Você está na página 1de 111

Retrato de um Amor

Título Original - A Portrait of Love

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Coleção Barbara Cartland nº 104

Resumo

Sentada junto à janela, Dora virava automaticamente as páginas de um livro. Quantas


mudanças aconteceram em sua vida desde que chegara ao Castelo de Kimball.

O Conde de Haversham amava-a e seu amor era correspondido. Ah, como sentira a
força desse amor nos braços, nos beijos de Kimball.

Mas então por que o Conde dizia que a união deles era impossível?

Perdida em suas divagações, Dora não percebeu que uma estranha figura havia
entrado no quarto. O vulto, vestindo uma longa camisola e com os cabelos em desalinho, não
fizera nenhum ruído.

Apavorada, Dora ainda se perguntava se estava diante de um fantasma, quando a


mulher começou a falar, aproximando-se ameaçadoramente,

— Não vou deixar você tirá-lo de mim! Nunca! Ele me pertence!

Digitalização – Dores Cunha


Correção – Edith Suli
Visto Final – Ana Maria

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
CAPÍTULO I
1841

Dora Colwyn limpava a sala de estar, quando Jim chegou. Era um homem pequeno, de
cabelos grisalhos e tinha os olhos mais honestos e submissos do mundo.

— Não consegui nada, Senhorita — anunciou ele — O merceeiro disse que só tornará a
nos fornecer mantimentos, quando tivermos dinheiro para pagar.

Dora suspirou. Já esperava por isso, pois há muito tempo não tinham com o que pagar
o homem.

— Teremos que vender alguma coisa — murmurou ela, mais para si mesma do que
para Jim.

— Eu poderia levar um dos quadros para Londres, Senhorita — sugeriu Jim.

— Não temos o direito de vendê-los! — replicou Dora — Os quadros são de Philip. O


que diria ele se voltasse para casa e não os encontrasse mais?

— Acho que sua saúde e a de seu pai são muito mais importantes do que os quadros —
argumentou o criado, com muita lógica.

Dora suspirou. Não queria nem pensar em vender os quadros, enquanto seu irmão
estivesse no Oriente, tentando fazer fortuna. Além disso, separar-se daquela rica coleção,
formada ao longo dos anos por seus antepassados, seria como trair seu próprio sangue!

Era difícil entender como seu pai conseguira preservar intacta a coleção da família e
mesmo aquele velho Palacete, onde moravam, que passaram de pai para filho, desde os
tempos da Rainha Elizabeth I.

O pai de Dora herdara a coleção, o Palacete e uma porção de dívidas, que se iam
avolumando mais e mais, com o passar dos anos. Ele, entretanto, tinha muito orgulho daquela
propriedade, de nome Mountsorrel, e continuaria vivendo ali, ainda que o Palacete caísse em
ruínas.

Dora e o pai ocupavam agora apenas alguns aposentos da antiga construção. O resto
da casa tornara-se inabitável, o forro estava caindo, e o assoalho apodrecido permitia a
entrada de ratos, as janelas quebradas deixavam a chuva entrar e os furos no telhado
tornavam-se maiores, a cada ano que passava.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
E não era só isso. Mesmo os aposentos ocupados estavam num estado lastimável. Os
tapetes e as cortinas mais pareciam trapos e a maioria das poltronas estava quebrada ou
precisando de urgentes reparos. Só os quadros da coleção mantinham intocado o esplendor
dos velhos tempos. Um dia Philip os herdaria e, depois, passariam para seus filhos, seus netos.

Olhando para as paredes, Dora chegou mais uma vez à conclusão de que qualquer
museu gostaria de possuir uma daquelas obras de arte.

Havia um Holbein, cujas cores riquíssimas combinavam perfeitamente com as de um


Hogarth que ficava ao lado.

Sabendo que, na verdade, nunca conseguiria separar-se daquelas telas, Dora olhou
para o belo Fragonard de que seu pai tanto gostava e que tantas vezes ficava a apreciar
longamente.

A jovem continuou admirando a coleção e seus olhos pararam numa tela de Raeburn.
Que belo modelo! Como tinha caráter aquele quadro!

— Um grande artista! — dissera seu pai, na semana anterior — Pintava direto sobre a
tela, sem fazer esboço!

Dora ficou ainda mais enternecida, ao parar diante de um quadro de Van Dyck, que
retratava um antepassado de sua família, tendo ao fundo o Palacete Mountsorrel.

— Não podemos mexer nos quadros desta sala — disse Dora a Jim, que a
acompanhava.

— Há uma pilha enorme de quadros na outra sala — lembrou o criado.

— Mas papai está restaurando-os — explicou Dora, com um suspiro — Logo sentiria
falta, se vendêssemos um deles.

Qualquer estranho se sentiria chocado, ao ver o contraste entre o estado deplorável


das paredes e móveis e o brilho intenso de cada um dos quadros da coleção.

Alexander Colwyn, pai de Dora, ainda muito jovem resolvera aprender a restaurar
obras de arte. Sentia-se na obrigação de cuidar dos quadros da família que, com o passar do
tempo, começavam a escurecer.

Ao saber que em Londres vivia um grande restaurador, o jovem Colwyn escrevera-lhe,


pedindo para ser admitido como seu aprendiz. Tendo seu pedido aceito, para lá partira, a fim
de conhecer todos os segredos da arte de restaurar.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Ao voltar para casa, Alexander pusera-se a restaurar cada um dos quadros da coleção,
até que todos voltassem à sua condição original.

O que começara como necessidade tornara-se fonte de enorme prazer para ele. com o
tempo, sua fama de bom restaurador difundiu-se, e vários amigos passaram a solicitar os
serviços de Alexander, na restauração de quadros de suas próprias coleções.

Agora, Alexander Colwyn achava-se doente, e sua saúde debilitada obrigou-o a cessar
suas atividades.

— Se aquelas pessoas tivessem pago ao menos pelo material que papai empregava nas
restaurações, não estaríamos passando por tantas dificuldades — pensava Dora.

A jovem, mortificada por não poder cuidar convenientemente de seu pai, chegara
mesmo a considerar a possibilidade de conversar com aqueles amigos, a fim de pedir-lhes que
pagassem pelos serviços que seu pai realizara. O velho Colwyn, entretanto, jamais o
permitiria, pelo simples fato de considerar essa atitude absolutamente humilhante.

A situação, no entanto, chegara a um ponto tal, que se não conseguisse uma forma de
arranjar dinheiro seu pai acabaria por perecer.

Dora estava certa de que não era apenas a doença que confinava seu pai à cama. Ele
estava fraco e não poderia ser alimentado segundo as recomendações do médico, a menos
que arranjasse dinheiro para comprar alimentos.

Quando Philip ainda morava ali, costumava caçar coelhos no campo, ou patos que
pousavam no riacho que corria pelo velho parque. Ali, onde outrora existira um lindo lago,
via-se agora não mais do que lama e plantas aquáticas.

Mas Philip estava longe e Jim mal conseguia segurar uma espingarda.

Alimentavam-se com os ovos de galinhas que criavam e com as verduras que Jim
cultivava atrás do Palacete. Aquilo, porém, era insuficiente para um homem enfermo,
necessitado de uma alimentação reforçada.

— Venha, vamos ver lá em cima, Jim — chamou Dora — Há um Fra Filippo Lippi em
meus aposentos. Talvez papai não dê pela falta dele.

Enquanto falava, a jovem estremeceu. Como poderia pensar em vender aquela linda
pintura, que representava a Virgem Maria adorando o Menino Deus?

Não conseguiria fazê-lo. Não suportaria continuar vivendo, sem contemplar aquelas
lindas cores e a delicadeza de composição daquela obra de Lippi.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Talvez houvesse outra solução.

Depois da morte de sua mãe, Dora levara para seu quarto um quadro de Van Dyck,
intitulado Um descanso durante a fuga para o Egito.

Seu pai sempre costumava dizer que a Virgem segurando a Criança sagrada.
Assemelhava-se muito à jovem a quem desposara. Tão delicado elogio parecia encher de luz o
olhar meigo de sua mãe, que um dia por sua vez dissera a Dora,

— A Virgem se parecia comigo, querida, mas agora é como se fosse seu retrato.

Mais uma vez a pobre moça teve que afastar aquela idéia. Como poderia vender
aquele quadro tão querido, quetrazia de volta a lembrança de sua adorada mãe?

Perdidamente confusa e com um desejo imperioso de chorar, Dora foi até a janela e
contemplou o jardim descuidado do Palacete, por um momento.

— Não temos nada para comer, Senhorita — disse Jim — É preciso tomar uma decisão
depressa.

— Eu sei, e fico envergonhada só em pensar que você esteja também sofrendo por
nossa causa. Na verdade, não sei o que faríamos sem você.

Fazia muito tempo que Jim não recebia seu ordenado.

— Pode deixar — continuou Dora — Tomarei uma decisão ainda esta noite e, quando
papai dormir, empacotaremos todos os quadros que eu decidir vender e você os levará para o
Senhor Lewenstein, em Londres. Tenho certeza de que ele pagará um bom preço por eles.

O Senhor Lewenstein sempre tentara convencer seu pai a receber algum dinheiro em
troca dos trabalhos de restauração que realizava nos quadros da galeria que ele possuía na
Bond Street.

Alexander Colwyn, entretanto, sempre se recusara a aceitar qualquer tipo de


pagamento, dizendo que se o outro insistisse muito passaria a cobrar pela visita à coleção de
Mountsorrel.

— Pagaria com prazer — dizia o Senhor Lewenstein — Embora nenhum dinheiro do


mundo possa pagar inteiramente esse privilégio.

Recordando esses fatos, Dora pensava em quanto o orgulho podia ser prejudicial.

Se seu pai tivesse aceito aqueles pagamentos, agora não estariam sofrendo tantas
privações.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Jim dirigiu-se à cozinha e Dora sabia que ele estava preocupado em arranjar alguma
coisa para o jantar de seu pai.

Talvez ainda restassem algumas verduras na horta e um ou dois ovos nos ninhos das
galinhas.

— Sim — pensou Dora, amargurada — Jim tem toda razão. De que adiantará guardar
esses quadros até que Philip volte da Índia? Se demorar muito, ele acabará por nos encontrar
mortos pela fome!

Um mês antes, Philip lhes mandara algumas libras que, embora muito bem vindas, não
tinham sido suficientes para suprir todas as necessidades da casa.

— Acho que vou vender a tela de Jordaens — pensou Dora — Se papai der por falta
dela quando descer, direi que está guardada num lugar mais seguro, pois a parede estava
muito úmida. Sim, o Jordaens terá que ir embora e, se um dia Philip ficar rico, poderá
recuperá-lo!

Dora considerava o futuro sombrio de sua família, quando bateram à porta.

Olhando pela janela, viu tratar-se do carteiro e dirigiu-se à cozinha para atendê-lo.

— Bom dia, Senhorita Colwyn! — cumprimentou o homem — Trouxe uma carta.

— Obrigada — agradeceu a jovem — Como vai sua esposa? Espero que tenha
melhorado.

— Está um pouco melhor, sim. Acho que é devido ao bom tempo.

— Fico contente com isso — disse Dora.

Apanhou a carta e despediu-se do carteiro.

— Outra carta! — murmurou, enquanto entrava.

De vez em quando recebiam cartas de credores insistentes de Londres, pedindo que


antigas contas fossem pagas, imediatamente. Entretanto, olhando o envelope com mais
atenção, a jovem percebeu que aquela não podia ser uma simples carta de cobrança. O
envelope era feito de um papel fino e caríssimo e, sobre ele, além do endereço, lia-se apenas
"Senhor Colwyn".

Dora abriu o envelope, curiosa. Desde que seu pai ficara doente, a jovem decidira-se a
poupar qualquer desgosto e, por conseguinte, abria toda a correspondência.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Pegou o papel da carta, também de excelente qualidade, e leu,

"O nobre Conde de Heversham foi informado a respeito da excelente qualidade de


Vossa Senhoria como restaurador de obras de arte.

Como deve ser de vosso conhecimento, o digno Conde é proprietário de uma


riquíssima coleção de preciosas telas que, exceção feita à coleção Real, é a mais bela de toda a
grande Inglaterra.

O Conde o convida portanto a comparecer ao Castelo Heversham o mais breve


possível, com a finalidade de restaurar algumas peças, necessitadas de cuidados imediatos.

À Vossa Senhoria caberá estabelecer o justo honorário por seus serviços, que será
prontamente aceito pelo nobre Conde de Herversham. Ficaria imensamente grato em receber
uma resposta de Vossa Senhoria, no que se refere à data de sua provável chegada.

Tenho a honra de ser, Ebenezer Jenkins, Secretário do Nobre Conde de Heversham.”

Ao concluir a leitura da carta, Dora suspirou. Desde criança soubera que a coleção da
família Herversham era uma das mais ricas de toda a Europa e, na certa, o Conde devia ser um
grande conhecedor de arte. O Senhor Lewenstein comparara, muitas vezes, a coleção de seu
pai à do nobre Conde,

— Ele possui muito mais Van Dyck do que o Senhor, Senhor Colwyn — dissera o dono
da galeria — mas nenhum tão magnífico quanto aquele retrato que Van Dyck pintou de seu
antepassado. E mesmo os Rembrandt da coleção do Conde perdem em beleza, quando
comparados aos que o Senhor possui.

Mesmo sabendo dessas opiniões do Senhor Lewenstein sobre a coleção do Conde de


Heversham, Dora sempre nutrira o desejo de poder ver outras obras de arte pintadas pelos
artistas que tinham seus quadros no acervo da sua família.

Olhando para a carta em suas mãos, a jovem pensou que, infelizmente, nunca teria a
oportunidade de contemplar aquelas maravilhosas telas. Não apenas porque talvez seu pai
não suportasse uma longa viagem até o Castelo do Conde, mas também porque ele se sentiria
insultado pelo tipo de tratamento que o secretário do Conde dispensara na carta. Afinal, seu
pai não era uma pessoa qualquer e aquele homem se dirigira a ele como a um restaurador
comum.

Dora suspirou. Era uma pena. Gostaria tanto de sair um pouco de Mountsorrel. Já fazia
muito tempo que se sentia um pouco prisioneira ali.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
De repente, teve uma idéia que a princípio pareceu meio louca. Em seguida, porém,
percebeu que talvez houvesse descoberto uma saída, para não ter que se desfazer de um
único quadro da coleção de sua família.

Ainda com a carta nas mãos foi até a cozinha, onde, quando seu avô era vivo, uma
porção de empregados se movimentava o tempo todo, ocupados em preparar deliciosas
refeições. Agora, ali só restara o fiel Jim, que naquele momento tentava acender um velho
fogão para cozinhar uma sopa de legumes.

— Jim, ouça o que está escrito nesta carta que acabou de chegar.

O velho criado parou para escutá-la com atenção. Quando Dora terminou de ler a
carta, Jim disse, rindo,

— O patrão não vai gostar nada desta carta, Senhorita. Vai achá-la deveras
impertinente.

— Não teremos que mostrá-la a papai — esclareceu Dora, rapidamente — Mas eu


tenho uma idéia, Jim!

— E qual é, Senhorita? — perguntou o homem, interessado.

— Amanhã você irá a Londres, Jim. Entretanto não levará consigo um quadro, mas sim
esta carta, que deverá ser mostrada ao Senhor Lewenstein. Você pedirá a ele que nos
empreste dinheiro suficiente para podermos ir até o Castelo do Conde Heversham e para
podermos comprar comida e remédios, a fim de que papai melhore o suficiente para
enfrentar uma viagem.

O velho criado olhou surpreso para Dora.

— Você dirá ao Senhor Lewenstein que o pagaremos assim que recebermos o dinheiro
pelo trabalho de restauração das obras da coleção do Conde.

— Mas, Senhorita, o patrão nega-se a aceitar qualquer tipo de pagamento por seus
serviços — ponderou Jim — Além do mais, ele não se sente bem para trabalhar.

— É verdade — concordou Dora — Mas eu posso trabalhar no lugar dele. Se o Conde


nos der uma sala para trabalharmos, ele não precisará ficar sabendo quem fará o serviço.
Além disso, quando papai se recusar a aceitar o pagamento, eu mesma falarei com o Conde.
Tenho certeza de que ele compreenderá. De qualquer maneira, quando o Conde de
Heversham conhecer papai, perceberá que ele é um Cavalheiro.

— Sem dúvida, Senhorita.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— É nossa única chance, Jim — continuou Dora — Se isso não der certo, quando Philip
voltar não encontrará mais nossa coleção. Meu pobre irmão ficará inconsolável.

A jovem sabia da grande afeição do criado por seu irmão e estava certa de que ele faria
qualquer coisa para evitar que Philip sofresse. Para o velho Jim, era como se o rapaz fosse seu
próprio filho e além disso, Dora não tinha dúvidas quanto ao sincero afeto que aquele homem
nutria por ela e seu pai, eles eram a única família que o pobre homem tinha.

Jim concordou com as palavras de Dora.

— Sabia que você concordaria comigo. Tenho muita sorte por ter três homens
tomando conta de mim. papai, Philip e você. Que outra garota poderá ter mais sorte do que
eu, não é mesmo?

— Um dia a Senhorita encontrará o quarto — disse o criado, sorrindo — Aí, então, não
vai mais querer saber de nós três.

Dora divertiu-se com a brincadeira e aquele instante cheio de ternura foi se


dissipando.

Não queria pensar muito no irmão naquele momento. Fazia alguns meses que Philip
não escrevia. O que teria acontecido?

— Talvez ele já esteja voltando para casa — dizia Dora ao pai, quando este se mostrava
preocupado pela falta de notícias do rapaz.

O que estaria realmente acontecendo a seu irmão? Estaria em perigo? Será que um dia
chegaria a revê-lo? Dora rezava fervorosamente todos os dias, para que Philip retornasse para
eles são e salvo, o mais breve possível.

— Combinado, então. Amanhã irei a Londres — disse Jim, depois de considerar as


palavras de Dora.

— Tenho certeza de que o Senhor Lewenstein nos emprestará o dinheiro, Jim! —


declarou Dora — Só gastaremos em gêneros de primeira necessidade!

— Compraremos apenas duas camisas, Senhorita Dora — insistiu o criado — Lavarei


uma à noite, enquanto seu pai estiver usando outra durante o dia.

— Está bem, Jim. Papai precisa mesmo de roupas novas. Ele emagreceu tanto —
Depois de uma ligeira pausa, Dora continuou — Não esqueça de cozinhar uma galinha para
amanhã. Como você vai viajar, eu é que darei a comida para papai.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Fique tranquila, Senhorita — garantiu o homem.

Dora estava cheia de esperanças. Daria tudo certo. Tinha que dar! Estava muito
entusiasmada com a perspectiva de conhecer a grande coleção do Conde Heversham!

Na manhã seguinte, depois de uma noite mal dormida, Dora viu Jim partir para
Londres,

O criado levava a carta do secretário do Conde e o endereço do SenhorLewenstein no


bolso.

Ele e Dora haviam calculado que, se pegasse a carruagem que passava pela aldeia às
seis horas da manhã, Jim estaria em Londres por volta da hora do almoço. Se tudo desse
certo, às seis da tarde o criado tomaria a carruagem de volta.

Dora viveria um dia cheio de expectativa e, por isso, Jim tentaria fazer tudo o mais
depressa possível, a fim de voltar logo para contar as novidades.

— Não direi a papai aonde você vai — dissera Dora — Ele é tão esperto, que já me
perguntou se eu havia sonhado com o meu Príncipe encantado. Disse que eu estava com uma
bela expressão no rosto.

— É? a Senhorita parece muito feliz hoje — concordara Jim — Nunca a vi assim.

— É que tenho o pressentimento de que as coisas mudarão para nós.

Dora acompanhara Jim até a carruagem e se despedira do criado cheia de esperanças.


Ao voltar para o Palacete, passara defronte à casa da família Cole e a dona da casa aparecera
à janela.

— Bom dia, Senhorita Dora — cumprimentara ela — Será que seu pai gostaria de um
pão fresquinho para o café da manhã?

— É claro, Senhora Cole — respondera Dora — Ele adora seu pão. Ninguém sabe
cozinhar como a Senhora.

— Obrigada. Sua mãe também dizia isso. Ela era gentil como a Senhorita.

— Obrigada.

Quando outras mulheres da aldeia viram a Senhora Cole entregando o pão à jovem,
resolveram presenteá-la também. Dora acabou voltando para casa com ovos, geléia e
manteiga, além do pão da Senhora Cole.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Ela ficara comovida com a gentileza das mulheres da aldeia. Sabia, entretanto, que não
deveria mencionar o fato a seu pai, pois ele certamente sentiria humilhado, ao saber que
aquelas mulheres se tinham apiedado deles por estarem em tão desfavorável situação.

Torcendo para que o velho Colwyn não fizesse perguntas embaraçosas, Dora preparou
uma omelete, cortou o pão em fatias, sobre as quais passou manteiga e geléia, e colocou tudo
numa bandeja.

Ao voltar para saber se seu pai desejava mais alguma coisa, a jovem notara que a
aparência dele estava melhor.

— Diga a Jim que gostei muito do café da manhã — pediu Alexander — O pão estava
ótimo e seria bom que ele passasse a fazer essa receita sempre.

Enquanto descia as escadas, Dora foi pensando que a explicação para o fato do pão da
Senhora Cole ser melhor do que o de Jim era que o criado via-se forçado a fazer uso de
ingredientes mais baratos e, portanto, de qualidade inferior.

Finalmente, Dora sentou para responder à carta que recebera no dia anterior. com
delicadeza, queria mostrar ao Conde que seu pai era um Senhor de alta linhagem, educado e
próspero. Pensou um pouco e escreveu,

"Seguindo instruções do Senhor Alexander Colwyn Mountsorrel, venho agradecer ao


convite feito pelo excelentíssimo Conde de Heversham para visitar o Castelo de sua
propriedade, a fim de inspecionar os quadros de sua preciosa coleção.

Devido à urgência, o Senhor Colwyn tudo fará para chegar ao Castelo no dia dezessete
de junho e informará a hora prevista para sua chegada, oportunamente.

O Senhor Colwyn se fará acompanhar por sua filha e por um criado de quarto.

"Ainda seguindo as instruções do Senhor Colwyn, peço à Vossa Senhoria que apresente
ao Exmo. Conde de Heversham nossos agradecimentos, assim como nossos mais sinceros
respeitos.

Tenho a honra de ser,

Adolphus Nicholson,

Secretário do Exmo. Senhor Alexander Colwin."

Dora sorriu ao assinar a carta com aquele nome fictício.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Esperava, ardentemente, que o Conde ficasse impressionado. Endereçou o envelope e
dirigiu-se rapidamente à agência de correio da aldeia.

De volta à casa, Dora viu-se assaltada por outra séria preocupação, o que poderia ela
usar no Castelo de Heversham?

Suas roupas estavam velhas e imprestáveis. Usar os vestidos de sua mãe estava
também fora de questão, pois além de fora de moda estavam velhos e gastos! O que fazer,
então?

Como gostaria de possuir os lindos trajes das mulheres dos quadros da coleção de
Mountsorrel!

Será que valeria a pena ir até o Castelo do Conde Haversham com aquelas suas roupas
que mais pareciam trapos?

— Oh, mamãe, ajude-me — rezou Dora, como uma criança assustada e confusa.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
CAPÍTULO II

Dora estava costurando na sala de estar, quando ouviu passos no vestíbulo e percebeu
que Jim tinha chegado. Antes mesmo que pudesse se levantar, o criado abriu a porta e entrou
na sala. Pela expressão triunfante dos olhos dele, Dora sentiu que as notícias deviam ser as
melhores.

— Deu tudo certo, Jim? — perguntou a jovem, ansiosa — O Senhor Lewenstein


entendeu nossa situação?

— Perfeitamente, Senhorita, e emprestou uma quantia que nos permitirá viver por
alguns meses!

— Quanto? — indagou Dora, automaticamente.

— Cinquenta libras.

A jovem arregalou os olhos e não conseguiu dizer nada. Jim continuou,

— Expliquei ao Senhor Lewenstein exatamente tudo o que havia acontecido. Disse


inclusive, que a Senhorita pensava mesmo em procurá-lo para vender um dos quadros da
coleção de Mountsorrel. Ele emprestou o dinheiro, sem pestanejar.

— Mas é uma quantia enorme, Jim — exclamou Dora.

— Nem tanto, Senhorita — replicou o criado — No caminho de volta, parei na


mercearia e paguei tudo o que devíamos. Acho que ia pedir-me para fazer isso, não é?

— É claro, Jim — concordou ela.

— Comprei também tudo o que será preciso para deixar o patrão bem forte. Vou
começar a cozinhar já.

Jim já começara a gastar o dinheiro emprestado, mas o que fazer? Dora tinha
consciência de estar apenas trocando uma dívida por outra, mas não havia dúvidas de que Jim
estava agindo certo. O importante era fazer seu pai ficar forte e arrancá-lo da apatia em que
se encontrava. Para isso bastaria falar sobre a perspectiva de visita ao Castelo Heversham.

Dora ainda nada dissera sobre o convite do Conde, temendo que o Senhor Lewenstein
pudesse estar viajando ou se recusasse a emprestar o dinheiro, o que os impediria de viajar.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— E tem mais, Senhorita Dora — continuou Jim — O Senhor Lewenstein disse que a
viagem direta até o Castelo do Conde pode ser muito cansativa para seu pai. Ele sugeriu que
passemos a noite em casa dele, na cidade de Londres. No dia seguinte, ele mesmo se
encarregará de contratar uma carruagem para nos levar até o Castelo Heversham.

— Mas assim a viagem sairia muito cara! — protestou Dora.

— Vamos deixar esse tipo de preocupação para o Senhor Lewenstein — ponderou Jim
— Ele tem razão, Senhorita. Não queremos que seu pai chegue ao Castelo a ponto de ter um
colapso, não é mesmo?

— Claro que não — concordou Dora.

— Bem, então está tudo combinado — disse Jim — Iremos para Londres na próxima
terça-feira. Até lá prepararei tantas refeições gostosas para o patrão, que ele estará novinho
em folha quando chegarmos ao Castelo!

Nos dias que se seguiram, Dora começou a acreditar que Jim estava certo.

As omeletes com bacon, bifes imensos, galinha assada e todos os demais pratos
saborosos que Jim preparava pareciam estar enchendo seu velho pai de energia.

Com quase dois metros de altura, Alexander Colwyn tinha sido forte durante toda a
vida e raramente adoecera.

No tempo em que possuía cavalos de raça, seu pai era um cavaleiro de primeira
grandeza. Dora lembrava que no verão, quando era ainda uma criança, ficava a contemplar o
pai nadando com grande habilidade no lago dos jardins de Mountsorrel, que agora se via
bloqueado por plantas aquáticas e lama.

Só quando começaram a ficar pobres e Alexander viu-se obrigado a comer menos é


que sua saúde se fora debilitando e, depois da morte da esposa, ficara ainda mais afetada. Ele
acabara por perder o interesse por tudo, exceto por seus quadros.

Quando Dora falou sobre o convite do Conde de Heversham, Alexander olhou para a
filha incrédulo.

— Você disse Heversham?

— Sim, papai. Parece mesmo um sonho, não? Falamos tantas vezes sobre a magnífica
coleção de quadros do Conde de Heversham e agora ele o convidou para ir conhecê-la.

— Por quê? — indagou o velho Alexander.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Porque ele quer saber sua opinião sobre as pinturas — respondeu Dora,
rapidamente — Desconfio que ele conta com sua ajuda para restaurar algumas delas.

Para completo alívio de Dora, seu pai não pediu para ver a carta.

Tinha certeza absoluta de que, se ele a lesse, sentiria insultado e se recusaria


categoricamente a ir até o Castelo Heversham.

O velho Alexander, entretanto, ficou tão impressionado com o convite, que disse,
quase ansiosamente, que precisaria estar muito bem de saúde para poder viajar. Concordou
imediatamente que a melhor maneira de conseguir isso era comer tudo o que Jim preparava
e, realmente, logo começou a se recuperar a olhos vistos.

O criado comprara, também, o remédio que o médico receitara alguns meses antes,
mas que depois do primeiro frasco tinham desistido de comprar por causa do preço.

Na segunda-feira seguinte, Alexander já passeava pelo Palacete, inspecionando seus


quadros. Dora sabia que ele estava imaginando como iria comparar a coleção Heversham à
sua.

— De uma coisa você pode estar certa, filha — disse ele à jovem — o Conde não tem
um Van Dyck tão lindo, a ponto de poder rivalizar com aquele que está em seu quarto.

— Claro que não, papai — concordou Dora, sabendo que seu pai estava pensando na
semelhança da Virgem com sua esposa. Como queria agradá-lo, continuou — Acho que não
devemos nos preocupar com o que veremos no Castelo do Conde, papai. A coleção dele pode
ganhar da nossa em termos de quantidade, mas nunca em qualidade.

— Espero que sim, filha. Eu ficaria muito triste se a coleção Heversham, além de maior,
fosse melhor do que a nossa! — disse Alexander, sorrindo divertido.

Em seguida, Dora levou seu pai para descansar, pois partiriam em viagem no dia
seguinte. Quando ele já estava acomodado, foi para seu quarto dar os últimos retoques em
seus vestidos.

Ela estava mais do que consciente do quanto aqueles trajes estavam velhos e fora de
moda. Alguns, inclusive, haviam pertencido à sua mãe. Para tranquilizar-se resolveu pensar
que o Conde, afinal, não devia passar de um velho e que não haveria outros hóspedes no
Castelo, a não ser ela e seu pai. Portanto, por que se preocupar tanto com roupas?

Nunca na vida pensaria em gastar o dinheiro emprestado pelo Senhor Lewenstein em


trajes para ela. Suas despesas deveriam se restringir à compra de alimentos nutritivos e
remédios para seu pai!

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Nem mesmo queria tocar na comida que Jim comprara. O criado é que insistia,

— Também precisa se alimentar bem, Senhorita Dora! Desse jeito, como terá, afinal,
uma boa aparência?

A jovem sabia que Jim tinha razão e tratou de provar os pratos deliciosos que ele
preparava para seu pai.

Naqueles dias que antecederam a viagem, tanto Dora quanto o criado sentiam mais
calmos e satisfeitos. Tudo parecia estar começando a dar certo! Jim estava sempre
assobiando durante os trabalhos na cozinha e acabava por contagiar Dora, com tal
entusiasmo.

Além de suas roupas, Dora ocupava-se também de reparar as de seu pai.

Examinava todas as peças, principalmente as meias, para ver se estavam em boas


condições, antes de colocá-las na mala.

As duas camisas e gravatas que Jim comprara em Londres eram realmente de muito
bom gosto e, com certeza, causariam boa impressão ao Conde de Heversham.

Alexander ficou muito elegante ao vesti-las. Embora seu terno fosse bastante
antiquado, ele realmente aparentava ser um grande proprietário rural, a aparência, enfim que
o Senhor de Mountsorrel devia ter.

A notícia de que eles iriam viajar espalhara pela aldeia inteira.

Todos sabiam que os Colwyn estavam de partida para o Castelo Heversham. O vigário
local se encarregara de buscá-los, para conduzi-los até a parada da carruagem, poupando,
desta forma, Alexander do cansaço de uma longa caminhada.

Assim que subiram no trole antigo, Alexander disse,

— Foi muita gentileza sua, Reverendo.

— Fico feliz em vê-lo assim tão bem disposto, Senhor Colwyn — disse o vigário — É
realmente uma grande honra que o Conde de Heversham tenha vindo em seu auxílio.

Dora, que escutava atentamente a conversa, estremeceu ao ouvir a palavra "auxílio".


Só esperava que seu pai não a tivesse notado, do contrário ficaria furioso!

— Sempre quis conhecer a coleção Heversham — respondeu Alexander e Dora


respirou, aliviada — Acho que vou gostar da experiência.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Eu o invejo — retrucou o vigário — Se bem que para o Senhor não será grande coisa
ver a coleção do Conde. Afinal, a que o Senhor possui é simplesmente maravilhosa! Todos nós
da aldeia Little Sorrel sentimos muito orgulhosos de ter uma coleção do porte da sua, aqui,
pertinho da gente.

Não foi por acaso que ao entrar na carruagem Alexander estava de ótimo humor. Dora
agradeceu efusivamente a gentileza do vigário e as palavras amáveis que ele dirigira a seu pai.

— Cuide bem deste homem, Senhorita Dora, e traga-o de volta são e salvo — pediu o
Reverendo — Temos muito orgulho de tê-lo aqui, na aldeia.

Quando Dora fitou-o com os olhos cheios de gratidão, o vigário chegou à conclusão de
que ela era a garota mais bonita que seus olhos jamais haviam contemplado. Era uma pena
que não estivesse mais bem vestida para uma viagem daquelas! Como entendia muito pouco
sobre roupa de mulheres, o vigário rezou para que estivesse enganado.

Chegaram a Londres após uma viagem razoavelmente tranquila, embora longa e


cansativa, e seguiram, diretamente, para a casa do Senhor Lewenstein, em St. John's Wood.

A casa não era muito grande, mas bastante confortável e muito bem decorada. Dora
preferiu prestar atenção aos detalhes mais tarde, pois sua única preocupação naquele
momento era colocar seu pai na cama.

O Senhor Lewenstein ofereceu um licor para amenizar o cansaço de Alexander, mas,


mesmo depois de deitado, o pobre homem estava tão pálido que Dora encheu-se de temor.

— A viagem foi longa demais para ele — disse Dora a Jim, assim que saíram do quarto
de seu pai.

— Ele vai se recuperar, Senhorita — tranquilizou Jim — O patrão só precisa descansar e


comer uma comida melhor do que a servida na estalagem da estrada. Se aquilo não serviria
nem para ratos, que dirá para gente!

Dora riu, mas reconheceu que Jim tinha razão. Sempre ouvira dizer que as carruagens
de viagem paravam em péssimas estalagens de beira de estrada e a que tinham tomado para
Londres não fora uma exceção à regra.

Como era de se esperar, a refeição na casa do Senhor Lewenstein estava deliciosa.


Havia patê, pombos assados e recheados, bifes e mais meia dúzia de pratos, cada qual mais
exótico do que o outro.

— Fico admirada de o Senhor conseguir manter-se tão magrinho, comendo refeições


tão soberbas! — exclamou Dora, dirigindo-se ao Senhor Lewenstein.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Sou magro por natureza, minha filha. Mas a Senhorita precisa conhecer minha
esposa, ela é bem gorda! — brincou o anfitrião — É uma pena que ela tenha ido viajar. Tenho
certeza de que ficará muito chateada quando eu contar que a Senhorita e seu pai estiveram
hospedados aqui, durante a ausência dela. A Senhora Lewenstein adoraria conhecê-la!

A conversa foi mudando de rumo e acabaram falando de coisas mais sérias.

— Seu criado me disse que, no dia em que recebeu o convite do Conde de Heversham,
a Senhorita estava pensando em vender um dos quadros de seu pai — comentou o Senhor
Lewenstein.

— A coleção não pertence a meu pai, Senhor, ela pertence a Mountsorrel — respondeu
Dora — Eu estava desesperada e não via outra maneira de salvar a vida de papai.

— Se me tivesse escrito, eu poderia ter ido até o Palacete resolver seus problemas,
Senhorita Dora — disse o homem.

— Sei o quanto é gentil, Senhor Lewenstein. Mas de qualquer modo o convite do


Conde foi um verdadeiro milagre! Para falar a verdade, ele me impediu de fazer uma coisa
que seria indiscutivelmente errada!

— Sem dúvida, Senhorita Dora. Mas no futuro a Senhorita não deve deixar que as
coisas cheguem a esse ponto — aconselhou o Senhor Lewenstein.

— Se pelo menos Philip estivesse em casa! Acho que tudo isso é muita
responsabilidade para mim! — murmurou Dora, tristemente.

— Vi seu irmão só uma vez e o achei um rapaz belo e extremamente bondoso —


comentou o homem — Tenho a mais absoluta certeza de que, se ele estivesse nessa situação,
também não hesitaria em vender uma obra da coleção da família, para salvar a preciosa vida
de seu querido pai.

— É, eu também tenho certeza de que meu irmão não hesitaria em fazer isso —
concordou Dora, lembrando ternamente de Philip.

Enquanto falava, entretanto, Dora sabia que as coisas não eram tão simples quanto
pareciam.

A coleção significava muito para seu pai e havia sido formada através dos séculos pela
família Colwyn.

Vender uma daquelas obras preciosas significaria uma desonra e uma verdadeira
traição a seus antepassados.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Se a situação piorar um dia, a Senhorita deverá vender os quadros para mim —
continuou o Senhor Lewenstein — Eu prometo, de todo o coração, que pagarei muito bem
por tudo o que quiser me vender. A Senhorita esteja certa de que ficará com dinheiro
suficiente para viver tranquila com seu pai por vários anos, sem ter que se preocupar com
problemas de subsistência.

Dora teve ímpetos de gritar aos quatro cantos que não queria vender sua coleção por
dinheiro nenhum do mundo. Aquilo poderia significar a morte de seu pai! Aquele, todavia,
não era o momento apropriado para explosões emocionais. Por isso, respirou profundamente
e disse,

— Fico muito grata, Senhor Lewenstein. Esteja certo de que, se eu tiver que vender
uma das pinturas, o Senhor certamente será o primeiro a ser informado. Fique tranquilo
quanto a isso, está bem?

Pela expressão de felicidade estampada no rosto do Senhor Lewenstein, Dora


compreendeu claramente que tinha dito exatamente o que ele queria ouvir.

Em seguida, levantou e despediu-se do anfitrião, indo para um dos quartos de


hóspedes.

Dora acordou logo cedo na manhã seguinte, depois de uma noite bem dormida. A
criada do Senhor Lewenstein entregou o vestido que usaria para viajar e, após se arrumar,
tomou seu chá com uns biscoitos deliciosos.

Em seguida, dirigiu-se até o quarto onde seu pai passara a noite. Ficou contente por
encontrá-lo bem disposto e falante.

— Dormi como uma criança, filhinha querida — disse ele, enquanto Jim o ajudava a
vestir-se — vou dizer uma coisa, Dora. Não saio daqui enquanto não vir a coleção de
Lewenstein. Eu desconfio que ele deve ter preciosidades dentro desta casa. Preciosidades que
ele compra por uma ninharia! Tenho certeza disso, minha filha!

— Fale baixo, papai — recomendou Dora, preocupada — O Senhor Lewenstein pode


ouvi-lo e ficaria ofendido com suas palavras. Ele tem sido muito gentil conosco e isso o Senhor
não pode negar, não é mesmo?

— Sim, é claro — concordou Alexander — Mas não devemos nos deixar enganar,
filhinha. Lewenstein é um comerciante e os negócios têm prioridade para um verdadeiro
comerciante. ainda mais quando se trata de alguém tão astuto como Lewenstein!

Dora não queria pensar nas palavras de seu pai, mas sabia que se não possuíssem a rica
coleção de pinturas, de Mountsorrel, Lewenstein jamais os receberia em sua casa.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Na verdade, ele sonhavi em possuir, um dia, pelo menos parte daquela preciosa
coleção, o que traria muito prestígio e dinheiro.

Quando seu pai desceu para o café da manhã, o Senhor Lewenstein levou até ele vários
objetos de arte, a fim de que pudesse admirá-los. Ficaram apreciando as várias preciosidades
do colecionador até perto do meio dia, quando então um criado apareceu anunciando que o
almoço estava servido.

Alexander bebeu e comeu bem durante a refeição e assim que tomou assento na
carruagem que os levaria ao Castelo do Conde Heversham adormeceu.

Dora estava muito agradecida ao Senhor Lewenstein. Afinal de contas, além de lhes
emprestar o dinheiro e de recebê-los em sua casa, ainda lhes emprestara uma de suas
carruagens. Ela havia escrito uma outra carta ao secretário do Conde e esperava,
ardentemente, que fossem bem recebidos quando de sua chegada ao Castelo, no final da
tarde.

As coisas pareciam estar mudando! Como pudera deixar a situação chegar a ponto de
atingirem quase que a miséria total? Como pudera permitir que seu pai passasse fome? No
futuro, haveria de ser mais corajosa e faria o possível para que nunca mais ela, seu pai e Jim
voltassem a sofrer como tinham sofrido!

Se sua mãe fosse viva, na certa ficaria envergonhada de ver como a filha tinha sido
fraca, e como se deixara vencer pelo desânimo tão facilmente.

Agora, entretanto, iria mudar! Dora tinha certeza de que, com a ida para o Castelo do
Conde de Heversham, seu pai iria conseguir o sustento para a família. Se ele não conseguisse
realizar o trabalho, ela mesma tomaria a dianteira e o faria por ele. Tudo teria que dar certo!

A viagem parecia interminável. Será que conseguiriam chegar no horário combinado?

Chovia, e a lama que se formava na estrada fazia com que os cavalos se fatigassem
rapidamente. Além disso, ococheiro se perdera no caminho e demorou muito até conseguir
encontrar a estrada que conduzia ao Castelo. Já eram quase sete horas da noite quando
entraram na alameda de carvalhos que os levaria até a propriedade do Conde de Heversham.

Dora, com uma estranha emoção nascendo dentro do seu coração, acordou seu pai,

— Papai, estamos chegando! — anunciou ela.

— O quê? Onde estamos chegando, filhinha? — perguntou Alexander, atordoado pelo


sono.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Ao Castelo do Conde de Heversham, papai! — exclamou Dora, presa de uma
desconhecida excitação — Já estamos chegando! Daqui a minutos estaremos lá!

— E já não é sem tempo! — replicou Alexander, endireitando no assento da


carruagem.

Dora tinha que admitir que também pensava o mesmo. Sentia extenuada pela viagem.
De repente, estremeceu. Estivera tão preocupada com o pai e com seus negócios que
esquecera de perguntar ao Senhor Lewenstein como era o Castelo onde passariam alguns dias
e como era o Conde que seria seu anfitrião. Seria ele um Senhor bondoso e compreensivo, ou
autoritário?

A fachada do Castelo era em estilo georgiano, cheio de colunas coríntias e com um


pórtico imenso. Era um lugar assustadoramente belo.

— Que construção maravilhosa — pensou Dora, intimidada pela imponência do


Castelo.

Quando a carruagem parou em frente ao pórtico do Castelo, Jim desceu para ajudar
seus patrões.

Logo um mordomo abriu a porta principal, aproximou—se de Alexander e indagou,

— Seu nome, Senhor?

— Sou Alexander Colwyn e estou sendo esperado por seu patrão.

— Alexander. Ah, sim. É a pessoa que vai cuidar dos quadros Estávamos esperando
pelo Senhor, mas não tão tarde — disse o mordomo.

Antes mesmo que Alexander pudesse dizer qualquer coisa, o homem virou para um
criado que o acompanhava e disse,

— Fale para o cocheiro levar a carruagem para os fundos — Em seguida, virando para
Alexander novamente, continuou — Se o Senhor quiser ter a bondade de seguir o criado, ele
o levará até seus aposentos, pela porta dos fundos. O jantar será servido, assim que vocês
estiverem prontos.

Dora estremeceu. O mordomo falara a seu pai, como se também ele não passasse de
um serviçal!

— O Conde de Heversham está? — perguntou Alexander, quase gritando e espumando


de raiva.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Sim, mas está ocupado — disse o mordomo — Amanhã...

— Quero ser anunciado imediatamente! — ordenou Alexander, não tolerando mais


aquele tipo de tratamento.

O mordomo olhou surpreso para o velho Colwyn. Ele já reparara em seu porte
imponente e agora percebia que, no fundo, aquele homem devia ser um aristocrata.

— Você me ouviu? — exclamou Alexander, num tom de voz que não admitia
contestações — Anuncie-me como o Senhor Alexander Colwyn de Mountsorrel e sua filha,
Senhorita Dora Colwyn!

Sem esperar, Alexander foi adentrando no Castelo, passando pelovestíbulo e chegando


à sala de estar principal, sob os olhares surpresos de todos os criados.

O mordomo correu atrás dele, passou à frente e, antes que o pai de Dora entrasse na
sala de estar principal do Castelo, onde estavam algumas pessoas, anunciou,

— Senhor Alexander Colwyn de Mountsorrel, Senhor. E sua filha, SenhoritaDora


Colwyn!

A jovem, que também correra atrás do pai, percebeu que todos no salão ficaram em
silêncio. Em seguida Alexander começou a se dirigir ao grupo de pessoas que se encontrava
na sala.

Ele caminhava com calma, agora, embora estivesse com uma expressão cheia de
orgulho no olhar. Dora achou conveniente segui-lo.

Logo, um homem afastou-se do grupo e caminhou na direção de Alexander.

Tratava-se, sem dúvida, do Conde de Heversham. Era alto, forte e, ao contrário do que
Dora imaginara, bem jovem ainda.

"Como é belo!", pensou Dora, embora não estivesse gostando muito da expressão nos
olhos do Conde.

Ela sentia-se extremamente embaraçada pelo fato de seu pai ter forçado aquela
situação.

Na certa, o Conde não devia ter gostado que sua recepção particular tivesse sido
interrompida tão bruscamente.

Alexander, no entanto, parecia muito à vontade e antes que o Conde pudesse dizer
qualquer coisa, começou,

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Boa noite, Senhor! Espero que desculpe a mim e à minha filha por estarmos tão
atrasados. Na verdade, as estradas ficaram praticamente intransitáveis com a chuva e nosso
cocheiro, para piorar a situação, tomou o caminho errado e foi difícil encontrar o Castelo. Por
favor, aceite nossas desculpas, especialmente pelo fato de termos causado o atraso do jantar!

Dora corou imediatamente. Seu pai estava pensando que o Conde os esperava para
jantar!

— Estou encantado, Senhor Colwyn — disse o Conde, aparentando bastante calma —


Sinto muito que a viagem não tenha transcorrido sem incidentes.

Os dois apertaram as mãos e em seguida Alexander falou,

— Deixe-me apresentar-lhe minha filha.

Dora fez uma reverência e estendeu a mão. O Conde falou,

— Vocês dois precisam de uma bebida, mas antes venham conhecer meus amigos.

Um criado trazendo champanhe apareceu como num passe de mágica. Dora mal podia
disfarçar o tremor de sua mão, enquanto segurava a taça.

O Conde começou a apresentá-los,

— O Senhor Alexander Colwyn, Lady Sheelah Turvey, Senhorita Colwyn. E, assim, foram
sendo apresentados a todas as pessoas presentes.

Dora mal conseguia lembrar de todos aqueles nomes e só pensava que, até aquele dia,
não conhecera mulher tão bela quanto Lady Sheelah.

Usando um vestido de cetim verde e com um colar de esmeraldas em volta de seu


pescoço nu, aquela mulher mais parecia uma deusa. A beleza de seu vestido realçava, ainda
mais, o ruivo de seu cabelo elegantemente penteado.

Depois de apresentá-los a todos os presentes, o Conde falou, gentilmente,

— E agora, Senhor Colwyn, tenho certeza de que vocês gostariam de se lavar e trocar
de roupas. Infelizmente, a viagem de Londres até aqui é muito cansativa.

— Ficaremos prontos o mais rápido possível, Senhor — garantiu Alexander.

— E mais uma vez, desculpe os transtornos que estamos causando.

— Não se preocupe com isso, Senhor — respondeu o Conde sorrindo.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Ele dirigiu-se, então, ao mordomo,

— Acompanhe o Senhor e a Senhorita Colwyn até os aposentos deles, Dawson, e tome


todas as providências para que nada lhes falte. Diga ao cozinheiro chefe que o jantar atrasará
mais um pouco.

Não era preciso sequer olhar a expressão surpresa do mordomo, para saber que
ninguém esperava que ela e seu pai fossem jantar em companhia do Conde e não com os
outros criados.

Enquanto o próprio mordomo subia as escadas com eles para lhes apresentar à
governanta que os esperava, Dora chegou à conclusão de que aquela situação poderia ser
considerada até divertida.

Seu pai, com aquela maneira arrogante de ser, quebrara todas as barreiras sociais e
conseguira impor sua presença de maneira espantosa!

Dora não teve tempo de falar com o pai, pois assim que este entrou no quarto, onde
Jim e um outro criado já o esperavam para ajudá-lo a vestir, a governanta pediu que a
seguisse até o quarto que a jovem ocuparia.

Era um aposento tão encantador quanto o de seu pai que ficava ao lado.

Como tiveram que andar muito para chegar até ele, Dora calculou que aqueles quartos
ficavam na parte velha do Castelo.

Mas aquele não era o melhor momento para ficar fazendo perguntas ou suposições e,
por isso, foi tratando de se arrumar, ajudada por uma criada, que viera para prestar-lhe
auxílio.

Lavou-se rapidamente e pediu à criada que tirasse seu único vestido de noite, que
pertencera à sua mãe.

Era um vestido de seda cor de rosa, do mesmo tom do manto que Van Dyck pintara
para o quadro de Nossa Senhora e Jesus que tinha em seu quarto.

Estava um pouco fora de moda, e por isso Dora fizera o possível para reformá-lo,
transformando-o um pouco. Sabia, porém, que ele não ficara perfeito. Os vestidos da moda
tinham saia muito rodada e o dela poderia parecer até justo demais, se comparado ao de Lady
Sheelah.

Como não tinha jóias para usar, resolveu colocar um laço de cetim, da mesma cor do
vestido, no pescoço.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Embora soubesse que aquela simples fita de tecido jamais substituiria um colar de
pedras preciosas, esperava que ela desse um toque de elegância a seu traje.

— Bem, mas por que estou tão preocupada? — pensou Dora, sorrindo — Ninguém
olhará para mim, com Lady Sheelah por perto.

Sem se preocupar em fazer um penteado da moda, simplesmente prendeu seu cabelo


num belo coque atrás da nuca. Enfeitou com uma fivela, que também pertencera à sua mãe.

— Acho que agora já está pronta, Senhorita — disse a criada. Dora sentiu um súbito
arrepio de medo percorrer a espinha.

Como poderia descer as escadas e encontrar todas aquelas pessoas, sabendo que sua
roupa nem chegava aos pés do lindo vestido da convidada do Conde?

— Não se preocupe — Dora disse a si mesma — Ninguém prestará atenção em você, lá


embaixo. Estarão todos muito ocupados em observar a elegância e a extrema beleza de Lady
Sheelah.

O que deveria ter em mente é que, de uma forma ou de outra, o que importava é que
estavam na casa do Conde para trabalhar e que seriam pagos para isso.

"Tenho que arranjar um meio de conversar sozinha com o Conde!", pensou resoluta,
embora aquela idéia a deixasse mais nervosa do que qualquer outra.

A criada abriu a porta no exato momento em que Alexander saía de seu quarto, já
elegantemente vestido.

— Como você está bonita, filhinha querida! — disse ele, sempre galante — Já está
pronta para descer? Estou faminto!

Ao chegarem à entrada da sala de visita principal, o mordomo, talvez com medo da ira
de Alexander, apressou em anunciá-los aos presentes,

— Senhor Colwyn de Mountsorrel e sua filha, Senhorita Dora Colwyn!

Dora viu que os outros convidados do Conde ainda estavam com suas taças de
champanhe na mão.

Lady Sheelah, sentada numa poltrona, olhava para todos com uma expressão
petulante.

Enquanto caminhava pela sala, Dora percebeu que aquela mulher olhava para ela e
para seu pai, como se estivesse querendo dissecá-los.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Vocês foram extremamente rápidos! — disse o Conde sorrindo.

— Para o Senhor ver como a fome consegue apressar um homem — replicou


Alexander.

— E uma mulher também — respondeu o Conde, olhando para Dora.

Um criado trouxe champanhe para eles, e o Conde fez questão de tirar uma das taças
da bandeja para oferecer pessoalmente a Dora.

— Acho que você está precisando beber um pouco — disse ele, atenciosamente.

O Conde a observava com uma expressão penetrante.

Dora abaixou os olhos, e seus cílios escuros e longos fizeram um belo contraste com
sua face pálida.

Sabia que seria educado dizer alguma coisa naquele momento, mas não sabia o quê.
Felizmente, o jantar foi anunciado naquele instante.

— Finalmente iremos jantar! — exclamou Sheelah, levantando — Pensei que


ficaríamos até amanhã sem comer nada!

— Ora, minha cara Sheelah, não seja assim tão mal educada — disse divertido, o
homem que estivera sentado ao seu lado até aquele momento — Afinal, você sempre se
atrasa para o jantar.

— Mas é porque sempre demoro para me arrumar. Quero estar sempre linda para
todos vocês — replicou Sheelah, com uma voz cheia de charme.

— Você não precisa perder seu precioso tempo para conseguir isso, Sheelah. Você é
naturalmente bela — foi a resposta galanteadora que o homem deu.

A moça, entretanto, não ouviu aquela resposta. Estava caminhando em direção ao


Conde e chegou perto dele, justamente a tempo de ouvi-lo dirigir-se a Dora de maneira muito
elegante, o que a deixou furiosa.

O Conde dizia,

— Como é a primeira vez que vem ao meu Castelo, gostaria que me permitisse
acompanhá-la até a sala de jantar, Senhorita Colwyn.

Dora ficou mais envergonhada ainda, mas conseguiu colocar a mão no braço do Conde
rapidamente, como sua mãe havia ensinado, anos atrás.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Como se percebesse o que Sheelah estava sentindo, Alexander dirigiu-se a ela,

— Será que eu teria a honra de acompanhar uma mulher tão linda que mais parece ter
saído de uma dessas pinturas maravilhosas que o Conde tem nas paredes?

— Obrigada — replicou Sheelah, com um lindo sorriso — Era isso o que o nosso Conde
sempre deveria me dizer se não fosse tão distraído.

Caminharam até a sala de jantar, passando por uma longa galeria cheia de belas
pinturas.

Dora teve vontade de parar para admirá-las, mas sabia que naquele momento seria
impossível.

— Estou muito curiosa para conhecer sua coleção, Senhor Conde disse ela, de repente,
aproveitando para iniciar uma conversa com seu anfitrião.

— Será que a Senhorita entende tanto de pintura quanto seu pai? — indagou o rapaz.

— Bem que eu gostaria — replicou Dora, sorrindo — No entanto, como nasci entre
obras de arte, acho que sei apreciá-las convenientemente.

O Conde sorriu e declarou,

— Vou testá-la amanhã, então. Estou certo de que vai adorar meus Van Dyck!

— Meu pai me disse que seus Van Dyck não devem chegar aos pés dos nossos —
brincou Dora.

A jovem sabia que suas palavras iriam surpreender o Conde. Afinal, ele achava que seu
pai não passava de um simples artesão restaurador.

— Vocês têm um Van Dyck? — perguntou ele, realmente bastante surpreso.

— Um não, três. Temos dois que são retratos de nossos antepassados e um outro, cujo
título é O descanso durante a fuga para o Egito.

— Sei de que quadro está falando — disse o Conde — Mas o de sua família deve ser,
logicamente, uma cópia.

— Uma cópia? — exclamou Dora, chocada — Como pode saber que nosso quadro é
uma cópia? Afinal, o Senhor nem ao menos o viu!

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— É que o original pintado por Van Dyck está aqui no Castelo — explicou o rapaz.

Dora ficou estarrecida com aquelas palavras, mas nada pode dizer, pois já haviam
chegado à sala de jantar.

Era um aposento enorme, revestido de mármore e cheio de janelas. Entre elas, em


todos os espaços disponíveis, havia quadros que, Dora estava certa, haviam sido pintados por
artistas de renome. A jovem percebeu que muitos deles estavam precisando de uma boa
restauração, pois o tempo os deixara muito escuros e estragados. O serviço de jantar era em
ouro e os finíssimos candelabros também. A porcelana era de Sèvres e os copos e jarras de
cristal lapidado.

Dora sentou à direita do Conde e Sheelah à esquerda dele.

Alexander sentou ao lado de Sheelah e, imediatamente, iniciou uma conversa com seu
vizinho à direita sobre a situação dos quadros existentes nas principais coleções inglesas,
sobretudo a respeito do acervo da National Gallery que, segundo ele, estava em péssimas
condições de conservação.

— É uma tristeza olhar para aquelas autênticas obras de arte e ver como estão
precisando urgentemente de uma boa restauração — comentou ele.

Sheelah, imediatamente, voltou-se para o Conde e começou a conversar com ele em


voz baixa.

Dora ficou perdida, por um momento, e aproveitou para admirar mais um pouco
aquele lindo aposento, cheio de luxo.

— Bem, o que está achando de tudo por aqui? — perguntou seu vizinho da direita, com
uma expressão bastante divertida no olhar.

— Da sala? Simplesmente maravilhosa. Parece um sonho — A jovem olhou para o


Conde, que ainda conversava com Sheelah, e falou em voz baixa para o rapaz a seu lado —
Pensei que o Conde fosse bem mais velho. Essa linda coleção, seguramente, deve ter
pertencido ao pai dele.

— É verdade — disse o rapaz — Kimball herdou-a esse ano, após a morte do pai. A
coleção não está em bom estado de conservação, e quando ouviu falar de seu pai, Kimball
resolveu mandar chamá-lo, imediatamente.

— Imediatamente?

Percebendo que suas palavras tinham sido um pouco rudes, o rapaz consertou,

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Ou melhor, Kimball resolveu convidar o Senhor Colwyn para examinar sua coleção.
Eu acho que ele fez muito bem, pois seu pai é considerado um grande restaurador. Além do
mais, achei muito interessante a Senhorita ter vindo com ele.

— Muito obrigada — agradeceu Dora, gentilmente — Nunca pensei que isso fosse me
acontecer, algum dia. Nunca pensei.

— A Senhorita fala como se nunca tivesse estado num Castelo antes — retrucou o
rapaz.

— Para ser sincera. nunca estive num Castelo tão lindo assim em toda a minha vida —
confessou a jovem.

— Fiquei observando a maneira como a Senhorita admirava a sala. Parecia mais uma
criancinha diante de um teatro de marionetes. Estava encantada.

— É verdade — sorriu Dora — Mas não um teatro de marionetes. Estou me sentindo


no palco de um teatro para adultos, onde se passam vários dramas.

— E a Senhorita quer ser a heroína de algum deles? — perguntou alguém, num tom de
voz bastante brincalhão.

Dora estremeceu, visivelmente. Fora o Conde Kimball de Heversham que dissera


aquelas palavras, pois tinha, evidentemente, escutado sua conversa com o rapaz,

— É claro que não, Senhor — replicou ela, rapidamente — Não sou mais que uma
espectadora.

Kimball riu divertido.

— Não sei se devo acreditar. Não quando a Senhorita acaba de me dizer que tem um
Van Dickn em sua casa, ainda que seja uma cópia.

Dora olhou assustada na direção de seu pai e depois disse em voz baixa,

— Por favor, Senhor Conde. Não deixe que meu pai o ouça dizer isso. E se possível.
gostaria de conversar com o Senhor, antes que falasse com meu pai. Gostaria de falar a sós, se
fosse possível.

Kimball olhou para Dora, como se não tivesse ouvido bem as palavras da garota. Em
seguida, porém, percebendo a expressão suplicante dos olhos dela, respondeu,

— É claro, fique tranquila.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
CAPÍTULO III

Dora acordou e permaneceu deitada em sua cama, pensando em tudo o que havia
acontecido na noite anterior. Quantas emoções sentira em tão poucashoras!

Quanto à recepção, parecia ter assistido à uma peça de teatro, onde não passara de
mera espectadora. Só quando acompanhara Sheelah para fora da sala de jantar, é que tudo
parecera tornar-se mais real.

Ao levantar da mesa de jantar, Sheelah tinha dito a Kimball,

— Não demore, querido. Você sabe como me sinto aborrecida sem você ao meu lado.

O rapaz nada respondera e Sheelah saíra então da sala, olhando sedutoramente para o
Cavalheiro que abrira a porta.

Sentindo-se pequena e insignificante, Dora a acompanhara, sem deixar, no entanto, de


admirar os quadros da galeria por onde passava. Reconhecera vários deles e pensara que em
outra oportunidade gostaria de vê-los com mais calma.

Pelo estado de conservação dos quadros, Dora havia chegado à conclusão de que ela e
seu pai teriam que ficar por muito tempo ainda no Castelo. Que maravilha! Pelo menos assim
poderiam comer e beber bem por alguns meses!

"Papai adorou o jantar. E fez questão de deixar claro que nossa coleção também possui
obras tão importantes quanto a do Conde".

Sheelah tinha caminhado até a frente de um espelho de cristal assim que chegara à
ampla sala de estar, que mais parecia um salão de festas.

Ficara admirando-se por alguns minutos, arrumando o colar de esmeraldas e um


amassado inexistente no decote do vestido. Em seguida, tirara uma caixinha de pó de arroz de
sua bolsa e passara um pouco de pó sobre o rosto.

Dora achara estranho aquele procedimento, pois sua mãe sempre dizia que uma
mulher de sociedade nunca se deveria maquilar em público. Se uma dama desejasse usar um
pouco de maquilagem, deveria fazê-lo muito discretamente, sem que ninguém percebesse.

— Nunca vi a Senhora com maquilagem — dissera Dora à mãe.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Você e eu tivemos sorte, querida. Nossa pele é muito perfeita e não precisa de
artifícios.

Dora, muito jovem naquela época, levou a mão até o rosto.

— Nossa pele é diferente da das outras mulheres, mamãe? — perguntara.

— Acho que herdamos essa tez de uma antepassada de origem espanhola, filhinha.
Meu pai costumava dizer que mamãe tinha uma pele que parecia feita de pétalas de
magnólia. Ele era tão gentil.

Dora, então, observara,

— E é isso o que papai também costuma dizer para a Senhora!

— E seu marido um dia também dirá o mesmo, filhinha dissera a mãe com um sorriso.

Interessante. Nunca mais se lembrara daquela conversa, até ver Sheelah aplicando pó
de arroz no rosto.

Acabando de retocar a maquilagem, a dama afastara-se do espelho e sentara no sofá.


Sabendo que não seria elegante ficar quieta ao lado de outra pessoa, Dora perguntara a
Sheelah,

— A Senhora e seu marido sempre se hospedam nesse Castelo maravilhoso?

Para sua mais completa surpresa a outra jovem a tinha encarado com rancor, antes de
dizer com voz firme e surpreendentemente autoritária,

— Você não tem o menor direito de me fazer uma pergunta tão impertinente. Se não
fosse tão idiota, você perceberia que não se deve forçar a presença num jantar de
aristocratas. Você e seu pai deviam estar jantando com os outros criados, sua garota
petulante!

Aquele ataque fora tão brusco que Dora não conseguiu sequer replicar o que a outra
dissera. Como se ainda não estivesse satisfeita, Sheelah voltara a falar, depois de suspirar
profundamente, como que tentando recobrar suas forças,

— E tem mais, se eu estivesse no seu lugar, não teria coragem de usar uma roupa tão
fora de moda como essa que está usando!

Sheelah pronunciara aquelas palavras de forma tão desagradável que toda sua
fulgurante beleza parecia ter, de repente, se apagado.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora pensara depressa numa porção de respostas para dar àquela mulher.

Desejara colocá-la em seu lugar e mostrar que deveria ter um pouco mais de educação
para lidar com as pessoas. Afinal, uma mulher mal educada tornava-se horripilante, por mais
bonita que fosse! Achara, entretanto, melhor permanecer calada. Sua mãe não aprovaria que
ela respondesse a Sheelah, pois se o fizesse estaria agindo de maneira tão vulgar quanto
aquela mulher.

Tensa, com os lábios tremendo de indignação, Dora levantara, dera as costas à Sheelah
e caminhara até a frente de um lindo quadro que decorava a sala.

Seu nervosismo impedira-a inicialmente de distinguir os contornos do quadro. Aos


poucos, porém, as formas elegantes das figuras pintadas por Fragonard foram se tornando
visíveis a seus olhos e a jovem pode, então, admirar a mestria do célebre e talentoso pintor
francês.

Ali permanecera, examinando aquela obra sem mais dirigir a palavra a Sheelah, até que
os homens entraram na sala. Imediatamente percebeu que seu pai não estava entre eles.
Kimball dirigiu-se a ela,

— Seu pai estava um pouco cansado e preferiu recolher-se, Senhorita. Mas espero que
fique conosco mais um pouco.

— Não, obrigada. Preciso ir ver papai — disse Dora, rapidamente — Agradeço muito
pelo jantar magnífico que o Senhor nos proporcionou.

Dora fora direto para a porta, mas Kimball fizera questão de acompanhá-la,

— Seu pai está sendo cuidado pelo criado — explicara ele — Tem certeza de que não
quer nos fazer companhia? Posso assegurar que meus convidados são pessoas inteligentes e
muito divertidas. Passaremos algumas horas agradáveis.

Involuntariamente, Dora olhara para o sofá onde Sheelah estava sentada e dissera,

— Tenho certeza que sim.

— Entendo — replicara Kimball, educadamente — Amanhã, então, teremos aquela


conversa particular que me pediu durante o jantar. Está bem?

— Sim, por favor — respondeu Dora — Nossa conversa será muito importante!

Kimball sorriu para ela. Dora fizera uma reverência muito educada e caminhara
rapidamente em direção à escadaria que levava ao andar superior.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Assim que entrara no quarto de seu pai, Dora percebera que ele estava a ponto de ter
um colapso. Estava numa poltrona e Jim ajudava-o a colocar sua roupa de dormir.

Somente quando já estava deitado é que Alexander falara com voz débil,

— Fique. sossegada, filhinha querida. Amanhã de manhã. estarei melhor.

— É claro, papai — sussurrara Dora, percebendo o quanto seu pai estava pálido.

Minutos depois Alexander já dormia. Saindo do quarto, Jim comentara com a jovem
patroa,

— Não deve ficar tão preocupada, Senhorita. O patrão logo estará bem. Neste Castelo
maravilhoso ele ficará completamente restabelecido em menos de um mês. Pode escrever o
que estou dizendo.

— Espero que você tenha razão, meu caro Jim — respondera Dora, bastante
apreensiva.

— Claro que tenho! — exclamara o criado — Se Bem que eu ache que o patrão não
deva sair da cama amanhã, durante o dia inteiro. Não é bom abusar muito da sorte.

— Será que as pessoas não iriam estranhar, Jim? — perguntara Dora, preocupada.

— E quem se interessa pelo que eles pensem ou deixem de pensar, Senhorita? Eles
querem que o patrão restaure os quadros do Castelo, não é assim? Então eles terão que
esperar até que o Senhor Alexander esteja em forma!

Dora não pudera deixar de rir. Jim sempre se tornava agressivo, quando se tratava de
salvaguardar a saúde de seu patrão.

— A Senhorita já viu o estúdio que eles reservaram para nós? — indagara o criado, a
seguir.

— Não. Onde é? — perguntara a jovem curiosa.

Jim avançara pelo corredor e abrira uma porta.

Obviamente era o aposento em que ela e o pai deveriam ter jantado, pois as velas nos
candelabros estavam acesas e também havia uma lamparina numa das mesas.

Era um lugar estranho, quase circular, e Dora percebera imediatamente que devia
tratar-se de uma torre, talvez a torre original do Castelo.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
O mais estranho era que, enquanto havia duas janelas longas e estreitas originais, na
parede norte havia uma janela ampla, na verdade ampla demais para o tamanho da sala.

Dora observara a janela surpresa e Jim comentara sorrindo,

— Um dos criados contou-me que esta sala, que eles costumavam chamar de "o
estúdio", foi feita para uma velha tia do Conde Heversham que gostava de pintar. Depois dela,
um grande número de artistas aqui trabalharam, enquanto retratavam os membros da família
do Conde. Achei interessante essa história.

— Mas é muito interessante, mesmo! — concordara Dora — Amanhã pedirei a alguém


que me conte quem eram esses artistas. Sei que papai vai ficar curioso. Ele adora saber sobre
essas coisas.

— Tenho certeza de que contarão — tinha dito Jim — Eles falam dos quadros desta
casa como se tivessem caído do céu. Parece que pensam que ninguém mais no mundo jamais
teve um quadro! Como são ignorantes!

Dora tinha sorrido divertida. Sabia que Jim, como seu pai, estavam decididos a mostrar
àquela gente que não eram pessoas sem importância.

— Bem, esperemos para ver o que papai vai dizer sobre a coleção Heversham. Se
descobrirmos que não é tão boa quanto acreditam, aí nós é que daremos boas risadas — Dora
fizera uma pausa e acrescentara, rapidamente, — Mas, claro, só entre nós. Está bem, Jim?

— Claro, Senhorita Dora — concordara o criado — Não devemos cuspir no prato em


que comemos, não é?

— Estou cansada e acho que vou me recolher agora. O que faremos com estas luzes?
Você tem alguma sugestão, Jim? — indagara a jovem.

— Vamos deixá-las como estão! — dissera ele, com muita firmeza.

— Não temos obrigação de apagá-las. Somos hóspedes, Senhorita Dora, e não se


esqueça de que somos pessoas importantes aqui dentro, pois a conservação da coleção do
Conde depende exclusivamente de nós. Ou melhor, do patrão e da Senhorita.

— É, está sendo uma experiência inteiramente nova para mim replicara Dora,
pensativa e um pouco temerosa — Boa noite, Jim, e obrigada por tudo.

Dora encaminhara-se para o seu quarto e ficara surpresa ao encontrar uma criada à
sua espera, para ajudá-la a vestir a camisola.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Só quando ficara sozinha é que Dora percebera que seu quarto era tão antigo quanto o
estúdio.

As paredes eram muito grossas e o forro era suportado por vigas igualmente grossas e
pesadas.

Era um quarto confortável, com um tapete grosso, cortinas de veludo e uma cama
larga coberta por uma colcha drapeada.

De repente, Dora estremeceu sem saber bem o porquê. Estavam na parte mais antiga
do Castelo. O clima daquele lugar era muito diferente dos aposentos do andar superior.

— Estou usando muito minha imaginação — pensara enquanto se deitava.

Devido à tensão dos últimos dias e à preocupação pela saúde de seu pai, Dora
adormecera imediatamente.

Vendo a luz que atravessava os cantos das cortinas, Dora se deu conta de que tinha
dormido profundamente, a noite toda.

Era como voltar de muito longe e perceber lentamente onde estava e o que tinha
acontecido.

De repente, inclinando a cabeça, lembrou que, no momento, não tinha preocupação


com dinheiro.

Se fosse bastante esperta e conseguisse evitar que seu pai percebesse o que se
passava, quando fossem embora do Castelo do Conde de Haversham, não precisariam mais
vender um único quadro da coleção da família e poderiam viver com o que seu pai tivesse
ganho trabalhando.

— Ele não pode saber — pensou ela, esperando conseguir convencer o Conde a não
mencionar nada a seu pai.

Seria muito embaraçoso pedir ao Conde para dar o dinheiro. Por outro lado, não tinha
a mínima importância o que ele poderia pensar. Precisava daquele dinheiro para manter seu
pai vivo e com saúde.

Sem tocar a campainha para chamar a criada, Dora levantou e abriu o cortinado. Que
vista maravilhosa! Não reparara, no dia anterior, no esplendor dos jardins que circundavam o
Castelo e do bosque que ficava próximo a ele.

— É lindo! Que lugar mais encantador! — pensou Dora, extasiada.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Continuava olhando com prazer para o trecho do jardim que ficava logo abaixo de sua
janela, quando alguém bateu à porta. Era a criada, que entrou em seguida trazendo chá,
pãezinhos recém saídos do forno e biscoitos.

— O dia está muito quente, Senhorita — disse a criada com o sotaque característico da
região — Acho melhor não acender a lareira, mas se a Senhorita quiser...

— Não, muito obrigada. Está muito quente, mesmo — replicou Dora.

Em seguida, perguntou, cheia de curiosidade,

— Todos costumam acender a lareira, logo que acordam de manhã? É um costume


aqui do Castelo?

— Oh, sim, Senhorita. É a primeira coisa que faço ao acordar as pessoas. Esta parte do
Castelo é muito fria. Eu diria mesmo... gelada.

— É verdade. Esta parte do Castelo parece ser muito antiga — reparou Dora
examinando as paredes do quarto com atenção.

— E tenebrosa, se a Senhorita quer saber o que eu realmente penso — disse a criada


rapidamente, olhando para os lados, como se temesse alguma coisa.

— Você por acaso está querendo insinuar que há fantasmas por aqui? — perguntou
Dora sorrindo, ao perceber os olhos temerosos da moça.

— Sim, Senhorita.

De repente a criada calou-se, como se estivesse falando demais e, depois de alguns


instantes, mudou completamente de assunto,

— Se a Senhorita me disser o que vai vestir, eu poderia ajudá-la.

— Estou muito mais interessada em saber o que você ia falar sobre os fantasmas e as
outras coisas que tornam essa parte do Castelo de Heversham tão "tenebrosa" — disse Dora,
ainda sorrindo.

A criada olhou para os lados novamente, como se estivesse com medo de que alguém
ouvisse o que iria falar. Depois disse,

— Se a Senhora Kingdon, a governanta, souber que estou falando sobre isso, vou me
dar muito mal. A Senhorita promete, por favor, que não contará a ninguém o que vou dizer?
Nem mesmo a seu pai?

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Claro que não direi nada a ninguém — respondeu Dora, já bastante curiosa com
tantos segredos — Na minha casa, que também é muito velha, dizem que há fantasmas. Eles,
porém, devem ser muito tímidos, pois até hoje nunca os vi, em nenhum lugar.

— Espero que os daqui também não a incomodem, Senhorita retrucou a criada —


Agora poderia me dizer que roupa pretende vestir?

Dora sorriu. A moça mais uma vez mudara de assunto, talvez arrependida de tê-lo
começado. Sabia que não ficaria conhecendo os segredos sobre os fantasmas daquele
Castelo, tão cedo. De que espécie seriam eles? Talvez um dia viesse a saber.

Assim que ficou pronta, Dora foi ver seu pai. O velho Alexander já estava começando a
tomar o café da manhã na cama.

— Estou ficando velho e senil, minha filha — disse ele, assim que a viu entrar —
Antigamente podia cavalgar dois dias e duas noites sem parar. Hoje, entretanto, um simples
trajeto de carruagem me deixa assim, neste estado lastimável.

— A viagem foi muito demorada e cansativa, papai — falou Dora gentil e ternamente
— E o Senhor estava em muito boa forma ontem à noite. Pelo jeito como falou com o Conde.

— Acho que mostrei a todos deste Castelo que um Colwyn de Mountsorrel deve ser
tratado com muito respeito! — declarou Alexander, cheio de orgulho.

— Claro que mostrou, papai, e eu fiquei muito orgulhosa do Senhor!

— Pensar que o Conde Kimball de Heversham nunca ouviu falar da nossa coleção. Que
vergonha para ele! — falou Alexander, demonstrando indignação por aquele fato.

Jim entrou na conversa,

— Eles estavam dizendo, lá embaixo, que o Conde herdou a coleção apenas no ano
passado. Ele viveu fora da Inglaterra por muito tempo, por não se dar muito bem com o pai
dele, o antigo Conde de Heversham.

— Então deve ser por isso que ele nunca ouviu falar da nossa coleção. Se passou muito
tempo fora da Inglaterra... — Alexander suspirou profundamente e depois disse, com a voz
um pouco cansada,

— Acho que vou ser obrigado a instruir esse Conde a respeito das grandes coleções da
Inglaterra.

—Tenho certeza de que o Senhor conseguirá — disse Dora, sorrindo.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Alexander voltou a tomar o café da manhã e Dora ficou feliz, ao ver que seu pai parecia
estar bem disposto e com excelente apetite.

— Acho que vou terminar de tomar meu café da manhã lá embaixo — anunciou Dora
— E o Senhor não deve se levantar hoje, está bem, papai?

— Vou pensar no assunto, filhinha — disse Alexander.

Dora saiu do quarto e desceu as escadas rapidamente, como se estivesse ansiosa para
ver alguém.

— O café da manhã está sendo servido na sala de estar, Senhorita Colwyn — disse o
mordomo respeitosamente, quando chegou ao grande hall.

Dora dirigiu-se até a sala, onde só estavam dois convidados, que se levantaram assim
que a viram entrar.

— Bom dia, Senhorita Colwyn! — disse um deles — Vejo que acorda cedo, o que não é
muito comum nesta casa!

Dora sentou e perguntou ansiosa,

— Está dizendo que não esperava que eu descesse para o café da manhã?

— Não, claro que não! — replicou rapaz.

A jovem lembrou que aquele rapaz era o mesmo com quem conversara durante o
jantar da noite anterior, e de que alguém o chamara de lan.

Enquanto Dora se servia de uma omelete, o jovem continuou,

— Em casa, minha mãe nunca permite que se fique muito tempo na cama a não ser em
caso de doença. Mas Sheelah nunca aparece antes do meio dia. Não é verdade, Rodney?

Rodney, o outro rapaz, respondeu,

— Acho que ela passa metade da manhã se maquilando. Não sei por que Kimball não
diz para ela que não precisa se arrumar tanto quando está no campo.

— Acho que ele não teria coragem para tanto! — retrucou lan, rindo.

Dora achou que aquele tipo de conversa não era muito respeitoso para com Sheelah.
Entretanto, chegou à conclusão de que não devia ficar preocupada com a reputação de
Sheelah. Afinal, tinha sido muito maltratada por ela na noite anterior!

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Gostaria de nunca mais ter que encontrar aquela mulher!

Talvez ela tivesse ficado irritada por Dora ter perguntado sobre seu marido. Mas era
realmente muito estranho ver uma mulher desacompanhada, sem o marido ou uma velha tia
ou amiga! Embora sendo pobres, a mãe de Dora sempre fizera questão de ensinar à filha
todas as regras de um bom comportamento social.

— Uma das regras principais para a reputação de uma mulher dizia ela — é nunca ir
desacompanhada a lugar algum. Se o marido não puder ir, a mulher deve pedir a uma
Senhora amiga que a acompanhe.

"Então por que Sheelah está aqui sozinha?", pensou Dora sem entender. "Afinal, aqui
só há homens! "

— Está tão séria! — observou lan — Pensando em algumacoisa triste, Senhorita


Colwyn?

Dora sorriu antes de responder,

— Absolutamente. Estava pensando em como o jardim do Castelo é bonito. Só de vê-lo


me deu vontade de dançar e cantar!

— Na sua idade isso seria muito natural — retrucou lan.

— É lógico — concordou Rodney — É uma pena que Kimball não costume dar bailes
aqui no Castelo.

— Este lugar parece saído de um conto de fadas — comentou Dora, num tom de voz
sonhador.

— E, é lógico, Kimball seria o Príncipe encantado, não é mesmo? — retrucou lan.

Ele mal terminara de falar, quando a porta se abriu e o Conde apareceu,

— Quem está falando de mim tão maldosamente? — perguntou ele.

Kimball entrou na sala e Dora fez menção de levantar.

— Por favor, não se levantem — pediu ele, sentando ao seu lado. Pensei que você
fosse cavalgar comigo esta manhã, lan.

— Para ser sincero, Kimball, os vinhos que você serviu ontem estavam deliciosos
demais — respondeu lan, ironicamente.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Bem, Basil foi comigo — continuou o Conde — Infelizmente, aquele ferimento que
ele sofreu no pólo começou a incomodar e ele achou melhor voltar para a cama. Creio que
dentro de algumas horas estará bem.

— Aquele ferimento deve estar enchendo a paciência de Basil, coitado — disse


Rodney.

— O que estão pensando em fazer hoje? — indagou lan.

— Essa pergunta eu é que deveria fazer, não é, lan? — retrucou Kimball — Portanto, o
que você quer fazer?

— Acho que vou ler os jornais no jardim — disse lan.

— Ótimo — disse Kimball — E você, Rodney?

— Tenho que colocar algumas cartas no correio — informou o jovem — Depois, se


você permitir, gostaria de cavalgar um pouco. Bem que eu gostaria de ter ido com você, mas
minha cabeça doía muito por causa do vinho de ontem à noite!

— Você já reparou em como o vinho que você anda servindo está deixando seus
convidados, Kimball? — brincou lan.

— É, acho que vou trocar de adega.

— Se você fizer isso, voltarei imediatamente para Londres! — atalhou Rodney, em tom
de brincadeira.

Todos riram divertidos, menos Dora. Por que achavam tão engraçado beber
demasiadamente à noite e se sentir mal na manhã seguinte? Aquilo parecia uma grande
tolice!

— Bom, agora só falta a Senhorita Colwyn — disse Kimball — O que pretende fazer
esta manhã?

— Papai está um pouco cansado hoje — começou Dora — Se o Senhor permitir,


gostaria de ver seus quadros, assim poderei dizer a papai quais as obras que precisam ser
restauradas mais depressa.

— Eu gostaria de mostrar-lhe quais são as obras que mais me interessam e nas quais
gostaria que seu pai trabalhasse — explicou Kimball.

Por um momento, Dora pensou que o Conde fosse dizer que seu pai só restauraria
algumas poucas obras da coleção. No entanto, como se tivesse percebido a aflição da moça, o

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
rapaz mudou de assunto.

Quando todos terminaram o café da manhã, Kimball dirigiu-se a Dora,

— Quer vir comigo, Senhorita Colwyn? — convidou ele — Gostaria de mostrar uma
coisa na biblioteca.

Os dois rapazes caminharam em outra direção e Dora seguiu Kimball por um corredor,
até a biblioteca.

Era uma sala muito ampla, com todas as paredes cobertas por livros, do chão até o
teto, com exceção de uma, onde estava colocado um Van Dick.

Assim que Dora o viu, deixou escapar uma exclamação e deu um passo para ntrás, a
fim de admirá-lo melhor.

Aquele era, com certeza, o retrato de um ancestral do Conde. A composição era muito
semelhante à do retrato que o artista pintara do antepassado de Dora.

O homem estava parado à frente do Castelo, que era bem diferente naquela época. A
cabeça de seu cavalo aparecia no quadro, assim como dois cães que olhavam para o dono
com admiração.

Era um quadro magnífico! Como sempre Van Dyck soubera realçar os mínimos detalhes
com talento e perícia.

— É lindo! Maravilhoso! — exclamou Dora — Mas tenho certeza de que papai vai dizer
que o quadro está precisando de um bom reparo. Principalmente nos cães.

— Estava certo de que iria dizer isso — respondeu Kimball — Agora que estamos a sós,
podemos ter aquela conversa que você pediu,

— S...sim. é claro — disse a jovem.

Dora sentia-se, de repente, envergonhada com o que teria que dizer. Entretanto, tinha
que prosseguir, pois se tratava de tentar assegurar a sobrevivência de seu pai. Suspirou e
começou a falar,

— Senhor Conde, sei que mandou que meu pai viesse até aqui, porque deseja que ele.
restaure seus quadros.

— É verdade — concordou o rapaz.

— E o Senhor tem intenção de pagá-lo por esses serviços?

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Naturalmente! — exclamou o Conde, sem compreender.

Por um instante Dora sentiu que não conseguiria continuar aquela conversa. Depois,
vendo que Kimball a observava atentamente, foi obrigada a dizer,

— Quando sua carta chegou, papai não estava muito bem de saúde. Eu a abri, mas
quando falei com ele sobre seu... convite... não mostrei a carta.

— Por que não? — indagou o rapaz.

— Porque até hoje papai nunca aceitou receber um único centavo pelas restaurações
que fez para seus amigos! — explicou Dora.

— Não estou entendendo onde quer chegar, Senhorita Colwyn. Disseram-me que seu
pai é o melhor restaurador do país e meu secretário disse-me que ele concordara em vir para
cá restaurar os quadros que herdei recentemente.

— Acho que... infelizmente não estou me explicando bem — disse Dora — Estamos
muito pobres e precisamos desesperadamente de... dinheiro. Eu ficaria muito grata, se o
Senhor pagasse a papai por qualquer coisa que ele fizesse enquanto estivesse por aqui. Mas,
por favor, entregue o dinheiro para mim e nunca o deixe saber, que ele é outra coisa aqui,
além de seu hóspede.

Fez-se um silêncio pesado na biblioteca.

Depois de alguns momentos, Kimball disse,

— Acho que estou começando a entender. O que está querendo dizer é que seu pai
precisa de dinheiro, mas que é orgulhoso demais Para aceitá-lo.

— É isso mesmo — concordou Dora — Se papai desconfiar de que será pago por seus
serviços, não só se recusará a receber o dinheiro, como também irá embora imediatamente!

— Então vamos sentar e conversar sobre isso — sugeriu Kimball.

Ele percebera que Dora estava tensa e trêmula.

A jovem receava parecer desleal para com seu pai e, ao mesmo tempo, via-se obrigada
a agir daquela maneira. Sentou numa poltrona de couro de frente para o quadro e começou a
se acalmar, enquanto admirava aquela linda obra de arte.

Depois de alguns instantes, Kimball tornou a falar,

— O que não entendo, Senhorita Colvvyn, é que me disse que seu pai tinha um Van

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dyck em casa. Além do mais, ele mesmo referiu-se à coleção de vocês como sendo tão boa ou
melhor do que a minha! Como pode ser, já que vocês são tão pobres?

— Ora, Senhor Conde, nossos quadros foram herdados! — disse Dora um tanto
indignada.

Afinal de contas, não era tão difícil de entender!

— É claro! Como não pensei nisso? — exclamou o jovem Conde.

Enquanto Kimball falava, Dora chegou à conclusão de que ele nunca poderia imaginar
que um restaurador pudesse herdar uma coleção de arte de valor inestimável. Aquele
pensamento deixou Dora muito orgulhosa de sua família. com um sorriso cheio de
imponência, ela esclareceu,

— Os Colwyn moram em Mountsorrel desde os tempos da Rainha Elizabeth I, Senhor


Conde. Nossa casa não é tão grande quanto a sua, mas nossa coleção é de tal importância,
que é sempre citada nos livros de História da Arte.

— Desculpe, Senhorita Colwyn — disse Kimball — Acho que eu devia ter me informado
melhor sobre seu pai. Repreenderei meu secretario pela forma como escreveu aquela carta.
Ele deveria ter sido mais atencioso, pois, afinal, seu pai é um homem que merece todo o
respeito dos colecionadores.

Notando que Dora ficara mais calma com suas palavras, o rapaz continuou,

— Agora me diga exatamente o que quer que eu faça.

— Se o Senhor quiser realmente a ajuda de papai, simplesmente peça conselhos sobre


seus quadros — disse Dora — Se ele se oferecer para restaurá-los. agradeça efusivamente.
como se ele estivesse fazendo um favor, pois é isso. que ele vai pensar que estará
acontecendo!

— Pode deixar que farei exatamente o que está me pedindo e pagarei pelo trabalho de
seu pai à Senhorita.

— Muito obrigada, Senhor. Odeio agir dessa forma e meu pai ficaria muito zangado se
soubesse, mas não tenho outra saída.

— Vocês estão mesmo muito pobres? — perguntou Kimball.

— Se eu responder a essa pergunta o Senhor ficará com pena de nós e eu ficaria tão
humilhada que teria que ir embora do Castelo — respondeu Dora.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Percebendo que Kimball observava atentamente seu vestido fora de moda.

— Estou vendo que é muito difícil lidar com o seu orgulho, Senhorita Colwyn.

— Meu orgulho é grande, mas infelizmente não me dá nenhum rendimento.

Kimball riu divertido.

— Agora está sendo mais humana — brincou ele — Juro que cheguei a ficar
preocupado.

— Obrigada por ser tão compreensivo — respondeu Dora.

— E posso garantir que disseram a verdade quando falaram que papai é o melhor
restaurador da Inglaterra! Talvez um dia o Senhor chegue a conhecer nossa coleção.

— Espero ser convidado a visitá-los — respondeu o rapaz.

Assim que Kimball disse aquelas palavras, Dora o imaginou chegando à sua casa semi
arruinada e comendo as pobres refeições que eles ali comiam.

Falara sem pensar e sentia vontade de rir ao imaginar o Conde conhecendo sua casa e
vendo o modo como viviam.

Sem querer levar adiante aquela conversa, Dora levantou.

— Tenho certeza de que estou tomando tempo, Senhor. Se me permite, darei um


passeio pelo Castelo, a fim de admirar sua coleção e prometo que não aborrecerei ninguém.

— A Senhorita nunca faria isso — atalhou ele — Antes de se despedir, porém, gostaria
de mostrar uma coisa.

Kimball abriu uma porta, subiu uma escada e Dora o seguiu.

No andar superior, ele abriu ainda outra porta e entraram num aposento, que Dora
logo percebeu tratar-se da sala de estar particular de Kimball. Aquela sala só poderia
pertencer a um homem, por causa da grande quantidade de quadros de cavalos pintados por
Stubbs, que ali havia.

E sobre a lareira havia um outro Van Dyck.

Era uma réplica perfeita do quadro que havia em seu quarto, e a Virgem parecia-se
muito com a mãe de Dora e, consequentemente, com ela própria.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Como era possível aquilo? Qual dos quadros era o original? O da sua coleção ou
aquele, do Conde?

Dora aproximou da tela, tentando captar alguma falha na obra que pudesse denunciar
que aquela pintura não passava de uma cópia, mas era impossível!

Tudo ali parecia ter sido pintado pelas mãos geniais de Van Dyck!

— E então? Qual o seu veredicto? — perguntou Kimball.

— É idêntico ao nosso!

— Pelo tom de sua voz estou percebendo que esse quadro é muito especial para a
Senhorita.

— Meu pai sempre achou que a Virgem se parecia com minha mãe.

— E com a Senhorita também!

Dora fitou-o surpresa e perguntou,

— O Senhor também acha?

— É claro! Assim que entrou na sala ontem à noite, notei a semelhança.

Dora voltou a olhar o quadro e disse em voz baixa,

— Talvez, pelo fato de eu gostar muito desse quadro, as pessoas me achem parecida
com a Virgem.

— Não, Senhorita Colwyn. Seu rosto oval, o nariz e o mistério de seus olhos são iguais
aos da figura representada no quadro.

Dora estremeceu, estranhamente, com o tom diferente da voz de Kimball ao


pronunciar aquelas palavras e mudou de assunto rapidamente,

— Talvez papai fique chateado se vir esse quadro. Talvez seja melhor não mostrá-lo a
ele.

— Acha que eu passaria o resto da minha vida sem saber se o meu quadro é original ou
não, Senhorita Colwyn? Se esse quadro significa alguma coisa para a Senhorita, para mim
também significa. E muito!

Dora não soube o que responder e Kimball continuou,

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Antes de seu pai ir embora, precisarei saber se esse quadro é original!

— Acho que deve ter muitos outros quadros para papai restaurar, Senhor Conde —
murmurou Dora, um pouco receosa diante do tom de voz áspero de Kimball.

— Sim, é claro, mas este é o mais importante — replicou ele — Agora quero lhe
mostrar um Stubbs, que meu pai adorava.

Havia muitos quadros pintados por Stubbs no Castelo, mas todos estavam em ótimas
condições, se comparados ao Poussin que ficava na suíte de Kimball.

— Papai aprecia muito o trabalho de Poussin — disse Dora — Tenho certeza de que
quando vir o estado desse quadro ele decidirá restaurá-lo, imediatamente. Acho que seria
bom levá-lo para o estúdio hoje mesmo.

— Pelo jeito, parece que quer que seu pai comece a trabalhar logo, Senhorita Colwyn
— comentou Kimball, sorrindo.

— É que desejo ficar no Castelo — confessou Dora — Ainda tenho medo de que tudo
isso seja apenas um sonho ou, então, que Papai fique logo com saudades de casa e queira ir
embora, antes que eu tenha tempo de ver todos os tesouros que aqui estão guardados!

— Antes que ele queira ir embora, eu levarei todos os meus quadros até o estúdio —
Depois acrescentou — Fique sossegada. Prometo que farei com que seu pai se proponha a me
ajudar com os quadros.

— Obrigada. Muito obrigada — disse Dora, impulsivamente — O Senhor é muito gentil


e atencioso.

Os olhos do rapaz encontraram os da jovem, que, por sua vez, achou difícil desviar os
seus.

Passaram duas horas inteiras admirando a coleção de pinturas e finalmente, Kimball


disse,

— Já viu os cavalos de Stubbs, agora venha conhecer os meus animais.

— Estou muito curiosa para vê-los — disse a jovem.

— E para cavalgar também? — indagou o Conde.

— Bem que eu gostaria, mas tenho medo de envergonhá-lo — murmurou Dora.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Por quê?

— Porque a roupa de amazona que trouxe está muito fora de moda — confessou ela.

— Acho que isso não tem a menor importância — replicou Kimball — Mas, se estiver
preocupada com o que os outros possam pensar a respeito de seu traje, poderíamos cavalgar
só nós dois.

— Poderíamos mesmo? — perguntou Dora, surpresa.

— Costumo sair para cavalgar todos os dias, um pouco antes do café da manhã —
declarou o jovem Conde.

— E eu poderia acompanhá-lo? — inquiriu a moça.

— Meus hóspedes são livres para fazerem o que têm vontade — esclareceu Kimball.

— Então eu poderia acompanhá-lo amanhã?

— Se estiver pronta às sete e meia.

— Estarei pronta muito antes da hora — disse Dora, cheia de felicidade.

Sendo assim, também procurarei não me atrasar — prometeu Kimball, sorrindo.

— Vai ser maravilhoso. Só espero...

Dora interrompeu a frase, ao perceber que não seria elegante dizer o que estava
pensando. Quase cometera uma grave indiscrição, mas, na verdade, esperava que Lady
Sheelah não os acompanhasse. com certeza, ela consideraria muita petulância da parte da
filha de um simples restaurador de obras de arte sair para cavalgar com o Conde!

Em seguida, achou que seria bobagem deixar que a simples presença de Sheelah a
perturbasse tanto.

"O que está acontecendo comigo", pensou Dora, "só acontecerá uma vez na vida!
Preciso ter boas lembranças de minha juventude, para quando ficar velha! Além disso, não
tenho medo de Lady Sheelah!"

Barbara Cartland
Retrato de um Amor

CAPÍTULO IV

Dora examinou o quadro que representava Apolo e Dafne, que havia sido levado ao
estúdio, e concluiu que este necessitava de um bom trabalho de restauração.

A pintura fora muito negligenciada, e ela tinha certeza de que seriam necessários dias,
talvez semanas, para fazer com que aquela magnífica obra de arte voltasse a ter as mesmas
cores e a mesma perfeição da época em que havia sido criada.

Quando Dora subiu até o andar superior, logo depois do almoço, e passou pelo quarto
de Alexander, viu que ele estava dormindo tranquilamente.

Resolveu não descer novamente, preferindo ir até o estúdio para ler por algumas
horas. Entretanto, ao ver o quadro, percebeu que haveria ali muito trabalho e que seria
conveniente iniciá-lo o mais depressa possível.

O almoço fora muito desagradável, pois Sheelah, obviamente, não estava nada
satisfeita com a presença de Dora e demonstrara essa insatisfação ignorando-a
completamente ou então fitando-a de maneira hostil e pouco educada.

Dora notou que Sheelah não fora tão rude com ela como na noite anterior, apenas
porque Kimball estava presente. com certeza, fazia questão de não aborrecer o Conde e, pelo
contrário, a todo momento fazia o possível para chamar a atenção.

Como na noite precedente, Sheelah usava várias jóias lindíssimas. Devia estar muito
orgulhosa de si mesma, pois todos os homens presentes só tinham olhos para ela. Pelo jeito,
porém, só um homem interessava e esse, sem dúvida alguma, era o Conde de Heversham.

Essa intenção de Sheelah expressava-se claramente, não apenas pelo modo como
falava com ele, mas também pela maneira como o tocava com seus dedos finos e delicados.

Além disso, fazia o possível para manter próxima dele, o máximo de tempo possível.
Sheelah agia de uma maneira tão imprópria que seria impossível não reparar.

Como se não bastasse esse comportamento repreensível, a jovem usava também um


vestido exuberante demais para um simples almoço. Era um traje verde que, mesmo sendo de
um tom diferente do que usara na noite anterior, contrastava de maneira espetacular com

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
seus cabelos ruivos.

Desde que se haviam sentado à mesa, Sheelah parecia decidida a dominar a


conversação.

Não querendo contrariá-la, Dora mantivera-se em silêncio durante toda a refeição.

Uma ou duas vezes teve a impressão de que Kimball a observava. Ela, porém, não
ousava erguer os olhos do prato, a não ser para admirar as pinturas que ornamentavam a sala
de almoço.

Ao término da refeição, após Sheelah se ter dirigido à sala de estar, Dora levantou e,
antes de se retirar, disse a Kimball,

— Preciso ir ver papai.

— Mandei o Poussin para o estúdio — anunciou ele.

Dora sorriu. Ia dizer novamente o quanto gostara daquele quadro, mas resolveu calar-
se, pois Sheelah poderia ouvi-la. Subiu as escadas apressadamente, como que fugindo de
alguma ameaça.

Já no estúdio, observando o quadro com atenção, Dora pensou,

— Se eu fosse retirando o verniz velho da tela, adiantaria o trabalho para papai.

Como se tivesse previsto que a jovem iria iniciar o trabalho, Jim deixara sobre a mesa
todos os instrumentos de que ela necessitava para começar.

Havia espátulas, pincéis, tintas, enfim todo o tipo de material que seu pai utilizava.
Como ele costumava dizer,

— As pinturas são como doentes. Todas precisam de um tratamento diferenciado e


individual, para ficarem boas novamente.

Os aventais que ela e seu pai usavam para trabalhar estavam sobre uma cadeira.
Tinham poucas roupas e não podiam estragá-las com nódoas de verniz ou tinta.

O avental de Dora era muito velho e, um dia, tinha sido azul escuro.

Estava agora desbotado e cheio de manchas de tinta. No entanto, o azul mais claro
realçava sua pele branca e a deixava ainda mais bonita.

O quadro de Poussin tinha sido colocado sobre um dos cavaletes do estúdio, diante de

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
uma janela que recebia a luz vinda do norte.

Dora pegou o que precisava de cima da mesa e começou a trabalhar. Como de


costume, ficava muito concentrada no que estava fazendo, até que de repente teve a nítida
sensação de estar sendo observada.

Pensou que tudo não passasse de impressão e olhou para a porta, que continuava
fechada.

— Que sensação mais estúpida! — pensou, rindo.

Entretanto, enquanto removia cuidadosamente o velho verniz que recobria o quadro,


aquela impressão tornou a assaltá-la.

Emily, a criada, dissera que o estúdio também era mal assombrado, mas aquele tipo de
pensamento era simplesmente ridículo!

Como a impressão persistisse, Dora parou de trabalhar e olhou à sua volta.

Tinha certeza de que as paredes circulares davam para fora do Castelo, e que apenas
metade de uma parede ligava-se ao resto da casa, além da porta por onde entrara, que dava
para o corredor.

Olhou para a lareira, que ficava na parede ligada ao Castelo. Caminhou em direção a
ela, embora aparentemente nada existisse de estranho ali.

Observou detidamente o topo da lareira, e percebeu que, nos desenhos esculpidos no


mármore, havia frestas suficientes para que alguém, do outro aposento, pudesse observar o
que se passava no estúdio.

Olhou através destas e nada viu com certeza, a pessoa tinha ido embora.

Perguntaria a Emily quem ocupava aquele aposento. Estava ansiosa para decifrar
aquele mistério. Entretanto, tentou acalmar, lembrando-se de que sua mãe costumava dizer
que não convinha a uma dama ser demasiadamente curiosa.

Além do mais, quem quer que a estivesse observando já não mais o fazia, pois Dora
não se sentia mais observada.

Voltou ao trabalho e procurou esquecer suas inquietantes impressões.

Afinal, por que alguém ficaria vigiando seus atos? Não estava fazendo nada de errado!

Quando Jim entrou no estúdio, dizendo que o velho Alexander se levantara, Dora

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
correu até o quarto dele, a fim de contar o que estava fazendo.

— É um Poussin muito bonito, papai. Assim que o vi, tive certeza de que o Senhor
ficaria horrorizado com as condições em que ele se encontra. Pedi ao Conde que o mandasse
ao estúdio, para que pudesse examiná-lo mais cuidadosamente. Espero que o Senhor não se
aborreça, mas já comecei a retirar o verniz velho.

Olhava para Alexander um pouco apreensiva, mas ele disse simplesmente,

— Espero que o Conde aprecie seus cuidados e dedicação, filhinha. Entretanto, não
tenho a intenção de começar o trabalho, até ter visto todos os quadros e resolver qual deles
merece ser restaurado.

— O Senhor está sendo severo demais, papai! — exclamou Dora.

— É verdade! — replicou Alexander, com seriedade — Não esquecerei tão cedo a


maneira como quiseram nos tratar, ontem à noite. Se não fosse eu...

— Acho que o Senhor deveria reclamar a respeito do secretário do Conde — ponderou


Dora — Pelo que entendi o homem confundiu as instruções do Senhor Heversham.

A jovem notou que seu pai ainda não se acalmara. Sentia-se insultado pelo fato de
Kimball nada saber a respeito da coleção Mountsorrel e por ter pensado ser ele um simples
restaurador.

Temendo que o orgulho de seu pai ainda lhes trouxesse complicações, Dora disse,

— Como o Senhor não frequenta muito a sociedade, às vezes as pessoas se esquecem


de que é um aristocrata, papai.

— Obrigado, filhinha — agradeceu Alexander, num tom de voz fria — Como já me


sinto melhor, descerei hoje para o jantar.

— Tem certeza de que está realmente se sentindo bem? — indagou a jovem.

— Meu cansaço passou! — replicou Alexander, animado — Para falar a verdade, estou
pronto para qualquer coisa, inclusive para conversar com aquela linda sereia de cabelos
ruivos.

— O Senhor não vai querer flertar com ela, não é, papai? — perguntou Dora, surpresa.

— Aquela mulher flerta com qualquer um! — replicou ele.

— O Senhor sabe alguma coisa sobre ela? — inquiriu Dora, com dificuldade, pois a cada

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
minuto que passava achava Sheelah mais antipática.

— Ela me disse que é viúva e filha do Conde de Frome — contou Alexander — Se não
me falha a memória, ele faliu há alguns anos e tudo o que possuía foi vendido. Lembro-me de
que Lewenstein ficou com uma porção de quadros dele.

Dora ficou perplexa.

Se o pai de Sheelah estava arruinado, como poderia ela possuir tantas jóias
maravilhosas? "Talvez o marido dela fosse muito rico", pensou.

Em seguida, achou melhor tomar o chá com seu pai, em lugar de descer e encontrar os
outros convidados. Não queria ver Sheelah e ter que tolerar o modo como a moça olhava para
o Conde.

Dora tinha certeza de que sua mãe não aprovaria os modos daquela mulher.

Agora que estavam sob o reinado da Rainha Victoria, o comportamento da sociedade


era muito mais reservado do que no tempo do seu tio, o Rei George.

Durante os anos do reinado de George IV, a Inglaterra passara por um período de


grande depravação social, que nem mesmo o Rei William e sua esposa Adelaide haviam
conseguido eliminar. Só quando a Rainha Victoria subiu ao trono é que tudo começou a
mudar.

Certa vez, Dora perguntara à sua mãe,

— Por que o Rei George era tão depravado, mamãe?

A Senhora Colwyn hesitara por um instante, antes de responder. Depois, dissera,


escolhendo as palavras, cuidadosamente,

— O Rei George não era exatamente depravado, minha filha. Ele apenas tinha um
modo de vida um tanto desregrado e, é claro, muitos elementos da sociedade imitavam sua
maneira de ser. Ele foi um péssimo exemplo para toda a Inglaterra.

— Mas o que eles faziam, mamãe? — indagara Dora.

Sua mãe preferira fingir não ter ouvido aquela pergunta e mudara de assunto. Como
seu pai fosse mais explícito e os jornais não fizessem segredo a respeito dessas coisas, Dora
acabara por saber que entre as amantes do Rei figuravam a Senhora Fitzherbert, Lady Jersey,
Lady Hertford e a Marquesa de Conyingham. Como se isso não bastasse, comentava-se que
William IV tivera dez filhos ilegítimos com a atriz Senhora Jordan, antes de casar com sua

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
jovem e honesta esposa alemã.

Ao voltar para o estúdio, tendo aquelas lembranças na mente, Dora olhara para a cena
de Apolo e Dafne, pintada por Poussin, e subitamente compreendera, por fim, a verdadeira
posição que Sheelah ocupava naquele Castelo.

"Como pude ser tão estúpida a ponto de perguntar sobre o marido dela?" pensou
Dora. "É claro! Não existe a menor dúvida de que ela é amante do Conde!"

Por mais que detestasse a idéia, Dora teve que admitir que só o fato de Sheelah e
Kimball serem amantes poderia explicar a presença da moça no Castelo, sem nenhuma
acompanhante.

Sim, só podia ser isso! Os dois eram amantes! Essa era a razão por que Sheelah se
portava como se fosse dona do Castelo!

Do contrário, o que explicaria o fato de não haver outra mulher entre os convidados de
Kimball? Se estivesse errada, por que então Sheelah fazia questão de se mostrar tão amorosa
e possessiva em relação a ele?

Por mais evidente que fosse a situação entre os dois, Dora sentiu muita relutância em
aceitá-la. Aquilo a deixava cheia de uma infinita tristeza, que não sabia ao certo como explicar
Kimball e Sheelah. Amantes.

Dora tentou concentrar no trabalho. Porém, por mais que se esforçasse, a consciência
daquela revelação não a deixava sossegar.

Subitamente, sem ao menos tirar o avental azul, Dora saiu do estúdio e percorreu o
corredor, sem saber onde estava indo. Queria apenas escapar de si mesma e dos
pensamentos que a perturbavam.

Antes de chegar à escadaria principal, viu uma escada menor, exatamente como a que
havia no outro lado da casa, por onde o Conde a levara até sua suíte.

Desceu, tentando imaginar onde chegaria, e foi com alívio que deparou com uma
saleta muito bem decorada, que dava para o jardim.

Abriu uma porta com cuidado e viu-se diante da parte do jardim que havia admirado
através da janela de seu quarto.

Ali, o jardim seguia o estilo francês, com seus canteiros bem ordenados e cheio de
flores graciosas e delicadas.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Havia uma linda fonte no centro dos canteiros, onde nadavam peixinhos de todas as
cores, sob lindos lírios aquáticos, que deviam ser de uma espécie rara, pois eram cor de rosa e
não brancos.

Dora ficou admirando os peixes e os lírios por um longo tempo. Apreciava, enlevada, o
maravilhoso efeito luminoso que os raios de sol criavam, ao se refletirem sobre o espelho de
água da fonte. "Isso tudo faz parte de um cenário de contos de fadas", pensou Dora,
completamente encantada. "O Castelo, esse lindo jardim, o Conde."

Como se tivesse sido chamado pelos pensamentos da jovem, Kimball apareceu e


começou a caminhar em sua direção. A jovem ficou imóvel onde estava, como se estivesse
esperando por aquele encontro solitário, na parte mais esquecida do jardim do Castelo.

Kimball parou a seu lado e pôs-se, também, a contemplar as águas da fonte.

— Tinha certeza de que mais cedo ou mais tarde você acabaria encontrando esse
recanto do jardim — disse ele, após alguns momentos de silêncio — Era meu lugar preferido,
quando eu era menino. Se esses peixes não são os mesmos que coloquei aqui ao completar
dezessete anos, estou certo de que são seus filhos e netos,

— Os lírios. Os lírios são tão lindos! — murmurou Dora.

— Foi minha mãe quem os colocou aqui — contou ele, sorrindo, tristemente, como se
uma lembrança longínqua o invadisse — Eu prometi a mim mesmo que um dia pediria a
alguém que os pintasse.

Kimball fez uma pausa, deu um longo suspiro e continuou,

— Agora eu sei quem deveria posar para o quadro, segurando os lírios. Sei também
que essa pessoa deveria estar usando uma roupa azul, igual a esse seu avental.

Dora tinha esquecido completamente de que ainda estava com o velho avental.

Sorriu, um tanto embaraçada, e explicou para Kimball,

— Esse é meu uniforme de trabalho e, já que o estou usando, acho que o Senhor pode
imaginar o que eu estava fazendo.

— É claro — disse Kimball — Fico muito grato pelo seu interesse, mas o que seu pai vai
dizer?

— Ele ainda não viu o quadro, mas como está se sentindo melhor, já pensa em descer
para o jantar desta noite — Dora fez uma pausa e, depois de um instante, continuou com

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
esforço — Acho que o Senhor terá que ser muito cuidadoso ao falar com papai sobre sua
coleção. Não demonstre que espera que ele restaure os quadros. Sei que ele irá se oferecer
para ajudá-lo.

— Pensei que você confiasse em mim — retrucou o Conde.

— E confio — confirmou Dora, apressadamente — Mas é que papai...

— É muito orgulhoso — completou Kimball, voltando a sorrir.

— Sim, é verdade, e para ser sincera ainda está um pouco chateado com o incidente de
nossa chegada.

— Será que terei que me desculpar novamente pela minha ignorância? Por não saber
que você e seu pai são aristocratas e que deveriam ser tratados como tal? — perguntou
Kimball, com um meio sorriso nos lábios.

— Não, eu entendi perfeitamente tudo o que aconteceu — afirmou Dora, com


sinceridade — Mas, por favor ajude-me com papai. Sei que passar uma temporada aqui no
Castelo fará muito bem à saúde dele. Tenho certeza de que ele poderá até remoçar!

— Você sabe que pode contar comigo no que for preciso — disse o jovem Conde.

O tom de voz de Kimball fora diferente do que tinha usado até aquele momento e Dora
fitou—o surpresa. O rapaz, por sua vez, encarou-a com estranha intensidade.

Ficaram olhando-se longamente, até que Kimball voltou a falar no mesmo tom de voz
profundo,

— Fiquei esperando por você minha vida inteira. O quadro que agora está na minha
saleta particular é uma das primeiras lembranças que tenho, de quando era pequeno e ele
ainda estava no quarto de minha mãe.

Dora soltou uma exclamação surpresa e disse, cheia de emoção,

— O meu também. esteve no quarto de. minha mãe, até a morte dela. Depois foi para
o meu quarto!

— Como você pode ser tão parecida com a Virgem? — perguntou Kimball, após um
longo momento de silêncio — Será possível que alguma antepassada sua tenha posado para o
artista?

Dora sorriu divertida com aquela dúvida e comentou,

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Sendo assim, você terá que concordar que o quadro que está na coleção de minha
família é o autêntico Van Dyck!

— Neste momento só uma coisa é completamente verdadeira para mim, você!

Kimball continuava usando o mesmo tom de voz que deixava a jovem desnorteada. Seu
coração batia descompassadamente e tinha certeza de que seu rosto estava rubro.

Dora voltou a contemplar os peixinhos, sem dizer nada.

Depois de alguns instantes, Kimball murmurou,

— Você é linda, Dora. Mas é muito mais do que isso. Há alguma coisa que me faz sentir
como se você fosse minha, como os quadros são meus, mas não ao nível de simples posse. É
como se você fizesse parte do meu sangue, do ar que respiro.

Dora teve a sensação de que todos os raios de sol a estavam iluminando.

De repente, porém, uma nuvem negra obscureceu o sol, ao lembrar de Sheelah. Ficou
tensa e, involuntariamente, ergueu o queixo, com orgulho.

Como se soubesse exatamente o que Dora sentia, Kimball desculpou-se,

— Sei que não tenho o direito de falar com você dessa maneira.

Sem dizer mais nada, o Conde levantou e se afastou dali.

Sem olhar para trás, Dora ficou ouvindo o rumor dos passos do rapaz, até se tornarem
inaudíveis. Sentia-se presa de sensações tão estranhas, que não conseguia entender. Sem a
presença dele, tudo parecia feio e triste!

Onde estaria agora a alegria, a beleza?

Teve vontade de correr atrás de Kimball e pedir que explicasse o que estava
acontecendo em seu coração. Desejava olhar em seus olhos e certificar-se de que Kimball
também sentia o mesmo.

De repente, um pensamento horrível a invadiu. Talvez Kimball estivesse comprometido


com Sheelah e tivesse a intenção de casar-se com ela.

Isso explicaria tudo, o fato de Sheelah estar no Castelo, sem acompanhante o modo
como se portava a maneira como tratava os convidados do Conde, como se todos devessem
render homenagens ,"Como é possível que ele queira casar-se com uma pessoa tão rude, tão
vulgar?", pensou.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Sentiu-se muito jovem e ingénua, perdida num mundo adulto, cheio de astúcia e
perversidade. Um mundo que não conseguia entender e onde jamais pretendia entrar.

Porém, mais do que tudo, o que perturbava profundamente o coração de Dora eram os
sentimentos confusos que a envolviam.

Perdido o encantamento daquele recanto do jardim, ela voltou para dentro do Castelo,
dirigindo novamente para o andar superior.

Abriu cuidadosamente o quarto de seu pai e viu que ele ainda dormia profundamente.

Foi então para o estúdio, onde o quadro a esperava. Entretanto, sentia-se muito triste
para recomeçar o trabalho.

Tirou o avental, tentando não pensar mais no que Kimball havia dito, que gostaria de
vê-la retratada naquele mesmo tom de azul. Caminhou até a estante de livros, do outro lado
do aposento.

Viu que todos os volumes tratavam de assuntos ligados às artes. Muitos eram sobre os
museus estrangeiros e outros ainda sobre a vida de grandes artistas.

Abrindo um deles ao acaso, viu que havia pertencido a uma mulher de nome Charlote
Hever e achou que devia tratar-se da tia de Kimball, que gostava de pintar.

Achou que seria um bom passatempo lê-lo e foi sentar numa poltrona perto da janela.
Virava as páginas com gestos automáticos, olhando as ilustrações sem prestar atenção, pois
certas palavras do Conde não saíam da cabeça,

"Há alguma coisa que me faz sentir como se você fosse minha, como os quadros são
meus, mas não ao nível de simples posse. É como se você fizesse parte do meu sangue, do ar
que respiro."

"Como ele se atreveu a dizer que me possuía?" pensou Dora.

Entretanto, uma voz bem no fundo de seu coração dizia que aquilo tudo era verdade.
Tinha certeza de que pertencia a Kimball desde o primeiro momento em que o vira na sala,
com os convidados. Por isso tinha ficado envergonhada e trêmula ao cumprimentá-lo.

O quadro de Van Dyck, que retratava a Virgem, os ligava indissoluvelmente através do


tempo e do espaço. Sim, pertencia a Kimball, como todas as obras de arte da coleção
Heversham.

"Como posso ter pensamentos tão ridículos?" pensou, de repente. "Mas não são.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
ridículos. São verdadeiros!"

Enquanto tentava situar-se entre aquelas sensações contraditórias, a porta do estúdio


começou a se abrir lentamente. Tão lentamente que, quando virou a cabeça para olhar, Dora
pensou que talvez se tratasse de algum movimento sobrenatural, parte do clima misterioso
que sentira enquanto trabalhava no quadro.

Olhou para a porta e, mais perplexa do que amedrontada, viu que alguém entrava.

Era uma mulher baixa e magra, usando um vestido estranho, que depois Dora
percebeu ser uma camisola, enfeitada com rendas e de mangajs muito largas e compridas.

A mulher estava descalça e seus cabelos, despenteados, embaraçados e não muito


longos, caíam sobre os ombros magros.

Dora estava tão surpresa que não conseguia se mexer. A mulher, no entanto, ao vê-la
começou a caminhar em sua direção.

Seus pés descalços não faziam ruído, e, por um momento, Dora pensou que ela não era
real, mas sim o fantasma de que falavam.

Quando a mulher chegou mais perto, Dora notou que seu rosto era marcado por rugas
profundas, embora se pudesse descobrir sob elas traços de beleza. Havia uma expressão
estranha e horripilante em seus olhos de um azul pálido. Pareciam presos de uma profunda
aflição.

Ela aproximou ainda mais e Dora permaneceu imóvel.

— Por que você está aqui? — perguntou a mulher — O que está fazendo com aquele.
quadro?

As palavras foram ditas vagarosamente, como uma criança que estivesse aprendendo a
ler, mas apesar de serem coerentes, havia qualquer coisa estranha nelas.

— Eu estou hospedada aqui no Castelo — Dora conseguiu dizer.

— Você precisa, você tem que ir embora! Tem que ir embora de uma vez por todas! —
aconselhou a mulher.

A voz dela tinha mudado e agora havia um tom de acusação no que dizia.

De repente, olhando para Dora, a mulher deu um grito.

— Você está tentando tirá-lo de mim! — dizia ela — É isso que você está tentando

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
fazer! Vá embora! Suma daqui!

Dora, agora completamente aterrorizada, foi se levantando devagar.

Naquele momento, duas mulheres entraram correndo no estúdio.

Pegaram a estranha figura, uma em cada braço, e, pelos uniformes que vestiam, Dora
percebeu que eram enfermeiras.

— Vamos embora, Senhora — disse uma delas — Devia estar dormindo, descansando.

— Ela está tentando tirá-lo de mim! Ela não vai permitir que ele me veja nunca mais!
Ela tem que ir embora! Mande-a embora!

As enfermeiras começaram a levar a mulher, quase que à força enquanto ela


continuava a repetir,

— Você quer tirá-lo de mim! Vá embora!

Finalmente, as mulheres conseguiram tirá-la do estúdio.

Dora ouviu os gritos por mais algum tempo, até que o som de uma porta sendo batida
chegou aos seus ouvidos e o silêncio, mais uma vez, tomou conta de tudo.

E estava atónita com o que acabara de acontecer. A única coisa que conseguiu fazer foi
recostar contra o espaldar da poltrona e continuar imóvel.

Quem seria aquela mulher? Não havia a menor dúvida de que devia ser
completamente louca!

A princípio achara o olhar dela estranho, mas agora percebia que aquele era o olhar de
uma pessoa dominada pela loucura. Ela devia ser vigiada o tempo todo por aquelas
enfermeiras e só aparecera no estúdio por algum descuido.

Dora sentia o coração bater descompassadamente e parecia que suas mãosnunca mais
parariam de tremer.

Agora estava explicada aquela sensação de estar sendo vigiada. Agora sabia quem
ocupava o aposento ao lado do estúdio.

Ainda assim, existiam muitas perguntas das quais Dora temia conhecer as respostas.

Tinha o terrível pressentimento de que, se viesse a saber de tudo sobre aquela mulher,
toda a alegria que estava sentindo por estar no Castelo acabaria por se desvanecer

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
completamente.

Subitamente, teve vontade de fugir dali, de voltar para casa, de ficar livre daquelas
emoções conflitantes que a tinham invadido depois de chegar ao Castelo.

Por um momento tudo pareceu rodopiar diante dos seus olhos, Kimball, seu pai,
Sheelah, os peixinhos e os raios de sol no jardim, a mulher de camisola branca.

"Não estou entendendo!", pensou desesperada.

Percebeu que se tinha envolvido numa situação da qual não poderia escapar. Tudo
aquilo parecia carregá-la, rapidamente, para um destino completamente ignorado.

Não podia recuar agora, tinha que ir em frente, mas nem conseguia imaginar o custo
de que sofrimentos.

Dora só desceu aquela noite para jantar porque sabia que seu pai também desceria.

Ficou sentada no estúdio até o anoitecer, mesmo sabendo que seu pai estranharia o
fato de ela não ter aparecido para vê-lo. Teria, agora, pouco tempo para banhar e se arrumar.

Até Emily aparecer, trazendo o seu único vestido de noite, Dora não percebera que a
angústia que sentia estava sendo muito ampliada pelo fato de não ter o que usar naquela
ocasião.

Embora dissesse a si mesma que não tinha vontade de ver Kimball novamente, não
podia ignorar o desejo irresistível de parecer tão bonita quanto ele dissera.

"Como posso ficar bonita com um vestido tão velho e fora de moda? Ao lado de
Sheelah, não pareço mais que uma gata borralheira", pensou com tristeza.

Mesmo assim, embora relutasse em admitir, desejava ardentemente rever Kimball,


olhar para ele, ouvir sua voz.

Ao mesmo tempo, tinha tantas perguntas sem resposta girando em sua cabeça.

Estremecia só de pensar em Sheelah como amante ou noiva de Kimball. Além disso,


qual seria a ligação entre ele e aquela estranha mulher que invadira seu local de trabalho?

"Não posso suportar tudo isso! Quero voltar para casa e nunca mais tornar a ver esse
Castelo!" Dora tinha vontade de gritar, embora soubesse que nada daquilo era verdade.

Mesmo que tivesse a oportunidade, não iria embora dali. Por bem ou por mal, mesmo
que fosse sofrer muito, precisava saber o final da história.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Está realmente precisando de um vestido novo, Senhorita — reconheceu Emily, com
sinceridade.

— Sei disso, minha cara. O fato, porém, Emily, é que meu pai não está em condições de
gastar dinheiro com coisas supérfluas, como por exemplo, um vestido de noite para mim.

— É uma pena — retrucou Emily, com convicção — Se tivesse vestidos bonitos, como
os de Lady Sheelah, estou certa de que a Senhorita ficaria tão linda quanto estas mulheres
retratadas nos quadros!

Dora nada respondeu e a criada continuou,

— Lady Sheelah possui centenas de vestidos! Todos os armários de quarto dela e os do


quarto ao lado estão repletos de trajes maravilhosos. E, como se não bastasse os que já tem,
não se cansa de comprar sempre mais!

Emily olhou para Dora, que continuava calada. Em seguida, acrescentou,

— Também pudera! Ela tem quem possa se dar ao luxo de cobrir todos esses gastos.

Dora quis pedir à criada que se calasse, que parasse de fazer aqueles comentários, mas
nada conseguiu dizer.

Estava tão confusa com tudo aquilo que, de repente, surpreendeu-se pedindo ajuda à
alma de sua mãe,

"Por favor, ajude-me, mamãe querida", rezou a jovem em silêncio "Não entendo o que
está acontecendo comigo e tenho muito medo de meus próprios sentimentos. Diga-me, por
favor, como devo agir e o que devo fazer!"

Dora desejava, profundamente, que sua mãe pudesse responder àquelas perguntas,
acabando de uma vez por todas com sua angústia. Entretanto, apenas a voz de Emily, que
voltava para o quarto com a fita de veludo que Dora usara na noite anterior, interrompeu o
silêncio.

— Eu passei a fita, Senhorita — mostrou ela — É mesmo pena que não tenha uma jóia
pequena para colocar sobre esta fita.

— Gostei muito do jeito como você a amarrou ontem à noite. Emily. Por favor, amarre-
a da mesma maneira — pediu Dora.

Depois de pronta, a jovem olhou-se, criticamente, no espelho. Desejou poder fingir que
estava doente e ficar em seu quarto. Assim não seria obrigada a descer com seu pai e

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
enfrentar o olhar de Kimball, o desprezo de Sheelah com certeza, aquela mulher se divertiria
muito ao vê-la com o mesmo vestido, já usado na noite anterior.

Pensou que talvez fosse melhor pedir a seu pai que deixassem aquele Castelo o mais
depressa possível. No entanto, compreendeu, segundos depois, que não poderia fazer isso. O
futuro de seu pai estava relacionado ao trabalho que realizaria naquele lugar. Restaurar os
quadros da coleção Heversham significaria, além do dinheiro, o restabelecimento de seu pai.
Não, não podia traí-lo, pedindo para que fossem embora. Tinha que encontrar forças para
continuar. Afinal de contas, não poderia colocar tudo a perder só porque não tinha belos
vestidos!

Foi somente o orgulho que fez Dora descer as escadas com a cabeça erguida, fingindo
estar vestida de ouro, em vez de um pano velho.

Foi somente o orgulho também que a fez sustentar desafiadoramente o olhar de


Kimball, em vez de se sentir embaraçada e cheia de constrangimento.

— Fico muito contente em vê-lo entre nós — disse Kimball a Alexander, e não havia
dúvida de que estava sendo sincero.

Foi com grande alívio que Dora percebeu que Sheelah não estava na sala.

Rodney e lan disseram terem sentido falta de Dora durante a tarde. E ainda que ela
achava os quadros da coleção Heversham mais interessantes do que a companhia deles.

— Na verdade, vi poucos quadros — replicou Dora.

lan fez um gesto teatral e disse,

— Quadros! Sempre quadros! Pessoalmente, prefiro ver uma mulher de carne e osso
ao meu lado. Os quadros ficam muito bem pendurados nas paredes. Além disso, posso
garantir que nós dois poderíamos fazer muitas coisas interessantes juntos.

Dora percebeu que o rapaz estava tentando flertar com ela e desejou responder algo,
mas não sabia exatamente o quê.

Foi salva pela entrada triunfal de Sheelah na sala.

Se Dora desejara estar usando um traje dourado, via agora, com tristeza, que mesmo
que o estivesse usando seria difícil disputar com Sheelah naquela noite.

A moça usava um vestido prateado, que a faziabrilhar como uma estrela de primeira
grandeza.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
A saia ampla era adornada por flores também prateadas, cujos miolos eram
rebordados com pedrarias. Todas as luzes dos candelabros se refletiam naquele maravilhoso
vestido e nos brilhantes que usava no pescoço e nos cabelos. Sheelah mais parecia uma
deusa envolvida pelo luar.

Tão linda a outra jovem estava que Dora chegou a pensar ter sonhado que Kimball
dissera aquelas belas palavras no jardim. Devia ser impossível para ele pensar em qualquer
outra mulher que não fosse Sheelah.

Ela devia saber disso, pois aproximou-se do Conde e beijou-o no rosto, como se ele
fosse propriedade sua.

Em seguida, falando suficientemente alto para que Dora pudesse ouvir, Sheelah disse,

— Obrigada, querido Kimball. Espero que você concorde que valeu a pena ter me
comprado esse vestido.

Se o rapaz respondeu alguma coisa, Dora não ouviu. Os outros homens, inclusive o
major Basil Gower que entrara com Sheelah na sala, estavam cobrindo-a de galanteios.
Ligeiramente sarcástico, lan disse que ela mais parecia a Rainha de Sabá.

— Estou preparada para representar a Rainha de Sabá ou Cleópatra, se Kimball for


Salomão ou Marco António! — respondeu Sheelah e todos riram.

Percebendo que Dora estava um pouco afastada do grupo, o Conde se aproximou,

— Aceita mais uma taça de champanhe, Senhorita Colwyn?

A jovem tentou responder calmamente, mas sua voz estava trêmula,

— N—não. Obrigada.

Dora estava sentada na ponta de uma poltrona e Kimball fitou-a, dando as costas para
os outros convidados, por um momento. Pareceu hesitar, mas depois de alguns segundos,
como se soubesse exatamente o que a moça estava sentindo, o Conde disse,

— Pedi que confiasse em mim.

Dora não esperava que ele dissesse aquelas palavras. Fitou-o e viu que nos olhos dele
havia uma expressão que também não esperava encontrar.

Não conseguia entender o que se passava, mas sabia que não estava enganada.

A expressão que podia ler no rosto de Kimball era de tristeza e desespero.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor

CAPÍTULO V

— Eu tinha certeza de que você cavalgava bem — disse Kimball, enquanto passavam
do galope para um trote mais lento.

— Como poderia saber uma coisa destas? — perguntou Dora, intrigada.

Muito corada pelo esforço e com o vento frio batendo em seus cabelos, a jovem sentia-
se como que num sonho encantado, do qual rezava para não despertar.

Quando descera as escadas correndo, apressada para não chegar atrasada ao encontro
com Kimball, Dora imaginara estar agindo erradamente, por permitir que ele a visse tão mal
vestida. A roupa que estava usando não era apropriada para cavalgar com ninguém, muito
menos com o nobre Conde de Heversham.

Quando era pequena e sua família ainda não tão pobre, seu pai e sua mãe costumavam
cavalgar pelos campos que rodeavam sua casa.

Dora costumava acompanhá-los e, aos poucos, fora aprendendo como manejar as


rédeas.

Sua mãe sempre fora vaidosa, e preocupava—se muito com a aparência.

Pensando nisso, Dora tirara seu traje de montaria do armário e percebera o quanto ele
estava velho e gasto. Além disso, tinha a saia levemente justa, o que a faria parecer ridícula.

A moda agora eram saias de montaria bem amplas. A Rainha Victoria, obviamente,
usava vários saiotes sob a sua, a fim de que ficasse tão rodada e armada quanto um vestido
de baile.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
"A única coisa a fazer é não sair da cama!", pensara a jovem.

Entretanto, não podia perder a oportunidade de cavalgar em companhia de Kimball.


Sem se olhar no espelho, vestira o velho traje de montaria.

Hesitara ao ver a jaqueta que completava o traje. Além de apertada, estava puída e a
parte dos cotovelos poderia rasgar-se a qualquer movimento mais brusco.

Jogara a jaqueta sobre uma poltrona e resolvera sair sem ela, por mais estranho que
aquilo pudesse parecer. Além disso aquele dia prometia ser quente!

Dora lembrara-se, então, de que não tinha um chapéu adequado para cavalgar. Na
verdade, trouxera o traje de montaria simplesmente para esvaziar seu guarda-roupa e não
por acreditar que pudesse ter a chance de andar a cavalo.

Ainda que tivesse lembrado de trazer o chapéu, sabia que ele não se encontrava em
bom estado e que, talvez, a deixasse ainda mais ridícula e mal vestida. Tudo o que tinha a
fazer era mandar Emily avisar o Conde de que não cavalgaria com ele.

Em seguida, lembrara-se da elegância de Sheelah na noite anterior e chegara à


conclusão de que, mesmo que estivesse usando o último modelo em trajes de montaria, era
provável que Kimball nem reparasse.

Prendera os cabelos num rabo e descera as escadas em direção às cavalariças, com um


ar de desafio no olhar.

Ao ver os cavalos de Kimball, simplesmente esquecera de todo o resto.

Sabia que o Conde devia ter belos cavalos, mas nunca imaginara que pudessem ser tão
magníficos. O velho cocheiro ficara todo entusiasmado ao perceber que ela estava gostando
de admirar aqueles belos animais.

Levara—a de baia em baia, contando a história de cada cavalo, falando sobre a


alimentação deles e de como o Conde os tinha adquirido.

Ao chegar, Kimball os encontrara quase no fim da cavalariça. Ele estava tão belo e
elegante que Dora o fitara com olhos arregalados.

— Eu bem que imaginei que você viria até aqui, em vez de ficar esperando que
levassem os cavalos até a porta do Castelo — dissera o rapaz.

— Era isso que eu devia. ter feito? — perguntara Dora, rapidamente.

— Não. Sempre escolho o cavalo em que quero cavalgar, apesar de desconfiar que Nick

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
já o escolheu! — explicara Kimball.

— Bem, pode ser, não é, Senhor? O que acha de sair com Júpiter esta manhã? —
sugeriu o homem — Na semana passada ele quase não saiu dos estábulos.

— Sim, pode ser o Júpiter — concordara Kimball — E que cavalo você sugere para o
uso da Senhorita Colwyn?

— Como a jovem entende de cavalos, acho que poderia montar muito bem o Vulcão —
dissera o cocheiro.

Kimball concordara, mas, ao ver o empregado trazendo o belo e vigoroso animal,


comentou,

— Você é tão leve e delicada que tenho a impressão de que será capaz de flutuar com
uma simples brisa. Tem certeza de que conseguirá conduzir este cavalo?

— Espero que. sim.

Quando Kimball segurara-a pela cintura, para colocá-la sobre a sela, Dora tivera a
impressão de que ia desmaiar.

Era a primeira vez que montava num cavalo com a ajuda de alguém. Quando ainda
tinham cavalos em casa, o garoto que cuidava deles simplesmente segurava o estribo para
que ela pudesse se firmar.

Kimball fora muito gentil em levantá-la, mas nunca pensara que seu coração pudesse
disparar daquela maneira, pelo simples fato de sentir a pressão dos dedos dele sobre sua
cintura.

Com medo de que o rapaz pudesse ler seus pensamentos, assim que ele montara em
Júpiter, a jovem se adiantara, fazendo Vulcão sair. Quando chegaram ao parque, sem
trocarem uma única palavra, os dois forçaram os cavalos a galopar.

Dora jamais andara num cavalo como Vulcão, ele parecia ter descido do Olimpo e ela
sentia-se como que cavalgando nas nuvens. Quando Kimball a elogiara, a jovem enrubescera.
Pensara, então, que ele estava apenas querendo parecer bem educado e tentara responder
com tranquilidade.

— Papai ficará muito orgulhoso de mim quando souber o que o Senhor disse. Ele
costuma dizer que uma mulher deve ser tão elegante cavalgando quanto sentada numa
carruagem. Concordo com isso, mas estava com medo de não saber mais cavalgar como
antigamente. Estou um pouco fora de forma.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Kimball ficara em silêncio por alguns momentos, depois dissera em voz baixa,

— Gostaria de poder cobri-la de roupas e jóias e nunca mais deixar que você pensasse
em nada além de ser bonita.

O jeito como ele dissera aquelas palavras deixara Dora embaraçada. Depois, chegara à
conclusão de que não deveria levá-lo tão a sério.

— Não preciso de tanto — murmurara Dora — Estou muito feliz agora e a única coisa
que gostaria de poder fazer seria cavalgar em Vulcão por toda a eternidade.

— E eu não quero mais nada, a não ser ficar ao seu lado — confessara o Conde de
Heversham.

Não havia a menor dúvida de que a voz de Kimball estava carregada de uma infinita
tristeza.

Dora olhara-o e percebera que o desespero visível nos olhos dele na noite anterior
ainda estava ali.

Sem saber o que fazer, que atitude tomar, o que dizer para aquele homem que tanto a
perturbava, esporeou Vulcão, que começara a correr pelo prado.

Minutos depois, o animal diminuíra, gradualmente, o passo e Kimball a alcançara.

Ele nada dissera desta vez. Apenas continuara trotando ao lado de Dora, em direção a
um lindo bosque, cheio de árvores antigas e frondosas.

Cavalgaram em silêncio até chegarem a uma clareira, bloqueada por algumas árvores
cortadas pelos lenhadores e ali deixadas. Os lenhadores não estavam por perto.

Kimball desmontara e, colocando a mão em Vulcão, dissera,

— Quero conversar com você. Aqui ninguém nos perturbará.

Dora estremecera com a seriedade da voz dele. Em seguida, como não restasse outra
opção, deslizara da sela para o chão.

Kimball amarrara as rédeas dos cavalos sobre suas cabeças e deixara-os pastarem
livremente. Depois pegara a mão de Dora com delicadeza e a conduzira até um tronco de
árvore caído no chão.

Dora sentara sabendo que era isso que ele esperava que fizesse.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Pensava no quanto aquele bosque era bonito e misterioso, com os galhos das árvores
filtrando os raios de sol.

Sentia que, enquanto admirava a paisagem, Kimball não tirava os olhos dela.

Ele tirara o chapéu e o colocara no chão ao seu lado. Dora notara, então, mais uma vez,
o quanto ele era belo e diferente de todos os homens que já vira.

O fato de estar tão perto dele deixou-a tímida, excitada e ligeiramente temerosa. Ao
mesmo tempo, entretanto, uma alegria imensa invadia seu coração, como se o próprio sol
penetrasse em seu íntimo.

Por um momento esqueceu de tudo, inclusive de Sheelah e da estranha mulher de


camisola branca que a deixara tão assustada na noite anterior.

Só conseguia pensar que ela e Kimball estavam a sós e que, quando ele falava com
aquela voz profunda tão característica, seu corpo inteiro vibrava, como se estivesse sendo
tocado em algum ponto vital.

Não conseguia explicar o que sentia. Era impossível colocar em palavras aquele
sentimento ou, até mesmo, pensar claramente sobre ele. Sabia apenas que sentia algo muito
forte e que vinha do fundo de seu coração.

Kimball permanecia silencioso. Subitamente, entretanto, como se tivesse sido


hipnotizada, Dora virou a cabeça, lentamente, e encarou-o. Tinha a nítida sensação de que
nunca mais poderia desviar seu pensamento daquele homem.

Depois de ficarem se fitando longamente, Kimball dissera, como se não pudesse mais
se controlar,

— Eu a amo! Amo você desde o primeiro momento em que a vi! Não quando entrou
em minha sala naquela noite, mas sim quando a vi naquela pintura no quarto de minha mãe.
Conclui, então, que você era a própria personificação da beleza.

Dora tinha a impressão de que o sol se aproximara mais através das árvores para
iluminá-los, e era impossível ver qualquer outra coisa, devido ao brilho que Kimball irradiava.

— Eu a amo! — repetira ele — Tinha que dizer isso antes de mandá-la embora.

Foram necessários alguns instantes para que aquelas palavras começassem a fazer
sentido na mente entorpecida de felicidade da jovem.

— M...mandar-me embora? — perguntara ela, com uma voz que não parecia a sua.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Minha querida, minha doce querida, meu precioso e puro amor — dissera Kimball,
com a voz entrecortada — Por que tinha que acontecer tudo isso? Você não entende? Oh,
meu Deus, por que tinha que acontecer isso comigo?

Kimball falara com tanta angústia na voz que, sem pensar, Dora estendera suas mãos.

— O que está dizendo? — perguntara ela, completamente confusa — O que


aconteceu? Você tem que me contar!

Ele pegara suas mãos e apertara tanto, que Dora estremecera. Depois de um suspiro
longo e doloroso, ele começara a falar,

— Se cometi algum pecado em minha vida, estou agora pagando por ele. Estou
preparado para aceitar meu destino, mas não quero arrastá-la para o sofrimento. Não poderia
suportar isso!

— O que. aconteceu? — perguntara Dora, outra vez.

O jovem Conde desviara seus olhos dos dela e fitara suas mãosentrelaçadas. Como se
quisesse desculpar-se por tê-las apertado com força, beijara os dedos da jovem e depois as
palmas de suas mãos, ternamente.

O toque dos lábios dele em suas mãos despertara em Dora um sentimento tão
profundo, tão vital, que ela sentia sempre ter feito parte de seu coração, embora nunca o
tivesse experimentado antes.

Em seguida, como se não ousasse mais tocá-la, Kimball largara as aos da jovem e, no
mesmo tom de voz entrecortado, perguntara,

— O que você sabe sobre mim, querida?

— Muito pouco, a não ser que você é o homem que sempre povoou os meus sonhos.

Dora falara tão baixo e timidamente, que pensara que Kimball não fosse ouvi-la. De
repente, ao ver um brilho suplantar a tristeza dos olhos dele, percebera que ele não só tinha
ouvido como parecia agora mais jovem e feliz.

— O que mais significo para você? — perguntara ele em voz baixa — O que sente por
mim?

Estavam novamente se entreolhando e, como era impossível dizer qualquer coisa que
não fosse a verdade, Dora respondera,

— Eu amo você! Mas não sabia que o amor seria assim.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Amo você também, querida — repetira Kimball — É verdade, nós nos pertencemos
desde que aquele quadro foi pintado. Eu sabia que você era minha, antes de ter consciência
de qualquer outra coisa.

— Estas coisas podem mesmo acontecer?

— Tenho certeza de que sim, minha querida. No entanto, o destino nos uniu apenas
para separar-nos novamente.

— Por quê? Por quê? — perguntara Dora, agora lembrando-se de Sheelah e sentindo
como se o sol se tivesse apagado no céu.

Parecendo ler os pensamentos dela, Kimball protestara,

— Não, ela não é importante. O que você não sabe é que eu... eu sou casado!

Dora sentira aquela palavra como uma punhalada, embora já suspeitasse dessa
verdade. Imaginara que esta era a explicação para a mulher que entrara no estúdio para gritar
com ela, na noite anterior.

Kimball respirara fundo.

— Ontem à noite não consegui dormir, pensando em você e querendo você até achar
que ia ficar louco. Compreendi, então, que não suportaria que você ficasse conhecendo a
verdade, através de outra pessoa que não eu.

Aquela era a atitude que Dora esperava dele. Ao mesmo tempo, porém, não conseguia
pensar em mais nada, pois aquelas palavras não paravam de martelar em sua cabeça,

"Casado! Casado! Ele é casado! "

Kimball pusera-se a olhar em direção à clareira.

— Casei-me quando tinha apenas vinte e dois anos. Era uma mulher que meus pais
consideravam adequada para mim. Pressionaramme tanto, que me vi forçado a concordar
com o que desejavam.

Dora forçara-se a ouvir o que ele estava contando. Como ele era bonito e rico e
certamente havia muitas mulheres que deviam querer se casar com ele, seus pais desejavam
certificar-se de que sua noiva seria a pessoa adequada, sob todos os pontos de vista.

— Maureen era filha do Marquês de Fane, cujas terras fazem fronteira com as deste
Castelo — Kimball respirou fundo antes de continuar — O Marquês não tinha filhos e estava
resolvido a fazer uma aliança. Pressionou de todas as maneiras possíveis, para que sua filha

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
aceitasse meu pedido de casamento.

— Ela não queria aceitar? — perguntara Dora, quase num murmúrio.

— Mas foi obrigada a fazê-lo, embora estivesse apaixonada pelo professor de


equitação.

— Não permitiram que eles se casassem? — indagou a jovem, surpresa.

— Não, claro que não! Nunca permitiriam quando havia a possibilidade dela se casar
com o herdeiro do Castelo Heversham!

— O que aconteceu, então?

— Nós nos casamos, com toda a pompa, damas de honra, cumprimentos e tudo o mais
que as mulheres adoram e que deixa os homens embaraçados — Kimball fizera uma pausa,
mas, como não havia nada que Dora pudesse dizer, continuara — Na nossa lua-de-mel,
Maureen, não parava de chorar, disse que me odiava e reafirmou seu infinito amor pelo
homem que tinha deixado.

Dora sabia que, acima de qualquer outra coisa, aquilo devia ter ferido o orgulho de
Kimball e tomou as mãos dele nas suas.

— Eu sinto muito — murmurara a jovem.

— Acho que eu era jovem e estúpido e não sabia como lidar com aquela situação —
explicara o rapaz.

— O que você fez, então?

— Nada. Tentei enfrentar a situação e confortá-la. Cheguei até a sugerir que


mantivéssemos apenas as aparências — Kimball suspirara — Eu achava que, apesar de tudo o
que Maureen dissera, nós talvez um dia chegássemos a nos gostar. Ela era muito bonita e eu
me sentia atraído por ela, como mulher.

Dora sentira uma pontada de ciúmes e apertara suas mãos.

— Eu sabia que não estava apaixonado, embora conhecesse muito pouco esse
sentimento — continuara Kimball — Acho que o que sinto por você, minha querida, é algo
que só acontece nos livros, ou talvez nos quadros.

Ele a fitara e Dora tivera a sensação de que o tempo havia parado.

— O que aconteceu depois? — perguntara ela, conseguindo libertar-se dos olhos de

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Kimball.

— Voltamos de nossa lua-de-mel, que foi uma farsa desde o começo, e fomos morar
numa casa no campo, que meu pai mobiliara e decorara para nós. Foi aí que comecei a
perceber que Maureen era desequilibrada.

— Deve ter sido terrível! — exclamara Dora.

— Eu tinha medo, mas era orgulhoso demais para admitir isso — confessara o jovem
Conde.

— O que você fez? — indagara a jovem.

— Maureen fazia um grande esforço, quando estávamos diante de outras pessoas.


Durante muito tempo, meus amigos sequer imaginavam que ela fosse diferente das outras
mulheres de sua idade — Kimball ficara mais tenso — Embora os pais de Maureen soubessem
que ela não era normal, estavam tão empolgados com o casamento, que forçaram os médicos
a não dizerem nada. Só fiquei sabendo disso depois de algum tempo. Eles tinham obrigação
moral de avisar a mim ou a meus pais, pois Maureen não devia casar-e com quem quer que
fosse.

— Que armadilha cruel!

— Usei estas palavras milhares de vezes, nos anos que se seguiram — , dissera Kimball
— Como sou dotado de muito orgulho, como seu pai, ao compreender minha real situação,
conclui que não suportaria a humilhação de ver as pessoas tendo pena de mim.

— Entendo — respondeu Dora.

— Enquanto ainda estava tentando decidir sobre o que faria, Maureen piorou. Os
médicos disseram que ela deveria ser internada e eu resolvi levá-la para o exterior.

— Então foi por isso que você deixou a Inglaterra! — exclamou a jovem.

— Isso mesmo! Primeiro fomos para uma vila em Florença. Depois que o estado de
saúde mental dela ficou conhecido por lá, nos mudamos novamente — Kimball suspirou mais
uma vez — Conheci partes do mundo que nunca teria conhecido se as circunstâncias fossem
outras. Conheci homens e mulheres de outras nacionalidades e aprendi a respeito de seus
pontos de vista e de seu modo de viver.

— Mas deve ter sido muito. difícil para você.

— Era muito difícil esconder a situação, pois os criados sempre falavam. Mesmo que

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
não dissessem nada, era evidente que as pessoas sabiam do problema e, com o tempo, fui me
adaptando e aceitando a situação. Mas como eu odiei tudo isso! — A voz dele estava
completamente alterada, como se ele já não suportasse sua pesada cruz — Odiei cada
momento da minha vida! Exatamente como odeio estar contando para você tudo o que sofri!

— Por favor. Por favor. Não diga mais nada! — suplicara Dora — Eu compreendo e
admiro você. Muito mais do que já admirava antes!

— Você precisava saber, tinha o direito de saber! Eu não suportaria que houvesse
segredos entre nós, meu amor.

Dora dera um longo suspiro.

— Você sabe que eu faria. qualquer coisa que você quisesse e me dói muito vê-lo tão
infeliz.

— O que me dói é ter que contar sobre tudo isso, quando tinha vontade é pegar a Lua,
o Sol e as estrelas e colocar a seus pés.

Havia tanto amor na voz dele, que Dora ficara trêmula. Percebendo isso, Kimball
apertara-lhe as mãos carinhosamente e continuara.

— Meu pai morreu e eu tive que voltar para casa. Trouxe Maureen comigo e tenho
certeza de que você percebeu que existe alguma coisa estranha no Castelo, que o torna
diferente dos outros.

— Eu vi Maureen — murmurou Dora, suavemente.

— Como? — indagou Kimball, sem compreender.

— Enquanto estava trabalhando no quadro, tinha certeza de que alguém me


observava. Ontem à noite ela entrou no estúdio e disse para eu ir embora, porque estava
tirando você dela.

Fora difícil dizer aquelas palavras e a voz de Dora tornara-se quase inaudível.

— Oh, meu amor, isso não devia ter acontecido! Foi um descuido imperdoável das
enfermeiras.

— Eu senti muita pena dela.

— Maureen realmente desperta compaixão. Mas, minha querida, não era a mim que
ela se referia. Era ao homem que amava e que não conseguiu esquecer em todos estes anos e
que, não preciso dizer, não merecia todo esse amor.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Oh, não! — exclamara Dora.

Como era possível que a esposa do Conde ainda chorasse por outro homem, quando
podia ter o próprio Kimball?

— Eu mesmo tentei descobrir quem ele era — continuou — o Marquês o colocara num
cargo de confiança. Ele supervisionava o trabalho com os cavalos de corrida e dava aulas de
equitação para Maureen. Parece incompreensível que uma pessoa decente e honrada fosse
capaz de seduzir uma jovem impressionável na situação de Maureen, mas foi exatamente o
que ele fez.

— Os pais dela sabiam disso antes de vocês se casarem? — indagou Dora.

Kimball hesitara antes de responder,

— Não tenho certeza. Eles não admitiriam, é claro. Sabiam que ela estava apaixonada
e por isso queriam que nosso casamento se realizasse o mais depressa possível.

— Que jeito horrível de agir! — exclamara a jovem.

— Acho que eu deveria ter achado estranho o fato de eles nunca permitirem que eu
ficasse a sós com Maureen por muito tempo — reconhecera o rapaz — Entretanto, é sempre
fácil perceber essas coisas, depois que tudo acontece.

— Que absurdo!

— Absurdo é a palavra certa, Dora, mas nós somos casados e, segundo a Sagrada
Escritura, até que a morte nos separe.

Ficaram em silêncio por alguns momentos. Em seguida, Kimball dissera com a voz ainda
mais pesarosa,

— É por isso que não tenho nada a oferecer, além do meu coração, que já é seu.

— E o meu é completamente seu — confessara Dora.

— É verdade? É mesmo verdade? — perguntou o jovem Conde.

— Eu amo você! — dissera Dora — Já o amava antes de saber de tudo isso. Agora eu o
amo ainda mais. Amo um homem corajoso, honrado e bom!

Kimball fizera um gesto impaciente, como se fosse protestar, mas dissera apenas,

— Você ainda diria isso, se soubesse que Sheelah Turvey é minha amante?

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Eu não gosto dela — dissera Dora com sinceridade — Mas acho que ela deve tê-lo
ajudado a esquecer.

— Meu amor, eu sabia que você pensaria assim! Sim, ela realmente tem me ajudado a
esquecer — Kimball fizera uma pausa — Tive outras Sheelah Turvey em Roma, Veneza, e em
quase todas as partes do mundo em que estive com minha mulher, que chorava sem parar
por outro homem.

— Não fale assim! — exclamara Dora, sem poder suportar a angústia na voz dele —
Não aguento isso! Acho maravilhoso você ter se comportado com um orgulho que meu pai
admiraria, mas odiar, ser cínico e amargo, estragaria o nosso amor.

— O nosso amor! Seu e meu! — repetira Kimball.

— S... sim — assentira Dora.

— Oh, minha querida, se eu conseguisse dizer o que significa para mim ouvir isso!
Quando eu a vi entrando na sala naquela noite, tive a certeza de que algo maravilhoso estava
para acontecer e que mudaria tudo! Quando vi seu rosto, por um momento pensei estar
sonhando. Você parecia ter saído daquela tela e vindo até mim, quando eu mais precisava de
você.

— Você sentiu isso mesmo? — interpelara a moça enlevada.

— E muito mais, que não consigo colocar em palavras, querida. Quando fui dormir
aquela noite, fiquei ainda por muito tempo sentado em minha saleta, olhando para você em
meu quadro. Compreendi, então, que conhecer você fora uma dádiva do céu. Entretanto,
sintome, ao mesmo tempo, crucificado, pois nada tenho a oferecer, nada! — Kimball abaixara
a voz, ao concluir — Estou irremediavelmente ligado a uma mulher que me odeia e que, de
acordo com os médicos, poderá, tranquilamente, viver mais do que eu!

Por um momento, Dora achara que nada tinha a dizer. De repente, no entanto, as
palavras saíram de sua boca, quase que involuntariamente,

— Nós ainda temos. duas coisas — dissera ela.

— O quê? — indagara ele, esperançoso.

— Fé e amor.

— Fé? — perguntara Kimball.

— Fé de que um dia não sei como pela bondade de Deus tudo venha a se resolver e

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
que nós possamos, então. ficar juntos.

— Você acredita mesmo nisto?

— Não é que eu acredite, eu sei que isso vai acontecer. Não me pergunte como, mas,
mesmo contra todos os argumentos lógicos, sei em meu coração que isso irá acontecer. Sei
disso porque você é... Porque quando você me toca sinto que somos uma só pessoa.

Kimball suspirara, profundamente.

— Como você, vou acreditar que um dia ficaremos juntos e que não haverá mais
sofrimento.

Ao terminar de falar, Kimball beijara as mãos de Dora ternamente, depois ficara em pé


e a fizera levantar-se também. Contemplaram-se por um longo momento.

Em seguida, Kimball abraçara-a e beijara-a.

Fora inevitável e, ao mesmo tempo, perfeito e maravilhoso o que o destino lhes


reservara desde o início do mundo.

Ao sentir os lábios de Kimball sobre os seus, compreendera que estivera certa ao dizer
que eles eram uma só pessoa e que, espiritualmente, nada poderia separá-los.

No início o beijo fora gentil. Depois, entretanto, ao encontrar os lábios suaves,


inocentes e doces de Dora, Kimball tornara-se mais exigente, mais possessivo e, ao mesmo
tempo, mais terno e protetor.

Dora sentira que o amor passava de seu corpo para o dele, que seu coração era o
coração dele e que qualquer coisa que viesse a acontecer no futuro não teria qualquer
importância. Nunca o perderia, pois eram indivisíveis, eram uma só pessoa.

Com aquela sensação maravilhosa e inebriante, cada parte de seu corpo parecia mais
viva do que nunca, e ela sentia-se repleta de uma alegria e prazer, até então desconhecidos.

Quando Kimball finalmente erguera a cabeça, Dora conseguira fitá-lo e sentir que tinha
sido carregada para o paraíso.

— Eu amo. você! — dissera a jovem, e, como ainda tremesse por causa das emoções
que ele despertara, Dora escondera o rosto no ombro dele.

— Amo você, também, minha querida. Amo tanto que nunca mais serei capaz de ver
outro rosto que não seja o seu, de ouvir qualquer voz que não seja a sua ou de beijar outros
lábios que não sejam os seus.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora sabia que aquilo era uma promessa e que Kimball dedicaria a ela todo o tempo
que pudesse.

Subitamente, quando levantara a cabeça para dizer novamente que o amava, o jovem
Conde beijara-a com paixão ávida. Ele parecia disposto a compensar o fato de não poder
possuí-la fisicamente, garantindo que seu coração e alma pertenciam, inteiramente.

Depois de um longo tempo, ambos haviam galopado até o Castelo, em silêncio.

Sentiam-se como se tivessem viajado até o fim do mundo e encontrado o paraíso. Os


portões, entretanto, estavam fechados, forçando a voltarem à realidade.

No entanto, sabiam que nunca mais seriam os mesmos.

— Não devemos dizer nada agora, pois não podemos aborrecer seu pai — disse
Kimball, quando avistaram o Castelo — Mas você sabe meu amor, que vou cuidar de vocês.
Pensarei numa forma de ajudá-los sem que seu pai sinta seu orgulho ferido.

Por uma fração de segundo, Dora pensou que devia recusar o que Kimball lhe sugeria.
Em seguida, compreendeu que o amor deles tinha que ser maior do que o orgulho. Kimball
gostaria que ela tivesse o mesmo conforto que ele e ficaria aborrecido e deprimido se a
jovem não aceitasse sua ajuda.

"Deixarei isso por conta de Kimball", pensou Dora. "Ele sabe como papai e e pensará
num jeito de nos apoiar, sem que se sinta insultado.

Dora olhou para o jovem Conde e pensou que não existia outro homem mais gentil,
belo e maravilhoso que ele.

Kimball fitou-a e sorriu. O mundo inteiro parecia radiante com o amor dos dois. Até o
Castelo parecia brilhar com uma luz que Dora nunca vira antes.

— Ninguém deve saber que cavalgamos juntos — disse Kimball, enquanto se


aproximavam da cavalariça — Amanhã faremos a mesma coisa. Sairemos juntos todos os dias,
até você ir embora.

— Primeiro papai terá que ver os quadros, senão começará a estranhar as coisas —
sugeriu Dora.

— Quero que você também veja todos eles — replicou Kimball!

— No futuro, talvez os quadros facilitem as coisas para nós. Poderei mandá-los para
seu pai restaurá-los em casa. Isso serviria como desculpa para mandar outras coisas também.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora sentiu que ele estava indo depressa demais e que poderia mandá-la embora a
qualquer momento.

— Por favor, por favor, deixe-me ficar mais tempo. Não consigo nem pensar como será.
não poder vê-lo, ou ouvir sua voz — disse ela.

— E como você acha que vou me sentir? — perguntou Kimball — Quando você for
embora, meu amor, minha vida será uma eterna escuridão!

Em seguida, como se não suportasse mais os pensamentos que o atormentavam,


Kimball esporeou o cavalo e entrou no pátio, onde os criados o esperavam, e desmontou.

Já em seu quarto, Dora achou que devia ter sonhado com tudo aquilo. Era uma
tragédia, como as histórias da mitologia grega, pensou ela, e, embora tivesse dito que deviam
ter fé de que algum dia pudessem ficar juntos, não conseguia parar de pensar,

— Quanto tempo isso vai demorar, meu Deus?

Dora tirou o traje de montaria para vestir um dos vestidos reformados.

Foi até o quarto de seu pai para desejar um bom dia. Jim insistia para que ele tomasse
o café da manhã na cama, mas Alexander informou-a que se levantaria para começar a
inspeção no Castelo.

— Agora vou saber se a coleção Heversham pode rivalizar com a nossa — disse
Alexander — Se não for do mesmo nível, não hesitarei em dizer ao Conde.

— Claro que não, papai. O Senhor sempre diz o que pensa — respondeu Dora.

— Honestamente, acho que é a melhor política — argumentou o velho Alexander.

Era visível que ele estava muito melhor de saúde. Dora sentiu um grande alívio por não
ter mais que ficar tão ansiosa por causa dele.

Desceu até o salão e ficou surpresa ao verificar que fora a primeira a chegar. Logo
depois, entretanto, os outros três homens se aproximaram.

Kimball não apareceu e Dora tinha certeza que ele não conseguira se refazer tão
depressa quanto ela. Tinha absoluta certeza de que ele estava sentado em sua saleta, olhando
para o quadro de Van Dyck, pensando nela.

— O que pretende fazer hoje, Senhorita Colwyn? — perguntou lan, ao terminarem o


café da manhã.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Meu pai vai descer daqui a pouco, e, como deseja ver os quadros, vou acompanhá-lo
pelo Castelo — respondeu Dora.

— Talvez seja uma revelação para todos nós — declarou Rodney.

— Seria uma piada se a coleção Heversham não fosse o que todos imaginam que é!

— Mas é, sim! — exclamou Dora — Os quadros são realmente magníficos! Precisam


apenas de limpeza e restauração, para voltarem a ser como originalmente eram.

— Isso vai levar muito tempo — comentou lan.

— Acho que vai levar anos — acrescentou o Major Gower —Até lá, todos nós
estaremos de cabelos brancos.

— Acho que meu pai não vai viver tanto! — disse Dora, sorrindo.

— Pode ter certeza disto! — disse Rodney — Lady Sheelah já está planejando a forma
mais rápida de se livrar de vocês!

Dora já percebera antes que Rodney não apreciava sua intromissão no grupo e agora
tinha a confirmação. A jovem também não apreciava muito o rapaz, embora não tivesse
qualquer razão concreta para tal.

— Que coisa desagradável de se dizer — comentou o Major Gower.

— Mas é verdade! — insistiu Rodney — Tenho certeza de que a Senhorita Colwyn sabe
muito bem que Sheelah não suporta ser passada para trás!

Achando a conversa intolerável, Dora levantou-se.

— Vou ver se meu pai já está pronto para descer — disse calmamente, caminhando até
a porta, antes que os homens tivessem tempo de se mexer.

Quando já tinha saído e estava para fechar a porta, a jovem ouviu lan dizer,

— Pelo amor de Deus, Rodney! Não torne as coisas piores do que já estão. Você sabe
como Sheelah é! Ela seria capaz de matar qualquer mulher que tirasse dela a atenção de
Kimball!

— É verdade — concordou o Major Gower — Ela encontrou um homem rico e lutará


como uma fera se ele tentar escapar.

De repente, Dora surpreendeu-se ouvindo uma conversa alheia. Não tinha a intenção

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
de fazer isso, mas ficara completamente paralisada ao ouvir o que lan dissera em sua defesa.
Sentindo que o que eles estavam dizendo era degradante e ofensivo ao amor que a unia ao
jovem Kimball, saiu correndo pelo hall e subiu as escadas.

Só quando chegou à frente da porta do quarto de seu pai foi que Dora pensou
desesperada em como suportaria pensar em Sheelah com seu amado Kimball. Lembrava-se da
amargura que havia na voz dele, ao dizer que muitas Sheelah Turvey o ajudavam a esquecer.

CAPÍTULO VI

Dora não entrou no quarto de seu pai, indo direto para o seu.

Estava aborrecida com o que ouvira e pensou que talvez Kimball tivesse razão. Seria
certamente impossível ficar no Castelo, enquanto Sheelah estivesse por lá.

Por outro lado, partir dali com o coração explodindo de amor seria uma agonia que ela
não se sentia capaz de suportar.

— O que vou fazer? — perguntou ela, a si mesma.

Não existia resposta àquela pergunta. Dora aproximou-se da janela e, pela primeira
vez, não encontrou beleza no jardim, nas flores ou no canto dos pássaros.

Só conseguia lembrar-se da dor na voz de Kimball e do desespero que vira nos olhos
dele.

Rezou novamente à alma de sua mãe pedindo ajuda. Acreditava que ela, que havia sido
tão feliz, compreenderia como ninguém o que ela sentia por aquele homem que praticamente
acabara de conhecer, mas que parecia ter estado com ela desde o despertar dos tempos.

De repente, a porta foi aberta bruscamente, quando Dora virou-se, apreensiva, e viu
Sheelah, que entrava em seu quarto.

Usava um negligée de cetim e rendas sobre a camisola e seus cabelos ruivos estavam
soltos.

Dora notou que era a primeira vez que a via completamente sem maquilagem.

Não teve, porém, tempo para fazer considerações sobre sua aparência, pois Sheelah

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
avançou em sua direção. Os olhos verdes da moça faiscavam e seu rosto estava transtornado
pela raiva.

Quando falou, sua voz soou como o rugido de um animal feroz e Dora achou que o
Major Gower fora feliz ao descrevê-la como uma fera.

— Fiquei sabendo que você esteve cavalgando com o Conde — gritou ela, furiosa —
Como se atreve a sair com ele nas minhas costas? Deixe-me informá-la, sua pretensiosa, de
que o Conde é meu e de que, tão logo ele se livre daquela mulher louca, nós pretendemos nos
casar!

A ferocidade da voz de Sheelah era assustadora, mas Dora conseguiu ficar em silêncio,
fitando-a com desprezo e aparentando uma calma que estava longe de sentir.

Parecia impossível que qualquer mulher bem educada perdesse o controle daquela
maneira.

— Você e seu pai não têm o direito de explorar a bondade do Conde — continuou ela,
levantando ainda mais o tom de voz. Vocês dois impuseram sua presença aqui, mas o Conde é
muito Cavalheiro e não os colocou em seus devidos lugares que, para mim, é na ala dos
criados!

Sheelah ergueu a mão e, por um momento, Dora temeu que aquela mulher fosse
agredi-la fisicamente.

Em seguida, com uma exclamação de raiva que pareceu vibrar visivelmente entre as
duas, Sheelah retirou-se do quarto, da mesma maneira impetuosa como ali entrara.

Por um momento, Dora permaneceu imóvel. Apenas sentia no ar o perfume forte de


uma exótica fragrância oriental. Ficou ali, trêmula e chocada pelo que acabara de ouvir.

Depois, ao pensar em Kimball tocando naquela mulher, cobriu o rosto com as mãos,
como se não quisesse admitir que, mesmo furiosa e mal educada, Sheelah continuava bela.

— Não posso mais ficar aqui — resolveu Dora, naquele momento.

Tentou imaginar o que deveria dizer para convencer seu pai a voltar para casa.

Ficou parada diante da janela por um longo tempo, refletindo e sofrendo.

Depois, como não aguentasse mais a solidão, Dora saiu à procura de seu pai, sentindo-
se como uma criança magoada, insegura e infeliz.

Como imaginara, Alexander estava na galeria, acompanhado pelo administrador do

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Castelo. Eles paravam diante dos quadros, admiravam-nos, e ao mesmo tempo seu pai
criticava o estado de conservação de cada um e dizia o que deveria ser feito.

O administrador tomava notas e, quando Dora chegou, o homem disse educadamente,

— Bom dia, Senhorita Colwyn! Como pode ver, seu pai está me dizendo como fomos
desleixados, negligenciando o que, sem dúvida alguma, é nosso maior tesouro.

— É um absurdo! Um absurdo! — exclamava Alexander — Veja só, Dora, esse


Francesca! Se não for tratado, um dos mais belos trabalhos deste gênio estará arruinado!

A jovem sabia que seu pai estava aborrecido daquela maneira, porque só existiam
agora não mais de doze quadros de Francesca.

Dora olhou para o quadro com mais atenção e viu que retratava a Rainha de Sabá
adorando o Menino Deus. Lembrou-se imediatamente de que Rodney dissera que Lady
Sheelah com o vestido prateado mais parecia a Rainha de Sabá.

Apesar de tentar se convencer do contrário, Dora sentia que, até o fim de sua vida,
tudo o que visse a faria lembrar-se do Conde ou de algo que se relacionasse a ele.

Alexander Colwyn terminara de dizer tudo o que queria sobre o Francesca e passara a
examinar outro quadro. Enquanto o administrador fazia as anotações, Dora pensava em como
faria para mostrar a seu pai o Van Dyck em duplicata.

Dora sabia que não poderia partir, sem que a questão da autenticidade daquele quadro
fosse solucionada. Do contrário, nunca mais conseguiria olhar para a duplicata em
Mountsorrel, ignorando ser ela verdadeira ou falsa.

— Kimball também deve sentir o mesmo — pensou Dora — Ele deve estar preparado
para aceitar o veredicto de papai, por mais penoso que seja.

Naquele momento, como que materializado por seus pensamentos, Kimball apareceu
do outro lado da galeria e Dora teve a certeza de que o rapaz achara impossível ficar longe
dela. Podia ler isso na expressão dos olhos dele.

O Conde cumprimentou seu pai, que imediatamente pôs-se a falar sobre os quadros
que examinara e sobre o que precisava ser feito em cada um deles.

— Não consigo entender por que meu pai negligenciou a coleção durante tanto tempo
— disse Kimball, quando Alexander parou para respirar — A única explicação possível é que
ele, por ter sempre vivido aqui, desde pequeno, via os quadros como estavam na sua infância.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Pode ser — concordou Alexander — Entretanto, quadros são como crianças,
precisam de cuidados e amor e nisto sinto que vocês falharam.

— Prometo que no futuro receberão tudo isso — replicou Kimball.

Pelo tom de sua voz, Dora percebeu que ele estava pensando que, quando olhasse
para os quadros e para um deles em particular, estaria pensando nela.

— Acho que agora poderia mostrar os Van Dyck para papai, Senhor — disse Dora —
Principalmente aquele que se encontra em sua saleta íntima.

Pensou que Kimball fosse sorrir, concordando, mas, em vez disso, viu o sofrimento
anuviar seus olhos.

— Claro que quero ver os seus Van Dyck — disse Alexander — Existe alguma coisa de
especial em algum deles que requer a minha atenção?

Dora deu a mão ao velho Senhor Colwyn.

— Sim, papai — disse ela — O Conde quer que o Senhor tome uma decisão que não
será nada fácil.

— Por quê? — perguntou Alexander — Bem, não farei mais perguntas. Apenas me
mostrem o quadro e eu entenderei do que se trata.

A galeria ficava no primeiro andar, não muito longe dos aposentos Particulares do
Conde, na ala sul do Castelo.

Caminharam em silêncio e Dora notou que o administrador seguia, discretamente,


atrás deles.

Kimball abriu a porta e todos entraram. A primeira coisa que Alexander notou foi os
quadros pintados por Stubbs. Em seguida, se que ninguém precisasse apontar, viu o Van Dyck
e se aproximou.

Ficou parado, olhando o quadro que significava tanto para Dora e Kimball, que
aguardavam seu julgamento com a respiração suspensa.

— É estupendo! — murmurou Alexander finalmente — O mestre estava em seu


apogeu! Duvido que tenha existido outro pintor com técnica tão brilhante, capaz de
transmitir uma percepção espiritual tão aguçada quanto ele.

O velho restaurador parou de falar e a filha fitou-o, surpresa, antes de dizer,

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— O Senhor. deve saber, papai, o que estamos esperando ouvir, não é?

— O quê? — perguntou ele, distraidamente, enquanto examinava um canto da tela,


onde a tinta parecia estar rachada.

— Quando vi este quadro pela primeira vez mal pude acreditar qe era uma duplicata
do nosso — desabafou Dora — Diga-nos papai, qual deles é o falso?

— Falso? O que é isso, minha filha? — indagou Alexander, com espanto.

— Mas papai!

De repente, o velho precipitou-se a rir,

— Então é isso! Pelo amor de Deus, minha filha! Estou vendo que não ensinei o
suficiente a você sobre meus artistas preferidos — Virou-se então para Kimball — E, como
proprietário de uma coleção tão magnífica, o Senhor é bastante desinformado!

— Como assim? — perguntou o rapaz.

— O que vocês dois deviam saber é que Van Dyck pintava frequentemente duas
versões de assuntos que interessavam particularmente.

— Duas versões, papai! — exclamou a jovem, mal podendo acreditar no que ouvira.

— Admito que raramente ele as fez tão idênticas quanto esta e que eu possuo —
declarou Alexander — Ele pintou duas vezes Zombando de Cristo, uma versão está em Berlim
e a outra em Madri, pintou São Sebastião duas vezes, além de dois retratos da Marquesa de
Spínola — Alexander riu ao ver a surpresa estampada nos olhos dos dois jovens — É
extraordinário que nenhum de vocês saiba disso. Eu até poderia enumerar mais meia dúzia de
trabalhos em duas versões — Sorriu, quando acrescentou para Kimball — E o Senhor até deve
tê-las visto em suas viagens.

— Estou envergonhado — respondeu Kimball — mas, ao mesmo tempo,


profundamente aliviado e feliz, pois, ao contrário do que sua filha pensou logo que o viu, este
quadro não é uma simples cópia do que está em Mountsorrel.

— Algum dia nós colocaremos as duas telas lado a lado e então poderei mostrar-lhes
que, embora existam diferenças pequenas entre elas, algumas técnicas seriam impossíveis de
serem copiadas por alguém, por mais talentoso que fosse.

Dora deu um suspiro de alívio. Agora que sabia que seus temores eram infundados,
sentiu que sua fé no futuro estava justificada e que, por mais que parecesse impossível, algum

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
dia ela e Kimball ficariam juntos para o resto de suas vidas.

Seus olhares se encontraram e Dora teve a sensação de que estava sendo abraçada e
beijada pelo belo Conde de Heversham.

Teve vontade de gritar que o amava, mas sabia que as palavras eram desnecessárias.

Era quase hora de almoço, quando deixaram os aposentos particulares de Kimball,


dirigindo-se à escada principal.

Alexander parava a todo momento para examinar os quadros, comentar seu estado de
conservação ou criticar a maneira como estavam pendurados.

Na parede que circundava a escada, havia outro Van Dyck, que não era um dos
melhores trabalhos do gênio flamengo. Alexander disse que talvez tivesse sido pintado
quando o artista estava doente e desapontado pela recepção que tivera em Antuérpia, onde
esperava ocupar a posição deixada por Rubens.

Os outros hóspedes já estavam na sala de almoço, quando o Conde, Dora e seu pai lá
chegaram. Logo ao entrar, a jovem percebeu nitidamente o olhar venenoso de Sheelah.

— Vejo que fez uma grande excursão — disse Rodney — Bem, Senhor Colwyn, qual é o
seu veredicto?

— Precisa perguntar? — foi a resposta — O Conde de Heversham é um dos homens de


mais sorte do país! Ele possui um tesouro absolutamente, impossível de se avaliar!

— O Senhor deve estar se referindo a mim! — interrompeu Sheelah, passando o braço


no de Kimball e voltando os olhos para ele — Diga que é verdade, querido, que sou um
tesouro impossível de se avaliar.

— Acho que primeiro devo oferecer uma bebida a nosso precioso crítico, depois de
uma manhã de trabalho duro — replicou o Conde afastando-se da impertinente mulher, que
agora dirigia um olhar furioso para Dora.

O que salvou o almoço de ser um completo desastre foi o fato de Alexander ter muito a
dizer sobre os quadros que examinara. Por conhecer muito bem o assunto, tornava-o
interessante para todos e contou muitas passagens sobre a vida dos artistas que, na maioria
das vezes, tinham tido uma existência peculiar e boêmia.

Todos estavam atentos ao que Alexander dizia, exceto Lady Sheelah, que se mostrava
aborrecida e impaciente por ter roubada a atenção que considerava inteiramente sua.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
lan e Rodney fizeram muitas perguntas interessantes e o almoço já quase chegava ao
fim, quando Kimball comentou,

— Esta noite teremos um convidado para jantar.

— Quem é? — indagou Sheelah, no mesmo instante.

— Acho que é um parente seu, Basil — replicou Kimball — O General Sir Archibald
Gower, que acabou de ser nomeado chefe de polícia deste condado.

— Ele é primo-irmão de meu pai e teve uma carreira militar ilustre — disse o Major
Gower — Ficarei encantado em poder vê-lo novamente. A esposa dele virá junto?

O Major Gower fizera a pergunta sem pensar e imediatamente caíra sobre a sala um
silêncio constrangedor, desses que se estabelecem quando alguém comete uma gafe infeliz.

— Não, ele virá sozinho — respondeu Kimball, calmamente e, em seguida, todos


começaram a falar ao mesmo tempo.

Dora não havia pensado nisso antes, mas agora percebia que o Castelo não recebia
visitas. Como seu pai e ela viviam muito recolhidos, não estranhou esse fato. Naquele
momento, entretanto, lembrou-se de que sua mãe sempre falara que um nobre, na posição
do Conde de Heversham, recebia continuamente visitas pessoais e oficiais locais, que pediam
seus conselhos e ajuda nos projetos do condado.

Era compreensível que, com a esposa doente, Kimball tivesse diminuído muito a
hospitalidade que se esperava dele.

Porém, o fato de Lady Sheelah estar no Castelo desacompanhada fazia com que
nenhuma outra Senhora do condado ousasse entrar no Castelo, enquanto ela ali
permanecesse.

"Ele não devia ostentá-la em detrimento próprio", pensou Dora.

De repente, compreendeu que, tendo se exilado no exterior por tanto tempo, Kimball
devia ter vontade de desafiar o código social e a lei que o Condenava a viver com uma mulher,
de quem só ficaria livre na morte.

Dora lembrava-se de ter ouvido sua mãe dizer que sentia muito pelos homens e
mulheres cujas esposas e maridos eram acometidos de loucura e para quem a lei não
proporcionava a chance de reconstruírem suas vidas.

Ela se havia referido a uma jovem cujo marido, após a queda de um cavalo, passara a

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
ter uma vida vegetativa. Ele ficara vivo durante anos e anos e, embora fosse incapaz até
mesmo de reconhecê-la, ainda assim continuara a ser seu esposo.

— É muito cruel — dissera sua mãe com voz doce — Não há nada que se possa fazer
para diminuir a infelicidade dessas pessoas?

— A uma mulher só é dado o direito de divorciar-se do marido por infidelidade ou


maus tratos — respondera Alexander, naquela época — A lei é assim, minha querida. E não se
esqueça de que, perante o Santo Sacramento, aceita-se viver com alguém "na riqueza e na
pobreza, na saúde e na doença, até que a morte os separe".

— Sei disso, querido. Mas a lei existe para nos ajudar a viver com alegria e não para nos
punir por algo de que não temos culpa.

— Você é muito bondosa e eu a amo por isso. Mas, minha querida, não adianta ficar se
preocupando. Você não pode fazer nada por sua amiga, exceto rezar para que a morte traga
ao casal o alívio merecido.

— O que não me parece possível no momento — a Senhora Colwyn tinha replicado,


tomada de uma profunda tristeza.

— É muita crueldade, muita crueldade! — Dora desejava gritar, ao pensar em Kimball,


jovem e preso pelo resto da vida a uma mulher que nunca mais poderia deixar seus
aposentos.

Não suportando mais pensar no assunto, Dora virou-se e fez um comentário banal para
Rodney, que estava sentado a seu lado.

Percebeu imediatamente que ele olhava para Sheelah com uma expressão que ela não
teria sido capaz de entender uma semana antes. Agora que seu amor por Kimball tinha
despertado uma nova percepção das emoções humanas, compreendeu que aquele jovem
desejava a bela mulher.

Não era amor, pelo menos não o que ela conhecia. Entretanto, os olhos dele brilhavam
de uma maneira diferente e impossível de ser disfarçada.

Desde sua chegada ao Castelo, Dora sentira certa antipatia por Rodney. O rapaz
costumava mostrar-se sempre irónico e sorria de um modo zombeteiro. Agora compreendia
tudo!

Ele sentia inveja de Kimball, não apenas pela riqueza, que o jovem Conde possuía, mas
também por causa de Lady Sheelah!

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora achou que aquilo complicava ainda mais as coisas e ficou contente, quando o
almoço terminou.

— O dia está lindo e quero sair para dar um passeio — disse Sheelah, subitamente, a
Kimball.

Dora tentou não se sentir desapontada, ao vê-lo concordar em levá-la a passear em seu
coche. Seria ótimo poder passear novamente com ele, pensou a jovem que, no entanto, tinha
que se contentar em ficar em casa, enquanto a bela Sheelah desfrutava da companhia
adorável de Kimball.

Com certeza Sheelah diria coisas agradáveis enquanto estivessem sentados lado a lado
sob o sol e, sem dúvida, o tocaria daquele jeito íntimo que fazia parte do seu jogo de sedução.

Dora concluiu que não estava com ciúmes, mas sim cheia de tristeza por não poder
compartilhar aqueles momentos com Kimball. Além disso, o tempo voava e, quando menos se
desse conta, o relógio daria as doze badaladas, e o baile terminaria para ela, que voltaria para
casa.

Seu pai, entretanto, estava resolvido a inspecionar todos os quadros e Dora o


acompanhou pelo Castelo, esforçando-se para prestar atenção ao que ele dizia. Ao perceber
que ele estava muito cansado, tentou convencê-lo a ir para o quarto descansar um pouco.

— A quantidade de trabalho a ser feito aqui me apavora! — disse Alexander antes de


se separarem.

— Eu sei, papai, mas o Senhor não está em condições de fazer tudo sozinho. Seria bom
aconselhar o Conde a ajudá-lo a encontrar uma pessoa que venha morar aqui e restaure os
quadros, um por um.

— Eu mesmo farei o trabalho — disse Alexander, depois de pensar um pouco. No


momento, não consigo pensar em ninguém a quem se possa confiar um Van Dyck ou um
Poussin.

Dora preferiu não discutir com ele.

Sabendo que estaria sozinha, Dora resolveu descer ao jardim para ver os peixinhos.
Tentou imaginar Kimball menino, colocando-os na água e indo certificar-se, ansiosamente,
todos os dias, de que eles ainda estavam vivos.

Foi aí que pensou que Kimball precisava ter um filho, que herdasse o Castelo é desse
continuidade a seu nome. Como sua mãe, sentiu vontade de chorar e gritar pela infelicidade
de um jovem preso a uma esposa louca.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora não teve oportunidade de ficar a sós com Kimball antes do jantar.

Queria contar que Sheelah descobrira sobre o passeio matinal deles, mas achou que
talvez fosse melhor falar sobre isso no fim da noite.

Ficou no estúdio, trabalhando no quadro de Poussin e pensando en Kimball.

Teve medo de que, pela forma agressiva como Sheelah si comportara, fosse impossível
saírem para cavalgar na manhã seguinte "Tenho que vê-lo a sós!", pensava ela. "Tenho que
conseguir! "

Resolveu que, caso não conseguisse conversar com ele naquela noite escreveria uma
carta e pediria que Emily a entregasse ao criado quarto de Kimball.

Seria indiscreto, mas talvez pudesse dizer que se tratava de uma lista dos quadros que
seu pai considerava precisarem ser restaurados. Tinha que ser cuidadosa, pois os criados
eram, em geral, muito espertos e já deviam estar percebendo que algo se passava.

A criada de quarto de Sheelah devia ter conhecimento da irritação de sua patroa, assim
como o valete de Kimball, certamente, já reparara na inquietação do jovem Conde.

"Há muita gente envolvida", pensou Dora, lembrando-se de como tudo era diferente
em Mountsorrel, onde havia apenas ela, seu pai e Jim. Sabia, entretanto, que, depois do que
experimentara no Castelo, sua casa nunca mais seria a mesma.

Encontrara o amor, mas perdera aquela sensação de segurança que a casa significa
para toda criança, antes de crescer e descobrir que o mundo é muito diferente e, às vezes,
assustador.

— Está muito séria, Senhorita — comentou Emily, enquanto a ajudava a vestir-se.

— Queria ter um vestido novo para usar — explicou Dora, rapidamente.

— Foi isso que eu disse ontem — retrucou Emily — Estive pensando, Senhorita, não
gostaria que a Senhora Browning, a costureira do Castelo, fizesse algumas roupas?

— É muita gentileza sua, Emily, mas seria impossível comprar qualquer tecido e... —
Dora ia dizer que não tinha dinheiro, mas achou difícil explicar.

Nunca gastaria o dinheiro emprestado do Senhor Lewenstein consigo mesma.

— O vendedor passa aqui todas as terças-feiras — continuou Emily — Ele costuma ter
coisas muito bonitas e baratas.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
De repente, Dora pensou que poderia pedir a Kimball que pagasse pelos tecidos. Afinal,
custariam muito pouco. Em seguida, sentiu-se envergonhada. Como desceria ao nível de Lady
Sheelah, aceitando dinheiro para roupas? Já era humilhante que ele fornecesse comida para
seu pai, como ele tinha dito que faria, e roupas eram algo completamente diferente.

Preferiria andar nua a se tornar o tipo de mulher que ele confessara ter encontrado em
todas as partes do mundo!

O que estava sentindo emanou de seu corpo com tanto vigor que Emily disse com voz
assustada,

— Desculpe se a irritei, Senhorita, mas eu só queria ajudá-la.

— Sim, sei disso, Emily, e fico agradecida — afirmou Dora.

A jovem desceu para o jantar, pensando que pelo menos veria Kimball e que, se não
conseguissem conversar, ficaria muito feliz apenas em vê-lo e ouvir o som de sua voz.

Kimball estava na sala de estar e, quando Dora e seu pai entraram, notaram que não
estava sozinho. Sir Archibald Gower, o chefe de polícia, estava ao seu lado.

Depois de serem apresentados, Sir Archibald exclamou,

— Agora lembrei-me, Senhor Colwyn! Nos encontramos em Londres há muitos anos!


Acho que deve ter sido na inauguração da Royal Academy.

— Isso mesmo! — respondeu Alexander — E o Senhor pediu minha opinião sobre um


dos quadros.

— E, por sinal, o Senhor foi muito rude a respeito do pobre artista!

Enquanto os dois homens trocavam recordações e riam, Kimball colocou uma taça de
champanhe nas mãos de Dora. Quando suas mãos se tocaram, Dora sentiu um arrepio
percorrer a espinha e teve a certeza de que ele sentira o mesmo.

Lady Sheelah apareceu quando todos os outros já estavam na sala e, novamente, teve
uma entrada triunfal.

Usava um vestido branco, todo brilhante de lantejoulas, e o corpete rebordado


divinamente. Flores brancas que contrastavam com seus cabelos ruivos estavam presas por
um grande broche de diamantque fazia conjunto com uma bela gargantilha.

Sheeláh portou-se encantadoramente com o chefe de polícia, agiu possessivamente


para com Kimball e ignorou Dora como se ela fosse invisível.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Só quando ela e Sheeláh saíram da sala de jantar foi que Dora sentiu-se mal, pensando
que seria embaraçoso para as duas ficarem em absoluto silêncio, até que os homens
aparecessem.

Para sua completa surpresa, depois de se admirar no espelho por alguns minutos,
Sheeláh dirigiu-se a ela,

— Será que me faria um favor, Senhorita Colwyn? — pediu ela.

— S...sim claro — disse a jovem.

— Percebi agora que estou sem lenço na bolsa. Seria muito abuso de minha parte que
a Senhorita fosse até meu quarto apanhar um?

Dora olhou-a surpresa e Sheeláh explicou,

— A esta hora todos os criados estão nos fundos do Castelo jantando e não quero
perturbar minha criada.

— Não será incômodo nenhum. Eu pegarei o lenço.

— É fácil encontrar meu quarto — disse Sheeláh — Fica ao lado dos aposentos do
Conde e sei que voces estiveram lá esta manhã.

Embora devesse se sentir um pouco insultada, Dora concordou em fazer o favor, pois
Sheeláh não estava sendo rude.

— Onde posso encontrar seus lenços? — perguntou a jovem.

— Na gaveta do lado esquerdo da penteadeira — explicou a outra — Traga um que


tenha rendas.

— Pode deixar — concordou Dora.

Saindo da sala, subiu as escadas e percorreu o largo corredor, onde já estivera duas
vezes, a caminho dos aposentos de Kimball.

Era um corredor muito longo, e, como tinha certeza de que os homens não teriam
pressa em deixar a sala de jantar, parou algumas vezes para admirar os quadros que seu pai
examinara naquela manhã.

Finalmente, chegou à porta dos aposentos de Kimball e, sentindo uma pontada no


coração, viu que a porta ao lado era a do quarto que Sheeláh ocupava.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
A porta estava aberta e, surpresa, viu que a criada de Sheelah estava lá dentro
fechando as cortinas. A mulher virou-se um pouco assustada ao ouvir os passos de Dora.

— Desculpe-me se assustei você — disse Dora sorrindo — Lady Sheelah pensou que
você estivesse lá embaixo jantando, e pediu que eu viesse apanhar um lenço.

A criada, uma mulher de meia idade, replicou asperamente,

— Eu coloquei um lenço na bolsa dela.

— Talvez ela o tenha deixado em algum lugar, então — sugeriu Dora.

— O que não me deixaria nem um pouco admirada! — A criada foi até a penteadeira e
abriu a gaveta. Pegou um lenço de linho, com rendas nas bordas — Aqui está, Senhorita.

— Ainda bem que você está aqui — disse Dora — Estava com medo de escolher um
lenço errado!

— Vim fechar as janelas — explicou a mulher — Está chovendo muito forte.

— Está mesmo? — indagou a jovem, surpresa — Eu nem havia percebido.

— Eu achava que o sol estava para nos abandonar e avisei as empregadas — continuou
a criada — Mas elas só escutam o que querem e fecharam as cortinas com as janelas abertas!

Achando que a criada estava gostando de reclamar de outras pessoas, Dora


encaminhou-se para a porta. Chegando lá, viu um rapaz vestido de valete, carregando um
casaco que reconheceu ser de Kimball.

— Vamos! Já está tudo arrumado e seu jantar vai ficar frio — dizia ele, que ao ver Dora
assustou-se e acrescentou rapidamente — Desculpe-me, Senhorita. Eu não a tinha visto!

— Vim buscar um lenço para Lady Sheelah — explicou Dora, sentindo que precisava
justificar sua presença naquele quarto — Ela pensou que vocês estivessem jantando.

— Se não fosse a chuva, estaríamos mesmo, Senhorita — esclareceu o rapaz.

— Elas deviam fechar as janelas antes das cortinas! — continuou reclamando a criada
— Não se pode confiar em nenhuma delas! Em nenhuma delas!

— É verdade! — concordou o valete.

— Bem, boa noite — disse Dora — Só espero que não caia uma tempestade.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Como esperava, os homens ainda não tinham aparecido, ao chegar à sala.

Lady Sheelah estava sentada em seu lugar preferido no sofá, com a saia rodada
cuidadosamente arrumada sobre ele. Pegou o lenço da mão de Dora e disse,

— Você demorou muito!

— O Castelo é muito grande — explicou a jovem.

— É grande demais para um homem viver sozinho! — retrucou Sheelah.

Dora percebeu que ela queria provocá-la e preferiu não responder. Antes

que a petulante mulher pudesse dizer qualquer coisa, ouviram vozes e os homens
entraram na sala. Estavam rindo de algo que tinha sido dito e Rodney e lan estavam fumando.

Dora só tinha olhos para Kimball e pensou que, mesmo que houvesse cem homens
naquela sala, ainda assim ele seria o mais belo e elegante.

Seus olhares se cruzaram uma vez e tudo em volta pareceu desaparecer, a não ser a
necessidade que tinham um do outro e o amor que parecia vibrar entre eles.

Rodney ficou imóvel, olhando para Sheelah, e Kimball convidou Sir Archibald para
sentar-se ao lado de Dora.

— O Senhor precisa conversar um pouco com a Senhorita Colwyn disse ele — Tenho
certeza de que ela gostará de saber como seu pai era na mocidade.

— Não preciso dizer que é muito parecida com sua mãe, não é, Senhorita Colwyn? —
disse o chefe de polícia, sorrindo para Dora. Lembro de tê-la admirado na academia quando
conheci seu pai e achei-a muito mais bonita do que qualquer modelo retratado em quadros.

— Ela ficaria muito orgulhosa se soubesse disso e fico muito lisonjeada pelo Senhor
achar que me pareço com ela — respondeu Dora.

— Você realmente é — reafirmou o homem — Mas deixe-me contar...

De repente a porta da sala foi aberta com um gesto brusco e todos se voltaram para
ver o que estava acontecendo. Uma mulher, que Dora reconheceu ser uma das enfermeiras
da Condessa, entrou correndo na sala.

Ela se aproximou do Conde, e, por um momento, estava tão esbafoadda que não tinha
fôlego para falar.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Senhor Conde! Oh, Senhor Conde! — conseguiu ela dizer, afinal — Venha comigo,
depressa! l

— O que aconteceu? — perguntou Kimball.

— A Condessa. Oh, Senhor Conde. nem sei como dizer!

— O que aconteceu? — indagou o rapaz, agitado.

— A Senhora Condessa foi assassinada! Ela está morta!

CAPÍTULO VII

Por um momento todos ficaram em silêncio, completamente aturdidos com a notícia e


com o desespero da enfermeira.

Em seguida, Sir Archibald, usando agora seu cargo de chefe de polícia local, levantou-se
e se aproximou de Kimball.

— Nós a acompanharemos, Senhorita Jones — disse o jovem Conde à enfermeira, que


soluçava e chorava copiosamente.

Enquanto os três saíam ninguém disse nada. Quando já estavam na porta, sir Archibald
parou e olhou para trás.

— Ficaria muito agradecido se todos ficassem aqui e não saíssem em hipótese alguma
até eu voltar — disse ele, com o rosto contraído pela tensão.

Em seguida saíram, fechando a porta. lan foi o primeiro a ter coragem de falar alguma
coisa.

— Meu Deus! Que coisa! — comentou — Quem poderia querer matar aquela pobre
mulher?

A resposta era tão óbvia que novamente se fez um pesado silêncio, desta vez bastante
constrangedor.

Depois de alguns momentos, o Major Gower disse,

— Acho que seria um erro ficar especulando sobre o acontecido, até termos alguma

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
evidência e um esclarecimento do que realmente aconteceu. Tive a nítida impressão de que a
enfermeira estava prestes a ter uma crise histérica!

— Estava mesmo! — concordou Rodney.

Depois desse comentário, o rapaz sentou-se ao lado de Sheelah e começou a conversar


com ela em voz baixa, demonstrando claramente que não queria que ninguém os ouvisse. De
repente Alexander se levantou.

— Acho que vou aproveitar para examinar estes quadros. Isso ajudará a passar o
tempo — disse ele — Você poderia me ajudar a ver o que é que eles precisam, Dora,
principalmente o Fragonard, que me parece excepcional.

A calma com que o pai falara ajudou Dora a agir, sem que ninguém percebesse a
aflição que a dominava. Só conseguia pensar em Kimball, e estava ansiosa por saber sobre o
que realmente acontecera, e a espera tornava-se mais insuportável a cada momento.

Não conseguia deixar de pensar que, se a esposa dele havia morrido, Kimball estava
livre do fardo que carregara durante tantos anos. Por outro lado, também percebia que um
escândalo como aquele seria extremamente prejudicial à vida dele.

Kimball sentia-se humilhado e envergonhado por ter uma mulher demente, mas seria
ainda mais terrível quando todos soubessem que ela fora assassinada.

De repente, quando estava parada diante do quadro de Fragonard, as palavras de lan


voltaram a cabeça e ela ficou gelada de medo.

"E se, por algum terrível erro de julgamento, Kimball fosse acusado de assassinar a
própria esposa? Não, aquilo seria ridículo", pensou Dora.

Se a Condessa tinha sido morta enquanto as enfermeiras estavam jantando,

—Kimbajl estava na sala de jantar com os outros homens e jamais poderia ser acusado
de cometer um crime tão frio e cruel contra uma mulher que não tinha o juízo perfeito.

Entretanto, por amá-lo com toda a intensidade de que se sentia capaz, Dora estava
apreensiva.

Rezava, desesperadamente, para que encontrassem uma explicação lógica para a


morte da Condessa.

Depois do que pareceu uma eternidade, Kimball voltou para a sala de estar. Estava
sério, tenso e muito pálido. Dora fitou-o e ficou ainda mais apreensiva. Todos ficaram em

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
silêncio quando ele entrou e foi até a lareira, ficando de costas para os hóspedes. Estava claro
que ele tinha algo muito importante a dizer.

Sheelah, sentada ao lado de Rodney, olhava para ele. lan e o Major Gower, que
estavam conversando do outro lado da sala, se aproximaram, assim como Dora e seu pai.
Ninguém ousava dizer palavra e, depois de um momento, Kimbal interrompeu o pesado
silêncio,

— Receio que o que tenho a lhes dizer seja muito grave. As duas enfermeiras tinham
dado um sedativo para minha esposa e ela estava dormindo, quando as duas desceram para o
jantar. Trancaram a porta de seus aposentos por fora e deixaram a chave na fechadura.
Enquanto elas estiveram fora, o que foi por menos de uma hora, alguém entrou no quarto de
minha esposa e apunhalou seu coração.

Kimball fez uma pausa e todos o fitavam boquiabertos.

— Com um estilete de artista! — concluiu Kimball.

Houve um suspiro geral e todos os olhares se voltaram para Alexander.

— Era um dos estiletes que estavam no estúdio? — perguntou ele.

Kimball assentiu.

— Acho que seria muito fácil qualquer pessoa entrar lá e... — começou Alexander.

Antes que concluísse seu pensamento, Sheelah interrompeu-o com uma risada
sarcástica.

— Claro! Essa explicação resolve seu problema facilmente, não é? — disse ela
desdenhosamente — Não precisamos continuar com isso! Aí está a assassina!

Sheelah apontou para Dora e seus braceletes de diamantes brilharam.

Novamente houve um atónito suspiro geral e, antes que Dora conseguisse recuperar a
voz para dizer qualquer coisa, Sheelah continuou,

— Depois do jantar, a Senhorita Dora Colwyn me deixou sozinha aqui na sala e


desapareceu por um longo tempo. Na verdade, ela só voltou um pouco antes dos Cavalheiros
retornarem da sala de jantar.

— Onde estava, Senhorita Colwyn? — indagou Kimball, com uma voz que,
absolutamente, não parecia ser a dele.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora, sentindo que estava fazendo parte de algum terrível pesadelo, respondeu,

— Atendendo a um pedido de Lady Sheelah, fui ao quarto dela buscar um lenço. Ela me
disse que estava sem lenço na bolsa — A voz de Dora estava firme, pois estava dizendo
apenas a mais pura verdade.

Sheelah riu novamente.

— Que desculpa absurda! Minha criada sempre coloca um lenço na minha bolsa e é
claro que eu não precisaria de outro!

Dora achou que não devia ter ouvido bem. Ficou olhando para Sheelah sem conseguir
acreditar. De repente, compreendeu o que ela estava tentando fazer e disse, quase como se
alguém a estivesse forçando,

— Foi exatamente isso o que sua criada disse quando me deu o lenço que eu lhe
trouxe, Lady Sheelah.

Dora reparou que Sheelah arregalara os olhos. Ia continuar a falar, mas Kimball foi mais
rápido,

— Quer dizer que quando foi buscar o lenço no quarto de Lady Sheelah a criada estava
lá, Senhorita Colwyn? Está dizendo que foi a própria criada que lhe entregou o lenço?

— Sim — respondeu Dora — Ela estava fechando as janelas do quarto, porque estava
chovendo muito forte. O seu valete tinha ido fazer a mesma coisa no seu quarto, Senhor
Conde. Inclusive, a criada reclamou muito, porque as empregadas tinham cerrado as cortinas
sem fechar as janelas.

Dora encontrou o olhar de Kimball e teve a sensação de que ele desejava abraçá-la,
para protegê-la daquela situação terrível e assustadora.

— Bem, ficou muito fácil saber onde a Senhorita estava — disse Kimball, calmamente
— Informarei ao chefe de polícia sobre o que foi dito aqui. No momento, ele está pedindo
esclarecimentos às enfermeiras.

Sem olhar para ninguém, exceto para Dora, Kimball retirou-se da sala. Só quando
fechou a porta e ficaram novamente sozinhos foi que lan comentou,

— É extraordinário, Sheelah, você ter esquecido que tinha pedido para que a Senhorita
Colwyn fosse buscar um lenço nos seus aposentos.

Naquele momento, Dora notou que Sheelah estava completamente pálida e que o ruge

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
vermelho em suas faces parecia muito estranho em contraste com o branco natural de sua
pele.

Antes que alguém mais pudesse dizer alguma coisa, Rodney levantou-se e forçou
Sheelah a fazer o mesmo.

— Vamos — disse ele.

— Para onde? — perguntou ela, com a voz embargada pelo medo.

— Vou levá-la para a França — respondeu o rapaz.

— Não o que quer fazer? — protestou a jovem.

— Não seja estúpida, Sheelah! — disse ele, quase fora de si — Se ficar aqui, você
certamente será presa!

Sheelah deu um grito de pavor e Rodney continuou,

— Se formos direto para Dover, é possível que consigamos atravessar o canal, antes
que a polícia tenha tempo de emitir um mandado de prisão.

Enquanto falava, Rodney a empurrava para a porta e as pessoas presentes na sala


ficaram observando-os, completamente paralisadas. Sheelah se debateu, resistindo por
alguns momentos.

— Minhas jóias! — gritou ela — Minhas jóias! Não posso ir embora sem minhas jóias!

— Eu comprarei outras — respondeu Rodney, alterado — Está esquecendo de que o


chefe de polícia está aqui? Quando ele voltar para a sala, sabendo que sua criada e o valete de
Kimball viram a Senhorita Colwyn em seu quarto, você não terá mais chance alguma de fugir.

Sheelah ainda murmurou alguma coisa, mas, sem resistir mais, deixou que Rodney a
conduzisse para fora da sala.

Só quando já tinham ido embora é que Dora sentou-se, a ponto de ter um desmaio.

Percebendo o estado em que Dora se encontrava, lan foi apressadamente até uma
mesinha que ficava num canto da sala e serviu-lhe um cálice de conhaque.

O Major Gower, conseguindo sair da letargia em que se encontrava, disse,


completamente perplexo,

— Meu Deus! Quando disse que Sheelah lutaria como uma fera para não perder

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Kimball, nem imaginava que ela pudesse ser capaz de praticar um crime!

— E ainda por cima tentou implicar minha filha nisto tudo — disse Alexander, furioso
— Meu Deus, Dora, se você não tivesse encontrado os criados, teria sido acusada de
assassinar a Condessa e seria presa!

lan entregou o cálice de conhaque à jovem.

— Eu. Eu estou bem — Dora conseguiu dizer.

Entretanto, sentia a cabeça girar e parecia que o chão tinha escurecido


completamente. Percebendo que ela ia cair, lan guiou sua mão com o cálice até a boca e
Dora sentiu o líquido descer queimando por sua garganta.

— Acho que todos nós precisamos de um drinque! — disse o Major Gower — O que
quer beber, Senhor? — perguntou ele, dirigindo-se a Alexander.

— Um conhaque, por favor! — pediu o velho.

Alexander ergueu-se da poltrona em que estava sentado e aproximou-se do Major


Gower.

Dora olhou para lan e perguntou, num tom de voz que era apenas um murmúrio,

— Acha que eles conseguirão fugir?

— Espero que sim — respondeu lan — Rodney tem cavalos muito bons e quando o
chefe de polícia compreender o que realmente aconteceu, eles já estarão fora de sua
jurisdição. Estarão na França, antes que a polícia tenha tempo de emitir um mandado de
prisão contra Lady Sheelah.

— Como ela pode fazer uma coisa destas? — indagou a jovem, atordoada.

— Acho que Sheelah percebeu que o interesse de nosso anfitrião estava voltado para
outra pessoa — explicou o rapaz.

Pela maneira como lan disse aquelas palavras, Dora compreendeu que ele percebera
que ela e Kimball haviam sido feitos um para o outro. Não era de se surpreender, uma vez que
ela mesma notara o que Rodney sentia por Sheelah pela expressão dos olhos dele.

De qualquer maneira, Kimball seria envolvido num escândalo e Dora queria apoiá-lo
naquela situação que, sem dúvida, seria dolorosa e humilhante.

"Eu o amo!", pensou ela, "eu o amo muito e só o amor poderá ajudá-lo agora".

Barbara Cartland
Retrato de um Amor

Dora fez um arranjo de flores cor de rosa num vaso grande e colocou-o na sala de
estar. A beleza e o perfume daquelas flores compensavam o estado lastimável das cortinas,
do tapete e dos móveis de sua casa

A cor viva das flores realçava os semitons dos quadros pendurados nas paredes e dava
mais alegria ao ambiente.

Embora estivesse tentando de todas as maneiras possíveis deixar o velho casarão o


mais apresentável possível, Dora sabia que nada disso seria preciso, pois quando Kimball
chegasse só teria olhos para ela.

A jovem e seu pai haviam voltado para casa duas semanas antes, mas já parecia
estarem lá há séculos.

Uma felicidade maravilhosa substituíra, entretanto, o desespero, quando Kimball


reafirmara seu profundo amor por Dora, embora tivessem que se separar, temporariamente.

Às vezes, Dora chegava a pensar que toda a tragédia que acontecera no Castelo e o
amor que lá encontrara não passavam de sonhos. Em seguida, entretanto, agradecia a Deus
que, tendo atendido às suas preces, libertara Kimball do terrível pesadelo que era sua vida.

Dora ainda achava difícil acreditar que Lady Sheelah fora capaz de cometer um
assassinato ao achar que estava perdendo Kimball, pretendendo eliminar, de um só golpe,
tanto a Condessa como ela própria.

Tinha sido um plano inteligente e, se não fosse a chuva, Dora poderia estar agora
presa, aguardando uma Condenação por homicídio.

Como o quarto de Sheelah ficava mais afastado da sala do que o da Condessa, ela
tivera tempo suficiente de ir até a torre, enquanto Dora, inocentemente, fora buscar o lenço
para ela.

As ferramentas de Alexander ficavam arrumadas sobre uma mesa no estúdio.

Depois de pegar o estilete, Sheelah entrara, certamente, no quarto da Condessa,


adormecida pelo sedativo, e apunhalara o coração da pobre mulher.

Em seguida, Sheelah voltara à sala de estar, sem que ninguém a tivesse visto.

Dora não só se demorara por ter conversado com a criada e com o valete do Conde
como também parara para admirar os quadros do corredor, não tendo a menor vontade de

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
ficar sozinha com Sheelah, enquanto os homens não saíssem da sala de jantar.

Às vezes, Dora acordava no meio da noite e fazia uma oração de agradecimento a Deus
e também à sua mãe, por terem arrumado um álibi tão indiscutível.

Achava que Sheelah tivera muita sorte por Rodney, que a queria tanto, estar no
Castelo, pronto a fugir com ela.

Naquela noite fatídica, Kimball e Sir Archibald, o chefe de polícia, tinham demorado
muito a voltar para a sala de estar, onde estavam os outros hóspedes. Os dois estavam muito
sérios e, por amá-lo demais, Dora sabia o quanto Kimball lamentava saber que Sheelah
cometera aquele crime terrível, numa tentativa de mantê-lo a seu lado.

— Eu disse que ninguém deveria sair desta sala — dissera o chefe de polícia,
asperamente, ao ver que só quatro pessoas os esperavam, em vez de seis.

— O Senhor tem que compreender que Lady Sheelah está muito perturbada —
argumentara lan.

— Receio ter que pedir para que ela volte aqui, imediatamente — replicara sir
Archibald, olhando para Kimball em seguida. Poderia mandar buscá-la, Senhor Conde?

Kimball hesitara.

— Imagino que os criados estão muito agitados. Talvez seja melhor eu mesmo ir buscá-
la — dissera ele.

— Sim, se puder fazer este favor — agradecera o chefe de polícia.

— Gostaria de beber alguma coisa, Senhor? — perguntara lan, fazendo o papel de


anfitrião.

— Obrigado — respondera o homem — mas sou forçado a recusar, até concluir este
caso desagradável.

— Como quiser — respondera lan.

Fizera-se um silêncio embaraçoso e fora o chefe de polícia quem o interrompera


dizendo,

— Nunca imaginei que pudesse acontecer uma coisa tão lastimável nesta casa. Fui
muito amigo do pai de Kimball e gostava muito dele.

— E nós gostamos muito do filho dele — interpusera o Major Gower — Espero, Senhor,

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
que faça o máximo possível para manter os detalhes desta tragédia longe da imprensa.

— Farei o que puder, mas não será fácil — respondera o General — O caso daria
manchete em todos os jornais.

Passaram-se quase quinze minutos, antes que Kimball voltasse para a sala, sozinho.

— Peço desculpas por ter demorado tanto, Senhor, mas não há sinal de Lady Sheelah
em lugar algum — dissera ele.

— Como não? — perguntara o chefe de polícia, sem entender bem o que estava
acontecendo.

— Ela não está no quarto e posso garantir que não está em nenhum outro lugar do
Castelo, pois fui procurá-la em todos os cantos possíveis — explicou Kimball.

— Mas como é possível? — tornara a perguntar o General — Tem alguma idéia de


onde Rodney pode tê-la levado, lan? — perguntara o Conde — Está chovendo muito e não
acredito que eles estejam no jardim.

lan não respondera imediatamente e Dora percebera que ele estava calculando se já
tinha dado tempo suficiente para que Lady Sheelah e Rodney estivessem bem longe dali.

Dora achava que, mesmo tendo que selar os cavalos, os dois já deveriam estar
razoavelmente longe.

— Espero sinceramente que o Senhor compreenda que Rodney agiu certo, levando
Lady Sheelah, de quem ele tanto gosta, para longe das garras da lei — dissera lan,
calmamente.

Por um momento o chefe de polícia ficara completamente perplexo. Em seguida,


respirara fundo e dissera num tom de voz baixo e muito calmo,

— Extra-oficialmente concordo com o Senhor.

Todos tinham partido na manhã seguinte e Dora e seu pai haviam sido levados embora
do Castelo de uma forma muito diferente da que tinham chegado.

A carruagem de viagem do Conde de Heversham, levada por quatro cavalos magníficos,


levara-os para Londres. Era tão espaçosa e confortável que Alexander sequer sentira-se
fatigado.

No meio do caminho, haviam parado para almoçar e descobriram que o Conde não só
tinha mandado comidas deliciosas para eles como também enviara um conhaque raro que

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
revigorara Alexander para o resto da viagem.

Ao chegarem a Londres, ficaram hospedados na casa Heversham, em Grosvenor


Square. Seu pai fora para a cama imediatamente e Dora, completamente maravilhada, ficara
admirando os outros tesouros que a casa da cidade da família Heversham possuía. Havia
vários quadros que, certamente, deixariam seu pai completamente extasiado.

O procurador de Kimball, que os recebera assim que haviam chegado, informou Dora
de que tudo já estava arranjado.

— O Senhor Conde escreveu para mim, Senhorita Colwyn — dissera ele — Insistiu para
que vocês passem duas noites aqui, a fim de que seu pai tenha tempo de se recuperar
completamente para enfrentar o resto da viagem.

— É muita gentileza — agradecera Dora.

— O Senhor Conde também pediu para que eu combinasse um horário com o


costureiro. A Senhorita concorda em que seja amanhã às dez horas?

— Costureiro? — indagara a jovem, surpresa.

O procurador parecera ficar intrigado.

— Pensei que a Senhorita estivesse sabendo — explicara ele — O Senhor Conde me


disse que está providenciando tudo, para que a Senhorita seja retratada com os lírios d'água
cor de rosa que a mãe dele plantou na fonte do jardim do Castelo.

Pela expressão de Dora, o procurador vira que ela se tinha lembrado agora. É que,
apesar de acreditar em tudo o que Kimball dissera, Dora nunca imaginara que aquele sonho
pudesse se transformar em realidade tão depressa.

— O Senhor Conde insistiu categoricamente quanto à cor do vestido que a Senhorita


deve usar para posar para o retrato. Disse-me que deve ser exatamente igual à das vestes da
Virgem do quadro de Van Dyck, que se encontra atualmente na saleta íntima dos aposentos
dele, no Castelo.

O procurador pegara uma peça de seda e a entregara a Dora, a fim de que pudesse
examiná-la.

— Esta é a cor que o Senhor Conde diz ser a correta, embora deva ser submetida, é
claro, à sua aprovação. Ele pediu, também, Senhorita Colwyn, que seu pai indique um bom
artista que possa retratá-la. Enquanto isso, ele encomendou dois vestidos para a Senhorita,
um para tarde e outro para noite.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora sorrira.

Apreciava a maneira como Kimball encomendara os vestidos que precisava, sem


infringir as convenções, sem deixá-la embaraçada e tornando tudo mais fácil para que
pudesse aceitá-las, sentindo-se agradecida e lisonjeada.

Na verdade, teria sido absolutamente impossível recusá-los, após saber que seria
retratada com os lírios.

— Às dez horas estará ótimo para mim — respondera Dora, afinal.

Depois de dois dias, haviam seguido para casa, na carruagem de Kimball. Alexander
não falava em outra coisa, senão nos quadros maravilhosos existentes na Mansão Heversham,
enquanto que Jim se atropelava nas próprias palavras, enquanto segredava a respeito das
comidas e dos vinhos que estavam levando.

— Poderemos continuar alimentando bem o patrão, Senhorita Dora — dissera ele,


alegremente — Aliás, nós três poderemos comer muito bem por bastante tempo.

— Claro que sim, Jim — concordara Dora.

Tinha vontade de agradecer pessoalmente a Kimball e dizer como ele tinha sido
maravilhoso por pensar em todos os detalhes, a fim de garantir o conforto de sua família.
"Não é possível que exista outro homem tão maravilhoso assim", pensou Dora. "Embora
esteja com muitas preocupações no momento."

A jovem sabia que o amor que os unia era inviolável, não importava o que pudesse
acontecer.

Dora sentia-se como se tudo o que estava à sua volta brilhasse com o amor que
emanava de Kimball. Tinha certeza de que também ela, por estar tão perdidamente
apaixonada, irradiava aquela luminosidade que trazia bons fluidos.

Até a casa de Mountsorrel parecia menos arruinada do que quando tinham partido. E,
como se o destino tivesse resolvido que ela já sofrera bastante e que agora precisava ser feliz,
encontrara uma carta, que tinha sido colocada embaixo da porta enquanto estavam ausentes.

Dora pegou-a sentindo o coração bater acelerado, pois sabia que era de Philip. Pensou
que ele estivesse dizendo que voltaria logo para casa. Ao abrir o envelope, encontrou logo um
cheque em nome de seu pai e quase não acreditou no que via.

Pôs-se a ler a carta rapidamente,

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
"Minha querida Dora,

Perdoe-me se deixei de escrever nos últimos meses que se passaram, mas eu não tive
um só minuto de que dispor.

Tudo o que almejei e lutei para conseguir de repente começou a se materializar, e, se


nada de imprevisto acontecer, daqui a dois o três anos, voltarei para casa extremamente rico.

Enquanto isto, estou lhes enviando um cheque de cem libras e mandarei a mesma
quantia todos os meses até que, dentro em breve, eu possa duplicar ou até triplicar esta
quantia.

Sei, querida irmã, como você deve ter passado por dificuldades financeiras. Recebi sua
carta contando que papai não estava muito bem de saúde, mas espero que este dinheiro
possa ajudá-la. Prometo que, quando voltar para casa, não esquecerei seu carinho e
dedicação.

Dê lembranças a papai, diga que estou com saudades e que não o perdoarei se ele não
cuidar bem dos nossos quadros.

Mais uma vez, obrigado, querida Dora.

Do seu irmão que a ama,

Philip."

Dora mal conseguia acreditar no que lera, mas agora poderiam pagar a dívida com o
Senhor Lewenstein, imediatamente, e levariam uma vida muito diferente da que haviam
levado até então.

Enquanto lia a carta, Jim levou seu pai para o quarto. Dora subiu as escadas correndo,
pois não podia deixar aquela novidade maravilhosa para o dia seguinte.

Os dois juntos leram a carta de Philip várias vezes, como se quisessem matar as
saudades dele através da letra e da emoção de saberem que aquele papel tinha vindo das
mãos do filho tão amado.

Dora tinha muito o que fazer para colocar a casa em ordem, e, enquanto Jim
trabalhava assobiando, seu pai se ocupava do quadro de Poussin que, para sua surpresa, viera
junto com eles. Dora, por sua vez, esperava ansiosamente por notícias vindas do Castelo.

Todos os dias abria os jornais, que agora podiam se dar ao luxo de comprar, temendo
encontrar alguma reportagem falando sobre o assassinato da Condessa de Heversham.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Entretanto, tudo o que lera não fora senão uma nota formal na coluna de óbitos,
informando que a esposa do Conde de Heversham fora enterrada no mausoléu da família,
numa cerimônia íntima.

— O que será que está acontecendo? Meu Deus, preciso saber o que está
acontecendo! — repetia Dora inúmeras vezes por dia, tentando lembrar-se do velho ditado
que dizia, "Falta de notícias, boas notícias".

Seus vestidos novos chegaram de Londres e, ao experimentá-los, Dora reconheceu que


a cor era exatamente do mesmo tom de azul que Van Dyck escolhera para a Virgem de seu
quadro.

Aquela cor realçava a alvura de sua pele e, com os cabelos negros repartidos ao meio e
os olhos brilhantes de amor e esperança, a jovem se parecia ainda mais semelhante à Virgem
do quadro.

Naquele dia colocou o vestido de tarde, achando que talvez Kimball pudesse chegar, o
que era, no entanto, muito improvável.

Com o dinheiro mandado por Philip, Dora comprou várias outras coisas de que
precisava com urgência. Além disso, embora considerasse uma extravagância, encomendara
um novo traje de montaria.

Achava que estava sendo presunçosa ao imaginar o que tinha medo de admitir até para
si mesma. Entretanto, um instinto mais forte do que qualquer lógica dizia que Kimball
precisava dela, tão desesperadamente quanto ela dele.

Dora recuou para admirar o vaso de flores e, de repente, achando que tinha ouvido
som de rodas parando em frente à casa, prendeu a respiração.

Não conseguia se mexer, era impossível fazer qualquer movimento.

A porta frontal da casa tinha sido deixada aberta, para que o sol entrasse. Os passos de
alguém agora soavam no vestíbulo e se aproximavam da sala de estar.

De repente, Kimball entrou. Ele pareceu preencher a sala inteira, o céu, o Sol, o mundo
todo. Assim que pousou os olhos sobre ele, Dora notou o quanto ele parecia mais jovem, mais
feliz, enfim alguém completamente diferente do homem que deixara no Castelo.

Nenhum dos dois conseguia falar. Ficaram imóveis, contemplando-se,


demoradamente. Não precisavam de palavras, pois o amor emanava deles, fluindo como um
rio que corria em liberdade.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Depois de um longo momento, Kimball abriu os braços e, dando um grito de alegria
que ecoou pela sala, Dora correu para ele.

O rapaz abraçou-a com força e ela sentiu o coração dele bater descompassadamente
contra seu peito. Gentilmente, Kimball levantou o rosto de Dora e fitou-a antes de beijá-la.

— Eu amo você! — disse ele, afinal, com voz rouca e trêmula — Amo você, minha
querida, e, graças a Deus, não tenho mais medo de dizer isso. Amo você! Amo você!

Em seguida, beijou-a novamente de maneira apaixonada, possessiva, exigente e


carinhosa. Era como se os dois tivessem sobrevivido a terríveis problemas, sendo salvos por
um milagre, talvez realizado pela força da paixão que os unia.

Agora só existia o amor. Um amor tão maravilhoso, tão perfeito e tão radiante que os
deixava cegos. Simplesmente, não havia palavras que pudessem descrevê-lo. Muito tempo
depois, com a voz ainda rouca, trêmula e cheia de paixão, Kimball disse carinhosamente,

— Deixe-me olhar para você, meu precioso amor. Deixe-me matar a saudade que
estava me consumindo. Ainda acho difícil acreditar que você existe mesmo, que é de verdade
e que não vou precisar me contentar simplesmente em contemplar o quadro de Van Dyck
para o resto de minha vida.

— Eu eu estou usando o vestido que você me deu. porque achei que você viria hoje.

Estavam abraçados e Kimball passou a ponta do indicador direito sobre o arqueado


perfeito das sobrancelhas de Dora, percorreu depois o nariz pequeno e reto da moça e
finalmente acompanhou a curva suave dos lábios dela.

— Estou fazendo um desenho do amor, minha pequena — disse Kimball cheio de


ternura.

— Eu amo você! — murmurou a jovem.

As palavras foram quase inaudíveis, mas seu tom de voz transmitiu uma paixão tão
intensa que Kimball beijou-a outra vez, despertando sensações ao mesmo tempo
maravilhosas e desconhecidas.

— Você é minha e nada mais importa no mundo — disse Kimball por fim — Sofri muito
durante nossa separação e cheguei a pensar que não suportaria esperar tanto tempo para
revê-la. Fui obrigado a resolver muitos problemas, antes de poder vir para cá.

— O que aconteceu? — indagou Dora.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Foi difícil fazer aquela pergunta, pois Dora temia que as coisas tivessem sido piores do
que imaginava.

— É isso mesmo o que quero contar — replicou Kimball, acariciando ternamente os


cabelos de sua amada — Mas, meu amor, no momento só consigo pensar em como você é
bonita e que nada mais no mundo tem importância diante de nosso reencontro.

— Eu também sinto a mesma coisa — respondeu Dora — Chegamos aqui há apenas


duas semanas, mas eu tinha a sensação de que fazia séculos que não nos víamos. O que me
fez viver e suportar a angústia desses dias foi a certeza do nosso amor e de que você viria logo
que pudesse.

Dora aninhou-se mais em seus braços.

— Mesmo assim, por favor preciso saber de tudo o que aconteceu.

— Sim, claro, meu bem — concordou o jovem Conde.

Kimball conduziu-a até o sofá e, assim que sentaram, Dora disse,

— Você fez uma longa viagem e precisa beber alguma coisa. Quer que eu vá buscar
uma bebida?

— Não, obrigado — respondeu Kimball — Como você pode ser tão bonita, tão perfeita,
tão parecida com a Virgem do quadro? A Virgem que eu adorava desde pequeno — Tomou a
mão dela e beijou os dedos carinhosamente.

— Estou tentando pensar no que devo contar, mas tudo o que quero é continuar
dizendo que a amo e que estou indizivelmente feliz por tê-la reencontrado.

— Conte — insistiu Dora — Quem sabe assim não tenhamos mais que tocar neste
assunto?

Depois de uma breve pausa, Kimball começou,

— Sir Archibald, o chefe de polícia, foi maravilhoso! Abriu um inquérito, é claro, mas
ele conseguiu fazer com que o veredicto fosse "homicídio acidental".

— É verdade. é mesmo verdade? — indagou Dora.

— Sim. Como a polícia não conseguisse encontrar alguém que pudesse testemunhar a
respeito do assassínio e tampouco qualquer pessoa que pudesse ser indiciada como suspeito,
o caso foi encerrado e arquivado.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
Dora deu um profundo suspiro de alívio.

— Fiquei tão preocupada com você — disse ela.

— E eu temi que você tivesse que responder por alguma coisa, minha querida —
comentou Kimball — Não queria que você, nem como hóspede do Castelo, fosse envolvida
numa situação tão embaraçosa e desagradável.

A voz de Kimball tornara-se mais grave ao dizer aquelas últimas palavras e Dora achou
que nelas estavam contidas toda a dor, infelicidade e sofrimento que ele enfrentara durante
tantos anos.

— Agora tudo já passou e estou livre, meu amor — continuou o Conde, ternamente —
Estou livre para pedir que você se case comigo e me proporcione a felicidade que tanto
desejo e que nunca tive ao meu alcance.

— É isso o que eu mais quero na minha vida — respondeu Dora — Quero ajudá-lo a
esquecer o passado, até que você pense que tudo não passou de um pesadelo.

— Vai ser fácil tendo você ao meu lado — disse Kimball, beijando-a delicadamente —
Enquanto viajava para cá, meu amor, vim pensando que seria intolerável para nós dois termos
que esperar o ano de luto convencional.

Os olhos de Dora brilharam intensamente, como se tivessem capturado um belo raio


de sol.

— Quer dizer que será que é... possível? — perguntou Dora, ansiosa.

— Se você concordar, poderemos nos casar numa cerimônia simples e secreta —


explicou Kimball — Pensei que poderíamos ir morar em uma das outras casas que possuo.
Tenho uma muito bonita e bastante isolada em Devon. Quando meu período de luto estiver
terminado, podemos anunciar que nos casamos lá. isto é, se você concordar, é claro.

Dora tentou dizer alguma coisa para expressar a felicidade que sentia, mas não
conseguiu.

— Pensei que poderíamos convidar seu pai para ir morar no Castelo durante nossa
ausência, assim ele poderia continuar trabalhando nos quadros — continuou Kimball — Ele
seria, é claro, bem assistido. Tenho muitos parentes que não só gostam de visitar o Castelo,
mas também de se hospedar lá.

— Como você consegue ter idéias tão maravilhosas e perfeitas? — perguntou Dora —
Você sabe que o que mais quero na vida é Ficar junto de você.

Barbara Cartland
Retrato de um Amor
— Acho que, por mais que eu repita, nunca conseguirei transmitir completamente o
quanto também desejo isto. Não posso mais viver sem você — disse Kimball — Como julguei
que você fosse aceitar, já estou com a licença de casamento em mãos!

Kimball abraçou-a e beijou-a ternamente.

— Quer casar-se comigo, querida? Quer casar-se com um homem que entregou
completamente o coração e que vai adorá-la para o resto da vida?

— S...sim.. — murmurou a jovem, cheia de enlevo.

O jovem Conde beijou-a e, ao sentir Dora correspondendo plenamente àquele beijo,


sentiu, mais uma vez, que eles eram uma só pessoa.

Fim

Barbara Cartland

Você também pode gostar