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APRENDIZ
DE REZADEIRA
Ciro Leandro
Ilustrações de
Pérola Thalia
Ilustrações de
Ciro Leandro Pérola Thalia
A PEQUENA
APRENDIZ
DE REZADEIRA
Fortaleza - CE
2021
Fortaleza-CE
Edições Acauã
Telefones: (85) 99175.8893/ (83) 99110. 9503
gilpoeta@yahoo.it
Ilustradora
Pérola Thalia Nunes Bento
Diagramação eletrônica
Renan Rodrigues
Revisora
Solange Batista da Silva
Conselho Editorial
Carlos Gildemar Pontes (Editor)
Anchieta Pinheiro Pinto
R. Leontino Filho
Maria Edileuza Costa
Mona Lisa Bezerra Teixeira
Maria Vanice Lacerda
Socorro Pinheiro
Renato Almeida
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Numa comunidade chamada de Quati, localizada no alto de
uma serra, no município de Luís Gomes, conhecido antigamente por
de Serra do Senhor Bom Jesus no interior do Rio Grande do Norte,
nasceu à menina Ana. Descendente dos povos afro-brasileiros, a
criança veio ao mundo pelas mãos da parteira do sítio, a senhora
Maria do Rosário, como nascem milhares de crianças nos distantes
sertões do Brasil, onde a medicina não consegue chegar. As
parteiras são heroínas da sabedoria popular, que aprenderam de
suas ancestrais a arte de “pegar crianças” e, assim, fazem do seu
ofício a dedicação de toda uma vida. Na comunidade há o costume
de chamar as parteiras de “mãe”, pedir sua benção, seus conselhos
e de ouvir suas lições de vida, narrativas aprendidas em sua longa
experiência de convívio com a sua gente. Desde pequena, Ana
passou a chamar sua mãe de umbigo de Mãe Maria. A expressão
mãe de umbigo surgiu do corte do umbigo dos recém-nascidos ser
realizado pelas parteiras.
Ana era neta de uma senhora chamada Francisca, na comunidade
conhecida por Chica. Ela também possuía uma importante função
na comunidade: a de rezadeira. Como as parteiras, as rezadeiras
colocam a sabedoria aprendida dos antepassados a serviço das
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A pequena Ana foi criada por sua avó Chica. Sua mãe faleceu
jovem devido à falta de cuidados médicos. A medicina popular
do lugar não foi o suficiente para a gravidade da doença, esta
agravada também pela falta de uma alimentação adequada durante
os anos de seca. Esse problema é uma chaga viva no sertão, onde as
pessoas das comunidades mais distantes dos grandes centros não
têm acesso às políticas públicas, que não chegam para solucionar ou
apenas amenizar os mais graves problemas sociais. Nesse universo
os agentes das culturas populares como as rezadeiras e as parteiras
salvam vidas quando a solução está ao alcance da sua sabedoria
popular. Apesar da morte da filha, a rezadeira Chica não perdeu
a fé e a esperança.
Ana foi amamentada por uma mãe da comunidade chamada
Maria das Dores que dividiu com a criança o leite do seu filho
Pedro. A menina cresceu com afeto pela sua ama de leite, e sempre
que a encontrava pronunciava a expressão de maior respeito entre
os membros da comunidade:
- A bênção Mãe Das Dores.
E ouvia com um tom todo especial de afeto maternal:
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Como a rezadeira Chica precisava correr com os trabalhos do
roçado, da criação do gado, e dos afazeres domésticos, a pequena
Ana aprendeu desde cedo a importância de dividir as tarefas. Na
comunidade do Quati as famílias se ajudam no roçado trabalhando
em mutirão, uma união em que dividiam as tarefas e cada grupo
ajuda o outro. Um exemplo é a debulha do feijão. À noite o grupo
das famílias da comunidade escolhia uma casa, se reuniam e
debulhavam a colheita daquela família, contando histórias e
relembrando a cultura e as tradições do seu povo.
O contexto de vida das pessoas reveste de sentido as
narrativas. As histórias, os mitos repassados pelos antepassados
são reelaborados nas histórias de vida dos membros do Quati. As
histórias se tornam conselhos para o momento presente. Como
a lenda do rosário, símbolo usado no pescoço pelos membros da
comunidade. Contam os mais velhos, que quando José e Maria
fugiam para o Egito para salvar o menino Jesus da perseguição do
rei Herodes, as lágrimas derramadas por Nossa Senhora no caminho
fez brotar uma planta, e dela são feitas as contas que formam o
rosário. O objeto atual é formado por contas unidas por um cordão,
uma medalha com a imagem da Mãe de Jesus ou um crucifixo.
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Um tempo forte na vida dos moradores do Quati é a festa de
Nossa Senhora Aparecida, na pequena capela da Vila Aparecida
que fica nos limites dos estados do Rio Grande do Norte e da
Paraíba, entre os municípios de Luís Gomes, a Serra do Bom Jesus
e a cidade de Uiráuna antigamente chamada de Belém. Nesse
pequeno lugarejo um grupo de negros chegados de Alagoas no
final do século XIX, veio para trabalhar nas terras de um rico
fazendeiro, trazendo consigo uma imagem de Nossa Senhora
Aparecida, a Virgem Negra encontrada pelos pescadores nas
águas do Rio Paraíba do Sul, em São Paulo. A imagem encontrada
era de Nossa Senhora da Conceição, a padroeira de Portugal,
cultuada pelos brancos colonizadores, que no rio adquiriu a cor
negra e passou a ser um símbolo da luta contra a escravidão,
originando assim uma nova devoção para os povos negros. Essa
família popularmente conhecida como os “Cupiras” cultuavam
a imagem às escondidas do seu patrão, pois mesmo após a
abolição, os negros continuaram sendo explorados, trabalhando
sem condições dignas, e a imagem representava a luta contra toda
forma de racismo e exploração que ainda fazia reviver o tempo da
escravidão. A família foi descoberta em oração à Virgem Negra e
o seu culto foi proibido. Mas, quando uma das filhas do dono das
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Na cidade de Luís Gomes, a antiga Serra do Bom Jesus, havia
uma rua chamada de Rua do Cachimbo Eterno. O lugar recebeu
este nome por ser um bairro pobre, onde viviam os moradores
negros da cidade, remanescentes dos antigos escravos, e
também das pessoas brancas que viviam na pobreza, e tinham
o costume de fumar em cachimbos. Daí essa denominação
preconceituosa, porque a elite branca, os moradores do centro
da cidade, queiram expressar que essa rua não teria evolução
e os povos negros continuariam eternamente excluídos. No
Cachimbo Eterno viviam as rezadeiras negras da cidade, muito
procuradas pelas mulheres de todas as classes para rezarem
em seus filhos, mas que mesmo servindo a todos não lhe era
permitido frequentar as ruas do centro, o quadrado da Matriz
da Padroeira Senhora Santana, a mãe de Nossa Senhora. Não
havia uma proibição oficial de frequentarem a matriz como
ocorreu na Matriz de Nossa Senhora da Conceição em Pau
dos Ferros, mas não eram bem acolhidos, eram tratados com
ofensas preconceituosas.
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A professora da escola da comunidade, chamada de Antônia,
pediu aos alunos da turma de Ana que escrevessem sobre a pessoa
que mais admirava na vida, principalmente entre as pessoas mais
próximas no lugar onde viviam. A menina resolver escrever sobre a
sua avó Chica e o papel desta na vida da sua comunidade. Era um
trabalho da professora sobre as memórias da comunidade, sobre
as histórias de vida de quem dinamiza a sua vida social e cultural.
A pequena Ana escreveu a seguinte história:
“Numa comunidade rural chamada de Quati nasceu uma menina
chamada de Francisca. O seu nome foi escolhido porque todos os
anos seus pais iam ao santuário de São Francisco das Chagas na
cidade de Canindé, que fica no Ceará. Todos os anos milhares de
romeiros do Nordeste vão até o santuário pedi que Deus, por meio do
Santo dos Pobres, amenize os sofrimentos do povo sertanejo, as secas,
a fome e as doenças. São Francisco foi o padrinho de batismo da
pequena Francisca, como é de costume nas comunidades nordestinas,
representado pelo seu tio Pedro.
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