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MILTON SANTOS

o Centro da Cidade
do Salvador
Estudo de Geografia Urbana

,~'.'"'.

EOUFBA
Copyright © 2008 by Família Santos

Título original em francês: Le centre de la vil/e de Salvador: Étude de géographie urbaine.


Tese apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Strasbourg, para obtenção do
Doutorado da Universidade e aprovada com a menção "tres honorable, avec les félicirations
du jury". Srrasbourg, 1958.

I" edição 1959 (Publicações da Universidade da Bahia)


r edição 2008 (EdusPJEdufba)

Ficha catalográfica elaborada pelo Deparramenro


Técnko do Sistema Integrado de Bibliolecas da USP

SanlOs, Milton.
O Centro da Cidade do Salvador: Estudo de Geografia Urbana 1
Milton Santos. - 2. ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo; Salvador: Edufba, 2008.
208 p.; 21 cm. - (Coleção Milton Santos; 13)

Inclui mapas.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-314-1119-9 (Edusp)
ISBN 978-85-232-0533-1 (Edufba)

1. Geografia humana. 2. Sociologia urbana. 1. Título. 11. Título:


Estudo de geografia urbana. m. Série.

CDD-307.76

DireilOs reservados à

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6" andar - Ed. da Antiga Reitoria - Cidade Universitária
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www.edufba.ufba.br-email: edufba@ufba.br

Printed in Brazil 2008

Foi feito o depósiro legal


SUMÁRIO

Prefácio ......................................................................................~ ............... 9


Prefácio à Edição Francesa ....................................................................... 17
Nota Prévia .............................................................................................. 19
Aditivo para a Edição Brasileira ....... ~ .................................................... 25 0.0

Introdução ............................................................................................ :.. 27

1. FORMAÇÃO DA CIDADE E EVOLUÇAo DA REGIÃO ....................................... 35


A Escolha do Sítio: De Cidade-Fortaleza a Capital do Recôncavo ...... 38
Incorporação do Sertão à Zona de Influência do Salvador ................... 41
A Organização do Espaço Regional. .................................................... 43
Amortecimento Demográfico e Introdução
dos Transportes Mecânicos .................................................................. 46
O Crescimento Recente da Cidade ....................................................... 49
A Ocupação Atual do Sítio .................................................................. 56

2. As FUNÇOES DO CENTRO DE SALVADOR ........ : ............................................ 67


A Função Portuária ............................................................................. 69
A Função Administrativa ..................................................................... 75
A Função Comercial ............................................................................ 77
A Função Bancária ............................................................................. 88
A Função Industrial e Artesanal .......................................................... 90
3. A PAISAGEM URBANA E A VIDA DO CENTRO DA CiDADE. ........................... 101
A Paisagem ....................................................................................... 103
A Vida .............................................................................................. 122

4. A ESTRl.JfURA URBANA DOS BAIRROS CENTRAIS ....................................... 153


Tipos de Construções ....................................................................... 154
Exemplos de Ruas ............................................................................ 170

Conclusão .............................................................................................. 191


Ilustrações e Fotos .................................................................................. 201
Bibliografia ............................................................................................ 203
PREFÁCIO

"
A
medida que a estrurura econômica das sociedades vai se
transformando, com a preponderância dos setores secundá-
io e terciário sobre o primário, a distribuição demográfica
modifica-se, paralelamente, no sentido do adensamento e das concen-
trações urbanas. A civilização contemporânea é uma civilização da
cidade. Países há, como os Estados Unidos, onde a população rural
já representa apenas 13,5% no total dos habitantes do país. Este
fenômeno é universal, e não parece haver perspectivas de ser susta-
do, pois embora existam indícios de saruração do setor industrial,
o terciário cada dia mais avulta de importância, aponto de haver
quem veja nisto a característica do mundo do fururo. E se existe uma
possibilidade de ruralização da indústria, o terciário, etapa fiTIal, é
típico da vida urbana; é a própria essência da cultura das cidades.
.
,"m
Este evolver acelerado - pois é a partir da revolução in- >-
o
dustrial que a taxa de incremento da urbanização se intensifica o

fortemente - quebrou os padrões tradicionais da" vida citadina.


Até então, a cidade era uma criação harmônica, resultante
. de fatores físicos e culturais confluentes; era, sobretudo, um
fenômeno social, espontâneo, embora vinculado em geral às
necessidades econômicas de uma sociedade submetida a pressões
suaves. Desde então os centros urbanos passam a ser uma criação
consciente, atendendo ao imperativo da concentração industrial,
básico ao desenvolvimento capitalista. A esta altura, entretanto,
a nova filosofia da vida, impregnada do êxito social mediante o
enriquecimento, aumenta as pressões, sem que, simultaneamente,
houvesse uma preocupação quanto ao processo específico do
crescimento urbano.
A cidade, que até então era uma exteriorização de formas
sociais integradas, subordina,se ao mecanismo da usina, para a
qual a mão-de-obra desumaniza-se, assumindo o papel de mero
fator físico de "insumo". Deforma-se aquela "orquestração com-
pleta de tempo e de espaço", substituída pela sinfonia atônita de
desequilíbrios de toda sorte. Os componentes culturais perdem
toda significação hierárquica, e impera a subordinação de toda a
~
vida da comunidade ao determinismo econômico da produção.
o Na base desse tipo de transformação do conceito e da es-
o
<
> trutura da cidade está todo um complexo de desajustamentos,
o que vão dos aspectos infra-humanos dos cortiços, das favelas,
o
"o dos slums, dos bidonvil/es, às carências alimentares, sobretudo
< qualitativas, ao congestionamento dos transportes, resultante
o
Ü
<
da concordância cronométrica dos horários de trabalhos, às
o
o deficiências de toda a aparelhagem dos sistemas de distribuição
.z
~

de serviços. Ao lado disto, a incapacidade para organizar o novo


"u tipo de vida, como, por exemplo, para absorver em tipos úteis
o
de atividades as disponibilidades das horas de lazer, a quebra
de disciplina social, nos strata das classes menos favorecidas
altamente sugestionadas pelo "efeito de demonstração" dos
padrões de vida das classes possuidoras, contribui para ampliar
os quadros deste cortejo de angústias, que vão gerando um novo
quadro endêmico de uma patologia individual ou coletiva sui
generis, tipificada no aumento de moléstias mentais e cardíacas,
na elevação dos índices de criminalidade, num estilo educacional
excessivamente ptofissionalizado e imediatista etc.
Reconstruir a cidade, reintregrando-a na sua função pri-
mordial de ponto onde se concentram os destinos da civilização,
e onde esta triunfa do próprio tempo, pelo agrupamento de
várias camadas representativas de cada época, é a grande tarefa
do nosso século. O desafio recebido da imprevidência, e mesmo
da inconsciência dos nossos avós, da idade do carvão, do ferro
e do petróleo, tem de ser respondido pela mobilização de todos
os conhecimentos que a técnica e a ciência puseram ao nosso
alcance. Mais da metade da população do mundo, isto é, cerca
de dois bilhões de pessoas, vive hoje dentro dos limites urbanos.
E cresce dia a dia o seu número, sem que a infraestrutura seja
projetada para recebê-la em futuro próximo, pois a triste verdade
é que raras são as cidades, grandes ou pequenas, que tenham
elaborado um plano para um habitat harmonioso e equilibrado
dos seus descendentes, os quais já lhes batem às portas. O que
nos domina, ainda, é toda uma política do momento presente,
de remendos frustrados e de acomodações penosas, deixando
aos que chegam, a trágica herança de aglomerados sem luz, sem
ar, sem alimentos, sem transportes; sem alegria, sem dignidade
e sem beleza.
À geografia urbana, à teoria locacional e ao planejamento
regional das cidades cabe a grande responsabilidade de modi-
ficar este triste cenário, esta mísera realidade. E para isto, não
lhes bastará todo o instrumental científico ou técnico; ser-lhes-á
também necessário obter, talvez até preliminarmente, uma mo-
dificação da atitude do homem em relação ao espaço no qual
terá de decorrer a vida de seus sucessores.
Neste sentido, o trabalho inicial será de promoção, de mo-
bilização da opinião mundial, escIarecendo-a quanto às origens,
à formação, ao crescimento, às possibilidades e aos destinos da
cidade. Destinos que precisam ser bem interpretados e compre-
endidos, para evitar que as nossas metrópoles, convertidas em
ruínas e cemitérios, passem a ser meros aglomerados de "frios
cubos entregues a bestas menos destruidoras que o homem".

•••
o trabalho que o Prof. Milton Santos apresentou à Univer-
sidade de Strasbourg, comO tese para douto~ado em Geografia
Humana - O Centro da Cidade do Salvador - e cuja edição em
português ora lançada em conjunto pela Universidade da Bahia
e Livraria Progresso Editora, é um belo exemplar de um novo
"o
o tipo de estudo que começa a ganhar terreno entre nós, com a
<
>
nova geração de geógrafos.
<
~

Tais estudos caracterizam-se pelo abandono da velha


.
o
o
concepção da Geografia como uma ciência apenas do espacial,
o
< quando ela também o é do temporal. Desta nova posição con-
o
u
<
ceituaI decorre uma outra atitude metodológica, que encara o
c
o fato geográfico como eminentemente dinâmico e não estático.
"
c
z Daí ser a geografia moderna uma ciência altamente especulativa
•u e indagadora, e não uma atividade de anacrônico descritivis-
o
mo. Daí a riqueza da sua contribuição como ciência aplicada,
mobilizando todo um acervo de fatos, agora conhecidos na sua
verdadeira significação, através de uma amostragem sucessiva
de cortes estruturais, que funcionam como outras tantas lâminas
de laboratório para um perfeito diagnóstico da fisiologia e da
anatomia da cidade.
Nesta linha é que o geógrafo baiano conduz o seu estudo.
Não admira, por isto, que o ~eu primeiro capítulo, introdutório,
seja um retrospecto da vida da Cidade do Salvador, desde que
surgiu cidade-fortaleza, alcandorada nos cimos das escarpas
centrais, cujo derredor acidentado, seu fundador afeiçoou ao
modo de fosso, ampliado e conjugado aos diques, um século mais
tarde, por estes magníficos construtores hidráulicos que são os
flamengos. Não admira ainda que vá buscar, na pesquisa eco-
nômica e demográfica, os mananciais necessários para explicar
toda a funcionalidade da nossa povoação "grande e forte", já
agora despida dos encargos de base militar, para assumir o papel
de centro dinâmico de toda uma enorme área, que dominava,
no século XVIII, das regiões auríferas do Norte de Minas aos
longínquos sertões de pastoreio do Piauí.
O seu preciso condensado da história destes quatro sécu-
los de vida da nossa Salvador - base de vigilância e sentinela
do imenso litoral brasileiro, sede de administração e elemento
polarizador da vida da colônia, porto de exportação de todo
aquele vasto arriere-pays e mercado consumidor da produção
sertaneja ou da orla marítima - é um primor de concisão. E se
dele discordamos em detalhes - como quanto à verdadeira ex-
pressão econômica da Bahia nos primeiros dias do século XIX,
por ele muito subestimada no nosso parecer, ou em relação ao ••"
•>-
estado estacionário dos engenhos. no curso do mesmo século, n
o
de que existem verossímeis testemunhas em contrário, como,
por exemplo, com a construção dos pouco estudados engenhos
centrais -, concordamos naquilo que de mais típico se apresenta
COmO a característica da vida e da função da Cidade do Salvador
na economia da Bahia de então: o porto.
Somente através de uma análise dessa espécie é possível
compreender a cidade, acompanhando o seu crescimento, os
seus fatores determinantes e condicionantes, para que se possa
prêver o seu futuro em proporções físicas e humanas, projetando
a sua expansão em função destes.
Daqui, dessas altas esplanadas e dos vales úmidos, partiram
os primeiros movimentos de expansão;. Salvador foi a encru-
zilhada necessária do açúcar, do fumo, do ouro, dos couros e
peles, num sentido; e, noutro, a dos escravos e dos colonos livres,
dos instrumentos rudimentares e das "tentativas de inovações
redentoras, da ordenação jurídica e das tradições culturais, que
haveriam de fundir num amálgama nacional, toda a diversificada
contribuição ética e social, num caldeamento adaptado à nossa
ecologia própria, dentro de cujas linhas estamos construindo uma
avançada civilização tropical, surpreendente para muitos.
Ao estudo dessa função portúária da Bahia, que seria o
"oo instrumento próprio e adequado para a dominação daquele ex-
<
> tenso polígono, incluindo do arco das praias do Sul, de onde nos
"<
o vinham as farinhas, à secante de rios como o São Francisco,'reúne
o
w O Prof. Milton Santos uma análise do fluir dos abastecimentos
o
< para a cidade que, pelo seu mercado consumidor, exerceu função
o
Ü
<
talvez não menos importante como elemento de integração da
o
o economia regional.
"z>- A essa altura, quando um novo traçado de comunicações
•u
vai reduzindo as dimensões dessa função marítima de feitoria, e
o
o interior começa a comercializar produtos e cultura com outras
;r regiões, sem o ponto de passagem obrigatório de Salvador - Fei-
ra, Jequié, Conquista, Ilhéus, Itabuna, recebendo e transmitindo
influxos culturais e econômicos por rodovias, aerovias, pelo rádio
ou pela imprensa -, somente uma apreciação valorizativa e mensu-
rada dessa evolução poderá indicar a necessidade da substituição
da estrutura e suas proporções, se é que a nossa cidade deve viver,
para o futuro, no mesmo ritmo de crescimento do seu passado.
Nesse particular são muito instrutivas, por exemplo, as
suas observações quanto à nova estrutura do comércio de bens
e serviços na .área baiana global, bem como quanto ao fluxo e
à composição da população da cidade, estudados aqui, como o
devem ser, em função dos movimentos da economia do Estado.
Fatos ComO a exportação direta pelo porto de Ilhéus da maior
parte do cacau baiano, resultando num deslocamento daquela
função exercida por Salvador durante quatrocentos anos; como
a ausência, no momento, de zonas baianas pioneiras (o que
constatamos em estudo nosso, numa análise de outro tipo);
comO a falta de indústrias capazes de absorver os excedentes
de mão-de-obra rural, focalizam um dos grandes problemas da
nossa comunidade, que precisa dar-lhes uma solução, sem a
qual a pressão do subemprego - invadida a cidade por hordas
de marginais - absorverá as nossas escassas poupanças, o desem-
prego reduzindo a capacidade de comunicação de acumulação
capitalista e, portanto, de investimento e de desenvolvimento.
Muito haveria a dizer ainda sobre o interessante trabalho do
Prof. Milton Santos, se pretendêssemos atirar-nos a uma tarefa de
condensação, aliás fascinante pelo atraente do assunto, de toda a
complexa problemática da nossa cidade e da nossa região, de so- ••
"
"n>-
lução não propriamente impossível, mas positivamente difícil.
o
Obra honesta, aguda e inteligente, dentro de uma metodo-
logia larga e atual, marca-a sobretudo, sendo entretanto obra
de pesquisa científica, seu sentido altamente pragmático, signo
dos trabalhos dos cientistas sociais brasileiros de nossos dias, o
que nos leva a reafirmar que a Geografia deixou de ser amena
literatura descritiva para transformar-se em ciência aplicada.

PINTO DE AGUIAR
Salvador, fevereiro de 1959

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PREFÁCIO A EDIÇÃO FRANCESA

ahia de Todos os Santos e de Todos os Poetas, Bahia, a

B Afro-Brasileira, teve seus historiadores e sociólogos. O pro-


fessor Milton Santos quis ser o seu geógrafo, procurando
compreender as relações complexas entre os homens e a natureza,
entre o passado e o presente. Sem abandono do rigor científico,
analisa as aparências para melhor compreender as almas.
Com prudência, o professor Milton Santos limitou seu es-
tudo ao próprio centro da Cidade do Salvador, mas sem nunca
o isolar arbitrariamente do resto da aglomeração urbana, nem
de um arriere-pays cuja extensão variou nO decurso dos séculos.
O estudo, que brilhantemente lhe valeu o título de Doutor da
Universidade de Strasbourg, inscreveu-se em bom lugar entre a
crescente série de publicações geográficas brasileiras. Trabalho
científico e universitário, o do professor Santos não é, por ou-
tro lado, desprovido de valor prático. Na geografia passa-se o
mesmo que em outras disciplinas para as quais os limites entre a
pesquisa pura e a pesquisa aplicada é cada vez mais convencional.
E estou certo de que Milton Santos, geógrafo e professor, jamais
se apresenta dissociado do Milton Santos, cidadão de Salvador.
Eis aí um bom livro e que, como tal, não tem mais necessi-
dade de prefácio ... Este se justifica inicialmente pela amizade que
nasceu entre nós já há muitos anos, quando, em terra paulista,
Milton Santos me falava de suas pesquisas em uma região que eu
próprio havia estudado outrora, a zona das plantações de cacau
no Sul da Bahia. Essas primeiras pesquisas permitiram ao seu
autor classificar-se entre os melhores da jovem e brilhante escola
geográfica brasileira, cujos laços Com a geografia francesa se
conhecem tão bem. O estudo do Centro da Cidade do Salvador
ainda mais os reforça, pois se inspira nos métodos e no espírito
de nossas monografias urbanas. Foi dirigido pelos professores
Juillard e Tricart, de quem tive a honra de ser colega na Faculdade
de Letras da Universidade de Strasbourg.
O Instituto de Altos Estudos da América Latina da Univer-
sidade de Paris acolheu COm a melhor boa vontade a tese, a um
tempo baiana e strasburguesa, do professor Milton Santos, fiel ao
"oo seu papel que é contribuir para fazer conhecida a América Latina,
<
> associando-se a todos aqueles que lhe consagram seu trabalho.
"
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PIERRE MONBEIG
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o Diretor do Instituto de Altos Estudos da
o América Latina da Universidade de Paris
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NOTA PRÉVIA

A
Cidade do Salvador, capital do Estado da Bahia, é a mais
antiga e característica das cidades brasileiras. Construí-
. da para ser a capital do país, durante três séculos foi
a aglomeração urbana mais importante. Seu porto, por onde
escoava a produção da agricultura comercial do Recôncavo, era
o mais movimentado.
Todavia, durante o último século, o eixo da economia
nacional se deslocou para o sul, e a capital baiana viveu um
período de quase estagnação, de crescimento lento, situação que
somente mudou a partir de 1940, de um lado porque um novo
dinamismo lhe foi comuilicado, e de outro lado porque acolheu
z
enormes vagas de rurais, tangidos do campo. o

Todos esses fatos marcaram, profundamente, a fisionomia


"'
>

da cidade e a sua vida, refletindo-se sobretudo no que hoje "
~

<
>
constitui sua parte central. As riquezas de que foi a depositária
durante OS primeiros séculos permitiram a construção de belas
igrejas e palácios, casarões e so brados que suportaram as ofensas
do tempo e continuam na paisagem como uma nota singular. Por
outro lado, uma certa ausência de dinamismo da vida urbana,
durante um largo período, não somente impediu um desenvol-
vimento maior da área central, como contribuiu igualmente
para a permanência do seu aspecto secular. Mas os sobrados,
havendo perdido sua destinação original, deterioraram-se até
construir o que, em conjunto, são hoje, isto é, uma área de
slums. O crescimento recente da cidade e a expansão de suas
atividades conduziram à modificação da fisionomia do centro,
provocando o aparecimento de grandes edifícios, construídos nos
espaços vazios, ou substituindo velhas casas. É a esse conjunto
que os baianos chamam "A Cidade", quando se referem à parte
alta, e "O Comércio", quando falam da parte baixa do centro
de Salvador. É aí que a vida urbana e regional encontra O seu
cérebro e o seu coração.
Esse quadro, tão rico de sugestões e de problemas, atraiu
a nossa atenção, Tivemos o desejo de o interpretar, de demons-
trar o mecanismo de sua ela boração, verificando a natureza dos
"oo pro blemas e sua hierarquia.
<
>
•< Essa tarefa - a tentativa de fazer um retrato do centro da
o ca pital do Estado da Bahia - nos pareceu temerária algumas
o
w vezes. Entretanto, as dificuldades surgidas no meio do caminho
o
<
o não nos desencorajaram; continuamos a analisar com o máximo
u
< de objetividade possível os elementos que caprichosamente se
o
o conjugaram para a ela boração de um quadro tão complexo.
."z Não podemos esquecer as primeiras trocas de idéias com
w
u nossos bons colegas e amigos da Universidade de São Paulo, J.
o
R. de Araújo Filho, Aziz Nacib Ab'Sáber e Antônio.Rocha Pen-
~ teado, e com O antigo secretário-assistente do Conselho Nacional
de Geografia, o saudoso professor José Veríssimo, dos quais
recebemos os primeiros incentivos para a realização de nossas
pesquisas. Em 1956, quando do Congresso Internacional de
Geografia do Rio de Janeiro, os professores Jean Tricarr e Michel
Rocheforr, respectivamente diretor e assistente do Instituto de
Geografia da Universidade de Strasbourg, estiveram em Salvador,
ocasião em que fizemos um largo debate a propósito do tema
escolhido, cujos limites, então, puderam ser fixados por nós. Seus
conselhos e sugestões foram-nos extremamente preciosos e nos
acompanharam durante toda a fase da coleta de dados.
Em 1957, Oprofessor Tricarr voltou ao Brasil para colaborar
em trabalhos de geografia aplicada, pedidos por organismos do go-
verno brasileiro e baiano, com Oobjetivo de ajudar o planejamento
da região seca do Estado da Bahia e do Nordeste brasileiro. Isto
nos permitiu expor-lhe os resultados de nossas pesquisas, dando-
lhe a ocasião de formular cerras críticas que utilizamos tanto para
pesquisa de novos elementos, como para melhor elaboração de
um plano para a exposição dos problemas em estudo.
Desde que chegamos à França, em novembro de 1957, ti-
vemos a oportunidade de ouvir os conselhos do professor Pierre
George, da Sorbonne, do professár Pierre Monbeig, diretor do
Instituto de Altos Estudos da Âmérica Latina, da Universidade
de Paris, e novas observações do professor Rochefort.
Em Strasbourg, O professor J. Tricarr nOS deu outras suges-
tões, inicialmente sobre a apresentação de certos fatos, e seguiu
z
de perto a elaboração do presente trabalho. O professor Juillard o
-<
>
sempre nos aconselhou com seu melhor interesse e boa vonta-
••
de. Ajudou-nos COm sua grande experiência e conselhos para a '"<
>
resolução de vários problemas, inclusive a correção do plano
originai. Um e outro, diretores da nossa tese, sempre estiveram à
"
H
nossa disposição para uma troca de idéias indispensáveis e foram
infatigáveis nessa tarefa. Sua ajuda benévola nos foi preciosa.
Devemos agradecer ao professor E. Juillard pelo encorajamento
que ele nunca cessou de nos testemunhar.
Devemos, também, mencionar a extrema amabilidade do
Dr. Artur Ferreira, diretor da Inspetoria Regional de Estatísti-
ca Municipal da Bahia, colocando à nossa disposição os seus
arquivos, seguindo o desenvolvimento de nossas pesquisas e
acelerando, pessoalmente, a realização de certos inquéritos fora
da rotina da sua repartição. Queremos acrescentar uma palavra
de gratidão à senhorita Ana Dias da Silva Carvalho, nossa assis-
tente no Departamento de Geografia da Universidade Católica
da Bahia, pelo interesse que teve pelas nossas pesquisas e porque
nos ajudou a reunir certos dados que lhe foram pedidos quando
da redação definitiva do trabalho, em Strasbourg.
Não poderíamos, igualmente, passar em silêncio os con-
selhos da professora Sylvie Rimbert, diretora do Laboratório
de Cartografia do Instituto de Geografia da Universidade de
Strasbourg, em relação à elaboração dos mapas definitivos que,
"oo redesenhados, deverão acompanhar a publicação definitiva" da
<
>
edição francesa desta tese. Devemos, igualmente, escrever uma
.
"<
o palavra de reconhecimento pela ajuda tão cheia de boa von-
o
w tade e entusiasmo de uma estudante do Instituto de Geografiil
o
< da Universidade de Strasbourg, senhorita Nicol~ Lacroix, que
o
u
< aceitou a tarefa bem pesada de nos aconselha~ quando tivemos
o
o de corrigir aS nossas tentativas de redigir em uma língua que é

r tão bela quanto cheia de dificuldades, como o francês.
z
w
u Não podemos mencionar o nome de outras pessoas que nos
o
apoiaram neste empreendimento, mas gostaríamos de lembrar
quanto nos foi valioso o estímulo dos bolsistas brasileiros e sul-
americanos, agradecendo a colaboração das geógrafas Lúcia
de Oliveira e Amélia Nogueira e do geógrafo Reynaldo Borgel
Oliveira na confecção de mapas e gráficos.
Em uma palavra que propositadamente deixamos para o
fim, queremos dizer quanto nos foi preciosa, em todos os mo-
mentos, a simpatia do professor Tricart, que nos convidou a fazer
esse estágio na França e cujo interesse não poderíamos passar
em silêncio sem cometer uma grande injustiça.

MILTON SANTOS
Strasbourg, junh~ de 1958

z
o..,
>
ADITIVO PARA A EDIÇAO BRASILEIRA

A
gradecemos ao professor Pierre Monbeig a inclusão
desta tese entre as publicações do Instituto de Altos
Estudos da América Làtina, da Universidade de Paris,
de que é o diretor, e ao reitor Edgard Santos a publicação no
programa editorial da Universidade da Bahia. As fotografias, >
o
diferentes quase todas das que aparecem na edição francesa, .;

são do Autor. Os mapas foram redesenhados pelas senhoritas <


o
Yolanda Maria dos Santos e Antônia Lúcia Andrade Souza e •>
•>
pelo Sr. Nicoláu Tschenko. A professora Ana Carvalho ajudou- >
nos na tradução e readaptação de alguns capítulos. Desejamos
expressar-lhes o nosso agradecimento, extensivo ao professor
Pinto de Aguiar, que sugeriu a edição deste livro nas publicações ••
da Universidade da Bahia, lançadas em convênio Com a Livraria ·"•
>

Progresso Editora. •>


M.S.
Junho, 1959
INTRODUÇÃO

A
ambição de estudar geograficamente o centro de uma
grande cidade, antes mesmo da análise dos seus proble-
mas específicos, pode conduzir a uma série de questões
mais gerais sobre o valor geográfico de tal quadro.
Será que o cenrro de uma cidade, por maior que ela seja, pode
fornecer uma paisagem capaz de justificar um estudo geográfico
separado? Não será isso o equivalente a perguntar se o centro
urbano constitui em si mesmo uma realidade geográfica?
De fato, se a indivisibilidade da paisagem é um dos postu-
lados de base da geografia, o estudo da cidade, seja como forma
de atividade, seja como forma de organização, constitui uma
z
prova indiscutível de que nossa ciência atingiu sua maioridade
""o
e de que podemos nos considerar como possuindo um campo o
c
próprio de estudos. ,.
<>
o
A formação e o desenvolvimento da região e do organismo
urbano são intimamente ligados, do mesmo modo que os dife-
rentes elementos deste último o são no interior da cidade. Os
escudos de geografia urbana demonstram-no muito claramente.
Isso não exclui, entretanto, o fato de que os elementos da estru-
tura urbana possuem, cada qual, características próprias, uma
individualidade que nos leva a distinguir em uma cidade vários
conjuntos, cuja arrumação gera o que se chama de estrutura
urbana, correspondendo às diferentes formas de utilização e
organização do espaço.
O centro é um desses elementos. Desse ponto de vista, entre-
tanto, ele constitui uma verdadeira síntese, pois reflete, ao mesmo
tempo, as formas atuais da vida da região e da cidade e o passado,
seja pela evolução histórica da cidade e da região, seja pelo sítio
escolhido inicialmente para instalar o organismo urbano.
A idéia de dinamismo, inseparável das preocupações de
um estudo geográfico, representada essenci~lmente pelas formas
presentes de vida, isto é, pelas funções regionais e urbanas, apa-
rece como um fator ativo. Como fatores passivos, encontramos
seja o sítio, sejam as estruturas antigas, que revestem a forma
de relíquias históricas, mas podem, algumas vezes, superar essa
"o passividade e exercer um papel claramente negativo, quando,
c
<
>
"< por exemplo, sua existência depende da legislação que protege
o os monumentos etc.
o
•c O centro de uma grande cidade é, então, o teatro dessa luta
<
c de tendências. Sua síntese se manifesta pela criação de uma pai-
u
< sagem. Os componentes dessa paisagem refletem uma parte de
Q

o escolha, representada pelo estilo das construções e os processos


.."z de urbanismo, mas refletem sobretudo as necessidades e condi-
•u
ções próprias a cada etapa da evolução urbana. A pais~gem é,
o
então, o resultado de uma combinação de element~s cuja dosa-
gem supÕe um certo ritmo de evolução e um ~erto dinamismo;
e o elemento de contradição é representado pelos fatores de
inércia já mencionados.
É por isso que centros de grandes cidades possuem um ar
de família, o que provém da concentração a que estão sujeitas
as atividades diretoras da vida urbana e regional. Entretanto,
guardam uma originalidade de arrumação que, no interior dos
grandes quadros urbanos, pode-se distinguir pelos seguintes
motivos:
1. O sentido e o ritmo da evolução da região e da cidade.
2. Os dados do sítio.
3. As formas atuais da organização e da vida urbana,
incluindo, de um lado, o dinamismo atual (forças de transfor-
mação), e, de outro lado, as forças de inércia, representadas
pela resistência, maior ou menor, que oferecem as estruturas
provindas do passado.
São esses os 'elementos que merecem ser estudados, no
quadro geral dos tipos urbanos, se queremos fazer um esforço
de reconhecimento das formas particulares de organização dos
centros de cida de.

• ••

De modo geral, o caso de Salvador é o das grandes cidades


que marcam uma espécie de traço de união entre um mundo rural,
a cuja vida preside e do qual ela comercializa os produtos, e um
z
outro mundo, industrializado, que lhe compra essas mercadorias. .;

Essa constante da história urbana desde a fundação da cidade "oo


o
coloca em relevo o seu papel de porto, cuja atividade se reflete ,.
<>
o
nas diferentes etapas da valorização do território; e, em última
análise, é a principal responsável pela elab",ração do organis-
mO urbano. As etapas do seu crescimento e as formas inscritas
sobre o solo urbano correspondem a cada um desses períodos.
As funções atuais revelam seja uma adaptação a um quadro
herdado do passado, utilizado como ele é ou adaptado, parcial
ou totalmente, seja a criação de uma nova paisagem, superposta
ou justaposta à paisagem já existente. É' o dinamismo próprio
à cidade atual que fornece a explicação da presença, ao lado de
um conjunto de construções modernas, dos restos do passado,
velhas casas ricas que perderam seu antigo papel residencial e
se degradam. O quadro antigo, herança do passado, não foi
completamente substituído, enquanto, sobre um sítio artificial-
mente criado, nascia uma cidade moderna, de tipo americano,
sobre aterros recentes.
A presença de grandes espaços vazios, 'provocados pelos
aterros do porto, constitui também uma explicação para a per-
sistência de estruturas antigas na Cidade Baixa. Na Cidade Alta,
os regulamentos de proteção aos aspectos históricos exercem,
indiretamente, um papel na conservação do quadro. Mas estes
são fatores particulares que se acrescentam a outras causas mais
o"
o gerais de degradação dos velhos bairros.
.,< Enfim, forças de transformação e forças de resistência
"<
o entram em luta e dão como resultado seja a criação de uma
o
"o paisagem inteiramente nova, seja a transformação ou adaptação
< da paisagem antiga, que, então, se degrada.
o
u
<
Isso é devido, de um lado, ao sítio escolhido para a instala-
o
o ção da cidade, acarretando no decurso da história urbana uma
",.z especialização das funções que agora é bem nítida: uma Cidade
"u Baixa, próxima ao porto, construída pelo homem na proporção
o
do desenvolvimento do papel portuário e comercial da cidade, e
o onde se abriga o comércio grossista e "de papéis"; uma Cidade
'"
Alta, onde vive a· quase totalidade da população e cujo centro
dispõe de maior parte do comércio de retalho. Mas é a própria
estrutura da vida econõmica regional, o contraste entre o·poder
criador e renovador das atividades abrigadas na Cidade Baixa
e a relativa fraqueza das demais atividades sediadas na Cidade
Alta, que explica essas diferenças.
É um mecanismo de forças interdependentes, razão pela qual,
ao lado dos quarteirões utilizados pelo comércio e por outras fun-
ções, devemos, também, estudar os da Cidade Velha, onde, hoje,
comprime-se uma população heterogênea e pobre. Na verdade,
ambos os ·aspectos constituem um verdadeiro conjunto.
Os transportes, por sua vez, se são uma consequência, um
resultado do dinamismo urbano, adaptando-se antes mal que bem
às estruturas antigas, são, por outro lado, uma causa de transfor-
mação não apenas da paisagem como da estrutura, pois estimulam
a implantação de novas funções. nas ruas a que servem.
É esse quadro complexo, resultante do encontro de fatores
tão diferentes, que constitui o objeto deste estudo e que nós
experimentaremos explicar.

***

Não podemos compreender o centro de uma cidade senão


como um organismo proteiforme, sujeito a um processo perma-
nente de mudança. Podem-se, entretanto, admitir como sendo
z
objeto deste estudo os distritos da Sé e do Passo, na Cidade Alta, .;

e da Conceição da Praia e do Pilar na Cidade Baixa. Com efeito, "oc


c
o comércio ocupa, também, os eixos da circulação nos bairros n
>-
o
vizinhos, como São Pedro, Santana, Mares e mesmo na Vitória.
Mas é naqueles quatro distritos que predominam as característi-
cas fundamentais, e pensamos não deformar a realidade quando
a tomamos Como ponto de apoio.·
A complexidade dos problemas presentes, a multiplicidade
das relações entre os diversos elementos do conjunto são respon-
sáveis pela dificuldade que encontramos para a elaboração de
um plano de exposição que devia, a um só tempo, não excluir
nenhum dos problemas apresentados e arrumá-los segundo
uma ordem lógica. Nossa opção pelo plano seguido, ao qual
chegamos graças à colaboração e críticas dos diretores deste
trabalho, representa apenas uma escolha e, por isso mesmo, não
significa a exclusão de outros caminhos que talvez pudessem ser
seguidos com um sucesso mais fácil. Tal escolha, entretanto, não
foi arbitrária. O estudo da formação da cidade e da evolução da
região, objeto do primeiro capítulo, corresponde à necessidade
de compreender como a evolução da região e a formação da
cidade se processaram, segundo períodos bem determinados, se
bem que essa determinação seja difícil; e como a escolha de um
sítio, de acordo com as funções iniciais da cidade, acarretou um
certo tipo de organização do espaço urbano, cuja estruturação
social se deve, em última análise, às condições passadas e atuais
da economia regional e também ao tipo de relações mantidas
o entre cidade e região.
o
•o Após esse capítulo, vem naturalmente um segundo, onde
< a vida atual, que em parte é uma herança do passado, em parte
o
Ü
<
um resultado de novas aquisições, aparece, através do estudo
o
o das funções urbanas, cuja concentração no centro da cidade é
"'z" um fato cheio de consequências para Salvador.
•o
Conhecida a evolução urbana, o passado e as formas atuais
o
da vida, isto é, o presente, podemos nos entregar a uma outra
;;, tarefa, o terceiro capítulo, onde procuramos demonstrar como, do
jogo desses elementos, de sua contradição ou de sua sorna resultou
uma paisagem, aliás em plena transformação: a paisagem atual.
O estudo dessa paisagem seria insuficiente se não o pudésse-
mos completar pelo estudo do seu conteúdo, procurando revelar
as possíveis relações de causa e efeito e a hierarquia dos fatores.
É o objeto do quarto e último capítulo .

•••

Começando esse trabalho, não ignorávamos as dificuldades


a transpor nesta análise. A geografia urbana não pode dispensar
a colaboração da história, na pesquisa da evolução do fenõmeno
urbano, nem da estatística, para a medida dos fatos de massa.
Infelizmente, os trabalhos dos historiadores, salvo exceções muito
honrosas, estão orientados para o estudo de detalhes. Mesmo estes
não são capazes de abraçar os quatro séculos de evolução urbana,
de que eles, salvo algumas exceções, dão apenas urna idéia impre-
cisa e fragmentária. A construção dessa "geografia retrospectiva" ,
tão ~til à descoberta das raízes do presente, é então impossível.
Os dados estatísticos, por sua vez, não são inteiramente váli-
dos senão após 1940. O recenseamento de 1920 foi sensivelmente
defeituoso:e os precedentes o foram ainda mais. As contagens
feitas após 1940 se revestiram de um louvável rigor, mas foram
procedidas segundo um quadro standard para todo o país. Mas,
por causa da eüorme extensão do Brasil e de suas grandes dife-
z
renças regionais, facilmente se verifica que os resultados sempre .;

serão embaraçantes quando se quiser estudar casos particulares. "oo


c
A preocupação de melhoria dos métodos provoca, assim, uma ">-o
certa instabilidade das questões submetidas a enquete, o que
muitas vezes torna difícil uma comparação válida. w
w
"
Nosso primeiro trabalho, pois, tanto para a reconstituição
dos fatos antigos, como para a interpretação dos dados atuais e
recentes, foi um trabalho de' triagem, pela eliminação dos fatos
e dos números cuja reunião deu resultados não conformes à
evolução comprovada do orgarúsmo urbano.
Quanto ao presente, empreendemos uma tarefa de pesquisa
pessoal, cheia igualmente de dificuldades, mas que nos permitiu
alguns resultados válidos, que nos serviram de base às conclusões
a que chegamos.
De certo modo, ficamos contentes com a falta de solidez
das muletas. Se não operou o milagre da Bíblia, ao menos nos
incitou a pesquisar com redobrado cuidado os fatos do presente
e suas relações.

"oc
<
>
"
<
o
o
"<c
c
Ü
<
c
o
•;.
z
"u
o
I

FORMAÇAO DA CIDADE E
EVOLUÇAO DA REGIAO

A
Cidade do Salvador, antiga capital do Brasil, conta
atualmente com mais ou menos 550 mil habitantes.
•o
Cidade fundada em 1549, é capital do Estado da Bahia
e a mais antiga cidade brasileira. Foi, durante três séculos, a ••
>

aglomeração urbana mais importante e mais populosa do Bra-


">-o
o
sil; o seu porto era o principal do país. Hoje, entretanto, em >-
~
consequência do deslocamento para o sul do eixo da economia o.
>
o
brasileira, perdeu o posto que tinha antigamente: é apenas a "
quarta cidade do país, quanto à população, se bem que o pe- "
m
<
o
ríodo atual revele um certo dinamismo. r
c
É uma cidade cuja paisagem é rka de contrastes, devidos "O>-
não só à multiplicidade dos estilos e de idade das casas, à varie- o
>
dade das concepções urbanísticas presentes, ao pitoresco de sua •
"O
população, constituída de gente de todas as cores misturadas >-
O
nas ruas, mas, também, ao seu sítio ou, ainda melhor, ao con-
junto de sítios que ocupa: é uma cidade de colinas, uma cidade
peninsular, uma cidade de praia, uma cidade que avança para o
mar com as palafitas das invasões de ltapagipe, cidade de dois
andares, como é frequente dizer-se, pois'; centro se divide em
uma Cidade Alta e uma Cidade Baixa.
A zona de influência da Cidade do Salvador quase se su-
perpõ~ ao território do Estado da Bahia, de que ela é a capital
administrativa e política. Esse hinterland não é homogêneo: reúne
zonas úmidas e semiáridas, zonas de floresta e zonas de caatinga,
áreas cuja população é relativamente densa e áreas bem fraca-
mente povoadas, algumas praticando uma agricultura comercial
e outras que ainda não ultrapassaram o estágio da agricultura de
subsistência, áreas de concentração urbana e áreas deprimidas.
E, entre os casos extremos, formas de transição múltiplas.
É a história da valorização do território que explica essa
multiplicidade de aspectos que, entretanto, mántêm entre si uma
certa ligação, uma determinada hierarquia. De maneira bem
geral, é nas regiões úmidas, litorâneas e sublitorâneas que se
fazem as culturas comerciais.(cacau, cana-de-açúcar, café, fumo),
ocupando as zonas de mata recentemente desbravadas, como no
caso do cacau, ou abertos há muito tempo, como para os demais
casos. Tais zonas têm uma 'população densa. Elas representam
o mais da metade da população do Estado e apenas um quinto da
o
•o superfície, as cidades são mais numerosas (aí se encontram todas
< as que têm uma população maior que 20 mil habitantes; entre
o
u
<
. as 32 aglomerações do Estado com mais de 5 mil habitantes,
o
o 25 se acham nessa faixa), há concentração das vias e düs meios
,." de transporte, gravitando especialmente em torno da capital e
z

u do porto de Ilhéus. O interior seco é o domínio das culturas de
o
subsistência; da criação extensiva, tendo uma população geral-
~ mente pouco densa, poucas cidades, muito distanciadas umas
•o
••
>
Esta carta foi tirada do Livro Guia da Excursão do XVIII Congresso Internacional de
Geografia para a Bahia. de autoria de Elza Keller de Souza e Alfredo Porto'Domingues
"o,.
e representa os índices de aridez no Estado. c
>
~
das outras e mal servidas de transportes. Entretanto, há exceções c
>
C
que reforçam a significação dos fatores humanos e excluem a m

possibilidade de uma adaptação mecânica às condições natu- m


<
o
rais. O Nordeste do Estado recentemente tem acolhido culturas r
c
comerciais ada pta:las ao clima local, localizadas sobretudo nas ",.O
proximidades das vias férreas (sisal, mamona etc.) c
>
O extremo sul, cujas características naturais são muito apro- •m
O
ximadas da região do cacau, tinha uma população insignificante >-
O
ainda há quinze anos, sua economia era atrasada. Somente hoje
tornou-se uma das zonas pioneiras do Estado.
A ESCOLHA DO SíTIO: DE CIDADE-FoRTALEZA
A CAPITAL DO RECÔNCAVO

Os historiadores têm o hábito de dizer que Salvador foi


fundada como cidade. Querem, com isso, significar que Tomé de
Sousa tinha trazido de Portugal não apenas o objetivo de criar uma
cidade, mas o plano e o estatuto da cidade, que estava destinada
... ... .. ".

ESTADO DA BAHIA
1950

.. "

o
..
Q
NÚCLEOS URBANOS

Q .
< ) SALvADOR
Q

U
• MAIS DE 20000 ~<lbs
<
Q

o • MAIS DE 10.000 habs

•>-
z • • MAIS DE ~.ooo hab~

•u
o
...
Elaborado pelo Instituto de Economia e Finanças da Bahia. Mapa básico adaptado
do Cartograma da Divisão Administrativa do Estado da Bahia. Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (1945).
a ser a primeira capital do Brasil, como igualmente havia trazi-
do a própria população (400 soldados, 400 degradados, alguns
padres e raras mulheres). Descoberta havia quase meio século, a
antiga colônia portuguesa, com seu litoral enorme e desprotegido,
representava uma presa fácil para as outras nações que a queriam
conquistar. As primeiras tentativas para defender a costa e povoar
o gigantesco território não deram resultado; mesmo o processo
das capitanias hereditárias não dera bons frutos. Por isso é que o
rei de Portugal decidira, em 1549, reagrupar as donatarias e criar
um governo único, o governo geral do Brasil. Ordenou a fundação
de uma cidade no meio de um litoral bem extenso, a fim de servir
como sede do governo: ao mesmo tempo capital administrativa e
praça-forte. É essa função que justifica o sítio escolhido: o cume
de uma colina, caindo em forte declive até a extremidade das mar-
gens de uma baía abrigada sobre um dos lados da península que
separa a Baía de Todos os Santos e o oceano Atlântico. Essa baía
é um antigo vale afogado, o que está em relação com a presença
.
o
"<
de inúmeras rias e onde, por outro lado, vêm desembocar vários >
">-o
rios navegáveis sobre algumas dezenas de quilômetros.
o
A situação da cidade não explica apenas o nome com que é mais >
2
conhecida - esse nome é Bahia -, mas, também, a sua fortuna, a desc o
>
o
peito do sítio, o melhor para os objetivos iniciais, mas que se mostraria "
hostil desde que outras funções se viessem juntar à primitiva. "
"<o
A colina serviu a Tomé de Sousa para edificar, em doze c
c
meses, a Sua cidadela de casas de sopapo, cobertas de palha, que ">-o
ele cercou de muros também de taipa. Fora das muralhas, foram o
>
dadas grandes concessões de terras às ordens religiosas. ""o
Nessa época, Portugal era uma espécie de balcão da Eu- >-
o
ropa, que já .começava a tomar gosto pelos produtos tropicais.
Os portugueses, que possuíam uma técnica da cultura da cana-
de-açúcar aprendida nas ilhas dos Açores, reconheceram as
boas condições de solo e clima da região em torno de Salvador;
puseram-se, então, a praticar aí essa cultura. Havia, entretanto,
um obstáculo: os índios, que aniquilaram os primeiros esforços
e desencorajaram.os lavradores. Mas foram expulsos do Recôn-
cavo, mais ou menos em 1560. É nesse momento que se começa
a plantar a cana-de-açúcar de modo continuado, sobretudo nas
proximidades dos rios. Os engenhos precisavam de água para
fabricar o açúcar e para transportá-lo até o porto de Salvador, de
onde os navios transatlânticos de então o levavam à Europa.
No fim do século XVI, a cidade contava com 8 mil habitan-
tes. Sua função portuária crescia, ao lado das funções primitivas:
administrativa e militar. Essa função portuária adquiria impor-
tância à proporção que a cultura da cana se estendia, mas não
somente por essa razão. Salvador exportava açúcar, mas, por
OUtro lado, era um porto de entrada de escravos, que se manda-
vam buscar na África para trabalhar na agricultura. Tal comércio
favoreceu uma outra cultura, ao lado da de cana-de-açúcar, nas
terras vizinhas impróprias aos canaviais: foi a cultura do fumo,
•o
o que rapidamente se tornou importante, pois o tabaco era a
<
>
• melhor moeda para a compra de escravos nas costas d' África.
·
<
o
o
Uma terceira zona, próxima às precedentes, especializou-se na
~
o
produção de produtos alimentares indispensáveis à alimentação
<
o das demais regiões, que eram nitidamente monocultoras.
U
< Salvador aproveitava a valorização da região circundante,
o
o primeiro porque presidia às trocas que se faziam, sobretudo, por via
•,. d'água, e depois porque era o único entreposto para o abastecimento
z
w
U
dessa área, em relação aos produtos que recebia de Portugal.
o
Nesse momento começa a se esboçar o papel que ela desem-
~ penhará em toda a sua história: o de um porto de exportação
de produtos agrícolas não consumíveis localmente, bem como o
de porto de importação de utilidades que é incapaz de produzir,
mas de que necessita, seja para a sua própria população, seja
para a do seu arriere-pays.
Então, Salvador vê juntar-se à sua primitiva função admi-
nistrativa e militar um papel de metrópole regional. Poderíamos
dizer que, nesse momento, começa a ter um papel verdadeira-
mente urbano. É a capital econômica do Recôncavo.

INCORPORAÇÃO DO SERTÃO À
ZONA DE INFLUi'.NCIA DE SALVADOR

Em meados do século XVII, a população urbana de Salvador


era de mais ou menos 10 mil habitantes. No fim desse século
era já de 20 mil. No meio do século XVIII, contavam-se 40 mil.
Assim, a população urbana dobrava de 50 em 50 anos. ·•
o

O século XVIII representa o alargamento da zona de influên- •


>

cia da cidade. O Recôncavo era ocupado desde o século precedente


",.o
c
e a monocultura da cana-de-açúcar havia expulsado a criação para >
c
as terras vizinhas. Um regulamento estabelecera que a criação não c
>
c
se podia fazer a menos de 10 léguas (60 km) do litoral. Mas, como "
o gado era necessário tanto para a alimentação da população de "
"<
o
Salvador, como para as de engenhos e dos operários agrícolas, uma "o
corrente de trocas se estabeleceu imediatamente. Mas, nos últimos ",.o
anos do século XVII, o ouro foi descoberto em Minas Gerais. c
>
Esse acontecimento provocou, de um lado, o deslocamento •"
o
de grandes massas de população para o interior, onde, de início, ,.
o
ocuparam-se da exploração mineira unicamente e, de outro lado,
a necessidade de abastecer essa população.
Isso levou à multiplicação das fazendas de gado, estabeleci-
mentos consagrados à criação nas zonas semiáridas do Estado da
Bahia, como de um modo mais geral no Nordeste brasileiro. O
rio São Francisco tornou-se, então, a via de comunicação entre
o Nordeste e o Centro do país, entre a região de produção e a
região de consumo, e em consequência suas margens vieram
a se povoar. Ainda hoje se reencontram os antigos pousos na
localização de cidades e vilas atuais. Rio das boiadas, rio dos
currais são denominações que vêm dessa época.
Por outro lado, a descoberta de ouro no Estado da Bahia,
nas terras altas da Chapada Diamantina, em meados do sécu-
lo XVIII, teve como consequência o começo de povoamento
desse planalto.
Salvador se beneficiou, então, do tráfego de gado e do ouro; é
o início de uma organização do espaço em que Salvador se afirma,
de um lado, como praça comercial que abastecia uma vasta região
do Estado do Piauí até Minas Gerais; e, de outro, como porto de ex-
portação não somente para o açúcar e o fumo, como para o ouro.
Salvador é, assim, a metrópole de uma região muito mais extensa
"o
o que o seu arriere-pays no século precedente. Essa região era muito
<
>
mais vasta que o atual Estado da Bahia. Ela justapõe, desde então,
urna área meno!; valorizada pela agricultura comercial (o Recôncavo)
•o e uma outra, muito mais vasta, valorizada pela agricultura de subsis-
<
o tência e pela criação extensiva (o Sertão). Tal justaposição, desde esse
Ü
< momento, vai se refletir sobre a evolução demográfica da cidade.
o
o . As primeiras tentativas, um pouco frouxas, de organização
"z
;.
de um espaço regional mais largo são seguidas, entretanto, da
•u
transferência da capital do Brasil, em 1763, para o Rio de Janeiro,
Iugar escolhido pelo governo português para centralizar a saída
:;:. do ouro em um só porto, mais próximo da zona de exploração
aurífera. Nesse momento, a exploração de ourO se enfraquecia
na Bahia, e os antigos mineradores se.haviam fixado como agri-
cultores naquelas terras altas, ou voltado ao litoral.
A população da cidade quase não cresce entre o meio e o
fim do século XVIII.
O amortecimento da evolução demográfica de Salvador está
seguramente em relação COm esses dois elementos, mas, prin-
cipalmente, COm o fato de que ela perdera o lugar de primeira
cidade colônia, em vista da transferência de importantes serviços
e numerosos funcionários.
É assim que termina o século XVIII. Salvador já contava com
uma população de 40 mil ha bitantes, cifra que, aliás, já havia
sido atingida em meados do século, conforme vimos.

A ORGANIZAÇAO DO ESPAÇO REGIONAL


·•<
o

No início do século XIX, o ouro de Minas Gerais começa >


">-o
também a se esgotar. A exploração aurífera e diamantífera do
o
Estado da Bahia tinha declinado também. Esses fatos provoca- >
~
ram uma volta ao litoral; segue-se-lhe um renascimento agrícola, o
>
o
estimulado pelo alargamento dos mercados europeus, resultante m
".
dos primeiros efeitos da Revolução Industrial, que nesse momento "<
o
ganhava o continente. De outro lado, no que COncerne à cana-de- r
c
açúcar, as consequências da guerra de Cuba, que havia desorgani- ">-
O

zado o respectivo comércio mundial, são favoráveis ao Brasil. A O


>
cana-de-açúcar conhecia então sua época áurea. Enfim, o Estado •
m
O
da Bahia é nesse momento um grande produtor de café no Brasil. >-
O
A produção de algodão e a valorização das terras florestais do Sul
,
do Estado com a plantação de caca u tomam incremento.
Além disso, as estradas do gado haviam semeado pequenas
aglomerações não apenas no Nordeste do Estado da Bahia e
do Brasil, como sobre as margens do rio São Francisco. Esses
_embriões de cidade eram longínquos traços de união entre a
cidade-porto e um mundo rural que praticava uma policultura
alimentar e vivia quase em economia fechada, somente rompida
pelo comércio de gado, cujas estradas eram utilizadas também
para o abastecimento das populações das regiões são-francisca-
nas e nordestinas. Assegurava-se, desse modo, a maior extensão·
da zona de influência de Salvador. A cidade exportava produtos
de grande valor comercial, cultivados nas proximidades. Isso
lhe tornava possível a organização de um grande espaço em que
distribuía as mercadorias recebidas de fora: Seu porto, muito
animado, é a base da importância regional da cidade.
Na segunda metade do século XIX, o Estado da Bahia está
na vanguarda quanto ao desenvolvimento ferroviário do Brasil.
De um lado, é começada e continua-se a construção da estrada de
ferro em direção ao rio São Francisco, abordado em dois pontos: as
cidades de Propriá e de Juazeiro. A via férrea segue praticamente o
"oo traçado das estradas tradicionais do gado (é a atual Viação Férrea
<
>
"< Federal Leste Brasileiro). De outro lado, os mais importantes portos
o do Recõncavo, as cidades de Santo Amaro, Nazaré e Cachoeira,
o
~ escoadouros, respectivamente, das regiões de produção da cana-de-
o
<
o açúcar, café e fumo, fazem construir, com seus próprios capitais,
Ü
< estradas de ferro de penetração para servirem às zonas que lhes são
o
o tributárias. No entanto, o caminho de ferro de Cachoeira visava
"eZ a uma penetração maior, seu objetivo era alcançar o Alto Sertão,
~
u onde a extração de diamantes ganhara novo incremento.
o
Essa organização sub-regional do espaço se refletiu· sobre o
desenvolvimento de cada um dos portos márítimos, assentados
sobre o limite da navegação nos rios, e marca a paisagem urbana
de um modo muito característico: os sobrados que, hoje, belos
porém degradados, são a'lem brança de um rico passado.
O Recôncavo tem, então, a população mais densa do país.
Por várias vezes, através dos seus,senhores de engenho, dirige a
política nacional.
Mas essas capitais sub-regionais apenas fazem penetrar no
meio rural as influências da Cidade do Salvador; centralizam a
produção agrícola do Recôncavo e do Sertão e reenviam-na à
capital do Estado, de onde ela é dirigida para a Europa. Essa
organização de um espaço sub-regional reforça a dependência
da região defronte em relação à Cidade do Salvador. A cidade
encontra, assim, a oportunidade de concentrar ainda mais os re-
cursos financeiros, econômicos, sociais e políticos, concentração
que vai prosseguir sempre.
Esse conjunto de circunstâncias favoráveis ao fortalecimento
•o
do papel metropolitano da Cidade do Salvador reflete-se sobre
a população que, nesse mesmo século, multiplica-se por cinco. ••
>
C>
>
Em 1872, eram 129 mil os habitantes, em 1890 eram 174 mil e o
o
em 1900 eram 206 mil, enquanto em fins do século XVIII havia >
~
40 mil e em 1805 apenas 45 mil. o
>
o
Tal evolução demográfica não corresponde apenas aos efeti- •

vos indispensáveis ao organismo urbano para o exercício de suas •<
o
funçôes: de um lado, os progressos da agricultura encorajaram r
C
C>
numerosos lavradores a virem fixar residência na capital; um >
O
verdadeiro parasitismo da terra, que eles encaravam como uma o
>
fonte de renda e iam visitar uma vez por ano. De outro lado, •O•
vários ciclos de seca expulsaram do sertão milhares de pessoas >
O
que, então, vieram para o litoral, aproveitando as facilidades
de transportes. Esses retirantes dirigiam-se para Salvador na
esperança de encontrar aí trabalho e melhores condições de vida.
Mas, afinal, a maioria se empregava como domésticos em casas
de famílias abastadas ou da classe média, ou então se entregavam
a toda espécie de parasitismo urbano.
Essa afluência de imigrantes vai refletir-se na paisagem pelo
alargamento do quadro urbano, que estava mais ou menos imu-
tável desde a primeira metade do século XVIII. Para o sul, surge
o bairro da Vitória, constituído por grandes e belos palacetes,
rodeados de jardins, residências de uma burguesia enobrecida pela
exploração da terra. Para o norte, formam-se bairros habitados
pela classe média e pobre. Essa extensão da cidade tornou-se
possível pela instalação das novas vias de comunicação e meios de
transporte: em 1855, são construídos viadutos para ligar Nazaré
e Barbalho, Federação e Pedra da Marca; em 1868, a cidade já
possui os primeiros transportes coletivos; em 1869, novas empre-
sas de transporte se instalam; em 1874, inaugura-se o elevador
hidráulico (Carvalho, 1957), para favorecer as comunicações da
Cidade Alta com a Cidade Baixa, que é o centro comercial.
Os primeiros aterros sistemáticos, embora elementares, são
"oo feitos no porto. Sobre o espaço conquistado à baía, montam as
<
>
."
<
o
ruas Conselheiro Damas, Portugal e Miguel Calmon, marginadas
por grandes edifícios. Na rua Miguel Calmon as construções
o
w ocupam apenas um lado e sobre o outro se encontram os cais.
o
<
o
u
<
o
o AMORTECIMENTO DEMOGRÁFICO E INTRODUÇÃO
"...
z DOS TRANSPORTES MECÁNICOS
w
U

o
A abolição da escravatura, quase no fim do século XIX, em
~ 1888, vai trazer sérias consequências para as atividades agríco-
las baseadas no trabalho dos escravos. Além disso, faziain,se a
cultura da cana-de-açúcar e a indústria açucareira do Recôn-
cavo de acordo com métodos quase imutáveis desde o primeiro
século da colonização. Essas duas causas são as responsáveis
pela sua decadência.
O Estado de São Paulo, grande produtor de café, cuja
cultura e comércio permitem a acumulação de grandes capitais,
corpeça sua industrialização no início do século. Durante.a Pri-
meira Guerra Mundial, a indústria paulista conhece um grande
impulso e depois não para de crescer.
Nesse momento, quando a economia açucare ira entra em
decadência, os cacauais do Sul do Estado começam a produzir
segundo uma escala comercial. Então, o polo da economia es-
tadual e a fonte de recurso para o Tesouro se transferem para a
zona cacaucira. Entretanto, cultura familial que se afirmava com
dificuldade (ver Santos, 1957), a cultura do cacau não estava
o•
em condições de permitir uma acumulação de capitais em favor •
da cidade do Salvador, cujo porto, contudo, concentrava toda a •
>
<>
>-
exportação de cacau para o estrangeiro. o
c
>
Assim, exatamente quando o Brasil se encaminhava para a
~
industrialização, Salvador se ressentia da falta de capitais dispo- c
>
C
níveis para continuar os tímidos esforços feitos no domínio da m
•m
indústria têxtil no fim do século anterior. A cidade continuava <
o
fiel ao seu antigo papel de porto e cidade comercial. c
c
<>
Por causa disso, ela não tardou a perder seu posto de >-
o
segunda cidade brasileira, quanto à população, lugar que ela c
>
conservara até 1890. É então a cidade de São Paulo que ocupa ••
o
essa classificação. Entre 1920 e 1940, a cidade do Recife a ul- >-
o
trapassa, e Salvador é a quarta cidade brasileira. O crescimento
demográfico entre 1900 e 1940 é quase insignificante, na escala
brasileira do crescimento urbano. Conta com 200 mil habitantes
em 1900, 290 mil em 1940. O recenseamento de 1920 lhe atribui
280 mil, cifra que consideramos exageradamente alta.
Esse amortecimento no ritmo do crescimento demográfiço
está ligado, de um lado, aos fatores já mencionados e, de outro, a
uma mudança das correntes migratórias. As pessoas do Nordeste
eram expulsas pela seca ou por um superpovoamento relativo,
devido à alta natalidade e a uma certa estabilidade da técnica
agrícola. Dirigiam-se, então, para a zona florestal do Sul, que
desbravavam para fazer plantações de cacau. Até 1920, a pro-
dução de 48 mil toneladas deve corresponder a uma ocupação
. de ao menos 80 mil hectares; havia ainda áreas cuja produção
ainda não era comercial. Teriam sido necessárias ao menos 8
mil famílias para desbravar e manter as plantações. Entre 1920
e 1940, a produção de cacau aumenta quase 100 mil toneladas.
Esse aumento é o equivalente a 160 mil hectares, isto é, ao tra-
balho de mais ou menos 16 mil famílias. A zona cacaueira é,
assim, .um verdadeiro exutório que substitui a capital do Estado
no papel de receptáculo da população nordestina excedentária.
"oo Salvador é assim aliviada da presença desses excedentes agrícolas,
<
>
economicamente marginais. É a explicação real de atenuação da
·"
<
o
o
curva demográfica da Cidade do Salvador nos primeiros 40 anos
•o do século XX e, especialmente, entre 1920 e 1940.
<
o Se os progressos da agricultura cacaueira acarretam, por
u
< um lado, um amortecimento da evolução demográfica da capital
o
o do Estado da Bàhia, reforçam, por outro, seu tradicional papel
"z
~
de porto e praça comercial. O grande aumento de tonelagem
•u a exportar, bem como os progressos obtidos.. em toda a parte
o
pela navegação marítima, com a construção de grandes navios,
obrigaram à remodelação do porto, que começou em 1913, mas
terminou somente depois de 15 anos. Enormes aterros se fize-
ram para permitir a construção de moderno cais, consentindo
aos grandes navios o acostamento. A revolução dos meios de
transporte, após a chegada do automóvel em 1901, e a instala-
ção do bonde elétrico em 1914 comandam as modificações do
quadro e o crescimento da cidade. Para corresponder às novas
necessidades da circulação, várias ruas tiveram de ser alargadas.
Pôde-se, então, construir novos edifícios nas áreas em que se si-
tuavam os que então foram demolidos. Aparecem, timidamente,
os primeiros arranha-céus, sobre os aterros do porto, na Cidade
Baixa, construídos por bancos e grandes empresas comerciais e,
na Cidade Alta, ao longo das mais importantes vias de circulação,
com o objetivo de abrigar serviços públicos, hotéis, jornais etc.
O comércio interior também se desenvolve nesse período,
colonizando a rua Chile e a avenida Sete de Setembro (São Pe-
dro), onde se encontra parte do comércio de luxo, a rua Dr. J.
o•
J. Seabra (Baixa dos Sapateiros), com um comércio retalhista "<
pobre, e a Calçada, cujo comércio está ligado ao mesmo tempo >
<>
>-
à estação ferroviária e ao bairro de Itapagipe, que em 1940 o
o
contava 44 mil habitantes. >
~
o
>
o
m
m
O CRESCIMENTO RECENTE DA CIDADE m
<
o
c"
<>
Depois de 1940 a cultura do cacau estabiliza-se e os preços >-
o
internacionais elevam-se consideravelmente. Outras culturas in- o
>
dustriais são introduzidas ou estimuladas na região nordeste da "o
m

Bahia, cujas condições naturais são favoráveís: o sisal, a mamona, >-


o
a carnaúba e o ouricuri. Um aumento de preços favorece o fumo.
A extração da piaçava ativa-se no litoral. Todos esses produtos.
escoam-se pelo porto de Salvador. O cacau, desde 1939, é expor-
tado, sobretudo pelo porto de Ilhéus, mas continua a influir na
economia urbana da Cidade do Salvador de duas maneiras:
1. A indústria de transformação primária faz-se princi-
palmente na capital do Estado, estando na zona de produção
apenas uma fábrica.
2. Os negócios bancários e as operações de câmbio, a maior
parte das operações de crédito comercial e agrícola, continuam
a fazer-se em Salvador, e dessa forma a capital do Estado - que
não é mais o porto do cacau - tem ainda o papel de capital fi-
nanceira em relação a esse produto. De fato ela o é para toda a
economia agrícola do Estado. O número de pessoas ligadas ao
comércio de papéis (em número de mil em 1940) sobe a·2 mil
em 1950. As novas fortunas construídas a partir de 1940 são
numerosas.

Esse progresso agrícola explica o fortalecimento da antiga


função urbana de residência dos proprietários rurais. Em 1950,
segundo os dados do recenseamento, 19,07% das propriedades
".o
cacaueiras não eram dirigidas pelos proprietários, mas por admi-
nistradores (tais explorações representavam 32,50% da superfície
o total cultivada e 35,68% do valor da produção). Isso representava
o
•o mais ou menos 4 mil proprietários ausentes de suas fazendas, me-
<
o tade residindo certamente em Salvador e a outra metade no Rio de
Ü
<
Janeiro e nas principais aglomerações da própria região do cacau.
o
o Mas, ao lado dos caca ui cultores, há também muitos plantadores
"eZ de cana-de-açúcar, sisal e criadores, que moram na capital.
•v
Desde que a cultura do cacau se estabilizou (as zonas pioneiras
o
são, agora, de fraca extensão), a área de produção perdeu seu papel
~ de atração em relação aos excedentes da mão-de-obra agrícola da
região semiárida. Então essa mão-de-obra dirigiu-se para Salvador,
que é a única cidade capaz de absorver, antes mal do que bem,
esses excedentes. No conjunto da enorme região de influência de
Salvador, quase não há cidades médias, conforme já vimos. Apenas
três têm mais de 30 mil habitantes e não são capazes, bem como
as outras, ainda menores, de reter o grande número de emigrantes
das áreas rurais. Entre 1940 e 1950, a cidade recebeu um excedente
demográfico de 126.792 pessoas, das quais os imigrantes, cerca de
89.671, representavam 70%. Desde 1950, a capital do Estado da
Bahia aumenta, em média, 15 mil habitantes cada ano, dos quais
pelo menos dois terços vêm do interior.
Alguns dados obtidos pelo Recenseamento de 1950 trazem
o testemunho de outros aspectos dessa emigração de proveniência
rural com destinação a Salvador: o grande número de pessoas que
não sabiam ler nem escrever, mais ou menos 113 núl (31 % dos
maiores de 5 anos); o número de mulheres em relação ao de homens ,
o
decresce (eram 119 por 100 homens em 1940 e são 117 por 100 "
em 1950); nos grupos de idade ativa, a proporção dos homens •
>

aumenta em relação ao total (20-29 anos: de 45% em 1940 para


"o>
o
45,4 % em 1950; 30-39 anos: de 45% para 45,7%; 40-49 anos: >
n
de 44% para 45,8%; 50-59 anos: de 42,2 % para 43,3%). o
>
o
Em 1950, moravam em Salvador 322.486 pessoas com mais' m

de 10 anos de idade. Entretanto, apenas 47% (150.247 pessoas) m


<
o
dessa cifra constituía a população ativa, dentre as quais 37.309 ~
c
<J
(25%) são empregadas como domésticos, na maior parte dos >
o
casos uma forma de subemprego, pois são admitidas com salá- o
>
rios quase miseráveis, para obterem alimentação e alojamento "m
o
(entre as pessoas da classe "serviços", em 1950 (44.686), apenas >
o
7.379 o faziam em estabelecimentos oficialmente instalados. As
demais eram domésticas).
Assim, 171.486 pessoas com mais de 10 anos de idade em 1950
constituem nesse ano a população não ativa, inclusive aquelas que
não têm ocupação estatisticamente definida. Dentre essas, 25.769
são consideradas de condição inativa; 726 "não estão compreendidos
nos outros ramos ou são mal definidos" e 145.717 têm atividades
domésticas e não remuneradas, e são escolares ou estudantes.
É difícil admitir que a Cidade do Salvador abrigasse 25.769
aposentados: tal cifra deve compreender aqueles proprietários
agrícolas que escolheram a capital como sua residência.
As 145.717 pessoas do grupo "atividades domésticas não
remuneradas e escolares" merecem um exame mais demorado.
A população de Salvador compreende 42.127 meninos de 10
a 14 anos. A taxa de escolaridade para os meninos de 7 a 14 anos
é de 61 % no ensino primário. Podemos, então, admitir que 24.200
crianças frequentavam a escola de primeiras letras entre os 7 e os
14 anos. Mais ou menos 20 mil vão à escola secundária e à uni·
versidade. As pessoas casadas'são 89 mil, o que deve corresponder
a um máximo de 45 mil esposas. Admitindo que haja 5 mil casais
ilegítimos, tere!l10s um total de 99 mil pessoas. Há, assim, uma
diferença de 50 mil pessoas e entre estas devemos incluir:
1. Maridos sem profissão estatisticamente definida.
o 2. Meninos de mais de 10 anos que não têm emprego, nem
o
vão à escola .
o•
<
o 3. Os.subempregados (engraxates, enceradores, lavadeiras,
Ü
< costureiras, camelôs etc.).
o
o 4. Um verdadeiro exército de tios, tias, sobrinhos, sobrinhas,
"
>-
z primos, primas, afilhados e até mesmo amigos e camaradas que
"u vêm do interior e pesam sobre os orçamentos domésticos já
o
deficitários, isto é, agravam a pobreza e as condições de vida já
difíceis das camadas menos favorecidas da população.
Todos esses fatos podem explicar que a média per capita
das compras no comércio de retalho tivesse sido de apenas 2.600
cruzeiros em 1949. Em 1952, uma enquete da Comissão Nacio-
nal do Bem-Estar Social estabeleceu que os recursos médios por
pessoa atingiam 240 cruzeiros mensais, enquanto as despesas
subiam a 274 cruzeiros em média. Se observarmos que esses
algarismos são médias, é fácil chegar a conclusões a propósito
das condições de vida de uma grande parte da população.
A multidão de rurais que invadiu a cidade não encontra
emprego porque o setor secundário é reduzido e o terciário quase
inelástico. É por isso que se exerce uma enorme pressão sobre os
órgãos do governo, de que resulta a admissão de um número de
funcionários sempre crescente, várias vezes superior às necessidades
reais da administração. O governo do Estado queixa-se constante-
mente de que o funcionalismo consome sozinho mais de 60% do
orçamento estadual. A mesma lamentação se ouve na Prefeitura.
•o
Mas nem um nem outra deixa de nomear novos empregados. •<
Os funcionários (12.735 em 1950)*, a maioria dos profis- >

sionais liberais e ocupados em atividades sociais (11.637), os


">-o
o
pequenos e médios comerciantes, os agricultores que têm uma >
~
renda média, constituem as classes médias. Acumulam, muitas o
>
o
vezes, as rendas agrícolas com os ordenados do governo ou os m

proventos das profissões liberais. m


<
o
Essa composição social da população vai se refletir diretamente ~
c
sobre a organização do espaço urbano. Os banqueiros, os grandes ">-o
exportadores e importadores, as pessoas enriquecidas pelo comércio >
o

ou pela indústria, os agricultores mais abastados, os especula dores •


"o
imobiliários fazem construir palacetes ou belos e luxuosos imóveis >
o

• Em 1958, somente a Prefeitura conta com 8 mil.


de apartamentos nos bairros ricos da Graça e da Barra, ou ocupam
a fachada marítima com construções modernas em estilo funcional.
Os marginais aproveitam os espaços vazios sem mesmo indagar
quem é o proprietário e aí constroem verdadeiros bidonvilles, bair-
ros inumanos onde vivem seja como for; esses bairros são chamados
invasões; o mais impressionante de todos é aquele construído sobre
os manguezais aterrados .com lixo, na península de Itapagipe.
O contraste não é mais nítido porque as residências dos
pequenos comerciantes, das pessoas que exercem uma profissão
liberal, agricultores médios e funcionários públicos representam
uma espécie de transição entre os palácios dos ricos e os mise-
ráveis casebres dos pobres. Em geral, essa classe média é quase
inteiramente ligada à terra, o que explica o nível de vida de vários
funcionários e de outras pessoas, cujos ordenados seriam por
si sós insuficientes para equilibrar seu orçamento. A presença
de numerosos agricultores em Salvador representa, assim, um
elemento de equilíbrio na formação de sua estrutura urbana.
O período mais recente da evolução urbana provocou o
crescimento de seu comércio interior, a formação de um nú-
"o cleo comercial na Liberdade, bairro pobre que atualmente tem
o
<
> mais ou menos 160 mil habitantes, mas influenciou sobretu.do
"<
o o'comércio grossista, ligado ao papel portuário da cidade. Em
o
consequência termina-se a construção de uma verdadeira cidade
"o
<
o nova, de tipo americano, ao lado do porto.
Ü
<
As linhas de transporte se multiplicam, a circulação é cada
o
o vez mais intensa.
"z
~
Mas a cidade vê diminuir, cada dia que passa, sua zona de
"u influência. Ao nordeste, ao longo da via férrea que demanda o
o
Estado de Sergipe, a cidade de Aracaju disputa com Salvador a
maior influência. O mesmo acontece no extremo-sul do Estado,
onde cresce o papel comercial de Vitória, capital do Espírito
Santo. O vale de São Francisco está sujeito às influências das
principais cidades de Minas Gerais e de Pernambuco. A cidade
baiana de Juazeiro, que é a capital regional do São Francisco
médio, prolonga no vale não apenas a influência de Salvador,
como a do Recife, capital do Estado de Pernambuco.
Essa perda de influência regional, esse retraimento da área
metropolitana, deve-se, princi paIm ente, ao faro de Salvador ter
sido inca paz de organizar convenientemente seu espaço regional
e à ausência de dinamismo próprio à cidade. Enquanto o Brasil
viveu uma fase simplesmente comercial, a capital do Estado da
Bahia podia continuar, através de uma larga parte do país, a
distribuição dos produtos recebidos pelo seu porto. Mas quando
São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades se orientaram para a
indústria, protegida aliás, por barreiras alfandegárias, o papel
de redistribuição tornou-se insuficiente para guardar a Salvador
a possibilidade de manter com sucesso as antigas correntes co-
.
o
"
;:

"..o
merciais, principalmente porque seus meios de transporte eram >

deficientes e precisavam ser remodelados.


c
Em 1954, enquanto a indústria de São Paulo representava >
n
uma produção de 100 bilhões de cruzeiros, empregando 440 c
>
c
mil operários, as cifras relativas a Salvador eram 2 bilhões e 400 "
milhões de cruzeiros e 15 mil operários. "
"<
o
Como a cidade não foi capaz de se industrializar, seu nível "c
de vida médio também não se eleva no ritmo desejá vel, e o in- "..o
terior agrícola não encontra o encorajamento de que necessita. c
>
Por isso ele se empobrece cada vez mais e sua população emigra "
m

para Salvador. Assim, aquele nível de vida médio tende a baixar ..


o
o
cada vez mais, em consequência da presença de uma enorme
população que não produz, e anula os esforços daqueles que
produzem. Assim, a população urbana aumenta em percentagem
alarmante. Isso, porém, não se deve ao dinamismo próprio à
cidade, mas, pelo contrário, à ausência de dinamismo e de ação
sobre a sua zona de influência.
Para irmos até o fundo das coisas; como última razão desses fa-
tos temos o velbo papel, presente desde os inícios da história urbana,
de porto de exportação de produtos de uma agricultura comercial
realizada em seu arriere-pays, um verdadeiro porto "colonial" que
manobra somente grandes somas de dinbeiro, do mesmo modo que
manipula grandes toneladas de mercadorias, isto é, sem as reter.
Essa função de porto comanda as diferentes fases de sua evo-
lução como metrópole, de acordo com os diferentes produtos de
que a cidade foi e continua a ser o entreposto. Além disso, a função
portuária explica a criação de um sítio, adaptado a ela própria. Esse
sítio artificial, como os demais elementos naturais do sítio urbano,
ocupados à proporção e segundo as condições da evolução urbana,
dão à cidade um dos elementos de sua originalidade..

"oo A OCUPAÇÃO ATUAL DO SITIO


<
>
"
<
o A Cidade do Salvador ocupa agora um conjunto de sítios,
o
•o onde podemos distinguir seis elementos:
< 1. As praias do litoral atlântico.
o
u
<
2. A escarpa de falha, sobre a baía de Todos os Santos, com
o
o 60 a 80 metros de desnível entre a Cidade Alta e a Cidade Bai-
"Z
f-
xa, exposta e pouco erodida, falésia que se prolonga na direção
•u SSE-NNW sobre mais ou menos 20 quilômetros.
o
3. O rebordo e a plataforma do topo do escarpamento, na
Cidade Alta.
4. Os morros, colinas e vales do seu reverso, formando um
verdadeiro tabuleiro residual, colmatando granitos e gnaisse.
5. A planície construída pelo homem, estreita e plana, que
se estende ao pé do escarpamento.
6. A península de Itapagipe formada de terrenos cretáceos
afogados pelo mar durante o Quaternário e apresentando um
relevo de colinas médias (Ab'Sáber, 1952: 62).

Desses elementos do sítio, o quinto é quase inteiramente artifi-


cial, pois foi o homem que, pouco a pouco, construiu a planície muito
estreita que acompanhava a base da escarpa. Também são artificiais,
porque ganhos sobre o mar; mais particularmente sobre os mangues,
os terrenos hoje ocupados com as invasões da península de ltapagipe,
casas de gente pobre construídas inicialmente à moda das palafitas e
depois sobre terrenos "fabricados" com depósitos de lixo.
Entretanto, os próprios terrenos em que Tomé de Sousa cons-
truiu as primeiras casas da cidade, bem no coração do centro, sobre ·"
o
<
a esplanada do topo da escarpa, sofreram nivelamentos. É onde >
"o,.
hoje se encontram a praça MunicipaLe a rua da Misericórdia.
o
Esse espaço urbano não está ocupado de maneira h omogê- >
~
nea. Nem mesmo é inteiramente ocupado. Quando se chega a o
>
o
Salvador de avião, divisa-se uma inassa considerável de constru- m

ções bordando a península do' lado da baía, uma estreita faixa de. •<
o
casas do lado do mar e filas de habitações seguindo os antigos r
C

caminhos rurais que ligam os dois litorais. ",.O


.Há 20 anos, de um modo geral, as construções limitavam-se O
>
à plataforma do topo da escarpa, sob uma forma linear, e pre- "•
O
feriam as dorsais das colinas; o povoamento irradiava ao longo >-
O
dos antigos caminhos e das linhas de transporte coletivos, mais
recentemente. Desprezava, deste modo, os vales onde, peninho
do centro, pululavam casas de gente pobre e hortas; estas repre-
sentavam uma solução cômoda, embora precária e insuficiente,
do problema. do abastecimento em frutas e legumes de uma
cidade praticamente sem subúrbio rural imediato. O primeiro
vale a ser ocupado foi a Baixa dos Sapateiros, aí por 1835.
Nestes últimos anos, o crescimento da população e as novas
técnicas de construção e de urbanismo valorizaram os terrenos
em declives: As obras públicas multiplicam o valor dos terrenos
nos vales, que começam a ser colonizados, principalmente por
uma população abastada que expulsa, ponco a pouco, os pri-
meiros ocupantes, isto é, os pobres e as hortas.
De outro lado, a chegada de milhares e milhares de novos
emigrantes não somente provocou a extensão das superfícies cons-
truídas, como soluções heróicas, como as que já mencionamos,
na península de Itapagipe, na pequena enseada dos Tainheiros.
Vários milhares de habitações foram construídas ali, nestes últimos
anos, para abrigar pessoas pobres. Mas hoje são substituídas por
gente da classe média, embora somente nas ruas que se benefi-
, ciaram com obras públicas e facilidades de transporte. As praias
o
o atlânticas também se povoaram recentemente. Os terrenos foram
<
>
"< supervalorizados pela construção de uma autoestrada ligando o
o aeroporto de Ipitanga ao centro da cidade e pela especulação que
c
a isso se seguiu. É uma zona de residência rica.
"<c
o Entre essas construções recentes que beiram a praia e a massa
Ü
<
das que rodeiam o antigo nódulo urbano, restam enormes vazios, em
o
o todas as direções, de quando em quando interrompidos pelas casas
"z
;-
que margeiam os caminhos, e pelos jardins e hortas nOS vales.
"u A área mais densamente ocupada da Cidade de Salvador
c
corresponde grosso modo ao centro, parte mais antiga da cidade,
cujo sítio é o que· apresenta maiores dificuldades de utilização.
B A í A T O O O S

o 5 SANTOS

i
CIDADE 00 SALVADOR
OCUPACÃO DO ESPACO-1957

ZONAS:
COMERCIAL ffill!ll
~
~
INDUSTRIAL
RESIDENCIAL
GLASSE RI'A
" ,. MÉDIA

PODRE
~
r:zJ
nu T
~ ~:------- .
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)
EVOLUCÃO URBANA DA CIDADE DO SALVADOR
(

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./

NÚCLEO INICIAL
FIM DO StCULO
la METADE DD stC.
la METAD E DO stc.
XVI
XVI
-
C"Z3
m
XIX r::LLJ
g
1957
.
ESCALA ""ICA
I-"'-E •• GAIA.ALUDO POR A"" CARVALHO. OIUtnlAOO POli ANTa/lll'" LÚClA A. SOUZA
Esse fato naturalmente surpreende o viajante mal prevenido da
história urbana, pois é causa de vários dos mais graves problemas
que trazem consequências para toda a cidade.
É uma faixa de dois quilômetros de largura máxima, de
mais ou menos seis quilômetros de extensão, acompanhando a
Baía de Todos os Santos. O centro da aglomeração corresponde
à parte mais larga; ele cresceu desde o primeiro século, mas au-
mentou ainda mais nitidamente agora, pois ocupa uma planície
conquistada pelo homem sobre o mar e próxima ao porto, e onde
se construiu uma verdadeira massa de novos edifícios.

* • •

Se examinarmos mais de perto a evolução da Cidade do


Salvador reconhecemos a sucessão de cinco períodos do ponto
de vista da população:
1. Uma fase inicial, independente da atividade regional da
cidade, e em que apenas funcionam os papéis de centro admi-
,I nistrativo, religioso e militar, até o final do século XVI.
"oo 2. Um período de crescimento lento, até o século XVIJI, que refle-
<
>
"~ te os primeiros esforços de valorização de uma área em expansão.
o 3. Um período de crescimento rápido, provocado pelos pro-
o
"o gressos da agricultura nas áreas de ocupação mais antiga, para
<
o a expansão da agricultura em outras regiões, por uma melhor
Ü
<
organização do espaço e por um grande êxodo rural, provocado
o
o por novos ciclos de seca durante o século XIX.
"
>-
z 4. Um novo período de crescimento lento -lento na escala bra-
•u
sileira -, que corresponde à crise das primeiras culruras comerciai~, à
o
atração demográfica exercida pela nova culrura industrial, o cacau,
ri durante os 40 primeiros anos do século XX.
'"
5. O período atual, de crescimento novamente acelerado,
isto é, de fortalecimento da economia agrícola, não apenas na
zona do cacau, mas também em certas regiões do Nordeste,
trazendo consequências para a vida urbana e por outro lado
o aumento da população de sub empregados- e desempregados,
resultantes de um êxodo rural sempre crescente.

o crescimento da população urbana durante os séculos


XVII e XVIII merece uma reflexão. Será justo considerá-lo como
lento, levando em conta os progressos demográficos dos séculos
posteriores? Na realidade não podemos analisar esse crescimento,
a não ser à luz de vários fatores intervindo em um dado momento
e em um dado lugar.
Essa evolução demográfica corresponde à evolução na
ocupação do sítio pelo organismo urbano. Durante o primeiro
período, a cidade se limitou à plataforma, ao topo do escarpa-
mento. No segundo, estendeu-se sobre as colinas dos rebordos da
esplanada, atravessou o vale do rio das Tripas (a atual-Baixa dos
Sapateiros) e uma segunda linha de colinas foi colonizada. No
terceiro período, formam-se vários bairros que se aproveitam da
instalação das linhas de transporte coletivo. A cidade se espraia
para o norte e para o sul, principalmente sobre as dorsais. Na
penínsulà de Itapagipe a ocupação é mais densa.
Durante o quarto período a cidade não cresce como havia
feito no período precedente, mas os trabalhos do porto são ini-
ciados e fazem-se grandes aterros.
Durante o quinto período, o centro se desenvolve mais ati-
vamente, bairros ricos são construídos, as "invasões" se formam,
os vales começam a ser ocupados por construções, e as praias se
valorizam com luxuosas casas de morada.
CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO DE SALVADOR

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ESTADO DA BAHIA

Distribuição da população por-grupo de idades

-"""'-,- -- -

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Idade -- - -
1940 1950
--'-""'-,"-",,"

0-10 1156621 1483726


10-19 931014 1110275 •O
20 - 29
30 - 39
818787
445658
681737
562507
•~
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40 -49 312139 384405 <O
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50-59 202943 230759 O
60-69 113377 142269 O
>
70 -79 46892 58464
~
80 e mais 23556 26941 O
Idade ignorada 1585 11442 >
o
Totais 1918112
-- - - -
4834575
-,,-,,- - -- •

- , _."""-,,,,'"-

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O

MUNIdPIO DE SALVADOR "C


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Recenseamento de 1920 O
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Mulheres Total
Q.rupo!., d!!, I_4q.E.f!_"",_ _ _ _ Homens
0-20 61489 65363 126861
••
O
21 e mais 70630 85931 156561 >-
O
Total 132128 151294
"-"- --- - 283422
,-",-""-,,,,- - - - - -

Fonte: Publicações de Recenseamento.


REPARTIÇÃO DA POPUUÇAO POR IDADE E POR SEXO

(1940/1950)

-""._""-,,._.--- _._""_._- - -"",-",_"",-,"-"'-"'-""'- - ._"-"._,,.- ""-"-"",,- - -'"-""'"-,,,,-

Grupos de 1940 1950

--,---"'-,- - - - " , - - " 'Homens


idade
0-9 32060
Mulheres
- --,,-_._- ,,---
32134
-
Total
-"._-'"--- ---,._-"--"..
62511 47386 47363
Total
Homens Mulheres .. _-"._-
94749
_-
10- 19 29184 64194 33408 41232 47850 89082
20 - 29 26553 33327 59961 40682 48830 89512
30 - 39 19024 22784 41808 26593 31542 58135
40-49 12731 15403 28234 18310 21620 39930
50 - 59 7664 10475 18139 10152 13224 23376
60-69 3373 6091 9474 5442 8485 13927
70 -79 1113 2847 3960 1669 3778 5447
80 e mais 376 1245 1621 464 1521 1985
Idade ignorada 215 326 541 463 629 1092
Totais 132305 158140 290443
-",,_.,,-- 192393 224842 417235
- " " - , , , - - ' - -""_._- --",----"",- -
"". - - "_.",,--,,,,---"""'-",- - -"",-,-",,-

Fonte: Serviço Nacional de Recenseamento.

MUNIC!PIO DE SALVADOR

Repartição Profissional da População (1950)


._----
Pessoas com
Ramos de Atividade
10 anos e %
mais
Agricultura, criação e silvicultura 6770 2,1
"Oo Indústrias extrativas 2923 0,9
Indústrias de transformação 31435 9,8
<
> Comércio de mercadorias 22581 7,0
•< Comércio de imóveis e valores, seguros, banco 2000 0,6
" Prestação de serviços 44686 13,9
O
o 15507 4,8
Transportes, comunicações, armazenamento
•o Profissionais liberais 1484 0,5
< 10 153 3,1
o Atividades sociais
Ü Administração Pública, legislativo, justiça 6200 1,9
< Defesa Nacional e Pública 6535 2,0
o
Atividades domésticas não remuneradas e atividades escolares 145717 45,2
O
Atividades não compreendidas nos outros ramos mal
"Z
~
definidos ou não declarados 726 0,2
•U Pessoas inativas 2569 8,0
322486
o . Total
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'-,~-""-,,,,-"- - -",,--
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Fonte: Serviço Nacinnal de Recenseamento.


2

As FUNÇOES DO CENTRO DE SALVADOR

A
Cidade do Salvador aparece, em relação ao Estado
da Bahia, como uma espécie de réplica, guardadas as
devidas proporções, ao que na França, por" convenção,
se denomina Paris e o deserto francês. No caso, é uma grande
cabeça sustentada por um corpo frágil. De fato, macrocefalia e
pobreza rural são interdependentes. c•
z
Toda a história econômica regional proporcionou a Sal- "o
vador uma concentração de funções e recursos, sempre e cada ·"
o
o
vez mais forte, em relação ao resto do Estado. Em 1954, por o
exemplo, seu porto recebeu a metade dos navios que tocam "z-<
nos portos baianos (1246 para 2490), sendo a tonelagem sen- "o
o
sivelmente mais elevada (3,690 milhões para um total de 4,533 •
>
milhões). Tal desproporção só não foi maior porque o porto r
<
>
de Ilhéus realiza quase toda exportação do cacau, que, aliás, O
O

é o mais importante produto do Estado. Todas as exportações "


foram feitas por intermédio de Salvador, naquele mesmo ano
de 1954. Enquanto os bancos que têm sua sede no interior do
Estado possuem um capital total inferior a duzentos milhões,
os da Cidade do Salvador alcançam 1,662 bilhões. Em 1954,
os"depósitos bancários atingiam, em Salvador, 78% e os em-
préstimos, 71 % para a totalidade do Estado. Esta primeira
cifra tem um valor ainda mais significativo quando é sabido
que os demais 29% de empréstimos fora da cidade serviram
à principal atividade regional, que é a agricultura, incluindo
o financiamento da produção cacaueira, que representa 70%
da economia do Estado. É evidente que os agricultores fize-
ram uma grande parte - talvez a maior - de suas operações
financeiras na capital do Estado. Com 562 dentre os 21.085
estabelecimentos comerciais do Estado da Bahia, a Cidade do
Salvador viu, em 1954, um movimento de capitais no valor
de Cr$ 10.640 milhões contra Cr$ 24.282 milhões em todo o
Estado. Seu comércio grossista representava 83,88% do total
do Estado e o varejista, 45,60%. Mais da metade (55%) da
produção industrial baiana realiza-se na capital, porcentagem
que aumentará se retirarmos do cômputo global as indústrias
"oo extrativas e agrícolas.
<
>
"< Esta concentração das funções vitais do Estado é duplicada
·
o
o
pela concentração dos serviços e quadros: 60% dos médicos,
•o 73% dos engenheiros, até mesmo 35% dos agrônomos; todas as
<
o faculdades, 80% das escolas normais, 40% dos ginásios etc.
u
< Tal quadro dá uma idéia da importância regional da Cidade
o
o do Salvador e de sua função em relação ao Estado.
,." Mas, assim como a história econômica regional favoreceu
z
•u Salvador com esse acúmulo de funções, a história urbana con-
o
duziu à concentração de quase todas essas funções nos distritos
~ centrais. A permanência da localização do porto, a atração
que exerceu sobre as atividades comerciais e administrativas; a
localização da estação ferroviária na proximidade do centro; a
fraqueza da indústria, incapaz de criar grandes bairros; a expan-
são da cidade sobre as linhas de cumeada, tendo como resultado
um plano que não permitiu a formação de centros secundários
nos bairros; tudo isso teve por consequência a concentração das
funções nos bairros centrais. Há exceções: a presença de um
certo número de indústrias em Itapagipe (distritos dos Mares e
Penha), devido aos terrenos desocupados oferecerem vantagem
ali, por ocasião do impulso industrial do fim do século passado,
e o centro secundário que se formou na Liberdade, bairro pro-
letário, densamente povoado.
Assim as funções do centro são muito representativas quer
da vida urbana, quer da vida regional. É nesse sentido que as
devemos estudar.

A FUNÇÃO PORTUÁRIA

A função portuária da Cidade do Salvador existiu desde o


início da vida urbana e foi desde logo uma condição necessária
à realização das outras funções. Com efeito, se o aumento da o
o
importância de Salvador corresponde, através dos séculos, ao n

crescimento de sua função comercial, é verdadeiramente ao seu ".;z


porto que a cidade deve a possibilidade de comandar as relações "o
o
entre um mundo rural produtor de matérias-primas, que sofre "
>
em parte uma transformação primária, e um mundo industrial r
<
>
(seja o Sul do Brasil, seja o estrangeiro), comprador de matérias- O
O

primas e fornecedor de produtos manufaturados de que a cidade "


e sua região têm necessidade.
1::::.1 ÁREAS DE DETERIORAÇÃO

~ VAREJO POBRE

• BANCO, COMÉRCIO DE PAPÉIS

','1'
','),1 COMÉRCIO GROSSO MAIS DEPÓSITO

111 ALIMENTAÇÃO

1+++1 COMÉRCIO OE TRANSIÇÃO, ARTESANATO

lIlII COMÉRCIO DE LU XO

li ARMAztNS

••
,,---,,
L ___ J
EDIFíCIOS

EDifíCIOS

ÁREAS
RELIGIOSOS

PÚBLICOS

CONVENTUAIS
DO ESPACO URBANO
IDADE DO SALVADOR
Foto 1, Salvador, cidade de 2 andares. Fotografia obtida em 1958, onde se nota o,apa-
recimento de edifícios em altura na Cidade Alta. A parte da Cidade Baixa, que é vista
no clichê, não recebeu um povoamento de arranha-céus e se deteriora. Veem-se, ainda,
no canto esquerdo, o Elevador Lacerda e ladeiras, ligando a Cidade Baixa à Cidade
Alta. Sob a ladeira da Montanha, alguns arcos são ocupados com casas de residências
e artesana toS.

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Foto 2. Salvador, cidade de 2 andares. Esta fotografia foi tomada na década de 1950 de
modo que se podem observar as mudanças sofridas pela Cidade Alta, aliás lentas em
relação ao que ocorreu na Cidade Baixa.
Essa é, sem dúvida, a principal característica do porto de Sal-
vador, estreitamente ligado, desde os primeiros tempos, à economia
regional, inicialmente do Recôncavo e, depois, de um território
mais extenso. Bem característico de um porto de exportação de
matérias-primas é o fato de que entre as exportações que, em 1956,
representavam 2,472 bilhões de cruzeiros, 96%, isto é, 2,4 bilhões
eram representados por somente 10 produtos. Entre esses, apenas
252 tinbam sofrido uma transformação primária local, como os
óleos brutos e pastas. Estes últimos produtos representam 109.029
toneladas sobre um total de 135.069 exportados por Salvador em
1956. A importação, num valor sensivelmente inferior (Cr$1.300
milhões, em 1956), foi principalmente de produtos alimentares,
combustíveis e equipamentos. Os produtos manufaturadas, que
alimentam o comércio da cidade e do Estado, são transportados
geralmente pela rodovia. Isso é consequência da irregularidade
dos transportes marítimos, devida a um número insuficiente de
navios para fazer a cabotagem. Por outro lado, a desproporção
entre exportação e importação encarece as despesas de transporte
e subordina a entrada dos navios ao frete possível.
O porto exporta os produtos da economia regional e importa c•
z
produtos alimentares e manufaturados; as necessidades da vida coti- ""m
diana acarretam uma outra função ao porto: a de receber os produ- c
o
tos de subsistência. O Recôncavo, ainda hoje, é o grande fornecedor o
m
desses produtos, para uma cidade praticamente sem periferia rural Z
.;

imediata. O transporte das mercadorias faz-se por saveiros, barcos "o


o
m
a vela, cuja capacidade varia entre 12 e 15 toneladas. São, mais ou ,
>
menos, 5.500, e não só ligam a capital do Estado ao Recôncavo ~
<
>
como a outros portos do litoral atlântico do Estado. o
o
Essa dupla função acarreta também uma dupla organização do "
espaço portuário. Ao lado da extensão de cais, construída especial-
mente para os grandes navios, há as rampas onde podem abordar os
saveiros. São duas: a Rampa do Mercado, logo ao lado da praça Cairu
e a da Água de Meninos, no final da avenida Frederico Pontes, ambas,
muito pitorescas e ricas de cor local. Recebem uma multiplicidade de
produtos agrícolas: farinha, frutas, legumes. Assim como o grande
porto acarretou a instalação do grande comércio nas proximidades,
o outro provocou o aparecimento de feiras ao ar livre, espécie de feira
grossista, onde vêm se abastecer os comerciantes de outras feiras, os
proprietários de armazéns, vendas e barracas, os restaurantes e hotéis,
vendedores ambulantes e donas de casa previdentes.

MOVIMENTO DO PORTO DE SALVADOR (1956)


COMÉRCIO EXTERIOR

Quantidade Valor
Mercadorias
Ton.
Hxportaçiio:
1" Fumo em folha 22171 614480
2" Derivados do cacau 15926 553185
3" Cacau em amêndoas 15317 350970
4° Café em grão 5879 205514
5° Fibra de sisal 19315 162967
6" Mamona em bagos 23767 138872
7" Piaçava 2506 63926
8" Óleo de mamona 3155 51798
9° Cera de carnaúba 731 47989
o lO" Cera de licuri-"".-
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242 - 19164
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Q total 0"" _ _ "._",, _ _ "_",,,, _ _ }09029 5- 408271 -

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Q Importação:
< 1 Trigo em grão
(> 92377 232660
Q

U
2<> Bacalhau 5277 164552
< 3" Equipamento para perfuração de poços 1152 83833
Q
4" Querosene 39089 79907
Q
5" Arame farpado 5661 77412
'z"" 6° Gasolina de a viação 16838 48160
•u 7<> Óleo pl motor de explosão 39743 46731
o 8" Tubos, cabos de aço etc. 3556 32072
9" Navios e barcos a motor 281 24318
Jº-" _~~it_e ~'!1 pó__ "_",,,_ _ _ ",, __ ,_"",_ 883-
- ",-, - -
24087
-"",- - -""'-

Total 204857 813 732


Cada uma dessas atividades portuárias criou, direta ou
indiretamente, uma paisagem própria. De um lado, a função de
entreposto e'a-de direçãô tendem a separar-se, fato que resulta
na presença de grandes armazéns e depósitos do porto, além dos
grandes edifícios modernos servindo aos escritórios. O pequeno
porto, por sua vez, provoca o aparecimento de mercados, mas
como, desde há muito, eles se tornaram insuficientes, observa-se
o surgimento de barracas de madeira, visivelmente provisórias,
e que constituem verdadeiras ruas.
Tudo isso não acontece sem que o espaço seja disputado
pelos dois ramos da atividade portuária. Ainda hoje, a necessi-
dade de construir os entrepostos frigoríficos e, principalmente,
de ampliar o cais apresenta, novamente, o problema, e com toda
sua intensidade. Procuram-se as soluções, como, por exemplo,
deslocar o porto dos saveiros para a península de Itapagipe.
Este dilema acarreta, entre outras consequências, a de
agravar cada vez mais as condições, já por demais precárias, das
instalações da feira de Água de Meninos, pois sua conservação
é reduzida ao mínimo durante este tempo de espera.' ,>

A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
"
o
n
m
A função administrativa data da própria fundação da cida- Z
.;

de, criada, como já vimos, para abrigar o primeiro governo geral "o
o
m
do Brasil. A essa função deveu a cidade a maior parte de sua
;
população inicial. Ela nunca deixará de ser importante, através r
<
>
de toda a evolução urbana, tendo somente uma crise, provocada O
O

pela transferência da capital do país para o Rio de Janeiro, em •


1773. Entretanto, essa crise teve seus efeitos minorados pelo fato
de Salvador não ter perdido sua função de capital de província,
durante o Império, e após a proclamação da República em 1889,
de capital do Estado.
Atualmente, a função administrativa é das mais importantes.
Salvador centraliza a direção de quase todas as repartições do Esta-
do, sejam dependentes do governo do país, sejam as que dependem
do Estado mesmo. Há ainda os serviços da própria municipalidade.
Essa atividade permite [condições de1viver a um grande número de
funcionários, número certamente mais elevado do que as verdadeiras
necessidades dos serviços. Aproveitam-se indiretamente da função
administrativa numerosos intermediários de grandes e pequenos
serviços públicos, fornecedores etc., sem falar na animação que a
presença dos empregados públicos pode dar, e verdadeiramente dá,
às outras funções urbanas, a começar pelo comércio.
A função administrativa, que, desde o início da vida urbana,
enriqueceu a paisagem com construções especialmente concebi-
das, constitui, hoje, uma das atividades capazes de transformar
o quadro urbano - isto é, o centro - onde se instalaram. Os
serviços públicos situam-se, preferencialmente, na Cidade Alta,
"o mais ou menOs agrupados no núcleo primitivo, em torno ao
o
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>
<
Palácio dos Governadores, que conserva o mesmo local da pri-
" meira construção, datada de 1549. Entretanto, tem-se verificado
o
o
recentemente a tendência de transferir para a Cidade Baixa a
o•
<
o sede de alguns serviços que têm interesse na localização mais
Ü
< próxima do centro da vida financeira. Juntam-se, agora, aos
o
o outros serviços públicos, ligados à função portuária da cidade,
";.z serviços instalados há muito tempo na Cidade Baixa, como a
•u
Alfândega e a Associação Comercial.
o
A administração eclesiástica tem uma grande importância,
havendo mesmo um cardeal-arcebispo em Salvador. De fato, a
função religiosa da cidade não cessou desde a sua fundação. É ela
responsável por vários traços do passado na paisagem de hoje: o
palácio do Arcebispo e as imponentes igrejas do século XVIII.

A FUNÇAO COMERCIAL

o centro abriga quase toda a atividade comercial da cidade.


Realmente, fora dos distritos centrais, o comércio desenvolve-se
apenas em torno da estação ferroviária, na Calçada, servindo a
Itapagipe, além do comércio da Liberdade, bairro no qual vive
a quinta parte da população de Salvador.
A atividade comercial do centro da cidade desenvolve-se sob
quatro diferentes aspectos: a) um comércio grossista, de exportação
e importação; b) um comércio varejista, subdividido em varejo rico
e pobre; c) um comércio de alimentação e d) um comércio de rua.

a. O comércio grossista é essencialmente ligado ao porto, fato que


explica, na região, sua importância em relação ao resto do Estado e,
na aglomeração mesma, sua localização na Gdade Baixa.
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o
A capital concentra quase todo o comércio grossista do Esta- ·•
o
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do. Em 1950, enquanto o comércio varejista representava 45,60% n
•Z
do total do Estado, o comércio grossista representava 83,88%. .;

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MOVIMENTO COMERCIAL EM 1950 (MlllIÓES DE CRUZEIROS)
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Cidade do Salvador Estado da Bahia >
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Comércio grossista 3300 3900 O
Comércio vareji"':""._ _ _ _-'-I,,10"'0'--_ _ _ _ _2"'5"'0"'0_ __ "
""
o comércio grossista tem interesse em permanecer bem pró-
ximo aos bancos, estando estes, igualmente, atraídos pelo porto.
Exercem uma espécie de atração recíproca uns sobre os outros.
Mas, não se pode afirmar que o porto seja um fator exclusivo para
a concentração, em Salvador e no interior da aglomeração, do
comércio grossista na Cidade Baixa. Desde 1940, a maior parte da
produção de cacau, que é o mais importante produto de exportação
do Estado, não mais se escoa pelo porto de Salvador e sim pelo de
Ilhéus, no litoral da própria zona de produção. As grandes casas
exportadoras, as cooperativas de exportação e as organizações
governamentais, como o Instituto de Cacau da Bahia, continuam
a ter sede em Salvador. Isso se deve ao fato de a exportação para

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o estrangeiro exigir uma imensa burocracia, concentrada exclusi-
vamente numa carteira especializada do Banco do Brasil, banco
oficial, que dá o preço do dia e regula o pagamento de letras de
câmbio e dos prêmios que o estado confere aos produtores. É fácil
explicar, então, porque as casas de exportação, que gozam de uma
função intermediária entre agricultores e o banco oficial, têm inte-
resse em manter tais operações à distância da zona de produção.
Resistiram à instalação, em Ilhéus, de um outro escritório especia-
lizado, capaz de fazer as mesmas operações que em Salvador. Há
dois anos, porém, esse escritório foi fundado na agência local do
Banco do Brasil, em Ilhéus, instalação que fortalece a função da
cidade de Ilhéus como porto de exportação; apesar disso, a maior
parte das transações ainda se faz em Salvador.

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Essa atividade de "papéis" é muitas vezes confundida com
a própria atividade bancária. Várias firmas exportadoras têm
seu próprio setor bancário, que goza das mesmas vantagens que
os bancos. Isso aumenta sua influência sobre o mundo rural,
que lhes confia seus produtos e fica cada vez mais dependente
dos exportadores. Com esse setor bancário, as casas comerciais
podem obter do banco oficial certos privilégios, [idênticos aos]
obtidos, aliás, pelos bancos particulares, como, por exemplo, o
redesconto das notas de crédito. Assim, participam oficialmente
do comércio da moeda, que empresta aos agricultores com uma
usura comercial, ou seja, 12 % ao ano. Dessa maneira, as casas
exportadoras se colocam numa posição ainda mais vantajosa em
relação aos clientes do interior do Estado, pois podem adiantar
dinheiro para os trabalhos agrícolas, praticando, simultanea-
mente, uma usura suplementar.

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Firmas exportadoras de cacau e outros produtos regionais,
como Wildberger ou Corrêa Ribeiro, têm seu próprio setor
bancário. Outras, que igualmente têm necessidade do dinheiro
líquido para fazer empréstimos aos agricultores são interessadas,
como acionistas ou de outro modo, nas atividades do banco.
Somente uma casa exportadora está fora da Cidade Baixa. Tra-
ta-se de uma casa de exportação de pedras preciosas, com escritórios
na rua Chile. O comércio da Cidade Baixa abriga quase somente
os bancos, atividades bancárias, casas de comércio em grosso; em
suma, o "comércio de papéis". Ali não se encontra um médico
ou um dentista. Há, entretanto, um setor de comércio a varejo,
quase exclusivamente constituído por casas de luxo para a moda
masculina, nas ruas Conselheiro Dantas, Portugal e algumas trans- o
o
versais. As casas de artigos femininos são muito raras e formam, n

sobretudo, um setor varejista do comércio de tecidos em grosso. z"


.;

Verifica-se, também, um comércio de alimentação nas imediações "o


o
da rua Silva Jardim, utilizando as velhas casas em degradação, e ,"
>
ligado essencialmente, à passagem de pedestres entre a Cidade Alta ~
<
>
e a Baixa. Salienta-se, ainda, o grande número de advogados que, o
o
atraídos pelo comércio grossista, aí se instalam, em vez de preferir "
as imediações do Fórum, na Cidade Alta. Numerosas são também
as empresas de construções, ligadas à especulação imobiliária,
desenfreada nestes últimos anos e por isso têm interesse de ficar
próxima aos bancos, que as financiam. Até o fim do século XIX,
todo o comércio se concentrava na Cidade Baixa, daí o nome que
guardou até hoje: é o "Comércio" para o habitante de Salvador. O
centro da Cidade Alta abrigava as principais funções administrativas
e religiosas, tendo uma importante função residencial.
O século XX traz uma nova especialização funcional, cada
vez mais acentuada. A Cidade Baixa ficou reservada a função de
centro do comércio grossista, enquanto encontramos na Cidade
Alta o comércio varej ista.

b. O comércio varejista divide-se, nitidamente, em um setor de


luxo e em um outro pobre, ocupando cada um deles uma zona
diferente no interior do centro da cidade·. A subida do comér-
cio varejista para a Cidade Alta correspondeu o aumento da
poplllação nos bairros exteriores da mesma. Todavia, o sempre
crescente número de imigrantes rurais, que gravam os recursos
da população ativa, torna impossível um desenvolvimento mais
"o notório do comércio varejista, fato que se reflete na diferença
o
,< entre seu próprio quadro e o do comércio em grosso.
"<
"
o
o
O comércio varejista rico encontra-se nas ruas do coração da
"o
<
o Cidade Alta, seguindo as linhas dos transportes coletivos, em direção
u
<
aos bairros ricos. O comércio varejista pobre ocupa a Baixa dos Sa-
o
o pateiros (rua Dr.].]. Seabra), artéria principal do tráfego de veículos
..z" coletivos que se dirigem aos bairros da classe média e pobre .
"u O comércio varejista de luxo encontra-se principalmente
o
nas ruas Chile, Misericórdia, Aj uda, Carlos Gomes, quase toda a
~ avenida Sete de Setembro e uma parte da avenida Joana Angélica.
Sobre um total de 310 entregas feitas em domicílio por um ma-
gazine da rua Chile, durante uma semana de maio de 1957, 240
foram feitos a clientes que habitavam nos bairros ricos, sendo o
resto entregue a outros, nos bairros de classe média. A esse tipo de
comércio acha-se ligada a frequência das ruas onde está instalado:
a rua Chile constitui uma espécie de vitrine da cidade.
Tal comércio, sobretudo seu desenvolvimento atual, acarreta"
uma supervalorização dos espaços disponíveis e, por outro lado,
atrai outros tipos de comércio, com uma tendência à especia-
lização cada vez mais forte ou acentuada. São aproveitados os
acessos ou halls de edifícios novos ou antigos, pés-de-escada,
para instalar pequenos cafés, lojas de lembranças ou de discos;
os restaurantes emigram para as ruas transversais, instalando-se
nos" andares; desaparecem os cafés onde se podia ser atendido
sentado, e que eram numerosos há cinco anos, substituídos por
leiterias, onde se pode fazer pequenas refeições em pé. O comér-
cio varejista pobre é feito, essencialmente na rua Dr. J. J. Seabra
(Baixa dos Sapateiros) e transversais, prolongando até a Silva
Jardim. Não se encontram grandes magazines e casas de artigos
\
de luxo ou altamente especializadas. Predominam as lojas, onde
são vendidos artigos de segunda necessidade.
Parece que à concentração do comércio varejista no centro c
o
da Cidade Alta está ligado um número cada vez maior de cine- o
m
mas, visto que os cinemas de bairros, mais recentes, oférecem Z

um número mais restrito de sessões. •"'o


c
m
Em 1956, os bairros centrais contavam com 11 dos 23 ci- ,
>
nemas existentes. Entretanto eles dispunham de 12.074 lugares, "<
>
enquanto os 12 dos outros bairros apenas somavam 7.517, aí c
o
incluídos os 2.359 de dois cinemas da Calçada, perto da esta- •
ção ferroviária, e que não podemos classificar entre os cinemas 00
w
---I
I

de bairro. Neste mesmo ano, os cinemas do centro venderam


4.071. 043, compreendendo os 526.666 daqueles da Calçada.
A relação entre a distribuição dos cinemas e a função comer-
cial varejista se constata pela localização e a categoria das salas
de espetáculo. Na praça da Sé, rua Chile, praça Castro Alves, os
cinemas são confortáveis, com ar condicionado e preços elevados.
Na Baixa dos Sapateiros, não oferecem confortO e são baratos.
Na Cidade Baixa não há cinemas.

c. Um comércio de alimentação, de primeira necessidade, pratica-


do quase exclusivamente por espanhóis, aparece também no cen-
tro da Cidade do Salvador. São armazéns, padarias açougues. Tal
comércio deve sua existência, de um lado, à presença, no próprio
centro, de uma massa considerável de população, necessitando
abastecimento e, por outro lado, a possibilidade, procurada
Foto 3. Paisagem de Salvador antes de 1950.

Foto 4. Vista geral da feira de Águas de Meninos. Foto da Srta. Orlandir Carvalho de
Mattos.
pelos habitantes dos bairros exteriores, de encontrar ali preços
mais vantajosos. Esta última razão explica a concentração de
casas.de produtos alimentares na Baixinha (rua Padre Agostinho
Gomes) e na Visconde de São Lourenço (Forte de S. Pedro), que
delimitam o centro comercial da Cidade Alta. Contudo, esse co-
mércio de primeira necessidade acha-se disseminádo por todos os
setores, ocupando principalmente as esquinas. Na Cidade Alta, o
comércio;formando um verdadeiro cinturão ladeado pelas ruas
residenciais, é uma explicação para esse fato.
A crescente valorização do espaço, no centro da cidade,
acarreta uma tendência ao deslocamento dos estabelecimentos
que, todavia, mantêm-se no limite entre a zona comercial e a
residencial.

d. O comércio de rua ocupa um lugar relativamente importante.


É representado quer pelas feiras livres, onde são vendidos produ-
tos de alimentação e caseiros, quer pelos camelôs e vendedores
ambulantes.

"oo A presença de uma população pobre, no centro, provocou


<
>
" a constituição de um comércio de produtos alimentares não so-
<
" mente nos magazines, mas também nas feiras. Na praça DÇJis âe
o
o
Julho, rua Visconde de São Lourenço e proximidades da praça
o•
<
o São Miguel, sobre um terreno desocupado, funcionam feiras. As
u
<
duas primeiras, nas extremidades do centro comercial, são menos
o
o representativas das necessidades desse centro; servem sobretudo
"z>- a outros bairros, enquanto a terceira abastece prin~ipalmente
•u
a população do centro, onde ocupa o coração mesmo. Antes
o
estava situada na praça José de Alencar, de onde foi deslocada
pelo aumento do tráfego.
Podem ser ainda citados outros mercados, em tomo do centro
e perto do porto. A feira de Água de Meninos é a mais importante
da cidade; espécie de feira grossista, é um verdadeiro entreposto
em relação às demais feiras urbanas. A da "Rampa do Mercado"
exerce funções comparáveis, se bem que em escala reduzida. Essa
função grossista explica-se pela proximidade do porto, onde en-
costam os saveiros carregados de produtos do Recôncavo.
Além das feiras "sedentárias", há um verdadeiro comércio am-
bulante. É comum encontrar, ao ar livre, sobre os passeios, uma va-
riedade de mercadorias, anunciadas aos gritos pelos camelôs. A praça
Cairu é uma espécie de quartel-general desse gênero de atividade.
Junot Silveira (1955: 9) assim descreve essa paisagem: "ao
redor da estátua, funciona o comércio de bugigangas: came/ots
com seus maravilhosos medicamentos, vendedores ambulantes de
camisas de homem, brincos baratos para senhoras, gravatas de
quarta classe, meias, mil e uma quinquilharias; fotógrafos, com
enormes aparelhos antigos e desajeitados, que revelam fotos em
dez minutos; cegos que mendigam com seus violões, acordeons
e tamborins, homens e crianças que vendem coleções de poesias
populares". Esse quadro tão bizarro reproduz-se no Terreiro de
Jesus (praça 15 de Novembro), e, se retirarmos o fotógrafo e o
cego cantador, é o mesmo na rua Chile, a principal artéria da o
o
cidade. Os comerciantes fazem uma verdadeira guerra aos ven- o
m
Z
dedores ambulantes, sob pretexto de que engarrafam o trânsito. .;

Na realidade, porém, é a concorrência dos preços baratos que os


•o
o
m
preocupa.
~
Um outro aspecto do comércio de rua é o constituído pela "<
>
"bolsa de automóveis", que se instalou exatamente na rua dos o
o
bancos, rua Miguel Calmon, bem em frente ao Banco do Brasil •
e ao da Bahia. Automóveis ali ficam estacionados com seus
vendedores, que, na rua mesmo, discutem com os prováveis
compradores. É um dos mais interessantes negócios da cidade.

A FUNÇAO BANCARIA

A estrutura econômica regional e a estrutura da organiza-


ção bancária brasileira dão grande relevo ao banco em relação
às outras funções urbanas, mas, por outro lado, trazem-lhe a
impossibilidade de exercer perfeitamente sua função criadora.
Se, de um lado, os bancos têm interesse no financiamento das
atividades comerciais, incluindo a agricultura comercial e ativi-
dades puramente espei:ulativas, como a especulação imobiliária,
resta-lhe uma pequena margem para o funcionamento da indús-
tria e da pequena agricultura. Excetuando o Banco do Brasil, que
é o banco oficial, todos os demais emprestam dinheiro a curto
prazo e juros elevados, sempre com a garantia individual de um
terceiro, pessoa física ou jurídica. Esse mecanismo contribui,
sem dúvida, para reforçar algumas fortunas particulares, mas
"oo não pode colaborar para o aumento da riqueza coletiva. Tal
<
>
"< mecanismo leva também à persistência da estrutura econômica
" já estabelecida, cheia de consequências para a vida regional e
o
o
urbana. Nesse sentido, o banco pode ser considerado como uma
"o
<
o verdadeira atividade "conservadora", destinada quase exclusi-
Ü
< vamente ao puro e simples comércio do dinheiro. Isso explica
o
o seu enorme poder.
"
;.
z Em Salvador, a análise da atividade bancária leva a distin-
•u
guir, com exceção do banco oficial, três outros tipos de bancos:
o
1) os bancos estrangeiros; 2) os bancos nacionais; 3) os bancos
g:: regionais ou locais.
Os bancos estrangeiros são especializados, sobretudo, nO
comércio de exportação e importação e na transferência dos
depósitos de seus clientes.
Os bancos da rede nacional são organizados no próprio Esta-
do, com ramificações em outros, havendo organizações principal-
mente de São Paulo e Minas Gerais. Tais organizações financiam o
comércio de exportação e importação, a agricultura comercial e a
especulação imobiliária, be'm como a indústria, embora em menor
escala. Tendo em vista a estrutura econômica regional, e na falta de
informações mais seguras, pode-se dizer que essa atividade bancá-
ria, como a precedente, leva os capitais para fora do Estado.
Os bancos regionais ou locais, possuindo capitais menores,
interessam-se sobretudo pelo comércio, agricultura comercial e
especulação imobiliária, que asseguram uma movimentação de
fundos mais rápida. Nessa categoria podemos incluir as "casas
bancárias" (bancos com um capital inferior a um milhão de cru-
zeiros) e os setores bancários das grandes firmas exportadoras.
Isso explica por que os bancos, ligados estreitamente ao comércio
e, consequentemente, 'ao porto, tenham preferido a Cidade Baixa >

para a sua instalação. Ali os negócios financeiros criam quarteirões •c


Z
fortemente especializados, nas ruas Miguel Calmon, Portugal e "o
avenida Estados Unidos. Excluem-se desta concentração o Banco "
Nacional do Crédito Cooperativo e o Banco do Nordeste, orga-
nizações governamentais, sediadas um pouco distante.
É na Cidade Baixa que se acham as principais sedes bancá-
rias, enquanto na rua Chile, São Pedro, Calçada e Baixa dos Sapa- .
.>
teiros há escritórios secundários, as "agências metropolitanas". r
<
>
o
Somente três estabelecimentos bancários têm sede na Cidade O

Alta. Dentre' eles, um é particular e de capital reduzido. Um ou- "


tro é a Caixa,Econômica Federal, cujas operações (empréstimos 00

'"
imobiliários, penhores de jóias etc.) orientam a sua localização
para perto da maior parte da população. Paradoxalmente, essa
instituição é a única que mantém um guichê secundário na Cidade
Baixa. Pelas mesmas razões, o Banco Hipotecário Lar Brasileiro
tem sede na Cidade Alta.
O desenvolvimento do comércio na Cidade Alta e na
Calçada levou os bancos a abrirem agências metropolitanas,
sobretudo na rua Chile e Ajuda, onde se encontram sete delas.
Novas foram abertas em São Pedro,. Baixa dos Sapateiros e
, Calçada, estas sob a influência das indústrias de Itapagipe e
do comércio. Para fazer uma idéia da valorização da rua Chile
como localização bancária, basta acrescentar que uma casa de
chá, de enorme clientela, fechou recentemente suas portas para
acolher um guichê baI)cário, bem como o fato, já mencionado,
da ocupação de algumas partes do Palácio do Governo porum
guichê secundário do Banco do Estado.

A FUNÇAo INDUSTRIAL E ARTESANAL


"
o
o
<
>
"< Em 1955, para 514 estabelecimentos considerados indus-
o triais e fábricas em Salvador, 192 se localizavam nos quarteirões
o
~ centrais. Se, todavia, estatisticamente são considerados indus-
o
<
o triais, torna-se preciso assinalar que, para a maioria, a fabricação
u
< é sobretudo artesanal. As classes de indústrias e o número médio
o
o de empregados são dois elementos bem significativos do fato.
"
;-
z Um total de 3.960 pessoas encontravam-se ocupadas nessas em-
~
u
o
presas, o que dá uma média de 20, aproximadamente, para cada
estabelecimento. Na realidade, somente 159 estabelecimentos
. g, contavam mais de 5 operários (414 para a cidade inteira), sendo
CARTOGRAMA DA DISTRIBUICÃO
DOS GUICHÊS BANCÁRIOS

e ... -AGÊNCIAS. PRINCIPAIS

Cf···· SEGUNOÁRIAS
Foto 5. Um detalhe da feira de Água de Meninos, vendo-se saveiros do Recôncavo a
desembarcarem mercadorias.

que a maior parte dos estabelecimentos empregavam entre 5 e


25 pessoas. Todavia, algumas têm, excepcionalmente, efetivo
superior a 100 operários. São três: dois moinhos e uma marce-
naria-escola, o Liceu de Artes e Ofícios. A grande maioria, tendo
"oo menos de 25 operários, são principalmente artesanatos, ligados
<
>
"< à vida íntima da cidade. As necessidades diárias e imediatas da
o população urbana aí são satisfeitas, muitas vezes sem interme-
o
diário comercial. São exatamente pequenas fábricas, dispondo
"o
< de um setor comercial.
o
u
< Tendo acima de 25 empregados, porém menos de 100, encon-
o
o tram-se estabelecimentos cuja atividade os leva a permanecer bem
"z>- próximos dos quarteirões comerciais ou do mercado. Isso explica
"u por que há uma verdadeira concentração desses estabelecimentos
o
nos quarteirões centrais. Todos os jornais ali estão, bem como
32 das 33 tipografias e editoras, 30 das 41 casas de confecção de
vestuário; a totalidade, exceto 3, das fábricas de calçados, as duas
de refrigerantes e % das padarias. Paradoxalmente, aparece uma
serraria, de localização antiga, numa ponta de rua.
Essas indústrias, salvo exceções, são sobretudo complementares
ao comércio, verdadeiro setor industrial de magazines. Orientam-se
segundo as necessidades das casas comerciais, destinando sua pro-
dução a um consumo quase imediato, sem constituir estoque nas
suas pequenas oficinas. Comumente, a razão comercial dos estabe-
lecimentos que fabricam e dos que vendem os produtos é a mesma.
Não é raro que uma loja mantenba, atrás ou num sótão, um pequeno
artesanato cujos produtos aparecem nas suas vitrines ... O melhor
exemplo é o das casas de calçados da rua Dr. Seabra. Essas pequenas
indústrias utilizam produtos semiacabados e os transformam para o
consumo, aO qual fornecem, então, produtos acabados.
Entre as indústrias do centro, duas escapam a essa generaliza-
ção; elas não têm um pequeno número de empregados e sua ativi-
dade não é voltada para a vida íntima da cidade, assim como não
fornecem produtos acabados. Referimo-nos aos Moinhos da Bahia e
ao do Salvador. Sua presença é explicada pela atração universalmen-
te reconhecida às indústrias desse tipo pelas instalações portuárias. •c
Z
O Liceu de Artes e Ofícios, escola profissional consagrada também "o
à fabricação de móveis, com 306 empregados, permanece bem no o
o
centro da cidade onde sempre esteve instalado. n

A Cidade do Salvador não é uma cidade industrial, como já ".;Z


foi assinalado. Esse fato, ligado à presença de um quadro antigo, "
o
o
à disposição de funções incapazes de criar um quadro próprio, "
">
leva à localização, nos quarteirões centrais da cidade, de certas r
<
>
indústrias e artesanatos, relativamente numerosos em relação O
O

ao conjunto da cidade. "


• ••
A importância do,centro de Salvador em relação à cidade
provém de dois fatos: a concentração antiga e cada vez mais
acentuada dos recursos financeiros, técnicos e sociais da região
na capital do Estado e a acumulação das funções urbanas nos dis-
tritos centrais da cidade. Com efeito, e por isso mesmo, o centro
é indiscutivelmente representativo da vida urbana e regional.
O estudo das funções que ele abriga'revela, antes de tudo, a
função metropolitana de Salvador, como ca beça de uma região
cuja atividade econômica é, sobretudo, a produção de matérias-
primas, exportadas, na sua quase totalidade, em estado bruto
ou a pós uma transformação primária. A predominância desta
agricultura comercial na'vida econõmica regional explica'a im-
portância dos bancos e das casas de importação e exportação.
Esta característica refletiu-se, ainda, sobre as outras funções: o
comércio varejista, relativamente fraco, e a quase inexistência
de indústrias. A função administrativa, concentrada na capital
do Estado, favorece a concentração das outras funções, que ela
alimenta e estimula de modo mais ou menos representativo.
Em resumo, podemos afirmar que as atuais funções de Salvador
"o são funções antigas transformadas em virtude da sua importância
o
<
>
cada vez maior (estas são as funções administrativa, portuária,
·"
<
o
o
comercial, religiosa) ou funções mais recentes, mas que resultam di-
•o retamente e dependem das antigas: as funções bancária e industrial,
<
o estreitamente ligadas à função comercial, o que explica, no caso da
u
< indústria, a importância que a mesma tem nos distritos centrais.
o
o Constata-se, igualmente, como a função portuária sobre-
"z
e levou desde o início da vida urbana às outras funções. Essa

u função, ligada à história do crescimento urbano, é responsável
o
pela permanência da localização das outras funções, de modo que
estudar as funções urbanas de Salvador é quase a mesma coisa
que estudar as funções do centro da cidade. Essa característica
deve ser fixada quando se abordam seus distritos centrais. A
análise das antigas formas de vida urbana e das funções atuais,
como delineamos no capítulo anterior e neste, é realmente indis-
pensável, quer à compreensão da paisagem, quer à da estrutura
dos quarteirões do centro, objeto dos capítulos seguintes.
A paisagem atual e seu conteúdo humano, social e econômi-
ca exprimem, ao mesmo tempo, a evolução e o estado atual das
funções urbanas. As funções antigas, presentes ou desaparecidas,
marcam a paisagem atual pela presença de monumentos e velhas
casas. Estas se degradam e, perdendo sua função de residência
rica, abrigam hoje urna população pobre.
As novas funções ou a renovação das antigas funções trans-
formam o quadro antigo ou criam um quadro especial, sobre o
qual tentaremos fazer o estudo nos capítulos seguintes.

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DISTRIBUIÇÃO DOS OPERÁRIOS PELOS SETORES

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DISTRIBUIÇAO DOS ESTABELECIMENTOS COM MAIS DE 5 OPERÁRIos

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Foro 6. Esta fotografia mostra hem nítida a ec;carpa da falha qm c;epara os dois níveis
da Cidade.

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Foto 7, Este clichê é um detalhe da Cidade Baixa, onde se pode observar ainda
00
melhor a justaposição dos vários aspectos de sua paisagem.
'"
Foto 8. Sobre os aterros do porto surgem prédios modernos e belos.

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"
Foto 9. Outro aspecto da Cidade Baixa, vendo-se no fundo o Elevador Lacerda. As
velhas casas vão. pouco a pouco, cedendo lugar aos arranha-céus, na parte construída
antes dos mais recentes aterros.

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o
o Foto 10. O fenômeno apontado na fotografia anterior, nesta se nota em detalhe.
~
3
A PAISAGEM URBANA EA
VIDA DO CENTRO DA CIDADE

>
ois fatos são bem característicos da paisagem central

D da Cidade do Salvador. Ela é sobretudo marcada pelo


" sítio que ocupa: uma Cidade Baixa, sobre a planície
estreita, quase toda inteiramente construída pelo homem durante
,
>
o
m
<
C

"•>
os quatro séculos da evolução urbana; uma Cidade Alta, assen- z
>
tada sobre colinas e vales; e, separando esses dois elementos, m
>
a escarpa de falha. Tais denominações (Cidade Alta e Cidade ~
o
Baixa) apareceram quando a cidade tinha os limites que, hoje, >
o
coincidem com os dos bairros centrais. Não têm mais sentido o
n
para a cidade toda, desde que a mesma se estendeu sobre ~m m
Z
..;
conjunto de sítios diferentes. Todavia, essa designação conser- "o
o
va todo o interesse em relação à parte central. É por isso que a .>

repetiremos constantemente. ~
o
>
Outro aspecto de Salvador que imediatamente atrai a atenção m
o

é o verdadeiro antagonismo, num perímetro relativamente reduzi-


do, entre as diferentes concepções de urbanismo e arquitetura. "o
"
Devido a esses dois fatos, Salvador oferece àqueles que a ela
chegam por via marítima o espetáculo de um presépio, suas casas
parecendo empilhadas umas sobre as outras, bem corno a viva e
chocante impressão de contra.ste a quem percorre as ruas do cen-
tro: largas avenidas retilíneas, sobre as superfícies planas conquis-
tadas ao mar, ladeada de altos e luxuosos imóveis de construção
recente, na Cidade Baixa, ruas estreitas e sinuosas da Cidade Velha,
enladeiradas, com velhos casarões degradados; várias gerações de
construções na rua Chile, avenida Sete de Setembro, Baixa dos
Sapateiros, das quais as mais recentes sucederam, simplesmente,
às mais antigas, desadaptadas funcional ou especulativamente. As
casas mais altas parecem apostar um recorde de altura com as ricas
igrejas, os velhos templos. É essa vizinhança quase surpreendente,
toda essa desordem aparente que dá beleza e colorido próprio a
essa parte da cidade. Ao lado do asfalto moderno, as velhas ruas
pavimentadas de pedras irregulares, coração-de-negro, nos levam
ao passado sem sair do presente. Esse aspecto da cidade inspirou o
romancista Stefan Zweig, quando diz: "Em Salvador podemos, em
dez minutos, estar em dois, três, quatro séculos diferentes e todos
"o
o parecem genuínos", e quando acrescenta: "o ,velho e o novo, o
<
>
"< presente e o passado, o luxuoso e o primitivo, 1600 e 1940, tudo
o isso reúne-se para formar um todo, numa das mais tranquilas e
o
o" mais agradáveis paisagens do mundo".
<
o Entre os espaços construídos, os espaços vazIOs: ruas,
Ü
<
o
praças, superfícies não edificadas, jardins de mosteiros e a
o escarpa de falha.
"
e
Z Durante o dia, eSse centro, verdadeiro nó de comunicações,
"u
o anima -se com a passagem de milhares de veículos de todos os
tipos e idades, angustiosa e incessante circulação que dá, talvez,
ri
o
H
urna idéia exagerada do dinamismo próprio da cidade. A circu-
lação dos baianos, também considerável, aumenta nos últimos
momentos da tarde. Retoma uma certa animação durante a
entrada e saída dos cinemas. Aliás, esse centro jamais fica intei-
ramente deserto, mesmo nas horas mortas. Se as casas novas não
são habitadas, as antigas abrigam uma população pobre.
Esses aspectos completam-se e explicam-se mutuamente. A
variedade dos traçados, as gerações de construções, esses pedaços
do tempo cristalizados na paisagem urbana, significam muito
mais que as preferências urbanísticas ou arquitetõnicas de uma ou
outra época: são o mosaico dos séculos, mas representam também
a sucessão das técnicas, toda a evolução da vida urbana, a soma
do passado e dos modernos modos de ser, cuja incorporação à
vida urbana não se faz sempre segundo o mesmo ritmo.
É a todos esseS aspectos que podemos chamar o centro da Ci-
>
dade do Salvador - centro histórico, religioso, administrativo, tu-
·
>
rístico e de negócios. Tentaremos, agora, explicar esse quadro. ·
>
o
"

o
•>"
A PAISAGEM z
>

A Elaboração do ºu.adro >


~
o sítio, um sítio difícil, que constitui uma das originalidades o
>
c
da cidade atual, foi escolhido em função da finalidade primitiva da o
n
aglomeração: administrativa e militar. Era preciso construir Salvador "-<Z
bem perto do mar para facilitar as comunicações com a metrópole. "o
o
Era preciso, também, edificá-la sobre a escarpa, sobre o dorso das >

colinas, para defendê-la dos possíveis ataques, seja de estrangeiros, ~


c
>
pelo lado do mar, seja dos índios, vindos do interior. Tomé de Sousa o
"
agiu bem quando escolheu a plataforma no cimo da escarpa, caindo
quase em ângulo reto sobre a baía e oferecendo, por outro lado, a w
o"
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A CIDADE do 5

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,
possibilidade de conter as águas no vale, formando wn dique, útil
à defesa da cidade. Como observa Aziz Ab'Sáber (1952: 62), "a
escolha do sítio para a fundação de wna cidade e Capital adminis-
trativa respondia a quase todas as exigências da época e concordava
com as circunstâncias históricas que orientaram a colonização das
terras portuguesas na América Tropical".
Tomé de Sousa trouxera do Reino o plano segundo o qual devia
ser construída a cidadela; era wn plano geométrico, adotado já para
aglomerações, criadas pelas autoridades coloniais (A. de Azevedo,
1952: 200). As irregularidades do sítio, porém, deformaram o qua-
drilátero idealizado na metrópole. Entretanto, mesmo atualmente,
pode-se perceber a intenção dos fundadores no traçado grosseira-
mente em tabuleiro das ruas da parte mais antiga de Salvador. É
uma observação de Teodoro Sampaio (1922: 199), no começo do
>
século: "Através das vestimentas modernas com as quais se veste >
Salvador, sente-se ainda a ordem que o fundador a princípio deu". >
o
Para obedecer às ordens dei Rei, certo de "que, se havia de descobrir m
<
c
como afeiçoar ao local escolhido a traça da praça forte", o plano foi
"•>
um pouco modificado, mas o sítio também recebeu alterações. z
>
Onde hoje se encontram as ruas da Ajuda e a praça Muni-
>
cipal, houve obras-'de terraplenagem; foi aterrado um fosso, na ~
o
rua da Misericórdia, e, ao contrário, outros fossos foram cavados >
o
na altura das ruas 28 de Setembro e da Praça, aproveitando as o
n
m
depressões naturais. Z
-;
Teodoro Sampaio (1922: 28) assim reconstituiu a cidade "o
o
depois da sua fundação: >
~
o
A nova cidade surgiu como de improviso, nos moldes de um acampamento, com >
o
três ruas longitudinais mais largas e duas transversais mais estreitas, aÍém de duas m

praças. O palácio do governador, a igreja de N. S. da Ajuda, a Casa da Câmara, os


serviços públicos, tudo é construído da mesma maneira e coberto de palha, o único
recurso existente até que o pedreiro melhorasse sua arte e pudesse obter melhores
coberturas. As casas eram baixas, OS muros altos como à moda dos índios. Eram tão
somente abrigos, sem confono algum ... enfim, no conjunto, a cidade apresentava
o triste aspecto das cidades portuguesas, sem estética e sem outra nota alegre além
do seu largo horizon~e sobre o mar e a vigorosa vegetação circundante.

A cidadela foi, em seguida, cercada de muros de argamassa


e tinha somente duas portas: a porta do Carmo e a porta de
São Bento. Já por volta de 1551, alguns habitantes começaram
a cultivar jardins fora dos muros, mas ninguém tinha coragem
de se estabelecer, com medo de assaltos pelos índios (Th. de
Azevedo, 1949: 114).
No exterior dos muros é que foram construídos os conventos,
aproveitando-se das vastas concessões que o governo lhes havia
feito. No fim do século XVI, a cidade situava-se somente nas cotas
de 55 a 60. Ao norte já se encontrava o convento dos Carmelitas; ao
sul, o dos Beneditinos; a leste, o dos Franciscanos. Por essa ocasião
eles cercavam a cidade, pois a oeste está o escarpamento e a baía.
A necessidade de comunicação com a metrópole para o abaste-
cimento, os inícios de Salvador como porto do Recôncavo levaram
à construção de ancoradouros muito elementares ao pé da escarpa,
sobre a praia que constituía então toda a Cidade Baixa. Surgem,
assim, próximo à igreja da Conceição da Praia, o "porto dos pesca-
o dores" e outros. Em 1596, o juiz Baltazar Ferraz comprou terrenos
o
o• junto a essa igreja, para ·construir um cais e um entreposto de açúcar.
<
o
u
Morava perto da Praia (assim se chamava, então, a Cidade Baixa)
< e fez aterrar do lado do mar, na direção do Porto dos Pescadores,
o
o
mandando também quebrar as pedras que traziam prejuízo ao
";-z
• movimento dos ~avios (Almeida Prado, 1950: 175).
u
o Até o fim do século XVI; o bairro aristocrático se achava
ao derredor da praça central. Mas, em meados do século XVII,
'"o
H em torno desse centro alinhava-se já um verdadeiro cinturão de
boas casas de campo, pertencentes a pessoas abastadas, enquanto
os pobres e os comerciantes moravam na Praia. Os negociantes
não tinham posição social importante.
Essa segregação social completava-se com o bairro dos
pescadores, no Salgado, próximo à igreja de N. S. da Conceição
e na base das ladeiras, pelo bairro dos ourives, dos alfaiates e
outros artesãos. Nos vales fizeram-se hortas.
Em meados do século XVII, a cidade crescia, em função do
progresso do Recôncavo. Nesse momento, o centro era apenas a
sede da administração civil e eclesiástica, o bairro comercial en-
contrando-se embaixo (Th de Azevedo, 1949: 188). Dá-se então,
a primeira migração. Os soldados ocupavam a metade das casas
da rua da Ajuda, e também as prostitutas, das quais um cronista
da época dizia que era preciso "desembaraçar a cidade dessa praga
>
tão contagiosa ... " (Th. de Azevedo, 1949: 188). As pessoas de posse ">
mandavam construir em São Bento, Vitória, Desterro, Saúde, e San-
to Antônio Além-do-Carmo,sempre sobre plataformas e colinas.
c
Na parte baixa da cidade havia já uma aglomeração com
"

>
aproximadamente dois quilômetros de extensão, que formava z
>
uma única rua, onde se encontravam todas as lojas da cidade e m
>
os trapiches do porto. ~
o
A falta de terrenos para construir na Cidade Baixa explica a >
o
um tempo a forma linear que tomou essa parte da cidade, acom- o
n
m
panhando as indentações da base da escarpa e o aparecimento Z
.;
dos primeiros sobrados, cujo andar térreo era utilizado pelo "o
o
comércio, enquanto os superiores eram a moradia dos comercian- >
~
tes. Nesse momento já começava a se esboçar uma especialização o
>
de funções, entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa. o
m
No decorrer do século XVIII, a prosperidade da cultura da
H
cana-de-açúcar e da exploração do ouro refletiram-se sobre a fisio- o
'"
nomia da cidade; ela foi embelezada pela construção de sobrados,
dos quais uma grande parte resiste aos maus-tratos do tempo.
Podem ser notados no centro, com suas portas em estilo barroco,
esculpidas em pedra e encimadas por brasões de nobreza. Foram
edificadas diversas igrejas; outras, mais antigas, foram restauradas.
Receberam, então, aquela pintura dourada que hoje é uma das origi-
nalidades de Salvador. Eram tão numerosas em 1739, que o vice-rei,
o conde Galveias, manifestou ao rei de Portugal sua inquietude.
Na Cidade Baixa, construíam-se edifícios de quatro e cinco
andares; uma rua tortuosa ia da Preguiça até a Jequitiüa, "tendo
de 8 a 9 mil pés de comprimento", quase no meio da estreita
planície, tendo, entretanto, nesse lugar cerca, de 800 metros de
largura; cinco ruas formavam um dédalo de vilas, pequenas e
sujas, conquanto habitadas por gente rica.
Já então a cidade tinha a fisionomia que até hoje guardaram
as partes antigas do centro, que já estava inteiramente construído,
exceto o vale onde agora se encontra a Baixa dos Sapateiros,
ocupada somente no século seguinte.
Durante o século XIX, o crescimento da cidade e o alarga-
"oo
< mento de suas funções refletem-se principalmente na Cidade Baixa.
>
"< Fazem-se novos cais sobre aterros, para melhoria do porto. Esses
o aterros estendem a Cidade Baixa até o lado par da rua Miguel
o
"o Calmon. O outro lado é ocupado pelos cais. Sobre esses aterros são
<
o construídos grandes imóveis de utilização comercial, sobretudo.
Ü
<
o
No fim do século, a introdução dos primeiros bondes a
o burro permite uma maior extensão do perímetro construído, e
"Z
f-
provoca a migração da parte mais abastada da população, que
"u
o abandona o centro, seja na sua parte alta como na parte baixa.
Esta concentrava todo o comércio "bem sortido e de gosto
~
~ moderno", "localizado perto do cais" e "cujas lojas se fecham
durante a noite, tornando-a quase deserta", conforme está dito
em uma descrição de 1880.
N a Cidade Alta achava-se o centro administrativo e religioso.
Novas casas são construídas, porém sem qualquer ordem. Uma
carta real de Dom João V, no dia 2 de abril de 1739, objetivou
resolver a questão. Mas não o conseguiu. No começo do século
XIX, pessoas que moravam na praça da Piedade "queixavam-se
de que um proprietário queria roubar 12 palmos à rua, para au,
mentar sua casa [... ] sem mesmo se preocupar com a dificuldade
que isso acarretaria para o trânsito das seges e outros veículos"
(Fonseca, 1955). Assim foi crescendo a Cidade Alta, mais ou me-
nos assimétrica, acrescentando-se ao núcleo inicial o verdadeiro
dédalo de ruas, ruelas e becos que hoje a caracterizam.
O século XX é o das grandes transformaçõe~ do centro. A
>
introdução dos transportes mecânicos (o automóvel em 1901, •>
o bonde elétrico em 1904) exige a adaptação da velha estrutura ~
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Foto 11. Rua Miguel Calmon. No 10 plano, edifícios que se encontram entre os pri- "
meiros a serem construídos sobre os recentes aterros do porto. Os prédios no fundo da
fotografia são mais recentes.
Foto 12. Na rua Conselheiro Dantas, prédios que vêm do século passado e arranha-céus
que os viio substituindo.

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o Foto 13. A dissimetria da rua Con-
selheiro Dantas. A d,ireita, prédios
'bem modernos, e à esquerda, edifí-
cios de meia-idade.
urbana às novas necessidades. É indispensável alargar e retificar
as ruas estreitas, traçadas para servir a uma época diferente.
Nos anos de 1910, alargaram-se as ruas da Misericórdia;
Chile, Ajuda e a avenida Sete, na Cidade Alta. Nos anos de 1920
foi na Cidade Baixa que se fizeram retificações e alargamentos:
nas ruas Portugal e Conselheiro Dantas, que se prolongam uma na
outra, há uma certa dissimetria, isto é, o tipo e a idade das cons-
truções não são os mesmos em cada lado da rua. Éo lado ímpar
que apresenta hoje um maior número de construções modernas;
há quase 20 anos, passava-se o contrário. As obras de retificação
fizeram-se somente no lado direito, onde, em consequência, novos
prédios se levantaram. Do outro lado, as casas se tornaram velhas
e preferiu-se substituí-las por construções inteiramente novas, sen-
do esta solução a menos onerosa, por motivos óbvios. Aliás, essa
dissimetria vem de mais longe. Em meados do século XIX, quando ,
>
se ampliaram os quebra-mares para alargar o porto, construíram- ,
>
o
se edifícios que davam sobre o único lado da rua Miguel Calmon o

e sobre as ruas Portugal e Conselheiro Dantas, lado ímpar. Por



""•
isso é que os urbanistas devem ter preferido o lado par, quando >
z
>
quiseram urbanizar a rua, no começo desse século.
>
De modo geral, essas retificações e alargamentos tiveram como ~
o
resultado um tráfego mais intenso e a construção de novas casas. >
o
Entretanto, as ruas paralelas e transversais guardaram seu antigo o
n
aspecto. A construção do novo porto corresponde ao aumento do •
tráfego, em relação com os progressos da cultura cacaueira. Sobre
os terrenos "fabricados" com os aterros, alguns novos imóveis co-
meçaram a ser construídos a partir de 1928, por exemplo, na rua
Miguel Calmon: os do Banco Econômico da Bahia, do Banco do
Brasil, da Companhia de Seguros Aliança da Bahia, e o do Instituto
de Fomento Econômico da Bahia, na praça da Inglaterra.
OS PRÉDIOS DA CIDADE-BAIXA

REC.ENTE!;.

REceNTES E
MEIA. - IDA.DE

VELHOS

Mas é no período cujo início fixaremos em 1940 que o


grande crescimento da cidade, influindo naturalmente sobre
o centro, vai conduzir a uma transformação mais sensível na
paisagem_ Na Cidade Baixa, os enormes vazios começam a ser
preenchidos por uma nova geração de casas com vários andares,
arranha-céus cujo estilo é sensivelmente diferente do que carac-
terizara o período precedente; e largas avenidas são abertas. As
•o casas mais antigas das ruas Portugal e Conselheiro Dantas são
o jogadas abaixo. Reconstrói-se por toda a parte ..
<
>
• Em 1940, na Cidade Baixa, havia poucos prédios com cinco
,<
o
o
andares, que eram, na maior parte, edifícios coloniais, colados ou
•o quase à escarpa. Na rua Conselheiro Dantas, que então era a rua
<
o principal, havia dez casas com cinco andares, seis com quatro e três
Ü
<
o
com três andares. Exceto essa rua, apenas a avenida Estados Unidos
o tinha duas casas com cinco andares e wna com quatro: ela contava
•r
z com apenas três imóveis no totaL Imóveis com quatro andares,
•u
o havia três na rua Portugal, wn na praça da Inglaterra, wn na rua
da Alemanha, wn na rua da Argentina. Hoje, os imóveis com mais
de oito andares são cerca de cinqüenta, nessa parte da cidade.
Na Cidade Alta também se procedeu substituição semelhante
ao longo das vias de circulação. Não atingiu apenas os prédios
mais antigos, mas também os que foram construídos durante o'
>
período imediatamente precedente. A rua Chile e a avenida Sete •>
de Setembro transformaram-se. Para desembaraçar a circulação,
abriu-se no centro a grande praça da Sé, sacrificando alguns mo-
·
>
o

numentos, e alargou-se também a rua Carlos Gomes.


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c
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Em toda a Cidade Alta, ante~ de 1940, havia apenas um imóvel z
>
com oito andares: era um hotel, na rua Chile. Nessa rua havia ainda m
>
um imóvel com cinco andares (outro hotel), três com quatro andares <
c
e oito com três andares. Na rua Ruy Barbosa, havia sete imóveis >
c
com três andares e os outros eram mais baixos. Na rua da Ajuda, o
o
m
atual rua Padre Vieira, havia um imóvel com quatro andares e sete Z
-l
com três. Em 1957, a siruação é diferente. Na rua Chile, há dois "o
C
imóveis com dez andares, wn com nove, um com oito, três com sete, >
o
um com cinco, dois com quatro, nove com três, e quatro com dois. c
>
Termina-se a transformação da rua Ruy Barbosa; aparecem vários C
m

prédios com oito e nove andares: eram sete já em 1957. Um dos


lados da rua da Ajuda se beneficia da modernização da rua Chile,
pois os estabelecimentos têm geralmente duas fachadas, uma sobre
cada rua (algumas vezes três, se há uma rua transversal, como no
caso do Edifício Sul-América). Do outro lado da rua, os imóveis
com mais de sete andares são em número de cinco, cifra considerável
em relação à extensão da rua, que é pequena.
O nódulo do centro alto começou a perder seu aspecto
linear, pois o comércio e os serviços públicos desbordaram
sobre as ruas da Ajuda, Padre Vieira e Ruy Barbosa, ladeadas,
agora, por edifícios Com vários andares. Na rua Carlos Gomes,
paralela à avenida Sete de Setembro, altos edifícios surgiram .
. Mais recentemente, a praça da Sé também está conhecendo os
inícios de sua transformação, pois grandes e belos arranha-céus
constróem-se aí.
O aumento do tráfego entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta,
bem como a introdução do automóvel, impuseram a abertura de
novas ruas (como a rua Visconde de Mauá) ou o melhoramento
e a diminuição de declive de outras existentes.

"oo Os Espaços Construídos


<
.>
"< Em resumo, se levarmos em conta apenas a trama das ruas,
o
o
encontraremos no centro da cidade dois conjuntos tendo um
~
o plano regular, que são rodeados por construções dispostas irre-
<
o gularmente, formando dois outros conjuntos. Os dois primeiros
Ü
<
o
resultam, ambos, de uma vontade predeterminada. Mas, ao lado
C desse caráter comum, oferecem contrastes, devidos ao sítio e à
"z>-
idade das construções: um fica na Cidade Alta - forma quase
•u
o toda a cidade velha, com suas casas deterioradas, um plano
em xadrez, acomodando-se sobre um sítio ingrato; as ruas são
:r estreitas e sinuosas, enladeiradas, mal pavimentadas. O outro
acha-se na Cidade Baixa, agrupando, sobre a planície artificial,
construções recentes, belas e bem cuidadas, avenidas largas,
retilíneas, bem pavimentadas.
Ao lado dessas duas áreas com um plano regular, as duas
outras, irregularmente dispostas, diferem entre si seja pela for-
ma, sej a pela idade das construções. Assim, ao derredor dos
dois nódulos em xadrez, na Cidade Alta como na Cidade Baixa,
esboça-se um dédalo de ruas, cuja única homogeneidade deri-
va do fato de que são todas as duas formadas de velhas casas,
acomodando-se mais mal do que bem às condições do sítio.
Mas, sobre a estrutura primária, veio montar uma estrutura se-
cundária; esta mesma está em via de transformação. Sua forma
não é compacta, não constituindo verdadeiramente uma zona,
mas verdadeiras faixas ao longo dos antigos caminhos, que se
beneficiaram bem recentemente dos modernos meios de circu-
lação, mais exatamente dos bondes: rua Chile, avenida Sete de
Setembro, Baixa dos Sapateiros, as primeiras sobre as dorsais
e a última em um vale. São ruas comerciais, onde se avizinham o
••
casas de épocas e estilos diferentes. >
z
Não é difícil reconhecer, por sua idade e fisionomia, a ,>
>
existência de diversos tipos de construção, nessa parte central <
e
de Salvador: >
o
1. Casas velhas e degradadas, mal conservadas, construídas o

em um estilo colonial português, tendo de três a cinco andares: ,


n
z
.;
são os sobrados. Na Cidade Baixa tiveram originariamente uma "o
função mista: o comércio e a residência. O comércio fazia-se no o
>
n
térreo, e a .residência ocupava os andares superiores. Mas, na e
>
Cidade Alta, tinha uma função exclusivamente residencial, com- o,

portando geralmente um andar térreo sobreelevado, ocupado com


salões, os andares ocupados com quartos, morada dos senhores, e
um ou vários subsolos, onde viviam os escravos e domésticos. A
topografia facilitava a construção desses subsolos, que não tinham
fachada sobre a rua.
2. Casas mais recentes, ditas de "meia-idade", tendo entre
quatro e seis andares, que representam uma primeira adaptação
às novas necessidades e funções urbanas, nas primeiras décadas
do século XX; são construções administrativas ou exclusiva-
mente comerciais, lojas nos andares térreos e quartos em cima,
utilizáveis por serviços e hotéis.
3. Arranha-céus, tendo, geralmente, seis andar'es ou mais,
em cimento-armado, e de utilização exclusivamente comercial
ou administrativa, como os precedentes. Diferem das casas de
meia-idade não apenas por motivo de sua idade, mas também por
causa dos materiais empregados e da arquitetura.
4. Construções baixas, servindo de armazéns e depósitos,
·pertinho do porto.
5. As igrejas e os monumentos que, em maioria, datam dos
séculos XVII e XVIII.
6. As igrejas e os monumentos que foram construídos para
"oo
< substituir os que desapareceram quando da abertura dos cortes
>
"< necessários à circulação (igrejas da Ajuda e de São Pedro).
o
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o Os Espaços Vazios
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Mas, entre os espaços construídos, há também importan-
o tes espaços vazios. Além das ruas e praças, de cuja evolução já
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falamos, ainda temos:
u
o a. os terrenos resultantes de demolições.
b. a escarpa de falha.
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H
H
c. as roças dos conventos.
a. Os espaços vazios que resultam das demolições surgi-
ram seja da necessidade de alargar as ruas, seja por evolução
natural. O lado ímpar da rua Visconde do Rio Branco ilustra o
primeiro caso, um grande pedaço da Preguiça, o segundo. Am-
bos têm como caráter comum o estarem como que reservados
para a construção, mais tarde, com fins comerciais, em virtude
de se encontrarem no coração mesmo do centro. No caso da
rua Visconde do Rio Branco (ladeira da Praça), as razões que
encontramos para esse estado de coisas são as seguintes:

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"
1. Relativa incapacidade das atividades do centro da Cida-
de Alta para criarem um quadro próprio e, em consequência, o
aproveitamento do quadro anteriormente existente.
2. As atividades capazes da criação de um quadro próprio
preferem fazê-lo aproveitando a localidade comercial tradicional;
por isso constroem sobre a rua Chile e avenida Sete de Setembro.
Entretanto, agora se começa a construir na ladeira da Praça, mas é
um aspecto recente da evolução do fenômeno, ligado sem dúvida
à mudança dos pontos de início dos transportes coletivos.

No segundo caso, isto é, o caso da Preguiça, as causas são


as seguintes:
1; Distância relativa até o centro bancário: o centro bancário
agrupa as atividades do centro de negócios da Cidade Baixa.
2. A presença, bem perto desse centro bancário, de terrenos
nus, cujo preço de custo é quase igual ao dos terrenos da Preguiça.
Esse fato diminui as possibilidades de construção.

b. O escarpamento de falha é hoje quase reduzido ao papel


"o
o de passagem entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta. Ê atravessado
<
>
"
< por ladeiras, íngremes ou atenuadas, e por ascensores: por um
o
o
decreto municipal (n. 701 de 4 de março de 1948) é expressa-
~
o mente proibido construir sobre a escarpa, visando à proteção da
<
o paisagem. Mas antigamente encontrava-se aí um considerável
Ü
<
o
número de construções, de que restaram algumas. São sobretudo
o casas com duas fachadas, dando uma sobre um dos flancos do
"rz declive. jorge Amado (1956: 39) chamou-as de "casas-escada"
~
u
O ou "arranha~éu ao vice-versa", "como se 'fossem grandes e
bizarras escadarias".
c. Os terrenos que pertencem às ordens religiosas consti-
tuem enormes propriedades, grandes roças, no coração mesmo
da cidade. É, certamente, um fenômeno comum a várias cidades,
como Roma, por exemplo.

Em Salvador, conforme já vimos, os conventos estavam, de


início, fora das portas da cidade. Depois, as casas se apresentam
em derredor dos mosteiros, mas respeitam sempre os limites das
propriedades eclesiásticas, onde, aliás, fizeram-se construçõ'es
certamente para atender a necessidades financeiras das ordens.
Aquele fenômeno atenuou-se, sem dúvida, em Salvador, pois
as ordens, nem sempre ricas, foram obrigadas a construir e a
ceder lotes mediante um aluguel mensal ou anua!. Ainda hoje
é freqüente verificar sobre a portada das casas a existência de
brasões que atestam a propriedade dos conventos.
Em 1956, o convento de São Bento possuía 32 casas em suas
proximidades, o do Desterro 29; o de São Francisco 25 e o do Carmo
11. Isso sem contar com as centenas de casas que são construídas
sobre terrenos de sua propriedade e que, embora pertencentes a par-
ticulares, são obrigadas a pagar aos mosteiros urna renda anual.
Todavia, os terrenos que as ordens reservaram para seu próprio
uso são enormes. Comportam as construções conventuais, a Igreja
(às vezes duas, como no caso de São Francisco e do Carmo) e grandes
roças, com bananeiras e outras árvores frutíferas. Bem no coração da
cidade, ou bem pertO, encontramos as roças da Catedral, e dos conven-
tos de São Francisco, Carmo, São Bento, Desterro, Lapa e Mercês.
O convento de São Bento possui 2.564m'para seu uso pró-
prio, 13.033 m' alugados e 10.469m' não construídos. O convento
do Desterro, fundado em 1678, tem 15.107m' não construídos
e as construções ocupam 6.378 m'. O convento das Mercês tem
21.283m2 de. área não construída e 2.937m2 ocupados com edi·
fícios. O convento da Lapa tem 14.403 m2 não construídos e o
mosteiro ocupa 3.430m2 • Não nos foi possível obter dados nos
conventos da Piedade, do Carmo e de São Francisco. Mas, podemos
admitir que o conjunto das propriedades religiosas não construídas
no centro da Cidade atinja 100.000m2 e perto do dobro se levarmos
em consideração os edifícios conventuais e as casas de aluguel. .
São números a reter e a guardar, sobretudo, em relação à
superfície dos próprios distritos centrais: Conceição da Praia-
277.209m2 ; Sé-308.226m2; Passo-189.296m 2 •

As Consequências da Escolha do Sítio:


Um Centro Excêntrico

Quando a cidade se limitava à área que hoje é ocupada pelos


distritos centrais, nos arredores não havia senão casas esparsas.
Gabriel Soares de Souza escrevia, em 1587 ([s.d.]: 262), que "a terra
que esta cidade possui e que tem de 6 a 12 quilômetros de volta,
•o é quase toda ocupada com pomares, onde são cultivados frutas e
o legumes". Depois, a aglomeração tendo crescido, aparecem arra-
<
>
"< baldes, ligados à cidadezinha por caminhos primitivos. Em 1635
·
o
o
fala-se de povoações prósperas (Th. de Azevedo, 1949: 133).
"o A cidade primitiva começa a desempenhar um papel de centro
<
o local, que aumentará após o aparecimento de outros nódulos exterio-
u
< res. O papel de centro regional, aumentado pela conquista agricola do
o
o Recôncavo, provoca 9 seu crescimento. A cidade se espalha sobre as
•...
z cumeadas, desprezando OS vales, em consequência das contingências
"u do sítio e da história urbana (o primeiro vale ocupado foi a Baixa
o
dos Sapateiros, quase em meados do século XIX). A cidade cresce
~ paralelamente à baía. A atração do porto provoca a permanência de
~
Os pontos iniciais dos transportes coletivos e o seu percurso na parte 'central da cidade-,
localização do centro de atividades onde ele tinha sido inicialmente
instalado e os antigos carllinhos ~ais transformam-se em ruas,
ligando os arrabaldes aos bairros do centro da cidade.
Esses novOs bairros, mesmo no começo deste século, são linea-
res, seguindo as dorsais. Tal forma de expansão impediu a ctiação de
nódulos comerciais em todos os bairros e a organização entre eles.
Esse conjunto de fatores favoreceu o centro único com uma concen-
tração de atividades e dos transportes, cujas vias se superpõem aos
antigos carllinhos rurais. Cada vez mais, o centro tem uma posição
menos central em relação ao resto da cidade. Hoje, ele é perfeitamen-
te excêntrico, mas assim mesmo constitui uma encruzilhada, uma
encruzilhada.em dois andares, de toda·a circulação urbana.

A VIDA

A Circulação e Seus Problemas

Há quatro grandes sistemas de transportes coletivos em


Salvador: na Cidade Baixa, o primeiro deles serve à península
"
o
o
< de Itapagipe e aos novos bairros que acompanham a rodovia
>
"< Bahia-Feira de Santana-Rio de Janeiro. Os veículos partem da
~

o
o
praça Cairu, na saída inferior do Elevador Lacerda. Dois outros
"
o sistemas estão na Cidade Alta, servindo às linhas chamadas "de
<
o cima" e "de baixo", os quais correspondem, grosso modo, aos
Ü
<
o
bairros do Sul e do Norte, respectivamente. Todas essas linhas
o terminam muito próximas uma das outras. Os elevadores verti-
"e
z cais e em plano inclinado, que formam o quarto sistema, ligam
"
u
a Cidade Alta e a Cidade Baixa.
o
Há dois elevadores verticais, o Lacerda e o Taboão, e dois em
~ plano inclinado, o Gonçalves e o Pilar. Substituem os ascensores
"
e guindastes construídos pelas ordens religiosas para estabelecer
ligação com os portos pertencentes aos conventos e aquele "ele-
vador engenhoso", construído pelos jesuítas e observado pelo
viajante francês Pirard em 1610 (Almeida Prado, 1950: 179).
A denominação de Guindaste dos Piadores, dada à rua em que
fica a sua parte inferior, é bem significativa.
O Elevador Lacerda, que inicialmente funcionara a vapor,
foi inaugurado em 1869. Depois de 1928, sofreu uma comple-
ta transformação; agora é de cimento armado e movido por
eletricidade. São necessários apenas quinze segundos para uma
viagem. Sua bela torre faz parte da paisagem urbana e constitui
uma espécie de cartão-postal obrigatório da cidade.
Em 1957 esse sistema foi utilizado por 37,7 milhões de
passageiros; 105 mil passageiros diários, mais ou menos, dos
>
quais a metade utilizou o Elevador Lacerda. Sobre cada grupo de
,
quatro pessoas que tomaram o ônibus ou o bonde, uma tomou >
o elevador. Tais números dão uma' ideia aproximada do grande "<"
c
movimento de população entre os dois níveis da cidade, ideia
"•>
que pode ser completada levando-se em conta o enorme tráfego z
>
de automóveis que se faz pelas ladeiras que ligam o coração do
>
centro alto com a Cidade Baixa. <
o
Esse conjunto de fatos provoca a concentração da circula- >
c
ção, o estrangulamento do trânsito no centro da cidade. o
o
O crescimento da cidade, a ampliação de suas funções de re- "Z
-;
lação e íntimas, o alargamento do espaço reservado ao comércio, o •
o
o
aumento da população tornaram angustiosa a passagem de veículos >
pelas ruas comerciais, sobretudo as mais antigas; decidiu-se a aber- 2
c
>
tura ou o alargamento de ruas, o desvio do tráfego, o deslocamento c
"
dos pontos iniciais, a supressão de certas paradàs e medidas outras,
tudo no objetivo de diminuir a confusão do trânsito.
o fato de as ruas mais antigas se encontrarem exatamente
nos bairros centrais- traz o agravamento do conflito entre as
fórmas antigas da organização urbana e as exigências do tráfego
moderno. É esse tráfego do centro de Salvador que contribui para
dar uma idéia talvez exagerada do dinamismo da cidade. Tais
ruas eram adaptadas à tração animal. A introdução de veículos
a motor fez-se em um quadro não adaptado; algumas modifica-
ções foram introduzidas, mas entretanto foram insuficientes para
resolver esse grave problema. O alargamento das ruas Chile e da
Ajuda e da avenida Sete de Setembro, no começo do século XX,
o alargamento das ruas Carlos Gomes e Visconde do Rio Bran-
co, a construção de uma grande praça central após a demolição
da velha igreja da Sé e de quatro quarteirões das redondezas, a
construção de um viaduto entre essa nova praça da Sé e a rua
da Ajuda, trabalhos realizados nos anos 1930, são as principais
obras feitas com o objetivo de readaptar o centro antigo da Cidade
à intensidade do tráfego que diariamente a anima.
Tais readaptações, entretanto, não constituíram uma solução
satisfatória ao problema, que se agrava mais e mais. Outras soluções
"oo
< têmsido adotadas, para permitir aos veículos andar mais depressa.
>
.
"<
o
Até 1943, mais ou menos, os veículos que partiam do centro para
o a periferia da cidade (exceção feita somente aos que participam do
"<o sistema da Cidade Baixa) dirigiam-se todos à praça Castro Alves,
o onde todos paravam. Os da linha de "cima" demandavam a praça
u
<
o da Sé, enquanto os coletivos da linha de "baixo" atravessavam a
o rua da Ajud~, desciam a rua Visconde do Rio Branco (ladeira da
"z>-
Praça até a rua Dr. Seabra, a Baixa dos Sapateiros).
"
u
o A primeira mudança - que provocou;aliás, muitos protestos
da população - consistiu em fazer subir pela rua 28 de Setembro
os veículos da linha" de baixo", descendo pela ladeira da Praça,
isto é, sem passar pela praça Castro Alves. Desse modo, eles não
atravessavam a parte mais congestionada do centro de atividades,
não o tocando senão em uma de suas extremidades. A expansão
do comércio, o crescimento do tráfego, que aumentam na pro-
porção do crescimento urbano, determinaram uma dissociação
cada vez maior dos pontos iniciais dos coletivos, uma verdadeira
migração na direção do exterior. Lembramos que, há 20 anos,
todos os transportes coletivos atravessavam a praça Castro Al-
ves e paravam aí. Hoje estão dispersos os pontos de partida dos
ônibus e bondes que vão para os diferentes bairros.
Os bondes e ônibus da linha de "cima" têm dois pontos
iniciais: a praça Municipal e a praça da Sé. Para a linha de "bai-
xo", o problema é ainda mais grave, pois a cidade continua se
estendendo na direção dos bairros servidos por essas linhas. Por
>
isso mesmo, os pontos iniciais são cada vez mais deslocados. De •>
outro lado, uma parte dos bondes não sobe mais a rua Visconde >
n
do Rio Branco desde 1956. Os que desejavam se servir desses •<
c
transportes devem ir procurá-los na praça dos Veteranos, no pé
"•>
da ladeira da Praça. Nas horas de rush, nenhum bonde sobe até z
>
o viaduto. Quem tem necessidade de utilizá-los deve descer as •
> .
ladeiras, ou subi-las, se deseja mesmo chegar ao coração da Ci- ~
o
dade Alta. Os ônibus param na praça da Independência, na dos >
o
Veteranos, na rua da Independência, no começo da rua Dr. Sea- o
n
bra, na ladeira da Praça. É de ver a extensão das filas que tornam •z
-<
intransitáveis as ruas transversais, sobretudo à noitinha, quando "o
o
todos desejam regressar às suas casas. Fato ainda mais recente >
n
é o estabelecimento do sentido úniço na ladeira da Montanha, o
>
na da Praça e da rua 28 de Setembro, em certas horas do dia, e o

durante todo o dia, permanentemente, nas ruas Carlos Gomes
e avenida Sete de Setembro, trecho a partir da Piedade.
Por outro lado, outras ruas têm sido conquistadas mais.
recentemente pelo tráfego e ajudam a desafogá-lo. Na Cidade
Baixa, embora todos os coletivos partam da praça Cairu, onde
fica a saída inferior do Elevador Lacerda, houve, a partir de 1950,
uma dissociação do tráfego dos bondes e ônibus, os primeiros
guardando o caminho tradicional das ruas Portugal e Conselheiro
Dantas e os segundos indo pela rua Miguel Calmon. É muito
recente a instituição de mão única nessas duas ruas.
Na Cidade Alta, as ruas do Pelourinho; Maciel e Guedes
de Brito, consagradas ao tráfego para os bairros do Norte, são
atravessadas durante o dia por "micro-ônibus", as lotaçôes. As
ruas do Gravatá, da Independência e de Santana são caminhos
dos ônibus que, pela avenida Joana Angélica, seguem para o
bairro de Brotas. Assim, uma parte do tráfego é desviada da Baixa
dos Sapateiros, onde passam somente os bondes e os ônibus que
servem às linhas de Liberdade, Quintas e Soledade.
A circulação dos pedestres se faz sem nenhuma disciplina. Chega
a se tornar perigosa, em certos lugares. Tem suas passagens heróicas.
"o O comércio, os gabinetes médicos, os salôes de beleza, outros
o "serviços" e também o simples trottoir elegante dos fins de tarde
<
>
na rua Chile atraem uma multidão de pessoas que se sucedem em
o um vaivém incessante. Por outro lado, a função de verdadeira
o
"o< encruzilhada realizada pelo centro urbano provoca uma circula-
o ção considerável de pedestres, entre os pontos de parada que, ao
u
<
o mesmo tempo, são pontos de correspondência. Uma aproximação
o pessimista entre 17h30 horas e 18h30 horas atribui a passagem de
"
;-
z 30 mil pessoas a pé pela rua Chile e cerca de 35 mil pelo Taboão.
"u
o Esta é a mais curta ligação entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta,
utilizada pelos operários e pequenos empregados para economizar
'D
~ os 50 centavos, que é quanto custa uma passagem pelo Elevador.
)
!
~ ÁAtAi> OUE OBTIVERAM "UMENTO
!'
"'"
!IIIIJl "RtAS OUE SOfRERAM DIMINUIçÃO

• IJMlHI,ICÃo POR PROSTITUIÇÃO

• ZO~ SEM R(SlOENfES

POPULACÃO DO CENTRO DA
CIDADE DO SALVADOR
1940 - 1950 ~

A esse quadro, devemos acrescentar os veículos que ficam


estacionados, seja nas praças, seja nas ruas e mesmo sobre os pas-
seios. Não há parques de estacionamento. A praça da Sé, que.é a
maior, serve como praça de parqueamento e ponto inicial de um
grande número de linhas; é com dificuldade que se podem alinhar
, param em qualquer
uns cinquenta automóveis. Então' os veículos
parte, a despeito das proibições mais ou menos vistosas da Polícia.
Para agravar ainda mais as más condições de circulação, há o cos-
tume que as pessoas guardam de ficar em pé, durante várias horas,
Foto 14. Esta parte da Cidade Baixa, chamada "Preguiça", alcançou
o último estágio da deterioração, prédios em abandono e em ruínas,
servindo de depósitos de construções nos casos extremos.

"oo
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o
o
"o
""o
Ü
""o
o
"~ Foto 15. A torre do velho Elevador do Taboâo e uma parte da Cidade
~ Baixa. Sobrados juntos à escarpa e arranha-céus próximos ao porto.
o
Foto 16. O novo povoamento de arranha-céus nos terrenos perto do porto.

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c
>
n
Foto 17. O belo prédio da Associação Comercial. No fundo, os "arranha-
c
céus" coloniais em plena deterioração. Há meio século as águas da baía >
o
batiam na e.scadaria do edifício. •
sobre os passeios e mesmo sobre o meio-fio, na rua Chile e nas
. ruas adjacentes, a comrersar incessantemente: marca-se encontro
na rua e há grupos que se reencontram diariamente às mesmas
horas para falar de política e de coisas amenas. Atravessar a pé a
rua Chile, após as 17 horas, na hora do rush, não é coisa fácil.
É nessa hora que o centro fica mais animado. Os bancos,
os magazines, as lojas, as repartições públicas fecham ao mesmo
tempo e todo mundo deseja voltar para casa, pois jantar em
família é ainda um dos hábitos do baiano. É a hora crítica da
circulação, e é mais cômodo e rápido ir a pé da praça da Sé à
praça Castro Alves do que tomar um bonde ou um ônibus.
Depois da's 20 horas, os bairros centrais se despovoam dessa
multidão inquieta. Há um outro tipo de circulação, todavia bem
menos importante: a das pessoas que vêm procurar distração, ou
olhar simplesmente as vitrines. O movimento é maior à entrada e
à saída d~s sessões do cinema, abertos até meia-noite. Entretanto,
as outras porções do centro estão como que adormecidas. Mas é
exatamente às dez horas que um outro bairro começa a animar-
"o se. É o coração da cidade noturna, a praça 15 de Novembro,
o pertinho da zona de prostituição, onde prostitutas, vagabundos,
<
>
"< marginais de todas as espécies dão-se encontro em ruas mal ilu-
~

. minadas. Desloca-se para aí esse comércio ambulante de frutas e


o
o

o comestíveis, cozidos ou aquecidos sob o olhar dos fregueses em


<
o pequenos fogões acesos em cima dos passeios. Os transeuntes,
u
<
o
ainda longe, sentem o cheiro forte das iguarias afro-brasileiras,
o condimentadas com azeite de dendê e pimenta por negras e
",.
z mulatas vestidas com trajes típicos. Os botequins se tornam
•u
o movimentados. A polícia afrouxa sua vigilância e .as prostitutas
(a quem é proibido fazer o trottoir durante o dia) podem sair de
:? casa e se exibir na rua. Isso se passa na Cidade Alta.
SUBDISTRITOS URBANOS DE SALVADOR
1940-1950,

CONVENCÕES

ENTRE ' 0 . 100%tSQZj


ENTRE 40 • '60% ~
37% t-:. -I

-
ENTRE 10 • 20 .... F2%!J
ENTRE I • 10% (::',:,,1
DECRisc,,,,o
(SCAU. IiIlH".

'111: c:
" ...
Nesse mamenta, na Cidade Baixa, a cantraste é enarme
entre as quarteirões das negócias e a área, mais restrita, em que
se pratica a prostituiçãa. Aqui é uma réplica, embara menas
característica, da que se passa na Cidade Alta enquanta na Cité
reina um silência campleta, rompida de quanda em quanda
pelas apitas das guardas-naturnas.
Essa imagem maderna de um verdadeira dédala, ande se aperta
uma fila multicar e sem fim de autamóveis quase imabilizadas, que
fazem vai tas enarmes para pader vencer pequenas distâncias, deve-
se a quatra fatares principais já examinadas separadamente:
1. A excentricidade da centra da vida urbana, em relaçãa à
cidade inteira, e a ausência de centros secundárias nas bairros.
2. A arrumação da centro em andares muita diferentes,
coma a Cidade Baixa, a Baixa dos Sapateiros e a centro histórico
da Cidade Alta, ligadas por ascensores, par plana-inclinadas e
par ladeiras.
3. A concentração nessa área das funções diretoras da vida
urbana e regional.
4. A herança ·do passada, representada na paisagem por
"oo
< um plana irregular, muito sensível, nãa .obstante as readaptações
>
"<
~
safridas pela quadro.
o
o O que se passa em Salvador, na próprio caraçãa da cidade,
•o exprime muito bem a salidariedade das fatas de circulaçãa e de
<
o camércia. Outrora, quanda tados os caminhas levavam ao centro
u
<
o
da cidade, issa favareceu o desenvolvimento de um centro comer-
o cial, que cresceu ao mesmo tempa em que a cidade. Essa funçãa
">-z
comercial provocou um aumenta de circulaçãa na direçãa da
•u
o periferia e espalhau-se ao longo das artérias principais do trânsita,
o que, aa mesmo tempo, conferiu-lhe uma certa inércia. Depois o
comércio,cujo damínia é disputada par .outras atividades, prova-
cou, por sua vez, urna circulação muito mais intensa. Mas corno
as transformações do centro não correspondem ao crescimento
das funções, estas expulsam a circulação, sob a forma de desvio
das correntes do tráfego, desdobramento dos transportes públi-
cos, ou deslocamento ou supressão das paradas. Mas as ruas que
foram recentemente beneficiadas por essas medidas estão sendo
colonizadas pelo comércio, sobretudo pelo comércio e serviços
que se aproveitam de um quadro preexistente.

A População e sua Distribuição

A população dos bairros centrais da cidade representa urna


forma de utilização do velho quadro, as casas antigas, casas nobres
e ricas hoje degradadas. Esse espaço é, entretanto, disputado por
>
outras atividades, que pouco a pouco expulsam a população de •>
certas ruas, agora ocupadas pelo comércio. Isso põe em relevo o >
o
valor dos efetivos demográficos aí presentes e evidencia a principal m
<
característica atual dessa população, isto é, sua pobreza. c
"">
Se compararmos a população desses bairros com a da cidade z
>
inteira, vemos que ela não cessou de baixar desde meados do século m
>
XVIII, quando correspondia a 60% do total. Em 1940, não repre- <
o
sentava mais do que 7,9% e em 1950 cerca de 4,8%. Essas percen- >
o
tagens mostram o enorme desenvolvimento dos bairros exteriores o
n
desde o século XVIII. Mas tais cifras perdem muito de significação, m
Z
.;
e são incapazes de ,\izer tudo, se analisarmos igualmente os números "o
o
absolutos. Estes, à primeira vista, podem causar admiração, pois >
n
durante os dois últimos séculos quase não houve mudanças subs- o
>
tanciais quanto ao número de habitantes dos bairros centrais. Até o
m
1950, enquanto o resto da cidade via sua população multiplicar-se
por 23, a população do centro ficava quase estacionária. Não pos-
suímos os dados para estes últimos anos, mas podemos admitir que
tal relação seja ainda mais expressiva nos dias de hoje"

Fim do séc. XVIII 1940 1950


Bairros Centrais 20058 22974 20580
Bairros Exteriores 17485 267469 403562
Toda a Cidade 37543 290443 424142

Essa estabilidade quantitativa não deve conduzir a confusões,


Ela encobre uma deterioração qualitativa gradual, representada nu-
mericamente pelo aumento incessante das densidades demográficas de
certos setores, de certas ruas, em contraste com uma díminuição em
outros, sendo estes cada vez mais invadidos por novas atividades,
Os dados globais por distritos fornecem o quadro seguinte
para a densidade humana ao hectare, no fim do século XVIII,
em 1940 e 1950, São números aproximados:

Fim séc. XVIII 1940 1950


-- - -",,-,,- - -
Passo 105 322 377
Sé 30 272 290
"OO Conceição 30 . 85 82
< Pilar 7 10 4
>
"
<
o Tais números não tém um valor em si mesmos, Curvas semelhan-
o
•o tes escondem, na verdade, tipos de evolução diferentes. O creSCÍInento
<
o da população, bem mais significativo no distrito do Passo entre 1940
u
< e 1950, é muito menos expressivo que o menos volumoso, corres-
o
o pondente ao distrito da Sé, nesse mesmo período, Na Sé, o comércio
"z
;.
fez progressos muito mais importantes e a abertUra de novas ruas e
•u
o praças reduziu a área efetivamente ocupada pela população.
Assim, os números aparentemente mais modestos escondem,
do ponto de vista da população, uma realidade mais angustiosa
que aqueles outros relativos ao Passo. O mesmo se pode repetir
quanto à Conceição da Praia, o distrito mais marcado pela pre-
sença de novas funções e que viu dobrar sua área desde o fim
do século XVIII (os atulhos sucessivos do porto).
No distrito do Pilar, as cifras mostram um aumento de den-
sidade entre o fim do século XVIII e 1940, seguido de uma dimi-
nuição entre 1940 e 1950. A ausência de dados para população
no primeiro período citado constitui um obstáculo a uma análise
mais exata do fenômeno. Mas como os fatos são relativamente
recentes, podemos arriscar-nos a reconstituí-los. O distrito do
Pilar foi o primeiro a conhecer o processo de migração das famí-
lias abastadas para os bairros exteriores. Depois foi invadido por
uma população pobre numerosa. Os números relativos a 1940
exprimem uma evolução diferente: é razoável admitir que, nesse
momento, a população já começava a diminuir; nas casas deterio- •>
radas instalavam-se depósitos. A curva de decréscimo demográfico, >
o
mais notável entre 1940 e 1950, representa uma conquista mais m
<
ativa dessa área por atividades que expulsaram a população e, de c
•">
outro lado, uma degradação que atingia limites extremos. z
>
O Pilar conheceu o processo que hoje está Se passando na m
>
Conceição da Praia: um primeiro período em que se associam co- ~
o
mércio e população de comerciantes mais ou menos abastados, e >
o
. suas famílias, com fracas densidades; um segundo período, com uma o
n
m
migração centrífuga da população rica e a ocupação das casas por .,
Z

população cada vez mais pobre, provocando degradação e aumento "o


de densidade; um terceiro período, onde, de um lado, a deterioraç.ão o
>
muito. viva, e, de outro, a construção de edifícios funcionais, acarre- ~
o
>
tando a impossibilidade de utilizar essas construções como casas de o
m
residência, trouxeram mais recentemente, como resultado, o enfra-
quecimento das densidades. Esse processo, que conduz à ausência
'de população; está quase terminado no Pilar (que em 1950 contava
apenas com 2,169 habitantes), mas continua a se desenvolver na
Conceição da Praia, da qual uma parte - a Preguiça - caiu já em
degradação completa, Em 1940, as ruas Manuel Vitório, Marcílio
Dias e Joaquim Maia tinham respectivamente, 17, 6 e 5 casas de-
socupadas e fechadas. Em 1950, é ainda menor o número de casas
utilizáveis e hoje restam somente alguns esquel~tos.
Esse processo é exclusivo da Cidade Baixa, pois na Cidade
Alta as casas eram originariamente apenas residenciais. A mi-
gração centrífuga das famílias ricas correspondeu à ocupação
das casas por famílias da classe média, e depois pelos pobres. O
comércio, fazendo concorrência à população, também apárecia,
seja transformando o quadro, se ele tinha força para tanto, seja
se acomodàndo ao velho quadro.
O cálculo das densidades, tendo por base as divisões adminis-
trativas, pode conduzir a equívocos, pois o distrito da Conceição
da Praia; como também o do Pilar cresceu consideravelmente em
área desde o século XIX, em virtude dos aterros do porto. Por
outro lado, é necessário notar a presença de vastos ter~enos per-
"oo
< tencentes aos conventos, na Sé e no Passo, na Cidade Alta. Assim,
>
"< tais áreas deverão ser subtraídas do total, se quisermos obter uma
o
o
média aproximadamente aceitável. A rigor, entretanto, em virtude
"<o das modificações sucessivas que sofreu, a área córrespondente às
o ruas e praças do centro deveria também ser subtraída. Mas não dis-
Ü
<
o
pomos de elementos seguros para chegar a resultá dos válidos:
o Resta-nos o exame das densidades por área,construída, que seria
"z>- ainda mais eloquente. Todavia, não temos outras indicações senão
"u
o para os anos de 1940 e 1950. A análise da evolução demográfica
recente muito nos pOderá ilustrar a respeito do passado, se a associar-
~ mos à evolução das demais atividades presentes no interior do quadro
a estudar. Essa atitude permitiria igualmente a utilização do critério
das percentagens, cuja vantagem éafastar a variante que é constituída
pelo número de andares das casas, diferentes em cada caso, e que
constitui um obstáculo a um cálculo correto das densidades.
No entanto, o estudo da evolução demográfica recente do
centro da cidade não nos dará resultados mais válidos se apenas
nos utilizarmos de dados globais relativos a cada distrito. Na
verdade, o exame dos dados relativos a cada rua mostra-nos que
houve um contraste entre a evolução demográfica do Pilar e da
Conceição da Praia, de um lado, e do Passo e da Sé, de outro. Nos
primeiros, o comércio e as atividades complementares ganham
terreno e substituem a população. Disso resulta uma diminuição
da população, 64,01 % para o Pilar e 4,6% para Conceição da
Praia, entre 1940 e 1950. Entretanto, esses números estão bem
longe de significar toda a realidade. Representam uma média,
que não tem valor absoluto, naturalmente, pois a evolução não
se deu no mesmo sentido no interior de cada distrito. A mesma
contradição interna pode ser observada nos distritos do Passo e da
Sé, que aparecem, respectivamente, como tendo tido globalmente
um aumento de população de 1.055 e 502 habitantes. Algumas
>
ruas perderam a maior parte dos seus moradores, enquanto outras <
o
viam multiplicar-se por dois o número dos habitantes. >
o
Em resumo, o exame da evolução demográfica recente das o
n
ruas do centro da cidade (veja-se o quadro analítico no fim do "-;Z
capítulo) conduz a que possamos distinguir quatro tipos: "o
o
1. Ruas originariamente sem população. >

2. Ruas que perderam seus habitantes entre 1940 e 1950. ~


o
>
3. Ruas que se despovoam. o
"
4. Ruas onde a população aumenta.
Entretanto, no que se refere aos dois últimos tipos de evolução,
podemos reconhecer. diferentes tendências ou ritmos de crescimento
ou decréscimo, os quais variam segundo percentagens extremas.
De modo geral, as ruas originariamente sem população
correspondem a um certo tipo de paisagem, a paisagem recen-
temente criada na Cidade Baixa, em consequência das obras e
dos aterros do porto e onde foram construídos apenas edifícios
destinados a não serem habitados (arranha-céus e armazéns).
Áreas outras são atualmente despovoadas; esse fenômeno resulta
de uma evolução e comprova a conquista de tais áreas por outras
atividades. Correspondem a três tipos de paisagem:
1. As atividades capazes de criar um quadro, e que o criam
efetivamente, substituindo as velhas casas por novos imóveis
funcionais, desse modo inaptos a serem habitados.
2. Outras atividades que utilizam o quadro, mas que por
sua própria natureza expulsam a população: é O caso das casas
de exportação e, principalmente, de importação, que instalam
seus escritórios no andar térreo e utilizam os andares superiores
como depósito.
"o
o 3. Finalmente, o caso externo das casas absolutamente de-
<
>
"< gradadas e, consequentemente, incapazes de receber população,
o por mais miserável que ela seja.
,
o
•o
<
o A diminuição da população corresponde, em certas ruas, à crise
Ü
<
o
de moradia e à especulação imobiliária, o que acarreta geralmente
o altos aluguéis, inacessíveis às pessoas pobres, que são obrigadas a
.
"z
construir abrigos miseráveis ou morar nos cortiços do centro. To-
"u
o davia, tal aumento de população não é uniforme. Varia de uma rua
para outra. Essas variações não têm um valor absoluto, seja porque
~ as ruas em que já existe saturação recebem naturalmente urna contri-
buição demográfica menos importante, seja porque as possibilidades
de alojamento não são as mesmas em todas as ruas.
Assim, e ainda de acordo com os dados dos 'recenseamen- I
i
tos de 1940 e 1950, é possível reconhecer certos conjuntos no
interior dos bairros centrais. Tais conjuntos são mais ou menos
homogêneos e, em média maior ou menor, associam caracterís-
ticas demográficas, funcionais e de paisagem.
O distrito da Conceição da Praia viu sua população global
diminuir 4,6%. Com efeito, tendências contraditórias foram aí
constatadas. Enquanto algumas ruas se despovoam, invadidas
i
pelo comércio ou antigidas por uma deterioração extrema, a zona ,·1
I!I
de deterioração atual, constituída pelas ruas Lopes Cardoso, :;
Marcílio Dias, Macedo Costa, Dionísio Martins, Luís Murat, p
Conceição, Visconde de Mauá,Joaquim da Maia e praça Cairu,
>
registrava um aumento de população de cerca de 100%. •
~
A praça Cairu delimita a área em que a população diminui e
a outra área em que o adensamento demográfico é cada vez mais
·
>
o
"< ,I'
grave. Há, entretanto, duas exceções. Na zona que se despovoa, o ", I
•>" I
a rua Lopes Cardoso, ao norte do Elevador Lacerda, ainda não z I
>
teve os seus sobrados inteiramente ocupados pelo comércio, o
"> ,
que permitiu à sua população dobrar. Ao sul da praça Cairu, ~
r
I
o
na área em que a população aumenta, a rua Manuel Vitorino >
o I,
representa, igualmente, uma exceção em relação ao conjunto. Sua o
n I
população caiu 34% mais ou menos; é uma rua onde as casas se "-;Z
degradaram por completo ou quase, e cujas ruínas servem agora
,
"o 1 I.
de depósitos de materiais de construção. o
> i'
O distrito do Pilar acusou uma diminuição de população ~
>
o ,
calculada em 64% entre 1940 e 1950. Mas essa percentagem ,o
I
" I
precisa ser comentada. De um lado, aparece a tendência geral
à diminuição dos efetivos demográficos, que corresponde à co- -
w
~ :1
mercialização crescente dessa área, onde, de um lado, as velhas
casas arruinadas foram utilizadas comO depósitos de mercado-
rias ou completamente abandonadas, e novos edifícios foram
construídos sobre os aterros do porto. Assim, a rua do Pilar
perdeu 82,6% da sua população; a rua Maria Quitéria, 50%;
a rua Barão Vila Barra, 35%; a rua Campos Sales, 16% etc.
Mas, ao contrário, excepcionais acréscimos de população foram
verificados, por exemplo, nas ruas Capistrano de Abreu (80%)
e Mascarenhas (30%): são ruas onde a degradação continua.
A avenida Frederico Pontes registra também um considerável
acréscimo de população, mas o fato nada tem que ver cou't a
evolução normal dessa área. Tal aumento demográfico deve-se,
exclusivamente, à presença aí da Base Naval. A aparência de
paradoxo estatístico tem sua réplica em um outro, na paisagem:
veem-se construções recentes servindo de habitação, o que
constitui verdadeira contradição com o que, de modo geral,
observa-se nessa parte central da cidade.
. Na verdade, toda a área dos bancos, do comércio grossista
"o e de outras atividades que lhes são subordinadas, onde se eleva-
o
< vam edifícios novos, não teria qualquer população não fossem
>
,"< os guardas. Na Cidade Alta teríamos uma pálida réplica desse
o fato no conjunto formado pelas praças Castro Alves, Municipal
o
e da Sé e pelas ruas Chile, Ajuda e José Gonçalves, se aí não se
encontrassem numerosos hotéis e pensões.
No distrito da Sé, na Cidade Alta, o recenseamento mostra-
nos um acréscimo de 5,96%. Mas, comO nos casos precedentes, a
realidade é muito mais complexa, talvez ainda mais complexa que
nos outros distritos, pelas razões que experimentaremos revelar.
O conjunto formado pelas ruas Ruy Barbosa, Barão Homem de
Melo, a praça Castro Alves e ruas Visconde do Rio Branco e Miseri-
córdia registrava wna diminuição global de 20% (ao lado, a rua José
Gonçalves perdia 50% de sua população, mas tal cifra tem uma signi-
ficação menos importante, em vista das demolições que foram feitas
para a construção de um viaduto). Nessa parte do centro da Cidade
Alta, acha-se o principal centro de atividades, alojadas em imóveis
novos, reconstruídos ou adaptados a essas funções. Pelo contrário,
as áreas vizinhas registram globalmente um aumento de densidade
relativa ainda maior, tendo em vista não só as demolições realizadas
desde 1940 com o objetivo de desembaraçar a circulação, como a
expansão do comércio em certas ruas favorecidas pelo tráfego.
Mas,· no interior mesmo de cada uma dessas subáreas, o
aumento ou a diminuição da população relativa correspondente
a cada rua nos conduzem a construções ricas de ensinamentos. A
gama de percentagens também representa processos diferentes ou
>
diferentes fases de um mesmo processo, ou ainda quadros diferen- •
>
tes em que se realiza um mesmo processo. Por exemplo, certas ruas ~

>
o
registraram um incremento demográfico impressionante, como as "<
c
ruas Ângelo Ferraz (240%) e Santa Isabel (140%) e também as
"•>
de São Francisco (81 %), Padre Nóbrega (70%), Inácio Accioly z
>
(65%), Muniz Barreto (50%), 7 de Novembro (42%), Gregório
>
de Matos e Querino Gomes (40%) e ainda outras. Tais índices cor- ~
o
respondem a um considerável aumento da densidade demográfica >
o
nessa área, fato que os números revelam em toda a sua plenitude, o
o
pois se trata de áreas residenciais. Mas as percentagens relativas "z
.;
às ruas Alfredo Brito (32%) e Ruy Barbosa (13%) não possuem "o
o
idêntica significação: são ruas em que o comércio se estendeu lar- >

gamente entre 1940'e 1950, e continua a, se estender. Assim, tais ~


o
>
números exprimem menos que.a realidade demográfica. o
"
Vimos anteriormente que na área de expansão maior do co-
mércio a população tem tendência a diminuir. Há, porém, outras
ruas, fora dessa área, onde constatamos a mesma tendência. É o
caso das ruas 28 de Setembro (-17%),João de Deus (-37%), Castro
Rebelo (-10%), e Aristides Milton (-8 %). Nessas ruas, o fenômeno
está relacionado com a prostituição aí localizada, mas empregando
somente mulheres que trabalham durante certas horas do dia ou da
noite, morando, porém, nos bairros exteriores: desse ponto de vista,
elas estão no mesmo caso que as outras pessoas que vêm trabalhar
diariamente no centro - são estatisticamente registradas como sendo
moradoras de outras ruas. Pelo contrário, a prostituição de mais
baixa categoria, instalada nas ruas menos próximas do centro, não
constitui um elemento de perturbação na evolução demográfica: a
população tem tendência a aumentar, pois as prostitutas moram
no próprio local de trabalho, onde suportam as mesmas miseráveis
condições de vida do resto da população que vive nessa área.
É assim que uma mesma paisagem, a das velhas casas do
centro, pode abrigar duas tendências demográficas diferentes, até
mesmo contraditórias. O conjunto dos quarteirões limitados pelas
praças Quinze de Novembro, Anchieta e José de Alencar e pela
rua J. J. Seabra apresenta uma certa homogeneidade de paisagem:
"oo
< velhas construções entre as quais se situam igrejas vetustas. Sua
>
"< população aumentou 18% entre 1940 e 1950. Essa taxa, entretanto,
"
o está longe de representar a realidade inteira. De um lado, algumas
o
w
o ruas experimentaram uma evolução positiva(ruas Alfredo Brito,
<
o Gregório de Matos, Inácio Accioly, Santa Isabel, Leovigildo Fil-
Ü
<
o
gueiras, Carvalho, Ângela Ferraz e Muniz Barreto). Se colocarmos
o essas ruas à parte, o ganbo demográfico terá sido da ordem de 40%.
"z>-
•u Por outro lado, outras ruas perderam sua população, como as ruas
João de Deus, Castro Rebelo, São Vicente, 12 de Outubro, e a praça
Anchieta. Nesta, ó progresso do comércio, dás pequenas indústrias
S- e artesanatos expulsou uma parte d~ população. No conjunto, sua
perda demográfica foi de 22%. Em 1940, a praça Anchieta abrigava
apenas um armazém e um armarinho no lado ímpar e um cabelei-
reiro, um alfaiate, três açougues, um sapateiro e uma quitanda no
lado par. Esse comércio, típico de zonas de transição, está sendo
cada vez mais substituído por lojas que hoje ocupam quase todos os
andares térreos, nos dois lados da rua. Ao mesmo tempo, as velhas
casas estão sendo utilizadas por hotéis e pensões.
No distrito do Passo, cujo incremento demográfico global,
entre 1940 e 1950, atingiu 17,24%, o exame do que se passou
em cada uma das ruas noS leva a resultados parecidos aos que
observamos no conjunto dos quarteirões da ·Sé, anteriormente
analisados. Na rua Luís Viana, por exemplo, a população caiu 6%:
deve-o aos progressos do comércio e das atividades artesanais que
ocupam os cõmodos de frente na parte térrea das residências, o que
>
permite um lucro suplementar aos proprietários ou aos locatários, ,
>
conforme o caso. Tal díminuição global não significa, porém, >
o
m
diminuição de densidade. Nas ruas em que o·comércio já estava
estabelecido em 1940, a população, entretanto, aumentou, como

C

">
~

na praça José de Alencar (25%), na rua Silva Jardim (20%) etc. z


>
Pode-se admitir, qualitativamente, que os resultados - quer m
>
para essas ruas, quer para a rua Ribeiro dos Santos - sejam muito ::o
semelhantes. Outras ruas tiveram uma elevada taxa de incremento >
o
demográfico, como a praça dos 15 Mistérios (22%) e a rua Ri- o
n
m
beiro dos Santos (37,9%); esta é quase inteiramente residencial e Z
.;
aquela é residencial completamente. Apenas a rua Padre Agostinho "o
o
registra uma perda demográfica efetiva, isto é, um decréscimo de >
n
75%, baixando de 37 para 9 habitantes. Isso se explica pela sua o
>
magnífica localização comercial e pelos tipos de casas que a for- o
m

mam - são casas térreas e sobrados, todos de um só andar, onde


se encontram alfaiate·s, pequenos escritórios etc.
Em conclusão, podemos afirmar que nO centro da Cidade
do Salvador há dois p~oblemas diferentes quanto à distribuição·
da população. Na Cidade Baixa, a cidade nova construída sobre
a terros do porto não tem população desde sua origem. Pelo con-
trário, a cidade velha, somente residencial na Cidade Alta e na
Cidade Baixa, acrescentava uma função de utilização comercial a
um antigo papel residencial. Depois, a distribuição da população
se modificou em função de quatro fatores:
1. Em certas ruas, o comércio se desenvolveu e expulsou os ha-
bitantes, seja pela substituição das velhas casas por outras, impróprias
à moradia, seja utilizando inteiramente as velhas casas.
2. Em outras ruas, a utilização parcial das velhas casas
pelo comércio ou pela prostituição controlada acarretou uma
diminuição da população, o que, entretanto, não significa sempre
uma diminuição de densidades.
3. Ainda em outras ruas, a degradação atraiu uma popula-
ção pobre, que continua a crescer em número e em densidade.
4. Mas se os imóveis estão em ruínas, temos, de novo,
despovoan:'ento.
"o
o
<
>
***
"<
o Ao fim desse estudo, podemos reconhecer três períodos na
o
w
o formação dos bairros centrais de Salvador. Dois são racionais, o
<
o
Ü
primeiro e o último, enquanto a fase intermediária é espontânea.
<
o O primeiro periodo foi de curta duração. Começou com a chegada
o do governador geral em 1549 e acabou no fim do século XVL A cidadela
";-z
w tinha ruas que se cortavam em ângulo reto, um plano propositadamente
u
o regulru; mas deformado pelas contingências do sítio. As praças eram
largas (a praça do Terreiro, atual praça 15 de Novembro, tinha 870m2;
a praça do Palácio, atual praça Municipal, tinha 290m2 ).
o segundo, de longa duração, começa nos inícios do séc.
XVII. Durante esse período, a cidade se estende sem nenhum
plano de conjunto: seu crescimento resulta seja do sítio, seja de
outros fatores, como, por exemplo, a existência de grandes su-
perfícies, propriedade dos conventos, que são responsáveis pelo
desenvolvimento linear; do mesmo modo, na Cidade Baixa, as exi-
gências do sítio desempenham papel idêntico ao da Cidade Alta.
Em consequência, temos ruas tortuosas e pequenas praças.
O terceiro período, atual, coincidindo com a ampliação
das funções urbanas e a introdução de transportes modernos,
caracteriza-se:
a. Pelo alargamento de certas ruas e a abertura de praças,
nos pontos em que a circulação é mais intensa, o que tornou
possível a formação de estruturas secundárias, de forma linear,
>
mas deixando quase intactas as artérias vizinhas. •>
,
>
o
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o
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o
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Foto 18. Nessa fotografia aparece bem nítida a justaposição das duas paisagens da
Cidade Baixa. No primeiro plano, os quarteirões de transição, onde duas concepções
arquitetônicas entram em choque com o progressivo triunfo dos arranha-céus.
Foto 19. No primeiro plano, Ull). edifício da primeira fase das novas construções da
Cidade Baixa. Todos os demais são bem recentes.

•o
o
<
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•<
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o
w
o
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o
u
<
o
O
•e
Z
w Foto 20. O velho e o novo a poucos me-
u [cos de distãncia. É aí que funcionava a
o chamada "Bolsa dos automóveis", atê
que um incêndio devorou, há poucos
meses, o prédio antigo e um outro,
vizinho.
b. Pela "fabricação" de um sítio, consequência dos aterros
do porto e sobre os quais criou-se uma estrutura primária, de
forma compacta, com largas avenidas, grandes praças, formadas
por imóveis modernos.
O sítio, isto é, a escolha inicial do sítio, pesou muito forte-
mente sobre a vida urbana, em todas as etapas de sua evolução. O
primeiro período, de um lado, representa um compromisso entre
uma vontade criadora e os planos pré-estabelecidos, e, de outro, as
dificuldades oferecidas pelo sítio à sua realização. Daí a deforma-
ção dos contornos, conquanto Se possa, mesmo hoje, reconhecer o
desejo dos fundadores de construir uma cidade em xadrez, linhas
que ainda estão nítidas no velho centro da Cidade Alta.
O segundo período representa um compromisso entre o
sítio e as condições sociais e econômicas, daí a extensão linear
>
do organismo urbano, especialmente sobre as dorsais, bem como
uma certa dissociação de funções ..
··
>
>
o
Durante o terceiro e último período, a cidade começa a· dispor "
<
c
de meios financeiros e técnicos mais importantes, em consequência
de seu desenvolvimento econômico. Tais causas provocam, de ·
">
z
>
um lado, uma adaptação consciente às exigências do sítio, e, de "
>
outro lado, a modificação das condições topogcáficas,.parcial ou ~
o
totalmente. Modificação parcial, com a construção e abertura de >
o
novas ruas em ladeira, para comunicação da Cidade Alta com a o
c
Cidade Baixa, ou o nivelamento das ruas antigas. Modificação "
Z
.;
total, com a "criação" de um novo sítio, justaposto ao sítio inicial, "o
o
com a planície artificial da Cidade Baixa, pertinho do porto. >
c
Se esses três períodos se sucederam no tempo, cada um o
>
deles não elimina, porém, as consequências do período anterior o
"
na elaboração da paisagem e da estrutura interna da cidade,
especialmente do seu centro.
A paisagem urbana atual é formada de elementos que per-
tencem a essas três fases, o que explica sua heterogeneidade. Da
primeira, entretanto, não resta senão o traçado das ruas, pois
as casas, construídas com um material muito frágil, durante o
primeiro século da colonização, foram substituídas, desde o fim
do século XVII ou começo do século XVIII. O segundo período
se nota na paisagem pela presença das igrejas, dos palacetes e
sobrados, e de enormes espaços vazios pertencentes aos mos-
teiros. O terceiro período se caracteriza pelas casas de estilos e
idades diversas, heranças das fases precedentes, mas sua p~ópria
contribuição são os edifícios modernos', os arranha-céus, sejam
os da Cidade Baixa, sejam os que foram construídos ao longo
das ruas comerciais na Cidade Alta.
O problema dos transportes é consequência não só da
excentricidade do centro em relação ao resto da cidade, como
da presença, nos bairros centrais, de elementos concebidos para
uma época em que as exigências do tráfego eram diferentes, quer
dizer, resulta sobretudo da influência do processo de formação
"o da paisagem sobre a fase atual da vida urbana.
o A análise da evolução demográfica nas diferentes "subáreas"
<
>
,"< do Centro de Salvador nos conduz a reconhecer a existência de
o certas relações entre população, paisagem e funções. Tais relações
o
"
Q são complexas porque:
<
o 1. A função pode criar uma paisagem, mas pode também se
u
<
o aproveitar de uma paisagem preexistente. Por outro lado, a mesma
o paisagem pode servir a funções diferentes, associadas ou não, no
"ez
mesmo prédio. Ora, esse modo de aproveitamento não é sempre
"
u
O o mesmo e não é sempre feito integralmente.
2. Disso resulta que uma mesma paisagem pode esconder
evoluções demográficas diferentes. Por outro lado, a mesma
função pode também provocar diferentes resultados de um ponto
de vista da população.
Tal complexidade, entretanto, não se enquadra às tendências
gerais de evolução demográfica, em relação à paisagem e às funções,
o que poderemos assim resumir: certas atividades - como o banco,
o comércio grossista e atividades complementares e conexas, o co-
mércio de luxo - têm tendência a expulsar a população do 'centro
da cidade, tendência que é tanto mais forte quanto mais capaz de
criar-se um quadro por atividade. Por outro lado, as áreas vizi-
nhas -'o velho quadro não atingido pela expansão das atividades
do centro - têm tendência a ver aumentar sua população, até que
a degradação dos imóveis torne impossível a moradia.

EVOLUÇAO DEMOGRÁFICA DO CENTRO DE SALVADOR (1940-1950)


>
,
SUBDlSTRITO DA CONCEIçAo >
Papo Papo Aurn. Dim. >
Ruas e Praças o
1940 1950 % %
Alemanha
Álvaro Cabral
O
O
O
O
•"
c
Argentina O O "•>
Barão H. de Melo 264 174 34,9 Z
>
Bélgica O O
Cais do Porto O O ">
Castro Rabelo
Conceição
O
6
O
5 16,6
"'
o
>
Conde d'Eu O O o
Cons. Dantas 172 O 100 O
o
Cons. Lafayete 66 15 62,1 m
Canso Saraiva Z
.;
Dionísio Martins
Estados Unidos
10
O
106
O
960
"O
o
Fagundes Varela 149 101 32,2· >
França O O n
Francisco Gonçalves O O
o
>
Grécia O O o
m
Guindaste dos Padres 30
Inglaterra O O
Itália O O
Pop. Papo Aum. Dim.
Ruas e Praças
1940 1950 %
- - - -%
---
Joaquim Maia 102 116 13,7
Júlio Adolfo 9 18 100
Lauro Müller O O
Lopes Cardoso 13 27 107,7
Luiz Murat 12 161 124,2
Macedo Costa 134 188 . 23,4
Manoel Vitorino 279 381 34,2
Marcí1io Dias 233 243 4,2
Mercado Modelo O O
Miguel Calmon 20
Naus 155 278 79,3
Pedro Bandeira O O
Pinto Martins O O
Polônia O O
Portugal 14 4 71,4
Rodrigues Alves 19 20 5
Santa Bárbara O O
Santos Dumont 36 O 100
São João O O
Tupinambás O O
Vidal de Negreiros 16 24 66,6
Visconde de Cairu 36 86 138,8
Visconde de Mauá 55 239 334,5
Visconde do Rosário O O

SURDISTRITO DO PILAR
- -""_.,,-,,,,- ._""-",,-,, ._,. -"._""-,,,,-"'.- ._",,- -- -
._""""_ ..,,.-
pop. Aum.
•O Ruas e Praças
Pop.
1940 1950 %
Dim.
%
o
< Barão Vila da Barra 442 178 60
>
•< Beira Mar 15 O 100
Botelho Benjamim 4 100
O 100
o Cais do Porto 35
~ Campos Sales 501 419 19,5
o Capistrano de Abreu 34 60 76,4
<
o Conde d'Eu 8 3 62,5
u Conde dos Arcos O O
<
o Cruz Machado O O
o Diogo Dias O O
..z• Elias Nazaré
Espanha
50
O O
100
~
u Estados Unidos O O
O
Fernão Cardim O O
França O O
O
'"
~
-""""-""'"-,,,,,-- - - -, ,._""-,,,,- -
Pop. Pop. Aum. Dim.
Ruas e Praças
- -"""-"""_."",-"""-,,,,,,,-
1940 1950 % %
Frederico Pontes 814 867 6,6
Holanda O O
Marechal Deodoro O O
Maria Quitéria 533 120 48,7
Mascarenhas 76 100 31,S
Pilar 533 94 82,3
Riachuelo O O
S. Francisco de Paula 240 230 4,3
Suécia O O
Torquato Bahia O O
-""""-",,,,- -- - - - - -'-""-"",,,- -

SUBDISTRITO DA SÉ
- - ,--""""-",,. -" --"",,,-,,,,,,,,-"" ______ - - -_."---"""_""'0-

Pop. Pop. Aum. Dim.


Ruas e Praças
1950 -
1940
--
% %
_."""-""""-",,,,,- --
Anchieta 393 289 26,4
Aristides Milton 155 143 7,6
Bento Lisboa 106 97 8,4
Bonifácio Costa
Castro Alves 9 2 7,7 >
Castro Rabelo 96 86 10,4 •
Chile
D. Jerônimo
12 de Outubro
237

15
274

10
15,5

33,3
-
~
>
o

Frei Vicente 401 385 4 •"


c
Getúlio Santos 43 41 4,6
Gregório de Matos 521 719 38 "•>
Guedes de Brito 234 238 17,9 z
>
Inácio Accioly 156 266 70,5
João de Deus 508 320 37
">
José Gonçalves 163 84 48,4 ~
157 o
Juliano Moreira 163 3,6 >
Misericórdia 63 46 26,9 o
Mont' Alverne 417 419 0,4 o
n
Municipal
"z
Muniz Barretto 205 328 60 .
Padre Nóbrega
Padre Vieira
78
128
133
85
70,7
33,6
"O
o
Querino Gomes 41 58 41,4 >
n
15 de Novembro 101 111 9,9 ;;
Rodrigo Silva 94 76 19,1 >
O
Ruy Barbosa 577 653 13,1
Saldanha da Gama 362 387 6,9 "
Santa Isabel 43 104 141,8 ~
São Francisco 237 593 81,3 ~
Papo Papo Aum. Dim.
Ruas e Praças
1940 1950 % %
São Miguel 30 36 20
Sete de Novembro 162 231 42,5
Tomé de Souza 39 24 38,4
Três de Maio 208 249 19,7
24 de Maio 73 90 23,2
28 de Setembro 683 568 16,8
Virgílio Damásio
Vise. de ltaparica 577 653 13,1
yj~5:,:.. do R~o .!3:,~~,~.o_ 238 -
144
-"""-,,,,- -},,?-'~,-

SUBDISTRITO DO PASSO
- - -"",-""._." - - -
Papo Papo Aum. Dim.
Ruas e Praças
- "-"",-",, - - --
1940 1950 % %
Agostinho Gomes 37 9 75,7
Carmo 448 432 1,4
Custódio de Melo 89 88 1
Deraldo Dias 537 592 10,2
Eduardo Carigé 214 204 5,1
Gregório de Matos 182 86 6,6
João de Brito 69 673 24,6
Joaquim Távora 674 708
José de Alencar 568 535 7
Luiz Viana 553 225 3,2
Pethion de ViUar 198 204 3
15 Mistérios 116 142 22
Ribeiro dos Santos 924 1270 37,3
•o _Silv~,J_~E<!i~ 509
-",-
612 20 -"""- -- -- -""._'""",,--

o
<
>
"< RUAS QUE FAZEM PARTE DE DOIS SUBDISTRITOS
" Papo Papo Aum. Dim.
o Ruas SubdistTitos
o 1940 1950 % %
•o _. A~gel-oF~'~;~~ -- Passo e Sé 20 68
-
240
< Leovigildo CarvaÍh~ Passo e Sé 185 202 10
o
Alfredo Brito Passo e Sé 689 917 32
u
< Conceição e
Conde d'Eu
o Pilar
O Conceição e
•>- Cais do Porto
Pilar - - ._",,- - - - ,,-
Z -"""_.,~--

•u
o
4
A ESTRUTURA URBANA DOS
BAIRROS CENTRAIS

A
análise'da elaboração da atual fisionomia dos bairros
centrais-da cidade - sua evolução através de quatro sé-
>
culos - e o estudo das funções urbanas que abriga - seu
dinamismo atual - revelam uma certa interdependência entre
o aspecto e as funções, entre paisagem e conteúdo, Atividades
capazes de se criarem um quadro, atividades que aproveitam
de um quadro preexistente e o adaptam às suas necessidades, e
atividades que direta ou indiretamente destroem ou acabam de
destruir um quadro preexistente são; todas elas, bem significa-
tivas dessa verdadeira relação de causa e efeito entre forma e •>
função, aspectos estruturais que vamos agora analisar, ••
,o
o
m
Z
.;
•>
TIPOS DE CONSTRUÇOES

Os Arranha-Céus

Os arranha-céus são símbolo das atividades que foram


capazes de se criarem um quadro. É por esta última razão que
apareceram no estágio atual, quando é maior a atividade finan-
ceira e comercial da cidade. Na Cidade Baixa são construídos
para acolher os bancos, as companhias de seguros, as casas de
importação e exportação, os escritórios de fábricas, os serviços
públicos. É frequente, também, que os andares superiores sejam
ocupados por atividades direta ou indiretamente ligadas àquelas
outras, como as agências de navegação, os representantes do co-
mércio, os comissários, os advogados e outros. Na Cidade Alta,
sobretudo, os serviços públicos e o comércio são os responsáveis
pelas modificações de aspecto do quadro. Em certos casos, os
novos edifícios são construídos especialmente para a brigar os
grandes magazines, ou casas de comércio de retalho. Mas a
•o procura cada vez maior de salas para alugar nas ruas centrais
a incitou construtores a fazer edificar, seja para alugar, seja para
<

·-
>
< vender separadamente, locais para comércio de luxo e salas para
o advogados, médicos, dentistas, empresas de construção etc.
o
~
a São sobretudo os bancos que contribuem para essa revolu-
<
a ção arquitetura!. Eles fazem surgir uma paisagem inteiramente
u
<
a nova na Cidade Baixa, ao lado, e mesmo em substituição, dos
o velhos sobrados, que pouco a pouco se deterioram.

~
z A importãncia da função bancária na vida urbana antes de se
~
u
a medir pelo volume de negócios que realiza, ou pelo número de guichês
que mantém nos diversos centros comerciais, pode ser constatada pelo
; próprio quadro que criou para servi-la, na Cidade Baixa.
Há ainda alguns anos, eram as grandes e velhas casas da rua
Conselheiro Dantas, artéria por onde passavam, então, todos os
veículos coletivos para Itapagipe, e os velhos sobrados das ruas
Portugal e Santos Dumont que abrigavam os bancos e as instituições
parabancárias. Vários conservam ainda essa antiga localização, seja
porque visam, agora, a uma próxima transferência, seja porque não
possuem fundos suficientes para enfrentar uma mudança. Todavia,
os mais ricos, com o aumento de suas atividades, fizeram construir
sedes próprias, imóveis dotados de instalações que há um tempo
facilitam os negócios, atraem os clientes e dão um testemunho de sua
força. Aproveitaram-se dos terrenos vazios resultantes dos aterros
do porto e aí puderam arranjar-se em grandes avenidas, onde são
inteiramente satisfeitas suas exigências de circulação livre. Não é
raro, igualmente, que os construtores de novos edifícios destinados .
a fins comerciais reservem, no andar térreo, grandes espaços desti-
nados a acolher sedes bancárias.
>
. Por outro lado, devemos reconhecer duas fases distintas ~
.;
nessa influência da função bancária sobre a evolução da paisagem •
~
.;
na Cidade Baixa. A própria arquitetura dos edifícios o acusa. ~

•>
Durante o primeiro período e com a utilização dos aterros então ~

recentes, vários imóveis foram construídos pelo Banco Econômi- ••


>
z
co da Bahia (1928), Banco do Brasil (1934), Instituto de Fomento >
o
Econômico da Bahia (1937), Companhia de Seguros Aliança da
Bahia (1937) e outros. O segundo período, que reflete a nova
·•
o

>

onda de desenvolvimento da cidade, corresponde aos últimos ••


anos. Os belos edifícios do Banco da Bahia, do Banco.do Comér- ·o

cio e Indústria de Minas Gerais, do Banco Irmãos Guimarães,


do Banco Sergipense, o novo imóvel da Companhia de Seguros
Aliança e outros, edificados segundo as mesmas influências,
ilustram esse f~to de modo bem significativo.
Há assim três gerações de edifícios bancários na Cidade
Baixa. Os mais antigos acolhem os bancos menores, que têm uma
irradiação urbana ou regional. Os mais importantes se alojam
em imóveis modernos ou de meia-idade. As construções mais
recentes pertencem a bancos poderosos, que ocupavam instala-
ções inadaptadas, ou a agências locais de riços bancos de outros
estados ou países. As construções de meia-idade abrigam bancos e
instituições para bancárias igualmente ricos e poderosos, mas que
foram os primeiros a abandonar os imóveis mais antigos, quando
da primeira fase de transformação do centro. Sua arquitetura é a
mais representativa da época em que foram construídos.
Afora o banco, as atividades para bancárias, como os
seguros, por exemplo, fazem surgir novas construções não
somente na Cidade Alta, mas principalmente na Cidade Baixa.
O grande comércio de exportação e importação, concentrado
nas proximidades do porto, também constrói seus imóveis onde
confortavelmente se aloja. Os serviços públicos fazem o mesmo.
Encontram-se" na Cidade Alta, em sua maior parte. Alguns,
entretanto, passam agora por um processo de migração: são
"o
o
< aqueles serviços que têm maior interesse em ficar perto do porto
>
"
<
~
e do centro de atividade financeira. Os grandes màgazines (Duas
o
o
Américas, Florensilva, Casa da Música etc.) fazem construir
•o seus prÓprios edifícios, ao longo das avenidas na Cidade Alta,
<
o mas também se constroem arranha-céus para abrigar lojas nos
u
<
o
andares térreos e serviços nos outros andares.
o A simples enumeração das atividades que são càpazes
"z
;-
de se criarem um quadro próprio revela que a Cidade Baixa,
•u
o onde elas se instalam, é a parte da cidade que sofreu as maiores
transformaçõés, em consequencia da construção de arranha-
céus. Estes colonizaram as áreas" livres resultantes dos aterros
do porto e formaram um grupo compacto, cada dia aumentado,
para substituir as velhas casas das ruas Miguel Calmon, Con-
selheiro Dantas e Portugal. Enquanto no distrito Conceição da
Praia, onde se encontra o centro bancário, a relação entre área
de piso e área coberta era de 15,9 em 1952, em São Pedro era
de 5,7, no Pilar era de 2,8 e em Brotas de 1,4. São Pedro é um
bairro metade residencial e metade comercial, so bre os eixos
da circulação, na Cidade Alta. Brotas é um bairro inteiramente
residencial. A grande diferença em favor da Conceição da Praia
deve-se- ao grande número dos edifícios em altura, os arranha-
céus que ultimamente foram construídos.
Na Cidade Alta, a administração pública e o comércio de
luxo são as atividades que podem transformar o velho quadro. As
atividades necessárias sobretudo à cidade e ao interior do Estado
refletem a sua pobreza e não dispõem de recursos comparáveis
àqueles que serviram à considerável e rápida modernização da
>
Cidade Baixa. Os novos edifícios são construídos dos dois lados "
.;
das ruas onde passam os veículos de transporte coletivo, quase "c.;
seguindo o antigo traçado. Somente próximo à rua Chile, que c

é o coração do centro da Cidade Alta, é que recentemente se


">
c
mostrou uma tendência a não guardar mais esse plano linear, e "•>
z
três pequenas ruas paralelas recebem agora um povoamento de >
o
arranha-céus (Ajuda, Ruy Barbosa e Padre Vieira). ,o
Mas, enquanto na Cidade Baixa as construções modernas se •>
agrupam, não só reduzindo como comprimindo contra a escarpa ""o
o núcleo das velhas casas, na Cidade Alta os novos edifícios cons- o
"z
tituem uma espécie de faixa que se desenvolve ao longo das vias de .;

circulação, ladeados, nas duas margens, por casas mais antigas. Isso ">
quer dizer que as ruas vizinhas guardam quase a mesma fisionomia.
É uma situação provisória, consequência da conquista mais ou
menos lenta que deverão sofrer cedo ou tarde. É por isso que nas
ruas comerciais do centro alto, arranha-céus são vizinhos de casas
de meia-idade. Os arranha-céus são, assim, o resultado da evolução
da cidade, da necessidade de concentrar sobre espaços relativamente
restritos o maior número possível de atividades; são construídos
visando também a obter, sobre um determinado espaço, a maior
renda. A construção em altura é necessária, em virtude dos preços
elevados atingidos pelos terrenos nos bairros centrais. É mesmo um
círculo vicioso, pois a concentração das atividades nos arranha-céus
conduz ao encarecimento dos terrenos. No ano de 1957, o Banco
do Brasil expôs à venda 394,45m' de terrenos de sua propriedade,
na Cidade Baixa, na esquina da avenida Estados Unidos com a rua
Argentina, pelo preço mínimo de 6 milhões de ~ruzeiros, isto é, 15
mil cruzeiros o metro quailrado. Os terrenos vizinhos, também
resultantes dos aterros do porto, foram vendidos pela companhia
cessionária das Docas da Bahia, em 1922, a 180 cruzeiros o metro
quadrado. Em 1941, o preço médio era de trezentos cruzeiros por
metro quadrado. Um particular, que a essa época adquiriu grandes
•o lotes, não os quer vender hoje senão ao preço mínimo de 15 mil
o cruzeiros o mZ, isto é, a um preço cinquenta vezes mais alto.
<
>
"< Esse aumento de pteços cria um certo otimismo entre os
"o
o
proprietários e anima todas as formas de especulação imobiliária,
·
o
<
o
contribuindo, desse modo, para agravar o problema da recupera-
ção dos velhos edifícios que se degradam ainda mais depressa.
Ü
<
o
o
..•z Os Armazéns e Trapiches do F.orto

u
o Assim como os arranha-céus, os depósitos construídos perto
do porto representam, também, atividades capazes de se criarem
~ um quadro próprio. Pertencem, na maior park dos casos, a em-
presas de importação e, sobretudo, de exportação e se chamam
trapiches. Mas, além dos armazéns do porto, há outros que
pertencem a empresas especializadas, como a Companhia dos
Armazéns Gerais, organizada pelo Instituto de Cacau da Bahia,
desde que o grosso da exportação de cacau passou a se fazer por
Ilhéus, não mais por intermédio de Salvador. São construções
especializadas, levantadas para servir à estocagem da grande
massa de mercadorias manipulada por um porto cuja capacida-
de de carga e descarga é sabidamente pequena. São construções
baixas, em sua quase totalidade, formando um único corpo de
construção; estão situadas junto ao cais, como os armazéns da
companhia concessionária do porto, que possuem um caráter
público, ou então entre o porto e a estação da estrada de ferro,
à Calçada, ao longo da avenida Jequitaia, onde se encontram os
trapiches das empresas particulares.

>
As Casas de "Meia-idade"
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c
.;
Entre as construções do centro de Salvador, afora os arra- c

nha-céus, os armazéns e os cortiços, há, entretanto, as edificações ">c


que apelidamos de casa de "meia-idade". Essas casas de meia- "•>
z
-idade representam uma primeira fase de expansão da cidade >
o
o
e do seu centro, de adaptação aos modos de vida modernos, e
de valorização dos terrenos do centro. Surgiram, em maioria,
·•
>

aproveitando as demolições que foram feitas para servir às no- ""o


vas necessidades do tráfego nas ruas de maior circulação, como ·
n
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Z
as rúas Chile, Misericórdia, Ajuda e avenida Sete de Setembro, .;

na Cidade Alta, e as ruas Portugal e Conselheiro Dantas, na ">


Cidade Baixa. Tais casas de meia-idade são, por outro lado, os •
primeiros edifícios construídos sobre os aterros do porto, de que
nós já falamos quando realçamos a influência do banco sobre a
transformação do quadro urbano .
.A construção dessas casas de meia -idade se fez segundo
objetivos determinados, pois representavam, então, as atividades
capazes de se criarem um quadro., As instalações, entretanto, es-
tavam adaptadas já às novas funções que a cidade via se criarem.
É o que explica a sua resistência, maior que a das velhas casas,
à degradação e à demolição, frente à vaga de construções de ar-
ranha-céus, ao lado dos quais subsistem nas ruas anteriormente
mencionadas. Na rua Chile, por exemplo, apenas 7 entre as 24
casas que a constituem são de construção mais recente. As demais
são de meia-idade. Tal fato revela, entretanto, um processo de subs-
tituição que está em marcha. Tais construções só são demolidas por
uma questão de mais-valia, quando, em consequência da procura
de locais, os terrenos sobre os quais se encontram atingem um
valor tão elevado que é preferível construir novos edifícios, ainda
mais altos, no lugar ocupado por casas de apenas 20 a 30 anos.
O preço dos terrenos nas ruas vizinhas, constituídas por quar-
teirões insalubres e degradados, não é sensivelmente mais baixo;
"oo
< então é preferível construir ao longo das ruas onde há garantias
>
"< de se obter um melhor preço de venda ou de aluguel por metro
o quadrado de construção. É o que explica que uma tal substituição
o
•o se dê nas artérias comerciais onde se exercem atividades capazes
<
o da criação de um quadro, como nas ruas, Chile, na Cidade Alta,
u
<
o e Conselheiro Dantas, na Cidade Baixa.
o Na rua Chile, por exemplo, onde arranha-céus muito mo-
";-z
dernos são vizinhos de casas de meia-idade, há quatro bijuterias,
•u
o cinco casas de modas femininas, sete de artigos para homens, sete
lojas de variedades, três de material fotográfico, três de discos,
o
'"
H
três bombonerias, três casas de artigos de turismo (lembranças
da Bahia), quatro lojas de artigos para crianças, um grande
magazine de tecidos e quatro magazines com múltiplas seções.
Além disso, há ainda quatro hotéis, cinco bancos, duas sorve-
terias, três institutos de beleza, duas livrarias, três agências de
companhias de aviação, uma agência de turismo e dois salões de
chá. Os médicos são 71; os dentistas 33; 39 os advogados; 14 os
agentes de comércio; nove as empresas de construção e apenas
uma casa de exportação de pedras preciosas.
Todas essas atividades, conforme vimos, são capazes de
provocar a construção de novos edifícios ou a readaptação de an-
tigos: são todas capazes de pagar altos aluguéis. Os consultórios
médicos e de dentistas, e os escritórios de advogados são alugados
a cerca de 200 cruzeiros o metro quadrado. O mesmo espaço,
no andar térreo, vale um preço vinte vezes mais elevado.

Os Cortiços
>
,m
As atividades que não têm força para se criarem um qua- •"'c
dro alojam-se em um quadro pré-existente. Assim, os palace"tes "'c
•>
e sobradões envelhecidos, que perderam seu antigo" papel" de c
residência dos nobres e da gente rica, conhecem" agora outras •o
>
Z
utilizações. Alguns servem exclusivamente à residência pobre. >
o
Outras abrigam, no andar térreo, um comércio de transição ou ,o
artesanato e, nos outros andares, servem como residência pobre, •>
nas ruas contíguas ao centro comercial, onde se beneficiam da ••
,o
paisagem dos transportes coletivos. Alguns outros têm apenas
uma utilização residencial. É o caso das ruas mais próximas do
horst e das ruas da Preguiça, na Cidade Baixa, áreas ainda não
atingidas pela expansão dos arranha-céus. Na Cidade Âlta, é o
caso da maior parte dos distritos da Sé e do Passo. "
Os cortiços são o resultado da degradação progressiva des-
ses velhos casarões esobrados, construídos no centro da cidade
quando essa era parte residencial rica.
Um belo exemplo de palacete, reduzido hoje à condição
de cortiço, é a chamada Casa das Sete Mortes, o n. 24 da rua
Ribeiro dos Santos, bem perto do centro de atividades da cidade.
É uma casa que possui uma longa história, misturada a lendas,
e da qual se conhecem múltiplas versões, a propósito das mor-
tes que as suas grossas paredes teriam presenciado. É daí que
lhe vem esse nome, conquanto as mortes tivessem sido apenas
quatro, segundo os depoimentos da época ... Em 1795, o juiz do
Tribunal desejou punir os assassinos.
A construção dessa casa data do século XVIII. Ela foi residên·
cia de gente rica, com um andar térreo e dois andares, uma fachada
coberta de azulejos azuis; as paredes do corredor eram igualmente
cobertas de azulejos de faiança. No andar térreo moravam os ser-
vidores e escravos. Em cima, era a residência dos senhores, com
belos salões bem mobiliados e quartos bem grandes.
Hoje, entretanto, ela é uma casa de ~ômodos.Seu valor
"oo
< locativo é de apenas 50 mil cruzeiros (segundo o lançamento da
>
"< Prefeitura) e o aluguel de 350 cruzeiros. Já em 1940, a degradação
"
o caminhava depressa. O andar térreo abrigava uma marcenaria e
Q
~
o a residência do marceneiro. O primeiro andar era dividido em
<
o dezoito peças, das quais onze eram utilizadas como dormitórios.
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<
o Os moradores eram quarenta, isto é, uma média de mais ou menos
o quatro por dormitório. Havia apenas dois sanitários e um rádio.
"z
;-

•u Em 1957, a situação mudava muito pouco. No andar térreo,


o encontrava-se ainda a marcenaria e a moradia do marceneiro e
sua família. Mas, no primeiro andar, já havia quatorze dormitó-
N
'e rios, onde se apertavam sessenta pessoas, isto é, cerca de 4,5 por
dormitório. O aluguel era de 55 a 70 cruzeiros por sublocatário,
enquanto o locatário pagava ao proprietário os mesmos 350
cruzeiros. É bem verdade que, de alguns anos para cá, os aluguéis
não podem ser aumentados (Lei do Inquilinato). Mas, de qual-
quer maneira, tais cifras são bem significativas. São elas a melhor
explicação para o abandono em que se encontra o edifício, sem o '
menor sinal de higiene, sujo por fora e por dentro.
A degradação se estendeu tanto na Cidade Alta como na Cidade
Baixa. Atingiu toda a área dos velhos sobrados e das redondezas.
As razões que encontramos para explicar esse fenômeno;
são principalmente as seguintes:
1. A vida familiar organizou-se diferentemente, excluindo a pos-
sibilidade de manter numerosos domésticos, como antigamente.
2. Esse fato, ao lado das possibilidades entreabertas pela intro-
dução dos novos meios de transporte, levou as pessoas de maiores
posses a se mudarem para os bairros exteriores, longe do centro,
>
onde se construíam novas casas, adaptadas às novas necessidades.
3. Como aqueles edifícios perderam seu antigo papel e não é
possível alojar neles apenas uma família de classe média, começa-
se a utilizá-los de um outro modo; aí vão ser encontradas pessoas
pobres, um péqueno comércio, artesanato e prostituição.
4. Como essa forma de ocupação dos imóveis é, de maneira
quase geral, de rentabilidade fraca para os proprietários, estes não
o
veem qualquer vantagem em cuidá-los. Não realizam trabalhos >

de reconstrução, nem mesmo de reparação, e as casas se tornam ••o


cada vez mais sórdidas. Em 1956, por exemplo, 350 reconstru-
ções foram permitidas pela Prefeitura, na Cidade do Salvador. ·•
o
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>
Apenas duas foram feitas na Conceição da Praia, duas na Sé, dez ,
no Pilar e nenhuma no Passo. Em 1954, três na Sé;quatro no
Pilar, e nenhuma no Passo ou na Conceição da Praia. Em 1953, "o
w
para um total de 114 em toda a cidade, a Sé contribuiu Com dois,
o Pilar coin três, o Passo'com uma, e a Conceição da Praia com
nenhuma. No período 1949-50, houve apenas uma reconstrução
na Conceição da Praia e uma no Passo. Os números relativos ao
Pilar são relativamente mais reveladores, mas mostram apenas·
que esse bairro foi colonizado pelo comércio, especialmente pelas
sedes de em presas rodoviárias e seus depósitos.

Como vimos, as causas de degradação nesse tipo de paisa-


gem são mais ou menos comuns aos bairros centrais de Salvador.
Entretanto, tais causas se particularizam na Cidade Alta pelas
razões seguintes:
1. A incapacidade do centro, isto é, das atividades que ele
abriga, de assimilar as áreas degradadas, acarretando o apare-
cimento de construções novas, não somente porque os novos
edifícios surgiram para substituir os que foram demolidos para
alargar as ruas principais, como porque as atividades que se
realizam nessa parte do centro comercial não tiveram bastante
força para se criarem um quadro.
"o
Q
< 2. A expansão desse centro comercial para o sul, na direção
>
"< dos bairros da classe rica e da classe média, seguindo as linhas de
"
o cumeada e dos transportes. Por causa disso as casas construídas
Q


Q aí, algumas das quais de meia-idade, foram substituídas por ou-
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Q
tras mais modernas. Essa operação é muito mais rentável para
Ü
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o os construtores que têm mais em vista edificar nas ruas vizinhas
o que demolir os velhos palacetes e sobrados em ruínas .
'z""
• 3. As interdições legais, criadas para proteger a paisagem e
u
o assegurar uma boa perspectiva aos monumentos, de modo a preser-
var a fisionomia histórica dessa parte da cidade. Em certas ruas da
.; cidade velha, mais exatamente entre a praça da Sé e o convento do
Foto 21. Rua Chile, na Cidade Alta. Notar como se misturam edifícios de várias idades.
É a principal artéria do comércio varejista de luxo.

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Foto 22. A Cidade Velha ">
e o novo. povoamento de
arranha-céus. Aspecto do
centro da Cidade Alta no
viaduto da Sé.
Foto 23. Uma vista do Pelourinho.

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j5 Foro 24. Outra vista do Pelourinho, vendo-se ao fundo a ladeira do Carmo.


~
Carmo, é proibido construir casas com mais que um certo número de
andares. Essa restrição desencoraja os empresários, que encontram
assim mais uma boa razão para investir em outra parte, mesmo se
o terreno ou os trabalhos de demolição se tornam mais caros; eles
podem construir aí imóveis de vários andares e essa operação é
muito mais rentável. É o que explica melhor a expansão do centro
comercial para o sul. A defesa do sítio exerce, assim, um papel de
verdadeira barreira à expansão dos novos imóveis para o norte.
Na Cidade Baixa, outras causas mais particulares juntam-se
àquelas causas gerais que explicam o fenômeno na Cidade Alta:
. 1. O aterro resultante da expansão do porto teve como. re-
sultado uma vasta superfície a ocupar. Era mais cômodo construir
diretamente sobre o vazio que ir demolir velhas casas. Além de um
preço de venda aproximadamente igual, há a vantagem da existência
de ruas mais largas e de uma circulação mais fácil. Tal vantagem
contribuiu para que a degradação dos velhos prédios continuasse.
>
2. foi talo abandono dos velhos sobrados da Preguiça e
das redondezas, agora inutilizáveis, mesmo para a moradia de ·•
o
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pessoas muito pobres, que eles se arruinaram completamente; c
•>
atingiram o último grau de degradação e são ocupàdos hoje com c
depósitos de material de construção. Em consequência da fuga da ••
>
z
população, os serviços e artesanatos também desertaram. É bem >
o
possível que, mais tarde, em consequência da evolução própria
a essa área, as atividades capazes de se criarem um quadro vão
·•
o

>

preferir esses terrenos" de reserva" , onde muitas casas já caíram,


••
em detrimento de outras áreas onde ainda existe uma população ·"
o
o

z
residual, junto ao pequeno comércio e ao artesanato. -<
•>
As tendências da evolução urbana entre 1920 e 1940, já
examinadas por nós, mostrando uma predominância bem viva das
funçôes de relação e quase uma paralisia do centro de atividades
destinado a servir ao.interior do organismo urbano, favoreceram
a degradação de modo muito sensível. Durante esse período, o
centro alto parece haver perdido dinamismo. A degradação foi
largamente favorecida, seja porque os fatores de mudança estavam
estacionários, seja porque estiveram ausentes. Mas esse fenômeno
foi acompanhado de um elemento de contradição, de verdadeira
oposição, representado, até 1940, pela inexistência de centros
secundários nos bairros. Esse fato acarretou uma certa expansão
do centro principal, certamente maior do que se as necessidades da
população pudessem ter sido satisfeitas em centros secundários.
Uma das características mais notáveis desse bairro central
de Salvador é o contraste entre preços elevados dos terrenos e os
aluguéis reduzidos. Esse contraste é tanto mais claro quanto o
bairro em ruínas se encontra a menos de cinco minutos do centro
comercial, onde o alto preço de venda dos terrenos corresponde
ao alto valor locativo dos edifícios. Na rua Juliano Moreira, por
exemplo, ainda se encontram aluguéis de 320 cruzeiros mensais
para uma casa de duas peças, de 170 cruzeiros por três peças e até
de 32 cruzeiros por um quarto não mobiliado (tais preços variam
"oo
< de acordo com o tempo de aluguel). No Pelourinho (praça José
>
"
<
~
de Alencar), um alfaiate estabelecido há trinta anos paga apenas
o
o
127 cruzeiros mensais pelo aluguel de sua loja. Outros artesãos,
o• recentemente instalados, pagam respectivamente 140,200,238,
<
o 300, 355 e 600 cruzeiros pelos lugares em que trabalham. Um
Ü
<
o
pequeno armazém paga 800 cruzeiros de aluguel, que é de 1.100
o cruzeiros para uma tipografia instalada há muito tempo e que
z
"
>-
ocupa todo o andar térreo de uma casa.
"u Entretanto, na rua Chile, pertinho, uma sala de 30m2 rende
o
entre 3 e 5 mil cruzeiros ao proprietário e a mesma área, no andar
térreo, entre 20 e 30 mil. Esse contraste chocante é o resultado do
conjunto das causas estudadas acima. É, ao mesmo tempo, a razão
por que os proprietários abandonam suas casas; a renda que eles
obtêm não estimula a fazer trabalhos de reconstrução ou mesmo
simples reparações. Não é por outra razão que esse bairro conhece
o maior número de incêndios em toda a cidade. Dos 854 incêndios
registrados em Salvador entre 1943 e 1952, mais da metade, isto é,
453, deu-se nos bairros centrais da Sé e da Conceição da Praia, onde
se acrescentam a presença de casas velhas e uma atividade comercial
intensa. No distrito do Passo, que é completamente deteriorado, mas
quase completamente residencial, o número dos incêndios subiu a
28 nestes dez últimos anos. Entretanto, os distritos da Conceição
da Praia e da Sé tinham, em 1950, mais ou menos 25% do total
das casas, isto é, 2.479 sobre um total de 94.020.
A relação entre os tipos de casa e as funções presentes nessa
parte degradada dos bairros centrais cria fenõmenos como este:
um prédio foi construído na rua Silva Jardim, para substituir uma
>
velha casa de ruínas. Tem quatro andares e foi edificado há dez
.;
anos, com o objetivo de servir à instalação de lojas, no andar tér- ".;c
reo, e de escritórios nos outros andares. No entanto, ao fim de dez c
">
anos, apenas uma pequena parte das salas se encontra ocupada. c
No Pelourinho, uma velha casa, totalmente reparada no ">o
Z
interior, teve os quartos redivididos depois, do mesmo modo que >
o
nas casas vizinhas, que se encontram em um estado lamentável. o

Essa relação entre os aspectos formais da paisagem e os •>


do seu conteúdo é dotada de uma força de permanência que "o
"
contribui para conservar não apenas os aspectos miseráveis do n
o
Z
quadro, mas também as suas características funcionais. .;

A ruptura desse equilíbrio deve-se à expansão das ativi- ">


dades capazes de se criarem um quadro próprio, mas ela se fez
exclusivamente pelos bordos, como uma espécie de expansão
pioneira, que deixa intacto o nódulo da zona. Esse front avança
por etapas. O comércio fortemente estabelecido tem tendência
a crescer e a substituir o comércio de transição, mal definido,
que se instala nas margens. Este como que monta sobre as áreas
residenciais vizinhas e as desorganiza.
Estamos bem colocados para compreender e julgar esse pro-
cesso na avenida Joana Angélica, cujo pedaço inicial formado, há
apenas dez anos, de residências ricas é colonizado por pensões;
as casas são divididas em quartos alugados a estudantes pobres,
pequenos empregados etc. Isso significa que elas se degradam.
É a consequência da expansão do comércio. Entretanto, é justo
admitir que, daqui a algum tempo (não podemos fixar um prazo,
pois, entre outros fatores, não conhecemos a variável que é o ritmo
de evolução da economia urbana), quando as atividades forem
capazes de se criarem um quadro, esse bairro será colonizado por
arranha-céus, expulsando, ao mesmo tempo, as atividades menos
importantes para a periferia, isto é, deslocando o front pioneiro.
Tal evolução encontra obstáculos, entretanto, na área onde é
"o proibido construir fora de certas regras, pelas razões já estudadas. Isso
o
< provocará a tendência à conservação do mesmo estado de coisas, se não
>
" houver intervenção direta do poder público. É o caso do Pelourinho.
o
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o EXEMPLOS DE RUAS
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o Pelourinho
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o O Pelourinho é uma ladeira-praça, de forma irregular, ro-
deada de edifícios dos séculos XVIII e XIX, grandes casas nobres
de dois e de três andares, que serviram de residências a famílias
ricas, mas que hoje caíram em ruínas. O interesse do estudo des-
sa praça reside no fato de que ela se situa no coração mesmo da
área resguardada pelos regulamentos que asseguram proteção aos
monumentos históricos da cidade. Assim, ela representa, a um só
tempo, um exemplo da influência dos fatores jurídicos sobre os
fatos de estrutura urbana e um exemplo de degradação.
O andar térreo de todos esses edifícios é ocupado por comér-
cios e artesanatos. Aí se encontram oficinas de vulcanização, baza-
res, alfaiates, joalheiros, casas que compram e vendem ferro-velho,
consertadores de coisas várias, armazéns, armarinhos, restaurantes
baratos, sapateiros, padarias, tipografias, fotografias, barbeiros de
terceira classe, açougues, uma pequena fábrica de sabão etc.
Nos andares mora uma população heterogênea que vive em
condições mais do que precárias.
O aluguel é baixo, de um modo geral, oscilando entre um
mínimo de 250 e um máximo de 5.330 cruzeiros. Este último
>
preço é, porém, excepcional. O aluguel varia em média de 400 ,"
.;
a 800 cruzeiros. As casas de cômodo, cujos locatários são sobre- "c
.;
tudo casais sem filhos ou celibatários, são numerosas. c
"
>
É frequente ver vários rapazes ou moças morando num mes- c
mo quarto. Casas que outrora abrigavam apenas uma família, "•>
z
com seus escravos ou domésticos, sofreram um processo de sub- >
o
divisão cada vez mais avançado; salas e quartos demasiadamente o

pequenos, verdadeiras células, estão separados por paredes de •>


madeira. Nesses cubículos não há luz, nem ar e inexiste higiene. A "
,"o
vida nesses cortiços é um verdadeiro inferno e as diversas famílias n
"z
que ocupam um mesmo andar se veem obrigadas a servirem-se .;

de um único banheiro e de uma só latrina. Escadas estragadas, "


>

soalhos furados, paredes sujas, tetos com goteiras formam um


quadro comum a toda essa zona de degradação.
Em 1940, havia 32 edifícios, contendo 179 dormitórios;
569 pessoas residiam aí, quer dizer, uma média de 3,2 por
dormitório. Em 1950, a população era de 708 pessoas, o que
tornava ainda mais graves as lamentáveis condições de vida. O
Pelourinho, como o restante dessa zona de transição, é preferi-
do pelas pessoas que não podem pagar altos aluguéis ou gastar
muito em transportes. É também um dos setores urbanos pro-
curados pelas pessoas tangidas do interior pelo êxodo. A maior
parte das famílias que moram nesse logradouro, isto é, 60%,
não são originárias da cidade, e alojam-se de qualquer maneira
no centro da cidade. São numerosos os que não dispõem de um
trabalho permanente. Entre os ofícios mais frequentes, encon-
tramos sobretudo os seguintes: bicheiro, encanador, lavadeira,
cozinheiro, bombeiro, pequeno funcionário, p~rteiro, engraxate,
encerador, viajante comercial, tipógrafo, empregado doméstico,
vendedor ambulante, chofer, condutor de ônibus, camelô etc.
Em suma, são pequenos empregados ou pessoas sem uma ocu-
pação permanente ou bem definida. Seu local de trabalho era,
de preferência, no centro da cidade. Em 26 das 28 casas em que
fizemos tal indagação, a resposta foi afirmativa.
Uma fotografia bem nítida do conteúdo e dás condiçôes
sociais em que vivem os moradores dessa praça nos foi dada por
uma enquete realizada junto aos alunos de uma escola primária
pública aí localizada. As respostas foram dadas pelos próprios
alunos, se bem que guiados pelas professoras. Os resultados dessa
pesquisa não são exagerados, mas, ao contrário, devem estar
atenuados, pelo fato de que os meninos são, de um modo geral,
pouco numerosos nos bairros centrais e desde muito cedo são
obrigados a trabalhar, em vista das condições sociais e econô-
micas dos seus pais. Por isso, muitos não podem ir à escola. Os
dados que obtivemos possivelmente estarão ainda muito aquém
da realidade, que é bem mais dura.
As profissões confessadas para os pais e os adultos são bem
representativas das condições sociais universalmente reconheci-
das nas áreas de slums. Numerosos são os que não dispunham de
urÍ1a ocupação fixa ou definida: representam um terço do total.
Mais ou menos 20% dos pais não tinham trabalho, 25% procu-
ravam um novo emprego ou desejavam mudar de ocupação. A
percentagem das mulheres trabalhando fora do lar era de 28%.
Por outro lado, 27% executavam mesmo em casa um trabalho
lucrativo, remunerado, graças ao qual ajudavam a equilibrar o
orçamento doméstico; 45% das mulheres de maior idade não
tinham outro emprego senão o de domésticas, percentagem
elevada em relação à cidade tomada em conjunto, onde apenas
25% da população feminina, inclusive as domésticas, contavam
com um trabalho remunerado, em 1950.
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As condições de vida eram miseráveis: 67% dos que responde-
ram à nossa enquete dormiam com três pessoas ou mais no mesmo
quarto. Destes, 8% dormiam com mais cinco pessoas; 25% com mais
quatro; 25% com mais três; 22% com duas pessoas, 11 % com uma
pessoa e apenas 3 % dormiam sozinhos num quarto. Havia também
casos extremos, entretanto mais raros, como o de crianças cujo quarto
servia de dormitório a seis, sete e mesmo oito pessoas.
Entre esses, 18% não dormiam em camas, 45% afirmaram
que sua família se utilizava de latrinas comuns a outras famílias.
Apenas 55%, portanto, dispunham de aparelhos sanitários pes-
soais, mesmo assim em mau estado, salvo exceções.
Indagados se desejavam mudar de residência, 70% dos me-
ninos (dos quais 55% não vão ao cinema uma vez por semana)
responderam afirmativamente. Uma espécie de evasão psicoló-
gica caracterizou 60% das respostas, dando como bairros de
preferência aqueles da classe rica.
Em 10% 80S lares recenseados, não havia eletricidade e
apenas 4 % dispunham de telefone; este último índice não tem
grande significação, em virtude da crise de telefones generalizada
em toda a cidade; ·30% não possuíam rádio.
Uma outra constatação fornecida por essa pesquisa é a da
o origem rural de uma boa parte (35%) dos moradores desse bairro
Q


Q leproso. Entre estes, 45% não tiveram outra residência em Salva-
<
Q

U
dor senão essa onde hoje se encontram, isto é, o bairro dos cortiços.
<
Q
Atraídos pela miragem da grande cidade tentacular, vieram morar
Q
nos velhos casarões da Sé e do Passo, bem co'mo nos da Cidade
"z
;.

• Baixa, desde que chegaram do interior. Foram provavelmente atraÍ-


u
o dos pela presença de outros naturais da mesma região, chamados
por uma espécie de simpatia, característica aliás da distribuição
espacial dos habitantes nos centros metropolitanos.
Aqueles que já moravam na cidade, e depois se mudaram para
os bairros em ruínas, residiam antes em bairros igualmente pobres.
Se, em casos isolados, algumas pessoas vieram de bairros ricos ou de
classe média, isso se deve ao fato, já mencionado, de que, em Salvador;
a repartição social dos bairros ainda não é total, estando os bairros
mais ricos misturados com habitações operárias da pior espécie.

A Baixa dos.Sapateiros

A rua Or. J. J. Seabra, mais conhecida como a Baixa dos Sa-


pateiros, é uma seção de um vale tortuoso e superimposto sobre
uma provável fratura (Keller e Oomingues, 1956) que bordeja as
colinas; diversas ladeiras conduzem, de um lado, à primeira linha
de cumeadas que forma o rebordo do horst, bem em frente à baía,
sítio escolhido para receber as primeiras casas da cidade de Tomé
de Sousa. De outro lado, aS ladeiras levam à segunda linha de coli-
>
nas, grosseiramente paralelas à primeira e que recebeu a expansão
do povoamento urbano durante o século XVII. A praça Cairu, ·""
-<
c
-<
pertinho do portO, fica na cota de 4,5 m, o belvedere da praça c
•>
da Sé, na cota de 66,3 m, a praça Sátiro Dias, na avenida Joana c
Angélica, na cota de 64 m e a Baixinha, sobre a rua Or. Seabra,
•o
>
z,
na de 37m. É a cidade média, na designação de Aroldo Azevedo >
O'
o
(1952), por oposição à Cidade Alta e à Cidade Baixa.
Zona de concentração de drenagem, é isso o que explica as
·•
>

'suas sucessivas utilizações:


••
o
1. Defesa da cidade contra ataques eventuais do interior, nos ·
o
m
Z
primeiros séculos (XVI e XVII) quando toda a cidade se limitava -<
•>
à primeira linha de colinas, rodeada de muros: era o fosso.
2. Esgoto de águas usadas, como o atesta o nome que recebeu
depois o riacho que corre nesse vale: o rio das Tripas. Servia para
escoar, com auxílio da corrente, os restos do gado que era abatido
mais em cima, no antigo matadouro do bairro de São Bento.
3. A denominação de "rua das Hortas", dada ao seu trecho
inicial, é por si mesma eloqüente: era aí que a cidade em grande
parte se abastecia de frutas e legumes. Essa função, presente
sobre quase roda a extensão da rua durante vários séculos, há
somente dez anos que desapareceu completamente.
4. O sítio, periodicamente inundável, mesmo depois do
desaparecimento das preocupações de defesa, continua a impedir
uma utilização residencial, até que os trabalhos de drenagem
fossem realizados. Daí o nome que teve a rua, a partir dessas
obras: rua da Vala.
5. Esses trabalhos foram feitos na primeira metade do século
XIX, quando estancou a onda de construções de casas nobres - os
confoná veis e Iuxuosos palacetes das colinas vizinhas - que h oje são
miseráveis coniços. As casas construídas na Baixa dos Sapateiros são
modestas e pobres, térreas geralmente, raramente com um andar,

Foto 25. Ainda na zona de transição, à rua das Portas do Carmo,


Nota-se muito bem o comércio típico dessas áreas.
Foto 26. Rua do Maciel de Cima,
em plena zona de degradação
soci,al, na Cidade Alta.

•>
••
o
n
m
Z
.;
Foto 27. A rua do Maciel de Bai- •>
xo, bem característica da zona de
deterioração. Promiscuidade entre
homens, bichos e coisas na rua e
no interior das casas,
moradia de artesãos, principalmente sapateiros, que terminaram
por transferir à rua o nome que ela possui atualmente.
6. No entanto, essa artéria foi rebatizada como rua Dr. J. J.
Seabra, em homenagem ao governador do Estado que ordenou
a realização das obras criadoras de seu traçado atual. Tais obras
correspondem às novas funções da rua desde o começo do século
xx. O aumento da população da cidade, a expansão urbana
e a criação de bairros pobres e de classe média em direção ao
norte, a utilização do vale para a instalação de linhas de bondes
que vão servir aos novos bairros, e depois a superposição das
linhas de ônibus, são os fatores da transformação do aspecto e
das funções da Baixa dos Sapateiros. Eles fortaleceram, desse
modo, o papel comercial desempenhado pela rua desde os últimos
anos do século XIX. Ela se transformou pouco a pouco em rua
comercial, transformação que agora se termina.
O passado, o tempo em que a rua inundável era concomitan-
temente limite natural e ZOna de passagem, pesa indevidamente
sobre o presente; as subdivisões administrativas são as mesmas
que eram há três séculos. A rua ainda é a fronteira administra-
"o
Q
< tiva entre os distritos de São Pedro, Sé, Santana, Passo, Nazaré
>
"< e mesmo Santo Antõnio, em sua extremidade norte. Tudo isso
o dificulta as pesquisas e nos parece prejudicial à·administração sob
o
"<o o plano da prática. Entretanto, as sucessivas reformas e remode-
Q

Ü
lações da divisão administrativa municipal têm preservado essa
Q
< anomalia, tributo que a cidade paga inutilmente à sua história.
o Na verdade, a sucessão de funções que foi chamada a realizar,
."z a rua Dr. Seabra deve aos diferentes modos como se pôde utilizar
"u
o o seu sítio. Acompanhando a evolução da cidade e das técnicas,
o sítio tem tido diferentes utilizações, o que lhe atribui situações
::: diferentes em relação à cidade, tomada como um conjunto.
A Baixa dos Sapateiros é quase inteiramente formada de
casas térreas que ainda hoje refletem a condição social dos seus
primeiros moradores. Há, entretanto, duas exceções: uns poucos
pequenos sobrados com um andar e mesmo com dois andares,
principalmente na Baixinha e na rua Eduardo Carigé (antiga rua
das Flores) e mais recentemente os primeiros prédios em cimento
armado. Estes ainda não são meia dúzia, nenhum tem mais de
quatro andares, nenhum possui elevador.
A maioria das casas são de parede-meia. Como originaria-
mente eram casas de moradia, isso lhes ditava o aspecto exterior,
mas seu plano se modificou, pouco a pouco, à proporção que
a rua se deixava conquistar pelo comércio. Este a, moderniza.
Há quinze anos, por exemplo, era frequente ver enrolar e de-
senrolar toldos de madeira sobre os passeios, de acordo.com as
diferentes horas do dia. Hoje, entretanto, o número de marquises
em cimento armado é enorme. Fazem-se novas transformações,
>
aparecem vitrines modernas e anúncios em luz florescente e gás
neon, para adaptar o quadro às exigências da clientela. ·"
m
-<
c
-<
A principal atividade dessa rua é o comércio. É um comér- c

cio varejista pobre. No começo do século resumia-se ao trech<;> ">c


denominado Baixinha, hoje rua Padre Agostinho Gomes. A de- "•>
z
nominação Baixa dos Sapateiros, originariamente dada somente >
o
o
a esse trecho, estendeu-se a toda a rua Dr. Seabra, à proporção
que o comércio também avançava. O início das atividades comer-
·•
>

ciais nesse bairro (a Baixinha) deve-se à expansão do comércio ""o


da Cidade Baixa, acompanhando a linha de mais fraca resistên- ·
o
m
Z
cia, representada pela rua Silva Jardim; onde o declive é mais -<

suave que nas demais artérias ligando a Cidade Baixa à Cidade ">
Alta. Essa rua desde muito tempo é utilizada diariamente pelos
operários e empregados que, morando nos bairros do Norte da
cidade, trabalham no porto ou na Cidade Baixa. Em seguida, o
comércio se expandiu até a extremidade da rua Dr. Seabra. Há
cinquenta anos ele se estendia somente até a rua Cônego Lobo
(Ladeira da Saúde); há vinte anos, até o largo de São Miguel e
a rua Marquês de Montalvão. Há apenas dez anos, "colonizou
a rua 28 de Setembro e fez junção com o antigo comércio de
alimentação da praça dos Veteranos. Mais recentemente ele ultra-
passou esta praça, ocupou o trecho que vai até a rua Rocha Pitta
e desbordou sobre a rua Aristides Milton. Assim ele se prolonga
até se encontrar" com a avenida Sete de Setembro e a praça Castro
Alves. Mas os prolongamentos recentes não têm ainda um cará-
ter definido, como no resto da rua. Constituem uma espécie de
comércio de transição (pequeno comércio, artesanato), uma sorte
de {ront pioneiro do comércio, com tendência a se estabilizar. É o
mesmo tipo de comércio que se prolonga pelas ruas transversais,
ruas Conselheiro Junqueira e da Independência, que gozam da
vantagem de serem utilizadas como passagem dos ônibus que a
complicação do tráfego afastou da Baixa dos Sapateiros. Estas
últimas ruas recebem o comércio de transição expulso de certas
"o
o
< ruas do bairro" da Sé, à proporção que eles ali são substituídos
>
"< por atividades mais rendosas e duráveis.
o Pondo à parte esse comércio de transição que coloniza as eX-
o
"o tremidades e ruas transversais, a maior parte do comércio da rua é
<
o constituído por um comércio pobre, de segunda necessidade. Não
Ü
<
o há joalherias, casas de discos, salões de chá, os cafés são em número
o " reduzido.Também não há escritórios de advogados; os médicos e
"
>-
z
•u os dentistas são raros. Não há empresas mobiliárias, nem agências
o de turismo. Enfim, não há grandes magazines, mas apenas lojas,
algumas de importância, mas a maior parte pequenas e médias.
~ São mais ou menos especializadas, mas geralmente se adaptam ao
COMÉRCIO DA "BAIXA DOS SAPATEIR.OS"
(E~e"'EMA II/NE4H)

_ - COMÉRc.IO GSTABEl.E CIDO ~ - PE.eue~ç 'NDÚSTR.IAS e AR.l"ESA.t


I,.EGENDA: )( X)( - RES.OÊNCIAS ~ -COI1É'RCtons 'TP4OSIÇ'~O& ~ - c!OMÉn.C'IO DE
A~NATO AI.IMENTOS
quadro pré-existente, modificando-o na medida de suas necessidades
~ .
e possibilidades. É um comércio pobre, ligado de forma absoluta às
precisões de sua clientela. Isso não quer dizer que muitas pessoas dos
bairros mais favorecidos também não a procurem para fazer com-
pras, imaginando que a ausência de luxo permitirá encontrar preços
menos elevados que na rua Chile ou na avenida Sete de Setembro.
É preciso notar, ainda, a presença de um mercado ao ar livre,
em um grande terreno vazio, perto da praça do largo de São Mi-
guel. Serve ao abastecimento diário da população das casas arrui-
nadas das redondezas. O comércio de rua é igualmente animado,
representado por camelôs, por mulheres que vendem comidas nas
esquinas, pelos meninos que oferecem cigarros a retalho etc.
Em 1950, havia 250 lojas e 414 serviços. Em 1957, esse
número era muito maior, cerca de 400 lojas e 200 serviços, apro-
ximadamente. Tal acréscimo, que provocou a expansão espacial de
que já falamos, reflete, de um lado, o crescimento demográfico da
cidade e, de outro, revela úma certa elevação dos padrões de vida
da população. Observa-se este último fato com a recente instala-
"o ção de lojas que vendem artigos domésticos, inclusive geladeiras
o e os fogões a gás; de utilização agora tão frequente, e de salões de
<
>
"< beleza que ocupam geralmente os primeiros e segundos andares.
"
o Casas de comércio, lojas de uma certa categoria costumam
o
w
o agrupar-se. É o caso, por exemplo, do comércio de móveis que
<
o
Ü
se localiza, salvo duas casas, entre o largo de São Miguel e a
<
o
rua Marquês de Montalvão, de ambos os lados. O comércio
o. de tecidos, bem como o de calçados, aperta-se entre o largo de
"z>- São Miguel e a Baixinha .. São os mais numerosos. A Baixinha e
w
u
o suas redondezas constituem uma zona de concentração de um
importante comércio de alimentação, que serve à população
.,
ri
H
dos bairros do centro da cidade e aproveita a passagem diária
de milhares de pessoas que vêm da Cidade Baixa procurar, na
rua Dr. Seabra, um meio de transporte para os bairros de classe
média ou pobre onde moram.
Estes preferem fazer suas compras na cidade, no centro,
para economizar assim alguns cruzeiros. Nesse mesmo bairro,
encontramos também vários restaurantes "frege-moscas" que
servem refeições ligeiras de meio-dia aos operários.
A Baixa dos Sapateiros não é uma artéria bancária. Afora
a agência da Caixa Econômica Federal, de antiga implantação
e cuja atividade não está diretamente ligada ao comércio, havia
apenas um guichê de banco até 1955. Foi fechado em consequên-
cia da falência da matriz no Rio de Janeiro. Em 1957, entretanto,
dois guichês foram abertos, ambos ligados a estabelecimentos
mais importantes da Cidade Baixa.
Em relação com os progressos observados, seja na rua Chi-
le e redondezas (um guichê em 1940, sete em 1957), rua onde
>
até mesmo o Palácio do Governo cedeu algumas dependências m
,
para a instalação de uma agência bancária, seja na avenida Sete ""'c
de Setembro (nenhuma em 1940, cinco em 1957), seja na Cal- "'c
çada e nas proximidades da estação da estrada de ferro (uma
>"
c
em 1940, cinco em 1957), somos conduzidos à observação de "•>
z
Labasse, segundo a qual o banco não é uma atividade pioneira, >
o
mas g~ralmente se instala depois que outras atividades já se en- ,o
contram solidamente esta beiecidas. A demonstração dessa tese •>
é difícil no caso presente, mas seja o fato de que as principais ""
o,
casas comerciais são sucursais de outras da rua Chile, da avenida n
m
Z
Sete de Setembro e da Cidade Baixa, seja a situação financeira
das pessoas que se utilizam dessas lojas e frequentam a rua, bem ""'>
como a proximidade relativa dos outros centros bancários, po-
dem constituir razões válidas para a explicação desse fato.
o comércio atraiu para a Baixa dos Sapateiros e redondezas
uma outra atividade: a indústria. Na verdade o'que existe é menos
uma atividade propriamente industrial que uma atividade artesanal,
instalada sobre a própria rua e nas velhas casas das ruas transversais,
onde se aproveita de espaços maiores e de aluguéis mais baixos.
Em 1955, o centro da cidade tinha 193 estabelecimentos
industriais e artesanais, de acordo com as estatísticas. Destes, 32
contavam com mais de 25 operários, 159 com mais de cinco e
33 com menos de cinco. Nesse cômputo, a Baixa dos Sapateiros
entrava com apenas três estabelecimentos com mais de 25 ope-
rários, isto é, 10% do total dessa categoria nos bairros centrais.
Tinha 47 estabelecimentos com mais de cinco operários, isto é,
29,5% do total do centro da cidade e 19 COm menOs de cinco
operários, isto é, 57,5%.

Estabelecimentos O Centro A Rua

com mais de 25 operários 32 3 9,2%

com mais de 5 operários 159 47 29,5%

com menos de 5 operários 33 19 57,5%


o"
o
<
>
"< Tais índices revelam um primeiro caráter dessa atividade
o semi-industrial da Baixa dos Sapateiros e suas redondezas: a
O

"<O atividade artesanal é predominante não apenas em números


o
u
absolutos, como em números relativos, em relação ao conjunto
<
O
dos distritos centrais d;t cidade. Em 1955, 762 pessoas, dentre
C
as' quais 603 operários, participavam dessa atividade.
"Z
;.
Um outro caráter é que na rua Dr. Seabra a manufatura está
"u
O em relação direta COm o comércio local, salvo em raros casos.
Duas hipóteses são possíveis: ou as atividades formam organi-
camente um só negócio, como, por exemplo, as catorze casas de
móveis, as cin~o tipografias e as sete padarias, ou a fabricação
se faz para atender às necessidades das casas de comércio. Nesta
última hipótese, em vários casos verificamos que é o capital das
casas de comércio que faz surgir oficinas e pequenos fabricos. É
o caso das treze sapatarias. Entre parênteses, é curioso mostrar
que não são exclusivamente históricas ou folclóricas as razões
que permitem à rua guardar seu nome antigo: éaí que se encontra
um terço das sapatarias da cidade.
As fábricas d'il Baixa dos Sapateiros possuem outros carac-
teres gerais, comuns, aliás, às pequenas indústrias do centro da
cidade. É necessário observar principalmente o seguinte:
1. Que essas indústrias trabalham produtos semiacabados.
2. Que destinam os produtos que fabricam a um consumo
imediato.
3. Que não dispõem de lugar, nem de capacidade financeira
para estocar a sua produção; esta se faz à proporção das necessida-
des das casas comerciais e é vendida à proporção que se termina. ,•
.;
".
c
.;
A Baixa dos Sapateiros continua sendo ain~a uma rua resi- c

dencial. Sem falar nos


">
., becos e transversais, essa função residual é c
bem evidente nas extremidades da própria rua. Mas, não tendo "•>
z
sido construída soore toda a largura do vale, o espaço que resta por >
o
detrás das lojas foi ocupado por vários becos, formados de casinhas ,o
"parede-meia", onde mora gente pobre. Exceto casos isolados, a •>
função residencial na Baixa dos Sapateiros caracteriza-se pelo fato "
,"o
de que ela prolonga a degradação social das áreas vizinhas. Em
1940, a população. da rua, inclusive os becos, era de 795 pessoas;
em 1950 era de 951, o que representa acréscimo de 20%.
Tudo isso significa que duas tendências se opõem do ponto
de vista do papel residencial. De uma parte, o comércio expulsa
os moradores; para ocupar ele próprio as casas, que transforma
a seu modo. A utilização residencial das casas que têm fachadas
diretamente sobre a rua tende, assim, a desaparecer. De outro
lado, a populaçãdpobre se acumula nas pequenas casas detrás,
cuja degradação é ainda mais acelerada.
A rua tem os seus ritmos. Desde manhãzinha, ela é percorrida
por veí~ulos coletivos que levam ao coração dos bairros centrais,
deixando na Baixinha uma verdadeira multidão de pequenos
empregados, operários e domésticos. Mais tarde, os estudantes e
os em pregados no comércio misturam-se a estes, pois os cursos
começam geralmente às 8 horas e as lojas se abrem às 8h30. De-
pois são OS funcionários que utilizam os bondes e ônibus. E, em
todas as horas do dia, gente que vem a negócio, donas de casa que
fazem compras etc. A rua está sempre animada, mas é à noitinha,
entre 17h30 e 19 horas, que ela é mais movimentada. É uma rua
estreita, de modo que quando um bonde para, tudo para. Perde-se
cinco vezes mais tempo que em outras horas do dia caso se prefira
passar pelo trecho principal. Mesmo a solução de desviar o trân-
sito não trouxe resultados apreciáveis, pois, cada dia que passa,
"o
o
< a população e o número de veículos são mais numerosos.
>
."
<
o
A circulação dos pedestres é importante também. Vimos
como os operários e pequenos empregados economizam 50 cen-
o
~
o tavos subindo da Cidade Baixa pela rua Silva Jardim, cujo declive
<
o é suave. Os deslocamentos seguem um certo ritmo. A circulação
v
<
o é sobretudo descendente pela manhã e ascendente à noite. É o
o fluxo mais considerável da cidade, maior mesmo que o da rua
"ez
Chile. Toda a rua, principalmente entre a pra~a dos Veteranos e
"v
o a Baixinha, é uma verdadeira torrente ininterrupta de pessoas,
desde as primeiras horas da manhã até as oito da noite .
.A rua não tem vida noturna. É utilizada pelos veículos coletivos
que vão para os bairros do norte, mas falta-lhe animação própria,
sobretudo quando os cinemas fecham. Entretanto, são quatro os
cinemas aí localizados e as vitrines, geralmente sem gosto, que atraem
um número limitado de pessoas das classes média e pobre.
Pode-se, entretanto, falar de uma divisão da rua em trechos
segundo as funções que ela desempenha. De fato, se acompa-,'
nharmos a rua Dr. Seabra desde o seu começo, na esquina daÍ"ua·
Aristides Milton até as proximidades da rua Visconde do Rio'
Branco, aí encontramos casas de morada, oficinas de artesãos,
um pequeno comércio, que está instalado mais solidamente
nas proximidades na rua Visconde do Rio Branco (ladeira da
Praça). A praça dos Veteranos. é sobretudo artesanal e abriga·
um comércio muito ativo de produtos alimentares. Mas a rua
Conselheiro Junqueira, rua transversal recentemente conquis-
tada pelo comércio, repete também as características do trecho
inicial. Entre a praça dos Veteranos e o largo de São Miguel,
>
o comércio põde expulsar a quase totalidade dos moradores,
""
.;
a partir de cinco anos mais ou menos. A atividade comercial é "c
.;
mais intensa entre o largo de São Miguel e a Baixinha: é aí que c

se encontram os estabelecimentos de nomes mais conhecidos. A


">
c
Baixinha e redondezas formam uma área em que o comércio de
".

>
z
alimentação evidentemente predomina; aí se situam armazéns, >

restaurantes e cafés. Depois da Baixinha, as atividades indus- "o


triais, disseminadas entre as casas de morada. Estas começam a •>
dominar nas proximidades da praçá Primeiro de Maio. ""o
"o

* • * z"
.;

">
Um novo dinamismo sacode agora· a cidade e se reflete
sobre o seu centro de negócios e de atividades. Ele reforça a
oposição entre as tendências de renovação representadas pelo
próprio dinamismo e as tendências conservadoras, apresentadas
pelas condições socioeconômicas e jurídicas. Os monumentos
e as casas de meia-idade, que ainda são mais ou menos úteis
às funções que presidiram à sua construção, não sofreram esse
choque. Continuam de pé, conforme já vimos, até 'que, por uma
questão de mais-valia, sua substituição se impõe.
Essa luta entre o arranha-céu que tem necessidade de se le-
vantar e o sobrado que não quer desaparecer não exprime apenas
o conflito entre a especulação imobiliária e a herança do passado.
Representa igualmente um imperativo do crescimento urbano, da
expansão dos negócios e da vida de relações, cujo espaço não poderá
se alargar demasiadamente, sob pena de se tonlar impraticável.
Das marchas e contramarchas dessa luta entre o arranha-céu
e o sobrado nasceram os cortiços. O contraste entre os preços
muito elevados do terreno e os aluguéis baixos dos prédios
explica esse círculo vicioso, e uma das suas consequências é a
zona de degradação social mais típica do Brasil, ao lado de um
majestoso conjunto de edifícios muito modernos, que respondem
"o,
c
< a todas as exigências do conforto.
>
•< Os cortiços são os palacetes deserdados do seu papel histórico,
"
o inutilizáveis, hoje, por ativi'dades mais rentáveis. Ficam à margem
c
•c do tempo, cujas marcas são agravadas pela falta de cuidados. Os
<
c arranha-céus são a manifestação da força das atividades diretoras
da vida urbana e regional. Uns e outros representam aspectos
"
c
o
, I
aparentemente opostos, mas verdadeiramente complementares,
";-z
• de um mesmo e único fenômeno, que é a especulação.
u
o A Baixa dos Sapateiros representa um tipo à parte, ligado
muito estreitamente ao processo'de evolução dos bairros centrais
~ da cidade. O atraso na utilização do seu sítio, isto é, a sua urba-
nização, em relação ao resto dos bairros centrais, desempenha
um papel importante na explicação tanto dos aspectos formais,
comodas atividades que aí se constituíram. Urbanizada somente
no meio do século XIX, não tem os casarões que caracterizam os
quarteirões das vizinhanças. De outro lado, sendo atravessada
por linhas de bondes e ônibus que levam aos bairros da classe mé-
dia e pobre, este último fato explica a natureza das atividades que
se instalaram aí. Estas exercem um papel passivo, quase negativo,
na modificação do quadro, pois não dispõem de força bastante
para transformá-lo. A existência de quarteirões degradados nas
proximidades é um outro elemento que se opõe às modificações
de aspecto da rua, pois as atividades incapazes de se criarem um
quadro próprio deles se aproveitam. Pode-se dizer a mesma coisa
da grande extensão da rua (mais ou menos dois quilômetros),
atravessada por várias linhas de transporte coletivo, o que facilita
uma implantação disseminada do comércio.
>
Como fatores positivos da transformação do quadro, "
~
.;
aparecem timidamente atividades do tipo serviços, capazes de "c.;
pagar aluguéis mais altos e que justificam a construção dos raros c
">
edifícios novos: essa transformação está ligada essencialmente à c
melhoria dos níveis de vida da população da cidade. "•>
z
>
o
o
•>

""o
~
CONCLUSÃO

ma primeira e inevitável constatação, após a nossa

U tentativa de incluir Salvador em um grande esquema


de classificação do fenômeno urbano, é que essa cidade
brasileira constitui um tipo autêntico de organização urbana, cuja
principal razão de seré uma economia comercial especulativa.
Salvador fornece, na verdade, um bom exemplo de metrópole
comercial que serve de traço de união entre um mundo colonial, que
é o seu hinter/and, e um mundo industrial, que compra as matérias-
-primas exportadas por seu porto, em forma bruta. É o exutório
de uma agricultura comercial cujo destino é estreitamente ligado
aos interesses das potências industriais. Nisto ela se parece a outras
o
. metrópoles coloniais. Entretanto, quanto a esse ponto de vista, ela o
z
o
possui uma originalidade que provém de dois fatores principais. De "c
um lado, e ao contrário das metrópoles coloniais dos países coloniais
,.
o
politicamente dependentes, ela não dispôe, a rigor, do estimulante
que pode ser trazido à vida urbana por capitais metropolitanos, seja
diretamente, no caso da assoCiação comércio-agricultura comercial,
seja indiretamente, quando a construção de estradas de ferro, de
rodagem ou outras formas de equipamento favorecem o organis-
mo urbano através de uma organização do espaço que, sem essas
contribuições de fora, ele não poderia realizar.
Salvador é, assim, um fato de economia especulativa pura.
Pode-se acrescentar, por outro lado, que sua região de in-
fluência compreende, ao mesmo tempo, áreas onde se pratica
uma agricultura comercial intensiva e áreas onde se pratica uma"
agricultura de subsistência, extensiva e em economia quase fe-
cbada.A agricultura comercial não economiza recursos, quer à
cidade, quer à sua região; ao contrário, ela os reúne e envia-os
para fora. A agricultura de subsistência, pobre e atrasada, e em
consequência, incapaz de criar centros urbanos de uma certa
importância, influi negativamente sobre o desenvolvimento regio-
nal. Sendo ela praticamente estacionária, enquanto a população
não cessa de crescer, libera um grande número de pessoas que
vêm aumentar desmesuradamente a população metropolitana.
"oo A fuga dos capitais disponíveis e a pobreza crônica das áreas
< agrícolas explicam a persistência dessa função comercial, "à qual
>
"< não se veio juntar uma função industrial importante. O dinamismo
·
o
o urbano é um resultado quase exclusivo do papel comercial e das
•o atividades que dele dependem, assim como a função administrativa.
<
o Tais funções são capazes, uma e outra, de conservar para Salvador
Ü
<
o uma centralização de recursos excessiva em relação ao território do
o Estado, mas elas são incapazes, até mesmo em razão da economia
"'z"
regional, de levar ao interior do Estado um fermento de vida.

u
o "A ausência de uma função industrial im portante deve ser
considerada como raiz desse fato. Mas ela é igualmente uma
fi: consequência. Daí um paradoxo aparente, que constitui ao
mesmo tempo um círculo vicioso: é a ausência de um dinamismo
próprio à cidade o responsável'pelo seu crescimento. A cidade
cresce por falta de dinamismo próprio.
Expliquemo-nos. Sua incapacidade de revolucionar a agri-
cultura do Estado tem como resultado a perpetuação da pobreza
geral; tal pobreza se reflete naturalmente sobre a metrópole, não
somente pelo aumento de população, mas igualmente como uma
restrição às suas possibilidades de expansão econômica: somente
as atividades capitalistas especulativas ganham terreno, direta
ou indiretamente, às custas da agricultura comercial, por" cuja
melhoria não se preocupam, preocupando-se "ainda menos com
a agricultura de subsistência. Ambas assim se enfraquecem e,
por essa razão, o círculo vicioso se fortalece. A cidade continua
a ver aumentar incessantemente a sua população.
As estradas, abertas para estabelecer uma ligação entre a
capital do Estado e as zonas semiáridas, periodicamente atin-
gidas pela seca, são uma realização estranha aos recursos do
próprio Estado e à capacidade de organização do espaço de sua
metrópole: devem-se à iniciativa de governos da República. Tais
estradas facilitaram a imigração dos excedentes de mão-de-obra
agrícola, bem como um grande êxodo durante os períodos secos.
Essa zona é submetida, ainda agora, às áleas do clima; sua vida
regional somente se afirma quando as condições se apresentam
favoráveis e então há excedentes agrícolas.
Observa-se, assim, a importância direta ou indireta da
o
especulação, seja na vida atual da cidade, seja durante o seu o
Z
n
passado, isto é, no processo do seu desenvolvimento. Poder-se-ia n
C

dizer que a cidade evoluiu guardando as funções que lhe foram ,."
o
atribuídas pouco depois da sua fundação. Aquelas outras que,
depois, vimos se ajuntarem, dependem das primeiras. A função
bancária, por exemplo, que foi inicialmente uma consequência
da atividade comercial, criada para servi-la, explica, hoje, certos
fatos de comércio. É a principal responsável pela coalescência
das funções que tendem a reforçar o papel macrocefálico da
capital do Estado. Tal coalescência se realiza em favor da ativi-
dade comercial, ligada à atividade portuária e outras atividades
especulativas, do que resultou finalmente a conservação das
funções antigas e, mutatis mutandis, a pobreza de indústrias.
E o remédio indicado para corrigir a pobreza de indústrias é
exatamente a importação de capitais de fora: ..
Por isso a evolução da vida urbana e sua representação
são sinais seja da própria evolução da agricultura em sua re-
gião, seja da conjuntura mundial de que esta - a agricultura
comercial - depende. Esse papel de ponto de contato entre dois
mundos opostos, porém complementares, marca toda a vida
urbana, inclusive a organização interna da cidade. .
O centro não esca pa a essas influências. É mesmo a parte da
cidade que mais fortemente significa a existência desses fatos. A
penetração das técnicas modernas que aí se observa, em escala
"oo
< maior ou menor, quer sobre a morfologia, quer sobre a paisagem,
>
.
"<
o
são um reflexo da economia regional.
São aspectos que é necessário levar em c~mta, se desejamos
o
o" incluir a Cidade do Salvador nas grandes séries urbanas de que
<
o fala P. George, mas, também, se queremos descobrir sua origi-
Ü
<
o
nalidade como um tipo de organização.
o Assim é que as características fundamentais da atividade
..z" econômica regional fornecem urna explicação para a repartição
•u
o social e profissional da população: uma classe rica, constituída
por banqueiros, homens do alto comércio, da indústria e grandes
".
::' proprietários; uma classe média, formada de pessoas exercendo
profissões liberais, pequenos comerciantes, proprietários de terras
médios, funcionários públicos; e uma classe pobre, de operários,
empregados no comércio, pequenos func·ionários e gente sem pro-
fissão definida.
Essa es.trutura social se reflete sobre a estrutura urbana de
forma não rigorosa. Poderíamos mesmo dizer que a Cidade do
Salvador ainda não amadureceu do ponto de vista da estrutura
urbana, pois se há alguns bairros de características definidas,
para outros essa caracterização é menos precisa.
A explicação dessa "juventude" estrutural podemos encon-
trar na evolução histórica do fenômeno urbano: a orientação que
o crescimento urbano seguiu, preferindo as dorsais, valorizou
esses terrenos, enquanto as vertentes e os vales, estes principal-
mente, eram ocupados com uma população pobre. É daí que
provém a mistura observada nos bairros ricos. Pelas mesmas
razôes, e em consequência da valorização dos terrenos nas rUas
onde passam os transportes coletivos, classe média e pobre estão
também misturadas, nos vários bairros do Norte da cidade. As-
sim, a menos que levemos em consideração essa "diferenciação
social em linha" (sejam as dorsais, sejam as artérias que seguem
os transportes, sejam os vales recentemente urbanizados, sejam
ainda as ruas que associam duas dessas características), não
podemos deixar de reconhecer que falta à maioria dos bairros
uma homogeneida de de paisagem e de contexto.
As exceções si'.o, de um lado; os bairros extremamente pobres,
n
os bindovilles das "invasões", que entretanto são sujeitos a Um o
Z
n
processo de mudança social, parcialmente realizado quando uma r
,c
de suas partes é servida por transportes coletivos ou qualquer ou- >
O

tro melhoramento. Por outro lado, os bairros centrais justapõem


uma área moderna, bem construída (o que se deve à força das
funções que abriga), a 'uma outra área, de construções antigas,
onde mora uma população heterogênea e pobre. Entretanto, no
interior desse conjunto; a zona de expansão do comércio, zona
de luta entre as duas partes do conjunto, embora seja um front
pioneiro em constante deslocamento, possui características muito
próprias. De resto, seria inútil procurar realidades imutáveis no
interior das grandes cidades em processo de evolução.
A formação da estrutura da cidade depen&, assim, da especu-
lação, cuja marca se inscreve na atividade urbana. Bairro comercial,
criado para abrigar atividades especulativas, bairro de cortiços que
se deterioram sob a influência da especulação, bairros ricos e bairros
de classe média que se criam e se transformam especulativamente.
Daí os aluguéis elevados, a permitirem altas taxas de juros e, por
essa razão, proibitivos aos pobres. Enfim, os próprios bairros pobres
são .uma consequência do sistema especulativo de construção.
O sítio sobre o qual a cidade foi criada, especialmente o
do centro, torna essa evidência ainda mais grave: embaixo, uma
cidade nova que reduz, de mais a mais, contra o horst os restos de
cidade velha; em cima uma cidade velha, que se degrada, cortada
"o
o
< por ruas comerciais, onde a paisagem se renqva. Poderíamos ir
>
"< mais longe, mostrando como, na Cidade Alta, o comércio de
o varejo apresenta dois diferentes aspectos: um comércio de luxo,
o
"o mais especializado na rua Chile e redondezas e na avenida Sete
<
o de Setembro, provocando a construção de numerosos edifícios de
u
<
o
vários andares - crescimento em altura; e o comércio de varejo
o pobre, mais especializado na Baixa dos Sapateiros, com casas
,."
z térreas em sua maioria. A evolução urbana e,de uma maneira
"u
o mais indireta, o sítio são os responsáveis por essa subdivisão.
Em resumo, as seções ativas do centro. se escalonam em três
grupos, segundo sua capacidade de formação ou de transfor-
mação da paisagem: o comércio de varejo pobre, o comércio de
varejo rico e o alto comércio. Para compreender perfeitamente
a realidade, seria preciso acrescentar que o ritmo de expansão
de cada uma dessas atividades conformam-se também a esse
escalonamento. Eis o que se passa:
1. Uma pequena parte da população ativa manipula gran-
des capitais e é responsável pelas atividades diretoras da vida
urbana e regional.
2. Uma percentagem um pouco mais elevada da população
urbana e regional sustenta o comércio de varejo de luxo.
3. O grosso da população pobre da cidade mantém o comér-
cio de retalho pobre que, entretanto, tem uma menor expansão.

Tudo isso constitui um reflexo da economia regional, bem


como a oposição entre cidade nova, sobre os aterros do porto,
e cidade velha, colada ao horst ou sobre as colinas da Cidade
Alta. Os aterros são devidos aos trabalhos do porto e ligados à
necessidade de expansão das atividades especulativas.
Examinamos já o papel do sítio "fabricado", seja no apa-
recimento dessa paisagem nova, seja na evolução da cidade
velha. Sem a especulação, não se poderia explicar inteiramente
a construção dos buildings, nem a deterioração das casas ricas
ou nobres do passado. Os regulamentos do urbanismo, preocu-
pados com a conservação dos aspectos históricos de uma parte
da cidade, oferecem uma certa resistência à transformação do
n
velho quadro. Mas é a especulação que incita a ir construir, em o
z
n
outra parte, prédios com um número mais elevado de andares. r
c
Podemos, agora, mostrar com mais força as idéias segundo
,.
~

as quais imaginamos poder caracterizar a Cidade do Salvador e o


seu centro. É uma cidade onde a especulação comercial marca de
vários modos todas as formas de vida. Diríamos que ela constitui
um exemplo típico de metrópole comercial, nascida exclusiva-
mente do fenômeno especulativo. É como um centro de atividades
essencialmente especulativa que ela se organi~a e age - ou deixa
de agir - sobre sua região. O centro, como a cidade, reflete todos
esses problemas. Ambos lhe devem sua originalidade.
Os aspectos vetustos dos bairros centrais aproximam Sal-
vador de certas cidades européias; ela é até mesmo considerada
como lhes sendo parecida na América, mais precisamente no
Brasil. A Cidade do Salvador deve esse fato à antiguidade do,
seu papel de centro comercial. Mas, conquanto ela não seja tãb
jovem, de modo a resistir a essa comparação, o ritmo segundo
o qual se renova - ritmo de país novo - afasta a hipótese. Sua
pobreza industrial reconhecida exclui a possibilidade de associá-
la a uma classificação de cidades do tipo americano, das quais,
entretanto, ela possui muitos traços em sua paisagem central.
Deve-os, todavia, ao banco e a outras atividades de especulação
pura. Nós vimos, já, o que a faz diferente dos outros exemplos
"oo de metrópole que, como ela, vão encontrar uma razão de vida
< e dinamismo em um arriere-pays colonial.
>
"< Mesmo no Brasil, ela é singular. A outra cidade do velho
"
o Nordeste, de evolução contemporânea e semelhante, Recife, além
o
"
Q de se desenvolver em sítio diferente - uma planície -constrói seu
<
o novo centro com o sacrifício quase total dos aspectos herdados
u
<
o do passado. As grandes cidades do Sul, como São Paulo, Rio d.e
o Janeiro, Belo Horizonte, por exemplo, desenvolveram-se muito
"rz
• depois e segundo um outro ritmo. Em todas essas, bem como em
u
o Porto Alegre, os traços do passado são inexistentes, ou quase.
Assim, se nós devemos servir-nos de uma fórmula para
chegar a uma definição, diremos, então, que Salvador é uma
criação da economia especulativa, a metrópole de uma economia
agrícola comercial antiga que ainda hoje subsiste; ela conserva as
funções que lhe deram um papel regional e, embora penetrada
pelas novas formas de vida, devidas à sua participação aos mo-
dos de vida do mundo industrial, mostra, ainda, na paisagem,
aspectos materiais de outros períodos.

c
o
z
c
"c
~
o
IWSTRAÇOES E FOTOS

MAPAS
.',
1. índice de aridez no Estado da Bahia .................................................... 37
2. Distribuição dos núcleos urbanos com mais de 5 mil habitantes .......... 38
3. O sítio de Salvador .............................................................................. 59
4. Ocupação do espaço na cidade ............................................................ 60
5. Evolução urbana de Salvador .............................................................. 61
6. Ocupação do espaço no centro da cidade ............................................ 70
7. Comércio na Cidade Alta ............ :....................................................... 78
8. Comércio na Cidade Baixa .................................................................. 79
9. Comércio na Calçada .......................................................................... 80 r
10. Comércio na Liberdade ....................................................................... 81
11. Distribuição dos guichês bancários ...................................................... 91 ·•
>
c
-<

12. As indústrias do centro ........................................................................ 97


13. A Cidade do Salvador no fim do século XVI ................. ~ ............ " .... 104
'"O•
14. Os prédios da Cidade Baixa .............................................................. 112 ·••
15. O mosteiro de São Bento ................................................................... 117 O
-<
16. Os pontos iniciais dos transportes coletivos e o seu percurso ,O
no centro da cidade ........................................................................... 121
17. Evolução da população do centro da cidade ...................................... 127
18. Crescimento demográfico nos subdistritos urbanos de Salvador ........ 131 "
O
"
19. O largo do Pelourinho ....................................................................... 173
20. O comércio da "Baixa dos ,Sapateiros" ............................................. 181

GRÁFICOS

1. Crescimento demográfico de Salvador ... "" ..................... " ................... 64


2. Pirâmide das idades do município de Salvador de 1940-1950 ............. 64
3. Pirâmides das idades. Estado da Bahia, município de Salvador ............ 65
4. Distribuição dos operários pelos setores .............................................. 96
5. Distribuição dos estabelecimentos industriais ...................................... 96

FOTOS

1. Salvador, cidade de 2 andares. Fotografia obtida em 1958 .. " .............. 72


2. Salvador, cidade de 2 andares .............................................................. 72
3. Paisagem de Salvador antes de 1950 .................................................... 85
4. Vista geral da feira de Águas de Meninos ............................................ 85
5. Detalhe da feira de Água de Meninos ..................................................... 92
6. Escarpa da falha que separa os dois níveis da Cidade .......................... 98
7. Detalhe da Cidade Baixa .............. ,........................ :............................. 98
8. Sobre os aterros do porto surgem prédios modernos e belos ................ 99
9. Cidade Baixa, vendo-se no fundo o Elevador Lacerda ....................... 100
10. O fenômeno apontado na fotografia anterior .................................... 100
11. Rua Miguel Calmon .......................................................................... 109
12. Rua Conselheiro Dantas .................................................................... 110
13. A dissimetria da rua Conselheiro Dantas ........................................... 110
14. Parte da Cidade Baixa, chamada "Preguiça" ..................................... 128
15. A torre do velho Elevador do Taboão e uma parte da Cidade Baixa .. 128
o
c 16. O novo po'voamento de ~rranha-céus nos terrenos perto do porto .... 129
•o 17. O belo prédio da Associação Comercial ............................................ 1 29
< 18. Justaposição das duas paisagens da 'Cidade Baixa ............................. 145
Q

Ü 19. Edifício da primeira fase das novas construções da Cidade Baixa ...... 146
< 20. "B.olsa dos automóveis" .................................................................... 146
Q

o 21. Rua Chile, na Cidade Alta ................................................................. 165


"eZ 22. A Cidade Velha e o nova povoamento de arranha-céus ..................... 165
•u 23. Uma vista do Pelourinho ..................... :............................................. 166
O
24. Outra vista do Pelourinho ................. :.....................'........................... 166
25. Rua das Portas do Carmo .................. ~ .............................................. 176
ri
26. Rua do Maciel de Cima ..................................................................... 177
o 27. Rua do Maciel de Baixo .................................................................... 177
ri
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