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Conferência

A Cidade dos Tambores


The City of Drums

La Ciudad de los Tambores

Luis Antonio dos Santos Baptista

Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ, Brasil

O cheiro de anil exalava da anágua (*) Versão ampliada do texto lido na mesa
no varal. A peça secava sob o sol do Rio de de encerramento do evento Temas e
Janeiro. Quanto mais seca mais volumosa. Debates -20 Anos do Programa de Pós-
Sobre a anágua a saia estampada aguardava Graduação em Psicologia Social da
o instante para adornar a velha passista da UFRGS, realizado em outubro de 2018.
ala das baianas, ou o corpo da filha de santo.
O sol testemunhava, a cada festa de
Na barra do tecido de morim o bordado de
santo, a cada desfile na avenida, a diferença
richelieu¹ endurecia na corda de arame do
dos bordados na barra do pano engomado.
verão carioca. Nos becos das favelas, nos
Ano após ano formas e cores variavam
quintais suburbanos, o cheiro de anil, o
tecidas à mão pelas bordadeiras do
aroma da goma de maisena invadia a
richelieu: pássaros, flores, símbolos dos
atmosfera dos dias anteriores ao desfile da
orixás eram lembrados como registro das
escola de samba, assim como ao das festas
festas cotidianas. Moldes antigos para a
nos terreiros onde os deuses dançam. Nos
tecelagem da renda ganhavam contornos
quintais e nos becos avistavam-se indícios
inéditos. Dos quintais o traçado das linhas
de que algo importante para a cidade iria
feito a mão exibia o desafio de não repetir o
acontecer. Aguardavam o chamamento dos
mesmo desenho. No varal, a anágua
tambores. A terra batida dos terreiros, o
bordada prenunciava que o som dos
asfalto da avenida, seriam ocupados por
tambores traria à cidade a
sons onde corpo, memória e música se
indissociabilidade entre música e memória.
entrelaçariam como as linhas do richelieu.
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Baptista, L.
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Festas repetidas anualmente, ornadas por protegem como as suas muralhas, ou


traçados de fios diversos, realizavam-se ao grades.
som dos incansáveis tambores. Do couro do
Hoje esta peça de roupa retesada no
instrumento de percussão ecoavam
varal é quase inexistente nos quintais
modulações de afetos de uma história
suburbanos, assim como nos becos das
contada, chamamento dos deuses, alegrias e
favelas. Tambores gradativamente
tristezas de canções, ou preces. Atabaques,
diminuem a intensidade do chamamento
bumbos, zabumbas, taróis impeliam a
para a festa pagã, ou para a dança sagrada.
baiana a girar, rodopiar, gingar revelando
Terreiros e escolas de samba perdem a cada
com sutileza o detalhe do bordado na borda,
dia mulheres que narravam enredos de
quase escondido, sob a saia colorida.
sambas e lendas milenares através da dança
Detalhe sutil, modificado a cada ano,
e dos adornos. Corpos das antigas baianas
despercebido aos olhares desatentos às
retesam-se pelo excesso de esperança nas
coisas miúdas do dia a dia². Sutileza a
promessas dos seus pastores. A salvação as
revelar encantamento, ou estranhamento, ao
chama. O excesso de esperança as imobiliza
olhar restrito aos limites do visível, no qual
quando o gesto da dança perde o sentido de
o tempo e o outro se restringiriam à
interferir na eternidade imaculada do mito,
familiaridade da paisagem. O detalhe
ou na eternidade imaculada da arte. O
assombrava ao anunciar a delicada surpresa.
bordado delicado endurecido pela goma de
O rufar dos tambores, como o vento,
maisena e o cheiro de anil extinguem-se dos
levantavam a saia no anúncio da memória
varais; somem junto ao silêncio do
tramada à mão. Corpos eram conclamados
instrumento musical que impelia o corpo a
a se entrelaçar a vários tempos, como os fios
contar a reedição inesgotável de histórias,
das linhas da barra da anágua. A coreografia
sagradas ou não. Templos se multiplicam,
dos gestos apropriava-se da mitologia da
aromas se esvanecem. A memória da cidade
velha África, inspirava-se em sambas do
perde a astúcia das bordadeiras a cortar,
passado como o manuseio de uma tesoura a
desfiar e entrelaçar fios do morim.
cortar o pano e preencher o vazio com a
urdidura das formas inesgotáveis do No Rio de Janeiro da proliferação
richelieu. Baianas giravam, rodopiavam, das igrejas onde os deuses não dançam, a
gingavam e mostravam a sutileza escondida paisagem é alterada. O excesso de templos
por debaixo da saia a revelar a imensidão nas avenidas acolhe a rigidez muscular à
dos pequenos detalhes. Imensidão perigosa espera do futuro redentor. O detalhe do
à cidade onde os limites do perceptível a richelieu bordado a mão não é mais

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percebido. Girar, rodopiar, gingar, a díspares sons, silêncios, cheiros, objetos


evolução dos passos convertem-se em usados e tempos. A história do Rio de
movimentos ineficazes para o rebanho a Janeiro tramada no cotidiano das ruas,
espera da redenção divina. Baianas aos esquinas, becos e terreiros é interrompida
poucos desaparecem das ruas. Deuses que na urdidura incansável feita por vivos e
dançam e os desfiles da escola de samba mortos. O que pode um tambor quando a
persistem, porém os varais não portam mais musculatura se enrijece no desprezo da
o traçado do bordado onde o passado é fiado memória tecida por música? Qual o poder
e desfiado, desfeito, refeito, impelido a ter do atabaque na interferência do tempo que
outra forma a cada festa. O outrora não é despreza os quintais?
mais desafiado a ser outro, não teria nada a
Longe dos terreiros e dos becos, a
nos dizer, ou inquietar. Nos templos, onde
música suave ameniza o dia a dia de homens
as rendas faltam, o futuro exige o caminhar
e mulheres comuns³. Poesia, canções,
reto, o músculo teso, a alma atenta aos
pássaros, cães, literatura trazem consolo às
perigos, ou pecados, do mundo. Zabumbas,
agruras cotidianas. Longe do som dos
taróis, bumbos, atabaques silenciam aos
tambores, habita a família temerosa da
poucos frente à imobilidade do corpo na
violência, indignada, revoltada com a
espera do porvir abençoado. Nos templos
corrupção que assola o país. Entre as quatro
em excesso canta-se também, porém sem a
paredes do lar, o inimigo é banido. Apesar
surpresa da descoberta do detalhe na barra
do bálsamo oferecido pela fauna e pela arte,
da anágua. A imensidão da minúcia, do
fora da protegida residência tudo é
pormenor tecido a cada ano desaparece
extremamente perigoso. Os músculos
ofuscada pelo esplendor do futuro. A
destes citadinos comuns são enrijecidos por
música despede-se da memória das
excesso de medo. A cidade é violenta,
bordadeiras. Mãos e tempo apartam-se. Um
dizem. O outro, um provável inimigo,
triste esquecimento invade becos e quintais.
afirmam. Caminhadas diárias pelos parques
O passado fenece, torna-se inútil.
da cidade amenizam a rigidez abastecida
Milicianos, pastores, homens e mulheres
pelo medo. A saúde, o investimento no
comuns, traficantes afastam
equilíbrio mental, a qualidade de vida, o
devastadoramente as bordadeiras dos
empoderamento pessoal incitam homens e
quintais. Nas favelas, o tráfico dos novos
mulheres comuns a cuidar do corpo e da
tempos repele o culto aos ancestrais das
mente. São empreendedores da própria
velhas baianas. Pastores e agentes da ordem
vida. Acreditam no verbo empoderar como
redesenham a paisagem carioca feita por

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conquista pessoal. O poder sobre si mesmo inexistiria. Entrelaçamento de linhas,


os fascina. Metas, táticas, contatos cortes, passagens, criações a burlar moldes
eficientes, amor aos seus, investimento no do passado desinteressam homens e
futuro são combustíveis da sua memória. O mulheres comuns, para os quais, a cidade é
que pode um tambor? um estorvo. O que narra o tambor?

Nas caminhadas matinais, o fone no Homens e mulheres comuns


ouvido permite o deleite da música enrijecem os corpos preocupados em
previamente selecionada. Os sons da rua aniquilar a provável ameaça aos seus ideais.
não atrapalhariam a concentração Desejam implacavelmente a paz em seus
necessária do exercício para a conquista da territórios. Extirpar o inimigo, no intuito de
bela forma. A canção deleitada afasta os defender a integridade da pátria, da família,
incômodos da urbe desprezada. Corpo em da moral, interrompe, mas não impede a
movimento, música privada, conexões, fruição dos prazeres frugais do dia a dia
redes sociais em excesso ganham a função destes cidadãos tementes a Deus e atentos
de armamento para a defesa da insegurança, ao mercado. A insegurança pública é um
da destruição da ética, do inimigo que ronda estorvo para os seus projetos; impede que
os limites do lar. Entrelaçamentos de cada um exerça a liberdade para
música e memória, à semelhança do empreender, competir, realizar-se. Medo, e
bordado dos quintais e dos becos, traduzem- uma peculiar modalidade de liberdade
se em falácia. Para homens e mulheres movem os citadinos amantes de música
comuns o passado é um cadáver em suave. A poetisa polonesa4 os apresenta com
decomposição; o presente, um constante detalhes, revelando a angustiante
exercício para a conquista do futuro feliz preocupação que os assola:
entre os limites do território onde nada os
Dias inteiros eles ficam pensando
incomodaria. Fora das grades, das barreiras
como matar, para matar, e quantos matar
de vidro dos prédios a cidade com seus
para matar muitos. Fora isso comem com
paradoxos é um estorvo a ser sanado.
apetite, rezam, lavam os pés, alimentam os
Desejam a felicidade dos seus a qualquer
pássaros, dão telefonemas coçando
custo. A imensidão de um detalhe não os
o sovaco, estancam o sangue quando
perturbaria, ou desviariam o rumo das suas
machucam o dedo, se são mulheres,
metas. Rendas e bordados definiriam-se
compram absorventes, sombra para as
apenas em peças decorativas; o poder do
pálpebras, flores para os vasos,
richelieu de interferir no tempo e no espaço
todos gracejam um pouco quando de bom

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humor, bebem suco cítrico da cidade é vencido. Memória e música


geladeira, à noite olham a lua e as estrelas, misturam-se na urdidura inesgotável de
colocam fones de ouvido com formas e afetos. A imensidão dos detalhes
música suave e adormecem gostosamente se faz presente no ato de revezamento do
até a aurora (Szymborska, 2016, p. 288). toque dos tambores. Nos gestos da baiana a
renda de richelieu mostra a sua modulação
A escritora polonesa, ao apresentar
ao contar um peculiar enfrentamento às
o dia a dia do homem comum, sugere-nos o
armadilhas do terror. Na coreografia dos
anonimato da barbárie. Multiplica as veias
terreiros, ao som dos atabaques, é dito para
onde o horror circula e se abastece. Turva a
a cidade:
nitidez da identidade, embaça o rosto dos
agentes promotores do medo, do Os Ibejis, os orixás gêmeos, viviam
enrijecimento dos músculos pelo excesso de para se divertir.5 Viviam tocando uns
esperança no sagrado, no mercado, no eu pequenos tambores mágicos. Nessa
empreendedor de si mesmo. Wislawa mesma época, a Morte colocou armadilhas
assusta e assombra quando sugere que o em todos os caminhos e começou a
terror pode ser maior, que as dores da comer todos os humanos que caíam nas suas
tortura poderão ser mais intensas, que a arapucas. Homens, mulheres, velhos
tensão é insolúvel. Ao apresentar o ou crianças, ninguém escapava da
anonimato da barbárie lega-nos a imensidão voracidade de Icu, a Morte. Icu
infinita do detalhe nas cidades que pegava todos antes de seu tempo de morrer
ultrapassam as amarras da visibilidade. haver chegado. O terror se alastrou
Sugere cumplicidades peculiares entre entre os humanos. Sacerdotes, bruxos,
vários agentes da ordem, onde a morte em adivinhos, curandeiros, todos se
vida, ou outras modalidades de mortes juntaram para pôr um fim à obsessão de Icu.
proliferam nas cidades. A poetisa talvez Mas todos foram vencidos. Os
proponha ouvir o som dos tambores, apesar humanos continuavam morrendo antes do
do alarido das balas, ou do medo. O que tempo. Os Ibejis, então, armaram
pode um tambor? um plano para deter Icu. Um deles foi pela
trilha perigosa onde Icu armara sua mortal
Do giro da anágua nas Casas de
armadilha. O outro seguia o irmão
Santo uma história perturbadora aos
escondido, acompanhando-o à
homens e mulheres comuns é narrada. Na
distância por dentro do mato. O Ibeji que ia
dança, ao som dos atabaques, a desejada
pela trilha ia tocando seu pequeno
felicidade entre grades, o desprezo pela

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tambor. Tocava com tanto gosto e maestria repetição do brincar infantil como uma
que a Morte ficou maravilhada, não quis experiência política devastadora.6
que ele morresse e o avisou da armadilha.
Ela (a criança) não quer fazer
Icu se pôs a dançar inebriadamente,
a mesma coisa apenas duas vezes, mas
enfeitiçado pelo som do tambor do menino.
sempre de novo, cem e mil
Quando o irmão se cansou de tanto
vezes. Não se trata apenas de assenhorear-
tocar, o outro, que estava escondido no
se de experiências
mato, trocou de lugar com o irmão, sem
terríveis e primordiais pelo amortecimento
que Icu nada percebesse. E assim um irmão
gradual, pela invocação
substituía o outro e a música jamais
maliciosas, pela paródia; trata-se também
cessava. E Icu dançava sem fazer sequer
de saborear
uma pausa. Icu, ainda que estivesse
repetidamente, do modo mais
muito cansada, não conseguia parar de
intenso, as mesmas vitórias e triunfos. O
dançar. E o tambor continuava
adulto alivia seu coração do
soando seu ritmo irresistível. Icu implorava,
medo e goza duplamente sua felicidade
queria descansar um pouco. Os
quando narra sua
Ibejis então lhe propuseram um pacto. A
experiência. A criança recria essa
música pararia, mas a Morte teria
experiência, começa
que jurar que retiraria todas as armadilhas.
sempre tudo de novo, desde o início.
Icu não tinha escolha, rendeu-se. Os
Talvez seja esta a raiz mais
gêmeos venceram. Foi assim que os Ibejis
profunda do duplo sentido da
salvaram os homens e ganharam fama
palavra alemã Spielen (brincar e
de muito poderosos, porque nenhum outro
representar): repetir o
orixá conseguiu ganhar aquela peleja com
mesmo seria seu elemento comum. A
a Morte. Os Ibejis são poderosos, mas o que
essência da
eles gostam mesmo é de brincar.
representação, como da brincadeira,
Qual o poder de um tambor? não é “fazer como se”, mas “fazer
sempre de novo”, é a
Da astúcia dos gêmeos a música e o
transformação em hábito de uma
revezamento enfrentam as armadilhas de
experiência devastadora
Icu. Na repetição do toque dos tambores a
(Benjamin, 1994, p. 253).
brincadeira tornara-se um potente ato de
combate. Walter Benjamin define a Qual o poder do revezamento no
toque do tambor? Por que revezar? Qual

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crueldade se afirmaria na delicadeza de um vários tempos, ornada pelo bordado de


bordado? richelieu, pulsa intensamente.

Marielle Franco e Anderson, os


torturados de ontem e de hoje, os jovens de
Notas
Acari, travestis brasileiros, suicidas
contagiados pela culpa de um desejo sem ¹ Segundo o site da Escola de Jornalismo da
nome, crianças alvejadas nas escolas das
Universidade do Recôncavo Baiano, “No
favelas, mulheres violentadas,
campo estético das religiões de matrizes
trabalhadores rurais, Moa de Katende, gente
africanas, o bordado de richelieu é sem
anônima atacada pela violência do Estado
dúvida o elemento representativo dos trajes
foram salvos da armadilha de Icu.
usados, que representa a beleza e a
Escaparam da morte devido à maestria dos
exuberância própria desses espaços,
meninos tocadores de tambor. Os Ibejis
efetivando uma moda singular. O bordado
lutaram brincando, o brincar da
de richelieu surgiu por volta do século XV
“experiência devastadora” a recusar a
na Europa configurando-se como um
7
conclusão de uma narrativa. A façanha dos
bordado intermediário entre o bordado
gêmeos, relembrada através da dança nos
tradicional e a renda. Os portugueses
terreiros, afirma que a troca de lugar na
copiaram e trouxeram essa técnica de
percussão enfrenta a morte fora da hora;
bordado para o Brasil. O richelieu requer
inquire o fim de histórias incompletas,
muita paciência e segurança, já que é
inacabadas. Os violentados pela barbárie do
realizado com pontos cortados, onde os fios
Estado ainda vivem a espera do
são retirados delicadamente até formarem
revezamento para a continuidade do que
verdadeiros vazios no tecido. (...) Para
ficou na metade do caminho. Aguardam o
desenvolver o bordado, o primeiro passo é
desdobrar, o contar mais uma vez, o narrar
fazer o desenho. Depois, são feitos cortes e
de outro modo o que foi interrompido. No
começa o bordado na região previamente
Rio de Janeiro bordadeiras e varais insistem
desenhada, podendo ser feito à mão ou à
em começar tudo de novo. A delicadeza da
máquina. O trabalho é bem minucioso.”
renda é implacável. Ela é cruel para os atos
Disponível em
de terror, porque é composta por cortes,
www3.ufrb.edu.br/reverso/vestimenta-dos-
pelo fiar, desfiar, entrelaçar fios tecidos por
terreirros-influencia-moda-no-reconcavo-
mãos atentas ao que acontece e as desafiam
da-bahia.
no ato da criação. A cidade tecida por

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² A importância das coisas miúdas exercícios e tentativas nos quais a


cotidianas para a história inspira-se nas experiência humana- tanto espiritual e
teses “Sobre o conceito de história” em inteligível como sensível e corporal-
Walter Benjamin, especificamente na tese assume outras formas” ((Gagnebin, 2014,
III. “O cronista que narra profusamente os 175).
acontecimentos, sem distinguir grandes e 7
A recusa da conclusividade da história
pequenos, leva com isso a verdade de que
fundamenta-se, segundo Jeanne Marie
nada do que alguma vez aconteceu pode ser
Gagnebin, na historiografia militante de
dado por perdido na história”. (Benjamin,
Walter Benjamin: “Benjamin propõe
2005, p. 54). Em relação aos fatos
algumas balizas para uma historiografia
cotidianos noticiados na mídi sobre a
verdadeiramente militante. Não porque
destruição dos templos das religiões afro-
milita em favor de um partido ou de uma
brasileiras ver o site
tendência, mas porque milita por uma
https://g1.globo.com/rj/rio-de-
memória do passado que permita não só
janeiro/noticia/2019/03/29/terreiro-de-
salvar a memória dos vencidos, mas
candomble-e-depredado-em-nova-iguacu-
também liberar outras possibilidades de luta
religiosos-foram-expulsos.ghtml
e de ação no presente do historiador – no seu
³ Sobre as considerações sobre o homem
caso, um presente paralisado pelo fascismo
comum ver Baptista, 2018.
e pelos dogmatismos tanto da historiografia
4
Poema Terrorista, de Wislawa burguesa como do marxismo ortodoxo
Szymborska. stalinista. Essa enunciação no presente é

5
uma exigência fundamental e traz como
Lenda iorubá descrita por Prandi, 2001, p.
conseqüência o fato de que “a história a
366.
contrapelo” do passado e a reflexão crítica
6
Sobre o sentido político do ato de brincar sobre o presente coincidem” (Gagnebin,
em Benjamin, Gagnebin afirma: “Crianças 2014, p. 257).
e artistas se põem a experimentar com o
mundo, isto é, a destruí-lo e a reconstruí-lo,
porque não o consideram como Referências
definitivamente dado. Essas brincadeiras
BAPTISTA, L.A.S. Artes da Cidade. O
essenciais implicam uma noção política que sagrado e a barbárie de um homem
comum. In: Emerson Fernando Rasera;
não visa a transformação do mundo
Maristela de Souza Pereira; Dolores
segundo normas prefixadas, mas a partir de Galindo. (Org.). Democracia
Participativa, Estado e Laicidade:
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A Cidade dos Tambores
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Psicologia Social e enfrentamentos em


tempos de exceção. 1ed. Porto Alegre:
ABRAPSO Editora, 2017, v. 1.

BENJAMIN, W. Teses sobre o conceito de


história. In: Lowy, M. (organizador)
Walter Benjamin: aviso de incêndio.
Uma leitura das teses “Sobre o conceito
de história”. São Paulo: Boitempo,
2005.

BENJAMIN, W. Obras escolhidas. Magia e


técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1996.

GAGNEBIN, J.M. Limiar, aura e


rememoração. Ensaios sobre Walter
Benjamin. São Paulo: Editora 34, 2014.

PRANDI, R. Mitologia dos Orixás. São


Paulo: Companhia das Letras, 2001.

WISLAWA, S. Um amor feliz. São Paulo:


Companhia das Letras, 2016.

Luis Antonio dos Santos Baptista é


professor Titular do Instituto de Psicologia e
do Programa de Pós-graduação em
Psicologia da Universidade Federal
Fluminense.

E-mail: baptista509@gmail.com

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