Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A EPISTEMOLOGIA
Int rodução
Há, cont udo, dificuldades s ér ias co m essa idéia, part icular ment e sobre a
nat ureza da just ificação requer ida para a crença verdadeir a eqüivaler a
conheciment o. Propost as compet idoras t em sido oferecidas para aco lher as
dificuldades, ou para acrescent ar mais condições ou para achar u m
enunciado melhor para a definição post a. A pr imeira part e da discussão que
se segue co nsidera essas propost as.
1
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
racio nais . Quest ões sobre a nat ureza da razão, a just ificação da inferência e
a nat ureza da verdade, especialment e da verdade necessár ia, pressio na m
para sere m respondidas.
O paradigma dos empir ist as é a ciência nat ural, onde obser vações e
exper iment os são cruciais para a invest igação. A hist ór ia da ciência na era
moder na dá sust ent ação à causa do empir is mo ; mas precisament e para est a
razão, quest ões filo só ficas so bre percepção, obser vação, evidência e
exper iment o t em adquir ido grande importância.
Mas para ambas t radições em epist emologia o int eresse cent ral é se
podemos confiar nas rot as que elas respect ivament e deno mina m. Os
argument os cét icos sugerem que não podemos simplesment e assumi - las
co mo confiáveis; cert ament e, elas sugerem que t rabalho é necessár io para
mo st rar que elas são confiáveis. O esforço para responder ao cet icis mo,
port ant o, fornece um modo dist int o de ent ender o que é crucial e m
epist emo logia. A segunda part e est á concent rada na análise do cet icis mo e
algumas respost as a ele.
Há out ros debat es em epist e mo logia sobre, ent re out ras coisas, memór ia,
julgament o, int rospecção, raciocínio, dist inção " a priori¾ a post eri ori ",
mét odo cient ífico e diferenças met odológicas, difer enças met odológicas, se
há, ent re ciências da nat ureza e ciências sociais; as qu est ões consideradas
aqui são básicas para t odos esses debat es.
Conheci mento
Definição de Conheciment o
2
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Exemplos co mo est e são art ificiais, mas eles cumprem sua função; eles
mo st ram que é necessár io ser d it o mais sobre just ificação ant es de
afir mar mo s t em um relat o adequado de conheciment o.
Just ificação
Preliminar ment e, uma quest ão é sobre se t endo just ificações para acredit ar
que algu m p implica a verdade de p, po is, se assim é, co nt ra -exemplo do
t ipo mencio nado nesse mo ment o nada alcança e não precisa mos per sebuir
modos de bloqueá- lo s. Há cert ament e uma perspect iva, chamada
"infalibiis mo ", que o ferece exat ament e um t al recurso. E la est abelece que
se é verdadeiro que S conhece p, ent ão S não pode est a enganado em
acredit ar em p, e port ant o sua just ifica ção para acredit ar em p garant e sua
verdade. A afir mação é, em resumo, que alguém não pode est ar just ificado
na crença de uma proposição fa lsa.
3
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Essa perspect iva é re jeit ada pe los "falibilist as", cuja afir mação é a de que
alguém pode de fat o t er uma just ifi cação para acredit ar em algum p embora
ele seja falso. Sua consideração para o infalibilis mo vo lt a -se so bre a
ident ificação de um engano em no seu argument o sust ent ado . O engano é
que apesar de que a verdade de "S sabe que p" cert ament e nega a
possibilida de de que S est á em erro, ist o est á bem d ist ant e de dizer que S
est á sit uado de t al modo que ele não pode, possivelment e, est ar errado sobre
p. É correto dizer: (1) " é impossível para S est ar errado sobre p se ele
conhece p", mas não é invar iavelment e cert o dizer (2) "se S conhece p,
ent ão é impossível para ele est ar errado sobre p". O engano est á em pensar
que a leit ura corret a de amplo escopo (1) de "é impossível" aut oriza a
leit ura de escopo est reit o (2) que const it ui o infalibilis mo.
Fundacio nismo
Uma classe das t eorias de just ificação emprega a met áfora de uma edifí cio.
A maior ia de nossas cr enças ordinár ias requer sust ent ação de out ras; t emos
de just ificar uma dada crença apelando para out ras e mais out ras sobre as
quais ela se baseia. Mas se a cadeia de cr enças just ificadas fosse regressiva
sem um fim em uma crença que fosse de algum modo independent ement e
segura, port anto fornecendo um fundame nt o para as out ras, parecer ia falt ar
just ificação para alguma cr ença na cadeia . Parece necessár io, port ant o, que
dever ia crenças que não necessit assem de just ificação, ou que são de algu m
modo aut o -just ificadas, para ser vir a base epist êmica.
4
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Nessa perspect iva u ma crença just ificada é uma que sust ent ada por t al
crença básica ou é ela própr ia uma crença fundacio nal. Os próximo s passos,
port ant o, são os de tornar claro a noção de um "fundament o" e explicar
co mo crenças fundacio nais "sust ent am" aquelas não - fundac io nais. É
necessár io algum mo do de ent ender o fundacio nis mo sem met áforas de
const rução.
Não é suficient e apenas enunciar que uma crença fundacio nal é uma crença
que não requer nenhuma just ificação, pois deve haver uma razão do porquê
est e é o caso. O que torna uma crença independent e ou aut o -inst it uída do
modo requer ido? É padronizadament e afir mado que t ais cr enças just ificam -
se por si mesmas, ou são aut o -evident es, ou são irrevogáveis ou
incorr igíveis. Essas co isas não são as mesmas. Um crença poder ia ser aut o -
just ificada sem ser aut o -evident e (poder ia dar bo m t rabalho ver que ele se
just ifica por si mesma). Ser irr evogável quer dizer, crê -se, que nenhuma
evidência a mais, concorrent e, pode render uma dada crença insegura.
E mbora isso se ja uma propr iedade que a crença poder ia t er
independent ement e de se ela fo sse ou não auto -just ificada. E assim por
diant e. Mas o que é que essas caract er izações est ão prent endendo apont ar é
para a idéia de que uma cert a imunidade à dúvida, erro ou revisão anexa -se
às crenças em quest ão.
Poder ia, mesmo, ser desnecessár io ou enganoso pensar que é crença que
for nece a fundação para o edifício do conheciment o: alguma out ra
declaração poder ia assim fazer. Enunciados percept uais t em sido ofer ecidos
co mo cand idat os, porque eles parecem ser adequadament e incorr igíve is ¾ se
alguém vê uma mancha ver melha, diz - se, ent ão alguém não pode est ar
errado de que vê uma mancha ver melha . E parece plausível d izer q ue a
crença de alguém de que p não necessit a mais nenhuma just ificação ou
fundament o do que coisas que aparecem a esse alguém co mo p as descrevem
enquant o o que são.
Essas sugest ões ficam incô modas co m as dificuldades que lhes aparecem.
Exemplos de aut o -evidência ou aut o -just ificação de crenças t endem a ser
t irados da lógica e da mat emát ica ¾ eles são da var iedade de "x é x" ou "um
mais um é igual a do is", sobr e os quais os cr ít icos são rápidos em apo nt ar a
pouca ajuda que t em para falar mo s so bre a bases de crenças cont ingent es.
Enunciados de percepção, da mesma for ma, revela m- se co mo candidat os
pouco plausíve is para serem fundament os, basear -se na percepção envo lve a
aplicação de crenças que elas mesmas enuncia m co mo necess it ando de
just ificação ¾ ent re essas crenças há aquelas sobre a nat ureza das co isas e
as leis que elas obedecem. O que é ma is fort ement e cont est ado é o "mit o do
dado", a idéia de que há data fir me, or iginal ou pr imit ivo, co m o qual a
exper iência supr i nossas ment es, ant ecedent ement e a qual quer julgament o,
puro, fornecendo os recursos necessár io s para assegurar o rest o de nossas
crenças.
5
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Se a relação não é uma relação dedut iva, o que é ent ão? Out ros candidat os
¾ indut ivo ou crit er ial ¾ são, por nat ureza, dispensáveis, e port anto, senão
suplement ados de alguma maneira, insuficient es par a a t arefa de t ransmit ir
just ificação dos fundament os par a out ras crenças. A suple ment ação t er ia de
consist ir de garant ias que as cir cunst âncias que causam a dest ruição da
just ificação não -dedut iva de fat o não obt ém. Mas se t ais garant ias ¾
ent endidas, para evit ar a circular idade, como não fazendo part e da supost a
fundação de si mesmas ¾ est ivessem disponíveis par a prot eger bases não
dedut ivas, ent ão apelar para uma noção de fundament ação parecer ia
simplesment e algo fút il.
Coerência
A não sat isfação com o fundacio nis mo t em conduzido alguns epist emó logos
a prefer ir dizer que uma crença est á just ificada se ela é coerent e co m
aquelas já ace it as em um co njunt o. A t arefa imediat a é especificar o que é a
coerência, e enco nt rar um modo de t rat ament o não circular do problema de
co mo as crenças já aceit as vieram a ser aceit as.
6
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Caract er izada de modo geral, as t eor ias int er nalist as afir mam ou assumem
que uma cr ença não pode ser just ificada para uma sujeit o epist êmico S a
menos que S t enha acesso ao que provê a just ificação, ou de fat o ou por
pr incípio. Essas t eor ias geralment e envo lvem o requer imen t o "de fat o" no
sent ido mais fort e porque ser a just ificat iva de S de acredit ar que p é algo
resgat ado, de for ma padr ão, nos t ermos de suas razões assumidas para t omar
p co mo verdadeiro, onde razão assumida é ent endido no sent ido corrent e
(no sent ido de "t er razão").
7
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Uma objeção conect ada é a de que o int ernalismo mo st ra-se inconsist ent e
co m o fat o de que muit os pessoas par ecem t er conheciment o a despe it o dele
não ser suficient ement e so fist icado para reconhecer que t al -e-qual é uma
razão para acredit ar que p ¾ est e é o caso, por exemp lo, co m cr ianças.
Uma objeção mais ger al, ainda, é que as relações ent re crenças, se do t ipo
daquelas do fundacio nismo ou da t eor ia da coerência, poder iam ser obt idas
sem que as crenças em quest ão fossem t omadas co mo verdadeiras de algo
para além delas própr ias. Alguém poder ia imag inar um co nt o, clarament e
verdadeiro, diga- se, que em nenhum mo ment o corresponde a alguma
realidade ext er na, mas que t em suas crenças just ificadas, t odavia, por suas
relações mút uas.
Essa reflexão nada fácil induz o pensament o de que dever ia haver uma
rest r ição em relação às t eorias de just ificação, na for ma de uma demanda de
que dever ia haver alguma conexão ajust ável ent re posse de uma crença e
fat ores ext ernos ¾ ist o é, algo mais do que as cr enças e suas relações
mút uas ¾ que det er mina m seu valor epist êmico. Isso concordament e mot iva
a idéia de uma alt er nat iva ext ernalist a.
O ext ernalis mo é a per spect iva de que o que t orna S just ificado ao acredit ar
que p poder ia não ser algo ao qual S t em acesso cognit ivo. Poder ia ser que
os fat os no mundo são como S crê que sejam, e isso cert ament e é a causa
que fez S acredit ar neles assim co mo são, pelo est ímulo de seus recept ores
sensór ios, de um modo correto. S não precisou est ar conscient e de que isso
é a maneira co mo suas crenças são formadas. Assim, S poder ia est ar
just ificado ao acredit ar que p, sem ma is.
São bem plausíve is as t eor ias baseadas noção de uma ligação ext erna,
especialment e a ligação causal, ent re uma crença e o que é que ela t e m de
cont eúdo. Um exemplo de uma t al t eor ia é a abordagem de Alvin Go ldman
(1986) do conheciment o co mo "crença verdadeir a causada
apropr iadament e", onde "causação apropriada" assume um número var iado
de for mas, t odas co mpart ilhando a seguint e propriedade: elas são processos
que são t anto confiáveis "lo calment e" quant o "globalment e" ¾ o prime iro
significa que o processo t em alt o êxit o diant e da avaliação que diz sobr e a
8
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
produção de crenças verdadeiras, o últ imo significa que o processo não t eria
produzido a crença em quest ão em "alguma sit uação cont rafact ual
relevant e" o nde a crença é falsa. A perspect iva de Go ldman é
concordant ement e um paradigma de uma t eor ia de confiabilidade ou
credibilidade.
1. p é verdadeira
2. S acredit a em p
Nozick acrescent a
As cond ições (3) e (4) t em a int enção de blo que ar os cont ra-exemplos do
t ipo de Gut t ier para crença verdadeira just ificada anexando fir me ment e a
crença de S de que p à verdade de p. A crença de S de que p est á conect ada
ao mundo (a sit uação descr it a por p) pela relação que Nozick chama de
"encalço" (tracki ng): a cr ença de S est á no encalço da verdade de que p. E le
acrescent a refinament os, nu ma t ent at iva de desviar dos cont ra -exemplo s que
os filóso fos, sempr e engenhosament e, vivem invent ando.
Se essas t eorias parecem plausíveis é porque elas est ão de aco rdo com
nossas perspect ivas pr é t eóricas. Mas co mo se pode ver, realment e há muit o
que se pode objet ar cont ra elas, e uma copiosa lit erat ura so bre isso assim
faz. O mais sér io defeit o dessas t eor ias, cont udo, é que elas são da orde m
de quest ões de pr incípio. E las não vão na quest ão de co mo S est á confiant e
de que uma dada crença é just ificada; em vez disso, buscam socorro em
duas assunções alt ament e realist as, uma sobre a ext ensão do domínio de
alcance das crenças e out ro sobre como o domínio e S est ão cone ct ados;
assim é que podem afir mar que S est á just ificado ao acredit ar que p mesmo
se o que o just ifica repousa fora de sua própria co mpet ência epist êmica.
Seja lá o que for mais que alguém pense sobre essas sugest ões, elas não
9
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Mas o pior de t udo ¾ uma cr ít ica ast era assim poder ia dizer ¾ as amplas
assunções às quais essas t eorias recorrem são precisamene aquelas que a
epist emo logia dever ia examinar. Teorias ext ernalist as e causa is, de
qualquer mo do e em qualquer co mbinação, são melhor desenvo lvidas pela
psico logia empír ica, onde se dá, franca e assumidament e, um descont o para
co m as assunções padrões so bre o mundo ext erno e suas conexões co m S. A
filo so fia, co m cert eza, é onde t ais premissas, elas própr ias, são
invest igadas.
Cons idere o argument o: "Se alguém conhece algu m p, ent ão pode saber
cert ament e que p. Mas ninguém pode est ar certo de algo. Port anto ninguém
sabe algo". Est e argument o (desenvo lvido nest a for ma por Unger, 1975) é
inst rut ivo. E le repet e o erro de Descart es de pensar que o est ado
psico lógico de cert os sent iment os ¾ que alguém pode t er co m respeit o à
fals idade, t al co mo o fat o de que eu posso sent ir co mo cert o que o cavalo
Arkle vencerá a corrida na próxima semana, e est ar errado ¾ é o que
buscamos em epist emo lo gia. Mas ele t ambé m exemplifica a t endência nas
discussões sobre o conhecimento, t al como tornar a definição de
conheciment o t ão alt ament e re st r it iva que pouco ou nada pode se alist ar em
suas fileiras. Alguém dever ia dar at enção se uma suger ida definição de
conheciment o é t al que, co mo o argument o cit ado nos cont a, ninguém pode
saber nada? E xat ament e assim co mo alguém t em crenças bem just ificad as
que funcio nam muit o corret ament e na prát ica, alguém pode não est ar
suficient ement e sat isfeit o em não saber nada? Da minha part e, penso que
pode.
10
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Cetici smo
Int rodução
O est udo e o emprego dos argument os cét icos, em algum sent ido, pode ser
dit o, definem a epist emo lo gia. Um objet ivo cent ral da epist emo logia é
det er minar co mo podemos est ar cert os de que nossos meio s par a conhecer
(aqui "conhecer " imp lica obr igat oriament e "cr ença just ificada") são
sat isfat órios. Um modo preciso de most rar o que é re quer ido é obser var
cuidadosamet ne os desafio s cét icos aos nossos esforços epist êmicos,
desafios que sugerem que as maneir as pelas quais seguimo s est ão
dist orcidas. Se so mos capazes de não apenas ident ificar mas, sim, enfr ent ar
os desafio s cét icos, um o bjet ivo pr imár io da epist emo logia t erá sido
concret izado.
O cet icismo é fr equent ement e descr it o como a t ese de não é ¾ ou, mais
fort ement e, pode ser ¾ conhecido. Mas essa é uma caract er ização ruim,
porque se não conhece mos nada, ent ão não podemos saber que não sabe mos
nada, e assim t al afir mação é t rivia lment e algo que frust ra a si mesma. É
mais eficaz caract er izar mos o cet icismo do modo à frent e suger ido. E le é
um desafio diret o cont ra reivindicações de conheciment o, e a for ma e a
nat ureza do desafio var iam se gundo o campo da at ividade epist êmica e m
quest ão. Em ger al, o cet icis mo t oma a for ma de uma so licit ação pela
just ificação das afir mações de conheciment o, em conjunt o com um
enunciado sobre as razões que mot ivam t al so lic it ação. Padronizadament e,
as razões são de que cert as considerações sugerem que a just ificação
propost a poder ia ser insuficient e. Conceber o cet icismo de t al modo é vê - lo
co mo mais proble mat izant e e mais important e filo so ficament e do que se ele
é descr it o como uma t ese posit iva que afir ma no ssa ignorância ou
incapacidade de conheciment o.
Alguns ent re os pensadores da ant igüidade ¾ Pyrro de Elis (360 -270 AC) e
sua esco la, e os sucessores de P lat ão na Academia ¾ expressar a m
desapont ament o pelo fat o de que século s de invest iga ção levada adiant e
pelos seus ant ecessores pareciam t er gerado poucos frut os, ou em
cosmo logia ou em ét ica (est a últ ima era const ruída de modo amp lo,
inc luindo, port ant o, a polít ica). Tal desapont ament o mot ivou a adoção de
perspect ivas cét icas. Os pirro nea nos argument aram que porque a
11
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
invest igação é árdua e int er minável, dever -se- ia abando nar a t ent at iva de
julgar o que é verdadeiro e falso, cert o e errado; pois so ment e assim
conseguir íamo s paz ment al.
Uma for ma menos radical de cet icis mo assalt ou os sucess ores de P lat ão na
Acade mia. E les concordaram co m Pyrro sobre o que, cert ament e,
dever íamo s evit ar, mas eles t emperar am a uma t al per spect iva cét ica co m o
aceit e de que as demandas da vida prát ica devem ser enfr ent adas. E les não
pensaram co mo viável a "susp ensão de juízos", co mo P yrro recomendou, e
port ant o argument aram que dever ía mos aceit ar aquelas proposições ou
t eorias que fossem mais prováveis (pp. 314 -16) que suas co ncorrent es. As
concepções desses pensadores, conhecidas co mo as dos cét icos da
Acade mia, são recordadas na obr a de Sext o Empír ico (150 -225).
Os argument os cét icos exploram cert os fat os cont ingent es sobre nosso modo
de adquir ir, t est ar e lembrar nossas crenças, bem co mo raciocinar sobre
elas. Qualquer problema que infect a a aquis ição e empr ego de crenças so bre
uma dada mat ér ia, e em part icular qualquer problema que infect e nossa
confiança na manut enção de que aquelas crenças eram just ificáveis, a meaça
a nossa manut enção de posição sobre o assunt o em quest ão.
12
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
visa mo st rar que há quest ões significant es para serem r espo ndidas sobre os
graus de confiança que est amo s dest inados a co locar em nossas prát icas
epist êmicas padrões.
O refinament o do debat e dessas quest ões merecem exam e det alhado, que
aqui não é o lugar. Para o present e propósit o, devo assinalar o ponto no
qual o cet icis mo é um proble ma par a ambas as esco las de pensament o. Para
ambas, as possibilidades de erro e de ilusão post ulam um desafio. Para os
empir ist as, em part icular, erro e ilusão devem ser acrescent ados a
problemas dist int os da percepção.
Um car act er íst ica padrão do argument o cét ico é t irado de uma conjunt o de
considerações sobre erro, ilusão e sonho.
Cons ideremo s, pr ime iro, o argument o d o erro. Somos cr iat ura falíve is, nós,
algumas vezes, nos enganamos. Se, cont udo, sempr e so mos capazes de
afir mar que conhecemo s ( ist o é, ao menos como crent es em algo que
just ificamos) alguma proposição p, devemos se capazes de exclu ir a
possibilidade de q ue no mo ment o de afir mar que sabemo s p est amos em
erro. Mas, uma vez que, t ip icament e, ou no mínimo, fr eqüent ement e não
est amos co nscient es de nossos erros quando os comet emos, e poder iamos
port ant o inadvert ida ment e est ar mos e m er ro quando afir mamo s saber que p,
não est amos just ificados quando fazemo s essa afir mação.
13
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Percepção
Ambos, rac io nalist as e empir ist as, vêem que as fo nt es do conheciment o são
ameaçadas pelo s argument os esboçados. Argument os que põe problemas
part icular es para o empir is mo são suger idos pela nat ureza e limit ação da
percepção, a melhor abordagem corrent e que nos cont a algo sobre isso
segue a seguint e hist ór ia.
Luzes reflet em a part ir de super fícies dos objet os no meio fís ico e passam
para nossos olhos onde irr it am as células das ret inas de um t al modo q ue
dispar a impulsos nos ner vos ót icos. Os ner vos ót icos t ransport am esses
impulso para a região do córt ex cerebral que processa dados visuais, onde
eles est imulam cert os t ipos de at ividades. Com um result ado, de um modo
ainda mist er ioso para a ciênc ia e pa ra a filo so fia, "quadros em mo viment o"
emergem na co nsciênc ia do sujeit o, represent ando o mundo ext er ior à sua
cabeça. Essa not ável t ransação é repet ida mutati s mutandi s no sent ido de
14
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Esse modelo pode ser usado para fornecer out ras aplicações cét icas do
fracasso do argument o. O que hist ór ia complexa causal no s diz é que ¾
assim o cét ico pode indicar ¾ ela poder ia ser int errompida de modos
problemát icos em qualquer dos pont os de seu caminho. As exper iências que
dizemo s que result a m da int eração de nossos sent idos co m o mundo poderia
nos ocorrer para out ras razõ es. E las poder iam ocorrer quando, co mo not ei
acima, so nhamo s, alucinamo s e t emos ilusões; ou para ser mais imaginat ivo,
elas poder iam ser produzidas em nós por um deus, ou por um deus, ou por
um cient ist a que t eria conect ado nossos cérebros a um co mput ador . Do
pont o de vist a do sujeit o que exper iencia, poder ia não fazer qualquer
difer ença. Assim, diz o cét ico, a menos que possamo s enco nt rar um meio de
excluir essas possibilidades, não estamos aut orizados a reivindicar
conheciment o do que, de maneira padrão, assumimo s conhecer.
Essas relat ividades percept uais são cit adas pelo cét ico para levant ar as
quest ões de que a percepção é uma fo nt e de desconfiança so bre as
infor mações a respe it o do mundo, excet o se o mundo pode ser dit o exist ir,
de algum modo, independent ement e da percepção. Pois o que acont ecer ia se
as propr iedades pelas quais aqueles meio s de det ecção da pr esença de
objet os não pudessem ser descr it os aparte de ser em o bjet os da percepção ?
Cons idere o velho enigma de se um so m produzido pela queda de ár vo res na
florest a quando nenhum ser co m poder de percepção e sent idos est á
present e par a ouvi- lo. A respost a, em uma padrão da t eoria da percepção
corrent e na ciência cont emporânea, é que as ár vores caem em silêncio
co mplet o. Pois se não há nenhum ouvido par a ouvi- las, não há nenhum so m;
há so ment e, na melhor das condições ¾ ondas vibrant es ¾ que causar iam
so m co mo est e é percebido por ouvidos se houvesse membranas audit ivas
func io nando, ner vos audit ivo s e o resto para ser est imu lados por eles.
15
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Essas consider ações sugerem um quadro cét ico em que os que percebem
est ão com algo t al co mo a seguint e predicação. Imagine um ho mem usando
um capacet e prot etor que não o deixa ouvir, ver, sent ir gost o ou cheiro ou
qualquer out ra coisa fora dele. I magine uma câmer a, uma micro fo ne e
out ros sensores fixados no topo do capacet e, t ransmit indo quadros e out ras
infor mações para seu int er ior. E, fina lment e, suponha que é impossível para
quem est á co m o capacet e remo vê - lo para comparar as infor mações co m
qualquer co isa do lado de fora, assim, ele não pode checar a credibilidade
das represent ações do mundo ext er ior. De algum mo do, quem vest e o
capacet e t em de confiar na caract eríst ica int r ínseca da infor mação
disponível dada pelo capacet e, para julgar a credibilidade das infor maçõe s.
E le sabe que a infor mação algu mas vezes sai de fo nt es out ras que as do
mundo ext er ior, como nos sonhos e ilusões; ele t em deduzido que o
equipament o fixado no capacet e funcio na segundo a ent rada de dados e sua
alt eração, por exemplo, acrescent ando cores , so ns e odores aos seus quadros
que int r insicament e não t em nenhuma dessas propr iedades ( no mínimo, e m
t ais for mas) ; ele sabe que suas crenças sobre o que est á do lado de fora do
capacet e repousa sobre inferências que ele t ira das infor mações d ispo níveis
no int er ior do capacet e, e que suas infer ências são apenas t ão boas quant o
falíve is, per mit em a capacidade de errar a respeit o do que há lá fora. Dado
t udo isso, pergunt a o cét ico, não t emos nenhum emprego no qual t rabalhar
de modo a just ificar nossas reiv indicações de conheciment o ?
A t ent at iva de refut ação dos argument os do cét ico é argument at ivament e,
passo a passo, algo fút il, por duas boas r azões. Co mo su ger ido no iníc io, os
argument os cét icos são mais fort es não quando buscam provar que so mos
ignorant es so bre algum quest ão em paut a mas, sim, quando solic it am que
just ifique mos nossas afir mações de conheciment o. Um desafio para que
just ifique mos algo não é uma afir mação ou uma t eoria, e não pode ser
refut ado; pode so ment e ser aceit o ou ignorado. Uma vez que o cét ico
oferece razões pelas quais a just ificação é requer ida, a respost a poderia
est ar na inspeção dessas razões de modo a ver mo s se o desafio precisa ser
enfrent ado. Tal co isa, cert ament e, é uma boa respost a ao cet icis mo. Onde as
razões são convincent es, a próxima boa respost a é t ent ar enfrent ar o desafio
ent ão posto.
16
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Esses pont os podem ser ilust rados por meio da t ent at iva de Gilbert Ryle
(1900-1976) de refut ar o argument o do erro usando um argument o do
"conceit o polar ". Não pode ha ver moedas falsas, Ryle obser vou, a menos
que exist am a genuínas, nem desvio s de caminho s a menos que haja os
caminho s diret os, nem ho mens alt os se m os baixo s. Muit os conceit os cae m
em t ais polar idades, uma caract er íst ica que é aquela que most rar que não s e
pode compreender um po lo a menos que se co mpreenda seu opost o ao
mesmo t empo. "Errar" e "acert ar" são polar idades conceit uais . Se algué m
ent ende o conceit o de erro, ent ende o conceit o de "acert ar". Mas ao
ent ender est e últ imo conce it o é ser capaz de apl icá- lo. Assim, toda nossa
co mpreensão do conceit o de erro implica em acert ar mos algumas vezes.
Ryle obvia ment e assumiu que o erro cético est á afir mando que, por t udo
que sabemos, poder ía mos sempre est ar em erro. De acordo com isso, seu
argument o ¾ de que se ent endemo s o conceit o de erro, devemo s algumas
vezes alcançar as co isas corret ament e ¾ visa refut ar a int eligibilidade da
afir mação de que poder íamo s est ar sempre errados. Mas, é claro, o erro
cét ico não é isso. O cét ico est á simplesment e pergunt ando com o, dado que
algumas vezes erramo s, podemos negar a possibilidade de est ar em erro em
qualquer ocasião de julgament o ¾ diga - se, nest e mo ment o present e.
Mas o cét ico precisa não conceder a Ryle as afir mações mais gerais que est e
faz, a saber, que para qualqu er po lar idade conce it ual ambo s os pó los deve m
ser ent endidos ¾ para além e mesmo mais t endencio sament e ¾ , e ent ender
um conceit o é saber co mo aplicá - lo, e ele ser aplicável é, realment e, ser
aplicado (ou t er sido aplicado). Est e últ imo mo viment o é bem uma quest ão
de pr inc ípio, mas assim é a própria afir mação sobre as polar idades
conceit uais. Po is o cét ico pode, feliz, cit ar casos de po lar idades conceit uais
¾ "per feit o - imper feit o", "mort al- imort al", "finit o - infinit o" ¾ onde de for ma
alguma fica claro que os mais exót icos pólos aplicam-se a t udo, ou at é
mesmo que realment e os ent endemo s. Finalment e, pegar um t er mo e anexar
a ele um pr efixo negat ivo não garant e que t enhamo s, port ant o,
co mpreendido um conceit o int eligível.
Esses co ment ár ios suger em que os argum ent os cét icos, mesmo se
singular ment e eles par ecem não plausíveis, em co njunt o eles convidam a
uma respost a sér ia; que é o que, em larga medida, a epist emo logia busca
oferecer. Mas há, ainda, para ser explic ada, a quest ão da dist inção ent re
cet icis mo met odológico e problemát ico, e aqui uma recapit ulação breve do
uso que Descart es faz do argument o cét ico será út il.
17
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
18
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
vez que a hipót ese de que há uma t al co isa é t ão arbit rár ia e sem base
quant o uma hipót ese pode chegar a ser, ela não t em mér it o ao ser t omada
ser iament e senão como uma est rat égia para se provar um po nt o de vist a.
Mas as consider ações cét icas sobre percepção, erro, ilusão e sonho soam
mais int er essant es e proble mát icas, e consequent ement e merecem exame.
O desafio cét ico diz que so fremo s de um co mpro met iment o epist êmico, a
saber, que podemos t er a melhor evidência possível par a acredit ar em algu m
p, e ainda assim est ar mos errados. Enunciado de modo resumido e for mal, o
cet icis mo é a obser vação de que não há nada cont radit ór io na conjunção de
enunciados s incorporando nossas me lhor es bases para uma dada cr ença p,
por um lado, com a fals idade de p, por outro.
Uma represent ação infor mat iva do cet icismo assim sumar izada é co mo
segue. Argument os cét icos abrem u ma fenda ent re, de um lado, as bases que
um supost o conhecedor t em para alguma afir mação de conheciment o, e, de
out ro lado, a afir mação em si mesma. Resp ost as ao cet icismo geralment e
tomam afor ma de t ent at ivas ou de colocar uma pont e sobre a fenda ou de
diminu ir o buraco. O modelo padrão percept ual, no qual as crenças são
for madas por int eração sensór ia co m o mundo, post ula um pont e causal que
at ravessa a fenda; mas t al pont e é vulnerável à sabot agem cét ica, aqui a
explicação causal, no mínimo, precisa de suport e. Descart es, co mo not ado,
ident ificou a t arefa epist emo lógica como a necessidade de especificar
garant ias ¾ chame -se X ¾ que, acrescent ada às nossa s bases subjet ivas para
crenças, prot ege-as cont a o cet icis mo e assim eleva as crenças à for ma de
19
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Kant disse que Hume (1711 -76) o inspirou, porque Hume havia
argument ado que embora não pudéssemo s refut ar o cet icis mo ¾ a razão não
era capaz disso, afir mou ele ¾ não dever íamos est ar em apuros, pois a
20
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
nat ureza huma na é assim co nst it uída de modo que simplesment e não
podemos consert ar as crenças que o cet icismo nos desafia a dar
just ificat ivas. Essa crenças incluem, por exemplo, que há um mundo
ext erno, que há relações causais mant idas ent re event os no mundo, que o
raciocínio indut ivo é confiável assim por diant e. A part ir dessa sugest ão,
Kant elaborou sua t eoria de que os conceit os os qua is o cét ico que
just ificação são caract er íst icas co nst it uint es de nossa capacidade, de algum
modo, de t er qualquer exper iência.
A est rat égia, se não os det alhes, do at aque de Kant sobre o cet icis mo, t em
est imulado o int eresse da filo so fia mais recent e. O argument o que ele
emprega é um argument o t ranscendent al, brevement e caract er izado co mo
aquele que diz que porque A é uma co ndição nec essár ia par a B, e, porque B
é o caso, A deve ser t ambém o caso. Um exemp lo de um t al argument o em
ação cont ra o cet ic ismo é o que segue.
Um desafio cét ico t ípico é o concer nent e a crença na exist ência de objet os
não percebidos, cont inuament e. O que just ifi ca nossa manut enção de uma
t al crença e o desco nt o que damos a respeit o dela? As respost as do
argument o t ranscendent al são as seguint es: por causa de que nos assumimos
co mo ocupando um mundo singular e unificado de objet os espaço -
t emporais, e por causa de que, nessa perspect iva, objet os espaço -t emporais
t em de exist ir quando não percebidos a fim de const it uir o real co mo
singular e unificado, uma cr ença cont ínua na exist ência de objet os não
percebidos é uma condição de nosso pensament o a respeit o do mundo e a
respeit o de nossa exper iência dele desse t al modo. Uma vez que, de fat o,
pensamos desse modo, a crença que o cét ico pede par a just ificar mo s est á,
port ant o, just ificada. Uma pensador cont emporâneo que fez not ável uso
desse est ilo de agument o é P. F. St ra wson, nascido em 1919.
Há, em par alelo a esse modo de Kant responder ao desafio cét ico, out ra
abordagem, que nega a exist ência de um fo sso gerando pelo cet icis mo. As
figuras chefes nesse campo são Berkeley e, mais recent ement e, os
feno menalist as, que ¾ per mit indo por diferenças ent re eles, e le mbrando
que os dois últ imo s só mant ém t ais perspect ivas em part e de suas carreiras
¾ inclue m Mill (1806 -73, Russell e Ayer.
21
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
negou a exist ência de objet os fís icos; ele não fez t al co isa ¾ argument ando
que por causa dos objet os físicos serem coleções de qualidades sensíveis, e
porque qualidades sensíve is são idéias, e porque idé ias só podem exist ir se
percebidas, a exist ência de objet o s, port ant o, consist e em serem percebidos;
se não por ment es finit as t ais co mo as nossas, ent ão em t odos os lugares e
em t odo o t empo por uma ment e infinit a. (Podemos not ar que Berkele y
pensava que sua refut ação do cet icismo era ao mesmo t empo um novo e
po deroso argument o em favor da exist ência de Deus.)
O cost ume de Berkele y de dizer que as co isas exist em "na ment e" levou
leit ores não cr ít icos a supor que ele quer ia dizer que objet os exist em
so ment e na cabeça de alguém, que é o que o idealist a subjet ivist a ou o
so lipsist a podeiam t ent ar mant er. O idealis mo de Berkeley, se é ou não de
algum mo do defensável, é ao menos uma perspect iva não t ão inst ável. Seu
"na ment e" dever ia ser lido co mo significando "co m referência essencial à
exper iência ou pensa ment o".
Para os propósit os aqui present es, a quest ão é que Berkeley buscou refut ar
o cet icismo por meio da negação da exist ência de um fo sso ent re
exper iência e r ealidade, so bre o fundame nt o de que exper iência e realidade
são a mesma co isa. (E le t inha uma t eoria de co mo, a despeit o disso,
poder íamo s t odavia imaginar, so nhar e errar). Os feno menalist as, mesmo
co m uma import ant e diferença, argument aram de modo parecido, part indo
do que aparece par a nós na exper iência. Quando analisamos os
apareciment os ¾ o "fenô meno ¾ vemo que eles não não const ruídos
separ ados do dados básico s dos sent idos, seja a menor passagem de cor no
campo visual ou o mais baixo so m em nosso campo audit ivo. Fora dos
dados dos sent idos "cont ruímo s logicame nt e" as cadeiras e mesas, pedras e
mo nt anha s, const it uindo os acessór ios do mundo do dia -a-dia.
Uma alt er nat iva, mas equiva lent e, de se colocar t al quest ão, afir mam os
feno menalist as, é dizer que enunciados so bre objet os fís icos são merament e
convenient es at alhos de enunciados mais longos e mais co mplicados sobre
co mo as co isas aparecem para nós no emprego usual de nossas capac idades
sensór ias. E para dizer que objet os cont inuam exist indo mesmo quando não
percebidos é dizer ¾ na fr ase de Mill ¾ que eles são "possibilidades
per manent es de sensação", significando que alguém poder ia exper ienciá - lo s
se fossem preenchidas cert as condições.
Berkele y mant ém que cisa per manecem em exist ência quant o não percebidas
por ment es finit as porque elas são percebidas por uma divindade. Os
feno menalist as agument am que o que se quer dizer quando se fala que as
co isas exist em independent ement e da percepção delas é que cert as
condições cont ra- fact uais são verdadeir as, a saber, aqueles que afir mam que
as co isas em quest ão ser iam percebidas se algum ent e que percebe est ives se
adequadament e lo calizado co m respeit o a elas. Esses co ndicio nais são
not oriament e proble mát icos, porque não est á claro co mo ent endê - los. O
22
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
que, em part icular, t orna t odos eles verdadeiros quando eles são (ou bem
obviament e que são) verdadeiros? As respo st as usuais, nos t ermos de
mundos possíveis, leis e regular idades ideais ou similar idades exót icas,
ajudam pouco. Não est á claro quant o muito de um progresso é adquir ido a
part ir da ubiqüidade da divindade de Berke ley ao simplesment e a
subst it uir mo s por co nt rafact uais verdadeir os. A perspect iva de Berkeley t em
a modest a at ração de que t udo no mundo é real ¾ t udo que exist e é
percebido ¾ em qualquer lugar no univer so do feno menalist a a maior ia do
que exist e é assim uma possibilidade ant es do que u ma realidad e, a saber,
uma possibilidade de percepção.
Pelos menos uma co isa est á clar a: que não se alcança o feno menalis mo
simplesment e subt raindo a t eologia da t eoria de Berkeley. Ao fazer isso,
ent ão reaparece o fosso met afísic o, e ent ão subst it ui - se uma
co mpro met iment o com a exist ência de simples verdades co nt ra - fact uais,
co m um co mpro met iment o de fica acompanhado co m a exist ência do
possível. Tant o a t eor ia de Berkele y quant o o feno menalis mo, ent ão,
demanda at o preço para aproximar o fosso cét ico.
Alguns epist emó lo gos não t ent am refut ar o cet icis mo pela boa razão de que
eles acham que ele é verdadeiro ou irrefut ável. A per spect ivas desses
epist emó logos poder ia ser sumar izada como dizendo que o cet icis mo é o
result ado inevit ável da r eflexão epist emo lógica, ass im dever íamo s aceit ar o
seguint e: ou est amos dest inados mesmo s a t ermos crenças just ificadas só
imper feit ament e, sempr e suje it as à revisão da exper iência, ou t emo de
reconhecer que o cet icismo, a despeit o de ser irrefut ável, não é uma opção
prát ica, e port ant o t emo de viver co mo a maior ia a pessoas vive m, ist o é,
simplesment e ignorando t ais quest ões.
Out ros, em debat es recent es, são mais combat iva, ent re eles est á Dewe y
(1859-1952) e Wit t genst ein (1889 -1951). A despeit o das difer enças
fundament ais sobre out ros aspect os, esses dois pensadores mant iveram uma
int eressant e per spect iva co mum, que é a de que o cet icismo result a da
aceit ação do ponto de part ida cart esiano do dado privado da consciência
individual. Se, em vez disso, dizem eles dois, co meçar mos co m o mundo
público ¾ com cons iderações relacio nadas a fat os sobre o carát er
essenc ialment e público do pensament o humano e da linguagem ¾ emergirá
daí um quadro diferent e.
23
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Dewey argument ou que o modelo cart esiano torna o sujeit o epist êmico uma
recipient e merament e passivo de exper iências, co mo alguém sent ado no
escuro do cinema assist indo a fit a; mas, apont ou ele, nossa visão é de uma
perspect iva part icipant e ¾ somos at ores no mundo, e nossa aquis ião de
conheciment o é o result ado de nossos feit os no mundo.
Wit t genst ein cont est ou toda a coerência da abordagem cart esiana
argument ando pela impossibilidade da linguage m pr ivada. A linguage m
pr ivada, no sent ido de Wit t genst ein, é aquela que é logicament e dispo nível
única e exclusivament e para um falant e, que é o que um suje it o cart esiano
precisar ia no sent ido de co meçar a discur sar so bre sua exper iência int er ior
pr ivada. Seu argument o é est e: linguagem é uma at ividade go ver nada por
regras, e só se t em êxit o ao falar uma linguagem quando se segue as regras
para o uso de suas expressões. Mas um solit ár io usuár io da linguagem ser ia
alguém incapaz de co nt ar a diferença ent re realment e seguir as regras e
mer ament e acredit ar que assim est á fazendo ; assim, a linguagem que e le
fala não pode ser logicament e pr ivada para ele própr io; ele deve ser
co mpart ilhada co m out ros. Cert ament e, Wit t genst ein argument o que a
linguage m só pode ser adquir ida em uma sit uação pública (ele liga o
aprendizado da linguagem ao treinament o de anima i s; aprender uma
linguage m é imit ar co mport ament os lingüíst icos de quem est á ensinando),
que similar ment e pesa co nt ra a idéia de que o projet o cart esiano é, at é
mesmo em pr inc ípio, possível.
Esses pensament os são t ão sugest ivos qu ant o eles est ão na filoso fia de
Hume e Kant ; mas um dos problemas co m o modo de Wit t genst ein de
24
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
co locá- los é que ele usa co nceit os fundacionist as na descr ição da relação de
proposições "gra mat icais" em alguns casos, mas r epudia o fundacio nis mo
co mo t al, e parece per mit ir uma ver são de relat ivis mo assim fazendo ¾ o
leit o do rio e os bancos, diz ele, poder iam, no mo ment o necessár io, serem
ser det er iorados. Mas o relat ivis mo é apenas o cet icis mo disfarçado ¾ ele é,
de fat o, argument at ivament e, o mais poderoso e a for ma mais problemát ica
de cet icis mo, pois ele é a perspect iva de que conheciment o e verdade são
relat ivos a um po nt o de vist a, um t empo, um lugar, uma meio ambient e
cognit ivo ou cult ural: e conheciment o e verdade, assim ent endidos, não são
conheciment o e verdade.
Observações finai s
Há muit o gost ar -se- ia ins ist ir sobre uma t ent at iva corret a para descrever o
t rabalho que necessit a ser feit o em epis t emo logia, para isso é necessár io
preliminar ment e fazer o progresso que podem. Aqui, eu simp lesment e
sublinharei uma casal de obser vações já feit as acima.
E m segundo lugar, pouco da lit erat ura corrent e sobre o cet icis mo t orna
alguém confiant e de que sua nat ureza é propriament e ent endida. O
cet icis mo define um proble ma cent ral em epist emo logia, a saber, a
necess idade de most rar como é possível just ificação de crenças. Isso é feit o
ao nos defront ar mos co m o desafio de mo st rar que considerações cét icas
não produzem, após t udo, um fr acasso de nossos melhores esforços nest e ou
naquele específico campo. I mplícit o nessa caract er ização est ão duas
import ant es afir mações: pr imeirament e, que o cet icismo é melhor ent endido
co mo um desaf io, não co mo uma af irmação de que não sa be mos nada ou
que não podemos saber nada; e, secundar iament e, que o melhor modo de
responder ao cet icismo não é t ent ando refut á - lo na base de argument o por
argument o, mas mo st rando co mo fazemo s as just ificações para o que
acredit amos. De algum modo, esse d o is pont os, que foram óbvio s aos
nossos predecessores, parece m t erem sido uma visão que se perdeu.
25
CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC
Fontes de informações:
A. C. Grayling
Birkbeck Coll ege, Londres
St Anne’s Coll ege, Oxf ord
Tradução de Paulo Ghiraldelli Jr.
26