon
inibem o esvaziamento do conteúdo ileal dentro do cólon (reflexo colonoileal)
Os reflexos do intestino para a medula espinhal ou para o tronco encefálico e de volta para o intestino incluem, em
particular: (1) os reflexos do estômago e do duodeno para o tronco encefálico e de volta para o estômago – por meio
dos nervos vagos –, que controlam a atividade motora gástrica e secretora; (2) os reflexos de dor, que causam
inibição geral de todo o trato gastrointestinal; e (3) os reflexos de defecação, que percorrem a medula espinhal e
retornam para produzir as fortes contrações colônicas, retais e abdominais necessárias para a defecação.

Hormônios gastrointestinais
Os cinco principais hormônios gastrointestinais: gastrina, colecistoquinina, secretina, peptídeo
insulinotrófico dependente de glicose (GIP) e motilina. Os hormônios gastrointestinais são liberados na
circulação portal e exercem ações fisiológicas sobre as células-alvo com receptores específicos para cada hormônio.
Os efeitos dos hormônios persistem mesmo após a interrupção de todas as conexões nervosas entre o local de
liberação e o local de ação. A Tabela 63.1 descreve as ações de cada hormônio gastrointestinal, o estímulo necessário
para a secreção e o local onde ela ocorre.

MOVIMENTOS PROPULSIVOS: PERISTALTISMO

Ocorrem dois tipos de movimentos no trato gastrointestinal: os movimentos propulsivos e os movimentos de mistura.
O peristaltismo é o movimento propulsivo básico do trato gastrointestinal. A distensão do trato
gastrointestinal provoca o aparecimento de um anel contrátil ao redor do intestino, que se move em direção ao ânus
por alguns centímetros antes de parar. Ao mesmo tempo, o intestino às vezes relaxa vários centímetros na direção do
ânus, o que é denominado relaxamento receptivo, permitindo que o alimento seja propelido com mais facilidade em
direção ao ânus. Esse padrão complexo não ocorre na ausência do plexo mioentérico; por isso, o complexo é
denominado reflexo mioentérico ou reflexo peristáltico. O reflexo peristáltico associado à direção do movimento
para o ânus é denominado lei do intestino.

Tabela 63.1Ações dos hormônios gastrointestinais, estímulos para a secreção e local de secreção.

Estímulos
para Local de
Hormônio secreção secreção Ações
Gastrina Proteínas Células G Estimula a secreção de ácido gástrico, o
Distensão do antro, crescimento da mucosa
Nervosa (o duodeno
ácido inibe a e jejuno
liberação
Colecistoquinina Proteínas Células I Estimula a secreção de enzimas pancreáticas, a
Gordura do secreção de bicarbonato pelo pâncreas, a
Ácido duodeno, contração da vesícula biliar, o crescimento do
jejuno e pâncreas exócrino Inibe o esvaziamento
íleo gástrico
Secretina Ácido Células S Estimula a secreção de pepsina, a secreção de
Gordura do bicarbonato pelo pâncreas, a secreção biliar de
duodeno bicarbonato, o crescimento do pâncreas
jejuno e exócrino Inibe a secreção de ácido gástrico
íleo
Peptídeo Proteína Células K Estimula a liberação de insulina Inibe a secreção
insulinotrófico Gordura do de ácido gástrico
glicose‑dependente Carboidratos duodeno
(GIP e do
jejuno
Motilina Gordura Células M Estimula a motilidade gástrica e a motilidade
Ácido do intestinal
Nervosa duodeno
e jejuno

O peristaltismo e as contrações segmentares intermitentes locais causam a mistura no sistema


digestório. Em algumas áreas, as contrações peristálticas causam a maior parte da mistura. Isso é particularmente
verdadeiro quando a progressão do conteúdo intestinal para a frente é bloqueada por um esfíncter; em consequência,
uma onda peristáltica só pode misturar o quimo intestinal, em vez de impulsioná-lo para a frente. Em outras ocasiões,
as contrações constritivas locais, denominadas contrações segmentares, ocorrem a intervalos de poucos centímetros
na parede intestinal. Em geral, essas constrições duram apenas alguns segundos; em seguida, ocorrem novas
constrições em outros pontos do intestino, misturando o seu conteúdo.

FLUXO SANGUÍNEO GASTROINTESTINAL: CIRCULAÇÃO ESPLÂNCNICA

Os vasos sanguíneos do trato gastrointestinal fazem parte da circulação esplâncnica. A circulação


esplâncnica inclui o fluxo sanguíneo pelo intestino, além do fluxo sanguíneo pelo baço, pâncreas e fígado. O sangue
que passa pela circulação esplâncnica flui imediatamente para o fígado através da veia porta do fígado. O sangue no
fígado passa pelos sinusoides hepáticos e, por fim, sai do fígado pelas veias hepáticas.
O fluxo sanguíneo gastrointestinal é geralmente proporcional ao nível de atividade local. Durante
a absorção ativa de nutrientes, o fluxo sanguíneo nas vilosidades e nas regiões adjacentes da submucosa aumenta
acentuadamente. De modo semelhante, o fluxo sanguíneo nas camadas musculares da parede intestinal é maior com
o aumento da motilidade. Embora as causas precisas do aumento do fluxo sanguíneo durante a atividade
gastrointestinal aumentada ainda não estejam bem esclarecidas, são conhecidos alguns fatos:

Ocorre liberação de substâncias vasodilatadoras pela mucosa durante o processo digestivo. A maior parte consiste
em hormônios peptídicos, incluindo colecistoquinina, gastrina e secretina
Algumas das glândulas gastrointestinais também liberam duas cininas, a calidina e a bradicinina, na parede intestinal.
Essas cininas são vasodilatadores poderosos
A diminuição da oxigenação da parede intestinal pode aumentar o fluxo sanguíneo intestinal em pelo menos 50%;
portanto, a hipóxia tecidual que resulta do aumento da atividade intestinal provavelmente causa uma grande parte da
vasodilatação.

Controle nervoso do fluxo sanguíneo no sistema digestório


A estimulação parassimpática aumenta o fluxo sanguíneo. A estimulação dos nervos parassimpáticos
para o estômago e a parte inferior do cólon aumenta o fluxo sanguíneo local e a secreção glandular. É provável que
esse maior fluxo resulte secundariamente do aumento da atividade glandular.
A estimulação simpática diminui o fluxo sanguíneo. Após alguns minutos de vasoconstrição induzida
pela estimulação simpática e redução do fluxo sanguíneo, o fluxo sanguíneo com frequência retorna quase para o
normal por meio de escape autorregulatório. Os mecanismos vasodilatadores metabólicos locais que são induzidos
pela hipóxia superam os efeitos da vasoconstrição simpática, causando, assim, a dilatação das arteríolas.
A vasoconstrição simpática é útil quando outras partes do corpo necessitam de fluxo sanguíneo
adicional. Um dos principais valores da vasoconstrição simpática no intestino é que ela diminui o fluxo sanguíneo
esplâncnico por um curto período durante o exercício pesado e no choque circulatório, quando há necessidade de
aumento do fluxo em outro local.
CAPÍTULO 64

Propulsão e Mistura dos Alimentos no Trato Digestivo

O processamento ideal dos alimentos no sistema digestório exige tempos de trânsito específicos em cada parte do
trato; além disso, é necessário que ocorra mistura adequada. Vários mecanismos hormonais e nervosos automáticos
controlam o momento de cada uma dessas atividades, de modo que possam ocorrer de maneira ideal – nem muito
rápida nem muito lentamente.

INGESTÃO DE ALIMENTOS

A fase faríngea da deglutição é involuntária e constitui a passagem do alimento pela faringe


para o esôfago. O alimento é empurrado voluntariamente dentro da faringe pela língua quando está pronto para ser
deglutido; essa é a fase voluntária da deglutição. O bolo alimentar estimula receptores de deglutição, que enviam
impulsos ao tronco encefálico para iniciar uma série de contrações automáticas do músculo faríngeo, da seguinte
maneira:

O palato mole é puxado para cima para evitar o refluxo do alimento nas cavidades nasais
As pregas palatofaríngeas de cada lado da faringe são puxadas medialmente, formando uma fenda sagital que impede
a passagem de grandes porções dentro da parte posterior da faringe
As pregas vocais são fortemente aproximadas, a laringe é tracionada para cima e anteriormente, e a epiglote oscila
para trás sobre a abertura da laringe. Esses efeitos impedem a passagem do alimento para dentro da traqueia
O esfíncter esofágico superior relaxa, possibilitando o movimento do alimento para a parte superior do esôfago
Uma onda peristáltica rápida, que se origina na faringe, força o bolo alimentar em direção à parte superior do
esôfago.

A fase esofágica da deglutição envolve dois tipos de peristaltismo:

O peristaltismo primário é uma continuação da onda peristáltica que se inicia na faringe. Essa onda, que é mediada
pelos nervos vagos, prossegue em toda a extensão desde a faringe até o estômago
O peristaltismo secundário resulta da distensão do esôfago quando a onda peristáltica primária não empurra o
alimento para dentro do estômago; ele não necessita de inervação vagal.

O esfíncter esofágico inferior relaxa antes da onda peristáltica. Na extremidade inferior do esôfago, o
músculo esofágico circular funciona como um esfíncter esofágico inferior. Ele permanece tonicamente contraído até
que uma onda peristáltica de deglutição passe para o esôfago. Em seguida, o esfíncter relaxa antes da onda
peristáltica, o que permite a propulsão do alimento dentro do estômago; esse processo é denominado relaxamento
receptivo.

FUNÇÕES MOTORAS DO ESTÔMAGO

O estômago desempenha três funções motoras principais:

Armazenamento do alimento até que ele possa ser processado no intestino delgado
Mistura do alimento com secreções gástricas até formar uma mistura semilíquida, denominada quimo
Esvaziamento do alimento no intestino delgado, em uma velocidade apropriada para a digestão e a absorção
adequadas.

O estômago relaxa ao receber o alimento. Normalmente, quando o alimento entra no estômago, um


reflexo vagovagal do estômago para o tronco encefálico e de volta para ele reduz o tônus da parede muscular do
estômago. A parede pode se projetar progressivamente para fora, acomodando cerca de 1,5 l no estômago
completamente relaxado.
A retropulsão é um importante mecanismo de mistura do estômago. Toda vez que uma onda
peristáltica passa pelo antro em direção ao piloro, ocorre a contração do músculo pilórico, o que impede ainda mais o
esvaziamento pelo piloro. A maior parte do conteúdo do antro é espremida de volta através do anel peristáltico, em
direção ao corpo do estômago.
O esfíncter pilórico ajuda a regular o esvaziamento gástrico. O esfíncter pilórico permanece
ligeiramente contraído na maior do tempo. Em geral, a constrição evita a passagem de partículas de alimento até que
sejam misturadas no quimo, adquirindo uma consistência quase líquida.
O esvaziamento gástrico é inibido por reflexos enterogástricos do duodeno. Quando o alimento
entra no duodeno, são iniciados vários reflexos nervosos em sua parede, que retornam ao estômago e diminuem ou
até mesmo interrompem o esvaziamento gástrico quando o volume de quimo no duodeno se torna excessivo. Os
seguintes fatores podem excitar os reflexos enterogástricos:

Distensão do duodeno
Irritação da mucosa duodenal
Acidez excessiva do quimo duodenal
Osmolaridade alta ou baixa do quimo
Presença de produtos de degradação no quimo, particularmente de proteínas e, em menor grau, de gorduras.

A colecistoquinina inibe o esvaziamento gástrico. A colecistoquinina é liberada pela mucosa do duodeno


e do jejuno em resposta à presença de gorduras e proteínas no quimo. Por conseguinte, o conteúdo do estômago é
liberado muito lentamente após a ingestão de uma refeição gordurosa, particularmente quando ela contém proteínas.

MOVIMENTOS DO INTESTINO DELGADO

A distensão do intestino delgado induz contrações de segmentação de mistura. As contrações de


segmentação são concêntricas e têm a aparência de uma fileira de salsichas. Essas contrações geralmente “cortam” o
quimo aproximadamente duas ou três vezes a cada minuto, promovendo mistura progressiva de partículas
alimentares sólidas com secreções do intestino delgado.
O quimo é impelido pelo intestino delgado por ondas peristálticas. As ondas peristálticas movem-se
em direção ao ânus a uma velocidade de 0,5 a 2,0 cm/s. O movimento do quimo ao longo do intestino delgado é, em
média, de apenas 1 cm/min. São necessárias cerca de 3 a 5 horas para a passagem do quimo do piloro até a válvula
ileocecal.
O peristaltismo é controlado por sinais nervosos e hormonais. A atividade peristáltica do intestino
delgado aumenta acentuadamente após uma refeição pelas seguintes razões:

Sinais nervosos. Os sinais nervosos são causados, em parte, pela entrada do quimo no duodeno e, em parte, pelo
reflexo gastroentérico, que é iniciado pela distensão do estômago e conduzido principalmente através do plexo
mioentérico ao longo da parede do intestino delgado
Sinais hormonais. A gastrina, a colecistoquinina e a insulina são liberadas após uma refeição e podem intensificar a
motilidade intestinal. A secretina e o glucagon inibem a motilidade do intestino delgado. Entretanto, a importância
quantitativa desses hormônios na motilidade gastrointestinal é incerta.

A válvula ileocecal impede o refluxo do cólon para o intestino delgado. Os lábios da válvula ileocecal
projetam-se no lúmen do ceco e são firmemente fechados quando uma pressão excessiva é exercida no ceco e o
conteúdo cecal é empurrado contra os lábios. A parede do íleo próximo à válvula ileocecal apresenta um
revestimento muscular espesso, denominado esfíncter ileocecal. Em geral, esse esfíncter permanece levemente
contraído e retarda o esvaziamento do conteúdo ileal para o ceco, exceto imediatamente após uma refeição.
O esfíncter ileocecal e a intensidade do peristaltismo no íleo terminal são controlados por
reflexos provenientes do ceco. Quando o ceco está distendido, a contração do esfíncter ileocecal é intensificada,
e o peristaltismo ileal é inibido, o que retarda acentuadamente o esvaziamento do quimo adicional do íleo. Qualquer
irritante existente no ceco retarda o esvaziamento. Esses reflexos do ceco para o esfíncter ileocecal e o íleo são
mediados pelo plexo mioentérico na parede intestinal e pelos nervos extrínsecos, particularmente por reflexos
envolvendo os gânglios simpáticos pré-vertebrais.

MOVIMENTOS DO CÓLON

As principais funções do cólon são (1) a absorção de água e de eletrólitos do quimo e (2) o armazenamento de
matéria fecal até que ela possa ser expelida. A metade proximal do cólon está relacionada principalmente com a
absorção, e a metade distal, com o armazenamento.
A contração dos músculos circulares e longitudinais no intestino grosso causa o
desenvolvimento de haustrações. Essas contrações combinadas fazem a parte não estimulada do intestino
grosso se projetar para fora em sacos denominados haustrações. As contrações haustrais desempenham duas funções
principais:

Propulsão. As contrações haustrais às vezes movem-se lentamente em direção ao ânus durante o seu período de
contração e, portanto, proporcionam a propulsão do conteúdo do cólon para a frente
Mistura. As contrações haustrais escavam e revolvem o material fecal no intestino grosso. Dessa maneira, todo o
material fecal é gradualmente exposto à superfície do intestino grosso, possibilitando a absorção de líquido e
substâncias dissolvidas.

Os movimentos de massa impulsionam o conteúdo fecal por longas distâncias no intestino


grosso. O movimento de massa caracteriza-se pela seguinte sequência de eventos: ocorre um anel constritivo em
um ponto distendido ou irritado no cólon; em seguida, o cólon distal à constrição se contrai como uma unidade,
forçando o material fecal nesse segmento em massa pelo cólon. Quando a massa de fezes é forçada para o reto, surge
a vontade de defecar.
O aparecimento de movimentos de massa após as refeições é facilitado pelos reflexos
gastrocólico e duodenocólico. Esses reflexos resultam da distensão do estômago e do duodeno. Os reflexos são
conduzidos pelos nervos extrínsecos do sistema nervoso autônomo. Os movimentos de massa também podem ser
iniciados pela estimulação intensa do sistema nervoso parassimpático ou pela distensão excessiva de um segmento
do cólon.
A defecação pode ser iniciada por um reflexo intrínseco mediado pelo sistema nervoso entérico
local. Quando as fezes entram no reto, a distensão da parede do reto inicia sinais aferentes, que se propagam pelo
plexo mioentérico para iniciar ondas peristálticas no cólon descendente, no cólon sigmoide e no reto, forçando as
fezes em direção ao ânus. À medida que a onda peristáltica se aproxima do ânus, o esfíncter interno do ânus é
relaxado por sinais inibitórios provenientes do plexo mioentérico; se o esfíncter externo do ânus for relaxado
conscientemente ao mesmo tempo, ocorre defecação.
O funcionamento do reflexo intrínseco de defecação por si só é relativamente fraco. Para ser
efetivo e provocar defecação, o reflexo intrínseco geralmente precisa ser reforçado por um reflexo de defecação
parassimpático, que envolve os segmentos sacrais da medula espinhal. Os sinais parassimpáticos intensificam
acentuadamente as ondas peristálticas, relaxam o esfíncter interno do ânus e, consequentemente, convertem o reflexo
de defecação intrínseco de um movimento fraco em um poderoso processo de defecação.
CAPÍTULO 65

Funções Secretoras do Trato Digestivo

As glândulas secretoras no trato digestivo desempenham duas funções principais: (1) secreção de enzimas digestivas;
e (2) secreção de muco para a lubrificação e a proteção da parede intestinal. O objetivo deste capítulo é descrever as
secreções alimentares e suas funções, bem como a regulação da secreção.

PRINCÍPIOS GERAIS DE SECREÇÃO DO TRATO DIGESTIVO

O contato dos alimentos com o epitélio intestinal ativa o sistema nervoso entérico e estimula a
secreção. A estimulação mecânica direta das células glandulares pelos alimentos e pelo quimo induz a secreção de
sucos digestivos pelas glândulas locais. A estimulação das células epiteliais também ativa o sistema nervoso entérico
da parede intestinal. Os estímulos que ativam esse sistema são: (1) estimulação tátil; (2) irritação química; e (3)
distensão da parede intestinal.
A estimulação parassimpática aumenta a taxa de secreção glandular no trato digestivo. A
estimulação parassimpática da secreção ocorre nas glândulas salivares, esofágicas e gástricas, no pâncreas, nas
glândulas de Brunner no duodeno e nas glândulas da parte distal do intestino grosso. A secreção no restante do
intestino delgado e nos primeiro dois terços do intestino grosso ocorre principalmente em resposta a estímulos
neurais e hormonais locais.
A estimulação simpática tem um efeito duplo na taxa de secreção glandular do trato digestivo. A
estimulação simpática pode aumentar ou diminuir a secreção glandular, dependendo da atividade secretora existente
da glândula. Esse duplo efeito pode ser explicado da seguinte maneira:

Em geral, a estimulação simpática isolada aumenta ligeiramente a secreção


Se a secreção já tiver aumentado, a estimulação simpática superposta comumente diminui a secreção, visto que ela
provoca a constrição dos vasos sanguíneos e limita o fluxo de sangue para a glândula.

SECREÇÃO DA SALIVA

A saliva contém uma secreção serosa e uma secreção mucosa:

A secreção serosa contém ptialina (uma α-amilase), que decompõe o amido em maltose
A secreção mucosa contém mucina para lubrificação e proteção.

A saliva contém altas concentrações de íons potássio e bicarbonato e baixas concentrações de


íons sódio e cloreto. A secreção salivar é um processo em dois estágios. A secreção primária dos ácinos contém
ptialina e/ou mucina em uma solução com uma composição iônica semelhante à do líquido extracelular. Em seguida,
essa secreção primária é modificada nos ductos da seguinte maneira:

Os íons sódio são ativamente reabsorvidos, ao passo que os íons potássio são ativamente secretados nos ductos. O
excesso de reabsorção de sódio cria uma carga negativa nos ductos salivares, o que provoca a reabsorção passiva de
íons cloreto
Os íons bicarbonato são secretados nos ductos em troca de íons cloreto, bem como por um processo secretório ativo.
A salivação é controlada principalmente por sinais nervosos parassimpáticos. Os núcleos
salivatórios localizados no tronco encefálico são excitados por estímulos gustativos e táteis da língua, da boca e da
faringe. A saliva também pode ser afetada por centros superiores do encéfalo; por exemplo, a salivação aumenta
quando o indivíduo sente o odor de seus alimentos preferidos.

SECREÇÃO GÁSTRICA

A mucosa do estômago tem dois tipos principais de glândulas tubulares:

As glândulas formadoras de ácido gástrico (oxínticas) estão localizadas no corpo e no fundo gástrico. Essas
glândulas contêm três tipos principais de células: células mucosas do colo, que secretam principalmente muco, mas
também uma certa quantidade de pepsinogênio; células pépticas (principais), que secretam pepsinogênio; e células
parietais (oxínticas), que secretam ácido clorídrico e fator intrínseco. As glândulas gástricas também contêm alguns
tipos adicionais de células, incluindo as células semelhantes a enterocromafins, que secretam histamina
As glândulas pilóricas estão localizadas no antro. Essas glândulas secretam principalmente muco para proteção da
mucosa pilórica, mas também uma certa quantidade de pepsinogênio e, o mais importante, o hormônio gastrina.

O ácido gástrico é secretado pelas células parietais (oxínticas). Quando as células parietais secretam o
seu suco ácido, as membranas dos canalículos internos das células liberam a sua secreção diretamente no lúmen da
glândula oxíntica. Quando a secreção é elevada, o líquido que entra no canalículo contém ácido clorídrico
concentrado (155 mEq/l), cloreto de potássio (15 mEq/l) e pequenas quantidades de cloreto de sódio.
O ácido clorídrico é tão necessário quanto a pepsina para a digestão de proteínas no estômago.
Os pepsinogênios não têm atividade digestiva quando são inicialmente secretados. Entretanto, assim que entram em
contato com o ácido clorídrico – e, em particular, quando entram em contato com a pepsina previamente formada
mais ácido clorídrico –, eles são ativados para formar pepsina, que atua na digestão de proteínas.
As células parietais também secretam o fator intrínseco. O fator intrínseco é essencial para a absorção
de vitamina B12 no íleo. Quando as células do estômago produtoras de ácidos são destruídas, o que ocorre com
frequência na gastrite crônica, ocorre desenvolvimento de acloridria e, comumente, anemia perniciosa em
consequência da falha na maturação das hemácias.
Os fatores básicos que estimulam a secreção gástrica são acetilcolina, gastrina e histamina. A
acetilcolina estimula a secreção de pepsinogênio pelas células pépticas, de ácido clorídrico pelas células parietais e
de muco pelas células mucosas. Em comparação, a gastrina e a histamina estimulam fortemente a secreção de ácido
pelas células parietais, porém exercem pouco efeito sobre outras células.
A secreção ácida é estimulada pela gastrina. Os impulsos nervosos provenientes dos nervos vagos e dos
reflexos entéricos locais induzem a secreção de gastrina pelas células de gastrina (células G) da mucosa antral. A
gastrina é transportada pelo sangue até as glândulas oxínticas, onde ela estimula fortemente as células parietais e, em
menor grau, as células pépticas.
A histamina estimula a secreção ácida pelas células parietais. A histamina estimula a secreção de ácido
gástrico de maneira parácrina e tem efeito multiplicador com a acetilcolina e a gastrina. Quando as ações da
histamina são bloqueadas, ocorre uma acentuada redução da eficácia da estimulação da secreção ácida pela gastrina e
pela acetilcolina.
A secreção de pepsinogênio é estimulada pela acetilcolina e pelo ácido gástrico. A acetilcolina é
liberada pelos nervos vagos e por outros nervos entéricos. O ácido gástrico provavelmente não estimula as células
pépticas de forma direta, porém provoca reflexos entéricos adicionais. Quando ocorre perda da capacidade de
secretar quantidades normais de ácido, o nível de pepsinogênio apresenta-se baixo, embora as células pépticas
estejam normais.
A secreção gástrica é inibida pela presença de excesso de ácido no estômago. Quando o pH do suco
gástrico cai abaixo de 3,0, ocorre a diminuição da secreção de gastrina por duas razões: (1) a acidez elevada estimula
a liberação de somatostatina pelas células delta, que, por sua vez, diminui a secreção de gastrina pelas células G; e
(2) o ácido provoca um reflexo nervoso inibitório, que inibe a secreção gástrica. Esse mecanismo protege o
estômago.
A secreção gástrica tem três fases:
A fase cefálica é responsável por 30% da resposta a uma refeição e é iniciada pela antecipação da ingestão de
alimentos e pelo odor e sabor do alimento. Essa fase é mediada inteiramente pelos nervos vagos
A fase gástrica é responsável por 60% da resposta ácida a uma refeição. Essa fase é iniciada pela distensão do
estômago, que leva à estimulação nervosa da secreção gástrica. Além disso, os produtos da digestão parcial das
proteínas no estômago causam a liberação de gastrina pela mucosa antral. Em seguida, a gastrina provoca a secreção
de suco gástrico altamente ácido
A fase intestinal (que representa 10% da resposta) é iniciada por estímulos nervosos associados à distensão do
intestino delgado. A presença de produtos de digestão das proteínas no intestino delgado também pode estimular a
secreção gástrica, possivelmente pela liberação de gastrina das células G no duodeno e no jejuno.

O quimo no intestino delgado inibe a secreção durante a fase gástrica. Embora o quimo intestinal
estimule ligeiramente a secreção gástrica no início da fase intestinal da secreção do estômago, ele paradoxalmente
inibe a secreção gástrica em outros momentos. A inibição da secreção durante a fase gástrica pelo quimo no intestino
delgado resulta pelo menos de duas influências:

Reflexo enterogástrico. A presença de alimentos no intestino delgado inicia um reflexo enterogástrico reverso, que é
transmitido pelo sistema nervoso entérico e pelos nervos simpáticos extrínsecos e vagos; esse reflexo inibe a
secreção gástrica. O reflexo pode ser iniciado pela distensão do intestino delgado, pela presença de ácido na parte
superior do intestino, pela presença de produtos de degradação de proteínas ou pela irritação da mucosa
Hormônios. A presença de quimo na parte superior do intestino delgado provoca a liberação de vários hormônios
intestinais. A secretina e o peptídeo insulinotrófico dependente de glicose (GIP) são particularmente importantes para
a inibição das secreções gástricas.

SECREÇÃO PANCREÁTICA

As enzimas digestivas são secretadas pelos ácinos pancreáticos:

As enzimas mais importantes para a digestão de proteínas são a tripsina, a quimiotripsina e a carboxipolipeptidase,
que são secretadas nas formas ativas de tripsinogênio, quimiotripsinogênio e procarboxipolipeptidase
A enzima digestiva pancreática para a digestão dos carboidratos é a amilase pancreática, que hidrolisa os amidos, o
glicogênio e a maioria dos outros carboidratos (exceto a celulose) para formar dissacarídeos e alguns trissacarídeos
A principal enzima para a digestão das gorduras é a lipase pancreática, que hidrolisa os triglicerídios a ácidos graxos
e monoglicerídios; a colesterol esterase, que causa hidrólise de ésteres de colesterol; e a fosfolipase, que separa os
ácidos graxos dos fosfolipídios.

Secreção de íons bicarbonato e de água pelas células epiteliais dos dúctulos e ductos. Os íons
bicarbonato no suco pancreático neutralizam o ácido liberado no duodeno pelo estômago.
A secreção pancreática é estimulada por acetilcolina, colecistoquinina e secretina:

A acetilcolina, que é liberada das terminações do nervo vago, estimula principalmente a secreção das enzimas
digestivas
A colecistoquinina, que é secretada principalmente pelas mucosas duodenal e jejunal, estimula principalmente a
secreção das enzimas digestivas
A secretina, que é secretada pelas mucosas duodenal e jejunal quando o quimo altamente ácido entra no intestino
delgado, estimula principalmente a secreção de bicarbonato de sódio.

A secreção pancreática ocorre em três fases:

Fase cefálica. Os sinais nervosos provenientes do encéfalo que causam a secreção gástrica também induzem a
liberação de acetilcolina pelas terminações do nervo vago no pâncreas, que é responsável por cerca de 20% das
enzimas pancreáticas após uma refeição
Fase gástrica. A estimulação nervosa da secreção de enzimas continua e é responsável por 5 a 10% das enzimas
secretadas após uma refeição
Fase intestinal. Após a entrada do quimo no intestino delgado, a secreção pancreática torna-se copiosa,
principalmente em resposta à secreção hormonal. Além disso, a colecistoquinina provoca um aumento muito maior
da secreção de enzimas.

A secretina estimula a secreção abundante de íons bicarbonato, que neutralizam o quimo ácido
proveniente do estômago. Quando o quimo ácido proveniente do estômago entra no duodeno, o ácido clorídrico
provoca a liberação de prossecretina e a sua ativação em secretina, que é subsequentemente absorvida no sangue. Por
sua vez, a secretina estimula o pâncreas a secretar grandes quantidades de líquido que contêm uma alta concentração
de íons bicarbonato.
A colecistoquinina contribui para o controle da secreção de enzimas digestivas pelo pâncreas. A
presença de alimento na parte superior do intestino delgado também provoca a liberação de colecistoquinina pelas
células I da mucosa do duodeno, do jejuno e do íleo superior. Esse efeito resulta, em particular, da presença de
proteases e peptonas (que são produtos da digestão parcial de proteínas) e de ácidos graxos de cadeia longa; o ácido
clorídrico dos sucos gástricos também causa a liberação de colecistoquinina em menores quantidades.

SECREÇÃO BILIAR PELO FÍGADO

A bile é importante para a digestão e a absorção de gordura e para a remoção de produtos


residuais do sangue:

Digestão e absorção de gordura. Os sais biliares auxiliam a emulsificação de grandes partículas de gordura,
transformando-as em minúsculas partículas que podem ser atacadas pela enzima lipase secretada no suco
pancreático. Eles também ajudam no transporte e na absorção de produtos finais da digestão da gordura através da
membrana mucosa do intestino
Remoção de produtos residuais. A bile atua como meio para a excreção de vários produtos residuais importantes do
sangue, particularmente a bilirrubina, um produto final da destruição da hemoglobina, e o excesso de colesterol
sintetizado pelos hepatócitos.

A bile é secretada em dois estágios pelo fígado:

A porção inicial da bile, que é secretada pelos hepatócitos, contém grandes quantidades de ácidos biliares, colesterol
e outros constituintes orgânicos. Ela é secretada dentro dos minúsculos canalículos biliares, que estão situados entre
as placas hepáticas
Uma solução aquosa de íons sódio e bicarbonato é acrescentada à bile durante o seu fluxo pelos ductos biliares. Essa
segunda secreção é estimulada pela secretina, que produz quantidades aumentadas de íons bicarbonato que
suplementam as secreções pancreáticas para neutralizar o ácido gástrico.

A vesícula biliar armazena e concentra a bile por absorção de água e eletrólitos. O transporte ativo
de sódio através do epitélio da vesícula biliar é seguido de absorção secundária de íons cloreto, de água e da maioria
dos outros constituintes solúveis. Dessa maneira, a bile é normalmente concentrada cerca de 5 vezes.
A colecistoquinina estimula a contração da vesícula biliar. Os alimentos gordurosos que entram no
duodeno provocam a liberação de colecistoquinina pelas células I locais. A colecistoquinina causa contrações
rítmicas da vesícula biliar e relaxamento simultâneo do esfíncter de Oddi, que protege a saída do ducto colédoco no
duodeno.

SECREÇÕES DO INTESTINO DELGADO

Secreção de muco pelas glândulas de Brunner no duodeno. A secreção de muco pelas glândulas de
Brunner, localizadas na parede dos primeiros centímetros do duodeno, é estimulada pelos seguintes fatores:

Estímulos táteis ou irritantes da mucosa sobreposta


Estimulação vagal, que causa secreção, concomitantemente com o aumento da secreção gástrica
Hormônios gastrointestinais, particularmente a secretina.

O muco protege a parede duodenal da digestão pelo suco gástrico. As glândulas de Brunner
respondem rápida e intensamente a estímulos irritativos. Além disso, a secreção pelas glândulas, estimulada pela
secretina, contém um grande excesso de íons bicarbonato, que, juntamente aos íons bicarbonato da secreção
pancreática e da bile hepática, neutralizam o ácido que entra no duodeno.
Secreção de sucos digestivos intestinais pelas criptas de Lieberkühn. As criptas de Lieberkühn estão
localizadas entre as vilosidades intestinais. As superfícies intestinais das criptas e das vilosidades são recobertas por
um epitélio, composto de dois tipos de células:

As células caliciformes secretam muco, que lubrifica e protege a mucosa intestinal


Os enterócitos secretam grandes quantidades de água e de eletrólitos nas criptas. Além disso, eles reabsorvem água e
eletrólitos, juntamente a produtos finais da digestão, na superfície das vilosidades.

SECREÇÕES DE MUCO PELO INTESTINO GROSSO

A maior parte da secreção no intestino grosso consiste em muco. O muco protege a parede do
intestino grosso contra escoriações, proporciona um meio aderente para a matéria fecal, protege a parede intestinal
contra a atividade bacteriana e forma uma barreira para impedir o ataque da parede intestinal pelos ácidos e por
outras substâncias nocivas.
A taxa de secreção de muco é regulada principalmente pela estimulação tátil direta das células epiteliais que
revestem o intestino grosso e por reflexos nervosos locais para as células mucosas nas criptas de Lieberkühn.
CAPÍTULO 66

Digestão e Absorção no Trato Digestivo

O trato digestivo digere e absorve os principais alimentos dos quais depende a vida do corpo: carboidratos, gorduras
e proteínas. Este capítulo discute: (1) a digestão dos carboidratos, das gorduras e das proteínas; e (2) os mecanismos
pelos quais os produtos finais da digestão, bem como água, eletrólitos e outras substâncias, são absorvidos.

DIGESTÃO DE VÁRIOS ALIMENTOS POR HIDRÓLISE

Digestão de carboidratos
A digestão dos carboidratos começa na boca e no estômago. A saliva contém a enzima ptialina (uma
α‑amilase), que hidrolisa o amido, produzindo maltose e outros pequenos polímeros de glicose. Menos de 5% do
conteúdo de amido de uma refeição são hidrolisados antes da deglutição. No entanto, a digestão pode continuar no
estômago por cerca de 1 hora antes de a atividade da amilase salivar ser bloqueada pelo ácido gástrico. A α-amilase
hidrolisa até 30 a 40% dos amidos em maltose.
A secreção pancreática também contém uma grande quantidade de α‑amilase. A função da α-
amilase pancreática é quase idêntica à da α-amilase salivar, porém é várias vezes mais potente; por conseguinte, logo
após a passagem do quimo para o duodeno e a sua mistura com suco pancreático, praticamente todos os amidos são
digeridos.
Os dissacarídios e pequenos polímeros de glicose são hidrolisados a monossacarídios pelas
enzimas epiteliais do intestino. As enzimas fixadas à borda em escova das microvilosidades clivam os
dissacarídios lactose, sacarose e maltose, bem como pequenos polímeros de glicose, em seus monossacarídios
constituintes. Em geral, a glicose representa mais de 80% dos produtos finais da digestão de carboidratos:

A lactose é clivada em uma molécula de galactose e uma molécula de glicose


A sacarose é clivada em uma molécula de frutose e uma molécula de glicose
A maltose e os outros pequenos polímeros de glicose são clivados em moléculas de glicose.

Digestão de proteínas
Digestão de proteínas no estômago. A capacidade da pepsina de digerir o colágeno é particularmente
importante, visto que as fibras de colágeno precisam ser digeridas para que as enzimas proteolíticas possam penetrar
as carnes e digerir as proteínas celulares.
A maior parte da digestão de proteínas resulta das ações de enzimas pancreáticas proteolíticas.
As proteínas que deixam o estômago na forma de proteoses, peptonas e grandes polipeptídeos são digeridas em
dipeptídeos, tripeptídeos e alguns peptídeos maiores por enzimas pancreáticas proteolíticas. Apenas uma pequena
porcentagem de proteínas é digerida por sucos pancreáticos para formar aminoácidos:

A tripsina e a quimiotripsina dividem as moléculas de proteínas em pequenos polipeptídeos


A carboxipolipeptidase cliva os aminoácidos das extremidades carboxílicas dos polipeptídeos
A proelastase dá origem à elastase, que, por sua vez, digere as fibras de elastina que mantêm a estrutura da carne.
Os aminoácidos representam mais de 99% dos produtos digestivos das proteínas. A digestão final
das proteínas no lúmen intestinal é realizada por peptidases nos enterócitos que revestem as vilosidades:

Digestão da borda em escova. A aminopolipeptidase e várias dipeptidases dividem polipeptídeos maiores em


tripeptídeos, dipeptídeos e alguns aminoácidos, que são transportados para dentro dos enterócitos
Digestão no interior dos enterócitos. Os enterócitos contêm múltiplas peptidases, que são específicas para as
ligações entre os vários aminoácidos. Em alguns minutos, praticamente todos os dipeptídeos e tripeptídeos
remanescentes são digeridos para formar aminoácidos, que, em seguida, entram no sangue.

Digestão de gorduras
O primeiro passo na digestão das gorduras é sua emulsificação por ácidos biliares e por lecitina.
A emulsificação é o processo pelo qual os glóbulos de gordura são quebrados em tamanhos menores pelas ações
detergentes dos sais biliares e, especialmente, da lecitina. O processo de emulsificação aumenta a área de superfície
total das gorduras. As lipases são enzimas hidrossolúveis que podem atacar os glóbulos de gordura apenas em suas
superfícies. Em consequência, essa função detergente dos sais biliares e da lecitina é muito importante para a
digestão de gorduras.
Os triglicerídios são digeridos pela lipase pancreática. A principal enzima para a digestão de
triglicerídios é a lipase pancreática. A lipase está presente no suco pancreático em quantidades tão grandes que todos
os triglicerídios podem ser digeridos em ácidos graxos livres e em 2-monoglicerídios dentro de poucos minutos
quando a emulsificação é completa.
Os sais biliares formam micelas que aceleram a digestão das gorduras. A hidrólise dos triglicerídios
é um processo altamente reversível; portanto, o acúmulo de monoglicerídios e de ácidos graxos livres nas
proximidades da digestão das gorduras bloqueia rapidamente a digestão subsequente. Os sais biliares formam
micelas, que removem os monoglicerídios e os ácidos graxos livres da vizinhança dos glóbulos de gordura digeridos.
As micelas são constituídas de um glóbulo de gordura central (que contém monoglicerídios e ácidos graxos livres),
com moléculas de sais biliares que se projetam para fora para cobrir a superfície da micela. As micelas de sais
biliares também transportam monoglicerídios e ácidos graxos livres até as bordas em escova das células epiteliais
intestinais (enterócitos).

PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ABSORÇÃO GASTROINTESTINAL

As dobras de Kerckring, as vilosidades e as microvilosidades aumentam a área de absorção da


mucosa em quase 1.000 vezes. A área total da mucosa do intestino delgado é de 250 a 400 m2, em comparação
com uma quadra de tênis, que tem cerca de 200 m2:

As dobras de Kerckring aumentam a área de superfície da mucosa absortiva em cerca de 3 vezes


As vilosidades projetam-se cerca de 1 mm da superfície da mucosa, aumentando a área de absorção em mais 10
vezes
As microvilosidades, que têm cerca de 1 µm de comprimento, recobrem a superfície das vilosidades (borda em
escova), aumentando a área de superfície exposta ao conteúdo intestinal em pelo menos mais 20 vezes.

ABSORÇÃO NO INTESTINO DELGADO

Absorção isosmótica de água


A água é transportada através da membrana intestinal por osmose. A água é absorvida pelo intestino
quando o quimo é diluído e movimenta-se no intestino quando soluções hiperosmóticas entram no duodeno. Como as
substâncias dissolvidas são absorvidas no intestino, a pressão osmótica do quimo tende a diminuir, porém a água
difunde-se tão facilmente através da membrana intestinal, que ela quase “acompanha” instantaneamente as
substâncias absorvidas no sangue. Por conseguinte, o conteúdo intestinal é sempre praticamente isotônico com o
líquido extracelular.

Absorção de íons
O sódio é transportado ativamente pela membrana intestinal. O sódio é ativamente transportado do
interior das células epiteliais do intestino através das paredes basais e laterais (membrana basolateral) dessas células
para os espaços paracelulares (Figura 66.1); isso diminui a concentração de sódio intracelular. Essa baixa
concentração de sódio fornece um gradiente eletroquímico acentuado para o movimento de sódio do quimo pela
borda em escova e para dentro do citoplasma das células epiteliais. O gradiente osmótico criado pela alta
concentração de íons nos espaços paracelulares provoca o movimento de água por osmose através das zônulas de
oclusão entre as bordas apicais das células epiteliais e, por fim, na circulação sanguínea das vilosidades.

Figura 66.1 Absorção de sódio, cloreto, glicose e aminoácidos através do epitélio


intestinal. Observe, também, a absorção osmótica de água (i. e., a água “acompanha”
o sódio através da membrana epitelial).

A aldosterona aumenta muito a absorção intestinal de sódio. A desidratação leva ao aumento da


secreção de aldosterona pelas glândulas adrenais, o que intensifica acentuadamente a absorção de sódio pelas células
epiteliais intestinais. O aumento da absorção de sódio causa, então, o aumento secundário da absorção de íons
cloreto, água e algumas outras substâncias. Esse efeito da aldosterona é particularmente proeminente no cólon.
O intestino grosso secreta quantidades extremamente grandes de íons cloreto, íons sódio e
água em alguns tipos de diarreia. As toxinas da cólera e de algumas outras bactérias causadoras de diarreia
podem estimular a secreção de cloreto de sódio e água em níveis tão elevados que até 5 a 10 l de água e sal podem
ser perdidos diariamente na forma de diarreia. Na maioria dos casos, é possível salvar a vida de um indivíduo com
cólera por meio da administração oral de grandes quantidades de solução de cloreto de sódio e glicose para
compensar as perdas.
Absorção ativa de cálcio, ferro, potássio, magnésio e fosfato:
Os íons cálcio são ativamente absorvidos de acordo com as necessidades de cálcio do organismo. A absorção de
cálcio é controlada pelo paratormônio e pela vitamina D. O paratormônio ativa a vitamina D nos rins, a qual, por sua
vez, aumenta acentuadamente a absorção de cálcio
Os íons ferro também são ativamente absorvidos pelo intestino delgado, conforme discutido no Capítulo 33
Os íons potássio, magnésio, fosfato e, provavelmente, outros íons também podem ser ativamente absorvidos através
da mucosa.

Absorção de nutrientes
Carboidratos são absorvidos principalmente como monossacarídios. O mais abundante dos
monossacarídios absorvidos é a glicose, que, em geral, é responsável por mais de 80% das calorias absorvidas na
forma de carboidratos. A glicose constitui o produto final da digestão dos carboidratos mais abundantes em nossa
alimentação, os amidos.
A glicose é transportada por um mecanismo de cotransporte com o sódio. O transporte ativo de
sódio através das membranas basolaterais para os espaços paracelulares provoca a depleção de sódio no interior das
células. A baixa concentração intracelular de sódio proporciona um gradiente eletroquímico para deslocar o sódio
através da borda em escova do enterócito para o seu interior por um mecanismo de cotransporte ativo secundário
(Figura 66.1). O sódio se combina com uma proteína transportadora, denominada SGLT1 (cotransportador de sódio-
glicose), que exige a presença de outra substância, como a glicose, para ligação simultânea. Quando a glicose
intestinal se combina com SGLT1, o sódio e a glicose são transportados ao mesmo tempo para dentro da célula. Uma
vez no interior da célula, outra proteína de transporte, o transportador de glicose 2 (GLUT2), facilita a difusão da
glicose através da membrana basolateral da célula.
Absorção de outros monossacarídios. A galactose é transportada pelo mesmo mecanismo da glicose,
utilizando os transportadores SGLT1 e GLUT2 para atravessar as membranas luminal e basolateral, respectivamente.
Em contrapartida, a difusão da frutose para o interior da célula é facilitada pelo GLUT5, ao passo que a sua saída da
célula para o espaço paracelular é facilitada pelo GLUT2. O transporte através da célula não está acoplado com o
transporte do sódio. Parte da frutose é convertida em glicose no interior dos enterócitos e, por fim, é transportada
para o sangue na forma de glicose.

Absorção de proteínas
A maioria das proteínas é absorvida pelas membranas luminais das células epiteliais intestinais
na forma de dipeptídeos, tripeptídeos e aminoácidos livres. A energia necessária para a maior parte desse
transporte é fornecida por mecanismos de cotransporte de sódio, da mesma maneira que ocorre o cotransporte de
glicose e galactose com o sódio (Figura 66.1). Alguns aminoácidos não necessitam desse mecanismo de cotransporte
de sódio, porém são transportados por proteínas transportadoras especiais da membrana da mesma maneira que a
frutose é transportada: por meio de difusão facilitada. São necessárias mais de 10 proteínas transportadoras diferentes
para a absorção de aminoácidos.

Absorção de gorduras
Os monoglicerídios e os ácidos graxos sofrem difusão passiva através da membrana celular dos
enterócitos para o interior do enterócito. Os lipídios são solúveis na membrana do enterócito. Após a sua
entrada no enterócito, os ácidos graxos e os monoglicerídios são principalmente recombinados para formar novos
triglicerídios. Alguns dos monoglicerídios são, ainda, digeridos em glicerol e ácidos graxos por uma lipase
intracelular. Os triglicerídios não conseguem atravessar a membrana do enterócito.
Os quilomícrons são secretados dos enterócitos por exocitose. Os triglicerídios reconstituídos
agregam-se no complexo de Golgi, formando glóbulos que contêm colesterol e fosfolipídios. Os fosfolipídios
dispõem-se com as partes de gordura voltadas para o centro e as partes polares voltadas para a superfície, criando
uma superfície eletricamente carregada, que torna os glóbulos miscíveis com água. Os glóbulos são liberados do
complexo de Golgi e secretados por exocitose nos espaços basolaterais. A partir daí, eles passam para a linfa dos
vasos quilíferos centrais das vilosidades. Esses glóbulos são, então, denominados quilomícrons.
Os quilomícrons são transportados na linfa. A partir das superfícies basolaterais dos enterócitos, os
quilomícrons seguem o seu percurso até os vasos quilíferos centrais das vilosidades e, em seguida, são
impulsionados, junto à linfa, para cima através do ducto torácico, desembocando nas grandes veias do pescoço.

ABSORÇÃO NO INTESTINO GROSSO: FORMAÇÃO DE FEZES

A metade proximal do cólon absorve eletrólitos e água. A mucosa do intestino grosso apresenta uma
grande capacidade de absorção ativa de sódio, e o potencial elétrico criado pela absorção de sódio provoca a
absorção de cloreto. As zônulas de oclusão entre as células epiteliais são mais firmes do que as do intestino delgado,
o que diminui a difusão retrógrada de íons através dessas junções. Isso permite que a mucosa do intestino grosso
absorva íons sódio contra um gradiente de concentração mais elevado do que pode ocorrer no intestino delgado. A
absorção de íons sódio e cloreto cria um gradiente osmótico através da mucosa do intestino grosso, o que, por sua
vez, causa a absorção de água.
O intestino grosso pode absorver, no máximo, cerca de 5 a 8 l de líquido contendo eletrólitos por
dia. Quando a quantidade total que entra no intestino grosso pela válvula ileocecal ou pelas secreções do intestino
grosso ultrapassa essa capacidade absortiva máxima, o excesso aparece nas fezes como diarreia.
As fezes normalmente são formadas por cerca de 75% de água e 25% de matéria sólida. A matéria
sólida nas fezes é composta por cerca de 30% de bactérias mortas, 10 a 20% de gordura, 10 a 20% de matéria
inorgânica, 2 a 3% de proteína e 30% de matéria não digerida dos alimentos e de constituintes secos dos sucos
digestivos, como pigmentos biliares e células epiteliais descamadas. A cor marrom das fezes é causada pela
estercobilina e pela urobilina, que são derivadas da bilirrubina. O odor é causado principalmente por indol, escatol,
mercaptanos, metano e sulfeto de hidrogênio.
CAPÍTULO 67

Fisiologia dos Distúrbios do Trato Digestivo

A instituição de uma terapia efetiva para a maioria dos distúrbios gastrointestinais exige um conhecimento básico da
fisiologia gastrointestinal. Neste capítulo, serão discutidos alguns tipos representativos de disfunção gastrointestinal
que apresentam bases ou consequências fisiológicas especiais.

DISTÚRBIOS DA DEGLUTIÇÃO E DO ESÔFAGO

A paralisia do mecanismo de deglutição pode resultar de lesão a nervos, lesão cerebral ou


disfunção muscular:

Lesão nervosa. Os danos ao quinto, nono ou décimo nervo craniano podem causar paralisia do mecanismo da
deglutição
Lesão cerebral. Doenças como a poliomielite e a encefalite, bem como o acidente vascular encefálico, podem
impedir a deglutição normal em consequência do dano ao centro de deglutição no tronco encefálico
Disfunção muscular. A paralisia dos músculos da deglutição, como a que ocorre na distrofia muscular ou na
deficiência da transmissão neuromuscular em pacientes com miastenia gravis ou botulismo, também pode impedir a
deglutição normal.

A acalasia é uma condição em que o esfíncter esofágico inferior é incapaz de relaxar. Quando o
esfíncter esofágico inferior não consegue relaxar, o material deglutido pode se acumular, com consequente distensão
do esôfago. Com o passar dos meses e anos, o esôfago pode se tornar acentuadamente dilatado, condição
denominada megaesôfago.

DISTÚRBIOS DO ESTÔMAGO

Gastrite: inflamação da mucosa gástrica. A inflamação pode penetrar a mucosa gástrica, causando a sua
atrofia. A gastrite pode ser aguda e grave, com escoriação ulcerativa da mucosa gástrica. Ela pode ser causada por
infecção bacteriana crônica da mucosa gástrica. Além disso, substâncias irritantes, como álcool, ácido acetilsalicílico
e medicamentos anti-inflamatórios não esteroides, podem causar danos à barreira protetora da mucosa gástrica.
Aumento da permeabilidade da barreira gástrica na gastrite pode levar à formação de úlcera. A
absorção pelo estômago normalmente é baixa por duas razões: (1) a mucosa gástrica é revestida por células mucosas
que secretam muco viscoso e aderente; e (2) a mucosa tem zônulas de oclusão entre as células epiteliais adjacentes.
Esses impedimentos à absorção gástrica constituem a denominada barreira mucosa gástrica. Essa barreira torna-se
permeável durante a gastrite, permitindo a difusão retrógrada de íons hidrogênio para o epitélio do estômago. Pode
surgir um círculo vicioso de dano e atrofia progressivos à mucosa, tornando-a suscetível à digestão péptica; com
frequência, ocorre úlcera gástrica.
A gastrite crônica pode levar a hipocloridria ou acloridria. A gastrite crônica pode causar atrofia da
função glandular da mucosa gástrica e pode provocar:

Acloridria, que se refere à incapacidade do estômago de secretar ácido clorídrico


Hipocloridria, que consiste na diminuição da secreção de ácido.
A acloridria e a atrofia gástrica são comumente acompanhadas de anemia perniciosa. O fator
intrínseco, que é secretado pelas células parietais, combina-se com a vitamina B12 no intestino para protegê-la da
destruição pelas enzimas digestivas. Quando o complexo fator intrínseco-vitamina B12 alcança o íleo terminal, o fator
intrínseco liga-se a receptores na superfície epitelial do íleo, o que possibilita a absorção da vitamina B12. Na
ausência de fator intrínseco, apenas cerca de 2% da vitamina B12 são absorvidos.
A úlcera péptica é uma área escoriada da mucosa causada pelas ações digestivas do ácido e da
pepsina:

A secreção excessiva de ácido e de pepsina geralmente causa úlceras duodenais


A diminuição da capacidade da barreira mucosa gástrica de fornecer proteção contra as ações do ácido e da pepsina
leva comumente à formação de úlceras gástricas.

A infecção bacteriana por Helicobacter pylori rompe a barreira mucosa gastroduodenal e estimula
a secreção de ácido gástrico. Foi constatado que pelo menos 75% dos pacientes com úlcera péptica apresentam
infecção crônica da mucosa gastroduodenal pela bactéria Helicobacter pylori. Em condições ácidas, a bactéria
produz amônio, que liquefaz a barreira da mucosa gástrica e estimula a secreção de ácido clorídrico, permitindo,
assim, a ação das secreções gástricas que digerem as células epiteliais, levando à ulceração péptica.

DISTÚRBIOS DO INTESTINO DELGADO

Digestão anormal de alimentos no intestino delgado: insuficiência pancreática. A perda de suco


pancreático significa a perda de muitas enzimas digestivas. Em consequência, grandes porções do alimento ingerido
não são utilizadas para nutrição, e são eliminadas fezes copiosas e gordurosas. Com frequência, a falta de secreção
pancreática ocorre nas seguintes condições:

Pancreatite (discutida mais adiante)


Bloqueio do ducto pancreático por um cálculo biliar na papila de Vater
Após remoção da cabeça do pâncreas, devido à neoplasia maligna.

Pancreatite: reação inflamatória do pâncreas. Cerca de 90% de todos os casos são provocados pela
ingestão excessiva de álcool (pancreatite crônica) ou pelo bloqueio da papila de Vater por um cálculo biliar
(pancreatite aguda). Quando o ducto secretor principal é bloqueado por um cálculo, as enzimas pancreáticas ficam
represadas no pâncreas e rapidamente digerem grandes porções dele.

DOENÇAS DO INTESTINO GROSSO

A constipação intestinal grave pode levar ao megacólon. Quando grandes quantidades de matéria fecal
se acumulam no cólon por um longo período, ele pode sofrer distensão, e seu diâmetro pode alcançar 7,5 a 10
centímetros. Essa condição é denominada megacólon. A doença de Hirschsprung, que constitui a causa mais
frequente de megacólon, resulta da deficiência de células ganglionares no plexo mioentérico, geralmente em um
segmento do cólon sigmoide.
A diarreia resulta do rápido movimento da matéria fecal pelo intestino grosso. Algumas das causas
de diarreia incluem as seguintes:

A enterite é uma infecção do trato intestinal que ocorre com mais frequência no intestino grosso. O resultado
consiste em aumento da motilidade e da taxa de secreção pela mucosa irritada, o que contribui para a diarreia
A diarreia psicogênica é causada por estimulação parassimpática, que excita a motilidade e a secreção de muco no
cólon distal
A retocolite ulcerativa é uma doença em que as paredes do intestino grosso se tornam inflamadas e ulceradas. A
motilidade do cólon ulcerado com frequência é tão grande que ocorrem movimentos de massa na maior parte do
tempo. Além disso, as secreções do cólon tornam-se acentuadamente aumentadas.

DOENÇAS GERAIS DO TRATO DIGESTIVO


O vômito livra o trato digestivo superior de seu conteúdo quando ele é excessivamente irritado,
distendido ou excitado. Os sinais sensoriais provenientes da faringe, do esôfago, do estômago e da parte superior
do intestino delgado são transmitidos por fibras nervosas aferentes vagais e simpáticas para vários núcleos
distribuídos no tronco encefálico, que, juntos, são denominados “centro do vômito”. Uma vez estimulado o centro do
vômito e desencadeado o ato do vômito, os primeiros efeitos consistem em: (1) respiração profunda; (2) elevação do
osso hioide e da laringe para abrir o esfíncter esofágico superior; (3) fechamento da glote; e (4) elevação do palato
mole para fechar as narinas posteriores. Em seguida, ocorre a contração simultânea do diafragma e dos músculos da
parede abdominal, elevando a pressão intragástrica a um nível alto. Por fim, o esfíncter esofágico inferior relaxa,
permitindo a expulsão do conteúdo gástrico.
Obstrução intestinal. Algumas causas comuns de obstrução intestinal são: (1) câncer; (2) constrição fibrótica
em consequência de ulceração ou de aderências peritoneais; (3) espasmo de um segmento intestinal; e (4) paralisia de
um segmento intestinal. As consequências da obstrução dependem do ponto em que o trato gastrointestinal fica
obstruído:

Se a obstrução ocorrer no piloro, o que, em geral, resulta de constrição fibrótica após ulceração péptica, ocorre
vômito persistente do conteúdo gástrico. Isso deprime a nutrição corporal, além de causar a perda excessiva de íons
hidrogênio e poder resultar em alcalose metabólica
Se a obstrução estiver localizada além do estômago, o refluxo antiperistáltico do intestino delgado faz os sucos
intestinais refluírem para o estômago; esses sucos são vomitados com as secreções gástricas. O indivíduo torna-se
gravemente desidratado, porém a perda de ácidos e de bases pode ser aproximadamente igual, de modo que
geralmente ocorre pouca alteração no equilíbrio acidobásico
Se a obstrução estiver próxima à extremidade inferior do intestino delgado, é possível que o vômito seja constituído
de substâncias mais básicas do que ácidas; nesse caso, pode ocorrer acidose metabólica. Além disso, após alguns dias
de obstrução, o vômito adquire uma característica fecal
Se a obstrução estiver próxima à extremidade distal do intestino grosso, as fezes podem se acumular no cólon por
várias semanas. O paciente apresenta uma intensa sensação de constipação intestinal. Por fim, torna-se impossível
que o quimo adicional se mova do intestino delgado para o intestino grosso; nesse momento, ocorrem vômitos
intensos.
PARTE 13

Metabolismo e Regulação da Temperatura

Capítulo 68 Metabolismo dos Carboidratos e Formação do Trifosfato de Adenosina

Capítulo 69 Metabolismo Lipídico

Capítulo 70 Metabolismo das Proteínas

Capítulo 71 Fígado

Capítulo 72 Equilíbrio Dietético; Regulação da Alimentação; Obesidade e Inanição; Vitaminas e Minerais

Capítulo 73 Energética Celular e Taxa Metabólica

Capítulo 74 Regulação da Temperatura Corporal e Febre


CAPÍTULO 68

Metabolismo dos Carboidratos e Formação do Trifosfato de Adenosina

Os próximos capítulos tratam do metabolismo, particularmente dos processos químicos que tornam possível a
continuidade da vida das células.
Trifosfato de adenosina é a “moeda de energia” do corpo. Muitas das reações químicas nas células se
destinam a tornar a energia presente nos alimentos disponível para vários sistemas fisiológicos da célula. O trifosfato
de adenosina (ATP) desempenha um papel fundamental ao tornar a energia dos alimentos disponível para esse
propósito. O ATP é um composto químico lábil, que contém duas ligações de fosfato de alta energia. A quantidade de
energia livre em cada uma dessas ligações de fosfato é de aproximadamente 12 mil calorias nas condições
encontradas no organismo.
O ATP está presente no citoplasma e no nucleoplasma de todas as células. Praticamente todos os mecanismos
fisiológicos que necessitam de energia para a sua atuação obtêm essa energia diretamente do ATP ou de compostos
de alta energia semelhantes, como o trifosfato de guanosina (GTP). Por sua vez, o alimento nas células sofre
oxidação gradual, e a energia liberada é utilizada para formar novamente o ATP, de modo que o suprimento dessa
substância seja continuamente mantido. Este capítulo explica como a energia dos carboidratos pode ser utilizada para
a formação de ATP nas células. Normalmente, 90% ou mais de todos os carboidratos utilizados pelo organismo são
empregados para essa finalidade.

TRANSPORTE DA GLICOSE ATRAVÉS DA MEMBRANA CELULAR

Os produtos finais da digestão dos carboidratos no trato alimentar consistem quase totalmente em glicose, frutose e
galactose, entre os quais a glicose representa cerca de 80%. Esses monossacarídios não podem se difundir através
dos poros habituais existentes na membrana celular. Para entrar na célula, eles devem se combinar com carreadores
proteicos na membrana, que permitem a sua passagem através da membrana por meio de difusão facilitada, conforme
discutido no Capítulo 4. Após atravessar a membrana, os monossacarídios se dissociam dos transportadores.
A insulina aumenta a difusão facilitada da glicose. A quantidade de glicose que pode ser difundida para o
interior das células do organismo na ausência de insulina, com exceção do fígado e do cérebro, é muito pequena para
suprir a glicose normalmente necessária para o metabolismo energético. Por conseguinte, a taxa de utilização de
carboidratos pelo organismo é controlada, em grande parte, pela taxa de secreção pancreática de insulina e pela
sensibilidade dos vários tecidos aos efeitos da insulina sobre o transporte de glicose.
A glicose é fosforilada na célula pela enzima glicoquinase. A fosforilação da glicose é quase totalmente
irreversível, exceto nas células hepáticas, no epitélio tubular renal e nas células epiteliais intestinais, onde a glicose
fosfatase está disponível para reverter a reação. Na maioria dos tecidos do corpo, a fosforilação serve para capturar a
glicose dentro da célula. Uma vez no interior da célula, a glicose não se difunde para fora, exceto em células
especiais que têm a fosfatase necessária.

ARMAZENAMENTO E DEGRADAÇÃO DO GLICOGÊNIO NO FÍGADO E NO MÚSCULO

Após a sua absorção pelas células, a glicose pode ser utilizada imediatamente para a obtenção de energia ou pode ser
armazenada como glicogênio, um grande polímero de glicose. Quase todas as células do corpo são capazes de
realizar a glicogênese e armazenar uma certa quantidade de glicogênio, porém as células hepáticas e musculares
podem armazenar grandes quantidades dele. O glicogênio pode ser polimerizado para formar moléculas muito
grandes, que precipitam, formando grânulos sólidos.
A glicogenólise é o processo de formação do glicogênio. A glicogenólise não é o processo inverso da
glicogênese. Na glicogenólise, a molécula de glicose em cada ramificação do polímero de glicogênio é clivada pelo
processo de fosforilação, que é catalisado pela enzima fosforilase.
Em condições de repouso, a enzima fosforilase é inativa. Quando há necessidade de formar glicose novamente a
partir do glicogênio, a fosforilase pode ser ativada pelos hormônios adrenalina e glucagon. O efeito inicial de cada
um desses hormônios consiste em aumentar a formação de monofosfato de adenosina cíclico (AMPc), que inicia uma
cascata de reações químicas que ativam a fosforilase.

LIBERAÇÃO DE ENERGIA DA GLICOSE PELA VIA GLICOLÍTICA

A oxidação completa de 1 mol de glicose libera 686.000 cal de energia, porém apenas 12 mil calorias são necessárias
para formar 1 mol de ATP. Seria um extremo desperdício de energia se ocorresse a decomposição da glicose em água
e dióxido de carbono, com formação de apenas uma única molécula de ATP. Felizmente, as células contêm uma
extensa série de enzimas que clivam a glicose um pouco de cada vez, em muitas etapas sucessivas. A energia da
glicose é liberada em pequenas quantidades para formar uma molécula de ATP por vez. Ao todo, são formados 38
moles de ATP para cada mol de glicose utilizado pela célula.
A glicólise é a clivagem da glicose para formar ácido pirúvico. Durante a glicólise, a glicose é clivada
para formar duas moléculas de ácido pirúvico. Esse processo ocorre em 10 etapas sucessivas, sendo cada etapa
catalisada por pelo menos uma enzima específica.
Apesar das numerosas reações químicas na série glicolítica, apenas 2 moles de ATP são formados para cada mol
de glicose utilizada, o que equivale a 24 mil calorias de energia armazenadas na forma de ATP. A quantidade total de
energia perdida a partir da molécula original de glicose corresponde a 56 mil calorias, de modo que a eficiência
global para a formação de ATP durante a glicólise é de 43%. Os 57% restantes da energia são perdidos na forma de
calor.
Conversão do ácido pirúvico em acetil coenzima A. O próximo estágio na degradação da glicose é a
conversão das duas moléculas de ácido pirúvico em duas moléculas de acetil coenzima A (acetil-CoA). Durante essa
reação, ocorre a liberação de duas moléculas de dióxido de carbono e quatro átomos de hidrogênio. Não há formação
de ATP. Entretanto, são produzidas seis moléculas de ATP quando os quatro átomos de hidrogênio são
posteriormente oxidados pelo processo de fosforilação oxidativa.
Ocorre degradação continuada da glicose no ciclo do ácido cítrico. O ciclo do ácido cítrico é uma
sequência de reações químicas nas quais a parte acetil da acetil-CoA é degradada a dióxido de carbono e átomos de
hidrogênio. Essas reações ocorrem na matriz mitocondrial. Os átomos de hidrogênio liberados são subsequentemente
oxidados, liberando grandes quantidades de energia para formar ATP. Entretanto, nenhuma grande quantidade de
energia é liberada durante o ciclo do ácido cítrico; para cada molécula de glicose metabolizada, são formadas duas
moléculas de ATP.

FORMAÇÃO DE GRANDES QUANTIDADES DE ATP PELA OXIDAÇÃO DO HIDROGÊNIO: PROCESSO


DE FOSFORILAÇÃO OXIDATIVA

Apesar da complexidade da glicólise e do ciclo do ácido cítrico, apenas pequenas quantidades de ATP são formadas
durante esses processos. São formadas duas moléculas de ATP no esquema glicolítico, ao passo que outras duas
moléculas são formadas no ciclo do ácido cítrico. Quase 95% da quantidade total de ATP são formados durante a
oxidação subsequente dos átomos de hidrogênio liberados durante os estágios iniciais da degradação de glicose. A
principal função dos estágios mais iniciais consiste em tornar o hidrogênio da molécula de glicose disponível em
uma forma que possa ser utilizada para a oxidação.
A fosforilação oxidativa é realizada por uma série de reações catalisadas por enzimas na mitocôndria (Figura
68.1). Durante esse processo, os átomos de hidrogênio são convertidos em íons hidrogênio e elétrons. Por fim, os
elétrons combinam-se com oxigênio dissolvido dos líquidos para formar íons hidroxila. Os íons hidrogênio e
hidroxila combinam-se entre si para formar água. Durante essa sequência de reações oxidativas, são liberadas
enormes quantidades de energia para formar ATP. Esse processo, denominado fosforilação oxidativa, ocorre
inteiramente nas mitocôndrias por meio de um processo altamente especializado, denominado mecanismo
quimiosmótico.
Os elétrons removidos dos átomos de hidrogênio entram na cadeia de transporte de elétrons, que é um
componente integral da membrana interna das mitocôndrias. Essa cadeia de transporte consiste em uma série de
aceptores de elétrons, que podem ser reversivelmente reduzidos ou oxidados pela aceitação ou pela doação de
elétrons. Os membros importantes da cadeia de transporte de elétrons incluem flavoproteína, várias proteínas de
sulfeto de ferro, ubiquinona e citocromos B, C1, C, A e A3. Cada elétron é transportado de um dos aceptores para o
próximo, até alcançar o citocromo A3. O citocromo A3 é denominado citocromo oxidase, visto que, ao doar dois
elétrons, ele é capaz de combinar o oxigênio elementar com íons hidrogênio para formar água. Durante o transporte
desses elétrons através da cadeia de transporte de elétrons, a energia é liberada e utilizada para a síntese de ATP.

Figura 68.1 Mecanismo quimiosmótico mitocondrial de fosforilação oxidativa para


formar grandes quantidades de trifosfato de adenosina (ATP). A figura mostra a
relação entre as etapas oxidativa e de fosforilação nas membranas externa e interna
da mitocôndria. ADP: difosfato de adenosina; FeS: proteína de sulfeto de ferro; FMN:
flavina mononucleotídio; Q: ubiquinona.

Conversão do difosfato de adenosina em trifosfato de adenosina. A energia liberada com a passagem


dos elétrons pela cadeia de transporte de elétrons é utilizada para criar um gradiente de íons hidrogênio através da
membrana interna das mitocôndrias. A concentração elevada de íons hidrogênio nesse espaço cria uma grande
diferença de potencial elétrico através da membrana, o que provoca o fluxo de íons hidrogênio para dentro da matriz
mitocondrial por meio de uma molécula de ATPase, denominada ATP sintetase. A energia derivada dos íons
hidrogênio é utilizada pela ATP sintetase para converter o difosfato de adenosina (ADP) em ATP. Para cada dois
átomos de hidrogênio ionizados pela cadeia de transporte de elétrons, são sintetizadas até três moléculas de ATP.
RESUMO DA FORMAÇÃO DE ATP DURANTE A QUEBRA DA GLICOSE

Ocorre formação de quatro moléculas de ATP durante a glicólise, porém duas são gastas para a fosforilação inicial da
glicose, produzindo um ganho líquido de duas moléculas de ATP
Ocorre formação de duas moléculas de ATP durante o ciclo do ácido cítrico
Há formação de um total de 34 moléculas de ATP durante a fosforilação oxidativa
A soma de todas as moléculas de ATP resulta em 38 moléculas de ATP formadas para cada molécula de glicose.

Por conseguinte, são armazenadas 456 mil calorias de energia na forma de ATP, e ocorre a liberação de 686 mil
calorias durante a oxidação completa de cada mol de glicose, o que representa uma eficiência global de 66%. Os
34% restantes da energia tornam-se calor.
A glicólise e a oxidação da glicose são reguladas. A liberação contínua de energia a partir da glicose
quando não há necessidade de energia pelas células seria um desperdício extremo. A glicólise e a oxidação
subsequente dos átomos de hidrogênio são continuamente controladas de acordo com as necessidades de ATP das
células. Esse controle é realizado por um mecanismo de feedback relacionado com as concentrações de ADP e de
ATP.
Uma importante maneira pela qual o ATP ajuda a controlar o metabolismo energético é a inibição alostérica da
enzima fosfofrutoquinase, que promove a formação de frutose-1,6-difosfato durante as etapas iniciais da glicólise. O
efeito final do excesso de ATP celular consiste na interrupção da glicólise, que, por sua vez, interrompe a maior parte
do metabolismo dos carboidratos. Em contrapartida, o ADP provoca a mudança alostérica oposta nessa enzima,
aumentando acentuadamente a sua atividade. Toda vez que os tecidos utilizam o ATP para a obtenção de energia, a
inibição da enzima pelo ATP é reduzida, porém, ao mesmo tempo, a sua atividade aumenta, em consequência do
ADP formado. Dessa forma, o processo glicolítico é desencadeado. Quando as reservas celulares de ATP são
reabastecidas, a enzima é novamente inibida.

LIBERAÇÃO ANAERÓBICA DE ENERGIA: GLICÓLISE ANAERÓBICA

Se o oxigênio não estiver disponível ou não for suficiente, não pode ocorrer a oxidação celular da glicose. Nessas
condições, uma pequena quantidade de energia ainda pode ser liberada para as células por meio da glicólise, visto
que as reações químicas na degradação glicolítica da glicose em ácido pirúvico não necessitam de oxigênio. O
processo da glicólise anaeróbica constitui um extremo desperdício de glicose, visto que apenas 24 mil calorias de
energia são utilizadas para formar ATP para cada mol de glicose, o que representa um pouco mais de 3% da energia
total da molécula de glicose. Todavia, essa liberação de energia glicolítica para as células pode representar uma
medida de salvamento por alguns minutos, quando o oxigênio não está disponível.
A formação de ácido láctico durante a glicólise anaeróbica permite a liberação de energia
anaeróbica extra. Os produtos finais das reações glicolíticas – ácido pirúvico e nicotinamida adenina dinucleotídio
(NADH) – combinam-se sob a influência da enzima deidrogenase láctica para formar ácido láctico e NAD+. Isso
impede o acúmulo de ácido pirúvico e de NADH, que inibiriam as reações glicolíticas. O ácido láctico formado
difunde-se prontamente das células para dentro dos líquidos extracelulares. Ele representa um “sumidouro”, no qual
os produtos finais da glicólise podem desaparecer, permitindo que a glicólise prossiga além do que seria possível de
outro modo.

LIBERAÇÃO DE ENERGIA DA GLICOSE PELA VIA DA PENTOSE FOSFATO

Até 30% da degradação da glicose no fígado e nas células adiposas é realizada independentemente da glicólise e do
ciclo do ácido cítrico. A via da pentose fosfato é um processo cíclico que remove um átomo de carbono de uma
molécula de glicose para produzir dióxido de carbono e hidrogênio durante cada volta do ciclo. O hidrogênio
produzido entra finalmente na via de fosforilação oxidativa para formar ATP. Essa via fornece outro mecanismo de
utilização da glicose para a célula se houver alguma anormalidade enzimática.

GLICONEOGÊNESE: FORMAÇÃO DE CARBOIDRATOS A PARTIR DE PROTEÍNAS E GORDURAS


Quando as reservas corporais de carboidratos diminuem abaixo dos níveis normais, pode haver formação de
quantidades moderadas de glicose a partir de aminoácidos e do glicerol da gordura, por meio do processo de
gliconeogênese. Cerca de 60% dos aminoácidos nas proteínas do corpo podem ser facilmente convertidos em
carboidratos; cada aminoácido é convertido em glicose por meio de um processo químico ligeiramente diferente. A
presença de um baixo nível de carboidratos nas células e a diminuição do nível de glicemia constituem os estímulos
básicos que aumentam a taxa de gliconeogênese.
CAPÍTULO 69

Metabolismo Lipídico

Vários compostos químicos nos alimentos e no organismo são classificados como lipídios, incluindo: (1) a gordura
neutra ou triglicerídios; (2) os fosfolipídios; e (3) o colesterol. Quimicamente, o componente lipídico básico dos
triglicerídios e dos fosfolipídios consiste em ácidos graxos, que são ácidos orgânicos de hidrocarbonetos de cadeia
longa. Embora o colesterol não contenha ácidos graxos, o seu núcleo esterol é sintetizado a partir de produtos de
degradação de moléculas de ácidos graxos, o que lhe confere muitas das propriedades físicas e químicas de outros
lipídios.
Os triglicerídios são utilizados no corpo principalmente para fornecer a energia necessária para vários processos
metabólicos, uma função compartilhada de maneira quase igual com os carboidratos. Alguns lipídios, em particular o
colesterol, os fosfolipídios e derivados desses compostos, são utilizados em todo o corpo para realizar outras funções
intracelulares.

TRANSPORTE DE LIPÍDIOS NOS LÍQUIDOS CORPORAIS

Os quilomícrons transportam lipídios do trato gastrointestinal para o sangue por meio da linfa.
Essencialmente, todas as gorduras na dieta são absorvidas na linfa na forma de quilomícrons. Os quilomícrons são
transportados no ducto torácico e liberados no sangue venoso. Eles são removidos do plasma à medida que passam
pelos capilares do tecido adiposo e hepático. As membranas das células adiposas e das células hepáticas contêm
grandes quantidades de uma enzima denominada lipase lipoproteica, que hidrolisa os triglicerídios dos quilomícrons
em ácidos graxos e glicerol. Os ácidos graxos difundem-se imediatamente para dentro das células; uma vez no seu
interior, eles são novamente sintetizados em triglicerídios.
Os “ácidos graxos livres” são transportados no sangue, combinados à albumina. Quando a gordura
que foi armazenada no tecido adiposo precisa ser utilizada em outro local do corpo, ela necessita ser transportada
para outros tecidos. Essa gordura é transportada principalmente na forma de ácidos graxos livres. Após a sua saída
dos adipócitos, os ácidos graxos se ionizam fortemente no plasma e se combinam imediatamente de maneira frouxa
com a albumina plasmática. Os ácidos graxos ligados às proteínas dessa maneira são denominados ácidos graxos
livres, para diferenciá-los de outros ácidos graxos no plasma que existem na forma de ésteres de glicerol, colesterol e
outras substâncias.
As lipoproteínas transportam colesterol, fosfolipídios e triglicerídios. As lipoproteínas – partículas que
são muito menores do que os quilomícrons, porém de composição semelhante – contêm misturas de triglicerídios,
fosfolipídios, colesterol e proteínas. As três principais classes de lipoproteínas são: (1) as lipoproteínas de densidade
muito baixa (VLDL), que contêm altas concentrações de triglicérides e concentrações moderadas de fosfolipídios e
colesterol; (2) as lipoproteínas de densidade intermediária (IDL), que são VLDL a partir das quais foram removidos
alguns dos triglicerídios, de modo que as concentrações de colesterol e fosfolipídios estão aumentadas; (3) as
lipoproteínas de baixa densidade (LDL), que são derivadas das IDL pela remoção de quase todos os triglicerídios,
deixando uma concentração particularmente alta de colesterol e uma concentração moderadamente alta de
fosfolipídios; e (4) as lipoproteínas de alta densidade (HDL), que contêm cerca de 50% de proteína, com quantidades
menores de lipídios.
Quase todas as lipoproteínas são formadas no fígado. A principal função das lipoproteínas plasmáticas
consiste em transportar tipos específicos de lipídios em todo o corpo. Os triglicerídios são sintetizados no fígado,
principalmente a partir de carboidratos, e transportados para o tecido adiposo e outros tecidos periféricos nas VLDL.
As outras lipoproteínas são particularmente importantes em diferentes estágios do transporte de fosfolipídios e de
colesterol do fígado para os tecidos periféricos ou da periferia de volta para o fígado. Posteriormente, neste capítulo,
serão discutidos os problemas especiais do transporte de colesterol em relação à aterosclerose, que está associada ao
desenvolvimento de lesões gordurosas no interior das paredes arteriais.

DEPÓSITOS DE GORDURA

Grandes quantidades de lipídios são armazenadas nas células adiposas (adipócitos). A principal
função do tecido adiposo consiste em armazenar os triglicerídios até que sejam necessários para fornecer energia a
outras partes do corpo. Outras funções do tecido adiposo incluem proporcionar isolamento térmico para o corpo,
conforme discutido no Capítulo 74, e secreção de hormônios, como a leptina e a adiponectina, que afetam múltiplas
funções do organismo, como o apetite e o gasto de energia, conforme discutido no Capítulo 72.
Os adipócitos são fibroblastos modificados que são capazes de armazenar triglicerídios quase puros em
quantidades iguais a 80 a 95% de seu volume. O tecido adiposo tem grandes quantidades de lipases. Algumas dessas
enzimas catalisam a deposição de triglicerídios derivados dos quilomícrons e de outras lipoproteínas. Outras, quando
ativadas por hormônios, são responsáveis pela clivagem dos triglicerídios, com liberação de ácidos graxos livres.
Devido à rápida troca de ácidos graxos, os triglicerídios nas células adiposas sofrem renovação aproximadamente
uma vez a cada 2 a 3 semanas, tornando a gordura um tecido dinâmico e ativo.
O fígado contém grandes quantidades de triglicerídios, fosfolipídios e colesterol. O fígado
desempenha múltiplas funções no metabolismo dos lipídios, que consistem em: (1) degradar os ácidos graxos em
compostos menores que possam ser utilizados para o fornecimento de energia; (2) sintetizar os triglicerídios,
principalmente a partir de carboidratos e proteínas; e (3) sintetizar outros lipídios a partir de ácidos graxos,
particularmente colesterol e fosfolipídios.
Quando grandes quantidades de triglicerídios são mobilizadas do tecido adiposo, o que ocorre durante o jejum ou
no diabetes melito, os triglicerídios são novamente depositados no fígado, onde começam os estágios iniciais da
degradação da gordura. Em condições fisiológicas normais, a quantidade de triglicerídios presente no fígado é
determinada pela taxa em que os lipídios são utilizados para energia.

USO DE TRIGLICERÍDIOS COMO FONTE DE ENERGIA: FORMAÇÃO DO TRIFOSFATO DE


ADENOSINA

A primeira etapa da conversão das gorduras em energia é a hidrólise dos triglicerídios em ácidos graxos e glicerol.
Em seguida, os ácidos graxos e o glicerol são transportados para os tecidos ativos, onde são oxidados para liberar
energia. Quase todas as células, como algumas exceções, como o tecido cerebral e as hemácias, podem utilizar os
ácidos graxos quase de modo intercambiável com a glicose para o fornecimento de energia.
A degradação e a oxidação dos ácidos graxos ocorrem apenas nas mitocôndrias, e a primeira etapa do
metabolismo de ácidos graxos consiste no seu transporte para dentro das mitocôndrias. Esse processo mediado por
carreador utiliza a carnitina como carreador. Uma vez no interior das mitocôndrias, os ácidos graxos são liberados da
carnitina e são degradados e oxidados.
Os ácidos graxos são degradados nas mitocôndrias por betaoxidação, que libera segmentos de dois carbonos para
formar a acetil coenzima A (acetil-CoA), que entra no ciclo do ácido cítrico e sofre degradação em dióxido de
carbono e átomos de hidrogênio. Subsequentemente, o hidrogênio é oxidado por enzimas oxidativas das
mitocôndrias e utilizado para a formação de ATP.
O ácido acetoacético é formado no fígado. Uma grande parte da degradação dos ácidos graxos em acetil-
CoA ocorre no fígado, porém ele utiliza apenas uma pequena parte da acetil-CoA para seus próprios processos
metabólicos intrínsecos. Em vez disso, pares de acetil-CoA se condensam para formar moléculas de ácido
acetoacético. Uma grande parte do ácido acetoacético é convertida em ácido β‑hidroxibutírico e quantidades muito
pequenas de acetona. O ácido acetoacético e o ácido β-hidroxibutírico difundem-se livremente através das
membranas dos hepatócitos e são transportados pelo sangue até os tecidos periféricos. Nos tecidos periféricos, esses
compostos se difundem para dentro das células, onde ocorrem reações reversas e as moléculas de acetil-CoA são
novamente formadas. Essas moléculas entram no ciclo do ácido cítrico das células e são oxidadas para o
fornecimento de energia.

Síntese de triglicerídios a partir de carboidratos


Sempre que as quantidades de carboidratos que entram no organismo são maiores do que as que podem ser utilizadas
imediatamente como fonte de energia ou armazenadas como glicogênio, o excesso é rapidamente convertido em
triglicerídios, que são armazenados no tecido adiposo. A maior parte da síntese de triglicerídios ocorre no fígado,
porém uma pequena quantidade ocorre nos adipócitos. Os triglicerídios formados no fígado são transportados
principalmente por lipoproteínas para o tecido adiposo e armazenados até que sejam necessários como fonte de
energia.
Conversão de acetil‑CoA em ácidos graxos. A primeira etapa da síntese de triglicerídios a partir dos
carboidratos é a conversão dos carboidratos em acetil-CoA, que ocorre durante a degradação normal da glicose pelo
sistema glicolítico. Os ácidos graxos são, na verdade, grandes polímeros da porção acetil da acetil-CoA, de modo que
não é difícil compreender como a acetil-CoA pode ser convertida em ácidos graxos.
Combinação de ácidos graxos com α‑glicerofosfato para formar triglicerídios. Uma vez que as
cadeias de ácidos graxos sintetizados tenham crescido até conter 14 a 18 átomos de carbono, elas se ligam ao glicerol
para formar triglicerídios. As enzimas que causam essa conversão são altamente específicas para os ácidos graxos,
contendo cadeias de 14 átomos de carbono ou mais, fator que controla a qualidade física dos triglicerídios
armazenados no organismo.
A parte de glicerol dos triglicerídios é fornecida pelo α-glicerofosfato, que também é um produto de degradação
glicolítica da glicose. A importância desse mecanismo na formação de triglicerídios reside no fato de que a
combinação final de ácidos graxos com glicerol é controlada principalmente pela concentração de α-glicerofosfato,
que, por sua vez, é determinada pela disponibilidade de carboidratos. Quando os carboidratos formam grandes
quantidades de α-glicerofosfato, o equilíbrio é deslocado para promover a formação e o armazenamento de
triglicerídios. Quando não há carboidratos disponíveis, o processo é desviado na direção oposta, e os ácidos graxos
em excesso tornam-se disponíveis para substituir a falta de metabolismo dos carboidratos.
Importância da síntese e do armazenamento das gorduras. A síntese de gordura a partir dos
carboidratos é particularmente importante, visto que as várias células do organismo têm capacidade limitada de
armazenar carboidratos na forma de glicogênio. Uma pessoa média tem cerca de 150 vezes mais energia armazenada
como gordura do que como carboidrato. O armazenamento de energia na forma de gordura também é importante,
visto que cada grama de gordura contém aproximadamente 2,5 vezes mais calorias de energia utilizável do que cada
grama de glicogênio. Para determinado ganho de peso, uma pessoa pode armazenar mais energia na forma de
gordura do que na forma de carboidratos.

Síntese de triglicerídios a partir de proteínas


Muitos aminoácidos podem ser convertidos em acetil-CoA, que, subsequentemente, pode ser convertida em
triglicerídios. Quando mais proteínas estão disponíveis na dieta em relação à quantidade que pode ser utilizada como
proteína ou diretamente como fonte de energia, uma grande parte da energia em excesso é armazenada como
gordura.

Regulação da liberação de energia dos triglicerídios


Os carboidratos são preferíveis às gorduras como fonte de energia quando há excesso de
carboidratos. O excesso de carboidratos na dieta tem um efeito “poupador de gordura”, e eles são utilizados
preferencialmente como fonte de energia. Uma razão para isso é que os carboidratos em excesso resultam no
aumento do α-glicerofosfato, que se liga aos ácidos graxos livres e aumenta os triglicerídios armazenados. O
metabolismo dos carboidratos em excesso também resulta em aumento da síntese de acetil-CoA, que é convertida em
ácidos graxos. Por conseguinte, os carboidratos da dieta em quantidades excessivas não apenas exercem um efeito
poupador de gordura, mas também aumentam as reservas de gordura.
Em contrapartida, quando não há carboidratos disponíveis, a gordura é mobilizada dos adipócitos e utilizada no
lugar dos carboidratos.
Regulação hormonal da utilização de gordura. Além da insulina, vários hormônios têm efeitos
acentuados na utilização da gordura:

A adrenalina e a noradrenalina liberadas pela medula adrenal aumentam acentuadamente a utilização da gordura
durante o exercício físico intenso. Esses dois hormônios ativam diretamente a lipase hormônio‑sensível, que está
presente em abundância nas células adiposas. O hormônio ativado provoca a rápida degradação dos triglicerídios e a
mobilização dos ácidos graxos. Outros estressores que ativam o sistema nervoso simpático também aumentam de
maneira semelhante a mobilização e a utilização dos ácidos graxos
O hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), também denominado corticotrofina, é liberado pela adeno-hipófise em
resposta ao estresse e induz a secreção de glicocorticoides (cortisol) pelo córtex adrenal. Tanto o ACTH quanto os
glicocorticoides ativam a triglicerídios lipase hormônio-sensível, que aumenta a liberação de ácidos graxos do tecido
adiposo
O hormônio de crescimento exerce efeito semelhante, porém é menos efetivo do que o ACTH e os glicocorticoides
na ativação da lipase hormônio-sensível. O hormônio de crescimento também pode ter um leve efeito mobilizador de
gordura. A falta de insulina ativa a lipase hormônio-sensível e provoca a rápida mobilização dos ácidos graxos.
Quando não há carboidratos disponíveis na dieta, a secreção de insulina diminui, o que promove o metabolismo dos
ácidos graxos.
O hormônio tireoidiano causa rápida mobilização da gordura. Acredita-se que esse processo seja o resultado indireto
do aumento da taxa do metabolismo energético em todas as células do corpo sob a influência desse hormônio.

FOSFOLIPÍDIOS E COLESTEROL

Fosfolipídios. Os três principais tipos de fosfolipídios no organismo são as lecitinas, as cefalinas e as


esfingomielinas. Os fosfolipídios são utilizados em todo o organismo para vários propósitos estruturais, uma vez que
representam um importante constituinte das lipoproteínas no sangue e são essenciais para a formação e a função
desses compostos. A ausência de fosfolipídios pode causar graves anormalidades no transporte de colesterol e de
outros lipídios. A tromboplastina, que é necessária para iniciar o processo da coagulação, é composta principalmente
de uma das cefalinas. Existem grandes quantidades de esfingomielinas no sistema nervoso; essa substância atua
como isolante na bainha de mielina ao redor das fibras nervosas. Uma função de importância crítica dos fosfolipídios
é a sua participação na formação dos elementos estruturais, principalmente das membranas, nas células de todo o
organismo.
Colesterol. O colesterol está presente na dieta normal e é absorvido lentamente a partir do trato gastrointestinal
para a linfa intestinal. Além do colesterol absorvido diariamente do trato gastrointestinal (colesterol exógeno), ocorre
a formação de uma grande quantidade nas células do organismo (colesterol endógeno). Praticamente todo o
colesterol endógeno que circula nas lipoproteínas no plasma é formado pelo fígado. O colesterol é um componente
estrutural das membranas celulares.
Sem dúvida, o uso não membranoso mais abundante do colesterol no organismo consiste na formação de ácido
cólico no fígado; cerca de 80% do colesterol são convertidos em ácido cólico. O ácido cólico é conjugado com outras
substâncias para formar sais biliares, que promovem a digestão e a absorção de gorduras. Uma pequena quantidade
de colesterol é utilizada (1) pelas glândulas adrenais, para formar os hormônios corticais adrenais, (2) pelos ovários,
para formar progesterona e estrogênio, e (3) pelos testículos, para formar testosterona.

ATEROSCLEROSE

A aterosclerose é uma doença das artérias de grande e médio calibre, nas quais há desenvolvimento de lesões
gordurosas, denominadas placas ateromatosas, na superfície interna das paredes arteriais. Em contrapartida, a
arteriosclerose é um termo geral que se refere ao espessamento e ao enrijecimento dos vasos sanguíneos de todos os
tamanhos.
O dano às células endoteliais vasculares ocorre precocemente na aterosclerose, diminuindo a sua capacidade de
liberar óxido nítrico e outras substâncias que ajudam a prevenir a adesão de macromoléculas, plaquetas e monócitos
ao endotélio. Após ocorrer dano ao endotélio vascular, os monócitos e os lipídios (principalmente LDL) circulantes
começam a se acumular no local da lesão. Os monócitos atravessam o endotélio e diferenciam-se em macrófagos,
que, em seguida, ingerem e oxidam as lipoproteínas acumuladas, o que confere a eles uma aparência espumosa. Em
seguida, essas células espumosas ou macrófagos espumosos agregam-se ao vaso sanguíneo e formam uma estria de
gordura visível.
À medida que as estrias de gordura crescem e aumentam de tamanho, os tecidos fibrosos e o músculo liso
circundantes se proliferam para formar placas maiores, e esse processo é exacerbado pela liberação de substâncias
inflamatórias oriundas dos macrófagos. À medida que a placa se projeta para o lúmen da artéria, ela pode reduzir
acentuadamente o fluxo sanguíneo e, às vezes, causar até mesmo a oclusão completa do vaso. Mesmo sem oclusão,
os fibroblastos da placa acabam depositando uma quantidade tão extensa de tecido conjuntivo denso que a esclerose
(fibrose) se torna grave, e as artérias ficam rígidas e inflexíveis.
O aumento das LDL no sangue pode promover a aterosclerose. Um importante fator que promove o
desenvolvimento de aterosclerose é a concentração plasmática elevada de colesterol na forma de LDL. A
concentração plasmática dessas LDL ricas em colesterol é aumentada por diversos fatores, incluindo presença de
gordura altamente saturada na alimentação diária, obesidade e sedentarismo.
A hipercolesterolemia familiar pode causar aterosclerose. Quando uma pessoa herda genes defeituosos
para a formação de receptores de LDL na superfície da membrana das células do corpo, o fígado é incapaz de
absorver as IDL ou as LDL. Sem essa absorção, a maquinaria do colesterol do fígado torna-se descontrolada,
produzindo novo colesterol e VLDL, que são liberados no plasma.
A HDL pode ajudar a prevenir a aterosclerose. Acredita-se que as HDL absorvam cristais de colesterol
que estejam começando a se depositar nas paredes das artérias. Em consequência, quando uma pessoa apresenta uma
alta razão entre HDL e LDL, a probabilidade de desenvolver aterosclerose é reduzida.
Outros fatores de risco importantes para aterosclerose. Alguns dos fatores conhecidos que predispõem
à aterosclerose incluem: (1) sedentarismo e obesidade, (2) diabetes melito, (3) hipertensão, (4) hiperlipidemia e (5)
tabagismo.
Vários desses fatores de risco ocorrem em conjunto em muitos pacientes com sobrepeso e obesidade, o que
aumenta acentuadamente o risco de aterosclerose que, por sua vez, pode levar a infarto agudo do miocárdio, acidente
vascular encefálico e doença renal. Alguns desses fatores causam aterosclerose ao aumentar a concentração
plasmática de LDL. Outros, como a hipertensão, levam à aterosclerose, visto que provocam danos ao endotélio
vascular e outras alterações nos tecidos vasculares, que promovem a deposição de colesterol.
Prevenção da aterosclerose. As medidas mais importantes para reduzir o risco de desenvolvimento de
aterosclerose e sua progressão para doença vascular grave são: (1) manter um peso saudável, ser fisicamente ativo e
consumir uma dieta contendo principalmente gorduras insaturadas com baixo teor de colesterol; (2) prevenir a
hipertensão ou controlar de maneira efetiva a pressão arterial com medicamentos anti-hipertensivos se houver
desenvolvimento de hipertensão; (3) controlar efetivamente o nível de glicemia mediante tratamento com insulina ou
outros medicamentos se houver desenvolvimento de diabetes melito; e (4) evitar o tabagismo.
Vários medicamentos que diminuem os níveis plasmáticos de lipídios e colesterol também demonstraram ser
valiosos para a prevenção da aterosclerose. Um grupo de medicamentos, denominados estatinas, inibe
competitivamente a hidroximetilglutaril coenzima A redutase (HMG‑CoA redutase), uma enzima que limita a
velocidade da síntese de colesterol. Essa inibição diminui a síntese de colesterol e aumenta os receptores de LDL no
fígado, produzindo, com frequência, uma redução de 25 a 50% nos níveis plasmáticos de LDL. Em geral, os estudos
mostram que, para cada redução de 1 mg/dl no colesterol das LDL do plasma, ocorre a redução de cerca de 2% da
mortalidade causada por doença cardíaca aterosclerótica. Por conseguinte, as medidas preventivas apropriadas são
valiosas para diminuir o risco de doença vascular grave.
CAPÍTULO 70

Metabolismo das Proteínas

Cerca de 75% dos sólidos do corpo consistem em proteínas, incluindo proteínas estruturais, enzimas, proteínas que
transportam oxigênio, proteínas do músculo que causam contração e muitos outros tipos de proteínas que
desempenham funções intracelulares e extracelulares específicas.
Os principais constituintes das proteínas são os aminoácidos, dos quais 20 estão presentes no organismo em
quantidades significativas. Os aminoácidos são agregados em longas cadeias por meio de ligações peptídicas. Uma
proteína complexa pode ter até 100 mil aminoácidos. Algumas proteínas são compostas de várias cadeias peptídicas,
em vez de uma única cadeia; essas cadeias podem estar ligadas por pontes de hidrogênio, forças eletrostáticas ou
ligações de sulfidrila, fenólica ou pontes salinas.

TRANSPORTE E ARMAZENAMENTO DE AMINOÁCIDOS

A concentração normal de aminoácidos no sangue situa-se entre 35 e 65 mg/dl. Os produtos finais da digestão de
proteínas no trato gastrointestinal consistem quase inteiramente em aminoácidos, e polipeptídeos ou moléculas de
proteína são apenas raramente absorvidos no sangue. Após uma refeição, os aminoácidos que entram no sangue são
absorvidos em 5 a 10 minutos pelas células em todo o corpo.
As moléculas de aminoácidos são muito grandes para se difundir através dos poros das membranas celulares. Por
conseguinte, os aminoácidos são transportados através da membrana apenas por transporte ativo ou por difusão
facilitada utilizando um mecanismo carreador.
Armazenamento de aminoácidos como proteínas nas células. Quase imediatamente após a sua entrada
nas células, os aminoácidos são conjugados sob a influência de enzimas intracelulares com proteínas celulares, de
modo que a concentração de aminoácidos livres no interior das células quase sempre permanece baixa. Os
aminoácidos são armazenados principalmente na forma de proteínas. Muitas proteínas intracelulares podem ser
rapidamente decompostas em aminoácidos sob a influência de enzimas digestivas lisossomais intracelulares, e esses
aminoácidos podem, então, ser transportados de volta para o sangue. As exceções especiais incluem proteínas nos
cromossomos do núcleo e proteínas estruturais, como o colágeno e as proteínas contráteis musculares; essas
proteínas não participam significativamente do armazenamento reversível de aminoácidos.
Quando a concentração plasmática de aminoácidos cai abaixo do normal, eles são transportados para fora da
célula para reabastecer o suprimento do plasma. De modo simultâneo, as proteínas intracelulares são degradadas em
aminoácidos.
Cada tipo de célula tem um limite superior em relação à quantidade de proteína que pode armazenar. Quando as
células alcançam seus limites, os aminoácidos em excesso na circulação são degradados em outros produtos e
utilizados como fonte de energia ou convertidos em gordura ou glicogênio e armazenados.

PAPÉI S FUNCIONAIS DAS PROTEÍNAS PLASMÁTICAS

As principais proteínas presentes no plasma são a albumina, a globulina e o fibrinogênio. Uma importante função da
albumina consiste em produzir a pressão coloidosmótica no plasma. As globulinas são principalmente responsáveis
pela imunidade contra organismos invasores. O fibrinogênio sofre polimerização em longos filamentos ramificados
de fibrina durante a coagulação sanguínea, formando, assim, coágulos de sangue que ajudam a reparar vazamentos
no sistema circulatório.
As proteínas plasmáticas são formadas no fígado. Praticamente toda a albumina e o fibrinogênio e 50 a
80% das globulinas são formados no fígado. As globulinas restantes (principalmente as gamaglobulinas nos
anticorpos) são formadas no tecido linfoide. A taxa de formação das proteínas plasmáticas pelo fígado pode alcançar
até 30 g/dia. A rápida produção de proteínas plasmáticas pelo fígado é valiosa para a prevenção da morte por
condições como as encontradas em queimaduras graves, que provocam perda de muitos litros de plasma através da
área desnuda da pele, e na doença renal grave, em que até 20 g de proteínas plasmáticas podem ser perdidos
diariamente na urina.
Quando ocorre depleção de proteínas nos tecidos, as proteínas plasmáticas podem atuar como fonte para uma
rápida substituição. As proteínas plasmáticas completas podem ser absorvidas pelo fígado, clivadas em aminoácidos,
transportadas de volta para o sangue e utilizadas em todo o corpo para a construção de proteínas celulares. Dessa
maneira, essas proteínas atuam como meio de armazenamento lábil e representam uma fonte de aminoácidos
rapidamente disponível.
Aminoácidos essenciais e não essenciais. Dos 20 aminoácidos normalmente presentes nas proteínas
animais, 10 podem ser sintetizados nas células, ao passo que outros 10 aminoácidos não podem ser sintetizados ou
são sintetizados em quantidades muito pequenas para suprir as necessidades do organismo. Estes últimos são
denominados aminoácidos essenciais, visto que eles precisam ser fornecidos na alimentação. A síntese dos
aminoácidos não essenciais depende da formação do precursor α‑cetoácido apropriado do respectivo aminoácido. O
ácido pirúvico, que é formado em grandes quantidades durante a degradação glicolítica da glicose, é o α-cetoácido
precursor do aminoácido alanina.
Uso de proteínas para energia. Quando as reservas de proteínas da célula estão repletas, os aminoácidos
adicionais nos líquidos corporais são degradados e utilizados como fonte de energia ou armazenados principalmente
como gordura ou glicogênio. Essa degradação ocorre quase inteiramente no fígado. A primeira etapa do processo de
degradação consiste na retirada de grupos amino pelo processo de desaminação, que gera o α-cetoácido específico
que pode entrar no ciclo do ácido cítrico. A quantidade de trifosfato de adenosina (ATP) formada a partir de cada
grama de proteína oxidada é ligeiramente menor do que aquela formada a partir de cada grama de glicose. A amônia
liberada durante a desaminação é removida do sangue quase inteiramente por meio de sua conversão em ureia pelo
fígado. Na ausência do fígado ou na presença de doença hepática grave, ocorre o acúmulo de amônia no sangue. A
amônia é altamente tóxica, particularmente para o cérebro, e pode levar ao coma hepático.
Degradação necessária de proteínas. Quando a alimentação não contém proteínas, uma certa proporção
das proteínas do corpo continua sendo degradada em aminoácidos. Esses aminoácidos são desaminados e oxidados;
o processo envolve 20 a 30 g de proteína por dia e é denominado quebra obrigatória de proteínas. Para impedir a
perda efetiva de proteínas do corpo, é necessário ingerir pelo menos 20 a 30 g de proteína por dia, embora essa
quantidade dependa de vários fatores, incluindo massa muscular, atividade física e idade. Para assegurar uma
proteína adequada, recomenda-se, em geral, uma quantidade mínima de 60 a 75 g/dia de proteína alimentar.

REGULAÇÃO HORMONAL DO METABOLISMO PROTEICO

O hormônio de crescimento aumenta a síntese de proteínas celulares, fazendo as proteínas


teciduais aumentarem. Acredita-se que o hormônio de crescimento aumente o transporte de aminoácidos através
da membrana celular e acelere os processos de transcrição do DNA e tradução do RNA para a síntese de proteínas.
Parte dessa ação pode resultar do efeito do hormônio do crescimento (ou GH, do inglês growth hormone) sobre o
metabolismo dos lipídios. O GH aumenta a liberação de gordura dos depósitos de gordura, o que reduz a oxidação
dos aminoácidos e, subsequentemente, aumenta a quantidade de aminoácidos disponíveis para a síntese de proteínas.
A insulina acelera o transporte de aminoácidos para as células. A deficiência de insulina reduz a
síntese de proteínas para quase zero. Ela também aumenta a disponibilidade de glicose para as células, de modo que
o uso de aminoácidos como fonte de energia é correspondentemente reduzido.
Os glicocorticoides aumentam a degradação da maioria das proteínas teciduais e a concentração
plasmática de aminoácidos. Os glicocorticoides aumentam a taxa de degradação das proteínas extra-hepáticas,
fazendo quantidades maiores de aminoácidos se tornarem disponíveis nos líquidos corporais. Os efeitos dos
glicocorticoides sobre o metabolismo das proteínas são particularmente importantes para a promoção da cetogênese e
da gliconeogênese.
A testosterona aumenta a deposição de proteínas nos tecidos de todo o corpo, particularmente
no músculo. O mecanismo desse efeito não está totalmente elucidado, porém é diferente do efeito do hormônio de
crescimento. O hormônio de crescimento faz os tecidos continuarem crescendo quase que indefinidamente, ao passo
que a testosterona faz os músculos e outros tecidos compostos de proteína aumentarem apenas durante alguns meses.
Após esse período, apesar da administração continuada de testosterona, a deposição adicional de proteínas cessa.
O estrogênio provoca uma ligeira deposição de proteínas. O efeito do estrogênio é relativamente
insignificante quando comparado com o da testosterona.
A tiroxina aumenta o metabolismo das células e afeta indiretamente o metabolismo das
proteínas. Se os carboidratos e as gorduras estiverem disponíveis em quantidades insuficientes como fonte de
energia, a tiroxina provoca a rápida degradação das proteínas para o fornecimento de energia. Na presença de
quantidades adequadas de carboidratos e gorduras disponíveis, os aminoácidos em excesso são utilizados para
aumentar a taxa de síntese de proteínas.
A deficiência de tiroxina causa uma acentuada inibição do crescimento, devido à falta de síntese proteica.
Acredita-se que a tiroxina tenha pouco efeito direto específico sobre o metabolismo das proteínas, porém ela exerce
um importante efeito geral sobre o aumento das taxas de reações anabólicas e catabólicas normais das proteínas.
CAPÍTULO 71

Fígado

O fígado desempenha muitas funções inter-relacionadas, incluindo as seguintes funções básicas:

Filtração e armazenamento de sangue


Metabolismo dos carboidratos, lipídios, proteínas, hormônios e xenobióticos
Formação e excreção da bile
Armazenamento de vitaminas e ferro
Formação de fatores da coagulação.

SISTEMAS VASCULAR E LINFÁTICO DO FÍGADO

O fígado tem alto fluxo sanguíneo e baixa resistência vascular. A taxa de fluxo sanguíneo da veia porta
para o fígado é de aproximadamente 1.050 ml/min. Uma quantidade adicional de 300 ml/min entra no fígado por
meio da artéria hepática, de modo que a taxa de fluxo sanguíneo total para o fígado é de 1.350 ml/min, ou cerca de
27% do débito cardíaco. Em condições normais, a resistência ao fluxo sanguíneo através do fígado é baixa, conforme
demonstrado por uma queda de pressão de apenas 9 mmHg da veia porta (pressão média de 9 mmHg) para a veia
cava (pressão média de 0 mmHg).
Em certas condições patológicas, como cirrose (desenvolvimento de tecido fibroso no fígado) ou formação de
coágulos sanguíneos na veia porta, o fluxo sanguíneo pelo fígado pode ser acentuadamente dificultado. O aumento
da resistência vascular no fígado pode levar à elevação da pressão capilar em toda a circulação esplâncnica, causando
uma perda significativa de líquido dos capilares do trato intestinal, ascite e, possivelmente, morte.
O fígado tem um fluxo linfático muito alto. Os poros dos sinusoides hepáticos são mais permeáveis do que
os capilares em outros tecidos, possibilitando a passagem de quantidades muito maiores de proteínas e líquidos para
dentro dos espaços de Disse (i. e., os espaços teciduais estreitos existentes entre as células hepáticas e as células
endoteliais) e no sistema linfático que drena esses espaços. A concentração de proteínas na linfa do fígado é de cerca
de 6 g/dl (ligeiramente menor que a concentração plasmática de proteínas). Cerca de 50% de toda a linfa formada no
corpo em condições normais provêm do fígado.
A elevação da pressão hepática (que resulta de cirrose ou de insuficiência cardíaca congestiva) provoca o
aumento correspondente do fluxo de linfa do fígado. A elevação da pressão na veia cava de 0 para 15 mmHg pode
aumentar o fluxo linfático hepático até 20 vezes a taxa normal. Em certas condições patológicas, como a cirrose, a
quantidade excessiva de linfa formada pode começar a transudar através da superfície externa do fígado diretamente
na cavidade abdominal, resultando em ascite.

FUNÇÕES METABÓLICAS DO FÍGADO

Em seu conjunto, as células hepáticas compreendem um grande reservatório quimicamente reativo, que compartilha
substratos e energia de numerosos sistemas metabólicos. O fígado processa e sintetiza múltiplas substâncias, que são
transportadas para outras áreas do corpo e a partir delas.
Metabolismo de carboidratos. O fígado desempenha as seguintes funções no metabolismo dos carboidratos:
Armazena grandes quantidades de glicogênio
Converte a galactose e a frutose em glicose
Atua como principal local de gliconeogênese
Forma produtos intermediários do metabolismo dos carboidratos.

Uma das principais funções do fígado no metabolismo de carboidratos consiste em manter uma concentração
normal de glicose no sangue. O fígado é capaz de remover a glicose em excesso do sangue e de armazená-la como
glicogênio. Quando o nível de glicemia começa a cair, o fígado pode converter o glicogênio de volta em glicose,
desempenhando, assim, uma função tampão de glicose. Quando o nível de glicemia cai abaixo do normal, o fígado
começa a converter aminoácidos glicogênicos e glicerol em glicose por meio do processo da gliconeogênese, em um
esforço para manter uma concentração normal de glicose no sangue.
Metabolismo da gordura. Embora quase todas as células do corpo metabolizem gordura, certos aspectos do
metabolismo lipídico ocorrem principalmente no fígado.

A betaoxidação das gorduras a acetil coenzima A (acetil‑CoA) ocorre rapidamente no fígado. A acetil-CoA formada
em excesso é convertida em ácido acetoacético, uma molécula altamente solúvel, que pode ser transportada para
outros tecidos, onde pode ser reconvertida em acetil-CoA e utilizada como fonte de energia
O fígado sintetiza grandes quantidades de colesterol, fosfolipídios e a maioria das lipoproteínas. Cerca de 80% do
colesterol sintetizado no fígado são convertidos em sais biliares, ao passo que o restante é transportado por
lipoproteínas até os tecidos do corpo. Os fosfolipídios também são transportados no sangue pelas lipoproteínas. O
colesterol e os fosfolipídios são utilizados por várias células do corpo para formar membranas e estruturas
intracelulares
Quase toda a síntese de gordura a partir de carboidratos e proteínas ocorre no fígado. A gordura sintetizada dessa
maneira é transportada pelas lipoproteínas para o tecido adiposo para armazenamento.

Metabolismo de proteínas. O corpo não pode dispensar os serviços prestados pelo fígado no metabolismo
das proteínas por mais de alguns dias sem que ocorra morte. As funções mais importantes do fígado no metabolismo
de proteínas são as seguintes:

Desaminação dos aminoácidos, que é necessária para que eles possam ser utilizados como fonte de energia ou
convertidos em carboidratos ou gordura. Quase toda a desaminação dos aminoácidos ocorre no fígado
Formação de ureia, que remove a amônia dos líquidos corporais. Grandes quantidades de amônia são formadas pelo
processo de desaminação e produzidas pelas bactérias do intestino. Na ausência dessa função hepática, pode ocorrer
rápida elevação da concentração plasmática de amônia
Formação de proteínas plasmáticas. Praticamente todas as proteínas plasmáticas são formadas no fígado (com
exceção das gamaglobulinas, que são formadas nos tecidos linfoides
Interconversão dos vários aminoácidos e síntese de compostos metabólicos a partir de aminoácidos. Uma
importante função do fígado consiste na síntese dos aminoácidos não essenciais e na conversão de aminoácidos em
outros compostos metabolicamente importantes.

Outras funções metabólicas do fígado


O fígado armazena vitaminas e ferro. O fígado tem a propensão de armazenar vitaminas e ferro. Ele
armazena uma quantidade suficiente de: vitamina D, para prevenir a sua deficiência durante cerca de 4 meses;
vitamina A, para evitar a sua deficiência por aproximadamente 10 meses; e vitamina B12, para prevenir a sua
deficiência por 1 ano.
Quando o ferro está disponível em quantidades extras nos líquidos corporais, ele se combina com a proteína
apoferritina para formar ferritina e é armazenado dessa forma nas células hepáticas.
O fígado forma fatores da coagulação. O fígado forma as seguintes substâncias necessárias durante a
coagulação: fibrinogênio, protrombina, globulina aceleradora e fator VII. Por conseguinte, a disfunção hepática
pode levar a anormalidades da coagulação do sangue.
O fígado metaboliza hormônios e xenobióticos. O fígado é bem conhecido pela sua capacidade de
destoxificar e excretar muitos medicamentos e hormônios, como estrogênio, cortisol e aldosterona. A lesão hepática
pode levar ao acúmulo de medicamentos e hormônios no organismo.

DOSAGEM DE BILIRRUBINA BILIAR COMO FERRAMENTA DE DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A bilirrubina é um produto final do metabolismo da hemoglobina que é excretado na bile. Quando a porção heme da
hemoglobina é metabolizada, forma-se uma substância denominada biliverdina; essa substância é rapidamente
reduzida a bilirrubina, que se combina imediatamente com a albumina plasmática. A combinação de albumina
plasmática e bilirrubina é denominada bilirrubina livre.
A bilirrubina livre é absorvida pelas células hepáticas, onde é liberada da albumina plasmática e conjugada com
glicuronídio pela enzima glicuronil transferase para formar glicuronídio de bilirrubina, ou com sulfato, para formar
sulfato de bilirrubina. As formas conjugadas de bilirrubina são excretadas na bile para o intestino, onde são
convertidas em urobilinogênio por meio de ação bacteriana. O urobilinogênio é altamente solúvel, e parte dele é
reabsorvida pela mucosa intestinal no sangue. Cerca de 5% do urobilinogênio absorvido dessa maneira são
excretados na urina pelos rins; o remanescente do urobilinogênio é novamente excretado pelo fígado (Figura 71.1).
Icterícia: excesso de bilirrubina total (indireta ou direta) no líquido extracelular. A icterícia pode ser
causada por: (1) destruição aumentada de hemácias (i. e., icterícia hemolítica); (2) obstrução dos ductos biliares ou
danos às células hepáticas, de modo que a bilirrubina não pode ser excretada no trato gastrointestinal (i. e., icterícia
obstrutiva).
Na icterícia hemolítica, a função excretora do fígado não está comprometida, porém as hemácias são
hemolisadas tão rapidamente que as células hepáticas são incapazes de excretar a bilirrubina tão rapidamente quanto
ela é formada. Assim, a concentração plasmática de bilirrubina aumenta para níveis muito acima do normal. Na
icterícia obstrutiva, os ductos podem ser obstruídos por cálculos biliares ou por câncer, ou as células hepáticas
podem ser danificadas, conforme observado na hepatite. As taxas de formação e de conjugação da bilirrubina pelo
fígado são quase normais, porém a bilirrubina conjugada não consegue passar para o intestino. Na icterícia
obstrutiva, o nível sanguíneo de bilirrubina conjugada aumenta, de modo que a maior parte da bilirrubina no plasma
encontra-se na forma conjugada (bilirrubina direta), em vez de na forma livre (bilirrubina indireta).
Figura 71.1 Formação e excreção da bilirrubina.
CAPÍTULO 72

Equilíbrio Dietético; Regulação da Alimentação; Obesidade e Inanição;


Vitaminas e Minerais

EM CONDIÇÕES ESTÁVEIS, A INGESTÃO E O GASTO ENERGÉTICO ESTÃO EQUILIBRADOS

A ingestão de proteínas, carboidratos e gorduras na dieta fornece energia para o desempenho das várias funções do
corpo ou para armazenamento e uso posterior. A estabilidade da composição corporal durante longos períodos exige
que a ingestão de energia seja equilibrada com o gasto energético. Quando uma pessoa está superalimentada e a
ingestão de energia excede persistentemente o gasto, a maior parte do excesso de energia é armazenada na forma de
gordura, com o aumento do peso corporal; em contrapartida, ocorrem perda da massa corporal e inanição quando a
ingestão de energia não é suficiente para suprir as necessidades metabólicas do corpo.
A energia está disponível em carboidratos, gorduras e proteínas. Cerca de 4,1 calorias de energia são
liberadas de cada grama de carboidrato quando este sofre oxidação a dióxido de carbono e água. A energia liberada
da gordura é de 9,3 calorias/g, e a quantidade a partir de proteínas, de 4,35 calorias/g.
Apesar da existência de variações consideráveis entre os indivíduos, a dieta habitual dos norte-americanos
fornece cerca de 15% de sua energia a partir das proteínas, 40% a partir das gorduras e 45% a partir dos carboidratos.
Em dietas não ocidentais, as gorduras representam apenas 15 a 20% da energia total consumida.
A necessidade diária média de proteínas é de 30 a 50 gramas. Cerca de 20 a 30 g de proteína por dia
são degradados pelo corpo para produzir outros compostos; todas as células precisam formar continuamente novas
proteínas para repor as que estão sendo destruídas. Uma pessoa de constituição média pode manter reservas normais
de proteína quando consome 30 a 50 g de proteína por dia, embora seja geralmente recomendada uma ingestão
diária média de 65 a 70 g de proteína.
Algumas proteínas têm quantidades inadequadas de certos aminoácidos essenciais e são incapazes de substituir
as proteínas degradadas. As proteínas que carecem de aminoácidos essenciais são denominadas proteínas parciais.
Por exemplo, a farinha de milho carece do aminoácido triptofano. Uma pessoa que consome farinha de milho como
única fonte de proteína desenvolve uma síndrome de deficiência proteica, denominada kwashiorkor, que se manifesta
como retardo do crescimento, depressão da atividade mental e baixos níveis plasmáticos de proteínas, que, por sua
vez, levam ao edema grave. As leguminosas, como feijão, fornecem uma fonte relativamente rica de triptofano e
lisina, porém contêm quantidades inadequadas de metionina, outro aminoácido essencial. Portanto, as proteínas do
milho e das leguminosas se complementam e, juntas, fornecem todos os aminoácidos essenciais da dieta.

MÉTODOS PARA A DETERMINAÇÃO DO GASTO METABÓLICO DE CARBOIDRATOS, GORDURAS E


PROTEÍNAS

Quociente respiratório é a proporção entre a produção de dióxido de carbono e o consumo de


oxigênio. Quando os carboidratos são metabolizados com oxigênio, ocorre a formação de uma molécula de dióxido
de carbono para cada molécula de oxigênio consumida, de modo que o quociente respiratório (QR) é de 1. Quando a
gordura é metabolizada com oxigênio, ocorre a formação de sete moléculas de dióxido de carbono para cada 10
moléculas de oxigênio consumidas, de modo que o QR para o metabolismo das gorduras é de 0,70. Para as proteínas,
o QR é de 0,80.
O QR pode ser um índice de utilização relativa de vários alimentos pelo corpo. Uma pessoa que metaboliza
principalmente gorduras deve ter um QR próximo a 0,70, ao passo que uma pessoa que metaboliza principalmente
carboidratos deve ter um QR próximo a 1.
A excreção de nitrogênio pode ser utilizada para calcular a taxa de metabolismo proteico. A
proteína média contém cerca de 16% de nitrogênio. Durante o metabolismo das proteínas, cerca de 90% desse
nitrogênio são excretados na urina, na forma de ureia e creatinina. Os 10% remanescentes são excretados nas fezes.
A quantidade de proteína que sofre degradação (em gramas) pode ser estimada pela medição do nitrogênio na urina,
acrescentando-se 10% para a excreção fecal e multiplicando-se por 6,25 (100/16). Por conseguinte, a excreção de 8 g
de nitrogênio na urina diariamente significa que houve degradação de cerca de 55 g de proteína.
Se a ingestão diária de proteínas for menor do que a sua degradação diária, o indivíduo encontra-se em balanço
nitrogenado negativo, o que indica que as reservas corporais de proteínas estão diminuindo.

REGULAÇÃO DA INGESTÃO DE ALIMENTOS E DO ARMAZENAMENTO DE ENERGIA

Apenas cerca de 27% da energia ingerida normalmente alcançam os sistemas funcionais das células. Uma grande
parte é finalmente convertida em calor, gerado pelo metabolismo das proteínas, pela atividade muscular e pelas
atividades dos vários órgãos e tecidos do organismo. A ingestão de energia superior àquela necessária para a
realização das funções do organismo é armazenada principalmente como gordura. O déficit na ingestão de energia
leva ao consumo de energia armazenada, até que o gasto energético seja igual à ingestão de energia ou até que ocorra
morte. A manutenção de um suprimento adequado de energia no corpo é tão crítica que existem diversos sistemas de
controle em curto e em longo prazo que regulam tanto a ingestão de alimentos quanto o gasto energético e as
reservas de energia.

Centros neurais regulam a ingestão de alimentos

A fome é o desejo intrínseco por comida. Ela está associada a vários efeitos fisiológicos, como contrações rítmicas
do estômago e inquietação, que fazem o indivíduo procurar alimento
O apetite é o desejo de determinado tipo de alimento; ele é útil ao ajudar o indivíduo a escolher a qualidade do
alimento a ser ingerido
A saciedade é o oposto da fome; trata-se da sensação de plenitude após a ingestão de alimento.

O hipotálamo contém os centros neurais da fome e da saciedade. A estimulação dos núcleos laterais
do hipotálamo induz comportamentos de alimentação; essa área é denominada centro da alimentação. Os núcleos
ventromediais do hipotálamo servem como principal centro da saciedade. A ocorrência de lesões nesses núcleos
produz alimentação voraz e contínua até que o animal se torne extremamente obeso. Outras áreas do cérebro,
particularmente os núcleos paraventricular e dorsomedial e o arqueado do hipotálamo, também desempenham um
importante papel na regulação da ingestão de alimentos, e ocorre uma considerável comunicação mútua entre os
neurônios do hipotálamo.
O hipotálamo recebe sinais neurais do trato gastrointestinal, que fornecem informações sensoriais sobre o
enchimento do estômago, sinais químicos dos nutrientes no sangue (glicose, aminoácidos, ácidos graxos) que
significam saciedade, sinais dos hormônios gastrointestinais, sinais de hormônios liberados pelo tecido adiposo e
sinais do córtex cerebral (visão, olfato, paladar), que influenciam o comportamento alimentar (Figura 72.1).
Figura 72.1 Mecanismos de feedback para o controle da ingestão de alimentos. Os
receptores de estiramento no estômago ativam vias aferentes sensoriais no nervo
vago e inibem a ingestão de alimentos. O peptídeo YY (PYY), a colecistoquinina (CCK)
e a insulina são hormônios gastrointestinais, que são liberados pela ingestão de
alimento e suprimem a ingestão adicional de comida. A grelina é liberada pelo
estômago, particularmente durante o jejum, e estimula o apetite. A leptina, um
hormônio produzido em quantidades crescentes pelos adipócitos à medida que
aumentam de tamanho, inibe a ingestão de alimentos.
Neurônios e neurotransmissores no hipotálamo que estimulam ou inibem a alimentação. Dois
tipos distintos de neurônios no núcleo arqueado do hipotálamo são particularmente importantes como controladores
do apetite e do gasto de energia: (1) os neurônios produtores de pró‑opiomelanocortina (POMC), que produzem o
hormônio estimulante de α-melanócitos (α-MSH), juntamente ao transcrito relacionado com a cocaína e a
anfetamina; e (2) os neurônios que produzem o neuropeptídeo Y (NPY) e a proteína relacionada com agouti
(AGRP). A ativação dos neurônios POMC diminui a ingestão de alimento e aumenta o gasto energético, ao passo
que a ativação dos neurônios NPY/AGRP aumenta a ingestão alimentar e reduz o gasto energético. Esses neurônios
constituem os principais alvos de vários hormônios que regulam o apetite, incluindo leptina, insulina,
colecistoquinina (CCK) e grelina (Tabela 72.1).

Tabela 72.1Neurotransmissores e hormônios que influenciam os centros de alimentação e de saciedade no hipotálamo.

Diminuição da ingestão de alimentos Aumento da ingestão de alimentos


(anorexígenos) (orexígenos)
Hormônio estimulante de α‑melanócitos Neuropeptídeo Y
Leptina Proteína relacionada com agouti
Serotonina Hormônio concentrador de melanina
Noradrenalina Orexinas A e B
Hormônio liberador de corticotrofina Endorfinas
Insulina Galanina
Colecistoquinina Aminoácidos (glutamato e GABA)
Peptídeo semelhante ao glucagon Cortisol
Transcrito regulado por cocaína e anfetamina Grelina
Peptídeo YY Endocanabinoides

Os neurônios POMC do hipotálamo desempenham um poderoso papel na regulação das reservas de energia do
corpo, e a sinalização defeituosa da via da melanocortina está associada à obesidade extrema. De fato, as mutações
no receptor de melanocortina 4 (MCR‑4), um receptor essencial para o α-MSH, representa a causa monogênica (um
único gene) conhecida mais comum de obesidade humana. Alguns estudos sugerem que as mutações de MCR-4
sejam responsáveis por até 5 a 6% da obesidade grave de início precoce em crianças.
O NPY, que é liberado dos neurônios dos núcleos arqueados quando as reservas de energia do corpo estão baixas,
estimula o apetite. Quando as reservas de energia estão baixas, a atividade dos neurônios POMC é reduzida,
diminuindo, assim, a atividade do MCR-4 e estimulando ainda mais o apetite.
Centros neurais que influenciam o processo mecânico de alimentação. Outros aspectos importantes
da alimentação são os atos mecânicos, como a mastigação, a deglutição e a salivação, que são controlados por
centros existentes no tronco encefálico. A função dos centros superiores na alimentação consiste em controlar a
quantidade de ingestão alimentar e em estimular os centros mecânicos de alimentação inferiores para desencadear a
sua atividade.
Acredita-se que o córtex pré‑frontal e a amígdala também desempenhem funções importantes no controle do
apetite. As atividades desses centros estão estreitamente acopladas às do hipotálamo. A destruição bilateral da
amígdala produz “cegueira psíquica” na escolha dos alimentos e incapacidade de controlar o tipo ou a qualidade do
alimento consumido.

Fatores que regulam a quantidade de ingestão de alimentos


A regulação da quantidade ingerida de alimento envolve uma regulação em curto prazo, que impede a
superalimentação em cada refeição, e uma regulação em longo prazo, que mantém reservas adequadas de energia no
organismo.
Os sinais de feedback provenientes do sistema digestório contribuem para a regulação em curto
prazo dos alimentos ingeridos. A distensão do estômago e do duodeno provoca sinais inibitórios, que são
transmitidos ao centro da alimentação por meio dos nervos vagos, reduzindo o desejo de comida. O hormônio
gastrointestinal CCK, que é liberado em resposta à entrada de gordura no duodeno, ativa receptores nos nervos
sensoriais locais do duodeno, enviando, assim, mensagens para o cérebro (por meio do nervo vago), que contribuem
para a saciedade e o término da refeição. O efeito da CCK é de curta duração e funciona principalmente para evitar a
superalimentação durante as refeições; todavia, ela pode não desempenhar um papel importante na frequência das
refeições ou na quantidade total de energia consumida.
A glicose, os lipídios e os aminoácidos no sangue e os hormônios liberados do tecido adiposo
contribuem para a regulação em médio e em longo prazo da ingestão de alimentos. O aumento ou a
redução da concentração sanguínea de nutrientes provocam diminuição ou aumento correspondentes na ingestão de
alimentos. Nosso conhecimento sobre a regulação em longo prazo da ingestão alimentar é impreciso; todavia, em
geral, quando as reservas de energia do corpo caem abaixo do normal, os centros da alimentação tornam-se ativos.
Quando as reservas de energia são adequadas (principalmente o armazenamento de gordura), os centros da saciedade
tornam-se ativos, e o indivíduo perde o desejo de comida.
Estudos experimentais sugerem que o hipotálamo detecta o armazenamento de energia, em parte, por meio da
ação da leptina, um hormônio peptídico liberado pelos adipócitos. Quando a quantidade de tecido adiposo aumenta
(sinalizando o armazenamento de energia em excesso), os adipócitos produzem quantidades aumentadas de leptina,
que é liberada no sangue e atua em diversos locais no hipotálamo. A leptina ativa, em particular, os neurônios POMC
e inibe os neurônios NPY dos núcleos arqueados, e ambas as ações reduzem a ingestão de alimento. Em
camundongos, ratos ou seres humanos com mutações que tornam os adipócitos incapazes de produzir leptina ou com
mutações que produzem receptores de leptina defeituosos no hipotálamo, ocorrem hiperfagia acentuada e obesidade
mórbida. Entretanto, as mutações do gene da leptina são raras, e a maioria das pessoas obesas apresenta níveis
elevados de leptina. Por conseguinte, foi sugerido que a incapacidade dos níveis elevados de leptina de suprimir o
apetite em pessoas obesas esteja relacionada, pelo menos em parte, com a resistência do hipotálamo às ações
anoréticas da leptina.

OBESIDADE

A obesidade pode ser definida como o excesso de gordura corporal. Um marcador substituto para o conteúdo de
gordura corporal é o índice de massa corporal (IMC), que é calculado da seguinte maneira: IMC = peso (kg)/altura
(m2). Em termos clínicos, uma pessoa com IMC entre 25,0 e 29,9 kg/m2 apresenta sobrepeso, ao passo que uma
pessoa com IMC superior a 30 kg/m2 é considerada obesa. No entanto, o IMC não é uma estimativa direta da
adiposidade e não leva em consideração o fato de que alguns indivíduos podem apresentar IMC elevado como
resultado de uma grande massa muscular.
A obesidade resulta de um consumo maior do que o gasto energético. A ingestão excessiva de
calorias resulta em aumento das reservas de gordura e aumento correspondente do peso corporal. Quando uma
pessoa se torna obesa e alcança um peso estável, a ingestão de energia torna-se novamente igual ao gasto energético.
Para se obter uma redução do peso corporal, a ingestão energética de uma pessoa precisa ser menor do que o gasto
energético.
As causas da obesidade são complexas e pouco compreendidas. Embora os genes desempenhem um importante
papel na determinação da ingestão de alimentos ou do metabolismo energético, a baixa atividade física causada por
um estilo de vida sedentário e outros fatores ambientais podem desempenhar um papel dominante em muitos
indivíduos obesos, conforme evidenciado pelo rápido aumento da prevalência da obesidade nas últimas décadas.
Todavia, crianças cujos pais são obesos também podem apresentar risco aumentado de obesidade e distúrbios
associados por meio de mecanismos epigenéticos que alteram a expressão dos genes na ausência de uma alteração na
sequência do DNA.

INANIÇÃO, ANOREXIA, CAQUEXIA E FOME

A inanição é o oposto da obesidade e caracteriza-se por extrema perda de peso. Ela pode ser causada pela
disponibilidade inadequada de alimentos ou por condições fisiopatológicas que diminuem acentuadamente o desejo
de comida, incluindo transtornos psicogênicos, anormalidades hipotalâmicas e fatores liberados dos tecidos
periféricos. Em indivíduos com doenças graves, como câncer, a diminuição do desejo de comida também pode estar
associada ao aumento do gasto energético, resultando em grave perda de peso.
A anorexia refere-se à redução da ingestão de alimentos, causada principalmente pela diminuição do apetite. Ela
pode ocorrer em doenças como o câncer, quando outros problemas comuns, como dor e náuseas, podem levar o
indivíduo a consumir menos alimentos. A anorexia nervosa é um estado psíquico anormal, em que a pessoa perde o
desejo de comida e até mesmo sente náuseas por ela; em consequência, ocorre inanição grave.
A caquexia é um distúrbio metabólico de aumento do gasto energético e perda do apetite, que leva à perda de
peso maior do que a causada apenas pela redução da ingestão de alimentos. A caquexia é uma característica de
muitos tipos de câncer e da síndrome consumptiva, observada em pacientes com síndrome da imunodeficiência
adquirida ou com distúrbios inflamatórios crônicos.
Acredita-se que os fatores neurais centrais e periféricos contribuam para a caquexia induzida pelo câncer. Por
exemplo, as citocinas inflamatórias, como o fator de necrose tumoral α, que são liberadas pelos tecidos cancerosos,
causam anorexia e caquexia, em parte pela ativação dos neurônios produtores de POMC no hipotálamo.
Ocorre fome quando a ingestão de alimentos é cronicamente insuficiente para suprir as necessidades metabólicas
do corpo. Durante a fome, ocorre a depleção das reservas de carboidratos (glicogênio) em 12 a 24 horas. A gordura,
que constitui a principal fonte de energia durante a fome, é esgotada em uma taxa constante. As proteínas são, no
início, utilizadas rapidamente, visto que são convertidas em glicose por meio do processo da gliconeogênese. Se a
fome continuar e houver esgotamento das reservas de proteína prontamente disponíveis, a taxa de gliconeogênese é
reduzida para cerca de 25% de sua taxa anterior, e a taxa de depleção de proteínas é acentuadamente reduzida.
Quando quase todas as reservas disponíveis de gordura são esgotadas, a taxa de utilização de proteínas aumenta,
visto que as proteínas passam a constituir a única fonte remanescente de energia. Como as proteínas são essenciais
para a manutenção das funções celulares, pode ocorrer morte quando a depleção das proteínas do corpo alcança cerca
de 50% de seu nível normal.

VITAMINAS

As vitaminas são compostos orgânicos necessários em pequenas quantidades para o metabolismo normal. Elas não
podem ser sintetizadas nas células do corpo e, portanto, precisam ser fornecidas na dieta. A deficiência de vitaminas
provoca déficits metabólicos específicos.
A vitamina A está presente nos tecidos animais como retinol. A vitamina A não ocorre em alimentos de
origem vegetal, embora as provitaminas para a formação de vitamina A existam em abundância em muitos vegetais.
As provitaminas podem ser convertidas em vitamina A no fígado. A vitamina A é necessária para o crescimento
normal da maioria das células do organismo e, em particular, para o crescimento e a proliferação normais de
diferentes tipos de células epiteliais. A deficiência de vitamina A causa: (1) cegueira noturna; (2) descamação da pele
e acne; (3) deficiência do crescimento esquelético em animais jovens; e (4) falha na reprodução.
A tiamina (vitamina B1) é necessária para o metabolismo dos carboidratos e de muitos
aminoácidos. A tiamina atua em sistemas metabólicos do organismo como cocarboxilase em associação a uma
proteína descarboxilase para a descarboxilação do ácido pirúvico e de outros α-cetoácidos. A deficiência de tiamina
(beribéri) causa a diminuição da utilização do piruvato e de alguns aminoácidos pelos tecidos; ela pode causar lesões
nos sistemas nervosos central e periférico, bem como distúrbios importantes no sistema cardiovascular e no trato
gastrointestinal.
A niacina (ácido nicotínico) atua no organismo como aceptor de hidrogênio. A niacina na forma de
nicotinamida‑adenina dinucleotídio e fosfato de nicotinamida‑adenina dinucleotídio atua como coenzima nas
cascatas metabólicas. Na presença de deficiência de niacina, a taxa normal de deidrogenação não pode ser mantida, e
o fornecimento oxidativo de energia dos alimentos para os elementos funcionais da célula não pode ocorrer em taxas
normais. A deficiência de niacina (pelagra) provoca lesões do sistema nervoso central, irritação e inflamação das
mucosas, fraqueza muscular, secreção glandular deficiente e hemorragia gastrointestinal.
A riboflavina (vitamina B2) funciona como carreador de hidrogênio. A riboflavina combina-se com o
ácido fosfórico para formar flavina‑adenina dinucleotídio, que atua como carreador de hidrogênio dos importantes
sistemas oxidativos do corpo. A deficiência de riboflavina pode causar muitos dos mesmos efeitos que a falta de
niacina na alimentação. Essas debilidades resultam de uma depressão generalizada do processo oxidativo nas células.
A vitamina B12 atua como coenzima aceptora de hidrogênio. Talvez a função mais importante da
vitamina B12 seja a sua capacidade de atuar como coenzima para reduzir os ribonucleotídios a
desoxirribonucleotídios, uma etapa necessária para a replicação dos genes. A vitamina B12 é importante para a
formação, o crescimento e a maturação das hemácias. A deficiência de vitamina B12 leva à deficiência de
crescimento e à anemia perniciosa, um tipo de anemia causada pela incapacidade de maturação das hemácias.
Em geral, a deficiência de vitamina B12 não é causada pela falta dessa substância nos alimentos, mas sim por uma
deficiência de fator intrínseco. O fator intrínseco é secretado pelas células parietais das glândulas gástricas e é
essencial para a absorção da vitamina B12 pela mucosa do íleo.
O ácido fólico (ácido pteroilglutâmico) promove o crescimento e a maturação das hemácias. O
ácido fólico é utilizado na síntese de purinas e timina, que são necessárias para a formação de DNA. Por conseguinte,
o ácido fólico, à semelhança da vitamina B12, é necessário para a replicação dos genes celulares. Quando o ácido
fólico está ausente na dieta, o animal cresce muito pouco. Outro efeito significativo da deficiência de ácido fólico é o
desenvolvimento de anemia macrocítica, quase idêntica à anemia perniciosa.
A piridoxina (vitamina B6) é uma coenzima que atua em muitas reações químicas relacionadas
com o metabolismo dos aminoácidos e das proteínas. O papel mais importante da piridoxina é a sua ação
como coenzima no processo de transaminação para a síntese de aminoácidos. A deficiência de piridoxina pode
causar dermatite, diminuição da taxa de crescimento, desenvolvimento de esteatose hepática, anemia e evidências de
deterioração mental.
O ácido pantotênico é incorporado no organismo na coenzima A. A deficiência de ácido pantotênico
pode levar à redução do metabolismo dos carboidratos e das gorduras.
O ácido ascórbico (vitamina C) é essencial para a formação de colágeno. O ácido ascórbico ativa a
enzima prolil hidroxilase, que promove a etapa de hidroxilação na formação de hidroxiprolina, um componente
integral do colágeno. Na ausência de ácido ascórbico, as fibras colágenas tornam-se defeituosas e fracas. Essa
vitamina é essencial para o crescimento e a resistência das fibras colágenas no tecido subcutâneo, na cartilagem, no
osso e nos dentes. A deficiência de ácido ascórbico (escorbuto) resulta em deficiência da cicatrização de feridas,
inibição do crescimento ósseo e hemorragias petequiais em todo o corpo.
A vitamina D (calciferol) aumenta a absorção de cálcio do trato gastrointestinal e ajuda a
controlar a deposição de cálcio no osso. A vitamina D promove o transporte ativo de cálcio através do epitélio
do íleo. A deficiência de vitamina D (raquitismo) causa anormalidades no metabolismo do cálcio, o que pode afetar a
força e o crescimento dos ossos, conforme discutido no Capítulo 80.
A vitamina E evita a oxidação das gorduras insaturadas. Na ausência de vitamina E, a quantidade de
gorduras insaturadas nas células diminui, causando anormalidades na estrutura e na função das mitocôndrias, dos
lisossomos e das membranas celulares.
A vitamina K é necessária para a formação dos fatores da coagulação. A síntese de protrombina, fator
VII, fator IX e fator X no fígado necessita da vitamina K. A deficiência dessa vitamina provoca retardo da coagulação
sanguínea. A vitamina K é normalmente sintetizada por bactérias no cólon e absorvida pelo epitélio do cólon.

METABOLISMO MINERAL

As funções dos minerais, como o sódio, o potássio e o cloreto, são apresentadas em outras partes deste livro. Apenas
alguns minerais, incluindo o magnésio, o cálcio, o fósforo e o ferro, são discutidos neste capítulo:

O magnésio é necessário como catalisador para muitas reações enzimáticas intracelulares, particularmente aquelas
relacionadas com o metabolismo dos carboidratos
O cálcio está presente no organismo principalmente na forma de fosfato de cálcio no osso
O fósforo é o principal ânion dos líquidos extracelulares. Os fosfatos têm a capacidade de se combinar de modo
reversível com muitos dos sistemas de coenzimas necessários para o funcionamento dos processos metabólicos
O ferro atua no corpo como carreador de oxigênio e aceptor de elétrons; ele é essencial para o transporte de oxigênio
aos tecidos e o funcionamento dos sistemas oxidativos nas células teciduais.
Oligoelementos. O iodo, o zinco e o flúor estão presentes no corpo em quantidades tão pequenas que são
denominados oligoelementos. O iodo é importante para a formação e a função dos hormônios tireoidianos. O zinco é
um componente importante da anidrase carbônica, a enzima responsável pela rápida combinação de dióxido de
carbono e água no sangue, na mucosa gastrointestinal e nos túbulos renais. O zinco também é um componente da
deidrogenase láctica, que é importante para a interconversão do ácido pirúvico e ácido láctico. O flúor não parece ser
necessário para o metabolismo, porém atua na prevenção de cáries dentárias.
CAPÍTULO 73

Energética Celular e Taxa Metabólica

O trifosfato de adenosina atua como fonte de energia para a maioria das funções celulares. O
trifosfato de adenosina (ATP), formado como resultado da combustão dos carboidratos, dos ácidos graxos e das
proteínas, é frequentemente chamado de “moeda” energética do metabolismo. Ele fornece a energia para a síntese de
componentes celulares, a contração muscular, o transporte ativo através das membranas, a secreção glandular e a
condução nervosa. Quando liberada pela decomposição do ATP, a energia em cada uma das duas ligações de fosfato
de alta energia do ATP (até 12.000 calorias/mol em condições fisiológicas) é suficiente para a ocorrência de quase
todas as etapas de qualquer reação no corpo, se houver transferência de energia apropriada.
A fosfocreatina funciona como um depósito acessório de armazenamento energético e como
tampão do ATP. A fosfocreatina, outra substância que contém ligações de fosfato de alta energia, está presente nas
células em quantidades várias vezes maiores do que o ATP. A fosfocreatina não pode atuar da mesma maneira que o
ATP, como agente direto de acoplamento para a transferência de energia entre substâncias alimentares e sistemas
celulares funcionais. Entretanto, ela pode transferir energia de modo intercambiável com o ATP. A fosfocreatina é
sintetizada quando há disponibilidade de quantidades extras de ATP; isso cria um estoque de energia na forma de
fosfocreatina. Quando a utilização de ATP aumenta, a energia na fosfocreatina é rapidamente transferida de volta
para o ATP. Esse efeito mantém a concentração de ATP em um nível quase constante enquanto houver fosfocreatina.

ENERGIA ANAERÓBICA VERSUS AERÓBICA

A energia anaeróbica é derivada do alimento sem a utilização de oxigênio, ao passo que a energia aeróbica é derivada
do alimento pelo metabolismo oxidativo. Em condições anaeróbicas, os carboidratos constituem a única fonte
significativa de energia. De fato, o glicogênio representa a melhor fonte de energia em condições anaeróbicas, visto
que ele já está fosforilado, ao passo que a glicose precisa ser fosforilada (uma etapa que exige o gasto de energia)
antes que possa ser utilizada.
A energia anaeróbica é utilizada durante picos extenuantes de atividade. Os processos oxidativos são
muito lentos para fornecer a energia necessária para um pico de atividade extenuante. Essa energia precisa ser
fornecida (1) pelo ATP já presente nas células musculares; (2) pela fosfocreatina; e (3) pela degradação glicolítica do
glicogênio a ácido láctico.
O consumo extra de oxigênio compensa o déficit de oxigênio após término de exercício
extenuante. Depois de um exercício extenuante, a pessoa continua respirando pesado e consome quantidades
extras de oxigênio durante alguns minutos. Esse oxigênio extra é utilizado para: (1) reconverter o ácido láctico
acumulado em glicose; (2) reconverter o monofosfato de adenosina e o difosfato de adenosina em ATP; (3)
restabelecer os níveis de fosfocreatina; (4) restabelecer as concentrações normais de oxigênio ligado à hemoglobina e
à mioglobina; e (5) aumentar a concentração de oxigênio nos pulmões de volta ao seu nível normal.

TAXA METABÓLICA

A taxa metabólica normalmente é expressa em termos da taxa de energia liberada durante as reações químicas em
todas as células do corpo. O calor é o produto final de quase toda a energia liberada no corpo. Em média, 35% da
energia dos alimentos tornam-se calor durante a formação de ATP. A energia adicional torna-se calor à medida que é
transferida do ATP para os sistemas funcionais do corpo. Nas melhores condições, aproximadamente 27% de toda a
energia dos alimentos são utilizados pelos sistemas funcionais, e quase toda essa energia finalmente se transforma em
calor. A única exceção significativa é quando os músculos são utilizados para realizar algum tipo de trabalho fora do
corpo, como o levantamento de um objeto ou o ato de subir uma escada. Nesses casos, uma energia potencial é
criada ao levantar o objeto (ou massa) contra a gravidade. Quando não há gasto externo de energia, toda a energia
liberada pelos processos metabólicos se transforma em calor corporal.
A caloria é a unidade utilizada para expressar a quantidade de energia liberada dos alimentos ou consumida pelos
processos funcionais do corpo. A caloria‑grama é a quantidade de calor necessário para aumentar a temperatura de 1
g de água em 1°C. A caloria-grama é uma unidade muito pequena para facilitar a expressão quando se trata da
energia no corpo, de modo que a “Caloria” (às vezes escrita com C maiúsculo e com frequência denominada
quilocaloria, que é equivalente a 1.000 calorias) é a unidade geralmente utilizada quando se discute o metabolismo
energético.

MEDIDA DA TAXA METABÓLICA CORPORAL TOTAL

Se uma pessoa não está realizando trabalho externo, a taxa metabólica corporal total dela pode ser determinada
medindo-se a quantidade total de calor liberado do corpo em determinado momento. A calorimetria direta, que mede
a quantidade de calor liberada em uma câmara especialmente construída, é difícil de realizar e é utilizada
principalmente para fins de pesquisa. Por conseguinte, utiliza-se com frequência a calorimetria indireta para
determinar a taxa metabólica. Um dos métodos indiretos mais acurados consiste em determinar a taxa de utilização
de oxigênio. Para uma dieta padrão, a quantidade de energia liberada por litro de oxigênio consumido no corpo é de
cerca de 4.825 kcal, denominada equivalente de energia do oxigênio. Com esse equivalente, é possível calcular a
taxa de calor liberada do corpo a partir da quantidade de oxigênio utilizada durante determinado período.
Metabolismo basal (MB): o gasto energético mínimo para a manutenção das funções vitais do
organismo. A taxa metabólica basal é a taxa de utilização da energia durante o repouso absoluto, enquanto a
pessoa está acordada; portanto, é a medida da taxa metabólica inerente dos tecidos do corpo, independentemente de
atividade física ou de outros fatores externos. O método habitual para determinar a taxa metabólica basal consiste em
medir a taxa de utilização do oxigênio durante determinado período. Em seguida, a taxa metabólica basal é calculada
em termos de calorias por hora. Normalmente, a taxa metabólica basal é, em média, de cerca de 60 kcal/h em homens
jovens e de cerca de 53 kcal/h em mulheres jovens. Para corrigir o tamanho do corpo, a taxa metabólica basal é
comumente expressa em proporção com a área de superfície corporal, o que permite uma comparação das taxas
metabólicas basais entre indivíduos de tamanhos diferentes.

Fatores que afetam a taxa metabólica


Quando um homem médio de 70 kg permanece deitado em uma cama durante todo o dia, ele utiliza cerca de 1.650
kcal de energia. A realização de outras funções básicas, como sentar-se em uma cadeira e alimentar-se, aumenta a
quantidade de energia utilizada. A necessidade diária de energia para simplesmente existir (i. e., para realizar apenas
as funções essenciais) é de cerca de 2.000 kcal/dia.
Diversos fatores podem aumentar ou diminuir a taxa metabólica. Por exemplo, a taxa metabólica aumenta após a
ingestão de uma refeição; isso resulta principalmente do efeito estimulador dos aminoácidos derivados das proteínas
do alimento ingerido sobre os processos químicos da célula. O hormônio tireoidiano, o hormônio sexual masculino, o
hormônio de crescimento, a estimulação simpática e a febre aumentam a taxa metabólica. O fator que aumenta mais
expressivamente a taxa metabólica é o exercício intenso. Já o sono, a desnutrição e o avanço da idade diminuem a
taxa metabólica.
CAPÍTULO 74

Regulação da Temperatura Corporal e Febre

TEMPERATURA CORPORAL NORMAL

A temperatura dos tecidos profundos do organismo (temperatura interna) permanece constante dentro de ± 0,6°C,
apesar da ocorrência de grandes flutuações da temperatura ambiente. Em geral, a temperatura interna normal média
situa-se entre 36,7 e 37°C, quando medida oralmente, e cerca de 0,6°C mais alta quando medida por via retal.
A temperatura corporal é controlada pelo equilíbrio entre a produção e a perda de calor. A
produção de calor constitui um subproduto do metabolismo. Os fatores mais importantes que determinam a produção
de calor são: (1) taxa metabólica basal; (2) atividade muscular (incluindo tremor); (3) tiroxina; (4) adrenalina,
noradrenalina e estimulação simpática; (5) temperatura corporal, com aumento do metabolismo celular à medida que
a temperatura aumenta; e (6) metabolismo associado à digestão, à absorção e ao armazenamento dos alimentos
(efeito termogênico dos alimentos).
A taxa de perda de calor é determinada (1) pela taxa de condução de calor para a pele e (2) pela taxa de condução
do calor da pele para o meio ambiente.
O fluxo sanguíneo do interior do organismo para a pele é responsável pela transferência de
calor. A pele, os tecidos subcutâneos e, em particular, a gordura dos tecidos subcutâneos atuam em conjunto como
isolante térmico para o corpo. Entretanto, os vasos sanguíneos estão profusamente distribuídos logo abaixo da pele.
O aumento do fluxo sanguíneo nesses vasos provoca mais perda de calor, ao passo que a diminuição do fluxo
sanguíneo nesses vasos provoca menos perda de calor. A taxa de fluxo nesses vasos pode variar de 0 a 30% do débito
cardíaco. A pele é um sistema de “radiador de calor” altamente efetivo para a transferência de calor da parte interna
do corpo para a pele.

Perda de calor
A perda de calor da pele para o ambiente ocorre por irradiação, condução, convecção e evaporação.
A irradiação causa perda de calor na forma de raios infravermelhos. Todos os objetos acima do zero
absoluto irradiam ondas infravermelhas em todas as direções. Se a temperatura corporal for maior que a do meio
ambiente, o corpo irradia calor para o ambiente. Inversamente, se a temperatura corporal for menor que a do
ambiente, o ambiente irradia calor para o corpo. Cerca de 60% do calor corporal normalmente são perdidos por meio
de irradiação.
A perda de calor por condução ocorre por contato direto com um objeto. Em geral, o corpo perde
cerca de 3% de seu calor por meio de condução para objetos. Uma perda adicional de 15% do calor corporal ocorre
por condução para o ar; o ar em contato com a superfície da pele aquece até quase a temperatura corporal. Esse ar
quente tem a tendência de se afastar para longe da pele.
A perda de calor por convecção ocorre pelo movimento do ar. O ar próximo à superfície da pele é
aquecido por condução. Quando esse ar quente é removido, a pele conduz calor para a nova camada de ar não
aquecido.
A perda de calor por convecção é o mecanismo do efeito resfriador do vento. O mecanismo do efeito resfriador
da água é semelhante. Entretanto, como a água apresenta um calor específico alto, a pele não pode aquecer uma fina
camada de água próximo ao corpo. Em consequência, o calor é continuamente removido do corpo se a água estiver
abaixo da temperatura corporal.
A evaporação é um mecanismo de resfriamento necessário em temperaturas do ar muito altas.
Quando a água evapora, ocorre a perda de 0,58 kcal de calor para cada grama de água convertida no estado gasoso. A
energia para mudar a água do estado líquido para o gasoso provém da temperatura corporal.
Em geral, a evaporação representa cerca de 22% do calor perdido pelo corpo. A evaporação de água pela pele
(perda insensível de água) responde por cerca de 16 a 19 kcal de perda de calor por hora.
A perda de calor por evaporação é importante quando a temperatura do ambiente é igual ou próxima à
temperatura corporal. Nessas condições, a perda de calor por irradiação diminui acentuadamente. A perda de calor
por evaporação torna-se o único mecanismo de resfriamento do corpo quando a temperatura ambiente está elevada.
O movimento de ar através da pele aumenta a taxa de evaporação e, em consequência, a efetividade da perda de
calor por evaporação (p. ex., efeito de resfriamento de um ventilador).

Sudorese e sua regulação pelo sistema nervoso autônomo


As glândulas sudoríparas contêm uma parte glandular subdérmica enovelada e profunda e uma parte constituída por
um ducto linear, que sai pela superfície da pele. A porção glandular da glândula sudorípara produz uma secreção
primária semelhante ao plasma, porém sem proteínas plasmáticas. À medida que a solução ascende pelo ducto em
direção à superfície da pele, ocorre a reabsorção da maior parte dos eletrólitos, deixando uma secreção aquosa e
diluída.
As glândulas sudoríparas são inervadas por fibras colinérgicas simpáticas. Quando as glândulas sudoríparas são
estimuladas, a taxa de secreção de solução precursora aumenta. A reabsorção de eletrólitos ocorre em uma taxa
relativamente constante. Se forem secretados grandes volumes de solução precursora e, ao mesmo tempo, a
reabsorção de eletrólitos permanecer constante, haverá perda de mais eletrólitos (principalmente cloreto de sódio) no
suor.
Aclimatação do mecanismo de sudorese ao calor: papel da aldosterona. A exposição prolongada a
um clima quente aumenta a taxa máxima de produção de suor de cerca de 1 l/h em uma pessoa que não está
aclimatada até 2 a 3 l/h em um indivíduo aclimatado. Essa maior quantidade de suor aumenta a perda de calor por
evaporação e ajuda a manter a temperatura corporal normal. O aumento da produção de calor nos indivíduos
aclimatados está associado ao aumento da secreção de aldosterona, que intensifica a reabsorção de sódio na parte do
ducto da glândula sudorípara, reduzindo, assim, o teor de cloreto do suor, o que ajuda a conservar o sal do corpo.

REGULAÇÃO DA TEMPERATURA CORPORAL: O PAPEL DO HIPOTÁLAMO

A área hipotalâmica anterior pré‑óptica contém um grande número de neurônios sensíveis ao calor e cerca de um
terço de neurônios sensíveis ao frio. Os receptores presentes em outras partes do corpo, particularmente na pele e em
alguns tecidos profundos, também desempenham um papel adicional na regulação da temperatura. Embora muitos
sinais sensíveis à temperatura surjam em receptores periféricos, eles contribuem para o controle da temperatura
corporal ao enviar sinais para a parte posterior do hipotálamo. Os sinais sensoriais de temperatura da área
hipotalâmica anterior pré-óptica também são transmitidos para a área da parte posterior do hipotálamo, onde são
combinados e integrados com sinais de outras partes do corpo para controlar reações a aumentos ou reduções da
temperatura.
Mecanismos de diminuição da temperatura quando o corpo está muito quente. São utilizados três
mecanismos importantes para resfriar o corpo:

A vasodilatação dos vasos sanguíneos da pele pode aumentar a quantidade de transferência de calor para a pele em
até oito vezes
A sudorese aumenta a taxa de perda de calor por evaporação. O aumento de 1°C na temperatura corporal acima do
nível normal de 37°C induz sudorese suficiente para remover 10 vezes a taxa basal de produção de calor
Ocorre forte inibição dos mecanismos que aumentam a produção de calor, como calafrios e termogênese química.

Mecanismos de elevação da temperatura quando o corpo está muito frio. Quando o corpo está muito
frio, o sistema de controle da temperatura inicia mecanismos para reduzir a perda e aumentar a produção de calor:
A vasoconstrição dos vasos sanguíneos da pele diminui a transferência de calor do centro do corpo
A piloereção levanta os pelos para reter o ar próximo à pele e criar uma camada de ar quente, que atua como
isolante. Esse mecanismo funciona melhor em animais que têm uma camada completa de pelos. Os vestígios desse
mecanismo são encontrados nos seres humanos na forma de arrepios, porém a eficácia desse mecanismo neles é
limitada, em virtude da relativa escassez de pelos corporais
Ocorre produção de mais calor pelos sistemas metabólicos, devido à excitação simpática da produção de calor e ao
aumento da secreção de tiroxina e calafrios. Os calafrios podem aumentar a taxa de produção de calor em quatro a
cinco vezes. O centro motor primário para os calafrios está localizado na parte dorsomedial do hipotálamo posterior;
essa área é inibida pelo aumento da temperatura corporal e estimulada pela diminuição da temperatura corporal. Os
sinais eferentes dessa área não são rítmicos e não causam o verdadeiro tremor muscular; em vez disso, causam o
aumento generalizado do tônus muscular. Esse aumento configura uma oscilação no reflexo de estiramento do
músculo, que leva ao tremor muscular. Durante o calafrio máximo, a produção de calor corporal pode aumentar
quatro a cinco vezes acima do normal.

Ponto de ajuste para o controle da temperatura. O corpo mantém uma temperatura central crítica de
cerca de 37,1°C. Essa temperatura é denominada ponto de ajuste do sistema do controle da temperatura. Todos os
mecanismos de controle da temperatura procuram continuamente levar a temperatura corporal para o nível de ponto
de ajuste.

Controle comportamental da temperatura corporal


O corpo dispõe de outro mecanismo de controle da temperatura, o controle comportamental da temperatura. Sempre
que a temperatura corporal interna se torna excessivamente alta, as áreas de controle da temperatura no encéfalo dão
ao indivíduo uma sensação psíquica de estar superaquecido. Em contrapartida, sempre que o corpo se torna
demasiadamente frio, sinais provenientes da pele e de alguns receptores corporais profundos desencadeiam a
sensação de desconforto pelo frio. Assim, a pessoa faz ajustes adequados no ambiente para restabelecer o conforto,
como entrar em uma sala aquecida ou utilizar uma roupa bem isolante em clima frio. Esse é um poderoso sistema de
controle da temperatura corporal, que constitui o único mecanismo realmente efetivo para manter o controle do calor
corporal em ambientes extremamente frios.

ANORMALIDADES NA REGULAÇÃO DA TEMPERATURA CORPORAL

A febre é uma temperatura corporal acima do normal. A elevação da temperatura corporal pode ser
causada por uma anormalidade no encéfalo ou por substâncias tóxicas que afetam os centros de regulação da
temperatura. A febre resulta do reajuste do ponto de ajuste para o controle da temperatura; esse reajuste pode resultar
de proteínas, produtos de degradação de proteínas ou toxinas bacterianas (lipopolissacarídios), coletivamente
denominados pirogênios. Alguns pirogênios atuam diretamente sobre o centro de controle da temperatura, porém a
maioria atua de maneira indireta.
Quando partículas bacterianas ou virais estão presentes no corpo, elas são fagocitadas por leucócitos, macrófagos
teciduais e células NK. Em resposta às partículas fagocitadas, essas células liberam citocinas, um grupo diversificado
de peptídeos envolvidos nas respostas imunes inata e adaptativa. Uma das citocinas mais importantes que causam
febre é a interleucina‑1, que induz a formação de prostaglandina E2, que, por sua vez, atua no hipotálamo para
induzir a reação febril. Quando a formação de prostaglandinas é bloqueada por medicamentos, a febre diminui. Esse
é o mecanismo proposto para a ação do ácido acetilsalicílico (AAS) e de outros antipiréticos que reduzem a febre, o
qual explica por que esses compostos não reduzem a temperatura corporal em uma pessoa normal e saudável que não
apresenta níveis elevados de interleucina-1.
Quando o mecanismo da interleucina-1 reconfigura o ponto de ajuste para o controle da temperatura, a
temperatura corporal é mantida em um nível mais elevado. A elevação do ponto de ajuste da temperatura corporal
induz a sensação subjetiva de estar frio, e os mecanismos nervosos iniciam os calafrios e a piloereção. Uma vez que
a temperatura corporal tenha alcançado o novo ponto de ajuste, o indivíduo não tem mais a sensação subjetiva de
estar frio, e a temperatura corporal é elevada acima do normal.
Quando os pirogênios são eliminados do organismo, o ponto de ajuste para o controle da temperatura retorna ao
normal. Nesse ponto, a temperatura corporal está demasiadamente quente, o que induz a sensação subjetiva de estar
muito quente, e os mecanismos nervosos iniciam a vasodilatação dos vasos sanguíneos da pele e a sudorese. Essa
súbita mudança de eventos em um estado febril é conhecida como crise ou, mais apropriadamente, rubor
(vermelhidão), e normalmente sinaliza que a temperatura logo irá diminuir.
PARTE 14

Endocrinologia e Reprodução

Capítulo 75 Introdução à Endocrinologia

Capítulo 76 Hormônios Hipofisários e seu Controle pelo Hipotálamo

Capítulo 77 Hormônios Metabólicos da Tireoide

Capítulo 78 Hormônios Adrenocorticais

Capítulo 79 Insulina, Glucagon e Diabetes Melito

Capítulo 80 Paratormônio, Calcitonina, Metabolismo do Cálcio e do Fósforo, Vitamina D, Ossos e Dentes

Capítulo 81 Funções Reprodutoras e Hormonais Masculinas; Função da Glândula Pineal

Capítulo 82 Fisiologia Feminina Antes da Gravidez e Hormônios Femininos

Capítulo 83 Gravidez e Lactação

Capítulo 84 Fisiologia Fetal e Neonatal


CAPÍTULO 75

Introdução à Endocrinologia

COORDENAÇÃO DAS FUNÇÕES CORPORAIS POR MENSAGEIROS QUÍMICOS

Os seguintes tipos de comunicação intercelular ocorrem por meio de mensageiros químicos no líquido extracelular:

Neural, em que neurotransmissores são liberados nas junções sinápticas e atuam localmente
Endócrina, em que os hormônios liberados por glândulas ou células especializadas alcançam a circulação sanguínea
e influenciam a função das células-alvo a alguma distância
Neuroendócrina, em que produtos de secreção dos neurônios alcançam a circulação sanguínea e influenciam a
função das células-alvo a alguma distância
Parácrina, em que produtos de secreção celular se difundem para o líquido extracelular e afetam células-alvo
adjacentes de um tipo diferente
Autócrina, em que produtos de secreção celular afetam a função da mesma célula por meio de sua ligação a
receptores de superfície celular
Citocinas, em que proteínas celulares são secretadas no líquido extracelular e atuam de forma autócrina, parácrina ou
endócrina e, com frequência, sobre um amplo espectro de células-alvo.

MANUTENÇÃO DA HOMEOSTASE E REGULAÇÃO DOS PROCESSOS CORPORAIS

Em muitos casos, o controle neural e endócrino dos processos corporais é obtido por meio de interações desses dois
sistemas, que estão ligados por células neuroendócrinas localizadas no hipotálamo. Os axônios terminam na neuro-
hipófise e na eminência mediana. Os neuro‑hormônios secretados pelas células neuroendócrinas incluem o hormônio
antidiurético, a ocitocina e os hormônios hipofisiotróficos, que controlam a secreção dos hormônios da adeno-
hipófise. Os hormônios e os neuro-hormônios desempenham um papel fundamental na regulação de quase todos os
aspectos da função corporal, incluindo o metabolismo, o crescimento e o desenvolvimento, o equilíbrio
hidroeletrolítico, a reprodução e o comportamento.

ESTRUTURA QUÍMICA E SÍNTESE DOS HORMÔNIOS

Do ponto de vista químico, existem três classes gerais de hormônios e neuro-hormônios:

As proteínas e os peptídeos incluem desde pequenos peptídeos de apenas três aminoácidos (p. ex., hormônio
liberador de tireotrofina) até proteínas de quase 200 aminoácidos de comprimento (p. ex., hormônio de crescimento e
prolactina)
Os esteroides são derivados do colesterol e incluem os hormônios adrenocorticais (cortisol, aldosterona) e gonadais
(testosterona, estrogênio, progesterona)
Os derivados do aminoácido tirosina, que incluem os hormônios da glândula tireoide (tiroxina, tri-iodotironina) e da
medula adrenal (adrenalina e noradrenalina).

Os hormônios polipeptídicos e proteicos são armazenados em vesículas secretoras até que


sejam necessários. Os hormônios proteicos/peptídicos são sintetizados no retículo endoplasmático rugoso, da
mesma maneira que a maioria das outras proteínas. Normalmente, a proteína inicial formada pelo retículo
endoplasmático é maior do que o hormônio ativo e é denominada pré‑pró‑hormônio. A sequência de sinal dessa
grande proteína é clivada no retículo endoplasmático para formar um pró‑hormônio. Subsequentemente, no
complexo de Golgi, o pró-hormônio é acondicionado em grânulos de secreção, juntamente a enzimas proteolíticas,
que clivam o pró-hormônio em hormônio ativo e outros fragmentos. Quando a célula endócrina é estimulada, os
grânulos de secreção migram do citoplasma para a membrana celular. O hormônio livre e os copeptídeos são, então,
liberados no líquido extracelular por exocitose.
Os hormônios esteroides são geralmente sintetizados a partir do colesterol. Diferentemente dos
hormônios proteicos/peptídicos, ocorre pouco armazenamento de hormônio nas células endócrinas produtoras de
esteroides. Normalmente, existem grandes depósitos de ésteres de colesterol nos vacúolos citoplasmáticos, que
podem ser rapidamente mobilizados para a síntese de hormônios esteroides após a estimulação das células produtoras
de esteroides. Quando o hormônio esteroide aparece no citoplasma, ele não é armazenado, e o hormônio lipossolúvel
difunde-se através da membrana celular para dentro do líquido extracelular. Uma grande parte do colesterol nas
células produtoras de esteroides é removida do plasma, porém ocorre síntese de novo de colesterol a partir do
acetato.
Os hormônios tireoidianos e as catecolaminas são sintetizados a partir da tirosina. À semelhança
dos hormônios esteroides, não ocorre armazenamento de hormônios tireoidianos em grânulos distintos; quando os
hormônios tireoidianos aparecem no citoplasma da célula, eles saem da célula por difusão através da membrana
celular. Diferentemente dos hormônios esteroides, existem grandes reservas de tiroxina e de tri-iodotironina como
parte de uma grande proteína iodada (tireoglobulina), que é armazenada do lúmen dos folículos da tireoide.
Os hormônios da medula adrenal, a adrenalina e a noradrenalina, são captados em vesículas pré-formadas e
armazenados até que sejam secretados. Assim como os hormônios proteicos armazenados em grânulos de secreção,
as catecolaminas são liberadas das células da medula adrenal por meio de exocitose.

Controle por feedback da secreção hormonal


Na maioria dos casos, a taxa de secreção hormonal é controlada por meio de feedback negativo (retroalimentação
negativa). Após um estímulo causar a liberação do hormônio, as condições ou produtos resultantes da ação do
hormônio tendem a suprimir a sua liberação adicional. A regulação por feedback dos hormônios ocorre em todos os
níveis, incluindo a transcrição gênica e as etapas de tradução envolvidas na síntese dos hormônios, bem como as
etapas envolvidas no processamento e na liberação dos hormônios armazenados.
Em alguns casos, ocorre feedback positivo quando a ação biológica do hormônio causa a sua secreção adicional,
como ocorre com o pico de hormônio luteinizante necessário para a ovulação.
Existem variações periódicas da liberação de hormônios sobrepostas ao controle por feedback negativo e positivo
da secreção hormonal, que são influenciadas por mudanças sazonais, vários estágios do desenvolvimento e
envelhecimento, ciclo circadiano (diário) e sono. As oscilações da sinalização endócrina são impulsionadas, em
parte, por temporizadores circadianos, discutidos no Capítulo 59.

MECANISMO DE AÇÃO DOS HORMÔNIOS

Receptores hormonais e sua ativação


Os hormônios controlam os processos celulares por meio da interação com receptores existentes nas células-alvo.
Esses receptores estão situados: (1) sobre ou no interior da membrana celular, como no caso dos hormônios
proteicos/peptídicos e das catecolaminas; e (2) no citoplasma ou no núcleo da célula, como no caso dos hormônios
esteroides e tireoidianos. Em geral, os receptores são específicos para um único hormônio. A interação hormônio-
receptor está acoplada a um mecanismo de geração de sinais que, em seguida, provoca uma mudança nos processos
intracelulares, alterando a atividade ou a concentração de enzimas, proteínas carreadoras e assim por diante.

Mediação das respostas hormonais


As respostas celulares aos hormônios proteicos/peptídicos e às catecolaminas são
frequentemente mediadas por segundos mensageiros. No caso dos hormônios proteicos/ peptídicos e das
catecolaminas, que não atravessam facilmente a membrana celular, a interação com o receptor sobre a membrana
celular ou no seu interior com frequência resulta na geração de um segundo mensageiro, que, por sua vez, atua como
mediador da resposta hormonal. Em geral, as proteínas G de acoplamento na membrana celular ligam os receptores
hormonais aos mecanismos de segundos mensageiros. Os mecanismos de segundos mensageiros incluem os
seguintes:

Monofosfato de adenosina cíclico (AMPc). A interação hormônio-receptor pode estimular (ou inibir) a enzima ligada
à membrana, a adenilciclase. A estimulação dessa enzima resulta na síntese do segundo mensageiro AMPc. O AMPc
ativa a proteinoquinase A, levando à fosforilação, que ativa ou inativa as enzimas-alvo
Fosfolipídios da membrana plasmática. A interação hormônio-receptor ativa a enzima ligada à membrana, a
fosfolipase‑C, que, por sua vez, faz os fosfolipídios na membrana celular (particularmente aqueles derivados do
fosfatidilinositol) se dividirem nos segundos mensageiros, o diacilglicerol e o trifosfoinositol. O trifosfoinositol
mobiliza o cálcio das reservas internas, como o retículo endoplasmático, e, por sua vez, o cálcio ativa a
proteinoquinase C. A fosforilação das enzimas pela proteinoquinase C ativa e desativa as enzimas mediadoras das
respostas hormonais. Além disso, a atividade da proteinoquinase C é ainda mais aumentada pelo segundo
mensageiro, o diacilglicerol. Por fim, o diacilglicerol é hidrolisado em ácido araquidônico, o precursor das
prostaglandinas e de outras substâncias parácrinas locais/ autócrinas, que também influenciam as respostas
hormonais
Cálcio‑calmodulina. A interação hormônio-receptor ativa os canais de cálcio da membrana celular, permitindo a
entrada de cálcio nas células. O cálcio também pode ser mobilizado a partir das reservas intercelulares, como o
retículo endoplasmático. Os íons cálcio ligam-se à proteína calmodulina, e esse complexo altera a atividade das
enzimas dependentes de cálcio e, portanto, as reações intercelulares.

Os hormônios proteicos/peptídicos podem exercer ações independentes dos eventos dos segundos mensageiros
ligados à proteína G, e outros mecanismos de segundo mensageiro podem transduzir respostas hormonais. Por
exemplo, o segundo mensageiro monofosfato de guanosina cíclico (GMPc) medeia os efeitos do peptídeo atrial
natriurético. O hormônio peptídico insulina liga-se ao seu receptor de superfície celular, causando a fosforilação de
um sítio intracelular do receptor, que, por sua vez, altera a atividade enzimática por meio de fosforilação (ou
desfosforilação) de outras proteínas na célula. Esse é um exemplo de um mecanismo de receptor ligado à enzima.
Os hormônios esteroides e tireoidianos estimulam a síntese de proteínas nas células‑alvo.
Diferentemente dos hormônios proteicos/peptídicos e das catecolaminas, os hormônios esteroides e tireoidianos
entram na célula e ligam-se a receptores intracelulares localizados no citoplasma ou no núcleo. A interação
hormônio-receptor resulta em mudança conformacional do receptor. Isso possibilita a ligação do complexo
hormônio-receptor a pontos específicos nas fitas de DNA nos cromossomos, o que resulta em ativação de genes
específicos, transcrição e tradução de proteínas que medeiam a resposta hormonal. Assim, a ação biológica total
desses hormônios pode exigir pelo menos 45 minutos ou até mesmo várias horas ou dias.

DOSAGEM DAS CONCENTRAÇÕES HORMONAIS NO SANGUE

Em sua maioria, os hormônios estão presentes no sangue em concentrações mínimas (com frequência, em
nanogramas por litro ou até mesmo em picogramas por litro). Essas baixas concentrações de hormônios podem ser
medidas pelos seguintes métodos.
Radioimunoensaio (RIE). O princípio do radioimunoensaio baseia-se na intubação combinada das seguintes
substâncias:

Uma quantidade fixa de anticorpo específico contra o hormônio


Uma quantidade fixa de hormônio marcado com isótopo radioativo
A amostra de plasma.

Como a quantidade de anticorpo presente é limitante, os hormônios radioativos e nativos não marcados
competem pelos sítios de ligação no anticorpo. As concentrações elevadas de hormônio nativo deslocam a maior
parte do hormônio marcado do anticorpo. No fim do período de incubação, os hormônios livres e ligados são
separados, e determina-se a quantidade de radioatividade. Quanto maior for a quantidade de hormônio nativo na
amostra de plasma, menor será a quantidade de radioatividade na fração ligada. A quantidade de hormônio nativo na
amostra é calculada por comparação com uma curva padrão gerada pela incubação de diferentes quantidades de
hormônio não marcado (em vez da amostra de plasma) com anticorpo e hormônio marcado radioativamente,
conforme descrito.
Outros procedimentos de ligação competitiva podem ser utilizados para medir os níveis de hormônios no plasma.
Por exemplo, proteínas receptoras teciduais ou de ligação plasmáticas podem ser utilizadas, em vez do anticorpo,
como proteínas de ligação.
Ensaio de imunoabsorção enzimática (ELISA). O ensaio de imunoabsorção enzimática é um ensaio
colorimétrico ou fluorométrico à base de enzimas, de relação custo-benefí-cio favorável, que não utiliza isótopos
radioativos. O ensaio típico é realizado em uma placa de plástico que contém 96 poços pequenos. Cada poço é
recoberto com anticorpo (AB1) específico para o hormônio a ser mensurado. Amostras desconhecidas ou padrão são
acrescentadas aos poços, seguidas de um segundo anticorpo específico contra o hormônio (AB2). Acrescenta-se um
terceiro anticorpo (AB3), que reconhece AB2 e está ligado a uma enzima que converte um substrato apropriado em
um produto colorido ou fluorescente, que pode ser detectado por métodos ópticos colorimétricos ou fluorescentes. A
quantidade de produto colorido é proporcional à quantidade de hormônio presente na amostra padrão ou
desconhecida.
CAPÍTULO 76

Hormônios Hipofisários e seu Controle pelo Hipotálamo

GLÂNDULA HIPÓFISE E SUA RELAÇÃO COM O HIPOTÁLAMO

O hipotálamo e a hipófise têm relações anatômicas e funcionais íntimas; por sua vez, essas estruturas regulam a
função de várias glândulas endócrinas, incluindo a glândula tireoide, as glândulas adrenais e as gônadas. O
hipotálamo e a hipófise desempenham importantes funções na regulação do crescimento, do metabolismo, da
lactação e do equilíbrio hídrico.
A hipófise é composta de dois componentes distintos: (1) a hipófise anterior ou adeno‑hipófise, que se origina
embriologicamente de uma invaginação superior de células da cavidade oral (bolsa de Rathke); e (2) a hipófise
posterior ou neuro‑hipófise, que deriva de um crescimento inferior de células do terceiro ventrículo do cérebro. Entre
essas porções, existe uma pequena zona relativamente avascular, denominada parte intermédia. A hipófise está
conectada ao hipotálamo pela haste hipotalâmica ou hipofisária.

Hormônios da neuro‑hipófise são sintetizados por corpos celulares de neurônios no hipotálamo


Os neurônios magnocelulares, cujos corpos celulares estão localizados nos núcleos supraópticos e paraventriculares
do hipotálamo, sintetizam os hormônios neuro-hipofisários, o hormônio antidiurético (ADH) e a ocitocina. Os
grânulos de secreção que contêm esses neuro-hormônios são transportados dos corpos celulares no hipotálamo por
meio dos axônios na haste hipofisária até locais de armazenamento nos terminais nervosos, localizados na neuro-
hipófise. O ADH e a ocitocina são liberados dos grânulos de secreção para dentro do plexo capilar da artéria
hipofisária inferior, que fornece o principal suprimento sanguíneo da neuro-hipófise.

Adeno‑hipófise: células que sintetizam, armazenam e secretam os hormônios adeno‑hipofisários


Cinco tipos de células na adeno-hipófise sintetizam, armazenam e secretam seis hormônios polipeptídicos ou
peptídicos adeno‑hipofisários. Um hormônio, a prolactina, atua na mama; os outros cinco são hormônios tróficos,
que estimulam a secreção de hormônios por outras glândulas endócrinas ou, no caso do hormônio de crescimento
(GH), pelo f ígado e outros tecidos. Um tipo de célula, o gonadotrofo, secreta dois hormônios: o hormônio
foliculoestimulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH). As células que secretam os hormônios da adeno-hipófise
e a estrutura química e as ações fisiológicas dos hormônios adeno-hipofisários estão relacionadas na Tabela 76.1.
Existe uma considerável semelhança entre as estruturas químicas dos hormônios glicoproteicos, do hormônio
tireoestimulante, do FSH e do LH, que são todos secretados por células basofílicas. De modo semelhante, existe uma
homologia estrutural entre a prolactina e o GH, ambos os quais são secretados por células acidofílicas. Os
corticotrofos sintetizam um pré-pró-hormônio que contém as sequências de aminoácidos para o hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) e o hormônio melanócito‑estimulante (MSH). Nos seres humanos, o ACTH é
produzido na adeno-hipófise, porém não há secreção de quantidades apreciáveis de MSH em condições normais.
Embora a administração de MSH em seres humanos provoque o escurecimento da pele, devido ao aumento da
síntese do pigmento preto (melanina), é provável que as alterações pigmentares que ocorrem nas doenças
endocrinológicas resultem principalmente de alterações no ACTH circulante, visto que o ACTH tem atividade de
MSH.
Tabela 76.1Células e hormônios da adeno‑hipófise e suas funções fisiológicas.

Estrutura
Células Hormônio química Ações fisiológicas
Somatotróficas Hormônio de Cadeia única de Estimula o crescimento corporal;
crescimento 191 estimula a secreção do fator de
(somatotrofina) aminoácidos crescimento semelhante à insulina 1;
[GH] estimula a lipólise; inibe as ações da
insulina sobre o metabolismo dos
carboidratos e dos lipídios
Corticotróficas Hormônio Cadeia única de Estimula a produção de
adrenocorticotrófico 39 aminoácidos glicocorticoides e de androgênios pelo
(corticotrofina) córtex adrenal; mantém o tamanho da
[ACTH] zona fasciculada e da zona reticular do
córtex
Tireotróficas Hormônio Glicoproteína Estimula a produção de hormônios
tireoestimulante formada de tireoidianos pelas células foliculares da
(tireotrofina) [TSH] duas tireoide; mantém o tamanho das
subunidades, α células foliculares
(89
aminoácidos) e
β (112
aminoácidos)
Gonadotróficas Hormônio Glicoproteína Estimula o desenvolvimento dos
foliculoestimulante formada de folículos ovarianos; regula a
(FSH) duas espermatogênese nos testículos
subunidades, α
(89
aminoácidos) e
β (112
aminoácidos)
Hormônio Glicoproteína Provoca a ovulação e a formação do
luteinizante (LH) formada de corpo‑lúteo no ovário; estimula a
duas produção de estrogênio e de
subunidades, α progesterona pelo ovário; estimula a
(89 produção de testosterona pelo
aminoácidos) e testículo
β (115
aminoácidos)
Mamotróficas, Prolactina (PRL) Cadeia única de Estimula a secreção e a produção de
lactotróficas 198 leite
aminoácidos

O HIPOTÁLAMO CONTROLA A SECREÇÃO HIPOFISÁRIA

Vasos sanguíneos portais hipotalâmico‑hipofisários da adeno‑hipófise


As células da adeno-hipófise são circundadas por uma extensa rede de seios capilares; a maior parte do sangue que
entra nesses seios passou inicialmente por outro plexo capilar, na parte inferior do hipotálamo, ou eminência
mediana. O sangue desse último plexo capilar provém da artéria hipofisária superior e flui pelos vasos portais
hipotalâmico‑hipofisários da haste hipofisária para irrigar as células adeno-hipofisárias.

Os hormônios hipotalâmicos liberadores e inibidores controlam a secreção da adeno‑hipófise


Além das células neuroendócrinas hipotalâmicas, que sintetizam os hormônios neuro-hipofisários, outros hormônios
em áreas distintas do hipotálamo sintetizam os hormônios hipotalâmicos liberadores e inibidores, que controlam a
secreção dos hormônios da adeno-hipófise. Embora os axônios dos neurônios magnocelulares dos núcleos
supraópticos e paraventriculares terminem na neuro-hipófise, as fibras nervosas dos corpos celulares hipotalâmicos
que sintetizam os hormônios liberadores e inibidores levam à eminência mediana. Nesse local, os hormônios
liberadores e inibidores são armazenados em grânulos de secreção nos terminais nervosos. Com a estimulação dessas
células neuroendócrinas hipotalâmicas, os seus neuro-hormônios são liberados no plexo capilar da eminência
mediana, fluem pelos vasos portais hipotalâmico-hipofisários e alcançam os sinusoides ao redor das células adeno-
hipofisárias. As células da adeno-hipófise respondem aos neuro-hormônios pelo aumento ou pela diminuição da
síntese e pela secreção dos hormônios adeno-hipofisários.
Os seis hormônios liberadores e inibidores estabelecidos estão listados na Tabela 76.2. Os hormônios liberadores
são mais importantes para a secreção da maioria dos hormônios adeno-hipofisários, ao passo que os hormônios
inibidores são mais dominantes no controle da secreção de prolactina. Observe que a secreção de GH é influenciada
por um hormônio liberador e por um hormônio inibidor, enquanto um único hormônio hipofisiotrófico, o hormônio
liberador de gonadotrofina, estimula a secreção de FSH e de LH pelos gonadotrofos. Todos os hormônios
hipotalâmicos liberadores e inibidores são peptídeos, polipeptídeos ou derivados da tirosina (ver Tabela 76.2).

Tabela 76.2Hormônios liberadores e inibidores hipotalâmicos.

Principal ação sobre a


Hormônio Estrutura adeno‑hipófise
Hormônio liberador de tireotrofina Peptídeo de 3 Estimula a secreção de TSH pelos
(TRH) aminoácidos tireotrofos
Hormônio liberador de Cadeia única de 10 Estimula a secreção de FSH e de
gonadotrofinas (GnRH = LHRH) aminoácidos LH pelos gonadotrofos
Hormônio liberador de corticotrofina Cadeia única com Estimula a secreção de ACTH
(CRH) 41 aminoácidos pelos corticotrofos
Hormônio liberador do hormôni de Cadeia única com Estimula a secreção de GH pelos
crescimento (GHRH) 44 aminoácidos somatotrofos
Hormônio inibidor do hormônio de Cadeia única com Inibe a secreção de GH pelos
crescimento (somatostatina 14 aminoácidos somatotrofos
Hormônio inibidor da prolactina Molécula de Inibe a secreção de PRL pelos
(dopamina) dopamina lactotrofos

ACTH: hormônio adrenocorticotrófico; FSH: hormônio foliculoestimulante; GH: hormônio de crescimento; LH: hormônio luteinizante;
PRL: prolactina; TSH: hormônio tireoestimulante.

O hipotálamo recebe sinais neurais aferentes de muitas áreas do cérebro. Essa informação, que está relacionada
com o bem-estar do corpo, é integrada no hipotálamo e tem impacto na função endócrina, em grande parte por meio
do controle da secreção dos hormônios da adeno-hipófise. Por sua vez, os hormônios tróficos da adeno-hipófise
estimulam as glândulas endócrinas e os tecidos-alvo. As alterações resultantes nos hormônios das glândulas-alvo e
nos substratos metabólicos no sangue periférico exercem controle por feedback negativo sobre a secreção dos
hormônios da adeno-hipófise, por meio de um efeito direto nas células da adeno-hipófise e por meio de uma ação
indireta no nível do hipotálamo, alterando a liberação dos neuro-hormônios.

FUNÇÕES FISIOLÓGICAS DO HORMÔNIO DE CRESCIMENTO


Diferentemente dos outros hormônios hipofisários, que estimulam glândulas-alvo específicas, o GH tem múltiplos
efeitos em todo o corpo:

Promoção de crescimento linear. O GH estimula a cartilagem das epífises das placas de crescimento dos ossos
longos. Sob a influência do GH, os condrócitos na placa de crescimento são estimulados, levando à proliferação
dessas células e à deposição de nova cartilagem, seguida de conversão dessa cartilagem em osso. Esse processo
alonga a diáfise dos ossos longos. No fim da adolescência, quando não há cartilagem epifisária remanescente e
ocorre a fusão das diáfises com as epífises (fechamento epifisário), o GH não produz mais alongamento dos ossos
longos. Como o GH também estimula os osteoblastos, que depositam osso novo, ocorre espessamento dos ossos, e a
massa óssea total aumenta pela ação do GH, mesmo após o fechamento das epífises
Promoção da deposição de proteínas nos tecidos. O GH é um hormônio anabólico proteico, que produz um
equilíbrio nitrogenado positivo. O GH aumenta a captação de aminoácidos na maioria das células e a síntese de
aminoácidos em proteínas.
Promoção da utilização de gordura para energia. O GH causa a mobilização dos ácidos graxos do tecido adiposo e a
utilização preferencial dos ácidos graxos livres para energia. Essa ação do GH, juntamente aos seus efeitos
anabólicos proteicos, aumenta a massa corporal magra. Os efeitos lipolíticos do GH exigem várias horas para
ocorrer. Pelo menos parte desse efeito decorre das ações do GH para reduzir a captação de glicose nas células
adiposas. Como o GH aumenta os níveis plasmáticos de ácidos graxos livres e de cetoácidos, ele é cetogênico
Redução da utilização de carboidratos para energia. O GH diminui a captação e a utilização da glicose por muitas
células sensíveis à insulina, como o músculo e o tecido adiposo. Em consequência, o nível de glicemia tende a
aumentar, e a secreção de insulina aumenta para compensar a resistência à insulina induzida pelo GH; por
conseguinte, o GH é diabetogênico.

O hormônio de crescimento exerce grande parte de seu efeito por meio de fatores de crescimento
semelhantes à insulina (somatomedinas)
Os efeitos do GH sobre o crescimento linear e o metabolismo das proteínas não são diretos, mas sim mediados
indiretamente pela geração de polipeptídeos, denominados fatores de crescimento semelhantes à insulina (IGFs), ou
somatomedinas. Os IGFs são secretados pelo fígado e por outros tecidos. O IGF‑1 (somatomedina C) é um peptídeo
circulante de 70 aminoácidos, produzido pelo fígado, que reflete os níveis plasmáticos de GH. Entretanto, os efeitos
do GH na promoção de crescimento devem-se aos IGFs produzidos localmente e circulantes; na cartilagem e nos
músculos, os IGFs produzidos localmente podem atuar de forma autócrina ou parácrina para estimular o crescimento.

Regulação da secreção do hormônio de crescimento


A secreção de GH está sob a influência de um hormônio hipotalâmico liberador (o hormônio liberador do hormônio
de crescimento) e de um hormônio inibidor hipotalâmico (somatostatina). A regulação da secreção de GH por
feedback é mediada principalmente pelo IGF-1 circulante, por meio de ações exercidas tanto no hipotálamo quanto
na hipófise. Os níveis plasmáticos elevados de IGF-1 diminuem a liberação de GH, visto que aumentam a secreção
de somatostatina pelo hipotálamo e atuam diretamente sobre a hipófise para diminuir a responsividade ao hormônio
liberador de GH.
A secreção de GH é mais alta durante a puberdade e diminui na vida adulta. Essa diminuição pode ser
responsável, em parte, pelo declínio da massa corporal magra e pelo aumento da massa adiposa, que constituem uma
característica da senescência. Três categorias gerais de estímulos aumentam a secreção de GH:

Jejum, privação crônica de proteínas ou outras condições nas quais ocorre uma queda aguda dos níveis plasmáticos
de substratos metabólicos, como a glicose e os ácidos graxos livres
Aumento dos níveis plasmáticos de aminoácidos, como ocorre após uma refeição proteica
Exercício e estímulos estressantes, como dor, traumatismo e febre.

O aumento do GH durante o jejum é benéfico, visto que o GH aumenta a lipólise e diminui a utilização periférica
da glicose. Após uma refeição proteica, o aumento dos níveis plasmáticos de GH favorece a utilização dos
aminoácidos para a síntese de proteínas.
Anormalidades na secreção do hormônio de crescimento e seu impacto sobre o sistema esquelético
A importância do GH no crescimento linear é refletida pelos estados clínicos associados à deficiência ou ao excesso
de secreção de GH antes do fechamento das epífises. Ocorre baixa estatura (nanismo) quando a secreção hipofisária
de GH está deficiente. Em comparação, as crianças crescem excessivamente (gigantismo) quando apresentam
tumores dos somatotrofos da adeno-hipófise, que secretam grandes quantidades de GH. Se um tumor hipofisário
secretor de GH surgir após o fechamento das epífises, ocorre a forma adulta da doença. Na acromegalia, o
crescimento linear é normal, porém há aumento das mãos e dos pés, protrusão da mandíbula (prognatismo) e
crescimento excessivo dos ossos faciais. Além disso, praticamente todos os órgãos internos aumentam de tamanho.
Os efeitos anti-insulina do GH podem, em última análise, levar ao desenvolvimento de diabetes melito nos estados
de excesso crônico de GH.

NEURO‑HIPÓFISE E SUA RELAÇÃO COM O HIPOTÁLAMO

Os hormônios da neuro-hipófise, o ADH e a ocitocina, são sintetizados na forma de pré-pró-hormônios nos corpos
celulares dos neurônios magnocelulares, localizados nos núcleos supraópticos e paraventriculares. Em seguida, eles
são transportados em grânulos de secreção ao longo dos axônios até os terminais nervosos na neuro-hipófise. O ADH
é sintetizado, em grande parte, no núcleo supraóptico, ao passo que a ocitocina é sintetizada sobretudo no núcleo
paraventricular, embora cada hormônio seja sintetizado em locais alternativos. Os grânulos de secreção que contêm
ADH ou ocitocina também contêm uma proteína “carreadora” adicional, ou neurofisina, que faz parte do pré-pró-
hormônio. Quando os impulsos nervosos se propagam dos corpos celulares dos neurônios magnocelulares pelos
axônios até os terminais nervosos, os neuro-hormônios e as neurofisinas correspondentes são liberados dos grânulos
de secreção no sangue dos capilares como polipeptídeos separados. O ADH e a ocitocina são nonapeptídeos com
estrutura química semelhante; apenas os aminoácidos nas posições 3 e 8 diferem.

Funções fisiológicas do hormônio antidiurético


O ADH regula a osmolaridade dos líquidos corporais ao alterar a excreção renal de água. O ADH
desempenha um importante papel na regulação da osmolaridade plasmática. Conforme discutido nos Capítulos 28 e
29, na ausência de ADH, os túbulos coletores e os ductos coletores tornam-se, em grande parte, impermeáveis à
água, o que impede a absorção significativa de água nessas partes do néfron, resultando, assim, em um grande
volume de urina diluída e na perda efetiva de água. Em consequência, ocorre elevação da osmolaridade dos líquidos
corporais. Em comparação, quando o aumento o ADH ativa os receptores V2 do lado basolateral dos túbulos, as
vesículas citoplasmáticas que contêm canais de água (aquaporinas) são inseridas na membrana apical por meio da
ativação de um sistema de segundo mensageiro de monofosfato de adenosina cíclico. Essa ação aumenta a
permeabilidade dos túbulos à água e possibilita a reabsorção de água por osmose. Nos ductos coletores, a urina
torna-se concentrada, e o seu volume diminui. Em consequência, há mais retenção de água do que de solutos, e a
osmolaridade dos líquidos corporais diminui.
A secreção de ADH é altamente sensível a pequenas mudanças da osmolaridade plasmática (cerca de 1%).
Quando a osmolaridade plasmática aumenta para valores acima do normal, a taxa de descarga dos neurônios
secretores de ADH nos núcleos supraópticos e paraventriculares aumenta, e o ADH é secretado pela neuro-hipófise
na circulação sistêmica. O ADH circulante aumenta a reabsorção renal de água, o que, em última análise, reduz a
osmolaridade plasmática para seus valores normais. As alterações opostas na descarga neuronal e na secreção de
ADH ocorrem quando a osmolaridade plasmática declina.
A secreção de ADH é regulada por osmorreceptores na parte anterior do hipotálamo, que enviam sinais nervosos
para os núcleos supraópticos e paraventriculares. Os osmorreceptores encontram-se fora da barreira hematencefálica
e estão localizados nos órgãos circunventriculares, principalmente no órgão vascular da lâmina terminal. Esses
mesmos osmorreceptores medeiam a resposta da sede ao aumento da osmolaridade plasmática.
A secreção de ADH é influenciada por diversos fatores. Outros estímulos que aumentam a secreção de
ADH incluem hipovolemia, hipotensão, náuseas, dor, estresse e determinadas substâncias, como morfina, nicotina e
barbitúricos. Os fatores que diminuem a secreção de ADH incluem hipervolemia, hipertensão e álcool. Esses fatores
podem ter um importante impacto na regulação da osmolaridade dos líquidos corporais. Por exemplo, nos estados
hipovolêmicos ou na insuficiência cardíaca, os níveis plasmáticos elevados de ADH ajudam a restaurar a pressão
arterial, mas podem diminuir a osmolaridade plasmática.
O ADH contribui para a manutenção da pressão arterial durante a hipovolemia. A estimulação da
secreção de ADH pela hipovolemia e/ou pela hipotensão é obtida por meio de reflexos iniciados em receptores das
regiões de alta e de baixa pressão da circulação. Os receptores de alta pressão são os do seio carótico e do arco da
aorta; já os receptores de baixa pressão são aqueles da circulação cardiopulmonar, particularmente nos átrios. A
redução de pelo menos 5% do volume sanguíneo é necessária para aumentar significativamente a secreção de ADH
por esse mecanismo reflexo. Graus maiores de hipovolemia e de hipotensão podem resultar em aumentos muito
grandes na concentração plasmática de ADH para níveis muito mais altos do que aqueles necessários para produzir
antidiurese máxima. Quando níveis plasmáticos acentuadamente elevados de ADH ocorrem, como durante a
hemorragia hipotensiva, o ADH contrai o músculo liso vascular e ajuda a restaurar a pressão arterial para níveis
normais. Essa ação do ADH resulta da ligação peptídica a receptores V1 vasculares no músculo liso arteriolar. A
vasoconstrição induzida pelo ADH é mediada por segundos mensageiros gerados pelo cálcio e pela fosfolipase C.

Funções fisiológicas da ocitocina


A ocitocina contribui para o parto. A ocitocina causa a contração do músculo liso do útero; a sensibilidade
dessa resposta é intensificada pelos níveis plasmáticos de estrogênios, que aumentam durante a gravidez. Durante o
trabalho de parto, a descida do feto pelo canal do parto estimula os receptores no colo do útero, que enviam sinais
aos núcleos supraópticos e paraventriculares e provocam a secreção de ocitocina. Por sua vez, a secreção de
ocitocina contribui para o trabalho de parto, causando a contração do útero.
A ocitocina desempenha um importante papel na lactação, causando a ejeção de leite. A ocitocina
causa a contração das células mioepiteliais dos alvéolos das glândulas mamárias, o que força o leite dos alvéolos
para os ductos, de modo que o lactente possa obter o leite por meio de sucção. O reflexo de ejeção do leite é iniciado
por receptores presentes nos mamilos da mama. A sucção provoca a estimulação reflexa das células neuroendócrinas
que contêm ocitocina nos núcleos supraópticos e paraventriculares e a secreção de ocitocina pela neuro-hipófise. Em
seguida, a ocitocina circulante provoca a contração das células mioepiteliais, iniciando a ejeção do leite.
CAPÍTULO 77

Hormônios Metabólicos da Tireoide

A glândula tireoide secreta dois hormônios metabólicos principais, a tiroxina e a tri‑iodotironina, comumente
denominados T4 e T3, respectivamente. Ambos os hormônios aumentam acentuadamente a taxa metabólica do
organismo. A glândula tireoide também secreta a calcitonina, um hormônio envolvido no metabolismo do cálcio,
discutido no Capítulo 80.

SÍNTESE E SECREÇÃO DOS HORMÔNIOS METABÓLICOS DA TIREOIDE

A glândula tireoide é composta de um grande número de folículos fechados. Cada folículo é circundado por uma
única camada de células e preenchido por um material proteico, denominado coloide. O principal constituinte do
coloide é uma grande glicoproteína, denominada tireoglobulina, que contém os hormônios da tireoide em sua
molécula. As seguintes etapas são necessárias para a síntese e a secreção dos hormônios tireoidianos no sangue
(Figuras 77.1 e 77.2):

Captação de iodeto (bomba de iodeto) ou cotransportador (simportador) de sódio‑iodeto (NIS). O iodo é essencial
para a síntese dos hormônios da tireoide. O iodo ingerido é convertido em iodeto e absorvido no intestino. A maior
parte do iodeto circulante é excretada pelos rins, e grande parte do restante é captada e concentrada pela glândula
tireoide. Para executar essa função, as células foliculares da tireoide transportam ativamente o iodeto da circulação,
através de sua membrana basolateral, para dentro da célula por meio do NIS. Na glândula tireoide normal, o NIS
concentra o iodeto muitas vezes acima de sua concentração no sangue. Diversos ânions, como o tiocianato e o
perclorato, diminuem o transporte de iodeto por inibição competitiva. Ao fazer isso, eles diminuem a síntese dos
hormônios tireoidianos e são utilizados no tratamento do hipertireoidismo
Figura 77.1 Mecanismos celulares da tireoide para o transporte de iodo, a formação
dos hormônios tireoidianos (tiroxina e tri‑iodotironina) e a liberação de
tri‑iodotironina reversa no sangue. DIT: di‑iodotirosina; MIT: monoiodotirosina; NIS:
cotransportador de sódio‑iodeto; RE: retículo endoplasmático; RT3: tri‑iodotironina
reversa; T3, tri‑iodotironina; T4: tiroxina; TG: tireoglobulina.
Figura 77.2 Química da formação de tiroxina e de tri‑iodotironina.
Oxidação do iodeto. Uma vez na glândula tireoide, o iodeto é rapidamente oxidado a iodo pela peroxidase e seu
peróxido de hidrogênio associado; esse processo ocorre na membrana apical das células foliculares
Síntese de tireoglobulina. A tireoglobulina é sintetizada pelas células foliculares e secretada no coloide por meio de
exocitose dos grânulos de secreção, que também contêm peroxidase. Cada molécula de tireoglobulina apresenta
muitos grupos tirosil, porém apenas uma fração é iodada
Iodinação (organificação) e acoplamento. Quando o iodeto é oxidado a iodo, ele é rapidamente ligado à posição 3
das moléculas de tirosina da tireoglobulina para gerar monoiodotirosina (MIT). Em seguida, a MIT sofre iodinação
na posição 5 para produzir di‑iodotirosina (DIT). Depois disso, duas moléculas de DIT são acopladas para formar a
T4, o principal produto da reação de acoplamento, ou uma molécula de MIT e uma molécula de DIT são acopladas
para formar a T3. Ocorre a formação de uma pequena quantidade de T3 reversa (RT3) por meio de condensação da
DIT com MIT. Essas reações são catalisadas pela tireoide peroxidase e bloqueadas por medicamentos
antitireoidianos, como a propiltiouracila (PTU). Cerca de dois terços dos compostos iodinados ligados à
tireoglobulina são MIT ou DIT; a maior parte do restante consiste nos hormônios ativos T3 e, em particular, T4. A
tireoglobulina é armazenada no lúmen dos folículos na forma de coloide até que a glândula seja estimulada a secretar
hormônios tireoidianos
Proteólise, deiodinação e secreção. A liberação de T3, T4 e RT3 no sangue exige a proteólise da tireoglobulina. Na
superfície apical das células foliculares, o coloide é captado a partir do lúmen dos folículos por meio de endocitose.
As vesículas de coloide migram, então, da membrana celular apical para a basal e fundem-se com lisossomos. As
proteases lisossomais liberam RT3, T3 e T4 livres, que, em seguida deixam a célula. A MIT e a DIT livres não são
secretadas no sangue, porém sofrem deiodinação dentro da célula folicular pela enzima deiodinase; o iodo livre é
reutilizado na glândula para a síntese de hormônios. Mais de 90% dos hormônios tireoidianos liberados pela glândula
consistem em T4. Os produtos de secreção remanescentes são a T3 e quantidades muito pequenas do composto
inativo RT3.

Transporte de tiroxina e de tri‑iodotironina para os tecidos


A tiroxina e a tri‑iodotironina estão ligadas a proteínas plasmáticas. Ao entrar no sangue, tanto a T4
quanto a T3 estão ligadas a proteínas plasmáticas, particularmente à globulina transportadora de tiroxina (TBG), mas
também a outras proteínas plasmáticas, como a albumina e a pré‑albumina de ligação da tiroxina. Cerca de 99,9%
da T4 estão ligados às proteínas plasmáticas, e menos de 0,1% consiste em hormônio livre. A ligação da T3 às
proteínas plasmáticas é ligeiramente menor que a da T4; entretanto, menos de 1% consiste em hormônio livre. No
caso dos hormônios tireoidianos, é o hormônio livre que é captado pelos tecidos, onde ele exerce seus efeitos
biológicos e é metabolizado. Em consequência do alto grau de ligação às proteínas plasmáticas, as meias-vidas da T4
e da T3 são muito longas (6 dias e 1 dia, respectivamente).
As alterações nos níveis plasmáticos de globulina transportadora de tiroxina não influenciam a
concentração de hormônio tireoidiano livre. As reduções (p. ex., na presença de doença hepática e doença
renal) e as elevações (p. ex., durante a administração de estrogênio e durante a gravidez) dos níveis plasmáticos de
TBG diminuem e aumentam, respectivamente, a quantidade total de hormônios tireoidianos no plasma, porém
produzem apenas uma mudança transitória na concentração de hormônio livre, em virtude do efeito de feedback
negativo dos hormônios tireoidianos livres sobre a secreção hipofisária de hormônio tireoestimulante (TSH). Por
exemplo, durante a gravidez, a queda da concentração de hormônio tireoidiano livre induzida pelo aumento dos
níveis plasmáticos de TBG provoca a elevação compensatória da secreção de TSH, que, por sua vez, aumenta a
produção de hormônios tireoidianos livres até que os níveis plasmáticos normais de hormônio livre sejam
alcançados. A secreção aumentada de hormônio tireoidiano continua até que os níveis plasmáticos de hormônio livre
estejam normais. Nesse momento, os níveis de TSH tornam-se normais devido ao feedback, porém a concentração
total de hormônios tireoidianos está elevada.
A maior parte da tiroxina secretada pela glândula tireoide é convertida em tri‑iodotironina.
Embora a T4 seja o hormônio tireoidiano secretado e circulante dominante, grandes quantidades do hormônio sofrem
deiodinação na posição 5’ ou 5 nos tecidos periféricos para produzir T3 e RT3. Com efeito, a maior parte da T3 e da
RT3 no plasma provém da T4 circulante que sofreu deiodinação nos tecidos periféricos, em vez de ser secretada pela
glândula tireoide. Como a maioria da T4 que entra na célula é convertida em T3 (e RT3) e a T3 nas células exibe maior
afinidade do que a T4 para os receptores de hormônio tireoidiano no núcleo, a T4 tem sido considerada como pró-
hormônio da T3.

FUNÇÕES FISIOLÓGICAS DOS HORMÔNIOS TIREOIDIANOS

Os hormônios tireoidianos alteram a transcrição de muitos genes


Após a sua entrada na célula, os hormônios tireoidianos ligam-se a receptores nucleares no DNA. Essa interação
estimula ou inibe a transcrição de um grande número de genes, o que leva a alterações em numerosas enzimas que
modificam a função celular. As ações da T3 ocorrem mais rapidamente e são mais potentes do que as da T4, visto que
a T3 está menos fortemente ligada às proteínas plasmáticas e tem maior afinidade pelos receptores nucleares. Como
os hormônios tireoidianos atuam, em grande parte, pela sua influência sobre a transcrição, ocorre o atraso de várias
horas para que a maioria dos efeitos hormonais se torne evidente; esses efeitos podem durar vários dias.

Os hormônios tireoidianos aumentam a atividade metabólica celular


Na maioria dos tecidos do corpo, os hormônios tireoidianos aumentam o consumo de oxigênio e a produção de calor.
As mitocôndrias aumentam de tamanho e número, ocorre o aumento das áreas de superfície da membrana das
mitocôndrias e as atividades das principais enzimas respiratórias também aumentam. Como os hormônios
tireoidianos aumentam a atividade da sódio-potássio adenosina trifosfatase ligada à membrana, acredita-se que o
maior consumo de trifosfato de adenosina associado ao maior transporte de sódio contribua para a maior taxa
metabólica induzida pelo hormônio tireoidiano.

Outros efeitos fisiológicos dos hormônios tireoidianos


Os hormônios tireoidianos são essenciais para o crescimento e o desenvolvimento normais. Os
hormônios tireoidianos são essenciais para muitos aspectos do crescimento e do desenvolvimento, uma vez que eles
desempenham um importante papel no desenvolvimento do sistema esquelético, dos dentes, da epiderme e do
sistema nervoso central. Em crianças com hipotireoidismo, ocorre uma acentuada redução da taxa de crescimento.
Um importante efeito do hormônio tireoidiano consiste em promover o crescimento e o desenvolvimento do sistema
nervoso central no útero e nos primeiros anos de vida pós-natal. Se houver deficiência de hormônio tireoidiano nessa
época, ocorrerá dano irreversível ao cérebro.
Muitos dos efeitos dos hormônios tireoidianos resultam do aumento da taxa metabólica. Os
hormônios tireoidianos são responsáveis pelas seguintes funções:

Aumento da termogênese e da sudorese. O fluxo sanguíneo cutâneo aumenta, devido à necessidade de eliminação de
calor
Aumento da frequência respiratória e da profundidade da respiração como resultado do aumento de consumo de
oxigênio
Aumento do débito cardíaco, visto que o aumento do metabolismo e da utilização de oxigênio nos tecidos provoca
vasodilatação local. O aumento do débito cardíaco está associado a elevações do volume sistólico e da frequência
cardíaca, em parte pelo fato de os hormônios da tireoide exercerem efeitos diretos e indiretos sobre o coração,
aumentando a frequência cardíaca e a força de contração
Aumento da pressão de pulso, mas não da pressão arterial média. Devido ao aumento do débito cardíaco (volume
sistólico) e à redução da resistência vascular periférica, a pressão arterial sistólica torna-se elevada, ao passo que a
pressão arterial diastólica fica reduzida, o que resulta em aumento da pressão de pulso, porém geralmente sem
nenhuma alteração na pressão arterial média
Aumento da utilização de substratos para energia. O aumento da taxa metabólica depende da oxidação de substratos
metabólicos. Os hormônios tireoidianos aumentam a utilização dos carboidratos, das gorduras e das proteínas para
energia. Se o consumo de alimentos não aumentar o suficiente, ocorrem depleção das gorduras e das proteínas
corporais e perda de peso. Embora os hormônios tireoidianos promovam a lipólise dos triglicerídios e o aumento dos
níveis plasmáticos de ácidos graxos livres, eles também diminuem os níveis circulantes de colesterol. Essa ação
decorre da formação aumentada de receptores de lipoproteína de baixa densidade no fígado, que resulta em aumento
da remoção de colesterol da circulação, secreção na bile e, em seguida, excreção nas fezes
Aumento da necessidade de vitaminas. Como os hormônios tireoidianos aumentam a taxa das reações metabólicas, a
necessidade de vitaminas é maior, e o excesso de hormônio da tireoide pode levar à deficiência de vitaminas
Aumento da motilidade gástrica. Além do aumento do apetite e da ingestão de alimentos, os hormônios tireoidianos
aumentam tanto a secreção de sucos digestivos quanto a motilidade do trato gastrointestinal. Com frequência, o
hipertireoidismo resulta em diarreia, ao passo que a falta de hormônio tireoidiano pode causar constipação intestinal.

Efeitos excitatórios dos hormônios tireoidianos sobre o sistema nervoso. Os hormônios tireoidianos
aumentam os estados de vigília e de alerta e a responsividade a diversos estímulos. Além disso, eles aumentam a
velocidade e a amplitude dos reflexos nervosos periféricos e melhoram a memória e a capacidade de aprendizagem.

REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DE HORMÔNIOS TIREOIDIANOS

O hormônio tireoestimulante é o principal controlador da secreção de hormônios tireoidianos


Para manter níveis normais de atividade metabólica no organismo, os níveis plasmáticos de hormônios tireoidianos
livres precisam ser regulados. A secreção dos hormônios da tireoide é regulada principalmente pelo TSH
(tireotrofina). A secreção de TSH pela hipófise aumenta pela ação do hormônio liberador de tireotrofina (TRH),
enquanto é inibida por um mecanismo de feedback negativo pelas T4 e T3 circulantes. Embora ocorra algum feedback
no hipotálamo por meio da influência da secreção de TRH, o mecanismo de feedback ocorre predominantemente na
hipófise. Como a T4 é deiodinada à T3 na hipófise, esta última parece constituir o efetor final que medeia o feedback
negativo.
O hormônio tireoestimulante promove a síntese e a secreção dos hormônios tireoidianos. A
ligação do TSH a seus receptores na membrana celular da glândula tireoide ativa a adenilciclase, de modo que o
monofosfato de adenosina cíclico possa mediar pelo menos algumas das ações do TSH. Um efeito imediato do TSH
consiste em promover a endocitose do coloide, a proteólise da tireoglobulina e a liberação de T4 e T3 na circulação.
Além disso, o TSH estimula etapas da síntese dos hormônios tireoidianos, incluindo a captação de iodo, a iodinação
e o acoplamento para a formação dos hormônios tireoidianos.
O efeito tireoestimulante tem efeitos crônicos que promovem o crescimento da glândula
tireoide. Os efeitos crônicos do TSH incluem aumento do fluxo sanguíneo para a glândula tireoide e indução de
hipertrofia e hiperplasia das células foliculares. Com a estimulação prolongada do TSH, a glândula tireoide aumenta,
e ocorre bócio. Na ausência de TSH, ocorre atrofia acentuada da glândula.
Efeitos do frio e de outros estímulos neurogênicos sobre a secreção de hormônio liberador da
tireotrofina e do hormônio tireoestimulante. Um dos estímulos mais bem conhecidos para o aumento da
secreção de TRH é a exposição ao frio. Esse efeito resulta da excitação dos centros hipotalâmicos de controle da
temperatura corporal. Os neurônios de TRH no núcleo paraventricular também recebem aferências de neurônios no
núcleo arqueado do hipotálamo, que regulam o balanço energético. O jejum prolongado reduz a secreção de TRH, de
TSH e dos hormônios tireoidianos, o que contribui para a diminuição da taxa metabólica e a conservação de energia
quando os suprimentos alimentares estão escassos.

DOENÇAS DA TIREOIDE

A doença de Graves é a forma mais comum de hipertireoidismo. A doença de Graves é uma doença
autoimune em que ocorre a formação de anticorpos, denominados imunoglobulinas estimulantes da tireoide, contra o
receptor de TSH da tireoide; esses anticorpos ligam-se ao receptor e mimetizam as ações do TSH. Esse fenômeno
leva ao desenvolvimento de bócio e à secreção de grandes quantidades de hormônios tireoidianos. Em consequência,
ocorrem diversas alterações previsíveis: (1) aumento da taxa metabólica; (2) intolerância ao calor e sudorese; (3)
aumento do apetite, porém com perda de peso; (4) palpitações e taquicardia; (5) nervosismo e instabilidade
emocional; (6) fraqueza muscular; e (7) cansaço, porém com incapacidade de dormir. A secreção de TSH pela
hipófise está deprimida na doença de Graves, devido ao feedback exercido pelos níveis plasmáticos elevados dos
hormônios tireoidianos.
Muitos dos efeitos do hipotireoidismo são opostos aos do hipertireoidismo. Embora o
hipotireoidismo possa ter várias causas, ele geralmente resulta da destruição autoimune da glândula tireoide
(tireoidite de Hashimoto). Em geral, os sintomas são opostos aos do hipertireoidismo: (1) diminuição da taxa
metabólica; (2) intolerância ao frio e diminuição da sudorese; (3) ganho de peso sem aumento do aporte calórico; (4)
bradicardia; (5) lentidão dos movimentos, da fala e do pensamento; e (6) letargia e sonolência. Ocorre acúmulo de
mucopolissacarídeos nos espaços intersticiais, dando origem ao edema do tipo sem depressões, denominado
mixedema, termo empregado como sinônimo de hipotireoidismo no adulto. Se ocorrer hipotireoidismo grave no
útero ou durante a lactância, ocorrerão deficiência intelectual irreversível e comprometimento do crescimento. Se o
eixo hipotalâmico-hipofisário estiver normal, o hipotireoidismo estará associado a níveis plasmáticos elevados de
TSH em consequência do feedback.
O hipotireoidismo também pode estar associado ao bócio. Em certas regiões do mundo, há deficiência de iodo na
dieta, de modo que a secreção de hormônios tireoidianos fica deprimida. Nessas regiões, muitos indivíduos
apresentam aumento da tireoide ou bócio endêmico, visto que os níveis plasmáticos elevados de TSH estimulam a
glândula. A prática de acrescentar iodo ao sal de cozinha diminuiu a incidência de bócio endêmico em muitas regiões
do mundo.
CAPÍTULO 78

Hormônios Adrenocorticais

As glândulas adrenais são compostas de duas partes principais: (1) a medula adrenal interna, que está
funcionalmente relacionada com o sistema nervoso simpático e secreta adrenalina e noradrenalina; e (2) o córtex
adrenal, que secreta corticosteroides. Os principais corticosteroides secretados pelo córtex adrenal são os seguintes:

Mineralocorticoides, que têm efeitos importantes sobre o equilíbrio do sódio e do potássio


Glicocorticoides, que influenciam o metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas
Hormônios sexuais, que consistem principalmente em androgênios fracos e contribuem para as características
sexuais secundárias.

A secreção de mineralocorticoides e de glicocorticoides pelas glândulas adrenais é essencial para a vida. Apenas
pequenas quantidades de hormônios sexuais são normalmente secretadas pelo córtex adrenal, e eles têm pouco efeito
sobre a função reprodutiva.

SÍNTESE E SECREÇÃO DOS HORMÔNIOS ADRENOCORTICAIS

O córtex adrenal tem três camadas distintas:

A zona glomerular, ou zona externa, é relativamente fina e constitui o local exclusivo da enzima aldosterona
sintetase (Figura 78.1). O seu principal produto de secreção é a aldosterona, o principal mineralocorticoide. Os
controladores primários da secreção de aldosterona são a angiotensina II e o potássio. Aumentos crônicos da
concentração plasmática de angiotensina II, como os que ocorrem durante a depleção de sódio, causam hipertrofia e
hiperplasia apenas das células da zona glomerular. Como essa zona carece da enzima 17‑hidroxilase (ver Figura
78.1), ela não é capaz de sintetizar cortisol ou hormônios sexuais
A zona fasciculada, ou zona intermediária, é a camada mais larga, que secreta os glicocorticoides cortisol (o
principal glicocorticoide) e corticosterona. Essa zona também secreta pequenas quantidades de hormônios sexuais. O
principal controlador da secreção de cortisol é o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) (corticotrofina)
A zona reticular, ou zona interna, secreta hormônios sexuais e alguns glicocorticoides. À semelhança da zona
fasciculada, a zona reticular é estimulada pelo ACTH. O excesso crônico de ACTH provoca hipertrofia e hiperplasia
das duas zonas internas do córtex adrenal. Os androgênios adrenais mais prevalentes são a deidroepiandrosterona
(DHEA) e a androstenediona.

Hormônios adrenocorticais são esteroides derivados do colesterol. A maior parte do colesterol nas
células adrenocorticais é captada a partir da circulação e, em seguida, esterificada e armazenada em gotículas
lipídicas. Após a sua entrada na célula, o colesterol é fornecido às mitocôndrias, onde é clivado pela colesterol
desmolase para formar pregnenolona; essa é a etapa limitante de velocidade na formação dos esteroides adrenais (ver
Figura 78.1). Em todas as três zonas do córtex adrenal, essa etapa inicial da biossíntese de esteroides é estimulada
por fatores que controlam os principais produtos hormonais (a aldosterona e o cortisol). A conversão do colesterol
em pregnenolona e todas as etapas subsequentes da síntese dos hormônios adrenocorticais ocorrem no retículo
endoplasmático ou nas mitocôndrias. Nem todos os compostos mostrados na Figura 78.1 são produzidos em todas as
três zonas do córtex adrenal.
Figura 78.1 Biossíntese dos hormônios no córtex adrenal. Os citocromos p450
representam uma família de enzimas que oxidam os esteroides no córtex adrenal.

Os hormônios adrenocorticais ligam‑se a proteínas plasmáticas. Cerca de 90 a 95% do cortisol no


plasma estão ligados a proteínas plasmáticas, particularmente à transcortina ou à globulina transportadora de
corticosteroides. Em consequência desse elevado grau de ligação às proteínas plasmáticas, o cortisol tem meia-vida
longa (cerca de 60 a 90 minutos). A corticosterona está ligada às proteínas plasmáticas em menor grau do que o
cortisol e apresenta meia-vida de cerca de 50 minutos. Quantidades ainda menores de aldosterona estão ligadas às
proteínas plasmáticas; por conseguinte, a aldosterona tem meia-vida de apenas cerca de 20 minutos.
Hormônios adrenocorticais são metabolizados no fígado. O cortisol e a aldosterona são metabolizados
principalmente no fígado e, em seguida, conjugados com ácido glicurônico. Esses conjugados inativos são
livremente solúveis no plasma e não estão ligados às proteínas plasmáticas. Uma vez liberados na circulação, eles
são prontamente excretados na urina. A taxa de inativação dos hormônios adrenocorticais está deprimida nas doenças
hepáticas.

FUNÇÕES DOS MINERALOCORTICOIDES: ALDOSTERONA


A aldosterona é o principal mineralocorticoide secretado pelas adrenais. A aldosterona responde por
cerca de 90% da atividade mineralocorticoide dos hormônios adrenocorticais. A maior parte da atividade
mineralocorticoide restante pode ser atribuída (1) à desoxicorticosterona, que apresenta aproximadamente 3% da
atividade mineralocorticoide da aldosterona e é secretada em uma taxa comparável, e (2) ao cortisol, um
glicocorticoide com atividade mineralocorticoide fraca, que normalmente está presente em concentrações
plasmáticas equivalentes a quase 2 mil vezes as da aldosterona. O cortisol pode ligar-se com alta afinidade aos
receptores de mineralocorticoides. Entretanto, as células epiteliais renais expressam a enzima 11β‑hidroxiesteroide
desidrogenase tipo 2, que converte o cortisol em cortisona. A cortisona não se liga de maneira ávida aos receptores
de mineralocorticoides e, em consequência, normalmente não exerce efeitos mineralocorticoides significativos in
vivo. Em condições nas quais a 11β-hidroxiesteroide desidrogenase está congenitamente ausente ou inibida (p. ex.,
durante a ingestão excessiva de alcaçuz), o cortisol pode exercer efeitos mineralocorticoides substanciais.
A aldosterona aumenta a reabsorção tubular renal de sódio e a secreção de potássio. A
aldosterona e outros mineralocorticoides atuam sobre o néfron distal, particularmente sobre as células principais dos
túbulos e ductos coletores, para aumentar a reabsorção de sódio e a secreção de potássio. Esses efeitos ocorrem após
a ligação da aldosterona a receptores intracelulares e a síntese subsequente de proteínas, incluindo a sódio‑potássio
adenosina trifosfatase na membrana basolateral e as proteínas dos canais de sódio e potássio na membrana apical.
Em consequência do aumento da atividade da sódio-potássio adenosina trifosfatase, o sódio é bombeado para fora
das células tubulares para dentro da circulação sanguínea e trocado pelo potássio. Em seguida, o potássio se difunde
na urina tubular. À medida que o sódio é reabsorvido sob a influência da aldosterona, a secreção tubular de íons
potássio aumenta. A aldosterona também estimula a secreção de íons hidrogênio em troca de sódio nas células
intercalares dos túbulos coletores corticais. Devido à necessidade da síntese de proteínas para mediar as ações
tubulares da aldosterona, ocorre um tempo de latência de cerca de 60 minutos entre a exposição à aldosterona e o
início de sua ação.
A aldosterona afeta o transporte de eletrólitos em outros órgãos além dos rins. A aldosterona liga-
se a receptores de mineralocorticoides nas células epiteliais diferentes daquelas dos rins. Ela aumenta a reabsorção de
sódio a partir do cólon e promove a excreção de potássio nas fezes. De modo semelhante, a aldosterona tem efeito
sobre as glândulas sudoríparas e salivares, diminuindo a razão sódio-potássio em suas respectivas secreções.

Fatores que controlam a secreção de aldosterona: angiotensina II e potássio


A angiotensina II estimula a secreção de aldosterona. A angiotensina II estimula diretamente as células
da zona glomerular para secretar aldosterona. O controle da secreção de aldosterona pela angiotensina II está
estreitamente ligado à regulação do volume de líquido extracelular e da pressão arterial (ver Capítulos 28 e 30). O
sistema renina-angiotensina é ativado na presença de hipovolemia e de hipotensão, e a ocorrência de níveis
plasmáticos elevados de angiotensina II estimula a secreção de aldosterona. Por sua vez, a aldosterona aumenta a
reabsorção de sódio no néfron distal; como a retenção de líquido restabelece os volumes de líquidos corporais e a
pressão arterial para níveis normais, o estímulo para a ativação do sistema renina-angiotensina diminui, e a secreção
de aldosterona cai para níveis basais. Por conseguinte, a atividade do sistema renina-angiotensina está inversamente
relacionada com a ingestão de sódio na dieta.
O potássio estimula a secreção de aldosterona. As células da zona glomerular são sensíveis a pequenas
mudanças na concentração plasmática de potássio, e a aldosterona desempenha um papel fundamental na regulação
da concentração plasmática de potássio por feedback (ver Capítulos 28 e 30). Incrementos na concentração
plasmática de potássio aumentam a secreção de aldosterona, que, por sua vez, estimula a secreção tubular de
potássio. À medida que as concentrações plasmáticas de potássio diminuem para níveis normais, o estímulo para a
secreção de aldosterona é removido. A sequência oposta de eventos ocorre quando a concentração plasmática de
potássio diminui.
O hormônio adrenocorticotrófico desempenha um papel permissivo na regulação da secreção
de aldosterona. Enquanto houver níveis plasmáticos normais de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), a
responsividade da zona glomerular a seus principais fatores de controle (a angiotensina II e o potássio) é mantida.
Em contrapartida, na presença de deficiência crônica de ACTH, a resposta da aldosterona à angiotensina II e ao
potássio diminui. Os níveis plasmáticos elevados de ACTH, que ocorrem de forma aguda durante o estresse,
estimulam a secreção de aldosterona; todavia, em estados de excesso crônico de ACTH (p. ex., na doença de
Cushing), o hiperaldosteronismo não é mantido.
Fatores adicionais que influenciam a secreção de aldosterona. O aumento da concentração de íons
sódio no líquido extracelular diminui ligeiramente a secreção de aldosterona. O aumento do peptídeo atrial
natriurético, um hormônio secretado pelo coração quando células específicas dos átrios cardíacos são distendidas
(ver Capítulo 28), diminui a secreção de aldosterona. Ambos os fatores podem desempenhar um papel na supressão
da aldosterona e contribuir para a natriurese quando há excesso de sódio e expansão do volume de líquidos corporais.
Entretanto, seus efeitos sobre a secreção de aldosterona são muito menos potentes do que os efeitos da angiotensina
II.

FUNÇÕES DOS GLICOCORTICOIDES

O cortisol é o principal glicocorticoide secretado pelo córtex adrenal. Mais de 95% da atividade
glicocorticoide exercida pelos hormônios adrenocorticais podem ser atribuídos ao cortisol; a maior parte da atividade
glicocorticoide remanescente provém da corticosterona. O cortisol medeia a maior parte de seus efeitos por meio de
sua ligação a receptores intracelulares nos tecidos-alvo, induzindo ou reprimindo a transcrição de genes, com
consequente alteração na síntese de enzimas que modificam a função celular.
O cortisol tem efeitos generalizados sobre o metabolismo. Ocorrem distúrbios pronunciados no
metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas na insuficiência adrenal ou quando a secreção de
glicocorticoides é excessiva. Alguns dos efeitos metabólicos do cortisol são permissivos, visto que esse hormônio
não inicia as alterações, porém a sua presença em níveis plasmáticos normais possibilita a ocorrência de certos
processos metabólicos. O cortisol exerce os seguintes efeitos sobre o metabolismo:

O cortisol diminui as reservas de proteínas em tecidos extra‑hepáticos. No músculo e em outros tecidos extra-
hepáticos, o cortisol diminui a captação de aminoácidos e inibe a síntese de proteínas, ao mesmo tempo que aumenta
a degradação das proteínas. Em consequência desses efeitos catabólicos e antianabólicos do cortisol, os aminoácidos
tendem a aumentar no sangue e são captados pelo fígado, onde são convertidos em glicose e proteínas, incluindo
enzimas gliconeogênicas
O cortisol tende a aumentar o nível de glicemia de duas maneiras. Em primeiro lugar, o cortisol aumenta a produção
hepática de glicose por meio do aumento da gliconeogênese. As proteínas mobilizadas dos tecidos periféricos são
convertidas em glicose e glicogênio no fígado. Ao manter as reservas de glicogênio, o cortisol permite que outros
hormônios glicolíticos, como a adrenalina e o glucagon, mobilizem a glicose em momentos de necessidade, como
durante o período entre as refeições. A segunda maneira pela qual o cortisol tende a aumentar o nível de glicemia
consiste em comprometer a utilização da glicose nos tecidos periféricos. O cortisol tem um efeito anti‑insulina no
músculo e no tecido adiposo e compromete a captação e a utilização de glicose para energia. À semelhança do
hormônio de crescimento, o cortisol em excesso pode ser diabetogênico, visto que ele tende a aumentar o nível de
glicemia
O cortisol desempenha um importante papel na mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo. Embora seja
fracamente lipolítico por si só, o cortisol em níveis normais exerce um efeito permissivo sobre a mobilização de
ácidos graxos durante o jejum. Durante o jejum, o cortisol permite que outros hormônios lipolíticos, como a
adrenalina e o hormônio de crescimento, mobilizem os ácidos graxos das reservas de lipídios.

O aumento da secreção de cortisol é importante para a resistência ao estresse. O estresse físico ou


mental aumenta a secreção de ACTH, que, por sua vez, estimula a secreção de cortisol pelo córtex adrenal. Embora
não se tenha esclarecido totalmente como o hipercortisolismo medeia essa resposta, a acentuada elevação na secreção
de cortisol em resposta a muitos estressores é essencial para a sobrevivência. Os pacientes com disfunção adrenal
que recebem doses de manutenção de esteroides necessitam de glicocorticoide extra em condições estressantes.
Os glicocorticoides em doses farmacológicas têm efeitos anti‑inflamatórios e antialérgicos e
suprimem as respostas imunes. Os glicocorticoides em grandes doses diminuem a resposta inflamatória ao
traumatismo tecidual, a proteínas estranhas ou a infecções por meio de vários efeitos:

A inibição da fosfolipase diminui a síntese de ácido araquidônico, que é o precursor dos leucotrienos, das
prostaglandinas e dos tromboxanos, mediadores da resposta inflamatória local, que inclui dilatação dos capilares,
aumento da permeabilidade capilar e migração dos leucócitos para as áreas de lesão tecidual
A estabilização das membranas lisossomais diminui a liberação de enzimas proteolíticas pelas células danificadas
A supressão do sistema imune é o resultado da produção diminuída de células T e de anticorpos que contribuem para
o processo inflamatório
Inibição da atividade fibroblástica.

Regulação da secreção de cortisol pelo hormônio adrenocorticotrófico da glândula hipófise


O ACTH estimula a secreção de cortisol. A secreção de cortisol está sob o controle do eixo hipotalâmico-
hipofisário, o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) – ACTH. A liberação de ACTH (corticotrofina) pela
hipófise depende do CRH. Uma vez secretado no sangue, o ACTH exerce um rápido efeito sobre as duas zonas
internas do córtex adrenal, particularmente a zona fasciculada, o que resulta em aumento da secreção de cortisol.
Esse efeito do ACTH é obtido por meio do aumento da conversão do colesterol em pregnenolona e é mediado pelo
segundo mensageiro, o monofosfato de adenosina cíclico. A estimulação crônica do córtex adrenal pelo ACTH
provoca hipertrofia e hiperplasia da zona fasciculada e da zona reticular e aumento da síntese de várias enzimas que
convertem o colesterol no produto final, o cortisol. Em condições de excesso crônico de ACTH, como ocorre na
síndrome de Cushing, há aumentos sustentados da secreção de cortisol e de androgênios adrenais.
Os níveis sanguíneos de cortisol livre (não ligado) são controlados por feedback negativo. O aumento dos níveis
plasmáticos de cortisol diminui a secreção de ACTH por meio de um efeito direto sobre a hipófise, bem como por
meio de inibição indireta da liberação de CRH pelo hipotálamo. A secreção de cortisol é maior nas primeiras horas
da manhã e alcança o seu nível mais baixo no fim da tarde, visto que a secreção de ACTH tem um ritmo diurno ou
circadiano, em consequência das mudanças na frequência e na duração dos picos de CRH do hipotálamo. Devido às
alterações cíclicas na secreção de cortisol, as concentrações plasmáticas desse hormônio são apenas significativas
quando expressas em termos do período do dia em que foi coletada a amostra de sangue.
O estresse fisiológico aumenta a secreção adrenocortical e de ACTH. Vários estressores físicos e
mentais estimulam a secreção de CRH pelas células neuroendócrinas do hipotálamo; em consequência, a secreção de
ACTH aumenta, o que estimula a liberação de cortisol. Em condições de estresse, o efeito inibitório do cortisol sobre
a secreção de ACTH não é suficiente para neutralizar a aferência neural extra para as células neuroendócrinas
secretarem CRH. Em consequência, os níveis plasmáticos de ACTH aumentam.

ANDROGÊNIOS ADRENAIS

Os androgênios adrenais – deidroepiandrosterona (DHEA) e androstenediona – são secretados em quantidades


apreciáveis, porém têm apenas efeitos androgênicos fracos. Desse modo, as concentrações plasmáticas normais
desses hormônios exercem pouco efeito sobre as características sexuais secundárias, particularmente nos homens,
nos quais a testosterona, o androgênio mais potente, é secretada em grandes quantidades pelos testículos. Nas
mulheres, os androgênios adrenais são responsáveis pelo crescimento dos pelos púbicos e axilares. A maior parte da
atividade androgênica dos hormônios adrenais pode decorrer da conversão dos androgênios adrenais em testosterona
nos tecidos periféricos.
Quando os androgênios adrenais são secretados em quantidades excessivas, como ocorre na síndrome de
Cushing, masculinização apreciável pode ser produzida tanto nos homens quanto nas mulheres. A secreção de
androgênios adrenais é estimulada pelo ACTH.

ANORMALIDADES DA SECREÇÃO ADRENOCORTICAL

A síndrome de Cushing é causada por níveis plasmáticos aumentados de glicocorticoides


(cortisol). A secreção excessiva de cortisol pode ser causada por: tumor adrenal; tumor da hipófise que secrete
grandes quantidades de ACTH e provoque hiperplasia adrenal bilateral (síndrome de Cushing); ou tumor dos
pulmões ou de outros tecidos (tumor ectópico) que secrete grandes quantidades de ACTH e provoque hiperplasia
adrenal bilateral. Quando a síndrome de Cushing é secundária à secreção excessiva de ACTH pela adeno-hipófise, a
condição é denominada doença de Cushing. A síndrome de Cushing também pode ser produzida pela administração
de grandes quantidades de glicocorticoides exógenos.
Os sintomas da síndrome de Cushing incluem os seguintes:
Mobilização da gordura dos membros para o abdome, a face e as áreas supraclaviculares
Hipertensão e hipopotassemia em consequência dos níveis plasmáticos elevados de cortisol e de 11-
desoxicorticosterona (quando secretada em excesso)
Depleção de proteínas, resultando em fraqueza muscular, perda de tecido conjuntivo e adelgaçamento da pele
(levando à formação de estrias violáceas) e comprometimento do crescimento em crianças
Osteoporose e fraturas vertebrais, devido ao seu efeito direto sobre o osso, à absorção diminuída de cálcio pelo
intestino (ação antivitamina D) e ao aumento da taxa de filtração glomerular e da excreção renal de cálcio
Resposta prejudicada às infecções, devido ao sistema imune suprimido
Comprometimento do metabolismo dos carboidratos, hiperglicemia e até mesmo diabetes melito resistente à insulina
Efeitos masculinizantes quando os androgênios adrenais são secretados em excesso.

A síndrome de Conn (aldosteronismo primário) é causada por um tumor na zona glomerular.


Quando ocorre desenvolvimento de um tumor na zona glomerular, que produz grandes quantidades de aldosterona,
as características mais notáveis consistem em hipertensão e hipopotassemia. Em geral, a hipertensão é relativamente
leve, visto que ocorre apenas um pequeno aumento do volume de líquido extracelular em consequência do “escape
de sódio” (ver Capítulos 28 e 30). A hipertensão e a hipopotassemia são exacerbadas pela ingestão aumentada de
sódio. Em virtude da expansão do volume de líquido extracelular e da elevação da pressão arterial, a atividade da
renina plasmática apresenta-se suprimida. Na síndrome de Conn, a depleção de potássio diminui a capacidade de
concentração dos rins, levando à poliúria, além de provocar fraqueza muscular e alcalose metabólica.
A doença de Addison é causada por comprometimento da secreção de hormônios
adrenocorticais. A destruição do córtex adrenal pode resultar de doença autoimune, tuberculose ou câncer. Em
geral, esses processos são graduais, levando à redução progressiva da função glicocorticoide e mineralocorticoide.
Em consequência da secreção reduzida de cortisol, ocorre o aumento compensatório da secreção de ACTH, que
produz hiperpigmentação. A doença de Addison caracteriza-se por deficiência de mineralocorticoides e
glicocorticoides.

Deficiência de mineralocorticoides

Perda excessiva de sódio, hipovolemia, hipotensão e aumento da atividade da renina plasmática


Retenção excessiva de potássio e hiperpotassemia
Acidose leve.

Deficiência de glicocorticoides

Metabolismo anormal dos carboidratos, das gorduras e das proteínas, que resulta em fraqueza muscular, hipoglicemia
em jejum e utilização prejudicada de gorduras para energia
Perda de apetite e perda de peso
Baixa tolerância ao estresse; a incapacidade de secretar quantidades aumentadas de cortisol durante o estresse leva à
crise addisoniana, que pode culminar em morte se não forem administradas doses suplementares de hormônios
adrenocorticais.
CAPÍTULO 79

Insulina, Glucagon e Diabetes Melito

Além de suas funções digestivas, o pâncreas secreta a insulina e o glucagon, hormônios de importância crucial para
o metabolismo da glicose, dos lipídios e das proteínas. O pâncreas também secreta outros hormônios, como a
amilina, a somatostatina e o polipeptídeo pancreático (PP), embora suas funções não estejam tão bem estabelecidas.
Neste capítulo, serão discutidas as funções fisiológicas da insulina e do glucagon, bem como a fisiopatologia das
doenças, particularmente o diabetes melito, causadas pela secreção ou atividade anormais desses hormônios.

QUÍMICA, SÍNTESE E METABOLISMO DOS HORMÔNIOS PANCREÁTICOS

A insulina e o glucagon são sintetizados nas ilhotas de Langerhans. O pâncreas é composto de dois
tipos principais de tecidos: (1) os ácinos, que secretam os sucos digestivos através do ducto pancreático para o
duodeno (função exócrina); e (2) as ilhotas de Langerhans, que secretam insulina e glucagon no sangue (função
endócrina). Os seres humanos têm cerca de 1 a 2 milhões de ilhotas de Langerhans, que contêm pelo menos quatro
tipos distintos de células:

As células beta, que respondem por aproximadamente 60% das células e secretam insulina e amilina
As células alfa, que representam cerca de 25% das células e constituem a fonte de glucagon
As células delta, que secretam somatostatina
As células PP, que secretam polipeptídeo pancreático.

A secreção dos hormônios pancreáticos na veia porta por meio da veia pancreática fornece uma concentração de
hormônios pancreáticos muito maior no fígado do que nos tecidos periféricos, o que está de acordo com os
importantes efeitos metabólicos da insulina e do glucagon no fígado. As funções fisiológicas da somatostatina
pancreática e do polipeptídeo pancreático não estão bem estabelecidas.
A insulina e o glucagon são sintetizados na forma de grandes pré‑pró‑hormônios. Os pré-pró-
hormônios sintetizados são clivados no retículo endoplasmático para formar pró‑hormônios, que são empacotados no
complexo de Golgi na forma de grânulos, que são clivados, em grande parte, em hormônio livre e fragmentos
peptídicos. No caso das células beta, a insulina e o peptídeo conector (peptídeo C, que conecta as duas cadeias
peptídicas de insulina) são liberados na circulação sanguínea em quantidades equimolares. Os níveis de peptídeo C
podem ser medidos por radioimunoensaio e utilizados para avaliar a função das células beta em pacientes diabéticos
tratados com insulina.
A insulina é um polipeptídeo que contém duas cadeias de aminoácidos (21 e 30 aminoácidos, respectivamente)
conectadas por pontes de dissulfeto. O glucagon é um polipeptídeo de cadeia linear de 29 aminoácidos. Tanto a
insulina quanto o glucagon circulam não ligados a proteínas transportadoras e apresentam meias-vidas de 5 a 10
minutos. Cerca de 50% da insulina e do glucagon na veia porta são metabolizados em sua primeira passagem pelo
fígado; a maior parte dos hormônios remanescentes é metabolizada pelos rins.

INSULINA E SEUS EFEITOS METABÓLICOS


A insulina é um hormônio associado à abundância de energia. Em resposta ao influxo de nutrientes no
sangue, a insulina é secretada e possibilita a utilização desses nutrientes pelos tecidos para energia e processos
anabólicos. Ela também induz o armazenamento dos nutrientes em excesso para uso posterior quando o suprimento
de energia estiver deficiente. Na presença de insulina, ocorre o aumento das reservas de carboidratos, gorduras e
proteínas. A insulina tem ações rápidas (p. ex., aumento da captação de glicose, aminoácidos e potássio nas células),
intermediárias (p. ex., estimulação da síntese de proteínas, inibição da degradação de proteínas, ativação e inativação
de enzimas) e tardias (p. ex., aumento da transcrição) sobre o metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das
proteínas, que ocorrem em segundos, minutos e horas, respectivamente.
As ações da insulina são obtidas, em sua maior parte, por meio de autofosforilação dos
receptores. A transdução de sinais da insulina é realizada por meio de autofosforilação dos domínios intracelulares
de seu próprio receptor (Figura 79.1). O receptor de insulina é um tetrâmero constituído de duas subunidades alfa,
que estão situadas fora da membrana celular, e duas subunidades beta, que entram na membrana celular e se
projetam dentro do citoplasma. A ligação da insulina à subunidade alfa do receptor desencadeia a atividade de
tirosinoquinase das subunidades beta, produzindo autofosforilação das subunidades beta nos resíduos de tirosina.
Isso resulta em fosforilação de outras proteínas e enzimas intracelulares, mediando uma grande variedade de
respostas.

Figura 79.1 Desenho esquemático do receptor de insulina. A insulina liga‑se à


subunidade α de seu receptor, que causa a autofosforilação da subunidade β do
receptor, que, por sua vez, induz a atividade da tirosinoquinase. Isso inicia uma
cascata de fosforilação celular, que aumenta ou diminui a atividade das enzimas,
incluindo substratos do receptor de insulina, que medeiam os efeitos sobre o
metabolismo da glicose, das gorduras e das proteínas. Por exemplo, os
transportadores de glicose são movidos para a membrana celular, de modo a facilitar
a entrada de glicose na célula.

Efeito da insulina sobre o metabolismo dos carboidratos


A insulina promove a captação e o metabolismo da glicose nos músculos. Um importante efeito da
insulina no músculo é que ela facilita a difusão da glicose para dentro das células ao aumentar o transportador de
glicose 4 (GLUT4) na membrana celular. Os transportadores de glicose são translocados de um reservatório
citoplasmático de vesículas para a membrana celular. A quantidade aumentada de glicose transportada para as células
musculares sofre glicólise e oxidação, com armazenamento na forma de glicogênio. Como a entrada de glicose nas
células musculares geralmente depende de modo acentuado da insulina, a captação de glicose por essas células fica
restrita ao período pós-prandial, quando a insulina é secretada, ou durante o exercício, quando o aumento da
translocação de GLUT4 para a membrana celular e a captação aumentada de glicose no músculo esquelético não
dependem da insulina.
No fígado, a insulina promove a captação e o armazenamento da glicose e inibe a produção de
glicose. A insulina também tem as seguintes ações no fígado:

A insulina aumenta o fluxo de glicose para dentro das células. O aumento do influxo é obtido pela indução da
glicoquinase, que aumenta a fosforilação da glicose em glicose-6-fosfato
A insulina aumenta a síntese de glicogênio pela ativação da glicogênio sintetase (e pelo aumento da captação de
glicose)
A insulina direciona o fluxo de glicose para a glicólise, aumentando a atividade das enzimas glicolíticas essenciais
(p. ex., fosfofrutoquinase e piruvato quinase).
A insulina diminui a produção hepática de glicose de várias maneiras. Em primeiro lugar, ela dificulta a
glicogenólise ao inibir a glicogênio fosforilase. Em segundo lugar, a insulina diminui a saída de glicose do fígado ao
inibir a glicose‑6‑fosfatase. Em terceiro lugar, ela inibe a gliconeogênese ao reduzir a captação de aminoácidos pelo
fígado (ver discussão sobre os efeitos no metabolismo das proteínas) e ao diminuir a atividade ou os níveis das
principais enzimas gliconeogênicas (p. ex., piruvato carboxilase e frutose-1,6-difosfatase)
A insulina aumenta a síntese de ácidos graxos de duas maneiras. Em primeiro lugar, ela aumenta o fluxo de glicose
para o piruvato (glicólise) e a conversão subsequente em acetil coenzima A (acetil‑CoA). Em segundo lugar, a
insulina estimula a acetil‑CoA carboxilase, que converte a acetil-CoA em malonil-CoA e constitui a etapa limitante
de velocidade na síntese de ácidos graxos.

No tecido adiposo, a insulina facilita a entrada de glicose nas células. Essa facilitação é obtida, em
grande parte, da mesma forma que a insulina promove a captação de glicose nas células musculares: pelo aumento
dos transportadores de glicose na membrana celular. Subsequentemente, o metabolismo da glicose a α‑glicerol
fosfato nos adipócitos fornece o glicerol necessário para a esterificação dos ácidos graxos para armazenamento na
forma de triglicerídios (ver discussão sobre os efeitos no metabolismo das gorduras).
A insulina exerce pouco efeito sobre a captação e a utilização da glicose pelo cérebro. No cérebro,
a insulina tem pouco efeito sobre o transporte da glicose para dentro das células. Como as células cerebrais são muito
permeáveis à glicose e altamente dependentes desse substrato para a obtenção de energia, é fundamental que o nível
de glicemia seja mantido dentro de valores normais. Se o nível de glicemia cair excessivamente, ocorrem sintomas
de choque hipoglicêmico, incluindo desmaio, convulsões e até mesmo coma.

Efeito da insulina no metabolismo da gordura


No tecido adiposo, a insulina aumenta o armazenamento e inibe a mobilização dos ácidos
graxos. Esse aumento é obtido de diversas maneiras:
A insulina inibe a lipase hormônio‑sensível. Isso diminui a taxa de lipólise dos triglicerídios e a liberação dos ácidos
graxos armazenados na circulação
A insulina aumenta o transporte de glicose nos adipócitos. O metabolismo subsequente da glicose a α‑glicerol
fosfato aumenta a taxa de esterificação dos ácidos graxos para armazenamento na forma de triglicerídios
A insulina induz a lipoproteína lipase. Essa enzima está presente na parede dos capilares e cliva os triglicerídios
circulantes em ácidos graxos, o que é necessário para o seu transporte dentro dos adipócitos.

No fígado, a insulina promove a síntese e inibe a oxidação dos ácidos graxos. Conforme discutido
anteriormente, a insulina promove a síntese de ácidos graxos a partir da glicose no fígado. Em virtude do aumento da
disponibilidade do α-glicerol fosfato a partir da glicólise, os ácidos graxos são esterificados para formar
triglicerídios. A oxidação dos ácidos graxos está comprometida, devido à conversão aumentada de acetil-CoA em
malonil-CoA pela acetil-CoA carboxilase. A malonil-CoA inibe a carnitina aciltransferase, responsável pelo
transporte dos ácidos graxos do citoplasma para dentro das mitocôndrias para betaoxidação e conversão em
cetoácidos; a insulina é anticetogênica.

Efeito da insulina no metabolismo das proteínas e no crescimento


A insulina é um hormônio anabólico. Ela aumenta a captação de vários aminoácidos do sangue para dentro das
células ao estimular o transporte através da membrana celular, o que limita a elevação dos níveis plasmáticos de
certos aminoácidos após uma refeição proteica. Além disso, a insulina aumenta a síntese de proteínas por meio da
estimulação da transcrição gênica e da tradução do RNAm. A insulina também inibe o catabolismo das proteínas e,
portanto, diminui a liberação de aminoácidos do músculo.
A deficiência de insulina leva à diminuição da síntese de proteínas, ao aumento do catabolismo das proteínas e ao
comprometimento do crescimento. Os efeitos anabólicos da insulina e do hormônio de crescimento são sinérgicos
para a promoção de crescimento, e cada um deles desempenha funções específicas, essenciais e diferentes.

Controle da secreção de insulina


O nível de glicemia é o controlador mais importante da secreção de insulina. Embora diversos
fatores possam aumentar ou diminuir a secreção de insulina, o principal controle da secreção de insulina é exercido
pelo efeito de feedback da glicemia sobre as células beta do pâncreas. Quando o nível de glicemia fica acima dos
valores de jejum, a secreção de insulina aumenta. Em consequência dos efeitos subsequentes da insulina na
estimulação da captação de glicose pelo fígado e pelos tecidos periféricos, a glicemia retorna aos seus níveis
normais, proporcionando um importante mecanismo de feedback negativo para o controle do nível de glicemia.
Outros estímulos, além da hiperglicemia, aumentam a secreção de insulina. Os seguintes estímulos
aumentam a secreção de insulina:

Aminoácidos, particularmente arginina, lisina, leucina e alanina. Em consequência, os aminoácidos da dieta são
removidos do sangue e utilizados pelas células para sintetizar proteínas. Os aminoácidos têm um efeito sinérgico
com a glicose na estimulação da secreção de insulina
Hormônios gastrointestinais, particularmente o polipeptídeo inibitório gástrico (atualmente conhecido como
peptídeo insulinotrófico glicose‑dependente [GIP]) e o peptídeo semelhante ao glucagon 1 (GLP‑1). Esses
hormônios são liberados pelo trato gastrointestinal após uma refeição e respondem pelo maior aumento da secreção
de insulina quando a glicose é administrada por via oral do que quando são administradas quantidades comparáveis
por via intravenosa. Devido à sua capacidade de aumentar a taxa de secreção de insulina em resposta à hiperglicemia,
são denominados incretinas
Outros hormônios, incluindo o cortisol e o hormônio de crescimento (GH). Esses hormônios aumentam a secreção de
insulina, em grande parte pela sua capacidade de antagonizar os efeitos da insulina sobre a captação de glicose nos
tecidos periféricos, levando ao aumento dos níveis de glicemia. Com efeito, incrementos crônicos no cortisol (na
síndrome de Cushing) e no hormônio de crescimento (na acromegalia) levam à hipertrofia e à exaustão das células
beta do pâncreas, causando diabetes melito
O sistema nervoso autônomo, incluindo os sistemas nervosos simpático e parassimpático. A estimulação beta-
adrenérgica aumenta a secreção de insulina, ao passo que a estimulação alfa-adrenérgica a inibe. A ativação dos
nervos simpáticos para o pâncreas inibe a secreção de insulina. A estimulação parassimpática do pâncreas aumenta a
secreção de insulina.

GLUCAGON E SUAS FUNÇÕES

O glucagon é secretado pelas células alfa das ilhotas de Langerhans quando o nível de glicemia cai e tem vários
efeitos que aumentam a glicemia. Em doses fisiológicas, os principais efeitos do glucagon ocorrem no fígado e são
opostos aos da insulina.
A maior parte das ações do glucagon são obtidas pela ativação da adenilciclase. A ligação do
glucagon aos receptores hepáticos resulta em ativação da adenilciclase e na geração de um segundo mensageiro, o
monofosfato de adenosina cíclico (AMPc), que, por sua vez, ativa a proteinoquinase A, levando à fosforilação e à
ativação ou desativação de várias enzimas.
O glucagon promove a hiperglicemia de várias maneiras

O glucagon estimula a glicogenólise e a liberação de glicose no sangue. Esse efeito ocorre em poucos minutos e é
obtido por meio da ativação da glicogênio fosforilase e da inibição simultânea da glicogênio sintetase
O glucagon inibe a glicólise no fígado. O glucagon inibe várias etapas iniciais da glicólise, incluindo a
fosfofrutoquinase e a piruvato quinase. Em consequência, os níveis de glicose-6-fosfato tendem a aumentar,
resultando em aumento da liberação de glicose pelo fígado
O glucagon estimula a gliconeogênese. O glucagon aumenta a extração hepática de aminoácidos do plasma, bem
como as atividades das enzimas gliconeogênicas essenciais, incluindo a piruvato carboxilase e a frutose-1,6-
difosfatase. Em consequência, o glucagon exerce ações tardias e prolongadas que promovem a saída de glicose pelo
fígado.

O glucagon é cetogênico. Como o glucagon inibe a acetil‑CoA carboxilase, ocorre produção diminuída de
malonil-CoA, um inibidor da carnitina acetiltransferase. Dessa forma, os ácidos graxos são direcionados para as
mitocôndrias para betaoxidação e cetogênese.

Regulação da secreção de glucagon


A concentração de glicose no sangue é o controlador mais importante da secreção de glucagon.
Embora o nível de glicemia constitua o controlador mais importante da secreção de glucagon e de insulina, a glicose
tem efeitos opostos sobre a secreção desses dois hormônios. A hipoglicemia aumenta a secreção de glucagon e, como
resultado das suas ações hiperglicêmicas, o nível de glicemia retorna para o seu valor normal. Em contrapartida, o
aumento da concentração sanguínea de glicose diminui a secreção de glucagon. Por conseguinte, o glucagon e a
insulina proporcionam mecanismos importantes, porém opostos, para a regulação do nível de glicemia.
Os aminoácidos, em particular a arginina e a alanina, estimulam a secreção de glucagon. Após
uma refeição proteica, tanto a secreção de insulina quanto a de glucagon são estimuladas, porém a resposta do
glucagon é deprimida se a glicose for ingerida simultaneamente. A resposta do glucagon a uma refeição proteica é
valiosa, visto que, sem os efeitos hiperglicêmicos do glucagon, o aumento da secreção de insulina causaria
hipoglicemia.
O jejum e o exercício estimulam a secreção de glucagon. Nessas condições, a estimulação da secreção
de glucagon ajuda a prevenir grandes reduções dos níveis de glicemia. A estimulação beta-adrenérgica aumenta a
secreção de glucagon, ao passo que a estimulação alfa-adrenérgica a inibe. Todavia, diferentemente dos efeitos
inibitórios do sistema nervoso simpático sobre a secreção de insulina, a secreção de glucagon aumenta durante a
ativação simpática.

A SOMATOSTATINA INIBE A SECREÇÃO DE GLUCAGON E DE INSULINA

A somatostatina é sintetizada pelas células delta do pâncreas, bem como no intestino e no hipotálamo. A secreção
pancreática de somatostatina é estimulada por fatores relacionados com a ingestão de alimentos, incluindo aumento
dos níveis sanguíneos de glicose, aminoácidos e ácidos graxos e vários hormônios gastrointestinais. A somatostatina
inibe a motilidade, a secreção e a absorção gastrointestinais e constitui um potente inibidor da secreção de insulina e
de glucagon; ela retarda a assimilação de nutrientes do trato gastrointestinal e a utilização de nutrientes absorvidos
pelo fígado e pelos tecidos periféricos.

DIABETES MELITO

No diabetes melito, ocorre comprometimento do metabolismo dos carboidratos, das gorduras e das proteínas.
Existem duas formas de diabetes melito:

O diabetes melito tipo 1, também denominado diabetes melito insulinodependente (DMID), é causado pelo
comprometimento da secreção de insulina
O diabetes melito tipo 2, também denominado diabetes melito não insulinodependente (DMNID), é produzido pela
resistência aos efeitos metabólicos da insulina nos tecidos-alvo.

O diabetes tipo 1 é causado pela secreção deficiente de insulina pelas células beta do pâncreas.
Com frequência, o diabetes tipo 1 é causado pela destruição autoimune das células beta, mas também pode surgir
como resultado da perda dessas células em consequência de infecções virais. Como o início habitual do diabetes tipo
1 ocorre durante a infância, ele é comumente chamado de diabetes melito infantojuvenil.
As características fisiopatológicas do diabetes tipo 1 podem ser atribuídas, em sua maioria, aos seguintes efeitos
principais da deficiência de insulina:

Hiperglicemia, em decorrência da captação reduzida de glicose nos tecidos e do aumento da produção de glicose
pelo fígado (aumento da gliconeogênese)
Depleção de proteínas, em decorrência da redução da síntese e do aumento do catabolismo
Depleção das reservas de gordura e aumento da cetogênese.

Como resultado desses distúrbios fundamentais, ocorrem os seguintes efeitos:

Glicosúria, diurese osmótica, hipovolemia e hipotensão


Hiperosmolaridade do sangue, desidratação e polidipsia
Hiperfagia, porém com perda de peso, falta de energia
Acidose, que pode progredir para o coma diabético; e respiração rápida e profunda
Hipercolesterolemia e doença vascular aterosclerótica.

A resistência à insulina é uma característica fundamental do diabetes melito tipo 2. O diabetes tipo
2 é muito mais comum do que o diabetes tipo 1. Ele responde por ≥ 90% de todos os casos de diabetes e está
geralmente associado à obesidade. Essa forma de diabetes caracteriza-se pelo comprometimento da capacidade dos
tecidos-alvo de responder aos efeitos metabólicos da insulina, o que é denominado resistência à insulina.
Diferentemente do diabetes tipo 1, a morfologia das células beta do pâncreas é normal ao longo de grande parte da
doença, e ocorre uma elevada taxa de secreção de insulina. Em geral, o diabetes tipo 2 desenvolve-se em adultos;
portanto, também é chamado de diabetes do adulto. Entretanto, tem havido um aumento constante no número de
adolescentes com diabetes tipo 2, relacionado principalmente com a crescente prevalência de obesidade em crianças.
Embora a hiperglicemia constitua um aspecto proeminente do diabetes tipo 2, a lipólise acelerada e a cetogênese
geralmente não ocorrem. Com frequência, a restrição calórica e a redução do peso melhoram a resistência à insulina
nos tecidos-alvo; todavia, nos estágios avançados da doença, quando a secreção de insulina está reduzida, a
administração de insulina torna-se necessária.
CAPÍTULO 80

Paratormônio, Calcitonina, Metabolismo do Cálcio e do Fósforo, Vitamina


D, Ossos e Dentes

A fisiologia do metabolismo do cálcio e do fósforo, a função da vitamina D e a formação dos ossos e dos dentes
estão todas reunidas em um sistema comum, com dois hormônios reguladores principais: o paratormônio (PTH) e a
calcitonina.

VISÃO GERAL DA REGULAÇÃO DE CÁLCIO E FÓSFORO NO LÍQUIDO EXTRACELULAR E NO


PLASMA

Apenas cerca de 0,1% do cálcio corporal total encontra-se no líquido extracelular (LEC), cerca de 1% está presente
nas células e organelas celulares e o restante é armazenado nos ossos. A concentração de cálcio no LEC raramente
aumenta ou diminui mais do que alguns pontos percentuais em relação ao valor normal de cerca de 9,4 mg/dl, que
equivale a 2,4 mEq/l de cálcio. Se a concentração de íons cálcio no LEC cair para menos de 50% do normal, mesmo
que por um breve período, ocorre disfunção neuromuscular nos músculos esqueléticos, inicialmente na forma de
hiper-reflexividade e, por fim, como contrações tetânicas. Se a concentração de íon cálcio aumentar 50% acima do
normal, ocorre depressão do sistema nervoso central, bem como lentidão das contrações do músculo liso no trato
gastrointestinal.
No LEC, cerca de 50% do cálcio encontram-se na forma de cátion divalente livre, 41% estão frouxamente
ligados às proteínas e 9% estão na forma não ionizada, combinada com substâncias aniônicas, como fosfato e citrato.
Por conseguinte, o plasma e o líquido intersticial apresentam uma concentração normal de íons cálcio, de cerca de
1,2 mEq/l (ou 2,4 mEq/l, visto que se trata de um íon divalente), um nível que corresponde a apenas metade da
concentração plasmática total de cálcio. Esse cálcio iônico é importante para a maioria das funções do cálcio no
organismo.
Cerca de 85% do fósforo do corpo estão armazenados nos ossos, 14 a 15% estão nas células e menos de 1% no
LEC. O fósforo inorgânico no plasma encontra-se principalmente em duas formas: e . A concentração
normal de no LEC é de cerca de 1,05 mEq/l, ao passo que a do é de 0,26 mEq/l. As concentrações
relativas das duas formas são afetadas pelo pH do LEC, em que uma redução do pH aumenta a quantidade de
e diminui a concentração de HPO4=. Do ponto de vista clínico, a concentração total de fósforo é
normalmente expressa em miligramas por decilitro e, em geral, é de 3 a 4 mg/dl.
Absorção intestinal e excreção fecal de cálcio e fósforo. As taxas habituais de ingestão são de cerca de
1.000 mg/dia para o cálcio e o fósforo. Cerca de 35% (350 mg/dia) do cálcio ingerido são geralmente absorvidos, e o
restante do cálcio no intestino é excretado nas fezes. Uma quantidade adicional de 250 mg/dia de cálcio entra no
intestino pelos sucos gastrointestinais secretados e pelas células mucosas descamadas. Assim, cerca de 90% (900
mg/dia) da ingestão diária de cálcio são excretados nas fezes (Figura 80.1).
Excreção renal de cálcio e fósforo. Aproximadamente 10% (100 mg/dia) do cálcio ingerido são excretados
na urina. Da quantidade filtrada pelos capilares glomerulares, cerca de 99% são reabsorvidos pelos túbulos renais.
Quando a concentração de íons cálcio está baixa, a reabsorção renal de cálcio aumenta, e, inversamente, até mesmo
uma elevação mínima da concentração sanguínea de cálcio acima do normal aumenta a excreção de cálcio. O PTH
constitui o fator mais importante no controle da reabsorção renal de cálcio e, portanto, de sua excreção.
Figura 80.1 Visão geral da troca de cálcio entre os diferentes compartimentos
teciduais em uma pessoa que ingere 1.000 mg de cálcio por dia. Observe que a maior
parte do cálcio ingerido normalmente é eliminada nas fezes, embora os rins tenham
a capacidade de excretar grandes quantidades ao reduzir a reabsorção tubular de
cálcio.

A excreção renal de fósforo é controlada por um mecanismo de transbordamento. Quando a concentração


plasmática de fósforo está abaixo de cerca de 1 mEq/l, todo o fósforo presente no filtrado glomerular é reabsorvido, e
não há perda de fósforo na urina. Acima dessa concentração, a taxa de perda de fósforo é diretamente proporcional
ao aumento adicional. Entretanto, o PTH pode aumentar acentuadamente a excreção renal de fósforo,
desempenhando, assim, um importante papel no controle da concentração plasmática de fósforo e da concentração de
cálcio.

OSSOS E SUA RELAÇÃO COM O CÁLCIO E O FÓSFORO EXTRACELULARES

O osso é composto principalmente de sais de cálcio e de fósforo, juntamente à matriz orgânica.


Existem dois tipos gerais de tecido ósseo: o osso cortical (compacto) e o osso trabecular (esponjoso). O osso cortical
forma a camada externa dura (córtex), é muito mais denso do que o osso trabecular e é responsável por cerca de 80%
da massa óssea total nos seres humanos. Já o osso trabecular é encontrado no interior dos ossos do esqueleto, é muito
mais poroso do que o osso cortical e, em geral, está localizado nas extremidades dos ossos longos e no interior das
vértebras, bem como nos locais em que ocorre produção de células sanguíneas. As taxas de síntese e de reabsorção e,
portanto, a taxa de renovação óssea são muito maiores para o osso trabecular do que para o osso cortical.
Cerca de 70% do osso consistem em sais de cálcio, em sua maior parte na forma de grandes cristais de
hidroxiapatita, Ca10(PO4)6(OH)2. O osso tem cerca de 30% de matriz orgânica, constituída por fibras colágenas,
proteoglicanos e células. Uma certa quantidade de cálcio do osso não está na forma cristalina e, portanto, pode ser
rapidamente trocada pelo cálcio no LEC.
Calcificação óssea. A formação do osso se inicia com a secreção de colágeno e de proteoglicanos pelas células
osteoblásticas; a estrutura colágena não calcificada é denominada osteoide. Nos primeiros dias após a formação do
osteoide, os sais de cálcio começam a se precipitar nas superfícies das fibras colágenas. Os precipitados multi-
plicam-se rapidamente e crescem no decorrer de um período de vários dias a semanas até a formação do produto
final, os cristais de hidroxiapatita.
A deposição de sais de cálcio no osteoide depende do pirofosfato, que inibe a cristalização da hidroxiapatita e a
calcificação do osso. Por sua vez, os níveis de pirofosfato são regulados por várias outras moléculas, incluindo a
fosfatase alcalina tecido não específica, que degrada o pirofosfato e mantém os seus níveis sob controle, de modo
que a calcificação óssea possa ocorrer de acordo com as necessidades; a deficiência de fosfatase alcalina tecido não
específica leva a ossos moles, devido à calcificação inadequada.
Deposição contínua de osso pelos osteoblastos e reabsorção pelos osteoclastos, um processo
dinâmico denominado remodelagem. O osso sofre remodelagem ao longo de toda a vida, embora o processo
ocorra muito mais rapidamente em crianças e adultos jovens do que em indivíduos idosos. As células osteoclásticas
digerem o osso e, em seguida, os osteoblastos depositam um novo osso. O equilíbrio entre esses dois processos é
afetado pelos seguintes fatores:

Estresse mecânico sobre o osso, que estimula a remodelagem e a formação de osso mais forte nos pontos de estresse
PTH e 1,25‑di‑hidroxicolecalciferol (calcitriol) ou 1,25(OH)2D3, que estimulam a atividade dos osteoclastos e a
formação de novos osteoclastos
Calcitonina, que diminui a capacidade de absorção dos osteoclastos e reduz a taxa de formação de novos
osteoclastos.

O cálcio e o fósforo no osso servem de reservatórios para os íons no LEC. Cerca de 99% do cálcio
corporal total estão no osso, ao passo que menos de 1% está no LEC. Se a concentração de íons cálcio no LEC cair
abaixo do normal, os íons cálcio deslocam-se do osso para dentro do LEC. A distribuição de cálcio e de fósforo no
osso e no LEC é afetada pelo PTH e pelo 1,25(OH)2D3, que estimulam o deslocamento do cálcio e do fósforo do
osso para o LEC e pela calcitonina, que tem o efeito oposto. Em contrapartida, pode ocorrer deposição de cálcio no
osso quando a concentração de cálcio no LEC aumenta acima do normal.

VITAMINA D

Controle da formação de vitamina D


A vitamina D desempenha um importante papel na absorção de cálcio pelo trato intestinal e na deposição e na
remodelagem do osso. No entanto, para que a vitamina D exerça esses efeitos, ela precisa ser inicialmente convertida
no produto ativo final, o 1,25(OH)2D3 (calcitriol), por meio de uma sucessão de reações no fígado e nos rins.
A forma ativa da vitamina D é cuidadosamente regulada pelas seguintes etapas:

Na pele, o 7-deidrocolesterol é convertido pela luz ultravioleta em vitamina D3


No fígado, a vitamina D3 é convertida em 25-hidroxicolecalciferol
Nos rins, o 25-hidroxicolecalciferol é convertido em 1,25(OH)2D3 (calcitriol) por uma reação estimulada e
rigorosamente controlada pelo PTH.

Como a formação de PTH é estimulada pela redução da concentração de cálcio do LEC, a formação do
1,25(OH)2D3 também aumenta quando a concentração de cálcio do LEC diminui.

Ações da vitamina D
A forma ativa da vitamina D, o 1,25(OH)2D3 (calcitriol), tem vários efeitos que contribuem para a regulação do
cálcio e do fósforo por feedback:

Ela promove a absorção intestinal de cálcio


Promove a absorção de fósforo pelo intestino
Exerce um efeito fraco sobre a diminuição da excreção renal de cálcio e de fósforo Desempenha um importante papel
tanto na reabsorção quanto na deposição ósseas. Na ausência de vitamina D, o efeito do PTH sobre a reabsorção
óssea é acentuadamente reduzido.

PARATORMÔNIO
O PTH controla as concentrações extracelulares de cálcio e de fósforo por meio de regulação da reabsorção
intestinal, excreção renal e troca desses íons entre o LEC e o osso. Uma grande parte do efeito do PTH sobre seus
órgãos-alvo é mediada por um mecanismo de segundo mensageiro do monofosfato de adenosina cíclico.
A secreção do paratormônio é regulada pela concentração extracelular de cálcio. O PTH é formado
nas células principais das glândulas paratireoides, localizadas imediatamente atrás da glândula tireoide. A taxa de
formação de PTH é fortemente regulada pela concentração de íons cálcio do LEC; pequenas reduções da
concentração do íon resultam em aumentos acentuados da secreção de PTH. Se a redução da concentração de cálcio
abaixo do nível normal persistir, as glândulas paratireoides sofrem hipertrofia, como ocorre durante a gravidez ou na
presença de certas doenças, como o raquitismo, que se caracterizam pela absorção inadequada de cálcio a partir do
trato gastrointestinal.
O paratormônio mobiliza cálcio e fósforo do osso. O PTH mobiliza o cálcio e o fósforo do osso em duas
fases. A primeira fase, que é rápida e tem início em poucos minutos, resulta da ativação das células ósseas existentes
(principalmente osteócitos) para promover a liberação de cálcio e de fósforo. A segunda fase, que é mais lenta e
necessita de vários dias ou até mesmo semanas para estar totalmente desenvolvida, resulta da proliferação dos
osteoclastos, seguida de acentuado aumento da reabsorção osteoclástica do osso.
O paratormônio diminui a excreção de cálcio e aumenta a excreção de fósforo pelos rins. A
administração de PTH diminui a reabsorção tubular proximal de íons fosfato e provoca a rápida perda de fósforo na
urina. O PTH também aumenta a reabsorção tubular renal de cálcio, principalmente na alça ascendente espessa de
Henle e nos túbulos distais.
O paratormônio aumenta a absorção intestinal de cálcio e de fósforo. O PTH aumenta
acentuadamente a absorção de cálcio e de fósforo pelos intestinos por meio de aumento da formação de 1,25(OH)2D3
nos rins a partir da vitamina D.

CALCITONINA

O aumento da concentração plasmática do cálcio estimula a secreção de calcitonina. A calcitonina


é um polipeptídeo secretado pelas células parafoliculares no tecido intersticial da glândula tireoide. Em geral, seus
efeitos são opostos aos do PTH no osso e no túbulo renal, embora sejam muito mais fracos.

RESUMO DO CONTROLE DA CONCENTRAÇÃO DE CÁLCIO IÔNICO

A concentração de cálcio no LEC é controlada por um sistema que afeta a distribuição do cálcio armazenado no osso
e no LEC, a taxa de aporte pelo trato gastrointestinal e a taxa de excreção pelos rins (Figura 80.1).

Regulação da distribuição de cálcio entre o osso e o líquido extracelular


Quando a concentração de cálcio no LEC cai, ocorrem as seguintes alterações:

Os íons cálcio prontamente intercambiáveis sofrem difusão para o LEC


A formação de PTH aumenta, estimulando a atividade dos osteoclastos e o deslocamento do cálcio do osso para o
LEC.

Regulação da absorção de cálcio pelo trato gastrointestinal


Quando a concentração de cálcio no LEC cai, ocorrem as seguintes alterações:

A formação de PTH aumenta, produzindo maior taxa de formação de 1,25(OH)2D3


A concentração elevada de 1,25(OH)2D3 estimula a formação de proteína ligadora de cálcio e de outros fatores no
epitélio do intestino delgado, o que aumenta a absorção de cálcio a partir do lúmen do intestino.

Regulação da excreção renal de cálcio e fósforo. Quando a concentração de cálcio no LEC cai, a
formação de PTH aumenta e ocorrem as seguintes alterações:

A absorção de cálcio pela alça de Henle e pelos túbulos distais aumenta, ao passo que a excreção diminui
A reabsorção de fósforo pelo túbulo proximal diminui, ao passo que a sua excreção aumenta.
Nos seres humanos, o mecanismo de controle por feedback mais importante é o efeito da redução da
concentração de cálcio do LEC para aumentar a formação de PTH. A participação da calcitonina no sistema de
controle é de menor importância nos adultos.

FISIOPATOLOGIA DO PARATORMÔNIO, VITAMINA D E DOENÇA ÓSSEA

O hipoparatireoidismo diminui a concentração extracelular de cálcio. Quando há formação


inadequada de PTH, os osteoclasto tornam-se inativos, e a formação de 1,25(OH)2D3 diminui para níveis baixos. A
transferência de cálcio do osso para o LEC diminui, a absorção de cálcio pelo intestino é reduzida a níveis baixos, e a
excreção de cálcio pelos rins torna-se maior do que a taxa de absorção pelo intestino. Em consequência, a
concentração de cálcio no LEC cai abaixo dos níveis normais, e a concentração de fósforo permanece normal ou
torna-se elevada. A condição pode ser tratada com doses muito grandes de vitamina D, que tem o efeito de estimular
a absorção gastrointestinal de cálcio, ou com a administração de 1,25(OH)2D3 (calcitriol).
O hiperparatireoidismo primário provoca perda de cálcio do osso e aumento da concentração
extracelular de cálcio. Os níveis excessivos de PTH causados pela hiperatividade primária das glândulas
paratireoides estimulam a atividade osteoclástica, a retenção renal de cálcio, a excreção de fósforo e o aumento na
formação de 1,25(OH)2D3. A concentração de cálcio no LEC é maior do que o normal, ao passo que os níveis de
fósforo estão abaixo do normal. As consequências mais graves estão relacionadas com o dano causado pela
reabsorção osteoclástica excessiva dos ossos, que causa o seu enfraquecimento.
O raquitismo é causado pela absorção inadequada de cálcio pelo trato gastrointestinal. O
raquitismo está associado ao hiperparatireoidismo secundário e ao aumento do PTH como compensação para a
quantidade inadequada de cálcio na dieta ou para a incapacidade de formar quantidades adequadas de 1,25(OH)2D3.
Se os rins estiverem lesionados ou ausentes, não pode haver formação de 1,25(OH)2D3. Devido à absorção
inadequada de cálcio e à diminuição das concentrações de cálcio no LEC, os níveis de PTH tornam-se elevados, o
que estimula a reabsorção osteoclástica do osso e a liberação de cálcio no LEC. Além disso, os níveis elevados de
PTH exercem efeitos renais, causando a retenção de cálcio e a excreção de fósforo. O resultado desses efeitos
consiste em osteomalacia (mineralização inadequada e enfraquecimento dos ossos), concentração de fósforo abaixo
do normal e, no decorrer do período de meses, uma concentração de cálcio que está apenas discretamente abaixo do
normal, como resultado da transferência de cálcio do osso para o LEC.
A osteoporose é causada pela diminuição da atividade dos osteoblastos e pela deposição
reduzida de novo osso. Em consequência da atividade reduzida dos osteoblastos, a taxa de reabsorção
osteoclástica do osso ultrapassa a taxa de deposição de tecido ósseo novo. As causas mais comuns da osteoporose
consistem em: (1) ausência de estresse físico sobre os ossos, devido à atividade física insuficiente; (2) ausência de
estrogênio na pós-menopausa, visto que ele normalmente diminui o número e a atividade dos osteoclastos; e (3)
idade avançada, em que ocorre acentuada diminuição do hormônio de crescimento e de outros fatores que
contribuem para a formação óssea. Todavia, em certas ocasiões, conforme observado no hiperparatireoidismo, a
causa da diminuição do osso consiste em atividade osteoclástica excessiva.
Nos homens, os níveis de testosterona diminuem de modo gradual, porém continuam exercendo um efeito
anabólico significativo na sétima e oitava décadas de vida. Nas mulheres, a formação de estrogênio diminui para
quase zero na menopausa, com frequência em torno dos 50 anos. O declínio da concentração de estrogênio desloca o
equilíbrio entre a deposição e a reabsorção ósseas, embora nenhum sintoma se torne aparente durante muitos anos.
Após anos de perda gradual de cálcio, os ossos enfraquecem a ponto de causar o aparecimento de sintomas, como
compressão vertebral e fragilidade dos ossos longos e da pelve. É possível prevenir essa condição por meio de
terapia de reposição de estrogênio no início da menopausa. Os suplementos de cálcio após a menopausa não são
efetivos, visto que a condição não se caracteriza pela quantidade inadequada de cálcio no LEC.

FISIOLOGIA DOS DENTES

Os dentes são compostos de quatro partes: esmalte, dentina, cemento e polpa.


O esmalte compõe a camada externa da coroa do dente. O esmalte é composto de cristais de
hidroxiapatita muito grandes e densos, incorporados a uma rede firme de fibras proteicas, semelhantes à queratina do
cabelo. A estrutura cristalina torna o esmalte extremamente duro, ao passo que a proteína, que é totalmente insolúvel,
fornece resistência às enzimas, aos ácidos e a outras substâncias corrosivas.
A dentina compõe o corpo principal do dente. A dentina é composta de cristais de hidroxiapatita
incorporados a uma forte rede de fibras colágenas, uma estrutura semelhante ao osso. A dentina não apresenta
componentes celulares, e toda a sua nutrição é fornecida por células odontoblásticas, que revestem a superfície
interna da dentina ao longo da parede da cavidade pulpar.
O cemento é uma substância óssea que reveste o alvéolo do dente. O cemento é secretado pelas
células da membrana periodontal. As fibras colágenas passam da mandíbula, através da membrana periodontal, para
o cemento. Essa disposição fornece uma fixação firme entre os dentes e a mandíbula.
A polpa é o tecido que preenche a cavidade pulpar do dente. A polpa é composta de odontoblastos,
nervos, vasos sanguíneos e vasos linfáticos. Durante a formação do dente, os odontoblastos depositam uma nova
dentina ao longo do revestimento da cavidade pulpar, tornando-a progressivamente menor.
CAPÍTULO 81

Funções Reprodutoras e Hormonais Masculinas; Função da Glândula


Pineal

As três principais funções reprodutoras masculinas são: (1) espermatogênese (formação de espermatozoides); (2)
execução do ato sexual masculino; e (3) regulação das funções reprodutoras masculinas por meio de vários
hormônios. Associados a essas funções reprodutoras, estão os efeitos dos hormônios sexuais masculinos sobre os
órgãos sexuais acessórios, o metabolismo celular, o crescimento e outras funções do organismo.

ESPERMATOGÊNESE

A espermatogênese é o processo de formação dos espermatócitos a partir das


espermatogônias. O testículo é composto de até 900 túbulos seminíferos enrolados, nos quais os espermatozoides
são formados. Durante a formação do embrião, as células germinativas primordiais migram para os testículos e
transformam-se em células germinativas imaturas, denominadas espermatogônias, que estão localizadas em duas ou
três camadas das superf ícies internas dos túbulos seminíferos. Na puberdade, as espermatogônias começam a sofrer
divisões mitóticas, proliferam continuamente e diferenciam-se por meio de estágios definidos de desenvolvimento
para formar os espermatozoides.
No primeiro estágio da espermatogênese, as espermatogônias migram entre as células de Sertoli em direção ao
lúmen central dos túbulos seminíferos. As espermatogônias que cruzam a camada das células de Sertoli tornam-se
progressivamente modificadas para formar grandes espermatócitos primários. Por sua vez, cada um desses
espermatócitos sofre divisão meiótica para formar dois espermatócitos secundários. Esses espermatócitos sofrem
uma segunda divisão meiótica, produzindo as espermátides, que contêm, cada uma delas, 23 cromossomos não
pareados. As etapas descritas são estimuladas pela testosterona e pelo hormônio foliculoestimulante (FSH).
Cromossomos sexuais. Em cada espermatogônia, um dos 23 pares de cromossomos carrega a informação
genética que determina o sexo de cada prole. Esse par é composto de um cromossomo X feminino e um cromossomo
Y masculino. Durante a divisão meiótica, o cromossomo Y dirige-se para uma espermátide, que se transforma em
espermatozoide masculino, ao passo que o cromossomo X se dirige para outra espermátide, que se torna um
espermatozoide feminino. Por conseguinte, o sexo da prole é determinado por qual desses dois tipos de
espermatozoide fertilizará o óvulo.
A espermiogênese é o processo de transformação das espermátides, que ainda são epitelioides,
em espermatozoides. O processo de espermiogênese exige a presença de estrogênio e FSH e ocorre com as
células incorporadas às células de Sertoli. Uma vez formados, os espermatozoides são liberados no lúmen dos
túbulos, em um processo estimulado pelo hormônio luteinizante (LH). Os espermatozoides recém-formados não são
funcionais e precisam passar por um processo de maturação, que ocorre no epidídimo. A maturação requer a ação
tanto da testosterona quanto do estrogênio. Esses espermatozoides são, em sua maioria, armazenados no epidídimo,
porém uma pequena quantidade é armazenada nos ductos deferentes, que transportam os espermatozoides até o ducto
ejaculatório durante o ato sexual masculino.

ATO SEXUAL MASCULI NO


O ato sexual masculino é o processo que culmina na ejaculação de várias centenas de milhões de espermatozoides.
Os espermatozoides estão contidos em uma mistura de líquidos produzidos pelos órgãos reprodutores masculinos,
denominada sêmen, que inclui:

Os espermatozoides e o líquido do ducto deferente (cerca de 10% do volume do sêmen)


O líquido das vesículas seminais, que contém mucoide, prostaglandina E2, frutose e fibrinogênio (cerca de 60% do
volume do sêmen)
O líquido prostático, que contém NaHCO3 (pH 7,5), enzima coagulante, cálcio e pró-fibrinolisina (cerca de 30% do
volume do sêmen).

O volume médio de sêmen ejaculado em cada coito é de cerca de 3,5 ml, e cada mililitro de sêmen contém cerca
de 120 milhões de espermatozoides. Para uma fertilidade normal, a contagem de espermatozoides precisa ser
superior a cerca de 20 milhões/ml.
O ato sexual ocorre em três estágios:

Ereção e lubrificação. A ereção é o processo de enchimento do tecido erétil do pênis com sangue até um nível de
pressão próximo ao da pressão arterial. As artérias que alcançam o tecido erétil dilatam em resposta a impulsos
parassimpáticos, que estimulam a liberação de óxido nítrico nas terminações nervosas do músculo liso arterial. Os
reflexos parassimpáticos também estimulam a secreção de muco pelas glândulas uretrais e pelas glândulas
bulbouretrais. O muco ajuda na lubrificação da vagina durante o coito
Emissão. A emissão é o processo de estimulação do músculo liso ao redor das vesículas seminais, dos ductos
deferentes e da próstata, provocando o esvaziamento do conteúdo dos órgãos na uretra interna, processo induzido por
reflexos simpáticos de L1 e L2
Ejaculação. A ejaculação é o reflexo induzido em resposta à distensão da uretra interna. O reflexo resulta em
contração dos músculos isquiocavernoso e bulbocavernoso e dos músculos da pelve, causando a compressão da
uretra interna e a propulsão do sêmen para fora da uretra.

TESTOSTERONA E OUTROS HORMÔNIOS SEXUAIS MASCULI NOS

A testosterona é um hormônio esteroide anabólico secretado pelas células de Leydig dos


testículos. A testosterona é formada a partir do colesterol em quantidades que variam de 2 a 10 mg/dia. No sangue,
a testosterona é transportada em associação à albumina ou firmemente ligada à globulina de ligação a hormônios
sexuais (SHBG). O hormônio é removido da corrente sanguínea em 30 a 60 minutos após a sua secreção por meio da
fixação às células do tecido-alvo ou da degradação em compostos inativos. A testosterona é metabolizada a
di‑hidrotestosterona (DHT) (o androgênio biologicamente ativo) nos tecidos-alvo e em estrogênio no tecido adiposo.
A testosterona tem efeitos importantes sobre os órgãos reprodutores e não reprodutores. A
testosterona é necessária para a estimulação da diferenciação pré-natal e o desenvolvimento puberal dos testículos,
do pênis, do epidídimo, das vesículas seminais e da próstata. A testosterona também é necessária em homens adultos
para a manutenção e a função normal dos órgãos sexuais primários. Ela tem efeitos sobre os ossos, estimulando o
crescimento e a proliferação das células ósseas, com consequente aumento da densidade óssea. Além disso, a
testosterona tem efeitos sobre a distribuição de pelos e causa o espessamento da pele. Esse hormônio afeta o fígado,
induzindo a síntese de fatores da coagulação e lipases hepáticas. Sob a influência da testosterona, os níveis de
lipoproteínas de alta densidade no sangue diminuem, ao passo que os níveis de lipoproteínas de baixa densidade
aumentam. O hematócrito e as concentrações de hemoglobina são elevados, em virtude do efeito da testosterona na
estimulação da produção de eritropoetina. O hormônio apresenta um efeito generalizado em muitos tecidos,
aumentando a taxa de síntese de proteínas.
Em virtude de ser um esteroide lipossolúvel, a testosterona entra prontamente no citoplasma das células dos
tecidos-alvo por meio de difusão através da membrana celular. A enzima 5 α-redutase converte a testosterona em
di‑hidrotestosterona, que, em seguida, liga-se a uma proteína receptora citoplasmática. Essa combinação migra para
o núcleo, onde se liga a uma proteína nuclear, que induz a transcrição do DNA-RNA.
O hormônio liberador de gonadotrofina aumenta a secreção do hormônio luteinizante e do
hormônio foliculoestimulante. O hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) é secretado pelo hipotálamo
para o sistema porta hipotalâmico-hipofisário. A sua formação é inibida pela testosterona e pelo estrogênio (Figura
81.1).
O hormônio luteinizante estimula a formação de testosterona pelas células de Leydig, ao passo
que o hormônio foliculoestimulante estimula a espermatogênese e a espermiogênese. O LH e o FSH
são secretados pelas mesmas células, denominadas gonadotrofos, da adeno-hipófise. Na ausência de secreção
hipotalâmica do hormônio liberador de gonadotrofina, os gonadotrofos hipofisários praticamente não secretam
nenhum LH ou FSH.
A inibina é formada pelas células de Sertoli e inibe a secreção de hormônio foliculoestimulante.
A formação de inibina aumenta à medida que a taxa de produção de espermatozoides aumenta, e seu efeito na
inibição da secreção de FSH proporciona um importante mecanismo de feedback negativo para o controle da
espermatogênese.

INFERTILIDADE MASCULINA

Cerca de 15% dos casais nos EUA são inférteis, e aproximadamente 50% das disfunções ocorrem no parceiro
masculino. Algumas causas importantes de infertilidade masculina incluem as seguintes:

Disfunção androgênica com produção normal de espermatozoides, causada por defeitos hipotalâmico-hipofisários,
defeitos das células de Leydig ou resistência aos androgênios
Disfunção isolada da produção de espermatozoides, com níveis normais de androgênios, devido à ocorrência de
infecção ou traumatismo, deformação congênita das passagens ou formação de espermatozoides imóveis ou
anormais em outros aspectos
Defeitos combinados na produção de androgênios e de espermatozoides, em decorrência de: (1) defeitos do
desenvolvimento, como síndrome de Klinefelter ou descida anormal dos testículos; ou (2) defeitos adquiridos dos
testículos, como infecções, reações autoimunes ou doenças sistêmicas, como doenças hepáticas e renais crônicas.

Em 50% dos homens inférteis, não é possível identificar a causa.


Figura 81.1 Regulação por feedback do eixo hipotálamo‑hipófise‑testículo nos
homens. Os efeitos estimulatórios são representados pelo sinal de adição, e os
efeitos inibitórios por feedback negativo, pelo sinal de subtração. FSH: hormônio
foliculoestimulante; GnRH: hormônio liberador de gonadotrofina; LH: hormônio
luteinizante; SNC: sistema nervoso central.
CAPÍTULO 82

Fisiologia Feminina Antes da Gravidez e Hormônios Femininos

SISTEMA HORMONAL FEMININO

Na mulher, a função reprodutora é regulada por interações de hormônios do hipotálamo, da adeno-hipófise e dos
ovários. Vários hormônios importantes para as funções reprodutoras femininas também são encontrados nos homens:

O hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH, também conhecido como LHRH) é o fator liberador produzido no
hipotálamo, que estimula a secreção do hormônio foliculoestimulante (FSH) e do hormônio luteinizante (LH) pela
adeno-hipófise. A liberação de GnRH é inibida pelo estrogênio e pela progesterona
O LH é secretado pela adeno-hipófise e estimula o desenvolvimento do corpo-lúteo nos ovários
O FSH é secretado pela adeno-hipófise e estimula o desenvolvimento dos folículos nos ovários
O estrogênio e a progesterona são os hormônios esteroides secretados pelos folículos e pelo corpo-lúteo do ovário.

O período de 28 dias do ciclo sexual feminino é determinado pelo tempo necessário para o desenvolvimento dos
folículos e do corpo-lúteo após a menstruação e pelo efeito de feedback dos hormônios que eles secretam sobre o
hipotálamo.

CICLO OVARIANO MENSAL

Durante cada ciclo mensal, normalmente ocorre a liberação de um óvulo maduro do ovário, e o endométrio do útero
é preparado para a implantação do óvulo fertilizado no momento adequado. Para obter esses resultados, todos os
hormônios do sistema reprodutor feminino precisam interagir. As alterações nas concentrações sanguíneas dos
hormônios mais importantes do sistema ao longo do ciclo de 28 dias estão ilustradas na Figura 82.1.

Crescimento do folículo ovariano: fase folicular do ciclo ovariano


No início do ciclo mensal, não há folículos maduros nem corpos‑lúteos. No início de cada ciclo
mensal, as concentrações de estrogênio e de progesterona no sangue estão em seus níveis mais baixos (ver Figura
82.1). Em consequência, o hipotálamo não recebe sinais inibitórios para bloquear a secreção de GnRH. O GnRH
secretado estimula a secreção de FSH e de LH pela hipófise, e o FSH estimula o desenvolvimento de 12 a 14
folículos ovarianos primários. Os folículos são circundados por células da granulosa, que começam a secretar
líquido no centro da estrutura; esse processo, por sua vez, se expande para formar um antro, preenchido de líquido,
que circunda o ovócito. Nesse estágio, a estrutura é denominada folículo antral. O líquido é rico em estrogênio, que
se difunde para o sangue e resulta em elevação progressiva de sua concentração. Os folículos continuam o seu
processo de desenvolvimento, estimulados pelo FSH, LH e estrogênio secretados pelos folículos. A proliferação das
células da granulosa prossegue, acompanhada do crescimento das camadas circundantes de células da teca,
derivadas do estroma do ovário. Com o acúmulo de líquido adicional e o desenvolvimento continuado, o folículo é
denominado folículo vesicular.
Figura 82.1 Concentrações plasmáticas aproximadas das gonadotrofinas e dos
hormônios ovarianos durante o ciclo sexual feminino normal. FSH: hormônio
foliculoestimulante; LH: hormônio luteinizante.

Após cerca de 1 semana de desenvolvimento, um folículo começa a crescer mais do que os outros. Os folículos
remanescentes, que se desenvolveram até o estágio folicular, sofrem atresia e se degeneram. O folículo dominante
remanescente continua rapidamente o seu desenvolvimento, com proliferação das células da granulosa e da teca
estimulada pelo FSH e pelo estrogênio. O estrogênio promove o desenvolvimento de receptores adicionas de FSH e
de LH nas células da granulosa e da teca, proporcionando um ciclo de feedback positivo para o rápido
desenvolvimento do folículo em maturação.
Em virtude da rápida elevação das concentrações sanguíneas de estrogênio (ver Figura 82.1), o hipotálamo
recebe um sinal inibitório para reduzir a secreção de GnRH, com consequente supressão da secreção de FSH e de LH
pela hipófise. A redução da secreção de FSH impede o desenvolvimento de folículos adicionais. O folículo
dominante continua o seu desenvolvimento, em virtude de seu ciclo de feedback positivo intrínseco, ao passo que os
outros folículos vesiculares sofrem involução, e nenhum outro folículo primário adicional começa a se desenvolver.

Ovulação
Na mulher que tem um ciclo sexual feminino normal de 28 dias, a ovulação ocorre 14 dias após o início da
menstruação. Cerca de 2 dias antes da ovulação, ocorre um pico na secreção de LH, que é 6 a 10 vezes acima do
valor normal. Esse pico de LH é necessário para que ocorra a ovulação.
Em uma ação associada ao pico de LH, as células da teca começam a secretar progesterona pela primeira vez. O
fluxo sanguíneo nas camadas da teca aumentam nessa ocasião, assim como a taxa de transudação de líquido para
dentro da vesícula. As células da teca também secretam uma enzima proteolítica no líquido folicular.
Em um ponto de fraqueza na parede do folículo, na superfície do ovário, surge uma protrusão ou estigma. A
parede sofre ruptura no estigma nos primeiros 30 minutos de sua formação; dentro de minutos após a ruptura, ocorre
evaginação do folículo, e o ovócito e camadas circundantes de células da granulosa – denominadas coroa radiada –
deixam a vesícula e entram na cavidade abdominal na abertura da tuba uterina.

Corpo lúteo: fase lútea do ciclo ovariano


A estrutura do folículo remanescente na superfície do ovário após a ovulação contém camadas de células da
granulosa e da teca. A concentração elevada de LH antes da ovulação converte essas células em células luteínicas,
que aumentam após a ovulação, tornam-se amareladas e são denominadas corpo‑lúteo. As células da granulosa
secretam grandes quantidades de progesterona e quantidades menores de estrogênio, e as células da teca produzem
hormônios androgênicos, testosterona e androstenediona, cuja maior parte é convertida pelas células da granulosa em
progesterona e estrogênio. As células da teca formam principalmente os androgênios androstenediona e testosterona,
que também são convertidos em estrogênios pela enzima aromatase nas células da granulosa.
As células do corpo-lúteo necessitam de estimulação pelo pico pré-ovulatório de LH para sofrer transformação e
proliferação. O corpo-lúteo secreta grandes quantidades de progesterona e de estrogênio durante aproximadamente
12 dias sob a influência estimuladora contínua da concentração decrescente de LH. Após 12 dias, quando os níveis
de LH se tornam mínimos, devido à inibição do hipotálamo por feedback pelo estrogênio e pela progesterona (ver
Figura 82.1), ocorre a degeneração do corpo-lúteo, e a secreção de hormônios cessa.
Nos primeiros 2 dias após a falência do corpo-lúteo, a menstruação começa (ver discussão subsequente). Ao
mesmo tempo, a secreção de FSH e de LH pela hipófise começa a aumentar, devido à ausência de inibição do
hipotálamo pelo estrogênio e pela progesterona. À medida que a concentração sanguínea dos hormônios
estimuladores da hipófise aumenta, um novo grupo de folículos primários começa a se desenvolver, iniciando outro
ciclo.

Resumo do ciclo ovariano


Aproximadamente a cada 28 dias, os hormônios gonadotróficos da adeno-hipófise fazem 8 a 12 novos folículos
começarem a crescer nos ovários. Um desses folículos torna-se finalmente maduro e sofre ovulação no décimo
quarto dia do ciclo. Durante o crescimento dos folículos, o estrogênio é o principal hormônio secretado.
Após a ovulação, as células secretoras do folículo ovulatório desenvolvem-se em um corpo-lúteo, que secreta
grandes quantidades dos principais hormônios femininos, a progesterona e o estrogênio. Após outras 2 semanas, o
corpo-lúteo se degenera, quando os hormônios ovarianos, o estrogênio e a progesterona diminuem acentuadamente, e
a menstruação começa. Segue-se, então, um novo ciclo ovariano.

FUNÇÕES DOS HORMÔNIOS OVARIANOS: ESTRADIOL E PROGESTERONA

Os ovários secretam duas classes de hormônios: os estrogênios e as progestinas. O estradiol (E2) é o mais importante
dos estrogênios, ao passo que a progesterona é a progestina dominante. Na mulher não grávida, praticamente todos
os estrogênios são secretados pelos ovários, e apenas quantidades mínimas são sintetizadas no córtex adrenal. Quase
toda a progesterona nas mulheres não grávidas é produzida no corpo-lúteo; apenas pequenas quantidades são
formadas no folículo maduro durante o dia que antecede a ovulação.

Funções dos estrogênios


Os estrogênios (estradiol [E2], estrona [E1] e estriol [E3]) estimulam o crescimento e o
desenvolvimento do útero e dos órgãos sexuais femininos externos. Na puberdade, ocorre a rápida
elevação dos níveis de estrogênios (principalmente o E2), causando o rápido desenvolvimento dos ovários, das tubas
uterinas, do útero, da vagina e da genitália externa. O revestimento do útero, o endométrio, torna-se espesso sob os
efeitos do estrogênio.
Os estrogênios estimulam o desenvolvimento do tecido estromal das mamas, o crescimento de
um extenso sistema de ductos e a deposição de gordura nas mamas. Os estrogênios iniciam o
crescimento das mamas e do aparato produtor de leite. Eles também são responsáveis pelo crescimento e pela
aparência externa característicos da mama feminina adulta. Entretanto, eles não completam a tarefa de converter as
mamas em órgãos produtores de leite.
Os estrogênios estimulam a atividade osteoblástica e o crescimento do esqueleto. Na puberdade,
os efeitos dos estrogênios sobre os osteoblastos causam um período de rápido crescimento dos ossos longos, embora
esse estirão de crescimento dure apenas alguns anos, em virtude do efeito dos estrogênios no fechamento das epífises
dos ossos. O crescimento longitudinal só ocorre nas epífises, de modo que, após o seu fechamento, não pode mais
ocorrer alongamento adicional dos ossos.
Os estrogênios provocam um aumento ligeiro das proteínas corporais totais e da taxa
metabólica. O estrogênio promove a deposição de gordura no tecido subcutâneo, particularmente nas mamas, no
quadril e nas coxas.

Funções da progesterona
A progesterona promove alterações secretórias no endométrio uterino durante a segunda
metade do ciclo sexual mensal. As alterações secretórias preparam o útero para a implantação do óvulo
fertilizado. A progesterona tem um efeito semelhante sobre o revestimento das tubas uterinas, causando a secreção
do líquido que fornece nutrição ao óvulo fertilizado durante a sua passagem até o útero. O hormônio também reduz a
excitabilidade e a motilidade do músculo liso uterino.
A progesterona estimula o desenvolvimento dos lóbulos e dos alvéolos das mamas. A estimulação
pela progesterona provoca o aumento e a proliferação das células alveolares e faz elas se tornarem secretoras, embora
não produzam leite em resposta à progesterona.

Ciclo endometrial mensal e menstruação


Impulsionado pela produção cíclica dos hormônios ovarianos, o endométrio uterino passa por um ciclo mensal
caracterizado por três fases: (1) proliferação, (2) desenvolvimento de alterações secretórias e (3) descamação,
conhecida como menstruação.
A fase proliferativa endometrial é iniciada pela secreção de estrogênio pelos folículos em
desenvolvimento. No início de cada ciclo, a maior parte do endométrio sofre descamação com a menstruação,
permanecendo apenas uma fina camada de estroma endometrial basal. As únicas células epiteliais remanescentes
estão localizadas nas criptas do endométrio e nas porções profundas das glândulas endometriais. O estrogênio
secretado pelos folículos em desenvolvimento durante a parte inicial do ciclo estimula a rápida proliferação das
células estromais e epiteliais. Toda a superfície endometrial é reepitelizada nos primeiros 4 a 7 dias após o início da
menstruação. Durante os próximos 10 dias, os efeitos estimulatórios do estrogênio causam o desenvolvimento e o
espessamento do endométrio.
A progesterona promove a secreção endometrial após a ovulação. Após a ovulação, o corpo-lúteo
secreta grandes quantidades de progesterona e de estrogênio. O efeito da progesterona consiste em causar
intumescimento e desenvolvimento secretor do endométrio. As glândulas secretam líquido, e as células endometriais
acumulam lipídios e glicogênio em seu citoplasma. O desenvolvimento da vascularização do endométrio continua
em resposta às necessidades do tecido em desenvolvimento.
A menstruação ocorre nos primeiros 2 dias de involução do corpo‑lúteo. A menstruação é causada
pela redução de estrogênios e progesterona, sobretudo progesterona, no fim do ciclo ovariano mensal. O primeiro
efeito consiste em redução da estimulação das células endometriais por esses dois hormônios, seguido rapidamente
pela involução do endométrio para cerca de 65% de sua espessura anterior. Em seguida, começando
aproximadamente 24 horas antes da menstruação, os vasos sanguíneos que irrigam o endométrio tornam-se
vasospásticos, o que resulta em isquemia e, por fim, necrose do tecido. Assim, ocorre o desenvolvimento de áreas
hemorrágicas no tecido necrótico, e as camadas externas gradualmente se separam da parede uterina. Cerca de 48
horas após o início da menstruação, todas as camadas superficiais do endométrio estão descamadas. A distensão da
cavidade uterina, os níveis elevados de prostaglandina E2 liberados pelo tecido isquêmico e necrótico e os baixos
níveis de progesterona contribuem para a estimulação das contrações uterinas, que expelem o tecido descamado e o
sangue. O líquido menstrual normalmente não coagula, devido à presença de fibrinolisina, que é liberada pelo tecido
endometrial.

REGULAÇÃO DO CICLO MENSTRUAL FEMININO: INTERAÇÃO DOS HORMÔNIOS OVARIANOS


COM OS HORMÔNIOS HIPOTÁLAMO‑HIPOFISÁRIOS

No início de cada ciclo mensal, um novo grupo de folículos primários começa a se desenvolver, secretando níveis
crescentes de estrogênio em resposta aos hormônios tróficos da hipófise, o FSH e o LH.
O estrogênio em pequenas quantidades inibe fortemente a secreção de LH e de FSH por meio de um efeito
hipofisário direto, embora o estrogênio também iniba a secreção hipotalâmica de GnRH. A progesterona atua de
modo sinérgico com o estrogênio, porém tem, por si só, um efeito inibitório fraco.
À medida que o nível de estrogênio aumenta, a taxa de secreção de LH e de FSH começa a cair; todavia, por
motivos desconhecidos, a hipófise secreta uma grande quantidade de LH imediatamente antes da ovulação, quando
os níveis de estrogênio estão elevados. Esse pico de LH, que ocorre no momento em que a secreção de LH “deveria”
ser suprimida pela influência inibitória do estrogênio, desencadeia a ovulação e a transformação das células da
granulosa e da teca em células luteínicas.
Após a ovulação, o estrogênio e a progesterona secretados pelo corpo-lúteo mais uma vez exercem um efeito
inibitório sobre a secreção de LH e de FSH.
A inibina também é secretada pelo corpo-lúteo. Assim como ocorre nos homens, nas mulheres, a inibina inibe a
secreção de FSH e, em menor grau, de LH.
Quando os níveis de LH caem para valores mínimos, em virtude da influência inibitória dos hormônios
provenientes do corpo-lúteo, o corpo-lúteo sofre involução, e as taxas de secreção de estrogênio e de progesterona
diminuem para zero. A formação de LH e de FSH aumenta na ausência de inibição, quando a menstruação começa,
iniciando o desenvolvimento de um novo grupo de folículos.

Puberdade, menarca e menopausa


A puberdade refere-se ao início da vida sexual adulta. É marcada pelo aumento gradual da secreção de estrogênio
pelos folículos em desenvolvimento, que é impulsionado pelas concentrações crescentes de FSH e de LH da hipófise.
A menarca refere-se ao início da menstruação. Ela marca a conclusão do primeiro ciclo do sistema, embora os
primeiros ciclos geralmente não incluam ovulação.
A menopausa refere-se ao período durante o qual os ciclos sexuais da mulher cessam, e os hormônios ovarianos
caem para níveis mínimos. A cessação dos ciclos é o resultado de um número inadequado de folículos primários no
ovário para responder ao efeito estimulatório do FSH. Em consequência, a dinâmica de secreção de estrogênio
durante a primeira parte do ciclo torna-se inapropriada para desencadear o pico de LH, e não ocorre ovulação. Após
vários ciclos anovulatórios irregulares, a produção de estrogênio declina para quase zero. Sem inibição, a taxa de
secreção de LH e de FSH continua em níveis elevados por muitos anos após a menopausa.

ATO SEXUAL FEMININO

Tanto a estimulação psíquica quanto a estimulação sensorial local são importantes para o desempenho satisfatório da
mulher, assim como no ato sexual masculino. O desejo sexual é afetado, em certo grau, pelos níveis de estrogênio e
de testosterona na mulher; em consequência, o desejo pode ser maior alguns dias antes da ovulação, quando a
secreção de estrogênio pelo folículo é máxima.
Um tecido erétil análogo ao do pênis está localizado ao redor do introito e estende-se para o clitóris. A dilatação
das artérias que levam ao tecido é mediada por nervos parassimpáticos que liberam óxido nítrico de suas terminações
nervosas no músculo liso vascular das artérias. A estimulação parassimpática também causa a secreção de muco
pelas glândulas de Bartholin, que estão localizadas abaixo dos lábios menores.
Com estimulação sensorial local e psíquica apropriada, são iniciados reflexos que causam o orgasmo feminino, o
que pode ajudar a promover a fertilização do óvulo.

FERTILIDADE FEMININA

A fertilidade feminina depende da ocorrência da ovulação no momento adequado, da capacidade dos


espermatozoides de alcançar o óvulo na tuba uterina nas primeiras 24 horas após a ovulação e da capacidade de
implantação e sobrevivência do zigoto no endométrio. Vários problemas podem tornar a mulher infértil:

A falha da ovulação constitui a causa mais comum de infertilidade feminina e pode resultar de:
1. Obstrução mecânica na superfície do ovário, em consequência de: (a) presença de cápsula espessa; (b)
cicatriz causada por infecção; e (c) crescimento excessivo da superfície por células de origem endometrial,
uma condição denominada endometriose.
2. Ausência de um pico de LH ou outras anormalidades hormonais.
A obstrução das tubas uterinas com frequência resulta de infecção ou de endometriose.
CAPÍTULO 83

Gravidez e Lactação

TRANSPORTE, FERTILIZAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DO BLASTOCISTO EM DESENVOLVIMENTO

Enquanto ainda está no ovário, o ovócito primário sofre divisão meiótica pouco antes da ovulação, dando origem ao
primeiro corpúsculo polar, que é expelido do núcleo. Com essa divisão, o ovócito é transformado em ovócito
secundário, que contém 23 cromossomos não pareados. Nesse estágio, o óvulo, que ainda se encontra na fase de
ovócito secundário, é ovulado na cavidade abdominal.
O óvulo fertilizado entra na tuba uterina. Na ovulação, o óvulo e as camadas circundantes de células da
granulosa, denominadas coroa radiada, são expelidos do ovário para a cavidade peritoneal no óstio ou abertura da
tuba uterina (Figura 83.1). O epitélio ciliado que reveste as tubas cria uma fraca corrente, que leva o óvulo até a tuba.
Figura 83.1 A. Ovulação, fertilização do óvulo na tuba uterina e implantação do
blastocisto no útero. B. Ação das células trofoblásticas durante a implantação do
blastocisto no endométrio do útero.

A fertilização ocorre na tuba uterina. Nos primeiros 5 a 10 minutos após a ejaculação do sêmen na vagina,
os espermatozoides alcançam a ampola nas extremidades ovarianas das tubas uterinas, auxiliados por contrações do
útero e das tubas uterinas. Normalmente, várias centenas de milhões de espermatozoides são depositados no colo do
útero durante o coito, porém apenas alguns milhares alcançam a ampola das tubas uterinas, onde a fertilização
comumente ocorre.
Antes que a fertilização possa ocorrer, a coroa radiada precisa ser removida por meio de ações sucessivas de
muitos espermatozoides, que liberam enzimas proteolíticas no acrossoma, localizado na cabeça do espermatozoide.
Uma vez liberado o caminho, um espermatozoide consegue ligar-se e penetrar a zona pelúcida que circunda o óvulo
e entrar nele. Os 23 cromossomos não pareados do espermatozoide formam rapidamente o pró‑núcleo masculino e,
em seguida, alinham-se com os 23 cromossomos não pareados do pró‑núcleo feminino para formar os 23 pares de
cromossomos do óvulo fertilizado ou zigoto.
O zigoto é transportado nas tubas uterinas. Após a fertilização, são necessários 3 a 5 dias para a
passagem do zigoto pela tuba uterina até a cavidade do útero. Durante esse período, a sobrevivência do organismo
depende das secreções nutritivas do epitélio da tuba. As primeiras séries de divisões celulares ocorrem enquanto o
zigoto está na tuba uterina, de modo que, quando ele entra no útero, a estrutura é denominada blastocisto. Pouco
depois da ovulação, o istmo da tuba uterina (os últimos 2 cm antes de a tuba entrar no útero) sofre contração tônica,
bloqueando o movimento entre as tubas e o útero. A entrada final no útero não ocorre até que haja o relaxamento do
músculo liso no istmo, sob a influência dos níveis crescentes de progesterona do corpo-lúteo.
Implantação do blastocisto no endométrio. O blastocisto em desenvolvimento permanece livre na
cavidade do útero durante 1 a 3 dias adicionais antes de começar o processo de implantação. Uma vez ocorrida a
implantação, as células trofoblásticas na superfície do blastocisto começam a secretar enzimas proteolíticas, que
digerem e liquefazem o endométrio adjacente. Em alguns dias, o blastocisto invade o endométrio e liga-se
firmemente a ele. Os conteúdos das células digeridas, que contêm grandes quantidades de nutrientes, são ativamente
transportados pelas células trofoblásticas para uso como substratos, de modo a possibilitar o rápido crescimento do
blastocisto.

ANATOMIA E FUNÇÃO DA PLACENTA

Desenvolvimento da placenta. As células trofoblásticas formam cordões que crescem no endométrio. Os


capilares sanguíneos crescem nos cordões a partir do sistema vascular do embrião e, cerca de 21 dias após a
fertilização, o fluxo sanguíneo começa nos capilares. De modo simultâneo, no lado materno, ocorre o
desenvolvimento de seios, que são perfundidos pelo sangue dos vasos uterinos ao redor dos cordões trofoblásticos.
Os cordões ramificam-se extensamente à medida que o seu crescimento prossegue, formando as vilosidades
placentárias, nas quais os capilares embrionários crescem. As vilosidades contêm capilares que transportam sangue
fetal e estão circundadas por seios preenchidos com sangue materno. Os dois suprimentos sanguíneos permanecem
separados por várias camadas de células, e não ocorre mistura de sangue da mãe e do feto.
O sangue entra no lado fetal da placenta por duas artérias umbilicais e retorna ao feto por meio de uma única veia
umbilical. As artérias uterinas pareadas da mãe dão origem aos ramos que levam sangue aos seios maternos, que são
drenados por ramos das veias uterinas.

Permeabilidade placentária e condutância por difusão na membrana


Nos primeiros meses de gravidez, a membrana placentária ainda é espessa, e a sua permeabilidade é baixa. No fim da
gravidez, as camadas da membrana tornam-se mais finas, e ocorre uma acentuada expansão da área de superfície,
proporcionando um grande aumento da difusão placentária de nutrientes e oxigênio do sangue da mãe para o sangue
do feto e difusão de produtos excretores do feto para a mãe.
O oxigênio difunde‑se do sangue materno para o sangue fetal através das membranas
placentárias. A pressão parcial de oxigênio (PO2) média do sangue nos seios maternos é de cerca de 50 mmHg, ao
passo que, na extremidade venosa dos capilares fetais, ela é, em média, de 30 mmHg. O gradiente de pressão de 20
mmHg constitui a força motriz para a difusão do oxigênio do sangue materno para o sangue fetal.
Diversos fatores ajudam na difusão do oxigênio da mãe para o feto:

A hemoglobina fetal tem maior afinidade pelo oxigênio do que a hemoglobina do adulto. Na PO2 presente na
placenta, a hemoglobina fetal é capaz de transportar de 20 a 50% mais oxigênio do que a hemoglobina materna
A concentração de hemoglobina no sangue fetal é 50% maior do que no sangue materno
O efeito Bohr, discutido no Capítulo 41, opera a favor da transferência de oxigênio do sangue materno para o sangue
do feto. O efeito Bohr refere-se ao efeito do aumento da pressão parcial de dióxido de carbono (PCO2) para diminuir
a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. O sangue fetal que entra na placenta apresenta uma PCO2 elevada, porém
difunde-se rapidamente para o sangue materno, devido ao gradiente de pressão favorável. Em consequência, a PCO2
no sangue fetal diminui, ao passo que a do sangue materno aumenta, provocando o aumento da afinidade da
hemoglobina fetal pelo oxigênio e a diminuição da afinidade da hemoglobina materna.

Difusão de dióxido de carbono através da membrana placentária. Embora o gradiente de pressão que
impulsiona a difusão seja, em média, de apenas cerca de 2 a 3 mmHg, o CO2 é extremamente solúvel nas membranas
biológicas e pode atravessar facilmente as camadas da placenta.
O movimento de substratos metabólicos e eletrólitos através da placenta ocorre pelos mesmos
mecanismos que operam em outras partes do corpo. A difusão da glicose é facilitada por um processo de
difusão facilitada, ao passo que os ácidos graxos atravessam as membranas por difusão simples. Os eletrólitos, como
o sódio e o potássio, deslocam-se por difusão e por transporte ativo.
Remoção de produtos de degradação do sangue fetal para o sangue materno. Os produtos de
degradação metabólicos formados no feto também se difundem através da membrana placentária para o sangue
materno e, em seguida, são excretados juntamente aos produtos excretores da mãe. Esses produtos de degradação
incluem particularmente os produtos nitrogenados não proteicos, como a ureia, o ácido úrico e a creatinina.

FATORES HORMONAIS NA GRAVIDEZ

Na gravidez, a placenta forma grandes quantidades de gonadotrofina coriônica humana (HCG), estrogênios,
progesterona e somatomamotrofina coriônica humana. Os três primeiros hormônios e, provavelmente, o quarto são
essenciais para uma gravidez normal.

A gonadotrofina coriônica humana causa persistência do corpo‑lúteo e impede a menstruação


A HCG, um hormônio glicoproteico, é produzida pelas células trofoblásticas, e a sua síntese começa 8 a 9 dias após a
fertilização. A HCG alcança o sangue materno e liga-se a receptores do hormônio luteinizante (LH) nas células do
corpo-lúteo. Aproximadamente nesse momento, os níveis de LH começam a diminuir; se não ocorrer fertilização, o
corpo-lúteo involui e a menstruação começa em alguns dias. O efeito da HCG sobre o corpo-lúteo é o mesmo que o
do LH; a HCG mantém a função do corpo-lúteo e continua estimulando a secreção de grandes quantidades de
progesterona e estrogênio, de modo que o endométrio possa continuar em um estado viável capaz de sustentar o
desenvolvimento inicial do embrião. Em consequência da secreção de HCG, não ocorre menstruação.
Além disso, a HCG liga-se aos receptores de LH nas células de Leydig dos testículos de embriões masculinos e
estimula a secreção de testosterona, que é essencial para a diferenciação dos órgãos sexuais masculinos.

Estrogênio e progesterona
As células sinciciais trofoblásticas da placenta secretam estrogênios e progesterona. No fim da gestação, a taxa
secretora de estrogênio é aproximadamente 30 vezes maior do que a taxa normal. As concentrações elevadas de
estrogênio causam os seguintes efeitos:

Aumento do útero da mãe


Aumento das mamas da mãe, com crescimento da estrutura dos ductos
Aumento da genitália externa da mãe.

A progesterona também é necessária para a gestação bem-sucedida. A taxa de secreção alcança 10 vezes o nível
máximo presente durante os ciclos sem gravidez. A progesterona desempenha as seguintes funções:

Promoção do armazenamento de nutrientes nas células endometriais, transformando-as em células deciduais


Redução da contratilidade do músculo liso uterino, prevenindo as contrações
Promoção da secreção de líquidos ricos em nutrientes pelo epitélio das tubas uterinas, que sustentam o zigoto antes
da implantação
Promoção do desenvolvimento dos alvéolos das mamas.

Somatomamotrofina coriônica humana


A somatomamotrofina coriônica humana é secretada pela placenta a partir da quinta semana de gestação. A função
específica desse hormônio permanece incerta, embora exerça efeitos metabólicos semelhantes aos do hormônio de
crescimento. Ela reduz a sensibilidade dos tecidos à insulina e diminui a utilização da glicose. A somatomamotrofina
coriônica humana também promove a liberação de ácidos graxos das reservas de gordura.

PARTO: O PROCESSO DE NASCIMENTO DO BEBÊ

Aumento da excitabilidade uterina próximo ao termo


Próximo ao fim da gestação, o útero torna-se progressivamente mais excitável até que inicia contrações rítmicas
fortes que expulsam o feto. As alterações nos níveis hormonais e nas propriedades mecânicas do útero e seus
conteúdos contribuem para o aumento da contratilidade uterina.
Fatores hormonais aumentam a contratilidade uterina. Com início no sétimo mês de gestação, a taxa de
secreção de progesterona permanece constante, ao passo que a taxa de secreção de estrogênio continua aumentando.
Embora a progesterona reduza a contratilidade do músculo liso uterino, o estrogênio tem o efeito oposto. Como a
razão estrogênio‑progesterona aumenta durante as semanas finais da gestação, a excitabilidade do órgão aumenta.
A ocitocina, que é secretada pela neuro-hipófise, pode causar contrações uterinas. Durante as semanas finais da
gestação, os receptores de ocitocina nas células do músculo liso uterino aumentam, o que eleva a intensidade da
resposta. No início do trabalho de parto, a concentração de ocitocina está consideravelmente elevada acima do
normal e, provavelmente, contribui para o mecanismo do parto.
A distensão do útero e do colo do útero aumenta a contratilidade uterina. A distensão do músculo
liso aumenta a sua excitabilidade. O tamanho do feto próximo ao fim da gestação provoca a distensão contínua do
útero, e os movimentos vigorosos do feto em maturação produzem distensão intermitente de partes da parede
muscular lisa do órgão. Assim, o colo do útero torna-se acentuadamente distendido à medida que o fim da gestação
se aproxima. As contrações iniciadas pela distensão dessa parte do útero podem se propagar para cima através do
corpo do útero. Além disso, o estiramento e a distensão do colo do útero induzem reflexos que provocam a liberação
de ocitocina pela neuro-hipófise.

O início do trabalho de parto: um mecanismo de feedback positivo


A partir do sexto mês de gestação, o útero sofre contrações rítmicas lentas e periódicas, denominadas contrações de
Braxton‑Hicks. À medida que a duração da gestação aumenta, a frequência e a intensidade dessas contrações também
aumentam. Em algum momento, ocorre uma contração que é suficientemente forte, e o músculo uterino é excitável o
suficiente para que a contração eleve ainda mais o nível de excitabilidade; após vários minutos, outra contração é
iniciada. Se a segunda contração for mais forte do que a primeira, o resultado consiste em uma elevação ainda maior
da excitabilidade, seguida de uma contração ainda mais forte.
Esse ciclo de feedback positivo parece operar durante o parto. Os ciclos continuam a intensificar a força das
contrações até a ocorrência final do parto.

LACTAÇÃO

Os níveis elevados de estrogênio e de progesterona durante os últimos meses de gestação


promovem as alterações de desenvolvimento finais nas mamas, preparando‑as para a lactação. O
estrogênio e a progesterona não estimulam a produção de leite pelas células alveolares. A formação de leite é obtida
por meio dos efeitos da prolactina, um hormônio da adeno-hipófise que é secretado em concentrações crescentes
durante toda a gestação. O efeito estimulatório da prolactina é bloqueado pelas altas concentrações de estrogênio e de
progesterona secretadas pela placenta, de modo que não haja formação de leite até a ocorrência do parto. Quando os
níveis de estrogênio e de progesterona caem, o efeito estimulatório da prolactina faz as células dos alvéolos
sintetizarem leite, que se acumula nos alvéolos e nos ductos da mama.
A estimulação mecânica associada à sucção induz um reflexo para o hipotálamo, com liberação
de ocitocina pela neuro‑hipófise. A ocitocina é transportada no sangue até a mama e causa a contração das
células mioepiteliais, que circundam os ductos da mama. A contração aumenta a pressão do leite que preenche os
ductos, fazendo ele fluir do mamilo para o lactente. Em geral, o leite não é ejetado das mamas até que o lactente
sugue o mamilo.
Depois do parto, os níveis de prolactina tendem a cair para níveis não gestacionais. Entretanto, a estimulação dos
mamilos associada à amamentação aumenta a liberação de prolactina, que, por sua vez, estimula a produção de leite.
Quanto maior for a duração da amamentação, maior será a resposta da prolactina e maior será a quantidade de leite
produzida pelas mamas.
Esse sistema de controle por feedback, regulado pelo desejo de leite do lactente e pela duração da amamentação,
proporciona um suprimento bem regulado de leite para o lactente desde o seu nascimento até 1 ano ou mais após o
nascimento. Quando o lactente interrompe a amamentação, o sinal para a secreção de prolactina cessa, e a produção
de leite declina rapidamente.
A prolactina é regulada pela liberação hipotalâmica do fator inibidor da prolactina, que se acredita que seja a
dopamina. A liberação elevada de dopamina pelo hipotálamo inibe a secreção de prolactina pela hipófise.
Durante o período de amamentação, o ciclo ovariano da mãe é interrompido, de modo que a ovulação e a
menstruação não ocorrem por vários meses após o parto.
O leite humano é composto de 88,5% de água, 3,3% de gordura, 6,8% de lactose e 0,9% de caseína e outras
proteínas e minerais. Quando a mulher está produzindo uma grande quantidade de leite para suprir as necessidades
de um grande bebê em rápido crescimento, ela pode secretar de 2 a 3 g de fosfato de cálcio no leite por dia. Isso pode
levar à depleção de cálcio dos ossos se a mãe não escolher cuidadosamente uma dieta rica em cálcio.
CAPÍTULO 84

Fisiologia Fetal e Neonatal

CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO FUNCIONAL FETAL

Durante as primeiras 2 a 3 semanas após a implantação do blastocisto, o feto permanece quase microscópico;
entretanto, após esse período, o comprimento do feto aumenta quase proporcionalmente à idade, e o peso dele é
aproximadamente proporcional ao cubo do comprimento. Durante o último trimestre de gravidez, o feto ganha peso
rapidamente, de modo que o peso final ao nascer varia de 2 a 5 kg em lactentes saudáveis com períodos gestacionais
normais.
Sistema circulatório. O coração começa a bater durante a quarta semana após a fertilização, que é
aproximadamente o mesmo tempo em que são formadas as primeiras hemácias não nucleadas. Durante os primeiros
dois terços da gestação, as hemácias são formadas fora da medula óssea; somente durante os 3 últimos meses de
gestação é que a maior parte das hemácias é formada na medula óssea.
Sistema respiratório. Embora ocorram alguns movimentos respiratórios durante o primeiro e o segundo
trimestres, eles são inibidos nos 3 meses finais da gestação. Essa inibição impede o enchimento dos pulmões com
restos do líquido amniótico.
Sistema nervoso. A organização geral do sistema nervoso central é completada durante os primeiros meses de
gestação, porém o desenvolvimento continua após o nascimento, e a mielinização completa só ocorre após cerca de 1
ano de vida pós-natal.
Sistema digestório. Na metade da gestação, o feto ingere líquido amniótico e excreta mecônio do trato
gastrointestinal. O mecônio é composto de resíduos de líquido amniótico e produtos de degradação e restos do
epitélio do trato gastrointestinal. Nos 2 a 3 meses finais de gestação, a função do trato gastrointestinal aproxima-se
do recém-nascido saudável.
Rins. Os rins fetais podem formar urina a partir do segundo trimestre, e a micção ocorre durante a segunda
metade da gestação. O desenvolvimento anormal dos rins ou o comprometimento grave da função renal do feto
reduzem acentuadamente a formação de líquido amniótico (oligoidrâmnio) e podem levar à morte fetal. A
capacidade dos rins de regular a composição do líquido extracelular é pouco desenvolvida até vários meses depois do
nascimento.
Metabolismo fetal. O feto utiliza principalmente a glicose para obtenção de energia e tem muita capacidade de
armazenar gordura e proteína, com grande parte da gordura sintetizada a partir da glicose, em vez de ser absorvida
diretamente da circulação sanguínea da mãe.
O feto acumula, em média, cerca de 22,5 g de cálcio e 13,5 g de fósforo durante a gestação. Cerca da metade
desse acúmulo ocorre nas últimas 4 semanas antes do nascimento, o que é coincidente com o período de rápida
ossificação dos ossos fetais e com o período de rápido ganho de peso do feto.

ADAPTAÇÕES DO BEBÊ À VIDA EXTRAUTERINA

O início da respiração. Normalmente, um bebê começa a respirar nos primeiros segundos após o parto. Os
estímulos para a ativação súbita do sistema respiratório provavelmente incluem a hipóxia, que ocorre durante o parto,
e o súbito resfriamento da face, com a exposição ao ar.
Em geral, o padrão normal de respiração desenvolve-se no primeiro minuto após o parto, embora, em alguns
casos, o início da respiração possa ser atrasado. Os recém-nascidos podem tolerar 8 a 10 minutos sem respirar antes
que ocorra dano permanente; em adultos, ocorre morte ou dano grave se a respiração for interrompida durante 4 a 5
minutos.
Expansão dos pulmões ao nascimento. A tensão superficial dos pulmões preenchidos por líquido ao
nascimento mantém os alvéolos em um estado de colapso. São necessários aproximadamente 25 mmHg de pressão
inspiratória negativa para superar a tensão superficial. Ao nascimento, as primeiras inspirações são fortes e geram até
60 mmHg de pressão intrapleural negativa.

Reajustes circulatórios no nascimento


Ocorrem duas alterações principais da circulação fetal ao nascimento:

Ocorre a duplicação da resistência vascular sistêmica em consequência da perda da placenta, que tem resistência
vascular muito baixa. Essa duplicação aumenta a pressão aórtica e as pressões ventricular esquerda e atrial esquerda
Ocorre a redução de cinco vezes da resistência vascular pulmonar, em consequência da expansão dos pulmões após
a primeira inspiração. Como resultado, há uma diminuição das pressões arterial pulmonar, ventricular direita e atrial
direita.

Após essas alterações iniciais, ocorrem várias outras alterações:

O forame oval, localizado entre os átrios direito e esquerdo, se fecha, visto que a pressão no lado esquerdo é maior
do que a pressão no lado direito
Ocorre o fechamento do ducto arterioso entre a artéria pulmonar e a aorta descendente
Ocorre o fechamento do ducto venoso. Durante a vida fetal, o ducto venoso transporta sangue da veia umbilical e do
leito porta fetal diretamente para a veia cava inferior, sem passar pelo fígado fetal.

Com essas adaptações, a circulação fetal é transformada, em poucas horas, na configuração neonatal.

PROBLEMAS FUNCIONAIS ESPECIAIS NO RECÉM‑NASCIDO

No recém-nascido, os sistemas de controle hormonais e neurais são, em sua maioria, pouco desenvolvidos e, com
frequência, instáveis.
Sistema respiratório. Devido à capacidade residual relativamente pequena (menos da metade do volume por
quilograma de peso corporal, em comparação com adultos) e à taxa metabólica relativamente alta do recém-nascido,
juntamente à imaturidade dos componentes neurais do sistema de controle respiratório, os valores da gasometria
flutuam amplamente nas primeiras semanas de vida.
Circulação. O volume sanguíneo ao nascimento é, normalmente, de cerca de 300 ml. Se o bebê ficar conectado
à placenta por alguns minutos após o nascimento, cerca 75 ml de sangue adicional podem entrar no seu sistema
circulatório, o que equivale a uma transfusão de 25% do volume sanguíneo. Essa sobrecarga pode contribuir para a
elevação da pressão atrial esquerda e a tendência ao desenvolvimento de edema pulmonar.
Equilíbrio hídrico e função renal. Com base em um quilograma de peso corporal, o recém-nascido ingere
sete vezes mais líquido do que um adulto. Além disso, a taxa metabólica por quilograma de peso corporal do recém-
nascido é duas vezes maior que a do adulto. Esses e outros fatores podem contribuir para o aparecimento de
problemas no recém-nascido, relacionados com a regulação do equilíbrio hídrico, as concentrações de eletrólitos, o
pH e a pressão coloidosmótica. O desenvolvimento funcional dos rins não está completo até o fim do primeiro mês
de vida.
Função hepática. A bilirrubina, formada a partir da degradação da hemoglobina das hemácias, normalmente é
excretada pelo fígado na bile após ser conjugada com ácido glicurônico. No entanto, o fígado do recém-nascido tem
uma capacidade inadequada de conjugar a bilirrubina na taxa em que ela é formada. Em consequência, a
concentração sanguínea de bilirrubina aumenta nos primeiros 3 dias após o nascimento e, em seguida, retorna ao
normal, à medida que aumenta a capacidade do fígado. Essa condição é denominada hiperbilirrubinemia fisiológica
e pode ser observada em alguns casos como icterícia leve ou coloração amarelada da pele e da esclera dos olhos.
Além dos problemas potenciais associados à conjugação da bilirrubina, a capacidade limitada do fígado durante
os primeiros dias de vida pode levar à dificuldade de sintetizar quantidades adequadas de proteínas para manter a
pressão coloidosmótica, quantidades adequadas de glicose e quantidades suficientes dos fatores necessários para a
coagulação. Essas limitações potenciais da função hepática diminuem rapidamente durante as primeiras semanas de
vida pós-natal.
Digestão e metabolismo. A capacidade de absorção gastrointestinal e a função digestiva hepática do recém-
nascido são limitadas, em certo grau, da seguinte maneira:

A absorção de amidos é limitada pela secreção deficiente de amilase pancreática, que decompõe carboidratos
complexos, como os amidos
A absorção de gordura não é tão grande em recém-nascidos como em crianças de mais idade
A capacidade gliconeogênica do fígado não é suficiente em muitos recém-nascidos para manter o nível de glicemia
na faixa normal por longos períodos após a alimentação. Por conseguinte, é importante manter o recém-nascido com
um esquema de alimentação frequente.

Todas essas limitações gastrointestinais estão exacerbadas em lactentes pré-termo. A capacidade limitada de
absorção de amidos e de gorduras é agravada pela alimentação com fórmulas à base de leite de vaca fornecida a
lactentes pré-termo e recém-nascidos. Os carboidratos e as gorduras do leite humano são digeridos e absorvidos mais
facilmente do que os de preparações de leite não humano e fórmulas.
A taxa metabólica basal do recém-nascido é duas vezes maior por quilograma de peso corporal do que a do
adulto, e a razão entre área de superfície e peso corporal é muito maior nos recém-nascidos do que nos adultos. Em
consequência, o controle da temperatura corporal é relativamente instável, em particular nos lactentes pré-termo.
PARTE 15

Fisiologia do Exercício

Capítulo 85 Fisiologia do Exercício


CAPÍTULO 85

Fisiologia do Exercício

Poucos estresses do dia a dia aos quais o corpo fica exposto aproximam-se do extremo estresse do exercício pesado.
Por exemplo, a taxa metabólica pode aumentar 100% em uma pessoa com febre alta, porém a taxa metabólica de um
maratonista pode aumentar até 2.000% acima do normal durante uma corrida.

ATLETAS FEMININOS E MASCULI NOS

Uma grande parte dos dados quantitativos relativos às respostas fisiológicas ao exercício provém de atletas jovens do
sexo masculino; as medições em atletas mais velhos e em mulheres são muito menos completas. Para medidas que
foram realizadas em atletas do sexo feminino ou em atletas mais velhos, aplicam-se princípios fisiológicos básicos
semelhantes, exceto por diferenças quantitativas produzidas por diferenças no tamanho do corpo, na composição
corporal e em diferenças nos hormônios sexuais.
O tamanho do corpo e a massa muscular influenciam acentuadamente a força muscular, a ventilação pulmonar e
o débito cardíaco, cujos valores em mulheres são 65 a 75% dos valores encontrados em homens. Entretanto, quando
medido em termos de força por centímetro quadrado de área transversal de músculo, uma mulher pode alcançar a
mesma força máxima de contração dos homens: 3 a 4 kg/cm2. Uma grande parte da diferença no desempenho atlético
de homens e mulheres deve-se à menor massa muscular das mulheres. A testosterona é responsável sobretudo pelo
aumento da massa muscular nos homens e exerce efeitos anabólicos fortes sobre a deposição de proteína nos
músculos. Até mesmo um homem não atlético pode ter 40% a mais de massa muscular do que a sua parceira
feminina. Em comparação, o estrogênio em mulheres causa o aumento da deposição de gordura nas mamas e no
tecido subcutâneo. Uma mulher não atlética pode ter cerca de 34% de gordura corporal, em comparação com 23%
em um homem não atlético. Contudo, as porcentagens médias de gordura corporal são mais altas em homens e
mulheres mais velhos e aumentaram substancialmente nos últimos 20 a 30 anos com o incremento da prevalência da
obesidade na maioria dos países.

MÚSCULOS EM EXERCÍCIO

A força contrátil de um músculo está diretamente relacionada com o seu tamanho. Uma pessoa
com músculos volumosos geralmente é mais forte do que uma com músculos pequenos. O músculo mais forte do
corpo é o músculo quadríceps, que pode ter uma área de seção transversa de até 150 cm2 e força contrátil máxima de
525 kg em um levantador de peso de competição mundial. Quando um atleta utiliza os músculos quadríceps para o
levantamento de peso, uma enorme quantidade de estresse é aplicada ao tendão patelar. Essa ou qualquer outra
atividade altamente vigorosa exerce muito estresse sobre as articulações, os tendões e os ligamentos. A força de
sustentação de um músculo é aproximadamente 40% maior do que a força de contração máxima e é a força
necessária para o alongamento de um músculo após a sua contração.

Tabela 85.1Potência muscular de um atleta altamente treinado durante o exercício.

Tempo Potência muscular (kgm/min)


Primeiros 8 a 10 s 7.000
Próximo 1 min 4.000
Próximos 30 min 1.700

A potência de um músculo é a quantidade de trabalho que pode ser realizado por unidade de
tempo. A potência é determinada não apenas pela força do músculo, mas também pela distância de sua contração e
pelo número de vezes que ele se contrai por minuto, o que geralmente é medido em quilogrâmetros por minuto
(kgm/min). A Tabela 85.1 mostra que a potência muscular é muito elevada durante os primeiros 8 a 10 segundos de
exercício e, em seguida, diminui.
Ocorre um grande surto de potência em uma corrida de 100 metros; todavia, em uma corrida com distância
maior, dispõe-se de níveis de potência muito mais baixos – de cerca de 25%. Apesar disso, a velocidade alcançada
em uma corrida de 100 metros é apenas cerca de 1,75 vez superior àquela alcançada em uma corrida de 10 mil
metros.
A resistência depende da manutenção de um suprimento nutricional ao músculo. Conforme
observado na Tabela 85.2, uma pessoa que consome uma dieta rica em carboidratos armazena mais glicogênio nos
músculos, o que aumenta a sua resistência em corridas com velocidade de maratona. Com frequência, os
maratonistas consomem grandes quantidades de carboidratos no dia anterior à corrida.

Sistemas metabólicos musculares no exercício


As fontes básicas de energia para a contração muscular são as seguintes:

Sistema de fosfocreatina-creatina (ou sistema dos fosfagênios)


Sistema de glicogênio-ácido láctico
Sistema aeróbico.

O trifosfato de adenosina constitui a fonte básica de energia para a contração muscular. O


trifosfato de adenosina (ATP), que consiste em adenosina com três ligações fosfato de alta energia, fornece as
necessidades de energia em curto prazo das fibras musculares. O ATP é convertido em difosfato de adenosina (ADP)
pela remoção de um radical de fosfato de alta energia; isso libera 7.300 calorias por mol de ATP. Essa energia é
utilizada para a contração muscular à medida que o ATP se combina com os filamentos de miosina. A remoção de
outro radical de fosfato converte o ADP em monofosfato de adenosina (AMP) e fornece 7.300 calorias adicionais por
mol de ADP.
A quantidade de ATP presente no músculo mantém a contração muscular máxima por apenas 3 segundos, porém
o sistema de fosfocreatina também fornece energia. A combinação do ATP celular com o sistema de fosfocreatina é
denominada sistema de energia dos fosfagênios.

Tabela 85.2Efeitos da reserva de glicogênio sobre a resistência durante o exercício.

Armazenamento de glicogênio no Tempo de resistência na velocidade


Dieta músculo (g/kg de músculo) de maratona (min)

Rica em 40 240
carboidratos

Mista 20 120
Rica em 6 85
gordura

A fosfocreatina (ou fosfato de creatina) é a combinação de creatina e um radical fosfato conectado a uma ligação
de fosfato de alta energia, que, quando rompida, fornece 10.300 calorias por mol. Soma-se à importância desse
sistema o fato de que as células musculares têm 2 a 4 vezes mais fosfocreatina do que ATP.
A fosfocreatina combina-se reversivelmente com o ADP para formar ATP e creatina na célula. Todavia, esse
sistema de energia do fosfagênio, por si só, fornece energia suficiente apenas para 8 a 10 segundos de contração
muscular máxima ou energia quase suficiente para uma corrida de 100 metros. Por conseguinte, a energia do sistema
dos fosfagênios é utilizada para explosões máximas curtas de força muscular.
O sistema glicogênio‑ácido láctico fornece energia por meio do metabolismo anaeróbico. O
glicogênio armazenado no músculo é rapidamente clivado em moléculas de glicose, que podem ser utilizadas para
energia. O estágio inicial desse processo é denominado glicólise; ele ocorre na ausência de oxigênio e é denominado
metabolismo anaeróbico. Nesse processo, o glicogênio é, em grande parte, convertido em ácido láctico e fornece
quatro moléculas de ATP para cada molécula de glicose. Uma vantagem do sistema glicogênio-ácido láctico é que
ele forma ATP 2,5 vezes mais rapidamente do que o metabolismo oxidativo nas mitocôndrias. O sistema fornece
energia suficiente para uma contração muscular máxima por 1,3 a 1,6 minuto.
Para períodos prolongados de uso do músculo, a energia para a contração muscular precisa ser fornecida por
meio do sistema aeróbico. Nesse sistema, a glicose, os ácidos graxos e os aminoácidos são oxidados nas
mitocôndrias para formar ATP.
A recuperação dos sistemas de energia após o exercício exige oxigênio. Após a conclusão do
exercício, as fontes de energia do músculo precisam ser reconstituídas. Qualquer ácido láctico formado durante o
exercício é convertido em ácido pirúvico e, em seguida, metabolizado oxidativamente ou reconvertido em glicose
(principalmente no fígado). A glicose hepática extra forma glicogênio, que reabastece as reservas de glicogênio nos
músculos.
O sistema aeróbico também é reabastecido após o exercício de duas maneiras:

A respiração acelerada que continua após o exercício reabastece o débito de oxigênio. O débito de oxigênio é o
déficit de oxigênio armazenado no corpo como ar nos pulmões, dissolvido nos líquidos corporais e combinado com a
hemoglobina e a mioglobina
O glicogênio é recuperado no músculo. Esse processo pode levar dias para ser concluído após um exercício extremo
de longa duração, e o tempo de recuperação depende altamente da dieta da pessoa. Uma pessoa que consome uma
dieta rica em carboidratos reabastece os depósitos de glicogênio muscular muito mais rápido do que uma pessoa que
consome uma dieta mista ou rica em gordura.

O treinamento de resistência máxima aumenta a força muscular


Se os músculos forem exercitados sem carga, mesmo durante horas, ocorrerá pouco aumento do tamanho ou da
força. Entretanto, os músculos que se contraem com pelo menos 50% da força máxima algumas vezes por dia, 3
vezes/semana, desenvolverão força rapidamente, e a massa muscular aumentará. Experimentos mostraram que seis
contrações musculares quase máximas realizadas em três séries a cada dia, 3 dias por semana, produzem aumento
quase ideal da força muscular, sem produzirem fadiga muscular crônica. A maior parte da hipertrofia é causada pelo
aumento do tamanho das fibras musculares, porém o número de fibras aumenta moderadamente. Ocorrem outras
alterações no músculo durante o treinamento, incluindo as seguintes:

Aumento do número de miofibrilas


Aumento de até 120% nas enzimas mitocondriais
Aumento de 60 a 80% nos componentes do sistema de energia dos fosfagênios
Aumento de 50% no armazenamento de glicogênio
Aumento de 75 a 100% no armazenamento de triglicerídios.

Fibras musculares de contração rápida e de contração lenta


As fibras musculares de contração rápida permitem a contração rápida e vigorosa dos músculos da pessoa. As fibras
de contração lenta são utilizadas para a atividade muscular prolongada das pernas. As diferenças entre as fibras de
contração rápida e de contração lenta incluem as seguintes:

As fibras de contração rápida têm diâmetro cerca de duas vezes maior do que as fibras de contração lenta
As enzimas que liberam energia dos sistemas de energia dos fosfagênios e do glicogênio-ácido láctico são 2 a 3 vezes
mais ativas nas fibras de contração rápida
As fibras de contração lenta são mais utilizadas para o exercício de resistência e utilizam o sistema aeróbico de
energia; há mais mitocôndrias nas fibras de contração lenta do que nas fibras de contração rápida
As fibras de contração lenta contêm mais mioglobina, uma substância semelhante à hemoglobina que se combina
com o oxigênio no músculo
A densidade capilar nas fibras de contração lenta excede a das fibras de contração rápida.

As fibras de contração rápida geram uma grande potência em um curto período, como durante uma corrida de
alta velocidade. Em contrapartida, as fibras de contração lenta são utilizadas para exercícios de resistência, como as
maratonas.

RESPIRAÇÃO NO EXERCÍCIO

O consumo máximo de oxigênio aumenta durante o treinamento atlético. O consumo máximo de


oxigênio ( ) de um homem médio não treinado é de cerca de 3.600 ml/ min; essa taxa aumenta para 4.000 ml/min
em homens com treinamento atlético e para 5.100 ml/min nos maratonistas do sexo masculino. O máximo
aumenta durante o treinamento, porém os altos valores observados em maratonistas competitivos podem ser, em
parte, geneticamente determinados por certos fatores, como grande capacidade pulmonar em relação ao tamanho do
corpo e força dos músculos respiratórios.
No exercício máximo, a ventilação pulmonar é de 100 a 110 l/min, porém a capacidade respiratória máxima
ultrapassa esse valor em 50%. Os pulmões apresentam um mecanismo de segurança integrado, que pode ser útil se o
exercício for realizado (1) em grandes altitudes, (2) em condições de calor ou (3) na presença de alguma
anormalidade no sistema respiratório.
A capacidade pulmonar de difusão de oxigênio aumenta em atletas. A capacidade de difusão de
oxigênio é a velocidade de difusão do oxigênio dos alvéolos para o sangue por mmHg de pressão de oxigênio.
Durante o exercício, a capacidade de difusão aumenta em um não atleta de um valor em repouso de 23 para 48
ml/min por mmHg. A capacidade de difusão aumenta durante o exercício, principalmente devido à abertura dos
capilares pulmonares subperfundidos, proporcionando maior área de superfície para a difusão de oxigênio.

SISTEMA CARDIOVASCULAR NO EXERCÍCIO

Conforme discutido no Capítulo 20, o fluxo sanguíneo através do músculo aumenta até 25 vezes acima do normal
durante o exercício. A maior parte do fluxo sanguíneo muscular ocorre entre as contrações, visto que os vasos
sanguíneos são comprimidos durante o processo contrátil. A elevação da pressão arterial durante o exercício aumenta
diretamente o fluxo. A distensão das paredes arteriolares pela elevação da pressão diminui a resistência vascular e
aumenta muito mais o fluxo.
O treinamento atlético aumenta o volume sistólico e diminui a frequência cardíaca em repouso.
Quando uma pessoa inicia um treinamento aeróbico extenso, com frequência o tamanho do coração e o débito
cardíaco máximo aumentam. Portanto, o volume sistólico aumenta, e a frequência cardíaca em repouso diminui. A
Tabela 85.3 mostra os resultados do treinamento. Observe que o volume sistólico aumenta apenas 50% durante o
exercício máximo de um maratonista, ao passo que a frequência cardíaca aumenta 270%. O débito cardíaco pode ser
calculado a partir dos dados na Tabela 85.3 por meio da seguinte fórmula:

Débito cardíaco = Volume sistólico × Frequência cardíaca

O aumento da frequência cardíaca fornece uma proporção muito maior do aumento do débito cardíaco em um
maratonista do que o aumento do volume sistólico.
O coração limita a quantidade de exercício que pode ser executado. No exercício máximo, o débito
cardíaco corresponde a 90% de seu valor máximo, porém a ventilação pulmonar equivale a apenas 65% de seu valor
máximo. Em geral, o sistema cardiovascular limita a quantidade de exercício que pode ser realizada.
Durante qualquer tipo de doença cardíaca, o débito cardíaco máximo diminui, o que limita a quantidade de
exercício que pode ser realizada. Qualquer tipo de doença respiratória capaz de limitar gravemente a ventilação
pulmonar ou a capacidade de difusão de oxigênio também limita o exercício.

Tabela 85.3Comparação do débito cardíaco entre maratonistas e não atletas.

Condição Volume sistólico (ml) Frequência cardíaca (batimentos/min)


Em repouso
Não atleta 75 75
Maratonista 105 50
Máxima
Não atleta 110 195
Maratonista 162 185

TEMPERATURA CORPORAL NO EXERCÍCIO

O corpo produz uma grande quantidade de calor durante o exercício, e problemas com a eliminação desse calor
podem limitar o exercício. As condições de calor e umidade limitam a perda de calor e podem levar à intermação,
cujos sintomas consistem em náuseas, fraqueza, cefaleia, sudorese profusa, confusão, tontura, colapso e perda da
consciência. A pessoa é tratada por meio de redução da temperatura corporal o mais rápido possível.
Além disso, ocorre desidratação em condições de calor e umidade durante o exercício, podendo levar a náuseas,
cãibras musculares e outros efeitos. A terapia consiste na reposição das perdas de líquido, sódio e potássio.

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