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1. Considerações Iniciais
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Mestranda em Estudos Linguísticos, Programa Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Universidade
Estadual de Feira de Santana.
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O CE-DOHS é a versão eletrônica do DOHS, do Projeto Vozes do Sertão em dados: história, povos e
formação do português brasileiro (processo CNPq 401433/2009-9), coordenado pelas professoras
doutoras Zenaide de Oliveira Novais Carneiro e Mariana Fagundes de Oliveira Lacerda faz parte do
Núcleo de Estudos de Língua Portuguesa (NELP), desde 2012, do Departamento de Letras e Artes (DLA)
da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). http://www.uefs.br/cedohs.
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Através de pesquisas em dezenas de acervos públicos, privados, nacionais e internacionais, no qual
consultou mais de cinco mil documentos. Um trabalho custoso de identificação de escreventes, que
contou com várias teses e dissertações escritas por historiadores.
Quadro 1: Dados dos documentos4 – Século XVII
Acervo Quem O que Quando Onde Para quem Escolaridade Fonte
Outeiro da
Domingos Jorge Velho Carta 15.07.1694 Barriga D. Pedro II ----------5 AHU_ACL_CU_015, Cx. 17\Doc.1674 (1)
Carta 12.06.1659 Bahia Sua Majestade AHU_ACL_CU_005, Cx. 15\Doc.1738 (1)
Carta 15.06.1659 Bahia Sua Majestade AHU_ACL_CU_005, Cx. 15\Doc.1739 (1)
Carta 14.09.1660 Bahia Sua Majestade AHU_ACL_CU_005, Cx. 16\Doc.1818_1819 (1)
Carta 27.04.1661 Bahia Sua Majestade AHU_ACL_CU_017-1, Cx. 5\Doc. 850 (1)
Documentos de Mamelucos – Tomo I
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Documentos em fase de edição semidiplomática.
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A respeito da escolarização de Domingos Jorge Velhos, não há notícias, levanta-se a hipótese que não teve acesso regular à escola.
Os manuscritos descritos no quadro 1, foi localizado no Arquivo Público Nacional
Torre do Tombo e através do Projeto Resgate, instalou-se em 1995, em Portugal, no
Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), cujo acervo evidencia cinco séculos da presença
portuguesa no mundo6. Segundo Lobo (2009, p.322), “trata-se do arquivo que concentra
o maior acervo documental relativo ao Brasil colonial fora do território brasileiro”.
Dentre as dificuldades encontradas na localização desses manuscritos destaca-se o
obstáculo apontado por Petrucci (1999), a “raridade” em localizar documentos de
sincronias passadas dos segmentos sociais menos privilegiados. Tendo em vista, que a
escrita era restrita a brancos pertencente à elite econômica e social da época. Esses
documentos são de mamelucos, ou seja, descendentes de filho de português com índia
ou filho de um casal que o pai ou a mãe já era mameluco. Os quais, tiveram acesso a
escrita, por ocuparem uma posição considerada alta na sociedade colonial.
O mameluco Lourenço de Brito Correia e Lourenço de Brito Figueredo são
considerados cultos, pois ocuparam posições alta e receberam títulos como Fidalgo da
Casa Real, além de ser parentes do Caramuru recendo influência política e econômica.
Os manuscritos desses redatores podem trazer indícios do português popular falado na
época, ou até mesmo, pistas de uma escrita indígena. Considerando que esses indivíduos
nem só resultou do encontro de duas culturas distintas, a Portuguesa e a Indígena, mas
viveram entre elas.
Os dados dos documentos estão organizados atendendo a proposta de Petrucci
(2003) para quem, para qualquer tempo histórico, quem trabalha com a Cultura Escrita
deve responder a um conjunto mínimo de questões.
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Brasil (1548-1825), Angola (1610-1975), Moçambique (1608-1975), Paraguai (1618-1823), Cabo Verde
(1602-1975), Argentina (1778-1825) e dentre outros.
As questões descritas acima – quem, quando, onde, o tipo de texto e para quê são
necessárias para tornar melhores os “maus dados” a que se refere Labov nos estudos de
mudança linguística. Nesse trabalho concentrarei, quem são os redatores, quando foi
escrito e para quê foi escrito. Com objetivo de conhecer as particularidades dos
manuscritos e dos redatores., apresenta-se levantamento de aspectos sócio-históricos
dos mamelucos, sujeitos multifacetados, que viveram entre duas culturas distintas e
foram personagens importantes na formação do português brasileiro.
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Segundo Cardoso (2011), Diogo Álvares foi nomeado como Caramuru, “homem de fogo” em linguagem
tupi-guarani, por sua habilidade com o seu mosquete, arma de fogo que trouxe do Velho Mundo.
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O termo mameluco no Brasil foi usado desde o século XVI para designar os indivíduos mestiços que
possuíam ascendência indígena e portuguesa.
religiosos tradicionais, cujas atribuições foram sendo paulatinamente
incorporadas pelos próprios jesuítas. (SANTOS, 2014, p. 36-37).
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Bebida preparada e consumida pelos índios, feito à base de mandioca.
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Mameluco nascido em Pernambuco. Confessou ao visitador que, entre os 18 e 36 anos, conviveu com
os índios completamente afastado das crenças católicas, vivendo como gentio. E que pecou com suas
afilhadas o “pecado da carne”. (Cardoso, 2011, p. 161).
Na documentação dos processos inquisitoriais há indícios de que nem só no
sertão os mamelucos mantiveram práticas indígenas, mas também nos engenhos e
fazendas, o mameluco Álvaro Rodrigues12, senhor de engenho e fazendas foi
denunciado por manter hábitos indígenas em suas fazendas e também permitir os índios
conservarem ritos e costumes, tais como ter mais de uma mulher.
Os processos inquisitoriais marcam essa dualidade dos mamelucos, no sertão se
comportam como silvícolas e guerreiros incapazes de demonstrarem seu temor contra
tribo, como é o caso do mameluco Tamacaúna. Em outras ocasiões, assumia como
feiticeiros e derrubava a valentia de seus opositores, enquanto na vila admitia seu lado
europeu e afirmava aos inquisidores que nunca deixou a fé e ter arrependido da vida
errante que levou no sertão.
Essa ambiguidade que os mamelucos carregavam em si, desde sua origem
revelam características importantes da função social que esses sujeitos tiveram na
formação da língua brasileira. Pois, assim como eles viviam dois mundos, vila e sertão,
muitos também falavam as duas línguas, portuguesa e indígena. Como é o caso de
Domingos Jorge Velho, que fontes históricas revelam que o mameluco falava o tupi e
documentos como a carta descrita no quadro 1, mostra que o sertanista também falava e
escrevia a língua portuguesa.
São essas características que mostram a importância da edição 13 desses
manuscritos trazidos no quadro 1, para tentar entender que português é esse que os
mamelucos falavam e que chegava no sertão. Os aspectos sócio-históricos tão são
primordiais para compreendemos o processo de formação do português brasileiro. A
seguir, discorro quem são os redatores desses manuscritos e o assunto abordado nas
cartas.
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Processo nº 16897.
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Os documentos estão sendo editados de acordo com as Normas de Transcrição de documentos Escritos
e Impressos do PHPB (Para História do Português Brasileiro). E o tipo de edição é semidiplomática, pois
preservas as características linguísticas, deixando o texto o mais fiel possível.
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Homens que participavam das bandeiras e entradas - eram principalmente paulistas, que, entre os
séculos XVI e XVII atuaram na captura de escravos fugitivos, destruição de quilombos, aprisionamento
de indígenas, mapeamento de territórios e na procura de pedras e metais preciosos. (Franco, 1989)
escravos. Assim fez, o mameluco paulista, Domingos Jorge Velho, ficando conhecido
como o fervoroso caçador de índio e também foi responsável pela captura de Zumbi de
Palmares. Através de acordo, firmou termos e condições com o governador de
Pernambuco, João da Cunha Sotto Mayor, para conquistar, destruir e extinguir
totalmente os negros dos Palmares. Foram firmados 16 capítulos 15, estipulando
condições e remunerações futuras para o mameluco Jorge Velho. Segue alguns deles:
15
Os capítulos se encontram em: ENNES, Ernesto. As Guerras nos Palmares. Documento Nº 34, p. 238-
241.
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Essa carta está descrita no quadro 1 e em fase de edição pela autora do texto.
A carta de Domingos Jorge Velho escrita de Outeiro de Barriga, em 15 de julho
de 1964, é uma importante fonte para tentar entender que português chegava no interior,
levando em consideração seu contato direto com as duas línguas, portuguesa e tupi.
Além, do contraste entre os mamelucos Lourenço de Brito Correa e Lourenço de Brito
de Figueredo escolarizados e Domingos Jorge Velho que não há notícia sobre sua
escolarização. De acordo com registros históricos, não dominava o português, era
falante de uma língua “tupi”. Acredita-se que larga convivência com os índios, embora
pautada pela violência e pela escravidão, contribui para o uso corriqueiro da língua geral
e muitos hábitos da população indígena.
O Conde Óbidos desconfiava que Lourenço de Brito Correa e seu filho estava
reunindo com alguns militares descontentes com o governo para retirá-lo contra o seu
posto. Porém, esses escritos nunca foram vistos. As cartas de Lourenço de Brito de
Figueredo mencionadas no quadro 1, são relacionados aos seus ofícios e à invasão
holandesa. Cartas avisando cargos que estão vagos, sobre pagamentos aos ordenados,
rematações de dízimo e dentre outras. Sendo manuscritos importantes para estudar a
história da Bahia, do Brasil e o processo de aquisição de língua imperfeita.
Considerações Finais
Referências
ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares: subsídios para a sua história. Prefácio de
Afonso de E. Taunay. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938.
MATTOS E SILVA, Rosa Virgínia. Reflexões e questionamentos sobre a constituição
de corpora para o projeto Para a história do português brasileiro. In: DUARTE, Maria
Eugênia Lamoglia; CALLOU, Dinah. (Org.). Para a história do português brasileiro –
Notícias de corpora e outros estudos. v. 4. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da
UFRJ/FAPERJ, 2002. p. 17-28.
MONTEIRO, John. Negros da Terra. Companhia das Letras: 1995, São Paulo.
Oliveira, Marilza de. PARA A HISTÓRIA SOCIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA
EM SÃO PAULO: SÉCULOS XVI-XVIII. Disponível em: <
http://dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/files/maril011.pdf> Acesso em 28 de
setembro de 2020.
PETRUCCI, Armando. Alfabetismo, escritura, sociedad. Barcelona: Gedisa, 1999.
Projeto CE-DOHS: Corpus eletrônico de documentos históricos do sertão.
Coordenação: Zenaide de Oliveira Novais Carneiro; Mariana Fagundes de Oliveira
Disponível em: www.uefs.br/cedohs.
RIBAS, M. A. A. Os mamelucos e o vinho da lembrança. Mneme (Caicó. Online), v.
12, p. 506-521, 2011. MNEME –REVISTA DE HUMANIDADES,11(29),2011– JAN /
JULHO Publicação do Departamento de História da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte Centro de Ensino Superior do Seridó – Campus de Caicó. Semestral
ISSN ‐1518‐3394 Disponível em http://www.periodicos.ufrn.br/ojs/index.php/mneme.
SANTANA, Ricardo George Souza. Lourenço de Brito Correa: sujeito mais perverso
e escandaloso. Conflitos e suspeitas de motim no segundo vice-reinado do Conde de
Óbidos. (Bahia 1663-1667). 2012. 145 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de História,
Programa de Pós-graduação em História, Universidade Estadual de Feira de Santana,
Feira de Santana, 2012.
SANTOS, Fabricio Lyrio. Da catequese à civilização: colonização e povos indígenas
na Bahia. Cruz das Almas/BA: Editora da UFRB, 2014, pp. 36-37.
VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no Brasil colonial.
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VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In:
História da vida privada no Brasil, 1: cotidiano e vida privada na América portuguesa.
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