Gioconda Mussolini foi uma pioneira na antropologia brasileira no século XX. Ela se formou em sociologia na USP e se tornou professora, pesquisando comunidades de pescadores. Sua tese de doutorado sobre antropologia da pesca foi importante, mas não foi defendida devido à resistência de seu orientador e ao machismo na academia da época. Sua contribuição para a antropologia brasileira tem sido resgatada por estudiosos como Andrea Ciacchi.
Gioconda Mussolini foi uma pioneira na antropologia brasileira no século XX. Ela se formou em sociologia na USP e se tornou professora, pesquisando comunidades de pescadores. Sua tese de doutorado sobre antropologia da pesca foi importante, mas não foi defendida devido à resistência de seu orientador e ao machismo na academia da época. Sua contribuição para a antropologia brasileira tem sido resgatada por estudiosos como Andrea Ciacchi.
Gioconda Mussolini foi uma pioneira na antropologia brasileira no século XX. Ela se formou em sociologia na USP e se tornou professora, pesquisando comunidades de pescadores. Sua tese de doutorado sobre antropologia da pesca foi importante, mas não foi defendida devido à resistência de seu orientador e ao machismo na academia da época. Sua contribuição para a antropologia brasileira tem sido resgatada por estudiosos como Andrea Ciacchi.
GIOCONDA MUSSOLINI: TRAJETÓRIA E CONTRIBUIÇÃO FEMININA
PARA A ANTROPOLOGIA BRASILEIRA
Verbete desenvolvido para apresentar na
Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF, Campus Serra da Capivara, como requisito para conclusão da disciplina de Teoria e História da Antropologia Brasileira. Docente : Prof.º e Drº Rainer Miranda de Brito.
SÃO RAIMUNDO NONATO-PIAUÍ
2022 O silenciamento de manifestações femininas devido ao machismo estrutural que é enraizado no Brasil se fez capaz de tornar como enigma o trabalho, pesquisa e ações acadêmicas de uma das pioneiras na Antropologia Brasileira.O intuito desse artigo é abordar a trajetória de Gioconda Mussolini e sua contribuição e impacto nos estudos antropológicos no Brasil. Filha de imigrantes italianos, Gioconda Mussolini nasceu em São Paulo no dia 15 de novembro de 1913, a terceira de sete filhas cresceu no bairro Bom Retiro juntamente com sua família sendo sua infância de classe baixa, embora tenha o mesmo sobrenome que o famoso ditador italiano Benito Mussolini,Gioconda não tinha nenhum grau de parentesco com o mesmo. Sua escolaridade foi na rede pública de ensino,onde anos depois se formou em Pedagogia. Com a influência de franceses e a necessidade de desenvolver uma universidade com uma dimensão significativa,entre 1930 a 1934 houve a missão francesa com o intuito de criar a então renomada USP - Universidade de São Paulo, dentre os cursos ofertados o primeiro foi Filosofia, porém Gioconda optou por estudar Sociologia, área essa que não era muito preterido pelas mulheres. Os primeiros professores da USP eram homens franceses, dentre eles antropólogos que são pilares das primeiras pesquisas antropológicas, como Claude Lévi-Strauss que foi professor e consequentemente amigo de Gioconda, vale ressaltar que ela era fluente em francês e isso contribuiu de forma significativa dentro da academia. Concluindo o curso em 1938, Gioconda foi convidada para lecionar na USP, sendo professora de Ciências Sociais assim que concluiu seu mestrado em 1945, intitulado : Os meios de defesa contra a moléstia e a morte em duas tribos brasileiras: Kaingang de Duque de Caxias e Bororó Oriental, sendo assim a mesma se tornou professora e propulsora das manifestações antropológicas em um período onde o país passava pelo regime militar, Gioconda foi professora de Florestan Fernandes, antropólogo brasileiro que se dedicou a estudar o racismo e a desigualdade brasileira no século XX, conta-se que em um momento onde Florestan ia sendo sequestrado pelos militares devido a opressão da ditadura, Gioconda se frustra e afirma que o ser humano não tinha evoluído, devido sua insatisfação com o periodo em que o país passava ela saiu do Brasil a convite de Lévi-Strauss para ir pra França passar um período de aprendizagem com o mesmo. A agência de Gioconda como professora foi marcada pela empatia e alteridade que a mesma tinha para com seus alunos e amigos, o seu retorno da França foi marcado pelo descobrimento de um aneurisma no cérebro que acarretou o seu falecimento de forma abrupta. Antes da sua morte e com sua ingressão como professora de Antropologia ela desenvolveu sua pesquisa de doutorado entre o ano 1945 e 1968, se tornando uma “mãe fundadora” da Antropologia da Pesca no Brasil, a mesma se dedicou a perceber a cultura dos pescadores do litoral norte de São Paulo, no arquipélago de ilhabela. Na Ilha de São Sebastião, Gioconda se propôs a ir de contra o machismo que era exacerbado e até mesmo ao mito de que mulher em um barco é sinônimo de azar, a mesma em sua pesquisa de campo obteve narrativas dos pescadores e expressões que eles usavam, os conhecimentos empíricos e tradicionais, foram resultados de sua pesquisa etnográfica que expôs informações do sistema desses pescadores. A forma sistemática das tripulações da pesca de tainhas, canoas dos “pequenos pescadores”, sistema de captura, rotas de comercialização, conhecimentos nativos e ideologias dos pescadores, a troca de receitas que havia entre eles, todas essas informações etnográficas foram frutos de sua observação participante, que mesmo tendo sido extremamente bem executado acabou não sendo defendido devido a inferiorização e sua relação não tão boa com o seu orientador Egon Schaden, antropólogo brasileiro que também estava na primeira leva de manifestações antropológicas no Brasil. A Relação de Gioconda com Egon era marcada pela disparidade de idéias que havia entre ambos, Gioconda criticava o estudo de comunidades, pesquisas feitas com comunidades rurais que visava perceber a sua estrutura interna e a relação com estrutura nacional,esses estudos eram feitos por alguns antropólogos e dentre eles estava Egon,seu professor e orientador. Gioconda em suma tinha seus ideais e críticas acerca de alguns métodos que eram exercidos pelos pesquisadores daquele período,na sua participação no Congresso Americanista que ocorreu em São Paulo no ano 1954, ela apresentou seu trabalho e de forma branda desarma as tradições norte-americanas acerca dos estudos de comunidade,apontando o fato de que esses estudos fortaleciam o isolamento de povos rurais. Em toda sua trajetória, Gioconda Mussolini mesmo em meio aos intempéries da sua vida acadêmica e seus dilemas cotidianos, a professora desenvolveu seu papel de forma exímia, sendo mulher, se opondo e expondo suas críticas e descontentamentos com a academia, ambiente onde a mesma sofreu o machismo que a impossibilitou de alçar novos voos em sua carreira acadêmica e ter visibilidade necessária. A falta do debate acerca da vida e obra de Gioconda é algo recorrente nos cursos de Antropologia, pouco se é conversado e pouca é a abordagem acerca da contribuição dela na Antropologia Brasileira. Andrea Ciacchi, antropólogo e docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) se dedica a narrar a história e trajetória acadêmica de Gioconda Mussolini, mesmo em meio a poucas informações disponíveis Andrea Ciacchi desenvolveu uma longa e detalhada pesquisa acerca da vida da antropóloga brasileira, teorizando e colhendo informações com amigos e ex-alunos da mesma. Sendo pioneira acerca do estudo da Antropologia da Pesca, a tese desenvolvida foi base para outros estudos relacionados a questões marítimas, motivo esse que fez com que Andre Ciacchi tivesse contato com as manifestações antropológicas de Gioconda, o mesmo desenvolveu um estudo acerca da Antropologia do mar e da pesca no Brasil e dessa forma “bebeu” de umas das primeiras fontes de estudos acerca da determinada abordagem e com isso houve o encantamento para com a vida de Gioconda. Andre Ciacchi iniciou sua pesquisa mais aprofundada acerca da vida de Mussolini e percebeu que as contribuições da mesma seriam fundamentais para se pensar a antropologia no Brasil, dedicando sua atenção para investigar mais sobre a vida da antropóloga brasileira, o mesmo se torna referência em informações sobre a vida de Mussolini. Um dos apontamentos acerca da contribuição de Mussolini na antropologia brasileira é a sua pesquisa etnográfica com os pescadores de Ilhabela, o mesmo aponta que a agência da mesma em um território marcado pela presença masculina foi algo muito habilidoso, ela se propôs a perceber os pescadores como agentes de saber desenvolvendo um diálogo horizontal e absorvendo informações para sua tese. Quando se é pensado acerca da etnografia no Brasil, de longe não é mencionado sobre a contribuição de Gioconda, a mesma em sua pesquisa buscou ir de contra a influência norte-americana e desenvolveu algo mais vertical, propondo uma antropologia ligada a sociologia, esse exercício de observar e desenvolver um diálogo mais próximo com grupo que se é estudado, gerou uma confiança dos pescadores para com Gioconda, tornando possível os mesmos enxergarem ela como alguém que eles poderiam confiar. Desenvolvendo sua busca sobre a vida de Gioconda, Andrea Ciacchi também percebeu as problemáticas acerca do âmbito acadêmico que fez com que Mussolini não apresentasse sua tese de doutorado. Ao defender a sua tese, Gioconda Mussolini poderia assumir a cadeira de Antropologia na USP, ocupada pelo seu orientador Egon Shaden, quando o mesmo anunciou sua aposentadoria surgiu a pressão e possibilidade de Gioconda assumir, até por que ela era a pessoa que devia assumir, porém há relatos de que enquanto havia pressões para que a mesma assumisse, Shaden não há pressionava e se mostrava indisposto com esse fator. Muitos que viveram o período afirmam que Shaden foi resistente devido ao fato de que quem assumiria a cadeira seria uma mulher e que seria Gioconda, ambos tinham ideias diferentes e isso fez com que a defesa da tese fosse sempre postergada. Ser mulher em um lugar académico, numa instituição recém criada com uma grande porcentagem de ocupação masculina torna a trajetória de Gioconda algo capaz de ter extrema atenção, perceber a agência feminina em um período onde o país se encontrava nos primeiros passos de um represália e ditadura que foi capaz de silenciar e aniquilar vidas, é algo necessário.À agência de Gioconda como professora foi capaz de perceber e demonstrar tamanha revolta com as manifestações da ditadura para com os seus alunos e amigos que a mesma se propôs a dormir na USP para abrigar os alunos, não é atoa que muitos ao recordarem expressam a saudade, carinho e afeto ao falar sobre ela. Exercer o papel feminino no século XX assim como no século atual é algo árduo, porém com a passagem dos mesmos é perceptível as disparidades, Gioconda Mussolini viveu em um período onde o ser mulher estava atrelado a “submissão”, “pureza”, “prendas domésticas e habilidades manuais”, onde os homens seriam provedores e as mulheres eram seres domesticaveis que viviam para encararem as tarefas do lar. Partindo dessa observação, é perceptível que Gioconda sofreu o impacto de um machismo perverso que a levou a se frustrar diante de determinadas situações, Andre Ciacchi investigou algumas mulheres que conviveram com Gioconda e percebeu que ambas citavam que a mesma se sentia angustiada por não ter tido “êxito matrimonial”, sendo abandonada de dois casamento e consequentemente a não maternidade, que a fez com houvesse um carinho grande com os seus alunos capaz de tratá-los como filhos e filhas. Essas indagações me fazem refletir acerca do impacto do machismo na vida de uma mulher, tornando-a insegura e gerando bloqueios em sua vida, vale ressaltar que essas insatisfações também foram a causa da pouca quantidade de trabalhos publicados e até mesmo a não conclusão de sua tese. Embora haja a presença de algumas narrativas acerca da não defesa de doutorado de Gioconda, a pergunta que está ligada ao motivo da mesma será sempre feita e percebida, por qual razão não houve a defesa ?. A professora que desperta narrativas carinhosas e afetivas ao ser lembrada contribuiu de forma significativa para a antropologia brasileira, foi orientadora de grandes pesquisas acadêmicas e grandes nomes da Antropologia Brasileira. Florestan Fernandes, seu aluno e amigo no prefácio do seu livro “Evolução,Raça e Cultura” cita e elogia sua professora Gioconda Mussolini que exerceu sua profissão de forma exímia. Existem vários relatos da relação que Florestan e Gioconda tiveram, dentre um desses momentos foi quando a professor Heleieth Saffioti se preparava para defender a sua tese que foi orientada por Florestan, intitulada “A mulher na sociedade de classes: mito e realidade” convidou para sua banca Gioconda Mussolini, porém o Conselho Estadual de Educação removeu Gioconda e outro componente da banca por considerarem os membros da banca como comunistas. A vida de Gioconda é marcada pelas constantes relações e são essas que contribuem com relatos para um conhecimento e estudo sobre a vida acadêmica da mesma.
Perceber a trajetória e as contribuições de Gioconda é uma tarefa delicada,
devido a falta de informações sobre a mesma e até mesmo a falta de produções acadêmicas disponíveis torna a pesquisa algo difícil, surgem narrativas e discussões sobre sua morte, a não defesa de sua tese e suas relações com um período acadêmico marcado pela presença masculina. O fato é que é preciso discorrer e perceber a agência da mesma e destacar sua contribuição para antropologia brasileira e para além da mesma, o exercício de ser uma professora capaz de “adotar” seus alunos, desenvolver uma relação afetiva com os mesmos, produzindo pesquisas acadêmicas e expondo suas críticas, evidência a singularidade que havia na professora que faleceu de uma forma abrupta. Atualmente a Biblioteca Florestan Fernandes, da atual Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da USP, contém um acervo pessoal sobre Gioconda Mussolini, que está disponível para ser um grande instrumento de pesquisas e descobrimento da vida da primeira antropóloga brasileira, que sendo mulher enfrentou e dedicou sua vida a perceber as manifestações humanas no Brasil. REFERÊNCIAS BIBLÍOGRAFICAS
CIACCHI, Andrea. As testemunhas do sliêncio : Gioconda Mussolini entre
lembranças e esquecimentos. 31º Encontro Anual da ANPOCS, de 22 a 26 de outubro de 2007, Caxambu, MG Seminário Temático 10: De eventos e mitos: biografias, memórias e histórias nas narrações urbanas contemporâneas.
CIACCHI, Andrea. Mestranda : Gioconda Mussolini e a Antropologia em São
Paulo ( 1938-1969). Tempos Históricos • Volume 19• 1º Semestre de 2015 • p. 153- 186.
ANTROPOTEORIAS : Episódio 16: Gioconda Mussolini. Locução de Andréa de
Souza Lobo, Laura Teixeira de Queiroz Coutinho e Ana Beatriz Ogelio Figueiredo.Antropoteorias, 26 de Julho de 2022.Podcast disponível em : https://open.spotify.com/episode/7Jh7RCU4TNc2R9MyPDKEYv? si=sBW3Q43RRbaFqh5yybPQTA / Acesso em 03 de agosto de 2022
SELVAGERIAS #7 : Uma mulher pioneira na ciência : Quem foi Gioconda
Mussolini ?. Entrevistado: Andrea Ciacchi. Entrevistadores: Tainá Scartezini, Lucas Lippi e Frederico Sabanay.Selvagerias, 28 de Julho de 2021. Podcast disponível em : https://open.spotify.com/episode/4JpCx7RZsKQs6ChneHmqql? si=uwdm2mpdT6G2rLukQf48cg / Acesso em 08 de Agosto de 2022