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BRASÍLIA, 2021
RESUMO
O artigo busca encontrar uma relação, mesmo que incipiente, entre a armadilha da renda
média e as migrações na Argentina e Brasil. Sabe-se que países que se encontram na
armadilha da renda média, conceito que será explorado neste artigo, atingem
determinados patamares intermediários de renda, porém estagnam e não conseguem
atingir níveis de desenvolvimento e bem-estar social similares ao de países
desenvolvidos. Os países de renda média se caracterizam em explorar recursos naturais,
itens de baixo valor agregado e venda de commodities em geral, diferenciando-se de
países que emergem da renda média, e alcançam um desenvolvimento por meio da
produção de itens de alto valor agregado oriundos de investimentos em Ciência,
Tecnologia e Inovação (CT&I), educação e conhecimento, proporcionando a ampliação
do bem-estar social a diversas estratificações sociais desse Estado. Nesse contexto,
fenômenos políticos e socioeconômicos estão relacionados, e diversas vulnerabilidades e
desigualdades sociais, latentes e manifestas, podem ser agravadas, como é o caso dos
imigrantes, foco do estudo. Assim, o artigo objetiva explorar variáveis que se conectam
e se relacionam com as migrações nesses dois países, tendo como hipótese que a
estagnação da renda média pode não favorecer à imigração, considerando fortes disputas
entre nacionais e imigrantes na economia formal e informal. Adicionalmente, vertentes
políticas e ideológicas podem favorecer ou desestimular a imigração, dificultando o
alcance de bem-estar social e conquista de valores de autoexpressão, incluídos os
imigrantes. Como exemplo, pode ser citado o populismo que propicia um ambiente com
sentimentos nacionalistas, exacerbando vulnerabilidades aos imigrantes. O trabalho
utilizará enquanto metodologia a pesquisa bibliográfica sobre as temáticas e empregará
análises quantitativas e qualitativas de dados oriundos das plataformas World Bank,
IPEA, World Values Survey, Latinobarometro e outras, para analisar as questões
supracitadas de Argentina e Brasil.
The article aims to find a correlation, even if incipient, between the average income trap
and migration in Argentina and Brazil. It is known that countries that find themselves in
the middle income trap, a concept that will be explored in this article, reach certain
intermediate income levels, but stagnate and cannot achieve levels of development and
social welfare similar to those of developed countries. Middle-income countries are
characterized by the exploitation of natural resources, low value-added items, and the sale
of commodities in general, differentiating themselves from countries that emerge from
middle-income, and achieve development through the production of high value-added
items derived from investments in Science, Technology and Innovation (ST&I),
education, and knowledge, providing the expansion of social welfare to various social
stratifications of this state. In this context, political and socioeconomic phenomena are
related, and several vulnerabilities and social inequalities, latent and manifest, can be
aggravated, as is the case of immigrants, the focus of this study. Thus, the article aims to
explore the variables that are connected and related to migration in these two countries,
having as a hypothesis that the stagnation of middle income may not favor immigration,
considering strong disputes between nationals and immigrants in the formal and informal
economy. Additionally, political and ideological trends can favor or discourage
immigration, impeding the achievement of social well-being and the development of self-
expression values, including immigrants. As an example, we can cite populism, which
provides an environment with nationalistic feelings, exacerbating the vulnerabilities of
immigrants. The work will use as methodology the bibliographical research on the themes
and will use quantitative and qualitative analysis of data from the platforms World Bank,
IPEA, World Values Survey, Latinobarometro and others, to analyze the above-
mentioned issues in Argentina and Brazil.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 5
1 CONCEITO DA “ARMADILHA DA RENDA MÉDIA”............................................ 7
1.1 Breve análise dos contextos brasileiro e argentino em relação à renda média .. 9
1.2 Possíveis desdobramentos entre a renda média e a política .................................. 15
2 O CENÁRIO DAS IMIGRAÇÕES NO BRASIL E NA ARGENTINA .................... 18
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 26
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 27
5
INTRODUÇÃO
Esse cenário tem causado instigação aos cientistas sociais e economistas políticos
sobre quais motivos inviabilizam o crescimento socioeconômico contínuo desses países,
a fim de alcançar patamares de renda alta, e proporcionar o aumento do bem-estar social
e econômico às diversas classes sociais, com melhorias na distribuição de renda e dos
indicadores sociais. A economista Eva Paus pesquisou a temática e apresenta alguns
motivos pelo qual os países de renda média ficam aprisionados:
O conceito de “armadilha da renda média” será utilizado como pano de fundo para
a discussão aqui proposta, ao refletir sobre possíveis relações entre a desaceleração do
crescimento econômico e seus possíveis efeitos nas questões migratórias de um país. A
inquietação motivante deste artigo é: a situação de um país imerso na renda média por
longo período desencadeia ambientes desfavoráveis a questões imigratórias? E quais são
as implicações da renda média no Brasil e Argentina no tocante à efetiva absorção de
imigrantes nesses Estados?
No contexto de renda média, é possível identificar países que já estiveram na renda
média e emergiram para a renda alta, como por exemplo, Irlanda, Israel e os tigres
asiáticos como Coreia do Sul, Taiwan e Singapura. Nesses casos, é possível identificar
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Por outro lado, conclui-se da leitura de Paus (2017) que essas capacidades
limitadas, citadas acima, tornam desafiante para um país recuperar o atraso no contexto
global atual, em virtude das pressões competitivas e o rápido e expressivo aumento das
mudanças tecnológicas, oriundas de potências, entre as quais cita-se a República Popular
da China. A atuação dessa potência, por um lado, é um fator importante para analisar o
rompimento do MIT, mas por outro, um dificultador, se considerado o acirrado cenário
de competição do mercado mundial para os países que ainda se encontram na renda
média.
1.1 Breve análise dos contextos brasileiro e argentino em relação à renda média
A Argentina, país que possui potencial em diversas áreas. Mas, convive com
diversos problemas sociais e econômicos, conforme apontado abaixo:
“Inflação, recessão econômica, dívida externa, empréstimos internacionais e
desvalorização da moeda são termos comuns para os argentinos. A dolorosa
experiência com a crise econômica que enfrentou este grande país sul-
americano no início deste século colocou à prova a capacidade de
sobrevivência social e econômica, bem como o nível de confiança em
instituições políticas internas e instituições financeiras”. (MINOR, LOPEZ,
p. 484, 2021, grifo nosso).
avanços e retrocessos. Apesar da recuperação econômica que atingiu seu ápice em 2012,
com o crescimento do PIB, o cenário de recessão retornou nos anos posteriores e foi
agravado em 2017 com o governo de Macri, com um grande déficit industrial no país.
Quando se analisa os dois países latinos, percebe-se diferenças de posturas na
orientação da política econômica, de acordo com o trecho abaixo.
Durante a década de 2000, enquanto os dois países compartilharam uma maior
convicção sobre a necessidade de intervenções ativas de desenvolvimento
produtivo, observa-se uma diferença na orientação da política econômica: O
Brasil tem dado maior ênfase aos aspectos microeconômicos, voltados para
competitividade de sua indústria e de seus setores estratégicos, como pode ser
visto em programas implementados ao longo da década; Enquanto isso, a
Argentina baseou sua política de competitividade mais nos aspectos
macroeconômicos, por meio políticas para expandir a demanda e sustentar uma
taxa de câmbio real estável e competitivo. (BEKERMAN, DALMASSO,
p.167, 2014, tradução nossa).
Nos países da América Latina, dada a debilidade relativa das empresas nacionais
e as dificuldades que enfrentam para financiar sua própria expansão, as
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10
0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2014 2015
1
Disponível em: < https://datatopics.worldbank.org/world-development-
indicators/themes/people.html#population >. Acesso em 16 de out. 2021.
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Países grandes (Argentina, Brasil e Chile) que fazem parte do grupo da América
Latina não apresentam aumento de produtividade, dinamismo em
industrialização ou mudança estrutural, enquanto grande parte das economias
do Leste Asiático encontra-se em vários estágios de industrialização exitosas.
Para o autor, permanecem os resquícios da crise da dívida dos anos oitenta,
acontecimento que fez com que os latino-americanos adotassem drásticas
mudanças de política econômica na intenção de reduzir níveis de endividamento
e controlar inflações que potencialmente poderiam se tornar hiperinflações.
Essas reformas não conseguiram que os níveis de investimentos retornassem aos
patamares pré-crise (...) acrescenta que a debilidade econômica e a instabilidade
das taxas de juros e de câmbio não garantiram condições suficientes para que as
economias da América Latina se preparassem para o “choque de competição”
15
Sendo assim, a partir dessa teoria, à medida que um país se desenvolve, os valores
de autoexpressão são viabilizados nessa sociedade, haja vista que os valores de
sobrevivência já estão adquiridos, significando uma evolução na pirâmide de Maslow, da
Teoria da Administração, conforme Chiavenato (2006).
Com base nessa teoria, supõe-se que imigrantes tendem a se beneficiar conforme
os países emergem da renda média, haja vista que as necessidades básicas serão atingidas
com mais facilidade, para em seguida usufruir de direitos relacionados aos valores de
autoexpressão na fase pós materialista, de acordo com Inglehart e Wilzel (2009).
Por vezes, comporta-se como um líder religioso radical, podendo ter roupagem
tanto na esquerda quanto na direita, com algumas características semelhantes e outras
distintas, vindo à tona questões de nacionalismo, foco na ajuda aos pobres e questões
imigratórias, por exemplo.
No tocante aos países latinos estudados, foco deste artigo, o Brasil e a Argentina
possuem movimento imigratório em seu território, sendo o Brasil com maior intensidade,
o que pode ser observado através de sua história, e mais recentemente nos movimentos
de haitianos e venezuelanos em seu território.
O Brasil, considerando sua população com mais de 210 milhões de habitantes,
apresenta um percentual de cerca de 0,5% de sua população total sendo de imigrantes.
Entre eles, cerca de 46% são mulheres; 25% do número total de migrantes têm 19 anos
ou menos e 15,7% têm 65 anos ou mais, até meados do ano de 2021 (UN DESA, 2021).
Em relação aos venezuelanos, que passam por uma grave crise político-econômica, até
outubro de 2020, mais de 261 mil viviam no Brasil como refugiados, solicitantes de
refúgio ou residentes temporários (Plataforma R4V, 2021).
500.000
400.000
300.000
200.000
100.000
0
Bolivia Brasil Chile Peru Paraguay Uruguay
Sobre o Brasil, observa-se que o país possui uma legislação robusta ao tema
imigração, com base nas leis de Migração nº 13.445/17 e Lei de Refúgio nº 9.474/97. No
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A “onda rosa” caracteriza-se pela mudança política observada na América Latina a partir da ascensão de
partidos e lideranças de esquerda e centro-esquerda, entre os anos de 1998 a 2014 aproximadamente
(SILVA, 2010).
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Com base nos gráficos acima e de leitura, pode-se inferir que há maior aceitação
no Brasil por parte da população às questões migratórias em relação ao país vizinho, e
que as áreas analisadas se relacionam muito com a questão econômica, novamente,
trazendo reflexões sobre a situação da renda média, e seus possíveis efeitos para a
absorção de imigrantes nos países analisados.
Em relação ao gráfico 8 que analisa a situação da imigração venezuelana para os
dois países analisados no artigo e o Chile, que também se encontra na armadilha da renda
média, percebe-se que há uma percepção positiva da sociedade brasileira ligeiramente
maior quando comparada com a argentina. Adicionalmente, uma parcela representativa
desses países interpreta “como algo negativo” a recepção aos mesmos estrangeiros, com
ênfase para o Chile que não há histórico de populismo de direita recente, o que torna o
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tema complexo e de análise aparentemente não linear. Diferentemente dos outros dois
países aqui analisados.
No contexto de análise da imigração entre países de renda média e outros que
emergiram dela, utilizando-se da base de dados World Values Survey, percebe-se que em
todos eles, independentemente de estarem em renda média ou não, há um sentimento
negativo no tocante à relação entre os imigrantes e o desenvolvimento do país e a questão
de desemprego.
No entanto, cabe ressaltar que os percentuais de percepção positiva de aceitação
do imigrante sobre “o desenvolvimento do país” são ligeiramente maiores em Taiwan,
Singapura e Coreia do Sul em relação ao Brasil e Argentina. É importante registrar que a
discordância de parte das sociedades de Singapura e Taiwan sobre “a percepção de que o
imigrante contribui para o aumento do desemprego” é ligeiramente maior que Argentina
e Brasil. Contudo há uma proximidade de respostas entre os países asiáticos e latinos,
embora haja essas diferenças citadas acima que podem insinuar caminhos de análises não
tão simples e triviais quanto à imigração e renda média.
Gráfico 9 – Percepção de imigrantes e desenvolvimento de um país
Percepção do impacto da imigração no
desenvolvimento do país
60
50
40
30
20
10
0
Argentina Brazil Taiwan ROC South Korea Singapore
Rather bad Quite bad Neither good, nor bad Quite good Very good
60
50
40
30
20
10
0
Disagree Hard to say Agree Don´t know No answer
Por fim, cabe corroborar que a crise econômica que afeta o Brasil e a Argentina
há anos e agora associada com a pandemia de Covid-19 vem exacerbando desigualdades
pré-existentes e nesse contexto refugiados e migrantes estão entre aqueles em situação de
maior vulnerabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SILVA, F. Até onde vai a “onda rosa”? Analise de Conjuntura OPSA, Rio de Janeiro,
n. 2, p. 1-20, fev. 2010.
SILVA, L.; MELO, L.; ARAÚJO, L. O fenômeno da desindustrialização no Brasil e
Argentina: uma análise comparada. Revista Iniciativa Econômica, Araraquara, v. 3 n.
2, julho-dezembro de 2017. Disponível em
https://periodicos.fclar.unesp.br/iniciativa/article/view/9654/7484. Acesso em: 28 de
out. 2021.