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São Paulo / DEZEMBRO 2013

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Texto para o livro "Sociedade Limitada Contemporânea". In: AZEVEDO,


Luís André N. de Moura; CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de (Coord.). São
Paulo: 2013, Quartier Latin. p. 459-482

Autor: Bruno Fajersztajn


Ramon Tomazela Santos

O ÁGIO NA SUBSCRIÇÃO DE QUOTAS DE SOCIEDADE POR


RESPONSABILIDADE LIMITADA – ASPECTOS SOCIETÁRIOS E TRIBUTÁRIOS

1. Introdução

Com caráter eminentemente pragmático, o presente estudo tem o


objetivo de promover reflexões e contribuir para o debate a respeito de um tema
pouco explorado pela doutrina pátria, que consiste na incidência, ou não, do
imposto de renda sobre o valor recebido por sociedades limitadas a título de
ágio na subscrição de quotas.

O tema será desenvolvido em duas partes. Na primeira,


concentraremos nossa atenção a alguns aspectos societários envolvidos na
subscrição de quotas com ágio, a fim de demonstrar, ainda que sem a intenção
de esgotar o assunto, que existem razões econômicas e jurídicas que justificam o
registro do ágio em sociedades limitadas. Por certo, não temos a pretensão de
examinar as controvérsias societárias em seus meandros, com todos os
eventuais desdobramentos, mas apenas – repita-se – fornecer o arcabouço
conceitual e jurídico necessário para a boa compreensão dos fundamentos
tributários expostos neste trabalho.

Na segunda parte, examinaremos a questão central relativa à


incidência, ou não, do imposto de renda sobre o valor do ágio recebido pela
sociedade, o que exigirá a análise do conteúdo e do alcance da definição de renda

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prevista no artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), em contraponto com


o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977, o qual, em sua literalidade,
somente afasta a incidência do imposto de renda sobre ágio formado na
subscrição de aumento de capital em pessoa jurídica qualificada como sociedade
anônima.

Neste cenário, a questão que se coloca consiste justamente em saber


se: (i) a ausência de norma expressa afastando a incidência do imposto de renda
no caso das sociedades limitadas implica a tributação do ágio recebido na
subscrição de quotas; e (ii) se o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977,
citado acima, pode ser aplicado às sociedades limitadas, embora a sua redação
mencione apenas as sociedades anônimas.

É sabido que o registro de ágio na subscrição de quotas de


sociedades limitadas pode trazer riscos de questionamento na seara tributária,
principalmente em virtude da intepretação restritiva preconizada pela
Administração Fazendária em relação ao alcance do artigo 38, inciso I, do
Decreto-lei nº 1.598/1977, consolidado no artigo 442, inciso I, do Decreto nº
3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99).

Para compreender o imbróglio tributário, deve-se examinar,


inicialmente, o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977, que está assim
redigido:

“Art 38 - Não serão computadas na determinação do lucro real as


importâncias, creditadas a reservas de capital, que o contribuinte
com a forma de companhia receber dos subscritores de valores
mobiliários de sua emissão a título de:

I - ágio na emissão de ações por preço superior ao valor nominal,


ou a parte do preço de emissão de ações sem valor nominal
destinadas à formação de reservas de capital”.

Como se pode notar, o entrave fiscal que se antepõe ao registro de


ágio na subscrição das quotas de sociedades limitadas repousa na dicção literal
do artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977, o qual faz referência ao
“contribuinte com a forma de companhia”, bem como ao “ágio na emissão de
ações”.

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Sem embargo da insuficiência do elemento literal para a


interpretação jurídica, não soaria desarrazoado dizer, ao menos à primeira vista,
que o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977 somente afasta a
incidência do IRPJ no caso de ágio formado na subscrição de aumento de capital
em pessoa jurídica qualificada como sociedade anônima (companhia).
Diversamente, no caso de subscrição de aumento de capital em sociedade
limitada, seria forçoso concluir, nesta leitura isolada e apressada do texto legal,
que o valor do ágio deve ser integralmente computado para fins de
determinação do lucro real.

Essa exegese da lei tributária foi perfilhada pela Superintendência


Regional da Receita Federal (SRRF) da 8º Região Fiscal, na Solução de Consulta
nº 195, de 23.6.1997, segundo a qual o valor do ágio recebido por sociedade
limitada, ainda que creditado à conta de reserva de capital, deve ser computado
na apuração do lucro real. É o caso de transcrever a ementa da decisão:

“Ementa: ÁGIO NA EMISSÃO DE QUOTAS. Serão computadas na


determinação do lucro real as importâncias creditadas a reservas
de capital, que o contribuinte com a forma de sociedade por quotas
de responsabilidade limitada receber, dos subscritores de quotas
de sua emissão, a título de ágio, quando emitidas por preço
superior ao valor nominal”.

Essa interpretação superficial adotada pela Administração


Fazendária leva os profissionais da área a geralmente adotarem uma postura
mais pragmática, mediante a transformação da sociedade limitada em sociedade
anônima nas hipóteses em que os sócios pactuam contribuições desiguais ao
capital social, como forma de evitar os eventuais impactos tributários
decorrentes da incidência do IRPJ sobre o valor do ágio pago na subscrição 1.
Prefere-se transformar a sociedade limitada em sociedade anônima, com o intuito
de evitar o inconveniente de eventual discussão, administrativa ou judicial,
acerca da intepretação do artigo 38 do Decreto-lei nº 1.598/1977.

Talvez por isso a questão ora suscitada seja pouco explorada na


doutrina e na jurisprudência em matéria tributária. De qualquer forma, o tema

1 BOTREL, Sérgio. Fusões e Aquisições. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 325.

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merece análise um pouco mais detalhada, o que será feito no presente estudo,
sem, naturalmente, qualquer pretensão de esgotá-lo.

2. Aspectos societários

Em sentido comum, a capitalização pode ser definida como o


procedimento de constituição do capital social, por meio do qual o sócio ou
acionista fornece elementos produtivos indispensáveis ao exercício da atividade
empresarial. Ao optar pelo exercício de uma atividade econômica por intermédio
de uma sociedade personificada, dotada de personalidade jurídica, os sócios ou
acionistas devem contribuir para a formação do capital social, provendo os
meios de produção para a atividade econômica.

A capitalização tem estrutura complexa, que envolve a subscrição e


a integralização das ações ou quotas representativas do capital social.

A subscrição de ações ou quotas importa na assunção da obrigação


de contribuir para a formação do capital social por parte do subscritor, em
contrapartida ao recebimento de ações ou quotas representativas do capital
social da sociedade empresarial.

A seu turno, a integralização consiste no ato pelo qual o sócio ou


acionista cumpre a obrigação assumida no momento da subscrição, mediante a
efetiva entrega de determinada quantia em dinheiro ou a transferência de bens
para a sociedade.

Assim, os sócios subscrevem e integralizam quotas ou ações


representativas do capital social da sociedade empresária. A exigência de
constituição do capital social está expressa, basicamente, no artigo 997, inciso
III, do Código Civil 2, bem como no artigo 106 da Lei nº 6.404/1976, em relação
às sociedades anônimas 3.

2 “Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público,


que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: (...)
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender
qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária”.
3 “Art. 106. O acionista é obrigado a realizar, nas condições previstas no estatuto ou no

boletim de subscrição, a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas”.

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A contribuição para o capital social pode ser realizada com dinheiro


ou bens, sendo que, excepcionalmente, admite-se a integralização com prestação
de serviços, no caso de sociedade simples 4.

As participações sociais adquiridas conferem aos sócios ou


acionistas o direito de participar dos lucros passíveis de distribuição, bem o
direito de partilhar os haveres remanescentes nos casos de extinção total ou
parcial 5 do vínculo social, na proporção do quinhão por eles detido no capital
social da sociedade empresária.

Com relação ao valor da contribuição ao capital social, sabe-se que,


por razões de ordem negocial, a subscrição das ações ou quotas pode ser
realizada tanto pelo valor nominal, se houver, quanto por valor diverso,
conforme pactuado entre as partes à luz das circunstâncias do caso concreto. Se
a subscrição compreender montante superior ao valor nominal ou ao valor
destinado à formação do capital social, apura-se o ágio.

No caso da subscrição de ações, nas sociedades anônimas, o ágio


deve ser registrado como reserva de capital, nos termos do artigo 182, parágrafo
1º, “a”, da Lei nº 6.404/76. Confira-se a clareza do dispositivo:

4 O artigo 997, inciso V, do Código Civil admite, exclusivamente no caso de sociedades


simples, que o sócio contribua para o capital social mediante a prestação de serviços.
Porém, no caso de sociedade limitada, forma societária comumente utilizada para a
organização da atividade empresarial, o artigo 1055, parágrafo 2º, do Código Civil é
expresso ao vedar a integralização do capital por meio da prestação de serviços. No que
concerne às sociedades anônimas, o artigo 7º da Lei nº 6.404/1976 dispõe
expressamente que o capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro
ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, o que afasta, em
princípio, a possibilidade de sua formação mediante a prestação de serviços.
5 A extinção parcial do vínculo societário é gênero que compreende as seguintes

espécies: (i) exercício do direito de retirada; (ii) exclusão de sócio; (iii) morte de sócio;
(iv) dissolução parcial; (v) outras hipóteses previstas no contrato social que importem
na dissolução do vínculo em relação a determinado sócio (art. 1029 do Código Civil) (cf.
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução Parcial, Retirada e Exclusão de Sócio. 5ª
Edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 6)

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“Art. 182. A conta do capital social discriminará o montante


subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.

§ 1º Serão classificadas como reservas de capital as contas que


registrarem:

a) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor


nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor
nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do
capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de
debêntures ou partes beneficiárias”.

Como se pode notar, além da hipótese atinente à subscrição de


ações por valor superior ao nominal, o texto legal também contempla a
possibilidade de apuração de ágio quando as ações emitidas não possuírem valor
nominal e o valor de emissão ultrapassar a importância destinada à formação do
capital social.

De fato, o artigo 14 da Lei nº 6.404/76 prevê a possibilidade de


emissão de ações sem valor nominal, estabelecendo que, nesse caso, “o preço de
emissão das ações sem valor nominal será fixado, na constituição da companhia,
pelos fundadores, e no aumento de capital, pela assembleia-geral ou pelo conselho
de administração”.

As ações sem valor nominal foram introduzidas no direito societário


brasileiro pela Lei das S.A. com a finalidade de conferir maior flexibilidade às
sociedades anônimas, facilitando a captação de recursos no mercado, posto que,
nesta modalidade de ação, o valor da contribuição de cada acionista poderá ser
distinto, o que atende de forma mais adequada aos interesses da companhia,
inclusive para novas emissões de ação. Isso significa que, nas ações sem valor
nominal, o preço de emissão das ações pode ser fixado de acordo com a
realidade do mercado, sendo que novas ações podem ser emitidas pela
companhia por preço superior ou inferior às emissões anteriores.

Está claro o regime jurídico aplicável às ações, nas sociedades


anônimas.

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No caso das sociedades por responsabilidade limitada, o Código Civil


de 2002, não regulamentou o registro de ágio na emissão das quotas sociais e
tampouco previu a existência de quotas sem valor nominal. Além disso, o artigo
1055 admite a divisão do capital social em quotas com valores nominais
distintos. Eis a redação do preceito legal:

“Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou


desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio”.

É oportuno recordar que, antes da edição do Código Civil de 2002, o


ordenamento jurídico brasileiro filiava-se ao modelo influenciado pelo direito
francês, caracterizado pela pluralidade de quotas de valor igual 6. Dessa forma,
diante da impossibilidade de os sócios pactuarem contribuições ao capital social
com valores distintos 7, surgia, vez ou outra, a necessidade de registro de um ágio
na subscrição de quotas.

À primeira vista, essa evolução legislativa poderia sugerir que, com


a superveniência do Código Civil de 2002, a possibilidade de registro de ágio na
subscrição de quotas teria ficado prejudicada, na medida em que o referido
diploma legal passou a admitir a existência de quotas com valores nominais
desiguais. Essa não é, porém, a conclusão mais adequada. Isso porque a alteração
promovida pelo Código Civil, no sentido de permitir a atribuição der valores
diferentes para as quotas, não oferece uma solução conveniente, por assim dizer,
para os casos em que os sócios desejam pactuar contribuições com valores
distintos, mas com equilíbrio em relação aos direitos sociais, econômicos e
políticos decorrentes da participação societária.

6 Cf. MUNIZ, Ian. Fusões e Aquisições – Aspectos Fiscais e Societários. 2ª Edição. São
Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 40.
7 Segundo Rubens Requião, a prática comercial consagrou o regime de pluralidade de

quotas com idêntico valor nominal. Confira-se a lição do autor: “Esse sistema, de
fracionamento do capital social, em inumeráveis cotas, de igual valor, permitindo-se ao
sócio-quotista a tomada de tantas cotas quanto desejasse, por fim prevaleceu. Os usos e
costumes, pela força natural de que que se revestem, sobretudo no direito comercial, mais
uma vez venceram”. (REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Volume 1. 22ª
Edição. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 340).

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Esse ponto de vista baseia-se no enunciado normativo do artigo


1010 do Código Civil, cuja redação é a seguinte:

“Art. 1.010. Quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos
sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão
tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das
quotas de cada um.”

A leitura do dispositivo legal acima transcrito – em particular das


partes que foram destacadas em itálico no texto – revela claramente que, no caso
das sociedades limitadas, o direito de voto será exercido com base no valor total
das quotas detidas por cada sócio, independentemente do número de quotas.

Daí a conclusão de que a lei civil não contempla uma solução para os
casos de contribuições com valores distintos, mas com equilíbrio nos direitos
econômicos e políticos decorrentes da participação na sociedade empresária.
Afinal, sob a égide do artigo 1010 do Código Civil, o sócio que possuir as quotas
com valor superior também conservará, por consequência, a maior parcela do
poder de voto nas deliberações societárias, assim como um direito maior de
participação nos resultados 8.

Diante disso, é forçoso reconhecer que, em tais situações, os sócios


ainda podem optar pela subscrição de aporte de capital em sociedade limitada
com ágio, o que constitui providência indispensável para que os sócios que
contribuam com valores diferentes para sociedade possam, ainda assim, usufruir

8 Neste sentido, vale conferir a opinião de Ian Muniz: “(...) quer nos parecer que a
possibilidade admitida pelo Código Civil da existência de quotas com valores nominais
distintos, entretanto, não resolve um antigo problema, que vem a ser a viabilidade de
sócios poderem pactuar contribuições de valor distinto, mas com equilíbrio político e
econômico. Com efeito, sempre que se pretendia que dois sócios fossem fazer
contribuições de valores distintos, mas que o poder político e econômico entre os sócios
devessem ser iguais, eram as partes obrigadas a recorrer ao formato de sociedade por
ações. (...) Entretanto, a admissão pelo novo Código Civil da possibilidade de as quotas de
uma limitada possuírem valores distintos não resolve a questão indicada acima, visto que
o art. 1.010 determina que o direito de voto seja exercido levando em consideração o
valor das quotas e não o número de quotas (...)”. (MUNIZ, Ian. Fusões e Aquisições –
Aspectos Fiscais e Societários. 2ª Edição. São Paulo: Quartier Latin, 2011, pp. 40-42).

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de direitos equivalentes, com idêntica participação social, política e econômica


na empresa.

De mais a mais, cabe mencionar o que ordenamento jurídico não


veda a contribuição ao capital social em montantes distintos, mas com igualdade
de direitos. Assim, longe de atentar contra a lei, tal acordo entre os sócios
encontra fundamento na autonomia privada e na liberdade de contratar que vige
entre os particulares 9.

Assinale-se ainda que, em certas situações, o registro de parte da


contribuição do novo sócio como ágio na subscrição de quotas, longe de
expressar mera faculdade, constitui medida indispensável para refletir o
sobrevalor do patrimônio líquido em relação ao capital social. É que, após o seu
ingresso na sociedade, o novo sócio passa a deter o direito de participar dos
lucros passíveis de distribuição, bem como o direito de partilhar os haveres nos
casos de extinção total ou parcial do vínculo social.

Assim, caso a contribuição por ele realizada seja integralmente


revertida para a subscrição de novas quotas, o seu direito patrimonial perante a
sociedade implicaria uma perda para os demais sócios, em virtude da variação
indireta do seu percentual de participação no capital social. Isso é assim porque o
capital social serve de parâmetro para a distribuição e mensuração dos poderes
políticos e patrimoniais do sócio, sendo que, nas sociedades limitadas, os votos
são computados com base na expressão econômica das quotas.

Ainda que sob o risco de incorrer em repetições, permitimo-nos


enfatizar que, no caso de aumento de capital realizado por novo sócio, o registro
de parte do valor como ágio tem o objetivo de refletir os direitos patrimoniais
por ele adquiridos no momento da subscrição sobre o patrimônio constituído
pela sociedade em período anterior ao seu ingresso no quadro societário. Deriva

9 Nos limites desse trabalho, basta pontuar que liberdade de contratar advém do
disposto no inciso II do art. 5º da Constituição Federal e encontra respaldo no art. 421
do Código Civil, segundo o qual: “Art. 421 – A liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato.” Não é o presente trabalho o espaço
adequado para se discorrer sobre a função social do contrato, bastando ser pontuado,
no presente momento, que a subscrição com ágio não contraria esse preceito.

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daí a necessidade de registrar parte da sua contribuição como ágio, como forma
de preservar os direitos dos demais sócios.

Na mesma perspectiva, Mauro Rodrigues Penteado acrescenta que,


no ingresso de novos sócios, deve-se adicionar o cálculo de rentabilidade futura
ao valor do patrimônio líquido, para que o valor de mercado da participação
societária seja devidamente aferido 10. Confira-se o entendimento do autor:

“Isto porque os novos subscritores, estranhos ao capital social,


deverão equiparar-se, dessa forma, aos antigos acionistas, quanto
aos resultados pendentes, originados de atividades sociais
anteriores ao seu ingresso. É por isso que os novos subscritores
deverão pagar, na emissão de ações, o valor do ágio
correspondente a lucros futuros, ainda que incertos, cuja origem é
anterior ao ingresso de novos capitais que acabam de subscrever
na companhia” 11.

Conquanto tenha analisado o tema sob o prisma das sociedades


anônimas, afigura-se-nos de todo procedente o comentário, inclusive para as
sociedades limitadas. A realidade econômica justifica a existência do ágio, seja na
subscrição de ações, seja na subscrição de quotas. A forma jurídica da sociedade,
neste caso, é pouco relevante.

Não nos parece necessário aprofundar, neste trabalho, outras


situações que justificam a subscrição de capital com o ágio nas sociedades
limitadas. Para os propósitos que nos movem, importa apenas verificar que
10 A mensuração do valor econômico de uma pessoa jurídica é, no mais das vezes, feita
com base no método do fluxo de caixa descontado, por meio do qual os fluxos de caixa
gerados em anos anteriores à avaliação são projetados para o futuro, ao longo de certo
período de tempo. Apurado o valor acima, aplica-se uma taxa de desconto para refletir
o custo do capital, que representa o custo de oportunidade das fontes de financiamento
utilizadas pela empresa (capital de terceiros). Sobre o valor assim obtido, aplica-se um
taxa de juros que geralmente reflete os índices oficiais, por meio da qual se obtém o
valor presente dos fluxos futuros. O valor assim obtido representa a capacidade de
geração de lucro da empresa, que é o critério mais adequado para a sua avaliação
econômica. (FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução Parcial, Retirada e Exclusão
de Sócio. 5ª Edição. São Paulo: Atlas, 2012, p. 204).
11 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Aumentos de Capital das Sociedades Anônimas. 2ª

Edição. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 251.

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existem fundamentos jurídicos e econômicos que justificam o registro de ágio na


subscrição de quotas. E diante desse fato, importa dar relevância ao tratamento
tributário conferido ao ágio na subscrição de quotas, visto ser este o caminho
que nos conduzirá à irretocável conclusão de que o ágio recebido pela sociedade
limitada não está sujeito à incidência do IRPJ.

Nesse rumo, propomo-nos demonstrar que o artigo 38, inciso I, do


Decreto-lei nº 1.598/1977, longe de expressar uma norma de isenção, é
decorrência necessária da natureza jurídica do ágio, que consiste em autêntica
transferência patrimonial, que com renda não se confunde. É o que
procuraremos demonstrar no tópico seguinte.

3. Aspectos tributários

Para a exata compreensão da impossibilidade de tributação das


transferências patrimoniais, faz-se necessário analisar, ainda que brevemente, o
teor do artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN) 12, a fim de que o conceito
de renda e de proventos de qualquer natureza seja elucidado. Confira-se a
redação do dispositivo:

"Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e


proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a
aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou


da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os


acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

De início, cabe advertir que o artigo 43 do CTN cumpre a tarefa


atribuída ao legislador complementar pelo artigo 146, inciso III, da Constituição
Federal, exercendo a função de delimitar o campo de incidência e definir o fato

12Embora seja anterior à Constituição Federal, a Lei nº 5.172/1966, que instituiu o


CTN, foi recepcionada tanto pela nova ordem constitucional (1988), quanto por sua
antecessora (1967), com eficácia hierárquica de lei complementar12. Além disso, o
conceito de renda adotado no artigo 43 do CTN respeitou os limites impostos pelo texto
constitucional, motivo pelo qual se reconhece a sua recepção.

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gerador do imposto de renda. É inegável, portanto, que as leis ordinárias que


regulam a incidência do imposto não podem extravasar os limites nele
prefixados.

A intepretação do artigo 43 do CTN deve ter como ponto de partida o


exame isolado de cada dispositivo. O inciso I diz que a renda compreende o
produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. A seu turno, o inciso
II trata dos proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos
patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. A referência contida no
inciso II, que trata dos “acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso
anterior”, deixa claro que a espécie de renda contemplada no inciso I também
exige a presença de um acréscimo patrimonial. Dessa forma, para que haja a
incidência do imposto de renda, é indispensável a presença de acréscimo
patrimonial.

Nesse quadro, o inciso I do artigo 43 do CTN abrange os


rendimentos produzidos pela exploração de um patrimônio, os rendimentos
produzidos por meio do trabalho do seu titular, bem como os rendimentos
provenientes da combinação de ambos os fatores de produção (renda produto).
Por outro lado, o inciso II do artigo 43 do CTN trata dos proventos de qualquer
natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no
inciso anterior, o que abarca os acréscimos patrimoniais não derivados do
patrimônio ou do esforço pessoal do seu titular, o que equivale à teoria da
renda-acréscimo.

No entanto, é preciso ponderar que a teoria da renda-acréscimo não


foi adotada pelo legislador complementar em sua integralidade. Caso a teoria da
renda-acréscimo tivesse sido adotada de forma genuína, o artigo 43 do CTN não
precisaria sequer ter discriminado expressamente as fontes de produção de
renda (o capital, o trabalho ou a combinação de ambos), tampouco efetuado a
distinção entre renda, no inciso I, e proventos de qualquer natureza, no inciso II,
para posteriormente uni-los na vala comum dos acréscimos patrimoniais. Se
fosse essa a real intenção do legislador, bastaria que ele tivesse estabelecido que
o imposto de renda tem como fato gerador o acréscimo patrimonial de qualquer
origem ou natureza jurídica, em determinado lapso temporal. É dizer: acaso a
teoria da renda-acréscimo tivesse sido adotada em sua pureza, bastaria que
legislador complementar tivesse escrito que o fato gerador do imposto de renda

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corresponde ao acréscimo patrimonial de qualquer origem, sendo irrelevante a


sua fonte de produção.

Como isso não ocorreu, é necessário reconhecer que o legislador


complementar distinguiu a renda e os proventos de qualquer natureza do
acréscimo patrimonial gerado pelo ingresso de uma simples transferência de
patrimônio.

Em suma, significa dizer que o fato gerador do imposto de renda é


sempre o acréscimo patrimonial, embora nem todo fator de acréscimo
patrimonial integre o seu fato gerador, pois este somente compreende os
aumentos no patrimônio derivados de rendas ou de proventos de qualquer
natureza, mas não os provenientes de transferências patrimoniais. De um modo
geral, as transferências patrimoniais são acréscimos que vêm de fora do
patrimônio e não decorrem de qualquer atividade ou contraprestação
proveniente do patrimônio, sendo, na maioria das vezes, decorrentes de atos não
onerosos, com as doações e a herança.

A relevância da distinção entre renda e transferência patrimonial


fica mais evidente e irrefutável por meio da investigação do conceito de receita.
A renda, assim como os proventos de qualquer natureza, ingressam no
patrimônio por meio das receitas (fatos-acréscimos), que serão computadas na
apuração da renda auferida pelo contribuinte.

A receita corresponde ao elemento positivo que será computado no


cálculo da renda, ainda que a existência ou inexistência de renda somente seja
conhecida ao final do período de apuração, após a soma dos elementos positivos
e a subtração dos elementos negativos que compõem a base de cálculo do
imposto de renda.

Em traços largos, pode-se dizer que receita corresponde ao


elemento positivo produzido por fonte proveniente do próprio patrimônio da
pessoa jurídica, em caráter definitivo e contraprestacional, que corresponda à
remuneração pela venda de mercadorias, pela prestação de serviços, pela
aplicação do capital em investimentos, bem como pela cessão onerosa e
temporária de bens e direitos a terceiros.

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Daí afirmar-se que, além de representar um direito novo e positivo,


que adere ao patrimônio sem reserva, condição ou compromisso no passivo, a
receita deve ser produzida por fonte eficiente que integre patrimônio do titular.
Dessa forma, o conceito de receita exibe, como característica substancial, a
qualidade de produto (elemento positivo) oriundo de relações com terceiros,
mas gerado por uma fonte de produção que compõe o patrimônio de seu titular,
como na contraprestação por atos, atividades ou operações, bem como na
remuneração pelo emprego de recursos materiais, imateriais ou humanos.

Por outro lado, as transferências patrimoniais decorrem de ações


realizadas por terceiros, sem vínculo contraprestacional direto. Verifica-se, nas
transferências patrimoniais, a inexistência de elemento de comparação ou
vínculo imediato com posição patrimonial anterior do seu beneficiário. Diga-se,
ainda, que as transferências patrimoniais não são elementos positivos
provenientes da exploração patrimonial, do uso de um bem patrimonial ou de
atividade pessoal produtora do acréscimo patrimonial, pois a sua fonte de
produção é externa ao patrimônio do beneficiário.

Em suma, pode-se assentar que as transferências patrimoniais


representam um fluxo imediato de riqueza (elemento positivo), mas que não se
subsume ao conceito jurídico de renda (ou receita), por ser proveniente de um
fator de produção externo ao patrimônio do titular.

É importante repisar esse ponto. Além de a Constituição Federal


outorgar aos Estados a competência para tributar as transmissões a título
gratuito, o que, no mínimo, serve de balizamento para a tarefa do legislador
complementar de concretizar as materialidades dos tributos discriminados no
texto constitucional, convém enfatizar que a própria dicção do artigo 43 do CTN
impede a tributação das transferências patrimoniais.

De um lado, o inciso I do artigo 43 do CTN determina que o


elemento positivo a ser computado no cálculo da renda deve ser gerado por uma
fonte de produção, que poderá ser o capital, o trabalho ou a combinação de
ambos, os quais, inegavelmente, são elementos interno ao patrimônio do titular.
De outro lado, o inciso II do artigo 43, conquanto diga que os proventos
correspondem aos “acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso
anterior”, não tem âmbito de aplicação ilimitado. Ao contrário, o inciso II teve o
propósito de ampliar o conceito de renda, a fim de evitar discussões até então
existentes acerca da qualidade da fonte de produção do acréscimo patrimonial.

14
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De fato, a dúvida então existente consistia em saber se a fonte de


produção da renda deveria, necessariamente, ser durável, permanente ou
periódica, para fins de tributação pelo imposto de renda. O tema tinha notável
relevância na tributação dos ganhos eventuais (“windfall gains”), como no caso
das loterias e jogos, em que não existe fonte permanente ou reprodução
periódica, bem como na tributação dos ganhos de capital, que não pode ser
considerado um produto, eis que, nesta hipótese, a alienação do ativo que gera o
rendimento sujeito à tributação pelo imposto de renda também causa o
perecimento da sua fonte de produção, bem como a impossibilidade de sua
reprodução periódica.

Estas são, em linhas gerais, as razões que levaram o legislador


complementar a redigir o artigo 43 do CTN com dois incisos distintos. Se a real
intenção do legislador fosse tributar qualquer acréscimo patrimonial, inclusive
aqueles provenientes de causas externas ao patrimônio do seu titular, bastaria
que ele tivesse estabelecido que o imposto de renda tem como fato gerador o
acréscimo patrimonial de qualquer origem ou natureza jurídica, em determinado
lapso temporal, a ser mensurado mediante a comparação da situação
patrimonial do contribuinte em dois momentos distintos. Tal não se dá no artigo
43 do CTN.

Não por acaso, Ricardo Mariz de Oliveira 13 e José Luiz Bulhões


Pedreira 14, seguramente dois dos maiores expoentes em matéria de imposto de
renda no Brasil, compartilham o entendimento de que os acréscimos

13 Ricardo Mariz de Oliveira: “E, mesmo tendo em vista o art. 43 do CTN e a amplitude do
conceito de proventos de qualquer natureza, há uma distinção entre renda em sentido
lato (abarcando também proventos) e outros ingressos que não compõem a renda, por
serem transferências patrimoniais (...)”. “(...) as transferências patrimoniais distinguem-se
das receitas porque, ao contrário destas, que são produtos do esforço do próprio
patrimônio ou do seu titular, aquelas são injetadas de fora para dentro do patrimônio,
para que este passe a contar com novos recursos necessários à produção de suas receitas
e, por conseguinte, para frutificar”. (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do
Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin 2008, pp. 146-150)
14 José Luiz Bulhões Pedreira: “entendemos que o conceito constitucional de renda não

permite à lei ordinária sujeitar ao imposto sobre a renda as doações, as heranças e


quaisquer outras modalidades de transferência de capital”. (PEDREIRA, José Luiz
Bulhões. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: APEC, 1969, p. 2-24).

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São Paulo / DEZEMBRO 2013

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patrimoniais provenientes de causas externas ao patrimônio do contribuinte,


como as transferências patrimoniais, não estão compreendidos no campo de
incidência do imposto de renda. O próprio Rubens Gomes de Sousa, eminente
tributarista responsável pela redação do anteprojeto que resultou no CTN,
asseverava que “determinada soma de riqueza, para constituir renda tributável”,
deve “ser proveniente de uma exploração do patrimônio pelo seu titular, isto é, do
exercício de uma atividade que tenha por objeto fazer frutificar o patrimônio.
Assim, não é renda o acréscimo de patrimônio que não provenha de uma atividade
do seu titular” 15.

Alinhamo-nos, então, à doutrina de tais autores, por estarmos


convencidos de que, não apenas as regras de discriminação das competências
impositivas plasmadas no texto constitucional, mas também a interpretação
escorreita do artigo 43 do CTN, que exige a conjugação dos incisos I e II, como
atrás detalhamos, delimitam os acréscimos patrimoniais passíveis de incidência
do imposto de renda, com a exclusão daqueles que provêm de transferências
patrimoniais.

Para ilustrar o raciocínio, recorde-se que os exemplos mais comuns


de transferências patrimoniais são as doações e as heranças. Observe-se que, em

15 SOUSA, Rubens Gomes. Impôsto de Renda. Suplemento a 2ª Edição do Compêndio de


Legislação Tributária. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1955, p. 2. Para que não
reste dúvida, cabe esclarecer que Rubens Gomes de Sousa não era um defensor da
teoria legalista de renda, como o classificou Horácio A. García Belsunce em sua clássica
obra (BELSUNCE, Horácio A. García. El Concepto de Rédito em la Doctrina y em el
Derecho Tributario. Buenos Aires: Depalma, 1967, pp. 186-188). Na realidade, o
equívoco reside na interpretação isolada de excertos do trabalho de Sousa, como a
seguinte assertiva: “Não seria, portanto, exagerado ampliar a definição para dizer que o
imposto de renda é aquele que incide sobre o que a lei define como renda.” (SOUSA,
Rubens Gomes. “A Evolução do Conceito de Rendimento Tributável”. In: Revista de
Direito Público. Volume 17. São Paulo: RT, 1970, p. 339). Entretanto, pode-se dizer que
Sousa não concedia liberdade total ao legislador para definir o conceito de renda (como
na corrente legalista), mas, sim, colocava a lei como pressuposto para a incidência.
Assim, quis-se dizer que o simples fato de determinada riqueza ser considerada renda
sob o ponto de vista econômico não era, por si só, suficiente para justificar a incidência
tributária, sendo necessário que a lei definisse aquela materialidade como renda
(SOUSA, Rubens Gomes. “O fato gerador no imposto de renda”. Revista de Direito
Administrativo. Volume 12. Fundação Getúlio Vargas, 1948, p. 32-58).

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ambos os casos, há acréscimo ao patrimônio do donatário e do herdeiro, mas


esse incremento decorre de fator externo e não contraprestacional. Outro
clássico exemplo de transferência patrimonial, que com renda não se confunde, é
justamente o valor que uma sociedade recebe a título de aporte de capital.

Conforme ressalta Ricardo Mariz de Oliveira, “ninguém em sã


consciência vai dizer que o capital aportado pelos sócios à pessoa jurídica seja
valor tributável pelo imposto de renda, a despeito de representar um aumento no
patrimônio desta (...). Também ninguém cometerá o desatino de afirmar que o
capital inicial trazido para a sociedade quando da sua constituição seja receita ou
renda dela. Pois exatamente o mesmo ocorre com todas as espécies de
transferências patrimoniais” 16.

Ora, se a subscrição de capital constitui transferência patrimonial e


o ágio nada mais representa do que a diferença entre o valor nominal das ações
ou quotas e valor efetivamente subscrito, como visto no tópico anterior, é
forçoso concluir que o ágio não configura renda e não pode ser tributado pelo
IRPJ no âmbito da sociedade que o recebe.

Com respaldo nas considerações precedentes, podemos concluir que


o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977, ao estabelecer que o ágio na
emissão de ações por preço superior ao valor nominal, registrado em conta de
reserva de capital, não será computado na determinação do lucro real, tem
conteúdo meramente didático.

Casos há – e não raros – em que a lei tributária contempla normas


jurídicas que simplesmente explicitam a não incidência do tributo em
determinada situação de fato ou de direito, a qual, desde o início, não estava
sequer inserida no âmbito de aplicação da norma de incidência. Dito de outro
modo, conquanto a situação de fato não esteja inserta na hipótese de incidência
tributária, o legislador tributário, ainda assim, opta pela edição de texto legal
declarando expressamente que o tributo não incide naquela determinada
situação, sobretudo para evitar discussões e controvérsias a respeito do tema.

16OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier
Latin 2008, p. 149.

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O adjetivo didático, largamente utilizado para designar essa forma


qualificada de não incidência, justifica-se porque, ao contrário da isenção, a não
incidência independe da existência de dispositivo legal expresso, tendo em vista
que o seu conteúdo deflui de forma direta e inevitável da simples constatação de
que o fato não se encontra no campo de incidência do tributo. Na dicção de José
Souto Maior Borges, “a técnica legislativa consagra o expediente de se referir a
determinadas circunstâncias de ordem material ou pessoal, atos, fatos ou
acontecimentos, para qualifica-los não como fatos jurídicos (fatos geradores), mas
para deixar claro que eles não são abrangidos pela tributação” 17.

A maior prova do caráter didático do artigo 38, inciso I, do Decreto-


lei nº 1.598/1977 e, portanto, da sua desnecessidade para efeito de não
incidência do imposto de renda sobre o ágio na subscrição de quotas emitidas
por sociedade limitada, deflui diretamente da interpretação sistemática da
legislação tributária, sobretudo das regras que norteiam a apuração da base de
cálculo do IRPJ, no regime do lucro real.

No regime do lucro real, a base de cálculo do IRPJ é determinada


com base no lucro líquido apurado em determinado período de acordo com as
leis comerciais, ajustado pelas adições, exclusões e compensações prescritas
pela legislação tributária 18. Assim, o lucro líquido do exercício, apurado segundo
a legislação comercial 19, é o ponto de partida para a apuração do lucro real.

Os ajustes ao lucro líquido prescritos pela lei tributária constituem


um sistema de exceções taxativas, posto que, em regra, são tributáveis todos os
lançamentos a crédito em contas de receita e dedutíveis todos os lançamentos a
débito em contas de despesas, desde que não excepcionados pela lei tributária.

17 BORGES, José Souto Maior. Isenções Tributárias. 2ª Edição. São Paulo: Sugestões
Literárias, 1980, p. 157.
18 Artigo 6º do Decreto-lei nº 1.598/1977.
19 Vale lembrar que, durante a vigência do Regime Tributário de Transição (RTT), no

termos da Lei nº 11.941/09, a pessoa jurídica deverá apurar o lucro contábil com base
nas novas regras contábeis introduzidas durante o processo de harmonização do
modelo contábil vigente no Brasil aos padrões contábeis internacionais, para, em
seguida, efetuar ajustes específicos no FCONT (“Controle Fiscal Contábil de Transição”),
com o objetivo de reverter os efeitos decorrentes da utilização de critérios contábeis
distintos daqueles vigentes em 31.12.2007.

18
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Em contrapartida, o contribuinte somente pode efetuar adições (acréscimos) e


exclusões (decréscimos) ao lucro líquido, para efeito de determinação do lucro
real, nas hipóteses expressamente prescritas ou autorizadas em lei.

Com essas considerações a respeito da sistemática de apuração do


lucro real, é fácil perceber que os valores decorrentes da emissão de quotas com
ágio somente poderão ser submetidos à tributação pelo IRPJ nas seguintes
hipóteses:

(i) se o ágio de subscrição transitar por contas de resultado e


integrar o lucro líquido contábil apurado em conformidade com as
regras comerciais e, concomitantemente, a lei tributária não
determinar a sua exclusão para fins de determinação do lucro real,
mediante ajuste no LALUR; ou

(ii) se apesar de o ágio de subscrição não integrar o lucro líquido, a


lei tributária expressamente determinar a sua adição, para efeito de
determinação do lucro real a ser oferecido à tributação pelo IRPJ.

Detenhamo-nos, então, no exame mais acurado de cada uma delas.

A lei societária dispõe que o lucro líquido do período de apuração


consiste no resultado do exercício que remanescer depois de deduzidas as
participações previstas em lei. É bem de ver-se, portanto, que o ágio pago na
subscrição de capital não compõe o resultado do exercício social, que servirá de
base para a apuração do lucro líquido contábil.

Ao reverso, as importâncias recebidas pela pessoa jurídica em


virtude da subscrição de ações devem ser registradas apenas em contas
patrimoniais, sem trânsito por resultado, o que, por consequência, impede o seu
cômputo no lucro líquido do exercício. É o que dispõe o artigo 182, parágrafo 1º,
da Lei nº 6.404/1976, a seguir transcrito:

“Art. 182. A conta do capital social discriminará o montante


subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.

Parágrafo 1º Serão classificadas como reservas de capital as


contas que registrarem:

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a) a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor


nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor
nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do
capital social, inclusive nos casos de conversão em ações de
debêntures ou partes beneficiárias”.

Aliás, é oportuno observar que os dispositivos legais da Lei nº


6.404/1976 que disciplinam a escrituração e a elaboração de demonstrações
financeiras não se aplicam exclusivamente às sociedades anônimas. Tanto é
assim que o artigo 3º da Lei nº 11.638/2007 prevê expressamente que essas
regras são aplicáveis às sociedades de grande porte, qualquer que seja o seu tipo
societário. Para as demais sociedades, a exigência de observância das normas
contábeis decorre, principalmente, do artigo 6º do Decreto-lei nº 9.295/1946,
que outorga competência ao Conselho Federal de Contabilidade para editar
normas contábeis de natureza técnica e profissional, o que inclui os
pronunciamentos técnicos editados com espeque nas regras previstas na Lei das
S.A 20.

Como se vê, na ótica contábil, as reservas de capital não são


constituídas com base nos lucros auferidos pela companhia, mas, sim, a partir de
contribuições de acionistas ou de terceiros para o patrimônio líquido da
sociedade 21, como ocorre nas seguintes hipóteses: ágio da emissão de ações;
alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição.

20 É bom lembrar que o Código Civil de 2002 nasceu relativamente desatualizado na


parte em que regulamenta a escrituração mercantil, eis que a parte do anteprojeto
elaborada por Sylvio Marcondes (“da atividade negocial”), sob a supervisão do jurista
Miguel Reale, foi apresentada em 1975, antes, portanto, da edição da Lei das S.A. De
qualquer forma, o próprio artigo 1.189 do Código Civil contém normas programáticas
quanto à elaboração de certas demonstrações financeiras, as quais, enquanto não
editadas, seguem as disposições da Lei das S/A (vide art. 1189 do Código Civil).
21 Sob o ponto de vista conceitual, as reservas de capital representam substancialmente

os ingressos de capital ou patrimônio que vêm de fora da empresa, sem terem sido
gerados pelo emprego dos respectivos fatores de produção, distinguindo-os dos
ingressos de riquezas novas produzidas pela própria empresa, que são creditados à
receita, e, pois, transitam por resultado.

20
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Anote-se que, antes da edição da Lei nº 11.638/2007, também


integravam as reservas de capital o prêmio recebido na emissão de debêntures e
as subvenções para investimento. Porém, essa forma de registro contábil foi
suprimida durante o processo de harmonização do modelo contábil vigente no
Brasil aos padrões contábeis internacionais.

O procedimento contábil de registro do ágio de subscrição em conta


de reserva de capital é confirmado pelos professores Sérgio de Iudícibus, Eliseu
Martins, Ernesto Rubens Gelbecke e Ariovaldo dos Santos, da Fundação Instituto
de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (“FIPECAFI”), que assim
discorrem a respeito do tema:

“As reservas de capital são constituídas de valores recebidos pela


companhia e que não transitam pelo resultado como receitas, por
se referirem a valores destinados ao reforço de seu capital, sem
terem como contrapartidas qualquer esforço da empresa em
termos de entrega de bens ou de prestação de serviços. Constam
como tais reservas o ágio na emissão de ações, a alienação de
partes beneficiárias e de bônus de subscrição. Essas são transações
de capital com os sócios” 22.

É fácil perceber, portanto, que a reserva de capital decorrente de


ágio na subscrição de quotas não contribui para a formação do resultado do
exercício social, o qual, nos termos do artigo 191 da Lei nº 6.404/1976, servirá
como ponto de partida para a apuração do lucro líquido contábil, após a
subtração das parcelas previstas em lei. Veja-se:

“Art. 191. Lucro líquido do exercício é o resultado do exercício que


remanescer depois de deduzidas as participações de que trata o
artigo 190”.

E não poderia ser de outro modo, porquanto o ágio na subscrição de


quotas tem natureza jurídica de transferência de capital.

22IUDÍCIBUS, Sério de (et al). Manual de Contabilidade Societária. São Paulo: Atlas,
2010, p. 349.

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É importante insistir neste ponto. O valor do ágio pago pelo


subscritor das quotas tem natureza jurídica semelhante 23 a da contribuição
realizada ao capital social. Na subscrição de capital social com ágio, uma parcela
da contribuição realizada pelo sócio é creditada à conta de capital, ao passo que
o ágio é levado a crédito da conta de reserva de capital. Entretanto, as duas
parcelas não configuram receitas ou rendimentos para efeito de cômputo no
resultado operacional ou não operacional, motivo pelo qual não devem, por sua
própria natureza, integrar o lucro líquido.

Nesta altura da exposição, uma objeção poderia ser levantada. É que


a contribuição do sócio ao capital social não configura renda por provocar efeito
meramente permutativo, na medida em que não implica acréscimo de
patrimônio, uma vez que o capital injetado é contraposto por uma dívida da
sociedade perante os sócios, representada pela quota social. É por isso que o
montante do capital figura no passivo do balanço patrimonial da sociedade, por
representar um débito desta para com os sócios. Como esse passivo não é
exigível enquanto a sociedade permanecer ativa, o seu registro é efetuado no
patrimônio líquido, nos termos do artigo 178, parágrafo 2º, alínea “d”, da Lei nº
6.404/1976. Por outro lado, o ágio de subscrição consiste no valor de entrada
que a sociedade exige dos novos sócios, com o intuito de estabelecer um
equilíbrio entre os sócios novos e os antigos. Não há, porém, uma obrigação
contraposta ao valor do ágio de subscrição, de modo que o respectivo montante
configura um acréscimo patrimonial para a sociedade, o que acaba por suscitar
as dúvidas a respeito da incidência, ou não, do imposto de renda.

Embora impressione à primeira vista, a controvérsia não parece ser


de intricado deslinde. É que a contribuição ao capital não constitui renda por
duas razões igualmente relevantes: primeiro, porque não é renda o fluxo
financeiro que acarrete para o seu beneficiário uma nova obrigação, como
ocorre no contrato de mútuo e na própria contribuição ao capital social, por
meio da qual a sociedade registra uma dívida com o sócio; segundo, porque a

23 As diferenças residem basicamente no fato de que o capital social representa uma


dívida da sociedade com o sócio, bem como na circunstância de que o ágio pago na
subscrição não confere direito de participação nos resultados da atividade empresarial,
de forma direta, imediata e calculada sobre o respectivo valor. Porém, para fins
tributários, não há dúvida de que as duas parcelas caracterizam-se como transferências
patrimoniais.

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contribuição ao capital tem natureza jurídica de transferência patrimonial, por


ser proveniente de fonte de produção externa ao patrimônio da sociedade.

De outra parte, ao contrário da contribuição ao capital, o ágio de


subscrição não representa um débito, uma dívida, da sociedade perante o sócio.
Mas ele ainda assim não configura renda por possuir natureza jurídica de
transferência patrimonial, sendo esse aspecto suficiente para afastá-lo da
incidência do imposto de renda, nos termos do artigo 43 do CTN.

A exegese ora advogada foi perfilhada, diga-se de passagem, por


Ricardo Mariz de Oliveira, em sua obra a respeito do imposto de renda. Ouçamo-
lo:

“As demais transferências patrimoniais – subvenções, doações,


ágios etc. – equiparam-se ao capital social por também virem de
fora e sem qualquer participação do patrimônio societário ou do
seu titular em benefício direto dos patrimônios de onde provêem,
apenas se distinguindo do capital social por não atribuírem
qualquer direito de sócio aos transferidores delas. Em outras
palavras, exatamente o mesmo que ocorre quanto ao capital social,
na sua constituição inicial ou quando aumentado, ocorre com as
demais espécies de transferências patrimoniais, porque, na
essência, todas elas representam ingressos semelhantes ao capital
aportado pelos sócios, com a única diferença de que não redundam
em direito de participação societária. Portanto, há uma distinção
profunda entre renda ou receita e aumento patrimonial por
ingresso de uma transferência de patrimônio” 24.

Não é à toa, portanto, que as normas comerciais determinam o


registro do ágio pago na subscrição de ações ou quotas em conta de reserva de
capital, sem o trânsito dos recursos correspondentes pelo lucro líquido contábil,
seja nas sociedades anônimas, seja em outros tipos societários, como a
sociedade limitada, objeto do presente estudo.

Aliás, é precisamente por isso que o artigo 38 do Decreto-lei nº


1.598/1977 estabelece que o valor correspondente ao ágio na subscrição de

24OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. Quartier Latin, 2008,
pp. 149-150.

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ações deve ser mantido em conta de reserva de capital. Não se trata de mero
capricho do legislador, mas, sim, de regra que observa a sua autêntica natureza
jurídica de contribuição ao capital, motivo pelo qual a pessoa jurídica deve
observar o seu regime jurídico próprio. Como exemplo, o artigo 200 da Lei nº
6.404/1976 estabelece que as reservas de capital somente poderão ser
utilizadas para: absorção de prejuízos que ultrapassarem os lucros acumulados e
as reservas de lucros; resgate, reembolso ou compra de ações; resgate de partes
beneficiárias; incorporação ao capital social; pagamento de dividendo a ações
preferenciais.

Com estas palavras, é possível afirmar, com segurança, que o ágio na


subscrição de quotas, mesmo após as alterações promovidas pela Lei nº
11.638/2007 nas regras contábeis, continua a ser creditado diretamente em
conta de reserva de capital no balanço patrimonial, sem transitar por contas de
resultado do exercício.

Nesta ordem de ideias, não é preciso grande esforço para concluir


que não estamos diante de uma expressão econômica que integra o lucro líquido
contábil apurado em conformidade com as regras comerciais. E isso é assim não
por qualquer questão de ordem contábil, mas, sim, porque os valores recebidos
pela sociedade a esse título não são renda dela, mas meras transferências
patrimoniais.

Por consequência, tem-se que o respectivo montante somente


poderia influenciar na apuração do lucro real se a lei tributária expressamente
determinasse a sua adição ao lucro líquido, por meio de ajuste no LALUR.

Não é o que sucede com o ágio de subscrição. Conforme enfatizado


acima, o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977 prescreve que “não
serão computadas na determinação do lucro real as importâncias” que a
companhia “receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título
de ágio na emissão de ações”.

Salta aos olhos que a lei tributária não prescreve um ajuste de


adição ao lucro líquido contábil, para o acréscimo de determinada importância
ao lucro tributável. Dito de outra forma, o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº
1.598/1977 não impõe o acréscimo de resultado, rendimento, receita ou outro

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valor que não foi computado no lucro contábil, mas que deve integrar o lucro
tributável do período base.

Disso resulta que, em termos rigorosos, o dispositivo legal em


questão somente produziria efeito ativo e concreto se o ágio pago na subscrição
integrasse o lucro líquido contábil, que sofrerá os ajustes para efeito de
determinação do lucro real. Não é isso, porém, o que ocorre no âmbito da
escrituração comercial, na qual o ágio é registrado diretamente em conta de
reserva de capital, o que corrobora a afirmação de que o artigo 38, inciso I, do
Decreto-lei nº 1.598/1977 tem conteúdo meramente didático.

Repita-se. Se o ágio, por sua natureza de transferência patrimonial, é


registrado como reserva de capital e, por isso, não integra o lucro líquido da
sociedade, e não existe qualquer norma determinando a sua adição para efeito
de apuração do lucro real, é evidente que o valor assim recebido está sujeito à
incidência do imposto de renda.

Como se vê, a ausência de trânsito pelo lucro líquido contábil e a


falta de norma jurídica determinando a adição do ágio para fins de determinação
do lucro real não dão margem a outra exegese, senão a de que o respectivo valor
não integra a base de cálculo do IRPJ.

Na esfera administrativa, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção do


Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), no acórdão n. 1201-
00.036, de 12.05.2009, acertadamente considerou que o ágio na aquisição de
quotas de capital das sociedades de responsabilidade limitada não deve compor
o lucro líquido do exercício, tampouco ser adicionado a ele para fins de
determinação do lucro real. Eis a ementa da decisão:

“Ementa: ÁGIO NA SUBSCRIÇÃO DE QUOTAS - o ágio na aquisição


de quotas de capital das sociedades de responsabilidade limitada
não deve compor o resultado comercial do exercício. Como inexiste
disposição que determine sua adição para fins de determinação da
base de cálculo do imposto de renda, também não deve compor o
lucro real”.

A diretriz pretoriana reflete a interpretação propugnada no


presente estudo. É bem de ver-se, entretanto, que o precedente é isolado. A

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escassez de decisões a respeito do tema provavelmente decorre do fato, relatado


no início do presente estudo, de os profissionais que militam na área optarem
por transformar a sociedade limitada em sociedade anônima, com o objetivo de
evitar eventuais litígios tributários com o fisco federal.

Seja como for, estamos convencidos da absoluta correção dos


fundamentos adotados pelo CARF no exame da matéria, aos quais, portanto,
manifestamos nossa inteira adesão. Para o futuro, resta pugnar para que os
demais precedentes adotem o mesmo tirocínio que levou o CARF a tão bem
afastar a incidência de imposto de renda sobre o valor recebido por sociedade
limitada a título de ágio na subscrição de quotas.

4. Conclusões

Ao ensejo de conclusão do presente estudo, esperamos ter


demonstrado que, sob a perspectiva da lei societária, é plenamente justificável o
pagamento de ágio na subscrição de quotas de sociedades limitada. Não se deve
perder de vista que há situações em que a alocação de parte da contribuição do
novo sócio como ágio tem o objetivo de evitar inconvenientes na distribuição
dos poderes políticos e patrimoniais dos sócios.

Ademais, o ordenamento jurídico não veda a contribuição ao capital


social em montantes distintos, mas com igualdade de direitos políticos. Assim,
longe de atentar contra a lei, tal acordo entre os sócios encontra fundamento na
autonomia privada e na liberdade de contratar que vige entre os particulares. No
caso de aumento de capital realizado por novo sócio, o registro de parte do valor
como ágio tem o objetivo de refletir os direitos patrimoniais por ele adquiridos
no momento da subscrição sobre o patrimônio constituído pela sociedade em
período anterior ao seu ingresso no quadro societário.

Com relação ao direito tributário, vimos que o artigo 43 do CTN


delimita os acréscimos patrimoniais passíveis de incidência do imposto de
renda, com a exclusão daqueles que provêm de transferências patrimoniais.

Assim, o artigo 38, inciso I, do Decreto-lei nº 1.598/1977, ao


estabelecer que o ágio na emissão de ações por preço superior ao valor nominal,
registrado em conta de reserva de capital, não será computado na determinação

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do lucro real, simplesmente reitera que essa situação está fora do campo de
incidência do imposto de renda delimitado pelo CTN, no exercício de
competência que lhe foi atribuída pela Constituição Federal.

Ademais, no âmbito da escrituração comercial, o ágio é registrado


diretamente em conta de reserva de capital, de modo que o respectivo valor
somente poderia ser submetido à tributação pelo IRPJ se a lei tributária
expressamente determinasse a sua adição, para efeito de apuração do lucro real.
Ocorre que não há qualquer dispositivo legal que prescreve a adição do ágio na
subscrição de quotas de sociedades limitadas.

Logo, diante da ausência de trânsito pelo lucro líquido contábil e da


falta de norma jurídica determinando a adição do ágio para fins de determinação
do lucro real, a conclusão não pode ser outra senão a de que o artigo 38, inciso I,
do Decreto-lei nº 1.598/1977 tem conteúdo meramente didático.

Por consequência, a ausência de texto legal expresso para as


sociedades limitadas não implica a incidência do imposto de renda sobre o ágio
pago na subscrição de quotas. A uma, porque as transferências patrimoniais
estão fora do campo de incidência do imposto de renda. A duas, porque o ágio
pago na subscrição de quotas, registrado em conta de reserva de capital, não
compõe o lucro líquido contábil apurado em conformidade com as regras
comerciais, o que nos leva à conclusão – de resto irretorquível – de que o
respectivo montante somente poderia influenciar na apuração do lucro real se a
lei tributária expressamente determinasse a sua adição ao lucro líquido, por
meio de ajuste no LALUR, o que não ocorre, como visto.

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