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Publicação: 06/2008
Revisão: 05/2012
Era uma São Paulo chuvosa naquele verão de 1986. Iniciando seu mandato de presidente da
Bolsa de Mercadorias de São Paulo (BMSP), Ney Castro Alves sabia que teria de liderar, no
Conselho de Administração, a tomada de grandes decisões estratégicas. A BMSP estava prestes
a completar 70 anos, mas, em vez de poder desfrutar uma merecida tranquilidade, precisava
enfrentar grandes desafios. O motivo principal eram duas importantes mudanças recentes no
Brasil – respectivamente, nos cenários de macroeconomia e de competitividade na indústria
financeira.
1 Caso desenvolvido pelo professor Pedro Carvalho de Mello, com a assistente aluna Isabel Paiva e Sousa Oliveira. O
autor agradece as contribuições dos professores Antonio Zoratto San Vicente e Danny Claro. O caso é somente para
fins de discussão em sala de aula: não se propõe julgar a eficácia ou a ineficácia gerencial, nem tampouco deve servir
como fonte de dados primários.
Em seguida, colocou na mesa a questão principal: a BMSP precisaria encarar uma opção
estratégica vital para o seu destino. Como primeira alternativa, poderia continuar tocando os
seus mercados tradicionais, focados em commodities, e tentar conter as investidas da BM&F na
área agrícola e em outras commodities, deixando de lado qualquer pretensão de lançar contratos
financeiros. A segunda alternativa seria partir para um ataque frontal, mantendo seus contratos
de commodities, e passando a brigar também na arena dos contratos financeiros.
A decisão a tomar, portanto, girava em torno do número e da diversidade dos contratos que
deveriam ser lançados. Chegara a hora da verdade para a BMSP: ao lançar novos contratos, teria
que escolher entre enfatizar o mercado financeiro e manter o foco nos mercados de commodities.
Essencialmente, a questão era permanecer um virtual monopolista na indústria, dissuadindo a
BM&F de efetivamente concretizar sua entrada no mercado, ou acomodar a situação,
compartilhando a indústria com a BM&F.
Pode-se fazer uma analogia entre o lançamento de novos contratos em bolsas de futuros e o
lançamento de novos produtos por empresas fabris ou comerciais. Nos dois casos, existe a
necessidade de grandes investimentos, preparação prévia e conhecimento do mercado, e
enfrentamento de situações de risco e incerteza, principalmente quanto ao comportamento da
demanda por seus produtos.
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O papel das bolsas é criar ambientes de negociação e dar liquidez aos contratos. De modo
geral, as bolsas de futuros realizam quatro funções vitais para uma economia de mercado:
descoberta de preços, transferência de riscos, liquidez para os participantes e padronização de
contratos. As bolsas existem para propiciar condições favoráveis para hedgers, especuladores e
arbitradores realizarem seus negócios. Evidentemente, as bolsas buscam lucros, seja de maneira
explícita ou embutida nos negócios do setor de intermediação.
Lançar contratos futuros é mais uma “arte” do que uma “ciência”. Para lançar um contrato
futuro, com previsão de uma trajetória sólida de geração de liquidez nos anos seguintes, devem-
-se cumprir estas quatro etapas: observar os pré-requisitos; montar uma estratégia de
lançamento; conseguir a “alquimia da liquidez” (a mais difícil de todas); e administrar o “ciclo
de vida” do contrato. A Figura 1 exemplifica as quatro etapas:
2 Os contratos negociados no mercado futuro podem ser classificados em três grandes grupos: (1) agropecuários,
incluindo algodão, café, boi gordo, soja e derivados, milho, cacau, açúcar, suco de laranja, frango congelado etc.; (2)
minerais e energia, como ouro, prata, cobre, alumínio, petróleo, gás etc.; e (3) instrumentos financeiros, como moedas
estrangeiras, taxas de juros e índices de ações.
3 Considerando o conjunto de bolsas de derivativos, e listando-se os contratos oferecidos, existem quase duas centenas
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Contexto estratégico
Para se examinar a decisão estratégica a ser tomada pela BMSP, cabe acrescentar diversas
informações relevantes sobre o cenário macroeconômico e competitivo vivido pela instituição na
época, a sua cultura de mercado, a sua atitude em face da inovação financeira e as suas
tentativas de desenvolver o mercado.
Cenário macroeconômico: a década de 1980 foi uma das mais tumultuadas da recente
história econômica do país. O Brasil teve, antes, uma fase brilhante de crescimento
econômico no pós-guerra, até os anos de 1970. Em meados da década de 1980, com o
início da redemocratização brasileira, o novo governo, do ponto de vista
macroeconômico, não só herda antigos problemas como também cria novos, e passa a
enfrentar sérias dificuldades − nomeadamente, a taxa de inflação além dos níveis
politicamente sustentáveis e a perda de seu potencial histórico de crescimento
econômico. Com o governo sem recursos, o país com poupança negativa e o mercado
externo em recessão, eram poucas as possibilidades de crescimento da economia
brasileira. Quando o novo governo civil assumiu em 1985, definiu como prioridade não o
crescimento, que parecia inviável, mas o combate à inflação e a gestão do endividamento
externo. A inflação brasileira era um mal crônico com o qual a sociedade convivia através
de um mecanismo de indexação – reajuste de preços e salários de acordo com a inflação
passada. Estava claro também que, sem se livrar da indexação, não havia como reduzir a
inflação. Foram se sucedendo, então, vários planos econômicos que visavam controlar a
inflação. As falhas desses planos foram não enfrentar a crise fiscal e não conseguir
desindexar a economia sem violentar a lógica de mercado através de congelamentos e
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1980, no entanto, começa a haver maior interação, inclusive em função da extensão dos
negócios da BMSP para os contratos financeiros.
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Protagonistas
Existia uma grande diferença de postura estratégia entre as bolsas, em virtude de suas
origens. Na época, a Bovespa – da qual surgiu a BM&F − era um clube fechado comandado por
corretoras de valores independentes, com um forte esprit de corps. A própria natureza do
mercado de ações ajudaria a viabilizar esse arranjo. No caso da BMSP, no entanto, a natureza da
inserção da bolsa nas cadeias produtivas a transformava numa grande caixa de ressonância.
Tinha de dedicar muitos esforços para ouvir os potenciais participantes do mercado, buscar
situações de equilíbrio entre os mesmos na negociação e desenvolver um complexo aparato de
autorregulação. Em outras palavras, a BM&F vinha de uma tradição de “clubes fechados”
(tradição Bovespa), enquanto a BMSP era um “clube aberto”.
Havia também uma intensa vinculação entre corretores e bolsas, mas não uma total
identidade de interesses. Os corretores da BMSP eram muito ligados ao setor produtivo,
principalmente à cadeia de produção do agronegócio do algodão. Os negócios em bolsa eram
parte importante, mas não representavam a totalidade de seus interesses. Os corretores da
BM&F já eram mais ligados ao setor financeiro.
Já para os dirigentes, o “negócio” da bolsa era vital. Toda a estrutura montada para operar
contratos futuros poderia ficar ociosa caso não houvesse a criação de novos negócios com
derivativos. Os principais “executivos” ou dirigentes das bolsas brasileiras eram geralmente
profissionais contratados para essa tarefa9. Note-se que os executivos de bolsas, quando essas
são constituídas como “clubes de corretores”, têm grande poder. Os corretores competem entre
si por negócios, e se enfraquecem enquanto grupo. Isso cria espaço para os dirigentes − caso
tenham tino político, além de qualidades administrativas − assumirem posições de liderança e
poder na instituição. Para os dirigentes da bolsa (e, indiretamente, para seu corpo profissional),
o objetivo maior é aumentar o número de negócios realizados em seu pregão, ampliar o
prestígio da instituição e obter receita para a bolsa. O Quadro 2 apresenta o histórico de
lançamento dos contratos negociados na BMSP. A Tabela 2 apresenta o volume de contratos
negociados na BMSP entre 1980 e 1986. A Tabela 3 apresenta os demonstrativos financeiros da
BMSP, de 1979 a 1986. A Tabela 4 mostra as despesas e receitas da BMSP, em percentuais, no
período de 1979 a 1986.
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Em começos de 1986, portanto, a BMSP enfrentava grandes mudanças nos parâmetros que
antigamente balizavam seu quadro de negócios. Dentre esses, uma maior volatilidade
macroeconômica, a experiência vitoriosa de suas bolsas congêneres em Chicago e outras praças
econômicas para migrar para ativos financeiros, a crescente ampliação de negócios das
corretoras de ações para mercados monetários e financeiros. Percebiam também uma grande
ameaça: a criação pelas corretoras de ações de São Paulo de uma bolsa de mercadorias e futuros.
O que fazer agora? Manter-se “agrícola” ou tornar-se também “financeira”? Focar a estratégia
de atuação em contratos agrícolas ou expandir para derivativos de ativos financeiros? Operar
num mercado de monopólio ou duopólio? Lutar pela hegemonia do mercado ou acomodar a
entrada da BM&F? Como reagiriam os dirigentes diante da rivalidade entre as duas bolsas?
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Anexos
Barreiras que
impedem ou
Superação
dificultam a
ou
criação de uma
adaptação
nova “Bolsa de
Futuros”
Tentativa e erro
Contrato Organização
(monitorar razões e da Bolsa e
do sucesso ou lançamento do Pregão
fracasso)
Hedgers
Etapa de "Química
maior da Mercados
risco liquidez”
Especuladores
Prolongar
Gestão Ciclo de
e vida do Adaptar
estratégia contrato
Encerrar
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Obs.: Dados sujeitos a erros de arredondamento. As commodities incluem trigo, milho, aveia, soja (grãos, óleo e torta),
porcos, pork bellies, boi gordo, feeder cattle, madeira, café, açúcar, cacau, algodão, suco de laranja, batatas, prata, ouro,
cobre, paládio, platina, petróleo, heating oil, gasolina (leaded e unleaded). Os financeiros incluem GNMA Mortgages, T-
Notes, T-Bonds, Major Market Index, MMI Maxi, Municipal Bonds, British Pound, Canadian Dollar, Deutsche Mark, Japanese
Yen, Swiss Franc, Financial Gold, T-Bills, Domestic CD, Eurodollar, S&P 500 Index, S&P 100 Index, Value Line Index, Dollar
Index, 5-Year T-Note, NYSE Comp Index, CRB Index.
Fonte: Dados da Futures Industry Association, compilados por Leuthold, Junkus e Cordier (1989), e organizados pelo
autor do estudo de caso.
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Notas: CME (Chicago Mercantile Exchange); CBOT (Chicago Board of Trade); CBOE (Chicago Board Options
Exchange); NYSE (New York Stock Exchange); GNMA (Government National Mortgage Association); ME (Montreal
Exchange); AMEX (American Stock Exchange); PHLX (Philadelphia Stock Exchange; AOA (Australian Options
Market); TSE (Toronto Stock Exchange); PSE (Pacific Stock Exchange); MSE (Midwest Stock Exchange); LTOM
(London Traded Options Market); EOE (European Options Exchange); NYMEX (New York Mercantile Exchange); IPE
(International Petroleum Exchange); OTC (over the counter market); TFE (Toronto Futures Exchange); LIFFE (London
International Financial Futures Exchange); KCBT (Kansas City Board of Trade); CSCE (Coffee, Sugar and Cocoa
Exchange); COMEX (Commodity Exchange); NYFE (New York Futures Exchange); SIMEX (Singapore International
Monetary Exchange); HKFE (Hong Kong Futures Exchange); NASDAQ (National Association of Securities Dealer-
bolsa eletrônica).
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Volume de contratos
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45.060.666 45.060.666
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Resultado do Exercício
Econômico 749.657.297
Resultado do Exercício
Econômico 1.353.854.785
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Receita
Serviços do Algodão e
Derivados 57,5% 57,7% 43,4% 43,8% 25,9% 15,3% 23,8% 63%
Serviços de Outras
Commodities 6,6% 3,8% 3,6% 1,5% 16,4% 8,6% 6,7% 12%
Rendas 34,8% 34,3% 49,9% 46,5% 53,3% 71,4% 63,5% 11%
Outras Receitas 1,2% 4,2% 3,1% 8,3% 4,4% 4,7% 6,0% 14%
TOTAL RECEITA 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
Fonte: BMSP
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