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A mentira do

CEO
Capítulo 1- Elisabete
Eu não era de acreditar em superstições e mau agouro, porém
hoje estava sendo um daqueles dias em que tudo dava errado.

A sorte nem sempre estava a meu favor, no início pensava que


era coisa da minha cabeça, que tinha que me esforçar mais para
conseguir as coisas, mas com o tempo, tive que admitir que havia
algo errado.

Mesmo que ainda negasse que alguém podia carregar esse mal,
alguns fatos ainda me faziam ficar em dúvida.

Hoje era um desses dias.

Não sei o porquê, mas meu celular alarmou muito cedo.

Muito adiantado!

Duas horas adiantado!

Quando olhei no aparelho, achei que estava atrasada, pois as


horas marcavam duas horas a mais do que eu esperava. Quando
olhei no espelho, meu rosto parecia ter sido amassado por um trator
e o pior de tudo era que eu achava que não tinha tempo para tomar
café.

Eu era uma pessoa simpática e bem-humorada, mas de barriga


vazia as coisas mudavam, pois uma substituta mal-humorada
possuía o meu corpo e me dava dor de cabeça.

Como o dia estava só começando, os ônibus estavam lotados.


Não como eu já estava habituada, mas de forma anormal. As
pessoas se amontoavam como em uma lata de sardinha, e o cheiro
não era dos melhores.
Eu não sabia como alguém poderia sair de casa de manhã sem
tomar um banho.

Quando cheguei à empresa, não havia ninguém além do vigia.

Para falar a verdade, eu deveria ter notado as pistas durante o


trajeto.

Primeiro, estava mais frio que o normal para as oito da manhã.


Até o ônibus. Tudo estava lá, porém, como não havia tomado café e
havia acordado duas horas mais cedo, o que dificultava o meu
raciocínio, não percebi o meu erro.

Trabalhava na empresa Duarte investimentos há três anos e não


era na minha área de formação.

Depois que sai da faculdade, você pensa que será tudo um mar
de rosas, mas tristemente descobri que o mundo era cruel e existem
milhares de pessoas tão boas quanto eu.

Tive que fazer uma escolha: continuava tentando buscar o meu


sonho ou pagava o aluguel e o supermercado.

Confesso que passei três anos com os pés no chão, deprimida


por não ter conseguido.

— Bom dia, senhor Antônio. — Falei me aproximando do homem


de quarenta anos com o sorriso simpático. — O senhor sabe por
que está tudo tão… vazio?

O homem me olhou com o cenho franzido, parecendo que eu


tinha feito a pergunta mais burra que ele havia ouvido, mas
continuei firme, o olhando com um sorriso amarelo.

— São seis da manhã, sabe que as coisas só começam a


funcionar aqui a partir das sete. — Ele disse.
Na hora eu ainda estava refletindo sobre a palavra sete, e estava
cética sobre o horário. Abri a bolsa abruptamente e peguei o
aparelho que estava no fundo, escondido.

— Senhor, são nove horas. — Falei não querendo acreditar no


que o homem estava falando.

O homem tirou do seu bolso o celular que não era um dos mais
novos da sua linha, e o estendeu para mim, mostrando o horário
correto.

Olhei para o objeto, ainda sem acreditar, aos poucos tudo veio à
minha mente e desejei morrer.

Nenhum palavrão era o mais adequado para se designar a mim


naquele momento. Eu só continuei olhando para o nada, esperando
que algum tipo de explicação óbvia viesse a mente, mas nada
aconteceu.

Eu poderia ter feito a maior cena na frente do homem, pois


sempre que algo assim acontecia, sendo tão cedo, meus olhos se
enchiam de lágrimas.

Eu não era assim tão frágil, porém, se meu estômago estivesse


vazio e o sono ainda estivesse pairando sobre a minha mente,
corroborava para esse fim.

No entanto, optei por me conter e arranjar uma alternativa.

Primeiro, eu teria que comer algo, pois se não houvesse comida


no meu estômago, não trabalhava nesse ambiente estressante, e
minha chefe era como o próprio diabo.

Se eu ficasse dessa forma até o almoço, com certeza ficaria sem


emprego, já que diversas vezes tive que me conter para não a
xingar.
A sorte era que o prédio ficava perto de várias lanchonetes, onde
eu poderia comer e passar o tempo. Retirei o aparelho diabólico da
bolsa e acertei as horas para que não houvesse mais problemas.

***

Depois daquele contratempo inicial, eu finalmente estava melhor.


Voltei e comecei o dia com uma pilha de documentos para
reorganizar. Carolina estava tensa quando chegou e mal falou
comigo, o que era estranho, pois a mulher adorava me importunar
logo quando chegava.

Fiquei bastante cansada após organizar tudo. Graças ao sono


que me consumia, tive que tomar café a mais, só para não dormir
em cima do computador.

No almoço, a chefe saiu mais cedo, ela ainda estava estranha,


mas não me importei e dei graças a Deus por ela não ter me
incomodado, pelo menos ainda.

Saí com algumas colegas para comer e na volta fiquei


envergonhada ao encontrar o porteiro, que era o único que sabia do
meu desastre do início de dia.

Antes de ir embora, fui chamada na sala de Carolina e senti a


tensão no ar. Eu sentia um mau pressentimento de que iria ser
demitida.

Assim que entrei e sentei-me, vi a expressão de preocupação da


mulher. Ela estava estranha o dia todo, e agora estava me olhando
como se fosse dizer que alguém morreu.

— Alguma coisa aconteceu? — Perguntei cautelosa.

— Sim, infelizmente. — Disse deixando os ombros caírem e se


encostou à cadeira. — Falimos.
Ouvir isso fez meu coração pular. Era o nosso fim e a minha
demissão. Já havia ouvido rumores sobre as condutas indevidas do
chefão. Ele estava roubando e jogava tudo em pôquer.

— O que farão agora? — Perguntei triste.

— Todos vocês serão pagos e o que sobrar será para pagar as


dívidas. — Respondeu.

Depois dessa breve conversa, foi acertado o dia que deveríamos


voltar e receber. Todos que saíam estavam como eu: tristes e para
baixo. Uns piores que outros.

Passei todo o caminho pensando no que fazer. Gastei três anos


da minha vida em um emprego que não me valorizava, e nem era
do meu ramo. Agora estava sem nada e acreditava que seria difícil
arranjar outro agora.

A situação do país não era a melhor e perder o emprego agora


seria um grande problema. Mas talvez seja essa a oportunidade que
eu esperava para finalmente trabalhar em paisagismo, que era a
área que me formei. Eu tinha uma casa, e meu namorado tinha um
bom trabalho. Mesmo que demorasse um pouco, talvez conseguisse
algo.

Andei poucos metros até a casa que tínhamos alugado. Não era
muito grande, mas servia. Vivíamos trabalhando, e era Miguel que
passava a maior parte do tempo em casa. Pelo menos até agora.

Entrei já tirando o sapato e jogando a minha bolsa no sofá. As


luzes estavam acesas, mas nada do homem. Um barulho vindo do
quarto, chamou minha atenção.

Não chamei seu nome, porém, a curiosidade era maior e


caminhei até o quarto, devagar. A porta estava entreaberta e
quando vi duas pessoas trepando em cima da minha cama, quase
caí.
Miguel e Ângela transavam como dois coelhos enquanto eu
assistia chocada. Uma raiva tomou conta do meu corpo, e abri a
porta com uma batida forte.

— QUE PORRA É ESSA?

Parecia que alguém havia me jogado o pior feitiço do mundo.


Primeiro perdi o emprego, agora descubro que sou corna.
Capítulo 2 - Henrique
Eu gostava de trabalhar. Mantinha minha mente focada e
funcionando. Sentimentos são complicados, por isso sempre tentei a
todo custo me manter distante.

Foi por isso que minha noiva me deixou. Não que eu não
gostasse dela, mas Anastácia era uma mulher muito sentimental e
pegajosa.

Eu adorava a sua classe e inteligência, porém, tinha as minhas


manias e preferia ficar só.

Muitos diziam que eu era frio e arrogante e, na verdade, sou.


Acredito que vários fatores ocorreram na minha vida para que eu
tivesse me tornado isso.

No passado eu era mais aberto e compreensivo, mas tudo


mudou quando a mulher que eu amava jogou na minha cara que
não era isso que ela queria.

Depois de uma tragédia em minha família, pensei que era melhor


mudar de atitude e me preservar mais.

Foquei-me mais no trabalho e esqueci o resto. Quando pedi a


mão de Anastásia em casamento, não queria amor, queria uma
esposa e filhos.

Entretanto, acredito que não deixei isso bem claro e a mulher


começou a exigir coisas. Se ela não tivesse terminado, quem teria
feito isso seria eu.

Não desejava viver a minha vida, muito corrida, ao lado de


alguém que me exigisse tanto.
Isso poderia me tornar alguém frio e solitário, mas não queria
viver de mentiras.

Eu não sabia se algum dia algo me faria mudar, mas pretendo


achar alguém que me dê um herdeiro. Não sou filho único, mas meu
irmão não gosta de arquitetura como eu. Sentia a necessidade de
fazer o melhor por essa empresa, e criar meu substituto era uma
dessas coisas.

Voltando ao trabalho, eu ainda tinha que me preocupar com a


nossa nova contratação. A empresa precisava de uma paisagista, e
essa pessoa seria uma assistente para mim, trabalhando em meus
projetos.

Gosto de saber e controlar tudo ao meu redor, às vezes, as


pessoas consideram isso como arrogância minha. Para se ter
sucesso, tudo tem que estar organizado e tranquilo. Se o local de
trabalho não for assim, não trará benefício algum.

— Quem será responsável pelas entrevistas? — Perguntei a


mulher de cabelos curtos assustada que estava a minha frente,
segurando uma pilha de papel.

Ela pensou por alguns minutos antes de responder. Essa era a


coisa que mais odiava na Judi, minha secretária. Quando eu fazia
uma pergunta, gostava de ser respondido logo, tempo era muito
precioso para mim.

— Serena. — Finalmente respondeu.

— Ok. — Falei voltando a prestar atenção nos documentos a


minha frente. — Diga a Serena que quero a melhor e a mais
responsável de todas.

***
Assim que cheguei em casa, coloquei um pouco de bebida no
copo e tomei. Como sempre, cheguei bem tarde.

Minha família sempre reclamava sobre a minha rotina de


trabalho, porém, fazia o que gostava e isso não me incomodava
nem me cansava.

Tenho poucos amigos e os conheço desde a infância, no


entanto, não saímos muito, confesso que era minha culpa, pois
sempre afastei todos de perto de mim.

Eles vivem reclamando sobre esse meu comportamento, mas


não me incomodo com isso.

Sempre que estou a fim de sair com algumas pessoas para


beber ou jantar, era eu que os convidava, porém, eram raros esses
momentos.

Meu celular tocou em cima do sofá e já ao longe vi que era a


minha mãe. Desde que Anastácia e eu terminamos, a mulher vivia
me importunando.

Catarina Vilella sempre desejou que eu me casasse com uma


mulher fina, linda e delicada. Sempre que tinha a oportunidade, ela
arrumava maneiras de jogar algumas das filhas de suas amigas
para cima de mim. Foi assim com Anastácia Alencar, entretanto, não
tomarei decisões erradas novamente.

— Mãe. — Falei ao atender o telefone.

Eu já estava cansado e conversar com a minha mãe iria acabar


com o resto da minha paciência do dia.

— Querido, como você está? — Perguntou começando a buscar


pistas sobre meu humor.
Se eu não a conhecesse, diria que essa era uma reação normal
de uma mãe para com o seu filho, no entanto, sei que Catarina
estava aprontando algo.

— Bem… por enquanto. — Respondi bebendo o último gole e


passando a mão pela minha têmpora. — O que deseja desta vez,
mãe?

— Ah, Henrique, até parece que não posso ligar para saber
como está meu filho. — Reclamou fingindo estar ofendida. — Mas
também queria lhe informar sobre um jantar beneficente.

Eu já adivinhava que poderia haver algo que ela iria me propor.

Jantares beneficentes serviam para dois propósitos: o primeiro,


era para esbanjar dinheiro e dizer que os ricos eram benevolentes.
O segundo motivo, era para que homens como eu, fossem
apresentados a mulheres em busca de maridos.

— Sinto muito, mãe, mas estarei ocupado. — Falei rápido antes


que ela continuasse.

— Henrique você tem…

— Quem sabe na próxima. — A cortei. — Amo você, boa noite.

Desliguei o celular antes que ela tentasse me convencer de mais


coisas.

Não gosto de ser rude com ela. Sei que a mulher vivia muito
deprimida devido ao meu pai, mas não suportava quando minha
mãe tentava arranjar uma mulher para mim.

Já cometi esse erro e não pretendo repetir. Sei que já tenho 35


anos e que deveria me casar logo, porém, não queria que essa
fosse a função da minha mãe.
Se pretendia arranjar alguém que ficaria ao meu lado para
sempre e ser a mãe dos meus filhos, farei isso sozinho, pois sei
exatamente o que quero.

***

Quando cheguei à empresa, todos estavam concentrados em


seu trabalho e afazeres. Sei que só faziam isso quando estava por
perto.

— Que bom que chegou, amigo, temos a reunião com o grupo


que está planejando a revitalização dos hotéis no litoral. — Falou
Roberto, me acompanhando até a sala de reuniões.

Nos conhecemos no colegial. Ele sempre foi um bom


companheiro e muito inteligente. Durante o meu período mais difícil,
foi ele que esteva ao meu lado.

Hoje trabalhamos juntos e fico feliz por isso, pois meu amigo era
um dos mais criativos.

— Ótimo. — Falei procurando a minha secretária. — Judi! — A


chamei em voz alta e todos se assustaram. — Venha!

A mulher minúscula correu em minha direção segurando o seu


bloquinho de anotações.

Pedi um café e entramos na sala de reunião onde já estavam à


nossa espera.

Uma loira alta com vestido branco que se ajustava ao seu corpo,
sorriu ao me ver. Ela era responsável pelos hotéis que seriam
reformados.

Assim que começamos, todos se animaram. Eleonor nos contou


o que seu chefe desejava para a reforma. Além disso, seriam
construídas novas áreas e depois disso, também teríamos que dar
uma repaginada, transformando tudo em um local moderno e
confortável.

Os hotéis não ficavam muito longe da capital e tinha o privilégio


de ficar a poucos metros da praia, onde muitos turistas se
hospedariam para a temporada de verão.

Programamos uma visita ao local, onde a mulher disse que o


próprio proprietário dos hotéis iria nos receber e nos contar todos os
detalhes sobre o que ele desejava. Eu esperava que até lá eu já
tivesse a minha assistente, pois segundo Serena, achar a pessoa
perfeita para o cargo seria difícil.
Capítulo 3- Elisabete
Foi realmente decepcionante descobrir que meu namorado e
minha amiga estavam me traindo. Por incrível que pareça, não me
importei em perder o Miguel, pois penso que lá no fundo eu só
gostava dele e não o amava. Porém, descobrir que foi traída era
algo horrível, agora estava difícil seguir sem saber em quem confiar.

Naquela noite que os peguei juntos, fiz questão de colocar tudo


para fora. Disse o que se passava pela minha cabeça e não me
arrependia de nada.

Na verdade, estava arrependida por não ter cortado o pau dele


fora e feito a vadia o comer.

Conheci Ângela na faculdade e a achei muito legal na época. Eu


mal sabia que seria apunhalada pelas costas e ter que arrumar um
lugar para morar.

Tenho sorte por ter uma irmã maravilhosa, pois quando liguei
para ela, rapidamente Mariana veio ao meu socorro. Eu ficaria com
ela até achar um novo emprego, já que não bastava o meu dia ter
sido conturbado, ainda descobri que fui traída e não tinha onde
morar.

Seu apartamento não era muito grande, mas cabíamos nele.


Como minha irmã trabalha como guia turística e vive viajando, seria
perfeito para nós.

Eu achava que tudo que aconteceu naquele dia tinha sido um


aviso do Destino de que algo estava muito errado. Ainda não sabia
o quê, mas esperava que essa maré de azar não permanecesse ao
meu lado.

— Não se preocupe, Elisa, você pode ficar o quanto quiser na


minha casa. Eu mal fico aqui mesmo e quando estiver será divertido
passar o dia com a minha irmã mais velha.

Mariana era um amor de pessoa. Todos a amavam e ela sempre


foi a mais popular na nossa casa. Ela era minha irmã mais nova,
porém, depois da faculdade a garota seguiu na sua área de
atuação, muito diferente de mim que não tive tanta sorte e optei por
trabalhar para me sustentar e deixei um pouco de lado o meu
sonho. Entretanto, a minha demissão e essa nova situação em que
me encontrava, me deu oportunidade de finalmente procurar o que
desejava.

— Obrigada, irmã, você é meu anjo. — Falei a abraçando forte.


— Vou arranjar um emprego em minha área, você vai ver, não vai
demorar muito.

— Eu espero que sim. Você merece fazer o que gosta, é muito


criativa e inteligente, aposto que essas empresas estão perdendo a
oportunidade de ter alguém tão inteligente como você. — Disse indo
para a cozinha. — Mas agora vamos assistir a um filme muito
divertido. Já faz um tempo que nós não temos essa oportunidade.

Ela tinha razão, no meu antigo trabalho eu não tinha


oportunidade de sair e me divertir muito. Era trabalho e mais
trabalho, sem tempo para folga. Mariana vivia no emprego dos
sonhos, ela viajava para o litoral com os turistas nas praias mais
lindas de Pernambuco. Outras vezes, ela trabalhava em sítios
arqueológicos.

Enquanto ela fazia a pipoca, liguei a televisão e procurei algo


decente para assistirmos. Querendo ou não, a minha cabeça ainda
questionava muitas coisas sobre Miguel e a traiçoeira que eu
chamava de amiga.

— Acha que eles estavam juntos há muito tempo e só eu que era


idiota nessa história? — A perguntei.
Eu queria parar de pensar nessa situação, no entanto, talvez a
raiva estivesse trazendo tudo à tona em minha cabeça e comecei a
questionar vários momentos da nossa vida.

— Eu não sei, mas nunca gostei daquela mulher. Na verdade,


nunca pensei que o Miguel faria tal coisa com você, achei que ele te
amava. — Disse em um tom triste.

— É, eu também, entretanto, eu não gostava mesmo muito dele,


talvez fosse apenas comodismo. — Pensei em voz alta. - Quer
saber, é melhor esquecermos isso. O Miguel não vale um minuto
dos meus pensamentos mais.

Mariana volta com a pipoca e resolvemos assistir uma comédia


para rir muito e esquecermos os problemas. Tinha que focar agora
em achar um emprego e ter o meu próprio lugar. Não deveria mais
deixar que ninguém me atrapalhasse, esse era o meu futuro e não
podia deixá-lo para trás por causa de momentos ruins ou pessoas
que não valiam a pena.

***

Não fiquei parada em casa lamentando pela vida medíocre que


tive durante esses três anos. Saí e entreguei os currículos nas
empresas que eram do meu ramo.

Minha irmã saiu para trabalhar, me deixando sozinha. Como não


tinha muitos amigos, fui obrigada a esperar em casa, entediada.

Rezei para todos os santos e deuses existentes no mundo para


que eu tivesse uma resposta rápida, pois não queria continuar
parada, não suportava ficar em casa sem fazer nada o dia inteiro.

Quem me olhasse diria que eu estava em um romance com o


meu celular, pois passei o dia inteiro ao seu lado esperando que ele
tocasse.
Quando vim para recife, foquei tanto em estudar e arrumar um
emprego que não tive a oportunidade de sair e conhecer tudo o que
deveria, por isso não tinha tantos amigos, e justo a que arrumei, me
traiu. Claro que isso trouxe um pouquinho de desconfiança, e seria
difícil acreditar em mais alguém no futuro.

Meus pais moram no interior, bem distante. Eles vivem de forma


humilde e nos criaram com poucas coisas, mas nem por isso nos
deixaram negligenciadas, nos ensinaram que não precisamos de
muito para sermos felizes, apenas de pessoas que valham a pena.

Quando a minha irmã também veio para cá, eu já não precisava


ficar mais só. Ela estudava e morava comigo, e podíamos sair para
nos divertir.

Conheci o Miguel quando trabalhava em uma lanchonete, ele


também estudava na mesma faculdade que eu, no curso de física.
Gostei dele, pois era inteligente e muito bonito. Mas pensando bem,
agora, Mariana tinha razão, ele foi sempre meio esnobe e se achava
melhor que todo mundo. Sempre que eu falava sobre o meu sonho
quando estávamos juntos, ele fazia questão de me colocar para
baixo, dizendo que isso seria impossível para mim.

Antes de vir para cá, passei muito tempo sem ninguém, as


pessoas sempre pensavam que eu tinha algum problema, porém, só
queria focar no meu objetivo. No entanto, se você não seguir
conforme a dança, as pessoas começam a falar e isso sempre foi
um problema para minha mãe.

Mas que se dane!

Ninguém deveria viver baseado no que as pessoas vão achar ou


não. Era a nossa vida, e somos nós que escolhemos o que
queremos ser ou não, caso contrário sempre iremos viver infelizes,
pois nem sempre o que as pessoas desejam para nós, era o que
realmente nos faria feliz.
Agora mesmo, tinha que me concentrar no que eu queria, e ao
ouvir o celular tocar, quase tive um ataque de pânico.

Olhei na tela e era um número desconhecido. Poderia ser


qualquer um, mas mantive o meu pensamento positivo.

— Alô. — Disse ao atender.

Eu estava tentando disfarçar a minha ansiedade, porém, estava


ficando difícil.

— Alô, Elisabete? — Perguntou a voz feminina do outro lado.

— Sim, sou eu. — Respondo ainda eufórica. Tentei a todo custo


me acalmar, mas era a primeira vez em muito tempo que uma
empresa me respondia.

— Eu sou a Judi, trabalho para a empresa ART Vilella e gostaria


de saber se você ainda está à procura da vaga?

Assim que ela havia acabado de falar, afastei um pouco o


telefone do ouvido, para que a mulher não ouvisse a minha histeria.
Já fazia um tempo que eu desejava fazer uma entrevista nessa
empresa, mas as vagas eram muito disputadas.

— Claro que sim. — Respondi ainda me abanando.

— Ótimo, estou agendando sua entrevista para amanhã, ok? —


Falou a mulher que mais parecia um anjo.

— Ok, estarei aí. — Respondi.

Antes de desligar, Judi me passou os detalhes sobre a


entrevista. Eu sabia que não seria a única a ir até lá, mas eu faria de
tudo para ser a melhor de todas.

Assim que a ligação foi encerrada, eu praticamente saltitei de


tanta alegria.
***

Ao chegar na frente do prédio alto e moderno, fiquei


impressionada com a sua beleza. Era realmente luxuoso. Eu nem
sabia que existia edifícios tão modernos em Olinda, pois a cidade
era conhecida pelas casas e prédios antigos.

Sem perder tempo, adentrei o lugar. A ART Vilella ocupava os


três últimos andares, e ao chegar perto do elevador, três mulheres já
o esperavam. Não sabia se elas já trabalhavam aqui ou não, mas
dava para ver que não vieram para brincadeira, elas estavam lindas.

Se elas fossem minhas concorrentes e essa fosse uma disputa


de moda, eu estaria ferrada. Saí de casa com um traje formal. Uma
saia lápis e uma blusa de manga longa, solta.

Assim que saímos no andar onde seria a entrevista, tive a


confirmação de que essas mulheres eram realmente minhas
concorrentes. Mas não me preocupei, já que eu era muito bem
qualificada, apesar de ainda não ter trabalhado fixamente no ramo.

Judi, que era a secretária do todo-poderoso, apareceu para nos


indicar onde seria a entrevista.

Eu estava bem nervosa e precisava de um pouco de água para


que me acalmasse.

Pedi informação a ela, que me indicou uma sala que servia de


copa para alguns funcionários comer e beber água.

Fui até a sala e bebi um pouco de água. O lugar não era muito
pequeno e tinha muitas coisas para os funcionários. Respirei fundo
ao sair da sala, mas meu corpo se chocou contra uma parede de
músculos que fez com que eu recuasse um pouco e quase caí.

— Meu deus, desculpa, eu não…


Meus olhos procuraram a vítima da minha desatenção e senti
que meus pulmões quase pararam de funcionar. Ele era alto, tinha
ombros largos, olhos verdes intensos e uma barba rala que me fez
arrepiar. Suas mãos seguravam minha cintura para que eu não
fosse ao chão.

Mantive minhas mãos em seu peitoral largo, ainda boba pela sua
imagem perfeita.

— Você deveria olhar para onde anda. — Ele disse com sua voz
grossa e arrogante.

A magia acabou no mesmo instante que seu olhar se tornou frio.


Pisquei duas vezes raciocinando sobre todo o ocorrido.

— Desculpe-me, mas o senhor também teve culpa. — Falei me


defendendo.

— Como posso ter culpa nisso se foi você quem esbarrou em


mim? — Me questionou cerrando os olhos.

Era inegável que esse homem era lindo e charmoso, mas tudo
isso não ofuscava a ignorância e a rispidez que destruía a bela obra
de Deus.

O olhando atentamente, o bonitão de olhos verdes parecia um


modelo de capas de revista chique. Podia apostar que esse babaca
era um arquiteto ou engenheiro. Mesmo tendo muita gente legal,
essas áreas eram cheias de homens e mulheres egocêntricos.

— Foi você que apareceu de repente. — Falei convicta. — Quer


saber, não posso ficar aqui, tenho o que fazer. Tenha um bom dia.

Afastei-me dele e comecei a caminhar para longe, no entanto,


seus longos dedos impediram que eu me afastasse bastante.
O simples toque de suas mãos fazia com que meu corpo
perdesse a compostura. Olhei novamente para seus olhos e pude
ver um brilho que não vi antes.

— Como se chama? — Perguntou curioso, franzindo o cenho.

— Isso não interessa a você. — Respondi ainda chateada.

Sem dar espaço para mais questionamentos, saí. Na verdade,


eu estava fugindo. Ficar poucos minutos ao lado desse homem me
fez sentir coisas que nunca senti com Miguel, e isso era estranho.
Capítulo 4 - Henrique
Prezo por duas coisas quando estou trabalhando: concentração
e dedicação, porém, já faz dois dias que minha mente estava
distraída, e por quê? Pelo simples fato de ter esbarrado em uma
mulher de cabelos escuros e olhos castanhos que tinha uma boca
incrível e uma língua solta.

Não sei quem era ela ou o seu nome, no entanto, não consegui
parar de pensar naquela ocasionalidade. Resolvi que já era hora de
expulsar aquela estranha da minha cabeça e me concentrar no
trabalho. Finalmente achamos uma pessoa que possa trabalhar
comigo. Serena não disse muito sobre a mulher, só que ela era
perfeita para o cargo, pois sua personalidade batia com a minha

— Ela começa amanhã, mas Henrique, não faça com que a


mulher queira se demitir no mesmo dia, por favor. — Pediu com um
sorrisinho no rosto. — Ela é bonita e inteligente. Tem desejo de
crescer, e com certeza poderá resistir por um tempo ao seu lado.

Continuei desenhando o esboço do nosso último projeto


enquanto a ouvia. Serena, apesar de ser uma ótima profissional, era
muito tagarela. A conheci na faculdade e agora ela trabalhava para
mim.

— Que bom, só espero não a odiar também. — Falei dando de


ombros.

— Às vezes penso que você é um daqueles protótipos robóticos


que se parece com ser humano, mas que não tem sentimentos. —
Ela disse se levantando abruptamente, parecendo chateada.

— Se eu fosse, vocês estariam ferrados. — Brinquei e a ouvi rir.

— Olha, você tem senso de humor. — Ironizou antes de sair. —


Mas falo sério quando digo que você tem que pegar mais leve com
as pessoas.

Quando finalmente fiquei só, continuei o meu projeto, sempre


amei fazer isso. Minha família estava no ramo de arquitetura há
muito tempo, porém, isso nunca foi uma obrigação para mim, pois
sempre gostei de desenhar e projetar coisas.

Já ganhei diversos prêmios no ramo, e quando meu pai quase


arruinou a empresa, fui eu que assumi e fiz com que ela fosse
reconhecida no país.

Devido a diversos fatores, meu pai e eu não tínhamos uma boa


relação, mas sabia que ele estava satisfeito com o meu trabalho.

***

O dia não havia começado muito bem. Cheguei tarde, ontem.


Mal consegui dormir e hoje perdi a hora. Isso nunca tinha
acontecido.

Não tomei café antes de sair de casa. Sabia que encontraria um


trânsito caótico, pois dirigir de Recife para Olinda não era tarefa
fácil, já que as cidades não suportavam a quantidade de veículo nas
ruas.

Fiquei mais tranquilo quando cheguei ao escritório, depois de


passar quase uma eternidade no trânsito. Não queria falar com
ninguém tão cedo, mas sabia que assim que colocasse os pés na
empresa, os problemas apareceriam. Pedi um café forte a Judi que
me seguia, batendo seus saltos no piso.

Antes de entrar na minha sala, parei no corredor em frente a sala


da minha nova assistente. Sabia que ela começava hoje, e a
silhueta perfeita que estava vendo, era bastante curioso. Apesar de
estar em uma posição provocante, ela estava formal.
Algo naquela mulher de cabelos escuros me dava uma sensação
estranha e familiar. Ela vestia uma saia preta e blusa branca solta. O
movimento que fazia ao colocar os seus cabelos longos para trás,
me deixou encantado.

Quando ouvi a voz da minha secretária, tive que voltar ao mundo


real e caminhar para o meu escritório.

— É a sua nova assistente. O nome dela é Elisabete Medeiros,


achei ela uma ótima pessoa. — Falou a mulher baixinha de cabelos
cacheados.

Ainda pensava na silhueta sexy que havia visto, mas isso não
mudou o meu humor. Sabia que até o fim do dia ficaria com dor de
cabeça.

Depois que ela me serviu o café forte, pude enfim começar o


meu dia. Pedi que ela mandasse a nova assistente entrar para
começarmos a trabalhar. Sabia que eu não poderia assustar a bela
jovem com o meu mau humor assim de cara, então respirei fundo e
encostei-me na cadeira.

Recebi uma ligação e tive que atender. Enquanto falava ao


telefone, vi o rosto conhecido entrar no meu escritório e tive que me
concentrar para não surtar.

Dava para ver que ela também havia ficado surpresa. Continuei
a minha ligação observando cada movimento da mulher que se
sentou à minha frente, ainda tentando entender o que estava
acontecendo. Assim que desliguei o telefone, nos observamos por
um instante antes que eu começasse a falar.

— Claro, você seria a assistente perfeita para mim, não é? —


Perguntei ironicamente.

— Acho que cometi um pecado muito bárbaro nas minhas vidas


passadas. — Comentou a mulher.
Não sabia se era o destino ou só coincidência mesmo. Mas ter
esta mulher como minha assistente era a forma do universo me
punir por tudo que já fiz. Ela era linda e atraente, mas da última vez
que nos encontramos foi muito mal-educada me culpando por
esbarrar nela.

O pior era que a mulher não saiu da minha cabeça desde aquele
dia e agora ela estava aqui, parada em minha frente e iria trabalhar
comigo.
Capítulo 5 — Elisabete
Quando me ligaram para dar a notícia de que eu fui a escolhida,
quase surtei. No dia em que fui até a empresa vi tantas candidatas
que até pensei que eu não seria selecionada.

Graças a Deus obtive uma resposta positiva. Agora eu


trabalharia em uma grande empresa e numa função maravilhosa no
qual esperei tanto. A partir deste dia teria mais responsabilidade e
não deixaria nada e nem ninguém atrapalhar o meu objetivo.

Na verdade, uma das perguntas foi bem estranha, pois não sabia
se era habitual ou era um teste. A mulher me perguntou se eu tinha
capacidade de trabalhar sob pressão e constante estresse, e quase
nem soube responder, mas como já havia trabalhado com uma
chefe muito irritante, já estava preparada para tudo.

Assim que cheguei pela manhã, a mulher que me entrevistou,


Serena, mostrou-me a minha sala e o que eu teria que fazer. Ela
também disse que o meu novo chefe era um homem concentrado e
que odiava atrasos ou distrações, mas que não deixasse ele me
amedrontar ou qualquer coisa do tipo.

Judi era secretária de Henrique Vilella há um bom tempo, e ela


também me alertou sobre ele. Eu já estava ansiosa e todas essas
palavras me deixaram ainda mais pilhada. Não conhecia muito o
senhor Vilella, porém, sabia que ele era um dos melhores no ramo e
que já ganhou vários prêmios. Trabalhar ao seu lado me ajudaria
muito a evoluir.

Arrumei a minha nova sala e tentei me acalmar para a chegada


do novo chefe.

Eu já aguentei muito pepino da minha antiga chefe e odiaria


trabalhar com alguém igual ou pior que ela. Acreditei que a maré de
azar havia acabado, pois já tinha conquistado o meu objetivo,
porém, pelo que estava ouvindo, parecia que meu novo chefe não
seria fácil.

Liguei para minha irmã contando a novidade e tudo o que as


pessoas já haviam falado para mim. Ela me aconselhou a relaxar e
respirar fundo, mas se o homem for grosseiro ou me humilhasse,
que eu não baixasse a cabeça.

Não sei se eu teria coragem de enfrenta-lo, pois batalhei muito e


demorou mais ainda para que eu conseguisse finalmente um
trabalho na minha área e se o desrespeitar, logo no primeiro dia,
com certeza eu não teria oportunidade em lugar nenhum.

Quando a secretária me avisou que o senhor Vilella já havia


chegado e que estava à minha espera, senti meu estômago
embrulhar. Tive que respirar fundo várias vezes enquanto
caminhava até o seu escritório, pois eu pensava que a qualquer
momento poderia desmaiar.

Entretanto, eu não estava preparada para o que encontrei assim


que adentrei a sala. O homem arrogante de dias atrás que havia
esbarrado em mim e foi muito grosseiro, falava ao telefone. Ele
também ficou surpreso ao me ver e acabei acreditando que estava
ferrada.

As lembranças exatas daquele dia se voltaram a minha mente.


Geralmente não sou tão rude, mas aquele homem despertou uma
fúria dentro de mim que não consigo explicar.

Sentei na cadeira a sua frente bastante preocupada. Eu não


sabia se ele iria me dar a chance de provar o meu valor ou
simplesmente me mandaria para o RH.

Assim que ele terminou sua ligação, ficamos nos encarando por
alguns segundos. Era verdade que desde aquele dia eu não
consegui o tirar da cabeça. Henrique Vilella era o homem mais lindo
que já vira na vida, porém, sua personalidade era de um cavalo e
não iria suportar conviver com este homem.

Como antes, ele foi grosso e irônico, esse seu sorrisinho de


canto fez com que eu quase me derretesse em sua frente.
Questionei a mim mesma sobre o destino ou as forças do universo
que sempre me colocavam nessas situações estranhas.

— Serena podia muito bem ter escolhido alguém que não fosse
tão desatenta quanto você. — Falou arrogante, me deixando
levemente irritada. — Não dá para acreditar no que está
acontecendo.

— Sei que tivemos um início muito conturbado, mas acredito que


podemos melhorar e trabalhar juntos, senhor Vilella. — Falei
reprimindo a minha raiva e vontade de responde-lo a altura.

— Você acredita? — Me questionou com o cenho franzido. — Eu


aposto que não.

— Por que é tão grosso com as pessoas? — O questionei,


levantando-me, apoiando os meus braços sobre a sua mesa.

Eu realmente estava furiosa. Poderia até o matar agora, mas


decidi ser mais prudente e tentar me acalmar, mesmo que o homem
tente a todo custo me fazer perder a cabeça.

— Por que tem a língua tão solta? — Perguntou, também se


levantando e me encarando bem de perto.

Sua aproximação causou um efeito sobre mim muito estranho.


Olhar em seus olhos verdes, assim, tão de perto, me fez sentir
insegura.

— Desculpe-me, mas não ficarei calada se o senhor quiser me


tratar como uma qualquer. — Falei, sentando-me novamente. —
Não devo o responder dessa forma, pois é meu chefe. Porém, o
senhor também deve me respeitar.

Ele cerrou os olhos e também se sentou. O homem juntou as


mãos sobre a mesa e me avaliou por um instante. Eu quis
novamente questioná-lo, entretanto, para que nossa convivência
seja, pelo menos, suportável, tinha que renunciar algumas palavras.

— Creio que já foram passadas algumas informações para você.


Não quero atraso, não tolero condutas inapropriadas no local de
trabalho e por favor, senhorita Medeiros, trate-me como seu chefe e
não como um colega, muito menos, como um cara qualquer. —
Falou desviando o olhar de mim.

— Não se preocupe, sei de tudo isso. — Falei em um tom firme.

— Em que empresa você trabalhou anteriormente?

Sua pergunta fez o meu cérebro congelar. Se o homem já estava


irritado por eu ser a sua nova assistente, imagine como ficaria
quando descobrisse que não trabalhei na área de paisagismo nos
últimos três anos.

— Fui assistente de uma contadora. Sei que não é a área da


arquitetura, mas acredite, sou capaz de trabalhar com o senhor. —
Disse, tentando amenizar cada palavra que havia falado.

Não sabia o que era pior: ter o arrogante gritando comigo ou em


silêncio me observando como se me julgasse mentalmente.

— Você não tem experiência na área, senhorita? — Perguntou


com certa irritação.

Henrique tinha aquele típico olhar que fazia você querer um


buraco para se enfiar. Eu estava nervosa e sabia que ele iria discutir
por causa disso.
— Estagiei por 6 meses quando ainda estudava na faculdade, e
mesmo que eu tenha tentado diversas vezes encontrar algo em
minha área, não consegui nada e tive que optar por arranjar um
trabalho para pagar as contas. — Expliquei com o máximo de
paciência e calmaria.

Ele respirou fundo, fechando os olhos, analisando cada palavra


que saiu da minha boca. Mesmo que eu não tenha conseguido
emprego em arquitetura e ter trabalhado por três anos em outro
ramo, isso não me desqualificava para este trabalho. Sempre me
mantive antenada e nos meus momentos de folga adorava desenhar
e imaginar projetos. Claro que isso não era profissional, mas não
tive culpa se não consegui nada.

Alguém tinha que me dar uma oportunidade.

— Serena, você pode vir ao meu escritório? — Falou ao pegar o


telefone, parecendo bastante chateado.

Meu coração parecia que ia parar a qualquer momento. Minhas


emoções estavam a flor da pele e sentia um misto de ódio e tristeza.

— Senhor Vilella, por favor, não fique chateado, sei que isso
parece algo ruim, mas não tive culpa. Isso não me desqualifica para
trabalhar com o senhor. — Falei quase entrando em desespero. Eu
sabia que este homem frio e arrogante não iria ter pena de mim,
porém, eu não poderia desistir após ter conseguido chegar até aqui.
— Posso provar que sou capaz, só preciso de uma oportunidade e
vou me esforçar ao máximo.

— Não quero uma pessoa que não vai me acompanhar. Pensa


que brinco quando entro nesse escritório? — Questiona-me rude. —
Sinto muito por você não ter tido uma oportunidade antes, no
entanto, preciso de alguém capaz e com preparo para trabalhar ao
meu lado, senhorita Medeiros.
— Eu sou capaz, e o senhor está sendo o mesmo frio e
arrogante de sempre. — Levantei-me novamente, chateada. — Não
pode me demitir sem antes me deixar provar que sou capaz. O
senhor me trata mal desde o momento que botei os pés dentro
desta empresa, e não pode esperar por uma só oportunidade para
me julgar. Já trabalhei com uma pessoa que era o verdadeiro diabo
para mim, mas o senhor vai além. Eu nem tenho palavras para
descrevê-lo.

Eu sabia que não poderia surtar e gritar com meu chefe. Ele
estava a ponto de me demitir e eu estava dando o armamento para
que ele pudesse fazer isso.

Henrique se levantou e me encarou de perto, assim como antes.


Ele também estava irritado e com razão. Mas ele não me
respondeu.

— O que está acontecendo aqui? — Questionou Serena ao


entrar.
Capítulo 6 — Henrique
Eu não queria acreditar que Serena havia feito isso comigo. Ela
era uma mulher experiente e de minha confiança, eu só queria
saber por que ela contrataria uma mulher sem experiência para
trabalhar ao meu lado.

As palavras de Elisabete ainda estavam pairando sobre a minha


cabeça quando a minha amiga adentrou a sala me olhando com
espanto.

Eu não era conhecido por ser uma pessoa boa ou que tivesse
muita paciência, por isso a necessidade de alguém com experiência
e que pudesse suportar a minha oscilação de humor. Não posso
negar que Elisabete era uma mulher determinada e com
personalidade forte, que poderia até suportar um pouco a minha,
mas ela era petulante e me irritava constantemente, isso somado a
sua falta de experiência no ramo da arquitetura era inaceitável para
mim.

Entretanto, algo em seu olhar me fazia querer ficar com ela,


mesmo estando muito chateado pela situação. A mulher me
desafiava e já fazia muito tempo que eu não encontrava ninguém a
altura para fazer tal coisa. Não poderia negar que isso me excitava
um pouco. Sei o quanto isso era confuso, o que me deixava ainda
mais puto com a situação.

Elisabete saiu assim que Serena entrou. Era nítida a sua


preocupação quanto ao trabalhar comigo, e mesmo não querendo
de jeito algum ter alguém tão… Irritante ao meu lado, algo dentro de
mim desejava mantê-la no emprego.

Isso já está me irritando.


Serena sentou-se à minha frente e respirei fundo várias vezes
antes de começar os meus questionamentos. Sou conhecido por ser
muito exigente, no entanto, também muito arrogante, era verdade
que muitas vezes eu me arrependia das coisas que falava, mesmo
não demonstrando isso.

Aprendi a ser mais duro para obter resultados positivos. Ser


bonzinho não me trouxe resultados bons no passado e eu não
queria nada fora do lugar dentro do meu local de trabalho.

— Henrique, pedi para você não ser tão… Você. Sabe como foi
difícil achar alguém que pudesse trabalhar ao seu lado todos os dias
e não se demitir? — Falou ela com o cenho franzido.

— Então teve que contratar alguém inexperiente para isso? —


Perguntei bastante irritado.

A mulher à minha frente respirou fundo e se encostou na cadeira


como se o assunto abordado não fosse tão grave quanto era.

— Eu sabia que isso seria um problema para você. — Disse ao


cruzar as pernas. — Mas não faria isso se não soubesse que essa
mulher pode trabalhar ao seu lado e ser eficiente no trabalho.

Era verdade que Serena era uma mulher responsável e não


cometia erros. Porém, esta era minha empresa e odiava ter que
explicar ou responder perguntas a qualquer um.

— Pelo amor de Deus, Serena, será que não consegue ver um


problema aqui? — A questionei mais firmemente. — Sabe quantas
vezes ela me respondeu desde o momento que entrou por aquela
porta?

— E não teve medo disso? — Perguntou com um sorriso


orgulhoso.

— Acha isso engraçado? — Perguntei achando isso estranho.


— Desculpe, Henrique, mas você não é o homem mais correto e
bonzinho que conheço. Você enlouquece todos dessa empresa.
Pergunte a sua secretária! — Disse ainda parecendo se divertir com
a minha situação.

— Eu exijo 100% das pessoas que trabalham para mim. Isso me


faz ser um tirano? — Questionei ficando ainda mais furioso. —
Talvez eu devesse demitir mais pessoas.

— O que Elisabete fez de tão errado para que você queira


demiti-la no primeiro dia? — Perguntou, recostando e me
encarando. — Danificou algo, errou algum documento ou
simplesmente não foi com a cara dela?

— Se ela tivesse feito qualquer uma dessa coisas eu não


precisaria ter chamado você. Além do mais, não tenho que gostar
de alguém só porque irá trabalhar para mim, mas isso não vem ao
caso. Eu só não desejo quebrar a cabeça com uma menina sem
experiência.

Mesmo ouvindo coisas tão negativas, parecia que Serena estava


se divertindo com a situação. Isso também estava me chateando.

— Então seria só mais um que não deu a ela uma oportunidade


para que ela provasse seu valor. — Falou me provocando.

Era verdade que nós somos amigos há muito tempo. Eu


respeitava Serena como uma profissional e como pessoa, mas às
vezes ela passava dos limites.

— Interessante como todos hoje querem me provocar. — Falei a


reprovando.

— Desculpe, passei dos limites. — Disse arrependida. — Porém,


não pode demiti-la sem uma razão. A mulher não cometeu um erro
e você não tem um motivo.
Ela tinha razão, mas como ficaria com alguém que pode não
acompanhar o meu ritmo?

Eu estava sendo imparcial e minha consciência estava gritando


na minha cabeça. Minha amiga tinha razão em dizer que eu seria
como os outros que não deram uma oportunidade. O pior era que eu
odiava ser comparado a qualquer outro.

— Não preciso de desculpas para demitir alguém, essa é minha


empresa. – Falei encostando-me na cadeira. – Porém, não serei tão
duro e darei 3 meses. — Falei após pensar um pouco. — Se ela
estragar qualquer coisa será demitida na hora. Darei 3 meses como
experiência, se ela for boa, permanece.

— Ótimo. — Ela disse com um sorriso largo.

— Não fique felizinha, você sabe que não sou fácil, penso que
ela mesma vá se demitir.

— Só se você der motivos, querido amigo. — Falou irônica.

— Mande que a novata entre, já perdi muito tempo. Tenho uma


reunião em poucos minutos. — Falei arrumando os papéis em
minha frente.

Satisfeita, Serena levantou-se e saiu. Minha cabeça já ameaçava


doer antes mesmo de estarmos na metade do dia. A porta foi aberta
novamente, e um par de pernas bronzeadas entrou me
hipnotizando. Tinha que confessar que Elisabete Medeiros era linda.
Eu diria de tirar o fôlego. Sabia que isso também seria um problema.

— O que decidiu, irá me demitir? — Questiona-me ansiosa e


levemente irritada.

Esse era outro motivo para a minha preocupação. Ela era quente
e petulante, e no mesmo nível que me irritava, me atraía.
— Não serei tão malvado com você. — Falei com um sorriso no
rosto. Foi engraçado ver seu rosto surpreso. — Darei um período de
experiência de 3 meses, se você cometer um deslize sairá antes
desse prazo, se for boa ficará na posição. Porém, acredito que você
vai pedir para ir embora.

— Isso é um desafio, senhor Vilella? — Perguntou cerrando os


olhos. — Eu não gosto de ser desafiada.

Foi impossível não ficar animado com a situação. Não podia


negar que eu adorava desafios, e mesmo não querendo fazer disso
uma competição, meu instinto pedia para fazer.

— Trate isso do jeito que quiser. Mas sei que estou certo e que
você não vai durar muito tempo aqui. — Afirmei.

— Serei a assistente mais prestativa e eficiente que o senhor já


teve na vida, e no final irei mostrar que não se brinca com uma
Medeiros. — Provocou a morena de olhos castanhos. — Quando
isso acabar, será o senhor que me pedirá desculpas por toda essa
sua grosseria.

Isso era perigoso. Não sabia o porquê de estar tão excitado com
a conversa, mas Elisabete era diferente das demais mulheres. Ela
me desafiava e isso era novo.
Capítulo 7 - Elisabete
Eu tentava me convencer de que não existia essa coisa de que
pessoas nasciam com azar, mas os acontecimentos recentes
comprovavam o contrário, e estava quase acreditando que
realmente poderia ter nascido com a vida azarada.

Henrique Vilella era mesmo um homem insuportável e irritante


que faria de tudo para que eu perdesse o emprego. O problema era
que o cretino não sabia com quem ele estava brincando e eu teria
que mostrá-lo que nada do que ele pudesse fazer, iria me fazer
desistir do meu sonho.

Eu queria dar o troco e fazer com que ele provasse do seu


próprio veneno, porém, o homem era meu chefe e eu teria que
suportar até não aguentar mais. Mas sei que em algum momento,
Henrique irá ter o troco e eu estaria na arquibancada apreciando
esta ocasião.

Não importava qual tarefa ele me mandasse fazer, sempre


concluía com maestria. Sentia pena de todos que trabalham ao
redor desse homem, pois ele mal chegava no escritório e
esbravejava com todos. Inclusive com a coitada da Judi.

Ao lado dele trabalhava exaustivamente, quando chegava em


casa já estava exausta e mal tinha tempo para comer e dormir, pois
no outro dia tinha que estar em pé logo cedo.

Eu realmente só queria trabalhar em um ambiente feliz e


tranquilo, porque realmente gostava da arquitetura e agora estava
tendo a oportunidade de estar em um projeto grande de um Hotel
que se tornaria um Resort.

O projeto durará 3 meses, o tempo que ele me deu de


experiência. Faria questão de provar o meu valor e farei ele pedir
desculpas por tudo o que falou.

Amanhã ele iria me buscar para irmos a Serrambi, onde ficava o


terreno que trabalharíamos. Parece que o proprietário também
estaria fazendo mais dois edifícios, o que deixava o projeto muito
maior.

Mesmo estando confiante, ainda restava um pouco de receio


dentro de mim. Eu era capaz, sabia disso. Mas aquele chefe era o
pior dos homens, e tinha medo de que ele pudesse me ferrar só
para me ver desistindo.

***

Quando acordei pela manhã, minha mente demorou um pouco


para voltar ao normal. Tomei um banho rápido e troquei de roupa, e
só tive tempo para tomar um café rápido já que o homem estava
mandando mensagem, dizendo que já estava à minha espera do
lado de fora.

“ Eu já mencionei que odeio atraso, senhorita Medeiros. ”

“ Acho que seu relógio está muito adiantado, pois ainda faltam
cinco minutos, senhor Vilella. ”

Revirei os olhos, pegando a minha bolsa e batendo a porta.

Como o homem já pode estar tão irritado a esta hora da manhã?

Quando saí do prédio, vi Henrique apoiado no capô do carro com


óculos escuros, muito sexy. Eu não conseguia entender como um
homem tão lindo, também poderia ser tão arrogante. Não sei se isso
era um mal que cresceu com ele ou algo ruim aconteceu para que o
ele fosse tão odiável.

Me aproximei, sendo avaliada pelos seus olhos verdes cobertos


pelos óculos escuros. Eu não queria me sentir abalada pelas
sensações que ele me provocava quando me olhava dessa forma,
mas era quase impossível não reagir positivamente. O que me fazia
odiá-lo ainda mais.

— Bom dia, senhor Vilella. — Falei, querendo começar o dia


animada.

Henrique ficou me encarando por alguns segundos antes de se


mover e abrir a porta do automóvel, entrando, sem ao menos me
responder.

— Está atrasada, senhorita Medeiros. — Falou arrogante, como


sempre.

— Bom dia para você também, Elisabete. — Falei ironicamente,


andando até a porta e sentando-me ao seu lado. — O dia está tão
lindo, Elisabete, você também está muito bonita.

— Você tem algum transtorno ou é apenas ego inflado? —


Perguntou, franzindo o cenho.

Eu não queria rir da sua pergunta idiota, mas foi impossível


porque o homem não estava sendo irônico.

— Não tenho problemas mentais e nem sou egocêntrica, muito


diferente do senhor, mas acho que você tem sérios problemas
sociais, Sr. Vilella, pois nem um bom dia pode responder. — Falei
ainda sorrindo.

O carro dele era um esportivo muito lindo na cor preta e teto


removível. Fiquei feliz quando o abriu, dando-me liberdade para
respirar o ar fresco e apreciar a vista. O vento batia em meus
cabelos, os deixando esvoaçados. Fechei os olhos e tentei relaxar o
caminho inteiro. Henrique se manteve calado, me dando um pouco
de paz enquanto não começávamos mais uma discussão.
Fiquei feliz em saber que nós visitaríamos o local onde
trabalharíamos, porque ficava perto da praia e já fazia muito tempo
que eu não chegava a alguns quilômetros de algo assim. Mesmo
morando na capital, que era conhecida pelas belas praias e
podendo ir aos fins de semana, nunca encontrei tempo para tal
diversão. Claro que eu gostaria de estar em uma situação muito
melhor do que estar ao lado do meu chefe arrogante, porém, nem
sempre temos aquilo que queremos e eu tinha que suportar o
homem chato ao meu lado.

Quanto mais nos aproximávamos do local, mais eu conseguia


sentir a maresia e isso me deixou alegre. Henrique estacionou não
muito longe do local onde o proprietário estava nos esperando.
Ainda sem falar nada, ele saiu do veículo e o segui.

— Isso não o deixa de bom humor? — Perguntei, respirando


fundo o ar novo em que estávamos.

— Não. — Respondeu seco.

Revirei os olhos e encarei suas costas largas.

— Desculpa a pergunta, chefe, mas você tem namorada ou algo


assim?

O homem virou-se para olhar para mim por cima dos óculos
escuros, e dei um sorriso amarelo.

— Não estamos aqui para conversar banalidade, senhorita


Medeiros. — Responder rude.

— Desculpe. A pergunta foi tola. É óbvio que você não tem uma
namorada, afinal qual mulher aguentaria um homem como você. —
Falei sem medo algum.

— Se eu fosse você tomaria cuidado com o que fala ou posso


demiti-la agora mesmo. — Falou se aproximando
ameaçadoramente.

— Não me leve a mal, Henrique, só queria saber porque você é


tão arrogante e frio desta forma. — Expliquei séria. Ele estava a
poucos passos de mim, e senti a minha frequência cardíaca
aumentando cada vez mais. — Talvez a resposta seja bem óbvia
não é, o senhor é mal-amado.

Depois do que falei, algo inusitado aconteceu. O homem deu


uma gargalhada impressionante que me deixou desconcertada.
Achei que o ridículo não poderia ficar mais lindo, no entanto,
sorrindo assim ele ficava ainda mais irresistível.

— Você realmente não tem medo de mim, não é? — Me


questionou ainda com resquícios do seu sorriso.

— Não sou paga para ter medo do meu chefe.

Ele retirou os óculos e me olhou com seus olhos verdes


intensos. Henrique estava perto o suficiente para que seu corpo
ficasse quase sobre o meu. Observei esses lábios carnudos e senti
a minha boca secar, e involuntariamente umedeci os meus.

— Que bom que chegaram. — Falou uma mulher loira, trazendo


com ela um senhor que aparentava ter entre 50 e 60 anos. —
Rodolfo, este é Henrique Vilella.

A mulher tinha um sorriso largo para o meu chefe. A coitada nem


sabia quem era o homem ao meu lado. Aparentemente Henrique só
demonstrava sua verdadeira face para os seus funcionários.

Os três foram conversar mais distante, e fiquei para avaliar o


local e tirar algumas fotos. De longe, observei o homem arrogante
que veio comigo, e em alguns momentos nossos olhares se
encontravam. Mesmo ele sendo do jeito que era, algo me fazia
sentir atraída por ele. Nossas brigas eram muito acaloradas e todas
as noites quando deitava minha cabeça no travesseiro, era a sua
imagem que aparecia. Não sei o que Henrique fez comigo, mas o
odiava ainda mais por isso.

— Oi! Você veio com o Henrique? — Virei-me para encontrar a


dona da voz que me fez a pergunta e encontrei outra loira, no
entanto, desta vez ela era mais simpática do que a primeira.

— Sim, trabalho com Henrique. — Respondi com um sorriso.

Vi seu olhar furtivo, procurando o homem atrás de mim e minha


mente já começou a bolar algumas ideias sobre quem era essa
mulher e como ela conhecia o meu chefe.

Conversamos um pouco sobre o hotel e a reforma. Amanda era


namorada do proprietário do local, e ela disse que participaria de
algumas reuniões sobre todo o projeto.

— É bom vê-lo de novo, Henrique, já faz tanto tempo.

Virei-me para encontrar o homem que me irritava todos os dias. Ele


tinha um sorriso falso no rosto que me fez ficar bem curiosa.

Rodolfo passou por nós, ficando ao lado de sua namorada.

— Vocês já se conheciam? — Ele perguntou, curioso.

— Nos conhecemos na faculdade. — Meu chefe respondeu se


aproximando muito de mim. — Já conheceu a minha namorada,
Amanda?

Senti meu corpo inteiro tremer com as suas palavras e a sua


mão em minha cintura.

Me senti estranha com a aproximação de Henrique, e a palavra


namorada ainda me perturbava.

Eu não sabia porque meu chefe diria que eu sou sua namorada,
pois vivíamos em pé de guerra, mas a loira com quem eu
conversava antes e que estava sendo muito simpática, agora me
olhava com desprezo.

Após piscar várias vezes, consegui voltar ao normal e abrir um


sorriso de nervoso. Eles conversavam como se fossem velhos
amigos, enquanto eu só queria me afastar do idiota.

— Então quer dizer que sua namorada também trabalha com


você como sua assistente? — Amanda perguntou com um sorriso
falso.

— Claro, é muito bom trabalhar ao lado do meu amor. — Ele


disse me fazendo tossir algumas vezes com a sua resposta.

Eu queria poder demonstrar mais abertamente o meu ódio pelo


homem, mas não sou boba de contradizê-lo na frente dos clientes,
muito menos na frente da perua loira.

Sua mudança de humor me fez pegar ranço da mulher.

— É uma história engraçada, pois era difícil achar alguém que


suportasse o humor dele. — Falei irônica e todos riram, inclusive
Henrique.

— Viram, ela é engraçada. — Falou me apertando ainda mais a


ele.

— Amanda também trabalha comigo e sei como é bom tornar o


ambiente de trabalho ainda mais confortável. — Disse Rodolfo,
parecendo bem apaixonado. — Bem, acho que agora podemos
continuar a visita.

— Claro, mas antes eu gostaria de falar um minuto com o meu…


namorado. — Falei olhando para o homem que sorria ao meu lado.

O Rodolfo saiu sorrindo e batendo no ombro de Henrique, como


se ele não fosse enfrentar a minha ira assim que estivessem longe o
suficiente.

Amanda nos olhava de longe com os olhos cerrados, tentando


descobrir algo sobre o que iríamos conversar.

Virei-me para ele que estava com as mãos na cintura, me


olhando com um sorriso sarcástico no rosto.

— Interessante saber que não sirvo para ser sua assistente, pois
não tenho qualificação, mas para ser sua namorada de mentira
sirvo? — O questionei tentando não demonstrar toda a minha raiva,
fisicamente.

— Foi impossível, ok? Amanda é a minha ex-namorada e eu


meio que queria que ela ficasse com ciúmes, e sabe, ela ficou. —
Sua revelação não me chocou tanto, e senti um pouco de raiva por
saber dessa questão. Era idiotice sentir, no entanto, não podia
controlar todos os meus sentimentos.

— Porque eu, você parece me odiar? — Questionei interessada


na sua resposta mais do que desejava parecer.

— Eu não odeio você, Elisabete, só exijo pessoas qualificadas


trabalhando ao meu redor. — Falou, dando de ombros. — Mas
tenho que confessar, nos últimos dias você está sendo muito
eficiente. Devo desculpas por ser tão… exigente.

— Ah! Desculpa, mas você não estava sendo exigente, você


estava sendo um cuzão. — Falei sem pensar, mas ele riu.

— É, fui além do normal. — Confessou me deixando um


pouquinho mais feliz. — Quando Rodolfo falou que Amanda era sua
namorada, a raiva do passado voltou com tudo, então vi você aqui
ao lado dela. Foi impulsivo, porém você é uma mulher linda,
inteligente e sabia que ela ficaria chateada.
Suas palavras, num todo, me deixaram muito abalada. Eu não
poderia imaginar que Henrique falaria tal sobre mim.

— Obrigada. — Falei sem jeito. — Então quer dizer que temos


que fingir ser namorados?

Eu não sabia se isso seria possível, já que nós dois não nos
dávamos muito bem, no entanto, esse mal-entendido que foi gerado
pelo meu chefe, já havia sido dito e não teria nada que pudéssemos
dizer para fugir da mentira.
Capítulo 8 - Henrique
Eu não sabia por que cometi a loucura de dizer que Elisa era
minha namorada. Eu poderia ter inventado qualquer outra desculpa
ou simplesmente ter ficado calado e aguentado a presença de
Amanda, mas não, algo dentro de mim quis se vingar pelo passado,
e quando notei a raiva e a inveja nos olhos da mulher, senti uma
satisfação inexplicável.

Quando estava conversando com o Rodolfo, o dono da rede de


hotéis, ele me contou sobre sua noiva que trabalhava ao seu lado
na administração, e quando percebi quem ela era, uma raiva
descomunal tomou posse de mim.

Eu sempre fui focado nos estudos e era um dos melhores na


faculdade, nunca namorei sério na vida até Amanda aparecer e
roubar meu coração. Achei que ela me amava, apesar das suas
exigências e chiliques. Eu fazia tudo que ela queria, era como um
cachorrinho, no entanto, um dia ela terminou comigo sem me dar
muitas explicações, apenas disse que eu não era o que ela
desejava.

Não tive uma infância muito acolhedora, e isso me causou uma


desconfiança nas pessoas muito grande. Dias depois que a loira
acabou comigo, a vi com um ricaço playboy. Nunca desconfiei que
ela tivesse me traído, porém, naquele momento não tive dúvidas.

Isso não servia de justificativa para os meus atos nos dias atuais,
mas foi a raiva e o rancor da mulher que eu amava, dentre outras
coisas, que me fizeram ficar dessa forma.

Prometi a mim mesmo que nunca mais deixaria uma mulher


fazer o mesmo comigo novamente. Por isso não buscava amor
verdadeiro, só um acordo conveniente para mim.
Achei que tinha superado depois de dez anos, entretanto, foi só
a reencontrar para lembrar das suas palavras novamente e sentir o
mesmo rancor de sempre.

Eu poderia ter escolhido qualquer outra mulher para interpretar


esse papel, mas foi justamente Elisabete quem estava em minha
frente, usando um vestido azul, lindo, justo ao corpo, e
graciosamente jogando seus longos cabelos escuros para trás. Eu
desejava me bater por estar bobo com a beleza da minha nova
assistente, porém, era inevitável não notar o óbvio e sabia que o
sorriso convencido de Amanda era porque desejava jogar na minha
cara que estava maravilhosamente bem.

Desejava tirar a felicidade momentânea dela e dizer que eu


também segui em frente, mesmo que isso fosse uma mentira.

Porém, eu havia entrado em um buraco fundo que não tinha


mais volta. Mentir dizendo que Elisabete era minha namorada
complicava ainda mais as coisas. Não éramos muito fã um do outro.
Ela era petulante e cheia de si e eu era o que todos já sabiam:
arrogante e exigente. O problema era que a loira de araque estaria
monitorando esse projeto e faríamos várias reuniões durante esse
período para decidir várias coisas e eu e Elisa teríamos que
interpretar esse papel até que isso acabe e nunca mais ter que
suportar Amanda.

Elisabete tinha razão em estar chateada e me questionando


sobre muitas coisas, mas saber disso não diminuía a minha irritação
com a mulher e suas perguntas. Estávamos de volta à estrada,
seguindo para o escritório para analisar o que tínhamos sobre a
área onde iríamos trabalhar, e a mulher não parava de falar por um
segundo.

— Então como será? — Questionou-me sentada ao meu lado e


olhando para fora. — Temos que ser um casal feliz enquanto sua ex
estiver ao nosso lado?
Pensar que isso era só o início da minha tortura me dava dor de
cabeça.

— Pelo visto você já sabe, então para que perguntar? —


Resmunguei de mau-humor.

— Não se esqueça, querido chefe, você prometeu ser mais


educado e não me tratar com a sua arrogância de sempre ou pode
se dar mal. – Falou me provocando.

Apertei o volante com toda a força possível. Talvez a idade tenha


diminuído o meu nível de paciência e o destino estava simplesmente
me punindo por ser um idiota.

— Primeiro, mesmo sabendo que preciso de você para isso, não


quer dizer que devo suportar esses seus atrevimentos, então pense
muito bem antes de me responder, Elisabete. – Falei com firmeza e
muita pouca paciência. – Segundo, eu odeio ter que responder
perguntas bobas, espero que pense em coisas que realmente
deseja saber e não perca o meu tempo com bobagens.

— Olha, Henrique, se não estivéssemos dentro de um carro eu


realmente chutava as suas bolas. – Falou me surpreendendo. –
Você é mais que arrogante ou insensível, é um verdadeiro babaca e
tenho que deixar claro agora que você não pode usar a sua
personalidade habitual para se referir a mim.

Dei um leve sorriso irônico tentando relaxar a minha mente antes de


falar novamente com ela. Era impressionante o quanto essa mulher
me irritava e não tinha um pingo de medo de perder o emprego.

— Ainda sou seu chefe. – Reclamei. – Então tome cuidado com


o que fala.

— Agora eu sou a sua namorada, então tome cuidado em como


me trata ou posso deixar você. – Falou me fazendo rir mais ainda.
Estava quase acreditando que havia contratado uma louca para
trabalhar para mim. – Vou deixar claro como isso vai funcionar,
chefe. Não precisamos fingir que nos gostamos quando ninguém
estiver por perto, mas isso não quer dizer que não devemos nos
respeitar. Sei que você pode me demitir, no final das contas, mas
saiba que não sou o tipo de mulher que fica calada. Não faço ideia
de quem é você ou aquela mulher. O que ela fez para fazer você
cometer esse erro terrível, por isso preciso de informações básicas.

Tudo isso era culpa minha. Se eu não tivesse cometido o


equívoco de abrir a boca para falar essa bobagem, isso não teria
acontecido. Eu sabia que teria que tratar a mulher com mais
educação, ser mal-educado não era o meu forte, mas Elisabete
despertava em mim um instinto selvagem que nunca ninguém
conseguiu.

— Tudo bem, vou forçar-me ao máximo para não ser tão


arrogante e… escroto com você. Temos que concordar que nós dois
devemos nos esforçar para que isso dê certo durante esse período.
— Fui sincero em minhas palavras, se ela fosse me ajudar nesta
pequena mentira, não merecia a minha raiva. — Enquanto
estivermos na presença de Amanda ou de Rodolfo, nós dois
podemos ser… um casal perfeito. Não precisamos exagerar, e
ninguém pode saber sobre isso. No escritório ou fora dele. — Exigi
ao estacionar na garagem do prédio onde ficava a empresa. —
Prometo que vou me esforçar para não ser tão rude com você, mas
você também tem que me ajudar não me provocando. Tudo bem,
querida?

A morena cerrou os olhos, dava para ver o seu desagrado


comigo. Eu não tinha que fingir que o modo de agir de Elisabete me
agradava também, porém, meu inimigo era outro e a culpa disso
tudo estar acontecendo era minha.

— Tudo bem, mas ainda devemos conversar sobre como vamos


levar isso adiante.
— Não acho que isso seja necessário. – Falei ao tirar o cinto de
segurança, mas sua mão tocou na minha, o que me fez olhar em
seus olhos.

Assim tão de perto a mulher irritante parecia ainda mais bonita,


com a sua pele bronzeada e cabelos ondulados.

— Devo respeitar a sua privacidade, mas pelo menos tenho que


saber o básico para não ser idiota na frente da sua ex.

— Não penso que ela vá investigar sobre a veracidade do nosso


relacionamento. – Falei colocando aspas na última palavra.

— Por isso você ainda está solteiro, sem contar, é claro, com a
sua frieza e arrogância. Não conhece as mulheres, muito menos as
EXs. – Disse me fazendo bufa de tedio. – Não importa se não se
gostam, mulheres são muito inteligentes e ardilosas. Quero ter as
possíveis respostas para as possíveis perguntas e você vai me dar
isso de um jeito ou de outro.

— Isso é uma ameaça? – Questionei confuso.

— Não, é uma certeza.

***

Passamos a tarde inteira trabalhando no projeto. Roberto, que


também estava na equipe, era responsável pelos desenhos gráficos
e como também temos que apresentar os desenhos à mão, fiquei
responsável por isso.

Em alguns momentos, minha atenção era dirigida a Elisa. Ela


sempre estava concentrada no que estava fazendo, a mulher era
especializada em paisagismo e eu tinha que admitir que ela era
muito boa.
Cuidar de ambientes era uma paixão que eu tinha desde criança
e isso me divertia. Desde que Elisabete chegou na minha vida e
começamos a trabalhar juntos, estava difícil me concentrar só nos
papéis ou na tela do meu tablet.

Quando já tínhamos terminado, já era bastante tarde. Sabia que


a turrona morava no centro da cidade e que levaria bastante tempo
para chegar em casa.

— Está na hora de ir, vou leva-la para casa. – Falei olhando para
o aparelho telefônico que tinha várias mensagens da minha mãe.

— Não será necessário, posso fazer esse trajeto de ônibus. —


Falou arrumando as coisas.

Eu não sabia o porquê tinha me oferecido para fazer isso, já que ela
era a minha mais nova dor de cabeça. O problema era que eu sabia
que para parecermos um casal de verdade, deveríamos conhecer o
mínimo um do outro e ter uma curta intimidade. Porém, nada do que
eu fazia parecia agradar a Elisa.

— Acredito que faça isso por puro prazer. — Disse colocando o


telefone no bolso, irritado. – Não aceitará minha carona só para me
provocar.

Quando finalmente me olhou, ela parecia confusa. Não tinha


mais ninguém no escritório e o lugar estava parcialmente escuro.

— Você é estranho, Henrique. — Falou após revirar os olhos –


Tudo bem, eu aceito.

Tudo isso só me fazia querer ainda mais nunca me relacionar


novamente com uma mulher. Elas eram caprichosas e confusas. Eu
já tinha problemas demais para suportar tudo isso.

— Tenho que fazer uma anotação mental para nunca mais me


meter nessa situação. — Resmunguei baixo.
Caminhamos até o elevador em silêncio. Eu odiava lugares
fechados e tudo ficava ainda mais complicado quando estava ao
lado da Elisabete. Mais cedo, quando estava em meu carro, seu
aroma doce, sutil, me deixou ainda mais confuso. Ela tinha esse
poder sobre mim que me enlouquecia. Era como se meu cérebro
gostasse e odiasse ao mesmo tempo.

— Às vezes não entendo o que você quer. — Finalmente falou,


quando as portas já estavam fechadas. – Por que está fazendo essa
gentileza se me odeia tanto?

— Não odeio você. Acredite, o problema não é todo com você.


Sei que é inteligente e bastante proativa, não discordou quando
cometi esse equívoco, mas algo em você me faz ser assim. – Falei
sem desejar encara-la.

— Desculpe se sou irritante. — Disse parecendo chateada.

— Já disse, Elisabete, não é isso. Claro que me provoca, mas


sei que a culpa é minha.

— Então o que é?

Perguntas. Isso era o que eu mais odiava. Talvez fosse porque


eu não desejava revelar a verdade.

— Você me faz lembrar de uma pessoa que era importante na


minha vida. – Falei ao lembrar do passado.

— Não me diga que é a Amanda!

— Não! – Disse a olhando com surpresa. – Você e ela são


totalmente diferentes. Não gosto de perguntas, pois odeio me abrir.
Isso pode me prejudicar como no passado.
Não sabia porque estava revelando tanto. Mesmo tendo começado
essa mentira, eu não precisava falar tanto. Elisa me olhava de forma
estranha. Não havia mais tensão entre nós.

— Não se preocupe, eu sei o meu lugar. Nunca faria nada para


prejudica-lo. Prometo que vou tentar não o provocar mais. — Suas
palavras me fizeram a olhar de outra forma. Essa mulher quando
não estava me provocando não era irritante. — Não sei o que
Amanda fez, mas sei como é sentir rancor por um ex.

— Já foi abandonada e traída? – Questionei.

— Não sei se considera isso pior, mas primeiro fui traída para
depois ser abandonada. O idiota estava transando com uma das
minhas amigas na cama onde nós dormíamos, e eu os peguei no
mesmo dia em que fui demitida.

Estava começando a achar que a minha história com Amanda


não era tão terrível assim.

— Nessa você ganhou. — Falei desviando minha atenção para a


porta. – Por que foi demitida?

— O dono faliu a empresa. – Foi direta. – Todos saíram


perdendo. Pelo menos consegui chegar até aqui, mesmo que meu
chefe não seja um príncipe por dentro.

Foi involuntário sorrir da sua pequena provocação. No fim das


contas, Elisa não era tão mal. O problema realmente era eu.

— Acho que nós dois podemos passar por isso sem matar um ao
outro. – Falei assim que as portas se abriram. – Você não é tão
chata.

— Uau, sério? – Falou com ironia. – Sabe, se não for tão


exigente e arrogante, pode ser um bom chefe.
Estávamos concentrados um no outro quando o meu telefone
tocou para trazer a realidade de volta. Ao sair da caixa de metal,
atendi o aparelho e fiquei surpreso ao descobrir quem era.

— Por que está ligando para mim, Amanda? — Eu não queria


voltar a me irritar, mas a voz da mulher me fazia querer jogar o
aparelho longe.

— Henrique, eu gostaria de convidá-lo para o meu noivado com


Rodolfo, amanhã. — Disse animada. Não sabia qual era a intensão
dela ao fazer esse convite. Passamos dez anos sem nos falar e
agora, do nada, a loira desejava me convidar para o seu noivado.

— Por que isso agora? – Questionei enquanto Elisabete me


olhava atentamente.

— Rodolfo gostou de você e da sua... namorada. – Senti o


desprezo dela ao falar isso.

— Ok, nós vamos.


Capítulo 9 -Elisabete
Em um único mês fui demitida, corneada e ganhei o status de
namorada de mentira do meu novo chefe.

Posso saber um pouco mais o porquê Henrique estava fazendo


isso, mas ele ainda era um arrogante, e mesmo se esforçando para
melhorar comigo, eu ainda tinha que suportar suas mudanças de
humor.

Está certo que o homem era lindo de morrer, no entanto, era


como um robô de última geração que não tinha sentimentos. A não
ser a raiva, claro.

Agora, tínhamos que ir a um noivado da sua ex, e ainda


tínhamos que fingir que estávamos apaixonados.

Henrique me trouxe a uma das lojas de vestidos de luxo mais


caros da cidade e eu não sabia como me comportar em um lugar
assim.

Não sei o porquê tanto exagero para ir a um noivado que ele


odiaria, porém, acho que era só para provocar a ira da sua ex.
confesso que se fosse eu, faria o mesmo.

—Henrique, esse já é o sexto, acho que já basta! Você tem que


escolher um. — Falei bufando, bastante cansada.

As mulheres já tinham me feito vestir todos os estilos de vestido


que poderia agradá-lo, mas o problema era que o meu chefe não
estava prestando atenção em nada do que estava acontecendo a
sua frente, a não ser, claro, no aparelho telefônico que ele mexia.

— Você pode escolher melhores do que esse. — Falou sem ao


menos olhar para mim.
Eu já estava de saco cheio, e o salto que eu estava usando já
estava me machucando, então andei até ele, muito chateada, e
retirei o celular sem pedir permissão. O homem me olhou surpreso e
cerrou os olhos, enquanto eu batia o pé com as mãos na cintura.

— Escolha um vestido, Henrique, ou ficará sem namorada na


festa de noivado da sua ex. — exigi e ele sorriu para mim.

— Ok, querida. — Falou levantando-se. — Mas você usará


aquilo que eu escolher.

— Não exagera. — Pedi o recriminando com o olhar.

Ele caminhou entre os vestidos, passando os dedos sobre cada


um deles, então escolheu um vermelho, bem chamativo.

— Vista.

— Fale com educação, querido. — Falei com um meio sorriso,


mas o repreendendo com o olhar. As atendentes, que estavam ao
nosso lado, pareciam estar gostando da cena.

— Por favor. — Disse por fim.

Todas elas estavam babando pelo homem que me


acompanhava, mas ele não as notava, nem notava a mim que
deveria ser a sua namorada. Sinceramente, toda essa situação me
deixava nervosa. Eu nunca pensei que teria que fingir ser
apaixonada por alguém, muito menos pelo meu chefe que era uma
pessoa difícil de se lidar. Agora estava totalmente encrencada em
uma mentira, que eu nem sabia como iria terminar.

Entrei no provador, rezando para aquele ser o último a ser


provado, pois eu não era uma mulher que adorava fazer compras.
Eu não sabia se ele fazia ideia de como ficaria em mim, no entanto,
o vestido ficou perfeito em meu corpo.
O estilo era bem comportado e a única parte que mostrava
bastante o corpo era as costas que ficaram muito bonitas.

Saí do provador, e logo que o homem colocou os olhos em mim,


um brilho se acendeu, me fazendo sentir um pouco estranha com a
intensidade do seu olhar.

— Então, esse ficou bom? — Perguntei um pouco tímida.

— Ficou excelente em você, Elisabete. — Falou, ainda


admirado, me fazendo ficar bem envergonhada.

— Ok, então vamos logo. — Disse voltando ao cubículo para


tira-lo e sair daquela situação.

***

Faltava meia hora para que Henrique chegasse e ainda não


havia colocado o vestido lindo que ele comprou hoje.

Meu peito estava palpitando e com toda certeza eu estava


prestes a ter um ataque de pânico. Não deveria ser nada demais,
mas sempre que eu estava ao lado daquele homem e ele sorria de
uma forma irresistível, esquecia de como o meu chefe era odiável.

Eu estava odiando toda essa situação, porém não poderia fazer


nada já que teríamos que interpretar esse papel.

— Nossa, esse vestido é muito lindo. — Falou a minha irmã,


praticamente babando em cima do vestido.

— Se quiser pode ir no meu lugar vestindo ele. - Ironizei.

— Não sei do que está reclamando, já que vai a uma festa


chique, com um vestido lindo e um homem sexy e charmoso. —
Disse ao se virar.

— Querida, você não conhece Henrique Vilella.


— Eu sei que você pode domar aquela Fera.

Dei a ela um sorriso irônico e entrei no quarto para me trocar. Eu


não queria pensar nas partes boas de estar fazendo isso, pois não
tinha uma parte boa, eu só estava quebrando a cabeça com as
coisas do Henrique.

Por isso troquei de roupa rápido e saí de casa sem desejar ouvir
as suas besteiras. Minha irmã já tinha me maquiado e feito um
arranjo no meu cabelo. Não queria parecer como as outras
mulheres que estariam na festa, porém, também não podia ir de
qualquer jeito.

Eu sabia que ele estava me esperando, pois, Henrique Vilella


nunca se atrasava. Vê-lo naquela roupa me fez quase parar de
respirar. O homem me encarou à distância, fazendo a minha
insegurança aparecer. Não sabia como ele conseguia mexer comigo
dessa forma.

Antes de voltar a caminhar, respirei fundo e tomei coragem. Não


era para ser tão difícil. Henrique era um homem frio e arrogante,
mesmo parecendo uma escultura grega, isso não mudava esse fato.

— Você está linda, Elisabete. — Falou abrindo seu sorriso que


quase me matou.

— Vamos logo. — Falei desviando dele e abrindo a porta do


carro.

Não sabia o que estava acontecendo e nem por que estava tão
insegura.
Capítulo 10 – Henrique
Eu realmente estava tentando entender o que se passava na
cabeça de Elisabete Medeiros. Decidimos pegar leve e nos tratar
com cordialidade, mas agora ela parecia estar estranha e esquecido
do nosso acordo.

A mulher estava linda no vestido vermelho que escolhi. Quando


me pediu para escolher o vestido que usaria não pensei muito,
odiava compras ou ter que esperar, mas quando toquei no tecido
macio de cor vermelho eu sabia que era o escolhido.

Ela realmente estava linda. Nunca havia imaginado que ficaria


admirado com a beleza de alguém, porém, Elisa estava me
surpreendendo.

Não sou de demostrar o que penso ou sinto, mas senti o desejo


de elogia-la, no entanto, a mulher não me deu bola, simplesmente
me ignorou e entrou no carro.

Eu também estava tentando entender o porquê de ter que aceitar


o convite de Amanda para comparecer ao seu noivado idiota, já que
não tínhamos uma boa relação. A suportava enquanto estávamos
no mesmo ambiente, mas nada além disso, e creio que ela já
entendeu.

Agora eu estava preso ao lado de uma mulher carrancuda que


mal notava a minha presença, e o mais insuportável era que eu
queria que ela me notasse.

Ficava feliz em saber que só precisava aguenta-la mais algumas


semanas até o fim do projeto, e depois disso poderíamos parar com
essa brincadeira ridícula de fingir que nos gostávamos.

Tenho que admitir que ela é boa no trabalho. Focada, inteligente


e criativa, mas como acompanhante era um verdadeiro desastre.
Ao chegarmos em frente ao local, fotógrafos já nos esperavam.
Era óbvio que Amanda não perderia a oportunidade de se exibir.
Talvez fosse pelo status que ela estava noivando de um empresário
do ramo de hotelaria.

O homem era realmente importante, com hotéis e resorts por


todo o Brasil e fora dele.

— Você não disse que teríamos que enfrentar fotógrafos,


Henrique. — Reclamou Elisabete, me olhando assustada.

— Não se preocupe, eles parecem urubus, mas não comerão a


sua carne. — Ironizei.

— Diferente da sua ex, exibida, odeio aparecer. — Reclamou


mais uma vez.

— Fico feliz que sejam totalmente diferentes.

O olhar que a mulher me lançou foi quase assassino, no entanto,


não liguei para isso já que ela estava sendo como sempre: irritante.

Desci do carro e abri a porta onde ela estava, tive que


praticamente puxa-la para que a mulher saísse. A mantive perto de
mim enquanto caminhávamos para dentro do local.

— Não sei fazer isso. — Ela sussurrou perto do meu ouvido.

Era natural que ela estivesse preocupada com a situação, já que


Elisa não participava dos eventos em que eu tinha que comparecer,
e o seu medo sobre se exibir dizia que ela era diferente e estava
nervosa.

Eu estava acostumado a ter meu rosto estampados em sites de


fofocas, porém, Elisa não, e acredito que devo ser mais
compreensivo.
— Vai ficar tudo bem, eles irão esquecer logo, verá. — Falei
tentando a acalmar.

— É, talvez tenha razão, eles nem ligarão para mim mesmo. Não
sou ninguém notável. — Falou dando um meio sorriso.

— Eu não diria isso. — Falei desviando minha atenção para as


pessoas que estavam no salão. — Vamos acabar logo com isso,
pois odeio lugares como esse.

— Achei que estava acostumado. — Balbuciou.

— Compareço apenas porque preciso, mas odeio.

— Olha, Henrique, sei que quando nos encontramos, mais cedo,


fui um pouco rude, mas é que essa situação não é muito confortável
para mim. — Ela disse me fazendo prestar atenção apenas nela. —
Acredito que você esteja tentando e não é minha função dificultar as
coisas, por isso eu gostaria de pedir-lhe algo.

— Tudo bem. — Falei surpreso.

— Quero que seja aberto e verdadeiro, e que possamos ter uma


boa relação. — Disse me surpreendendo. — Não nos trataremos
com arrogância e frieza. Passaremos um tempo juntos, para nos
conhecer e quando tudo isso acabar, espero que possamos
continuar como pessoas civilizadas.

Involuntariamente sorri com as suas palavras. Muitas mulheres


já me pediram coisas, mas nunca foi nada tão simples, mas
também, tão difícil.

Ser aberto com alguém significaria mostrar um lado meu que


venho tentando manter longe há muito tempo. Manter-me focado no
trabalho me ajudou a esquecer dessa pequena fração que me fazia
ser… sensível. Da última vez, não funcionou muito bem, no entanto,
não esperava que eu e Elisabete fôssemos nada além de colegas
de trabalho.

Talvez eu devesse tentar ser um pouco mais aberto, para facilitar


as coisas. Claro que isso me fazia sentir-me novamente chateado
por começar isso, entretanto, agora não poderia chorar pelo leite
derramado.

— Ok, você irá tentar ser mais aberta, eu também devo. —


Acabei aceitando.

A mulher abriu seu sorriso lindo que me encantou desde a


primeira vez que a vi sorrir.

— Ótimo, já que estamos aqui sem fazer nada, você poderia


pelo menos me dizer porquê de tanto rancor devido a uma
separação. — Disse me olhando com aqueles olhares curiosos.

Respirei fundo pensando se era uma boa ideia fazer o que ela
estava pedindo. Não estávamos em um dos melhores lugares para
se lembrar do dia em que Amanda me deixou.

— Talvez eu possa resumir. — Falei revirando os olhos, quando


a morena deu alguns pulinhos de alegria por conseguir o que queria.
— Amanda estudava na área de administração e, quando a conheci,
ela era realmente doce e muito companheira. Começamos como
amigos, mas depois… tudo mudou. — Fazia tempo que eu não
voltava àqueles momentos. — Passamos três anos juntos e aos
poucos ela foi se mostrando controladora e eu sempre fiz o que
Amanda queria, pois estava apaixonado. — Elisa me olhava como
se prestasse atenção em cada palavra que saía da minha boca. O
ruim era que mesmo isso tendo acontecido no passado e eu tendo
pensado que superei aquele amor, eu estava me sentindo um pouco
mal. — Só que um dia ela chegou em casa e disse que não me
queria mais. Que meu jeito a fazia se sentir entediada e que queria
alguém melhor do que eu. Alguém forte, focado e mais seguro de si.
É vergonhoso e irritante lembrar que quase implorei para que ela
ficasse, que eu tentaria ser o que ela desejava, mas nada a fez
mudar de ideia.

— Por isso você é assim? — Pensou em voz alta, mas acabei a


respondendo com um aceno de cabeça.

— Foi difícil para mim ser rejeitado pelo simples fato de ser
quem eu era, então tentei mudar de todas as formas. — Confessei.
— De certa forma isso me ajudou a chegar onde cheguei, e agora
estamos aqui. Estou agindo novamente como um idiota por causa
dela.

Chegar a essa conclusão me fez ficar chocado e furioso. Eu


desejava mostrar a mulher que me abandonou que eu poderia ser
quem ela queria, e o pior, ela estava agindo da forma que eu
esperava, e me convidar para o seu noivado era a forma de me
provocar.

Mas não era isso que eu realmente queria. Não precisava


mostra-la o quanto mudei, estava bem da forma que estava.

— Não. — Exclamou a mulher ao meu lado, me fazendo sair dos


meus pensamentos. — Você não é o idiota que quer essa piriguete
de volta. Claro, você é um chefe arrogante e odiável, mas tenho
convicção, agora, que pode haver mais de você que realmente
valha a pena ser conhecida.

— Penso que está exagerando, querida. — Falei rindo dela. —


Não sou mais aquela pessoa do passado.

Seu olhar reprovador estava lá, me desafiando novamente. Ela


ficava linda quando discordava, ainda mais quando isso era
acompanhado de um meio sorriso.

— Ninguém muda tanto, Henrique. — Disse ficando frente a


frente comigo. — Afinal, eu nunca desisto de um desafio. Na
verdade, esse é o meu mais novo objetivo.
— Ah é? — A questionei, rindo da forma como falou.

— Sim. — Afirmou confiante. — Farei de você um chefe decente


para mim e para todos naquele escritório, pois acredito que eles
tenham um plano para te matar e substituir por outro gostosão.

— Gostosão? — Perguntei achando engraçado a palavra que ela


usou.

— Henrique! – Falou me chamando.

— Sim? — Falei com um sorriso no rosto, ainda pensando no


que disse.

— Não interprete mal os meus gestos, mas é para o bem dessa


nossa farsa. — Disse aproximando-se de mim.

Não estávamos no meio da festa, mas sim em um local mais


reservado. Foi surpreendente a ação da morena quando me puxou
para um beijo. Seus lábios macios me agraciaram com um beijo
sutil, porém, que me deixou sem fôlego. Não poderia imaginar que
isso aconteceria e foi difícil voltar ao normal depois disso.

A sensação era tão boa que desejei que o momento nunca


acabasse.

Quando nos afastamos um pouco, senti que metade do meu


cérebro havia parado de funcionar e parecia que não tinha sido só
comigo.
Capítulo 11 - Elisabete
Desde que conheci Henrique, tentei imaginar o que poderia ter
acontecido para que um homem como ele, que tem tudo, poderia se
tornar alguém tão odiável e agora eu sabia.

Claro que ele não deveria deixar que uma mulher o mudasse
tanto, ao ponto de se tornar uma pessoa tão amarga e arrogante,
mas era compreensível quando se pensava que ele a amava e ela o
fez pensar que o seu modo de ser era horrível, o que não é verdade.

Acredito que ser tão distante das pessoas seja um modo de


defesa dele, para que ninguém possa o magoar de novo, então ele
decidiu que seria ele a magoar.

Minha irmã diria que eu estava fantasiando ao pensar que eu


poderia fazê-lo enxergar o contrário, mas pelo meu bem e o bem de
todos, eu teria que tentar.

Ouvi-lo falar sobre o seu relacionamento conturbado com


Amanda me fez sentir compreensão e fiquei ainda mais chateada
com a vadia. Por isso que quando a avistei sobre os ombros dele,
se aproximando de nós, tomei uma atitude impulsiva.

Mas acredito que tenha sido uma má ideia, já que assim que
meus lábios tocaram os deles, senti algo novo e muito forte que até
agora não conseguia explicar.

Uma grande parte de mim não queria que aquele momento


acabasse, porém, não estávamos em um lugar qualquer, e pior, ele
era meu chefe, apesar de toda essa mentira, ele ainda deveria ser
visto como tal.

Vi que meu trabalho valeu a pena quando a loira estava em


nossa frente com os olhos vermelhos de ódio, mas teve que
disfarçar para que o seu noivo não desconfiasse de nada.
Era óbvio que eu estava envergonhada pelo o que acabei de
fazer, no entanto, para todos nós éramos namorados e isso era
normal.

— Que bom que vieram ao nosso noivado. — Falou Rodolfo


muito simpático.

Eu tinha pena do homem por estar se iludindo com Amanda, já


que para mim, ela parecia estar com o coitado apenas pelo
interesse próprio.

— Não perderíamos a oportunidade de parabenizá-los pelo


noivado. — Disse meu chefe, muito empolgado.

Era interessante vê-lo assim, já que alguns minutos atrás, ele


estava tão desanimado.

— Quem sabe vocês não serão os próximos. — Ele disse e


quase me engasguei com a saliva.

Henrique sorriu enquanto me cutucava pelas costas. Eles


continuaram conversando enquanto Amanda nos encarava, se
mantendo calada.

Fiquei feliz quando outro casal os chamou, nos liberando da


tensão que a aproximação daquela ridícula causava.

— Quanto tempo mais temos que ficar aqui? — O perguntei


sussurrando.

— Não muito. — Falou sorridente.

— Não me olhe desse jeito, eu só fiz aquilo para o ajudar. —


Reclamei incomodada com o seu olhar engraçado.

— Sei. — Continuou com graça. — Então quer dizer que não


tirou uma casquinha enquanto me ajudava.
Fiz uma cara de ofendida, ao mesmo tempo envergonhada.

— Não sou desse tipo, senhor Vilella. — Falei virando o rosto. —


Talvez tenha sido você que tenha tirado proveito da minha boa ação.

Sua gargalhada chamou a minha atenção, e ao olha-lo tive a


sensação de que meu rosto estava em chamas.

— Não sabia que era tão engraçada. — Falou enquanto tentava


parar de rir. — Gosto de mulheres que me fazem rir. Não são
muitas.

— Está me chamando de palhaça? — O questionei.

— Estou dizendo que posso começar a gostar de você se


continuar fazendo boas ações como essa. — Disse olhando para as
pessoas.

Peguei uma taça de champanhe com um garçom que estava


passando para poder relaxar um pouco, mas não resolveu muito já
que o braço dele ainda estava em minhas costas e aquele contato
era perturbador para a minha cabeça.

— Não vai mais acontecer. — Falei após pensar bastante no que


senti quando o beijei.

Eu ainda estava abalada e desejando muito repetir a dose.

— O que não vai mais acontecer? — Me questionou curioso.

Os seus olhos verdes me estudavam com muita calma. Percebi


que ele estava deixando a barba crescer e o pior era que o homem
ficava ainda mais charmoso assim.

— Não vou mais beija-lo.

Um sorriso safado apareceu, me fazendo odiá-lo ainda mais.


— Então a próxima vez será a minha.

***

O caminho de volta para casa foi silencioso. Depois da nossa


conversa sobre o beijo, não falamos muito. Ele não falou mais nada
e agradeci mentalmente, mas seu último comentário mexeu com o
meu cérebro.

Não podíamos confundir as coisas, em dois meses isso acabaria


e eu não queria que ficássemos com um clima chato só porque
curtimos além da conta durante essa maluquice.

Quando ele estacionou em frente ao prédio, demorei um pouco


para sair. Assim que abri a porta, ouvi-o abri a sua também. Era
estranho, mas estava ansiosa. Talvez ele quisesse se despedir. Eu
nem sabia se ele seria tão gentil. Porém, sentia como se o meu
coração fosse sair pela boca.

Eu queria me bater por estar agindo como uma adolescente que


acabou de beijar pela primeira vez, no entanto, era algo que eu
nunca senti antes, nem mesmo com Miguel.

— Obrigado por essa noite, senhorita Medeiros. — Ele disse


beijando a minha mão.

Minha surpresa era nítida. Não sei o que estava acontecendo,


mas esse não parecia ser o chefe que quase me demitiu no primeiro
dia.

— Não precisa me agradecer. — Falei tímida.

Fiquei distraída com o seu olhar, porém, quando desviei dos


seus olhos, vi um rosto conhecido não muito longe. Era o Miguel.
Ele não parecia estar muito contente, e se aproximava de nós.
— O que aconteceu? — Questionou Henrique.

— Miguel, o meu ex. Ele está aqui. — Disse mais assustada do


que o normal.

Henrique virou-se justamente quando o idiota ficou a poucos


metros de nós. Involuntariamente, agarrei o braço do meu
acompanhante. Eu não tinha medo do Miguel, mas algo dentro de
mim fez com que isso viesse à tona.

Em algumas ocasiões quando ele bebia, o homem ficava


violento e algumas vezes tentou me machucar. Claro que nunca
baixei a cabeça, porém, esse medo irracional me atingiu no pior
momento.

— Então foi por isso que você me deixou? — Ele disse com a
voz estranha, claramente embriagado. — Você queria um ricaço.

— Merda, ele está bêbado. — Reclamei. — Miguel o que está


fazendo aqui?

O moreno se aproximou, me deixando ainda mais apreensiva.

— Eu vi sua foto na internet. — Disse, e pude ver seus olhos


vermelhos. – Pensei que era mentira, então tive que tirar a prova.
Mas o porteiro não queria me deixar subir.

— O que quer aqui? — Questionou Henrique. — Você deveria ir


embora antes que a coisa fique feia.

Sua reação me surpreendeu.

— Ele só está bêbado, não precisamos brigar aqui. — Falei


tentando amenizar o clima. — Já está tarde, Miguel, volte para casa
e me deixe em paz.
— Olha, você foi esperta. — Continuou. — Conseguiu alguém
melhor do que eu.

— Você tem que ir embora e nunca mais procura-la novamente.


— Disse Henrique, se aproximando ainda mais. — Ou não gostará
do que pode acontecer.

— Você está me ameaçando?

Meu coração já estava na boca com a troca de farpas que


acontecia na minha frente.

— Acho que tem que ir, Miguel. — Falei puxando meu chefe. —
Já está tarde e eu não quero briga aqui.

— Sabe, ela é uma vadia, espero que aproveite.

Fiquei horrorizada com as palavras dele, no entanto, ao ver


Henrique dando um soco no rosto do Miguel me fez sentir melhor.
Ele mereceu e torci para que o idiota nunca mais me procurasse.

O homem me arrastou para dentro do prédio, segurando a minha


mão. Entramos no elevador e eu ainda estava com a cena do meu
ex caindo no chão na cabeça. Eu não poderia imaginar que isso
aconteceria, e não estava me sentindo mal com a situação.

— Obrigado por me defender. — Falei assim que chegamos à


porta do apartamento.

— Só foi uma boa ação. — Disse com um sorriso no rosto.

— Vou começar a gostar mais de você se continuar fazendo


essas boas ações. — Ironizei lembrando de quando nos beijamos.
Capítulo 12 – Elisabete
Eu queria me bater por ter passado tempo demais pensando no
beijo que dei no meu chefe ontem à noite. Depois que botei a
cabeça no travesseiro, tudo passou novamente pela minha mente,
alguns suspiros e sorrisos bobos abandonaram a minha boca.

Nunca imaginei que o melhor beijo que já dei na vida seria com
alguém que me fazia tanta raiva, mas tenho que confessar que nos
últimos dias, Henrique estava sendo menos irritante.

A forma como ele me defendeu ontem foi surpreendente, e isso


lhe deu alguns pontos positivos. Não que eu apoie a violência,
porém, Miguel procurou sarna para se coçar quando praticamente
me chamou de vadia.

Eu não fazia ideia de como ele descobriu sobre mim e o delicia


do meu chefe, e hoje eu tentaria descobrir.

Assim que levantei, fiz um café bem forte e comi algumas


torradas. Mariana abriu um sorriso que ia de orelha a orelha quando
passou por mim na cozinha e sentou-se à mesa.

— Como foi sua noite? — Perguntou parecendo desconfiar de


algo. — Você chegou tarde.

— Dormi bem, obrigada. — Falei servindo o café.

— Não estou falando de quando chegou em casa, sua sem


noção, quero saber como foi com o chefe gostosão?

Olhei para minha irmã com olhos arregalados após ouvir as suas
palavras ousadas.

— Mais respeito, Mariana, sou uma mulher responsável, além


disso, você sabe que essa história é uma farsa.
Tentei ser convincente, mas só de lembrar do beijo minha mente
ficava atordoada com as sensações.

— Aquele beijo me pareceu bem real, irmãzinha. — Disse ela


tirando sarro da minha cara.

Fiquei pasma com a notícia que ela também sabia do beijo.

— Como você…

— Eu estava na internet pesquisando algumas coisas quando


uma amiga me mandou um link de um site de fofoca e quando
entrei, irmã, quase morri. — Falou ela pegando o pão. Eu só podia
ouvir e ficar ainda mais chocada. — Primeiro, vocês estavam lindos
juntos. Aquele homem, meu deus, que tudo. Depois apareceu outra
foto de vocês dois se pegando no meio do noivado. — Corri para
pegar o meu celular e verificar a veracidade dos fatos que ela
estava me contando. — Sério, penso que foi muito convincente.

— Deixa de ser doida, eu só fiz aquilo para ajudá-lo. — Disse


vasculhando todos os sites de fofoca da cidade. — Além do mais,
nem foi tão bom. Era para provocar a ex dele.

— É, eu vi, tinha uma foto onde ela estava com cara de bunda.

Quando enfim achei, amaldiçoei Henrique por ele ser tão


conhecido e por ter me colocado nessa situação. A matéria dizia
que eu era a nova namorada dele, e que roubei o coração de gelo
do mais gato empresário do momento.

— Que falta de sorte. — Reclamei derrotada.

— Mulher, você está reclamando de barriga cheia. — Disse


minha irmã batendo na minha cabeça. — O homem é lindo, gostoso
e rico, o que mais você quer?
— Tenho que lembra-la de que Henrique Vilella é meu chefe,
arrogante e idiota, e ainda por cima, tudo isso é uma mentira? –
Questionei levantando-me da cadeira, bem furiosa. — Isso pode me
arruinar.

— Olha, todos agora sabem que vocês estão juntos, se eu fosse


você aproveitava e se jogava nos braços musculosos e naquele
tanquinho delícia.

Olhei para a cara de Mariana que exibia um sorriso safado,


querendo estrangula-la. Como minha irmã pode sugerir uma coisa
dessas?

— Vou me arrumar para trabalhar, porque MEU CHEFE odeia


atrasos. — Falei saindo chateada.

Eu era aquele tipo de pessoa que pensava no problema até dar


dor de cabeça. Imaginei tudo. As pessoas no escritório, Henrique,
os conhecidos. Todos iriam falar e fofocar sobre isso.

Aposto que a essa hora o meu chefe estava bufando de raiva por
causa dessa mentira que ele mesmo inventou.

Saí de casa tentando respirar fundo para encarar a todos.


Quando passei pela portaria, eu ainda estava distraída, mas uma
buzina soou não muito longe mim.

Olhei para o carro conversível parado na rua e me assustei em


ver Henrique com seus óculos escuros, que o deixava irresistível, à
minha espera.

— Não temos o dia todo, senhorita Medeiros. — Ele disse, mas


não como de costume, ele soou gentil.

— Você veio aqui porque está chateado com o que fiz? —


Perguntei cautelosa.
— Por favor, entre, Elisabete. — Pediu novamente muito calmo.

Entrei no veículo ainda achando estranho a sua aparição tão


cedo e a sua educação a essa hora da manhã. Olhei para ele como
se o homem fosse um espécime muito raro e estranho.

— Pare de me olhar desse jeito. — Falou ele com um sorriso no


rosto.

— Você está estanho. — Falei assustada.

— Você é que está estranha. — Disse ainda mais sorridente.

— Ok, Henrique, diga-me, por que veio me buscar? Por que não
está furioso pelo que estão dizendo na internet? — Perguntei quase
alterada demais.

— Não posso ficar irritado com você, não se lembra do que


pediu, querida?

Querida!

Bati de leve no seu ombro e ele reclamou, me olhando estranho.

— Fale logo. — Exigi.

— Não estou chateado, sua louca, eu não tenho problemas com


os rumores que rolam na internet, se eles não me prejudicam. —
Falou de uma só vez.

— Ah é claro, porque foda-se se isso me afetar. — Falei irritada.

— Foi você que me beijou, esqueceu?

— Eu estava fazendo…

— Uma boa ação, é, eu ouvi da primeira vez. — Falou irritado.


Não sei o porquê, mas gosto quando estamos brigando. Era
como se as energias gastas me aliviasse.

— Desculpa, é que isso me pegou de surpresa, e sou bem


paranoica quanto ao que as outras pessoas vão falar. — Confessei,
me sentido derrotada.

— Você não tem que se preocupar com o que as pessoas irão


falar ou não. — Disse voltando a ficar calmo. — Sempre haverá
fofoca e boatos, a questão é como você lidará com isso.

— E como você faz, ignora?

— Não, às vezes uso ao meu favor. — Falou ao estacionar em


frente ao prédio alto e lindo.

Senti meu coração na garganta e comecei a suar frio.

— Penso que não tenho o mesmo sangue-frio. — Falei baixo.

— Não se preocupe, estarei ao seu lado. — Disse pegando na


minha mão e a beijando, como fez ontem.
Capítulo 13 – Henrique
A noite de ontem foi surpreendente e confusa. Eu não poderia
imaginar que gostaria tanto de um beijo, e foi justamente o dela.
Elisabete me surpreende a cada dia, e mesmo tendo um início bem
conturbado, ela realmente pode ser uma boa assistente.

Apesar de que a mulher adorava me provocar e ser irritante.


Acredito que ela faz isso de propósito, só para discutirmos.
Confesso que quando não brigamos até sinto falta e isso era
confuso.

Foi difícil dormir na noite passada, pois minha cabeça, idiota, não
parava de imaginar a linda morena provocante e sua boca macia.

Somos muito diferentes, mas algo fazia com que nos sentisse
atraídos um pelo outro, mesmo que a danada tentasse negar a todo
custo.

Graças a sua ajuda, todos sabiam sobre nós. Claro que isso me
ajudava, o problema era ela que agora parecia que teria um surto só
porque todos sabiam sobre nosso relacionamento.

Assim que passamos pela porta, os olhares curiosos nos


pescaram. Eu já estava acostumado com o falatório do escritório,
porém a novata aqui não.

Eu odiava distrações no local de trabalho, e agora minha vida


pessoal era o causador disso.

— Estou arruinada. — Falou Elisabete parecendo desesperada.

— Não exagere, logo eles esquecerão, além disso, não permito


que ninguém nesse escritório fique de fofoca no horário de trabalho.
— Falei para tranquiliza-la.
Elisabete revirou os olhos e respirou fundo, como se nada do
que eu falasse mudaria o que ela estava pensando.

Era interessante vê-la nesse estado, já que não parece em nada


com a mulher irritante que conheci.

— Claro, porque você está ao lado deles, vinte e quatro horas,


como um sargento autoritário. — Zombou, ficando irritada.

Bem, agora ela parecia com a mulher que conhecia.

— Que tal esquecermos isso e trabalhar? — Sugiro perdendo a


paciência.

Ela caminhava de um lado para o outro desde que entramos no


escritório. Parecia que iria surtar e eu estava ficando com medo.

— É obvio que você não se importa, pois é o chefe e age como


um robô frio e calculista, mas eu sou uma reles mortal que pode ter
a reputação prejudicada. — Disse apontado o dedo para mim, antes
de entrar na sua sala.

— Então você terá a sua reputação prejudicada só porque está


namorando comigo, e agora todos sabem? — A questionei também
ficando irritado, a seguindo.

— Claro, você é um robô frio que daqui a alguns meses irá me


abandonar. — Reclamou.

Quando a minha secretária apareceu na porta e viu a tenção


dentro da sala, Elisabete assustou-se, o que me fez sorrir.

— Senhor, aqui está seu café. — Ela disse.

Eu não fazia ideia de como sempre acabávamos brigando. Pelo


menos isso acabaria logo, pois pensava que ficaria maluco se
passasse mais tempo do que o esperado ao lado da morena
maluca.

***

Passei a manhã toda pensando nas coisas que a minha nova


assistente havia falado. Eu odiada ficar distraído no trabalho, mas
desde a sua chegada em minha vida isso era mais comum do que
eu gostava.

Depois daquela conversa, não a vi mais. A manhã estava


chegando ao fim, e sabia que deveria resolver esse problema.

Pensei bastante, e ela tinha razão. Isso era um erro e não podia
continuar com essa loucura. Claramente não chegaríamos a um
acordo para nos darmos bem. Somos como fogo e gasolina, e
juntos só rola brigas.

Passei na sua sala e a mulher estava concentrada no seu


trabalho, escolhendo cores e texturas para o projeto.

— Precisamos conversar. — Falei após bater na porta para


chamar a sua atenção. — Podemos almoçar juntos?

Ela estreitou os olhos, mas concordou. Alguns funcionários já


tinham saído para almoçar, e os demais estavam ocupados de mais
para notar a nossa presença.

Ela ainda parecia estar chateada, e percebi que mesmo Elisa


sendo irritante e me confundindo, eu gostava de estar ao seu lado.

Nos conhecíamos a tão pouco tempo e brigávamos tanto, mas


algo nela me animava e motivava.

Fomos a um restaurante onde sempre costumava frequentar. Era


reservado e não muito distante da empresa. Desejava ser direto e
acabar logo com essa loucura, para que isso não prejudicasse o
nosso trabalho.

— O que quer agora, Henrique, exigir que eu não surte? —


Questionou brava. — Não vai rolar.

Nunca imaginei que encontraria uma pessoa que me deixasse


tão louco assim. Geralmente eu seria o idiota de sempre que não se
importaria em responder com arrogância as suas provocações.
Também não estaria tão calmo com essa situação.

— Acalme-se, Elisa, não pretendo discutir ou exigir nada de


você. — Falei calmo, ainda a observando com atenção. – Desejo
resolver isso logo e acabar com as suas preocupações.

Elisabete me olhou desconfiada, o que me fez rir. Lembrei-me de


mais cedo, quando achou que eu estava chateado pelo fato de
todos saberem sobre nós.

Eu não me importava em ter meu nome na boca das pessoas,


geralmente isso acontecia. Mas isso era uma questão para a minha
assistente, e tenho que compreender que a mulher nunca passou
por essa situação.

— Como assim? — Questionou-me com o cenho franzido.

— Estou dizendo que vou acabar com essa maluquice, já que foi
eu quem a começou. Você não tem que sofrer com os meus erros.
— Falei mais claramente.

O garçom serviu os nossos pratos e a morena me olhava com


surpresa.

Mesmo não sendo do mesmo meio em que vivo, Elisa se


encaixava bem nesse lugar. Sua beleza chamava a atenção e me
hipnotizava com o seu olhar. Estava achando que se
continuássemos fazendo isso, a mulher poderia me enfeitiçar e
destruir as paredes que havia construído dentro de mim.

Estava ficando preocupado com a sua reação em relação ao que


falei, pois mesmo que estivéssemos só, ela permanecia calada me
olhando com espanto.

— Você quer terminar comigo? — Finalmente reagindo.

— Você sabe que nada disso é real, não é? — Perguntei com


um sorriso divertido no rosto.

— Mas para as pessoas é real.

— Você está chateada por que estou a liberando? — Questionei


achando estranho à forma como ela falou. — Você realmente
parece maluca agora.

— Olha aqui, senhor Vilella, não sou louca, mas seria estranho
terminarmos justo quando nossas fotos com nossas bocas coladas
aparecem na mídia. — Falou irritada.

— Parece que todas as mulheres são de outro planeta, pois não


consigo entender o que vocês querem. – Falei ficando frustrado.

Pensei que isso faria a minha dor de cabeça desaparecer, mas


agora, Elisabete Medeiros estava me deixando louco com as suas
mudanças de humor.

— Nada feito. — Protestou.

Acreditava que esse era seu plano desde o início, me


enlouquecer.

— Você ama me irritar, não é, mulher? — Perguntei tentando


controlar a minha raiva. — Passei a manhã toda pensando no que
eu poderia fazer para que você não precisasse se preocupar com
essa merda e agora você diz que “não”. Você é louca ou só faz isso
para me provocar?

Ela bufou e encostou-se na cadeira cruzando os braços.


Ficamos nos encarando por um momento até ela resolver quebrar o
silêncio.

— Tudo bem, desculpe ter surtado, mas não é isso que eu


quero. — Disse me deixando confuso. — Olha, eu também pensei, e
apesar de achar fofo você se preocupar com as minhas paranoias,
fui eu que te beijei ontem. Também fui responsável por isso e sei
que mesmo você não ligando, isso pode gerar muitos
questionamentos.

— Eu já disse, posso resolver isso. — Falei.

— Podemos continuar fazendo isso e prometo tentar não surtar.

— Tentar?

— Sim, sou um pouco paranoica, se já não percebeu. — A


morena jogou os cabelos para trás e continuou seu discurso. — O
problema é que penso demais nos problemas e se alguém me
questionar sobre algo a respeito de nós, não saberei como reagir ou
o que falar.

Eu ainda não conseguia entender o porquê de ela recusar a


minha ideia. A mulher estaria livre para me odiar.

— Ok, mas por que não pararmos com isso agora? — A


questionei aproximando-me mais. — Você e eu não nos damos
bem.

— Não é verdade. — Disse com um meio sorriso. — Até gosto


quando brigamos. Tenho esperanças de derreter esse seu coração
de gelo.
— Nada feito. — Falei firme. — Isso não vai funcionar. E você
surtando, não é uma boa ideia. Além disso, você disse que
“mancharia a sua reputação” se as pessoas soubessem sobre nós.

— Ok, exagerei, mas vamos combinar que quando isso


realmente acabar, será a mim que eles irão questionar.

Juro que o destino colocou essa mulher na minha vida para me


confundir e irritar.

— Diga-me, Elisabete: o que você quer? — A questionei


desistindo. — Pois parece que nada que eu faça é o certo para
você.

Nos encaramos enquanto ela parecia pensar na resposta. Elisa


tinha razão, eu gostava quando tínhamos um embate. Geralmente
não prestava atenção nas minhas acompanhantes e torcia para que
a noite passasse rápido, entretanto, com ela era diferente.

— Podíamos realmente nos conhecer. Como um casal real. —


Falou.

— Já não tínhamos combinado isso?

— Só concorde e escolha o dia para sairmos e conversar. —


Bufou.

— Se eu fizer o que quer, você deixa de ser irritante? —


Questionei com um sorriso sarcástico.

— Claro.

— Então tudo bem, amanhã.

— Amanhã?

— Sim, iremos para a minha casa de praia. Longe de tudo e de


todos.
Capítulo 14 – Elisabete
Eu não fazia ideia de por que surtei daquela forma, mas ouvi-lo
dizer que tudo estava acabado, me bateu uma insegurança e medo
irracional.

Ele iria fazer o que eu queria, era para ter aceitado, porém,
esses sentimentos tomaram conta do meu ser e confundiram o meu
cérebro.

Não sei como tive coragem de dizer “não”, já que estava claro
para nós dois que isso não daria certo.

A questão era que eu queria conhece-lo mais. Era loucura, já


que sempre discutíamos, mesmo tendo concordado que isso não
aconteceria mais.

Assim que cheguei em casa, um desejo incessante de querer me


bater tomou o meu corpo e corri para o sofá onde Mariana estava
para lhe contar tudo.

Ela ouviu a minha história sem falar nada. Eu estava


desabafando, mas também me autocriticando por todas as merdas
que fiz no dia. No fim, perguntei a ela a sua opinião.

— Você ainda quer se bater? — Ela perguntou e achei estranho.

— Sim, acredito que fiz…

Senti uma bofetada no meu rosto que ardeu um pouco. Olhei


para a garota que era bem menor que eu, abrir um sorriso e no
mesmo instante quis revidar.

— Você está manchando o nome Medeiros, Elisabete. Pelo amor


de Deus, para de ser louca. – Falou ela levantando-se.
Ainda estava com a mão no local onde ela batera, mas pensava
nas suas palavras.

— Por que você me bateu? — Questionei pensativa.

— Não era o que queria? — Questionou novamente abrindo um


sorriso. – Na verdade, quero que abra seus olhos e veja claramente
o que está fazendo.

— Precisava me bater? — Levantei-me com raiva e a segui até a


cozinha.

— Claro. — Responde como se a resposta fosse óbvia. — Elisa,


primeiro você diz que isso é uma loucura e que deseja matar seu
chefe por ter te metido nisso, aí quando o delícia quer te liberar você
surta como uma maluca. Pelo amor de Deus, você só o conhece há
algumas semanas e já está apaixonada.

Fiquei chocada com as suas palavras. Minha irmã só poderia


estar louca. Eu não gosto do senhor Vilella. Ele era o pior homem
que já conheci, e olha que fui traída por Miguel.

Eu nunca me apaixonaria por um homem frio e arrogante como


ele e se Mariana continuasse com essa baboseira, seria eu quem
bateria nela.

— Não viaja, Mari, eu só não queria que as pessoas


desconfiassem. — Falei passando por ela e abrindo a geladeira,
procurando a água gelada.

— Ah é? — Ouvi seu questionamento, mas não me importei em


virar para olha-la. — Então quer dizer que você odiou beija-lo, odiou
seus sonhos furtivos e eróticos com seu chefe, e que o seu surto
hoje não foi medo de deixa-lo livre para que outra tivesse a
oportunidade de tê-lo para si.
Dei uma gargalhada alta e coloquei o copo em cima da mesa
para que não caísse da minha mão. Eu não poderia acreditar no que
essa pirralha estava falando.

— Olha, irmã, eu te apoiava quando sonhava com a vida das


princesas da Disney, mas isso é pura alucinação. — Falei.

Deixei-a no lugar e saí para o quarto. Aos poucos, a alegria foi


esvaindo e um medo irracional me consumiu quando várias coisas
se passaram pela minha cabeça.

Eu estava com medo de que Henrique achasse outra pessoa?

— Não, isso é culpa da Mariana. Foi ela que colocou isso na


minha cabeça. — Falei para mim mesma.

Meu celular vibrou na bolsa que ainda estava lotada com as


coisas do meu dia e assim que o retirei de dentro, vi que era o meu
chefe, que quase foi o motivo de uma discussão familiar.

“Espero que você não se atrase, senhorita Medeiros. Temos que


pegar a estrada antes que o caos do trânsito nos impeça de chegar
cedo em porto de galinhas. ”

Revirei os olhos, porém, não pude impedir que minha boca se


curvasse em um sorriso. Eu o odiava por me irritar e me fazer gostar
disso, mesmo que um pouco. Não queria pensar na possibilidade de
que eu poderia começar a gostar realmente dele, pois tudo isso era
uma grande mentira.

Apesar de desejar ser, pelo menos, uma amiga no final dessa


jornada, lá no fundo eu tinha que admitir que se Henrique não fosse
tão odiável e que se eu não souber diferenciar as coisas, posso sair
dessa mais ferrada do que imaginei.

“Não se preocupe, senhor Vilella, estarei pronta antes mesmo de


chegar aqui. ”
“Espero que esteja melhor, pois mais cedo achei que estava
tendo um surto psicótico. ”

Foi impossível não rir com ele. Quando queria, Henrique podia
ser engraçado, o que me fez pensar se ele escondia a sua real
personalidade por medo das pessoas. Claro que ele já falou sobre
não se importar com isso, no entanto, até um homem como ele
poderia ser afetado pelas coisas ruins que as pessoas falavam.

“Estava preocupado comigo? ”

“Claro, você, aparentemente é minha namorada. As pessoas


pensariam que fui eu a provocar a sua loucura. ”

“Elas estariam certas. ”

“Estou providenciando uma lista para você, amanhã. ”

“Como assim? São exigências? ”

“Não, senhorita Medeiros, é sobre mim. ”

“Está criando uma lista sobre você? Essa é a sua tática para
fugir de conversas? ”

“Odeio falar sobre mim. Será melhor assim. ”

“Acredito que será uma perda de tempo, e o senhor odeia perder


tempo. ”

“Porque diz isso? ”

“Simples, eu gosto de fazer perguntas e ver a verdade no olhar


da pessoa. ”

“Bem, isso já é uma coisa que odeio em você. ”


“O que mais odeio em você é que parece um robô, mas aqui
estamos. ”

“Boa noite, senhorita Medeiros. ”

“Acredito que para ser mais verídico devemos usar o primeiro


nome. ”

“Boa noite, querida Elisabete. ”

“Boa noite, Henrique, meu robozinho fofo. ”

No fim, essa breve interação me fez ficar mais feliz. Acreditava


que o homem não era sempre rude e isso era bom, já que não
poderíamos viver sempre discutindo.

— Esse sorrisinho bobo é porque você o odeia também? —


Olhei para a porta onde Mariana estava com uma cara pervertida.

— Me deixa em paz, Mariana. – Falei jogando o travesseiro nela.

— Diga ao meu cunhado que quero conhece-lo logo. — Gritou


se esquivando e saindo.
Capítulo 15 – Henrique
Não sabia se estava fazendo a coisa certa em leva-la para minha
casa de praia e passar o dia conversando sobre mim.

Particularmente, odiava conversar sobre meus sentimentos, por


isso me reservava bastante, e os que sabiam de algo sobre mim,
eram muito próximos ou estavam lá quando aconteceu.

Eu ainda não sabia o porquê Elisabete não aceitou terminar logo


com tudo isso, mas posso dizer que fiquei feliz.

Agora estava parado esperando a morena que me garantiu que


já estava pronta, e quando finalmente a avistei saindo pela portaria,
o tempo pareceu diminuir a cada passo que ela dava.

A mulher estava com um cropped simples, um short e um


cardigã floral, solto. Seus cabelos escuros estavam soltos, voando
com o vento e ela usava óculos que cobriam seus olhos castanhos.
Mas o sorriso em seus belos lábios fazia tudo ficar mais lindo.

— Não me diga que está chateado só porque atrasei cinco


milésimos? — Perguntou bem-humorada.

— Bom dia para você também, Elisabete. — Brinquei. — Você


está linda.

Ela deu uma gargalhada que a deixou ainda mais linda. Fiquei
apreciando esse momento de paz, pois sabia que poderia durar
pouco.

Afastei-me do capô e abri a porta para que ela pudesse entrar.


Ela ainda estava sorrindo quando entrou, e coloquei-me no meu
lugar e iniciei a nossa curta viagem.
Abri o teto para que pudéssemos apreciar a vista o caminho
todo.

— Diga que você tem músicas boas aqui. — Disse enquanto


mexia nos botões do carro.

Assim que as primeiras notas da música começaram a tocar, ela


me olhou com os olhos arregalados e de boca aberta.

— O que foi? — A questionei.

— Você gosta de MPB? — Perguntou animada.

— Não me olhe assim, o que pensou que eu ouvia? — Perguntei


achando estranha a sua reação.

— Sei lá, alguma música estranha ou nada. — Falou zombando.


— Mas fico feliz que tenhamos uma coisa em comum.

— Que sorte. — Brinquei.

A mulher passou o caminho todo cantando as músicas da minha


Playlist. Achei agradável ouvi-la cantar. Já saí com muitas mulheres,
mas nenhuma delas me agradou tanto quanto essa.

Elisabete tinha algo incomum que eu adorava. Não sabia o


porquê, mas queria estar com ela, mesmo que fosse para discutir a
todo o momento. Tenho que confessar que ela foi a única mulher
que me fazia deixar um dia de trabalho e sair para um dia de
conversa.

Mesmo ficando a alguns quilômetros de distância da capital,


chegamos rápido a Porto de Galinhas.

— Sabe, sempre quis vir a Porto de Galinhas, mas nunca tive a


oportunidade. — Falou ela saindo do carro parecendo encantada
com o lugar. — Ironicamente vim com você.
— Isso é algo ruim? — Questionei.

— Não, porém, sei o quanto é chato e você não vai querer se


divertir aqui. — Falou virando-se. — No entanto, a primeira coisa
que tem que saber sobre mim é: sou persistente.

— Ótimo, colocarei na lista com chata, irritante, tagarela e muitas


outras coisas.

A morena fechou a cara e veio em minha direção rápido, me


assustando.

— Não vamos brigar hoje, Henrique, mas posso ser tudo isso
que você falou enquanto estivermos aqui, só nós dois.

— Ah, não fique irritada, só falei isso para que saiba que
conhecemos o lado ruim um do outro, agora teremos que conhecer
mais algumas partes boas.

— Mais algumas? — Questionou-me levantando uma das


sobrancelhas. — Quais outras partes boas você gosta em mim?

Sua pergunta veio junto de um sorriso pervertido que me fez


sorrir também.

— Você beija bem. — Falei e ela ficou envergonhada.

— Ok, vamos entrar. — Falou saindo na minha frente.

***

Questionei a ideia de ter vindo com ela para essa casa distante,
mas confesso que agora tudo estava bem. Não tínhamos brigado
ainda, e preparávamos uma comida mais natural.

Ela colocara música para tocar e cantava cortando alguns


legumes. Era divertido ouvi-la e não ousei criticar a forma como ela
fazia isso.

O dia estava ótimo, e como a casa ficava em uma área


particular, não éramos perturbados.

Quando terminamos, sentamos ao ar livre para poder apreciar a


refeição que tínhamos acabado de preparar.

— Ótimo, você cozinha muito bem. Então isso quer dizer que o
seu único defeito é ser um péssimo chefe. — Ela disse enquanto
provava um pouco da comida.

— É isso que todos vocês falam quando não estou?

— Claro que não. — Disse com o cenho franzido. — Falamos


isso em qualquer situação.

Novamente ela conseguiu tirar de mim um belo sorriso.

— Ok, eu sou exigente. No entanto, tenho que ter foco no meu


escritório para ter bons resultados. — Expliquei.

— Já tentou ser mais simpático com eles? — Questionou


curiosa. — Aposto que teria mais sucesso e de quebra se tornaria
uma ótima pessoa.

Fiquei a encarando enquanto ela falava. Elisa era uma das


pessoas mais sinceras e abertas que eu conhecia. Ela não tinha
medo de falar o que pensava, nem mesmo para mim, e isso não era
mais desagradável.

— Então eu devo ser mais… simpático?

— Sim. Você não precisa sorrir vinte e quatro horas ou conversar


sobre a vida com eles, apenas um bom dia, menos arrogância...

— Tudo bem. — Disse e vi seus lábios se curvarem. — Como


pode ser tão boa com as pessoas? — Perguntei bastante curioso.
— Você acabou de descobrir uma traição, o idiota ainda pensa que
você está errada, e pior, eu sou seu chefe, mas ainda sorri e faz
piadas.

Os olhos castanhos da morena se prendem em mim. Querendo


ou não, eu a admirava por ser tão positiva.

— Ficar remoendo o que aconteceu não me faria bem e mudar


por causa disso não ajudaria em nada. — Respondeu encostando-
se a cadeira. — Quando descobri o que Miguel estava fazendo
pelas minhas costas, pensei que não confiaria em mais ninguém ou
que seria infeliz, mas sabe, foi até libertador. Ele era uma pessoa
que sempre me colocava para baixo só para que ele brilhasse.
Passei três anos trabalhando em um emprego que odiava, só para
não deixar de pagar o aluguel. — Sua atenção vai para as ondas
quebrando na praia, entretanto não consegui sair da sua hipnose. —
Não vou viver triste só porque temo viver isso tudo de novo. Meus
pais me ensinaram a ser persistente e sempre ver o lado bom das
coisas, e estavam certos. Perdi o emprego, mas agora trabalho para
você. E se não fosse por isso não estaríamos aqui.

— Você agradece por me suportar?

— Acredito que você seja uma boa pessoa, Henrique. — Fiquei


surpreso com o que ela falou, já que ela sempre dizia aquelas
coisas. – Às vezes dá vontade de te matar, mas também há partes
boas em você. Ontem, por exemplo, você desistiria de tudo só para
me liberar. Agora estamos aqui, só para que eu não surte
novamente. E as poucas horas que já passamos juntos, nem me
lembrava da pessoa que conheci no primeiro dia.

— Acredito que está exagerando. — Falei voltando a prestar


atenção na comida. — Não sou uma pessoa boa como você.

— Você me contou um pouco sobre a sua vida antes disso e


posso imaginar que foi difícil, mas não precisa se transformar em
alguém que não é só porque tem medo de se magoar novamente.
— Você acha que foi a única coisa que aconteceu? —
Questionei mais bravo do que queria. — A vadia da Amanda me
estragou com os relacionamentos, mas eu perdi alguém Elisa,
alguém que eu amava. – Eu não queria relembrar o passado, isso
não me faria bem. Elisabete me olhava assustada e aos poucos a
raiva foi passando me fazendo sentir um idiota. — Desculpe. —
Falei.

— Tudo bem, Henrique. Não vou mais insistir. — Disse


colocando sua mão sobre a minha.
Capítulo 16 – Elisabete.
Eu sabia que havia um motivo para que esse homem fosse
dessa forma e acreditei que poderia realmente ter sido devido a
Amanda, mas agora descobri que algo, além disso, aconteceu.

Não sei se foi outro amor ou não, porém tinha que admitir que
estava curiosa.

Claro que eu não insistiria em continuar falando sobre algo que o


fazia se sentir mal, por isso resolvi mudar de assunto.

— Então, o que mais gosta de fazer? — Perguntei tentando


mudar o clima que ficou no ar.

Henrique franziu o cenho me analisando.

— Não gosto de muitas coisas. — Falou.

— Mas deve ter algo que goste. — Insisti. — Por exemplo, eu


amo sorvete e um belo jardim de flores.

— Ok. — Disse desconfiado. Ele me encarou enquanto eu ainda


esperava a sua resposta. Acredito que ele notou que eu não me
sentiria satisfeita enquanto ele não falasse, então respirou fundo. —
Gosto de bolo de cenoura com chocolate. — Disse e abri um sorriso
de alegria. Eu também gostava, mas sorvete era minha vida. — Às
vezes, quando estou em casa, gosto de observar as estrelas.

— Sério?

— Não é nada incomum, mas quando criança, eu e os meus


irmãos gostávamos de olhar as estrelas.

Vi que seu olhar novamente entristeceu. Ele nunca falava muito


sobre a família e em minhas pesquisas não deu para descobrir
muito, já que parecia que os Vilella não deixavam que a mídia os
expusessem.

— Odeio quando alguém mexe em minhas coisas sem me


avisar. — Falei chamando a sua atenção. — Mariana, minha irmã,
adora fazer isso. Sempre foi assim, mas agora que moramos juntas,
isso ficou pior.

— Então, odeia morar com ela?

— Não. No entanto, odeio essa mania. Na verdade, acredito que


ela faz isso só para me provocar.

Henrique era um homem difícil de conversar, porque ele não


deixava muita coisa escapar, mas durante as duas horas seguintes
consegui algumas informações.

Claro que fui eu que mais falei, entretanto, sou uma pessoa que
consegue o que quer e aos poucos ele foi falando.

Pelo que sei, meu chefe não tem uma boa relação com o pai, já
que ele esteve metido em muitas coisas que prejudicaram a família,
não só no seu vício em jogos.

Seu irmão mais novo trabalhava como dono de uma rede de


hotéis e resorts, bem aqui em Porto de Galinhas. Ele também falou
muito bem da mãe, apesar dela insistir em querer arranjar uma
esposa para ele.

Espero que eu não tenha a obrigação de conhecê-la, pois penso


que ela deva ser o tipo de mulher que irá me tirar do sério.

— Penso que já sabe o bastante sobre mim. — Ele disse


levantando-se e caminhando para dentro da casa.

— Na medida do possível, sim. — Reclamei.


— Não se preocupe, Elisabete, isso não durará muito tempo. —
Falou.

Claro, porque tínhamos um prazo para terminarmos. O problema


era que eu estava me importando mais do que deveria com esse
prazo.

— Bem, antes de irmos, acho que posso aproveitar um pouco. —


Falei levantando-me e indo me trocar no quarto. — Como já sei a
sua resposta, não vou convida-lo para ir comigo.

— Para aonde vai? — Questionou-me virando abruptamente.

— Estamos na praia, Henrique, onde você acha que vou?

Sorri antes de entrar no quarto enorme que tinha uma linda


cama. Meu cérebro só questionava uma coisa: como alguém
colocava lençóis tão brancos em uma cama tão perto da praia?

Claro que ele não se divertia como uma pessoa normal, no


entanto, imaginava que pelo menos ele trazia alguns amigos para
cá.

Ri de mim mesma com esse pensamento. Henrique Vilella nunca


faria uma festa na sua casa de praia.

Por sorte, eu tinha uma irmã que vivia no litoral praiano e pedi
emprestado um dos seus maiôs. Ela adorava vestir roupas
provocantes, e tive que escolher o menos exposto que ela tinha.

Como meus seios eram maiores, eles ficaram bem apertados na


roupa. Olhei-me no espelho e tive que admitir que estava bonito. O
problema era que eu não costumava vestir roupas que mantinham
meu corpo exposto, e esse maiô era uma dessas roupas.

No fim, decidi que isso não me importava, já que estaria sozinha


e não teriam muitas pessoas ao meu redor. Coloquei um blusão não
muito transparente por cima e saí.

Encontrei o meu chefe sentado na varanda, lendo um livro. Ele


pareceu mais lindo que o normal, e conhece-lo um pouco mais, me
deixou ainda mais atraída por ele.

Sei que algo entre nós era impossível e todos os dias eu repetia
isso na minha cabeça, justamente quando ele estava dessa forma.
Respirei fundo e passei por ele.

— Não se preocupe, não vou demorar muito. — Falei.

Peguei meu celular que estava em cima do sofá e vi uma


notificação de mensagem. Era da minha irmã e ela dizia estar aqui
em Porto.

Assim que voltei à atenção nele, notei estar sendo avaliada pelos
olhos atentos do homem. Tive dificuldade para respirar e um imenso
arrepio se passou pelo meu corpo.

— Você vai assim? — Perguntou ainda me analisando.

— Tem algo de errado? — Questionei olhando para mim. —


Ficou feio?

— Não.

Nossa conversa foi cortada com a ligação da minha irmã. Virei-


me para descer as poucas escadas e atender o telefone.

— Tive uma ideia. — Falou parecendo eufórica.

— Ah é?

— Que tal você e o senhor gostoso ficar por uma noite aqui em
Porto? — Revirei os olhos quando ela falou isso. — Estou com um
grupo de turista que dará uma festa na paia. Tipo um luau. Sei que
você nunca participou dessas coisas e seria a oportunidade perfeita.
— Não vai rolar. — Falei sem demora. — Você não conhece o
homem. Henrique nunca participaria de algo assim.

— Há, qual é? Amanhã é domingo, vocês nem trabalham.

— Talvez eu possa ficar, e ir no domingo. — Falei pensativa.

Eu realmente estava cogitando ficar. Era uma ótima


oportunidade e sempre desejei participar de um luau.

— Poderíamos ir juntas. — Falou ela ainda mais animada.

Assim que desliguei o telefone, virei-me para subir, mas parei


quando o vi no meio do caminho.

— Era a minha irmã, ela nos convidou para irmos a um luau. —


Falei com esperança de que ele fosse. — Claro que eu disse que
você não curte essas coisas, mas não custa tentar.

— Não gosto de festa ou lugares com muitas pessoas. — Falou


com seu olhar misterioso.

Aproximei-me dele e segurei sua mão, olhando nos seus olhos.

— Você é um cara jovem e bonito, por que prefere viver tão


solitário?

Eu queria anima-lo e convence-lo a ir comigo, porém, seus olhos


já diziam que ele não voltaria atrás numa decisão.

— Gosto de viver assim. — Falou desviando o olhar.

— Não é verdade.

Toquei em seu rosto e consegui sentir a tensão. Acredito que ele


tenha achado minha ação estranha, pois franziu o cenho quando
novamente me encarou.
— Você pode ir sem mim. — Falou afastando-se.

Ele realmente era um homem difícil. Nada do que eu fizesse faria


o homem mudar de ideia.

— Tudo bem. — Disse o acompanhando para perto da água. —


Ela provavelmente vai me jogar para um de seus amigos. Só pensei
que você fosse me salvar.

— Sabe que você é minha namorada, não é? — Questiona-me


virando-se abruptamente, me assustando. — Aparentemente, claro.

— Mariana sabe que isso não é real, e mesmo ela tentando eu


não ficaria com ninguém. A não ser que eu estivesse bem bêbada.

— E você costuma beber muito? — Questionou-me sério.

— Não preciso beber muito para ficar bêbada. — Respondi


dando de ombros e voltando a caminhar. — Mas não precisa se
preocupar. O que acontece aqui, fica aqui. Pelo menos é o que ela
sempre diz.
Capítulo 17 – Henrique e Elisabete
Elisabete

Por incrível que pareça, tivemos uma tarde excelente e animada.


Eu não sabia o porquê de ele ter mudado de ideia e vindo me
acompanhar, porém, gostei disso.

Eu realmente estava gostando de conhecer aquele homem


misterioso. Entretanto, antes de sair da sua casa senti algo
inexplicável. Ele estava bem, no entanto era como se eu não
quisesse deixá-lo. Era óbvio que quanto mais o conhecia, mais me
apegava a ele. Não sei por que era desse jeito e sabia que tinha que
lembrar o que estava fazendo. Henrique era meu chefe, tudo isso
era uma mentira, e assim que o prazo acabasse ele me dispensaria.

Não queria nada além da sua amizade, e se ele visse que não
era boa o bastante para continuar a trabalhar ao seu lado,
entenderia e acharia outro emprego.

A questão era que eu não o tiraria da mente tão rápido, e se


cometesse a besteira de confundir tudo poderia sair dessa com um
problema, já que o homem tem uma grossa camada de gelo que o
protege de tudo, inclusive dos sentimentos.

Eu realmente queria que ele tivesse vindo comigo a essa festa,


pois mesmo dizendo que não gostava e que ficaria bem, não
acreditava que isso fosse totalmente verdade.

Ele se sentia só e odiava isso. Henrique se fazia de duro e sem


emoção, em alguns momentos eu conseguia ver que ele odiava
essa situação.

Eu estava caminhando até onde minha irmã estava,


provavelmente rodeada de pessoas como ela.
A noite estava linda e estrelada, e constatar isso me fez pensar
instantaneamente no senhor robô com quem trabalhava. Um
homem que apreciava as estrelas e constelações, não podia ser
alguém tão insensível e acreditava que ele se escondia dentro
daquela casca para não ser machucado novamente.

Cheguei ao local rápido, pois sua casa não ficava muito longe da
onde eles estavam. Ao me ver, Mariana quase pulou de alegria e
isso me motivou.

— Eu tinha esperanças de que você com toda a sua insistência


conseguiria convencê-lo a vir. — Falou depois de um abraço
caloroso.

— Tentei, mas o cara é um durão e nem minhas provocações


funcionaram. — Falei lembrando-me do chato. — Talvez ele não
tenha jeito. — Disse pensando em voz alta.

— Não diga isso. O amor muda.

Revirei os olhos com a provocação dela e quis esquecer-me


disso. Fui apresentada a todos que estavam esperando e depois
caminhamos poucos metros até o local onde seria a festa. Uma
tenda foi montada e a decoração estava praiana. Era a primeira vez
que vinha a algo assim, e mesmo não conhecendo ninguém além da
minha irmã, decidi que iria aproveitar.

No grupo de turistas estava um moreno lindo que me olhava


diferente dos demais. Eu estava envergonhada, mas aos poucos fui
me soltando com as bebidas que ela trazia.

— Veio só apreciar as praias? — Perguntei após beber meu


segundo copo de cerveja.

— Na verdade, estou aqui para finalizar uma compra. — Falou.


Seu sotaque britânico era lindo e fiquei admirando o homem que
tinha um corpo escultural.

— Depois vai voltar para Londres?

— Talvez eu fique mais um pouco. — Falou colocando seu corpo


mais próximo do meu.

Eu estava tensa, pois o homem parecia interessado e apesar de


ser lindo e ter o bônus com seu sotaque encantador, eu não estava
interessada nele. Na verdade, queria que ele continuasse a falar
sobre o seu país, pois era isso que eu queria saber.

Alguém tossiu não muito longe de onde estávamos. Quando os


meus olhos encontraram os dele, senti meu corpo inteiro ficar tenso.

Henrique me olhava estranho, como se me perguntasse o que


estava acontecendo.

— Você veio. — Falei animada.

Levantei da onde estava e corri para abraça-lo.

Henrique
Quando a diaba saiu da minha casa tive que travar uma batalha
interna. Não era o meu estilo ir a festas e curtir, muito menos correr
atrás de uma mulher que não se interessava em mim, porém aquela
conversa de: o que se faz aqui, fica aqui. Se repetiu na minha
cabeça em um loop infinito, e a ideia de Elisabete ficar com outros
homens me incomodou.

Claro que não tinha uma cláusula dizendo ser proibido ficarmos
com pessoas enquanto fingimos nos amar, no entanto, eu não
poderia permitir que tal coisa acontecesse. Foi isso que me
impulsionou e justificou a minha ida àquela festa idiota na praia.
Perguntei ao meu irmão onde seria o luau, já que ele sabe de
tudo nessa praia, e foi fácil achar.

Assim que cheguei ao local procurei Elisabete dentre todos os


que estavam lá. Havia muitas pessoas, e a bebida estava rolando
solta. Muitos estavam jogando bola ou vôlei.

Achei a morena, não muito longe da aglomeração. Ela estava


conversando com um homem moreno, alto e muito próximo dela. Foi
irracional sentir raiva ou pior, ciúmes, já que não tínhamos nada
real, no entanto, era o que estava sentindo. Aproximei-me dos dois,
bem no momento em que ele estava a poucos centímetros dela.

Tive que chamar a atenção e fiquei surpreso por ela ter ficado
animada com a minha presença, e seu abraço foi… estranho.

O homem nos olhava com estranheza, e usei da aproximação a


meu favor.

— O que estava acontecendo aqui? — Perguntei com um sorriso


interrogatório.

Eu não tinha o direito, já que ela não era minha namorada, mas
isso não me impediu.

— Estávamos conversando.

— Conversando? — Cerrei os olhos e ela abriu um sorriso largo.

— Talvez ele quisesse algo mais. — Disse quase sussurrando.


— Mas eu não. — Balançou a cabeça.

— Ok. — Disse concordando. — Quanto você bebeu?

— Dois copos, ainda estou bem. — Disse dando de ombros.


O cara se aproximou de nós e se apresentou. Era óbvio que ele
era um daqueles turistas idiotas. Fiz questão de deixar claro, nas
entre linhas, que estávamos juntos mesmo não sendo verdade.

— Cunhado. — Exclamou uma voz feminina muito animada.

Uma morena, baixinha, que era quase idêntica à Elisabete,


apareceu em nossa frente segurando uma garrafa de bebida. Ela
me abraçou forte e olhei para sua irmã pedindo ajuda.

— Mariana! — Exclamou ela puxando a irmã. — Para de me


fazer passar vergonha.

— Ah, qual é? — Reclamou. — É a primeira vez que vejo o cara,


tenho que dar uma excelente recepção.

O moreno já tinha perdido o interesse em nós e saiu sem que


percebêssemos. Fiquei bem mais feliz.

— Não ligue para ela, Henrique.

— É um prazer conhece-lo. Pensei que não viria, mas acho que


mudou de ideia. — Disse com um sorriso pervertido no rosto.

— Não tinha nada o que fazer. — Falei dando de ombros.

— Claro. — Disse balançando a cabeça. Notei que a irmã era


tão irritante quanto Elisabete. — Enfim, se quiser uma bebida é só
pegar ali. — Falou indicando o lugar. — Conversaremos melhor
depois.

Depois que ela se foi, ficamos só eu e a irmã que tinha uma cor
agradável no seu rosto, mostrando que ficou envergonhada.

— Então você não tinha nada para fazer? — Questionou-me ao


puxar meu braço para que caminhássemos.
— Eu não queria que bebesse muito e estragasse tudo. — Falei
dando de ombros.

Não era essa a verdade, mas ela não precisava saber.

— Ah.

Sentamos na areia e olhamos as estrelas. Estava uma bela noite


para apreciar a beleza que elas emitiam.

— Aquele cara ainda está interessado em você, mesmo eu


estando aqui. — Disse vendo o idiota que nos encarava.

— Talvez eu pegue o número dele. — Ela disse me chocando. —


Estarei livre daqui a algumas semanas, e Robert ainda estará no
estado.

— Você só está me provocando, não é? — Perguntei cerrando


os olhos.

A mulher olhou para mim com o cenho franzido, ainda em seus


pensamentos.

— Não, por quê? — Questionou-me. — Você pensa que teremos


que estender esse jogo?

Eu não queria a responder, pois as palavras que sairiam da


minha boca não seriam boas nem mesmo coerentes para mim.

— Acho melhor irmos embora. — Falei levantando.

— O quê? — Exclamou surpresa. — Mas você acabou de


chegar.

— Como eu disse, não gosto de festas. — Disse irritado. — E


não posso deixa-la aqui.
— Por quê? Não confia que eu guarde seu segredo? — Agora
ela estava bem chateada e o clima esquentava. — Desculpe por ser
tão irritante. Quer saber, não vou com você.

Mesmo dizendo que não estava bêbada, ela estava agindo de


forma estranha, muito além do normal.

— Sim, você vai. — Disse pegando em seu braço.

— Para quê? Ouvir você falando essas merdas?

Dava para sentir a frustração emanando dela. Eu não estava


muito normal e não sabia explicar toda essa briga, mas não a
deixaria aqui com esse monte de turistas pervertidos.

Eu não costumava fazer nada por impulso, porém, estar perto


dessa mulher me enlouquecia, e a única maneira de fazê-la calar a
boca e se acalmar era ocupando-a, então a puxei contra o meu
corpo e tomei sua boca, e como da última vez, fui puxado para
muito longe, sentindo as sensações boas novamente.

Eu guardava essa lembrança desde a última vez que tínhamos


nos beijado e pensei que era ansiedade pelo momento, mas fazer
isso novamente me fez constatar que eu estava errado.

Ela não lutou contra mim, muito pelo contrário, assim como eu,
Elisabete se entregou a tudo, me fazendo gostar ainda mais disso.
Capítulo 18 - Elisabete
Acordei com a minha cabeça doendo e sem lembrar de quase
nada. Meu corpo estava em um lugar muito confortável e macio.
Assim que abri os olhos, a claridade que entrava por uma pequena
brecha da cortina, ajudou-me a ver o ambiente em que estava e não
era o meu quarto.

Gradualmente consegui reconhecer o lugar e essa constatação


me deixou um pouco assustada, pois ainda não conseguia lembrar
como cheguei aqui.

Levantei-me do colchão macio, rápido, e abri a cortina que me


deu uma vista maravilhosa da praia. Olhei para mim no reflexo do
vidro e vi que não usava as minhas roupas, mas sim uma grande
camiseta que parecia mais uma camisola.

— O que aconteceu ontem? — Perguntei a mim mesma.

Vasculhei o lugar à procura dos meus pertences e os achei não


muito longe de onde eu dormia. Não trouxe tanta roupa, porém,
ainda havia uma que ainda não tinha colocado. Ainda bem que
sempre ando precavida. Mariana sempre dizia que isso era um
grande exagero, no entanto, esse exagero sempre me ajudava, pois
nunca se sabia o que poderia acontecer.

Depois de me vestir com um vestido soltinho de cor azul-


marinho, saí do belo quarto pisando delicadamente no chão. Eu não
sabia onde o meu chefe estava e nem como vim parar aqui outra
vez.

O que me lembrava era de sair, achar minha irmã, conversar


com um bonitão e Henrique aparecer.

Antes de entrar na sala, coloquei minha cabeça para ver algo


antes de qualquer coisa. Ele estava sentado à mesa que ficava na
varanda, lendo. O sol ainda não estava muito forte, porém, a luz
fazia com que seus cabelos parecessem dourados reluzentes.
Respirei fundo antes de tomar coragem para ficar em sua frente.

Parei bem à sua frente, mas o homem não tirou os olhos das
folhas que lia. Limpei a garganta com esperança de que ele
finalmente me notasse.

— Sente-se, Elisabete. — Falou parecendo chateado.

Achei estranho a forma como ele falou e novamente me


questionei sobre o que teria acontecido na noite passada. Sentei-me
a seu lado, apreciando a mesa que estava farta. Parecia que eu
estava em uma daquelas cenas de novela onde os personagens
tomavam café. O que me fez pensar: como ele fez tudo isso?

— Ok, tenho muitas perguntas. — Disse olhando para o homem


que ainda me ignorava.

— Ótimo. — Bufou. — Já disse que isso é uma das coisas que


mais odeio?

— Primeiro, por que está agindo assim? — Questionei tentando


não me irritar com a forma que ele estava agindo. — O que
aconteceu para deixá-lo assim a essa hora da manhã?

Finalmente ele me olhou, mas com o cenho franzido. Seu olhar


me dizia ser algo óbvio, porém, não para mim.

— Você ainda não sabe o porquê?

Forcei o meu cérebro, porém, eu precisava de uma ajudinha.

— Não me lembro de nada depois que você chegou. —


Confessei frustrada.
— Quanto você bebeu ontem? — Questionou-me cerrando os
olhos.

Eu odiava ser julgada e era o que parecia estar acontecendo.


Henrique poderia estar pensando em qualquer coisa. Eu poderia ter
feito qualquer coisa e não me lembrava.

— Não sei, então me fale, pois não sei como vim parar aqui. —
Disse alterando um pouco a voz. — Por favor. — Acalmei-me e
sorri.

— Ok. — Disse balançando a cabeça. — Tinha um cara, um


turista, e vocês estavam conversando.

— Isso eu sei. — Disse. — Só não me lembro de depois que


você chegou.

— Interessante, porque você pareceu bem animada e depois


surtou. — Acusou-me.

— Então você fez algo para isso.

— Você disse que iria pegar o número dele para “quando tudo
isso acabar”. — Falou de forma rude e irritada.

Aos poucos alguns flashes de memória estava voltando e


conseguia lembrar da nossa breve discussão.

— Você foi arrogante dizendo que não confiava em mim. — Falei


chateada.

— Eu não disse isso. — Falou irritado, jogando os papéis em


cima da mesa.

— Disse que não deixaria que eu botasse tudo a perder. —


Levantei sentindo o meu sangue ferver. — O que você achava? Que
eu diria para o bonitão que tinha um namorado de mentira? E em
que momento faria isso, enquanto ele me fodia?

Estava tão irritada com a situação que nem pensei muito antes
de falar, e logo veio o arrependimento, mas não deixei transparecer
isso, pois Henrique Vilella não poderia pensar que sou como as
outras mulheres com quem sai. Eu nunca baixaria a cabeça para
homem nenhum, não mais.

Seu rosto escureceu e ele levantou-se da onde estava


aparentando estar ainda mais furioso. Não sei o porquê, mas
discutir com ele me dava energia, o problema era como essa
energia seria gasta.

Outro ‘flash’ de memória voltou aos meus sentidos e senti meu


corpo todo estremecer assim que ele ficou cara a cara comigo.
Ontem, depois da briga, ele me beijou. Não como da primeira vez,
que já foi muito bom e inesquecível. Dessa vez foi muito mais
urgente e feroz. Era como se estivéssemos sedentos.

— Você não faria isso. — Ele disse abrindo um sorriso


convencido, depois que sua raiva passou.

— Você acha? — Provoquei.

— Claro. — Confirmou aproximando-se ainda mais de mim. O


problema era que não tinha para onde correr, já que atrás de mim
havia um corrimão de madeira. — Você disse que não queria ele. —
Falou enquanto colocava suas mãos na madeira, me prendendo no
meio. — Disse que ele não era o seu tipo.

— Isso é loucura, ele era totalmente o meu tipo. — Falei


convencida.

— Jura? — Minha segurança já tinha falhado, e eu só conseguia


encarar sua boca que estava cada vez mais próximo da minha. —
Depois daquele beijo, você falou coisas incríveis. — Senti minha
respiração parar na metade do caminho e meu coração falhou
algumas batidas. — Mas não se preocupe, será um segredo nosso.

— Eu te odeio, Henrique Vilella. — Sussurrei e ele sorriu.

— Acredito que não. — Falou ao se afastar. — Sabe, acredito


que achei uma maneira diferente de importuná-la quando você me
irritar.

— Vai se foder. — Disse irritada.

— Tome seu café, você fica chateada quando está com fome. —
Falou descendo a escada em direção à praia. — Seja rápida, pois
quero chegar logo em casa.

— Eu queria me livrar de você. — Resmunguei.


Capítulo 19 - Elisabete
Desde aquele dia, Henrique estava muito estranho. Quando me
deixou em casa ele estava de bom humor, até beijou o meu rosto
antes que eu saísse.

Ficar perto dele era difícil, mas eu tentava ignorar as sensações


estranhas e boas, o problema era que após conversarmos e
daquele beijo ardente, tudo ficou mais complicado, não o desejar
estava ficando impossível.

Acordei cedo na segunda, mesmo sendo um dos piores dias,


pois, tínhamos que suportar a ressaca do fim de semana.

Assim que saí na portaria, avistei o chefe que estava encostado


no capô do carro à minha espera. Eu ainda não conseguia entender
como esse homem podia ser tão lindo. Era como se ele sugasse a
beleza das coisas só para o seu benefício.

— Bom dia. — falei quando já estava em sua frente.

O homem me avaliou de cima a baixo e finalmente sorriu para


mim. Odiava constatar que Henrique podia fazer com que meu
corpo se tornasse água quando fazia qualquer coisa adorável como
sorrir.

— Bom dia, Elisabete, você está linda.

Achei estranho esse seu bom humor matinal, já que o mesmo


era conhecido por sempre estar chateado.

— O que aconteceu, você está agindo estranho?

— Foi você que pediu para que eu fosse mais… educado.


Elisabete, por que está me perguntando isso?
O encarei tentando achar uma ironia, mas não encontrei nada.

Tínhamos uma reunião com o grupo que estava construindo os


dois prédios que complementariam os hotéis do senhor Aguiar.

A Art. Vilella costumava trabalhar mais com a construção de


ambientes e paisagismo, o trabalho de construir ficava para as
construtoras, apesar de também construirmos áreas e casas, não
focávamos nessa parte, ainda mais em um projeto tão complexo.
Toda essa experiência estava sendo muito empolgante. Mesmo
estando nesse projeto há algumas semanas, eu já estava entrando
no ritmo dos demais e mesmo tendo que ser supervisionada por
Roberto e Henrique, eles me davam liberdade criativa. Eu ainda não
estava desenhando nada tão importante como os ambientes
internos, mas os detalhes também eram importantes e acreditava
que se mostrasse que eu poderia ser boa nisso, eles poderiam
confiar mais no meu trabalho.

Henrique era mesmo um homem exigente e cabeça dura, no


entanto, ele era bom e às vezes sabia reconhecer um bom trabalho.

Semana passada eu estava terminando um desenho e sem


saber ele me observava. No fim, fiquei surpresa com o seu elogio e
sua sugestão que achei muito valiosa.

Por isso eu pensava que valia a pena insistir em conhecê-lo.


Mesmo ficando irritada com o homem às vezes, ele sabia valorizar
bons trabalhos e, lá no fundo, era sensível além de ter o melhor
beijo.

Não sei o porquê pensei nisso agora.

— Depois da reunião, podemos almoçar juntos. — Falou-me


fazendo voltar a realidade.

— Ok. — Respondi.
***

Ao chegarmos na agência fomos recebidos por Amanda e


Rafael, o responsável pela construtora que faria os edifícios. Ele era
um cara muito educado e engraçado. Fez amizade com todos,
menos, é claro, com meu chefe que ficou emburrado o tempo todo.

Eu não sabia o porquê, já que o homem estava alegre quando


nos vimos pela manhã. O pior era ele ficar implicando com o
engenheiro que só estava fazendo o seu trabalho. Tive que o chutar
algumas vezes para que ele não passasse dos limites.

Quando enfim a reunião acabou, ele saiu bufando da sala. Todos


perceberam e fiquei com cara de tacho. Entrei em sua sala já
notando sua irritação.

— O que deu em você? — O questionei colocando um arquivo


em cima da sua mesa.

Era para Judi tê-los trazido, mas a mulher estava uma pilha de
nervos por conta do receio de ter que enfrentar o Godzilla aqui.

— Não começa, Elisabete, já estou cheio com tudo o que aquele


homem falou. — Disse passando a mão no cabelo, claramente
nervoso.

— Do que está falando? — Não sabia do que o homem estava


falando, já que não ouvi nada de mais sair da boca de Rafael.

— Claro, você não viu como ele questionou o meu projeto ou se


intrometeu em algo que ele nem tinha conhecimento. — Disse
caminhando de um lado para o outro. — E Amanda ainda o apoiava,
aposto que só fez isso para me irritar.

— Acredito que ele estava dando alguns conselhos. — Tentei


amenizar, mas ele me olhou feio.
Se pudesse, Henrique me mataria com aquele olhar. Era como
se eu tivesse falado a maior heresia da face da terra.

— Você estava adorando os elogios dele, não foi? — Henrique


andou em minha direção com as mãos na cintura em uma pose
desafiadora. — Sabia que ele só fazia isso para me provocar e
ainda assim gostava.

Fiquei chocada com as suas palavras e um desejo de esbofetear


o seu rosto bonito passou pela cabeça.

— Você é um tremendo babaca, sabia? — Disse irritada. — Ele


estava sendo gentil, diferente de você, que sempre está de mau
humor e só me elogia por obrigação.

— Querida, eu não preciso ser obrigado a constatar o óbvio,


porém, acredito que nada do que eu faça seja o bastante para você
ou para ninguém.

Respirei fundo e tentei me acalmar, pois não queria brigar mais


com Henrique. Era difícil conviver com ele e não ter um simples
momento de briga, no entanto, tinha que me esforçar para ficar
calma toda vez que ele parecia estar surtando.

— Ok, não ficarei mais feliz com elogios de nenhum outro, só os


seus. — Falei me afastando.

— Desculpe. — Disse me fazendo parar no meio do caminho.


Virei e encontrei seu olhar cabisbaixo. - Não estou irritado com você
e não deveria descontar minha raiva e frustração em quem não tem
culpa.

Tinha que confessar que fiquei surpresa com a sua confissão.


Henrique parecia duro e um homem que nunca assumiria seus
erros.
— Obrigada, mas você não pode ficar irritado com tudo. — Disse
me aproximando novamente. — Se as opiniões do Rafael te
incomodaram, você deveria ter dito, mas de uma forma menos…
arrogante. — Falei e ele cerrou os olhos.

— Está tentando me mudar?

— Não, imagina. — Disse com um sorriso no rosto.

— É melhor sairmos logo. — Falou. — Minha mãe virá a tarde.


Capítulo 20 - Henrique
Já fazia alguns dias que eu vinha ignorando a minha mãe. Era
óbvio que ela iria acabar sabendo do meu “namoro” com Elisabete,
e as últimas mensagens que ela me deixou foram bem estranhas.
Disse a ela que poderíamos nos encontrar para uma conversa em
um horário que eu pudesse e a mulher aceitou.

O problema era Elisa que estava querendo fugir disso a todo


custo.

— Você poderia dizer a ela que tive uma emergência. — Falou


insistindo mais uma vez para que eu desistisse da conversa.

Estávamos em uma confeitaria onde minha mãe adorava ir. Se


ela fosse para a agência com toda certeza seria uma péssima ideia,
pois eu já sabia qual seria a reação dela quando conhecesse
Elisabete.

— Isso está fora de questão, querida, e vai por mim, é melhor


vocês se conhecerem na minha presença. — Falei dando um
sorriso.

— Você já disse que sua mãe não era muito… legal. — Ela disse
tomando cuidado com as palavras.

— E você terá uma bela demonstração disso agora mesmo. —


Falei vendo minha mãe entrando pela porta do local com a cara
fechada.

Ela não estava de bom humor, na verdade, ela nunca estava,


porém, eu sabia que Catarina Vilella já usara o seu poder e
influência para descobrir tudo sobre a minha assistente, e era óbvio
que ela não estava gostando nada da notícia que seu filho mais
velho estava namorando uma simples assistente.
Claro que isso não me incomodava em nada. Elisabete era uma
boa pessoa, muito inteligente e linda. Algo me fazia querer ficar ao
seu lado, mesmo sendo só para brigarmos.

— Meu filho. – Disse ela abrindo um meio sorriso. — É bom vê-


lo, já que parece estar se escondendo ou muito… ocupado. — Disse
se referindo de modo grosseiro a Elisa.

— Mãe, não vamos começar assim. — Alertei.

— Já vi da onde você aprendeu a ser tão simpático. — Ironizou


Elisabete me fazendo rir.

— Você desejava conhecer Elisabete, aqui está ela.

— Estou vendo.

Minha mãe avaliou a morena de cima a baixo. Achei a forma


como ela a olhou muito estranha. Eu realmente não gostei, pois
sabia que depois disso viria as palavras que iriam atingi-la em cheio.

— Algum problema, senhora Vilella? — Começou Elisa.

— Muitos. — Respondeu parecendo está provando algo amargo.


— Henrique, o que se passou na sua cabeça quando decidiu
escolher essa mulher?

E lavamos nós.

— Essa mulher está bem aqui na sua frente. — Reclamou.

— Henrique?

— O que você quer, mãe? — A questionei ficando irritado. —


Veio aqui me questionar sobre minhas escolhas?

— Sim. Você sabe que tem que se casar com uma mulher da
nossa classe, não uma…
— Acho melhor não continuar. — Ameaçou a morena.

— Já chega! — Disse rude. — Não estou aqui para discutirmos,


e sim para que você não encha mais meu saco. Eu já cresci e fiz
minhas escolhas, se algo lhe incomoda, eu não posso fazer nada.

— Ótimo, agora você está me respondendo com ignorância.


Tudo por causa dessa mulher. — Disse, fazendo drama.

— Desculpe-me, senhora, mas ele já era assim quando o


conheci.

Pigarreei para que as duas parecem com o atrito entre elas.


Elisabete levantou-se e me chamou para conversarmos longe da
minha mãe. Não sabia o que ela diria, mas acredito que seja
relacionado a Catarina.

— Temos que dizer a verdade a ela. — Falou abruptamente.


Estávamos a uma boa distância de minha mãe que nos observava
curiosa. — Não vou suportar aquela mulher me humilhando.

— É, eu sei, sinto muito. Eu não queria que isso acontecesse,


mas sabia que minha mãe não era muito… educada.

— Tenho outras palavras em mente, porém, sei respeitar as


pessoas. — Disse irritada. — Olha, ela não vai se conformar até que
fiquemos separados, então é melhor deixar claro que isso... —
Disse apontando para nós. — Não é real.

— Ok. — Concordei. — Mas isso não vai fazer ela parar de nos
importunar.

— Esse trabalho eu deixo para você. — Fala com um sorriso no


rosto. — É só mantê-la longe de mim e tudo ficará bem. Caso
contrário, terei um infarto.
— Você sofre do coração? — A questionei preocupado.

— Não, mas minha família tem um histórico, então é melhor se


precaver.

Respirei fundo antes de voltarmos para a mesa onde ela estava.


Eu realmente amava a minha mãe, mesmo que ela tenha sido bem
distante de mim na infância. Depois que meus irmãos nasceram,
tudo mudou. Ela sempre repetia o discurso de que crianças eram
estressantes. No entanto, depois do que houve na família, todos nós
resolvemos deixar todos os problemas de lado para confortar um ao
outro, o problema era que me sentia responsável pelo o que
aconteceu, e foi difícil no início.

— Que bom que voltaram, pensei que planejavam fugir. —


Provocou a mulher.

— Não se preocupe, senhora Vilella, tudo isso é uma grande


mentira. — Disse Elisabete sendo direita. Dava para sentir o quanto
ela estava irritada nas suas palavras. — Nada disso é real, não é
Henrique?

Minha mãe nos olhou como se fôssemos uma nova espécie


exótica e estranha, tive que conter o sorriso para que ela não
surtasse.

— Vocês estão supondo que sou idiota? — Questionou cerrando


os olhos.

— Não, mãe, Elisa está falando a verdade. — Me pronunciei. —


A culpa é minha. Quando vi Amanda agi por impulso, agora estamos
aqui.

Novamente ela nos avaliou procurando algo que indicasse que


estávamos mentindo.

— Pensei que ela estava na Europa. — Falou pensativa.


— Achei estar no inferno, mas até o diabo a despachou de volta.
— Disse.

Ouvi a risada de Elisabete e fiquei admirado, pois foi a primeira


vez que a fiz sorrir assim. Ela era uma pessoa muito alegre, mas ao
meu lado sempre estava brava ou me provocando, no entanto, ouvi-
la sorrindo me contagiou e eu nem sabia o porquê estava assim.

— Muito engraçado, vocês dois. — Resmungou Catarina tirando


toda a graça do momento. — Henrique, meu filho, como foi capaz
de fazer uma loucura dessas? — E voltamos para os
questionamentos. — Por que essa mulher?

— Eu desisto. — Exclamou Elisa, levantando-se. — Vou esperar


você no carro.

— Ok, não vou demorar muito.

Ver a mulher, que há alguns dias só enchia o meu saco, saindo


da confeitaria chique, me fez sentir raiva e culpa. Minha mãe não
era uma das melhores pessoas do mundo, e o seu jeito esnobe
irritava os outros. As palavras duras que ela usou para se referir a
Elisabete me deixaram chateado.

— Você poderia ter escolhido alguém melhor, mais bonita, de


uma boa família. Não uma assalariada qualquer.

— Você passou dos limites. — Falei irritado. Tento a todo custo


não ser tão rude com a minha mãe, no entanto, hoje a mulher agiu
de uma forma desagradável que me fez ficar desse jeito. — Como
pode ser assim tão cruel? — Ela me lançou um olhar surpreso que
só me deixava ainda mais puto, pois ela sabia exatamente o que
tinha feito. — Sei que parece ironia perguntar isso, já que não sou o
melhor aqui para julgar alguém, mas diferente de você, eu nunca
humilharia ninguém dessa forma, simplesmente por ela não ser da
nossa classe. Isso não me importa, pois não é a quantidade de
dinheiro que diz se essa pessoa é boa ou não, no entanto, conheço
muitos que tem rios de dinheiro e são desprezíveis. — Levantei-me
chateado por tudo o que aconteceu. Eu não queria ficar muito mais
tempo conversando com ela, pois a mulher, no fim de tudo, ainda
continuaria pensando da mesma forma. — Mesmo que isso seja
uma grande mentira, Elisabete está sendo uma ótima pessoa e
excelente em seu trabalho na agência, eu não escolheria outra
pessoa melhor que ela. Mal a conheço, mas sei que ela é muito
melhor que as filhas das suas “amigas”.

— Do jeito que a defende, parece que isso não é tão fantasioso


quanto diz. — Falou levantando uma das sobrancelhas.

— Se for, isso não é da sua conta. — Disse por último e saí.

Encontrei Elisa encostada no capô do carro falando ao telefone.


Ela tinha um sorriso lindo em seu rosto e isso se ampliou quando
me viu.

Essa mulher era muito diferente das que já conheci. Mesmo


tendo suportado a minha mãe, que praticamente a humilhou agora
há pouco, ela ainda continuava sorrindo e isso me agradava, pois
seu sorriso era realmente o mais lindo.

— Tem algo para fazer a noite? — Perguntei assim que ela


terminou a sua ligação.

— Não, por quê? — Franziu o cenho, achando estranho a minha


pergunta.

Era verdade que eu não tinha uma boa relação com as pessoas.
Gostava de ficar no meu canto, sem perguntar sobre nada, mas a
cada dia eu queria ainda mais conhecer Elisa.

— Quero recompensá-la pelo que aconteceu lá dentro.

— Não precisa fazer isso.


— Claro que preciso. — Aproximei-me ainda mais da morena
que me encara com um meio sorriso. — Você diz que sou um cara
arrogante e frio e tem razão, porém não concordo com nada do que
ela falou. Deixei claro a minha mãe o que penso, e farei o possível
para deixá-la bem longe de você.

— O que tem em mente para hoje?

— Será surpresa.
Capítulo 21 - Elisabete
Ter que suportar aquela mulher, foi como estar sendo queimada
viva. Meu nível de estresse foi às alturas e quase gritei no meio
daquela confeitaria. Ainda não sabia o porquê não fiz, mas foi
melhor assim.

Fiquei surpresa com o convite de Henrique, e tão curiosa que


tive que aceitar. Ultimamente estávamos ficando mais próximos, e
mesmo que sua mãe fosse uma megera, não podia mudar a forma
como estávamos, pois estava gostando disso.

Minha surpresa foi muito maior quando vi que estávamos indo


para a sua casa. Ele nunca tinha me convidado para tal lugar, só
chegamos a ir a Porto de Galinhas, coisa que eu já considerava um
avanço.

Esse homem ainda era um mistério e quanto mais o conhecia,


mais conseguia entendê-lo.

Algo aconteceu em seu passado, fora o seu caso com Amanda,


que deixou marcas em sua mente. Ele não revelava muito sobre
isso, mas quando soltava algumas pistas, eu conseguia ver
amargura em seu olhar. Não ousava perguntar nada, porque, seja lá
o que for que tenha acontecido, era algo muito doloroso e Henrique
poderia novamente se fechar.

Ao sair do carro e olhar detalhadamente para a propriedade,


fiquei encantada com o lugar. Era muito grande e a casa foi
projetada para dar conforto e ainda ser lindo. Sua entrada era
constituída por imensos vidros que davam a visão do lado de dentro,
e acredito que também sirva para uma boa iluminação.

A casa, se isso pudesse ser considerado uma casa de tão


grande, tinha o formato de um cubo e não era só a frente dela que
estava quase exposto, mas também todo o perímetro. Constatei isso
ao entrar pela imensa porta de madeira.

Era clara a minha admiração.

— Você tem uma bela casa. — Disse ainda observando os


detalhes.

Eu não pensava que Henrique Vilella vivesse em uma casa


como essa. Na verdade, o imaginava morando em um apartamento
frio e alto, porém, esse homem me impressionava o tempo todo.

— Obrigado. — Falou.

Voltei minha atenção para o homem parado em minha frente, e


ele estava me encarando, acredito estar supondo que eu era louca
ou algo do tipo. Ele parecia fazer parte da decoração de tão lindo.
Lá no fundo meu coração se aqueceu e uma sensação estranha
brotou no meu peito. Tive que desviar meu olhar dos seus olhos
intensos, pois pensava que era por isso que estava tão estranha.

— Sempre traz suas namoradas de mentira aqui? — Brinquei


tentando mudar o clima ainda estranho.

— A única que já veio aqui foi Anastácia, mas ela nunca passou
muito tempo. — Respondeu abrindo um meio sorriso e caminhando
para outro cômodo. — Comprei esse lugar depois da minha
desilusão amorosa com Amanda, e de lá para cá eu nunca mais
quis conviver com ninguém. Minha relação com Anastácia era quase
a distância e foi isso que a fez ir embora também.

— Pensei que ela era a sua noiva. — Questionei o seguindo.

— Ela era. — Confirmou.

Sentei-me no banco em frente a sua bancada, enquanto o


homem começava a organizar algumas coisas para começar a
cozinhar. Eu ainda estava confusa com muitas coisas.

— Você não morava com a sua noiva? — Perguntei achando


essa história maluca. — Então como iria se casar com alguém que
você não conhecia e nem convivia?

— Essa é uma ótima pergunta. — Disse sorrindo. — Eu não


ligava muito para isso, porém, acredito que não chegaria a ir muito
longe.

— Como você quer uma família se não pode nem conviver com
alguém?

Conhecer Henrique estava sendo difícil, pois ele era muito


complexo. Odiava abrir-se, estar em lugares com muitas pessoas e
agora descubro que também odiava conviver com mais alguém
além dele.

— Penso que já chega de perguntas.

Era óbvio que ele não queria falar sobre os seus… problemas
sociais, no entanto, sei que podemos chegar lá no futuro.

— Ok, o que posso fazer para ajudá-lo? — Perguntei


levantando-me do lugar animada.

— Você quer me ajudar? — Seu olhar foi de desconfiança e


achei isso estranho.

— Como da última vez, não lembra? — Cerrei os olhos ao


perguntar.

— Então está bem! Pode cortar as verduras, se quiser.

— Olha, Henrique, você ainda provará da minha comida.

— Você cozinha? — Sua pergunta foi uma surpresa, e ele


realmente estava interessado na resposta.
— Você vive cercado de dondocas que sempre vão a
restaurantes e dependem de empregadas, mas eu aprendi logo
cedo a me virar. — Falei enquanto lavava todos os alimentos. Eu
estava sendo observada pelos olhos atentos do meu chefe, e isso
me deixava levemente nervosa, e não sabia o porquê. — Minha
mãe é uma ótima cozinheira e um dia ficou doente. Tive que
preparar um almoço naquele dia, mas foi um desastre. — Disse
rindo ao lembrar do momento. — Estraguei quase tudo, mas ela
comeu com um sorriso no rosto. Depois daquilo, eu ficava no seu pé
sempre que ela estava cozinhando. Minha mãe me ensinou muita
coisa e se você acabar me demitindo, posso até concorrer a uma
vaga de ajudante de cozinha. — Brinquei.

— Não vai precisar fazer isso. — Ouvi ele dizer, voltando a


arrumar as coisas.

— Por quê? — Virei-me para olhá-lo. - Acredita que não sou


capaz?

— Não, eu sei que é, porém, não quero demiti-la.

O sorriso que brotou em meu rosto foi de felicidade por ouvir


aquelas palavras. Não só porque eu não queria perder tudo o que já
conquistei, mas também porque finalmente estava gostando do meu
chefe. Henrique era duro e muitas vezes um verdadeiro cretino,
entretanto, acabei começando a ganhar uma grande admiração pelo
homem. Ele sabia me reconhecer, e estava disposto a ensinar
algumas coisas, mesmo dizendo que não.

Ele tinha algo de bom em seu coração, e eu desejava descobrir


o caminho certo para conhecê-lo.

Enquanto preparamos a refeição da noite, contei mais algumas


coisas sobre a minha família. Ele se mostrou muito interessado,
diferente do meu ex que fazia de tudo para não visitar a minha casa.
Ele dizia ser longe e muito cansativo, quando estávamos lá sempre
se mantinha distante. Pensar nisso me fazia querer me bater por
passar tanto tempo com alguém que não se dava o trabalho de ser
companheiro comigo.

Assim que a comida ficou pronta, sentamos à mesa e


continuamos a conversar. Sua infância foi totalmente diferente da
minha, que por sorte tive pais atenciosos.

Após isso, fomos para fora onde ainda tinha um grande jardim
espaçoso.

— Gosto de ficar ao ar livre olhando as estrelas quando chego


em casa. — Ele falou me levando a um lugar não muito distante da
sua casa. Era todo de madeira, havia poltronas de madeira com
almofadas escuras e um telescópio. — Já disse que gosto das
estrelas, mas nos últimos anos observa-las se tornou um
passatempo.

— Então você gosta de olhar as estrelas?

Ele já havia falado sobre isso, mas agora, vendo sua casa e
seus objetos dava para ver o lado mais sensível do cara duro e sério
que conheci. Ninguém que admirasse algo tão lindo e extraordinário
como as estrelas eram alguém frio e sem emoções.

— Não é só gostar de olhá-las, me sinto bem quando estou aqui.


— Seu olhar novamente ficou triste e contive a minha língua para
não fazer muitas perguntas.

— Você, por um acaso, desejava ser astrônomo?

Ele sorriu, mas não de uma forma alegre, e sim como se


lembrasse de algo que naquele momento era feliz.

— Minha irmã adorava as estrelas. — Falou enquanto ajustava o


aparelho. — Quando éramos crianças, ela acreditava que as
pessoas se transformavam em estrelas quando morriam. Por isso
todos os dias olho para cima e tento encontrá-la, mesmo sabendo
que isso é uma tolice.

Ouvi-lo falar essas coisas fez meu coração cortar-se ao meio.


Nunca imaginei que seria isso que o corroía tanto, pois eu nem
sabia que ele tinha uma irmã e agora entendia o porquê daquela
frase que ele esbravejou há um tempo.

— Sinto muito. — Falei colocando a mão sobre seus ombros.

— Não preciso lembrar-me disso agora.

Não insisti, pois sabia que isso era difícil para ele. Eu não queria
que Henrique ficasse triste justo quando estávamos tendo uma
ótima conversa.
Capítulo 22 - Elisabete
Depois daquele dia na casa de Henrique, passamos a ter uma
relação excelente. Quem nos via, poderia jurar que éramos um
casal real. Eu realmente estava gostando, tanto que quando
lembrava que tudo isso estava acabando, meu peito apertava e uma
tristeza insana me atingia.

Esperava que não voltássemos a ser como cão e gato, porque


não sabia se poderia odiá-lo após chegar tão perto do seu interior.

Como prometido, hoje faria um jantar para o homem na casa da


minha irmã que felizmente estava longe ou ela poderia importunar
Henrique até ele desejar ir embora da minha vida e nunca mais
voltar.

Por sorte ele teve uma reunião com um velho amigo de negócios
e teve que ficar mais um pouco, me dando a oportunidade de
preparar tudo. Tinha que admitir estar nervosa. Era tão idiota sentir
isso, pois já fiz muitos jantares, inclusive no início do meu namoro
com Miguel, porém dessa vez as coisas estavam mais tensas.

Uma frase que minha irmã ridícula falou não saía da minha
cabeça: “você realmente está gostando dele”.

Achei bobagem quando a pentelha falou, no entanto, cada vez


que meu coração ameaçava sair pela minha boca simplesmente
porque ele estava ao meu lado, meu cérebro dizia que não era
totalmente bobagem.

— Eu não gosto dele desse jeito. — Resmunguei assim que


passei pela porta do apartamento. — Henrique é meu chefe e nossa
relação é apenas de amizade.

Era o que dizia para me convencer de que todas as sensações


que sentia eram porque meu cérebro estava ficando confuso, mas
por sorte eu era uma pessoa muito racional e nunca cometeria esse
erro.

Balancei a cabeça para esquecer essas maluquices e fui tomar


um banho. Hoje o dia foi puxado. Começamos a fazer as compras
dos objetos de decoração que levaremos para os hotéis. Tudo
estava lindo e o projeto se concluiria no prazo. Senti uma pontada
no meu peito ao constatar isso.

— Só faltam quatro semanas. — Falei.

Tive que deixar esses pensamentos de lado para concentrar-me


no que estava fazendo.

***

Quando decidi cozinhar para Henrique, escolhi um prato que eu


e minha irmã adorávamos. Enquanto preparava, lembrava de
quando estávamos em casa, vendo minha mãe preparar com muita
alegria.

Claro que dei um toque especial, para ser do agrado do meu


chefe, mas o sabor era o mesmo, e esperava que ele amasse assim
como amo.

A cada minuto eu ficava ainda mais ansiosa, e quando ele


mandou uma mensagem dizendo que já estava a caminho, meu
coração quase teve uma parada. Deixei a panela no fogo, e fui dar
uma arrumada na casa. Eu era uma pessoa muito certinha, por isso
o lugar sempre estava em perfeito estado, porém, sempre que
Mariana estava em casa, tudo ficava uma zona e não queria que o
bonitão do meu chefe entrasse pela porta e visse qualquer coisa
fora do lugar.

Voltei rapidamente para a cozinha para desligar o fogão e não


demorou muito para a campainha tocar. Parei em frente à porta
tentando criar coragem para abrir.
— Merda, por que estou assim? — Questionei-me em um
sussurro.

Respirei fundo e finalmente a abri. Henrique estava com uma


das mãos apoiada na parede e nossos olhos se cruzaram, me
fazendo ficar ainda mais insegura.

— Sei que não faz muito tempo que nos vimos, mas você tem
algo que deixa tudo único. — Disse ele me fazendo ficar como uma
idiota.

— Entre Henrique. — Pedi com um sorriso orgulhoso no rosto.

Era a primeira vez que ele entrava na casa, pois sempre me


deixava na porta. Talvez eu estivesse nervosa pelo fato de querer
saber o que ele acharia do lugar. Henrique era um homem da classe
alta, e vivia cercado por mulheres lindas e também ricas, e estar em
uma casa tão simples poderia ser estranho.

— Sua casa é muito bonita. — Disse me olhando.

— Bonita? — Falei achando estranho. — O que a sua mãe diria


se visse você nessa casa tão simples? — Brinquei.

— Não me importo com o que a minha mãe fala. — Disse


aproximando-se de mim. O verde intenso dos seus olhos, agora
pareciam castanhos e eles estavam fazendo um estrago no meu
sistema. — Apesar de parecermos muito em nossas
personalidades, não somos iguais.

— Eu sei.

O momento estava se alongando, pois era como se não


quiséssemos sair do transe em que estávamos. Não sei em que
momento comecei a me sentir tão confortável ao lado dele, porém,
era como se Henrique tivesse se transformado em alguém muito
especial para mim.

Afastei-me para quebrar o feitiço em que estávamos, pois não


queria que a comida esfriasse e o clima ficasse estranho.

Sentamos à mesa e servi o jantar. Primeiro recebi elogios pelo


aroma e depois que ele provou, pelo sabor.

Não podia negar que fiquei feliz, pois mesmo caprichando, não
era uma comida que ele pediria em um restaurante chique.

A conversa foi muito divertida porque lembrei da minha infância.


Era nítida a diferença de criação: enquanto eu corria e me
lambuzava na lama, Henrique estava em um apartamento limpo e
sem graça.

— Como assim ela te torturava? — Me questionou depois que


falei sobre como a minha mãe nos punia quando criança.

— Não era nada tão horrível quanto você pensa. Porém, quando
se é criança e sua mãe te proíbe de sair e jogar bola porque você
quebrou algo em casa, era uma tortura para mim. — Disse fazendo
drama.

— Você jogava bola? — Sua pergunta foi cheia de surpresas e


dei um sorriso da sua cara.

— Eu era a craque do time feminino da minha cidade. — Falei


me sentindo orgulhosa. — Todos me amavam. Deveria ver como
eles adoravam quando íamos para campeonatos e ganhávamos.
Uma vez, quando minha mãe ameaçou não me deixar ir a um deles
porque eu e minha irmã tínhamos feito uma merda, todas as
meninas do time com a treinadora, que era uma senhora de
cinquenta anos, foram para a porta da minha casa protestar. —
Contei lembrando-me do dia.
Henrique me olhava com fascínio e eu estava me sentindo muito
bem com a nossa conversa. Nem me lembrava mais do homem
arrogante que conheci no meu primeiro dia de emprego.

— Você teve uma ótima infância. — Falou com um sorriso no


rosto. — Eu e meus irmãos não tivemos essa sorte. Ficávamos na
cobertura e quando tínhamos o lazer de ir para a casa na praia, mal
podíamos nos divertir. — Henrique contava a sua história lembrando
da época que acontecera, e dava para sentir o que ele estava
sentindo. — Tivemos que achar uma forma de nos divertir, então
líamos e tentávamos imaginar as coisas.

— Então você era um sonhador? — Perguntei admirada com a


sua história.

— Eu era o irmão mais velho, tinha que entreter meus irmãos. —


Respondeu ficando triste.

— Você deixou de sonhar?

Henrique me encarou com surpresa. Era como se ele pensasse


no que diria.

— Eu cresci, Elisabete. — Disse sério. — Sonhos são tolices de


crianças.

Levantei-me do lugar e fui até ele. Não dava para ouvir tal coisa
e não dizer nada. Henrique perdeu a esperança e acredito que isso
tudo tenha a ver com a morte de sua irmã.

— Sonhos não são tolices, Henrique, eles são desejos, são


esperanças. — Disse e coloquei a mão em seu ombro. — Até eu
tenho sonhos, ninguém é julgado por isso.

— Ainda assim, não sou mais dessa forma. — Falou levantando-


se. – Somos diferentes, Elisabete.
— Isso eu sei, mas você ainda é humano, não é? — Seus olhos
estavam confusos e sabia o quanto isso o incomodava. — Diga-me,
o que você mais deseja?

O homem deu uma leve risada como se achasse engraçado o


que perguntei.

— Desejo acabar logo com esse projeto.

Revirei os olhos para a sua resposta sem sentido.

— Não foi isso que perguntei. — Reclamei.

— Eu já disse: não sou como você. Apenas vivo um dia de cada


vez e me esforço para dar o meu melhor.

Senti que ele estava ficando irritado, então deixei que ele se
afastasse.

— Você pode estar satisfeito com o seu trabalho, mas isso não
te torna feliz, Henrique. — Falei triste pela sua dureza.

— Minha felicidade foi embora quando minha irmã morreu,


Elisabete. — Confessou me deixando surpresa. — Ela era alguém
sonhadora, que inspirava a todos e por minha causa ela morreu. —
Fiquei paralisada com a sua afirmação. Eu nunca tinha o visto dessa
forma. Seu olhar estava mais sombrio do que o normal e senti um
pouco de receio por ele. — Obrigado por tirar um pouco do seu
tempo para fazer um ótimo jantar, mas agora tenho que ir.

Ele estava fugindo novamente. Agora eu poderia ver o que


aconteceu para que esse homem fosse tão amargo. Ele se culpava
pela morte da irmã. Mesmo não sabendo o que realmente
aconteceu, tinha certeza de que ele não era culpado por tal coisa.

Henrique caminhou apressadamente até a porta e corri até ele,


antes que pudesse abrir a porta.
— Foi um prazer. — Disse com um sorriso largo, mas
preocupado. — Espero poder fazer isso de novo.

Ele cerrou os olhos desconfiado da minha atitude. Eu estava


muito ansiosa e sem pensar muito, deixei um beijo em seu rosto.
Capítulo 23- Elisabete
Depois daquele jantar na minha casa, senti que Henrique estava
mais afastado e calado. Não queria que nossa relação regredisse,
mas também não podia invadir seu espaço e deixá-lo chateado.

Cada vez que ele revelava mais um pouco de si, eu podia ver
como tudo isso era complicado. Não tinha muita informação sobre a
irmã dele, contudo, ela morreu em um acidente de carro com o
namorado. As palavras que ele usou na noite passada ainda
estavam na minha cabeça e eu desejava continuar descobrindo
quem era Henrique e o porquê dele se martirizar tanto.

Quando cheguei ao escritório, todos estavam tensos. Judi me


olhou com certa preocupação, no entanto, não disse nada.

Caminhei até minha sala e organizei meus papéis, mas um


barulho vindo da sala ao lado me chamou a atenção. A porta do
escritório de Henrique estava fechada, porém, dava para ouvi-lo
discutindo com alguém. Senti minha pressão arterial subir com a
ideia de que meu chefe estava em um péssimo dia, e se ele era
ranzinza nos dias normais, imagina como estaria agora.

Tomei coragem e bati em sua porta. Não houve respostas, mas


entrei assim mesmo. Roberto se encontrava encolhido na cadeira a
sua frente, e ao me notar, o moreno abriu um sorriso de alívio e logo
se levantou.

— Graças a Deus você chegou. — Falou ao se aproximar. — Só


você consegue acalmar essa fera.

Arregalei os olhos surpresa com as suas palavras. Acredito que


Roberto não sabia que eu não tinha nenhum poder sobre o homem.

— O que aconteceu? — Perguntei com um sorriso preocupado,


pois não sabia se também seria alvo dessa raiva.
O olhar que ele lançou sobre nós foi assassino e se tivesse
superpoderes poderia até nos matar.

— Saia, Roberto! — Falou entre os dentes. — Resolva isso


rápido. Temos que ter essas assinaturas o quanto antes.

Nesse momento a minha respiração já estava alterada e poderia,


a qualquer momento, ter um ataque de pânico. No entanto, deveria
parecer mais forte e corajosa. Todos aqui achavam que tínhamos
uma relação e eu deveria encarar isso de uma forma melhor.

— Eu cuido dele. — Sussurrei para o amigo que se afastou


saindo da sala. — Bem, não vou começar desejando um bom dia,
pois parece que você não está tendo. — Falei tentando ser
engraçada. Caminhei até a mesa e me escorei, ficando em sua
frente. — Porque está tão irritado e seus funcionários tão tensos?

Eu estava com medo de levar um fora ou até mesmo ser expulsa


da sua sala, entretanto resolvi tentar ser como uma amiga e tentar
ajudá-lo.

Meu chefe encostou-se na cadeira e juntou as mãos na frente do


corpo. Seu lado sério voltou, e apesar de me deixar nervosa,
também o deixava muito bonito.

Acho que sou maluca.

— Lembra da reunião que tive com um velho amigo? —


Perguntou mais calmo. Fiquei aliviada com o seu tom de voz, já que
quando entrei ele estava quase gritando com seu amigo de infância.
Para responder, confirmei com a cabeça. — Temos um projeto. Ele
deseja construir um condomínio e estávamos conversando há muito
tempo sobre esse projeto. Mas agora ele está se separando e isso é
um problema para nós.

— Por quê?
— Sua esposa, Susan, também é acionista e precisamos das
assinaturas dela para formarmos uma parceria, no entanto, eles
estão se odiando no momento e ela está dificultando as coisas. —
Ele não estava chateado comigo, mas dava para ver sua raiva com
esse assunto.

— Deve ser algo difícil para eles. — Pensei em voz alta.

— É difícil para todos. — Exclamou irado. — Passei meses


projetando esses esboços, corrigindo erros, gastando o meu tempo
para no final ser tudo jogado fora devido a uma birra?

Levantei-me e fiquei atrás do homem estressado, pretendendo


tentar acalmá-lo.

— Henrique, pense, se você fosse casado e estivesse se


separando, seja lá qual for o motivo, iria querer estar ao lado da
pessoa? — Perguntei, colocando a mão sobre o seu ombro.

— Não, mas…

— Não existe, “mas” para uma mulher furiosa. — Falei o


interrompendo. – Acredite, você não vai gostar de discutir com ela.

— Então temos que jogar tudo fora? — Me perguntou.

— Só tem que achar um modo de convencê-la. O que o marido


fez para terem que se separar?

— Não entramos em detalhes. — Disse sem paciência.

— Descubra o possível. — Disse caminhando até a porta. — Se


quiser esse projeto, você terá que ser compreensivo.

***
Depois daquele começo de dia conturbado com o chefe, o
escritório estava mais silencioso do que o normal. Parecia que todos
andavam nas pontas dos pés para que o barulho não incomodasse
o homem.

Roberto estava ao telefone, preocupado, tentando convencer os


dois lados a nos encontrar para uma conversa. Judi estava uma
pilha de nervos e o restante fazia seu trabalho sem fazer contato
visual um com outro.

Mas eu fui a mais corajosa, pois mesmo não querendo ver


novamente o lado arrogante de Henrique, não podia trabalhar com
medo dele.

— Tenho que levar esses papéis na sala dele. — Disse Judi


entrando abruptamente na sala. — Pode vir comigo?

Fiquei surpresa com o seu pedido e levemente animada. Sei que


o momento era tenso, mas vê-la tão nervosa devido ao chefe, era
engraçado.

— Precisa da assinatura? — Perguntei escondendo o meu


sorriso. A mulher balançou a cabeça várias vezes para confirmar. —
Pode deixar que eu levo.

Não pude descrever o quanto ela ficou feliz pela minha


disposição para enfrentar o carrancudo que todos temiam. Ele
poderia estar em um péssimo dia, mas ainda era o cara que estava
conhecendo e sabia existir uma parte boa dentro de si. Todos nós,
às vezes, ficamos bravos por algo. Claro que isso ocorria
frequentemente com Henrique, e nada justificava a sua arrogância,
porém o entendia.

Entrei na sala segurando os papéis e sorrindo para o homem


que estava concentrado na tela do computador.

— Judi precisa das suas assinaturas. — Fui direta.


Ele levantou a cabeça e me olhou com olhos estreitos.

— Então por que é você quem veio? — Questionou-me


parecendo irritado.

— Porque você hoje está parecendo uma mulher nos dias de


TPM. — Disse irônica e o homem deixou um lado dos seus lábios se
curvar. — Sei que está tendo um dia ruim por causa do seu projeto
futuro, mas poderia não surtar com todos?

Aproximei-me dele, e inclinei meu corpo para ficarmos ainda


mais próximos. Ele continuou a me encarar.

— Os papéis. — Pediu ainda sério. O entreguei e rapidamente


ele os assinou. O observei fazendo todo o processo, calada. Talvez
ele ainda esteja receoso com a nossa aproximação. — Não voltarei
para o escritório à tarde, então deixarei você responsável por
terminar os esboços desse desenho para a nova área do Jockey
Club.

— Como quiser. — Falei após respirar fundo. — Se quiser


conversar ou sair para se distrair, pode me ligar.

— Elisabete, você pensa que sou esse tipo de pessoa? — Me


questionou cerrando os olhos, parecendo estar sem paciência.

— Ainda não sei que tipo de pessoa você é, Henrique. —


Reclamei pegando os papéis e me afastando. — Sempre que
estamos em uma fase boa e consigo conhecê-lo melhor, você se
fecha.

— Não tem o que conhecer. Nada disso é real. — Disse rude. —


Em três semanas não seremos mais nada além de colegas de
trabalho.
Confesso que fiquei ofendida com a sua arrogância. Eu sabia
que tudo isso era verdade, e que esse homem era duro na queda.
Acredito que deixei-me iludir por uma fração do que ele me mostrou.

— Você está certo. Só mais três semanas.


Capítulo 24 - Henrique
Eu poderia estar passando dos limites, mas minha cabeça
estava cheia e confusa. Os últimos dias foram uma tortura, pois
estava percebendo que talvez essa mentira toda estivesse se
tornando realidade.

Elisabete perturbava a minha mente vinte e quatro horas. Não


importava o que eu estava fazendo, minha cabeça pensava nela a
todo o momento. No trabalho, em casa, até mesmo nos meus
sonhos.

O que mais me perturbava era notar o quanto eu desejava estar


ao seu lado. Seja em qualquer situação. Sempre que estávamos
juntos, eu simplesmente falava sobre assuntos que que considerava
manter guardado a sete chaves.

Talvez a mulher tenha algum feitiço que me fizesse ser tão


irracional.

E ainda por cima, Heitor estava se separando da esposa e os


dois eram sócios da empresa que tinham juntos. Se não tivéssemos
as assinaturas dos dois, tudo o que planejamos estaria perdido. A
sorte foi que Roberto convenceu o casal, que agora não era mais
nada, a nos encontrar para uma conversa.

O problema era que Susan estava furiosa e não queria ver Heitor
nem pintado de ouro. Então seria difícil convencê-la. Os dois
estavam indo para um evento em Fernando de Noronha, e teríamos
que ir até lá com a papelada. Eu não perderia esse projeto, não só
porque poderia ser excelente para a agência, mas também porque
todos os envolvidos trabalharam duro para suprir as exigências do
casal, e eles não poderiam cancelar tudo devido a um casamento
que terminou ruim.
Era por isso que não se deveria unir negócios e prazer, pois se
tudo der errado em um lado pode afetar o outro. Mas sei o quanto
era difícil, pois eu estava encrencado em uma situação parecida.
Meu relacionamento com a minha assistente não era real, porém
sentia que a cada dia que passava aquela mulher conseguia me
prender a ela. Seja pela sua beleza ou pela cumplicidade em nossas
conversas, ou pior, pela forte atração que sentíamos. Ela poderia
negar, assim como eu, mas sim, sentíamos atração um pelo outro.
Perdi o número de vezes que desejei jogar tudo para o ar e tê-la
como desejava. No entanto, minha parte racional sempre me dizia
que isso nunca poderia acontecer.

Elisabete não era como as outras ou não estaríamos nessa


situação. Mas eu não poderia deixar que isso acontecesse. Não
poderia ser tão fraco.

Agora estávamos nos preparando para irmos para a ilha. E isso


significava que passaríamos dois dias juntos no mesmo quarto.

Assim que estacionei em frente ao seu prédio, mandei uma


mensagem. Não demorou para que ela descesse e agradeci a Deus
por isso. Parecia que a mulher estava linda cada dia mais, e era
irritante ficar admirado com isso. Ela se manteve quieta, desde a
nossa breve conversa no escritório, Elisa estava chateada, assim
como eu.

Só faltavam três semanas para tudo isso terminar, e mesmo não


vendo muito Amanda, outra boa ação de Deus, tínhamos que ser
um perfeito casal para todos. Claro que me incomodava o fato de
que eu não queria que os dias passassem. Falar era mais fácil do
que admitir que eu gostava do status.

— Você ficará assim o caminho todo? — A questionei.

— Você vai ser arrogante a vida toda?

— Por que está me provocando?


— Você é que é um grosso. — Disse virando seu rosto e me
olhando chateada.

Bufei irritado com a situação e ao parar o carro no


estacionamento, não deixei que ela saísse.

— Elisabete, não podemos ir para essa ilha com divergências. —


Disse tentando ficar calmo para não brigarmos mais. — Sei que
fui… arrogante com você e peço desculpas.

Um amigo meu disse uma vez que sempre devemos assumir a


culpa das coisas para que as mulheres pudessem baixar a guarda,
e ele estava certo.

— Bom, aceito as suas desculpas. — Falou com um meio sorriso


de vitória. — Mas você não pode ser assim, Henrique. Eu só quero
ajudá-lo. Por que está voltando a ser tão grosso?

Eu tinha a resposta, mas não poderia dizer.

— Tudo bem, Elisabete. Vou tentar.


Capítulo 25 - Elisabete
Estar em Fernando de Noronha era um sonho realizado. Muitas
pessoas querem ir à Disney ou a outros lugares do mundo, mas eu
desejava apenas viajar para lindos lugares do Brasil. Minha mãe
sempre dizia que era desejando coisas pequenas que chega-se
longe, e a mulher estava certa.

Depois que fui demitida, eu só queria um emprego de paisagista


e o consegui, agora estava nessa ilha maravilhosa, mesmo que
fosse a trabalho, estava feliz.

— Sempre quis vir aqui. — Comentei assim que entramos pela


porta do hotel. — É interessante que estar ao seu lado me traga a
lugares que sempre tive vontade de conhecer.

— Fico feliz, mas acredito que você não esteja aproveitando o


pacote completo. — Falou brincando ao meu ouvido e dando uma
piscadinha.

Henrique tinha um sorriso pervertido no rosto e eu... vergonha.


Primeiro fiquei surpresa com a sua brincadeira, pois nunca ouvira o
homem falar dessas coisas, e depois confusa, já que até ontem ele
estava chateado com tudo.

— De onde veio todo esse sarcasmo? — Cochichei.

Eu não queria que Roberto ou Serena escutassem nossa


conversa ou eu ficaria ainda mais envergonhada.

— Pensa que sou chato o tempo todo? — Questionou-me


franzindo o cenho, passando à minha frente.

Minha cabeça estava atordoada com os últimos acontecimentos.


Henrique estava estranho, uma hora ele era rude e grosso, depois
era educado e brincalhão.
Judi fez nossas reservas em um hotel lindo da ilha que não
ficava muito longe da praia. Fernando de Noronha era conhecido
por ser uma linda ilha onde milhares de pessoas vinham para visitar.
Suas praias são maravilhosas, fora as trilhas, cachoeiras e
mergulhos no mar. Sei que não iremos aproveitar tudo isso, já que
nosso objetivo aqui era outro, mas só de respirar esse ar, meu peito
aquecia.

Subimos para o quarto onde Henrique e eu ficaríamos juntos,


pois todos acreditam que éramos um casal apaixonado, porém foi
só abrir a porta e olhar para aquela grande cama que meu coração
ameaçou a pular do peito.

Já era difícil o bastante estar ao lado dele, e em alguns casos,


beijá-lo, mas dormir na mesma cama.... Isso seria o fim da minha
sanidade mental. Claro que o homem era um grosso e arrogante, no
entanto, também era lindo, cheiroso e tinha um ímã dentro dele que
me fazia querer jogar tudo para o ar e me entregar a essa loucura.

Para Elisabete. Ele é seu chefe e não quer nada com você.

— Espero que isso dê certo, pois posso sair daqui bem


chateado. — Sua voz soou no meu ouvido, despertando-me das
minhas alucinações.

— Você tem que entender que eles são pessoas, e que estão
passando por um momento difícil. — Falei colocando minhas coisas
no canto da cama. — Por exemplo: se estivéssemos em um
relacionamento real e você fizesse merda para nos separarmos, eu
nunca mais iria querer ver você na vida.

— Você é uma mulher rancorosa?

— Sou humana.
Ele revirou os olhos para mim, caminhou até a varanda e o
acompanhei. O lugar era lindo, e como estava no fim da tarde, a
imagem azul do mar se unia ao pôr do sol. Por um instante, vi o cara
carrancudo apreciar a paisagem e respirar fundo.

Henrique Vilella me deixava fora da Terra sem ao menos fazer


nada. Eu ainda não queria acreditar estar gostando dele dessa
forma. Até ontem eu estava chateada com a sua mudança
repentina, mas tinha que admitir que lá no fundo, mesmo querendo
ficar irritada com o homem, eu não conseguia. Não mais.

Após conhecê-lo melhor, pude ver que Henrique tem uma alma,
e ela não era tão fria e arrogante quanto sua casca. Acredito que ele
faça tal coisa para se proteger. O chefe durão que conheci, era, na
verdade, um homem que teme amar e depois perder.

Não sei o que aconteceu para que ele se culpasse tanto pela
morte da irmã, mas isso fez com que ele pensasse que nunca
poderia ser como antes.

— O que está procurando, Elisabete? — Falou assustando-me


com a sua voz.

Às vezes eu pensava tanto que acabava esquecendo da


realidade, e Henrique era um homem que observava tudo, até
mesmo o que estava atrás dele.

— O que faremos? — Perguntei ficando ao seu lado na varanda.


— Só iremos nos encontrar com os dois amanhã. O que faremos
com esse momento de folga?

Ele franziu o cenho me olhando estranho.

— Temos que revisar o projeto para a reunião com os…

— Henrique?! — Não precisei falar mais nada para que ele


soubesse que eu estava o julgando por sua desculpa. — Você fez
isso ontem e hoje antes de sairmos. Não acredito que tenha que
ficar aqui enfurnado relendo algo que você já tem decorado.

— Não sou de me divertir. — Explica calmo.

— Ok. — Aceito. Não posso insistir mais nada. Eu esperava que


ele acabasse aceitando, assim como da outra vez. — Você não se
importa, não é? — Questionei. — Não quero ficar aqui dentro,
quando lá fora é mais bonito. Se você mudar de ideia pode me ligar.

— Tudo bem. — Falou balançando a cabeça.

***

Coloquei um vestido simples e nada de capricho. Nunca me


importei com estar ou não apresentável.

Preferi caminhar ao ar livre, pois a noite estava maravilhosa. Eu


poderia ter chamado Serena, mas desde que eu e Henrique
anunciamos o nosso “namoro”, a mulher não me tratava mais como
antes.

As horas se passaram e o carrancudo não deu sinal de que


mudara de ideia, então achei um restaurante perto da praia e pedi
uma comida típica.

Na minha cabeça, essa experiência deveria ser aproveitada ao


lado de alguém que se somasse à alegria do lugar, porém eu estava
com um homem que odiava tudo o que fosse divertido, e tinha que
aceitar que ele não era meu namorado de verdade. Passei a pensar
em como eu ficaria depois dessas três semanas. Talvez finalmente
teria a oportunidade de me concentrar cem por cento no trabalho e
deixar a vida amorosa de lado. Henrique também seguiria a vida e
nós dois poderíamos ser amigos no fim das contas.

— Oi! Desculpa incomodar, mas posso te fazer uma pergunta?


Pisquei os olhos algumas vezes para voltar ao mundo real,
depois que ouvi uma voz grossa. Olhei para o dono dela e quase
engasguei com a saliva. Um homem alto, barbudo, de cabelos
longos e muito forte sorria para mim, esperando a resposta.

— Claro. — Falei envergonhada.

— Sei que vai parecer estranho, mas o lugar está lotado e aqui
tem a melhor comida de toda a ilha, então eu gostaria de saber se
você se incomodaria se eu me sentar com você à mesa?

Fiquei hipnotizada com a montanha de músculos que


conversava comigo. Ele era lindo. Não como o Henrique, que era
sério e bruto, mas esse cara parecia um surfista gostosão.

— Claro. — Disse ainda boba.

***

Quando acordei senti uma leve pontada na cabeça. Ontem à


noite bebi um pouco e não sou boa com bebidas.

Acabou que Fábio era um homem muito legal e ficamos bastante


amigos. Ele também estava aqui a trabalho, mas não deu muitos
detalhes. Começamos uma conversa no restaurante e depois fomos
para um bar perto dali. Tomei cuidado para não passar dos limites e
voltar muito tarde, mas quando cheguei, encontrei Henrique
dormindo no sofá.

Eu não queria que ele ficasse com dor no outro dia, porém ele
estava tão relaxado que decidi deixá-lo.

Lembrei que antes de finalmente pegar no sono, fiquei o


observando. Seu rosto estava pacífico, como nunca vira antes.
Gostei de passar aquele tempo com o meu novo amigo, mas na
verdade eu gostaria de estar com ele.
— Como foi a sua noite? — Perguntou assim que entramos no
elevador.

Iríamos nos encontrar com Serena e Roberto mais tarde, agora


Henrique se encontraria com Heitor para uma conversa antes da
reunião com a sua Ex.

— Foi boa. — Respondi com um meio sorriso. — E a sua? Não


ficou com dor nas costas por dormir no sofá?

— Não, estou bem.

Ele poderia dizer uma coisa, mas seus olhos mostravam outra.

— Poderia ter ficado na cama. Ela cabia nós dois. — O olhar que
ele me lançou foi estranho, mas vi que seus lábios se curvaram um
pouco.

— Não era o espaço que eu temia.

Era a segunda vez que ele era irônico dessa forma. Eu acabaria
acreditando que o homem tinha más intenções comigo.

Bem que eu queria.

Depois que saímos do elevador, fomos tomar um café rápido. Ele


estava bem calado, como se não quisesse conversar comigo. Achei
isso estranho, pois estávamos nos tornando quase amigos, e era
isso que me confortava.

Quando a hora da sua conversa com o quase sócio se


aproximou, levantei e me afastei, indo para o balcão. Da onde
estava, podia observar o homem que parecia mais sério que o
normal.
Capítulo 26 - Elisabete.
Três semanas depois

Sabe quando você tenta a todo custo fazer o tempo ir mais


devagar?

Eu queria.

Na verdade, essas últimas três semanas foram confusas e


torturantes. Tive que admitir que realmente deixei meus sentimentos
tomarem um rumo catastrófico. Não sabia o porquê ou como fui me
apaixonar por aquele idiota frio que acabaria toda essa loucura,
hoje.

Confesso que chorei antes de dormir porque sabia que não


poderia fazer nada para mudar essa situação. Eu não poderia fazer
com que ele também gostasse de mim, mesmo que às vezes
Henrique agisse como se sentisse o mesmo.

Ele veio se afastando um pouco, mas ainda conversávamos e


saíamos às vezes. Ele me mostrava as estrelas e contava histórias
que eu nunca ouvira falar.

Descobri no último fim de semana que o homem ainda tocava e


ele fez questão de me fazer ouvi-lo.

Talvez tenha sido aí que descobri esse sentimento sem sentido


pelo meu chefe. Henrique me olhava como se quisesse dizer algo,
porém não falou nada.

Quando acordei, lutei contra o meu corpo para levantar. Mesmo


sabendo que no final do dia eu não seria mais nada além de uma
simples funcionária.
— Por que não fala para ele o que está sentindo? — Questionou
Mariana preocupada comigo.

Eu contei para ela assim que entrei pela porta de casa, depois
que ele me deixou lá embaixo. Minha mente estava inquieta e eu
não sabia o que fazer.

— Não sonha, Mari, você acredita que Henrique vai gostar de


mim? — Perguntei sem ânimo algum. — Ele é blindado contra
sentimentos.

— Isso não é verdade. Ele sente o mesmo, só é mais teimoso


que você.

Não queria entrar em um debate com a minha irmã a respeito


disso. Henrique e eu só interpretamos bem o papel de amantes e
agora tudo isso acabou. Era doloroso aceitar isso, porém, sabia me
recuperar de um baque.

Terminei o meu café e logo saí de casa. Eu sabia que ele não
viria hoje, então…

Assim que saí pela portaria, surpreendi-me com ele encostado


no capô, como de costume. Já fazia três dias que eu ia de ônibus
para o trabalho, e justamente hoje o homem decidiu vir. Talvez ele
quisesse acabar com tudo antes de chegar à empresa para facilitar
as coisas. Caminhei com cautela e a cada passo que eu dava, meu
peito ameaçava pular do peito.

— Bom dia, Elisabete. — Disse sério.

Um flashback se passou pela cabeça de quando ainda não nos


dávamos bem. Eu odiaria voltar a odiá-lo, quando agora meu
coração já era seu.

— Bom dia. — disse com receio. — O que está fazendo aqui?


Minhas mãos estavam suando frio e a qualquer minuto eu
poderia ouvir uma daquelas grosserias matutinas, mas ele apenas
me observou. Com um simples movimento, Henrique afastou uma
mecha de cabelo para trás da minha orelha e só isso foi necessário
para que ele me ganhasse.

— Não vamos para o escritório agora. — Disse com um sorriso.

***

Fiquei surpresa quando Henrique falou que não iríamos


diretamente para o trabalho e depois deu aquele sorriso. Eu
esperava uma conversa séria de “término” ou qualquer outra coisa,
mas o homem me trouxe para um haras onde havia vários cavalos
lindos.

— Lembro que você queria vir a um lugar desse, e pensei que


gostaria de passar um dia aqui em vez de ficar em uma sala
fechada com um chefe chato. — Ele falou.

Já era difícil suportar o final da mentira que nos mantinha unidos,


agora ele estava tornando tudo pior sendo atencioso e fofo. Talvez
ele quisesse acabar com isso de um modo legal, mas não estava
sendo legal para os meus sentimentos e eu não podia dizer nada.

— Você perderá um dia de trabalho para ficar aqui comigo? — O


questionei tentando ser o mais normal possível.

— Sinceramente, estar ao seu lado é bem melhor que estar


fazendo qualquer outra coisa.

Eu estava quase acreditando que esse era um modo novo dele


me torturar. Como alguém poderia falar essas coisas antes de um
término?

Depois daquele momento, quase torturante, passeamos pelo


imenso local. O lugar era de um amigo que administrava o haras.
Era a primeira vez que eu cavalgava e estava feliz. Em certo
momento, até esqueci de tudo, pois pela primeira vez nós
parecíamos um casal real.

Eu realmente gostava de cavalos e tudo o que tem na natureza,


e falei isso em uma das nossas conversas, porém eu não pensava
que o homem estava prestando atenção em mim.

Fomos comer em um restaurante não muito longe, e


conversamos sobre banalidades, deixando de fora os assuntos
sobre trabalho.

Como em um vício, meus olhos procuravam as horas e as


amaldiçoava por estar passando rápido demais. Se não acabasse
logo com essa tortura, acabaria me iludindo ao pensar que ele
estava prolongando os momentos só para também não ter que
oficializar as coisas.

Ao final da tarde, estávamos em um dos pontos mais calmos da


praia. O sol estava se pondo e já estava preparada para o que
vinha, eu só estava achando estranho toda essa demora para
acabar com a minha tortura.

Sim, eu poderia dizer a Henrique o quanto ele me estragou


nesses últimos meses. Que eu sentia algo muito forte por ele, e que
não aceitaria acabar com o que tínhamos. O problema era que meu
chefe não sentia o mesmo por mim e estaria cometendo uma tolice
tremenda em me sujeitar a isso. Ele já deixou claro que nunca
voltaria a amar uma pessoa, e mesmo vendo agora seu lado
sensível, sabia que isso não significava que o homem sentia o
mesmo por mim.

Seria difícil vê-lo todos os dias e sentir como se meu coração


estivesse se partindo ao meio só porque não posso tê-lo.

— Elisabete. — Chamou-me despertando-me dos meus


pensamentos. — Tenho que lhe pedir desculpas por tudo.
— O quê? — Eu estava realmente confusa. Não sabia o porquê
ele estava pedindo aquelas desculpas se hoje o homem foi perfeito
comigo.

— Você pode ter esquecido, mas fui um verdadeiro grosseiro


com você no dia que começou a trabalhar para mim. — Henrique
estava com um meio sorriso no rosto, e me olhava de uma forma
intensa, como se pudesse ver o que tinha dentro de mim. — Você
disse que eu teria de pedir desculpas, no final, quando
reconhecesse ser boa.

— Eu estava chateada naquele momento e confesso que queria


provocá-lo.

— Eu sei, por isso gostei de você. — Minha surpresa foi


evidente, e o frio do fim do dia já estava me afetando, o que fez com
que ele me desse seu blazer. — Ninguém nunca tinha feito isso e
me surpreendi com a sua determinação. Porém, minha mentira nos
levou a outro rumo, e… — Sabia que ele queria dizer algo, mas
parecia com medo. Por quê? — Você é alguém especial, Elisa, e
trabalhar ao seu lado é inspirador. — Um embrulho ficou na minha
garganta, mas não deixei que as emoções tomassem conta do meu
corpo. Não agora. — Você merece alguém que reconheça o quão
incrível é.

— Por que está falando isso?

— Porque…

— Henrique!

— Temos que ir. — Disse levantando-se do lugar. Ele estava


mais estranho que o normal. Dava para sentir o quanto ele estava
inquieto, no entanto, estava se fazendo de duro novamente. — Hoje
acaba a nossa mentira. Você está livre. Iremos nos tratar como
colegas, nada mais que isso. — Falou sem olhar para mim.
O observei por alguns instantes, sem poder respirar normal. Meu
peito estava tão pequeno que parecia que era do tamanho de uma
formiga.

— Se você quer assim. — Sussurrei triste.


Capítulo 27 — Henrique
Dizer aquelas palavras doeram mais do que eu imaginava. Era
para terem sido ditas desde o primeiro momento em que a vi pela
manhã, porém, eu não queria deixa-la tão cedo. Desejava aproveitar
cada segundo antes de voltar a sermos o que éramos.

Eu não fazia ideia de quando isso aconteceu, mas acabei


descobrindo que havia me apaixonado pela minha assistente, que
no início achei ser insuportável. Agora, pensava que deixar de ser
seu namorado, mesmo que de mentira, seria uma das piores coisas
que acontecera comigo.

Elisabete era uma mulher incrível e seu sorriso era a coisa mais
linda que eu já tinha visto. Sempre que estávamos juntos, nada mais
importava, nem mesmo o trabalho. O problema era justamente eu.
Não sou uma pessoa boa, muito menos digna do seu coração.

Estava prestes a falar sobre o que sentia, e talvez fosse o que


ela esperava, mas não pude ser egoísta de tê-la sabendo que
poderia machuca-la. Todos tinham razão de falar que eu era uma
pessoa odiável, porque realmente era. Estraguei as coisas com
Amanda, mesmo que hoje eu pense que foi uma benção. E não
poderia esquecer-me da minha irmã, ela foi a mais prejudicada, e
ainda sofro por ter sido idiota com ela.

Nunca imaginei que realmente iria me apaixonar pela mulher,


pois sempre tive em mente que deveria me manter afastado dos
sentimentos, no entanto, foi inevitável.

Eu não a via desde aquele dia, isso já fazia dois dias. Estava
tendo muitas reuniões fora, e Elisabete ainda trabalhava nos
detalhes do nosso novo projeto. Hoje, finalmente não havia reuniões
fora da agência, e mesmo sabendo que não deveria, eu queria
arrumar uma desculpa só para que ela viesse até mim.
— Aqui estão os desenhos que pediu. — Ela disse ao entrar pela
porta.

Sei que só ficamos dois dias sem nos ver, mas ela estava mais
linda que o normal. Seu rosto não estava tão alegre como antes e
não sabia se eu era o causador disso.

— Como você está? — Perguntei ignorando os papéis que ela


colocou sobre a mesa. — Não vi você esses dois dias.

— Estou bem. — Disse distante. — Bem, se não se importa,


voltarei para a minha sala. Tenho que terminar outro trabalho.

— Elisabete. — Chamei, impedindo que a morena se fosse logo.


— Eu queria dizer que… — Não sabia o que falar, só queria ficar a
seu lado. Novamente a minha mente julgou o meu lado emocional
idiota. — Você e eu vamos trabalhar juntos na reforma dos
Rodrigues. — Eu não precisava dela nesse projeto, só me
acostumei a tê-la comigo.

Elisabete ficou surpresa e me encarou com dúvida. Recostei e


peguei o que estava sobre a mesa. Eu não deveria estar fazendo
esse papel de louco apaixonado, pois há dois dias tive a
oportunidade de falar tudo o que sentia para ela, mas meu cérebro
estava agindo por conta própria, parecia que estava em abstinência.

— Tudo bem. Quando estiver pronto, é só me chamar. — Disse e


saiu.

Ela estava se afastando, mesmo tendo dito preferir que nós


fôssemos amigos. Claro que eu não era um homem que tem vários
amigos, no entanto, ter esse título era melhor que nada, o problema
era que Elisa não queria mais ter qualquer relação comigo.

***
Já fazia uma semana que voltamos a trabalhar juntos e a mulher
ainda estava distante. Só falávamos sobre assuntos relacionados ao
trabalho e ela não sorria mais quando a elogiava pela manhã.

Talvez eu seja realmente o problema e não deveria insistir em


continuar com isso. Eu sou o chefe e não posso deixar que minha
cabeça enlouqueça por causa disso.

— Agora que já estamos nos ajustes finais, acredito que


possamos trabalhar separados. — Falei, após tossir. — Suas ideias
tornaram tudo mais lindo, e pode cuidar do restante sem mim.

— Claro. Amanhã terminarei tudo e falarei com você. — Disse


seca.

— Algum problema? — A questionei, cerrando os olhos. Eu não


deveria ficar chateado por isso, pois fui eu quem cavei a cova,
porém, era inevitável que isso acontecesse já que eu estava
tentando manter as coisas mais amigáveis. — Ultimamente está
sendo mais irritante que o normal. Achei que pudéssemos ser
amigos.

— Sério que está me criticando por eu estar agindo assim com


você, justo a pessoa que não se importa com ninguém? —
Questionou com raiva.

Ela tinha razão, mas era verdade que eu estava me esforçando


para ser o melhor para todos. Não desejava que Elisa me visse,
novamente, como um arrogante.

— Estou sendo rude com você novamente? — Realmente


estava confuso com as suas atitudes. Depois de tudo, não queria
voltar a ser como cão e gato justamente por nutrir sentimentos fortes
pela mulher. — Desculpe, se foi o caso.

Elisabete parecia cansada e não me respondeu rápido. Não


queria brigar. As coisas não eram mais como antes, eu realmente
não queria a magoar.

— Desculpe, eu não deveria agir dessa forma. — Disse


parecendo chateada. — O problema sou eu.

Impulsivamente me levantei e fui até onde ela estava. Elisa ficou


confusa com a minha atitude, mas eu só desejava tocar a sua pele
novamente.

— Posso ajudar em algo?

— Por que quer me ajudar? — Questionou-me, agora furiosa.

Eu estava começando a ficar preocupado com as suas


mudanças de humor. Não sabia se era apenas comigo, mas estava
estranho.

— Me importo com você.

— Não precisa mais fingir ser meu namorado, Henrique. —


Falou se afastando. — Na verdade, tenho que ir. Não quero me
atrasar para o meu encontro.

Encontro?!

Parecia que meu cérebro tinha tido um pane elétrico e


desestabilizado todo o meu corpo. Era claro que uma mulher linda e
gentil como ela não ficaria solteira por muito tempo, os idiotas
estavam a todo o tempo caçando suas vítimas, no entanto, não fazia
muito tempo que tínhamos “terminado”, e a mulher simplesmente já
estava em outra.

— Você tem um encontro? — Perguntei tentando esconder o


sentimento de raiva e frustração que estava sentindo.

Não havia quase ninguém na agência, não era muito tarde, mas
na sexta as pessoas saíam mais cedo.
— Com um novo amigo. — Respondeu dando de ombros.

— Amigo? — Não era do meu feitio perseguir as minhas Exs, e


as questionar sobre seus novos relacionamentos, porém, essa
mulher era diferente das outras e minha consciência ainda estava
perturbada com a notícia. — Você disse que não tinha muitos
amigos aqui. Mais alguém vai com vocês.

— Por que você está me interrogando? — Perguntou irritada.

Quando se virou para me olhar, ela parecia furiosa. Eu já estava


acostumado, porém, sabia que dessa vez eu estava sendo um
verdadeiro imbecil. Nós não tínhamos nada, nem mesmo quando
fingíamos ter. Saber que Elisabete estava saindo com outra pessoa
me assustava muito.

— Quero saber sobre você e esse seu… Amigo. — Disse sem


me importar em ser tão direto. — Aliás, até uma semana atrás nós
estávamos juntos.

— Era uma farsa, não era, Henrique? — Questionou-me se


aproximando de mim.

— Não para as pessoas.

— Então só se preocupa no que as pessoas irão falar?

Ela estava voltando a me provocar, e o pior, eu estava tão


irritado com a morena que desejava fazer coisas que eu não
poderia.

— Elisabete, não desejo brigar. — Falei tentando me acalmar. —


Só estou sendo um amigo. Pensei que era isso que queria.

— Você não sabe o que eu quero. — Disse irritada.


— Ok, se você prefere que eu seja o chefe chato, tudo bem. —
Disse levantando as mãos para o ar.

Ela me encarou sem dizer nada, por fora eu mantinha uma


expressão normal, como se isso não me incomodasse, porém, meu
interior estava puto com a ideia de outro homem tocar nela, ou pior,
conseguir tê-la por completo.

Sim, isso era arrogância e me tornava um imbecil, no entanto, eu


estava sendo movido pelo ciúme e paixão.

— Mais alguma coisa, senhor Vilella?

— Não, Elisabete, espero que tenha uma ótima noite. — Falei


com um sorriso.

Na verdade, querida, eu farei o possível para descobrir quem era


esse idiota, e espero que sua noite seja um desastre.

Sai da sala bufando. Peguei meu celular e disquei o número do


Roberto.

— Espero que não esteja ocupado, pois, preciso de você. É uma


emergência.
Capítulo 28 — Elisabete.
Essa última semana foi horrível. Tive que estar ao lado de
Henrique, pois, estávamos trabalhando juntos outra vez. Parecia
que o homem estava arranjando desculpas para me ver, mas isso
era ridículo, já que foi ele que terminou comigo.

Sim, eu poderia estar agindo friamente, no entanto, fazia isso


porque não conseguia ficar ao seu lado sendo a pessoa de antes.

Minha cabeça tinha que esquecer a loucura de me apaixonar


pelo meu chefe, mas ele estava dificultando as coisas sendo um
homem legal e gentil.

Minha vida deu um giro de trezentos e sessenta graus e eu


estava perdida. Não queria um novo relacionamento, pois sentia que
minha paixonite pelo idiota do Henrique duraria mais um tempo, mas
tinha que sair e me distrair.

Fábio estava sendo um cara legal e divertido, e quando o gato


ligou me chamando para sair, pensei em recusar, entretanto, minha
irmã me convenceu do contrário, dizendo que eu só esqueceria de
um homem estando com outro.

O problema era que isso seria impossível, já que eu estava


trabalhando ao lado do cara todos os dias, e nosso término não foi
tão desastroso.

No fim, Henrique não tinha culpa alguma, pois acetei fazer isso
sabendo do fim. O que eu não poderia adivinhar era que o arrogante
tinha uma alma tão doce e que meu coração, idiota, fosse se viciar
nesse açúcar.

Não tinha intenção de falar sobre o meu encontro com Fábio,


pois para mim, o homem era só um amigo, mas lá no fundo desejei
saber como ele reagiria, e fiquei ainda mais furiosa quando descobri
que o filho da mãe só se importava com o que as pessoas diriam.

Henrique nunca se apaixonaria por mim, e eu não deveria ficar


surpresa.

Saí do prédio ainda bufando de raiva, e Fábio já me esperava.


Eu não sabia para aonde íamos, mas esperava que esquecesse
essa conversa com o meu chefe.

— Você é sempre linda ou está assim só para mim? —


Perguntou me deixando envergonhada.

Entrei em seu carro e fomos o caminho todo conversando. Ele


era mesmo uma ótima pessoa. Também trabalhava como arquiteto,
coisa que me surpreendeu.

— Estou abrindo a minha agência, não muito longe daqui. —


Comentou sem tirar atenção do trânsito. — Se você um dia, quiser
mudar de empresa, ficaria feliz se viesse trabalhar comigo.

Fiquei surpresa com o seu pedido. Não poderia imaginar que


depois de anos sem conseguir nada na minha área, eu estaria
recebendo um convite desses.

— Talvez, se meu chefe me encher demais. — Brinquei.

Eu não tinha intensões de sair da onde estava. Mesmo estando


em um momento difícil com Henrique e ele tendo sido um grosso no
início, hoje era reconhecida.

Claro que era difícil vê-lo todos os dias sentindo todos esses
sentimentos, mas não significava que eu sairia da agência por
causa disso.

Chegamos a uma casa noturna que parecia lotada. Não era o


meu estilo, porém, estava aberta a novas experiências.
Não ficamos esperando na fila, pois parecia que Fábio era sócio
do local. Fiquei impressionada com tudo, e assim que entramos a
música alta incomodou os meus ouvidos.

Sei que tinha que aproveitar a oportunidade, no entanto, eu era


uma mulher simples que curtia ficar em casa ou um jantar ao ar
livre.

Involuntariamente, minhas lembranças voaram para o dia em


que estive na casa de Henrique e ele cozinhou para mim. Foi algo
tão simples, entretanto, havia sido uma noite maravilhosa.

Eu não sabia o porquê de estar me torturando com essas


lembranças e desejei me bater por isso.

— Vou pegar uma bebida para nós. — Ele disse ao meu ouvido.

Era o que eu precisava. Minha cabeça tinha que se esquecer


daquele idiota, e o álcool me ajudaria, pelo menos hoje.

Não demorou muito para que Fábio voltasse. Agradeci, pois não
queria ficar sozinha em um lugar que eu não conhecia e com caras
estranhos.

O primeiro gole na bebida fez com que minha garganta ardesse


e gradualmente fui relaxando. O meu acompanhante estava
aproveitando o álcool muito mais que eu. Não queria beber tanto, já
que minha mente era fraca para essas coisas.

Acredito que Fábio estava ficando solto demais com o álcool,


pois suas mãos passaram sobre a minha cintura e me puxaram
contra seu corpo.

Ele era muito mais alto que eu e forte, e estava ficando sufocada
com a aproximação.
— Vou ao banheiro. — Disse tentando me soltar.

Finalmente liberta, desci as escadas para o andar de baixo, onde


notei que havia um banheiro quando entramos. A fila estava
enorme, porém, foi a presença de Henrique que me deixou chocada.

Tentei dizer algo, no entanto, nada saía pela minha boca. Fui
praticamente arrastada para fora do lugar e nem pude protestar.

— O que está fazendo aqui com Fábio Duarte? — Perguntou


irritado.

Pisquei várias vezes para poder raciocinar direito. Nossa


conversa horas antes foi bem estranha e agora o homem estava
aqui em minha frente, em um lugar que ele odiava só para me
questionar.

— Você está me perseguindo? — Perguntei ainda chocada. —


Você realmente é maluco, Henrique.

— Maluco? — Seu rosto estava mais escuro do que o normal. —


Sabe quem é aquele homem?

— Meu novo amigo, e você não tem direito algum de vir até aqui
para me questionar, Henrique.

Nós estávamos cara a cara, e eu não deixaria que ele vencesse


essa disputa.

— Seu amigo, nada mais é do que um rival. Fábio adora jogar


comigo e acredito que esteja fazendo isso só para me atingir. — Eu
estava contra a parede, e como ele estava em minha frente, era
difícil sair da onde estava. — Eu vi como ele te agarrou, pensa que
isso é atitude de alguém que quer ser só seu amigo?

— E daí se não for? — Provoquei ficando muito mais furiosa. —


Não temos nada um com o outro, esqueceu? Você está preocupado
de que minha amizade ou talvez relação com um dos seus
“inimigos” vá o prejudicar? Não se preocupe, é só me demitir.

Nem pensei nas minhas palavras antes de falar. Eu não gostei


da forma como Fábio tinha me agarrado, mas Henrique não podia
vir até aqui e me questionar sobre essas coisas.

— Pensa que estou aqui por causa da empresa? — Eu estava


cada vez mais confusa e a forma como ele estava agindo e me
olhando, só piorava essa situação. Henrique queria me dizer algo,
mas sentia dificuldade em falar. Isso me deixou curiosa. – Pensa
que eu viria a um lugar lotado de gente porque tenho medo do
questionamento das pessoas? Estou aqui por você, Elisabete.

— Como assim? — Sussurrei.

— Não posso negar que sinto algo, e sei que sou um covarde
por não admitir, mas acredite, é melhor para você ficar longe.

Talvez tudo isso seja uma alucinação maluca devido ao álcool,


porém nesse momento eu desejava que tudo isso fosse real.

— Do que tem medo Henrique? — Perguntei me aproximando


ainda mais dele.

— Temos que ir embora. — Falou se afastando.

Eu sabia que o homem iria tentar fugir, então teria que tomar
uma atitude para que ele finalmente começasse a falar sobre o que
estava tentando esconder.

Se realmente o que dizia fosse verdade, e ele se importasse


comigo, a minha atitude o forçaria a agir.

— Não vou embora com você. — Disse cruzando os braços.

— O quê?!
— Só saio daqui com você se falar a verdade, caso contrário,
aceitarei a proposta de Fábio.

Sim, eu estava me arriscando, entretanto, eu não suportaria


conviver com ele se soubesse que ele sentia o mesmo que eu e não
pudéssemos ficar juntos.

— Que proposta? — Questionou voltando a ficar próximo a mim


serrando os olhos.

— Ele me ofereceu um emprego em sua nova agência, e se


você não começar a ser o Henrique que conheci, não vou querer
trabalhar a seu lado. – Falei me fazendo de difícil.

— Você não pode arriscar tudo o que conquistou.

— Consegui uma vez, posso conseguir novamente.

— Não me provoque. — Ameaçou.

— Você não se importaria, não é? — Eu queria parecer


determinada, mas lá no fundo estava insegura.
Capítulo 29 — Henrique
Nunca imaginei que uma mulher iria me colocar contra a parede,
mas Elisabete era diferente em vários sentidos. Assim que vi quem
era o homem ao seu lado, confesso que quase surtei. Roberto me
convenceu a não ir até eles e quebrar a cara do maldito.

Fábio Duarte e eu crescemos juntos e éramos amigos até a


faculdade, no entanto, sempre fomos competitivos e com o tempo
nossa relação foi se desgastando e nos tornamos rivais.

Eu sempre estava dois passos a sua frente e isso o irritava. Ele


vinha querendo roubar os meus clientes já há muito tempo, mas se
aproximar de Elisabete foi a pior coisa que ele já tinha feito.

O conhecendo bem, sabia que isso tinha um propósito, e faria de


tudo para mantê-la longe do cafajeste que também era conhecido
por embebedar as mulheres e leva-las para a cama.

Assim que o vi a agarrando na parte superior da boate, joguei


tudo para o ar e caminhei em direção a eles, mas Elisabete foi mais
rápida em se livrar do traste, me dando a oportunidade de tira-la do
lugar sem ter que brigar com ninguém.

Porém, agora a mulher estava me provocando mais do que eu


poderia suportar e teria que fazer algo para não a perdê-la de vez.

Foi impulsivo falar aquelas coisas, mas quando vi já era tarde. E


não poderia mais retroceder, pois se conheço essa mulher, ela irá
fazer exatamente o que estava dizendo.

— Ok, Elisabete, nós podemos conversar em outro lugar? —


Disse desistindo de lutar contra. — Não quero abordar esse assunto
aqui.
Eu não queria dizer o que ela queria ouvir. Os meus sentimentos
ainda estavam confusos e não queria começar algo que pudesse
estragar no futuro, mas no momento o medo de perdê-la
definitivamente era muito maior.

Como deixei chegar a esse ponto?

Fiquei mais tranquilo quando Elisa aceitou sair para


conversarmos longe daqui. Na verdade, eu desejava leva-la o mais
longe possível desse homem.

***

Assim que entramos na minha casa, senti a real pressão que


estava passando. Não era para nada disso ter acontecido. Eu não
era alguém bom o bastante para ela, e não sabia o porquê da
insistência dela se nessa última semana Elisa estava mais distante
que nunca.

Também havia a dúvida do que aconteceria após falar tudo a ela.

— Então, espero que não pense que vai me fazer de boba. —


Ela disse sentando-se no sofá e cruzando suas longas pernas
lindas. — Posso ter bebido um pouco, porém, ainda tenho
discernimento o suficiente para lembrar-me do que aconteceu.

— Da última vez você apagou. — Lembrei-a.

— Vá direto ao assunto, Henrique.

— Porque você está me torturando? — Questionei impaciente.

— Henrique Vilella, você me tirou de dentro de uma casa


noturna, onde eu estava com um amigo e me falou coisas confusas.
— Disse irritada. — Sabe como é difícil suportar essa sua
maluquice?
— Acredito que passo pelo mesmo. — Murmurei.

— Por que falou aquelas coisas? — Elisabete levantou-se e ficou


frente a frente comigo. Quando ela estava irritada, seu interrogatório
parecia com a de um policial esperando que o culpado confessasse.
— Você está me enlouquecendo. Em uma semana você termina
tudo e some por dois dias, depois muda totalmente sendo o chefe
exemplar e agora está agindo como um namorado enciumado. O
que você quer, Henrique?

— Talvez eu esteja com ciúmes. — Confessei.

— Então me diz o que você quer!

— Eu quero você, Elisabete. — Já estava farto de tentar algo


que eu sabia ser impossível. Não dava para me manter longe ou
esconder meus sentimentos por ela. Minha garganta estava travada
com esse sentimento e eu teria que falar ou explodiria. — Quero
que tudo seja real. Quero beija-la sem desculpas esfarrapadas,
quero ir além disso. Eu não posso mais mentir e isso está me
matando.

Ela não disse nada, apenas me olhou com aqueles olhos


escuros arregalados que me fez sentir medo assim que calei minha
boca.

— Então... por que você não falou naquele dia? — Sussurrou.

— Porque não sirvo para você, Elisabete. — Disse tocando na


pele macia do seu rosto. — Eu nunca conheci alguém tão boa e
incrível quanto você. Seu sorriso e alegria me encantam e quando
estou com você me sinto bem. Porém, como você mesma sabe, sou
alguém irritante, arrogante e com certeza vou estragar tudo o que
mais amo em você.

— Como pode saber?


— Porque eu já fiz isso antes. — Disse lembrando-me de Anna.
— Minha irmã era como você. Éramos muito próximos, mas quando
ela anunciou estar namorando um dos meus amigos, eu não reagi
muito bem. — Eu não queria de jeito algum relembrar o passado,
mas sempre que os meus sentimentos por Elisa vinham à tona, eles
traziam junto a culpa pelo acidente da minha irmã. — Ela tinha 19
anos e eu a protegia de tudo. Marcos era bem mais velho que eu,
tínhamos nos conhecido na faculdade, porém, não sabia que os dois
podiam se apaixonar.

— Vocês brigaram?

— Não só brigamos como também nos afastamos de vez. —


Ainda fico envergonhado de lembrar-me das tolices que cometi por
ser tão imaturo. — Nossa família sempre teve que escolher quem
convidaria, pois eu não queria estar onde eles estavam. Você não
sabe o quanto me arrependo de tudo isso. Eu era um idiota, ainda
sou, e devido à minha imaturidade perdi minha irmã.

— Você não é culpado pela morte dela, Henrique, sua irmã


morreu em um acidente de carro. — Falou tentando me fazer sentir
melhor.

— Era para estarmos todos reunidos naquele dia. — essa era a


parte que mais me doía. Mas eu já tinha começado a falar e não
poderia acabar tudo sem terminar. — Era véspera de ano novo e
minha mãe me convidou para passarmos juntos. Eu não queria
saber onde Anna e Marcos estavam, só me importava em estar
longe deles. Deixei que essa bobagem levasse a minha irmã para
uma viagem sem volta, e quando amanheceu recebemos a notícia
que o carro onde eles estavam sofrera um acidente. — Tive que me
afastar e sair para a varanda. Poderia ter se passado dez anos, mas
vinha sentindo essa dor incessante desde então. Era difícil aceitar o
fato. Sim, eu fui responsável por isso e deveria continuar sofrendo
pela perda dela. — Ninguém sabe dos detalhes fora a minha família
e Roberto. Passei todo esse tempo me martirizando por isso e
talvez seja justo continuar desse jeito, já que impedi que minha irmã
estivesse aqui.

— Não fale isso. — Disse Elisa ficando em minha frente. Seus


olhos estavam marejados e isso também era minha culpa. — Você
cometeu um erro ao brigar com a sua irmã por esse motivo, mas
não foi culpa sua ela ter morrido.

— Ela poderia estar viva se não fosse por mim. — Disse com
raiva de mim mesmo.

— Talvez sim, mas não muda o fato de que você não tem culpa
pelo acidente. — Insistiu. — Mesmo estando bravo, você não queria
que nada de ruim a acontecesse. Henrique, não pode sofrer devido
à culpa. Não pode deixar de viver, de ser quem você é por um erro
do passado.

— Você não vê? Estou constantemente estragando as coisas.


Acredito que isso já esteja comigo. Por isso não quero que você
também seja atingida por essa coisa que eu tenho.

Ela impediu que eu me afastasse, agarrando-me e beijando a


minha boca.

Eu acabara de falar coisas que nunca pensei em dizer para mais


ninguém, e agora toda a tempestade que se formou dentro de mim
foi acalmada por um simples beijo.

Eu não queria esquecer-me das coisas que me faziam ser desse


jeito, pois era isso que me protegia de passar pelas mesmas coisas,
no entanto, tudo era novo e diferente quando se referia a Elisabete
Medeiros.

— Acredito que não tenha mais volta, Henrique. — Disse assim


que nossos rostos se afastaram. — Eu já sou apaixonada por você.
Capítulo 30 — Elisabete
A partir do momento que nos abrimos em relação ao que
sentíamos um pelo outro, tudo se tornou real e bem mais
complicado. Primeiro existiam os traumas e os receios de Henrique
que agora eu tinha conhecimento sobre o que levou um homem
como ele ser tão frio dessa forma.

Todos nós temos os nossos demônios e os guardávamos à sete


chaves. Às vezes eles nos faziam mudar, pois pensávamos que
dessa forma não erraríamos outra vez, mas esse era o problema.
Ficar no passado, preso a um erro, só nos prejudicava e impedia
que seguíssemos a vida.

Henrique Vilella era um homem bom, ele só queria se manter


seguro para não passar pelos mesmos erros do passado.

Eu o entendia, mas desejava ajuda-lo a sair desse quarto escuro


onde o homem sensível e carinhoso se colocou por não se achar
merecedor.

Era nítido que ele se culpava pelo que aconteceu e seria difícil
convence-lo do contrário.

Eu também não poderia esquecer-me da sua mãe que deixou


claro da última vez que nos vimos o quanto reprovava a nossa
relação, porém, isso não impediria que nos amassemos. Se
enfrentei a ira de Henrique lá no começo, não voltaria atrás numa
decisão por causa de uma senhora preconceituosa.

Concordamos que teríamos um novo começo, sem mentiras. Por


enquanto, isso ficaria entre nós, mas foi impossível esconder a
minha alegria de Mariana que assim que passei pela porta fez
questão de me interrogar.
— Você passou a noite com o Fábio? — Perguntou ela com sua
expressão supressa e um começo de sorriso pervertido. — Nunca
pensei que minha irmã daria um péssimo exemplo desses.

Olhei para a garota querendo a esganar pela sua piada de mau


gosto.

Sim, eu fiquei na casa de Henrique, mas não fizemos nada de


mais, eu só quis ficar ao seu lado e conforta-lo.

— Eu não fiquei com Fábio, sua ridícula. — Disse colocando as


chaves no seu lugar habitual.

— Então encontrou outro? — Perguntou chocada e virei-me para


ela, irritada.

— Não interessa a você. — Disse e caminhei até meu quarto


para tomar um bom banho.

— Claro que interessa, mamãe disse que era para cuidar de


você, e se não me falar conto para ela que você saiu e passou a
noite fora. — Ameaçou, mas dei uma alta gargalhada.

— Não sou mais criança, e você não tem o direito de me


questionar, já que passa longos dias fora fazendo sabe-se lá o quê,
e eu não a julgo. — Falo apontando o dedo para ela.

— Você é menos curiosa do que eu, e vai logo falando se não


quiser que eu descubra seu podre sozinha. — Insistiu.

Eu já estava cheia com a sua insistência, mas também animada


para dizer o que havia acontecido, já que minha irmã era a única
amiga que tinha na cidade.

— Ok, mas não porque você está me ameaçando e sim porque


estou feliz e animada. — Falei sentando na cama. — Isso tem que
ficar entre nós, nada de sair falando, pois queremos primeiro
recomeçar de uma forma mais saudável.

— Você e o cunhado gostoso voltaram? — Questionou


sentando-se rápido na cama ao meu lado.

Mariana estava de boca aberta, mas aparentemente feliz com a


notícia, o que me deixou confusa, pois há uma semana ela me
apoiava a sair com outro.

— Primeiro, como você sabe que pode ser ele, e segundo, por
que toda essa animação se até ontem você dizia ser melhor que eu
“saísse com outros caras” para esquecer a paixonite do chefe? — A
questionei franzindo o cenho.

— Respondendo a primeira pergunta, não sou idiota, sei ligar os


pontos, e a segunda, é claro que eu tinha que te apoiar a sair e
esquecer o boy, assim saberia se ele só te usou ou realmente
gostava de você e acertei. — Disse parecendo orgulhosa.

Revirei os olhos para essa analogia maluca dela e ajeitei-me no


lugar para terminar a minha história. Falei o que acontecera, mas
não detalhei o que Henrique dissera sobre sua irmã. Mariana me
ouviu como se fosse a coisa mais importante que poderia ouvir, e
sabia que no final eu teria a sua opinião sobre o assunto.

Eu não estava preocupada, pois já estava decidida que nada iria


impedir que ficássemos juntos e pelo que vi da minha irmã, ela não
estava odiando a ideia.

— Olha, eu super apoio. Você nunca esteve tão feliz e tão triste
por alguém. Nem mesmo o idiota do Miguel conseguiu esse feito. —
Falou, deitando na cama enquanto eu arrumava algumas roupas. —
Vocês terão que enfrentar a mãe malévola, e quero ver como ela vai
reagir quando descobrir que agora é real e oficial.
— Você adora ver um estrago, não é, Mariana? — A questionei
enquanto ela se divertia com a situação.

— Te desejo sorte, Irmã, aquela mulher não é nada fácil. —


Disse levantando-se e achei estranho a sua frase.

— Você fala como se já tivesse a conhecido pessoalmente. —


Questionei-a franzindo o cenho. — Você não andou perseguindo a
madame, não é?

Mariana parou no meio do caminho como se estivesse tensa


pela pergunta, e virou-se com um sorriso nervoso.

— Você acredita que sou uma psicopata? — Falou estranha. —


Pelo amor de Deus, Elisabete, eu quero manter distância de
pessoas assim.

Escondi o sorriso que apareceu em meu rosto, pois sabia que


algo estava errado, mas não iria insistir nessa história agora.

Depois que ela saiu, peguei uma muda de roupa e fui tomar um
banho. As coisas da noite passada ainda estavam na minha cabeça,
e lembrei-me do momento que estávamos juntos.

Henrique ainda estava relutante, mas sabia que ele também


queria o mesmo que eu. Ficamos conversando um bom tempo até
pegarmos no sono juntos em sua cama.

Foi a primeira vez que estivemos tão juntos e foi maravilhoso.


Hoje de manhã, acordei com o aroma do café e tirei aquele
momento para o apreciar. Acredito que nunca o vi tão lindo e tão
sexy, e isso fez com que meu cérebro ficasse ainda mais louco.

Após sair do banheiro, vi meu celular tocando e corri com


esperança de que fosse ele, mas fiquei nervosa quando vi o nome
de Fábio na tela.
Ontem eu tinha praticamente fugido, e depois saí com Henrique.
Na verdade, eu tinha me esquecido de avisa-lo, porém, não seria
uma boa ideia voltar até ele com um Homem furioso nos meus
ombros. Entretanto, acredito que ele merecia pelo menos uma
mensagem.

— Fábio, desculpa por sumir ontem, mas tive uma emergência.


— Disse ao atender.

— Fiquei preocupado. — Falou ofegante. — Te liguei várias


vezes, mas seu telefone só dava ocupado ou fora de área.

— Você está bem?

— Claro, é que estou correndo para me exercitar.

Como se ele precisasse ficar ainda mais lindo.

— Meu celular descarregou, desculpa novamente.

Eu realmente estava me sentindo mal. Mesmo que Henrique


tenha dito que Fábio era seu “inimigo”, o homem não fizera nada de
ruim para mim. Claro que aquele abraço não foi muito confortável,
mas não poderia o julgar por essa ação.

— Tudo bem. — Falou parecendo ter parado o seu exercício. —


Poderíamos sair novamente hoje, se estiver desocupada.

Isso não era uma boa ideia. Se o cara com quem estou saindo
no momento, soubesse, ele enlouqueceria. Mesmo não querendo
deixar que as opiniões de Henrique me impedissem de sair ou ser
amiga de alguém, eu não faria isso agora. Estávamos tentando
começar direito o nosso relacionamento, e esperava que nossas
brigas ficassem no passado.

— Desculpa, Fábio, mas não vou poder, tenho coisas familiares


para resolver.
Odiava mentir. Fazia o possível para não fazer, porém, não
queria ter que dizer que voltei com o meu ex, que era ex de mentira,
mas agora era real, e que ainda por cima os dois tinham uma
inimizade boba.

Conversamos por mais um tempo, mas tive que desligar. Não


sabia como resolveria essa história e esperava não ter que deixar
de sair com Fábio só porque meu namorado não gostava dele.

Troquei de roupa e já estava pensando que passaria o sábado


com a minha irmã quando recebi uma mensagem de Henrique.

“Tenho o programa perfeito para esse fim de semana e espero


que você me acompanhe. ”
Capítulo 31 — Elisabete
Fiquei ansiosa para saber onde iríamos, pois Henrique fez
questão de manter o silêncio sobre o local, e eu era alguém ansiosa
demais para suportar essas coisas.

Desde que nos conhecemos ele me levava a lugares que


sempre desejei ir, e isso era incrível. Além de ter sua presença,
cada dia mais agradável, sentia que poderia ser eu mesma, como
nunca pude ser com o meu ex.

O vento levava os meus cabelos enquanto o carro fazia o seu


percurso. O local não era muito perto da capital, o que me fez
imaginar onde seria.

Pernambuco era um dos estados mais lindos do Brasil, e tinha


diversas cidades litorâneas e turísticas para se aproveitar ao
máximo a natureza. Estávamos pegando a estrada em direção a
Tamandaré onde tinha diversas pousadas e hotéis lindos que
ficavam a poucos metros da praia.

Eu adorava a praia, e saber que estávamos indo para lá me


deixava ainda mais feliz.

Henrique parecia muito mais feliz hoje. Ontem ele pareceu estar
em um estado de tristeza que eu nunca tinha o visto antes. Fiquei
bastante preocupada, mas conseguia entender que para ele deveria
ser difícil lembrar-se de algo que considera ser sua culpa.

Chegamos a uma imensa propriedade, que não ficava muito


longe da área praiana e novamente fiquei impressionada. Não se
sabia muito sobre a família Vilella, porém todos tinham
conhecimento do quanto eles eram ricos, e não me surpreenderia se
essa fosse mais uma das suas propriedades.
— Me deixe adivinhar: essa casa também é sua? — Perguntei
após sair do veículo. O sorriso que ele me lançou já respondia a
minha pergunta. Gostaria de saber para onde estávamos indo antes
de sair de casa, pois não trouxera algo mais apropriado para o fim
de semana na praia. — Deveria ter dito para trazer roupas
apropriadas para a praia. — Reclamei.

Claro que vim com uma peça, mas gostaria de ter trazido algo a
mais. Sou uma precavida e gosto de ter muito mais opções de
escolhas.

— Por mim você não precisa usar nada, aliás, essa propriedade
é privada, assim como a praia, mas também temos piscinas. —
Disse dando uma piscada e um sorriso malicioso.

Fiquei impressionada com a ousadia do homem que até ontem


não estava querendo revelar seus sentimentos. Claro que ele já
jogara algumas palavras ao vento que me fizesse apostar que o
homem tinha um lado pervertido, mas agora tudo era real, e minha
ansiedade para esse fim de semana estava nas alturas.

Entramos na casa e a área era aberta com as janelas feitas de


vidro. A vista dava para o azul do mar, sem falar na grama que
ficava na área externa com coqueiros, tudo muito lindo.

Enquanto ele ia em direção a um corredor oposto, decidi apreciar


essa beleza natural que havia me encantado.

O jardim era imenso, com gramado muito bem aparado, uma


piscina enorme, e uma hidromassagem que me deixou bastante
animada. As espreguiçadeiras brancas, ficavam em baixo de uma
cabana de madeira, virada para a vista da praia.

A areia não ficava muito distante, e a sombra dos coqueiros


tornava tudo mais agradável.

— Sabia que iria gostar. — Ele disse.


Virei-me para olha-lo com um sorriso de orelha a orelha. Aquilo
era o paraíso e nunca estive tão feliz.

Abracei seu pescoço e o beijei em agradecimento por ele ter me


trazido para um lugar tão lindo.

— Você vai acabar me acostumando muito mal. — Disse ao me


afastar. – Mas... por que estamos aqui?

Ele franziu o cenho achando estranha a minha pergunta.

— Pensei que gostaria de conhecer o lugar. — Justificou.


Henrique já tirara os sapatos e agora vestia uma camisa larga, meio
aberta, dando-me a visão tentadora do seu peitoral. — Esse não era
o seu desejo?

Claro que ele queria me agradar levando-me a lugares que eu


queria conhecer, mas também sabia que existia um porquê, pois
algo nele me fazia acreditar que o homem turrão escondia algo.

— Mas tem algo, não é? — Insisti cruzando os braços sobre o


peito.

— Queria me aproximar ainda mais de você e acredito que esse


lugar é perfeito para isso. — Ele disse dando de ombros. — Mas
também não queria ficar em casa. Todos os anos, mesmo sabendo
que odeio, minha mãe e alguns dos meus amigos vão à minha casa
para uma “festa de aniversário”.

Arregalei os olhos com a notícia de que era seu aniversário. Não


dava para descobrir muito sobre o homem se ele não falasse. E não
ousaria perguntar isso a outras pessoas, pois seria estranho a
namorada perguntar sobre a data do aniversário do seu amado.

Como Henrique não me disse que hoje era seu aniversário?


— Porque não me disse antes, eu poderia ter feito algo? — O
questionei chateada.

— Você me ouviu dizendo que odeio aniversários? — Perguntou


cerrando os olhos.

— Não precisava ser uma festa, mas um presente ou até um


bolo.

— Isso não é necessário. — Falou voltando a se aproximar.

Eu realmente desejava fazer algo bom para ele. Logo quando o


vi tão triste, deveria haver algo que o fizesse esquecer-se desses
problemas.

— Ainda podemos fazer um bolo? — Perguntei esperançosa.


Seu olhar era de reprovação, mas disso eu não desistiria. — Nem
precisa ser pelo seu aniversário. Eu gosto de bolo. — Disse com um
sorriso no rosto. — E depois podemos fazer o que você quiser.

— Eu não diria isso se eu fosse você. — Falou com um sorriso.

— Por quê?

— Porque o que quero é muito pervertido.

Não respondi a sua provocação, apenas sorri e entrei na casa à


procura dos materiais para preparar um bolo delicioso de Cenoura
com chocolate, pois era o seu sabor de bolo favorito.

***

Não demorou muito para preparar a sobremesa, e foi agradável


justamente porque ele estava me observando a todo o momento.
Conversamos sobre o porquê de o homem odiar comemorar seu
aniversário e a justificativa era meio óbvia: ele odeia lugares com
muitas pessoas e ser o centro das atenções.
Era curioso porque o homem ia a premiações onde ele era uma
das principais atrações, porém ele foi categórico dizendo que as
situações diferiam, pois quando as coisas relacionavam-se a seu
trabalho, ele abria algumas exceções.

Enquanto o bolo esfriava, ficamos do lado de fora recebendo a


recrescência dos ventos marítimos.

— Sabe que pode fugir hoje, mas quando voltarmos você terá
que enfrentar as pessoas, não é?

— Não estraga o momento. — Disse me fazendo rir.

Estávamos juntos o suficiente para que eu pudesse deitar em


seu peito. Era confortável e desejei nunca mais voltar para o mundo
real onde existiam pessoas que ficariam entre nós.

— Até quando vamos manter isso em segredo? — Perguntei. Eu


sabia que isso seria confuso para alguns, pois não tinha se passado
tanto tempo desde o nosso término. E ainda tinha um grande
problema. Um que me daria tanta dor de cabeça que me faria querer
desaparecer. Esse problema se chamava Cataria Vilella. Se ela
quase surtou quando descobriu sobre nós quando tudo ainda era
uma farsa, imagina como seria quando assumirmos que agora era
real. — Tenho que me preparar para a sua mãe.

— Não importa o que ela diga, nada vai mudar o que sinto. A
não ser, é claro, que eu estrague tudo. — Senti a pontada de
preocupação em sua voz.

Levantei a cabeça para olha-lo nos olhos. Sabia que Henrique


teria dificuldades em deixar a sua insegurança de lado e isso
poderia prejudicar o que estávamos tentando construir.

— Henrique, sei que nunca irá esquecer o que aconteceu, mas


não pode deixar que isso atrapalhe a gente. — Disse preocupada.
Acredito que ele tenha notado o meu receio.

— Eu sei e prometo que não deixarei que isso aconteça. —


Falou me abraçando.

***

Passar a noite perto da praia era sempre uma experiência


magnífica, pois as estrelas sempre eram mais visíveis do que o céu
da cidade. E tudo ficava ainda melhor quando se tinha um homem
lindo e carinhoso ao seu lado.

Estávamos na hidromassagem, recebendo o aquecimento da


água em nossos corpos.

Eu estava gostando de receber o carinho desse lado mais


amoroso dele, e aos poucos notava uma mudança acontecendo. O
homem sério e muito retido estava se soltando, e vejo que há um
homem quente dentro do Henrique.

Desde o primeiro dia em que nos vimos, e ele foi um verdadeiro


grosseiro, consegui sentir a energia que emanava dele. Porém, na
nossa curta relação de aparências, não nos aproximamos como
agora.

Os dois beijos foram… um aperitivo para o que se mantinha em


baixo daquele monte de gelo que ele se mantinha.

Agora as coisas mudaram. Tudo estava mais quente, mais


provocante, e a cada minuto aqui, longe de tudo e mais próximo
dele, minha cabeça estava a todo o momento tentando se controlar
para não perder os sentidos rápidos demais.

Eu não temia passar para o próximo nível, mas não podia mentir
que lá no fundo existia uma preocupação, mas não tinha relação
com isso.
Estando em um lugar assim, depois de duas taças de vinho e
tendo o meu corpo tão relaxado, era o clima perfeito. Além disso, o
cara em questão era lindo de morrer. Tinha um sorriso sedutor que
me deixava derretida, seus beijos se tornaram muito mais intensos e
existia a atração, muita atração.

— No que está pensando? — Perguntou ele me assustando.

— Nada demais. — Disse com um sorriso nervoso.

A água se tornou ainda mais quente quando ele se aproximou.


Senti meu coração palpitar mais rápido. Eu estava parecendo uma
adolescente virgem que estava saindo com um homem mais velho,
e apesar de Henrique ter alguns anos de diferença de mim, eu não
era tão imatura.

— Não quero que fique assim, não estou pressionando você a


nada. — Ele disse me fazendo observar os movimentos dos seus
lábios, que estavam parecendo ainda mais provocantes. — Só a
trouxe aqui para que pudéssemos curtir o fim de semana longe de
todos, não porque quero transar com você.

— E você não quer? — O questionei mais surpresa do que


gostaria de parecer.

— É óbvio que quero, você está me deixando louco há semanas,


mas isso não depende só de mim, você também tem que querer. —
Falou com um meio sorriso.

Senti-me uma tola por ficar tão envergonhada por estar falando
sobre isso. Abracei o seu belo corpo que agora não tinha quase
nada cobrindo a pele e o beijei.

Eu não queria chegar e dizer a ele que queria fazer isso logo,
pois tinha medo de parecer uma depravada, mas eu também estava
querendo isso. Mais do que eu imaginava.
— Penso que já podemos entrar. — Falei encarando seus belos
olhos verdes.

Foi impossível não ficar corada, mas eu estava explicitamente o


convidando para uma transa, e com Henrique isso me deixava fora
do comum.

— Hoje você pode fazer o que quiser de mim. — Sussurrou ao


meu ouvido.
Capítulo 32 -Henrique
Nunca imaginei que estaria tão feliz, simplesmente por ter
alguém em minha vida. Sempre quis evitar ter sentimentos tão
complexos e intensos por uma mulher.

Com Anastácia as coisas foram totalmente diferentes. Ela era


mimada e sempre ficava chateada com tudo, no entanto, queria
tanto casar-se que aceitava tudo o que eu queria, até o momento
em que fui rude o suficiente que a forçou a acabar com o
relacionamento.

Confesso que fiz tudo de propósito, mas agora me sentia mal


pelo que fiz. Eu deveria ter sido sincero com a mulher, e ter acabado
tudo antes de chegar àquele ponto.

Acredito que a convivência com Elisa esteja me mudando, pois


há alguns meses eu ainda acharia tudo uma boa ideia.

Leva-la para outra cidade no fim de semana, me ajudou a


descobrir o que eu realmente queria e o que tinha que fazer para
não a perder.

Era assustador perceber que agora eu estava receoso porque


sentia que poderia estragar tudo. Ainda me questionava se era
merecedor de recomeçar, sendo que Anna não estava mais aqui por
minha culpa.

Voltar para a cidade era como jogar um balde de água fria em


tudo o que vivemos nesses dois dias. Só de lembrar da noite que
tivemos, me deixava feliz.

Sim, eu estava feliz por muitas coisas, e para ser sincero, isso
me assustava. A sensação era de calmaria antes do desastre, e
rezava para que ela passasse longe de nós.
Na segunda a agência estava calada. O local era uma área
aberta com várias mesas e computadores onde todos trabalhavam.
Os escritórios ficavam ao redor desse espaço, e ao caminhar até a
minha sala, notei como todos estavam estranhos, como se tivessem
tido uma péssima noite de sono.

— Judi! — Chamei minha secretária que usava óculos escuros,


dentro do local fechado, mas ela não me ouviu. — JUDI!

Tive que praticamente gritar para que a mulher finalmente se


movesse. Os que estavam em seus lugares se assustaram e achei
tudo ainda mais estranho.

— Sim, Senhor Vilella? — Disse com a voz rouca.

Aproximei-me mais dela que estava estática, e levantei seus


óculos. Constatei o que já imaginava.

— Por que parece que todos estão de ressaca? — Perguntei


sério.

Judi pigarrou e ajeitou a postura, mas não me convenceu.

— Talvez estejamos um pouco… indispostos, senhor, mas não


se preocupe, continuaremos trabalhando. — Disse firme.

— Todos vocês foram ao mesmo local? — Questionei olhando o


estado de alguns.

— O senhor Roberto disse que deveríamos aproveitar já que não


compareceu ao seu aniversário.

Respirei fundo tentando buscar a paciência do fundo da minha


alma. Todos os anos era a mesma coisa. Eles sabiam o quanto eu
odiava comemorar meu aniversário, mas nunca desistiam.
— Eu deveria demitir todos e contratar pessoas que finalmente
entendessem o quanto odeio festas. — Disse saindo do espaço.

— Não será preciso, senhor, na verdade, foi a sua mãe que nos
convidou. — Ela explicou.

— O quê?! — Parei bruscamente e virei-me. — Por que ela faria


isso?

Por cima do ombro de Judi, vi Elisa caminhando até nós. Ela


estava com um sorriso no rosto que me fez esquecer o que havia
acontecido.

— Henrique Vilella, você poderia dizer onde você estava? — A


voz da minha mãe quase fez com que eu derrubasse os papéis que
carregava.

Deu para perceber que o sorriso encantador que estava nos


lábios de Elisabete havia desaparecido, e inteligentemente ela foi
direto para a sua sala.

— O que está fazendo aqui? — Perguntei ao me virar.

Serena estava ao lado da minha mãe. Elas eram boas amigas,


talvez seja a única mulher que minha mãe gostava realmente.
Serena era uma mulher paciente e muito amiga, mas eu não estava
no clima para suportar Catarina no momento.

— Você não estava em lugar algum. — Explicou com um bico


nos lábios. — Fizemos um jantar para você e não respondia as
minhas ligações.

Entrei no escritório achando tudo isso muito estranho. Eu só


desejava ter um dia normal de trabalho, no entanto, minha mãe era
irritante o suficiente para estragar isso.
— Sei bem que “jantar” foi esse. — Disse nada feliz. — Meus
funcionários estão de ressaca e você sabe bem que desaprovo
festas comemorativas.

— Sei bem, mas até quando você vai ficar assim? — Disse ela
aproximando-se. — Já faz dez anos, Henrique, não pode odiar
festas por toda a vida.

Eu odiava tocar no assunto, e esse sentimento se multiplicava


quando era a minha mãe que falava.

— Mãe, eu tenho muito trabalho. — Disse me afastando.

— Querido…

— Por favor.

Não deixei abertura para que ela continuasse. Sabia que isso
também a deixava triste, mas não queria, novamente, relembrar
desse acidente, quando tudo estava indo tão bem.

Ela saiu de cabeça baixa, fazendo-me sentir péssimo. Depois do


acidente de Anna, minha mãe se tornou essa mulher, às vezes triste
e outras eufórica.

Dominic se afastou, indo permanentemente para Porto de


Galinhas. Sou o único filho perto dela, e meu pai… não temos uma
boa relação por diversos motivos.

— Você deveria pegar leve com a sua mãe. Sabe que ela só
quer te agradar. — Disse Serena que ainda estava na sala.

— Se ela queria me agradar, então por que insiste em fazer


isso?

— Henrique, Catarina não faz por mal. Ela só pensa que assim
você pode deixar a sua fobia de comemorações e seguir em frente.
— Falou aproximando-se. — Sei que é difícil, pois se culpa pelo
acidente de Anna, porém, a vida não parou com a morte dela, e
acredito que não era isso que ela iria querer.

O abraço de Serena foi inesperado. Não sou muito afetivo e a


mulher sabia disso, então não entendi muito a sua atitude. Para
piorar, Elisa estava parada na porta achando a situação estranha.

Pigarrei para que ela se afastasse.

— Temos trabalho a fazer. — Falei firme.

Antes que Serena saísse, rolou um momento estranho entre as


duas. Ao se aproximar, a morena colocou seus desenhos sobre a
mesa em silêncio.

Ela estava séria como se tivesse acontecido algo que retirou


toda a sua alegria diária.

— Esses são os últimos. 80% já foram concluídos, então meu


trabalho nesse projeto terminou. — Falou.

— Aconteceu algo? — Perguntei preocupado.

— Não. — Disse, mas não senti firmeza.

Esse era um território novo para mim. Eu não queria que nada
ficasse estranho entre nós e era exatamente assim que eu sentia as
coisas no momento.

— Elisa. — Insisti apertando a sua mão. — Prometemos que


sempre conversaríamos sobre o que nos desagradou. Acredito que
essa seja a situação.

— Não é que eu esteja chateada, mas você não foi totalmente


sincero quando perguntei o motivo sobre sua fuga da festa. — Disse
parecendo chateada, mesmo dizendo que não.
— Ok, desculpe. Talvez o fato de odiar comemorar o meu dia
seja mais profundo, mas não menti quando disse odiar lugares com
muitas pessoas. — Expliquei.

— Tudo bem, e não é que eu seja ciumenta, porém, achei


aquele abraço muito estranho. — Disse revirando os olhos. — Sabia
que ela mudou o jeito como me trata desde que nós ficamos juntos?
Penso que ela gosta de você de uma forma muito mais amorosa.

— O quê?! — Falei surpreso. — Claro que não. Serena e eu


somos só amigos. Nunca rolou nada, e só quero você.

Ela ficou feliz com o que falei. Achei estranho Elisabete falar que
Serena tem interesse em mim, pois nos conhecemos há anos e
nunca notei intenção alguma dela.

Deixamos isso de lado e continuamos o dia de trabalho. Assim


que meu amigo passou pela porta, ele sabia que escutaria o meu
desagrado pelo que houve na noite passada.

Recebi alguns presentes que achei desnecessário, mas não


pude recusar para não ser… grosseiro.

Era difícil entender os meus colegas de trabalho. Eu os ouvia


reclamando da minha forma rude de agir, mas todos os anos eles se
importavam com essas datas. Não tinha intensão em tornar as suas
vidas tão ruins, no entanto, antes de conhecer Elisabete, eu era
realmente um ignorante e não me importava com o que todos
pensavam.

No fim do dia, quando todos já foram embora, só ficamos eu e


Elisa. Ela entrou em meu escritório segurando uma sacola e sabia o
que seria.

— Sei que não gosta de presentes, mas…


— Tudo bem. — Disse levantando-me. — Vou gostar dos seus
presentes.

— Não sou tão rica quanto você, então escolhi algo mais
significativo. — Disse me entregando a sacola.

— Para ser sincero, já considero você um presente para mim.

— Quer que eu fique emotiva falando essas coisas? — Disse me


fazendo rir. Abri o pacote e dentro encontrei um boneco na forma de
um robô, na cor metálica e achei curioso. — Foi de coração.
Literalmente. – Disse abrindo um compartimento do brinquedo e
mostrando que ele tinha um coração.

Não pude deixar de rir da situação. Eu sabia o que significava e


estava feliz por ela ter sido tão criativa.

— Eu sou o robô?

— Bem, ainda parece um pouco, quando trabalha sem parar,


parecendo que não se cansa, mas no fundo tem um coração fofo. —
Falou ao sentar em meu colo.

Elisa era uma pessoa que realmente se entregava a alguém e


estava gostando de ser correspondido dessa vez.
Capítulo 33 — Elisabete
Não pude ficar chateada com Henrique por ele não ter falado
tudo sobre o que sentia em relação ao seu dia. Ele tinha o direito de
dizer ou não, mas o fato de Serena saber mais sobre meu
namorado do que eu, me irritou.

Quando nos conhecemos, a mulher foi bastante simpática, mas


foi só descobrir sobre um possível relacionamento com Henrique
que ela não olhava na minha cara da mesma forma.

Achei estranho, porém deixei passar, pois não posso agradar a


todos, e achava que ela pensava algo errado sobre mim, já que em
menos de um mês assumimos um relacionamento, no entanto,
ainda achava estranho seu comportamento com Henrique. Claro
que eles são amigos há muito tempo e têm certa intimidade,
entretanto, aquele abraço me fez ficar com a pulga a trás da orelha.

— Você nunca foi tão ciumenta. — Disse Mariana comendo sua


torrada, em cima da bancada. – Acredito que isso é amor
verdadeiro.

Como sempre, Mariana estava me importunando. Olhei para a


baixinha com olhos cerrados, desejando que ela calasse a boca.

— Sei que Henrique é muito diferente do idiota do Miguel, mas


conheço uma mulher quando está interessada em um homem e
Serena age como se tivesse interesse além da amizade com
Henrique. — Disse apontando a colher que estava segurando. —
Não vou deixar que esse sentimento me consuma, e nem vou
arranjar briga devido a um homem, porém ficarei de olho.

— É isso aí, irmã.

Terminei de me arrumar para sair de casa. Hoje as coisas seriam


diferentes. Era o que eu esperava.
Eu estava feliz com a minha relação com Henrique, mas ontem,
quando sua mãe apareceu na agência, um frio na espinha percorreu
o meu corpo como se a mulher fosse a personificação do próprio
capeta.

Era óbvio que teríamos que nos suportar, porém ela não ajudaria
muito, já que Catarina parecia ser uma mulher bastante
preconceituosa com as pessoas de classe inferior.

Pegar ônibus era sempre uma aventura. Eu ganhava bem na


agência e poderia financiar um carro, o problema era que eu tinha
pânico de dirigir e nunca tirei a habilitação.

Algumas vezes ia para o trabalho de Uber, no entanto, o tráfego


na capital era horrível e pegar um engarrafamento não estava na
minha lista. Pelo menos os ônibus tinham suas vias particulares, e
mesmo com a lotação, era a melhor opção.

Henrique sempre insistia em dizer que gostaria de vir me buscar,


porém, ainda estamos querendo deixar nosso relacionamento na
encolha, até sentirmos que já podemos revelar, e o meu ex vindo
me buscar todos os dias em casa, acabaria apressando as coisas,
pois as pessoas daquele escritório pareciam um bando de senhoras
fofoqueiras.

Judi parece madrugar no trabalho, e assim que passei pela porta


ela correu para junto de mim parecendo preocupada.

— Tem algo errado. — Disse com o cenho franzido. — Sei que


vocês não estão mais juntos, e que o grande culpado disso é ele,
mas eu tinha uma esperança, lá no fundo.

— Do que está falando? — Perguntei assustada.

— O chefe. — Ela fez uma pausa dramática e nesse momento


desejei pega-la e sacudi-la para que a mulher abrisse o bico. — Ele
me pediu para reservar um jantar hoje com alguém em um dos
melhores restaurantes da cidade.

Tranquilizei-me depois que ela finalmente falou. Provavelmente


seria um jantar comigo. Claro que a coitada da Judi não fazia ideia,
e achei fofo ela se preocupar comigo.

— Tudo bem, Judi. — Falei com um meio sorriso. — Talvez nem


seja nada tão sério. Pode ser um jantar com a mãe, um amigo, ou
até mesmo de negócio. Sabe como Henrique é maluco por trabalho.
— Disse calma, voltando a caminhar para a minha sala. — Aliás,
não estamos mais juntos.

Eu já disse odiar mentir, e odiei falar isso.

— Vocês faziam um casal tão lindo. — Falou e tive a impressão


de que ela estava contendo as lágrimas. — Desde que você
chegou, tudo ficou tão mais… calmo. — Sim, ela estava tentando
não chorar. Eu só pude ficar parada a ouvindo. — Você mudou
aquele homem. Ele estava tão feliz, e nunca mais gritou ou tornou a
vida de todos aqui dentro um inferno. A não ser naquele dia que
quase perdemos o contrato com o senhor Artur.

Tive que conter o sorriso para que ela não visse quanto me
deixou feliz e animada. Era verdade que o homem tinha melhorado
muito, mas sabia que a qualquer momento poderia explodir.

— Não exagere, Henrique, apesar de grosso e arrogante é uma


ótima pessoa. — Falei.

Quando virei para olhar Judi novamente que estava parada na


porta. Uma silhueta passou pelo corredor. Não deu para ver quem
era, mas tinha cabelos loiros e era bem alta.

Era normal os funcionários passarem para falar com o chefe, por


isso não achei estranho.
Continuamos a conversa e ouvi vários lamentos da secretária
que temia por sua saúde mental no local de trabalho. Já estive em
seu lugar.

— Fica calma, Judi, acredito que Henrique não volte a ser como
antes. Ele só é um homem estressado, mas se for rude com você,
não permita. — Disse segura de si. Quando cheguei aqui, também
passei pelo estágio de terror com o chefe, e continuaríamos
passando se eu não tomasse a atitude. — Sei que ele é o chefe, no
entanto, não deve baixar a cabeça para tudo.

Depois que ela foi embora, esperei mais alguns minutos para ir
ao escritório dele. Sabia que o chefe já estava em sua sala, no
entanto, assim que me aproximei ouvi uma voz feminina, que não
era de nenhuma funcionária da empresa.

Abri a porta aos poucos e fiquei em choque ao ver Amanda e


Henrique abraçados. Sua expressão era confusa, mas minha
cabeça só voltava ao dia em que Miguel me traiu.

Não sei se adquiri um trauma, mas era assim que eu justificava a


minha raiva ao entrar pela porta e surpreender o homem.

— Elisa! — Disse com um sorriso nervoso. — Ainda bem que


você chegou. Acredito que possa ajudar a Amanda com essa
questão.

Parei no meio do caminho, achando as suas palavras estranhas.

— O quê?! — Ela protestou. — Mas eu vim aqui para falar com


você.

— Sinto muito, tenho muito trabalho. — Falou se afastando.

Parecia que meu cérebro estava travado, pois entrei aqui


desejando mata-lo e agora estava confusa com a sua reação. A
mulher olhou para mim com desprezo.
— Como vou ajudar a Amanda? — Questionei com o cenho
franzido.

— Rodolfo deu um pé na bunda dela. — Disse despreocupado,


deu para ver o começo de um sorriso se formando em seu rosto.

— Henrique! — A loira reclamou chocada.

— Amanda, acredito que o mundo dê voltas. — Disse com um


sorriso de satisfação. — Há dez anos atrás você terminou comigo
para ficar com outro, agora está sendo largada pelo mesmo motivo.
Não sei o que veio fazer aqui, sabendo que não a suporto.

— Achei que tinha superado isso.

— Eu superei. — Disse olhando para mim. — Achei alguém mil


vezes melhor do que você.

Senti uma sensação boa e melhorou mais ainda quando vi a


expressão de raiva no rosto da mocreia.

— O que posso fazer para ajudá-la? — Perguntei com um


sorriso no rosto.

— Pode mostra-la a saída.


Capítulo 34 — Henrique
Não posso negar que fiquei um pouco feliz com o que aconteceu
com Amanda. Isso me fazia ser frio e insensível, talvez, mas já
estava na hora daquela mulher descer do pedestal em que ela se
colocou.

Era muita cara-de-pau vir até aqui chorar em meu ombro. Na


verdade, quando a mulher entrou pela porta em prantos, fiquei
assustado, e logo foi se agarrando a mim, contando o ocorrido.

Pelo que entendi, Rodolfo tinha a deixado para ficar com uma
morena de 25 anos, o que me deixou surpreso, já que ele parecia a
amar muito.

Fiquei muito mais aliviado quando Elisa apareceu e pude me


soltar das garras da loira.

Quando Amanda saiu, voltei a ficar tranquilo. Sempre que a


mulher aparecia, minha paciência esgotava. Ainda bem que agora
eu tinha Elisabete, ela realmente tinha um feitiço sobre mim, pois o
mundo poderia cair sobre a minha cabeça e desestabilizar a minha
vida, mas só bastava um minuto ao seu lado para esquecer-se dos
problemas e voltar a ser feliz.

Hoje eu tinha planejado um jantar, entretanto, depois do que


aconteceu, foi difícil achar um momento em que nós dois
estivéssemos a sós.

Quando o final do dia chegou, eu ainda estava trancado no


escritório, e mais uma vez não consegui falar com a morena,
mesmo ela sendo minha assistente.

Eu não queria ter que mandar uma mensagem de texto a


convidando para um jantar romântico. As coisas deveriam estar em
uma situação melhor que essa. Sei que concordamos em deixar
nosso relacionamento mais restrito, porém, isso não estava me
agradando muito.

Acabei decidindo que iria até sua casa, assim não precisaria
recorrer a algo tão fácil quanto o celular.

***

Eu não sabia se sua irmã já estava em casa, pois sabia que ela
sempre estava em viagens. Sempre que nos encontrávamos,
Mariana gostava de ser irônica em relação ao nosso
relacionamento, mas agora que tudo era real, ainda não tínhamos
nos encontrado.

Tive que percorrer um corredor, antes de chegar ao apartamento,


e assim que virei a imagem de Fábio me fez ficar paralisado.

Ele estava encostado na parede com um sorriso no rosto e


Elisabete também estava sorrindo. Meu sangue começou a
esquentar e minha cabeça ficou nebulosa com a raiva e o ciúme.

Caminhei até eles, e pude ver a surpresa no rosto dela, assim


que me aproximei.

— O que está acontecendo aqui? — Perguntei irritado.

Fábio, que antes parecia relaxado conversando com a minha


namorada, agora tomou uma postura mais firme.

— O que você está fazendo o aqui?! — Questionou raivoso.

— Henrique, calma. — Pediu Elisa com um sorriso nervoso no


rosto.

Olhei para a morena, bastante chateado. Sei que não tenho


direito de ditar com quem ela deve ou não sair, mas Fábio não era
qualquer um, ele era o meu rival. Em tudo, desde a faculdade.
Sua surpresa em me ver aqui, não me convenceu. Ele sempre
caçava oportunidades de estragar a minha vida e aposto que ele
sabia sobre mim e Elisabete.

— Por que esse homem está aqui, Elisabete? — Questionei


diretamente a ela, não querendo nem olhar para o idiota.

— Falei a você que éramos amigos naquele dia. — lembrou-me.

— E eu disse o quanto me desagrado. — Disse ainda mais puto.

— Achei que tivessem terminado. — Ele se pronunciou.

Era bem claro, na verdade. Nosso relacionamento foi exposto na


mídia, e como o imbecil vivia me perseguindo, sabia sobre nós dois.
Era possível que ela poderia ter dito algo no período em que
estávamos separados, mas sua intromissão em nosso romance
estava me levando ao limite.

— Acho melhor que vá embora. — Ela disse a ele.

Eu não queria fazer uma cena na porta da minha namorada,


porém, não suportaria essa situação por muito tempo

— Deveria tomar cuidado com quem sai, Elisa. — Disse se


referindo a mim.

Nunca tive tanto autocontrole na vida. Sabia que Fábio só estava


fazendo isso para me provocar e eu não deveria cair no seu jogo.

— Vai embora antes que eu arrebente a sua cara. — Falei entre


os dentes.

Ficamos frente a frente, nos encarando. Poderia perder a linha e


acabar com ele, mas seria péssimo fazer isso na frente dela.
— Já chega, não quero brigas aqui. – Falou ficando entre nós. –
Deve ir logo, por favor.

Pensei que teria que o expulsar, no entanto, o homem saiu por


vontade própria. Eu nunca tive tanto autocontrole na vida. Não
queria chateá-la, porém, também estava muito irritado com a
situação.

Elisabete

Eu não fazia ideia de que ele viria, e nem que os dois


apareceriam na minha porta do nada. Quando a campainha tocou,
fiquei surpresa ao ver Fábio.

Eu nunca o convidei para vir até aqui, e achei sua vinda muito
estranha. Ele tinha me chamado para sair, e tive que recusar
bastante. Claro que Fábio era alguém engraçado e nossas
conversas muito interessantes, mas já sabia da rivalidade entre
eles.

Quando Henrique apareceu, eu estava tentando arranjar uma


desculpa para dar, e acredito que demorei demais. Não gosto de
brigas, muito menos de estar entre duas pessoas, por isso tentei
amenizar as coisas.

Em um momento, senti que Henrique estava a ponto de soca-lo,


e sabia que Fábio estava o provocando. Odiava falar sobre minha
vida pessoal para as pessoas, e não falaria nada para ele sobre
mim e Henrique.

Lá no fundo, estava começando a achar que o bonitão que


conheci em Fernando de Noronha estava fazendo tudo de caso
pensado, porém, odiaria descobrir que estava sendo usada para
provocar meu namorado.

Assim que ele se foi, vi Henrique andar de um lado para o outro,


claramente nervoso. Eu já conhecia muitas coisas sobre Henrique, e
sabia que ele queria dizer algo, porém, estava receoso.

— Tudo bem, você pode falar. Eu sei que está chateado. — Falei
abrindo passagem para que ele entrasse.

Uma coisa que me agradava nesse lugar era que não tínhamos
vizinhos fofoqueiros, mas era óbvio que se algum barraco
acontecesse na frente do apartamento, todos iriam falar.

Assim que fechei a porta, Henrique se virou para mim, colocando


a mão na cintura.

— Você sabe que eu não tenho direito algum de te proibir de vê-


lo. — Balancei a cabeça confirmando. — E sabe que os meus
sentimentos por você vão além de qualquer coisa. — Novamente
confirmei com a cabeça e um sorriso no rosto. — No entanto, eu
odeio aquele homem e claramente ele quer acabar com o que
temos.

— Não pode afirmar isso, porém, achei estranha a sua atitude.


— Disse me aproximando.

Não era a intensão deixa-lo irritado. Nosso início foi bem


conturbado e não queria voltar a discutir por tudo.

— Você é boa demais e não vê más intenções nas pessoas, mas


conheço-o há muito mais tempo do que você, e sei do que estou
falando. — Ele disse ficando novamente inquieto.

— Nada vai mudar o que sinto por você. — Afirmei.

— Talvez. — Ele estava de cabeça baixa e sabia que várias


coisas se passavam em sua cabeça.

— Você confia em mim? — Perguntei levantando o seu queixo.


— Sabe o que eu sinto, e nunca deixaria que nada ficasse entre
nós. Não quero brigar com você por causa dele ou de qualquer
outra pessoa.

— Planejei um jantar para nós, mas penso que não estou mais
no clima. — Falou desanimado.

Não queria que ele fosse embora. Não queria vê-lo triste. Tive
que pensar rápido e propor algo simples, mas que nos mantivesse
juntos.

— Que tal um filme e pipoca? — Sugeri animada. — Podemos


aproveitar a companhia um do outro. E o melhor, não tem ninguém
observando se quisermos desligar a TV e fazer outra coisa.

Finalmente vi um sorriso em seu rosto, algo que o deixava ainda


mais lindo. Assim como eu poderia ficar com ciúmes da Serena e
até da vadia da Amanda, ele também ficaria. Claro que tudo tomava
altas proporções quando envolvia Fábio.

Eu estava em um impasse.

Manter minha amizade com ele, tendo em risco a minha relação


com Henrique, ou deixar de vê-lo para não ficar pisando em ovos
com o meu namorado.
Capítulo 35 — Elisabete
Depois daquele episódio conturbado com Fábio e Henrique, meu
namorado estava um pouco retido. Senti-me mal por isso, pois,
sabia que involuntariamente era culpada pelo que aconteceu. Eu
deveria respeitar os sentimentos dele, assim como ele faz comigo.
Sabia que ainda existia insegurança dentro de Henrique e isso
poderia fazê-lo mudar de ideia em relação a nós.

Passei a noite pensando e decidi que os sentimentos que sentia


por ele era muito maior e importante, e que mesmo Fábio sendo
uma boa pessoa, aparentemente, eles tinham uma rivalidade e não
seria eu que ficaria no meio disso.

Deixei isso claro quando mandei mensagens para ele e sua


resposta me deixou pensativa.

“Você irá se arrepender, docinho. ”

Não sabia do que ele estava falando, mas se fosse em relação a


Henrique eu não ligaria. Conheci o homem rude, grosso e arrogante
que só pensava em trabalho. Depois, descobri seu interior que era
totalmente diferente do que se tinha por fora.

Eu me apaixonei pelos dois lados, mesmo que me irrite às vezes


as suas grosserias, ninguém era perfeito. Não sou nenhum anjo e
também tenho os meus defeitos, e Henrique gosta disso também.
Não podia deixar que nada e nem ninguém ficasse no meio de nós,
e isso valia para Fábio.

— Você parece meio aérea hoje. — Disse Mariana que acabou


de chegar de Porto de Galinhas.

— Ontem meio que rolou uma briga aqui na porta de casa, a


culpa foi minha. — Disse ainda pensando no ocorrido.
— Você brigou com o chefe gostosão? — Perguntou sentando
quase às pressas na cadeira à minha frente.

— Não exatamente, mas Fábio apareceu do nada e Henrique


chegou bem na hora.

Não havia nada de emocionante no meu relato, porém, minha


irmã parecia estar escutando algo bastante interessante e cheio de
alegria.

— Dois gostosos brigando por você. — Disse achando


fenomenal. — Que evolução. Eu te falei que só era se livrar daquele
encosto do Miguel que a sua vida dava um salto.

— Mariana, isso não tem graça, meu namorado ficou muito


chateado com a situação. Eu te disse que eles se odeiam. — Falei
irritada, levantando-me.

— Isso só deixa a história melhor ainda. — Disse com um


sorriso. — Quer dizer que ele te ama de verdade. Sabe, eu acho
que precisava de um rival para o cara abrir os olhos.

Era verdade que não teríamos voltado se não fosse pela


existência de Fábio em minha vida, e isso só comprova o quanto o
homem era teimoso e turrão, porém, por duas vezes Fábio incitou a
dúvida na minha cabeça e não desejo que isso volte a acontecer.

— Não importa, não quero brigar com Henrique e nem quero ter
o “rival” dele me cercando. — Disse voltando ao quarto para me
arrumar.

— Podemos rachar um Uber hoje?

— Pensei que iria descansar já que acabou de chegar. —


Questionei.

— Vou descansar de outra forma.


O que isso queria dizer, que ela tinha um compromisso com
alguém?

Eu não costumava interrogar a minha irmã em relação a sua vida


pessoal, mas isso não queria dizer que eu não ficava curiosa.

— Está saindo com alguém? — Perguntei aproximando-me com


os olhos cerrados.

— Talvez. — Respondeu com um sorriso bocó no rosto.

— Conheço essa pessoa?

Ela não me respondeu de cara, ficou me encarando como se


pensasse na resposta. Seja lá quem fosse, a coisa deveria ser
complicada.

— Não, mas acredito que vai.

***

Já prontas, minha irmã e eu íamos pedir um Uber quando


saímos do prédio e vimos Henrique estacionado não muito longe,
encostado no capô usando seus óculos escuros característicos que
me deixava bastante atraída pelo homem.

Ainda não sabia como conseguira ganhar alguém como ele. Há


alguns meses, Henrique era conhecido como o chefe frio que fugia
de relacionamentos, e agora estava me esperando como um
namorado prestativo.

— Cunhado. — Disse minha irmã super animada, assim que


ficamos frente a frente com ele. — Você não sabe o quanto senti
sua falta.

Ele sorriu da sua brincadeira, já eu, achava suas piadas bem


irritantes, porém, sabia que esse era o seu jeito.
— Senti sua falta, Mariana, mesmo não tendo passado muito
tempo ao seu lado. — Ele disse afastando-se do carro.

— Isso tem que mudar, cunhado, temos que conversar sobre


suas intensões com a minha irmã.

— Mariana, não começa. — Ameacei.

— Sua irmã está certa, por isso convido as duas para um jantar
na minha casa hoje.

Fiquei surpresa com o convite, pois não era típico da


personalidade dele fazer isso.

— Sério? — Perguntei ainda sem acreditar. — Não está


delirando?

Seu sorriso se ampliou e o homem beijou minha testa,


abraçando-me.

— Sua irmã vai acabar pensando que sou algum problemático,


falando desse jeito.

— É Elisabete, seu namorado não é um problemático, ele só


quer formar um laço familiar. — Ela disse me olhando estranho. —
Sei que veio buscar a princesa aqui, mas será que pode me deixar
no caminho?

Uma coisa sobre a minha irmã que me irritava, ela não tinha
vergonha de ser indelicada, irritante e muitos outros adjetivos que a
fazia ser Mariana.

Havia outra coisa que eu estava achando estranho. Desde que


voltamos como namorados de verdade, nós não aparecíamos na
empresa juntos e agora, do nada, ele resolveu vir me buscar sem
me comunicar.
Concordamos em manter tudo só entre nós, até que ele tivesse
certeza dos seus sentimentos. Claro que isso me deixava insegura,
no entanto, cada pessoa tinha o seu tempo e eu teria que respeitar.

Mariana passou todo o caminho até o seu destino falando e


Falando. Ela era bem mais tagarela que eu, e acreditava que isso
estava começando a irritar Henrique, porém, ele estava parecendo
bastante alegre com as bobagens que ela falava.

Às vezes até eu me sentia cansada com a sua energia. Quando


crianças, pensávamos que a garota era hiperativa e tivemos que
achar atividades para que ela gastasse toda a energia que tinha.

Por isso ela tinha muita disposição para trabalhar com turismo.
Sempre estava em festas e trilhas. Eu amava a minha irmã e sem
ela eu não teria conseguido me reerguer após cair de tão alto.

Quando Mariana desceu, ainda sobrou um tempo para ela ser


provocadora como sempre. Eu ainda estava impressionada com o
bom humor dele depois do que acontecera.

Na noite anterior, eu quis que ele ficasse, no entanto, não


consegui convence-lo. Acredito que haja muita coisa para se
descobrir sobre ele.

Seguimos o nosso caminho e sentia a minha língua coçar com


as perguntas que rondavam a minha cabeça. Sabia que não teria a
oportunidade de fazê-las depois que chegássemos à agência.

— Você está bem hoje? — Finalmente perguntei.

— Claro. — Respondeu parecendo animado. — Por quê?

— Você pareceu chateado ontem, mesmo depois que Fábio foi


embora, e hoje veio me buscar e nem se irritou com as perguntas da
minha irmã. — Questionei ainda preocupada.
— Não gostaria de lembrar-me daquele idiota agora, mas não se
preocupe, estou bem. — Ele disse prestando atenção no trânsito. —
Na verdade, fui para casa porque queria pensar em nós. — Senti
meu coração gelar com as suas palavras. – Penso que está na hora
de parar de nos esconder. Eu não suporto mais ter você tão próximo
e não poder expressar o que sinto só porque outras pessoas estão
ao nosso redor.

Meu corpo relaxou instantaneamente com a sua explicação.


Consegui respirar direito sem que minha cabeça pensasse em
milhares de coisas e teorias.

— Penso que está certo. — Falei tranquila. — Então não teme


mais os seus sentimentos?

Mal notei que já tínhamos estacionado. Não saímos do carro e


Henrique não olhava para mim depois da minha pergunta.

— Sabe, Elisa, eu temo muita coisa, mas não o que sinto por
você. — Falou retirando os óculos. — Tenho medo que você me
deixe, que outras pessoas nos separem e que eu estrague tudo com
os meus medos. — Eu gostava desse lado revelador dele, pois
conseguia vê-lo como alguém comum que se igualava a mim. —
Ainda acredito que não a mereço, pois é alguém incrível e que gosta
de mim mesmo eu sendo um completo idiota. — Achei graça dessa
parte e não contive o sorriso. — Porém, não vou deixar que todas as
inseguranças nos atrapalhe, eu não quero mais esconder o que
sinto por você e isso significa não esconder mais. Se alguém tiver
algo contra nós, não é problema nosso. Nem minha mãe, nem Fábio
conseguirão nos separar, Elisabete, eu não vou permitir.

Não aguentei a felicidade em ouvir tudo isso dele e me


impulsionei para beija-lo. Não me importava se tinham pessoas nos
observando.
Não podíamos ficar do lado de fora para sempre, e mesmo
sentindo minha pressão cardíaca nas alturas com a expectativa,
entramos pela porta de mãos dadas.

Era óbvio a minha alegria e os primeiros olhares que recebemos,


foram de surpresa. Judi estava de boca aberta. Não paramos para
nada. Como sempre, o chefe estava sério. Seguimos direto para
nossas salas, onde nos separamos.

Não demorou muito para que a secretária entrasse pela minha


porta, pulando de felicidade.

— Deus ouviu as minhas preces. — Ela disse com um grande


sorriso no rosto. — Não vou precisar me demitir.

— Não exagere. — Pedi encostando-me à cadeira.

— Então aquela reserva de ontem era para vocês. — Ela


questionou com a mão no queixo, pensativa. — E não me disse
nada. Deixou-me surtar bem na sua frente.

— Desculpe, Judi, mas não podia dizer nada.

— Tudo bem, o que importa é que você conseguiu transformar a


fera em príncipe e todos seremos felizes para sempre.

Rimos muito com suas loucuras. Judi era a melhor pessoa desse
escritório. Ela era alegre, companheira e carinhosa. Lembrava-se de
todas as datas comemorativas e sempre estava disposta a ajudar a
todos.

Eu tinha que começar a trabalhar. Estava desenhando objetos


para o novo provejo da empresa e deveria terminar os novos
esboços rápido, pois seriam avaliados por Henrique. Essa era uma
parte boa do trabalho. Ficaríamos lado a lado, e agora, não
precisaríamos fingir estarmos separados.
Assim que terminei o primeiro vazo, arranjei uma desculpa para
vê-lo. Eu estava animada, e já fazia um tempo que isso não
acontecia dentro desse escritório.

A porta estava entreaberta, algo que não acontecia muito, então


dei uma olhada para saber se ele estava no local, mas não estava
preparada para ver Serena praticamente sentada no colo do meu
namorado.
Capítulo 36 — Henrique
Eu estava decidido a mudar de postura e deixar meus medos
para trás. Querendo ou não, o idiota do Fábio me fez ver que se eu
não mudasse, poderia perder a mulher que amo e não poderia
deixar que isso acontecesse.

Passei tempo demais evitando me apaixonar e justo quando não


era para acontecer, aconteceu. Elisabete foi uma bela surpresa, e
mesmo ainda sentindo culpa pelo passado, não poderia deixa-la
escapar.

Nunca senti o que sinto por ela, nem mesmo meu período com
Amanda me fez querer tanto alguém.

Eu precisava me permitir a aproximar-me mais das pessoas, e


isso incluía a irmã maluca e engraçada da minha namorada. Por
incrível que pareça, realmente gostava da mulher tagarela.

Ao entrar no escritório com Elisa, sabia que essa fofoca chegaria


à minha mãe e tinha que estar preparado para tudo. Já tinha me
decidido que nada e nem ninguém mudaria essa situação, nem
mesmo minha mãe.

Nunca fui tão distante dos negócios como estava sendo agora. O
impressionante era que isso não me incomodava mais. O trabalho
sempre foi o que me distraía da vida solitária e me sentia bem
trabalhando e conseguindo meu prestígio nos negócios, porém,
minha vida não podia se resumir a isso. Eu desejava algo mais e
agora tinha isso.

Ela estava há poucos metros de mim e a todo o momento eu


desejava sair daqui e ir até lá, no entanto, sabia que existiriam muito
mais oportunidades para ficar a seu lado.
O início da manhã foi calmo, e sabia que isso não iria
permanecer por muito tempo. Uma pessoa que exerce a função de
chefe, nunca escapa de problemas repentinos.

Eu estava distraído quando Serena entrou na sala e sentou-se


em cima da mesa. Estranhei essa sua atitude, pois ela nunca fizera
e estava achando estranho. Sempre gostei de manter uma boa
distância das pessoas, por isso sempre evitava abraços. Claro que
essa regra não valia para Elisabete, pois quanto mais próxima a
mim, melhor, mas meus amigos de longa data, sabiam desse meu
desagrado. No entanto, estava curioso para saber o que a loira
queria.

— A reunião com nossos investidores, está marcada para


amanhã bem cedo. — Diz com um sorriso no rosto.

Ainda buscava explicação para tanta alegria e aproximação.


Serena estava estranha e isso me deixava confuso.

— Ok. — Disse franzindo o cenho. — Mais alguma coisa.

— Queria convida-lo para almoçar comigo. — Disse bastante


animada. Serena se aproximava ainda mais de mim e eu estava
odiando essa invasão de espaço. — Henrique, eu gostaria de
conversar com você.

— Podemos fazer isso agora. — Disse encostando-me à


cadeira. — Porque está agindo tão estranho, e, por favor, sente-se
na cadeira.

Ela não me obedeceu rapidamente, só me encarou por bastante


tempo, e comecei a interpretar mal as suas ações.

— Por que é tão frio comigo? — Questionou-me finalmente


levantando e afastando-se. — Não precisou de muito para gostar
das investidas da assistente.
Fiquei surpreso com a sua ousadia, pois nunca acontecera
antes.

— Desculpe, o que disse? — Perguntei cerrando os olhos.

— Você ainda não percebeu o que estou fazendo aqui? —


Questionou-me como se fosse óbvio.

— Explique melhor. — Pedi.

— Henrique, sei que às vezes você parece não ter sentimentos,


mas não está claro que quero algo a mais? — Essa me pegou
desprevenido. Eu não sabia o que dizer ou o que achar da situação.
Serena só podia estar louca. — Sei que somos amigos há anos,
mas não quero continuar assim. — Continuou se aproximando
novamente. — Você é o cara que gosto há anos, porém, nunca tive
coragem de falar.

Tive que levantar-me do lugar para processar toda a informação.


Eu sabia que o dia poderia trazer problemas, mas isso era algo que
eu não esperava.

— Serena. — Disse o mais calmo possível. — Eu… posso…


entender, no entanto, estaria mentindo se dissesse que sinto o
mesmo, pois não sinto.

— Eu sei, você é um homem diferente e não gosta de


sentimentalismo, por isso terminou tudo com aquela interesseira,
entretanto, não me importo com as suas condições. Sabe que sou a
ideal para você.

Tudo que eu imaginava sobre Serena caiu por terra. Ela era uma
mulher linda e inteligente, porém, não poderia imaginar que fosse
tão… não sei nem o que dizer sobre a mulher.

Alguns meses atrás, ela poderia ter minha atenção sobre isso,
mas agora, depois que encontrei Elisabete, não era mais o que eu
desejava.

Como alguém poderia querer uma vida ao lado de quem nunca a


amaria?

Como essa pessoa seria feliz?

— Serena, nos conhecemos há anos e sei que era isso que eu


desejava no passado. Ainda é difícil lidar com os sentimentos, no
entanto, não me vejo casado com alguém que amaria pelos dois. —
Disse tentando faze-la compreender. — Você é uma linda mulher,
com uma carreira brilhante, pode achar alguém que a ame de
verdade.

— Amor? — Ela me olhava como se eu fosse uma espécie


estranha ou que estivesse falando alguma atrocidade. — Desde
quando você fala essa palavra dessa forma, como se não fosse
nada ruim.

— Desde quando aceitei que até eu posso amar. — Disse com


um sorriso.

— Aquela vadia deixou a sua cabeça maluca. — Falou chateada


e chocada. — Aliás, por que ainda não a demitiu?

— Não vou permitir que fale dessa forma com relação à


Elisabete. — Disse mudando de expressão. Eu não permitiria que
Serena usasse palavras tão chulas para se referir a minha
namorada. – Estou tentando compreender e respeitar seus
sentimentos, mas não permitirei isso.

— Você a ama!

Sua afirmação chocou mais ela do que a mim. Era maluco


pensar que alguns meses atrás eu iria ficar irritado se alguém
falasse tais coisas, mas agora isso só me fazia feliz.
— Serena, não quero perder sua amizade, no entanto, nada
além do profissional acontecerá entre nós e espero que respeite a
minha decisão e a minha namorada.

— Vocês dois reataram? — Perguntou chocada. — Como pude


ser tão burra? — A loira parecia estar transtornada e isso me
preocupava. — Quando decidi contratar aquela piranha, sabia que a
odiaria.

— Espera, o quê?!

— Era óbvio que você não iria querer alguém como ela, sem
experiência e que tinha uma boca tão suja. Sim, ela era bonita, mas
eu pensava que você teria tanta raiva da vadia que não olharia para
ela. — Sua revelação me chocou bastante e tive vontade de
expulsa-la da minha sala. — Cometi um erro. Claramente ela estava
de olho em outro cargo, o de sua amante.

— JÁ CHEGA! — Eu não costumava gritar com as pessoas, a


não ser quando perdia a cabeça. Serena passou de todos os limites
e não continuaria ouvido as suas barbaridades calado. — Você sairá
da minha sala e dessa empresa. Não importa o quanto é boa nos
recursos humanos, encontrarei outro que seja, mas não vou
continuar com alguém que não respeita as minhas decisões, e pior,
desrespeita um funcionário na minha frente.

— Você não pode fazer isso. — Disse chocada.

— Sou o dono dessa empresa, é claro que posso.


Capítulo 37 — Elisabete
Minha mãe sempre dizia que ouvir atrás da porta uma conversa
que não era comigo, era muito errado. Porém, naquele momento
expulsei a imagem da minha mãe da minha cabeça e ouvi cada
palavra que foi dita naquela sala.

Primeiro achei que pisei em cocô de vaca, para ser tão azarada
e ter rios de mulheres atrás do meu namorado, mas depois fui
invadida por um sentimento de orgulho e de alegria que nem podia
descrever.

Agora eu estava me sentindo como uma criança que ganhou de


presente o brinquedo que mais queria. O sorriso bobo em meu rosto
demoraria muito tempo para me abandonar.

Antes que a mocreia, que acabara de ser demitida, saísse, corri


para dentro da minha sala e me fiz de inocente, para que ela não
soubesse que eu ouvira toda a conversa.

Não demorou muito para que Henrique entrasse pela porta. Ele
estava claramente chateado, mas nem pude disfarçar o sorriso.

— Por que está com essa cara? — Perguntei aproximando-me


dele.

— Acabei de demitir a Serena. — Disse e respirou pesado.

Eu sabia que isso o chateava, pois eles eram amigos há anos.


No entanto, não iria me sentir mal por ela ter sido demitida. Serena
mereceu.

Não pude falar o que estava pensando e Henrique não entrou


em detalhes sobre o porquê. Talvez ele não quisesse que eu ficasse
chateada. Ele mal sabia que ouvi tudo, e estava bastante feliz por
vê-lo me defendendo.
Voltamos a nossos afazeres na empresa e o silêncio na agência
me perturbava. Todos estavam ocupados com os seus trabalhos,
mas hora ou outra, ouviam-se cochichos, e podia apostar sobre o
que seria.

Fui ao banheiro e minha felicidade diminuiu bruscamente ao


encontrar a víbora fura olho. Tentei a ignorar, porém, a mulher
estava disposta a me provocar.

— Deve estar feliz. — Disse olhando-me pelo reflexo do espelho.


Serena passava seu batom vermelho chamativo e não parecia muito
abalada com o que aconteceu. — Além de ter conseguido prender o
chefe rico no seu feitiço, também se livrou da concorrência.

Eu já esperava que as pessoas jogassem a diferença de classe


entre mim e Henrique na minha cara, mas isso não diminuiu a raiva
que estava sentindo ao ouvir isso.

— Você nunca foi minha concorrente no fim das contas. — Falei,


ajeitando minha blusa amassada no espelho. — Além do mais, não
estou aqui por estar interessada no dinheiro dele, se ele não o
tivesse o amaria da mesma forma.

— Sei. — Disse cética. — Porque você é uma mulher humilde,


que adora ser pobre e se vestir como uma vadia.

Ela estava querendo me provocar, no entanto, eu não daria o


que ela esperava.

— Pelo menos tenho mais dignidade do que você, que se propôs


casar-se com ele mesmo sabendo que Henrique não a amaria. —
Joguei despreocupada.

Eu não precisava brigar com ninguém devido a um homem.


Claro que sentia ciúmes, mas confiava nele. Agora mais que nunca.
A loira deu uma gargalhada sarcástica que ecoou pelo ambiente.

— Henrique pode ter me rejeitado agora por você. Entretanto, sei


que ele verá que você não vale a pena. Se pensa que você vai
conseguir ser uma Vilella e ter as regalias que ele pode te propor,
está muito enganada. Assim como ele enjoou de Anastácia, fará o
mesmo com você. Além disso, Catarina nunca irá permitir que
alguém como você entre para a família dela. Quanto a Henrique, ele
irá se arrepender de ter me demitido e escolhido você.

Acredito que Serena nunca foi rejeitada antes, e agora estava


com muita raiva. Eu não me importaria com o seu veneno, sabia ser
tudo mentira.

***

A maldita conseguiu tirar toda a minha alegria no trabalho. As


suas palavras ainda estavam na minha cabeça, depois que o dia
terminou e antes de chegar em casa para me arrumar e buscar a
minha irmã, rezei para que Deus me ajudasse a não continuar assim
o resto da noite.

Eu não era insegura, tinha certeza dos sentimentos de Henrique


por mim. Ele não demitiria uma funcionaria excelente e uma amiga
de muitos anos, se não me amasse de verdade.

Claro que ele nunca falou essas palavras diretamente para mim,
e sabia que deveria ser difícil para o homem revelar tal coisa
quando ainda sentia um sentimento de desmerecimento dentro dele.

Respirei fundo e entrei no apartamento que estava uma zona.


Minha irmã era bem bagunceira. Havia roupas espalhadas pela
casa, e parecia que ela jogou tudo do guarda-roupa no meio da
sala.

— O que está acontecendo aqui? — Perguntei ainda espantada


com o que via.
— Graças a Deus, você chegou. — Disse correndo até onde
estava. — Você tem que me ajudar a escolher o que vestir.

— Achei estar botando as roupas para doação. — Disse irônica.

— Deixa para brincar depois, Elisabete, agora preciso que


escolha entre o vestido verde com tiras em x nas costas ou o
amarelo simples de manga. — Disse colocando os dois modelos na
minha frente.

Minha Irmã nunca foi tão exagerada. Ela sempre sabia o que
vestir e sempre ficava linda.

— Os dois são lindos.

— Isso eu sei, só escolha um. — Falou irritada.

Revirei os olhos e cruzei os braços demorando o máximo


possível para que ela ficasse ainda mais chateada.

— O amarelo.

— Ótimo, vou vestir o verde. — Disse jogando o outro no sofá.

— Se era para vestir o verde, por que pediu para que eu


escolhesse? — Perguntei irritada.

— Você usaria o amarelo? — Questionou dando meia volta.

— Claro.

— Exato, ele é seu estilo, não o meu, por isso o verde.

Eu não queria discutir, por isso deixei para lá. Já bastava Serena
ter me provocado mais cedo, eu não poderia enlouquecer com as
maluquices da minha irmã.
***

Pegamos um Uber para chegar à casa de Henrique. Eu não


sabia o que aconteceria nesse jantar, pois Mariana como visto lá em
casa, era uma maluca e qualquer coisa poderia acontecer.

Só rezava para que Henrique não ficasse desconfortável com as


suas perguntas.

— Mariana, hoje Henrique passou por uma situação estressante,


então não exagera nas perguntas e ironias. — A alertei.

— Que tipo de situação? — Perguntou levantando a


sobrancelha.

— Ele discutiu com uma vaca que queria se engraçar para cima
dele.

— Jura?

— Não faça perguntas sobre isso. — Pedi.

— Estou gostando ainda mais do meu cunhado. — Falou com


um sorriso no rosto. – Penso que isso vai dar em casamento.

Finalmente chegamos e eu mentiria se dissesse que não estava


nervosa. Era loucura, pois já estive aqui outras vezes.

Tocamos a campanhia e quando a porta foi aberta, tive uma


surpresa.

— Boa noite, senhoritas, é um prazer atende-las hoje. — Disse


um homem lindo de olhos castanhos e cabelos escuros.

Eu não o conhecia e fiquei desconfiada. Seu sorriso se ampliou


assim que seus olhos bateram na minha irmã. O curioso era notar
que Mariana não estava feliz. Ela parecia assustada, e desconfiei
que esses dois pudessem já se conhecer.
— Não importune as duas, Dominic. — Disse meu namorado ao
aparecer sobre os ombros do moreno, que era tão alto quanto o
irmão. — Deixe-as estrar.

Ele abriu passagem para que pudéssemos entrar, no entanto,


Mariana não se move do lugar.

— Mariana! — A chamei.
Capítulo 38 - Henrique
A noite começara estranha. Não bastasse ter me irritado no
trabalho e passado o dia pensando na loucura que Serena aprontou,
meu irmão voltou de Porto de galinhas e se convidando para a noite
que eu tinha planejado com Elisabete e Mariana.

Meu irmão sempre foi reservado, nunca fomos de brigar por


nada. Dominic se afastou de todos depois do acidente com Anna,
mas sempre nos comunicávamos. Sua repentina aparição me fez
pensar no motivo de sua volta. Geralmente somos nós que sempre
o visitamos em seu hotel.

Sem falar que Mariana ficou um pouco estranha quando o viu. A


mulher não era de ficar calada, acredito eu. Agora ela estava
sentada, sem dizer uma palavra.

— Porque sua irmã está tão… quieta? — Perguntei a Elisabete,


sussurrando em seu ouvido.

— Também não faço ideia. — Ela disse observando a irmã. -


Acredito que seu irmão a deixou nervosa, mas isso é estranho.

— Dominic não volta para casa há muito tempo, acredito que


tenha algo que eu ainda não saiba. — Comentei.

— Por que vocês dois estão cochichando? — Meu irmão


pergunta com os olhos cerrados.

Os dois nos observam curiosos, mas não se comunicaram entre


si. Desde que elas chegaram, Mariana foi a única que ignorou
Dominic.

— Estávamos comentando sobre vocês. — Falei e levei uma


cotovelada da minha namorada. — Ai, você é forte. — Reclamei. —
Por que vocês estão tão estranhos?
— Não é nada, cunhado. — Respondeu a baixinha.

— Podemos começar esse jantar ou não? — Perguntou o meu


irmão parecendo chateado.

Eu não queria importunar a vida do meu irmão mais novo, no


entanto, não pude deixar de notar sua reação estranha. Em outro
momento oportuno, eu iria fazer perguntas sobre essa situação
toda.

Pelo menos ao decorrer do jantar, o clima mudou um pouco.


Pudemos conversar e vi o sorriso e sarcasmo característico de
Mariana que me divertiu o jantar inteiro. Entretanto, o fim foi a
confirmação das minhas suspeitas. Meu irmão e Mariana tinham um
relacionamento. Estranho e embaraçoso que me deixou confuso,
mas sim, eles estão ou já estiveram juntos.

Enquanto as mulheres seguiram para o banheiro, tive a


oportunidade perfeita para questionar isso com Dominic. Pensando
bem, isso poderia ser uma coincidência muito bizarra.

— Você já dormiu com ela, não foi? — Perguntei ao me


aproximar.

Ouvi o suspiro pesado do meu irmão e tive certeza da minha


pergunta. Porém, isso era algo inacabado e meu irmão não era de
correr atrás de mulher nenhuma. Na verdade, ele era o tipo
engraçado e simpático, mas também era o cara que nunca se abria
para um relacionamento tão fácil.

— Não importa. — Respondeu seco.

— Meio que importa, Dom. Essa é a irmã da minha namorada, e


se meu irmão magoar a irmã dela, acredito que até para mim sobre.
— Disse servindo dois copos de bebidas. — Então começa a falar.
Como vocês se conheceram?
Não pude descrever como ele estava me olhando. Posso ser
reservado, mas Dominic era alguém além de mim, e acredito que
ele esteja lutando contra si, para me falar algo.

— Ela é guia turístico, e ocasionalmente iríamos nos encontrar.


Eu não fazia ideia de que era irmã da mulher que conseguiu te
enfeitiçar, mas agora consigo entender o porquê estou assim. —
Disse e bebeu um longo gole do whisky. — Foi o maldito concurso.
Ela participou.

— Que concurso? — Questionei curioso para saber mais da


história.

— Garota verão. — Disse olhando para o nada. — Foi uma ideia


do Igor, meu gerente. Mariana participou e foi a melhor, tanto que
ganhou o prêmio e a minha cabeça, pois a danada não saiu da
minha mente.

Tive que conter o sorriso que iria dar ao ver meu irmão
apaixonado. Pensei que esse dia nuca chegaria, mas aqui estamos
nós, dois caras que se diziam anti-amor, agora malucos por duas
mulheres e o mais curioso era que essas mulheres eram irmãs.

— É irmão, as Medeiros mechem com a cabeça de um homem.


— Disse batendo em suas costas.

— O pior é que a mamãe estragou tudo e Mariana não quer mais


saber de mim.

— O que Catarina fez dessa vez?

Eu sabia bem como nossa mãe era, e não me surpreenderia ela


ter feito algo para separar esses dois. O pior era que ela também
tentaria algo contra minha relação com Elisabete.
— Primeiro, ela tentou me empurrar diversas filhas de suas
amigas e depois tentou comprar Mariana. — Disse me chocando. —
Mariana é uma mulher honesta e não aceitou, mas acabou
desistindo de nós por não querer participar da loucura que é nossa
família.

Nunca imaginei que Catarina seria tão baixa a ponto de propor


tal coisa a alguém só porque não a aceita como nora. Isso me deu o
que pensar. Era óbvio que minha mãe já sabia a essa altura sobre
mim e Elisabete, e acredito que ela esteja planejando sua investida.

Deixei bem claro na nossa última conversa que eu não iria


permitir que a mulher continuasse a interferir na minha vida, porém,
sei que ela era uma mulher ardilosa e poderia tentar estragar a
minha felicidade.

— Não se preocupe, irmão, se os sentimentos de vocês são


fortes e verdadeiros, nada do que nossa mãe possa fazer irá afasta-
los por muito tempo.

Era nisso que eu acreditava. Eu só esperava que Elisabete não


me deixasse pelo mesmo motivo que sua irmã.

Elisabete

Mariana estava estranha o jantar inteiro, e mesmo que tenha


sido sarcástica e brincalhona uma parte do tempo, eu conhecia a
minha irmã e sabia haver algo errado.

Algo me dizia que isso tudo tinha a ver com Dominic Vilella, pois
antes de virmos para cá Mariana estava animada e assim que os
dois se viram, ela mudou completamente.

Nunca a vi dessa forma, e acreditava que havia acontecido algo


entre eles para que a minha irmã pudesse ficar tão abalada.
Aproveitei a ida ao banheiro para interroga-la sobre o assunto e
só descasaria quando conseguisse entender a situação.

— O que Dominic fez com você para ficar dessa forma na frente
dele? — Questionei assim que entramos no banheiro. — E nem vem
disfarçar.

— Tenho que ir embora, Elisa. Não posso ficar na frente dele


agora. – Falou com seus olhos cheios de lágrimas.

No mesmo instante fiquei preocupada e abracei minha irmã para


conforta-la.

— O que houve, Mariana, por que está assim?

— É difícil encara-lo após terminar tudo. — Falou com a voz


cheia de emoção. — Eu realmente gosto dele. Isso nunca
aconteceu antes, mas não acredito que daríamos certo. Não sou
como você, Elisa, não tenho tanta força e determinação.

— Primeiro, não fale essas coisas. Você é a pessoa mais


determinada que já vi. Veio para a capital aos dezessete e passou
na melhor universidade do estado, lutou por esse emprego e
conseguiu seu apartamento sozinha, sem pedir ajuda a ninguém. —
Falei puxando seu queixo, a fazendo me olhar. — Claro que não
somos iguais, mas você é a pessoa mais forte que conheço e tem
que enxergar isso, ouviu? — Ela balançou a cabeça e enxuguei
suas lágrimas antes que elas caíssem. — Me conte o que
aconteceu para que eu possa ajuda-la.

Minha irmã encostou-se na pia e cruzou os braços sobre o peito.


Acredito que ela estava buscando coragem e as palavras certas
para começar a me contar sua história.

Nunca a vi dessa forma. Condenei-me por não ter reparado


antes.
Como pude deixa-la tão desamparada?

Primeiro ela contou como o conheceu, que foi graças a um


concurso de verão, e fiquei surpresa por que nem isso eu sabia. Ela
falou como começou o seu relacionamento e depois como foi
ficando sério.

Mariana tinha um espírito muito aventureiro e as suas palavras


em relação aos sentimentos que sentia pelo irmão do meu
namorado, me encantaram. Nunca pensei que a irmã caçula se
apaixonaria dessa forma, mas fiquei feliz por acontecer.

Porém, havia um empecilho no meio dos dois e esse tinha nome


e sobrenome. Catarina Vilella atacou novamente, no entanto, agora
ela atingira a minha família.

— Ela me ofereceu um cheque gordo de dinheiro. Fiquei


chocada com a forma como ela falou, como se eu fosse uma
interesseira de segunda classe. — Disse com raiva.

Sua raiva não era comparada a minha, e eu estava a ponto de


quebrar as coisas bonitas de vidro que havia no banheiro chique de
Henrique.

— Aquela filha da… — Respirei fundo antes de surtar de vez.

— Elisa, não surta. Era por isso que não quis te contar. — Disse
segurando minha mão.

— Muito pelo contrário, era justamente por isso que deveria ter
me dito. Essa mulher pensa que é uma deusa intocável que não
quer se juntar com pessoas tão simples como nós. — Disse de
punhos cerrados. — O que mais ela fez?

— Depois que recusei ela disse coisas horríveis sobre nós. —


Disse baixando seus olhos. — Mas depois ameaçou destruir a sua
carreira. Disse que cuidaria para que Henrique te demitisse e depois
nunca mais arranjaria emprego em lugar nenhum. Isso foi bem na
semana que vocês terminaram. Acreditei que se ele fez isso,
realmente não sentia nada por você e que faria o que a mãe queria.

Aquela raiva do início se multiplicou em 1000. Não dava para


acreditar nas coisas que minha irmã havia falado. Aquela vadia quis
me usar para estragar a felicidade da minha irmã.

Vou acabar com ela.

— Mariana, você o ama? — Perguntei tentando controlar minha


ira.

Ela franziu o cenho, desconfiada da minha pergunta.

— Elisabete eu não quero…

— Responda, Mariana!

— Pode parecer loucura, mas sim. Nunca gostei tanto de alguém


na vida. E eu nem fazia ideia de que ele era irmão do meu cunhado.

— Fique com ele. — Disse abruptamente a surpreendendo.

— O quê?!

— Nunca deixe que alguém separe você de quem ama. Se você


gosta de alguém, lute por ele. Catarina não pode ditar com quem
seus filhos devem ou não estar, e não seremos nós que
facilitaremos as coisas.

— Mas…

— Pelo que Henrique falou, seu irmão não vem até a cidade com
frequência e só pode ter acontecido algo para que o homem
aparecesse do nada em sua casa. Aposto que ele sabia que
viríamos até aqui hoje.
— Pensa que está aqui por minha causa?

— Não seja boba, irmã, o cara ficou o jantar inteiro do seu lado,
não parava de te olhar e não ligava para as suas provocações.

— E o que acredita que devo fazer? — Questionou-me


mordendo os lábios. — Fui eu que acabei com tudo. Pensa que
devo simplesmente dizer que quero voltar. Acredite, Dom não
aceitaria assim tão fácil.

— Seja sincera e deixe claro o que aconteceu e o porquê da sua


decisão. Afinal, você foi chantageada e se ele não estivesse
interessado em você, não viria até aqui.

— Mas, e a bruxa Vilella?

— Deixe Catarina comigo. — Falei com um sorriso de canto.

— Não quero que se prejudique por minha causa. — Falou


preocupada.

— Ah, não se preocupe, ela também ficará irritada quando


descobrir sobre mim e Henrique, porém, pretendo ser mais rápida.
Capítulo 39 — Elisabete.
Depois daquela conversa com minha irmã fiquei possessa e quis
estrangular a Vilella mãe, mas tive que me conter, pois ela ainda era
mãe do homem que eu amava e não queria fazer algo sem que ele
soubesse.

Na nossa conversa, deixei claro o que achava e o que faria.


Henrique sabia de algumas coisas, pois também perguntou ao
irmão, minutos antes, sobre seu relacionamento com minha irmã.

Sabia que era muita coincidência os dois terem algo, e sabia que
o destino, mais uma vez, estava brincando conosco.

Eu nunca conheci uma mãe tão péssima quanto Catarina, que


preferia ver seus filhos infelizes ao lado de quem não amavam ao
invés de estarem com quem gostavam.

Eu estava pronta para enfrentar a jararaca de frente assim que


amanheceu. Minha cabeça estava cheia e eu poderia cometer uma
barbaridade se a mulher me provocasse.

Resolvi ir a sua casa, pois assim nossa provável discussão não


iria chamar a atenção de ninguém. Eu odiava brigar e sempre
optava pelo dialogo, entretanto, dessa vez eu não estava com
paciência e estado mental para manter as coisas tão pacíficas
assim.

Não era muito cedo, pois não queria chegar e ver a dondoca
acordando e sabia que ela era a típica ricaça que dormia até mais
tarde.

Vida de privilegiada.

Já na entrada da mansão, dava para ver o luxo da vida de


mordomias. Tudo era em tons claros e vidraça. Havia jardineiro,
seguranças e motorista.

Tive que ser anunciada antes de entrar. O que me deixou ainda


mais impaciente. Fiquei surpresa quando o homem alto com cara de
mal autorizou a minha entrada.

Todos foram bem simpáticos comigo, e imaginei que eles


passavam um inferno com essa enviada do capeta.

A porta da entrada era enorme. Uma mulher, já de idade, veio


me atender. Ela me informou que Catarina estava terminando o
café, e já viria me receber.

Enquanto esperava, não pude deixar de observar cada detalhe.


Era uma arquitetura moderna e muito linda. Óbvio que a esposa e
mãe de arquitetos teria uma casa perfeita assim.

— Tudo aqui foi importado. — Ouvi sua voz e fechei os olhos


respirando fundo. — Gosto de ter o melhor ao meu redor. Mas nem
sempre tenho sorte. — Virei-me e ela estava me olhando dos pés à
cabeça.

— Do que adianta ter coisas tão lindas e de boa qualidade se no


interior da pessoa não se tem o mesmo. — Disse abrindo um sorriso
falso.

— Você é uma mulher de muita classe, Elisabete. Até seu nome


não é a forma certa de se escrever. O Brasil tende a abrasileirar
tudo, acho isso muito fora de classe.

— Sabe, Catarina, você passou por muita coisa e isso consigo


ser compadecida, porém, nada justifica você agir de forma tão…
sem caráter. — Comecei aproximando-me da mulher que me olhou
com surpresa. — É lindo ouvi-la falar como vive de forma chique e
que tem classe, mas acredito que lhe falte caráter e até me arrisco
dizer, humanidade.
— Como pode vir até a minha casa para me ofender? —
Reclamou ofendida.

— Assim como você nos procura quando quer soltar o seu


veneno, acostume-se a receber o mesmo, não importa onde. —
Falei cerrando os olhos. — Nunca imaginei que alguém que diz ter
tanta fineza pudesse ser tão baixa a ponto de ameaçar a minha
irmã, me usando.

Ela deu um sorriso que não saiu som algum. Dava para ver o
deboche em sua essência e isso me irritava cada vez mais.

— Não pode me acusar de usar as minhas armas. — Disse


ainda com um sorriso em seu rosto. — Mas não vou permitir que
mulheres como vocês entrem para a minha família. Acredita que a
espertinha recusou o meu dinheiro? Acredito que ela visava muito
mais, porém, usei algo que a impedisse de continuar. Agora só falta
você.

— Antes que continue se achando a rainha da situação, saiba


que conversei com minha irmã e a convenci a lutar pelo seu amor.
Acredita que seu filho veio até a capital atrás dela? — Era visível a
sua surpresa. – Penso que não apostava que ele a amasse, mas
olha, foi o que aconteceu e se eu estiver certa, muito em breve
estarão juntos novamente.

— Só por cima do meu cadáver. — Ameaçou irritada.

— Cuidado, seu coração pode ser fraco e não quero que meu
namorado perca a mãe tão jovem. — Ironizei.

— Fiquei sabendo que você conseguiu enfeitiçar o meu


Henrique. — Falou ao se aproximar bruscamente de mim. — Não
vou permitir que…

— Nem tente. Henrique e eu nos amamos, e não permitirei que


suas armas funcionem contra nós. — Disse ficando frente a frente
com a mulher. — Sempre acreditei que as mães quisessem o
melhor para seus filhos. Que elas eram felizes quando eles estavam
felizes. Porém, você faz de tudo para vê-los da pior maneira
possível. — Ela ficou de boca aberta com o que falei. Acredito que
nem perceba o mal que faz para seus filhos, pois só pensa em si
mesma. — Não pensa que eles já sofreram o bastante com a perca
da irmã?

— Não ouse tocar no nome da minha filha.

Foi a primeira vez que vi alguma emoção nos olhos da mulher.


Não posso usar isso para atingi-la, pois eu estaria sendo pior que
ela. Claro que Catarina sentia tristeza pela perda de um filho, e pelo
menos isso me fazia acreditar que a mulher pudesse mudar.

— Não quero ofende-la usando tal coisa, mas não vou permitir
que me separe do seu filho e nem minha irmã de Dominic. — Disse
me afastando. — Se isso acontecer, será porque decidimos isso por
si e não porque desaprova as mulheres que eles escolheram. Pode
nos odiar, porém, peço que não prejudique ainda mais os dois.

Catarina não disse mais nada e não fiquei para ouvir mais das
suas palavras de desaprovação.

Meu dia começou de uma forma bem estressante.


Capítulo 40 — Elisabete
4 meses depois
As coisas entre mim e Henrique melhoravam a cada dia, no
entanto, eu sabia que tudo estava bom demais e que a realidade
não era tão perfeita.

No trabalho, tudo estava seguindo o curso normal e vínhamos


conseguindo muitos projetos incríveis. Catarina nunca mais nos
importunou. Acredito que nossa última conversa foi muito útil.

Mariana estava seguindo sua vida e agora eu via um sorriso


largo no rosto da minha irmã.

Como eu disse, tudo estava bem e isso deveria ser bom para
mim. Contudo, lá no fundo, sentia que algo poderia acontecer a
qualquer momento.

— Quando decidi trazer minha linda namorada para essa casa


de praia, distante da cidade, era para curtirmos esse momento não
para que ela continuasse distante em seus pensamentos. — Disse
Henrique ao meu ouvido.

Sua respiração na minha nuca causou-me um arrepio que se


estendeu pelo meu corpo todo.

Era bem verdade que ultimamente eu ficara bem pensativa.


Sempre fui mais paranoica que o normal. Talvez fosse porque já
estava acostumada a viver com muitos problemas e nunca pude
aproveitar da verdadeira felicidade.

Estávamos trabalhando muito, por isso ele propôs virmos para


Porto e passarmos o fim de semana.

— Você tem razão, estou estragando o nosso momento. — Falei


virando-me para beijá-lo.
Nunca imaginei que me apaixonaria dessa forma e por alguém
como Henrique. Ele no início era arrogante e vivíamos brigando.
Lembro-me de quando nos esbarramos e ele agiu como um ogro.
Agora o homem era romântico e carinhoso. Planejava viagens e
jantares. Nunca vou me cansar disso.

— Vem, podemos melhorar o seu humor com sol e praia. —


Falou pegando em minha mão e conduzindo-me para fora.

Não era muito tarde e o calor não estava tão intenso. Pelo
menos não por fora. Eu ainda não estava acostumada a viver ao
lado de alguém que tinha praticamente tudo. Como poderia imaginar
que namoraria um homem que tinha casas de praia com área
particular?

— Só fazem alguns meses que estamos juntos, mas sei quando


tem algo te incomodando ou que deseja falar. — Falei antes que
entrássemos na água. — Não é só eu que estou pensativa.

— Quando foi que começou a ler mentes? — Questionou-me


com um sorriso.

Senti a água fresca bater em meus pés, relaxando o meu corpo.


Eu realmente precisava sair da cidade estressante e esquecer-me
dos problemas. Porém, sabia existir algo que Henrique queria falar.

— Vamos, diga.

— Não é nada demais. Na verdade, não penso em ir. — Falou


querendo escapar da conversa.

— Ir onde?

— Todos os anos minha família dá um baile beneficente.


Começamos a fazer isso depois da morte de Anna, ela era muito
caridosa e ajudava centros de animais e crianças. As famílias ricas
se reúnem para doar dinheiro para esses centros de caridade. — Eu
podia imaginar o quanto isso era importante. Porém, ainda não tinha
ideia do por que não participar de algo que homenageia sua irmã.

— Porque não vai? — Perguntei fazendo-o me olhar.

— Compareço a esse evento pela memória da minha irmã e a


felicidade da minha mãe. No entanto, nossa família está dividida e
não sei se faria bem todos se reunirem em um dia como esse. —
Disse triste.

— Muito pelo contrário, vocês têm que se reunir para deixar os


problemas de lado. Vocês já perderam alguém importante. Se
arrependerão se deixarem esses problemas os afastarem ainda
mais.

— Você é uma pessoa incrível, Elisa. — Falou abraçando-me


Forte. — Ainda não sei o que fiz para merecer alguém tão boa
assim.

— Não exagere. — Falei beijando seus lábios de leve. — Você é


uma pessoa incrível, só não consegue ver ainda.

— Será bom ter você ao meu lado esse ano.

Afastei-me dele e o olhei nos olhos.

— Penso que não é uma boa ideia, Henrique. — Falei me


sentindo um pouco mal por tirar o sorriso do seu rosto. — Sua mãe
me odeia. Não sei o que seu pai pensa de mim, mas você nunca
fala dele. Talvez minha presença colabore para mais brigas entre
vocês e não é isso que quero.

— Não vou sem você. — Falou firme. — Eu amo você, Elisabete,


e nunca iria a um lugar que você não poderia estar. Sei que minha
família pensa de modo diferente e que esse evento é importante
para a memória de Anna, mas sei que ela não teria tais preconceitos
contra você e sua irmã. Não pode existir união onde todos desejam
separar nós dois.

Não pude dizer nada. Estava feliz por seu desejo de me ter ao
seu lado nessa festa, porém sabia que isso poderia gerar um
conflito entre eles e não desejo isso para Henrique.

***

Uma semana depois

Nunca estive em um evento desse e não sabia como seria. Eu


tinha um vestido chique, cabelo bem-arrumado, maquiagem feita por
um profissional, mas ainda estava com receio do que iria acontecer.

Eu amava Henrique e estaria a seu lado seja onde for, porém,


enfrentar Catarina na frente de muitas pessoas que seriam amigas
dela, diferia de confrontá-la no conforto de sua casa.

Não era a minha intenção fazer isso, mas conhecia a mulher e


sabia que ela usaria qualquer oportunidade para me rebaixar.

Pelo menos, Henrique e minha irmã estariam lá, e eu rezava


para que a mulher tivesse a decência de não me ofender na frente
daquelas pessoas ricas.

— Acredita que é uma boa ideia? — Perguntou Mariana que se


arrumava no espelho.

Ela escolheu um vestido lindo, vermelho que destacava a cor


bronzeada da sua pele. Seu corte era bem mais detalhado do que o
meu, e tinha uma longa fenda na perna direita.

O meu tinha uma cor dourada, com pequenas pedras brilhantes


que deixava o vestido chique e elegante. O que mais chamava
atenção eram as costas que eram expostas.
— Não é uma boa ideia, mas não deixarei ele sozinho hoje. —
Falei abrindo a bolsa onde estava a roupa que usaria. — Afinal,
somos namoradas deles, não seria certo.

— É, no entanto, a madame bruxa vai achar péssimo a nossa


presença.

— Só precisamos ignorá-la, Mariana, e nada de piadinhas, não


vamos gerar mais confusão. — Pedi e respirei fundo.

— Não somos nós que estamos fazendo confusão. — Disse


aparecendo no meu quarto. — É ela que não gosta de nós só
porque não somos milionárias como ela.

— Que seja! Apenas ignore.

Seria um desafio fazer o que eu estava falando, mas era


necessário. Geralmente eu não tinha paciência para suportar tal
coisa, e com certeza estaria me matando por dentro.

Resolvi me aprontar logo. Não demoraria para que Henrique


batesse em nossa porta, e sei o quanto o homem odeia atrasos.

***

Eu sabia que os eventos importantes de pessoas ricas eram


grandes e luxuosos, no entanto, ao chegar à entrada do local, fiquei
de boca aberta.

O lugar era enorme, muito iluminado e tinha seguranças para


todos os lados. Se já me achava minúscula comparada às
propriedades da família Vilella, agora me sentia uma formiga. Esse
baile era importante, e vendo o espaço, dava para ver que iria ter
muita gente, gente muito rica e que me faria sentir um peixe fora
d'água.
Agarrei-me ainda mais ao corpo do meu namorado e procurei
Mariana, que estava atrás de nós ao lado de Dom.

Olhando para os irmãos Vilella, se via que eles foram criados


para esse tipo de lugar. Os homens vestiam smoking que cobria
perfeitamente seus corpos. Eles pareciam dois príncipes e nós duas
plebeias que não se adequavam ao ambiente.

— Por que está tão nervosa? — Sussurrou Henrique ao meu


ouvido.

— Nunca vim a um lugar assim. Pareço um objeto sem sentido


no meio de uma sala de obras de artes caras. — Respondi no
mesmo tom.

Seu sorriso me fez sorrir. Era incrível o quão bonito ele ficava
quando isso acontecia.

— Eu diria que você é a peça mais linda e valiosa dessa


exposição. — Disse me deixando boba com a sua gentileza. —
Você não tem o que temer. Só é um evento onde pessoas com
muito dinheiro fingem ser caridosas. Acredito que os únicos que se
importam com a causa sou eu e Dominic. Aliás, você enfrentou um
dragão, tem força o suficiente para enfrentar essas pessoas.

— Você é o dragão? — Questionei sorridente. — Eu estava


imaginando você mais como um ogro. Já assistiu Shrek? —
Henrique não respondeu, mas vi em seu olhar que estava confuso.
— No primeiro filme, o personagem, que é um ogro, tem que salvar
a princesa do castelo do dragão. De dia ela era princesa e a noite
ogro. Digamos que sou o Shrek e você a Fiona.

Sua gargalhada chamou a atenção de quem estava perto. Sorri


de nervoso por ter o feito chamar atenção.

— Se os ogros se parecem com você, então eles são as


criaturas mais lindas do mundo.
Ainda não estava acostumada com todos os seus elogios. Nunca
tive ninguém que falasse coisas tão bonitas e me sentia grata por
conhecer Henrique.

Entramos no grande salão e fomos recepcionados por garçons


que serviam os convidados com taças de champanhe. Se o lado de
fora era glamoroso, dentro tudo era multiplicado por 10, e eu me via
ainda mais besta com a perfeição.

— Acho que não vou tocar em nada. — Disse Mariana ao ficar


ao meu lado. — Tenho a impressão que tudo que está aqui é de
vidro e muito valioso, se quebrar, terei que vender um rim, pulmão e
quem sabe-se lá o que mais, para pagar, você sabe como sou
desastrada.

— Também não é para exagerar. — Sussurrei.

Uma mulher de meia-idade se aproximou de nós e apenas


sorrimos como duas deslocadas. A mulher cumprimentou os irmãos
Vilella e fomos apresentadas a ela. Fiquei feliz pela mulher ser
simpática e muito divertida. Ela era uma tia deles.

Mais e mais pessoas chegaram à grandiosa festa beneficente.


Eu nunca vi tanta gente rica junta e ficamos mais acuadas.

Não sabia se algum dia eu me acostumaria a frequentar esse


tipo de lugar, mas tenho sorte de namorar alguém que prefere
coisas mais simples que um baile luxuoso.

Senti meu corpo ficar tenso assim que vi Catarina Vilella vindo
em nossa direção. Ela estava ao lado de um homem alto e muito
elegante, e pela semelhança física, mesmo sendo mais velho, se
reconhecia a herança genética dos filhos.

O homem não estava feliz. Na verdade, ele parecia irritado. A


mulher estava com um sorriso no rosto, e não pude saber se era por
ver seus filhos ou um simples sorriso para as fotos.
Capítulo 41 - Henrique
Não era novidade para mim que meu pai não gostava da minha
presença nesse baile. Nossa relação já vinha se desgastando há
anos e tudo piorou com a morte de Anna.

A ideia do evento era minha e da minha mãe, pois mesmo sendo


uma mãe egocêntrica, ela realmente nos amava e perder sua única
filha foi a pior coisa que já lhe aconteceu.

Catarina realmente se sentia realizada com o evento, e dizia que


se sentia mais perto da filha cada vez que o organizava. Era
verdade que nos últimos anos, ela vinha se tornando controladora e
que seus pensamentos sobre os mais pobres eram errados e sem
sentido, mas lá no fundo, eu ainda a amava e desejava que algum
dia ela mudasse seus pensamentos.

— Fico feliz em vê-los aqui. — Ela disse nos abraçando forte.

Esse ano as coisas estavam diferentes. Minha relutância em


querer vir era porque não desejava estar aqui sem Elisabete e temia
que minha mãe, novamente, a desrespeitasse, assim como a sua
irmã.

— É bom vê-la, mãe. — Falei.

Dominic era bem mais difícil que eu. Depois que descobriu o que
nossa mãe fez, ele foi embora e passou muito tempo sem querer vê-
la.

Não podia julga-lo por sua decisão, pois se caso acontecesse


comigo eu também desejaria sumir e ficar longe da pessoa que me
fez sofrer de tal maneira. No entanto, essa mulher era nossa mãe e
mesmo odiando o que ela fez, não poderíamos odiá-la para sempre.
Convence-lo a vir foi um verdadeiro desafio.
— Não podíamos perder algo tão importante. — Meu irmão disse
seco.

Nosso pai não deu nenhuma palavra, mas como ainda tínhamos
que parecer uma família perfeita, ficamos todos juntos.

Pelo menos não houve discussões ou qualquer outra coisa que


nos levasse a ir embora tão cedo.

Assim que todos chegaram, pudemos aproveitar a festa. Todos


os anos, promovíamos um jantar. Muitos dos homens que estavam
na festa eram empresários e a conversa sempre era monótona.

Eu odiava lugares que tivessem tantas pessoas, mas sempre


esforçava para ficar o máximo possível no baile. Era uma
homenagem à minha irmã e só de imaginar que ela estaria contente,
caminhando no meio dessa gente rica só para angariar dinheiro
para os animais e crianças abandonados, me fazia sentir melhor.

Elisabete foi ao banheiro com sua irmã quando meu pai se


aproximou. Já não nos falávamos há anos, não me importava com
esse fato.

Antes mesmo do acidente que levou Anna, nós éramos como


cão e gato. Samuel Vilella quase quebrou a nossa empresa,
investindo mal e negligenciando algumas obras que quase
causaram acidente graves. Além disso, ele tinha várias amantes.
Minha mãe sempre soube, mas resolveu fechar os olhos, pois era
melhor para ela ser traída do que divorciada.

— Você e seu irmão nunca me darão orgulho se continuarem


agindo como dois adolescentes rebeldes. — Disse me
surpreendendo. Olhei para o homem grisalho que mantinha sua
postura séria, sem acreditar e entender as suas palavras. Dom não
era do tipo que ficaria calado em brigas com o meu pai. Por sorte
ele havia se afastado para conversar com um velho amigo de
escola, me deixando a sós com Samuel. — Você nunca foi um bom
exemplo, e agora os dois trazem essas… mulheres para um evento
como esse. — Falou com frieza na voz.

Eu tentava não odiar o meu pai, mas cada vez mais sentia que
minha decepção aumentava.

— Não vim aqui para brigar. — Disse respirando fundo para não
perder totalmente a minha cabeça. — E não quero ouvi-lo falar tais
coisas sobre a mulher que amo. Esperava ouvir isso da minha mãe,
mas você?

— Posso ter dormido com algumas, mas assumi-las?

— Já chega! — Disse me afastando.

— É engraçado dizer que está amando quando sua irmã morreu


por causa disso.

Ele tocou na minha ferida. Virei-me novamente para olha-lo e


seu olhar estava repleto de raiva. Nenhum deles já haviam falado
isso em voz alta. Mesmo sabendo que se não fosse por mim, minha
irmã ainda estaria aqui.

Eu mesmo já me culpei por tudo, e agora estava tentando virar a


página e seguir em frente com Elisa, mas lá no fundo, sabia que não
era merecedor.

— Passou anos em silêncio e resolveu jogar tudo agora?

— Não sabe o quanto me corrói por dentro por causa disso. —


Disse aproximando-se. — Ela deveria estar conosco e por sua
causa ela não está.

Essa dor corroía o meu peito, e suas palavras só aumentavam a


amargura contida em mim. Eu não deveria ter vindo. Não deveria
estar tão alegre quando tirei esse direito dela.
— Você está certo. — Falei.

— Samuel, o que está fazendo? — Questionou minha mãe,


correndo para junto de nós.

— Ele não deveria estar aqui, Catarina. — Esbravejou.

Nesse momento, as pessoas ao nosso redor já prestavam


atenção na nossa briga familiar. Dominic e Mariana vinham em
nossa direção. Eu só queria ir embora. Não sabia para onde, só
precisava sair de perto de todos.

— Não se preocupe, estou indo embora.

Voltei a caminhar para longe, buscando a saída. Elisabete me


encontrou quando quase estava conseguindo. Eu não deveria
estragar a sua noite com a minha amargura, e desejava ficar só.

— Desculpe, Elisa. — Disse sem querer olhar em seus olhos. —


Você pode ir com sua irmã? Preciso ficar só.

— O que houve? — Questionou segurando-me forte. — Não


quero deixa-lo só. Você parece chateado.

— Ouça, você é a coisa mais importante para mim. — Não pude


impedir me sentir tranquilo, enquanto olhava em seus olhos tão
cheios de ternura. — Amo você, mesmo sabendo que não mereço
seu amor.

— Não seja bobo.

— Preciso ficar só por um tempo.

— Não quero que nada aconteça com você. — Disse.

Seus imensos olhos negros continham a emoção que quase


transbordava para fora. Nunca imaginei ter alguém que se
importasse tanto comigo.
— Nada vai acontecer, eu juro.

Beijei seus lábios ao me despedir. Meu peito estava em conflito


entre deixa-la ou não, mas sabia que o melhor agora era me afastar.
Capítulo 42 — Elisabete
Eu não deveria tê-lo deixado só. Nem demorei tanto no banheiro,
mas foi o suficiente para algo de ruim acontecer e deixar Henrique
transtornado.

Pensei que ele estava bem, mas quando o vi praticamente correr


para fora do salão, notei estar errada. Era para ser uma noite
incrível, pois estávamos homenageando alguém que ele amava,
porém parece que os pais do meu namorado não facilitavam as
coisas.

— O que falou para ele sair daquele jeito? — Perguntei a


Catarina. Eu não estava com paciência e não me importei com a
forma ríspida que fiz minha pergunta. — O que fez?

Ela me olhou surpresa e ofendida. Não tinham muitas pessoas


onde estávamos, mas as que tinham foram atraídas pela nossa
conversa.

— Acredita que eu faria algo que fizesse meu filho sair daquela
forma?

— Desculpe duvidar, mas não tive boas impressões desde que


nos conhecemos. — Respondi no mesmo tom de antes.

— Posso não gostar de você, no entanto, amo o meu filho. —


Disse me encarando.

Talvez estivesse exagerando a respeito dela, porém, sei que


Henrique não surtaria do nada sem um bom motivo.

— Então o que aconteceu?

— Samuel. — Falou baixando o olhar triste. — Os dois brigaram


de novo. Ele disse palavras terríveis para Henrique.
— Por que ele faria isso? — Questionei pensativa.

— Samuel culpa Henrique pela morte de Anna, mesmo sabendo


que isso é mentira. — Eu realmente via a tristeza no olhar de
Catariana. Era a primeira vez que via a mulher chorar. — Eu a
chamei naquele dia, mesmo Henrique dizendo que não queria vê-la.
Ela estava animada, dizia que conversaria com o irmão. — Essa
parte eu não sabia, e acredito que Henrique também não. — Ela
brigou com o namorado porque ele não queria vir, mas Anna o
convenceu. Fiquei sabendo desses detalhes há pouco tempo e
queria conversar com o meu filho, mas ultimamente ele vem se
afastando e sei que a culpa é minha.

— Então o acidente não foi na estrada que os levariam para


outra cidade?

— Não. — Disse limpando as lágrimas. — Quem resolveu esses


assuntos foi o Samuel, porque não tive forças para ler aquele papel.
Mas depois da nossa conversa senti essa necessidade. — Fiquei
surpresa com o que Catarina falou, pois nunca imaginaria que eu a
encorajaria a isso. — Naquela noite, Marco bebeu. Ele estava em
alta velocidade e o carro colidiu com um caminhão. — Acredito que
fora difícil relembrar dessas coisas, e principalmente me falar. Eu
ainda não sabia o porquê ela estava revelando tais coisas a mim,
porém, isso me ajudava a entender mais sobre essa família em
pedaços. — Samuel nunca conversou sobre isso, mas acredito que
sua dor se transformou em mágoa devido ao que aconteceu entre
Henrique e Anna. Não é justo culpa-lo. Ela estava vindo para casa.

Ela começou a chorar novamente e por impulso a abracei. Não


era hora de ressentimentos e sabia que isso estava doendo dentro
dela.

Eu poderia ainda ter muitos motivos para odiar a mulher, mas


escolhi deixar nossas diferenças de lado e tentar melhorar nossa
relação.
— A sua dor nunca vai passar. — Falei ainda agarrada a ela. —
Mas sei que irá achar uma forma de diminuí-la. Deve ser difícil
perder um filho, e sei que não cheguei a conhecer Anna, mas
acredito que ela gostaria de vê-la sorrindo e feliz. — Afastei-me da
mulher e a olhei em seus olhos cheios de lágrimas. — A pior parte
da morte é o luto, pois os que ficam sofre com a dor da perda e a
saudade. Porém, deve acreditar que sua filha está em um lugar
muito melhor que esse, e que possivelmente está com você a todo o
momento. Não temos como mudar o passado, no entanto, podemos
construir um futuro melhor, e para isso temos que deixar nosso
orgulho e rancor de lado e tentar consertar as nossas relações no
presente. Henrique se martiriza, e acredito que agora mesmo está
em algum lugar se culpando. Ele não se acha merecedor da
felicidade porque pensa que tirou isso da sua irmã.

— Por que está me ajudando? — Perguntou-me deixando suas


lágrimas caírem. — Fui péssima com você desde o começo. Não
deveria ser tão boa comigo.

— Você me humilhou e desrespeitou a mim e a minha família.


Mas não quero continuar pisando em vidro com a família do homem
que amo. Todos nós erramos, afinal somos humanos. Porém,
devemos aprender com nossos erros e aprender a perdoar quem
nos fez mal ou seremos infelizes para sempre, porque ninguém
pode ser feliz tendo ódio no coração.

Inesperadamente, foi a vez dela me abraçar novamente. Essa


noite estava sendo confusa. Sempre tentei dar o melhor de mim
para os outros, só esperava não me arrepender.

***

Cheguei em casa com a cabeça cheia. Liguei diversas vezes


para Henrique, mas o homem não me atendia. Minha irmã não ficou
no apartamento, pois Dom iria leva-la para Porto. Ele também
estava preocupado com o irmão e falou que da última vez que algo
assim aconteceu, Henrique ficou mais recluso e calado.

Meu medo só aumentava a cada minuto que passava e eu não


tinha resposta alguma. Tentei dormir, mas isso também não
funcionou.

Sentei-me no sofá, inquieta, e sabia que não dormiria nada essa


noite se eu não ouvisse sua voz dizendo estar em casa e bem.

O barulho da campainha me assustou e me impulsionou a sair


de onde estava e abrir a porta. Meu coração ficou mil vezes mais
leve ao ver Henrique parado em minha porta. O abracei forte
sentindo meu corpo relaxar.

— Você quase me matou de preocupação. — Falei ainda


agarrada ao seu corpo.

— Desculpa. — Disse em um tom tristonho.

Depois que me separei dele o puxei para dentro do apartamento


e fechei a porta. Ele ainda vestia o smoking, mas a camisa estava
aberta e seu cabelo bagunçado. Henrique parecia bêbado. Nunca o
vi passar do limite no álcool.

— Onde estava?

— Bebi um pouco e caminhei na praia. — Disse sentando-se no


sofá. — Só que depois de um tempo fui sentindo que precisava de
algo.

— De quê? — Perguntei sentando-me a seu lado.

Ele olhou para mim com os olhos escuros devido à luz. Via algo
diferente nele, algo que me fazia ficar sem ar.

— Preciso de você.
Foi inevitável não sentir a temperatura aumentar. Seus olhos
eram pura luxuria. Geralmente, Henrique era mais romântico,
apesar de também ver paixão em seu olhar, porém, sua urgência
em me beijar, me fazendo deitar no sofá, fez com que meu corpo
inteiro pegasse fogo.

Dei graças a Deus por Mariana não estar em casa, pois ela
estragaria esse momento tão aguardado.

Suas mãos possessivas varreram o meu corpo que estava


coberto pelo tecido fino de seda que usava como camisola.

Fiquei feliz em ter escolhido isso, pois quando estava em casa,


costumava usar uma calça de moletom e uma blusa simples.

Meus pulmões estavam no limite quando sua boca liberou a


minha. Não pude reclamar, era isso que desejava desde o nosso
início. Eu sabia que ele guardava o Henrique pervertido dentro de si,
e não sabia o porquê tentava ser tão doce, mesmo eu sabendo que
ele era o misto dos dois.

— Mariana não está em casa, não é? — Perguntou olhando em


meus olhos. Confirmei com a cabeça, porque ainda estava tonta
com o beijo, e queria economizar energia. — Ótimo.

Ele se levantou e me pegou no colo. Agarrei seu pescoço e senti


minha mente girar com tudo o que estava acontecendo. Não ousei
fazer perguntas sobre o que estava acontecendo, porque não queria
estragar o momento, deixaria isso para outra hora.
Capítulo 43- Henrique
Eu poderia deixar que as palavras do meu pai me levassem
novamente para o meu estado de amargura e consequentemente
perder Elisabete.

O antigo eu com certeza deixaria ser levado por isso, mas o


Henrique de agora, que provou da felicidade ao lado da mulher que
amava, não poderia deixar isso acontecer.

Sabia que teria que melhorar bastante para ser a pessoa digna
que ela merecia, e isso não era um problema, pois faria aquilo que
pudesse para lhe dar toda a paz e felicidade que ela me dava,
apenas por existir em minha vida.

O dia começou muito bem. Tomamos café juntos e depois


seguimos para mais um dia de trabalho. Senti haver algo que estava
a deixando estranha e sabia que ela queria fazer perguntas.

— Pode fazer as perguntas que deseja. — Falei não tirando a


atenção dos carros à minha frente.

— Não quero aborrece-lo tão cedo. — Disse com um meio


sorriso.

— Não vou me aborrecer. Você está aqui, só isso me ajuda a


relaxar.

— Tudo bem, mas não falarei nada aqui.

— Ok.

Procurei um lugar para estacionar. Estávamos não muito longe


da agência e como já estávamos muito adiantados no trabalho, não
seria má ideia atrasar só um pouco.
— Por que parou?

— Você quer conversar, não é?

— Sim, mas vamos nos atrasar. — Disse franzindo o cenho.

Abri a porta e saí. Elisa me seguiu até um banco que ficava na


praça onde estacionei. Posso dizer que ainda odeio atrasos e
qualquer coisa que me desvie do meu foco no trabalho, porém,
agora existia uma exceção e se chamava Elisabete.

— Agora você pode me falar?

Ela respirou fundo e baixou os ombros. Achei estranha a sua


reação. Eu sabia que ela iria querer saber o que aconteceu ontem,
mas assim que começou a falar fiquei surpreso.

Elisa contou sobre uma conversa ontem com a minha mãe. Não
acreditava que Catarina algum dia iria ter uma conversa civilizada
com a minha namorada, porém, essa não foi a única coisa que me
surpreendeu.

***

Eu não sabia o que pensar, muito menos o que falar. Depois da


conversa na praça com Elisabete, não tive cabeça para trabalho.

Havia fatos que não foram me ditos antes sobre o acidente que
matou minha irmã. O pior era saber que minha mãe omitiu a
informação de que Anna, na verdade, estava vindo para a nossa
casa naquela noite.

Ela estava vindo para casa.

Todo esse tempo pensei que, por minha causa, ela estava no
lugar errado e na hora errada, no entanto, saber que Marcos, por
sua imprudência causou aquele acidente, ascendeu uma raiva que
contive na época.

Sabia que não adiantava de nada odiar alguém que já morreu,


porém, minha mente estava perturbada o bastante para ser
coerente.

Pedi para que ela ficasse na empresa para que pudesse terminar
seu projeto. Eu tinha que pensar em tudo o que ouvira, antes de
conversar com minha família.

Se meu pai sabia o que realmente aconteceu, então por que ele
parecia me odiar tanto?

Meu celular tocava freneticamente, como se alguém tivesse


desesperado para falar comigo. Eu acreditava que poderia ser
minha mãe, pois ela tinha esse hábito de insistir em me ligar, mas
quando olhei o nome na tela vi o nome de Roberto.

— Aconteceu algo? — Perguntei ao atender.

— Amigo, graças a Deus atendeu. — Disse parecendo nervoso.


Elisa disse que você…

— Vá direto ao assunto, por favor. — Disse impaciente.

— Lembrasse-se do trabalho que estávamos começando


semana passada e que pensávamos em expandir os negócios?

Ele parecia estar surtando e isso me preocupou.

— O que aconteceu?

— Alguém nos roubou.

— O quê?!
Eu não podia acreditar no que estava ouvindo. Como podíamos
ser roubados?

— Nossos esboços do novo projeto particular, eles foram


roubados por outra empresa. Os objetos estão sendo vendidos por
um site internacional.

Isso só poderia ser uma piada. Acredito que sou um ímã de azar.

***

Eu não poderia continuar em casa com tudo o que estava


acontecendo. Tínhamos começado a desenhar objetos de
decoração para uma empresa especializada na venda dessas
peças, e cada desenho era único, pensado na eficiência e em como
ficariam nos espaços onde seriam colocados, e agora eu estava
olhando para a tela do computador onde meu trabalho estava sendo
vendido para o mundo todo.

— Como isso aconteceu? — Perguntei já sem paciência.

— Alguém deve ter feito cópias dos nossos desenhos. Só não


sei quem e nem como. — Falou Roberto, suando frio.

— Só quatro pessoas estavam responsáveis e tiveram acesso a


isso: eu, você, Elisa e… Serena.

Claro. A mulher deve ter ficado com raiva, por isso decidiu se
vingar, vendendo nossos esboços para outro.

— Acredita que Serena faria isso conosco? — Perguntou


sentando-se à minha frente. — Somos amigos há anos.

— Se não foi você, e claramente, nem eu. Ela é a mais provável.


Confio totalmente em Elisabete, ela se esforçou muito para fazer
essas peças, não me trairia logo agora que estamos no melhor
momento.
— Você tem razão. — Disse pensativo.

— Ligue para Antony, ele resolverá isso rapidamente. — Pedi


encostando-me a cadeira. — Teremos que refazer tudo. Não
venderemos nada que já foi feito.
Capítulo 44 — Elisabete
Um mês depois
Tivemos certo prejuízo com o roubo das peças e venda ilegal,
mas, felizmente conseguimos contornar a situação e refazemos
tudo.

Hoje seria a exposição das peças decorativas que tive o prazer


de desenhar com Roberto. Éramos os únicos que desenhávamos
tais coisas, e ficamos felizes de participar de todos os processos.

Nunca imaginei que estaria tão bem. Há alguns meses atrás, eu


estava em um emprego qualquer, fazendo algo que odiava só para
pagar as contas. Também estava com um homem que não me
valorizava em nada, e que aproveitava toda oportunidade para me
diminuir, pois não queria que a mulher fosse melhor que ele em
algo, nem que ganhasse mais que ele.

Henrique tinha muitos defeitos. Ele não era o príncipe encantado


dos contos de fadas e às vezes fazia coisas que me chateava.
Porém, sabia assumir seus erros e sempre que podia me levantava
o astral.

Não podia pedir por alguém melhor, pois ele era perfeito para
mim.

— Alerta vermelho. — Falou minha irmã entrando


repentinamente no quarto, parecendo desesperada. — A mamãe
está vindo.

Ainda em frente ao espelho, me preparando para o pequeno


evento da empresa contratante que iria expor o meu trabalho, olhei
para seu reflexo. Ela parecia assustada e eu não sabia o porquê.

— Qual o problema, não quer que nossa mãe nos visite?


— Claro, só não quero ter que ser interrogada por ela.

Eu sabia que Mariana estava ansiosa para apresentar seu


namorado para a família. Na verdade, minha irmãzinha nunca
assumiu nenhum garoto. Sabíamos que ela tinha seus “rolos”, mas
nunca foi de chegar em casa dizendo estar namorando.

Quando falei a nossa mãe sobre essa novidade, ela só faltou dar
uma festa e publicar no jornal. Querendo ou não, cidade pequena
rola muitos boatos, e sabíamos que as pessoas achavam muito
estranhas as atitudes da nossa caçula. O bom que nossa família
nunca se importou. A felicidade da mamãe era porque finalmente
Mariana se acalmaria no canto.

— Você está feliz com o Dom?

— Sim, por quê?

— Porque ela só vai querer saber isso. — Falei voltando a me


maquiar.

— Ah tá, até parece. Se bem conheço Dona Julia, vai querer


saber até o CPF do meu namorado.

Ri do seu exagero. Nossa mãe era do tipo que só sossegava


quando conhecesse a família inteira da pessoa. Porém, não era
para tanto.

— Relaxa Mariana, sabe que você não é a única que ela vai
interrogar. — Falei virando-me para ela. — O fácil de tudo isso é que
os dois são da mesma família.

***

Eu estava tão feliz que não conseguia parar de sorrir. A maioria


dos objetos eram feitos de cristais e vidro. Com as luzes do
ambiente colocadas estrategicamente em cada lugar, tudo reluzia
nelas formando algo lindo e majestoso.

— Nunca fiz nada tão lindo. — Comentou Roberto, que também


estava encantado com o que estava vendo.

— O comprador ficou muito feliz com o que fizeram, e acredito


que isso vai nos abrir muitas portas. Vocês foram brilhantes. —
Disse Henrique.

Ele me olhava de uma forma única, como se conseguisse ver o


que tinha na minha alma. As coisas estavam tão bem que não
conseguia acreditar que consegui alguém como ele.

Era maluco pensar que Henrique era meu chefe e que nossa
história começou com uma mentira que nem sabíamos se
funcionaria. Agora estávamos dentro de uma sala enorme, com
pessoas apreciando nosso trabalho, e realmente nos amávamos.

Não posso dizer que o odiava, mas o homem me irritou tanto na


primeira semana que quis enforcá-lo com sua gravata.

— Está feliz com o que conseguiu? — Perguntei agarrando seu


pescoço, depois que Roberto se afastou para falar com outro colega
de trabalho.

— Estou feliz por ter você. — Disse olhando em meus olhos. —


Se não fosse por você e seu talento, não estaríamos aqui e
provavelmente eu já teria perdido a cabeça.

— Provavelmente. — Concordei pensando na possibilidade.

— É bom ver que o casal perfeito está feliz. — Disse Fábio que
apareceu atrás de mim.

No último mês, eu peguei uma raiva dele que nem podia


descrever.
Quando descobrimos que foi ele junto com Serena que
venderam nossos desenhos, questionei tudo o que tínhamos
passado como amigos.

Henrique tinha razão quando falou que Fábio só queria se


aproveitar de mim quando se aproximou. Acredito que ele pensava
que iria tirar algo de mim fingindo ser meu amigo, porém, depois que
viu que não iria conseguir o que queria se virou contra nós dois.

Foi difícil provar que foi Serena que roubou e fez copias do
nosso trabalho, pois não tínhamos provas concretas, porém eles
mesmos nos deram o que precisávamos.

Ela passou a trabalhar para ele, e aparentemente estavam juntos


de todas as formas. Eles tiveram que pagar caro pelo seu erro e
preferiram não levar isso para a justiça.

A mulher estava com uma postura diferente e seu sorriso era


debochado. Vestia um vestido vermelho muito chamativo, e seu
rosto estava carregado de maquiagem.

— O que estão fazendo aqui? — Henrique perguntou com raiva,


mas controlado. Não podíamos brigar na frente de tanta gente,
justamente na exposição das peças da ART Vilella.

— Estamos apreciando as obras expostas, assim como todos. —


A perua falou.

— Claro, as que você não roubou. — Falei provocando a loira.

Ela continuou sorrindo, porém não como antes. Sabia que estava
com raiva e eu adorava estar do lado certo.

— Espero que consigam aproveitar e apreciar tudo. Só tomem


cuidado para não engasgar com a inveja. — Disse Henrique me
fazendo ama-lo ainda mais.
Deixamos os dois de lado e saímos do local. Não deixaríamos
que esses dois estragasse nosso dia.

— Finalmente encontrei vocês. — Disse Catarina ao se


aproximar. — Tudo está tão lindo. Fiquei impressionada.

A mulher mudou bastante desde a nossa última conversa no


baile. Não imaginei que teria uma relação suportável com ela, e isso
me deixou feliz.

— Obrigado, mãe.

— O que aqueles dois abutres estão fazendo aqui? — Perguntou


apontando para os dois desagradáveis.

— Vieram tentar estragar nosso dia, mas mais uma vez,


falharam. — Falei.

***

Ainda não falei para Mariana e nem para ninguém que eu estava
procurando um apartamento para me mudar. Amava ficar com
minha irmã, mas sabia que eu tinha que buscar o meu canto.

Ela me acolheu no meu pior momento, e me apoiou nas maiores


loucuras que já cometi. Sempre seria grata por isso e também
queria deixa-la mais confortável.

Dominic estava sempre vindo para cá, pois não queria deixar de
ficar a seu lado momento nenhum. Eu achava isso muito fofo, e
sempre ia para a casa do meu namorado para deixá-los
confortáveis.

Eu estava ganhando muito bem agora, e tinha dinheiro suficiente


para me manter, só precisava achar o lugar perfeito.
— Quero mostrar algo para você. — Falou Henrique ao meu
ouvido, assustando-me.

Ainda estávamos no escritório, e ao olhar a hora surpreendi-me


com o tempo. Quando estava distraída no trabalho, nem via as
horas passarem.

— O que exatamente?

Virei-me para olha-lo e ele estava com um sorriso misterioso no


rosto.

— Venha comigo e verá. — Disse estendendo a mão.

Odiava não saber das coisas, no entanto, já estava acostumada


com as surpresas do meu namorado. Ele fez mistério o caminho
todo, porém sabia para onde estávamos indo, pois reconhecia o
lugar.

Ao estacionar em frente à sua casa, pensava que seria mais


uma surpresa romântica. Eu amava quando ele preparava jantares
ou quando me mostrava as estrelas em seu telescópio moderno.

Ainda não estava acostumada com tanta coisa boa que estava
acontecendo.

— O que aprontou dessa vez? — Perguntei cerrando os olhos.

Ele não me respondeu. Entramos na casa, que já conhecia


bastante, e não tinha nada de novo, mas sabia que ele sempre se
aperfeiçoava nas surpresas então eu poderia esperar por quaisquer
coisa.

Saímos para o jardim espaçoso e ainda existia um mistério no ar.


Henrique mandou reformar algumas áreas da sua casa e talvez seja
isso que ele queira me mostrar.
— Você está procurando um lugar para morar. — Ele disse me
deixando surpresa, pois não dissera nada a ele. — Não fique
assustada, não botei um detetive atrás de você. — Falou com um
sorriso no rosto. — Mas Judi tem a língua solta. — Claro. Ela tinha
me ouvido falar com um corretor e já pensou que eu estava fazendo
algo de errado. Primeiro fiquei ofendida, porém, achei sua
explicação engraçada e tive que revelar. — Então eu acredito que
posso te ajudar.

— Ah é? — Questionei desconfiada. — Como exatamente?

— Conheço um cara. — Disse parando em frente a uma grande


porta. Era o novo espaço que ele construiu. Contudo, fez mistério do
que seria. — Ele reformou a casa recentemente, e me disse ter um
espaço que podia ser alugado. — Não precisava ser muito
inteligente para saber o que ele queria dizer com tudo isso, eu só
queria ouvir o resto da história. — A casa é espaçosa, tem uma
climatização boa e o cara é super legal.

— Vai deixar a sua namorada morar com outro cara? —


Perguntei entrando na brincadeira.

— Como eu disse, o cara é legal. Claro que tem um charme


único, que enlouquece as mulheres, mas confio em você. — Disse
me fazendo sorrir. Ele abriu a porta e me surpreendi novamente. Era
mais um quarto, entretanto, duas vezes maior que o outro, que já
era maior que o apartamento da minha irmã. — Ele aceita várias
formas de pagamento.

— Como o quê? — Questionei franzindo cenho.

— Bem, o principal: beijos. Muitos beijos. Também aceita


sorrisos, porém, tem que ser os melhores sorrisos que você tem,
mas acredito que ele não seja tão exigente, e se você não puder dar
essas coisas, a sua presença já será o bastante.

— Está me chamando para morar com você?


Não pude esconder o sorriso bobo que eu tinha no meu rosto.
Era fofo o que estava fazendo, só não sabia se daria certo. Henrique
sempre disse o quanto seria difícil dividir a casa com uma mulher.

— Nunca fiz isso, e pensava que nunca faria, mas quero estar a
seu lado para o resta da vida, então sim, estou perguntando se quer
morar comigo.
Capítulo 45 — Henrique
Desde que conheci Elisabete, venho fazendo e sentindo coisas
que nunca senti ou fiz com ninguém. Eu ainda estava surpreso com
o fato da mulher me suportar e me amar, porque eu sabia que isso
era difícil.

Ela me ajudou a superar os meus medos, e não desistiu quando


minha família quis interferir na nossa relação. Ainda existia a
questão com o meu pai, porém, não podíamos forçar ninguém a
gostar de ninguém e eu esperava que algum dia meu pai
melhorasse, assim como, surpreendentemente, a minha mãe.

Catarina era a minha mãe, e os filhos tinham que amar e ser


grato só por esse fato. Eu entendia suas dificuldades, e mesmo não
aceitando seus preconceitos, não podia exigir que a mulher
mudasse muito rapidamente, porém, Elisa fez algo que ninguém
esperava. Ela conseguiu amolecer o coração de gelo dela, assim
como fez com o meu.

Eu não fazia ideia de como ou o que essa mulher tinha para ser
tão especial, só sabia que tinha sorte por tê-la em minha vida.

Nunca quis morar com mais ninguém. Sabia que seria difícil ter
alguém constantemente me julgando e atrapalhando a minha vida,
no entanto, minha namorada não era esse tipo de pessoa.

Ela sabia das minhas manias, dos meus jeitos e respeitava tudo
isso, assim como aprendi a respeitar os dela. Talvez tenha sido isso
que eu esperava desde o início, e Anna estava certa em dizer que
existia uma pessoa específica para cada um de nós.

Eu queria que ela estivesse aqui, acredito que as duas se


amariam, mas nem sempre tínhamos o que desejávamos e sabia
que eu tinha que aceitar esse fato.
Hoje, finalmente, conheceria a mãe da minha namorada e
mesmo estando nervoso, estava animado.

Era inegável a minha mudança, porque meses atrás eu correria


disso. O bom era que eu não estava sozinho nessa, pois meu irmão
teve a sorte de namorar a irmã da minha namorada e sabia o quanto
isso era estranho de se pensar.

— Como aceitou fazer isso tão facilmente? — Questionou-me


Dominic tentando me ajudar na cozinha.

Nunca vi meu irmão sendo tão medroso. Ele já teve receio de


não conseguir ser um bom administrador, e se provou ser muito bom
no que faz, mas agora ele estava simplesmente suando frio só
porque iria conhecer a sogra.

Geralmente os genros tinham esses sentimentos quanto às


mães das namoradas, porém para mim isso era bobagem. Ela só
não gostaria de mim se eu fosse um filho da mãe para a sua filha, e
penso que não me encaixo nisso nem meu irmão.

— Por que está agindo como um menino que está prestes a ir à


diretoria, cometeu um delito no colégio?

— É fácil para você estar tranquilo. Sempre foi bom com as


pessoas e todas as mulheres caem na sua lábia. — Acusou-me. —
Mas eu não. Sempre acontece algo que faz com que eu pareça um
idiota.

— Relaxa, ela não é um general. Se a sogra for como as filhas,


não temos o que temer. — Falei tentando ajuda-lo.

O som da campainha fez meu irmão me olhar


desesperadamente. Não pude deixar de rir dele.
O deixei cuidando da cozinha, para receber nossas convidadas.
Preferimos fazer na minha casa. Eu faria o jantar.

Dom me acusou de querer aparecer, mostrando os meus dotes


culinários e não era isso que queria, porém, sempre era bom
agradar à sogra.

Abri a porta com o meu mais belo sorriso. Era a primeira vez que
eu via a mulher, mas não dava para se confundir.

— Pensei que trariam a mãe de vocês, não uma terceira irmã. —


Falei as fazendo sorrir. Eu não estava exagerando. A mulher era
bem jovem.

— Sei o que está fazendo, e estou gostando. — Disse a mãe. —


Você deve ser o Henrique?

— Sim, o dono do coração da sua filha mais velha. — Falei


beijando a mão dela.

— Exibido. — Resmungou meu irmão que estava atrás de mim.


— Claramente é mal-educado, por estar fazendo vocês esperarem
do lado de fora.

— Onde arranjaram esses dois? De uma capa de revista? —


Perguntou a mulher parecendo impressionada.

— Saiba valorizar as belezas locais, mãe. — Disse Elisa.

— Entrem, por favor. — Pedi afastando-me para elas passarem.


— Fique à-vontade, senhora Medeiros.

— Sabe irmão, estou acreditando que só está sendo tão


simpático para me irritar. — Cochichou Dom. — Você sempre é um
grosso e chato.

— Você é que nunca vem até aqui e não aprecia o meu novo eu.
— Vocês não estão brigando, não é? — Perguntou Mariana.

— Digamos que meu irmão está preocupado com o que sua mãe
vai pensar dele. — Falei me divertindo com a sua situação.

— Não se preocupe com a nossa mãe, ela já ama você. — Disse


Elisa.

— Como assim? Por que ela o ama sem o conhecer? —


Questionei curioso.

— A família acreditava que Mariana terminaria sozinha com um


apartamento cheio de gatos, Dom nos deu esperanças.

Não pude deixar de rir com a situação. Parecia que a noite seria
muito divertida.

— Está vendo, não é só o seu irmão que é um chato. —


Reclamou a baixinha para meu irmão.

— O que estão cochichando aí? — Perguntou a mãe. — Eu


estava observando a sua casa, espero que não se importe, e achei
ela linda. É grande, bom para as crianças.

Senti um calafrio na nuca e sorri de nervoso. As coisas estavam


indo para o futuro rápido demais.

— Não viaja, mãe, eles nem casaram e você já quer netos.

— Só foi um comentário.

Saímos para conversar no jardim. Julia era uma mulher simples


e muito divertida. Seus comentários sempre rendiam risos e aos
poucos meu irmão foi relaxando.

A mulher ficou impressionada quando falei que estava


preparando o jantar e se dispôs a me ajudar, porém, recusei.
O pai das garotas não saía de casa, pois cuidava de uma
fazenda e isso o impedia de vir à cidade.

Quando a comida ficou pronta, servimos a mesa.

— Nossa, o cheiro está ótimo. — Disse ao se sentar.

— Henrique tem mãos de fada para a cozinha. — Brincou Elisa.

— Acredito que minha filha teve sorte, não são muitos homens
que cozinham.

— Obrigado, Dom também me ajudou. Nossa avó era uma chefe


muito boa e sempre que íamos a sua casa ficávamos na cozinha e
assim aprendemos muita coisa.

— Que incrível — ela disse parecendo feliz. — Não sabia que


ficaria tão feliz em conhecer os meus genros. Acredito que não
tenham nenhum defeito.

Ouvimos o som da companhia tocar, e achei estranho, pois não


esperava ninguém.

Pensei que deveria ser o meu vizinho mais próximo, mas ao abrir
a porta, quase tive um troço. Minha mãe estava com um sorriso de
orelha a orelha e nem pediu licença, foi entrando do nada.

— Querido, eu queria lhe dizer algo. — Disse caminhando até a


sala. Eu quis impedi-la, porém, isso só pioraria as coisas. Ninguém
falou nada para ela, e era difícil minha mãe aparecer na minha porta
do nada. Justo no dia em que eu receberia a mãe de Elisabete, ela
resolveu aparecer. — Sua tia virá da Europa e faremos um…

Ela parou quando viu pela janela de vidro todos reunidos à


mesa, então se virou para mim.

— Estávamos jantando, mãe.


— Quem é aquela mulher?

Tive que pigarrear antes de falar qualquer coisa. Foi bem difícil
fazer minha mãe aceitar nossos relacionamentos, e apesar dela ter
melhorado o seu comportamento, eu não queria estragar essa noite.

— Eu só peço para que não seja rude ou desagradável. — Falei


antes de qualquer coisa. Ela pareceu impaciente e esperava pela
resposta. — É a mãe das meninas, então é melhor a senhora não
estragar as coisas. Estamos conhecendo Julia agora.

— Vocês planejaram um jantar com a sogra e não me avisaram?


— Questionou ficando boquiaberta.

— Mãe, não pode nos julgar, sabemos como você foi terrível
com Mariana e Elisabete no início. — Disse colocando a mão na
cintura.

Ela virou-se abruptamente e subiu os poucos degraus para


chegar à sala de jantar. Meu coração foi à boca e nem tive tempo de
impedi-la.

— Desculpa o atraso, fiquei presa no trânsito. Sou a mãe dos


meninos. — Disse com um sorriso no rosto.

Todos estavam assustados e não sabíamos o que aconteceria.


Só esperava que não terminássemos a noite da pior forma.
Capítulo 46 — Elisabete
Não vou mentir, senti um pouco de receio quando chegamos à
casa de Henrique. Eu não sabia o que estaria por vir e se algo
aconteceria para que tudo desse errado. Eu sabia que isso era novo
para ele e que o homem sentia certa dificuldade em conhecer
pessoas.

Minha mãe era um amor. Sempre foi simpática com todos e


saber disso me tranquilizava um pouco. Claro que ela nunca gostou
do Miguel, mas agora eu entendia o porquê.

Fiquei surpresa com o bom humor dele assim que abriu a porta.
Certamente Henrique queria passar uma boa impressão. Estávamos
na transição para morarmos juntos, e tudo isso parecia maluquice.

Senti que Dominic, assim como a minha irmã, estava apreensivo.


Provavelmente também não passou pela experiência de ser
apresentado a mãe da namorada. Acredito que os irmãos Vilella não
tenham tido muitas namoradas ou que nunca avançaram na relação
como agora.

A noite estava alegre e muito tranquila, até a campainha tocar e


Catarina Vilella aparecer na sala de jantar varrendo o lugar com
seus olhos curiosos.

Não sabia que ela viria, e mesmo não tendo nada contra a
mulher, atualmente, sabia que ela já causou muita dor de cabeça
para mim e minha irmã no passado.

Não sabia como ela agiria, e todos pareceram surpresos com a


sua aparição.

Dona Julia sempre foi uma mãe pacífica e compreensiva, a não


ser é claro quando fazíamos merdas ou quando alguém prejudicava
e humilhava a nossa família.
Milhares de situações se passaram por minha cabeça, e em
todas elas a noite terminava com discussão e dor de cabeça para
todos. Porém, decidi ser positiva e rezar para que o senhor Deus
nos ajudasse com essas duas.

— Eu estava ansiosa para conhecer a mulher que criou esses


dois homens incríveis. — Falou minha mãe, levantando-se para
cumprimentar Catarina. — Você está de parabéns.

A mulher abriu um sorriso largo e apertou a mão dela, também a


cumprimentando.

Eu estava me sentindo naquele jogo, campo minado, onde você


não sabe onde pisa e a qualquer momento uma bomba poderia
explodir e acabar com tudo.

— Obrigada, meus meninos são mesmo ótimos. — Falou


orgulhosa. — Mas confesso que não fui uma mãe exemplo. Quando
Henrique nasceu eu nem sabia o que fazer direito. Quem me ajudou
em tudo foi minha mãe.

Todos que conheciam Catarina, estavam achando estranha toda


a sua simpatia. Olhávamos uns para os outros, tentando descobrir o
que poderia ter acontecido com a mulher arrogante e
preconceituosa que eu conheci.

— Mãe, sente-se aqui. — Pediu Henrique puxando a cadeira


para ela.

Servimos a comida, enquanto as duas batiam um papo. A mesa


era grande, Henrique e eu estávamos lado a lado, e Mariana e
Dominic à nossa frente.

Não falamos nada, apenas observamos a interação das duas.


— O que aconteceu com a sua mãe, ela foi abduzida por
extraterrestres? — Perguntei sussurrando a meu namorado.

— Talvez. — Ele respondeu.

— Seu marido não virá? — Questionou minha mãe.

— Samuel não é de jantares familiares, não mais. — Falou


cabisbaixa. — Você ficará aqui por muito tempo?

— Não muito, só essa semana. Deixei meu marido sozinho na


fazenda. — Ela explicou.

— Vocês têm uma fazenda?

— Cuidamos de uma para um fazendeiro muito rico. Ele vive em


outro estado, mas tem propriedades em todo o país.

— Interessante. — Falou e virou-se para nos observar. — Por


que estão tão calados?

— Não queremos atrapalhar a conversa de vocês, parecem que


se deram bem. — Falou Dom.

— Julia é uma mulher muito simpática, assim como as filhas.

Mariana quase se engasgou com a bebida que estava bebendo.


Chutei sua perna para que ela não falasse nada que estragasse
tudo.

— Sempre criei minhas meninas muito bem. — Minha mãe


estava feliz com o jantar e eu estava agradecendo a Deus por essa
paz. — Espero que tenhamos netos logo. Ficarei feliz em vê-los
correr pela fazenda e subir em árvores quando forem nos visitar.

— Meus netos não subirão em árvores, isso é perigoso. —


Discordou Catarina.
— Minhas meninas estão vivas, então acredito que podem se
arranhar um pouco.

— Não estamos mais em 1990, as crianças de hoje em dia não


fazem mais isso.

— Então vai querer que elas fiquem presas em casa com os


olhos no telefone?

Estava bom demais para ser verdade. Como do nada elas


podem brigar?

— Mães, não vão começar com discussões. — Pediu Henrique.

— Dona Julia! — Chamei a sua atenção.

Às duas baixaram a guarda e isso me tranquilizou. Depois do


jantar ainda tivemos um momento tenso, porém, nada que não
pudéssemos resolver na hora.

Unir duas famílias era difícil em qualquer situação, e quando


éramos totalmente diferentes dos outros isso complicava ainda
mais.

Cresci no interior, meus pais sempre tiveram que viver com


pouco, e só com o tempo pudemos melhorar um pouco a nossa
situação. Henrique e Dominic cresceram em berço de ouro e
sempre tiveram do bom e do melhor.

Era óbvio que quando essas duas realidades se chocassem iria


causar um pouco de agitação, no entanto, poderíamos resolver
tudo.

Minha mãe achou melhor ficar com Mariana em seu


apartamento. Como eu estava “morando” com o meu namorado,
fiquei na casa e o ajudei com a bagunça que ficou depois do jantar.
— Por um instante pensei que as duas realmente ficariam
amigas, mas algo aconteceu e a magia acabou. — Ele disse com
bom humor. — Minha mãe será sempre difícil de lidar.

— Ela não tem toda a culpa, viu que minha mãe também não
ajudou muito. Fiquei surpresa por Catarina ser tão comportada e
simpática. — Falei ainda surpresa.

— Pensei que ela bateu a cabeça em algo.

Ri da sua piada, mas fiquei pensando que essa foi a primeira de


muitas situações entre as nossas famílias. O problema real não era
nossas mães, pois parecia que a senhora Vilella queria mudar seu
jeito. No entanto, meu pai e o pai de Henrique eram os verdadeiros
problemas.

— Você já falou com seu pai? — Perguntei enquanto lavava os


pratos. — Faz um tempo que tudo aquilo aconteceu, não vai querer
ficar brigado com ele para sempre.

— Não sou eu, Elisa, é ele. Sempre que tento conversar, ele se
afasta. — Diz com amargura na voz. — Talvez ele me odeie pela
briga com Anna e isso não fará com que nós voltemos às boas.

— Espero que ele perceba que o passado deve permanecer lá, e


não que continue interferindo no futuro.

— Quer saber, isso pode ficar para amanhã. — Disse jogando o


pano de prato em cima da bancada, e me puxando para perto dele.
— Vamos mudar o clima dessa noite.

Sempre que nos beijávamos, era como se fosse a primeira vez.


Era inevitável não sentir meu coração bater forte, como se eu
estivesse correndo em uma maratona. Minha mente se esvaziava e
nada mais existia ao nosso redor.
Henrique me colocou em cima da bancada da cozinha sem
dificuldade nenhuma. Não importava o que aconteceu há algumas
horas, quando ficávamos sozinhos nada mais importava. Não
existiam diferenças ou brigas. Só o nosso amor.
Epílogo
Dois anos depois

Henrique

Tudo isso parecia mentira e que a qualquer momento eu


acordaria e nada disso seria real. Não era o que eu desejava, pois
em muito tempo não era tão feliz.

Todos os dias ao acordar, via seu rosto lindo e seu sorriso


matutino que fazia o meu dia valer apena.

Como pude fugir disso por tanto tempo?

Sim, existia uma pessoa específica para cada um, pois se não
fosse isso, penso que não estaria tão ansioso para hoje.

Em dois anos aconteceram muitas coisas surpreendentes.


Coisas que poderiam nunca ter acontecido da forma como
aconteceu, se eu não tivesse mudado e deixado de lado a minha
frieza e meu receio.

Dizem que o medo é um instinto que nos protege de coisas ruins


da vida. Porém, em algumas situações ele nos impede de muita
coisa.

Claro que hoje sou muito mais forte e decidido do que há três
anos atrás.

Elisabete e eu somos muito felizes. Há um ano conhecemos um


garoto que estava passando por uma situação difícil, que me fez me
identificar com ele rapidamente.
Lucas perdeu toda a sua família em um acidente de carro. Ele
ficou com sequelas, não só físicas, mas também psicológicas.
Perder quem você ama, era a pior coisa que se podia acontecer
com alguém.

Muitas pessoas poderiam dizer que não se deveria temer a


morte, mas acredito que se deva ter medo da perda, pois essa dói
mais que uma ferida no corpo, era uma ferida na alma e não tem
remédio no mundo que cure tal coisa.

Elisabete e eu começamos a ajudar um orfanato, e foi por isso


que achamos o Lucas. Ele não tinha mais todos os movimentos das
pernas e usaria muletas pela vida toda.

Se já era difícil ser adotado sendo uma criança saudável, tendo


tal dificuldade piorava a situação.

Quando conversei com minha noiva sobre adota-lo, ela ficou


surpresa, mas também feliz. Eu não podia fazer isso sozinho, sabia
que teria que ter seu consentimento.

Elisabete me apoiou e sabia que teríamos que dar toda a


assistência para essa criança, devido aos seus traumas.

Nosso país dificulta muito a adoção de uma criança, e já faz um


bom tempo que lutamos para adotar o garoto que tem seis anos.

Hoje era um dia especial, pois me casaria com Elisabete. Isso


ajudaria a acelerar o processo, no entanto, não era só por isso que
estávamos fazendo tal coisa. Amo aquela mulher e ela era tudo para
mim.

— Como está se sentindo? — Perguntou o meu irmão que me


ajudava a me preparar para o grande momento.

— Estou bem, só um pouco nervoso. — Falei ajeitando o meu


colarinho.
— Se fosse eu, estaria em pânico. — Disse enquanto olhava
para a janela.

— Não se preocupe, em alguns meses, será você a ir para o


altar e entrará em pânico. — Brinquei.

— Por que ficaria com medo, é ruim casar? — Perguntou Lucas


que estava sentado no sofá.

— Não é nada ruim quando se ama a mulher, é que o Dominic


sempre foi um medroso. — Falei indo até ele, e me abaixando. —
Está confortável?

— Claro. — Falou baixando a cabeça. — Mas vou estragar as


coisas.

— Por que está dizendo isso? — Perguntei fazendo ele me olhar.


— O que está acontecendo?

— Tudo está tão bonito, e olha para mim com essas muletas.

Ainda era difícil para ele aceitar a sua nova condição, e nós
teríamos que o ajudar nisso.

— Você não vai estragar nada. Olha para você, está bonitão com
essa roupa. As suas muletas não tiram o seu charme. — Falei
tentando anima-lo.

— É cara, você não pode ficar triste hoje. — Disse meu irmão
me ajudando.

— Não é porque você tem uma dificuldade ou deficiência que


não é bonito, Lucas. As pessoas irão entender e mesmo que não
entendam, não deve deixar que isso te entristeça.

Ele pareceu mais animado e continuamos nos arrumando. Eu


sabia dos desafios, mas agora não me sentia mais amedrontado
com nada.

Elisabete

Eu sabia que esse dia chegaria, porém, a ansiedade não


diminuiu nada. Não podia descrever o quanto estava feliz com tudo
o que aconteceu na minha vida.

Meu casamento seria hoje, em alguns meses teríamos a guarda


definitiva de Lucas, e coisas novas chegariam no futuro.

— Você está linda, querida. — Falou minha mãe que me


segurava antes que as portas da igreja fossem abertas.

Estávamos casando na igreja, pois foi uma exigência das nossas


famílias, mas não importava o local, o que eu realmente queria era
estar casada com Henrique e ser feliz.

O frio na minha barriga me fazia sentir insegura em andar até o


altar. Sabia que assim que as portas se abrissem, as pessoas se
levantariam dos seus lugares para me ver entrando e isso me dava
medo.

— Vamos acabar com essa atenção exagerada, estou ficando


cada vez mais nervosa. — Falei.

Assim que as partas foram abertas, senti meu coração parar de


funcionar. Todos se viraram para me olhar. Nunca estive em uma
situação assim. Tive que ter a ajuda do meu pai para começar a
caminhar.

Quanto mais eu andava, mais longe estava do meu objetivo.

Talvez a iluminação da igreja tenha algo angelical, pois quando


os meus olhos bateram no Henrique, ele tinha uma áura que o
deixava ainda mais lindo.
Para não cair ou ficar ainda mais desesperada, concentrei a
minha atenção nele. Antes de subir, vi o pequeno Lucas sentado
perto de Catarina. Agora a mulher babava o novo neto que ganhou.
Ele estava tão lindo com um pequeno smoking.

Após subir os poucos degraus, apoiei-me nele e a sensação de


toca-lo novamente levou embora toda a insegurança.

Era como se suas mãos me passassem a segurança e confiança


necessária para continuar em frente a todos.

***

A recepção pôs cerimônia não foi muito longe de onde o


casamento foi realizado. Queríamos algo simples, mas quando
Catarina e minha mãe se juntavam, nada ficava no “simples”.

— Viu como ele ficou feliz. — Falou Henrique que estava ao meu
lado na mesa. Ele se referia a Lucas, que dançava com as nossas
mães. Ele era um garoto especial, e quando meu marido falou sobre
seu desejo em adota-lo confesso que me emocionei. Nunca pensei
que o homem que conheci iria gostar tanto de se tornar pai, porém,
a interação entre eles fluiu tão naturalmente que era como se ele
tivesse nascido para isso. — Fico feliz em vê-lo tão contente.

— Logo teremos a guarda do Lucas, espero que as coisas


fiquem mais leves para ele. — Falei sentindo um sentimento bom no
peito.

— Quero agradecer tudo o que faz por mim.

Olhei para Henrique achando surpresa no que ele estava


falando.

— Você não tem que agradecer nada.


— Claro que tenho. — Ele virou-se e ficamos frente a frente. —
Desde o dia em que nos conhecemos você foi como um anjo para
mim. Chegou como um meteoro, e confesso que me deixava louco
quando me provocava. — Eu gostava quando ele era aberto com os
sentimentos. — Agora estamos casados e vamos adotar uma
criança. Isso é maluco, em simultâneo, incrível. Eu nunca imaginaria
que algum dia estaria tão feliz. Você mesma sabe como eu era e
como iria formar uma família sem sentimentos, só por obrigação.
Elisabete, você me deu tudo isso. Essa nova vida. Eu amo você, e
sentirei isso para sempre.

Não tinha como não me sentir emocionada com tudo o que ele
falou. Henrique sabia como mexer com as minhas emoções e fazia
isso com maestria.

— Você também me mudou. Teve sorte por não ter te matado lá


no início, nem estaríamos aqui agora.

— Você teria razão se tivesse feito. — Brincou.

— Eu também amo você, apesar de ser um chato. — Falei


emocionada.

Ao final da festa, fomos para Fernando de Noronha. Não


queríamos ficar longe por muito tempo, sem falar que o lugar era
lindo e aconchegante.

Eu não podia estar mais feliz. Tinha o homem dos sonhos e


estávamos construindo uma família linda.

Todos nós passamos por momentos bons e ruins. O destino


sempre nos coloca em situações estranhas e que pensamos que
nada mais dará certo, mas acredito que tudo o que vivemos sirva de
aprendizado para que no fim consigamos chegar onde queremos, e
finalmente deixar aqueles dias de caos.
Bônus de natal
Elisabete
Não dava para acreditar que isso estava acontecendo. Não
conseguia sair do pequeno banco de madeira em frente a linda
penteadeira do quarto porque estava nervosa.

Já fiquei nervosa antes, como no dia do meu casamento com


Henrique, quando recebemos a guarda do Lucas e depois, quando
estava dando à luz a nossa filha, Estela.

Porém, parecia que meu coração estava entrando em modo


turbo e minhas pernas estavam bambas. Talvez fosse pelo fato de
que eu teria que discursar na frente de muitas pessoas, e poderia
ter um tique na voz quando estava sob pressão.

Eu já imaginava todos rindo da minha cara quando não saísse


palavras pela minha boca, justamente porque estava gaguejando.

O pior era que essa premiação caiu justamente na véspera de


natal. Quem marca uma premiação na véspera de natal?

Todos estavam viajando para as suas casas e as famílias se


preparavam para a ceia.

Eu estava a ponto de gritar e dizer a Henrique que eu não iria.


Poderíamos dizer que peguei uma gripe horrível, ou pior, conjuntivite
que era contagioso.

— Você ainda não está pronta? — Ele me questionou


aparecendo no quarto.

Olhei para o meu marido pelo reflexo do espelho e vi o belo


homem que vestia um smoking preto perfeito, que se ajustava ao
seu corpo, me deixando encantada.

— Não sei se vai dar para ir. Não me sinto bem. — Falei
levantando-me.

Ele sabia qual era o meu receio, já tínhamos conversado sobre


isso antes.

— Elisabete, você não vai fugir disso. — Falou como se


estivesse me dando uma bronca. — Lutou tanto por esse momento.
Não pode deixar que seu medo de palco estrague a sua glória. Não
quero ter que a lembrar de que passou por muita coisa até aqui. O
chefe irritante, as noites em claro, até as brigas com seu marido
gostosão porque estava trabalhando demais.

Foi impossível não rir. Henrique tinha bom humor quando queria
e estava aprendendo a fazer piadas com as coisas.

— Do que adianta ir e não conseguir subir no palco. — Disse


chateada. — Além do mais, é véspera de natal. Quem ganha um
prêmio desses na véspera de natal?

— Está reclamando do presente que o papai Noel está de


dando? — Questionou aproximando-se e me abraçando forte. —
Não pode perder essa oportunidade. Você é talentosa, e merece
tudo isso.

Henrique tinha razão, mas isso não diminuía a minha ansiedade


e frustração.

As crianças estavam na casa dos pais dele, e sabia que minha


mãe e pai, assim como Dom e Mariana também.

Era só ir, esperar me chamar e receber o prêmio. Depois devia


falar o quanto estava feliz e sair. Repassei essas coisas na minha
cabeça até chegarmos no local.
Era Natal e a cidade estava toda enfeitada com o tema. Às vezes
eu gostaria de viver um natal como lá fora, mais especificamente na
América do Norte. Tudo ficava frio e branquinho. As pessoas
vestiam roupas lindas e aconchegantes. Adorava meu país e minha
região. No entanto, não custa experimentar algo diferente.

O local era enorme e elegante. Muitas pessoas que estariam na


festa eram importantes e profissionais da arquitetura e paisagismo.

Realmente estava feliz. Como Henrique disse, eu me dediquei.


Não porque desejava esse prêmio, mas sim porque queria entregar
um ótimo projeto. Esse era o meu reconhecimento e não poderia
perder por causa de uma paranoia.

Entramos no grande espaço, que estava decorado com muita


elegância e sentamos em nossos lugares. Minhas mãos estavam
suando, era um dos efeitos da ansiedade.

— Olha, vou te dar uma coisa, mas não exagera e toma logo.
Não quero ter que lembrar desse dia por outro motivo. — Falou me
entregando uma pequena garrafa prata.

— O que é isso? — Perguntei desconfiada.

— Seu incentivo. É para você relaxar. — Disse abrindo a coisa.


— Só alguns goles, sabemos como fica quando toma álcool.

— Você quer me embebedar — reclamei sussurrando.

— Não vai se embebedar se não tomar todo. Se não quiser, eu


tomo. — Disse virando a garrafa e tomando um gole.

Não sabia se era uma boa ideia, mas tomei o que ele me deu.
Era forte e amargo. Nunca tomei essa coisa, só cerveja. O liquido
desceu queimando.

— O que é isso? — Perguntei achando horrível.


— Vodca. — Disse rindo de mim.

— Seu idiota, quer me matar? — Questionei dando um leve soco


nele.

— Relaxa. Aos poucos você vai perder essa ansiedade. — Disse


ao meu ouvido.

Ele estava certo. Meu corpo sentiu menos peso depois desse
gole. Ainda sentia medo de falar besteira em cima do palco, mas
meu cérebro estava aproveitando mais a premiação do que antes.

Henrique

Não sabia se estava fazendo certo, dando vodca a minha esposa


momentos antes dela subir no palco para receber um prêmio.
Porém, ela estava surtando, e eu sabia bem como isso iria acabar
se eu não tivesse feito.

Conseguia ver o seu sorriso e esperava que sua fraqueza para


álcool não tivesse vindo à tona devido a um gole da minha bebida.

— Me dá mais um gole disso. — Disse pegando o meu cantil


com a vodca e bebendo mais um gole.

Tentei impedi-la, sabia que seria demais, porém não a impedi a


tempo e o pior, estavam chamando o seu nome para subir no palco.
Eu estava ferrado. Elisa costumava ficar mais solta com alguns
goles e se falasse suas típicas baboseiras que dizia quando estava
bêbada, amanhã poderíamos nos separar de vez.

Ela se levantou, e tive receio de que estivesse com dificuldade,


mas para a minha surpresa, não estava.
Elisabete caminhou muito alegre para o palco, e eu rezava para
que ela estivesse bem. Quem estava apresentando os vencedores,
deu o seu prêmio e era hora do discurso. Poderíamos esperar por
qualquer coisa.

— Estou muito, muito feliz por estar aqui, recebendo esse


prêmio. — Parecia que eu estava mais ansioso do que ela nesse
momento. — Sinceramente, eu não queria subir aqui. Estava
ansiosa e tenho certo pavor de público, no entanto, o meu marido,
aquele bonitão que está ali... — Falou apontando para minha
direção. Realmente estava ferrado amanhã. — Ele me deu um
incentivo. — Ok, nada demais. — Eu trabalhei horas e horas para
terminar esse projeto, e perdi algumas noites quentes, admito. —
Por Deus. Agora era eu que estava suando frio. — Mas fui
recompensada depois. E agora também. — Todos sacaram o que
ela falou, e riram disso. Fiz um sinal para que ela acabasse logo e
descesse. Qualquer palavra a mais seria usada contra mim. —
Obrigada, mas ele está dizendo que estou falando de mais, acho
melhor eu ir.

Levantei e fui até ela. As pessoas sabiam que a mulher tomou


algo para falar tanto.

***

No carro, em direção a casa da minha mãe, pude rir de toda a


situação. Não teve muita coisa dita, mas já rendeu umas boas
gargalhadas. Se estivesse em seu estado perfeito, Elisa estaria me
batendo, porém, o efeito do álcool era incrível e ela estava tendo
uma crise de risos, assim como eu.

Quando Mariana abriu a porta, ela ainda estava rindo. E sua irmã
me olhando estranho.

— O que deu a louca? — Perguntou a mim.


— Vodca para relaxar. — Falei com humor. — Mas acredito que
vou morrer amanhã.

— Talvez eu te mate na cama mais tarde. — Disse com os


braços sobre o meu pescoço.

— Aproveita. — Sugeriu a irmã.

Minha mãe se aproximou de nós, e foi recebida pela simpatia da


nova Elisabete.

— Sabia que eu te odiava? — Disse ainda agarrada a ela. –


Pensei que ia te matar naquele dia que conversamos sobre
Mariana. Sério, eu teria essa coragem. Porém, meu lado certinho
salvou a sua vida.

— Que bom! — Ela respondeu achando as palavras estranhas.

A noite foi muito divertida, graças a ela. Parece que sempre que
Elisabete bebia, seu filtro sumia e ela falava o que dava vontade.
Pelo menos não tivemos um natal chato, como sempre.

Não demorou muito para que ela caísse no sono. Sabia que a
culpa era minha e esperava que seu amor por mim fosse maior que
seu ódio amanhã.

Colocamos as crianças para dormir e ela também estava no


quarto. Tive que ficar de babá, para que nenhum deles acordasse
com as loucuras dela, mas nada aconteceu. Até o dia seguinte.

— O que aconteceu? — Questionou sentando na cama com a


mão na cabeça. — Porque estou com dor de cabeça?

— Você ainda está cansada, volte a dormir. — Disse a puxando


de novo para junto de mim.
— Não estou cansada, estou com dor de cabeça. Além disso,
não me lembro do que aconteceu.

— Ótimo, assim tudo fica tranquilo. — Falei.

Ela se levantou e acendeu o pequeno abajur que ficava perto da


cama. Seu olhar questionador me analisava e não tive como segurar
o sorriso.

— O que aconteceu?

— Ok. — Sentei na cama e olhei para ela, esperando que Elisa


achasse tudo muito engraçado. — Você foi à premiação, recebeu o
prêmio e depois voltamos para casa onde todos comemos e
bebemos.

— Não me lembro de nada disso. — Disse a si mesma. — Bebi


antes ou depois? Não sabia que o álcool afetava a minha memória
de antes.

— Você bebeu duas doses de vodca do meu cantil. Ficou bem


animada e animou o público com o seu humor alcoólico.

Ela não estava de bom humor, mas tentei amenizar tudo com um
beijo em seu rosto.

— Me fez passar vergonha na frente de todo mundo? —


Questionou cerrando os olhos.

— Claro que não. Além disso, você não falou tanta besteira, só
coisas leves, e todos te adoraram.

Elisabete levantou chateada e passou a manhã sem falar


comigo. Sabia que fiz besteira em dar álcool para ela, mas isso fez
com que ela conseguisse subir no palco e não podia mudar o que
aconteceu.
— Eu poderia ficar chateada com você. — Falou, depois de me
ignorar por três horas. — Mas não vou. Eu fui na sua.

— Não me culpe, você bebeu a segunda dose. — Me defendi.

— Está botando a culpa em mim? — Questionou ficando


chateada.

— Não, com certeza a culpa é minha. Não fique chateada, eu


amo você, não quis estragar a sua noite.

Ela se fez de chateada, mas cedeu no fim. Nunca ficávamos


brigados por muito tempo, e isso nos fazia ser mais felizes.

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