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DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO ESTADO DE S. PAULO


SECRETARIA DA EDUCAÇÃO

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MAY 13 1954

Vol . 12
( Nova Fase )

J. BIGNARDI & CIA . LTDA .


Rua Jandaia, 50-64
S. PAULO
1953
DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO ESTADO DE S. PAULO
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO

BOLETIM

Vol . 12
( Nova Fase )

S. PAULO
1953
F2631
SIS
Nota Prévia v.12-14
Foi com satisfação que encontrei, ao reassumir
o Departamento do Arquivo do Estado, diversas
publicações em fase de acabamento : este " Bole
tim ” um novo volume de “ Documentos Interes
santes", um de “ Inventários e Testamentos ”, um
“Pequeno Histórico e Prontuário do Arquivo do
Estado” e um volume de “ Noções de Paleografia ”
de autoria do meu antecessor na Direção do Depar
tamento , dr. Ubirajara Dolácio Mendes.
É , fora de dúvida, uma eloquente demonstra
cão da operosidade do pessoal dlo Arquivo do Esta
dlo , que , sem medir esforços, vem contribuindo de
maneira notável para os estudos da Història de
São Paulo.
Só quem conhece de perto o árduo trabalho dos
pesquizadores dos documentos antigos existentes
neste Departamento pode avaliar o que seja o seu
labor quotidiano. São funcionários competentes e
especializados , à frente dos quais está o dr. Antô.
nio Paulino de Almeida , um nome que dispensa
comentários, já conhecido de todos os estudiosos
das cousas de São Paulo, pela sua capacidade de
trabalho , pelo seu profundo conhecimento da His
tória de São Paulo, e por sua dedicação ao
Arquivo.
As duas outras Secções do Departamento do
Arquivo , a de E.rpediente e Contabilidade, sob a
eficiente direção do sr. Décio da Costa e Silva, e
a do Arquivo Administrativo, ora sob a competen
te direção do sr. José Henrique Soares Falcão,
estão com todos os seus serviços em dia , o que vem
demonstrar, também , a capacidade de trabalho de
seus funcionários, considerando - se as duas mu
danças por que passou o Departamento nestes
últimos tempos.
A esta magnifica equipe do Departamento do
Arquivo do Estado os meus cumprimentos.
São Paulo , outubro de 1953
JOSÉ SOIRES DE SOUZA
279 Diretor
Apresentação
É com prazer que apresentamos mais um
número do Boletim do Arquivo do Estado 0.

4.°, desde que se decidiu mudar a sua orientação.


Traz o presente volume vários trabalhos inédi.
tos, orgulhando -nos sobremodo o fato de que, na
sua quase totalidade, são os mesmos assinados por
funcionários do próprio Arquivo.
Desejamos consignar, outrossim , que este
número sai a lume às vésperas do 4.º Centenário
da Cidade. Consideramo -lo como parte da nossa
colaboração às festividades com que irá ser come
morada a grata efeméride. É intenção desta Dire.
toria , entretanto , cooperar mais efetivamente para
o maior brilho de tais festividades, estando o desene
volvimento dos planos, entretanto, condicionado a
um conjunto de fatores, incluindo - se nestes os de
caráter econômico, como é facil imaginar. Assim
sendo, se os acontecimentos não evoluirem inteira .
mente à feição, não poderá o Arquivo efetivar o
programa planejado. Nem porisso, todavia , será
0 4.° Centenário de São Paulo deixado no olvido
por éste Departamento : os nossos trabalhos vêm
sendo dados à publicação em ritmo cada vez mais
acelerado , de modo a fornecer aos nossos historia
dores, num mínimo de tempo , um máximo de dados
inéditos.
Êste Boletim constitue, pois , parte do programa
que nos propusemos. E podemos assegurar que, de
parte de cada um dos funcionários do Arquivo,
nenhuns esforços serão poupados no sentido de
poder levar a tarefa a bom têrmo.
São Paulo , setembro de 1953 .

UBIRAJARA DOLÁCIO
DOLÁCIO JENDES
Diretor Substituto
J. Alberto J. Robbe

A exploração do vale do S. Francisco

pela

bandeira de Nicolau Barreto

( 1602-1604)
e

a fábula da invasão do Guayrá


À veneranda memória de

ORVILLE ADALBERTO DERBY

* Kelloggsville, Estado de Nova York, 1851 .

+ Rio de Janeiro, 1915 .

Devemos o original do retrato ao obsequio do


Dr. Valdemar Lefèvre, digno Diretor do Ins
tituto Geográfico e Geológico do Estado de
S. Paulo .
PARTE I

DIVERGÊNCIAS DOS HISTORIADORES


QUANTO ÀS REGIÕES EXPLORADAS PELA
BANDEIRA DE NICOLAU BARRETO
CAPITULO I

A tese de Orville Derby


da exploração do vale do S. Francisco

1. Num trabalho intitulado “ As Bandeiras


Paulistas de 1601 a 1604" ( 1 ) , o cientista norte -ameri
cano Orville Adalberto Derby tratou de várias questões
referentes à bandeira de Nicolau Barreto ( 1602-1604 ).
Baseou -se em cópias de documentos então ainda inéditos
(2) , entre os quais os testamentos e inventários de Manuel
de Chaves e Brás Gonçalves, o moço ( 3 ) , componentes
daquela expedição.
Nessas cópias havia duas indicações topográficas

1. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de S.


Paulo, vol 89, p . 399 a 403.
2. I. Os documentos cujas cópias Derby anexou ao seu
artigo (V. Revista cit . , p . 403 a 423) são : o regimento dado
por D. Francisco de Sousa, a 19 de julho de 1601 , ao capitão
Diogo Gonçalves Laço (documento que não interessa ao nosso
estudo ) , os testamentos e inventários citados no texto supra e
vários trechos do livro nº 9 de vereanças da Câmara de S. Pau
lo, em 1602 e 1603 .
II. Declarou Derby, no comêço de seu trabalho :
Devo á extrema gentileza do dr . Washington Luiz a com
municação destes importantes documentos (referia -se ao regi
mento e aos mencionados testamentos e inventários ), bem como
de outros encontrados no archivo da camara de S. Paulo » .
( Revista cit., p. 399 ) .
3. Rev. do Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo , vol . 8. cit .,
P. 405. in fine a 412 e 412 in fine a 419 , respectivamente .
Mais tarde os citados testamentos e inventários foram publi
cados oficialmente ( V. adiante, n. 67 e nota 206) .
Empregaremos às vezes a expressão « documentos da ban
deiras para indicar, de modo geral, os testamentos e inventá
rios de componentes da expedição de Nicolau Barreto .
12 PARTE I - CAPÍTULO I
Ns. 2 a 4 Notas 4 a 13

referentes à bandeira : " ser :ão e rio do Paracatú " ( 4) e


“rio de Goiabihi”, ou "Guaibihi” ( 5) .
2. Entendeu Orville Derby que o " Paracatú ” era
o rio ainda hoje assim denominado , que aflui no S.
Francisco pela margem esquerda, no Estado de Minas
Gerais ( 6 ) .
3. Quanto ao “ Guaibihi”, afirmou : “ com pouco
risco de errar se pode identificar com o Guaicuhy ou rio
das Velhas " ( 7 ) , afluente da margem direita do S. Fran
cisco, também em Minas Gerais. E em nota (8 ) explicou :
“ O mappa de Coronelli, de 1688 ( 9 ) , dá a um rio que pela
sua posição topographica é indubitavelmente o rio das
Velhas, o nome de Guaibuig ( 10 ) que se approxima mais á
graphia do inventario de Braz Gonçalves ( 11 ) do que á
fórma moderna de Guaicuhy " .
4. – Os documentos da bandeira referiam -se também
aos índios temiminós ( 12 ) . Quanto a estes, disse Orville
Derby que seu habitat se podia “ plausivelmente collocar
no sertão ao oeste do rio de São Francisco e provavel
mente ao norte do rio Paracatú" ( 13 ) .

4. No inventário de Manuel de Chaves (V. n. 70 in fine).


O topónimo « Paracatú » aparece também no testamento de Mar
lim Rodrigues, documento que Orville Derby não conheceu (V.
n. 69) . Martim Rodrigues não faleceu na expedição de Nicolau
Barrelo (V. nota 209, II) .
5. Num titulo de dívida assinado no sertão por Brás
Gonçalves , o moço (V. n. 68 ) , e no testamento dêsse bandeirante
( V. n . 71, primeira parte ) .
6. Rev. do Inst. Hist. e Geogr. de S. Paulo, vol. 89 cit.,
p. 400 e 401 .
7. Revista citada , p . 400 in fine .
8. Pag . 400 citada .
9. Quanto a este mapa , v . nota 304 .
10. A denominação que se vê no mapa é «Gaibuig».
11 . Mais precisamente : num documento assinado no sertão
e junto ao inventário processado em S. Paulo (V. n. 68) e no tes
tamento (V. n. 71 , primeira parte) .
12. - V. ns. 71 a 73 e notas 221 , 223 e 225 .
13. Rev. do Inst . Hist. e Geogr. de S. Paulo, vol. 8' , p . 401 .
PARTE I CAPITULO I 13
N. 5 - Notas 14 a 18

5. — A tese as exploração do vale do S. Francisco


pela bandeira de Nicolau Barreto foi geralmente aceita
pelos historiadores. Mas, cerca de 20 anos depois,
surgiram contestações. Julgou - se então que, longe de
ter ido aos sertões mineiros, a bandeira , seguindo orien
tação diametralmente oposta, invadira o antigo território
castelhano do Guayra ( 14 ) , que compreendia quase todo
o território hoje paranaense (15) , e chegara, pelo menos,
até à foz do Piquiry, afluente da margem esquerda do
rio Paraná ( 16) . Esta tese, que denominaremos guai
renha, não tardou a obter a adesão dos historiadores
mais notáveis, de sorte que a de Derby, que já foi quali
ficada de " velha e obsoleta” ( 17 ) , parece estar irreme
diavelmente condenada ( 18 ) .

14. – A forma oxítona, que adotamos, é abonada por diver


sos autores . Outros dizem Guayra ( ou Guaíra), como se vê tam
bém em documentos antigos. A divergência resulta da controvér
sia relativa à origem da denominação.
15. Naquele . tempo o Guayrá fazia parte da província do
Paraguay e do Rio da Prata, subordinada ao Vice-Reinado do
Peru. Tinha por limites, segundo Ramón I. Cardozo (El Guairá,
Librería y Casa Editora de Jesús Menéndez, B. Aires, 1938, p .
11 ) : ao norte, o rio Paranapanema (desde a sua foz até à do
Itararé, seu afluente da margem esquerda, o qual servia de di.
visa a nordeste, como se vê no mapa da citada obra, entre as
págs . 12 e 13 ) ; a leste , as serranias de Guarayru ou de Caiyu ;
ao sul , o rio Iguassu ; e a oeste o rio Paraná .

16. Conforme veremos, o Dr. Alfredo Ellis Júnior con


sidera pelo menos provável que, depois de invadir o Guayrá, Ni
colau Barreto houvesse atravessado o rio Paraná e explorado
regiões hoje paraguaias e bolivianas .
17. Pelo Dr. Alfredo Ellis Júnior. V. O Bandeirismo Pau
lista e o Recúo do Meridiano, 24 ed., p . 86, e 3. ed., p . 90 ; Bole
tim n' IX da Faculdade de Filosofia , Ciências e Letras da
Universidade de S. Paulo, p . 71 in fine ; Meio Século de Bandei .
rismo, p. 68. Em nota 19 indicamos as datas dessas obras.
18. Nos capítulos II, III e V ( ns. 6 a 10, 11 a 21 e 28 a 36 )
vamos expor as opiniões dos principais historiadores que se
manifestaram contra as conclusões de Orville Derby . Reservamos
para a Parte II (ns . 37 a 66) o exame dos documentos em que
CAPITULO II

Impugnação das conclusões de Orville Derby


pelo Dr. Alfredo Ellis Júnior

A tese da invasão do Guayra e a hipótese da chegada


da bandeira a regiões hoje bolivianas

6. O primeiro historiador que combateu a tese de


Orville Derby foi o Dr. Alfredo Ellis Júnior , que em
diversos trabalhos escreveu largamente sôbre a entrada
de Nicolau Barreto ( 19 ) .
Julga o douto pesquisador que o “ raid ” de Nicolau
Barreto foi " estudado sob uma orientação errada" e que
se lhe atribuiu " um itinerario exactamente opposto ao

se apoiam as contestações, e para a Parte III ( ns. 67 a 114) as


provas da exatidão da tese de Derby.
19 . 0 Bandeirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 1 *
edição, Tip . Piratininga ( S. Paulo ), sem data ( deve ser de 1924 ,
pelo que diz o autor no prefácio da 2a edição ) ; 2 e 3a ed ., de 1934
e 1938, respectivamente, ambas da Companhia Editora Nacional
( S. Paulo ) , série Brasiliana, vol . XXXVI ; Meio Século de
Bandeirismo, tese de concurso impressa em 1938, reeditada em
1939 no Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de S. Paulo ( n° 1 da série História da
Civilização Brasileira) e novamente publicada, com algumas al
terações, em 1948, na série Brasiliana ( vol . 259 ) , da Comp.
Editora Nacional ; Resumo da História de São Paulo, Tip .
Brasil ( S. Paulo ) , 1942 , obra reimpressa em 1944 no Boletim n
XXXVII da mencionada Faculdade ( n ° 3 da série História da
Civilização Brasileira) .
Nas citações da obra mencionada em segundo lugar, dei
xaremos de nos referir à tese de concurso, e assim designaremos,
respectivamente, as outras edições: Boletim nº IX etc. e Meio
Século de Bandeirismo .
Assim também quanto à terceira obra : a 19 edição será de
PARTE I CAPITULO II 15
Ns. 6 ( fim ) a 8 - Notas 20 a 23

que, na verdade, percorreu” ( 20) . Afirma existirem


documentos " que provam , ex abundantia, ter Barreto
tomado rumo sudoeste e nunca trilhado as regiões, que
a miragem do nome de Paracatú levou o dr. Derby a se
desviar do bom caminho, na pesquiza historica” (21 ) .
A impugnação baseia -se em três documentos (todos
pertencentes ao arquivo municipal de S. Paulo ) , que
passamos a citar na ordem cronológica.
7. – O primeiro é uma carta dos camaristas da vila
de S. Paulo ao governador geral do Brasil, Diogo Botelho ,
datada de 18 de julho de 1603, e em que aqueles, referin
do-se a uma ordem do governador para que se tomasse a
têrça parte do gentio trazido do sertão, aludem a uma
entrada perigosa e de pouco proveito e dizem recear que
a gente daquela expedição, tendo notícia da mencionada
ordem , não regresse a S. Paulo . Nesta parte da carta há
um trecho bastante obscuro, em que se fala no “ caminho
do piqiri ĝ he provinsia do rio da prata " (22) .
Julgando tratar -se da bandeira de Nicolau Barreto ,
acha o Dr. Ellis que o documento prova que a expedição
invadira o antigo território do Guayra e chegara à foz
do Piquiry, afluente do rio Paraná ( 23) .
8. – O segundo documento citado pelo Dr. Ellis é

signada pelo respectivo título , e a 2* simplesmente pelo Boletim


em que foi publicada .
Quanto à expedição de Nicolau Barreto, v . 0 Bandei
rismo etc., 1 ° ed., p . 6 e 21 a
31 ; 24 ed ., p . 33 e 73
a 91 ; e 3. ed., p . 37 e 77 a 95 ; Boletim n . IX cit . , p . 50
a 90, 93, 94, 157, 210 e 217 ; Meio Século de Bandeirismo, p .
50 a 82, 85, 86, 138, 194 in fine e 195 ; Resumo da História
de São Paulo, p . 127 in fine a 130 , 134 , 145 e 349 ; e Boletim nº
XXXVII cit . , nas páginas de igual numeração .
20 . O Bandeirismo, 3a ed ., p . 77, 2° ed . , p . 73 , e l ' ed . ,
p . 21 .
21 . Obra citada, 3a ed ., p . 80, 2° ed ., p . 76, e 1 ' ed .,
p . 23. V. também o cit . Boletim nº IX, p . 62, e Meio Século de
Bandeirismo, p . 61 in fine .
22. Trataremos desse documento no Capítulo I da Parte
II ( ns . 37 a 41 ) .
23 . Conf . n . 38 .
16 PARTE I – CAPÍTULO II
Ns. 8 ( fim ) a 10 — Notas 24 a 28

uma carta dos oficiais da Câmara de S. Paulo ao dona


tário da Capitania, datada de 13 de janeiro de 1606, em
que há um período referente à ida de paulistas ao antigo
Peru e outro período em que se alude à bandeira de
Nicolau Barreto ( 24 ) . Acreditando haver ligação entre
êsses períodos, pensa o autor que, depois de percorrer o
Guayra e atravessar o rio Paraná, junto à foz do Piquiry,
a bandeira teria continuado a caminhar por terras caste
Ihanas, indo parar em regiões da atual Bolívia ( 25 ) .
Cumpre esclarecer desde já que, em alguns trechos
de seus trabalhos, o Dr. Ellis apresenta essa exploração
de terras castelhanas além do Paraná como simples
hipótese (26 ) .
9. O terceiro documento é a ata da Câmara de
S. Paulo, de 7 de janeiro de 1607, em que se diz que
Manuel Preto, vindo de Vila Rica (no Guayrá ), encon
trara no caminho índios temiminós, que vinham à procura
dos brancos, e os trouxera para casa ( 27 ) . Conclui o
Dr. Ellis que o habitat dos temiminós não era o território
mineiro, nem o goiano, e que para atingí-lo era neces
sário passar pelas cercanias de Vila Rica ; e que, portanto,
“ os tememinós, que foram guerreados por Barreto e seus
seguidores, tinham as suas moradas muito distantes das
Geraes” ( 28 ) .
10. Entende o Dr. Alfredo Ellis Júnior que os
três documentos que citou bastam para invalidar a
conclusão de Derby :
" Nenhum dos argumentos empregados pelo sau
doso historiador póde resistir a um confronto com
os que estampei baseado na documentação archival
24 . Resumimos adiante o conteúdo da carta e transcre
vemos os citados períodos ( V. n . 43) .
25 . A opinião do Dr. Alfredo Ellis Júnior a respeito da
invasão dêsses domínios castelhanos será examinada no Capítu
lo II da Parte II ( ns. 42 e 44 a 52) .
26 . V. n . 45 e nota 137 .
27 .
-

V. adiante, n . 54 in fine, o tópico da ata municipal


em que se baseia o Dr. Ellis .
28 . V. a respeito do assunto o Capítulo III da Parte II
( ns , 53 a 60 ) .
PARTE I CAPÍTULO II 17
N. 10 ( fim ) Nota 29 (1 )

municipal, publicada pelo benemerito Washington


Luis .
Graças, pois, a essa publicação, fica rectificado
o itinerario de uma das mais importantes ban
deiras, jamais sahidas de S. Paulo ( 29 ).

29. I. 0 Bandeirismo, 3. ed ., p . 86 a 88, 2. ed., p . 82


e 83, e 1 ° ed . , p . 29 e 30 ; Boletim nº IX cit . , p . 70 ; Meio
Século de Bandeirismo, p. 67 in fine .
Escreve alhures o historiador paulista :
«Não tenho dúvidas de que essa expedição de Nicolau Bar
reto deveria orientar- se para o sudoeste e não para o noroeste
(sic), como até então eram dirigidos os botes dos civilizados
contra o sertão» .
(Boletim cit., p. 59, e Meio Século, p. 60) .
«Depois porém, da publicação dos documentos munici
pais, temos certeza de que a bandeira de Barreto procurou o Sul
c jamais trilhou os territórios das Gerais » ...
... «Barreto dirigindo-se para o Sul, indiscutivelmente, atra
vessou o território onde futuramente iriam os jesuitas estabele
cer a organização do Guaira » .
(Resumo da História de São Paulo, p . 128, e Boletim nº
XXXVII cit . , p . 128 ) .
«A primeira algára vicentino -planaltina lançada sôbre o
Guairá, foi, não ha dúvidas, a bandeira de Nicolau Barreto, em
1602-1604 .
Os documentos niunicipais, que eu citei, no meu «O Bandei
rismo Paulista e o Recúo do Meridiano», confirmados pelo do
cumento que Taunay encontrou na documentação jesuitica
( «Historia Geral das Bandeiras Paulistas » ) são concludentes
( Tése de concurso, Ellis ; Boletim da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras nº 9 ) » .
( Resumo da História de São Paulo, p . 145, e Boletim nº
XXXVII cit . , p . 145 ) .
« A bandeira de Nicolau Barreto teria tomado o caminho do
Guairá e nunca o do Norte, como queria Derby . Foram muitos
os documentos descobertos pelo professor Taunay e por mim
( V. nota 37 ) » .
(Meio Século de Bandeirismo, p. 194 in fine e 195 ) . V. tam
bém o cit . Boletim nº IX , p . 210 .
A nota 37, a que se refere o autor, não trata daqueles do
cumentos, que, aliás, não são muitos, e que , segundo veremos,
não provam a tese guairenha . As peças documentais apresen .
tadas pelo Dr. Ellis em apoio dessa tese foram as três que in
dicamos no presente capítulo. ( Dr. Afonso de E. Taunay
18 PARTE I CAPITULO II
Nota 29 ( II a IV )

invocou, por sua vez, apenas uma carta do padre jesuíta Justo
Mancilla van Surck ( V. adiante, ns . 12 in fine e 13) .
II . Parece- nos conveniente citar outros trechos dos tra
balhos do Dr. Alfredo Ellis Júnior, pois o ilustrado historiador
nem sempre expõe exatamente a opinião de Orville Derby .
A propósito da bandeira de Nicolau Barreto e de uma expe
dição pouco anterior, a de André de Leão, que fôra explorar o
territorio mineiro, escreve o Dr. Ellis :
«Continuo na certeza de que Nicoláu Barreto não se
guiu na esteira de André de Lião, tomando sim uma direcção
opposta » ( O Bandeirismo Paulista, 3a ed . , p . 94 , e 2. ed . , p . 89
in fine ) .
« Acho que fica perfeitamente por terra, sem o menor
sustentáculo, a tése de Derby . Continuo firme na aceitação da
crença de que a bandeira de Nicolau Barreto não seguiu a es
teira deixada no sertão pela expedição anterior . Creio que Ni
colau Barreto tomou direção oposta, isto é, foi para os lados
do Guaira » ( Boletim nº IX cit . , p . 81 ) . No livro Meio Século
de Bandeirismo ( p . 77 ) , o autor suprimiu o 2º e o 3º período .
Diz em outra obra :
«Até a publicação dos documentos municipais, acreditava
se que a bandeira de Nicolau Barreto tivesse trilhado os sertões
mineiros das Gerais . É que Orville Derby, o insigne e saudoso
cientista americano , confundindo a bandeira de Barreto, com a
entrada de André de Leão, atribuira aquela o roteiro de Glimmer.
Derby se sugestionára pela toponímia, e cedera á opinião de Aze
vedo Marques ( Orville Derby, «Revista do Instituto Histórico de
S. Paulo» ; Azevedo Marques, « Apontamentos históricos » ) ».
(Resumo da História de São Paulo, p . 127 in fine e 128, e
Boletim nº XXXVII cit . , mesmas págs . ) .
« Não posso curvar-me declara ainda ao que Azevedo
Marques doutrinou e foi aceito por Orville Derby » ( Boletim n'
IX cit . , p . 77, e Meio Século de Bandeirismo , p . 73 ) .
III . Refere-se o autor ao trecho de Azevedo Marques,
que transcrevemos adiante (V.16) e examinaremos no Capítulo
IV desta Parte I ( ns. 22 a 26) , e segundo o qual teria a expedi.
ção de Nicolau Barreto partido em direção a Mogy das Cruzes .
Afirma o Dr. Ellis que Orville Derby seguiu a opinião daquele
cronista e confundiu a expedição de Barreto com a de André.
Cita vagamente a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
S. Paulo, sem indicar em qual dos volumes o sábio norte -ame
ricano ſêz. tal confusão, e não esclarece que Derby mais tarde
reconheceu o seu êrro . É, pois, necessário que historiemos os
fatos .
iv . – Realmente, num trabalho publicado no vol. 4. ( p . 329
PARTE I CAPITULO I 19
Nota 29 (V e VI )

a 350) da citada Revista, sob o título : O Roteiro de uma das


Primeiras Bandeiras Paulistas, Orville Derby julgou, à vista do
mencionado trecho de Azevedo Marques, que a bandeira em que
tomou parte Nicolau Barreto fôra a de André de Leão, e acre
ditou que Azevedo Marques se tivesse enganado quando designou
o ano de 1602, e não o de 1601 . Como Barreto e Leão apare
cessem ambos na qualidade de chefes, Orville Derby procurou
resolver a dúvida atribuindo ao primeiro o comando «do con
tingente civil» e ao segundo o « da escolta militar » ( Conf .
ibidem, p . 329 e 330) . E estudando o roteiro de Glimmer (que, em
seu entender, seria o daquela expedição ) , aventou, como hipótese
mais provável, que ela tivesse chegado à região de Pitanguy ( Conf.
ibidem, p. 342 e mapa anexo ) . Longe, portanto, do rio das Velhas,
e ainda mais longe do Paracatu .
V. Mais tarde, porém, Derby reconheceu que a expedição
de Nicolau Barreto era perfeitamente distinta da de André e con
fessou lealmente o engano , no artigo As Bandeiras Paulistas de
1601 a 1604, estampado no vol . 8.' da mesma Revista, artigo
ao qual nos referimos no início do presente trabalho, e em que
o venerando historiador apresentou a tese (que o Dr. Ellis pro
curou refutar ) da exploração do vale do S. Francisco, até o Pa
racatu, pela bandeira de Nicolau Barreto. Vejamos o que então
escreveu Orville Derby :
«Andei, portanto, em erro emendando para o anno de
1601 a data de 1602 dada por Azevedo Marques como a da par
tida da bandeira de Nicolau Barreto, com a qual identifiquei a
que foi acompanhada pelo hollandez Glimmer» .
E aludindo à referência, contida num documento, à bandei
ra de André de Leão, «cuja volta estava sendo esperada a 19
de Julho de 1601 » , acrescentou :
« Esta referencia , combinada com os inventarios de bandei
rantes da comitiva de Nicolau Barreto, fallecidos no sertão , es
tabelece positivamente o facto que houve duas bandeiras nos
annos successivos de 1601 e 1602, sendo que o roteiro de Glim
mer se refere a primeira e não á segunda» ( Conf . Revista cit . ,
p . 399 in fine e 400 ) .
VI . Foi, como dissemos, nesse novo artigo que Derhy,
estudando especialmente a segunda bandeira ( isto é, a de Ni
Colau Barreto ) , e à vista dos topônimos « Guaibihi» e « Paracatú »,
dos citados documentos, entendeu que a expedição fôra ter ao
S. Francisco, ao rio das Velhas e ao Paracatu . E não se

deixou, então, influenciar por Azevedo Marques, que, aliás, não


fizera a menor referência àqueles rios, limitando-se a dizer que
a bandeira saíra em direção a Mogy das Cruzes ( Conf. adiante,
n . 16) .
CAPITULO III

As opiniões do Dr. Afonso de E. Taunay

11. – Estudando a expedição de Nicolau Barreto , no


tomo I da Historia Geral das Bandeiras Paulistas, o Dr.
Afonso de E. Taunay traslada vários trechos da obra do
Dr. Alfredo Ellis Júnior, 0 Bandeirismo Paulista e o
Recúo do Meridiano ( 30 ) , e diz :

" Levados pelo apparecimento da palavra Paracatú,


nos documentos escassos, até agora conhecidos,
ficaram certos diversos autores de que Nicolau
Barreto percorreu os sertões do valle daquelle
grande affluente do S. Francisco. Nós mesmos ,
no nosso " Ensaio de Carta Geral das Bandeiras
Paulistas ", localisamos a entrada de Nicolau Bar
reto naquella região ( 31 ) .
Documentos recentemente publicados levam
nos a pensar com Ellis que rectificou completa
mente o roteiro da grande bandeira" (32 ) .

12 . Em seguida, o ilustre historiador cita o trecho


das Atas relativo aos temiminós capturados por Manuel

30 . Da 1a edição, pois a 2* saiu em 1934 e o tomo I da


Historia Geral das Bandeiras Paulistas é de 1924 .
31 . O original da carta encontra-se no Museu Paulista .
Existe uma edição reduzida, impressa em 1926 pela Comp . Me
lhoramentos de S. Paulo . O nome de Nicolau Barreto figura na
região do Paracatu, afluente ocidental do S. Francisco.
32 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I cit .
( 1924 ) , p . 186 .
21
PARTE I CAPÍTULO III
Ns. 12 ( fim ) e 13 Notas 33 a 39

Preto (33) e afirma que esses índios "habi'avam a região


guayrenha " ( 34 ) ; transcreve também o tópico da carta
dos oficiais da Câmara ao governador Diogo Botelho ( 35) ,
bem como as considerações do Dr. Ellis, quanto à invasão
do Guayrá , à passagem do rio Paraná e à exploração de
outras terras castelhanas, até à atual Bolívia (36) .
Prossegue o Dr. Taunay :
" Teria Barreto transposto o Paraná ? E o que com
o material até hoje conhecido não se pode affirmar .
Fóra de duvida é que a supposição de Derby não
se mantem nem quando a reforçal- a diz que o
Guabihi mencionado nos inventarios do sertão
pertencentes á bandeira ( 37 ) deve ter sido o Guai
cuhy ou Velhas. Á rectificação cabal de Ellis,
fundada na documentação paulista , vem servir de
contraposição o documento hespanhol divulgado
por Pastells no tomo I de sua obra " ( 38 ) .
13. — O documento a que alude o Dr. Taunay é uma
carta datada da Bahia, a 2 de outubro de 1629, e ende
reçada pelo padre jesuíta Justo Mancilla van Surck ao
Padre Geral da Companhia de Jesus ( 39 ) . Existe nessa

33. - Isto é, um dos documentos municipais apontados pelo


Dr. Alfredo Ellis Júnior (V. n . 9 ) .
34. Afirmativa aliás repetida ( V. ns. 55 e 59 ) .
35 . Outro documento em que se baseia o Dr. Alfredo
Ellis (V. n . 7) .
36. Hist. Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I cit ., p .
186 e 187 .
37 . Num documento de dívida assinado no sertão por
Brás Gonçalves, o moço (e junto ao inventário feito em S.
Paulo ), e no testamento do mesmo sertanista . O topônimo é
«Goaibihi » ou «Guaibihi », e não Guabihi . (V. ns . 68 e 71 e notas
208 e 218) .
38 . Hist . Geral cit . , tomo I, p . 187 .
A obra de Pastells, a que se refere o historiador, é a Histo
ria de la Compañía de Jesús en la Provincia del Paraguay .
39 . Trataremos dêsse documento no Capítulo IV da Par
te II (ns . 61 a 66) .
Note-se que em alguns documentos o nome do autor da car
ta vem grafado «Mancilla» e em outros « Mansilla» .
22 PARTE I - CAPITULO III
Ns. 13 ( fim ) a 15 - Notas 40 a 42

carta um tópico referente a uma bandeira chefiada por


Nicolau Barreto. Em resumo, diz o Padre Mancilla que
a bandeira saíra de S. Paulo e que uns 40 dos seus compo
nentes encontraram “ por aqueles montes” uns indios
cristãos que, enviados pelos jesuítas de Vila Rica do
Espírito Santo em busca de " parentes ", voltavam para
lá, conduzindo uns 700 selvagens, etc. ( 40) . Julga o histo
riador que o documento prova a invasão do Guayrá pela
bandeira de Nicolau Barreto ( 41 ) .

14. — Vê - se que, embora o Dr. Afonso Taunay não


considere provada a exploração de terras além -Paraná,
concorda, quanto ao mais, com o parecer do Dr. Ellis,
rejeitando categòricamente o de Derby, que a princípio
admitira, pois ( segundo declara ) no referido Ensaio de
Carta Geral das Bandeiras Paulistas assinalara a presença
de Nicolau Barreto em território mineiro.

15. — Entretanto, em longo Apenso ao citado tomo I


da Historia Geral, o eminente historiador expõe uma
dúvida que lhe ocorrera depois :
" Ao estudarmos a controversia entre Derby e
Ellis ( 42 ) , acerca do rumo tomado pela bandeira
de Nicolau Barreto, pareceu - nos fóra de duvida
que a razão cabia ao ultimo, que repudia a versão
de haver estado a bandeira em terras do valle do
S. Francisco, no sertão de Paracatú . Demonstra
Ellis, insophismavelmente, que em 160 partiu
Nicolau para uma entrada em terras da bacia do
Prata no valle do Piquiry e no actual Paraná,
entrada que tinha por alvo a escravisação de
indios , como se infere da carta da Camara de S.

40 . V. n. 64, em que damos na integra ésse tópico da


carta .

41 . Veremos ( ns. 64 e 65) que o Pe. Mancilla não faz a


menor alusão à entrada de Barreto em território guairenho .
42 A respeito dessa « controversia entre Derby e Ellis » ,
PARTE I CAPITULO III 23
Ns. 15 ( fim ) e 16 - Notas 43 a 47

Paulo ao Governador Geral, Diogo Botelho, a 18


de julho de 1603 ( 43) . Esta demonstração tirou - a
Alfredo Ellis dos papeis do nosso archivo muni
cipal e reforçámo-la com um documento hespanhol
citado por Pastells, do Archivo General de Indias,
de Sevilha, em que se fala da entrada de Barreto
em terras de Guayra (44 ) “ con capa de buscar
minas” mas com o fito exclusivo de aprisionar
indios ” .
... "Uma referencia de Azevedo Marques porém
( Chronologia, nos Apontamentos, vol. II, p. 224) ,
para a qual Washington Luis chama toda a
attenção e que a Derby no seu estudo sobre a
bandeira de Nicolau Barreto parece ter escapado
( 45 ) , nova e persistente duvida nos traz" (46 ) .

16. – A referência causadora da dúvida é o trecho


seguinte:

“ 1602 ...Agosto ( 47) . Parte de S. Paulo para o


sertão, numerosa bandeira ao mando do capitão
Nicolao Barreto, em direcção a Mogy das Cruzes,
com o fim ostensivo de descobrir ouro . D'ella
fizeram parte pessoas importantes d'aquella época ,
taes como Simão Borges Cerqueira, fidalgo da casa
real, Ascenso Ribeiro, Pedro Leme, Manoel Preto ,

convém observar que o cientista norte-americano já era falecido


quando o Dr. Ellis The impugnou as conclusões .
43 . · V. n . 7 e o Capítulo I da Parte II ( ns. 37 a 41) .
44 . O documento citado é a carta do Pe. Mancilla , que
tornamos a advertir não fala na entrada de Nicolau Bar
reto em terras do Guayra ( V. ns. 64 e 65 ) .
45. - O que ficou exposto em nota 29, IV e V, demonstra
que Derby viu a informação de Azevedo Marques .
46 . Hist . Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I, Apenso ,
-

p . 339 .
47 . Ao trasladar o trecho de Azevedo Marques, o Dr.
Taunay escreveu «Maio» ( Conf . o cit . Apenso, p . 339 in fine) .
copiando inadvertidamente a indicação relativa a um fato an
terior, a posse do governador geral Diogo Botelho .
24 PARTE I - CAPITULO III
Ns. 16 ( fim ) e 17 - Notas 48 a 51

Francisco de Alvarenga e outros. ( Cartorio de


orphãos de S. Paulo , inventario de Ascenso
Ribeiro ) ” ( 48 ) .

17. - Ponderou o Dr. Afonso Taunay :

" Tal a probidade, o cuidado e a intelligencia de


Azevedo Marques, nas suas buscas, que é impossivel
por-se em duvida uma allegação que aliás seria
absurdo imaginar fosse inventada ( 49 ) . Assim
estamos em presença de uma obscuridade que só
os documentos podem esclarecer, se é que ainda
existam . Ardorosa, infatigavelmente, mas debalde,
procurou Washington Luis o inventario de Ascenso
Ribeiro. Na nova busca a que se procedeu ultima
mente para a impressão da serie monumental dos
Inventarios e testamentos (50 ) , nada se achou .
Que era natural o itinerario da bandeira pelo
valle do Parahyba é incontestavel; iria seguir a tri
lha da expedição de André de Leão, desbravados
daquella região : Passou por Mogy das Cruzes ,
cujas primeiras casas despontavam , desde 1600,
affirma- o o inventario de Ascenso Ribeiro ( 51 ) .
Esteve " num sertão de Paracatú " onde se procedeu

48. - Apontamentos Historicos, Geographicos, Biographi


cos, Estatisticos e Noticiosos da Provincia de S. Paulo (R. de
Janeiro , Tip '. Universal, de Eduardo e Henrique Laemmert,
1879 ) , vol . 2 , p . 224 ( 24 col . in fine ) 225 ( 1 ° col.) . A infor
mação de Azevedo Marques será examinada no capítulo seguin
te ( ns . 22 a 26) .
49 . Ninguém , certamente, deixará de concordar com a

justa homenagem prestada à memória de Manuel Eufrásio de


Azevedo Marques . É certo , porém , que, apesar de todo o seu
cuidado , lhe escaparam vários enganos (V., p . ex ., os que aponta
mos em nota 76, III ) .
50 . É a coleção a que nos referimos adiante (n . 67
c nota 206, princ' ) .
51 . Quanto a esta afirmação do inventário, v . ns . 23 a 25
e notas 71 , 73 e 76 .
25
PARTE I - CAPITULO III
Ns, 17 ( fim ) e 18 - Notas 52 a 55

ao inventario de Manuel de Chaves, a 2 de abril de


1603, refere o testamento deste bandeirante " (52 ).

18. – Depois de tratar dos topônimos " Paracatú" e


" Guaibihi” ( assunto que estudaremos em capítulos
especiais ) (53 ), diz o autor da Historia Geral :

"'Assim , pouco nos impressiona o caso da


palavra Guabihy (54 ) , o que se não dá com a
occurrencia dos nomes : Sertão de Paracatú .
Terá a bandeira de Nicolau Barreto cruzado os
sertões da margem esquerda do S. Francisco ? É .
muito possivel que sim , embora não haja mais
duvida deante das descobertas de Ellis e da carta
do Padre Mansilla, citada por Pastells, de que em
1603 tenha percorrido o Guayrá a aprisionar temi
ninós, indios incontestavelmente guayrenhos, como
se evidencia do termo das Atas (v. II, p. 184 ) , ainda
invocado por Ellis” (55 ) .
" Mas o testemunho do inventario de Ascenso
Ribeiro, citado por Azevedo Marques, ahi está para
nos indicar a rota da bandeira, partida de S. Paulo ,

52 . Não é no testamento de Manuel de Chaves que exis


te alusão ao sertão do Paracatu, e sim no têrmo inicial do inven
tário dêsse bandeirante e no auto de venda de seus bens ( V. n .
70 in fine) . Encontra-se a mesma indicação no testamento de
Martim Rodrigues (V. n . 69 ) .
53 . V. Parte III, capítulo II, secções I, II e III ( ns . 93
a 113) .
54 . Tal não é a grafia dos documentos, e sim « Goaibihi »,
ou «Guaibihi» (V. ns. 68 e 71, primeira parte, e notas 208 e
218) .
Cumpre observar que, embora o autor aceitasse a identifi
cação (que depois rejeitou ) do «Paracatú» da bandeira com o
afluente da margem esquerda do S. Francisco, jamais admitiu
a do «Guaibihis com o rio das Velhas (V. ns. 95, 100 e 101 ) .
55 . Refere-se o historiador à ata de 7 de Janeiro de
1607 (V. n . 9), que será examinada no Capítulo III da Parte II
(ns . 54 a 60 ), onde veremos se os temiminós eram ou não in
dios «incontestavelmente guayrenhos » .
26 PARTE I CAPITULO III
N. 18 ( contin .) Notas 56 a 58

em direcção a Mogy das Cruzes (56 ), e dahi, certa


mente, ao valle do Parahiba, pelo caminho já
seguido por André de Leão. Dar - se -ia o facto de
Nicolau Barreto retroceder sem subir a Manti
queira e penetrar no territorio hoje mineiro ? E a
allusão ao sertão de Paracatú ?"
" Seja como fôr, ha papeis que nos demons
tram a marcha de Nicolau Barreto para noroeste,
como o inventario de Ascenso Ribeiro (57 ). Outros
papeis apontam incontestavelmente a marcha de
Barreto para sudoeste, e sua estada em terras
guayrenhas, hoje paranaenses, como as referencias
positivas das Actas da Camara de S. Paulo e a carta
do Padre Justo Mansilla van Surck .
Aventa Washington Luis a possibilidade de
duas entradas para ambas as direcções, e assim
raciocina : o organisador da expedição de Nicolau
Barreto foi, em 1602, D. Francisco de Souza ,
verdadeiro eldorado -maniaco, como é ocioso relem
bra -lo, e cuja unica preoccupação vinha a ser a
mineração, a descoberta de jazidas mineraes, pelo
menos. Já a fizera anteceder pela bandeira de
André de Leão . Partiu Barreto na rota de Leão,
comprova-o o documento de Azevedo Marques,
mas neste interim foi D. Francisco substituido no
Governo Geral do Brasil por Diogo Botelho, cuja
orientação era inteiramente diversa da sua ; acoro
çoava as entradas da caça ao indio para o abas
tecimento da lavoura assucareira. Assim , pois,
poderia Nicolau Barreto ter mudado de rumo e de
objectivo, sacrificando ao pendor habitual do
tempo (58 ) .

56 .
- V. ns . 23 a 25 e notas 71, 73 e 76 .
57 . Admitindo -se que do inventário de Ascenso Ribeiro
constasse realmente a saída da bandeira em direção à atual Mo
gy das Cruzes, a marcha não teria sido para noroeste .
58 . Não é exato que a substituição do governador geral
D. Francisco de Sousa tivesse ocorrido « neste interim», isto é,
depois da partida da bandeira de Nicolau Barreto . Esta saiu de
PARTE I - CAPITULO III 27
Ns. 18 ( fim ) e 19 – Nota 59

Como largo tempo haja permanecido no sertão,


dous annos, pensamos nós que tenha podido embre
nhar -se pelas terras do Norte, chegando a Para
catú, e depois descido ao Sul, indo reapparecer
no Guayrá . Para quem conhece as proezas dos
paulistas nenhuma admiração causará tão grande
jornada.
Em todo o caso a existencia dos papeis até hoje
descobertos traz uma hesitação positiva que talvez
se esclareça com o tempo acerca destes roteiros
tão mal assignalados. Assim tambem , o que é o
mais provavel, talvez jamais se aclare este ponto
obscuro e controvertido da historia primeva brasi
leira ” (59 ).
19. — Em resumo, o ilustre historiador, tendo a
princípio aceito, e depois (acompanhando o Dr. Alfredo
Ellis Júnior ) repelido in totum o parecer de Orville Derby ,
agora, à vista da diretriz apontada por Azevedo Marques,
teve um momento de hesitação e, para cortar a dúvida,

S. Paulo em princípios de setembro de 1602 (V. n . 118) . Ora ,


meses antes, já o novo governador geral tomara posse do cargo
(V. nota 145, I e IV) .
Veremos ( nota citada , V e VI) que quem ordenou a expe
dição foi o capitão-mor, Roque Barreto ( irmão de Nicolau ) , repre
sentante do donatário da Capitania de S. Vicente .
59 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I , Apen
so, p . 341 e 342 .
Ainda que o autor houvesse examinado cuidadosamente toda
a documentação ao seu alcance , nem por isso haveria razão
para se considerar mais provável que minca se resolvesse o
problema . Quantas revelações históricas não têm surgido, às vezes,
de onde menos se esperava ? Mas , a verdade é que o ilustre his
toriador poderia ter fàcilmente encontrado a solução. Basta
considerar que, quando saiu o tomo I da citada obra ( 1924 ) ,
já anos antes haviam sido publicados na integra os testamentos
e inventários de companheiros de Nicolau Barreto (V. nota
206), documentos básicos em que existem , como oportunamente se
verá , provas cabais de que a expedição foi ter ao S. Fran
cisco, ao rio das Velhas e ao Paracatu .
28 PARTE I CAPITULO III
Ns. 19 ( fim ) e 20 — Notas 60 a 64

admitiu, como possível apenas, que, antes da invasão do


Guayra , a bandeira tivesse ido ao sertão do Paracatu .
20. — Mais tarde, porém , no tomo V da Historia
Geral das Bandeiras Paulistas (60) , o Dr. Taunay
repeliu, como fantasiosa , a identificação do " Paracatú "
da bandeira com o grande afluente do S. Francisco, e,
depois de impugnar também a do " Guaibihi” com o rio
das Velhas (61), concluiu, referindo -se a Orville Derby :

" Toda a sua argumentação erudita , e trabalhosa


mente colligida (62 ) , parece - nos insustentavel (63 )
depois das novidades por Ellis encontradas na
documentação municipal de S. Paulo e de onde
deduziu logicas conclusões diametralmente oppos
tas ás do sabio geologo.
Affirmam estes novos elementos documentaes ,
com outra solidez de aspecto, que Nicolau Barreto
se encaminhou de S. Paulo para rumo sudoeste,
em direcção ás margens do Pequiry e do Paraná ,
quando Derby contemporaneamente o fazia mar
char para noroeste em direcção ao Alto São
Francisco" ( 64) .

60 . Pág . 231 in fine a 233. O tomo V foi publicado eni


1929. 0 Dr. Taunay repetiu ali o que dissera , em 1926, nas
«Palavras de explicação» do Ensaio de Carta Geral das Bandei
ras Paulistas (Conf. adiante , nota 315 ) .
61. – V. ns . 101 e 102 .
62. - A respeito dessa « argumentação erudita e trabalho
samente coligida», v . n . 106 .
63. - Disse alhures o historiador : « parece - nos sobremodo
expugnável » (V. nota 323, I) .
64 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo V cit.,
p . 233 .
Transcreveremos novamente ( n . 102 ) essas conclusões do
historiador das bandeiras, no capítulo em que será devidamente
examinada a sua crítica às identificações topográficas de Or
ville Derby ( ns . 100 a 107 ) .
Note -se, porém , desde já, a impropriedade da expressão «no
roeste », empregada em relação ao Alto S. Francisco .
PARTE I - CAPITULO III 29
N. 21 Notas 65 e 66

21. — É necessário advertir que as “ novidades por


Ellis encontradas na documentação municipal de S. Paulo",
ou por outra, aqueles " novos elementos documentaes” ,
que, no dizer do Dr. Taunay, têm "outra solidez de
aspecto " , nada mais são do que os mesmíssimos documen
tos seis anos antes apontados pelo Dr. Alfredo Ellis
Júnior (65 ) e admitidos pelo Dr. Taunay, quando pela
primeira vez abandonara a tese de Orville Derby (66 ) .
Vê -se, portanto, que o segundo repúdio desta tese não
resultou de provas supervenientes.

65 . Isto é, os documentos a que nos referimos nos ns .


7 a 9.
66 . - V. ns . 11 a 14 .
CAPITULO IV

A referência de Azevedo Marques


à partida da bandeira em direção a Mogy das Cruzes

22. Já transcrevemos ( 67) a informação de Aze


vedo Marques que levou o autor da Historia Geral das
Bandeiras Paulistas a admitir, por algum tempo, a possi
bilidade da exploração, pela bandeira de Nicolau Barreto,
do vale do S. Francisco , até o Paracatu , sem todavia
abandonar a tese da invasão do Guayrá , invasão esta que,
no entender do historiador, teria ocorrido depois daquela
exploração (68 ) .
23. - Embora o Dr. Taunay dissesse que estávamos
“ em presença de uma obscuridade que só os documentos
podem esclarecer" e informasse que foram infrutíferas
as buscas realizadas no sentido de encontrar o inventário
de Ascenso Ribeiro, entretanto, pouco depois, concluiu
que esse inventário afirmava ter a bandeira passado por
Mogy das Cruzes ( 69 ) ; e, mais adiante, que " ha papeis
que nos demonstram a marcha de Nicolau Barreto para
noroeste ( sic ) , como o inventario de Ascenso Ribeiro "
( 70) . Mas, se esse inventário desapareceu, como pode
ríamos dizer que ele afirma isto ou aquilo ?
24. – Demais, existem provas exuberantes de que
Ascenso Ribeiro não faleceu na expedição de 1602-1604

67 . - V. n . 16 .
68 . Conf . ns . 17 e 18 .
69 . V. n . 17 .
70 . V. n . 18 e nota 57 .
PARTE I CAPITULO IV 31
N. 24 ( contin .) Nota 71 (I a III )

e ainda viveu mais de 30 anos (71 ) . Assim , poder -se -ia


admitir, quando muito, que os nomes dos bandeirantes

71 . I. Azevedo Marques, cuja obra foi publicada em


1879, teria visto o inventário de Ascenso Ribeiro no «cartório de
orphãos de S. Paulo» (V. supra, n . 16) . Entretanto, nas listas
de inventários provenientes do atual cartório do 1º Ofício de Ór
fãos ( em que tinham ficado os documentos mais antigos ) , e hoje
cxistentes no Departamento do Arquivo do Estado, não figura
o inventário de Ascenso Ribeiro .
11 . Baseado em Silva Leme, pensa o Dr. Alfredo Ellis
Júnior que o Ascenso Ribeiro que, segundo Azevedo Marques,
esteve na expedição de Nicolau Barreto, seria filho de Estêvão
Ribeiro Baião Parente e de Madalena Fernandes Feijó de Ma
dureira ( Boletim nº IX cit ., p. 31 , nota, e p. 57, nota ; e Meio
Século de Bandeirismo, p . 32, nota, e 56, nota ) . A seu ver, teria
nascido «aproximadamente em 1575» (Boletim cit., p. 31 , nota ),
em 1580, como diz em outro lugar do mesmo trabalho ( p . 57,
nota ) , ou mais ou menos nos anos de 1575 a 1580 ( Meio Século,
notas citadas ) .
De fato, segundo Silva Leme, Estêvão Ribeiro Baião Parente
e Madalena Fernandes Feijó de Madureira tiveram um filho de
nome Ascenso Ribeiro (Genealogia Paulistana, vol . 79, p . 166 ) ,
que casou com Domingas Luís, filha de Domingos Luís ( « o Car
voeiro» ) e de Ana Camacho (op . cit., vol. 7°, p. 168, e vol . 1 ', p .
48, 49 e 81 ) .
III . Um dos juízes ordinários da vila de S. Paulo, no
ano de 1602, chamava -se Ascenso Ribeiro ( Conf . Atas da Câma
ra de S. Paulo, vol . 2 , p . 103, 104 , 105, 106, 107 e 109 ) .
Seria o mencionado filho de Estêvão Ribeiro Baião Parente ?
Pode-se responder que sim, com toda a segurança . Consta da.
ata de 1º de janeiro de 1602 que o juiz Ascenso Ribeiro, o ve
reador José de Camargo e o procurador do Conselho, Pedro de
Morais, eram cunhados ( ibidem, p. 104) . Por outro lado, no
inventário de Francisco da Gama, em que Ascenso Ribeiro re
clamava o pagamento de uma dívida, o juiz de órfãos, Bernardo
de Quadros, declarou suspeição, por ser cunhado de Ascenso
( Inventários e Testamentos, publ . do Departamento do Arquivo
do Estado de S. Paulo, vol . 1 ', p . 368 ) .
Ora, informa Silva Leme que Cecilia Ribeiro e Leonor Pe
droso, filhas do citado Estêvão Ribeiro Baião Parente e de Ma
dalena Fernandes Feijó de Madureira ( e portanto irmãs de As
censo ) , casaram, respectivamente, com Bernardo de Quadros e
Pedro de Morais d’Antas ( obra cit . , vol . 4 , p . 508, e 7 ', p . 4 e
32 PARTE I CAPÍTULO IV
Nota 71 (IV e V)

167 ) . Quanto a José de Camargo, era casado com Leonor Do


mingues, filha de Domingos Luís ( o «Carvoeiro» ) e de Ana Ca
macho (obra cit., vol. 1 ', p. 178 comb. c. p. 48, 49 e 80 in fine) ,
sendo, pois, concunhado de Ascenso Ribeiro, cuja mulher, Do
mingas Luís, também era , como vimos, filha daquele casal .
IV . - Teria Ascenso tomado parte na expedição de Nico
lau Barreto ?
Diz o Dr. Alfredo Ellis Júnior que Ascenso Ribeiro figura
«na nominata da bandeira de Nicolau Barreto» (Boletim nº IX
cit ., p . 31 , nota, e Meio Século de Bandeirismo, p. 32, nota ) ,
referindo -se ( como se vê da citação que faz pouco adiante ) à
pequena lista de Azevedo Marques, o qual só nos dá os nomes
de 5 companheiros de Barreto, entre os quais Ascenso Ribeiro
( Conf . supra , n . 16) .
Não necessitamos de recorrer à afirmativa de Azevedo Mar
ques, baseada num documento hoje desconhecido, para dizer que
o Ascenso Ribeiro, juiz ordinário no ano de 1602, e que há pou
co identificámos com o filho de Estêvão Ribeiro Baião Parente,
tomou parte naquela expedição . No capítulo relativo à data da
partida de Nicolau Barreto, mostramos que, no dia 8 de setem
bro de 1602, houve cleição de substitutos para o juiz Ascenso
Ribeiro e os outros oficiais da Câmara, exceto José de Camargo,
porque tinham seguido na bandeira (V. notas 362 e 363 e o tex
to correspondente ) .
V. Cabe agora indagar se Ascenso Ribeiro faleceu no
sertão ( onde teria sido aberto o inventário citado por Azevedo
Marques ), ou se pôde voltar são salvo à vila de S. Paulo . No
segundo caso, teria falecido pouco depois, ou vivido ainda du
rante longos anos ?
No citado Boletim n' IX da Faculdade de Filosofia, Ciên
cias e Letras da Universidade de S. Paulo ( p.31 , nota ) , diz o
Dr. Alfredo Ellis Júnior que Ascenso « faleceu naquele empreen
dimento, tendo sido feito seu inventario no sertão» .
Cita Azevedo Marques e acrescenta :
« Infelizmente não se conseguiu descobrir essa peça documen
tal , que foi vista por Azevedo Marques» ,
Entretanto afirma, em outro lugar da mesma obra ( p . 81 ,
nota 41 ) :
« O proprio inventario de Ascenço Ribeiro não devia ter sido
visto por Azevedo Marques, mesmo porque em 1628 ainda era
vivo esse bandeirante, constando o seu nome da «Relacion de
los Agrabios » dos padres Mansilla e Maceta .
Poderiamos registrar a hipótese de terem havido dois pau
listas com esse nome, mas Silva Leme é contra porque só re
gistra um » .
PARTE I CAPITULO IV 33
Nota 71 ( VI e VII )

No livro Meio Século de Bandeirismo ( na pág . 32 , em nota


correspondente à nota da citada pág. 31 do Boletim ) , o autor
diz somente que Ascenso fêz testamento no sertão, e, em lugar
da frase : «essa peça documental , que foi vista por Azevedo
Marques », escreve : «essa peça documental que parece ter sido
vista por Azevedo Marques» .
Mais adiante reproduz, em nota 41 ( pág . 76 ) , o trecho que
acima transcrevemos, da nota 41 , pág . 76, do Boletim .
Em ambos os citados trabalhos diz ainda o douto historiador
paulista , referindo-se a Ascenso Ribeiro :
« Figura ele 'na lista dos bandeirantes que, em 1628, acom
panharam Raposo Tavares na destruição de Guairá . É o que afir
ma Taunay, na sua « História Geral das Bandeiras Paulistas»,
vol . II, pág . 115, onde se encontra uma nominata baseada em
documentos publicados pelo padre Pastells .
Ficamos neste dilema : ou Ascenço Ribeiro não faleceu no
decorrer da bandeira de Barreto , limitando -se a fazer nessa
ocasião o seu testamento, ou possuía um filho de igual nome,
que nem siquer foi mencionado por Silva Leme, o portentoso
linhagista . Prefiro a primeira hipótese, porque, do contrário, o
segundo Ascenço Ribeiro não teria escapado à argúcia do emi
nente genealogista paulista» .
( Boletim n ' IX cit . , p . 31 , fim da nota 11 , e Meio Século de
Bandeirismo, p . 32, fim da nota 11 ) .
Enfim, tratando da invasão da provincia de Itati ( Itatines )
pelos bandeirantes paulistas, em 1633 , diz o Dr. Ellis que, de
acordo com as pesquisas do Prof. Jaime Cortezão nos documen
tos da coleção De Angelis, « o chefe bandeirante que realizou
essa façanha foi Ascenço Ribeiro » ( Meio Século de Bandeirismo ,
p . 144 , nota 80- A ) .
VI . Observaremos que a circunstância de ter Silva Leme
citado somente um Ascenso Ribeiro não bastaria para que se
concluisse que, nos tempos antigos , não tenha havido em S. Paulo
dois ou mais indivíduos com aquele nome. Quando o « portentoso
linhagista » (como . qualifica muito bem o Dr. Alfredo Ellis
Júnior) realizou as suas pesquisas , muitíssimas fontes documen
tais já se tinham perdido ou extraviado . E mesmo na vastíssi
ma documentação consultada , quantos nomes encontraria , que,
por lhes não poder reconstituir os elos gencalógicos , seria obri
gado a omitir na sua obra monumental ?
VII . É exato que o nome Ascenso Ribeiro figura entre
os dos bandeirantes paulistas , num documento da autoria dos
padres jesuítas Justo Mancilla ( Van Surck ) e Simão Maceta (Ma
seta ou Mazeta ) , datado de 10 de outubro de 1629, e intitulado :
«Relación de los agravios que hicieron los portugueses de San
34 PARTE I _ CAPÍTULO IV
Nota 71 (VIII )

Pablo saqueando las aldeas que los religiosos de la Compañia


de Jesús tenian en la misión de Guairá y campos del Iguazú»
(V. Anais do Museu Paulista, tomo I, 2* parte, p. 258 e 269 ) .
Aparece também na « Relación de los portugueses que en
compañia de Antonio Raposo Tavares deshicieron tres reduccio
nes de indios carios que doctrinaban en el Paraguay los religio
sos de la Compañia de Jesús», documento não datado ( «sin
fecha») , em que foi posta , no Arquivo General de Indias, de Se
vilha, a data de 17 de setembro de 1629 ( Anais cit . , tomo II , 2*
parte , p . 245 e 246 ) .
Figura ainda entre os nomes apontados pelo Pe. Justo
Mancilla, quando depós, a 23 de abril de 1631 (V. Anais cit . ,
tomo II, 2° parte, p . 306 e 312 ) , numa inquirição que recebeu o
título : « Testimonio de una información hecha por el Provin
cial de la Compañia de Jesús en el Paraguay Francisco Vazquez
Trujillo sobre los excesos cometidos por los portugueses de San
Pablo del Brasil en las reducciones de indios de aquella provincia
( ibidem, p . 286) .
Além dêsses documentos castelhanos, encontramos grande nú
mero de documentos paulistas, posteriores à volta da expedição
de 1602-1604 , e em que um «Ascenso Ribeiro » assina, ou é simples
mente mencionado, na qualidade de almotacé, mordomo de con
frarias religiosas, possuidor de chãos, testemunha em testamentos
ou em instrumentos de aprovação destes, credor ou devedor em
inventários, fiador, arrematante, avaliador, partidor, etc., e até
capitão de infantaria da vila de S. Paulo .
Não procuraremos saber se se trata sempre da mesma pes
soa . Aliás, nem todas as citadas peças documentais oferecem
elementos seguros de identificação . Basta, entretanto , o exame
de algumas para demonstrar que o Ascenso Ribeiro, filho de Es
têvão Ribeiro Baião Parente e de Madalena Fernandes Feijó de
Madureira, e que era juiz ordinário em 1602 e seguiu na ban
deira de Nicolau Barreto , não faleceu na viagem e ainda viveu
mais de 30 anos . Vejamos .
VIII . No inventário de Brás Gonçalves, o moço , aberto
em S. Paulo a 9 de setembro de 1604 ( Inventários e Testamentos,
vol . 26', p . 5 ) , pouco depois do regresso da expedição, figura
entre os arrematantes um Ascenso Ribeiro ( ibidem , p . 25 in fine) .
No dia 1º de janeiro de 1607, um Ascenso Ribeiro prestou
juramento perante a Câmara de S. Paulo, para exercer o cargo
de almotacé ( Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 2 , p . 183 in
fine ) .
Confrontando - se as assinaturas do arrematante, no citado
inventário ( existente do Departamento do Arquivo do Estado
de S. Paulo ), e do almotacé, no livro de atas de 1607 (conserva
PARTE I - CAPÍTULO IV 35
Nota 71 ( LX )

do na Divisão do Arquivo Histórico do Departamento de Cul


tura da Prefeitura Municipal de S. Paulo) , com as do juiz As
censo Ribeiro, nas atas do ano de 1602 ( arquivo da citada Di
visão ) , verifica -se que são da mesma pessoa .

2
Acerco Riba
“ Iser
3
' Bike
co

‫حد نهال‬ Kimbro


Assinaturas de Ascenso Ribeiro :

1 muma das atas da cámara de S. Paulo do ano de


1602, anteriores à partida da bandeira de Nicolau Barreto ;
2 - num têrmo de arrematação , no inventário de Bras
Gonçalves , o moco, aberto em 8. Paulo após o regresso da
bandeira ( 1004 ) ;
3 no termo de juramento para exercer 0 cargo de
almotacé ( 1.º de janeiro de 1607 ) .

A reprodução fotográfica da assinatura 1 1108 foi


gentilmente fornecida pelo Dr. Nuto Sant'Ana , digno Chefe
do Divisão do Arquivo Histórico do Departamento de Cultura
da Prefeitura Municipal de 8. Paulo .

IX . No inventário de Francisco Ribeiro, iniciado a 17


de agosto de 1615 (Inventários e Testamentos, vol . 4 ' , p . 5) ,
vê-se um têrmo ( datado de 23 de junho de 1616 ) « de curador
feito de novo a Ascenso Ribeiro tio dos menores » ( ibidem, p .
44 ) . Assim está na epígrafe, mas no corpo do têrmo, o escri
vão diz que Ascenso era tio da viúva, Maria de Morais , e escla
rece : «irmão de seu pai » . Ora , Pantaleão Pedroso, um dos filhos
de Estêvão Ribeiro Baião Parente e de Madalena Fernandes
Feijó de Madureira ( e portanto irmão do Ascenso Ribeiro da
36 PARTE I CAPITULO IV
Ns. 24 (fim ) e 25 — Notas 71 (X) a 73 (I )

citados por Azevedo Marques ( 72) figurassem em algum


documento lavrado durante aquela viagem e só dezenas
de anos depois junto ao inventário de Ascenso .
Quanto à saída em direção a “Mogy das Cruzes ” , em
nenhum documento da época da bandeira de Nicolau
Barreto poderia aparecer essa denominação, que é muitís
simo posterior ( 73 ) .
25. – Pensa o Dr. Alfredo Ellis Júnior que, vendo,

bandeira ), consorciou - se com Ana de Morais , ou Ana de Morais


d'Antas ( Silva Leme, Genealogia Paulistana, vol . 7°, p . 166 e
167, comb. c . pág. 134 in fine), e umas das filhas deste casal ,
Maria de Morais, contraiu núpcias com Francisco Ribeiro, que
faleceu em 1615 ( op . cit . , p . 135 ) .
A 21 de maio de 1618 , Ascenso Ribeiro ainda era curador,
no supracitado inventário ( Inv . e Test . , vol. 49, p . 62 ) .
Vinte anos depois, no inventário de Miguel Ribeiro, vemos
que um Ascenso Ribeiro pediu e obteve dispensa da curadoria
de seus netos ( filhos de Miguel ), por ser « homem que passava
de setenta annos » ( Inv . e Test . , vol. 11 ', p . 408 ) . O têrmo foi
lavrado no dia 12 de junho de 1638 (Conf. ibidem, p . 406 ) .
Seria 0 mesmo Ascenso Ribeiro ? De fato, ainda era ele .
Miguel Ribeiro nomeara testamenteiro e curador de seus filhos
a « Ascenso Ribeiro e em síla falta a sua mulher, Domingas Luiz»
(Inv . e Test . , vol . 11 ° cit . , p 403 ) . Ora, vimos ( na secção II
desta nota) que o Ascenso Ribeiro , filho de Estêvão Ribeiro
Baião Parente e de Madalena Fernandes Feijó de Madureira.
foi casado com Domingas Luís, filha de Domingos Luís e de
Ana Camacho .
Não procuraremos indagar até quando viveu o ex - compa
nheiro de Nicolau Barreto .
X. - Se em meados de 1638 Ascenso já «passava de seten
ta anos » , teria nascido em 1568 ou antes , e não aproximada
mente em 1575, em 1580 ou num dos anos intermediários, como
conjeturou o Dr. Alfredo Ellis Júnior ( secção II desta nota) .
E quando partiu na bandeira, em setembro de 1602 ( V.n. 118) ,
tinha pelo menos 34 anos .
72 . supra , n . 16 .
73 . I. Já observou o Dr. Alfredo Ellis Júnior que, na
quela época e até muito tempo depois de criada a vila ( em 1611 ) ,
ainda não existia a denominação Mogy das Cruzes ( 0 Bandeiris
mo Paulista e o Recuo do Meridiano , 3a ed ., p . 92 , e 2' ed ., p .
88 ; Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia , Ciências e Letras
PARTE I CAPITULO IV 37
N. 25 ( contin .) – Nota 73 ( II )

talvez, nos " inventários” de Brás Gonçalves, o moco , e

da Universidade de S. Paulo , p . 78 e 79 ; e Meio Século de Ban


deirismo, p . 74) .
Aliás o próprio Azevedo Marques escreveu , referindo - se à
quela região :
« Em tempos remotos denominara -se Boygy . Ulteriormente
a corrupção da lingua a mudou para Mogy » ( Apontamentos
Historicos etc., vol . 2 , p . 76, 2* col . in fine) . E mais adiante :
«No começo da povoação, como se vê do 3º livro de regis
tro de sesmarias existentes no cartorio da Thesouraria d'esta
provincia , o nome d'esta localidade era o de Sant'Anna de Boy
gy- mirim» ( ibidem, p . 77, 1 ° col . in fine) . Diz o mesmo escritor,
na Chronologia do cit . vol . ( p . 227, 1 ° col.), que a freguesia de
« Sant'Anna de Mogy das Cruzes » foi elevada à categoria de
vila no dia 1º de setembro de 1611 .
A data está certa, mas os informes relativos aos nomes da
localidade exigem esclarecimentos, que daremos em seguida.
Antes disso, porém , cumpre observar que não é exato que a
povoação primitiva tivesse a denominação de «N. S. (Nossa Se
nhora ) das Cruzes de Mogi - Mirim », como escreveu o Dr. Al
fredo Ellis Júnior no livro O Bandeirismo Paulista e o Recúo do
Meridiano ( 34 ed., p . 92 , e 24 ed ., p . 88 ) . Aliás , nos trabalhos
posteriores, o historiador já não se refere a tal denominação .
II . Muitos são os documentos através dos quais é possi
vel acompanhar as mutações de nomes da vasta região em que
se fundou a atual cidade de Mogy das Cruzes.
A denominação indígena primitiva ( dada, aliás, também ,
como veremos em nota 76, I, a outras paragens não muito dis
lantes da vila de S. Paulo ) era simplesmente a que hoje se es
creve Mogy (ou Mogi ) . A forma que mais se aproximaria da
pronúncia seria Mboihy. O topônimo é composto de mboi, co
bra, e hy, água ou rio ( rio das cobras ) . Devido, não só à má per .
cepção auditiva , como também às dificuldades de ordem grá
fica, escrevia - se aquela denominação muito diversamente : boi
gi, bongy, mongi, bongi, bougi ( Atas da Câmara de S. Paulo, vol.
1', p. 471 , 476, 477, 478, 479, e 501) ; mugi ( Atas, vol. 2 , p . 94 ) ;
ou Moygy ( Sesmarias, publ. do Departamento do Arquivo do
Estado de S. Paulo, vol . 1 ° , p . 146 ) .
Em documentos de 1608 em diante, vemos aparecer o quali
ficativo mirim, ou miri ( pequeno ), acrescentado ao nome da
região de que tratamos e da povoação que se ia formando :
Mogi-mirim , Boixi miri, Boisi miri , Boigi mirim , Boigi miri ,
Moigimiri , Mogy Mirim , Mogi Miri , etc. (Sesmarias, vol. 1 ', p .
38 PARTE I - CAPÍTULO IV
N. 25 ( contin . ) - Nota 73 ( III e IV )

Manuel de Chaves, as denominações " Guaibihi" e " Para

28, 38, 39, 66, 90, 91 in fine, 92, 176, 177, 190, 222 in fine e 223 ) ;
e boigy miry (Atas, vol. 2 , p. 295) .
III . Numa carta de sesmaria do ano de 1610, lemos que o
requerente era «morador na povoação de Santa Anna» (Sesma.
rias, vol . 1 , p . 109 ) . A santa dêste nome era a padroeira da
igreja primitiva, e ainda é a da matriz da atual cidade .
Na petição em que Gaspar Vaz e outros moradores do po
voado requereram, em 1611 , se fundasse vila e se levantasse
pelourinho , bem como nas informações então prestadas pelas
câmaras de Santos, S. Vicente e S. Paulo, e na provisão pela
qual o governador geral, D. Luis de Sousa, deferiu o pedido, a
localidade ainda é designada por «Mogy mirim» ( Conf. D. Du
arte Leopoldo e Silva, Notas de Historia Ecclesiástica , II, Mogy
das Cruzes e seus Fundadores, S. Paulo, 1937, p. 53, 55 e 59 ) .
Mas, do auto de levantamento do pelourinho ( 19 de setem
bro do mesmo ano ) , consta que o capitão-mor, Gaspar Con
queiro, deu à vila a denominação de «Santa Anna» (Op. cit., p. 60
in fine ) . No fêcho do documento ( redigido ou assinado dois
dias depois ) , diz o escrivão : « feito na villa de Santa Anna» ( ibi.
dem , p. 62 ) .
A 11 de outubro de 1621, Àlvaro Luis do Vale, procurador
clo donatário, Conde de Monsanto, confirmou a data do rossio,
campos, etc., «desta villa de Santa Anna de Mogy mirim» ( op.
cit ., p. 62) , denominação que repetiu em duas sesmarias passa
das em 1625 (Sesmarias, vol . 1 ', p . 477 e 478, e vol. 3° bis, p . 10 ).
Note-se que nas epígrafes destes documentos está : «villa de
Mogi Mirim» ( vol . 1 ° cit ., p . 477 ) e « Mogi mirim povoasam no
meada Santana » ( vol . 3° bis, p. 59 in fine) .
( «cumpra- se » dado pelo capitão -mor Antônio de Aguiar
Barriga à referida confirmação vem datado de « Santa Anna das
Cruzes», a 27 de agôsto de 1629 ( Notas de Historia Ecclesiástica,
cit ., p . 62 ) .
IV . Daí em diante encontramos , até o fim do século
XVII, as denominações mais diversas, desde as formas abre
viadas, em que apenas se conservam os nomes primitivos da
região e do povoado: «mogi » ( Atas, vol . 49, p . 44 e 45 in fine,
vol. 5°, p . 193, vol. 6 ', p. 447 , vol. anexo ao 6' , p . 466 e 476,
c vol . 7 ', p . 501; e Sesmarias , vol. 1 °, p . 454 , e vol . 2 , p . 31 , 32 .
34 e 35 ) , « mogin » ( Atas, vol . 69, p . 192 in fine ) , « moegi » ( Atas,
vol. 7', p . 62 ) , « Mougy » ( Inv . e Test., vol. 21 °, p . 104 in fine ) ,
« Boigy » ( vol . cit .. p . 103 in fine e 104 ) , e « Mogy Mirim » , com
variantes gráficas, « Bogi miri» ( Inv . e Test ., vol. 14 , p. 95 ) ,
« Mogy miri », «Mogimirim », etc. ( Sesmarias , vol. 19 , p . 252, 273 ,
PARTE I CAPITULO IV 39
N. 25 ( contin .) — Notas 73 ( V ) e 74

catú " ( 74 ) , teria Azevedo Marques entendido que o


segundo rio era o afluente da margem esquerda do S.
Francisco, e concluído que, para atingi-lo, a bandeira

378, 397 in fine, 422 in fine, 425 e 430 in fine ; e Atas, vol. 5°, p .
11 e 91 , e vol. 6', p. 13 e 191 in fine), ou então somente o pri
meiro nome dado à vila, «Santa Anna» ( Sesmarias, vol. 1', p.
253 e 323 in fine) ; - até às seguintes combinações: « Santa Anna
de Mogi mirim», ou «de Moigi Mirin» ( Sesmarias, vol. 3' his, d.
82, e vol . 1 ', p . 323 ) , «Santa Ana da Cruz » ( Sesmarias, vol. 1 ', p.
324 in fine) , «Santa Anna das Cruzes» (Sesmarias, vol. 1', p.
325 e 423, e Inventários e Testamentos, vol . 4', p. 443 ) , «Santa
Anna das Cruzes em Mogy» ( Sesmarias, vol. 19, p. 270 ) , «Santa
Anna das Cruzes de Mogi» ( Sesmarias, vol. 1 °, p. 425 in fine) ,
« Santa Anna das Cruzes de Mogi Mirim» ( Sesmarias, vol . 1', p.
342, 343, 418 e 423 ) , « santa ana da cruz de mogimirin » ( Atas,
vol. 5', p. 34 ) , «villa de Mogi Mirim de Santa Anna das Cruzes»
( Sesmarias, vol. 1', p. 431 ) e «villa de mogimerin villa de santa
ana da cruz » ( sic : Atas, vol . 5 ° , p. 35 ) .
Numa certidão passada a 3 de outubro de 1672, diz o tabe
lião : «nesta villa de Sant'Anna das Cruzes de Mogy- mirim » (Aze
vedo Marques, Apontamento Historicos etc., vol. 2 , p. 77, 1 "
col . ) . Observe-se que, segundo esse documento , a solenidade do
levantamento do pelourinho teria ocorrido no dia 3 de setem
bro de 1611 , e não no dia 1º . Mas o tabelião se enganou : leu a
data do auto, que só foi lavrado ou assinado, como se viu, dois
dias depois (secção III desta nota, 3' parágrafo ) .
V. - Ainda se vêem denominações divergentes em do
cumentos do começo do século XVIII . Assim, por exemplo, lemos :
« villa de Mogi de Santa Anna das Cruzes» numa petição de ses
maria de Fr. Miguel do Monte Carmelo , prior do Convento de
N. S. do Carmo da vila , em 1701 , assim como na carta de ses
maria que lhe foi outorgada ( Sesmarias, vol . 2 , p. 39 in fine, 40
in fine e 41 ) ; ao passo que, em duas cartas de confirmação de
juízes ordinários ( 1706 ) , o ouvidor geral diz : « V ". de St " . Anna
das Cruzes de mogi » ( Atas, vol . 89 , p . 116 in fine e 117 ) .
A forma que veio a prevalecer, « Mogy das Cruzes », só apa
rece pelas primeiras vezes, em documentos paulistanos, nas ve
reanças de 12 de agosto de 1771 ( Atas, vol. 16 ', p . 64 ) e 20 de
agosto de 1774 ( vol . cit ., p. 333 ) .
Não procuramos, por ser desnecessário agora , verificar, na
documentação da atual cidade de Mogy das Cruzes, a data exa
ta dessa alteração onomástica.
74. – O primeiro topónimo está num documento de dívida
passado por Brás Gonçalves, o moço, e no seu testamento ( V.
40 PARTE I CAPÍTULO IV
N. 25 ( fim ) Notas 75 e 76 (1 )

seguira a mencionada direção ( 75 ) . Mas, se assim fôsse ,


dificilmente se compreenderia que se limitasse a apontar
o rumo inicial, silenciando sôbre um ' fato de tão grande
importância, qual o de ter Nicolau Barreto chegado até
o Paracatu ( 76 ) .

ns . 68 e 71 e notas 208 e 218), e o segundo no testamento de


Martim Rodrigues ( V. n. 69) , bem como, duas vezes, no inven
tário de Manuel de Chaves ( V. n. 70 in fine ) .
75 . O Bandeirismo, 3a ed ., p. 93, e 2* ed ., p. 88 in fine.
V. também o cit . Boletim nº IX, p . 80, e Meio Século de Bandei
rismo, p . 76.
76 . – 1. Talvez tenhamos encontrado uma explicação para a
referência de Azevedo Marques à partida da bandeira em dire
ção a «Mogy das Cruzes». Já estudamos ( nota 73, II ) as deno
minações primitivas da região ( boigi, bougi, moygy, mogi
mirim, boixi miri, boigi mirim, etc. ) . Ora , existem muitos
documentos antigos onde aparecem formas pouco divergentes,
mas que se referem a paragens muito distantes daquela . Assim é
que vemos alusões : aos « campos de Boy termo da villa de São
Paulo » (Inventários e Testamentos, vol. 39 , p . 469) ; a terras si

tuadas « junto a Boy da banda de além do rio Jerabaty » (Inv. e Test.,


vol. 120, p. 30 ), em « boi» ( Inv. e Test., vol. 30°, p . 197 in fine ) ,
« Boú» ( Inv. e Test., vol . 22', p. 140 ) , « Bohy » ( Inv. e Test .,
vol. 24 ', p. 215 , e 26°, p . 486 in fine ) ou « Bohi » ( Inv . e Test.,
vol . 2°, p . 70, vol . 12°, p . 102 , e vol. 22°, p . 149 in fine e 165 ) ;
aos «mattos de Bohi » ( Inv . e Test., vol . 3 ', p . 62, e vol . 12° , p .
102 ) ; a terras em « Boihi» ( Inv . e Test . , vol. 309 , p . 206 in
fine) , « nas cabeceiras de Boú » ( Inv . e Test . , vol . 26', p . 234 ) ,
em « Imbohú» ( vol . cit . , p . 454 ) , « da outra banda de Moy» (Inv .
e Test ., vol. 69, p . 209 ), « adonde chamam Mohi ao longo de
Santo Amaro » ( vol. cit., p. 199 ) , « da banda do rio Emboi» (Ses
marias, vol . 10, p . 267 ) , « na paragem que chamam Boû Mirîm»
( Inv . e Test., vol. 21 ° , p . 143 ) , ou « chamada Imbohumerin » ( Inv.
e Test., vol 26', p . 450 ) , « onde chamam Mohi Miri que é um
ribeiro » ( Sesmarias, vol . 19 , p . 326 e 327 ) , « nas cabeceiras de um
rio chamado Boimirim » ( Sesmarias, vol. 1 ° , p . 395 ) e « para a
banda da Aldeia de Bohy » ( Inv. e Test., vol. 269, p . 449 in fine ) .
Encontramos também referências às aldeias de «MBoys
( Atas, vol . 7°, p . 468 ) e ao vigário de « MBoy » ( Inv. e Test., vol . 28',
p . 64 ) .
Foi esta a grafia que afinal prevaleceu , para designar a
vila onde ainda hoje existe um antigo convento de Jesuítas, e
todo o respectivo distrito (pertencente ao município de Itape
PARTE I CAPITULO IV 41
N. 26 — Nota 76 ( II e III )

26 . Certo, a hipótese da partida em direção à atual


Mogy das Cruzes viria em apôio da tese, que esperamos
provar, da exploração do S. Francisco e de seus afluentes,

cerica da Serra ) , bem como um rio ( Mboy- mirim) que passa


junto à vila de Mboy e vai desaguar na represa de Santo Amaro,
perto da foz do rio Mboy - guassu .
Lembremos que a denominação «Mboy » foi há anos trans
formada oficialmente em « Embu » .

II . Dado o rumo inicial mais provável da expedição de


Nicolau Barreto, que depois se teria desviado, conforme veremos
oportunamente ( ns. 123 a 128) , seria natural que passasse pela
região antigamente denominada « Bohy», « Mohi », etc. , e que de
via ser mais vasta do que o atual distrito de «Embu» . Ou então
a bandeira teria estado em paragem mais longinqua, de nome
igual . Azevedo Marques teria visto uma das formas gráficas do
topônimo, no testamento de Ascenso Ribeiro ou em outro do
cumento junto ao inventário dêsse bandeirante , e acreditado que
se tratasse da região que, segundo vimos (nota 73, II a V) , só
muito mais tarde recebeu o nome de Mogy das Cruzes .
III. Dir -se - á que o erudito cronista não podia fazer tal
confusão . Mas, a verdade é que ela seria muito mais explicá
vel do que certos lapsos que se encontram na referida obra ,
aliás valiosíssima . Citaremos três casos que nos parecem bastan
te significativos .
O primeiro é relativo ao rio Pinheiros, o chamado « Jeraba
ty» num dos documentos apontados na secção I desta nota, e
cuja denominação indígena se escrevia por diversas formas, uma
das quais, a de Jurubatuba, é a mais conhecida e também a mais
adulterada. Escreve Azevedo Marques :
« Pinheiros. Rio affluente da margem esquerda do Tieté,
de que é um dos primeiros tributarios, tem origem nos montes
ao poente da cidade de S. Paulo na qual passa a pouco mais
de legua , ou 5,5 kil . de distancia, na direcção Sul. Em tempos mui
to antigos foi conhecido com os nomes de Rio - Grande e
Gerybatiba . Corre na direcção mais geral de Leste para Oeste
e na altura da freguezia de S. Bernardo curva - se um pouco
para noroeste , rega os municipios da capital e Santo Amaro »
(Apontamentos Historicos etc. , vol . 2 , p . 110 , 1 ° col . ) . E
adiante :

« Rio -Grande. Affluente originario ( sic ) do rio Pinheiros.


E o mesmo que no municipio de Santo Amaro e adjacencias tem
o nome de Jurubatuba. Em seu começo corre de Leste a Oeste e
42 PARTE I CAPITULO IV
N. 26 ( fim ) Nota 77

o rio das Velhas e o Paracatu, pela famosa bandeira .


Como resolvemos indagar também quais teriam sido as
regiões percorridas antes da chegada ao território hoje
mineiro ( 77 ) , adiantaremos que existem documentos que
apontam uma diretriz inicial muito diferente daquela

depois que toma o nome de Pinheiros corre de Sul a Noroeste,


lançando-se no Tieté » (ibidem, p. 135, 24 col. ) .
Há nesses trechos várias inexatidões e incoerências . Basta,
porém , observar que o rio Grande ( que só no curso inferior tem
a denominação de rio Pinheiros) nasce em Paranapiacaba (an
tigamente Alto da Serra) , e não « nos montes ao poente da cida
dade de S. Paulo » .
Lê -se também na citada obra ( vol . 2º, p. 175, 24 col . ) :
« Taiassupeba » . Rio affluente da margem direita do Tie
té » .
« Taiassupeba - mirim . Rio affluente da margem direita do
Tieté » .
Ora, só o primeiro desses rios é afluente do Tietê, e afluen
te da margem esquerda, e não da direita . É formado pela reu
nião do citado Taiassupeba- mirim e do Taiassupeba-assu .
Enfim , diz Azevedo Marques que o Padre Manuel da Nóbre
ga « era superior dos que da companhia vieram para o Brasil com
o segundo governador geral D. Duarte da Costa, que partio de
Lisboa a 1 ° de Fevereiro de 1549» (Apontamentos, vol . 2 , p. 65,
1 ' col. in fine) ; quando é bem sabido que Nóbrega e seus com
panheiros vieram , naquele ano, com um governador geral , mas
que éste não era o segundo, e sim o primeiro, Tomé de Sousa .
À vista disso, não seria de estranhar que o saudoso histo
riador se tivesse equivocado na identificação de um topônimo
que, segundo parece, encontrou num documento junto ao inven
tário de Ascenso Ribeiro, que aliás faleceu, como ficou demons
Irado ( nota 71, VIII e IX), mais de 30 anos após o regresso da
bandeira de Nicolau Barreto .
77. – V. o Capítulo II da Parte IV ( ns . 121 a 128) .
CAPITULO V

Opiniões de outros historiadores

27. — O erudito genealogista Luís Gonzaga da Silva


Leme, tratando do testamento de Brás Gonçalves, o moço,
limita -se a dizer que a expedição de Nicolau Barreto
chegou até o rio das Velhas (78) . É provável que não
tenha visto os outros documentos da bandeira, que se
referem ao " Paracatú " . (79 )

28. — Escreve Capistrano de Abreu, em seus prole


gômenos ao livro IV da Historia do Brasil, de Frei Vicente
do Salvador (80 ) , depois de dizer que a expedição de
André de Leão e a bandeira de Nicolau Barreto
foram estudadas por Orville Derby " em duas excellentes
memorias " ( 81 ) :

" Não parece muito certo, como este affirma, que

78 . Genealogia Paulistana, vol. 1° ( S. Paulo, 1903 ) , p .


320, nota . Diz o mesmo autor que Lucrécia Moreira , filha de
Jorge Moreira e Isabel Velho ( V. op. cit., vol. 7°, p. 397 ) ,
« foi casada com o capitão Nicolau Barreto que foi o comandan
te da bandeira que em 1603 entrou até o rio das Velhas» ( vol. 70
cit . , p . 440 ) .
79 V. adiante , ns . 69 e 70 in fine .
80 . Edição de Weiszflog Irmãos ( S. Paulo- Rio, 1918 ) ,
p . 250 .
81 . Refere - se Capistrano de Abreu nos estudos de Der
by : 0 Roteiro de uma das Primeiras Bandeiras Paulistas e As
Bandeiras Paulistas de 1601 a 1604, publicados na Rev. do Inst.
Hist . e Geogr . de S. Paulo , vols . 1° ( p . 329 3 350 ) e 8' ( p .
399 a 403 ) , respectivamente .
44 PARTE I CAPITULO V
Ns. 28 ( fim ) e 29 Notas 82 a 86

Leão (sic ) estivesse em Paracatú, e não se pode


determinar em rigor a terra habitada pelos Temi
minós : Manuel Preto , vindo do Guayra, encon
trou -os a meio caminho : Actas 2, 184" ( 82 ) .
Em seguida o saudoso historiador cita a carta do
Padre Mancilla e a dos camaristas de S. Paulo, de 13 de
janeiro de 1606, já apontadas, como se viu, pelo Dr.
Afonso Taunay e pelo Dr. Alfredo Ellis Júnior, respecti
vamente ( 83 ) .
29. -- A referência a André de Leão, no trecho supra ,
resultou de inadvertência. Quis o autor, evidentemente ,
aludir a Nicolau Barreto, pois , em sua primeira memória
( sôbre a entrada de André de Leão ) ( 84 ) , Orville Derby
não falara em temiminós, nem afirmara que André tivesse
chegado ao Paracatu. Em seu entender o último
ponto atingido por André de Leão teria sido a região de
Pitanguy ( 85 ) .
Feita esta retificação, verifica-se que Capistrano de
Abreu quis referir- se à segunda memória de Derby (86 )
e a Nicolau Barreto, e pôs em dúvida que este houvesse

82 . Alude o autor à ata de 7 de janeiro de 1607 , aduzida


pelo Dr. Alfredo Ellis Júnior em apoio da tese guairenha (V.
n . 9) .
Quanto ao habitat dos temiminós, v . Parte III, capítulo I,
secção II ( ns . 79 a 86 ) e secção IV ( ns . 89 e 90 ) .
83 . V. ns . 3, 12 in fine e 13 .
84 . Já vimos ( nota 29, IV ) que, nesse primeiro estudo,
Derby fundira numa só as expedições de André de Leão e de
Nicolau Barreto e atribuira ao primeiro o comando « da escolta
militar » e ao segundo o « do contingente civil » .
85 . Conf. supra, nota 29 cit ., IV in fine .
86 . Nesse novo trabalho, o historiador norte - americano ,
depois de reconhecer o êrro em que incidira, considerando
como uma só duas expedições bem distinias (a de André de
Leão e a de Nicolau Barreto ), passou a tratar exclusivamente
desta , baseando - se nos documentos de que só então tivera co
nhecimento , e em que havia referências ao «Guaibihi », ao « Pa
racatú » e aos temiminós. Conf. nota 29, V e VI .
PARTE I CAPITULO V
- 45
N. 30 – Notas 87 a 92

ido ao Paracatu , afluente do S. Francisco, e que nas


regiões mineiras houvesse índios temiminós ( 87 ) .
30 . Eis o que a principio escrevera o historiador
João Pandiá Calógeras:
"Desde meiados do seculo XVII Manoel Corrêa
devassára o sertão goyano, do qual bem perto
tinha chegado a bandeira de Nicoláo Barreto
mencionada por Taques, e estudada recentemente
pelo Dr. Orville Derby nos documentos encontrados
pelo Dr. Washington Luiz Pereira de Sousa " (88 ) .
Mais tarde, porém , julgou ter-se enganado :
" Levados a erro pela menção de Paracatú no
roteiro ( 89 ) , julgaram Orville Derby e outros escri
ptores que o seguiram ( fomos um delles ) ter-se
orientado a léva para o rio das Velhas e o valle do
S. Francisco, sendo o Guabibi ou Guabihi ( 90 ) ,
citado nos documentos, o Guayouhy ( 91 ) hodierno.
Desvio extranho para Norte, que nada explica .
Corrigiu o erro Alfredc Ellis Junior, e demonstrou
ter seguido o sertanista , em 1602, para o Guayrá ,
em lucta com os Temiminós, e andado pelo caminho
do Piquiry, affluente do Paraná . Até este ponto,
perfeito o raciocinio ( 92 ) . Dahi , suggestionado pelo

87. Mostraremos que havia . V. Parte III, capítulo I, sec


ção II ( ns . 79 a 86) e secção IV ( ns . 89 e 90) .
88. As Minas do Brasil e sua Legislação, vol. 1 ° ( Rio de
Janeiro, Imprensa Nacional , 1904 ) , p . 89 .
89 . Há engano . Não se trata de roteiro nenhum . ( topo
nimo « Paracatú » encontra - se no testamento de Martim Rodri .
gues ( V. n . 69) , no têrmo de abertura do inventário de Ma
nuel de Chaves e no auto de venda dos bens dêste bandeirante
( V. n . 70 in fine) .
90 . Nem Guabihi, nem Guabibi ; o que está nos documen
tos é : «Goaibihi» e «Guaibihi » ( V. ns. 68 e 71 e notas 208 e 218) .
91 . Houve aqui um erro tipográfico evidente . Deve ser
Guaycuhy , ou Guaicuhy .
92 . Não é tão perfeito o raciocínio, conforme se verá
na Parte II, capítulos I e III ( ns . 37 a 41 e 53 a 60 ) .
46 PARTE I CAPITULO V
Ns. 30 ( fim ) a 32 - Notas 93 a 96

nome de Perú, conjectura tenha afundado rumo de


Potosi, attingindo um tributario do Madeira ou do
Pilcomayo, que seria o já mencionado Guabibi"
(93 ).
" A solução é outra , mais proxima e mais
pratica. Guayra era um centro de denso povoa
mento de Indios, e para lá foi e longamente peram
bulou Barreto. Não sahiu da região e voltou, ou
percorreu ao menos, pela zona visinha do Guabibi
ou Guabihi (94 ) , que é o Aguapehy de nossos dias.
Poderiamos citar outros exemplos de suggestão,
causada pela confusão de appellativos antigos e de
seu conceito moderno " ( 95 ) .

31. — A única novidade que aqui surge é a identifi


cação do “Guaibihi” com o “ Aguapehy de nossos dias ” .
Decerto refere - se o escritor ao afluente do rio Paraná,
em território paulista. Mas a sua afirmativa não tem
fundamento , como se verá no capítulo em que tratamos
especialmente do "Guaibihi” dos documentos da bandeira
( 96 ) .
32. — Outro historiador ilustre, Basílio de Magalhães,
assim se manifestou, no livro Expansão Geographica do
Brasil Colonial:

" Os documentos revelados por Washington Luis,


publicados e estudados por Orville Derby na “ Rev.
do Inst. Hist. e Geogr. de São Paulo" ( VIII,
399-423 ) , e a carta que, a 13 de janeiro de 1606
( “ 1608 " , segundo Derby, talvez por erro typogra

93 . V. nota 90 .
Quanto à hipótese da excursão até regiões do antigo «Peru»,
hoje bolivianas, v . Parte II, capítulo II ( ns . 42 a 52) .
94. - V. nota 90 .
95 . A Politica Exterior do Imperio, vol . 1° ( Parte 2
das Contribuições para a Biographia de D. Pedro II ) , na Re
vista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo espe
cial , 1927 , p . 80, nota 6 .
96. – V. Parte UI, capítulo II , secções II e III ( ns. 97 a
113 )
PARTE I - CAPÍTULO V 47
Ns. 32 ( fim ) e 33 - Notas 97 a 102

phico, embora repetido ) ( 97 ) , dirigiu a camara


paulistana ao donatario da capitania ( Azevedo
Marques, II, 225-226 ) (98 ) , jorram luz sufficiente
sobre essa nova penetração do hinterland brasi
leiro, em montaria aos selvagens ".
" Reconstituindo - lhe o roteiro, de accórdo
com as peças historicas recentemente encontradas,
presume Derby que a bandeira de Nicolau Barreto,
cinco mezes após a partida, tenha alcançado as
margens do rio das Velhas, e, decorridos outros
cinco mezes, chegasse ao sertão do Paracatú ,
provavelmente ao norte desse rio" ( 99 ).

33 . Escreve o mesmo autor, em outra obra ( 100 ) :

" A principio, as bandeiras se dirigiram para o


sertão dos cataguás, como a de Roque Barreto
( 1602-1604 ) (101 ) , que trouxe do vale do Rio -das
Velhas cerca de 3.000 selvicolas, reduzidos a
cativeiro " ( 102 ) .

97 . Houve realmente engano . A carta , aliás citada pelo


dr . Alfredo Ellis Júnior em apoio da tese guairenha ( V. n . 8) ,
e que será examinada no Capítulo II da Parte II ( ns . 42 a 44) ,
é de 13 de janeiro de 1606, e não de 1608, como está no artigo
de Derby ( Rev. do Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo, vol . 8 °,
p . 402 in fine e 403 ) .
98 . Êsse documento , estampado pela primeira vez nas

págs. citadas do vol . 2º da obra de Azevedo Marques (Aponta


mentos Historicos etc. ) , já foi publicado oficialmente (V. nota
122) .
99 . Expansão Geographica do Brasil Colonial , 2° edição
( C.ia Editora Nacional , S. Paulo, série Brasiliana, vol. XLV ,
1935 ) , p . 111 in fine e 112 .
100 . História do Brasil (Livraria Francisco Alves , 1942 ) ,
p . 179 .
101 . O autor quis , evidentemente, referir - se a Nicolau
Barreto, e não ao seu irmão, Roque Barreto, então capitão -mor,
e que não tomou parte na expedição de 1602-1604 .
102 . O historiador já não se refere à ida até o Paraca.
tu .
A respeito do número de indígenas capturados, v . nota 167 .
48 PARTE I CAPITULO V
Ns. 34 e 35 Notas 103 a 107

34. – Na 3.a edição do livro Expansão Geographica


do Brasil Colonial ( 103), repetiu o erudito historiadoro
que dissera na 2.*, declarando, porém , em nota :
" O itinerário da bandeira de Nicolau Barreto ficou
bem esclarecido por Alfredo Ellis Júnior, em seu
trabalho “ O bandeirismo e o recúo do meridiano " ,
pág. 75" ( 104 ) .

Vê - se que Basílio de Magalhães adotou , afinal, a


opinião do Dr. Alfredo Ellis Júnior. Mas essa nota, sem
qualquer explicação, poderá dar a entender, a quem não
conheça a tese do Dr. Ellis, que este esclareceu a de Orville
Derby, quando a verdade é muito diversa , como já vimos .
35. – Escreve Romário Martins, ao tratar das
bandeiras seiscentistas que teriam explorado o atual
Estado do Paraná ( 105 ) :
" 1609. Nicolau Barreto , com " um enorme
corpo de 300 indios mansos de arco , mamelucos e
europeus" ( 106 ) , percorreu o Caminho do Piquiri
que de São Paulo atravessava o território de Guaíra
até a confluencia daquele rio no rio Paraná, e
proseguiu , rumo do Perú , visando Potosi, tendo
atravessado os rios Paraguai e Pilcomayo, em
busca de ouro peruano” .

O autor, que cita Alfredo Ellis Júnior, transportou,


inexplicàvelmente, a bandeira de Nicolau Barreto para o
ano de 1609, quando é certo que ela saiu de S. Paulo em
1602 e regressou em 1604 ( 107 ) .

103 . Biblioteca Brasileira de Cultura ( edição Epasa, Rio


de Janeiro ), vol . 5° ( 1944 ) , p . 148 .
104 . Expansão Geographica etc. , 3. ed . cit . , p . 149 .
105 . Historia do Paraná, 2* ed . (Editora Rumo Ltda ., S.
Paulo -Curitiba, 1939 ), p . 203 in fine .
106 . Os bandeirantes eram uns 300, afora os indios au
xiliares ( V. n . 43, último período, e nota 123) .
107. – V. Parte IV, capítulo I ( ns. 115 a 120 ) .
PARTE I CAPÍTULO V. 49
N. 36 · Nota 108

36 . Citemos, enfim , entre os historiadores que


aceitaram as conclusões do Dr. Alfredo Ellis Júnior, o
Dr. Francisco de Assis Carvalho Franco , que escreveu ,
referindo - se ao Guayrá :

“ A primeira bandeira regular partida de São Paulo


que se tem noticia haver attingido esse territorio,
foi a de Nicolau Barreto , em 1602, cujo objectivo
real teria sido a pesquisa de minas no Perú” ( 108 ) .

108. Bandeiras e Bandeirantes de São Paulo (Cia Editora


Nacional, série Brasiliana, vol . 181 , 1940 ) , p. 61 in fine.
Note-se que, na p . 46 in fine, dissera o Dr. Carvalho Fran
co que a bandeira de Nicolau Barreto « teve como mira descer o
rio Tietê e penetrar no territorio do Perú, á procura de minas » .
Não percebemos bem a opinião do douto historiador. De
pois de chegar à foz do Tietê, a bandeira atravessaria o rio
Paraná, para ir diretamente àquelas minas, ou iria primeiro ao
Guayrá, navegando pelo Paraná abaixo ?
PARTE II

VALOR DA DOCUMENTAÇÃO INVOCADA


CONTRA A TESE DE ORVILLE DERBY
CAPITULO I

A carta de 18 de julho de 1603


dos camaristas de S. Paulo ao governador Diogo Botelho
e a alusão ao caminho do Piquiry,
na província do Rio da Prata

37. – Dizem os oficiais da Câmara de S. Paulo, no


documento a que se refere a epígrafe (109) , terem sabido
que o governador geral baixara uma provisão para que
fôsse tomada a têrça parte “ do gentio ĝ troixerē os mora
dores ģ desta capta ( Capitania ) são hidos ao sertão co
orde e mãdado do capitão dela ou requerimto das camaras
pela mta nesesidade ğ a tera tinha de gēte e cõ pareser e
provizão do gdor pasado do frco de souza" ( 110 ) .
Observam :

"esta tera e mto pobre e a gente ğ for ao sertão


he nesesitada e ğ sua muita nesesidade os obrigou
a cometer entrada tam perigoza e de tão pouco

109 . A carta foi trasladada na ata da vereança de 19 de


julho de 1603 ( Atas da Câmara de S. Paulo , vol. 2 , p . 130 e
131 ) . É datada da véspera , e não do dia 19 , como escreveu Or
ville Derby ( Rev. do Inst. Hist. e Geogr. de S. Paulo, vol. 8",
p . 402 in fine ) .
110 . Atas, vol. 2. cit . , p . 130. Note - se que, cerca de 3
meses antes, o procurador do Conselho , João de Sant'Ana, um
dos signatários da carta de 18 de julho de 1603 ( V. vol. 2°
cit . , p . 131 ) , protestara contra as entradas ao sertão , enviadas
ou toleradas pelo capitão Roque Barreto, «contra a lei de sua
magestades, e a Câmara acolhera o protesto e o dera a conhecer
ao referido capitão-mor ( V. nota 116, I e II ) .
54 PARTE II CAPITULO I
Ns. 37 ( fim ) e 38 Notas 111 e 112

proveito q pera se aviaren coalqer pobre fez


mais gasto do qe se espera trazer de proveito e
anda ja tão rota a fama e esta provizão postoſ
nos a não temos vto ( visto ) q areseamos se made
ao sertão recado do comteudo na provizão e eles
sabendo cora mto risco vir nhũ ( nenhum ) de la se
não vense caminho do piqiri q he provinsia do
rio da prata de 9 resultaria mtº mal a esta capta "
( 111 ) .

Mostram -se os camaristas temerosos de que a Capi


tania se despovoe e fique abandonado o " benefisio " das
minas, “pa aumento das rendas de sua magestade”, etc.
Suplicam ao governador use de clemência para com a
Capitania, " avendo respeito a mta probeza dela ” , e mande
que a dita provisão “ não aja efeito " . E assim terminam :
“ e nos cõ ese recado mãdaremos ao sertão pa ġ os omēs
ġ la estão venhão seguros e qietos a suas cazas e co
brevidade" ( 112 ) .
38 . O Dr. Alfredo Ellis Júnior, baseado no tópico
( que não prima pela clareza ) em que se alude ao caminho
do Piquiry, escreve :
“ Prova esse documento que Nicolau Barreto estava

111 . Atas, vol . 2º cit . , p . 130 in fine .


Consultámos o original e verificámos que lá está realmente
a frase enigmática : «se não vense caminho do piqiri» .
Na cópia facultada a Orville Derby ( quando ainda não
tinham sido publicadas as atas da Câmara paulistana ) e anexa
ao seu estudo sobre a bandeira de Nicolau Barreto , faltou a
referência ao caminho do Piquiry ( Conf. Rev. do Inst. Hist.
e Geogr . de S. Paulo , vol . 8', p . 423 ) .
O Dr. Alfredo Ellis Júnior só transcreveu (com algunas
divergências gráficas de pouca importância ) um trecho da carta :
desde « a cometer entrada tam perigoza » até «mt mal a esta
capta » ( V. O Bandeirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3'
ed ., p. 81 , 2* ed., p. 77, e l ' ed ., p . 24 in fine e 25 ; Boletim n'
IX da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de S. Paulo, p . 63 ; e Meio Século de Bandeirismo , p . 62 in
fine) .
112 . Atas, vol. 2. cit . , p . 131 .
PARTE LI CAPITULO I 55
N. 38 ( contin .) Notas 113 e 114

para atravessar, na volta a S. Paulo , um chamado


caminho do Pequiry, que é seguramente o affluente
do rio Paraná, situado na então provincia do Rio
da Prata , que, por força de Tordezilhas, abrangia
o Guayrá, hoje Estado do Paraná" .

Acredita o autor que “ o chamado caminho do Pequiry


seja o passo do rio Paraná , na foz do rio Pequiry " ( 113 ) .
Segrindo afirma alhures, a carta “ dizia peremptoriamente
que Nicolau Barreto e a sua gente haviam passado o
caminho do Pequery ” ( 114 ) . E conclui:

" Isso só seria já o sufficiente para que ficasse


reformada a idéa a respeito da entrada de Barreto .
As palavras absolutamente categoricas contidas
nesse documento citado não deixam subsistir
duvida de que a expedição bem anteriormente á
data de 18 de julho de 1603, tenha trilhado um
113 . O Bandeirismo Paulista, 3. ed . , p . 81 in fine, 2 ° ed .,
p. 77 in fine, e 1 ' ed., p. 25 ; Boletim nº IX cit., p. 64 ; Meio Século
de Bandeirismo, p . 63 e 64. Neste livro, o autor suprimiu a fra
se : « na volta a S. Paulo» . No Boletim saiu impresso, por enga
no : « na volta de S. Paulo » .
Supõe o dr . Ellis que por aquele « passo do Paraná » hou
vesse a bandeira penetrado em território paraguaio, para che
gar até à Bolivia atual ( V. n. 45 ) .
No gráfico estampado à pág . 59 da obra Meio Século de
Bandeirismo, na altura do « Passo do Pequiri, R. Paraná», a
1.000 kilômetros da vila de S. Paulo , escreveu o autor : « itine
rario exato», e citou o vol. 2 , p . 130, das Atas, isto é, a carta
ora examinada , em que se lè, não há dúvida, uma alusão ao
«caminho do piqiri», porém nenhuma referência àquela ban
deira .
114 . 0 Bandeirismo Paulista, 3a ed ., p . 89, e 2a ed ., p .
85 .
Vamos transcrever na integra as considerações do Dr. Ellis,
pois que também nos revelam como é porque o ilustrado pes
quisador foi levado a rejeitar a opinião de Orville Derby, relati
va à exploração do vale do S. Francisco :
«Até certo ponto se poderia explicar essa opinião do notavel
geologo norte americano, pois que dom Francisco vinha do norte
imbuido da idea de que as jazidas metalliferas ahi deveriam ser
56 PARTE II - CAPITULO I
Ns. 38 ( fim ) e 39 - Nota 115

certo caminho de um rio denominado Pequery ,


situado em terras castelhanas da provincia do Rio
da Prata " ( 115) .

39. — Para resolver questão de tal magnitude, acaso


será suficiente uma simples e vaga alusão ao caminho do
Piquiry ? Longe de serem “ absolutamente categóricas”
as expressões daquele trecho da carta , acontece que, em
todos os demais, entende -se o que quiseram dizer os
camaristas, ao passo que justamente a frase em que se
firmou o douto historiador é de tal modo enigmática, que
ninguém poderá dizer, em consciência, que espécie de
declaração fazem êles relativamente ao caminho do
Piquiry, e ainda menos afirmar com segurança que se refe

encontradas nessa região, tanto que nessa direcção fez partir


varias bandeiras .
Depois as referencias geographicas contidas nos documen
tos que o emerito historiador Washington Luis tão altruistica
mente lhe fornecera, serviram-lhe de complemento para essa
sua convicção.
Assim , durante larguissimo tempo se teve o noroeste (sic)
como o rumo certo tomado pelo capitão Nicolau Barreto , no seu
emprehendimento .
Tambem estive nessa crença .
Certa occasião, porém, Capistrano de Abreu, em um encon .
tro que com elle tive no Instituto Historico e Geographico
Brasileiro, affirmou duvidas quanto a essa direcção .
A seguir a essa duvida do saudosissimo historiador, fui
encontrar uma referencia existente á entrada de Nicoláu Bar
reto , na carta escripta a Diogo Botelho, governador que substi
tuia Francisco de Sousa , datada de 18 de julho de 1603 ( 10 me
zes após a partida da bandeira de Nicolau Barreto ) , carta essa
que dizia peremptoriamente que Nicolau Barreto e a sua
gente haviam passado « o caminho do Pequery » na «provincia
do Rio da Prata » .
(0 Bandeirismo Paulista, 3* ed ., p. 89, e 2° ed., p. 84 e
85 ) .
Escrevemos, na parte final : « o caminho », em vez de « o ma .
cinho», como saiu, por erro tipográfico, em ambas as citadas
edições .
115 . 0 Bandeirismo Paulista, 3 ' ed ., p . 89 , e 2° ed . , p .
85 .
PARTE II – CAPÍTULO I 57
Ns. 39 ( fim ) e 40 – Nota 116 ( ! e II )

rissem à bandeira de Nicolau Barreto, que nem é mencio


nada, quer naquela, quer em outra parte do documento
( 116 ) .

40. — Não é, pois, exata a afirmação de que o citado


trecho " dizia peremptoriamente que Nicolau Barreto e a
sua gente haviam passado o caminho do Pequery " . E
nem a carta prova que estivessem " para atravessar"
aquele caminho, que seria , no entender do historiador,
" o passo do rio Paraná, na foz do rio Pequiry ". Aludem
os oficiais da Câmara, de modo geral, ao caminho por
onde se ia ao Piquiry, e não a este ou àquele ponto, e
ainda menos ao rio ou à sua barra no 'Paraná. Aliás, é
evidentíssimo que, ainda quando tivessem recebido, como

116 . - I. Havia muita gente nos sertões, além daquela


bandeira . Em sessão de 22 de março do mesmo ano de 1603 ,
dissera o procurador do Conselho, João de Sant'Anna : «jos
dias pasados se pubricou e apreguou hủ mådado do capitão e
ouvidor de toda esta capt* (capitania) de sam vte en
û mådava û ninguen fose ao sertão sob grādes penas
ì aguora se diz e he pco ( público) ſ elle todavia mada
gente o ġ lhe não esta bem porquoãto he contra a lei de sua
magestade e têm mandado seu irmão nicolau bareto cõ perto
de trezentos homes e mais gentio e escravos de guera e ha
pouca gente na tera e temos os guaramimis a porta e não sabe
mos o ò farão e pode fogir o gentio e escravos ☺ ficaren
sen aver que a iso acuda é allem de tudo iso espera q virão
ao beneficio das minas e não aver indios në gente e hũ suceso
de guera pr mar ou por tera por honde não esta a capt * em
desposição de se fazer entrada pelo ò requere a elles ditos
offiçiaes o requeirão ao dito capitão não māde mais gente a
guera në entrada » ... etc. ( Atas da Câmara de S. Paulo,
vol . 2 , p . 125 in fine e 126 ) .
Naquela época, a expressão « os dias passados», empregada
pelo procurador do Conselho, significava , em geral , «há tem
pos), e não apenas «há dias) .
II . No dia seguinte, o capitão -mor, Roque Barreto , com
pareceu perante a Câmara, a convite desta , e o vereador Fran
cisco Viegas, dando-lhe a conhecer o requerimento do pro
curador , « lhe pos diãte o dano a tera vinha pr mãdar a esta
entrada» .
Respondeu Barreto : i elle não mädava dar guera 20
58 PARTE II CAPITULO I
Ns. 40 (fim ) e 41 – Notas 116 ( III ) e 117

supõe o Dr. Ellis, notícias dos sertanistas ( 117 ) , não


poderiam saber onde se achavam estes no dia 18 de
julho de 1603 .
41. — Mas, admitindo - se que os camaristas se refe
rissem de fato à bandeira de Nicolau Barreto, o mais
que se poderia dizer é que, tendo a expedição partido com
destino, real ou suposto, à região do Piquiry, acreditavam

gentio do sertão salvo alimpar ladroeiras ù fazen mto mall e


dano a esta capit* pr lhe pareser ser serviso de sua magestade
c ben da tera e juntamente mãdar saber da gente û he hida
1 ao sertão aonde esta e se ha mister allgũa pa lho prevenir e
elle dito capitão ser avizado e juntamëte mãdar chamar a seu
irmão niculau bareto pº se recolher có toda a gente pi esta
capt* pois o não pode fazer cõ hũ nē dous homeis e ha de
mãdar a gente necesaria por aver contros no caminho » ( ibidem,
p . 126) .
III . evidente que a expressão « esta entrada » não se
referia à bandeira de Nicolau Barreto , que partira ' de S. Paulo
seis meses e meio antes, isto é , em principios de setembro do
ano anterior (V. n . 118) . O que levou o procurador do Conse
lho a reclamar foi jusiamente a saída de expedições posteriores
àquela bandeira, que, a seu ver, já desfalcara bastante a popula
ção da vila . João de Sant'Ana já exercera o cargo de procurador,
em substituição a Domingos Martins, desde 19 de novembro de
1602 ( isto é, cerca de 2 meses depois da partida de Nicolau
Barreto ) até o fim daquele ano ( Conf. Atas da Câmara de S.
Paulo, vol . 20, p . 112 a 116 ) , e fôra eleito para ocupar o mesmo
cargo durante o ano de 1603 ( V. vol . cit . , p . 123 ) . Muito tempo
lhe sobrara , pois, para protestar, se quisesse, contra o envio da
quela expedição . Entretanto, não o fêz , e só reclamou quan
do viu que, depois de ter proibido as entradas, Roque Barreto
continuava a autorizá - las ou tolerá -las .
Aliás, das próprias declarações do capitão -mor, vê-se que
não era somente a bandeira de Nicolau que andava pelos ser
tões . Atenda - se às frases distintas : « mãdar saber da gente
û he hida ao sertão aonde esta » ( está ) e « juntamẼte mã
dar chamar a seu irmão niculau bareto » .
117 . Diz o autor :
« A carta escripta a Diogo Botelho tem a data de 18 de julho
de 1603, o que quer dizer que, dez mezes após a partida da
bandeira, em S. Paulo já se sabia que ella tinha passado o
Pequiry . Ora, para a noticia da passagem do . Pequiry ter che
PARTE II - CAPÍTULO I 59
N. 41 ( fim ) - Nota 118

que ela ainda estivesse por lá ou pelo caminho. Enga


navam - se redondamente : conforme veremos, no dia 18
de julho de 1603, achava - se a bandeira em território
mineiro, onde penetrara muitos meses antes ( 118 ) .

gado a S. Paulo (a uma distancia de 800 kilometros das reduc


ções do alto Pequiry ) , seria preciso que essa passagem se tivesse
effectuado pelo menos tres mezes antes de 18 de julho de 1603.
isto é, o mais tardar em meados de abril, Nicolau Barreto teria
passado pelo caminho do Pequiry » (O Bandeirismo Paulista, 3'
ed., p. 93, e 2* ed ., p . 89 ) .
Como o historiador alude às reduções do Piquiry, convém
advertir que, na época da expedição ora estudada , ainda não
existiam reduções jesuíticas, nem no vale do Piquiry, nem em
qualquer outra parte do território guairenho (V. nota 180, V e
VI) . Aliás o próprio Dr. Ellis o reconhece alhures ( V. as secções
UI e IV da mesma nota) .
No trecho supracitado, o autor se refere à passagem do
Piquiry, «em meados de abril » ( de 1603 ) , na viagem de ida ( que
Co Dr. Alfredo EHis acredita se tivesse prolongado até à região
hoje boliviana ) , ao passo que escreve, em outra obra :
«Dessa região, teria novamente voltado a expedição de Bar
reto, passando pelo Pequirí a 18 de Julho de 1603, para só chegar
a São Paulo na segunda metade de 1604 » ( Boletim nº IX cit . ,
p . 61 ) .
No trecho .,correspondente do livro Meio Século de Bandei
rismo ( p . 61 ) , o autor eliminou a frase que grifámos.
118. V. Os ns. 129 a 131, em que reconstituímos, tanto
quanto possível, a viagem pelo vale do rio S. Francisco , de acôr
do com os dados .cronológicos dos documentos e com a identifi
cação ( feita na Parte III, capítulo II, ns. 92 a 114 ) dos topônimos
« Paracatú », «Guaibihi » e « Corimata hi».
CAPITULO II

A carta de 13 de janeiro de 1606


dos camaristas de S. Paulo ao donatário da Capitania
e a hipótese da ida de Nicolau Barreto até
regiões hoje bolivianas

42. - Diz o Dr. Alfredo Ellis Júnior :

" Quanto ao roteiro seguido pela expedição, enga


naram-se profundamente o dr. Derby e os que
reproduziram a opinião desse notavel sabio. Affir
mava elle que Nicolau Barreto, com sua bandeira,
rumou o norte, penetrou nas geraes e atraves
sando o rio das Velhas, pelo valle do S. Francisco ,
chegou ao Paracatú , nas proximidades do terri
torio goyano, ponto extremo, segundo o saudoso
historiador americano, attingido pela leva em
questão ( 119 ) .

119 . Cumpre fazer aqui duas retificações. Orville Der


by não disse que a expedição «rumou o norte », nem tratou de
saber qual a diretriz inicial ( Conf. Rev. do Inst . Hist . e Geogr .
de S. Paulo , vol. 80, p . 399 a 403 ) . Apenas declarou, no fim
do artigo, ser quase certo não ter havido, antes de 1608, «nos
sertões ao norte de S. Paulo » , senão as bandeiras de André
de Leão e de Nicolau Barreto (Conf. ibidem, p . 403 ) . Também
não afirmou que a bandeira tivesse chegado ao Paracatu « nas
proximidades do territorio goiano », e que tal fôsse o ponto ex
tremo atingido . Apenas, ao tratar dos temiminós, julgou que o
seu habitat podia ser localizado « ao oeste do rio São Francisco
e provavelmente ao norte do rio Paracatú » (V.Revista cit ., vol .
89 , p . 401 ) .
PARTE II CAPITULO II 61
Ns. 42 ( fim ) e 43 — Notas 120 a 122

Tivesse sido essa a região percorrida pela


bandeira, não se justificaria ser ella a detentora
até aquella data do " record ” de penetração no
hinterland vicentino ( 120 ), conforme faz certo a
estafadissima carta de 13 de janeiro de 1606 "
( 121 ) .

43 . Na carta citada pelo historiador ( 122 ) , os


oficiais da Câmara de S. Paulo dão ao donatário várias
informações sôbre o estado e os recursos da Capitania.;

120 . Se, no entender do autor, Nicolau Barreto invadiu


o Guayra e percorreu outras regiões castelhanas até à atual
Bolivia , não se trataria própriamente de um record de pene
tração no hinterland « vicentino », isto é, da Capitania de S. Vi .
cente. Na l ' edição de seu trabalho ( p . 23 ) , dissera o historiador :
«do record de penetração no nosso hinterland », frase que merece
o mesmo reparo .
121 .
· 0 Bandeirismo Paulista, 3. ed ., p . 79 e 80, 24 ed .,
p. 75 e 76 , e 1 ° ed., p . 23 . V. também o cit . Boletim n ' IX,
p. 61 , e Meio Século de Bandeirismo, p . 61.
122 . Foi publicada por Azevedo Marques, na obra Apon
tamentos Historicos etc. ( vol . 2 , p . 225 e 226 ) , e dali traslada
da para o vol. 2 ( p. 497 a 500 ) das Atas da Câmara de S. Paulo,
por não ter sido encontrado o original, conforme se adverte no
prefácio ( p. 3 ) dêsse volume das Atas. Mais tarde, porém , tendo
2 documento aparecido, como se declara no prefácio do vol . 7*
(p . 3 ) da coleção Registo Geral da Câmara de S. Paulo, foi
publicado nas págs. 110 in fine a 114 do mesmo volume.
No Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia, Ciências e Le
tras da Universidade de S. Paulo ( nota 38 , p . 73 a 75 ) e no livro
Meio Século de Bandeirismo ( nota 38, p . 70 a 72 ) , o Dr. Alfre
do Ellis Júnior transcreveu a carta de acordo com o texto de
Azevedo Marques, salvo num ponto que indicamos em nota 126 .
Quanto à data da carta , no trabalho de Orville Derby saiu
por engano : « 1608», em vez de 1606 (Conf. Rev. do Inst . Hist .
e Geogr . de S. Paulo, vol . 89, p . 402 in fine e 403 ) .
A carta de 13 de janeiro de 1606 é um verdadeiro relatório ,
enviado para atender a um pedido do donatário da Capitania ,
como se vê do início :
«Com o capitão João Pereira de Sousa que Deus levou rece
bemos nesta Camara uma de vossa mercê o anno passado na
qual nos manda lhe escrevamos miudamente do que aqui passa »
(Registo Geral cit ., vol . 7°, p . 110 in fine e 111 ) .
62 PARTE I CAPITULO II
N. 43.( contin .) — Notas 123 e 124

queixam -se das autoridades ; referem - se às riquezas,


principalmente minerais, e ao grande número de índios,
que viviam " á lei de brutos animaes, comendo - se uns
aos outros ” , e sugerem : "se os descerem com ordem e
para ser christãos será cousa de grande proveito ”.

“ Esta é uma grande empreza” acrescentam


" e a vossa mercê ou cousa muito sua lhe estava
bem que se Sua Magestade lhe concedesse lhe
importaria mais de cem mil cruzados afora o de
seus vassallos e o que pelo tempo em diante póde
redundar a esta provincia além do particular do
mesmo gentio vindo ao gremio da Santa Madre
Igreja ".
“Não tem vossa mercê cá tão pouca posse
que das cinco villas que cá tem com a Cananéa 1
pode pôr em campo para o carijó mais de trezentos
portuguezes fóra os seus indios escravos que serão
mais de mil e quinhentos gente usada ao trabalho
do sertão que com um bom caudilho passam ao
Perú por terra e isto não é fabula .
Já vossa mercê lá será sabedor como Roque
Barreto sendo capitão mandou ao sertão 300
homens brancos ( 123 ) a descer o gentio e gastou
dois annos na viagem ( 124 ) com muitos gastos e

123 . Num protesto a que tivemos ocasião de nos referir ,


diz o procurador do Conselho que o capitão Roque Barreto en
viara seu irmão Nicolau ao sertão «co perto de trezentos homës
e mais gentio e escravos de guera » (V. nota 116, I) .
Pensa o Dr. Alfredo Ellis Júnior que os índios que acom
panharam os bandeirantes eram em número de « alguns milha
res » (Boletim nº IX , cit ., p . 54 , e Meio Século de Bandeirismo,
p. 54 ) . Nada se pode afirmar com segurança.
Romário Martins, contrariando o que diz a documentação,
inclui os índios no total de 300 ( V. supra , n . 35) .
124 . A bandeira de Nicolau Barreto esteve realmente
fora da vila de S. Paulo durante 2 anos, pouco mais ou menos
(V. Parte IV , capítulo I, ns. 115 a 120) .
A expressão « gastou » , no texto supra ( em vez de «gasta
ram », como devia ser ) , parece referir-se a Roque Barreto . Na
PARTE I CAPITULO DI 63
Ns. 43 ( fim ) o 44 -
Notas 125 e 126

mortes e por ser contra uma lei de El-Rei que os


padres da Companhia trouxeram o governador
geral Diogo Botelho mandoü provisão para
tomarem o terço para ella ( 125 ) e depois veiu
ordem para o quinto / sobre isto houve aqui muito
trabalho e grandes devassas e ficaram muitos
homens encravados que por rol ha nesta villa hoje
mais de sessenta e cinco homisia dos não tendo
ella mais que cento e noventa moradores " ( 126) .

44 . Ligando o assunto do final do penúltimo


período com o último, entendeu o Dr. Alfredo Ellis
que a carta " fazia certo " que a expedição de Barreto era
a detentora, até aquela data , do " record da penetração

verdade, porém, este ficou em S. Paulo. Para prová-lo bastao


que dizemos em nota 116, I e II .
125 . Ao contrário do que parece, êsse «ella» não pode re
ferir - se à Companhia de Jesus, e sim à Fazenda Real , que o es
crivão da Câmara se teria esquecido de mencionar . Ou então
dever-se-ia ler <para elle», como está na cópia de Azevedo Mar
ques (Apontamentos Historicos etc. , vol. 20 , p . 226, 1 ° col. ) , isto
é, para o rei, e não para o governador, como neste caso pode
ria parecer .
126 . Devemos dizer que, na transcrição da carta no cit .
Boletim nº IX ( p . 76, nota ) , os dois últimos períodos que tras
ladámos no texto, de acórdo com a publicação oficial (Registo
Geral da Câmara de S. Paulo, vol. 70 cit ., p . 113 e 114 ) , foram
fundidos num só, e o ponto final que os separava foi substitui
do por dois pontos . Eis o que está impresso naquela obra :
«gente usada ao trabalho do sertão, que com bom caudi
Iho passam ao Perú por terra e isto não é fabula : já Vmc . será
sabedor como Roque Barreto sendo capitão mandou ao sertão
300 homens brancos » ... etc.
No livro Meio Século de Bandeirismo ( p . 72, nota ) , em vez
de dois pontos, há um ponto e vírgula, o que também altera o
sentido . 1

Em ambos os trabalhos, o autor dá como fonte da transcri


ção o livro de Azevedo Marques. Mas, tanto nesta obra (Apon
tamentos Historicos etc., vol . 2 , p . 226, 1 * col . ) como Da

publicação oficial ( vol. 79 cit., p . 113 in fine) , vê-se, depois de


sfabula », um ponto final, e começa outro periodo : «Já Vmc.» etc.
64 PARTE II .
CAPÍTULO II
N. 44 ( fim ) Notas 127 a 129

no hinterland vicentino” ( 127 ) , por ter, conforme explica


alhures, chegado a regiões do antigo “ Peru ” ( 128 ) .
Mas, se assim fôsse, exprimir -se - íam , os camaristas
de modo diferente, uma vez que acreditavam já tivesse
o donatário notícia da bandeira, como se vê da frase : “ Já
vossa mercê lá será sabedor como Roque Barreto " , etc.
Não se limitariam a informar vagamente que a gente da
Capitania, guiada por bom caudilho, passava ao Peru , e
que isso não era fábula ; diriam, ou lembrariam , explíci
tamente, que o bom caudilho, ou um dos bons caudilhos ,
fôra Nicolau Barreto . O que pretendem , porém , no
último dos períodos citados, que nada tem que ver com
o anterior, é comunicar ao donatário fatos posteriores à
expedição daquele bandeirante : as devassas contra os
componentes dela ( que tinham infringido as leis de Sua
Majestade) e o " encravamento " e homizio de boa parte
dos habitantes da vila ( 129) .
Repetimos : a carta não “ faz certo ” que a expedição
tivesse ico ali ou acolá .

127 . - V. supra , n . 42 in fine .


128 . Escreve o Dr. Elis :
« É certo pela carta de 1606, 13 de janeiro, escripta a Lopo
de Sousa , pelos da Camara de S. Paulo, que a bandeira de Bar .
reto chegára ao Perú » (O Bandeirismo Paulista, 3. ed., p. 91 , e
2 ed ., p . 87 ) .
Afirma que naquela carta «se diz que a bandeira de Barreto
chegara ao Perú por terra » ( Boletim nº IX cit ., p . 73 in fine, e
Meio Século de Bandeirismo, p . 70 in fine) .
E mais adiante :
«Essa expedição, ao invés de haver trilhado terras centro
mineiras do Alto São Francisco, como acreditaram Derby e ou
tros, tomou o rumo sudoeste, tendo penetrado mais ou menos fun
damente em terras castelhanas do Perú » ( Boletim, p . 89, e Meio
Século, p . 81 ) .
E enfim , referindo-se ainda à expedição de Nicolau Barre
to :
«Já tratamos deste feito e de como estou na convicção firme
de que ela foi até êsse Potosi que desde 1545 dava tantas rique
zas à Espanha » ( Resumo da História de São Paulo, p . 349,
Boletim nº XXXVII da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de S. Paulo , p . 349 ) .
129 . Vê - se ciaramente o que afinal mais desejavam os
PARTE II CAPITULO II 65
N. 45 Nota 130

45 . -
Mas, se, no entender do historiador, a carta
afirma que Nicolau Barreto foi até regiões do antigo
Peru , hoje bolivianas, não se compreende porque, em
alguns trechos de suas obras, se limita a apresentar
aquela excursão além -Paraná como simples hipótese ou
suposição , mais ou menos provável.
Referindo - se às proezas dos paulistas, escreve :
" Cedo, já em 1602, de S. Paulo, tremenda razzia
se fazia, sob o commando de Nicolau Barreto, que
deveria ter atravessado os sertões do Paraná, para
penetrar no Paraguay e dahi na Bolivia, chegando
talvez ás nascentes do Pilcomayo, bem proximo a
Potosi, com quatro longos annos de peregrinação
pelos invios sertões da America deserta ” ( 130 ) .

representantes do povo paulistano . Ao mesmo tempo que atraíam


as vistas do donatário para os enormes proventos que poderia
obter, não somente de sua Capitania, como também das tais ex
pedições às prodigiosas minas do « Perú , mostravam-lhe os
inconvenientes das leis de Sua Majestade, que proibiam o desci
mento de indios e impunham tributos e penalidades aos contra
ventores , que se viam obrigados a desertar das povoações . Como
seria bom se houvesse licença para ir buscar aquela multidão
de selvagens que, quais «brutos animaes», se comiam uns aos
outros ! Seria « uma grande empreza», que ficava muito bem ao
donatário (« se Sua Magestade lhe concedesse» ... ) e que lhe
poderia render «mais de cem mil cruzados» ( isto é, mais de
40 :000$ 000, quantia muito respeitável naquela época ) , afora «o
de seus vassallos» e o mais que daí em diante havia de vir
seguramente . Mas, a « grande empreza » tinha finalidade mais
elevada, cujo simples enunciado certamente iria comover o bon
doso coração do donatário : a de trazer para o « grêmio da
Santa Madre Igreja » milhares de indivíduos da espécie huma
na . Aqui, se não fosse a agradável perspectiva ( que fàcilmente
se adivinha) de trazer aquela gente para outros grêmios, os
caniaristas paulistanos se revelariam dignos émulos de Leonar
do Nunes, de Anchieta e de outros apóstolos abnegados ...
Esperavam , sem dúvida , que, com a influência que o dona
tário devia ter na Côrte, conseguisse a revogação daquela « lei
de El-Rei que os padres da Companhia trouxeram » .
130. O Bandeirismo Paulista, 3* ed ., p . 37, 2. ed ., p. 33,
66 PARTE II - CAPITULO II
N. 45 ( contin . ) — Notas 131 a 133

E a respeito do " passo do rio Paraná, na foz do rio


Pequiry ” :
“ Por esse passo, talvez, Barreto tenha passado
para o Paraguay penetrando, tambem , a enorme
área boliviana, em plena cordilheira andina" ( 131 ) .
“ Infelizmente, não tenho base para saber qual o
ponto extremo chegado pela bandeira, mas é de
suppor, tenha ella ido muito ao fundo em possessoes
hespanholas, ferindo de rijo a linha demarcadora
de Alexandre Borgia ” (132 ) .
" Em virtude do grande lapso de tempo demo
rado pela bandeira no sertão, é de crôr que muito
longe, no Perú, tenha ido a bandeira de Barreto .
Assim , o Paracatú e o Guabihi ( 133) dos documen
tos, que Derby erradamente quiz ver em Minas

e 1° ed., p. 6. Na 1º edição lê-se : «chegando ás nascentes», em


vez de «chegando talvez ás nascentes » .
A alusão aos «quatro anos de peregrinação deve ter resul
tado de inadvertência, pois alhures ( V. um trecho que transcre
vemos adiante , neste mesmo n. 45, e o n. 46) afirma o autor que
a expedição durou dois anos, o que é exato ( V. supra, nota 124 e
o texto correspondente) .
Entre as conjeturas apresentadas pelo Dr. Alfredo Ellis
Júnior encontramos a de ter a expedição passado, na ida, pela
vila de Cananéia ( Boletim n. IX cit ., p. 60, e Meio Século de
Bandeirismo, p . 60 ) .
131 . O Bandeirismo Paulista, 3a ed ., p . 82, e 2" ed., p. 78 ;
Boletim nº IX cit . , p . 65 ; e Meio Século de Bandeirismo, p . 64 .
Na 1 ° edição de 0 Bandeirismo ( p . 25 in fine ) escrevera :
«Por ahi, talvez, Barreto tenha passado para o Paraguay
penetrando, assim, no vice reinado do Perú, que então abrangia,
tambem, a enorme área boliviana, em plena cordilheira andi
na » .

132 . O Bandeirismo Paulista, 36 ed., p. 82, 2* ed., p. 78,


e 1 ° ed ., p . 26. V. também o cit . Boletim nº IX, p . 67 , e Meio
Século de Bandeirismo, p . 66 .
Parece-nos descabida a alusão à linha demarcadora de Ale
xandre VI, pois o que então vigorava era o Tratado de Torde
silhas .

133 . Aliás « Goaibihi», ou melhor, «Guaibihi » ( V. ns . 68


e 71 e notas 208 e 218 ) .
PARTE II CAPITULO II 67
Ns. 45 ( fim ) e 46 - Notas 134 a 137

Geraes, talvez fossem no systemå do Pilcomayo, ou


mesmo na bacia do Madeira , na Bolivia ” .
" Os dous longos annos levados no sertão
por essa grande expedição se explicam , tendo ella
attingido os Andes, talvez no meridiano de 650"
( 134 ) .
" Naturalmente, a expedição trilhou todo o
Guairá e transpôs o Paraná na fóz do Pequirí. É
provável que ela se tivesse internado fundo nas
terras de Espanha e indo, talvez até Potosi, nos
Andes, onde existe um rio de nome Guapai, que é
o alto Mamoré ( 135) , com uma latitude de cerca
de 19 graus” ( 136 ) .
" Insisto em dizer que os pontos de além rio
Paraná por mim aventados como tendo sido palmi
lhados pela gente de Nicolau Barreto, constituem
méra hipothese , estribada no lapso de tempo em
que a bandeira esteve ausente de S. Paulo ” ( 137) .
46. — A longa permanência da bandeira fora de

134 . 0 Bandeirismo Paulista, 3. ed ., p . 82, nota 10, 2a ed .,


p . 78, nota 10, e 1 ° ed ., p . 25 e 26.
135 , Num dos tópicos acima transcritos, o historiador
sugeria a possibilidade de ser o «Guaibihi » da bandeira um dos
rios do «sistema do Pilcomayo» ( entende-se, do alto Pilcomayo,
em território hoje boliviano ), ou um dos rios da bacia do Ma .
deira, também na Bolívia . Agora , Jimitando - se à segunda hipó .
tese, acha que poderia ser 0 Guapahy . Diz 0 mesmo num
trecho que transcrevemos adiante ( n . 99) .
136 . Meio Século de Bandeirismo, p. 61. No cit . Boletim
nº IX ( p . 61 ) escrevera o Dr. Ellis : « ... na foz do Pequiri,
internando-se fundo nas terras de Espanha» ... etc.
137 . O Bandeirismo Paulista, 3. ed ., p. 82 ( nota 11 ) , e 2
ed . , p. 78 ( nota 11 ) .
Em sua obra Resumo da História de São Paulo ( p . 130 ) e
no Boletim n' XXXVII da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de S. Paulo ( p . 130 ) , o historiador fêz a
mesma ressalva :
«É evidente que esta última parte da viagem de Barreto
não é uma certeza . Eu me limito apenas a levantar uma hipótese
68 PARTE II - CAPITULO I
N. 46 ( fim ) - Notas 138 a 140

S. Paulo é objeto de largas considerações do Dr. Ellis, que


para ela não encontra outra explicação a não ser a ida dos
sertanistas até às regiões centrais da Bolívia . Calcula em
4.000 quilômetros a distância percorrida nos dois anos
de ausência, tomando por base a média de 5 km., 100
· por dia ( 138 ). E diz :

" Isso nos conduziria a levar a bandeira de Barreto


através do Paraguai e penetrar na Cordilheira
Andina .
Sim, porque precisamos objectivar onde teria a
expedição percorrido os 4.000 quilômetros” ( 139 ) .
E mais adiante :

"É possivel que Barreto não tenha andado até aí,


mas então por onde perambulou êle durante esses
dois anos ? Por certo percorreram ele e a sua gente
4.000 quilômetros, mas onde se situar essa dis
tância ? Eu estou pronto a examinar qualquer
outra hipótese que se avente. Por enquanto, porém ,
estou na convicção de que a hipótese mais acei
tavel é a que sugeri” ( 140) .
a favor da qual militam probabilidades, às quais eu procuro
dar base e força» .
No mapa que se vê em 0 Bandeirismo Paulista ( 34 ed., p.
84 , 24 ed., p. 80, e 1 ° ed., p . 26/27 ) , o autor dá como «provável»
o itinerário além do rio Paraná, até às vizinhanças de Potosi ; e
nos mapas de outras obras ( Boletim nº IX cit . , p. 84 , Resumo da
História de São Paulo, p . 129, e Boletim nº XXXVII cit . , p . 129 )
declara : «caminho hipotético da bandeira» .
138 . Resumo da História de São Paulo, p . 128 in fine,
e Boletim nº XXXVII cit . , p . 128 in fine .
A respeito dessa média, v. também o cit. Boletim nº IX , nota
43 ( p. 82 e 83 ) e p . 217, e Meio Século de Bandeirismo, nota 43
( p . 78 ) . Alhures o autor fala em 5 km . 400 ( Meio Século, es
quema, p . 59 ) e 6 km . ( Boletim nº IX, p . 219 ) .
139 . Resumo da História de São Paulo e Boletim nº
XXXVII, p. 128 in fine e 130 .
140. Resumo, p . 130 in fine, e Boletim cit ., p . 130 in
fine .
Referindo-se à opinião de Calógeras, que não admitira a
PARTE I CAPITULO II 69
N. 47 — Notas 141 a 143

47. – Esta hipótese não se baseia sòmente no lapso


de tempo em que a bandeira esteve fora de S. Paulo. Diz
o historiador :

" Foi a tropa de Nicolau Barreto , a meu ver, le


vantada com o fim de penetrar no sertão, proximo
ao Perú , possessão castelhana , onde prosperavam
as minas de Potosi, afamadas no mundo inteiro "
( 141) .

Julga que, desiludido pelos resultados das expedições


anteriores, que exploraram as regiões de Minas, o gover
nador geral D. Francisco de Sousa teria resolvido que a
bandeira de Nicolau Barreto fôsse em demanda das tão
cubiçadas minas do Peru ( 142) . Refere -se à ida de pau
listas aos domínios castelhanos, principalmente àquelas
minas, e cita diversos autores e documentos ( 143 ) . Acha
" muito possível e provável mesmo" que Dom Francisco

hipótese da passagem da bandeira além do rio Paraná ( V. supra,


n . 30) , diz o Dr. Ellis :
« si alonguei muito o raio de penetração da mesma, foj
levantando uma simples hipótese, em razão do grande lapso de
dois anos durante o qual esteve a gente de Nicolau Barreto no
sertão .
Como poderiam eles afastar-se do povoado, pelo espaço de
dois anos e caminhando na direção do rio Paraná, sem que éste
fosse atravessado no «caminho do Pequiri », em demanda das ter
ras castelhanas do Perú ? »
( Boletim nº IX cit ., p . 82 e 83, e Meio Século, p . 77 e 78 ) .
Afirma ainda o autor, referindo-se à ida da expedição até
àquelas regiões, que «não haveria impossibilidade disso, uma
vez que a bandeira esteve tanto tempo fóra do povoado » . E
pergunta :
«Onde esteve ela ? O que esteve ela fazendo ?»
(Boletim nº IX cit., p . 210 ) . V. também Meio Século, p . 195.
141 . O Bandeirismo Paulista, 3* ed., p. 77 in fine, 24 ed .,
p. 73 in fine, e 1° ed., p. 21 .
142 . - V. adiante, nota 145, I.
143 . V. Boletim n' IX.cit ., p. 73, 83 in fine e 85 e notas
44 e 45 (p. 85 a 88) ; e Meio Século de Bandeirismo, p . 70 e 78
in fine e notas 44 e 45 ( p. 78 a 80 ) .
70 PARTE II — CAPITULO II
Ns. 47 ( fim ) e 48 - Notas 144 e 145 (I)

"orientasse Nicolau Barreto para as proximidades de onde


os espanhóis se empanturravam de prata " ( 144 ) . Mas, o
historiador reconhece que, meses antes da partida da
> bandeira, D. Francisco de Sousa fôra substituído, no
governo geral, por D. Diogo Botelho, e então vê-se obri
gado a sugerir mais uma hipótese: a de ter o destino da
bandeira resultado da orientação do novo governador
( 145) .
48. — As hipóteses do Dr. Alfredo Ellis Júnior levam

144 . Boletim cit., p. 73, e Meio Século, p. 70 .


145. - I. No trabalho publicado no cit . Boletim n. IX,
bem como no livro Meio Século de Bandeirismo ( reedição desse
trabalho , com algumas modificações ) , o Dr. Alfredo Ellis Jú.
nior expende várias considerações a respeito da possível ou
provável influência do governador geral D. Francisco de Sousa
quanto aos fins e à diretriz da bandeira . Vamos transcrevê -las
do referido livro , ou resumí- las em parte , citando as páginas
correspondentes do Boletim e indicando sòmente as principais
diferenças que nêle se vêem .
Escreve o Dr. Ellis :
«Assim, os sonhos de Dom Francisco, desvanecidos pelas
desilusões, que lhe acarretára o resultado da expedição de An
dré de Leão, súbitamente mudavam de direção para o Sul, em
demanda de Potosi ou suas proximidades, e tomavam um cunho
mais prático e imediato .
Por outro lado os interesses econômicos planaltinos também
corroboravam a repentina guinada de orientação, que mudava
de rumo a penetração bandeirantista paulistana .
Teria sido, assim , resolvido que a expedição seguinte, que
Dom Francisco ia organizar, não mais seria em demanda do cen
tro mineiro do Alto São Francisco, nas terras de Além -Manti
queira . ( É possível também que a mudança de governador ge
ral tivesse influido nisso ) » .
( Meio Século , p . 51 in fine e 52 , e Boletim cit . , p . 52 ) .
No Boletim não existia o período entre parênteses .
Prossegue o douto escritor :
« Começaram , pois, os aprestos da nova expedição , antes
mesmo que chegassem ao povoado os componentes da entrada
de Leão . E , em 1602, um ano justo depois da volta dos que
haviam buscado o velocino de prata e esmeraldas nas serras res
plandecentes do centro mineiro, depois mesmo de ter sido Dom
Francisco substituído na governança do Brasil, em agôsto de
PARTE II CAPITULO II 71
N. 48 ( cont. )

a conclusões inadmissíveis, à vista dos dados cronológicos

1602, estava a nova leva pronta para a partida» (Meio Século,


p. 53, e Boletim, p . 52 in fine e 53 ) .
Pensa o Dr. Alfredo Ellis que «só o fáto da entrada de
Barreto apresentar-se ( no Boletim lemos : «aprestar-se», que é
o que se quis dizer ) , no fim do ano, para penetrar no sertão,
nos traz, pelo menos, um indício longinquo de que a região a
ser trilhada pelos expedicionários não seria a de temperatura
mais elevada nos meses do verão, que se aproximava » ... «As
sim , logo à primeira vista, temos um indicio de que a região a
ser atravessada pelos expedicionários paulistas, que Dom Fran
cisco de Sousa ia partir (lapso tipográfico ; deve ser : « ia fazer
partir», como está no Boletim) para o sertão, não seria ao nor
te do vilarejo planaltino» (Meio Século, p . 53, e Boletim, p . 53 ) .
E adiante :
«Já tivemos mais acima, ocasião de fazer um estudo descriti
vo da mudança psicológica do governador, no tocante a buscas
de ricos pactólos .
Dom Francisco, precisamente por ter feito partir inúmeras
expedições em direção ao Alto São Francisco, só obtendo delas
desilusões, não teria querido persistir no erro e mudou de dire
ção nas suas buscas . Assim agem os inteligentes ! Dom Francis
co tinha um raciocínio extraordináriamente ágil ! Por isso, tal
vez teria ele mudado de orientação» ... «É provável ( no Boletim :
«É possível») , também, que, substituído Dom Francisco por Dio
go Botelho, tenha havido modificação na orientação bandeiran
te » .
(Meio Século, p . 69, e Boletim p . 72 ) .
Depois, o historiador se refere à «atração que sôbre os pau
listas exercia o natural renome das riquezas da América espa
nhola, particularmente de Potosi », e assim termina :
«Eis, pois, como é muito possivel e provável mesmo que Dom
Francisco, tendo visto fracassar várias tentativas de descobertas
na região do Alto São Francisco, orientasse Nicolau Barreto
para as proximidades de onde os espanhóis se empanturravam
de prata !
Eis como se poderiam interpretar aquelas palavras da carta ,
que a Câmara Municipal paulista dirigiu a Lopo de Sousa (Re
gistro, vol . VII ) , na qual se diz que a bandeira de Barreto che
gara ao Perú por terra» .
(Meio Século, p . 70 , e Boletim, p . 73 ) .
Já vimos ( n. 44 e nota 129 ) que a célebre carta de 13 de
janeiro de 1606 ao donatário da Capitania não diz, nem dá a en
72 PARTE II . CAPITULO II
N. 48 ( cont. )

constantes dos documentos da bandeira. E o que passamos


a demonstrar.

tender que a bandeira de Nicolau Barreto houvesse ido a re


giões do antigo «Peru» .
Declara ainda o Dr. Ellis, a respeito da exploração de tais
paragens :
« Foi apenas uma hipótese a que aventei, mas não foi uma
hipótese arrojada e seria preciso um cérebro despido de imagi
nação, para só conceber que a gente paulista, instigada pela
gula de riquezas, que animava Dom Francisco, se detivesse às
margens do Paraná, contentando -se com o apresamento dos te
meminós .
É certo que esse preamento era o negócio direto, imediato ,
da gente de Piratininga, mas não é crivel que a expedição não
haja destacado uma parte do seu todo, ao menos para ir às
minas de Potosi ou às suas proximidades» .
( Meio Século, p . 78, e Boletim, p . 83 ) .
E pouco depois, aludindo à opinião de Pandiá Calógeras,
já acima exposta ( V. n . 30) :
«Tudo leva a crer que a expedição de Barreto, longe de
perambular, perdendo tempo pelo Guiará, como nos ministra
Calógeras ( «A Política exterior do Império», vol . I, pág . 80 ) ,
tenha feito qualquer coisa de mais eficiente no que concerne às
procuras mineralógicas , nas quais estava tão empenhado Dom
Francisco, que poderia ter transigido com os sertanistas paulis
tas a propósito da captura do gentio, mas não teria abandonado
o sonho de encontrar riquezas .
A sua vida futura foi um atestado disso. É possivel, porém,
que já estando Dom Francisco substituido na governança geral,
tudo se tenha alterado » .
( Meio Século, p. 79 e 80, e Boletim , p . 85 a 88 ) .
O autor já dissera :
« Diogo Botelho fôra o sucessor de Dom Francisco de Sousa,
desde o ano de 1602, como governador do Brasil, tendo tomado
posse do cargo em Pernambuco, no mês de abril , portanto muito
antes da partida da bandeira de Nicolau Barreto . Talvez isso
tenha influido na mudança de direção da expedição ! »
( Meio Século, p . 62 , nota 31 , e Boletim, p . 63, nota 31 ) .
Escreve o historiador, no capítulo intitulado «Conclusões» :
« Essa expedição, ao invés de haver trilhado terras centro
mineiras do Alto São Francisco, como acreditaram Derby e ou
tros ( um dêsses « outros» fôra o próprio Dr. Ellis, como já se
viu, nota 114) , tomou o rumo sudoeste, tendo penetrado, mais
ou menos fundamente, em terras castelhanas do Perú .
PARTE II CAPITULO II 73
N. 48 ( cont. )

Lembremos preliminarmente que, segundo o autor , O

Foi essa expedição, pelo número dos seus componentes , uma


bandeira mixta de apresamentos e de pesquisas metalíferas, de
modo a satisfazer as precisões imperiosas dos escravocratas pla
naltinos ( no Boletim : «satisfazer os pruridos escravocratas pla
naltinos » ) e os sonhos de riqueza dos portuguêses, especialmen
te de Dom Francisco de Sousa .
De riquezas, nada foi assegurado pela faina pesquisadora
de Dom Francisco, em terras lusas, o que o teria levado ( no
Boletim : «o que o levou ») a fazer partir Nicolau Barreto, para
buscá-las em solo da América espanhola, conciliando as necessi
dades econômicas de preamento dos potentados paulistas » ( no
Boletim : «conciliando assim os desejos de preamento dos poten.
tados paulistas, que não desejavam mais sacrificios em torno das
buscas em regiões onde o preamento, si não era impossível, era
ao menos respeitante a gente indígena ainda selvagem, ao passo
que os índios de terras castelhanas já haviam sido trazidos pelos
jesuitas ao grêmio da civilização») .
É provável ( no Boletim, dissera o historiador : « É possível»)
que a mudança na orientação governativa das colônias, com a
substituição de Dom Francisco por Diogo Botelho, tenha ocasio
nado a modificação na diretriz bandeirante . Aquela teve lugar
no princípio de 1602, enquanto que a bandeira de Barreto partiu
na segunda metade do mesmo ano» .
(Meio Século de Bandeirismo, p. 81 in fine e 82, e Boletim na
IX cit . , p . 89 in fine e 90 ) .
Cumpre esclarecer que a expedição saiu de S. Paulo em prin
cípios de setembro de 1602, no dia 8, conforme diz alhures o Dr.
Alfredo Ellis Júnior (V. adiante, n . 116, 3º parágrafo) e como
nos parece mais provável, à vista da documentação (V. ns. 116
in fine, 117 e 118) .
O citado Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia , Ciên.
cias e Letras da Universidade de S. Paulo , foi impresso em 1939,
e o livro Meio Século de Bandeirismo em 1948. No Resumo da
História de São Paulo, publicado em 1942 e reeditado, em 1944 ,
no Boletim nº XXXVII da mesma Faculdade, escreveu 0 Dr .
Alfredo Ellis Júnior ( V. pág . 134 ) , referindo-se à bandeira de
André de Leão :
«Parece que com esta expedição cessou a atividade de D.
Francisco . Estou na crença, porém, que foi ele o organizador
da expedição de Nicolau Barreto . Trabalhou neste sentido até
o mês de Abril de 1602, quando foi substituido . A bandeira de
Barreto então foi transformada em empresa de caça ao índio ,
74 PARTE II - CAPÍTULO II
N. 48 ( cont.) Nota 145 ( Il a V )

“ Paracatú " e o "Guaibihi” daqueles documentos seriam

com seus efetivos elevados e a orientação da mesma em direção


oposta diametralmente distraida » .
II . Examinaremos alhures a afirmativa de que, na época
da expedição de Nicolau Barreto, «os índios de terras castelha
nas já haviam sido trazidos pelos jesuitas ao grêmio da civili
zação». Verdade é que, no livro Meio Século de Bandeirismo,
o Dr. Ellis suprimiu essa frase, conforme observamos ; mas em
outros lugares do mesmo livro, fala no « farto manancial » de
«gente amansada», no «abundante celeiro de índios mansos», que
existiria no Guayrá, devido ao trabalho dos jesuítas . V. nota
180, III .
III . Não indagaremos se Nicolau Barreto e seus compa
nheiros tinham tão grande receio das temperaturas elevadas,
que se não arriscariam a sair em demanda de regiões brasileiras
de menor latitude nos últimos meses do ano, e se, portanto, a
época da partida da bandeira constitui ou não indício de que ela
foi ao Guayrá, e não aos sertões do S. Francisco. Faremos ape
nas uma observação . Se o douto historiador pensa que, depois
de ter estado no sul, isto é, no Guayrá, a expedição partiu «em
demanda de Potosi ou suas proximidades », e se, em seu entender,
o «Guaibihis da bandeira poderia ser um rio do sistema do
Pilcomayo ( na parte hoje boliviana ) , ou o Guapahy, também na
Bolívia ( V. nota 135), teriam os bandeirantes por ali andado
durante o verão, pois em fevereiro de 1603 Brás Gonçalves, o
moço, assinou um documento na região do «rio de Goaibihi» ( V.
n . 68) .
IV . Quanto à diretriz e aos fins da bandeira, se, con
forme reconhece o Dr. Ellis, D. Francisco de Sousa fôra subs
tituído, no governo geral, meses antes da partida da expedição,
é bem de ver que teria ficado sem efeito o que acaso houvesse
determinado ou planejado . Aliás, o próprio historiador paulista
acha possível, como declara mais de uma vez, nos trechos acima
transcritos (secção I desta nota) , que a destinação da leva de
Nicolau fosse devida ao novo governador geral .
V. Teria Diogo Botelho a « gula de riquezas » que ca
racterizava seu antecessor, que viera à Capitania de S. Vicente
e por ali andara , preocupado, acima de tudo, com as pesquisas
mineralógicas ? E, naqueles primeiros meses de governo, sobrar
The-ia vagar para cuidar dos problemas do bandeirismo vicenti
no ? É possível que sobrasse. Mas, que não foi ele quem ordenou
a expedição infere- se da carta que lhe dirigiu, a 18 de julho
de 1603 , a Câmara de S Paulo, bem como da que esta escreveu
75
PARTE II CAPITULO II
N. 48 ( cont.) Nota 145 (VI)

rios da Bolívia , podendo -se identificar o segundo com o

mais tarde ao donatário da Capitania , a 13 de janeiro de 1606 .


Já tivemos ocasião de examinar ambos os documentos .
No primeiro ( V. supra, n. 37 ) , alegam os camaristas que os
habitantes da Capitania que se achavam no sertão tinham ido
«co ordë e mãdado do capitão dela ou requerimto das camaras
pela mta nesesidade ò a tera tinha de gète (isto é, de índios)
e cõ pareser e provizão do gdor pasado dõ frco de souza». Ora ,
se parte daqueles sertanistas, isto é, a bandeira de Nicolau, ti
vesse ido com autorização do novo governador, não deixariam
os oficiais da Câmara de lho fazer lembrar, tanto mais que,
naquela carta, procuravam obter dêle a revogação da ordem para
ser cobrado o terço do gentio trazido do sertão .
Teria então Nicolau partido em virtude de «parecer e provi
são» de D. Francisco de Sousa, que desde alguns meses
já não era governador ? Não é provável que D. Francisco tives
se concedido autorização geral, válida por largo tempo, a todos os
que quisessem bandeirar . Existe, aliás, no trecho supracitado,
uma disjuntiva que grifámos, a qual demonstra que, pelo me
nos depois que D. Francisco deixara o governo, alguns sertanis
tas tinham ido ao sertão com ordem do capitão-mor e governa
dor da Capitania . Quando saiu a expedição de Nicolau Barreto,
era Roque Barreto, seu irmão, quem vinha exercendo o cargo
de capitão-mor . E foi êle, conforme declaram os camaristas, na
referida carta de 13 de janeiro de 1606 ao donatário da Capi
tania, quem enviou a expedição, « a descer o gentio » ( V. n . 43,
último parágrafo ) .
Aliás, já no dia 22 de março de 1603 , ao protestar contra as
expedições ao sertão, permitidas ou toleradas pelo capitão -mor,
«contra a lei de sua magestade», o procurador do Conselho apon
tara, entre elas, a de Nicolau Barreto , que partira no ano
anterior : «e têm mandado seu irmão nicolau bareto cõ perto de
trezentos homés » ... etc. ( Conf . nota 116, I ) .
Vimos ( nota cit., secção II) que Roque Barreto, nas explica
ções que deu à Câmara, no dia imediato, alegou que « não mãda
va dar guera ao gentio do sertão salvo alimpar ladroeiras» .
Além dos dois documentos citados, existe uma representação
dos camaristas paulistanos ao capitão-mor Diogo Lopes de Cas
tro ( sucessor de Roque ) , em que se diz que « des ou doze omēs
que estavão em segimto de nicolau bareto capitão que roque
bareto capitão que foi desta capt' mãdou ao sertão mudarão de
viagem» ... etc. ( V. adiante , n . 124, 4º parágrafo) .
VI . Vê- se que o caso pode ser explicado fàcilmente . Em
bora, depois da posse de seu sucessor ( Diogo Botelho ), D. Fran
76 PARTE II CAPITULO II
N. 48 ( cont .) Notas 145 (VII ) a 147

Guapahy (alto Mamoré ) ( 146) . Alhures, ao tratar da


passagem do Paraná , na foz do Piquiry, sugere o Dr. Ellis
a identificação do “ Paracatú” com o próprio rio Paraná
( 147 ) .

cisco de Sousa ainda permanecesse na Capitania de S. Vicente,


já ninguém lhe devia obediência . Quando muito lhe ouviriam os
conselhos . Os paulistas podiam entregar-se mais livremente ao
apresamento de indígenas, àquele «negocio direto, imediato, da
gente de Piratininga » ( como diz o dr . Alfredo Ellis Júnior ) , e
também da gente de outros povoados . Certo é que, naqueles
tempos, já haveria quem preferisse as atividades mineiras . Ou
tros, ainda, quereriam devassar os mistérios dos sertões, por sim
ples espírito aventureiro. O novo governador geral estava lon
ge, e Sua Majestade mais longe ainda. E havia, ali, na Capita
nia, o capitão-mor, nomeado pelo donatário, e que também esta
ria mais à vontade, depois que D. Francisco de Sousa deixara a
governança do Brasil . Daí a grande bandeira, cujo comando Ro
que Barreto confiou ao irmão . E daí também várias outras ex
pedições, que depois dela rumaram aos sertões, durante a admi
nistração daquele capitão-mor .
VII. – É difícil acreditar que Roque Barreto houvesse des
pachado aqueles 300 homens, com os numerosos índios auxilia
res, somente para «alimpar ladroeiras» ...
Não é possível, todavia, saber se a expedição partiria com
o propósito exclusivo de «descer» índios ( como se poderia in
ferir da supracitada carta ao donatário ) ou o de procurar minas ;
se teria ambas as finalidades ; ou se, pelo contrário, Roque Bar
reto dera carta branca ao irmão, afim de que pudesse agir con
forme as circunstâncias . Num testamento e num têrmo de in
ventário, lavrados no sertão, dizia o escrivão da bandeira : «deste
arraial do descobrimento das minas de ouro e prata e mais me
taes » ( V. adiante, ns . 69 e 71 in fine) . Pretender-se-ia apenas,
com essa frase altissonante, encobrir a verdadeira finalidade da
expedição ? Ou, embora esta se não destinasse, a principio, a
explorações mineralógicas, algum fato inesperado teria desper
tado a atenção dos sertanistas, levando - os a dedicar a tais pes
quisas uma parte da jornada ? Da documentação conhecida até
hoje, nada se pode concluir com segurança .
146. V. n. 45, penúltimo parágrafo, e nota 135. Ou, como
diz vagamente o autor, seria algum rio do sistema do Pilcomayo
ou da bacia do Madeira, na Bolivia ( V. n. 45, o texto corres
pondente à nota 133 ) , o que não altera as conclusões que va
mos tirar ( ns . 48 a 50 ) .
147. – V. n . 93, o texto correspondente à nota 283 .
PARTE II CAPITULO I 77
Ns. 48 ( fim ) e 49 -
Notas 148 a 155

De acórdo com os documentos da bandeira ( 148) ,


temos as seguintes etapas, no ano de 1603 :
a 17 de fevereiro : no " rio de Goaibihi” ( 149 ) ;
de 12 de março a 4 de abril, pelo menos : no
" sertão e rio do Paracatú " ( 150 ) ;

- a 29 de junho : novamente no “ Guaibihi” ( 151 ) ;


– a 31 de julho: no “ sertão e limites que povoam
os gentios tomiminós ” (temiminós) ( 152 ) .

Examinemos agora as identificações propostas pelo


Dr. Alfredo Ellis .
49 .Admitida a hipótese aventada em primeiro
lugar, isto é, a de serem o " Paracatú" e o "Guaibihi" rios
do território hoje boliviano, identificando -se o segundo com
o Guapahy, teríamos de concluir que todos os fatos ligados
às datas supra, de 17 de fevereiro a 29 de junho de 1603,
se passaram naquele território, onde os bandeirantes
teriam estado durante cerca de 4 meses e meio. Mas, a
31 de julho, já deveriam ter regressado e atravessado
novamente o " passo do rio Paraná, na foz do rio Pequiry " ,
pois, naquela data, a bandeira estava no sertão dos temi
minós ( 153 ) , e, no entender do historiador, o habitat
dêsses indígenas ficava " ao sul" ou " no sul" da capitania
de São Vicente, e para atingi- lo " era necessario passar pe
las cercanias de Villa Rica, no Guayrá" ( 154 ). No espaço
de 11 meses ( 155) , teriam os bandeirantes realizado a

148 . Reportamo-nos aqui às datas e aos topônimos que


figuram em testamentos e inventários de três membros da ex
pedição ( V. ns . 68 a 71 ) .
149 . Conf . n . 68 .
150. Conf. ns. 69 e 70.
151 . Conf. n. 71 , primeira parte.
152 . Conf . n . 71, segunda parte .
153. V. n. 71 , segunda parte.
154 . - V. adiante, n . 54 e nota 169 .
155 . A expedição partira da vila de S. Paulo em come
ços de setembro de 1602, muito provavelmente no dia 8 ( V. n .
118 ) . }
78 PARTE II CAPITULO II
Ns. 49 ( fim ) e 50 Notas 156 a 159

viagem de S. Paulo à Bolívia atual e regressado da


Bolívia ao “ sertão dos temiminós ” . Admitamos que ainda
permanecessem nesse sertão até o fim de agosto de 1603
( 156 ) . Teríamos, até a volta a S. Paulo ( 157 ) : um ano .
Por onde teriam andado durante este lapso de tempo ?
Voltariam à Bolívia ? Iriam até à Patagônia ?
Vê - se aqui o quanto são ilusórios os cálculos, feitos
pelo historiador, das distâncias que a bandeira deveria
ter percorrido, a tantos quilômetros por dia, sempre por
diante, sem obstáculos, sem digressões, contramarchas e
delongas forçadas, como se pudéssemos equiparar uma
bandeira, principalmente naquela época, a ima simples
prova esportiva, em pista livre.
50. — Passernos à segunda hipótese, isto é, a de ser o
" Paracatú " o próprio rio Paraná, continuando o " Guai
bihi” a ser o Guapahy, na Bolívia. Teremos de concluir
( 158 ) :
1.º - que, a 17 de fevereiro de 1603, a bandeira ( vindo
do " passo do rio Paraná , na foz do rio Pequiry " ) já estava
no Guapahy ( que seria , no entender do historiador, o
" Guaibihi" dos documentos ) ;
2.• que a 12 de março se achava novamente no
Paraná ( o " Paracatú " ) ;
3. ° que a 29 de junho , lá estava ( pela segunda
vez !) no Guapahy ( “Guaibihi” ), em território boliviano ;
4.0 enfim, que, regressando dali, e depois de
atravessar o rio Paraná e terras guairenhas, em 31 de
julho chegara ao sertão dos temiminós.
Em suma : teriam os bandeirantes efetuado duas vezes
a viagem de ida e volta entre o rio Paraná e a Bolívia !
E, como vimos, ainda lhes sobrariam 12 meses para outra
longa excursão ... ( 159 ) .

156. Ainda estavam no sertão dos temiminós no dia 14 do


referido mês ( V. n . 72 e nota 223 in fine ) .
157 . Fins de agosto ou começos de setembro de 1604 .
( V. n . 120 ) .
158 . V. n . 48, as indicações cronológicas .
159 . Conf. n . 49 in fine.
PARTE II CAPÍTULO II 79
Ns. 51 e 52 Notas 160 e 161

51 . No mais recente livro em que o Dr. Alfredo


Ellis Júnior estuda a bandeira de Nicolau Barreto, há uma
nota que dá a entender que o autor conseguiu, afinal, sair
do terreno das conjeturas e obter provas irrefragáveis de
suas afirmativas :

" Pesquisas feitas pelo insigne historiador português


Prof. Jayme Cortezão, nos documentos da coleção
De Angelis, conservados ineditos, confirmam de
modo impressionante todas minhas previsões,
feitas profeticamente vinte anos antes, como se
fossem adivinhadas. Oxalá eu veja confirmadas
assim todas as hipoteses que levanto !” ( 160 ).
O erudito historiador paulista não dá qualquer indi
cação que mostre o verdadeiro alcance das revelações do
historiador português, no tocante à bandeira de Nicolau
Barreto. Sem dúvida, as expressões da nota que aca
bamos de transcrever levariam a acreditar que os
documentos da preciosíssima coleção De Angelis provam
a alegada excursão de Nicolau Barreto aos sertões
longínquos do antigo “Peru", hoje bolivianos, via Guayrá ,
Piquiry, etc. Pura ilusão! Quatro páginas adiante, em
outra nota, declara o Dr. Ellis :
“ A documentação De Angelis, analisada pelo eme
rito historiador português Jayme Cortezão, mostra
que o planalto paulista teve contacto assiduo com
Potosi, de modo que a minha hipotese, de Barreto
ter chegado até lá, se reveste de muitos indicios e
probabilidades. Talvez ela venha a ser provada !"
( 161 ) .

52. — Assim , o Dr. Alfredo Ellis Júnior já não insiste


em dizer que a célebre carta da Câmara de S. Paulo ao
donatário da Capitania fazia certo que Nicolau Barreto
batera o record bandeirante, por ter ido até o Peru. Entre
tanto , no capítulo das " Conclusões” referentes à expedição,

160 . -
Meio Século de Bandeirismo, p . 66, nota 35- A .
161 . Obra citada, p . 70, nota 37 - A .
80 PARTE I - CAPITULO II
N. 52 ( fim ) Nota 162

julga encontrar semelhança entre o " bandeirismo de


ofensiva ” e o " fenômeno das cruzadas européias” ; vê no
governador D. Francisco de Sousa um " Pedro - o -Eremita
sul- americano ” ; e afirma que a bandeira de Nicolau foi
“ a primeira cruzada na qual o seu capitão teria sido réplica
de Godofredo de Bulhão" ! ( 162 ) .
Francamente, não vemos em que as bandeiras como
a de 1602-1604 se pareçam com as Cruzadas. Consideran
do -se, pelo menos, as respectivas finalidades (e isto é o
principal), salta aos olhos a enorme diferença.
Mas, deixando de parte o “ Pedro - o -Eremita sul-ame
ricano" ( que, aliás, muito ao contrário do outro Eremita,
sofria da auri sacra fames ), e limitando-nos àquela " pri
meira cruzada ”, forçoso é reconhecer que as conjeturas
do Dr. Ellis jamais serão confirmadas. A hipótese da
penetração em terras do Paraguay e da Bolívia atuais
constitui um complemento da tese da invasão do Guayrá.
Demonstraremos cabalmente que esta invasão não passa
de um sonho, e assim ficará ipso facto eliminado o suposto
complemento. Nicolau Barreto já não poderá ser compa
rado ao herói da Terra Santa, e nem sequer terá feito jus
à taça do grande raid internacional, que, em certa época,
o distinto historiador desejara entregar-lhe, em nome dos
ilustres camaristas paulistanos.

162 . Meio Século de Bandeirismo, p . 81 , e Boletim nº IX


cit . , p . 89 (com pequenas diferenças ) .
CAPITULO III

A ata da Câmara de S. Paulo de 7 de janeiro de 1607


e os índios temiminós capturados por Manuel Preto
quando voltava de Vila Rica
53. A bandeira de Nicolau Barreto esteve no “ sertão
e limites” dos temiminós e apresou indios desta nação
(163 ) .
Orville Derby, tendo identificado o " Paracatú” dos
documentos da bandeira com o grande afluente da margem
esquerda do S. Francisco, em Minas Gerais, entendeu que
o território ocupado por aqueles indígenas podia ser
" plausivelmente collocado no sertão ao oeste do rio
São Francisco e provavelmente ao norte do rio Para
catú ” ( 164 ) .

54. — Discorda o Dr. Alfredo Ellis Júnior dessa loca


lização (165) , como, aliás, rejeita in totum , segundo já
vimos, as conclusões referentes à exploração do vale do
S. Francisco pela expedição de Barreto . Diz o historiador
paulista ( 166 ) :
" Preliminarmente, o " habitat" dos indios teme
!
163. V. n. 71 , nota 223 e n. 73.
164 . Conf . n . 4 .
165 . Quanto à situação do « sertão dos temiminós » en
contrados pela bandeira , v . nota 410 .
166 . 0 Bandeirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3*
-

ed., p. 80, 2 ed., p. 76 , e 1 ° ed., p . 23 in fine e 24 ; Boletim nº IX


da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
de S. Paulo, p . 62 ; Meio Século de Bandeirismo, p . 61 in fine
e 62 .
82 PARTE II CAPITULO III
N. 54 ( contin .) Notas 167 a 170

minós, apresados, em numero de 3.000 ( 167 ) , pe


los bandeirantes desta razzia , não era ( 168 ) o ter
reno mineiro, nem tampouco o goyano, antes, pelo
contrario , ficava elle ao sul da capitania de São
Vicente , e , para attingir os sertões dessa nação
gentilica , era necessario passar pelas cercanias de
Villa Rica, no Guayrá ( 169) . Quem isso assegura
é um documento municipal, que o dr. Derby não
viu ” .
Baseia - se o autor no trecho seguinte da ata da
Câmara de S. Paulo de 7 de janeiro de 1607 ( 170) :

167 . Quanto a este número, v . também o cit . Boletim


nº IX , p . 94 ( nota 46 ) , e Meio Século de Bandeirismo, p . 86
( nota 46 ) . V. mais : Basílio de Magalhães, Expansão Geo
graphica do Brasil Colonial, 2 ed., p. 112, e 3. ed., p. 149, e His
toria do Brasil ( Livraria Francisco Alves, 1942 ) , p. 179 .
Quem calculou em cerca de 3000 os índios capturados pela
bandeira de Nicolau Barreto foi Orville Derby (As Bandeiras
Paulistas de 1601 a 1604, na Rev. do Inst . Hist . e Geogr . de
S. Paulo, vol . 8°, p . 401 in fine e 402 ) . Baseando-se no número
de «peças» distribuídas aos quinhões de Manuel de Chaves (V.
Inventários e Testamentos, vol . 1°, p . 474 a 476 ) e Brás Gonçal
ves, o moço ( Inv . e Test . , vol . 26°, p . 19 in fine e 20 ) , atribuiu
10 índios a cada um dos componentes da bandeira, que eram uns
300 ( V. nota 123 e o texto correspondente) . Julgou que a maior
parte dos cativos seriam temiminós . Havia também amoipiras
( Conf. adiante, n. 73 e nota 227) . Além disso, é provável que,
no combate com os tupinaês ( « topiães» ) , em que foi ferido Ma
nuel de Chaves (V. n. 70) , fossem aprisionados índios dessa
nação .
168 . Assim está na 2* ed. ( p . 76 ) e na 3. ( p . 80 ) de
O Bandeirismo Paulista ; na 1", lê-se : «nunca foi » ( p . 23 in fine) .
169 . No cit . Boletim nº IX ( p . 62 ) e em Meio Século de
Bandeirismo ( p . 61 in fine e 62 ) escreve o autor : « no sul » da
Capitania de S. Vicente, em vez de « ao sul » .
Num dos mapas em que traçou o suposto itinerário de Ni
colau Barreto, o Dr. Alfredo Ellis Júnior localizou os temimi
nós no território guairenho , entre o Ivahy e o Piquiry, afluen .
tes do rio Paraná ( V. O Bandeirismo Paulista, 3a ed., p . 84 ) .
Romário Martins indica uma localização igualmente arbitra
ria ( V. nota 175) .
170 . Atas da Câmara de S. Paulo, vol . 20 , p . 184 .
PARTE II CAPITULO III 83
Ns. 54 ( fim ) a 57 — Notas 171 e 172

“ ... enformado que mel preto troichera mtos temi .


minos que vinhão de sua terra en busca dos brancos
os quais vinhão de pazes y elle mel preto vindo da
Villa Rica os encontrara no caminho e os troichera
a sua caza .. etc.

55 . Escreve, por sua vez, o Dr. Afonso Taunay :

“Os Temininos habitavam a região guayrenha , no


dizer do documento que Derby não conheceu
( Actas II, 184 ) e referente a uma entrada de
Manuel Preto nas immediações de Villa Rica ”
( 171 ) .

56. - Examinemos o famoso documento , cujo sentido,


aliás, é de meridiana clareza. Trata -se de uma queixa
apresentada aos oficiais da Câmara paulistana pelo
procurador dos índios forros. Diz ele estar informado de
que Manuel Preto, vindo de Vila Rica (no Guayra ), encon
trara no caminho e trouxera para sua casa muitos temi
minós que vinham "de pazes" , de sua terra , em busca
dos brancos.

Nada mais evidente. Quem vinha de Vila Rica era


Manuel Preto, e não os temiminós, que ele apenas encon
trara no caminho, talvez quando pouco lhe faltasse para
chegar a S. Paulo (172 ) .
57. Entretanto os historiadores tiraram con
clusões diametralmente opostas ao que se declara na ata .
Segundo um, o " habitat ” dos temiminós ficava "ao sul
da Capitania de São Vicente " , e para atingi-lo, era
necessário passar pelas imediações de Vila Rica ; e ainda
acrescenta que " quem isso assegura " é aquele documento

171 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I , p .


186. Em outro lugar, diz o historiador que os temiminós eram
índios «incontestavelmente guayrenhos» (V. adiante, n. 59 ) .
172 . Não é difícil a explicação do fato , aliás ocorrido
mais de dois anos após a volta da bandeira de Nicolau Barreto
( V. n. 86) .
84 PARTE II CAPITULO III
N. 57 ( fim ) Nota 173

municipal! E o outro escritor assevera também que, “ no


dizer do documento" os " temininos" ( sic ) " habitavam .
região guayrenha ” !
Se assim fôsse, Manuel Preto os teria apanhado lá
mesmo no Guayrá. Não os encontraria no caminho,
quando de Vila Rica regressava a S. Paulo, como assegura
( agora sim ) a citada ata ( 173) .

173 . 1. Note-se que, baseado na citada ata de 7 de ja


neiro de 1607, o Dr. Ellis afirmara, em outro lugar da obra O
Bandeirismo Paulista ( 34 ed., p . 96 , 2* ed., p. 91 , e 1 ° ed., p. 32) :
«Em princípios de 1607, voltava do Guayra o capitão Ma
nuel Preto, trazendo do caminho de Villa Rica indios apresados
para a sua fazenda de N. S. da Expectação (hoje N. S. do
0) » . Mais tarde, porém, escreveu que, naquele ano, o menciona
do bandeirante «regressava do Sul, carregado de indios, natu
ralmente para serem armazenados na sua fazenda de Nossa
Senhora da Expectação» ( Boletim nº IX cit., p. 96, e Meio Século
de Bandeirismo, p. 88 ) . Disse ainda, nestes mesmos trabalhos
( p . 121 e 109, respectivamente ) : «em 1606 , encontramos, cati
vando indios e voltando de uma peregrinação em Guairá, o fat
moso capitão Manuel Preto que trouxe ( na segunda das citadas
obras está : «que teria trazido» ) de Villa Rica bojudo carrega
mento de índios apresados, como se pode verificar (sic) em
« Atas», vol . II, pág . 184 » .
Il . Romário Martins, que se limitou a repetir o que dis
sera o Dr. Ellis, escreve, referindo -se a Manuel Preto :
« Em 1607 chegava a S. Paulo, de regresso de uma farta
caçada de indios nas proximidades de Vila Rica do Espirito San
to ( rio Ivaí ) , com esse gentio povoando a sua fazenda de N. S.
da Expectação ( hoje N. S. do Ó ) » (Historia do Paraná, 2. ed.,
Editora Rumo, S. Paulo -Curitiba, 1939 , p. 204 ) .
Em outro lugar transportou a data da caçada para o ano de
1629 (V. adiante, nota 175) .
III . Vimos ( n . 28) que Capistrano de Abreu julgou não
ser «muito certo » que Nicolau Barreto ( o saudoso historiador
escreveu : «Leão», por inadvertência , como já observamos ; v .
n . 29) tivesse ido ao Paracatu, afluente do S. Francisco, porém
não tratou de resolver a dúvida . Quanto aos temiminós, limitou
se a dizer que o seu habitat não podia ser determinado em rigor, e
acrescentou, citando o vol . 20, p . 184 , das Atas ( da Câmara de
S. Paulo ) : « Manuel Preto, vindo do Guayra , encontrou -os a meio
caminho » .
Esse « os » poderia dar a entender que o famoso bandeirante
PARTE III - CAPITULO MI 85
Ns. 58 a 60 – Notas 174 e 175

58. - Mas, os doutos historiadores vão além .


Depois de transcrever o mencionado tópico da ata
de 7 de janeiro de 1607 ( que nada tem que ver com a
bandeira de Nicolau Barreto, de 1602-1604 ) , escreve o Dr.
Alfredo Ellis Júnior :

"Ora, a unica Villa Rica então existente era no


Guayrá, territorio hoje paranaense , o que vem
provar que os tememinós, que foram guerreados
por Barreto e seus seguidores, tinham as suas
moradas muito distantes das Geraes" (174) .
59. A conclusão é realmente inesperada. Não
obstante, o Dr. Afonso Taunay a admitiu sem hesitação.
Referindo -se a Nicolau Barreto, afirmou não haver mais
duvida de que

“em 1603 tenha percorrido o Guayrá a aprisionar


temininos, indios incontestavelmente guayrenhos,
como se evidencia do termo das Actas (v. II, p.
184 ) ainda invocado por Ellis” ( 175) .
60. — Ahi está : só porque Manuel Preto , voltando de
Vila Rica, encontrara e apresara, no caminho, uns pobres
tem iminós ( a ata nem diz quantos) que vinham de sua
terra à procura dos brancos, inferiram logo os ilustres

descobrira
tretanto todos os temiminós existentes naquela época . En
, a mencionada ata só se refere a «muitos temiminós
encontrados por Manuel Preto «no caminho » ( e não «a meio
caminho»), quando regressava de Vila Rica (V. n . 54 in fine) .
174 . -

O Bandeirismo Paulista, 3* ed., p. 80 in fine, 24 ed.,


p.culo76 in fine, e 1° ed., p. 24 ; Boletim nº ix cit., p. 63 ; Meio Sé
de Bandeirismo, p . 62 .

175 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I , Apen


80, p . 341 .

Romário Martins, firmado no que disseram os ilustres his


toriadores do bandeirismo , enriqueceu a sua lista de antigos
habitantes do território guairenho (hoje paranaense), incluindo
hela os temiminós (denominação que escreve por duas formas,
ambas incorretas), e além disso designou a região que, no seu
86 PARTE II CAPÍTULO III
N. 60 ( fim ) Notas 176 e 177
1

historiadores que a terra daqueles indígenas era situada H

justamente nas longinquas paragens de onde regressava


o famoso bandeirante ! Dando mais um passo, enten
deram que era ali o " habitat " exclusivo da nação temiminó .
E como, anos antes de Manuel Preto, a bandeira de
Nicolau Barreto também encontrara e capturara índios
temiminós, concluiram que aquela expedição fôra ter ao
Guayrá, e não aos sertões mineiros, como pensara Orville
Derby e como também haviam acreditado os impugnantes
( 176) .
E foi assim que surgiu a lenda dos temiminós
guairenhos. Lenda, repetimos: no capítulo em que tra
tamos dos indígenas encontrados pela bandeira de Nicolau
Barreto ( 177 ) , ver - se - á que temos razão.

i entender, deveriam ocupar . Eis o que diz na Historia do Paraná


( 2° ed . cit . , p . 45 ) :
« Teminimós. Entre os rios Piquirí e Tibagi, em zona de
campos . Manuel Preto levou Terminimós para São Paulo, de re
gresso de Guaíra, em 1629 (sic) . A bandeira de Nicolau Barreto,
que visou o Perú, de combate a Teminimos em territorio para
naense, segundo Alfredo Ellis Jr. ( 0 Bandeirismo Paulista e o
Recuo do Meridiano, pag . 21 ) . Afonso de E. Taunay ( Historia
Geral das Bandeiras Paulistas, pag. 186 ) diz que os Teminimós
habitavam a região guairenha, nas imediações de Vila Rica» .
176 . Quanto ao Dr. Taunay, v. supra , n. 11 e nota 31. '
« Também estive nessa crença », diz o Dr. Alfredo Ellis Jú
nior, referindo - se ao parecer de Derby, e passa a expor os mo
tivos que o levaram a mudar de opinião (V. nota 114 ) .
177 . Quanto aos temiminós, v . Parte III, capítulo I, sec
ções II e IV ( ns. 79 a 86 e 89 a 91 ) .
CAPITULO IV

A carta de 2 de outubro de 1629


do Pe. Justo Mancilla Van Surck
ao Pe. Geral da Companhia de Jesus
61 . Em artigo publicado no Correio Paulistano de
20 de agôsto de 1923, o Dr. Afonso de E. Taunay, acei
tando as conclusões do Dr. Alfredo Ellis Júnior quanto
à invasão do Guayrá pela bandeira de Nicolau Barreto
178 ), aduziu em apoio, transcrevendo - a em parte, uma
(carta
escrita da Bahia , a 2 de outubro de 1629 , pelo
padre jesuíta Justo Mancilla van Surck ao Pe. Geral da
Companhia
Pastells de Jesus, carta essa divulgada pelo Pe. Pablo
em sua Historia de la Compañía de Jesús en la
Provincia del Paraguay (179) . Disse então o Dr. Taunay
que o documento era “relativo ao assalto das reducções

178 . O Dr. Ellis vinha publicando no mesmo jornal uma


série
tempodedepois referentesnoàslivro
artigosenfeixados bandeiras , os quais foram pouco
O Bandeirismo Paulista e o
Recúo de Meridiano .
Convém lembrar que, na opinião do Dr. Afonso de E. Tau
nay , «o material até hoje conhecido » não permite afirmar que,
depois
sad de invadir o Guayrá, Nicolau Barreto houvesse atraves
o 0 Paraná e chegado a regiões hoje pertencentes à Bolívia,
como supõe o Dr. Alfredo Ellis Júnior ( Conf. supra, n. 12) .
179 . - I. No tomo I da Historia Geral das Bandeiras Pau.
listas, impresso em 1924 , o Dr. Taunay fêz apenas referências à
carta (V. supra, ns . 12 in fine, 15, segundo parágrafo in fine,

18, terceiro parágrafo) e trasladou o trecho relativo à mencio


Rada bandeira (V. tomo I cit ., p. 187 e 188 ) .
A parte do documento publicada no artigo do Dr. Taunay
88 PARTE II - CAPITULO IV
N. 61 ( contin .) Notas 179 (II) e 180 (I a III )

do Guayrá pelos paulistas” ( 180 ) , deixando de esclarecer


qual o assalto de que se tratava . Como na parte que

foi inserta na maioria dos trabalhos em que o Dr. Alfredo Ellis


Júnior estudou a expedição de Nicolau Barreto . V. O Ban
deirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3a ed., nota 12 ( p .
85 a 88 ) , 2° ed., nota 12 ( p . 81 a 83 ) , e 1 ° ed., nota 4 ( p. 27 a
30 ) ; Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de S. Paulo, nota 35 ( p . 66 a 69 ) ; e Meio Sé
culo de Bandeirismo, nota 35 ( p . 64 a 66 ) .
II . Para facilitar a leitura dos trechos que vamos trasla
dar, de acordo com o texto publicado por Pastells, substituiremos
o v, usado na grafia antiga , por u, e vice-versa. Assim , escrevere
mos : «unas», em vez de «vnas», «ivan», e não «iuan », etc.
180 . I. V. o citado artigo do Correio Paulistano, pág . 1 ,
no meio da 4 coluna .
Declara , por sua vez , o Dr. Alfredo Ellis Júnior :
«Trata -se de uma carta ... que o famoso jesuita escreve de
S. Salvador em 2 de outubro de 1629, relatando ao geral da
Companhia de Jesus o assalto ás reducções do Guayrá pelos pau
listas » (O Bandeirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3a ed., p .
89 in fine, e 2 ° ed . , p . 85 ) .
Conforme a seguir explicamos (n. 62 e nota 182) , o assalto a
: que se refere o Pe. Mancilla ocorreu mais de 20 anos depois da
expedição de Nicolau Barreto .
.

II . Aliás, na época desta bandeira ( 1602-1604 ) , ainda não


existiam reduções jesuíticas no Guayrá ( V. as secções V e VI
desta nota) . E o resultado da catequese dos jesuítas naquele
antigo território castelhano não fôra o que dá a entender o Dr.
Alfredo Ellis Júnior em alguns trechos de seus trabalhos, quan
do procura mais um argumento a favor da tese guairenha .
III . Diz o Dr. Ellis, referindo -se às regiões do S. Fran
fisco , que ali o preamento de índios, « si não era impossível, era
ao menos respeitante a gente indígena ainda selvagem , ao passo
que os índios de terras castelhanas já haviam sido trazidos pelos
jesuitas ao grêmio da civilização » ( Boletim nº IX da Faculdade
de Filosofia , Ciências e Letras da Universidade de S. Paulo,
p . 90 ) .
No lugar correspondente do livro Meio Século de Bandeiris
mo ( p . 82 ) , o autor não repetiu o que escrevera no citado Bo
letim . Todavia, apontando, em ambos os trabalhos, o que lhe
parecia ser um indicio de que a região procurada por Nicolau
PARTE N- CAPITULO IV 89
N. 61 ( contin .)

transcreveu só se vê uma pequena e vaga alusão à tirada

Barreto era «a sulina, ou antes, a de sudoeste», observou :


«porque era nessa direção que se localisava o abundante celeiro
de índios mansos de Guairá» (Meio Século, p. 53 in fine e 54 , e
Boletim, p. 53 in fine) . No Boletim, em vez de «indios mansos
de Guairá», lê-se : «indios mansos de Vera ou Guairá » .
E adiante ( Boletim, p. 72 in fine e 73, Meio Século, p. 69 ) :
.. « Além do exposto, havia, em São Paulo, um decidido
pendor pelo apresamento ( em Meio Século : « ima premente ne
cessidade do apresamento » ) do gentio, que escasseava nas re

giões de além-Mantiqueira e do Rio São Francisco, o mesmo não


se
dando no Guairá, onde os jesuítas já haviam iniciado um
trabalho de catequização e de agremiação» .
Já dissera o Dr. Ellis, ao tratar da orientação da bandeira
de Nicolau Barreto :
«É certo que só em 1607 se havia de organizar a província
jesuítica do Paraguai, à qual deveria pertencer o Guairá, que é
o atual Estado do Paraná . É certo, ainda, que só em 1610 deve
riam ser semeadas as reduções guairenhas, ao longo dos rios .
Mas, é certo, também , que, desde 1586, se haviam estabelecido
os jesuítas, com os padres Tomaz Filds, João Saloni, Manuel
Ortega, Leonardo Arminio e Estêvão da Gram, em terras para
guaias, ali iniciando a catequização indígena com um êxito de
pasmar .

Ora, esse fato, para os paulistas, era de dar-lhes água na


bôca .

As populações indígenas do Guairá eram densas e amansadas !


Pois então, tendo indios já catequizados, iam ter o traba
Iho de apresar selvícolas, ainda em estado de selvajaria? Seria
dar- lhes um atestado de inferioridade psíquica. Pois iriam atirar
sese ao osso rijo e magro, nos sertões agrestes, que cada vez mais
distanciavam , infligindo -lhes toda sorte de penas, para o
apresamento de populações belicosas e ralas ?
ondeTudo estava a indicar - lhes o farto manancial do Guairá,
a gente
tas , etc.) .
era já amansada, e já pacífica em razão dos jesuí
( Boletim nº IX cit., p. 51 e 52 ) .
ria Èste Boletim foi publicado em 1939. No Resumo da Histó .
de São Paulo ( 1942 ) e no Boletim n' XXXVII da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras (1944 ), o historiador manifesta
ºpinião
lhos dosdiametralmente oposta, quanto ao resultado dos traba
padres da Companhia de Jesus ( V. p . 143 de ambas as
Publicações) :
«Os jesuítas que estiveram no Paraguai no quinhentismo
90 PARTE II CAPITULO IV
N. 61 ( fim ) Nota 180 ( IV )

de índios das reduções, vamos examinar o conteúdo da


missiva .

nada deixaram em matéria de catequização do ameríndio, mas


na primeira década do seiscentismo, chegou ao Paraguai nova
leva de reverendos loiolanos .
Estes realizaram a execução de um vasto plano» .
O vasto plano era a fundação das reduções, que, no Guayrá,
começaram a surgir exatamente no fim daquela década, em 1610,
como declara o próprio Dr. Ellis e como adiante se verá (sec
ção V desta nota) .
Entretanto, nas págs. 51 e 52 do livro Me Século de Ban
deirismo, publicado em 1948 (e que é uma reedição, com algu
mas alterações, do trabalho impresso no Boletim nº IX) , o autor
repetiu o que dissera nêste Boletim, deixando ficar a referência
ao «êxito de pasmar» da catequese jesuítica e fazendo, nos perío
dos seguintes, as modificações que grifamos :
«Ora, esse fato, para os paulistas, era de dar-lhes água
na bôca !
Presa facil, situada a tão curta distância !
As populações indigenas do Guaira, aos milhares, eram den
sas e amansadas!
Pois então, tendo índios já catequizados e em grande núme
mero, iriam ter o trabalho de apresar disseminados selvicolas,
ainda em estado de selvajaria ? Seria dar-lhes um atestado de
.
inferioridade psiquica . Pois, não é de se pensar que eles fossem
atirar- se ao Osso rijo e magro, nos sertões agrestes, que cada
vez mais se distanciavam , infligindo - lhes toda sorte de penas,
para o apresamento dificil de populações belicosas e ralas ?
Tudo estava a indicar- lhes » ... etc.
IV .
No Resumo da História de São Paulo ( p . 220/221 ) e
no citado Boletim n' XXXVII (p. 220/221 ) , o Dr. Alfredo Ellis
Júnior apresenta um gráfico intitulado : « Bandeirismo contra os
Jesuítas», e na legenda explica : «Bandeirismo de apresamento
nos estabelecimentos jesuíticos ». Figura em primeiro lugar a
bandeira de Nicolau Barreto, de 1602-1604 . Seguem-se as de
Martim Rodrigues e Belchior Dias Carneiro, às quais o autor
atribui os milésimos de 1607 e 1608, respectivamente. As demais
são posteriores a 1610, ano da fundação das primeiras redu
ções jesuíticas no Guayra ( V. a secção V desta nota) .
Ora, se antes da fundação dos aldeamentos denominados
reduções, os jesuítas exerciam a sua elevada missão visitando
os índios, em suas aldeias, por que razão incluir aquelas três
expedições no chamado « bandeirismo contra os Jesuítas », ou
PARTE II CAPÍTULO IV 91
N. 62 Nota 180 (V )

62. Convém advertir, preliminarmente, que o Pe.


Pastells dividiu o documento em duas partes, que trans
creveu em notas muito distantes uma da outra.

« bandeirismo de apresamento nos estabelecimentos jesuíticos ) ?


Não é necessário, porém, ir mais longe, pois o próprio his
toriador dêsse bandeirismo nos diz, nos mesmos trabalhos (p .
246 de ambos ), depois de se referir à expedição «de João Pereira
de Souza Botafogo, em 1596», e à «de Nicolau Barreto, de 1602
a 1604 » :
«mas nessa ocasião ainda não haviam os estabelecimentos
jesuíticos, reunidos, na vastíssima organização teocrática en
terras castelhanas ,
Esta só se iniciou em 1610, quando os reverendos firmaram
se no território do nosso Estado do Paraná » ... «aí fundando as
reduções de Loreto e Sto . Ignacio Meni . Assim sendo, não fi
zeram parte da luta contra os jesuítas as duas expedições, de
1607 a 1608, assinaladas em São Paulo, a chefiada por Belchior
Dias Carneiro e a de Martim Rodrigues Tenorio» .
E pouco adiante (pag . cit . , in fine) : «Pode-se, pois, esta
belecer que as primeiras investidas, contra os jesuítas, foram as
de Pedro Vaz de Barros, em 1611, e de Sebastião Preto, em 1612» .
Em conclusão : se as bandeiras de Martim Rodrigues e Bel
chior Carneiro « não fizeram parte da luta contra os jesuítas »,
o mesmo se deveria dizer, a fortiori, da expedição de Nicolau
Barreto, anterior àquelas, mesmo que essa expedição tivesse an
dado pelo Guayrá . Nenhuma das três devia, pois, figurar no
citado gráfico . Ou, pelo menos, era de esperar que o autor,
verificando a contradição, o não reimprimisse tal qual, na pág.
18 do livro Meio Século de Bandeirismo, publicado em 1948
( 6 anos depois do Resumo da História de São Paulo e 4 anos
depois do Boletim n' XXXVII) .
V. - Não cabe aqui historiar os primeiros trabalhos da
Companhia de Jesus na antiga Província do Paraguay e do Rio
da Prata, que abrangia o território do Guayrá. Diremos apenas
que, até depois da época em que terminou a expedição de Nico
lau Barreto ( 1604 ) , os poucos jesuítas enviados àquele territó
rio só puderam , apesar de seu zêlo , realizar missões entre os
indios, missões instáveis ( « inestables », como diz o historiador
jesuíta Pe. Guilherme Furlong Cardiff). A catequese só se de
senvolveu mais regularmente depois da criação da província
jesuítica do Paraguay . Foi então que se levou a efeito no Guayrá
( que fazia parte dessa província ) o sistema das reduções . As
primeiras, de S. Inácio e Loreto, só foram fundadas em 1610 .
- V. o capítulo Las Misiones Jesuíticas, da autoria do mencio
92 PARTE II CAPITULO IV
N. 62 ( cont. ) - Notas 180 ( VI ) a 182

Na primeira parte da carta ( 181) , refere -se o Pe.


Mancilla ao assalto das reduções de Santo Antônio e
Jesus -Maria (no Guayrá ), levado a efeito por bandei
rantes paulistas, em 1629 ( 182 ), e conta que ele e o Pe.
Simão Maceta foram do Guayrá a S. Paulo e depois, junta
mente com o provincial da Companhia de Jesus no Brasil,
. Pe. Antônio de Matos ( que haviam encontrado naquela
vila ), dirigiram -se à Bahia, para pedir providências ao
governador geral. Diz que éste dera ordem para que
fosse a S. Paulo um sindicante, afim de mandar soltar os
índios tirados das reduções e punir os culpados. Observa,
porém , que haveria dificuldade na execução das ordens do

nado Pe. Furlong , no vol . III da Historia de La Nacion Argen


tina, de Ricardo Levene e outros, 24 ed. (Buenos Aires, 1939 ) ,
principalmente p. 415 e 418, e o livro do Pe. Carlos Teschauer,
S. J., Vida e Obras do Pe. Roque González de S. Cruz, 3. ed.
(Tipografia do Centro, Pôrto Alegre ) , p . 27 e 132. Parece-nos
desnecessário citar outros historiadores .
VI . — Convém precaver-se contra os equívocos que pode
riam resultar da leitura de alguns autores, segundo os quais
aquelas reduções seriam muito mais antigas . Um deles é D.
Félix de Azara, que, como observa o Pe. Furlong Cardiff, lhes
atribui data anterior à da própria vinda dos primeiros jesuítas.
Segundo Azara, a redução de Santo Inácio Mini ( Mirim ) teria
sido fundada em 1555, isto é, um ano antes do falecimento de
Inácio de Loyola, e a de São Xavier doze anos antes da morte
do Pe. Francisco Xavier, quando, portanto, nem o fundador da
Companhia de Jesus, nem o Apóstolo das fndias e do Japão
tinham sido canonizados ! ( V. a cit . Historia de la Nacion Ar
gentina, 2° ed., vol. III, p . 418, nota 9 ) .
0 Cônego João Pedro Gay cita Loreto e S. Inácio Mirim
entre as 13 «colônias fundadas pelos hespanhóes» no território
do Guayrá, tôdas em 1555 ! (Historia da Republica Jesuitica do
Paraguay, na Rev. do Inst . Hist . e Geogr . Bras., tomo 26', p.
39 ) . Verdade é que adiante ( p . 188 e 189 ) , narrando a fundação
de Loreto , o autor aponta o ano de 1610 .
181 . Historia de la Compañía de Jesús cit . , tomo I (Ma
drid, 1912 ) , p . 438 e 439 .
182 . Aliás não foram só essas as reduções atacadas na
quela época .
Existem vários outros documentos relativos ao assunto, en
tre os quais os três que citámos em nota 71, VII .
Da bandeira a que se refere o Pe. Mancilla tratam, entre
PARTE II - CAPÍTULO IV 93
Ns. 62 (fim ) e 63 — Notas 183 a 185

governador, e passa a dar as razões de sua afirmativa :


" porque toda aquella Villa de S. Pablo, es gente desal
mada y alevantada " ... etc.
Neste ponto ( 183) , o Pe. Pastells omitiu uma parte
da carta, que já transcrevera em outra nota ( 184 ), e da
qual passamos a tratar.
63 . Nessa segunda parte, a única que o Dr. Afonso
de E. Taunay reproduziu no mencionado artigo do Correio
Paulistano, o Pe. Mancilla recapitula fatos diversos, ocor
ridos durante muitos anos. Cita atos de rebeldia contra
as justiças, na vila de S. Paulo ; refere - se à fuga aos
sertões, para evitar a ação das autoridades ; narra o apre
samento e o tráfico de índios pelos paulistas, o modo de
organização das bandeiras, os assaltos a aldeias indi
genas, etc. O autor da missiva fala dêsses fatos de modo
genérico, sem dar qualquer indicação de ordem topográ
fica, e já não faz alusão às reduções, a não ser uma única
vez : depois de dizer que, quando não bastavam os ardis
para atrair os indios, os bandeirantes empregavam a
fôrça , observa : - "como agora fizeram aos que tiraram
de nossas reduções" ( 185 ) , referindo - se, como se vê, às

outros historiadores, Afonso de E. Taunay (Historia Geral das


Bandeiras Paulistas, tomo II, principalmente nas págs . 5, 73,
74 , 77 a 89, 92 in fine a 95 e 114 a 117 ) e Alfredo Ellis Júnior
(O Bandeirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3a ed ., p. 122
a 132, 2 ed., p. 117 a 127, e 1° ed., p. 55 a 61 ; Boletim nº IX da Fa
culdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de S. Pau
lo, p. 137 a 149 ; Meio Século de Bandeirismo, p. 124 a 133 ;
Resumo da História de São Paulo, p. 247 e 248 ; e Boletim n'
XXXVII da mencionada Faculdade, p . 247 e 248 ) .
183 . V. a citada Historia de la Compañía de Jesús, tomo
1 , p. 439 in fine .
184 . -
- V. tomo I cit., p . 189 a 191 .
Diz Pastells (p . 189 cit., nota) : « Sobre el carácter é indus
trias de los vecinos de la Villa de San Pablo del Brasil en sus
malocas tomamos de una carta del P. Justo Mancilla Van
Surck > ... «lo siguiente» . E transcreve a parte da carta que
resumimos no texto (n . 63) .
185 . Escreve o Pe. Mancilla : «como ahora hizieron a los
-

que sacaron de nuestras reducciones » ( V. Pastells , op. cit., tomo


94 PARTE II CAPÍTULO IV
Ns. 63 ( fim ) e 64 Notas 186 a 190

proezas ainda recentes, já narradas na primeira parte


da carta .
64. — Prossegue o Pe. Mancilla ( 186 ) :
"Una cosa, de que me pasme mucho, me conto el
P. Fran.co Carneiro, que fue Rector del Collegio de
Rio de Herrero ( 187) , y la lei escrita en unos
papeles del P. Sebastian Gomez, grande Apostol
de los Indios aqui, que Dios tenga en gloria, y es
que en el año de 1602 ( ?? ) ( 188 ) fue de San Paulo
( 189 ) á buscar y traer Indios Nicolas Barreto , con
licencia de su hermano, Roque Barreto, Capitan
de la tierra ( 190 ) , con capa de buscar minas ; y
llevo en su compañia 270 portugueses y 3 clerigos.

1, p . 191 , nota ) . Na transcrição feita pelo Dr. Alfredo Ellis


Júnior, lê-se, em lugar das palavras que grifámos : « hizieran »
e « sahiren » ou « sahirem » ( V. O Bandeirismo paulista, 3. ed., p.
87, nota, 2° ed., p. 82 in fine, e 1 ° ed., p. 29 ; Boletim nº IX cit.,
p. 68, nota ; e Meio Século de Bandeirismo, p . 65 in fine) .
: 186 . V. Pastells, obra cit., tomo I, p . 191 .
o trecho que vamos transcrever encontra- se também no ci
!
tado artigo do Dr. Taunay ( no Correio Paulistano de 20 de
agosto de 1923 , p . 1 , 52 coluna, última parte ) , assim como na
Hist. Geral das Bandeiras Paulistas ( tomo I, p. 187 e 188 ) e nos
trabalhos seguintes do Dr. Alfredo Ellis Júnior : 0 Bandeirismo
Paulista e o Recúo do Meridiano, 34 ed., p . 87 ( nota ) , 2° ed..
p. 83 ( nota ) , e 1 ° ed ., p. 29 in fine e 30 ; Boletim nº IX da Facul
dade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de S. Pau
lo , p . 68 in fine e 69 ( nota ) ; e Meio Século de Bandeirismo, p .
66 ( nota ) .
Indicaremos os principais lapsos que ocorreram nessas trans
: crições ( V. notas 188 a 190, 193, 194, 195, segunda parte, e
196 a 198 ) .
187 . É o que se lê no texto dado por Pastells ; mas deve
ser , evidentemente : « Rio de Henero » ( Rio de Janeiro ) .
188. – Estes pontos de interrogação, que se vêem na obra
de Pastells, foram omitidos no cit . Boletim nº IX e no livro
Meio Século de Bandeirismo .
A respeito da dúvida quanto ao ano de 1602, v . adiante,
n. 66 .
189. No artigo do Dr. Taunay e em todos os trabalhos do
Dr. Ellis, mencionados em nota 186, faltou a preposição «de» .
190 . Nas transcrições a que acabamos de nos referir,
PARTE II CAPITULO IV 95
N. 64 ( fim ) Notas 191 a 198

Unos 40 dellos dieron por aquellos montes con


unos Indios Christianos, que embiados de nuestros
Padres de la Villa Rica de Espiritu Santo (191 ) ,
avian ydo á buscar sus parientes y traerlos para
nuestras aldeas ( 192 ) , y con efeto ( 193) llevavan
ia para ellas ( 194 ) unas 700 almas ; pero estos
portugueses los tomaron á todos ; aunque estos
Indios Christianos les dezian que nuestros Padres
les avian embiado, y que alli cerca avia otros
muchos infieles que llevar ( 195 ), etc. Y para que
estos Christianos despues de bueltos ( 196 ) no se
quexassen , los ahorcaron , negandoles confession
que pedian, aviendo entre ellos un ( 197 ) clerigo
que los pedia confessar” ( 198 ) .

assim como na Historia Geral das Bandeiras Paulistas, foi omi


tido o vocábulo « Capitan » .
191 . . É a povoação também chamada simplesmente Vila
Rica, fundada pelos espanhóis no território do Guayrá .
192 . Caso o fato se tivesse passado realmente em 1602, o
que é duvidoso ( V. n. 66) , a expressão «nuestras aldeas» só po
deria referir-se a aldeias indígenas em que os jesuítas iam
exercer o seu ministério, e não às reduções do Guayrá, que na
quela época ainda não existiam ( V. nota 180, V e VI ) .
193. - Nas transcrições feitas pelos Drs. Taunay e Ellis
Júnior faltou a palavra «efeto» .
194. Nas mencionadas transcrições, menos na Historia
Geral das Bandeiras Paulistas, saiu : « para ellos» .
195 . No texto publicado pelo Pe. Pastells està : «lleuar» .
Neste e em outros casos, substituímos o u por v, conforme de
clarámos no fim da nota 179. No livro Meio Século de Bandei.
rismo saiu : «lleur», e nos demais trabalhos citados do Dr. Al
fredo Ellis : «lleuer» .
196 . Nas obras do Dr. Ellis : « hueltos » .
197 . No livro Meio Século de Bandeirismo lê -se : « vi»,
em vez de «un» ( no original : « vn » ) .
198 . - Na Hist . Geral das Bandeiras Paulistas : «que los
podia confessar» .
Até aqui, a narrativa referente à bandeira de Nicolau Bar
reto. A seguir escreve o Pe. Mancilla : « Y que para tantos de
sordenes, que ya de 40 años atras continuamente hizieron , y aun
todavia hazen en tierras Christianas, no haya castigo ninguno
96 PARTE II -
CAPÍTULO IV
N. 65 Nota 199

65. — Referindo -se à carta do P.e Mancilla, diz o Dr.


Afonso Taunay :
" um documento hespanhol... em que se fala da
entrada de Barreto em terras de Guayrá ".
E depois :
“ É verdade que o autor do documento hespanhol,
o Padre Mansilla, não dá como certa a data de 1602
fixada para a entrada de Nicolau Barreto em terras 1
1

do Guayrá . E a mencionar o millesimo diz : "En


el año de 1602 ( ?? ) fue de San Pablo " ... etc. ( 199 ) .
Vejamos se é exato que o P.e Mancilla fala da entrada
de Nicolau Barreto em terras guairenhas. Em resumo,
diz o ilustre jesuíta que esse bandeirante partira de
S. Paulo a buscar indios, sob pretexto de procurar minas,
e que uns 40 homens da bandeira deram, “ por aqueles
montes”, com índios cristãos que, enviados pelos jesuítas
de Vila Rica, tinham ido buscar seus “ parentes” e levavam
para lá uns 700 selvagens. Os 40 homens apresaram a
êstes, embora os índios cristãos dissessem que havia por
ali muitos outros índios, que podiam ser capturados; e,
para que os índios cristãos, depois de regressarem , não
se queixassem ( “ despues de bueltos no se quexassen ” ),
aqueles aventureiros os enforcaram, privando -os, além
disso, da confissão que pediam, quando havia ali um
sacerdote que se prontificava a confessá -los.
!
O P.e Mancilla não declara onde se deu o encontro ;
escreve apenas, depois de se referir à saída de S. Paulo
e antes de fazer qualquer alusão à Vila Rica e às aldeias
BI

indígenas do Guayrá : " por aquellos montes”, usando de


uma frase que já empregara, em outros trechos da carta,
1 ao aludir simplesmente às correrias dos paulistas pelos
sertões. Também não diz qual o rumo seguido pela
bandeira, nem de onde vinham os indígenas trazidos pelos

ni ( Pastells, obra citada, p . 191 in fine ) .


enmienda » ...
Em todos os supracitados trabalhos, quer do Dr. Afonso de
E. Taunay, quer do Dr. Alfredo Ellis Júnior, lê - se : «haya cas
tigo » em vez de « no haya castigo » .
199. - Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I, p .
339 .
PARTE II CAPITULO IV 97
Ns. 65 ( fim ) e 66 — Notas 200 a 203

indios cristãos. Não se pode, portanto, afirmar que,


quando foram descobertos pelo grupo dos 40, a bandeira
estivesse perto do Guayrá , e ainda menos que invadisse
essa região, quer antes, quer depois do encontro . Aliás,
se assim houvesse acontecido, claro é que o P.e Mancilla
não teria deixado de o dizer.
Em conclusão : o documento não fala absolutamente
na entrada de Barreto em terras guairenhas ( 200 ) .
66. – Os autores das barbaridades narradas pelo
P.e Mancilla pertenceriam de fato à bandeira de Nicolau
Barreto, estudada neste trabalho, e que saiu de S. Paulo
em setembro de 1602 ? ( 201 ) . Conforme observou
próprio Dr. Taunay, depois da indicação do ano em que
teriam ocorrido aqueles fatos ( 1602) , vêem -se dois pontos
de interrogação ( 202 ). Acaso teria Nicolau Barreto
chefiado alguma expedição anterior a setembro de 1602 :
Não seria impossível que naquele mesmo ano, ou em
algum dos anteriores, em que seu irmão Roque Barreto
já exercera o cargo de capitão -mor ( 203), tivesse Nicolau
penetrado nos sertões. Neste caso, a narrativa do P.e

200 . Vê-se o quanto se engana o Dr. Alfredo Ellis Jú


nior, quando, referindo-se à carta do Pe . Mancilla , assevera :
«nela se consubstancia a orientação da empreitada de Barreto
( Boletim nº IX cit ., p. 121 , e Meio Século de Bandeirismo, p. 109 ) .
Ocorreu no presente caso um erro de raciocínio análogo ao
que levou os ilustres historiadores a afirmar que os temiminós
apanhados por Manuel Preto, no caminho, quando voltava de Vila
Rica, habitavam exatamente a região de onde regressava O
bandeirante (V. o capítulo anterior, ns . 54 a 57 ) ; êrro que, por
sua vez, acarretou outro ainda maior, qual o de desviarem a
expedição de Nicolau Barreto para o território guairenho ( V.
ns . 58 a 60 ) . Assim também aquí : somente porque 40 componen
tes de uma bandeira que saíra de S. Paulo encontraram « por
aqueles montes» uns indios que levavam aos jesuítas de Vila
Rica um bando de selvagens vindos de paragens ignotas , con
cluiu -se que o encontro daquela gente provava que a expedição
paulista invadira o Guayrá .
201. - V. n . 118 .
202 . V. n . 65, princípio .
203 . Começou a exercê- lo a 19 de outubro de 1598 , em
98 PARTE II CAPITULO IV
N. 66 ( fim ) Nota 204

Mancilla já não interessaria ao nosso estudo. Podemos


todavia dizer por mais estranha que pareça agora a
nossa afirmativa que, mesmo que se tratasse da
expedição de 1602-1604, nem por isso ficaria abalada a
tese da exploração do vale do S. Francisco. É o que se
verá quando tratarmos das regiões percorridas pela ban
deira antes de chegar ao território mineiro ( 204 ) .

virtude de provisão do donatário da Capitania, Lopo de Sousa .


Substituído, pouco depois, por Diogo Arias de Aguirre, voltou
ao cargo em 1600 ( V. Carvalho Franco, Os Capitães- Móres Vi
centinos, na Revista do Arquivo Municipal de S. Paulo, vol . 65 °,
p. 51 e 52 ) .
Diz o citado historiador que o sucessor de Roque Barreto,
Diogo Lopes de Castro, embora nomeado ( pelo governador ge
ral ) a 24 de fevereiro de 1602 , «sómente entrou em exercicio de
pois do dia 4 de agosto do referido ano» (vol. 65º cit., p. 52
in fine) . Cumpre esclarecer que Roque Barreto ainda era capi
tão -mor quando saiu a bandeira de 1602-1604 ( em começos de
setembro de 1602 : v . adiante, n. 118) . Foi ele quem ordenou a ex
pedição, como demonstram os tópicos seguintes de três do
cumentos municipais :
«Roque Barreto sendo capitão mandou ao sertão 300 ho .
mens brancos a descer o gentio » ( V. supra, n. 43 in fine) .
«e têm mandado seu irmão nicolau bareto cõ perto de
trezentos homés » etc. (V. nota 116, I ) .
« des ou doze omes que estavão em segimto de nicolau
bareto capitão que roque bareto capitão que foi desta capt' mã
1 dou ao sertão » ... ( V. n . 124, último parágrafo ) .
! Roque Barreto ainda exerceu o cargo em 1603, durante al
guns meses , em virtude de nomeação feita pelo governador ge
ral, Diogo Botelho (Carvalho Franco, op. cit., p . 53 e 54 ) .
Não é exato ( ou, pelo menos, é muito duvidoso ) que vol
tasse a ser capitão-mor em 1613 , como se poderia inferir de
uma carta de sesmaria por ele assinada , e em que figura , provà
velmente por engano de quem a trasladou, em 1613, a data de 1 °
de abril do mesmo ano (V. Sesmarias, publ . do Departamento do
Arquivo do Estado de S. Paulo, vol. 1 °, p. 206 e 207 ) .
Advirta-se, aliás, que mesmo em relação aos supracitados
períodos de governo de Roque Barreto, existem certas divergên
cias que, devido à escassez dos documentos, não podem ser
resolvidas de modo seguro.
204 . V. Parte IV, capítulo II, ns. 121 a 128 .
PARTE III

PROVAS DA EXPLORAÇÃO DO VALE DO


S. FRANCISCO

PELA BANDEIRA DE NICOLAU BARRETO


1

1
INTRODUÇÃO

Informações de ordem topográfica e etnográfica


dos testamentos e inventários de bandeirantes

67. – Conforme dissemos, Orville Derby, no seu:


estuco sôbre a bandeira de Nicolau Barreto, baseou-se em
cópias dos testamentos e inventários, ainda inéditos, de
Brás Gonçalves, o moço , e Manuel de Chaves ( 205 ) , que
faleceram durante a expedição. Esses documentos, bem
como o testamento e o inventário de Martim Rodrigues,
também componente da bandeira, foram depois publicados
na coleção Inventários e Testamentos, iniciada em 1920
pelo Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo
( 206 ) .

205 . V. supra , n . 1 e nota 2 . Nessas cópias existem


lacunas e inexatidões, que serão devidamente apontadas.
206 . Esta publicação, promovida por iniciativa patrió
tica do Dr. Washington Luis Pereira de Sousa, quando pre
sidente do Estado de S. Paulo, compreende hoje 36 volumes,
na maioria esgotados .
Vamos indicar os lugares em que se encontram os testamen
tos e inventários mencionados no texto supra :
Testamento de Manuel de Chaves ( feito no sertão ) : vol . 10
( publicado em 1920 ) , p . 461 a 464 ; inventário do sertão : ibidem,
p . 459 a 461 e 464 a 477 ; inventário processado em S. Paulo :
ibidem, p . 477 a 505 .
Testamento de Brás Gonçalves, o moço (lavrado no sertão ) :
vol . 26 ° ( publicado em 1921 ) , p . 11 a 14 ; aditamento : ibidem,
p . 14 e 15 ; inventário do sertão : ibidem, p . 9 , 10 e 15 a 20 ; in
ventário de S. Paulo : ibidem, p . 5 a 9 e 20 a 39.
No vol . ' 11° ( de 1921 ) já tinham sido publicados o testa
mento do referido Brás Gonçalves, o aditamento e alguns extra
tos dos inventários dêsse bandeirante ( p . 9 a 19 ) , tudo de acordo
com um caderno de apontamentos do Dr. Washington Luis (Conf.
ibidem, p. 7).
Testamento de Martim Rodrigues ( feito no sertão ) : vol. 2
102 PARTE II INTRODUÇÃO
Ns. 67 ( fim ) a 69 Notas 207 a 209

Vamos coligir os trechos em que existem dados topo


gráficos e etnográficos (207 ) . Seguiremos a ordem
cronológica.
68. — A 17 de fevereiro de 1603, Brás Gonçalves, o
moço , firmou, no "Rio de Goaibihi" , um documento de
dívida que figura no inventário aberto em S. Paulo depois
do regresso da bandeira ( 208 ).
69 . Lê- se no testamento de Martim Rodrigues,
datado de 12 de março do mesmo ano ( 209) : " neste

( publicado em 1920 ) , p. 21 a 27. Quanto ao inventário, v. nota


209, II in fine .
207 . Num dos documentos também se vê uma referên
cia ao rio Anhemby (Tietê) , da qual trataremos oportunamente
( V. n. 126) .
208 . Foi iniciado a 9 de setembro de 1604 ( V. Inv . e
Test . , vol . 26 °, p . 5 ) .
Quanto ao documento de 17 de fevereiro de 1603, o topôni
mo que se lê na publicação oficial ( vol . 26° cit ., p . 32 in fine) é :
«Goaibihi» . Nos apontamentos extraídos do caderno do Dr.
Washington Luis está : «Goaibihy » ( Inv. e Test., vol 11 °, p. 18
in fine) .
O documento foi redigido por Francisco Nunes Cubas, que
assim grafou a denominação : goaj bj hjs ( V. o clichê abaixo ) .

1
Final do documento de dívida escrito por Francisco N 16
nes Cubas e assinado por Brás Gonçalves, o moco , a 17 de
fevereiro de 1603, " neste Rio de goaj bj hj" ( 1. * linha )
1
o devedor declara que o pagamento será feito " no Rio
i danhonbj” ( 3.4 linha ) .

209 . I. Inv . e Test., vol. 2 , p . 21 in fine. Orville Der


by não teve ocasião de ver esse testamento , que não figura
entre as cópias anexas ao seu estudo , As Bandeiras Paulistas de
1601 a 1604 ( Rev. do Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo, vol . 3º ) .
ul . Ao contrário je seus companheiros Manuel de Cha
ves
e Brás Gonçalves, o noço , Martim Rodrigues não faleceu
durante a jornada de Nicolau Barreto , e sim noutra expedição,
que partiu em 1608. Nos testamentos ( redigidos a 26 de agosto
daquele ano ) de Lourenço Gomes Ruxaque e Manuel Dias , vê-se
PARTE III INTRODUÇÃO 103
Ns. 69 ( fim ) e 70 Notas 210 a 216

sertão e rio do Paracatú ” (210 ). O testamento foi redi


gido por Manuel de Soveral, " escrivão deste arraial do
descobrimento das minas de ouro e prata e mais metaes”
( 211 ) .
70. Declara Manuel de Chaves, em seu testamento,
de 30 de março de 1603 ( 212 ) , achar - se " doente de uma
frechada que me deram os topiães" ( 213 ) . Pouco sobre
viveu ao ferimento . O inventário foi aberto a 2 de abril
seguinte ( 214 ) , por ordem do capitão da bandeira , Nicolau
Barreto, “ neste sertão e rio do Paracatú ” (215) , indicação
repetida no auto de venda dos bens do falecido (4 de
abril) ( 216 ) .

a declaração de que estavam no « porto do Rio de Anhemby »,


na companhia de Martim Rodrigues, «a o acompanhar aonde são
os Bilreiros » ( Inv . e Test., vol . 2 , p . 358 e 359 in fine, e vol .
11°, p . 23 e 24 ) . No inventário de Antônio Nunes, iniciado em
S. Paulo a 23 de julho de 1612 (quase 4 anos após a partida
dessa expedição ), lé-se : «porquanto não ha novas da gente que
foi na companhia de Martim Rodrigues e se terem todos por
mortos» ( Inv. e Test., vol. 3 , p . 255 ) . Aliás, a 18 de junho do
mesmo ano de 1612, fôra também aberto, em S. Paulo, o inven
tário de Martim Rodrigues, « por ser ido ao sertão e se dizer ser
lá morto » ( Inv . e Test., vol . 2 , p . 5 ) .
210 . Inv . e Test., vol . 29, p. 21 in fine .
211 . Ibidem , p . 26 .
212 . É a data que figura no fim do testamento, tanto na
publicação oficial (Inv. e Test., vol. 1 °, p . 464 ) como na cópia
de Derby ( Rev. do Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo, vol . 80,
p . 415) . Segundo esta cópia, a redação do documento ter-se-ia
iniciado a 22 do mesmo mês de março ( V. Revista cit . , p . 414 ) .
Na publicação oficial há uma falha no começo do testamento,
no lugar em que se designava o dia ( Inv. e Test., vol . 1 ° cit.,
p . 461 in fine ) . Derby atribuiu ao testamento a data de 22
(Revista cit ., p. 400 ) , quando , na realidade, foi concluído no dia
30 .
213 . Inv . e Test . , vol . 1°, p . 461 in fine. Na cópia de
Derby : apias», em vez de « topiães » ( Revista cit . , vol. 89. , p .
414) . Veremos (nota 232) que se trata dos tupinaês .
214 . · Inv . e Test . , vol. 1°, p . 459 .
Orville Derby escreveu : «4 de Abril » ( Revista cit . , p . 401 ) ,
que é a data do auto de venda do espólio .
215. Inv. e Test., vol . 1 °, p . 459 .
216 . Vol . 1° cit . , p . 464. No texto anexo ao trabalho de
104 PARTE III INTRODUÇÃO
N. 1 Notas 217 e 218

71. – No testamento de Brás Gonçalves, o moço ( 29


de junho de 1603) (217 ) , encontra - se a seguinte refe
rência : "nesta entrada do Rio de Guaibihi ( 218 ) onde ...

Derby, saiu impresso : « Paracutú » ( Revista cit . , vol. 89, p . 415 ) .


Mas no têrmo de abertura do inventário está certo : « Paracatú »
(V. ibidem, p . 412 in fine) .
217 . Inv . e Test., vol. 26' , p . 11 .
No dia 13 de julho do mesmo ano, o testador fez outra ;
declarações de última vontade ( V. ibidem, p . 14 e 15 ) .
Derby atribuiu por engano ao testamento a data de 29 de
julho ( Revista cit., vol 89, p . 400 ) .
218 . - I. Inv . e Test., vol . 26', p . 14 .
Na cópia do tesiamento anexa ao artigo de Orville Derby
cstá : « goiabihi» ( Revista cit., vol . 80, p . 409 ) , e na que foi ex
traida do caderno do Dr. Washington Luis : «Goaibihy » ( Inv .
e Test ., vol . 11 ' , p . 13 in fine ).
II . 0 testamento de Brás Gonçalves, o moço , foi escrito
por Francisco Nunes Cubas, o mesmo que redigira o documento
assinado por aquele bandeirante a 17 de fevereiro de 1603 ( V.
n . 68) , quando a expedição estivera pela primeira vez no «Goai
bihi » ou «Guaibihi ». Quer nesse documento ( V. nota 208) , quer
1 no testamento , Francisco Cubas separou as sílabas do topónimo
e , em lugar do i, escreveu j, como às vezes se costumava fazer :
No original daquele documento , a primeira sílaba é : « goaj » ,
e na respectiva impressão : « goai » ( V. nota citada ) , ao passo
que no testamento a segunda letra desapareceu, provavelmente
depois da publicação , em que se vê um u e não um o ( vol. 26°,
p . 14 cit. ) .
Como quer que seja , as diferenças são de importância secun
dária , motivo pelo qual temos feito e continuaremos a fazer as
referências ao topónimo, empregando as grafias «Goaibihi » e
« Guaibihi», da publicação oficial, e não « goaj bj hj » e « guaj bj hj ».

Trecho do testamento de Brús Gonçalves, o moco, lavrado


no dia 29 de junho de 1603. " nesta ( entrada ) do Rio de
G ( u ) aj bj hj onde... Corimat ( ah ) ;".
O documento sofreu estragos depois da publicação oficial,
ainbox 08 topónimos aparecem completos ( Inventar
rios e Testamentos, vol. 26.9 , p . 14 ) .
PARTE II INTRODUÇÃO 105
Ns. 71 ( fim ) e 72 Notas 219 a 223

(219 ) corimatahi ” ( 220 ) . Procedeu - se ao inventário a 31


de julho do mesmo ano, “neste sertão e limites que
povoam os gentios tomiminós ( 221 ) perante o capitão
mor deste arraial do descobrimento das minas de ouro e
prata e mais metaes Nicolau Barreto " (222) .
72. – Lê - se num têrmo lavrado a 14 de agôsto do
mesmo ano de 1603, no citado inventário de Manuel de
Chaves : " neste sertão ..... tinas ( ? ) e limites que
povoam os gentios do ..... nesta tranqueira onde
ora . do o capitão Nicolau Barreto com seu arraial"
(223 ) .

219 . Na publicação oficial ( vol . 26' cit., p. 14 ) , há


uma nota que diz : « Parece, pelo resto das letras que escapou á
traça, que estava aqui a palavra foi» . Realmente, vê-se, no ori
ginal, uma palavra que devia ter três letras . A segunda letra
desapareceu. A primeira parece ser um f e a terceira é um i
alongado (j ) . Estaria escrito : «foj » (foi) . Este vocábulo , porém ,
não forma sentido . Mas o que importa é a denominação «cori
matahi», da qual trataremos no capítulo II, secção IV, desta Parte
III ( n . 114 ) .
220 . Inv . e Test., vol . 26° cit ., p . 14 .
V. o clichê da página anterior.
Na copia de que se utilizou Derby ( Revista cit ., vol. 89, p .
409) e nos apontamentos do caderno do Dr. Washington Luis,
publicados no vol . 11° dos Inventários e Testamentos ( p . 13
in fine) , não figura o topónimo «corimatahi », que foi substi
tuído por pontos .
221 . Na cópia de Derby : « Temiminos » ( Revista cit., vol .
80, p . 406 ) . Nos mencionados apontamentos : «tememinós » ( Inv.
e Test., vol . 11 °, p . 10 ) .
222 . inv. e Test., vol. 26', p . 9 in fine.
223. Inv . e Test . , vol . 19, p . 472. É um têrmo de « deso .
brigação de cinco mil réis que Salvador Pires fez a Duarte Ma
chado». Na cópia em que se baseou Orville Derby ( Revista cit . ,
vol. 8°, p . 417 ) , aparece, em vez dêsse título, o de um termo
anterior, que se vê na publicação oficial ( Inv . e Test., vol . 1 ', p.
471 ) : « Termo de deposito das tres peças forras que neste inven
tario estão declaradas » .
Em compensação, naquela cópia, extraída quando o original
se acharia menos danificado, lê-se : « neste sertão termos e limi
tes
era
que povoam os gentios temiminos nesta tranqueira onde
de capitão Nicoláo Barreto com seu arraial».
106 PARTE II INTRODUÇÃO
Ns. 73 e 74 Notas 224 a 227

73. Enfim , no inventário de Brás Gonçalves, o


moço, num têrmo de “ declaração das peças que foram
dadas ao defunto em qụinhão" ( 14 de março de 1604 ) ,
lemos ( 224 ) :
"...taes como os mais que neste sertão se repartiram
da nação tomiminó ( 225) e a ... piras” ( 226 ) .
A denominação incompleta é : amoipiras, nome de
uma tribo do vale do rio S. Francisco , segundo veremos
oportunamente ( 227 ) .

74. Nos capítulos seguintes examinaremos as indi


cações de ordem etnográfica e topográfica que aparecem
nos citados documentos .

224 . Inv. e Test., vol. 26 °, p . 19 in fine e 20 .


225 . No documento anexo ao artigo de Orville Derby
( Revista cit ., vol . 80, p. 411 ) : « torniminos», erro tipográfico evi
dente . No vol . 11 ° dos Inv. e Test ., p . 16 ( apontamentos do
caderno do Dr. Washington Luís ) : «temiminós» .
226 . Em ambas as transcrições a que acabamos de nos
referir foi omitido esse nome .
227. Quando vimos aquele « a... piras» , pensamos logo
que se tratava dos amoipiras, pois não existia outra nação ou
tribo indígena, cujo nome tivesse terminação igual. O exame
do documento confirma a identificação. V. O clichê abaixo .
Quanto ao habitat dos amoipiras, v . as secções III e IV do
capítulo I desta Parte III ( ns. 87 a 91 ) .

AZ

Trecho do termo de 14 de março de 1604, no inrentárin


de Brás Gocalres, o moco. Referência aos temiminós ( fim in
1.6 linha ) e ( “ E ” ) amoipiras ( 2.4 linha ) . Quanto a esta
denominação , apesar dos c8tragos do documento , distinguen.
se bem : o a , uma parte do m , e, depois de um furo ( no lugar
da letra o ) , um i ( ou, talvez, parte de um u ) e a terminação
piras, ( escrirão teria grafado : " amoipirar " ou " amou piras " .
A antepenúltima letra é um r, e não um como poderin
parecer a quem não esteja familiarizado com as formas gri
ficas antigas Veja.se , na 1.2 linha , a forma do r, nas pala .
rras " gertão " e " ( re )partirão " ( repartirana ) , e, na 2. " linha ,
or de " l'urador " .

1
-

8‫܂‬

HI

CAPITULO I
ie
DES
Os indígenas encontrados
pela bandeira de Nicolau Barreto

-
75. -

Nos documentos da expedição existem refe


rências aos :
“ topiães” , isto é, tupinaês (228 ) ;
“ tomiminós ” (temiminós ) ( 229 ) ;
" amoipiras” ( 230 ).
A cada uma dessas nações indígenas dedicaremos uma
secção ; e na Secção IV examinaremos um documento
importantíssimo do século 17.°, que nos dá notícia dos
do amoipiras e dos temiminós do vale do S. Francisco.

SECÇÃO I

Os Tupinaês ( 231 )

76. — Segundo Gabriel Soares de Sousa , os tupinaês


( 232 ), que antigamente povoavam a costa brasileira,

228 . Conf. supra , n. 70 .


Quanto à identificação dos « topiães» com os « tupinaês», v .
nota 232 .
229. Conf. ns. 71, segunda parte, e 73 e nota 223 in fine,
230 . Conf . n . 73 e nota 227 .
231 . Adotamos a grafia habitualmente usada por Gabriel
Soares de Sousa ( V. nota seguinte, IV ) .
232 . I. Identificamos com os tupinaês os « topiães » a que
se refere Manuel de Chaves em seu testamento ( V. n. 70 ) . Já
ficou dito ( nota 213 ) que no texto anexo ao estudo de Orville
Derby saiu : « tapias » .
Basílio de Magalhães, lendo esta denominação, julgou que
108 PARTE III CAPÍTULO I SECÇÃO I
N. 76 ( contin . ) Nota 232 ( II e III )

" foram sempre lançados do outro gentio, com quem

talvez estivesse em bgar de «tapuias» ( Expansão Geographica


do Brasil Colonial, 2* ed . , C.ia Editora Nacional , série Brasilia
na, vol . XLV, 1935 , p . 112 , e 3a ed ., vol. 5° da Biblioteca Brasi .
leira de Cultura, editora Epasa , Rio, 1944 , p . 149 ) . É sabido
que esse nome não era privativo de uma nação ou tribo, e sim
apenas uma alcunha dada a tribos ou nações consideradas infe
riores ou inimigas . Selvagens assim denominados existiam em
diversas regiões do Brasil . Aliás, a identificação proposta pelo
ilustre historiador não tem fundamento, pois que o não tem a
decifração «tapias », que aparece nà citada cópia .
II . O Dr. Alfredo Ellis Júnior, referindo -se à opinião
de Basilio de Magalhães, declara : « divergindo , penso que
eram tapés, os quais se localizavam desde o Rio Grande do Sul,
até o Paraná » (Meio Século de Bandeirismo, p. 62, fim da nota
30 ) . Vê-se que o historiador pensou encontrar naquele « tapiasy
um indicio de que a bandeira de Nicolau Barreto passara por
terras guairenhas .
III . A identificação que fazemos, dos « topiães » com OS

tupinaês, não pode oferecer a menor dúvida .


Observemos preliminarmente que, no fim do testamento de
Manuel de Chaves , há uma referência a uma india «tupiães ( Inv.
e Test., vol . 1 ', p . 463 in fine ) .
Nos documentos antigos as grafias são muito variadas.
Vemos ( deixando de parte o s do plural, que aparece em alguns
casos ) : « topiae » ( Inv . e Test., vol . 4 ' , p . 337 , e vol . 59, p . 147
in fine) ; « tupiãe », como no fim do referido testamento ( Atas
da Câmara de S. Paulo, vol . 1 °, p . 279 in fine, 281 in fine e 328
in fine) ; « tupiãei» ( Inv . e Test. , vol . 1°, p . 362 ) ; « topiaen
( Inv. e Test., vol . 25' , p . 93 ) ; « tupiaen » ( Inv . e Test., vol . 2',
p . 32 , e Atas, vol. 1 ', p . 333 ) ; « tupyaen » ( Atas, vol. 1 ' , p . 333 ) ;
« tupiãen » ( Atas, vol. 1 °, p . 329 ) ; « tupiaēn » ( vol . cit ., p .
328 ) ; « topiha hem » ( Inv . e Test., vol . 30° , p . 203 ) .
Às vezes intercalava -se um 0 : « tupioam » ( Inv. e Test .,
vol. 29 , p . 29 in fine ) ; «tupioaem » ou « tupioaen» ( Inv . e
Test., vol., 1 °, p . 415, vol 29 , p . 13 in fine e 121 , vol 3', p . 9, 22,
60 in fine e 73, vol. 5', p . 137 , 255, 269 e 431 , vol. 11 °, p . 32, e
vol. 30', p . 163 in fine e 213 ) ; « tupioãen » ( Inv . e Test., vol .
1 ", p . 415 e 416 ) .
Outras vezes dá - se a intercalação da sílaba go : « topigoãe »,
« topigoãen » ( Inv . e Test . , vol 1 ° , p . 447 ) ; « topigoaem » ( Inv .
e Test., vol. 26° , p . 6 in fine) ; « topigoaen » ( Inv. e Test.,
vol. 3 ' , p . 202 in fine e 203 ) .
PARTE DI CAPÍTULO I - SECÇÃO I 109
N. 76 ( contin .) - Nota 232 ( IV )

ficavam visinhando, por suas ruins condições ; do

Em nenhum dos 36 volumes da coleção Inventários e Tes


tai tos até agora publicados, e que abrangem quase todos os
documentos dêsse gênero , até meados do século XVII ( e alguns
posteriores a esta época ) , existentes no Departamento do Arqui
vo do Estado de S. Paulo, se nos depara o n que se vê na forma
ktupinaê» . Mas , nas Atas da Câmara de S. Paulo, encontramos,
já em época remota , a denominação «topinães», que aparece uma
vez na ata de 14 de novembro de 1593 e duas vezes na de 5
de dezembro do mesmo ano ( V. Atas cit ., vol . 19, p . 474 e 476 ) .
Ora, na citada ata de 14 de novembro, os mesmos indígenas
designados por « topinães» são, pouco depois, chamados « tu
piāes» ( Conf . vol . cit ., p. 474 in finę), grafia idêntica ( salvo o
s do plural ) à forma « tupiãe», do fim do testamento de Manuel
de Chaves, e quase idêntica à forma « topiães», que se vê no
começo desse testamento .
Aliás, pela leitura e comparação dos outros documentos
mencionados, não é difícil verificar que todas aquelas denomi
nações se referem a uma só tribo ou nação indígena .
IV . Gabriel Soares de Sousa escreveu , ordinàriamente :
«tupinaês» ( Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, ed . da Re
vista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 14 ",
p. 39, 41 , 68, 71 , 305 in fine, 306 , 343, 344 , 345, 346, 351 , 352 e
364 ; e zi ed ., C.ia Editora Nacional , série Brasiliana, vol . 117 " ,
1938, p . 34 in fine, 35, 37 , 71 , 74 in fine, 360 in fine, 406, 407, 408,
409, 410, 416, 417 e 431 ) . Excecionalmente ( talvez devido a êrro
lipográfico ) vemos : «tupinaès» e « tupinaés» ( ed. da cit . Revista,
p. 306 e 349 in fine) . Nos lugares correspondentes da 3* edição
(p. 361 e 414 ) , a grafia foi uniformizada ( « tupinaês » ) .
Nas Noticias Antecedentes à Chronica da Companhia de
Jesus no Estado do Brasil, do Pe. Simão de Vasconcelos, encon
tram-se as formas : «Tupinaéns», «Tupinaēs», «Tupygoaês, e
«Tupigoáes» (livro I, ns . 44 , 55, 149 in fine e 151 in fine : págs. 30,
2* col ., 36, 2* col . , e 92, 1 ° col., princ ', e 2* col . in fine, da 1 ° edi
ção, Lisboa, MDCLXIII) . V. também a 2° edição (Rio de Janeiro ,
1864 ) , p. 24 in fine, 28 , 62 in fine e 63. Nesta edição , porém ,
em
vez de «Tupinaes» e Tupigoáes », saiu , respectivamente :
«Tupinaens» e «Tupygoáes» .
Outros escrevem : « tupinães » ( Loreto Couto , Desaggravos
do Brasil e Glorias de Pernambuco , Oficina Tipogr . da Biblio
teca Nacional , Rio, 1904, livro I , capítulo 1 ° , n. 21 , pág. 22 ) ;
«tupiguae » ( Pe. Fernão Cardim , lugar citado adiante , nota 233) ;
« tupiguaem » ( carta do Pe. Leonardo do Vale, nas Cartas Avul
sas, vol . II das Cartas Jesuíticas, ed . da Academia Brasileira ,
110 PARTE MI CAPITULO I SECÇÃO I
N. 76 ( fim ) Notas 233 a 235 ( I)

que ficaram mui odiados de todas as outras nações


do gentio " ( 233 ) .
Diz o mesmo autor, referindo -se especialmente à
Bahia, que os tapuias, primitivos povoadores do litoral,
foram expulsos pelos tupinaês, que ali dominaram durante
muitos anos , até que, derrotados, por sua vez, pelos tupi
nambás, foram obrigados a embrenhar -se pelos sertões.
" E estes Tupinaès se foram pôr em frontaria com
os Tapuias seus contrarios, aos quaes faziam crua
guerra com força da qual os faziam recuar pela
terra dentro, por se afastarem dos Tupinambás
que os apertavam da banda do mar " ( 234 ) .
E alhures informa que os tupinaês, assim rechas
sados para o sertão, ali
“ terão occupado uma corda de terra de mais de
duzentas leguas; mas ficam entresachados com
elles, em algumas partes, alguns Tapuias, com
quem tem tambem continua guerra” (235 ).

1931 , p . 365 ) ; «topiguaens» ( Fr. Vicente do Salvador, Histo


ria do Brasil, nova ed. revista por Capistrano de Abreu, Weisz
flog Irmãos, S. Paulo-Rio, 1918, p. 216 in fine) , etc.
233 . Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, ed. da Rev.
-

do Inst. Hist. e Geogr. Bras., tomo 14', p. 344 , e 3. ed. ( C.ia


Editora Nacional , série Brasiliana, vol. 117, 1938 ) , p . 408 .
Fugiram também dos portuguêses, segundo informa o Pe.
Fernão Cardim :
« Ha outra nação parente destes ( dos «Tupinaquim ») , que
corre do sertão de São Vicente até Pernambuco, a que chamão
Tupiguae : estes erão sem numero, vão-se acabando, porque 05
Portuguezes os vão buscar para se servirem delles, e os que lhes
escapão fogem para muito longe, por não serem escravos »
(Do Principio e Origem dos Indios, nos Tratados da Terra e
Gente do Brasil, J. Leite & C.ia , Rio de Janeiro, 1925, p . 197 ) .
234 . Revista cit . , tomo 14 ', p . 305 in fine e 306, e 3. od .,
p . 360 e 361 .
235 . I. Tomo 14º cit . , p . 343 in fine, e 3a ed., p . 407 .
Em outro lugar da mesma obra, Gabriel Soares já menciona
ra os tupinaês entre os selvagens que povoavam os sertões do
rio S. Francisco ( Revista cit . , p . 41 , e 3. ed ., p. 37 ) . V. também
Loreto Couto , Desaggravos do Brasil e Glorias de Pernambuco
PARTE II CAPITULO I SECÇÃO I 111
Nota 235 ( II )

( Oficina Tipogr. da Biblioteca Nacional, Rio, 1904 ), livro I, capi


tulo 1 ', n . 21 , pág. 22.
Refere-se ainda Gabriel Soares e tupinaês dos certões das
capitanias de Ilheus, Pôrto Seguro e Espírito Santo ( Revista
cit., p . 68, e 34 ed., p. 71 ) . É sabido que os sertões dessas capi
tanias se estendiam pelo atual Estado de Minas Gerais ,
II. — Vimos (nota 233) que, segundo o Pe. Fernão Cardim (que
escrevia em fins do século XVI ) , os tupinaês ( « Tupigiae » ), que
viviam nos sertões, desde S. Vicente até Pernambuco, fugiam
para muito longe, afim de não cair nas mãos dos portuguêses.
Realmente, devia haver tupinaês, nos tempos antigos, tam
bém na Capitania de S. Vicente, ou em regiões então conside
radas como pertencentes a ela . Em 1585, os procuradores da vi
la de S. Vicente ( então cabeça da Capitania ) e da vila de Santos,
num requerimento feito, como diziam, pelos «oficiaes das cama
ras das villas desta capitº de sam vte » , mostravam ao capitão
mor, Jerônimo Leitão, a necessidade de se fazer guerra ao gen
tio, afim de obter braços para a lavoura (Atas da Câmai a de S.
Paulo, vol. 19, p . 275 a 278 ) . Apontavam como inimigos os « indios
nomeados carijos», alegando uma série de maldades por eles
praticadas desde tempos assaz remotos ( ibidem, p . 276 ) . Nu
ma junta realizada no engenho de S. Jorge, com a presença do
referido capitão-mor (vol . 1 ° cit . , p. 279 a 281 ) , foi lido o
«ostromtº ( instrumento) Ÿ os ditos oficiaes das ditas villas lhe
tinhão feito sobre a guerra do gentio carijo e do outro gentio
tupiães (ibidem, p. 279 in fine) . Note -se que naquele « osiromt' »
não se falara nestes índios . Foi resolvido que se não fizesse
guerra ao gentio, sem primeiro empregar meios suasórios, afim
de o descer «de paz » (ibidem, p . 280 ) .
Meses depois , lavrou - se, na Câmara de S. Paulo , un auto
(ibidem, p. 281 e 282 ) de «aprovação e ratificação do que ficara
assentado na referida junta com o capitão -mor, « sobre a entrada
que ora quer fazer ao gentio do sertão da dita capit ' carijos e
tupiães e outro qualquer q licitamente se puder trazer conforme
ao dito asento » ( ibidem, p . 281 in fine ) .
Da ata da Câmara de S. Paulo de 20 de setembro de 1587
consta que vinham uns indios « tupiães» « do sertão desta capita
nia pelo caminho de paz e per sua vontade pº povoari a terra »,
e que Antônio de Proença, juiz ordinário da vila, tinha ido
ao encontro deles, afim de « os fazer hir pera ... ( há uma falha)
e pera itanhała, a mandado do capitão -mor, Jerônimo Leitão
(Atas da Câmara de S. Paulo , vol. 1 , p . 328 in fine ) .
Na vereança de 5 de dezembro de 1593, vemos referências
a indios «topinães» que tinham ido numa bandeira paulista (ibi
dem, p . 476 ) .
112 PARTE III CAPÍTULO I - SECÇÃO I
N. 77 Notas 235 (MI) e 236

77 . Em 1561, a bandeira de Vasco Rodrigues


Caldas, que seguira pelo vale do Paraguassu ( na Bahia
e atingira a Chapada Diamantina, foi atacada e derrotada
pelos tupinaês e viu-se forçada a voltar apressadamente,
desistindo do intento de descobrir jazidas minerais ( 236 ) .
Outra bandeira, a de Antônio Dias Adorno, inter
nou - se, em 1574, pelos sertões do atual Estado de Minas
Gerais, à procura da " serra das esmeraldas ” . Parte dos
sertanistas regressaram pelo “rio Grande” (Jequiti

III . Da circunstância de virem mencionados os «tupiães»


( nos documentos citados mais acima ) ao lado dos carijós, que
habitavam regiões meridionais, poder-se-ia inferir que aqueles
eram vizinhos destes e que, por conseguinte, o encontro dos
«topiães» pela bandeira de Nicolau Barreto bem poderia ter-se
dado no Guayrá ou nas imediações . Mas, ainda que se provasse
que ali havia tupinaês, o argumento seria fraquíssimo, à vista
do que se expõe nesta Secção, quanto à existência de um núme
ro incomparávelmente maior em outras regiões, principalmente
nos sertões da Bahia e de Minas ; e para fazer desvanecer aque
la ilusão, bastaria considerar que o inventário de Manuel de
Chaves foi aberto no sertão de um rio chamado « Paracatú » ( V.
n . 70 in fine) e que os bandeirantes encontraram também temi
minós (V. ns. 71 e 73 e nota 223 in fine) e amoipiras (n. 73 e
nota 227) , indígenas que, segundo veremos, viviam muito longe
do Guayrá .
236. V. carta do Pe. Leonardo do Vale, de 26 de junho de
1562, nas Cartas Avulsas ( vol . II das Cartas Jesuiticas, ed. da
Academia Brasileira, 1931 ) , p . 365 ; Pôrto Seguro, Historia
Geral do Brasil, 3. ed. integral ( C.ia Melhoramentos de S. Paulo ) ,
tomo I , p . 404 ( fim
da nota IX ) ; Capistrano de Abreu, Notas
para a Nossa Historia, na Rev. do Arquivo Público Mineiro,
vol. 6° , p . 369 ; Francisco Lobo Leite Pereira, Descobrimento
e Devassamento do Territorio de Minas Geraes, na mesma Revis
ta, vol . 7' , p . 572 ; Calógeras, As Minas do Brasil e sua Legisla
ção, vol. 1 ° (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional , 1904 ) , p. 23 e 24 ;
Afonso de E. Taunay, Historia Geral das Bandeiras Paulistas,
tomo I , p . 54 ; -- Urbino Viana , Bandeiras e Sertanistas Bahianos
(C.ia Editora Nacional, série Brasiliana, vol . XLVIII, 1935 ) , p. 16
in fine e 17 ; - Basílio de Magalhães, Expansão Geographica do
Brasil Colonial, 2* ed . ( série Brasiliana cit ., vol. XLV, 1935) ,
p . 42, e 34 ed. ( vol. 5° da Biblioteca Brasileira de Cultura, Epasa,
Rio de Janeiro , 1944 ) , p . 50 .
PARTE III CAPITULO I - SECÇÃO II 113
Ns. 77 ( fim ) a 79 Notas 237 a 242

nhonha ), ao passo que outros, sob a chefia de Adorno,


prosseguiram nas explorações ( 237 ) . Alude Gabriel Soares
de Sousa aos " grandes encontros” que Antônio Dias teve
com os tupinaês (238 ). Confirmam -no o P.e Simão de
Vasconcelos (239 ) e Frei Vicente do Salvador, acrescen
tando este que Adorno trouxe "sete mil almas dos gentios
topiguaens ” ( tupinaês ), depois de uma caminhada de 200
léguas ( 240 ) .
78. Existindo, como se vê, índios tupinaês nas
regiões centrais da Bahia e de Minas, já se poderia inferir
que o “ Paracatú ” , em cujo sertão Manuel de Chaves foi
ferido por indígenas daquela nação ( 241 ) , não era algum
rio situado em território castelhano, e sim o conhecido
afluente ocidental do S. Francisco, em Minas Gerais .

SECÇÃO II
Os Temiminós ( 242 )

79. — Vimos que os ilustrados contraditores de Orville

237 . Gabriel Soares de Sousa , Tratado Descriptivo do


Brasil, ed. da Rev. do Inst. Hist. e Geogr. Bras., tomo 14 ,
p. 60 in fine, 66 in fine, 70 in fine e 71 , e 3* ed. ( C.ia Editora Na
cional, série Brasiliana, vol . 117, 1938 ) , p. 61 in fine, 69 e 74 in
fine ; Simão de Vasconcelos, Noticias Antecedentes à Chroni.
ca da Companhia de Jesus, iivro I, ns . 54 e 55 ( p . 36 da 1° ed .,
Lisboa, MDCLXIII, e p. 28 da 24 ed., Rio de Janeiro , 1864 ) ;
Fr. Vicente do Salvador, Historia do Brasil, nova ed. revista
por Capistrano de Abreu ( Weiszflog Irmãos, S. Paulo - Rio , 1918 ) ,
p. 216 in fine e 217 ; Calógeras, obra citada, vol . 1°, p. 389 e
390 ; A. Taunay, Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo
I, p. 54 in fine ; Basílio de Magalhães, Expansão Geographica
etc., 2. ed., p . 43 in fine e 44 , e 3a ed ., p . 52 e 53 .
238. Tratado Descriptivo etc., ed. da Rev. do Inst. Hist.
e Geogr . Bras . , tomo 14', p. 71 , e 3a ed ., p. 74 in fine .
239 . -
Noticias Antecedentes, liv . I , n . 55, princ ( p. 36,
2* col., da 1 ° ed., e p. 28 da 2* ) .
240 . Historia do Brasil, ed . citada , p . 216 in fine .
241 . Conf . supra , n . 70 .
242 . V. ns . 71 in fine e 73 e nota 223, os documentos da
114 PARTE MI CAPÍTULO I SECÇÃO DI
N. 79 ( contin .)

Derby, interpretando muito mal um documento relativo à


captura de temiminós pelo bandeirante Manuel Preto,
quando regressava de Vila Rica, no Guayrá , localizaram
o habitat da nação temiminó em território guairenho ou
nas vizinhanças, e, como em documentos da expedição de
Nicolau Barreto existem referências a índios temiminós,

bandeira de Nicolau Barreto, em que há referências a esses


indígenas .
Quanto à denominação, muitas são as formas gráficas que
aparecem nos livros e documentos antigos .
0 Pe. Simão de Vasconcelos escreveu , na Chronica da
Companhia de Jesus : « Temiminós » ( 1 * ed ., Lisboa , MDCLXIII,
livro I, n . 204 , p . 169, 1 ° col ., e n . 205, princ', p . 171 , 1 ° col .,
e livro II , n. 46, p . 205, 1 ° col ., e n. 62, p . 217, 2. col . ) ; e
« Temiminòs » ( 1' ed ., livro I, n. 204 , p . 169, 1 " col. in fine ; e li
vro II , n . 46, p. 205, 18 col . in fine) . Nos lugares corresponden
tes da 2* edição ( R. de Janeiro, 1864 ) , imprimiu-se uniforme
mente : «Temiminós» ( livro I, ns . 202 e 203, princ', p . 105 ; e
livro II , n . 46, p . 127 , e n. 62, p . 134 ) .
Nas Noticias Antecedentes, porém , o autor grafara : « Ti.
miminós » ( livro I , n . 47 : p . 33 , 1 ° col ., princ', da l ' ed., e p .
26 da 2* ) ; «Tomyminós » ( livro I , n . 149 in fine, p . 92, 1 " col.,
princ', da l ' ed .) ; e «Tumiminós» ( livro I, n . 151 in fine, p.
92, 2° col. in fine, da l ' ed .). Na 2* edição, em vez de «Tomymi.
nós» e «Tumiminós », saiu por engano : « Tupyminós» ( p. 62 in
fine e 63 ) .
Vemos alhures ( pondo de parte o s do plural ) : « temimi
nó (carta do Pe . Gonçalo de Oliveira, citada adiante, nota 250 ;
Inventários e Testamentos, vol . 3°, p. 219, 397 e 475, vol . 4', p .
66 , vol. 5º, p . 55 in fine, vol 6', p . 25 in fine, vol . 7°, p. 429 in
fine, vol. 11 °, p . 16 e 55 , e vol . 13', p. 121 ) ; — « temiminô (Infor
mação dos Casamentos dos Indios, nas Cartas etc. do Pe. An
chieta, vol. III das Cartas Jesuíticas, ed . da Academia Brasileira.
1933, p . 451 ) ; « temimino » ( Inv. e Test . , vol . 29', p. 57 ; Atas
da Câmara de S. Paulo, vol. 2 , p . 184 ) ; « tememinó» ( Inv. e
Test., vol. 19, p . 226 , 270, 316 e 415, vol . 2', p.7 , 13 , 28 , 121 in
fine, 122, 154 in fine, 155, 158 , 267, 280, 363 e 364 , vol. 30, p.
9, 60, 72 in fine, 124 in fine, 202, 203, 249, 294, 295, 313, 413 in
fine, 414 e 475, vol. 49, p . 26, 97, 100 in fine, 101 , 150, 156, 211
1 in fine, 212, 320, 337 , 370, 426 in fine, 449 , 483 in fine e 484 , vol.
5', p. 27, 31 , 37, 84 , 105, 127 in fine, 201 , 243, 288, 431 , 432 o
493, vol. 6', p . 25 in fine e 60, vol . 7 °, p . 389, e vol. 11°, p. 10
e 32 ) ; « tegmegminó » ( Pe. Fernão Cardim , Tratados da Terra
e Gente do Brasil, ed. J. Leite & C.ia, Rio, 1925, p. 197 ) ; « ter
PARTE III CAPITULO I - SECÇÃO II 115
Ns. 79 ( fim ) e 80 Notas 243 e 244

concluíram que essa bandeira fôra ter ao Guayrá, e não


ao vale do S. Francisco ( 243) .
Será possível que a denominação temiminóz
lhes não evocasse, pelo menos , a lemorança de um célebre
chefe indígena que, à frente de sua tribo – tribo de temi
minós – combateu valentemente, ao lado das tropas
portuguêsas e brasileiras, contra os franceses e tamoios
da Guanabara ? Certamente, ninguém pretenderá dizer
que o famoso Arariboia e seus companheiros fossem ori
ginários do Guayrá ou de regiões próximas a êsse terri
tório .
Procuremos algumas notícias a respeito da nação a
que pertenciam .
80. — O P.e Simão de Vasconcelos aponta os temi
minós entre os índios do litoral compreendido entre o rio
S. Francisco e a Bahia ( 244) . Tratar -se -ia de um grupo
isolado, pois, segundo o mesmo autor, existiam outros

miminó » ( Inv. e Test., vol . 1 ' , p . 270 ) ; « timiminó» ( Inv. e


Test., vol. 40, p. 158 in fine, vol. 5°, p. 177 e 443 in fine, e vol.
14', p . 233 ) ; «tomiminó» ( Inv . e Test., vol. 5', p. 147 in fine, e
vol. 26°, p. 9 in fine, 14 e 20 ) ; «tomominó» ( Inv. e Test., vol .
5', p. 197 in fine) ; «tumiminó» ( Inv . e Test . , vol. 4'. p. 154 ) ;
«tamaminó ( Inv. e Test., vol. 4 , p . 311 ) ; « teminino
(Inv . e Test . , vol. 31°, p. 22 e 39 ) ; «temyninó» ( Inv . e Test.,
vol . 300, p. 50 ) ; - «teminynó» (Inv . e Test . , vol. cit., p. 203 ) ;
«teminino» ( Inv . e Test., vol . 28 °, p . 216, e vol . 31°, p. 21 ) ;
«temynino» (Inv . e Test., vol. 30', p. 154 ) ; « teminyno » ( vol .
30 ' cit . , p . 203 e 213 ) ; « teminó » ( Inv . e Test., vol . 9' , p .
412 ) .
Mesmo em trabalhos modernos vemos grafada irregular
mente a denominação ora estudada. Assim , por exemplo :
«temininós» ( Pe. Rafael Galanti , Historia do Brasil , 2. ed .,
Duprat & Comp., S. Paulo , 1911 , tomo I, ns . 76 e 213, p . 97
in fine e 294 ; Afonso de E. Taunay, Historia Geral das Ban
deiras Paulistas, nos trechos acima transcritos, ns . 55 e 59 ) ,
«teminimós» e « terminimós » (Romário Martins : v . supra , nota
175 ) .
243 . Conf . ns . 54 a 60 .
244 . Noticias Antecedentes à Chronica da Companhia de
Jesus no Estado do Brasil, livro I , n . 47 ( 14 ed ., Lisboa,
1 MDCLXIII, p. 33, 1 ° col ., e 24 ed ., Rio de Janeiro, 1864 , p. 26 ) .
116 PARTE III CAPITULO I SECÇÃO II
Ns. 80 ( fim ) e 81 - Nota 245

( sem dúvida em maior número) mais ao sul. Diz êle,


referindo -se ao padre jesuíta Brás Lourenço, que traba
lhava nas missões da Capitania do Espírito Santo :

“Teve noticia que nas partes do Rio de Janeiro


andavam em guerras crueis duas nações del
les ( indios ) , chamados uns Temiminós, outros
Tamoyos, que se destruiam , e comiam uns aos
outros : aproveitando -se da occasião ( por industria
tambem , e auctoridade do padre Luiz da Gram)
tratou com o senhor , e governador da terra , que
então era Vasco Fernandes Coutinho, que offere
cesse agasalhado ao Principal dos Temiminós, que
estava de peior partido, e se chamava Maracaya
guaçú, que vem a dizer em nossa linguagem o
grande Gato ".
“ Aceitou o grande Gato o offerecimento :
mandou Vasco Fernandes Coutinho embarcações,
e veio com todos seus vassallos recolher -se ao
amparo de seu benigno protector, e dos padres, que
já por fama conheciam . Desta gente se formou
uma populosa aldea, onde pelo tempo em diante
houve grande conversão de christãos " ( 245 ).

81. - Mas o trabalho dos jesuítas foi em grande


parte perdido. Informa o citado cronista :
“ No anno de 1555 vimos a mudança que fez o
grande Gato, principal das povoações dos Te
miminós, das terras do Rio de Janeiro para as
da capitania do Espirito Santo ; o gosto com que
começaram alli a fabricar suas aldeas, e o com que
os padres da companhia faziam com elles o fructo

245 . Chronica da Companhia de Jesus, 2° ed ., livro I , n .


202 ( p . 105 ) . Conf. 1 ° ed ., livro I , n . 204, p . 170 ( e não 169,
como saiu impresso , repetindo- se o nº da pág. anterior ) .
Simão de Vasconcelos reporta - se ali ao ano de 1556, como
se vê à margem , na 1a edição. Convém advertir que na 2* edição
foram omitidas as indicações cronológicas marginais .
PARTE II CAPITULO I - SECÇÃO II 117
Ns. 81 ( fim ) e 82 - Notas 246 a 249

desejado. E com tudo já no anno presente ( 246 )


( seguindo seu curso ordinario a variedade humana )
se vêem grandes revoltas destes indios, entre si,
e com os Portuguezes ; e taes, que vieram a romper
em guerras soltas, em que se iam consumindo os
pobres Temiminós, assalteados uns da cobiça de
alguns Portuguezes, outros das frechas dos de sua
nação ; com que chegaram a ter por melhor partido
retirar -se ás brenhas do sertão, e tornar a viver
como féras ” ( 247 ) .
82. Mais tarde, nos combates contra os franceses
e os tamoios da Guanabara , surge , à testa de um dos
bandos da antiga nação temiminó, o valoroso Arariboia ,
que tão assinalados serviços prestou na memorável
jornada ( 248 ) .
Em 1568 Arariboia pediu e obteve, para si e para os
de sua tribo , uma sesmaria ( 249 ) a leste da baía do Rio

246 . Refere-se o autor, não ao ano em que escrevia, e


sim ao de 1558 ( Conf . 1 ° ed ., livro II , n . 46 , p . 205, 1 ° col . ) .
247 . Op. cit., livro II, n . 46 ( p . 127 da 2. ed . ) . Conf.
1 ° ed ., p . 205 , 1 ° col.
248 . Simão de Vasconcelos, Chronica da Companhia de
Jesus, livro II , n . 81 ( p . 232 da 19 ed. ep . 143 da 2" ) ; Pôrto
Seguro, Historia Geral do Brasil, 34 ed . integral (C.ia Melhora
mentos de S. Paulo ), tomo I , p . 394 e 419 ; Pe. Rafael Ga
lanti, Historia do Brasil, 2* ed. ( Duprat & Comp., S. Paulo ),
tomo I ( 1911 ) , n . 213 ( p. 294 ) ; Joaquim Norberto de Sousa
Silva, Memoria Documentada das Aldeias de Indios da Provin
cia do Rio de Janeiro, na Rev. do Inst . Hist . e Geogr . Bras..
tomo 17' , reed. de 1894 , p . 125 e 126 .
249 . Pôrto Seguro , obra cit ., tomo I , p . 419 ; J. Nor
berto de Sousa Silva , Memoria Documentada etc. , Revista cit . ,
p. 127 in fine e 128. Na petição referente à sesmaria, Arari .
boia , que então usava 0 nome recebido no batismo (Martim
Afonso de Sousa ) , declara -se « homem nobre e dos principaes
homens do gentio temiminó ( por engano foi impresso : « do genero
terminimos») . Lembra ao governador geral do Brasil (Men de
Sá ) que, a convite de Estácio de Sá e do ouvidor geral, Brás
Fragoso, deixara a Capitania do Espírito Santo, afim de pres
tar auxílio na expulsão dos franceses e tamoios da Guanabara,
e trouxera «muita gente sua de peleja , e muitas armas e man
timentos » , e mandara sempre vir de sua terra « muitos manti
118 PARTE II CAPITULO I — SECÇÃO II
Ns. 82 ( fim ) a 85 - Notas 250 e 251

de Janeiro , na região onde então se formou o aldeamento


de S. Lourenço ( 250 ).
83. — Em 1578 , cinco " indios principais ” dessa aldeia,
alegando serem insuficientes as terras daquela sesmaria,
não somente para os indios ali existentes, como para os
" parentes” que eles tinham “mandado á serra a fazer
descer ”, pediam , “ para os indios todos que da serra e de
outras partes descerem , quatro leguas de terras da banda
d'além do rio Macacú " ( 251 ) .
84 . Mas, nem todos esses indígenas consentiriam
em vir para junto dos brancos. Não eram , aliás, os únicos
remanescentes da antiga nação. Vimos o que sucedera
com os temiminós aldeados pelos jesuítas da Capitania
do Espírito Santo : fugindo dos portuguêses, e, por maior
infelicidade, fracionados em grupos antagônicos entre si,
embrenharam - se nos sertões, tornando " a viver como
feras " , no dizer de Simão de Vasconcelos. Muitos deles
se acolheriam ao território hoje mineiro, amplo refúgio
natural para tantas tribos vindas de várias direções, sob
a pressão de adversários mais poderosos.
85. Num documento relativo a fatos ocorridos em
fins do século XVI, encontramos notícia de lutas renhidas

mentos e armas e gente, por lhe na guerra ser muita gente sua
morta e diminuida », etc. (Conf. Revista cit ., p . 276 ) .
250 . Em carta datada do Rio de Janeiro, 21 de maio de
1570 , dizia o Pe. Gonçalo de Oliveira ao Pe. Geral da Compa
nhia de Jesus, Francisco de Borja :
« Temos uma igreja de São Lourenço, daqui uma legua, na
aldeia de Martim Afonso Arariboia de muita gente Temiminó,
toda cristã » ... « E o que muito nos consola é vê-los perseverar
na vida que tomaram , sem faltar a suas missas e doutrinas, como
se nisso se criaram toda a vida . Ajuda muito a isto o ser prin .
cipal, Martim Afonso , muito bom , que no conhecimento de Deus
e mais costumes lhe não faz vantagem nenhum branco . A este
conhecem os seus por capitão e têm obediencia e respeito como
a pai». ( Serafim Leite, Páginas de História do Brasil, C.in
Editora Nacional, série Brasiliana , vol. 93, 1937, p . 143 ) .
251 . Memoria cit . de Joaquim Norberto de Sousa Silva ,
na Rev. do Inst . Hist . e Geogr . Bras ., tomo 17° , reed . de 1894 ,
p . 319 .
PARTE III CAPITULO I — SECÇÃO II 119
N. 85 ( contin . ) Nota 252
.

entre tamoios e temiminós, nas vizinhanças da fronteira


entre o sudoeste de Minas e o território paulista (252) .
Naquela época, ainda existiam temiminós no vale do
Parahyba inferior, no extremo nordeste do atual Estado
do Rio de Janeiro, onde pouco tempo depois Martim de

252. - I. Referimo -nos à narrativa, feita pelo inglês An


thony Knivet ( ex-marinheiro da esquadra de Tomás Cavendish ) ,
de suas aventuras no Brasil . Traduziu - a o Conselheiro Higino
Duarte Pereira ( Rev. do Inst . Hist . e Geogr . Bras., tomo 41°,
parte I, p. 183 a 272 ) , baseando -se, aliás, na edição holandesa,
e omitindo uma parte importante , em que Knivet trata , entre
outros assuntos, de várias nações indígenas . Na cit. Revista,
tomo especial do 1º Congresso de História Nacional , parte II,
p. 345 a 390, foi publicado um estudo crítico , da autoria de
Teodoro Sampaio, intitulado Peregrinações de Antonio Knivet
no Brasil no Século XVI. Há seis anos , apareceu a tradução
integral da edição inglesa, feita por D. Guiomar de Carvalho
Franco e com anotações e referências do Dr. Francisco de Assis
Carvalho Franco . Tem por título : Vária Fortuna e Estranhos
Fados de Anthony Knivet ( Editora Brasiliense Limitada, S.
Paulo, coleção «A conquista da terra», vol. V, 1947 ) .
II . Refere Antônio Knivet que tomou parte numa bandei .
ra contra os tamoios, chefiada por Martim de Sá , a qual partiu
do Rio de Janeiro em 14 de outubro de 1596 ( e não 1597 , como
por engano escreve o narrador ), desembarcou em Paraty, galgou
a serra do Mar, cruzou o vale do Parahyba e a serra da Man
tiqueira e chegou ao sudoeste do território hoje mineiro, onde
afinal encontrou uma aldeia de tamoios, porém abandonada ( V.
a tradução de J. H. Duarte Pereira, Revista cit . , tomo 41º, parte
I, p . 224 in fine a 233 ; Vária Fortuna etc., p . 61 in fine a 72 ; e
as interpretações de Teodoro Sampaio, tomo especial cit . , parte
II, p. 371 a 375 e mapa entre as págs. 368 e 369). Segundo éste
escritor, a aldeia ficava na região das cabeceiras do Jaguary,
afluente do Piracicaba ( Conf. ibidem , p . 375 ) .
Depois de terem estado os bandeirantes em outra aldeia ,
também abandonada, Knivet e 12 portuguêses obtiveram licen .
ça para separar - se da expedição. Diz o inglês que a volta ao
Rio de Janeiro era arriscada , pois os expedicionários poderiam
ser atacados no caminho pelos puris, lopos, temiminós ( « Pories,
Lepos, Tominenos», e outros canibais (Trad . de Duarte Pereira ,
Revista cit. , p. 238 ; Vária Fortuna etc., p . 78 e 79, e T. Sampaio ,
tomo especial cit . , p . 376 ) .
Knivet e seus 12 companheiros de aventura, depois de an
120 PARTE III CAPÍTULO I - SECÇÃO II
N. 85 ( contin .) Nota 253

Sá os foi combater e lhes infligiu tremenda derrota ( 253 ) .


Os que escaparam procurariam regiões centrais, onde
pudessem estar a salvo das investidas dos portuguêses
e das tribos que ainda ocupavam regiões vizinhas ao litoral
ou se espalhavam pelo vale do Parahyba.

darem por outras regiões do ângulo sudoeste de Minas, passa


ram ao território hoje paulista , e, além de uma «imensa e res
plandecente montanha », encontraram uma aldeia povoada por
tamoios ( trad . de Duarte Pereira, Revista cit., p . 238 in fine a
241 ; Vária Fortuna etc., p. 80 a 83 ; e T. Sampaio, tomo especial
cit., p. 376 a 378 e mapa entre as págs. 368 e 369 ) . Na opi
nião de Teodoro Sampaio , a montanha resplandecente seria a
serra de Itaberaba, e a aldeia estaria nas imediações do rio
Jaguary ( não o acima designado, mas o afluente da margem es
querda do Parahyba) , ou na confluência do rio do Peixe com o
citado Jaguary ( Conf. ibidem, p. 379 e mapa cit. ) .
Os selvagens mataram todos os companheiros de Antônio
Knivet . O inglês conseguiu salvar-se porque declarara ser fran
cês, e portanto amigo dos tamoios ( V. tradução de Duarte
Pereira , Revista cit ., tomo 41 ' , parte I , p . 241 in fine a 244 ,
e Vária Fortuna etc., p . 83 a 85 ) .
Refere Knivet que os indígenas daquela aldeia tiveram lutas
com os temiminós ( « Tomomines» ) e foram quase derrotados .
Mas, depois que o inglês lhes ensinou certos ardis de guerra,
venceram tantas vezes aos temiminós, que estes se viram obriga
dos a abandonar a região que ocupavam e fugir para longe (V.
trad. de Duarte Pereira , Revista cit ., p . 243 e 244 , e Vária Fortu
na etc. , p . 85 ) .
253 . A expedição de Martim de Sá ocorreu provavel
mente, segundo Teodoro Sampaio , nos primeiros meses ou em
meados do ano de 1600 ( Peregrinações de Antonio Knivet etc.,
na Rev. do Inst . Hist . e Geogr . Bras., tomo especial do 1º
Congresso de História Nacional, parte II , p . 388 ) . Nela teria
ido o aventureiro inglês . Conta -nos éste que tomou parte em
excursões guerreiras contra os temiminós e declara que habitavam
o Espírito Santo ; mas , logo adiante diz que tinham muitas
aldeias no rio Parahyba ( isto é, no curso inferior deste rio ) .
Descreve o ataque a uma grande aldeia de temiminós, situada
num local chamado «Morogege», isto é, conforme opina Teodo
ro Sampaio , muito fundadamente, no vale do rio «Muryeue» ou
« Muruyéyé» ( o atual «Muriahé» ), que nasce no sueste do ter
ritório mineiro e, atravessando regiões fluminenses, vai desa
PARTE III - CAPÍTULO I - SECÇÃO II 121
Ns. 85 ( fim ) e 86 — Notas 254 a 256

Um documento citado na Secção IV dêste capítulo


refere- se a índios temiminós que, internados em terras
hoje goianas, próximas ao atual Estado de Minas Gerais ,
se passaram depois para o vale do rio S. Francisco ( 254 ) .
86. – Estudada a dispersão dos temiminós, da região
marítima dos atuais Estados do Rio de Janeiro e do Espí..
rito Santo para o recesso dos sertões, já podemos concluir
que os índios dessa nação, encontrados pela bandeira de
Nicolau Barreto, depois que, de volta do " sertão e rio
do Paracatú ” , chegara ao “Guaibihi” e ao “ Corimatahi "
( 255 ), habitavam o território mineiro, e não o Guayrá .
E também fàcilmente se compreende que, muito mais
tarde, um bando de temiminós, desviado para o oeste da
vila de S. Paulo e resolvido, por este ou aquele motivo , a
ir " em busca dos brancos" , se achasse nas imediações do
caminho por onde Manuel Preto regressava de Vila Rica.
Não era necessário, para explicar esse encontro, trans
portar o habitat daqueles indígenas e o de todos os demais
temiminós para o território guairenho, como fizeram os
doutos impugnadores da tese de Orville Derby ( 256 ) .

guar no Parahyba . Diz Knivet que os expedicionários ( uns 500


portuguêses e 3000 índios auxiliares ) quase foram batidos pe
los temiminós, e que sòmente depois de terem recebido socorro
da Capitania do Espírito Santo, conseguiram tomar a aldeia .
Parte dos indios tinham fugido . Os vencedores fizeram 16.000
prisioneiros ( 1.600 dos quais foram passados a espada ) e de
pois tomaram muitas aldeias pequenas, onde mataram todos os
velhos e velhas ( V. Vária Fortuna e Estranhos Fados de
Anthony Knivet, versão de D. Guiomar de Carvalho Franco,
Editora Brasiliense Limitada, S. Paulo, coleção « A conquista da
terra », vol. V, 1947, p . 129 e 130, e Teodoro Sampaio, Revista
cit., p. 388 e mapa entre as págs . 372 e 373 ) .
É possível que haja algum exagero nesta parte das infor
mações do aventureiro inglês .
254 . V. n . 90 ( princípio) e nota 266 .
255 . Conf. ns. 69 a 71 e nota 223 in fine .

256 . Conf. ns. 54 a 60 .


122 PARTE MI - CAPÍTULO I - SECÇÃO III
N. 87- Notas 257 e 258

SECÇÃO III

Os Amoipiras ( 257 )

87. -- Além de outros indígenas de origens diversas,


existia no vale do S. Francisco uma tribo que muito nos
interessa : a dos amoipiras, que nada mais eram do que
um grupo numeroso de tupinambás, que, tenazmente
combatido por outros selvagens, fôra obrigado a refu
giar- se naquele vale. Diz Gabriel Soares de Sousa que

" quando os Tupinaês viviam ao longo do mar,


residiam os Tupinambás no sertão, onde certas
aldeas d'elles” , depois de guerrearem os tapuias
e perseguí-los durante anos, "foram visinhar com
o rio de S. Francisco " ( 258 ) .

257 . Assim escreve sempre Gabriel Soares de Sousa, no


Tratado Descriptivo do Brasil em 1587 ( ed . da Rev. do Inst. Hist.
e Geogr. Bras., tomo 14', p. 41 , 345 a 348 e 352 ; e 3a ed ., C.ii
Editora Nacional, série Brasiliana, vol. 117, p . 37, 409 a 413 e
417 ) .
A denominação «amoipiras» também aparece num documento
seiscentista que trasladamos adiante ( n. 90 ) . Vemos alhures :
«Amoigpiras» (Simão de Vasconcelos, Noticias Antecedentes à
Chronica da Companhia de Jesus, l ' ed ., Lisboa , MDCLXIII, livro
I, n . 44 , p . 30 , 2" col., e n . 151 in fine, p . 92 , 2 * col . in fine ;
Loreto Couto, Desaggravos do Brasil e Glorias de Pernambuco,
ed . da Biblioteca Nacional , R. de Janeiro, 1904 , livro I, capítulo
1 °, n . 21 , p . 22 ) ; «amaupiras» e « amaupirás » ( Fr. Vicente do
Salvador, Historia do Brasil, nova ed ., revista por Capistrano de
Abreu , Weiszflog Irmãos, S. Paulo - Rio , 1918, p. 52 e 104 ) .
Na 2. ed . da citada obra de Simão de Vasconcelos imprimiu
se «Amoigpiras» ( livro I , n . 44 , p. 24 in fine) e « Amoigpyras »
( livro I , n. 151 in fine, p. 63 ) .
Em seu testamento ( 1672 ) , Francisco Cubas Preto refere
se a uma viagem que fez aos « Amboupuras» ( Inventários e Tes
tamentos, vol . 18', p . 316 ) .
258 . Tratado Descriptivo etc., ed . da Rev. do Inst. Hist. e
Geogr . Bras., tomo 14 ' , p . 345 in fine e 346 ; e 34 ed . cit . , p . 409
in fine .
PARTE II - CAPITULO I - SECÇÃO M 123
N. 87 ( contin .) Notas 259 e 260

Sucedeu depois que os tupinaês, repelidos para o


interior, como vimos (259 ) , por tribos tupinambás,
" souberam dest'outros Tupinambás que seguiram
os Tapuias, deram -lhes nas costas e apertaram
com elles rijamente, o que tambem fizeram da sua
parte os Tapuias, fazendo -lhes crua guerra, ao que
os Tupinambás não podiam resistir ; e vendo -se tão
apertados de seus contrarios, assentaram de se
passarem da outra banda do rio de S. Francisco ,
onde se contentaram da terra, e assentaram aii
sua vivenda, chamando - se Amoipiras, por o seu
principal se chamar Amoipira ( 260 ) : onde esta
gente multiplicou de maneira que tem senhoreado
ao longo d'este rio de S. Francisco, a que o gentio
chama o Pará , mais de cem leguas, onde agora
vivem : e ficam -lhe em frontaria d'est'outra parte
do rio , de um lado os Tapuias, e do outro os
Tupinaês, que se fazem cruel guerra uns aos
outros, passando com embarcações ao seu modo

259 . Conf . supra, n . 76 .


260. Julgou Varnhagen que merecia pouco crédito esta in .
formação de Gabriel Soares, pois, afirmou aquele historiador,
kamoipiras» quer dizer « parentes crúeis» : «Amôig parente
(Tesoro de Montoya fol. 32v. ) e Pira, cruel ( fol. 297 v . ) ».
( Nota 254 ao Tratado Descriptivo etc., de Gabriel Soares de
Sousa, ed. da Revista cit., tomo 14', p. 412, e 3* ed ., p. 490 ) .
A observação não tem cabimento. Nos lugares indicados
da obra de Montoya ( ed. de 1876, publicada pelo saudoso histo
riador paulista) , não se encontram aquelas acepções . Como se
vê no fim da coluna 32 v . ( correspondente à fl . 32 v . da edi
ção princeps), « amo » ( e não «amôig») é que significaria, em
guarani, « pariente allegado», isto é, parente próximo. Quanto a
«pira», a tradução de Montoya ( col . 297 v./291 v . ) é : «crudo»,
isto é, cru, e não cruel.
Aliás, o próprio Varnhagen deve ter reconhecido o seu en
gano, pois alhures deu ao têrmo «amoipiras» a significação de
«parentes afastados», ou «os da outra banda ( de algum gran
de rio, como v. gr. o São Francisco ) » (Historia Geral do
Brasil, 3. ed. integral, Comp. Melhoramentos de São Paulo , vol .
1 ', p . 18 ) .
Segundo Teodoro Sampaio, «amoipira» ( « amô- y- pira » ) quer
124 PARTE II — CAPÍTULO I - SECÇÃO IV
Ns. 87 ( fim ) a 89 – Notas 261 e 262

á outra banda, dando grandes assaltos nos con


trarios, os Amoipiras aos Tapuias" ... etc. ( 261) .

88 . Trataremos ainda dos amoipiras na Secção


seguinte e mostraremos por que razão a referência a indí
genas dessa tribo, num dos documentos da bandeira de
Nicolau Barreto ( 262 ) , constitui um dos mais valiosos
elementos de convicção a favor da tese de Orville Derby.

SECÇÃO IV

Referências de um documento seiscentista


a temiminós á amoipiras
no vale do rio S. Francisco

89 . Em seu precioso livro Páginas de história do


dizer “ o que fica da outra banda , e vizinho da outra margem
(0 Tupí na Geographia Nacional, 3a ed., Bahia, 1928, p. 151
in fine ) .
À vista do que refere Gabriel Soares, a denominação da tribo
era muito apropriada.
261 . Gabriel Soares, obra citada, ed . da Rev. do Inst .
Hist . e Geogr . Bras . , tomo 14°, p . 345 in fine e 346, e 3a ed ., p .
409 e 410 .
Mais adiante o autor refere-se de novo às lutas dos amoipi
ras com outros selvagens do vale do S. Francisco ( V. tomo 14°
cit . , p . 347 , 348 e 352, e 34 ed ., p . 411 in fine, 412 , 413 e 417 ) .
Mencionam também os amoipiras entre os indígenas habitan
tes daquele vale : Simão de Vasconcelos, Noticias Antecedentes
à Chronica da Companhia de Jesus , livro I , n . 44 ( 1 ' ed ., p . 30 ,
2* col., ( 2 " ed ., p . 24 in fine ) ; Fr. Vicente do Salvador,
Historia do Brasil, ed . citada, p . 52 ' e 104 ; Loreto Couto,
Desaggravos do Brasil e Glorias de Pernambuco, ed . da Biblio
teca Nacional, Rio, 1904, livro I , capítulo 1 °, n . 21 , p . 22 ;
Capistrano de Abreu, Capitulos de Historia Colonial ( 34 ed., da
Sociedade Capistrano de Abreu , Rio , 1934 ) , n . 141; Teodoro
Sampaio , 0 Tupí na Geographia Nacional, 3" ed. cit . , p . 151 in
fine e 152 ; Estêvão Pinto , Os Indigenas do Nordeste ( C.ia
Editora Nacional, série Brasiliana, vol. XLIV , 1935 ) , p . 113 ,
além de outros autores .
262 . Conf . n . 73 e nota 227 .
PARTE III - CAPÍTULO I — SECÇÃO IV 125
Ns. 89 ( fim ) e 90 Notas 263 a 266

Brasil ( 263) , publica o eminente historiador P.e Serafim


Leite, da Companhia de Jesus, uma relação escrita pelo
P.e Antônio de Araujo, também jesuíta, de acordo com
as informações dadas pelo bandeirante Pero Domingues,
que fizera , em começos do século XVII, uma viagem de
S. Paulo aos sertões do S. Francisco ( 264 ) . Encontram
se nesse documento referências aos índios amoipiras,
aos temiminós e até a bandos de tamoios vindos da região
de Guanabara .
90 . Transcreveremos, por ora, uma parte das infor
mações que precedem o roteiro da viagem :
" Desta barra ( do S. Francisco ) obra de 400 leguas,
pelo, rio acima, está o sertão do gentio chamado
Amoipira (265 ), com o qual se foi ajuntar outro de
várias nações, mas da mesma lingua, scilicet Temi
minó, que despovoando o Itinga, Rio das Aguas
Brancas, braço do Iabeberi ( 266 ) , se foi misturar

263 . C.ia Editora Nacional, série Brasiliana, vol. 93', p .


113 a 116 .
264 . Dizemos : « em começos do século XVII», à falta de
elementos que permitam precisar o ano . A viagem foi anterior
a 1621 ou 1622, época em que o Pe. Araujo devia ter escrito a
relação ( v. nota 400, II ). É possível até que Pero Domingues a
fizesse em 1602, como companheiro de Nicolau Barreto . Mas ,
pelo menos por enquanto , nada podemos afirmar. V. n. 128 e
nota 400, III e X.
265 . Note-se : a 400 léguas a contar da barra . Do roteiro
vê-se que, navegando-se em sentido contrário, isto é, descendo - se
o rio S. Francisco, os « portos dos Amoipiras » ficavam à mão es
querda , a 15 dias de viagem da barra do Paracatu (Conf. adian
te, n. 127 in fine ) . Por outro lado, Gabriel Soares de Sousa ,
que escreveu no último quartel do século XVI , diz, como vimos
( n. 87 in fine ), que os amoipiras senhoreavam mais de cem lé
guas ao longo do S. Francisco .
266 . Este « labeberi » é o Tocantins, como se vê de outra
relação de viagem , também divulgada pelo Pe. Serafim Leite
( V. nota 400, I ) . Assim, o Itinga, « braço do labeberi », seria um
dos formadores do Tocantins, ou um dos afluentes de seu curso
superior, em território hoje goiano, próximo à fronteira de Mi ,
nas .
126 PARTE III - CAPÍTULO I — SECÇÃO IV
N. 90 ( contin .) - Notas 267 a 269

com aquele ; Tamiã , os Tamoios , que fugindo dos


confins do Rio de Janeiro e passando pelas aldeias
dos Amoipiras, com os quais se detiveram 6 meses,
se foram aposentar ao longo do Iuna, Rio Preto
( 267 ) , 8 jornadas mais adiante ; e outro de várias
nações que dividem aquele grande sertão como em
vários reinos ” .

Depois de allidir a uma cachoeira alta do rio S. Fran


cisco ( 268 ), diz o P.e Araujo :

" Por causa da dita cachoeira, quando nossos Padres


foram duas vezes ao sertão dos Amoipiras, parti
ram da Baía e caminharam sempre por terra 4 e
mais meses , em que andaram algumas trezentas
leguas, padecendo muitas necessidades ” .
“Pelo que se pode agora ter por alvitre dado
do céu achar - se que da vila de S. Paulo se pode ir
em canoa até aos portos dos Amoipiras, cujas pri
meiras aldeias distam do Rio S. Francisco 20 lé
guas ( 269), as quais são sempre mui cursadas de
inumeráveis índios " .
" Digo que se deve estimar muito o alvitre de
podermos ir pela derrota apontada, ora seja para
habitarmos lá com os ditos índios, ora para os
trazermos para as terras de S. Paulo, ora para os
levarmos pelo rio abaixo para a Baía ou para onde

267 . Talvez o tributário da margem esquerda do Rio


Grande, afluente da margem esquerda do S. Francisco, em ter
ritório baiano. Pelo que diz a informação, aquele rio Preto não
deve ser o afluente da margem esquerda do rio Paracatu, em
Minas Gerais .
268 . Segundo o Pe. Serafim Leite, seria a conhecida ca
choeira hoje chamada de Paulo Afonso ( op. cit., p. 114, nota
120 ) .
269 . Deve- se entender : 20 léguas à esquerda do rio S.
Francisco . Mas o «sertão dos amoipiras» abrangia uma vasta
região , até às margens do rio, onde eles tinham os seus portos
( Conf. nota 265 ) .
PARTE III CAPITULO I - SECÇÃO IV 127
Ns. 90 ( fim ) e 91 - Notas 270 a 274

os nossos Padres possam ser providos e visitados.


E nesta conformidade é cousa certissima que a
missão dos Amoipiras se poderá fazer do seguinte
modo” ... ( 270 ) .

Passa o zeloso sacerdote a descrever o roteiro da


viagem , que transcreveremos oportunamente ( 271 ) .
91. É de extraordinário valor para o nosso estudo
o documento descoberto e publicado pelo P.e Serafim
Leite, não só devido às informações de ordem topográfica ,
de que adiante falaremos, como também pelo que diz dos
temiminós, e principalmente dos amoipiras, na parte que
acabamos de trasladar. A alusão aos segundos, num
têrmo de partilha de índios capturados pela bandeira de
Nicolau Barreto ( 272 ) , é um elemento de importância
excecional ( podemos dizer : um elemento decisivo ) para a
solução do problema das regiões exploradas pela expe
dição, pois, ao passo que várias nações ou tribos indígenas
viviam fracionadas em grupos às vezes muito distantes
uns dos outros, os amoipiras ( ramo cos tupinambás,
acossado por tribos inimigas) concentraram -se e fixa
ram -se no vale do S. Francisco , onde a tribo aumentou de
tal maneira, segundo informa o já citado Gabriel Soares
de Sousa , que acabou por senhorear mais de cem léguas
ao longo do grande rio ( 273) .
A mencionada referência aos amoipiras, que não figu
rava na cópia de que se utilizoui Orville Derby ( 274 ) , e
que decerto passou despercebida aos historiadores que

270 . Páginas de História do Brasil , p . 113 in fine a 115 .


271 . V.
n. 127 .

272 . V. n . 73 e nota 227 .

273 . V. n . 87 in fine .

274 . V. Rev. do Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo, vol.


89, p. 411. Aliás também foi omitida nos apontamentos tirados
de um caderno do Dr. Washington Luis Pereira de Sousa e pu
blicados no vol . 11 ° dos Inventários e Testamentos ( p . 16 ) .
128 PARTE III – CAPÍTULO I — SECÇÃO IV
N. 91 ( fim ) Nota 275

depois cêle estudaram a expedição de Nicolau Barreto


( 275) , bastaria para provar que ela foi ter àquele vale,
e não ao Guayra ou a outras regiões castelhanas, – ainda
que não existissem nos documentos da bandeira as indi
cações topográficas de que passamos a tratar.

275 . Pelo menos nenhum deles fêz a menor referência


a essa denominação indígena. E o mesmo sucedeu em relação
aos topónimos « Corimata hi» e « Anhembi», que aparecem em pe
çais do inventário de Brás Gonçalves, o moço (V. respectivamen
te ns . 114 e 126 ) .
CAPITULO II

Os topônimos
constantes dos documentos da bandeira

92. — Já tivemos ocasião de citar as denominações


topográficas que se encontram nos documentos da expe
dição :
" sertão e rio do Paracatú " (276) ;
" rio de Goaibihi " ( ou " Guaibihi” ) ( 277 ) ;
“ corimatahi" ( 278 ) .

Trataremos nas Secções I e II, respectivamente, do


" Paracatú " e do " Guaibihi" . Na Secção III voltaremos a
examinar um precioso documento seiscentista em que se
vêem ambas essas denominações. Enfim , na Secção IV
trataremos do topônimo " corimatahi" .

SECÇÃO I

O " Paracatú "


afluente da margem esquerda do rio S. Francisco

93 . - No testamento de Martim Rodrigues ( 12 de


março de 1603) , no têrmo de abertura do inventário de
Manuel de Chaves ( 2 de abril do mesmo ano ) e no auto

276 . V. n . 69 e n . 70 ( segunda parte) .


277 . . V. ns . 68 e 71 e notas 208 e 218 .
278 . V. n . 71 cit .
130 PARTE II CAPITULO II SECÇÃO I
N. 93 ( contin .) – Notas 279 a 283

de venda dos bens dêste bandeirante (4 de abril ) , lê -se a


indicação : “ neste sertão e rio do Paracatú ” (279) .
Referindo - se à identificação deste rio com o grande
afluente da margem esquerda do rio S. Francisco, em
Minas Gerais, afirma o Dr. Alfredo Ellis Júnior que
Orville Derby fôra levado pela " miragem ” daquele nome
"a se desviar do bom caminho, na pesquiza historica "
( 280 ) . No dizer do historiador paulista, o " Paracatú e o
Guabihi” (281) , que Derby " erradamente quiz ver em
Minas Geraes, talvez fossem no systema do Pilcomayo ,
ou mesmo na bacia do Madeira, na Bolivia" (282) . Diz,
mais adiante, que o “ Paracatú ” poderia ser “ o próprio
Paraná, que os portuguezes chamavam de rio Grande, o
que, após Montoya , traduzido para o tupi, seria Paracatú ”
( 283 ). Julga, enfim , que Derby

" se deixou levar pela indicação de Paracatú, encon


trada nos inventarios dos bandeirantes fallecidos
no sertão, não se lembrando que muito outro

279 . V. respectivamente n . 69 e n . 70 ( segunda parte) .


280 . O Bandeirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3.
ed., p. 80, 24 ed., p. 76, e 1 ° ed., p. 23 in fine . Ou, como escreve
alhures o Dr. Ellis : «a errar, desviando-se do bom caminho
da pesquisa histórica » ( Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade de S. Paulo, p . 62, e Meio
Século de Bandeirismo, p . 61 in fine) .
281 . Aliás «Goaibihi », ou «Guaibihi » ( Conf. ns . 68 e 71 e
notas 208 e 218) .
282 . -
O Bandeirismo , 34 ed ., p . 82 ( nota 10 ) , 2. ed ., p . 78
(nota 10 ) , e 1 ° ed ., p . 25 ( nota 3 ) .
283 . Obra citada, 3. ed., p . 93 in fine, e 2. ed ., p . 89. Pouco
antes escrevera o Dr. Alfredo Ellis ( 34 ed., p. 91 in fine, e 2*
ed . , p . 87 ) :
« Paracatú quer dizer rio Grande, rio caudaloso . (V. Mon.
toya , Arte de la Lengua guarani o mas bien tupi) ».
Mais tarde terá verificado que Montoya não podia dizer
isso, e então afirmou : «Paracatú é uma palavra tupi-guaraní que
significa rio bom, ou mar bom, segundo o padre Montoya» (Bo.
letim nº IX cit., p . 75, e Meio Século de Bandeirismo, p. 71 ) .
Agora estamos de acordo .
PARTE III - CAPÍTULO II - SECÇÃO I 131
Ns. 93 ( fim ) a 95 — Notas 284 e 285

poderia ter sido 0 Paracatú das referencias


documentaes e muito diversa poderia ter sido a
região assim designada, cousa muito commum com
as nomenclaturas topographicas de outras éras”
(284) .

94. — A verdade é que o autor não aponta, entre os


muitos rios que, em seu entender, teriam o nome de Para
catu, qual o explorado pela bandeira . Limita - se a dizer
vagamente que poderia ser algum rio do sistema do Pilco
mayo ou da bacia do Madeira . E alhures sugere, contra
ditòriamente, a possibilidade de ser o próprio rio Paraná .
Quando tratamos da suposta excursão de Nicolau
Barreto à atual Bolívia, vimos que o ilustrado historiador
paulista foi " levado pela miragem ” do nome Peru " a se
desviar do bom caminho , na pesquisa histórica " e a per
der-se na região das conjeturas, não só desprovidas de
base, como contrariadas pelos documentos da bandeira
( 285 ).
95. Passemos ao que escreve o Dr. Afonso de E.
Taunay. Já verificámos que, tendo, a principio , aceito a
opinião de Derby, e tendo-a depois repelido, preferindo a
tese guairenha, mais tarde ficara hesitante , por se lhe ter

284 . Deixaremos de transcrever outras considerações do


douto historiador, a respeito da multiplicidade de denominações
idênticas, dadas pelos índios ou pelos colonizadores a acidentes
geográficos muito distantes uns dos outros . Acha o Dr. Ellis
que o « Paracatú » da bandeira poderia estar situado a milhares
de quilômetros do afluente do S. Francisco, e que, portanto, « a
identidade da toponimia não soccorre a velha these de Derby
( O Bandeirismo Paulista, 36 ed ., p . 91 e 92, e 2. ed., p . 87 ; Bole
tim nº IX cit., p . 74 a 76 ; Meio Século de Bandeirismo , p . 71 e
72 ) . E ao passo que afirma a priori a existência de muitos
« Paracatúsy desconhecidos , chega a negar que, ao tempo da ex
pedição de Nicolau Barreto, o grande afluente ocidental do rio
S. Francisco já tivesse aquela denominação (V. adiante, nota
352) .
285 . - V. o capítulo II da Parte II, principalmente os ns .
48 a 50 .
132 PARTE III CAPITULO II - SECÇÃO I
Ns. 95 ( fim ) e 96 Notas 286 a 291

deparado a referência de Azevedo Marques à partida da


bandeira em direção a Mogy das Cruzes ( 286 ). Nessa
ocasião estudou a denominação Paracatú, mostrando que
não é privativa da toponímia de Minas Gerais. Reco
nheceu, todavia :

“ Não ha Paracatú para o Sul, porém , e o unico


Paracatú inconfundivel é o grande affluente do
S. Francisco, que dá o nome ao seu sertão e á
cidade, aliás fundada em meiados do seculo XVIII,
apenas" ( 287 ) .

Achou então possível que, antes de ir ao Guayrá, å


bandeira tivesse explorado o vale do S. Francisco e
chegado ao Paracatu ( 288 ) .
Quando, porém, repudiou definitivamente a identifi
cação do “ Paracatú ” da bandeira com o afluente do S.
Francisco e se pronunciou exclusivamente pela tese da
invasão do Guayra ( 289 ) , apontou a Orville Derby como
um dos escritores que, " transviados pela suggestão occa
sional da toponymia recente ” , se deixaram “ arrastar a
conclusões positivamente phantasiosas ” (290 ).
96. — Deixamos para a Secção seguinte o exame das
considerações do ilustre historiador das bandeiras, pois
que se ligam intimamente à questão do “ Guaibihi” dos
documentos.
Aliás, o que dissemos a respeito dos indígenas encon
trados pela bandeira de Nicolau Barreto, principalmente
os inconfundíveis amoipiras ( 291 ) , já seria bastante para
demonstrar que o " Paracatú " , em cuja região ela esteve,
é realmente, como entendera o sábio norte-americano, o

286. Conf. ns. 11 a 19.


287 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I, Apen
so, p . 340 .
288 . V. supra , n . 18 in fine .
289 . V. n . 20 .
290 . Historia Geral cit ., tomo V, p . 231 in fine e 232 ,
291 . Quanto a éstes, v . o capítulo I desta Parte III, sec
ções III (ns . 87 e 88 ) e IV ( ns . 89 a 91 ) .
PARTE II CAPÍTULO II - SECÇÃO II 133
Ns. 96 ( fim ) a 99 - Notas 292 a 297

grande tributário da margem esquerda do S. Francisco.


Esta identificação vai ser confirmada nas Secções seguin
tes ( 292 ) .

SECÇÃO II
O "Guaibihi" ou rio das Velhas,
afluente da margem direita do S. Francisco

97. – Chegamos à mais interessante questão de topo


nímia ligada à expedição ora estudada .
Cumpre lembrar que o nome do rio em cuja região
Brás Gonçalves, o moço, firmou um documento de dívida
(a 17 de fevereiro de 1603) e fêz testamento ( a 29 de
junho do mesmo ano ) era : " Goaibihi" ou "Guaibihi” ,
conforme se vê na publicação oficial (293 ) .
98. — Disse Orville Derby ( 294) que aquele rio podia
ser identificado, " com pouco risco de errar" , com o Guai
cuhy, ou rio das Velhas, afluente da margem direita do
S. Francisco, em Minas Gerais . Invocou em favor dessa
identificação o nome " Gaibuig " ( 295 ) , apôsto , no mapa
seiscentista de Coronelli ( 296 ), a "um rio que pela sua
posição topographica é indubitavelmente o rio das Velhas”
(297 ) .
99 . Comenta o Dr. Alfredo Ellis Júnior :

"Foi sem duvida hypnotisado ( o grifo é nosso ) pela


designação de Paracatú, que o Dr. Derby chegou à

292. - V. principalmente a secção III ( n. 112) , em que


transcrevemos um documento seiscentista que se refere ao
Paracatu e ao Guaibihi , afluentes do S. Francisco .
293 . Conf. ns . 68 e 71. Já observamos que quem redigiu
os citados documentos escreveu , todas as vezes, um j em vez de i
( V. notas 208 e 218) .
294. - Conf. n. 3.
295 . Assim está no citado mapa . Derby, porém , escre
veu : «Guaibuig» .
296 . - A respeito desse mapa , v . nota 304 .
297. Conf. n . 3 ( segunda parte) .
134 PARTE III CAPÍTULO II — SECÇÃO II
N. 99 ( fim ) – Notas 298 a 302

illação que o rio. Guabihi ( 298 ) , mencionado nos


inventarios (299 ), era o rio Guahicuhy, nome primi
tivo do rio das Velhas ( 300 ), quando é possivel que
seja Guapahy, que é hoje o alto Mamoré” ( 301) .

Já examinámos a hipotése aventada pelo historiador


paulista , de ter Nicolau Barreto ( depois de invadir o
Guayrá ) atravessado o rio Paraná e prosseguido por
outras terras castelhanas, até à Bolívia atual, e verifi
cámos a inconsistência das identificações sugeridas, não
somente em relação ao “Guaibihi”, como também ao
“ Paracatú " ( 302 ) . Agora que estamos muito longe do
Guayra e do Paraná , e ainda mais longe do Guapahy, seria
ocioso repetir o que dissemos.
Se, na questão da bandeira de Nicolau Barreto, houve
alguma vítima do hipnotismo, certamente não foi Orville
Derby.

298 . Aliás «Goaibihi » e «Guaibihi » ( V. ns . 68 e 71 e notas


208 e 218 ) .
299 . Ésse topônimo só aparece num dos inventários, o de
Brás Gonçalves , o moço, ou , mais precisamente , em duas peças
juntas ao seu inventário : um documento de dívida e o testamen
to, ambos lavrados no sertão ( Conf. ns. 68 e 71 citados ) .
300 . Não era 0
nome primitivo do rio hoje chamado
das Velhas . O nome primitivo era, conforme veremos dentro em
pouco, o que está nos referidos documentos do inventário de
Brás Gonçalves, o moço (V. n . 108 e nota 332) .
301 . 0 Bandeirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3º
ed ., p . 85 e 86 , 2 ° ed ., p . 81 e 82 , 1 * ed ., p . 27 a 29. V. também
o Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da Universidade de S. Paulo, p . 70 .
Cumpre dizer que no livro Meio Século de Bandeirismo ( p.
67 ) , o autor suprimiu a frase : «quando é possível » etc. Mas em
outro lugar dessa obra refere-se ao Guapahy ( V. supra n. 45,
o penúltimo trecho ) . Num tópico que ali transcrevemos pouco
antes dêsse, aventa o autor que o « Guaibihi » e o « Paracatú» da
bandeira talvez fossem rios do sistema do Pilcomayo ou da bacia
do Madeira, na Bolivia .
302 . V. ns . 48 a 50 .
PARTE I - CAPÍTULO II - SECÇÃO II 135
N. 100 Notas 303 a 305

100. — Vejamos o que escreveu o Dr. Afonso Taunay :


“Quanto ao Rio Guaibihi dos inventarios do sertão
da bandeira ( 303 ) , que Derby quer muitissimo seja
orio das Velhas, ou Guaicuhy, achamos bem
forçada esta identificação. Naturalmente occorreu
ao illustre geologo por já ter fixada a attenção
sobre o Paracatú vizinho do Guaicuhy. Guaibihy
e Guaicuhy se assemelham bastante ; o Guaicuhy
ou rio das Velhas é o affluente mineiro mais notavel
da margem oriental do S. Francisco assim como
o Paracatú á margem occidental. A approximação
apresenta -se commoda e facil. Não podemos porém
louvar que Derby tenha querido comprovar a
proposta identificação com a autoridade do mappa
veneziano de Coronelli, catando de 1698 ( 304 ), onde
por accaso encontrou um Guaibuig (305) , nome
attribuido a um rio “ que pela sua posição topogra
phica é indubitavelmente o rio das Velhas ” . Estas
indicações colhidas sobre o alto sertão brasileiro
em mappas europeus seiscentistas são da maior
inconsistencia . Sobretudo em zonas de que então
havia a mais absoluta ignorancia ainda, desconhe
cidas como nem hoje o centro africano .
Em primeiro lugar nessas cartas se dá o enorme
estropiamento dos nomes portuguezes e sobretudo
brasilicos. E ha depois como já lembramos o factor
do desconhecimento prodigioso do interior do paiz.
Do que vale o mappa do Padre Coronelli aliás cele
berrimo no seu tempo, geographo da Republica
Serenissima de Veneza, quando nelle vemos
absurdos sobre absurdos ?

303 . -
V. nota 299 .
304 . O mapá do Pe. M. Coronelli ( que é de 1688 , e não
de 1698, como diz o Dr. Taunay ) figura, em fac-simile, no es
plendido atlas anexo ao trabalho do Barão do Rio Branco Fron
tières entre le Brésil et la Guyane Française . É o mapa nº 82 .
305 . Orville Derby escreveu , de fato , «Guaibuig » ( V. n .
3 in fine) ; mas no mapa de Coronelli está : « Gaibuig» .
136 PARTE W - CAPITULO II - SECÇÃO II
N. 100 ( contin . ) Nota 306 ( I e II )

Como attribuir tanta importancia a este nome


Gaibuig , quando Coronelli faz nascer o S. Francisco
ou Parapitinga ( ? ) na serra da Gualembaga, atra
vessar o grande lago de Parapitinga , recebendo
como affluentes o Guabiole cujo tributario principal
é o Inaya , o Lacarchug, o Parachai e o Gretacaig !!
Eis uns nomes barbaros, difficilimos de identifi
cação com qualquer dos toponymos da bacia do
S. Francisco ( 306) .
E quanta cousa mais phantasiosa existe neste

306. - 1. A transcrição desses topônimos não foi muito


fiel. Coronelli denomina o rio principal : «S. Francesco, ò Para
pitinga», porém dá ao lago o nome de « Parapitingaa» . Quanto
aos outros rios, a única denominação que foi trasladada exata
mente é : « Parachai». As outras são : «Gualiaole», «Ynaya», « la
carchug» e «Geta Caig», e não «Guabiole », « Inaya», « Lacarchug >
e «Gretacaig» .
II . – A identificação, pelo menos de alguns dos topônimos
do mapa , não é tão difícil como se julga .
A « Serra de Gualembaga», que, no mapa, está perto das nas
centes do S. Francisco ( e que, na verdade, deveria figurar mais
ao sul, é a «Jaguamimbaba », de que nos fala Pedro Taques, e
que, no dizer dêste escritor, seria a Mantiqueira (Nobiliarchia
Paulistana, 1 ° ed ., na Rev. do Inst. Hist. e Geogr. Bras., tomo
32', parte I, p . 243, e 24 ed., vol . 1', tomo especial da cit. Revista,
p. 65 ) . Segundo Teodoro Sampaio, a antiga serra de Jaguamim
baba seria a atual serra de Itaberaba, ramo da Mantiqueira, em
território paulista (Peregrinações de Antonio Knivet no Brasil
no Seculo XVI, na cit. Revista, tomo especial do 1º Congresso
de História Nacional, parte II, p. 380 e 384 ) .
O rio « Ynaya » é o «Indayá», afluente da margem esquerda
do S. Francisco. Basta considerar que o d tupi é nasal, como o
b ( V. o que a respeito dêste dizemos adiante, n. 110, segundo pa
rágrafo) , e se escrevia, ora com nd, ora simplesmente com n. As
sim , por exemplo : «Candapuhy » ( ou « Candapuí » ) , nome de um rio
da ilha Comprida ( Gastão César Bierrenbach Lima, Dicionario
Geografico do Estado de São Paulo, publicação do Conselho Na
cional de Geografia, Diretório Regional do Estado de S. Paulo,
boletim nº 2, S. Paulo, 1943, p. 105) e « Canapui» ( Sesmarias,
publ. do Departamento do Arquivo do Estado de S. Paulo, vol. 2
bis, p . 68 in fine ) ; « caraná » e «carandá » ( Teodoro Sampaio,
0 Tupí na Geographia Nacional, 34 ed., Bahia, 1928, p. 182) ;
« comanda » e «comaná » ( op. cit ., p . 190 ) .
PARTE III CAPITULO II - SECÇÃO ( 137
N. 100 ( contin . ) — Notas 306 ( III ) e 307

mappa de Coronelli! No centro do Estado do


Paraná colloca um grande lago de onde sahe o rio
Latibagiha ( provavelmente o nosso Tibagy )
affluente do Paranápana ( 307) .
Não se menciona sequer a existencia de S. Paulo ;
o perfil do nosso littoral está erradissimo e assim
por deante.

Vemos também no mapa de Coronelli um rio que aflui no


S. Francisco pela margen direita, ao norte da foz do «Gaibuig»,
e que tem a denominação «Geta Caig » ( e não «Gretacaig », como
está no livro do Dr. Taunay ) . O ig final representa aqui o vo
cábulo tupi correspondente a «água» qu « rio», e que era mais
comumente grafado « hy» ou «hi» ( V. adiante, n. 109) . O topô
nimo poderia , pois, ser escrito : «Geta Cahy », ou «Jetacahy » .
Embora, no mapa, a direção do rio não seja exata , vê-se, pela
situação da foz e pela semelhança dos nomes, que se trata do
Jequitahy .
III . Mas, o mais interessante é que a denominação indí
gena do rio S. Francisco, indicada pelo Pe. Coronelli ( « Para
pitinga»), e que o Dr. Taunay estranhou tanto, que lhe apôs um
ponto de interrogação, longe está de ser fantasiosa. Vimos ( n .
87 in fine) que, segundo Gabriel Soares, os índios denominavam
o rio S. Francisco : « Pará » . Leiamos agora o que escreve Teo .
doro Sampaio :
«Parapitinga, s. c. pará- pitinga, o rio branco . É como 0

gentio chamava o rio de S. Francisco ( Mello Moraes Chroni


ca Geral) . Por abreviação, diziam os portugueses o Pará,
forma esta que erroneamente escreveram Opara, como se encon
tra em varios autores » (O Tupí na Geographia Nacional, 34 ed .
cit ., p . 283 in fine) .
Um reparo somente: à vista do que diz Gabriel Soares, não
eram só os portugueses que, por brevidade, diziam simplesmen
te : « Pará» .
Hoje, como é sabido, éste nome designa apenas um afluente
da margem direita do S. Francisco, em seu curso superior .
307. – «Latibagiha » (o Tibagy atual) e « Paranápana » (o
Paranapanema) são grafias que pouco diferem das que apare
cem em documentos espanhóis antigos : «Atibajiba» (Anais do
Museu Paulista, tomo 1 ' , parte 2 " , p . 147 ) ; « atibagiua » ( pág.
cit . in fine) ; katibaxiba» ( ibidem, p. 150 in fine) ; « Tiba
xiba», «la tibaxiba» (p. 152 ) ; -- «Rio de la tibajiua» ( p . 249 e 259 ) ;
«Rio del parana Pane ) ( ibidem , p . 189 ) , ou « Paranapane» ( p .
147, 191 in fine, 192, 193, 197 e 209 ) .
138 PARTE III CAPITULO II — SECÇÃO II
Ns. 100 ( fim ) e 101 Notas 308 a 313

Facile credimus quod volumus. Derby viu aquele


Gaibuig e logo a elle se atirou como a uma prancha
de salvação para justificar a sua identificação
forçadissima sem se dar ao trabalho de verificar
quanto é prodigiosamen.te phantasioso o mappa de
Coronelli cuja autoridade invoca .
Mero acaso provavelmente levou o geographo ve
neziano a traçar no nosso hinterland um rio a que
chamou Guaibuig (308 ) e mais ou menos na dire
ctriz do atual Guaicuhy. Guabihi e Guaibihú
(309 ) são nomes que não occorrem na actual topo
nymia brasileira. Pelo menos não os menciona
Moreira Pinto no seu Diccionario precioso (310 ).
embora hoje avelhantado.
Assim pouco nos impressiona o caso da palavra
Guabihy ( 311 ) , o que se não dá com a occurrencia
dos nomes : Sertão de Paracatú” ( 312 ) .

101. Isso dissera o historiador na ocasião em que,


impressionado pela já citada referência de Azevedo
Marques à saída da bandeira de Nicolau Barreto em
direção a Mogy das Cruzes, resolvera admitir, como
possível, a exploração do vale do S. Francisco (via Mogy
das Cruzes ) até o Paracatu , continuando, porém, firme na
adesão à tese do Dr. Alfredo Ellis Júnior, da invasão do
Guayrá, invasão que, no entender do Dr. Taunay, teria
ocorrido depois daquela possível exploração (313) .
Quando, porém, abandonou esta hipótese, para voltar a
308 . No mapa está : «Gaibuig» .
309 . Nenhuma destas grafias se encontra nos documen
tos da bandeira ( Conf . ns . 68 e 71 e notas 208 e 218) .
310 . Refere- se o autor à obra de Alfredo Moreira Pinto
Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil, 3
vols . ( R. de Janeiro, Imprensa Nacional, 1894 , 1896 e 1899 ) e
Suplemento ( Imprensa Nacional , 1935 ) .
311 . Aliás «Goaibihi», ou «Guaibihi» (V. ns . 68 71 e
notas 208 e 218 ) .
312 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo I, Apen
so, p . 340 e 341 .
313. - V. supra , ns . 15 a 19 .
PARTE III – CAPÍTULO II - SECÇÃO II 139
N. 101 ( contin .) Notas 314 a 317
-

defender exclusivamente a da expedição ao Guayra (314 ) ,


escreveu (315) :

“Têm os encaminhamentos das bandeiras quinhen


tistas e seiscentistas absorvido os esforços labo
riosos da erudição , intelligencia e imaginação de
muitos dos mais argutos e sabidos pesquisadores do
nosso passado. Succede, às vezes, que, transviados
pela suggestão occasional da toponymia recente,
deixem - se estes autores arrastar a conclusões posi
tivamente phantasiosas.
Assim se deu , quer nos parecer, com Orville Der
by a proposito da grande bandeira de Nicolau Bar
reto , em 1603 ( 316 ) .
Deparando -se -lhe, nos papeis relativos a esta
entrada notavel, a palavra Paracatú, pareceu ao
eminente geologo americano e desventurado amigo
do Brasil (317 ) poder irretorquivelmente affirmar
a permanencia dos bandeirantes de S. Paulo e
daquelle illustre cabo de tropa na região do grande

314 . . V. n . 20 .
315. – Salvo algumas diferenças ( cujas principais serão
assinaladas em notas 317 , 320 e 323, I ) , o que diz o autor , nos
trechos do tomo V da Historia Geral das Bandeiras Paulistas
( 1929) , que vamos trasladar ( ns. 101 e 102), já o escrevera nas
«Palavras de explicação » que precedem a edição reduzida do seu
Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas ( Comp . Melhora
mentos de S. Paulo , 1926 ) , e voltou a dizê-lo na primeira das
conferências do Curso de Bandeirologia , que em 1946 foram im
pressas , sob ésse título , pelo Departamento Estadual de Infor
mações .
316 . A expedição partiu de S. Paulo em 1602 e regressou
em 1604 ( V. Parte IV , capítulo 1, ns . 115 a 120) .
317 . O autor fez aqui estrita justiça a Orville Derby,
dando-lhe o título de amigo do Brasil . E é de lamentar que,
mais tarde, na referida conferência do Curso de Bandeirologia,
o historiador brasileiro tenha omitido tão honrosa e merecida
distinção, substituindo a frase feliz do tomo V da Historia Geral
das Bandeiras Paulistas por um simples «pareceu-lhe », e limi
tando-se a dizer, no período anterior, em vez de «com Orville
Derby » : «com o ilustre e infeliz Orville Derby» .
140 PARTE III CAPÍTULO II - SECÇÃO II
Ns. 101 ( fim ) e 102 Notas 318 a 320

affluente da esquerda do Alto São Francisco . E,


para reforçar a asserção, recorreu á approximação
entre OS nomes da barbara geographia dos
documentos da bandeira , nos seus inventarios do
sertão, e os que soffregamente intentou descobrir,
inscriptos em mappas europeus do seculo XVII, e
em regiões correspondentes ao actual centro
mineiro . Isto até em cartas não lusitanas. E
conseguiu , provavelmente por mero acaso, satis
fazer o ingenuo desideratum , nova demonstração
do velho e justissimo brocardo : facile credimus
quod volumus. Assim num mappa do veneziano
Coronelli, de fins da era seiscentista, descobrio um
rio Guaibuig (318) , affluente apontado do Alto
S. Francisco, no actual centro mineiro, que, exul
tante, identificou com o actual Guaicuhy ou Rio das
Velhas (Vd. Historia Geral das Bandeiras Paulistas,
t. I, pag . 340 ) (319) .
Nem reflectiu quanto, da toponymia daquelle
mappa do cosmographo da Republica Serenissima
e da das demais cartas suas contemporaneas,
immenso é phantasioso no tocante á America,
sobretudo á Meridional” ( 320 ) .

102. Depois de assinalar a existência de várias

318 . Lembremos, mais uma vez, que o topônimo do mapa


de Coronelli é «Gaibuig» .
319 . Já transcrevemos ( n . 100) o trecho da pág . 340 do
tomo I , a que se refere o autor .
320 . Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo V
( 1929 ) , p . 231 in fine e 232. V. também as «Palavras de explica
ção do cit . Ensaio de Carta Geral etc. , p. 1 ( 2* col . ) e p. 2 ( 1.
col.), e Curso de Bandeirologia, p. 10 in fine e 11 .
Nesta última publicação, o trecho : «recorreu à approxima
ção entre os nomes da barbara geographia dos documentos da
bandeira , nos seus inventarios do sertão, e os que soffregamen
te intentou descobrir, inscriptos em mappas europeus do seculo
XVII » foi substituído pelo seguinte : « recorreu ao cotejo
entre os nomes da barbara geografia dos documentos da entra
da, nos seus inventários de sertão , e os que descobriu, inscritos
PARTE HII — CAPITULO II - SECÇÃO II 141
N. 102 ( contin .) Notas 321 e 322

extravagâncias em mapas " italianos, francezes, hollan


dezes, allemães, inglezes” , etc. (321 ) , o historiador assim
termina :

" Fascinado, porém , pela paronymia de Guaibuig


e Guaicuhy ( 322 ), nada mais viu Derby do que a
descoberta de um argumento que lhe podia ser
altamente valioso .
Toda a sua argumentação erudita , e trabalhosa
mente colligida , parece -nos insustentavel depois das
novidades por Ellis encontradas na documentação
municipal de S. Paulo e de onde deduziu logicas
conclusões diametralmente oppostas ás do sabio
geologo.
Affirmam estes novOS elementos documen
taes, com outra solidez de aspecto , que Nicolau
Barreto se encaminhou de S. Paulo para rumo de
sudoeste, em direcção ás margens do Pequiry e do

em mapas europeus do século XVIII» . E em vez de «Nem reflec


tiu quanto» ( último período ) , lê-se : «Nem o deteve a considera
ção de quanto» .
A mitigação da crítica é insignificante, comparada com o
que ficou . Por isso basearemos a refutação (ns. 103 a 107) no
que está na Historia Geral das Bandeiras Paulistas, obra muito
mais conhecida e consultada do que a conferência do Curso de
Bandeirologia .
Quanto aos topônimos que, segundo o Dr. Taunay, Orville
Derby teria descoberto em mapas do século XVIII, o que se pode
afirmar é que Derby citou apenas um topônimo : o «Gaibuig» do
mapa de Coronelli, que não é do século XVIII, e sim do século
XVII ( V. nota 304), ou por outra , «da era seiscentista», como
escreveu, aliás, pouco adiante, o historiador brasileiro.
321 . -
V. tomo V cit ., p . 232 e 233, « Palavras de explica
ção» ( do cit. Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas) , p.
2 ( 1' col. ) , e Curso de Bandeirologia , p . 11 .
322 . O que disse Orville Derby foi que o topónimo do
mapa de Coronelli se aproximava mais à grafia do inventário
de Brás Gonçalves ( «Guaibihi» ) do que à forma atual, Guaicuhy
( Conf . n . 3 in fine) . Assim, evidentemente, a paronímia que o
«fascinou» foi a que existe entre «Gaibuig» e «Guaibihi », e não
entre «Gaibuig» e «Guaicuhy ».
142 PARTE III - CAPITULO II - SECÇÃO II
Ns. 102 ( fim ) e 103 - Nota 323

Paraná, quando Derby contemporaneamente o


fazia marchar para noroeste em direcção do Alto
São Francisco " (323 ) .
103 . Sem dúvida, o mapa do P.e Coronelli contém

323 . - I. Historia Geral das Bandeiras Paulistas, tomo V,


p . 233 .
Nas « Palavras de explicação » do cit . Ensaio de Carta Geral
das Bandeiras Paulistas ( p. 2, 1° col. ) , em vez de «Toda a sua
argumentação » ... etc. « parece-nos insustentavel », dissera o his
riador : «parece-nos sobremodo expugnavel », expressão que vol
tou a empregar no Curso de Bandeirologia ( p. 12 ) , onde tam
bém substituiu a frase « Affirmam estes novos elementos do
cumentaes, com outra solidez de aspecto, que Nicolau Barreto
pela seguinte : « Fazem crer com outra solidez de aspeto
que Nicolau Barreto » etc.
II. Já vimos em que consistem as « novidades» encontradas
pelo Dr. Alfredo Ellis Júnior. Não afirmam, nem fazem crer que
Nicolau Barreto se tivesse encaminhado para sudoeste ( isto é,
no entender dos dois ilustres historiadores, para o Guayrá) : ao
contrário, estão fora de combate . ( Conf. Parte II, capítulos I a
III, ns . 37 a 60 ) .
Quanto à parte final da crítica ( n . 102 in fine) , aquele no
roeste», relativo à marcha «em direção ao Alto São Francisco»,
deve ter resultado de inadvertência .
III . No mesmo tomo V da Historia Geral das Bandeiras
Paulistas ( p . 154 ) , escrevera o historiador , referindo -se ao go
governador geral D. Francisco de Sousa :
« Em 1602 fazia partir segunda bandeira pelo sertão a dentro,
a de Nicolau Barreto , a notavel entrada cuidadosamente estuda.
da por Orville Derby, segundo preciosa documentação encon
trada e decifrada por Washington Luis e de que Pablo Pastells
apresentou corroboração citando um documento inedito, a carta
do padre Justo Mancilla van Surck ao Geral dos Jesuitas » .
D. Francisco de Sousa não podia fazer partir aquela ban
deira, pois meses antes deixara de ser governador geral ( V.
nota 145, IV ) .
Diz o Dr. Afonso Taunay que a expedição foi «cuidadosa
mente estudada por Orville Derby, segundo preciosa documen
tação encontrada e decifrada por Washington Luis». Custa crer
que isso tenha saído da pena do mesmo historiador que, páginas
adiante, julga que Derby se deixou arrastar a conclusões positi
vamente fantasiosas, recorreu à aproximação entre os nomes

da bárbara geografia dos documentos da bandeira, nos seus in


PARTE MI - CAPITULO II - SECÇÃO II 143
N. 103 ( contin .) Nota 324

indicações inexatas (324 ), o que aliás acontece em muitos


outros, antigos e até modernos. Mas, não obstante os
numerosos senões, não deixam ésses mapas de prestar

ventários do sertão, e os que sofregamente intentou descobrir em


mapas antigos, sem se dar ao trabalho de verificar as fantasias
do mapa de Coronelli, onde encontrou o topônimo «Gaibuig»,
etc., etc. (V. supra, ns. 100 e 101 ) ; enfim, do mesmo historiador
que considera insustentável a tese do escritor norte - americano , à
vista das novidades encontradas pelo Dr. Alfredo Ellis Júnior
na documentação municipal (V. n . 102) . Deveria então dizer que
« preciosa » era esta documentação, e não a encontrada e deci
frada por Washington Luis e por ele facultada a Orville Derby
( V. nota 2, II) , isto é, os testamentos e inventários de compa
nheiros de Nicolau Barreto, pois que é nestes documentos que
se encontram os nomes da bárbara geografia, «Paracatú» e «Guai
bihi», que o autor da Historia Geral das Bandeiras Paulistas
não admite fossem os de afluentes do rio S. Francisco .
O mais estranho, porém, é que afirme ( no final do tópico
que trasladámos há pouco ) que o Pe. Pablo Pastells apresentou
corroboração (à tese de Derby, pois que só a esta se refere o
período ) , citando a carta do Pe. Mancilla . Ora, nada disso
aconteceu . Pastells nem tratou da expedição de Nicolau Barreto ,
em 1602 ; no tomo I de sua Historia de la Compañía de Jesús en
la Provincia del Paraguay ( obra que, apesar do título, é uma co
letânea de documentos, aliás valiosíssima, organizada cronològi
camente e anotada ) , apenas publicou a mencionada carta, em que
existe um tópico referente a uma bandeira chefiada por Nicolau
Barreto, tópico esse em que o Dr. Afonso Taunay julgou encontrar
corroboração, não das conclusões de Derby, mas da tese da in
vasão do Guayrá, sustentada pelo Dr. Ellis . Já tratamos do as
sunto na Parte II, capítulo IV ( ns . 61 a 66) . Quanto ao trecho
da carta relativo à bandeira, v . ns . 64 e 65 .
324 . Inexatidões muito naturais naquela época , e que não
bastam para justificar a rejeição global das outras indicações .
O cartógrafo veneziano, achando-se a tão grande distância, não
estaria em condições de verificar a exatidão de todos os infor
mes em que se baseou . Menos explicáveis nos parecem os erros
que ainda hoje cometem autores ilustres, na simples cópia de do
cumentos ao seu alcance . Assim, por exemplo, não tivemos que
retificar muitas vezes, neste nosso trabalho, denominações ar
revesadas, tais como «Guabihi », «Guabibi» e «Guaibihú»? E O
próprio censor do mapa, tendo - o à sua frente, bem próximo,
não transcreveu inexatamente, como vimos ( nota 306, I), parte
dos topônimos da bacia do S. Francisco ?
144 PARTE II - CAPITULO II - SECÇÃO II
Ns. 103 ( fim ) e 104 Nota 325

bons serviços aos estudiosos. Nem tudo está errado. A


questão é saber e querer distinguir o trigo do joio. E
às vezes , quando menos se espera , surgem informações
preciosas .
Quanto à aproximação entre "os nomes da bárbara
geografia dos documentos da bandeira " e os de mapas
do século XVII, devemos observar que a geografia
daqueles e de muitos outros documentos paulistas não é
assim tão "bárbara” ( no sentido evidente em que o impu
gnante emprega o têrmo ), que dispense qualquer exame
( 325 ). Se repelirmos de plano as denominações que nêles
aparecem , e se, por outro lado, também desprezarmos os
nomes da cartografia, sòmente porque têm vizinhos
" barbaros ” ou estropiados, nada ou bem pouco restará
para resolver as questões de toponímia antiga.
104 . Será verdade que Orville Derby “ não se deu ao
trabalho " de verificar os defeitos do mapa veneziano ?
Decerto lhe não teriam escapado. Mas, não se impressio
naria com isso. Conhecedor dos documentos cartográ
ficos antigos, sabia muito bem que não devem ser conde
nados in totum . Demais, não lhe interessava fazer uma
dissertação em torno deles, e sim ver se encontraria
algum topónimo igual ou semelhante ao “ Guaibihi” dos
documentos da bandeira, o que confirmaria a identificação
do “ Paracatu ", que lhe parecera natural. Se examinou
vários mapas seiscentistas, lusitanos ou não, fêz muito
bem. " Ingênuo" teria sido o seu desideratum , se preten
desse resolver a questão desprezando a documentação
antiga e limitando-se a consultar algum mapa ou dicio
nário geográfico moderno . Procedeu, portanto, calma e
ponderadamente , como quem busca a verdade onde a pode
encontrar, e não como seu ilustre crítico, que, " fascinado"
pela idéia tentadora de descobrir e catalogar os pecados
geográficos do P.e Coronelli, tão “ sôfregamente " o fêz,

325 . Pode -se até assegurar que nunca será demais enca
recer a importância das inúmeras indicações topográficas, bem
ou mal grafadas, que aparecem naqueles documentos, a começar
pelos testamentos e inventários .
PARTE DI CAPÍTULO II – SECÇÃO II 145
Ns. 104 ( fim ) a 106 Notas 326 a 329
-

que leu mal várias denominações existentes no mapa


( 326 ) .
105. – Se Derby consultou a cartografia antiga , é
evidentíssimo que não foi por “ mero acaso" que encontrou
o “ Gaibuig ”, o qual também não podia figurar no mapa
de Coronelli por “ mero acaso " . Estranho acaso seria
êste, que teria levado a mão do cartógrafo a traçar, no
território hoje mineiro, um affluente da margem direita
do S. Francisco, “mais ou menos na diretriz do atual
Guaicuhy” ( como reconhece o próprio censor ) ( 327) , isto
é, na diretriz do rio das Velhas, e a dar -lhe a denominação
de “Gaibuig ", tão semelhante ao “ Guaibihi” do testamento
de Brás Gonçalves, o moço !
106. Relendo os trechos do trabalho de Derby, refe
rentes ao " Paracatú " e ao " Guaibihi" , ver-se-á fàcilmente
que o saudoso historiador não disse, nem sequer deu a
entender, que considerasse " irretorquível” a identificação
do primeiro, e que, em relação à do segundo, não é exato
houvesse manifestado “ querer muitíssimo" isto ou aquilo
(328 ) . Verdade é que, referindo -se ao " Gaibuig ” do mapa
de Coronelli, disse que, " pela sua posição topográfica ” , o
rio assim denominado era " indubitavelmente o rio das
Velhas” , o que, aliás, ninguém pode contestar, e nem o
impugnante o contestou , antes concordou, segundo aca
bamos de ver, com a afirmativa do escritor norte -ameri
cano . Mas, no que respeita à identificação do “Guaibihi”
da bandeira com o rio das Velhas, Derby não afirmou
de modo categorico : declarou, muito modesta e despre
tensiosamente, que tal identificação podia ser feita “ sem
grande risco de errar " e que a grafia do topônimo do
mapa de Coronelli “ se aproximava mais à do inventário
de Brás Gonçalves" ( isto é, ao " Guaibihi" ) " do que á
forma moderna de Guaicuhy " ( 329 ) .

326 . V. nota 306, I.


327 . V. n . 100, penúltimo parágrafo .
328 . As Bandeiras Paulistas de 1601 a 1604, na Rev. do
Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo , vol . 89 , p . 400 e 401 .
329. -
Aliás Derby nem fêz qualquer afirmativa a respei
to da identificação do « Paracatú» com o afluente da margem
146 PARTE II - CAPITULO II - SECÇÃO II
Ns. 106 ( fim ) e 107 Nota 330
-

Eis no que consistiu “ toda a sua argumentação eru


dita e trabalhosamente coligida " .
Não sabemos se exultou ao encontrar aquele "Gai
buig ” ; mas podemos dizer que hoje, se vivo fôsse, poderia
exultar, como nós exultamos por ver que Deus seja
louvado ! — o venerando sábio não errou . É o que dentro
em pouco se demonstrará .
107. - Não foi feliz nem adequada como o não
foram outras expressões da crítica a evocação do
.

brocardo " facile credimus quod volumus” , o qual todavia


não ficará sem aplicação, pois não falta quem a tenha
merecido. E a “ prancha de salvação " , de que Orville
Derby não necessitou , ali fica ao inteiro dispor de quem ,
“ transviado pela sugestão ocasional” de certas “ novi
dades” que se lhe depararam , com " solidez de aspecto "
ou aspecto de solidez, infelizmente se deixou " arrastar a
conclusões positivamente fantasiosas " , e, por não se ter
dado ao trabalho de estudar a questão como devia, variou
de opinião, sem conseguir livrar- se do êrro ( 330 ), e ainda
proclamou - como se tivesse esgotado o manancial ca
documentação a profecia incrível de que era “mais

csquerda do S. Francisco . De sua narrativa da viagem, de acor


do com os dados dos documentos da bandeira, é que se vê que
achou natural a identificação .
Já transcrevemos ( V. n . 3) o pouco que disse relativamente
ao «Guaibihi» .
330 . Não avançamos uma inverdade, quando dizemos que
o autor da Historia Geral das Bandeiras Paulistas não estudou
o assunto como devia . Recapitulemos .
Durante largo tempo admitira a tese de Orville Derby, tanto
assim que, no Ensaio de Carta Geral das Bandeiras Paulistas,
inscrevera o nome de Nicolau Barreto na região do Paracatul,
afluente do S. Francisco (V. supra, n . 11 e nota 31) . Quando
apareceu a tese guairenha, do Dr. Alfredo Ellis Júnior, aceitou
a logo, sem verificar se os documentos em que se baseava ti
nham realmente o alcance que se lhes atribuía ( V. ns . 11 in
fine, 12 e 14) . Citou a carta do Pe. Justo Mancilla van Surck
( ns . 12 in fine, 13 e 61) , cujo assunto principal é um assalto às
reduções jesuíticas do Guayrá pelos paulistas, em 1629 (ns. 61
in fine e 62) , e em cuja segunda parte se vê um trecho referente
a uma bandeira chefiada por Nicolau Barreto (n . 64) . Embora
PARTE III . CAPÍTULO II SECÇÃO DI 147
N. 107 ( contin .)

provável que jamais se aclarasse êste ponto obscuro e

fosse o primeiro a observar que o Pe. Mancilla não dava como


certo o ano de 1602 ( ns . 65, primeira parte, e 66), nem por isso
deixou de afirmar que o documento vinha em apoio da nova
tese ( n . 12 in fine) . Aliás, parece que nem o leu com atenção,
pois do contrário não asseveraria que nêle se falava da entrada
de Barreto em terras do Guayrá (V. n . 65) .
Tempos depois, quando descobriu, na obra de Azevedo Mar
ques ( publicada em 1879 ) , a afirmativa de que a bandeira de Ni
colau Barreto partira «em direção a Mogy das Cruzes» (V. ns.
15 e 16) , achou que o cronista não podia enganar-se, e embora
não se soubesse do paradeiro do inventário de Ascenso Ribeiro,
citado por Azevedo Marques, e, portanto, se ignorasse o motivo
daquela informação, concluiu que o inventário afirmava que a
bandeira passara por Mogy das Cruzes ( n. 17 ) . Admitiu então,
como possível, que, seguindo pelo vale do Parahyba e galgando
a Mantiqueira, a expedição fôsse ter ao S. Francisco e ao Pa
racatu, e que só depois tivesse «descido ao Sul, indo reaparecer no
Guayrá» (n . 18) . Assim, a tese guairenha continuava a parecer
The intangivel . Quanto à exploração do vale do S. Francisco,
julgou ser «mais provável que talvez jamais se aclarasse este
ponto obscuro e controvertido » ( n . 18 in fine) .
Poderia tê-lo aclarado, pelo menos dessa vez, relendo os do
cumentos tão infundadamente invocados em favor daquela tese e
consultando fontes perfeitamente acessíveis, a começar pelos do
cumentos da bandeira, que Derby não conhecera integralmente
( V. n . 67 e notas 205 e 209, I) e que tinham sido publicados
em 1920 e 1921 ( V. nota 206), isto é, muito antes da primeira
impugnação à tese do escritor norte-americano . Teria visto,
pelo menos, a referência aos amoipiras (V. n. 73 e nota 227 ) , e,
procurando informações a respeito desses indígenas, verificaria
que habitavam uma vasta extensão do vale do S. Francisco ( V.
n. 87 e nota 261) , e não o território guairenho. Isso o levaria
forçosamente à investigação quae sera tamen da origem e
da dispersão dos temiminós (V. ns. 79 a 86), e então verian
quanto se iludira quando afirmara que eram índios « incontes
tàvelmente guairenhos» ( Conf. n. 59 ) . E assim , bem seguró nas
mãos o fio de Ariadne, iria saindo do labirinto em que se per
dera e olharia mais simpàticamente o «Paracatú », e «Guaibihi »,
o mapa de Coronelli e as conclusões de Orville Derby. Estudando
bem, mudaria de opinião mais uma vez , porém e isto é o prin
cipal — estaria para sempre de posse da verdade:
Preferiu, todavia, abraçar -se à tese guairenha e não pensar
mais nem sequer na possibilidade da exploração do S. Francisco
148 PARTE III CAPITULO II — SECÇÃO II
Ns. 107 ( fim ) a 109 Notas 331 a 333

controvertido da história primeva brasileira " ! ( 331)


Facile credimus quod volumus.
108. - É sabido que o rio das Velhas também é
chamado Guaicuhy (332 ) . Mas, a significação cêste nome
não corresponde à denominação portuguêsa. “ Rio das
Velhas ” , em tupi, é ( salvo a grafia deficiente, pelas razões
que passaremos a expor ) : " Guaibihi" , justamente como
está na “bárbara geografia dos documentos da bandeira " .
Decompõe - se o topônimo em : guaibi, velha ou velhas,
e hy, água, ou rio.
109. – 0 vocábulo que grafamos hy tem um som
especial, inexistente em nossa língua. Trata - se de um i
gutural, surdo, que difere muito, não só do nosso i, puro e
claro, como do u francês e do ü alemão, aos quais tem sido
às vezes comparado ( 333 ). Impossível, portanto , a grafia
( V. ns . 20 e 21) . E embora tão mal preparado, carregou a mão
na crítica a Orville Derby , dizendo o que o “amigo do Brasi ! »
não merecia, ainda que houvesse errado . Eis a razão pela qual
nós, que vimos defendendo a tese, também defendemos aqui a me
mória de seu venerando Autor, cumprindo assim o que conside
ramos como rigoroso dever, sem o menor intuito de desrespeitar
ao ilustre historiador brasileiro, que, com os seus valiosos traba
Thos, prestou e ainda há de prestar à sua, à nossa Pátria , servi
ços inolvidáveis.
331. – V. supra , n . 18 in fine.
332 .I. Alguns, todavia , dão este nome а um ribeiro
que aflui no rio S. Francisco adiante da barra do rio das Velhas.
Isto, porém, não altera a questão principal, que está em demons
trar qual a verdadeira denominação primitiva do rio hoje cha
mado das Velhas.
II. Diz Milliet de Saint- Adolphe que 0 nome da .
do pelos índios a este rio era «Guaicuhi» (Diccionario geogra.
phico, historico e descriptivo do Imperio do Brazil, Paris, J. P.
Aillaud, 1845, vol. 1 ', p. 416, vb . «Guaicuhi», e vol . 2°, p . 760
in fine e 761 , vb . «Velhas ») .
Conforme demonstramos no texto, não era êsse o primitivo
nome indígena. «Guaicuhi» ( ou «Guaicuhy ») seria, quando mui.
to , uma corruptela . Certamente o autor não conheceu os do
cumentos antigos em que vem o nome que corresponde exata
mente, na língua tupi, a « rio das Velhas) ; do contrário não
apresentaria, relativamente à origem desta denominação portu
guêsa, a explicação que assinalamos em nota 351 .
333 . Só se pode aprender ouvindo e observando . Por
PARTE II – CAPÍTULO II - SECÇÃO II 149
N. 109 ( contin .) Nota 334

exata , com as letras de nosso alfabeto . Ora escrevia -se


hy, hi ou hu (como se se tratasse de um som aspirado, e
não gutural), ora simplesmente y, i, u, ou, etc. ( 334 ). Ou
então procurava - se representar o som gutural grafando
isto omitimos as explicações dos tratadistas , que, aliás, diver
gem bastante, como é natural .
334 . Conf . Teodoro Sampaio, O Tupí na Geographia
Nacional, 3. ed . cit ., p. 62 in fine a 64 ( n . 75 ) e p . 215 ( « Hy » ) ,
333 ( «U » ) e 347 ( «Y » ) . Daremos alguns exemplos de variantes
gráficas .
No começo dos vocábulos :
« Ypiranga (Inventários e Testamentos, vol. 10, p. 137 in
fine ) ; « Ipiranga» ( Inv. e Test., vol. 3 , p . 217, 218, 221 , etc.;
Atas da Câmara de S. Paulo, vol . 1°, p. 272 in fine e 355) ;
« Hypiranga» ( Inv. e Test., vol . 11 °, p. 442 ) ; « Hipiranga »
( Inv . e Test . , vol . 199, p . 284 ) .
« Itinga» ( y-tinga), «Utinga», «Otinga» (Teodoro Sampaio,
op. cit., p . 236 in fine, 278 e 340 ) .
« Ytú » (Inv. e Test., vol . 26', p . 375, 376 in fine e 404 ) ;
« Itú» (Inv. e Test., vol. 25°, p. 178 ; Sesmarias, publ . do Depar
tamento do Arquivo do Estado de S. Paulo, vol . 2 , p. 485
in fine) ; — «Utu » ou «Utú » ( Inv. e Test., vol . 199, p. 268, vol . 25°,
p. 225 in fine, e vol. 26', p. 427 ; Sesmarias, vol. 2 , p. 162 in
fine, 163, 217, 218, etc. ) ; «Otú» (Atas, vol . anexo ao 6', p. 377 ;
Sesmarias, vol. 3º, p. 225, 227 in fine, 239 in fine e 240 ) ;
« Outú » ( Inv . e Test., vol . 25' , p . 224 in fine e 225 ; Sesma .
rias, vol. 2 , p. 284 in fine, 290 e 291 , e vol. 30, p. 89, 90, 92,
124 , etc. ) . Quanto a essas grafias, v. também Teodoro Sam
paio, obra cit., p. 63 in fine e 64 ( n. 75 in fine), e p. 237, 278
in fine e 339 in fine . O citado autor menciona também «Uitú »
( p . 237 ) .
«Itupeva » ( por «Ytúpeba»), «Utupeva », «Utupeba (op. cit.,
p. 237 e 340 ; Inv. e Test., vol . 20', p. 443 ; e Sesmarias, vol . 2',
p . 518, 519 e 521 ) .
No fim das palavras :
«Anhangabahy » ( Inv. e Test., vol . 20' , p . 122 ; Registo Ge
ral da Câmara de S. Paulo, vol . 2°, p . 27 in fine, 44 in fine, 45
e 48 ; Cartas de Datas de Terras, publ . da Prefeitura Municipal
de S. Paulo, vol . 2 , p . 106, 107 in fine, 108 e 111 in fine) ; –
«Anhangabahi» (Registo Geral cit ., vol . 1 ', p. 156, 185, 208, 281 ,
etc. ) ; «Anhanguobahú » ( Cartas de Datas, vol . 2 , p. 173 ) ; -
«Anhangabau» (col. citada, vol. 39, p . 66 ) .
«Jundiahy» ( Reg . Geral, vol . 3', p. 360 e 365, e Sesmarias,
vol. 20, p. 10, 59 in fine, 60 e 61 ) ; «Jundiahi» ( Inv. e Test., vol.
150 PARTE II CAPÍTULO II SECÇÃO O
Ns. 109 ( fim ) e 110 — Notas 335 a 337

hyg, hig , ou somente ig ( 335 ), exatamente como está no


" Gaibuig " do mapa de Coronelli ( 336 ).
110. - Quanto ao têrmo " velha" , lemos em autores
mais antigos: guaybi ou guaibi (337 ) . Em outras obras

8', p. 6 ; Reg. Geral, vol. 3 , p. 360 ; e Sesmarias, vol. 1', p. 464 ) ;


«Jundiay» ( Sesmarias, vol. 2, p. 6 in fine e 7 in fine) ;
«Jundiais (Registo Geral, vol. 3º, p. 272 ) .
O mesmo se observa em muitas outras denominações de
rios .
As vezes o i gutural foi representado por gy, como sucedeu
com a denominação «Mogy» («mbois ou <mboy» – « hy , rio das
cobras ) , aliás também escrita, em documentos antigos : « boigi»,
« boixi», etc. ( V. nota 73, II ) .
335 . 1. Assim , por exemplo, diz Anchieta :
«I vogal, que em muitos vocabulos se pronuncia aspero
com a garganta, bem se lhe pode escrever g in fine acabando-se
a dição no mesmo is .
(Arte de Grammatica da Lingoa mais usada na Costa do Bra
sil, edição fac - similar de Júlio Platzmann, Leipzig, MDCCCLXXVI ,
fl. 6 in fine) .
Entre os raros topônimos em cuja terminação permaneceu
a grafia «ig>, citaremos «Iperuig», «Ipirúyg», ou « Iperoig , ( Teo
doro Sampaio, obra cit., p. 63 e 226 ) .
II . Nos casos em que a vogal ora examinada é seguida
de outra vogal, resulta, ou parece resultar, depois do i gutural,
uma articulação, também gutural, análoga ao nosso g incom
pletamente pronunciado . Daí o escrever-se às vezes, depois de
i, y, hy, etc., um 8, que passou a ser considerado como que for
mando sílaba com a outra vogal. Assim, por exemplo, vemos , ao
lado de «Hyapó», «Yapó», «Hiapó», «Hyapô», e « Hiapô » (Sesmarias,
vol. 2 , p. 252 in fine, 253, 254, 267, 268 e 270, e vol. 3 , p. 22, 23,
24 , 26 in fine, 27, 28, 43 , 366, 367 in fine e 388 ) , as formas :
« Igapó» ( Sesmarias, vol . 2 , p. 256 in fine e 257 in fine) e
« Iguapó » ( Sesmarias, vol . 3' , p . 35, 36 e 38 ) . V. Teodoro Sampaio ,
obra cit., p. 215 in fine, 221 in fine e 347 in fine.
V. também : Anchieta, Arte de Grammatica, ed. citada, fl. 6
verso , princ', e Batista Caetano de Almeida Nogueira, Aponta
mentos sobre o Abañeênga tambem chamado Guarani ou Tupi ou
Lingua Geral dos Brasis, nos Ensaios de Sciencia, R. de Janeiro,
fascicº 1 ', Março 1876 , p . 46 e 47 .
336 . Assim como no «Geta Caig>, que se vê no mesmo
mapa e que identificámos com o Jequitahy (V. nota 306, II in
fine) .
337 . Montoya, Vocabulario Español-Guarani, ed. do Vis
PARTE III - CAPITULO I — SECÇÃO II 151
N. 110 ( contin .) Notas 338 e 339

vemos as formas guaimi e guaimim ( 338 ). Alguns


mencionam ambas as grafias, isto é, guaibi e guaimi, às
vezes com a nasalização do i final (339) .
Explica -se fàcilmente a troca do b pelo m. Na reali
dade, a pronúncia tupi não corresponde à da articulação
puramente labial que no português se representa por b.

conde de Pôrto Seguro ( Viena-Paris, 1876 ) , coluna 506 ( vb.


«Vieja» ) , e Tesoro Guarani-Español, mesma ed . , col . 128 v.;
Paulo Restivo, Linguae Guaraní Grammatica etc. , ed . de Sey
bold ( Stuttgart, MDCCCXCII ) , p. 16 ; Vocabulario na Lingua
Brasilica (manuscrito publicado pelo Dr. Plínio Ayrosa) , vol.
XX da Coleção do Departamento de Cultura, da Prefeitura Mu
nicipal de S. Paulo, 1938, p. 424 .
338. Diccionario Portuguez e Brasiliano, por *** , 1 ° parte
( Lisboa, MDCCXCV ), p . 78, 1 ° col ., e reimpressão publicada pelo
Dr. Plínio Ayrosa, na Revista do Museu Paulista, tomo 18 ° , 1
parte ( V. pág. 123, 1° col. in fine) ; Diccionario Brasiliano
Portuguez (2° parte da citada obra ) , também publicado pelo
Dr. Plinio Ayrosa, no tomo 189 cit., 2° parte ( V. pag. 231 , 2*
col . ) ; Fr. João de Arronches, O Caderno da Lingua, qu Vo
cabulario Portuguez-Tupi ( publicado e anotado pelo mesmo tu
pinólogo ilustre ) , na Rev. do Museu Paulista, tomo 21 °, p. 307, e
separata (Imprensa Oficial do Estado, 1935 ) , p . 259 ; Fr.
Francisco de N. S. dos Prazeres, Diccionario Abreviado Tupi
nambá- Portuguez, na Rev. do Inst . Hist . e Geogr . Bras . , tomo
54 °, parte I, p. 215 ; — A. Gonçalves Dias, Diccionario da Lingua
Tupi ( Leipzig, 1858 ) , p. 59 ; Ernesto Ferreira França , Chres
tomathia da Lingua Brazilica ( Leipzig, 1859 ) , p. 133 ; Von
Martius, Wörtersammlung Brasilianischer Sprachen (Glossaria
Linguarum Brasiliensium) , Leipzig, 1867, p. 49, 1 ° col. in fine ;
J. J. Machado de Oliveira, Vocabulario Elementar da Lingua
Geral Brasilica, na Revista do Arquivo Municipal de S. Paulo,
vol. 25 °, p. 144 ; P. A. Guasch, Diccionario Guarani Castellano
y Castellano Guarani, 36 ed. (Buenos Aires, 1948 ) , p . 90 e 652.
Deixamos de assinalar certas diferenças gráficas sem im
portância para o caso presente, como, por exemplo : « guaimim»,
goaimim”, “giáảmix.
339 .
Batista Caetano, Vocabulario das Palavras Guaranis
usadas pelo Traductor da « Conquista Espiritual» do Padre A.
Ruiz de Montoya, nos Anais da Biblioteca Nacional, R. de Ja
neiro, tomo 6º, p . 132 ; Teodoro Sampaio , 0 Tupí na Geogra
phia Nacional, 3. ed., Bahia , 1928 , p. 206 ; – Batista de Castro ,
Vocabulario Tupy-Guarany ( Rio de Janeiro, 1936 ), p. 51 .
152 PARTE III - CAPÍTULO II – SECÇÃO I
N. 110 ( contin .) — Nota 340

Trata - se de um som que se pode denominar b nasal, e que


os europeus não tiveram outro meio de grafar senão
empregando o grupo mb. Muitas vezes, porém , encon
tra-se sòmente b ou m ( 340 ) .

340. – I. Diz Teodoro Sampaio ( op. cit., p. 18, n . 14 ) , re


ferindo-se ao grupo mb : que a sua « gamma nasal, particularis
sima, equivale proxiinamente a umb », e «ora se reduz, por vicio
da pronuncia , a simples b, ora a m » . E acrescenta :
« Por essa razão, o celebre vocabulo mboy, que alguns erro
neamente pronunciam embòy, ignorando que mb é o signo de um
b nasal , se transformou, em alguns logares, em boy, e noutros
em moy, como se verifica na composição dos vocabulos boytuva
e mogy » .
Quanto a éste, já tivemos ocasião de indicar muitas varian
tes que aparecem nos documentos antigos (V. nota 73, II) .
II . Citaremos alguns d'entre os casos numerosos em que
ob nasal foi representado ora por b, ora por m :
«Baependy » ( « mbaé-pindi») , antigamente « Maependi» ( Teo
doro Sampaio, op . cit., p. 163 in fine) , ou « Maapandi », «Mahe
pandy » , « Mahipandi » (Documentos Interessantes, publ . do De
partamento do Arquivo do Estado de S. Paulo , vol . 52º, p . 25
€ 27 ; «baetaca » ( «mbae -taca » ) e « maetaca» ( Teodoro Sam
paio, op. cit., p . 164 e 257 ) , ou «maitaca» ; « magoary » ( «mba
guari » ) , e « baguari » ( op . cit ., p . 257 ) ; « Maruery » (Inventá
rios e Testamentos, vol . 7 °, p . 336 e 356, e Atas da Câmara de
S. Paulo, vol. 2°, p . 484 , e vol. 4 ' , p . 33 , etc. ) e « Baruery » (Registo
Geral da Câmara de S. Paulo, vol. 2 , p . 565 e 566, e vol. 3',
p . 169 ) .
III . Em muitos casos, o mb foi conservado, antepondo
se -lhe, porém , uma vogal ; donde resultou, na prática, a separa
ção dos elementos do b nasal tupi , ficando o elemento nasal
( representado por m) na primeira sílaba, e o labial ( b) na se .
gunda. Por exemplo : « mbeaçaba » e « mboaçaba» ( T. Sampaio, op.
cit ., p . 197 in fine e 198 in fine ) deram : « ambiassaba» ( Inv . e
Test., vol . 5.', p . 30 in fine) , «embiacaba», «embiassaba» (Registo
Geral , vol . 3', p . 35 in fine, e Inv. e Test., vol . 1 °, p . 375 ) , « imbias
saba », « imbiaçava » ( Inv. e Test ., vol . 2 , p . 275 e 336 , e Registo
Geral, vol . 1 ', p . 162 ), « umbiacaba » , « umbiassava » ( Registo Ge
ral, vol. 19, p . 355, e Inv. e Test., vol . 23 ', p . 194 ) ; – e : «ambua
çava » ( Atas, vol . 1 °, p . 391 , 393 in fine e 394 ) , «embuaçava» ( p .
393 cit ., in fine ), « Imboassava » e « Imbuassava » ( Inv. e Test., vol .
16 ', p . 376 e 384 ) .
IV . A separação de que acabamos de falar também ocor
reu no meio de certos vocábulos . Assim , por exemplo, escreveu
PARTE III — CAPITULO II - SECÇÃO II 153
N. 110 ( contin .) Notas 341 e 342

Em geral, os autores que tratam do tupi do Norte


omitem o g inicial do vocábulo que estamos estudando,
e escrevem : uaimi, uaimim , etc. ( 341 ), baseados em que
não existe, neste caso e em muitos análogos, o som gutural
correspondente ao nosso g ( 342 ), e sim ou um u aspirado

se, por «itá-mboré» ( ou « mbore» ) : «Itamboré» ( Inventários


Testamentos, vol. 99, p. 55 ) , pronunciando -se, consequentemente,
« Itam -borés , denominação que passou a ser grafada : « Tamboré »
(Inv. e Test., vols. 14', p. 67 e 71 , 15', p. 249, e 170, p. 425) ou
«Tamburé» ( vol. 17° cit. , p. 305 e 421 ) . Nota-se, aliás, essa
aférese do i em outras palavras compostas de itá .
341 . Com pequenas variantes ; « uaymy», « uaimy», « uaimí»,
« uáimi» . V. respectivamente : J. Barbosa Rodrigues, Vocabula.
rio Indigena Comparado ( R. de Janeiro, 1892 ) , p. 21 ; E. Stra
delli, Vocabulario Portuguez-Nheengatú, na Rev. do Inst. Hist.
c Geogr . Bras . , tomo 104° (vol. 158' ) , p. 350 ; Henrique Jorge
Hurley, Vocabulario Tupy-Portuguez falado pelos Tembés dos
Rios Gurupy e Guamá, do Pará, na Rev. do Museu Paulista, tomo
17', parte I, p. 351 ; Couto de Magalhães, Curso de Lingua Tupí
Viva ou Nheengatú, na obra O Selvagem, 3. ed. ( C.ia Editora Na
cional , série Brasiliana, vol . 52°, 1935 ) , p. 3 .
Dão as formas nasais, «uaimim» e «uaimin » : Adaucto de
Alencar Fernandes, Grammatica Tupy ( Fortaleza , 1924 ) , p. 72 ;
Vocabulario da Lingua Geral uzada hoje em dia no Alto Ama
zonas, pelo Bispo do Pará ( publicado por Gonçalves Dias ) , na
Rev. do Inst. Hist. e Geogr. Bras., tomo 17", reed. de 1894 , p . 561 .
342 . Afirma Barbosa Rodrigues (obra citada, p. 6 ) que
foram os castelhanos que mudaram para « gu » o «u aspirado»,
e acrescenta que dahi vem « a grande diferença entre o karani
( guarani) e o nheengatu» . E entre os exemplos cita : « guaimy»,
velha .
Na verdade, a alteração não foi devida somente aos espa
nhóis. Escreve Teodoro Sampaio, a propósito do vocábulo
« guaçú » :
«No tupi primitivo, dizia-se uaçú ; com o contacto do por
tuguês , appareceu letra g inicial, e se passou a dizer na lin
gua geral , guaçú , como em quasi todas as palavras começadas
por u , da lingua primitiva > (O Tupí na Geographia Nacional , 3*
ed ., p. 206) .
Stradelli não consigna, no citado Vocabulario, nenhuma pa
lavra iniciada por g . Passa de E a I. – Conf . Rev. do Inst ,
Hist . e Geogr . Bras . , tomo 104 ' (vol. 158° ) , p . 445 .
154 PARTE III CAPITULO II - SECÇÃO II
Ns. 110 ( fim ) e 111Notas 343 a 345
.

( cuja grafia mais aproximada seria hu) ( 343) , ou um


W, semi- vogal ( 344 ).
Como quer que seja, o uso do g, em tais casos, data
dos primórdios da colonização, e, bem ou mal, predomina
de tal modo que dificílimo seria abandoná -lo .
111. — Em conclusão : guaibi é uma das grafias ( aliás
a mais antiga ) usadas para representar o vocábulo tupi
correspondente a " velha ” . E o nome primitivo do rio das
Velhas era de fato " Guaibihi" , como está no testamento
de Brás Gonçalves, o moco . O " Goaibihi", do documento
de dívida do mesmo bandeirante, e o " Gaibuig ” , do mapa
de Coronelli, são apenas variantes gráficas do mesmo
vocábulo (345) .
Na Secção seguinte vamos ver outra variante, num

343 . Diz Barbosa Rodrigues que o u tem, além de outros,


um som aspirado «que representamos por hu, como em huhuy,
sangue, huaimy, velha, huyhua, flecha , etc». (Vocabulario Indi
gena cit ., p. 5 ) . Adiante (p. 6 ) escreve novamente : «huaimy» .
344 . Assim o considera o Pe. Constantino Tastevin, que,
ao tratar dos sinais gráficos de sua preferência, observa :
« Emfim não podiamos deixar de adoptar o w do alpha
beto inglez, porque entre ua e wa a differença é por demais sen
sivel .
Esse w tem se mudado em gu , nas palavras portuguezas em
prestadas ao tupy : v. g. guariba, guará, guasu ( guassu) , Gua .
nabara, Paraguay, o que prova que representa um som muito dif
ferente da vogal u» .
(Grammatica da Lingua Tupy, na Rev. do Museu Paulista,
tomo XIII, p . 553 ) .
De acórdo com esse ponto de vista, o autor escreve : «waimis,
velha (Vocabulario Tupy-Portuguez, Revista cit., tomo XIII, p .
674 in fine) , e não « guaimi » ; e também, por exemplo, «warini»,
« wasu » e wata», e não « guarini », « guassu» e « guata» (op. cit .,
p . 675 ) .
Parece que poderíamos dizer que a primeira sílaba do vocá
bulo tupi correspondente a «velha » soaria aproximadamente co
mo a palavra inglesa why ( «porquê») .
345. – Tais variantes não poderão causar estranheza a

quem tenha verificado as divergências de grafia que aparecem


nos documentos e nos autores, mesmo em se tratando de sons
do tupi existentes em nossa lingua. Ora, na denominação tupi
PARTE III CAPITULO II - SECÇÃO III 153
Ns. 111 ( fim ) e 112 Notas 346 a 348

documento do século XVII, e na Secção IV teremos mais


uma prova de que o “Guaibihi” da bandeira é realmente o
atual rio das Velhas, afluente da margem direita do S.
Francisco .

SECÇÃO III

Referências de um documento seiscentista


ao Guaibihi e ao Paracatu , afluentes do rio S. Francisco

112. Se tudo quanto dissemos não bastasse


para demonstrar o acerto das identificações que vimos
fazendo, encontraríamos impressionante confirmação
num documento ao qual já tivemos ocasião de nos referir
( 346 ) : o roteiro de uma viagem de S. Paulo ao vale do
S. Francisco, escrito pelo P. Antônio de Araujo, de acórdo
com as informações do bandeirante Pero Domingues, e
publicado pelo ilustre historiador P.e Serafim Leite.
Quando, a propósito dos amoipiras, transcrevemos
uma parte das informações que precedem o roteiro ( 347 ) ,
deixámos propositadamente de acrescentar um tópico
dêste, que, embora também se refira aqueles indígenas,
cabe melhor aqui. Diz o documento :
“ Navegando, pois, pelo dito Rio de S. Francisco
abaixo, darão à mão direita com a barra de outro
chamado Goiabií (348) , que se mete naquele. No
que gastarão 30 dias. Deixando a dita barra e

correspondente a «rio das Velhas», concorrem três sons peculia


res, cuja representação, com OS recursos de nosso alfabeto ,
sempre deixará a desejar.
As vacilações gráficas dos antigos têm muito maior expli
cação do que as deformações sofridas, em nossos dias, por aqué
le «Guaibihi», do testamento de Brás Gonçalves, o moço , ao
passar pela pena de historiadores eminentes, que escreveram :
«Guabihi», «Guabihy», «Guabibi» e «Guaibihú». V. supra ,
ns. 12, 30, 45 ( texto correspondente à nota 133) , 99 e 100 ( os
dois últimos parágrafos ) .
346 . V. n . 89 .
347 . V. n . 90 .
348 . Note -se que , na transcrição do documento , o Pe.
156 PARTE III CAPITULO II - SECÇÃO II
Ns. 112 ( fim ) e 113 — Notas 349 a 351

continuando pela mesma derrota do Pará ( 349 ) ,


em 2 dias darão à mão direita , digo esquerda, com
a barra de outro, dito Paracatú .
Desta barra do Paracatú , 15 dias de jornadas pelo
Pará abaixo, estão os portos dos Amoipiras à mão
esquerda: e advirtam que durante estas 15 jornadas
se aposentem à mão esquerda, e com vigia , por
razão de certos Tapuias, que da parte direita
passam às vezes à outra banda ” ( 350 ) .

113. - Estão, pois, aqui, perfeitamente assinalados :


o Guaibihi ( ou Goiabii, como está impresso ) (351), atual
“rio das Velhas" ( simples tradução, como vimos, do nome

Serafim Leite usou da grafia simplificada. É provável que


a terminação , representada por i no citado livro, fosse, no ori.
ginal : «hy», «hi», ou «y», formas ordinàriamente usadas para
escrever o'têrmo tupi que significa « água» ou «rio» ( Conf.
supra, n . 109) .
Quanto à metátese ( «goia» em vez de « goai», ou « guai» ), talvez
resultasse da evocação da palavra goiaba, muito conhecida . Tal
seria também a causa da grafia « goiabihi », que aparece na cópia
do testamento de Brás Gonçalves, o moço, publicada por Orville
Derby ( Conf . nota 218, I) .
349 . Isto é, do S. Francisco, antigamente denominado
Parapitinga, ou, por abreviatura , simplesmente : « Pará» ( Conf .
nota 306, III ) .
350. Serafim Leite, Páginas de História do Brasil, C.is
Editora Nacional , série Brasiliana, vol. 930, p. 115 in fine .
351 . V. nota 348 .
Verificado, como agora está, que em documentos dos primei.
ros anos do século XVII já aparece o topónimo indígena que
foi exatamente vertido : « rio das Velhas », vê-se que não pode
merecer crédito o que diz Milliet de Saint-Adolphe a respeito
da origem dessa denominação :
« No fim do seculo XVII, as margens do rio das Velhas erão
habitadas pelos Indios Carijós, que dizem se acolherão ás ser
ras quando virão avizinhar -se os primeiros Paulistas, que ião em
demanda de minas d'ouro, e que estes não achando nas aldeias
senão algumas Indias velhas , posérão aquele rio o nome com
que é conhecido actualmente » .
( Diccionario Geographico, Historico e Descriptivo do Im
perio do Brazil , J. P. Aillaud, Paris, 1845, vol . 2 , p. 761 ) .
PARTE III CAPÍTULO II - SECÇÃO IV 157
Ns. 113 ( fim ) e 114 -
Notas 352 e 353

tupi ), e o rio que ainda hoje conserva a denominação


primitiva de Paracatu (352 ).

SECÇÃO IV

O " Corimatahi" , afluente do rio das Velhas

114 . Lemos no testamento de Brás Gonçalves, o


moço ( 29 de junho de 1603 ) : " nesta entrada do Rio de
Guaibihi onde... corimatahi" (353 ) .

Ficou provado que o " Guaibihi” é o rio das Velhas,


352 . Não tem , pois, razão o Dr. Alfredo Ellis Júnior,
quando afirma que «só século e meio depois de Nicolau Barreto,
o rio Paracatú teve esse nome » ( Meio Século de Bandeirismo, p .
68, nota 37, e Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de S. Paulo, p. 72, nota 37 in fine,
e p. 75, nota 38-a ) . Baseia-se o historiador no que diz Basilio
de Magalhães ( Expansão Geographica do Brasil Colonial, 2* ed.,
C.za Editora Nacional, série Brasiliana, vol. XLV, 1935, p. 241 ;
e 3* ed ., « Biblioteca Brasileira de Cultura », vol . 5', 1944 , ed .
Epasa, Rio de Janeiro, p . 332 ) :
«Mas o certo é que foi José Rodrigues Fróes quem , em 1744 ,
denunciou a Gomes Freire de Andrade o descobrimento das mi
nas de ouro de Pyracatú ( elevada em 1798 á categoria de villa,
com o nome de «Paracatú-do-Principe » ) , onde desde logo correu
a noticia de se encontrarem diamantes» .
Na 3 * edição, em que Basílio de Magalhães observa a grafia
nova , está : «Piracatú», em vez de « Pyracatú».
A conclusão do Dr. Ellis é manifestamente infundada . Por
que somente em 1744 foi comunicada a descoberta das minas
designadas, no citado tópico, pelo nome de « Pyracatú» ( simples
corruptela de «Paracatú», como poderíamos demonstrar com
documentos em que figuram ambas as formas ), seguir -se - á for
çosamente que, antes daquela época , o rio que corre pela região
ainda não tivesse o nome de « Paracatu » ?
Mas, não é necessário citar mais documentos. Quando não
ficasse provado que o « Paracatú » da bandeira de Nicolau
Barreto é realmente o grande tributário da margem esquerda
do S. Francisco, o roteiro que transcrevemos no texto bastaria
para liquidar a questão da antiguidade daquele topônimo.
353. Conf. n. 71 e notas 218 e 220.
158 PARTE III CAPÍTULO II - SECÇÃO IV
N. 114 ( contin .) — Notas 354 e 355

afluente da margem direita do S. Francisco, em Minas


Gerais. Ora, aquela denominação , " Corimatahi" , que sem
dúvida passou despercebida aos historiadores, era e ainda
é a de um tributário da margem direita do rio das Velhas .
Grafam - na alguns " Curimatahy " , outros " Curumatahy ”
( 354 ) . Assim também se denominou uma serra que se
estende pela margem direita do rio das Velhas, entre
o rio Curimatahy, ou Curumatahy, e o rio da Piedade,
outro afluente da margem direita daquele rio ( 355 ). O

354 . - 1. Conf.: Emmanuel Liais, Hydrographie du Haut


San- Francisco et du Rio das Velhas ( 1865 ) , fl. 1 ( « Carte générale
du Haut S. Francisco et du Rio das Velhas») e fl . 8 ( mapa do
curso do rio das Velhas ) ; Cândido Mendes de Almeida , Atlas
do Imperio do Brazil ( Rio de Janeiro , 1868 ) , mapa XXI ; -
Ba
rão Homem de Melo e Dr. Francisco Homem de Melo, Atlas do
Brasil ( F. Briguiet & C.ia, Rio, 1909 ) , Parte especial, mapa nº 21 ;
Alfredo Moreira Pinto, Apontamentos para o Diccionario Geo
graphico do Brazil, vol. 1° ( Rio, 1894 ) , p. 617, 2° col.; Atlas
Chorographico Municipal, publicado pelo Serviço de Estatística
Geral da Secretaria da Agricultura do Estado de Minas Gerais
( Belo Horizonte, Imprensa Oficial , 1926 ) , vol . 19, p . 212/213 (ma
pa do município de Diamantina ) ; Mapa do Estado de Minas
Gerais, organizado pelo referido Serviço de Estatística Geral,
1930 .
II . É verdade que, além do rio «Curimatahy », ou « Curu
inatahy », afluente da margem direita do rio das Velhas, existe
um córrego denominado «Curumatahy » (no mapa de fls. 11 da
citada obra de Liais ) ou «Curimatahy » ( no referido mapa de
1930 ) , e que aflui no rio das Velhas, pela margem esquerda, mui
to além da foz do rio Curimatahy, e próximo à povoação de Bu
ritys, como se pode ver no segundo mapa citado . Mas, desde que
não traçamos rigorosamente ( o que, aliás, os documentos co
nhecidos não permitem fazer ) o itinerário da expedição no terri
tório mineiro, pouco importa que a frase «onde ... Corimatahi»
se refira à região banhada pelo rio ou às imediações do córrego
homônimo. A nosso ver, é mais provável que se tratasse do
rio . Estivesse, porém , a bandeira, naquela « entrada do Rio de
Guajbihi», à direita ou à esquerda dêste rio, a referência ao « Co
rimatahi » confirma, indiscutivelmente, a identificação do «Guai
bihi » com o rio das Velhas .
355 . · V. a citada obra de Emmanuel Liais, mapas de fls .
1 e 8.
PARTE II — CAPITULO II — SECÇÃO IV 159
N. 114. ( fim ) Notas 356 e 357

nome passou também a uma povoação, situada na região


do curso superior do rio ( 356 ), e a uma estação da E. F.
Central do Brasil, linha do centro ( 357) .

Temos, portanto, no " corimatahi” do testamento de


Brás Gonçalves, mais uma prova indiscutível de que
Orville Derby tinha razão.

Hoje a referida serra se denominaria serra do Cabral, se


gundo o mapa do município de Diamantina, do cit . Atlas Choro
graphico Municipal (vol. 1°, p. 212/213) . No supra-referido ma
pa de 1930, a serra do Cabral se prolonga para o norte das ca
beceiras do rio da Piedade . V. também o mapa de Minas Gerais,
publicado pelo Departamento Geográfico do mesmo Estado em
1944 .
Note-se que o Atlas Homem de Melo ( Parte especial, mapa
21) já indicava uma «serra do Cabral », porém muito mais além ,
isto é, ao norte do Jequitahy, entre este rio e o dos Três Irmãos,
seu afluente da margem direita .
356 . Atlas cit. de Cândido Mendes de Almeida, mapa
XXI ; idem de Homem de Melo , mapa nº 21 ; Moreira Pinto ,
Apontamentos para o Diccionario Geographico do Brazil, vol.
1', p. 617, 2. col.; Atlas Chorographico Municipal cit ., vol 1 ° ,
inapa entre as págs . 212 e 213 ; etc.
357. - Quinze quilômetros aquém de Buenópolis .
PARTE I V

DATAS DA PARTIDA E DA VOLTA

DA BANDEIRA DE NICOLAU BARRETO

E REGIÕES PERCORRIDAS
CAPITULO I

Datas da partida e do regresso

115. – A expedição de Nicolau Barreto saiu da vila


de S. Paulo em 1602 e regressou em 1604. Vejamos se é
possível determinar precisamente o dia da partida e o da
volta .
116. — Segundo Azevedo Marques, a saída teria ocor
rido em agosto de 1602 ( 358 ) .
Orville Derby julgou que fosse “ logo depois de 8 de
setembro " , data de um dos títulos de dívidas contraídas
por Brás Gonçalves, o moço, e resultantes de preparativos
de viagem ( 359 ) .
O Dr. Alfredo Ellis Júnior, que a princípio entendera

358 . E não em maio, como escreveu o Dr. Afonso de E.


Taunay ( V. supra, nota 47), quando copiou a informação de
Azevedo Marques, já acima transcrita ( n . 16) .
Afirma Rocha Pombo que a bandeira partiu em agôsto de
1601 (Historia do Brazil, vol. 3 , p. 734 , e ed . Jackson, vol. 19, p.
262, 2* col. in fine) , e observa ( nota 2 da pág . 734 cit .) :
«Diz Azevedo Marques ( Chron.) que em 1602. Mas prova
velmente antes de Agosto de 1602 a expedição estava de volta :
pois Francisco de Souza só voltou para a Bahia depois que teve
o resultado da excursão. E elle voltou em Junho de 1602» .
Os documentos examinados neste capítulo demonstram 0
duplo engano do historiador : a bandeira saiu de S. Paulo no
ano de 1602 e regressou em 1604 .
359 . As Bandeiras Paulistas de 1601 a 1604, Rev. do
Inst. Hist . e Geogr. de S. Paulo, vol . 8 , p. 400 in fine . Diz
Basilio de Magalhães : «em dias pouco posteriores a 8 de setem
bro de 1602 » ( Expansão Geographica do Brasil Colonial, 2* ed .,
p. 112, e 34 ed., p. 148 ) .
164 PARTE IV CAPITULO I
N. 116 ( fim ) Notas 360 a 363 (1 )

ter a bandeira partido “ uns poucos dias antes de 8 de


setembro " ( 360 ), afirmou depois que fora nesse mesmo
1

dia ( 361 ) . Baseou -se, em ambas as ocasiões, no fato de


se ter realizado a 8 de setembro , com a presença de um
só dos camaristas da vila de S.Paulo ( o vereador José
de Camargo ), a eleição de substitutos para os outros :
" por se irem todos os mais fora " , diz o texto da ata, citado
pelo Dr. Ellis ( 362 ) .
A frase é bastante dúbia ; tanto se poderia entender
que esses outros camaristas já tinham saído de S. Paulo,
como que não tinham comparecido por estarem em prepa
rativos de viagem . Mas, na epígrafe, está bem declarado :
" Eleisão dos officiaes em auzensia dos ġ se foran " . Ti.
nham , sem dúvida alguma, seguido na expedição de Ni
colau Barreto ( 363 ) .

360. – 0 Bandeirismo Paulista e 0 Recúo do Meridiano,


3. ed ., p. 77 in fine, 24 ed ., p . 73 in fine, e l' ed ., p. 21 .
361 . Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da Universidade de S. Paulo , p . 59 e 60 , e Meio Século
de Bandeirismo, p . 60 .
362 . Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 2 , p . 109 ( e não
p . 100, como saiu nas citadas obras do Dr. Ellis ) .
A ata anterior a 8 de setembro de 1602 é de 5 de agosto ,
Eram então oficiais da Câmara : Baltazar Gonçalves e José de
Camargo ( vereadores ) , Ascenso Ribeiro e Henrique da Cunha
( juízes ordinários) e Jorge de Barros Fajardo (procurador do
Conselho ). V. Atas, vol . 2º cit ., p . 103, 104 , 108 e 109 .
Fôra a princípio declarado eleito procurador Pedro de Mo
rais ( V. p . 103 cit . ) , mas o ouvidor, tornando a « alimpar » a pau
ta da eleição, deu o cargo a Jorge de Barros Fajardo ( ibidem ,
p . 104 ) .
A 8 de setembro foram eleitos : Francisco Velho e Manuel
Godinho ( na vaga dos juízes Ascenso Ribeiro e Henrique da
Cunha ) , Francisco da Gama ( em lugar do vereador Baltazar Gon
çalves) e Domingos Martins (para substituir o procurador do Con
selho, Jorge de Barros Fajardo ) . V. vol . 2º cit ., p . 109 e 110. Em
1 de novembro , por ausência de Domingos Martins, foi empossado
no cargo de procurador João de Sant'Ana ( V. vol . cit ., p. 112 ) .
363 . - I. Os camaristas substituídos no dia 8 de setembro
( Ascenso Ribeiro, Baltazar Gonçalves, Henrique da Cunha e
PARTE IV CAPITULO I 165
N, 117 Nota 363 ( II e III )

117. - Do exposto vê- se que a bandeira não saiu de


S. Paulo depois do dia 8 de setembro , como acreditaram
Derby e Basílio de Magalhães. Teria partido em agôsto
( como afirmou Azevedo Marques ), antes de 8 de setembro
( conforme o primeiro parecer do Dr. Ellis ) , ou nesse
mesmo dia, antes das eleições ?
No inventário de Brás Gonçalves, o moço, processado
em S. Paulo depois do regresso da expedição, figuram
documentos de dívidas assinados pelo malogrado serta

Jorge de Barros Fajardo ) não voltaram a ocupar os cargos


( Conf . Atas, vol. 20 , p . 110 a 116 ) .
Ligando- se o fato das eleições aos documentos de Brás
Gonçalves, o moço , citados no texto ( n. 117) e em nota 364, e nos
quais se refletem os preparativos da expedição de Nicolau Bar
reto, chega - se à conclusão de que os oficiais da Câmara «j se
foran » , como diz o auto de eleição, partiram naquela bandei
га .
Il . Existem , aliás , provas diretas de que Baltazar Gon
çalves e Henrique da Cunha tomaram parte na expedição.
Havia naquela época dois personagens de nome Baltazar
Gonçalves, e que eram designados, respectivamente, por : « o ve
Tho» e « o moço» . O primeiro era tio, e o segundo irmão de Brás
Gonçalves, o moço . Qual dos dois seria o vereador do ano de
1602 ? Mais provavelmente Baltazar Gonçalves « o velho» . Mas,
não importa , pois que ambos fizeram a jornada . Baltazar Gon
çalves, o velho, serviu de testemunha nas declarações adicio
nais ao testamento de seu sobrinho ( Inventários e Testamentos,
vol. 26°, p. 15 ) ; e no inventário dêste, processado no sertão ,
foi fiador de Matias Gomes, arrematante de «um vestido de pan
no preto usado roupeta e calções », e, por sua vez, arrematou
« umas ceroulas de panno 'de algodão novas» ( vol. 26 ° cit ., p . 17 ) .
Baltazar Gonçalves, o moço, aparece , no mesmo inventário de
seu irmão, Brás Gonçalves, como arrematante de uma espada
( ibidem, p. 19 ) .
Enfim, Henrique da Cunha serviu de fiador de Matias Go
mes , que arrematou, no inventário de Manuel de Chaves, « um
casal com duas crianças ( Inv. e Test ., vol. 1 ', p . 475 ) .
III . Os nomes de Ascenso Ribeiro e Jorge de Barros Fa
jardo não aparecem nos testamentos e inventários do sertão .
Em sua tão discutida informação ( V. n . 16) , Azevedo Mar
ques incluiu o primeiro na pequena lista que nos deu de alguns
companheiros de Nicolau Barreto .
No testamento feito, a 29 de janeiro de 1615, por Jorge de
166 PARTE IV CAPÍTULO I
N. 117 ( contin .) Nota 364

nista, em 1602. Têm as datas de 23 de julho, 10, 23 e 24


de agosto e 8 de setembro ( 364 ) . Em nenhum dêles se

Barros (que é o mesmo Jorge de Barros Fajardo ) , há referên


cia a uma india temiminó da «guerra de Nicolau Barreto» ( Inv.
e Test., vol . 4 ', p. 66 ) . Isto, porém, não constituiria, só por
si, prova indiscutível de que o testador fôra um dos compo
nentes da expedição de 1602-1604 .
Mas, o que acima dissemos é bastante para demonstrar que
Ascenso Ribeiro e Jorge de Barros Fajardo também partiram ,
como os seus colegas da Câmara, Baltazar Gonçalves e Henrique
da Cunha, para a longa viagem ao vale do S. Francisco .
364. Inv . e Test., vol . 26' , p . 22 , 23 e 33. Vamos resumir
o conteúdo desses documentos, indicando as principais dife
renças que se notam nas cópias facultadas pelo Dr. Washing
ton Luis Pereira de Sousa a Orville Derby e anexas ao trabalho
dêste sõbre a bandeira de Nicolau Barreto (Rev. do Inst. Hist.
e Geogr . de S. Paulo, vol . 8 ° ), e nas que foram publicadas no
vol . 11 ' dos Inventários e Testamentos, de acórdo com um cader
no de apontamentos do Dr. Washington Luís. Por brevidade,
diremos, respectivamente : « cópia de Derby» e «vol . 11 ° dos Inv .
e Test . »
1 ° documento, 23 de julho de 1602 :
Dívida de 15 cruzados a Nuno Vaz Pinto ... «os quaes quinze
cruzados serão em dinheiro tanto que Nosso Senhor me trou
xer do sertão desta entrada que vae Nicolau Barreto por capi
tão e não indo The pagarei da feitura deste a um anno » .
Escrito por Brás Gonçalves, o velho . ( Inv . e Test . , vol . 26 ',
p . 33 ) .
Na copia de Derby ( Revista cit ., vol. 89, p. 412 ) e no vol .
11 ° dos Inv . e Test . ( p . 19 ) : 26 de julho de 1602 .
A letra de Brás Gonçalves, o velho, era das piores . No
original , a designação do dia, que foi escrita por extenso, mais
parece vinte e três do que vinte e seis .
2º documento, 10 de agosto de 1602 :
Dívida de 35 cruzados a ... ( ? ) de Lara ... vos quaes The
pagarei em vindo desta entrada que faz Nicolau Barreto ao ser
tão» ... «e não indo agora lh'os pagarei de hoje dia de São Lou
renço a um anno » . Escrito por Antônio Pinto . ( Inv . e Test . ,
vol. 26 °, p . 23 ) .
No vol. 11 ° dos Inv . e Test . ( p . 18 ) , por engano eviden
te : « desta entrada que fez » .
3º documento, 23 de agosto de 1602 :
Divida de 12 patacas a João Francisco ... « as quaes The
pagarei em vindo desta entrada em que vou com o capitão Ni
PARTE IV - CAPÍTULO I 167
N. 117 ( contin .) Nota 365

declara a localidade em que foram redigidos ( 365 ).


indubitável, porém , que os dois primeiros (23 de julho e
10 de agôsto ) o foram antes da partida, pois nêles existe
uma cláusula que fixa a época do pagamento no caso em
que o devedor não seguisse viagem . Mas, a inserção
dessa cláusula, que não figura nos demais documentos,
poderia resultar de simples lembrança dos credores, mais
precavidos que os outros. Não haveria , pois, razão para

colau Barreto» . Escrito por Sebastião Mendes . ( Inv . e Test . ,


vol . 26', p . 23 ) .
A data do documento é 23 de agôsto, e não 20, como foi
impresso no cit. vol . 26 ° . No original está : «203 da gosto 16002,
(sic ) . Vê-se que Sebastião Mendes tinha um modo sui generis
de grafar os números. Escreveu primeiro : 20, e depois acres
centou um 3. Usou do mesmo sistema na designação do ano .
Na cópia de Derby ( Revista, vol . 89, p . 411 in fine e 412 ) :
22 de agosto de 1602. No vol . 11 ° dos Inv. e Test., ( p. 18 ) : 23
de agosto de 1602 .
Em ambos os lugares está incompleto o nome do credor
( « João ... » ) . No original lê-se bem : «joão frco » .
4. documento, 24 de agosto de 1602 :
Dívida de dois cruzados a Manuel Pais ... « os quaes dois
cruzados lhe darei em dinheiro de contado trazendo -me Nosso
Senhor desta viagem» . Escrito por João Ferreira . ( Inv . e Test ,,
vol. 26 °, p . 33 ) .
Na cópia de Derby ( Revista, vol . 8°, p. 412 ) e no vol . 11°
dos Inv . e Test . ( p. 19 ) : João Francisco, em lugar de João
Ferreira ( «frº», como está no original ) .
Ferreira escreveu por engano : 162 , em vez de 1602 .

5° documento, 8 de setembro de 1602 :


Dívida de treze cruzados a Brás Mendes ... < os quaes The
pagarei em vindo desta entrada que faz Nicolau Barreto capi
tão». Escrito por Antônio Pinto . ( Inv. e Test ., vol. 26°, p . 22 ) .
365 . No 3º documento ( 23 de agôsto ) e no 5° ( 8 de se
tembro ) , Brás Gonçalves declara ser morador «da vila de S.
Paulo», e não «desta vila de S. Paulo» . Isso não bastaria , porém ,
para levar à conclusão de que o devedor os tivesse assinado
quando a bandeira já se achava a caminho do sertão . Aliás,
aqueles documentos poderiam ter sido lavrados em algum sítio
distante do núcleo da vila, o que explicaria a expressão em
pregada .
168 PARTE IV CAPITULO I
Ns. 117 ( fim ) e 118 Notas 366 a 369

que se inferisse que os outros títulos fôssem assinados


depois da partida e ainda no início da viagem . Também
não constituem elementos seguros as referências do
devedor à entrada “ em que vou ”, à "entrada que faz
Nicolau Barreto” , etc. ( 366 ) , nem, evidentemente, a
circunstância de serem , ou não, componentes da bandeira
as pessoas que escreveram os documentos, a rôgo do
devedor, ou as que nêles figuram como credores ( 367 ) .
118. – Assim, embora a documentação não contrarie
categòricamente a afirmativa de Azevedo Marques, quanto
à partida em agosto ( 368 ) , parece-nos mais provável que
esta ocorresse em setembro, no próprio dia 8, data do
último título de dívida assinado pelo referido Brás Gon
çalves ( 369 ) . Partida a expedição, José de Camargo, o

366. Nos dois primeiros (de 23 de julho e de 10 de agos


to ) , indiscutivelmente redigidos antes da partida ( pois que
nêles se prevê o caso de se não realizar a viagem do devedor ),
Também lemos : « desta entrada que vae Nicolau Barreto por ca
pitão » e « desta entrada que faz Nicolau Barreto » (V. nota 364 ) .
367 . Que saibamos, dos credores designados, só Manuel
Pais ( 40 documento ) esteve na expedição . Foi uma das teste
munhas do testamento de Brás Gonçalves, o moço ( Inv . e Test.,
vol . 26°, p . 14 ) .
Quanto aos que escreverama rôgo do devedor, tomaram
parte na bandeira Brás Gonçalves, o velho ( 1° documento ) e
Antônio Pinto ( 2° e 5º documento ) .
O primeiro foi testamenteiro de seu filho, Brás Gonçalves, o
moço , e curador no inventário feito no sertão ( V. vol. 26 ' cit .,
p . 9 in fine, 10, 12 , 14 in fine, 15, 19 e 20 ) .
Antônio Pinto serviu de testemunha no referido testamen
to e nas declarações adicionais ( ibidem , p . 14 e 15 ) . Pouco tem
po antes, redigira, a rôgo do dito Brás Gonçalves, um documen
to de dívida de 21 cruzados a Manuel Afonso, de fazendas que
éste lhe vendera no sertão ( Inv . e Test . , vol. 26' , p . 22 ) .
368.' – Não seria, porém , antes do dia 10, pois o do
cumento desta data foi lavrado antes da saída da expedição ,
como demonstra a cláusula : « e não indo agora » ( V. nota 364, 2°
documento ) ,
369 . V. nota citada, in fine .
Não existem provas de que o credor, Brás Mendes, tivesse
acompanhado a Nicolau Barreto, caso em que poderia surgir a
hipotese de ter sido o documento passado quando a bandeira
PARTE IV CAPITULO I 169
Ns. 118 ( fim ) à 120 Notas 370 a 373

único oficial que permanecera na vila, trataria logo do


preenchimento das vagas nos cargos da Câmara, provi
dência de caráter urgente, sobretudo em relação aos juí
zes ordinários.
119 . Indaguemos agora quando teria a bandeira
regressado a S. Paulo .
Segundo Orville Derby, foi " antes de 8 de setembro
de 1604 " ( 370 ) . Diz o Dr. Alfredo Ellis Júnior : " na
segunda metade do ano de 1604" ( 371 ) . As indicações
são bastantes vagas .
Talvez nas atas da Câmara, referentes àquele ano,
se encontrasse alguma informação. Mas, infelizmente,
desapareceram quase tôdas, chegando até nós tão somente
as de 1.", 3 e 19 de janeiro ! ( 372 )
120 . A 9 de setembro de 1604, iniciou-se em
S. Paulo o inventário de Brás Gonçalves, o moço ( 373 ) .
A expedição já devia ter regressado à vila . Por outro lado,

já estava fora da vila . Ainda assim , a hipótese seria frágil,


pois, conforme vimos ( nota 367 ) , Brás Gonçalves, o velho,
e Antônio Pinto, provadamente componentes da expedição, fi
guram nos dois primeiros documentos, lavrados, sem a menor
dúvida, quando a bandeira ainda não saíra de S. Paulo .
370 . As Bandeiras Paulistas de 1601 a 1604, na Rev. do
Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo, vol . 8' , p . 401 .
Já vimos (nota 358) que Rocha Pombo julgou, por engano ,
que Nicolau Barreto tivesse regressado a S. Paulo antes de agôs
to de 1602.
371. 0 Bandeirismo Paulista e 0 Recúo do Meridiano .
3. ed ., p. 95, 24 ed., p . 90, e l ' ed ., p . 31 ; Boletim nº IX da Facul
dade de Filosofia , Ciências e Letras da Universidade de S.
Paulo, p . 61 ; e Meio Século de Bandeirismo, p . 61 .
372 . Conf . Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 2 , p. 143
e 144. O mesmo sucedeu com todas as atas do ano de 1605 .
373 . Inventários e Testamentos, vol . 26 ', p . 5 .
Lembremos que esse bandeirante falecera no sertão , depois
de ter feito testamento a 29 de junho de 1603, e que o capitão
Nicolau Barreto mandara proceder a inventário , que foi aberto
a 31 do mês seguinte (V. n . 71 ) .
Os inventários do sertão eram ordinàriamente juntos aos
que depois se processavam mais regularmente nos povoados .
170 PARTE IV CAPÍTULO I
N. 120 ( fim ) Notas 374 e 375

é de crer que o inventário não fosse aberto logo depois


do regresso (374 ) . Assim , nada se opõe a que admitamos
que este ocorreu em fins de agôsto ou começos de setem
bro de 1604 .
Em conclusão : pode -se dizer, com pequena diferença
de alguns dias, que a ausência da bandeira durou 2 anos
(375) .

374 . Sem dúvida, poderia ter sucedido que parte dos


bandeirantes se adiantassem para dar aos paulistanos a notícia
da volta da bandeira, e que tivessem trazido o inventário feito
no sertão . Mandava, porém, a prudência que os mensageiros só
fôssem despachados quando a expedição não estivesse muito
longe da vila . Mas, neste caso , pouco tempo mediaria entre a
chegada de uns e a dos demais .
375 . É o que dizem , aliás, os camaristas de S. Paulo,
na carta de 13 de janeiro de 1606 ao donatário da Capitania ( V.
n . 43, o texto correspondente à nota 124) .
CAPITULO II

Itinerário da bandeira na ida ao Paracatu

121. — Provámos que a expedição de Nicolau Barreto


foi ter ao vale do S. Francisco , e não ao Guayrá , ao Piquiry
e ao território hoje boliviano . Seria muito natural acre
ditar -se que, para alcançar aquêle vale, os bandeirantes
partissem em direção a Mogy das Cruzes ( como afirmou
Azevedo Marques) (376 ) , percorressem durante algum
tempo o vale do Parahyba e depois galgassem a Mantiquei
ra , para penetrar no território mineiro ; ou que rumassem
logo para o nordeste, entrando nesse território mais ou
menos pela região de Santa Rita da Extrema; ou, enfim ,
que demandassem o norte, indo até o rio Grande e dali
passando ao curso superior do S. Francisco . Indaguemos
se a bandeira teria de fato seguido alguma dessas diretri
zes .
122.Preliminarmente , cumpre não nos esquecer
mos de que, em sua carta de 2 de outubro de 1629, infun
dadamente invocada em favor da tese guairenha ( 377 ) , o
Pe. Justo Macilla se refere ao encontro de 40 homens de
uma bandeira, chefiada por Nicolau Barreto, com indígenas
que se dirigiam às aldeias onde os jesuítas de Vila Rica
( no Guayrá ) exerciam o seu apostolado ( 378 ) .

376 . V. n . 16. A informação de Azevedo Marques foi


-

examinada no capítulo IV da Parte I ( ns . 22 a 26) . Em nota


76 sugerimos uma explicação do engano em que nos parece ter
incidido o saudoso cronista .
377 . Conforme ficou provado na Parte II, capítulo IV
( ns . 61 a 65 ) .
378 . V. ns . 64 e 65 .
172 PARTE IV - CAPITULO II
Ns. 122 ( fim ) e 123 Notas 379 a 381

Admitindo-se que se tratasse da expedição que vimos


estudando, o que é duvidoso ( 379 ) , dificilmente se acre
ditaria que, seguindo qualquer das supramencionadas di
reções, ela pudesse encontrar-se com aqueles índios,
que mais provavelmente viriam de regiões do oeste ou do
noroeste do território paulista ( 380 ) . Provado, como está,
que a bandeira de 1602-1604 foi parar no vale do S. Fran
cisco, teríamos, pois, de concluir que ela partira em di
reção oposta e que, a certa altura , mudara complitamente
de rumo. Assim ficaria conciliada a informação do Pe.
Mancilla com os documentos que demonstram indiscuti
velmente a exploração daquele vale.
Suponhamos, porém , que tal informação nada tenha
que ver com a leva ora estudada. Mesmo assim, existem
suficientes indícios de que a orientação inicial foi muito
diversa da que se poderia imaginar.
123. Quando tratamos da célebre carta dos ofi
ciais da Câmara, de 18 de julho de 1603, em que se encon
tra a alusão ao " caminho do piqiri q he provinsia do
rio da prata " ( 381), dissemos que, admitindo -se que os
camaristas se referissem de fato à bandeira de Nicolau
Barreto , o mais que se poderia dizer é que, tendo
destino,, real ou suposto ,
a expedição partido com destino
à região do Piquiry, acreditavam que ela ainda esti
tivesse por lá ou pelo caminho . Acrescentámos que se

379. - V. n . 66 e nota 203 .


380 . Regiões em grande parte consideradas como per
tencentes à Espanha . Adotando -se como divisa entre os domi
nios desta e os de Portugal, de acórdo com o Tratado de Tor
desilhas, o meridiano de Paranaguá (Ensaio de Carta Geral das
Bandeiras Paulistas, pelo Dr. Afonso de E. Taunay, C.ia Melho
ramentos de S. Paulo , 1926 ) ou o de Laguna ( Basílio de Maga
Thães, História do Brasil , Livr . Francisco Alves , 1942 , p . 10 ) , a
linha cortaria mais ou menos ao meio o território hoje perten
cente ao Estado de S. Paulo . Dizemos : «mais ou menos ao meio »,
tomando apenas por base os pontos longitudinais extremos .
381 . Carta invocada, sem fundamento, pelo Dr. Alfredo
Ellis Júnior, em favor da tese da invasão do Guayra ( V. Parte
II , capítulo I , ns . 37 a 40 ) .
PARTE IV CAPÍTULO II 173
Ns. 123 ( fim ) e 124 — Notas 382 a 387

enganavam redondamente ( 382 ). E agora que identifi


cámos seguramente o " Paracatú ” dos documentos da
bandeira com o rio ainda hoje assim denominado , e o
“Guaibihi” com o rio das Velhas ( 383), vê-se que a 17
de fevereiro de 1603, a expedição já se achava no rio das
Velhas, de onde seguiu até o Paracatu ( 384 ) ; que a 29
de junho do mesmo ano ( 19 dias antes da citada carta ),
regressara ao rio das Velhas e chegara ao " corimatahi" ,
seu afluente, onde Brás Gonçalves, o moço, fêz testamen
to ( 385 ) ; e, enfim , que no dia 31 de julho ( 13 dias depois
da carta ), os expedicionários estavam no sertão dos temi
minós, onde se abriu o inventário daquele bandeirante
( 386 ) .

124. Dado que os sertanistas a que aludiam os


oficiais da Câmara fossem os da bandeira de Nicolau ( 387 ) ,
como se explicaria o engano ? Talvez o capitão-mor, Roque
Barreto, a destinasse ao Guayrá, e o chefe, prèviamente
autorizado, ou não, em dado momento resolvesse o con
trário, por esta ou aquela circunstância . Como quer que
seja, infere -se de outro documento municipal que a expe
dição não seguiu nenhum dos rumos figurados no início
dêste capítulo .
A 24 de novembro de 1602 ( cerca de dois meses e
meio depois da partida da bandeira ) , a Câmara de S.
Paulo, atendendo a um requerimento do procurador do
Conselho, endereçou ao capitão-mor ( que então já era

382 . V. n . 41 .
383 . V., respectivamente, o capítulo II da Parte III, sec
ções I ( ns. 93 a 96) e III ( ns. 112 e 113 ) , e as secções II e III
do mesmo capítulo ( ns . 97 a 113 ) .
384 . Conf . ns . 68 a 70 .
385 . Conf. n . 71, primeira parte . Quanto à identificação
do «corimatahi », v . Parte III, capítulo II, secção IV ( n . 114) .
386. Conf. n. 71 , segunda parte .
387 . Vimos ( ns . 39 e 40 e nota 116) que não é possível
afirmar que os camaristas se referissem a essa expedição, por
quanto depois dela haviam saído outras, a mandado ou com
permissão do capitão Roque Barreto .
174 PARTE IV CAPITULO II
Ns. 124 ( fim ) e 125 Nota 388

Diogo Lopes de Castro) uma representação em que solici


tava providências, alegando:
" ... que esta vila se hia despovoando por cauza de
fojiren cada dia os escravos e que a tera sen gentio
logo era despovoada porcoanto erão fogidos mais
de sem escravos ”, etc.
Acrescentava que, segundo referira o procurador,
“ a sua notisia era vindo como des ou doze omės
que estavão em segimto de nicolau bareto capi
tão que roque bareto capitão que foi desta capt*
mãdou ao sertão mudarão de viagem e se forão
pelo rio anhembi abaixo aonde lhes pode soseder
mto mal com os matarē o proprio gentio q anda
fogido e ğ e nesesario e sera grande serviso de
deos mãdar em seo segimto quinze ou vinte omēs
ou os que bem pareser com algũ gentio asi para
reculher os brancos sobreditos e os tirar dalgum pe
rigo em ġ podem estar pois não vem como pera
buscar os escravos fogidos e os trazer a seus do
nos" ( 388 ) .
125. - Por que motivo os homens que seguiam a
pista de Nicolau Barreto teriam "mudado de viagem " e
navegado pelo “ Anhembi” , isto é, pelo Tietê ? Preten
deriam bandeirar por sua conta e risco, ou (o que é mais
provável) iriam embarcar naquele rio por terem sabido
que por ele descera a bandeira de Nicolau Barreto ?

388 . Atas da Câmara de S. Paulo, vol. 2 , p. 114 .


Poderá haver quem julgue que os 10 ou 12 homens não
tinham ido à procura da bandeira de Nicolau Barreto, e siin
que faziam parte dela e se tinham separado dos companheiros.
Mas, os camaristas não dizem, por exemplo, que aqueles homens
« iam na companhia de Barreto : declaram que eles «estavam em
seguimento » dêste. Ora, «estar em seguimento de alguém» equi
vale a « ir em seguimento de alguém», o que propriamente não
significa « ir em sua companhia », e sim «seguir-lhe a pista » ( Conf.
Aulete, Diccionario Contemporaneo, vb. « Seguimento» ) , ir à sua
procura. E que tal é o sentido da expressão empregada pelos
oficiais da Câmara , demonstra - o o tópico da mesma representa
ção em que, referindo -se aos tais 10 ou 12 homens, sugerem que
se mandem outros « em seu seguimento ».
PARTE IV CAPITULO II 175
Ns. 125 ( fim ) a 127 Notas 389 a 391

Acaso, depois de caminhar durante algum tempo como


que em demanda dos sertões ocidentais hoje paulistas, ou
das regiões de além - Paranapanema, teria a bandeira
marchado para o norte, afim de alcançar o Tietê ?
126 . A hipótese da viagem por éste rio, que, em
bora fundada no citado tópico da representação dos ca
maristas, poderia, à primeira vista, parecer arriscada, é
confirmada por um dos documentos da bandeira : o título
de dívida assinado por Brás Gonçalves, o moço, a 17 de
fevereiro de 1603, no " Rio de Goaibihi" ( rio das Velhas ).
Diz Gonçalves, aludindo ao lugar do pagamento : “ Declaro
que será no Rio de Anhembi " ( 389 ).
E evidente que o devedor acreditava que, na volta, a
expedição navegaria pelo Tietê . E por que razão ? Natural
mente porque assim fizera na ida. Razão teriam , pois, os
mencionados 10 ou 12 homens, que procuravam alcançar
a bandeira, para “ mudar de viagem ” e ir “pelo rio anhembi
abaixo" (390 ).

127. - Mas, descendo pelo Tietê, como poderiam os


bandeirantes chegar ao sertão do rio S. Francisco ?
Vamos transcrever o roteiro escrito pelo Pe. Antônio
de Araujo , de acordo com os informes do bandeirante
Pero Domingues, que fôra de S. Paulo àquele sertão
( 391 ) :

389 . Inventários e Testamentos, vol . 26' , p . 32 .


Na cópia anexa ao trabalho de Orville Derby ( Rev. do Inst.
Hist . e Geogr . de S. Paulo, vol . 89, p. 412 ) , saiu : «no rio dan
nembe ». No vol . 11 ° dos Inv. e Test., p. 18 in fine ( apontamentos
tirados dum caderno do Dr. Washington Luis ) : « no rio de
Anhemby». No original está : «rio d anhenbj » ( V. supra, o clichê
que publicamos no fim da nota 208) .
390 . Não lhes teria sido difícil descobrir a mudança de
rumo da bandeira, não somente por informações de índios pa
cíficos, como pelos próprios vestígios deixados, no caminho e
nos pousos, pelos 300 bandeirantes e pelos indígenas auxiliares,
cujo número seria muito maior .
391 . Já recorremos a ésse documento ( publicado pelo Pe.
Serafim Leite ) , quando tratámos dos temiminós e dos amoipi.
ras ( V. ns . 89 e 90) e do « Paracatú » e do «Guaibihi » ( n . 112) .
6

176 PARTE IV -
CAPITULO II
N. 127 ( contin .) Notas 392 a 395

“ Ir - se -ão embarcar num porto do Rio Anhembi


chamado Pirapetingui ( 392 ) , que dista 25 léguas de
S. Paulo, as quais se andam em 3 dias .
Ao som de sua corrente irão demandar o Iguaçú,
Rio Grande ( 393 ) , no qual aquele se mete, no que
gastarão 12 dias .
Contra a corrente (394 ) navegarão até que à mão
esquerda achem a barra de outro chamado Aguapei
de trás de um salto, dito Pirapora ( 395) , no que se
gasta mês e meio .

392 . Provavelmente perto da foz do rio homônimo, que


aflui no Tietê, a leste da cidade de Ytu.
393. Isto é, o Paraná. O nome de rio Grande ( simples
tradução de « Iguassu » ) reservou-se mais tarde a um dos forma
dores do Paraná ( V. nota seguinte) .
394 . Da foz do Tietê, pelo Paraná acima e pelo atual rio
Grande, que numa grande parte de seu curso limita os Estados
de S. Paulo e Minas Gerais .
395 . Existem ainda hoje vários saltos assim denomina
dos . Mas, o que mais importa, aqui, é o rio, o «Aguapehy», ho
mônimo do grande afluente da margem esquerda do Paraná, em
território paulista . Vê-se, pelo que diz em seguida o roteiro,
que aquele «Aguapehy », cuja barra ficava «à mão esquerda» , na
subida pelo rio Grande, e a um mês e meio de viagem da foz do
«Anhemby » ( Tietê) no rio Paraná, era um afluente da margem.
direita do rio Grande, não na parte em que este serve de divisa
entre S. Paulo e Minas Gerais, e sim no curso superior, exclu
sivamente mineiro ; pois que, subindo pelo « Aguapehy », chega
va-se, depois de 4 dias de viagem , a um pôrto que distava do rio
S. Francisco uma légua e meia apenas .
Procuramos, nos mapas dos municípios mineiros banhados
pelo rio Grande, os afluentes deste, próximos ao rio S. Francisco,
e encontramos somente dois : o rio hoje chamado S. Antônio,
que desemboca no rio Grande no município de Cássia, e o rio
Piumhy ( a montante do S. Antônio ) , no município de Piumhy.
V. , no Atlas Chorographico Municipal, publicado pelo Ser
viço de Estatística Geral, da Secretaria da Agricultura do Estado
de Minas Gerais (Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1926 ) , o ma
pa do município de Cássia ( vol. 1 ° , entre as págs. 172 e 173 ) e o
do município de Piumhy ( vol. 2º, entre as págs . 144 e 145 ) .
Parece - nos mais provável que o Aguapehy do roteiro não
seja o Piumhy ( que, aliás, talvez nunca tivesse outra denomi.
nação a não ser esta ), e sim o S. Antônio, cujos formadoras, o
PARTE IV - CAPÍTULO II 177
N. 127 ( fim ) - Notas 396 a 399

Entrando pelo Aguapes irão por ele acima obra de


4 dias, a duas léguas por dia , porque é rio estreito e
de grande corrente, até darem , à mão direita , com
o primeiro porto , que é uma lingua de campo limpo
que contesta com a borda dêste rio : e nele de
sembarcarão. E advirtam que nele, daqui para ci
ma, ha infinito peixe.
Dêste porto , obra de légua e meia, está o nomeado
Rio de S. Francisco, em demanda do qual irão, dei
xando sempre o dito porto nas costas e caminhando
ao som do mesmo campo , e podem levar por ele as
canoas , se não quiserem fazer outras.
E, diz o informante ( 396 ) que catando a terra do
primeiro porto, onde se embarcaram, acharam grãos
de ouro e que a menor grandeza dos menores era
como a de meio grão de milho .
Navegando, pois, pelo dito Rio de S. Francisco
abaixo, darão à mão direita com a barra de outro
chamado Goiabií ( 397 ) , que se mete naquele. No
que gastarão 30 dias.
Deixando a dita barra e continuando pela mesma
derrota do Pará ( 398 ) , em 2 dias darão à mão di
reita , digo esquerda, com a barra de outro , dito
Paracatú .
Desta barra do Paracatú , 15 dias de jornadas
pelo Pará abaixo, estão os portos dos Amoipiras à
mão esquerda" ( 399 ).
ribeirão das Posses e o da Babilônia, dimanam da serra da Ca
nastra ou de suas ramificações, nas contra-vertentes das cabe
ceiras do S. Francisco .
396 . Pero Domingues .
397 . Isto é, como ficou demonstrado, o « Guaibihis da
bandeira de Nicolau Barreto, e que é o atual rio das Velhas .
Quanto à grafia « Goiabii », v . nota 348 .
398 . Abreviatura de «Parapitinga », nome primitivo do
rio S. Francisco ( Conf . nota 306, III ) .
399. Serafim Leite, Páginas de História do Brasil, C.ia
Editora Nacional , série Brasiliana, vol . 93 , p . 115 e 116 .
Quanto à região povoada pelos amoipiras, v . notas 265 e
269 e o texto correspondente .
178 PARTE IV - CAPÍTULO I
N. 128 Nota 400 (I)

Lendo o roteiro, afigura -se -nos estar acom


128 .
panhando a própria expedição de Nicolau Barreto, na lon
ga e penosa viagem fluvial, e somos levado a enxergar em
Pero Domingues, o informante do Pe. Araujo , um dos
componentes da bandeira . Infelizmente, nos documentos
ao nosso alcance, não encontramos o nome de Pero Do
mingues entre os dos companheiros de Barreto, e nem tão
pouco elementos que permitam determinar com precisão
a época em que aquele realizou a viagem descrita no ro
teiro ( 400 ) .

400. – 1. No mesmo livro, o Pe. Serafim Leite publicou,


fazendo-o preceder ( le alguns comentários, sob a epigrafe : « Uma
grande bandeira paulista ignorada» (Páginas de História do
Brasil, p. 99 a 102 ), outro documento importantissimo, também
redigido pelo Pe. Antônio de Araujo, e intitulado :
« Informação da entrada que se pode fazer da vila de S.
Paulo ao grande Pará, que é o verdadeiro Maranhão, chamado
também Rio das Almazonas, cuja barra está na costa do mar
de Pernambuco contra as Antilhas 340 léguas, e da Bahia do
Salvador 440. Dada por Pero Domingues um dos trinta portu
gueses que da dita vila o foram descobrir no ano de 1613. Con
formam com ele os mais companheiros que hoje vivem > (Op.
cit . , p . 103) .
Diz o Pe. Araujo : ... «haverá 8 pera 9 anos que da dita
Vila de S. Paulo partiram 30 aventureiros moradores seus , com
outros tantos índios a correr mundo e como à caça do gentios .
Esses aventureiros, depois de andarem por vários sertões,
navegaram pelo labeberi ( o Tocantins) e « foram desembocar
em um fermoso braço do grande e afamado Pará» (Op. cit., p.
104 ) .
Na viagem de volta, 16 dos bandeirantes foram mortos pelos
selvagens . Os 14 que escaparam chegaram à vila de S. Paulo
19 meses depois da partida ( p . 106 ) .
As informações do Pe. Araujo não têm data . Diz o Pe.
Serafim Leite :
«Nota o P. Araujo que a entrada foi em 1613, gastando
nela 19 meses, e que se realizára havia oito para nove anos . Es
crevia portanto ao redor de 1623» ( Op. cit., p. 100 ) .
A expressão « ao redor de 1623» pode significar : em 1622,
1623 ou 1624. Observe-se, porém , que, no dizer do Pe. Araujo,
havia 8 para 9 anos que os aventureiros tinham partido de S.
Paulo. Portanto, dado que saíssem logo no começo do ano de
PARTE IV CAPÍTULO II 179
Nota 400 ( II a IV )

1613, o Pe. Araujo teria escrito em começos de 1621 ou de 1622 ;


e admitindo - se o outro extrêmo, o da partida no fim de 1613, a
relação teria sido redigida no fim de 1621 ou, quando muito, no
de 1622 .
II . - O título das informações e do roteiro da viagem ao
S. Francisco, a que nos referimos no texto, é o seguinte :
«Relação dada pelo mesmo (Pero Domingues) sobre a via
gem que de São Paulo fez ao Rio de S. Francisco, chamado
também Pará » .
(Serafim Leite, Páginas de História do Brasil, p . 113) .
0 Pe. Antônio de Araujo também não datou esse documen
to, que, ao contrário do outro, não contém nenhuma indicação
a respeito da época da viagem daquele bandeirante . Ambos os
documentos estão no arquivo geral da Companhia de Jesus, em
Homa, e no mesmo códice, um a seguir do outro, vindo em pri
meiro lugar o referente à excursão pelo Tocantins, conforme se
vê das cotas, na cit . obra do Pe. Serafim Leite ( nota 116, p.
110, e nota 122, p . 116) : « Bras. 8, 152-153» e «Bras. 8, f. 153».
É de crer que a segunda relação fosse escrita na mesma época
que a primeira, isto é, em 1621 ou 1622. Com esta restrição é
que se deve, pois, entender o sub -título dado pelo Pe. Serafim
Leite (op. cit., p. 113 ) à segunda relação : «Roteiro inédito da 3.
década do século XVII » .
III . Não conseguimos apurar se a viagem de Pero Do
mingues ao vale do S. Francisco foi anterior à de 1613, ao braço
do rio Amazonas conhecido pelo nome de « Pará » .
Quanto a esta, existem outros dados, que permitem identi
car o informante do Pe. Antônio de Araujo .
Não citaremos todos os documentos examinados . O assun
to é bastante complexo, e se o fóssemos desenvolver, iríamos
muito longe .
IV. A expedição devia ter saído de S. Paulo em fins do
ano de 1613 .
No dia 22 de Fevereiro de 1615, achava-se no « rio Paraupa
va», onde foi aberto, por ordem do capitão André Fernandes,
o inventário conjunto de Manuel Requeixo e de outros bandei
rantes, inventário em que um Pero Domingues serviu de escri.
vão ( Inventários e Testamentos, vol . 31 °, p . 11 a 15 ) . O citado
rio, que corre no sul do Estado do Pará, tem hoje a denomina
ção de Paraupeba, ou Paraopeba .
Cumpre, todavia, advertir que existe controvérsia a res
peito da identificação daquele « Paraupava », nome que também
aparece no testamento de Pero de Araujo, redigido a 25 de abril
de 1616 (Inv . e Test . , vol. 5º, p . 196 in fine) , e no têrmo inicial
do inventário do citado bandeirante, aberto, por ordem do ca
180 PARTE IV CAPÍTULO II
Nota 400 ( V e VI )

pitão Antônio Pedroso , a 29 de dezembro do mesmo ano, e não


do ano de 1617, como disse o escrivão ( vol. cit., p . 188 ) , o qual,
por já ter passado o Natal de 1616, designou o ano seguinte
(como então se costumava fazer ) , esquecendo -se, porém , de
mencionar tal circunstância . Num têrmo de arrematação , no
citado inventário , vê - se a data de 1º de janeiro de 1617 ( ibidem ,
p. 193 in fine) , e numa declaração do curador (que foi o pró
prio capitão Pedroso ), a data de 4 de abril do mesmo ano ( p .
195 ) .
Há quem julgue que a gente de André Fernandes fizesse
parte da expedição de Antônio Pedroso . Chegámos, todavia, à
conclusão de que se tratava de duas bandeiras distintas.
A primeira, que, segundo informa o Pe. Antônio de Araujo,
esteve ausente de S. Paulo durante 19 meses, teria regressado
em meados de 1615 .
V
No título « Domingues», de sua Genealogia Paulistana,
Silva Leme designa como tronco da família dêsse nome, na Ca
pitania de São Vicente , Pedro Domingues (ou Pero Domingues,
o que é indiferente ), que casou com Clara Fernandes e teve os
seguintes filhos :
Pedro Domingues ( 2 ' ) ;
Amaro Domingues, que foi casado com Catarina Ribeiro e
leve, entre outros filhos, um de nome Pedro Domingues ( 3 ) ;
Leonor Esteves , que casou com Diogo de Sousa .
(V. obra citada, vol. 89, p. 102, 103, 112 in fine e 150 ) .
VI. – 0 Pero Domingues a que se refere o Pe. Antônio de
Araujo não podia ser o 3º, que, quando faleceu Amaro Domingues,
seu pai ( 1636 ), tinha 15 anos, pouco mais ou menos ( Inv . e
Test., vol. 10 ', p . 104 in fine ) , e portanto , na época da partida
da expedição do Tocantins ( 1613 ), ainda não tinha nascido .
Também não podia ser o 1° Pero Domingues, que falecera
muitos anos antes da referida época. A viúva, Clara Fernandes ,
casara com Antônio Gonçalves ( Pires ), como se verifica exa
minando bem o inventário dêste , aberto a 13 de junho de 1628
( Inv. e Test ., vol. 7 , p . 381 ) . Embora , em seu testamento ( 14
de maio do mesmo ano ), Antônio Gonçalves desse o título de
filhos a Leonor Esteves e a Pero Domingues ( vol . cit ., p. 384 ) ,
o certo é que o fez por afeição , pois que Leonor e Pero eram
apenas seus enteados . Quanto à primeira, consta do inventário
que era viúva de Diogo de Sousa ( ibidem , p . 386 ) . Era, portan
to , a filha de Clara Fernandes e de seu primeiro marido, Pero
Domingues. (Conf. secção V in fine desta nota) . Quanto ao
Pero Domingues designado no testamento como filho , e que
foi nomeado testamenteiro ( vol. 70 cit . , p . 384 in fine , 388 in fine
c389 ) , vê- se, no têrmo de prestação de contas, que o defunto
PARTE IV CAPITULO II 181
Nota 400 ( VII a IX )

era
« seu padrasto » ( ibidem, p . 398 ) . Tratava -se, pois, do 20
Pero Domingues .
O mais velho dos filhos de Antônio Gonçalves e de Clara
Fernandes, Paulo Gonçalves, tinha então 25 anos de idade (ibi
dem, p. 385 in fine) , o que demonstra que Clara Fernandes já
no começo do século XVII enviuvara do 1° Pero Domingues .
VII . Diogo de Sousa, marido de Leonor Esteves, filha
dêsse 1° Pero Domingues e irmã do 2' , faleceu em 1628, e não
cm 1621 , como diz Silva Leme ( obra citada, vol. 89, p . 150 ) . O 2º
Pero Domingues assinou, em nome de sua irmã Leonor, o têr
mo de abertura do inventário do citado Diogo de Sousa, lavra
do a 13 de maio de 1628 (Inv . e Test . , vol . 70, p. 362 ) .
Assinou também , a 25 de janeiro de 1636 , o testamento de
seu irmão Amaro Domingues e o respectivo instrumento de apro.
vação ( Inv . e Test., vol. 10 ', p . 103 e 104 ) . Sua assinatura apa
rece ainda em vários termos do inventário de Amaro, em que
foi curador dos órfãos ( vol . cit . p . 111 , 113 in fine, 114 a 119 e
121 ) .
VIII . Ora, comparando as firmas do 2º Pero Domingues,
nos mencionados inventários de Antônio Gonçalves, Diogo de
Sousa e Amaro Domingues, com as do Pero Domingues, escrivão
da leva de André Fernandes, no inventário do « Paraupava»
(secção IV, princº, desta nota) , verifica-se fàcilmente que se
trata da mesma pessoa . Está, portanto , identificado o Pero Do
mingues informante do Pe. Araujo .

1
2

T'Somingues (Podemin
r als
• Plomiy ios Tasamaan den
Assinaturas de Pero Domingues :
1 - quando escrivão , no inventário aberto no rio “ Pi.
raupaca ” ( 1615 ) ;
2 no inrentário de 8fu padrasto , Antonio Gonçalves
( 1628 ) ;
3 inventário de & eu cunhado , Diogo de Sousa

( 1628 ) ;
no inx ontário de Seu Irmão , Amaro Domingues
( 1636 ) .

IX Em 1638, um Pero Domingues obteve uma sesmaria,


182 PARTE IV - CAPITULO II
N. 128 ( fim ) — Notas 400 ( X e XI) a 403

Mas, se os 10 ou 12 homens que foram em seguimen


to da expedição navegaram pelo Tietê abaixo (401 ) , e se
Brás Gonçalves aludiu ao rio Anhembi ( 402 ), afigura-se
nos muito provável que Barreto seguisse mais ou menos o
itinerário mais tarde revelado ao Pe. Araujo por Pero
Domingues ( 403) .

por carta datada de 24 de setembro ( Sesmarias, vol. 19, p. 257


in fine a 259) . Embora a redação do documento seja falha e
confusa, vê-se que esse Pero Domingues requereu em seu nome
e no de Catarina Ribeiro , que vem designada como viúva de
Amaro Domingues (ibidem, p. 258 ) . Tratava-se, pois, ainda aqui,
do 20 Pero Domingues.
Na petição alegou ser « homem de sessenta anos» ( pág. ci
lada ) . Assim, em 1613, quando partiu para a viagem pelo To
cantins, teria 35 anos.
X. – Quanto à viagem ao S. Francisco, descrita no outro
documento do Pe. Araujo, talvez ainda apareça uma prova de
que Pero Domingues a empreendeu em 1602 ( já teria 24 anos
de idade ) , como componente da bandeira de Nicolau Barreto.
XI . -
Refere-se Rocha Pombo ( na Historia do Brazil, ed .
Jackson , vol . 1°, p. 262, 2° col. in fine) à « relação de um dos
companheiros de Barreto », e passa a descrever o itinerário des
sa relação , segundo a qual a bandeira teria passado por S. Mi
guel, demandado o vale do Parahyba e entrado no território hoje
inineiro , chegando talvez às nascentes do rio S. Francisco . A
propósito da existência de minas de ouro nos «montes Guarimu
mis », o historiador cita Glimmer (ibidem, p . 263, 1 ° col . ) . Em
bora o resto do itinerário coincida com o dêste , poder-se-á ficar
em dúvida : se também teria sido descrito pelo «companheiro de
Barreto », ou se este companheiro seria o próprio Glimmer . Na
edição Jackson foram suprimidas as numerosas notas da 1° edi
ção, em 10 volumes . Ora, no vol. 3º desta edição ( nota 3, p . 734
735 ) , encontramos a chave do problema : o suposto companheiro
de Nicolau Barreto seria o referido mineralogista holandês , que,
no dizer de Rocha Pombo, «acompanhou a expedição ». Mas, a
leitura do resto daquela nota demonstra que, como Orville Der
hy, o historiador brasileiro julgou que o itinerário indicado por
Guilherme Glimmer fôsse o da expedição de Nicolau Barreto ,
quando é o da bandeira de André de Leão, anterior àquela .
Vimos, porém , que Derby reconheceu o engano. Conf. supra,
nota 29, IV a VI .
401. – V. n . 124, último parágrafo, e n. 125.
402. - V. n . 126.
403. Conforme declara o Pe. Araujo, as indicações do ban
PARTE IV CAPITULO II 183
Ns. 129 e 130 -
Notas 404 a 407

129 . Atingido o rio S. Francisco, em seu curso


superior, teriam os bandeirantes navegado “ ao som da
corrente" e assim chegado à região do “Guaib hi” ( rio das
Velhas ), onde Gonçalves assinou o citado documento de
dívida, a 17 de fevereiro de 1603 (404 ).
No dia 12 de março , em que Martim Rodrigues fêz
testamento , achavam -se no " sertão e rio do Paracatú ”
( 405 ), e ali permaneceram pelos menos até 4 de abril,
como se vê do auto de venda dos bens de Manuel de
Chaves, que, ferido por uma frechada, em combate com
os “ topiães ” ( tupinaês ), fizera testamento no dia 30 de
março (406 ) .
130. — Teria a bandeira continuado a navegar pelo
S. Francisco, além da foz do Paracatu ? É provável que
chegasse pelo menos ao extremo norte do atual Estado
de Minas Gerais, pois entre os índios capturados figuram
amoipiras, e, segundo o citado roteiro, os “portos dos
amoipiras ” estavam a “ 15 dias de jornadas ” da barra do
Paracatu ( 407 ) .

deirante se destinavam a facilitar o acesso às regiões habitadas pe


los amoipiras ( V. supra, n. 90). A expedição de Nicolau Barreto,
embora seguindo, em linhas gerais, aquele itinerário, realizaria ,
naturalmente, várias digressões, aqui ou ali, tanto na ida como na
volta . Aliás, não tendo partido, logo de início, em demanda do
Tietê (conforme se viu , ns. 124 a 126) , embarcaria provavel
mente muito além do pôrto de Pirapitinguy, citado no roteiro
como ponto inicial preferível para a navegação por aquele rio.
404. V. n. 68.
405. -
V. n. 69.
406. V. n. 70 .
407. Conf. n. 127 in fine. Cumpre, todavia , levar em
conta o natural desiocamento das hordas selvagens , devido a
guerras com as tribos vizinhas e a outras causas . Segundo in
forma Gabriel Soares de Sousa , no seu Tratado Descriptivo do
Brasil em 1587, os amoipiras ocupavam mais de cem léguas ao
longo do rio S. Francisco (V. supra , n. 87 , última parte ) .
CAPITULO III

Permanência da bandeira nos sertões do S. Francisco


e itinerário do regresso à vila de S. Paulo

131. — De volta do " sertão e rio do Paracatú ” , ou de


regiões situadas mais ao norte (408 ) , a expedição, che
gando novamente ao “Guaibihi" ( rio das Velhas ) , passara
a explorar este rio, indo, pelo menos, até um de seus
afluentes da margem direita, o " Corimatahi" , Curimatahy
ou Curumatahy, em cujas imediações fêz testamento Brás
Gonçalves, o moço, no dia 29 de junho de 1603 ( 409) .
132 . É esta a última indicação topográfica exis
tente nos documentos da bandeira. Surge depois, no têrmo
inicial do inventário daquele sertanista, lavrado a 31
de julho do mesmo ano, a primeira referência ao "sertão
e limites que povoam os gentios tomiminós ” ( temiminós )
( 410 ) .

408. – V. n . 130 e nota 407 .


409 . - V. n. 71 , primeira parte.
410. V. n . 71, segunda parte.
Orville Derby julgou que o « sertão dos temiminós » estaria
a oeste do rio S. Francisco, « provavelmenté ao norte do rio
l'aracatú » ( V. supra, n . 4 ) . Mas, quando a bandeira chegou
àquele sertão, já vinha de volta do Paracatu e, passando a ex
plorar o rio das Velhas, fôra ter ao seu afluente, o « Corimatahi »,
Não é possível saber se, durante o mês que decorreu entre o
testamento de Brás Gonçalves, o moço , no «Corimatahi», e a
abertura do inventário, no sertão dos temiminós, a expedição te
ria prosseguido pelo vale daquele rio, ou regressado ao rio das
Velhas ou ao S. Francisco . Seja como fôr, vê-se que o habitat
dos temiminós encontrados pela bandeira ficava muito distante
do Paracatu .
PARTE IV CAPITULO I 185
Ns. 132 ( fim ) e 133 Notas 411 a 416

Já os bandeirantes se teriam empenhàdo em luta com


outros selvagens, os “ topiães ” ( tupinaês ), no sertão do
Paracatu ( 411 ) , e quiçá também com os amoipiras, mais
além (412 ) . Ter -se- iam saído das refregas sem grandes
perdas e dificuldades. Mas, desta vez, é de crer se defron
tassem com adversários mais numerosos ou mais aguerri
dos, que procurassem cortar -lhes a retirada, dando -lhes,
talvez, apertado cerco e reduzindo-os à defensiva . Exis
tem, pelos menos , indícios de que o aprezamento de grande
número de temiminós pela bandeira lhe não custou pouco
e de que ela permaneceu nos sertões mineiros por mais
tempo do que acaso tencionasse ( 413 ) .
133. – No dia 14 de agosto de 1603, ainda se acha
vam os bandeirantes naquele sertão dos temiminós, segun
do consta de um termo do inventário de Manuel de Chaves,
têrmo em que também vinha uma declaração muito signi
ficativa : " nesta tranqueira onde ora ... do (414 ) o ca
pitão Nicolau Barreto com seu arraial" ( 415 ) .
A não ser um outro têrmo, lavrado muitos meses de
pois ( a 24 de dezembro de 1603) , no mesmo inventário
( 416 ) , nada mais encontramos, quer neste, quer no inven
tário de Brás Gonçalves, o moço, até o mês de Março de
1604 .

No dia 8 dêsse mês, os padres João Alvares e Diogo


Moreira, “ capellães deste arraial do capitão Nicolau Bar

411 . V. n . 70 .
412. V. ns. 73 e 130 in fine e nota 407 .
413 . Na carta de 13 de janeiro de 1606 ao donatário da
Capitania , dizem os oficiais da Câmara de S. Paulo que a expe
dição « gastou dois annos na viagem com muitos gastos e mor .
tes » ( Conf. n. 43, último período ) . No testamento de Jorge de
Barros há referência a uma india temiminó da « guerra de Nico
lau Barreto » ( Inv. e Test ., vol. 4 ', p. 66 ). Vimos ( n. 116 e notas
362 e 363- III) que Jorge de Barros ( Fajardo) tomou parte na
expedição.
414 . Devia estar escrito : konde ora estava aposentado »,
como se lê em outro lugar do mesmo inventário ( Inventários e
Testamentos, vol . 19, p . 464 ) .
415 . V. n . 72 e nota 223 in fine .
416 . Inv . e Test . , vol . 1 ' , p . 473 .
186 PARTE IV CAPITULO III
Ns. 133 ( fim ) e 134 -
Notas 417 a 423

reto " (como declaram ), firmaram um recibo de esmolas


dadas por Domingos Dias, para a celebração de missas
por alma de seu irmão Manuel de Chaves (417 ), falecido .
como vimos, em consequência de uma frechada dos tupi
naês, entre os dias 30 de março e 2 de abril do ano anterior,
quando os expedicionários se achavam no " sertão e rio do
Paracatú ” (418) .
A 10 do referido mês de março de 1604, Manuel de
Soveral, escrivão do arraial bandeirante, redigiu duas qui
tações, a rôgo do mesmo Domingos Dias, curador do in
ventário de seu irmão ( 419 ) .
Logo a seguir, vemos os termos de venda, feita a re
querimento do curador, das " peças que se deram em qui
nhão do defunto Manuel de Chaves" ( 420 ).
Quatro dias depois, no inventário de Brás Gonçalves,
o escrivão lavrava um têrmo de " declaração das peças que
foram dadas ao defunto em quinhão " ... " tres negros
( 421 ) e tres negras e duas crianças e mais um rapaz ma
gros ( ? ) que estavam taes como os mais que neste sertão
se repartiram da nação tomiminó e a ...piras (422 ) das
quaes recebeu o curador deste inventario Braz Gonçalves
o velho para as levar a povoado aos herdeiros" (423) .
Vê- se que só em meados de março de 1604 foram pos
tos em dia os inventários e, contados e avaliados os índios
cativos, se procedeu à partilha entre os componentes da
bandeira .
134. — Não podemos saber se , durante uma parte do
tempo decorrido até à chegada à vila de S. Paulo, cerca

417 . Inv . e Test . , vol . 1 ', p . 489 .


418 . V. supra , n . 70 .
419 . Inv . e Test . , vol . 19, p . 473 in fine e 474 .
420 . Vol . cit ., p. 474 a 476 .
421 . Eram muitas vezes assim designados os indígenas
do Brasil . Os representantes da raça negra eram chamados
« tapanhunos» , denominação tupi adulterada, da qual existiam va
riantes . Outras vezes assim se fazia a distinção : «peças do gen
tio da terra » e « peças do gentio de Guiné» , « de Angola», etc. 1
422 . Amoipiras . V. nota 227 .
423 . Inv . e Test . , vol. 26 ', p . 19 in fine e 20 .
PARTE IV – CAPITULO III 187
N. 134 ( contin .) Notas 424 e 425

de 5 meses e meio depois (424 ), teriam ainda os bandei


rantes feito digressões pelo território mineiro . Encontrá
mos apenas um documento , lavrado no sertão em 10 de ju
nho de 1604 , e que, se não contém esclarecimentos a tal
respeito , é todavia muito interessante, não só pelo conteú
do, como também porque nos revela os nomes de dois ser
tanistas que não figuram nas listas dos companheiros de
Nicolau Barreto, organizadas por Orville Derby e pelo
Dr. Alfredo Ellis Júnior ( 425 ) :

“Digo eu Francisco Ramalho, que eu me obrigo, a


levar e a sustentar a minha custa, até a minha casa,
que é em aldeia de Guanga, querendo Deus... (há
uma falha ) e um rapaz, e uma rapariga, de Simão
Jorge, e o dito Simão Jorge se me obriga, por
esta minha obrigação, dar duas vaccas, por
o meu trabalho, depois da nossa chegada a um
mez , e por este nosso pacto , e concerto, se
passar assim na verdade, a aprazimento de ambos ,
rogamos ao reverendo padre Diogo Moreira
nos fizesse esta obrigação, como testemunha de

424. – V. n . 120 .

425 . - I. Orville Derby, embora não pudesse consultar


tôda a documentação relativa à bandeira de Nicolau Barreto,
arrolou 58 nomes, incluído o do chefe da expedição ( Rev. do
Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo, vol . 89, p . 401 ) . O Dr. Alfre
do Ellis Júnior deu - nos uma lista de 64 bandeirantes ( V. O Ban
deirismo Paulista e o Recúo do Meridiano, 3a ed., p . 78 e 79, 2*
ed. , p. 74 e 75, e 1 " ed ., p . 22 e 23 ) , mais tarde reduzidos a 63
(Boletim nº IX da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de S. Paulo, p . 54 in fine a 59 , e Meio Século de
Bandeirismo, p. 55 a 58 ) .
II . Revendo ambas as relações e consultando a documen
tação ao nosso alcance, eliminámos alguns nomes que nelas não
deviam figurar, e, por outro lado, conseguimos organizar uma
lista de mais de 70 componentes da expedição . Esse nosso traba
lho formava um capítulo do presente estudo ; mas, devido ao
grande número de notas justificativas, resolvemos reservá - lo
para outra ocasião .
188 PARTE IV CAPITULO III
Ns. 134 ( fim ) e 135 -
Notas 426 a 428

vista, e se assignasse aqui comnosco, hoje dez dias


do mez de junho, era de 1604 annos" (426 ).

135. Teria a expedição regressado a S. Paulo pelo


itinerário da ida, ou teria feito, em sentido inverso , um
dos trajetos apontados no início do capítulo anterior ?
( 427) . Faltam dados a êsse respeito. É muito provável,
porém, que, depois dos incidentes, que fàcilmente se con
cebem , da longa exploração que acabavam de levar a efeito,
e tendo de arrastar consigo muitas centenas de selvagens
cativos (428 ) , preferissem os bandeirantes as vias fluviais,
já conhecidas, e não se expusessem inutilmente às fadigas,
incertezas e perigos de longas caminhadas por sertões
bravios .

426 . Inventários e Testamentos , vol . 5° , p . 255. ( do


cumento figura no inventário de Francisco Ramalho , aberto em
1618 ( Conf . vol . cit., p . 251 ) .
O Pe. Diogo Moreira, que redigiu o referido contrato entre
F'rancisco Ramalho e Simão Jorge, passara, a 8 de março de 1604 ,
juntamente com outro capelão da bandeira , o Pe. João Álvares,
uma quitação de esmolas para a celebração de missas por alma
de Manuel de Chaves ( V. supra , n. 133, terceiro parágrafo ) .
Segundo Azevedo Marques (Apontamentos Historicos etc., voi.
1 ", p . 3, 1 ° col., e vol . 2 °, p . 225, 1 ° col . ) , o Pe. João Alvares es
creveu , no sertão, no mesmo ano de 1604, o testamento de Afon
so Sardinha , o moço . É outro nome que não figura nas listas
de Derby e Ellis .
Infelizmente, Azevedo Marques, que trasladou o testamento
de Afonso Sardinha, o velho, bem como o rol anexo ( V. obra
cit., vol . 2°, p . 221-224 ) , deixou de transcrever o testamento de
Afonso Sardinha, o moço (documento que, no dizer do cronista ,
se achava no antigo cartório da Tesouraria de S. Paulo ) , e neni
sequer indicou precisamente a data e o lugar em que foi la
vrado .
427 . V. n . 121 .
428 . Uns 3.000 , segundo o cálculo de Orville Derby ( V.
nota 167 ) .
CONCLUSÃO

Demonstramos cabalmente que a bandeira de Nicolau


Barreto, de 1602-1604, explorou o vale do rio S. Francisco ,
chegando, pelo menos, até o sertão do Paracatu , e que a
invasão do Guayrá , pela referida expedição, não passa de
uma fábula. Era êste o objetivo principal de nosso traba
lho. Quanto aos demais assuntos ( 429 ) , em parte nos
baseámos em provas diretas, e em parte aventámos hipó
teses que nos pareceram razoáveis. Oxalá ainda surjam
elementos que permitam resolver as dúvidas e incertezas
que subsistem a respeito de algumas questões ligadas à
misteriosa expedição.
Nicolau Barreto não invadiu o Guayrá , não atravessou
o Paraná, junto à foz do Piquiry, não percorreu outros do
mínios castelhanos, até às famosas minas de Potosi; não
realizou, em suma, o grande raid internacional que durante
largo tempo se lhe atribuiu ; mas , varando os sertões bra
sileiros, atravessando o vale imenso do S. Francisco , ainda
na aurora do século XVII, inscreveu nos anais da histó
ria das bandeiras paulistas uma epopéia singularmente
memorável.
Em princípios dêste século, um cientista norte-ameri
cano que passou a maior parte de sua vida em nossa terra,
amando - a de todo coração e dando-nos admirável exem
plo de trabalho honesto e estrênua dedicação a vários
ramos do saber humano , estudou, entre outros assuntos

429 . Como, por exemplo, os de que tratamos na Parte


IV ( ns . 115 a 135 ) .
190

históricos, a bandeira de Nicolau Barreto, e, com os meios


escassos de que dispunha, numa época em que a documen
tação paulista jazia sepultada nos arquivos, de o . denada
e quase totalmente desconhecida, concluiu que a expedi
ção fôra ter ao S. Francisco, ao rio das Velhas e ao Para
catu . Vinte anos depois, sua tese sofreu embates vigoro
sos. Pareceu então que, abalada nos fundamentos, ruira
fragorosamente, desmoronando -se, como tantos erros e
ilusões humanas, no abismo do desprezo e do esquecimen
to . E eis que agora a vemos reaparecer, brilhar, refulgir
aos raios da verdade, na fimbria da auréola que circunda
o vulto daquele sábio, digno, por muitos títulos, da grati
dão imorredoura dos brasileiros : -o eminente ORVILLE
ADALBERTO DERBY.
ARQUIVOS MUNICIPAIS

ANTONIO PAULINO DE ALMEIDA


ARQUIVOS MUNICIPAIS
Antônio Paulino de Almeida

Em seu trabalho sobre a Capitania de Itanhaen ,


conta -nos Benedito Calixto o fato ocorrido com
membro do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo,
que, de passagem por determinada cidade litorânea , ao
demonstrar desejos de conhecer o arquivo municipal, “no
intuito louvável de examinar e copiar importantes manus
critos antigos que ali deviam achar -se ”, nada conseguira,
porque os camaristas a isso se haviam oposto , não permi
tindo a entrada de pessoas estranhas naquele recinto, do
qual absolutamente não zelavam , abandonando ao cupim
e às traças, os mais preciosos documentos.
E certo escritor, comentando tal incidente, chamava
a atenção do governo, para que se procurasse salvar da
" ação destruidora dos bichos e da incúria dos homens” , os
papéis que por acaso ainda existissem por esses arquivos
e sujeitos ao desaparecimento.
Entretanto, nesse sentido nada se fez, perdendo-se de
então para cá, não só muitos livros como manuscritos
avulsos, que de longa data deviam ter sido enviados ao
Departamento do Arquivo do Estado, nos têrmos da lei
n.º 666, de 6 de setembro de 1899.
Interessando-nos também pelo estudo da história da
Capitania de S. Vicente, durante largos anos visitámos
alguns desses preciosos arquivos da região do litoral, e
apenas de um deles -- o da Câmara Municipal de Para
naguá guardamos a melhor das impressões, pela
194 Arquivos Municipais

ordem e conservação em que se encontravam os livros e


documentos ali recolhidos.
De algumas das nossas antigas " Vilas da marinha”,
como eram chamadas, trouxemos a mais triste impressão,
constatando o pouco caso , o desleixo mesmo, dos respec
tivos funcionários encarregados de sua guarda e zelo
dos documentos ali existentes.
Num dêsses arquivos, grande parte dos livros e papéis
cobertos de traças e teias de aranha , achava-se em
caixões, num quarto sem ar e sem luz, transformado em
depósito de cousas inúteis. De outros, livros preciosos
haviam sido confiados a pessoas estranhas, que nunca
mais os devolveram .

Por muitas vezes tivemos ocasião de ver em mãos de


particulares vários dêsses manuscritos e até livros impor
tantes, sendo de notar -se que alguns destes, contendo
"memorias interessantes" ou " cousas curiosas ", tinham
sido confiados a outrem ou desaparecido misteriosa
mente : eram os interessantes livros do Tombo.
Ninguém ignora a sorte que tiveram os nossos
arquivos, mesmo nos tempos coloniais, de muitos dos
quais valiosos livros e manuscritos, infelizmente, foram
lançados ao fogo, por determinação dos próprios correge
dores, como aconteceu com os de Cananéia e Iguape.
Há alguns anos, tendo sido comissionado para tratar
da reorganização de um desses arquivos, logo de início
apresentaram -nos grande quantidade de papéis, já reu
nidos e prontos para serem lançados ao fogo. Entre
tanto, examinando alguns deles, qual não foi a nossa
surpresa, deparando com diversas folhas de um manus
crito em que vinham narrados fatos interessantíssimos.
Foi assim que, reunindo-as , conseguimos recompor um
precioso volume, que , desde logo, reconhecemos ser o livro
de " memorias ” da Câmara da antiga vila , o qual, depois
de restaurado e encadernado, foi recolhido ao Departa
mento do Arquivo do Estado, onde se encontra .
Do Arquivo de S. Vicente, quase nada deve restar,
não só pelo extravio e roubo de numerosos manuscritos
Antonio Paulino de Almeida 195

ou queima do cartório, como também pelo relaxamento


e desleixo dos antigos responsáveis pela sua guarda.
Em 1828, tendo S.M. o Imperador, solicitado ao
presidente da Província certas informações, a fim de apre
sentá -las à Assembléia , foi expedida ao Juiz de Fora das
vilas de Santos e S. Vicente, a Portaria seguinte :

“Havendo Sua Magestade, o Imperador, determinado


em Aviso de 8 de Agosto pp. que se formalise a Estatis
tica desta Provincia, para ser presente á Assembléa Legis
lativa, visto que desta medida em grande parte depende
a felicidade do Estado, e sendo necessario para ilustração
de varios artigos da mesma, recorrer -se ás memorias,
Ordens e Planos antigos, sobre o descobrimento, povoação
e administração desta Provincia, o que conste existir no
Archivo da Camara da Vila de S. Vicente, o Vice-Presi
dente desta Provincia Ordena ao Snr. Dor. Juiz de Fora
de Santos, e da dita V.a, que envie á Secretaria deste
Governo tudo aquilo que houver á similhante respeito no
referido Archivo da Camara de São Vicente, ficando
somente ali o que for privativo á mesma. Palacio do
Governo de São Paulo, 20 de Setembro de 1828. Luiz
Antonio Neves de Carvalho" ( 1 ) .

A resposta, que não se fez esperar, dizia então o


seguinte :

" Illmo. e Exmo. Senhor. Recebi a Portaria de V.


Exa. em data de 27 pp. em a qual me ordena que informe
si veio à minha mão e pr. q. que não tem tido execução
a Portaria de 20 de 7bro, do corrente, sobre as memorias
antigas existentes no Archivo da Camara de S. Vicente,
as qes. se tornarão mui necessarias p . a organisação da
Estatistica desta Provincia, ao q. respondo que logo que
recebi a primeira Portaria de 20 de 7bro., procurando
pelo seu Archivo, em q. tantas vezes tenho ouvido falar,

( 1) Departamento do Arquivo do Estado, Estradas, livro


n. 389 .
196 Arquivos Municipais

apontarão -me p.a uma Caixa com bastante uso, posta


sobre umas taboas velhas, e com grdes. rombos, de modo
que tive medo de chegar ao pé, com receio de cair ; ao
seu redor estavão fragmentos de livros velhos lançados
pelo do . taboado, e de tal sorte carcomidos, que já se não
podião ler ; procurei pelas chaves do do. archivo, não apa
recerão, e todos os Vereadores afirmarão que dentro nada
havia, e que alguns livros que restavão, existião em poder
do então actual Escram. Mel. Joaqm. Gomes de Miranda ,
o ql. em razão do seu desmanselo, de não ter provimento ,
de como ter erros de officio, e de ser um verdadeiro
flagelo daquela pouca gente, por ser apoiado pelo Cap.
mor, como é constante, a ponto de prender e soltar qdo.
queria, o suspendi, nomeando outro em seu lugar, que
bem me custou achar, pr. haver muita falta de gente
naquela Vila, qe, até nem este nome devia ter, tanto q.
servem de Vereadores homens que andão descalsos, que
vivem de pescar, contra expressa determinação da Lei, e
que servindo de Juizes pela Ordenação, findo o anno c
Cap. mor os chama para paradeiros e pa. coisas seme
lhantes, não havendo ali respeito algum á esta classe de
gente, e só temor, e sendo ao Cap. mor, pelo que alguns
já tem mudado a sua residencia daquella Villa, e pr. isso
bom seria que V. Exa. representasse a S.M. o I. pa .
acabar com simelhante Villa, ficando emquanto existissem
algumas Casas , uma Freguezia anexa á Villa de Santos
como S. Bernardo e Sto . Amaro o são de S. Paulo ; isto
seria pa. aquela desgraçada gente um grande bem .
Ordenei pr. tanto ao Escram. que me mandasse os
livros existentes em seu poder, e procurasse ver sempre
si ainda havia alguns no do. archivo, demorou-se este
cumprimento alguns dias, até q. tornei a receber a nova
determinação, o que me fez tornar a ir a S. Vicente e
privou-me de cumprimentar a V. Exa. , pr. acontecer isto
no mesmo dia , em q. chegou ao Cubatão onde apenas
encontrei cinco livros de registro, sendo o mais antigo esse
que remeto a V. Exa . , q. bem poucas coisas, ou antes
nenhumas tras a proposito, e os outros mais modernos
Antonio Paulino de Almeida 197

nada, de maneira que hoje pode dizer - se que a existencia


do Archivo de S. Vicente é tradicionaria, pois em abono
da verdade elle é nenhum .
Ds. guarde a V. Exa. Santos de Obro. 1826.
Illmo. e Exmo. Snr. Visconde de Congonhas do Campo.
Prezid.e desta Prov. O Juiz de Fóra Gregorio da Costa
Lima Belmont. "

Por se pode ver o estado lastimável a que, mesmo


nos tempos da antiga Província , deviam ter chegado os
arquivos municipais, de alguns dos quais, ainda hoje, com
um pouco de boa vontade, muita cousa poderia salvar - se.
O Arquivo do Estado, que, à semelhança dos jardins
fechados, era um departamento esquecido até mesmo por
muitos dos nossos escritores, pela dificuldade de consulta
e inexistência de uma secção destinada exclusivamente a
êsse fim desde o ano de 1928 que vem prestando ao
público inestimáveis serviços, principalmente nos últimos
anos, quando o gôsto pelos estudos históricos vem se gene
ralizando entre os paulistas.
O número de estudiosos que diàriamente o procuram
é cada vez maior, e prova incontestàvelmente o que vimos
de afirmar, tornando - se a referida repartição a principal
fonte consultiva de grande valor, onde, como disse o
saudoso dr. Antônio de Toledo Piza — " a todo o momento
a administração do Estado e o público recorrem aos papéis
e livros nela guardados, para se instruirem sobre fatos
passados, que influem sôbre o presente” .
Da sua importância já falava o dr. Nabuco de Araujo,
quando, em discurso à Assembléia Provincial de 1832, refe
rindo -se ao fato de não haver sido executada a lei de 8
de março de 1842, que instituira o Arquivo, dizia : “ ahi
estão disseminados por diversas repartições e archivos,
não classificados, não apreciados, jazendo no olvido,
entregues ao pó e às traças, documentos importantes e
198 Arquivos Municipais

preciosos para a nossa historia, rica de fatos gloriosos e


heroicos " .
Por outro lado afirmava um dos nossos maiores
historiadores, que a história de S. Paulo constitue a
primeira página da história do Brasil.
Se assim é, porque não havemos de recolher para a
repartição competente do Estado, os documentos que
ainda hoje se encontram espalhados pelos arquivos muni
cipais, retirando -os do pó, salvando -os da traça e do cupim ,
roubando - os à ação do Tempo ?!
De alguns dêsses arquivos sabemos, em que existem
documentos do século XVII, inteiramente abandonados,
sem o necessário cuidado e zêlo pela sua conservação, e
ue por isso mesmo, deviam ser colocados sob a proteçã
da lei n. 666, a que nos referimos.
Seria uma obra patriótica de real merecimento .
A BENÇOADA BUROCRA CIA

GAMA RODRIGUES
ABENÇOADA BUROCRACIA

Gama Rodrigues
( Trabalho lido pelo microfone da Rádio Gazeta )

Euclides da Cunha, logo aos primeiros meses da sua


chegada a Lorena, como engenheiro -chefe do 2. distrito
de Obras Públicas, viu-se enredado em constrangedor
incidente administrativo, dos tais decorrentes do " estilo
aleijado" dos ofícios, como ele próprio dizia .
Era o distrito vastissimo nada menos de 32 muni
cípios estendidos por uma área de 16.000 quilômetros
quadrados e para atender a todos os seus serviços
dispunha apenas de dois engenheiros -ajudantes : Limpo de.
Abreu e J. Idalino da Porciuncula .
E o caso foi que a 14 de janeiro de 1902, o Intendente
Municipal da pequena vila de Natividade, sr. José Jacinto
de Almeida, oficiou ao Secretário da Agricultura, Comér
cio e Obras Públicas, comunicando que o cabo metálico
e a corda da balsa do Bairro - Alto se encontravam em más
condições, oferecendo iminente perigo para os passa
geiros, e pedindo autorização para mandar comprar no
Rio de Janeiro, por conta do Governo, o material neces
sário para a sua substituição.
Vai esse ofício à Superintendência de Obras, que o
encaminha à 2.a residência para que seja informado com
urgência, o que prontamente é feito por Euclides da
Cunha .
Louvando - se nas informações recebidas, o Diretor da
Superintendência oficia ao Secretário dizendo que o enge
nheiro -chefe do 2.º distrito informava : " O Intendente
202 Abençoada Burocracia

Municipal de Natividade exagerou o estado em que se


encontram o cabo e a corda da balsa do Bairro - Alto ( como
em geral acontece na maioria das reclamações, que se
dirigem ao Governo ) que, certo , demandam reparos,
mas sem a urgência que a reclamação revela . Verifica -se,
ainda, da circunstância de se ter partido um único fio do
cabo, que não há absolutamente para os passageiros o
iminente perigo a que se refere o mesmo Intendente. A
vista disto, julgo que os reparos alí exigidos, podem ser
feitos sem a intervenção requerida, da Câmara ” .
Baseado nesse ofício, o Secretário comunica, em data
de 28 de fevereiro, ao Intendente de Natividade que
“ tendo aquêle engenheiro examinado a balsa e informado
que não havia urgência, seria oportunamente atendido
aquele serviço " .
Neste interim , rebenta o cabo, e o Intendente estrila ...
Novo ofício é enviado ao Secretário, capeando infor
mações do encarregado do serviço da 'balsa, declarando :
" — 1.", desde 24 de janeiro não têm aparecido aqui Enge
nheiros da Superintendência de Obras do Estado para
examinar o estado do cabo e da corda da balsa ; 2.º, o cabo
de arame já arrebentou -se e não existe, e o de corda está
muito estragado; 3.°, a passagem é feita com o auxílio de
dois varajoeiros, com bastante perigo para os passa
geiros ”.
Perplexo com a contradição, o Secretário determina
que se apure com urgência a verdade dos fatos alegados.
Euclides da Cunha, já meio azêdo, responde ao aviso
recebido :

" N. 136
2.º Distrito — Lorena, em 24 de março de 1902.
Senhor Diretor
A Câmara Municipal de Natividade, em ofício de 28
de fevereiro, dirigido ao dr. Secretário da Agricultura,
documenta com as respostas dadas pelo encarregado da
balsa de passagem na Freguesia de Bairro -Alto, as
seguintes gravíssimas alegações: 1.0 Não foi enge
nheiro algum dessa Repartição examinar aquela balsa e
Gama Rodrigues 203

entretanto, foi o Governo informado oficialmente de que


tal exame se fez; 2.° - Esta informação oficial dizia que
não havia iminente perigo de arrebentar - se o cabo daquela
balsa, e aquele cabo arrebentou -se.
Exige o dr. Secretário da Agricultura que se apure
rigorosamente a verdade sobre tais fatos.
Apresento -a, pelo que me diz respeito, com a maior
clareza .

Oficiei-vos em data de 27 de janeiro ofício n.° 34


" Senhor Diretor Ao chegar da última viagem que
fiz, encontrei para informar com urgência o ofício de 14 de
janeiro em que o intendente de Natividade comunica estar
em mau estado o cabo de arame e a corda da balsa do
Bairro -Alto, e pede autorização para mandar vir do Rio
de Janeiro, por conta do Governo, os materiais neces
sários. Achando -se em comissão naquela parte do distrito
os engenheiros ajudantes Porciuncula e Limpo de Abreu,
estou certo de que poderão prestar informações a tal
respeito. Vacilo, por isto, em ir até aquele lugar, princi
palmente considerando que tenho em mãos ainda muitos
outros papéis mais importantes e urgentes para informar.
Penso também que, dada a importância da Corporação
que formula o pedido, e considerando ainda, que o paga
mento ulterior será feito depois de exame do engenheiro,
nenhum inconveniente há em se deferir aquêle pedido.
Apesar disto, se julgardes indispensável a minha ida a fim
de verificar o que afirma o Intendente, peço telegrafar -me
logo." Assim vos escrevi no dia 27 de janeiro.
Aceitastes as razões apresentadas, porque não recebi
telegrama algum .
E foi bem pensado, porque naquele mesmo dia chegou
o sr . engenheiro -ajudante Porciuncula, a quem pedi infor
mações sôbre a balsa, de modo que pude transmitir - vos
logo o seguinte ofício n . 40, de 28 de janeiro:
“ Senhor Diretor Em aditamento ao meu ofício n."
34 de ontem , sobre a balsa da freguesia de Bairro Alto,
remeto -vos o incluso ofício n.º 7 do sr, engenheiro -ajudante
J. da Porciuncula, que examinou o serviço de passagem ali
204 Abençoada Burocracia

estabelecida. Por ele verificareis que como acontece,


infelizmente, na maioria das reclamações que se dirigem
ao Governo - 0 Intendente Municipal de Natividade exa
gerou o estado em que se acham o cabo e a corda daquela
balsa, que, certo, demandam reparos, mas sem a urgência
que a reclamação revela . Verifica -se ainda da circuns
tância de se ter partido um único fio do cabo, que não há
absolutamente para os passageiros o perigo iminente, a
que se refere o mesmo Intendente, no ofício que devolvo.
A vista disto, julgo que os reparos exigidos, podem ser
feitos sem a intervenção requerida da Câmara. Resoi.
vereis entretanto, conforme entenderdes mais conve
niente .”

E tudo quanto tenho que informar - vos sobre este


assunto .

Peço -vos consultardes os papéis e ofícios que


existem nessa Repartição .
Do exposto, verifica -se que confiei na informação de
um ajudante, como cumpre proceder, e como procederei
sempre, não me sendo lícito de modo algum , ir verificar
o que ele me afirmava. Assim pensando, vos enviei os
ofícios acima citados, pelos quais muito claramente se
evidencia que houve engano no ofício n.° 128, de 22 de
fevereiro, do dr. Secretário da Agricultura ao Intendente
Municipal de Natividade, no ponto em que diz ter o enge
nhiro - chefe do 2.º distrito examinado aquela balsa . Nada
afirmei sôbre tal assunto , além do que está expresso
naqueles meus dois ofícios. Devolvendo os papéis a que
me referi em princípio, aguardo o que entenderdes dever
providenciar a respeito de tais fatos. Saúde e Frater
nidade.
Euclides da Cunha, chefe do 2.º distrito .”
Estava armado o salceiro...
Foi quando interveio, serena e hierática , a burocracia ,
para descobrir, numa única premissa cronológica, solução
sàbiamente salomônica à pendência, dando razão a todos
e a todos satisfação, ressalvando, num só gesto, a vera
cidade do balseiro, os melindres do intendente, a dignidade
Gama Rodrigues 205

dos engenheiros, a honorabilidade da Superintendência, a


intangibilidade do Secretário .
Eis o luminoso parecer :
" O ofício n.° 155, de 8 de fevereiro último da Supe
rintendência, menciona que o engenheiro Euclides da
Cunha dissera : O Intendente Municipal de Natividade
exagerou o estado em que se acham o cabo e a corda da
balsa de Bairro - Alto (como em geral acontece na maioria
das reclamações que se dirigem ao Governo ) — que, certo ,
demandam reparos, mas sem a urgência que a reclamação
revela ." De acôrdo com esse ofício o aviso n.° 128, de 22
de fevereiro dirigido à Câmara de Natividade, só podia
dizer que aquele engenheiro havia examinado a balsa.
Verifica -se, porém , que aquela informação se baseava em
outra do engenheiro Idalino da Porciuncula, e que este
fez o exame antes do 24 de janeiro, ao passo que o balseiro,
segundo o item da Câmara, a que responde, só se refere
ao período de 24 de janeiro em diante.
Julgo, pois, que os papéis podem ser arquivados,
comunicando-se à Câmara de Natividade o resultado a
que se chegou.
J. Lintz - chefe da 2.a Secção ".
Admirável de precisão, clareza e verdade!
Tanto que com êle concordava o Diretor Geral, a
2-4-902 e o Secretário despachava, por fim , a 4-4-902: –
“ Sim . De acordo com as informações. Peça -se orça
mento para os serviços a fazer."
Estava salva a dignidade da “ res pública " e, o que
mais é, triunfante a burocracia, que exultava ...
Haviam sido gastas 38 laudas de papel, consumidos
3 meses de tempo, empregados vários escriturários ,
ouvidos 2 chefes de secção, opinado 2 diretores , como o
demonstram os autos ainda hoje existentes na Repartição
do Arquivo do Estado, e aos quais nos reportamos
fielmente.

Que maior serviço esperar de tão grandiosa orga


nização ?
Abençoada burocracia ...
O PRIMEIRO RECENSEAMENTO EM S. PAULO

J. DAVID JORGE
O PRIMEIRO RECENSEAMENTO EM S. PAULO

(Notável documentação

do Departamento do Arquivo do Estado)

J. DAVID JORGE ( Aimoré )

O Capitão General, Governador da Capitania de


S. Paulo , Dom Luiz Antônio de Sousa Botelho Mourão , o
Morgado de Mateus, que regeu os destinos de Pirati
ninga de 1765 a 1775, ordenou fósse iniciado o primeiro
recenseamento em território paulista e paranaense ( 1765 ).
Até 1709, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso,
Paraná e Santa Catarina, faziam parte da Capitania do
Rio de Janeiro . Todo este imenso território, por Carta
Régia de 23 de novembro do mesmo ano (1709 ) foi
desmembrado do Rio de Janeiro, para constituir a Capi
tania de S. Paulo . Minas Gerais, obteve o seu desmem
bramento de S. Paulo em 1721 ; Santa Catarina, foi desa
nexada por Carta Régia de 11 de agôsto de 1738 e incor
porada ao Rio de Janeiro ; Mato Grosso e Goiás, em 1748 ;
o Paraná, até 1853, ainda fazia parte da Província de
S. Paulo .
O primeiro recenseamento realizado em S. Paulo,
obedecia a seguinte ordem : número de fogos ( 1 ) , nome,

1) Fogos, isto é, casas, lares, moradias. Também era usado


o vocábulo « fogoens > ( fogões ) para designar a mesma
cousa . Ex .: < Advirto mais, que se acha 40 fogoens esta
belecendo - se na beira da estrada » .
210 O primeiro recenseamento em S. Paulo

côr, estado civil, idade, profissão e cabedais (2) . A popu


lação era dividida em Companhias de Ordenanças com
seus Capitães -móres, Alferes ( 3) , Sargentos e Cabos. Em
1765, a lista da população que compreendia a Cidade de
S. Paulo e seu têrmo, era a seguinte: Freguesia da
Cidade, 4 Companhias (1.9 da Cidade, 2.a de Nossa
Senhora do Ó e Santana, 3.º do Caguassú ( 4 ) , 4.° de S.
Miguel). O Capitão-mór da Companhia da Cidade, em
1765, era o cidadão Manoel de Oliveira Cardoso ; Fre
guesia de Santo Amaro ( 5 ) ; Freguesia de Cotia (6 ) ;
Freguesia de Conceição dos Guarulhos ( 7) ; Freguesia de
Nazaré ; Freguesia de S. João de Atibaia (8) ; Freguesia
de Jaguari (9) e Freguesia do Juquerí (10 ) .
O Departamento do Arquivo do Estado, só nos maços
de população que possue, tem uma riqueza incalculável!
224 maços de recenseamentos existem nesta repartição
estadual, assim distribuidos:

Municípios ou vilas de: Número Anos


de maços

Amparo 1 1830-1864
Apiaí 1 1776-1846
Arêias . 1 1817-1828
Atibaia . 2 1765-1785

2) Capital, bens , riqueza.


3) Oficial, cujo pôsto era imediatamente inferior ao de te
nente .
4 ) - Antigo bairro, hoje desaparecido. Compreendia toda a
baixada da Av. Brig. L. Antônio, depois da Av. Paulista,
até o Itaim .
5 ) --- Antigo Ibirá -poêra, sig.: pau ou madeira apodrecida.
6) Acu -ti : o que fica em pé.
7) Guarú , peixe fluvial, mais conhecido por «barrigudinho».
8) A verdadeira grafia deveria ser : Tibaia =líquido apimen
tado, suco azêdo , acre , etc.
9 ) — Jaguari, sign .: oncinha, tigrinho, ou rio do jaguar.
10 ) — Juquerí, hoje Franco da Rocha . Sign .: água salobra .
J. David Jorge 211

Bananal 1829-1850
Bragança 1768-1829
Caconde . 1830-1850
Campinas 1797-1836
Capital. 1765-1847
Cananéa 1765-1856
Casa Branca 1830-1850
Cotia . 1767-1847
Cunha 1789-1842
Faxina . 1775-1846
Franca . 1 1824-1846
Guaratinguetá . 8 1765-1836
Guarulhos . 2 1765-1836
Iguape. 1 1765-1793
Itanhaen 2 1765-1846
Itapetininga 6 1769-1846
Itú . 8 1765-1857
Jacareí. 6 1769-1830
Jundiaí. 8 1767-1861
Juquerí. 2 1767-1846
Lorena . 1789-1850
Mogi Guassú 2 1765-1846
Mogi das Cruzes 7 1765-1850
Mogi Mirim 7 1765-1827
Nazaré . 7 1786-1863
Paraíba 9 1765-1858
Pindamonhangaba 5 1766-1846
Piracicaba . 2 1822-1850
Pôrto Feliz 5 1798-1846
Queluz . 1 1829-1850
Santo Amaro . 3 1765-1847
Santos , 4 1765-1857
São Bernardo 1 1765-1846
São João da Boa Vista 1 1830-1847
São José dos Campos . 2 1803-1847
S. Luís do Paraitinga 1776-1843
São Roque . 1765-1858
São Sebastião . 1765-1850
São Simão . 1830-1850
212 O primeiro recenseamento em S. Paulo

São Vicente . 1 1765-1846


Serra Negra . 1 1830-1864
Socôrro 1 1830-1864
Sorocaba 8 1765-1846
Taubaté 9 1765-1836
Ubatuba 6 1765-1850
Vila Bela 2 1806-1855
Xiririca . 4 1794-1872
DO PARANA

Municípios ou vilas de : Número Anos


de maços

Castro . 5 1789-1846
Antonina 3 1765-1846
Curitiba 12 1765-1846
Guaratuba . 2 1775-1846
Vila N. da Princesa 1 1806-1856
Lages 1 1776-1818

OUTRAS NOTAS

Caguassú ( Caá-guaçú) =Mato Grosso .


São Bernardo, hoje S. Bernardo do Campo .
Bragança, hoje Bragança Paulista .
Iguape, Sign .: No rio da enseada .
Itú , Sign .: Tombo dágua .
Xiririca , hoje Eldorado Paulista . Xiririca é voz onomato
paica ; a corredeira, etc.
Itanhaen , sign.: Panela de pedra, o sino.
Itapetininga, sign .: Lageado seco .
Jacareí, sign.: Jacarezinho, ou rio dos jacarés .
Jundiaí, sign .: Jundiá pequeno , ou rio dos Jundiás .
Mogi das Cruzes, hibridismo nheengatú - portugués .Mboi
gi , significando : Rio, água das cobras.
Mogi-Guassú, sign.: Rio grande das cobras .
J. David Jorge 213

Mogi-Mirim , sign.: Rio pequeno das cobras .


Caconde, têrmo africano , nome de um lugar em África .
Pindá-monhã-gába, sign.: Lugar onde se fazem anzóes.
São José dos Campos, antigo S. José do Paraíba, signi
ficando o termo tupi : Rio grande imprestável .
S. Luís do Paraitinga, significando o vocábulo túpico :
Rio de águas claras.
Sorocaba, sign.: Ruptura da terra, afundamento do solo.
Guará-ting-eta : Garças brancas.
Apiaí : Rio dos meninos .
Cananéa, têrmo de origem hebraica.
Pirá -cicaba :A vinda, a chegada do peixe . ( Piracicaba
chamou -se antes Constituição. )
Pôrto Feliz, antigo Araritaguába, que significa : Pedra
desfeita das araras.
Taubaté (Itá-ubaté) =Pedra damonte, e não CIDADE DIS
TINTA como querem todos os tupinólogos .
Faxina, antiga Itapeva da Faxina . Itá -péba : pedra plana,
chata , raza , isto é, a lage .
Ubá-tuba : muitas canoas ; lugar onde se reunem embar
cações, isto é, pôrto, ancoradouro.
Vila Bela, hoje Ilha Bela.
Pará-anã : Parente do mar, isto é, rio caudaloso .
Curi-tiba : Pinhal, lugar abundante de pinhões .
Guará-tuba : Lugar abundante de garças .
Paranaguá ( Pará- ană-guá :Enseada ou baía do rio gran
de ou caudaloso ) .
O PRIMEIRO ALEMÃO NO BRASIL

O. QUELLE

( Tradução de Hella Gojtan )


O PRIMEIRO ALEMÃO NO BRASIL NO ANO DE 1500

De 0. Quelle
Tradução da funcionária Hella Gojtan

Artigo retirado da revista : « IBERO AMERIKANISCHES


ARCHIV », de outubro 1937, nº 3, ano XI ; editor Ibero - Amerika
nisches Institut Berlin .

A história do germanismo no Brasil tem seu início no


ano do descobrimento desta terra. Assim poderíamos em
poucas palavras resumir os relatórios, que há pouco
Frazão de Vasconcellos colocou à disposição durante
um pequeno estudo, os quais no entanto apareceram
impressos num lugar um tanto distante (1 ) . Tomou
parte na viagem de Cabral, que findou com o descobri
mento do Brasil no ano de 1500, o piloto " Mestre João" .
Dêle existe uma carta bastante famosa na história do
descobrimento , que foi redigida em espanhol ao rei D.
Manuel de Portugal, a 1.º de maio de 1500 procedente da
terra de Sta . Cruz (2 ) . Nesta, ele conta de suas obser
vações astronômicas feitas no Brasil, da constelação do
Cruzeiro do Sul etc. De “ Mestre João” sabia-se que ele
era bacharel em artes e medicina, físico e cirurgião do
rei; que fôra ele o primeiro a observar a constelação do

1 ) « Um documento inédito que importa à história da ma


rinharia dos descobrimentos. Separata do Vol. I de « Petrus
Nonius». Publicação em português da Académie Internationale
d'Histoire des Sciences. Lisboa. 1937. 8 páginas .
2 ) Publicado pela primeira vez por Fr. A. Varnhagen em :
Rev. Trim . de Historia e Geographia, Rio, V. 1843 , 342-344 .
Mais tarde sofreu várias reproduções .
218 O primeiro alemão no Brasil

Cruzeiro do Sul, que ainda hoje enfeita o brasão brasi.


leiro, bem como também é encontrado em algumas moedas
brasileiras. A Frazão Vasconcellos, pois, devemos a
descoberta do documento que prova que esse “ Mestre
João " é de nacionalidade alemã. Vasconcellos encontrou
na " Torre do Tombo" , em Lisboa , o seguinte manuscrito,
até então desconhecido e que por certo não deixa de ter
algumas falhas :
" Senhor

Pere annes pilloto faço saber a vossa alteza


que pollo desejo que ( te) nho de saber em minha
arte eu vim a entender que mestre diogo ensina a
alguuas pessoas a longitud de leste a oeste a qual
o dicto mestre diogo ora veo a aprender a sosacar
de hữu mestre joham allemã que aqui estaa e eu me
meti com elle per todos os modos que pude pera
que me jnsi ( nas ) se o dito mestre joham nõ quer e
me diz que sem (man ) dado expresso de vossa
alteza o nā ha de fazer vossas altezas pois ...
cousa em que vos poderei . pera isso o desejo ..
mande ao dito mestre ... me ensine o que no dito
caso sabe no que me mercé .”

Lamentávelmente o documento não traz nem assi


natura nem o ano em que foi redigido.
Segundo Vasconcellos, nosso " Mestre João" alemão,
fez parte dos astrônomos que no começo do século 16
ocupavam -se com o problema da longitude, tendo mesmo
mais tarde dado aulas sobre fixação de longitude. Dêle
provém a célebre carta de 1.º de maio de 1500. Do fêcho
da carta : “ De mestre João q. vay ha Callecut”, ainda não
sobressai com clareza nítida, se o redator da carta real
mente seguiu em visita à India , logo após o descobri
mento do Brasil. Fazemos votos que Vasconcellos ainda
encontre outros manuscritos versando sobre este alemão,
que foi o primeiro desta nacionalidade, a pisar solo bra
sileiro .
PEQUENOS, MÉDIOS E GRANDES ARQUIVOS

UBIRAJARA DOLACIO MENDES


PEQUENOS, MÉDIOS E GRANDES ARQUIVOS

Ubirajara Dolácio Mendes

Em regra geral, o homem comum tem dos arquivos


a idéia de que estes não são mais que depósitos de papéis
sem valor : pràticamente ... lixo. As casas comerciais,
as repartições públicas ou organizações de todo o tipo,
vão reunindo papéis que consideraram de alguma utili
dade no momento em que foram escritos mas que, poste
riormente, perdem todo o seu valor. Tais papéis se
acumulam numa prateleira qualquer, num desvão sem
uso, e isso passa a ser o que, pomposamente, se chamará
o Arquivo. Na atualidade, porém, temos de alterar esta
idéia generalizada e errônea. Um arquivo verdadeira
mente dito é de fato um depósito de documentos, mas de
documentos que possam ter alguma utilidade atual ou
futura. Não é só porque um papel tenha qualquer coisa
escrita que merece ser guardado. Fôlhas em que se
fizeram anotações momentâneas, de valor efêmero, não
devem ser conservadas. Essas, sim, seriam simples lixo,
lotando prateleiras.

Como classificar os arquivos

Para efeito didático, poderíamos classificar OS


arquivos tomando por base : a ) o seu tamanho, isto é, o
espaço por eles ocupado ou , então, b) o número de arqui
vistas que neles trabalham .
De um modo ou doutro, os arquivos se poderiam
dividir em : pequenos, médios e grandes.
222 Pequenos, médios e grandes arquivos

a)

Vejamos, primeiramente, como incluir os vários


arquivos em cada uma dessas denominações, de acôrdo
com o seu tamanho .
Tomemos por base uma sala média . Mas que sala
podemos considerar de tamanho médio ou uma sala média ?
Um tanto arbitràriamente podemos dizer que a sala média
seria um cômodo de aproximadamente 25 m2. (5x5 ou
6x4 ) . Um cômodo com essas dimensões seria interme
diário entre uma sala comum ou saleta de trabalho ( que
pode ser pequena ) e um salão. Incluir - se -ia na denomi
nação de sala média o seu equivalente : duas ou três
saletas, desde que com a mesma superfície.
A reunião de documentos numa sala desse tamanho,
seria o que nos consideraríamos, um pequeno arquivo.
Um simples fichário, diminuto e único, seria suficiente
para descobrirmos todos os documentos ali classificados.
Se, entretanto, nós precisássemos ocupar, para a guarda
de documentos, mais de uma sala , passaríamos à cate
goria de arquivo médio. E neste caso já se começa a
sentir a necessidade da subdivisão de fichários. Há um
início de especialização. Se, finalmente, o acúmulo de
documentos ultrapassa certa medida, se chega a preencher
mais de cinco ou seis salas médias ou mesmo um prédio
inteiro, aí já estaremos frente a frente com um grande
arquivo. Os fichários já são obrigatoriamente múltiplos
e especializados.

b)

Considerando ainda а. mesma classificação em


pequenos, médios e grandes arquivos, mas tendo em vista
o número de funcionários empregados, poderíamos dizer
que um pequeno arquivo seria aquele onde um único
funcionário, com no máximo um auxiliar, fôsse suficiente
para o seu cuidado. Êsse simples funcionário, colocado
no centro da sala, poderia observar tôdas as prateleiras,
todos os documentos, e achá-los com a maior facilidade.
Ubirajara Dolácio Mendes 223

Chegaria a conhecer de cor a localização dos vários


documentos, o fichário sendo se existente um simples
auxiliar para a sua memória. Arquivo médio seria aquele
que necessitasse mais de um arquivista : a proporção seria
de um por sala, sendo evidente a necessidade de um chefe.
Os fichários já são indispensáveis, porquanto os funcio
nários arquivistas não poderão ter de memória tudo
quanto exista em cada uma das estantes. Por fim, grande
arquivo seria aquele que necessitasse de mais de um arqui
vista por sala e, em virtude da especialização, de chefes e
de servidores com especialidades apropriadas a cada um
dos tipos em que o Arquivo se possa subdividir. O fichário
de um grande arquivo é absolutamente especializado.
Cada um dos ramos do conhecimento humano poderá
estar ali representado, todos com sua particular classifi
cação, havendo necessidade até mesmo de fichas remis
sivas.

Como se vê, a divisão dos arquivos em pequenos,


médios e grandes é absolutamente arbitrária . Entre
tanto, é a que se nos afigura mais razoável.
Convém salientar também que, quer considerando a
superfície ocupada, quer considerando o número de servi
dores, os dois pontos de vista utilizados para a classifi
cação são concordes. O arquivo que consideramos
pequeno em virtude da exigua superfície ocupada, será
pequeno também com relação aos funcionários pois
não poderá necessitar de mais de um. O arquivo de várias
salas será médio por isso e também pelo número de servi
dores, porquanto um só já não será suficiente para o seu
cuidado. E um arquivo que ocupe um prédio inteiro
precisará por certo de arquivistas em quantidade tal que
o classifique entre os grandes arquivos.
O movimento de um arquivo não pode ser considerado
como base para a designação do seu tamanho. Um
pequeno arquivo pode ter grande movimento, como um
grande arquivo tê-lo quase nulo. É até mesmo provável
que o grande tenha secções nas quais ninguém mexa , a
não ser de raro em raro . Haverá documentos ocupando
224 Pequenos, médios e grandes arquivos
1

estantes inteiras, referentes a assuntos aparentemente


desinteressantes, mas que, a qualquer momento, podem
ser utilizados.
A divisão dos arquivos em pequenos, médios e grandes
poderá parecer , à primeira vista, uma pura questão de
lana caprina. Mas os problemas que os arquivos trazem
consigo é que dão importância à classificação. Vejamos
a seguir, pois, quais os problemas que cada um deles pode
oferecer.

Problemas dos Pequenos Arquivos

Pode - se dizer que são quase nenhuns.


1 – Iniciemos pelo problema da limpeza . Na reali
dade isso não constitue um problema. Como se trata de
uma simples sala , a poeira acumulada é fàcilmente visível.
O arquivista, de qualquer ponto da sala, verá com facili
dade todos os lugares onde a sujeira se acumulou . Ele
próprio não precisa ser um funcionário especializado
e poderá encarregar-se da limpeza dos móveis, dos
documentos e dos papéis. A limpeza, nos pequenos
arquivos, não chega a ser um problema, portanto.
2 Quanto à classificação, que seria um segundo
problema, é um problema pequeno, porquanto a classifi
cação pode ser feita nas próprias prateleiras. Serão sufi
cientes subdivisões com pequenos indicadores de cartão
indicando cada um dos assuntos ou cada uma das espécies
em que se reparte aquele pequeno arquivo.
Quanto ao fichamento ou fichário, também não
é problema. A quantidade de documentos é tão pequena
que aquele simples empregado , reservando alguns minutos
por dia ao trabalho, conseguirá fichar todos os documentos
em muitíssimo pouco tempo. A classificação dessas
fichas, em motivo do seu pequeno número, também
não precisa grande especialização. Bastará quase que
simplesmente uma classificação por ordem alfabética, que
será, com muita probabilidade, suficiente para as finali
dades desse arquivo
Ubirajara Dolácio Mendes 225

4 Problema também quase nulo , quase inexistente,


é o da manutenção do pequeno arquivo em ordem , por
quanto o funcionário encarregado poderá, à medida que
for retirando documentos da estante, usá -los e recolocá - los
no lugar com a maior facilidade. Supondo que os deixe por
dias fora da estante, quando quiser repô -los na prateleira,
saberá até de cor, de onde é que aqueles documentos
sairam .

Problemas dos Arquivos Médios

Os problemas aumentam quando se trata de arquivos


médios.

1 A limpeza dos arquivos médios já não é tão


fàcilmente mantida. Dissemos que, para efeito de classi
ficação, arquivo médio era aquele que, tendo várias
salas, exigia um funcionário por sala . De modo que cada
um dêles poderia tratar da parte referente ao cômodo que
lhe correspondesse, da mesma forma que o arquivista do
fequeno arquivo . Mas, dizermos que um médio arquivo
tem até um servidor por sala, não significa que cada um
dêsses funcionários tenha de ficar numa delas. Trata-se
apenas da quantidade de pessoas em relação à superfície
ocupada. Pode esse médio arquivo ter cinco ou seis salas
e consequentemente cinco ou seis funcionários, além do
chefe. Mas esses cinco ou seis empregados poderão ter
uma outra localização de trabalho, onde desenvolvam as
suas atividades. Consequentemente, nenhum dêles será o
encarregado único de um determinado cômodo. Como se
vê, pois, eles não ficarão conhecendo cada uma das salas
tão bem quanto o pequeno arquivista conhecia o seu
arquivo. Se houver alguma sujidade, alguma poeira, o
problema da limpeza já demanda alguém que se preocupe
só com isso . Já há, por conseguinte, uma pequena espe
cialização e começa a surgir o problema da limpeza pro
priamente dito, isto é, que se pode com verdade intitular
problema, porquanto já se cogita nesse pormenor em
separado.
2 e 3 – A classificação e a fichagem precisam ser,
226 Pequenos, médios e grandes arquivos

nos arquivos médios, constantemente cuidadas, porque é


necessário evitar acúmulo de material não fichado ou
mistura produzida pelos eventuais consulentes.
4 - Num pequeno arquivo, como expusemos , se o seu
servidor tirar algum documento da estante, recolocá -lo - á
com a maior facilidade, pois já tem na lembrança a que
lugar pertence cada papel ou processo . Mas, no caso do
arquivo médio, o lugar certo daquele documento não é
conhecido de memória por todos os arquivistas. Então,
é preciso que não só os documentos, como as fichas, sejam
conservados nos seus respectivos lugares muito cuidado
samente para evitar perdas ocasionais. Além disso, cada
documento novo que entre precisa ser imediatamente
classificado e fichado para evitar a possibilidade de
acúmulo, como dissemos pouco atrás.
5 — A limpeza nos pequenos arquivos dizia respeito
quase que exclusivamente à poeira. Já nos arquivos
médios inicia-se um cuidado maior contra os insetos e
contra a umidade. No pequeno arquivo, em virtude do
número exiguo de documentos, eram estes constantemente
manuseados, o que evitava o acúmulo de poeira e, princi
palmente, a criação de colônias de papirófagos. Num
arquivo médio muitos documentos permanecerão na
estante durante grande espaço de tempo, permitindo que
as traças e outros insetos se instalem , iniciando seu
trabalho destruidor. Portanto, passa a ter influência a
parte referente à desinfecção constante, ao uso de seti
cidas , e aos cuidados de arejamento .

6 — Outro problema que surge é o da localização das


prateleiras. Estas, nos pequenos arquivos, em virtude da
reduzida quantidade de documentos que abrigam , sempre
ficam bem em qualquer ponto em que sejam colocadas :
o peso nunca é excessivo . Já nos arquivos médios, a
quantidade de documentos sendo maior, o pêso aumenta
e as prateleiras precisam ser cuidadosamente dispostas
para evitar que se acumulem cargas excessivas em lugares
indevidos. Nós sabemos que os edifícios modernos, os de
apartamentos por exemplo, ou os de escritórios, embora
Ubirajara Dolácio Mendes 227

feitos em cimento armado, têm o cálculo da sua resis


tência girando por volta de 250 quilos por m2. Ora, se o
conjunto de estantes e documentos ultrapassar essa
média , poderá causar prejuizos de caráter grave à estru
tura do prédio . Então a primeira providência a tomar,
no caso de arquivos médios, é a colocação das prateleiras
ao longo das paredes, porquanto o piso é sempre mais
resistente nas proximidades delas.

Problemas dos Grandes Arquivos

1 — Chegando agora aos grandes arquivos, veremos


que, para êstes, a limpeza constitue um problema que
merece realmente essa denominação, em virtude da enorme
quantidade de estantes neles existentes.
Funcionários especializados terão de dedicar-se
apenas à higienização dessas estantes. E tantas são elas
que, enquanto o serviçal encarregado estiver limpando as
primeiras prateleiras, o pó se irá depositando nas últimas;
e quando o servidor chegar a estas a poeira já terá, provà
velmente, voltado a acumular-se nas primeiras. Assim,
pois, a limpeza constitue, nos grandes arquivos, realmente
um problema digno dêsse nome. De grande conveniência
é o uso constante, por parte dos grandes arquivos; de
aspiradores de pó. Estes resolverão em parte o problema,
por evitar que a poeira levantada das primeiras prate
leiras venha a recair sôbre as últimas ou sôbre as próprias
estantes já limpas.
2 e 3 – A classificação e a fichagem nos grandes
arquivos também constituem problemas, porquanto não é
neles possível o abandono de documentos sem a devida
classificação ë fichagem porque, assim procedendo , com
a constante recepção de novas levas, eles se acumulam
enormemente ; e nunca haveria pessoal nem tempo sufi
ciente para os organizar .
4 — Quanto à manutenção em ordem , a sua necessi
dade absoluta é óbvia . Se num médio arquivo qualquer
retirada deve ser seguida de cuidadosa reposição, que não
228 Pequenos , médios e grandes arquivos

se dirá de um grande arquivo, cuja quantidade de papéis


é muito maior ?
5 — Falámos que, nos arquivos médios, há necessi
dade de um cuidado especial contra os insetos daninhos.
Pois nos grandes arquivos a luta contra os papirófagos
passa a ser tremenda. É uma luta que não pode ter
tréguas porque a quantidade de insetos de possível exis
tência num grande arquivo alcança números astronô
micos. O abandono de papéis pelas várias prateleiras
sem um cuidado constante equivale pràticamente à sua
destruição. E é essa a razão por que os arquivos histó .
ricos, os grandes arquivos europeus, as grandes biblio
tecas, chegam a possuir câmaras de desinfecção para ver
se, dessa maneira, conseguem evitar que os insetos
êsses artrópodos ínfimos mas que em quantidade produ
zem enormes estragos ataquem documentos sob a
sua guarda.
Nas cidades não localizadas à beira mar, onde,
portanto, não se encontram cloro e iodo em dissolução na
atmosfera , é hoje aconselhado o uso de prateleiras metá
licas. Nas prateleiras de metal não existe o perigo de ins
talação de traças provindas de documentos infestados.
Evita-se dêsse modo que os novos documentos ali postos
sejam também atacados pelo bicho que ficou na estante,
fato que se dá às vezes com as prateleiras de madeira.
Outro meio de defesa contra os insetos seriam caixas
metálicas, de fechamento hermético. Essas caixas , além
da defesa que proporcionariam contra os papirófagos,
apresentariam vantagens adicionais : evitariam a umidade
e, no caso de incêndio o terrível inimigo dos arqui
VOS dificultariam a transmissão do fogo.
As prateleiras, bem como as caixas metálicas, entre
tanto , não são aconselháveis nos lugares próximos ao mar
porquanto nesses lugares a atmosfera traz consigo molé
culas de cloro, de cloreto de sódio ou de iodo, produtos
êsses que têm o mau vêzo de atacar as peças metálicas.
Restaria talvez, neste caso, a solução de se fazerem
de aço inoxidável as estantes e as caixas herméticas. Mas,
Ubirajara Dolácio Mendes 229

dêsse modo, o custo de um arquivo alcançaria valores


excessivamente altos e, portanto, não compensadores para
nenhuma organização, provavelmente.
6 – Com referência à colocação das prateleiras, o
grande arquivo tem os mesmos problemas do médio, agra .
vados porém . A carga existente sendo maior, o piso
demanda maior resistência . Para prateleiras lotadas, na
base de 2m de altura e 6 divisões, é aconselhável uma
resistência média acima de 400 quilos por m2.
Além disso , é vantajoso colocarem - se as prateleiras
perpendicularmente às paredes fenestradas. A luz
natural alcançará assim todo o espaço existente entre as
prateleiras.

Num grande arquivo é preciso considerarmos ainda


uma série de outros problemas que os arquivos pequenos
e médios quase não possuem :

7 - Para começar, a proteção contra o fogo. No


pequeno arquivo, se houver um incêndio , a perda é relati
vamente pouco sensível. Os documentos conservados
(desde que não se trate de documentos históricos, quando
a perda é então irremediável) nunca alcançam uma quanti
dade tão grande que não possam ser integralmente recom
postos pela existência de cópias em outros lugares, pela
lembrança dos contemporâneos ou por nova documen
tação a ser formada (novos registros, por exemplo, quando
possível). Nos arquivos médios o problema é um pouco
mais grave, porém ainda não é de todo irremediável.
( Sempre, evidentemente, deixando de parte os documentos
históricos porque, neste caso, mesmo em se tratando de
um só documento, a sua queima é sempre sem remédio ) .
Nos arquivos médios há sempre alguma possibilidade de
refeitura , embora lenta, da documentação ali conservada .
Já nos grandes arquivos o mesmo não sucede . Ainda que
se trate de documentos comuns , ou seja , de documentos
comerciais e atuais, a quantidade dêles é tão grande que a
sua refeitura, a sua recomposição, é pràticamente impos
230 Pequenos, médios e grandes arquivos

sível. Além de impossível, não conveniente, em virtude do


prêço em que iria ficar e dos trabalhos que iria acarretar.
Consequentemente é muito mais vantajoso, até mesmo sob
o aspecto econômico, protegerem-se os documentos contra
o fogo, do que permitir que eles sejam destruídos, para,
posteriormente, tentar recompô-los. Nos grandes arqui
vos existe portanto o problema da colocação do seu
material em salas que possuam, se possível, portas de
metal corta-fogo, possibilitando -se dêsse modo a proteção
das demais partes do arquivo quando uma delas por infe
licidade se incendiar. Os grandes arquivos exigem .
também aparelhos contra incêndios. Preferivelmente
devem ser utilizadas as chamadas bombas de espuma, à
base de anidrido carbônico, que estragam menos OS

documentos. Apresentam o defeito, todavia, de molhar


os papéis. Já existe um tipo de extintor à base de pó,
que afasta o inconveniente da umidade. Desconhecemos,
contudo, o composto químico utilizado, não sabendo
portanto se terá ou não ação deletéria sobre o papel ou
sôbre as tintas. O sistema ideal é o dos extintores de
COP puro. Este sistema, entretanto, é caro e nem sempre
100 % efetivo, pois a quantidade do gás pode não ser sufi
ciente para o volume do fogo. Sistemas de alarme contra
fogo podem e devem ser instalados nos grandes arquivos,
cousa que nem sempre os pequenos e médios arquivos
comportam , tendo em vista o seu custo.
8 O problema da localização do próprio prédio
também é importante quando se trata de um grande
arquivo. Não deve ficar muito afastado do centro da cida
de , porquanto sempre se supoe possa ele ser centro de ati
vidades de pesquisadores. Se o arquivo deve receber a
constante visita de pessoas que desejem consultar seus
documentos, é sempre interessante não o localizar muito
longe do centro citadino. Mas , por outro lado, também não
deve ele ser colocado muito no centro da urbe, por uma
série de razões . Em primeiro lugar, o perigo de fogo é
maior pela proximidade de casas comerciais e industriais.
Depois, o ruído no centro das cidades é sempre maior
( automóveis , bondes, maquinismos , pregoeiros de toda a
Ubirajara Dolácio Mendes 231

sorte ) , ruído que não se coaduna com o silêncio e a concen


tração exigidos por um pesquisador. Assim , situações
ideais para a localização dos grandes arquivos serão
sempre os pontos intermediários entre o centro da cidade
e os bairros afastados. Quase se poderia dizer que aqui
cabe o prolóquio latino de que in medio est virtus. Acres
cente -se finalmente, com relação ainda à localização, que,
como um arquivo é uma organização quase sempre não
proficua sob o aspecto econômico, ou seja, não é uma orga
nização que dê rendas, o preço da locação no centro da
cidade é sempre maior do que num bairro mais afastado,
9 – Nos grandes arquivos surge ainda um outro
problema que nos pequenos e médios arquivos quase não
deve ser considerado : é a questão do roubo de documentos
ou da inutilização dêles. Haverá nos grandes arquivos
documentos que podem servir como base para dirimir
conflitos jurídicos suscitados por questões econômicas.
Para uma das partes os documentos poderão interessar
exatamente como estão por lhe serem favoráveis. Neste
caso, a pessoa tentará talvez obter o documento extrain
do - o do arquivo por métodos pouco recomendáveis e dêles
se servir em juízo. A parte contrária, do mesmo modo,
também se poderá interessar pela apreensão do documento
não tanto para apresentá -lo em juizo, porquanto seria con
tra seu interesse, mas para inutilizá-lo, para o fazer desa
parecer. Haverá casos, também, de o documento não sair
do arquivo, não ser retirado , não haver roubo mas, sem
embargo disso, sofrer da mesma forma. A parte a quem
o documento pode prejudicar, com tinta, com lápis, ou
rasgando - o, procurará inutilizar o original de modo que
êste não sirva ao seu oponente. É preciso que os funcio
nários fiquem constantemente vigilantes para evitar esse
perigo. É portanto um verdadeiro problema o cuidado a
ter com os documentos dentro de um grande arquivo .
10 — Outro problema existente nos grandes arquivos
e que os pequenos e médios não possuem ou, pelo menos,
não em tão alto gráu , é o que se refere à iluminação
natural . O arquivo deve preferivelmente situar- se em
232 Pequenos , médios e grandes arquivos

locais amplos e iluminados porque, como se sabe, os papi


rófagos são animais essencialmente fotófobos, isto é, têm
horror à luz, fogem da luz. De modo que a iluminação
é uma das armas a usar-se contra os insetos daninhos.
Mas, por outro lado, se a luz é necessária como arma
contra os sevandijas, se a luz natural facilita a leitura
evitando prejuizos visuais para os paleógrafos, ela possue
também uma contra - indicação : tem a propriedade de
descorar a tinta e de amarelar os papéis. OO pro
blema se cifra então em como fazer para que a luz,
atacando os insetos daninhos e facilitando a leitura,
ao mesmo tempo não descore os documentos. Sistemas
aconselháveis serão talvez o empacotamento dos documen
tos, a guarda em caixas herméticas, como já falamos, ou
então a colocação dos papéis dentro de pastas, de modo
que só estas, só a cartolina ou o papelão externo sofram
a ação direta, descorante, da luz.

11 - O arquivo grande apresenta também a necessi


dade – e portanto mais um problema de contar com
aparelhamento conveniente. Aparelhamento de luz ultra
violeta para a leitura de documentos apagados pelo tempo ;
aparelhamento de luz infra - vermelha, para a fotografia
de manuscritos que tenham sido raspados por efeito de
falsificação ou para re -utilização da base da escrita ( 1 ) ;
o aparêlho fotográfico terá de acompanhar o aparelha
mento de luz infra -vermelha para a devida fotografia ;
será necessário um aparelho de fotocópia , para que os
interessados possam levar reproduções dos documentos
sem serem obrigados ao antigo processo das certidões
que saem caras, em regra geral, e nem sempre muito
perfeitas ; o aparelho de microfotografia , para que os
documentos mais preciosos possam ser conservados
através da sua reprodução micro - fotográfica ; haverá
necessidade ainda de um aparelhamento para restauração,

( 1 ) - É o caso dos palimpsestos , por exemplo, onde a luz


infra -vermelha, mediante processo fotográfico , facilita a leitura
das camadas inferiores do papel ou do pergaminho, sabendo -se
dêsse niodo o que foi primitivamente escrito.
Ubirajara Dolácio Mendes 233

pois os códices que se forem estragando precisarão ser


restaurados ; um aparelho de desinfecção, ao qual já alu
dimos pouco atrás; será necessário aparelhamento para
limpeza. Como se vê, pode -se realmente dizer que existe
um " problema do aparelhamento " para os grandes
arquivos, porquanto todos os aparelhos são caros e rela
tivamente de pouco uso . Acompanhando a existência dos
aparelhos, é preciso não esquecer a necessidade de pessoal
especializado : fotógrafos, fotomicrógrafos, restauradores,
serventes para a limpeza .
12 - Acrescentemos ainda um novo problema que os
médios e os pequenos arquivos não possuem , mas que os
grandes acabam apresentando : o problema de arquiva
mento dos microfilmes . Assim que se forem tirando
cópias microfilmadas de documentos, essas cópias pre
cisam ser, tanto quanto os originais, devidamente classifi
cadas, devidamente fichadas e finalmente devidamente
guardadas. Não só será necessário um local para isso
tudo mas também, e principalmente, um local à parte,
separado do arquivo original, porquanto, se a finalidade
dos microfilmes é evitar a perda dos documentos por aci
dentes eventuais , seria inútil que eles fossem con
servados no mesmo lugar onde se encontra o grande
arquivo. Se um alagamento , a ruína do prédio , ou um
incêndio alcançasse o grande arquivo, alcançaria igual
mente o arquivo de microfilmes que estava ali junto.
Portanto nenhuma vantagem haveria na formação de um
arquivo de microfilmes se ele fosse conservado no mesmo
prédio. Cria -se então o problema do local separado, à
parte, problema esse que, evidentemente, corresponderá
à necessidade de novos funcionários, novos classificadores,
novos fichadores, além do técnico em microfilme.

13 - O grande arquivo apresenta também o problema


do pessoal especializado. Num arquivo pequeno a desapa
rição do arquivista não implica obrigatòriamente em difi
culdade na obtenção dos papéis que se procurem , Como
o número dêles é pequeno, uma outra pessoa, até mesmo
sem especialização, em pouco tempo, auxiliada ou não pelo
234 Pequenos, médios e grandes arquivos

fichário, se existente, aprenderá onde se encontram os


vários documentos e estará em condições de substituir o
arquivista perdido. No arquivo médio já há pequena difi
culdade em substituir os ex - arquivistas, mas não é uma
dificuldade tão grande, entretanto. No grande arquivo,
porém , a dificuldade é evidente, em razão da existência
de funcionários especializados. Haverá especialistas em
classificação, fichamento, seleção, restauração ou ainda
técnicos em especializações paralelas, como sejam, a histo
riografia, a leitura paleográfica, a microfotografia, a deci
fração, etc. Ora, ésses funcionários especializados – e
que só se especializam com o tempo, com a prática não
são fàcilmente substituíveis . Isso é portanto um pro
blema adicional existente nos grandes arquivos.
14 — Se um grande arquivo conserva documentos que
englobem uma universalidade de assuntos, e é man
tido durante muito tempo, mormente se se trata de
arquivos estatais, acaba possuindo documentos que
passam a ter valor histórico. Para este tipo de arquivo
haverá um novo problema: o da publicação dos
documentos de caráter histórico. E problema em dois
sentidos : primeiro em se saber discernir, separar, sele
cionar quais os documentos que realmente teriam caráter
histórico para poderem ser publicados: e segundo a
questão das despezas com a publicação. Quanto à seleção,
é fácil calcular que muitos originais serão aparentemente
de caráter histórico em virtude de sua antiguidade. Mas,
depois de publicados, pode vir a verificar -se que não
tinham valor algum . Além do mais, há o perigo da publi
cação de documentos que citem pessoas ainda vivas e que
possam , em virtude disso, ferir suscetibilidades ou desvelar
segredos inconvenientes . Quanto ao aspecto dos gastos
que a publicação naturalmente envolve, ficará o arquivista,
ou o encarregado da publicação , com a tremenda respon
sabilidade de selecionar quais os documentos que merecem
a despesa. Todo o responsável pelo emprêgo de quaisquer
somas tem sempre de pensar duas vezes antes da apli
cação do dinheiro que lhe é confiado. Finalmente, se se
trata de repartição estatal, terá o arquivista o encargo,
Ubirajara Dolácio Mendes 235

também , de justificar plena e convincentemente as


despesas que pretende efetuar porque, em caso contrário,
não obterá a verba que julga necessária.
15 - Finalmente, nos grandes arquivos surge o
temível, o enorme, o incomensurável problema da seleção.
O problema da seleção é gravíssimo. Não é absoluta
mente possível guardarem -se todos os documentos produ
zidos no decorrer da vida de um país, de um estado , de
um município ou mesmo de uma simples organização
comercial. Tôda a documentação que vai sendo recebida
ou emitida não pode ser conservada sem exceção. Seria
humanamente impossível conservar tudo. A quantidade
de papel que se acumularia seria tão grande que, no fim
de algumas décadas, quarteirões inteiros seriam insufi
cientes para servir de receptáculo para o total de
documentos reunidos. Apenas para dar uma pálida idéia
de como poderiam os papéis acumular-se, imaginemos que
o Estado de São Paulo possuisse 50 mil funcionários e que
cada um dêles produzisse por dia apenas um documento .
Em 365 dias teríamos um total de 18 milhões e 250 mil
papéis a serem arquivados. Se cada fôlha tivesse um
decimilímetro de espessura, aqueles papéis todos enche
riam 182 metros de prateleiras, ou seja : o equivalente
aproximado de uma e meia salas médias. Lembrando -nos
agora de que nosso Estado tem mais de 50 mil funcio
nários e de que estes, evidentemente, não produzem só um
documento por dia, fácil é compreender por que não se
podem conservar todos os documentos que se produzem .
Assim , pois, o grande problema é saber-se o que deve ser
conservado e o que deve ser destruído. Esse problema
atinge a todos os encarregados, a todos os responsáveis
por quaisquer arquivos mas principalmente os dos
grandes arquivos, onde a quantidade de documentos é
muito grande. Terá o responsável de descobrir, de
procurar discernir na montanha de documentos que recebe
quais aqueles que, num futuro próximo ou remoto, terão
algum valor de qualquer caráter – quer histórico, quer
sociológico, quer econômico ou outros. A responsabili.
dade é pesada. O que não quer dizer que, para evitá-la,
236 Pequenos, médios e grandes arquivos

deva ou possa o responsável acumular tudo quanto receba.


Êle deverá fazer estudos convenientes — não sozinho, mas
em conjunto principalmente com os responsáveis pela
emissão do documento - para verificar quais os originais
que poderão ter valor no futuro e quais os que tiveram
apenas uma efêmera utilidade.
Quantas vezes, entretanto, tem havido casos de encar
regados de arquivos haverem selecionado papéis, aparen
temente desvaliosos no momento e que, posteriormente,
se arrependeram de ter destruído. Como se sabe, .
próprio Rui Barbosa, nossa grande inteligência, mandou
que se destruíssem todos os arquivos e todos os papéis
que dissessem respeito à escravidão, após abolida . Dizia
êle que a escravidão tinha sido úa mancha na vida nacional
e, portanto, era de todo conveniente que se apagasse tal
mácula, destruindo -se tôda a documentação referente à
escravatura. Seu raciocínio foi, na época, considerado
correto. Hoje, entretanto, lamentamos o fato, por se
terem perdido irremediàvelmente muitíssimos documentos
da nossa vida colonial e imperial, em virtude dessa
destruição de documentos referentes à escravatura.
O problema da seleção é, pois, algo que constante
mente tem de ser considerado, e que não pode afastar -se
da idéia de nenhum responsável por quaisquer arquivos.

Acidentes com os arquivos

Ainda com relação aos três tipos de arquivos que


vimos estudando, temos de verificar quais seriam as
consequências, em cada um deles, no caso de acidentes
de uma das seguintes ordens : a ) eventos destrutivos; b )
empastelamento ; e c ) perda de funcionários

Arquivos Pequenos — a ) Se uma destruição ocorrer


num pequeno arquivo, a perda é ínfima, como já dissemos
em outro ponto deste trabalho . Em outros lugares
poderá haver cópias dos documentos inutilizados . A
memória dos que trabalharam com os originais também
poderá, em parte, recompô -los. E, por outro lado, muitos
Ubirajara Dolácio Mendes 237

daqueles documentos - quem sabe ? 9 não teriam uma


utilidade histórica tão grande para que obrigatòriamente
devessem ser conservados .
b) Em caso de empastélamento, isto é, um evento
qualquer que tenha causado a mistura, a desordem entre
os papéis, pouco tempo é necessário para a reposição dos
documentos nos seus respectivos lugares. Onde há
pequena quantidade de papéis o trabalho é tambem
mínimo, para a recolocação em ordem.
c ) Até mesmo a perda do funcionário encarregado,
como dissemos, não traz complicações maiores porque
fácil será encontrar quem o substitua .
Arquivos Médios — a ) No caso destes arquivos, se
um acidente destrutivo ocorrer incêndio, alagamento,
ruína –, a perda já é sensível. Muitos documentos já
não poderão ser refeitos. Dêsse modo, o cuidado com a
preservação dos arquivos médios tem de ser maior.
b) Em caso de empastelamento, há possibilidade
de recolocação na devida ordem, mas essa reposição já
leva algum tempo, e não é tão fácil. Já se faz necessário
que muitas pessoas se ponham a serviço do arquivo, para
que a reordenação seja razoavelmente rápida. Além
disso , é sempre interessante que se trate de pessoas que
entendam de classificação e fichário para evitar que a
reposição possa ser mal feita, dêsse modo prejudicando
as ulteriores pesquisas em vez de as facilitar.
c) A perda de funcionários, no caso dos arquivos
médios, se bem que não traga problemas própriamente
ditos, já traz certas dificuldades porquanto haverá funcio
nários mais ou menos habituados ao contato constanta
com os documentos de que se trate, e êsses já não são tão
fáceis de substituir. Em todo o caso , assumindo o serviço
pessoas que tenham boa vontade e noção das responsabi
lidades que lhes cabem , acabarão por entender do assunto
e por situar -se na posição exata do funcionário perdido.
Aludimos ao fato pouco atrás, ao tratar do pessoal espe
cializado que os grandes arquivos exigiam ( $ 13 ) .
Grandes Arquivos a) Com relação aos arquivos
238 Pequenos, médios e grandes arquivos

grandes, se um acidente destruidor ocorrer , verdadeira


hecatombe será. Dificilmente haverá recomposição
mesmo entre os documentos atuais. Os originais perdidos
não se reparam . Consequentemente, todos os cuidados
para a conservação de documentos são de necessidade
capital. É preciso que se previnam as possibilidades de
acidentes a todo o custo. A própria colocação do arquivo
num ponto intermediário entre o centro e os bairros tem
aqui importância pois, de certo modo, evita que os movi
mentos populares, os motins que às vezes atingem o centro ,
cheguem a alcançar o arquivo. Outros acidentes, tais
como os alagamentos, podem ser previstos e evitados colo
cando-se o arquivo num ponto mais ou menos elevado,
deixando-se as partes baixas da cidade e preferindo-se as
mais altas. A colocação do arquivo em prédios de cimento
armado, resistentes, evitará a ruína. Quanto ao fogo, não
é preciso dizer que todas as providências devem ser
tomadas para prevení-lo e, se ocorrente, combatê - lo .
b ) Em caso de empastelamento, acidente aparente
mente menos grave, é problema muito sério num grande
arquivo, porquanto, às vezes só em parte se salva o
material. A mistura de documentos poderia ser fato de
recomposição difícil ou impossível. Exemplifiquemos
com algo comum : se se misturassem as cópias de uma
centena de ofícios, apesar de numeradas as páginas, não
seria fácil saber qual seria a 2.8 página do ofício n.º 1 e
qual a 2.a página do ofício n .° 100. Imagine -se isto então,
num grande arquivo, onde um empastelamento muito
grande tivesse tido lugar, e fàcilmente se compreenderá
os prejuizos que esse tipo de acidente pode causar.
Empastelado o fichário , a reordenação não é fácil . 1
se o empastelamento atingiu a grandes proporções, poderá
dar-se o caso de ser mais simples e mais barato refazer
o fichário, entrada por entrada, do que tentar reordenar
o que foi acidental ou criminosamente misturado.
c) A perda de funcionários, num grande arquivo, é
problema de difícil e lenta reposição. Já sabemos que
isso se dá em virtude de a especialização demandar longo
Ubirajara Dolácio Mendes 239

tempo. Um paleógrafo não se forma em dois dias, um


restaurador não se faz numa semana. O mesmo se pode
dizer de historiógrafos, revisores, copistas, classificadores,
etc. Como se vê, pois, o grande arquivo, além dos
múltiplos problemas que apresenta, possue também esta
característica especial que o diferencia dos pequenos e
dos médios arquivos.
Para finalizar podemos dizer que os arquivos, tanto
os pequenos como os médios ou os grandes, dependem ,
principalmente, bàsicamente, de que o seu encarregado
(único no caso do pequeno arquivo, chefe no caso do
médio, diretor ou responsável no caso do grande arquivo )
seja pessoa dedicada, cuidadosa e metódica. Dedicada
porque, se não der o devido valor aos documentos pelos
quais é responsável, não se preocupará com nada do que
lhes possa suceder ; cuidadoso, porquanto cada documento
de per si é um valor que deve ser preservado; metódico,
porque sem método classificação, distribuição, ficha
gem , ordenamento nunca se encontrará nenhum

documento dos que se encontrem sob sua guarda .


Todos os arquivos, portanto, sob êsse ponto de vista,
são idênticos, isto é, precisam de um responsável que ame
aquilo que faz, que goste daquilo a que se dedicou e que
cuide convenientemente dos documentos postos sob a sua
tutela .
Indice
- Apresentação .
3

- A exploração do vale do S. Francisco pela


bandeira de Nicolau Barreto ( 1602 - 1604 ) e
a fábula da invasão do Guayrá .
J. Alberto J. Robbe

PARTE I
Divergências dos historiadores quanto às regiões
exploradas pela bandeira de Nicolau Barreto
Pág .
CAPITULO 1- A tese de Orville Derby, da explo
ração do vale do S. Francisco 11
CAPITULO II — Impugnação das conclusões de
Orville Derby pelo Dr. Alfredo
Ellis Júnior. A tese da invasão do
Guayra e a hipótese da chegada
da bandeira a regiões hoje boli
vianas 14
CAPITULO III - As opiniões do Dr. Affonso de
E. Taunay 20
CAPÍTULO IV — A referência de Azevedo Marques
à partida da bandeira em direção
a Mogy das Cruzes 30
CAPITULO V Opiniões de outros historiadores 43

PARTE II

Valor da documentação invocada contra a tese


de Orville Derby
CAPITULO I— A carta de 18 de julho de 1603 dos
camaristas de São Paulo ao gover
nador Diogo Botelho e a alusão
ao caminho do Piquiry, na pro
víncia do Rio da Prata . 53
CAPÍTULO II — A carta de 13 de janeiro de 1606
dos camaristas de São Paulo ao
242

donatário da Capitania e a hipó


tese da ida de Nicolau Barreto
até regiões hoje bolivianas . 60

CAPITULO III - A ata da Câmara de São Paulo de


7 de janeiro de 1607 e os índios
temiminós capturados por Manuel
Preto quando voltava de Vila Rica 81
CAPÍTULO IV - A carta de 2 de outubro de 1629
do Pe . Justo Mancilla Van Surck
ao Pe. Geral da Companhia de
Jesus 87

PARTE III

Provas da exploração do vale do S. Francisco


pela bandeira de Nicolau Barreto
101
INTRODUÇÃO
CAPITULO I- Os indígenas encontrados pela
bandeira de Nicolau Barreto 107
Secção I Os tupinaês . 107
Secção II Os temiminós 113
Secção III Os amoipiras. 122
Secção IV Referências de um documento
seiscentista a temiminós е

amoipiras no vale do rio S.


Francisco . 124
CAPITULO II - Os topônimos constantes dos
documentos da bandeira 129
Secção I O " Paracatú " , afluente da
margem esquerda do rio S.
Francisco . 129
Secção II O " Guaibihi" ou rio das
Velhas , afluente da margem
direita do S. Francisco 133
Secção III Referências de um documento
seiscentista ao Guaibihi e ao
Paracatu , afluentes do rio S.
Francisco . 155
Secção IV - O " Corimatahi" , afluente do
rio das Velhas 157

PARTE IV
Datas da partida e da volta da bandeira de
Nicolau Barreto e regiões percorridas
CAPITULO I Datas da partida e do regresso 163
CAPITULO II Itinerário da bandeira na ida ao
Paracatu . 171
243

CAPÍTULO III Permanência da bandeira nos


sertões do S. Francisco e iti
nerário do regresso à vila de
S. Paulo 184

Conclusão . 189

Arquivos Municipais
Antonio Paulino de Almeida 191
· Abençoada Burocracia
Gama Rodrigues 199
- O Primeiro Recenseamento em S. Paulo
J. David Jorge 207
- O Primei ro Alemão no Brasil
215
0. Quelle
Pequenos , Médios e Grandes Arquivos
Ubirajara Dolácio Mendes 219
DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO

BOLETIM

ARQUIVO
TO

DO
MEN

AN
DO
ESTAD

SCRIPTA
MANENT)
P

O
DE

SÃO PAUL
O

Vol . 13
(Nova Fase)

S. PAULO
1954
DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO

BOLETIM
!

Vol . 13
(Nova Fase)

S. PAULO
1954
1
APRESENTAÇÃO

O Departamento do Arquivo do Estado, dentro do


programa que se traçou incrementar ao máximo as
suas publicações - apresenta o vol. 13 do seu Boletim .
Além do Relatório Anual apresentado ao Sr. Se
cretário da Educação bem como do Relatório apresen
tado pelo Sr. Ubirajara Dolácio Mendes ao deixar as
funções de Diretor Substituto do Departamento, trans
creve este número interessantes excertos dos programas
radiofônicos, patrocinados pelo Arquivo do Estado,
durante o ano de 1953, numa das emissôras da Capital,
e, também , precioso estudo do Sr. David Jorge, nosso
funcionário, sôbre Campinas.
Fez-se necessária uma nota referente à pequena
contribuição do Departamento às comemorações do IV
Centenário da Fundação de São Paulo. Ela aí está,
objetiva, clara, como primeiro artigo dêste Boletim .

São Paulo, Maio de 1954


JOSÉ SOARES DE SOUZA
Diretor
}
0 Arquivo do Estado e as Comemorações
do IV Centenário
)
O ARQUIVO DO ESTADO E AS COMEMORAÇÕES
DO IV CENTENÁRIO

I – Tem causado espécie , entre todos, a mínima, ou quase


nula participação do Departamento do Arquivo do Estado nas
comemorações do IV Centenário da Fundação de São Paulo .
II Faz-se mister, pois, uma explicação.
III O Departamento do Arquivo preparava-se, há já
bastante tempo, para contribuir de modo direto , para os fes
tejos do Centenário :

1. O primeiro passo dado, de prático, foi a instituição de


um programa radiofónico, semanalmente, numa das boas emis
soras desta Capital, focalizando aspectos interessantes da histó
ria da cidade de São Paulo . Programa que obteve absoluto
êxito, foi encerrado em meados de janeiro deste ano, pois a
verba orçamentária, para esse fim, esgotou-se .
2. A Secção Histórica está com o material pronto para ser
impresso, devidamente copiado , estudado, interpretado, dos
recenseamentos da Capital feitos no século XVIII ; com este
material o Departamento do Arquivo publicaria 6 volumes.
3. O historiografo do Departamento tem, em fase final,
interessantíssimo estudo sobre o desenvolvimento de nossa
Capital, com ilustrações e fotografias, algumas ainda inéditas.
É u'a magnífica história da nossa cidade.
4. Este mesmo historiador trabalha , incessantemente , em
interessante cronologia de fastos e nomes de São Paulo . É, como
se depreende, obra utilíssima e de inigualável valor histórico.
Está bem adiantada , não obstante ser ingente o trabalho que
requer.
5. O Departamento estudava a possibilidade de confeccio
nar um ou dois filmes cinematográficos de curta metragem ,
focalizando, um, as atividades do Arquivo e a sua utilidade, e,
outro, a necessidade de conservação de documentos, métodos
sôbre essa conservação , restauração de documentos , etc.
6. Estudava, também , o Arquivo do Estado , a possibilidade
de instituir concursos públicos sobre assuntos de interésse da
história de São Paulo e relacionados com o Arquivo do Estado .
7. O Departamento já tinha projeto estudado para a ins
talação de vitrines no seu salão de entrada, a fim de abrir ao
público, no ano do IV Centenário, exposição-permanente de
seus documentos mais interessantes.
8 Arquivo do Estado e o IV Centenário

8. Estudava, ainda , a possibilidade, mediante reforma em


uma ala de seu novo prédio , de construir um salão de confe
rências, especialmente destinadas à história de São Paulo.
IV Para a execução, pelo menos de parte dêsse plano
( itens 2 a 8 ) contava êste Departamento com a verba de Cr$
600.000,00 ( seiscentos mil cruzeiros ) importância essa desti
nada ao Departamento pelo Sr. Governador do Estado , ( da
verba de Cr$ 30.000.000,00 ( trinta milhões de cruzeiros votada
pela Câmara Federal como ajuda do Governo da União aos
festejos do IV Centenário de São Paulo ) .
V Quando, porém , o Departamento do Arquivo ia dar
início ao seu programa, o Sr. Governador do Estado, natural.
mente movido por inotivos justos e ponderosos , transferiu essa
verba para as obras do Museu Paulista.
VI - O histórico desta importância que seria entregue ao
Departamento é o seguinte :
Havendo sido apresentado à Câmara Federal um projeto
de lei , que estipulava um auxílio federal às comemorações do
IV Centenário de São Paulo , éste Departamento , pelo seu dire
tor-substituto , enviou ao parlamentar autor do projeto de lei
o seguinte oficio :
“ Departamento do Arquivo 3.& Secção - 108--52 - FG - São Paulo,
17 de maio de 1952 - Senhor Deputado Este Departamento tomou
conhecimento, pelos jornais, do projeto de lei, de sua autoria, que
prevê um auxílio federal para as comemorações do 4.0 Centenário
de S. Paulo. Especialmente contemplados no projeto foram o Ins
tituto Histórico e o Museu Paulista , sem dúvida entidades por todos
os títulos merecedoras e que muito poderão fazer em prol do bri
Thantismo das comemorações . Todavia , tomamos a liberdade de vir
à sua presença para lembrar, também , o nome do Departamento
do Arquivo do Estado . Como V. Excia . sabe , é éste Departamento o
depositário de rica documentação histórica, referente a S. Paulo,
que poderia expôr e publicar ; conferências, estudos e pesquisas, com
base nessa documentação , poderiam ser patrocinados ; métodos de
conservação, leitura e restauração de documentos antigos poderiam
ser divulgados ; tudo isso , se meios adicionais , extra -orçamento nor
mal, lhe forem concedidos . Aliás , verba houvesse , e que maior brilho
às comemorações do 4.0 centenario da cidade poderia ser dado , que
dotando o D. A. E. de sede própria ? Não nos esqueçamos de que
este Arquivo é a repartição pública mais antiga de S. Paulo e, quiça,
do Brasil : existente desde 1721 , até hoje não conseguiu um prédio
próprio , para se instalar estávelmente . Nessas condições, e confiando
em que V. Excia . verá a oportunidade e utilidade de contemplar o
Arquivo com uma parcela da verba federal a ser obtida , aproveiton
ensejo para reafirmar - lhe os meus protestos de elevado aprêço e dis
tinta consideração . ( as . ) Dr. Ubirajara Dolácio Mendes Diretor
Substituto A0 Exmo. Sr. Deputado Cunha Bueno " .

VII - O Sr. Governador do Estado houve por bem exarar .


de próprio punho , no cabeçalho dêste ofício , o seguinte des
pacho :
" CASO APROVADO O PROJETO DO DEP . CUNHA BUENO , O
GOVERNO RESERVARÁ PARA O ARQUIVO DO ESTADO A IMPOR
TÂNCIA DE UM MILHÃO DE CRUZEIROS 19.5.1952 ( As . )
LUCAS N. GARCEZ ” .

VIII Em resposta a éste ofício recebeu o Departamento


do Arquivo a seguinte carta :
“ Câmara dos Deputados Rio, 20 de maio de 1952 . Prezado
e ilustre patrício Dr. Ubirajara . Respondendo o ofício do ilustre
amigo datado de 17 do corrente , a proposito da possibilidade de se :
reservada para o Departamento do Arquivo do Estado uma parcela
da importância com que o Governo da União deverá auxiliar o quarto
O Arquivo do Estado e o IV Centenário 9

centenário da Capital do Estado , conforme projeto de nossa iniciativa,


cumpre -nos dizer-lhe que já foi dada ao assunto solução satisfatória,
de acordo com despacho exarado pelo sr . Governador do Estado ,
separando um milhão de cruzeiros para êsse Departamento . Em
anexo, estamos juntando cópia do oficio do ilustre amigo, devida
mente despachado pelo Governador Lucas Nogueira Garcez. No
momento oportuno, estaremos à sua disposição, para um entendi
mento verbal com o Chefe do Executivo , a fim de que seja estudada
a forma do recebimento da importância já reservada. Naturalmente,
ficamos ,agora , exclusivamente na dependencia da aprovação do
projeto de lei submetido à apreciação dos nossos pares , cuja soiução
final aguardamos para qualquer momento . Quanto ao mais , aqui
continuamos inteiramente às ordens dos amigos do Arquivo do Estado,
cujos serviços prestados a São Paulo são reconhecidos por todos.
Cordialmente, se despedie o amigo de sempre ( as . ) Antonio Sylvio
Cunha Bueno " ,

IX -- Após a aprovação do projeto de lei e de sua sanção


pelo senhor Presidente da República, o Sr. Governador do
Estado teve necessidade de reduzir essa importância para Cr$
600.000,00 ( seiscentos mil cruzeiros ) enviando a este Depar
tamento , por intermédio daquele parlamentar , o seguinte ofício,
acompanhado de aviso de crédito do Banco do Estado de São
Paulo a favor do Departamento do Arquivo do Estado :
" Casa Civil Governo do Estado de São Paulo 9581 São
Paulo, 24 de agôsto de 1953 Senhor Diretor Tenho a satisfação
de vir à presença de V. S. a fim de passar às suas mãos um aviso
de crédito da importância de Cr$ 600.000,00 ( seiscentos mil cruzeiros ),
já depositada no Banco do Estado de São Paulo S. A. , a favor do
Arquivo do Estado . A referida importância consubstancia a efetiva
ajuda dos Governos da União e do Estado para a publicação de obras
históricas comemorativas do IV Centenário da Cidade . Tendo sido
possivel aos Governos da União e do Estado de São Paulo emprestar
essa colaboração graças à aprovação pelo Congresso Nacional de
projeto de lei de iniciativa do Deputado federal Antonio Sylvio Cunha
Bueno, resolvemos credenciar esse parlamentar para efetivar a entrega
2. V. S. da importância acima referida . Valho-me do ensejo para
reiterar a V. s . os protestos de elevada estima e consideração . ( as . )
Lucas Nogueira Garcez Ao Ilmo . Sr. Ubirajara Dolácio Mendes .
DD . Diretor do Arquivo do Estado de São Paulo " .

X A 21 de setembro de 1953 , reassumiamos o cargo de


Diretor efetivo do Departamento do Arquivo do Estado e a
22 , no dia seguinte , tinhamos entendimentos com o sr. Secre
tário da Educação, dr. José de Moura Resende , sôbre a maneira
de se movimentar essa verba . A 23 de setembro, enviavamos
a S. Excia . , o seguinte ofício , encaminhando , em anexo , o ofício
do sr . Governador do Estado de 24 de agosto de 1953 , bem
como o aviso de crédito do Banco do Estado de São Paulo :
“ Departamento do Arquivo do Estado 3.a Secção 1036-53
São Paulo , 23 de setembro de 1953 Senhor Secretário Pelo
oficio n.º 9581 , de 24 de agosto p.p. , o sr . Governador do Estado houve
por bem encaminhar a este Departamento aviso de crédito da im
portância de Cr $ 600.000,00 ( seiscentos mil cruzeiros ) , já depositada
no Banco do Estado de São Paulo , a favor deste Departamento , e
destinada à publicação de obras históricas comemorativas do IV
Centenário da Cidade de São Paulo , e que consubstancia a ajuda
dos Governos da União e do Estado para esse fim . Havendo reas
sumido em data de 21 do corrente o exercício do cargo de Diretor
efetivo do Departamento do Arquivo do Estado , e, conforme ao nosso
entendimento verbal de onteni , tenho a honra de solicitar a V. Excia .
se digne determinar as necessárias providências para que a Secretaria
da Educação oficie ao Banco do Estado, com a possível urgência
dada a exiguidacie de tempo de que dispomos até às comemorações
do IV Centenário autorizando o Diretor do Departamento do
Arquivo a moviinentar essa conta , para ulterior prestação de contas.
Incluso , remeto a V. Excia , as fichas daquele estabelecimento ban
cário , devidamente assinadas por mim , consoante solicitação do Banco .
Sendo o quanto se apresenta , no momento , valho -me da oportunidade
para reiterar - lhe meus protestos de alta estima e distinta conside
10 0 Arquivo do Estado e o IV Centenário

ração. ( as.) José Soares de Souza Diretor A S. Excia . Sr.


Secretário de Estado dos Negócios da Educação" .
XI - À medida que tomávamos essas providências , incre
mentávamos o plano de colaboração do Arquivo aos festejos
do IV Centenário ( itens 2 a 8 ) , quando , com surpresa para
nós, chegou-nos às mãos, às vésperas da data da fundação de
São Paulo , o seguinte e lacônico ofício :
“ Secretaria de Estado dos Negócios da Educação São Paulo ,
19 de janeiro de 1954 Diretoria de Contabilidade Secção de
Expediente Nó 0354 P.3268 /54 Senhor Diretor Levo ao

conhecimento de V. S. que Sua Excla . o Senhor Governador autorizou


а transferência da importância de Cr $ 600.000,00, que se achava
depositada no Banco do Estado de São Paulo, em nome dêste Depar
tamento , a fim de ser aplicada no prosseguimento das obras de
reforma de que necessita o Museu Paulista . Apresento a v . s . os
protestos de minha distinta consideração ( as .) Alfredo Casemiro da
Rocha Filho Diretor Geral A Sua Senhoria o Senhor José Soares
de Souza DD . Diretor do Departamento do Arquivo do Estado
GCS

XII Como as condições financeiras do Estado, consoante


declarações das maiores autoridades do Estado, não são satis
fatórias, as verbas orçamentárias do Arquivo do Estado foram
bastante reduzidas para o exercício de 1954 , e assim mesmo
reduzidas, as verbas destinadas ao material de consumo tive
ram, por decreto do Executivo paulista de ordem geral, 40 %
de sua dotação congelados, e a verba destinada ao material
permanente 60 % .
XIII Sem o auxílio de Cr$ 600.000,00 ( seiscentos mil
cruzeiros ) com o qual contava seguramente, e com as verbas
assim reduzidas, o Departamento do Arquivo do Estado, lamen
távelmente , não pode levar avante o programa de sua contri
buição aos festejos do IV Centenário da Cidade de São Paulo.
XIV Continuará , porém , dentro de suas possibilidades
orçamentárias, a dar a lume as suas publicações já de todos
conhecidas e apreciadas :
" Inventários e Testamentos”
“ Documentos Interessantes”
" Documentos Avulsos' '
“ Boletim do Arquivo ”

São Paulo, Fevereiro de 1954

JOSÉ SOARES DE SOUZA


Diretor
“ Relatório das atividades do Departamento
do Arquivo do Estado durante o ano de
1953 e seu programa para o ano de 1954 "
1
1
" RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DO DEPARTAMENTO
DO ARQUIVO DO ESTADO DURANTE O ANO DE 1953
E SEU PROGRAMA PARA O ANO DE 1954"

NOVO PRÉDIO

Conforme é de conhecimento geral o Departamento do


Arquivo do Estado sofreu duas mudanças, nêstes últimos tem
pos : uma da rua Visconde do Rio Branco para o prédio do
largo General Osório , e a segunda dêste para o novo prédio do
Arquivo , sito à rua Dona Antonia de Queirós n . ° 183 , onde
atualmente se encontra .
Dizer dos transtornos , dos prejuízos , dos trabalhos que tais
mudanças acarretam a um Arquivo, é supérfluo .
A instalação do Departamento em seu novo prédio iniciou
se em fevereiro e terminou em maio deste ano. Havendo a
Secretaria da Segurança cedido os meios de transporte os
nossos próprios funcionários encarregaram -se da mudança ,
incluindo desmontagem e remontagem das prateleiras de aço e
remoção de todo o acervo do Departamento ( o que exigiu o ma
ximo cuidado por parte dos funcionários, a fim de não pre
judicar a organização já existente ). Esta mudança, pois, não
acarretou maiores despesas ao erário estadual . Merecedores
de encômios todos os funcionários que demonstraram zêlo, boa
vontade e amor ao seu Departamento , e , portanto , a São Paulo .
Atualmente está o Departamento no término de adaptação
ao novo prédio que é, diga -se de passagem , espaçoso, bem ilu
minado , bem ventilado e que se adapta perfeitamente às exi
gências do Arquivo .
Foi pintado em sua parte interior e instaladas novas per
sianas, a fim de dar maior proteção ao seu valioso acervo .
As atuais três Secções do Departamento estão magnífica
mente instaladas, e bem separados os trabalhos meramente bu
rocráticos daqueles de ordem técnica , de pesquisa histórica ,
como também de consulta pública .

II

MATERIAL

Prosseguiu a instalação do novo material adquirido, como


estantes , mesas e armários de aço ; há assim maior proteção
14 Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953

aos documentos em caso de fogo. A Comissão Central de


Compras, ainda no fim deste ano, de acórdo com a solicitação
do Departamento , determinou abertura de concorrência pública
para aquisição de passadeiras para os corredores , tapetes para
diversas salas , bem assim como vitrines para o salão de entrada
do Departamento . No correr dos primeiros meses do próximo
ano devem estar devidamente instalados.

III
PRESERVAÇÃO DO ACERVO
Além dos trabalhos rotineiros de desinfecção, restauração
e classificação dos documentos, estão êstes sendo colocados em
latas de alumí herméticamente fe adas , ap serem , de
maneira conveniente , dedetizados.

IV
BIBLIOTECA

Está passando por ampla reforma. O seu acervo está sendo


selecionado , a fim de se converter em biblioteca especializada
de história , principalmente de São Paulo , e de arquivologia
Será classificada pelo sistema decimal de Dewey .

EXPOSIÇÃO PERMANENTE DE DOCUMENTOS HISTÓRICOS

É pensamento desta Diretoria, logo nos princípios do pró


ximo ano , inaugurar uma Exposição Permanente de Documen
tos Históricos Interessantes , no Salão Nobre de entrada do
Departamento, havendo, para isso , providenciado a aquisição
de vitrines especiais. Será uma valiosa contribuição cultural
ao povo paulista .

VI
APARÊLHO DE LUZ ULTRA-VIOLETA

Graças a dois aparelhos adquiridos, tem sido possível aos


funcionários da Secção Histórica ler documentos antigos e de
difícil, se não impossível, leitura a olho nú . Muito têm con
tribuido para a divulgação dos documentos históricos deste
Departamento.

VII
PUBLICAÇÕES
Em virtude das mudanças sofridas pelo Departamento ,
houve um hiato em suas publicações, de 1948 a 1951 . Como
Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953 15

uma das principais funções do arquivo é divulgar, depois de


devidamente estudado e interpretado, o seu interessante acervo,
a partir daquele ano, o rítmo das publicações vêm num cres
cendo animador. A contribuição do Departamento aos estu
diosos das nossas coisas do passado é inestimável . Durante ësie
ano foram publicados :
a ) Inventários e Testamen
tos Vols . 35,36 e 37 6.000 exemplares
b ) Documentos Avulsos Vols . 2 e 3 4.000
.
c ) Boletim Vols. 10,11 e 12 6.500
19
d ) Separatas 19 números 5.700
e ) Opúsculo 1 ( A data da fundação de
Santo André da Borda do Campo ) 300

A Secção Histórica já possui material lido, interpretado e


copiado suficiente para a publicação de inúmeros outros volu
mes de “ Documentos Interessantes ”, “ Documentos Avulsos” ,
" Inventários e Testamentos” , etc.
É intenção do Departamento publicar os índices das decla
rações de terras. Trabalho exaustivo, mas de real valor e
grande utilidade, está sendo elaborado com o máximo cuidado
e interesse .

VIII
PROGRAMA RADIOFONICO

O programa radiofónico " Histórias da História de São


Paulo ” , sob a supervisão dêste Departamento contribuição
aos festejos do IV Centenário de São Paulo tem tido ótima
acolhida . Os programas são gravados e ficam à disposição do
público , havendo casos de reaudição por parte de inúmeros
consulentes dêste Departamento .
A finalidade deste programa, além de ser uma contribuição
aos festejos do IV Centenário , é despertar o interesse do grande
público pela nossa história , pelos usos e costumes dos nossos
avoengos, por meio de curiosidades e fatos históricos, descritos
de maneira leve e atraente.

IX
AULAS DE PALEOGRAFIA DA FACULDADE DE
FILOSOFIA , CIÊNCIAS E LETRAS DA USP

Esta Faculdade iniciou um curso de Paleografia, ( aulas


professadas por grande sumidade no assunto, Prof. Román , de
Valladolid, Espanha ) . Conseguiu este Departamento 4 vagas
gratuitas destinadas a seus funcionários, que estão seguindo o
curso de maneira brilhante, o que muito beneficiará o Arquivo
do Estado .

PROJEÇÃO DO DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO


ESTADO

Pelo número de vezes que o Departamento tem sido citado


na imprensa de todo o país ( às vezes página , inteira, outras
16 Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953

vezes meia página ; havendo , também , aparecido em programas


de TV e de rádio ) , pode-se notar que ele desfruta , no momento ,
invejável lugar entre as instituições culturais de São Paulo e
do Brasil, lugar merecido e justo, pelas contribuições que vem
dando aos estudiosos de nossa terra .

XI

ATIVIDADES ESPECÍFICAS DAS SECÇÕES DO


DEPARTAMENTO

A) 1.6 SECÇÃO ARQUIVO ADMINISTRATIVO


a ) Recebimento, da parte de todas as Secretarias de Estado,
de processos , com andamento já solucionados e que se destinam
a arquivamento definitivo , o que faz em suas dependencias ;
b ) Extração de certidões de contagem de tempo , de fun
cionários e professores, mediante busca e consulta feitas nos
Mapas, fôlha de Pagamento ou de Frequência ;
c ) Arquivamento e classificação de todos os talões-canhotos,
vindos do Registro Civil e do Registro Geral de Imóveis, de
todo Estado de São Paulo .

2. Movimento de papéis :
a) Ofícios expedidos 213
Buscas .. 614
Informações 130
Requisições 309
Papéis fichados 26.097
Papéis classificados 360.909

TOTAL 388.272

3 Buscas

a) Foram em número de 614 as buscas procedidas, a


saber :
por requisição da Secretaria da Educação 326
por requisição da Secção de Certidões 178
por requisição do Departamento de Saúde 29
por requisição do Departamento de Educação 24
Diversos 57

TOTAL 614

4 Classificação de papéis
1
a) Com toda regularidade continuam os trabalhos de
classificação de papéis e demais documentos existentes neste
Arquivo , serviço éste que , por ser moroso , não aparece , podendo
sòmente ser avaliado por quem de perto conhece o serviço ,
para assim aquilatar do esforço e dedicação dos funcionários
dèle encarregados e que são merecedores de todos os elogios .
Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953 17

Foram classificados e selecionados 360.909 documentos , devi


damente catalogados e empacotados em 1.896 pacotes .

5. Catalogação de papéis
a) Foi feito durante o ano , a catalogação dos documentos
e papéis existentes nesta Secção , sendo atingida a apreciável
soma de 26.097 papéis .
Como acima ficou exposto , foi considerável o movimento
de fichas feitas pela Secção , graças à magnífica colaboração
de todos funcoinários.

6. Registro Civil e Registro de Hipotecas


a) Em obediência aos Decretos Federais sob números
18.542 e 4.857 , de 31 de dezembro de 1929 e 4 de novembro
de 1939, respectivamente, todos os Cartórios de Paz do ter
ritório estadual devem encaminhar a éste Departamento , para
o devido arquivamento , os talões - canhotos referentes a nasci
mentos , casamentos e óbitos . O mesmo se verifica com o Re
gistro Geral de Hipotécas , com referência à remessa de talões
canhotos , sôbre transcrições, transmissões e compra e venda de
imóveis . Desde a promulgação dos citados Decretos, tem a
Secção sob sua guarda, cerca de 175.215 talões-canhotos .
O movimento geral dos talões- canhotos recebidos, de ja
neiro até esta data , é o seguinte :
Nascimentos 4.119
Casamentos 2.438
Óbitos .. 2.027
Imóveis em Geral 6.641

TOTAL 15.215

B. 2. SECÇÃO ARQUIVO HISTÓRICO


Tratando -se de uma secção de estudos e consultas, portanto
de natureza técnica , não podem ser os mesmos apreciados por
expressões numéricas , uma vez que os seus auxiliares, aliás
em número limitadíssimo , têm necessidade de desdobrar a sua
atividade para que o serviço não venha a perecer, empregando
o melhor dos seus esforços, não só no estudo de documentos,
cuja leitura , além de morosa , demanda conhecimentos especia
lizados, como também em árduas e variadas pesquisas, como é
fácil de se ver pelo quadro incluso , ou ainda, na corrigenda
de provas das publicações oficiais , trabalho éste , a que se
procede alternadamente .
Mesmo assim , durante o período acima declarado , e apesar
da atenção dispensada a numerosos consulentes que diariamente
recorrem aos nossos documentos , tanto do Tempo Colonial ,
como do Imyério , conseguimos reunir material precioso para
novas publicações, como sejam " Inventários e Testamentos” ,
“ Documentos Interessantes" e " Boletim ”, que já se encontram
prontos para o prelo , além da seleção de documentos destinados
à comemoração do IV Centenário de São Paulo , calculada em
5 ou 6 volumes .
IIIIIIIIIIIIIIIII
18 Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953

CÓPIAS DO SÉCULO 17.º – INVENTÁRIOS E


TESTAMENTOS

Inv . e Test . Felipa Roiz ano de 1612 N.º de pag . 6


. 9 1 .
Antonio Nunes 1643 N.o 60
. 02 11
Ascenço Luiz Grou 1648 Ν Ο 22
1 99
Isabel de Proença 1648 N'o 36
1
Pedro de Miranda 1648 Ν Ο 33
Beatris Moreira 1648 N'o 31
.
Francisco Baldaia 1648 NO 88
.. 3D ..
Maria Rodrigues 1648 N'o 17
Messia Rodrigues 1648 NO 32
9. D.
Gaspar Cubas 1648 No 46
.
Manoel Ribeiro 1643 No 20
.
Sebastiana Ribeira 1648 No 34
Ursolo Colaço 1648 N'o 48
SD
João de Siqueira 1648 NO 64
Thomé Fernandes 1648 N'o 52
Bartolomeu de Quadros 1649 NO 52
20 90
Domingos mões 1649 No 18
Nuno Bicudo 1649 NO 34
10 ??
Francisco Gomes 1649 NO 24
19 ..
Estefania Ramirez 1649 NO 14
99 95
Ana Ribeira 1649 N 24
Ana da Costa 1649 Ν' ο 21
Francisco Borges 1649 NO 88
19

9 .
Belchior de Godoi 1649 N'o 18
Domingos Furtado 1649 No 91
!!
Petronilha Ribeiro 1649 No 1.
20
11 !
Antonio Pires Machado 1649 No 22
29
João Baptista 1649 N 12
Simão Minho 1649 No 14
11
Gabriel Antunes 1649 N 76
..
Sebastião Soares 1650 NO 20
Custódia Fernandes 1650 N'o 30

TOTAL 1.196

NOTA : ( Muitas páginas destes inventários estavam bastantes


rotas e apagadas, havendo necessidade de se fazer uso da lampada
ultra - violeta para decifrá- las ) ,
CÓPIAS DO SÉCULO 18.0 Documentos interessantes pags. 203
Atas da Câmara de, Cana
néia 15
Cópias avulsas p / a Sec 9 .

ção 236

454

Além dos trabalhos mencionados foram feitas pesquisas


diversas sôbre : Bandeiras Paulistas , Inventários e Testamentos ,
Autos Cíveis, Sesmarias e sõbre a Assembléia Legislativa no
período de 1935 a 1947 .
Pesquisas 201
Consultas 502
Provas 202
Leituras 235

Documentos do Século XVII


Conferência do original e provas da tipografia dos Inven
tários de : Beatris Moreira, Gaspar Cubas, Izabel de Proença,
Manoel Ribeiro, Maria Rodrigues, Maria de Siqueira , todos
datados de 1648 , com 546 páginas .
Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953 19

Documentos do Século XVIII

Documentos Interessantes correspondentes aos ofícios e


Ordens do Capitão General Dom Luiz Antônio de Souza Bote
lho Mourão , de 1765—1766 , com 432 páginas , do mesmo livro
66 do nosso códice, copiado a maior parte com auxílio da
lâmpada ultra-violeta , com 102 páginas.
Cópias do recenseamento da Capital . Nossa Senhora do
Ó, 250 páginas, ano de 1777 . Cidade , 80 páginas . Cidade 80
páginas . Frequesia do Ó 40 . Cidade 90 páginas. Total de
páginas 540 .
Documentos do Século XIX

Documentos publicados no Volume XIX da Série e OS


Documentos Avulsos, do Maço 3 do Tempo Colonial do nosso
códice , com 426 páginas .
Pesquisas sobre a fundação da Santa Casa de Piracicaba ,
Os Emboabas, Arassariguama, Jundiaí , em número de 300
documentos .
Total de Fôlhas copiadas 874
Total de Documentos copiados 573
Revisão de Provas 587
Pesquisas 300
Leitura 400

Cópia de Documentos do Século XVIII


Maço 4 Páginas 106
Lista da Freguesia de Santo Ama
ro 65
Recenseamento 1765 159
Lista dos Moradores da Freguesia
do ó e Buarava 31
Revisão de Documentos para a Ti
pografia 180
Classificação de Documentos His
tóricos 510
Revisão de Fichas sõbre Nomen
clatura de Municípios 500
Total de páginas cópiadas 551

Cópia de Documentos do Século XVIII


Inventário do Bispo D. Manuel
da Ressureição Páginas 28
Maços de População Companhia
das Ordenanças 1772 11
Lista dos Bairros de Pary e Pi
nheiros 170
Lista da Cidade e seus Suburbios
TOTAL DE PÁGINAS 271
1767 62
Cópias de Documentos do Sécu
lo XIX
Ofícios do General Horta Ano
1808-1910 páginas 77
TOTAL DE PÁGINAS 348
20 Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953

Revisão de Provas para OS Do


cumentos Avulsos 180
Catálogo dos Maços n.s 69 , 70 , 71 ,
72 e 73 de Autos Cíveis 1
Fichas dos Catálagos Fichas 180
Fichas sôbre organização dos Mu
nicípios Nomenclatura Fichas 514
TOTAL DE FICHAS 694

Documentos do Século XVII


Conferência do original e provas da tipografia dos seguin
tes inventários : Beatris Moreira , Gaspar Cubas, Izabel de
Proença , Manoel Ribeiro, Maria de Siqueira , todos do ano de
1648 , com 546 páginas.

Documentos do Século XVIII.


Documentos Interessantes correspondentes aos Ofícios e
Ordens do Capitão General Dom Luiz Antonio de Souza Botelho
Mourão , de 1765-1766 , com 432 páginas, do mesmo Capitão,
livro 66 do nosso códice , copiado a maior parte com auxílio da
lâmpada ultra -violeta, com 102 páginas .
Recenseamento da Capital de 1765-1778 , copiados com 254
páginas .
)
Documentos do Século XIX

Documentos publicados no Volume III da Série dos Do


cumentos Avulsos, do maço 3 do tempo Colonial , do nosso
códice, com 426 páginas .

Inventários Classificados

Foram classificados até a presente data 534 Inventários do


Cartório do 1.º Ofício desta Capital , correspondentes aos anos
de 1657 até 1799 .
Documentos lidos e pesquizados, sobre os mais variados
assuntos, perfaz um total de 682 páginas.

Cópias de maços de população do Sec. XVIII


Maço Capital São Miguel e Penha
do ano de 1773 páginas 26
Maço n.º 15 Ano de 1778 48
Maço n . ° 12 Ano de 1776 4
Maço Lista Geral dos moradores de
Nossa Senhora do ó 39
Maço Nossa Senhora da Penha e
9
São Miguel 1776 27
Circulares de Capitães Móres Li
vro 3.0 - 382 páginas 54
Total de páginas 197
Inventários e Testamentos n . ° de fichas
classificadas 1043
Revisão e provas para publicar, páginas
verificadas 30
Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953 21 "

Cópia de Documentos do Século XVIII ( a serem publicados)


Maço 4 pasta 2 páginas 80
4 3 120
4 1 92
4 13 138
Livro ano 1811-1831 180
X 1816-1822 102
X 1808-1816 90

Kecenseamento da Capital

Maço n.º 26 ano 1762 páginas 80


2 1764 120
3
28 1782 248
1 1768 90
99
6 1778 102
5 1782 93

Revisados

Maços 1 Ano 1768 >>


páginas 22
7 1774 28
29
7 1776 24
4 1730-1721 Doc . Di
versos 32
TOTAL 1.641

Fichas dos Livros Militares n.s 271 e 272 1.147


Etiquetas p/ maços de Documentos do
Império 216
Fichas Classificadas ( Militares ) 7.000
TOTAL DE FICHAS 8.363

OFICINA DE RESTAURAÇÃO DE DOCUMENTOS


Documentos Restaurados páginas 1.255
Maços de documentos considerados
como inutilizados devido o estado
em que se encontravam , comidos pe
las traças , mofados e com fôlhas co
ladas umas às outras, prontos para
serem restaurados volumes 4.800
Encadernações 22
99
Livros aparados 80
Fichas cortadas 4.000
Fichas com goma para Boletins 2.000
Papel de bobina para pacotes 1.200
Papelão cortado para pacotes 2.400

Nota : Além do serviço de montagem e desmontagem de


prateleiras e demais instalações , por motivo de mudança para
o atual prédio ocupado pelo Arquivo.
22 Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953

RESUMO DOS TRABALHOS REALIZADOS PELA SECÇÃO


HISTÓRICA DURANTE O ANO DE 1953

Cópia de Documentos do Século XVII : . 1.196


Cópia de Documentos do Século XVIII .
8.043
Leituras 1.338
Classificações 1.044
Revisão do original para publicação 1.092
Fichas 10.600
Pesquisas 1.247
Consultas 603
Provas 1.726
Certidões 123
Número de consulentes durante o ano de
1953 755

C. 3.a SECÇÃO EXPEDIENTE E CONTABILIDADE

1. Papéis protocolados :
a) Requerimentos 208
Ofícios 518
Cartas 11
Registro Civil ( talões ) 4.107
Registro de Imóveis ( talões) 1.835

Circulares 2
TOTAL 6.681

2. Papéis expedidos
a) Ofícios 1.168
Notas de Empenho 58
Sub -empenhos 17
Notas Orçamentárias 29
Fôlhas de Frequência 57
Atestados de Frequência 28
Fôlhas de Substituição 16
Requisições de pagamento 58
Fichas de requisição à C. C. C. 6

TOTAL 1.437

3. Serviços de Datilografia
a) A Fábrica de Ferro do Ipanema 200 folhas
Material da escrita 20
Relação de todos os Municípios
do Est . de São Paulo 26
A data de Fundação da Vila de
Santo André da Borda do Campo 25
AF . E. B. Embaixada da Ami
zade 34
Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953 23

4. Datilografia e Mimeografia
a ) Publicação de “ O Jornal- Éco ” , órgão dos funcioná
rios do Departamento do Arquivo do Estado . 1

5. Organização e Classificação
a) Registro de efemérides
Arquivo de biografias ( 8 pastas ) c/ fichário
Organização e fichário do Almoxarifado.
Album de recortes das notícias e reportagens
( dos jornais ) sôbre o Arquivo .
Feitura de Índice dos seguintes livros de Re
gistros Paroquiais de terras :
Livro n . ° 1 Amparo
Livro n . ° 2 Apiaí
Livro n .° 3 Araçariguama
Livro n . 4 Freguezia do Senhor Bom Jesus
do Arajá
Livro n .° 5 Freguezia do Senhor Bom Jesus
do Arujá

6. Revisões
12 Revisões de Provas tipográficas

7. Serviços de expedição
a ) Foram remetidas as seguintes publicações :
Documentos Avulsos n.s 2 e 3 1.700 cada exemplar
Dodumentos Avulsos n.s
2 e 3 .... 1.700 cada exemplar
Boletins n.s 9 , 10 e 11 1.700
Inventários e Testamentos
n.s 35 , 36 e 37 1.700

XII

DIREÇÃO DO DEPARTAMENTO

Exerceu as funções de Diretor -Substituto do Departamento


do Arquivo até 20 de setembro, o sr. Ubirajara Dolácio Mendes,
reassumindo o cargo de diretor efetivo, a 21 de setembro, o
sr. José Soares de Souza .

XIII

PROGRAMA PARA 1954

O programa dêste Departamento para o próximo ano


é longo e, sem dúvida alguma, de interesse geral . Depende,
naturalmente, de verbas. Estas já foram bastante sacrificadas
24 Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953

no orçamento estadual, mas, é de se esperar que no decorrer


de 1954 as condições financeiras do Estado melhorem , facili
tando assim o programa do Arquivo .
1. Vitrines Devem ser inauguradas, nos princípios do
ano, vitrines para exposição permanente de documentos histó
ricos de interesse . Serão localizadas no salão principal de
entrada do prédio . A concorrência pública para a sua con
fecção já foi aberta .
2. Publicações Não obstante a verba para este item,
no orçamento do Estado, ter sido bastante reduzida, o Depar
tamento espera que, por meio de suplementações, transferências
de verbas, ou outras medidas , o Governo do Estado não o de
sampare, facilitando -lhe o prosseguimento de suas publicações.
A Secção Histórica já possui material suficiente para
publicar novos :

" Inventários e Testamentos"


“ Documentos Interessantes"
" Documentos Avulsos

Prosseguirá a publicação do “ Boletim do Arquivo ” , além


de outros livros que sejam de interesse histórico .
Já estão em fase de acabamento , devendo aparecer logo nos
primeiros dias do ano de 1954 :
" Pequeno Histórico e Prontuário do Departamento do Arquivo do
Estado " ( edição ilustrada ) e “ Curso de Paleografia " , de autoria do
Dr. Ubirajara Dolácio Mendes .

3. Contribuição ao IV Centenário da Fundação de São


Paulo O Arquivo prepara-se para os festejos do IV Cente
nário da nossa cidade .
A Secção Histórica já tem quase pronta a cópia dos re
censeamentos da Capital, trabalho interessantíssimo e exaus
tivo , e pelo qual poder - se- á observar o crescimento de São
Paulo através a sua demografia , como também a evolução dos
troncos familiares paulistanos.
Além disso , o historiógrafo do Departamento do Arquivo
já tem em fase final , interessante estudo sobre São Paulo , com
inúmeras ilustrações preciosas e raras . Elabora ele , ainda
Cronologia de Fastos e Nomes dos nossos primeiros tempos.
Estas publicações seriam a principal contribuição do De
partamento do Arquivo aos festejos do IV Centenário da Fun
dação de São Paulo . Estão elas , todavia , sujeitas, às verbas
necessárias para tal fim .
O Sr. Governador do Estado houve por bem destinar ao
Arquivo, da verba votada na Câmara Federal como auxílio do
Governo da União ao IV Centenário de São Paulo, a impor
tância de um milhão de cruzeiros ; mais tarde, porém, S. Excia.
teve necessidade de reduzí - la para seiscentos mil cruzeiros ,
comunicando por ofício , dirétamente ao Departamento do
Arquivo, estar essa verba à disposição do Arquivo, devida
mente depositada no Banco do Estado de São Paulo .
Até hoje , porém , e apesar de ingentes esforços, não con
seguiu o Departamento movimentar essa conta, o que vem
acarretando considerável atraso àquelas publicações, e , por
conseguinte , à sua contribuição ao IV Centenário de nossa ci
dade .
Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953 25

É de se esperar que, nos princípios de 1954 , esteja essa


situação regularizada .
4. Gabinete fotográfico Iniciado durante êste ano , de
verá estar em pleno funcionamento nos primeiros mêses de
1954 . Está sendo instalado em magnífica sala, especialmente
adaptada para esse fim , e contará com microfilmagem , fotoes
tática, ampliações fotográficas e fotografias em geral .
de grande valia e ajuda aos estudiosos que constantemente
solicitam cópias de documentos, processos, etc. Tem havido
grande dificuldade na aquisição de material de importação ;
até agora a casa vendedora do aparelho de microfotografia ,
cuja compra já foi autorizada , satisfeitas as exigências de con
corrência pública na Comissão Central de Compras, não con
seguiu autorização por parte dos poderes federais para impor
tá-lo. Calcula-se, contudo, que até março ou abril de 1954 ,
esteja ele instalado.
5. Material Está prevista para 1954 ampliação das
estantes de aço , a fim de comportarem todo o acervo do Depar
tamento, inclusive o seu remanescente que deverá chegar dos
depósitos da Mooca .
6. Biblioteca Vai ser incentivada a seleção de seu acer
vo , a fim de ser , imediatamente , classificada pelo sistema deci
mal de Dewey, tornando-se, como já foi dito, em biblioteca
especializada.
7. Indice de declarações de terras Já iniciado em 1953 ,
será , também , incentivado. É trabalho exaustivo , exigindo
máxima atenção por parte dos funcionários , e será de grande
utilidade prática ( facilitando as buscas para as certidões soli
citadas ) e muito útil aos estudiosos.
8. Almoxarifado Terminar -se -á a reorganização do
Almoxarifado , que contará com classificação e localização de
todo o material , além de um completo fichário .
9. Documentos antigos Prosseguirá a leitura , interpre
tação cópia e divulgação dos documentos antigos , grande parte
dêles lidos graças ao aparelho de luz ultra -violeta .
10. Classificação e fichamento de papéis do Arquivo Ad
ministrativo Serão intensificados a classificação e fichamento
dos papéis dêste arquivo , a fim de serem colocados nas respec
tivas latas de alumínio .
11. Depósito da Mooca Contém êste Depósito , ainda ,
parte do acêrvo do Departamento . Se êste conseguir contratar
6 ou 8 serventes será iniciada , imediatamente , a seleção e
remoção do remanescente dos documentos do Arquivo do
Estado para as novas instalações da Rua Dona Antonia de
Queirós , 183 . É trabalho ingente, mas necessário e , também ,
inadiável .
12. Extintores de Incêndio Não obstante serem todas as
instalações de aço e o prédio de cimento armado, éste Departa
mento , por intermédio de concorrência pública na Comissão
Central de Compras, instalará em 1954 , novos e modernos
!
26 Relatório do Dep. do Arq. do Estado do ano de 1953

aparelhos de extinção de fogo, o que dará ainda maior segu


rança ao seu acervo .

13. Talões de registro civil e de hipotecas No próximo


ano estes talões, por intermédio de nova classificação decimal
especialmente ideada para esse fim, serão reclassificados e
acondicionados em nova e ampla sala.
14. Projeto de reorganização - Sendo a atual organização
do Departamento do Arquivo obsoleta , foi proposta ao sr.
Governador do Estado a reorganização geral do Departamento,
transferindo -o , ao mesmo tempo , para a Secretaria do Governo.
A idéia foi aceita pelo Sr. Governador, que a incluiu no Plano
Quadrienal .
Posteriormente, apresentou o Arquivo um ante -projeto de
lei que pretende reorganizar e dar nova denominação ao De
partamento , além de um moderno regulamento.
Seria justo e interessante que este ante-projeto , atendendo
ao Plano Quadrienal , depois de devidamente estudado pela
Assessoria Técnico -Legislativa, fôsse encaminhado, no próximo
ano , à Assembléia Legislativa do Estado, pois a reorganização
do Departamento do Arquivo é urgente, imprescindível e de
interesse público .

São Paulo , 29 de dezembro de 1953

JOSÉ SOARES DE SOUZA


Diretor
1

Excerlos de Palestras Radiofônicas


EXCERTOS DE PALESTRAS RADIOFONICAS

Grave problema para todas as administrações foi sempre


a questão de como localizar as mulheres de profissão duvidosa .
Todos os governos têm procurado resolver tal problema , que
se tem revelado praticamente insolúvel . A questão não é nova ,
pois ao que parece , as próprias civilizações antigas já tentaram
resolvê-las . Entre nós, há mais de 200 anos, um capitão- .
general procurava tomar providências no sentido de dar re
médio à situação , conforme se pode ver por documento existente
no Arquivo do Estado e que foi publicado no volume XII dos
" Documentos Interessantes ” . Ai vai tal documento na íntegra ,
graças à colaboração da funcionária Da . Antonieta Buldrini:
“ Rodrigo Cesar de Menezes , etc. Por me constar que para
a vila de Outú passam algumas mulheres mal procedidas ,
brancas , bastardas e mulatas forras, com o intento de irem
pra novas Minas de Cuiabá , de que se seguem graves conse
quências , mui prejudiciais ao serviço de Deus e de Sua Majesta
de, pelas perturbações que costumam causar, assim no caminho,
como em semelhantes descobrimentos, pelas dissenções e
desconfianças, por seu respeito se devem recear pela experien
cia ter mostrado o prejuizo que da sua assistência há de resultar ,
e ser muito conveniente evitar semelhantes desordens :
“ Ordeno e mando que nenhuma pessôa de qualquer estado
e condição que seja , possa levar em companhia para as ditas
minas nenhuma mulher branca de suspeita de bastarda , ou
mulata forra , debaixo de pena de pagarem por cada uma que
levarem ou lhe for achada em sua companhia , trezentos mil
réis para a Fazenda Real e de terem quatro meses de prisão
na Fortaleza da Barra Grande da Vila de Santos , e qualquer
das sobreditas que assim forem achadas , irão degradadas para
a nova colonia do Sacramento , e para que chegue a noticia
de todos e não possam alegar ignorância , mandei lançar este
bando que se publicará nesta cidade , e depois de registrado
nos livros da Secretaria deste Governo se publicará nas Vilas
de Outú e Sorocaba , e se registrará nos Livros das ditas
Câmaras e se fixará na Vila de Outú . Dado nesta cidade de
São Paulo , aos 2 de Julho de 1723 . O Secretario Gervasio
Leite Rebelo o fez . ( a ) Rodrigo Cesar de Menezes.” Como
vêem os prezados ouvintes, já nos primordios de nossa vida
como Provincia , tentava - se solucionar tão complexo problema.
Haverá, entretanto , alguem que consiga , um dia , resolvê -lo ?
Eis a dolorosa interrogação que fica a bailar no ar . A velha
questão da localização do meretricio, tão delicada quanto
premente, perdurará ainda por muito tempo , preocupando todas
30 Excertos de Palestras Radiofônicas

as administrações, até que algum governo mais corajoso o


encare com destemôr, frente a frente, com vontade de vencê-lo ...
( Transcrito do programa de quarta- feira, 17-6-1953 )

Temos, nesta noite, sensacional revelação para os nossos


caros ouvintes e para os que realmente se interessam pelas
coisas do nosso passado histórico, principalmente pelas coisas
do São Paulo antigo. Imaginem os senhores que, ainda há
poucos dias, dois funcionarios do Arquivo do Estado, remexendo
na velha papelada alí depositada , e que não é pouca , conser
vando-se na sua maioria ainda inédita sempre no afā de
descobrir novidades, se é possivel novidades em coisas velhas,
acharam certo documento que lhes chamou vivamente a atenção
pela originalidade do amarelecido papel.
Os dois funcionários do Arquivo e que são os senhores
José Henrique Soares Falcão e Moacyr Reys , manuseando o
precioso documentário , viram com surpresa , que se tratava de
velha partitura musical, de autoria de Manuel Martins Ferreira
de Andrade, institulada “ Hino da República Federal Brasileira ”
e que tudo leva a crer, ficou absolutamente no original até
hoje. Quem teria sido esse musicista Manuel Martins Ferreira
de Andrade ? Ninguém nos soube informar. A não ser que
algum dos nossos prezados ouvintes o saiba e, se o souber, pe
dimos por gentileza que nos mande informações a respeito,
que ficaremos sumamente gratos. Outra curiosidade que nos
beliscou , e que ficou também sem resposta , foi a de côlher o
motivo por que tal partitura completa desse " Hino da Repú
blica Federal Brasileira " , de Manuel Martins Ferreira de
Andrade, sem qualquer data e sem qualquer referência do seu
ofertante , foi bater entre os calhamaços do Arquivo do Estado.
( Transcrito do programa de quarta - feira , 20/5/1953)

Por pesquisa do Dr. Antônio Paulino de Almeida , funcio


nário do Arquivo do Estado , acabam de ser encontrados no
maço II dos Docuinentos Coloniais, vários dados estatísticos,
devéras interessantes , e que demonstram quão florescente era
o litoral paulista nos tempos de antanho . Assim , por exemplo ,
em 1827 , há pouco mais de um século , quando ainda era bem
insignificante a produção da província , sabem a quanto atingia
a exportação da minúscula vila de São Sebastião ? Escutem
e pasmem : 10.411 arrobas de café ; 1.104 arrobas de fumo ;
e 1.463 arrobas de açucar ! Devemos acrescentar que o
açucar , não muito mais tarde, chegou à espantosa cifra de 20
mil arrobas ! Naquele ano ali existiam 18 fábricas de fumo.
Que tal ? Como os velhos paulistas fumavam heim ?
Os documentos daquela época colonial revelam -nos coisas
extraordinárias ainda . No ano seguinte , isto é, em 1828 , 18.612
arrobas de café foram embarcadas em São Sebastião , além de
2.293 de açucar ; 3.610 arrobas de fumo ; e nada menos de
60 mil têlhas , 30 mil peças de louça de barro , tijolos , etc.
Anos depois , em 1839 , elevava-se ainda a exportação do café
para 20.753 arrobas, além do fumo , açucar, louças de barro,
Excertos de Palestras Radiofònicas 31

com mais de 44 mil peças, 10 arrobas de algodão , águas ardentes


e até cebolas, cuja produção foi de 5 mil molhos !
Em 1854 , quase há um século, São Sebastião possuía
nada menos de 106 fazendas de café, em que labutavam 2.185
escravos, produzindo 86 mil arrobas de café, num total de 104
contos de réis ! E em 1858 , atingia a importação por aquele
porto paulista a mais de 300 contos de réis, sendo 34 :2989000
só de mercadorias nacionais e 203 : 145 $ 000 de mercadorias
estrangeiras ! Que maravilha ! Não ?
( Transcrito do programa de quarta- feira, 13/5/1953 )

É costume , em nossos dias, em cada fim de exercício finan


ceiro, tentarem as administrações públicas prever a receita e
a despesa para o ano seguinte , de maneira a equilibrar as
finanças . ! E surgern então os debates através das tribunas das
Câmaras e das colunas dos jornais. Perde-se um tempo enorme
e gastam -se rios de tinta ... No entanto , esta história de
" deficits” não é problema novo e dificilmente será um dia su
perado . À guisa de curiosidade, vamos trazer para os ouvintes
dados colhidos em documentos existentes no Arquivo do Estado ,
no livro 110 dos Oficios do General Franco e Horta , governador
de São Paulo . Êsses documentos acompanharam o ofício n.º
9 , de 21 de fevereiro de 1803 , e devemo-los à pesquisa da fun
cionária Da . Consuelo Tupinambá :
No ano de 1802 , apesar dos rendimentos terem sido de
77 : 134 $232 e as despesas de 104 : 781 $ 190 , o " deficit” da Real
Fazenda foi de 27 : 6468958 ! Entre os documentos vinha esta
observação : “ Sendo o “ deficit ” aproximado até o ano de 1800
de 90 : 536 $000 , ajuntando - se o excedente da despesa à receita
dos anos de 1801 e 1802 , computado por igual com o de 1802 ,
supra mencionado de 27 : 646$958 , fazem 55 : 393$916 , portanto
vem a ser o “deficit" aproximado desta Capitania até o fim de
1802 de 145 : 929 $996 ! Ouviram bem ? 145 contos de “ de
ficit ” . Isso , naquela época , deveria ser quantia fabulosíssima !
Não menor , provavelmente , do que os " deficits” atuais , embora
as cifras modernas carreguem muito mais zéros , nos seus finais ,
neste século dos milhões de cruzeiros ...
( Transcrito do programa de quarta-feira , 13/5/1953 )

Os alunos das nossas escolas , atualmente , reclamam por


vezes , contra os exames a que são submetidos, taxando -os de
excessivamente rigorosos. A queixa , todavia , não é nova .
Vem de muito longe, de longa data , talvez. É pelo menos o que
se conclui lendo um ofício existente no livro n.º 110 , do Ar
quivo do Estado , e encontrado graças à pesquisa da funcionária
Da . Consuelo Tupinambá . O documento em questão vem
datado dos primórdios do século passado e assinado pelo então
Governador e capitão-general da Provincia de São Paulo e está
vasado nos seguintes têrmos : Escutem , pois é bem curioso :
" Antonio José da Franca e Horta , professo na Ordem de
Cristo, fidalgo da casa de Sua Alteza , governador e capitão
general, inspetor dos Estudos desta Capitania de São Paulo,
32 Excertos de Palestras Radiofònicas

etc. , etc. Faço saber que, desejando procurar os meios mais


concorrentes para se conseguirem os progressos dos estudos, e
conhecendo o grande obstáculo que para os mesmos se encon
tram, uma vez, que não são bem conhecidos os princípios e se não
formam justas idéias das matérias precedentes, sou servido
ordenar :

1. ° — Que dêste ano em diante , todo o estudante deve fazer


exame das matérias que estudar no ano letivo ; aos quais se
procederá no fim do mesmo ano , a que assistiremos o ilmo. sr.
Bispo desta Capitania e Eu , com todos os lentes . Dêste exame
cada um há de receber um documento passado pelos lentes e
rubricados por s. excia , revdma , e por mim , para poder entrar
no seguinte ano , e para poder constar ao lente respectivo de
sua aprovação , sem o que não poderá receber .
2.0 Os lentes devem ter um caderno mensal com os
nomes dos seus discípulos, onde anotarão as suas faltas , para ,
no fim do ano , conhecer da sua bộa ou má frequência , nas
conferências que hei de ter com os lentes.
3.0 Deve em todos os sábados haver Sabatinas, tirando
se os arguentes e defendentes por sortes, para que as haverão
com os nomes de todos, as quais serão extraídas da sua com
petente caixa pelo lente respectivo, de que fará assento, assim
como do modo como fizeram a dita sabatina, que deve abranger
a matéria de toda a semana : advertindo que os arguentes devem
ser o duplo dos defendentes e o número de uns e outros , a terça
parte dos discípulos , não excedendo vinte e sete, porque então
nunca se extraírão mais de três defendentes e seis arguentes.
4. ? - Vinte e quatro horas antes das que se designarem
para os exames , se extrairão por sorte os pontos em que os
alunos devem ser examinados, os quais serão regulados pelos
mesmos lentes nas matérias em que devem examinar -se , e
proporcionais ao tempo que se emprega nos exames.
As horas para as aulas são para a Gramática Latina, duas
de manhã , duas de tarde ; para as de Retórica , hora e meia de
manhã ; para a de Filosofia , hora e meia de manhã , e para as
de Matemática , o mesmo tempo igualmente de manhã . Conie
çarão a de Gramática e a de Filosofia às 8 horas , a de Retórica .
às 10 , e a de Matemática, às 9 e meia .
A ordem dos estudos é ler , escrever, Gramática Portuguesa ,
e Aritmética , até a parte que compreende as quatro especiais.
2.0 Gramática Latina em todas as suas partes .

3.0 Retórica

4.0 Filosofia Racional , ordem que por título nenhum se


inverterá , de modo que o do 2.º não poderá ser admitido ao
4.° sem aprovação do 3.º pela frequência , ou tendo estudado
particularmente , fazendo exame da mesma sorte que se esti
vesse frequentado os estudos, e o mesmo digo dos mais anos.
Atendendo a falta dos estudos matemáticos, indispensáveis
no Corpo de Artilheria, hei por bem dispensar por esta vez os
conhecimentos que não sejam os absolutamente necessários e
preliminares, para entendcrem já matricular no 1.º ano. Para
exercer esta cadeira , nomeio o capitão de artilheria montada,
Excertos de Palestras Radiofônicas 33

Joaquim de Oliveira Alves, por se achar ausente o major Tomás


da Costa Corrêia Rebelo e Silva , que pela sua patente era
obrigado a reger efetivamente a dita cadeira.
Quartel General de São Paulo , 21 de janeiro de 1803 . As
sinado : Antonio José da Franca e Horta ” .
( Transcrito do programa de quarta-feira, 13/5/1953 )

Um governador, hoje, deplora que as 24 horas de cada dia


sejam tão curtas ..
Parece , entretanto, que o mesmo não se dava no início do
século passado . O governador tinha tempo até para tratar de
situações de família , que , ao seu ver, poderiam causar distur
bios de caráter moral . Assim é que , por pesquisa da funcio
nária Da . Consuelo Tupinambá , verificamos constar do livro 90
de Cópia de Ofícios do Governo interino, datado de 1818, um
ofício do teôr seguinte :
“ Para o Capitão das Ordenanças da Freguezia da Penha :
Tendo em consideração ao que nos representou o Reverendo
Vigário dessa Freguezia , José Rodrigues Coelho, sôbre o es
cândalo com que vive amancebado Antonio José Gonçalves com
Theodora Maria , o resultado daqui sevícias com que trata a
sua verdadeira mulher, sem atender às admoestações de seu
pároco : ordenamos a V. mercê mande ir à sua presença os
sobreditos Antonio José Gonçalves e Theodora Maria, e os
advirta da nossa parte, deixar de assim viver e aquele que viva
em paz e sossego com sua mulher e quando assim o não obser
vem , v . mercê nos dirá prontamente parte para determinarmos
o que for conveniente . Deus guarde a V. mercê. São Paulo ,
17 de outubro de 1818 . D. Mateus Bispo D. Nuno Eugenio
de Locio e Seiblis e Miguel José de Oliveira Pinto ” .
Se isso fôsse possível acontecer em nossos dias, quantos
ofícios deste teôr teria o governador que fazer ? Em tão pris
cas éras, governantes e governados tinham , porém , tão pouco
em que se ocupar ...
( Transcrito do programa de quarta- feira, 18/3/1953)

Os paulistas sempre foram um povo combativo, lutador.


Lutavam contra a inclemência do tempo , contra as féras , contra
os insetos . contra o incola . Mas às vezes, também , viam-se
obrigados a lutar contra c pirata invasor . Pelo menos é o que
se pode depreender de uma carta do governador interino de
São Paulo , em 1819 . .Leiamos o documento , tal como o obti
vemos, através da colaboração de Da . Consuelo Tupinambá ,
funcionária do Arquivo do Estado :
“ Para o capitão-mór João da Silva Cruz . Por oficio de 18
de Dezembro do ano próximo findo , dirigido pelo capitão -mór
José Alves Granadeiro , comandante militar da Vila de Ubatuba .
nos foi presente haver aportado na Ilha dos Porcos una em
barcação de piratas ; o que participamos a V. Mercê não só
para sua inteligência , como para que dê as necessárias provi
dências a fimde que o mencionado Pirata não cometa algum
atentado nas Embarcações dos Proprietários dêsse Distrito.
Deus guarde , etc. São Paulo , 26 de Janeiro de 1819 . D. Ma

1
34 Excertos de Palestras Radiofônicas

teus, Bispo D. Nuno Eugenio de Locio e Seibiis e Miguel


de Oliveira Pinto " .
As providências pedidas na carta foram tomadas. Mas a
penúria de armamentos , por parte do destacamento militar, deu
em resultado que os piratas, ao invés de se aterrorizarem , até
mesmo se tenham , provavelmente , rido nas barbas dos encarre
gados de escorraçá - los ... Prova disso é outra carta , que se
encontra no livro n.º 90 , de Ofícios da Capitania , hoje sob a
guarda do Arquivo do Estado. A leitura foi feita pela mesma
funcionária Da. Consuelo Tupinambá. Ei-la :
" Para o Brigadeiro Candido Xavier de Almeida e Souza .
Havendo chegado à Ilha dos Porcos no Distrito da Vila de
Ubatuba uma embarcação de Piratas , mandou revistá -la pelo
Destacamento alí estacionado o capitão -mor José Alves Grana
deiro , comandante inilitar do mesmo distrito , e porqlie os sol
dados que foram fazer a mencionada revista não levaram armas
por não as terem , os ditos Piratas fizeram muito pouco caso
dêles, por tanto ordenamos a V. S. que do Armazem dessa
Praça , faça remeter 40 armas , e entregar ao referido capitão
José Alves Granadeiro, o qual deve passar o competente
recibo e isto com a brevidade possível. Deus, ctc . São Paulo ,
26 de Janeiro de 1819. D. Mateus, Bispo' .
( Transcrito do programa de quarta - feira , 18/3/1953 )

Muitas vezes , amigo ouvinte , há coisas bem curiosas na


documentação antiga , nos velhos papéis ... Mais do que curiosas,
até inconcebíveis. Que se diria se hoje , por exemplo, um
governante mandasse que se fizesse a entrega de um cavalo
ou de um burro em plena sala do governo ?
No entanto, é isso o que consta de um ofício do governo
interino da Capitania , tal como foi copiado pela funcionária
Da . Consuelo Tupinambá ( livro n.º 90 da Secção Histórica )
Escutem e pasmem :
“ Para o sargento-mór Comandante das Ordenanças da Vila
de Jacareí. O Capitão Elesbão Lopes Duro nos representou
que nessa Vila e em poder de pessoa que V. Mercê sabe , há uma
besta russa pequena , e outra de pêlo de rato com a marca R
do lado de montar.
" Ordenamos a V. Mercê prossegue o mesmo oficio
as mande tirar de onde quer que estiverem , e as remeta à
sala dêste Governo para se lhe dar o conveniente destino por
pertencerem à Sua Magestade. Deus guarde a V. Mercê São
Paulo , 3 de novembro de 1818 . D. Mateus , bispo — D. Nuno
Eugenio de Locio e Seiblis e Miguel José de Oliveira Pinto ” .
( Transcrito do programa de quarta-feira, 25/2/1953 )

Sempre se falou , e muito , em todos os tempos, sobre


patriotismo , entusiasmo pelas grandes coisas, amor à nação e
em muitas coisas semelhantes. A maioria , porém , deseja arenas
armar efeito . E nada mais. Quando aparece alguém, modesto
embora , fazendo tudo isso com sinceridade e com lealdade, é
de ficar a gente espantada .
35
Excertos de Palestras Radiofônicas

Pois é o caso de um documento encontrado no pacóte n.º


822, da 1.a Secção do Departamento do Arquivo do Estado,
pelo funcionário sr. José Henrique Soares Falcão .
Por ocasião da declaração da República, naquele 16 de
Novembro de 1889 , aqui em São Paulo, criou-se um governo
provisório, integrado por Prudente de Morais, Rangel Pestana
e Coronel Joaquim Mursa . A ésse governo provisório, foram
dirigidas centenas de cartas , ofícios , abaixo-assinados, etc. ,
todos hipotecando solidariedade , congratulando-se com o regime
ou declarando fé no novo sistema de governo . E entre as mui
tas missivas enviadas, encontra -se a do 1.º escrivão do judicial ,
que reza assim , numa linguagem bem expressiva :
“ Estado de São Paulo , 30 de novembro de 1889 . Cidadãos :
Como patrióta e ardente soldado da Democracia , ponho à vossa
disposição, para ocorrer ao pagamento da dívida externa , um
por cento sobre a lotação oficial , da quantia de 1 :500$000 — do
pequeno ofício de justiça que exerço como serventuário .
Não posso fazer mais . Atento ao exiguo rendimento do ofício
e à grande responsabilidade do não pequeno peso da família
que tenho e que se compõe de oito pessoas .
Resta-me, entretanto , máxima bôa vontade e muito pa
triotismo Sentimentos estes expontânemente nascidos dea
um coração amigo . Saúde e fraternidade aos distintos cidadãos
chefes do governo provisório do Estado da capital de São Paulo.
O 1.° Escrivão judicial do mesmo, Francisco Carlos Augusto de
Andrade ” . Como se vê, sem fazer alárde público do seu amor
à Pátria , declarava - se o modesto 1.º escrivão judicial disposto
a doar parte de suas rendas para pagamento da nossa dívida
externa . A soma oferecida era pequena , não há dúvida .
evidente, porém , que o que vale é o gesto. Quantos fariam o
mesmo , nos dias atuais ?
Outra carta bein curiosa , entre as muitas enviadas ao go
vêrno provisório, naquela ocasião, encontrou o Sr. Soares Fal
cão esta, subscrita por um cidadão norte-americano :
“ São Paulo , 25 de novembro de 1889. Cidadãos membros
do Governo Provisório do Estado de São Paulo : O abaixo
assinado, cidadão dos Estados Unidos da América, vem , respei
tosamente, perante_vós, pedir Carta de Naturalização como
cidadão brasileiro. Residindo neste país há mais de vinte anos,
êle tem resistido a todos os argumentos e pedidos para tornar
se cidadão, não querendo ser súdito duma monarquia .
“ Agora, sob a aurora auspiciosa que alumía o horizonte ,
êle julga que a condição de cidadão é, não só um prazer e uma
honra, porém um dever parentório. Ele promete ser um bom
cidadão é empregar seus melhores e maiores esforços para o
aproveitamento e adiantamento da sua nova pátria adotiva ,
esperando que, no decurso de alguns anos, este país, seguindo
sempre no caminho encetado, chegará a ser, ao menos, o digno
rival da grande República do Norte .
Viva a República dos Estados Unidos do Brasil ! Viva o
Estado de São Paulo ! Espera receber mercê . Assinado O
Professor John H. Bryan , A. B." .
( Transcrito do programa de quarta-feira, 25/2/1953 )

Muitas e muitas vezes , a muita gente tem ocorrido indagar


por que razão as cidades do litoral , com exceção da de Santos,
36 Excertos de Palestras Radiofônicas

não se desenvolveram como deviam , não progrediram igual


mente . A resposta nos é dada pelo Dr. Antonio Paulino de
Almeida , funcionário do Departamento do Arquivo do Estado,
baseado em documentos existentes naquela repartição.
É da história que as antigas vilas da marinha não foram ,
nos tempos coloniais, ricas e prósperas . Eram , entretanto , o
grande celeiro onde iam abastecer-se outras populações. Várias
estradas , tanto do norte como do sul , colocavam -nas em comu
nicação com a região do planalto , recebendo e exportando para
diferentes pontos do país mercadorias de toda a espécie . Ser
viam -se para tal de navios à vela, que navegavam , ora para
Pernambuco e Bahia , ora para Montevidéu e Buenos Aires.
Tão importante era êsse intercambio que, no período de
1835 a 1836 , o valor das mercadorias exportadas pelos portos de
Ubatuba e São Sebastião , elevou -se a mais de 700 contos de
réis ! Santos, ao contrário, carecia de importância. Era praça
comercial das mais fracas : “ porque não passavam de três ou
quatro os compradores coligados, cada um dêles prometendo
menos, porque, de mão comum , o que um ajustava se repartia
por todos ” .
São Paulo necessitava de gêneros . Santos reclamava - cs
também . o transporte marítimo era o mais rápido , o mais
admissível . Foi então que apareceu o célebre “ bando ” de D.
Bernardo José de Lorena , o qual proibia terminantemente o
despacho de embarcações dos portos de São Paulo para qual
quer outro, sem que “ primeiramente” fizesse escála por Santos.
Contra êsse ato protestaram as demais vilas da marinha,
demonstrando os prejuízos causados , não só aos donos das em
barcações como aos agricultores porque , desaparecendo a nave
gação , nem mais as tropas que desciam do Planalto alí volta
riam , rumando para Parati, enquanto que " os efeitos ficariam
nas roças ou apodreceriam nos paiois, ficando o povo na maior
consternação e pobreza ” .
E os protestos cada vez mais violentos repetiam - se ate que ,
com a vinda do novo capitão- general, D. Manuel de Melo Castro
e Mendonça, voltaram-se para ele as esperanças dos habitantes
daquelas vilas, nada conseguindo.
E o exodo da população continuava, quando novos “ ban
dos” surgiram , determinando que os habitantes do litoral ace
lerassem os serviços de abertura de estradas de Santos para São
Paulo , onde numerosos dêles já haviam perecido vitimados pelas
fébres, o que levou o capitão-mór de São Sebastião a informar
sôbre as dificuldades para conseguir novos trabalhadores , por
que , dizia ele, “ na estrada do Cubatão existiam mais ossos do
que pedras ” .
Substituído o governador Melo e Castro pelo general Fran
co e Horta, em 1802 , renovaram -se as esperanças do litoral ,
empobrecido e despovoado . Entretanto , longe de atender aos
anseios daquela população , tratou o novo governador de expedir
a portaria de 23 de junho de 1803, pela qual, declarando-se
“ protetor dos povos da Capitania ” e dizendo ser “ para o bem
de todos” a ninguem permitia embarcar gêneros para outros
portos que não fossem os do Reino e o de Santos.
Como resposta , os sebastianenses fugiram para as matas
e transferiram - se para o interior , a fim de não serem captura
dos para os trabalhos da pesca de baleias ou da estrada de
Cubatão , enquanto os habitantes do litoral sul retiravam -se
para a região de Serra- Àcima , que era como se chamava a
Excertos de Palestras Radiofônicas 37

cidade de São Paulo , Paranaguá e Curitiba , uma vez que o


governo “ não punha os olhos naquele pobre povo que vivia
oprimido e atrasado com novas imposições em todos os efeitos”.
Em Cananéia e Iguape , foi a agricultura abandoriada ,
extinto o trabalho nos estaleiros e a fróta mercante de que
dispunham , levada para os portos do sul de onde nunca mais
voltou . Em Ubatuba , porém , em sinal de protesto , os donos de
engenhos desarmaram -nos, ao mesmo tempo em que deitavam
fogo aos canaviais ... Eram assim os bandeirantes ...
( Transcrito do programa de quarta-feira, 25/2/1953 )

Antigamente , o problema da localização do meretricio já


existia e já preocupava as autoridades de antanho, mesmo no
tempo colonial. As mulheres chamadas de “ vida fácil” , por
medida de segregação social , eram afastadas do centro da cidade ,
conforme se depreende do seguinte documento inédito , que se
encontra no Arquivo do Estado , e cuja pesquisa se deve ao fun
cionário Dr. Antonio Paulino de Almeida . O caso foi assim :
Francisco Franco da Rocha, comandante da freguezia de
Piracicaba , com data de 20 de janeiro de 1807 , dirigiu ao go
vernador Antonio José da Franca e Horta, um ofício bem
curioso a respeito de uma tal Maria Flor de Morais , “ por ser
mulher de natureza péssima , causa de discordias e inimizades,
atrevida , arrogante no falar ” . Vale a pena transcrever na
íntegra o interessante documento avulso , até hoje conservado
inédito, como já dissémos . Ouçam -no, no seu linguajar bem
pitoresco e desataviado :
" Meu Senhor Exmo . Nesta ocasião, remeto a lista e mapas
gerais do meu comando ao coronel secretário , e de alguna im
perfeição dela suplico a V. Excia. haja de desfalsar em atenção
o não haver neste sertão quem a faça melhor .
" Exmo. sr. Maria Flor de Morais apresentou -me o respei
tável despacho de V. Excia . deferido em um requerimento com
que se dirigia à presença de V. Excia . ao qual sem embargo de
ter dado já cumprimento a éle, contudo se me oferece contra
dizer ao dito requerimento ex -vi da falta de verdade em certos
pontos, primeiramente que dizendo ela tinha cessado a causa ;
“ porque foi exterminada , não tem dado provas disso, pois
não é obstante a separação de sete léguas para deixar de haver
comunicação, ainda mais estando ela na paragem Capivari, que
não difere da estrada que vai para as vilas de Itú e Pôrto Feliz ,
para onde está o cumplice atualmente passando, nem meio quar
to de légua maiormente , por me constar, que o dito nas suas
passagens fas a aposentadoria em um rancho distante da casa
dela duzentos passos mais ou menos .
“ Tambem diz que tivera tido gravíssimos prejuízos causa
dos da exterminação, cujos eu ignoro, especialmente em dizer
que deixou sua casa e mais móveis, pois a casa onde estava
habitando foi uma das causas da separação por estar plantada
em terras do cumplice , distante daquele vinte passos em rigor.
" Juntamente implorou a sua recolhida para esta freguezia
com o pretexto de vir viver em companhia da mãe e irrra, o
que já faltou porque antes situou-se em uma paragem remcia
onde fácilmente prosseguir no seu antigo habitato , lugar dis
tante a casa do dito meia légua.
38 Excertos de Palestras Radiofônicas

“ Sobretudo , meu senhor exmo . , não convem que esta mu


lher resída nesta freguezia por ser de natureza péssima, causa
de discórdias e inimizades, atrevida e arrogante no falar, pondo
calunias infamatórias no meu comando , e no que respeita ao
pastor espiritual , e neste tempo de sua ausência tem est:ado esta
freguezia com outro sossego e harmonia : o que daqui em dian
te não sucederá se V. Excia . não der providência .
“ Ela aqui não tem que perder e só lhe resta a amorosa
companhia de sua mãe e como esta é despresada nada mais tem
que possa alegar . E para prova da minha verdade em iodo o
tempo do meu comando, ainda não me atreví a fazer uma re
presentação a V. Excia . senão agora , pois esta vinda desta
mulher para esta freguezia é sumamente nociva por ser ela
causa de todas as causas .
" Nada mais me resta representar a V. Excia . que como tão
reto defirirá o que for de justiça. Deus guarde a V. Excia .
para amparo deste povo por muitos e dilatos anos. Freguezia de
Piracicaba , etc.”
Não sabemos qual o resultado de tal representação do co
mando de Piracicaba ao governador da Província : naturalmente
atendeu - a . A tal Maria Flor de Morais deve ter ido bater
longe ... O páu sempre quebra do lado mais fraco .
( Transcrito do programa de quarta - feira, 4/2/1953)

O Departamento do Arquivo do Estado constitui um pre


cioso manacial de coisas bem interessantes. Assim é que , entre
a sua vasta documentação , em sua maioria ainda inédita, fomos
encontrar há poucos dias , com a colaboração do funcionário ,
sr. J. David Jorge, no livro 17 (manuscrito ), à página 154,
curiosíssima Carta Patente, expedida pelo Capitão General
Governador da Capitania de São Paulo , D. Luiz Antonio de
Souza Botelho Mourão , mais conhecido pelo título de Morgado
Mateus .
O Morgado Mateus , que administrou durante dez anos , com
rara inteligência , grande talento e bôa justiça , a vasta Capitania
de São Paulo, era um homem dinâmico , empreendedor, severo
por vezes , sendo apontado como um dos mais ilustres capitães
generais que por aqui aportaram .
Para termos uma ideia de quanto isto por aqui era grande,
basta dizer que a provisão de 9 de maio de 1748 desmembrou
da Capitania de São Paulo os territórios que formaram então
as novas Capitanias de Goiás e Mato Grosso ; e a administração
paulista passou às mãos do comandante da Praça de Santos, sob
as ordens diretas do Vice - Rei do Brasil . Foi uma clamorosa
injustiça contra São Paulo , como se vê ... A Carta Régia de 6
de janeiro de 1765 , porém , veiu sanar tal inj iça com a no
meação de D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão para
“ Governador e Capitão - General da Capitanía de São Paulo na
mesma forma e com a mesma jurisdição que já antecedente a
houve nela ” .
O restabelecimento da Capitanía de São Paulo obedeceu
principalmente afirma-nos Macedo Soares à necessidade
de defender a colonia portuguêsa contra prováveis incursões dos
Castelhanos.
Excertos de Palestras Radiofônicas 39

D. Luiz Antonio de Souza, antes mesmo de sua posse em


São Paulo , ao desernbarcar em Santos , tomou várias providên
cias no sentido do renascimento militar dos paulistas. O seu
fecundo governo começou com iniciativas tendentes a reorga
nizar as tropas regulares e criar tropas auxiliares não remu
neradas.
Foi na sua gestão , de 1765 a 1775 , que se realizou , por sua
ordem , o primeiro recenseamento de São Paulo , cuja documen
tação ainda existe , carinhosamente guardada no Arquiro do
Estado. Tal documento vale, num impressionante confronto ,
para demonstrar como , nos dias de hoje , São Paulo cresceu
vertiginosamente . A pequenina e inexpressiva São Paulo de
ontem tão diferente da babélica metrópole dos dias atuais ...
Aproveitando , talvez , o espírito da época , o Provedor e
mais elementos da Irmandade de Santo Antonio , eréta pelo
Bispo na Capela filial da Sé de São Paulo , representaranı ao
Governador e Capitão-General D. Luiz Antonio de Souza pe
dindo para o taumaturgo um posto nas fileiras militares .
Foi , então, que o 9.º capitão-general nomeado para São
Paulo assinou a Carta Patente , a que nos referimos no começo
desta crônica , e que confere ao glorioso e milagroso S. Antonio
de Lisbôa o posto de Coronel das Tropas da Capitania. Assim,
em terras paulistas , S. Antonio ascendeu ao posto mais elevado
o de Coronel na sua surpreendente carreira militar pós
tuma no Brasil .
A patente de Coronel que, aquiescendo ao pedido dos mem
bros da Irmandade, o Morgado Mateus passou a Santo Antonio,
está redigida da seguinte fórma :
" Patente porque S. Excia. há por bem oferecer ao Invicto
e glorioso Santo Antonio o posto de Coronel das Tropas desta
Capitanía, para que abençoando-as e formando-as debaixo de
Seu patrocínio, as ampare, e proteja em todos os seus movi
mentos.
“ D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão , Morgado de
Mateus, Fidalgo da Casa de S. Magestade e do seu Conselho ,
Senhor Donatário da Vila de Ovelha do Marão, Alcaide Mor,
e Comendador da Comenda de Santa Maria de Vimioza , da
Ordem de Cristo, Governador e Capitão-General da Capitanía
de São Paulo, Governador atual do Castelo da Barra de Viana,
etc.
" Faço saber aos que esta minha Carta Patente virem , que
sendo - me presente por parte do Provedor e mais Irmãos da
Irmandade do Senhor Santo Antonio , erecta pelo Ordinário na
Capela filial da Sé desta cidade, que para aumento da devoção
do mesmo Santo e à imitação do que se tem praticado nas mais
Capitanías deste Brasil , me pediam lhe mandasse passar a
patente de Coronel dos Regimentos desta Capitanía ;"
Atendendo a que o sobredito Santo é admirável em mila
gres e singular protetor dos portugueses, e Santo do meu nome,
muito poderoso para com o senhor dos Exercitos, que tem sua
mão : hei por bem de lhe oferecer como por esta lhe ofereço ,
humildemente , e com toda a devoção , o posto de Coronel das
Tropas desta Capitanía de São Paulo, e lhe rogo queira recebê
las debaixo da sua grande proteção, abençoando-as triunfar e
dilatar os domínios de S. Magestade Fidelíssima com gloria da
Nação , que lhe deu o ser .
" Pelo que ordeno aos Oficiais e Soldados das Tropas de
toda esta Capitanía reconheçam ao Glorioso e Invicto Santo
40 Excertos de Palestras Radiofônicas

Antonio por seu Coronel , e como tal recorrerão para os provar


de Remedio em todas as suas necessidades assim temporais
4

como espirituais.
“ E por firmeza do referido mandei passar a presente, que
vai por duas vias , por mim assinada , e selada com o sinete de
minhas armas . Dada nesta cidade de São Paulo. Pedro Mar
tins Coimbra, oficial da Secretaria a fez aos 5 de janeiro de
1767. Tomaz Pinto da Silva , Secretário do Governo , a fez
escrever . D. Luiz Antonio de Souza ” . Isto há quase duzen
tos anos .
Em 1771 , 0 Almoxarife da Fazenda Real recebia de D.
Luiz de Souza para entregar ao Sargento -mor, Manuel Zuniga,
pólvora para as salvas “ no dia de Santo Antonio, Coronel das
Tropas da Capitanía " . E assim continuou durante toda a épo
ca colonial ...
Durante todo o período colonial e no regime imperial
afirma -nos Macedo Soares foi sempre pago sôldo devido ao
militar Santo Antonio de Lisboa . Raramente foram criadas
dificuldades a tal pagamento .
Logo no começo da República , deixaram de pagar o soldo
do Tenente - Coronel Santo Antonio . Isto no Rio de Janeiro .
O velho frade , Provincial desde 1870 , dirigiu-se ao Ministro
da Guerra , Marechal Floriano Peixoto , pedindo-lhe que não
fosse suspensa a congrua devida ao Santo .
Frei Diogo de Freitas , em seu opúsculo “ Convento de
Santo de Santo Antonio ” , conta o diálogo entre o ministro e frei
João do Amor Divino da Costa :
“ Mas, Padre , que congrua é esta ? Me explique que coisa
é ”. “ É dinheiro de Santo Antonio ” , respondeu o Provincial
meio atrapalhado .
“ Ah ! Já sei diz o Marechal é o soldo de Santo An
tonio !” E mandou expedir um aviso determinando que conti
nuasse a ser abonada à imagem de Santo Antonio do Rio de
Janeiro o sôldo a que tinha direito .
Até junho de 1911 , foi pago regularmente no Rio de
Janeiro o soldo do Santo . Nessa ocasião deixaram de fazê -lo,
"em virtude de novo litigio com o governo” . Era presidente
da República o marechal Hermes da Fonseca e ministro da
Guerra o general Mena Barreto .
Daí por diante nunca mais se pagou . Foi uma ordem
arbitrária , já se vê .
Não há nenhum ato oficial anulando os
Decretos e Cartas Patentes . Há apenas no Livro 486 , n .° 5 ,
“ oficiais reformados ” , na página 311 , uma declaração escrita a
lapis azul , sem assinatura : “ Privado do soldo até 2.8 ordem " .
O tenente José de Macedo Braga , da Diretoria do Arquivo
do Exército , fez o cálculo dos vencimentos a que tem direito
Santo Antonio , de julho de 1911 a novembro de 1920 , e veri
ficou que lhe estavam devendo 28 : 2403000 ...
Em fevereiro de 1923 , o guardião do Convento de Santo
Antonio do Rio tentou de novo receber êsses atrasados e reque
reu .. O ministro da Guerra mandou ouvir o Consultor Geral
da República , o Dr. Rodrigo Otavio . Sua opinião foi desfa
vorável : que não se pagasse, “ a não ser que se apure que as
ordens anteriores foram competentemente revogadas”.
Seja qual for a aplicação a ser dada aos vencimentos do
tenente -coronel Santo Antonio conclui sôbre a curiosa
questão o historiador Macedo Soares o que não padece
dúvida é que enquanto não for anulado o decreto de 26 de julho
Excertos de Palestras Radiofônicas 41

de 1814 e outros atos oficiais , como sensatamente declarou o


marechal Floriano Peixoto , no Aviso n .° 42 , evidentemente
que não está perento o direito de Santo Antonio de Lisboa de
receber o sôldo de Tenente -Coronel do Exército Brasileiro ...
E assim ficou sem solução até hoje a bem interessante dúvida
sôbre os sóldos a que tem direito o glorioso e invicto taumaturgo.
Houve quem dissesse que os pagamentos de soldo , no Exército ,
só podem ser feitos só próprio , só mesmo ele operando mais
um milagre, e con parecendo em pessoa junto ao guichê do
pagador ...
( Transcrito do progr ? m ?. de quarta - feira, 7/1/1953 )

Entre os livros de Câmaras do interior, recolhidos ao


Departamento do Arquivo , devemos a informação ao Dr. .

Antonio Paulino de Almeida , digno paleógrafo e chefe da


Secção do Arquivo Histórico dessa repartição encontra -se o
de Receita e Despesa da antiga vila de São João Batista de
Cananeia ,
Das despesas pagas pela Câmara de Cananeia sobressaem
as dos anos de 1762 , 1775, 1777 e 1778 . A primeira referente
às festas realizadas por ocasião do feliz nascimento do novo
principe e que foram :
Por um estandarte e mais preparos para o dito ' 13 $ 100 .
Por 4 patacas que se pagou ao Rev. Vigário por uma Missa
cantada : 1 $280 .
Por uma dobla que se deu ao Rev. Missionário pelo ser
mão : 125800 .
Por 4 patacas aos músicos , por cantarem a Missa : 1 $ 280 .
A curiosidade aí , reside no valor estipulado para as várias
remunerações de serviços . Enquanto aos músicos ( não se sabe
quantos, mas que deveriam ser vários ) , se pagava a quantia de
1$280 ( 4 patacas ) , por cantarem a missa , o Rev. Vigário, apenas
pelo sermão, recebia a soma exatamente igual ao décuplo , ou
seja 129800 ! É o caso de dizer- se : deve ter sido um sermão
de substância ... 0 do Rev. Vigário de Cananeia , naquela
ocasião !
Para as mesmas festas em Cananeia , em regozijo pelo nas
cimento do príncipe , dispendia mais Procurador da Câmara :
Por uma arroba e meia e sete libras de pólvora : 26$400. Por
uma arroba e quatro libras de cêra que se gastou na dita festa :
239040 .
Por uma arroba e meia e sete libras de pólvora : 26 $ 400 .
Por mais gastos que se fez na dita festa : 39880 .
Total : 181 $ 780 .
A soma dispendida em cêra foi de 23 $040 . Seria muito
ou pouco ? Para podermos saber, basta que leiamos certo trecho
do testamento de Ana Costa publicado no Vol . 34 de “ Inven
tários e Testamentos”, e no qual “ um lanço de casas assom
bradas, na rua Direita de Santo Antonio , foi avaliada em
249000 ” . Isto em 1643 !
Uma arroba e quatro libras de cêra ... Seria muito ?
Aparentemente , sirn . Mas quando nos lembramos que essa
cêra era usada para a iluminação, tal quantidade já não pode
ser considerada tão grande assim . Entretanto , o preço teria
sido suficiente para a compra de todo um lanço de casas na
rua Direita em 1643 ...
42
Excertos de Palestras Radiofônicas

A vida , nos apertados dias de hoje , anda pela hora da


morte ... Mas convenhamos em que os kilovatt -hora que hoje
gastamos , são inconcebivelmente mais baratos que a cêra gasta
nas festas pelo nascimento do príncipe, em 1762 ...
( Transcrito do programa de quarta-feira, 7/1/1953 )

Nesta véspera de Natal, amigo ouvinte, em que a huma


nidade inteira , genuflexa , reverencia o nascimento do Deus
Menino, na manjedoura humilde de Belém , ocorrido há mi
lhares de anos , nada mais convidativo do que relembrar o que
acontecia nas noites de Natal de nossos antepassados .
No que tange ao Natal , conta -nos Nuto Santana , os velhos
republicos de São Paulo de Piratininga encerravam o ano
nesse dia . A primeira referência que encontrei à máxima
efeméride, nos papéis do Arquivo Histórico Municipal, foi esta :
" Em o derradeiro dia do Mês de dezembro do ano presente
de mil e seissentos e doze, por ser passado o dia de Natal nesta
vila , na Casa do Conselho , dela se ajuntaram os oficiais da
Câmara ” .
O ano era ainda o de 1611 . Em 31 de dezembro de 1620
vem a mesma alusão ao Natal, a segunda que conheço , assevera
nos o mesmo cronista . O copista anotou à margem : " Esta ata
é de 1620 e não de 1621 , como o escrivão por engano escreveu ” .
Mas não houve equívoco. Dois anos depois, Calixto Mota
redige mais claramente que o seu antecessor Paulo da Silva :
“ 26 de Dezembro de 1623 em que ora assim se nomeia por ser
passado o Dia de Natal” .
Enfim , a 25 ou 26 de Dezembro é que se iniciava o ano,
em todo o quinhentismo ou seiscentismo.
Para confirmar o que asseveramos a propósito do dia que
os antigos paulistanos consideravam como o último de cada
ano, e que era o dia 25 e não 31 de dezembro, eis o seguinte
trecho de uma escritura de doação de terras , descoberta entre
a papelada do Arquivo , e cuja leitura se deve à Da . Maria da
Gloria Amaral Silveira , com a revisão de Da . Maria Consuelo
Tupinambá , ambas esforçadas funcionárias daquele Departa
mento :
" Saibam quantos este público instrumento de escritura de
doação de chão virem , que no ano do nascimento de Nosso
Senhor Jesus Cristo de 1623 anos , por ter passado o dia do
nascimento , etc." .
O ano ainda era o de 1622. No entanto , já se falava no de
1623. fiaciocinando bem , verificamos que os velhos paulis
tanos tinham suas razões bem fortes para assim proceder : 0
ano do nascimento não era o de Nosso Senhor Jesus Christo,
conforme figuram em todos os antigos papéis ? Então ... Logo
o ano oficial devia e deve começar no dia 25 e não a 1.º de
janeiro de cada ano ... Não acham ?
Muitas e muitas vezes, na leitura e interpretação de velhos
papéis, lutam os paleógrafos com dificuldades e embaraços não
pequenos em consequência dessa maneira dos antepassados
consignarem o final de cada ano . E isso tem trazido atrapa
lhações não menores nos casos de contagem de tempo nos
litígios judiciários ...
Excertos de Palestras Radiofònicas 43

Nos dois primeiros séculos , a Câmara de São Paulo só se


reuniu três vezes no dia de Natal : em 1661 , 1665 e 1667 . Dizia
o escrivão André de Barros Miranda , no primeiro : “ 25 de
dezembro de 1661 , depois do nascimento de Nosso Senhor Jesus
Christo ” . Não só a Câmara funcionava nesse dia , como tam
bém no Palácio do Governo havia expediente , apesar da
religiosidade que iniperava na época . Assim é que Nuto San
tana encontrou uma carta dirigida pelo capitão general D. Luiz
Antonio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus, à
senhora Helena Maria do Sacramento , freira do Convento de
Santa Teresa, e por ele assim datada: “ Dia de Natal, vinte e
cinco de Dezembro de 1773 " .

( Transcrito do programa de quarta - feira, 24/12/1952 )

1
Relatório apresentado a S. S. o Senhor José Soares de
Souza, Diretor do Departamento do Arquivo do Estado,
por Ubirajara Dolacio Mendes, seu substituto na
direção do Departamento durante o período de 31 de
janeiro de 1951 a 20 de setembro de 1953 .
1
Relatório apresentado a S. S. o Senhor José Soares de
Souza , Diretor do Departamento do Arquivo do Estado,
por Ubirajara Dolácio Mendes, seu substituto na direção
do Departamento durante o período de 31 de janeiro de
1951 a 20 de Setembro de 1953 .

Senhor Diretor

Distinguido pela sua confiança em sugerir nosso modesto


nome ao então Governador Dr. Adhemar de Barros , tivemos a
honra de substituir a V. S. no cargo de Diretor do Departamento
do Arquivo do Estado por um período que se estendeu por dois
anos e quase oito meses . Procuramos corresponder à confiança
em nós depositada e, para seu conhecimento do trabalho feito
é o presente relatório.
V. S. tem ciência do estado em que se encontrava 0
Arquivo do Estado a 31 de janeiro de 1951 e não será preciso
que se carreguem as côres do quadro que, em síntese, era o
seguinte :
Em fins de 1949 a repartição teve de mudar-se ex- abrupto
do prédio que então ocupava . Três andares de todo um edifício ,
pejado de documentos , foram evacuados em apenas cinco dias .
Operários braçais ( empregados da Divisão de Parques e Jardins,
da Prefeitura ) , em elevado número, de mistura com soldados da
F. P. , efetuaram a mudança dos pacotes de documentos histó
ricos e administrativos como se êstes fossem tijolos , atirando - os ,
de mão em mão, até alcançarem os caminhões, onde eram
empilhados desordenadamente. As prateleiras , que eram de
madeira, e montadas no local desde os longes tempos de 1912 ,
não ofereceram facilidade ao desmonte : a cola , os pregos e
parafusos como que se haviam transformado em partes inte
grantes da madeira . Nessas condições, outra solução não
vizam os encarregados da mudança senão demolir as estantes
a poder de serrote ou mesmo picareta e machado . As próprias
mesas dos funcionários , máquinas de escrever, livros adminis
trativos , máquinas de serviço de restauração , tudo foi removido
de cambulhada , indiscriminadamente .
Todo esse material foi repartido por três depósitos , situados
em três locais diferentes e distantes : um à Rua Timbiras , outro
à Rua Borges de Figueiredo e o terceiro no salão dos investi
gadores do D.O.P.S. , no largo General Osório .
Houve mesas que ficaram na R. Borges Figueiredo , indo
suas gavetas para o largo General Osório ; parte dos talões de
registro civil ficou na Rua Timbiras, enquanto outra foi para
a Mooca e uma terceira se amontoava no largo General Osório ;
48 Relatório do período de 31-1-1951 a 20-IX-1953

as máquinas do Serviço de Restauração , desmontadas , ficaram


sob um monte de papéis esparsos na Rua Timbiras mas

algumas peças foram para a Mooca ou para o salão do D.O.P.S.;


a mesa de classificação de mapas de frequência, que tinha 4
metros de comprimento , ficou sepultada sob uma pilha tão
grande de documentos que não resistiu ao peso , ficando práti
camente inutilizada .
Na falta de prédio onde se reinstalar, ficou o Arquivo, a
bem dizer , quase înorto . Transformado o depósito do largo
General Osório em séde provisória , os próprios funcionários
não tinham lugar para sentar-se, atestado de papéis como estava
o salão . A vida do Arquivo resumiu-se , nesse período sombrio,
à resposta à correspondência administrativa e à recepção dos
talões do registro civil . Característicos dêsse tempo eram os
despachos dados às informações pedidas, obedecendo a um
padrão fixo : " Deixamos de informar devido ao trabalho de
reorganização por que passa o Arquivo ...”
Acreditamos que os diretores substitutos, que nos antece
deram , teriam procurado remediar a situação . Mas , sem espaço ,
sem prateleiras , sem mesas de trabalho, reconhecemos que
nada poderiam fazer .
Assim encontramos a repartição ao assumir os encargos de
Diretor Substituto, a 31 de janeiro de 1951 .

REINÍCIO DAS ATIVIDADES DO ARQUIVO

Afortunadamente , por essa época se havia vagado a ala


esquerda do antigo prédio da E. F. Sorocabana , pela retirada
de parte da Secretaria da Segurança . Apenas o D.O.P.S. ali
continuaria , ocupando a ala direita . De ordem do Sr. Gover
nador , Dr. Adheinar de Barros , o então Secretário do Governo ,
Sr. Dr. José Romeu Ferraz , comunica estar o Arquivo autori
zado a ocupar uma ala do prédio da Estrada . Entretanto , a
Secretaria da Viação e a E. F. Sorocabana haviam concordado
em ceder a ala direita, isto é, a mais próxima da Estação da
Luz . Essa parte, porém , estava ocupada pelo D.O.P.S. que,
por sinal, pretendia alongar seu dominio para todo o edifício .
Nessa eventualidade , e considerando a necessidade do serviço
público , não hesitanios em tomar posse da ala vasia , iniciando
imediatamente gestões junto ao Secretário da Viação e ao
Diretor da Sorocabana no sentido de nos ser concedida autori
zação para ali instalar a repartição .
Assim foi que se iniciou a reorganização do Departamento
do Arquivo do Estado . Reservada a sala térrea para a Portaria
e Serviço de Restauração , puzemos no 2.º andar a Secção do
Arquivo Administrativo e a Biblia ca , e no 4.º a Secção His
tórica , a Secção Administrativa e a Diretoria. Reserváramos
o 3.º andar para o material a ser trazido do depósito da Mooca ,
o que não chegou a efetivar - se pela subsequente mudança para
o prédio atual . O 1.º andar estava ainda ocupado pelo arquivo
da Polícia , o qual só saiu quase um ano depois, não deixando
o andar vago , entretanto , porquanto o D.O.P.S. ali instalou
uma sala de conferências. Esta nos veio a ser útil , pois nela
realizou o Arquivo o seu primeiro Curso de Paleografia.
Relatório do período de 31-1-1951 a 20-IX- 1953 49

Na falta de prateleiras , ordenámos a classificação dos


maços e pacotes ao longo de linhas traçadas a gís, no próprio
soalho dos salões, após devidamente limpos. Está visto que
tal distribuição não era elegante e por certo não acompanhava
os cânones da biblioteconomia ou da arquivística . Mas tinha
pelo menos a virtude de, postos em ordem numérica e crono
lógica os pacotes de documentos, serem os mesmos fácilmente
encontráveis em caso de necessidade . Cerca de nove meses
foram precisos para reorganizar-se, ainda que assim perfuncto
riamente , só a Secção do Arquivo Administrativo . Paralela
mente, entretanto, reorganizava -se a Secção Histórica que , logo
em fins de 1951 , estava já atendendo ao público. O depósito
da Rua Tímbiras foi transladado para o prédio , instalando -se
serviço de restauração, que foi posto em pouco tempo a fun
cionar, restaurando cerca de 3.000 documentos ainda em 1951 .

MATERIAL

Paralelamente ao reinício dos serviços, procuramos reequi


par o Departamento, adquirindo através a Comissão Central
de Compras , naturalmente prateleiras, mesas , cadeiras e
fichários, tudo de aço . Êste material , por ser imune ao fogo ,
tem ainda a vantagem adicional, no caso das prateleiras , de
ser fácilmente desmontável e remontável , não se inutilizando
por ocasião de mudanças eventuais. Quanto à côr, ocorreu - nos
uma que mais conforto oferecesse à visão : a cinza ou a verde .
Preferimos esta última , por sujar - se menos.
Certo , as verbas que o Arquivo possuia não permitiam a
aquisição , de uma só feita , de todo o material necessitado pela
repartição que se re- instalava . Mas buscamos ir adquirindo
o máximo permitido pelos orçamentos de cada ano de modo
que, agora, ao deixar o Departamento , todas as secções se
encontram devidamente fornecidas de material , desde prate
leiras , fichários e arquivos , até mesas e armários individuais
para cada funcionário , peças essas tôdas de aço .
As antigas mesas , muitas datando da segunda e terceira
décadas de 1900, algumas corroídas bichos , as velhas cadeiras
de palhinha , várias ainda do chamado “ tipo austríaco " , muito
em voga no século passado , algumas estantes, todos esses objetos
de madeira sequíssima e, portanto, altamente combustíveis, tudo
foi sendo recolhido ao Almoxarifado da Secretaria da Educação
à medida que o material de aço ia sendo obtido.
Releva notar que , no depósito da Mooca , ainda existem
móveis e prateleiras de madeira . Era nossa intenção , quando
pudéssemos trazer para o novo prédio o material ainda lá
existente , fazer recolher o mobiliário de madeira — por sinal
imprestável diretamente para o Almoxarifado da Secretaria .
Tudo faz crer que tais móveis se encontrem infestados de
papirófagos, o que desaconselha sua transladação para a pro
ximidade dos documentos.
Voltando ao material adquirido , devemos acrescentar uma
série de outros tópicos tais como : lâmpadas fluorescentes
individuais, para cada mesa ; acréscimo do acervo de máquinas
de escrever ; máquina fotográfica adaptada para a fotografia
de documentos ; gravador de fita , para as conferências; epidias
50 Relatório do período de 31-1-1951 a 20 - IX - 1953

cópio, com dispositivo para projeção de " slides ” e microfilmes;


aparelho elétrico para pulverização de inseticidas ; caixas
estanques de alumínio, para melhor conservação dos documen
tos, cuja entrega já foi iniciada pela firma produtora ; apare
lhamento alemão de microfotografia, cuja primeira metade já
se encontra em nossa posse ; etc. , etc.
Importante aquisição para o Arquivo foi o aparelho de luz
ultra - violeta , para a leitura de documentos apagados pelo
tempo. Por se tratar de material de importação, dificilmente
obtenível, e principalmente porque as lâmpadas se desgastam
com o uso , tratamos de fazer pequeno estoque delas : puzemos
dois aparelhos em uso , deixando outros três de reserva , tendo
adquirido ainda uma dúzia de lâmpadas sobressalentes. Pelo
que pudemos observar com o uso da primeira lâmpada adqui
rida, devem elas durar entre um ano e ano e meio — se se
conservar a média de tempo da utilização atual pela Secção
Histórica . Nessas condições, mesmo no caso de se dobrar o
seu tempo de utilização maior quantidade de trabalhos
efetuados, aumento do número de funcionários habilitados à
leitura paleográfica - deverá o atual estoque durar um mínimo
de cinco a seis anos. Tempo que nos pareceu suficiente para
ultrapassar as atuais dificuldades opostas à importação.

NOVO PRÉDIO

Embora tivéssemos conseguido reorganizar os trabalhos


no edifício da E. F. Sorocabana , não nos parecia de bom alvitre
lá manter o Arquivo permanentemente. Em virtude da pro
ximidade dos armazens da Estrada , havia o perigo constante
do ataque de ratos aos documentos . Não que tivessem eles
chegado a dinificar o material histórico ; mas o perigo existia,
pendente, pois que descobrimos algumas vezes sinais da passa
gem de tais roedores. Perigo não menor era o oferecido pela
proximidade do Departamento de Ordem Politica e Social: um
movimento subversivo poderia atingir êsse serviço da Segurança
Pública , com possíveis danos ao Arquivo. A isso tudo acrescia
o fato de o espaço ser exiguo , pois que o D.O.P.S. acabou
ocupando, além do 1.º, também o 3.º andar, pela adveniência
de repentina mudança de parte de seus serviços de uma cons
trução que ameaçava ruína . O que veio trazer um inconve
niente adicional : a mistura dos serviços do Arquivo com os da
Polícia .
Em vista do exposto, puzemo-nos à procura de prédio para
a repartição. Não foi fácil encontrar o que se desejava , pois
que, além do espaço necessitado, era preciso que o edificio
reunisse certas condições essenciais para o Arquivo : que fosse
bem arejado e iluminado, que tivesse a resistência necessária,
que estivesse o mais possível afastado de bombas de gasolina e
fábricas que lidassem com produtos químicos , com material
capaz de se incendiar com facilidade , ou que lançasse ao ar pó
ou fuligem .
Longa foi a pesquisa, mas tivemos finalmente a sorte de
encontrar o prédio atual , da Rua Dona Antonia de Queirós, 183 ,
que não só reune as qualidades exigidas mas ainda oferece a
vantagem de não estar muito afastado do centro urbano. A
Relatório do período de 31-1-1951 a 20 - IX - 1953 51

resistência média da parte reservada aos arquivos, de acórdo


com os engenheiros, é de 650 quilos por metro quadrado.
Explica-se essa resistência incomum : é que, destinado a uma
fábrica de tapetes, foi planejado para resistir ao peso das
máquinas da especialidade .
Poucas, pouquíssimas adaptações teve de sofrer o edifício,
o que redundou em economia para o Estado . Até mesmo as
portas corta- fogo, à entrada dos salões, já existiam desde o
tempo da fábrica de tapetes.
A mudança do Largo General Osório para o prédio atual
se processou entre fevereiro e maio deste ano . Conseguimos
que a Secretaria da Segurança nos cedesse caminhões e pessoal.
Desse modo, nenhuma despesa extra onerou as nossas verbas.
Nossos próprios contínuos e serventes fizeram a montagem das
prateleiras com a máxima boa vontade , e com proficiência
digna de elogios. Única despesa neste caso : o pagamento de
serviços extraordinários aos mesmos devido , porquanto os
convocámos para trabalhar também de manhã a fim de apressar
a mudança.
Do cuidado e do carinho com que se processou a remoção
de todo o acervo basta dizer que o único prejuízo sofrido
durante toda a mudança foi um vidro quebrado. Da ordem
com que se processou : nenhum pacote, livro ou documento
deixava sua prateleira no largo General Osório antes que outra
prateleira já estivesse montada na Rua Antonia de Queirós,
pronta para receber o material. organização
Dêsse modo , a
efetuada foi mantida , evitando-se perda de tempo em nova re
organização no novo prédio. Tempo de serviço perdido pelos
funcionários de carteira : apenas um dia de trabalho o dia
da remoção de suas mesas da antiga para a nova séde.

DOS TRABALHOS EFETUADOS

Publicações Como é do conhecimento geral , antes da


demolição do antigo prédio, o Arquivo editara seu último tra
balho em 1947 : o " Boletim " número 8 . Há quatro anos ,
pois , nenhum trabalho era publicado. Tendo em vista que a
função precipua do Departamento é colaborar para o estudo ,
interpretação e divulgação das coisas do nosso passado, julgámos
nosso dever esforçar-nos para que as publicações do Arquivo
tivessem sequência . Assim, sem interromper os serviços de
reorganização , procuramos dar à público um máximo de tra
balhos de interesse histórico . Procedendo agora a um balanço
das atividades do Departamento nesse setor temos que, nos dois
anos e quase oito inêses decorridos desde nossa entrada para
a direção substituta , editou a repartição :
2 volumes de “ Documentos Interessantes" ( n.s 72 e 73 )
3 volumes de “ Inventários e Testamentos" ( n.s 34 , 35 , 36 )
3 volumes do " Boletim " ( n.s 9 , 10 e 11 )
3 volumes de “ Documentos Avulsos” ( n.s 1 , 2 e 3 )
1 opúsculo : “ A data da fundação de Santo André da Borda
do Campo"
17 separatas do “ Boletim ” ( das quais 11 referenies ao
Curso de Paleografia ) .
52 Relatório do período de 31-1-1951 a 20 - IX - 1953

Releva notar que se encontram nas tipografias, com provas


já revistas , e portanto devendo şair ainda este ano mais um
volume “ Documentos Interessantes" ( o de n .° 74 ) , um de “ In
ventários e Testamentos” ( n .° 37 ) , um do “ Boletim " ( n.° 12) ,
um “ Prontuário do Arquivo do Estado " e um de “ Noções de
Paleografia " .
Para a continuidade das publicações seriadas já existe
material na Secção Histórica para mais 6 ou 8 volumes de
“ Documentos Interessantes" ( dependendo da espessura que se
dê aos volumes ) , 2 de " Inventários e Testamentos" e 1 de
" Documentos Avulsos ” . Material êsse todo ele rigorosamente
conferido com o auxílio da luz ultravioleta .
Convém lembrar, num paréntesis, que a série de “ Do
cumentos Interessantes” vem trazendo a correspondência dos
Capitães Generais por ordem cronológica . Entretanto , essa
ordem vai ficar truncada, pois que deixamos de enviar para a
tipografia o último maço da correspondência do Morgado de
Mateus. Esse maço se encontra tão deteriorado e com a tinta
tão apagada que sua leitura não pode ser feita senão lentamente,
algumas páginas por dia , e exclusivamente à custa da lâmpada
ultravioleta . Quando tiver sido possível à Secção Histórica a
leitura de todo o maço, poder-se-ão enviar então os originais à
tipografia, fazendo no introito uma nota a respeito da alteração
na ordem cronológica . Esta alternativa pareceu-nos preferível
em lugar da cessação das publicações enquanto se completasse
a leitura do maço aludido . Em todo o caso , se a atual direção
do Arquivo optar pela alternativa oposta , é tempo ainda de
sustar o serviço na tipografia , pois que o volume de “ Documen
tos Interessantes” a sair ainda não está paginado .
Mas , voltando ao material para publicação : tencionávamos
publicar também os índices das declarações de terras. Encon
trando -se os funcionários da Secção Histórica totalmente
ocupados na leitura de documentos para as publicações seria
das , entregamos a tarefa a funcionárias da Secção Administra
tiva . Tarefa a ser desempenhada quando os serviços da Secção
o permitissem . E, graças a isso , estão prontos os índices dos
livros 2 a 5. Curiosamente , o livro n.º 1 , justamente o primeiro ,
ainda não está pronto em virtude de ser o maior , dentre os
iniciais. Mas , assim que esteja terminado, poderá o material
ser remetido para a tipografia , ou mesmo mimeografado, caso
as futuras verbas destinadas à impressão não o comportem .
Para o futuro “ Boletim " n.° 13 pouca coisa havia, mesmo
porque tal volume só deveria sair pelo fim do ano, ou em
início de 1954. Porém, já estavam previstos trabalhos do Dr.
Paulino de Almeida , do sr. David Jorge e do Dr. J. Alberto
José Robbe , sem contar as informações administrativas , o
relatório das atividades de 1953 e possivelmente a transcrição
das melhores colaborações dos funcionários do Arquivo, dadas
para o programa radiofónico .
PROGRAMA RADIOFÒNICO Aludimos ao programa
Foi éste criado exclusivamente com fim cultural ,
radiofónico .
e vem sendo mantido desde meados de dezembro de 1952 .
Escrito pelo Dr. Raimundo de Menezes, grande estudioso de
nossa história, e revisto pela direção do Departamento , intitula
se “ Histórias da História de S. Paulo ” . Constitui tal programa
parte das colaborações do Arquivo do Estado para o maior
brilho das festividades com que se irá comemorar o 4.º Cente
Relatório do período de 31-1-1951 a 20 - IX - 1953 53

nário da Capital. Ao mesmo tempo, através de curiosidades


selecionadas e fatos históricos descritos da maneira leve e
atraente, vai o Arquivo provocando o interesse do grande
público pelas coisas nossas. Da recepção dêsse programa fala
bem alto o fato de que outra emissora da Capital, verificando
o interesse despertado, inaugurou também um programa refe
rente à história paulista , bem após o lançamento do nosso.
Os programas do Arquivo , além disso , não têm apenas o
efêmero efeito de sua audição momentânea : conseguimos que a
emissora os grave em discos, ficando estes à disposição do
público, devidamente ordenados cronológicamente, na Secção
Administrativa. Já houve casos de pedido de re-audição do
programa, para o que dispõe o Arquivo de um aparelho repro
dutor .

CINQUENTENÁRIO DO PRÊMIO DEUTSCH Em outu


bro de 1951, o Arquivo toma parte nas comemorações do cin
quentenário da conquista do prêmio Deutsch por nosso grande
patrício Santos Dumont . Nossa colaboração foi dada através
o historiografo Dr. J. Alberto José Robbe , lotado neste Depar
tamento , que organizou uma exposição iconográfica na sede
do Instituto Histórico e Geográfico. Esta exposição foi filmada ,
televisionada e posteriormente reaberta numa das salas do
próprio Arquivo .
CURSOS DE PALEOGRAFIA De setembro a novembro
de 1952 realizou o Arquivo o primeiro Curso Livre de Paleo
grafia que se organizou em nossa terra . As aulas foram
ministradas pelos srs . Dres . Afonso Taunay , Américo de Moura ,
Antonio Paulino de Almeida , Bueno de Azevedo Filho . Carlos
da Silveira , Livio Gomide , Phillipe Wolff ( aula dada em fran
cês ) , Tito Livio Ferreira e pelo diretor-substituto do Arquivo .
A afluência de interessados a êsse curso ultrapassou a todas as
expectativas , pois que tivemos um total de 227 inscritos e uma
frequência média de 170 .
No presente ario , a Faculdade de Filosofia iniciou um curso
da mesma especialidade , valendo -se da presença , em S. Paulo ,
do professor Roman, que leciona Paleografia em Valladolid
( Espanha ) . Tal curso é privativo dos alunos da Faculdade ,
mas obtivemos do Sr. Diretor da mesma quatro vagas gratuitas
para funcionários desta casa . Indicámos quatro funcionários
da Secção Histórica , que já se encontram frequentando as aulas .
· Obtivemos também , do próprio prof. Roman, a promessa de
ministrar um curso de paleografia no Arquivo independen
temente de qualquer remuneração de nossa parte Por se
tratar de curso a ser feito em bases mais profundas quc o
anterior , por nós organizado , pretendia o Arquivo distribuir aos
alunos um exemplar das “ Noções de paleografia ” , logo na
primeira aula , de modo a que pudessem eles preparar -se para
as aulas subsequêntes . Caso seja possível obter uma sala para
conferências , acreditamos que o novo Curso de Paleografia , do
Arquivo , possa realizar - se ainda este ano.
PROJETO DE REORGANIZAÇÃO Verificando que o
Departamento do Arquivo do Estado continuava em 1951 com
a mesma organização básica de 1891 ( excluidas as secções die
estatística , que foram desmembradas em 1938 ) , propusemos ao
Govêrno a reorganização geral do Departamento transferindo - o,
54 Relatório do período de 31-1-1951 a 20 - IX - 1953

ao mesmo tempo, para a Secretaria do Governo. A idéia foi


aceita pelo sr. Governador, que a incluiu no seu Plano Qua
drienal, publicado no “ Diário Oficial” do Estado a 25 de julho
de 1951 .
Encetamos estudos imediatamente, aproveitando os poucos
momentos vagos que a reorganização e demais serviços do
Arquivo nos deixavam . Mas só em abril do corrente ano
pudemos encaminhar ao Senhor Governador, através a Secre
taria do Estado, um Ante-projeto de Lei com o qual se pretendia
" reorganizar e dar nova denominação ao Departamento do
Arquivo do Estado " . Junto a ésse ante-projeto de lei , enviá
vamos também um Ante -projeto de Regulamento , pois o Regu
lamento que ainda rege o Arquivo data de 1911 e, evidente
mente, não corresponde mais às atuais necessidades.
A reorganização do Arquivo é necessária pois, como
fizemos notar no ofício com que encaminhamos o Ante -projeto
de Lei ao Senhor Secretário , éste Departamento , com um acervo
não só aumentado enormemente, mas em constante expansão .
conta com um pouco mais que o pessoal ( efetivo ) de 1938.
Quando só a sua ex - secção de estatística hoje Departamento
de Estatística chegou a contar com quase 400 servidores .
ESPÍRITO DE UNIÃO Acreditando que o espírito de
unidade em qualquer associação de pessoas só se cria mediante
laços que sirvam a todos em comum , buscamos criar êsses laços
dentro do Arquivo , de modo que cada funcionário começasse a
pensar nos demais em função da repartição que os congregava.
Assim foi que criamos um distintivo, ou símbolo , para o
Arquivo, símbolo esse que já começou a ser usado nas publi
cações, nos envelopes, em medalhas. Acoroçoamos a criação
de um jornalzinho interno, que deveria trazer colaborações
exclusivamente de funcionários. Esse jornal o " Jornal
ÉCO" — já se encontra em seu 5.° número, com grande aceitação.
Também enviámos para os jornais as notícias referentes a ani
versários de cada um dos servidores da casa , insistindo em
fazer notar que eram " funcionários do Departamento do Ar
quivo do Estado ” . Planejávamos ainda a realização de conves
cotes , com a presença dos funcionários e suas famílias.

PROJEÇÃO DO ARQUIVO - A re -ordenação do Arquivo ,


o lançamento de suas novas publicações , o curso de paleografia ,
o programa radiofónico, a sua inclusão no plano quadrienal,
tudo isso , a par com o trabalho entusiástico de cada um de seus
funcionários, colocou o Departamento do Arquivo do Estado
em invejável projeção . Basta dizer que , desde sua fundação
oficial, em 1891 , nosso livro de recortes de jornais reune apenas
cerca de uma trintena de citações do Arquivo pela imprensa.
Entre fevereiro de 1951 e setembro de 1953 foi o Departamento
citado aproximadamente umas 350 vezes pelos jornais desta
Capital . Releva notar que todas as citações foram elogiosas ,
inclusive algumas de página inteira ( Folhas ) ou de meia
página ( Gazeta, O Estado de S. Paulo, a Ultima Hora, o
Tempo ) . O número citado pode parecer exagerado, pois
equivale a uma citação cada três dias aproximadamente. Mas
o livro de recortes , na Secção Administrativa , pode comprovar
nosso assêrto. E isso nos parece uma prova cabal, não só do
febril trabalho efetuado pelos componentes desta repartição ,
55
Relatório do período de 31-1-1951 a 20 -IX - 1953

como também da utilidade pública que os próprios jornais


reconhecem .
Sem contar o televisionamento da exposição iconográfica
do Dr. Robb , a que já aludimos, entrou o Arquivo por três
vezes em programas da televisão. Prova também, ao nosso
ver , do interesse que vem despertando no grande público.
TRABALHOS PARA O IV CENTENÁRIO DE S. PAULO
O Arquivo preparava-se para contribuir para os festejos do
IV Centenário . O programa radiofónico , pondo em foco a
história de S. Paulo, era sua primeira contribuição. A Secção
Histórica principiou a cópia dos recenseamentos da Capital.
trabalho interessante porque permitirá não só a observação do
crescimento de S. Paulo pela comparação numérica, mas
também o estudo da evolução dos mais importantes troncos
familiares de nossa gente. E está afeto ao historiografo o
preparo dos primeiros volumes de uma cronologia de fastos e
nomes dos nossos primeiros tempos.
Quanto a outros planos, estudávamos :
a ) a possibilidade de serem confeccionados um ou dois
“ films” de curta metragem, focalizando um as atividades do
Arquivo e sua utilidade e outro a necessidade de conservação
de documentos, métodos de conservação , restauração, etc.
b) A possibilidade de se abrir um concurso público sobre
o tema: “ A história dos costumes brasileiros e , principalmente ,
paulistas, através o folclore " . As canções folclóricas poderiam
colaborar grandemente para uma história dos costumes , mas
só se consideraria o fundo falado, ou sejam, as idéias expressas
pela letra , pois que a música não estaria dentro da competência
do Arquivo.
c ) A possibilidade de se construir um salão de conferências,
especialmente destinado à história, e que se poderia dedicar a
um dos fundadores de Piratininga : " Salão Manuel de Nobrega"
ou “ Salão José de Anchieta " . Ou ainda, para evitar a celeunna
a respeito “ do” fundador, “ Salão IV Centenário " ou " Salão
São Paulo " .
Para isso tudo, entretanto , fazia - se mistér uma verba
especial pois que as verbas normais cobrem apenas as necessi
dades constantes do Arquivo. Tendo sabido da proposta feita
na Câmara Federal , de um auxílio para as comemorações do
IV Centenário procuramos obter do sr . Governador a promessa
de que algo dêsse auxílio caberia ao Departamento . S. Excia .
prometeu um milhão de cruzeiros , em despacho dado a ofício
nosso , ora arquivado na 3.a Secção. Posteriormente, entre
tanto , S. Excia. julgou necessário reduzir a quota reservada ao
Arquivo , e só recebemos seiscentos mil cruzeiros. A entrega
foi efetuada, de ordem do sr. Governador, pelo sr. Deputado
Cunha Bueno. Pequena solenidade teve lugar, fazendo-se
ouvir o deputado e o diretor substituto do Arquivo. A quota
doada ao Arquivo encontra-se à disposição do Senhor Diretor,
no Banco do Estado de S. Paulo.
Ainda com relação aos festejos do IV Centenário convém
lembrar que o Arquivo é, na pessoa de seu diretor, Conselheiro
da exposição iconográfica e documental, a ser organizada pelo
Prof. Jaime Cortezão . O Arquivo é, também , patrocinador,
junto com a Faculdade de Filosofia e outras entidades, do Con
56 Relatório do período de 31-1-1951 a 20 -IX - 1953

gresso Internacional de História , que deverá realizar-se enn


S. Paulo em 1954,

FUNCIONALISMO

Ao iniciarmos nossa gestão no Arquivo , contava êste 29


funcionários efetivos , um interino , cinco comissionados ( incluido
o diretor substituto ) e nove funcionários ( diaristas ) . Dos
efetivos, estavam afastados, por licença , um, e prestando ser
viços noutras repartições, dois ( incluido o diretor efetivo ) . '
Total em serviço : 41
Durante nossa gestão , houve as seguintes alterações zesse
total :

REDUÇÕES :
1 . Dispensa do Sr. Reinaldo Barreto .
2. Descomissionamento de D. Marina Romero Gurgel do
Amaral
3. Descomissionamento de D. Maria Caetana de Faria
Cangi
4. Descomissionamento de D. Maria de Lourdes Naves
5. Relotação do sr . Leonel Quaglio , no Departamento de
Educação !
6. Aposentadoria do sr. Nelson Veiga
1: Comissionamento do Sr. Dr. Miguel Meira no Gabi
nete do sr . Secretario da Educação
8. Licenciamento , por doença , do sr . Dr. João Alberto
José Robbe
9. Em comissão de inquérito, Port. 18.6.53 , sr. Moacyr
Reys.

REAJUSTES DE FUNÇÕES :

1. O sr . Francisco Andrade Corrêa fôra admitido , ainda


na diretoria Lellis Vieira , como servente -diarista . Mas sem
pre lhe foram dadas funções de carteira , desempenhando-as o
mesmo muito bem . Durante nossa gestão foi readmitido , nas
funções de escriturário .
2. O sr. José Rubi Junior era também servente-diarista .
Mas sempre desempenhara funções de restaurador . Durante
nossa gestão foi readmitido como artífice .
3. D. Fany Gonçalves , a princípio admitida como “ aten
dente ” , teve posteriormente sua situação corrigida , passando a
escriturária .

AMPLIAÇÕES :

a) Admitidos como extranumerários:


1. Alaide Valverde Escriturário
2. Antonio Andrade Contador
Relatório do período de 31-1-1951 a 20-IX- 1953 57

3 . Célia Marcondes Faria Escriturário

4. Fany Gonçalces Escriturário


5. Helena Lucas Barbosa Servente
6 . Hella Gojtan Escriturário
7 . Luiz Ferreira da Silva Escriturário
8 . Lucy Risso Escriturário '
9. Lydia Félippe Assistente de Administração
10 . Maria Tanich Escriturário
11 . Maria Vitoria P. da Silva Escriturário
12 . Milton Silveira Lopes Escriturário
13 . Nelben Ramos de Azevedo Escriturário
14 . Paulo Malheiros da Cunha Servente
15 . Roselys de Araujo Packness Escriturário
b ) Admitidas como interinas:
1 . Cecilia dos Santos Assist. de Administração
2. Marilia Porto Bueno de Camargo Assist. de Admi
nistração
c ) Comissionado no Arquivo :
Sr. Monçaide Ferreira
( Êste, entretanto , bem como o sr. Benedito Lauro D'Avila ,
aqui comissionado desde 1951 , presta serviços junto à Secreta
ria da Educação , por necessidade dos serviços da Secretaria , e
mediante ofício do sr . Diretor Geral . Mensalmente é enviada
ao Arquivo a fôlha de frequência dos mesmos ) .
Total atual de funcionários : 54. Total em serviço : 50
( excluido, evidentemente, o diretor substituto, que ora voltou
para sua Secretaria de origem , mas incluido o diretor efetivo ) .
Esse número , é bem de ver, não nos parece suficiente para
os crescentes encargos do Arquivo . Tanto assim que o Ante
projeto de reorganização prevê 81 .

CONCLUSÃO

Esse, senhor Diretor, o quadro geral das atividades desen


volvidas pelo Arquivo durante os dois anos e quase oito meses
de minha modesta gestão .
Embora tenha procurado fazer o máximo possível , o pre
sente relatório não é apresentado com finalidade de provocar
elogios, pois acreditamos não ter feito mais que o nosso dever..
Além disso , muita coisa ainda existe por fazer, a fim de
que o Departamento do Arquivo do Estado se situe condigna
mente no conjunto das repartições públicas de São Paulo. De
qualquer modo, entretanto, é nossa firme crença que éste Ar
58 Relatório do período de 31-1-1951 a 20- IX - 1953

quivo já é, no Brasil , se não o paradigma a ser seguido, pelo


menos o segundo se partirmos do pressuposto de que o
Arquivo Nacional deva sero modelo geral.
Embora as responsabilidades que nos estivessem afetas
fossem muitas, confessamos sinceramente que é com um aperto
d'alma que deixamos o Arquivo. Isto por dois motivos, entre
outros: primeiro , porque apaixonados que somos pelas coisas
do nosso passado, aprazia -nos viver entre a documentação da
história pátria e paulista ; e em segundo lugar last but not
the least — porque durante o tempo que aí passávamos, criamos
fortes laços de estima com todos os funcionários da casa. Ea
amizade, ao nosso ver, é o primeiro dos tesouros.
Terminando, e ainda mais uma vez agradecendo a con
fiança que V. Sa. em nós depositou , desejamos augurar ao
diretor e amigo tôda uma messe fecunda de realizações e glórias.

São Paulo, 25 de setembro de 1953

UBIRAJARA DOLACIO MENDES


CAMPINAS

( Contribuição Histórica )

J DAVID JORGE ( Aimoré )


!
Campinas, a fênix renascida e eterna, encontrou mais
um historiador dos seus grandes feitos e dos grandes feitos
dos seus grandes filhos.
No incomensurável acervo documental conservado inédito
no Departamento do Arquivo do Estado o Senhor J. David
Jorge (Aimoré) encontrou elementos preciosos para a compo
sição da presente monografia.
O abalizado pesquisador é um dos dedicados funcionários
daquela importante Repartição, a cujo quadro tive o prazer
de pertencer durante algum tempo.
Quando seu companheiro de trabalho, ocorreu -mc o gra
tíssimo ensejo de constatar o quanto o Departamento do Ar
quivo do Estado, em geral, e o Senhor J. Dcvid Jorge, em par
ticular, têm contribuido para a manutenção das nobres Tra
dições paulistas .
Campinas é um dos fulcros do Tradicionalismo de São
Paulo . E justo que haja despertado o interesse dum dos pes-
quisadores do Departamento do Arquivo co Estado – e tão
bem o tenha conseguido que, como fruto sasonado de vôa cepa,
agora apareça , para gáudio dos estudiosos, éste opúsculo.
Não sei qual titulo possa credenciar -me para que me fôsse
concedida a honra de abrir este trabalho .
Julgo, entretanto, que, na minha já longa vida funcional,
o período em que pude ser mais útil ao Estado e à Coletividade
foi aquele em que permaneci no Departamento do Arquivo ,
lamentando -me sempre de lá ainda não estar.
J. David Jorge , ao convidar-me para seu prefaciador, não
fez mais do que distinguir um seu modesto colega que, como
ele próprio, sabe reconhecer o verdadeiro valor do Departa
mento do Arquivo do Esiado .

BUENO DE AZEVEDO FILHO

" Matas aqui e ali, planícies fóra,


Carreadores, aguada, um rancho pobre,
Eis que Barreto Leme, em feliz hora ,
Toda uma pátria nas regiões descobre .
Funda a cidade : semeador que passa,
Deixa a forte semente geradora;
Entrega, homem de fé, a terra à graça
Da Virgem Santa , excelsa protetora ” .

(J. GOMES PINTO )


/
CAMPINAS (Contribuição Histórica )

Conta - nos a história , que lá pelas alturas do ano de 1739 ,


Barreto Leme e outros sertanistas vieram estabelecer - se em
território de Jundiaí, no lugar conhecido por Caá-etê, ou Mato
Grosso, antigo pouso de bandeirantes que demandavam às mi
nas das Gerais, Goiaz e Cuiabá. Em pouco tempo, o antigo
bairro se transformou em povoado com a vinda de outras
pessoas, atraídas pela uberdade dos terrenos da região. Já
em 1767, “Mato Groço, caminho de minas” , contava com 54
fógos e 264 moradores . O vilarejo foi crescendo rapidamente :
as terras eram de ótima qualidade, o clima ameno e agradá
vel . Reunidos então os habitantes do lugar, com Barreto Leme
à frente, requereram e conseguiram licença, em 1772, para
erigirem sua freguesia, sendo nesse mesmo ano , autorizados
por D. Frei Manoel da Ressurreição, Bispo, a construirem a
sua capela interina “ thé se concluir a nova matriz ” . Nomea
do pároco, Frei Antonio de Padua , da ordem dos menores de
São Francisco, celebrou a primeira missa na capelinha, depois
de a benzer, no dia 17 de Julho de 1773. ( No documento que
vem transcrito à pág. 2 do “ Album de Campinas ”, de 1922 , e
que foi trasladado do “ Almanaque do Diario de Campinas”, de
1881 , extraido, por sua vez, do Livro do Tombo, de 1776, diz :
porque suscitou valeroso animo ao grande zelo de Fran
cisco Barreto Leme, por cujo empenho e cuidado conseguirão
no anno de 1772 licença do Revmo . Governador do Bispado
para erigirem sua freguezia a parte desmembrada da de Jun
diahy , á que erão sugeitos ; e foi vizitado e demarcado o lugar
para a nossa Matriz pelo Revmo. Viſgario de Jundiahy em
73 ; e nisto ficarão athé a chegada do Exmo. e Revmo . sr.
D. Frei Manoel da Ressurreição, Bispo desta Diocese, ao qual
representando - lhe o estado em que jaziam , foi elle servido pela
sua inacta bondade conceder que fizessem sua capella interina ,
thé se concluir a nova matriz , e nomeou por parocho ao R.
Fr. Antonio de Padua , religioso da ordem dos menores de S.
Francisco, o qual selebrou a primeira missa depois de a benzer,
e procedendo as mesmas ceremonias na ditta capellinha aos
12 de Julho de 72 ” ' , etc. )
Os signatários da petição para a criação da nova Fregue
sia de N. S. da Conceição de Campinas, foram : Francisco
Barreto Leme, José de Souza Siqueira , Diogo da Silva Rego,
José da Silva Leme, Domingos da Costa Machado, Francisco
Pereira de Magalhães, Luiz Pedroso de Almeida , Salvador
Pinho e Bernardo Guedes.
64 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

O NOME DE CAMPINAS

Quem é que hoje não conhece a graciosa Campinas , a


Cidade das Andorinhas , ou Princesa do Oeste , como é cogno
minada ? A Campinas de outrora , senhoril e grave, com suas
sinhas e seus sinhos, hoje está transformada num grande centro
comercial , agricola e industrial !
Labor, dinamismo, progresso, civilização, felicidade!
Campina - Campo extenso, sem árvores, planície. O coro
nel Faria, em o seu Dic . Guaraní , consigna “ Capina ou Cam
pina : planicie ” . Stradelli , anota . “ Campina Caatinga- uaçú.
Planicie : Yuypéma -tyua ou arapéma ”. Frei João de Arron
ches ( Caderno da Lingua ) diz : “ Campina: Nhum (Nhum é a
designação geral dos campos, das regiões de campos ) , nhum ,
significa campo, às vezes se usa apenas nú. Ex .: Nú-poranga :
Campo belo . Ainda Frei João de Arronches ( obra cit. ) : Pla
nicie - Yby -péba ( Yby-péba é a terra chata, a terra plana ) . Péba ,
péva ou péua , significa plano, chato, ou razo. Ex .: mirá -péba, a
madeira chata ou plana , isto é , a mesa . Há muitas formas para
designar o vocabulo campo no tupi, nhú , nhúm, nú, inhúm ;
terreno despido de vegetação arborescente, campo, planície
limpa .
o dr. Ricardo Gumbleton Daunt, um dos mais notáveis
médicos campineiros, acatado historiador e brilhante jornalista ,
em 1879, publicou, pela imprensa local , uma série de belíssi
mos artigos sobre os primeiros tempos de Campinas. Mais tar
de, mãos carinhosas, reuniram estes importantes trabalhos em
um excelente e precioso opúsculo , para que não morresse “ nas
páginas esquecidas de um jornal antigo ” uma tão valiosa con
tribuição histórica .
Da pág . 4 do aludido opúsculo do dr. Gumbleton , irans
crevemos para aqui os trechos que se seguem : " A então estra
da de Jundiahy ás minas de Goyaz passava por onde foi o
sitio da Samambaya e chacara de D. Maria Fausta; e alcan
çando o lugar depois conhecido por Campinas Velhas , toma
va pelo caminho que corre em frente da chacara do Dr. Sam
paio Peixoto , até sahir na estrada do Taquaral ou Mogy
Mirim .
No lugar Campinas Velhas formaram uma clareira onde se
fizeram os primeiros ranchos e onde descançavam os vian
dantes . Nessa época , o unico lugar onde se encontrava verdura
para alimentação de animais de carga e de montaria era ni
sitio hoie occupado pela cadêa e a Matriz Velha , ou de Santa
Cruz , ao qual por isto chamaram a Campina. Existia , porem ,
uma estreita vereda que vinha ladeando os terrenos do antigo
Cambuizal e Misericordia , e desembocava em algum ponto pro
kimo á actual cadea , e por ahi se alcancava o lugar da pas
tagem de onde a nascente povoação recebeu o nome de Cam
pinas".
O dr . João Mendes de Almeida, no seu “ Dic . Geog . da
Prov . de São Paulo ” , registrando o vocábulo “ Campinas”, es
creve : “ Campinas Cidade notavel por seu comercio e in
dustria . Era a antiga Freguezia de N. S. da Conceição e , de
pois Villa de S. Carlos . O local em que posteriormente esten
deu -se a povoação, era conhecido por Caá -eté, “ mato grosso " ,
por causa da floresta ou matta virgem que o cobria " .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 65

A primeira Matriz de Campinas , só ficou concluida no


dia 25 de julho de 1781, sendo oficiada a sua primeira missa ,
no dia seguinte, por Frei José do Monte Carmello e Siqueira.
A nova Matriz , considerada um dos primeiros iemplos
do Brasil , foi iniciada em 1827 , e só inaugurada em 7 de
dezembro de 1883 .
Vários historiadores afirmam, que foi em 1775 , que Bar
reto Leme fez a doação do terreno chamado “ Mato Grosso "
para logradouro dos moradores. Azevedo Marques , porém , disse
que a reefrida doação foi feita em 1799 , e nós também o acre
ditamos. O curioso é que não encontramos registrada nenhu.
ma concessão de sesmaria feita ao fundador de Campinas , nem
no fichário da Secção Histórica do Arquivo do Estado , nem no
“ Repertório das Sesmarias” concedidas pelos capitães -generais
da Capitania de S. Paulo , desde 1721 até 1821. Nos recensea
mentos inéditos de Jundiaí , existentes no Dep . do Arquivo
· Estadual entretanto, vem consignado : “ Lista geral de todas as
pessoas asim mascolino como femenino e todos os seus teres
e haveres e seus rendimentos, nomes e idades."
Francisco Barreto Leme, cazado, de idade 66 annos;. sua
moller, Roza Maria de Jezus de idade 62 annos ; Filhos : Anto
nio estepurado , de idade 25 annos . Jozé, com huma chaga na
cara , de idade 22 annos ; Filha : Quiteria , de idade 36 annos.
Pesue: Hum citio de huma legoa de terras em coadra que
as houve por xismaria ( sesmaria ) . Hum engenho de fazer
agoardente que fará todos os annos huns pelos outros ca
nadas 60. Bois de carro, trez juntas 6. Bois brabos 2. Mulas
de cria 2. Bezerros 2. Cavallos 5. Porcos capados 4. Carros
de carrear 1. Porcas parideiras que pariram em cada hum
anno leitoins 10. Plantas : Planta milho , alqs . 2 , que rendeu
80 ; planta feijam 1/2 que rendeu alqs . 20. Planta arros , alqs .
1/2 , que rendeu alqueires 3. Escravos : Negros 4 ; Negras 3 :
Criolos 2 .
Francisco Barreto Leme deretor da Nova Freguezia de
Nosa Senhora da Conceiçam das Campinas. Certifico e juro aos
santos evangellos que bem e fielmente fiz fazer a lista geral
retro a qual foi feita na minha prezencia tomados os nomes e
bens e rendimentos que pellos moradores me foi manifestado
o que tudo vay sem cauza que duvida faça-se por verdade de
todo o referido paso a prezente somente por mim asignnado .
Hoje , Campinas , 21 de Julho de 1775 .
Franco . Barreto Leme"

No maço de “ Bens Rusticos " , fomos encontrar , na pasta


da Freguezia de S. Carlos ( Campinas ) em 1818 , o seguinte
apontamento : " Francisco Barreto Leme , possue uma fazenda
denominada “ Barreiro ” , com 300 braças de testada, ditas de
extensão 320 , com 5 escrayos empregados. Reside o proprie
tario na mesma " .
Bernardo José de Lorena , Capitão- General e Governador
da Capitania de São Paulo de 1788 a 1797 concedeu aos cidadãos
José Fernandes de Almeida , José Barros Fajardo , Rodrigues Al
meida, Joaquim José Rosa e Manoel Rodrigues Barros “ uma
sorte de terras nas Campinas, bairro das Anhumas termo de
Jundiahy " .
O primeiro recenseamento de São Paulo foi iniciado em 1765 ,
por ordem de d. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Mor
gado de Mateus, que foi capitão-general e Governador da Capi
66 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

tania de São Paulo de 1765 a 1775. Campinas, como se sabe,


teve origem em território de Jundiaí , no “ Bayrro de Matto Gro
ço ”, depois “Matto Groço caminho de minas” , “ Campinas de
Matto Groço ”, “ Nossa S. da Conceição das Campinas”, “ São Car
los ” e finalmente Campinas, desde a sua elevação à categoria
de cidade, em 1842. Nos recenseamentos de Jundiaí , pois, é que
fomos encontrar no antigo " Bayrro” de onde se originou a gra
ciosa e opulenta Campinas de hoje . Iniciamos as nossas pesqui
zas no caderno de 1767, porque os anos de 1765 e 1766 estão
faltando no respectivo maço. Segundo afirma o eminente dr. Ri
cardo Gumbleton Daunt no seu precioso opusculo “Os primeiros
tempos de Campinas”, pág. 5, Francisco Barreto Leme quando
veio de Taubaté para Jundiaí , foi se estabelecer no lugar deno
minado Taquaral, isto lá pelos anos de 1739 ou 1740. No censo
de 1767 aparece o "Bayrro do matto groço caminho de minas” ,
tendo já 54 fogos com 264 moradores . O cidadão que vem recen
seado em primeiro lugar neste bairro, é José de Souza de Siquei
ra, com 70 anos, casado com Margarida Soares, de 54 anos. Tinha
o casal um filho, Pedro, 17 anos, que na época estava alistado na
cavalaria . Francisco Barreto Leme do Prado , o que mais tarde
seria nomeado diretor da nova Freguesia de N. S. da Con
ceição das Campinas , vem recenseado tambem neste mesmo
bairro ; tinha então 64 anos e era casado com Rosa Maria , de
58 anos. ( ) casal tinha três filhos : Antonio, 16 anos ; José, 12 ;
e Quiteria, 30. Nas “ observações ” , diz : " Rendimento , 7303000 ” .
Em 1768 , Barreto Leme figura no 5.º fogo , com 69 anos. No
final dos apontamentos , vem a nota : " Natural de Taubaté, filho
de Pedro Leme” . Neste ano , só vêm recenseados pais e filhos
homens : 44 pessoas ao todo. Na “Genealogia Paulistana ”, vol.
3. °, pag . 12 , lê-se : “ 3-7 Capitão Francisco Barreto Leme
do Prado , natural de Taubaté, ahi casou- se em 1730 com Rosa
Maria de Gusmão , filha de Miguel Garcia da Cunha e de
Maria de Gusmão . Tit. Garcias Velhos . Mudou-se para a Villa
de Jundiahy, em cujo termo estabeleceu-se , fundando a po
vcação que foi creada freguezia em 1773 , com uma modesta
ermida sob a invocação de N. Senhora da Conceição de Cam
pinas, a qual teve foro de Villa em 1797 com o nome de São
Carlos e foi elevada a cidade em 1842 com o nome de Cam
pinas . O capitão Francisco Barreto Leme do Prado foi inven
tariado em 1782 em Jundiahy e teve ( C. 0. Jundiahy ) os 11
filhos seguintes :
4- 1 Maria Barbosa do Rego
4- 2 Francisco Pinto do Rego
4- 3 Quiteria M. do Sacramento
4- 4 Ursula da Silva Guedes
4- 5 Ana de Arruda
4- 6 Antonio da Cunha Guedes
4- 7 Bernardo Guedes Barreto
4- 8 João Barbosa do Rego
4. 9 Margarida de Arruda Cabral
4-10 Escholastica da Silva Guedes
4-11 Ignez da Silva Guedes .

As trez ultimas não vem no inventario, provavelmente


por failecerem solteiras antes do paí” .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 67

Como se viu, Silva Leme não diz quando Barreto Leme


saiu de Taubaté, nem quando chegou a Jundiaí, mas afirma
ter se casado o mesmo em 1730 .
Nos mapas de recenseamentos o nome do fundador de
Campinas é apenas Francisco Barreto Leme, e o de sua mu
lher , Rosa Maria de Jesus . Na “Genealogia ” como se verifi
cou , o nome exato de ambos vem " Francisco Barreto Leme do
Prado e Rosa Maria de Gusmão ” . Também Silva Leme dá a
relação completa dos filhos do casal , 11 ao todo , e no censo
apenas registra quatro ; Antonio , José, Bernardo e Quiteria .
1770 Francisco Barreto Leme , 66 anos , casado com
Rosa Marią. Filhos , Antonio , 16 anos ; Bernardo, 14 ; José, 11 ;
Quiteria , 27 anos ; Possue : 694 $ 800 . O bairro tinha então 259
almas .
1773 " Bayrro do matto groço ”. O sargento dêste
bairro, neste ano, era o cidadão Joaquim Nunes de Siqueira ,
que vivia em companhia de seu pai e do cabo desta esquadra ,
João Correia , Barreto Leme ainda figura aqui recenseado como
simples morador. Vejamos : Francisco Barreto Leme, 64 anos,
casado com Rosa Maria , 61 anos. Filhos: Quiteria, 35 anos ;
José, 19 ; Bernardo, 22 anos, soldado da cavalaria , casado com
Maria Antonia , 22 anos , com dois filhos : Anna e Maria . Nas
observações, diz : “ Citio por escritura ; rendera de milho, 120 ;
feijão , 15 ; arroz, 8 ; fumo, arrobas, 8 ; aguardente de cana (ca
nadas ) , 53 ; gado , 9 cabesas ; rendera crias , 8 ; cavallos , 6 ; escra
vos , 8 " .
Tinha o bairro 389 moradores .
D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, capitão general
e governador da Capitania de São Paulo , por Portaria de 27
de maio de 1774 , mandou fundar nas paragens de Campinas
de Mato Grosso , distrito de Jundiaí , uma povoação . Para êsse
efeito , nomeou o cidadão Francisco Barreto Leme , fundador,
administrador e diretor. Nesse mesmo ano, foi o povoado ele
vado a freguesia . Barreto Leme estava então com 65 anos e sua
mulher com 62 segundo o recenseamento que temos à mão.
Contava a nova freguesia com 393 almas .
Teôr do Bando mandando fundar a povoação :
“ D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mouram , Morgado de
Matheus, etc. Porp.to se faz precizo formar na paragem cha
mada Campinas do Mato Grosso, Destricto da Va . de Jundiahy ,
hua Povoaçam , pa . pricipio da qual sam necessarios alguns
cazaes pa . cultivarem as terras devolutas do di Destricto : Orde
no q . toda a pessoa que quizer entrar no numero dos ditos
cazaes se vá aprezentar a Francisco Barreto Leme na mesma
paragem ; e a estes g . voluntariamente se oferecerem pa . ir
povoar a referida paragem , faço saber q. lhes mandarei dar
as terras de que carecem , segundo as possibilidades q . tive
rem , e a ferram.ta necessaria pa . a cultura das referidas terras ,
e lhes facultarei todos os Privilegios q . S. Mag.e concede aos
Povoadores de terras ; seram atendidos de todos os requeri
mentos q . me fizerem respectivo a sua acomodaçam , fazendo
com q . se situem onde melhor lhes convier ; e lhes concedo o
Privilegio de q . dentro em três anos nam seram chamados pa .
soldados, assim desta Praça como de , Auxiliares e Ordenan
ças, nem seram occupados em outro algum serviço , ou empre
go alheyo da sua vontade. E pa. q . chegue á noticia de todos
mandei lançar este Bando pellas villas daquela vizinhança , q .
68 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

se afixará na parte mais publica de Jundiahy, depois de regis


trado nos livros da Secretra . deste Governo e mais as partes
a q . tocar. Dado nesta cidade de São Paulo , a 27 de Mayo
de 1774 .
Thomaz da Sylva , Secretr.o do Governo o fez escrever
Dom Luiz Antonio de Souza " .
( “ Docs. Int.” , vol . 33 , pag . 161 ) .
Teôr do edito nomeando o fundador :
“ Porq.to tenho determinado , em virtude das ordens de S.
Mage. aumentar as Povoaçõens desta Capitania, e tenho noti
cia q . na de Jundialy e S. Joam da Atibaya ha terras suficien
tes pa . estabelecer hua boa Povoaçam : Sou servido nomear a
Francisco Barreto Leme pa . Fundador , Administrador e Di.
rector da da . Povoaçam , enq.to nam mandar o contr.o e con
correr na sua pessoa christand.e capacie . e justiça pa . dirigir
os Povos della com paz e quitaçam ; e lhe ordeno convoque
pa . o dito efeito todos os forros , carijós e administrados de
q. tiver noticia andão vadios e nam tem caza , nem domicilio
certo, nem sam uteis á Republica e os obrigue a ir povoar as
ditas terras das Campinas do Mato de Jundiahy, estabelecendo
nellas a referida Povoaçam , elegendo sitio proporcionado pa.
ella e fazendo guardar aos moradores todos os Privilegios q.
S. Mag.e tem concedido aos q . estabelecem colonias de novo,
como tambem todos os mais que eu alem delles lhes concedo
pelo Bando q . com esta mando pa . se publicar: o que tudo
assim cumprirá e faça executar com aquelle zelo, actividade e
desinteresse q . recomendam as ordens de S. Mag.e e da sua
pessoa se espera . S. Paulo , a 27 de Mayo de 1774 . Com a
rubrica de S. Ex.a.
( Docs . Int. vol . 33 , pag . 160 ) .
Francisco Barreto Leme divulga o Bando expedido pelo
Capitão General :
" Franco. Barreto Leme, deretor da Nova Freguezia de
Nosa Senhora da Conceiçam das Campinas , certifico q . man
dey publicar pellas partes mais publicas desta Fereguezia a som
de Caxa o Bando expedido pelo Illmo e Exino. Gov.or Desta
Capitania, que me enviou o Cap.tan Mor de Jundiahy, no qual
se compreende q . sejam recolhidos todos os refugiados de sua
patria como os dezertores e os criminozos de pouca intidade
no prefixo tempo de trez mezes e de como se publicou e fica
fixado no lugar mais publico desta Fereguezia , paso por ver
dade todo o referido na verdade somente por mim asignado.
Hoje Campinas 16 de Julho de 1775 annos , o q . tudo juro
aos santos evangellos sendo necessario . Vay elle em o mesmo
dia , mez e era supra . Franco . Barreto Leme" .
( Maço inedito de recenseamentos de Jundiahy Arquivo
Estadual ) .
Fomos encontrar no maço de “ Bens Rusticos” de 1818 :
“ Francisco Barreto Leme, possue uma fazenda denominada
" Barreiro ” , com 300 braças de testada , ditas de extensão 320,
com 5 escravos empregados. Reside o proprietario na mesma”.
Agora que já sabemos que o fundador de Campinas foi inven
tariado em 1782, fica entendido que o apontamento supra não
se refere ao mesmo , naturalmente , mas sim , a um seu homó
nimo. Éste segundo Francisco Barreto Leme, era filho de João
de Souza Campos, casado a primeira vez com Maria de San
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 69

tana Leite , na Vila de Itú, em 1798 , e a segunda vez com


Maria Angela da Conceição . Foi inventariado em 1849 , na
Vila de S. Carlos ( Campinas ) .

RECENSEAMENTOS INÉDITOS

1776 " Lista Geral da Nova Freguezia de N. S. da


Conceição das Campinas. Diretor da dita Freguezia: Francisco
Barreto Leme , 67 annos ; Roza Maria , sua mulher , 63 annos.
Filhos : Antonio, estoporado , 25 annos . Jozé , com hua chaga
no rosto, 21 annos. Quiteria, 35 annos . Bens e Rendimentos :
Citio por escritura , q . rendera os alqs . seguintes : de milho ,
100. Feijão , 15. De arroz 8. Agoardente ( canadas ) 50. Por
cos, caveças, 5 , rendera crias 10, Cavallos 4. Escravos , pique
nos e grandes 8 ” . A Frequezia tinha neste ano 40 fogos.
1777 Francisco Barreto Leme , 68 annos . Roza Maria de
Jesus , sua mulher, 64 anos. Filhos : Antonio , estuporado, solteiro,
30 anos ; Jozé, com hua chaga no rosto, solteiro, 25 annos .
Quiteria , solteira , 31 annos. Maria Branca , agregada , 12 anos .
Escravos : Manoel, 60 annos ; Laureana , 40 ; Salvador, 6 ; Ignacio ,
4; Antonia, 40 ; Felix , 46 ; Manoel , 60. Antonia , viuva , 80 annos.
Tinha a Freguezia 444 moradores e 58 fogos.
1778 “ Lista geral de todo o povo desta Freguezia de
N. S. da Conceiçam das Campinas fabricada com toda a en
dividuação e clareza, com todas as idades e mais sircunstancias
tiradas dos assentos ( los Livros da Igreja e Folhas de Matricula :
Francisco Barreto I eme , de idade 69 annos . Roza Maria de
Jezus, sua mulher, 65 annos. Filhos : Antonio , estuporado , sol
teiro, 31 annos. Jozé, com hua chaga no rosto, 25 anos. Quiteria ,
solteira , 42 anos ” . Tinha 7 escravos . A Freguezia contava
neste anno 448 moradores e 54 fogos .
O dr. Ricardo Gumbleton Daunt , à pag . 5 do seu excelente
trabalho : Os primeiros tempos de Campinas” , diz que Barreto
Leme dotou “ a fabrica da nova parochia com o patrimonio de
um quarto de legua de terreno, que se começou a medir desde
um corrego dito. do Barbosa , do lado do bairro de Santa Cruz ,
seguindo na direcção da sahida para Jundiahy e Ytú ” . Até o
momento , ainda não conseguimos encontrar nenhuma concessão
de sesmaria feita ao fundador de Campinas. Numa informação
que a Câmara Municipal de Jundiaí prestou ao Pres. da Prov .
de S. Paulo, em 1 ! de Julho de 1843 , vem a relação de cinco
beneficiados com sesmarias nas Campinas, bairro das Anhumas ,
não figurando o nome de Barreto Leme , como esperavamos .
Vejamos o trecho do oficio da Câmara jundiaiense, que nos
interessa: " Esta Câmara informa a V. Excia . que pelos livros
antiquissimos da mesma constão de alguns registros de sesma
rias q . forão concedidas ás pessoas seguintes: José Fernandez de
Almeida, José de Barros Fajardo, José Rodrigues de Almeida,
alferes Joaquim José Rosa e Manoel Rodrigues de Barros , a
estes huma sesmaria nas Campinas Bairro das Anhumas, quando
era do Termo desta Villa doutra parte do Rio de Atibaia , com
quatro leguas de testada, que foi concedida pelo Governador
Capitão General da Capitania de São Paulo , Bernardo José de
Lorena, em nome de S. M. I. em virtude da Sua Real Ordem
de 15 de Junho de 1611 ” .
70 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

O " Almanaque de Campinas" , de 1912, também fala da


sesmaria que Leme possuiria junto ao nascente povoado
Mas a historia relata que, em 1739, vindo de Taubaté, localizou
se nestas paragens um homem activo e emprehendidor, Francisco
Barreto Leme , oriundo de ilustre prole e primeira figura das
cronicas locaes . Seguido de familia numerosa , passara -se elle
para Jundiahy, nove annos antes, e dahi para o lugar que ia
ser, de futuro, o grande municipio de Campinas. Suppõe-se que
Barreto Leme havia obtido uma sesmaria junto da povoação
incipiente , dos lados do bairro chamado hoje do Taquaral” .
A Câmara Municipal de Campinas informa o Presidente
da Provincia qual o estado da indústria e da agricultura no
município :
" Illmo. e Exmo. Snr.: A Câmara Municipal desta cidade
respondendo a portaria circular de V. Excia . , datada de dezesete
de dezembro do anno passado , em que V. Excia . lhordena que
informe á cerca do estado de varias industrias, assim como que
se refira aos principaes estabelecimentos, a importancia apro
ximada de seos productos nos ultimos trez annos, as cauzas de
seo atraso e progressos , os melhoramentos de que são suscepti
veis, etc. , tem a dizer, o seguinte : Que a industria agricola
é a unica de que se empregam geralmente os habitantes deste
município, havendo apenas dois individuos que exercem apenas
a indústria fabril, possuindo um uma fabrica pouco conside
ravel de chapeos de pello, e outro uma dita de velas de cêra.
O café, e o assucar são as especies de productos que vale a pena
mencionar-se, por quanto o chá é aqui cultivado por três indi
viduos em suas chacaras e em muito pequena escala, portanto
ocupar-se- á a Câmara unicamente de referir os principaes esta
belecimentos de café e assucar aqui existentes, e a importancia
aproximada de seus productos nos ultimos trez anos. Existem
neste municipio 80 fazendeiros que exportão de mil até oito
mil arrobas de café annualmente , e cincoenta ditos que apenas
exportão de mil para menos : calcula - se a exportacão deste
genero de productos em duzentos e cincoenta mil arrobas
annualmente . Existem sessenta engenhos que exportão
cento e quarenta mil arrobas de assucar annualmente . Pela
comparação da producção do café e do assucar, vê- se quanto
tem prosperado a cultura daquelle , e definhado a deste, o
que , parece não ser devido a outra coisa se não à baixa
do preço do assucar , porquanto é certo que neste municipio
preponderou até á pouco tempo a industria assucareira por
haverem nelle optimas terras para a cultura de cana . A alta
de preços do café tem feito com que os principais engenheiros
tenham abandonado a cultura da canna e tenham plantado
grandes cafezais, e que todos os pequenos fazendeiros se tenham
tambem empregado nesse cultivo, dessorte que deverá nestes
annos ser consideravel a exportação de café deste municipio ,
se os ditos lavradores obtiverem braços livres suficientes com
que possam costear taes estabelecimentos ; pois é certo que as
plantações excessivas que tem sido feitas demandam para a
colheita , e beneficio de seus productos muito mais trabalhadores
de que os escravos existenies; parece pois , que o meio de
melhoramento de que é susceptivel a industria agricola é a in
trodução de colonos. É quanto pode esta Camara informar a
V. Excia . à semelhante respeito . Deus guarde a V. Excia . por
muitos annos . Paco da Camara Municipal de Campinas aos 14
de janeiro de 1854 .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 71

Illmo . e Exmo . sr. Jozino do Nascimento Silva , Digno Pre


sidente desta Provincia . Antonio Francisco Amaral Gurgel” .
( Seguem mais seis assinaturas de vereadores ) .
( Maço de oficios de Campinas Dep. do Arquivo do
Estado ) .
As leis provinciais que tratam das divisas de Campinas
são : 16 de março de 1847 , 10 de junho de 1850 , 12 e 20 de
abril de 1864 , 28 de março e 5 de abril de 1866 e 8 de julho
de 1867 .
O municipio não possúe nenhuma elevação notável no seu
terreno que mereça a denominação de serra. o território cam
pineiro é banhado por dois importantes rios : 0 Atibaia e o
Jaguari, ambos tributários do Piracicaba .
O clima é ameno e agradável.
Na documentação manuseada por nós , nunca encontramos
notícia de minerais descobertos em Campinas . O barro de olaria,
porém , é abundante .
O municipio sempre foi um grande produtor de açucar,
café, fumo , algodão , aguardente , etc .. Já em 1840 possuia 100
engenhos de cana; em 1854 eram exportadas 8.000 arrobas
de café anualmente e em 1885 , 10.500.000 quilogramos era a
sua exportação média anual . Em 1921. 28.520.000 cafeeiros
estavam produzindo. No período de 1836 a 1837 foi esta a pro
dução campineira : café, 8.081 arrobas ; açucar, 158.447 arro
bas ; aguardente, 7.399 canadas; arroz, 3.672 alqueires; farinha
de mandioca , 952 alqueires ; feijão, 21.015 alqueires ; milho ,
96.786 alqueires ; fumo, 358 arrobas ; porcos, 3.137 cabeças ; gado
cavalar, 221; gado muar, 29 ; gado vacum , 687, gado lanigero,
4 ; possuia 93 engenhos de açucar e distilação de aguardente ,
6 fazendas de criar, 9 de café e 16 serrarias.
Campinas fica a oeste do Estado . A cidade está colocada
a 22 ° e 80 ' de lat . S. e 479 e 70 ' de long . O. pelo meridiano de
Greenwich . Está situada a N. 0. da Capital . , A extensão do
territorio do município é de 9 léguas de Norte a Sul e 9 léguas
e meia de Leste a Oeste . A altitude média do município de
Campinas é de 693 metros acima do nível do mar e a altitude
da cidade , 680 metros .
Campinas é servida por 4 grandes estradas de ferro e
vários onibus .

Campinas dista :
Da Capital, 105 quilometros ; de Mogi Mirim , 55,5 ; de Am
paro, 41,6; de Limeira , 61 ; de Indaiatuba , 24 ; de Santa Bárbara,
45 ; de Vila Americana , 33 ; de Valinhos, 7 ; de Cravinhos , 288 ;
de Porto Ferreira , 162 ; de Socorro , 115 ; de Jundiaí , 44,4 ; de
Piracicaba, 61,1 ; de Itú , 52,7 ; de Itatiba , 28 ; de Monte Mór, 33 ;
de Pedreira, 45 ; de Cosmópolis, 43 ; de Brodowski, 347; de
Pirassununga, 141 ; de Ribeirão Preto , 314 ; de Bragança
Paulista , 54 .

POPULAÇÃO

A população do Bairro , depois Freguesia de Campinas , de


1767 até 1799, nós a extraímos dos maços de recenseamentos
inéditos que se encontram no Dep . do Arquivo do Estado ; de
1816 a 1942, foi conseguida, consultando- se vários almanaques,
e principalmente o “ Boletim do Dep. de Estatistica Estadual de
72 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

1940 ” . De 1942 para cá , nada podemos apurar, por nos faltar


a documentação precisa .
1767 264 moradores .
1768 44 pessoas ( só pais e filhos homens ) .
1770 259 moradores .
1773 389 moradores .
1774 393 moradores .
1777 40 Fogos .
1777 444 moradores .
1778 448 moradores .
1779 440 moradores .
1781 101 Fogos .
1782 -
93 Fogos .
1783 569 moradores
1785 111 Fogos .
1792 1.150 habitantes .
1797 - 2.067 habitantes.
1799 2.107 habitantes .

1816 5.766 habitantes .


1836 7.689 habitantes ( 969 fogos ) .
1876 31.397 habitantes .
1886 41.253 habitantes.
1891 44.000 habitantes .
1895 -

48.000 habitantes .
1896 50.000 habitantes .

1901 33.000
1912 90.500
1914 100.000
1924 115.600
1929 120.000
1930 122.848
1931 125.446
1932 , 128.092
1933 130.787
1934 133.524
1935 136.299
1936 139.122
1937 141.994
1938 144.915
1939 147.886
1942 156.040 .
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 73

( No caderno de recenseamento de 1779 , diz :


" As pessoas de Secenta annos , são 22
As pessoas de 30 24
As pessoas de 20 25
As pessoas de 15 22
Menores do anno passado digo deste ano 16
Pessoas que morreram neste ano 6
Os fogos são 66
O numero das pessoas mayores , e meno
res , todas são 440 " )
Casamentos, nascimentos, obitos ( 1836 ) :
( livres ) Cativos
Casamentos 52 33
Nascimentos 311 226
Obitos 117 144

A população escrava em Campinas, lá pela altura de 1917


era de 3.464 . ( O maior senhor de escravos , em São Paulo , foi
Luiz Antonio de Sousa, que possuia 290 cativos, entre homens e
mulheres . Residia em Campinas ) ( “ S. Paulo Historico ” , 1.° vol .
Pg . 303 Dr. Nuto Santana ) .
Recenseamento de 1782 Neste ano falece o fundador de
Campinas, ficando em seu lugar, provisoriamente, o cabo Inacio
da Cunha ) .
“ Lista geral dos moradores da Freguezia das Campinas.
Francisco Barreto Leme morreu neste anno . Sua mulher
Roza Maria morreu este ano .
Filhos : Antonio, 35 annos. Quiteria 30 anos . Tinha 5
escravos . Fogos 93 " . 1783 Ainda vem registrado : “ Bayrro
do Matto Groço Freguezia das Campinas ” .
O cabo Inacio da Cunha Abreu , o quc substituiu Barreto
Leme, lá vem recenseado em primeiro lugar. Tinha o “ Bayrro"
569 moradores .
1785 " Lista geral dos moradores da Freguezia de Nossa
Senhora da Conceiçam das Campinas: da mesma companhia
de que hé Cpam . Antonio de Siqueira e Moraes. ( Neste ano ,
já no lugar do cabo Inacio da Cunha Abreu , vem o alferes
Pedro de Sousa Campos ( 1.° fogo ) , tinha o mesmo 35 anos ,
casado com Maria Francisca Aranha , de 28 anos . 111 fogos .
Os moradores de Campinas reclamam um Juiz de Medições :
“ Pa , a Camara da Va . de Jundiahv.
Os Moradores da Freguezia das Campinas, Destrito dessa
Villa me fizerão prezente o grave prejuizo , que exprimentão
com a falta de Juiz de Mediçoens , pa . lhes demarcar e medir as
suas terras dadas de Sesmaria por este Governo : Ordeno a
vmces me proponhão, como hé costume e sua Mage. determina
em semelhante respeito , trez Letrados de probidade, e' com
Cartas de formatura para hum delles servir a dicta occupação
por Provimento meu . Ds . ge . a vmces . São Paulo , a 20 de
Agosto de 1796. Bernardo Jozé de Lorena . Snrs . Jur. Prezde.
e Offes . da Cmra , da Villa de Jundiahy ” .
( Docs . Ints. vol . 46 pag . 340 ) .
É elevada à Vila a Freguezia das Campinas.
D. Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça, capitão
general governador da Capitania de São Paulo, pela Portaria
74 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

de 4 de novembro de 1797 e Ordem de 16 do mesmo mês , ele


vou à categoria de Vila a Freguezia de Campinas, com a de
nominação de São Carlos, em homenagem ao nascimento da
princesa portuguesa d . Carlota . A Vila foi instalada no dia 14
de dezenibro do mesmo ano .
Castro e Mendonça foi o 14.º capitão - general de São Paulo ,
e governou de 1797 a 1802 .
Quando a Freguezia de Campinas alcançou o título de
Vila , já Barreto Leme , o fundador , havia falecido há 15 anos .
Sua mulher, d . Rosa Maria de Gusmão ( ou Rosa Maria de
Jesus , como vem nos recenseamentos ) tambem faleceu no
mesmo ano , isto é , em 1782 .
Em 1797 , Campinas estava divi
dida em duas companhias, com seis bairros, que eram : B. da
Vila , das Anhumas , de Capivari, da Ponte Alta , da Atibaia e
dos Dois Corregos. A primeira, companhia tinha 231 fogos, ten
do como capitão comandante , Raymundo Alvares dos Santos Ra
mos, de 55 anos, casado com d . Catarina Maria de Lacerda , de 52
anos, com os filhos : Raymundo, Maria e Gertrudes , com as
idades , respectivamente, de 10 , 16 , e 16 anos; o capitão, era
Antonio Ferraz de Campos, com 56 anos, casado com Maria
da Cunha , de 40 anos, com 7 filhos , e tinha 45 escravos ; o aife
res era Manoel Ferraz de Campos , solteiro , de 25 anos. Tinha
5 escravos . O capitão da segunda companhia , era Felipe Neri
Teixeira , de 42 anos, casado com D. Maria Leite de Camargo,
de 19 anos . Tinha o casal três filhos: Antonio , 4 anos ; Maria,
3 ; e José , 1. Escravos, 42. Esta companhia tinha 104 fogos
Os nomes dos cabos dos bairros eram os seguintes: João Batista
Pimentel , Leonardo Moreira da Cunha , Manoel Gil do Prado ,
Alexandre Barbosa do Prado , Francisco Pinto e João de Ca
margo Pimentel. o total de todos os fogos da Vila somava
335 , com 2.418 moradores . Neste ano ( 1797 ) , havia 260 bran
cos casados, 16 pardos e 27 pretos ; total , 303. Nascidos, bran
cos ( homens ), 53 , mulheres 44 , pardos (homens), 3 mulheres 2 ;
pretos (homens), 4 , mulheres 6 . Mortos, brancos ( homens ) ,
16 , mulheres 9 , pardos, homens 0 , mulheres 1 , pretos, homens
1 , mulheres 0 .
Representação dos moradores da Freguezia das Campinas,
pedindo seja a mesma elevada à categoria de Vila :

“ Ilmo. e exmo . sr ..

Dizem os moradores da nova freguezia de Campinas do


termo da Vila de Jundiahy, que consta do asinado junto, que
se vem vexados em servirem os cargos da Republica da dita
Vila por morarem disviados da mesma oyto , dez , doze e cator
ze legoas, no que sentem gravissimos prejuizos nas suas La
vouras por serem Engenheiros ( quando a freguezia dos
Supp.es tem no todo o numero de duas mil cento e sette pessoas,
e a trez annos a esta parte tem crescido seis centas , e oytenta
e oyto pessoas como fazem certo pella attestação junta ao seo
Parocho, e de fogos ha mais de coatro centos e de rendimento
poderá ter a Vila sincoenta mil réis, a cuja attensão recorrem
os Supp.es a V. Excia . para que attendendo a esta verdadeira
representação mandar fazer Villa a nova freguezia de Cam
pinas, porque assim podem servir os cargos da Republica, e
sem prejuizo de tratarem da sua Lavoura.
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 75

P. a Alta proteção de V. Excia . se digne attender ao re


querimento dos Supp.es mandando erigir Villa a dita freguezia
de Campinas .
E. R. M.
O Vigario da Freguezia das Campinas , Joaquim
José Gomes .

Capitão José de Camargo Paes , Capitão Felipe Neri Tei


xeira , Capitão Joaquim José Teixeira Nogueira , Capitão An
tonio Ferraz de Campos , José Barboza da Cunha , Manoel Ferraz
de Campos , Alferes Antonio de Camargo Penteado , Alferes
João José da Silva , Alferes Ignacio Caetano Leme , Alferes
Floreano de Camargo Penteado , José da Rocha Camargo , Pedro
José Baptista , Capitão Antonio de Cerqueira Cesar , José de
Souza Nogueira , Rafael Antunes de Campos , Joaquim Cardozo
Guimaraens, Ignacio Ferreyra de Sá, José de Almeida Lima ,
Antonio da Silva Leme , Antonio José Correa , Joaquim de
Almeida Lima , Joaquim de Oliveira Leite , Francisco Pinto
Cardozo , Albano de Almeida Lima, Manoel Pereira Tangerino,
Agostinho José de Campos , Vicente José Machado , Antonio
Mendes de Godoy , José Gonçalves Cezar , Francisco de Camargo
Pimentel, Bernardo Guedes Barreto , ( este era filho do fundador
de Campinas ), José Soares de Camargo, Joaquim Alves dos
Santos , Alferes José Francisco de Moraes, Tenente José Pedro
da Cunha, Alferes José Antonio do Amaral, Joaquim Correa da
Cunha, Joaquim Antonio de Arruda , Joaquim Bernardo Gomes,
Antonio Alves de Crasto , João Manoel do Amaral, Rafael de
Oliveira Cardozo , João Baptista Pimentel , Jeronimo Pedrozo
de Barros , Antonio Bueno Cardozo , João da Mota Saraiva e
Ignacio Bueno Camargo ". ( Documentos Interessantes 1.0
vol . ) .
Dom Luiz Antonio de Sousa Botelho Mourão, o morgado
de Mateus, ameaça mandar arrazar a Freguezia das Campinas!
Para Francisco Barreto Leme diretor da Nova Povoação
das Campinas.
" Consta -me que nessa Freguezia Se achão refugiados m.tos
homens de diferentes destrictos , com o pretexto de lhes valer
na prezente Conjuntura , o privilegio de novos Povoadores , e Se
escu arem por este modo do Servico de S. Majestade , em u .
se fazem necessarios ; e por p . o dito privilegio não val , nem
pode valer , Se não àquelles, q . antes da prez.te factura, Se
acham estabelecidos nesa mesma freguezia , não poso deixar de
estranhar a VM ., q . em Semelhante Conjuntura, esteja dando
recolhimento, e ainparo a taes homens e q . tenha aresolução
de Se omor as minhas ordens, embarasando, qu. os Officiaes da
Ordenança, a q . eiles Competem , os posão ir prender , e recon
duzir a minha prezença , na forma q . Ihes tenho mandado pro
ceder Contra os que forem desta natureza , Sendo Capazes para
Soldados pagos; e reprezentando - se -me tambem ao mesmo tem
po, que alguns Soldados Auxiliares, ahy ja estabelecidos, e
outros, q . novam.te Conconrrem a buscar o mesmo refugio, Se
tem deliberado não obedecer a Seos respectivos Officiaes nas
ocazions, em São chamados nara as Deligencias do Real Serviço ,
ou para as funcções das Suas proprias Companhias, tudo por

(*) " Engenheiro " – era o têrmo usado antigamente para designar o senhor
do engenho.
76 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

insinuação de VM . , por esta Sou a ordenar-lhe, q . Logo ime


diatam.te concorra, e de todo o auxilio para q . Sejão prezos,
e remettidos a seos proprios destrictos todos os refugiados, q.
ahy Se acharem , Sendo -lhe requerido por qualquer dos Offi
ciaes a que Competem ; é que os mesmos Auxiliares ja estabele
cidos, Se portem com toda a obediencia para qualquer oscaziam
do Serviço, a que forem chamados ; pena de que, Se se obrar o
contrario desta minha determinação , lhe dou por acabados
todos os privilegios , mandando arrazar a mesma Freguezia ,
Sem deixar de proceder Contra VM. , pois q . hé Cauza de tudo
Com o mais exemplar Castigo : o que espero assim tenha en
tendido , para Se Comportar de modo , q . as Suas faltas me não
precizem ao prompto Castigo , que merecer . Ds . Gde. a VM .
muitos annos . S. Paulo a 18 de Dezembro de 1774. D. Luiz
Antonio de Souza ” . ( Docs . Interessantes ) ” ,
Nos recenseamentos de Jundiaí de 1786 , na “ Lista geral dos
moradores da Freguezia das Campinas do Matto -Groço " , vêm
recenseados três filhos de Barreto Leme do Prado ; no fogo n.º
26 José Barbosa do Rego , 27 anos ; sua mulher, Elena Maria
37 anos. Fogo n .° 62 : Bernardo Guedes Barreto, 38 anos ; sua
mulher, Maria Antonia de Godoy , 41 anos . Tinha o casal 5
filhos : Ana , 18 anos ; Maria 14 ; José , 12 ; Joaquina, 10 e Ber
nardo, 7 . Tinha 3 agregados e 2 escravos . No fogo 67 : Anto
nio da Cunha Guedes, 47 anos ; sua mulher, Ana Antonia , 27
anos; Maria , filha , 2 anos , e Maria , agregada, 10 . O sargento
da Freguezia neste ano , era o cidadão Manoel Mendes de Go
doy , de 26 anos , casado com Ana Tereza de Jesus , de 27 anos.
Filhos ; Maria , 3 anos , Ana , 2 . O cabo era Inacio da Cunha
Abreu , 47 anos , casado con Leonor Garcia Moreira , de 37 anos .
Filhos: Inacio, 16 anos; Manoel , 10 ; Lizarda , 9 ; Francisca , 7 ;
José, 1. Era Guarda -Mór da Freguesia , Domingos de Góes
Maciel , 52 anos , casado com Izabel Maria do Prado , com 38
anos. Filhos: José, 16 anos ; Maria , 13 ; Francisco , 8 ; Gertrudes ,
6 ; Marcela , 5 ; Joaquim , 11 ; Ana, 3 e Gabriel “ nasceu este
anno " . A Freguesia das Campinas tinha então 111 fogos . 1787
“ Lista geral dos habitantes moradores da Freguesia de N.
S. da Conceição das Campinas” . Aqui só aparecem os irmãos
José Barbosa do Rego , no fogo 50 , e Bernardo Guedes Barreto ,
no fogo 97. Sargento , Manoel Mendes de Godois. Cabo ,
Francisco Rodrigues Moreira . Guarda -Mór, Domingos de Gois
Maciel . 2.0 cabo , José Marques da Costa . 3. ° cabo , Francisco
Lourenço Cardoso . 130 fogos .
1789 A Freguesia de N. S. da Conceição das Campinas,
passa agora a ser 3.a Companhia da Vila de Jundiaí , tendo
ccmo capitão Antonio Ferraz de Campos, capitão -agregado,
Felipe Neri Teixeira e alferes , Manoel Ferraz de Campos . Os
irmãos Bernardo Guedes Barreto e José Barbosa do Rego , apa
recem nos fogos 41 e 101 , respectivamente . 119 fogos.
Foi em virtude da ordem do capitão - general de S. Paulo ,
Bernardo José de Lorena , expedida em 30 de outubro de 1788,
que a Câmara Municipal de Jundiaí criou a 3.8 Companhia de
Ordenanças naquela Vila . Vejamos o oficio enviado à edili
dade jundiaiense :
“ Para a Camera da Va . de Jundiahy Logo q . vmces
receberem esta , me proporão tres pescoas capazes , e beneme
ritas, pa . eu dellas escolher huma, para occupar o Posto de
Capam. da Companhia da Ordenança da Freg . das Campinas.
77
CAMPINAS (Contribuição Histórica)

destricto dessa Villa : Bem advertido que a dita Proposta ha de


ser feita com assistencia do Capam. Mor na conformidade das
Reaes Ordens .Ds . Ge . a vmces. S. Paulo, a 30 de 8bro de
1788 — Bernardo José de Lorena . Srs . Juiz Prezdte . e Officiaes
da Camera da Villa de Jundiahy ” .
1790 “ N. S. da Conceição das Campinas" 3.a Com
panhia No fogo n .° 6 vem recenseado o filho do fundador :
Bernardo Guedes Barreto . O Capitão ainda era Antonio Fer
raz de Campos ; Capitão- agregado , Felipe Neri Teixeira ; Alfe
res , Manoel Fernandes Campos ; Sargento , Joaquim José de
Oliveira ; 2.º sargento , José Leme de Siqueira , e cabo , Inacio
Leme 176 fogos .
1791 Neste ano já aparece o cidadão João Soares de
Campos , no posto de 1.0 sargento da 3.a Companhia . Nos
postos de Capitão, Capitão-agregado e Alferes, continuam os
mesmos do ano anterior.

1792 Tem agora a 3.a Companhia , nada menos do que


3 capitães : Antonio Ferraz de Campos, Alexandre Cavalheiro
Silva e Felipe Neri Tèixeira . O Alfares é o filho do primeiro ,
e o cabo , Antonio Nunes de Faria . 212 fogos ou famílias
O vigário de Campinas atesta o aumento da população de
sua Freguesia : " Attesto, e faço certo que nesta Freguezia
de Campinas de três anos a esta parte tem crescido de povo
seiscento e oitenta e oito pessoas, que todas fazem o numero de
duas mil cento e sete pessoas ( 2.107 ) o que exponho na verdade
e passo a prezente Attestação por me ser pedida . Campinas
29 de outubro de 1797. O Vigário , Joaquim José Gomes"
“ Relação dos homens bons que podem servir os Cargos da
Republica : O capitão José de Camargo Paes O alferes
Floriano de Camargo Penteado Alferes Antonio de
Camargo Penteado ignacio Ferreira de Sá Joaquim
Bernardo Gomes o tenente Francisco de Paula Ca
margo Salvador do Prado Cortez Nicolao Alves da Silva
Albano de Almeida Lima José de Souza de Siqueira -- 0
alferes João José da Silva Joaquim José de Almeida
José de Almeida Lima — Joaqunim Cardozo de Gusmão O
capitão Antonio de Cerqueira Cesar - O capitão Antonio
Ferraz de Campos O alferes Manoel Ferraz de Campos
José da Rocha Camargo 0 tenente José Alves Lima An
tonio da Silva Bernardo Guedes Barreto Manoel Pereira
Tangerino João Ferraz de Campos - João da Rosa Dias
Jeronimo Pedroso de Barros Joaquim Pedroso de Barros
Joaquim de Oliveira Leite O capitão Felipe Neri Nogueira
José Gonçalves Cesar O capitão Joaquim José Teixeira
Luiz Mendes de Godoy Antonio Mendes de Godoy
Boaventura de Camargo José Barbosa Rego Antonio José
de Matos O tenente Pedro Gonçalves Meira o tenente
José Pedro da Cunha Joaquim Antonio de Arruda João
Manoel do Amaral O alferes José Antonio do Amaral –
Felisberto de Godois de Almeida O alferes Ignacio Caeiano
Leme Rafael de Oliveira Cardozo Rafael Antunes de
Campos João de Camargo Pimentel Ignacio de Campos
Bueno João Pimentel de Camargo Francisco de Camargo
Pimentel Angelo Cordeiro do Amaral João Monteiro de
Oliveira O dr . José Barboza da Cunha Ventura Barboza
da Cunha João Evangelista Cabral Vicente José Machado
78 CAMPIŅAS (Contribuição Histórica)

Manoel Mendes de Godoy O tenente Domingos da Costa


Machado O alferes José Francisco de Moraes Antonio
Antunes de Campos Claudio Furquim de Campos Agos
tinho José de Campos Domingos da Costa Machado " . ( Docs
Ints. vol . 3. °, pags . 7 , 8 e 9 ) .
Francisco Barreto Leme é advertido pelo severo capitão
general D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado
de Mateus :
“ Para o Director da Nova Povoação do Mato Grosso de
Jundiahy Francisco Barreto Leme. Recebo a carta de vmce .
em q . me dá parte das diferenças , que tem havido entre vmce .,
o capitão-mór e Justiças da V. de Jundiahy, de onde me tem
tambem chegado queixas ao mesmo respeito ; sobre o q . se me
faz precizo dizerlhe, q . a Conducta, com q . tem proseguido,
tanto Vmce . como o do Capm mór , e Justiça , hé m.to alheya
da prod.a com a . eu esperava ; Vmces. obrariam em tudo o q .
tocasse ao aum.t dessa Povoação , e Vmces . se abstenham de
semelhantes procedimentos, obrando em tudo com aquelle
devido zelio , prudencia e moderaçam : e sobre esta materia
prezentem.te principio a dar providencias.
Ds . gde . a Vice. S. Paulo a 4 de agosto , de 1774. D. Luiz
Antonio de Souza . Sr. Director Franco . Barreto Leme" . ( Docs.
Int. vol . LXIV , pag . 208 ) .
Um ano depois de a Freguesia de Campinas ter passado
à categoria de Vila , a sua população era a seguinte : brancos,
solteiros ( homens ) 535 , ( mulheres ) 516. Casados : 275. Viuvos
( homens ) 8 , ( mulheres ) 41. Pretos livres, solteiros ( homens )
4 , (mulheres ) 5. Casados : 3. Viuvos ( homens ) 2 , ( mulheres ) 0.
Pretos cativos, solteiros (homens) 396 , ( mulheres ) 143. Casa
dos : 77 ; viuvos ( homens ) 4, (mulheres) 1. Mulatos livres, sol
teiros ( homens ) 187 ; ( mulheres ) 175 ; casados : 39. Viuvos (ho
mens) 5, ( mulheres ) 12. Mulatos cativos, solteiros ( homens ) 44 ,
( mulheres ) 30. Casados : 6 ; viuvos ( homens ) 0, ( mulneres ) 0.
Nascimentos : brancos ( homens ) vivos 26. Mortos 11. Gemeos 5 .
Mulheres , vivas 27. Mortas 7. Gemeos 4. Pretos livres ( homens )
vivos 0. Mortos 0. Gemeos 0. Mulheres , vivas 0. Mortas 0. Ge
meos 0. Cativos ( homens ) vivos 7. Mortos 5. Gemeos 0. Mu
lheres, vivas 4. Mortas 4. Gemeos 0. Mulatos livres ( homens )
vivos 18. Mortos 4. Gemeos 0. Mulheres , vivas 11. Mortas 7 .
Gemeos 1. Cativos ( homens ) vivos 0. Mortos 0. Gemeos 0. Mu
lheres , vivas 0. Mortas 0. Gemeos 0. Mortes : brancos ( homens )
25 , (mulheres ) 24. Pretos livres ( homens ) 0, ( mulheres ) 0.
Cativos ( homens ) 7. Mulneres 14. Mulatos livres ( homens ) 7.
Mulheres 14. Cativos (homens) 2. Mulheres 0 .
Casamentos : brancos 16. Pretos 12. Mulatos 3 .
Ocupações dos habitantes de Campinas no ano de 1798 :
Corpo Militar 186 , Magistratura e empregos civis 9. Clero se
cular 3. Clero regular 1. Agricultores 326. Negociantes lo
jas 9. Artifices 15. Condutores de açucar 14. Escravos 527. Es
cravas 257. Vadios e mendigos 12. Os condutores de açucar,
neste ano de 1798 , venceram a quantia de 487 $000 ( Cruzados ) .
Produtos importados por Campinas, ainda em 1798 :
De Lisboa 30 peças de pano de linho – 416$910 (cruza
dos ) . Do Porto 69 peças de pano de linho 958$893 (cru
zados ) . 45 peças de pano de la 1.748$700 ( cruzados ) ; 16
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 79

peças de pano de algodão 2245000 ( cruzados ) ; 18 duzias de


chapeus 138$520 ( cruzados ) ; 9 duzias de meias de laia
86 $400 ( cruzados ) ; 9 duzias de meias de linha 43$200 (cru
zados ) ; 180 peças de “ Bretanha ” 608 $400 ( cruzados ) ; 400
alqueires de sal 1 : 280$000 ( cruzados ) . A importação do
Reino de Portugal foi de 5 : 505$023 ( cruzados ) . A expor
tação foi de 17 : 745$840 ( cruzados ) . A exportação da Paro
quia de São Carlos ( Campinas ) em 1798 foi : Para São Paulo :
1.139 arrobas de açucar 5 :836 $ 080 ( cruzados ) ; Para a Vila
de Santos ;\ 10.000 arrobas de açucar 11 : 066$320 ; Para a Vila
de Itu : 305 alqueires de milho 48$800 ; 132 alqueires de
feijão --- 42$240 ( cruzados ) ; 69 alqueires de farinha 27 $ 600
( cruzados ) ; 906 arrobas de toucinho 724$800 ( cruzados ) .
A produção : 17 e meio quintais de algodão ; 2023 quintais
de açucar ; 1.412 quintais de açucar " redondo " ; 349-1c de açu
car “ mascavo ", 240 canadas de aguardente, 21.525 alqueires
de milho, 1.580 alqueires de feijão, 69 alqueires de farinha,
3.114 arrobas de toucinho, 30 arrobas de fumo. Valor em cru
zados : 23 : 640$480 .
Consumiu a Paroquia : 10 quintais de algodão ; 240 cana
das de aguardente ; 21.220 alqueires de milho ; 1.448 alqueires
de feijão ; 2.208 arrobas de toucinho ; 15 arrobas de fumo . Valor
em cruzados : 5 : 887$360 .
Exportação: 7 e meio quintais de algodão ; 2023 quintais
de açucar ; 1412 quintais de açucar “ redondo ” ; 349-1c quin
tais de açucar “ mascavo ”'; 305 alqueires de milho ; 132 alqueires
de feijão ; 69 alqueires de farinha ; 906 arrobas de toucinho ;
15 arrobas de fumo. Valor em cruzados : 17 : 753$120.
Preços correntes em Campinas em 1798 : Generos de impor
tação Panos de linho de Lisboa : máximo 600 , médio 500 e
mínimo 480. Por varas . Panos do Porto : máximo 600 , médio
580 e mínimo 480. Por varas. Panos de lã e baetas : máximo
720 , médio 640 e mínimo 600. Por covados. Panos de Algodão :
máximo 240 , médio 200 e mínimo 160. Por varas. Chapéus:
máximo 1200 , médio 1000 e mínimo 900. Por varejo . Meias
de laia : máximo 1360, médio 1280 e mínimo 1200. Pares. Meias
ce linha : máximo 960 , médio 900 e minimo 800. Pares. Ber :
tanhas: máximo 4000 , médio 3200 e mínimo 2560. Por peças.
Sal : máximo 3200 , médio 2560 e mínimo 2400. Por alqueire.
Gêneros de exportação : açucar alvo , máximo 1440 , médio
1360 e mínimo 1280. Por arroba . Açucar " redondo ” : máximo
1000 , médio 950 e mínimo 900. Por arroba . Açucar “mascavo " :
máximo 680 , médio 640 e minimo 600. Por arroba . Algodão em
caroço : máximo 1280 , médio 960 e mínimo 800. Por arroba .
Aguardente de cana : máximo 1280 , médio 960 e mínimo 640.
Por canada . Milho : máximo 240 , médio 160 e mínimo 120. Por
alqueire. Feijão : maximo 480, medio 400 e minimo 320. Por
alqueire. Farinha : máximo 480 , médio 400 e mínimo 320. Por
alqueire. Toucinho : máximo 960 , médio 880 e mínimo 800. Por
arroba . Fumo: máximo 1280 , médio 960 e mínimo 800. Por
arroba .

Gêneros consumidos na Paróquia :


Açucar alvo : máximo , 2560 ; médio, 2.240 ; e minimo , 1.920
( por arroba ) .
80 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Açucar " redondo" : máximo, 1.920 ; médio , 1.600 ; e mínimo


1.280 ( por arroba ) .
Açucar “ mascavo ": máximo , 1.280 ; médio, 960 ; e mínimo ,
640 ( por arroba ) .
Algodão : máximo, 1.280 ; médio , 960 ; e mínimo, 800 ( por
arroba ) .
Aguardente : máximo, 3.200 ; médio, 2.560 ; e mínimo, 2.400
( por canada ) .
Milho: máximo, 240 ; médio , 200 ; e mínimo , 160 ( por al
queire ).
Feijão: máximo, 480 ; médio, 400 ; e mínimo, 320 ( por al
queire ) .
Farinha : máximo, 480 ; médio, 400 ; e mínimo, 320 ( por al
queire ) .
Toucinho : máximo, 1.280 ; médio , 960 ; e mínimo , 840 ( por
arroba ) .
Fumo: máximo , 1.440 ; médio , 1.280 ; e mínimo, 1.200 ( por
arroba ) .
( Dos maços inéditos de recenseamento da Vila de São
Carlos ( Campinas ) . Departamento do Arquivo do Estado ) .
A Primeira Companhia de Ordenanças tinha 235 fogos. A
Segunda Companhia, 133 , Total dos fogos ou familias neste ano
de 1798 , 368 .

1793 – A Freguezia das Campinas tinha 1.425 habitantes.


Numa nota ao fundo do recenseamento diz : " Morrêrão neste
de 1794 pessoas 25. Nascêrão neste mesmo anno de 1794
pessoas 86 ” .
Campinas em 1799 ainda estava dividida em duas com
p :inhias. Era comandante da 1.a o capitão Raimundo A!z. dos
Santos Prado, alferes, Manoel Fermi do Campos sargento,
Apolinario da Sylva e sargento -supra, Bento Domingues. Tinha
a Companhia 149 fogos, assim distribuidos: no Bairro da Vila
- 58 ; no das Anhumas 21 ; no da Boa Vista 17 ; no do
Campo Grande 35 e no do Capivari 18.

POPULAÇÃO

Brancos : solteiros ( homens ) 290 (mulheres ) 259. Casados :


132. Viuvos (homens) 4 ( mulheres ) 19. Pretos livres : solteiros
( homens) 2 (mulheres) 1. Casados : 2. Viuvos ( homens ) 1 ( mu-
Theres ) 0. Pretos cativos : solteiros ( homens ) 237 (mulheres ) 89.
Casados : 40. Viuvos ( homens ) 0 ( mulheres ) 1. Mulatos livres :
solteiros ( homens ) 164 ( mulheres ) 175. Casados : 56. Viuvos (ho
mens) 5 ( mulheres ) 10.
Nascimentos: brancos ( vivos ) 64 , mortos 15 , gêmeos 0. Pre
tos livres ( vivos ) 14 , mortos 2 , gêmeos 0. Mulatos ( vivos ) 4,
mortos 0 , gêmeos 0 .
Mortes: brancos ( homens ) 28 ( mulheres ) 21. Pretos cati
vos ( homens ) 11 ( mulheres ) 5. Mulatos livres ( homens ) 2 (mu
Theres ) 4. Casamentos : brancos, 8. Pretos, 10. Mulatcs, 1 .
Mulatos cativos ( soiteiros ) homens, 13. Mulheres, 8. Casa
dos , 2. Viuvos , 0 .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 81

Alqueire Medida antiga, de capacidade para secos e

líquidos, equivalente i 13 ’ ,80 . Também se diz do terreno que


leva um quintal de sementes.
Canada - Antiga medida portuguêsa , igual a 4 quartilhos .
A canada equivalia a 1 ' ,4 .
Côvado — Antiga medida de comprimento, equivalente a
66 centímetros.
Cruzado Antiga moeda portuguêsa de ouro e prata .
Quantia de 400 réis ( ou 40 centavos ).
A de prata tambem era chamada “ Pinto ” .
Quintal Peso, equivalente a 4 arrobas.
Vara Antiga medida de comprimento equivalente a 1m10 .
Habitantes da primeira companhia : 1742 .
2.2 Companhia : Alferes comandante, Ignacio Caetano
Leme, sarg Rafael de Oliveira Cardozo . Os bairros eram :
dos Dois Corregos , 43 ; de Atibaia , 67 ; da Ponte Alta, 25.
Total dos fogos desta Companhia , 135. Habitantes da 2.a Com
panhia : 1.416 .

POPULAÇÃO

Brancos : solteiros (homens) 210, ( mulheres ) 255. Casa


dos : 109. Viuvos (homens) 5 ( mulheres ) 13. Pretos livres : sol
teiros ( homens ) 5 (mulheres) . 4. Casados : 3. Viuvos, 0. Pretos
cativos : solteiros ( homens ) 186 , ( mulheres ) 106. Casados : 33 .
Viuvos, 0. Mulatos livres : solteiros ( homens) 13 (mulheres) 9 .
Casados, 10. Viuvos , 0. Mulatos cativos : solteiros ( homens ) 18
( mulheres ) 18. Casados, 5. Viuvos, 0 .
Nascimentos : brancos ( vivos ) 50. Mortos , 14. Gemeos, 0 .
Pretos ( vivos ) 13. Mortos, 4. Gemeos, 0. Mulatos ( vivos ) 2 .
Mortos , 0. Gemeos , 0 .
Mortes : brancos ( homens ) 19 ; (mulheies) 17. Pretos (ho
mens ) 6 ; ( mulheres ) 3 .
Casamentos : brancos 6. Pretos 6. Mulatos 0.
Ocupações dos habitantes da 2.a Companhia : Corpo Mili
tar 240. Magistratura e empregos civis 10. Clero secular 3 .
Clero regular 1. Agricultores 200. Negociantes 3. Artífices 37
Diaristas 26. Escravos 535. Escravas 301. Vadios e mendigos 50 .
Vendilhões e taverneiros 10 .
Total dos moradores da Vila de Campinas em 1799 , 3.158 .
No maço da população de Campinas de 1799 , fomos en
contrar recenseados dois filhos de Barreto Leme: Francisco
Pinto do Rego e Bernardo Guedes Barreto, ambos na segunda
companhia. O primeiro, no bairro dos Dois Corregos, fogo n.º
21 : " Francisco Pinto Rego , 65 anos ; sua mulher, Maria Dias
Cardoza, 51 anos. Maria , filha , 23 anos ; Florinda , agregada, 9
anos. " Nas occupaçoins ” , diz : “ Rosseiro de montimentos. Colheu
25 alqueires de milho . Tem tropa q . conduz assucar para San
tos. Rendeu os alugueis, 40 $ 000 " . O segundo, no bairro da Pon
te Alta , fogo n .° 113 : " Bernardo Guedes Barreto , 51 anos ; sua
mulher, Maria Antonio de Godoy, 48 anos. Filhos: José 24
anos ; sua mulher, Francisca, 24 anos. Joaquim, 21 anos ; Ber
nardo, 20 anos ; sua mulner, Anna, 18 anos ; Vicente, 10 anos ;
82 CAMPINAS ( Contribuição Histórica)

Maria , 24 anos e Roza, 8 anos." Nos apontamentos , vem : “ Se


nhor de Engenho . Safra anda por : 800 arrobas , sendo 500 do
“ alvo " ( açucar ) a 1400 ; 270 do “ redondo ” a 1000 ; 30 do “mas
cavo " a 650. Colheu 150 alqueires de milho e 30 de feijam " ,
No maço n.º 47 “ Ordenanças” , pasta 2 , doc. 113, encontra
mos a “ Rellaçam dos homens nomeados pa. Capitains das Com
panhias desta Villa de Sam Carlos ( Campinas) para as Orde
nanças.

1.a Companhia : Alferes Ignacio Caetano Leme. Rafael An


tunes de Campos. Vicente da Costa Machado.
2.a Companhia : Alferes José Ignacio de Camargo Pentea
do . José de Souza de Siqueira. Antonio da Silva Leme .
3.a Companhia : Alferes José Francisco de Morais. Alferes
Manoel Ferraz de Campos. Alferes Pedro José Batista .
4.4 Companhia : Rafael de Oliveira Cardoso. Manoel Pe
reira Tangerino . Joaquim Antonio de Arruda .
5. Companhia : Alferes José Antonio do Amaral. Joaquim
Cardoso de Gusmão . Guedes Barreto ( * ) .
6.a Companhia : Tenente Ignacio Ferreira de Sá. José Pinto
de Godois . Antonio Antunes de Campos.

À margem dêste documento , a nota : “Aprovo os primeiros


nomeados : Passem-se-lhe suas Patentes . S. Paulo, 14 de Maio
de 1804 " .
Em baixo, na mesma relação : “ Estes sam os nomeados.
Todos capazes de Exercer o Cargo de Capitains das Ordenan
ças. Sam Carlos em Camara de 20 do mês de Março de 1804,
e eu José Marianno de Vasconcellos Escrivam da Camara que
o escrevi. João Francisco de Andrade, João Leite de Camargo
Penteado, Bernardo Guedes Barreto, João Manoel do Amaral,
Manoel Francisco de Sam Payo " .

O Morgado de Mateus, desta vez , fala mais paternalmente


para a Nova Povoação :

“ Para o Director da Nova Povoação das Campinas.


Recebi a Carta de VMce de 11 do corrente, e estimo q . as
minhas disposiçoens vão produzindo aquella pas e Socego q .
tanto des.o universalmente a todos especialmente a essa nova
freguezia para seo augmento. No q. toca a divizão que fes a
Camera e sobre que me requer esse Povo alegando seos funda
mentos mando informar a mesma Camra . e esteja VMce. certo
q . eu avista da da . informação e da sua carta q . fica guarda
da, heyde pezar na minha consideração l : umas e outras ra
soens pa . rezolver segundo Deus me ajudar o q . for mais a bem
de todos .

(*) Éste Joaquim Guedes Barreto , vinha a ser neto do fundador de Campi
nas , como cremos, filho de Bernardo Guedes Barreto, vereador em 1804.
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 83

O mesmo Sr. Ge . a VMce . Ms. Ans. São Paulo a 17 de


Agosto de 1774 D. Luiz Antonio de Souza Sr Francisco Barreto
Leme " ( Pag. 211 , vol . LXIV - Docs. Ints .)
" Vicente Ferreira e Almeida Escrivam da Ouvidoria geral
e Correisam da Cidade , e Comarca de Sam Paulo por Provi
sam etc ..
Certifico, e porto fé que do Livro da Erecçam de Villa de
Sam Carlos a folhas duas et sequentibus consta os Registros
de Edital do Doutor Ouvidor geral, e Corregedor da Comarca ,
Certiaam de sua publicaçam , Portaria do Ilustrissimo, e Excel
lentissimo Senhor Governador e Capitam General desta Capi
tania de Sam Paulo, auto de Erecçam da mesma villa , termos
de Levantamento o Pelourinho , de marcaçam do terreno para
os Paços do Concelho, e Cadea, declaraçam do Rocio e divisam
de limites della, auto de Eleiçam das Justiças que ham de
servir na mesma Villa , cujos thicres deverbo ad verbum sam
os seguintes:
O Doutor Caetano Luiz de Barros Monteiro de Dezembar
go de Sua Magestade Fidelissima, Seo Ouvidor geral e Corre
gedor desta Comarca de Sam Paulo, e na mesma Provedor das
Fazendas dos Defuntos e Auzentes , Capellas, E Reziduos, e
Orfaons , Auditor Geral da gente de Guerra , Intendente de
Policia e Real Caza de Fundiçam, e Superintendente das ter
ras, e agoas minerais, tudo com jurisdiçam, e alçada no civil ,
e crime por bem da mesma Soberana Senhora que Deos Guar
de et coetera : Faço saber a todos os moradores , e Povoadores
desta Freguezia das Campinas, asim Eccleziasticos , como Se
culares, que o Illustrissimo , e Excellentissimo Senhor Governa
dor e Capitam General desta Capitania Antonio Manca
Mello Castro e Mendonça foi serviço ordenarme no Real Nome
de Sua Magestade por a Portaria de desaseis de Novembro des
te prezente anno pelos motivos nella expressados a qual se
acha em meo poder , e se hade copiar no livro da Erecçam, que
pasase eu por serviço da mesma Senhora in Continenti a esta
mencionada freguezia das Campinas, fizesse erigir a sua po
voaçam em villa com a denominaçam Viila de Sam Carlos
levantando ahi Pelourinho, asignalando- lhe termo, lugar, e
terreno para os Paços do Concelho, e Cadea, procedendo a
Eleiçam de Juizes, e mais officiais da Camera que hace servir
por Confirmasam de Sua Excellencia o primeiro anno, que
terá principio em Janeiro de mil sette-centos noventa e oito
ao que hei de dar principio no dia 13 do corrente mez de De
zembro de tarde em observancia da mencionada Portaria
E para que chegue a noticia de todos mandei lavrar o prezente
Edital que sendo por mim assignado, será publicado, e fixado
no lugar publico desta freguezia : Dado nesta freguezia das
Campinas sob o meo sinal , e sello das Reaes Armas, que pe
rante mim serve , ou sem elle excausa em dose de Dezembro
de mil settecentos noventa e sette e eu Vicente Ferreira
Almeida Escrivam da Ouvidoria geral e Correisam o escrevi :
Caetano Luiz de Barros Monteiro . Valha sem sello excausa
Barros . Vicente Ferreira e Almeida Escrivam da Ouvidoria
geral e Correisam da Cidade, e Comarca de Sam Paulo por
Provisam et coetera : Certifico e porto fe que o Edital retro do
84 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

Doutor Ouvidor geral e Corregedor da Comarca Caetano Luiz


de Barros Monteiro foi applicado, e fixado no lugar publico
desta Povoaçam das Campinas, o que eu Escrivam prezenciei
o referido hé verdade em fé do que passo a presente que asigno :
freguezia das Campinas em trese de Desembro de mil sette
centos noventa e sette : Vicente Ferreira e Almeida : E não
se continha mais cousa alguma em o dito Edital, e certidam
que aqui bem e fielmente registei sem cousa que duvida fasa e
por estar em tudo conforme a seo original me asigno nesta
freguezia das Campinas aos trese de Desembro do ano do Nas
cimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil settecentos no
venta e sette, e eu Vicente Ferreira e Almeida Escrivam da Ou
vidoria geral, e Correisam o escrevi conferi e asignei – Vicente
Ferreira e Almeida Conferido por mim Escrivam Vicente
Ferreira e Almeida . ‘Docs . Ints .. vol . 3." , pags . 9. 10 e 11 ) .
Nas sesmarias que foram concedidas de 1721 até 1821 , ses
senta pessoas foram beneficiadas com datas de terras na
freguesia, depois vila de Campinas. Entre estes cidadãos, aparere
o nome, também , de un fiho de Francisco Barreto Leme do
Prado : Bernardo Guedes Barreto . Vejamos, porém , ns posseiros
1 Antonio da Cunha Raposo Leme ; uma légua de terras e duas
de sertão. Freguesia de Camninas , L. 29 , Fls . 31 -v . ) ; 2 Antonio
Ferraz de Camnos, 3 José da Rocha Camargo, 4 José Alves Lima ,
5 Antonio da Silva Leme , 6 Joaquim Cardoso Gusmão, 7 Bernar
do Guedes Barreto ; uma légua de terras e outra de sertão
Campinas. ( L. 28. Fls . 52 ) ; 8 Antonio Teixeira de Camargo , 9
Joaquim Felipe Neri : uma légua e um quarto de terras, Campo
Granae, Campinas (L. 41 , Fls . 133 ) : 10 Claudio Furquim de
Campos, 11 João Monteiro de Oliveira , 12 João Franco , 13 An
gelo Cordeiro . 14 José Domingues Rocha , 15 Francisco de
Camargo , 16 Francisco de Camargo Pimentel. ( L. 23 , Fls . 2 ) ;
18 Diogo de Toledo Lara e Ordonhes , confirmação de uma légua
de terras e três de sertão . Freguesia de Campinas. ( L. 27, Fls.
106- v ) ; 19 Domingos da Costa Machado, 20 José Antonio do
Amaral , 21 João Manoel do Amaral : duas léguas de terra e
sertão " até dar no rio Jaguary ”. Campinas. ( L. 30 , Fls. 71 -v ) ;
22 Florianc de Camargo Penteado , 23 José Ignacio de Camargo
Penteado , 24 João Leite de Camargo Penteado , 25 Ana de Cam
pos , 26 Maria Barbosa de Campos: uma légua de frente por outra
de fundo . Campinas . ( L. 30 , Fls . 171 ; 27 Francisco Leme de
Matos : meia légua de terras e uma de sertão. Paragem de
Capivari- Campinas. ( L. 14 , Fls . 31 ) ; 28 Francisco Xavier de
Rocha : uma légua de terras. Campinas. ( L. 28, Fls. 58 ) ; 29
Ignacio Caetano Leme, 30 Rafael de Oliveira Cardoso, 31 Maria
Tereza do Rosario, 32 Joaquim da Silva Leme : duas léguas e
um quarto de terras . Campinas. ( L. 30, Fls . 77-V ) ; 33 Ignacio
Ferreira de Sá , 34 João José da Silva , 35 José Souza de Siqueira :
uma légua de terras . Bairro das Anhumas - Campinas ( L. 28 , Fls .
43 - v ) ; 36 João Antonio Duarte Bueno, 37 Antonio Manoel de
Camargo, 38 Francisco Ferreira : uma légua de terras e três
de sertão . Campinas. ( L. 32 , Fls. 5 ) : 39 João de Barros Pedroso :
uma légua de terras . Campinas. ( L. 27, Fls . 89 ) ; 40 Joaquim
Bernardo Gomes , 41 Tereza de Camargo Penteado : duas léguas
de terras . Campinas. ( L. 30 , Fis . 99 ) ; 12 Joaquim José Teixeira,
43 Joana Antonia Teixeira , 44 Maria Leite Camargo, 45 Antonio
Teixeira Camargo : uma légua de terras e três de sertão. Cam.
pinas. ( L. 28 , Fls. 53 -v ) ; 46 José Fernandes de Almeida, 47 José
85
CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Barros Fajardo, 48 José Rodrigues Almeida , 49 Joaquim José


Rosa, 50 Manoel Rodrigues Barros : quatro léguas de terras e
sertão. Anhumas, Campinas. ( L. 25 , Fls. 123 ) ; 51 José Ferreira
de Sá , 52 João José da Silva , 53 José de Souza Siqueira : uma
légua de terras, outra de sertão. Anhumas, Campinas. ( L. 28 ,
Fis. 43 -v ) ; 54 Manoel Fernandes de S. Payo: três sitios de terras .
Barra do Corrego das Campinas Vc'has . ( L. 30 , Fls . 33 ) ; 55
Manoel Gonçalves Silva ' uma légua de terras e três de sertão,
na paragem chamada “ O Posso " , Campinas. ( L. 30, Fls. 43-v ) ;
57 Pedro Goncalves Moreira , 58 Raimundo Alves dos Santos
Prado , 59 João Manoel Go Amaral , 6C João Ferraz de Campos :
duas léguas de terras e uma de sertão Campinas. ( L. 30, Fls
150 - V ) .
( Repertório das Sesmarias concedides pelos capitães gene
rais da Capitania de S. Paulo desde 1721 até 1821
Departa
mento do Arquivo do Estado ) .
De Francisco Barreto Leme , até agora não conseguimos
encontrar, nem o registro de sua patente de capitão, nem
inventário ou testamento , e nem mesmo a carta de sesmaria que
lhe foi conceaida ! A pesquisa que fizemos no Departamento
do Arquivo do Estado, foi longa e trabalhosa, mas estes do
cumentos que tanto nos interessavan. , nao apareceram !
o inventário ou testamento e a concessão da semaria
provavelmente se encontram no Rio de Janeiro, no Arquivo
Nacional. Quanto à Patente de capitão, ou encontra- se também
no Rio, ou então Barreto Leme nunca conseguiu aicançar este
posto. Dizemos isto, porque , tanto 1.s recenseamentos como
na correspondência do fundador de Campinas, nunca aparece o
titulo de “ Capitão” , mas sim , apenas “ Diretor " . Lendo-se vários
ofícios que foram enviades a Leme do Prado, pelo capitão-general
D. Luís Antonio de Souza , vê-se , claramente, que o fundador da
Nova povoação das Campinas, tinha caido desde logo no desa
grado do severo governador de S. Paulo, pois, o Morgaão de
Mateus, chegou mesmo a ameaçar mandar arrasar o nascente
povoado , si Leme continuasse a proceder como o acusavam , isto
é, acolhendo na Fovoação sob seu comando, “muitos homens
de diferentes destrictos, com o pretexto de lhes valer na pre
sente Conjuntura , o privilegio de novos Povoadores , etc. , etc.”
Como se sabe , Barreto jeme foi nomeado Fundador , Adminis
trador e Diretor das Campinas, pelo édito de 27 de maio de
1774, e a advertencia de " arrasamento ” do povoado, traz a data
de 18 de dezembro do mesmo ano ! ... Por éste e outros motivos
é que acreu.camus, que o taubateano nunca tivesse conseguido
a sua Patente de capitão das Ordenanças. O único que dá o
título de capitão a Barreto Leme do Prado, é Silva Leme , na
sua Genealogia Paulista. Do fundador de Campinas , apenas
sabemos que era filho de Pedro Leme e natural de Taubaté ,
onde se casou em 1730 com d . Rosa Maria de Gusmão , segundo
Silva Leme, ou ú. Rosa Maria de Jesus, segundo os recensea
mentos ; que o casal tivera onze ou doue filhos, e que lá pelas
alturas do ano de 1739 chegou a Junaiai, estabelecendo -se no
lugar denominado Taquaral, como nos informa o dr. Ricardo
Gumbleton Daunt, no seu precioso opúsculo “ Os primeiros
tempos de Campinas” . O seu falecimento ( e também de sua
muner ) deu -se em 1782. A pesquisa que levamos a efeito , aqui
no Arquivo , à cata dos documentos a que ja nos referimos supra,
foi iniciada nos Livros de Ordens , Provisões, Éditos . Bandos e
Ofícios, expedidos pelo capitão general governador da Capitania
86 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

de S. Paulo , d . Luís Antonio de Souza Botelho Mourão , o Mor


gado de Mateus, que governou de 1765 a 1775. Também con
sultamos o Registro Paroquial, 71 vols. dos “Docuinentos In
teressantes ” , 33 vols . " Inventarios e Testamentos” , 5 vols . de
" Sesmaria '', 8 vols. dos " Boletins” , todo o fichário de Sam
Carlos ( Campinas ) e Jundiaí.
D. Luís Antonio de Souza, pede erprestado, por seis meses,
a d . Ignacia Buena, moradora em Araçariguama, todos os pa
ramentos e um sino para na igreja da Povoação das Campinas
se celebrar o sacrificio da Missa . O mesmo senhor ordena ao
capitão- mór da Vila de Jundiaí , Antonio de Moraes Pedroso ,
que faça publicar um Bando, que junto envia, para se erigir
a Povoação das Campinas :
“ D. Ignacia Buena inoradora em Araçariguama . Tenho
mandado levantar hua'nova Povoaçam nas Campinas do Matto
Groço da Villa de Jundiahy onde já há principios de nova igreja
com capacidade de se celebrar o Santo Sacrificio da Missa.
porém faltam os paramentos devidos , e necessarios pa . o dito
ministerio, e porq. sei q . Vmce. tem todos os precizos que ser
viram na sua Capella da Piedade, eu lhe rogo os queira emprestar
por tempo de seis mezes , como tambem u Sino mayor dos dous
g . na ditta Capella existem enquanto os moradores da referida
Povoaçam procuram comprar os dittos paramentos ou enquanto
Vmce . não se rezolve avender os q . agora emprestar. E querendo
fazer este tam grande serviço a Ds. e beneficio a aquelle Povo,
entregará Vmce . ao portador deste todos os paramentos dittos
q . The foram pedidos pa . serem remetikos pa . aquella nova Po
voaçam . Estimarei q . Vmce . goze de feliz saude eq . me dê oca
sioens de lhe servir.
Ds. gade . a Vmce . ms . annos Sam Paulo a 3 de Junho de
1774. D. Luiz Antonio de Souza ” ,
“ Pa. o Cpm Mor da V.a de Jundiahy Antonio de Moraes
Pedroso . Logo q . Vmce . receber esta, mand3.rá publicar o
Bando incluzo naquellas partes q . julgar conveniente pa . effeito
de se erigir a Povoaçam nas Campinas do Matto Groço de Jun
diahy do seo Destricto , cujo Derector hé Francisco Barreto
Leme , aqm . dirijo nesta mesma occasiain as ordens necessarias.
Ds . gde . a Vmce . Sam Paulo a 3 de Junho de 1774 1 / Dom Luiz
Antonio de Souza // ” .
( Documentos copiaaos do Livro n .° 68 , folha 113 Ofícios
do General D. Luís a diversos funcionários da Capitania
1772-1775 Tempo Colonial Arquivo do Estado de São
Paulo ) .

UM SUICIDIO EM CAMPINAS EM 1852

" Exmo. Senhor .


Levo ao conhecimento de V. Excia . que as oito óras da noite
do dia 4 do corrente mez, na rua das Furmigas desta cidade.
suicidou - se com uma imbira no pescoço , e atada a uma arvore.
uma moça de nome Maria , de idade de quinze annos mais ou
menos, solteira , filha de Caetano Marianno da Cunha em com
panhia do qual vivia . Por este Juizo procedeu-se a corpo de
delicto, e das averiguações athé hoje feitas, conclue-se q. a
infiliz axando- se pejada , levou - se a esse extremo para não
sobreviver a sua deshonra .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 87

Deus guarde a V. Excia . mtos . annos . Campinas, 8 de Julho


de 1852 .

Ilmo . e Exmo. Sr. Dr. Hypolito José Soares de Souza , Dignis


simo Vice -Presidente desta Provincia
J. Pedro de Siqueira
( Sub-Delegado supplente em exercicio ) .
A Vila de Campinas em 1800 estava dividida em duas Com
panhias de Ordenanças apenas, tendo como capitão comandan
te, o cidadão Raymundo Alvares dos Santos Prado. A primeira
Companhia contava com cinco Bairros e tinha 311 fogos ou
familias, e a segunda Companhia, tinha três Bairros e 141
fogos . No fogo 411 desta Esquadra ( ou Companhia ) vem
recenseado Bernardo Guedes Barretn, um dos filhos de Barreto
Leme. agora com 52 anos e sua mulher, Maria Antonia de Godoy,
com 57. O casal nesta época tinha quatro filhos Joaquim ,
Vicente, Maria e Rosa. Nas observações, diz : " Senhor de En
genho . Sua safra produziu : Assucar branco : 76 arrobas ;
redondo : 30 ; agoardente : 12 canadas . Falta nesta lista seo filho
Bernardo, que cazou e mora neste destricto ” .
Batizados , casamentos e óbitos ano de 1800 :
Batizados ( brancos e libertos ) 127. Escravos 40. Casamentos
( brancos e libertos ) 16. Escravos 20. Óbitos ( brancos e libertos )
66. Escravos 18 .
Como não encontranırs . até agora , na documentação exis
tente no Departamento do Arquivo Estadual , a Carta de
Sesmaria , que forçosamente teria sido passaaa a Barreto Leme
do Prado, tiramos uma'relação completa dos filhos homens do
fundador de Campinas e, fomos pesquisar de novo o maco de
" Bens Rusticos ” , na esperança de encontrarmos proprietário
alguns daqueles cidadãos. Fomos feliz, nesta pesquisa : lógo
segunda página da Pasta de Sam Carlos ( Campinas ) deparou
se -nosêste apontamento : " Bernardo Guedes Barreto, possue
uma fazenda denominada “ Taquaral”, com 1500 braças de terras
cultivadas e outras 1500 braças de sertão. Trabalham na fazenda
39 escravos” .
A relação de proprietários de terras que consultamos é de
1818 , portanto, 36 anos depois do falecimento ae Francisco Bar
reto Leme.
Este assentamento dos “ Bens Rusticos ” , ao que nos parece
veio nos revelar , finalmente , quais as terras que Leme do Prado
obteve do capitão general governador de S. Paulo, por Carta de
Sesmaria , deixando - as, depois, como heranca, ao seu filho Ber-
nardo Guedes Barreto . Para reforçar ainda mais esta nossa
suposição , vejamos o que diz em " Os primeiros tempos de
Campinas”, o saudoso ,nédico e historiador dr. Ricardo Gum
bleton Daunt, à pag. 5 : " Espalhando -se a noticia da producti
vidade das terras de Campinas, augmentou a immigração de
lavradores , e entre estes , veio de Taubaté , cidade então mui
florescente , Francisco Barreto Leme , casado , com familia
que se sitiou no lugar denominado Taquaral”.
88 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Ao que nos parece , o " pai” da primeira colonia constituida


de estrangeiros, em Campinas, foi Joaquim Bonifacio do Amaral:
" Em junho deste ano ( 1852) o cidadão Joaquim Bonifacio do
Amaral , mandou vir nove familias ( allemās ) contendo 60 pessoas
e com ellas deu principio à sua colonia , primeira deste Termo.
Os colonos, ficaram na Fazenda das Sete Quedas. ( Trecho de
uma comunicação do Juiz Municipal de Campinas ao Presidente
da Provincia de S. Paulo - Arquivo do Estado ) .
“ Attendendo a justa representaçam , que me fizeram os mo
radores da freguezia das Campinas, termo de Villa de Jundiahy.
para que a mesma freguezia fose creada Villa, allegando por
fundamento haver nella duas mil cento e sette pessoas como
fizeram certo pella , attestaçam de seo respectivo Parocho , entre
as quais se contavam mais de secenta homens bons , capazes de
occupar os empregos publicos de Camera , e comc taes se viam
obrigados air servir a referida Villa de jundiahy de oito, dés,
doze e catorze legoas de distancia , o que lhes cauzava maior
vexame e prejuizo, por deixarem ao dezamparo as suas cazas
e familias . Lavouras de asucar , em que a maior parte delles
se occupam , tendo concideracam a verdade do exposto, e a que
a erecçam da mesma ireguezia em Villa hé em tudo conforme
as Régias Instrusoens de vinte seis de Janeiro de mil settecen
tos e cinco , e outras ordens posteriormente dirigidas aos Go
vernadores , e Capitaens Generaes destà Capitania : Hey por
bem ordenar ao Real nome de sua Magestade, e por serviço da
mesma Senhora ao Doutor Ouvidor geral desta Cidade, e
Comarca Caetano Luiz de Barros Monteiro, que pasando em
Continente a mencionada freguezia das Campinas fasa erigir
a sua povoacam em Villa , cuja se denominará -- Villa de Sam
Carlos levantando ahi Pelourinho, e assigrando - lhe termo ,
de que mandará lavra : auto, o que será remetido as Camaras
Confinantes para nellas ficar registado. edemarcará tambem
logo lugar , e terreno para os Pacos do Conseiho, e Cadea, pro
cedendo a respectiva Eleiçam dos Juizes, vereadores, e mais
officiais da Camara , que ham de servir por confirmasam minha
o primeiro anno. que terá principio em janeiro de mil sette
centos noventa e oito : Sam Paulo a desaseis de Novembro de
mil settecentos noventa e sette . Antonio Manoel de Mello
Castro e Mendonça . Lugar do sello das Armas de Sua
Excellencia : Nada mais se continha em a ditta Portaria que
eu Escrivam aqui bem, a fielmente transladei, e por estar em
tudo conforme o seo original me asigno nesia freguezia das
Campinas em trese de Dezembro de mil settecentos noventa e
sette, eu Vicente Ferreira e Almeida Escrivam da Ouvidoria o
escrevi , conferi e asignei. Vicente Ferreira Almeida . Con
ferido por mim Escrivam ε Vicente Ferreira e Almeida " .
( Docs . Ints . vol . 3. ° , pags . 11 , 12 e 13 ) .

Fugiram os presos juntamente com a sentinela !


“ Participo à V. EXcia que hontem pela meia noite mais ou
menos fui avizado que os presos haviau arrombado e fugido
da cadea e chamado pelo commandante da Guarda para tomar
providencias á respeito ; e com effeito accudindo ao chamado
fui á cadêa e lá chegando vi a parede da mesma arrombada,
e nenhum prezo dos que estavão na enchovia, na prizão, mas
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 89

esta ainda com luz ; Passando a indagar sobre o facto, soube


que o commandante da Guarda, cumpriu exactamente sua ta
refa , rondando as sentinellas até ás 11 horas , e q . athé então
tudo estava em ordem , e as sentinellas vigilantes bradavão
alérta nos devidos tempos, e q. só das 11 horas á meia noite ,
faltando o brado de alerta da sentinella que estava postada na
esquina da prizão arrombada , e indo o commandante da Guarda
sem demora, ver a causa de haver faltado esse brado, viu então
o arrombamento e deu pella falta dos prezos q. fugirão em
numero de 12 € da sentinella q . é um soldado do Corpo-Fixo de
nome Antonio da Cruz Lima , q . tambem fugiu levando consigo
todas as suas armas e mais duas bayonetas q . se verificou fal
tarem no Cabido de armas . Immediatamente prendi todas as
sentinellas dessas horas , O carcereiro , e commandante da
Guarda a ordem do Delegado de Policia, áquem dei parte cir
cunstanciada do occorrido . E ' o que tenho a levar ao conheci
mento de V. Excia . Deus guarde a V. Excia. por muitos annos .
Quartel em Campinas, 28 de Junho de 1954. Illmo . c Exmo. Sr
Presidente desta Provincia. Jozé Delfino de Camargo , Com
mandante do Destacarnento ” . (Maço de oficios de Campinas
Departamento do Arquivo do Estado de S. Paulo ) .
Estamos nas Campinas de 1801 .
Antiga Capela , Freguesia depois , Vila mais tarde , Cidade
hoje, Bairro do Matto Groço, Matto Groco, caminho de Minas,
Campinas do Matto Groco, N. Senhora da Conceição das Cam
pinas , Sam Carlos, Campinas ...
Neste ano de 1801 , a Vila já vai adiantada , avançando a
passos largos rumo ao progresso . Tem nesta época o velho
burgo fundado por Francisco Barreto Leme do Prado , 467 fogos ,
e os batisados, neste ano, subiram a 188, sendo 148 entre brancos
e libertos , · 40 entre os escravos . Os casamentos de brancos e
libertos, foram 18, e 16 entre os escravos. Os óbitos , natural
mente , também foram muitos : brancos e libertos , 97 e entre os
cativos, 36 .

Exportação de produtos de Campinas Valor em cruzados :


Para a Vila de Santos ( açúcar ) 10 : 538$ 100 ; para Bahia
( aguardente ), 4468000 ; para S. Paulo ( milho ) , 3 :6758680 ; para
a Vida de Itú ( feijão ) , 5408000 ; ( arroz ) , 1428400 ; ( algodão ) ,
2169000 ( fumo ) , 175000 ; ( capados ) , 8645000 ; total , 16 : 4395180 .
Do opúsculo " Os primeiros tempos de Campinas” , de auto
ria do saudoso médico dr. Ricardo Gumbleton Daunt, extraimos
as seguintes curiosidades:
Domingos da Costa Machado , cidrdão português , casado
em segunda nupcias com d . Maria Barhosa , filha de Barreto
Leme, foi o pai da primeira criança batizada na pia da nova
Freguesia das Campinas .

O fundador de Campinas possuia a sua morada urbana na


rua que em 1879 tinha o seu nome, casa r 3 , entre as resi
dencias do major Azevedo e de d . Ana de Campos Pais.
90 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

No quintal do sargento -mór Raimundo Alves dos Santos


Prado Leme ( oriundo de uma nobre família do Algarve) foi
onde cresceu o primeiro pé de café de Campinas.

O fundador do fóro campineiro foi o dr. José Barbosa


da Cunha .

O primeiro doutor em medicina ( formado em Gattingen )


que residiu em Campinas , foi o dr. Melo Franco, que era ca
sado com uma senhora hanoveriana .

o “ pai” do primeiro “ engenho deitado” que funcionou em


Campinas : José Joaquim dos Santos Camargo.
Foi na regência de D. João, que chegaram a Campinas
vários casais de ilheus açorianos, para ensinar processos arató
rios e aperfeiçoamentos de lavoura aos fazendeiros paulistas.

( DA CRONOLOGIA PAULISTA )

1875 E' inaugurada , em Campinas, a iluminação pública


a gás . Pronunciaram belos discursos os drs . Campos Sales,
Quirino dos Santos e João de Souza Lima .
1883 E devidamente registrada, em Campinas, a es
critura de doação do prédio n. 19, do largo da Matriz Velha,
feita pelo virtuoso D. Joaquim José Vieira , bispo do Ceará, ao
Asilo de Orfãs da mesma cidade .

DUAS POSTURAS DE CAMPINAS

" A Camara Municipal da Villa de São Carlos axou neces


sario adoptar mais as Posturas seguintes :
Art . 66 Todo aquelle que fôr nomeado pela Camara
para servir qualquer emprego, ou lugar, sendo xamado não .
comparecer para prestar juramento e servir sem justificado
motivo, que o imposibilite será multado pela primeira vez em
303000 e 8 dias de prizão , e na reencidencia o duplo .
Art . 67 Todo aquelle que fôr nomeado para qualquer
emprego por Lei , não quizer tomar posse do mesmo sem jus
tificado motivo não tendo a mesma Lei marcado a pena de sua
desobidiencia, será condennados nas penas do artigo antece
dente.
Passo da Camara desta Villa de São Carlos em sessão de
19 de Abril de 1834 - O Secretario da Camara Raymundo
Alvares dos Santos Prado Leme o escrevi .
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 91

Reginaldo Antonio de Moraes Salles, Luciano Teixeira No


gueira , Francisco Teixeira de Camargo, Miguel Ribeiro de
Camargo ".
(Maço de ofícios de Campinas Arquivo do Estado ) .

DUAS NOTÍCIAS DE 1837

O dr. Salustiano de Melo Franco, de Campinas, oficia ao


Pres. da Provincia em data de 18 de setemhro de 1837 , dizendo
ter descoberto na Vila de Bragança, uma fonte de água ferrea

O cabo comandante do destacamento de Campinas, em


ofício de 27 de março de 1837 , comunica, que quando seguia
para Jundiaí, escoltando alguns recrutas , saiu-lhe ao caminho.
o juiz de Direito que o intimou a soltar todos os presos .
O militar obedeceu submissamente ...
( Maços de ofícios de Campinas Arquivo do Estado ) .

AUTO DE ERECÇAM
“ Anno do Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo de mil
settecentos e noventa e sette aos catorze dias do mez de Dezem
bro do dito anno nesta Povoaçam das Campinas, Comarca da
Cidade de Sam Paulo, aonde foi vindo o Doutor Ouvidor geral
e Corregedor da mesma comarca Caetano Luiz de Barros Mon
teiro Commigo Escrivam de seo Cargo adiante nomeado para
effeito de erigir em Villa esta Povoaçam em consequencia da
Portaria do Illustrissimo , e Excellentissimo Senhor Governador ,
e Capitam General desta Capitania Antonio Manoel de Melo
Castro e Mendonça datada em desaseis de Novembro do corrente
anno retro transcripta , e sendo ahi com assistencia do Juiz
Presidente , e mais officiais da Camara de Nossa Senhora do
Desterro de Jundiahy, Nobreza e Povo desta mesma Povoaçam ,
mandou o dito Ministro apregoar em altas vozes pelo Porteiro
Salvador Vieira da Maya , que se erigia esta Povoaçam em
Villa com a denominaçam Villa de Sam Carlos o que
sendo satisfeito pelo dito Porteiro houve elle dito Ministro por
erecta em Villa com a denominaçam Villa de Sam Carlos
pelos fundamentos expendidos na referida Portaria de que para
constar, mandou lavrar este auto de Erecçam , que asignou com
o Juiz Presidente , officiais da Camara da Villa de Jundiahy ,
Nobreza , e mais Povo , q . presentes se achavam e eu Vicente
Ferreira e Almeida Escrivam de Ouvidoria geral , e Correisam o
escrevi . Caetano Luiz de Barros Monteiro , Francisco de Paula
Camargo , José Luiz de Quadros , José Vicente Ferreira , João
Rodriguez de Siqueira , o vigario Joaquim José Gomes , Antonio
Ferraz de Campos , Capitam Joaquim José Teixeira Nogueira ,
Capitam . Manoel Ferraz de Campos , Alferes José Ignacio de
Camargo , Alferes José Pedro da Cunha , Tenente João José da
Sylva , Alferes Pedro José Baptista , Alferes Pedro Antonio de
92 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

Oliveira , Tenente José Francisco de Moraes , Alferes Francisco


Xavier da Rocha , Alferes Domingos da Costa Machado, Alferes
José da Rocha Camargo, Manoel Pereira Tangerino , Rafael An
tunes de Campos, Joaquim Cardoso de Gusmão , Luiz Antonio
de Godoy , Ignacio Caetano Leme , Alferes José Antonio de
Amaral , Alferes Mancel Mendes de Godoy, João Manoel do
Amaral, Jozé Barbosa da Cunha , José Gonçalves Cesar, Albano
de Almeida Lima , José Domingues Rocha , Joaquim Antonio de
Arruda , João Monteiro de Oliveira , Rafael de Oliveira Cardoso ,
Bernardo Guedes Barreto, Lucio Francisco da Sylva , Francisco
de Camargo Pimentel, Ignacio Bueno de Camargo, Leonardo
Moreira da Cunha , Antonio da Silva Leme, Pedro Gonçalves
Meira, Tenente José Gonsalves de Maraes, Tenente Antonio Men
des de Godoy, Luiz Antonio de Assumpsam , Antonio José de
Mattos , Signal Lugar da Cruz de Angelo Cordeiro do Amaral ,
Salvador Vieira da Maya ” .
( Docs . Ints . vol. 3. ° , pags . 13 , 14 e 15 ) .
No caderno de população de Campinas de 1801 , no fogo
n.º 432 , vem recenseado um dos filhos de Francisco Barreto
Leme do Prado. Vejamos os assentamentos : " Fogo n.º 432
Bernardo Guedes Barreto , natural de Jundiahy, 55 anos ; sua
mulher, Maria Antonia, natural de Pernahyba, 55 anos . Senhor
de Engenho. Produzio sua safra : 700 arrobas de assucar, sendo
500 do branco e 200 do redondo . Filhos : Joaquim , soldado do
1.º Regimento dos Dragoens, 22 annos ; Vicente, 11 anos ; Maria,
27 annos; Roza , 10 annos ; José , soldado miliciano da Infantaria ,
25 annos, casado com Francisca Coelha, 24 annos . Produzio
seo alambique 50 canadas de agoardente ,e colheo 200 alqueires
de milho e 30 de feijam . Filha , Francisca , 2 annos.

Agregados : Pascual , Izeferina , Antonio , Ignacia , Ger


trudes, Miguel e Antonio , com as idades, respectivamente, de
35 , 20 , 51 , 21 , 51 , 10 e 81 .
Escravos : Maria ( cassange ) Domingos ( dito )
Maria ( angola ) Domingos ( dito ) Ignacio ( dito ) Sebastião
( dito ) João ( dito ) Joaquim ( dito ) Caetano ( criolo ) –
Maria ( banguella ) Miguel ( dito ) ” . Nas observações, diz : "falta
seos escravos Caetano e Vicente , q . morrerão, como tão bem Ma
ria Valente, preta forra, e Vicencia , escrava, juntamente sua
netta Maria , filha de José Pinto , q. morreo ” . ( Os nomes Cassan
ge , Angola e Banguella, indicam o lugar de Africa de onde pro
cedem os escravos.
Criolo, era o nome que se dava ao preto já nascido no Brasil ) .
Na primeira companhia da Vila de Campinas em 1803,
existiam : 510 homens brancos solteiros e 539 mulheres ; 274
homens casados e 278 mulheres; 7 homens viuvos e 34 mulheres .
Pretos livres : 7 hornens solteiros e 4 mulheres, 4 homens casa
dos e uma mulher ; nenhum homem viuvo e uma mulher.
Pretos cativos : 469 homens solteiros e 180 mulheres ; 140 ho
mens casados e 146 mulheres; 10 homens viuvos e 5 mulheres..
Mulatos livres : 326 homens solteiros e 348 mulheres ; 159 ho
mens casados e i57 mulheres; 6 homens viuvos e 24 mulheres.
Mulatos cativos 46 homens solteiros e 39 mulheres; 13 homens
casados e 12 mulheres; 1 homem viuvo e uma mulher . O
resumo é o seguinte :
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 93

Brancos 1.642
Pretos 967
Mulatos 1.132
Total : 3.741

Casamentos ( brancos ): homens 15 ; mulheres 15 ; pretos


livres : homens 4 ; mulheres 4 ; pretos cativos : homens 0 ; mulhe
res 0 ; mulatos livres: homens 10 ; mulheres 10 ; mulatos cativos:
homens 5 ; mulheres 5 .
Nascimentos ( brancos ) : homens vivos 40 ; mortos 8 ; gêmeos
0 , mulheres vivas 26, mortas 4 ; gemeas 0 ; pretos livres : homens
vivos 14 , mortos 5 ; gemeos 0 ; mulheres vivas 10 , mortas 2 ;
gêmeas 0 ; pretos cativos : homens vivos 16 , mortos 4 , gêmeos
2 ; mulheres vivas 12 , mortas 0 , gêmeas 0 ; mulatos livres : ho
mens vivos 35 , mortos 2 , gemeos 0 ; mulheres vivas : 23 , mortas
4 , gêmeas 0 ; mulatos cativos : homens vivos 4 ; mortos 1 , gêmeos
0 ; mulheres vivas 3 , mortas 0 , gêmeas 0.
Mortes : homens brancos 17 , mulheres 24 , pretos livres :
homens 7 , mulheres 8 ; pretos cativos : homens 15 ; mulheres 8 ;
mulatos livres : homens 21 , mulheres 26 ; mulatos cativos : ho
mens 9 ; mulheres 9 .
Brancos solteiros : homens 170 , mulheres 215 ; Casados :
homens 116 , mulheres 102 ; viuvos : homens.2 , mulheres 12 ;
pretos livres solteiros : homens 6. mulheres 2 ; casados : homens
3 , mulheres 1 ; viuvos: homens 0 , mulheres 0 ; pretos cativos
solteiros : homens 173 , mulheres 80 ; casados : homens 62 , mulhe
res 62 ; viuvos : homens 5 ; mulheres 4 ; mulatos livres solteiros :
homens 83 , mulheres 91 ; casados : homens 49 , mulheres 48 ;
viuvos : homens 1 , mulheres 9 ; mulatos cativos solteiros : homens
29 ; mulheres 28 ; casados : homens 4 , mulheres 9 ; viuvos : homens
1 , mulheres 1 . O resumo é o seguinte :

Brancos 617
Pretos 398
Mulatos 351
Total : 1.366

Tinha esta segunda companhia , 69 ' soldados do Corpo


Militar, 140 agricultores, 7 diaristas, 275 escravos e 184 escra
vas . As pessoas que viviam de suas rendas, eram 424 . Casa
mentos ( brancos ) : homens 2 , mulheres 2 ; pretos livres : homens
0 , mulheres 0 ; pretos cativos : hemens 4 , mulheres 4 ; mulatos
livres: homens 1 , mulheres 0 ; pretos cativos : homens 4 , mu
lheres 4 ; mulatos livres : homens 1 , mulheres 1 ; mulatos cativos :
homens 0. mulheres 0 . Existiam na 2.a companhia , em 1803 :
22 brancos casados ; 136 pretos e 110 mulatos.
Nascimentos ( brancos ) : homens vivos 10 , mortos 1 , gêmeos
0 , mulheres vivas 5 , mortas 2 , gêmeas 0 ; pretos livres : homens
vivos 0 ; mortos 0 , gêmeos 0 , mulheres vivas 0 , mortas 0 , gê
meas 0 ; pretos cativos : homens vivos 8 , mortos 0 , gemeos 0 ,
mulheres vivas 8 , ' mortas 0 , gêmeas 0 ; mulatos livres : homens
vivos 5 , mortos 1 , gêmeos 0 , mulheres vivas 5 , mortas 0 , ge
meas 0 ; mulatos cativos : homens vivos 1 , mortos 0 , gêmeos 0 ,
mulheres vivas 1 , mortas 0 , gêmeas 0 .
94
CAMPINAS ( Contribuição Histórica)

Mortes : homens 10 , mulheres 11 ( brancos) ; pretos livres :


homens 0 , mulheres 0 ; pretos cativos : homens 7 , mulheres 3 ;
mulatos livres : homens 7 , mulheres 12 ; mulatos cativos : ho
mens 1 , mulheres 3 .
A vila estava dividida em três companhias de Ordenanças.
A primeira Companhia tinha 346 fogos , e o seu comandante era
nessa época, o capitão Felipe Nery Teixeira ; a segunda Com
panhia estava com 149 fgos , e o Alféres das Ordenanças era o
cidadão Inacio Caetano Leme ; a terceira Companhia , tinha 89
fogos e o capitão comandante era Joaquim de Sousa Moraes.
O Sargento -Mór da Vila de Campinas é advertido pelo
Capitão - General Governador de São Paulo :
" Recebi a carta que Vmce. de 8 do prezente mez, a qual
muito lhe devo estranhar, vendo o salvo conduto q . toma pa .
fazer problematico o seo comportamento no Comando dessa
Villa . É de pessoas de conhecida verdade, e inteireza q . eu
costumo haver as noçoens, q . me são necessarias, e desgraça
damente são essas mesmas as que Vmce . me inculca suspeitozas
a seo respeito , como se me houvesse de merecer algum conceito
a Liga do Povo . Cuide Vmce. muito em cumprir exatamente
os seos deveres, conservando em paz, e tranquilidade a gente
que lhe está subordinada , extinguindo , e pondo por huma vez
termo a façoens, e discordias, na certeza de que procederei com
toda a Severidade contra os perturbadores do socego publico.
Devendo outro sim ficar na inteligencia , de q . as Cartas q . se
me escrevem devem vir revestidas de mais dignidade, é politica
aliaz . S. Paulo 12 de janro . de 1803 . Antonio José da Franca
e Horta . Sargto. Mor da Va . de S. Carlos Raymundo Alves
dos Santos Prado ( Docs . Ints . vol . 55 , pag . 190 ) .
Termo de Levantamento do Pelourinho e demarcação para
os Paços do Concelho e Cadea .
E logo no mesmo dia mez e anno no auto de Erecçam retro
declarado nesta Villa de Sam Carlos , aonde se achava o Doutor
Ouvidor geral e Corregedor da Comarca Caetano Luiz de Bar
ros Monteiro commigo Escrivam de seo Cargo ao deante no
meado, e sendo ahi prezentes os moradores desta , e os officiais
da Camara da Villa de Jundiahy foi escolhido hum terreno
livre, e desembarasado de todas as partes , que se acha em dis
tancia bastante da igreja Matriz , e fronteiro a mesma, por pa
recer o melhor para nele se levantar o Pelourinho e, depois de
apregoado pelo Porteiro em alta voz, que se levantava o Pe
lourinho por signal de Jurisdiçam , mandou o dito Ministro
levantar, o qual hé de hum pao de Cabreuva oitavado : E ahi
de fronte do dito Pelourinho se escolheo lugar para os Paços do
Concelho, e Cadea , fincando - se três estacas em signal , de onde
hade principiar a cbra , e seguir para a parte da Igreja , ficando
de ambos os lados desembaraçado de cada parte quarenta pal
mos para pasagem , e sahida do Pateo da Matriz e , praça do Pe
lourinho, e para constar, mandou o dito Ministro lavrar este
termo de levantamento do Pelourinho, e demarcaçam do ter
reno para os Paços do Concelho e Cadea , o qual asignou com o
Juiz Prezidente e officiais da Camara da Villa de Jundiahy e
mais pessoas, que prezentes se achavam, e eu Vicente Ferreira
e Almeida Escrivam da Ouvidoria geral e Correisam o escrevi.
Barros Francisco de Paula Camargo , José Luiz de Quadros,
José Vicente Ferreira , João Rodrigues de Siqueira , O Vigario
Joaquim José Gomes , Antonio Ferraz de Campos, Capitam
95
CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Felipe Nery Teixeira , Capitam Joaquim José Teixeira Nogueira ,


Capitam Raymundo Alvares dos Santos Prado, Capitam José
Barbosa da Cunha, Pedro Gonsalves Meira, Tenente José Gon
salves de Moraes, Tenente Pedro José Baptista , Alferes João
José da Silva , Alferes José Antonio do Amaral , Alferes José
Ignacio de Camargo , Alferes Francisco Xavier da Rocha , Alfe
res Bernardo Guedes Barreto, Joaquim Cardozo de Gusman,
Manoel Pereira Tangerino, Manoel Ferraz de Campos, Alferes
José da Rocha Caniargo, Ignacio Caetano Leme, Alferes José
Pedro da Cunha , Tenente Manoel de Almeida Lima , Rafael de
Oliveira Cardozo , Rafael Antunes de Campos, José Gonsalves
Cezar , Francisco Pinto do Rego , José Domingues Rocha , João
Manoel do Amaral, José Francisco de Moraes, Alferes Manoel
Mendes de Godoy , Antonio da Sylva Leme , Ignacio Bueno de
Camargo, Luiz Antonio de Godoy, João Monteiro de Oliveira ” .
( Docs. Ints . vol. 3.°, pags. 15 , 16 e 17 ) .
As pesquisas sobre a velha Campinas continuam . A vasta
e rica documentação ao Departamento do Arquivo do Estado,
inuita coisa interessante e curiosa nos tem revelado ! Para
apresentar um trabalho dêstes de tanto valor histórico, não só
para o nosso Estado como também para todo o Brasil, não se
carece de erudição, de talento ou capacidade intelectual. O
que se precisa , é muita paciência , tempo, amor às coisas do
passado, e por contrapêso, grande honestidade .
Os maços inéditos de recenseamento de Jundiaí de novo
estão sendo pesquisados por nós . Desejamos saber, apenasmente,
qual teria sido o primeiro bairro das Campinas Já consultamos
os cadernos de população de 1767 a 1785 , e, até esta data, só
tem aparecido o título “ Bayrro do Mato Groço Caminho de
Minas”. São dêste " Bayrıc” ( primitiva Campinas) os moradores
abaixo :

" Bayrro do Mato Groro Caminho de minaz :


1 José de Souza de Siqueira. 70 anos Vive de rossa .
Rendimentos 1.500.000 . Sua mulher, Margarida Soares , 54 anos .
Pedro , filho , 17 anos . Alestado na cavallaria
2 Joam de Souza Campos, 25 anos auzente . Sua mulher .
Ursula da Silva , 26 anos . Rafael , filho , 3 anos. Sua mãi tem
de rendimentos 50.000 .

3 – Sebastião de Souza Campos, 22 anos. Vive de rossa ,


hé soldado de acavallo . Rendimentos Sua mulher ,
60.000 .
Anna de Arruda , 19 anos . José de hum mez , filho . Flavia, filha ,
2 anos .

4 - Joam Nunºs de Siqueira , 45 anos . Vive de rossa . Ren


dimentos 30.000 . Sua mulher, Joséfa Bicuda , 44 anos . Filhos :
Joaquim, 14 anos ; Jozé, 9 ; Ignacio 6 ; Angelia, 11 ; Anna , 9 ;
Gertrudes, 5 e Francisca , 1 .
5 - Manuel F2 " c . 2 ~ : cs, ? arco fcrro , vive de rossa . Ren
dimentos 30.000 . Sua mulher , Felicia Moreira, 44 anos . Filhos :
Joaquim, 20 anos ; Jozó, 16 ; Antonio, 15 ; Francisca, 5 ; Bento , 4 ;
Joam , 3 ; Antonia , 24 ; Ignacia , 18 ; Gertrudes , 17 ; Anna, 14 e
Maria, 6 .
6 Marianna Barboza , 63 annos . Vive de rossa . Rendimen
tos 120.000 . Filhos : Domingos , 38 annos , soldado de Cavalla
96 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

ria ; Jozé, 37, soldako ; Joam, 34 ; Francisco, 31 ; Ricardo, soldado ,


24 annos ; Francisca, 25 ; Magdalena, 23 ; Floriana, 22 ; Caterina,
20 e Anna, 19 .
7 - Antonio da Silva Rego , 48 annos Soldado de cavalla
ria e vive de rossa. Rendimentos 100.000 . Sua mulher, Maria
Pires de Camargo, 30 annos. Filhos : Salvador, 1 anno, e Ma
rianna , 2 annos .
8 - Antonio Moreira Pedrozo , 53 annos, tecelão . Rendimen
tos 30.000. Sua mulher, Tereza de Pontes, 40 anos. Filhos :
Joam Moreira, 39 annos ( ? ! ) ; Antonio , 2 ; Felipe, 3 ; Anna, 4 ;
Escolastica , 5 e Marianna , 6 .
9 – Narcizo Correia de Lima , 43 annos , vive de rossa
Rendimentos 20.009 . Sua mulher, Patrunilha de Souza , 42
annos . Filhos : Elena , 17 annos ; Tereza , 16 ; Anna, 15 e Antonia ,
engeitada, 12 annos .
10 Francisco Xavier Moreira , 27 annos , tecelão . Nada
possue . Sua muiher, Izidora Nunes , 23 annos .
11 – João Correia Buenno, soidado, vive de rossa, 36 annos
Rendimentos 50.000 .

12 – Manoel Correia Buenno, 38 annos, viuvo, vive de rossa


Rendimentos 83.000 . Anna , filha, 5 annos.
13 --- Antonio Roiz da Cunha, 60 annos, vive de rossa . For
ro . Rendimentos 8.000 . Sua muller, Anna da Silva, 31 annos .
Filhos: Jozé, 1 anno; Antonio, 2 e Quituria, 3 .
14 Miguel da Silva , 50 annos , vive de rossa Nada
possue . Sua mulher, Marianna Antunes , 50 anos .
15 Calixto Correia do Prado, 26 annos, vive de lavouras,
nada possue . Sua mulher, Petronia Moreira , 24 annos . João ,
filho , 2 annos .
16 - Barboza Correia , 50 annos , vive de rossa , nada possue .
João , filho, 19 annos , hé tonto .
17 - Francisco Barreto Leme , 64 annos , vive de rossa
Rendimentos - 730.000 . Sua mulher, Rosa Maria, 58 annos
Filhos : Antonio , 16 annos ; Jozé , 12 e Quiteria , 30. ( 1 ) .
18 – Bernardo Guedes Barreto , 17 annos, vive de rossa
Rendimentos 17.000 . Sua mulher , Maria Antonia , 17 annos.
(2) .

19 – João Barboza do Rego , 24 annos , vive de rossa , e hé


soldado de cavallaria . Rendimentos 100.000 . Sua mulher
Violante de Camargo aliáz Izabel de Lara , 25 annos . ( 3 ) .
20 Ignacio Antonio Gil , 29 annos . Está auzente. Possue
16.000 Sua mulher , Escolastica Fedroza , 28 annos .
21 Antonia Francisca , 80 annos , vive de rossa , não possue
nada . Quiteria , filha, 30 annos .

(1) Fundador de Campinas.


12,3 ) Filhos de Francisco Barreto Leme
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 97

22 Caterina Roiz de Gusman , 72 annos, vive de rossa ,


possue 70.000 . Filhos : Antonio , 50 ; Joam , 45. Francisco , forro .
com 4 annos .

23 - Francisco da Cruz, 80 annos , forro , vive de rossa , pos


sue 64.000 . Elena , sua mulher, forra , 60 annos .
24 Jozé Cardozo 37 annos , vive de lavouras , nada possile .
Maria de Almeyda, sua mulher , 49 annos . Maria Cardoza, viuva .
sua filha, 23 annos e Maria, filha da dita, com 6 annos.
25 Domingos Lopes 36 annos, vive de rossa , possue 20.000 .
Caterina , sua mulher , 38 annos . Feliz, filho, 13 annos .
26 Feliz do Amaral Gurgel, 40 annos vive de rossa , sol
dado de apé Rendimentos 100.000 . Sua mulher , Maria Alves
Cardoza , 30 annos. Violante , filha, 4 annos, Anna, filha , 2 annos
27 Gaspar Leme da Silva 50 annos , vive de rossa possue
80.000. Sua mulher Maria Leite, 30 annos. Filhos : Lourenço , 10
annos ; Gaspar, 8; Jozé , 4 ; Anna, 12 ; Luiza, 7 e Domingos , 6.
28 Silvestre Nogueira , 84 annos, vive de rossa possue
180.000 .
29 Semiam Tavares da Silva ( não há idade ) soldado e
vive de rossa . Possue 130.000 . Sua mulher, Anna Barbosa
( não há idade ) . Filhos : Semiam e Pedro ( sem idades ) .
30 Antonio Barreto Guedes, 32 annos, soldado e vive de
rossa . Nada possue . Sua mulher, Caetana da Silva , 25 annos .
Filhos : Antonio 6 annos ; Josefa 8 e Anna 1. ( 4 )
31 Francisco Pereira de Magalhães . 64 annos , vive de
rossa . Possue 150.000 . Sua mulher, Anna Maria de Jezus, 50
annos . Filhos : Francisco Jozé , 25 annos , soldado de acavallo
em Mogv Mirym ; Joam Pereira , 21 annos , alferes de granadei
ros : Antonio . 19 ; Pedro, 17 ; Bernardo, 12 ; Luzia, 6 ; Anna , 7
e Marianna 8 .
32 – Salvador de Pinho, 38 annos, vive de rossa e hé alferes
de cavallaria em Mogy Mirym . Possue 100.000 . Sua mulher,
Francisca Barboza, 29 annos . Filhos : Jozé , 4 annos e Anna , 6.
.33 — Domingos da Costa Machado , vive de rossa e hé sol
dado de cavallo , 47 annos . Sua mulher, Maria Barboza , 34 annos .
Filhos : Jozé, 12 annos ; Manoel , 8 ; Vicente, 2 ; Joze, 2 meses e
Gertrudes , 14. ( 5 ) .
34 Jozé da Costa Cabral , 45 annos , vive de rossa, não
possue nada . Sua mulher , Gertrudes de Jezus , 45 annos . Fi
lhos : Jozé , 16 annos ; Joaquim . 1 mez ; Maria , 12 ; Anna , 5 e
Gertrudes, 3 .
35 · Jozé Roiz Leme , 35 annos , vive no Caminho de minaz ,
soldado de ané . Possue 150.000 . Sua mulher Maria Cardoza ,
34 annos . Filhos : Joam , 8 annos ; Manoel , 6. Jozé , 4 ; Maria ,
14 e Anna , 2 annos .

(4 e 6 ) Filhos de Francisco Barreto Leme .


(5) Genro de Francisco Barreto Leme .
98 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

36 - Antonio da Costa de Siqueira, 58 annos, vive de rossa


e nada possue . Sua mulher, Barboza Jorge 28 annos. Filhos :
Ignacio , 8 annos ; Francisco, 2 ; Maria, 9 e Joana, 4.
37 Manoel Gonsalves Lima , 55 annos, vive de rossa, nada
possue . Sua mulher Caterina Dias , com 50 annos . Filhos : Rita ,
30 annos; Anna , 7 ; Joana, 12 ; Jozé, 16 ; Ignacio, 8 e Antonia,
q . hé irmã da dita , 45 annos .
38 — Lourenço da Silva Guedes, 44 annos, vive de rossa, sol
dado de avallaria . Possue 110.000 . Sua mulher, Gertrudes
Machada, 20 annos. Filhos: Ignacio, 3 annos ; Domingos, 1 e
Leonor, filha natural do dito, 16 annos .
39 Antonio G , Bernardes, 51 annos, vive de lavouras.
possue 20.000 . Sua mulher, Domingas de Lima , 45 annos. Filhos:
Bernardo, 30 annos ; Joam , 14 ; Salvador , 8 ; Izabel , 23 ; Joanna .
16 ; Maria 12 ; Ignacia , 7 € Caterina, 3.
40 Ignacio da Cunha de Abreu 25 annos, vive de rossa.
possue 3.000 . Sua mulher, Leonor da Graça, 19 annos.
41 Thomé Gouvea Bernardes , 25 annos, vive de rossa ,
nada possue . Sua mulher, Maria da Cunha, 16 annos .
42 Salvador Jorge , 45 annos, vivo de rossa, possue 10.000 .
Sua mulher, Luzia Bicucio, 36 annos . Filhos: Francisco, 8 annos ;
43 — Tereza de Lima , 70 annos , viuva , vive de lavouras, nada
possue . Filhos: Maria 31 annos ; Izabei, 27 ; Ignacia, 24 e Roza,
19 annos , orfă .

44 Rita de Lima , 35 annos , viuva , vive de rossa , nada


possue . Filhos : Jozé , 7 annos ; Escolastica, 10 e Messia , 8.
45 Amaro Leme do Prado vive de rossa, nada possue
( sem idade ) . Sua mulher. Anna de Lima ( sem idade ) . Filhos :
Joaquim , Caterina e Francisca ( não traz idades ) .
46 Joam Dias Braga, 58 annos, vive de rossa. Possue
114.000 . Maria Alves, sua mulher , 51 annos . Filhos : Manoel ,
soldado de cavallaria , 34 annos ; Joam , soldado, 26 annos ; José,
ségo, 18 e Antonio , ségo 14 annos ; Ignacio , Roza, Anna, Ignacia .
Tereza Francisca, Margarida e Manoel, forro, em sua caza.
47 – Francisco Pinto do Rego , vive no caminho de minaz
com tropa , 33 annos , possue 100.000 . Alistado na cavallaria .
Maria Alves, sua mulher, 25 annos . Filhos : Francisca, 3 e Maria ,
1 anno . ( 6 ) .
48 - Suzana de Gusman , 73 annos , viuva , vive de rossa , na
da possue . André , filho, 38 annos e Maria , sega, 42 annos .
49 Francisco Xavier de Almeida , 54 annos, vive de rossa .
soldado de acavalio . Possue 222.000 . Sua mulher Juliana An
tunes , 43 annos. Anna , 7 annos, sua criada
50 Manoel Vieira da Playa , 48 annos , vive de rossa , sol
dado de cavallo . Possue 102.000 . Ignacia Alves, sua mulner, 28
annos. Filhos: Anton o, 10 annos : Manoel, 4 ; Ignacio, um mez :
Maria , 8 ; Anna , 7 ; Izabel , 6 e Ignacia, 1 .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 99

51 Manoel Barboza da Silva 43 annos, vive de rossa, sol


dado de acavallo . Rendimentos : 160.000. Sua mulher, Maria do
Rosario, 23 annos. Filhos: Domingos, 1 anno ; Anna, 5, e Fran
cisca, irmã ao dito, 27 annos
52 Mathias de Macedo , 25 annos , vive de rossa , possue
12.000. Sua mulher, Archangella de Siqueira, 30 annos. Filhos:
Joam , 7 annos; Maria, 16 ; Anna, 15 ; Maria , 12 ; Gertrudes, 2 ;
Veronica Jorge, sua sogra, 60 annos e Joam da Motta 45 annos.
na mesma caza .

53 Luiz Cardozo de Gusman , 48 annos, vive de rossa e


possue 180.000 . Sua mulher , Quiteria de Jezus , 33 annos . Filhos :
Joam , 12 annos ; Jozé, 10 ; Joaquim , 9 ; Francisco , 7 ; Maria , 4 e
Gertrudes , 1 anno.
( Esta é a lista completa dos moradores do Bayrro do Mato
Groço Caminho de minas, mais tarde Campinas. Caderno de
1767, o mais antigo existente no Dep. do Arquivo do Estado .
Depois deste Bairro, vinha o "Bayrro de Rio abayxo ” ) .
Na relação completa dos moradores do antigo “ Bayrro do
Mato Groço caminho de Minas” , vêm recenseados, além de
Francisco Barreto Leme, os seus quatro filhos, Francisco Pinto
do Rego, Antonio da Cunha Guedes, Bernardo Guedes Barreto
e João Barboza do Rego. O quinto filho, de nome José , não
aparece na referida relação ; talvez andasse ausente do lugar,
no ano em que se realizou aquele recenseamento . Fomos con
sultar, por isso , o caderno de 1799, e lá encontramos, no fogo
n .° 22 , o membro da família Barreto Leme que estava faltando.
Diz assim o apontamento . “ Jozé Barboza Rego, 45 annos, caza
do com Elena Maria de Jesus, de 48 anos. Vive de seo oficio de
oleiro, e planta mantimentos para sua caza . Agregados : Fran
cisco e Anna ” .
Quando pesquisavamos os maços de população de Sam
Carlos, localizamos no fogo n.º 9 do “ Bayrro da Ponte Alta ” ,
de 1804 , um homônimo do fundador de Campinas. Vejamos o
assentamento : "Francisco Barreto Leme, 26 anos, natural des
ta Villa ; sua mulher, Maria de Santana Leite, 22 anos, natu
ral de Itu. Filhos : Vicente, 4 anos ; Maria, 2 , e Anna , 20 mezes” .
Tinha dois escravos e era agricultor. Colheu neste ano ( 1804 ) ,
50 alqueires de milho e 11 de arroz.

O Capitão General de São Paulo ordena ao Capitão -Mór


de Campinas , que solte o prêso , por já estar castigado .
' Rce . o seu Offo , de 26 de Maio , em 4. Me partecipa ter
prezo a Ma . ordem a Franco . Telles Barretto , e atendendo , ao
q . Me diz no mmo . Offo . a respeito do do . prezo : o authorizo
pa . o mandar soltar, visto q . já está castigado da sua insu
bordinação . Ds . ge . a V. Mce . São Paulo, 4 de Junho de 1810 .
Anto . Je. da Franca e Horta . Sr. Cap . mor da Va . de Sam
Carlos” ( Docs. Ints. vol. LXXXIII, pag. 350 ) .
100 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

" Pa . o Cap . Mor de Jundiahy Do Secretar . Sendo


prezte ao Illmo . e Exmo . Sr. General a sua carta de 8 do cor
rente mez, e incluza a reprezentação dos Cap. das Ordenan
ças da Freg . das Campinas, sobre haver nella hum Tronco pa.
nelle conservar em melhor segurança, algum facinorozo, qe.
alli se encontre , e pa . esse fim querem os Mmos . Caps . erigir
à sua custa huma casa propria, como vmce . diz na sua mes
ma Carta Hé o mesmo Snr. servido conceder se ponha o dito
Tronco na referida Frega . fiando do cuido. de Vmce. o não
servir esta dispozição , de flagelo aos Povos do Destro . , como
tem succedido, por maldades dos Comdes. , e por isso S. Excia.
dá a vmce . esta deliga . por mto . recomendada. Ds. ge. a ymce.
Sãm Paulo a 13 de Janeiro de 1796. Jozé Romão Jeunot . Snr.
Cap. Mor Antonio de Siqueira e Moraes” . ( Docs. Ints. voi. 46.°,
pag . 319 ) ,
'Pa, a Camara da Va . de Jundiahy. Porq' me foi repre
zentado ser mto. conveniente ao Real Serviço, levantarem - se
de novo duas Comp. de Ordenanças: huma nos Bairros do
Capão, Vuturucaya, Rio das Pedras, e Ayapi; e outra na Fre
guezia das Campinas, tudo no Destricto dessa Villa, pelo gran
de numero de Povo, que ha em ditos Bairros, e Freguezia :
Ordeno a vmces. que em recebendo esta , e com assistencia do
respectivo Capitão Mor, me proponhão as pessoas competen
tes para cada hum dos referidos Postos na conformidade das
Ordens de S. Mag. em semelhante respeito. Ds . ge . a vmce .
S. Paulo a 14 de 9bro de 1795. Bernardo Jozé de Lorena " .
( Docs . Ints . vol . 46.°, pag . 312 ) .
Termo de declaraçam do Rocio :
Aos quinze dias do mez de Dezembro de mil settecentos
noventa e sette annos nesta Villa de Sam Carlos Comarca da
Cidade de Sam Paulo donde se achava o Doutor Ouvidor geral
e Corregedor Caetano Luiz de Barros Monteiro em cazas de sua
rezidencia , e apouzentadoria onde eu Escrivam de seo cargo
ao deante nomeado fui vindo, e sendo ahi pelo dito Ministro ,
sendo prezentes a Camara da Villa de Jundiahy, e a Nobreza
e Povo desta mesma Villa foi determinado que o Rocio que
devia ter esta Villa para Logradouro dos habitantes della, e
fundarem suas cazas sem alguma pensam de foro era de hum
quarto de legoa, sendo inedido do Pelourinho para quatro la
dos , no fim das quaes poria em cada hum seo marco pa . signa?
do lemite do dito Rocio, e mandou que a Camera logo que
principiase a servir, mandase fazer a dita medicam , demar
caçam na forma referida , e para constar niandou la yrar este
termo de declarasam de Rocio , que asignou elle Ministro com
os Officiaes da Camera da Villa de Jundiahy e os moradores
desta Villa que prezentes se achavam, e eu Vicente Ferreira e
Almeida Escrivam da Ouvidoria geral e Correisam o escrevi.
Barros Francisco de Paula Camargo José Luiz de Quadros
- José Vicente Ferreira João Rodrigues de Siqueira 0
vigario Joaquim José Gomes Antonio Ferraz de Campos
Capitam Felipe Nery Teixeira Capitam Joaquim José Tei
xeira Capitam Raymundo Alvares dos Santos Prado Ca
pitam José Barboza da Cunha João José da Sylva Alferes
Francisco Xavier da Rocha Alferes José Pedro da Cunha
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 101

Tenente José Antonio do Amaral Alferes Manoel Ferraz de


Campos Alferes José Pedro Francisco de Moraes Alferes
José Gonsalves Cezar Ignacio Caetano Leme Alferes Pe
dro José Baptista Alferes Manoel Pereira Tangerino Joa
quim Antonio de Arruda João Manoel do Amaral Rafael
de Oliveira Cardozo Manoel Mendes de Godoy Rafael
Antunes de Campos Albano de Almeida Lima José da
Rocha Camargo Antonio José Mattos Joaquim Cardozo
de Gusman José Paes de Oliveira Antonio da Sylva Leme
João Monteiro de Oliveira Leonardo Moreira da Cuisia
Francisco Pinto do Rego Manoel Dias de Azevedo " . ( Docs .
Ints . vol . 3.°, pags . 17 e 18 ) .
Na Secção Colonial do Departamento do Arquivo do Estado,
onde agora andamos pesquisando a vasta e rica documenta
ção lá existente , fomos encontrar um documento de Jundiaí
de 1783, que vem confirmar o que já dissemos a respeito da
patente de capitão de Francisco Barreto Leme, isto é, que ao
fundador de Campinas nunca foi conferido o título de capitão
de ordenanças , mas sim o de diretor ou administrador .
Eis o aludido documento :
" ILLmo e EXmo Senhor
No destricto desta Villa sehacha Freguezia de Nossa Se
nhora da Conceyção das Campinas destante da mesma nove
legoas mais ou menos, que segovernava por hum Director oqual
de pois que faleceo ficou sem governo alguim : e como para o
Real Serviço , e bem desta Republica hé muito conveniente
haja naquele destricto hum Capitam de Ordenança para go
vernar aquele Povo, que sehacha sem dominio algum para
obviar alguns desturbios que a cada paço estã pendente ; cujo
numero de Povo excede de quinhentas peçoas : assim rogamos
a V. EXc . , parecendonos de Justiça , sedigne providenciar man
dando seproceda a nomeação delle.
Deos Ge . av . EXc . por delatados annos para amparo desta
Capitania . Jundiahy em Camara de 20 de Dezembro de 1783
annos .
De V. EXc . Mtos . Obedientes Subditos Bento de Tolledo
Piza Rendon , Manoel Francisco de Abrº , Mathias de Souza
Murça, Joaquim José de Almeyda, Antonio Alvares de Oliveira ” .
( o " Director de que se fala no documento supra era
Francisco Barreto Leme do Prado, que foi nomeado pela Ordem
de 27 de maio de 1774 , Fundador, Diretor e Administrador da
nova Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas,
tendo falecido em 1782. Sua mulher, d . Rosa Maria de Jesus,
faleceu no mesmo ano ) .

Os oficiais da Câmara de Campinas agradecem ao capi


tão-general governador da Capitania de São Paulo, a elevação
da Freguesia a Vila :
“ ILLmo. e EXmo. sº.
Com o mais profundo Respeito vamos aos pés de V. Exa .
aagradecer o grande favor q . V. Exa . nos fez, e a este Povo
102 CAMPINAS ( Contribuição Histórica)

em mandar erigir esta Va . de SamCarlos ; porq. ficamos exen


tos da Justiça de Jundiahy onde nos era penozo acudir pella
longetude, e por isto este beneficio recebido será eternizado
em nossa lembrança o esclarecido nome de V. Exa. em suas
raras virtudes como o nosso bem feitor.
Deos goarde a V. EXa. Mtos . e delatados annos como todos
dezejamos para nosso amparo Villa de S. Carlos em Camara
de 6 de Mayo de 1798.
De V. EXa . Os mais reverentes subdittos Antonio de
Camargo Penteado, Manoel Pereira Tangerino, João José da
Silva, Rafael de Siqueira Cardozo, Albano de Almeyda Lima”.
O alféres de ordenanças de Campinas, Manoel Ferraz de
Campos, acusa ao governador de São Paulo, o Juiz Presidente
e oficiais da Câmara local , por se ver preterido para um cargo
a que tinha direito ocupar :
" Depois de receber a carta de V. Mces. de 25 do Corre. que
acompanhou a nomeação dos Oficiaes pa. os Postos da Orde
nança dessa Villa, e antes de obter a minha aprovação, me
aparece hum Requerimento de Manoel Ferras de Campos, alle
gando-me , q . sendo elle 1.º Alferes da Comp.a q. houve nesse
Destr.o, Comp.a que a trez anos Comandava pr. falta de Capm.
fora preterido pr. outros qu.V.Mces . em primeiro Lugar elle
gerão ; e porque me parece de Justiça o seu Requerimento , Or
deno a V. Mces.me dem a razão por que o propuzerão em 2.0
Lugar pa. a 3.a Comp.a, nomeando hum Paizano para a 4.a
qual hé hum Rafael de Oliveira Cardozo, em cujo lugar parece
de toda a razão nomearem V. Mces . ao dito Alferes Ferras , se
pela sua conduta elle se achar nas circunstancias disso. Ds.
Ge . a V. Mces .. S. Paulo, 28 de Março de 1804 Antonio Jozé
da Franca e Horta . Snres . Juis Preze . e mais Offes . da Ca
mara da V.a de S. Carlos” . ( Docs . Ints. vol . 55. ° , pag . 274 ) .
Logo que receberam o ofício acima , os oficiais da Câmara ,
trataram de responder ao Capitão General Governador, dando
explicações por que assim procederam :
“ ILLmo. e EXmo . Senhor.
Em obçervancia da ordem de V. EXcia . de 28 de Março
donde nos manda que demos a causa ou por donde Senão
nomeou em primeiro lugar o Alfs . Manoel Ferraz de Campos
pa.Cap.m da Ordenança desta Villa , Arrezão foi de haxarmos
Com poco juizo e ter tido Seos erros no Seo governo. Hé o q.
podemos enformar a V. EXcia . e mandará o que for Servido .
Ds . Ge . a V. EXcia . por Mtos . annos . S. Carlos em Camera de
3 de Abril de 1804 .

De V. EXcia .

Suditos

Jozé Francisco de Moraes


João Leite de Camargo Penteado
Bernardo Guedes Barreto
João Manoel do Amaral
João Baptista de Malos .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 103

A Câmara Municipal de Sam Carlos ( Campinas ) pede ao


chefe do governo da Capitania não faça sair do lugar o mestre
de musica Manoel José Gomes, por não haver outro que o
possa substituir no cargo que ocupa. Como se sabe, Manoel José
Gomes, foi o pai do nosso maior compositor Antonio Carlos
Gomes, nascido em Campinas aos 11 de maio de 1837 , e não
a 13 de junho de 1839. Esta confusão deu -se, por terem enviado
a Carlos Gomes, quando na Italia, a certidão de batismo de
seu irmão, também chamado Antonio. ( Veja-se a Enciclopédia
e Dicionário Internacional” ) . Vejamos o pedido da Edilidade
campineira ao Capitão- General Governador :
“ Illmo e exmo senhor.
A certeza emq . estamos deq . to V. Exia . tem em vista o
aumento, e felicidade dos povos desta Capnia nos poem nase
gurança de empetrarmos de V. Excia . agraça de fazer deixar
a Manoel José Gomes nesta Villa onde occupa o cargo de Orga
nista da Matriz, e Mestre de Muzica com vantagem e proveito
não só dos Abitantes desta, como das Villas vizinhas, cuja
falta nos hé irreparavel p . não aver outro que possa substituir
o seo lugar, sendo-nos mais q . tudo sensivel acessão das So
lemnidades religiosas com auzencia deste Omem ; contudo como
nós só dezejamos concordar, e obedecer dezejos de V. Excia. ,
e o dito Muzico hé xamado por Ordem de V. Exc ., inteira
mente nos sugeitamos acontento de V. Excia . aquem Ds. Ge.
Ms. Ans. S. Carlos em Camera de 25 de Agto . de 1819 .
De V. Excia .
Reverentes Subditos
Antonio Teixeira de Camargo
João Manoel do Amaral
Jozé Teixeira Nogueira
Elzeario de Camargo Andrade
Vicente Guedes Barreto ."
Nos recenseamentos de 1825 , fomos encontrar na 1.a Com
panhia , fogo n.º 76, o celebre Organista da Matriz de Campi
nas : “Manoel José Gomes, 32 annos, cazado . Sua mulher é
auzente . Vive de Mestre de Muzica , que lhe rende , mais ou
menos , anoalmente 100$000. Antonio, agregado , 12 annos ” .
Na relação dos moradores do " Bayrro do Mato Groco ca
minho de Minas ” ( primitiva Campinas ) , vê-se que o cidadão
que possuia maiores rendimentos, naquela epoca ( 1767 ) , era o
morador do fogo n.º 1 , sr . José de Souza Siqueira , com 1.500.000
( Cr$ 1.500,00 ) ; em segundo lugar vinha o residente no fogo
17 , sr. Francisco Barreto Leme , mais tarde nomeado fundador
de Campinas, com 730.000 ( Cr$ 730.00 ) . O morador de menor
rendimento era Ignacio da Cunha Abreu, do fogo 40, com apenas
3.000 réis ( Cr$ 3,00 ) . Dentre os 53 habitantes do citado bairro ,
15 não tinham rendimento algum .

Ao que nos parece , ' Anhumas” foi o bairro mais antigo


de Campinas, aparecendo pela primeira vez nos recenseamentos
104 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

de 1790.A Vila de Jundiaí, neste ano, estava dividida em três


companhias. A primeira companhia tinha os seguintes bairros :
da Vila , de Ivuturucaia , do Rio das Pedras, do Japy, do Curu
ru, do Itupeva e do Rio Abaixo ; a segunda companhia era
constituida pelos bairros : do Capivary, da Rocinha, de Atibaia ,
de Jundiaí-Mirim, da Lagoa e do Capão ; da terceira companhia
faziam parte : Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das
Campinas, com os bairros : das Anhumas, de Capivary, de Ati
baia , dos Dois Corregos, de Jundiahy , do Boiry, do Atuahy , de
Peneduva e de Cayacatinga. O " Bairro das Anhumas” , nesta
epoca, 1790, tinha 21 fogos , com 121 moradores, entre chefes
de familia, suas mulheres, filhos, agregados e escravos. (Anhu
ma é uma ave pertencente a família Palamedeideos , Palamedea
cornuta . No amazonas é conhecida pelos nomes de “ Cauintaú ” ,
“ Cametaú ” e “ Unicorneo " . Assemelha - se, mais ou menos , ao
perú, medindo uns 85 centímetros de comprimento ; tem os de
dos mui longos, para facilitar a sua locomoção nos banhados.
Na cabeça tem uma espécie de " chifre " , recurvo , de uns 12
centimetros de comprimento, tendo no bordo anterior das asas
dois esporões para sua defesa . A côr destas curiosas aves , ge
ralmente , é pardo-escura , com exceção do ventre, que é branco .
Vive a margem dos rios, alimentando-se de gramíneas . Dizem
que o " chifre " córneo da anhúma tem virtudes curativas, usa
do pelos naturais como antídoto contra ataques de estupor ,
etc.. O seu nome, ao que dizem , é onomatopáico, pois quando
se põe a " cantar ", parece “ dizer ” : “ Vyhú vyhú ”, que os selvi
colas traduziram para inhuma, anhuma, inhauma, inhaum ou
anhyma. T. Sampaio diz que o nome anhuma é corr. de nhâ
um, com a aposição do artigo português a, significando ave
preta . J. Mendes de Almeida , no seu Dic . Geog. , da Prov . de
São Paulo , registra três vezes este vocábulo. Na primeira , a
lando do afluente do rio Atibaia , dá-lhe o significado de “ Cor
renteza e redomoinhos ” ; na segunda, tratando da corredeira
no rio Paranapanema, ainda “ Correnteza e rodomoinhos ” , e
na 3.a, finalmente , falando do nome da serra na Braganca
Paulista : " Empinada e pantanosa ” ).

O campineiro José Guedes Rinto de Vasconcellos “ desco


bre " a " Natalicea Paulicea ” :
“ Illmo e Exmo Snr .
Tendo recebido nesta Cidade o officio que V. EXcia se
dignou dirigir- me , e ao mesmo tempo a diferencia com que
V. EXcia se dignou a acolher meos trabalhos, e a alta consi
deração que lhe deo fasendo athé imprimir no periodico cons
titucional a forma de ademenistra -se o mesmo remedio, minha
feliz descoberta . Não tendo V. EXcia nem conhecimento da
pessoa, nem tão pouco aquella certeza adréde, apezar de que
mandasse men diario e relatorio, tem -se em iguaes circunstan
cias abusado, acho , do meo dever em attenção a tão alta
estima inviar a V. EXcia os presentes attestados das actuaes
authoridades da Freguezia de Perassununga, e hum de hum
circonspecto sacerdote desta cidade ; hua carta de hum dos
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 105

proprietarios abastados, e suffrivel facultativo da Villa da Li


meira, a honde mostrão , que quando disse em meo relatorio é
só o que na realidade tem sussedido, tendo só á cressentar, que
no lapso de tempo, de abril do anno passado thé o presente
tem acontecido e se realisado muitas outras curas e com o
mesmo feliz rezultado. sem que em nenhuma tenha falhado ;
tendo no mesmo remedio descuberto as malignas , antrases ,
carbunculos, apanaricios, e já tenho em poucos dias zombado
de taes molestias assim como ellas zombarão dos remédios
athé agora applicados, e ainda preconizados e mesmo pelos
mais ábéis Medicos, motivo este que fas com que eo fassa o
prezente prorrio á essa Capital não só a levar o prezente como
huns trinta tubos do mesmo medicamento e especifico, e po- los
em casa do Senhor Doutor Ignacio José de Araujo com hua in
sinuarão do modo de ser aplicado , e pelo mesmo preço de cinco
mil reis , para não só ser experementado por quem quizer , po
dendo fazer a experiencia em qualquer animal, como tambem
os Médicos dessa cidade, aplica- los nas pustulas e tumores de
máu caracter, ensinando a insinuação pontual. Operando a
Natalicea Paulicea ( foi o nome com que batisou a sua desco
berta o autor ) como opera contra o mais terrivel virus, deve-se
supor hum grande medicamento contra as infermidades tuber
culosas e da péle : me não tem sido possivel poder experemen
ta-la nestas infermidades ; principiei na Villa da Casa Branca
ademenistra -la a hun enfeliz que estava em tal gráu, agrava
da a sua saude e arruinada de tal modo, que quanto cumia ,
no mesmo instante lançava, com o Arcenico em dozes refracta
das obtive fazer parar, e o estomago digivir os alimentos , isto
ao segundo dia , principiei depois a dar- lhe a Natalicea Paulicea
duas vezes ao dia , principiou a ter hua melhora vezivel , mas
foi acccmetido de hua voracidade espantosa, e só querendo
saciar-se de peixes, e glodices, como jabuticabas, queijos, etc.
Eu tinha hido para o Rio Pardo, avizarão-me do occorrido ;
não foi possivel obeter do enfermo hua conducta regular ; não
quiz comprometer mais o remedio , não lhe dei mais ; piorou ,
passados dias principiou atomar hum selebre frasco honde
figura os calomelancs em grande quantidade, falleceo no uzo
do tal frasco. Tenho curado tambem toda a qualidade de Dar
tros com o remedio “ a Zona ” , por isso, lembra -me, que nessa
Capital há hum hospital de Elefanticos, e que tem Medico, e
que ha alguma regularidade , não ha perigo algum com a to
mada do remedio, querendo V EXcia tentar, eu indicarei o
modo como se deve observar , e os remedios entremedios com
que obtenho em poucos dias fazer desaparecer não so os Dar
tros flegraces ( ? ) como a Zona , para ver se seobtem mais esta
gloria para esta benefica Provincia, e emtempo da felis e bene
ficente ademenistração de V. EXcia , contando que V. EXcia
que em mim sempre achará hua vontade encessante em me
prestar a tudo quanto possa concorrer, não só para o aumer.
e gloria da Provincia, como em cumprir as ordens de V. EXci ?
aquem Deos Goarde como hé mester.
Cidade de Campinas, 27 de Junho de 1853. Illmo e EXmo
Sr. Doutor Jozino do Nascimento e Silva , Presidente da Pro
vincia José Guedes Pinto de Vasconcellos ” .
( Maço de ofícios de Campinas Arquivo do Estado ) .
106 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Os moradores do Bairro da Esperança de Campinas auto


rizados a fazerem um caminho novo, por sua própria conta :
" A vista das informaçoens dadas por essa Camera, e a de
Va . de Itú , sobre a abertura do novo Caminho que querem
fazer á sua custa os moradores do Bairro da Esperança do
destricto dessa Va ., hei por bem concedei . Ihes a Licença que
pedem na Conformidade do seu requerimento q. a V. Mces invio
com esta , afim de q . o dito Caminho se faça debaixo da Direc
ção desse Senado, sem vexame algum dos particulares, nem
prejuizo grave das suas Fazendas, o q. Ihes encarrego, visto ser
obra em a . o bem publico interessa , e de q . o Estado recebe a
utilidade de evitar duas Legoas de rodeio . Ds. ge. a V. Mces.
S. Paulo 15 de Maio de 1805 Antonio José da Franca e Horta
Snres . Juiz Presidente e mais Offes . da Camera da Va. de
Sam Carlos” .
( Docs . Interessantes, vol . 56 , pags . 200 e 201 ) .
Valendo-nos dos maços de população existentes neste Ar
quivo, tencionavamos apresentar os recenseamentos de dois
eminentes campineiros : Antonio Carlos Gomes, o nosso maior
compositor, e Manoel Ferraz de Campos Salles , o grande esta
dista e jurisconsulto . O que pretendiamos, porém, não foi pos
sivel realizar, porque o censo de Campinas foi encerrado no
ano de 1836 , e Carlos Gomes nasceu em 1837 e Campos Salles
em 1841. Podiamos localizar, é verdade, sem grande esfôrço, os
fogos onde nasceram os dois grandes brasileiros, mas o que
seria mais interessante , era encontrarmos os nomes daqueles
que mais tarde viriam a ser, como de fato o foram , vultos
notáveis em nossa pátria e no exterior.
( Carlos Gomes era filho do paulista Manoel José Gomes,
mestre de musica, e que por largos anos foi organista da Matriz
de Campinas. O autor do "Guarani” , faleceu no dia 16 de
setembro de 1896 , como diretor do Conservatório de Música do
Estado do Pará . Conta -se, que Verdi, o grande mestre italiano,
certa vez , aplaudindo o genial campineiro, tivera esta expres
são : “ Éste moço começa por onde eu acabo”. Campos Salles era
filho de Francisco de Paula Salles. Foi deputado provincial,
ministro da Justiça , presidente do Estado ( eleito em 1896 ) e
presidente da República ( 1898-1902 ) . Tornou - se notável pelos
seus grandes empreendimentos durante sua gestão como chefe
supremo da República . Faleceu a 28 de junho de 1913 ) .

Vejamos agora um documento de 1787, que fomos encon


trar nos “maços coloniais" do Dep. do Arquivo do Estado. A
representação dos moradores de Campinas que vamos lêr, foi
enviada ao governador da Capitania de S. Paulo ( interino )
Marechal Frei José Raimundo Chichorro da Gama Lobo , que
governou de 1786 a 1788. Pedem os moradores da Freguezia das
Campinas um novo diretor para a povoação , a fim de auxiliar
o Revdº Vigario a completar as obras da Matriz. Francisco
Barreto Leme, que foi o primeiro diretor da Freguezia, faleceu
em 1782 , e até aquele ano ( 1787 ) o povoado andava sem nova
direção . O documento que vamos transcrever, está transforma
do numa verdadeira renda , quase que inteiramente destruido
pelos vorazes papirófagos ! E como si não bastasse esta mutila
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 107

ção do papel, ainda os caracteres se nos apresentam como autên


ticos hiroglifos. Mas o escrito é por demais precioso, e antes que
venha a desaparecer totalmente, faz- se necessária a sua divul
gação. Por esta razão, bem ou mal, aqui fica feita a trasla
dação :
“ ILmo e Exmo Snr .
Dizem os moradores da Nova Frega . das Campinas termo
da Va . de Jundiahy, que a dita Frega. teve sua fundação com
hum Director peloo ILLmo e EXmo. Snr. D Luiz pa. afatactu
ra da Igra. Franco. Barreto Leme, e como este he fallecido,
querem agora ter outro, pr. beneplacito de V. EXc. pa. que
o dito auxilie ao Revo. Vigro . da mesma Frega. a completa
rem a sua, Matriz, podendo castigar aquelles rebeldes, e dezo
bedientes pa. ocomplemto. de tam pia obra, seja enpena pe
cuniaria pa . a mesma Igra . que nan excederã de seis centos
reis pr . cada vez contra os que faltarem na Semana , que forem
avezados pello Rdo. Vigro. ou em castigo de prizão pa. que
sejam de exemplos aos demais pa. o que nomeã de entre si
a tres sogtoș. idonios , zelosos, e tementes a Ds. Jozé Franco.
de Morais , João de Souza Campos, e o Tente. D.os da Caosta
( Tenente Domingos da Costa ) pa. que destes seja hum pro
vido pr . V. Exc. pa . se obviar tanta frouxidão, rebeldia , e
neglia . que ha entre alguns daquele Povo qdo . todos como
filhos da Sta. Igra. deviam ter o seo mayor zello, cuido. e
aplicação no complemto. dos muros, e ornatos da caza de
Ds . sua Matriz pello que
PP. V. EXcia que como vicegerente de N. Soberana e Fide
lissima Me . sedigne convir no exposto, attendendo benigno em
tam zeloza, e louvavel suplica .
E R. M." .
O governador de S. Paulo, por despacho , na própria re
presentação, apenas escreveu :
" Informe o Rvedo . Vigro. Sam Paulo a 5 de Mayo de 1787 " .
O requerimento, portanto, voltou à Campinas, e o " Revdo.
Vigro .” informou :
" ILLmo e EXmo. Snr .
He certo que o referido Franco . Barreto Leme, ora falle
cido, teve o emprego de Director, não só pa . arruar as cazas
desta nova Frega . como pa . arruar auxiliar as obras da mesma
Igra . o que ainda se vê pellos respeictaveis despos. que se apre
senta , e que emvida do referido Director se mostrava esse
pôvo mais obidte . aos RR Vigros. meus antecessores, sendo
chamados pa . o serviço desta Matriz, o que agora experimto.
tão pello contr. oq . só encontro rebeldia, e negliga. quando os
convoco pr. meio de rogos, e exortaçõens : assim parece justo
que haja outro Director q. me auxilie no complemto, da mesma
Igra. com as faculdes . que se pede no requerimento retro., pa .
que se aug hentem estas obras pias , e não se frustem , o meu
zello, e cuido : e de entre os nomeados julgo q . se faz digno
do emprego de Director, o 3.º, o Tenente Domos. da Costa
Machado ( * ) como homem pacifico, zelozo, e temente a Ds.

(*) Êste Domingos da Costa Machado foi casado com


d . Maria Barbosa , filha do fundador de Campinas. Era cidadão
portugues, e um dos mais antigos moradores das Campinas.
108 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

He o que posso informar a V. EXcialllusma. que determinará


o que fôr mais justo . Campinas em 19 de Maio de 1787 .
De V. EXa. Illma.
O mais humilde, e obidte . servo
André da Rocha e Abreu
Vigro ” .

TERMO DE DIVISAM DE LIMITES

“ E logo no mesmo dia mez e anno no termo de declarasam


de rocio retro declarado nesta Villa de Sam Carlos Comarca
da Cidade de Sam Paulo , aonde se achava o Doutor Ouvidor
eral , e Cor edor da mesma Comarca Caetano Luiz de Barros
Monteiro em casas de sua apouzentadoria , aonde eu Escrivam
de seo Cargo ao deante nomeado fui vindo para effeito de
se proceder a declarasam do termo desta Villa de Sam Carlos,
e sendo ahi presente a Camera da Villa de Jundiahy e os
moradores desta de Sam Carlos, pello dito Ministro foi dito,
que sendo informado pelas pessoas que presentes se achavam,
de que as Villas de Sam Joam de Atibaya, a nova Bragança ,
e Mogymirim e Itú, confinantes com esta , se achavam ja
divididas com seos limites, que lhes foram dados em suas

erecçõens , vinham os lemites desta por esas partes a ser os


das mesmas Villas, e que para a parte da Villa de Jundiahy,
ficaria sendo seo lemite o Corrigo da Rocinha, aonde foi o
tanque velho do Xavier, e ahi na estrada , onde se pasa o dito
Corrigo , mandou se puzesse marco, que servise de Padram ,
para junto a elle se fazer quadra , olhando para esta, e aquela
Villa, e dahi seguir o rumo que der para os lados, e por não
poder elle Ministro na presente occasian asistir a mesma de
marcasam determinou que entrase a servir a Camera desta
Villa , esta com a da Villa de Jundiahy, asentasem dia, para
se por o dito marco, a que asistiram pesoalmente , ou os Pro
curadores das ditas Cameras : E vem a ficar esta villa com
sinco legoas de lemite para a parte de Mogimirim : Para Ytú
sinco legoas : para Jundiahy tres legoas pouco mais ou menos,
e para Nova Bragança as que se acharem por não haverem
informasam quantas eram thé a divisa com esa Villa : E por
esta forma houve elle dito Ministro por feita a demarcasam
dos lemites , e para constar mandou lavrar este termo, e que
se remettesem copias para as Cameras confinantes , e asignou
com a Camera da Villa de Jundiahy , e Fovo desta Villa de
Sam Carlos e eu Vicente Ferreira e Almeida Escrivam da Ouvi
doria geral, e correisam o escrevi. Barros , Francisco de
Paula Camargo, José Luiz de Guadros, José Vicente Ferreira ,
Capitam Raymundo Alvares dos Santos Prado, Capitam Jose
João Rodrigues de Siqueira , O Vigario Joaquim José Gomes ,
Antonio Ferras de Campos, Capitam Fellipe Nery Teixeira ,
Capitam José Joaquim , digo Joaquim José Teixeira Nogueira ,
Barboza da Cunha, Francisco Xavier da Rocha , Alferes José
da Sylva, digo João José da Sylva , Alferes José Antonio do
Amaral, Alferes José Pedro da Cunha , Tenente José Francisco
de Moraes, Alferes Manoel Ferraz de Campos, Alferes Ignacio
Caetano Leme, Alferes José Gonsalves Cesar, Pedro José Bap
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 109

tista , Alferes José Ignacio de Camargo, Alferes Joaquim Antonio


de Arruda, Manoel Pereira Tangerino, João Manoel do Ama
ral , Rafael de Oliveira Cardozo, Rafael Antunes de Campos,
Albano de Almeida Lima, José da Rocha Camargo, Antonio
José de Mattos, Manoel Mendes de Godoy, José Paes de Oli
veira , Joaquim Cardozo de Gusman, João Monteiro de Oliveira,
Antonio da Sylva Leme , Francisco Pinto Rego , Leonardo Mo
reira da Rocha, Manoel Dias de Azevedo " . ( Docs. Ints . 3.° vol.
pags. 19, 20 e 21 ) .
Apresentamos um documento escrito pelo próprio iun
dador de Campinas. O papel é inédito, e foi pesquisado por
nós na documentação existente no Arquivo do Estado. Como
abaixo se verá, Barreto Leme pede autorização ao sucessor do
Morgado de Mateus, para continuar como Diretor da Freguezia
das Campinas. O novo Capitão -General Governador de São
Paulo, naquela época, era o cidadão Martim Lopes Lobo de Sal
danha, que governou de 1775 a 1782. É o seguinte o teôr do
requerimento em apreço :
" ILLmo e EXmo Senhor .
Diz Fran.co Barreto Leme, q.elle Sup.e , a falta de omens
foi servido o antecessor de V.EX.a dar- lhe o emprego de Di
rector , pa.arruar as cazas da sua Freg.a de N.Sen.ra da
Con.am das Campinas, dirigir o Povo com paz, e quietaçam
fazer convocar os forros vagabundos, q.nam tem domicilio cer
to p.a a dita Povoaçam, o q.tudo tem o Sup.e executado intei
ram.e como quem hé mais empenhado no augmen.to da Freg.a ,
cujas ordens incluzas aprezenta, e como o Sup.e dezeja exer
citar-se no dito emprego de Director, pela natural inclinação,
e devoção as obras pias, e como o não pode sem Lic.a P.a
V.EX.a seja servido, atendendo a grave, e urgente necessidade ,
que a falta da dita Freg.a padecia aquele Povo, confirmar na
dita occupação ao Sup.e e pa.q.com seo zelo e fervor dirija
aquele Povo , estando certo q.pa.concluir as obras da nova Ma
triz, terão de V.EX.a todo o auxilio, como verdr.o patrono,
como devoto da S.a da Conc.am aquem se dedicou o seo Tem
plo, e ela intercederá a seo unigenito pelos acertos de V.EX.a
no seo governo e por toda felici.es."
Lobo de Saldanha, concluida a leitura da petição, achou
conveniente uma informação das Câmaras de Jundiaí e Mogi
mirim, despachando à margem da representação : “ Informem
as Cameras das duas Villas vizinhas . São Paulo , 17 de Julho
de 1775 -MS.”
Atendendo ao despacho do governador da capitania, a
Câmara de Mogi, informa :
“ ILmo e Exmo Senhor.
Todo o exposto na petição do supp.e hé a mesma verdade :
com effeito no incansavel zelo conq.se tem moztrado pa.a fun
dação da Nova Freg.a se verifica agilidade e dispozição pa.o
emprego q.alega . E tão bem achamos ser muito conveniente
a fundação da dita nova Freg.a pela grande distancia, que
fica da Villa de Jundiahy, e desta ; e as terras são fertilissi
mas, e muito capazes de acomodar pa.o futuro muito povo
pela vastidão do terreno . He o q.podemos enformar a V.EX.a
110 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

que mandará o que for servido . Hoje 27 de Julho de 1775 : Em


Camera .

Mauricio Ferr.a de Queiroz


Antonio Alvz . de Aguiar
Fran.co de Paula Brito
Antonio Coelho
Manoel Alves de Oliveira " .

Logo a seguir, têm a palavra os ilustres membros da Edi


lidade jundiaiense :
“ Illmo. e Exmo. Snr .
O que na petiçam alega o Suplicante, hé a mesma verdade.
V. excia . mandará o que for servido .
Va . de Jundiahy, em Camera de 30 de Julho de 1775 , ans .
Manoel Fran.ço de Araujo Jozé Luciano da Silva Prado
Jozé Soares Vidal Jozé de Moraes Leme Jozé Bicudo
Velho" . 11
Volve , de novo, a petição , às mãos do Capitão -General,
devidamente informada , e , finalmente, despacha : “ Póde con
tinuar no mesmo emprego . São Paulo , a 3 de Agosto de 1775
MS . " .
E Francisco Barreto Leme continuou exercendo o seu car
go de Diretor na Freguezia de N. S. da Conceição das Campi. '
nas, até o seu falecimento, ocorrido em 1782 .
Vejamos, agora , uma outra representação dos moradores
de Campinas, mulheres dos milicianos que partiram numa ex
pedição para o sul do país. Pedem as suplicantes ao governa
dor da Capitania , que interceda por elas junto ao soberano,
fazendo regressar aos lares seus maridos . Lembram as reque
rentes, o cumprimento da Real Palavra , que lhes afiançára , rile
o destacamento que seguira para o sul, seria somente pelo
prazo de dois anos :

“ Illmo. e Exmo . Snr.


Não podendo as Sup.tes levar a Real Prezença seo justo
Requerim.to mas conhecendo em V. Exa . hum Digno Vice
gerente do Augusto Soberano , aquem os Acertados Detalhes
do mesmo Senhor constituirão à testa dos Paulistas, para man
ter e estabelecer a felicidade delles : sem hezitação, antes fir
madas em bem solidas esperanças se recorrem a 1. Ex ? o
as infelizes Sup.tes Exmo. Snr . , moradoras na Va. de São
Carlos mulheres dos Melicianos , q . constão da relação incluza,
q . reduzidas a estado de Viuvez, e seos Filhos à orfandades,
forão para o Sul na proxima passada expedição, afiançando
se - lhes em nome do mesmo Augusto Monarcha, q . o Desta
cam.to seria som.te pelo prazo de dois anos. Não hé a Sua
viuvez , não hé a orfandade de seos Filhos , e nem a mizéria
aque se achão reduzidas as Sup.tes quem justifica esta repre
zentação sim o complem.to da Real Palavra, pela qual recla
mão . Esperão portanto as Sup.tes que V. Exa. cujo esmero, e
trabalho continuo hé promover o socego destes Povos que hoje
felizm.te estão entregues ao seu Sabio Governo, queira tomar
parte na justa opinião das Supl.tes pondo os meios q. V. Exa .
achar apropriados à termina - la .
E. R. Mce .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 111

( À margem dêste documento , vem : " Remetido a Secreta


ria deste Governo. S. Paulo, 24 de novembro de 1819 " ).
Relação das requerentes :
Joana Maria de Deos, mulher de José Correia de Camargo .
Maria Gertrudes do Prado, mulher de Antonio Ruiz Lima.
Anna Antonia Teixeira, mulher de Manoel Joaquim Ribeiro .
Maria Justa Maciel, mulher de Jozé Elias de Godois.
Escolastica Buena, mulher de Pedro Roiz Pedroso.
Caetana Maria, mulher de Jozé Soares de Siqueira.
Angela Maria de Siqueira, mulher de Jozé Felipe de Almeida .
Maria Joaquina, mulher de Jozé Lopes de Moraes.
Francisca de Camargo, mulher de Domingos da Silva Franco .
Anna Gertrudes, mulher de Lourenço Pinheiro.
Clemencia Maria, mulher de Joaquim Pinto Moreira.
Mariana Buena, mulher de Francisco Antonio de Camargo.
Maria Gertrudes, mulher de Jozé Pinheiro .
Anna Maria de Jesus, mulher de Salvador Barboza .
Gertrudes Ortiz, mulher de João Bicudo da Silva.
Anna Maria, mulher de Pedro Barboza.
Maria Gertrudes de Camargo, mulher de Manoel Joaquim
de Almeida .
Quiteria Maria, mulher de Antonio Joaquim de Almeida.
Genoveva Maria, mulier de Geraldo Gonsalves.
Maria Francisca , mulher de João de Siqueira Lima.
Joana de Toledo, mulher de José Caetano de Macedo .
Anna Maria, mulher de Joaquim José de S. Anna .
Anna Joaquina, mulher de José Mariano de Moraes .
Maria Joaquina Ortiz, mulher de Francisco Manoel da Silva.
Maria Eugenia do Amaral, mulher de Ignacio do Amaral
Carvalho .

Em 1840, na cidade de Campinas, existiam as seguintes


armas da Guarda Nacional : infantaria 3 Companhias, 137
homens fardados, 147 sem farda e na reserva 122. Total :
406 homens. Cavalaria - 1 Esquadrão, 2 Companhias, 98 ho
mens fardados, 90 sem farda e na reserva 46. Total: 234 ho
mens . Ambas as armas, somavam-se 640. Naquela época
( mil oitocentos e quarenta ) as ún.cas cidades onde estaciona
vam artilheiros, eram : Santos, Paranaguá e Iguape . (Para
naguá, Paraná , ainda pertencente à Província de S. Paulo ) .
Como já dissemos Francisco Barreto Leme nunca conseguiu
obter a patente de Capitão de Ordenanças da Freguesia que
fundou , isto é, de antiga Campinas de Mato Grosso , mais tarde
Vila de Sam Carlos, e hoje Cidade de Campinas. Barreto Leme
sempre administrou a povoação com o título de Diretor, desde a
sua nomeação, em 1774, até o seu falecimento, em 1782 . Se o
fundador de Campinas tivesse alcançado um posto militar, só
poderia ser o de Capitão de Ordenanças, patente esta que só
era conferida àqueles que comandavam as Ordenanças de uma
Freguesia , pois o posto de Capitão- Mór, mais elevado , cabia ao
chefe militar de uma Vila . Campinas foi elevada à categoria
112 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

de Vila em 1797 , portanto 15 anos após a morte de Barreto


Leme . Quando este faleceu, assumiu o comando provisório da
Freguesia , o cidadão Ignacio da Cunha de Abreu, que permane
ceu no posto até 1784 . No ano seguinte, Pedro de Souza Campos
era o Alféres e o seu Guarda-Mór Domingos de Gois Maciel.
De 1786 a 1788 , ó sargento do Bairro do Mato Grosso era
Manoel Mendes de Godoy , e finalmente, no ano da Graça de
Nosso Senhor Jesus Cristo de 1786 , aparece o primeiro Capitão
de Ordenanças da Freguesia, cidadão Antonio Ferraz de Campos,
que só foi reformado em 1799 , no posto de Sargento-Mór.
Damos abaixo o Registro de Patente de Capitão, que fomos en
contrar no Livro n . 25 , Fls. 31 -V do Arquivo do Estado .
“ Aos 3 de dezembro de 1788 passou-se Patente a Antonio
Ferraz de Campos do Posto de Capitão da Nova Companhia
da Ordenança da Freguezia das Campinas destrito de Vila de
Jundiaí, de q . hé Capitão -Mór Antonio Jorge de Godoy ” .
A seguir, a Carta Patente que foi concedida ao mesmo
Antonio Ferraz de Campos, reformando-o no posto de Sar
gento- Mór :
" Carta Patente a Antonio Ferraz de Campos do Posto de
Sargento -Mór Reformado das Ordenanças da Villa de Sam '
Carlos : Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça, etc.
raço saber aos que esta niinha Carta Patente virem que tendo
consideração a Antonio Ferraz de Campos haver por espaço de
muitos anos servido a S. Mage. em diferentes deligencias do
Seu Real Serviço, como nos cargos da Republica da Vila de
Ytú, onde foi morador : e passando-se para a Freguezia das
Campinas, hoje Vila S. Carlos, onde se acha estabelecido, tem
ocupado a perto de doze anos , o Posto de Capitão da primeira
Companhia da Ordenança dela com muita honra e zelo do Real
Serviço, fazendo por isso , pela avançada idade , em que està
entrado, e habituais molestias, que padece, muito digno do Posto
de Sargento-Mór reformado das Ordenanças da dita Villa : Hey
por bem, de reformar como por esta reformo, ao dito Antonio
Ferraz de Campos no Posto de Sargento - Mór das Ordenanças
da Villa de Sam Carlos: cujo Posto gozará enquanto eu o houver
por bem, ou S. Mage, não o mandar o contrario: e não vencerá
soldo algum mas gozará tambem de todas as honras, graças, pri
vilegios , liberdades , izençoens e franquezas , que em razão do
mesmo Posto lhe pertencerem, e será obrigado no prefixo termo
de dois anos , a apresentar nesta Secretaria do Governo , ou a
sua patente confirmada , ou certidão de a haver entregue, para
o mesmo fim , na Secretaria do Conselho Ultramarino, e quando
assim o não execute, se lhe dará baixa do dito Posto na forma
que S. Mage. determina na Real Provizão de vinte e oito de
maio de mil sete centos e noventa e cinco . Pelo que ordeno a
todos cabos de guerra , Milicia , e Justiça, conheção e hajão do
dito Antonio Ferraz de Campos por Sargento-Mór reformado
das Ordenanças da mencionada Villa, e como tal o honrem e
estimem , e aos Oficiais, e soldados seus subordinados, ordeno
tambem , que em tudo o obedeção, e cumprão suas ordens por
escrito e de palavra , como devem e são obrigados no que per
tencer ao Real Serviço, etc.. E por firmeza de tudo lhe mandei
passar a prezente por mim assignada e sellada com o sello de
minhas Armas , que se cumprirá inteiramente, como nella se
contem , e se registrará nos Livros da Secretaria deste Governo,
e mais partes a que tocar, e se passou por duas vias . Dada
nesta Cidade de Sam Paulo . Manoel Cardozo de Abreu a fez
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 113

a quatro de Março de Mil sete centos e noventa e nove . Luiz


Antonio Neves de Carvalho Secretario do Governo a fez escre
ver . Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça ” .
Em 1794 , 0 Capitão -General -Governador da Capitania
de São Paulo , Bernardo José de Lorena , concede uma Carta
de Sesmaria ao cidadão Antonio Ferraz de Campos : “ Ber
nardo Jozé de Larena , etc. Faço saber aos que esta minha
Carta de Sesmaria virem q . attendendo a me reprezentar o
Capitão Antonio Ferraz de Campos, morador no seo Engenho
das Anhumas, caminho de Goyazes, destrito da Freguezia das
Campinas, termo da Villa de Jundiahy , que elle comprou à
annos o mesmo sitio em q . se acha de Pedro de Souza por cento
e dez mil reis, e queria tirar por Sesmaria meya legoa de terras
de testada correndo de Norte a Sul , pela mesma estrada de
Goyazes , e que se acha terras devolutas entre os sitios de Luiz
Soares, e Simão Tavares, e o certão do Leste ao Oeste até o
barranco do Rio Atibaya pedindo-me ultimamente lhe mandar
passar Sesmaria das referidas terras ; e sendo visto o seo re
querimento, em que foi ouvida a Camara da Villa de Jundiahy
aquem se não ofereceo duvida nem ao Doutor Procurador da
Coroa e Fazenda aquem se deo vista . Hey por bem dar de
Sesmaria , em nome de S. Mage . , etc. , Em virtude da sua Real
Ordem de 15 de Junho de 1788 / ao dito Capitão Antonio Ferraz
de Campos as Areas que pede na paragem mencionada com as
confrontaçoens acima indicadas , sem prejuizo de terceiros e do
direito que alguma pessoa tenha nellas : com declaração que as
cultivará e mandará confirmar esta Carta de Sesmaria por Sua
Magestade dentro de dois annos, e não o fazendo se lhe de
negará mais tempo , etc .. Pelo que mando ao Ministro e mais
pessoas a que o conhecimento desta pertencer dem posse ao dito
Capitão Antonio Ferraz de Campos das referidas terras na
forma que pede . E por firmeza de tudo lhe mandei passar a
prezente por mim assignada, e sellado com os sellos de minhas
Armas, que se cumprirá inteiramente como nella se contem, e
se registrará nos Livros da Secretaria deste Governo e mais
partes a que tocar e se passou por duas vias . Dada nesta Ci
dade de Sam Paulo . Manoel Cardozo de Abreu a fez aos 20
de Março de 1794 O Secretario do Governo Jozé Romão
Gomes / Bernardo José de Lorena " .
O Delegado de Polícia de Campinas , dr. Agostinho Luiz da
Gama , oficia ao sr. presidente da Província em 19 de março
de 1832, apontando as necessidades mais prementes do muni
cípio : a falta de braços para a lavoura, boas estradas, ccns
trução de pontes e de chafariz, reforma da cadeia local , hospitais ,
e principalmente , verba suficiente para se concluir a Matriz .
Transcrevemos para aqui os trechos do ofício onde se fala das
obras do Templo e da população existente naquela época , em
todo o município :
“ A Matriz , que há 16 anos está em construção , ainda se
acha por concluir, e em bastante atrazo , parte devido a falta
de dinheiro, e parte por falta de obreiros. E ' um edificio
gigantesco que , concluido, será o primeiro templo da Provincia.
Actualmente está em andamento , e tem , segundo informão -me ,
de subscripção, a quantia de 15 : 000$000, quantia esta muito
insignificante para a sua concluzão : ella tem pouco merecido
da Provincia que só lhe tem dado , por duas ou trez vezes ,
mesquinhas parcellas , e isto mesmo a muitos annos ; e por isso
igualmente peço a V. Excia . preste sua attenção e tome em
114 CAMPINAS ( Contribuição Histórica )

consideração a necessidade de supprir com algum dinheiro esta


obra , tão necessaria para a decencia e esplendor do culto que
professamos ” .

População :
“ Pelo ultimo recenseamento feito por ordem do Governo .
monta a população deste Municipio em 10.742 habitantes, sendo :
4.316 nacionais ; 6.359 escravos, e 67 extrangeiros. Acho muito
imperfeito este trabalho , e muito falto de exactidão . Pelos
apanhamentos que tenho ultimamente feito sobe a população
actual a 16.890 habitantes , dos quaes são livres e nacionais :
5.750 ; escravos 11.060 ; e extrangeiros 80 . Ainda não acho
exato este calculo, quanto aos escravos que julgo ser maior o
numero ; porem é o mais aproximado que pode ser. Muitos
lavradores negão-se a dizer exactamente o numero de seus es
cravos, receozos de tributos que julgão querer o Governo im
por-lhes, e d'ahi muitos que teem 300 ou 400, dizem possuir
cem e poucos.”
( Maço de Campinas ofícios Arq. do Estado ) .

A pesquisa que vimos fazendo sôbre Campinas, o velho


burgo fundado pelo taubateano Francisco Barreto Leme , está
quase terminada . Muita coisa ainda ficará por divulgar, mas
preferimos deixar para outros mais competentes do que nós.
De Antonio Ferraz de Campos, que foi o primeiro capitão
de Ordenanças da Freguezia de Campinas, ficam por divulgar :
uma Carta de Sesmaria concedida em 21-10-1796 ; Patente do
posto de tenente da 6.a Companhia do Regimento de Sertanejos;
Patente confirmada de capitão da 5.a Companhia do Regimento
de Infanteria da 2.a Linha de Sertanejos de Itú e Patente do
posto decapitão da 5.a Companhia do Regimento de Sertanejos
da Vila de Itú .
Daremos aqui o recenseamento de Antonio Ferraz de
Campos , que foi nomeado capitão de Ordenanças de Campinas
em 3 de dezembro de 1788 , e reformado no posto de sargento.
mór em 1799 .
" Freguezia de N. Senhora da Conceiçam das Campinas
1789. 3.a Companhia deq. hé Capam. Antonio Ferras de Cam
pos idade 44 anos . Maria da Cunha , sua mulher , 30 annos .
Filhos : Anna , 12 anos ; João, 8 ; Manoela, 7 ; Antonio , 6 ; Jozé,
3 e Joaquim , nasceu neste anno." Tinha 30 escravos, dos quaes
4 morreram neste corrente anno . Antonio e Maria eram
agregados " .

“ AUTO DE ELEISAM.

Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil


settecentos e noventa e sete aos quinze dias do mez de Dezem
bro do dito anno nesta Villa de Sam Carlos e Comarca da
Cidade de Sam Paulo em cazas de apousentadoria do Doutor
Ouvidor geral e Corregedor da Comarca Caetano Luiz de Barros
Monteiro aonde eu Escrivam do seo Cargo ao deante nomeado
fui vindo para effeito de proceder a Eleisam de Juizes e mais
oficiais da Camara que hamde servir nesta Vila o futuro anno
de mil settecentos noventa e oito, para cujo fim já se havia
publicado , e fixado Edital na forma do costume, e sendo ahi
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 115

procedeo elle Ministro a dita Eleisam, e mandou que votase


à Nobreza, e o Povo em pessoas de saãs consciencias que bem
pudessem governar esta Villa , e fossem isentos de parentesco
e se deo principio na forma seguinte :
1.0 votante O Capitão José de Camargo Paes e o Doutor
José Barbosa da Cunha para Juizes Para Vereadores Pedro
José Baptista , João José da Sylva , Francisco de Camargo Pi
mentel Para Procurador José da Rocha Camargo Antonio
Ferras de Campos .
2,0 votante — Para Juizes o Capitam José de Camargo Paes,
Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores Bernardo
Guedes Barreto, Francisco de Camargo Pimentel , José da
Rocha Camargo Para Procurador o Alferes Ignacio Caetano
Leme Joaquim José Teixeira Nogueira .
3. ° votante — Para Juizes o Capitam José de Camargo Paes,
Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores Francisco
de Camargo Pimentel , Bernardo Guedes Barreto, José da Rocha
Camargo Para Procurador José Gonsalves Cesar Fellipe
Neri Teixeira .
4.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes, o Doutor digo Capitam Joaquim José Teixeira Para
Vereadores José Francisco de Moraes , Joaquim Antonio de
Arruda , José da Rocha Camargo Para Procurador o Tenente
Pedro Gonsalves Meira Raymundo Alvares dos Santos Prado .
5.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel, Bernardo Guedes Barreto, José
Camargo
da Rocha Para Procurador José Gonsalves Cesar
Francisco de Paula Camargo.
6.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores Fran
cisco de Camargo Pimentel , Joaquim Antonio de Arruda , Ber :
nardo Guedes Barreto Para Procurador José Gonsalves Cesar
Manoel Pereira Tangerino .
7.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores o
Alferes Pedro José Baptista , o Alfreres José da Sylva digo
o Alferes João José da Sylva , José da Rocha Camago
Para Procurador Albano de Almeida Liina Manoel Ferraz
de Campos .
8.0 votante - Para Juizes o Doutor José Barbosa da Cunha ,
Capitam José de Camargo Paes Para Vereadores José
da Rocha Camargo , o Alferes João José da Sylva , Ignacio Fer
reira de Sá Para Procurador Antonio da Silva Leme — Pedro
José Baptista .
9. ° votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Doutor José Barbosa . Para Vereadores Francisco de
Camargo Pimentel , Bernardo Guedes Barreto, Albano de Al
meida Lima Para Procurador José Gonsalves Cesar, José
Ignacio de Camargo
10.0 votante Para Juizes o Capitam José Camargo Paes
Baptista João José da Sylva .
116 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

11.º votante Para Juizes o Capitam José de Camargo


Paes , o Capitam José Joaquim Teixeira Para Vereadores
Francisco Pimentel de Camargo, Bernardo Guedes Barreto, José
da Rocha Camargo .- Para Procurador José Gonsalves Cesar
Rafael Antunes de Campos .
12.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes, o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel , Bernardo Guedes Barreto , o
Alferes João José da Sylva Para Procurador José da Rocha
Camargo José Gonsalves Cesar .

13.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo


Paes , o Alferes José Francisco de Moraes Para Vereadores
José da Rocha Camargo , José Antonio do Amaral , Antonio de
Camargo Para Procurador José Gonsalves Cesar Manoel
Mendes Godoy
14.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel , Bernardo Guedes Barreto, José
da Rocha Camargo Para Procurador José Gonsalves Cesar
Joaquim Cardozo de Gusman .
15.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo Paes,
o Doutor José Barbosa . Para Vereadores Francisco de Camargo
Pimentel , Bernardo Guedes Barreto, Albano de Almeida Lima.
Para Procurador José Gonsalves Cesar, José Ignacio de Camargo.
16.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , Fellipe Neri Teixeira Para Vereadores José Antonio
do Amaral, José da Rocha Camargo , Alferes Ignacio Caetano.
Para Procurador Bernardo Guedes , Ignacio Bueno de
Camargo .
17.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel, Bernardo Guedes Barreto ,
José Gonsalves Cesar Para Procurador José da Rocha Ca.
margo , Ignacio Caetano Leme.
18.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , Bernardo Guedes Barreto Para Vereadores José da
Rocha Camargo , o Alferez Domingos Costa Machado Alfeies
Ignacio Caetano Para Procurador Joaquim Antonio de Ar
ruda , Antonio José de Mattos .
19.0 votante Para Juizes o Doutor José Barbosa da
Cunha, o Capitam José de Camargo Paes Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel , Bernardo Guedes Barreto,
José da Rocha Camargo Para Procurador José Gonsalves
-

Cesar , Joaquim Antonio de Arruda .


20.º votante Para Juizes o Doutor José Barbosa da
Cunha, o Capitam José de Camargo Paes Para Vereadores
Bernardo Guedes, Francisco de Camargo Pimentel , José da
Rocha Camargo Para Procurador José Gonsalves Cesar, José
Pedro da Cunha .
21.0 votante Para Juizes o Capitam , José de Camargo
Paes, o Capitam Fellipe Neri Teixeira — Para Vereadores Fran
cisco de Camargo Pimentel, Bernardo Guedes Barreto, João
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 117

José da Sylva Para Procurador José da Rocha Camargo ,


Francisco Pinto do Rego.
22.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes, o Capitam Joaquim José Teixeira Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel , Joaquim Antonio de Arruda ,
Alferes José Antonio do Amaral Para Procurador Bernardo
Guedes Barreto , José Francisco de Moraes .
23.0 votante Para Juizes José de Camargo Paes , o Ca
pitam Antonio Ferraz de Campos Para Vereadores José da
Rocha Camargo , Alferes Pedro José Baptista , Alferes João José
da Sylva Para Procurador José Gonsalves Cesar, José Do
mingues Rocha .
24.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes, o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel , Bernardo Guedes Barreto, José
da Rocha Camargo Para Procurador José Gonsalves Cesar,
Bernardo Meira da Cunha .
25.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes, Capitam Fellipe Neri Teixeira Para Vereadores Fran
'cisco de Camargo Pimentel, Bernardo Guedes Barreto, José da
Rocha Camargo Para Procurador José Gonsalves Cesar, José
Antonio do Amaral .

26.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo


Paes , o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores
Bernardo Guedes Barreto , Francisco de Camargo Pimentel ,
Alferes José da Rocha Camargo Para Procurador José
Gonsalves Cesar, João Manoel do Amaral .

27.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo


Paes, o Doutor José Barbosa da Cunha Para Vereadores
Francisco de Camargo Pimentel , Bernardo Guedes Barreto,
José Gonsalves Cesar Para Procurador José da Rocha Ca
margo , Luiz Francisco da Sylva .
28.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Capitam Joaquim Teixeira Para Vereadores Fran
cisco de Camargo Pimentel. João José da Sylva, Pedro José
Baptista Para Procurador Joaquim Cardozo de Gusman ,
José Paes de Oliveira.
29.0 votante Para Juizes o Doutor José Barbosa da
Cunha , o Capitam José de Camargo Paes Para Vereadores
José da Rocha Camargo, José Gonsalves , Francisco de Camar.
go Para Procurador José Antonio do Amaral , João Baptista
Pimentel.

30.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo


Paes, Capitam Joaquim Teixeira Para Vereadores Francisco
de Camargo Pimentel , Bernardo Guedes, João de Camargo
Para Procurador José Gonsalves Cesar, Signal lugar da Cruz
de Angelo Cordeiro do Amaral .
31.º votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , Bernardo Guedes Barreto Para Vereadores Francisco
de Camargo Pimentel , João José, Ignacio Caetano - Para Pro
curador José da Rocha Camargo, Antonio da Sylva e Lima.
118 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

32.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo


Paes , o Doutor José Barbosa Para Vereadores Bernardo
Guedes Barreto , Francisco de Camargo Pimentel , José Gon
salves Cesar Para Procurador José da Rocha Camargo,
Boaventura de Camargo Pimentel .
33.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Capitam Joaquim Teixeira . Para Vereadores José da
Rocha Camargo , Bernardo Guedes Barreto , João de Camargo
Pimentel. Para Procurador José Gonsalves Cesar, Francisco de
Camargo Pimentei .
34.0 votante Para Juizes o Capitam José de Camargo
Paes , o Tenente Domingos da Costa Para Vereadores José
da Rocha Camargo, João José da Sylva, Ignacio Ferreira de
Sá Para Procurador José Gonsalves Cesar , Albano Almeida
Lima .

E por esta forma, e por não haver mais quem votase na


presente Eleisam, a houve elle Ministro por finda e acabada ,
na qual depois de examinada achou estarem com mais votos
para Juizes o Capitam José de Camargo Paes com trinta e
quatro votos : o Doutor José Barbosa da Cunha com desenove
votos : Para Vereadores Francisco de Camargo Pimentel com
vine e quatro : Bernardo Guedes Barreto com vinte e hum :
José da Rocha Camargo com vinte ; Para Procurador do Con
selho José Gonsalves Cesar com desaseis, e para constar iaso
este termo e enserramento que assignou, e eu Vicente Ferreira
e Almeida Escrivam da Ouvidoria geral e Correisam o escrevi .
Barros Nada mais se continha em o Livro de Erecçam de
Villa Sam Carlos que tudo eu Escrivam bem e fieimente
trasladei e paso a presente certidam em observancia do mandado
vocal do Doutor Ouvidor geral e Corregedor da Cidade e Co
marca de S. Paulo Caetano Luiz de Barros Monteiro e por
estar tudo conforme a seo original , ao qual me reporto me
asignei nesta Villa de Sam Carlos aos desaseis do mez de
Dezembro do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus
Christo de mil settecentos e noventa e sette e eu Vicente Ferreira
e Almeida Escrivam da Ouvidoria geral e Correisam o escrevi
conferi e asignei .
Vicente Ferreira e Almeida .
Conferido por mim Escrivam
Vecente Ferreira e Almeida" .
( “ Documentos Interessantes” , vol. III , pags. de 18 a 27 ) .
A Camara Municipal da cidade de Campinas, atendendo a
uma Portaria - Circular do Presidente da Provincia , pedindo uma
relação circunstanciada das “ fabricas” existentes naquele mu
nicípio, das fazendas de café e dos plantadores de cana de açucar,
enviou ao chefe executivo paulista , em data de 7 de fevereiro
de 1852 , um longo ofício informativo, onde vêm registrando
todos os nomes dos fazendeiros de café e lavradores que se
ocupavam na plantação da cana de açucar naquele ano. Os fa
zendeiros de café que colhiam anualmente mais de mil arrôbas,
eram os seguintes : Doutor Francisco de Assis Pupo, Domingos
Leite Penteado, João de Sousa Campos , Bernardo José de
Sampaio, Francisco José de Camargo e Andrade, João de Sousa
Camargo, Antonio Januario Pinto Ferraz, Antonio Rodrigues do
Prado, José Francisco de Paula, Joaquim Carlos Duarte, Fran
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 119

cisco Egydio de Sousa Aranha , Joaquim José Soares de Carvalho .


a irmã do Senador Queiroz , Joaquim Egydio de Sousa Aranha,
Thomaz Luiz Alves, Antonio Barbosa Aranha, Joaquim Po
licarpo Aranha e Irmão , Joaquim Ferreira Penteado , Elisiario
de Camargo Andrade , Hercules Frorence , Alvaro Xavier de
Camargo , José de Camargo Penteado, Vicente Borges de Al
meida , D. Anna Teixeira , os orfãos Joaquina e Avelino, filhos
de Rodrigo de Sá Valente, Antonio Rodrigues Barbosa, Luiz
Ribeiro de Resende, Floriano de Camargo Campos, Abel Bueno
de Lacerda, Antonio Antunes de Campos, D. Faustina Clara do
Amaral, Antonio de Campos Penteado, Francisco de Campos
Camargo , José de Campos Penteado Junior, Vicente de Sousa
Queiroz, Bento José dos Santos, José Custodio Alves , José de
Salles Leme , Diogo Benedito dos Santos Prado, Francisco Franco
de Andrade , Luiz Antonio de Arruda , José Joaquim de Oliveira
e Fernandes, Joaquim de Almeida Leme , José de Campos Salles ,
Francisco de Paula Salles, João de Campos Salles, Maximiano
de Sousa Campos, D. Raquel Umbelina de Camargo, João Dias
de Quadros Aranha, Joaquim Quirino dos Santos, Manuel Leite
de Barros, Querubim Uriel Ribeiro de Camargo Castro, D.
Thereza Michelina do Amaral Pompeu , Domingos da Costa
Machado , Joaquim José dos Santos Camargo , D. Urçula Franco
de Andrade, Francisco Teixeira Vilela, Joaquim da Silva Fran
co , Manoel Saturnino do Amaral, Vigario João Manuel de Al
meida Barbosa , Theodoro Francisco de Andrade , Manoel da
Rocha Ribeiro, Antonio Alves de Assunção, João Pires Baptista,
Manoel Joaquim de Toledo , José Bonifacio de Campos Ferraz ,
José Franco de Andrade , José de Sousa Campos .
" Relação dos Engenheiros ( senhores de engenho ) que
fazem 1000 arrobas para cima ” : Francisco Teixeira Nogueira ,
José de Campos Penteado, Francisco Teixeira Viléla , José Pe
droso da Silva , Theodoro Leite Penteado , João de Toledo Piza ,
José de Barros Penteado, Joaquim da Silva Franco, Reginaldo
Antonio de Moraes Salles , Joaquim Policarpo Aranha e Irmão,
Antonio Benedicto de Cerqueira Leite , Bento da Rocha Camargo,
D. Anna Maria Ferraz , Vicente de Sousa Queiroz , Joaquim José
dos Santos, D. Delfina de Camargo Penteado , D. Urçula Franco
de Andrade , D. Thereza Michelina do Amaral Pompeo , Francisco
Egydio de Sousa Aranha , Luiz Antonio de Sousa Barros , em
sociedade com o Marquez de Valença , Francisco Antonio de
Sousa Queiroz, Thomaz Luiz Alves , Luiz Ribeiro de Resende,
Dezembargador Albino José Barbosa de Sousa Oliveira , Ame
rico Ferreira de Camargo, Francisco José de Camargo Andrade,
Theodoro Francisco de Andrade , Vigario João Manoel de Al
meida Barbosa , Francisco de Paula Bueno, José Francisco Xavier
dos Santos, Silva Joaquim Bonifacio do Amaral, Domingos da
Costa Machado, José de Barros Dias, Luiz Nogueira, José de
Salles Leme, Domingos Leite da Silva, Luiz de Sousa Aranha,
José Caetano de Macedo , Alexandre Barbosa de Campos , Felipe
Antonio Teixeira , Manoel da Cruz de Oliveira , a irmã tutelada
do Senador Sousa Queiroz .
" Fabricas de Assucar ” . Nomes dos proprietarios :
Francisco Egydio de Sousa Aranha , José de Campos Pen
teado , Francisco Teixeira Vilela , Manoel Carlos Aranha e Irmão ,
D. Delfina de Camargo Penteado , Vicente de Sousa Queiroz, D.
Urçula - Franco de Andrade, Domingos da Costa Machado , D.
Thereza Michelina Pompeo do Amaral , Joaquim José dos San
tos , Francisco Antonio de Sousa Queiroz, Joaquim Bonifacio do
120 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Amaral , Thomaz Luiz Alves ( Engenho do Chapadão ) , José de


Barros Dias , Antonio de Cerqueira Leite , D. Anna Maria Fer
raz, Francisco Egydio de Souza Aranha, ( Engenho dos Cavalei
ros ) , Luiz Ribeiro de Sousa Resende, Vicente de Sousa Queiroz
( Engenho do Bom Jardim ) , Marquez de Valença e Luiz Antonio
de Sousa Barros , Joaquim da Silva Franco , Luiz Ribeiro de
Sousa Rezende , ( Engenho do Morro ) , Francisco José de Camargo
Andrade, João de Toledo Piza , Francisco Teixeira Nogueira , Re
ginaldo Antonio de Moraes Salles , Theodoro Francisco de An
drade , Bento da Roxa Camargo, Dezembargador Albino José
Barbosa de Oliveira , Doutor João Manoel de Almeida Barbosa ,
Francisco Teixeira Viléla , (Engenho do Morro Alto ) , Francisco
de Paula Bueno , José Francisco Xavier dos Santos, Antonio
Pinto Nunes, Camilo Xavier Bueno , Candido Xavier Bueno.
Antonio Ferreira da Silva , José Pedroso da Silva , Theodoro
Leite Penteado, José de Barros Penteado, D. Maria Queiroz,
tutelada de Francisco Antonio de ( Engenho de Bom Retiro ) ,
America Ferreira Penteado , D. Francisca Maria de Oliveira.
Francisco da Silva Prado , Luiz Antonio de Oliveira Gois.
" Fazendas de café. Nomes dos proprietarios :
José Franco de Andrade , Francisco Egydio de Sousa Ara.
nha , José Francisco de Paula , Joaquim Ferreira Penteado , An
tonio Barbosa Aranha , José de Campos Sousa , Antonio Roiz do
Prado , D. Maria Queiroz , tutelada de Francisco Antonio de
Sousa Queiroz, Francisco José de Camargo Andrade, João de
Sousa Campos, Vicente de Sousa Queiroz, Alvaro Xavier de S.
Camargo, Joaquim Egydio de Sousa Aranha, Joaquim José
Soares de Carvalho , Thomaz Luiz Alves , Antonio Roiz Barbosa ,
João de Sousa Camargo, Bernardo José de Sampaio, Maximilia
no de Sousa Campos, Francisco Teixeira Vilela , Antonio Janua
rio Pinto Ferraz, Manoel Carlos Aranha e Leme, José de Salles
Leme , Manoel Leite de Barros , Frarcisco Antonio de Andrade ,
Joaquim Quirino dos Santos , José de Campos Penteado, Fran
cisco de Salles Leme , Dr. Francisco de Assis Pupo , Joaquim
Ignacio de Oliveira hoje dos orfãos , Antonio Antunnes de
Campos , José de Campos Penteado , Antonio de Campos Pen
teado , Francisco de Campos Penteado , João Dias Queiroz Ara
nha , Joaquim Carlos Duarte, Elisiario de Camargo Andrade,
Abel Bueno de Lacerda , Luiz Ribeiro de Sousa Rezende , Joa
quim Fernandes Novais , Joaquim de Almeida Leme , D. Anna
Teixeira Nogueira , D. Raquel Cardosa e João de Salles Leme.
( Maço de o‘inio “ de Campinas 1852 Departamento do
Arquivo do Estado ) .
A majestosa campinas de hoje , que serviu outrora de
humilde pouso de bandeirantes e outros sertanistas , que acman
davam aos sertões das Gerais , Goiás e Mato Grosso, vive pre
sentemente na glória do.progresso e com o título incontestado
de “ Princesa do Oeste " . Berço de tantos homens ilustres, que
so torn ?r ? m tonos da nossa admiracão, pelas suas atividades,
tanto na política , como na carreira das armas, nas artes, nas
letras , como nas ciências . Dentre estes varões eminentes
des acam - se os vuitos de Antonio Carlos Gomes, o genial com
r stor in Guaraní " . Manoel Ferraz de Campos Sales, o grande
jurisconsulto e político ; Bento Quirino dos Santos, o benemérito
de Campinas ; dr. Antonio Carlos de Morais Sales, abalizado
causidico ; Joaquim Quirino dos Santos notável educador ; dr.
Juao nyar uzno Bierrenbach , cribuno talentoso ; general
Francisco Glicerio , apaixonado propagandista da República ;
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 121

poeta; D. João Batista Correia Nery, 1.º Bispo de Campinas e


fundador do Liceu ; dr. Heitor Teixeira Penteado, provecto advo
gado, político e banqueiro, dono de uma fulgurante inteligencia
e um dos homens mais dinâmicos de sua terra ; D. Maria
Monteiro, cantora distintissima. Entre aqueles que se radicaram
em Campinas, e que concorreram para o seu engrandecimento,
podemos apontar : Francisco Barreto Leme do Prado, o fundador,
filho de Taubaté ; Padru Diogo Antonio Feijó , regente do Impé
rio ; o erudito botânico, Joaquim Corrêa de Melo, dr. Ricardo
Gumbleton Daunt, o bondoso médico dos pobres ; D ). Joaquim
José Vieira, Bispo resignatario do Ceará e doador de um prédio
narno Orfanato de Campinas ; Drs . Teodoro Bayma e Emilio
Ribas, acatados higienistas ; Dr. Thomaz Alves Filho, médico
eminente ; Dr. Francisco de Assis Vieira Bueno ; Hercules Flo
rence , nascido em Nice em 1894 e falecido em Campinas em 1879.
Florence, foi primeiro grumete, viajando para Antuerpia, depois
caixeiro numa firma do Rio de Janeiro, passando mais tarde
a ser empregado de um livreiro- editor . Viajou muito pelo Brasil :
estudou desenho, sem inestre e escreveu inúmeras obras sõbre
vários assuntos . Dêste curioso personagem , o Visconde de Tau
nay assim se expressou " Imaginou diversos meios , todos en
genhosos, de imprimir ; inventou a polygrafia , o papel inimitave!
e , antes das primeiras tentativas de Diepce e Daguerre ,
descobrira, para assim dizer, a arte que originou a fotografia.
Vivendo , porém , no interior de uma provincia , em que de corto
não tanto lhe faltavam os elementos com que prosseguir em
suas indagações, como principalmente o incitamento da com
petencia e do aplauso , deixou em rudimento ideias queach
cumpria
tornar realidade ou, quando as levou por diante, ou que
outros em mais felizes condições lhe tinham tirado o valor da
prioridade " . Hercules Florence foi casado com uma filha do
notável paulista Francisco Alvares Machado de Viasconcelos
fundando respeitável família , da qual ainda hoje existem dignos
membros ou representantes . Como viajante e escritor deixou
inúmeras obras , como já dissemos . Entre elas podemos citar :
" Esboço de uma viagem feita pelo sr. Langsdorff desde Setem
bro de 1825 a Março de 1829 , percorrendo 2.165 leguas brasilei
ras” ; “ L'ami des arts livré à lui même ou recherches et
découvertes sur differentes sujets nouveaux " ; " Études de ciels
à l'usage des jeunes paysagistes ”; “ De la compression du gaz
hydrogéne , appliquée à la direction des aérostats”; “ Sur l'im
pression des tableaux à l'huile ou estampes coloriées ” ; “ Fabri
cation ou métier des chapeaux du Chili , et de toute espéce de
chapeaux de paille " , etc. , etc. Como inventor , além da descoherta
da poligrafia , do papel inimitável , da fotografia e das diversas
artes de imprimir , tambem nos deixou a nora -hidro -pneumática.
ou hidrostática , " tendente a produzir uma grande força por
meio da agua estagnante ” e ideou uma outra ordem de arquite
tura , que ele denominou "Ordem brasileira ou pa'miana ”.
Vejamos, agora, um documento de grande vale : histórico :
adesão de Campinas à República :
" Copia da Acta da Sessão extraordinaria em que à Camara
adheriu à proclamação da Republica Brasileira .
Presidencia de José Paulino Nogueira .
Aos deseseis dias do Mez de Novembro de mil oitocentos e
oitenta e nove, na sala das sessões da Camara Municipal de
Campinas, ahi presentes os vereadores José Paulino Nogueira.
122 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Otto Langgarard , dr . Ricardo Gumbleion Daunt , Tenente


Francisco José d'Abreu , Dr. Salvador Leite de Camargo Pen
teado e Antonio Alvaro de Sousa Camargo, o presidente José
Paulino Nogueira declarou aberta a sessão extraordinaria da
Camara Municipal convocada para as sete meia horas da
noite e , expondo o fim da convocação, disse que, tendo-se dado
na corte um movimento que determinou a mudança da forma
de governo e a instituição da Republica Brasileira e que tendo
recebido um telegrama do governo provisorio do Estado de São
Paulo, comunicando em forma de Ordem o empossamento deste
com a determinação de o fazer publico , e mais, que tendo sido
nomeado por telegrama do dr. Bernardino de Campos, atual
Chefe de Policia , delegado de Campinas o cidadão Bento Quirino
dos Santos convocara esta Camara para a presente sessão
extraordinaria afim de resolver à respeito e aar juramento ao
funcionario nomeado . E passou então o cidadão presidente,
depois de lidos pelo secretario que esta escreve os referidos
telegramas, a ler a indicação que passa a Camara de Campinas ,
cujo theor é o seguinte : Depois de um longo periodo de trabalho
constante e esforçado em prol das iaéias que em 789 a França
proclamou ao mundo, um seculo depois que o grande Martyr da
liberdade Erasileira sonhou o governo da igualdade para a sua
patria , o Povo Erasileiro, O Exercito e a Armada acabam de
soltar o brado republicano, derrubando a dynastia e o sceptrc .
A Camara de Campinas, adherindo jubilosa ao grande aconte
cimento , proclama por sua vez o guverno republicano e louva
os grandes patriotas que salvaram a Nação . Viva a Republica
Brasileira ! Viva o Estado de São Paulo ! Vivam os Fundadores
da Patria Livre! Posta em discussão ninguem pediu a palavra
e sendo posta a votos foi aprovada por unanimidade. Em
seguida o cidadão Bento Quirino dos Santos prestou juramento
€ tomou posse do seu cargo, pronuncianao a seguinte formula :
" Prometto e juro por minha honra cumprir os deveres do cargo
de Delegado de Policia para que fui nomeado pelo Governo do
Estado de S. Paulo, fie'mente e com ealdade." . Neste momento
tendo penetrado no auditorio da Camara grande massa de novo
o Presidente da sessão leu em alta voz a indicação referida ,
sendo ela recebida com aplauso por todos os ouvintes. Conti
nuando a deliberar, a Camara resolveu mandar publicar pelos
três jorna's da cidade edita's contendo a supradita indicacão
Os telegramas lidos em sessão pelo secretario que esta subscreve .
são os seguintes: " Ordem do governo provisorio ao presidente da
Camara Municipal de Campinas. Foi noje empossado o governo
provisorio do Estado de São Paulo composto dos drs . Prudente
de Moraes, Rangel Pestana e Coronel Mursa . Já entraram em
palacio e estão airigindo expediente . Façam publico . Perfeita
ordem e paz ”. De Bernardino de Cardos ao Delegado de Policia
de Campinos. Passe delegacia ao cidadão Bento Quirino. Segue
nomeação deste " . " To Secretario du governo ao Delegado de
Policia de Campinas Governo provisorio nomeou Chefe de
Policia Dr. Bernardino de Campos for Acto de hoje ”. “ Do Dr.
Bernard no de Campos, Chefe de Policia a Bento Quirino dos
Santos, Campinas. Assuma delegacia, segue hoje nomeação " .
Todos estes telegramas trazem a dat de dezeseis de Novembro
de mil oitocentos e oitenta e nove . A nomeação a que sa refere
o último telegrama é do teor seguinte: “ Quinta Seccau O gover
no provisorio da provincia exonera o delegado de policia de
Canipinas e nomea para substitu -lo Bento Quirino dos Santos" .
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 123

Em seguida a Camara resolveu transmitir aos governos central


e provisorio de São Paulo o seguinte telegrama : " A Camara
Municipal de Campinas, reunida em sessão extraordinaria às
sete e meia horas da noite , adheriu unanimemente à Proclama
ção da Repubiica Brasileira , louvando os seus fundadores” . E
ao Dr. Chefe de Policia o seguinte : o cidadão Bento Quirino
dos Santos prestou juramento e tomou posse do cargo de Dele
gado de Policia” . Nada mais havendo a tratar o cidadão - José
Paulino Nogueira deciarou encerrada a sessão e eu, secretario
“ ad hoc " por impedimento do secretario efetivo, por motivo
justo, depois de prestado o juramento preciso, entrei no exerci
cio das respectivas funcções e lavrei a prezente Acta que , sendo
lida, foi aprovada pelos cidadãos vereadores que assignam.
Antonio Alves da Costa Carvalho , secretario " ad hoc " . José
Paulino Nogueira, Presidente . Otto Langgaard , vice-presiáente .
Antonio Alvaro de Sousa Camargo , Saivador Leite de Camargo
Penteado, Francisco José d'Abreu, Dr. Ricardo Gumbleton Daunt
Confere com o original e está conforme .
O Secretario da Camara Municipal, Thomaz G. Gomide" .

Para a fatura dêste trabaho, servimo-nos da " Grande En


ciclopedia Internacional” , “ Dic . Bibliográfico ” , de Sacramento
Blake, e principalmente da preciosa " Monografia de Campinas”,
de autoria de " Um Professor ' Campineiro " 3.9 edição .
Quando foi proclonada a República , era presidente da
província de São Paulo o general José Vieira Couto de Maga
lhães , que havia sido nomeado no dia 8 de junho de 1889 e
tomado posse a 3 de agosto do mesmo ano. Logo que chego !
aqui a notícia do movimento republicano vitorioso, tratou - se de
organizar, imediatamente, um Governo Provisório, composto de
três membros : Prudente José de Moraes Barros, Francisco Rangel
Pestana e Joaquim de Souza Mursa , sendo os dois primeiros,
bacharel e o último, doutor e coronel . Este Governo foi acla
mo no dia novemiro de 1889, portanto, um dia depois
da Proclamação da República . Para Chefe de Polícia do Estado
de São Paulo, foi nomeado o eminente patrício dr. Bernardino
ce Campos , que , logo apos à sua posse , mandou expedir o se
guinte telegrama ao delegado de policia de Campinas : "Pass?
Delegacia ao cidadão Bento Quirino. Segue nomeacão deste "
No mesmo dia, Bento Quirino dos Santos , recebia também um
comunicado telegráfico do Chefe de Polícia, nestes termos :
“ Assuma Delegacia de Campinas . Segue hoje nomeação ” .
Bento Quirino dos Santos, um dos mais ilustres filhos de
Campinas , nasceu a 18 de abril de 1837 , e ialeceu em 1914 , com
a idade de 77 anos . Foi este grande benemérito campineiro,
filho do major Joaquim Quirino dos Santos e de sua primeira
esposa D. Manoela Joaquina de Oliveira. Quirino dos Santos
morreu solteiro tendo deixado por testamento , realizado em 11
de agosto de 1894 , tôda a sua vasta fortuna , a seus irmãos, irmãs,
sobrinhos, cunhadas, aſilhados, compadre amigos a um ex -es
cravo de um seu irmão a Institutos de Educação e Casas de
Caridade de Campinas. Este magnanimo cidadão foi cognomi
nado “ o pai de Campinas ” , pelos inúmeros serviços e benfeitorias
que prestou à sua terra natal . Dêle , disse certa vez o grande
Leopoldo Amaral : “ Mais campineiro do que ele , ninguem !” .
124 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

Bento Quirino teve muitos irmãos, destacando-se dêstes, o


notável orador e jurisconsulto , dr. Francisco Quirino dos Santos,
nascido em 14 de julho de 1841 e falecido a 6 de maio de 1886 , e
o conhecido educador e benemérito Joaquim Cuirino dos Santos .
que manteve por largos anos a Escola “ Corrêa de Mello ", tendo
nascido em 15 de maio de 1820 e falecido a 28 de fevereiro
de 1889 .
Era presidente da Câmara Municipal de Campinas, quando
se deu a deposição da Monarquia e a proclamação da República,
um outro campineiro da grande projeção na época : José Paulino
Nogueiro . Este cidadão, logo que teve conhecimento oficial dos
fatos desenroiados no Rio de Janeiro, a 15 de novembro, e a
organização dos Governos Central e do Estado, convocou a Câ
mara extraordinàriamente, a fim de acertar medidas condizentes
com a stronin . efronte ao Paro Muuripal, grande massa de
povo aguardava ansiosa a palavra dos Edis reunidos. Assomando
então à janela central oa Câmara, o 1.° Juiz de Paz, dr. Antenor
Guimarães, comunicou ao povo a queda da Monarquia e a
implantacão do regime republicano no Brasil, lembrando, tam
bém, nessa ocasião, a necessidade de se constituir um Governo
Provisório local, " para garantir a paz e a ordem en qualquer
eventualidade possivel” . O povo aplaudiu com uma estrepitosa
salva de palmas e vivas demorados à idéia sugerida, e por pro
posta do ar. Antonio Alves da Costa Carvalho, e aclamados pelo
povo , foram lembrados os homens do dr . Antenor Guimarães ,
Bento Quirino dos Santos e Luiz Antonio de Pontes Barbosa.
para membros do Governo Provisório local . Vejamos, porém , a
Ata da constituição do Governo Campineiro, organizado no dia
16 de novembro de 1889 :

“ Acta da constituição do Governo Provissorio de Campinas .


Aos deseseis de Novembro de mil oito centos e oitenta e
nove annos , segundo dia da proclamação da Republica Brasi
leira, no Paço da Camara Municipal, às duas horas da tarde ,
sendo presentes o Presidente da municipalidade José Paulino
Nogueira, e os Vereadores Otto Langgaarde, Antonio Alvaro de
Sousa Camargo . Doutor Salvaaor Leite de Camargo Penteado ,
Francisco José d'Abreu e Doutor Ricardo Gumbleton de Camargo
Daunt , o Presidente , digo , o primeiro Juiz de Paz Doutor Ante
nor Guimarães, grande numero de cidadãos graduados e na
praça em frente ao Paço Municipal um grande massa de po
pula res , na melhor ordem e transbordando á'alegria, o Doutor
Antenor rodeado dos Vereadores , da janella central do Palacio ,
comunicou ao novo a deposicão da Monarchia , e a proclamarão
da República Brasileira , a organização do Governo Provisório
central e o do Estado de São Paulo, e lembrou a necessidade da
Constituição d’um Governo Provisorio local para garantir a
paz e a ordem em cualquer eventualidade possivel . Sob proposta
do cidadão Dr. Antenor Guimarães , digo Dr. Antonio Alves da
Costa Carvalho, q . com o povo adheriu e applaudio estrepitosa
1 10 o unan memente aclamados para
constituir o Governo Provisorio local, os cidadãos, Dr. Antenor
Gundides, it'llo Quir.no aos Santos e Luiz Antonio de Pontes
Barbosa. Esse governo provisorio foi enthusiasticamente sauda
dr ne o povo . A forca publica commandada pelo Tenente Faria
Leite , que se declarou confraternizada com seus irmãos d'armas
TOL ...se .
o cidadão Doutor Eduardo Guimarães. O Commandante da força
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 125

foi abraçado pelo Orador e grande numero de populares. O


Governo Provisorio eleito, tendo por seu orgão o Dr. Antenor ,
prometteu sob sua honra , diante da Camara Municipal e em
face do povo defender e manter a paz e a ordem até as delibe
racões e ordens do Governo Provisorio do Estado de São Paulo .
A força publica fez as continencias aos Membros do Governo
provisorio local e o povo irrompeu de novo em extraordinaria,
digo , em estrondosas aclamações . E, nada mais havendo a fazer
se, mandou o respectivo Juiz de Paz, amim Escrivão lavrar esta
Acta , que lida, perante o auditorio, assignão todos os presen
tes e o Governo Provisorio local. E, eu João Pedro Rodrigues
da Silva Escrivão de Paz da Freguezia da Conceição , a examinei
e assigno
O 1.° Juiz de Paz Dr. Antenor Guimarães .
Luiz Antonio Pontes Barboza ” .
No dia 6 de dezembro de 1860 , o Juiz de Direito da Comarca
de Campinas, Doutor Afonso Coraeiro de Negreiros Lobato , en
viou ao Sr. Presidente da Província de São Paulo, um ofício
acompanhando um neticão de graça em favor do negro Fe
lisberto, que tinha sido condenado a galés perpétuas pelo Juri
de Camp laas , por ter assassinado um seu feitor. A petição era
enderecada ao Imperador, a quem deveria ser entregue, por
ntermédio do Presidente da Provincia . O magistrado campineiro,
depo s de tecer longas considerações , no seu trabalho , mostra - se
contrário a pena de galés, demonstrando que este castigo apli
cado aos escravos, ao invés de atemorizar, incentiva os negros
a cometerem crimes, assassinando seus senhores e capatazes ,
para se verem livres do trabalho nas fazendas . Argumentando,
diz mais o Dr. Negreiros Lobato, que os africanos assassinos ,
geralmente se apresentam voluntàriamente às autoridades, e
declaram, muito satisfeitos, que já não são escravos de seus
senhores, mas sim do Rei . Leiamos , porém, o documento origi
nal , que fomos encontrar entre os papéis de Campinas, no maço
referente ao ano de 1860 :
" Senhor .
Tenho a honra de apresentar na Augusta Prezença de V.
Mag.e Imperial a petição de Graça feita em nome do escravo
Felisberto condemnado a gallés perpetuas pelo Jury desta Ci
dade de Campinas pela morte que o mesino fez em seu Feitor .
O Petecionario, Senhor, em vista das provas do processo juntas
por copia teria siao com justiça condemnado á morte, se o
Jury não deciarasse não haver outra prova alem da confissão
do Río , que sendo hum dos importados nesta Piovincia dos
muitos que as Provincias do Norte expellern de si com admiração
dos que não conhecem a cauza de tal procedimento na actual
escassez de brassos já hé bem significativo da perversidade do
Réo , apezar do muito que em seu favor dice seu Curador e
Deffensor no seu julgamento, exagerando a crueldade do Feitor
para com o mesmo Réo e outros escravos da Fazenda em que o
mesmo feitorerava . A pena porem de gallés para escravos .
Senhor, longe de prehencher nenhu dos iins das penas, tem
siao hum insentivo para o crescente numero de crimes desta
ordem entre escravos , que entendem que para se livrarem do
captiveiro de seus senhores he- lhes precizo mattar os mesmos
seus senhores, ou a seus Feitores ; e os repectidos fatos que no
Termo desta Cidade se tem dado de escravos que praticão taes
126 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

crimes para se apresentarem voluntariamente á Autoridade de


clarando - lhe que já não são mais escravos de seus senhores,
mas sim do Rei , e que se apresentão para serem mandados para
a Caza de Correcção hé a melhor prova do que avanço , isto hé .
de que a pena de gallés para escravos, não prehenche nenhu
dos fins das penas , e pelo contrario anima o crime ! Continuarei
pois , como sempre o tenho feito , a clamar pela revogação da
pena de gallés para escravos, ou pelo menos que ela tenha a
comuntação em assoites, q. tem a pena de prizão simples, ou
com trabalho, sendo depois os Réos entregues a seus senhores,
que são actualmente os unicos punidos com a pena de gallés em
seus escravos .
V. Mag . Imperial porem mandará o que for servido .
Campinas, 1.º de Dezembro de 1860.
O Juiz de Direito da Comarca de Campinas Affonso
Cordeiro de Negreiros Lobato " .

A “ Revista Comercial” de Santos, edição de 11 de setembro


de 1860 , denunciou o seguinte : O Padre Miguel da Cidano de
Campinas concedeu licença para uma colona suiça católica,
casada com um alemão protestante, contrair novo matrimónio
com um belga tambem católico ! Chegando o fato ao conheci
mento do Presidente da Província , ordenou êste ao Juiz de
Direito da Comarca de Campinas, que investigasse sõbre o caso,
informando - o se realmente tinha fundamento o que corria .
Em Campinas, naquela época , só havia um padre com aquele
nonie o reverendo Miguel Arcanjo Ribeiro de Castro Camargo.
Ouvido pelo Juiz de Direito , declarou o sacerdote que absoluta.
mente nada tinha a haver com o caso. Diante disto , o magistrado
foi procurar o Vigario da Vara , Antonio Corrêa Leme , que con
ſessou ter autorizado o dito casamento, mas só depois de ter
consultado a respeito o Exmo. Senhor Bispo, por intermedio de
seu Secretario , o Padre Carlos Maria Ferrier . Afinal, tudo ficou
devidamente esclarecido , não tendo o fato a gravidade que a
princípio se lhe atribuia. O Vigário da Vara de Campinas, res
ponde ao sr . Juiz de Direito , relatando o que houve na realidade :

“ Illmo Senhor .
Accuzo a recepção de seo officio datado de 11 do corrente ,
e recebido hoje acompanhado da copia da Portaria do EXmo.
Governo da Provincia, afim de informar acerca do cazamento
de huma colona catloica suissa, que se diz cazada com hum
colono protestante , a quem se concedeu faculdade para contrair
novo casamento com ) colono belga catholico ; e a isto tenho
a responder o segu nte : Em julho do currente anno me reque
rerão para justificar estado lizre para se cazarem o be !ga Sera
fim Abs , e a suissa Anna Maria Josefina, ambos catholicos , e
com effeito justificarão resultando da justificação que Josefina
na Limeira havia contratado casar - se com um allemão protes
tante e havião passado huma escritura no livro de notas do
Tabalião, mas não tinhão se casaco, pois que nenhuma forma
lidade tinhão prehenxido, apesar de terem cohabitado por algum
tempo, e que o allemão afinal abandonára a mesma Josefina,
e ella advertida de que não houve casamento mixto entro e la
e o dito suposto marido, veio para esta Cidade, e engajou-se
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 127

numa Colonia, e então tractou de casar-se com o tal belga ;


em vista do exposto como Vigario da Vara os julguei habilitados
para se casarem , tenào consultado a respeito o EXmo. Senhor
Bispo por intermedio de seu Secretario o Padre Carlos Maria
Ferrier. Eis o que tenho de informar a V. S. aquem Deos guarde
como convem . Campinas 13 de Outubro de 1860 .
ILLmo. Senhor Dr. Juiz de Direito da Comarca Affonso
Cordeiro de Negreiros Lobato . Antonio Correa Leme , Vigario
da Vara " .

Bernardo José da Silra, responde ao Capitão-Mór de Cam


pinas, Floriano de Canargo Penteado , sôbre o aparecimento,
naquela Vila, de um pasquim , insultando personagens influen
tes do lugar. O referido “ jornaléco” alcunhou de “Sapatoens"
os cidadãos que cairam no seu desagrado ...
“ ILLmo. Snr . Cap . mor .
Em consequencia do Officio q. me derigio V. S. por deter- '
minação do EXmo. Governo pa. q. informasse oq. soubesse
sobre o pasquim q. appareceu : somente posso informar q . sube,
mas não v : q . o Pe . Francisco Frz . Novaes, e o Tnte. Franco
Alz. de Sousa, o tiverão em seo poder, e em cuja caza elle foi
posto ; de ambos estes homens eu ouvi narrar, que odc . pesquim
constava de mtos. homens de probide . numerados sapatoens, e
mais titulos indecoroscs ; e q . não me mostravão por ser coisa
indigna de verse : tão bem sube que João Sertorio morador em
São Paulo vio o dito rol de sapatoens em caza de Angelo Custo
dio Teixeira q . o mostrara assim numerado , e por este mesmo
theor apparecera ; e demais he hua voz con.um de ter sido feito
pelo aito Angelo Custodio ; procurando este meio de vingar-se
de seus inimigos ; porquanto segundo oq . tenho ouvido de motos .
elle não se lembrou senão daquelles, comgm . tinha inimizades .
He oq . posso informar a V. S. Ds . Ge. a V. S. Ms Ans . S.
Car os 3 de Dezembro de 1822 .
O. Bernardo José da Silva " .
( Documentos pertencentes ao Departamento do Estado de
S. Paulo ) .
O Canitão-Mór de Campinas , Antonio Francisco de An
drade, ordenou a várias escoltas que fossem capturar recrutas
para servirem na tropa e na marinha . Os soldados sairam
armados de paus, mas um Capitão - de - mato resolve desar
má - los por ordem do Sr. Juiz Ordinário ... Voltem OS

Ordenanças ao quartel e queixam-se ao Comandante, e este


que não era homem de muita conversa , manda chamar à sua
presença o preador de escravos, fazendo-lhe uma advertencia
em regra . O Capitão-de-mato, longe de se atemorisar, insur
ge-se , faltando com o devido respeito ao seu superior . Deante
desta insubordinaci.o , o comandun ? di Ordenanças ordena
a um cabo , que recollia ao xadrce o " pegador de escravos ” .
Rebela-se o Capitão, e consosundo safar-se, vai -se apresentar
ao Juiz, a quem relata tudo que acabava de sofrer. Éste, que
não “ rezava pela mesma cartiina” do Comandante , manaa em
paz o homenzinho ... Mas, o Capitão- Mór , fazendo valer a sua
autoridade, ordena que seja de novo detido o Capitão mateiro,
e desta vez, com mais segurança, é metido a força na enxovia .
128 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

E, por via das dúvidas, toma da pena e comunica ao Sr. Presi


dente da Província :
"ILLmo. e EXmo. Snr.
Com bast.e pezar levo ao connecim.to de V. EXcia . Os
acontecimentos do dia 2 do corrente . Mandando eu varias es
coltas aprender alguns endividuos pa. o Kecrutam.to de tropa ,
€ Marinha , e como os soldados levacem hum pedaço de pau pa
sua defeza , hum Capam do Matto quiz toinar-lhe, e instando o
soldado, e dizendo q . hia em sery.o e nem asim o deixou ,
tomando -lhe o páo, deuce-me pte, Mandei viro, Cap.am do
Matto , e o reprehendi , respondeu -me q. tinha ordem do Juiz pa .
asim o fazer, advertilhe q. era mal intendida a ordem pr.q
o Juiz avia manaado pruhibir os escravos , e não os Soldados q .
estivecem em serv.o ; Respondeu -me mal faltando -me o respei
to ; mandei recolhe -lo aprizão pr. hum Cabo q. estava prez.e
e indo p . a Cadeia resestio , e foi a casa ao Juiz, este faltando
a todos os seus deveres , o mandou imbora ficando impune a
desobediencia , e perecendo o Serv.o ; em termos taes logo que
pude mandei prender o aeliquente pa. exemplo de outros, e
pr.q. estou perçuadido q . os Cap.es do Matto estão sogeitos ao
Comando da Ordenança, pr.q. o EXmo. Gov. Provisorio pre
cizando neça de alguns Capitaens do Matto , ordenou ao Cap.am
Mór que os remetece . Fica o individuo prezo thé q . V. EXcia .
deiibere o q . for de Justiça . Ds . guarde a V. EXcia. Quartel
de S Carlos 4 de Janr :) de 1826 .
Antonio Francisco de Andrade
Cap.am Comandante Interino ” .

CAPITÃO -MÓR ASTUCIOSO

Na Vila de Campinas , em 1824 , espalhou-se uma notícia


alarmante : todos os homens aptos para o serviço militar , em
breve seriam recrutados por ordem do Governo Provisório ! Re
sultado : " cabeça no mato " ...
Quando o Capitão-Mór da Vila recebeu a circular ao Go
vêrno ordenando- lhe que iniciasse o recrutamento ficou sem
saber o que faria . A cidade estava despovoada de homens
válidos ... Refletiu longamente no assunto, mas por fim , achou
uma idéia . Mandou chamar à sua presença várias pessoas
conhecidas e recomendou - lhes que fizessem cursar pera Vila
esta grande nova : “ Campinas estava isenta do recrutamento . O
Governo Provisorio da Provincia assim o tinha deliberado " .
Passados alguns dias , os “ fugitivos" começaram já a apare
cer pelas ruas da Cidade ... As semanas se foram sucedendo ...
un mês ... dois meses ... Mas um dia, quando já se não falava
mais no " causo " , pumba ! cai a arapuca !
Isto que acabamos de contar, é o que supomos tenha acon
tecido. O leitor, porem , fará o seu juizo, lendo o documento
original :
" ILLmos e EXmos Senhores
Acuzo a recepção do Officio de V. excias , de 17 de Janr.o do
corr.e anno, ficando intelligenciado doque V. EXcia nelle me
Ordenão, passo a ponderar a V. EXcias as difficuldades que
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 129

encontro no exacto Cumprimento delle , afim de que V. EXcias


menão julguem negligente em Materia de tanta ponderação.
Sendo hua desgraça espalharem - se as noticias, e as Ordens
antes que mas sejão cadas , a contece q. antes de receber o
Officio de V. EXcias já nesta Villa se tratasse q . vinhão Ordens
pa . Recrutar, e q, em outras partes já ofazião, foi motivo bastan
te para q. todos aquelles que podessem servir, se refugia-sem
pa . os Mattos , de sorte que não aparece pessoa algua , e por
esta circunstancia vejo adifficuldade de apromptar o numero
q . V. EXcias determinão , e com a brevidade tão bem exigida ;
e para isso resolvi capacitar am.tas pessoas, para estas espa
lharem que esta Villa hé izenta do prezente recrutamento , e
de norar esta delig.cia mais alguns dias, afim de q . elles capaci
tados apareção, para então poder pilhar aquelles q . se acharem
em circunstancias de poderem servir, o q pondero a V. EXcias
pa . menão julgarem pouco exacto, no cumprimento do que V.
EXcias me ordenão . Ds . Ge . a V. EXcias Q.ei de São Carlos 9
de Fevereiro de 1824 .

ILLmos e EXmos Snrs . do Governo Provisorio .


João Francisco de Andrade
Cap . Mór ” .

( Este Capitão-Mór faleceu no dia 4 de maio de 1827, se


gundo vemos em um comunicado que foi feito ao Vice -Presidente
da Provincia, sr. Luiz Antonio Neves de Carvalho ).

O sr. Barão de Congonhas do Campo ( 1 ) , presidente da


Província de S. Paulo, envia ao Capitão-Mór agregado de Cam
pinas, uma Portaria data de 14 de janeiro de 1826 , contendo o
manifesto da Declaração de Guerra do Brasil às Provincias
Unidas do Rio da Prata :

" ILLmo e Exmo Snr .

Acuzo a recepção da Portaria de V. EXcia datada em 14


de Janeiro deste anno, contendo o Manifesto da Declaração de
Guerra as Provincias unidas do Rio da Prata .
Participo a V. EXcia q. foi publicado nesta Va. a Som de
Caixa no dia 19 de Março p.p. com as solenidades do costume, e
fica rezistado no livro competente. Esta publicação, e declaração
de guerra não cauzou maior novidade em os Povos, por estarem
já sientes pellas noticias, e folhas q. anunciavão e louvavão m.to
a determinação de S. M. I. na defeza daquelles terrenos, somente

( 1 ) Lucas Antonio Monteiro de Barros. Congonha é ternio


túpico , significando: aquele que sustenta ou alimenta. E' cor
rupção de Congói , a erva mate, também conhecida por “ Chá
do Paraguai”, ou “ Chá dos Jesuitas” . O seu nome botânico é
“ Iex paraguariensis ”. Os tupis do Paraguai, isto é, os guaranis,
denominam esta planta de Cógôi. Congonha do Campo , pois ,
vem a ser o mesmo que Chá do Campo. No tupi, se diria : Nhú
congói, ou Congõi nhú - sui ( Congonha-campo-do ) .
( Os três documentos acima transcritos, pertencem ao Dep.
do Arquivo do Estado ) .
130 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

receão o recrutamento pa. o ditto fim . Ds. guarde a V. EXcia


m.tos annos . Va de S Carlos 8 de Abril de 1826
Floriano de Camargo Penteado
Cap . Mór " .
A história do maior gênio musical do Brasil , do insigne
maestro campineiro, Antonio Carlos Gomes, é por demais co
nhecida . Por isso só nos limitaremos a registrar aqui os fatos
mais notáveis de sua vida .
Filho do musico paulista Manoel José Gomes e de d . Fa
biana Maria Cardoso, nasceu em Campinas a 11 de julho de
1836. Seu pai casara quatro vezes , pertencendo ao terceiro
matrimônio o nosso grande compositor. Muito jovem ainda,
foge da casa paterna para Santos , e daí para o Rio de Janeiro ,
a bordo do navio nacional “ Piratininga ", no dia 20 de julho de
1859 . Na capital do país , Carlos Gomes vai se hospedar na casa
do negociante Azarias Botelho, que residia à rua Primeiro de
Março , 143. Arrependido do passo que dera e saudoso do lar,
escreve a seu pai pedindo perdão . Depois de longo tempo , a
resposta tão ansiosamente esperada , chegou às suas mãos ! O
progenitor , não só o perdoava , como também lhe concedia uma
mesada ( 30 mil réis ) para continuar os seus estudos : Tendo
ingressado para o Conservatório do Rio de Janeiro, que na
epoca estava sob a direção do grande maestro patrício Francisco
Manoel , Carlos Gomes, que já se havia revelado um compositor
de grande talento, agora fazia pasmar os próprios mestres. E
tantos foram os seus progressos, que o magnânimo imperador
Pedro II resolve enviá -lo ao Velho Mundo, como pensionista do
Estado , para melhor se aperfeiçoar nos seus estudos . Visita
então Portugal, Espanha , França , e finalmente vai à Italia onde
estabelece residência em Milão . Alguns anos foram passados
em profundo estudos no país da música , até que na noite de
19 de março de 1870 , o glorioso campineiro tem a sua justa e
bem merecida consagração : a sua opera mais importante, “ O
Guarani” , é cantada com excepcional sucesso no Scala de
Milão . Dali para diante , o maestro brasileiro passa a fazer
parte , com grande destaque , entre as figuras mais notáveis da
música universal. Proclamada a República em nosso país, Car
los Gomes foi abandonado , vendo - seforçado regressar à
a
pátria . Amparado pelo governo do Estado do Pará , foi-lhe
dada a direção do Conservatório, posto em que veio a falecer
no dia 16 de setembro de 1896 . Atendendo a um pedido feito
pela imprensa carioca , o governo do Estado de São Paulo con
sentiu que o corpo do imortal maestro campineiro passasse
pelo Rio de Janeiro , sendo- lhe nessa ocasião prestadas honras
solenes . O transporte de guerra “ Itaipú ” , que conduziu o corpo
embalsamado do grande vulto nacional , passou desde aí a de
nominar - se “ Carlos Gomes " , em sua homenagem . Logo após
o desembarque do corpo, foi este depositado na Igreja de São
Francisco de Paula , realizando - se as exéquias solenes com
grande pompa . Neste mesmo dia , foi transportado para o Ins
tituto Nacional de Música , onde ficou em exposição , e daí foi
retirado para seguir por mar até o pôrto de Santos. O préstito
foi imponente , tendo- se reunido no Arsenal de Guerra, cerca
de 500 bandas de música que executaram ao mesmo tempo a
protofonia de “ O Guarani" . Leopoldo Amaral , finalizando o
seu brilhante artigo intitulado “ Carlos Gomes e Santos Du
mont” , que foi publicado na “ Rev. do Centro de Ciências Le
tras e Artes" , de Campinas, edição comemorativa do 1.º cen
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 131

tenário do nascimento do grande vulto patrício, Antonio Carlos


Gomes, escreve : “ O corpo do maestro, que estivera depositado
desde outubro de 1896, no jazigo Ferreira Penteado, no
cemiterio municipal , foi trasladado para a crypta do monumento
a 29 de julho de 1904 , ato que se revestiu de maximo respeito ,
com a presença de autoridades locais comissão executiva , bandas
de musica e enorme multidão ” .
O talentoso poeta paulista Laurindo de Brito , escreveu em
1936 , no Rio de Janeiro, um formoso e delicado poemeto sobre
o laureado maestro campineiro . Esta sentidíssima produção
poética, foi publicada na pag. 59 da revista supra mencionada.
Com a devida vênia, transcrevemos para aqui apenas o final
do belo trabalho de Laurindo de Brito :
“ A tua Musica divina
Traduz,
Oh! Carlos Gomes!
Na sublime orquestração
Da Natureza ,
Ora triste, sorrindo, ora alegre, chorando,
Os suspiros das frondes e os clamores do Oceano;
Os misterios das sombras e as apoteoses da luz;
Os rugidos e os sonhos, os encantos e os pavores
Das selvas americanas ;
As ansias e os delirios, as dores e as agonias ,
Das paixões humanas,
Espelhando
Num arroubo profundo
As paisagens da terra e as tragedias do mundo " .

RELAÇÃO DAS COMPOSIÇÕES MAIS CONHECIDAS


DO GRANDE MAESTRO

O Guaraní ( opera baile, 4 atos ) . Sua obra maxima. Foi


inspirada no conhecido romance do notavel cearense José de
Alencar . Levada à cena no Scala de .Milão em 19 de março de
1870. Os principais interpretes de " O Guaraní" , foram os cele
bres cantores Vilani , Coloni , Maria Sasse e Maurel. Esta opera ,
que deu a Carlos Gomes a gloria imarcessivel dos iluminados,
tornou - se conhecidissima em todo o mundo. Neste mesmo ano
( 1870 ) estando presente o autor, foi “ O Guaraní” cantado no Rio
de Janeiro. Batista Pereira escreveu por essa ocasião : “ O introi
to de “ O Guaraní” é o teu hino sagrado, Campinas... Faz da
sua audição um culto civico. Alimenta da sua violencia oroge
nica o subconciente do teu povo. Executa -o nas noites estrela
das , nos coretos dos teus jardins, quando os namorados espaire
cem, para que a poesia dos instintos e os misterios do coração
se embebam nas suas harmonias . Adota-o como a Marcha Nup
cial dos teus filhos ” .
Salvador Rosa ( opera lirica , 4 atos ) , libreto de Antonio
Ghislanzoni , notavel libretista italiano ,
Fosca ( opera lirica, 4 atos ) – Muito conhecida na Europa.
Maria Tudor ( opera lirica, 4 atos ) .
Lo Schiavo ( oferecida à princesa Isabel , a Redentora ) .
Noite do Castelo. Sua primeira opera, e aplaudida entu
siasticamente . No fim do espetaculo, o autor recebeu muitas flo
res, e uma coroa de ouro lhe foi entregue pelos seus conterra
132 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

neos. O imperador, por sua vez, confere - lhe a veneranda Ordem


da Rosa, e o maestro Francisco Manoel, autor do Hino Nacional,
presenteia - o com uma batuta de ouro, em nome da orquestra.
Joana de Flandres ( opera lirica ) que tambem obteve enor
me sucesso.
Camões (hino triunfal, orquestra e banda ) .
Colombo ( poema sinfonico ) .
Condor .
-
Hino Academico ( piano e canto ) . Letra do dr. Bitten
court Sampaio .
Cantata ( para os exames do Conservatorio ) .
Herdeira do trono (quadrilha ) . Foi composta a bordo do
vapor “ Paraná”, quando seguiu para a Europa como pensionista
do Estado ( 1863 ) .
Se sa minga ( revista do ano, opera bufa ) .
Nella luna ( idem ) Foi executada no Teatro Carcani .
Ninon de Lenclos ( opera lirica ) .
Palma, e uma infinidade de outras pequenas composições,
escritas em sua mocidade. Entre estas citaremos : “ Tão longe
de mim distante " , canção esta que tornou o seu autor muito
popular; “ Io ti vidi”, piano e canto; " Suspiro d'alma”, modi
nha; “ Quem sabe ? ”, modinha; “ Rainha das flores”, valsa, piano ;
“Lalalayu", polca, piano ; " Polca dos pardais ” , “Polca dos bei
jos” , “Moreninha ", valsa e “Cachoeira " , quadrilha. Quando Car
los Gomes faleceu, deixou quasi pronta uma opera que se inti
tulava “ Morena ', e mais alguns fragmentos do “ Cantico dos
Canticos” .

OUTRORA COMO AGORA ...

Quasi todos os dias os jornais noticiam azêdas discussões


dentro das nossas Camaras Municipais. Na capital, em Sorocaba ,
em Corumbatai, em Santo Anastacio e, principalmente, em São
Bernardo do Campo, onde recentemente se verificaram fatos de
sagradaveis entre os dois grupos que há muito lá se degladiam.
Em varios lugares de nosso Estado, vereadores têm provocado
" barulho grosso ”, que muitas vezes tem degenerado em verda
deiros conflitos. Mas, esta exaltação de animos no seio das edi
lidades, que hoje, a cada momento assistimos, pode se dizer, sem
receio de errar, nasceram com a nossa emancipação politica ...
Agora mesmo acabamos de ler no Departamento do Arquivo do
Estado, um oficio de Campinas, datado de 15 de dezembro de
1823, onde o Juiz Ordinario, sr. Salvador da Rocha Camargo
narra aos membros do Governo Provisorio de São Paulo atos de
insubordinação na Camara campineira. É que os vereadores,
apesar dos reiterados pedidos do Juiz Ordinario não se queriam
reunir, prejudicando desta forma os interesses do Municipio. No
aludido oficio , é acusado como mentor do movimento o 2.º ve
reador, sr. Reginaldo Antonio de Morais Salles, que, diz o sr. Ro
cha Camargo, depois que viu fracassada a intriga contra ele jor
jada, agora incita os companheiros a desobedecerem o presidente
da Camara. Os leitores de A GAZETA, porém, que leiam o
original :
" Illmos e Exmos. Snrs.
Tendo eu sido novamente empoçado do logar de Juiz Ordi
nario desta Va. em virtude da Portaria de V. V. Excias, de 26
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 133

de Obro. p. p. deregida ao Ouvidor pella Lei desta Comarca,


vejo -me inteiramente inhabilitado de poder cumprir com as obri
gacoens do meu cargo, pella opozição q . encontro nos Vereado
res q. commigo servem em Camera neste prezente anno ; visto
que elles não sequerem de modo algum runir, pa, proceder -sę
Camera, apezar das repetidas Ordens que lhes tenho deregido
vindo com esta falta assofrer o serviço por não se poder dar
execução as Ordens de V. Excias e mais Auctoridades e nem
mesmo cuidar-se na Arrecadação da Contribuiçam Voluntaria a
beneficio da Marinha, e Urgencia do Estado, sendo talvez este
o principal motivo da opozição dos ditos Vereadores. Os Povos
instão pella reunião da Camera afim de requererem o que lhes
convem : Entre tanto nada se pode fazer ; nestas tristes sircuns
tancias julgo do meu dever pedir a V. V. Excias, como supremas
Auctoridades da Provincia providencias capazes de fazerem en
trar os Vereadores no seu dever ; sendo talvez o principal Mentor
de toda esta dezordem o 2.° Vereador Reginaldo Antonio de
Moraes Salles o qual vendo enotilizada a intriga q. contra mim
fomentou, agora procura desviar aos demaes seus companheiros
da obedça e respeito devido as Auctoridades legitimamente cons
tituidas, eu espero q. V. V. Excias tomando em concideração o
abandono em q. se acha o serviço tanto a beneficio do Imperio
como dos Povos uzando da Auctoridade que lhes foi conferida
por S. M. I. pello Decreto de 25 de junho do anno prezente de
1823, se dignarão attender a esta minha justa reprezentação,
dando as providencias que julgarem mais asertadas afim de
os Vereadores cumprão as obrigaçoens do cargo q. ocupão indi
cando-me ao mesmo tempo a linha de conducta q. a este res
peito devo ter.
Deus guarde a V. V. Excias . Va. de S. Carlos, 15 de
Dezembro de 1823 .
Illmos. e Exmos. Senhores do Governo Provizorio desta
Provincia . Salvador da Rocha Camargo Juiz Ordinario " .

EM 1854

Há mais de 100 anos, o transporte de uma arrôba de café. de


Campinas para Santos importava em 800 reis, mas cada arroba
de objetos, vinda de Santos para Campinas , pagava de transporte
1 mil reis, e às vezes mais. Um animal carregado, que viesse
do pôrto santista para aquela cidade, tinha que pagar de bar
reira nada menos que 8 mil reis ... Vejamos o documento que
isto nos conta :

“ Illmo. e Exmo . Snr.


Foi presente a esta Camara a Portaria de V. Excia. dactada
de 9 do vigente e, em resposta tem a informar esta Camara a V.
Excia. , que o preço do transporte de cada uma arroba de caffé
desta cidade para Santos é actualmente de oito centos reis, e
se espera que va a muito mais visto estarmos em principio da
safra e que o preço de cada uma arroba de objectos importados
vindos de Santos regulão de um mil reis para mais, por isso
que desde o anno proximo passado, esta -se pagando o preço de
oito mil reis por cada animal carregado de Santos para esta
cidade e carregando uma besta o maximo de oito arrobas, e o
minimo cinco , hé fora de duvida , que exsede de um mil reis por
134 CAMPINAS ( Contribuição Histórica)

cada arroba , tendo -se a acrescentar não só ao transporte do caffé,


como a importação dos generos duzentos reis, que se paga na
Barreira de Santos por cada animal carregado quer deidaquer
de volta : hé o que esta Camara julga dever informar a V. Excia.
a quem Deus guarde como convem.
Paço da Camara Municipal da Cidade de Campinas em
sessão extraordinaria de 14 de novembro de 1854 .
Illmo . e Exmo. sr . dr. José Antonio Saraiva , Digno Pre
sidente desta Provincia .
Antonio Francisco Amaral Gurgel.
João Martins de Azevedo.
Luiz Nogueira Ferraz.
Miguel Caetano Alvares Fragozo .
Diogo Benedicto Assis Prado .
Francisco Barreto de Sousa " .

Agora duas posturas da Camara campineira :


Artigo 35 Todo aquelle que andar armado de faca ,
espada , asagaia , ou qualquer arma de defesa ou de tiros , dentro
das Povoaçoens quer de dia, quer de noite, sendo Livre pagará
seis mil reis, de Condenação , e sendo Cativo , cinco dias de
prizão, e perca das armas.
Artigo 79 Ficão prohibidos o uzo de todas as armas
offensivas e defencivas na forma do artigo 297 do Codigo Cri
minal, e os contraventores incorrerão na pena do mesmo artigo
exceptuão se os seguintes : 1.º espingardas aos cassadores
quando entrarem ou sahirem da Vila ; 2.º as Pistolas aos vian
dantes na forma do art. 1.9: Terceiro, Facas aos Tropeiros e
Carreiros , quando se empreguem em taes exercicios . Estas
mesmas armas serão concedidas pelo Juiz de Paz, e só poderão
uzar dellas com sua licença .
Certifico que os artigos assima achão - se no Livro das Pos
turas desta Camara, do qual os extrahi fielmente.
Campinas 25 de Agosto de 1854.
Francisco de Assis Santos Prado.
Secretario enterino da Camara. Conferido, Assis Prado ” .
Era assim , na velha Campinas . Se uma pessoa fosse pilhada
transportando uma azagaia, uma faca ou espada , dentro do po
voado, a qualquer hora, via- se logo multada em 6 mil reis, sendo
livre, e se fosse escravo, 5 dias de “ cana " com as armas perdidas.
Os caçadores , os viajantes , os tropeiros e carreiros, porém ,
podiam trazer consigo suas armas ; espingardas, pistolas e facas,
mas , autorizados pelo sr. Juiz de Paz, sinão não!

AMIGOS, AGUARDENTE , DISCUSSÃO E CRIME !

" Illmo. e Exmo . Sr.


Se me hé doloroso participar a V. Excia um assassinato
perpetrado nesta cidade no dia 19 do corrente as 3 horas da
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 135

madrugada, alegro-me participando que aucthor do crime não


logrou evadir - se, sendo prezo logo depois. Em uma caza sita
em uma das ruas dos arrabaldes desta cidade , Francisco de
Paula e Nascimento e Francisco Americo , amigos que achavao
juntos, sendo este hospede daquele, travarão disputa , e esquen
tados pella agoardente comesarão a jogar facadas, das quaes
rezultou a morte do primeiro,que recebeu 10 golpes, e o segundo
ficar gravemente ferido com uma facada no peito , bem como
uma mulher que ficou ferida nas costas e na mão direita , feri
mentos estes de pouca importancia . Tanto o assassinado como
o assassino são pessoas de condição baixa . Procedi a corpo de
delito no cadaver e outros feridos , e formo o processo . Poucas
esperanças nutro de poder o assassino soffrer a justa punição do
seu crime, attenta a gravidade do ferimento como declarão os
Medicos,e assim teremos de lamentar mais essa morte . Na
ocasião de se effectuar a prisão , ainda o assassino rezistiu , e foi
preciso empregar -se a força para o conseguir do que rezultou
um pequeno ferimento na testa , que nada tem de grave. Eis
o que na occazião julguei dever participar a V. Excia . em
cumprimento da Portaria Circular de 10 de Março de 1852 .
Deus guarde a V. Excia . por muitos anos .
Delegacia de Campinas, 28 de Janeiro de 1853 .
Illmo . e Exmo . Snr. Dr. Josino do Nascimento Silva , digno
presidente desta Provincia de São Paulo.
Agostinho Luiz da Gama.
Delegado de Policia ” .
( Todos os documentos acima transcritos , pertencem ao
Arquivo do Estado ) .
O delegado de polícia de Campinas, dr. Agostinho Luiz da
Gama , enviou ao presidente da província de S. Paulo , com a
data de 7 de fevereiro de 1853 , um ofício , acompanhando uma
relação completa dos presos que até aquela data existiam na
cadeia local. Eram 36 os detentos, sendo 13 de Campinas , 9 de
Limeira, 2 de Constituição ( hoje Piracicaba ) , 1 de Casa Bran
ca , 4 de Rio Claro, 6 de Araraquara e 1 de Mogi-Mirim . Seus
crimes : homicídio , fuga de presos, ferimentos graves, tentativa
de morte , resistência , porte de armas , estelionato , roubo e furto
de escravos. Entre estes encarcerados , 2 estavam condenados
a morte, e , curioso, ambos de S. João do Rio Claro. Seus no
mes : Elias Veloso de Oliveira e Manoel Elias de Carvalho .
“ Vejamos agora a “ Relação dos Testamentos que estão por
cumprir e devem decima à Fazenda Provincial , constantes do
Livro de Registo da Colletoria da Cidade de Campinas até 14
de Junho de 1853 " .
Testamento do Capitão João Manoel do Amaral, aberto em
20 de março de 1835. Legados: Deixou o restante da tença
para Pias Obras. Já tem cumprido a maior parte por diversas
vezes. Inda faltão algumas, segundo informou o Tabelião . Tes
tamento de Silverio Gurgel do Amaral Coitinho . Aberto em 8
de Julho de 1.837 . Herdeiros : Os Pobres desta Vila.
Legatarios : Para o Testamenteiro 50$000
Para Nossa Senhora do Carmo de Santos 150$000
Para Maria Antonia de S. Paulo 50$000
Para as filhas do Ajudante Francisco Gonies Pereira
da Silva 12$800
136 CAMPINAS ( Contribuição Histórica)

Para Florisbela, filha do Januario 12 $ 800


Para Nossa Senhora do Rosario 30 $ 000
Para Custodia , viuva de Francisco Fernandes 4$000
Para Maria Nunes 4 $ 000
Para Brisida Frasva 49000
Para Anna de Cerqueira 4 $ 000
Para D. Emerenciana, viuva de José de Almeida 45000
Para a mulher de Francisco Morato 4 $000
Para Francisco Alvares Machado : uma caixa de prata
Para Felizarda, escrava de João Garcia Rodrigues 146$100
Para o afilhado, Manoel Joaquim 4$000
Testamento de Francisca Rufina de Moraes. Aberto em
18 de Fevereiro de 1846. Já tem cumprido alguns legados, e
inda faltão .

Testamento de Manoel Gervasio de Carvalho. Aberto em


13 de Julho de 1846. Legataria : Angela Perpetua de Andrade,
toda a tença.
Testamento de Izabel Maria de Jesus. Aberto em 22 de
Fevereiro de 1846. Já tem cumprido alguns legados, e inda
faltão .

Testamento do Capitão José de Sousa Siqueira. Aberto em


12 de Outubro de 1846 .
Para Pedro de Sousa Aranha 150$000
Para quatro carregadores do cadaver do testador 8$000
Para os pobres 100 $000
Testamento de José Pinto de Godoi . Aberto em 13 de Março
de 1847. Legataria : Sua mulher D. Maria Antonia de Jesus =
Arremanecente da tença.
Testamento do Conego Melchior Fernandes Nunes. Aberto
em 2 de Abril de 1846. Herdeiros : Sua Irman , e sua subrinha
Luiza, e por morte destas se repartirá por trez filhos da subri
nha Pulqueria . Para a subrinha Leonarda, filha de Ignacio
Pinto de Moraes : a casa de inorar desta cidade com o terreno
de pomar , horta e pasto, isto depois da morte das duas her
deiras. Deixa liberto o escravo João e Paula , e para estes a
casa e tenda de ferreiro com toda a ferramenta, e o quarto ime
diato que tem portas para a rua, e por morte destes, si não
tiverem filhos, passará aos trez filhos da subrinha Pulqueria .
Deixa libertos os escravos Baltazar e Constantino com a condi
ção de servirem dez annos a sua irman a subrinha , e no cazo
de abuzarem deste beneficio , poderão as ditas herdeiras ven
der , perdendo elles esta graça . Por morte de sua irman e subri
nha, deixa os legados seguintes :
Para o Recolhimento de N. Senhora da Luz 200$000
Para a Misericordia 200$000
Para São Pedro 100$000
Para o escravo João e mulher 2005000
Para o subrinho José , filho da subrinha Pulqueria 400$000
Para Dita Maria 400 $000
Para a Dita q . está em casa do Capitão Francisco
Alves Pereira 400 $ 000
Para o escravo Baltazar 50 $000
Para o escravo Constantino 50 $ 000
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 137

Testamento de Maria Barbara de Carvalho. Aberto em 21


de Novembro de 1847. Já tem cumprido parte, e inda falta o
resto .
Testamento de Pedro José Leme. Aberto em 13 de Dezem
bro de 1846. Herdeiros: seus sobrinhos. Legatarios:
Para Germanai Maria 16 $000
Para a Capella de Santa Cruz 16 $ 000
Para os pobres, a roupa do uso do testador.
Testamento de Hilario da Conceição. Aberto em 6 de Junho
de 1849. Herdeira : Sua mulher, Domiciana Maria . Legatarios:
Para a filhada Luiza , filha de Manoel do Conde 100 $ 000
Para a afilhada Benedita, filha do falecido Joaquim
Benedito 50 $ 000
Testamento de Antonio Pires de Oliveira. Aberto a 22 de
Janeiro de 1850. Legatarios:
Para Anna Franca de Moraes, um macho arreado de silhão.
Para Eva e Rita, filhas de Anna Franca de Moraes, o remane
cente da tença.
Testamento do Padre João Albertino de Seixas. Aberto em
12 de Agosto de 1850. Herdeiras : As duas herdeiras e filhas do
falecido coronel Francisco Ignacio de Sousa Queiroz.
Testamento de Antonio Joaquim Leite . Aberto em 4 de
Agosto de 1849. Legatarios :
Para os lazaros desta cidade 6$400
Para Maria e José, filhos de Anna Rodrigues, o re
manecente da tença .
Testamento de D. Candida Maria de Vasconcellos Barros.
Aberto em 13 de Setembro de 1855. Legatario :
Para Reginaldo Antonio de Moraes Salles e sua mu
Ther : a casa desta cidade, a qual já se acha ava
liada por ... 3 : 000$000
Testamento de Jeronimo Barbosa . Aberto em 23 de Janeiro
de 1852. Legatario :
Para sua mulher Candida Joaquina, metade da tença .
Testamento do Sargento-Mór Domingos da Costa Macha
do ( * ) . Aberto em 3 de Fevereiro de 1853. Legatarios :
Para os pobres 100$000
Para a Igreja de Santa Barbara 100$000

Testamento de Joaquim de Almeida Leme . Aberto em 5


de Abril de 1853. Legatarios:
Para os pobres 30$000
Colletoria de Campinas, 14 de Junho de 1853.
O Colletor Antonio José de Britto . O Escrivão Cus
todio Manoel Alves ”.
A Camara Municipal de Campinas, em data de 7 de abril
de 1853, recebeu do sr. presidente da Província de São Paulo,

(* ) Este cidadão ( português) foi genro do fundador de Campinas , Francisco


Barreto Leme do Prado .
138 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

uma Portaria ordenando a suspensão de registro de cartas de


naturalização, que não tivessem transitado legalmente pela
Secretaria de Estado dos Negocios do Império e pela Chancela
ria. Recomendava ainda, o chefe do executivo paulista à Câ
mara campineira, que fósse verificado nos registros existentes
quais as cartas que não observaram estas formalidades, inti
mando-se aos interessados para , no prazo de seis meses, lega
lizarem a sua situação, sob pena de as mesmas cartas perde
rem seu valor. Finalizava a Portaria, pedindo com certa bre
vidade, uma relação de todos os naturalizados constantes do
livro de registros existente na Câmara . O presidente da Pro
víncia expediu esta Portaria - Circular, em virtude de um Aviso
do Ministério do Império, datado de 30 de março de 1853 .
Atendendo a determinação do governo, o secretário da
Câmara local remeteu ao chefe do executivo, no dia 25 de abril
do mesmo ano de 1853 , o seguinte ofício :
“ De ordem da Camara Municipal desta cidade , revendo o
livro de registro de Carta de naturalização de Cidadão brasi
leiro, nelle a folhas duas verso se acha registrada a Carta de
Naturalização do Doutor Ricardo Gumbleton Daunt, na qual
declara ter sido registrada na Secretaria de Estado dos Nego
cios do Imperio e transitado pela Chancellaria ; e por assim
constar faço esta da unica que existe . Secretaria da Camara
Municipal de Campinas 25 de abril de 1853. O Secretario da
Camara que escrevi e assigno. Luiz de França Camargo ” .
Dentre os estrangeiros mais notáveis que se radicaram , ou
por algum tempo viveram em Campinas, destacam- se os vul
tos de quatro eminentes personagens : Dr. Inacio Betoldi, nas
cido em Milão em 1810 , tendo estudado medicina na Univer
sidade de Bolonha. Emigrou para o Brasil, lá pelas alturas do
ano de 1831. Residiu primeiramente em Santa Catarina, depois
no Rio de Janeiro e finalmente em São Paulo, indo clinicar
na Cidade de Campinas, onde permaneceu por longo tempo.
Faleceu na Capital paulista no dia 20 de março de 1886. Deixou
alguns escritos de certa importancia, principalmente folhetos
contendo suas polêmicas filosóficas.
Dr. Teodoro Langgaara, dinamarquês, nascido em Copenha
gue a 27 de julho de 1813 , formado em medicina pela Uni
versidade de Kiel . Embarcando para o Brasil , defendeu tese
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro , em 1846 , sendo
aprovado. Tendo-se naturalizado brasileiro, foi clinicar em
Sorocaba, passando-se mais tarde para Campinas, onde se
radicou , deixando muitos ilustres descendentes, entre estes, o
talentoso poeta e escritor campineiro, dr. Rodrigo Otavio. O
dr. Teodoro pertenceu a diversas sociedades literárias e cien
tíficas, e era possuidor das comendas das Ordens de Cristo,
da Rosa , da Estrela e de Danebrog , suécas e dinamarquêsas .
Deixou obras de grande valor científico , destacando-se de entre
estas o chamado “ Chernoviz Brasileiro " . Faleceu no Rio de
Janeiro aos 31 dias de outubro de 1883 .
Hercules Florence , nascido em Nice em 1804 e falecido em
Campinas em 1879. Foi o inventor da poligrafia , do papel ini
mitável , de vários engenhos para imprimir, e, principalmente,
da fotografia.
Dr. Ricardo Gumbleton Dauntre ( ou Daunt ) . Oriundo de
nobre família irlandêsa , nascido a 30 de agosto de 1818 na
cidade de Hull , Inglaterra, e falecido em Campinas a 7 de
junho de 1893. E msua pátria fez o curso de humanidades,
CAMPINAS ( Contribuição Histórica) 139

vindo depois a se formar pela Faculdade de Medicina de


Edimburgo. Ávido de ilustração viajou por tôda a Europa , re
lacionando- se com as sumidades médicas e acompanhando-as
na clínica dos grandes hospitais . Mais tarde rumou para as
Indias Orientais, e ao chegar ao Cabo da Boa Esperança, re
solveu viajar para o Brasil , aqui se naturalizando, e a seguir
casando-se com uma distinta senhora .Em 1843 , sustentou na
Faruldade de Medicina do Rio de Janeiro, para a verificação
do respectivo título de doutor, a tese : “ Du traitement tropique
externe dans la petit variole” . A princípio , foi o dr. Daunt
cilinicar em Itú , onde também exerceu o cargo de Inspetor da
Instrução Pública , mas transferindo- se para Campinas, lá ter
minou os seus dias. Homem de grande talento e cultura, médi.
co notável e de caridade excessiva , foi um verdadeiro exem
plo de abnegação e competência . Como poliglota também foi
notável, pois era versado nas linguas latina, grega, celta, ale
mā , russa, espanhola e francesa. Entre os muitos cargos que
desempenhou com grande brilho e competência , podemos citar ,
o de deputado à Assembléia Provincial , vereador da Câmara
Municipal de Campinas, juiz de Paz e juiz Municipal suplente ,
tendo sido antes, como já dissemos, inspetor da Instrução Pú
blica em Itú. Ainda, no dia 16 de novembro de 1889 , na Ata
da Constituição do Governo Provisório de Campinas, vemos
o nome do dr. Gumbleton Daunt, assinado como vereador. Era
membro do Instituto Historico e Geografico Brasileiro , da
Sociedade Médica Psicológica Neerlandesa , da Sociedade Mé
dica de Paris, da Sociedade de Geografia de Buenos Aires e
muitas outras. Deixou inúmeros escritos sôbre vários assuntos
de importância .
Em 1879, publicou, pela imprensa local, uma série de belís
simos artigos sobre os primeiros tempos de Campinas. Mais tar
de, mãos carinhosas, reuniram estes importantes trabalhos em
um excelente e precioso opúsculo , para que não morresse “ nas
páginas esquecidas de um jornal antigo” uma tão valiosa contri
buição histórica.

Os presos da cadeia de Campinas, na manhã de 11 de


janeiro de 1854 , armados de paus , tentaram recuperar a liber
dade, levando a efeito um princípio de levante . Houve alarme,
tocou - se a rebate no sino grande da Matriz, e por fim tudo
serenou ... Vejamos o comunicado do comandante do desta
camento ao sr. presidente da Provincia :
“ Ilmo. e Exmo . Sr.
He de meu dever participar á V. Excia, que hoje das seis
para as sete horas da manhã os prezos da cadeia desta Cida
de tentarão evadir-se violentamente da mesma Cadeia em
occazião que se fazia a limpeza . Achavão se todos armados
com pernas de bancos e pedaços de paos , sendo chefes ou
cabeças dous dentre elles de nomes Tiburcio José Rodrigues,
6
Manoel da Silva Vieira que foi condemnado á pena ultima na
sessão do jury de Jundiahy em Agosto proximo passado e
Manoel da Silva Vieira que por ordem de V. Excia . foi condu
zido de Mogy Mirim para esta cidade, e aqui se acha á ordem
de V. Excia .. , Estes dous conseguirão sair pelo alçapão, mas
forão logo agarrados e recolhidos ao Xadrez de cima, conse
140 CAMPINAS (Contribuição Histórica )

guindo-se nesse entretanto feichar o alçapão e suspender a


escada apezar dos esforços que fizerão os prezos de baixo
para obstar que a mesma escada fosse ievantada . Dei imme
diatamente parte ao Doutor Delegado de Policia supplente,
Bernardino José de Campos que veio logo á Cadeia e pediu
reforço ao Tenente Coronel Commandante da Guarda Nacio
nal, e enquanto se preparava o dito reforço foi mister tocar
rebate no sino grande da Matriz e á corneta, visto não se
contar com a pouca força do Destacamento, e haveiem trinta
e tantos prezos entre os de baixo e de cima que estavão
macumunados e fazião ameaças. Comparecerão os Doutores
Juiz de Direito e Municipal e o Tenente Coronel Commandante
da Guarda Nacional e varios cidadãos, conseguindo então o
Doutor Delegado supplente que entregassem as armas isto é
os pés de bancos e páus pequenos. Por ordem do mesmo Dele
gado forão postos em ferro 14 do referidos prezos, e nada mais
houve. Aproveito esta ocazião para de novo suplicar á V.
Excia providencias sobre o augmento deste Destacamento, visto
4. hé de esperar, q. se reproduzão occorrencias desta natureza ,
e não hé de modo algum possivel fazer o serviço com as poucas
praças q . aqui esistem .
Deus guarde a V. Excia. por muitos annos.
Quartel em Campinas 11 de Janeiro de 1854 .
Illmo e Exmo. Sr. Doutor Josino do Nascimento Silva
Dignissimo Presidente desta Provincia
Jozé Delfino de Camargo
Capitam graduado Commandante do Des.
( Os dois documentos acima transcritos pertencem ao Dep.
do Arquivo do Estado ) .
Chegou- nos às mãos volumosa correspondência que nos foi
enviada pelo sr. Fausto Gomes Pinto , alto funcionário do Banco
do Brasil S.A. Na carta que acompanha os trabalhos remetidos,
pede - nos o gentil missivista a publicação dos mesmos .
Vamos tentar satisfazer o desejo, aliás louvável, do sr.
Gomes Pinto, dando à publicidade, por enquanto, sòmente as
notas biográficas de seu saudoso pai , o dr. Joaquim Gomes
Pinto, um dos mais eminentes campineiros de sua época.
Joaquim Gomes Pinto nasceu em Campinas , a 28 de Setem
bro de 1862, sendo filho de João Gomes Pinto ( depois, Visconde
de Gomes Pinto ) , e de d . Maria Ferreira de Queiroz Pinto, aquele
um dos mais conceituados comerciantes portuguêses da velha
Campinas. Foi batizado, na Matriz Velha , em 19 de Outubro , do
mesmo ano .
Iniciou os seus estudos primários com o prof. Manoel da
Luz Cintra , em cuja escola o matricularam , sob n.º 82 , em 1 de
Janeiro de 1869 , antes de completar 7 anos . Continuou -os com
João Guimarães Bahia ( Largo do Serafim, 33 ) e com Malaquias
Guirlanda ( rua Regente Feijó , 17 ) . Os secundários, os fez no
Colégio Internacional e no Culto à Ciência , sendo que , neste
último , teve como colegas Cincinato Braga e João Nery , seu in
timo amigo.
Desde a adolescencia , acusava acentuada tendencia para as
belas letras . Era ainda aluno do Culto à Ciência , quando redigiu
" O Arauto ” . Estudante , escreveu , com João Nery, o arama " Pai
e Filho ” , em 1879 , que foi levado à cena, no antigo Teatro São
Carlos, pela Cia Couto Rocha a 14 de Agosto de 1880 , em benefí
CAMPINAS (Contribuição Histórica) 141

cio do mais pobre dos autores. Esse drama efetivou a ida do


futuro bispo, para o Seminário de São Paulo.
Joaquim Gomes Pinto , não desejando seguir a carreira co
mercial ( que era a de seu pai ) , foi matricular-se na Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro, em 1886, após haver feito os pre
paratórios no Imperial Colégio de Pedro II.
Não fez , porém , o curso médico . Do Rio, durante muito
tempo, enviou interessantes correspondencias para a “ Gazeta
de Campinas” , então sob a direção de Carlos Ferreira, e tendo
a colaboração dos grandes vultos da propaganda , Campos
Sales, Glicerio, Quirino dos Santos, Julio Mesquita e Sampaio
Ferraz, para somente citar os filhos da terra .
Abandonando os estudos médicos , matriculou- se , em 13 de
Março de 1888, na Faculdade de Direito de São Paulo, onde
recebeu grau a 2 de Dezembro de 1892 . Na República , da rua
7 de Abril, em que viveu em São Paulo, teve como companheiros,
entre outros, Carlos e Americo de Campos, Cincinato Braga e
José Maria Lisboa Junior.
Durante o curso acadêmico, foi colaborador assíduo do
“ Diário Popular” , o conhecido vespertino do saudoso José Maria
Lisboa , mantendo nesse folha uma crônica semanal.
Do antigo “ Diário de Notícias ” , do Rio de Janeiro , fundado
pelo Conselheiro Ruy Barbosa , e quando por este redigido, foi
um dos colaboradores .
Em 1889 , durante as férias, aqui passadas , dirigiu a “ Gazeta
de Campinas” , prestando, na epidemia, abnegados serviços à
pobreza, como secretário que era da “ Protetora dos Pobres ”,
associação fundada, nesse ano, por Alberto Sarmento, e da qual
eram diretores, também , o cônego Cipião , Alberto Muller , e o
então Padre Nery . Nessa quadra calamitosa da vida da cidade ,
Joaquim Gomes Pinto daqui não se afastou , desdobrando- se
em atividades .
Formado, regressou à terra natal, dedicando-se à advocacia
e ao jornalismo , que era a sua paixão .
Em 1893 , redigiu o " Correio de Campinas ” . Colaborou ,
também , na “ Cidade de Campinas ”, criada , e então dirigida ,
por Alberto Faria e João Barroso . Nesta última fôlha , manteve,
durante longo tempo , sob a forma de rodapé, uma crônica
semanal, intitulada “ Ao redor da Campinéia ” . Nos seus escritos
usava os criptonimos de “ JOA e PERGOLESE ” .
A partir de 26 de Junho de 1896, exerceu o cargo de Delega
do de Polícia de Campinas , por pouco tempo , até que foi no
meado , pelo dr. Campos Sales , Promotor Público da Comarca
e Curador Geral de Orfãos, cargos estes que exerceu, até 1900 .
Como promotor, desempenhou o cargo com extraordinário bri
lho, mercê da bela inteligência , de que era dotado. Por essa
época, fazia parte do escritório do notável jurista campineiro ,
dr. Moraes Salles , de saudosa memória .
Mediante brilhante concurso , realizado no Tribunal de Jus
tiça do Estado , ingressou na magistratura , sendo nomeado Juiz
de Direito de Campos Novos de Paranapanema, então sertão
bravio , a 11 de Outubro de 1900. Além desta Comarca , foi su
cessivamente , removido para as de Nuporanga , Orlandia e Casa
Branca, onde a morte o colheu . Foi o fundador, e o organizador,
das 3 primeiras comarcas citadas .
Nas nobres e elevadas atribuições de distribuidor da Justiça ,
nas comarcas que perlustrou , o dr . Joaquim Gomes Pinto de
sempenhou-se com o mesmo brilho, com que exercia a Pro
142 CAMPINAS (Contribuição Histórica)

motoria Pública , em sua terra natal . Os seus jurisdicionados


de Orlandia , como um preito de gratidão, promoveram-lhe uma
grande manifestação de apreço, colocando o seu retrato, a óleo,
na sala do Tribunal do Juri . Igual homenagem recebeu nas
três outras comarcas , de que foi juiz.
Em Outubro de 1902 , o dr. Joaquim Gomes Pinto contraiu
matrimônio com d. Augusta Savoy de Oliveira , havendo des
cendência dêsse consórcio .
Poeta finíssimo e de apurado gôsto , como fôra brilhante
escritor , entre as suas produções destaca-se a célebre " ODE
A CAMPINAS ” , em estilo canoneano , peça hoje rarissima , e
onde vazou todo o amor, a admiração e o entusiasmo, que
sempre teve pela sua terra natal .
Correspondia-se com os maiores intelectuais do Brasil
Destaca -se, da sua correspondência , a mantida com Afonso
Celso , em 1908 , a propósito da tradução, em verso, que estava
elaboranao, da “ GERUSALEM LIBERATA ”, de Torquato Tasso.
Cincinato Braga , seu velho amigo e condiscípulo , dêle es
creveu que era “ talento roubado pela magistratura às lides
literarias ” .
O dr. Joaquim Gomes Pinto faleceu, em São Paulo, a 25
de Janeiro de 1927 .
Com muito orgulho, e merecidamente, Campinas deve con
tá -lo entre os seus mais ilustres filhos.

1
143
CAMPINAS (Contribuição Histórica)

BIBLIOGRAFIA :

1. - " A Cidade de Campinas" Numero de 17 de Março


de 1905 .
2. " Alfredo Carneiro ” Historia da epiáemia em Cam
pinas. A Imprensa Campineira. Pag. 38. Tipografia Cardona
Rua Francisco Glicerio, n.° 40 , Campinas, 1891 .
3. " Arquivos da Camara Municipal de Campinas "
Documentos de 1869 Mapa escolar.
4. " Arquivos da Curia Diocesana de Campinas" Ca
tedral : Batizados. Livro 9. fls . 91 .
5. “ Cincinato Braga” . D. João Nery (Recordações).
Poliantéa de D. João Nery . Pag . 116. Cardoso Filho e Cia ., São
Paulo, 1920 .
6. " Diario de Campinas" Numero de 7 de Dezembro
de 1878.

7. " Informações de pessoas fidedignas”.


8. " José Maria Lisboa ” Almanaque, para 1873. Tipo
grafia da “ Gazeta de Campinas ” . Campinas 1872 .
9. “ Leopoldo Amaral” A cidade de Campinas em 1900 .
Tipografia “ Livro Azul” . Castro Mendes e Irmão. Campinas 1899 .
10 . Polyantea de D. João Nery Paginas 286 e 287 .
Cardoso Filho e Cia . , São Paulo , 1920.
11 . “ Revista do Instituto Historico de São Paulo Vol .
III . Pags . 322 e 323 , São Paulo , 1898 .
12 . Spencer Vampré Memórias para a história da
Academia de São Paulo . Vol . II , Saraiva e Cia . , São Paulo, 1924 .

( Estudo biográfico do dr. Joaquim Gomes Pinto, redigido


em 1944, pelo dr. Celso da Silveira Rezende, como justificativa
para ser dado o nome do biografado a uma das ruas de Cam
pinas, o que foi feito pelo decreto n .° 311 , de 13 de novembro
de 1945, da Prefeitura de Campinas ) .
ÍNDICE

Pgs.

Apresentação 3

O Arquivo do Estado e as Comemorações do IV Centenário . 5

Relatório das atividades do Departamento do Arquivo do


Estado durante o ano de 1953 e seu programa para o
ano de 1954 11

Excertos de Palestras Radiofônicas . 27

Relatório apresentado à S.a S.a o Snr. José Soares de Souza,


Diretor do Departamento do Arquivo do Estado, por Ubi
rajara Dolácio Mendes , seu substituto na direção do De
partamento durante o período de 31 de janeiro de 1951 a
20 de setembro de 1953 . 45

Campinas ( Contribuição Histórica ) por J. David Jorge (Ai


more ) 59
DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO
SECRETARIA DA EDUCAÇÁO

BOLETIM
D
O ARQUIVO
VLxvdio

DO
ESTAD

SCRIPTA
MANENT
O

SÃOPA
ULO

Vol . 14
( Nova Fase)

S. PAULO
1955
PREFÁCIO

Apresentamos mais um número do “ Boletim do Departa


mento do Arquivo do Estado de São Paulo ". É o 14.0 . Con
tém , além do Relatório das Atividades do Departamento, duran
te o ano de 1954 , interessantes estudos de Antonio Paulino de
Almeida, Américo Mendes e J. Alberto J. Robbe.
O Dr. Paulino de Almeida não necessita ser apresentado .
O seu nome é assás conhecido nos meios culturais do país, e, so
bretudo, entre aqueles que se interessam por assuntos históricos.
Destarte a sua “Memória” sôbre Xiririca , hoje “El-Dorado Pau
lista", há muito tempo era esperada por um sem número de estu
diosos, que sabiam o trabalho terminado o que ocorreu em
1940 – e que não podiam atinar com o prolongado atrazo de
sua publicação.
E o motivo é simples. O autor, que por dezenas de anos
foi o Chefe da Secção Histórica do Departamento do Arquivo
do Estado - e a quem tanto devem o Departamento e nossos
historiadores pelas suas pesquisas, pelos seus estudos e pela sua
dedicação – fez doação dos originais ao Arquivo do Estado, que
os guardou, e, por motivos vários, inclusive de ordem financeira,
só agora tem a oportunidade de dar a lume.
Conservamos o nome de Xiririca, porque, como já dissemos
acima, foi o trabalho terminado em 1940 e quizemos preservar
o título original dado pelo autor.
O Dr. J. Alberto J. Robbe dispensa, também , ser apresen
tado. Historiógrafo de renome, conferencista emérito, já tem
-colaborado inúmeras vezes nas publicações do Arquivo do Esta
do, além de seus outros trabalhos já por demais conhecidos.
Elabora, no momento, estudo sobre o desenvolvimento de nossa
Capital, com ilustrações e fotografias, algumas inéditas; interes
sante cronologia de fastos e nomes de São Paulo; estudo deta
lhado, comparativo, (e interpretação) do livro de Schmidel, que
tantas controvérsias traz em suas diferentes edições; história da
fundação de Santo André da Borda do Campo; e outros de
igual interesse para a história de São Paulo e do Brasil.
O trabalho que hoje publicamos é apenas parte do vasto
manancial de curiosidades históricas que o Dr. Robbe vem , há
muitos anos, pesquizando, interpretando, estudando e arquivan
do. É nossa intenção, nos próximos números dêste Boletim , dar
prosseguimento à divulgação dessas curiosidades .
O Sr. Américo Mendes, Jornalista , paleógrafo, chefe da
Secção Histórica dêste Departamento, que veio substituir o Dr.
Antonio Paulino de Almgida, quando de sua aposentadoria, é
um apaixonado pelas cousas do nosso passado. Vem trabalhan
do com grande dedicação e operosidade na Secção que lhe está
afeta.
O trabalho com que participa neste número do “ Boletim ",
“ Contrastes e absurdos da escravatura no Brasil ", é o primeiro
que aparece em nossas publicações. Nos próximos números, a
sua contribuição será efetiva e constante, mesmo porque, com
a colaboração da magnífica equipe da Secção Histórica, tem em
andamento diversos estudos de real interesse .

Como nós, do Arquivo do Estado, estamos certos de que OS

interessados ficarão agradecidos aos senhores Antonio Paulino


de Almeida, J. Alberto J. Robbie e Américo Mendes.

São Paulo, julho de 1955 .

JOSÉ SOARES DE SOUZA


Diretor.

!
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA
( El Dorado Paulista )

POR

ANTONIO PAULINO DE ALMEIDA

(Ex-Chefe da Secção Histórica do Departamento


do Estado de São Paulo, Membro do Instituto
Histórico e Geográfico de São Paulo e do Ins
tituto Histórico e Oceanográfico do Paraná).
1.940
PARTE GEOGR Á FICA

POSIÇÃO A cidade de Xririca está situada a sudoeste da


Capital do Estado, à margem direita do Ribeira de Iguape. Sua po
sição astronômica é a seguinte: 24° 31'e 28 ” de latitude Sul e 4 °
55' e 10 ", de longitude Oeste do Rio de Janeiro, acusando uma de .
clinação magnética de 4 ° 22' para Oeste, num desenvolvimento de
61 % sobre a reta, ou 4° e 22', como se verifica dos trabalhos reali
zados pela Comissão Geológica e Geográfica do Estado.
DIVISAS - O município foi criado pela lei n . 28 de 10 de mar
ço de 1842. Dividia -se com Iguape pela pedra da – Fortaleza, – no
Ribeira, pouco abaixo da barra do rio Juquiá e com o município
de Iporanga, pela barra do rio dos Pilões.
A lei n . 56 de 5 de abril de 1870, criando o município de Ja
cupiranga no município de Iguape, declarou que, pelo lado de Xi
ririca, suas divisas seriam pelas cabeceiras dos ribeirões Capinzal,
Turvo e Bananal ,
A de n . 66 de 2 de abril de 1887, anexou a este município, de
sanexando do de Iguape, o distrito de paz de Sete Barras .
Pelo decreto n . 9.775 de 30 de novembro de 1938, que fixou
o novo quadro de divisão territorial do Estado, as divisas do muni
cípio são as seguintes:
Com o município de Iporanga: Começam na Serra da Onça,
onde esta entronca com o divisor de águas do rio Turvo, à direita,
e rio Jacupiranguinha, à esquerda, seguem pela Serra, que é o divi
sor Pardo -Batatal, até encontrar a nascente do córrego Morcego,
pelo qual descem até a sua barra no ribeirão Nhanguará, vão por
éste abaixo até a sua desembocadura, no rio da Ribeira de Iguape,
pelo qual sobem até a foz do rio Pilões; continua por este acima
até a foz do rio Preto e por éste ainda até a sua cabeceira princi
pal, proseguem depois pelo espigão que deixa, à direita, as águas
do ribeirão Ivapurandava, e, à esquerda, as do ribeirão de Santa
na, até encontrar no espigão dos rios Pilões- Pedro Cubas, seguindo
pela sua crista até a cordilheira do Paranapiacaba;
Com o município de Capão Bonito: Começam na cordilheira
do Paranapiacaba, onde cruza o espigão dos rios Pedro Cubas-Pi
8 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

lões, seguem pela crista da Serra, também chamada dos Agudos


Grandes, até a cabeceira mais meridional do rio Taquaral;
Com o município de S. Miguel Arcanjo: Começam na cordi
lheira do Paranapiacaba, na cabeceira mais meridional do rio Ta
quaral, prosseguem pela cumiada da cordilheira, que continúa i
chamar-se dos Agudos Grandes, até encontrar o cruzamento dɔ
espigão divisor das águas entre os ribeirões Travessão e dos Pe
reiras ;
Com o município de Piedade: Começam na cordilheira do Pa
ranapiacaba, onde esta entronca com o espigão das águas dos ri
beirões do Travessão dos Pereiras, prosseguem pelo divisor até en
contrar o espigão que deixa, à direita, a ságuas dos ribeirões Tra
vessão, e, à esquerda, as do ribeirão do Areado;
Com o município de Prainha: Começam no ponto em que o
espigão divisor de águas entre os ribeirões Travessão e dos Perei
ras, se cruza com o espigão que deixa, à direita, as águas dos ribei
rões Travessão e Temível, e, à esquerda, as do ribeirão Areado, se
guindo por este espigão até a barra do Areado, no rio Ipiranga, se
guem por éste abaixo até o rio Juquiá, pelo qual descem até a foz
do ribeirão dos Motas ou da Moita;
Com o município de Iguape: Começam no rio Juquiá, onde faz
barra o ribeirão dos Motas ou da Moita, descem aquele rio até a
sua barra, no rio da Ribeira de Iguape, seguem desse ponto, à pro
cura do espigão divisor que deixa, à direita, as águas do rio da Ri
beira de Iguape, e, à esquerda, as dos ribeirões do Registro e do
Carapiranga, alcançam e prosseguem pela Serra da Votupoca até
o ponto em que esta fronteia a nascente do ribeirão do Quilombo;
Com o município de Jacupiranga: Começam na Serra da Vo
tupoca, onde nasce o ribeirão do Quilombo e continuam pelo espi
gão mestre entre os rios da Ribeira de Iguape e Jacupiranga, espi
gão que toma os nomes locais de Serras do Bananal Pequeno, Cu
tia, Hilário , Jaguarí, Macaco Branco e Descanso , seguindo por esta
última até o seu enlaçamento com a Serra da Onça, onde tiveranı
início estas divisas .
ASPECTO GERAL. – O território do município é geralmente
montanhoso, mas, ao sul, encontram -se planícies cobertas de fron
dosas florestas, destacando -se aí um vasto faxinal ou cerrado, ótimo
para criação.
CLIMA. – O seu clima é geralmente temperado e saudável,
com pouca elevação durante os meses de janeiro, fevereiro e mar
ço, não sendo o inverno tão rigoroso como acontece na região do
planalto .
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 9

SALUBRIDADE . - Não existem enfermidades endèmicas. Ne


nhuma epidemia tem grassado no município, a não ser, em certas
épocas, durante alguns anos, o sarampo ou a coqueluche, fazendo ví
timas entre as crianças. Indivíduos acometidos de febre intermiten
te e de outras de fundo palustre, procuram refúgio neste município
para o seu restabelecimento, o que conseguem com a simples mil
dança de clima .
Os numerosos tanques existentes no território são formados de
águas puras e correntes, quase todos de água potável que se renova
continuamente por ladrões ou canais de esgoto. A isto e ás saudá
veis virações de leste e de oeste, deve -se a salubridade do lugar.
SUPERFICIE . – A superfície do município era de 3.055 qui
lômetros quadrados, segundo os dados oficiais. Entretanto, apesar
de acrescido em certos pontos, hoje, de acórdo com o último recen
seamento , é de 2.855 quilômetros quadrados.
POPULAÇÃO . O município de Xiririca é dos mais populo
sos da região sul paulista. Entretanto, o recenseamento realizado em
1934 acusa o seguinte movimento :
POPULAÇÃO ESCOLAR
POPULAÇÃO Sede do mua. Séde dos distritos Zona Rural TOTAL
Sése distritos 1. Rural
XIRIRICA 1.119 16.335 1S . 267 219
ITAÚNA 210 92 2.859 3.318
SETE BARRAS 543 148

SERRAS . – Além da grande cordilheira marítima, que atraves


sa este município, conta o mesmo com numerosos morros e algu
mas serras, destacando -se, pela margem direita do Ribeira :
Serra do Votupoca, que, segundo se afirma, tem 800 metros de
altitude. Se para João Mendes, o seu nome provem de Mbitu - pog-ca,
significando " vapores estourados” alusivo à sua natureza vulca
nica, soltando vapores com estouros, - para outros, é de Ybytu -poca,
isto é, vento que estrondeia , sôpro que rebenta. De todas as tra
duções a melhor é sem dúvida a que declara ser morro que estala ou
arrebenta , por ser o mesmo considerado como de origem vulcânica .
Por tradição dos índios, consta que do seu cume saía fumo seguido
de estrondos .
Prosseguindo a cordilheira, vai ter à Serra do Bananal Peque
no, também conhecida por Morro do Cristovão, a que outros cha
mam de São Cristovão.
Há uma lenda, segundo a qual, proveio essa denominação de
um bandeirante por nome Cristovão Aires, que nos tempos colo
niais teria passado nessa região . Presume - se ser o seu cume o por
to mais elevado do município de Xiririca. A referida serra é bi
partida no cimo, encontrando-se nas imediações e em suas encostas;
mármore de diversas côres, principalmente verde.
10 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Continuam as ramificações da cordilheira até a serra conheci.


da pela denominação de – Lençol – pelo fato de apresentar no cu
me uma pedra branca semelhante a um lençol. Em seus contra
fortes denominados Pau Branco e Coelho, encontram-se varieda
des de cristais .
Serra do Prado, também conhecida por Sydow, onde o indus
trial Adolphe Sydow possuiu duas fazendas .
Seguindo da Serra do Prado, vai a cordilheira alcançar a Serra
do Bananal Grande e a chamada Serrinha, ambas ricas em calcáreos.
Serra do Hilário ou Boa Vista e mais abaixo, a de Guaricana, de
cujo ponto, descrevendo uma prolongada curva, surgem as serras de
nominadas do Pito, Descanso, Quati, Jacupema, Areado, Batatal ou
Sapatu, que é talvez a mais alta deste grupo, sendo fértil em már
mores e onix .
Nas vertentes das serras do Batatal diversas minas de ouro ainda
inexploradas, porém conhecidas.
Passando à margem esquerda do rio Ribeira, na parte superior
deste municipio se destaca a Serra Grande ou Serra do Mar.
Em segundo plano,temos as seguintes serras : Ivaporunduvá ou
Laranja Azeda, Capim, Espigão Bonito, Fogo, Colônia Velha ou do
Chico, Moquem , Taimbé, Chapeu de Pedra, que fica na cabeceira
do rio Eta ; Araribá, Cavalo Magro, Agudos, Jacutinga, Queimada
e Quilombo. Estes quatro últimos contrafortes se encontram por ci
ma' da Serra Grande.
No terceiro plano, finalmente, aparecem as serras chamadas
Indaiatuba ou Ouro Leve, muito rica em ferro, manganez e ouro ;
Paca, Papagaio, Pinheiros, Gonçalo, Tres Quinas, Aboboral, Gralha,
Serrote, onde se encontram manganez e grafite, Laranjeira, onde
existe ouro .
ILHAS. - Existem diversas, espalhadas pelo rio Ribeira, e ge
ralmente formadas em consequència de canais abertos pelos antigos
moradores ou pelas grandes enchentes.
Entre elas citaremos as seguintes: do Bananal Pequeno, ocupa
da com pastagens; Ilha Formosa, com plantações de café; Jaguari,
com plantação de canna e cereais; Bananal Grande, onde se culti
vam café, cana e cereais ; Ilha do Galo, cujo nome provem de uma
pedra que aí se encontra com a aparência desse animal; Ilha Rasa,
Primeira Ilha, da Raposa, do Bananal Pequeno e outras.
RIOS. - O mais importante é o Ribeira de Iguape, que, nascen
do no Estado do Paraná, penetra em S. Paulo pelo municipio de
Ribeira, atravessando a seguir, os de Apiaí e Iporanga, para percor
rer o município de Xiririca na direção de oeste para leste, é pros
seguindo em seu curso através do município de Iguape, indo lan
çar as suas águas no Oceano, um pouco ao norte da barra de Ica
para .
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 11

Todos os rios que banham o município de Xiririca são tributá


rios do Ribeira, sendo muitos dêles navegáveis.
Dentre os mais importantes, citaremos, acompanhando o seu
curso de cima para baixo e pela margem direita: Nhunguara, André
Lopes, Ostra, Cordas, Sapatu, Café, Batatal, Fazenda, Arrela, Car
doso , Jaguari ou Feital, Cutia, Bananal Grande, Bananal do Eloi,
Meninos, Taquarati Virassaia, Fazenda Velha, Formosa, Cristóvão,
Bananal Pequeno, Nha Martha, Caiacanga, Botequim, Ilha Rasa, Vo
tupoca, João Muniz e Itaici.
Pela margem esquerda: Pilões,Indaiatuba, Ouro Leve, Ivapo
runduva, Pedro Cubas, Taquari, Pinheiros, Madureiro , Virassaia,
Cueras, Xiririca, Boa Vista, S. Domingos, Luís de Lara, Água Bran
ca, Aboboral de Cima, Aboboral de Baixo, Ribeironete, Primeira
Ilha, Lagoa do Cedro, Etá, além de muitos outros ribeirões de me
nor importância.
Um fato interessante na história de Xiririca, é , sem dúvida a im
portància das lendas e tradições, ligadas intimamente à denomina
ção dos seus rios, bairros, ilhas e lugares .
De sua importância mineralógica nos lembram as denomina
ções de Ouro Leve, Ouro Fino, Ouro Grosso, Lavras e muitas outras .
Das lendas referentes aos rios e ribeirões e importância espe
cial de alguns dèles, citaremos os seguintes :
Ribeirão do Nhunguara, que alguns escreveram Nhanguara
e até mesmo Anhanguara, como o escritor Antônio Viana, dizendo
significar, buraco de barro. Disse o padre Mendonça, referindo -se
ao vocábulo Anhanguara, “ talvez assim quizessem significar o pa
vor que concebiam dos estrondos frequentes das exhalações dos
montes e lugares próximos, que se ouvem do Nhanguára”.
Este ribeirão serve de divisas entre os municípios de Iporanga
e Xiririca .

André Lopes, tem o seu nome em uma lenda, segundo a qual,


ai teria naufragado o sargento-mor da Ilha de S. Sebastião André
Lopes de Azevedo, casado com d . Maria Francisca e falecido na
freguezia de Xiririca, onde residia , aos 15 de junho de 1764, na
avançada idade de cem anos.
Sete Barras, tambem possue uma lenda, segundo a qual aí te
riam sido ocultas sete barras de ouro, que nunca mais foram encon
tradas. Entretanto, o padre Mendonça declara que sua denomi
nação é oriunda de igual número de barras ou bocas, que nas pro
ximidades desembocam no Ribeira.
Virassaia, porque, segundo outra lenda, ali teve lugar o naufrá
gio de uma canoa que conduzia entre outros passageiros uma se
nhora vestida de saia balão a qual, com o desastre virou pelo aves
SO ...
12 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Furta varejões é tambem o nome de outro ribeirão cujo leito é


fértil em pedras e que, por isso mesmo, ao menor descuido dos re
madores, perdiam as suas varas ou varejões, que ficavam presos en
tre os escolhos .

Ribeirão das Onças, porque, segundo afirma Antônio Viana, pe


lo fato de ser ponto predileto dos felinos para libação do precioso
líquido.
Jaguari, rio da onça ou , segundo outros , rio dos cachorros do
mato, a que chamam jaguatirica.
Ribeirão das Cordas , encachoeirado, onde as canoas sobem com
dificuldade, tornando - se necessário o auxílio de cabos ou cordas, pa
ra que possam transpô-lo.
Ribeirão Cortezias, porque, segundo o padre Mendonça, “ pro
vem do impulso que os redemoinhos da Ribeira fazem as canoas to
mar direções tortuosas”.
Ribeirão das Fazendas, não porque existissem muitos fazendei
ros residentes e com estabelecimentos em suas margens, mas sim ,
pelo desastre sofrido por um viajante, que, naufragando no mesme,
perdeu as fazendas que conduzia, ou as simples malas contendo
amostras.

Voltando à importància de alguns dos rios e ribeirões da mar


gem direita, temos o Nhunguara, que seguindo pelo lugar denomi
nado Morcego, serve de divisa com Iporanga, como já assinalamos.
Rio Batatal, que tem por afluentes na margem direita os ribei
rões Anta Gorda, Rio dos Porcos, Martins, Engenho e Pedra de Amo
lar. Pela margem esquerda, Areado, Jacupema, Sapatu, Batatal,
Mestre, Cabecudo, Moinho e outros menores.
O Rio André Lopes, em seu curso passa por dentro da gruta da
Tapagem .
Meninos, que tem por afluentes o ribeirão Gracioso, onde, se
gundo a lenda, em certas e determinadas horas do dia ouvem -se
rumores estranhos.
Formosa, que fornece força para o engenho do cel . Félix Serr.i.
Rios e ribeiroes da margem esquerda do Ribeira:
Indaiatuba, Ouro Leve e Ivaporunduva, importantes por atra
vessarem a mais rica região aurífera do município. Alí se presume
ter existido um quilombo nos tempos provinciais.
Pilões, que serve de linha divisória com o município de Ipo
ranga e tem por afluente principal na margem esquerda o ribeirão
S. Pedro.
Pedro Cubas, que tem os seguintes afluentes, em geral aurífe
ros : Quebra Canela, Braço Grande, Areado, Bromado, onde existe
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 13

muito ouro , e Penteado, também aurífero. Pela margem direita:


Laranja Azeda, Catas Altas, Chico Ramos, Raposa, Forma de Colher,
onde além do ouro existe ferro, Quebra Canoa, aurífero, e ribeirão
do Pinto, onde existe manganès.
Rio Taquari, navegável, até os primeiros saltos na Colônia Me
tropolitana, tem os seguintes afluentes : Forquilha, Rosário, Cachor
ros Novos, Moquem , Braço Grande, Quilombo, Gurizo, que possue
um salto, Areadinho, Areado, Joço Surá, Feital, Ouro Fino, Ouro)
Grosso, cujos leitos em parte foram desviados, havendo muito cas
calho depositado pelos antigos mineradores.
Ribeirão Xiririca, que deu nome à cidade e ao município e tem
um pequeno afluente, o Cubatão.
Ribeirões Boa Vista, São Domingos, Luiz de Lara, defronte da
cidade e que contém minério de ferro.
Rio do Etá, cujos afluentes mais importantes são o Pavão, Lam.
bari, Pacos, Dois Irmãos, Areado, Lavras, Turvo, Itagua, Palmital,
Braço Grande, Felipe, Guaperuvu e Forquilha.
O Rio do Quilombo, que desagua no rio Juquiá -mirim , dentro
da parte pertencente ao município de Xiririca, tem os seguintes
afluentes: Ribeirão da Serra, Saiba dela, Samambaia, Fornos, Pac
ca, Macuco , Turvo e Frio.
Rio Ipiranga, afluente do Juquiá, margem direita, com seus
afluentes Rio Preto, Onça Parda, Areado e Cancella.
SALTOS e CACHOEIRAS . Como é facil de ver-se, existein
neste município numerosos saltos e cachoeiras, algumas das quais
dando nome aos ribeirões que possuem .
Dentro os saltos principais citaremos apenas os seguintes: Te
mível, situado no rio Ipiranga; Primeira Ilha, Batatal, Taquari e
Abobral.

LAGOAS. – Entre outras, destacaremos a Lagoa do Cedro, no


rio do mesmo nome; Lagoa Grande, no rio Taquari, da Laranjeira
e lagoa Nova do Conchal.
GRUTAS . – A mais importante é a denominada Tapagem, de
fronte do rio dos Pilões . As colunas de estalactites e de estalag
mites, são constituidas de calcite e onix . A gruta da Lagoa Nova,
a 6 quilômetros acima da barra do Batatal, em frente ao lugar de
nominado – Cafezal. E ' menor . Os estalagmites e estalegmites ai
encontrados, são semelhantes aos mesmos da gruta da Tapagem .
CEMITÉRIOS DE INDIOS. - Existem vários, ainda não explo
rados, entre os quais se destacam os que se encontram na Barra do
Braço e Barra do Areado, nas cabeceiras do rio Batatal .
14 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

CIDADE . Xiririca está situada à margem direita do rio Ri


beira e a 116 quilometros de sua foz, possue 840 prédios de sólida
construção, com alguns sobrados e muitos dêles de arquitetura mo
derna.
Sua altitude é de 29 metros acima do nível do mar . De suas
construções, parte se encontra junto ao Ribeira e parte no outeiro,
de onde se descortina um magnífico panorama. Existem diversas
ruas e travessas, duas praças, uma das quais ajardinada, onde se en
contram a linda Igreja Matriz e o Asilo, Paço da Camara Munici
pal, Clube, Estação Telegráfica e diversos estabelecimentos comer
ciais .

É dotada de luz elétrica, para o que dispõe de uma usina hi


dráulica com força de cavalos, água encanadā, possuindo um Cen
tro de Saúde .

DISTÂNCIAS . Suas principais distâncias são : 116 quilôme


tros da cidade de Iguape; 112 de Santo Antônio de Juquiá, isto é, da
Estação da Estrada de Ferro Sorocabana; 50 quilômetros de Cana
néia; 27 de Jacupiranga; 66 de Iporanga; 92 de Capão Bonito do
Paranapanema; 98 de Apiaí e 388 quilômetros da Capital.
Pelo rio Ribeira, a distância entre Xiririca e Iguape é de 184
quilômetros.
VIAÇÃO. Até há pouco tempo, era o Ribeira a única via de
comunicações de que dispunham os habitantes de Xiririca. Ultima
mente, porém, apesar de um serviço mais ou menos regular de trans
portes, feito não só pelos vapores da Companhia Fluvial Sul Pau
lista entre os portos de Xiririca, Iguape, Registro e Juquiá, como
também por embarcações de propriedade de particulares, o trans
porte de passageiros está sendo feito pela estrada de rodagem exis
tente entre a mesma cidade e todas as outras da região sul paulista,
sendo que as primeiras jardineiras para um serviço normal já se en
contram em pleno funcionamento , o que vem acelerando o inter
cambio entre as populações da mesma zona e facilitando todas as
relações comerciais.

DIVISÃO ECLESIASTICA. – Consta ó município de uma úni


ca paróquia, sob a invocação de Nossa Senhora da Guia, a que per
tencem as capelas de Ivaporunduva e Itaúna, antigamente chamada
- Jaguari. Esta , sob a invocação do Senhor Bom Jesus do Deserto
e aquela de Nossa Senhora do Rosário . Pertence ao bispado de
Santos.

DIVISÃO POLICIAL . – O município está dividido em 33 quar


teirões, quatro sub -delegacias: Xiririca, Barra do Batatal, Itaúna e
Sete Barras.A cidade é sede de uma delegacia de carreira, sujeita a
delegacia Regional de Santos.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 15

O distrito policial de Xiririca foi criado por força do Ato de 1.º


de março de 1842, do Barão de Monte Alegre. O de Sete Barras,
pelo ato do governo provincial, de 14 de janeiro de 1886; Itaúna, a
27 de junho de 1902, e, finalmente, Barra do Batatal, por ato de 24
de dezembro de 1917.

DIVISÃO ADMINISTRATIVA. Xiririca foi elevada a mu


nicípio pela lei N. 28 de 10 de março de 1842, pertence à comarca
do mesmo nome e possue 3 distritos de paz que são: Xiririca, cria
do no ano de 1763; Sete Barras, por lei N. 58 de 21 de março de
1885 e Itaúna, em virtude da lei N. 752 de 14 de novembro de 1900.
Comarca de Xiririca, veja-se o capítulo especial na parte his
tórica .
Sete Barras está situada a 44 quilômetros de Xiririca e a 16 da
Barra do rio Juquiá , na margem esquerda do rio Ribeira. Sua posi
ção é de 24° 23' 44 ” de latitude Sul. Encontra -se colocada no lan
çamento de um morro, cujo alto é de 25 metros sòbre o rio. De
aspecto agradável, possue várias casas comerciais e uma pequena
Igreja. E' um dos melhores centros de produção do município, pos
suindo também uma escola pública e uma colônia japonesa.
Itaúna, cujo nome é de origem tupi, significando – pedra preta,
foi chamada antigamente Jaguari. Lugar bastante progressista, fica
situado à margem direita do rio Ribeira, tendo numerosas casas de
comércio, engenho de beneficiar arroz e diversas fazendas, algumas
de café. Também possue uma escola pública, capela e cemitério .
Barra do Batatal , está situada à margem esquerda do Ribeira,
acima da sede do município, também bastante desenvolvida, possue
uma capela, escola pública e é servida por navegação motora, com
viagens regulares.

Reinos da Natureza

A região sul paulista é bastante conhecida por suas riquezas.


Dela falam melhor os inúmeros relatórios quer provinciais, quer de
engenheiros e encarregados de vários serviços na referida zona, que
todos eles são acordes em afirmar ser a mesma a mais rica de todo
o Estado, pelas enormes jazidas aí existentes, de ouro , prata, chum
bo, ferro , manganês e muitos outros minérios.
Estudos procedidos em várias épocas, até mesmo por cientis
tas estrangeiros, confirmam a mesma cousa, profetizando o ressurgi.
mento de toda a região, para o dia em que se der início à explo
ração do seu sub -solo .
Entretanto , se é verdade que tais riquezas se encontram espa
lhadas desde os municípios da beira -mar, os estudos aí levados a
efeito em diversas ocasiões demonstraram que as mesmas aumen
16 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

tam à medida que se aproximam da região da Ribeira Acima, pelos


municípios de Jacupiranga, Xiririca, Iporanga e Apiaí, onde, nos
tempos coloniais foi muito importante a exploração de várias mi
nas de ouro de que se extrairam centenas de arrobas.
O município de Xiririca é um verdadeiro escrínio de porten
tosas riquezas.

Reino Mineral

Dentro dos seus limites geográficos, encontraram -se minas ou


vestígios de ouro em diversos pontos, sendo algumas daquelas explo
radas durante vários anos com resultados apreciáveis. São terrenos
auríferos conhecidos, os de Ivaporunduva, já muito explorado, In
daiatuba, Ouro Leve, Pedro Cubas, Taquari, Ribeirão de Xiririca,
- todos eles situados Ribeira Acima, - e Bananal Pequeno, Primei
ra Ilha, Rio Etá , Rio do Quilombo, além de outros, - rio abaixo.
Prata . Constatou -se a existência deste mineral em diversos
lugares, entre os quais citaremos: Furnas, que se encontra em Ipo
ranga e Batatal , em Xiririca .
Chumbo, em grande abundância no município de Iporanga , tam
bém existe neste, tendo sido encontrado nos terrenos próximos de
Xiririca, Batatal, Sete Barras, além de outros.
Cobre, segundo informações de vários pesquisadores, foi o mes
mo verificado no Batatal .

Calcáreos. – Os mármores encontrados no município são de


très tipos diferentes de consistência e de treze variedades de cores .
Também possue calcite, onix, talco, etc.
Granitos: Diabase, gneiss, dolomite, pegmatite, mica, turmalina.
Manganès, foi encontrado e existem várias minas dèste miner :]
seguintes pontos: Indaiatuba, Pedro Cubas, Sete Barras, além de
outros.

Encontram -se ainda no município de Xiririca , em grande quan


tidade: caulim , feldspato, tremolite, etc.
Ferro, é sem dúvida dos minerais que existem em maior abun
dància, tendo sido encontrado em diversos lugares, principalmente
em Ivaporunduba, Indaiatuba, Baixio Preto , Cafezal, Pedro Cubas,
Rio Batatal, Rio Areado, Ribeirão de Xiririca, (defronte da cidade)
e na parte central do distrito de Sete Barras.
Mina de Ferro. - Dos estudos publicados pela Empresa de Co
lonização Sul Paulista, organizada em 1906 pelo saudoso engenheiro
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 17

dr. Henrique Boccolini e concessionária da construção de uma estra


da de ferro entre S. Paulo e Juquiá, consta uma notícia sôbre a
mina de ferro de Sapatú, qeu, por ser interessante, transcrevemos
na integra:
“A mina de ferro do “ SAPATU ”, situada na margem esquerda
do rio Ribeira de Iguape no municipio de Xiririca, ocupa uma gran
de área de dezenas de kilometros quadrados .
A jazida é constituida por minerio classificado como sendo: HE
MATITE -PARDA e LIMONITE, bastante compactos e de optima
qualidade. O minerio é bastante puro para a metallurgia do ferro.
As amostras que serviram de base ás diversas analyses, foram
tiradas na superficie dos affloramentos. São oxidos que podem ser
considerados mais ou menos decompostos , devido á acção chimica
e mecanica dos agentes athmosphericos.
O resultado dessas analyses foi (media) 57% ferro, 3 % manga
nez, léve porcentagem de phosphoro, e, apenas, vestigios do enxofre .
O teôr em ferro do minerio, nas condições indicadas, é invejavel.
A “ occurrencia ” do ferro, no Sapatú, localiza-se n'uma zona mon
tuosa , resultado de remotas convulsões das camadas sedimentarias
por perturbações telluricas, como se pode observar na parte baixa
que se estende a Leste, ao pé das collinas, onde apparecem estrati
ficações de quartzos e conglomerados mineralizados, apresentando
cimentação de oxidos muito resistentes com quebradura conchoidal,
de onde se pode com segurança julgar da sua origem eruptiva. Estas
camadas, em continuação dos grandes núcleos e com várias inclina
ções, vão mergulhar, desapparecendo nos banhados que constituem ,
por grande extenção, a margem esquerda do Ribeira.
A superficie da zona mineralizada apparente é de 10 milhões de
metros quadrados, com uma potencia mínima, aproximada, de 10
metros ; o peso específico do minerio é egual a 4 .
10.000.000 x 10 x 4 = 400.000.000 de tonelladas de ferro
Pela collocação dos affloramentos nos morros e pela estratifi
cação apparente das camadas, tem - se motivo para avaliar a potencia
das jazidas, em alguns dos principaes núcleos, a mais de 150 metros,
sendo de facil desmonte .
A extracção do minerio poderá ser feita por muitos annos a “ céo
aberto ” em diversos planos de exploração sobrepostos e com decli
ves vários para a margem do rio Ribeira, francamente navegavel
(em descida) por grandes batelões .
O minério tirado das galerias que vão ser iniciadas para melhor
julgar da possança da mina, espera -se que apresente um teor em
FERRO bem superior a porcentagem verificada no minerio dos afflo
ramentos e blocos rolados , que serviu de base ás analyses mencio
nadas .
18 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

A prospecção da mina do Sapatú , actualmente em estudo por


geologos e mineralogistas de reconhecida competencia, causará sur
presa nos circulos technicos e financeiros da Capital, pois, é enorme
a massa de superior minerio que encerra, facil a sua exploração e
imenso o seu valor industrial”.

Ainda sôbre a riqueza mineral do município, não podemos dei


xar de assinalar um documento inédito encontrado no Maço de ofi
cios de Iguape, sob N.o 60, pasta 2, doc. l e que é o seguinte:
“ Illmo. e Exmo . Snr.

Tenho a honra em levar ao conhecim . " de V. Excia a


descoberta de uma Mina importante de chumbo no rio
Iporanga Municipio de Xiririca , descoberta pelo Engenhei
ro Civil Francez , Mr. Luiz Cot- Dordam , e este me afirma
que é huma das Minas mais ricas que elle tem visto .
Devo accreditar porque já essa Mina fora encontrada
p. " Mr. Faivre, Carlos Ratt, e segundo me dizem anterior
mente pelo finado Exmo. Martim Francisco, quando explo
rára a Ribeira ; e alem dessa Mina me diz o mesmo Enge
nheiro, que tem outra menor do mesmo Metal ; e que se
gundo as aparencias da terra ( que não poude examinar por
falta de reagentes ) tão bem encontrou Cobre .
Levo este facto ao conhecimento de V. Excia. porque
talvez seja isso mais um ramo de commercio para a Provin
cia , e que delle tire grande utilidade.
Esse Engenheiro como já fiz ver a V. Excia . em data
de 7 do corrente veio explorar a Ribeira para a Navegação
a Vapor por conta do Dr. José Rodrigues Ferreira, e nessa
exploração é que descobrio a referida Mina ; e está fazendo
despesas a sua conta na alimpação e preparação do local, e
ja pedio alguns trabalhadores á França para a extracção
do metal .
Deus guarde a V. Excia - Iguape 27 de 8br.° 1857.
Illmo . Exmo. Snr. Conselheiro José Joaquim Fernandes
Torres, Digno Presidente da Provincia.
O Delegado de Policia
João Manoel Junqueira"

Terras de cultura

Terra rôxa: nos distritos de Itaúna, aproximadamente 40%; dis


trito de Xiririca, 30% e de Sete Barras, na proporção tambem de 30 % .
Terra vermelha: São desta espécie, mais ou menos 30 % das ter
ras de Itaúna, sendo de 40 % no distrito de Xiririca e 30 % no de
Sete Barras.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 19

Massapé preta : encontra-se aproximadamente 30 % em Itaúna;


30% em Xiririca e 40 % em Sete Barras.
Terra roxa (30 % ) e vermelha (40 % ) na parte central do municí
pio; massapé e arenosa preta (salmourão) na bacia do Ribeira.

Reino vegetal

Riquissima é a flora deste município, onde se encontram madei


ras das mais variadas espécies, sendo bastante apreciável sua reser
va florestal . Como madeira de lei aqui se encontram , entre outras,
as seguintes especies: canelas de diversas qualidades, peroba, cedro,
araribá, cabreúva, sassafrás, jacaranda, cachêta, etc. Como plan
tas medicinais: quina, jataí, ipecacuanha, fedegoso, salsa e muitas
outras . São plantas texteis : embiras, embaúbas, tucum , pita e ou
tras mais, também existentes nos municípios circunvizinhos.

Reino animal

Que poderemos dizer dêste município, quanto à sua fauna, quan


do é sabido que possue o mesmo vastas florestas virgens, rios cau
dalosos, campos de faxinais ainda hoje inteiramente inexplorados?
Assim é que se pode mesmo afirmar, possuir Xiririca todas as espé
cies de animais próprios desta região, tais como : anta, onça , jagua
tirica, veado, símios, quatis, capivaras, pacas, gambás, etc.
Das aves se destacam os jacupemas, jacuguaçu e jacutinga, ma
cucos, inhambus, jaó, urus, o pavão, tucanos, rolas, pombos silves
tres e tantas outras aves, além dos passaros cantores, que formam
verdadeiros bandos espalhados por toda parte.
Na classe dos peixes que habitam os rios e canais, citam-se as
trairas, assu , tinga e pema;robalos, piabanhas, bagres, piabas, gua
rus , etc.
Na classe dos reptis e batráquios : cobras, lagartos, jacarés, sa
pos , etc.
Entre os insetos: libelulas, vespas, abelhas, mamangavas, mos
quitos.
PRODUÇÃO. - Os rebanhos do município, apesar da falta de
uma rigorosa estatística, podem ser classificados muito aproximada
mente nas seguintes cifras:
Gado vacum , cerca de 5.000 cabeças ; suinos, 8.000 ; cavalar, 5.000 ;
muares, 1.000 e lanígeros, aproximadamente dois mil .
CULTURAS. – Cafezais, 300.000 pés. A cultura da bananei
ra, ainda em princípio, é calculada em 100.000 pés. Cana de açú
20 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

car, a produção atual é de 10.000 arrobas; arroz, 50.000 sacas; feijão,


30.000 sacas; milho, 100.000 sacas ; farinha de mandioca, 50.000 sa
cas .

Uma das novas lavouras ensaiadas ultimamente neste munici


pio e cujos resultados já se apresentam magníficos, é a da chamada
– nogueira de Iguape, e de que existem atualmente em pleno de
senvolvimento 10.000 pés.
RENDAS PUBLICAS . Foram, durante o ano de 1939:
Federal 64 :600 $ 300
Estadual
Municipal 81:170 $ 800

INSTRUCÇÃO PÚBLICA. – A primeira escola pública de Xi


ririca foi criada no ano de 1831 , como se pode verificar do seguinte
documento, que para aqui trasladamos, extraído do L. 1094, (Cartas
de Professores) do Arquivo do Estado, 1832-1842:
Provisão a João Tobias Dias de Almeida para Professor de
1.as Letras da Freg.a de Xiririca

Rafael Tobias de Aguiar, Presidente da Provincia de


S. Paulo etc. Faço saber aos que esta Provisão virem . Que
tendo de prover- se em conformidade da lei de 15 de 8br."
de 1827 , a Escola de 1 . ** Letras da Freg. " de Xiririca, Ter
.
mo da V. de Iguape, que se acha vaga, e estando a con
curso na forma do estillo, foi unico oppositor que compa
receu João Tobias Dias de Almeida, o qual sendo exami
nado e approvado na forma do Art. 6.° da mesma Lei: o
nomeio e provo no Emprego de Professor de 1.as Letras da
dita Freg.. de Xiririca, em observancia do art. 18 da dita
Lei de 14 de Junho de 1831 , com o ordenado de 240$ rs.
estabelecido pela Lei de 7 de Ag. de 1832, q. lhe será pago
na forma do costume e gosará de todas as honras e previ
legios q. directamente lhe competirem, sendo obrg.º a apre
sentar esta á Camara respectiva. E pr. firmesa de tudo lhe
mandei passar a pres. pr. mim assignada e sellada com o
sello das Armas do Imperio. Dada nesta Cidade de S.
Paulo , aos 30 de Janr." de 1834. Jer.º da Costa Dantas a
fes . Joaquim Floriano de Toledo, Secretario do Govr." a
fes escrever L. S. Rafael Tobias de Aguiar ( 1).

Atualmente, possue o município de Xiririca 3 grupos escolares e


diversas escolas rurais, que são:

(1) De acórdo com o Parecer do Conselho do Governo, em Sessão de 24 de


outubro de 1833, foi deferido o requerimento de João Tobias de Almeida , sendo
admitido a concurso , permitindo -se -lhe que o prestasse na Vila de Iguape, aten
dendo as grandes distâncias existentes entre Xiririca e a Capital, com a condição.
porém , “ que a mesma escola se estabeleceria no lugar determinado para a mu.
dança da Freguezia, afim de chamar a população para aquele ponto, e fazer es
quecer inteiramente as rivalidades , que, por aquele motivo se suscitarão " . Maço
14, Sala 10 , Pareceres do Governo . 1833, Arquivo do Estado.
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 21

Grupo Escolar (cidade), criado por decreto de 3 de março de


1932. Funciona em dois períodos e possui quatro salas de aulas, com
5 classes. O seu corpo docente é constituido da maneira seguinte:
diretor: o professor Osvaldo Simonetti; professoras dd . Lilia Rodri
guez Vianna; Maria Apparecida Vianna; Evelina de Azevedo Bittan
court .

As Escolas rurais são as seguintes:


Bananal Pequeno, professora d. Olga Bernardi ;
Abobral , professora d. Laura Marzulo;
Ilha Raza, professora d . Maria Luiz do Amaral;
1.a Ilha, dirigida pela professora d. Maria da Conceição
Sant'Ana;
Boa Esperança, pela professora d .Dinah de Almeida Mello;
Barra do Braço , pela professora d. Mariana Tibagi.
Número de alunos matriculados no Grupo Escolar 201
Nas escolas rurais 312

Grupo Escolar de Raposa : Diretor : Horacio Vieira ; professores :


Milton Feijão, dd. Maria Apparecida Vilela; Maria da Conceição e
Silva e Maria da Conceição Chagas de Souza.
Alunos matriculados 142

Grupo Escolar de Sete Barras, criado por decreto de 19 de mar


ço de 1935 einstalado a 1.º de julho do mesmo ano. Funciona em
um só periodo e possue 4 classes. E seu diretor o professor José
Domiciano Nogueira. Professores: Francisco de Paula Filho; Godo
fredo José de Camargo e dd. Ivone Cippoli, Dirce Nogueira Ramos.
Ao Grupo Escolar de Sete Barras pertencem as escolas rurais de :
Mamparra , dirigida pela professora d. Nazira de Morais ;
Areado, pelo professora d. Maria Zilda Inácio ;
Votapoca, pela professora d. Wulfrida Marcolino;
Conchal, professora d. Ester Batista Santos;
Lagoa do Cedro, professora d . Zaida Simões;
Quilombo, pela professora d. Haydée Carvalho de Oliveira ;
Ribeirão da Serra, pela professora d. Inocência Silva.
Não existem escolas municipais.
VIAS DE COMUNICAÇÃO . - Duas são as vias de comunica
ção entre a cidade de Xiririca e a Capital do Estado.
A primeira, - pelo rio Ribeira – servida pelos vapores da Com
panhia Fluvial Sul Paulista, que partindo nos dias pares, chegam à
estação da estrada de Ferro, em Juquiá, nos dias impares, entre lo
3 horas da tarde.
A segunda, – terrestre, - com viagens diárias, é servida por uma
jardineira, que parte pela manhã e chega às 10,30 em Juquiá, pas
sando por Jacupiranga, Pariquera-assu e Registro.
22 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Está em correspondència com os onibus que partindo de Juquiá


chegam à Capital pelas 18,30.
CENTRO DE SAÚDE . O Centro de Saúde de Xiririca, que
há longos anos funciona prestando ótimos serviços à população, está
assim organizado:
1 - Dr. Lauro Alcoforado de Almeida, médico chefe.
2 Dr. Sílvio Marcondes Luz, médico sanitarista, com sede er
Jacupiranga .
3 – Laurindo Machado, auxiliar técnico de laboratório .
4 - Porfírio Hildebrando Moreira , escrevente de 4.a.
5 João Camilo Pereira, guarda sanitário .
6 Antônio Cupertino de Lara , guarda sanitário .
7 – Cesar Caramuru Carneiro, guarda sanitário.
8 Joaquim José de Oliveira, guarda sanitário, com sede em
Jacupiranga.
9 Acácio Morais, guarda sanitário.
População da sede .. 1.217
População do município 20.344
Total da população do Distrito Sanitário 27.674
Verba de Expediente 150$000
ESTABELECIMENTOS DE CARIDADE . – A cidade de Xi
ririca não possue qualquer outro estabelecimento de caridade além
do Asílo São José, situado no sopé do morro do Cristovão, atraz da
Igreja Matriz, tornando -se de urgente necessidade a fundação de
uma Santa Casa, para atender ás pessoas enfermas.

REPERTÓRIO INFORMATIVO

CIDADE

AÇOUGUE. – Bom Fim , de João Antônio de Pontes; Popular,


AÇOUGUE. – Bom fim , de João Antônio de Pontes; Popular, de An
tônio Venâncio .
ALFAIATARIAS, de Ondeno José Dias e de Nagib Nasser.
ARMAZENS DE SECOS E MOLHADOS: de Francisco Antônio Ju
niz Júnior, Francisco A. Venâncio , Gustavo Carneiro, Izaias Jo
sé Gomes, João José de Souza Cabral, Lupércio Viana, Leòncio
Marques Silva, Manoel Ribeiro Neto , Muniz & Irmão, Miguel
Alcides Pedroso, Porfírio Ponciano França, Pedro de Oliveira
Pinto, Roderico de Melo , Trajano C. Carneiro, Trajano de Oli
veira Ribeiro , Wenceslau Braz Muniz , Wanderley Cabral.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 23

AUTOMOVEL PARTICULAR de Olinto Vidal.


BAR, SORVETERIA E BILHARES de Antônio Venâncio.

BAR, SORVETERIA E CAFÉ CABRAL de Wanderley Cabral.


BARBEARIAS : Salão Clarineto, de Antônio Gomes da Silva; Salão
Lopes, de José Francisco de Jesus; Barbearia, de Felix Valois
Pupo.
BICICLETAS REGISTRADAS 7.

CAMINHÕES de Francisco A. M. Júnior; Roderico de Melo; Antô


nio Felipe Braga ; José Rossmann .
CARROÇAS REGISTRADAS - 80 .
DENTISTAS - José Soares, João Siqueira, Benjamin Tomaz.
FARMÁCIA – São Sebastião, de Sebastião F. dos Santos.
FAZENDAS E ARMARINHOS de Antônio Ferreira Barboza .

HOTEL SEABRA de Joaquim Seabra.


LANCHAS A MOTOR DE OLEO CRÚ – “ Chicão ", de Francisco
Antônio M. Junior; “ Sete Barras", de Francisco Antônio N. J .;
“Noga”, de José Licurgo Pinheiro e “ Batatal” de Marcelo Betim .
MÁQUINA DE BENEFICIAR ARROZ , de Francisco Antônio Mu
niz Júnior.
MÁQUINA DE BENEFICIAR ARROZ, de Isabel de Oliveira Serra.
MÁQUINA DE MASSA DE GOIABA, de Francisco A. Muniz Jr.
MARCENARIA E CARPINTARIA, de Waltrudes Pereira; Carpin
taria, de Vicente de Paula Pupo e Frederico Werbster.
MOTORES JONHSONS , de Gustavo Carneiro (2), João Hugo Lo
bo, Marcelo Betim (3) e Carlos Spater.
OFICINAS MECÂNICAS, de José Ferreira Galácio e de Roberto
Guidings (2)
OLARIAS, de Trajano Cabral; António Lopes Trigo ; Willy Roschi.
PADARIAS - Do Povo, de Romeu Lara ; Padaria Cabral, de Wander
ley Cabral ; Padaria de Romualdo da Silva.
PENSÃO BRASIL , de Horacia R. de Almeida e Pensão Silvério .
TORREFAÇÃO DE CAFÉ , de W. Cabral.
24 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

MUNICIPIO

FÁBRICA DE AÇÚCAR , de Joaquim Leite de Souza situada na


Ilha do Gato .
> >>

de João Antônio de Almeida, Primeira


Ilha .
9

de Severino Gomes da Silva, Ilha do Ga


to .

FÁBRICA DE AGUARDENTE : João Alcides de Ramos, Cristovão.


Kotaro Koike, Manga Larga.
>

Alcides Mariano , Jaguari.


> >

Guilherme Moller, Barra do Bra


ço.
Ismael Julio da Silva, Barra dos
Pilões .
>

Sebastião José de Andrade, Cafe


zal .

NÚMERO DE QRÉDIOS DOS MAIORES NÚCLEOS DE PO


PULAÇÃO :
Itaúna, a 17 quilômetros da cidade 45 prédios
>

Barra do Braço, a 32 quilômetros 30


Sete Barras, a 44 quilômetros 80
Raposa, a 41 quilômetros 15
>

Ribeirão da Serra, a 62 quilômetros 20


CAPITULO I

A REGIÃO SUL PAULISTA

Apesar de idènticas em seus usos e costumes e bem assim nas


glórias do Passado e vicissitudes do Presente, as duas regiões do
Estado de São Paulo conhecidas pelas denominações de – litoral
norte, e litoral sul , – são bem distintas, não só sob o aspecto topo
gráfico e principalmente geológico, como também quanto à exten
são da área compreendida por cada uma delas.
Enquanto a primeira, com suas praias caprichosamente enfei
tadas de saliências e reentrâncias, povoada de ilhas que se sucedem ,
cada qual mais encantadora, com a gigantesca Serra do Mar sem
pre à vista, a servir-lhe de moldura e ao mesmo tempo de muralha
se nos apresenta como extensa língua de terra apertada entre a
referida Cordilheira e as águas do Oceano, – a segunda, ao contrá
rio, abrange enorme porção do território paulista, estendendo -se da'
beira-mar àsmargens do Itapirapuan, na fronteira com o Estado do
Paraná, compreendendo vários municípios, cinco dos quais atraves
sados diretamente pelo magestoso Ribeira, como os de Iguape, Xi
ririca, Iporanga, Apiaí, o Ribeira, além de outros, servido pelos seus
grandes afluentes.
Sua área global pode ser calculada em vinte e quatro mil qui
lômetros quadrados aproximadamente, contando vales fertilíssimos,
como o do Rio Pardo, onde existe uma mina de carvão de pedra, do
Jaguari, Itaúna, do Jacupiranga e tantos mais; abrangendo zonas
mineralógicas como as de Jacupiranga, detentorà da famosa mina
de ferro Jacupiranguinha, Apiaí e Ribeira, nas quais abundam o ou
ro , prata, chumbo, manganès e outros metais.
São portos principais da referida região, os de Iguape e de Ca:
nanéia, ligados à mesma pelas estradas que partindo das referidas
cidades na orla marítima, se dirigem para Pariquera-assu, Registro,
Jacupiranga e Xiririca. Existem ainda as vias fluviais, constituidas
pelo Ribeira e seus afluentes.
Além dos vapores da Companhia Fluvial Sul Paulista, que fa
zem viagens regulares entre os portos de Iguape, Registro, Xiririca,
estendendo suas linhas ao extremo sul do Estado, até Cananéia e
26 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Ariri, não poucas são as embarcações motoras que navegam pelo Ri


beira e seus afluentes, principalmente ao Juquiá.
Entre Xiririca e Iporanga , existe uma linha especial de navega
ção servida por confortável canoa movida à gazolina, que cobre a
longa distància de 66 quilômetros em menos de dez horas de viagem .
Propositadamente não chamamos á esta parte do território de S.
Paulo de Vertente da Ribeira, como a batizou o saudoso presidente
do Instituto Histórico e Geográfico, Dr. Afonso A. de Freitas, em
sua Geografia do Estado de S. Paulo, mas sim de - Região Sul Pau
lista – de que fazem parte indissoluvel outros municípios, muito em
bora não sejam abrangidos pelo Ribeira ou por qualquer dos afluen
tes .

Ninguém deve ignorar que, não só nos tempos coloniais ou mes


mo Provinciais como ainda há poucos anos atrás, as viagens para
Apiaí e Faxina geralmente eram levadas à efeito via Iguape' – Xi
ririca – Iporanga, por ser èsse o caminho natural para a região de
Serra Acima, a que está ligado o litoral sul.
A grandeza de Iguape, foi justamente por ter servido o seu pôr-·
to , há mais de um século, como escoadouro de toda a produção que
procedia da região do Planalto, havendo mesmo uma estrada dire
tamente para Itapetininga, a cuja comarca pertenciam os termos de
Xiririca, Iguape e Cananéia, de 1852 a 1854 .
Na falta de estradas, era o rio Ribeira a via natural pela qual
transitavam as mercadorias destinadas à região Serrana e por onde su
biram os bandeirantes, descobridores das minas de Apiaí e Parana
panema, tão afamada nos tempos coloniais, sendo o tráfego entre
Íguape, e a zona minéria quase que ininterrupto.
Um rápido golpe de vista sobre a Carta geográfica de S. Paulo
pode melhor orientar-nos sõbre o que venha a ser a decantada re
gião, a que M. Pio Correa o notável cientista classificou de Amazô
nia paulista e para a qual, tem convergido nos últimos anos os olha
res cobiçosos não só de capitalistas e emprezas particulares como de
muitos estrangeiros.
Região bastante fértil, dotada de incomparáveis riquezas, o lito
ral sul, devido à posição de isolamento em que viveu durante lon
gos anos, assemelhou -se, por isso mesmo, a um novo Estado dentro
do Estado, conservando usos e costumes herdados ainda do Brasil
império, circunscrevendo toda uma vasta extensão territorial onde se
congrega uma população de mais de 80.000 almas.
Situada entre a Serra de Paranapiacaba e o Oceano, não se
sabe o que mais admirar: se a sua natureza privilegiada, a ondula
ção do território onde se agrupa, os campos faxinais, se a magnifi
cencia do clima ou , finalmente , a maravilhosa rede hidrografica com
que a Natureza a detou.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 27

O Ribeira, que nasce da confluência dos rios Assungui e Ribei


rinha, em território do Paraná, penetra no Estado pela depressão
divisória das serras Agudos Grandes e Caroca, no município de
Apiaí . Sua direção geral é de sudoeste para nordeste, correndo ao
longo da serra do Mar, “até encontrar o rio Juquiá em cujo leito se
lança, obrigado pelas últimas ondulações da serra dos Itatins, quo
se levantam á sua frente, seguindo por ele, a rumo de noroeste para
sueste até as proximidades de Iguape, onde faz bocayuva, mandan
do um braço por nordeste até o oceano e outro para sul até o Mar
Pequeno; este último que é um canal artificial aberto em meados do
século passado ( o Valle Grande), afim de facilitar as comunicações
do exterior com a região banhada pelo Ribeira, separou da terra
firme, o território da cidade de Iguape e seus arredores, conver
tendo- o em ilha.
O curso do Ribeira no território paulista é calculado em cerc:1
de 2.400 klms, dos quais 150 navegaveis.
São seus principais afluentes pela margem esquerda : Itapira
puan, que serve de limite entre os Estados de S. Paulo e Paraná,
Claro, Catas Altas, Criminosas, Palmital, Taquarí, Iporanga, Jupu
verá, Taquanivira, Tijuco , Turvo , Umbahú, Andaiatú, Pedro Cubas,
Quitoca, Cubatão, Moçambique, Xiririca, Braço, Coveiro, Eta, Pi
roupava, Una e Juquiá .
Pela margem direita : Agua Grande, Ribeirão Grande, Tatupeca ,
Anhanguara, Batatal, Jaguari, Pedras, Pardo, Aboboral, Arrelá, Cara
piranga, Jataituba, Momuna, Pariquera-assu, Piranga e Jacupiranga,
que é o mais importante desta margem ( " ).
A parte alta “ é a região da mineração e das curiosas grutas cal
careas, principalmente nos arredores de Iporanga” C ).
Já o disse, da formosa região da Ribeira um dos seus mais com
petentes exploradores, que para o seu desenvolvimento, precisava
somente de colonização e meios de transportes econômicos, prevendo,
para a zona em questão um futuro muito belo, quando todas as suas
fontes de riqueza estiverem convenientemente conhecidas e estuda
das .
Em 1923, dizia o Correio de Cananéia: “ no dia em que o rumor
das rodas e das helices for em grande parte substituidas pelo dos
carros e automoveis, a Amazonia Paulista assombrará o Planalto.
Xiririca, transformada em emporio comercial da parte alta da
região, hade espelhar-se com prazer nas mansas aguas da graciosa
curva do Ribeira, vendo restauradas as “ ondas verdes”, que d'ante
foram o orgulho dos seus habitantes .

(1) Afonso A. de Freitas Geografia do Estado de S. Paulo , 1906 , pág. 29 .


(2) Dr. João Pedro Cardoso Exploração do Rio Ribeira de Iguape 1908 .
28 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Iguape, ponto convergente da produção agricola, centro irra


diador da navegação fluvial, resurgirá tambem pelo desdobrar de
sua agricultura e aproveitamento dos seus campos pastoris.
Cananéa, sentinela extrema do litoral sul, fronteira do próprio
Estado também seguir-lhe -á os passos na arrancada para o sertão.
E todos os municípios, de Jacupiranga á Prainha, de Iguape até
Ribeira, desabrocharão em novos núcleos de população e de traba
lho, concorrendo para o bem de S. Paulo.
Grandes no passado, se-lo -ão tambem no futuro, para felicidade
de seus filhos e grandeza da Patria ”.
Felizmente, por essa época já se achavam em construção as
principais rodovias ligando alguns dos municípios da região baixa as
quais conhecidas facilitaram a visita de quantos se interessavam pe
la mesma zona, que, de então por diante mais conhecida se tornou,
chamando para si a atenção dos poderes públicos.
Dela, já dizia Martim Francisco, em 1808 no seu Diário de uma
viagem mineralógica:

“ Toda esta ribeira de Xiririca para cima é magestosa ,


já pelos montes lateraes, que lhe ficam sobranceiros e amea
çam abater-se sobre si entulhando a madre, já pelas mui
tas ilhas e rochedos deposto no meio da ribeira, quaes me
dalhas antigas conservadas na noite dos tempos, apesar da
correnteza das águas, que pareciam dever sossobra -las; e
não obstante o continuo choque que soffrem , dellas zom
bam quaes torres inabalaveis ao furor dos ventos.
A ribeira cada vez mais parece dirigir-se ao poente.
Da freguezia para cima mais cultura, e os habitantes
mais laboriosos, de tal arte que todas as encostas estão la
vradas” .

E tão conhecida se tornaram as riquezas do seu subsolo, que


novos horizontes acabam de surgir, assegurando-se desde já o seu
ressurgimento.
Para certeza disso é bastante o registro das palavras com o que
o Dr. Ademar Pereira de Barros chefe do executivo estadual se di
rigiu ao povo paulista em seu memoravel discurso pronunciado em
27 de abril no Teatro Municipal, comemorando a data de seu pri
meiro ano de governo :
“ Durante muitos anos, jazeu a zona da Ribeira à espera de quem
The compreendesse a importância e a riqueza. Projetos de aprovei
tamento não lhe faltaram , mas sempre, por motivo ou outro, frus
trados.

No entanto, alí está sem exageros a Bolívia Brasileira, reprodu


ção da região andina, onde, por um parodoxo geológico se agrupam
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 29

jazidas de minerais cada qual mais valiosa : ouro , platina, mercúrio,


prata, e chumbo .
Essa imensa riqueza não podia sair do patrimônio do Estado e
já então chegando da Europa as máquinas que realizarão em São
Paulo o sonho do lendario Robério Dias. Novas estradas rasgarão
aquele solo abençoado. E muito em breve se retificará a sua prin
cipal artéria fluvial, hoje em dia fator máximo das suas celebres e
malfazejas inundações”.

1
1

1
CAPITULO II

A REGIÃO DA RIBEIRA ACIMA

Quando Martim Afonso de Souza aportou em Cananéia aos 12


de agosto de 1531, alí já encontrou formado um pequeno núcleo de
indivíduos, composto de cinco ou seis castelhanos, que, em compa
nhia de Francisco de Chaves, do famoso Bacharel e de naturais do
país habitavam acerca de 30 anos ésse ponto da costa sul paulista,
núcleo que, segundo a afirmativa de todos os historiadores, foi a
primeira povoação civilisada erecta ao sul do Brasil .
Para Vieira dos Santos, sua população entre europeus e mesti
ços devia ser calculada nessa mesma ocasião em duzentas almas,
aproximadamente, por quanto há longos anos alí moravam vivendo
em boa paz e harmonia, sendo um dêles gran lingua da terra, que
era o próprio Chaves, genro do Bacharel (").
Foi ele quem induziu o almirante à organização da malfadada
expedição – a primeira bandeira – que a 1.º de setembro rumava
para o sertão sob o comando de Pero Lobo, tendo-o por guia, sob
promessa de que dentro de 10 meses tornaria àquele pôrtocom 400
escravos carregados de prata e ouro.
A Martim Afonso, que na Península Ibérica já havia colhido in
formações, além de outras, que viera obtendo dos expedicionários
Sólis, Rodrigo de Acuna ou ſofre de Loyasa, Caboto e Diogo Gar
cia, estando em Cananéia, assistiria a certeza de se achar na ver
dadeira costa do ouro e ponto favorável para a conquista da mina.
E se a “costa do pau brasil”, a costa do norte, era a ésse tempo
buscada por franceses, seria esta a “ costa do ouro e prata ”, a costa
do sul, mais visitada por espanhóis, sendo de tal provas evidentes,
o encontro alí tido e as informações colhidas (2).
Organizada a bandeira, rumou imediatamente para o interior,
não havendo certeza até a presente data, de qual tivesse sido o seu

(1) A. Vieira dos Santos Memória histórica de Paranaguá .


(2 ) Eugênio de Castro Diário da Nao de Pero Lobo , com . ed . Eduardo
Prado.

.
32 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

itinerário, supondo alguns escritores que, flardeando a serra do Ca


deado penetrasse a mesma no planalto parananiano pelo lugar cha
mado a picada da Serra .
Para outros, ao contrário, não teria seguido a direção nordeste
sudoeste, mas sim sueste-noroeste o que nos parece mais provável e
admissível, pelo seguinte fato : o atual território paulista nos séculos
16 e 17 era ocupado pelos tupininquins, – hordas mansas enquan
to que para o norte dominavam os bravos tamoios e para o sul “ os
ferozes carijós”.
Sendo assim , não seria tão fácil a penetração dos tupis em ter
ritório paranense e portanto o conhecimento daquela região, por par
te dêstes, que, muito naturalmente movimentar -se-iam dentro do ter
ritório paulista, onde possuiam o seu principal pôrto, que era o de
Cananéia.
Além disso, existiram por certo, não só relações de amizade
como de parentesco entre os que habitavam o litoral e os que vi
viam às margens do Ribeira, de onde algumas vezes ao ano desciam
até a beira -mar, entretendo -se em longas pescarias, havendo rela
ções íntimas entre todos e portanto, um conhecimento exato das
riquezas existentes na parte central, pelo menos até Iporanga, que
apenas dista 120 quilômetros da beira -mar.
Os setenta e poucos quilômetros que a separam das margens
do Ribeira não representariam sacrifício para os habitantes de Ca
nanéia, que com facilidade poderiam percorrê-los até aquele ponto,
onde tomariam canoas para prosseguimento da viagem rio acima,
indo assim a Sete Barras, Xiririca, Iporanga e outros lugares mais.
A investida da bandeira de Pero Lobo pela região baixa dire
tamente para o Sul, não seria aconselhavel, conhecido como era a
animosidade dos carijos contra os tupis.
Daí podemos concluir que as famosas minas, tidas como de pra
ta por Francisco de Chaves, talvez não fòssem outras que as de ga
lena, existente em Iporanga.
YOUNG , referindo - se à decoberta de um machado de bronze no
Ribeira, por Henrique Ernesto Bauer, diz ser o mesmo peruviano e
trazido, talvez, pelos companheiros de Aleixo Garcia, quando vie
ram procurar reforços e por eles perdidos durante a viagem pelo
mesmo rio .

Desse fato deduz que o Ribeira já era bastante conhecido, sen


do o caminho natural para as entradas daquela época e por onde de
via ter seguido a bandeira de Pero Lobo Pinheiro, sendo " obrigado,
por isso , a reconhecer que os habitantes de Iguape tinham conhe
cimento da existencia dos minerais no interior do Paiz ”.

Em estudo anterior, tambem já havia aventurado a idéia de que


fossem aquelas minas situadas nas imediações de Iporanga, con
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 33

vencendo-se mais tarde de que o itinerário seguido pelos oitenta ho 1

mens de Martim Afonso era o mesmo de Aleixo Garcia: e de seus


companheiros ( ' ) e que as minas em questão seriam mesmo as de
Iporanga e não sediadas nas imediações de Curitiba, como supunham
os autores antigos .
* * *

Ora, se as minas de prata, de que falavam Francisco de Chaves,


eram as de Iporanga, se diversas expedições subiram o Ribeira du
rante o século XVI e se Iguape já existia nessa mesma ocasião, sendo
fato incontestável que o Ribeira abaixo já era habitado pelos pri
meiros povoadores que, dia a dia se aventuravam a subi-lo cada vez
mais, localizando -se em suas margens, – é claro de ver-se que o pon
to em que mais tarde foi erecta a Freguezia de Xiririca já era co
nhecida desde aquele tempo, mesmo porque, por alí já deviam ter
passado os exploradores de ouro da Ribeira ou de Iguape, quando
se dirigiram para Canto Antônio das Minas (Apiaí) bastante conhe
cido por essa ocasião.
Desde a data da fundação da vila de N. S. das Neves de Iguape,
que muitos dos seus habitantes, como os de Cananéia, trabalhavam
na expedição de ouro e outros minerais, pesquizando-os pelos rios e
ribeirões, que subiu até suas cabeceiras, mais altas, devassando ma
tas e alcançando a região do Planalto.
Esses fatos são comprovados por alguns autos velhos existentes
no Cartorio de Iguape, entre os quais citaremos uma carta particu
lar datada de 26 de outubro de 1635, referente à exploração do ouro
no mesmo município.
Esse documento aliás, já foi publicado por Young no volume 2.°
da Revista do Instituto Histórico de S. Paulo .
Outro, citado pelo mesmo autor, publicado sob N.° 3, é uma pe
tição de Domingos Roiz Cunha, de 1655, em que ha referência sô
bre as minas de Ivuporunduba, Iporanga, Apiaí e Sorocaba.
No livro de notas mencionado pelo referido escritor ha docu
mentos comprobatórios de que em Lisboa, antes do ano de 1673
sabiam da existência de minas de ouro nesta parte do litoral də
Brasil (9)
Dom Rodrigo Castelo Branco, como Provedor e Administra
dor Geral das Minas da Repartição do Sul, em viagem para Parana

(1 ) Ernesto G. Young, Hist . de Iguape , Rev. do Inst . Hist . de S. Paulo , vol .


8 , pág . 230 .
( 2 ) F. E. Young Esboço Hist . da fundação do Iguape Rev. do Inst .
Hist. , vol . 2.
34 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

guá, deixava em 23 de março de 1679, aos provedores das vilas de


Iguape e Cananéia, um Regimento pelo qual deviam se orientar.
No Ribeira Acima havia exploradores espalhados por vários pon
tos e portanto a região de Xiririca era bastante conhecida e natu
ralmente habitada por essa época, originando-se de um aldeamento
de índios, que aí já existia.

Como acabamos de ver , a povoação de Xiririca teve seu prin


cipio em meados do seculo XVI, quando aí aportaram os primeiros
aventureiros procedentes de Iguape, entre os quais se destacava o
capitão Romão Pereira Veras e seus irmãos Severino de Veras (fi
lho), Antônio e Faustino Pereira Veras, filhos de Severino Veras e
de Maria Furtada, moradores na vila de Iguape.
Entretanto, era provável que o seu território fôsse conhecido
anteriormente à chegada da esquadra afonsina ao pôrto de Cana
néia, no ano de 1531 .
Como diz Moreira Pinto , “ sendo o centro de Cananéa o territorio
de Jacupiranga e Xiririca, e não havendo obstaculos de montanhas
nem grandes rios nesta direção é de supor que a expedição de Cha
ves chegasse até o território actual de Xiririca”.
Conhecida, era também a parte central, onde mais tarde teve
assento a freguezia de Iporanga.
Como diz Antonio Viana, em magnifica memória sobre esta lo
calidade, os irmãos Veras – “ fascinados pela tentação e abundancia
de veeiros de quartzo aurifero, onde o ouro se apresenta em pa
lhetas e grãos, geralmente a olho nu , facil de se distinguir e de se
separar por simples trituração das areias e cascalhos e lavagem em
bateas, carregado pelos varios rios que retalham esta zona e atra
vessam essas rochas primitivas e antigos aluviões de que ella é toda
constituida, — fixaram residencia nestas plagas”.
Em face da importància mineralógica apresentada pela região e
da existència de um aldeamento de indios perto do ribeirão que deu
nome ao lugar, foram os primeiros povoadores se reunindo próxi
mos uns dos outros, dando origem ao arraial, que devia ser como
que um traço de união entre os habitantes das regiões baixa e alta,
-- esta compreendendo os núcleos de Iporanga, Ivaporundava, Apiai,
e Paranapanema; - aquela, das vilas de Botujurú, Peruíbe, Prainha,
Juquiá , e, mais, distante, a vila da Conceição.
Com a presença de novos aventureiros que para aí , de então por
diante começaram a afluir fascinados pela fama das riquezas do
sub -solo, foi se desenvolvendo e aumentando o povoado, o que mo
tivou o afastamento do genti, que vendo -se despojado das próprias
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 35

terras, abandonou o lugar, retirando-se para o sertão, de onde pa


recia alimentar desejos de atacá -lo , como ainda se repetia muitos
anos depois, quando o capitão-mor da vila de Iguape, José Antô
nio Peniche participava ao governador da Capitania, em oficio de
26 de janeiro de 1809, dizendo:
“ ... os moradores daquella Freguezia ( Xiririca ) vivem so
bresaltados com a chegada dos Bugres , os quaes setem apro
ximado á Ribeira e porque poderão chegar á Freguezia e
seus Citios, desejo, quando assim aconteça, ter a providen
cia que V. Exa . ouver de dar a respeito della ” . ( 1 )

(1) Arquivo do Estado Maço 50 ( T.C. ) Pasta 2, doc. 38 .


CAPITULO III

MINERAÇÃO DE OURO

O período da mineração no município de Iguape constitui O


capítulo mais importante da história de Xiririca em seus princípios,
pois é sabido que o seu território pertencia àquela vila, da qual se
desmembrou muitos anos depois.
Era no Ribeira Acima que se encontravam as afamadas minas
de ouro, cuja exploração durou cerca de dois séculos.
Foi a época da formação dos arraiais de Ivaporunduva, Iporan
ga, Apiaí, Paranapanema e outros, cujas riquezas são conhecidas
desde o ano de 1635, como se pode ver dos documentos existentes nɔ
Cartório de Iguape e publicados por G. E. Young ( ' ).
A notícia de tais descobertas levou a ésses lugares longinquos
não só mineradores e aventureiros partidos dos pontos mais dife
rentes, como também desertores e até mesmo fascinoras, que eram
perseguidos pela justiça.
Daí o crescimento mais ou menos rápido dos arraiais e as con
tínuas desavenças e desordens verificadas entre os elementos hete
rogêneos de que eram formados.
Entre os documentos citados pelo autor, existe parte de uns
autos velhos, em que Dominos Rodrigues da Cunha no ano de 1655
diz ter tido uma sociedade com seu Irmão Antonio Roiz da Cunha
em huma lavra que comprarão com dez escravos do defunto Anto
nio Soares de Azevedo em que trabalhou durante hum ano, acres
centando que estava nas lavras de Upuranga ano e meyo, como tam
bem nas minas de Apiahy, Sorocaba e nas de Uvupurunduba por
duas vezes trabalhando.

Diz Balthazar da Silva Lisboa, que Pedro de Souza, Adminis


trador das minas, recebeu ordem do Rei Dom João IV para fazer in
dagações a respeito das minas que existiam junto de Paranaguá e que,

(1) Revista do Inst . Hist . e Geogr . de S. Paulo , vol . VI, pág. 400 e segs .
38 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

para cumprir o Administrador geral com aquela Real Resolução, se


passou immediatamente a Paranaguá e ao Iguape a fim de pessoal
mente fazer os exames necessarios a custa da Real Fazenda, para
cujo fim se dirigiu de Iguape a 30 de Abril de 1653 aos Officiais da
Camara de S. Paulo, ordenando que fizessem descer as tres Aldeas
do Real Padroado ( 1 ) .
D. Rodrigo Castelo Branco, como Provedor e Administrador das
minas da Repartição do Sul, em viagem para Paranaguá , deixava em
Iguape, aos 22 de março de 1679, aos Provedores das vilas de Igua
pe e Cananéia, um Regimento pelo qual deviam orientar -se. Por
essa ocasião já haviam sido descobertas outras minas no interior de
S. Paulo e dos mineradores da região sul paulista uns haviam se
transferido para o Paranapanema, permanecendo outros em explo
ração nos rios mais próximos.
De uma notícia conservada no livro de Memórias da Vila de
Iguape, referente à mesma vila ,consta que após a descoberta da Ima
gem do Senhor Bom Jesus em 1647,
“ ... começou a crescer de tal sorte, que achando-se já oc
cupadas as situações mais visinhas dos seus limites, foi se
o Povo estendendo pela Ribeira Sima, Rio navegavel até
quinze dias de viagem sem embaraço consideravel.
Entam comesaram a descobrir- se minas de oiro para
aquelas partes, cuja extração foi permitida pela Sua Ma
gestade, porque ainda hoje se conserva aqui com as Armas
Reais a casa que entam servia para a Fundição delle, du
rando esta até o descobrimento das minas Gerais, em o ano
de mil e seis centos e noventa e sete pouco mais ou menos
... que ficou sessando, porque quazi todos os Mineiros se
ausentaram daqui para ditas minas ". ( 2 )

É verdade que muitos mineiros se ausentaram dos arraiais da


Ribeira Acima, porém , nem porisso, como diz Young, deixou de
continuar a extração do ouro no mesmo distrito, como é fácil de ver
se pelos documentos existentes em nossos arquivos .
E tanto assim que a 8 de agosto de 1691 , estando Gaspar Tei
xeira de Azevedo, capitão mor de Paranaguá na vila de Iguape, e
atendendo ao pedido dos moradores nas minas da Ribeira, mandou
passar Provisão ao revm . frei Antônio de Assunção, para o cargo de
Capelão das minas de ouro ,
por ficarem longe de povoado metidas em sertam dezerto
que deficultam aos mineiros o poderem assistir nellas pela
falta q' experimentam de sacerdotes p." Thes administrar
os Sacram.cos.

(1) Annaes do Rio de Janeiro, vol. II, pág. 204 .


(2 ) Memorias da Vila de Iguape , fls . 9 .
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 39

Não nos deteremos na citação dos numerosos documentos re


ferentes ao assunto, os quais ainda hoje se conservam no valioso ar
quivo da cidade de Iguape, onde facilmente poderão ser consulta
dos, – documentos ésses que, em sua maior parte, já foram publi
cados pelo saudoso historiador iguapense, no volume citado da Re
vista do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo.
Entretanto, para que se possa conhecer da importància que teve
a mineração do ouro na região sul paulista, transcreveremos o qua
dro abaixo, organisado pelo referido escritor, de acórdo com assen
tamentos extraidos das partes dos respectivos livros, relação que, co
mo os demais documentos, se encontra no volume VI da mesma Re
vista sob o título de Anexo D e que é o seguinte:

ANNEXO D

Resumo de Assentos Decifraveis dos Livros de officina de fundação


UMA FOLHA

21 de Fevereiro de 1668.

Francisco Pereira da Silva ( Padre ) 200 oitavas


Antonio Peres 15
แต่ง

Gonsalo Ribeiro 2 1/2


Luiz da Silva 7 1/2

Francisco de Véras 5
Sancho de Ozedo elldefonso Tinoco 7 1/2
22 de Fevereiro de 1668.
Manoel Roiz Sintra 15
77
Manoel de Souza 2 1/2

OITO FOLHAS

21 de Dezembro de 1668.
Belxior Forão 15 oitavas
Manoel Alves 12 1/2
Luiz da Silva 17 1/2
Manoel Franco 5
Luiz Palhano 25

22 de Dezembro de 1668 .
Antonio Luiz 22 1/2
Luiz da Silva 17 1/2
Francisco Ozedo 5

24 de Dezembro de 1668.
Antonio Alves 40
40 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Antonio Nunes 65
Antonio Fernandes Chaveira 10
Diogo Pereira Paes 22 1/2
99
Christovão Pereira 25
Antonio Franco 10 97
Francisco Goncalves Vianna 25
Lourenço Martins 7 1/2
Marcos Lourenço 12 1/2
Maciel Lopes 7 1/2
Severino Veras 10
Manoel Gonçalves Penedo 10

24 de Dezembro de 1668.
Francisco Rodrigues 10
Gonçalo Martins 12 1/2
Pedro Gonçalves 5
João Anhaya 5 .
P.e Francisco Pereira da Silva 7 1/2 99
Antonio Peres 2 1/2
Manoel Dias Pereira 7 1/2
Antonio Cardozo 7 1/2
André Gonçalves 15

27 de Dezembro de 1668 .

Manoel Alves 22 1/2


Pedro Francisco Lima 5
9

Manoel de Aguiar 7 1/2


André de Fontes 15
Paulo Ozedo 5
Raphael Marques 2 1/2 9
Bento Pereira 17 1/2
Lourenço Alonso da Rocha 17 1/2
Paulo Veras 10
André Fontes 5

28 de Dezembro de 1668 .

Gaspar Pereira 10
Felipe Pereira 5
Baltazar Serrano 7 1/2 99
Luiz da Silva 12 1/2

29 de Dezembro de 1668.
Manoel Martins 5
Francisco de Pontes Vidal 10
Manoel Gomes 5
"
Padre Francisco Pereira Silva 2 1/2

DUAS FOLHAS

6 de Outubro de 1670.
Francisco Guedes 15 oitavas
Manoel Monteiro 5
Sebastião Escudeiro 5
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 41

58266
లాలా
>
André Lopes 5
Sebastião Rodrigues 5
Valentim Rodrigues 5
Trindade de Anhaya 2 1/2
Diogo Pereira Paes 30
Francisco Rodrigues 10
Antonio Franco 12 1/2
Manoel da Costa 82 1/2
99
Luiz da Silva 10
Francisco Rodrigues 2 1/2

UMA FOLHA

6 de Agosto de 1675.
Padre Dionizio de Melo Cabral 15 oitavas
Paulo Teixeira 10
Manoel Lemos do Reino 15
Fernando Correa
ny de Agosto de 1675.
Manoel Lemos do Reino 15

UMA FOLHA

6 de Agosto de 1676
Luiz Ferrão de Castel Branco 25 oitavas
72
Padre Dionizio de Mello Cabral 15
idem 22
idem 12
Sociedade de sete pessoas 76
João Feio 12 1/2
Antonio Franco 62 1/2

UMA FOLHA

28 de Agosto de 1676
Uma Sociedade 102 1/2 oitavas
Manoel do Rego do Reino 127 1/2
Padre Francisco Pereira da Silva 40
Pantaleão Thomé 20
Antonio, Luiz 127 1/2

UMA FOLHA

21 de Janeiro de 1677 .
Belchior Forão 71 1/2 oitavas
Trindade de Anhaya 71 1/2
42 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Manoel Francisco da Cruz 40


>
Salvador da Costa 5
Luiz da Silva 30
Antonio Pereira de Abreu 70 1/2
Manoel de Souza Falcão 10

TRES FOLHAS

12 de Marro de 1677
Manoel Peixoto 30 oitavas
Salvador Gomes 10
Manoel Dias Garcita 20
Domingos Cubas 7 1/2
Antonio Francisco 170
Severino Veras 2 1/2 99
Antonio Cardoso 5

13 de Março de 1677 .
9
Antonio Chaveira 15
Raphael Marques Ovelho 12 1/2
Manoel Monteiro da Rosa 22 1/2
Gonçalo Fernandes 10
Raphael Marques de Araujo 30
Felipe Pereira 2 1/2
Manoel Peixoto 5
Luiz Indio 7 1/2
Luiz da Silva 32 1/2
Antonio de Anhaya 2 1/2
Manoel Gonçalves Penedo 12 1/2
Antonio Pereira de Abreu 202 1/2
Padre Francisco Pereira Silva 10

QUATRO FÔLHAS

6 de Abril de 1677

João Henrique 15 oitavas


Antonio Teixeira 30
Antonio Luiz Serrão 147
Vicente Corrêa 112

12 de Abril de 1677
99
Salvador Cubas 20
99
André Dias 17 1/2
Paulo Ozedo 20

14 de Abril de 1677

Manoel Rodrigues Cintra 225


Luiz Palhano 50
Balthazar Rodrigues 50
Antonio Fernandes Serrão 60
André Luiz 35
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 43

Atanazio Moura 10
Antonio Pires 12 1/2
Diogo Pereira 32
Pascoal Pereira 10
Manoel Ribeiro 7 1/2
Sebastião Rodrigues 2 1/2
Fernando Anhaya 12

19 de Abril de 1677
Francisco Teixeira 10
Manoel Barbosa 10
Paulo Teixeira 12
Domingos de Brito 47 1/2

DUAS FOLHAS

13 de Dezembro de 1677
João Feio de Araujo 20 oitavas
Ignacio do Canto 27 1/2
Luiz Ferrão de Castel Branco 37 1/2

21 de Dezembro de 1677
.

Luiz Ferrão de Castel Branco 25


Manoel Aguiar 20

27 de Dezembro de 1677
Antonio Pereira de Abreu . 20
Luiz Palhano 10
Diogo Pereira Paes 30
27
Pascoal Pereira 77 1/2
Manoel Ribeiro 55
Manoel Teixeira 37 1/2
>
Manoel Teixeira e outros 190

Com a descoberta de novas e mais ricas minas de ouro no Es


tado das Minas Geraes , foram as da Ribeira perdendo sua impor
tancia, transferindo-se muitos mineradores para a região central.
Entretanto , ainda assim no ano de 1793, havia procura de ouro
nos ribeirões da Ribeira, de que é prova bastante o documento se
guinte:

Illmo . e Exmo . Snr.

Dou parte a V. Ex." em como neste Contin .'' e Sertão


onde me acho morando, descobrio Romam de França oiro
de Conta em hum Corrigo, Vezinho ás suas lavras, o d.° Só
Cuidando emceaproveitar da Sua Riqueza apoceandoce por
estar Confinando com a Sua Carta de data e d . Carta de
44 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

data , não se estende athé nos Lemites do d .° Lugar onde


apareseu o oiro : e Ser a d . Carta passada em outro diferen
te Corrigo. Nestes termos mandei chamar o escrivão desta
Goarda -moria , p . " lhe fazer embargo do d .° Lugar e orde
ney o d.º Romam q ' continuasse a Sua mineração Nas Suas
Labras e não naquele Lugar e o d.º escrivão respondeume
q ' não vinha ; e Como este viesse alevantado ao Serviço de
Sua Mag. / Como se achava prezente hum Soldado de Au
seliar, ordeney a este me Servisse, de escrivão em falta do
atual p.a aquela delig ."" ao Serviço de Suo Mag.“ a ordem
de V. Ex .“ prompto esteve mandey embargar o d .° Lugar;
Com isto o d . ° Romam Cuidou m .tº emsobornarme só afim
q' eu não mandase socavar o d .° Lugar. Vendo q' não al
cançava Nada, logo foy valerce do Capitão Joaq . " Pupo
Fer .' / Fazendo o d .“ Cap." toda a delig . de me Sobornar
me achando o d. q' não alcançava nada do q'ententava /
Só cuidou em fazerme desfeitas , mandando prender ao d.º
Soldado q me tinha Servido de escrivão, de dentro da m ..
Caza sem atenção alguma / expondo eu ao d. Cap. q' eu
tinha ocupado ao d .' Soldado p ." aquela delig.a ao Serviço
de Sua Mag .' á ordem de V. Ex . nada admitio o d ." Cap . "
que vexome a V. Ex ." desta desfeita :
Acabada estas dezordens mandey huma Ordem ao es
crivão, desta Goardamoria : fizesse notificar, a dous minei
ros nomiados p . mandar socavar odº descoberto: emcluza
remeto a V. Ex .' a resposta do dº escrivão e como este he
parente do d.º Romam do mesmo Congreço do referido
Cap.m , querem asim sobornarme : Querendo eu exzami
nar o d ." descoberto p. “ dar parte a V. Exa. serta da sua
riqueza e da Sua extenção Como Se acontece todas estas
dezordeins.
V. Exa . mandará Como Sr. o que for Servido : as pro
videncia p.“ g secem estes emsultos. Eu Exmo Sr. Careço
huma ordem de V. Exa p." toda a pesoa q eu Caresa p.
o Serviço de Sua Mag ." estarem promptos e obedecerem
quando V. Exa asim seja Servido : que vejome só neste
Sertão : quando o meu escrivão não obedese . V. Ex . man
dará ào dº escrivão estruçoins p . Se saber Conduzir nos
seus deveres.
Os mineiros destas minas Exmo Snr. não querem ob
servar o regim ."" nem ordens de Sua Mag.
Só fico rogando ao Supremo Snr. G. a V. Ex . por m . "
an . " no seu Divino emprego p.“ amparo desta Capitania ( 1 ) .
Sertão de Nhumgoara da ribr ." de Ig . / 29 de Abril de
1793 a . “
De V. Ex.
Sudito m .tº umilde e obd.
Antonio Bueno da Silvr ."
Guarda Mór .

Como já dissemos, eram os arraiais formados por elementos os


mais diversos, havendo entre eles desertores e criminosos, o que da

(1) Archivo do Estado Maço 97 pasta 1 , doc . 12 .


MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 45

va lugar a constantes desavenças, tornando -se por isso necessária a


nomeação de uma autoridade para conter os excessos dos mineiros,
o que levou o Sargento Mor Garcia Rodrigues Paes Leme à seguin
te petição dirigida a Camara da Villa de Iguape :
Diz o Sargento Mór Garcia Roiz Paes m.º nas minas
de Iporanga destrito desta v." que p.a certo requerim . " The
hé necessr.º que os escrivaens que Costumão falar ás fo
lhas lhe falem com todas e quais quer culpa que delle em
seos Cartorio tiver obrigatorias a livram.to
P. a V. M.cos Seja serv. mandar passar alvarás de fo
lha corrida da forma do Estillo.
E. R. M.C

A esse requerimento , ouvido os escrivães, respondeu o tabellião


Carlos Pereira da Silva: “ Do Supte não tenho até hoje culpas no meu
cartorio que obriguem a livramento. Iguape coatro de Março de
mil e sete centos e sete annos” .
Em virtude do que, resolvia a Câmara passar-lhe a certidão se
guinte:
O Capitão Antonio da Silva Vianna, Juiz Ordinario e
Presidente da Camara , o Alferes João Teixeira de Azeve
do, vereador mais velho, segundo vereador João de Oli
veira, terceyro vereador Braz Lopes Ferreyra e o Procu
rador Manoel Francisco do Rego, que servem este presente
anno nesta villa de Igoape, por bem da Ordenança de Sua
Mag. q' D. Goarde, etc.
Certificamos e atestamos em como o Sargento Mór
Garcia Rodrigues Paes Callaça foy o segundo povoador das
minas de Iporanga Arrayal do distrito desta sobredita vil
la, adonde até agora reside, no exercicio atual de mineiro ,
com seus escravos e pella sua famigerada actividade me
receu ser provido no cargo de Sargento Mór com a regen
cia das sobreditas minas e as da Ribeira e neste emprego
desempenhou a sua obrigação nas occasiões do Real Ser
viço dando favor e ainda ás ordens da Justiça Ordinaria e
Militar e tem cuidado muito na conservação e aumento das
tais minas, pois com o seu respeito, prudencia e magnani
midade tem conservado aquelle povo em boa armonia o que
tudo hé notorio e o juramos aos Santos Evangelhos se ne
seSsario for .
Dada e passada e por nos assignada e sellada com o sel
lo que serve nesta villa de Igoape em Camara de coatro de
Março de mil sete centos sessenta e sete annos. Eu Carlos
Manoel Pereira da Silva escrivão da Camara que o escre
vy . M. da Silva Vianna – João Teixeira de Azevedo João
de Oliveira Braz L. Ferreira . M.“ Franco do Rego .

A 22 de Março do mesmo anno era elle nomeado para o posto


de Sargento Mor das Minas de Ivaporunduva, Iporanga e Xiririca,
46 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

em cujo posto permaneceu por muito tempo, tendo, a 23 de 2 do


mesmo ano, dirigido ao Capitão General D. Luiz Antonio e Souza
Botelho Mourão o seguinte Memorial:

“ Cuido ser presiSamente necessario p." a boa adminis


tração da justiça, proverSe, como por vezes tem requerido
as camaras de Sorocaba e Iguape, um Cap.am mór Regente
p.“ as Minas de Paranapanema, Piahy, e Ribr.a dando por
destrito , como de antes foi , o ambito das Freguezias de Pa
ranapanema, Piahy, N. Snra da Guia de Xiririca p. aSim
Se poder cabalm . ' ' domar aquelles coutos de dezertores,
criminosos e individuos, e tocalos p ." fora aonde não vivão
em alvedrio de conciencia , q' de outra Sorte Se faz pello
agreste daquelles certoins , irrisoria qualquer jurisdição e
podendo ter algum mando o d .° Cap." mór nos auxiliares
Se obviará dezordens, q ' pello longe, e menos civilizados já
começão a fazer. Este he o meu parecer, salvo melhor.

Consultando os mapas da população da Freguezia de N. S. da


Guia de Xiririca no ano de 1766 , pois que traz a data de 9 de ja
neiro de 1767, por eles se vê que se excetuando os habitantes das
Minas de Ivaporunduva e Arraial de Iporanga da Capela de San
tana, existem nada menos de 21 mineiradores, no distrito de Xiri
rica propriamente dito que, com os seus escravos e agregados, ele
vavam - se a um total de 287 indivíduos dedicados exclusivamente à
exportação do ouro , e que eram os seguintes:
Cap." Joaquim Machado de Moraes, 37 ans.
vive de minerar, tem . 14 escravos
mer Maria de Jesus Pereira
Aux. José Leme de Oliveira solteiro, 20 ans.
vive de minerar, tem 9 escravos

Aux. Francisco Pedroso Furquim de Alvaren


ga , solt . vive de minerar , tem 12 escravos

Miguel de Eyró Monteiro, 50 ans. vive de mi


nerar , tem 6 escravos
m ." Maria Pedrosa
Aux . José de Eyró Junior , 15 ans.
Antonio Leme de Alvarenga , 63 ans . vive de
minerar, tem 20 escravos
m . ' Domingas de Lima
Filho Salvador de Oliveira Leme, 26 ans
Raphael de Oliveira Leme, ans. 37 vive de mi
nerar, tem 6 escravos
m .' ' Anna Pedrosa
João de Almeida Leme, ans , 22 vive de mine
rar, tem 3 escravos
m.er Pelonia Pedrosa
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 47

Nuno Mendes Torres , 75 ans. vive de minerar,


tem 45 escravos

Garcia Roiz Paes , 50 ans . vive de minerar , tem 24 escravos


Francisco Xavier Paes, 35 ans, vive de mine
rar , tem 2 escravos

Guarda -mór José Rolim de Moura , 56 ans, vi


ve de minerar, tem 23 escravos

m.er Anna de Lima


Domingos Glz' solteiro, 90 ans. vive de mine
rar, tem 2 escravos

Francisco Ribeiro Callaça , 47 ans. vive de mi


nerar , tem 16 escravos
m ." Maria Thereza Gomes

Maria da Conceição vive de minerar, tem .. 4 escravos


tem uma agregada tambem
Domingos Roiz da Cunha, 38 ans. vive de mi
nerar, tem 12 escravos

Manoel Glz' Fontes, 80 ans . vive de minerar,


tem 12 escravos
m ." Maria Antunes
João Martinho, 75 ans. vive de minerar, tem 28 escravos
Antonio Garcia , 40 ans . vive de minerar, tem 6 escravos

João Dias Baptista, 37 ans. vive de minerar,


tem 11 escravos

Agostinho Martins, 40 ans . vive de minerar,


tem 1 escravo

Manoel Antonio Pinto , 42 ans, vive de minerar,


tem 1 escravo

Joaquim Morato do Canto, ' vindo de novo a


viver de minerar, tem 7 escravos

tem 74 ans, e quatro administradores, mais 4 escravos


m ." Rosa de Toledo Lara
1

CAPITULO IV

O LIVRO DO TOMBO DE XIRIRICA

Uma das maiores dificuldades aos que desejam reunir documen


tos para a confecção de trabalhos históricos sobre qualquer locali
dade é, sem dúvida alguma, a falta de livros que serviam de Tombo
nas antigas Freguezias cujo desaparacimento é sempre inexplicável .
Nesses preciosíssimos livros manuscritos, encerrava-se tudo que
de mais importante ocorria na então vilarejo desde a sua fundação.
reunindo-se ainda em suas páginas marelentas a descrição minuciosa
de todos os fatos que mais tarde serviam para o conhecimento da his
tória local .

Outro motivo de sua importância, é que as ocorrências aí regis


tadas eram assinadas pelo próprio vigario da paróquia , pessoa geral
mente culta e digna de fé.
A mesma cousa não se deve dizer dos livros de Memórias, das
Câmaras Municipais, confiados aos juizes ordinários, que nem sem
pre correspondiam à confiança que neles deviamos depositar, trans
crevendo muitas vezes fatos de nenhum valor histórico, quando ou
tros de real importância deixavam de ser registados.
Xiririca é das poucas localidades paulistas que tem a glória de
possuir o Tombo de sua Igreja Matriz, pela felicidade de ter pos
suido vigários que, por sua competència e ilustração, souberam con
servar tão útil trabalho, que pode ser considerado como um verda
deiro repositório, imprescindível àqueles que como nós se esforçam
pelas monografias históricas .
Fonte primordial para esta modestíssima Memória, o precioso)
manuscrito a que nos referimos, - e que nos foi gentilmente con
fiado pelo Exmo. e Reverendissimo D. Paulo de Tarso Campos, dig
níssimo Bispo da Diocese da cidade de Santos, a cujo arquivo hoje
pertence, não é original, como se pode ver pelo termo de aber
tura, feito pelo Revdmo. Dom Joaquim Júlio da Resurreição Leal,
Presbítero Secular, Cavaleiro da Ordem de Cristo, Vigário Colado
da Vila de Paranaguá e Visitador Ordinário das Comarcas da Mari
nha, o qual, em visita à Freguezia de Xiririca aos 8 de setembro de
50 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

1819, abriu - o e rubricou -o, em substituição ao primeiro livro, onde


os respectivos assentamentos haviam sido feitos de maneira incor 1

reta, como declara no referido tèrmo a que nos reportamos e é o


seguinte:
João Julio da Rm . Leal, Presbitero Secular, Cavallei
ro da Ordem de Christo, Cap.am Confirmado do Real Colle
gio de Parnagoa, Vigario Collado da Parochial Igreja Ma
triz de N. Snra. do Rosário da mesma Villa de Paranagoa ;
nella e sua comarca , Vigario da Vara , Juiz dos Casamentos,
e Reziduos; Examinador Synodal do Bispado de S. Paulo,
e Vizitador Ordinario das Comarcas da Marinha do dito
Bispado de S. Paulo, pelo Exmo. e Rvm . S. D. Matheus
d'Abreu Pereira , Bispo Diocezano , etc. , etc. , etc.
Faço saber ao M. R. Snr. Vigario Collado de Xiririca
Jozé Francisco de Mendonça , que revendo os Livros desta
Igreja achei o Livro do Tombo, cheio de furames e con
teúdo nella, já Pastoraes, já Capitulos de Vizita, já Propos
tas , e Ordens, q' mais se deve chamar confusa Micilania , e
não Livro do Tombo : alem disto, vi no dito Livro, Pasto
raes tão antigas, como são as do Exmo. Snr. D. Frei Anto
nio d’Aguadalupe ; D. Frei João da Cruz, e do Snr. D. Ber
nardo, primeiro B. de S. Paulo, quando aliás só devião
estar copiadas as Pastoraes dos Exmos Prellados desde o
tempo q' principiou esta Freguezia, a ser Parochia : igual
mente ví , q' as mesmas Ordens dos M. R. Vigarios da Vara.
sendo posteriores a muitas Pastoraes, eram escriptas
primr." do q' as Pastoraes antigas, tudo sem methodo, e só
com desarãnjo e notavel desalinho ; para de hoje em diante
remedêar este mesmo dezarranjo , rubriquei este Livro, para
servir de Tombo da Igreja , thé folhas 121 V ; e de f, 128
the o fim para as Pastoraes dos Exmos e Rmos. Prellados
e Rmos. Vizitadores, visto q'o L.° das Pastoraes, está cheyo
de nodoas, e manchado, e porisso incapaz de continuar a
servir, por embeber a tinta , e ficarem as letras apagadas,
e se não entenderem nos Vindoiros tempos.
Neste Livro do Tombo, escrevera o M. R. Sr. Vigr.
com o seu custumado aceyo, clareza, e methodo, a funda
ção desta Freguezia ; procurando dos homens mais antigos,
q' homens forão os que levantarão a primeira Capella; e
seus nomes o dos mais conhecidos habitadores daquelle tem
po, a Desmembração da Villa d'Iguape no tempo do Exm.º
Sr. Bispo D. Frei Antonio da Madre de D. e a Copia de
tudo o que está escripto de f. 5 thé f. 6 V. Igualmente o
nome d'orago da sua Freguezia ; quantas Igrejas se tem 1

feito desde a sua fundação ; os Altares que tem , os Santos,


e os que anualmente se festejão : suas alfayas, e Paramen
tos, véos e costumes ; os termos dividentes, seus nomes, quer
da Ribeira asima, chamada Pilloens, quer Ribeira abaixo:
a extensão de Legoas que tem a Freguezia ; o nome de to
dos os Bairros déla , as Fazendas mais notaveis, o numero
dos Engenhos, e os Senhores dos ditos Engenhos: o patri
monio da Matriz, ou Doação das Cazas para o seu Patri
monio da Matriz: a fundação da Capella filial de Yvapo
rundyva ; quem a fundou, se tem patrimonio ; e em que an
no se principiou a celebrar nella ; a Copia do requerimen
to exarado no Tombo antigo f. 4. Quem foi o seu primei
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 51

ro Parocho desta Freguezia ; quantos tem havido em co


mendados ; seus nomes , e patria ; o bem que fizerão para
augmento da Freguezia : quem foi o primır. Vigario Collado,
seu nome, e patria ; Copia da Carta da Sua Collação : quem
foi o primeiro Vigario da Vara ; copia da Representação do
Rmo. Vizitador ao Exmo . Prellado para a desmembração
da Vara ; copia da primeira Provizão de Vigario da Vara :
Copia do Termo q' se passou em Vizita para a fundação
da nova Igreja Matriz, e finalmente os numeros dos habi
tantes; o Comercio , as plantaçõens, importação e exporta
ção. Igualmente escreverá tudo o mais notavel q' tem acon
tecido desde a fundação desta Igreja , o que se poderá sa
ber , inquirindo dos homens mais antigos; e o que aconte
cendo de hoje em diante de mais memoravel, para se não
perder os acontecidos feitos, da Lembrança dos homens;
pois só deste modo se conservão, apezar da edacidade dos
annos. Bem sei, que este trabalho hé grande, porem são
mayores os talentos, e scientificos conhecimentos do M. R.
Parocho actual : e como he primeiro Vigário Collado desta
Matriz, elle tão bem deve ser o primeiro, q ' com toda a
clareza , ordem , e bom methodo deve esclarecer, e avivar,
o que athé aqui pertencente a sua mesma Matriz está sem
clareza, e quasi de todo esquecido. O Livro do Tombo an
tigo, sirva só para os Capitulos de Vizita. Assim escrupu
lozamente s'observem emquanto os Exmos , e Rvmos. Prel
lados não mandarem o contrario. Xiririca , em Vizita aos 8
de 7bro de 1819.

‫הו‬
O Viz.ºr João Julio da R.m Leal

Como acabamos de ver, o atual Livro nada mais é do que a


cópia fiel do primitivo, tendo sido feito pelo Rvmo. Padre José Fran
cisco de Mendonça, que, por isso mesmo, também por sua vez, ru-"
bricou os capítulos em sua parte final, reportando -se, portanto, ao
primeiro livro.
Assim , perfeitamente autenticado, a ele devemos todo o valor
que merece como si fôra na verdade o antigo manuscrito, onde os
primeiros vigários iniciaram a história da vida da localidade quando
se erigiu a primeira e humilde capela, para a qual tanto concorre
ram os irmãos Veras .
CAPITULO V

ERECÇÃO DA CAPELLA DE NOSSA SENHORA DA GUIA


2
DE XIRIRICA

SUA DESMEMBRAÇÃO DA IGREJA DE IGUAPE

Em meiados do seculo XVIII , como já vimos, bem regular era


o número de habitantes da região da Ribeira Acima, contando-se
entre eles os irmãos Severino e Romão de Veras, que alguns anos
antes haviam se transferido da vila de Nossa Senhora das Neves de
Iguape, para esse ponto da Ribeira.
A necessidade da formação de um povoado onde congregados
em sociedade pudessem viver, levou ao espírito dos mesmos a idéia
da criação da Freguezia e principalmente de uma Capela para .
culto dos fiéis .

É o que reza o Livro do Tombo da Freguezia de Xiririca em


sua primeira notícia, dizendo:

“ Das memorias ainda existentes e incontestaveis des


ta Freguezia consta que aos 16 de janeiro de 1757, alguns
dos primeiros moradores desta Ribeira áSima , emtão Fre
guezes da Villa de Iguape, no bairro de Jaguary, hú dos
mais antigos d'esta Freguezia, passarão a Escriptura de Pa
trimonio da primeira Capella, que fundarão debaixo da
concessão do Escellentissimo e Reverendissimo Prelado Dom
Fr. Antonio da Madre de Deus Galvão deste Bispado de
Sam Paulo ; e que passados Seis annos depois de fundada
a Capella foi esta desmembrada da Igreja Matriz da refe
rida Villa de Iguape por Sentença do mesmo Excellentissi
mo e Reverendissimo Prelado de 19 de Janeiro de 1763,
sendo em todo este espaço Vigario Collado da referida Vil
la de Iguape o Muito Reverendo Antonio Ribeiro " . ( 1 )

Como dizia o padre dr. José Martins Tinoco, primeiro Vigário


Colado da mesma Freguezia, " gemendo o moradores do Ribeira
acima com grande e irremediavel carencia de Suffragio, se confede

( 1 ) Livro do Tombo da Matriz de Xiririca , pág. 2 .


54 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

rarão com o Reverendo Vigario de Iguape, de erigir hua Capella,


em a qual constituisse elle Reverendo hum capellão actual à sua
custa, obrigando -se elles a contribuir cada hum com meia oitava
de ouro por pessoa de confissão ” .
Para patrimônio dessa primeira Capela reuniram-se os irmãos
Veras, e de commum acordo, resolveram fazer doação de duas mo
radas de casas situadas na vila de Iguape, passando a nova Fregue
zia a denominar -se N. S. da Guia de Xiririca, por ficar defronte do
ribeirão do mesmo nome, local de onde, mais tarde, por causa das
grandes enchentes, foi transferida para o ponto atual, conhecido pe
la denominação de - Pôrto da Ilha Formosa.
O importante documento a que acima nos referimos é o que
se segue :
2. Copia da Escrittura de Doação, e Patrimonio, que
fazem de duas moradas de Cazas de pedra e cál, cubertas
de telhas, Sitas na Villa d'Iguape, Romão de Véras, e Se
verino de Véras, e Suas mulheres, para a Capella, que que
rem erigir n'este Rio da Ribeira os moradores d'ella.

Saibão quantos este publico Instrumento de Escritura de Doa


ção e Patrimonio virem, que sendo no Anno do Nascimento de Nos
so Senhor J. Christo de mil e settecentos e cincoenta e Sette aos
dez dias do mez de Janeiro do ditto anno n'este Sitio de Jaguary no
Rio da Ribeira destricto da Villa d'Iguape, onde eu Tabellião an
diante nomeado fui vindo á requerimento de Romão de Véras, e Se
verino de Véras, e sendo ahí, apparecerão prescentes o ditto Romão
de Veras, e Sua Mulher Maria Rodrigues de Vasconcellos, e o dit
to Severino de Veras, e sua mulher Maria de Oliveira, todos pessoas
reconhecidas de mim Tabellião pelos mesmos, de que faço menção,
e dou minha publica fé, e por elles dittos em presença das Teste
munhas ao diante nomeadas, reconhecidas, e assignadas, me foi dit
to, que elles entre outros demais bens, que possuião, erão senhores
e possuidores de duas moradas de casas mixtas, cubertas de telha,
que tinhão comprado a João de Pontes, e Antonio de França, cuja
compra se Lavrára por escritura publica á consentim.to e benepla
cito tanto dos referidos Vendedores, como d'elles compradores, as
sistindo, como dispoem a Lei , as mulheres dos refr.os Vendedores com
sua espontanea outhorga, as quaes Cazas, de que erão Senhores, os
presentes Outhorgantes, disserão, q' para effeito de Se-conseguir 2
estabelecim.tº de hua Capella n’este Rio da Ribeira, onde a - querem
erigir os Moradores do ditto Rio Para remedio espiritual de Suas
almas, davão as dittas duas moradas de cazas de pedra e cal , cu
bertas de telha, sitas na Villa d'Iguape, defronte da Sacristia com
os fundos p.“ a Fonte do Senhor B. Jesus, que de hua banda parte
com cazas de Gregorio José Gambino, e da outra com cazas de
Manoel de Véras, para Patrimonio da ditta Capella, sendo esta da
ditta paragem ; e q esta doação fazião de Sua unica vontade de hoje
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 55

para todo o Sempre da ditta Capella, sem que em algum tp . possão


Seus herdeiros, ascendentes ou descendentes, annullar esta escritura
por motivo algú, e que, quando por maior validade deste Instru
mento, lhe faltasse algúa Clausula das necessarias, as-davão por ex
pressas, e declaradas; e de como assí o-disserão, me pedirão Ihes fi
zesse este Seu Instrumento , que como pessoa publica, estipulante e
acceitante, estipulei e acceitei neste meu Livro de Notas,para d'elle
dar os treslados necessarios, que depois de feito eu li a elles outhor
gantes e acceitarão, e assignarão, e por não saberem escrever as
mulheres dos dittos Doadores, assignou por ella Maria Rodrigues
de Vasconcellos seu filho Domingos Pereira Véras, e por Maria
d'Oliveira, mulher de Severino de Véras, Sebastião José, Sendo a
tudo presentes por testemunhas Sebastião Soares das Neves e An
tonio Gonçalves da Rocha, todos moradores d'esta Villa d'Iguape,
reconhecidos pelos mesmos , deq dou minha fé. E eu Carlos Ma
nuel Pereira da Silva, Taballião que o escrevi . = Severino de Vé
ras = Romão de Véras = Assigno á rogo da Outhorgante minha
mai , Domingos Pereira Veras = Assigno á rogo de Maria d'Oliveira
Sebastião José Sebastião Soares das Neves = Antonio Gonçalves
da Rocha = Not .... E nada mais referia a ditta C que da Villa
d'Iguape á meu peditorio mefoi enviada pelo Juiz Ordinario, q' en
tão era Raymundo Pinto d’Almeida, copiada de hú Livro de Notas
da Camara, a qual foi por mim transcripta no sobre dº Livro dos
Cap. de Visitas, que então servia de Tombo, aos 22 de Dezembro
de 1816. Na presente Copia não fiz mais que reduzir a ordem Se
guida alguns periodos, que se achão na do mencion .° Livro com
ambiguidade e repetiçoens de palavras (1 ) .
Mend.ca

Erigira -se a Capela, e mais tarde, em companhia de seus pa


roquianos, ia ter à Freguesia o revd . Antônio Ribeiro, vigário colado
da Vila de Iguape, que , ao alegre repicar dos sinos, aos oito dias do
més de setembro de 1757, solenemente colocava em seu altar a glo
riosa Imagem de Nossa Senhora da Guia, cuja invocação ficou sendo
o orago perpétuo da cidade.
Entretanto, o rev. padre Antônio Ribeiro, vigário de Iguape,
pela grande distância em que se achava e dificuldade de meios de
transportes, faltou ao prometido, indo “ visitar suas ovelhas e mi
nistrar -lhe o santo officio somente por occasião da Desobriga ou da
Paschoa, isto pelo espaço de seis annos”. Descontentes pelo dimi
nuto Pasto Espiritual e cujo pagamento integral tornava-se necessá
rio fazê-lo, resolveram os moradores da novel Capela fazer uma re

( 1 ) Livro do Tombo, fls . 2 v . e 3.


56 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

presentação ao Bispo de S. Paulo, Dom Frei Antonio da Madre de


Deus Galvão, conseguindo de Sua reverendissima a desmembração
da mesma como se vê pelo documento seguinte:
SENTENÇA DE DESMEMBRAÇÃO DESTA FREG.a
DA DE IGUAPE

$ 2.0

Dom Fr. Antonio da Madre de Deus , por mercê de


Deus , e da Santa Sé Apostolica Bispo de S. Paulo, e do
Conselho de Sua Magest. Fidelissima, q ' Deus guarde, et
coeter . Aos q' esta Nossa Sentemça de Divisão virem Saú
de e Benção . Fazemos Saber, que por Sua petição nos
representarão os Moradores da Capella de Nossa Senhora
da Guia de Xiririca , que elles tinhão alcançado de Nós pro
visão de erecção, para poderem fundar, e edificar a ditta
Capella, e que n'ella se tinha celebrado o Santo Sacrificio
da Missa , como Filial da Igr.“ Matriz da Villa de Iguape,
cujo Parocho lhes - administrava os Sacramentos como seus
Paroquianos, mas que, pela grande distancia em que se
achavão erão Soccorridos com o pasto espiritual de anno á
anno pelas Desobrigas da Quaresma, de que tinha resul
tado morrerem muitos Sem Sacramentos, porquanto o dit
to Reverendo lhe-não punha na ditta Capella Sacerdote,
que quotidianamente os- Soccorresse com o Pasto espiri
tual ; pedindo-Nos por fim de Sua Supplica, os Desmem
brasse- mos da ditta Freguezia de Iguape, e lhes-curássemos
da ditta Capella de Nossa Senhora da Guia de Xiririca ; e
attendendo Nos a Sua tão justa e Louvavel Supplica, por
todo o Nosso desvelo so, ser o Provermos o melhor meio
para as Almas das nossas Ovelhas participarem, e se apro
veitarem do Pasto espiritual , Houvemos por bem mandar
tirar varias informaçoens, e fazerem-se algúas diligencias
necessarias. E sendo tudo authuado pela Nossa Camera
Episcopal, onde os Supplicantes assignarão Termo por Seu
bastante Procurador da Congrua, que hão de pagar ao Pa
dre , que lhes- administrar os Sacramentos, se Nos-fizerão
presentes , digo os Authos presentes, nos quaes Proferimos
Nossa Sentença do teor e forma seguinte:
§ Vistos estes Authos, requerimento dos Moradores da
Capella de Nossa Senhora da Guia de Xiririca, e documen
tos juntos , porque se -mostra , que tendo os mesmos Mora
dores alcançado de Nós provisão de erecção da ditta Ca
pella , e n'ella se tem celebrado o S. Sacrificio da Missa
como Filial da Igreja Matriz de Iguape, cujo Parocho ad
ministra os Sacramentos aos mesmos Moradores como Seus
Paroquianos, mas que, pela grande distancia, em que se
achão, apenas São Soccorridos com o Pasto espiritual de
anno em anno pelas Desobrigas da Quaresma , de que tem
resultado morrerem muitos sem Sacramentos, como Nos
constou pelas informaçoens que mandamos tomar, e tãbem
pelo que confessa o Parocho Collado de Iguape na infor
mação f. 4 , digo na Sua informão f. 4 , certificando a gran
de necessidade que há , de haver n'aquella Capella Capel
lão, que administra os Sacramentos, principalmente queren:
do o Povo voluntariamente concorrer com as Conhencem
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 57

ças de meia oitava de oiro por cada pessoa de confissão, que


té o presente tem percebido o Reverendo Parocho ; mesmo,
que, Sendo este noteficado pelo Mandado, e fé da Citação
f. 6 para q ' no tempo de tres mezes puzesse na ditta Capel
la Capellão á Sua custa , como era obrigado, pena de se-lhe
desmembrar , não o tem feito té o presente, sendo passado
muito mais de cinco mezes, continuando e existindo a mes
ma urgente necessidade, e faltas de Sacramentos ; e tendo
se já obrigado aquelle Povo por seu bastante Procurador,
que assignou Termo de pagarem ao Capellão Curado , que
The -Nomeassemos, meia Oitava por cada húa pessoa de con
fissão té completar o numero de Seiscentas pessoas, e que
havendo augmento n’estas, Se- repartiria pro rata o que a
cada húa tocasse, para que sempre se perfizessem trezen
tas oitavas : O que tudo visto , e o mais dos Authos, e não
ter o Parocho de Iguape mostrado , nem allegado causa , que
0-releve, para se lhe-não desmembrar da Sua Freguezia a
ditta Capella com Seus Moradores, nem lhes-assistir com
o Pasto espiritual, como hé obrigado ; Conformando-Nos com
a disposição de Direito, e Sagr . Concilio Tridentino no pre
sente caso, Havemos por desmembrada a mesma Capella
da Igreja Matriz de Iguape, da qual era Filial, e a- creamos,
e Instituimos Capella Curada , e independente do ditto Pa
rocho, e lhe Assignamos por termos dividentes , correndo
da Fortaleza do rio Jyquia inclusive para Sima, té a barra
do rio dos Pilloens inclusive para baixo. E todos os mo
radores, que dentro dos ditos Limites se -acharem , ou de
novo para ahi vierem, ficarão sujeitos ao Capellão Curado ,
que existir na ditta Capella , e lhe-obedecerão como ao pro
prio ' Parocho. Passe- se Sentença aos Impetrantes , e pa
guem as custas : S . Paulo 19 de Janeiro de 1763. Fr. Anto
nio Bispo de São Paulo. E nada mais, digo e não se -con
tinha mais em a ditta Nossa Sentença proferida em os d. ”
Authos , dos quais se passou a presente, a qual Mandamos
Se-cumpra, e guarde como nella se- contem . Dada n'esta
Cidade de S. " Paulo sob Nosso Signal e Sello aos 19 dias
do mes de Janeiro de 1763. = Fr. Antonio Bispo de S.
Paulo = Lugar do Sello = Moreira. ( 1 )

IGÁRIOS
VIGÁRIOS DE XIRIRICA

Serviram a Paroquia de Xiririca, desde a erecção da modesta


Capela, até a presentedata, os sacerdotes seguintes:
1.0 - P. Dr. José Martins Tinoco , – que criou e organisou a Fre
guezia. Governou 10 anos. Era formado pela Universidade
de Coimbra . Lutou muito em Iguape para obter a criação da
Paroquia, que foi desmembrada daquela por Provisão de 19
de janeiro de 1763.

NOTA : D. Frei Antonio da Madre de Deus Galvão, cuja nomeação para 2.0 Bispo
de São Paulo foi confirmada a 17 de março de 1750, faleceu a 19 de março
de 1764, depois de haver regido a igreja paulopolitana por espaço de
13 anos.
58 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

2.0 P.e Antonio Pedroso de Barros Leite natural da cidade de


São Paulo .
3.0 - P. João Teixeira da Cruz, naurtla da cidade de São Paulo ,
faleceu em Iguape.
4.0 P.e Antonio Pedroso de Barros Leite, que, mais uma vez, vol
tou a paroquia -la.
5.° - P. Francisco Xavier de Passos, natural de Santos, onde le
cionou latim, depois retorica e literatura em S. Paulo.
6. ° P.e José Francisco de Mendonça, natural da Ilha de Santa
Catharina, do Bispado do Rio de Janeiro. Foi o 1.º Vigá
rio Collado da Vara.
7.° P.e Bernardo de Moura Prado.
8.° – P. Francisco Figueira da Assumpção.
9.0 - P. Francisco José da Trindade.
10.º – P. Joaquim Gabriel da Silva Cardoso natural de Xiririca.
Foi o primeiro presidente da Camara Municipal . Faleceu
em Apiaí .
11.º P. Jordão Homem Pedroso .
12.0 – P. Joaquim Gabriel da Silva Cardoso, pela segunda vez.
13.0 – P.º Agostinho Antonio de Santana.
14.0 – P. Vicente Servidío. - Faleceu em Iguape.
15.º P.e Leon Blandet .
16.° P. Victorio Maria Peyla, que iniciou a construção da atual
Igreja Matriz.
17.0 - P.- Fr. Flaviano Garcia , O.S.A.
18.° – P.e Evaristo Consalez O.S.A.
19.0 P.e José Joaquim Castanheira .“
20.0 - P. Carlos Regattieri .
21.0 – P. Antonio da Graça Christina .
22. ° P.e Paschoal Cassese .
23.° P.° José Paschoal.
24.0 P.e Firmo Maria Vieira .
25.0 – P. José Joaquim Valente Rosa .
CAPITULO VI

DAS COMPANHIAS DE ORDENANÇAS

O melhor índice do progresso de uma povoação ou de uma Fre


guesia, era sem dúvida alguma, a criação de uma companhia de au
xiliares para a mesma, significando esse ato o aumento de sua po
pulação.
Porisso, enquanto a Freguezia de Xiririca não passava de um
simples arraial de poucos moradores, nenhum simulacro de govern:)
militar aí existia, sendo a Companhia de Auxiliares, da Ribeira Acima
formada por habitantes das margens do Ribeira.
E tanto assim, que no ano de 1768, sendo elevado o número de
pessoas que habitavam a região alta, espalhando- se pelos novos des
cobertos e pelas minas de ouro de Ivaporunduva, Apiaí e Iporanga,
atendendo aos pedidos das Camaras das vilas de Iguape e Soro
caba, nomeava o capitão general D. Luiz Antônio de Sousa Botelho
Mourão, a Garcia Rodrigues Callaça, em 22 de março do mesmo
ano , para o posto de Capitão-mor Regente de todos os sertões de
Minas da Ribeira, Paranapanema, Apiaí e Nossa Senhora da Guia de
Xiririca, como se vê do documento seguinte :
" DOM LUIZ ANT. DE SOUZA etc. Faço saber aos q'
esta minha Carta Patente virem q ' tendo Consideração a
serem varias vezes representado as Camaras das V .** de
Iguape, e Sorocaba, a urgente necessid . q' havia de q nas
Minas da Ribr. Paranapanema , Piahi , e N. Snr. da Guia
de Xiririca , houvese hú Cap. mór reg.te q. pudesse com a
authorid . ° do seu imprego , e Comando Sugeitar os Povos
daqueles Certois, e Minas, q' vivendo rebeldes, e absolutos
as just.«s de S. Mag. * permitião Coutos , e Congregavão de
zertores, e Criminosos, Sem mais temor, nem Conhecim . ' '
de q . houvesse em todo aquele Continente pesoa q’ domes
ticando as Suas rebeldias, rebeldias, reparando os Seus in
sultos, e Consertando o seo disoluto viver, os puzese na
maior obediencia , os intruise na melhor politica, e Civilid. "
agregando-os em Povoações Civis, destruindo os Citios vo
lantes , q . S. Mag. pelas Suas Novas ordens tanto recomen
da, e atendendo a ser conveniente provar o d .” posto, em
pesoa de Capacid.' prestimo activid ." e Zelo, e achar q'
Garcia Roiz' Paes Calaça poderá desempenhar a Confiança
60 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

q' faço de Sua pesoa por Concorrerem nelle todos os requi


zitos e Circunstancias necessarias p. bem ocupar o d. ° pos
to e esperar delle q ' em tudo o de q' for encarregado obra
rá com acerto, e prudencia, guardando q. for do Serviço de
S. Mag .“. Hey por bem prover / Como por esta o faço em
virtude do poder q' S. Mag. p.' a fazer me há Concedido
ao d .” Garcia Roiz Paes Calaça no Posto de Cap." mór
Regente de todos os Certois, e Minas da Ribr.", Paranap.a,
Piahi, e N. Snra da Guia de Xiririca desta Capitania, o
qual posto exercerá emq.'' eu houver por bem, ou S. Mag.
aq." deve requerer Confirmação pel oSeu Conselho Ul
tramrº não mandar o Contr.", com o qual não vencerá
Soldo algum , mas gozará de todas as honras graças pri
vilegios Liberd . “ , isenções, e franquezas, q' em razão de
mesmo posto lhe pertencerem . Pelo q' ordeno a todos os
Cabos de Guerra, Milicia e Justiça Conheção e hajão ad.°
Garcia Roiz' Paes Calaça por Cap. " regente dos referidos
Certões, e Minas declaradas do qual posto o hey por me
tido de pose, e jurará homenagem nas m.^ s mãos pela d.a
regencia , de q' se fará asento nas Costas desta minha Car
ta Patente, e a todos os Povos, e mais pesoas a elle Subor
dinadas ordeno tambem não duvidem de sua jurisdição, e
q' em tudo o honrem , estimem , e Cumprão Suas ordens
por escripto , em palavra, Como devem e são obrigados no
q' tocar ao Real Serviço. E por firmeza de tudo lhe man
dei pasar a prezente por mim asignada, e selada com o
signete de m .“ armas , q ' se Cumprirá inteiram .'' como
nella Se Contem e Se registará nos Livros da Secretr.
deste Governo, e mais partes a q' tocar. ' Dada nesta Cid.”
de S. Paulo aos vinte dois de Março de mil sete centos se
senta e oito .
Thomas Pinto da S. ” Secretario do Gov.° a fez escre
ver ,
Dom Luiz Ant." de Souza // ( 1 )

Por esse documento se vê que, até então ainda não havia sido
criada comp. alguma exclusivamente de Xiririca, para cuja locali
dade atendendo aos pedidos do capitão -mor da vila de Iguape, sò
mente em 1768, era nomeado a primeira autoridade militar.
A 3 de setembro de 1766 era nomeado Joaquim Macedo e Mo
raes para o posto de capitão de auxiliar de pé da Companhia da
Ribeira de Iguape, do Regimento da Marinha, encarregado do go
vèrno da Freguezia para cuja companhia em 1776 eram indicados os
nomes de Joaquim Pupo Ferreira para o posto de tenente e Cláudio
Furquim de Alvarenga para Alferes ; como se vê dos documentos
seguintes:
EM 17 DE 8br." DE 1766

Proposta p.a os novos Officiaes das Com.as de Auxilia


res da Freguezia de N. S. da Guia de Chiririca da Ribr."
de Iguape, e da V.' de Conceyção de Itanhaé.

(1 ) Arquivo do Estado , Livro de Patente , fls . 179 v .


MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 61

COMP.a DO CAP.Am JOAQ. " MACHADO , E MORAES


DA RIBR.“ PARA TEN.*

P.N. Joaquim Pupo Ferr. Soldado da Ordenança, em


quem concorrem os requizitos ne
cessarios em Lugar de Rafael de
Olivr.“ Leme, Ten . da Comp.a q'o
não pode ser, por velho, e doente .
P.N. Para alferes a Claudio Furquim de Alvaren . “ Cabo
de Esquadra da mesma Companhia,
em q .em tambem Concorrem os re
quizitos necessarios , em Lugar de
Fran ." Pedroso de Alvarenga, Al
fr.ºs da Comp. “ q' não pode ser por
cançado, velho , e pobre.

COMP.a DO CAP.am JOZÉ MENDES DO PRADO


NA CONCEYÇÃO

P.N , Para Tenente Jozé Antonio Garcêz Soldado da


Comp ." em q ." concorrem os requi
zitos necessarios, porq ' Florencio
Alvs. de Ar. Ten . da Comp. está
impossibilitado por velho.
P.N. Para alferes Joaquim Severo França Porta Bandr.
da Comp." em q . " concorrem os re
quizitos necessarios, em Lugar de
Manoel José Frr .“ Alf.ºs da Comp.a
q' não pode ser por inhabil, velho
e pobre .
Fran ." Aranha Barreto
Cap . " Comdº da Praça de S.tos

LISTA GERAL E MATRICULA

Matricula da Comp. da Tropa Auxiliar, da Ribeira de Iguape,


e do estado em que se acha de prezente.
Capitão Joaquim Machado de Morais
Alferes Francisco Pedroso de Alvarenga
Sarg.º do N.° Manoel Pereira de Oliveira
Furriel João Pereira Pais

Cabos

1 João de Pontes Maciel f.° de Salvador de Pontes natural de


Iguape, cazado, de idade de 38 annos: Estatura ordinaria,
olhos pardos, com hum Signal de ferida na testa, cabelo
preto corredio : Acentou praça em 26 de Dezembro de 1766 1
62 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

2 Romão de França f.° de Antonio de França Lisboa natural


de Iguape, cazado , de idade de 34 annos: Estatura ordina
ria olhos gatiados cabelo ruivo, e crespo : Acentou praça em
26 de Dezembro de 1766

3 João Roiz Freitas f.° de Pantaleão Pereira Paiz, natural de


Igoape, digo de Cananea: cazado de idade de 37 annos: Es
tatura alta, trigueira, olhos pardos com sicatriz no queixo
da p . dir.tu cabelo preto, e crespo: Acentou praça em 26 de
Dezembro de 1766

Soldados

4 Claudio Forquim de Alvarenga f.° de Cimplicio Forquim


natural de Itú , Viuvo de idade de 35 annos ; Estatura ordi
naria, trigueiro, olhos pardos cabelo preto: Acentou praça
em 26 de Dezembro de 1766 4

5 Ignacio Teixeira de Siqueira, f. de Manoel Teixeira n.al de


Igoape cazado: de idade de 43 annos: Estatura ordinaria,
olhos pardos, cabelo preto e corredio, Asentou praça em 26
de Dezembro de 1766

6 Maximo de Miranda f. de Paulo de Anhava natural de Itú


Solteiro de idade de 45 annos: Estatura ordinaria, olhos par
dos cabelos castanhos corredio: Asentou praça em 26 de
Dezembro de 1766

7 Martinho Alz' Correa f.° de José Correa Pinto natural de


Mugy das Cruzes cazado de idade de 40 annos : Estatura
ordinaria, olhos pardos, cabelos pretos corredio. Acentou
praça em 26 de Dezembro de 1766
8 Sebastião Teixeira f." de Manoel Teixeira natural de Iguape,
cazado, de idade de 40 anos. Estatura ordinaria , olhos par
dos, sobrancelhas groças, cabelo castanho corredio. Acen
tou praça em 26 de Dezembro de 1766
9 Manoel Teixeira Pereira f .° de Manoel Teixeira natural de
Igoape Solteiro de idade de 22 annos. Estatura ordinaria,
olhos pardos, cabelos pretos corredio. Acentou praça em
26 de Dezembro de 1766

10 Silvestre Dias Sequeira f. de Manoel Teixeira n.al de Iguape


d .• Cazado de idade de 40 annos. Estatura ordinaria, olhos
pretos, cabelo preto corredio. Acentou praça em 26 de De
zembro de 1766 5
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 63

11 Antonio Oliveira f.° de Sivirino Pereira Véras n.al de Igoape


cazado, de idade de 31 annos. Estatura ordinaria , olhos
pardos, cabelo preto . Acentou praçà em 26 de Dezembro
de 1766 6

12 João Dias Baptista f. de João Frz’ Moreira natural de Lorlo


Arcepisbado de Braga, cazado de idade de 47 annos. Esta
tura baixa, rosto redondo, olhos azuis. Acentou praça em
26 de Dezembro de 1766 7

13 Domingos Roiz Cunha, natural da Villa dos Arcos Arcebis


pado de Braga cazado de idade de 47 annos . Estatura or
dinaria, afilado, olhos pardos, cabelo corredio . Acentou
praça em 26 de Dezembro de 1766 8

14 Desiderio Pereira de Oliveira, f .° de Sivirino Pereira n.al de


Igoape, cazado de 39 annos. Estatura ordinaria , olhos par
dos, cabelo preto. Acentou praça em 26 de Dezembro de
1766 9

15 Bento Jozé Roiz' f.° deManoel Roiz’ Manço, n.al de Igoape


cazado de idade de 32 annos. Estatura ordinaria , cabelo pre
to corredio. Acentou praça em 26 de Dezembro de 1766 10
16 Antonio de Pontes Maciel f .° de Salvador de Pontes Maciel
n.al de Igoape, cazado de id . de 43 annos. Estatura ordi
naria, cabelo preto corredio . Acentou praça em 26 de De
zembro de 1766 11

17 Ignacio Pereira Veras f.º do Cap." Romão de Veras natural


de Igoape cazado, de idade de 50 annos. Estatura ordinaria,
olhos gateados, cabelo castanho corredio . Acentou praça 12
em 26 de Dezembro de 1766

18 Sivirino Pereira Veras f.º do Cap.m Romão de Véras natural


de Igoape, casado de idade 28 annos. Estatura ordinaria,
olhos pardos, cabelo castanho corredio. Acentou praça em
26 de Dezembro de 1766 13

19 Estanislao Corrêa f. de Pedro Alexandrino de Morais natu


ral de Igoape cazado de id . de 27 annos. Estatura ordi
naria, cabelo castanho corredio. Acentou praça em 26 de
Dezembro de 1766 1.1

20 Manoel Roiz Bueno f.° de Antonio Roiz' Pontes natural de


Igoape, solteiro de idade de 40 annos. Estatura ordinaria
trigueiro, olhos pardos, cabelo crespo. Acentou praça em 26
de Dezembro de 1766 15

21 José Roiz’ Bueno f.° de Antonio Roiz' Pontes natural de


Igoape, solteiro de 31 annos. Estatura ordinaria, olhos par
64 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

dos trigueiro, cabelo preto corredio. Acentou praça em 26


de Dezembro de 1766 16

22 João da Cunha Pinto f .° de João da Cunha Pinto natural


de Igoape, cazado de idade de 39 annos. Estatura ordina
ria, olhos pardos, cabelo preto. Acentou praça em 26 de
Dezembro de 1766 17

23 Antonio da Costa Travaço natural de Igoape, solteiro de


idade de 30 annos. Estatura ordinaria, rosto trigueiro, cabe
lo preto e crespo. Acentou praça em 26 de Dezembro de
1766 18

24 João Pereira da Paz f.° de Victorino Pereira da Paz n.al de


Igoape, cazado de idade de 36 annos. Estatura ordinaria
com falta de dentes adiante, olhos pretos, cabelo ruivo.
Acentou praça em 26 de Dezembro de 1766
25 Antonio Antunes de Almeida f .° de Nicolao Antunes Pe
reira natural de Igoape, cazado de idade de 48 annos . Es
tatura alta, nariz afilado, olhos pardos, cabelo grizalho
crespo. Acentou praça em 26 de Dezembro de 1766 19

26 Barnabé Alz Ribr." f .° de Ignacio Miz natural de Igoape


cazado de idade de 38 annos. Estatura ordinaria, olhos par
dos, cabelo preto e corredio. Acentou praça em 26 de De
zembro de 1766 20

27 João da Silva Gomes f. de Antonio da Silva natural da Vil


la da Conceição, cazado de idade de 34 annos . Estatura
ordinaria , olhos pardos, cabelo preto corredio. Acentou
praça em 26 de Dezembro de 1766 21

28 Sebastião José da Costa f.° de Domingos Jozé da Costa n.al


de Paranapanema, cazado, de idade de 44 annos. Estatura
ordinaria barba ruiva, olhos pardos, cabelo castanho, cor 22
redio . Acentou prça em 26 de dezembro de 1766
29 João Pereira f .° de Diogo Pereira Pais , natural de Igoape
cazado de idade de 30 annos. Estatura baixa, trigueiro, olhos
pardos e grandes, cabelo corredio com huma cicatriz no
beiço da parte direita. Acentou praça em 26 de Dezembro
de 1766 23

30 João Pereira Pais f.° de Sivirino Pereira Véras, natural de


Igoape, cazado de idade de 33 annos . Estatura baixa, olhos
pardos, cabelo castanho, corredio . Acentou praça em 26
de Dezembro de 1766 24

31 Manoel Pereira de Oliveira f." de Sivirino Pereira Veras n.al


de Igoape, solteiro de idade de 22 annos . Estatura ordina
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 65

ria, olhos azuis, cabelo castanho e crespo. Acentou praça


em 26 de Dezembro de 1766 25
32 Ignacio Mouniz f . de João Moniz natural de Iguape cazado
de idade de 25 annos. Estatura ordinaria trigueiro, olhos
azuis, cabelo castanho. Acentou praça em 26 de Dezembro
de 1766 26

33 João Francisco Barboza, f. de João Francisco Barboza na


tural de Igoape, cazado de idade de 38 annos. Estatura or
dinaria, trigueiro, olhos pretos, cabelo preto e corredio.
Acentou praça em 26 de Dezembro de 17666 27

34 Lourenço Pereira Freitas f.° de Antonio Pereira Véras na


tural de Igoape, cazado de idade de 41 annos. Estatura or
dinaria, olhos pardos, sobrancelhas groças, cabelo preto
28
corredio. Acentou praça em 26 de Dezembro de 1766
35 Francisco de Eyró de Alvarenga f.º do Cap. Miguel de
Eyró n.al de Ipuranga, soltr .° de id.e de 17 annos. Estatura
ordinaria, olhos pardos, cabelo castanho. Acentou praça em
26 de Março de 1776 29

36 Bento Manoel Cordeiro f.° de Carlos Manoel Pereira natu


ral de Igoape, solteiro de idade de 13 annos . Estatura baixa,
3 sinais na face esquerda, olhos azuis, cabelo louro . Acen
tou praça em 18 de Março de 1776 30

37 Jozé Cardozo de Souza f.° de Luiz de Souza natural de Igoa


pe solteiro de idade de 18 annos. Estatura ordinaria, olhos
pardos, cabelo preto corredio. Acentou praça em 19 de Mar
ço de 1776 31

38 João da Silva Pereira f .° de Pedro da Silva Pereira natural


de Igoape, cazado de idade 36 annos. Estatura ordinaria,
olhos pretos, cabelo castanho. Acentou praça em 18 de Mar
ço de 1776 32

39 Ignacio Ribeiro de Almeida f.° de Miguel Ribeiro natural


de Igoape, cazado de idade de 28 annos. Estatura ordinaria
sobrancelhas groças, cabelo castanho corredio. Acentou pra
ça em 18 de Mrç de 1776 33

40 Anacleto Antunes de Almeida f .° de Miguel Ribeiro n.al de


Igoape, soltr.° de idade de 14 annos. Estatura baixa, olhos
pardos, cabelo castanho e crespo . Acentou praça em 18 de
Março de 1776
41 Filippe Antunes de Almeida f." de Antonio Antunes de Al
meida natural de Igoape, solteiro de idade de 20 annos. Es
tatura ordinaria trigueiro, olhos pardos, cabelo preto e cres
po. Acentou praça em 18 de março de 1776 31
66 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

42 Antonio de Almeida f.° de Antonio Antunes de Almeida na


tural de Igoape, solteiro de idade de 18 annos de estatura
ordinaria com a ponta de hum dedo cortado na mão direi
ta, olhos pardos, cabelo castanho corredio. Acentou praça
em 18 de Março de 1776 35

43 Bento Antunes f .° de Antonio Antunes de Almeida natural


de Igoape, solteiro de idade de 14 annos. Estatura baixa,
com sicatriz na sobrancelha direita, cabelo louro e crespo.
Acentou praça em 18 de março de 1776
44 José Pinto da Fonceca f .° de João Pinto da Fonceca natural
de Iguape, solteiro de idade de 22 annos. Estatura ordina
ria, olhos pardos, cabelo castanho. Acentou praça em 18
de março de 1776

45 José da Silva f ." de João da Silva natural de Igoape, caza


do de idade de 22 annos. Estatura ordinaria, olhos pardos,
cabelo castanho. Acentou praça em 18 de março de 1766
46 Cosme Lopes f.° de João Lopes Adorno, natural de Igoape
cazado deidade de 30 annos. Estatura ordinaria, trigueiro,
olhos pardos, cabelo preto e crespo. Acentou praça em 18
de março de 1776
47 José Pires Monteiro f.° de Pedro Alexandrino de Morais n.al
de Igoape, solteiro de idade de 25 annos. Estatura baixa,
macilento com belida no olho esquerdo, cabelo castanho.
Acentou praça em 18 de Março de 1776 38

48 Amaro Pereira da Cunha f.° de Antonio Teixr.& natural de


Igoape cazado, de idade de 30 annos. Estatura baixa, tri
gueiro, olhos pardos, cabelo preto. Acentou praça em 18 de
Março de 1776 39

49 Joaquim Pereira do Canto f. de Jozé Morato do Canto


n.al de Igoape cazado, de idade de 32 annos. Estatura ordi
naria, olhos pardos, cabelo preto e corredio. Acentou praça
em 18 de março de 1776 40

50 João Gomes de Oliveira f .° de Antonio Gomes de Olivr.“ na


tural de Igoape, solteiro de idade de 20 annos. Estatura or
dinaria, trigueiro sobrancelhas groças, cabelo corredio .
Acentou praça em 18 de Março de 1776 41

51 Lucas Garcia f .° de Ignacio Mendes Garcia natural da Vil


la da Conceição, cazado de idade de 30 annos . Estatura
ordinaria, trigueiro, com sicatriz no queixo dir.to, olhos par
dos, cabelo preto e crespo. Acentou praça em 18 de Março
de 1776
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 67

52 Lourenço Jozé Lima f.° de Manoel Antunes Lima n.al de


Paranapanema, cazado de idade de 32 annos. Estatura alta
trigueiro, cabelo preto e crespo. Acentou praça em 18 de
Março de 1776 43

53 Francisco Nicacio Lopes f.º do Cap. Romão de Véras natu


ral de Igoape, solteiro de idade de 13 annos. Estatura baixa
com quatro sicatrizes na face esquerda, olhos gateados,
cabelo ruivo, corredio . Acentou praça em 18 de Março de
1776

-54 João Munhos de Pontes f.° de João Muniz natural de Igoape


solteiro de idade de 18 annos. Estatura ordinaria, olhos
pardos, cabelo castanho corredio . Acentou praça em 18 de
Março de 1776
55 Salvador Domingues f. de Nazario Domingues n.al de Igoa
pe, cazado, de idade de 30 annos. Estatura ordinaria, tri
gueiro, olhos grandes, cabelo preto. Acentou praça em 18
de Março de 1776 44

56 João de Meira f.° de Antonio Meira, natural de São Paulo


cazado de idade de 40 annos. Estatura ordinaria, falto de
dentes superiores, olhos pardos . Acentou praça em 18 de
Março de 1776 46

57 Jozé Corrêa Meira f.° de Jozé Corrêa Meira n.al de Igoape,


solteiro de idade de 15 annos. Estatura baixa, olhos pardos,
cabelo preto, cor alva. Acentou praça em 18 de março de
1776

58 Ignacio de Meira f .° de Jozé Corrêa de Meira n.al de S. Pau


lo, solteiro de idade de 13 annos. Estatura alta, trigueiro,
olhos pardos e grandes, cabelo castanho. Acentou praça em
18 de Março de 1776
59 Ignacio da Costa Franca f.° de Antonio da Costa Xaves, na
tural de Igoape, solteiro de idade de 14 annos. Estatura or
dinaria, olhos pardos, cabelo ruivo. Acentou praça em 18
de março de 1776
60 Antonio Glz' Fontes f.° de Manoel Clz' Fontes n.al de N.
Sra. da Guia da Ribr. de Igoape, solteiro de idade de 20
annos . Estatura baixa, olhos pardos, cabelo corredio . Acen
tou praça em 18 de Março de 1776
.
CAPITULO VII

PRIMEIROS POVOADORES

Reza a tradição, que um dos primeiros povoadores de Xiririca


foi um bandeirante chamado Cristovão Xires, de que resultou a de
nominação de Morro do Cristovão, dado a um dos mais altos morros
do município, junto à cidade.
Dos documentos do Arquivo do Estado nada consta a tal res
peito. Entre as familias iguapenses do século XVII, existia entre
tanto, a dos Anhaias, de que, entre outros membros, são conheci
dos: Fernando, Trindade, Antônio e João Anhaia, nenhum deles,
porém de nome Cristovão .
Também , da relação dos moradores de Ivaporunduva e Iporan
ga, 1668-1677, não consta pessoa alguma por nome Cristovão Aires,
mas sim Cristovão Pereira .
Acreditamos, porisso, tratar - se de Cristovão Deniz de Anhaia,
que, na verdade, embora de pequena projeção, foi bandeirante e em
1728 requeria ao Capitão General Ant.º da S.a Pimentel, carta de
Sesmaria de meia légua de terras em quadra na paragem chamada
- a Capelinha – no Cubatão, por “ ser assistente com sua familia
nas minas de Paranapanema, e não possuir titulos com os quais pu
desse recorrer á S. Magestade”, o que lhe foi concedido a 23 de ju
nho do referido ano .
Naturalmente, teria o mesmo permanecido em Xiririca por al
gum tempo, daí se transferindo para o Paranapanema, onde fixou
residência com sua família .
Percorremos todas as “ Listas das Pessoas, Escravos e Carijós.
que se acham minerando nas minas de Apiaí e Parnapanema”, en
contrando nesta localidade em 1732, o nome de Cristovão Deniz de
Anhaia, que residia no Cubatão com sua mulher Maria de Jesus
de Zuniga e os filhos Joseph Ponce Deniz, Maria, Thereza, Joa
quim , Anna Deniz , Florinda, – além dos enteados Roberto e Vicen
te, quinze escravos entre grandes e criolos e quinze escravas.
Nenhum minerador ai deparamos com o sobrenome de Aires ou
de nome Chistovão, pelo que somos de parecer tivesse havido con
70 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

fusão ou troca de sobrenome de Anhaia para Aires, como passou à


tradição. Sendo assim , nada mais naturaldo que ter sido Cristovão
de Anhaia antecessor dos Anhaias que permaneceram em Iguape.
O que não resta duvida, é que dos primeiros habitantes de Xiri
rica deviam fazer parte os mineradores, que em 1733 se achavam
nas minas do Paranapanema, de alguns dos quais, como Joaquim
Morato do Canto, vamos encontrar os sucessores residindo na Fre
guesia de Xiririca, em 1767, como se verá do interessante mapa que
se segue .

RIBEIRA DE IGUAPE

1767

O Cap.am Joaq." Machado de Morais – de idade – 37 a .”


vive de minerar tem 24 escravos
Maria de Jesus Per. m.er do d.º
cs
Aux. José Leme de Olivr.a Soltr.º - de idade - 30 a .
vive de minerar tem 9 escravos
Aux.es Fran.co Pedrozo Furq. d’Alvarg.
solteiro vive de minerar de id.e 37 a.s
tem 12 escravos
Aux.es Antonio de Olivr.a soltr ." id.e 28
vive de negocio
Miguel de Eiró Montr. de id . 50
vive de minerar tem 6 escravos
Maria Pedroso m.er do d.o
Aux.es Jozé de Eiró F. de id. - // - // 15
Claudio F.• de id. - // - 9
Fran . de id . - // - // - 4
Anna F.a adulta
Ines F. - adulta
, Maria - criança
Polonia – criança
Fran.co Pedrozo Furq.m de id.° - 1/ 63
vive de lavoura tem 2 escravos .
Maria de Alvarenga m.ºr de id . - //
Estanislau Furq." Fº de id .° – // 20
Antonio Leme de Alvarg.a de id .° – 11 – 63
vive de minerar tem 20 escravos.
Domingas de Lima m.er do d.º.
Aux.ar Salvador de Olivr.a Leme Filho de id . - / - // 26
Bartolomeo de Siqr." de id . - // - // 58
A
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 71

vive de lavoura tem hu escravo


Joana m.er do d .
Anna m.er adulta
Anna F.a – criança
Felix F.° - criança
Aux.ar Rafael de Olivr. Lem de iq . – 1l - 1 / 37
vive de minerar tem 6 escravos
Anna Pedroso m.er do d.º
Agr.do João Lopes Libero
Aux.ar João de Alm.da Leme de id . - // - // 22
vive de minerar tem 3 escravos
Pelonia Pedroso m.er do d.º

Sarg. to mór Nuno Mendes Torres viuvo de id ." - / / - // 75


vive em minerar tem 45 escravos
Mariana preta Libert."
Gracia preta Liberta
Agregado Fran.co Libert.
Miguel Liberto vindo de novo
Sarg to mór Garcia Roiz Paes Soltr. de id . - // - // 50 .
vive de minerar tem 24 escravos
Aux.es Fran.co de Lemos Frr. de id.e de 13 – // - 23
Joaq.m de Lemos Per. de id . de - // - // - // 22
vive de minerar tem dois escravos
Guarda mór José Rolim de Morera de id .° de - // 56
vive de minerar tem 23 escravos
Anna de Lima m.er do d.º
Maria Filha – criança
Jozé F.0 - criança
Domingos Glz de id . - // - // 90
vive de minerar tem dois escravos
Fran.co Ribr. Collaço de ide – // 47
vive de minerar. tem 16 escravos
Maria Tereza Gomes m.er do d.º
Aux.ar Leandro Ribr. ° de id.e 23
Isabel Eufrasio F.a adulta
Aux.es João Anrrique de ide - 11 - 32
vive de lavoura tem um escravo
Maria Mendes m.er do d.º
Franco Anrique Irmão id.e – // - // - // 20
José Anrriques – // - // - // 25
Hipolito da Costa Soltrº de id . - // 55
vive de lavoura
72 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Aux.ar Felippe Raposo Soltr ." – 36


Manoel Filho - criança
Braz Nunes de id ." - 38
vive de lavoura .
Tereza P. m.er do d.º.
Maria Filha criança
Bento F.• - criança .
José vive de lavoura id. – 25.
Fran ." " de id.e – 32.
Salvador Fernandes Irmão de id . - 20 .
Anna Pais Irmã dos ditos adulta.
Miguel de Faria cazado de idade - 40
Agostinho de Faria Irmão do d.ºid . – 37 .
Romão Roiz vive de lavoura id.e 24 .

Aux.es Silvestre Dias de Siqr." de id ." – 30


vive de lavoura
Izabel Ribr. m.er do d.º
Maria F.a – criança
Fran.co F." - criança
Manoel Teixr.a de id .“ – 11-7/ 64
vive de suas lavouras
Florencia de Siq ." m .'' do d .
Aux.ar Sebastiam Teixr. F.° de id . - // - // 26
Aux ar João Teixr." F. de id . // - // -- // 22
Felippe Teixr.“ F." de id . - ll - - 129
Manoel Teixr.: F.° de id . - // - // - // 24
Ignacio de Sigr." de id ." - // - // 50
vive de lavoura.
Gertrudes da Mota m.er do d .".
Filhos José-Ant." // Roza // criança.
Julio Glz Barbosa de id . - !l- !! - // 70
vindo de novo vive de lavoura.
Isabel de Anhaya m.er do d.º.
João Glz Barbosa F.° de id . - // - // 38
Aux.ar Amaro Glz' F." de id ." de - // - // - // 25
Aux.ar Fran." Glz' F. de id." de - // - // - // 28
Francisca Fam.er adulta .
Ignacia F.a – adulta.
Aux.ar Maximo Dias de Almd.' de id . - / / 38
vindo de novo vive de lavoura .
soltero – Manoel F. criança.
Aux.ar Martinho Alves Correa de id .° - 1 / 29
vive de sua lavoura .
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 73

Maria da Rocha m.er do d.o.


Ant.° F.° - criança .
Miguel F. – criança..
Josefa Barbosa viuva
vinda de novo vive de sua lavoura
Sebastiam Freire F. - // - // - // 38
Margarida Roiz Torres Solt.a
vive de lavoura .
Manoel Roiz F.• de id . de - / / 22
Poncia F." - criança.
Maria da Conceição
vive de minerar tem 4 escravos .
Rita agregada.
Domingos Roiz Cunha soltr. de id ." - 38
vive de minerar tem 12 escravos.
Isabel Filha m . " adulta .
Manoel Glz Fontes de id ." - / / - / / 38
Maria Antunes mer do d.º !

vive de minerar tem 12 escravos.


Antonio F.° - criança .
Anna F.: - criança.
João Martinho de id . - // - // 75
vive de minerar tem 28 escravos
Maria Egipciola agreg. Anna F. do d.º
Joana Maria da Costa m.er do d.º
André Administrado - Leandro Roiz Torres agrega
do id .“ 25
Antonio Gracia Soltero de id . - // 40
vive de minerar tem 11 escravos
João Dias Bapt." Soltr . " de id . - // 37
vive de minerar tem ll escravos
João da Silva de Andrade de id . - // 75
vive de lavoura tem dois escravos
Rita de Oliveira m.er do d.º
Domingos F.0 - criança
José F.° – criança
Tomaz agregado // - // - //
Lourenço Justiniano de Andrade de id . - 50
vive de lavoura
Eugenia Maria m.er do d.º
João Per." de id . - // 25
Maria Roiz m.ør do d.º
Antonio F.° – criança
Salvador Correa de id.e 36
Ursula Per. m.er do d.º
vive de sua lavoura
Florencia Per. m.er adulta
74 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Agostinho Martins de id . – // - // 40
vive de minerar tem hu escravo
José Leite agregado - // de id . 45
Manoel Ant .° Pinto soltr .° de id.e -42
vive de minerar tem hu escravo
Victoriano administrado do d .
Manoel F.º do d.º - criança
Jeronimo - criança
João Pedroso de Barros de id . -70
vive de lavoura tem 5 escravos
Domingos Per.' Liberto de id . - 43
vive de sua lavoura
Luiza Nunes m.er do d.º
Romana Fa - adulta
Juliana falecida
Auxiliar Manoel Roiz Manço, viuvo de idade - 40 1
Auxiliar Bento Roiz F.° de idade 24
vive de sua lavoura
Arcangela, f ." m.'r adulta
Florinda, f.a - adulta
Rola f.a – adulta
Antonio f.° de Manoel Roiz Manço - criança
Justina f ." de idade m.er adulta
Maria f.a - criança
Joanna f." - criança
Auxiliar João Pereira Paes, de idade - 21
vive de lavoura e tem hú escravo
Izabel dos Passos mer. de idade
Maria, f. - criança
Severino Pereira Paes, de idade – 43
vive de sua lavoura e tem 5 escravos
Maria Ribr.a m.er de idade
Auxiliar Deziderio Pereira Paes, f.° de idade 30

Auxiliar Manoel Pereira Paes, f .* de idade – 20


Izabel f.a - adulta
Maria f.a adulta
Anna f.a adulta
Ignacia f ." – criança
Anna Maria f." - criança
Severina f.a – criança
Auxiliar Antonio Gomes da Silva, de idade – 34
vive de lavoura
Maria Pereira, mer. de idade
Fortunato f .° de idade – 9
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 75

Manoel f .° -- criança
Antonio f.° – criança
José f. - criança
Bartolomeu f .' – criança
Valerio – criança
Joaquim Morato do Canto de idade – 74
vindo de novo e vive de minerar
tem 7 escravos e 4 administrados
Rosa de Toledo e Lara, mer. do dito
Joaquim Morato filho do d.º idade – 14
Anna do Canto f.a mer, adulta
Maria Fany f ." - adulta
Ursula de Toledo , f.4 - adulta
Antonio de Toledo, f .° - criança
Auxiliar Faustino Pereira Paes de idade 44
vive de lavouras e tem 2 escravos
Anna Pelrosa, mer. do dito
Albino Pereira, f .° de idade 18
Izabel Pereira, f.a mer. adulta
Maria Pereira, f.° mer. adulta 1

Juliana Pereira, f.a já viuva


Catherina Pereira f. - criança
Vidal Pereira f .• criança
Isabel, filha falecida
Auxiliar Antonio da Costa Chaves, de idade – 33
vive de sua lavoura e tem hu escravo
Joanna de França, mer . de idade
Ignacio f. – criança
Antonio f.° - criança
Roza f.a criança
Maria f . " falecida

Auxiliar Romão de França de idade - 24


vive de sua lavoura
Maria da Costa m.er do dito
tem um filho nascido de poucos dias
Antonio da Costa de Almd . de idade 66
viuva, vive da lavoura tem hu escravo
Auxiliar Jozé da Costa filho de idade – 20
Auxiliar Miguel de Souza de idade - 45
Anna do Rosario mer. do dito
vive da lavoura
Maria filha mer . adulta
Agostinha f.a - adulta
Iria f.a adulta
76 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Escolastica f.a - adulta


Bento f ." - criança
João f." - criança
Manoel f.° - criança
Maria f ." - criança
José f." - criança
Bruno da Sylva de idade - 70
vive de sua lavoura
Maria Leme m.er do dito
tem 3 escravos, e hú agregado
por nome Justino
Pedro Gomes filho de idade - 36
Antonio da Sylva falecido
Jozé Correa Ordonho de idade 64
vive de lavoura
Thereza Ribr. mer . do dit o
Jozé Correa f ." de idade - 15
Maria f.a mer. adulta
Antonio filho – criança
Auxiliar Domingos Pr.: Véras de idade 37
vive de sua lavoura tem dois escravos
Thereza da Sylva mer . do dito
Varia f ." criança
O Cap.am Romão de Veras de idade 63
vive de sua lavoura tem 2 escravos
Maria Roiz mer do dito
Auxiliar Ignacio De Veras f ." de idade - 24
Serino Roiz f. de idade 16
Fran . f ." - criança
Pedro f ."
Domingos Koiz' De Veras de idade – 30
vive de seu negocio
Auxiliar João Pires Montr." de idade - 34
vive de negocio tem hú escravo
Elena de Pontes mer. do dito
Antonio f .° – criança
José f. - criança
Leandro f . ° criança
Maria f. - criança
Quiteria f ." – criança
Auxiliar Boaventura Furtado de idade 43
vive de officio de sapateiro
2 escravos
Maria de Jesus mer. do dito
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 77

Miguel f. - criança
João f." – criança
Anna f. - criança
Auxiliar Jozé Pr.a Veras de idade 36
viuvo tem hum escravo
Maria Roiz' mer . falecida
Ignacio f .", Brigida f.", João f.", Joanna f ."
todos crianças
Auxiliar Antonio Roiz idade 28
Auxiliar Pedro Alexandrino de Moraes de idade
vive de sua lavoura
Janoveva Pedrosa mer. do dito
Auxiliar Estanislao de Moraes f. de idade - 21
Manoel Filho de idade – 25
Fran . f.° – criança
Thomaz f .° – criança
Ines f .° – criança
João f.° – criança
Auxiliar Sebastião José da Costa idade - 32
vive de sua lavoura
Catherina Roiz me r. do dito
Maria f. – criança
Fran.ca f. - criança
Ignacio f.° - criança
Margarida f.° – criança
Auxiliar Fran.co Roiz' Paes de idade 46
vive de lavoura
Izabel Pr. Véras mer . do dito
Maria de Almd. agregada
Maria Roiz Filha mer. adulta
Anna f. " - criança
Bernarda f.a – criança
Patrunilha f.a - criança
Ignacio f.° - criança
Domingos f ." - criança
José f. - criança
José de Pontes mudado para Apiahy com mer . e filho
e hú escravo
Antonio Pr.9 de idade de 65
viuvo, tem dois escravos vive de lavouras.
Antonio Morato do Canto de idade 60
vive de lavoura tem 4 escravos
Sebastiana Pr.a mer . do dito
Anna Mari af.a criança
78 MEMÓRI
A
HISTÓRI
CA
DE XIRIRIC
A

Vissença f.a criança


Maria Filha – criança
José Correa de Meira de idade 56
vive de lavouras tem 4 escravos
Maria Carvalha mer . do dito
tem 5 filhas, e 3.filhos todos crianças.
Auxiliar José Alves Adorno de idade de – 40
vive de lavoura
Leonarda Fran.ca mer. do dito
tem 4 filhos, e huma f.a – crianças
Manoel da Costa Travassos de idade – 73
vive de lavoura
Maria da Costa mer. do dito
Auxiliar Salvador da Costa f.° de idade – 30
Antonio Glz' de idade 25
José Glz f. – 18
Auxiliar Bento José da Veyga soltr.° de idade - 26
vive de seo negocio
Auxiliar Sebastiam Sl.a soltr . de idade – 23
de novo vive de negocio
Ignacio Gedes de idade – 23
vive de lavouras
Pascoa Lopes mer. do dito
João Lopes Adorno de idade – 57
Maria Fran.ca mer. do dito
Rosa agregada vive de lavoura
Cosme Lopes da Sylva de idade 23
Eugenia do Canto mer . do dito vive de lavoura tem
hu filho nascido de pouco criança
Auxiliar João Fran.co soltr. de idade - 23
vive de lavoura
João Alves Adorno solteiro de idade - 30
Anna Lopes solteira de idade – 29
vive de lavoura tem hu escravo
Ignacio Lopes agregado da dita
Auxiliar Antonio de Araujo soltr." de idade – 36
Jozé de Araujo irmão do dito idade - 38
Salvador de Araujo irmão idade – 20
Escolastica irmãa mer. adulta
Maria irmãa mer . adulta
Maria irmãa mer. adulta
Maria irmãa mer. adulta já falecida
todos vivem de suas lavouras
1
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 79

Auxiliar Bernardo Mendes Soltr.° de idade - 25


Maria Fernandes may do dito
Maria Lopes f .“ mer. adulta
Pedro de Pontes de idade 42
vive de sua lavoura
Maria Roiz’ mer . do dito
Auxiliar Antonio de Pontes Maciel de idade - 30
vive de sua lavoura
Isabel de França mer. do dito
Ignacia – criança
Antonio - criança
Antonio de França Lisboa de idade – 65
vive de sua lavoura tem 3 escravos agregados
Maria Furtada de Mendonça mer. do dito
Barbara de França f.a mer. adulta
Bento f. – criança
Auxiliar Felis Roiz' soltr ." de idade - 35
vive de sua lavoura
Maria Madalena may do dito
Anna Maria f.a mer. adulta
Auxiliar João da Paz de idade – 29
vive de sua lavoura
Maria Roiz mer. do dito
Antonio Roiz' Pontes de idade 45
vive de sua lavoura, 4 escravos administrados
Narciza Roiz? Buena mer, do dito
Auxiliar Manoel Roiz , filho de idade 30
Claudio Roiz' f.° de idade 26
Jozé Roiz f .° idade - 17
Maria Roiz' f.a mer. adulta
Agostinha Roiz' f.a mer. – adulta
Anna Roiz' f.a mer. adulta
Ignacia f . - criança
Antonica f.a criança
Auxiliar João Roiz Freitas de idade de - 30
vive de sua lavoura tem hum administrado
tem hú f.° criança Maria Roiz' mer. do dito
João Pinto da Fonseca de idade -

84
Fran.ca da Costa mer. do dito vive de lavoura
João Pinto f .° de idade - 15
Francisco falecido
Manoel – criança
Maria – criança
Jozé – criança
80 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Nicolau Antunes Pria de idade – 65


vive de lavoura
Catherina de Senna mer. do dito
Auxiliar Manoel Antunes f .° de idade 22

Auxiliar João Antunes f. de idade - 30


Auxiliar Antonio Antunes de Almd. de idade 37
vive de lavoura tem húa escrava
Narciza de Freitas Ramos mer. do dito
Fellipe f.• idade - 12
Antonio f .° – criança
Anicleto f.° - criança
Manoel – criança
Agustinho f.• falecido
Joaquim f.° falecido
Auxiliar João da Cunha Pinto de idade 28
vive de sua lavoura tem 2 escravos
Anna de Freitas Ramos mer. do dito
Ignacio f.° – criança
Catherina f. - criança
André f." - criança
Auxiliar Barnabé Alves dą Sylva de idade – 31
Ignacia da Sylva mer. do dito
vivem de lavoura
tem hum f.° – criança
João da Sylva de idade - 40
vive de lavouras
Joanna Soares mer. do dito
Antonio da Sylva f.° de idade - 15
Jozé f .° - criança
Joaq.m ff.°. – criança
Francisca f ." - criança
Lucas Gracia de idade 22
vive de lavouras
Joanna Fran.ca mer. do dito
Maria f.* – criança
Domingos Lopes viuvo de idade – 83
Adrianna Lópes filha solteira
vive de lavouras
Rosa f. - criança
Manoel Fernandes de idade 45
vive de lavouras
Margarida Lopes mer . do dito
Antonio Frz' f ." de idade 18
Dom.'s Frz' f.“ de idade 15
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 81

José f.° - criança


Inacio Pires de idade - 30
vive de lavoura
Maria da Motta mer. do dito
Gonçallo f. de idade 15
Manoel – criança
João Munis Carvalho de idade – 40
vive de lavoura, tem tres escravos
Joanna de Pontes mer. do dito
Maria Muniz f. - adulta
Ignacio f.° de idade - 15
Joaq . " - criança
João - criança
Brizida – criança
tem 1 agregado
Luiz de Souza Cardozo de idade - 43
vive de lavoura
Anna Teixeira mer. do dito
Manoel f.° – criança
Jozé f.° – criança
Daniel – criança
Maria - criança
Antonio - criança
Pedro da Rocha (Barbaya) de idade 50
vive de lavouras
Maria Ana da Costa mer. do dito
Antonio Gomes de Olivr.a de idade 45
vive de lavouras
Anna Maria mer. do dito
Seb.m Gomes f .° de idade 17
Manoel f.• de idade 15
João f.° - criança
Anna f.a adulta
Maria – criança
Thereza – criança
Tem 102 fogos .

Consta esta lista que comprehende o povo da Ribeyra asima


Freguezia de Nossa Senhora da Guia de Chiririca e Minas de Vapu
runduba e Arrayl de Iporanga da Capella de Santa Anna o seguinte .
De Fogos cabeças de casal varoens 102
De mulheres .. 96

De Filhos pueris e adultos 117

De Filhas pueris e adultas 95


82 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

De escravos de hum e outro sexo 321

De agregados 31

O Sargento Mor Gregorio José Gambino 1


solteiro com tres escravos 3

O Ajudante Januario Antunes soltr.º vive de sua la


voura 1

767

Resumo de todos os fogos cabeças de cazal varoens mulheres,


Filhos, Filhas, escravos agregados, ausentes e fallecidos que com
prehende esta lista geral composta de sinco companhias duas da or
denança e tres dos auxiliares desta villa de Igoape e seo destrito da
forma seguinte .

De fogos cabeças de casal varoens coatro centos e


vinte coatro 424
De mulheres tresentas noventa e sete 397

De Filhos pueris e adultos coatro centos setenta e


seis . 476

De Filhas pueris e adultos quinhentas e vinte e oyto 528

De escravos de hum e outro sexo seis centos 600

De agregados de hum e outro sexo noventa e sete .. 97

Soma duas mil quinhentas e vinte duas 2522


Dos quaes ha banidos os fallecidos q' são trinta e hum 31

2491

Ficão dous mil coatro centos noventa e hua almas e destas se


achão ausentes catorze e vindos de novo que entrão na mesma lista
que são nove . E para constar mandou o capitão Mór João Bau
tista da Costa em observancia da ordem do Illustrissimo e Excellen
tissimo Senhor General desta Capitania fazer este resumo em que
se asinou nesta villa de Igoape aos coatro de Fevereyro de mil sete
centos secenta e sete annos.
João Bap.ta da Costa.

Sendo o presente capítulo, por sua natureza, um dos mais im


portantes para a história de Xiririca, não devemos conclui-lo sem
que, ainda uma vez, recorramos ao precioso Tombo da Igreja M.2
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 83

triz, onde se encontram as valiosas informações sobre o assunto e


que para aqui transladamos:
NOMES DOS PRIMEIROS POVOADORES

q' fizerão a 1.a Capella, e ainda Segunda Parochial , e que


são originarios desta Freg.a

§ unico

Depois de ter copiado fielmente as Memorias mais , cer


tas, e incontestaveis da fundação desta Igreja e Freguezia,
reservei para este Lugar as que me forão mais possíveis
colligir tanto de alguns fidedignos moradores, como dos
mesmos assentos dos Livros dosta Irreja Matriz , mais che
gados a aquelles já romotos dias , afi mde endividuar sem
ambiguidade, e confusão os Nomes quando não de todos , ao
menos da maior " e melhor parte dos primeiros Habitantes,
nue se encorporarão para a fartura da primeira Capella de
Nossa Senhora da Guia desta Fregueria de Xiririca , e ainda
mesmo direi desta Segunda Parochial existente , onde cons
ta trabalharão os mesmos Primeiros , rom a differenca só
mente de serem auciliados por Seus filhos , e alguns poucos
habitantes , que de novo para aqui vierão .
Entre os Moradores, que da Villa de Iguane, mais que
de outra parte, se-nassarão para esta Ribeira Asima, attra
hidos da abundancia , que emtão, e talvez sem grande tra
balho , alem das esperanças que conceberão leo consegui
rão / da riqueza do oiro, fornecia este Paiz nara obviar as
inecessidades da vida , os que se - tornarão mais célebres fo
rão quatro Irmaons , filhos legitimos de Severino Pereira
Vera, e de Maria Furtada, naturaes e moradores da referida
Villa de Iguape, onde como que ficando plantado o tronco
d'esta Arvore, extendeu para esta Freguezia tantos ramos,
q .tas são as multiplicadas Familias , que hoje em dia aqui
se contão entrelacadas de parentescos . Tendo pois a Fa
milia dos Véras travado allianças de cazamentos com as
dos Pontes , dos Monizes , e Antunes , etcoet . todas ellas na
da desiguáes, vierão a produzir necessariamente húa com
plicacão de consaguinidades e affinidades, que supposta a
estreiteza do Lugar não tem podido contrahir novos caza
mentos sem intervenção de legitimas Despensas, ainda nos
gráos mais proximos.
Antes porem de fazer o Catálogo , que tenho proposto ,
dos Nomes mais constantes, creio dever advirtir, que os
principaes Obreiros da mencionada Capella forão o Capitão
Romão Pereira Véras , e Seus Irmaons Antonio de Veras, e
Severino de Veras com os filhos deste último Manuel Pe
reira de Oliveira , e Desiderio de Veras, afim de que seus
Nomes participem de hua mais distincta memoria na Sua
mesma Posteridade ...
(1) Não hé que engrossassem em cabedáes e bem da for
tuna, mas todos d'aquelles tempos sendo Mineiros, com
o Oiro fazião todo o seu commando e commercio.
Mend.a
84 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

TRONCO DA FAMILIA DOS VÉRAS

pelo q' respeita a esta Freguezia, hé:

Severino Pereira Véras, e sua mulher Maria Furtada.


Filhos destes, e Prim.'s mor.es
O Capitão Romão Pereira Veras, natural da mesma Villa,
q ' cazou primeiramente com Maria Pereira Nunes, e de
pois com Maria Rodrigues Lopes.
Severino Pereira Veras , natural da mesma Villa, q' cazou
com Maria Ribeira da Assumpção.
Antonio Pereira Veras, natural de Iguape, que cazou com
Florinda Ribeira do Couto .
Faustino Pereira Paes, natural de Iguape, q' cazou nesta
Freguezia com Anna Pedroza Furquim .

9 Filhos do Capitão Romão de Veras,


os Seguintes :

1 O Alferes Domingos Pereira Véras, que cazou com Te


reza da Silva primeiramente, e depois com Antonia
Dom . " "
2 Jozé Pereira Paes, que cazou primeiramente com Maria
Rodrigues, e depois com Maria de Oliveira de Jesus.
3 Isabel Pereira Paes, que cazou com Francisco Rodrigues
Paes.
4 Maria Pereira Veras Estes quatro filhos do 1. ° Ma
trim . ”
5 Ignacio Pereira Véras q' cazou com Bernardina Dom.Ⓡs
6 Cirino Pereira Veras q' cazou com Maria Pedroza de
Moraes .
7 Francisco Nicacio Lopes, que cazou com Ignacia Moniz.
8 Pedro Rodrigues Lopes. Solteiro .
Maria Rodrigues Lopes, q' cazou com Estanislau Correa
de Moraes nesta Freguezia . Magadalena nasceu nesta
m . ' ' depois , f. “ do d.º Romão .

9 Filhos de Severino Per.a Veras,


os Seguintes :

Desiderio Pereira de Olivr."


Antonio Pereira de Olivr . " , q' cazou com Maria Rodrigues
d'Assumpção .
João Pereira Paes, q' cazou com Isabel dos Passos, de Pa
ranaguá.
Manuel Pereira de Olivr. ' q' cazou com Bernarda Rodrigues
Paes .
Isabel Pereira de Olivr." q' cazou com João Moniz de Car
valho .
Maria Pereira d'Ascensão, ou aliás Maria do Carmo de Je
sus, q' morreu nesta Freguezia, Solteira.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 85

Anna Pereira das Neves, q' cazou com Thomaz Pedroso de


Moraes.
Ignacia Per." de Oliveira q cazou com Joaquim Moniz de
Gusmão .
Severina do Carmo , q' cazou com Ignacio de Pontes.

5 Filhos de Antonio Per..

Lourenço de Freitas, que cazou com Maria Pinta.


Anna de Freitas Ramos, q' cazou com João da Cunha Pin
to , a qual nasceu de Juliana de Freitas do 1.º matrimonio .
Narciza de Freitas , q' cazou com Antonio Antunes de Al
meida .
Miguel Pereira Veras q' cazou primeiramente com Anna
Pereira de Oliveira, e depois com Anna Cleofa.
Antonio Pereira Veras , q' cazou com Maria Roza . Estes
últimos dous filhos de Antonio Pereira Veras lhe- nasce
rão depois da fundação da primer.a Capella, e da cria
ção desta Freguezia. O mesmo aconteceu com os filhos
de Faustino Pereira Paes, que por essa razão não se -de
clarão segundo o designio deste plano.

Seguem -se os Nomes dos mais Moradores dos primer.ºs


tempos.
Pedro Gomes da Silva, natural da villa da Conceição de Ita
nhaen , que cazou com Faustina Moniz das Neves natural
da Villa de Iguape.
Adrião Troudes de Normandia , do reino da França, que ca
zou com Barbara de França natural da Villa de Iguape.
Antonio da Costa Chaves, q' cazou com Joanna de França,
ambos naturaes da Villa de Iguape .
Romão de França Lisboa, q' cazou com Maria da Costa de
Assumpção ambos naturaes da Villa d'Iguape.
Antonio de França Lisboa, que cazou com Maria Furtada,
ambos da Villa de Iguape.
Antonio da Costa Travassos, q' cazou com Anna Rodrigues
Paes, ambos naturaes de Iguape.
Manoel da Costa Travassos, q ' cazou com Anna do Espirito
Santo , esta da Villa da Conceição d’Itanhaen , e aquelle
da de Ig ."
Sebastiam José da Costa, natural da Villa de Ytú, que ca
zou com Catharina Rodrigues Lopes, da Villa de Iguape .
Manoel Gonçalves Pontes, de Portugal , q' cazou com Maria
Antunes da Costa, natural da Villa d'Iguape.
João Pires Monteiro, filho de Jozé Pires Monteiro da Villa
de Itú , o qual João Pires cazou com Elena Furtada na
tural da Villa de Iguape.
Pedro Alexandrino de Moraes, natural da V.* de Paranay
va , q ' cazou com Jenoveva ou Jenoveta Pedroza natu
ral da Villa de Itú .
86 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

João Pinto d'Affonseca, natural d'Amarante em Portugal


que cazou com Francisca Antunes da Costa, natural da
Villa de Iguape .
Bento José Rodrigues, natural da V." da Conceição d'Ita
nhaen , filho de Manuel Rodrigues Manso natural d'Igua
pe, o qual Bento José Rodrigues cazou com Agostinha
de Oliveira, natural da V." d'Iguape.

Moradores q' se-estabelecerão no arrayal de Yvaporundyva ,


hoje bairro desta Freguezia

João Dias Baptista, natural de Portugal, q ' cazou n'esta


Freguezia com Maria Pereira, natural d'Iguape, filha do
Alferes Domingos Pereira Veras, e de Tereza da Silva, já
mencionados. Foi hu dos q' possuirão mais escravos n'aquel
les tempos .
Domingos Rodrigues Cunha, natural de Portugal, que
cazou a primeira vez com Maria Rapoza, segundo hum as
sento de obito do Reverendo José Martins Tinoco e segun
da vez com Inêz d'Eiró Chabes natural de Apiahy . Foi
igualmente possuidor de escravos ; e o Reverendo Antonio
Pedrozo de Barros Leite o honrou com a Sua amizade, e
elogio de haver cooperado com seu oiro p. a factura d'esta
Segunda Igreja Parochial existente. +

O Capitão Joaquim Machado de Moraes, natural da Fre


guezia de Paranapanema, que cazou a primeira vez com
Maria Pereira, e a segunda com D. Archangela da Silva na
tural da Villa de Cananéa . Foi possuidor de muitos escravos,
e alguas Lavras no mencion.° arrayal d'Yvaporundyva. Au
xiliou muito a construcção da Capella de Nossa Senhora do
Rosario dos Pretos de Yvaporundyva. Se diz, que por infeli
cidade d'aquclle tcmpo Levantando -se demandas e contes
taçoens Judiciaes, esta foi a origem principal da decadencia
· da Sua húa das mais numerosas , e mais bem abastecidas
Familias .
Quando tratar da mencion ." Capella , estabelecida e fun
dada no Bairro de Yvaporundyva , terei Lugar de nomear
alguns poucos mais pela coherencia da materia , visto que
destes poucos não resta hoje em dia descendencia algúa ( 1 ) .

Dentre os individuos que nessa época habitavam a Freguesia


e cujos successores ainda aí residem ccupando lugar de destaque na
sociedade local, citaremos as fam :lias irança, Cunha , Veras, Fer
reira, Canto, Moraes, Viana, Paes, Lima, Freitas, Batista e outras
mais, cujos antecessores foram , na verdade, os primeiros povoadores
da localidade.

(1 ) Livro do Tombo , pág . 8 a 11 v .


CAPITULO VIII

AS GRANDES ENCHENTES

No magestoso Ribeira de Iguape, como em todos os rios de


água doce, as enchentes não passam de fenômenos mais ou menos
periódicos, que se reproduzem em certas épocas do ano.
Esse fato, antes incrado pelos primeiros moradores, fez com
que assentassem a Freguesia de Xiririca defronte da barra do ribei
rão que lhe deu o nome, – cerca de um quilòmetro acima do ponto
em que hoje se encontra a cidade, – escolhendo-se para isso uma
planície situada a alguns metros acima do nivel normal das águas .
Nesse local aprazivel foi ereta a primitiva Capela, para cujo
patrimônio, por Severino Pereira de Veras, foram doadas duas me
radas de casas na vila de Iguape, por escritura de 16 de janeiro de
1757.

Já se achava a Povoação em pleno desenvolvimento, sendo con


siderável o número de habitantes, quando sobreveio a primeira grar
de enchente conhecida na Ribeira, de que nos falam os mais anti
gos documentos existentes no arquivo do Estado, fata este ocor
rido no dia 28 de janeiro de 1807.
Tão desastrosas foram as suas consequências, que, por evitar -se
sua repetição, depois de acalorados debates resolvia a maioria dos
habitantes a transferencia da Freguesia, reedificando - a num peque
no outeiro próximo do lugar chamado - Pôrto da Ilha Formosa.
Da importância dessa verdadeira catástrofe, dizem melhor us
documentos da época, os quais fielmente copiamos dos próprios
originais, sendo o primeiro uma informação dada ao Capitão Ge
neral da Capitania de São Paulo Capitão das Ordenança da vila de
Iguape, Joaquim Pereira do Canto, e que é a seguinte:
Illm.' e Exmo. Senhor

Em consequencia da Ordem de V. Ex. fui a Freguezia


de Xiririca tirar a Lista dos seus habitantes, como sou obri
gado annualm .“ em cuja deligencia incontrei hua grd .
cheia q' metendo no fundo todos os sitios e cazas daq.les mo
88 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

radores da Ribr.^ me vi precizado procurar hum Morro onde


me abriguei, e me demorei the as aguas declinarem e rom
pendo hua grd . dificuldade cheguei thé a d. Freguezia de
Onde não pude seguir adiante por cauza da sua violencia.
A d ." Freguezia foi submergida das aguas na noite do dia 28
p." 29 de Janr.º passado e por acontecer este cazo de noite
os moradores apenas tiverão tempo p. salvar as vidas nas
Canoas, q' por cautella tinhão promptas; fugirão com Suas
familias p." os Montes deixando Suas Cazas e tudo o q' pe
suhiam entregue ao poder das agoas deforma, q' não poden
do em tal conflito providenciar cousa alguma, m.tos ficarão
de hua vez desbaratados e destetuhidos de Cazas, plantas,
roupas e criaçoeins, q ’ tudo as mesmas agoas arebatou , de
Sorte Exm.º Senhor, que cauza pena ver hum Pais q' fer
tilizava esta V. * e de onde vinha a maior abundancia de Ar
roz, e mais efeitos, reduzido a hum areal, cujo estrago se
faz digno da mayor compaixão : Entre esta confuzão e de
zordem aq ... Povo Lamentando a sua perda huns querião
passarçe p. Cerra Asima, outros p.a esta V.a e m.tos de
sanimados não asentavão Lugar certo da sua ezxistencia. Eu
os animey, persuadindo-os a ficar e q' trabalhando na re
tificação de Suas Cazas e citios e co maior fervor na Cul
tura, em breve tp. recoperarião o perdido, e p. melhor os
capacitar cigurei -lhes acistir com todo o provimento neces
sario de fazd.a ferram . ' ' sal e o mais preciso p.a me paga
tem daqui a dous annos e asim os acomodei e lhes remeti
desta V.^ tudo o que me pedirão e pertendendo continuar
athé q' veja restablecido ao seu antigo estado. Este foi o
mott. porq' não pude naq.la ocazião fazer a d.a Lista, e po
risso com todo o devido resp . vou dar a V. Ex ."A esta p. "
rogando a V. Ex." me qr.a prorrogar mais tp . p.a tornar
aq. lugar concluhir a d .la lista e dar a V. Ex.ca hua conta
exata de todo o acontecim.t" sucedido na d . Freguezia e Seu
destrº D. G. a V. Ex. pr. dilatados ann.“ V.a de Ig. 24
de Fevr ." de 1807. ( ? )
Beijo as mãos de V. Ex . " a
Seu humilde Subdito
Joaquim Pereira do Canto.

Mais importante, porém , é a notícia que nos foi transmitida atra


vés das páginas dèsse precioso manuscrito que é o - Livro de Me
mórias da Vila de Iguape, onde se encontra a mais perfeita descrip
ção desse trágico acontecimento, registrado pelo vereador da cà
mara, ao qual, nesse ano era atribuido o registro dos fatos mais no
táveis e dignos da História, cujo documento, que copiamos do pró
prio original, é o que se segue:
Termo de declaração que faz o Segundo Vereador da
Camara Fellipe Pinto de Almeida das novidades e Cazos
acontecidos este presente anno de 1807 .

( 1) Maço 50 ( T.C. ) pasta, doc . 35 .


MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 89

Aos trinta dias do mes de Dezembro de mil oito sentos


e sete annos nesta villa de Nossa Senhora das Neves de
Iguape Comarca de Paranagoa em Cazas da Camara e Pa
sos do Conselho aonde foi vindo o Juiz Ordinario Presi
dente da Camara com os Officiaes della no fim assignados
para efeito de se fazer vereança e cuidar do bem Comum
do Povo, e ahi pello Vereador Segundo Fellipe Pinto de Al
meida foi dito que na conformidade das Reais Ordens que
se achão descriptas em o principio deste Livro, e pello que
hera encarregado pelos Provimentos incertos neste mesmo
Livro fazia a prezente declaração reportando -se ao Mapa
geral dos habitantes deste districto e Livro dos Asentos da
Igreja pella forma seguinte :
Declarou elle dito Segundo Vereador Fellipe Pinto de
Almeida que neste corrente anno de mil e oito sentos e se
te, em o mes de janeiro e de fevereiro quiz Deus noSo Se
nhor mostrar o castigo da sua colera contra os habitantes
deste Pais / expecialmente contra os da Freguezia de Xiri
rica e Ribeira abaixo athé a fronteira desta Villa / Com
huma cheia que houve na dita Ribeira tam grande e tam
terrivel que nunca sevio e nem as Pesoas mais antigas se V
lembrão que ouvesse outra igoal e tão tam funesta como
a tormenta que cauzou os prejuizos seguintes :
Na Freguezia de Chiririca que fica mais chegada ao
meio da longetude da dita Ribeira pouco mais ou menos
distante da Barra que fas no mar seis athé sete dias de via
gem , cresceo a Agoa da Ribeira , dentro em tres dias com
duas noutes sesenta palmos do seo natural subindo este nu
mero de palmos por hum oLivel que o Reverendo Parocho
daquella Freguezia José Francisco de Mendonça e o Reve
rendo Francisco Xavier de Passos que aly tambem se acha
va mandarão como curiosos exzaminar, depois que a mise
ricordia Divina permetio que as Agoas fosem abaixando .
Ao tempo que as Agoas forão correndo e tocando no
meio das paredes das Cazas da dita Freguezia e foi deitan
do -as abaixo principalmente aquellas que ficarão ou se
achavão cituadas a borda daquelles altissimos Barrancos
onde laborava a maior furia da corrente daquelle Rio ; e na
verdade deitou e carregou duas propriedades novas que se
achavão feitas pello Thenente Antonio Gonçalves Fontes ,
em cujo logar despois que as agoas abaixarão somente se
vio hú grandiozo buraco que inda exziste, sem apareser
vestigio algum das Cazas, nem que ouvesse em tempo algum
edeficio naquelle Lugar.
Junto a estas Cazas se achavão as Cazas de Antonio da
Costa Chaves, de Romão de França e outras as quais su
posto que as Agoas não levarão , ficarão comtudo demolidas
e cahidas por terra sem paredes, nem telhado porque este
com o fundo da Caza correo todo para o fundo onde dispois
se achou .
Todas as mais Cazas daquella Freguezia que andarão
por sento e vinte Cazas ficarão ( destruidas ) , sem paredes
demolidas e aterradas com mais de seis palmos de lodo que
vinha com as agoas porque em todas ellas chegou o delu
vio atirar pella altura das portas, outras por Sima a beira
do telhado, e outras por mais baixa altura , de sorte que
assim estiveram alagadas a espaço de quatro noites com
tres dias .
90 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Alguns moradores que se achavão na dita Freguezia


adejunto com dous Reverendos Padres andarão em Canoas
entrando por dentro das Cazas daquelles miseraveis habi
tantes tirando as suas Caixas e trastes que podião alcançar
e conduzirão para a sacristia da Igreja onde está collocada
a May de Deus e Senhora da Guia a qual permitio que
aquelle deluvio não chegasse a tocar da porta de Sua Santa
Igreja para dentro, a qual fica cituada em hum alto onde
somente chegou a Agua ao OLivel da soleira da porta prin
cipal e não sobrou para dentro , mas todo o Corpo da Igreja
tinha agoa que vertia da terra , por onde se conhece o mila
gre da Virgem Senhora dando a conhecer que lá fóra esta
va mais alta a Agoa do que o Asento da dita Igreja.
Os mesmos moradores e o Reverendo Parocho José
Francisco de Mendonça dispois de terem acondicionada as
Caixas e trastes dos mais moradores dentro da Sacristia da
Igreja fizerão Suas deprecaçoins a May de Deus, e vendo
nesse dia que as Agoas ainda emxião e o estrondo que dava
actualmente a dita Ribeira hera cada vez maior, e thé vinha
conduzindo grandes Paus, Canoas, dispersas immensas Ar
vores frutiferas como herão Larangeiras , Bananeiras, e ou
tras que a violencia das aguas arrancarão e levavão com
varios pedaços de barrancos que se partião do firmamento
da Terra de grandor de quinze a vinte, quarenta athé de
sincoenta braças pella terra dentro, expecialmente em al
gumas voltas que a Ribeira cortou e dispois sevio em linha
recta e direita naquelles lugares; intimidados deste espeta
cullo , sembarcarão em Canoas e forão entrando nellas pel
lo mato dentro , em procura de hum Monte que fica perto
onde estava Cituado com sua Familia Joaquim Antonio da
Cunha e ahi se acomodarão thé que declinou e rebaixarão
as Agoas ficando solitariamente o Reverendo Francisco Xa
vier de Passos com seus famullos na dita Freguezia apo
sentado na Sacristia da Igreja de onde não sequis retirar.
Da dita Freguezia para baixo todos os moradores que
tinhão montes ao pé de Seos Citios correrão para elle a es
capar com suas Familias, porque as Agoas seaposavão de
Suas Cazas, e os visinhos que não tinhão este regresso cor
rião a procurar em Canôas o abrigo dos mesmos morros, e
com grandes riscos por estar a Ribeira innavegavel por
veloz corrente que tinha e grande imensidade de madei
ras verdes e secas que conduzia .
Contarão -se doze Casas que despois que a Ribeira abai
xou somente sevio o lugar dellas e thé hoje sinão sabe o
fim que levarão com seus trastes e pertences do trafico da
Agricultura que tudo perderão aquelles mizeraveis.
Naquelles Citios onde havião animaes asim como herão
gados , porcos , aves e outras criaçoins cazeiras se ouvião os
estrondos dos seos berros, e gritos, nadando pello meio das
Aguas ; os pobres lavradores que naquelle conflito cuidavam
escapar com sua familia lhes não acudião por modo algum ,
de sorte que huns cntravão pello mato cerrado lá se emba
rasavão e morrião, e outros que vinhão para a madre da
Ribeira a correnteza carregava com elles, e desta sorte,
morrerão os pobres animaes ficando estes moradores desti
tuidos delles , sem saberem onde forão parar.
Na ocasião da maior furia da inxente se vio da Fre
guezia de Xiririca virem humas rezes arcbatadas da vio
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 91

lencia das Aguas , e tomarão pé duas dellas sobre os telha


dos da Caza do Thenente Antonio Gonçalves Fontes , que
em tão ainda não tinha rodado, e vendo as pesoas que ali
se axavão aquelles animaes lutando com a morte naquelle
logar forão acudir e escaparão de morrer trazendo -as para
o alto da igreja onde escaparão com o mais gado daquella
Freguezia .
Passados os dias mais tristes deste infelis acontecimen
to forão aquelles moradores ver as suas Rosas, nas quais
não axarão couza alguma com que pudessem ao menos re
mediar sua fome e de sua familia por estarem razas, humas
e sem couza de planta , outras podres e outras interradas
seis e oito palmos debaixo do lodo que as Aguas trazião ,
e por este modo thé hoje estão experimentando grande fo
me expecionalmente na farinha, e por consequncia os mo
radores desta villa que para remediarem a neSesidade da
quelles que soccorrião a providenciar se das lavouras dos
moradores da Ilha do mar e praia da Jureya fizerão com
que houvese caristia e falta de farinha por todo este anno ;
este prejuizo xegou a todos os moradores que se achão ci
tuados a margem da Ribeira desde a sua origem athé fron
tear com o Porto da Ribeira, e dahi para baixo thé a barra
que vai desagoar no mar groso não fes tanto estrago por
que as grandes vargedos que derão lugar as Agoas se es
palharam evitarão subir tanto q . ° subirão naquella Fre
guezia, e lugares onde vem aquelle Rio por entre os morros
por que ainda mais subio a furia da sua inxurrada ; está
narrada a maior enxente na referida Freguezia se verificou
no dia vinte nove do mes de janeiro deste corrente anno de
1807 e por aqui por baixo durou xeia a Ribeira athé quinze
do mes de Fevereiro do mesmo anno, e dahi por diante en
trou a declinar e abaixaram as Aguas .
Dos Paus e madeiras que correrão são testemunhas os
moradores da Praia da Jureia onde acharão paus suficientes
e de que fizerão Canoas de mais de tres palmos de boca ;
Na mesma Praia sevia despojados immensos paus brutos,
portas e janellas das cazas que a correnteza arastou, pare
des de cazas com os paus dellas marrados , e pregados, Inge
nhos de cana destroçades, paus de Prença de fazer farinhas;
larangeiras, e bananeiras, e outros vestigios que indicavão,
a triste lamentação e prejuizo daquelles habitantes da Ri
beira.
Por esta cauza foi nenhuma a produção da Agricultura
este anno e somente alguns lavradores colherão seus arro
zes muito deminuto daquella porção que esperavão colher,
segundo as avultadas plantacoins que se fazem a este ge
nero ; mas houve dahi a sinco mezes tanta abundancia de
feijão por ser fruto que em breve tempo se colhe o qual
plantarão por, aquelles lugares inundados e lodados que
abrangeo aquelles desolados moradores, e aos desta Villa ;
e sobrou muito que foi para Cananéa de onde o vinham
buscar e por barato preço , e tambem foi algum para a Vil
la de Santos, comprado nesta pellos mesmos Santistas que
vierão neste anno assistir a festivid . “ do Senhor B. Jezus .
A produção dos gados não pode ter augmento, por cau
za do destroso e infelicidade que sobre elles tambem che
gou por causa deste Diluvio ; mas os moradores cuidam
muito em se refazer de outros vindos da Freguezia de Pa
92 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

ranapanema Serra Acima, de onde com efeito tem vindo


gado bastante a vender-se este anno para criaçoins, e se
Deus Nosso Senhor permittir que não haja outro funesto
acontecimento hão de se por as couzas todas no mesmo esta
do de antes, em breve tempo.

E por que não houve mais Caso algum que fosse me


moravel e digno de historia proprio para delle se fazer asen
to neste Livro, por isso somente fes declaração do que fica
ponderado, requerendo ao Corpo da Camara que ouvesse
de mandar escrever na forma que tinha dito, do que para
de tudo asim constar fiz este instrumento em que assigna
rão e eu Francisco dos Santos Carneiro escrivão da Camara
que o escrevy .

Ainda, sobre o mesmo assunto , narra o padre Mendonça no


Livro do Tombo da Freguesia : " Que triste era andar em canoas,
carregadas com os moveis domesticos, procurando refugio contra
as aguas que crescião e inundavão: e quando parecia escapar-se en
hua caza por estar em mais alto terreno, onde não constavão ter
chegado alguas das cheias anteriores, passar, logo a outra casa mais
alta e desta emfim , procurar como ultimo asilo a mesma Igreja, re
duzida já a necessidade de Fazer -se desta Casa Sagrada o arsenal
ou commum deposito das cousas profanas, como aconteceu então
e pode acontecer ainda .
“ Depois disto, que desconsolação ver submergidos e algumas
destroçadas inteiramente, depois da inundação, aquelles casas que
fazião o ornato da Freguezia, a residencia dos moradores, dando
hum espectaculo lastimoso, já por apparecerem sem belleza, como
esqueletos descarnados e entulhados de profundo lodo, já por esta
rem inclinadas e pensas, destituidas de portas, de janellas dos mo
veis emfim de madeira, do interior e que guardavão a alfaya do
mestica e a roupa dos habitantes, porque tudo as aguas arrebata
vão com os mais despojos sujeitos a sua violencia e levarão a espa
Thar ao longe e por diversas e incognitas partes!”
“ Portanto, não havendo nisto exaggeração algúa, porque tudo
se passava realmente aos olhos destes moradores, a quem ainda mais
convencia a propria experiencia de tantos prejuizos, e ainda mesmo
dos prejuizos evidentes, a que acabavão alguns de escapar, á vista
destas causas tão fortes tratou -se logo desde a primeira chamada
a Cheia Grande - de mudar esta Matriz a Freguezia para melhor
lugar; e a medida que repetião novas cheias, se renovavão os mes
mos incommodos, e igualmente se renovava esta pretenção, procura
vão -se os meios mais convenientes, assentando -se sempre de con
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 93

tribuirem todos com seus arrozes para os gastos e trabalhadores,


afim de se não tirarem do serviço da lavoura (1).

Essa memorável enchente e mais a de 7 de outubro de 1809,


influiram poderosamente no espírito da maioria dos habitantes de
Xiririca, para a mudança da Freguesia para um novo local mais ele
vado, onde pudessem viver tanquilamente, livres do receio de no
vas catástrofes.

(1) Livro do Tombo da Freguezia de Xiririca, pág. 42 v .


CAPITULO IX

MUDANÇA DA FREGUESIA PARA O PORTO DA


ILHA FORMOSA

DESINTELIGÊNCIAS HAVIDAS ENTRE OS MORADORES

Como acabamos de ver, as grandes enchentes tomaram o aspec


to de verdadeiros cataclismas, destruindo a sede da Freguesia e até
mesmo danificando grandemente a própria Igreja de Nossa Senhora
da Guia, o que fèz com que uma grande parte dos habitantes e
bem assim o capitão-mor, representassem ao governo, solicitando
permissão para a transferência da mesma.
A 8 de setembro de 1816, sob a presidència do Revdmo. Joa
quim Júlio da Ressurreição Leal, vigário Colado da vila de Para
naguá e Visitador da paróquia realizava uma grande reunião, cujo
objetivo era a mudança da Igreja, à ela comparecendo alem də
padre José Francisco de Mendonça, o capitão-mór José Antônio Pe
niche, o comandante das Ordenanças da Freguesia e muitas outras
pesoas, perante as quais, após a fundamentação da causa de que
era objeto a reunião, tomou a palavra Romão de França Lisboa, que
oferecia o terreno necessário para a transferência e assentamento
não só da respectiva Igreja, como para a própria Freguesia, como
consta do seguinte tèrmo, lavrado e assignado por todos os presen
tes :
" aos nove dias do mez de Setembro de mil oito centos e
dezeseis estando juntos o M. R. Joaquim Julio da Ressur
reição Leal , Vigario Collado e da Vara da Villa de Parana
guá , Visitador Ordinario desta Freguezia de Xiririca e o
M. R. José Francisco de Mendonça, Vigario -Collado da mes
ma Freguezia de Xiririca e o illustrissimo Capitão -mór José
Antonio Peniche e Capitão-commandante Francisco de Pau
la França e o Capitão Joaquim Pupo Ferreira e o Capitão
Gregorio Felix d'Almeida, e o Tenente Antonio Gonçalves
Fontes, o Alferes Ignacio da Costa França por parte dos
moradores da Ribeira acima, o Alferes Braz da Cunha Ra
mos e mais moradores abaixo assignados, appareceu Romão
de França Lisboa e disse que de sua livre vontade e sem
constrangimento de pessoa alguma, dava o logar que fica
Acima da Ilha Formosa para nelle se mudar a Egreja Ma
triz de Xiririca, e com todo o seu terreno para os morado
96 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

res da mesma Freguezia fazerem as suas casas, abrindo ruas


e senhoreando -se do dito terreno e campos que forão seus
cultivados, de hoje para todo o sempre, fazendo esta so
lemne doação não só pela devocão que tributa á Virgem
Nossa Senhora da Guia , como pela desconsolação que tinha
de ver as casas dos ditos moradores arruinadas com as
chêas da Ribeira .
Igualmente todos os mesmos moradores ' tanto da Ri
beira acima, como da Ribeira abaixo, se obrigavão a pagar
cada Fogo hum alqueire de arroz pilado, emquanto duras
sem as obras da Egreja , annualmente, continuando sempre
a dar a mesma porção todos os annos, com clausula porém,
que os Fogos que não tivessem escravos, darião annual
mente o dito alqueire de arroz, ficando livres de dar mais
cousa alguma em attenção á sua pobreza, e os que tives
sem escravos, alem do alqueire de arroz pilado por Fogo,
darem aquillo que a sua devoção pedisse por adjutorio, e
não se negavão mesmo por devoação á Virgem Senhora da
Guia mandarem algumas vezes escravos para ajudar n’aquil
lo que pudesse. O mesmo Capitão -mor vocalmente disse que
deixava ordem ao Capitão-Commandante para mandar ro
çar o Logar e todo Seu circuito, e determinava que se fi
zesse toda esta Limpa por esquadras, ficando o mesmo Ill.º
Cap . Mór, e o R. José Francisco de Mendonça por Pro
tectores da ditta Obra , e para clareza de tudo todos se-as
signarão no mesmo dia, mês, era et Supra. Joaquim Julio
da Resurreição Leal , Vizitador Ordinario José Francis
co de Mendonça, Vigario Collado, — Romão de Paula Fran !
ca, co’mand. Joaquim Pupo Ferreira Gregorio Felix
de Almeida Antonio Gonçalves Fontes Ignacio da
Costa França Bráz da Cunha Ramos Joaquim Perei .
ra Cardoza Bento Jozé da Costa Ignacio Beneditto de
Freitas Anacleto Pereira Jozé Gonçalves da Costa –
Jeremias de Souza e Oliveira Manuel Bento Dias
Ignacio Gomes Reginaldo Jozé de Pontes Bento Pu
po Ferreira Joaquim Pereira de Oliveira Antonio Go
mes da Silva - Rafael Gonçalves de Oliveira Estes tres
uúltimos, e Jeremias de Souza assinarão- se com Cruz,
por não saberem escrever” ( 1 ) .

* *

Apesar do acordo firmado por essa ocasião, mais tarde, por


qualquer motivo, surgiu uma grave desinteligência entre os próprios
signatários do tèrmo acima transcrito, dividindo-se a população em
dois grupos ou partidos políticos, como diziam eles, um dos quais
continuava no firme propósito de mudar a Freguesia para o lugar
doado, enquanto que a isso se opunha, os demais, que, perdendo a
causa que então defendiam , retiraram-se alguns para Juquiá, outros
para Iporanga, ou ainda para Cananéia e Iguape ou para Serra Aci.
ma .

( 1 ) Livro do Tombo , fls . 42 e seguintes.


MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 97

J. Jacintho Ribeiro, comentando semelhante fato, escreveu o se


guinte:
“ Sabe - se - diz Azevedo Marques que a povoação foi muda
da do primeiro local para um quarto de legua abaixo da mesma
margem , por causa de uma enchente consideravel do rio, que a in
vadio e inundou, causando grandes prejuizos, com excepção da
egreja epoucas casas; mas que esta mudança verificou -se com oppo
sição e desgosto de muitos que não acompanharam a nova povoação.
“ Acreditamos que o mesmo Azevedo Marques não teve sciencia
do seguinte e importante documento que se acha registrado a folhas
42 do Lº do Tombo da mesma Freguezia. Ele perfeitamente histo
ría os motivos da Mudança e está sem opposição e desgosto de seus
moradores”, etc., passando então a transcrever o termo que acima
assinalamos. Essa afirmativa do autor da Cronologia Paulista sur
preendeu -nos, mesmo porque, tendo sido alto funcionário do Ar
quivo do Estado de S. Paulo, fàcilmente poderia ter estudado os
manuscritos aí recolhidos e que se encontram nos maços de Iguape
pelos quais fàcilmente se evidencia estar a verdade com o autor
dos Apontamentos históricos, pois a discórdia entre os Xiririquenses
foi um fato conhecidíssimo e comprovado por numerosos documen
tos, dentre os quais assinaleremos o seguinte:
Illm ." e Exm . " Senhor

Tenho a honra de accuzar o recebimento do Officio, q '


V.V. EEx.as me dirigirão em data de 27 de Novembro do
anno proximo passado , em o qual me fazião saber q ' con
firmarão a portaria do Ex governo Provisorio, q' me inves
tio do commando desta Freguezia.
Na participação mensal q' levei a presença de V.V.
EEx.as em data de 3 de Dezembro, já fiz ver q' nenhuma
novidade de maior monta tinha athe então alterado o pu
blico socego e tranquilidade desta Freguezia : agora hé meo
dever fazer a m .ma participação quanto ao finado mez de
janr.° mas hé com grande magoa q' eu de novo me veja
obrigado a apresentar a V.V. EEx.* s q' o passado comman
tante o cap ." Joaquim Pupo Ferreira, raivozo de ter sido
tirado da Commandancia continua a urdir tramas, por meio
de seos filhos , parentes e apaniguados, e a fazer esforços
para extraviar a opinião publica a respeito do estabeleci
mento da nova Freguezia ; e que pelos mesmos canaes, elle
promove presentemente humarepresentação, q' pertende di
rigir a V.V. EEx." em nome dos povos, na qual se diz q'
estes o pedem por commandante ( 1 ) e para isso andão de
porta em porta immissarios mendigando assignaturas entre
a classe mais infima, inclusive mulatos e negros forros, q'
apenas possuem huma cabana em hum pequeno cultivado.
Consta me, e com toda a certeza , q ' nessa representação
pertendem illudir a V.V. EEx.as a respeito da transferição

(1) O grifo é nosso .


98 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

da Freguezia para outro lugar, e da edificação da nova Ma


triz. Consta -me mais q' me accumulāo huma multidão de
calumnias, bem como ao Rd.° Vigario desta P. Jozé Fran
cisco de Mendonça. Quanto essas calumnias, como eu
ignoro em q' ellas se possão fundar, não posso por ora fal
lar em minha defeza ; mas eu o protesto fazer da maneira a
mais convincente quando V.V. EEx.as , como espero e he de
justiça me derem vista das accuzações.
Mas quanto a Freguezia e Nova Matriz hé meo dever
fazer desde já diffusamente huma veridica exposição de tu
do quanto se ha passado a este respeito afim deq ' V.V.
EEx.as , confrontando - as com os documentos officiais q' exis
tem na Secretaria desse Governo, possão de hum golpe de
vista reconhecer onde existe a franqueza, a razão, e a jus
tiça , e ssão em consequencia dar as providencias, q'nes
ta imploro. Havendo a triste experiencia mostrado , q' o lo
cal em q' foi fundada a Freguezia hé o mais perigoso e o
mais funesto q' podião os antigos achar, por ser sugeito as
arrazadoras innundações da Ribeira, chamada de Iguape q'
transbordando por cima dos edificios tem demolido a huns
e arruinado a outros ; existindo junto á Matriz huma alagoa
inexgotavel ; tendo alem disto crescido consideravelmente a
população, para a qual já a Matriz não hé bastante em tem
pos de festividades ; e achando se esta alem de acanhada
quazi ameaçando ruina por velha : 0 R. Vigario convocou
os povos, e lhes demonstrou a necessidade, q' urgia de
transferir a Freguezia p." outro lugar mais vantajoso, e de
se edificar huma nova Matriz proporcionada para a popula
ção existente.
Geralmente foi reconhecida aquella necessidade e todos
grandes e pequenos, se offerecerão com seos bens e servi
ços para se dar principio ao projecto proposto. Segunda vez
forão os Povos convocados a prezenca do Capitão Mór do
destrito e do R.4. Vezitador, os quais em pessoa acompanha
dos pelo R.do Vigario e principaes pessoas do Povo, forão
examinar o unico lugar, designado como mais vantajoso
para a nova Freguezia : com effeito depois de rigorosas ob
servações com aprovação geral se lavrou alli hum termo
no q se declarou q' unanimente se acordava q' aquelle fos
se o lugar da nova Freguezia que se obrigavão todos os
cabeças de casaes a concorrer p. a edificação da Igreja com
2 alqr. de arroz em casca por cada pessoa de confissão, q'
tivessem em suas cazas ; e q' logo se desse principio á dita
edificação : cujo termo foi lido e assignado por todos quan
tos sabião ler.
Nomeou - se logo huma Commissão q' promovesse e a
diantasse os trabalhos ; da mesma sorte foram nomeados 7
Procuradores, q' deverião procurar e receber a capitação
acordada e aprovada, bem como as esmollas voluntarias ;
alguns cidadãos movidos de zelo adiantarão quantias avul
tadas p." o começo da obra, com condição de serem indem
nizados com o producto das primeiras contribuições.
De tudo isto se fez a competente participação ao Exm .'
Sr. Governador João Carlos Augusto, q' aprovou tudo, e
passou as ordens precizas p." q' as diversas Authoridades do
destricto coadjuvassem, q . ' ' de sua parte estivesse, a exe
cução das medidas tomadas.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 99

Deo-se pois principio a edificação da nova Matriz : con


correrão os Povos com fervor, e em breve tempo se eleva
rão as paredes em roda á altura de 60 palmos gastando - se
a quantia de 1.200$000.
Havendo o Exm .° Ex , Governador tirado o commando
das mãos do Cap." Francisco de Paula França, e dado ao
Cap. " Joaquim Ferreira este homem de huma idade avan
çada e governado por seos filhos e por alguns parentes logo
q' tomou posse do Commando começou a diassudir parte do
Povo do Arraial de Vaporunduva p.' q' se não prestassem
para a continuação da Matriz, pretextando motivos futeis
e menos verdadeiros, com os quaes tem conseguido formar
hum partido contra a edificação da Matriz em oppozição
aos bons desejos da maioridade da população, entre a qual
se contão as pessoas de mais consideração por seos teres e
probidade .
O comportamento daquelle Cap.am hé tanto mais digno
de censura quanto hé certo q'elle foi hum dos mais em
penhados p . a execução do projecto da transferição, e foi
hum dos primeiros assignados no termo ; não he porem de
admirar sua variedade de sentim.tos; ella hé propria de suas
circunstancias e de sua idade ; assim como não hé de admi
rar que elle fizesse hum partido entre a classe mais infima,
pobre e preguiçosa ; porq' he bem sabido q' Povos rusticos
de boa vontade se prestão ás vontade de qualquer q' lhes
acena com a esperança de izenção de trabalhos e de con
tribuições . Desde então parou a obra da Igreja , paralizada
pela oppozição e faltas das contribuições daquella parte do
Povo . As paredes, levantadas com tanto custo, estão a pon
to de arruinar- se : a parte sã dos habitantes chora ver os
seus trabalhos e dr .° perdidos em consequencia do mero ca
pricho e teima de hum homem : aquelles cidadãos q ' leva
dos de seo zelo adiantarão avultadas sommas se acharão
no desembolso dos seos dinheiros. O Ex. Governo Provizo
rio informado de q' o commandante era o motor da oppozi
ção tirou-lhe o commando, que se servio encarregar-me. Eu
porem apezar de muitas deligencias e exforços não tenho
podido reduzir essa parte do Povo de Vaporunduba a cum
prir com seus deveres , satisfazendo o empenho a q' se liga
rão por hum termo . ' A ' vista das minhas deligencias o ex
commandante e aquelles q' o movem tenazes em seos pro
jectos, lançarão agora mão do ultimo recurso, isto hé, por
meio de maledicencia e calumnia manejão a intriga ; e em
breve será apresentada a V.V. EEx.as a referida representa
ção em cujas assignatura andão agora occupados . Não será
dificil á V.V. EEx.as reconhecerem pelas assignaturas a qua
lidade da gente opposta.
Eu Ex ."
mos Snrs. tinha justificados motivos para excu
zar-me da Commandancia, quando me foi encarregada ; não
quiz prevalecer-me delles por ceder os rogos de todos os
homens bons, que esperavão ver prosperar a obra da Ma
triz debaixo da minha influencia . Eu acho-me em idade de
60 annos, tenho a meo cargo a mais numeroza familia do
destrito, nenhuma utilidade tiro deste commando, antes pe
lo contrario elle causa atrazos, e trabalhos, elle me tem pri
mos
vado do meo çocego e tranquilidade. Não hé pois Ex.
Snr. ' ' o receio de perder a commandancia em consequen
cia da representação q' intentão, o que me faz prevenir a
100 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

VV . EEx.as sobre ellas, hé sim a obrigação, que urge a todo


o homem de bem de punir pelo seo credito, e de deffender
se de calumnias.
Não hé a intenção de intrigar o Cap." Joaquim Pupo
Pereira, o q' me excita a fazer-lhe accuzações, hé sim a obri
gação, em q' estou constituido de patentear a verdade em
toda sua luz perante VV . EEx.as , pelo contrario eu sou o
mesmo que ouso implorar a indulgencia de VV. EEx.as ro
gando -lhes hajão de relevar a aquelle cap." o seo compor
tamento , que de certo tem toda a desculpa na fraqueza,
produzida pela sua avançada idade, fraqueza q' o poem á
descripção de outras vontades. Com taes sentimentos, Ex.mo:
Snrs. e a vista da exposição que tenho feito eu me limito
somente a rogar a VV. EEx .** duas coisas ; ou a providencia
de meio com q eu possa chamar á concordia o povo dissi
dente por illudido, e promover o adiantamento da nova Fre
'guezia ou do contrario, a minha demissão deste emprego de
commandante, que custando-me tantos sacrificios, pela in
sufficiencia de meios, me não poem, em circunstancias de
satisfazer os bons desejos, q' tenho de cumprir com as obri
gações, q' forão impostas, a mais recommendada das q'hé
certamente o cuidado de zelar sobre a edificação da Igreja
objecto dos votos de todos os bons Cidadãos. Estas as con
siderações q' ora tenho a honra de levar á prezença de VV.
EExas g’ se dignaram defferi-las como acharem de justiça.
D. " G. VV.EEx.as muitos an." ( 1 )
Gregorio Felix de Almeida
Cap,am Commandante Militar de Xiririca .
Xiririca a 1.º de Fevereiro de 1823 .

Como acabamos de ver pelo documento supra, além de mui


tos outros existentes no Arquivo do Estado, a oposição por parte de
muitos dos moradores foi um fato que teve larga repercussão, o que
fèz retardar a mudança da Freguezia para o sítio da Ilha Formosa.
E tanto isso é verdade, que em sua Sessão Ordinaria de 6 de No.
vembro de 1826, resolvia o Conselho da Presidência da Província o
seguinte:
" Em consequencia da representação do Commandante
da Freguezia de Xiririca, pedindo providencias para a mu
dança da mesma e conclusão da nova Matriz, foi deliberado
que se expedissem as Ordens necessarias ao Juiz Ordina
rio de Iguape para o indefectivel cumprimento do Termo,
em que os Povos expontaneamente se obrigarão á contri
buição, que delle consta, e hé applicada á factura da dita
Matriz, que com toda a brevidade possivel se deve ultimar,
devendo nomear hua pessoa de probidade, e confiança pa
ra servir de Thezoureiro da mesma Contribuição, e ao res
pectivo Capitão - mór para auxiliar efficazmente ao dito Juiz
na execução da presente deliberação, que será tambem
communicada ao Commandante para sua intelligencia " ( ? )

(1) Arquivo do Estado , Maço 97. ( T.I. ) 1823.


(2) Atas das Sessões do Conselho da Presidência da Provincia 1824-26 .
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 101

Era que, com a escolha do terreno para a construção da nova


Igreja, surgira de fato a luta, formando -se dois partidos, chamados
dos fazendeiros, cada um dos quais disputavam apaixonadamente a
palma da vitória .
Para evitar tais desavenças , foi que o Ouvidor e Corregedor in
terino da comarca , dr. Joaquim Teixeira Peixoto , em consequência
da Portaria do Presidente da Província de S. Paulo, procedeu ao
exame e vistoria “tanto do terreno em que está situada esta Fregue
zia (a primitiva) para nele se edificar a nova Capela, como o terre
no em que se está principiando a edificar a nova capella ”.
Para isso, haviam se reunido em casa do Ouvidor Geral, entre
outros o capitão Braz da Cunha Ramos, guarda -mor Manoel Bento
Dias, e o Commandante Gregório Felix de Almeida.
Procederam então ao exame do Ribeirão de Xiririca, “ em o si
tio que foi do capitão Manoel Alvarenga Braga haver terreno suffi
ciente e com as precisas proporções para o feito exigido, achou ser
o mesmo terreno o melhor e mais apropriado para se edificar a ditta
Capella e Freguezia, não só por mais extenço alto, livre da inxente
e mais proximo da pedra com o dito Ribeirão onde se podem abriga
rem as canòas nos tempos e occasiões das cheias, com aguada su
ficiente, onde achou que se devia edificar a mencionada Capella
e Freguezia ".
Nesse mesmo dia era eleita a comissão composta de seis mem
bros, sendo très cobradores e tres caixas ou tezoureiros, que deviam
angariar donativos e arrecadar as contribuições voluntárias em prol
das obras da capela de N. S. da Guia, sendo eleitos: Gregório Ribei
ro Ramos com ll votos; Joaquim Pereira de Oliveira, com 7 votos ;
guarda -mor Manoel Bento Dias, com 6 votos.
Para tezoureiros : José Pedro da Silva, com 6 votos ; Joaquim
Dias da Silva, com 6 votos ; Rev. Francisco José Trindade, com 4 vo
tos .

Não poucos foram ainda os incidentes ocorridos depois disso, e


tanto assim que, se examinarmos os livros e documentos existentes
no Arquivo do Estado, aí encontraremos novas referências sõbre o
mesmo assunto, como seja a ata da Sessão Ordinária do Conselho da
Presidência da Província, de 5 de outubro de 1833 , onde, entre
outras cousas se encontra o seguinte:
“ Reunidos pelas dez horas da manhã os Snrs. Conse
Theiros França, Vasconcellos, Ferreira do Amaral e Gomes
de Almeida , foi aberta a Sessão, não foi approvada a Acta
da antecedente por ficar a sua leitura para a seguinte.
Prestarama juramento por seus Procuradores Francis
co Antonio de Castro, Jozé Glz' de Aguiar, Antonio Perei
ra de Campos, e José Lopes Figr. Juizes Municipaes , o pri
meiro da Vila de Parnahyba, e segundo, da de S. Vicente,
102 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

terceiro da de Areas e o 4.° da de S. Luiz ; e Manoel Jozé


Per.' e Juiz de Orfãos desta ultima.
Passando -se ao expediente entraram em discussão e fo
ram resolvidos os negocios seguintes :
Sobre a informação do Juiz de Direito da 6.* Comarca
o Bacharel José Antonio Pimenta Bueno relativamente á
questão suscitada entre os moradores da Freg." de Xiririca,
termo da Villa de Iguape, acerca da mudança da Igreja da
mesma Freguezia, foi resolvido, que a dita mudança se ef
fectue para o lugar da Igreja nova, denominada debaixo, no
que agora concordam todos os cidadãos do Districto, e pela
maneira indicada por aquelle ministro na mesma informa
ção ( 1 ) .

(1) Pareceres do Conselho do Governo , Maço 14, sala 10, Arquivo do Estado.
APENDICE I

No local da antiga Capela, hoje pertencente á Fazenda Caraitá,


de propriedade do dr. Jaime de Almeida Paiva, nasceu uma figueira
brava de belissimo aspecto, que se tornou histórica e inspirou ao dr .
João Pires Wynne estes belissimos versos.

A CIDADE VELHA

Muito alem do lugar onde hoje móra,


Floresceu noutros tempos a cidade.
Mas, um dia , crescendo o rio, enorme
Enchente , colossal, em suas aguas
A cidade levou . Já tudo dórme.

Apenas no lugar antigo, agora,


Um campo existe, desolado, êrmo.
No centro da paizagem tronco imenso,
Raizes colossais sangrando a terra,
Robusta , secular uma figueira
Do viajôr a vista prende e chama.
Rarissimo exemplar que na Ribeira ,
Lembrando a selva primitiva inflama
Todo amoroso espirito cativo
Da belêza da terra brasileira .

Um sugestivo quadro se apresenta


De belêza sem par, tão sugestivo,
Que nos empolga , prende e nos enleia,
Falando aos olhos como ao coração.
As ruinas prendendo, só , conserva
Da capela os vestígios nos mostrando
Que por alí , tristonhas ou felizes
Muitas almas passaram meditando.

Versos escritos pelo Dr. João Pires Wynne, após uma visita fei
ta ao local da antiga e primeira igreja da cidade de Xiririca, hoje
em ruinas, dentro nas terras da fazenda CARAITÁ de propriedade
do Dr. Jaime Paiva, fazendeiro na zona, e cuja familia num gésto
carinhoso comemorando o centenario da elevação a município fez
construir um muro e jardim em torno da figueira histórica.
APÊNDICE II

FORMOSA DA RIBEIRA

( Transcrito da “ Revista do Arquivo


Municipal”, Vol . CXLVI, de 1952)

A notícia da existência de fabulosas riquezas na reião da Ribei


ra Acima tornou - a bastante conhecida desde os princípios do século
XVII .

Foi assim que um grupo de exploradores tratou de se estabele


cer junto às margens do rio Jaguari, dando lugar à formação de um
novo núcleo, que foi elevado à categoria de Capela por Provisão
de 16 de janeiro do ano de 1750, do Bispo de S. Paulo, Frei Antô
nio da Madre de Deus Galvão.
E em procura de um lugar aprazível para a sua ereção, resol
veram desde logo os seus fundadores edificá-la defronte da barra
do Ribeirão Xiririca , nome éste com que foi então batizada.
Meio século já havia decorrido desde a data daquela fundação,
quando, a 28 de janeiro de 1807, sobreveio a primeira grande en
chente de que há memória em toda a região, elevando-se o nível das
águas a considerável altura, estendendo -se muito além das margens
do grande rio, provocando uma terrível inundação e submergində
quase que inteiramente a nova povoação, do que resultou, como me
dida acauteladora contra novas e desagradáveis surpresas, a sua
transferência para um sítio mais conveniente, escolhendo-se para is
so, - depois de prolongada luta, – a colina que se eleva no pôrto
da Ilha Formosa, conhecida pelo nome de - Morro do Cristovão,
distante cerca de um quilômetro do antigo local, onde finalmente
veio a desenvolver- se e prosperar, tornando -se conhecida por suas
incomparáveis riquezas minerais.
Entretanto, transferida para alí, contra toda e qualquer expec
tativa, arrastou e manteve até os nossos dias a primitiva denomina
ção, o que, como é claro de ver - se , não mais se justificava, fato
éste que levou o presidente da Assembléia, Dr. Lincoln Feliciano, a
apresentar um projeto de lei, propondo sua mudança para ELDO
106 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

RADO, projeto esse que foi imediatamente aprovado e transfor


mado em lei .

Medida acertada, não resta a menor dúvida, por ela já se haviam


manifestando há mais de sete lustros, representantes da política lo
cal e mais pessoas gradas, daquela terra, acordes todos eles em que,
com a mudança da freguesia, da barra do ribeirão Xiririca para o
pôrto da Ilha Formosa , nenhuma razão subsistia, para que se lhe
perpetuasse o antigo nome, cujo vocábulo, ao que se propalava, era
considerado como que deprimente para a localidade, servindo até
mesmo de zombaria, em virtude da interpretação errónea que lhe
haviam dado pessoas sem o menor conhecimento da língua brasíli
ca, quando, segundo a lição dos mestres , – Xiririca, não passa de
uma corruptela de – Y-CHIRIRICA, que quer dizer – água ligeira,
veloz; a corredeira, o rápido, da mesma forma que pororóca, pe
rereca, pururuca e tantos outros que, como diz Plínio Airosa, são
vocábulos ou expressões de fundo onomatopaico, acrescentando ain
da :

“Piririca, gerúndio supino de piriric, também onomatopáico, que


vale: agitar, voltear, revoltear, ruído de coisas agitadas ou compri
midas, que parecem que se quebram ou estalam ”.
Chermont de Miranda, por ele citado, diz que, na Amazônia,
dá-se o nome de piririca, à pequenas ondulações.
A verdade, pois, é que a denominação dada ao ribeirão Xiri
rica, foi por causa da rapidez da correnteza e não em sentido pe
jorativo, como se procurou divulgar no seio da população xiriri
quense .
Mas, provocada naquele tempo tão importante questão, desde
logo se formaram duas correntes de opiniões: a primeira, dos que,
considerando a tradição como elemento primordial, achavam que
se deveria manter a antiga denominação , uma vez que encerrava
a própria história da localidade recordando os seus principios, sua
origem , enfim , enquanto que o segundo grupo declarava, com fun
dadas razões, que semelhante substituição era imprescindível, im
pondo -se desde o momento da mudança daquela freguezia para o
novo local, – apreciações aliás muito ponderadas, sugerindo vários
nomes que, como afirmavam , correspondiam com certos elementos
geográficos do ponto para onde havia sido a mesma transferida.
Entre outros nomes , apresentavam então o de FORMOSA DA
RIBEIRA , - título bastante sugestivo, mas que, defendido por uns,
não logrou ser aceito por outros.
Assim , não sendo possível qualquer conciliação entre as duas
partes , foi a idéia abandonada, não se tratando jamais de tão inte
ressante assunto , até que, em dezembro de 1948, era apresentada na
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 107

Assembléia Legislativa do Estado, a emenda que teve como pri


meiro signatário o deputado sr. Lincoln Feliciano, substituindo o
topônimo - XIRIRICA - por ELDORADO.
Sôbre os motivos determinantes da mudança em apreço, apre
sentava, aquele deputado a seguinte justificativa:

“ A denominação MIRALUZ é inexpressiva. Nadạ, abso


lutamente nada representa.
ELDORADO bem definirá a riqueza do município fa-'
dado a grande desenvolvimento. Tem clima ameno e salu
bre. O solo é rico em minérios, tendo grandes jazidas de
mármore, ainda inexploradas. As terras, apropriadas para a
indústria pastoril, prestam-se também à cultura de arroz e
cacau . A cana de açúcar e o milho ali se desenvolvem com
proveito. Desde que o município tenha ligações fáceis, rá
pidas e baratas com os centros populosos do Estado, pro
gredirá em pouco tempo, transformando-se em verdadeiro
ELDORADO ” .

De pleno acórdo com semelhante proposição, quanto a mudan


ça, do nome, achamos que a medida posta em prática veio corrigir
um erro histórico, satisfazendo, ao mesmo tempo, aos velhos anseios
dos habitantes daquela importante cidade da região sul paulista, –
èrro que não poderia continuar, desde que se procurou resolver em
definitivo as falhas existentes quanto à nomenclatura das cidades do
Estado, pelo Departamento Estadual de Estatística.
Entretanto, examinando -se a questão à luz da história, pensa
mos que, se a denominação de “Miraluz”, lembrada por alguém, era
inespressiva, como de fato o é, “ nada, absolutamente nada represen
ta ”, nas mesmas condições se nos apresenta o vocábulo “ Eldora
do ”, aceito pela Assembléia Legislativa.
Como é sabido, muitos dos nossos escritores e até mesmo o
saudoso cientista Pio Corrêa, tendo em consideração as grandes ri
quezas de que é detentora a vasta região, que abrange alguns mi
lhares de quilômetros quadrados já a haviam cognominado AMA.
ZONIA PAULISTA, acrescentando que as margens da Ribeira cons
tituem uma verdadeira alameda de pau d'alho, padrão por excelência
de boas terras .
Outros, como Calixto, afirmaram que Martim Afonso, em via
gem para o Rio da Prata, ia examinando a costa paulista, em pro
cura de uma brecha, uma aberta, por onde pudesse invadir o sertão ,
informado como se achava , das grandes riquezas existentes nesta
parte da Capitania, – região que era considerada como a do Eldo
rado, segundo informações colhidas em Portugal. E porque julgasse
tè-la avistado, devido ao afastamento da cordilheira, mais para o
centro do território, interrompera sua derrota para o Sul, indo an
corar em Cananéia, de onde fèz marchar a desgraçada expedição de
108 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Pero Lobo Pinheiro em busca das famosas minas de ouro e prata,


anunciadas por Francisco de Chaves, que há trinta anos ali se acha
va juntamente com o famoso bacharel e mais cinco ou seis castelha
nos .

Não devemos esquecer-nos, entretanto, de que a referida região


abrange diversos municípios, estando a riqueza distribuida por todos,
não havendo por isso fundamento algum ou privilégio em favor de
qualquer um deles, para poder adotar semelhante denominação.
Tratando -se ' então da terra dos irmãos Veras, seus principais
fundadores, parece-nos que o topónimo já estaria indicado por sua
própria natureza, constituindo sua concretização em lei a mais justa,
a mais bela homenagem aos filhos daquela terra, que, com o mais
acendrado amor e patriotismo, tudo fizeram para engrandecê -la e
dignificá-la.
Essa denominação, pois , como já o haviam desejado muitos dos
seus filhos mais ilustres, seria FORMOSA DA RIBEIRA que
além de agradável adaptava-se perfeitamente àquela cidade, e que,
se não lograra vencer, quando da campanha movida há muitos anos,
fôra, além do mais, devido à alegação de alguns , por se tratar de um
vocábulo por demais extenso, quando a tendència em uso naquela
época era a da simplificação, como acontecera com as cidades do
Senhor Bom Jesus de Iguape, S. João Baptista de Cananéia, S. An
tônio de Apiaí, Exaltação da Cruz de Ubatuba e tantas outras, re
duzidas para Iguape, Cananéia, Apiaí, Ubatuba.
Hoje, porém , que a norma adotada vem sendo precisamente ao
contrário daquela,com acréscimo de vocábulos como Paulista do
Sul, da Serra, do Campo e tantos outros, como se vê em Braganç.?
Paulista, Pilar do Sul, Natividade da Serra, S. Bernardo do Campo
e outros mais, não haveria mais razão para aquela repulsa, justifi
cando-se portanto, a denominação FORMOSA DA RIBEIRA
para a legendária terra de Francisca Júlia.
Nada mais belo, mais justo, mais harmonioso, ao contrário de
ELDORADO, que, a nosso ver, parece-nos , como já dissemos, inex
pressivo e sem a menor significação.
APENDICE III

BREVES NOTAS SOBRE OS SAMBAQUIS DE CANANEIA

Um dos estudos mais interessantes feito pelos cientistas, é, sem


dúvida alguma, a do recuo do mar em certas partes da terra, notado
pelos geólogos.
Este fenômeno parece -nos perfeitamente admissível pelas ob
servações feitas não só no litoral paulista como também no norte
do Brasil .

O dr. Raymundo Lopes, num magnifico trabalho publicado re


centemente no “ Boletim do Museu Nacional”, trata ligeiramente do
importante assunto, citando a respeitável opinião do dr. Everardo
Backeuser, reputado geólogo, que, por sua vez, admite semelhanie
fenômeno geológico.
As modificações por que vem passando ainda hoje a costa pau
lista, parecem -nos suficientes para comprovar o que a tal respeito,
tem sido observado pelos competentes, pois é sabido que se em cer
tos pontos da costa a terra tem cedido logar ás aguas, outros há em
que o recuo do mar é bem patente.
“ Essa modificação da costa, - diz o dr. Raymundo Lopes – tena
sido atribuida ao recuo eustático do oceano ; o fato é que o samba
qui da Maiobinha excede incontestàvelmente bastante o nível máxi
mo das marés atuais ; a sua situação, é, pois, argumento a favor des
se recuo eustático que White contestou, quanto ao litoral sul-bra
sileiro, que Suess ainda acha insuficientemente provado e que o dr.
E. Backeuser demonstra com o auxílio , em grande parte, da obser
vação dos sambaquis.
Ao lado porém dessa ordem de cousas, temos a levar em conta
o proprio ciclo da erosão que após um periodo de demolição, acu
mulando -se diante da costa a plataforma de abrasão feita dos des
troços do terreno conquistado , tendo por este meio a amortecer a
ação erosiva e a restabelecer, com o auxílio dos citados fatores de
acréscimo, a linha da costa . O proprio vento , com a formação das
linhas de dunas, pode contribuir para atenuar a derrocada e mesm )
110 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

facilitar parciais acumulações como vemos no semi-delta do Par


naiba .

Diante de tal concurso de fatores, não é de admirar que em cer


to período desde o tempo provavel dos sambaquis, tenha avançado
a terra a despeito da ação negativa das grandes marés desse litoral
nortista . No sul, aliás, esse avanço ainda era mais fácil, porque as
marés extraordinárias, não existem no seu litoral.
Não comporta este trabalho - diz êle - maiores detalhes sò
bre o assunto ; não seriam aliás necessários ; quaisquer que sejam as
causas, o recuo do mar depois da formação dos sambaquis é fatɔ
tão generalizado no litoral brasileiro que tanto o constatou Hart:
no Amazonas como Krone em S. Paulo, na zona dos sambaquis de
Iguape”.
Recuo do mar

A teoria acima é de fato, geralmente aceita.


As modificações constatadas em certos pontos da costa sul-pau
lista, nestes últimos 40 anos, são patentes e não há quem desconhe
ça, em Cananéia, o movimento que vem se operando nesse curto
lapso de tempo.
Assim , citaremos o que ocorreu no extremo sul da ilha Compri
da, hoje transformado em linda praia arenosa, por onde se transita
de um para o outro lado, contornando o pontal, quando há trinta e
poucos anos, o que existia nesse ponto era um alto barranco a pique,
onde se ostentavam os canhões da antiga Trincheira, e junto ao qual
havia um profundo peráu.
O que aí se verificou foi justamente o contrário, isto é, o avanço
do mar arrastando para o abismo o antigo forte.
Entretanto, a Praia de Fora, a começar desse lugar, tem avan
çado para o oceano , que recuou para leste, ampliando -a.
E, onde outrora existia a alta barranca está hoje o canal pel)
qual navegam os vapores.
Esse avanço operou-se não só no referido pontal , mas ainda em
longa faixa de terreno na mesma ilha, para o lado do mar Pequeno,
obrigando os seus moradores à mudança das casas cincoenta me
tros para longe do mar.
Fenômeno contrário, operou -se na ilha do Cardoso, junto à
barra de Cananéia, e fronteiro à ilha Comprida, onde o recuo do
mar vem sendo formidável, pelo acréscimo de terreno de aluvião.
Por tradição, aliás confirmada pelo livro do Tombo, sabe-se do
naufragio de varias embarcações de 1808 na praia de Itacuruçá.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 111

De uma delas, ainda hoje existe o cavername, que se encontra


ao pé do morro das Almas (cômoro formada nessa praia) numa dis
tância de 150 braças da beira dágua.
Reza a tradição que o canal da barra, em tempos remotos cor
ria junto ao morro do Cardoso, onde hoje existe vasta campina,
com alguns quilômetros de extensão.
Pelas observações que fizemos, notamos a formação arenosa do
terreno, os materiais em depósito, como conchas, resto de madei
ras, vegetação, comoros, etc.
Que houve um fenômeno geológico nesse ponto da costa pau
lista, não resta a menor dúvida, havendo mesmo quem duvide da
existência primitiva da Ilha Cardoso e quizá de Ararapira.
Outro fato interessante é que se observa em direção à cordilhei
ra marítima, representada no município pela serra do Itapitanguy,
que dista muitos quilômetros da beira -mar.
De antigos caçadores, naturais da mesma localidade, por várias
vezes ouvimos contar terem assinalado existência de cascas de
ostras aderentes às rochas do sopé da montanha, onde naturalmen
te chegara o mar em épocas remotíssimas.
Últimamente, investigando ainda a região da Aririaia, seis qui
lômetros distante da beira-mar e cortada pela estrada de rodagem
Cananéia-Registro, casualmente tivemos ocasião de descobrir a exis
tència de uma ostreira, que se acha quase a dois .metros abaixo do
solo .
Quanto às cascas aí encontradas, é observação que deixamos aos
entendidos, pelo desconhecimento da espécie naquela região.
Todos esses fatos parecem confirmar, como já fizemos ver, o
recuo do mar na região sul-paulista, como anteriormente já o haviam
observado vários escritores e geólogos.
Krone, por exemplo, em estudos anteriores, constatára a exis
tência de um sambaqui vinte quilômetros em linha reta do ponto
mais próximo da costa atual, do mar, (entre Pariquera-assu e Jacupi
ranga) cujos mariscos teriam sido retirados da bacia da antiga lagoa
de agua salgada, de dimensões que eram de 300 a 400 metros de
largura e de cèrca de 1 quilômetros de comprimento, conforme se
vê pelas matas circundantes. “ E manifestamente - diz ele – “ era
aí o grande depósito de víverese dos moradores primitivos, os quais
como sinal de suas passagens, nos deixaram tão lindo Casqueiro ”.
Calixto, estudando a origem dos grandes sambaquis, declarava:
" ...não achamos outra explicação a não ser aceita a hipotese
de um fenomeno geologico, que transformasse esta parte da nossa
costa, já não diremos de Itanhaem únicamente, mas de toda a ex
tensão, ou grande parte do nosso litoral do Sul.
112 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

E continuando :
“ Procuremos pois figurar e desenvolver esta hipótese ; no rede
moinho produzido pelas correntes neptunianas desse cataclismo ou
dilúvio, transformou-se o aspecto do terreno e sem dúvida, nos lu
gares em que as correntes mais se acentuaram, formaram -se depres
sões onde acumularam esse montões de destroços.
Ai, de envolta em a sorte de matérias orgânicas vegetais, vieram
os moluscos, os peixes e cetáceos , bem como outros animais, inclu
sive o homem , de que parte pereceu nesse cataclismo”.
E acrescenta mais , que com o recuo das águas, ficaram os des
troços emergindo como ilhas, concluindo :
“Esta hipótese, aliás aceitável, é a mais consentânea com a opi
nião do dr. Carlos Rath e outros sábios, que não trepidam talvez,
em classificar os sambaquis de anti -diluvianos, recuando a sua for
mação ao período terciário, o que ao menos, era a opinião de Rath ”.
E o Dr. Carlos von Koseritz acrescenta :
“ ...hesito em chamar sambaquis, porque são pequenas, tendo
pouca altura e cobrindo uma área de 5 a 10 metros em quadro, ao
passo que aquilo que vulgarmente denominamos Sambaquis, são al
tas colinas .
“ As ostreiras, acham -se nos cômoros d’areia, em linha que dista
1 1/2 a 2 léguas da atual praia, o que prova quanto tem crescido a
terra naquelas regiões, porque, segundo toda a probabilidade, não
contém esses depósitos idade superior a 6.000 anos, em vista dos
objectos que foram achados”.
E conclue:
“Em todo o caso, estiveram essas ostreiras outrora à praia -mar,
da qual se acham hoje recuadas 1 1/2 ou 2 leguas” (” ) .

Do exposto, claramente se verifica a uniformidade de opinião


e aceitação do fenómeno geológico , do recuo do mar ao norte, ao
centro e ao sul, das costas do Brasil, fato que não deixa de ter inti
ma relação com a origem dos sambaquis, objéto especial deste tra
balho.

Da origem dos sambaquis


A existència dos sambaquis, como sabemos, tem dado motivo
às maiores discussões entre cientistas de nomeada e escritores os

( 1 ) " C. Koseritz Sambaquis da Conceição do Arroio " , Rev, do Inst. Hist.


e Geog . Brasileiro . Tomo 47 , pág . 179 .
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 113

mais ilustres, procurando todos eles esmerilhar a questão sob os


mais variados aspectos, sem que, entretanto , até hoje, tenham con
seguido chegar a uma conclusão exata e uniforme, sôbre a origem
dos mesmos .
Leigos no assunto, seria ousadia de nossa parte, si pretendesse
mos intrometer -nos na controvérsia para emitir opinião que não nos
compete; e si tomamos a liberdade de avançar em seara alheia, foi
tão somente para trazer ao conhecimento dos estudiosos algumas
das observações que fizemos, quando nos últimos anos tivemos opor
tunidade de visitar alguns dos sambaquis do município de Cananéia .
Antes de mais nada, porém , adiantaremos que não nos são es
tranhos os trabalhos publicados pelos mestres, aos quais precisamos
recorrer, mesmo para melhor elucidação do importante assunto.
Em quase todos, é comum o vocábulo ostreiras -, dado a
èsses montões de cascas, o que achamos impróprio, porque a nosso
ver nem todos os sambaquis são ostreiras .
Quanto à origem , porém, divergem , achando uns que todos os
casqueiros nada mais representam do que restos de cosinha, e por
tanto, de formação artificial, enquanto que outros os consideram de
origem natural .
Não faltam ainda os que pretendem firmar uma terceira opi
nião : origem natural para os grandes casqueiros e artificial para os
pequenos.
Benedicto Calixto , de saudosa memória, em trabalho que pu
blicou na Revista do Museu, comentando a opinião de certos escri
tores, disse :
" Quantos sábios, entretanto, no interior de seus gabinetes de
estudos, não terão julgado e dito a ultima palavra sobre os Samba
quis !"
E de fato, parece uma grande verdade.
Somos de uma região onde existem numerosos Sambaquis e por
isso mesmo tivemos ocasião de examinar , varios dèsses casqueiros, o
que o fizemos por diversas vezes. Ainda quando criança, encon
trando -nos diante de um deles e recebendo a informação de que
eram restos de cozinha, “ pois os praianos, baseados na tradição e
mesmo na opinião generalizada, também a vão repetindo”, não pu
demos conceber tal idéia, dado o vulto do monumento .
Crescendo em anos e voltando ainda muitas vezes aos lugares
onde eles se elevam, começamos a interessar -nos pelo assunto, lendo
alguma cousa e ao mesmo tempo, examinando in loco diversos cas
queiros do município de Cananéia, onde, como é sabido, são eles
abundantes .
1) a região baixa do litoral.
2) alta ou de serra acima.
114 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Na primeira, além da orla que fica á beira-mar, assinalam - se


muitas ilhas, que, por sua vez, podem ser classificadas em tres ca
teorias :

1) as que são banhadas exclusivamente pelas aguas do Atlân


tico, como : Bom Abrigo, ou ilha do Tezouro, onde existe o farol;
Castilho, notavel pelaenorme quantidade de guano que aí se en
contra, e , finalmente, Camboriú .

2) as que são, por um lado, banhadas pelas águas do Oceano e


por outro pelas do Mar Pequeno, baia de Trapande e canal de Ara
rapira.
3) finalmente, as que se encontram nos interiores de nossas
baías, como sejam : ilha da Casca, das Laranjeiras, das Garças, dos
Biguás, dos Papagaios, Guaraparim, Berbigão e outras menores.
Os sambaquís de Cananéia, em sua quasi totalidade, se encon
tram nas ilhas, pertencentes ao 2.0 e 3.° grupos, principalmente nas
ilhas de Cananéia, Comprida e Cardoso.
De todos eles, foram objetos de rápidos estudos, pelos estudio
sos, apenas os da Aroeira em número de 2 e um outro na ilha Com
prida, o de Baguassu, cremos nós.
Não nos consta que, além desses, houvesse alguém procurado
conhecer os que estão situados na ilha do Cardoso , como o do Ja
pajá ou mesmo, o Sambaqui-Grande, á beira do canal de Ararapira,
os de Tapinhoá-pinda, nocontinente, porém próximo ao mesmo ca
nal,o Sambaqui-mirim , na ilha das Laranjeiras e quase defronte do
Sambaqui-Grande, os da Brocuanha, na de Cananéia, do Mosqui
teiro, etc.

Por esta rápida relação é facil de se ver qual o número de cas


queiros existente naquele município, que, como já fizemos ver, é
composto de numerosas ilhas, fato éste muito importante, para os
que desejarem estudar a questão sob outro ponto de vista, como o do
recuo do mar ou efeito dum dilúvio, possibilidade esta apontada por
vários escritores, geólogos e naturalistas.

Da classificação dos sambaquis

Sambaquis são montes de cascas de moluscos, disseminados ge


ralmente nas regiões muito próximas das praias de mar, muitos de
les completamente recobertos de areias ou ostentando luxuriante ve
getação.
Formam por isso mesmo, mamotes onde não faltam árvores
grandiosas dando idéia de morros naturais.
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 115

A primeira classificação dada aos sambaquis é quanto ao ta


manho, sendo os mesmos divididos em 2 categorias – adotada pelos
cientistas e estudiosos - GRANDES e PEQUENOS .
Quanto á origem, porém , divergem , achando uns que todos eles
nada mais representam do que restos de cozinha, e portanto, de
formação ARTIFICIAL, emquanto que outros os consideram de ori
gem NATURAL.
Não faltam ainda aqueles que pretendem firmar uma terceira
opinião, aliás, a mais prudente, - que consiste em considerar como
de origem natural os grandes casqueiros e de origem artificial os de
pequenas dimensões.
Carlos Rath divide-s em qualidade :
1) quanto ao material;
2) quanto ao feitio ;
3) quanto à construção.
A 1.a consiste em montés compostos de cascas exclusivamente
de ostras.

A 2.a em montes de cascas de berbigão, conchą bivalva (Tellina


antidiluviana ).
À primeira vista, - diz éle, qualquer homem de poucos conhe
cimentos percebe que foram feitos pela mão do homem.
A 3.a foi feita pela natureza, isto é, pela fôrça d'água.
As camadas das conchas formam uma mistura de cisco, areias e
terra; são depósitos diluviais em camadas regulares.
(Rev. do Inst. Hist. Geog. Bras . Vol. 34, pág. 288).

Não podemos perceber muito bem, por que motivo, “ à primei


ra vista qualquer pessoa de poucos conhecimentos” como nós, po
derá notar que os sambaquis da 2.a classe sejam “ feitos pela mão dɔ
homem”, enquanto que os últimos pela natureza, – apenas pelo fato
das camadas serem horizontais e acompanharem o declive do terre
no, existência de ciscos, areia e terra, quando em qualquer um dê
les, cisco, terra e areia são perfeitamente verificáveis.
Antes de mais nada, precisamos frizar o seguinte: achamos que
não se deve abusar dos vocábulos ostreiras e sambaquis, indistinta
mente.
O primeiro representa no sentido restrito, acumulações de ostras,
lugar onde elas são abundantes, como pesqueiro, designa pontos
onde os peixes costumam viver.
116 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Pesqueiros, são ninhos, sítios de peixes, como ostreiras, lugar


onde se desenvolvem em grande escala, e naturalmente .
As ostreiras, ao contrário, são montes de cascas que se super
põem , elevando-se á altura de alguns metros.
Há ostreiras, cujos molúsculos morreram em virtude do recuo
do mar, como assinalou R. Krone, na lagoa de Jacupiranga ou pela
mudança de água, de salgada para doce ou salobra , fenômeno éste
verificado em Iguape, pela mistura das águas do Mar Pequeno com
as do Rio Ribeira. Morreram os moluscos, ficando as ostreiras que
aí existiam naturalmente, quando mergulhadas em água salgada.
Por isso mesmo deixamos de adotar para os sambaquis a deno
minação de ostreiras.
Por outro lado, quanto à classificação do dr. Carlos Rath, re
ferente à terceira classe, feita pela natureza, isto é, (diz éle) pela
fôrça das águas, também deixamos de adotá-la, por considerarmos
que as camadas podem formar -se muito bem pelo desaparecimento
das ostreiras, ficando as cascas estendidas horizontalmente, acompa
nhando o terreno .
E por que motivo os sambaquis altos montes, muitos dè
les de forma cônica, não poderiam ter sido feitos pela força das
aguas, (redemoinhos) como os cômoros pela força dos ventos ?
Por isso mesmo, de todas as opiniões, preferimos esposar a do
saudoso escritor Benedito Calixto , que foi um estudioso e, como
nós viveu longos anos na zona dos sambaquis.
Carlos Rath , entretanto, apesar de classificá - los da maneira que
vimos é de opinião que alguns sambaquis ,especialmente os maiores,
são de origem natural, não tendo sido feitos artificialmente, atingin
do sua formação ao período terciário.

" O grande valor que esses sambaquis devem ter para


a ciência , diz Calixto - é incontestável . O valor etno
logico ou arqueológico das nossas casqueiras não desmere
ce , quer elas sejam consideradas naturais ou artificiais ; po
rém , ésse valor será ainda maior quando se verificar a sua
remota origem , podendo então servir de fonte e de base à
nossa pre -história " .
“ Esta nossa maneira de pensar está de acordo com a
opinião de von Ihering e Ivon Siemiradzki, que tambem
consideram os nossos sambaquis, quase que em sua totali
dade, como formações naturais do começo da época quater
nária, próxima, portanto, ao período terciário".

Como assevera o mesmo Calixto, o dr. A. Loefgren, “ foi o único


investigador que em carater científico explorou a região de Ita
nhaem , não constando que, além dele, outros sábios tenham se da
do a esse incomodo, a não ser o Coronel Joaquim Sertorio, que em
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 117

1874 alí esteve em explorações , procurando objetos para o seu mu


seu de então” .
O que neste momento nos preocupa, é apenas a origem dos sam
baquis. Como sabemos, e já ficou dito, sábios e cientistas tem dis
cordado sôbre tal ponto de vista, opinando uns serem os mesmos
de formação artificial, não passando de restos de cozinha; outros,
dando -lhes como origem um fenômeno geológico; aqueles, entretan
to , admitindo ainda possibilidade do referido fenômeno em certos
e determinados casos.
Oo exame muitas vezes feito, nos de Cananéia verificamos a
existència de sambaquis de tres espécies :
a) os que contém cascas de ostras, ùnicamente;
b) os constituidos por cascas de moluscos diversos;
c) – os que são formados exclusivamente de berbigões, tendo,
de permeio, conxilhos diversos e algumas conchas oriundas do fun
do do Oceano.
Estes últimos, por excelência, foram os que mais nos preocu
param .
Ao contrário do que afirma Carlos Rath, propendemos pela for
mação natural destes sambaquis, opinião aliás já seguida por Ihe
ring, Calixto , e outros mais, fazendo sentir que os pontos que nos
chamaram a atenção, formam justamente aqueles que mais preo
cuparam o espírito do notável autor da Capitania de Itanhaen, cujo
trabalho, a esse respeito, até então desconheciamos.
Loefgren, que estudou os sambaquis de Itanhaen, Iguape e Ca
nanéia, não duvidou em considerá-los formados pelos selvagens, qua
lificando-os de resíduos de cozinha em virtude da relativa abundân
cia de mariscos que se nota nestes manguezais.
Quanto à abundância, estamos de pleno acordo, divergindo po
rém quanto à espécie, porque no município de Cananéia são rarís
simos os berbigões (Tellina anti-diluviana) de que são formados os
maiores sambaquis daquela região .

Restos de cozinha

Como já fizemos ver, a expressão restos de cozinha ape


zar de contestada por vários escritores, continua a ser geralmente
aceita, para explicações dos mesmos sambaquis.
Como continuadors de usos e costumes dos selvícolas, os nos
sos caboclos jamais deixaram de lançar ao lado de suas habitações
as cascas dos moluscos utilizados na alimentação, das quais se apro
veitavam para o fabrico de cal . Mas como comenta Calixto, tratan
118 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

do-se, não de uma familia mas sim da população da aldeia de Pe


ruibe, “essa quantidade enorme de conchas extraídas quotidiana
mente das praias e rochas de beira-mar, para alimento dessa popu
lação (da aldeia) durante tantos séculos, deveria, misturados com os
detritos de peixes e mamíferos, ter já formado em torno de cada
população ou aldeia , um ou diversos sambaquis ou pelo menos, al
gum esboço. Pois ao contrário, nada aí se vê, que lề ideia de sam
baqui”.
Em Peruibe, como em Cananéia, notamos o mesmo fato. Ara
rapira, segundo a história, foi um importante aldeiamento de indios,
que viviam principalmente da pesca. Tambem Cananéia, o foi, sen
do a antigapovoação conhecida pela denominação de antigo pôrto
dos Tupis .
Entretanto, nas imediações quer de uma, quer de outra locali
dade, há completa ausência de sambaquis, que geralmente se encon
tram situados em lugares onde nem mesmo existe água potável.
Como se explicaria então a permanência, aí, de grandes tribus
ou de povoações ?
Como se poderá explicar a formação do sambaqui-mirim na ra
sa e inhabitável ilha das Laranjeiras, – quando bem perto, separa
do apenas pelos trinta metros de largura do canal de Ararapira, se
encontra a portentosa e fértil ilha do Cardoso, com abundantes ca
choeiras de água potável?
Este caso é de real importância, pela localização do referido
sambaqui.
O canal em apreço separa a rasa ilha das Laranjeiras da mon
tanhosa ilha do Cardoso .
Esta é luxuriante de vegetação, terreno alto, fértil, firme e abun
dante em caças. A outra , separada pelo canal, que nesse ponto
mede muitos poucos metros de largura, não passa de um atoleiro
coberto de manguezal, sem uma gota de água potável, desprovida
de recursos naturais e alagadiça pelas pequenas marés e portanto
inhabitável.
Sendo assim , qual a explicação a ser dada sõbre a existência nes
se ponto do Sambaqui-mirim ?
Os indigenas, habitando a ilha do Cardoso dar-se-iam ao luxo
de transportar os restos de cozinha para o lodaçal da ilha oposta
àquele ponto ?
Que residiam em casas construidas sobre estacas, de onde com
as marés altas não poderiam locomover-se ?
Que, para se proverem de alimentos, tivessem de atravessar o
canal constantemente, não só a procura de caças como até mesmo
da lenha para os fogões?
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 119

E ' como vemos, um fato interessante, considerando-se mesmo


que, pouco adiante, porém situado na ilha do Cardoso, se encontra
o Sambaqui-Grande formado pela mesma espécie de cascas de ber
bigão, parecendo terem sido, quer um queroutro, fruto da mesma
origem natural .
Não diremos a mesma cousa do sambaqui do Japajá (ilha do
Cardoso)) proximo à baia de Trapandé, pela diversidade de conchas,
forma e até mesmo localização, levando tudo à convicção de sua
formação artificial.
Do exposto, concluimos separando os sambaquis em duas cate
gorias distintas, quanto ao tamanho : GRANDES e PEQUENOS .
Em qualidades Grandes e Pequenos (Carlos Rath):
1.º quanto ao material, cascas de ostras exclusivamente.
2.º quanto ao feito, cascas de berbigão;
3.0 quanto à construção pela mistura de ciscos, areia e terra,
considerando como depósitos diluviais em camadas regulares .
Quanto à origem, em NATURAIS e ARTIFICIAIS .
Si, geralmente os grandes sambaquis nada mais são do que re
sultante de um fenômeno geológico, nem todos eles como o de Ja
pajá, podem buscar essa mesma origem , porque, visivelmente se cons
tata ser obra do homem .
Ao contrário, sendo, em regra geral, de formação artificial, os
de pequenas dimensões, nem todos devem ser classificados como tais,
servindo de exemplo o Sambaqui-mirim, que, pela sua localização,
especie de conchas e até mesmo pela posição, devemos aceitá-lo
não como obra do homem , mas sim da própria natureza.
E , como ésse, os do Mosquiteiro, do Brocuanha e outros mais .
Examinando-se ainda hoje os restos de cozinha existentes em
antigas taperas e os sambaquis, nota-se perfeitamente a grande dis
tância que os separa, trazendo -nos ao espírito a convicção de um fe
nômeno geológico ocorrido na região.
Outro fato que nos levou a pensarmos dessa maneira, é o seguin
te : se fossem restos de cozinha, o que aí se observa, teriam sido os
moluscos aproveitados como alimentos dos indígenas, com o que
não podemos concordar, depois de minucioso exame a que proce
demos no Sambaqui da Aroeira, porquanto - e esta é a verdade em
sua nudez – as conchas ou cascas ainda se apresentam perfeita
mente unidas entre si, como se os moluscos permanecessem no seu
interior.
Se na parte exposta ao sol as conchas se acham desunidas ou se
paradas é em virtude da passagem do homem sobre o casqueiro, da
ação do sol e das chuvas.
120 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Na parte interior dos sambaquis, ao abrigo do homem e da ação


do tempo, nota - se justamente o que vimos de afirmar, demonstran
do à luz meridiana jamais haverem sido os moluscos violados pelos
nossos antepassados, o que, exuberantemente, prova a formação na
tural do sambaqui, como efeito de um fenômeno geológico que ar
rastou os mariscos, seixos e detritos em geral, reunindo -os por meio
de redemoinhos, como admitia Calixto.
Ihering, opondo -se tambem à teoria dos restos de cozinha, diz:
| " Podemos ainda argumentar com a completa ausência
de ossos de mamíferos, excepção feita de algumas lascas de
ossos de baleia , de que umas poucas achei” .

Od Alberto Loefgren, contestando - o escreve:


“ Nunca ouvimos falar em formação de humus de baixo
da água salgada , mas pela hipótese nova , forçoso é admitir
isso possivel , visto que os sambaquis só podem ter origem
marinha .
E como prova irrefutável desta verdade lá estão os
ossos da balela encontrados nos sambaquis de São Paulo,
conforme o auctor da nova hipótese . E' verdade que ossos
de baleia têm sido encontrados em muitos sambaquis, mas
exclusivamente vertebras ( o grifo é nosso ) sempre muito
gastas e exatamente iguaes as que ainda hoje se encontram
muitas nas cabanas dos pescadores, onde servem de assen
tos.
E nós que, na ignorância acreditavamos que fossem
boas provas da origem humana dos sambaquis! Paciência !"

Neste ponto, seguimos ainda a opinião de Ihering, pois não é


verdade que de permeio com as cascas sejam encontradas, como diz
o dr. Loefgren , exclusivamente vertebras.
Estas, eram aproveitadas para asentos, em casas de caboclos, que
conservam a tradição que dá ás mesmas virtudes terapêuticas no
tratamento de dôres ciáticas ...
Na excavação a que procedemos em 1931 num dos sambaquis
da Aroeira, revelou -se -nos um caso extraordinário: sob as altas ca
madas de cascas, já no nível do chão, surgiu -nos parte do esqueleto
de uma baleia, com os ossos da cabeça em perfeito estado.
Não eram vértebras avulsas, mas sim o esqueleto quase perfei
to, o que denotava ter sido o cetáceo arrastado para ali, sòbre éle
formando -se o acúmulo de mariscos.
O citado sambaqui, como muitos outros, é constituido quase
que exclusivamente de berbigão, que, naquela zona, raramente se
encontra, parecendo provir do fundo do oceano, em cujas praias
aparecem abundantemente após dias consecutivos de tempestades.
Além de berbigão , encontramos, ainda, certas conchas e conxilhos
oriundos de agua salgada, que só existem nas praias do mar grosso.
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 121

Onde, portanto, teriam os indíginas conseguido quantidade tal


desse molusco, que ainda hoje, depois de arrazados os nossos sam
baquis, podem ser calculados em milhões de metros cúbicos ?
Qual a origem dos conxilhos?
De que maneira teriam vindo também certas conchas que só
existem no fundo do Oceano ?
O volume de um sambaqui é formidavel.
Devemos notar que, em Cananéia, de cada um deles vem se
utilizando os proprietários há mais de dois séculos, explorando -os na
fabricação de cal.
Mas ainda: em 1787 essa indústria tomou vulto naquela locali
dade, onde os barcos se abasteciam, levando-a para Montevidéu e
Buenos Aires .
Mesmo assim , e apesar de tudo, lá se elevam os grandes cas
queiros, que parecem inexgotáveis.
De passagem , notaremos que, segundo informação de antigos
habitantes de Cananéia, a formação da ilha Pais Matos se deve ao
encalhe de uma grande baleia sobre o baixio existente naquele ponto .
Alguns dos ossos do cetáceo, ainda hoje podem ser vistos dentro
do manguezal da mesma ilhota.
Ao redor da ossada foram se acumulando não só areias como
vários detritos , dando origem à ilha que se formou na Baía, ao nor
deste da cidade .

Ihering, que examinara o sambaqui do Boguassu em Parana


guá, depois de havê -lo descrito minuciosamente, concluiu dizendo
ser o mesmo obra da natureza, e, para robustecer o que afirmava ,
escreveu :

“ Já ao primeiro olhar que lancei sobre o bem delinea


do corte do sambaqui paranaense pareceu -me ler no mes
mo o eloquente protesto da criação, dizendo: Esta obra é
minha ! o que duvido que um geólogo possa interpretar o
perfil de outra maneira ” .

O dr. Alberto Loefgren , referindo - se a esse trabalho, procurou


fazer ironia com a referida frase citando o encontro de lascas de os
sos, de baleia pelo grande naturalista, escreve:
" E nós na nossa ignorância acreditávamos que fóssem
boas provas de origem humana dos sambaquis! Paciência !
A criação já falou: " esta obra é minha".

Seja como for, preferimos errar com Ihering, salvo se nos pu


dessem explicar os motivos das conchas existentes ainda se encon
122 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

trarem unidas, fechadas, e do encontro não de vértebras ou de sim


ples rascas de ossos de baleia (constatado pelo antigo diretor do
Museu Paulista) mas sim do esqueleto que encontramos no samba
qui de Aroeira, mesmo porque, como afirma Calixto : " é de fato in
contestável a opinião de que a zona de que nos ocupamos esteve de
baixo de água salgada, na época da formação dessas ostreiras”.
* * *

Mas, voltando a formação do Sambaqui-mirim , temos a assina


lar outra observação importante, que fizemos em Cananéia e para
a qual chamamos a atenção dos estudiosos.
É a existencia de uma ilhota junto à foz do rio Aririaia, a ilha
do Berbigão, que por pequena, rasa e alagadiça não permite como
do para habitação.
“ Desta ilha, diz João Mendes são extraidas cascas de ma
riscos para o fabrico da cal . Os donos das canoas se aproximam
e encostando-as à ilhota escavam esta sôbre elas sem desembarquc
por muito dificil”.
Toda ela não passa de um sambaqui formado em pleno mar de
Aririaia .

Qual teria sido sua origem?


Dar- se -iam os nossos aborigenes ao capricho de transportarem
restos de cozinha para esse ponto, unicamente pelo prazer da for
mação de um monumento ?
Não será a referida ilha um atestado a favor da opinião dos que
defendem a formação natural de muitos dos nossos sambaquis?
Como essa, outras ilhotas semelhantes existem no mar de Ita
pitanguy.
Sepultamento de índios

Sabemos perfeitamente que os nossos aborigenes faziam o el!


terramento de seus mortos nos sambaquis.
Alguns cientistas e geólogos querem dar como razão do encon
tro de ossos humanos de permeio com as conchas, a possibilidade le
terem sido os cadáveres de alguns náufragos arrastados para aí, por
ocasião do dilúvio .
Semelhante opinião parece-nos não encontrar base alguma, pre
valecendo a dos que afirmam a escolha dos sambaquis para tais se
pultamentos.
Krone (Rev. do Inst. Hist. e Geog. de S. Paulo, Vol. 7.9) diz.
“ nunca encontrei indicio algum de inhumação proposital; as cama
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 123

das multicores, mesmo um palmo sobre os esqueletos, não sofre


ram interrupção, concluindo desse fato que os agonizantes ficaram
abandonados e mais tarde talvez, só mal coberto de conchas ou d's
galhos de arvores de forma que os esqueletos das diversas camadas
representam, pelo menos aqui no litoral de São Paulo, as diversas
épocas da formação do sambaqui”.
Mas, logo adiante, parece contradizer-se quando afirma haver
encontrado no grande sambaqui de Vila Nova (ilha Comprida) um
metro abaixo do solo, um esqueleto em posição dorsal, com os mem
bros bem estendidos de forma que fazia a impressão de que tivesse
sido depositado o cadaver alí propositalmente assim; porém (acres
centa) a estratificação ininterrupta logo acima do esqueleto não ad
mittia a hipótese de um entèrro ”.
A hipótese de enterro nos sambaquis, é fato geralmente aceito
pelos sábios e geólogos e efetivamente achamos mais aceitável, não
devendo preocupar-nos a posição, pois sabemos que outrora entre
os bárbaros era comum o sepultamento de cadáveres em certas e
determinadas posições, como por exemplo, com a face voltada para
o nascente. Outros sepultavam -nos fazendo-os acompanhar até mes
mo de suas armas ou utensílios e de iguarias...
Daí, alvez o encontro de machados no interior dos casqueiros .
Quanto à escolha do local, é ainda admissível, pensamos nós, por
um motivo muito justificável: naquela época, não dispondo os sel
vícolas de ferramentas apropriadas à abertura de valas no seio da
própria terra, procurariam de preferència os sambaquis, para os se
pultamentos onde com as próprias mãos ou com auxílio de pedaço3
de madeiras, afastando os materiais, fàcilmente conseguiam a aber
tura ou cova necessária. .

Era a lei do menor esforço, muito comum entre eles .


Da “ Revista do Arquivo Municipal de S. Paulo ",
Volume XVIII , paginas 207-224
( 1935 )
CAPITULO X

TRANSFERÊNCIA DA IMAGEM DE N. S. DA GUIA

As riquezas contidas no sub - solo de Xiririca são atestadas pela


própria denominação de vários pontos do município, como dos ri
beirões Ouro Leve, Ouro Fino, Ouro Grosso, e tantos outros.
Podemos ainda acrescentar que o nome de -Caiacanga, que
significa “ cabeça de macaco ”, foi dado a um dos seus bairros, segun
do a lenda, pelo fato de aí ter sido encontrado um grande pedaço de
ouro semelhante à cabeça desse animal.
Outros bairros, como os de Pedro Cubas, Ribeirão das Laran
jeiras e e Ivaporunduva, foram lavras antigas, de onde também se
extraiu grande quantidade desse metal .
Foi a notícia de tais riquezas que atraiu para a região da Ri
beira Acima uma infinidade de aventureiros, oriundos de lugares
distantes, como de S. Paulo, Mogi das Cruzes , Itu , Paranapanema,
Paranaguá e outros, como aconteceu no Rio das Mortes .
Dèsse cosmopolitismo foi que se originou o povoado de Xiririca.
Daí um fato interessante : o antagonismo de opiniões e de ca
rater ; as continuas desavenças e animosidades, que, pelos menores
motivos explodiam com violência ; as lutas constantes em que vi
viam , degladiando -se a cada passo, como é possível constatar- se pe
los documentos existentes.
Não poucas haviam sido as dificuldades encontradas pelo go
vêrno, em épocas anteriores, para harmonizar os habitantes da vila
e acalmar os ânimos exaltados , principalmente quando se procurou
transferir a freguesia para o pôrto da Ilha Formosa.
Agora, outro incidente não menos grave, surgia, em se tratando
da mudança da Imagem de Nossa Senhora da Guia, da capelinha
primitiva para a nova Igreja.
Assim , em ofício de 22 de outubro de 1834 , o capitão Manoel
Roiz Vianna, comandante da Guarda Nacional e Juiz de Paz, oficia
va ao governo tratando da mudança da Freguezia, e queixando-se
126 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

do padre Joaquim Gabriel da Silva Cardoso, e acrescentava que “


povo era contrário á mudança da referida Imagem de N. S. da Guia".
Que essa notícia havia causado “ novo alvoroço nos abitantes
com menção de nesse desgraçado dia todo o destrito e esta Freguezia
serem reduzido a nada ” e por isso “ Lembrando -me eu que a Nação
Brazileira preciza de homens para defeza da Patria, não pode com
sentir semelhante destroço e p. tanto participo a V. Exa como Ca
pital da Provincia p. V. Exa. tomar alguma medida a beneficio
desta tranquillidade”.
Que as cousas iam de mal a pior, “ sendo causador desta revo
lução o Rev. Padre Joaquim Gabriel, que com sua industria traz os
abitantes deste distrito e parte do outro destrito em tal consterna
ção, que não vejo outro recurso senão mais do que a perdição de
muitos cidadãos” .
Acrescentava ainda que o referido paroco havia mandado “pin
tar os retratos dos sidadãos deste distrito e pôr nos mesmos retra
tos Cabrestos em figura de Animaes...”
Foi então que o governo tomando enérgicas medidas sôbre o
assunto, encaminhou o caso ao Conselho da Província, que, em ses
são de 11 de novembro do mesmo ano de 1834, depois de “ lido o ofi
cio do Juis de Direito da 5.a Comarca, em data de 25 de outubro,
transmitindo a representação da Freguezia de Xiririca, Diogo Ma
riano de Almeida em q' expõe a necessidade de transferir a Imagem
da Padroeira existente na antiga Igreja Matriz p.a a nova, visto :)
estado de abandono e indecencia em q' aquella se acha, dando isto
lugar a q ' muitos dos respectivos habitantes requeressem ao dito
Juiz a mudança proposta, na qual concorda o Juiz de Direito na sua
informação: deliberou -se p. tanto q' visto o estado de abanhono e
indecencia da antiga Igreja, q' até não tem Capellão, se ponha em
pratica a mudança pedida, expedindo a ordem ao Juiz de Paz do
Districto onde se acha a antiga Igreja, Claudio Ferreira França,
afim de q' concorra para q' a indicada mudança se verifique com a
necessaria ordem e decencia".
Em virtude dessa deliberação do Conselho, ordenou o Governo
ao Juiz de paz Cláudio Ferreira França para dar cumprimento a
mesma, tendo a respectiva Portaria do Presidente da Provincia che
gado a 28 ou 29 do referido mês de novembro à Freguezia de Xi
ririca, sem que o Juiz de Paz a cumprisse, o que levou o padre Ga
briel a endereçar-lhe o seguinte officio :
Illmo. Snr. Claudio Ferreira França, Juiz de Paz.
Na forma das ordens do Governo lhe participo que me
acho pronto p . " ir buscar a devida decencia, como recom
menda o Governo, a Imagem da Snr." da Guia, para ser co
locada na nova Matriz, e portanto desejo q' o sr. Juiz de Paz
que já recebeu a competente ordem mande que o dia ( ? )
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 127

em que deverá fazer a Mudança a fim de que V.a S.a por


sua parte dê as Providencias percisas p.“ a porciçam que
deve acompanhar a Santa Imagem na sua Transfericam ;
nesta mesma ocasiam eszijo resposta para meu governo.
Freguezia Nova 16 Dezbr. 1834.
Deos G. a V. S. *
Joaquim Gabriel da S.” Cardoso
Vigario da Igreja Nova.

Segundo a tradição, nesse momento por ordem do mesmo Juiz


de Pazfoi a imagem retirada da capela e oculta no mato , fato éste
que parece comprovado, como adiante veremos por outro ofício do
mesmo Vigário.
A ansiedade dos interessados aumentou , naturalmente devido
a èsse desaprecimento, o que ainda uma vez levou o pároco a um
requerimento, agora em termos enérgicos, dirigido àquela autorida
de e em que dizia :
Illmo. Snr. Juiz de Paz
Diz o padre Joaquim Gabriel da Silva Cardoso, que em
virtude de um officio e ordem do governo da Provincia de
rigido a V. S. “ sobre a entrega da Padroeira a Sra. da Guia
para ser transferida para a Nova Matriz, no qual recom
menda a V. S.* para não se opor e sim concorrer para ser
transferida a dita Snr.* para a nova Matriz com toda a de
cencia, e tendo o Sup . oficiado a V. S." em data de 16 do
corr. exigindo de V. S.“ sua participação e o dia demarca
do p. " V. S.* para ser transferida e como V. S.a não deu
resposta ao mencionado oficio, portanto.
P. a V. S.“ que pelo seu despacho queira dar os moti
vos afim de que o sup. ' possa participar ao governo.
E. R. M.

Despacho : A vista do alegado paço a convidar aos Po


vos para os acompanhar, para o dia 22 do corrente.
Xiririca, 17 de Dezbr.° de 1834.
França .

Resolvido o assunto, expedira o juiz de paz os competentes con


vites, determinando que a transferència da Imagem dar-se-ia no dia
22, ao mesmo tempo em que ao conhecimento do Vigário e dos seus
amigos chegava a notícia não só de a haverem retirado clandesti
namente da Capela, sendo conduzida para o mato, como também
de que os convidados deviam comparecer à Freguezia com intuito
bem diferente: o de provocar um sério distúrbio , evitando assim que
a Imagem de N. S. da Guia fòsse transferida para a nova Igreja !
Esse fato encheu a todos de verdadeira indignação, o que le
vou os autores do roubo a reporem -na outra vez na Capela .
Foi então que, acompanhado de várias pessoas, entre as quais
Diogo Mariano de Almeida, Manoel Roberto de Almeida, capitão
128 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Gregório Felix e Bento Carneiro dos Santos, dirigiu -se o padre Ga


briel à residência do Juiz, solicitando permissão para, embora sem v
aparato desejado retirá-la da antiga Capela, o que se realizou no dia
18 de dezembro de 1834, o que desgostando o juiz Claudio Ferreira '
França, que por isso mesmo oficiava ao Governo, dizendo :
As prudentes e sabias medidas tomadas pello Exmo.
Governo desta Provincia, em consequencia das quaes o ac
tual Juiz de Direito desta Comarca declarado com a Cama
ra Municipal da cabeça do Termo dicidirão... ( ilegivel ) do
terreno em que se axa fundada a Nova Freg." diminuindo
sem duvida o fogo em que se abrazou os Partidos sobre a
mudança principalmente pela immigração de mais de se
centa cazais, que hora abitão os Certoins de Juquiá, Jacu
piranga, Cananéa, etc. Porem, não extinguio p.' q' o resto
dos interessados naquella porfiosa lucta, ou p.' a' não ti
vessem bastante coragem p.' com os outros abandonarem
suas intrigas, situaçoens e propried.es ou p. ' que ainda es
perar e asim existirem ao menos na Velha Matriz a Ima
gem da Senhora da Guia Padroeira Santo Objecto de suas
adoraçoins dexara-o ce ficar com a inteção de sua custa
quogirem a hum Sacerdote p . lhes administrar o Pasto Es
piritual ; desta esperança nutridos ao despeito de pequenas
desençoins, eles se conservarão todavia em tranquilidade
por este dia doze de dezembro do ano p.p. me foi entregue
Oficio de V.a Ex.a com data de 14 de Novembro do anno
p.p. ordenando- me a entrega da $. Imagem a qual logo que
recebi dei as providencias necessarias para o d.' fim e com
prindo-me conseq.' obedecer V. Exma. entregala por hum
dia e pelo modo que mais apropriado me parecesse, e evi
tar p. ' p. ' enconveniente e neste tempo recebi Officio do
R.“ Vigario da Nova Freguezia Joaq.m Gabriel S.* Cardoso
p. ' copia inclusa, e não obstante pareceme desnecessarias
as Providencias p. ' elle exigidas retivas a Procissão que
devia acompanhar a Santa Imagem com tudo desejosos de
asignalar a minha judicatura p. ' me ser hum acto de Pre
videncia condencendencia nella meditava quando p. ' parte
do mesmo Vigario me foi apresentado o requerimento tão
bem p. ' copia junta pedindo q’desse os motivos p. q ' não
tinham marcado o dia p.“ transferencia cujo requerimento
despaxei como entendia V. Ex."* verá asim pois marcado o
dia 22 e dactas pelos respectivos inspectores de quarteirão
aq. ' providencias que julguei adequadas para satisfazer a
requerição do Reverendo Parocho he com isto me tran
quillizava.
Eis que no dia 18 se me apresenta hum grupo de ho
mens armados cujas cabeças forão o Revd .° Joaquim Ga
briel Silva Cardoso, Diogo Marianno de Almd."., Manoel
Roberto de Almd ." o capitão Gregorio Felis de Almeida e
Bento Carneiro dos Santos que se adirigirão a buscar a xave
que se persuadirão estar em m . mão uzei de toda a pru
dencia fazendo - lhes ver que tal xave existia em maons do
Cap.a Manoel Rodrigues Vianna de quem só poderião ob
ter indo ao seu Citio visto que este sr. só estaria nesta
Freg. no dia 22 como se lhe avia declarado.
A noticia enthusiasma aos homens imprudencia su
cede aos seus ulteriores actos assim pois estes homens lou
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 129

cos se dirigirão a Velha Matriz acompanhados de seu Re


verendo Parocho e ali com um maxado arrombarão a porta
tirarão e levarão fexada em húa caixa conduzida p. ' hú ne
gro a Santa Imagem e assim talvez tudo o mais o que
depois se verá / Tais procedimentos Exm.° Sr, nem só desa
creditão aos abitantes probos desta Freg." mas arriscão mes
mo o bem merecido credito do Exm.º Governo Provincial
p . se aver espalhado que tais actos são praticados p. "
ordem delle. Eu p. ' meio crente na imparcialid.com
que a justiça hé p.° V. Ex.ma administrada crendo igualm.*
q’tais desenvolturas são exercidas de pozitiva vontade no
comprimento da Lei q' com a m.m. autorid . forão insulta
dos e mesmo p.' dissuadir aqueles q' p.' ventura poção acre
ditalos ; procedi Auto de Corpo de Delicto sobre o arrom
bam. '' da Matriz e processei aos principaes delinquentes ofi
ciando ao Juis de Paz Suplente p." igualm.º proceder con
tra os cabeças do grupo que se me dirigio armado no en
tanto me dirijo a V. Ex.ma e instando p.a que se digne to
mar na med." digo em devida consideração estes tão escan
dalosos procedimentos com os que me reviveo as xamas de
intriga mal apagada tomando med."" que poça fazelas res
peitar as Leis e as Autorid." contendose nos limites de seos
Deveres evitando principalm . fazer comprometer em suas
desenvolturas o respeitavel nome de V. Exma. D." G. V.
Ex . m. ' a. " Freg.a Velha 20 de Dezbr.° de 1834 .
Ill.mo e Ex.mo Senhor
Rafael Tobias de Aguiar
Presid .' desta Provincia de São Paulo
Claudio Ferreira França
Juiz de Paz Actual.

Instaurado processo para apuração do suposto delito, em vir


tude de uma Portaria do Presidente da Província, de 16 de Março de
1835, compareceram os indigitados, que em longo memorial ende
reçado ao Juiz de Paz Suplente de Xiririca, José Antonio dos San
tos, defenderam -se brilhantemente das acusações, como se verá pelo
documento seguinte:
Sr. Juiz de Paz
Em observancia da Portaria do Ex . ' Presidente desta
mo

Provincia de 16 de Março, em que ordenou q' V. M. exigisse


p. ' escripto a nossa resposta sobre os factos de que fomos
acusados pelo Juis de Paz do destrito da antiga Matriz em
officio de 20 de Dezembro do anno proximo passado, de ter
mos sido cabeças de hum grupo de homens armados, que o
acometerão dirigindo-se a conduzir a Imagem da Padroeira
p . " a nova Matriz, chegando a arrombar com machados a
porta da Igreja Velha, nós, abaixo assignados Vigario Joa
quim Gabriel da Silva Cardoso, Diogo Mariano de Almeida,
Bento Cesario respondemos pela seguinte exposição.
O Conselho do Governo em data de 14 de Obr.º do anno
p.p. resolveo que fosse mudada a Imagem da Padroeira da
Igreja velha p. " a nova Matris e o Exm .° Sr. Presidente da
mio
Provincia na m . dera ordem ao Juis de Pas Claudio Fer
reira França, que desse as providencias p." se effectuar 1
130 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

mudança com a devida decencia e ordem. A Portaria do


Exm.' Sr. Presidente chegou as mãos daquelle Juis de Paz
a 28 ou 29 do mesmo mez o que logo se fez publico ; mas
este Juiz hum dos mais ardentes inimigos da mudança da
Freguezia não tratou de dar-lhe cumprimento. Os morado
res do destrito da nova Freguezia encherão - se de alegria
com a noticia da remoção da Imagem , e ardentem . ' dese
javão vel -a colocada no seo novo altar, afim de lhe fazerem
a sua festa pelo natal. Constando com certesa que a Ima
gem tinha sido robada da Igreja no dia 16 do mesmo mês
contenção de sumirem a Imagem p." não ser colocada na
sua nova Matriz, andando a Imagem exposta ao mais igno
bil estado; espalhando-se tal acontecimento, com o temor do
concelho de algumas pessoas tornarão apor a Imagem na
Igreja no dia 17 do mesmo mes, e deixarão a porta da Igre
ja aberta; sendo sabedor e consentidor de tal atentado o
dito Juiz, de que formou corpo de delito ; e que não dava
execução a ordem do Governo: estas noticias causou des
gosto e m .los delles se dirigirão ao Vigario e pedirão-lhe que
instasse officialm . com o Juiz p." q' executasse a ordem e
marcasse o dia em que deveria fizer a remoção da Imagem.
O Vigario dirigiu hum officio ao Juiz, em que lhe dizia,
que elle Vigario em.tos outros cidadãos estavão promptos
p.* irem receber a Imagem e traze-lá em procissão p.a a No
va Matriz ; e por isso lhe rogava que lhe declarasse em que
dia se deveria fazer a remoção.
O Juiz recebeo o officio e não deo resposta.
Passados alguns dias ó Vigario vendo a incivilid."
do Juiz, dirigiu lhe hum requerimento pedindo que elle
houvesse declarar os motivos p. q' recusava executar a or
dem do Governo ; este requerimento teve o seguinte despa
cho palavra p .' palavra A vista do alegado passo a con
vidar aos Povos p ." os acompanhar p.a o dia 22 do corrente
Xiririca 17 de Dezembro de 1834. Com effeito, no mes
mo dia convocou o Juiz os moradores do Rio Acima p . se
apresentarem na Velha Freguezia no dia 22 , e mandou in
sinuar-lhes p.“ se oporem atirada da Imagem . O Vigario e
os demais cidadãos da Nova Freguezia logo' que tiveram
noticias, que se convocava o povo, não duvidarão mais das
sinistras intenções daquelle Juiz ; e portanto assentarão que
o Vigr. e o Juiz de Paz Diogo Mariano, fossem falar aquel
le Juiz de Paz Claudio , e pedir-lhe q' consintisse em que a
Imagem fosse conduzida pelo R." Vigario, independente
mente de procissão, afim de evitar ajuntamento de povo e
qualquer desordem que delle pudesse resultar.
Assim se executou no dia 18, em que o Vigario e o d.º
Juiz de Paz Diogo aq ." acompanharão os outros 3 abaixo
assignados, se apresentarão e o Juiz de Paz Claudio, que
estava na Velha Freg.“, e lhe representarão que constava
o boato de haver elle o Juiz Claudio convocado o povo pa
ra no dia 22 de oporem a tirada da Imagem ; que tal boato
ou verdadeiro ou falso tinha indesposto m ." os animos dos
moradores de Rio Abaixo, que não convinhą tal ajunta
mento naquelle dia ; que se elle Juiz queria dar cumpri
mento a ordem do Governo, o podia fazer imediatam .', en
tregando ao Vigario a chave da Igreja q' o m.mo Vigario lhe
tinha dado p .' a mandar abrir quando fosse preciso, para
este tirar e levar a Imagem, com o que se poria hum termo
a tal questão por huma vez etc.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 131

O Juiz respondeo que elle queria executar a ordem do


Governo, e que daria a chave se ativesse em seo poder,
mas que a não tinha porque o Cap ." da G. N. Vianna a ti
nha levado p .“ o seo sitio etc.
Á vista desta resposta o Vigario e o Juiz Diogo fize
rão lhe ver, que se elle Juiz Claudio não se opunha e dava
o seo consentimento tudo se podia arranjar, pois que sendo
a porta da Sacrystia fechada com fechadura velha e fraca ,
podia ser aberta ou com outra chave, ou mesmo tirando -se
lhe a fechadura etc.
Respondeo o Juiz que elle não se oppunha, e q'abri
sem a porta como podesse. Com esta resposta disidirão
se os abaixo assignados e forão abrir a porta da Sancristia,
o que se conseguio sem trabalho, e sem ser preciso arrom
bal - a com machados, como infame e mentirosamente dis o
Juiz no Officio ao Ex.mo Presidente sem trabalho nem dam
no se facilitou a abertura da porta . A Imagem foi condu
zida e collocada no seo altar na Nova Martiz. Com effeito
. no dia 22 apparecerão na Velha Freguezia alguns moradores
do Rio Acima : o Juiz Claudio e o Cap.“ da G. N. Viana fi
seram com q' assignassem de cruz huma representação di
rigida ao d. Cap ." pedindo lhe que intimassem ao Vigr.'
que fosse dentro do dito praso irião elles moradores busca
la á força. O tal Cap." fes a intimação p. hum officio re
mettendo tambem a representação assignada. Não se lhe
deo resposta. Passadas as 24 horas o Juiz Claudio e o d.º
Cap. " instarão para que os r.ºs moradores fossem tirar a
Imagem da Nova Matris, mas não os querião acompanhar ;
respondião os moradores que estavão promptos a ir tam
‫נתן‬
bem o Cap. e o Juiz ; emfim cada hum se retirou p ." o
seo sitio ; e tudo ficou em paz. No mes de Janeiro deste an
no foi o Juis Claụdio á villa de Iguape, citado por divida
perante o Juizo Municipal.
Foi naquella Vila que hum famigerado intrigante, ini
migo de tudo quanto hé homem de bem , e cujo coração não
anda satisfeito quando vê os seos concidadãos em pas e so
cego, aconcelhou aquelle Juis q' processasse aos abaixos as
signados a titulo de haverem arrombado a porta da Igreja
deo lhe o nome da Representação ao Ex.mo Governo e a
instrucção detalhada p. ' escripto de todo o processo, que
deveria formar o Juis de Paz Proprietario Gregorio Ri
beiro ' Ramos e Claudio era Suplente. Voltando este Claudio
a Iguape em tantos de Janeiro, e estando fazendo lhe re
messa de hum auto de corpo de delito de arrombamento da
Igreja e roubo da Imagem , e requerendo lhè, que formasse
o processo aos abaixos assignados.
Foi da Villa de Iguape q' o d.º Claudio officiou ao Exm .
Governo com data atrazada copiando palavra p . " palavra
a norma do tal intrigante. O Juiz, homem do mesmo parti
do de Claudio , esteve p. " tudo quanto este quer e poz em
execução as instruções vindas de Iguape ; inquiriu cinco
testemunhas no dia 21 de Janeiro sobre o facto acontecido
em 18 de Dezembro ; e bem que as testemunhas jurassem
que não tinham presenciado insulto algum do Juiz Claudio,
e nem visto arrombamento da parte da Matriz, e só juras
sem que lhes constava que os abaixos assignados tinhão
tirado da Igreja a Imagem e conduzida p ." a Nova Matris
o Juis Ramos copiou a norma da sentença que vinha nas
132 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

instrucções do intrigante e faccinoroso de Iguape, e pronun


ciou aos abaixos assignados a prisão e livramento. E elles
prestarão fiança e se hão de justificar perante o Juiz da
Villa de Iguape no mes de 7br.º deste anno.
Nós abaixos assignados podiamos corroborar todas as
asserções contidas nesta exposição com numerosos docu
mentos, entre os quaes huma attestação do mesmo Juis de
Paz Ramos, mas precisamos de taes documentos p.' os apre
sentar aos Juis de Iguape, e depois leva-los a presença do
Exmo. Governo em huma representação em que pertende
mos pedir a responsabilidade dois dois Juizes. Em summa,
á vista da veridica exposição dos factos acima feita, nós
abaixos assignados respondemos, que não temos comettido
crime algum ; o Juis Claudio deo o seu consentimento p."
ser levada a Imagem no mesmo dia 18 de Dezembro ; a
porta da sacristia não foi arrombada nem a machado nem
qualquer outro ferro ; foi aberta levantando-se a couceira
em caixe de soleira ; quando mesmo fosse arrombada, não
havia crime, nem intenção de o cometer ; ninguem foi vio
lentado e mesmo, prejudicado; não houve homens armados;
o Juiz mente como o mais infame caluniador e como o mais
mau homem do mundo, o que provaremos em juizo com
petente, no Jury de Iguape ainda nos apresentaremos.
Protestamos perante o Exm . Governo da Provincia pe
lo nosso respeito e obediencia ás leis e ás Authoridades e
pello nosso amor a ordem e tranquilidade publica.
Xiririca 12 de Junho de 1835.

O Vigr.° Joaquim Gabriel da S. Cardoso


O Ex Juis de Pas Diogo Mariano de Almeida
Manoel Roberto de Almeida
O escrivão Bento Cezario dos Santos ".

Concluido o inquerito ordenado pelo Governo, oficiou o Suplen


te do Juiz de Paz em exercício, José Antônio dos Santos, de 19 de
junho do mesmo ano, relatando os fatos e declarando como prin
cipal responsável pelo acontecimento o juiz de pazº Cláudio Ferrei
ra França, que assinara a queixa por um Patronato que o mesmo
possuia em Iguape "sem saber o que continha a dita representação,
nada mais havendo do que hum méro odio e vingança pela mudança
da Freguezia e da Imagem ”, para isso lançando não de sua Autori
dade, que naquele tempo reinou, e por esse meio “ convidando tes
temunhas de homens nascidos e simples, revestiu -se de seus pode
res para poder atear chammas que se achavão aprofundadas debai
xo das cinzas”, sendo o único causador de novas desordens, entre os
Povos.

Felizmente com a mudança da Imagem a 18 de dezembro, se


renaram -se os animos na Freguezia, voltando a paz ao seio das fa
mílias .
CAPITULO XI

O CAPITÃO GREGORIO FÉLIX DE ALMEIDA


DESORDENS NA FREGUEZIA

Como já vimos, desde o ano de 1766, era comandada a Com


panhia de Auxiliares da Freguezia de Xiririca, pelo Capitão Joa
quim Machado e Moraes, do Regimento da Marinha, cargo que de
via ter occupado por alguns anos apenas, porquanto a 5 de dezem
bro de 1789, declarava o Capitão General que, “por se achar vago
ha muitos anos o lugar de Capitão da Freguezia de Xiririca, no
meava a Diogo Pereira Paes para ocupalo, permanecendo este no
mesmo até a sua morte, em novembro de 1792, quando foi substi
tuido, interinamente pelo tenente Joaquim Pupo Ferreira, que em
1796 pedia ao governo para que não se recrutassem soldados na
quela Freguezia, por ser “poavoação nova e estarem os seus habi
tantes occupados em plantar mandiocas e mais viveres, com que
continuamente estavam soccorrendo as villas de Igoape e Santos e
que á vista da fecundidade das terras, seria mais conveniente aug
mentallas de moradores do que tirar-se quem as cultivava (1)".
A 10 de julho de 1806 era nomeado o capitão Gregório Felix
de meida, para capitão Comandante da Freguezia, sendo que, de
então por diante, não mais conheceram os seus habitantes o que
fôsse tranquillidade de espírito, pelo fato de ter sido a mesma in
festada de desordeiros, que, “ com a conivencia do referido capi
tão, praticavam os mais sérios disturbios, fazendo recolher as suas
casas a população, arrombando portas e a todos provocando, certos
de ficarem impunes". Entre esses indivíduos se destacou Miguel
Francisco Lisboa, que em 1807 excedia - se de tal maneira , que :)
capitão mor de Iguape se viu forçado a mandar prende-lo, pondo--)
a ferros na cadeia daquela vila.
Apesar de inúmeras queixas contra si , nenhuma providência to
mou o capitão Gregório para evitá -las, o que deu lugar a uma re

(1) Arquivo do Estado, Maço 50, pasta 5, doc . 2 ( T.C. ) .


134 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

presentação do Capitão-mor José Antônio Peniche, de Iguape, da


tada de 23 de novembro de 1809, o qual entre outras cousas, decla
rava ao capitão -general: “serem as desordens occasionadas pelo Ca
pitão Gregorio Felix de Almeida, unico responsavel , a quem o Po
vo não guarda respeito algum, não teme as suas ordens nem cumpre
as suas determinações, axando-se por isso a mesma Freguezia em
huma continuada intriga e perturbaçam , que tem aniquillado varias
familias das principaes do referido lugar, conservando a mais triste
amisade com valentões e dando causa de se commetterem crimes
maiores” .

Entretanto não deixa de ser interessante o ofício que, nessa


mesma ocasião, dirigia aquele ao Capitão general, pedindo para
ser construida uma cadeia e instruções sôbre a maneira pela qual
devia castigar os criminosos, guardando entre eles certa distinção ...
como se verá do documento seguinte :
Illustrissimo e Excell.mo Senhor

Encarregado por V. Excell.ca de commandar ao Povo


desta Freg.", não querendo incorrer no dezagrado do Au
gusto Soberano e de Vossa Excell.“ que foi servido pôr-me
neste Ministerio, mas antes dezejando o q.tº me-hé possivel
acertar p.a corresponder aos fins que Vossa Excell.“* se
propoz, tomo a resolução de ir por esta aos pés de Vossa
Excell." para reprezentar-lhe, que sendo necessario cor
rigir os culpados e castigal-os conforme o merecerem ,
sendo esta Freg. ' muito distante da Villa de Igoape, aonde
senão pode levar prezos sem grande incommodo dos pre
juizos e inconvenientes, se faz necessario que seja Vossa
Excell.ca servindo determinar o modo como devão os m."
delinquentes castigados, não só em razão da summa dis
tancia e causas q' exponho a Vossa Excell." " como tão bem
em segundo a qualidade das pessoas que o mereção, sendo
principalmā ' ' mais necessaria esta providencia avista do
acrescimo q' successivam ." tem de gente na mesma Freg."
mos
assim com os m . naturais como os que vem entrando de
fora pelas tres partes, p. " onde ella se communica, q' são
as v.** de Igoape, e Apiahy e a Freg.a de Paranapanema,
que faz desembarque fronteiro am."nia Freg.a de sorte que
se não houver algú genero de castigo mais pronto e rigo
roso podem rezultar alguas desordens de insultos como
tem avido de ferimentos: Pelo que , Excell.mo Senhor, seja
Vossa Excell.ca Servido determinar-me qual deva ser o me
thodo que deva seguir nesta Freg." estabelecendo -se hua
casa de prizão onde recluzar os culpados, e os possa tão
bem castigar com tronco e ferros, do modo que se pratica
nas cadêas publicas a proporção do delito q' cada hú com
meter, e qual deva ser a distinção q' possa guardar segun
do as pessoas que delincuirem , na certeza de que só assim
poderei melhor satisfazr ao meo officio e responder aos
fins p.a que Vossa Excell . " foi servido determinar -me p.'
emq.to for do agrado de Vossa Excell.“ a conservar-me no
mesmo Ministerio e não substitui-lo em sujeito mais ido
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 135

neo. Deos g." a respeitavel Pessoa de Vossa Excell. "* m .


annos ,

Illmo . e Excellmo. Snr. Gen.al Antonio Jozé da Franca


Horta
Sudito reverente
Gregorio Felix de Almeida
Capp.am da Milicia Command. " de Xiririca ( 1 ) .

Avolumando - se as queixas contra o Capitão Gregório Félix de


Almeida, foi o mesmo afastado do cargo, naturalmente para uma im
prescindível sindicância, sendo por isso forçado a transmittir o go
verno da Freguezia, o que o fez como consta do seu ofício de 22
de fevereiro de 1810, dirigido ao Capitão General, em que declara:
1

Illmo. e Exmo. Senhor,


Recebi no dia 19 do corrente mez de Fevereiro a Or
dem de Vossa Excell.ca de 3 de Janeiro do corrente anno,
em que Vossa Excell.ca me detrimina me abstivesse do
Commando desta Freguezia, e delle fizesse entrega ao Of
ficial que para o mesmo Commando fosse deputado pelo
Capitão Mór da Villa de Iguape o que tenho desde então
feito, passando logo a participar ao m ."‫ נמ‬0 Cap. mor
esta de
triminação, que tenho r. ° de V. Excell.ca , ficando-me
Excell." • Senhor, o pezar de não datar por descuido, meo
officio para com V. Excell . " o qual foi de 15 de Novembro
do anno passado ; e juntam. " " a magoa de haver incorrido
mo
no dezagrado de Vossa Excell.ca ao m . tempo que eu ia
Solicitar os meios Seguros da minha conduta no referido
Commando.

Beijo as mãos de V. Excell.c" pela mesma considera


ção que tece de dezonerar- me do Sobreditto Commando.
Deus Guarde a V. Excell.ca muitos annos,
Xiririca 22 de Fevereiro de 1810 .
De V. Excell.ca
Sudito reverente
Gregorio Felix de Almeida .

Segue-se então um longo periodo de desordens, agora acresci


das por questões de terras e uma verdadeira luta provocada pelo
antigo comandante e um seu genro, que teimavam em não consentir
que o tenente Joaquim Pupo Ferreira tomasse posse de uma Ses

(1) Arquivo do Estado Maço 50 pasta 5 doc . 4 ( T.C. ) .


NOTA : Este ofício está sem data , porém por um outro que se segue sabe-se
ser de 15 de novembro de 1809 .
136 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

maria que anteriormente havia requerido, o que o levoua dirigir-se


ao Capitão General, dizendo: “ É com o coração magoado pelos in
sultos e ultrages que me tem feito o Capitão Gregorio Felix, pon
do -me em tão penosa opressão e aos meus pobres vesinhos, de oito
annos á esta parte, ( 1812-1821) que não posso por mim e por elles
deixar de communicar a V. Exa. as representações que muitas veses
tenho ouvido, de Lastimas e lagrimas que tenho visto derramar aos
pobres, em cujo numero estou eu, minha mulher e meus filhos".
A essas queixas, reunida ainda a representação do Capitão mor
da vila de Iguape, que declarava ter Gregorio Félix “rompido com
a paz promettida”, resolveu o governo exonerá-lo em 1820, defini
tivamente , do posto que ocupava nomeando Joaquim Pupo Ferrei
ra para substitui-lo, o que, para isso, foi promovido ao posto de Ca
pitão, com o título de Comandante militar da Freguezia.
***

É necessário, entretanto , fazer -se a devida justiça ao capitão


Gregório Félix, que muito fez em prol de Xiririca, não lhe cabendo
maiores responsabilidades quanto as desordens aſ assinaladas por
essa ocasião, o que era natural, tratando -se de um núcleo por assim
dizer-se em periodo de formação e para onde convergiam indiví
duos de toda a espécie entre os quais não faltavam facinoras e de
sordeiros. Por outro lado, as dificuldades de todos os recursos, falta
de meios de comunicações, de policiamento até mesmo de uma ca
/ deia, tudo isso fatalmente devia concorrer para esse estado de cou
sas, considerando-se ainda mais, que, desidindo aquele Capitão em
sua propriedade agricola, distante da sede da Freguezia que então ,
contava com reduzido numero de casas, não poderia evitar a pra
tica de atos daquela natureza praticados por pessoas estranhas e
viandantes que apenasde passagem permaneciamdurante alguns dias
ou mesmo horas, na localidade.
Pela leitura dos documentos em apreço podemos afirmar que
tais desordens e crimes denunciados, não tiveram a importância que
lhe quiseram emprestar as autoridades de Iguape, parecendo an
tes que a razão para isso estava no desejo da população de Xiri
rica de separar-se definitivamente da tutela iguapense, sendo por
tanto um verdadeiro prodromo para a sua independência e auto
nomia , como se poderá verificar pelo capitulo imediato.
CAPITULO XII
!

DESMEMBRAMENTO DA FREGUEZIA

Como dissemos no capítulo anterior, as " desordens


de que nos falam os documentos, deixam transparecer os motivos
propositadamente imaginados e postos em prática pelos habitantes
da Freguezia, que com isso apenas desejavam conseguir sua com
pleta emancipação.
E como prova do que afirmamos, citaremos dois documentos
importantes, que perfeitamente traduzem o sentimento de quantos
aí haviam fixado residència .
O primeiro é uma representação feita pelos elementos mais des
tacados, e que vem assinada logo em segundo lugar, pelo Capitão
Gregório Félix de Almeida, na qual entre outras cousas pedem ao
governo que se digne remediar as suas justas queixas, “ esperando
que, se sirva criar em vila nossa referida Freguezia, pela necessida
de que padece desta administração propria ”.
Essa, era a verdadeira razão dos distúrbios, como logo reconhe
ce o Capitão mór de Iguape.
São os seguintes, os documentos a que nos referimos e que
constituem os prodromos da separação da Freguezia de Xiririca
vila de Nossa Senhora das Neves de Iguape:
Illmo . e Exmo. Senhor
1

Nós os moradores da Freguezia de Xiririca humildes


Vassallos de Sua Magestade Fidellissima, e Subditos de V.
Ex .", cheios de confiança na Sabedoria e rectidão q' V. Ex.a
está governando esta Provincia de S. Paulo, nos temos de
terminado allevar aos povos de V. Ex." huma fiel represen
tação do estado atual da Administração desta mesma Fre
guezia , e suplicar a V. Ex.^ a consolação que a tanto dese
jamos de ver a boa Ordem , respeito, e gravidade restabe
lecida nesta Povoação. Porisso pedimos faculdade a V. Exa.
nos permita dizer : que não hé possivel termos aqui toda
a providencia pronta e bem regulada das mesmas justiças
de Sua Magestade , sendo tão consideravel a distancia em
q' está esta Freguezia da Villa de Iguape,, a que hé annexa
gastando-se para mais de oito dias ordinariam .'* p." qual
138 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

quer dependencia e despacho, e querendo a Camara da


quella villa estabelecer nesta Freguezia alguns officiais de
Justiça estes a pouco tempo aqui providos, não passão de
um vintenario, e sete capitaens do mato, homens inteiram . "
ignorantes e que por serem mesmo despreziveis pela sua
condição tem demais a mais desgotado am .tosmoradores que
parecem dignos de algum respeito, e merecim. '', os quais
officiais sendo em outro tempo deputados para outros im
pregos inferiores aqui logrão o previlegio dos officiais mais
distintos da mesma Justiça de S. Mag . “
Depois disto Exm.' Senhor, não tendo esta Freg.* prizão
correspondente aos desacatos q' nella se fazem sendo hum
porto de onde se vem batter de todas as partes do Contin ."
q' se comonicão por Parnapanema, e Apiahi, e pela mesma
Villa de Iguape inda mais acontece q' impunem . vivem
neste Pais m.con individuos com aquella Liberdº que não
viverão se tivessem temor de asim obrarem. A unica pri
zão, e castigo que aqui podem ter sem distinção de pessoas
e merecim.tº não passa de hum tronco, e este sem ter caza
certa e propria como comvem ; e quando m.tº são inviados
alguns prezos p." a Villa de Iguape com o maior incomodā
dos q' os conduzem , e a maior parte delles por culpas de
pouca circunstancia .
Temos na verd. hum Cap." de Ordenanças posto pello
Cap . " Mór do Destrito, mas p. ' q' a vista do pouco resp ."
que logra em razão de não ter forças bastantes para im
pidir todas as desordens, e p. " não serem suas acçoens sem
pre louvadas, e aprovadas na Capitania maior não tem
toda a Sufficiencia p. " o seu bom governo, alem deq' p.a Sub
sistir com sua familia sevê obrigado a rezidir sempre no
Seu Sitio.
Nos custa m.tº a pôr na Prezença de V. Exa. estas nos
sas queixas , mas não podemos calar por mais tempo ainda
outras mais graves que estas, e vem a ser o termos esperi
mentados de alguma sorte hum jogo de escravidão da p."
que nos devia ser mais honrosa e favoravel como a referi
da Villa de Iguape , aonde de alguma sorte entrou a feli
cid . “ maior somente pela comonicação dos efeitos da nossa
Lavoura ; e em correspondencia da nossa fidelidº e obe
diencia temos recebido desprezos e ultrages, que nos en
chem de confuzão, tais como tem sido de huns annos a esta
parte, porq' além de exigirem grd. " somas de dinheiros com
as execuçoens, e actos da justiça tão bem temos visto os
nossos nomes comtemplados com ignominia, e a mesma Fre
guezia reduzida a escarneos e mofa de m.tos, que daquella
Villa vem a esta Freguezia em certos tempos do anno, espe
cialm.'e , pelas festividades do Pais, onde commettem tais
desacatos contra a religião e modestia q' por enormes não
ouzamos individuar a V. Ex." e destes, que assim o fazem
são aluns que logrão titulos de empregos respeitaveis aos
olhos do publico, de sorte que chega o mal a tanto q' Sin
timos e temos a magoa de ver os actos publicos da mesma
religião profanados com representaçoens impuras, e o nos
so amavel Vigrº da Igreja e Vara de quem temos recebido
a melhor doutrina e - bouns exemplos no espaço de catorze
annos, tratado por similhantes homens sem respeito nem
consideração ouvindo-o athé queixar-se do disprezo que fa
zem da obediencia á Igreja todos os que desta natureza lhe
são obrigados a obedecer.
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 139

Reprezentando tudo isto a V. Ex .', a nossa tenção não


hé outra Senão meresermos de V. Ex .* que por sua auto
ridade se digne remedear as nossas justas queixas com as
providencias do seu tão sabia e recto Governo, esperando
nós contudo da sua Paternal bondade, que huma vez, q' não
seja possivel outra forma de governo senão a atual , V. Ex.*
concorra, se assim for necessário , com o seu Respeitave!
suffragio p." Sua Magestade Fidellicima se sirva criar em
Villa nossa referida Freguezia não tanto pelo numero de
abitantes, q ' tem, como pella necessidade que padece esta
administração propria. Rogamos a Deos nos conserve a
V. Ex." e goarde por m.tos annos. Freguezia de Xiririca 8 de
outubro de 1820.

Francisco de Paula França


Gregorio Felix de Alm.d.
Braz da Cunha Ramos
Ignacio Benedicto de Fr.tas
Jozé Jozi da Costa
Joaquim Pereira Cardozo
Manoel Bento Dias
Joaq . " Dias da Silva
Jozé de Pontes Maciel
Ricardo Roiz de Olivr.*
Romão de França Lisboa
Jozé Ant. de Oliveira
Jozé Joaq." de França
João Antonio de França
Fran.co Manuel Roiz
Miiguel Per. Veras
Joaquim X.º da S.a
Bento P.to da Fonceca
Jozé P.to da Fonceca
João Pinto da Fonceca
Joaquim Rodrigues
Anacleto Pr.“ Olivr.a
Reginaldo Jozé de Pontes
Ignacio Rodrigues Freitas
Antonio Gois Guimas
Joaq." de Oliveira Prado
Ign . Gomes da S. “
co

Manoel Roberto d'Almd."


Jozé Ribr. ° de Almd ."
Francisco Julio de Azd.º
João Rafael de Almeida
Jozé de Souza de Olivr.a
Jozé Mendes de Olivr.a
Antonio Alves da S."
Diogo Mariano de Almd. ( 1 )

O oficio que se segue, enviado pelo capitão -mór da vila de


Iguape, confirma plenamente o que já dissemos sobre o importante
assunto .

(1 ) Arquivo do Estado Maço 50 ( T.C. ) pasta 5, doc . 8.


140 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Aí declara aquela autoridade que o que pretendiam os habi


tantes de Xiririca, era desmembral -a “desta vila para a criação de
huma nova villa independente, como agora acabo de intender”.
Assim , dizia ele :

Illmo e Exmo Senhor

“ Tenho participado a V. Ex." em data de 10 do mes


passado que em comprim.tº do officio recebido com dacta
de 11 de outubro acompanhado da reprezentação q ' o R.
Vigario da Freguezia de Xiririca dirigio a V. Ex. tinha eu
dado as providencias p." que se prendesem e remetesem a
Esta os perturbadores daquella Freg." entretanto que procu
rava informar -me dos acontecim - to recontados em a dita
reprezentação para fazer participante a V. Ex .", e tendo
concluido as informaçoins e deligencia a que me propús vou
informar a V. Ex." o Seguinte. Achando-se naquella Fregue
zia duas mulheres vindas de Serra Asima como outras que
as vezes vem e voltam tem -se por ali demorado estas duas
talvez p. " axarem algum interesse que procurão, em alguns
que desta Villa ali vam a seo nigocio, e cobranças que tem
de fazer no tempo da Safra ou mesmo em alguns que na
dita Freguezia residem, como estou informado, asim como
de não terem ellas motivado brigas disençoens, ou outros
acontecimentos funestos, que obriguem a uzar de exceço :
Comtudo o dito R. Vigr.” me reprezentou a pouco tempo
que não convinha a conservação das tais mulheres naquel
la Freguezia por serem meretrizes e fazerem máu exzem
plo, ao que providenciei incarregando ao Cap. de Orde
nanças aq.m tenho entregue o Com.do da d.“ Freguezia pella
longitude para as fazer voltar ao lugar de onde vieram ,
cuja ordem não tendo prompta exzecução deo 'motivo a que
o dº Rd.° Vigr.º fizesse deste objecto na sua reprezentação,
o q' agora se acha exzecutado, e ellas fóra daquella Fre
guezia. Sobre os mais acontecimentos recontados na dita re
prezentação estou informado cabalmente agora do que vou
a expor, pois que a mim nenhuma parte nem queixa se fes
para eu poder providenciar, e sim directam.° a V. Ex." pel
la referida reprezentação. Os ditos acontecimentos se inser
ram em algumas vozes alteradas p. ' efeito de divertimento,
que nas occa.“ de ajuntamento de alguns que desta vam,
e outros que por ali pação e que vem das Povoaçoins de
Serra Acima com suas carregaçoins e mesmo alguns habi
tantes fazem em suas Comidas a titullo de função de ro
maria, e não duvido a precizam de reprimir-se algumas ve
zes para cohibir o maior exceço porem como a rezidencia
do Cap. " incarreg.“ do Comando he quazi em seu Citio, e
na propria Freguezia não rezide pessoa alguma de respeito,
porque o mesmo R. Vigrº vive retirado dela em huma
Xacra , por esse motivo ficam impunidos alguas vezes os
tais acontecimentos, se bem que não consta ter havido ul
traje pessoal, e nem auzencia do dito R.4. Vigario , como me
tenho informado de pessoas inSuspeitas. A dita Freguezia
he muito solitaria de tal sorte que nos dias de Serviço os
Seos habitantes não sam mais do que Seis ou Sete mora
dores, e tudo o mais se retira para o serviço da Lavoira
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 141

ainda
am
mesmo alguns que vivem de negocio, p. ' isso em oc
caz ." de ajuntamento de Povo, há maior motim vozes al
teradas, como aconteceo na proxima passada festa da Pa
droeira, onde tambem seaxou o Juiz Ordinario desta Villa
com os Seus Officiais de Justiça a darem poses de Sems
marias e de cultivados, e he dever q' esta Authoridade de
via castigar o maior excesso quando ouvesse, salvo sendo
o dito excesso praticado pellos mesmos Officiais, ou elles
fizeram objecto de escandallo, que por serem pessoas q' em
tam lograram ali maior consideraçam ficaram impunidos 1
como refere a representaçam, sobre as quais determina
çoins parese me não Competir indagaçam . Emquanto ao
demais, sobre as pessoas da minha jurisdiçam q' axei em
termos de Castigo o tenho feito para sua emenda mandan
do- os vir prezos a esta Villa onde foram Corrigidos segun
do sua culpa mereseo, e por oras fica aquella Freguezia so
segada e seos habitantes pello que pertence a minha re
partição. Tenho emfim informar a V. Ex." que as asuadas
a este respeito sam superiores aos acontecomentos, que te
nho hé naca, e tras por fundamento o dezejo de tres ou
quatro habitantes, que pertendem desmembrar aquella Fre
guezia desta Villa para a criação de huma nova Villa inde
pendente desta, como agora acabo de intentar. He o que
posso informar a V. Ex .' que mandará o que for servido.
Iguape 9 de Dezembro de 1820” ( 1 )
Jozé Antonio Peniche
Cap. Mór

Apesar de tudo, ainda assim, não foram os habitantes de Xi


ririca atendidos em suas pretenções, continuando a Freguezia sob a
jurisdição das autoridades de Iguape, o que deu lugar a que, com
mais vigor, recrudecessem as desordens e falta de obediências,
fatos esses que duraram mais de vinte anos, quando novamente ape
lando para o governo provincial, conseguiram em 1842 sua com
pleta emancipação política como se vê do documento seguinte:

42.a SESSÃO ORDINARIA AO 1.9 DE MARÇO DE 1842


Presidencia do Sr. Ribeiro d'Andrada

PARECERES As Comissões de Estatistica e Justiça,


tendo examinado os documentos e os Requerimentos, que
os Povos da Freguezia de Xiririca , enderessarão á esta As
sembléa, supplicando- lhe a Merçê de ser elevada á cate
goria de Villa a referida Freguezia, annexando-se-lhe aquel
la de Yporanga, por assim o pedirem seus habitantes, são
de parecer que se acceda á pretensão dessa localidade, por
serem valiosas as razões em que ella se funda para um tal

(1) Arquivo do Estado Maço 50 ( T.C. ) pasta 3 , doc . 45 .


142 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

fim . Á vista dos documentos apresentados pelos signatarios


e o Requerimento, é fóra de duvida que a Freguezia de Xi
ririca , tem velóz caminhado no desenvolvimento do ramo
mais importante desta Provincia, qual a agricultura.
Ella conta em seu Municipio 57 engenhos, não falando
em outras pequenas fabricas .
Sua população monta á 2.485 almas , havendo entre el.
las não pequeno numero de cidadãos idoneos para os mis
teres civis da Municipalidade. O facto de terem os habi
tantes de Xiririca edificado a sua Igreja Matriz sem soccor
ros do Cofre Provincial e a sua Cadêa, com mui pequeno
adjuctorio das Rendas Publicas, é sobrada razão em abono
da prosperidade e riqueza desse logar. A sua exportação
annual da cultura do arroz monta á mais de quarenta mil
alqueires, além de aguardentes e outros generos seus, e de
Serra Asima , que denotão um commercio florescnte . Pos
suindo dentro em seu seio tantos recursos , parece de jus
tiça que a supplica desse povo seja benignamente attendi
da, muito mais quando se reflete , que elle dista bastante
leguas de Iguape , á cujo termo ora pertence, o que difficul
ta os recursos judiciaes, trazendo comsigo demoras e per
juizos . Sentem porém as Comissões não poderem assentir
á parte da supplica dos cidadãos de Xiririca, quando pedem
á esta Assembléa que erigindo em Villa essa Freguezia, a
denominem Villa da Maioridade.
As Comissões reconhecem que a Maioridade é um gran
de acto da Nação, crêm que por isso elle jamais se riscará
da memoria della, entretanto, que as bellas tradições dos
primeiros habitadores deste importante Imperio, como que
se esvaecem da lembrança de seus habitantes , sem se re
cordarem que o sólo delicioso, cujos beneficios desfrutam
é a propriedade do Brasileiro primitivo, que erra foragido
nas mattas do Paiz, onde outr'ora pisou como Povo-Rei.
Preciso é pois arraigar na população este sentimento de
nacionalidade, que parece apagar-se nella ; e nada tanto
concorrerá para esse fim , como conservarem -se nomes,
que a cada passo recordam a existencia desses povoado
res da America. As Comissões igualmente virão a Re
prezentação dos povos da Freguezia de Yporanga, em
que pedem serem incorporados á Xiririca, e são de Pa
recer que esta incorporação seja effectuada por bem
e commodo dos que a depreção. O commercio de Ipo
ranga é todo com a Freguezia de Xiririca, e a via de
communicação para este logar é mais commoda e menos
difficil do que Apiahy o que fará com que creada a Villa
de Xiririca , e annexando - se -lhe a Freguezia de Yporanga,
tenhão os habitantes desta ultima mais promptos os recur
sos Judiciaes e Municipaes por ficarem mais proximos e
muitas outras vantagens . Em face de todo o exposto, as
Commissões são de Parecer que seja erecta em Villa a Fre
guezia de Xiririca, annexando- se-lhe a Rreguezia de Ypo
ranga , e para este fim julgão que a Assembléa deve appro
var o Projecto de Lei , que foi offerecido nesse sentido, e
que as Commissões junto offerecem . Sala das Sessões, 1.º
de Março de 1842 Pereira Pinto Ramalho - Campos
Mello Alvares Machado Approvado para entrar na
ordem dos trabalhos" ( 1 ) .

(1 ) ( Anais da Assembléia Legislativa Provincial de S. Paulo ) 1842-45.


MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 143

Finalmente pela lei N. 28 de 10 de março de 1842 assinada pe


lo Barão de Monte Alegre, presidente da Provincia, era a Fregue
zia de Xiririca elevada à categoria de Vila, com a mesma denomina
ção e limites, ficando o governo autorizado a reunir - lhe a freguezia
de Iporanga pela lei n . 8 de 4 de março de 1843 ( " ).
Illmo e Exmo Senhor

A Camara Municipal da Villa de Xiririca , installada no


dia de hoje, tem a honra de levar a Prezença de V. Ex .:
a homenagem de Seu respeito á V. Ex.“ bem como os pro
testos de Sua obediencia a Constituição, as Leis, e as Or
dens do Governo Geral , e Provincial . Todos os membros
desta Camara , Exm .' Snr nutrem os mais ardentes desejos
de ver prosperar a Patria Commum , e com especialidade a
Provincia de S. Paulo e este seu Municipio .
Animada de tão patrioticos Sentimentos, a Camara se
julgará felis Sempre que poder concorrer com Seu, bem que
mingoada, contigente para a Sustenção do Throno Imperial
e do Sistema Representativo.
Os Sinceros votos, que a Camara forma a prol do bem
geral da Nação merecerão certamente a approvação de V.
Ex.", mais ella deseja tão bem, com inteira Satisfação e Ora
The dirige pela Sabia Administração com que V. Ex . tem
Sabido promover a prosperidade desta Provincia.
D. " G. a V. Ex.“ Paço da Camara Municipal de Xiririca
aos 2 de Maio de 1845 .
Illm." e Exm." Sr. Conselheiro Manoel da Fonceça Li
ma e Silva . Presidente desta Provincia .
Joaquim Gabriel da S.* Cardozo
Thomé da Costa Chaves
Braz Antonio Ramos
Joaquim Pupo da Rocha
Dom .' Roiz ' Cunha
Jozé dos Passos Muniz
Antonio Amaro da Silva

(1) Maço 22 ( T. I. ) 1842-52.


.
CAPITULO XIII

O MUNICIPIO – A PRIMEIRA CAMARA E SUA INSTALAÇÃO

Nos termos do artigo 3.º do decreto de 13 de novembro de


1832, para a instalação de um novo município era necessário que o
presidente da Câmara do município de que o mesmo era desmem
brado, comparecesse acompanhado de seu secretário, na sede do
município que vinha de ser criado e aí, presentes os novos e pri
meiros vereadores, lhes desse posse, deferindo-lhes o juramento com
petente, do que então se lavrava oʻrespectivo auto em livro especial ,
assinalando - se também o decreto da criação.
Na instalação do município de Xiririca, entretanto, tal forma
lidade ocorreu de maneira diversa. Foi assim, que, tendo sido a
freguezia elevada à categoria de vila em 1842, o que tanto no pe
ríodo colonial como no imperial, de acordo com as Ordenações do
Reino e Carta Constitucional, importava na de Município, sòmente
depois de mais de três anos teve lugar a instalação da primeira Câ
mara, não tendo à ela comparecido o presidente da Câmara da vila
de Iguape e respectivo secretário, como consta do documento se
guinte:

Acta da installação da Camara Municipal desta Villa


de Xiririca

Aos dois dias do mes de Maio do anno de Nosso Senhor


Jesus Christo de mil e oitocentos e quarenta e cinco, vige
simo quarto da independencia do Imperio , nesta Villa da
Snra da Guia de Xiririca, no Paço da Camara Municipal,
onde se achava o Presidente della já juramentado e im
possado pela Camara Municipal da Villa de Iguape, o R.“
Snr. Joaquim Gabriel da Silva Cardoso, para o fim de aju
ramentar os demais Snr.es Vereadores, os Snr. Braz An
tonio de Ramos, Thomé da Costa Chaves, Joaquim Pupo
da Rocha, Domingos Roiz Cunha, Antonio Amaro da Sil
va, e José dos Passos Munis, comparecerão os ditos Snr.'s,
e aprezentarão os Seus mesmos Diplomas em forma legal
deferio aos Snr.6" Vereadores o juram.tº pela formula pres
cripta pela Lei do 1.º de 8br. ° de 1828 em hum Livro dos
Santos Evangelhos em q' pozerão suas mãos direitas ; e asim
146 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

os juramentados tomarão os seos respectivos Lugares. Então


o Snr Prezidente proclamou installada a Camara Munici
pal. Dirigio-se hum Officio ao Ex.m. Prezidente da Provin
cia participando a instalação da Camara e protestando obe
diencia ás Leis e Ordens superiores. Lerão-se dois officios
do D.° Juis de Direito da Comarca, remetendo hum exem
plar de Leis , Decretos, e Decisoens do Governo, pertencen
tes ao anno de 1844, exigindo huma Certidão do Secreta
riado de ficar archivada o dicto exemplar. Ficou a Cama
ra inteirada, e respondendo- se ao Officio remettendo-se a
certidão exigida. Passou a Camara a nomear os Emprega
dos e forão aprovados para Secretario Joaquim Manoel Gon
salves ; e para Fiscal , Francisco Antonio Valerio Monteiro,
e para Procurador Jeremias de Lara Maciel , e para Portei
ro Ignacio da Costa Chaves Junior: e nesta mesma dacta
nomeou -se para Fiscal da Freguezia de Iporanga, Bernardo
José Francisco, nos quaes se mandou expedir os respecti
vos titulos, de nomeação. Marcou o Snr' Prezidente o dia
vinte e tres do corrente mes de Maio paraa primeira Ses
são da Reunião Ordinaria, e Levantou a Sessão:
Eu Joaquim Pupo da Rocha, nomeado pelo Snr Pre
zidente para servir de Secretario nesta Sessão, lavrei a pre
sente acta que vai assignada pelo sr. Presidente, e mais
Snr. Vereadores.
Joaquim Gabriel da S." Cardoso
Thomé da Costa Chaves
Braz Antonio de Ramos
Joaquim Pupo da Rocha
Domingos Roiz' Cunha
José dos Passos Munis
Antonio Amaro da Silva .

* * *

Como se vê, acabava de realizar-se o grande sonho dos habi


tantes da antiga Freguezia, então elevada à categoria de vila e eman
cipada da de Iguape.
Uma nova fase de trabalhos anima e empolga tôda a população,
como se poderá verificar pelas atas da Câmara, de que constam
numerosos requerimentos de pessoas que solicitam chãos para cons
trução de casas .
Por sua vez, é a própria edilidade que delibera sôbre a aber
tura de caminhos para diversos pontos, construção da cadeia, demar
cação do rocio e outros assuntos importantes, enquanto que uma
Comissão requer terreno para construção de um teatro.
Por outro lado, recrudesciam as lutas políticas e judiciárias por
questões de terras.
Em 1844 já se elevava a 476 o número de fogos em todo o mu
nicípio. No ano seguinte, representava a Câmara ao governo da Pro
víncia, solicitando a nomeação de juiz municipal ( ") .
(1) Arquivo do Estado Maço 97 ( T. C. ) .
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 147

E a 8 de fevereiro de 1847, era Joaquim Pupo da Rocha no


meado para o exercício desse cargo, como se vê do documento se
guinte:
O Presidente da Provincia , em virtude do Art . 19 da
Ley N.° 261 dpe 3 de Dezembro de 1841 , nomea ao Snr Joa
quim Pupo da Rocha, para servir, durante o presente qua
triennio, o Cargo de primeiro Supplente do Juiz Munici
pal e d'Orphãos do Termo da Villa de Xiririca, devendo
prestar o competente juramento perante a respectiva Ca
mara Municipal .
Palacio do Governo de São Paulo 8 de Fevereiro de
1847 . Manoel da Fonceca Lima e Silva ( 1 ) .

O documento seguinte cópia do termo de sua primeira au


diência, foi fielmente transcrita do livro de audiências do Juizo de
Orfãos da Camara de Xiririca , onde se encontra , lavrado de fls . 4
v. a 5.

(1) Arquivo do Estado Maço 97 ( T.C. ) .


!
CAPITULO XIV

COMARCA DE XIRIRICA

Elevada à categoria de freguezia no ano de 1768, quando ainda


pertencia ao município de Iguape, de que foi desmembrada em 1842
pela lei N. 28 de 10 de março, e, portanto, a município, com a cria
ção da Vila, - pertenceu Xiririca desde sua fundação em 1763, à
comarca de Paranaguá, até, que, pelo ato do presidente da Provín
cia, em Conselho de 23 de fevereiro de 1833, passou a têrmo de
Iguape e Cananéia, da 6.a Comarca, que era a cidade de Santos.
Passando à categoria de vila (1842 ), ficou então pertencendo ao
têrmo de Iguape e Xiririca, 6.a Comarca, pelo decreto n. 162 de 10
de maio de 1842 .

Foi têrmo de Iguape e Xiririca, comarca de Itapetininga, em


virtude da Lei n . 11 de17 de julho de 1852 e têrmo de Iguape, Xi
ririca e Cananéia, ainda da comarca de Itapetininga, pelo decreto n.
1384 de 26 de abril de 1854.
Tèrmo de Itapetininga e Xiririca , comarca de Itapetininga , pelo
decreto n. 1936, de 3 de junho de 1854; termo de Tatuí e Apiaí, reu
nidos aos de Itapetininga e Xiririca, comarca de Itapetininga, por
fôrça do decreto n . 1448, de 2 de outubro de 1854.
Pelo decreto n . 1970, de 29 de agosto de 1857, eram os termos
de Itapetininga, Xiririca, Tatuí e Botucatu, pertencentes à comarca
de Itapetininga.
Termo de Xiririca, da comarca de Itapetininga, pelo decreto n .
2029, de 6 de fevereiro de 1858 .

Tèrmo de Xiririca, da comarca de Iguape, pela lei n . 16 de 30


de março de 1858, e , finalmente, termo de Xiririca e município de
Apiaí , comarca de Xiririca, pela lei n . 5 de 6 de julho de 1875.
Como comarca de Xiririca, foi criada com os municípios de
Xiririca e Apiaí.
Pela lei n . 39 de 3 de abril de 1873 , foi incorporado o municí
pio de Iporanga. Desanexou -se-lhe o município de Apiaí, pela lei
150 MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

n. 80 de 25 de agosto de 1892, sendo o de Iporanga extinto pelo de


creto n . 6.448, de 21 de maio de 1934 e restabelecido pela Lei 2.780
de 23 de dezembro de 1936.

A Comarca de Xiririca, criada a 6 de julho de 1875, foi insta


lada a 25 de novembro do mesmo ano, como se pode verificar pelo
documento abaixo, extraído do respetivo livro de audiências e que
é o seguinte :

“ Audiencia especial da installação da Comarca de Xi


ririca em 25 de Novembro de 1875. Aos vinte e cinco dias
do mes de Novembro de mil oitocentos e setenta e seis,
ao meio dia nesta villa de Xiririca, Provincia de São Pau
lo, no Paço da Camara Municipal, presente o Miritissimo
Juiz de Direito, Doutor Ernesto Francisco de Lima Santos,
designado para servir nesta Comarca , por Decreto Impe
rial de desenove de Agosto proximo passado, comigo escri
vão de seu cargo abaixo assignado, por elle Juiz foi dito
que a presente audiencia tinha por fim installar esta Co
marca, comprehendendo este Municipio e do Apiahy de
conformidade com a Lei Provincial Numero cinco de seis
de julho do anno proximo passado, visto haver nesta data
entrado em exercicio das funções inherentes a seu cargo
e que para os fins convenientes se lavrasse os respectivos
Editais nos quais deveriam constar que as audiencias deste
Juizo terão Lugar ao meio dia de sexta feira de cada se
mana, em casa de sua residencia, onde despacha todos os
dias uteis das nove ás tres horas da tarde. Outrosim , que
não havendo Promotor effectivo nesta Comarca que no
meia interinamente para exercer tais funcçoes a João Ma
noel de Azevedo Pontes, a quem se passará o respectivo ti
tulo, afim de entrar no exercicio de suas funcções depois
de prestar juramento . Do que para constar se lavrou este
termo que vai assignado pelo Miritissimo Juiz de Direito,
comigo escrivão, official de Justiça , servindo de Porteiro,
Generoso Antonio Marques e mais cidadãos que se achavam
presentes neste acto . Eu Francisco de Souza Castro , escri
vão que o escrevi e assigno.
( a.a. ) Ernesto F. de Lima Santos
Francisco de Souza
Castro Generoso Antonio Marques Zeferino Jorge Da
masceno Francisco Alvares da Silva - Mariano Pereira
José Ribeiro Martins - João Manoel de Azevedo Pon
tes - O Vigario Padre Vicente Servidio - Francisco Fir
mino de Pontes Oliveira Antonio Augusto Rios Carneiro
José Ferreira França Francisco Martins Ribeiro -
José Antonio Pupo ” ( 1 ) .

Serviram o cargo de Juiz de direito da comarca até a presente


data os Magistrados cujos nomes constam do quadro abaixo, em que

( 1 ) Livro de Protocollo n.º 1 , das Notas do 1.0 Oficio da Comarca de Xiririca . .


MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 151

assinalamos as datas da primeira e última audiência a que presidi


ram :

Data da 1.a
N. Nomes audiencia Ultima

1 Dr. Ernesto Francisco de Lima San


tos 25/ 11 / 76 22/ 11 / 78
2 Dr. João Joaquim Ramos e Silva .. 7/ 2/ 79 26/ 6/ 90
3 Dr. Antonio Candido Xavier de 3/ 7 / 90 31 / 9/ 92 Subst.
Alm.da Souza
4 Dr. Lupercio da Rocha Lima 1 / 6/ 93 8/ 10/ 96
5 Dr. Faustino José de Oliveira Ribeiro 7/ 1 / 97 5/ 6/ 98
6 Dr. Fernando Paes de Barros 28/ 11 / 98 15/ 12/ 98
7 Dr. Antonio Crispiniano Barbosa Frei
re 18/ 1/900 12/12/901
8 Dr. Antonio Candido Xavier de
Alm.da Souza 19/ 7/902 2/ 3/907
9 Dr. Antonio Augusto Rodrigues de
Moraes 25 / 7/907 4/ 4/908
10 Dr. Cicero Leonel 8/ 3/909 27/ 2/911
11 Dr. Eduardo de Oliveira Cruz 12/ 6/911 18/ 3/912
12 Dr. Geraldo Leite de Magalhães Go
mes 26/ 8/912 2/ 2/915
13 Dr. Manoel Carlos de Figueiredo Fer
raz 27/ 4/915 1/ 8/916
14 Dr. Antonio Pereira da Silva Barros 21/11/916 10/ 9/918
15 Dr. João Leite de Almeida Moraes . 22/10/918 22/ 4/922
16 Dr. Alfredo de Lima Camargo 15 / 5/922 1/ 6/922 Subst.
17 Dr. Diogenes Pereira do Valle 1 / 6/922 5/ 8/922
18 Dr. Alfredo de Lima Camargo 23 / 9/922 11 / 6/923
19 Dr. Luiz Corrêa de Camargo Aranha 26/11/923 23/2/924
20 Dr. Norberto Francisco de Oliveira . 10/ 5/924 2/ 5/925
21 Dr. Edgar de Toledo Malta 22 / 3/926 29/ 3/926
22 Dr. José Bonifacio de Arruda 2/10/926 18/ 6/927
23 Dr. Antonio Silveira Cata Preta 3 / 9/927 ( uma unica
audiencia )
24 Dr. Adersom Perdigão Nogueira
( Substituto ) 17 / 9/927 16 / 6/928
25 Dr. Paulo Ferreira de Castilho 21 / 7/928 25/ 7/931
26 Dr. Odilon Augusto Ribeiro ... 24/ 2/933 4/ 3/ 33
27 Dr. João Baptista de Freitas Sampaio 23/ 3/933 9/ 6/937
28 Dr. Olavo Ribeiro de S 23/ 2/935 9/ 3/937
29 Dr. Celso Penteado ( Substituto ) .. 31 / 3/937 (uma unica
audiencia )
30 Dr. Silvio Barbosa 7/ 7/937
CAPITULO XV

IVAPORUNDUVA

Entre os bairros do município se destaca pela importância que


teve no século XVIII, o de – Ivaporunduva, - onde se eleva uma
capelinha, muito embora já em ruínas, mas que, mesmo assim, é
ainda um atestado vivo da importância da mineração do ouro nes
sas paragens.
E para que se não perca o sabor das cousas antigas, para aqui
transladamos fielmente o que, a seu respeito, encontramos registra
do nas páginas desse precioso manuscrito que é o livro do Tombo
da paróquia de Xiririca, ao qual nos reportamos e que é o seguinte:
" Moradores q' se- estabelecerão no arrayal de Ivaporun
dyva, hoje bairro , desta Freguezia .
João Dias Baptista, natural de Portugal, q' cazou n'esta
Freguezia com Maria Pereira , natural d'Iguape, filha do Al
feres Domingos Pereira Veras, e de Tereza da Silva, já men
cionados. Foi hú dos q' possuirão mais escravos n'aquelles
tempos .
Domingos Rodrigues Cunha, natural de Portugal, que
cazou a primeira vez com Maria Rapoza, segundo assento de
obito do Reverendo Jozé Martins Tinoco e segunda vez com
Ignêz d'Eiró Chaves natural de Apiahy.
Foi igualmente possuidor de escravos ; e o Reverendo
Antonio Pedrozo de Barros Leite o - honrou com a sua Ami
zade, e elogio de haver cooperado com seu oiro p.' a fac
tura d'esta segunda Igreja Parochial existente.
O Capitão Joaquim Machado de Moraes, natural da Fre
guezia de Paranapanema , que cazou a primeira vez com
Maria Pereira , e a segunda com D. Archangela da Silva
natural da Villa de Cananéa. Foi possuidor de muitos escra
vos , e algúas lavras no mencion ." array d'Ivaporundyva. Au
xiliou muito a construcção da Capella de Nossa Senhora do
Rosario dos Pretos de Yvaporundyva. Se- diz, que por infe
licidade d'aquelle tempo Levando- se demandas e contesta
çoens Judiciaes, esta foi a origem principal da decadencia
da sua ha das mais numerosas, e mais bem abastecidas Fa
milias .
3

154 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Quando tratar da mencion . Capella, estabelecida e


fundada no bairro de Yvaporundyva , terei lugar de nomear
alguns poucos mais co conhecença da materia, visto que des
tes poucos não resta hoje em dia descendencia algua.
P. Mendonça"

Prosseguindo, trata ainda o padre Mendonça de outros assun


tos sôbre o mesmo bairro e principalmente das alfaias pertencentes
à pequenina igreja, depois do que, voltando a se referir ao lugar,
acrescenta ainda em simples mas atraente exposição.
"Pede a antiguidade, e os successos deste Bairro tão celebre,
que nos demoremos algúa coisa na sua exposição.
Mais propriamente significa este nome – Rio de muito vaporú,
fruta. O Bairro pois d'Yvaporudyba, nos seus primeiros tempos Ar
rayaeś de Minas, consta ter sido, quando não dos primeiros mais
antigos, ao menos habitado já antes da creação desta Freguezia. Mas
ver agora, dentro dos poucos annos já não digo o espaço de algúas
legoas até as vargens, por onde se andava expeditamente noite e
dia, mas somente o lugar da commú Frequencia, cuberto de matos,
despido de tantas cazas e ranxarias, sem a pastaria de . gados, q’
contava, sem o reciproco commercio, que se fazia com a influencia
do Oiro, dos extranhos e moradores, sem aquelle numero de escra
vaturas, q' era o arrimo dos Mineiros, cujos homes em parte se -es
quecerão, em parte apenas Se -recordarão; cer, digo, este agradavel
Arrayal já extincto, e existindo apenas hua Capella, esforço e em
penho dos Pretos escravos, affeiçoados a Devoção de Nossa Senho
ra do Rosario, parece se pode justamente dizer, q esta, mais Lou
vavel, Obra he como o ultimo Suspiro de tantos trabalhos e fadi
gas, que alli se havião empreado.
Já fallamos assima, quando fizemos menção dos antigos mora
dores desta Freguczia, de João Dias Baptista, de Domingos Rodri
gues Cunha, do Capitão Joaquim Machado de Moraes, Mineiros
deste Arraval. Alem destes tão bem constão os nomes do Capitão
mór João Baptista da Costa da Villa de Cananéa, do Alferes Joze
da Silva Martins, Solteiro, que não tem hoje em dia descendencia
nesta Freguezia , bem assi constão os de Nicolau Antunes, natural
de Lisboa, cazado com Catharina de Sene da Costa, Natural de
Iguape, progenitores dos Antunes, de quem já nos lembramos; de
Manoel da Costa dos Travassos, oriundo de Portugal, casado com
Maria da Costa, d'Iguape, progenitores dos Travassos, igualmente
mencionados.
Mas com justa razão ainda mais memoravel o Nome de Joan
na Maria , natural das Minas Geraes, não pela nobreza de seu san
gue, ou por deixar muitos filhos, ou enfim pelas suas riquezas, nada
de tudo isso ella os teve, ou fez a satisfação dos seus desejos. Toda
a sua distincção lhes proveio unicamente das suas honestas e vir
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 155

tuosas acçoens ennobrecidas pela sua admiravel caridade. Tendɔ


vinda para este arrayál casada com André de Souza, oriundo de
Portugal, bem se pode affirmar q ella foi a Alma o melhor uso dos
bens que a Providencia confiou as suas maons. Por fallecimento
do primeiro Marido tornou a cazar com João Marinho, tãobem de
Portugal, e por morte deste terceira vez com João Manuel de Si
queira Lima, natural das Minas Geráes, talvez alliciados todos das
estimaveis qualidades desta Piedosa Mulher, cuja casa em todo o
tempo foi o abrigo dos Pobres, o Hospicio dos Peregrinos, e, o que
hé mais , honrada no espaço de vinte e dous annos, mais ou menos,
como a de Martha e Maria, pelaPresença Real de Jesus Christo, pois
n'ella se-celebrava o S.to Sacrificio , e se -conferião os mais Sacra
mentos, excepto o do Matrimonio , ao que parece, antes de Servir a
Capella de Nossa Senhora do Rosario dos Pretos, por eleição bem
acertada o Primeiro Parocho Jozé Martins Tinoco no anno Septimo
do seu Parochiato. Falleceu emfim esta virtuosa Mulher aos 2 de
Abril de 1802, com idade de noventa annos, sem deixar bens alguns,
porque em vida soube distribuil-os, remunerar com a liberdade os
escravos que lhe servião ” ( 1 ).
Páginas como essas não devem continuar no olvido, pois cons
tituem verdadeiras maravilhas históricas, ricas em detalhes e reve
ladoras de que no passado, se refletem ainda em nossos dias .

( 1) Livro do Tombo de Xiririca .


CAPITULO XVI

LENDAS E TRADIÇÕES

A história de Xiririca é bastante rica em lendas e tradições, al


gumas delas interessantíssimas. Muitas das denominações dos seus
bairros, ilhas, rios, e ribeirões, são originarias, de tradições, que ain
da hoje se conservam . Outras, de origem tupi, como o nome do ri
beirão Xiririca, que passou aos da freguezia e cidade, abrangendo o
próprio município .
Segundo diz o padre Mendonça, o vocábulo – XIRIRICA - 6é
corruptela, dizendo: “ Parece que se viciou o nome deste bairro d'onde
a freguezia tirou o seu , quando alguns antigos chamão ribeirão de
Tiririca ou de Tirirical , que diz – taquaras que cortão, ou fei
ches de taquaras que cortão, a que chamão Jayvaras, creciymas da
lingua original”.
Xiririca tambem pode provir de Y -chiririca, que quer dizer agua
ligeira, veloz, - o rápido, corredeira. Tem os seus nomes ligados
à tradição :
CAIACANGA porque , segundo se conserva fôra aí en
contrado um grande pedaço de ouro se nan
te à cabeça de um macaco. Sua verdadeira sig
nificação segundo os mestres vem de cai-acan
ga cabeça queimada. De cai-queimar, arder,
etc. e acange-cabeça , o que é duro.
ILHA DO BANANAL PEQUENO Sobre o mesmo , encon
tramos a seguinte referencia registrada no livro
do Tombo : " Conta -se que nesta ilha forão ainda
vistos dois homens do gentio da America que
habitava estas terras incultas e passavam uma
vida errante e selvatica , de que se achão ainda
vestigios, como potes ou vasos de barro, onde
se crê, depositavão os seus que morrião, por se
acharem estes vasos enterrados no chão , cheios
de ossadura humana ou em enterrado ” .
ILHA DO GATO pelo fato de existir na mesma, uma
grande pedra com a apparencia de um felino .
VOTUPOCA , de Ybitu - poca, que significa vento que
estrondeia, sôpro que rebenta. Morro estalado,
158 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

morro partido ou rebentado. Para alguns é


morro que rebenta ou estala. No seu cimo ha
uma grande cavidade, cujos bordos indicam ter
havido aí algum vulcão. Por tradição colhida
entre os índios , consta que do seu cume saía fu
mo seguido de estampidos.
ILHA DA RAPOSA provem da grande quantidade de
gambás outrora aí existentes, como asseveram
os cronistas.
RIBEIRÃO DO VIRASSAIA porque nesse local aconte
ceu virar-se uma canoa cheia de passageiros, e,
nessa ocasião, uma das senhoras, que então usa
va saia-balão , segundo a época, ao cair nagua
viu-se com a mesma virada pelo avesso ...
RIBEIRÃO DAS FAZENDAS não porque aí existissem
grandes propriedades agrícolas, mas, segundo a
lenda, por haver naufragado uma canóa e pe
recido um caixeiro -viajante, perdendo várias
malas que continham amostras de fazendas.
ILHA DA CRUZ Segundo reza a tradição, nesse ponto
foi chantada uma cruz de madeira, para assi
nalar a sepultura de Antonio da Silva Pereira,
que se afogara, naufragando no Ribeiro acima.

Entre as lendas, já destacamos na parte geográfica a que se re


fere à denominação - Sete Barras, – que, segundo a crendice po
pular, se originou do fato de certo minerador, para fugir ao paga
mento do quinto real ou evitar ser roubado, ter escondido sete bar
ras de ouro nesse ponto da Ribeira, para mais tarde retirá -las, o que
nunca mais conseguiu por ter perdido o local exato em que as se
pultara.
Outra lenda, aliás importante, é a que diz respeito à origem do
nome de Ribeirão das Mortes dado a um dos muitos existentes en
tre o Batatal e Capão Bonito, nos sertões de Pedro Cubas.
Sôbre a mesma, há duas versões .
Diz a primeira, que, descoberto 'um colossal aluvião de ouro
pelos jesuitas, nesse ponto do vale da Ribeira, foram estes repelidos
por bandeirantes, que ao mesmo local lograram chegar, resultando
do choque entre os dois grupos um grande morticínio, do que se
originou o nome do ribeirão.
É de notar porém , que nesta parte do litoral não penetraram os
jesuitas, o que se verifica pelas construções, que nada têm das zo
nas por onde percorreram esses obreiros do nosso passado, como
pelo desconhecimento em que ficou por muitos anos esta região, o
que não se daria se fòra conhecida pelos mesmos.
A segunda versão :
Existia outrora um velho Pagé, único sobrevivente da grande
tribu do Itanopan, que conservava em Camocins grande quantida
MEMORIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 159

de de uma areia que logo despertou a cobiça dos portugueses, os


quais, maneirosamente conseguiram do velho índio a revelação do
local onde era a mesma encontrada, sob promessa de o tornarem
seu associado.
Tempos depois, verificando o mesmo ter sido ludibriado, com a
retirada do ouro para Serra Acima, procurou vingar-se, lançando
Curare na fonte e matando os traidores de um só golpe.
Essa lenda, a nosso ver, parece de real importância , se procu
rarmos liga-la à existência das famosas minas de prata de Francisco
de Chaves e o desaparecimento da primeira bandeira paulista , que,
de Cananéia, partiu a 1.° de Setembro de 1531, sob o comando de
Pero Lobo, sendo inteiramente sacrificada nos sertões.
Uma relação íntima deve existir entre a denominação dada a es
se ribeirão dos sertões de Pedro Cubas e a morte dos componentes
daquela bandeira, cujo ponto exato onde foi sacrificada, até hoje é
assunto controvertido.
SETE BARRAS, como dissemos anteriormente , a denomina
ção dêste povoado também encerra uma lenda. O cel. Diogo Martins
Ribeiro Júnior, em seu trabalho “ Riquezas da Ribeira de Iguape ',
publicado em 1922, referindo -se à ela diz o seguinte :
“Antigamente o logar onde está Sete Barras denominava -se
Goyntāhogoa, segundo ouvi de um indio velho, na seguinte lenda
em que se explica a origem do nosso actual.
“ Nos tempos em que se minerava ouro no Arraial (no rio Ipo
ranga), um hespanhol que lá esteve bateando nas guapiaras conse
guiu , após algum trabalho, juntar muitas pepitas de ouro, perfazen
do o total de varios kilos do cubiçado metal, que fundiu em Sete
Barras de grande peso cada uma.
Resolvendo voltar á patria, levando a sua preciosa carga, decia
o hespanhol o Ribeira, em canoa, quando no pouso que fez no sitio
denominado Goyntāhogoa, soube que se havia installado no Regis
tro (onde se acha actualmente a colonia japoneza), um posto de pe
saem de ouro , para o pagamento de 5 % á coroa de Portugal.
Resolvido a burlar a coroa portugueza, o hespanhol tratou de
indagar se poderia chegar a Santos, sem passar pelo Registro .
Para obter essa informação desceu até a barra de Juquiá, tendo
previamente enterrado no sitio Goyntāhogoa, todo o ouro extrahido
das minas do Arraial, inclusivé as sete barras do precioso metal.
Chegando á barra do Juquiá, encontrou diversos indios que, in
terrogados lhe disseram que sahindo pelo Y -iquiá e pelo Caynhoire
(São Lourenço) e Itariry, pelas cabeceiras deste último, era muito
facil de ir á praia do mar.
Estava o hespanhol resolvido a fazer a viagem por aquele iti
nerario e já pensava em voltar ao sitia Goyntālogoa, quando um
160 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

dos indios lhe falou da quantidade de ouro existente no rio Guy


rõmbyi (Quilombo), no logar denominado Tarenconcé (Travessão).
Essa noticia tentou-o a nova exploração. Sem voltar a Goyntā
hogoa, subiu o hespanhol o rio Quilombo e chegou ao Trovessão,
onde, sem muito trabalho tirou grande porção de ouro.
Era porém o aludido hespanhol amigo de furar sertões, e tendo
noticias das ricas minas do Pedro Vaz, resolveu ir até as cabeceiras
do rio Assunguy e ali entrar com o dito Pedro Vaz. Entretanto, este
não consentiu que o hespanhol fosse seu socio naquelas explorações.
Deixou então o Assunguy e foi a Goyntāhogoa desenterrar o
seu ouro. Baldados foram os seus esforços; nunca mais poude en
contrar o seu precioso enterro. Depois de seguidos dias de inuteis
pesquizas, resolveu voltar á patria, levando o ouro do Travessão, que
não era inferior em quantidade e qualidade ao ouro extrahido do
Arraial e hoje enterrado no sitio Goyntāhogoa até que algum feli
zardo o encontre e faça a exhumação desse "cadaver”, capaz de arre
dar muitos “ cadaveres ”.

Deixou então, não sem pezar, o Goyntālogoa, que desde en


tão passou a denominar-se Sete Barras.
Sempre com a resolução de não pagar o 5.º ao Registro, seguiu
o hespanhol pelos rios Juquiá, São Lourenço e Itariry . Chegando a
barrado rio Piguary (hoje Rio do Peixe), afluente pela esquerda do
rio Itariry, onde hoje está a parada Alecrim , da E. F. Southern, en
controu -se com frei Mauricio que estava acompanhado de muitos
indios cayuyás, em viagem de volta para Mboy. Este frade, o mes
mo que mais tarde enterrou ouro em um sitio do rio Assunguy, le
vava para o convento de Mboy, dez surrões que extraira das proxi
midades da serra dos Itatins .
O hespanhol, tocado mais uma vez pela ambição, sufocou em
seu peito as saudades da patria distante, e ei-lo de novo resolvido
a ir batear ouro. Um indio cedido por frei Mauricio, serviu-lhe de
guia até ás cabeceiras do rio Itaçaendúva, (hoje Bananal), afluente
do rio São Lourenço , e que, como o rio Pyguary, tem suas origens na
serra dos Itatins.
Subiram o Piguary, galgaram a serra e, por um espigão do Ita
tins, entraram em aguas do Itaçaenduva.
Por um pequeno corrego denominado Itajubá, (que quer dizer
rio da pedra amarela) foram ter a uma lagoa, cujas praias deslum
braram ao hespanhol e seus escravos . As margens dessa lagoa, de di
ficil acesso , pois está no alto de uma serra quasi isolada e de ladei
ras abruptas, são todas cobertas de ouro , bastando para extrahi
lo junta -lo com a mão , sem auxilio de ferramenta alguma. Foi facil
ao hespanhol juntar ali muito que guardou em surrões de couro de
anta e canudos da taquarussú. Resolveu então seguir dali para San
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 161

tos , a fim de tomar uma embarcação que o levasse aos patrios la


res . Deixando as vertentes do Itaçaenduva, procurou as vertentes
do Ndaipiahy (Despraiado, hoje) para, descendo por este e passan
do pelo Igarapé Quaraharú (canal hoje do Carvalho) ir pelo Una do
Prelado até a praia de Una e dalí, passando o Guarahú e outros, ir
até Santos.
Construida no Itingussú uma canoa, por esta começou a viagem
de regresso á patria. Na segunda noite desta viagem, pernoitava no
porto de Una e já de madrugada, sobreveiu um temporal com tal
violencia que a canoa desgarrou do amarro, e, ao largo do rio, afun
dou , levando comsigo todo o ouro do aventureiro hespanhol.
No dia seguinte, a canoa foi encontrada de fundo para o ar,
mas do precioso carregamento, nem siquer se encontraram leves
vestigios: o fundo lodoso do Una do Prelado guardou para todo o
sempre o cubicado tesouro do mal aventurado hespanhol. Este
enlouqueceu e desapareceu em direcção ás cabeceiras do Itaçaen
duva, e sendo mais tarde encontrado por frei Mauricio, á margem
da Lagoa Dourada, um esqueleto encostado a um pedra, tendo, nas
mãos descarnadas, grandes pepitas de ouro. Era o esqueleto do hes
panhol. E desde então estranhos rumores, formas indefinidas,
vozes, lamentações e gemidos são ouvidos por todo aquele que
se atreve a demandar as cabeceiras do rio Itaçaenduva , onde, diz a
lenda, existe com suas praias de ouro a Lagoa Dourada, aliás
mencionada em outra lenda, da qual mais tarde nos ocuparemos .
Contou-nos essa lenda um velho indio, cujos descendentes ain
da vive mnas teras do rio Piguary” (“).
IVAPORUNDUVA ou Ivaporanduba, como querem outros, tam
bem possue uma lenda muito interessante, que nos é narrada pelo
autor das Notas Colhidas sõbre as Riquezas do Ribeira de Iguape.
Assim, diz ele que das terras em aprèço se extraiu naqueles tem
pos um pedaço de ouro que tinha o tamanho e o formato de uma
cabeça de macaco. O valor dessa pepita e o seu formato bizarro ,
acirraram a cubiça de um moço, filho de um dos principaes mine
radores da região, que a roubou, havendo, por isso sangrentos con
fitos e demorado preito, o que motivou o abandono das minas de
Ivaporunduva . Conta -se também , que um casal de escravos fugi.
dos, depois de alguns dias de permanencia nos sertões, trouxe para
o mato , que residia na povoação, além de um grande pedaço de ouro
no formato de um coração, quantidade de ouro em pó e muitos pe
daços de prata.
“ Acredita - se, – diz o autor, que esse ouro e essa prata são
originarios das ricas minas de Camargo, em Iporanga, e das jazidas
de galena argentifera na mesma localidade”.

(1) Diogo Ribeiro Junior " Riquezas da Ribeira de Iguape ”, págs . 4 a 9.


CAPITULO XVII

VULTOS NOTÁVEIS

Não poucos foram os filhos de Xiririca, que se destacaram no


cenário da vida, honrando o berço natai.
Falando apenas dos que já faleceram , citaremos primeiramente
o nome de

Francisca Julia da Silva ,

Sem favor nenhum , foi a maior poetisa lírica do Brasil.


Filha legítima de Miguel Luzo da Silva e d. Cecília Isabel da
Silva, nasceu Francisca Júlia na cidade Xiririca, aos 31 de agosto
de 1871, onde foi batizada a 5 de maio de 1873.
Aos oito anos de idade, em companhia de seus pais, retirava -se
da sua terra natal, afim de iniciar os estudos na capital do Estado,
onde veio a falecer no dia 1.° de novembro de 1920, merecendo de
tôda a imprensa paulista as maiores homenagens. Dèla, disse o “Diá
rio Popular”: “ Nome feito & golpes de talento na literatura nacional,
d. Francisca Julia recebeu dos nossos mais autorizados e severos crí
ticos o elogio a que fazia jus, quando deu á publicidade seu pri
meiro livrode versos”. Ao baixar o seu corpo á sepultura, falou o
poeta Cyro Costa, que pronunciou o seguinte discurso:
" Quando hontem , na tristeza da tarde moribunda, sou
bemos, Francisca Julia , que havias cerrado os olhos para
todo o sempre, ao ouvires a voz do céo que te chamava,
nós os teus irmãos de Arte, os que sentiramos , na terra,
a graça da tua bondade , a luz sagrada do teu Genio na
obsessão da Belleza eterna, mal puderamos comprehen
der no anceio das Almas em silencio , angustia infinita que
nos causava a tua morte . E aquela hora nos recordamos,
então , Francisca Julia , que viverias no esplendor dos "Mar
mores” que esculpistes ; que ficarias como marco eterno de
uma Geração e de uma Escola, que serias o mais belo sym
bolo da intelectualidade de um povo e de uma Raça.
Viveste só, quizestes viver só, na tua solidão creadora ;
rompeste, porém, um dia, de um só golpe o marmore divino
dos teus versos .
164 MEMORIA HISTORICA DE XIRIRICA

E elles nos fizeramos estremecer, porque crearam a Be


leza, a suprema Beleza, que não morre. “ A sublimidade
rompe a impassibilidade do marmore, ergue o collo, incha
o thorax, abre os labios de pedra e lança o grito do deses
pero pela boca de Laocoonte ”.
Nas veias dos teus “Marmores” , Francisca Julia , corre
e palpita o sangue de Prometheu. Nos teus sonetes lapida
res, na palpitação divina do teu Extase, foste digna irmam
de Leconte, Gouthies , Heredia e Banvilelles , plasticidade e
harmonia, vibração e doçura. Modulaste todos os sons. Vi
braste todas as notas. Espiritualiaste todas as côres.
E' que o caracter preponderante da tua Poesia , no di
zer de João Ribeiro ” , foi o amor da Beleza classica , tal
qual a idearam os hellenos de Pericles - 0 sentimento
abstracto e profundo do numero, do rhitmo e da harmonia ".
De facto. As tuas pupilas só se descerravam as vibrações da
luz. Só abrias as mãos, Francisca Julia, para se desenha
rem , nitidas, todas as curvas. A alvura dos teus "Marmo
res” reflecte, sob a pureza do céo, a juventude das divin
dades eternas , sorrindo na graça pagan. Mas nós só dese
jamos, aqui , Francisca Julia, á beira do teu tumulo, dizer
te o nosso adeus, trazer-te as nossas lagrimas... Morreste
com a tua crença. Morreste com a tua fé. Morreste opu
lenta, no orgulho da tua pobreza. Morreste com os acordes
celestes da tua lyra, que sempre foi a perene exaltação de
uma grande sonho de Beleza ! Reviverás, porém, Francisca
Julia , na gloria de todo um Povo . Exultarás , com a luz de
Deus, na grandeza da nossa Patria ! Ficarás - átomo sonoro
da consciencia universal onde tudo se dispersa, mas onde
nada se perde — como a mais perfeita, a mais pura, a mais
bella expressão da nossa lingua !"

Dr. Julio Cesar da Silva

Irmão de Francisca Júlia e filho de Miguel Luso da Silva, nasceu


Júlio Cesar em Xiririca, no ano de 1877, de onde, em companhia
de seus pais, passou a residir na Capital. Aí fez os seus primeiros es
tudos, matriculando-se na Faculdade de Direito, em que se formou.
Faleceu no dia 15 de junho de 1936. Era, como dizem os seus
biógrafos, uma das figuras mais interessantes do nosso mundo inte
lectual.

Desde muito jovem , Júlio Cesar da Silva revelou decidida voca


ção para as letras, publicando ainda quando estudante algumas poe
sias que desde logo lhe asseguraram um belo lugar entre os escri
tores da sua geração. Depois, no convívio de sua ilustre irmā, ente
sourou vasta cultura literaria, tornando - se um estilista, de linguagem
apuradíssima, de que são provas as poucas obras que publicou.
Sem falar no primoroso opúsculo de estreia, hoje rarissimo, onde
já revelava a fácil inspiração e a apurada linguagem que deveria
manter toda a vida, anunciando as promessas artísticas que em parte
MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 165

cumpriu , aí estão trabalhos como “STALACTITES”, “ SARCASMOS ”,


“DONA ESTHER ”, “ A MORTE DO PIERROT ” e “ ARTE DE
AMAR ”, nas quais se pode saborear a fineza do espírito, a graça de
dizer e a delicadeza da sua emoção.
Formado pela Faculdade de Direito, não chegou a advogar.
Passou de maneira dispersiva boa parte de sua existència. Realizou
aventurosas viagens pelo Brasil e outros países da América do Sul ,
chegando mesmo a exercer curiosas profissões, entre as quais a de
diretor de circo, como ele proprio conta no prefácio de um dos seus
trabalhos. Puro amor ao inesperado. Foi esse espírito vivo e fulgu
rante que o animou tôda a existência. Quando a sua geração enve
lheceu, ele passou para a seguinte. Um dia, quando essa também
declinou, êle, com um sorriso fino e uma frase de bom humor, pas
sou-se para aterceira. Conseguiu viver assim mais de sessenta anos
sem ter envelhecido .
Não simpatizava com o comum e a popularidade. Impecável
no traje, nas atitudes e nas palavras, mantendo imperturbàvelmente
a sua linha de inteligência e de elegância, afastava-se dos grupos pa
ra freqüentar escolhidíssimas elites. Não chegou, pois, a deixar o
grande nome a que tinha direito, mas criou nos meios intelectuais
desta capital entusiásticos admiradores que sabem de cor todos os
seus versos e, a propósito de tudo, lembram uma frase ou uma ati
tude do mais delicado e subtil de nossos rimadores .
Sua morte causou , pois, uma dolorosa impressão no mundo in
telectual paulista, onde ele representava a tradição de graça e de
requinte das gerações literárias de ontem.

Padre Adelino Jorge Montenegro

Do livro 2.° de batizados, da Freguesia de Xiririca, consta ser


o padre Adelino filho natural de Ana Nunes de Oliveira, natural da
mesma Vila e de seu pai incógnito, neto pela parte materna de Joa
quim Nunes de Oliveira e Maria Gregoria Pereira esta natural de
Xiririca e aquele de Iguape.
Nasceu no dia 30 de maio de 1836 e foi batizado pelo Vigário
Joaquim Gabriel da Silva Cardoso, a 15 de junho do mesmo ano.
Recebeu a Ordem de Diácono, na Igreja de Itu a 18 de março
de 1860 e a de Presbítero, na mesma Igreja, no dia 25 do mesmo mês
e ano .

Foi vigário dta cidade de Bragança. Vigário de Atibaia, onde


tomou posse do cargo a 25 de dezembro de 1863.
Além disso, foi também Vigário da Freguesia do Brás e Escrivão
da Câmara Eclesiástica e Secretário do Bispado de S. Paulo.
166 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Formou - se pela Faculdade de Direito de S. Paulo em 1861.


A ele se refere o Dr. Almeida Nogueira no seu trabalho Tra
dições e Reminiscencias, série 5, pag. 269, dizendo:
" Paulista , de Xiririca, filho de Miguel Antonio Jorge,
Clerigo. Já o era na Academia.
Moreno, de estatura regular. A sua edade ... Impene
travel inigma. Pela aparencia a mesma que hoje, ou antes :
a de hoje é que é a mesma de 35 anos antes.
Estatura regular.
No trato intimo jovial , expansivo, brincador. Espiri
to afeito ás luctas politicas, especialmente ás de campa
nario.
Tem desempenhado importantes cargos na administra
ção eclesiastica, e, no fôro exerce ativamente a advocacia
no fôro desta capital”.

Guilherme Jorge Montenegro

Paulista, de Xiririca, diz Almeida Nogueira, filho de Miguel An


tônio Jorge e irmão do Padre Adelino Montenegro.
Baixo, gordo, trigueiro, bexigoso, cutis encardida e rugosa. Al
guém comparou o rosto dèle ao mapa da Suissa em relèvo.
Andavam muito em voga, na época, os concursos de beleza. Uma
fôlha humorística propôs entre as moças o plebiscito: - Qual o estu
dante mais feio da Academia?

luz.
Como era de prever, o nosso Montenegro venceu com muita
Exerceu por alguns anos a promotoria pública nesta província.
Mudou -se depois para o Rio de Janeiro, onde faleceu.

Miguel Jorge Montenegro


Como diz o autor das Tradições da Academia de S. Paulo era
êle filho de Miguel Antonio Jorge e irmão do padre Adelino Mon
tenegro .
Baixo, forte, trigueiro acaboclado, feições grossas, cabellos pre
tos, muito crescidos e entolados para dentro sobre o pescoço. Quer
chovesse, quer fizesse bom tempo, quer estivesse fria a temperatu
ra, quer elevado o termometro , o seu vestuário era o mesmo: não
abandonava o seu sobretudo de duas vistas, traje muito em moda na
época, mas... nas ocasiões oportunas.
Em um prebliscito proposto por uma revista acadèmica do tem
po, coube-lhe por grande maioria de votos o 1.º prêmio.
1

MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA 167

A questão proposta era a seguinte :


Qual o estudante mais feio da Academia?
Ignoramos se ao belo sexo foi concedida sufragio nesse certa
mem .

Depois de formado e feito nesta Capital o ano de tirocínio fo


rense, foi nomeado juiz municipal de Xiririca, de onde saiu, findos
dois quatriènios, para a promotoria pública de Bragança. Foi juiz
de Direito de Xiririca .
Exerceu depois a advocacia em Campinas, e , subsequentemen
te, no Rio de Janeiro.
Voltou a S. Paulo, já enfermo, e aqui faleceu, há cerca de vinte
anos .

Miguel, Jorge e Guilherme, eram filhos naturais, porém , reco


nhecidos por Miguel Antonio Jorge, que foi grande fazendeiro e in
dustrial em Xiririca.

Padre Joaquim Gabriel da Silva Cardoso


Filho do abastado agricultor Joaquim Pereira Cardoso e d. Rita
Maria do Nascimento, senhores de engenho e de grande escravatu
ra, nasceu em Xiririxa no dia 11 de fevereiro de 1802, fazendo os
seus primeiros estudos na mesma freguesia.
Abraçou a carreira eclesiastica recebendo ordens na Igreja do
Convento de Santa Tereza, no dia 19 de outubro de 1828.
Regressando para Xiririca, ingressou na política local, sendo em
1845, eleito presidente da primeira Câmara, cargo de que se de
sempenhou brilhantemente.
Foi o 12.º vigário da Paróquia, exercendo o seu vigariato por
duas vezes .
Mais tarde como vigário de Apiaí , faleceu na mesma vila no dia
6 de maio de 1875.

Outros nomes poderiamos ainda destacar de xiririquenses que,


pelos seus méritos ou por dedicação pessoal, muito concorreram e
souberam honrar a terra que lhes serviu de berço.
Entre os falecidos citaremos apenas os de Antônio Justino Fran
ça Filho, mais conhecido por Nico França, literato e professor de
piano e canto , que faleceu em Jundiaí a 3 de fevereiro de 1913.
Era filho legítimo de' Antônio Justino de França e d . Dulce
Carneiro França.
168 MEMÓRIA HISTÓRICA DE XIRIRICA

Foi um dos fundadores da sociedade lítero-dansante " Congres


so Brasileiro ” da Capital. Colaborou em várias revistas e jornais, es
pecialmente em “ A Vida Moderna” e “Mariposa ”.
Professor Francisco Pedro do Canto, formado pela antiga
Escola Normal de S. Paulo, onde fèz um curso brlhantíssimo. Exer
ceu não só o magistério em Xiririca.
D. Leocadia Mariano Pereira, normalista que, pelo seu sa
ber foi logo após a terminação do seu curso , nomeada para uma
das escolas-modèlo da Capital, onde veio a falecer.
Brás da Cunha Ramos e Antonio Rafael Carneiro , incansa
veis batalhadores, que não pouparam esforços nem sacrifícios, em
prol da terra natal e cujos nomes vêm sendo conservados com gra
tidão e respeito pelas novas gerações, além de muitos outros já cita
dos nos capítulos anteriores, aos quais deve Xiririca o surto de pro
gresso que experimentou.
1

RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DO DEPARTAMENTO


DO ARQUIVO DO ESTADO DURANTE O ANO DE 1954
E SEU PROGRAMA PARA O EXERCÍCIO DE 1955

I - TRANSFERÊNCIA DO RESTANTE DO ACERVO DA


MOÓCA PARA O NOVO PREDIO DO DEPARTAMEN
TO DO ARQUIVO DO ESTADO :

Durante o corrente ano foi feita a mudança, para o prédio da


Rua Dona Antonia de Queirós, do restante do acervo do Departa
mento do Arquivo, que se achava depositado à Rua Borges de Fi
gueredo N. 1.216, Armazem N. 3 da Companhia de Armazens Ge
rais do Estado de São Paulo. Graças à boa vontade e dedicação dos
funcionários deste Departamento, e, após ingentes esforços, a mu
dança terminou no dia 15 de dezembro, às 17 horas, havendo sido
lavrado a seguinte ata no respectivo livro:
“ Ata de encerramento da mudança do restante do acer
vo pertencente ao Departamento do Arquivo do Estado ,que
se achava depositado na Cia. de Armazens Gerais do Esta
do de São Paulo, à Rua Borges Figueredo, N. 1216 – Ar
mazem N. 3. — Aos quinze dias de dezembro de mil no
vecentos e cinquenta e quatro, às dezessete horas, à Rua
Borges de Figueredo N. 1216 , Armazem número três da
Companhia de Armazens Gerais do Estado de São Paulo,
na presença dos Snrs. José Soares de Souza, diretor, Moa
cyr Reys, Chefe de Secção, Antonio de Andrade, contador,
José Henrique Soares Falcão, Ewaldo Sant'Anna, Miguel
Zaidan , Isidoro Zaidan , Cleonte Colombo Paschoal , Joaquim
Bigaran da Silva e outros funcionários do Departamento,
foi carregado o último caminhão para transporte do restan
te do acervo pertencente ao Departamento do Arquivo , com
destino à Rua Dona Antonia de Queirós , N. 183 , onde é se
diado dito Departamento, tendo restado naquele depósito ,
material completamente imprestável para uso , como se se
gue : hum porta-chapéus no estado, duas poltronas de ma
deira, uma no estado e outra quebrada , uma poltrona gi
ratória de madeira, quebrada, duas cadeiras austriacas que
bradas, dois balcões quebrados, doze armários quebrados ,
sete mesas no estado, onze fundos de prateleiras grandes
quebradas, vinte e oito pedaços de prateleiras quebradas,
170 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

quinze pedaços de balcão quebrados, setenta e oito portas


velhas, envidraçadas deprateleiras e armários, grande quan
tidade de madeira quebrada ( pedaços de prateleiras, bal
cões, estantes, etc. ) e aproximadamente duzentas e cinquen
ta pranchas e respectivos caibros que serviam para assoa
lhar parte do Armazem , além de papel velho, completa
mente inutilizado. Tendo dito material sido verificado pe
los presentes, e nada mais sendo necessário relatar, man
dou o senhor diretor que se lavrasse a presente ata que vai
por ele assinada e pelos presentes. (aa ) José Soares de
Souza, Moacyr Reys, Antonio Andrade, José Henrique Soa
res Falcão, Isidoro Zaidan, Miguel Zaidan, Ewaldo Sant'An
na, Cleonte Colombo Paschoal, Joaquim Bigaran da Silva
e José Bertoldi” .

II – DESINFECÇÃO, SELEÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E CA


TALOGAÇÃO DO ACERVO RELATADO NO ITEM I:

Iniciou -se imediatamente a desinfecção, seleção, classificação e


catalogação do restante do acervo que foi transportado da Rua Bor
ges de Figueredo para a Rua Dona Antonia de Queirós, após a di
visão do material, que foi, uma parte para a Secção Administrativa
e outra para a Secção Histórica.
Os trabalhos processam-se celeremente, mas demandam ainda
muito tempo para que se terminem , principalmente os talões de re
gistro civil e imobiliário, que dado o seu volume, mais de 400.000,
exigem grande trabalho material de arrumação e classificação, e os
funcionários deste Departamento são em número reduzido.

III – MATERIAL INSTALADO :

Terminou -se a instalação de todo o material adquirido, como


estantes de aço, mesas e armários .
Os corredores e escadas foram protegidos com passadeiras, bem
como diversas salas atapetadas.
Nas janelas, por sua vez, foram colocadas persianas “ Colum
bia” de folhas de aço, a fim de se dar maior proteção ao valioso
acervo do Departamento .

IV PRESERVAÇÃO DO ACERVO :

Além dos trabalhos normais de desinfecção e restauração dos


documentos, continuou -se a colocá- los após classificados, nas latas
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 171

de alumínio , hermeticamente fechadas, dedetizadas e adquiridas pa


ra êsse fim. É trabalho demorado mas eficiente.

V BIBLIOTECA :

Continuou -se a seleção de seus livros, a fim de ser transforma


da em biblioteca especializada de história, principalmente de São
Paulo, e de arquivologia. Será classificada pelo sistema Dewey, tão
logo a seleção esteja pronta.

VI - VITRINAS PARA EXPOSIÇÃO PERMANENTE DE DO


CUMENTOS HISTÓRICOS :

Foram adquiridas vitrinas para exposição permanente de docu


mentos históricos, que ficarão localizadas no Salão de Entrada do
Departamento, o que será de inestimável valor cultural aos estudio
sos e ao povo em geral. Em virtude da demora da sua confecção
( concorrências públicas, desenhos, etc., oriundos da Comissão Cen
tral de Compras) e, portanto, por motivos alheios à nossa vontade,
a sua inauguração só poderá ser efetivada em princípios de 1955.
Acreditamos, porém , que será mais um magnifico salão de expo
sições de documentos históricos, tão necessário ao desenvolvimento
cultural de São Paulo .

VII – PUBLICAÇÕES :
Não obstante as dificuldades financeiras por que passa o Gover
no do Estado, e, por conseguinte o Departamento do Arquivo, as
suas publicações continuaram em ritmo normal. Durante este ano
foram publicados:
" Inventários e Testa
mentos" Vol . 38 2.000 exemplares
“ Documentos Interes
santes" Vol . 74 2.000
“ Pequeno Histórico e
Prontuário do De
partamento do Ar .
quivo do Estado" e
dição ilustr. ... 2.000
"Noções de paleogra
fia " 2.000

Estão em impressão, e devem ser dadas a lume, nos primeiros


dias de janeiro de 1955 as seguintes publicações :
172 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

“ Documentos Avul
sos” Vols. 4 , 5 4.000 exemplares
" Boletim " Vol . 13 2.000
“ Documentos Interes
santes" Vols . 75 , 76 e 77 6.000
" Inventários e Testa
mentos" Vols . 39 e 40 4.000

A Secção Histórica possue material lido, nterpretado e copiado


suficiente para inúmeras publicações de “Documentos Interessan
tes”, “ Documentos Avulsos” e “ Inventários e Testamentos”.

VIII – GABINETE FOTOGRÁFICO :


1

Foi instalado em magnífica sala, especialmente adaptada para


ésse fim, contando já com aparelho de fotocópias, ampliações e redu
ções fotográficas e fotografia em geral. Até agora o Departamen
to aguarda a chegada do aparelho de microfotografia, cuja compra
já foi autorizada, satisfeitas as exigências de concorrência pública da
Comissão Central de Compras do Estado; mas até o momento a
casa vendedora não conseguiu autorização por parte dos poderes
federais para a sua importação.

IX – INDICE DE DECLARAÇÕES DE TERRAS:

Iniciado em 1953, prosseguiu-se na sua confecção. É trabalho


demorado, exaustivo e que demanda grande cuidado e atenção por
parte dos funcionários, mas que, concluido, será de grande utilida
de, não só aqueles que solicitam certidões para fins civis, como aos
estudiosos de nossa história.

X ALMOXARIFADO:

Terminou -se a reorganização do Almoxarifado, estando todo o


acervo do Departamento devidamente classificado, numerado e ca
taloado. As fichas são completas e discriminam o histórico, as entra
das e saidas, “ stocks” do material de consumo, bem como notação
respectiva de cada artigo, quer permanente, quer de consumo, aléın
das notações específicas de verba orçamentária, item , sua classifica
ção , etc.
Todos os móveis e utensílios (material permanente) como me.
sas, cadeiras, máquinas de escrever, estantes, mimeografo, extinto
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 173

res de incêndio, aparelhos fotográficos, fichários, arquivos, etc. fo


ram numerados e devidamente classificados e catalogados.
O almoxarifado está absolutamente em dia.

XI - EXTINTORES DE INCÊNDIO:

Foram instalados extintores de incêndio em todos os salões de


depósito do acervo do Departamento bem como em todas as sala:
de trabalho, salão de entrada, biblioteca, almoxarifado, galpões do
quintal e corredores. Não obstante serem as instalações de aço, as
sim ficará ainda melhor preservado o valiossimo material que está
sob a guarda do Departamento do Arquivo do Estado .

XII TALÕES DO REGISTRO CIVIL E REGISTRO IMOBI


LIÁRIO :

Com a remoção dos talões que se encontravam no Depósito da


Rua Borges de Figueredo, somam eles a mais de 400.000 . Após as
duas mudanças por que passou o Departamento nestes últimos tem
pos, com a sua quase completa desorganização, muito tempo será
preciso ainda para os colocar em ordem , devidamente classificados
e catalogados. É trabalho penoso e demorado, mas que foi iniciado .

XIII - DOCUMENTOS ANTIGOS :

Neste ano prosseguiu a leitura, interpretação e cópia, para fu


tura divulgação, de documentos históricos, antigos, grande parte dè
les por intermédio dos aparelhos de luz ultra -violeta. Desincumbiu
se desta tarefa a Secção Histórica.

XIV – CLASSIFICAÇÃO E CATALOGAÇÃO DE PAPÉIS DO


ARQUIVO ADMINISTRATIVO :

Neste ano , prosseguiu , também , com intensidade, a classifica


ção e catalogação dos documentos do Arquivo Administrativo .

XV – CONTRIBUIÇÃO DO ARQUIVO À EXPOSIÇÃO HIS


TÓRICA DO PARQUE IBIRAPUERA :

A pedido da Comissão do IV Centenário da Fundação da Cida


de de S. Paulo, o Departamento do Arquivo do Estado selecionou
174 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

e cedeu inúmeros documentos e mapas históricos de São Paulo an


tigo que se encontram na Exposição Histórica do Ibirapuera. São os
seguintes:
Documento relativo à ereção da Vila de Lorena
Documento relativo à ereção da Vila Bela
Livro de Matrícula da Aula de Retórica
Original de uma “ memória ” de Manuel Cardoso de A
breu
Original de carta-régia de D. João VI sôbre a Fábrica
de Ipanema
Requerimento de Feijó pedindo autorização para pas
sar nos registros com um camarada, a caminho do Rio
( 1824 )
Relatório dos Serviços sôbre Chafarizes da Cidade (Ma
ço 54 Doc. 1 )
Livro de Provisões N. 16 .

XVI – CONTRBUIÇÃO DO DEPARTAMENTO DO ARQUIVO


DO ESTADO AOS FESTEJOS DO IV CENTENÁRIO
DE FUNDAÇÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO :

Era intenção do Departamento do Arquivo do Estado, contri


buir de modo direto para os festejos do IV Centenário de Funda
ção da Cidade de S. Paulo. Preparou-se ele para tal fim durante
muito tempo, principalmente no que se refere à confecção de vasto
e inédito material para publicações especializadas de fundo histó
rico da Cidade de São Paulo. Porisso é que a Secção Histórica está
com material pronto para ser impresso referente aos recenseamen
tos da Capital do Século XVIII, perfazendo um total de seis volu
mes ; o historiógrafo do Departamento gastou meses e meses e tem,
em fase final (pois suspendeu a pesquisa e o trabalho quando a ver
ba que era destinada ao Departamento foi transferida para outra ins
tituição) interessantissimo estudo sôbre o desenvolvimento de São
Paulo , com inúmeras ilustrações e fotorafias. É u'a magnifica his
tória da nossa cidade. O nosso historiógrafo trabalhou, imensamen
te, na sua cronologia de nomes os fastos de São Paulo, para ser da
da à publicidade neste ano do seu IV Centenário . O Departamen
to estudou a possibilidade da confecção de dois filmes de curta me
tragem , bem como a instituição de concursos públicos de interesse
da história de São Paulo relacionados com o Arquivo.
Êste, em resumo, o programa delineado pelo Departamento (e
em parte executado ). Para isso contava com a verba de Cr$ 600.000,00
(seicentos mil cruzeiros) destinada a ele pelo Sr. Governador do Es
tado (da verba de trinta milhões de cruzeiros votada pela Câmara
Federal como ajuda do Governo Federal aos festejos do IV Cente
nário de S. Paulo ).
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 175

Infelizmente, às vesperas da data da Fundação de São Paulo,


quando o Departamento ia dar início a ésse programa, o Sr. Go
vernador do Estado houve por bem transferir essa verba para outra
instituição.
Sem essa ajuda de seiscentos mil cruzeiros o Departamento do
Arquivo do Estado não pôde levar avante o seu programa de con
tribuição aos festejos do IV Centenário da Fundação da Cidade de
São Paulo.
Não obstante, o Departamento do Arquivo do Estado contri
buiu para êsses festejos, no setor cultural, cedendo à Comissão do
IV Centenário inúmeros documentos e mapas do seu acervo, que se
encontram na Exposição Histórica do Parque Ibirapuera.
Além disso, o Historiografo do Departamento, Dr. J. Alberto J.
Robbe, pronuncio udiversas conferências históricas, sobre São Pau
lo, patrocinadas pelo Arquivo, em diversos auditórios de Institui
ções Culturais de São Paulo.
Fez -se o que se podia para que o Departamento do Arquivo
não deixasse de participar em data tão auspiciosa e grata a todos
os paulistas e brasileiros.

XVII – ATIVIDADES ESPECÍFICAS DAS SECÇÕES DO DE


PARTAMENTO DO ARQUIVO :

A – 1.3 SECÇÃO ARQUIVO ADMINISTRATIVO :

1 ) – Atribuições:
a) recebimento, da parte de todas as Secretarias
de Estado, de processos, com andamento já so
lucionados e que se destinam a arquivamento
definitivo, o que faz em suas dependências;
b) extração de certidões de contagem de tempo,
de funcionários e professôres, mediante busca
e consulta nos mapas, fôlhas de pagamento ou
de frequência;
c) arquivamento e classificação de todos os talões
canhotos, vindo do Registro Civil e do Regis
tro Geral de Imóveis de todo Estado de São
Paulo .

2) – Movimento de papéis :
Ofícios expedidos 769
Buscas 878
176 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

Informações 80
Requisições 1.427
Papéis fichados 13.291
Papéis classificados 191.713

Total . 208.163

3) Buscas:

Foram em número de 878 as buscas procedidas, a


saber :

por requisição da Secretaria da Educação 392


por requisição da Secção de Certidões 410
por requisição do Departamento de Saúde ... Il
por requisição do Departamento da Educação 7
Diversos 59

Total 878

B – 2.a SECÇÃO – ARQUIVO HISTÓRICO :


1) – Cópia de Documentos :
a) Século XVII -

Inventário de Pedro de Miranda 1648 38 pos


de Domingos Simões 1649 8
de Pedro Fernandes 1649 24
de Pascoal Delgado 1650 – 32
de João Gomes Ca
macho 1650 18
de Domingos Paes
da S.a 1650 14
22 99

de Agostinha Roiz' 1650 20


De Beatriz Roiz .. 1650 26
de Sebastião Soares 1650 20
de Izabel da Cunha 1650 36
de Custodia Fernan 9

des 1650 – 30
de Domingos Alves 1650 - 6
de Francisco B. de 99
Brito 1651 10
99

de Francisco Gil .. 1650 12


de Manoel de Mace
>>

do .. 1650 10
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 177

de Pedro Gonçalves 1650 20

de Felipe Frz 1653 - 16


de Leonardo do
Couto 1653 – 30
de Sebastião Nunes
Camacho 1653 10
de Pedro Dutra Ma
chado 1653 10
de Gabriel Ponce de
Leon - 14
Livro sobre Privilegios da Cru
zada 1646 - 15

b) Século XVIII
Recenseamento da Capital:
Bairro de S. Ana 1778 54 Pgs .
Bairro de N. S. do Ó 1779 – 45
Capital (Maço 5 - Pasta N. 1 ) 49
Bairro de V. S. da Penha e S.
Mignel 1778 47

c ) Cópias de assuntos diversos


Livro N. 6 ( 1.4, 2.4 , 3.a e 4.a) – Estradas 246 pgs .
Documentos Avulsos (Maço 4, pasta 7) 91
Documentos diversos Período Colo
nial – (Maço N. 3, pastas 1 , 2, 11 , 13
Maço 4, pastas N. 1 , 2, 5, 6, 28 e
Livro N. 124 ) 639
>

Cópia do trabalho “ O Forte do Bicho " 18


Cópia do trabalho “ A Queima do Car
tório ” 9
Cópia do trabalho “ Memórias Memora
veis ” 30
>

Maço N. 4 (pasta N. 8) 34
Cópia dos Relatórios do Livro de Ins
trução Pública 1 p8
Catálogo 62 pgs .
99

Livro “ Memórias de Cananéia ” 105

Cópia do Relatório “ Fazenda Modèlo ” 20


Cópia de Documentos (Maço 4 - Pasta
20
178 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

2) – Classificação de Documentos:
Classificação de documentos diversos

T. Império 590 maços


Inventários classificados por ordem cro

nológica 4.477
Classificação de autos cíveis 2

3) - Leitura e Revisão de Documentos e Provas Tipográ


ficas:

Documentos Interessantes 802 Pgs.


Documentos Avulsos 571
Inventários e Testamentos 957

Maço de População da Capital:


Bairros de S. Ana, N. Senhora do Ó, N.
Senhora da Penha, S. Miguel, Pary, 99

Pinheiros e distritos 618

Diversos :
Relatório da Fazenda Modelo 20
Outros Assuntos ... 101

4) – Organização de Documentos:
Para atender aos consulente que no presente exer
cício procuraram esta Seção foram os documen
tos classificados em ordem cronológica e para tal
elaboramos 1.591 fichas.

5) Pesquisas:
Foram feitas diversas pesquisas sobre os seguintes
assuntos :

“Maços da Capital”
“Atos do Governo Provincial”
" Inventários e Testamentos"
" Sesmarias "
" Creações de Vilas "
“ Engenhos de Açucar, Fazenda de Café, Algo
dão , etc. ”
“ Registros de Terras"
" Leis Provinciais ”
“ Professores Públicos e Vatrícula de Professôres”
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 179

Além das pesquisas acima descriminadas podemos


mencionar diversos outros assuntos que formarn
um total bastante elevado de pesquisas sendo que
os consulentes que nos procuraram atingem um to
tal de 569.

6) Catalogação de Documentos:
Inventários Já Publicados
classificados em ordem crono
lógica em N. de 408 ... 1 catálogo 18 pgs.
Inventários - Não Publicados -
classificados por ordem crono
lógica em N. de 1.350 1 catálogo 55 pgs.
7) - Certidões de Terras:
Foram expedidas 105 ( cento e cinco) certidões de
registros paroquiais, somando a importancia total Crs
57.193,10 (cinquenta e sete mil e cento e noventa e
três cruzeiros e dez centavos ).

8) – Serviço de Fotografia:
Encontrando -se o Livro N. 159 – Paróquia do
Brás – em precárias condições e sendo o mesmo de
inestimável valor, nós houvemos por bem fotografá
lo, serviço este feito em nosso laboratório.

Encadernação e Restauração :
Uma das principais funções do Departamento do
Arquivo é a preservação dos, documentos e como
com o decorrer do tempo èsses documentos tendem
à deterioração é de relevante importância os traba
Thos de restauração e encadernação de nossos docu
mentos.

No presente exercício foram :


Restauradas 1.164 páginas
Encadernados 30 volumes

C - 3.a SECÇÃO - EXPEDIENTE E CONTABILIDADE :


1 ) – Serviço de Contabilidade e Expediente:
Notas Orçamentárias 26
Notas de Empenho 33
180 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

Sub -Empenho 12
Requisição de pagamento 35
Atestados de ocupação do prédio 11

Pedido de autorização para empenho de verbas 3.3


Estimativas para C.C.C. 2
Guias de requisição para a C.C.C. 10 .

Coletas de preços para requisição de material


por meio de nota de empenho 126
Pedidos de descongelamento de verbas 6

Balanço do Património do Arquivo 1

Balanço do material de consumo , adquirido em


1953 1
Folhas de frequência 22
Atestados de frequência 50

Guia de Inspeção de saúde 17


Oficios diversos 311

2 ) – Serviço do Pessoal:
a ) Dispensa :
Foram dispensados, a pedido, nos termos do art.
16 letra “ a ” da Lei 1.309 de 29.11.1951 , os fun
cionários extranumerios:
Por ato de 30.5.1954 Célia Marcondes Faria
Escriturário .
Por ato de 5.6.1951 – João Pio Lourenço Ser
vente .
Por ato de 7.12.1954 Alaide Valverde Es
criturário .

b) Admissão :

Foi admitida, nos termos do art. 8.°, parágr??


fo único, da Lei V. 1.309, de 29.11.1951 , como
extranumerário mensalista , dona Ana Sanches,
para exercer as funções de Escriturário , nesti
Departamento, em claro resultante da dispensa
de d. Alaide Valverde, correndo a despesa pela
verba 155-101, do orçamento vigente referencia
2.2.
Todavia, cumpre -me esclarecer que a interes
sada, até a presente data não se apresentou para
assunção do cargo .
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 181

c) Aposentadoria:
Foi aposentado, nos termos do art. 91 da Cons
tituição do Estado, por decreto de 15 de feve
reiro de 1954, o Sr. Antonio Paulino de Almeida,
Paleografo, padrão “ S ” .
d ) Nomeação :
Por decreto de 15.2.1954 , nos termos do art.
10 , item III do decreto N. 12.273 de 28.10.1941, o
Sr. Américo Vendes, para exercer em caráter
efetivo o caro de Paleografo, padrão “ S ” .
Por decreto publicado no Diário Oficial de
9.3.1954 , foi nomeado nos termos do art. 16. itern
III, do Decreto-Lei N. 12.273 , de 28.10.1941,
combinado com o art. 5.º da Lei N. 1.452 de
26.12.1951, para exercer em caráter efetivo, e em
virtude de aprovação em concurso , o cargo da
classe “ G ” da carreita de Escriturário , o Sr. Pli
nio Magalhães da Cunha.

e) Comissionamento :
Foi declarado à disposição deste Departamen
to , nos termos do art. 41 do Decreto -Lei 12.273
de 28.10.1941, a partir de 17.2.1954, até 31.12.5.1,
o Sr. José Aparecido Caruso Netto -- Diretor,
padrão X lotado na Secretaria da Educação
Foi declarada à disposição da Delegacia Re
gional do Ensino de Taubaté, nos termos do art.
41 do Decreto -Lei N. 12.273 de 28.10.41, por
decreto de 16.6.1954, dona Varia Consuelo Lobo
Bela Tupinamba Americano do Brasil, lotada
neste Departamento.

f) Remoção :
Foi removida por decreto de 27.7.1954, nos
termos do art. 71, do Decreto - Lei x 12.273 de
28.10.1941, dona Varia Caetana de Faria Can
gi , Escriturário efetivo classe “ G ” , lotada no Ins
tituto Feminino de Educação “ Padre Anchieta ".

3) Biblioteca :

Conforme Notas Fiscais N.os 34.561 de 25.5.1954,


35.185 / 156 de 5.8.1951 e 0807 /OSOS de 9.9.1951, fo
ram registrados 146 volumes:
182 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

Publicações procedentes de São Paulo e outros Es


tados 49 volumes .
Publicações diversas 123 exemplares.
Revistas diversas 79 exemplares.
4) - Serviço de Protocolo :

Foram protocolados:
Requerimentos e certidões 160
Talões 10.020
Registro de Imóveis 11.525
Óbitos 3.715
Casamentos 1.376
Ofícios 1.525
Processos 6:25
Desquites 537
Atestados 120
Retificações 837
Legitimação 620

5) – Serviço de Expedição de Publicações:


Noções de paleografia 1.770 vols.
Prontuário do Departamento do Arquivo 1.960
Boletim N. 12 1.7830
Inventários e Testamentos N. 37 1.840

6) – Indice de declaração de terras:


Foram fichados e relacionados, por denominação
de localidade e proprietário, os seguintes livros de
registro paroquial:
Municipio N.º antigo N.º atual
Apiai 102
1-
‫ن‬
‫مت‬
‫حتآنعدان‬
:

Araçariguama 36

Arujá 110
Arujá 111
Araraquara 141
Atibaia 112
Bairro Alto 46
Bananal 52
Barreiro 16
Batatais 18
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 183

XVIII ESBOÇO DO PLANO DE TRABALHO PARA 1955 :

A - DESINFECÇÃO , SELEÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E CA


TALOGAÇÃO DA PARTE DO ACERVO QUE SE EN
CONTRAVA DEPOSITADO NA MOÓCA .

Terá prosseguimento a desinfecção, seleção, classifi


cação e catalogação do restante do acervo do Departamen
to que se encontrava depositado no Armazem N.° 3 da Cia.
de Armazens Gerais do Estado de S. Paulo, e que foi
transferido para o prédio do Arquivo, à Rua Dona Antonia
de Queirós. É trabalho demorado, dado o vulto do acervo,
mas será intensificado, à medida do possível, porquanto o
Departamento debate -se com falta de pessoal.
B - ESTANTES DE AÇO .
Apesar da verba orçamentária haver sido muito redu
zida, com referência à aquisição de material permanente,
tòda ela será destinada à compra de estantes de aço para
se poder classificar e arrumar todo o acervo do Departa
mento dos Arquivo; principalmente o que acaba de ser
transferido da Mooca . A verba orçamentária não será su
ficiente para a aquisição das estantes necessárias a tal
fim . Esperamos, porém , que, em suplementação de verbas,
possa o Governo aumentar as importancias destinadas à
compra desse material.

C - PRESERVAÇÃO DO ACERVO .
Prosseguirá, em caráter constante e rotineiro , a lim
peza e desinfecção, bem como a restauração, quando ne
cessário, dos documentos que estão sob a guarda do De
partamento do Arquivo.

D – BIBLIOTECA.

Terá prosseguimento a seleção dos seus volumes, a


fim de ser iniciada sua classificação decimal (Dewey). Co
mo já foi dito, será uma biblioteca especializada de histó
ria, principalmente de São Paulo .

E - VITRINAS PARA EXPOSICIO PERMANENTE DE DO


CUMENTOS HISTÓRICOS .

() Departamento do Arquivo espera inaugurar, final


mente , e mprincipios de 1955, as vitrinas que foram adqui
184 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

ridas, para a exposição permanente de documentos histó


ricos ,e que serão localizadas no salão de Entrada do pré
dio. Deveriam ter sido colocadas neste ano, mas as demo
ras decorrentes da concorrência pública, exigências, aliás
justas, da Comissão Central de Compras, e outras dificul
dades, atrazaram a sua inauguração. Os motivos do atraso.
como se depreende, independeram do Departamento do
Arquivo, que tudo fez para o seu apressamento.

F - PUBLICAÇÕES.
Apezar da verba para publicações, no orçamento do
Estado para 1955, ser bastante reduzida, o Departamento
espera que, por meio de suplementação ou transferència
de verbas, ou outras medidas , o Governo não o desampa
re, facilitando-lhe o prosseguimento de suas publicações,
tão procuradas pelos estudiosos da história .
Com a atual verba orçamentária para 1955 dará o De
partamento publicidade a novos volumes de:
“ Inventários e Testamentos”
“ Documentos Interessantes”
“ Documentos Avulsos ”
“ Boletim do Departamento do Arquivo”
Poderão ainda ser publicados outros livros de interès
se histórico, caso haja verba suficiente .
G - APARELHO DE MICROFOTOGRAFIA .

Como já consta de relatório anterior, o Departamen


to solicitara à Comissão Central de Compras, abertura de
concorrência pública para a aquisição de um aparelho de
microfilmagem , o que foi feito em 1952. No entanto, até
agora, a firma vencedora da concorrência, não conseguiu
autorização para importá -lo, motivo pelo qual ainda não
foi instalado. Talvez em 1955 possamos fazê- lo, o que terá
grande alcance, pois será de inestimável valia aos estudio.
sos que constantemente solicitam ao Departamento copia
de documentos raros .

H - ÍNDICE DE DECLARAÇÃO DE TERRAS.

Iniciado em 1953, continuado em 1954 , será incentiva.


do em 1.955 . Como já foi dito , é trabalho meticuloso , exaus
tivo , exigindo grande atenção dos funcionários que o exe .
cutam ,
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 185

I - DOCUMENTOS ANTIGOS.

A Secção Histórica prosseguirá na seleção, leitura, in


terpretação, cópia e divulgação dos documentos históricos
do Arquivo do Estado.

J – CLASSIFICAÇÃO E CATALOGAÇÃO DE PAPÉIS DO


ARQUIVO ADMINISTRATIVO ,

Terá prosseguimento, também , a classificação e ficha


mento dos papéis do Arquivo Administrativo, além daque
les que chegaram recentemente, transferidos para o Depar
tamento do Arquivo, procedentes da Rua Borges de Figue.
redo.

K - TALÕES DE REGISTRO CIVIL E REGISTRO IMOBI


LIÁRIO .

Somam a mais de 300.000 os talões de registro Civil


e registro Imobiliário que se encontram neste Departa
mento , além daqueles que chegam diariamente de todo o
interior e Capital do Estado. Tão lógo tenha o Departa
mento estantes para os colocar pois por falta delas es
tão empilhados – será iniciada a sua reclassificação, por
intermédio de classificação decimal ideada para esse fim .
Será trabalho bastante demorado.

L CONFERÈNCIAS. EXPOSIÇÕES HISTÓRICAS.


Pretende o Departamento , além das atividades dis
criminadas nos itens anteriores, promover conferências
históricas e exposições em seu salão de Entrada, nas gran
des datas nacionais.

XIX – SUGESTÕES SOBRE O APERFEIÇOAMENTO DOS


SERVIÇOS E DA LEGISLAÇÃO EM VIGOR :

As principais sugestões para o aperfeiçoamento dos


serviços do Departamento do Arquivo do Estado são :

A - REORGANIZAÇÃO DO DEPARTAMENTO .
Já em 1952, por ser a atual organização do Departa
mento , obsoleta, foi proposta a reorganização geral do Do
186 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

partamento do Arquivo, o que foi aceito pelo Governo do


Estado, que a incluiu no seu plano quadrienal.
Posteriormente, o Departamento do Arquivo apre
sentou um ante -projeto de lei que pretende reorganizar
dar nova denominação ao Departamento, além de um mo
derno regulamento . Este ante -projeto está em andamento
junto ao orgão competente do Executivo Estadual. Por ele,
o atual Departamento do Arquivo, passará a ser o verda
deiro Arquivo Geral do Estado.
A reorganização do Departamento é mais do que ne
cessária e urgente. É de interesse público. Sanaria grandes
dificuldades , alem de resolver definitivamente o proble
ma do seu pessoal, que precisa ser aumentado, além de
selecionado técnicamente .
Será justo e interessante qeu este ante -projeto, seja
encaminhado, sem mais demora, à Assembleia Legislativa
do Estado.

B MATERIAL .

O Departamento do Arquivo tem grande e urgente


necessidade de material permanente, sobretudo estantes de
aço, onde se possa colocar todo o acervo do Arquivo que,
por incrível que pareça, ainda permanece, em parte, acu
mulado, empilhado em salas nuas do Departamento. As
verbas para esse fim têm sido insignificantes, dado o vo
luwe das grandes necessidades do Departamento nesse
setor.

C - PESSOAL .

Enquanto não for reorganizado o Departamento do


Arquivo do Estado (item A , anterior) há urgentissima ne
cessidade de se colocar à sua disposição quer por interine
dio de relotações, comissionamentos, contratos de extra
munerários, etc., novos funcionários, coino escriturários, as
sistentes, arquivistas, historiadores, bibliotecário (não há
nenhum no Departamento) contínuos e serventes, além de
técnicos em fotografias e , mais tarde, em microfotografia, a
fim de que os seus serviços possam ser postos em dia.
D ) - LEGISLACIO REFERENTE AOS TALÕES DE REGIS
TRO CIVIL E REGISTRO IMOBILIÍRIO .

Regulamenta este assunto o decreto N. 4.857, de 9


de novembro de 19:39 :
Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955 187

" Art. ° 32 - Ao findar -se o livro, o canhoto será


obrigatoriamente, enviado, dentro de 15 dias às re
partições dos Estados e da União, no Distrito Fede
ral e Território do Acre, encarregadas do arquivo
público, que os colecionará devidamente, com todas
as indicações necessárias, sob pena de multa de
50 $000 a 200 $000 imposta pelo juiz a que estiver
sujeito o oficial, mediante representação do Chefe
da Repartição arquivadora, e cobrável executivamen
te , além da responsabilidade civil ou criminal, que
no caso couber.
Art.° 33 - Dos livros assim arquivados, as re
partições só poderão dar certidões em caso de perda
ou deterioração dos livros originais, facilitando, po
rém , as pesquizas e fornecendo elementos às auto
ridades federais, no que for de interèsse dos servi
ços da União
Art. 34 - Poderão servir ainda para confrontos
em casos de exames periciais, em causa cíveis e cri
minais, e , bem assim , para serviço público, de ca :
ráter gratuito .
Art . ° 35 Os referidos livros, destinados a su
prir a falta dos originais dos registros, serão conser
vados com o máximo cuidado, sob a responsabilida
de dos funcionários encarregados de tal serviço ”.
Este decreto, que é calcado no de N. 18.542, de 24
de dezembro de 1928, procura centralizar, nuna única re
partição, todos os canhotos dos registros dos Estados.
Hoje, em todos os setores da administração estatal,
nós já temos larga experiència das desvantagens da cen
tralização excessiva, os males que ela causa , a par de in
significantes, quando mesmo quase nulos, benefícios que
traz .

Modernamente, em todos os países lo globo, procura


se descentralizar ao máximo os trabalhos burocráticos. A
companhando esta tendència de racionalização do traba
lho, o Departamento do Arquivo sugere u'a modificação
no decreto V. 4.857, para que os canhotos sejam arquiva
dos nas Prefeituras locais e não mais enviados aos Arqui
vos Públicos das Capitais dos Estados.
Tal medida garantirá plenamente os objetivos desse
decreto, quanto à guarda e preservação dos canhotos para
os fins discriminados nos artigos 32, 33, 34 e 35, a par ds
trazer grandes benefícios aos próprios interessados, se ar
188 Relatório do ano de 1954 e seu programa para 1955

quivados nas Prefeituras locais, ao lado, portanto dos car


torios de registros.
Pretende o Departamento do Arquivo do Estado
apresentar esta sugestão aos poderes competentes, por ser
medida de interesse geral .

São Paulo, 3 de janeiro de 1954 .

José Soaros de Souza


Diretor
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA
J. ALBERTO J. ROBBE
Não existindo matrizes linotípicas das le
tras e i ue q com til ( ~ ), que por vezes
aparecem nos documentos antigos, foram su
bstituídas porê, í, ú e q' devendo -se ler: em ,
im , um e que (ou quem ). Pela mesma razão
deixa de figurar o til acima de i, r e z, nas
abreviaturas: Roig, Frze Glz (Rodrigues ,
Fernandes e Gonçalves).
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA
J. Alberto J. Robbe

Publicamos agora só uma pequena parte


deste trabalho, que abrange inúmeros fatos
respigados, não só nas Atas da Câmara da
antiga vila de S. André da Borda do Campo
e nas Atas e no Registo Geral da Câmara de
S. Paulo, como também nos testamentos e
inventários antigos e em outros documentos,
consultados durante anos. A continuação da
série dependerá do espaço disponível nos pró
ximos Boletins, sem prejuízo de publicações
de maior importância.
1.

Da ata da Câmara da vila de Santo André da Borda do Cam


po ( 1) de 22 de Julho de 1555, a mais antiga das que chegaram até
nós (2), consta que o almotacé, João Pires, o Gago, disse aos ofi

1 ) — 1. Por ocasião de sua visita à Capitania de S. Vicente, em 1553 , ordenou


o 1.º governador geral do Brasil, Toméde Sousa, que a povoação da “ Borda do
Campo” fósse elevada à categoria de vila , conforme se vệ do tópico seguinte de
uma carta que , de volta à Bahia , endereçou a D. João III em 1.9 de Junho do
mesmo ano :

" e hordeney outra villa no começo do campo desta villa de S. Vicente


de moradores que estavão espalhados por elle e os fiz cerquar a ayuntar pera se
poderem aproveitar todas as povoações deste campo e se chama a villa de Santo
Andre porque honde a cituey est vi húa erinida deste apostollo ." ( Conf. Historia
da Colonização Portuguêsa do Brasil , vol. 3.9, p . 365 , 2.& col . ) .
II. A ordem do governador geral foi cumprida pelo capitão- mor Antônio
de Oliveira, que, acompanhado por Brás Cubas, então provedor da fazenda real,
levantou o pelourinho em Santo André no dia 8 de Abril de 1553 , e não no dia
8 de Setembro , como escreveram alguns historiadores . V. nosso opúsculo “ A data
da fundação da vila de S. André da Borda do Campo " , publicado em 1953 pelo
Departamento do Arquivo .
III. Cumpre declarar que, em consequência de uma inversão que nos pas
sou despercebida, o historiador Aureliano Leite figura, no citado trabalho ( n . 1
in fine, p . 6 ) , como tendo apontado a data de 8 de Abril ( de 1553 ) , quando a ver
dade é que , nas obras ali mencionadas ( em nota 6 ) , indicou o dia 8 de Setembro .
Últimamente, porém , na reedição monumental da História da Civilização Paulista
(Livra Saraiva , S. Paulo , 1954 ) , pág . 28. corriţiu o engano.
2) - Das atas da Câmara da antiga vila de S. André só existem as de 12 de
Julho de 1555 a 31 de Março de 1558. Foram publicadas pela Prefeitura Municipal
de S. Paulo em 1914 .
192 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

ciais da Câmara (3) “ q' a ele lhe era ora vindo a sua noticia q' se
havião feito hú ou dous autos dele de que ele andava seguro”.
Por isso, como também por não faltarem mais de oito dias para
o fim do prazo durante o qual devia servir, pedira demissão
(“largava a vara em dita camara”) e os camaristas tinham aceito :)
pedido. Havia , porém , alguma cousa mais, além daquele ou daque
les autos de que ele andava seguro ”. O juiz, Paulo de Proença, que
aguardava a primeira ocasião para segurá -lo também , declarou que
o condenava em 500 réis, “por não mãodar halimpar os mõturos
e ter servido hú mes antes de terem feito os autos dele ”. João Pires
gaguejou: “andara homeseado”. Mas o juiz não aceitou a desculpa,
e “ouve por codenado ao dito João pires q' serve nesta dalmotasel
mais quinhêtos reis cõforme as ordenações del Rei noso sñr por
asino dito têpo a dita vara trazer e não mãdar halimpar os mõtu
ros” (4) .
2

Simão Jorge, que, em 1.º de Janeiro de 1556, fòra nomea


do pelo capitão -mor e ouvidor da Capitania de S. Vicente, Brás
Cubus, para substituir o escrivão da Càmara de S. André, Gaspar
Nogueira (5), teve, logo no dia 12 de Fevereiro, uma surprès.?
che sagradável. ( ) procurador do Concelho, Gonçalo Fernandes, pe
diu que se despachasse um requerimento ao capitão -mor, para que
nomcasse ontro serventuário, pelos seguintes motivos, que o próprio
Simão Jorge teve que deixar exarados na ata : – “ por quâto achou o
precurador do cõselho gră cargo de cociệcia servylo (o cargo ) eu
simão jorge por quãto não no êtemdo nê sei dar despacho ás partes
ao q ' sua alteza mãda e por q' perese a justisa das partes” (6).
( ) escrivão apontado como incompetente continuou a exercer
( ) cargo até 29 de Fevereiro (7). Depois dèste dia, 'os camaris
ta » só se reuniram de novo a 22 de Agosto, sendo a sessão presidida
pelo capitão -mor e ouvidor Jorge Ferreira, que dera a honra de sua
visita ao vilarejo do planalto, levando consigo o tabelião da vila
d . Santos, Vasco Pires da Vota, que durante a visita serviu de escri
vão da Câmara de S. André (8).

3) - Os oficiais da Câmara eram : o juiz ordinário, o vereador e o procurador


do Concelho .
João Pires , o Gago , ao qual se refere O texto , fòra juiz ordinário no
primeiro ano de existência da vila ( 1553 ) . Conf . Pedro Taques de Almeida Pais
Leme. Nobiliarchia Paulistana , 2.a edição , tomo 2.0 ( na Rev. do Inst. Hist. de S.
Paulo , vol . 39.0 ) , p . 10, e 3.a ed . ( Livr.a Martins , S. Paulo ) , tomo II, p. 72 .
Atas da Câmara da vila de S. André , p . 11 ,
5) O alvará de nomeação de Simão Jorge foi transcrito no livro de ve.
reanças. V. Atas cit . , p . 31-32 .
6) Atas , p . 38 in fine 39 .

7) Conf . ibidem , p . 39-40 .


8) Ibidem , p . 40 in fine 41 .
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 193

Naquele dia de Agosto, Jorge Ferreira nomeou a Diogo Fer


nandes para os ofícios de tabelião da vila e de escrivão da Câmara ,
declarando “ não aver outro homê mais auto (apto) e soficiête på iso
q' ele por ser casado” (9).
Na ata de 29 do mesmo mês, o novo serventuário fez constar
que nos meses anteriores " se não fizera camara' - “ por minguoa des
crivão ( 10).
Simão Jorge, que, como escrivão, não sabia atender às partes a
deixava perecer a " justisa” (na opinião do procurador Gonçalo Fer
nandes ), foi, na mesma data, nomeado almotacé ( 11 ), e em 1557
exerceu o cargo de juiz ordinário (12).

Os procuradores dos Concelhos não só zelavam dos interesses das


Càmaras, como representavam o povo junto aos demais camaristas.
Certa vez, o procurador Gonçalo Fernandes , já nosso conhecido, pe
diu modificação de " húa postura sobre as vaquas e porquos q não
amdasem apastorados”, pois “ os oficiaes pasados”, que a tinham bai
xado, haviam cominado , para as transgressões, a pena de “ hú tostā.
p ' cada cabeça” de gado. Por “ ser a pena grăde e o povo se a quey ,
xar diso ", requeria " q' abaixasem a dita pena e posesê (outra ) q
fose onesta på se poder elevar porquato os moradores desta vila são
proves”. Os ortros edis resolveram : “ q' lhes paresia bem por cada
cabesa de vaqua q fose achada fazêdo dano nas rosas (roças) paga
se mº (meio) tostão e outrosí por cada cabesa de porquo pagase hú
vítem ” ( 13 ) .

Anteriormente, a 22 de Janeiro de 1556, realizara- se na Câmara


andréense uma reunião para a qual foram chamados João Ramalho ,
" capitão e allcaide mor deste campo” ( 14), Garcia Roiz, Gaspar No
gueira ( o ex -escrivão ), Baltazar Nunes e outros mais do povo”, a fim
de se tratar da elevação do preço do alqueire de farinha, pois “ a dita
9) Atas, p . 43 .
10 ) Ibidem , p . 45 .
11) , – Pág . citada .
12 ) Conf. Atas , p . 58-68 .
13 ) Atas da Câmara de S. André, p . 39 in fine 40 .

14 ) João Ramalho , que exercera o cargo de guarda -mor do chamado " Cam
po " de cima da serra antes da criação da vilaa de S. André ( Fr. Gaspar da Madre de
Deus, Memorias para a historia da Capitani de S. Vicente, livro I , § 158 in fine ) ,
foi nomeado capitão da vila por Tomé de Sousa , conforme declara êste na citada
sa
carta de 1.0 de Junho de 1553 ( Conf . História da Colonização Portuguê do Brasil,
vol . 3.9 , p . 365 , 2. & col . ) .
No livro de vereanças de S. André e em documentos nele transcritos. João
Ramalho é designado coino : capitão e alcaide-mor do campo ; alcaide e guarda
mor; alcaide-inor e guarda do campo ; capitão e alcaide-mor e guarda do campo ;
capitão e guarda -mor ( Conf . Atas p . 30 in fine , 37 , 42, 57 , 58 e 65 ) .
Também foi vereador em 1557 ( V. ibidem , p . 58-68 ) e voltou a servir em 1558,
11a ausência do vereador eleito , Álvaro Anes (V. p. 72-74 ) .
194 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

medida era muito grăde e se aqueixava todo este povo de tamanha


medida e tam pouquo preso como era hú tostão”. Resolveu -se por
unanimidade que o preço do alqueire de farinha passasse a ser de
6 vintens ( 15). Bons tempos..
5 -
Se os andréenses eram " proves ”, também não era das melhores
a situação financeira da edilidade. Aliás, os camaristas não faziam
mistério disso .
Ao concederem uma data de “ chãos ” a Baltazar Nunes, decla
ravam :

“ V.tº ésta petisão do sopricâte e o q nela pede ser justo e o co


selho ser pobre e não ter q' gastar de q he nesesario aver dos, dito:
chãos algúa paga”... Fixaram a “ paga ” em 2 tostões ( 16).
No dia 26 de junho de 1557, o procurador, Francisco Pires. pe
diu aos colegas “ que suas mercès mãodasem por no pellourinho allgo.
la e sepo como em as vyllas e sydades se costuma”. A resposta foi
que "ho prezête não tynha o coselho dinheiro e era prove e ho não
podyão fazer“ ( 17).
6
Ao contrário do que se sucederia à Câmara da vila de S. Paulo.
que durante longos anos se veria a braços com o grave problema da
casa própria , a de S. André possuía a “ casa do concelho ”, que, uma
ou outra vez, o escrivão Diogo Fernandes designava, com louvável
otimismo, como “o paço ” (ou os “paços”) do Concelho ( 18).
A conservação do modestíssimoedifício não seria muito dispen
diosa . Consta que importaram em 3 tostões as despesas com o " ca
regymº da caza do cõselho ” e um fêcho para a respectiva porta (19).
O mobiliário não devia ser propriamente luxuoso. A Câmara de
1555 encomendara a “bastião roiz" dois bancos (“ does bamquos
(20), para maior comodidade dos senhores edis, ou , talvez, para o
reduzido público que viesse assistir às vereanças, numa época em
que ainda não existiam as atrações dos violentos e virulentos deba
tes políticos e das comovedoras cenas de pugilato entre os repre
sentantes do povo.
7
O procurador do Concelho também geria o tesouro municipal.
Cobrava foros, multas, etc., efetuava compras e pagava dívidas, o
25 ) Atas, p . 30 in fine 31 .

16 ) Atas da Câmara de S. André, p . 33 .


17 ) Ibidem, p . 64 .
18 ) Atas, p . 45, 66 in fine e 71 .
19 ) Ibidem, p . 51 in fine.
20 ) Ibidem , p . 15 .
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 195

que raramente era necessário . Além dos mencionados 3 tostões re


lativos à casa da Câmara, aludem as atas às despesas de: 500 réis, pa
gos a Bastião Roiz pelos tais “bamquos” e por uns cepos destinados
ao pelourinho (21 ); – 2 tostões gastos pelo procurador Gonçalo Fer
nandes na compra de “ húa mão de papel q lhe os oficiaes mãdarão
mercar pa esta camara por ser nesesario (22); outros 2 tostões,
preço de “ hú mº : (meio) allqueyre” que o referido procurador com
prara em Santos e “qera afilado (aferido) pola midida de samtos”
(23); – mil réis , pagos, por ordem do capitão e ouvidor Jorge Fer
reira, ao tabelião de Santos (24), que, segundo vimos, com ele vie
ra para servir até a nomeação e posse de outro escrivão para a Cà
mara andréense, em lugar de Simão Jorge (25 ).
8
Havia também os vencimentos dos funcionários locais. Não
eram fabulosos.
No dia 22 de julho de 1555 , Francisco Alves reclamou o paga
mento do que lhe deviam do “ tèpo q tinha servido e ho p' servir
como Juiz ”. Aquele “ tèpo era de um ano, e Francisco tinha di
reito a receber 2 cruzados (800 réis), mas só lhe foram pagos 300
réis, pois incorrera em multas no total de 500 réis (26).
Na vereança de 12 de Setembro de 1556, os camaristas ajus
taram com o alcaide, Baltazar Nunes, que fazia as vezes de portei
ro, pagar -lhe um cruzado, devendo èle servir até Janeiro do ano se
guinte (27)
João Galego, seu sucessor no cargo de porteiro, foi contratado
pela importància anual de mil réis (28).
No dia 3 de Novembro de 1555, o escrivão da Câmara, Gaspar
Nogueira, pediu acèrto de contas. Verificou -se que, pelo que escre
vera no “ livro velho ”, isto é, no livro das atas anteriores a 22 de Ju
lho daquele ano (29), e em vários papéis, fizera jus à quantia de
mil , cento e sessenta réis, dos quais já recebera oitocentos réis (30 ).

21 ) - Pág. citada .

22 ) Atas, p . 39 .

23 ) Ibidem .

24 ) Atas, p . 46 .
25 ) Conf . n . 2 supra .

26 ) Atas da Câmara de S. André , p . 12 .


27 ) Ibidem , p . 50 .
28 ) Ibidem , p . 62 .
29) Ésse livro perdeu -se . V. supra , nota 2.
30 ) Atas, p . 22 .
196 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

Não consta pagamento algum ao escrivão Simão Jorge, que pou


co tempo serviu (31) .
Quanto ao seu sucessor, Diogo Fernandes, que exerceu o car
go a partir de 29 de Agosto de 1556, lè- se na ata de 17 de Dezembro
de 1557 que, por ocasião da prestação de contas de um procurador
a importància de 700 réis, entregue por éste, foi imediatamente dada
ao escrivão (32), que devia estar esperando pacientemente.
9
A ata da prestação de contas a que acabamos de nos referir
pode servir de amostra da grafia exótica e do estilo confuso dos escri
väes de antanho :
“ E llogo no dyto dva e mes e era asyma escryto tomarão cot.
ao percurador do cõselho velho do ano paçado (33) pollas ady.
sões atras paçadas e não se acharão mays que Setesemtos rs hos
quaes ho deu e pagou ao escryvão Dyogo frz E os ofvsvaes ho ;
ouverão por descaregados ao dyto go frz percurador que foy ho
ano pacado e ho asynarão todos aquy Eu Dyogo frz escryvão da
camara ho escrevy e asym se hou ve ho dyto percurador fr " pyz
huas ballāoças de pau có hú pezo de fero de quatro arates e hús
taypays co seus aparelhos aquelles que se acharão e dyto se ouve
pemtregue ho dyto frm pvres quáto ao dynhevro se deo ao dyto
escryvão como dito tenho eu sobredyto q* ho escrevy pollos dyto;
ofvsvaes màodarão llevar em cota como dvto tenho Eu sobre
s ofysyaes ho asv dyto que ho escrevy e os dytos ho narão aquy” (34).
Parece que Diogo Fernandes votava ódio ao pequenino e hu
milde i , que ali não figura uma vez sequer, nem mesmo nas marte
ladas dos ditos", " dvtos" e sobredvtos".
10
No ano de 1556 apareceu na vila de Santo André da Borda
do Campo um cidadão chamado Manuel Ribeiro, que gostou tan
to do lugarejo, que resolveu ali habitar definitivamente. Faltava
lhe apenas (ou entendeu que lhe faltava) a autorização dos edis. So
dia 7 de Novembro , compareceu à Càmara, em plena vereança, e
pediu " q' o asemtasem piim ." (por morador) nesta dyta vylla ”, de
clarando que nella tynha caza e roças e vacas e molher" (35).
Não se admire o leitor, e não julgue logo que Manuel Ribeir )
fizesse pouco caso da consorte. Às vezes, tudo depende do ponto
de vista . Reflitamos un pouco . È le era casado e pretendia fixar
31 ) Conf . supra n . 2 .
32 ) Atas, p . 68 .
33 ) Gonçalo Fernandes , como se vé adiante ( " gº frz " ) .
Atas, p . 68 .
35 ) Atas , p . 52
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 197

se naquelas paragens. Que devia fazer? Evidentemente, em pri


meiro lugar, arranjar casa e um pedacinho de terra cultivável. Em
seguida, umas vacas leiteiras . Eram essas, realmente, as cousas es
senciais que ele devia possuir, para obter a desejada inscrição como
habitante. E se o Manuel não tivesse casa, roças e aquelas vaqui
nhas, como poderia dar à cara metade, já não diremos o conforto de
que hoje gozamos na Paulicéia, apesar das crises, mas um bem -esta :
proporcionado às possibilidades do lugarejo solitário e primitivo ? Co
mo se vè, as suas declarações à municipalidade se encadeavam na
mais perfeita lógica...
11 -
Menos felizes do que os camaristas de S. André da Borda che )
Campo, os da vila de S. Paulo (36) tiveram que realizar as suas reu
niões, durante longo tempo, na residència de um cèles (37), pois
não havia casa da Câmara (38). De sua construção não falam ai
atas anteriores a 21 de Março de 1575, data em que os edis man
daram notificar a Álvaro Anes para que, até o dia 15 de Abril, aca
basse de construir a casa do Concelho (39), a qual também devia
servir de cadeia .

Mas, a 3 de Julho, a construção ainda não fòra concluida. “ A


caza da cadea e do coselho estava feita de taipas e as paredes aca
badas e a armasam de riba ” . Faltava a cobertura. Álvaro Anes
obrigou -se “ a ripar a dita casa de ripa de isara e a cobrir de sa
pee " (40).
No més seguinte, os camaristas ajustaram com Salvador Pires
e seu genro Gonçalo Pires as obras seguintes: uma porta para se
pôr “na banda da rua ”, outra porta para “ a casa do meio ", que ser
viria de cadeia, uma grade para esta segunda porta “ e mais húa
seda pri o juiz estar asentado cõ sua mesa q' sera de trez pallmos

36 ) As atas da Câmara paulistana começaram a ser publicadas pela


Prefeitura Municipal em 1914 . A coleção compreende atualmente 72 volumes ( até
o ano de 1886 ) .

A ata mais antiga é a de 1.0 de Janeiro de 1562. Perderam -se, portanto , as de


1560 ( ano em que a povoação foi elevada a vila ) e 1561. Há outras falhas, princi
palmente no período quinhentista .
II . Da citada ata de 1.0 de Janeiro de 1562. infere - se que até o ano ante .
rior os oficiais da Câmara eram : um juiz ordinário , um vereador e o procurador
.do Concelho . Daquele dia em diante , porém , a Câmara passou a ter dois verea
doras ( Conf . Atas , vol. 1.º , p . 11-54 ) . A partir do ano de 1573 houve também dois
juízes ordinários ( V. ibidem , p . 57 ) .
37 ) - V. Atas da Câmara da vila de S. Paulo , vol. 1.0 , p . 11 a 15 , 17 , 21 , 22 ,
24 a 26 , 27 in fine , 33 , 34 , 37 , 38 , 39 , 41 , 42 , 50, 51 in fine , 52 , 51 , 57 , 58 , 65 e 66
in fine. Nos dias 15 de Julho e 28 de Agosto de 1563, os oficiais da Câmara fizeram
vereança à porta da casa do vereador Garcia Rodrigues ( V. ibidem , p . 27 e 28 ) .

38 ) Esta circunstância é expressamente mencionada em algumas atas


( Conf. Atas, vol. 1.9, p . 11 in fine , 12 , 13 , 16 , 25 , 38 , 41 e 58 ) .
39 ) Atas da Câmara de S. Paulo , vol . 1.9 , p . 68 .
40 ) Vol . 1.0 cit . , p . 75 in fine 76 .
198 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

e meio de cóprido dous de llarguo co seus asentos de húa banda


e da outra pra o escrivão e meirinho e co degrau abaixo è q' o juiz
tenha os pes e mais outra mesa pr escrever o escrivão q' sera di
dous pallmos de coprido e tres de llarguo co dous banquos q sera
cada húo de seis palmos” (41).
A 22 de Outubro , Álvaro Anes veio à presença dos edis e. de
clarando ter concluído a obra de cobertura, pediu o pagamento.
'Mas os camaristas, cautelosos, mandaram ver se a casa estava de
receber”. Verificou -se que "avia de mister q se lhe posesè duas
careiras de sape pellas beiras húa careira p' cada banda e é sima
da banda de debaixo do soutro outra careira p' estar o sape llarguo
e chover na dita casa ”, e que “ feito isto a dita casa estava de rece
ber " (42 )

Faltavam também as obras contratadas por Salvador e Gonçalo


Pires , que no mesmo dia foram intimados a terminá -las (43).
12
No resto do ano de 1575, os edis não tiveram outro remédio se
não continuarem a reunir -se “ nas pousadas” do vereador Antonio
Cubas (44 ).
( ) empreiteiro Álvaro Anes foi novamente notificado, a S de Ja
neiro de 1976 , para concluir a obra dentro de :3 dias, sob pena de
multa de 500 réis, “ p" coanto estava chovodo na dita casa ” (45).
A verdade é que não concluiu nem em 3 dias, nem em 3 se
manas, nem em 3 meses. Os camaristas do ano de 1576 fizeram ve
reanças na casa do vereador Lopo Dias (46), até que, enfim , aos
14 de Abril – data para sempre memerável – tiveram a satisfação
de se encontrarem “ nas cazas do conselho ” 17), junto à mesa de
3 palmos e meio de comprido e 2 de largo , sob a presidencia do juiz,
acomodado na sua “ seda ” e com os respeitáveis pés repousados no
degran abaixo ". E o escrivão teve a sua mesinha. Supomos, est.
visto , que os Pires crumpriram o ajuste (embora um pouco tarde), pelo
menos em relação ao mobiliário .
13
Correu aquele ano, sem que as sessões deivassem de se realizar
na casa da Cámara (48). Isto, porém , não quer dizer que ela esti
41 ) – Ibidem , p . 76 e 79 .
12 ) · Pag. 81
13 ) Pág . 85 in fine .
Atas da Câmara de S. Paulo , vol. 1.9 , p . 85 a 87 e 91 .
45 ) Ibidem , p . 87 in fine e 88 .
46 ) Ibidem , p. 92 , 93 e 94 .
Pág . 95 .
48 ) Conf. Atas , vol. 1.9 , p . 96 , 98 , 100, 101, 102 in fine, 103 in fine , 104 , 107 ,
108 e 109 .
1

CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 199

vesse sempre em ótimas condições, pois da ata de 28 de Outubro


consta que os cidadãos Jorge Moreira, Simão Jorge, Pedro Dias, Sal
vador Pires e seu genro Paulo Roiz, que não nham contribuído para
o conserto de uma ponte (49), e mais o empreiteiro Álvaro Anes,
foram notificados para mandarem “cõsertar e rebocar e caiar a casa
do cõselho" (50 ).

Da ata de 13 de Janeiro de 1577, a única deste ano que chegou


até nós, vê-se que a vereança se realizou naquela casa (51 ).
Ali também se reuniram os camaristas do ano de 1578, no pe
ríodo de 19 de Julho a 27 de Setembro (52). Note - se, porém , que
na primeira dessas datas a Câmara ordenou que os moradores da
vila mandassem trazer feixes de sapé, a fim de ser coberta a casa
do Concelho (53).
A 28 de Setembro houve uma reunião dos edis e do povo em
local não declarado (54).
Lè-se depois no livro de atas:
“ Haos honze dias doutubro de mill e quinhentos e setenta e
hoito anos na dita vila nas digo na caza do cõselho forão jutos hos
ofisiaes abaixo asinados p ' fazerem camara e na dita camara e pas
to (sic!) q' digo na caza do cõselho não se fez na dita caza p ' estar
ai hú prezo e os ofesiaes fazerão camara è caza de sallavador pires
vereador ” (55 ).
A redação abstrusa nos faz desconfiar que o escrivão (João Fer
nandes) não estava satisfeito . E tinha toda a razão .

Por causa daquele preso (ou de outro ), as duas reuniões seguin .


tes (29 de Novembro e 6 de Dezembro ), que foram as últimas do
ano , se efetuaram na residencia de Jorge Moreira , vereador (56 ).
E nela também a primeira vereança de 1579, no dia 3 de Janeiro
(57). Desta vez não se declara o motivo, mas compreende-se bem .

49 ) Nos tempos antigos , certas obras de utilidade geral eram feitas em


comum pelos moradores, ou por escravos e prepostos seus.
50 ) Atas da Câmara de S. Paulo , vol . 1.º, p . 107 .
51 ) Vol . cit . , p . 113 .

52 ) Conf . ibidem , p . 117 , 120 in fine , 122 e 123 .


53 ) Ibiden , p . 118

54 ) Pág . 124 .
55 ) Pág . 125 .
56 ) Págs . 125 e 126 .
57 ) Pág . 133 .
200 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

rarece que, dias depois, o preso foi solto (ou fugiu ), porquanto
aos 19 do mesmo mès os edis puderam reunir-se na casa da Càma
ra (58).
14
Porque seria que a simples presença de um prisioneiro obrigas
se os representantes do povo a desocupar o edificio cuja construção
devia ter sido sabiamente delineada e mais sabiamente executada ?
Na ata da supracitada vereança de 29 de Novembro de 1578, o escri
vão declaraya que a casa do Concelho era “pequena” e nela havia
um prèso (59).
O ser pequena a casa não seria motivo suficiente. Devia ha
ver dois ou mais compartimentos, de modo que o preso ou os presos
não perturbassem o andamento dos trabalhos edílicos ... Pois a ver
dade é que não havia paredes internas, tabiques ou divisões seme
· Ihantes: a casa era “ toda húa ”, conforme se lè na ata de 24 ("vinte
catro") de Janeiro de 1579, dia em que os representantes do povo fo
ram reunir -se “em as pouzadas do vreador amtº preto”, porque aque
la casa estava (mais uma vez !) “ocupada com hú prezo” (60 ).
E não foi esta a última vez... Vas deixemos para outra ocasião
o resto da história , que é longa, da encantada casa do Concelho.
1.5 -

Se, durante largo período, os edis paulistanos só podiam perma


necer na chamada " casa do Concelho” quando nela não houvesse
prèso algum , teria ela, ao menos, as devidas condições e o necessá
rio aparelhamento para servir de cadeia ? Nem isso.
Exatamente naquela vereança de 24 de Janeiro de 1579, un do:
juízes ordinários, Antônio Bicudo (ou “ becudo ”, como está escrito .
pedia aos outros camaristas que lhe dessem um “ casereiro” (isto é.
um carcereiro ), bem como “ feros e prizois”, “ cadeados e fechaduras”
“ por quanto os não avia nem fero nhenhú ”, e por isso èle “ não fasiit
seu oficio como era obrigado ”. Os colegas responderam não cons
tar que seu regimento os obrigasse a isso , mas que pediriam provi
dencias ao capitão -mor (61).
Antonio Bicudo não se satisfez com a resposta. A pedido seu ,
o escrivão certificou minuciosamente as reclamações do juiz e as suas
alegações, entre as quais se lè que “ se prendese húa pesoa não tinha
a q' emtreguar nem feros q' lhe botar nem chaves para fechar as
portas" ! (62).

58 ) Pág. 134 ,
59 ) Atas , vol . 1.º, p . 125 .
60 ) Vol . cit . , p . 135 .
61 ) Pág. 135 cit .
62 ) Págs . 137 e 138.
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 201

De posse dèsse documento, o juiz endereçou ao ouvidor da Ca


pitania uma longa exposição das dificuldades com que lutava. Em
resumo: indivíduos que deviam estar na “ quadea ” perinaneciam li
vres, perambulando à vontade pela vila; e isso por falta de “quase
reiro”, ferros e “ quadeados” (63).
O ouvidor, Diogo Gonçalves (“ Dº Glz ”) Costa, despachou:
“ V.tº a peticão do juiz da vila de são paulo e o q nela requere
ser justo mando aos vreadores da dita vila.q' se ajuntè è camara e
obrigè hú omè q sirva de caseiro e tenha cuidado da cadea ou o
alcaide q ' tè o q. sera com pena q' lhes a isto poem e tanto q 'for
feito se darão os feros os quais tenho èformasão ' q' os të jorge mo
reira e (em) sua casa dous ou tres pares de grilhões e con eles se
podera servir ate que venha mais” (64 ).
" Até que venha mais ” ... de onde ? e por que milagre ? E as
fechaduras? E os “ quadeados”. Também viriam depois ...
16 -
Obrigar alguém a servir de carcereiro não era fácil. Ainda se
a situação fòsse outra ...
A 9 de Maio do mesmo ano, os camaristas “ouveram por opri
gado bras frz zenro (genro) q' foi de alvoro anes que servise de ca
sereiro desta vila ” (65). Da ata de 17 de Vaio consta que Brás
Fernandes não apareceu e que por isso os oficiais designaram para
exercer o cargo a Pedro Domingues, o qual prestou logo juramento
e recebeu “ hú tromco de páo girilam (e um grilhão) pera servico da
cadea ” (66). Só isto ...
17
Daí, por diante, nenhuma referència encontramos no livro de
atas à situação da cadeia , até o dia 12 de Novembro de 1553 , dati
de uma carta em que os edis paulistanos diziam ao capitão -mor, J.
rônimo Leitão: “ vosa merce sera sabedor como p " (Pedro) dias ho
coxo matou qua hum frade a punhaladas e o tem a justica preso
e como he hú quazo rixo a mister prizois e quasereiro porque esta
quadea não tem nada diso ” ... “portanto nos lhe requeremos como
vreadores desta vila da parte de sua majestade que māde dar a est :
vila as prizois nesesarias porquāto não ha cõ que quastigar os mal
feitores ” (67 ).
O próprio edificio da cadeia (que aliás também devia ser, mas
realmente não era , a “ casa do Concelho ”) estava em péssimas condi

63 ) Págs . 138 e 139 .


64 ) Pág . 139 in fine .
65 ) Atas , vol . 1.9 . p . 144 .
66 ) Vol . cit . , p . 144 in fine 145 .
67 ) Atas, vol . 1.9 , p . 223 in fine .
202 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

ções, conforme se vê do têrno seguinte, lavrado no penultimo dia


daquele ano (68):
... " fui eu escrivão da camara com hos hofisiais comvem a sil
ber baltezar roiz e paulo roiz vreadores a ver a quadea e a cobertura
dela como quaira e achamos que quaira a cobertura por a cumieira
estar podre e comida toda do bicho e quarumcho da qual eu escrivão
dei minha fe estar de maneira asima dita e os ditos hotisiais por
as paredes não quaisem as mādarão cobrir de palha por ho comse:
lho desta vila ser prove e não ter dinheiro pir mādarem comsertar
a dita quadea ” (69 ).
18
Parece que não cessaram as aperturas do cofre municipal. por
quanto, cerca de um ano e meio depois, foi necessário prender na
“ loja ” da casa de Francisco Pires o marinheiro Pedro Fernandes, “ por
q' não avia cadea nê onde o apresionar”. Aconteceu, porém , que o
prèso fugin pouco depois. Consequentemente, os dignos edis pau
listados foram , incorporados, à residència do proprietário e lhe par
iciparam que "ficava a dita casa despejada q elles officiaes de oje
por diante lhe largavão a dita sua casa e lha avião por livertada pery
q' não servise mays de cadea” ... “ e elle posa fechalla e fazer della
o q' quizer” (70 ).
Os anos foram correndo ...
30 de Janeiro de 15SS, o juiz ordinário João do Prado recla
mava ferros para a cadeia, “ porque a mingoa de feros não podia ben
fazer nè castiguar a que o mereça ”. Os colegas da Câmara, não po
dendo atender ao pedido, foram às “pousadas do snor capitão” e so
licitaram as devidas providencias. () representante do donatário
limitou -se a responder que não tinha feros nè se podião fazer”! (71).
Paremos aqni, por ora, e tratemos do carcereiro .
19 -
Dadas as condições da cadeia , é de crer que, muitas vezes , a
Càmara deixasse de preencher o cargo , inútil ou quase inútil. rea
lizando assim , em compensação , uma pequena economia... Wao.
em 16:20 (no dia 22 de Agosto), prestou juramento, para servir de
carcereiro, um cidadão designado pelo nome de José Pranta (72).
Dias depois, o ouvidor geral, Amancio Rebelo Coelho, deter
minava, além de outros provimentos, que o carcereiro tivesse “hú
Passado o dia
[ 8 ) – E não no ano de 1584 , como se lê no começo do têrmo .
de Natal, era costume designar - se o ano seguinte ,
69 ) Atas, vol. 1.9 , p . 225 in fine 226 .

70 ) Atas , vol. 1.0 , p . 271 .


71 ) Vol. cit . , p . 344 .
72 ) Atas da Câmara de S. Paulo , vol. 2.0 , p . 441 .
1

CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 203

livro anumerado na forma da ordenação pa descarga dos prezos que


lhe intregarê e que os officiais que prenderem os prezos lhe fação
auto de prisão e o entregue ao carsereiro " (73).
Haveria então na cadeia algum prèso ? Podemos assegurar que,
no dia 16 de Setembro daquele ano, havia pelo menos um . Era
José Pranta. O carcereiro ? Sim , ele em pessoa. i razão é muito
simples. Aceitara o cargo, mas logo se arrependera. Nada mais
natural. Mas os oficiais da Câmara não concordaram . Consta (la
ata daquele dia que compareceram à reunião da Câmara o vereador
Gaspar da Costa, o juiz Bartolomeu Gonçalves e o procurador d
Concelho, Francisco Jorge, e que os demais camaristas não estavam
presentes, “per seren idos mandarão (mandar) soltar a juze pri que
estava preso por mandado da camara per não querer servir de ca
sareiro ”. Segue -se a declaração de que “ ora ho mandarão soltar
pi que servise e acabase este ano de seis sentos e vinte " (74 ).
Pretenderam , porém , os edis que o homem continnasse no car
go depois do dia 31 de Dezembro; mas ele descobriu duas ótimas
razões de excusa . Diz a ata daquele dia: " aparesei zuze pr . que
tri enlegido por casareiro o qual refusando a iso mostrou ter sette
filhos é que el rei noso snõr ho libertta de semilhantes cargos e
juntamt provou ser aleman direito de nasão dos quais el rei nosa
snör juntamt da grandes previlegios elle desistir lo ditto cargo di
casareiro ho ouverão hos dittos officiais abaixo asinados por deso
brigado visto as rezois que alega ser incondisionalmt" e ser ccapas
på iso " (75).
O “ Zuzé Pranta” havia de felicitar - se por ser “ aleman direito de
nasão ” ...
20
Assim como a lei previa casos de dispensa do exercicio de curs
gos públicos, assim também proibia que fòssem dacles a certas clas
ses de pesscas. Tais eram ,, por
por exemplo, os vendeiros, carpinteiros,
sapateiros e , em geral, os que exerciam algum dos chamados “ofi
cios mecânicos”.
Por essa razão , o alcaide Domingos Viachado foi notificado, por
ordem da Câmara paulisiana: " que não vendese mais vinho nem pão
e uzase da nobreza que sua magd" lhe da e goardase esta vila como
sua magd“ lhe encomenda" (76 ).
No dia 8 de Agosto de 16:37, o juiz ordinário Bernardo de Sou
sa , ao deferir juramento ao procurador do Concelho, Antonio Ri

73 ) Vol 2.0 cit . , p . 143.


71 ) Ibidem , p . 447 in fine 448 .
75 ) Ibidem , p . 458 in fine 459 .
76 ) Atas da Cámara de S. Paulo , vol. 4. p . 319 12 de Dezembro de 1636 ) .
204 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

beiro, lhe disse que “ se tinha algú ofisio maquaniquo ho declarase ":
ao que Ribeiro respondeu " que não era ofisial maquaniquo e que
sendo que se achase telo desistia doje pa sempre do ofisio que se
lhe achase ter ” (77 ) .
Antônio Álvares Couceiro, que exercia a profissão de seleiro e
era juiz do ofício (78), resolveu melhorar de condição social . A 22
de Outubro de 1639 foi à Câmara de S. Paulo e declarou que
" porquoanto ele era hú omen velho e tinha bès bastantes pera po
der sustentarse sen uzar do dito ofisio pera guozar das onras liber
dades dos omès nobres desistia do dito ofisio e de juis do ofisio e
mais dele não queria usar en tenpo algú ”.
Os camaristas “ mandarão tomar seu desistimento e que mais
não uzase do dito ofisio pera poder guozar das onras liberdades dos
omens nobres” (79).
Conseguiu o que queria : pouco tempo depois foi eleito vereador
para o ano seguinte (80).
21 -
No limiar do último quartel do século XVI ainda havia, na Ca
mara de S. Paulo , falta de vários objetos da máxima necessidade.
conforme se vè da ata da sessão de 6 de Fevereiro de 1575, à qual
esteve presente o capitão -mor e ouvidor da Capitania, Jerònimno Lei.
tão. Assim , faltavam : “ húa quaixa că suas fechaduras på nela estar
os papeis da camara como ell rei mandava ”; “ húa ballansa co húa
aroba de pezos”, o que “ fazia muito grande mígua ”. Enfim , não ha
via “medida pr'medir nè afillar ( aferir) as medidas” e “hú padrão
pri vara e covado ”. Mas, o pior é que também “não avia dr" du
C ” (dinheiro do Concelho) pri ce poder cõprar” aquilo tudo. () ca
pitão -mor autorizou então o lançamento de uma finta de 10 cruza
dos, e o povo “ a prezente estava ” declarou que “ era cotente q os
citos dez cruzados se fintasen p ' todos os moradores desta villa
('ada hú como lhe fose lansado” (81 ).
Outras " fintas" haviam de vir. pelos tempos afora ...
22
No mesmo ano , o procurador do Conselho, João Fernandes,
de posse dos 10 cruzados da contribuição popular, sugeria que, com
uma parte dessa importància, se adquirisse à caixa destinada a re

77 ) -- Vol. 4.0 cit ., p . 352 .


- Dentre os que exerciam as profissões de alfaiate , carpinteiro e outras.
78 )
as cámaras nomeavam juizes, incumbidos de verificar as habilitações dos oficiais,
cpinar a respeito das taxas dos serviços , etc.
79 ) - Atas , vol . 4.0 , p . 446 in fine e 447 . Na epigrafe e no corpo do termo
les : " antonio alves couseiro " ; mas a assinatura do interessado é : " Antº Alvres
(abreviatura de Álvares ) Couceiro " ,
80 ) Atas , vol. 5.9 , p . 7 e 8 .
81 ) Itas, vol. 1.0 , p . 66 .
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 205

guardar os papéis da Câmara, que andavam espalhados. Pondera


va, porém , que não havia na localidade carpinteiro que a pudesse
ſazer (! ), “nê se poderia achar de coprar”. Dava, todavia, uma boa
notícia : “ fruituoso da costa tinha húa quaixa buoa e nova q podiria
servir pra esta camara pra nella estarem os papeis e pesos e medidas
e outras cousas ”. Os edis não perderam tempo. Imediatamento
“ praticaram co o dito fruituoso da costa (que era o escrivão da Cà
mara) sobre a vêda da dita quaixa cõsoante se cósertarām de lha
darem p' ella novesentos rs paguos dos ditos dez cruzados p ' coan
to nesta villa não avia në qè a fizece a coall quaixa lloguo ètrèguou
nesta camara ” (82 ) .
Quatro meses depois, declarava o procurador que era necessário
comprar uma fechadura para a tal “quaixa” e que na vila “se não
achava sobmente lúa q' tinha fruituoso da costa”. Novamente, os
oficiais “ se cosertaram co o dito fruituoso da costa e lhe compra
ram a dita fechadura că sua chave p ' quinhentos rs a coall se lloguo
ètreguou ao dito procurador” (83).
João Fernandes achara "buoa e nova " a caixa do “ Fruituoso ".
Agora, com a fechadura e note -se bem – com a respectiva chave,
devia ser ótima para pôr em segurança a papelada municipal. Assim
não pensou , todavia, o procurador do ano seguinte, Lourenço Vaz,
que participou aos colegas que na Câmara havia “ húa quaixa pe
quena velha q não servia nada” e propôs que fosse avaliada e ven
dida . Os camaristas deferiram juramento a Gonçalo Pires, car
pinteiro, que a avaliou em 230 réis. Levada a pregão, foi arrema
tada por 330 réis (84 ) .
O nome do arrematante " Fruituoso ” da Costa. Alto negócio!
Vendera caixa, fechadura e chave por 1 $ 100 , e agora recebia tudo
de volta , com lucro de 19070 !
23
Ás vezes aparecia na vila de S. Paulo gente indesejável, que era
alvo da repulsa dos homens morigerados e de medidas de repressão,
ditadas pelos camaristas .
Uma das piores classes daquela gente era a dos detratores e
caluniadores.
Em sessão de 2 de Novembro de 1580 , o procurador do Conce
1ho , João Maciel, requeria que se abrisse uma devassa, a fim de se
rem punidos certos indivíduos que chegavam a difamar as paulis
tanas (85 ).

8?) Atas, vol. 1.9 , p . 72 in fine 73 .

83 ) Vol . cit . , p . 83 in fine 84 .

81 ) Ibidem , p . 109 .
83 ) Atas da Câmara de S. Paulo , vol . 1.9 , p . 170 in fine.
206 CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA

Mais tarde, à vista das queixas contra uns forasteiros que “de
famavão os homes onrados e erão prejudiciaes na tera ê materias de
onra ”, determinaram os camaristas que todos aqueles indivíduos,“ de
qualquer calidade e condicão ” que fossem , se retirassem da vila (

de seus tèrmos dentro de 8 dias (86).


Havia entre eles um tal ge" (Gonçalo) de meri soares”. que os
edis consideraram como “ mtº prejudisial na tera por falar em onras
alheas de que podia resumir (sic) mtis dezèquietasões”. Todavia
concedera n -lhe , para “ despejar a tera ”, o prazo de 3 dias além do de
8 , concedido aos demais forasteiros, sob pena de “ dous mil rs da
cadea e a sua custa ser levado a villa de st » (Santos) per ser home
desbocado e prejudisial na tera” (87).
24
Pelas informações do procurador, Luis Fernandes Bueno, não
devia ser melhor do que aquele Gonçalo um indivíduo designado nas
atas pelo nome de “bellxior ord " ”. Era “ prejudisial a este povo ", des
vido à “ sua boqua”. Para ele, não existia na vila “homen onrado
nen molher onrada”, "por ser de roim boqua”, frisava o procura
dor. E acrescentava que, de uns papéis existentes na Câmara, cons
tava que “ o botaram ja da bahia por ser roim boqua e porsedimo
de sua caza e dar mttos escandalos de sua boqua e vida nesta tera ”
( 88 ) .
25

Haviam de sentir -se gravemente ofendidos em seus brios os pau


listanos de 1590, ao terem notícia da acusação que lhes fizera um
morador da vila de Santos, Estêvão Raposo. Conforme comunicav.?
o procurador do Concelho, João Maciel, em vereança de 27 de
Janeiro daquele ano, o dito Raposo, num “ estromento” apreser
tado na ouvidoria, falara mal dos habitantes da vila de S. Paule.
dizendo "q? nella se não fazia just' e q' hera outra segunda arochel
la (89) e q a guerra q se avia de fazer aos carijos q se viesse fa
zer a esta villa . “ Quer saber este povo " - exclainava o procurador
“ se vive em segunda arochella ou se são erejes”. E apresentava
uma certidão comprobatória das afirmativos do tal Raposo (90).
26
Em 16:37 , um cidadão chamado Manuel da Cunha requereu aos
edis paulistanos que, “ para bem de sua justiça ”, lhe mandassem dar

86 ) Atas , vol . 3.0, p . 40 .


87 ) Vol. 3.º cit . , p . 41 .
88 ) Atas, vol. 3,9, p . 243.
89 ) - Referia -se Estêvão Raposo à cidade francesa de La Rochelle , célebre
reduto de protestantes.
90 ) - Atas da Câmara de S. Paulo , vol . 1. p . 383.
CURIOSIDADES DA HISTÓRIA PAULISTA 297

traslado dos “ róis” dos eleitos para os cargos da Câmara (91 ) e cer
tidão de quais os vereadores que estavam servindo. Prevendo uma
objeção, observava: “ visto estar já a pauta aberta e publicada e não
ser já segredo de justiça”.
Os camaristas, que deviam ter adivinhado até onde o requeren
te queria chegar, despacharam :
“Declare o supplicante como quem ( isto é, em que qualidade)
pede o traslado conteudo na petição ”.
Manuel da Cunha informou que fizera o pedido “ como pessoa
que levou votos nos ditos roes ”.
Não podia haver a menor dúvida: o homem planejava um goi
pe nas apurações. Daí outra exigència dos oficiais:
“ Declare o supplicante em cujo juizo pretende requerer sobre
esta materia que pede e satisfeito torne ”.
O interessado revestiu -se de paciència e escreveu :
“Peço para requerer diante do ouvidor geral”.
E ficou esperando. Passados mais de 30 dias, eis que surge o des
pacho final e fatal:
“Não ha logar de se dar o traslado que o suplicante (pede) por
quanto tudo o que está na Camara e nella se trata é segredo" (92).
Era demais ! Pura chicana eleitoral! E se tudo era segredo. por
que o não disseram logo ?
Com toda a razão , o Manuel não se conformou : interpos agra
vo para o ouvidor geral da Repartição do Sul, protestando por per
das e danos, etc., etc. (93 ).
Infelizmente, não se sabe qual a decisão ; mas não podia ter sic )
favorável aos edis.
Mais arbitrário do que estes , só o procurador do Concelho do
ano de 1650, Pedro Dias Botelho, que merecia ir parar nas caldeiras
do seu homònimo... Pois ésse representante do povo tivera o arrojo
de insuflar aus colegas que ordenassem que nenhúa pessoa subisse a
caza donde se costuma fazer audienssia senão quãdo por elles ditos
officiaes da camera fossem chamados tendo que requerer e isto por
se ivitarem incomvinientes e não se ouvirem as couzas que em ca
mera se comunicão ” ! (94).

91 ) No fim de cada ano realizava- se a eleição dos oficiais da Câmara


para o ano seguinte. A pauta da eleição era depois “ alimpada" ( isto é, apurada )
pelo ouvidor da Capitania ,
92 ) – Registro geral da Câmara de S. Paulo, vol. 7.0, p . 181-182.
Os livros de registro , em que se trasladavam documentos diversos ( leis ,
provisões, posturas, cartas de sesmarias, etc. ) , começaram a ser publicados pela
Prefeitura de S. Paulo em 1917 . Hoje a série abrange 38 volumes, que compre
endem os registos feitos desde 1583 ( Setembro ) até 1872 . No período anterior,
os documentos eram registados nos próprios livros de atas .
93 ) Registo geral, vol . 7.0 cit . , p . 182 .
94 ) Atas da Câmara de S. Paulo , vol . 5.', p . 414 .
CONTRASTES E ABSURDOS
DA ESCRAVATURA NO BRASIL
AMÉRICO MENDES

1
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CONTRASTES E ABSURDOS DA ESCRAVATURA NO BRASIL

AMERICO MENDES

Um dos assuntos mais palpitantes da nossa história é o da escra


vatura . Na verdade pouco resta revelar a respeito, pois déle já se
ocuparam historiadores e escritores de nomeada. De qualquer forma
parece -nos que devido à falta de dados mais completos, é dificil a
realização de uma obra oferecendo dados estatísticos que permitam
um juizo digno de ser considerado exato, do número de negros en
tradios no Brasil e do desenvolvimento desse comércio. Há certos
elementos , sem dúvida, mas não sabemos se os historiadores, quand )
da paciente , dificil e árdua tarefa de pesquisa , sentem a impressão
que se apresenta ao leigo, de que embora na época a escravatura
fosse uma atividade aceita , regulamentada e aprovada pelo Governo,
nem por isso deixava de originar certa resistência , daí o ocultarem -se
esses dados, que autorizariam aos historiadores efetuar um traba
lho menos literário ou de acórdo com o sabor de suas inclinações , e
sim um estudo frio de números, para uma análise de efeitos , através
desses mesmos estudos.
A dominação do homem pelo homem deve datar do próprio ini
cio da vida humana no nosso planeta. Na antiguidade a escravidão
era imposta pelos mais poderosos, como condição essencial e indis
pensavel ao progresso. Hoje ela obedece aos principios de alguns
regimes, pois inegavelmente há escravidão nos nossos dias, aindaque
sob outras formas, administrada de maneira bem diferente da que
se observava nas senzalas, que é para nós brasileiros, a típica da
escravatura. Evidentemente tem de ser sob esse prisma e em tais
condições, que a escravatura interessa à história no que se refere
ao Brasil e, portanto, todos os trabalhos que se façam a respeito,
focalizam o escravo negro, o africano, como trabalhador de cujo suor
tinha de sair tudo quanto de braçal, de rude e de perigoso houvesse
de ser feito. E tudo estava por fazer.
Tudo esperava tanto pela inteligencia como pela força do ho
mem e , no último caso, a manifestação teria de dar-se através da
concepção que reinava nos que colocavam a força ao trabalho da
terra. E ' facil imaginar, dai, os dramas, os episódios tremendos, in
concebíveis até para os mais imaginosos, que occorriam cotidiana
mente e foram aproveitados por historiadores, poetas e escritores, em
tão belas páginas, via de regra enaltecendo o negro , fazendo dele
212 Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil

um marco não apenas do


progresso material do país, do nosso pri
meiro passo para o deslanche como nação, mas tambem uma fôrşı
na própria formação da nossa raça, embora nesse particular sejam
frequentes as conclusões contraditórias. Um ponto no entanto é
pacífico. O negro deu ao Brasil muita coisa. O negro pode ser
apresentado como uma das pedras angulares da economia nacional.
O negro foi explorado e pela sua grande contribuição praticamente
nada recebeu, nem mesmo uma parcela de inteligencia iluminou os
homens que tiveram em suas mãos a oportunidade de oferecer a esse
elemento de trabalho as condições necessárias e indispensáveis para
ele, o negro, tornar -se mais útil e o Brasil mais rico .
Quando os jesuitas chegaram aqui já havia escravos africanos
no Brasil, ao que afirmam alguns historiadores (1). A causa determi
nante da importação do braço negro, foi a resistência do indigena ao
cativeiro . O aborígene nacional sucumbia fatalmente ao trabalha
ou à nostalgia da vida livre. O Brasil tinha de produzir e tudo esta
va por fazer. A única solução era a escravatura negra, mesmo que
ela repugnasse aos jesuitas. É fatal que houvesse então o choque
entre o princípio de justiça e o de utilidade, prevalecendo o último,
que foi aos poucos se arraigando cada vez mais, impondo -se e im
perando sob todas as formas, para se transformar na concepção que
mais tarde foi o principal motivo da libertação dos escravos, inicial
mente acolhido pela Inglaterra e depois pelos outros povos do mun
do. Esse principio foi o sentimento irrefreavel de humanidade, que
se estabelecia e se estabelece paralelamente ao progresso .
O escravo era indispensavel e como aumentava a riqueza, .
comodidade e o poder dos homens, foi a escravatura progredindo em
número de escravos e o que é pior intensificando-se os meios de vio
lência para obrigar os escravos a trabalhar mais e mais, sempre mais.
Evidentemente havia de estabelecer-se um fenômeno cuja ten
cència fatalmente teria de ser favoravel ao braço negro, fosse atra
vés de uma reação do explorado, fòsse pelo despontar de sentimen
tos humanitários e de revolta contra os escravocratas. Estabeleci.
da essa situação, passamos então a histórias edificantes de despreen
dimento e de elevação moral, que nos foram dadas tambem por
fazendeiros, e mesmo por nobres, que no mais acesso da necessi
dade da escravatura, já se levantavam contra ela , protegendo os es
cravos, facilitando -lhes fuga, dando - lhes agasalho e elementos de vi
da, sem contarnos as próprias alforrias, muito antes de soar o brado
de revolta da Inglaterra contra a escravidão, que para alguns só veio
depois de as condições da economia do Império Británico, terem
superado a imperiosa necessidade dessa forma de trabalho. E houve
timbein a revolta no seu sentido mais claro , sentido lacto no termo

( 1 ) Revista n .° 34 , do Inst. Hist. de S. Paulo .


Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil 213

que foi a formação dos quilombos, que proliferaram de modo as


sustador, chegando a originar guerras, citando -se o exemplo de Pal
mares, por si só suficiente . Transformando escravos em bandidos,
assaltantes e malfeitores, que durante muito tempo trouxeram as
autoridades em sobressalto , com crimes hediondos, cujos relatos fo
ram aproveitados por historiadores e podem ser encontrados nos
arquivos. Mas é preciso, antes de mais nada., aceitar as duas faces
da reação como um fenômeno próprio e na verdade fatal, pois fo
ram geradas pelas circunstâncias e do que se fazia em tomo do
negro vendido para o Brasil. Os maus tratos inflingidos ao escra
vo no Brasil são mais conhecidos através de contos e histórias do
que de documentos propriamente ditos. Nisso está uma espécie
de confissão de culpa dos senhores e capatazes que se tornariam cé
lebres e terįam os seus nomes estigmatizados nos nossos dias, caso
eles fossem guardados ein letra de fôrma, como sucede com outros
episódios.
Teria havido a preocupação de guardar -se epi segredo tais pra
ticas ? Parece -nos que sim pois aceitam -se como verdadeiras certas
versões de senhores que praticavam atos inconcebiveis da maior
maldade, mas as provas reais não são concretas. Os atestados mais
eloquentes dessa nefasta prática encontramos nos aparelhos de su
plício, como o “ bacalhau ”, a “gargalheira”, o “ tronco ”, etc., alguns
ainda tornando vivas as suas finalidades, nas velhas fazendas. Vas
poderiamos considerá -lo castigos corporais, abominaveis nos nossos
dias , mas aceitaveis na sua época. Ainda haveria um objetivo a
alcançar, para não dizermos que reuniam um escopo. O de obri
gar o escravo a produzir mais. A trabalhar maior número de horas.
A matar-se no trabalho, para o senhor obter maior proveito. O
que não ficou gravado foram os casos escabrosos que hoje se ouve
contar.
Os abusos inconcebíveis revelando autèntica sanha e sa
dismo, que nos dias que correm são ainda mencionados, porem
sem os dados exigidos pelos historiadores para que mereçam auten
ticidade. Houve, por exemplo, um bairro em São Paulo antigo que
era conhecido por Quebra Bunda, que ficava situado lá pelas atuais
bandas da Liberdade. De onde sobreveio -lhe a denominação ? Ifir
ma-se que ca existencia de um capataz de um sítio , para o qual
eram enviados os escravos faltosos ou preguiçosos e que eram pelo
capataz submetidos a tais surras que ficavam descadeirados. Quem
vra esse bárbaro ? Quem era o dono desse sítio tão famoso por prá
tica tão cruel? Seria o único ? Para as primeiras perguntas não
possuimos respostas. Para a última nos aventuramos a dizer que
tudo indica que não . E como aquele capataz houve, sem dúvida,
senhores tão ou mais sádicos do que ele . porque dificilmente as
lendas deixam de ter o seu fundo de origem .
Felizmente, no entanto , ficarain indelevelinerte marcados atu ;
de solidariedade e de revolta contra as práticas crueis. A história
214 Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil

possui nomes de muitos e muitos senhores, que bem antes da pri


meira lei de proteção aos escravos já os alforriavam e os tratavam
humanamente, explicando-se assim o fato de que mesmo depois da
Lei Áurea , muitos escravos não abandonaram OS seus senhores.
Grandiosos exemplos foram dados mesmo quando a escravatura era
a força maior do país e só se podia calcular a fortuna e o prestigio
de uma família pelo número de “peças” que ela possuia.
Quem quiser se dar ao trabalho de percorrer os interessantes
e valiosos documentos do Arquivo do Estado entre eles encontrari
um número expressivo de alforrias, datadas de antes do evento de
qualquer data magna. Tambem muitos e muitos senhores nos seus
mventários e testamentos, verdadeiras obras reveladoras de bons
sentimentos e de acurados cuidados para o cumprimento de últimas
vontades, deram liberdade aos seus escravos . São centenas de ca- ·
sos de alforria comprovadas em documentos, mas não é dificil con
cluir que houve um maior número ainda de libertações procedidas
sem as formalidades legais. Citaremos abaixo, ao acaso , alguns des
ses registros, com objetivo apenas de render uma homenagem aos
muitos que assim procederam , encontrados no Arquivo do Estado:
Tereza Paula de Jesus Fernandes. Pe . João Antunes Cordeiro, Iná
cia de Jesus Càmara , Antônio da Cunha Abreu . Cap. José da Cu
nha e Abreu . Francisco Coelho Aires. Varia Assunção Almeida.
Antonio Mendes de Almeida. Isabel Maria Carvalho Araujo. Joa
quim Barbosa de Araujo. Josefa Pais Bueno. Bento Borges Chaves.
João de Almeida Cunha. Henrique Aires da Cunha. Ana Maria di
Cunha . Ana Eufrosina da Cunha . Ana Alves da Cunba . Vanuel Pes
reira Crispim . Inácio da Costa . Havia tambem famílias inteiras que
abriam mão de sua propriedade absoluta sobre numerosos escravos.
Esses são os bons exemplos, a parte bondesa de un problema qu :
enegreceu quase todas as nações do mundo, atenuando e balsami
rando uma prática que não pode deixar de provocar rriolta nos noi.
sos dias.

Os escravos sempre encontravam quem deles se apiedasse *


dispusesse a enfrentar sérios riscos e perigos para amenizar sua si
tuação. Scriam para nós essas bondosas criaturas, o grito ch revolta
contra os ercessos e as desumanidades. Tambem nos docuentos da
Arquivo do Estado vamos encontrar casos de asilo prestados Perre .
ligiosos, a escravos maltratados, que para esses infelizes abriam as
portas dos templos e os abrigavam , até que se acalmasse um por
co a cólera ou o sadismo de capatazes e senhores de almados. 5,
houve mesmo muitos que não temiam infligir leis, facilitando ingy
de negros e fornecendo -lhes meios para escapar à perseguição. !!!
de religiosos, cuja atuação em tal sentido, é mais fácil de intoler,
Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil 215

surgiam civis , havendo entre estes exemplos e histórias magníficas,


principalmente de senhoras de projeção, verdadeiras almas piedo
sas que abrigavam escravos fugidos. Há, desses casos algumas re
ferências, mas são tão rápidas que se pode concluir não ter havido)
a respeito a justiça e o reconhecimento capazes de compensar os
episódios brutais, que tambem se contam sobre essa página da nos
sa história.

É facil compreender-se que desde os princípios da escravatura


no Brasil houve intenso choque e disparidade em encarar e tratar
o escravo como se vê acima. E essa luta se manteve acesa durante
toda a existència do fato . Se de um lado surgiam apologistas e fer
renhos defensores de tal sistema de trabalho, como sendo o único
que servia e era possível , tambem eram muitos os que sempre rea
giam contra a escravatura. À medida que o progresso se estabele
cia registava -se uma inversão , lógica aliás, dos elementos em cam
pos opostos. Os abolicionistas ganhavam expressão e aumentavam
em número, o que tambem aparece de forma expressiva na própria
sequência de leis favoraveis aos escravos, revelando uma tendência,
se não um propósito deliberado de culminar com a Lei Áurea. No
terreno do tratamento dispensado ao escravo , parece -nos que esse
fenomeno manifestava -se de forma inversa. O auge das impieda
des ocorreu nos primórdios do estabelecimento da importação afri
cana para o Brasil e era justamente então que havia um maior nú
mero de piedosos que procuravam acolher os escravos, que busca
vam de uma forma ou de outra, amenizar os castigos e a crueldade
contra os negros.

A história do Brasil registra quatro leis básicas favoráveis ao


escravo, contendo o propósito ou a tendência de dar fim a um episó
dio histórico. Pela sua inumeração ver -se-á que o més de setem
bro esteve presente em três delas, e que a decisiva se verificou em
maio . O primeiro passo do movimento libertador foi dado no pri
meiro Império, a 4 de setembro de 1850. Houve então a proibição
da importação de escravos. Já os interesses mais condenaveis eram
refreados e às costas do continente negro deixaram de ancorar na
ves para o comércio abjeto, pelo menos oficialmente. Em 28 de
setembro de 1871 veio a chamada Lei do Ventre Livre , deterini
nando que ninguem mais nascia escravo no Brasil . Estava, portan
to , controlada a situação e a escravatura , fatalmente, terminaria com
o decorrer dos anos . Vas a reação não ficou aí é , novamente em
setembro, a 28 desse mês, de 1885 tivemos a Lei da Emancipação,
mais conhecida como a Lei Sexagenária, e ainda batisada com o no
me de Lei Saraiva -Cotegipe, determinando a libertação dos escra
vos com sessenta anos de idade e permitindo a compra compulso
1

216 Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil

ria de alforria pelo próprio interessado. Essa lei , de número 3.270.


foi assinada por Antônio da Silva Prado e bem valia a sua intei
ra transcrição, pois ela regula o assunto de forma admiravel tall
meticulosidade com que o legislador procurou assegurar o seu èxi
to. Estipula o preço da liberdade de acordo com a idade do cati
vo, determinando o máximo de 900 $000, que era o preço dos me
nores de 30 anos e o minimo de 200 $000 para os escravos de 55
60 anos . Dentro dessa tabela, o valor dos indivíduos do sexo femi
nino, sofria um abatimento de 25 por cento. Finalmente, a 13 de
Maio de 1888 tivemos a Lei Áurea, cujos efeitos concorreram para
tornar esquecidas as très acima citadas, tirando -lhes grande parte
dos seus méritos, que no entanto foram tambem extraordinários, pois
tiveram o efeito de preparar a libertação total e por isso mesmo tal
vez tenham sido mais corajosas.

A reação da parte dos negros contra a escravidão e os maus


tratos de que eram vítimas, gerou um grande número de bandidos
e foi ainda a razão de muitas tropelias e crueldades. Crimes tene
brosos são atribuidos a escravos fugidos, sendo que houve mesmo
alguns que se tornaram de triste notoridade, sem contarmos que se
registraram movimentos de vulto , perturbando o governo e justifi
cando a necessidade de medidas de carater oficial, das mais enérgi
cas. Mas tambem nesse capítulo não são apreciaveis os dados ofe
recidos aos historiadores, de forma que o assunto tambem chega até
nós não como lenda, mas com os inconvenientes do relato através da
palavra, que, à proporção que é transmitida , sofre os efeitos de quem
se encarrega de contá-lo e, assim , as proporções são aumentadas ou
diminuidas, agravadas ou atenuadas.
Entre os documentos do Arquivo do Estado encontramos um
oficio assinado pelo Delegado Suplente de Itu e dirigido ao Presi
dente da Província, no qual são pedidas providências e é feito um
sumário relatório das tropelias de um negro fugido, de nome Ata
názio. Por ele se pode calcular a situação de insegurança e o peri
go que tais criminosos representavam e a carência de elementos pa
ra a defesa das populações. Atanázio chegou ao cúmulo de rondar a
cadeia da cidade de Itu , o que levou o delegado a temer que a me's
ma fosse assaltada. Esse oficio, datado de 4 de agosto de 1862, 6
digno de ser reproduzido, o que fazemos abaixo:
“ A existência de pretos fugidos e aquilombados nas immedia
ções desta Cidade, de ha muito commetendo violencias e desacatos
pelas estradas e sitios proximos, tem posto os seus habitantes ein
justo e bem fundado alarma e perturbação. Ha diais á esta parte
toi barbaramente assassinado um feitor de João Baptista Pacheco
Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil 217

nas mattas da Fazenda onde morava por quilombolas, segundo a opi


nião até hoje formada e corrente .
Ha dias tão bem foi uma casa dos arrabaldes da Cidade arrom
bada e saqueada (de cujo processo estou tratando) verificando-se que
um celebre Athanasio o chefe dos quilombolas -- o mais ousado e o
mais temido – foi o principal autor d'esse facto. Há tres dias foi as
saltada uma chacara bem proxima ao centro da Cidade saqueada,
o que é mais sendo sua senhora una viuva que hai residia forçada
e violentada pelos assaltantes pretos quilombolas. Entre tanto a po
licia tem os braços atados. Existem n'esta Cidade quatro policiaes
que montão a guarda da cadèa, quatro homens que não podem aban
donar seu serviço e que preferirião faser frente á um tigre e não a :)
celebre Athanazio, com esta gente ou com guardas nacionaes é abso
lutamente inutil contar em tal conjunctura. Rasão por que vejo-me
forçado a recorrer a V. Ex.cia, requerendo ao menos provisoriamen
te a vinda de 5 ou 6 praças, haver se com a prizão dos quilombolas
desapparece o mal e se desvanece o terror panico que innunda a
Cidade, e que sempre e sempre mais percebido pelos quilombolas,
pode dar azo ao seu atrevimento é um excesso por certo muito --
muito funesto .

O atrevimento do celebre Athanazio ganha terreno todos OS


dias: ha na Cadèa d'esta Cidade dous pretos – seos companheiros,
e um dos quaes é seu irmão, teme-se até que o famoso salteador, se
conseguir arrebanhar maior numeros de companheiros, tente assal
tar a cadèa. Este temor está na medida do seu atrevimento : por
diversas noutes este Athanazio tem rondado a Cadêa, procurando
fallar com seu irmão e fasendo fosquinhas aos guaridas que sem
tugir nem mugir, limitão - se a não correr abandonando o edificio. É
pois urgente o meu pedido e por isso julgo que V. Ex.cia hade pres
tar -me a attenção que solicito ”.

Quanto ao valor de um escravo tambem nos parece serem falho ,


os dados de que dispomos, para um juizo mais seguro . A arrema
tação desses infelizes variava de acordo com a necessidade do ser
viço braçal, com as condições de saude e a idade do escravo . Havia
tambem e era motivo de especial apreço e valorização, a capacidade
para tarefas profissionais, inclusive aptidões domésticas. ( ) indice do
mercado, no entanto , parece nos, era estabelecido pelo trabalho iter
lavoura, mas nos diversos casos havia impressionante disparidade d ..
preços. De uma maneira ou de outra, a maior ou menor opulencia
poderia ser calculada pelo número de escravos, de forma que os
negros, fatalmente, eram de apreciavel valor e como tal deveriam
ser sempre melhor tratados, amparados e cuidados, mesino que in
218 Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil

fòsse por motivos egoísticos. Mas esse principio lógico não prevale
cia , o que se pode concluir tanto pelos castigos corporais menos
crueis, como pelos excessos cometidos, porque no final das contas, o
escravo , fazendo parte da riqueza, decretava a opulência de famílias
e de fazendeiros e por isso precisava ser considerado como um pa
trimonio , já porque os efeitos fatalmente se fariam sentir na produ
tividade do trabalho, já, porque influenciariam e infundiam em todos
os negros, desejo de fuga . E tanto isso é verdade que o assunto
foi motivo de muitos decretos e ordens, não somente contra os fu
gitivos, mas tambem contra os que facilitassem a fuga, sob qualquer
forma e contra quem acoitasse escravos fugidos. Essa ausência de
uma melhor compreensão surge nos nossos dias como um lamenta
vel absurdo e uma falta de senso , naturalmente com as exceções, tra
duzidas pela permanència de escravos nas casas e fazendas de seus
senhores, mesmo depois da Lei Áurea, porque nelas, eles se sentian
protegidos e de uma maneira ou de outra satisfeitos com as condi
rões de vida que lhes eram oferecidas. A par de pessoas de menta
lidade elogiável, pois sempre houve reação contra a escravatura e
quem dispensasse aos negros um tratamento condigno, influencia
vam no problema, talvez em maior número, individuos, cuja con
cepção ou sentimentos não lhes permitiam enxergar um pouco alem
dos efeitos imediatos. Daí os absurdos tremendos e mais ainda. Nā )
foi possível aproveitar ao máximo, ou mesmo na medida do razoavel
a força e a atividade do escravo em benefício do solo e da própria
riqueza do país.
() problema dos negros fugidos foi enorme e já quando conta
vamos com imprensa, eram comuns os anuncios que podem ser com
parados com as atuais seções de “ Achados e Perdidos". Anteriormen
te havia os bandos de recapturação. Quem se der ao trabalho de
percorrer os periódicos da época, encontrará um sem número de
anúncios oferecendo gratificações pela indicação ou entrega de pre
tos fugidos. E o que chama mais a atenção nesses anúncios são os
pormenores e características que os interessados davam para possi
bilitar e facilitar a identificação dos procurados. São dados de fat
curiosos, dignos de serem transmitidos aos leitores, como tambem
a disparidade das gratificações oferecidas.
Do “ Compilador Paulistano ", retiramos alguns anúncios, na cer
teza de que não somente o seu conteudo, como o espírito que cles
cerram , oferecem matéria muito interessante, como se verá :

Rs 20S de Gratificação

“ Fugio no dia 18 de Novembro da fabrica de Chapeos de Jacobs


Vichels rua da descida de S. Francisco n.o 5 um escravo de nome
Frederico , mulato crioulo do Rio de Janeiro com os signaes sequin
Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil 219

tes: estatura alta, cheio de corpo, pouca barba, nariz chato, olhos vi
vos, andar pachorro, apparencia de homem forro, feições alegres,
maneiras insinuantes, com oficio de alfaiate, idade de 30 annos mais
ou menos, e costuma levar jaqueta preta ou branca, calça azucs on
de algodãozinho trançado, camiza branca fina. Quem delle der
noticias certas ou leval- o á dita fabrica RECEBERRÍ A GRATIFI
CAÇÃO ACIMA VENCIONADA ”.

“ Fugio em principio de setembro d'este anno ao capitão Manoel


Joaquim de Andrade morador na villa de S. José dos Campos, um es .
cravo mulato de nome Mariano com signaes seguintes, cabello cres
po, sobrancelhas bem cerradas de idade de 25 annos mais ou me
nos, bem barbado, baixo , e cheio de corpo , cara redonda, nés pe
quenos, com signal de golpe em o dedo polegar d’uma das mãos, pe
lo que ficou mais grosso que o outro, e signal em uma coxa de un
tiro de pistola, cuja bala sahio no joelho, levou una pistola, ima fa
ca, cartucheira com fivela de prata, e vestido um penche de forr )
vermelho, calsa d'algodão riscado, chapeo branco de copa redondu .
Quem o prender e trouxer a seu Sr. na referida villa ganhará centi)
e cincoenta mil reis. Em outubro foi visto na freguezia do Campes
tre da provincia de \ inas, e disse que hia para a villa Franca, e de
lá seguia para Cuahá' .

“ Da fazenda denominada Vontes Claros, cita no listricto)


de Santa Izabel fugirão, os escravos seguintes, em setembro de 1850) :
Joaquim de nação, bem preto, magro, muitos signaes de bexigas, al .
guns cabelles brancos, nariz chato, olhos pequenos, falta d'um den
te na frente, falla fina, pouca barba, pés cumpridos. Terá 50 amos
de idade pouco mais ou menos. Foi do jardin botanico desta ci.
dade, e arrematado em praça em 1829, á 1830, e tem dessa data em
diante andado quasi sempre fugido.
“ Eva , crioula , casada, altura regular, cara redonda, olhos gran
des, bem preta , dientes grandes, e com falta d'um na frente, fina (le
cintura, peitos grandes, falla bem , e foi pejada quando fugio em
outubro de 1959, fugio desta cidade, onde se veio apresentar al seu
senbor, terá 26 anos de idarle, consta que anda nesta mesma cidad '
por ter sido vista pelos lados da Penha, e talvez em alguma das fa
zendas do Carmo cita para esses lados da Penha. A quem os pren
der, on algum delles, e entregar nesta cidade a seu dono o Conegi
Joaquim Mancel Gençalves de Andrade, ou na dita fazenda a quem
220 Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil

á estiver adıninistrando, será bem gratificado, protesta -se proceder


criminalmente contra quem os conservar em sua casa” .

Na rua do Commercio n . 6, comprão -se escravos d’ambos os se


kos. Na mesma casa vende -se uma porção de farinha Baltimor, por
preço muito commodo .

1005000 de gratificação

“ A quem apprehender, der noticia certa, ou entregar nesta ci


dade na rua Direita canto da do Rozario , na loja de ferragens por
baixo da casa do Sr. Commendador José Manoel da Silva ao abaixo
assignado, un molecote de nome Jacinto, de idade de 19 a 20 an
mos, bem preto, com ponta de busso, reforçado e bem feito de cor
po, menos dos pés, os quais são mal feitos, com os dedos polegares
dos mesmos abertos, para dentro, com as unhas estragadas de bixos
que teve em pequeno
i e em im d'elles tem um signal de ferida que
teve á tempos, é muito ladino e intelligente, falla muito apressado ::
guagueja, e algumas vezes custa - lhe soltar a falla, e por isso falla de
sopetão e com muita rapidez, tem o nariz bem chato, olhos averme
Thados, e mostra algumas vezes una especie de panos sobre a ma
çás do rosto ; acha-se fugido desde o dia 13 de dezembro do anno
passado, desconfia - se que está acoutado em algum sitio nas imme
(liações d'esta cidade, ou que se allongou para longe por não ter ha
vido noticia : quem d'elle souber e noticiar com exactidão, ou entre
gar a seu Sr. nesta cidade receberá a gratificação acima dita ” .

"No dia 6 de setembro deste anno fugio dlo abaixo assignado um


escravo de nome Joaquim : estatura alta, cor mulato quasi fulla, ca
bellos bem grenhos. tem algumas espinhas pela cara, não tem barba
senão 3 ou 4 fios no queixo, o busso muito pouco apparece, tem fal
tas de dentes, nariz e boca regular. pescoço pouco grosso, corpo re
gular, no andar é meio combaio, tem as mãos e pés grandes, e os
calcanhares tāobem grandes, e os dedos polegares dos pés são ina
hores que os outros e quasi todas as unhas ruidas, ou movidas, tem
de idade 25 anos mais ou menos.

“ Fugio em ineado de setembro do anno tindo um escravo por


nonne Antonio, de nação ( anbinda, de 10 annos mais ou menos. altu
ra regular, bem feito e gentil de corpo,pouca barba, tem alguns den
Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil 221

tes podres, cabellos iendo alguns brancos, e tem um signal preto


em um dos tornosellos como uma cicatriz de ferida. Quem o ap
prehender e levar a seu Sr. o tenente coronel Francisco Pereir: 1
Slendes na cidade de Itú e nesta capital ao tenente coronel Amador
Rodrigues de Lacerda Jordão será bem gratificado. Protesta - se con
tra quem o tiver acoutado ”.

“ Fugio 2o mez de janeiro p.p. do Sr. Ignacio José Bueno mo


rador em Campinas, de seu sitio da Boa Esperança alein do rio Ja
quary, um escravo crioulo de Minas de nome Matheus, bem preto,
baixo, tem falta de dentes de cima, bem barbado, queixo espontado,
pés comprido, terá 40 annos de idade pouco mais ou menos, é incli
nado a contar orações; quem delle souber e der noticia a seo Sr. ou
em S. Paulo a Thomaz Luiz Alves será gratificado, assim como pa
Las as despesas ”.
4:

“ Fugio a 2 meses pouco mais ou menos o escravo de nome Ale


vandre que esteve por alguns annos alugado na botica do Sr. Lean
dro na rua de S. Bento; tem o rosto alegre, dentes pequenos e cla
ros, começo de buço, e a idade de 21 annos; é alto, e de gordura re
gular, e vira um pouco os pés para fora quando anda. Quem o
capturar ou der noticia certa á sua senhora na rua Nova ou ao

commandante dos Pedestres o Sr. Antonio dos Passos de modo que


se faça a captura, receberá a gratificação acima”.

“ Fugio no dia 2 do corrente mez de maio um escravo do Dr.


Joaquim Fernandes da Fonseca, de nome Carlos, com os signaes se
guintes: oficio de pedreiro, estatura baixa , com falta de dentes na
frente de cima, e de cabellos na alto da cabeça, preto, e com barb :
somente no queixo, idade de 30 e tantos annos, foi vestido de calça
e camiza branca de algodão quem o prehender e levar a seu senhor
na rua da Boa Morte n . 47, ou no pateo da Sé na caza do falecido
coronel Francisco Alves, receberá boa gratificação. Protesta -se coma
todo o rigor da lei contra quem o tiver acoutado” .

208000 de gratificação

“ Dá-se esta quantia a quem prender, e levar a sua senhora o


escravo – Alexandre que fugio ha um mez da botica do Sr. Leandro ,
222 Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil

onde estava alugado desde muito tempo : é pardo escuro , de 21


annos de idade, com começo de buço. Rosto alegre, dentes claros e
pequenos; sua altura é um pouco acima da commum , e no andar
vira os pés um pouco para fóra: consta que elle faz- se passar por
forro para não ser agarrado, sua senhora mora na rua nova n. 43.
Protesta-se usar de todo o rigor das leis contra quem o houver acou
tado ” .

" Quem quizer comprar uma escrava boa quitandeira, sabendo


cosinhar lavar roupa, arranjar bem uma casa, e sem vicios, dirija-se
á rua do Rosario n . 24 para tratar.com sua senhora ” .

203000 de gratificação
“ Fugio no dia 9 do corrente, da casa da rua do Quartel n . 1 )
um negra Mina de nome Maria, velha, com alguns cabellos bran
cos, aita de corpo, e tem cara lanhada, cuja escrava foi por muitos
inos da Sra . D. Maria Rezende, cla rua de S. Gonçalo a qual foi
arrematada em praça, quem a apprehender ou della der noticias
Cactas na casa acima receberá a gratificação. Protesta- se com todo
u rigor da lei contra quem a tiver acoutado” .

“ Na rua do Comercio n . 1 , vende -se uma preta propria para ven


der quitanda”.

“ Fugio no dia 11 de fevereiro do anno corrente ( 1853) um pre


to de nome João, nação rebollo pertencente a Henrique Henrichsen
morador nesta cidade em frente a ponte do Piques, estatura baixa,
reforçado de corpo, tem um sinal branco em uma perna, manque
java do pé direito quando fugio, de uma ferida que tinha na sola
do mesmo pé, procedido de uma estrepe. Levou comsigo toda a
sua roupa , e um urucungo de que elle é muito apaixonado de tocar.
Quem o apprenhender e levar a seu dono, ou delle der noticia será
bem gratificado ”.
ÍNDICE
Prefácio 3
Memória Histórica de Xiririca Antonio Paulino de Almeida .. 5
Parte Geográfica 7

Сар . I – A Região Sul Paulista 25


Сар .. II A Região da Ribeira Acima 31
Сар .. III Mineração de Ouro 37
Сар . IV O Livro do Tombo de Xiririca 49
Сар . V Erecção da Capella de Nossa Senhora da Guia de
Xiririca Sua Desmembração da Igreja de Iguape 53
Сар.. VI – Das Companhias de Ordenanças 59
Cap.. VII Primeiros Povoadores 69
Cap . VIII As Grandes Enchentes 87
Cap . IX Mudança da Freguezia para o Porto da Ilha Formosa
De inteligências Havidas Entre os Moradores 95

Apêndice
I A Cidade Velha 103
II Formosa da Ribeira 105
III Breves Notas sobre os Sambaquis de Cananéia 109

Сар . X Transferência da Imagem de N. S. da Guia 125

Сар .. XI O Capitão Gregorio Felix de Almeida Desordens


na Freguezia 133
Сар . XII Desmembramento da Freguezia 137

Cap . XIII O Município A primeira Camara e sua Insta


lação . 145

Cap . XIV Comarca de Xiririca 149

Cap. XV Ivaporunduva 153

Cap . XVI Lendas e Tradições 157

Cap . XVII Vultos Notáveis 163

Relatório das Atividades do Departamento do Arqui


vo do Estado Durante o Ano de 1954, e seu
Programa para o Exercício de 1955 169

Curiosidades da História Paulista J. Alberto


J. Robbe 191

Contrastes e Absurdos da Escravatura no Brasil


Americo Mendes 211
Composto e impresso ne
EMPRESA GRÁFICA EDITORA GUIA FISCAL
JOSÉ ORTIZ JUNIOR

RUA DA GLÓRIA , 653 SÃO PAULO


T

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