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FLORIANÓPOLIS (SC)
2016
WILSON CRISTIANO GERLACH
FLORIANÓPOLIS (SC)
2016
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.
INTRODUÇÃO…………………………………………………………….………..…..…..11
CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS………………………………………………………..…15
CONSIDERAÇÕES FINAIS……..……………………………….……….……….….…..58
FONTES E BIBLIOGRAFIA………….………..……………..……………...……...…....61
RESUMO
Este trabalho monográfico busca analisar o Desastre de Mariana pelo viés da História
Ambiental, mensurando os impactos ambientais da atividade mineradora ao longo da história
do vale do rio Doce, com o objetivo de compreender por quê considerar o rompimento da
barragem de Mariana não uma catástrofe instantânea, e sim a consequência do atual modelo
minerador para o meio ambiente. Um dos objetivos deste trabalho é problematizar, através da
análise histórica, o desenvolvimento da atividade mineradora e as consequências das técnicas
aplicadas na atividade que é chamada extrativista, mas que tem caráter verdadeiramente
predatório, pois, não se trata apenas de extrair os recursos necessários, mas sim de quantificar
todo o potencial exploratório dos chamados recursos naturais, até seu esgotamento. A questão
central na abordagem deste trabalho, com base teórica nos pressupostos conceituais da
História Ambiental, é como dimensionar os impactos de um evento da proporção do ocorrido
em Mariana-MG no dia 5 de novembro de 2015. Para tanto será lançado mão a análise crítica
de um relatório de impactos encomendado pelo governo do estado de Minas Gerais, e um
laudo técnico preliminar do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – Ibama, através de análise objetiva e subjetiva dos principais pontos que tangem
a questão ambiental.
Apesar de haver registros anteriores deste tipo de ocorrência na região do vale do rio
Doce1, nenhum teve tal amplitude. E, dos casos que já ocorreram em nível mundial 2, este foi o
maior. Além do perigo eminente que representam as barragens, o fato nos põe a refletir qual o
impacto real do modelo energético atual? a que interesses serve? a quem se destina? e de que
maneira a ação humana interfere nos processos naturais que asseguram as condições
1O mais recente antes de Mariana foi no dia 10 de setembro de 2014, quando ocorreu o rompimento da
Barragem de contenção de rejeitosda Mineração Herculano, no município de Itabirito/MG, deixando três vitmas
fatais além de muita destruição. A descrição detalhada da ocorrência pode ser encontrada no Inventário de
barragem do Estado de Minas Gerais / Fundação Estadual do Meio Ambiente. --- Belo Horizonte: FEAM, 2014.
2Cf. BROWN, David. et al.Desastres mais devastadores de todos os tempos. Trad. Catharina Pinheiro. 1ª edição
brasileira. São Paulo: Editora Lafonte, 2012. 501 p.
paramanutenção da vida na terra? Estas questões extrapolam os conhecimentos históricos,
porém, são de fundamental importância quando o assunto é História Ambiental.
13
O objetivo geral deste trabalho é refletir a relação que existe entre a atividade humana e a
degradação ambiental através da análise do histórico de ocupação e desenvolvimento da
atividade mineradora no vale do rio Doce, mais especificamente na região do Médio Vale ou
Vale do Aço, em um estudo que evidencie o processo gradual de extinção do rio, busca
demonstrar como é nociva a atividade mineradora a curto, médio e longo prazo. A proposta é
ir além das conceituações que compreendem os elementos naturais enquanto recursos
naturais, ou seja, como se estivessem ali à disposição do homem.
Analisar um desastre socioambiental como o ocorrido em Mariana, onde se registrou a
morte de um rio, sob a perspectiva da História Ambiental, é localizar no tempo e no espaço
uma prática predatória com consequências negativas em diversos níveis. Para tanto,
iniciaremos pela construção de uma narrativa histórica, a partir de uma bibliografia que tange
os registros da ocupação da região do médio rio Doce através dos séculos a partir da
descoberta de metais preciosos na região.
Compreendemos também no capítulo inicial o processo de desenvolvimento da
pesquisa geológica aplicada e a inserção das jazidas minerais brasileiras num contexto
internacional de exploração, e chegando ao modelo atual de mineração, responsável pela
hecatombe ocorrida no vale do rio Doce.
A segunda parte deste trabalho se dedica inicialmente a um estudo transdisciplinar
sobre as características da região, será realizada uma análise criteriosa do relatório de
impactos ambientais do rompimento da barragem encomendado pelo governo do estado de
Minas Gerais3.
As reflexões serão baseadas na compreensão dos conceitos que envolvem a temática,
dentre os quais as noções da História Ambiental sobre recursos naturais, território, fronteira e
natureza, desastre, risco e vulnerabilidade, tem importância destacada.
Já em relação à análise documental, nos apoiaremos no conceito de documento-
monumento apontado por Jacques Le Goff, que compreende que:
5Idem p. 289.
6Donald Worster é professor do Departamento de História da Universidade de Kansas, em Lawrence (EUA).
7Este texto foi traduzido por José Augusto Drummond do original "Doing environmental history", extraído de
Donald Worster, ed., The ends of the Earth - perspectives on modern environmental history (Cambridge,
Cambridge University Press, 1988),p.289-307.
8Ibidem p 290.
16
evidente a falta de preocupação da História tradicional em dimensionar espacialmente as
características físicas ou os registros que refletiam além de fenômenos sociais, políticos, ou
econômicos, as circunstâncias ambientais que determinam muitas questões.
O surgimento do campo da história ambiental na década de 1970 tem uma ligação
profunda com as conferências ambientais9 do período, tal como se deve à emergência de
movimentos ambientalistas. Ou seja, teve uma influência política no período inicial, mas que
posteriormente se tornou um empreendimento acadêmico sem agenda definida, ao invés
disso, com objetivos mais pautados na compreensão da relação e do entendimento da natureza
pelas sociedades históricas, com seus reflexos visíveis. A relação homem-natureza está no
cerne da perspectiva analítica da História Ambiental, pois esta situa tal relação para além dos
paradigmas convencionais da “velha história”.
No texto intitulado As bases teóricas da história ambiental 10, José Augusto Pádua faz
uma revisão historiográfica do campo da história ambiental, que surge como disciplina
acadêmica na Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara, no ano de 1972, ministrada pelo
historiador Roderick Nash, “respondendo aos clamores por responsabilidade ambiental que
atingiram um crescimento nos primeiros meses daquele ano”11.
A obra de Roderick Nash se apresenta no centro da origem do debate da História
Ambiental, tanto por sua região de locução, os Estados Unidos da América, país com raízes
antigas na análise do “papel do ambiente na formação da sociedade” 12, principalmente através
dos estudos sobre a fronteira oeste dos Estados Unidos da América.13
A França, país com grande influência no pensamento historiográfico brasileiro,
também passou a ser identificada como incentivadora desse novo campo do saber histórico,
principalmente a partir da fundação da revista Annales, cujos dois fundadores, Marc Bloch e
Lucien Febvre tinham profundo interesse nos fundamentos ambientais da sociedade. Bloch
em estudos relacionados à vida rural na França 14, e Febvre com seus estudos de geografia
histórica e produção do espaço15. Entretanto, até hoje a França não tem uma tradição na área.
9Estocolmo 1972 foi a maior delas, a partir da qual se produziu uma declaração sobre o Meio Ambiente
Humano, tratando de princípios e responsabilidades dos governos para com as questões ambientais.
10PÁDUA, José Augusto. As bases teóricas da história ambiental. Estud. av. [online]. 2010, vol.24, n.68, pp.81-
101. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142010000100009.
11NASH, Roderick. “Environmental history”, em Herbert J. Bass, ed. The state of American history (Chicago,
Quadrangle Press,1970), p. 249-260
12Idem. pg. 82.
13TURNER, Frederick Jackson, Frontier and section: selected essays of Frederick Jackson Turner, edited by
Ray Allen Billington (Englewood Cliffs, New Jersey, Prentice Hall, 1961).
14 BLOCH, Marc. French rural history: an essay on its basic characteristics (London, Routledge & Kegan
Paul, 1966); Lucien Febvre, A geographical introduction to history (London, Kegan Paul, Trench, Trubner,
1932).
17
O fato é que os eventos recentes influenciaram a formação do novo campo cujas fontes
sempre estiveram presentes. O que se fez foi indagar a partir de novas perspectivas. Por
exemplo, quando a história se detinha a analisar a movimentação econômica de algum cultivo
de uma determinada região e deparava-se com algum dado deficitário em relação ao quadro
levantado, não havia direcionamento metodológico para compreender possíveis agentes
naturais, como uma grande seca que atingiu a região no período que se pretende analisar, e
que são determinantes para atingir a compreensão proposta. “Em termos bem simples,
portanto, a história ambiental trata do papel e do lugar da natureza na vida humana”16.
A necessidade da ampliação conceitual e metodológica no sentido das Ciências
Naturais é mais que obrigatória ao exercício da História Ambiental, pois se tratam de
ferramentas poderosas para compreensão do desenvolvimento das civilizações, sobretudo no
sentido de analisar processos e localizar fenômenos naturais de grande influência nas
sociedades humanas.
É necessário não perder de vista que a história ambiental não começa nem termina na
origem e decadência da civilização, ou mesmo da humanidade. Pois, na longuíssima duração,
escala de pesquisa do campo, a humanidade é fruto de um processo geológico, e não apenas
seu produto exclusivo. Ou seja, a História Ambiental teria surgido enquanto tentativa de
responder a certas questões que surgiram no debate criado em torno da questão ambiental,
com o surgimento do ambientalismo complexo multissetorial17 e todos os imperativos de mais
um silogismo ideológico, passível de cair na ordem do discurso e servir aos interesses
hegemônicos.
Pádua aponta através da história que a questão ambiental esteve no cerne da
globalização, não só enquanto questão política, mas também no complexo campo cultural,
sofrendo alterações influenciadas tanto pelo campo científico quanto pelas transformações
industriais e que ao chegar ao século XX, afirma:
15LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Trad. Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do original: La
production de l’espace. 4e éd. Paris: Éditions
Anthropos, 2000). Primeira versão : início - fev.2006
16 Ibidem p. 84.
17Conforme (Viola & Leis, 1991, p.24).A emergência de um “ambientalismo complexo e multissetorial” a partir
da década de 1970, dotado de alto perfil na cena pública global, representou um dos fenômenos sociológicos
mais significativos da história contemporânea. Ele pode ser considerado como um movimento histórico, mais do
que um movimento social, que repercutiu nos diferentes campos do saber. I
18
mundo; e 3) a visão de natureza como uma história, como um
processo de construção e reconstrução ao longo do tempo. 18
No entanto, não se pode tratar tais estudos como sendo história ambiental, pois este
campo, surgido apenas em fins do século XX, não se trata de enumeração e catalogação em
uma espécie de “inventário diacrônico dos males infringidos pelos seres humanos ao
planeta”23, mas sim da incorporação de discussões teóricas de características não dualistas,
possibilitando o surgimento de uma rede de concepções, por sua vez, necessárias à
compreensão deste novo campo do saber histórico, e que neste momento nos permitem
analisar mais profundamente e refletir mais criticamente sobre a dinâmica que envolve
catástrofes e desastres de grande proporção, como é o caso da atividade mineradora e seus
riscos.
Alguns conceitos serão utilizados dentro da perspectiva da História Ambiental, para
contextualização, como o de “Fenômeno natural”, que, de acordo com Romano & Marskey, é
definido como “toda manifestação da natureza resultante de seu funcionamento interno (…)
os efeitos dos fenômenos naturais só são considerados desastrosos quando afetam a
organização social”.24
Na História Ambiental a noção de desastre ganha singularidade quando “proporciona o
estabelecimento de nexos entre causas naturais do desastre e os componentes relacionados à
ação humana”25. Desastre é “um evento que ocorre, de forma repentina ou inesperada e causa
alterações significativas sobre os elementos que estão submetidos, essas alterações podem ser
observadas na saúde da população ou destruição de bens da sociedade ou danos sobre o meio
ambiente”.26
22Ibidem p.86.
23 Ibidem p. 86.
24 ROMEIRO, G. ; MARSKEY, A. Como entender os desastres naturais. In: MARSKEY, Andrew (org). Los
desastres no son naturales. Panamá: Red de Estudios Sociales en Prevención de Desastres en América Latina,
1993. p. 111- 125. apud ALBINO, Lisangela. Desastres e impactos socioeconômicos: estudo de caso da Região
dos Baús, Ilhota (SC). p. 37 In: Nodari, Eunice, et al. (orgs.): Desastres Socioambientais em Santa Catarina. São
Leopoldo: Oikos, 2015. 302p.
25Op. Cit. p. 10..
26Ibidem p 37.
20
Um pesquisador que definiu desastre foi CUNY “apontando-o como produto da
relação entre o risco (natural ou provocado pela ação humana) e uma sociedade em condições
de vulnerabilidade”27.
Conforme LAVELL28, o termo vulnerabilidade “refere-se à condições da sociedade
que a deixa propensa a sofrer os impactos de um efeito físico determinado, de pequena, média
ou grande amplitude”.
No PNDC29 risco é definido como “a relação existente entre a probabilidade de que
uma ameaça de evento adverso ou incidente determinado se concretize, com o grau de
vulnerabilidade do sistema receptor de seus efeitos”.
A relação entre matéria e recurso também tem importância central para nossa
compreensão. Nas palavras de Espíndola
A noção de recurso faz parte de uma dimensão geo-histórica, já a noção de matéria faz
parte de uma realidade histórica. A matéria in natura, isto é, antes de ser caracterizada
conforme o que o autor chama de “classe de utilidade”31. A partir do momento que se torna
recurso, a matéria é regulada pela questão territorial, conforme as intenções sociais
econômicas e políticas envolvidas.
A questão da fronteira está imbricada nestas duas categorias, de natureza e território,
pois, a fronteira serve como forma de controle da área de interesse, incorporada à dinâmica
econômica, que se constitui em oposição à noção socioambiental, estando diretamente
relacionadas, estas três categorias formam o que se pode compreender como uma
reformulação socioespacial, enquanto estratégia geográfica.
27CUNY C., FREDERICK et. al “Ain and Scope of Disaster Management”, Disaster management Center
(D.M.C.). Winscosin: University os Winscosin, 1986. Apud ALBINO, Lisangela. Desastres e impactos
socioeconômicos: estudo de caso da Região dos Baús, Ilhota (SC). p. 37 In: Nodari, Eunice, et al. (orgs.):
Desastres Socioambientais em Santa Catarina. São Leopoldo: Oikos, 2015. 302p.
28 idem p. 38.
29LAVELL, A. La gestion de Los Desastres: Hipotesis, Concepto y Teoria. In: Estado, sociedad uy gestión de
los desastres em América Latina: em busca del paradigma perdido. Lima: La red, 1996.
30RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. França. São Paulo: Ática, 1993.
31ESPÍNDOLA, H.. Vale do Rio Doce: Fronteira, industrialização e colapso socioambiental; Fronteiras: Journal
of Social, Technological and Environmental Science Website:
http://revistas.unievangelica.edu.br/index.php/fronteiras/ v.4, n.1, jan.-jul. 2015, p. 164.
21
Espíndola32 trabalha com diferentes noções de relevância indispensável para a
compreensão que se propõe. Conceitos como território, fronteira e natureza são fundamentais
para compreender as transformações nas mentalidades socioambientais.
A começar por território, categoria que está presente em grande parte dos trabalhos que
relaciona questões sociais, ambientais, culturais e mesmo existenciais. Territorialidade pode
ser definida como formas de “estratégias geográficas” conforme SACK 33 quando há interesse
no controle de uma área ou de um grupo social, estando ligada, nesta perspectiva às relações
de poder. Raffestin34 consolida esta compreensão quando entende que todas as relações de
poder são mediadas por territorialidades.
Já natureza é uma categoria que flutua entre duas concepções, uma idealizadora, que
subentende uma imagem de natureza intocada, idealizada, enquanto a que se opõe aponta uma
natureza transformada a partir da ação humana, como parte das relações de poder.
A amplitude da História Ambiental enquanto metodologia é tal que nos permite um
ponto de vista específico sobre toda a construção histórica da civilização ocidental. Lançar
novas hipóteses a partir de novos questionamentos que levam a novos dados, que por sua vez
possibilitam novas interpretações sobre a trajetória histórica da humanidade conhecida.
32 Ibidem p13.
33SACK, R. D. Human territoriality: its tneory and history. Cambridge: Cambridge University Press. 1986.
34Op. cit. p. 13.
22
CAPÍTULO 1:
A água sempre foi e sempre será indispensável à vida na Terra. A água é um mineral
que existe na mesma quantidade desde a formação do planeta, e que atua de forma cíclica na
sua constituição. A interferência neste ciclo pela ação humana se dá de várias formas, diretas
ou indiretas, dentre as quais uma das mais degradantes é a atividade mineradora. O que é
certo é que a água poluída ou desperdiçada não retorna a seu ciclo natural, fazendo com que
haja cada vez menos água pura no planeta.
Os rios são como as veias da terra. Esta frase é conhecida de quase todo ser humano,
mas não dá a real dimensão dessas biosferas, e dentre os quais alguns carregam importância
destacada devido sua dimensão espacial. Um destes rios de importância proeminente no
Brasil é o rio Doce.
Na impossibilidade de escrever a história de um rio, devido a sua dimensão temporal,
tudo que podemos propor é analisar o processo histórico de alterações ocorridas na bacia do
rio Doce desde a chegada dos europeus, o que por sua vez significa deparar-se com a história
do desenvolvimento econômico e industrial do Brasil, desde a época colonial até a atualidade.
A exploração e exportação de matéria prima ainda são centrais na atividade econômica
na região, variando-se ao longo dos tempos de acordo com as novas descobertas da
aplicabilidade destas matérias, que vêm a se tornar recursos naturais, são processos que
podem ser compreendidos em períodos de tempo bem definidos. Neste primeiro capítulo de
contextualização, utilizaremos como referência a divisão da história política tradicional,
iniciando-se pelo período colonial, onde nossa análise busca elementos que caracterizem a
ocupação inicial, que dura trezentos anos, entre 1696 e 1808.
A descoberta de ouro, muito esperada pela Coroa portuguesa, principalmente após as
notícias das grandes quantidades dos nobres metais encontrados pela Coroa espanhola na
região do México e Peru, além da crise que a Metrópole enfrentava com as quedas de preço
no mercado açucareiro, devido a alta produção holandesa alcançada nas Antilhas35. Foram
investidos muitos recursos nas incursões exploratórias, dentre as quais uma era a do
35 Cf. BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Cia das Letras, 1992.
23
bandeirante Fernão Dias, o “caçador de esmeraldas”, um dos primeiros a chegarem à região
do vale, por volta de 1674. Pronto em breve encontrariam os primeiros aluviões auríferos de
que se têm notícia. Coincidentemente, exatamente no atual ribeirão do Carmo, o qual, a partir
do ponto em que se une ao rio Piranga formam o rio Doce, onde foram formadas das
primeiras povoações de Mariana, Ouro Preto anteriormente chamadas Passagem e Vila Rica,
respectivamente.
Após a descoberta do ouro em 1696, o fluxo de portugueses vindos de Portugal em
direção à região cresceu exponencialmente. Para se ter uma ideia, no século XVIII a
população das cidades do centro de Minas Gerais era maior que em qualquer outra parte da
América colonial. No período a estimativa é que mais de cem mil portugueses teriam
emigrado rumo às terras onde foram encontrados os aluviões auríferos36.
Houve também um grande número de pessoas trazidas do continente africano, em
situação de escravidão, sendo a mão de obra nas minas. Há estudos aprofundados sobre a
formação de uma identidade nacional a partir da confluência intercultural gerada pelas
relações que se estabeleciam na região inóspita.
Um fator interessante é que em algumas regiões da África já havia um conhecimento
difundido acerca da fundição do ferro, A preferência por escravos originários dessas regiões,
como a Costa da Mina, por exemplo, sucedeu na implementação das primeiras forjas de ferro,
com o qual se confeccionavam utencílios para o uso nas lavras37.
Logo iniciaram as disputas pelas terras, disputas que foram controladas pela Coroa
quando Dom João V, rei de Portugal estabeleceu, através de uma carta enviada a Antônio
Albuquerque Coelho de Carvalho, nomeando-o “governador de São Pulo e das Minas do
Ouro” e ordenando este a deslocar-se à região com objetivo de fundar ali algumas povoações,
através das quais pudesse subordinar as pessoas ao rei e organizar o aparelho administrativo,
com o fim de garantir a hegemonia sobre a pérola preciosa da coroa portuguesa.
As informações são de acordo com a pesquisa desenvolvida por Renato da Silva Dias,
o qual realiza uma acertada exposição sobre as relações sociais no período colonial, com base
nos vários códices do arquivo público de Minas Gerais. Sua pesquisa dá ênfase para as redes
formadas a partir da descoberta de minério na região dos sertões dos Caetés, na primeira fase
que vai de 1693 a 1740, quando a coroa ainda não tinha domínio do território. A noção
desenvolvida pelo historiador é a de que havia aí um “vácuo no poder” que deu ensejo às
38Cf. ROMEIRO. Adriana. Gerra dos Emboabas: balanço histórico. Rev. Do Arquivo Público Mineiro.
Disponível em http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/ensaio01_2009.pdf. Acesso em
14/11/2016.
39DIAS, Renato da Silva. Entre a cruz e a espada: religião, política e controle social nas Minas do Ouro (1693-
1745). Vária História, v. 26, 2010, p. 156.
25
Três anos depois, em 1714, foram os distritos de Caeté e Serro Frio, considerados pelo
novo governador D. Brás Baltasar da Silveira, ambos com “capacidade e subsistência para se
levantarem uma Vila em cada uma delas, e tendo outro sim consideração ao muito que
conviria ao serviço de Sua Majestade e ao bom governo dos povos naqueles distritos” 40.
Dessa forma, aquela localizada no distrito do Serro Frio foi denominada de Vila do Príncipe, e
a do Caeté, Vila Nova da Rainha41.
O difícil acesso à região era o principal fator dificultante da imposição da lei e controle
dos vassalos e da inibição da ação dos contrabandistas de ouro. Apesar da vigilância e criação
40Ibidem p. 156.
41Ibidem p. 160.
26
de postos de tributação nas áreas de passagem de difícil acesso, como desembocaduras de
rios, e até mesmo da proibição da circulação do outo em pó, fica evidente a dificuldade da
coroa, de bloquear o brilho do ouro, que tanto chamava atenção de aventureiros, como
aumentava os índices de criminalidade.
Uma primeira ação das autoridades no sentido de impor maior controle sobre a região
das Minas do Ouro, foi a expulsão dos ciganos. Ainda segundo Dias, D. Lourenço de Almeida
expediu ordem aos seus oficiais de Itabira “para que prontamente sejam presos a bom recado
todos os ciganos, ciganas e quaisquer outras pessoas que os acompanharem ou favorecerem”,
e ainda sequestrando todos os seus bens, que seriam negociados e com os rendimentos pagar-
se-iam as despesas em sua condução ao Rio de Janeiro. 42 Apesar de serem movimentos
estratégicos no aparelhamento da máquina administrativa, tais ações demonstravam até então,
pouca efetividade no controle social e da região como um todo. O que torna impossível
mensurar senão através dos testemunhos registrados, a real quantidade de ouro extraída das
minas neste primeiro período.
O chamado ciclo econômico do ouro iniciou o processo de degradação ambiental da
região, e o impacto pôde ser sentido ainda naqueles tempos, pois o desiquilíbrio causava
epidemias diversas e falta de alimentos, que teriam sido os principais motivos para a
decadência da mineração no início do século XIX.
Com a chegada da família real ao Brasil, o interesse pelas minas é retomado, e na
tentativa de recuperação da produção mineral, foi que o rei D. João VI mandou contratar um
especialista para diagnosticar e avaliar os recursos naturais do Brasil. Veio então da Alemanha
o Barão Wilhelm Ludwig Von Eschwege. O Barão chega ao Rio de Janeiro em 1810 e dirige-
se à região do Vale do rio Doce, onde funda a Sociedade Mineralógica de Passagem e a
Fábrica Imperial de Ferro. Neste momento se inaugura a era do ferro no rio Doce.
Para viabilizar a retomada da atividade mineradora uma das estratégias da Coroa foi
autorizar a entrada de recursos estrangeiros, que vieram associados a novas técnicas de
mineração. E principalmente as empresas inglesas, de aplicarem seus métodos
hidrometalúrgicos de mineração do ouro.
42Ibidem p. 163.
27
1.2 A mineração no período imperial. A Escola de Minas de Ouro Preto.
Durante esses trezentos anos, após a chegada dos europeus à América, a região do
Vale do rio Doce marcava uma fronteira natural, e depois da descoberta de ouro nos idos de
1696, o vale do rio Doce era território de passagem proibida. A Coroa portuguesa e depois de
1824, o império brasileiro, tentaram preservar a região da esperteza dos faiscadores que
buscavam ouro, que não eram poucos, porém o difícil acesso pelo fato do rio ser navegável
em apenas alguns trechos, além da forte presença indígena, fez com que a região mantivesse
suas características preservadas neste primeiro momento.
Criada em 1876, a Escola de Minas de Ouro Preto foi idealizada por D. Pedro II, a
partir do período que passou estudando em Paris, onde tomou contato com a Academia de
Ciências de Paris. O principal encarregado do ensino da geologia e mineralogia no início das
atividades da Emop foi Henry Gorceix, o qual foi indicado por Auguste Daubrée, diretor da
Academia de Paris, Gorceix no período se dedicava ao estudo de um vulcão na Grécia, e ao
cabo de sua pesquisa dirigiu-se ao Brasil para iniciar as atividades da Escola de Minas e Ouro
Preto43.
Desde o início, a pedagogia de ensino da escola era a da ciência aplicada, ou seja, com
base na identificação e análise dos elementos minerais disponíveis na região. Por este fato
Ouro Preto foi o local escolhido para instalação da Escola de Minas, uma questão prática para
a pesquisa de campo.
A Escola de Minas tinha um caráter diferenciado, tanto para os alunos quanto para os
professores. O investimento no campo da mineralogia garantia bons soldos aos professores e
assistia aos alunos com bolsas de estudos, exigindo de ambos, em troca, dedicação exclusiva.
As turmas tinham cerca de dez alunos e os com melhor desempenho eram gratificados
com viagens de estudos. Gorceix foi grande encorajador da entrada de capitais europeus para
a pesquisa geológica e mineralógica no Brasil, alegando principalmente que a quantidade e a
qualidade da madeira das florestas garantiria a fundição de ferro de qualidade, devido à
utilização do carvão mineral. A fundição Belgo Mineira foi resultado desse incentivo por
parte da Escola e seu diretor.
Em 1881 surgia os Anais da Escola de Minas e Ouro Preto, onde eram publicados
periodicamente os artigos e que se configurou o principal veículo de produção dos alunos,
professores e ex-alunos.
43Cf. CARVALHO, José Murilo. A Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2002. Primeira edição Rio de Janeiro: Finep/Cia. Editora Nacional, 1978.
28
Em pesquisa a respeito da mineração no Brasil entre 1850 e 1927, Rafael Freitas
Souza44 nos apresenta um quadro de inserção dos empreendimentos gigantescos na região de
Passagem de Mariana. O trabalho propõe uma análise da inserção do modelo capitalista na
realidade das minas de exploração, inicialmente aurífera e posteriormente de minério de ferro,
tal como suas implicações e transformações no mundo do trabalho e na realidade laboral da
região. Este fato reflete e coaduna com o momento histórico de extinção da mão de obra
escrava e do ciclo das migrações.
O movimento intenso e o processo de transformação social pelo qual atravessou a
região de Passagem de Mariana, no vale do rio Doce, faz com que a região se configure uma
“zona de contato”45 nas palavras de Souza, o qual nos apresenta as tensões e distensões entre
os atores sociais que configuram no quadro histórico. Da mesma maneira em relação ao meio
ambiente e ao processo de adaptação dos migrantes à nova realidade.
E é neste trabalho que localizamos em nossa pesquisa os registros mais antigos sobre a
mina de Fundão, local onde ocorreu o fatídico rompimento da barragem. Nos registros consta
que foi ali que, em 1835, se organizou a Sociedade União Mineira, quando a mesma foi
adquirida pelo comendador Francisco de Paula Santos, mas que por não obter êxito na
empresa, foi logo vendida para Thomas Bawden e Antonio Buzelin, em 1850, e que da
mesma maneira seria revendida para a companhia Anglo-Brazilian Gold Company em 186346.
44SOUZA, Rafael de F. Trabalho e Cotidiano na Mineração Aurífera Inglesa em Minas Gerais. São Paulo,
2009. Tese 479 p. Disponível em
file:///C:/Users/06604225909/Downloads/RAFAEL_FREITAS_E_SOUZA.pdf acesso em 17/11 2016.
45 Sobre o conceito “zona de contato” PRATT, Mary Louise,; NASCIMENTO, André et al.Utopi-
as linguísticas.Trab. linguist. apl.[online]. 2013, vol.52, n.2, pp.437-459. .
46Ibidem. p. 144.
47 FISCHER, Georg. Minério de ferro, geologia econômica e redes de experts entre Wisconsin e Minas Gerais,
1881-1914, p.247-264. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
59702014000100247 acesso em 04/11/2016.
29
Estocolmo em 1910, houve a “incorporação do subsolo mineiro ao espaço global de
mineração”48. O momento Estocolmo.
Antes disso, a primeira vez que se reuniram os principais grupos de geólogos do
mundo foi na Exposição Universal de Paris, em 1878. A partir daí as reuniões eram realizadas
a cada 4 anos, tornando-se a referência para sistematização de ideias a respeito da geologia,
paleontologia, paleobotânica, ou seja, a história profunda do planeta. Através dos congressos
formaram-se comissões de pesquisa e uniformização das nomenclaturas relacionadas. Estas
comissões organizavam excursões mundiais que visavam o mapeamento das reservas
minerais do planeta.
Neste período o mundo passava por uma crescente demanda de materiais minerais,
devido a Revolução Industrial, o que causou a reorganização da disciplina, que já não tinha os
hábitos rústicos dos geólogos da primeira metade do século XIX, mas sim se dirigia para a
pesquisa aplicada e dimensionada economicamente, ou seja, com vistas no lucro que o
desenvolvimento industrial poderia acarretar. A questão ambiental era combatida neste
momento, com vistas no desenvolvimento da técnica, as impressões denotadas pelos
chamados naturalistas tornaram-se românticas e o mundo viu o potencial econômico na
produção energética, o que determinou por fim a intenção de dimensionar esses novos
recursos.
Assim, por volta de 1890 iniciam as incursões científicas com interesse em identificar
os minerais e sua aplicabilidade, com fim de obter maior aproveitamento das jazidas
exploradas. O fruto destes trabalhos refletiu nas primeiras publicações científicas, como a
revista Economic Geology 49, fundada em 1905, nos Estados Unidos.
Os estudos publicados nesta revista relacionavam diferentes áreas do conhecimento,
que antes não eram relacionadas. Principalmente com relação às questões técnicas e logísticas
de exploração desses materiais. A principal inovação da geologia aplicada nesta época foi na
preocupação com a instalação de complexos minerais, agregado ao mapeamento e
quantificação dos minerais existentes em todo o globo.
Os números demonstraram a ameaça do esgotamento eminente destas reservas
estratégicas, e assim, para o 11° congresso que ocorreria em 1910, foi encomendado dos
geólogos do mundo inteiro uma relação de informações sobre jazidas minerais, a fim de fazer
um mapeamento a nível global. Foi através deste relatório que o mundo tomou conhecimento
da existência do Quadrilátero Ferrífero de Minas Gerais, na região da bacia ado rio Doce.
48Idem. p. 259.
49Idem. p. 260.
30
Uma das dificuldades enfrentadas pela comissão exploratória era um fato que mesmo
hoje em dia é contraditório, que está relacionado aos títulos das terras. Ainda mais a partir de
1891, quando da 1a Constituição da república recém-fundada, que previa a posse do subsolo
relacionada à propriedade do solo. As comissões deram início a um sem número de conflitos
agrários na região. Sendo que os membros da Emop ocupavam neste momento os principais
cargos públicos relacionados à mineralogia e foram criticados e questionados pelas elites
progressistas e positivistas mineiras, cujo pensamento se refletia na noção apresentada em
carta ao presidente Francisco Sales, em 1902, pelo político João Pinheiro: “Que importa a
análise de todos os corpos químicos em uma pura ciência (…) sem encarar o valor prático, o
valor industrial, o valor de negócio, que é e que deve ser principal objetivo de tais estudos?”50.
Para aplicar os conhecimentos técnicos desenvolvidos em prol dos interesses
econômicos, 1907 foi fundado o Serviço Geológico e Mineralógico Brasileiro, o SGMB, por
um dos principais expoentes da geologia brasileira, que era na verdade estado-unidense,
Orville Derby, que ficou conhecido como pai da geologia no Brasil, devido sua importante
atuação na formação do SGMB e pelo incentivo a investidores estrangeiros para a
mineralogia e construção de fundições no Brasil. Foi ele o responsável pelo mapeamento
cujas informações foram encaminhadas para a Associação Geológica Sueca, organizadora da
Conferência Internacional de Geologia em 1910.
A partir desta conferência o minério brasileiro já estava inserido num contexto global,
e a chegada de cada vez mais interessados na exploração dos minérios causou a organização e
o estabelecimento de uma rede de agentes que envolvia desde pesquisadores in locus, até
advogados para tratar das questões legais com relação à posse das terras, principal fato que
até então se configurava um entrave para a consolidação da pesquisa exploratória na região.
Haruf Espíndola, principal pesquisador da História do rio Doce e suas imbricações
histórico-sociológicas, nos apresenta o vale do rio Doce a partir dos documentos históricos as
transformações na paisagem do rio Doce, abordando temas como a ocupação desordenada das
margens do rio, principal razão para a ocorrência de enchentes em diversos pontos ao longo
da bacia. Também aborda a questão da mineração e do interesse econômico em relação às
matas ciliares, proporcionando impactos ambientais a longo prazo.
O principal motivo da ocupação do vale do rio Doce foi sempre o econômico. A
presença de metais preciosos, seguida pela exploração de outros minérios causou uma
50 ESPINDOLA, Haruf S.. Vale do Rio Doce: Fronteira, industrialização e colapso socioambiental. Fronteiras:
Journal of Social, Technological and Environmental Science, v. 4, p. 160, 2015. p. 73
31
constante exploração da região, que acarretou em graves danos ao sistema integrado que
representa a bacia hidrográfica como um todo.
Na segunda metade do século XIX a modernização nas técnicas de exploração de
minérios também afetou a mentalidade em relação à natureza o que pode ser identificado nos
discursos colhidos por Espíndola, representando a origem da concepção histórica de natureza
enquanto recuso.
Um dos relatos analisados por Espíndola se trata de um artigo escrito por Gorceix,
publicado em 1880 pela Revista Brasileira, intitulado “O ferro e os mestres de forja na
província de Minas Gerais”. No texto Gorceix afirma a importância do desenvolvimento da
mineralogia para o futuro da província, tal qual da Escola de Minas e Ouro Preto. Na
interpretação de Espíndola:
51Ibidem p. 19.
52Ibidem p. 73.
32
1.4 A mineração na atualidade. A Vale do rio Doce a Samarco e a exploração do
minério de ferro.
53Ibidem 19.
54LAMOSO, Lisandra Pereira. A exploração de minério de ferro no Brasil e no Mato Grosso do Sul. São Paulo,
2001.
55Op. cit. p. 27.
33
Outro aspecto que torna o objeto central na análise da conjuntura que se propõe
analisar, que é o impacto socioambiental causado pela atividade mineradora da forma como
vem sendo desenvolvida, e das técnicas utilizadas, bem como o nível do aumento da extração
dos elementos da natureza.
As técnicas mais modernas em termos de mineração são as utilizadas pela Samarco
Mineradora. Conforme Lamoso, desde o mineroduto, que transporta o minério de ferro moído
em uma espécie de polpa deste a mina até uma usina localizada na Ponta Ubu, no Estado do
Espírito Santo, onde passa por um processo de pelotização. O sistema chega a transportar 13
milhões de toneladas em um ano. Por ser um sistema que carece de muita energia elétrica para
seu funcionamento, compromete a distribuição para toda a região.
Na imagem abaixo se pode notar a grandeza do empreendimento que significa o
mineroduto: (Figura 3: Minerioduto da Samarco).
Outro fato, este sim preponderante em nossa análise, é que este modelo de extração e
transporte que, garante maior eficácia no processo, também gera os rejeitos, que seria a água
após passar pelo processo de filtragem e eletrólise, que seria a lavagem dos minérios com
produtos químicos, a fim de separar o que é utilizável e o que é considerado descartável.
Nesse iterem surge a demanda pelas barragens de rejeitos.
34
A seguir será exposta uma breve análise de um Inventário 56 sobre a evolução das
barragens de rejeitos em um passado recente, entre 2001 e 2009, realizado pela FEAM –
Fundação Estadual do Meio Ambiente.
No texto introdutório do Inventário, se faz referência ao caderno Técnico Gestão de
Barragens de Rejeitos e Resíduos em Minas Gerais publicado em 2008 pela FEAM, no qual
consta o registro de cinco grandes acidentes envolvendo barragens de rejeitos e resíduos no
estado. E de acordo com a Comissão Internacional de Grandes Barragens, as principais causas
dos rompimentos são problemas de fundação, de capacidade inadequada, de erosão, falta de
inspeção e de procedimentos de segurança. Este primeiro parágrafo do documento aponta
para o perigo eminente e risco potencial ao meio ambiente e à vida humana que representam
essas estruturas.
Abaixo, em uma imagem de uma barragem de rejeitos se pode ter a dimensão desse
tipo de estrutura: (Figura 4: Barragem de rejeitos)
56Fundação Estadual do Meio Ambiente. Inventário estadual de barragens de Minas Gerais / Fundação Estadual
do Meio Ambiente. --- Belo Horizonte: Feam, 2009. 41 p. ; Il.
35
A mineração é a base econômica do estado, tão importante historicamente que
engendra inclusive a alcunha Minas Gerais. Devido esse papel central em relação ao país, é
que foi iniciado em 2001, pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável - SEMAD, por meio da Fundação Estadual do Meio Ambiente – FEAM um
processo de gestão de barragens envolvendo diversos setores da sociedade, e criando a partir
de então um cadastro de barragens.
Este Inventário de 2009 tráz os principais dados deste cadastro desde 2001. O objetivo
desta compilação, de acordo com o documento, é “elaborar um inventário mais consistente e
mais completo, apontando também a evolução dos resultados obtidos no gerenciamento desde
a sua implantação”57.
Para contextualização e conceituação, o texto apresenta a deliberação normativa da
COPAM sobre barragens, que seriam: “qualquer estrutura – barramento, dique ou similar –
que forme uma parede de contenção de rejeitos, de resíduos e de formação do reservatório de
água; Rejeito é o material descartado, resultante do processo de beneficiamento do minério”.58
Nas barragens de contenção, assim como nas barragens convencionais, que seriam de
armazenamento, condições locais tais como topografia, geologia, hidrologia, água subterrânea
e superficial, clima, sismicidade, possibilidade de terremotos, etc., são fatores determinantes,
mas que, porém, nas barragens de contenção, as modificações características nas propriedades
dos rejeitos precisam ser levados em consideração no projeto.
É recorrente a utilização de projetos de barragens convencionais para projetos de
barragens de contenção, considerando as dimensões de uma possível ruptura e os riscos de
poluição atmosférica das barragens. Para as barragens de rejeitos, a vida útil é calculada de
acordo com a vida da mina, e a construção é simultânea.
Como objetivos o texto propõe a atualização de todos os dados referentes às barragens
no estado de Minas Gerais, além do cadastramento das novas barragens; A análise crítica dos
dados informatizados a partir do novo mecanismo incorporado pela COPAM, o BDA -Banco
de Declaração Ambientais. A partir desta análise seria possível acompanhar atualizações sobre
mudanças na altura da barragem, volume do reservatório; verificar questões relacionadas à
estabilidade das estruturas, avaliar relatórios técnico-fotográficos, com o fim de fiscalizar
melhor as estruturas; resguardar através deste mecanismo, o meio ambiente e as vidas
humanas á jusante.
57 Ibidem p. 41.
58 Ibidem p. 42.
36
O texto demonstra, entre outros, a forma como a sistematização dos dados levantados
pela FEAM foram incorporados ao BDA. Além disso, o texto cita um ofício, a ser emitido e
dirigido a todas as empresas que possuam barragens classe I e III, que ainda não tenham
apresentado declaração de estabilidade. Esta classificação é descrita no próximo item.
Sobre a caracterização das barragens cadastradas na FEAM, a distribuição das
barragens no estado de Minas Gerais de acordo com o potencial de dano ambiental, pelo DN’s
62/2002 e 87/2005 do COPAM. As classes são: classe I (baixo potencial de dano ambiental),
II (médio potencial de dano ambiental) e III (alto potencial de dano ambiental). Das 720
barragens cadastradas até o ano de 2009, 30% (218) das barragens são classe I, 39 % (280)
são classe II e 31 % (222) são classe III59.
O estudo ainda caracterizou as tipologias de barragens, e dividiu em subcategorias
sendo estas: mineração, indústria, indústria de polvilho, destilaria de álcool. Destas, 63%, ou
seja, 463, são barragens de mineração. Analisando a relação entre a classe na análise de risco
e o tipo de barragem, o inventário constatou que o número de barragens na classe III é maior
que nas classes I e II, demonstrando o alto potencial de dano ambiental relacionado a este tipo
de empreendimento.
Na sequência o inventário demonstra uma relação das barragens distribuídas de acordo
com as regiões do estado de Minas Gerais, demonstrando que a maior concentração está
situada na região central do estado, onde se localiza o vale do rio Doce e o Quadrilátero
Ferrífero.
Também é apresentada uma relação das barragens de acordo com as bacias
hidrográficas, onde se lê que a maioria se encontra no rio Doce, um total de 136 barragens,
sendo a maioria (49) de classe III no índice de risco.
De acordo com o texto, para que fosse possível sistematizar os dados contidos no
relatório técnico realizado em 2009, anexos à auditoria da FEAM sobre as condições físicas,
técnicas e legais das barragens, no objetivo de informar os empreendedores, no caso de não
conformidades:
Com relação à conclusão do auditor quanto às condições de
estabilidade da estrutura, verificou-se que das 606 estruturas
cadastradas na FEAM em 2006, 478 (79%) apresentaram-se
estáveis, 55 (9%) não possuem garantia de estabilidade e 73
(12%) não obtiveram conclusão sobre sua estabilidade,
principalmente devido à falta de dados técnicos e de
monitoramento60.
59 Ibidem . p. 14.
60 Ibidem. p. 15.
37
De acordo com o texto, no ano de 2008, em relação ao ano de 2007, houve um
aumento em três pontos percentuais no número de barragens com estruturas consideradas
estáveis. E o número de estruturas sem conclusão devido à falta de documentação ou outras
questões, reduziu de 7% para 5%. A porcentagem das estruturas sem garantia de estabilidade
também reduziu de 10% (58) em 2007 para 9% (62) em 2008.
O item 7 chega aos resultados da Gestão de Barragens no ano de 2009. O texto inicia
apontando melhoras em relação ao ano anterior e indica que os possíveis motivos teriam sido
as melhorias nas ações de gerenciamento da FEAM, somados á atitude responsável dos
empreendedores no cumprimento das determinações.
De acordo com o texto, as diretrizes estipuladas para 2009 seriam: Análise dos
relatórios das estruturas em não-conformidade, verificadas em 2008; análise e
acompanhamento da implementação das medidas propostas pelos auditores; gerenciamento e
informatização do Banco de Declarações Ambientais – BDA; fiscalização das barragens sem
garantia de estabilidade feita pelo auditor e sem conclusão devido falta de documentação.
61 Ibidem. p. 19.
38
CAPÍTULO 2:
64Encarte Especial sobre a Bacia do Rio Doce Rompimento da barragem em Mariana/MG CONJUNTURA
RECURSOS HÍDRICOS no BRASILdos INFORME 2015.
65STRAHLER, Arthur N. Quantitative geomorphology of drainage basins and channel networks. In: CHOW,
Ven Te (Ed.). Handbook of applied hydrology: a compendium of water resources technology. New York: Mc-
Graw Hill, 1964. Section 4-II Part II, 4-39 – 4-75.
66Op. Cit. p. 26.
67Classificação climática de Köppen-Geiger, mais conhecida por classificação climática de Köppen, é o sistema
de classificação global dos tipos climáticos mais utilizada em geografia, climatologia e ecologia. Cf ALVARES,
Clayton Alcarde; Stape, José Luiz; Sentelhas, Paulo Cesar; de Moraes Gonçalves, José Leonardo; Sparovek,
Gerd. (2013). "Köppen's climate classification map for Brazil" (em inglês). Meteorologische Zeitschrift 22 (6):
711–728.
41
oceano Atlântico, junto ao povoado de Regência, no Estado do Espírito Santo (Figura 1.1).
Ao longo da margem esquerda, os principais afluentes do rio Doce são os rios do
Carmo, Piracicaba, Santo Antônio, Corrente Grande e Suaçuí Grande, em Minas Gerais; São
José e Pancas no Espírito Santo. No lado correspondente à margem direita são os rios Casca,
Matipó, Caratinga/Cuieté e Manhuaçu em Minas Gerais; Guandu, Santa Joana e Santa Maria
do Rio Doce no Espírito Santo.
A bacia do rio Doce abrange doze municípios de Minas Geras e cinco municípios do
Espírito Santo que estão na área do entorno. Os Municípios de Minas Gerais são: Águia
Branca, Alto Rio Novo, Baixo Guandu, Colatina, Mantenópolis, Marilândia, Pancas, Rio
Bananal, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, Sooretama e Vila Valério. Já os
municípios do Espírito Santo são: Franciscópolis, Itambacuri, Malacacheta, Rio Vermelho e
Serro. (Figura 5: Localização da bacia hidrográfica do rio Doce)
FONTE:
IBGE, 2005. Cbh Doce. Consórcio Ecoplan – Lume. Agosto de 2008.
42
2.2 O Quadrilátero Ferrífero. A qualidade da água na região de atividade
mineradora.
68FIGUEIREDO, Bernardino. Arsênio na água subterrânea em Ouro Preto e Mariana, Quadrilátero Ferrífero
(MG) REM: R. Esc. Minas, Ouro Preto, 57(1): 45-51, jan. mar. 2004.
69Os principais modos de intoxicação por arsênio ocorrem via consumo de águas poluídas e por ingestão de
solos contaminados. A intoxicação por arsênio pode resultar em efeitos tóxicos, agudos ou crônicos, relativos a
exposições curtas ou longas, respectivamente, ocasionando diferentes patologias.
70Idem p. 47.
43
Neste momento o trabalho se volta inicialmente para a análise das fontes documentais
que são fontes históricas em duas vias, primeiro por propor a reconfiguração dos fatos
ocorridos envolvendo o rompimento da barragem, e segundo por se tratar de um “documento
oficial”, sendo por sua natureza documental, passível de análise crítica sócio-histórica. Falar
em documento oficial é sempre lidar com a concepção positivista, da escola metódica, que
apenas considerava documentos históricos os registros oficiais, como este documento aqui
analisado, mas que porém, sob a ótica da Nova História e suas práticas metodológicas de
análise crítica e subjetiva preponderando sobre a análise objetiva da fonte. Segundo consta no
Dicionário de Conceitos Históricos:
77SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2ª ed, 2 reimpressão,
São Paulo, Contexto, 2009. p 158.
45
No caso particular no relatório analisado neste trabalho, praticamente não há análise
dos danos ambientais, senão, apenas o que se percebe é uma tentativa dissimulada de
justificativa que ignora a real questão que é o risco ambiental causado por toda a atividade
mineradora. Ao se concentrar na análise da qualidade da água, por exemplo, ignora os fatores
históricos de ocupação desorganizada de toda a região. É visível interesse implícito no
discurso que o documento, que
nas palavras de Le Goff:
78Op. cit. p. 8.
79GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina: tradução de Galeano de Freitas, Rio de Janeiro,
Paz e Terra, (estudos latino-americano, v.12) 201 p.
46
Começaremos a análise do “Relatório de avaliação dos desdobramentos do
rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG”, elaborado por uma força tarefa que
envolveu diversos órgãos ambientais governamentais80, a partir do decreto de lei
n°46.892/2015, publicado pelo governo de Minas Gerais na data de 20 de novembro de 2015,
com o intuito de avaliar os efeitos e desdobramentos do rompimento das barragens de Fundão
e Santarém, localizadas no vale do rio Doce, na localidade de Bento Rodrigues, distrito do
município de Mariana, cidade histórica que figura no centro da nossa análise iniciada no
primeiro capítulo deste trabalho. O trabalho foi coordenado pela Secretaria do Estado de
Desenvolvimento Regional de Política Urbana e Gestão Metropolitana e foi publicado no mês
de fevereiro de 2016.
Nossa análise se inicia pela descrição objetiva do documento. É um trabalho extenso,
com 287 páginas divididas em 8 partes prenunciadas no sumário, sendo que, a primeira parte
apresenta a metodologia de trabalho da força tarefa e os relatórios utilizados, enquanto que a
segunda parte trata dos danos ambientais na escala microrregional, ou seja, na região onde
está localizada a barragem que se rompeu, e a terceira parte trata dos danos ambientais em
escala macrorregional, ou seja, em toda a extensão da bacia do rio Doce. O segundo e o
terceiro capítulos estão subdivididos nos pontos - Danos Ambientais: sobre a qualidade e
disponibilidade da água, sobre a biodiversidade; - Danos materiais: economia regional e
infraestrutura; -Danos Humanos: danos à saúde e à segurança pública, impactos sobre a
educação, cultura e lazer, danos sobre a organização social.
A partir da quarta parte o relatório trabalha com a análise da projeção dos danos e as
medidas corretivas e compensatórias de caráter material, ambiental e humano. A quinta parte
propõe diretrizes para uma mineração sustentável. A sexta parte projeta a forma como as
ações poderiam ser desenvolvidas. A sétima parte é a mais extensa e traz em seu conteúdo as
atas das reuniões ocorridas nos dias 18 de novembro e 25 de novembro de 2015 em Mariana;
em 02/12/2015 em Barra Longa, em 15/12/2015 em Governador Valadares e em 06/01/2016
em Resplendor. A oitava parte trata de um resumo executivo dos prejuízos econômicos
levantados pelos municípios a partir de um formulário elaborado por esta força tarefa e
encaminhado aos municípios.
Analisando superficialmente o relatório já é possível identificar nuances de sua
postura em relação ao fato. Na estrutura do sumário por exemplo, se nota desde o título, o
A diferença é que a barragem de Santarém continha água, e não rejeitos, e esta foi
tomada pela lama de rejeitos provenientes da barragem que se rompeu. Conforme publicou o
jornal O Tempo82, no dia 17 de novembro de 2015 “sofreu erosões que podem levar a um
desabamento. Em uma escala de risco de 0 a 10 (quanto maior o número, maior o risco), o
reservatório atingiu a pontuação máxima, segundo o DNPM”83.
Ainda de acordo com a matéria publicada pelo jornal de Belo Horizonte:
A informação é de que seriam 17 mortos, quando o número real é 19, além de dois
desaparecidos. E, se considerando que o relatório foi apresentado três meses após o
rompimento da barragem, todos os outros dados são relativizados. Dando sequência à análise
do relatório, na primeira parte, que apresenta a metodologia de trabalho da força tarefa, é
pontuado que as avaliações feitas tomaram como base fundamental o impacto ambiental
gerado pelo rompimento da barragem, e sendo os impactos materiais e humanos entendidos
enquanto desdobramentos do desastre ambiental.
Ou seja, em nossa análise percebemos que no seu todo, o relatório está mais voltado
para as questões materiais e humanas do que com a análise do impacto sobre a biodiversidade
e a qualidade da água, que ao todo, não somam mais que treze páginas, entre as partes dois e
três do relatório, enquanto que o espaço dedicado à apresentação dos danos materiais e
humanos soma pelo menos oitenta e uma páginas. Isto considerando que estamos tratando da
análise criteriosa do documento em questão. O que fica explícito é uma tentativa de
transformar um crime com dolo em uma catástrofe ambiental, justificando assim os dados
sobre as perdas materiais e mesmo sobre as vidas humanas.
Assim se lê na introdução:
86 http://especiais.g1.globo.com/minas-gerais/2015/desastre-ambiental-em-mariana/1-mes-em-numeros/
acessado em 04/11/2016.
87 http://www.ebc.com.br/noticias/2015/11/rompimento-liberou-62-milhoes-de-metros-cubicos-de-rejeitos-diz-
mineradora acessado em 24/10/2016
50
O relatório traz também algumas imagens que ilustram mais que demonstram os
impactos reais da tragédia. A primeira imagem se refere ao complexo do Germano, que é
composto por quatro barragens, sendo que na imagem aparecem apenas duas barragens:
(Figura 6. Imagem aérea do complexo do Germano)
Fonte: http://g1.globo.com/minas-gerais/desastre-ambiental-em-mariana/noticia/2015/11/vale-admite-
que-usava-barragem-de-fundao-para-depositar-rejeitos.html.
51
Na introdução também se encontra uma tabela das trinta e cinco cidades atingidas,
onde constam o IDH, a população e a área do município, de acordo com o senso IBGE
2010.Nos dirigimos então para o nosso foco na análise, que são os danos e impactos
ambientais na escala macrorregional, de acordo com o relatório, que peca também em sua
estrutura por compreender que haja possibilidade de subdivisão entre as perdas, como se as
perdas ambientais não afetassem direta e indiretamente em termos materiais e humanos.
No que consta a danos ambientais se lê:
Como se percebe, não há análise dos danos ambientais, senão uma justificativa
dissimulada que ignora a real questão que é o dano ambiental causado por toda a atividade
mineradora. Ao se concentrar na análise da qualidade da água, por exemplo, ignora os fatores
históricos de ocupação desorganizada de toda a região que percorre o rio doce no chamado
vale do aço, conforme a figura abaixo, que contribuíram diretamente para a poluição do rio
Doce e seus afluentes, bem como a técnica atual de mineração, que utiliza água no transporte
e na separação dos minérios, e nesta água ficam concentradas grandes quantidades de metais
pesados, os quais penetram com facilidade o solo, alcançando os lençóis freáticos e
alcançando os rios, dentre os quais o principal, o rio Doce.
Na imagem a seguir, podemos verificar a proporção de localidades abastecidas pelas
águas do rio Doce e seus afluentes: (Figura 7: Imagem dos distritos abastecidos pela bacia
do rio Doce)
88 Ibidem. p. 69.
52
Fonte: SEDRU/MG.
53
O que estamos afirmando aqui é que, se a turbidez da água causou alarde e comoção,
se as imagens fortes da lama que tomou conta de toda a calha do rio e causaram a morte de
toda a biodiversidade que ali existia, os danos reais causados pela atividade mineradora, que é
no modelo atual uma das matrizes energéticas, a longo prazo, são muito maiores. Pois, tendo
passado quase um ano do ocorrido, quase toda a lama já foi carregada para o mar, causando aí
mais destruição e desequilíbrio. Porém, a poluição da água nas regiões de mineração é uma
ameaça constante.
Sobre a qualidade da água, as informações encontradas podem ser contestadas,
com base em outras fontes, pois, no relatório afirma:
Enquanto que, em pesquisa por dados que contrastem com os números e resultados de
análises detalhados no relatório, se encontram os seguintes dados:
89 Ibidem p. 71.
90 Ação Inicial da Advocacia Geral da União contra a empresa Samarco. Disponível em
file:///C:/Users/06604225909/Downloads/acao_inicial_agu_es_mg_samarco.pdf acessado em 24/10/2016
54
Fonte:http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/11/mais-de-2-t-de-peixes-mortos-ja-foram-recolhidas-no-rio-doce-
diz-ibama.html
O laudo prevê então um projeto de restauração ambiental da bacia do rio Doce, que
envolve 3 eixos:
91Ibidem p.7.
92Idem p. 9.
93Idem p. 34.
57
-Plano de recuperação e conservação do solo e da água, abrangendo a cadeia de recuperação
florestal, bem como fiscalização de áreas de preservação permanente, recuperação de áreas
degradadas e das nascentes;
-Plano de gerenciamento do material a ser removido na bacia do rio Doce, que
compreende também as etapas de transporte e tratamento e disposição do material sedimentar;
-Programa de monitoramento ambiental por toda a bacia do Rio Doce e área marítima
afetada, visando conhecer os impactos secundários e a efetividade das ações de recuperação a
serem desenvolvidas em todos os compartimentos ambientais. Tal programa deverá ser
apresentado ao Ibama para aprovação e acompanhamento. O programa deverá contemplar
toda área atingida e ter metodologia padronizada, resguardando as especificidades de cada
ambiente a fim de gerar dados com alta confiabilidade 94.
Na conclusão, o laudo ainda aponta para a importância do gerenciamento da própria
população, a qual deve ser incentivada a se mobilizar pelos programas desenvolvidos pelas
Nações Unidas.
94Idem p. 34.
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho se concentrou na análise da ocupação do vale do rio Doce pela atividade
mineradora ao longo dos diferentes momentos históricos, para compreender a dimensão do
impacto ambiental a curto, médio e longo prazo, enquanto a análise ambiental compreende a
forma como a atividade é nociva a toda a vida que constitui o ecossistema integrado ao qual
pertence o rio Doce. Porém, muitos seriam os caminhos para fazer esta análise. Poderíamos,
por exemplo, ter seguido as linhas teóricas da História Política e analisar as mudanças na
legislação em relação à mineração ao longo dos séculos. Caso fosse de interesse descrever os
acontecimentos envolvendo rompimento de barragens de rejeitos na região, esta seria
possibilidade para um trabalho monográfico de caráter quantitativo. Ou também analisar, por
exemplo, a relação entre a mineração e o rio Doce pelo viés social, com referência nas
pessoas atingidas pelos impactos dessas atividades predatórias.
Quando pensamos em exemplos recentes de reconstrução pós-devastação nos ocorre o
caso do Japão, que atingido por um tsunami em 2011, e, graças à organização social, se
reergueu completamente, em parte característica cultural, como estratégia de sobrevivência
dentro da pequena ilha, em parte pela elevada condição econômica do país, derivada da
produção de energia nuclear. Paradoxo.
Outro caso que nos vem à memória foi o terremoto que atingiu o Haiti em 2010. É de
conhecimento geral o caos social, político e econômico em que se encontra o pequeno país
com histórico de luta política, tendo sido o segundo país no continente americano a declarar
independência e o primeiro a ser governado por pessoas de ascendência africana, movimento
considerado decisivo no processo de libertação dos escravos. Porém, por não ter uma base
governamental que garantisse o desenvolvimento da sociedade haitiana, o país colapsou após
o terremoto.
A questão do deslocamento forçado de pessoas, causado pela construção de grandes
represas de usinas hidrelétricas sendo um fenômeno típico do século XX, e que, porém, já tem
um histórico de consequências negativas, com cifras que apontam para milhões de pessoas
que se vem em situação de deslocamento anualmente. Para além dos prejuízos econômicos
dos atingidos e aspectos polêmicos com relação às questões ambientais, também se
desenvolveu um sentimento comum que deu origem a um movimento anti-barragens. Pois, de
um lado há uma compreensão de desenvolvimento em termos de aumento de infraestrutura e
tecnologia, porém em contrapartida existe a noção de que estes projetos de desenvolvimento
devem servir ao bem comum, ou seja, refletir em qualidade de vida para a população e não
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resultar em deslocamentos. A proposição de que o desenvolvimento acarreta algumas perdas,
refletidas em deslocamentos, é uma grave violação dos direitos humanos e ambientais. Fica
explícita a polarização que existe nas duas linhas de pensamento.
Não se trata de ser simplesmente contrário à instalação de mineradoras ou outros
empreendimentos que gerem impactos semelhantes, como no caso das hidrelétricas. É
compreensível a importância do desenvolvimento econômico das regiões, frente ao modelo
econômico que se expande e por todas as regiões do planeta, tornando cada vez mais
improvável a possibilidade de alheamento. O objetivo de transformar o desenvolvimento em
um processo que garanta melhoramento das circunstâncias materiais, opções de
reassentamento, controle das circunstâncias de sua vida cotidiana. Se faz necessário, além
disso, que nessas regiões haja um plano de emergência ativo, por exemplo, em caso de algum
imprevisto ou acidente, como ocorreu no caso do rompimento das barragens.
Para que seja realizado um projeto de desenvolvimento que garanta o bem comum, é
necessário respeito às estruturas sociais e práticas culturais da população afetada e o
ecossistema como um todo. E nos casos como o de Mariana, onde a população foi obrigada a
abandonar suas casas e perder tudo que constituía sua vida, é preciso um projeto de
reassentamento que seja implementado de forma sensível e responsável, pois a experiência
traumática e a situação de sofrimento nessas situações são muito grandes. Estes projetos de
reassentamento devem converter-se em oportunidades de melhoramento das condições de
vida dos atingidos, que geralmente são pessoas em situação de marginalidade social.
É importante não perder de vista a noção de que existe a necessidade de se articular
para negociar através dos meios legais, administrativos, relacionados com o “poder”, a fim de
tornar possível a negociação e a reivindicação do cumprimento de todos os direitos garantidos
aos atingidos direta ou indiretamente, pois, além daqueles que são obrigados a deslocarem-se
a fim de preservar suas vidas perdem tudo, há aqueles que perdem seus recursos de
subsistência.
Seja por causas naturais como inundações, terremotos, secas, em outros casos devido a
questões sociais como guerras, pobreza, a questão dos deslocamentos forçados, que têm sido
uma constante na história da humanidade.. O que tem em comum em todos os casos é o
abandono de locais tradicionais, porém o que há de específico nos casos de deslocamentos
devido a questões sociais, é que estes se inserem no campo político quando operam em certas
lógicas como “poder social”, e estão envolvidos em questões conceituais como
“legitimidade”, direitos coletivos”, “interesse público”. A importância de determinar o destino
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de um projeto como no caso de uma barragem é uma questão de fatores políticos, pois estão
envolvidos interesses diversos me múltiplos atores sociais.
Está também vinculada aos grandes projetos de desenvolvimento, compreendendo que
estes processos complexos não tocam somente aos interesses de dois blocos principais, que
seriam as empresas e a população. Da mesma maneira, a noção de que as consequências
sociais e naturais são eventos que ocorrem em marcos temporais e processos históricos, e não
fenômenos instantâneos. As principais áreas de impactos causadas por grandes projetos de
desenvolvimento que seriam: As estratégias da população afetada, o que envolve “um mapa
mental de recursos aptos a serem explorados”95. No caso das mineradoras, não havia por parte
dos afetados a extração e comercialização ou utilização do minério de ferro, ou seja, a questão
do conceito de recurso natural pode ser problematizada a partir desta perspectiva.
Finalmente, os mecanismos de apropriação simbólica do meio natural e social, ou
seja, sua relação e referenciação nos aspectos da paisagem, como os rios, montanhas, espécies
de bichos, cemitérios, que no caso de Mariana representam perda considerável do horizonte
de perspectiva dos atingidos. Estas categorias de análise não esgotam o universo de
consequências que pode ser analisado, e que é apenas uma generalização com base na maioria
dos casos analisados.
Antes fosse mais leve a carga: avaliação dos aspectos econômicos, políticos e sociais do
desastre da Samarco/Vale/BHP em Mariana (MG) Relatório Final Dezembro, 2015; Grupo
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