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Essencia e Reduplicacao em Tomas de Aqui
Essencia e Reduplicacao em Tomas de Aqui
NA FILOSOFIA MEDIEVAL
Marco Aurélio Oliveira da Silva (Org.)
LINGUAGEM E VERDADE
NA FILOSOFIA MEDIEVAL
2013
Copyright © Quateto Editora
Projeto gráfico
Quarteto Editora
Capa
AtelierCasa de Criação
Coleção Empiria
Editor: João Carlos Salles
xxxxx xxxxx
– Salvador: Quarteto Editora, 2013.
208 p.
Inclui referências
ISBN 978-85-8005-xxxxx
1xxxxx
CDU xxxxx
Quarteto Editora
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Sumário
Apresentação ........................................................................................... 9
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Desse modo, ao considerar os dois trechos supracitados, podería-
mos chegar às seguintes postulações aparentemente contraditórias:
a) tudo no indivíduo é individual;
b) a natureza comum existe nas coisas.
Portanto, a hipótese (1) resolveria a aparente contradição ao deixar
de lado a afirmação (b), que postula a existência da natureza comum nos
indivíduos, enquanto a hipótese (2) resolveria a mesma contradição apa-
rente ao deixar de lado a afirmação (a), segundo a qual tudo no indivíduo
existe individualizado, nada existe universalizado.
Mas, para resolver esta questão, faz-se mister uma análise do con-
ceito de EAC e – neste artigo em particular – da sua relação com as propo-
sições reduplicativas4.
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“A enquanto A é B”, no qual “A” expressa um termo geral
qualquer, ao passo que “B” expressa o que se predica
essencialmente de A, ou seja, de A enquanto A7.
7
Esta relação entre a modalidade do predicado, se é acidental ou essencial, e a proposição
reduplicativa é apresentada por Tomás de Aquino no Comentário às Sentenças de Pedro
Lombardo: “Mas, predicado essencial pode ser predicado de qualquer sujeito com redupli-
cação, assim como em ‘Sócrates enquanto é homem é animal’, porque animal predica-se per
se de homem.” Cf. Sup. III Sent., d.10, q.1, a.1, qc.2 s.c.1 “Sed praedicatum essentiale
potest praedicari de subjecto quocumque cum reduplicatione, sicut Socrates in quantum est
homo, est animal: quia animal per se de homine praedicatur.” (tradução própria).
8
Tomo esta interpretação do comportamento semântico das reduplicativas infinitas a
partir de Tomás de Vio Caetano, que afirma no seu comentário ao De ente et essentia
o seguinte: “Com efeito, é o caso que da [proposição] afirmativa com predicado infinito
segue-se a negativa, e vice versa, como é dito no II do Perihermeneias, mas apenas quando
não são reduplicativas; com a reduplicação, no entanto, é o caso que a partir da afirmativa
de predicado infinito segue-se a negativa de predicado finito, mas não o inverso. Assim, com
efeito, de ‘Homem nisto pelo qual é homem não é branco’ não se segue que ‘Homem nisto
pelo qual é homem é não-branco’”. Cf. Commentarium super De Ente et Essentia, q.VII,
“Licet enim ex affirmativa de praedicato infinito sequatur negativa, et e converso, ut dici-
tur in II Perihermenias, quando non sunt reduplicativae; cum reduplicatione tamen licet
ex affirmativa de praedicato infinito, sequatur negativa se praedicato finito, non tamen e
contra. Hanc enim, Homo in eo quod homo non est albus, non sequitur ista, Homo in eo
quod homo est non albus.”(CAETANO, 1907, p. 97; tradução própria)
9
Denomino a proposição de infinita para tornar a apresentação mais clara. Contudo,
o mais preciso é que Tomás de Aquino admite apenas duas formas lógicas quanto à
qualidade, a forma afirmativa e a negativa (cf In I Peryerm., l. VIII, n. 90). Ocorre que
o predicado tanto de uma forma como de outra pode ser ou bem finito ou infinito.
Será infinito quando o predicado for precedido de um advérbio de negação, que negue
o próprio predicado, e não a cópula.
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Esta explicação da noção de EAC em função do comportamento
das proposições reduplicativas ajuda a solucionar outra tese apresentada no
DEE que, segundo Tomás de Aquino, a EAC deve ser compreendida inde-
pendentemente do seu modo de existência10. Isto pode ser compreendido
de acordo com as considerações acima acerca da distinção entre predicação
acidental e predicação essencial, ressaltando que, na filosofia de Tomás de
Aquino, “existir” é um predicado real e não apenas gramatical.
A essência homem, por exemplo, é considerada de modo absoluto
através do reduplicativo: “homem enquanto homem”, portanto, acerca dos
dois modos de existência considerados por Tomás, no intelecto e na coisa,
podemos observar o seguinte:
a) “homem enquanto homem não existe no intelecto” é uma sen-
tença verdadeira;
b) “homem enquanto homem é não-existente no intelecto” é uma
sentença falsa;
c) “homem enquanto homem não existe na realidade” é uma sen-
tença verdadeira;
d) “homem enquanto homem é não-existente na realidade” é uma
sentença falsa.
Ora, a partir destas quatro sentenças consideradas podemos obser-
var que tanto a existência no intelecto quanto a existência na realidade são
propriedades acidentais da essência homem, daí a essência homem abso-
lutamente considera (humanidade) não existir nem na realidade nem no
intelecto, o que se segue das sentenças (a) e (c). Contudo, a EAC não é um
puro nada, o que à primeira vista poderia sugerir a formulação tomasiana
“não existe nem no intelecto nem na realidade” (DEE, cap. 3). Portanto,
a tese aparentemente paradoxal pode ser esclarecida ao ser formulada dos
três seguintes modos:
10
Neste sentido, Tomás de Aquino afirma que “[...] a natureza do homem, absolutamente
considerada, abstrai de qualquer ser (esse), de tal modo, porém, que não haja exclusão (pra-
ecisio) de nenhum deles” (DEE, cap. 3, ed. Leon, p. 37468-70; ed. bras., 1995, 32). “[...]
ergo patet quod natura hominis absolute considerata abstrahit a quolibet esse, ita tamen
quod non fiat precisio alicuius eorum”.
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considerada não existe nem no intelecto nem na realidade” não exclui que
a essência deva existir ou no intelecto ou na realidade, assim como da sen-
tença “[...] homem enquanto homem não é branco nem não-branco” não
exclui que homem seja ou branco ou não-branco.
Ademais, o que quer que seja predicado de “homem enquanto ho-
mem” é predicado de um homem singular, o que equivale a dizer que os pre-
dicados essenciais de uma espécie se aplicam aos indivíduos que instanciam
esta espécie. Nesse sentido, Tomás de Aquino afirma: “[...] Com efeito, o que
quer que convenha a homem enquanto é homem predica-se de Sócrates”11.
Um ponto importante aqui é afirmado acerca da apreensão dos
entes individuais pelo aparato cognitivo humano. Se por um lado os indi-
víduos são apreendidos sensivelmente através dos órgãos sensoriais, faz-se
necessário que pari passu haja alguma apreensão intelectiva para que se
possa julgar acerca de um determinado indivíduo. Em outras palavras, na
visão tomasiana os nomes próprios abreviam a junção de um pronome
demonstrativo e de um termo geral, como, por exemplo, “Cálias” – o qual
pode ser substituído por “este homem”12. Portanto, para Tomás a propo-
sição “Cálias é branco” é equivalente à proposição “este homem chamado
‘Cálias’ é branco”.
Isto ocorre porque o intelecto apreende o que é universal, o que é
comum a vários, ao passo que a apreensão dos indivíduos enquanto tais é
tarefa dos órgãos sensoriais e dos sentidos internos, como a imaginação e
a memória.
Portanto, de “A enquanto A é B” pode-se inferir “este A é B”, como,
por exemplo, de “homem enquanto homem é mamífero” segue-se que “este
11
“Quicquid enim convenit homini in quantum est homo praedicatur de Sorte” (DEE, cap.
3, ed. Leon, p. 375131-132; tradução própria).
12
Neste sentido, Tomás de Aquino afirma o seguinte: “Conhece-se, com efeito, Cálias não
apenas enquanto é Cálias, mas também enquanto é este homem, e do mesmo modo, [conhe-
ce-se] Sócrates na medida em que é este homem.”. No original latino, lê-se: “Cognoscit
enim calliam non solum in quantum est callias, sed etiam in quantum est hic homo, et
similiter socratem in quantum est hic homo” (Cf. In 2os Anal., II, l.20, n.40; tradução
própria).
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(iii) “este homem enquanto homem é racional”;
(iv) “Sócrates é racional”.
Repare-se que no passo (iii), a expressão “este homem enquanto ho-
mem”, embora tenha por sujeito uma descrição singular (“este homem”),
visa considerar aspectos essenciais deste indivíduo, daí a expressão redupli-
cativa “enquanto homem”. Portanto, admitindo que (ii) seja verdadeiro,
(iii) também será, uma vez que essa premissa é uma instanciação universal
daquela. Ora, dado que o nome próprio “Sócrates” abrevia a expressão “este
homem”, segue-se de (iii) a proposição (iv). Contudo, o procedimento no
caso dos predicados acidentais é diverso, uma vez que estes estão excluídos
da EAC. Ora, como diz Tomás no trecho acima, homem é branco não
enquanto homem, mas enquanto este homem. Neste sentido, podemos
observar o seguinte:
(ii’’) “homem enquanto homem não é branco”;
(iii’’) “este homem enquanto este homem é branco”;
(iv’’) “Sócrates é branco”.
Branco está excluído da essência homem absolutamente conside-
rada, uma vez que branco não é uma propriedade necessária de homem.
Não-branco também está excluído da mesma EAC, uma vez que ser não-
branco também não é uma propriedade necessária de homem. Contudo,
um mesmo indivíduo (este homem que é Sócrates) reúne dois predicados:
homem e branco, sendo o primeiro um predicado essencial e o último, um
predicado acidental. Desse modo, Sócrates é branco enquanto este homem
particular, mas não enquanto homem. Em outras palavras, a brancura e a
humanidade inerem em um mesmo indivíduo, o que permite predicar o
branco de este homem que é Sócrates.
Como já fora dito neste artigo, para as EAC’s, a existência singular e
a existência universal não são predicados essenciais, mas predicados aciden-
tais. Dado que a EAC é um modo de considerar as essências independen-
temente de seu modo de existir, segue-se que é acidental para uma essência
existir individualizada em Sócrates ou existir universalizada no conceito
homem, por exemplo.
15
Cf. TOMÁS DE AQUINO, ST, Iª q.85 a.2 ad2. “Et similiter cum dicitur universale
abstractum, duo intelliguntur, scilicet ipsa natura rei, et abstractio seu universalitas.” Em
português, “Semelhantemente quando se diz ‘universal abstrato’, há dois inteligidos, a
saber: a própria natureza da coisa e a abstração ou universalidade” (ed. bras., 2006: 145-
146).
16
Cf. TOMÁS DE AQUINO, In II De Anima, l.12 §380. “[...] universalia, secundum
quod sunt universalia, non sunt nisi in anima. Ipsae autem naturae, quibus accidit in-
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Portanto, esta composição entre essência e existência não deve ser
interpretada em sentido forte, como se fossem partes de um mesmo todo
integral, como ocorre com a composição hilemórfica entre forma e matéria.
Ou seja, dada a nossa interpretação do reduplicativo “enquanto homem”,
cujo resultado é a modalização do predicado da proposição reduplicativa,
deve-se observar que é falso tanto que “homem enquanto homem existe no
intelecto” [na forma afirmativa] quanto “homem enquanto homem existe
nas coisas” [na forma afirmativa].
Em contrapartida, a essência específica pode ser desmembrada em
EAC e intenção de universalidade, ou seja, em propriedades essenciais e
a existência universal da essência no intelecto. Além disso, a essência in-
dividual pode ser desmembrada em EAC e matéria assinalada, ou seja,
em propriedades essenciais e o princípio de individuação do composto
hilemórfico. Desse modo, a intenção de universalidade é o que permite a
predicação, ao passo que a EAC é o conteúdo a ser predicado.
Conclusão
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Por isso, a natureza é comum apenas no intelecto, mas está em potência
para a universalidade nos indivíduos, universalidade esta que ficará a de-
pender de um ato de abstração do intelecto.
Deste modo, não é necessário rejeitar a tese segundo a qual tudo
no indivíduo é individual, mesmo a natureza tem um modo de existência
individual. Ou seja, a natureza comum, enquanto existente no intelecto, é
composta de EAC e intenção de universalidade, ao passo que as essências
individuais possuem a natureza singularizada, em potência para estar uni-
versalizada em ato em algum intelecto. Portanto, a natureza comum tem
existência no indivíduo quanto à natureza, não quanto à universalidade18.
Referências
praeter principia, quibus unum in multa dividitur; unde relinquitur, quod universalia,
secundum quod sunt universalia, non sunt nisi in anima. Ipsae autem naturae, quibus
accidit intentio univeralitatis, sunt in rebus [...].
18
Este trabalho tem sua origem em uma pesquisa de doutorado realizada no Programa de
Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ, que contou com o apoio financeiro do CNPq.
Agradeço ao prof. Raul Landim Filho (UFRJ), que muito contribuiu com sua orien-
tação à referida pesquisa. Vale apenas ressaltar que o tratamento dado aqui às proposi-
ções reduplicativas não se encontrava na referida tese de doutorado. Agradeço ao Prof.
Abel Lassalle Casanave (UFBA), pelas conversas que tivemos sobre a forma lógica das
proposições reduplicativas, além de suas muito úteis indicações bibliográficas. Agrade-
ço, por fim, mas não menos, aos participantes do X Colóquio de História da Filosofia
Medieval, aos professores Alfredo Storck, Carlos Eduardo de Oliveira, Cristiane Ne-
greiros Ayoub, Francisco Bertelloni, Guy Hamelin, Raul Landim, Rodrigo Guerizoli e
Tadeu Verza, que muito me auxiliaram com suas questões e observações a uma versão
preliminar deste trabalho.
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c) Demais referências:
BÄCK, A. 1996. On reduplication: logical theories of qualification. Leiden,
New York & Köln: Brill.
CAETANO (THOMAE DE VIO CAETANI) 1907. Commentarium super
Opusculum De Ente et Essentia homae Aquinatis. Romae: Ex Pontificia
Officina Typographica.
CUNNINGHAM, F. A. 1958. “A heory on Abstraction in St. homas”.
he Modern Schoolman, vol. 35, p. 249-270.
LANDIM FILHO, R. F. 2004. Abstração e Juízo: observações sobre a
noção de ente e de ser em Tomás de Aquino. In: Fátima Évora, Paulo Faria,
Andréia Loparic, Luiz Henrique Lopes dos Santos & Marco Zingano.
(Org.). Lógica e Ontologia. São Paulo: Discurso, p. 189-208.
Van RIET, G. 1952. La théorie thomiste de l’abstraction. Revue Philosophique
de Louvain 50, p. 353-393.