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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

A EPISTEMOLOGIA
Int rodução

A epist emo lo gia, t ambém chamada t eoria do conheciment o, é o ramo fa


filo so fia int eressado na invest igação da nat ureza, font es e validade do
conheciment o. Ent re as quest ões pr incipais que e la t ent a responder est ão as
seguint es. O que é o conheciment o? Como nós o alcançamos? Podemos
conseguir meio s para defendê - lo cont ra o desafio cét ico ? Essas quest ões
são, implicit ament e, t ão velhas quant o a filo so fia, embora seu pr imeiro
t rat ament o explícit o seja o encont rado em P lat ão (427 -347 AC), e m
part icular no Theaetetus. Mas pr imordia lment e na era moder na, a part ir do
sécu lo XVII em diant e ¾ como result ado do t rabalho de Descart es (1596 -
1650) e Locke (1632 -1704) em associação com a emergência da ciência
moder na ¾ que a epist emo lo gia t em ocu pado um plano cent ral na filoso fia.

Um passo óbvio na direção de responder a primeira quest ão é t ent ar uma


definição. A definição padrão, preliminar ment e, é a de que o conheciment o
é crença verdadei ra justif icada . Est a definição parece plausível porque, ao
menos, ele dá a impressão de que para conhecer algo alguém deve acredit ar
nele, que a crença deve ser verdade ir a, e que a razão de alguém par a
acredit ar deve ser sat isfat ória à luz de algum cr it ér io ¾ po is alguém não
poder ia dizer conhecer algo se sua raz ão para acredit ar fosse ar bit rár ia ou
aleat ória. Assim, cada uma das t rês partes da definição parece expressar
uma cond ição necessár ia para o conheciment o, e a reivindicação é a de que,
tomadas em conjunt o, elas são suficient es.

Há, cont udo, dificuldades s ér ias co m essa idéia, part icular ment e sobre a
nat ureza da just ificação requer ida para a crença verdadeir a eqüivaler a
conheciment o. Propost as compet idoras t em sido oferecidas para aco lher as
dificuldades, ou para acrescent ar mais condições ou para achar u m
enunciado melhor para a definição post a. A pr imeira part e da discussão que
se segue co nsidera essas propost as.

Paralelament e a esse debat e sobre co mo definir o conheciment o há um out ro


sobre co mo o conheciment o é adquir ido. Na hist ória da epist emo logia
t ivemos duas pr incipais esco las de pensament o sobre o que co nst it ui o meio
mais import ant e para o conhecer. Uma é a esco la "racio nalist a", que
mant ém que a razão é responsável por esse papel. A out ra é a "empir ist a",
que mant ém que é a exper iência, pr incipal ment e o uso dos sent idos,
ajudados, quando necessár io, por inst rument os, que é responsável por t al
papel.

O paradigma de co nheciment o para os racio nalist as é a mat emát ica e a


lógica, onde verdades necessár ias são obt idas por int uição e infer ência

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racio nais . Quest ões sobre a nat ureza da razão, a just ificação da inferência e
a nat ureza da verdade, especialment e da verdade necessár ia, pressio na m
para sere m respondidas.

O paradigma dos empir ist as é a ciência nat ural, onde obser vações e
exper iment os são cruciais para a invest igação. A hist ór ia da ciência na era
moder na dá sust ent ação à causa do empir is mo ; mas precisament e para est a
razão, quest ões filo só ficas so bre percepção, obser vação, evidência e
exper iment o t em adquir ido grande importância.

Mas para ambas t radições em epist emologia o int eresse cent ral é se
podemos confiar nas rot as que elas respect ivament e deno mina m. Os
argument os cét icos sugerem que não podemos simplesment e assumi - las
co mo confiáveis; cert ament e, elas sugerem que t rabalho é necessár io para
mo st rar que elas são confiáveis. O esforço para responder ao cet icis mo,
port ant o, fornece um modo dist int o de ent ender o que é crucial e m
epist emo logia. A segunda part e est á concent rada na análise do cet icis mo e
algumas respost as a ele.

Há out ros debat es em epist e mo logia sobre, ent re out ras coisas, memór ia,
julgament o, int rospecção, raciocínio, dist inção " a priori¾ a post eri ori ",
mét odo cient ífico e diferenças met odológicas, difer enças met odológicas, se
há, ent re ciências da nat ureza e ciências sociais; as qu est ões consideradas
aqui são básicas para t odos esses debat es.

Conheci mento

Definição de Conheciment o

Há diferent es modos pelos quais alguém poder ia ser indicado co mo t endo


conheciment o. Alguém pode conhecer pessoas ou lugares, no sent ido de
est ar familiar izado com eles. Isso é o que se quer dizer quando alguém fala
"Meu pai conhecia Llo yd George". Aguém pode co nhecer co mo fazer algo,
no sent ido de possuir uma habilidade ou dest reza. Isso é o que se quer dizer
quando alguém fa la "Eu se i jogar xadrez". E alg uém pode saber que é algo é
o caso quando algué m fa la "Eu sei que o Everest é mo nt anha mais alt a".
Est e últ imo modo é às vezes chamado de "conheciment o proposicio nal", e é
a espécie que os epist emó logos mais desejam ent ender.

A definição de conheciment o já mencionada ¾ conheciment o é crença


verdadeir a just ificada ¾ é ent endida co mo uma análise do conheciment o no
sent ido proposicio nal. A definição é obt ida pergunt ando que cond ições t em
de ser sat isfeit as quando queremos descrever alguém co mo conhecendo
algo. Ao dar a definição enuncia mos o que esperamos que se jam as
condições necessár ias e sufic ient es para a verdade da afir mação "S sabe que
p", onde "S " é o sujeit o epist êmico ¾ o suposto conhecedor ¾ e " p" a
proposição.

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A definição sust ent a um ar de plausibil idade, ao menos quant o aplicada ao


conheciment o empír ico, porque parece encont rar o mínimo que pode ser
esper ado como necessár io a part ir de um co nceit o conseqüent e. Parece
correto esperar que se S sabe que p, ent ão p deve, ao menos, ser verdadeir a.
Parece cert o esperar que S deve não merament e supor ou esperar que p é o
caso, mas que deve t er um at it ude epist êmica posit iva em relação a p: S
deve acredit ar que ela é verdadeira. E se S acredit a em alguma proposição
verdadeir a enquant o ela não t em nenhum fund ament o, ou fundament os
incorret os, ou merament e fundament os arbit rár io s ou imaginár ios, não
dir íamos que S conhece p; querendo dizer que S deve t er bases para
acredit ar que p em algum sent ido propriament e just ificado de assim
proceder.

Dessas condições pro post as para o conheciment o, é a t erceira que dá mais


problema. A razão é simplesment e ilust rada co m cont ra -exemplos. Esses
toma a for ma de casos em que S acredit a em uma proposição verdadeir a
para o que são de fat o razões erradas, embora elas são a part ir dele própr io
um pont o de vist a per suasivo. Por exemplo, suponha que S t enha do is
amigos, T e U. O últ imo est á viajando, mas S não t em idéia de onde ele
est á. Co mo para S, T disse est ar co mprado um carro e após dir igir um Ro lls
Ro yce, port ant o acredit a -se que e le é o dono de um. Agora, a part ir de
qualquer proposição p alguém pode validament e infer ir a disjunção " p ou
q". Ass im, S t em fundament os para acredit ar que "T é propriet ár io de um
Ro lls Ro yce ou U est á em par is", mesmo embora, ex hypothesi, ele não
t enha idéia da loca lização de U. Mas suponha que T de fat o não t em seu
próprio Ro lls Ro yce ¾ ele o co mprou para uma out ra pessoa, e ele dir igiu
uma part e para ela. Além disso, a suposição post er ior é fat o, que U est á, por
ocasião, em Par is. Ent ão S acredit a , com just ificação, uma proposição
verdadeir a: mas não dever ía mos querer chamar sua cr ença de conheciment o.

Exemplos co mo est e são art ificiais, mas eles cumprem sua função; eles
mo st ram que é necessár io ser d it o mais sobre just ificação ant es de
afir mar mo s t em um relat o adequado de conheciment o.

Just ificação

Preliminar ment e, uma quest ão é sobre se t endo just ificações para acredit ar
que algu m p implica a verdade de p, po is, se assim é, co nt ra -exemplo do
t ipo mencio nado nesse mo ment o nada alcança e não precisa mos per sebuir
modos de bloqueá- lo s. Há cert ament e uma perspect iva, chamada
"infalibiis mo ", que o ferece exat ament e um t al recurso. E la est abelece que
se é verdadeiro que S conhece p, ent ão S não pode est a enganado em
acredit ar em p, e port ant o sua just ifica ção para acredit ar em p garant e sua
verdade. A afir mação é, em resumo, que alguém não pode est ar just ificado
na crença de uma proposição fa lsa.

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Essa perspect iva é re jeit ada pe los "falibilist as", cuja afir mação é a de que
alguém pode de fat o t er uma just ifi cação para acredit ar em algum p embora
ele seja falso. Sua consideração para o infalibilis mo vo lt a -se so bre a
ident ificação de um engano em no seu argument o sust ent ado . O engano é
que apesar de que a verdade de "S sabe que p" cert ament e nega a
possibilida de de que S est á em erro, ist o est á bem d ist ant e de dizer que S
est á sit uado de t al modo que ele não pode, possivelment e, est ar errado sobre
p. É correto dizer: (1) " é impossível para S est ar errado sobre p se ele
conhece p", mas não é invar iavelment e cert o dizer (2) "se S conhece p,
ent ão é impossível para ele est ar errado sobre p". O engano est á em pensar
que a leit ura corret a de amplo escopo (1) de "é impossível" aut oriza a
leit ura de escopo est reit o (2) que const it ui o infalibilis mo.

Um infa libilist a co nt a que fazer a definição de conheciment o parece


simples: S sabe que p se sua crença em p é just ificada infa livelment e. Mas
essa definição produz uma noção de conheciment o t ambém rest r it a, pois ela
diz que S pode just ificar sua crença em p so ment e quant o a possibilidade da
fals idade de p est iver excluída. E mbora pareça ser um lugar co mu m da
exper iência epist êmica que algué m pode ter a melhor evidência ao acredit ar
em algo e ainda assim est ar errado (co mo a abordagem do cet icis mo dada
adiant e lament a mo st rar ), que é dizer que o falibilis mo parece so ment e
explicar a just ificação adequada aos fat os da vida ep ist êmica. Precisamos,
port ant o, ver se as t eorias falibilist as de just ificação podem nos dar uma
abordagem adequada do conheciment o.

O problema da abordage m fa libilist a é pr ecisament e é o exemplo ilust rado


pelo exemp lo do Rolls Ro yce e out ros similar es (os assim chamados
exemplo s de Get t ier, int roduzidos pro Get t ier, 1963), a saber, que a
just ificação de alguém para acr edit ar que p não conect a co m a verdade de p
de um modo correto, e t alvez abso lut ament e de mo do algum. O que é
preciso é um quadro claro de "crença just ificada". Se alguém pode
ident ificar o que just ifica uma crença, alguém t em t udo para dizer, ou a
maior part e, o que é just ificação; e nessa t ri lha esse alguém t erá most rado a
conexão corret a ent re just ificação, de um lado, e crença e verdade, de out ro.
E m relação a essa conexão há vár io s t ipos padrões de t eorias.

Fundacio nismo

Uma classe das t eorias de just ificação emprega a met áfora de uma edifí cio.
A maior ia de nossas cr enças ordinár ias requer sust ent ação de out ras; t emos
de just ificar uma dada crença apelando para out ras e mais out ras sobre as
quais ela se baseia. Mas se a cadeia de cr enças just ificadas fosse regressiva
sem um fim em uma crença que fosse de algum modo independent ement e
segura, port anto fornecendo um fundame nt o para as out ras, parecer ia falt ar
just ificação para alguma cr ença na cadeia . Parece necessár io, port ant o, que
dever ia crenças que não necessit assem de just ificação, ou que são de algu m
modo aut o -just ificadas, para ser vir a base epist êmica.

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Nessa perspect iva u ma crença just ificada é uma que sust ent ada por t al
crença básica ou é ela própr ia uma crença fundacio nal. Os próximo s passos,
port ant o, são os de tornar claro a noção de um "fundament o" e explicar
co mo crenças fundacio nais "sust ent am" aquelas não - fundac io nais. É
necessár io algum mo do de ent ender o fundacio nis mo sem met áforas de
const rução.

Não é suficient e apenas enunciar que uma crença fundacio nal é uma crença
que não requer nenhuma just ificação, pois deve haver uma razão do porquê
est e é o caso. O que torna uma crença independent e ou aut o -inst it uída do
modo requer ido? É padronizadament e afir mado que t ais cr enças just ificam -
se por si mesmas, ou são aut o -evident es, ou são irrevogáveis ou
incorr igíveis. Essas co isas não são as mesmas. Um crença poder ia ser aut o -
just ificada sem ser aut o -evident e (poder ia dar bo m t rabalho ver que ele se
just ifica por si mesma). Ser irr evogável quer dizer, crê -se, que nenhuma
evidência a mais, concorrent e, pode render uma dada crença insegura.
E mbora isso se ja uma propr iedade que a crença poder ia t er
independent ement e de se ela fo sse ou não auto -just ificada. E assim por
diant e. Mas o que é que essas caract er izações est ão prent endendo apont ar é
para a idéia de que uma cert a imunidade à dúvida, erro ou revisão anexa -se
às crenças em quest ão.

Poder ia, mesmo, ser desnecessár io ou enganoso pensar que é crença que
for nece a fundação para o edifício do conheciment o: alguma out ra
declaração poder ia assim fazer. Enunciados percept uais t em sido ofer ecidos
co mo cand idat os, porque eles parecem ser adequadament e incorr igíve is ¾ se
alguém vê uma mancha ver melha, diz - se, ent ão alguém não pode est ar
errado de que vê uma mancha ver melha . E parece plausível d izer q ue a
crença de alguém de que p não necessit a mais nenhuma just ificação ou
fundament o do que coisas que aparecem a esse alguém co mo p as descrevem
enquant o o que são.

Essas sugest ões ficam incô modas co m as dificuldades que lhes aparecem.
Exemplos de aut o -evidência ou aut o -just ificação de crenças t endem a ser
t irados da lógica e da mat emát ica ¾ eles são da var iedade de "x é x" ou "um
mais um é igual a do is", sobr e os quais os cr ít icos são rápidos em apo nt ar a
pouca ajuda que t em para falar mo s so bre a bases de crenças cont ingent es.
Enunciados de percepção, da mesma for ma, revela m- se co mo candidat os
pouco plausíve is para serem fundament os, basear -se na percepção envo lve a
aplicação de crenças que elas mesmas enuncia m co mo necess it ando de
just ificação ¾ ent re essas crenças há aquelas sobre a nat ureza das co isas e
as leis que elas obedecem. O que é ma is fort ement e cont est ado é o "mit o do
dado", a idéia de que há data fir me, or iginal ou pr imit ivo, co m o qual a
exper iência supr i nossas ment es, ant ecedent ement e a qual quer julgament o,
puro, fornecendo os recursos necessár io s para assegurar o rest o de nossas
crenças.

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Há uma dificuldade, t ambém, so bre como a just ificação é t ransmit ida a


part ir da crença fundament al para as crenças dependent es. É bast ant e fort e a
afir mação que diz que as últ imas são deduzidas delas. A maior ia, senão
todas, as crenças co nt ingent es não são demandadas pelas crenças que as
sust ent am; a evidência que eu t enho de que eu não est ou sent ado em minha
escr ivaninha é sobre quão fort e quão empír ica a ev idência pode ser, embora,
dadas as co nsiderações do cét ico (t ais como, por exemplo, a possibilidade
de que eu est ou agora sonhando), isso não implica que eu est eja sent ado
aqui.

Se a relação não é uma relação dedut iva, o que é ent ão? Out ros candidat os
¾ indut ivo ou crit er ial ¾ são, por nat ureza, dispensáveis, e port anto, senão
suplement ados de alguma maneira, insuficient es par a a t arefa de t ransmit ir
just ificação dos fundament os par a out ras crenças. A suple ment ação t er ia de
consist ir de garant ias que as cir cunst âncias que causam a dest ruição da
just ificação não -dedut iva de fat o não obt ém. Mas se t ais garant ias ¾
ent endidas, para evit ar a circular idade, como não fazendo part e da supost a
fundação de si mesmas ¾ est ivessem disponíveis par a prot eger bases não
dedut ivas, ent ão apelar para uma noção de fundament ação parecer ia
simplesment e algo fút il.

Coerência

A não sat isfação com o fundacio nis mo t em conduzido alguns epist emó logos
a prefer ir dizer que uma crença est á just ificada se ela é coerent e co m
aquelas já ace it as em um co njunt o. A t arefa imediat a é especificar o que é a
coerência, e enco nt rar um modo de t rat ament o não circular do problema de
co mo as crenças já aceit as vieram a ser aceit as.

As dificuldades dessa t arefa vem de um bo m número de quest ões. A


coerência é um cr it ér io negat ivo ( ist o é, uma crença a qual falt a just ificação
se ela falha na adequação coerent e a um conjunt o) ou um cr it ér io posit ivo
( ist o é, uma crença é just ificada quando ela se adequa coerent ement e co m o
conjunt o)? E ela deve ser ent endid a de modo fort e (pela qual coerência é
suficient e para a just ificação) ou fraco (pela qual coerência é uma ent re
out ras caract er íst icas da just ificação) ?

O conceit o de coerência t em sua base t eórica na noção de s ist ema,


ent endido co mo uma conjunt o cujos el ement os est ão em relações mút uas
t ant o em cons ist ência quant o de (algum t ipo de) int erdependência. A
consist ência é, obviament e, uma requer iment o mínimo, diz -se. A
dependência é mais difícil de se especificar sua adequação. Ser ia mu it o ¾
pois dar ia vazão p ara uma afir mação redundant e ¾ requisit ar que a
dependência signifique implicação mút ua ent re crenças ( ist o é o que alguns
t em requis it ado, cit ando a geomet r ia como exemplo). Uma noção mais
difusa é aquela que diz que um co njunt o de crenças é coerent e se d e
qualquer uma delas segue - se t odo o resto, e se nenhum subco njunt o delas é

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logicament e independent e do rest ant e. Mas isso é vago, e de qualquer modo


parece r equerer que o conjunt o seja conhecido co mo co mplet o ant es de
alguém poder julgar se uma dada crenç a é coerent e co m ele.

Um remédio poder ser dizer que uma crença é coerent e co m um conjunt o


ant ecedent e se ela pode ser infer ida dele, ou a part ir de algum subconjunt o
significant e dent ro dele, co mo sendo a melhor explanação no caso. Est e
alguém poder ia o bjet ar que nem t odas as just ificações t omam a for ma de
explanações. Uma alt er nat iva poder ia ser dizer que uma crença é just ificada
se sobrevive à co mparação co m co mpet idoras no t rabalho de se fazer aceit a
em uma conjunt o ant ecedent e. Mas aqui quem quisesse o bjet ar poderia
pergunt ar co mo isso pode ser suficient e, uma vez que por si mesmo ela não
mo st ra porque ela t em melhores mér it os do que suas r ivais, as igualment e
coerent es, na aceit ação. Cert ament e, qualquer t eoria da just ificação t em de
assegurar a ma ior quant ia de crenças candidat as, assim, não há nada que
dist int ivament e sust ent e a t eoria da coerência. E esses pensament os
conduzem a u ma quest ão não examinada do "conjunt o ant ecedent e" e sua
just ificação, que não pode ser uma quest ão de coerência, po is co m o que ele
ser ia, por sua vez, coerent e?

Int ernalis mo a ext ernalismo

Ambos, o fundacio nis mo e a t eoria da coerência, são algumas vezes


descr it os coo "int erna list as" porque descr evem a just ificação como
consist indo em relações int er nas ent re crenças, ou ¾ c omo no pr ime iro caso
¾ a part ir de uma r elação vert ical de suport e ent re crenças supost ament e
básicas e out ras que dependem dest as, ou ¾ como no segundo caso ¾ a
part ir de suport e mút uo de crenças em um sist ema ent endido
apropr iadament e.

Caract er izada de modo geral, as t eor ias int er nalist as afir mam ou assumem
que uma cr ença não pode ser just ificada para uma sujeit o epist êmico S a
menos que S t enha acesso ao que provê a just ificação, ou de fat o ou por
pr incípio. Essas t eor ias geralment e envo lvem o requer imen t o "de fat o" no
sent ido mais fort e porque ser a just ificat iva de S de acredit ar que p é algo
resgat ado, de for ma padr ão, nos t ermos de suas razões assumidas para t omar
p co mo verdadeiro, onde razão assumida é ent endido no sent ido corrent e
(no sent ido de "t er razão").

Aqui, uma objeção se co loca por si mesma. Qualquer S t em so ment e acesso


finit o a o que poderia just ificar ou solapar suas crenças, e esse acesso est á
confinado ao seu ponto de vist a part icular. Parece que a just ificação
co mplet a para suas crenç as rarament e est ar ia disponíveis, porque sua
exper iência ser ia rest r it a ao que é próximo, em t empo e espaço, e ele est ar ia
designado a mant er soment e aquelas crenças que sua exper iência limit ada
licenciou.

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Uma objeção conect ada é a de que o int ernalismo mo st ra-se inconsist ent e
co m o fat o de que muit os pessoas par ecem t er conheciment o a despe it o dele
não ser suficient ement e so fist icado para reconhecer que t al -e-qual é uma
razão para acredit ar que p ¾ est e é o caso, por exemp lo, co m cr ianças.

Uma objeção mais ger al, ainda, é que as relações ent re crenças, se do t ipo
daquelas do fundacio nismo ou da t eor ia da coerência, poder iam ser obt idas
sem que as crenças em quest ão fossem t omadas co mo verdadeiras de algo
para além delas própr ias. Alguém poder ia imag inar um co nt o, clarament e
verdadeiro, diga- se, que em nenhum mo ment o corresponde a alguma
realidade ext er na, mas que t em suas crenças just ificadas, t odavia, por suas
relações mút uas.

Essa reflexão nada fácil induz o pensament o de que dever ia haver uma
rest r ição em relação às t eorias de just ificação, na for ma de uma demanda de
que dever ia haver alguma conexão ajust ável ent re posse de uma crença e
fat ores ext ernos ¾ ist o é, algo mais do que as cr enças e suas relações
mút uas ¾ que det er mina m seu valor epist êmico. Isso concordament e mot iva
a idéia de uma alt er nat iva ext ernalist a.

Credibilidade, causalidade e busca da ver dade

O ext ernalis mo é a per spect iva de que o que t orna S just ificado ao acredit ar
que p poder ia não ser algo ao qual S t em acesso cognit ivo. Poder ia ser que
os fat os no mundo são como S crê que sejam, e isso cert ament e é a causa
que fez S acredit ar neles assim co mo são, pelo est ímulo de seus recept ores
sensór ios, de um modo correto. S não precisou est ar conscient e de que isso
é a maneira co mo suas crenças são formadas. Assim, S poder ia est ar
just ificado ao acredit ar que p, sem ma is.

A pr incipal espécie de t eoria ext er nalist a é a da credibilidade; a sua t ese ¾


ou grupo de t eses ¾ é a de que uma cr ença é just ificada se ela est á, em
confiança, co m crédit o, co nect ada co m a verdade. De acordo com uma
var iant e influent e, a conexão em quest ão é supr ida pela confiabilidade de
processos de for mação de crenças, umas t em, ent ão, alt o êxit o diant e da
avaliação que mensura a produção de crenças verdadeiras. Um exemplo d e
um processo no qual est a envo lvida a confiança (credibilidade) poder ia ser
a percepção nor mal em co ndições nor mais.

São bem plausíve is as t eor ias baseadas noção de uma ligação ext erna,
especialment e a ligação causal, ent re uma crença e o que é que ela t e m de
cont eúdo. Um exemplo de uma t al t eor ia é a abordagem de Alvin Go ldman
(1986) do conheciment o co mo "crença verdadeir a causada
apropr iadament e", onde "causação apropriada" assume um número var iado
de for mas, t odas co mpart ilhando a seguint e propriedade: elas são processos
que são t anto confiáveis "lo calment e" quant o "globalment e" ¾ o prime iro
significa que o processo t em alt o êxit o diant e da avaliação que diz sobr e a

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produção de crenças verdadeiras, o últ imo significa que o processo não t eria
produzido a crença em quest ão em "alguma sit uação cont rafact ual
relevant e" o nde a crença é falsa. A perspect iva de Go ldman é
concordant ement e um paradigma de uma t eor ia de confiabilidade ou
credibilidade.

Um elegant e pr imo de segundo grau dessa perspect iva é aquela of erecida


por Robert Nozick (Nozick, 1981). Às condições

1. p é verdadeira

2. S acredit a em p

Nozick acrescent a

3. se p não fosse verdadeir a, S não acredit ar ia em p

4. se p fosse verdadeira, S acredit ar ia nela.

As cond ições (3) e (4) t em a int enção de blo que ar os cont ra-exemplos do
t ipo de Gut t ier para crença verdadeira just ificada anexando fir me ment e a
crença de S de que p à verdade de p. A crença de S de que p est á conect ada
ao mundo (a sit uação descr it a por p) pela relação que Nozick chama de
"encalço" (tracki ng): a cr ença de S est á no encalço da verdade de que p. E le
acrescent a refinament os, nu ma t ent at iva de desviar dos cont ra -exemplo s que
os filóso fos, sempr e engenhosament e, vivem invent ando.

Se essas t eorias parecem plausíveis é porque elas est ão de aco rdo com
nossas perspect ivas pr é t eóricas. Mas co mo se pode ver, realment e há muit o
que se pode objet ar cont ra elas, e uma copiosa lit erat ura so bre isso assim
faz. O mais sér io defeit o dessas t eor ias, cont udo, é que elas são da orde m
de quest ões de pr incípio. E las não vão na quest ão de co mo S est á confiant e
de que uma dada crença é just ificada; em vez disso, buscam socorro em
duas assunções alt ament e realist as, uma sobre a ext ensão do domínio de
alcance das crenças e out ro sobre como o domínio e S est ão cone ct ados;
assim é que podem afir mar que S est á just ificado ao acredit ar que p mesmo
se o que o just ifica repousa fora de sua própria co mpet ência epist êmica.
Seja lá o que for mais que alguém pense sobre essas sugest ões, elas não

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elucida m S, e port ant o não co mpro met em o mesmo proble ma a que se


dir igem a t eorias int er nalist as.

Mas o pior de t udo ¾ uma cr ít ica ast era assim poder ia dizer ¾ as amplas
assunções às quais essas t eorias recorrem são precisamene aquelas que a
epist emo logia dever ia examinar. Teorias ext ernalist as e causa is, de
qualquer mo do e em qualquer co mbinação, são melhor desenvo lvidas pela
psico logia empír ica, onde se dá, franca e assumidament e, um descont o para
co m as assunções padrões so bre o mundo ext erno e suas conexões co m S. A
filo so fia, co m cert eza, é onde t ais premissas, elas própr ias, são
invest igadas.

Conheciment o, crença e, nova ment e, just ificação

Cons idere o argument o: "Se alguém conhece algu m p, ent ão pode saber
cert ament e que p. Mas ninguém pode est ar certo de algo. Port anto ninguém
sabe algo". Est e argument o (desenvo lvido nest a for ma por Unger, 1975) é
inst rut ivo. E le repet e o erro de Descart es de pensar que o est ado
psico lógico de cert os sent iment os ¾ que alguém pode t er co m respeit o à
fals idade, t al co mo o fat o de que eu posso sent ir co mo cert o que o cavalo
Arkle vencerá a corrida na próxima semana, e est ar errado ¾ é o que
buscamos em epist emo lo gia. Mas ele t ambé m exemplifica a t endência nas
discussões sobre o conhecimento, t al como tornar a definição de
conheciment o t ão alt ament e re st r it iva que pouco ou nada pode se alist ar em
suas fileiras. Alguém dever ia dar at enção se uma suger ida definição de
conheciment o é t al que, co mo o argument o cit ado nos cont a, ninguém pode
saber nada? E xat ament e assim co mo alguém t em crenças bem just ificad as
que funcio nam muit o corret ament e na prát ica, alguém pode não est ar
suficient ement e sat isfeit o em não saber nada? Da minha part e, penso que
pode.

Isso sugere que, na medida em que o t ema esboçado nos parágrafos


precedent es t em int eresse, ele est á em cone xão co m a justif icação de
crenças e não com a def inição de conheciment o ali implicado. A
just ificação é uma quest ão import ant e, no mínimo porque nas ár eas de
aplicação, em epist emo logia, onde o int er esse realment e sér io dever ia est ar
¾ em quest ões sobre fi lo so fia da ciência, filo so fia da hist ór ia ou os
conceit os de evidência e prova na ár ea do dir eit o ¾ , a just ificação é o
problema crucia l. Aí é onde os epist emó logos dever iam est ar trabalhando.
Por comparação, os esforços para definir "conheciment o" são t i viais e
ocupam mu it a energia em epist emo logia. A propensão ao desacordo no
debat e gerado pelos co nt ra -exemp los de Gett ier ¾ ant ecipados de modo belo
no exame de Russell so bre James (Russell, 1910, p. 95) ¾ avançou so bre
um t abuleiro de "ismo s", como exempl ic ado acima, é um sint o ma do gast o
de energia.

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

O problema ger al co m a just ificação é que os procediment os adot ados,


at ravessando toda caminhar da vida epist êmica, parecem alt ament e
per meáveis por dificuldades apont adas pelo cet icismo. O proble ma da
just ificação é, port ant o, em grande medida, o problema do cet icismo ; que é,
precisament e, a razão pela qual a discussão do cet icis mo é cent ral para a
epist emo logia.

Cetici smo

Int rodução

O est udo e o emprego dos argument os cét icos, em algum sent ido, pode ser
dit o, definem a epist emo lo gia. Um objet ivo cent ral da epist emo logia é
det er minar co mo podemos est ar cert os de que nossos meio s par a conhecer
(aqui "conhecer " imp lica obr igat oriament e "cr ença just ificada") são
sat isfat órios. Um modo preciso de most rar o que é re quer ido é obser var
cuidadosamet ne os desafio s cét icos aos nossos esforços epist êmicos,
desafios que sugerem que as maneir as pelas quais seguimo s est ão
dist orcidas. Se so mos capazes de não apenas ident ificar mas, sim, enfr ent ar
os desafio s cét icos, um o bjet ivo pr imár io da epist emo logia t erá sido
concret izado.

O cet icismo é fr equent ement e descr it o como a t ese de não é ¾ ou, mais
fort ement e, pode ser ¾ conhecido. Mas essa é uma caract er ização ruim,
porque se não conhece mos nada, ent ão não podemos saber que não sabe mos
nada, e assim t al afir mação é t rivia lment e algo que frust ra a si mesma. É
mais eficaz caract er izar mos o cet icismo do modo à frent e suger ido. E le é
um desafio diret o cont ra reivindicações de conheciment o, e a for ma e a
nat ureza do desafio var iam se gundo o campo da at ividade epist êmica e m
quest ão. Em ger al, o cet icis mo t oma a for ma de uma so licit ação pela
just ificação das afir mações de conheciment o, em conjunt o com um
enunciado sobre as razões que mot ivam t al so lic it ação. Padronizadament e,
as razões são de que cert as considerações sugerem que a just ificação
propost a poder ia ser insuficient e. Conceber o cet icismo de t al modo é vê - lo
co mo mais proble mat izant e e mais important e filo so ficament e do que se ele
é descr it o como uma t ese posit iva que afir ma no ssa ignorância ou
incapacidade de conheciment o.

Pr imeiro Cet icis mo

Alguns ent re os pensadores da ant igüidade ¾ Pyrro de Elis (360 -270 AC) e
sua esco la, e os sucessores de P lat ão na Academia ¾ expressar a m
desapont ament o pelo fat o de que século s de invest iga ção levada adiant e
pelos seus ant ecessores pareciam t er gerado poucos frut os, ou em
cosmo logia ou em ét ica (est a últ ima era const ruída de modo amp lo,
inc luindo, port ant o, a polít ica). Tal desapont ament o mot ivou a adoção de
perspect ivas cét icas. Os pirro nea nos argument aram que porque a

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

invest igação é árdua e int er minável, dever -se- ia abando nar a t ent at iva de
julgar o que é verdadeiro e falso, cert o e errado; pois so ment e assim
conseguir íamo s paz ment al.

Uma for ma menos radical de cet icis mo assalt ou os sucess ores de P lat ão na
Acade mia. E les concordaram co m Pyrro sobre o que, cert ament e,
dever íamo s evit ar, mas eles t emperar am a uma t al per spect iva cét ica co m o
aceit e de que as demandas da vida prát ica devem ser enfr ent adas. E les não
pensaram co mo viável a "susp ensão de juízos", co mo P yrro recomendou, e
port ant o argument aram que dever ía mos aceit ar aquelas proposições ou
t eorias que fossem mais prováveis (pp. 314 -16) que suas co ncorrent es. As
concepções desses pensadores, conhecidas co mo as dos cét icos da
Acade mia, são recordadas na obr a de Sext o Empír ico (150 -225).

No fim do Renasciment o ¾ ou, que é a mesma co isa, no início dos t empos


moder nos ¾ , com as cert ezas religio sas sob at aque e as novas idéias se
ampliando, alguns dos argument os cét icos da Academia e dos pirroneanos
adquir iram uma significação especial, not avelment e co mo um result ado do
uso que René Descart es fez deles, mo st rando que eram poderosos
inst rument os para a invest igação da nat ureza e das fo nt es do conheciment o.
No t empo de Descart es uma mesma pe ssoa pode ser ast rônomo e ast rólogo,
químico e alquimist a, fís ico ou mág ico. Era difícil separar conheciment o e
nonsense ; era mesmo árduo dist inguir aqueles mét odos de invest igação que
poder iam produzir um co nheciment o genuíno daqueles out ros que podiam
so ment e apro fundar a ignorância. Assim, havia uma necessidade urgent e de
alguma t eorização epist emo lógica aguda, clara. E m suas Meditações (1986),
Descart es concorda em ident ificar a epist emo logia co mo uma t ent at iva
essenc ial e preliminar para a fís ica e par a a mat emát ica, de modo a t ent ar
est abelecer as bases da cert eza co mo uma propedêut ica à ciência. O
pr imeiro passo de Descart es em t al t arefa fo i o de adot ar e aplicar alguns do
argument os cét icos t radicio nais (Eu co ment arei so bre seu uso do cet icis mo
mais adiant e).

A anat omia do cet icis mo

Os argument os cét icos exploram cert os fat os cont ingent es sobre nosso modo
de adquir ir, t est ar e lembrar nossas crenças, bem co mo raciocinar sobre
elas. Qualquer problema que infect a a aquis ição e empr ego de crenças so bre
uma dada mat ér ia, e em part icular qualquer problema que infect e nossa
confiança na manut enção de que aquelas crenças eram just ificáveis, a meaça
a nossa manut enção de posição sobre o assunt o em quest ão.

Os fat os cont ingent es em quest ão relacionam a per cepçã o da nat ureza, a


vulnerabilidade humana nor mal ao erro, e a exist ência de est ados da ment e
¾ por exemp lo, sonho e desilusão ¾ que pode ser subjet ivament e não
dist inguível daquelas que nor malment e tomamos co mo apropr iadas para
adquir ir crenças just ificadas. Apelando para essas considerações o cét ico

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

visa mo st rar que há quest ões significant es para serem r espo ndidas sobre os
graus de confiança que est amo s dest inados a co locar em nossas prát icas
epist êmicas padrões.

As considerações cét icas co locam problemas pa ra os epist emó logos de


ambos os ca mpos, racio nalist a e empir ist a. Essa divisão em duas esco las de
pensament o, que disput am sobre o conheciment o, é grosseira mas út il, dado
que é uma for ma breve de marcar a diferença ent re aqueles que mant ém que
a razão é o meio mest re para o conheciment o, e aqueles que mant ém que t a l
co isa é um papel desempenhado pela exper iência. Os racio nalist as
enfat izam a razão porque em sua perspect iva os objet os do conheciment o
são proposições imut avelment e e necessar iament e verdadeir as ¾ os
exemplo s que o ferecem são os de proposições da mat emát ica e da lógica ¾
e essas, ele dizem, só podem ser adquir idas pelo raciocínio. Os empir ist a
co mpreendem que o conheciment o subst ant ivo e genuíno do mundo só pode
ser aprendido at ravés da exper iê ncia, por me io dos sent idos e suas
ext ensões proporcionadas por inst rument os, t ais co mo t elescópios e
microscópio s. O racionalist a não precisa negar que a consciência emp ír ica é
um ajudant e import ant e da razão, at é mesmo um ajudant e indispensável,
nem o empir ist a precisa negar que a razão é um auxiliar import ant e,
indispensável, da exper iência; mas ambo s insist ir ão que os meio s mest res
para o conheciment o são difer ent es, um a razão, o outro a exper iência.

O refinament o do debat e dessas quest ões merecem exam e det alhado, que
aqui não é o lugar. Para o present e propósit o, devo assinalar o ponto no
qual o cet icis mo é um proble ma par a ambas as esco las de pensament o. Para
ambas, as possibilidades de erro e de ilusão post ulam um desafio. Para os
empir ist as, em part icular, erro e ilusão devem ser acrescent ados a
problemas dist int os da percepção.

Erro, ilusão e sonhos

Um car act er íst ica padrão do argument o cét ico é t irado de uma conjunt o de
considerações sobre erro, ilusão e sonho.

Cons ideremo s, pr ime iro, o argument o d o erro. Somos cr iat ura falíve is, nós,
algumas vezes, nos enganamos. Se, cont udo, sempr e so mos capazes de
afir mar que conhecemo s ( ist o é, ao menos como crent es em algo que
just ificamos) alguma proposição p, devemos se capazes de exclu ir a
possibilidade de q ue no mo ment o de afir mar que sabemo s p est amos em
erro. Mas, uma vez que, t ip icament e, ou no mínimo, fr eqüent ement e não
est amos co nscient es de nossos erros quando os comet emos, e poder iamos
port ant o inadvert ida ment e est ar mos e m er ro quando afir mamo s saber que p,
não est amos just ificados quando fazemo s essa afir mação.

O mesmo se ap lica quando um pessoa é sujeit a à ilusão, fant asia ou


alucinação. Algumas pessoas exper ienciam um ou outro desses est ados e m

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

que não sabem o que est ão fazendo, e tomam a si mesmas co mo t endo


passado por exper iências ver ídicas. Clarament e, todavia ela pensem que
est ão no est ado em que conduzem a si mesmas ao se just ificarem por
afir mar que acr edit am que p, elas não est ão em t al est ado. Assim, para que
alguém afir mar conheciment o de a lguma p, deve ser capaz de excluir a
possibilidade de que são sujeit os a t ais est ados.

Esse padrão de argument ação é mais familiar no argument o do sonho


empregado por Descart es. Um modo de expor t al argument o é o seguint e.
Quando eu dur mo eu algumas vezes so nho, e quando sonho algumas vezes ¾
de fat o, freqüent ement e ¾ não sei se est ou sonhando. Assim, posso t er
exper iências que parecem exper iências ver ídicas em vig ília na base das
quais me assu mo co mo just ificado ao afir mar que sei t ais e t ais co isas. Mas
porque estou sonhando, de fat o não sei t ais e t ais coisas; merament e sonho
que sei. Se não posso excluir a possibilid ade de que, agora, nest e mo ment o,
est ou sonhando, sou incapaz de afir mar conheciment o sobre as co isas no
mo ment o mesmo em que me assumo co mo sabendo das co isas. Por exemplo,
me par ece que est ou sent ando na minha escr ivaninha próximo à janela,
vendo as ár vores e o gramado. Mas porque eu poder ia est ar sonhando que
isso é assim, não posso afir mar que sei.

Nesses argument os a possibilidade do er ro , ilusão e sonho at uam co mo o


que poder ia ser chamado de uma "fracasso" de reivindicações de
conheciment o. O padrão é: se alguém sabe p, ent ão nada est á at uando para
subvert er a just ificação desse alguém ao afir mar que sabe de p. Mas alguém
pode parecer a si mesmo co mplet ament e autorizado a afir mar que sabe
algum p, e haver falha nessa aut orização, como as considerações
precedent es most ram. Assim, nossas reivind icações ao conheciment o são
carent es de bases melhores do que ordinar iament e assumimo s que t emos.
Devemo s achar uma modo dest ruir os objetores.

Percepção

Ambos, rac io nalist as e empir ist as, vêem que as fo nt es do conheciment o são
ameaçadas pelo s argument os esboçados. Argument os que põe problemas
part icular es para o empir is mo são suger idos pela nat ureza e limit ação da
percepção, a melhor abordagem corrent e que nos cont a algo sobre isso
segue a seguint e hist ór ia.

Luzes reflet em a part ir de super fícies dos objet os no meio fís ico e passam
para nossos olhos onde irr it am as células das ret inas de um t al modo q ue
dispar a impulsos nos ner vos ót icos. Os ner vos ót icos t ransport am esses
impulso para a região do córt ex cerebral que processa dados visuais, onde
eles est imulam cert os t ipos de at ividades. Com um result ado, de um modo
ainda mist er ioso para a ciênc ia e pa ra a filo so fia, "quadros em mo viment o"
emergem na co nsciênc ia do sujeit o, represent ando o mundo ext er ior à sua
cabeça. Essa not ável t ransação é repet ida mutati s mutandi s no sent ido de

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

out ras modalidades sensór ias, co mo ouvir, sent ir cheiro, gosto e t at o,


fazendo emergir percepções de har mo nia e melo dia, per fumes e excit ação
olfat iva, suavidade, delicadeza, quent e e assim por diant e.

Esse modelo pode ser usado para fornecer out ras aplicações cét icas do
fracasso do argument o. O que hist ór ia complexa causal no s diz é que ¾
assim o cét ico pode indicar ¾ ela poder ia ser int errompida de modos
problemát icos em qualquer dos pont os de seu caminho. As exper iências que
dizemo s que result a m da int eração de nossos sent idos co m o mundo poderia
nos ocorrer para out ras razõ es. E las poder iam ocorrer quando, co mo not ei
acima, so nhamo s, alucinamo s e t emos ilusões; ou para ser mais imaginat ivo,
elas poder iam ser produzidas em nós por um deus, ou por um deus, ou por
um cient ist a que t eria conect ado nossos cérebros a um co mput ador . Do
pont o de vist a do sujeit o que exper iencia, poder ia não fazer qualquer
difer ença. Assim, diz o cét ico, a menos que possamo s enco nt rar um meio de
excluir essas possibilidades, não estamos aut orizados a reivindicar
conheciment o do que, de maneira padrão, assumimo s conhecer.

Relat ividades per cept uais

As mesmas co nsiderações so bre a percepção pode induzir o desafio cét ico a


rot as difer ent es. Uma br eve reflexão do t ipo da ensinada por Locke,
Berkele y (1685-1753) e out ros pr ime iros cont r ibuint es para o debat e mo st ra
que algumas dessas propriedades que parecemo s perceber nos objet os não
"neles mesmo s", mas são de fat o criat uras das da relação percept ual. A
qualidade dos objet os ¾ suas cores, gosto, cheiro, som e t ext ura ¾ var iam
de acordo com a co ndição de quem per cebe ou das condições sob as quais
são percebidos. Os exemp los padrões são em grande número: a grama é
verde de dia, pret a à noit e; a água morna most ra -se quent e para uma mão
fr ia, fr ia para uma mão quent e; objet os parecem maior grandes de pert o,
peque nos de lo nge, et c.

Essas relat ividades percept uais são cit adas pelo cét ico para levant ar as
quest ões de que a percepção é uma fo nt e de desconfiança so bre as
infor mações a respe it o do mundo, excet o se o mundo pode ser dit o exist ir,
de algum modo, independent ement e da percepção. Pois o que acont ecer ia se
as propr iedades pelas quais aqueles meio s de det ecção da pr esença de
objet os não pudessem ser descr it os aparte de ser em o bjet os da percepção ?
Cons idere o velho enigma de se um so m produzido pela queda de ár vo res na
florest a quando nenhum ser co m poder de percepção e sent idos est á
present e par a ouvi- lo. A respost a, em uma padrão da t eoria da percepção
corrent e na ciência cont emporânea, é que as ár vores caem em silêncio
co mplet o. Pois se não há nenhum ouvido par a ouvi- las, não há nenhum so m;
há so ment e, na melhor das condições ¾ ondas vibrant es ¾ que causar iam
so m co mo est e é percebido por ouvidos se houvesse membranas audit ivas
func io nando, ner vos audit ivo s e o resto para ser est imu lados por eles.

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

Essas consider ações sugerem um quadro cét ico em que os que percebem
est ão com algo t al co mo a seguint e predicação. Imagine um ho mem usando
um capacet e prot etor que não o deixa ouvir, ver, sent ir gost o ou cheiro ou
qualquer out ra coisa fora dele. I magine uma câmer a, uma micro fo ne e
out ros sensores fixados no topo do capacet e, t ransmit indo quadros e out ras
infor mações para seu int er ior. E, fina lment e, suponha que é impossível para
quem est á co m o capacet e remo vê - lo para comparar as infor mações co m
qualquer co isa do lado de fora, assim, ele não pode checar a credibilidade
das represent ações do mundo ext er ior. De algum mo do, quem vest e o
capacet e t em de confiar na caract eríst ica int r ínseca da infor mação
disponível dada pelo capacet e, para julgar a credibilidade das infor maçõe s.
E le sabe que a infor mação algu mas vezes sai de fo nt es out ras que as do
mundo ext er ior, como nos sonhos e ilusões; ele t em deduzido que o
equipament o fixado no capacet e funcio na segundo a ent rada de dados e sua
alt eração, por exemplo, acrescent ando cores , so ns e odores aos seus quadros
que int r insicament e não t em nenhuma dessas propr iedades ( no mínimo, e m
t ais for mas) ; ele sabe que suas crenças sobre o que est á do lado de fora do
capacet e repousa sobre inferências que ele t ira das infor mações d ispo níveis
no int er ior do capacet e, e que suas infer ências são apenas t ão boas quant o
falíve is, per mit em a capacidade de errar a respeit o do que há lá fora. Dado
t udo isso, pergunt a o cét ico, não t emos nenhum emprego no qual t rabalhar
de modo a just ificar nossas reiv indicações de conheciment o ?

Cet icis mo proble mát ico e met odológico

Ant es de considerar esses argument os e ponderá - lo s para, de algum modo,


responder a eles, é import ant e not ar duas co isas. Uma é que os argument os
cét icos não são melhor abordados com uma t en t at iva de refut ação passo -a-
passo ¾ ist o é, um por um. A Segunda é que há uma dist inção vit a l,
import ant e, a ser t irada de ent re os dois modos nos quais o cet icis mo pode
ser empr egado em ep ist emo logia. É import ant e not ar essas quest ões porque
de outro modo a imp lausibilidade, pri ma f acie, da maior ia dos argument os
do cét ico nos enganará sobre sua import ância. Ret orno a cada pont o.

A t ent at iva de refut ação dos argument os do cét ico é argument at ivament e,
passo a passo, algo fút il, por duas boas r azões. Co mo su ger ido no iníc io, os
argument os cét icos são mais fort es não quando buscam provar que so mos
ignorant es so bre algum quest ão em paut a mas, sim, quando solic it am que
just ifique mos nossas afir mações de conheciment o. Um desafio para que
just ifique mos algo não é uma afir mação ou uma t eoria, e não pode ser
refut ado; pode so ment e ser aceit o ou ignorado. Uma vez que o cét ico
oferece razões pelas quais a just ificação é requer ida, a respost a poderia
est ar na inspeção dessas razões de modo a ver mo s se o desafio precisa ser
enfrent ado. Tal co isa, cert ament e, é uma boa respost a ao cet icis mo. Onde as
razões são convincent es, a próxima boa respost a é t ent ar enfrent ar o desafio
ent ão posto.

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

A segunda razão é que os argument os do cét ico tomados conjunt ament e t em


um efeit o cone xo de most rar que há t rabalho a ser feit o se est amos para
conseguir uma explicação sat isfat ória do conheciment o ¾ e o cet icis mo
indica o que é necessár io. Se alguém pudesse refut ar, ou most rar a não
fundament ação, de um ou out ro argument o cét ico individua l , out ros ser iam
deixados no lugar, ainda demandando uma t al exp licação a ser perseguida.

Esses pont os podem ser ilust rados por meio da t ent at iva de Gilbert Ryle
(1900-1976) de refut ar o argument o do erro usando um argument o do
"conceit o polar ". Não pode ha ver moedas falsas, Ryle obser vou, a menos
que exist am a genuínas, nem desvio s de caminho s a menos que haja os
caminho s diret os, nem ho mens alt os se m os baixo s. Muit os conceit os cae m
em t ais polar idades, uma caract er íst ica que é aquela que most rar que não s e
pode compreender um po lo a menos que se co mpreenda seu opost o ao
mesmo t empo. "Errar" e "acert ar" são polar idades conceit uais . Se algué m
ent ende o conceit o de erro, ent ende o conceit o de "acert ar". Mas ao
ent ender est e últ imo conce it o é ser capaz de apl icá- lo. Assim, toda nossa
co mpreensão do conceit o de erro implica em acert ar mos algumas vezes.

Ryle obvia ment e assumiu que o erro cético est á afir mando que, por t udo
que sabemos, poder ía mos sempre est ar em erro. De acordo com isso, seu
argument o ¾ de que se ent endemo s o conceit o de erro, devemo s algumas
vezes alcançar as co isas corret ament e ¾ visa refut ar a int eligibilidade da
afir mação de que poder íamo s est ar sempre errados. Mas, é claro, o erro
cét ico não é isso. O cét ico est á simplesment e pergunt ando com o, dado que
algumas vezes erramo s, podemos negar a possibilidade de est ar em erro em
qualquer ocasião de julgament o ¾ diga - se, nest e mo ment o present e.

Mas o cét ico precisa não conceder a Ryle as afir mações mais gerais que est e
faz, a saber, que para qualqu er po lar idade conce it ual ambo s os pó los deve m
ser ent endidos ¾ para além e mesmo mais t endencio sament e ¾ , e ent ender
um conceit o é saber co mo aplicá - lo, e ele ser aplicável é, realment e, ser
aplicado (ou t er sido aplicado). Est e últ imo mo viment o é bem uma quest ão
de pr inc ípio, mas assim é a própria afir mação sobre as polar idades
conceit uais. Po is o cét ico pode, feliz, cit ar casos de po lar idades conceit uais
¾ "per feit o - imper feit o", "mort al- imort al", "finit o - infinit o" ¾ onde de for ma
alguma fica claro que os mais exót icos pólos aplicam-se a t udo, ou at é
mesmo que realment e os ent endemo s. Finalment e, pegar um t er mo e anexar
a ele um pr efixo negat ivo não garant e que t enhamo s, port ant o,
co mpreendido um conceit o int eligível.

Esses co ment ár ios suger em que os argum ent os cét icos, mesmo se
singular ment e eles par ecem não plausíveis, em co njunt o eles convidam a
uma respost a sér ia; que é o que, em larga medida, a epist emo logia busca
oferecer. Mas há, ainda, para ser explic ada, a quest ão da dist inção ent re
cet icis mo met odológico e problemát ico, e aqui uma recapit ulação breve do
uso que Descart es faz do argument o cét ico será út il.

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

O mét odo da dúvida de Decart es

O objet ivo de Descart es era o de achar uma base para o conheciment o, o


qual ele achar ia buscando uma po nt o de iníc io a r espeit o do qual ele
poder ia est ar cert o. Encont rar a cert eza, ele necessit ava reje it ar qualquer
co isa que pudesse ser duvidosa, mesmo que fosse t er dúvida sobre algumas
co isas fo sse um absurdo, pois so ment e dest e modo poder íamo s ser deixados
co m o que é verdadeirament e indubit ável. Na pr imeira Meditação ele
embarca nessa t arefa t omando empr est ado os argument os cét icos dos
ant igos. Pr imeiro ele cit a o fat o de que podemos ser enganados pela
percepção. Mas isso não é um cet icis mo complet ament e suficient e , po is
mesmo se percebemo s erradament e há ainda muit o que podemos saber.
Assim, ele, em seguida, considera a possibilidade de que em qualquer
ocasião de afir mação de alguém de ela sabe algo, ela poder ia est ar
sonhando. Esse pensa ment o cét ico consegue mais co isas para sua rede, mas
é ainda insufic ient e, pois mesmo no sonho podemos saber t ais co isas co mo,
por exemplo, verdades mat emát icas. Assim, para alcançar uma consideração
a mais ampla possíve l, Descart es int roduz a idéia do "gênio malígno". Aqu i
a suposição é a de que co m respeit o a t odas as co isas sobre as quais poder -
se- ia possivelment e est ar errado, com cer t eza o "gênio maligno" a engana.
Not or iament e, o que um t al ser não poder ia fazer errar é que cogito ergo
sum ¾ quando se pensa "eu exist o", est a pr oposição é verdadeira.

O essencia l a se not ar no uso de Descart es desses argument os é que se t rat a


de um uso purament e metodológico. O rest o das Meditações é devot ado a
mo st rar que sabemo s uma grande porção de coisas, porque o fat o (como
Descart es, se êxit o, t ent a provar) é que há um deus bo m que garant e que,
t ant o quant o usamos nossas faculdades responsavelment e, qualquer co isa
que é percebido com clareza e dist inção como verdadeira será cert ament e
verdadeir a. Isso porque um deus bo m, diferent ement e de um mau, não
dese jar ia nossa ignorância. Descart es não fo i, de maneira alguma, um
cét ico, nem ele pensava que os argument os cét icos, menos de t odos os que
alguém empr egava co mo disposit ivo par a por de lado t ant as crenças quant o
possíveis, fossem per suasivo s. O "mét odo da dúvida" era merament e um
inst rument o.

Os sucessores de Descart es, cont udo, estavam mu it o ma is impressio nados


co m os argument os cét icos que ele empr egou do que sua r espost a a eles.
Pois a t radição do pensament o epist emo lógico após seu t empo, con siderou
esses proble mas e similar es não como mero disposit ivos met odológicos,
mas co mo problemas sér io s que requer ia m uma so lução. Daí a dist inção que
t irei aqui ent re cet icis mo met odo lógico e cet icis mo problemát ico.

É claro que há co nsiderações cét icas qu e t em ut ilidade mer ament e


met odológica, e não são genuina ment e problemát icas, porque não
represent am u m desafio persuasivo e est ável para nossos padrões
epist emo lógicos ordinár ios. O "gênio maligno" é um caso desse t ipo. Uma

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

vez que a hipót ese de que há uma t al co isa é t ão arbit rár ia e sem base
quant o uma hipót ese pode chegar a ser, ela não t em mér it o ao ser t omada
ser iament e senão como uma est rat égia para se provar um po nt o de vist a.
Mas as consider ações cét icas sobre percepção, erro, ilusão e sonho soam
mais int er essant es e proble mát icas, e consequent ement e merecem exame.

Ent re a muit as quest ões dignas de preocupação sobre a discussão de


Descart es t emos duas, as seguint es. Pr imeirament e, co mo suger ido
inic ialment e, sua busca por cert eza é mal co ncebida em argu ment os.
Cert ament e um est ado psico lógico de alguém pode ocorrer
independent ement e de se as crenças desse alguém são verdadeir as ou não. A
fals idade de uma crença não é nenhuma barreir a para que o sent iment o de
cert eza desse alguém seja de out ro modo. D escart es perseguiu modos
específicos de reconhecer quais das nossas crenças são verdadeir as, mas ele
fo i falar de cert eza porque ¾ e est e é o segundo pont o ¾ ele assu miu que a
t arefa da epist emo logia é prover alguém com uma maneir a de conheciment o,
a part ir de po nt o de vist a subjet ivo próprio dest e alguém, quando se possu i
conheciment o. Consequent ement e, ele começa co m o dado pr ivado de uma
consciência singular e t ent a mo ver -se par a fora dela, buscando garant ias par
os processos em rot a. Quase todos os suce ssores de Descart es e m
epist emo logia, at é Russell, inc luindo Russell (1872 -1970) e Ayer (1910 -
1989), aceit aram essa per spect iva a respeit o de suas t arefas. Nesse sent ido,
ao menos, todos foram cart esianos. Falando de modo amplo, é por t ais
razões, como suger imos ac ima, que eles acharam duro de enfrent ar o
desafio do cet icis mo.

Algumas respost as ao cet icis mo

O desafio cét ico diz que so fremo s de um co mpro met iment o epist êmico, a
saber, que podemos t er a melhor evidência possível par a acredit ar em algu m
p, e ainda assim est ar mos errados. Enunciado de modo resumido e for mal, o
cet icis mo é a obser vação de que não há nada cont radit ór io na conjunção de
enunciados s incorporando nossas me lhor es bases para uma dada cr ença p,
por um lado, com a fals idade de p, por outro.

Uma represent ação infor mat iva do cet icismo assim sumar izada é co mo
segue. Argument os cét icos abrem u ma fenda ent re, de um lado, as bases que
um supost o conhecedor t em para alguma afir mação de conheciment o, e, de
out ro lado, a afir mação em si mesma. Resp ost as ao cet icismo geralment e
tomam afor ma de t ent at ivas ou de colocar uma pont e sobre a fenda ou de
diminu ir o buraco. O modelo padrão percept ual, no qual as crenças são
for madas por int eração sensór ia co m o mundo, post ula um pont e causal que
at ravessa a fenda; mas t al pont e é vulnerável à sabot agem cét ica, aqui a
explicação causal, no mínimo, precisa de suport e. Descart es, co mo not ado,
ident ificou a t arefa epist emo lógica como a necessidade de especificar
garant ias ¾ chame -se X ¾ que, acrescent ada às nossa s bases subjet ivas para
crenças, prot ege-as cont a o cet icis mo e assim eleva as crenças à for ma de

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

conheciment o. Seu candidat o para X era a bondade da divindade; reje it ar


esse candidat o (enquant o cont inuou a aceit ar sua perspect iva da t arefa
epist emo lógica) cr ia a obr igação de t ermos de encont rar um alt er nat iva. Se
um X não pode ser achado para sust ent ar a pont e que liga a fenda cét ica, a
opção é t ent ar aproximá - la ¾ ou, ma is exat ament e, mo st rar que, de modo
algum, há alguma fenda ali. Ambos as buscas por X e por fechar a fenda
t em const it uído o esforço epist emo lógico maior co nt ra o cet icis mo na
filo so fia moder na. Algumas desses esforços, de modo breve, são os
seguint es.

Os sucessores imediat os de Descart es foram, co mo mencio nados, não


persuadidos pela sua t e nt at iva de co locar uma pont e na fenda invocando
uma divindade boa para ser vir co mo X. Locke, sem mu it o alarde, empregou
uma versão mais fraca do expedient e cart esiano dizendo que podemos
ignorar as ameaças cét icas á exp licação causa l porque "a luz que é ac esa em
nós br ilha o sufic ient e para t odos os nossos propósit os". A part ir do pont o
de vist a de Locke não há import ância se a luz int er ior é fixada por Deus ou
pela nat ureza; a quest ão é que há algo ¾ X, a luz int er na, que poder ia ser,
t alvez, a razão, a int uição empír ica ou a confiança nat iva na confiabilidade
dos sent idos ¾ que dá bases par a que aceit e mos nossos meio s ordinár ios de
adquir i conheciment o como sendo os meio s adequados.

Argument os t ranscendent ais

Kant (1724-1804) considerou o fracasso na refut ação do cet icismo o


"escândalo " da filo so fia, e ofereceu sua Crítica da Razão Pura (1929) como
uma so lução. Sua t ese é que nossas ment es são de t al modo const it uídas que
elas impõem uma est rut ura de conceit os int erpret at ivos sobre nossa
sensações, ent re elas aquelas de int erconexão causal e de objet ividade do
que percebemos. A aplicação desses conceit os t ransfor ma recept ores
mer ament e passíve is de dados em exper iência propr iament e dit a (pp. 590 -
8). Nossas faculdades são t ais que onde o dado cru cai sob a at ividade
int erpret at iva de nossos conceit os, eles, os dados, já t em for ma espacial e
t emporal que lhes fo i confer ida pela nat ureza de nossas capacidades
sensór ias; toda nossa exper iênc ia, considerada co mo relacio nada ao que é
ext er ior a nós, é exper iência d e um mundo est rut urado espacialment e, e t oda
nossa exper iência, considerada co mo relacio nada a seu carát er recept ivo em
nossas ment es, é de um mundo t emporalment e est rut urado. Sobre os dados
espaço -t emporais assim t razidos, ant es, às nossas ment es, impo mos nossas
cat egorias, ist o é, os conceit os que tornam a exper iência possíve l dando a
elas seu car át er det erminado. E aqui est á o ponto chave de Kant : se o cét ico
pede que just ifiquemo s nossas afir mações de conheciment o, nós assim
fazemo s dispo ndo esses fat os sobre co mo a exper iência é co nst it uída.

Kant disse que Hume (1711 -76) o inspirou, porque Hume havia
argument ado que embora não pudéssemo s refut ar o cet icis mo ¾ a razão não
era capaz disso, afir mou ele ¾ não dever íamos est ar em apuros, pois a

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

nat ureza huma na é assim co nst it uída de modo que simplesment e não
podemos consert ar as crenças que o cet icismo nos desafia a dar
just ificat ivas. Essa crenças incluem, por exemplo, que há um mundo
ext erno, que há relações causais mant idas ent re event os no mundo, que o
raciocínio indut ivo é confiável assim por diant e. A part ir dessa sugest ão,
Kant elaborou sua t eoria de que os conceit os os qua is o cét ico que
just ificação são caract er íst icas co nst it uint es de nossa capacidade, de algum
modo, de t er qualquer exper iência.

A est rat égia, se não os det alhes, do at aque de Kant sobre o cet icis mo, t em
est imulado o int eresse da filo so fia mais recent e. O argument o que ele
emprega é um argument o t ranscendent al, brevement e caract er izado co mo
aquele que diz que porque A é uma co ndição nec essár ia par a B, e, porque B
é o caso, A deve ser t ambém o caso. Um exemp lo de um t al argument o em
ação cont ra o cet ic ismo é o que segue.

Um desafio cét ico t ípico é o concer nent e a crença na exist ência de objet os
não percebidos, cont inuament e. O que just ifi ca nossa manut enção de uma
t al crença e o desco nt o que damos a respeit o dela? As respost as do
argument o t ranscendent al são as seguint es: por causa de que nos assumimos
co mo ocupando um mundo singular e unificado de objet os espaço -
t emporais, e por causa de que, nessa perspect iva, objet os espaço -t emporais
t em de exist ir quando não percebidos a fim de const it uir o real co mo
singular e unificado, uma cr ença cont ínua na exist ência de objet os não
percebidos é uma condição de nosso pensament o a respeit o do mundo e a
respeit o de nossa exper iência dele desse t al modo. Uma vez que, de fat o,
pensamos desse modo, a crença que o cét ico pede par a just ificar mo s est á,
port ant o, just ificada. Uma pensador cont emporâneo que fez not ável uso
desse est ilo de agument o é P. F. St ra wson, nascido em 1919.

Idealismo e feno menalis mo

Há, em par alelo a esse modo de Kant responder ao desafio cét ico, out ra
abordagem, que nega a exist ência de um fo sso gerando pelo cet icis mo. As
figuras chefes nesse campo são Berkeley e, mais recent ement e, os
feno menalist as, que ¾ per mit indo por diferenças ent re eles, e le mbrando
que os dois últ imo s só mant ém t ais perspect ivas em part e de suas carreiras
¾ inclue m Mill (1806 -73, Russell e Ayer.

Na perspect iva de Berkeley, o cet icis mo emerge do pensament o de que atrás


ou na frent e de nossas exper iências sensórias repousa um mundo material.
O mundo "mat er ial" significa "fe it o de mat t ér ia", e "mat ér ia" é um t er mo
filo só fico t écnico que é suposto denot ar uma subst ância indet ect ável
empir icament e, que os predecessore s da filo so fia de Berkeley usaram co mo
base para as propriedades das co isas det ect áveis sensor iament e, t ais co mo
cores, for mas e t ext uras. Berkele y rejeitou o conceit o de mat ér ia assi m
ent endido ¾ é co mum lê - lo erradament e, tomando -o como alguém que

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

negou a exist ência de objet os fís icos; ele não fez t al co isa ¾ argument ando
que por causa dos objet os físicos serem coleções de qualidades sensíveis, e
porque qualidades sensíve is são idéias, e porque idé ias só podem exist ir se
percebidas, a exist ência de objet o s, port ant o, consist e em serem percebidos;
se não por ment es finit as t ais co mo as nossas, ent ão em t odos os lugares e
em t odo o t empo por uma ment e infinit a. (Podemos not ar que Berkele y
pensava que sua refut ação do cet icismo era ao mesmo t empo um novo e
po deroso argument o em favor da exist ência de Deus.)

O cost ume de Berkele y de dizer que as co isas exist em "na ment e" levou
leit ores não cr ít icos a supor que ele quer ia dizer que objet os exist em
so ment e na cabeça de alguém, que é o que o idealist a subjet ivist a ou o
so lipsist a podeiam t ent ar mant er. O idealis mo de Berkeley, se é ou não de
algum mo do defensável, é ao menos uma perspect iva não t ão inst ável. Seu
"na ment e" dever ia ser lido co mo significando "co m referência essencial à
exper iência ou pensa ment o".

Para os propósit os aqui present es, a quest ão é que Berkeley buscou refut ar
o cet icismo por meio da negação da exist ência de um fo sso ent re
exper iência e r ealidade, so bre o fundame nt o de que exper iência e realidade
são a mesma co isa. (E le t inha uma t eoria de co mo, a despeit o disso,
poder íamo s t odavia imaginar, so nhar e errar). Os feno menalist as, mesmo
co m uma import ant e diferença, argument aram de modo parecido, part indo
do que aparece par a nós na exper iência. Quando analisamos os
apareciment os ¾ o "fenô meno ¾ vemo que eles não não const ruídos
separ ados do dados básico s dos sent idos, seja a menor passagem de cor no
campo visual ou o mais baixo so m em nosso campo audit ivo. Fora dos
dados dos sent idos "cont ruímo s logicame nt e" as cadeiras e mesas, pedras e
mo nt anha s, const it uindo os acessór ios do mundo do dia -a-dia.

Uma alt er nat iva, mas equiva lent e, de se colocar t al quest ão, afir mam os
feno menalist as, é dizer que enunciados so bre objet os fís icos são merament e
convenient es at alhos de enunciados mais longos e mais co mplicados sobre
co mo as co isas aparecem para nós no emprego usual de nossas capac idades
sensór ias. E para dizer que objet os cont inuam exist indo mesmo quando não
percebidos é dizer ¾ na fr ase de Mill ¾ que eles são "possibilidades
per manent es de sensação", significando que alguém poder ia exper ienciá - lo s
se fossem preenchidas cert as condições.

Berkele y mant ém que cisa per manecem em exist ência quant o não percebidas
por ment es finit as porque elas são percebidas por uma divindade. Os
feno menalist as agument am que o que se quer dizer quando se fala que as
co isas exist em independent ement e da percepção delas é que cert as
condições cont ra- fact uais são verdadeir as, a saber, aqueles que afir mam que
as co isas em quest ão ser iam percebidas se algum ent e que percebe est ives se
adequadament e lo calizado co m respeit o a elas. Esses co ndicio nais são
not oriament e proble mát icos, porque não est á claro co mo ent endê - los. O

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

que, em part icular, t orna t odos eles verdadeiros quando eles são (ou bem
obviament e que são) verdadeiros? As respo st as usuais, nos t ermos de
mundos possíveis, leis e regular idades ideais ou similar idades exót icas,
ajudam pouco. Não est á claro quant o muito de um progresso é adquir ido a
part ir da ubiqüidade da divindade de Berke ley ao simplesment e a
subst it uir mo s por co nt rafact uais verdadeir os. A perspect iva de Berkeley t em
a modest a at ração de que t udo no mundo é real ¾ t udo que exist e é
percebido ¾ em qualquer lugar no univer so do feno menalist a a maior ia do
que exist e é assim uma possibilidade ant es do que u ma realidad e, a saber,
uma possibilidade de percepção.

Pelos menos uma co isa est á clar a: que não se alcança o feno menalis mo
simplesment e subt raindo a t eologia da t eoria de Berkeley. Ao fazer isso,
ent ão reaparece o fosso met afísic o, e ent ão subst it ui - se uma
co mpro met iment o com a exist ência de simples verdades co nt ra - fact uais,
co m um co mpro met iment o de fica acompanhado co m a exist ência do
possível. Tant o a t eor ia de Berkele y quant o o feno menalis mo, ent ão,
demanda at o preço para aproximar o fosso cét ico.

Espist emo logia cét ica versus ant i- cart esianis mo

Alguns epist emó lo gos não t ent am refut ar o cet icis mo pela boa razão de que
eles acham que ele é verdadeiro ou irrefut ável. A per spect ivas desses
epist emó logos poder ia ser sumar izada como dizendo que o cet icis mo é o
result ado inevit ável da r eflexão epist emo lógica, ass im dever íamo s aceit ar o
seguint e: ou est amos dest inados mesmo s a t ermos crenças just ificadas só
imper feit ament e, sempr e suje it as à revisão da exper iência, ou t emo de
reconhecer que o cet icismo, a despeit o de ser irrefut ável, não é uma opção
prát ica, e port ant o t emo de viver co mo a maior ia a pessoas vive m, ist o é,
simplesment e ignorando t ais quest ões.

Alguns co ment adores de Hume int erpret am seu pensament o como


endossando est a últ ima per spect iva, e de acordo com isso fala m em
"respost a humeana ao cet icis mo". St roud (1984) e Strawson (1985), fazem
algo mais ou menos parecido co m essa "respost a humeana ao cet icis mo ".

Out ros, em debat es recent es, são mais combat iva, ent re eles est á Dewe y
(1859-1952) e Wit t genst ein (1889 -1951). A despeit o das difer enças
fundament ais sobre out ros aspect os, esses dois pensadores mant iveram uma
int eressant e per spect iva co mum, que é a de que o cet icismo result a da
aceit ação do ponto de part ida cart esiano do dado privado da consciência
individual. Se, em vez disso, dizem eles dois, co meçar mos co m o mundo
público ¾ com cons iderações relacio nadas a fat os sobre o carát er
essenc ialment e público do pensament o humano e da linguagem ¾ emergirá
daí um quadro diferent e.

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

Dewey argument ou que o modelo cart esiano torna o sujeit o epist êmico uma
recipient e merament e passivo de exper iências, co mo alguém sent ado no
escuro do cinema assist indo a fit a; mas, apont ou ele, nossa visão é de uma
perspect iva part icipant e ¾ somos at ores no mundo, e nossa aquis ião de
conheciment o é o result ado de nossos feit os no mundo.

Wit t genst ein cont est ou toda a coerência da abordagem cart esiana
argument ando pela impossibilidade da linguage m pr ivada. A linguage m
pr ivada, no sent ido de Wit t genst ein, é aquela que é logicament e dispo nível
única e exclusivament e para um falant e, que é o que um suje it o cart esiano
precisar ia no sent ido de co meçar a discur sar so bre sua exper iência int er ior
pr ivada. Seu argument o é est e: linguagem é uma at ividade go ver nada por
regras, e só se t em êxit o ao falar uma linguagem quando se segue as regras
para o uso de suas expressões. Mas um solit ár io usuár io da linguagem ser ia
alguém incapaz de co nt ar a diferença ent re realment e seguir as regras e
mer ament e acredit ar que assim est á fazendo ; assim, a linguagem que e le
fala não pode ser logicament e pr ivada para ele própr io; ele deve ser
co mpart ilhada co m out ros. Cert ament e, Wit t genst ein argument o que a
linguage m só pode ser adquir ida em uma sit uação pública (ele liga o
aprendizado da linguagem ao treinament o de anima i s; aprender uma
linguage m é imit ar co mport ament os lingüíst icos de quem est á ensinando),
que similar ment e pesa co nt ra a idéia de que o projet o cart esiano é, at é
mesmo em pr inc ípio, possível.

As possibilidades cont ra os cét icos do argument o da linguagem pr iv ada


parecem não t er sido vislumbr ada em seu todo pelo próprio Wit t genst ein.
E m not as de esboço sobre o cet icismo e o conheciment o, escr it as nos
últ imos meses de sua vida ¾ depo is publicadas so b o t ít ulo Da Certeza
(1969) ¾ ele o fer ece uma r espost a ao cet ic is mo, que marca um ret orno a
uma abordagem mais t radicio na l, não diferent e da oferecida por Hume e
Kant . Há algumas co isas que t emos de aceit ar no sent ido de administ rar
nosso modo comum de pensar e falar. Tais proposições co mo a de que há
um mundo ext erno , ou que o mundo veio a exist ir há muit o t empo, não
est ão, simplesment e, abert as à dúvida; não é uma opção para nós quest ioná -
las. Nem, port ant o, diz Wit genst ein, po demos dizer que sabemos delas,
porque conheciment o e dúvida são int imament e relacio nados, e só pode
haver conheciment o onde pode haver dúvida e vice ver sa.

As proposições que não podemos duvidas co nst it uem os "andaimes" de


nosso pensament o ordinár io e de nossa conversação diár ia, ou ¾
Wit t genst ein var ia suas met áforas ¾ eles são como o leit o e o s bancos de
um r io, abaixo dos quais a corrent eza do discurso nor mal segue seu fluxo.
Nesse sent ido as crenças que o cet icis mo t ent a desafiar não est ão abert as à
negociação ; que, diz Wit t genst ein, dispõe o cet icis mo.

Esses pensament os são t ão sugest ivos qu ant o eles est ão na filoso fia de
Hume e Kant ; mas um dos problemas co m o modo de Wit t genst ein de

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

co locá- los é que ele usa co nceit os fundacionist as na descr ição da relação de
proposições "gra mat icais" em alguns casos, mas r epudia o fundacio nis mo
co mo t al, e parece per mit ir uma ver são de relat ivis mo assim fazendo ¾ o
leit o do rio e os bancos, diz ele, poder iam, no mo ment o necessár io, serem
ser det er iorados. Mas o relat ivis mo é apenas o cet icis mo disfarçado ¾ ele é,
de fat o, argument at ivament e, o mais poderoso e a for ma mais problemát ica
de cet icis mo, pois ele é a perspect iva de que conheciment o e verdade são
relat ivos a um po nt o de vist a, um t empo, um lugar, uma meio ambient e
cognit ivo ou cult ural: e conheciment o e verdade, assim ent endidos, não são
conheciment o e verdade.

Observações finai s

Há muit o gost ar -se- ia ins ist ir sobre uma t ent at iva corret a para descrever o
t rabalho que necessit a ser feit o em epis t emo logia, para isso é necessár io
preliminar ment e fazer o progresso que podem. Aqui, eu simp lesment e
sublinharei uma casal de obser vações já feit as acima.

Pr imeira ment e, debat es sobre a definição de "conheciment o" me parece m


ser um lado a ser most rado. A just ificação de afir mações nas ciências
nat urais, nas ciências sociais ( não, no mínimo, na hist ór ia) e direit o é onde
o t rabalho real a ser feit o em epist emo lo gia fala ma is alt o. E sua explicação
aplica- se so ment e ao caso empír ico: o que das quest ões epist emo lógicas que
apert am em ét ica e em filo sofia da mat emát ica? Pode não haver nenhuma
garant ia ¾ e cert ament e é não razoável ¾ que alt ar generalizações so bre
just ificação e conheciment o se aplicarão inequivocament e a todos esses
campos. "Just ificação" é um conceit o mudo que necessit a ser resgat ado
fora, nos t ermos part icu lares para campos part iculares; muit o ser ia óbvio a
part ir do fat o de que explicações gerais de just ificação não rest r it iva ment e
mo st ram- se não ajudáveis à vulnerabilidade de cont ra -exemplo s.

E m segundo lugar, pouco da lit erat ura corrent e sobre o cet icis mo t orna
alguém confiant e de que sua nat ureza é propriament e ent endida. O
cet icis mo define um proble ma cent ral em epist emo logia, a saber, a
necess idade de most rar como é possível just ificação de crenças. Isso é feit o
ao nos defront ar mos co m o desafio de mo st rar que considerações cét icas
não produzem, após t udo, um fr acasso de nossos melhores esforços nest e ou
naquele específico campo. I mplícit o nessa caract er ização est ão duas
import ant es afir mações: pr imeirament e, que o cet icismo é melhor ent endido
co mo um desaf io, não co mo uma af irmação de que não sa be mos nada ou
que não podemos saber nada; e, secundar iament e, que o melhor modo de
responder ao cet icismo não é t ent ando refut á - lo na base de argument o por
argument o, mas mo st rando co mo fazemo s as just ificações para o que
acredit amos. De algum modo, esse d o is pont os, que foram óbvio s aos
nossos predecessores, parece m t erem sido uma visão que se perdeu.

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CURSO DE FILOSOFIA - CIFIC

Fontes de informações:
A. C. Grayling
Birkbeck Coll ege, Londres
St Anne’s Coll ege, Oxf ord
Tradução de Paulo Ghiraldelli Jr.

TRABALHO OBRIGATÓRIO PARA O ALUNO

Faça um relatório pessoal do que você entendeu de todo o texto.


 Uma lauda;
 Espaço duplo;
 Normas ABNT;
 Não pode haver mais do que cinco linhas copiadas da apostila.

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