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Caminhos do Imperador

Conference Paper · November 2011

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3 authors, including:

Lucilene Antunes Correia Marques de Sa Ana Cláudia Bezerra de Albuquerque Borborema de Andrade
Federal University of Pernambuco Federal University of Pernambuco
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IV Simpósio LusoBrasileiro de Cartografia Histórica

Porto, 9 a 12 de Novembro de 2011


ISBN 978-972-8932-88-6

Ana Cláudia Bezerra de Albuquerque Borborema -


{ana.borborema;lacms}@ufpe.br
Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Tecnologia e Geoc iências
Departamento de Engenharia Cartográfica

Lucilene Antunes Correia Marques de Sá-


Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Tecnologia e Geociências
Departamento de Engenharia Cartográfica

Danielle Lôbo Bezerra de Abuquerque -


dannylobo@ibest.com.br
Engenheira de Petróleo

Caminhos do Imperador

Resumo

A partir de breves falas de um Brasil Colônia, as cidades históricas às margens do rio São Francisco fazem parte de um roteiro
turístico que atrai centenas de visitantes para a região todos os meses. A área de estudo escolhida está compreendida no Baixo
São Francisco que fica localizado entre os estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe. Duas décadas após seu
descobrimento, em 1522, o primeiro donatário da capitania de Pernambuco, funda a cidade de Penedo, em Alagoas. Cujo
cenário, abriga o destino do Imperador Dom Pedro II nos anos de 1859 e 1860. O presente trabalho tem por objetivo reunir a
iconografia deste tempo de império, e remontar a história caracterizando-a de forma a enfatizar os registros cartográficos como
sendo um retrato das feições geográficas da época, e validar a importância da navegação como elemento de integração
territorial na colônia. Advinda de memórias, contos e falas, a descrição da histórica cartografia do rio São Francisco pode ser
reunida em função do valor dado à iconografia desta época. Assim, ao longo deste período em que reina o império, os esforços
dirigidos ao projeto de apossamento do território às margens interioranas do rio, bem como de sua representação por meio dos
instrumentos ocidentais de conhecimento, constituíram um dos mais importantes vetores de viabilização colonial, a
representação espacial dos caminhos fluviais. Nesse processo, os registros cartográficos obtiveram um papel importante,
fossem enquanto instrumentos a serviço da orientação geográfica dos agentes da colonização ou na difusão destas
representações acerca do território. Por isso, tais registros configuram-se como fontes excepcionais para o conhecimento de não
só da primeira fase, mas também, de todo o período de império, especialmente se combinados com fontes documentais de
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naturezas diversas que se revelam integralmente inscritas nesse plano mais amplo de apropriação do território.

Palavras-chave: Cartografia de Império; Rio São Francisco

Abstract

From a brief speech of colonial Brazil, the historical cities on the river San Francisco are part of a sightseeing tour that attracts
hundreds of visitors to the region every month. The chosen area of study is included in the Lower São Francisco which is located
between the states of Alagoas, Bahia, Pernambuco and Sergipe. Two decades after its discovery in 1522, the first donee of the
captaincy of Pernambuco, founded the city of Penedo, Alagoas. Whose scenery, is home to the fate of the Emperor Dom Pedro II
in the years 1859 and 1860. This work aims to meet the iconography of this time of empire, featuring the history and reassemble
it in order to emphasize the records as a cartographic picture of the geographic features of the time, and validate the importance
of navigation as an element of integration within the colony. Arising out of memories, stories and speeches, the description of the
historical cartography of the Sao Francisco River may be collected depending on the value given to the iconography of this time.
Thus, throughout this period in which reigns the empire, the efforts directed to the design of seizure of the territory on the banks
of the river inland, and its representation through the instruments of Western knowledge, constitute one of the most important
vectors of viable colonial the spatial representation of the river paths. In the process, cartographic records obtained an important
role as instruments in the service were the geographical orientation of the agents of colonization or the spread of these
representations on the territory. Therefore, such records are characterized as exceptional sources for the knowledge of not only
the first phase, but also the entire period of empire, especially if combined with documentary sources of various kinds which
prove to be fully included in this plan more comprehensive appropriation of the territory.

Keywords: Mapping Empire; Rio São Francisco

A cartografia dos quinhentos

A primeira vez em que o São Francisco surge em formação cartográfica é no conhecido planisfério de D. Alberto
Cantino (Figura 1), que remonta a 1502. Nele, o rio do São Francisco surge na altura que lhe parece corresponder,
entre Porto Seguro, ao Sul, e baía de S. Miguel, ao Norte, tendo bem claro o seu nome histórico San Francisco. Sua
correnteza estende-se terra adentro, deixando-se terminar a não longa distância do litoral. Pelo estudo de Harisse
das cartas dirigidas ao duque de Ferrara por seu representante em Lisboa, Alberto Cantino, ficou conhecida quase
por inteiro a história deste mapa. Por ordem do duque, Cantino encomendou em princípios do ano de 1502, o mais
completo mapa que fosse possível obter das recentes descobertas de portugueses e espanhóis, tanto no Novo como
no Velho Mundo, e em 19 de novembro do mesmo ano foi remetido para a Itália o trabalho concluído, que custou a
soma de doze ducados de ouro – 1 ducado equivale a 3,5g de ouro de 0,986 de pureza. O nome do cartógrafo, não
figura no mapa, mas, é quase certo que Nicolay Canerio tenha sido o seu autor, pois o mesmo assinou outro mapa
que é essencialmente uma réplica do apresentado na Figura 1. O mapa deve ser considerado como o iniciador de
uma escola de cartografia que em poucos anos veio a suplantar a velha escola ptolomaica.

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Figura 1 – (a) Recorte do Planisfério de Cantino (1502); (b) Recorte com o rio em destaque
Fonte: COSTA (2007)
O nome dado de batismo ao rio surge devido ao hábito de denominar os pontos geográficos mais impressionantes,
bem como acidentes ou belas paisagens, de acordo com o calendário litúrgico, desta forma, conforme sua data de
descobrimento denominou-se em 4 de outubro de 1501 de rio do São Francisco. Para as diversas nações indígenas
que habitavam aquela região, aquelas águas tinham um nome antigo: Opara, apelidado de Pará que significa rio-
mar. Na linguagem literária, eis que surge o rio com diferentes denominações tais como: rio da unidade nacional, rio
das pérolas, rio das fronteiras, rio central, rio das entradas, rio dos currais, rio de Sebastião Alvares, rio do domínio,
rio das borboletas (canoas), rio do Brasil. A trajetória histórica dos caminhos fluviais do Velho Chico, contudo, esteve
profundamente ligada à dinâmica colonizadora baiana, tendo se notabilizado como rota para os produtores de
alimentos destinados ao abastecimento dos engenhos açucareiros. Fora também palco de intensa atividade
agropecuária às suas margens, fato que marcou intimamente a região denominada de Rio-dos-Currais, que desde
então, passou a ser visitada regularmente pelas naus européias e, mais tarde, seria o principal pavimento para a
colonização dos sertões goianos, o chamado Brasil-Central. Mesmo assim, a exploração estava limitada ao litoral,
principalmente por causa das tribos indígenas que defendiam seus territórios no interior. Assim, ergueram-se os
primeiros e pequenos arraiais, iniciando o domínio da região, onde havia o ouro e pedras preciosas.

Em 1553, o rei D. João III, ordenou ao Governador Geral Tomé de Souza a exploração das margens interioranas do
rio. O roteiro dessa viagem e uma carta do Padre Navarro são os primeiros documentos descritivos sobre o São
Francisco, tais acervos, estão disposto no Museu Imperial de Petrópolis, no Arquivo Histórico Nacional - Rio de
Janeiro/RJ, e na Casa do Penedo - centro histórico que reúne grande parte de documentos cartográficos do período
imperial - Penedo/AL. Da expedicionária viagem de Francisco Bruza Spinoza e do o Pe. João Aspilcueta Navarro,
organizada por mando do primeiro Governador Geral do Brasil nos anos de 1554 e 1555, extensão esta que ia de

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sua foz até o rio São Francisco no norte de Minas Gerais, passou a ser registrado o rio nos mapas do século XVII,
nos quais se começou a delinear a grande curva do rio São Francisco, adentrando o interior, em vez dos pequeninos
traços que o representavam nos primeiros mapas do Brasil.

A cartografia dos seiscentos

No Mapa do Brasil de João Teixeira Albernaz de 1631, neto de Luís Teixeira, este rio já atinge uma extensão de
cerca de 1500km, apesar de seu curso estar ainda muito deslocado para oeste. No Mapa do Brasil do Roteiro de
todos os sinais... na costa do Brasil (Figura 2; a), atribuído a Luís Teixeira (o velho; 1564 – 1613), de cerca de 1590,
o litoral encontra-se representado por meio de um vasto detalhamento de feições geográficas, e todos os principais
rios ao longo da costa estão nomeados. O rio São Francisco, surge no mapa, vindo de além Tordesilhas com traçado
praticamente Oeste-Este (Figura 2; b), interrompido por um sumidouro. Neste documento cartográfico, o litoral
brasileiro está rotacionado no sentido anti-horário em relação ao norte e esta diferença, resumi-se a 13 graus de
rotação entre a orientação do meridiano no mapa e sua real orientação. Em uma minuciosa análise dos documentos
cartográficos da época, pode-se chegar à exata descrição do sumidouro que nada mais era que a cachoeira de
Paulo Afonso. A origem do nome desta queda d’água é datada de 3 de outubro de 1725, na qual o português Paulo
Viveiros Affonso recebeu uma sesmaria nas terras da capitania de Pernambuco cujo limite era o rio São Francisco e
no local haviam grandes cachoeiras, nomeadas até este ano de Sumidouro, Cachoeira Grande e Forquilha (Figura
3). Estendendo seus limites para o outro lado do rio, Paulo Affonso teria criado o arraial que ficou conhecido como
Tapera de Paulo Affonso.

Figura 2 – (a) Mapa do Brasil (1585); (b) Recorte do Mapa do Brasil (1585)
Fonte: COSTA (2007)

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Figura 3 – Recorte da prancha N° 27-A (1860)


Fonte: Fundação Casa do Penedo
A partir daí, as águas do rio foram navegadas por dúzias de expedicionários que, aos poucos, consolidaram o
domínio sobre a exploração do São Francisco. A ocupação original, entretanto, ocorreu principalmente através das
sesmarias e suas subdivisões. Nos mapas da América portuguesa em que o rio São Francisco surge em formação
cartográfica, nota-se uma predominância da nomenclatura indígena no interior, ao contrário do litoral onde prevalece
a toponímia religiosa portuguesa que seguiu o calendário dos dias dos santos dos respectivos descobrimentos, tais
como: Monte Pascoal, Natal, Baia de Todos os Santos, rio de São Francisco, Espírito Santo, São Vicente, entre
outros.

A cartografia dos setecentos

Em 1700, eis que surge novamente em uma representação cartográfica o rio São Francisco, no documento, ganha
destaque a bacia do rio São Francisco, localizada na parte central do mapa. Nele, é representado grande parte do
Brasil oriental, desde a Ilha de Maranhão até ao sul de Santa Catarina (entre as latitudes 2 e 30 sul), suas
dimensões são de 225 x 120cm, e sua escala é de aproximadamente 1:1.480.000, sendo a projeção do tipo
Mercator. O mapa intitulado por Mapa da maior parte da costa e sertão do Brazil (Figura 4), extraído do original do
Pe. Cocleo e datado de 1700, encontra-se disponível no acervo do Arquivo Histórico do Exército (Rio de Janeiro).

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Figura 4 - Mapa da maior parte da costa e sertão do Brazil (1700)


Fonte: AHEx, Rio de Janeiro

Na cartografia dos Setecentos, as feições do rio São Francisco passam a ser representadas com o mesmo
comportamento, adentrando no território brasileiro no sentido leste-oeste, e em seguida descendo em direção à sua
nascente em Minas Gerais (Figuras 5 e 6).

Figura 5 – Mapa dos Confins do Brazil (1749)


Fonte: COSTA (2007)

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Figura 6 – Il BRASILE Ed Il Paese delle Amazzoni col Paraguai (1798)


Fonte: COSTA (2007)
A cartografia dos oitocentos

Os primeiros estudos para seu aproveitamento quanto à navegação fluvial foram elaborados durante o Império, dos
quais aqueles realizados por Liais e Halfeld foram os mais importantes, pela abrangência e pelo rigor técnico
aplicado. O primeiro, em 1852, o engenheiro francês Emmanuel Liais contratado pelo Imperador Dom Pedro II, fez
um estudo detalhado do rio e busca salientar as possibilidades de desenvolvimento através da navegação, desde as
nascentes até Pirapóra, observando o curso do rio das Velhas até Guaicuí. Um raríssimo exemplar do seu relatório,
denominado Hydrographie du Haut San-Francisco et du Rio das Velhas, datado de 1865, encontra-se no acervo da
biblioteca da CODEVASF. Em um segundo estudo, publicado no ano de 1855, o engenheiro alemão Henrique
Guilherme Fernando Halfeld contratado pelo Governo Imperial, desenvolveu estudos semelhantes, desde a
cachoeira de Pirapóra até a foz do rio, no Oceano Atlântico. Um exemplar do seu trabalho, denominado Atlas e
Relatório do Rio de São Francisco desde a Cachoeira de Pirapóra até ao Oceano Atlantico, datado de 1860,
encontra-se no acervo da biblioteca da CODEVASF outro, na Fundação Casa do Penedo – Penedo/AL, e o último,
na Biblioteca do Senado Federal. E é neste rico documento cartográfico que foca o presente artigo.

Em 1859, hospedasse em Penedo, no Paço Imperial, D. Pedro II. A presença no território ora Alagoano, ora

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Sergipano, do imperador e sua comitiva real estendeu-se até o ano de 1860. Roteiro que tinha por fundamentação
inicial, apresentar o Nordeste brasileiro, e conseqüentemente o rio São Francisco e seus encantos à comitiva.
Embora o diário de D Pedro II não contenha nenhuma base gráfica, pode ser considerado verdadeiro roteiro de
viagem do rio São Francisco, e também respeitado como sendo o primeiro guia turístico da região. Tal documento
encontra-se no acervo do Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis - Petrópolis/RJ.

Caracterização da área de estudo

O rio São Francisco percorre 2.700km desde sua nascente na serra da Canastra até sua foz no Oceano Atlântico
(Figura 7). Após a nascente, inicia-se o Velho Chico, com uma largura não maior do que dois metros, mesmo assim,
é um dos poucos rios perenes situados na área de estudo, sendo utilizado para diferentes finalidades sociais e
econômicas como: abastecimento de água para populações urbanas, abastecimento de agricultura irrigada,
aqüicultura, ecoturismo, navegação e exploração da hidroeletricidade através da Usina de Xingó, da Companhia
Hidroelétrica do São Francisco – CHESF. A área de estudo está situada no trecho entre a cidade de Paulo Afonso,
Estado da Bahia e sua foz, enveredando um total de 265km de extensão no sentido Oeste-Este, denominada de
Baixo São Francisco. Seu descobrimento é atribuído ao genovês Américo Vespúcio, que navegou em sua foz em 04
de outubro de 1501, e como rota de interiorização das Bandeiras nos séculos XVII e XVIII, foi denominado Rio da
Unidade Nacional.

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Figura 7 – Representação da área de estudo


Fonte: EMBRAPA

A trajetória histórica dos caminhos fluviais do Velho Chico, contudo, esteve intimamente ligada à dinâmica
colonizadora baiana, tendo se notabilizado como rota para os produtores de alimentos destinados ao abastecimento
dos engenhos açucareiros, vilas de Salvador e seu Recôncavo. Fora também palco de intensidade atividade
agropecuária às margens do rio, que desde então, passou a ser visitado regularmente pelas naus européias e, mais
tarde, seria o principal pavimento para a colonização dos sertões goianos, o chamado Brasil-Central.

A cartografia do Imperador
No estudo elaborado por Henrique Guilherme Fernando Halfeld, datado de 1860, a primeira descrição do rio na
altura em que se inicia a área de estudo surge após percorrer 255 léguas desde o porto imediato da cachoeira da

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Pirapóra (segundo descrições do engenheiro, a cachoeira tinha por altura 2.416 palmos e 6,4 polegadas). O Roteiro
intitulado por Atlas e Relatório do Rio de São Francisco desde a Cachoeira de Pirapóra até ao Oceano Atlantico,
encontra-se em bom estado de conservação e possui 32 pranchas de dimensão 63 x 46cm cada uma, das quais 5
são cópias e as demais são originais. Cada uma das pranchas do Atlas contém orientação do norte geográfico com
sua respectiva declinação magnética, escala numérica de 1:71250 e gráfica de 30000 palmos; escala de uma légua
de 3000 braços; e escala de uma légua marinha de 20 ao Grao, e uma grande quantidade de topônimos. Junto a
esta iconografia existe também um relatório no qual é feita a descrição das suas margens légua a légua, e por fim
têm-se os perfis longitudinais do rio.

A instrumentação

Os instrumentos utilizados para a confecção destas pranchas foram basicamente: o petipé gravado em uma régua
de latão ou madeira; o semi-círculo ou círculo dimensório sobre tripé com bússola; régua de duas braças ou vinte
palmos, dobrável de espessura proporcional ao seu comprimento; prumo; borrador – caderneta de campo; régua;
compasso; tinteiro; lápis. Dom Pedro II era um grande admirador das ferramentas de medições da época, dentre as
técnicas a que mais o impressionava era o relógio de sol e dentre os instrumentos, o sextante. Um último
instrumento chama a atenção, o imperador possuía dentre seus pertences, um quarto de círculo ou quadrante,
usado no cálculo da latitude para a medição da altura do sol inventado por R. Dudley. O estudo de HALFELD
disserta sobre as condições de navegação no rio São Francisco e seus afluentes, circunstâncias que as favorecem e
obstáculos que as dificultam desde a cachoeira da Pirapóra até o Oceano Atlântico. Devido ao fato de o Atlas conter
variadas unidades de medida, foi para este estudo convencionado de forma:

TABELA 1 – Medidas itinerárias empregadas nas construções em escala das representações cartográficas

Medidas Antigas Medida Decimal Metro


Polegada 2,75
Palmo 22,00
Braça 220,00
Légua 5555,55
Milha 2057,61

Fonte: Adap. MARQUES. Cartografia antiga. Tabela de equivalências..., p. 23, 53.

A escala

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Nas escalas gráficas e numéricas da América portuguesa, é comum o emprego de quatro medidas de comprimento
– polegada, palmo, braça e légua. Os perfis longitudinais por HALFELD apresentados correspondem com medidas
em léguas, que podem ser conhecidas pelo divisor, em partes iguais, do arco do meridiano terrestre, como na
expressão légua de 20 ao grao – aplicada pelo engenheiro, significando a légua cuja medida é a vigésima parte de
um arco de meridiano correspondente a um grau.

Topônimos e feições geográficas

A partir da análise e observações feitas sob as 7 pranchas nas quais está contido o baixo São Francisco, pode-se
reunir um conjunto de mapas, os quais têm por finalidade orientar e auxiliar as embarcações quanto às rotas que
deveriam ser tomadas ao se navegar pelo rio. As pranchas mostram, com nitidez, dezenas de pontos da área de
estudo e revelam também, detalhes geológicos surpreendentes. Existem detalhes curiosos, tais como a existência
de bancos de areia, nos quais sua formação segue o padrão que os torna assimétricos, já que na parte em que
recebe o fluxo da água se torna de inclinação moderada, ao passo que na parte oposta o declive é abrupto.

A área de estudo inicia-se na 325° légua, na qual narra HALFELD (1860, p. 44):

“Com correnteza de maior ou menor velocidade, e ás vezes encachoierado, desce o Rio


até a Cachoeira de Paulo Affonso. O braço que deste se separa no começo da ilha de
Taperá e segue entre esta e a margem direita, se acha igualmente encachoeirado e
sobrecarregado de cachopos e pedra de granito [...]”.

E desta forma segue o relatório, detalhando as feições geográficas de acordo com a perspectiva de seu autor. O
espaço amostral por ele analisado, permite concluir que as margens do rio São Francisco sempre foram de caráter
latifundiário.

Além do detalhamento do espaço geográfico por meio de técnicas topográficas, as pranchas do Atlas são ricas de
topônimos e informações com as alturas do rio ao longo de seu percurso. Segundo HALFELD (1860, p. 46), o porto
das Piranhas (Figura 8) encontrava-se no ano de 1853 a 82 palmos e 4 polegadas (18,15m) acima do nível do mar.
O topônimo Piranhas surgiu de um fato ocorrido no início do XIX, a partir de pesquisas pode-se chegar a sólida
história em que o pai ao pescar com o filho no rio Tapera fisgou uma piranha, ao voltar para casa, notou que havia
esquecido sua faca, então ordenou ao filho: - Vá até o porto da Piranha buscar o meu cutelo.

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Figura 8 – Recorte da Prancha N° 27-B (1860)


Fonte: Fundação Casa do Penedo

Quanto à batimetria, o estudo de Halfeld detalha em suas pranchas, as curvas de nível do rio, analisando em seu
relatório as rotas que deveriam ser navegáveis. O engenheiro representa com rigor estas feições em duas das 32
pranchas, a prancha de N° 31 e 32, um trecho do rio e sua foz respectivamente. Na prancha N° 31 (Figura 9), o
autor caracteriza com veemência o fundo do rio. Nela, o segmento do rio, é denominado de Caixão devido à
presença de muitos bancos de areia em seu relevo e com respeito à pedologia do local, o grão de areia do rio neste
trecho, era descrito pelo engenheiro, maior que no restante do percurso do rio. Esta característica permite avaliar
que o rio era tão perigoso neste local devido à troca de energia da água com o solo, pois quanto maior o grão, maior
a energia mecânica necessária para a movimentação deste sedimento. Esta prancha diferente das outras, possui
escala gráfica e numérica de 4000 palmos, ou seja, cada centímetro no mapa equivale a 88m.

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Figura 9 – Prancha N° 31 (1860)


Fonte: Fundação Casa do Penedo

Na Figura 10 pode-se ver com clareza uma das rotas desenhada por HALFELD, tais caminhos fluviais são utilizados
nos dias atuais com freqüência pelas embarcações locais. Nela, eis que surge a cidade de Penedo e do outro lado
do rio Carrapixo. Segundo MÉRO (1975, p. 25),

“o fato de ser o Penedo localizado à margem de um rio, constitui motivo importante para
o seu progresso. Logo, tudo o que Penedo foi e é, tem como fator importante e decisivo
a sua localização geográfica, ensejando a facilidade de acesso de novos valores que
chegaram para fazer circular as suas riquezas.”

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Figura 10 – Recorte da Prancha N° 30 (1860)


Fonte: Fundação Casa do Penedo

A presença do monarca

Em 1859, o último dos imperadores do Brasil, Dom Pedro II, aportava em Alagoas. E em sua viagem pelo rio São
Francisco, visitou quase todas as vilas ribeirinhas, a bordo de navios a vapor. A descrição desta aventura encontra-
se no diário de Dom Pedro II, datado de 1859 e 1860. Nele o imperador disserta sobre as feições geográficas por ele
observadas. Tal documento encontra-se no Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis e como dito
anteriormente, não possui nenhuma base gráfica, apenas dados descritivos. Em estudos sobre a presença do
monarca em solo brasileiro, algumas referências bibliográficas afirmam que Dom Pedro II ficou tão encantado com o
encontro do rio São Francisco com o mar de águas verdes, que levou com ele um esboço que fez da bela paisagem.
Não há indícios da existência deste documento em nenhuma das bibliotecas ou arquivos históricos utilizados como

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referência neste artigo.

Na prancha N° 32, a última do Atlas, aparecem extremamente bem desenhados os detalhes das margens do rio e da
costa do continente americano em sua foz devido à escala utilizada de 17000 palmos em escala gráfica, na qual
cada centímetro de mapa equivale a aproximadamente 146,7m. Segundo alguns pesquisadores, estas feições,
seriam as mesmas vistas por Dom Pedro II em sua visita à foz. Ao adentrar no território brasileiro, percorrendo o rio
São Francisco, o imperador visitou os atuais municípios de Piaçabuçu (Figura 11a) Penedo, Porto Real do Colégio
(Figura 11b), São Brás (Figura 11c), Traipu (Figura 11d), Belo Monte, Pão de Açúcar (Figura 11e), Piranhas, Olho
d’Água do Casado, Delmiro Gouveia e Água Branca. Todos, presentes no Atlas HALFELD como mostra a figura 11.

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Figura 11 – Recorte das pranchas N° 27-A; 27-B; 28; 29; 30 do Atlas


Fonte: Fundação Casa do Penedo

Com demasiada representatividade, na Figura 12, pode-se ver com clareza, a Noroeste da prancha, a existência de
um banco de areia e à sua volta o desenho da rota que deveria ser tomada pelas embarcações. HALFELD expõe
com aproximada localização, a posição do canal principal e com traçado pontilhado, representa o canal próprio para
embarcações pequenas. No pontal ao norte da Foz, as feições interioranas do rio foram representadas para a baixa
mar, ou seja, o nível de suas águas eram superiores ao configurado na prancha. Desta forma, estudos afirmam que,
não havendo a ação antrópica, o extremo do pontal, tornar-se-ia uma ilha devido às fortes correntezas do canal
principal de sua foz.

Figura 12 – Recorte da prancha N° 32 do Atlas

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Fonte: Fundação Casa do Penedo


Considerações finais

A cartografia dos caminhos do imperador revela que apesar da visão fantasiosa dos cosmógrafos da época, os
documentos cartográficos por eles produzidos, possuíam muitos topônimos e expressões gráficas com os
significados que lhe foram atribuídos ou as características do espaço geográfico enfocado, tais como as legendas
cartográficas. E é desta forma que são encontrados na cartografia histórica do território brasileiro, datada do século
XVI ao XIX. Na cartografia estudada, particularmente a realizada a partir dos Oitocentos, chama a atenção, o
emprego das notas e explicações nas pranchas de HALFELD, como por exemplo, as anotações que indicam a
velocidade adequada a cada tipo de rota por ele desenhada em traçados pontilhados. A vegetação e relevo,
figurados pobremente na cartografia deste último documento analisado, são conhecidos por intermédio das
representações de artistas que acompanharam os viajantes naturalistas, e por meio das realizadas por estes nos
seus percursos de estudos no Brasil dos Oitocentos. Tais reproduções figuram e exploram excepcionalmente os
elementos de dimensão paisagística do território da América portuguesa e do Império do Brasil.

Intrinsicamente ligada à escala geográfica de abordagem da superfície terrestre encontra-se a escala cartográfica a
partir da qual se efetua a representação do espaço. Em sua grande maioria, as escalas são enunciadas por frases
no lugar de expressões numéricas ou gráficas. A esta cabe também ressaltar que devido ao fato de informarem
correspondências entre medidas, ao invés de expressarem apenas relações referentes às distâncias medidas nos
mapas e as distâncias reais correspondentes. No que concerne à cartografia histórica luso-brasileira, pode-se
considerar que houve esforços para se registrar a escala, transformando-se tempo de percurso em distâncias
itinerárias.

Os caminhos fluviais do Velho Chico foram para a conquista e demarcação territorial dos sertões de grande valia em
todo o processo de ocupação da América portuguesa. A iconografia deste tempo de império permite remontar a
história caracterizando-a de forma a enfatizar os registros cartográficos como sendo um retrato das feições
geográficas da época, e validar a importância da navegação como elemento de integração territorial na colônia.
Advinda de memórias, contos e falas, a descrição da histórica cartografia do rio São Francisco pode ser reunida em
função do valor dado à iconografia desta época.

Assim, ao longo deste período em que reina o império, e especialmente durante o primeiro século de efetiva
colonização, os esforços dirigidos ao projeto de apossamento do território às margens interioranas do rio, bem como
de sua representação por meio dos instrumentos ocidentais de conhecimento, constituíram um dos mais importantes

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vetores de viabilização colonial, a representação espacial dos caminhos fluviais. Nesse processo, os registros
cartográficos obtiveram um papel importante, fossem enquanto instrumentos a serviço da orientação geográfica dos
agentes da colonização ou na difusão destas representações acerca do território. Por isso, tais registros configuram-
se como fontes excepcionais para o conhecimento de não só da primeira fase, mas também, de todo o período de
império, especialmente se combinados com fontes documentais de naturezas diversas que se revelam integralmente
inscritas nesse plano mais amplo de apropriação do território.

Agradecimentos

Os autores deste artigo agradecem à Fundação Casa do Penedo, e em especial ao Dr. Francisco Alberto Sales pelo
apoio e colaboração ao dispor fatos e referências bibliográficas, trabalho que sem sua cooperação não seria tão rico
quanto é a verdadeira histórica cartografia do rio São Francisco.

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