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232 ENTREVISTA | INTERVIEW

Trajetória de uma intelectual, das ciências


sociais à saúde coletiva: entrevista com
Maria Andrea Loyola
The trajectory of an intellectual, from social sciences to collective
health: interview with Maria Andrea Loyola

Maria Andrea Loyola1, Claudia Bonan2, Ivia Maksud2

DOI: 10.1590/0103-11042021E118

MARIA ANDREA LOYOLA é socióloga e professora emérita do Instituto de Medicina Social (IMS) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A entrevista foi realizada no dia 30 de outubro de 2019,
como atividade de encerramento da disciplina ‘Tópicos Especiais em Ciências Sociais e Humanas em Saúde:
Leituras de Pierre Bourdieu’, ministrada pelas professoras Claudia Bonan e Ivia Maksud, no Programa de
Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo
Cruz (IFF/Fiocruz). Na ocasião, para uma plateia de docentes e discentes, Maria Andrea nos falou sobre
sua trajetória acadêmica, sobre o pensamento de Pierre Bourdieu, com quem teve intenso intercambio
intelectual, sobre as ciências sociais no campo da saúde coletiva e, ainda, nos proporcionou um precioso
testemunho histórico da saga de mulheres no mundo das ciências, na segunda metade do século XX. A
entrevista foi gravada e transcrita e, em seguida, editada a seis mãos.

IVIA MAKSUD: Poderia nos contar um pouco sobre a sua trajetória? Para aludir à proposta do
último livro do Pierre Bourdieu, como seria o ‘esboço da sua autoanálise’?

MARIA ANDREA LOYOLA: Em primeiro lugar, obrigada pelo interesse de vocês em minha
trajetória intelectual. Ela é muito menos o resultado de uma autoanálise do que de uma série
de circunstâncias às quais fui respondendo mais sensitiva e impulsivamente do que a partir
de uma reflexão racional. Ela tem início quando, no final dos anos 1950, ingressei no Curso de
Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora, naquela época ainda Faculdade de
Filosofia e Letras, fundada por um grupo de intelectuais católicos. E, em consequência, os autores
estudados eram todos da corrente humanista católica: Bernanos, Santo Agostinho, Jacques
Maritain, entre outros no gênero. Curiosamente, foi minha profunda ignorância dos autores
clássicos da sociologia que me permitiram ser aprovada para um Curso de Especialização em
1 Universidade
Antropologia Social, com apenas três vagas e 25 candidatos, oferecido pelo Museu Nacional da
Estadual
do Rio de Janeiro (Uerj), UFRJ. A seleção incluía uma prova baseada num tema sorteado e uma entrevista, durante a qual
Instituto de Medicina fui perguntada se havia lido Durkheim, Weber, Lévi-Strauss, entre outros, e minhas respostas
Social (IMS) – Rio de
Janeiro (RJ), Brasil. eram sistematicamente ‘não’. Fui aprovada porque fui considerada uma ‘folha em branco,’ ideal
2 Fundação
para a nova formação e, principalmente, por revelar sensibilidade sociológica na minha prova,
Oswaldo
Cruz (Fiocruz), Instituto sobre o tema da diferença geracional, a qual fiz tomando como exemplo minha própria vida e
Fernandes Figueira (IFF) – a de minha mãe. Na verdade, fiz aquele concurso porque incluía uma bolsa de estudos, com a
Rio de Janeiro (RJ), Brasil.
cbonan@globo.com qual poderia viver no Rio de Janeiro e cursar Belas Artes, carreira com que sonhava na época

Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative
Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer
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e minha família não aprovava (carreira, ou Stepanenko. Coisa raríssima, um empresário


melhor, hobby, ao qual finalmente pude me abrir a fábrica para sociólogos estudarem os
dedicar depois de aposentada). Mas esse operários. Tinha um conflito lá na tecela-
curso, posso dizer, foi um marco em minha gem entre os supervisores e os operários, e
vida. Primeiramente, por seu alto nível: era o dono nos contratou para ver o que estava
um curso em tempo integral, com uma vasta ocorrendo. Colhemos um material fantástico
bibliografia e excelentes professores, como que usei em minha tese de doutorado; e, pos-
Roberto Cardoso de Oliveira, Luís de Castro teriormente, com novas entrevistas realizadas
Faria, Roque Laraia e Roberto Da Matta, com sindicalistas locais, deu origem a meu
Alcida Ramos e outros estrangeiros que primeiro livro, ‘Os sindicatos e PTB’1 onde
passaram por lá. Em segundo lugar, porque analisei o movimento operário em Minas
a leitura das diversas monografias descre- Gerais. Nesse meio tempo, ocorreu uma his-
vendo a cultura e modo de vida de outros tória engraçada: como meu pai era general, o
povos, relativizaram as crenças em que fui jornal ‘O Globo’ achou que eu era uma pessoa
formada e contribuíram para me libertar capaz de ter acesso aos processos políticos
das rígidas normas da educação mineira que corriam na Quarta Região Militar, sediada
daquele período. Depois desse curso, fiz uma em Juiz de Fora, e me convidou para ser
Especialização em Arqueologia, também correspondente local. De fato, tive acesso
no Museu Nacional, e passei três meses a muitos processos, todos eles sem nenhum
no Paraná explorando sambaquis. Adorei fundamento, baseados apenas em ouvir falar,
aquela experiência, mas também me con- e enviava cópia para o jornal, mas também
venci que preferia explorar pessoas vivas para os meus colegas de esquerda. Até ajudei
e a cultura contemporânea do que aquele a tirar alguns deles da cadeia. Eles prendiam
passado remoto. Com o golpe de 1964, voltei com base em qualquer coisa. Em geral, por
para Juiz de Fora. indicação de alguém que queria ficar no lugar
Além de terem aberto um Curso de do denunciado. Tinham uns oficiais jovens
Licenciatura em Ciências Sociais, que eu não que queriam tirar o governador de Goiás e
havia cursado, o ambiente político no Rio me pressionavam para escrever falando que
começou a ficar muito pesado. Embora eu ele pretendia envenenar a água da cidade.
nunca tenha pertencido a nenhum partido Marcavam encontro por telefone e depois
político, eu era simpatizante e muito próxima mudavam de lugar, como se estivessem sendo
dos movimentos de esquerda, inclusive de permanentemente seguidos. De fato, estavam
alguns membros daquele grupo da Dilma, que em meio a uma conspiração forjada por eles.
quando vinham de São Paulo se hospedavam Chegaram a me oferecer para escrever uma
no apartamento quarto e sala que eu dividia coluna. Mas, percebendo que queriam me
com cinco amigas, num bairro mal afamado do usar, agradeci. Claro que minha carreira como
Rio de Janeiro, que era o que podíamos pagar. jornalista não durou mais do que dois meses.
Em Juiz de Fora, fui convidada para Outra carreira breve e voluntariamente inter-
dar aula de sociologia na já então UFJF, e, rompida foi minha carreira de bancária. Isso
também, de antropologia na UFMG, em Belo aconteceu a pedido de uma amiga insegura
Horizonte, em substituição a um colega que que me solicitou para acompanhá-la em um
fez o curso comigo no Museu e que havia sido concurso para o Banco Real. Tendo passado
preso. Ia e voltava de ônibus toda semana neste concurso, trabalhei seis meses como
durante dois anos. Foi uma época de muito correntista, naquelas máquinas de calcular
trabalho, pois, além disso, passei a trabalhar enormes movidas a manivela. Foi um período
como socióloga em uma fábrica de tecidos muito sofrido, mas que me tornou uma pessoa
de Juiz de Fora, com uma antropóloga, Rosa que até hoje faz contas de cabeça.

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CLAUDIA BONAN: Além de professora, jorna- querendo ser atendidos sem dia nem hora,
lista e bancária, você também teve uma expe- tornando muito difícil o prefeito trabalhar.
riência política nos anos 1960, não é? Descobri então que era a segunda autorida-
de local e que, na ausência do prefeito, era
MARIA ANDREA LOYOLA: Em 1966, Itamar eu que respondia e que tinha de resolver o
Franco, então um jovem engenheiro de 32 problema do impeachment (o vice-prefeito
anos, candidatou-se à Prefeitura de Juiz era do PSD e ainda não havia assumido). Não
de Fora pelo PTB (Partido Trabalhista me lembro direito como me saí, mas acho
Brasileiro). Eu e Alexis Stepanenko, um que foi convocando a imprensa e acusando
também jovem sociólogo formado em São os vereadores de não deixar o prefeito tra-
Paulo, então lecionando sociologia na Escola balhar para a cidade. Uma ‘mulher’ de 26
de Serviço Social, resolvemos fazer uma pes- anos com tanta autoridade não era aceitável
quisa de opinião eleitoral (talvez a primei- para uma cidade ainda provinciana e con-
ra no Brasil). Arrumamos dois caminhões, servadora como Juiz de Fora naquela época.
convocamos os alunos de várias faculdades
e fomos para os bairros mais populares de IVIA MAKSUD: Você sofreu represálias ou
Juiz de Fora indagando sobre a intenção de ameaças por isso?
voto de seus habitantes. Itamar perdia de
forma arrasadora, e o outro candidato do MARIA ANDREA LOYOLA: A conta veio na forma
PSD (Partido Social Democrático), partido de um processo instaurado pelo Conselho
no poder há anos, ganhava folgadamente. da Faculdade e confirmado pela Reitoria.
Ficamos na dúvida se publicávamos ou não Retirando temas descontextualizados de um
os resultados, acabamos publicando. Os di- manual de antropologia do americano Kinsley
reitistas, sentindo-se vitoriosos, relaxaram; Davis2, me acusaram de pregar, referindo-se
e Itamar concentrou sua campanha onde à teoria da evolução, que o homem vinha do
a pesquisa havia revelado que ele perdia. macaco, o tabu do incesto, o infanticídio como
Acabou se elegendo e se tornou o mais jovem forma de controle da natalidade, o comunis-
prefeito de Juiz de Fora e com uma equipe mo, o tecnicismo e o amor livre. Este último
formada também por jovens, que ficou co- porque, enquanto todas as moças consideradas
nhecida como as ‘crianças no poder’. Isso ‘de família’, em oposição às ‘largadas’, só saiam
porque ele não tinha com quem governar. acompanhadas por pais ou irmãos, eu e uma
Seu governo era permanentemente amea- amiga frequentávamos os bares da cidade,
çado, tanto pelos velhos políticos quanto acompanhadas de rapazes, considerados os
pelos militares. Estávamos em plena di- melhores ‘partidos’ da cidade, o que causava
tadura. Por causa disso, ele me pediu para muita inveja e nos divertia muito. Esse proces-
ser Chefe de Gabinete, ‘até conseguir outra so alimentou reportagens em vários jornais da
pessoa’. Eu não tinha a menor noção do que cidade, até do Rio; e, como podem imaginar,
significava isso e só percebi a real dimensão fofocas sem fim. Hoje parece incrível uma
desse cargo quando, durante uma viagem coisa dessas, mas só para vocês terem uma
de Itamar à Alemanha, a Câmara Municipal ideia, um dos professores da universidade de-
pediu o impeachment dele, por causa de signados pela Reitoria para me interrogar me
uma agenda que eu havia construído e que, perguntou: “o incesto é um tabu?”. Nitidamente
segundo eles, os impediam de ter acesso ao eles não tinham a menor noção de nada. Eu
prefeito. Na verdade, a agenda elaborada por disse incrível? É incrível mesmo, mas com
mim reservava três tardes de livre acesso dos Bolsonaro o criacionismo tornou-se política
vereadores ao gabinete de Itamar, limitando de Estado, e não duvido que pessoas sejam
a verdadeira invasão que eles promoviam, perseguidas por não pensarem dessa forma.

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Quando, em 1968, o Mestrado em Antropologia MARIA ANDREA LOYOLA: Foi durante o mes-
do Museu Nacional foi criado, me inscrevi e fui trado que fui surpreendida com a notícia de
aprovada. Consegui então deixar a prefeitura, que havia sido aposentada compulsoriamen-
após cinco pedidos de demissão. te pelo Decreto-Lei nº 477, da Junta Militar.
Fui avisada por um telefonema do Alexis que,
CLAUDIA BONAN: Maria Andréa, você viveu em solidariedade a mim, naquele escabroso
então os seus 20 anos na década de 1960, entre processo de Juiz de Fora, havia se demiti-
a docência em universidade pública, a pós-gra- do da universidade e se transferido para o
duação, a gestão pública, a ciência e a política. Rio. Ele havia escutado a notícia na Hora do
Como foi uma mulher jovem viver tudo isso Brasil. Foi um período muito difícil, a toda
num período em que as portas da academia hora ficávamos sabendo que um amigo ou
e da política ainda eram bastante fechadas conhecido havia ‘caído’, tinha sido preso. Foi
para as mulheres? Que pioneirismo tiveram o que aconteceu com a maioria dos profes-
as gerações jovens mulheres dos anos 1960? sores compulsoriamente aposentados que
não saíram do País. Alguns foram inclusive
MARIA ANDREA LOYOLA: Acho que todas as torturados. Escapei, em parte, graças ao pro-
mulheres de minha geração que se profissio- fessor Roberto Cardoso. Em meio àquele clima
nalizaram tiveram que enfrentar e superar pós-AI-5, ele me chamou e disse: “Andréa você
inúmeras barreiras. São verdadeiras arrom- está chamando muita atenção para o Programa
badoras de portas para elas próprias e para do Museu”. Além de minha aposentadoria ter
as gerações que se seguiram. Mesmo assim, sido amplamente divulgada, eu era vizinha e
como hoje é publicamente notório, a misoginia amiga de Fernando Gabeira, desde a época
ainda é um fato, que tende, infelizmente, a de Juiz de Fora, e ele acabava de participar
se ampliar neste governo de Bolsonaro. Um do sequestro do Embaixador Americano. O
triste retrocesso. No meu caso, o que já contei professor Roberto me disse: “Como uma das
mostra em parte o que conquistei e o preço primeiras alunas do curso, você tem direito a
que paguei por isso. Quando meu processo uma bolsa da Fundação Ford para fazer douto-
na universidade se tornou público, as pessoas rado nos Estados Unidos. Você escolhe: aceita
atravessavam a rua para não me encontrar. essa bolsa ou vai desenvolver sua pesquisa no
Teve uma época em que as únicas pessoas que interior do Nordeste” – eu pretendia estudar
me recebiam bem na cidade eram os boêmios a relação dos empresários nordestinos com a
dos bares que frequentava. Quando eu entrava política. Escolhi a bolsa, mas com a condição
num desses bares e o pianista tocava minha de ir, não para os Estados Unidos, mas para
música preferida, esse gesto, confesso, enchia a França. Não falava francês, mas conhecia a
de calor meu coração. Mas, acho que em vez cultura francesa através do cinema. E para lá
de me inibir, aquilo me dava força e me fazia fui estudar com o professor Alain Touraine, na
seguir em frente. Acho também que a traje- École des Hautes Études en Sciences Sociales
tória profissional dessas arrombadoras tem (EHESS), que orientou meu doutorado. Ele
muito a ver com suas histórias de vida. No trabalhava com sociologia do trabalho, e como
meu caso, por exemplo, o fato de ter perdido eu tinha o material da pesquisa com os operá-
minha mãe quando ia fazer 5 anos de idade rios de Juiz de Fora, deu tudo certo.
me obrigou a tornar-me uma guerreira, desde
a primeira infância. IVIA MAKSUD: E o exílio, como ele marcou
sua trajetória intelectual?
CLAUDIA BONAN: Nos conte um pouco sobre
seu banimento e de professores de universida- MARIA ANDREA LOYOLA: O exílio foi um
des públicas pelo Decreto-Lei nº 477, em 1969? período muito difícil, principalmente no

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início. Cheguei em 1969, em pleno início dificuldades mulheres brasileiras e france-


do inverno; e, além de não falar a língua, sas enfrentavam para fazer suas carreiras
não conhecia ninguém. Levei uma carta de nas ciências naquela época?
apresentação para a Aspásia Camargo, que
também fazia doutorado com o Touraine, MARIA ANDREA LOYOLA: Não sei muito fazer
de quem me tornei grande amiga, inclusi- afirmações generalizadas sobre isso. Tinha
ve dividimos um apartamento. Tornei-me muitas colegas mulheres, e na École havia
também amiga de seu companheiro, o escul- muitas profissionais mulheres, embora poucas
tor Sergio Camargo; e, através dele, de vários dirigindo laboratórios. As ciências sociais sempre
artistas brasileiros, como Franz Kraisberg, foi uma área mais aberta às mulheres, mas, claro,
Lygia Clarck, Rossini Perez; convivia com para elas, as francesas, manter uma vida profis-
muitos artistas estrangeiros que moravam sional não era fácil. O preconceito contra elas
em Paris. O ambiente intelectual francês era era menor do que no Brasil, mas aqui as profis-
efervescente. O marxismo dominava larga- sionais contavam com empregadas, enquanto
mente as teorias sociológicas e antropológi- elas tinham, com pouca ajuda dos homens, de
cas, e mesmo aqueles que tinham restrições dar conta de todas as tarefas domésticas. Ainda
ao excessivo economicismo de Marx – como hoje, as mulheres francesas têm uma vida bem
Touraine, Aron, Bourdieu – eram obrigados dura. Uma das cooperações mais profícuas que
a passar por ele. Tive a chance de frequen- mantive com a França, na área da saúde, foi com o
tar os seminários de Levi-Strauss, Foucault, Laboratório fundado e dirigido por uma mulher,
Aron, Althusser, Poulantzas e Balibar, destes Claudine Herzlich. Até hoje o IMS mantém uma
últimos, na famosa Faculdade Marxista de colaboração estreita e muito produtiva com esse
Vincennes, reino do ‘É proibido proibir’, do laboratório, o Centre d’Études et Recherches,
movimento de maio de 1968. As discussões Médecine et Santé (Cermes), coordenada por
teóricas eram acaloradas e me fascinavam. No Marilena Correa e Maurice Cassier na área de
começo, você levava um susto, parecia que eles inovação em saúde.
estavam brigando, mas era apenas a veemência
de uma discussão absolutamente intelectual. IVIA MAKSUD: Maria Andrea, você foi uma
Tive a oportunidade de fazer muitos amigos protagonista em áreas de estudo nas quais
franceses e estrangeiros que estudavam em depois muitas mulheres no Brasil vieram a se
Paris e de viajar bastante pela Europa, Ásia destacar, como sociologia do trabalho, sociolo-
e África. Aliás, foi na África que terminei de gia do corpo, estudos socioantropológicos da
escrever minha tese de doutorado. O amigo medicina popular. Como foi esse percurso, dos
que a estava traduzindo foi transferido para le- estudos do trabalho aos estudos da medicina
cionar na Escola da Unesco do Togo, na África popular e do corpo?
Ocidental, e o acompanhei. Tive a chance de
conhecer vários países da África e vivi uma das MARIA ANDREA LOYOLA: Em 1974, voltei
experiências mais interessantes e marcantes para o Brasil para trabalhar na USP, convi-
de minha vida. dada pelo Leôncio Martins Rodrigues, que
havia me orientado no mestrado. Mas, como
CLAUDIA BONAN: Havia diferenças importan- os professores compulsoriamente aposentados
tes entre a academia francesa e a academia eram proibidos de trabalhar em instituições
brasileira, no campo das ciências sociais, no públicas, acabei indo lecionar na Pontifícia
que se refere à participação das mulheres na Universidade Católica (PUC) de São Paulo e
docência, na pesquisa, na gestão acadêmica? trabalhar no Centro Brasileiro de Análise e
Em que o Brasil e a França se distancia- Planejamento (Cebrap) – centro de pesquisa
vam e se aproximavam nesse aspecto? Que criado por ex-professores da USP para abrigar

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os professores aposentados. Foi assim que tive de vez em quando. Para estudarmos teórica e
a oportunidade de ter como colegas, na PUC, historicamente as religiões presentes na área,
Florestan Fernandes, Otavio Ianni, Vilmar fizemos uma divisão do trabalho: eu fiquei
Faria e Bolivar Lamounier, todos aposentados com o catolicismo; a Delma [Pessanha Neves],
compulsoriamente; e, no Cebrap, Fernando com o protestantismo; e a Zélia [de Lossio
Henrique Cardoso, Chico de Oliveira, Paul Zeiblitz], com o espiritismo. O sagrado não é
Singer, Arthur Giannotti e, principalmente, uma coisa que você se apropria diretamente.
a demógrafa Elza Berquó. Trabalhei numa Nas igrejas pentecostais e neopentecostais,
pesquisa fantástica, coordenada por ela, sobre o pastor arruma um terno, uma garagem,
a Reprodução Humana no Brasil, que descreve faz um mini estágio, vira pastor e começa a
como se deu a transição demográfica no País, pregar e a interpretar a bíblia. Geralmente,
as transformações econômicas e sociais que interpreta em função dos seus vizinhos, de
a tornaram possível e as consequências de- acordo com a cultura que ele compartilha com
mográficas, sociológicas e políticas que dela a comunidade. Quais são as religiões que com-
resultaram. Mas estas instituições, tanto a PUC petem diretamente com os evangélicos nas
como o Cebrap, viviam em constantes crises classes populares? Umbanda e Candomblé,
financeiras, e, assim, quando o José Luís Fiori que também se enraízam na cultura popular.
me convidou para lecionar e participar de uma Não é a Igreja Católica. Ao contrário, ela se
pesquisa em um instituto que estavam fun- afastou dos rituais tradicionais, como as pro-
dando na Uerj, o IMS, aceitei, mas sem deixar cissões, por exemplo, e incorporou o ethos
São Paulo. A Finep tinha dado um dinheiro ascético das classes médias. No campo que
para financiar o Instituto e suas pesquisas, e selecionamos para estudo, o Bairro de Santa
me pediram para fazer uma pesquisa sobre Rita, em Nova Iguaçu, a disputa entre os neo-
medicina popular. pentecostais e o espiritismo popular de origem
A medicina popular era uma coisa atribu- africana se dava em torno da oferta por cura
ída ao folclore e estudada pelos folcloristas de doenças. E para lidar com essa oferta e a
e acreditava-se que iria desaparecer com o presença, ainda que fraca no local, da medi-
tempo, à medida que a medicina científica cina científica, faziam uma distinção entre
avançasse. Mas minha hipótese era outra: ‘doença espiritual’ e ‘doença material’. Doença
como antropóloga que havia vivido na África, material era enviada para o médico; doença
acreditava que as classes populares tinham espiritual ficava com os rezadores, egressos
uma visão do corpo diferente das classes do catolicismo popular, com os pastores e com
altas e que, por isso, as práticas relativas à os pais e mães de santo. E tudo isso justificado
medicina popular não iam se extinguir. Elas por representações sobre o corpo, a saúde e a
podiam se enfraquecer, mas não terminar. Fui doença, em grande parte oriundas do catoli-
a campo, no final da década de 1970, com uma cismo popular, que vigorou no Brasil desde a
equipe de antropólogos para fazer pesquisa Colônia, e vigora ainda nas regiões rurais mais
na Baixada Fluminense e encontramos, além isoladas. Essa pesquisa produziu um material
de muita violência (como a que hoje chegou riquíssimo que encantou o Bourdieu, que me
as comunidades do Rio), a medicina popular convidou para analisá-lo em seu laborató-
totalmente mergulhada na religião e, mais do rio, o Centre de Sociologie Européenne. O
que isso, objeto de uma violenta briga religiosa resultado desse trabalho foi publicado nos
entre os pentecostais – que eram a Assembleia ‘Actes de la Recherche en Sciences Sociales’3
de Deus e a Universal se instalando –, vários e, pouco depois, foi publicado pelas edições da
terreiros de Umbanda e Candomblé, e a Igreja EHESS, no livro ‘L’esprit et le corps’4. Depois
Católica, em que apenas uma irmãzinha ita- foi traduzido e publicado no Brasil sob o título
liana respondia pela Igreja – o padre aparecia de ‘Médicos e Curandeiros, Conflito Social e

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Saúde’5. Na verdade, quando fui para a França, MARIA ANDREA LOYOLA: Como eu disse, o
no início dos anos 1980, com uma bolsa de seis campo intelectual francês – pelo menos o da
meses do Cebrap, fui procurar Luc Boltanski, sociologia e, em parte, da filosofia –, nos anos
que trabalhava com Bourdieu, e tinha acabado 1960/70, era totalmente dominado pela es-
de escrever um livro, que depois eu traduzi e querda e pelo marxismo. Os menos marxistas
publicamos no Brasil, sobre a relação do corpo eram exatamente Touraine e Bourdieu, mas
com as classes sociais6. Como é fácil de per- mesmo assim, não havia nenhum intelectual
ceber pelos que leem meu livro, os conceitos na França que pudesse passar incólume por
de campo e habitus foram fundamentais para Marx. O domínio do marxismo era muito forte,
organizar e analisar um material tão rico, vasto como era no Brasil, quando, em 1974, eu voltei
e complexo como o dessa pesquisa. E depois da França e fui dar aula na PUC. Para vocês
desse tempo, ficamos amigos; e ele me con- terem uma ideia, como falo na entrevista que
vidou várias vezes para dar aulas na EHESS fiz com ele, os meus alunos da matéria que eu
e participar de trabalhos com o pessoal dele. lecionava, Teoria Sociológica, se recusaram
a ler Bourdieu, alegando que ele não dava
CLAUDIA BONAN: Você podia falar sobre conta da mudança. Mudar, para uma socie-
Bourdieu como intelectual e figura pública dade sem classes sociais, era a obsessão do
de sua época? momento, e uma leitura equivocada do livro
‘A Reprodução’, de Bourdieu8, levava a esse
MARIA ANDREA LOYOLA: O Bourdieu sempre tipo de reação. Mas Bourdieu foi justamente a
foi assim meio arredio, sabe? Ele tinha um pessoa que enfrentou a noção de classe social
grupo muito dedicado a ele, mas não gostava de do Marx. Por exemplo, como você responde
aparecer. Participava de movimentos políticos à questão que me foi colocada uma vez por
de esquerda, mas não de partidos políticos, um aluno: “como é que você faz um questio-
como a maioria dos intelectuais da época que nário marxista?”. Ninguém sabe responder,
eram filiados ao partido comunista ou socialis- porque a proposta do Marx é absolutamente
ta. Para ele, a política era um objeto de estudo, teórica, não é? Então, Bourdieu nos deu o que
e para fazer isso, precisava manter-se afastado, a gente pode chamar de trem de aterrissagem.
preservar a autonomia necessária ao trabalho Com o instrumental teórico e as ferramentas
intelectual. Tinha horror de aparecer na tele- que ele criou, você consegue fazer com que a
visão, ao contrário, por exemplo, do Touraine, pesquisa dê conta das relações de classe, das
que vivia dando entrevistas. Eu não vejo pro- diferenças sociais. Se as contribuições teóricas
blema nem em um estilo, nem em outro, mas de Bourdieu podem ser úteis para analisar di-
para o Bourdieu, aquilo era um problema. Se ferentes momentos da história e qualquer país
vocês lerem ‘Sobre a Televisão’7, vocês vão é porque elas são justamente um conjunto de
entender o porquê: para ele, os jornalistas ferramentas para a pesquisa, e você não pode
colocam os intelectuais para legitimar o que falar nada sobre qualquer assunto sem antes
eles querem dizer, e não o que o intelectual construir seu objeto e reforçá-lo pela pesquisa
tem para dizer. Isso aconteceu comigo, no meu empírica. Eu não posso falar do Brasil, por
próprio trabalho. Na presidência da Capes, exemplo, sem conhecer antes histórica e em-
eu quase não dava mais entrevista, porque piricamente sobre o que estou falando. Você
você falava uma coisa e eles publicavam outra, não pega uma teoria sociológica e aplica a um
dizendo que foi você quem falou. determinado contexto, exatamente do jeito que
ela foi criada para pensar um outro, totalmente
IVIA MAKSUD: Quais as contribuições teóricas, diferente. Outra coisa que distingue Bourdieu
as inovações ao pensamento sociológico mais dos marxistas é a maneira como ele trabalha
relevantes de Bourdieu, no seu ponto de vista? com o conceito de classe. Se, em geral, todo

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mundo desenhava um triângulo para se referir do Brasil e da França, durante um encontro


à sociedade e à hierarquia social, Bourdieu as para comemorar os 20 anos do acordo de
considera mais como um móbile, a maneira cooperação entre a França e o Brasil Capes/
dos trabalhos de Calder, que, além de estarem Cofecub, que foi realizado na universidade,
constantemente mudando, variam de acordo entrei em contato com a TV Universitária e
com o contexto; ou seja, seu conceito de classe com sua então diretora, Gabriela. Discutindo,
é mediado pela noção de campo e habitus. tivemos a ideia de organizar um programa de
Outra coisa que, para mim, Bourdieu contri- entrevistas para mostrar as contribuições dos
buiu é em relação ao economicismo da ideia intelectuais acadêmicos para seu campo de
marxista de cultura, ou superestrutura, que estudo e ao mesmo tempo para a sociedade.
para os marxistas é determinada pela infraes- Daí o título: ‘Pensamento c Contemporâneo’.
trutura, pelas relações de produção. Bourdieu Naquela época, o livro do Bourdieu ‘Sobre a
diz que não é uma coisa mecânica. Para ele, a Televisão’7 tinha acabado de ser traduzido para
premissa é verdadeira, mas mediada por uma o português e difundido no Brasil, e achamos
estrutura simbólica, relativamente autônoma. que seria extremamente oportuno começar
É aí que vem a ideia de campo que funciona por ele. Eu o convidei para uma entrevista, e
como um espaço de consenso e de conflito, em ele aceitou imediatamente. Marcamos uma
que as disputas, em geral, refletem posições data, eu fiz as questões e mandei para ele,
de classe. Em outras palavras, as posições que juntamente com um pequeno resumo sobre
as pessoas ocupam num determinado campo o que estava acontecendo no Brasil naquele
costumam ser homólogas àquelas que elas momento, inclusive sobre o avanço dos pen-
ocupam no espaço social: os dominantes no tecostais. Pierre Carles filmou uma parte da
campo tendem a ser dominantes também no minha entrevista e reproduziu no filme que fez
espaço social, e os dominados, idem. E o objeto sobre Bourdieu, chamado A Sociologia é um
dessa luta é pela hegemonia do no campo. Mas esporte de combate, que é um filme enorme,
isso não é automático; tem que ser pesquisado com a trajetória do Bourdieu em conferências
e demonstrado. Vou dar o exemplo do campo salas de aula, manifestações, que saiu logo
político: o PT lutou para ter a hegemonia no antes ou depois de ele morrer em 2002. Até
campo político da esquerda, e até hoje a polí- hoje, passa nas salas de cinema da França.
tica do Lula ainda é nesse sentido. Então, no Fiquei famosa entre os sociólogos franceses
campo da esquerda, você compartilha ideias e por isso [risos].
objetivos, mas, ao mesmo tempo, você tem um A entrevista comigo durou cinco horas, e
permanente conflito para definir qual o grupo ele ficou muito cansado. Acho que já estava
domina. Se você pegar o campo da academia, ficando doente. Depois ele me convidou para
ou qualquer campo que você for estudar, vai almoçar. Foi a última vez que me encontrei
ser assim – os campos também não são homo- com ele pessoalmente. Depois foi só por
gêneos, são heterogêneos. e-mail e telefone para discutir a edição da
entrevista. A ideia do livro veio depois. E ao
CLÁUDIA Bonan: Como aconteceu a sua clás- final, desse pequeno livro editado pela editora
sica entrevista com o Bourdieu? Como veio a da Uerj (Eduerj) no que se tornou a Coleção
ideia, como você processou? Desde o início a ‘Pensamento Contemporâneo’, escrevi um
ideia era fazer um livro?9. pequeno texto introdutório sobre a Sociologia
de Bourdieu: sua teoria, metodologia, princi-
MARIA Andrea Loyola: Na época, eu era pais conceitos e como usá-los, as críticas a ele
Sub-reitora de pós-graduação e pesquisa dirigidas, sua biografia, bibliografia e obras
[2000-2003] da Uerj, e, ao organizar uma vi- traduzidas para o português. É um livrinho
deoconferência com os Ministros de Educação muito consultado.

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IVIA MAKSUD: Como o conceito de campo a impor seus paradigmas como referência,
científico, tão caro para o Bourdieu, te ajudou inclusive na avaliação dos cursos de pós-gra-
a analisar o campo da saúde coletiva? Em dois duação pelas agências. Donde o já bastante
artigos sobre o campo da saúde coletiva, você criticado produtivismo quantitativista, que
chama atenção para questões muito impor- também aponto naquele artigo. A produção do
tantes como o produtivismo desenfreado, a conhecimento das ciências sociais é totalmente
perda de espaço da produção e da leitura de diferente do conhecimento das áreas duras.
livros. Nesses textos, você também discutiu com Por quê? Porque você não pode chegar aqui,
firmeza a importância do Curso de Teoria Social fazer um experimento e transformá-lo em
e de Metodologia na Saúde Coletiva. Ao longo um artigo, como eu já vi, um artigo da física
então dessa experiência de muitos anos, como com apenas duas páginas: a primeira página
vê hoje as ciências sociais na saúde coletiva? contendo a o nome dos autores e a segunda
o experimento em si. Nas ciências sociais,
MARIA ANDREA LOYOLA: Não sei se vocês é preciso saber o que acontece lá atrás. Por
leram meu artigo ‘A saga das Ciências Sociais exemplo, em um artigo que eu escrevi sobre
na Saúde Coletiva’10. Ali exatamente está a a introdução dos genéricos no Brasil11, eu tive
minha ideia de campo na saúde. Em geral, os que ir lá para a década de 1950, e passar por
estudiosos da área que usam a noção de campo, todas as demais que se seguiram, para explicar
o usam apenas como um espaço multidisci- o que estava acontecendo agora, no século XXI.
plinar, ou seja, como um espaço que agrega Nesse campo, assim atualmente estruturado,
várias disciplinas que têm por objeto o estudo as ciências sociais, que historicamente sempre
da saúde. Eu o uso no sentido de Bourdieu, ocuparam um lugar subalterno na hierarquia
isto é, como um espaço de consenso e con- de prestígio das ciências (não por acaso, os
flito. Na área da saúde coletiva, a hegemonia médicos sempre foram dominantes na área),
do campo foi, durante seus primórdios, da estão extremamente enfraquecidas. A epi-
área de planejamento, o que tem muito a ver demiologia, que era um método, virou uma
com o fato da então estreita relação entre a disciplina, assim como o planejamento. As
academia e a gestão de políticas públicas no únicas disciplinas, de fato, da saúde coletiva
interior do Estado, predominante na época. eram as ciências sociais. As ciências sociais
Com o tempo e a consolidação das principais são, na verdade, o cerne da saúde coletiva.
políticas propostas para à atenção à saúde, Como o próprio o nome indica, seu objeto é o
notadamente a promulgação da Lei Orgânica aspecto coletivo da saúde, não o populacional,
do SUS, em 1990, a posição hegemônica no histórico objeto da demografia e da epide-
campo da saúde coletiva deslocou-se para a miologia, desde a criação da saúde pública,
epidemiologia, como pode ser observado pelas no século XIX.
posições que os epidemiólogos ocupam nas Como mostra Durkheim, o conceito de so-
instancias de poder da área: postos de direção ciedade é diferente do de população. O social
nas associações, de assessoria às agências de não constitui uma mera soma quantificável
fomento, número de financiamentos e publi- de indivíduos, mas algo que a transcende,
cações etc. Mas isto tem a ver não somente pois existe antes e depois da mera existên-
com as disputas, em geral veladas, no campo cia dos indivíduos; é o que ele chamava de
da saúde coletiva, mas com as transformações ‘consciência coletiva’ e que tem muito a ver
econômicas, sociais, sobretudo tecnológicas, com a ideia de habitus do Bourdieu, que ele
que ocorreram na sociedade, e principalmente define como o social incorporado nos indi-
no campo acadêmico. Neste campo, observa- víduos. É para a abordagem, nesses termos,
mos um crescente domínio das ditas ‘ciências desse lado coletivo da saúde que as ciências
duras’ (física, química, biologia) que passam sociais, notadamente a sociologia, oferecem os

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Trajetória de uma intelectual, das ciências sociais à saúde coletiva: entrevista com Maria Andrea Loyola 241

instrumentos mais adequados. No começo da trabalho de acordo com sua visão e metodolo-
formação do campo da saúde coletiva, muitos gia especializada sobre um determinado tema
nomes importantes, como as sociólogas Madel referente à saúde, melhor será o resultado.
[Luz], a Cecília [Minayo], a Ana Canesqui e o Acho que todas as vertentes ou subáreas, in-
Everardo em Campinas, o pessoal da Bahia, dependentemente de sua posição na hierar-
se destacaram por suas produções essen- quia do campo, têm sua contribuição a dar.
cialmente críticas e sociais. Se você pegar a Uma vantagem que contribui para a riqueza
produção do período, nela predominavam os da saúde coletiva é o fato de que você tem
livros. Além dos sociólogos e antropólogos, os uma área teórica e uma área prática que se
filósofos, como Roberto Machado, que levou alimentam mutuamente.
Michel Foucault ao IMS, os psicanalistas, como Quando estava na Capes, eu pude ver o
Jurandir Freire e Joel Birman, os médicos, quanto o nosso o sistema de pós-graduação
como o Hésio Cordeiro, os epidemiologistas, é heterogêneo e desigual: dentro e entre as
como Naomar, todos produziram livros com áreas do conhecimento, dentro e entre as uni-
uma perspectiva crítica e social. O que eles versidades, nas e entre as regiões do País. Para
liam? Marx, Foucault, Weber, Freud, Illich, contornar essa diversidade, introduziram os
entre muitos outros. Todos esses trabalhos, algoritmos. Ao escantear e mesmo eliminar a
somados aos mais recentes, constituem o que metodologia qualitativa das ciências sociais,
eu considero a base da saúde coletiva como trabalha-se com a ideia de senso comum,
uma disciplina; o que vem gerando uma intensa enfraquecendo o lado crítico. O sistema de
discussão no campo. Muitos ainda se pergun- saúde cai aos pedaços, e a gente não consegue
tam: o que é a saúde coletiva? Uma área, um escrever, não consegue pensar a respeito!
campo, uma disciplina? A multidisciplinarida- E o pensamento crítico é fundamental para
de que caracteriza a saúde coletiva constitui, a saúde coletiva – mas só se chega a ele com
de fato, um problema, sem contar suas relações ferramentas adequadas oferecidas pelas ciên-
com a saúde pública, a saúde preventiva, a cias sociais. Quanto ao que está acontecendo
saúde comunitária. Para mim, todas elas são, atualmente no País, eu não sei o que é pior
na verdade, denominações que enfatizam um ou mais destrutivo: a covid-19 ou o governo
determinado objeto, politicamente impor- Bolsonaro.
tante num determinado período (o aspecto
público, a prevenção, a comunidade) e, num CLÁUDIA BONAN: O Bourdieu disse, na entre-
certo sentido, podem se somar e mesmo se vista que concedeu a você, a seguinte coisa: “Eu
equivaler à saúde coletiva, sem dúvida uma ja- gostaria muito de defender um utopismo que
buticaba bem no estilo brasileiro, pois só existe fosse realista, mas para fazer isso é necessário
no Brasil. Já se esforçaram mesmo para criar conhecer o mundo. É preciso ser velho e jovem
uma epistemologia capaz de abarcar as três ao mesmo tempo”. Disse também que nunca
vertentes da saúde coletiva: o planejamento, pertenceu a um grupo político, principalmente
a epidemiologia e as ciências humanas. Eu, partido político, mas mesmo assim teve um
pessoalmente, não acredito nisso. enorme interesse político, coisa que considera
Ao contrário, acho que, cada vez mais, os fundamental para o intelectual. Ele diz: “O so-
epidemiólogos têm que se identificar como ciólogo que cala ou ele não vê, não enxerga, não
epidemiólogos; os sanitaristas, como sanita- é competente, ou vê e se acomoda”. Então hoje,
ristas; os economistas, como economistas; os mediante a conjuntura política e a atmosfera
historiadores, como historiadores; os psicana- cultural que estamos vivendo, tão regressiva
listas, como psicanalistas, enfim: cada macaco no que diz respeito às liberdades, aos direitos
no seu galho. O que os une é o objeto saúde democráticos, à valorização da diversidade, às
coletiva: quanto melhor cada um fizer o seu práticas da ciência e de educação, entre outras

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242 Loyola MA, Bonan C, Maksud I

coisas, como você tem pensado o papel dos abrangentes e gerais, que, a meu ver, não são
intelectuais progressistas? explicativos. Para Bourdieu, a relação entre
realidade e história é muito forte, ao contrário
MARIA ANDREA LOYOLA: Quando ele fala que de correntes ‘pós-modernas’ que enfatizam
você tem que ser velho e jovem ao mesmo a relação realidade-narrativa. Considero que
tempo, ele quer dizer o seguinte: você tem que a realidade é histórica, é o produto de um
acreditar, você não pode perder sua crença em passado que vai durar enquanto as instituições
uma utopia, mas, ao mesmo tempo, ter maturi- que sustentam esse passado perdurarem. E a
dade para saber que você não pode agir apenas realidade só se torna uma realidade precisa por
guiado pelo idealismo. Tem que pôr o pé no meio de contornos e significados específicos,
chão e encarar e conhecer a realidade que você que são fruto de um processo histórico e social
quer mudar. Mesmo com a quilometragem que mais amplo. E, para isso, acho as ferramentas
já rodei, eu não tenho uma fórmula para isso. oferecidas pela sociologia de Bourdieu não
Profissionalmente, acho que quando você faz as únicas, mas muito úteis para essa tarefa.
sociologia, você tem que fazer sociologia, e não Eu gostaria de abordar aqui as críticas que
política. O que não te impede, entretanto, de são feitas a Bourdieu. São críticas que, para
ser politicamente estimulada. Mas se você for mim, não se coadunam muito com a leitura que
transformar a sua sociologia em política, você faço da obra dele. Seu conceito de habitus, por
não faz sociologia. Eu acho que você tem que exemplo, é um conceito dinâmico, não é fixo
se restringir ao seu campo; se for ciência, você como muitos o entendem. E, de fato, Bourdieu
não pode deixar a política entrar ali; você tem não é uma leitura fácil. Ele é um sociólogo
que fazer ciência. Se você tenta fazer ciência da dominação, um sociólogo do poder, e não
com ativismo político, você não consegue fazer serve para os que não estão interessados nisso.
ciência. O que não significa ser neutro? Não E tem que ter metodologia. Infelizmente, a
existe neutralidade, mas é com a construção metodologia hoje é utilizada, se podemos
distanciada e reflexiva da realidade, inclusive dizer assim, sem método, isto é, sem rigor. Já
da política, que você cria conhecimento. E como avaliei um artigo colocado para publicação
diz o próprio Bourdieu, “quanto mais científica que categorizava respostas de apenas seis
você é, mais você contribui para a política”. pessoas. Cada duas pessoas constituíam uma
categoria. Infelizmente, convivemos hoje com
IVIA MAKSUD: Você foi uma das intelectuais pouco rigor científico. Não há mais metodo-
que introduziu com outros – como Moacir logia. Não estão nem interessados no conhe-
Palmeiras, Sérgio Miceli, Renato Ortiz – esse cimento; estão interessados na quantidade
pensador no campo da saúde coletiva brasi- de publicação.
leira. Seu livro de entrevistas é uma obra de
referência, é por ele que muitos estudantes de IVIA MAKSUD: No início da década de 1990,
saúde coletiva se aproximam do Bourdieu. O você organizou o livro ‘AIDS e sexualidade: o
que você pensa em relação aos usos dos con- ponto de vista das Ciências Humanas’12, uma
ceitos de Bourdieu neste momento que muitos das primeiras publicações a difundir essa te-
vão analisar como ‘pós-moderno’? mática no IMS e no campo da saúde coletiva,
com um texto seu outros de autores relevantes,
MARIA ANDREA LOYOLA: Não gosto muito como Richard Parker, Sérgio Carrara, Michel
desse termo, pois não sei muito bem o que ele Polak, Joel Birman, Marilena Correa e outros.
significa. Não estou dizendo que não existe Publicou também o livro ‘A sexualidade nas
uma ‘pós-modernidade’, mas que, de um Ciências Humanas’13. Sua geração deu e ainda
modo geral, as pessoas utilizam modernidade dá uma contribuição fundamental ao estabele-
e pós-modernidade como conceitos muito cimento dos temas do corpo, da sexualidade e

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Trajetória de uma intelectual, das ciências sociais à saúde coletiva: entrevista com Maria Andrea Loyola 243

da reprodução na saúde coletiva. Como você Curriculum Lattes e que lhes podem servir
avalia a produção acumulada e vê os desafios de ponto de partida. Fico devendo apenas a
atuais, colocados às novas gerações, para tra- publicação de uma grande pesquisa realizada
balhar essas temáticas? em 1990/91 no IMS, que alia, pela primeira vez,
métodos qualitativos e quantitativos e aborda
MARIA ANDREA LOYOLA: Ainda bem que vocês em três grupos sociais (metalúrgicos, bancários
me fizeram essa pergunta. Uma das vantagens e profissionais liberais de diferentes idades)
das ciências sociais é que sua metodologia temas como amor, paixão, feminino, masculino,
e bagagem conceitual te permitam trafegar erotismo, casamento e filhos. Esse material foi
por várias áreas. No meu caso, além da so- usado em minha tese para obtenção do título
ciologia do trabalho, do corpo e, também, da de professora titular, mas, por uma série de
demografia, como já abordado, minha grande circunstâncias, nunca ‘saiu da gaveta’. Pretendo
preocupação intelectual, na qual investi muitos agora revê-lo para publicação, e, devido a sua
esforços de pesquisa, foi com a reprodução extensão, na forma de um livro
humana. Mais especificamente, com a relação
entre a reprodução biológica e a reprodução CLAUDIA BONAN: Maria Andrea, a Capes, em
social. E devo isso tanto à minha passagem seus 68 anos de existência, teve apenas três
pela demografia quanto à minha inserção na presidentes mulheres: a professora Suzana
área médica. Nos anos 1980, ainda na França, Gonçalves (1964-1966), a cientista social
Elza Berquó e Maria Coleta de Oliveira me pro- Eunice Durham (1990-1992 e 1995) e você,
curaram e me propuseram ajudá-las a fundar entre 1992-1994. Estudos mostram que a
o Núcleo de Estudos de População (Nepo), maioria expressiva dos cargos de reitor são
da Unicamp. Trabalhei por três anos nesse ocupados por homens. Apenas recentemente
núcleo e o considero um período muito rico mulheres foram eleitas como dirigentes de
em minha trajetória intelectual. Com inquie- importantes instituições de ciência e ensino,
tação com o tema da reprodução biológica e como a UFRJ e a Fiocruz. Como você vê os
social, em 1986, me engajei e coordenei uma obstáculos e as oportunidades para as mu-
pesquisa no Nepo sobre formas de união dos lheres nos níveis altos da gestão acadêmica?
sexos e homogamia; fiz outra pesquisa, no Podemos ver avanços nesse sentido?
IMS, sobre o amor, um texto que orientou
todo o trabalho que desenvolvi sobre sexu- MARIA ANDREA LOYOLA: Acho, sim, que houve
alidade – ‘Sexualidade e Reprodução’14,15; e, avanços para as mulheres, como nas institui-
posteriormente, com Marilena Corrêa, sobre ções que você mencionou. Mas acho que, em
reprodução assistida16-18. Minhas pesquisas geral, eles ainda são bastante tímidos; e na
sobre Aids me levaram também a relacionar a Capes, ao que tudo indica, apenas cargos de
mundialmente famosa política do Ministério diretoria para baixo estão abertos às mulhe-
da Saúde à implantação dos medicamentos res. Depois de mim e das mulheres citadas,
genéricos no Brasil, um típico trabalho de nenhuma mulher ocupou esse cargo, e apenas
sociologia da saúde, realizado como parte um cientista político, o Abílio Baeta Neves,
de um grande projeto de cooperação com esteve à frente desse importante órgão. Depois
o Cermes, com financiamento francês. Não dele, apenas representantes das ciências duras,
consigo avaliar em que direção e como as novas e agora das ‘ciências duríssimas’ – os militares
gerações vão abordar esses temas nem se vão se – e dos religiosos. Acredito que se a Capes não
interessar por eles. De qualquer forma, deixo tivesse sido dirigida por uma cientista social
à disposição daqueles que quiserem trilhar oriunda da saúde coletiva, essa área não teria
caminhos semelhantes uma série de publi- sido autonomizada daquela da medicina. Não
cações que podem ser consultadas em meu foi fácil enfrentar a hegemonia dos médicos,

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mas esse foi um dos bons resultados de minha gente a sua trajetória, tão inspiradora para
trajetória profissional do qual muito me orgulho. aquelas e aqueles que se aventuram em fazer
ciências sociais no campo da saúde coletiva.
IVIA MAKSUD: Somos muito gratas por essa
preciosa entrevista e por sua valiosa contri-
buição às ciências sociais e à saúde coletiva. Colaboradoras
Foi realmente um prazer conhecer mais a sua
trajetória intelectual, e estamos certas de que Loyola MA (0000-0003-1442-9628)*, Bonan C
sua leitura enriquecerá a formação dos pes- (0000-0001-8695-6828)* e Maksud I (0000-
quisadores do campo. 0002-3465-151X)* colaboraram igualmente
para concepção; planejamento; realização e
CLAUDIA BONAN: Eu também agradeço muito edição da entrevista; e aprovaram a versão
a sua generosidade de compartilhar com a final do manuscrito. s

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Recebido em 01/09/2020
15. Loyola MAR, organizadora. Bioética, reprodução e Aprovado em 25/05/2021
Conflito de interesses: inexistente
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Suporte financeiro: não houve
ro; Brasília, DF: ABEP; Letras Livres; 2005.

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