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16/01/2022 16:24 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed.

2022

Introdução ao Direito

Teoria, Filosofia e Sociologia


do Direito

Autores

Georges Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de Oliveira

Thomson Reuters Brasil

Juliana Mayumi Ono


Diretora responsável

© desta edição [2022]

Av. Dr. Cardoso de Melo, 1855 – 13º andar - Vila Olímpia


CEP 04548-005, São Paulo, SP, Brasil

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Fechamento desta edição: [02.12.2021]

ISBN 978-65-5991-481-4

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Ficha catalográfica

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Abboud, Georges

Introdução ao direito: Teoria, Filosofia e Sociologia do Direito [livro eletrônico] : teoria, filosofia e sociologia do direito /
Georges Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de Oliveira. -- 6. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2022.

6 M ; ePub

6. ed. em e-book baseada na 6. ed. impressa

Bibliografia.

ISBN 978-65-5991-481-4

1. Direito - Filosofia I. Carnio, Henrique Garbellini. II. Oliveira, Rafael Tomaz de. III. Título.

21-93032 CDU-340.12

Índices para catálogo sistemático:

1. Direito : Filosofia 340.12

2. Filosofia do direito 340.12

3. Filosofia jurídica 340.12

Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

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Dedicatória

Este livro é dedicado aos nossos pais.

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Agradecimentos

Importante registrarmos alguns agradecimentos devidos a pessoas que, cada uma ao seu
modo, contribuíram para a edição da presente obra.

Ao Professor Nelson Nery Junior pelo incentivo e apoio para a sua produção. A possibilidade de
utilização de seu magnífico acervo bibliográfico foi fundamental para a composição do texto que se
apresenta. Ressaltamos ainda, por inspiração, sua postura como jurista de destaque,
compromissado com o estudo rigoroso do Direito.

Ao Professor Lenio Luiz Streck pelo acompanhamento e análise crítica do texto final. Suas
indicações contribuíram, sobremaneira, para a melhoria e ampliação do trabalho. Sua proposta de
crítica hermenêutica do direito foi, certamente, um dos fios condutores para a construção desta
obra.

A Henderson Fürst pela percuciente análise e pela interlocução envolvendo vários temas
propostos no livro.

A Marcela Abboud pela cuidadosa correção gramatical.

Por fim, com apreço, agradecemos à Thomson Reuters Revista dos Tribunais, que nos
agraciou com essa cuidadosa publicação.

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Epígrafe

O que é para ser – são as palavras.

Guimarães Rosa. Grande Sertão: Veredas.

Em tudo que já se sabe esconde-se algo digno de pensamento.

Martin Heidegger. Nietzsche.

Mas a “finalidade no direito” é a última coisa a se empregar na história da gênese do direito:


pois não há princípio mais importante para toda ciência histórica do que este, que com tanto
esforço se conquistou, mas que também deveria estar realmente conquistado – o de que a causa
da gênese de uma coisa e a sua utilidade final, a sua efetiva utilização, diferem toto coelo...(...).

Friedrich W. Nietzsche. Para genealogia da moral.

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Prefácio

Honra-nos a Thomson Reuters Revista dos Tribunais e os autores Georges


Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de Oliveira com o convite para
prefaciar a obra, agora em sua sexta edição, denominada  Introdução ao
Direito: teoria, filosofia e sociologia do direito.

Hodiernamente, um dos desafios mais contundentes do estudo jurídico e seu


ensino no Brasil se refere, em certos casos, a um ingênuo, e em outros até mesmo
propositado, afastamento dos estudos fundamentais de teoria e filosofia do direito.

Essa constatação evidencia o que já na introdução deste livro asseveram seus


autores: uma crise sem precedentes na formação e no ensino jurídico brasileiro.

A provocante afirmação de uma crise se descortina de modo singular no campo


das matérias fundamentais, uma vez que além de serem relegadas a um plano de
menor importância, esses estudos, em muitos casos, não são tratados com o rigor
que lhes compete.

Este livro desafia essas sendas e, nessa dimensão, projeta-se  contra a


corrente,  comprometendo-se e incitando para um estudo compromissado dos
fundamentos constitutivos do direito.

Há um paradoxo constituído nesta reflexão inicial que precisa ser registrado


para não correr o risco de ficar sob qualquer sentido subentendido e, quem sabe,
atinja a atitude comodista do  sentido comum teórico dos juristas:  não há como
estudar a complexidade do fenômeno jurídico sem a dedicação aos seus
componentes teóricos e filosóficos, pois além de representarem a ponte da
formação civilizadora, cidadã, ética do ser humano em conjugação com os estudos
da filosofia, antropologia, sociologia, psicologia, entre outras, são nada menos do
que a base estruturante de todo o estudo da ciência do direito em sentido estrito
(Jurisprudenz).1

Em outras palavras, estudar o Direito sem se formar e dedicar a esses estudos


é a representação de uma postura briosa ou ingênua que compromete na prática
os problemas da vida de quem lida com o fenômeno jurídico.

Na realidade, os mais importantes pensadores do direito no campo da


dogmática jurídica  – seja na Alemanha, Itália, Brasil e em outros países  – são,
antes de tudo, grandes teóricos com formação sólida no campo das humanidades,
em especial na teoria e filosofia jurídica. Isso é que constitui o jurista.

Esta obra, enquanto convoca e desperta para a reflexão dos problemas do


estudo e ensino jurídico no Brasil, pois demonstra que é possível a abordagem do
fenômeno complexo que é o direito de forma honesta e cuidadosa, afasta-se
completamente da despropositada produção de considerável parte da doutrina que
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parece apostar na produção incoerente de obras jurídicas meramente simplificadas


que não se preocupam com o rigor científico e teórico que deveriam ser inerentes a
todo estudo do fenômeno jurídico, mormente nas questões referentes à teoria e à
filosofia do direito.

Isso evidencia, por um lado, a possibilidade autêntica deste tipo de produção


acadêmica que precisa ser resgatada no Brasil e, por outro, comprova a
possibilidade de trabalhar-se o direito de forma bem-feita e didática, não
menosprezando sua complexidade. Essa é uma das razões pelas quais este livro
representa importante contribuição aos estudiosos do direito.

Tenho por certo que as novas gerações de estudantes do direito, e as já


existentes, encontrarão neste livro uma excelente fonte de conhecimentos
preparatórios para o direito e para a própria vida, pois encontra-se carregada
também de enfrentamentos de ordem filosófica, sociológica, antropológica, vale
dizer, de estudos básicos que compõem o ensino jurídico, mas que, antes de tudo,
servem diretamente para a reflexão e projeção da vida humana e sua experiência
na convivência social.

II

De modo metodologicamente original, os autores fazem com que sua proposta


circule num eixo cujo núcleo pode ser encontrado em três questões
dimensionais:  o que é o direito?  (dimensão conceitual interpretativa);  quais os
fundamentos do direito?  (dimensão normativa de fundamentação); e  como são
decididas as questões jurídicas? (dimensão aplicativa que envolve precipuamente
uma teoria das fontes e da decisão judicial).

Na segmentação dessas três partes, o livro é composto por dez capítulos.

O primeiro capítulo trata sobre a polêmica relacionada ao conceito de direito,


enfrentando, em sua primeira parte, sua polissemia. De forma concreta a
investigação sobre o conteúdo do conceito de direito é deveras elogiável, pois um
dos temas centrais nos atuais estudos denominados como pós-positivistas se
refere à dicotomia entre princípios e regras.

Os autores, ao examinarem os temas mais polêmicos sobre teoria e filosofia do


direito na atualidade, contudo, não incorrem em modismos que têm contaminado a
doutrina nacional. O estudo do direito contido na obra não perde o fio condutor da
metodologia encampada de modo firme e perspicaz por seus autores, que
reconhecem o direito como linguagem e mostram competência no revigoramento
de  conceitos e institutos jurídicos a partir dessa premissa, como é o caso do
próprio conceito de direito.

Tudo isso fica muito claro no segundo capítulo do livro, que examina a fundo as
questões referentes ao conceito de direito. Os autores escolhem ir além das
tradicionais definições jusnaturalistas e positivistas, introduzindo outras três
concepções sobre o conceito de direito: a) etimológica, b) etnológica e
principalmente a c) pós-positivista. O pós-positivismo em sua acepção correta,
aquela preconizada por Friedrich Müller, e não a correntemente trabalhada no

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Brasil em que o pós-positivismo é equiparado ao  neoconstitucionalismo  ou então


em que pós-positivismo passa a ser toda a argumentação pautada em princípios.2

Digno de nota é o esforço e bom manuseio dos autores ao enquadrar no


paradigma da concepção pós-positivista do direito, restando muito claro que
apostam no estudo do direito a partir do elemento interpretativo que aparece como
elemento fundamental da experiência jurídica.

No terceiro capítulo se encontra a preocupação da análise de uma ideia


funcional sobre o direito, destacando a sua característica histórico-conceitual como
fenômeno social regulador das próprias relações sociais. Os leitores encontrarão
nele a possibilidade de produzir ponderações concretas e práticas sobre a
possibilidade de o direito satisfazer os anseios sociais, explorar a função social da
dogmática jurídica e compreender a limitação do poder político pelo direito,
cabendo destaque à forma legítima com que enfrentam a relação do direito com a
violência, propondo as nuances de uma teoria política do direito, contribuindo para
a inarredável compreensão da indissociável ligação entre política e direito
raramente analisada em livros introdutórios.

No quarto capítulo, inicia-se a segunda parte do livro. De plano, nota-se que a


tarefa proposta é árdua, pois confronta um dos problemas fundamentais de
modernidade, tanto na constituição do conhecimento como na própria visão, qual
seja, o problema do fundamento.

A investigação se ocupa de dois pontos. O primeiro trata da produção do


conhecimento jurídico como algo válido e fornece um estudo laudável de
epistemologia jurídica. Já o segundo, bem exposto nos capítulos sequentes cinco e
seis, examina a questão do fundamento com o objetivo de problematizar a relação
do direito com a justiça e com a moral, refletindo sobre a possibilidade da
existência de uma discussão que gravite nos entornos da possibilidade de
conceitos, conteúdos e critérios exteriores ao jurídico propriamente dito.

O sétimo capítulo, última abordagem da segunda parte, ocupa-se de uma


questão instigante de forma nova, original. Em regra, a doutrina esboça o trato do
fundamento das questões jurídicas a partir da clássica
dicotomia  jusnaturalismo/juspositivismo.  Com o intuito de superar essa clássica
dicotomia, a partir da verificação do problema da justificação do direito entre
critérios transcendentes de adequação e correção do direito positivo encontrados
no jusnaturalismo e identificação do direito como norma do juspositivismo, projetam
a reconstrução das duas perspectivas com o intuito de lançarem uma terceira via
reivindicadora da revisão e da superação da dicotomia, surgindo daí a condução
certeira de uma proposta pós-positivista.

Por fim, os três capítulos restantes  – 8, 9 e 10  – formam a terceira e última


parte do livro. Essa parte, a meu ver, representa o desafio enfrentado e
conquistado por seus autores ao trabalhar na prática a aplicação do paradigma
pós-positivista no qual se enquadra a obra.

Os elementos básicos e fundantes do direito são apresentados no oitavo


capítulo, uma vez que esse é dedicado à análise das fontes do direito e uma

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completa exploração e revisitação crítica pós-positivista da teoria das fontes, com o


claro desígnio de contemplar os fundamentos e as funções adquiridas pelo
fenômeno jurídico na atualidade e incorporar elementos de questões referentes
ao common law.

Os nono e décimo capítulos espelham os pontos altos do estudo teórico do


direito, pois tratam dos estudos da teoria da norma e da teoria da decisão.

Na investigação da teoria da norma e do ordenamento jurídico, de modo inicial,


foi proposto um conceito de norma na perspectiva pós-positivista, além da
tradicional análise positivista que considera a norma como concepção abstrata e
não raras vezes a confunde com o próprio texto normativo. Essa definição é o
ponto-chave de interlocução com o próximo capítulo.

Os autores, preocupados com a nova função adquirida pelos princípios


constitucionais, bem explicada no nono capítulo, advertem como necessárias a
apresentação e a discussão de uma teoria da decisão judicial.

Dessa forma, fechando o conteúdo da obra, colocam o tema da decisão judicial


com o debate existente em torno da questão da metodologia jurídica. Deve-se
reconhecer a salutar contribuição do livro nesse ponto, pois a maioria dos livros
introdutórios não apresenta de forma adequada o assunto, cometendo diversos
equívocos, e.g., confundir princípios gerais do direito com princípios constitucionais
e considerar que a distinção entre regras e princípios seria suficiente para instituir-
se paradigma pós-positivista.

Na última parte é possível depreender uma verdadeira construção de uma


teoria da decisão judicial original e autêntica por parte de Georges, Henrique e
Rafael, pois eles propõem nesse ponto do livro uma reflexão sobre a
hermenêutica jurídica tendo como fio condutor a filosofia contemporânea. A análise
hermenêutica ambientada no pensamento de Martin Heidegger e Hans-Georg
Gadamer propicia realmente a proposta de uma nova compreensão do fenômeno
jurídico.

A sexta edição está atualizada, demonstrando a constante preocupação dos


autores com seu público leitor. De modo que a cada edição a obra se apresenta
mais didática, completa e erudita.

Dessarte, as três perguntas que norteiam o livro, apresentado estruturalmente


nesta parte do prefácio, criaram a possibilidade de composição de uma obra
distinta da maioria das produzidas pela doutrina brasileira, pois além de conseguir
trabalhar bem com os principais temas da teoria e da filosofia do direito, seu
enredo, seu engendramento é bastante construtivo, fato que marca de forma
indelével a sua produção.

III

A relação e a aproximação entre o direito e a filosofia são sempre muito difíceis.


Em alguns momentos escapam e são frustradas, tal como a própria situação da
filosofia. Em outros, revelam pontos de interlocução que se mostram como a base
mesma do próprio direito.
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Nas tentativas dessas aproximações o livro se constrói. Fica claro que a


filosofia do direito em suas propostas é capaz de aprofundar a explicação do
fenômeno jurídico a partir e além do conhecimento científico-empírico e lógico-
normativo dele.

Um critério interessante a ser apropriado da relação entre científica empírica e


social, levando em conta as variações que o tema encontra no direito, pode ser
inicialmente pensada com a clássica distinção entre o que é o direito e como deve
ser o direito.  A dimensão  do que é  seria própria das ciências tradicionais e,
portanto, da matéria social em sua especulação científica. Já a dimensão do dever-
ser – e do como-ser – é próprio da filosofia, razão pela qual se pode constatar que
a filosofia se situa numa dimensão ontológico-filosófica, e não propriamente
empírico-científica.

Nessa intersecção surge a conflituosidade da própria ciência do direito e o


desafio de se considerar o direito como ciência. É no estudo da teoria e da filosofia
do direito que se abre uma linha horizontal de verificação pois, propriamente
dizendo, não há uma contraposição entre a filosofia e a dogmática jurídica. Pelo
contrário, em conjunto elas compõem um importante elo de constituição que
aparece em teoria do direito, bem como em outras matérias basilares do direito,
como a história e a antropologia jurídica.

A capacidade crítica das investigações da filosofia jurídica aprofunda as


implicações dos estudos jurídicos em geral e, como muito bem construído nesta
obra, a abordagem objetiva tradicional da dogmática jurídica pode se lançar além e
abstrair das normas legais, e mesmo de outras normas sociais, o social e a
experiência da vida, reconhecendo a importância da função do social do fenômeno
jurídico.

O direito, como uma espécie de filosofia aplicada, deve ser constantemente


repensado. Os tempos atuais revelam o ranço de um movimento histórico que na
exaltação das nuances técnico-científicas dos tempos modernos foi determinante e
determinador de uma série de complicadas ingerências nas relações humanas.

O livro contribui para a evidência, praticamente intuitiva, de uma pergunta: o


que seria de se esperar do direito e da filosofia numa época cuja forma de
pensamento dominante é técnico-científico?

Esse  esperar  é um convite dos autores para a tentativa que na trajetória de


toda a obra se revela: criar resposta(s) para os desígnios da relação entre o direito
e a vida, ou seja, na articulação prática do direito e da vida com o apoio nas
condições de possibilidade que o pensamento filosófico é capaz de produzir.

A própria filosofia possui uma  natureza dogmática,  pois os dogmas são, nada
menos, do que opiniões transformadas em respostas indiscutíveis, que não se
pode responder definitivamente e que em matéria filosófica de denomina como
aporia.

Isso não quer dizer relegar a filosofia para o dogmatismo, mas demonstrar que
a filosofia só pode ser praticada a partir do próprio filosofar.

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A crítica circundante do livro está também, em alguma medida, no plano da


atividade da lida com o direito. Enquanto, de forma explícita, a maior contribuição
da obra é a sua fenomenal exploração dos conceitos principais da teoria e da
filosofia do direito, ao fundo, sua principal contribuição é a da provocante e não
comodista proposta de um estudo do direito comprometido com a dimensão prática
da vida. Ou seja, os autores desenvolvem a obra sobre teoria e filosofia do direito
sem esquecer a dimensão prática que é inerente ao fenômeno jurídico.

Talvez, uma das melhores formas de se explicar a presença dessa crítica de


fundo, existente de forma sutil, mas emblemática e constante, seja recorrendo à
situação da cena I de Fausto de Goethe.3

Nessa cena, Fausto está sentado numa poltrona de sola, desassossegado, com
a cabeça fincada nas mãos e os cotovelos na mesa de estudo, envolvido por um
feixe de luz frouxo de um candeeiro aceso.

Seu apelo é que mesmo tendo escrutado pelos estudos aprofundados da


filosofia, do direito, da medicina e até mesmo da teologia, encontra-se tal como
antes, ou seja, um ignorante que se destaca dos demais, pois verifica que a única
coisa que liquidou depois de tanta lida foi que a humana ciência é lei nunca
infringida. E o reconhecimento de saber mais do que toda a récua inchada de
vaidade proporciona o espaço de uma longa pausa meditativa que o faz retornar à
própria condição humana.

Este livro tem como engenho em si – característica de seus autores – e para os
outros  – seus leitores  –  esse desassossego goetheano  que, em tempo, deve ser
experimentado para o rompimento de um compromisso hipócrita e superficial com
o estudo jurídico no Brasil.

Em linhas bem gerais, a contribuição desta obra pode ser verificada em pontos
claros e significativos, pois 1) fornece uma exploração conceitual didática dos
pontos mais importantes de uma introdução ao estudo da teoria e da filosofia do
direito; 2) apresenta os elementos básicos e fundantes do direito, sem os quais não
se é possível enfrentar as questões jurídicas; 3) com esmero traz a verificação da
difícil relação entre filosofia e direito, além de adentrar nas facetas também
complexas do entendimento científico da matéria; 4) delineia um ambiente de
crítica do direito, contribuindo de forma salutar na evidenciação da importância de
uma escrita e estudo rigorosos no campo jurídico não produzido por grande parte
da doutrina brasileira e 5) a possibilidade de formação de uma nova mentalidade
jurídica, que se projete além da estandardização estapafúrdia que assola boa parte
daqueles que lidam com o direito.

Por essas razões, a obra Introdução ao Direito: Teoria, Filosofia e Sociologia do


Direito,  de Georges Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de
Oliveira, deve ser lida por todos os estudiosos do direito, estando apta para
contribuir de forma inestimável aos alunos ingressantes nos cursos de direito, mas
também aos demais estudiosos, pois após sua leitura se verifica, de plano, a
constatação inicial formulada neste prefácio: juristas só surgem realmente a partir
do aprofundamento dos estudos filosóficos e teóricos do direito, pois esses são

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constitutivos do próprio fenômeno jurídico e, portanto, de toda sua produção


dogmática e, claro, da vida.

Cumprimento os autores e à Thomson Reuters Revista dos Tribunais pela


publicação da sexta edição da obra já consagrada nas edições anteriores e que
deve ser considerada a obra mais completa e atualizada sobre  introdução ao
direito. Recomendo este livro com a intuição de que servirá como um ponto
marcante dos estudos de teoria, filosofia e sociologia do direito no Brasil.

Janeiro de 2013 (1.ª ed.), para janeiro de 2022 (6.ª ed.).

Nelson Nery Junior

Professor Titular da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de


São Paulo – PUC-SP

.Cf. Karl Larenz.  Methodenlehre der Rechtswissenschaft.  6.  ed. Berlin-


Heildelberg-New York: Springer, 1991.
2

.Friedrich Müller e Ralph Christensen.  Juristische Methodik, v. I (Grundlagen


Öffentliches Recht). 9.  ed. Berlin: Duncker & Humblot, 2004; Idem, ibidem, v. II
(Europarecht). 2.  ed. 2003; Friedrich Müller.  O novo Paradigma do Direito.
Introdução à teoria e metódica estruturante do direito.  3.  ed. SP: Ed. RT, 2012;
Friedrich Müller.  Strukturierende Rechtslehre.  2.  ed., Berlin: Duncker & Humblot,
1994.
3

.Johann Wolfgang von Goethe.  Fausto: uma tragédia, primeira parte.  São
Paulo: Editora 34, 2004.

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16/01/2022 16:26 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Nota para 6.ª edição

Ao alcançar a sua 6ª. Edição, a presente obra mantém-se firme sob os alicerces que foram
lançados quando de sua primeira aparição ao público: produzir o ambiente adequado para a
introdução dos acadêmicos – dos mais variados níveis – ao estudo e à prática reflexiva do direito,
da filosofia do direito e da sociologia jurídica.

Durante todos esses anos, o sentido que informava o texto foi explorado a partir de um esforço
constante para atualização de conteúdos, melhoria na redação e estruturação dos temas, bem
como para incorporação das sugestões e críticas dos amigos leitores, que sempre contribuíram
muitíssimo para o aperfeiçoamento do livro.

Para a atual edição, todo o texto foi revisto e novos conteúdos foram incorporados,
acompanhando o desenvolvimento das pesquisas e do exercício da docência pelos autores. De
igual modo, também foram atualizados o prefácio e o posfácio, com as já usuais e profícuas
contribuições dos professores Nelson Nery Jr. e Lenio Luiz Streck.

Por fim, registramos nossa imensa satisfação e agradecimento pelo acolhimento da obra pelo
público leitor e à Thomson Reuters Revista dos Tribunais, que tornaram possível mais uma edição
desse texto do qual tanto nos orgulhamos.

Os Autores

Georges Abboud

Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.

Henrique Garbellini Carnio

Doutor e Mestre em Teoria do Estado e Filosofia do Direito pela PUC/SP. Pós-Doutor em


Filosofia pela Unicamp. Professor do Núcleo de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da
Faculdade Autônoma de Direito – FADISP e do Programa de Mestrado em Direito Constitucional
Econômico da UNIALFA/ GO. Advogado.

Rafael Tomaz de Oliveira

Doutor e Mestre em Direito Público pela UNISINOS-RS. Professor do Departamento de Direito


Público da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da Universidade de São Paulo (USP).
Professor Titular do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNAERP, nos níveis de Mestrado
e Doutorado. Advogado.

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16/01/2022 16:26 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Nota para 5.ª edição

O livro que o leitor tem em mãos é relativamente jovem. Elaborado ao longo do ano de 2012,
em meio ao processo de pesquisa para as teses de doutoramento de seus autores, teve a sua
primeira edição publicada em 2013. Em 2020, a obra completa sete anos e a Thomson Reuters
Revista dos Tribunais brinda-nos com a publicação de sua 5ª. Edição. Tal acontecimento regozija-
nos. Além de marcar a consolidação de nosso livro no mercado editorial das disciplinas
fundamentais para o direito, denota, também, o acolhimento da obra pelo público leitor, que é o
principal destinatário de nossos esforços.

Para esta nova edição, como de praxe, o texto foi todo revisto. Ademais, atualizamos as
referências e a abordagem, de modo a aumentar o frescor da apresentação das questões mais
contemporâneas da Teoria, Filosofia e Sociologia do Direito.

Importante registrar, também, que houve significativo acréscimo de conteúdos, algo que torna
esta 5ª. Edição especialmente diferente em relação às anteriores.

O terceiro capítulo é dedicado ao exame da relação entre direito e ideologia. De fato, não há
como negar que o direito é um fenômeno ideológico, a questão é saber como lidar com a produção
ideológica que dele decorre. Nessa nova edição, apresentamos aos leitores nossa reflexão sobre a
importância de se evitar uma ideologia representativa, ou seja, aquela que nos impede o acesso a
uma instância crítica. Igualmente, apresentamos a investigação de como o próprio direito contribuiu
para o surgimento do conceito de ideologia.

Por sua vez, no décimo e último capítulo, a discussão sobre o método no direito foi enriquecida
com a inclusão da disputa teórica em torno do estatuto metodológico  da Teoria do Direito do
Estado (Staatsrechtslehre). Além da reconstrução histórica dos principais elementos que definem
essa questão, houve também a inserção de um estudo sobre a íntima relação que se coloca entre
o método jurídico e os regimes jurídicos autoritários. Com efeito, no interior da paradoxal relação
que existe entre Direito e Autoritarismo, o método jurídico ocupa um espaço interessante  – nem
sempre lembrado  – e que aparece com grande nitidez nos eventos que marcam a história do
direito alemão durante a década de 1930. Posteriormente, projetamos as implicações dessa
análise para as configurações contemporâneas da metodologia jurídica.

A 5ª. Edição conta também com prefácio e posfácio revistos e atualizados respectivamente
pelos professores Nelson Nery Junior e Lenio Luiz Streck.

Por fim, cumpre registrar que continuamos sempre abertos às críticas e sugestões que possam
auxiliar-nos no aperfeiçoamento da obra.

Encerramos com um agradecimento especial a todos os nossos interlocutores que, ao longo


desses sete anos, contribuíram significativamente para a consolidação do texto que aqui se
apresenta.

Os Autores

Georges Abboud

Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.

Henrique Garbellini Carnio

Doutor e Mestre em Teoria do Estado e Filosofia do Direito pela PUC/SP. Pós-Doutor em


Filosofia pela Unicamp. Professor do Núcleo de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da

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16/01/2022 16:26 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Faculdade Autônoma de Direito – FADISP e do Programa de Mestrado em Direito Constitucional


Econômico da UNIALFA/GO. Advogado.

Rafael Tomaz de Oliveira

Doutor e Mestre em Direito Públicopela UNISINOS-RS. Professordo Departamento de


DireitoPúblico da Faculdade deDireitode Ribeirão Preto (FDRP) da Universidade de São
Paulo(USP). Professor Titular do Programade Pós-Graduação emDireito da UNAERP, nos níveis
deMestrado e Doutorado. Advogado.

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16/01/2022 16:26 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Nota para 4.ª edição

Honra-nos a Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais com a publicação de mais uma
edição de nossa  Introdução ao Direito. Alcançar a quarta edição de um livro  – em um mercado
editorial tão competitivo como o do Direito  – é, para nós, motivo de grande satisfação e orgulho,
além de representar um considerável reforço para a consolidação desta obra como referência no
campo das disciplinas que exploram os fundamentos do pensamento jurídico.

Para esta edição, optamos por transformar substancialmente a grade de conteúdos. Desse
modo, foram incorporados, de forma mais evidente, os problemas, empíricos e metodológicos,
explorados pela Sociologia Jurídica. Assim, além de cobrir o âmbito de temas da Filosofia e da
Teoria do Direito (que caracterizavam a obra desde a primeira edição), a atual versão contempla
também temas da Sociologia Jurídica. Pensamos que, dessa maneira, a obra passa a oferecer ao
público leitor um texto mais completo e capaz de promover um efetivo tratamento transdisciplinar
das questões fundamentais para o pensamento jurídico.

Explicitando de forma um pouco mais detalhada, esta quarta edição contemplou os seguintes
acréscimos substantivos:  a)  o segundo capítulo foi ampliado para acrescentarmos o panorama
geral acerca do positivismo contemporâneo e sua visão sobre o direito. Desse modo, após
expormos o fundamental debate entre Dworkin e Hart, analisamos o paradigma positivista
contemporâneo que se erigiu, a partir das críticas lançadas por Dworkin, ao positivismo de Hart: o
positivismo exclusivista e o inclusivista;  b)  o terceiro capítulo recebeu a inclusão de uma
abordagem sobre o pensamento sociológico no direito, sua estrutura engloba o contexto histórico
do surgimento da sociologia com Comte, a relação entre sociologia e direito – perquirindo sobre a
possibilidade de pensar a autonomia da sociologia do direito  – e,  ainda, o pensamento de
Durkheim e Weber, dois grandes autores que servem como referência, em especial para pensar o
desenvolvimento do método sociológico; e c) no capítulo quinto, apresentamos mais uma tese da
relação entre direito e moral, a tese da interconexão. Trata-se de visão contemporânea
desenvolvida, cada um a seu modo, por Dworkin e Waldron.

Ademais, esta nova edição conta também com prefácio e posfácio revisados e atualizados por
nossos mestres e grandes parceiros acadêmicos, professores Nelson Nery Junior e Lenio Luiz
Streck.

Como de praxe, colocamo-nos desde logo à disposição da comunidade jurídica para críticas e
sugestões que possam contribuir para o aperfeiçoamento deste nosso trabalho.

Por fim, mas não menos importante, um agradecimento especial aos nossos leitores, que são
os verdadeiros destinatários dos nossos esforços e que tornaram possível que um livro de
introdução ao direito, portador de uma proposta diferenciada e não ortodoxa, pudesse alcançar a
sua quarta edição.

Os Autores

Georges Abboud

Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.

Henrique Garbellini Carnio

Doutor e Mestre em Teoria do Estado e Filosofia do Direito pela PUC/SP. Pós-Doutor em


Filosofia pela Unicamp. Professor do Núcleo de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da
Faculdade Autônoma de Direito – FADISP e do Programa de Mestrado em Direito Constitucional
Econômico da UNIALFA/GO. Advogado.

Rafael Tomaz de Oliveira


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Doutor e Mestre em Direito Públicopela UNISINOS-RS. Professordo Departamento de


DireitoPúblico da Faculdade deDireitode Ribeirão Preto (FDRP) da Universidade de São
Paulo(USP). Professor Titular do Programade Pós-Graduação emDireito da UNAERP, nos níveis
deMestrado e Doutorado. Advogado.

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Nota para 3.ª edição

Foi com imensa satisfação que recebemos a notícia para a produção da 3.ª  edição de nosso
livro pela Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais. O entusiasmo da boa nova recebida,
levou-nos a uma ampla revisão bem como a alguma ampliação da obra, mantendo aquilo que já
havia sido feito na 2.ª edição.

No que tange especificamente à ampliação, cumpre destacar que, no capítulo 3, que discorre
sobre o Direito e sua Função, foi inserido o tópico 3.7, denominado Violência e Racionalidade
Jurídica. Este tópico avança nos estudos sobre o direito, poder e violência iniciados nas edições
anteriores e apresenta um cotejo do pensamento sobre a soberania de dois grandes pensadores
do direito, a saber, Hans Kelsen e Carl Schmitt. Em face da polêmica discussão sobre a soberania
entre Kelsen (positivismo jurídico) e Schmitt (decisionismo) é possível identificar uma profunda
reflexão para evidenciar como ambas as teorias se aproximam no esforço de demonstrar uma
racionalidade jurídica permeada pela violência. A exploração amiúde desta reflexão nos revela o
pensamento de Walter Benjamin, como antípoda desta polêmica, pois, para ele, a violência é uma
figura resistente às estratégias colonizadoras do direito de tal forma que pensar uma violência pura
equivale a pensá-la emancipada, sem relação com as categorias  – formas  – do direito, uma vez
que o direito em sua forma histórica se apresenta desde sua origem como um dispositivo
sangrento, de barbárie, que assegura paradoxalmente ao mesmo tempo dominação e inclusão.

Esse acréscimo tem o objetivo de atualizar o conteúdo do livro sobre a inarredável relação
entre direito e poder e criar a possibilidade de uma reflexão que sirva para pensar sobre a real
situação de uma teoria da decisão judicial, como apresentamos no capítulo 10 da obra.

Além disso, também de forma inédita, acrescentamos a esta edição um índice remissivo e um
índice onomástico com o intuito de facilitar o trabalho de pesquisa dos leitores.

Como de nossa praxe, continuamos, sinceramente, a aguardar por críticas e sugestões que nos
ajudem a aperfeiçoar o trabalho que aqui se apresenta.

Os Autores

Georges Abboud

Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.

Henrique Garbellini Carnio

Doutor e Mestre em Teoria do Estado e Filosofia do Direito pela PUC/SP. Pós-Doutor em


Filosofia pela Unicamp. Professor do Núcleo de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da
Faculdade Autônoma de Direito – FADISP e do Programa de Mestrado em Direito Constitucional
Econômico da UNIALFA/GO. Advogado.

Rafael Tomaz de Oliveira

Doutor e Mestre em Direito Públicopela UNISINOS-RS. Professordo Departamento de


DireitoPúblico da Faculdade deDireitode Ribeirão Preto (FDRP) da Universidade de São
Paulo(USP). Professor Titular do Programade Pós-Graduação emDireito da UNAERP, nos níveis
deMestrado e Doutorado. Advogado.

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16/01/2022 16:26 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Nota para 2.ª edição

Foi com imensa satisfação que recebemos a notícia da Editora Thomson Reuters Revista dos
Tribunais sobre o esgotamento da primeira edição desta obra e o correspondente convite para
realização de uma segunda edição. Em tempos de massificação e crise do ensino jurídico, ficamos
felizes com a repercussão que esta proposta de introdução do direito tem alcançado, uma vez que
nela apostamos no cultivo do ensino voltado para a complexidade do fenômeno jurídico, não se
rendendo a simplificações, resumos e similares.

A segunda edição continua partindo da premissa de que o direito é, antes de tudo, um


fenômeno linguístico altamente complexo e o acesso a seu conhecimento não se dá por um
receituário de informações e conceitos superficiais.

Nesse contexto, a segunda edição está amplamente revista e ampliada de modo a agregar
conteúdos oriundos das pesquisas atuais de cada um dos autores, bem como da intenção de
tornar ainda mais contemporânea a discussão de determinados temas.

Assim, sabedores da marcante interdisciplinaridade que caracteriza um livro que pretende


introduzir temas de Teoria e Filosofia do Direito, incluímos em nossa tábua de matérias temas que
não apareciam no horizonte da primeira edição. Dentre outros, destacamos: os enfoques político-
jurídicos que hoje aparecem sob a ótica do Biopoder e da Biopolítica e que procuram refletir de um
modo muito singular sobre Direito; Direitos do Homem; Nação e Cidadania, entre outros conceitos.
Por outro lado, procuramos marcar definitivamente o espaço cada vez mais pujante que tem sido
oferecido ao direito constitucional a partir da incorporação de elementos em torno do conceito de
Constitucionalismo com ênfase nas questões que envolvem a gênese e a função do controle de
constitucionalidade. Também incluímos esclarecimentos acerca da problemática envolvendo o
conceito de princípio no direito. Por fim, incorporamos um esboço geral a respeito da judicialização
da política e das relações sociais, do ativismo judicial e dos seus reflexos na atividade
interpretativa que, no modo como a tratamos nesta Introdução, representa o elemento fundamental
da experiência jurídica.

O livro, portanto, apresenta-se com outra face.

Esperamos, sinceramente, que esta obra possa atender as expectativas do público leitor, seja
aquele que se inicia no estudo do direito, seja aquele já iniciado. De todos vocês, é preciso
ressaltar, esperamos continuar recebendo as sugestões e comentários para continuarmos
aperfeiçoando as futuras edições da obra.

Os Autores

Georges Abboud

Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.

Henrique Garbellini Carnio

Doutor e Mestre em Teoria do Estado e Filosofia do Direito pela PUC/SP. Pós-Doutor em


Filosofia pela Unicamp. Professor do Núcleo de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da
Faculdade Autônoma de Direito – FADISP e do Programa de Mestrado em Direito Constitucional
Econômico da UNIALFA/GO. Advogado.

Rafael Tomaz de Oliveira

Doutor e Mestre em Direito Públicopela UNISINOS-RS. Professordo Departamento de


DireitoPúblico da Faculdade deDireitode Ribeirão Preto (FDRP) da Universidade de São

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16/01/2022 16:26 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Paulo(USP). Professor Titular do Programade Pós-Graduação emDireito da UNAERP, nos níveis


deMestrado e Doutorado. Advogado.

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16/01/2022 16:27 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Lista de abreviaturas

1.ª Seç – Primeira Seção

a. C. – Antes de Cristo

ADIn – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

ADIn (MC) – Medida Cautelar em Ação Declaratória de Inconstitucionalidade

ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros

AgRg EDivResp – Agravo Regimental em Embargos de Divergência em Recurso Especial

Art. – Artigo

BGB – Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão de 1900)

BVerfG – Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal da RFA)

BVerfGE –  Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts  (Decisões do Tribunal


Constitucional Federal da RFA) (periódico) (J.C.B.Mohr)

Cap. – Capítulo

CC – Código Civil

CF ou CF/1988 – Constituição Federal de 1988

CP – Código Penal

CPC – Código de Processo Civil

CPP – Código de Processo Penal

D. – Digesto de Justiniano

d. C. – Depois de Cristo

DJU – Diário de Justiça da União

EC – Emenda Constitucional

e.g. – Exempli gratia

GG – Grundgesetz (Lei Fundamental [Constituição Federal] da RFA, de 8.5.1949)

HC – Habeas corpus

J. – Julgamento

J. L. Austin – John Langshaw Austin

L – Lei Federal

Min. – Ministro

M Schlick – Moritz Schlick

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16/01/2022 16:27 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

MP/MPs/MedProv – Medida(s) Provisória(s)

N. – número

R. C. Van Caenegem – Raoul Charles Van Caenegem

Rosa M. A. Nery – Rosa Maria de Andrade Nery

RE – Recurso Extraordinário

Rel. p/ AC. – Relator para acórdão

Séc. – Século

STF – Supremo Tribunal Federal

STJ – Superior Tribunal de Justiça

T. – Tomo

inc. – Inciso

Ulp. – Ulpiano

V. – Verificar

vs/vs – versus

v.g. – verbi gratia

ZPO – Zivilprozeßordnung (Ordenança Processual Civil alemã, de 30.01.1877)

ZPR – Zivilprozeßrecht (Direito Processual Civil)

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16/01/2022 16:27 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

Introdução
Considerações iniciais

Este livro foi preparado com o objetivo de  introduzir aos problemas
fundamentais do conhecimento jurídico  os estudantes e os pesquisadores do
direito. Evidentemente, tal afirmação não implica limitar sua utilidade apenas
àqueles que iniciam seus passos nos estudos jurídicos. Também os leitores que
estão com suas leituras mais avançadas encontrarão nesta obra informações
importantes para seguir, de maneira segura, caminhos mais aprofundados.

Por outro lado, esta introdução ao direito não foi pensada como um inventário


de matérias acumuladas historicamente pelo conhecimento jurídico em torno dos
temas que classicamente compõem os interesses da filosofia jurídica, da teoria
geral do direito ou da sociologia jurídica, e.g., justiça, hermenêutica, metodologia,
teoria da norma, fontes, moral, interpretação, o estatuto científico das ciências
sociais, entre outros.

Com efeito, a facilidade, oriunda de exposição linear e cronologicamente


simplificada das matérias que compõem o universo da Filosofia, da Teoria e da
Sociologia do Direito, foi por nós preterida, uma vez que não se mostra apta a
depreender toda a complexidade do fenômeno jurídico. Com efeito, tal
inventariação de conteúdos produziria um texto longo e de baixa utilidade, visto
que apenas condensaria um tipo de saber enciclopédico, porém sem a capacidade
de criar nos leitores uma disposição específica para interagir com os temas e
conteúdos que caracterizam o universo das disciplinas dessas matérias. Vale dizer:
mais importante do que ter contato perfunctório com informações relativas aos
diversos aspectos do pensamento jurídico é conseguir colocar-se em condições de
diálogo com esse pensamento.

Martin Heidegger1 afirmava que: introduzir à filosofia significa pôr o filosofar em


curso,  isto é, o fundamental para se aprender a filosofia é filosofar, daí sua
metáfora de que não seria possível aprender a nadar por meio de manual de
natação, mas tão somente nadando.2 De modo similar, nosso intuito é justamente
estabelecer a aproximação do pensamento jurídico que possibilite aos leitores um
manejo adequado das principais polêmicas que povoam o pensamento sobre o
direito no mundo contemporâneo.

Ou seja, não se pode aprender direito simplesmente observando-o do lado de


fora. Mais precisamente, não se compreende o direito a partir de mero receituário
com diversos conceitos abstratos e superficiais. No conhecimento jurídico não
existem posicionamentos teóricos unânimes e incontroversos. O direito é
fundamentalmente complexo e polêmico. Daí que a melhor forma de se trabalhar
seus conceitos é a partir dos problemas que a operacionalidade do direito propicia.

Isso significa projetar o horizonte adequado para abrir espaços de significação


que permitam desvelar os problemas do conceito e definição do direito, da
fundamentação e da validade jurídica e de como são decididas as questões

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16/01/2022 16:27 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

jurídicas. Tais pontos não podem ser pensados fora da dimensão filosófica que os
abarca e que apresenta como questão principal a relação entre saber teórico e
saber prático e suas consequências para o conhecimento jurídico.

Fato é que, para muitos juristas, o jurídico está para o direito assim como
a  cavalice3  está para o cavalo. De nosso ponto de vista, entretanto, o direito é
antes de tudo complexo, dinâmico, histórico e conflituoso, o que impede a
formulação de qualquer estratégia essencialista para definição de um único
conceito que defina toda a gama de possibilidades que se projetam a partir do
jurídico. Assim, uma, ainda que simples e breve, introdução ao direito, para cumprir
seu desiderato, de forma teoricamente honesta, não pode ser esquematizada,
simplificada, condensada, entabulada, plastificada etc.4

Aliás, vivemos hoje um momento de apreensão com relação às assim


chamadas disciplinas de formação do curso de direito. A pequena onda de
otimismo que se criou a partir do reconhecimento oficial da dignidade destas
disciplinas em concursos para carreiras jurídicas – cujo marco foi a  Resolução
75/2009 do CNJ – foi substituída por um sentimento de receio, na medida em que
o modo como os examinadores de tais concursos lidam com esses conteúdos é
altamente questionável.

Os famosos cursinhos preparatórios  – que se alastraram no universo jurídico


como uma erva daninha, dando a impressão de que o encerramento da faculdade
de  direito seria uma espécie de segundo turno do ensino médio  – passaram a
incorporar em sua grade de matérias as disciplinas humanísticas. Evidentemente
que o rescaldo desse fenômeno foi a tentativa de manipular tais conteúdos a partir
dos esquemas, quadro mentais, resumos e outras tantas metodologias
despistadoras que já eram empregadas para a análise das disciplinas técnicas ou
dogmáticas.

Todavia, as disciplinas de formação estão inseridas no projeto daquela que,


talvez, seja a mais imponente das tradições ou tesouro cultural produzido pelo
ocidente: o humanismo e seu ideal de formação do ser humano. Será que todo
esse nobre propósito cabe nas caixas conceituais que, tradicionalmente, nos foram
impostas para lidar com o conhecimento jurídico? Por certo que a resposta é
negativa.

Com efeito, como nos lembra Peter Sloterdijk,5 em seu polêmico Regras para o
Parque Humano, o humanismo está ligado à intenção de se formar uma grande
comunidade de leitores; de seres humanos que deixam o estado da pura barbárie
e se civilizam por meio da leitura de textos que transmitem, através de elos
inscritos no passado, a tradição cultural que nos conforma. O autor afirma que,
desde os dias de Cícero, aquilo que se chama  humanitas  faz parte, no sentido
mais amplo e no mais estrito, das consequências da alfabetização e se aperfeiçoa
com o exercício da leitura. Ou seja, da possibilidade que se abre a partir da
comunicação realizada à distância pela escrita.

O sempre aberto diálogo entre leitor e escritor é um convite à toda dimensão de


complexidade que a vida engloba. Através desse diálogo somos chamados a
refletir sobre angústias, frustrações, sucessos e problemas morais.
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16/01/2022 16:27 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

A ideia é que, através da leitura, tornamo-nos mais humanos e nos


distanciamos mais de nossa herança animal.

Não é à toa que grandes distopias como  Admirável Mundo Novo, de Aldous
Huxley,61984, de Georg Orwell,7  e  Fahrenheit 451, de Ray Badbury8  criavam um
tipo de sociedade em que os livros  – e consequentemente a escrita e a leitura  –
estavam banidos das atividades sociais. Desse modo, os indivíduos dessas
sociedades imaginadas, justamente por isso, acabavam moldados por um coletivo
acrítico e, portanto, aculturado. Não deixa de ser igualmente sintomático nesse
sentido que, no livro de Huxley por exemplo, é o Selvagem  – alguém que está
situado fora da ordem preestabelecida  – quem descobre Shakespeare, lê suas
obras e, a partir de então, começa a questionar as estruturas do establishment. Há
um diálogo, extremamente marcante nesse sentido, no qual Mustafá Mond  – o
grande Dirigente daquela sociedade distópica de Huxley – afirma que a leitura de
livros como os de Shakespeare era uma atividade proibida. O Selvagem, então,
questiona o todo poderoso a respeito da proibição, ao que responde o dirigente:
“porque é velho;  – eis a principal razão. Aqui não temos aplicações para coisas
velhas”.

As disciplinas, chamadas de formação humanística, são recheadas de “coisas


velhas”. São elas que nos ligam ao passado. E é esse diálogo literário com o
passado que nos constitui culturalmente.

Na verdade, não é apenas o ódio ao “velho” e o culto acrítico ao “novo” que


marcam o estilo dessas distopias. Tendo-se em conta o livro de Ray Badbury,
observamos que logo no início da narrativa o Bombeiro Montag9  faz a seguinte
consideração: “Os livros são o caminho da melancolia”. Eles seriam, nesse
contexto, um convite à transcendência, ao desvario, à errância, ao desvio em
relação ao destino bovino de uma humanidade conformada.

Nessas sociedades distópicas, a ausência da leitura homogeiniza a todos.

Por certo que a simplificação, os quadros sinóticos, os quadros mentais, as


rimas, as aulas travestidas, não queimam livros. Pelo menos não na sua
literalidade. Todavia, produzem um certo tipo de atividade de pastoreiro, de
arrebanhamento que, paradoxalmente, é contraditória com qualquer princípio
humanístico que guarnece a estrutura dessas disciplinas de formação.

Esta introdução passa bem longe dessas pretensões. Ela trata o leitor com o
respeito que ele merece e o convida para participar de um diálogo que nós não
iniciamos e também não encerraremos. Todos somos apenas parte dessa
“comunidade intergeracional de leitores”.

Guia de leitura

A partir da perspectiva supradelineada, o livro foi estruturado no eixo de três


perguntas fundamentais: 1) o que é o direito?; 2) quais os fundamentos do direito?;
3) como são decididas as questões jurídicas?

As perguntas elencadas foram inspiradas em duas obras. Em primeiro lugar,


Jan Schapp10 afirma que os problemas da metodologia jurídica giravam em torno
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da resposta de três questões: a) como se interpreta; b) como se aplica; c) como se


fundamenta o direito. Dworkin,11 por sua vez, assevera que uma teoria do direito é
ao mesmo tempo normativa e conceitual. Em sua dimensão conceitual, ela se
ocupa dos problemas da filosofia (principalmente a filosofia da linguagem, mas
também a lógica e a metafísica), ao passo que a parte normativa deve examinar
problemas que envolvem uma teoria da legislação da decisão judicial e da
observância da lei.

Da confluência dessas duas perspectivas, formulamos as questões que dirigem


a ossatura da presente obra. Com efeito, entendemos que o fenômeno jurídico
pode ser adequadamente analisado  – de uma maneira global  – se encarado em
uma dimensão conceitual interpretativa (o que é direito?); em uma dimensão
normativa de fundamentação (quais os fundamentos do direito?); por fim, em uma
dimensão aplicativa englobando uma teoria das fontes e da decisão judicial (como
são decididas as questões jurídicas?).

Desse modo, o texto está segmentado em três partes compostas por dez
capítulos. A primeira parte tem como capítulo inicial a polissemia sobre o termo
direito. Tal item tem a função de aclarar a poluição semântica12 acerca da palavra
direito.

O segundo capítulo examina as questões referentes ao conceito de direito. No


contexto proposto pela obra, além das tradicionais definições jusnaturalistas e
positivistas, optamos por introduzir outras três concepções sobre o conceito de
direito: etimológica, etnológica e pós-positivista. A primeira teve como ideia expor
de que maneira a formação dos termos iniciais que indicam o que, hodiernamente,
significa a palavra  direito, que teria surgido, desde o período clássico, a partir de
vivências sociais. O significado do conceito inicial de direito foi determinante para o
que até mesmo hoje em dia compreendemos como direito, pois o legado dessa
origem foi decisivo até para conceituação do direito na Idade Média e seu forte
relacionamento com a religião.

Já a concepção etnológica teve por escopo relacionar a gênese do direito entre


o processo pré-civilizatório (comunidades primitivas) e como o fenômeno jurídico e
outras “instituições” determinaram uma das matrizes do processo civilizatório, no
caso o direito. A partir do estudo antropológico nas comunidades primitivas pode
se identificar o primeiro vínculo jurídico obrigacional existente na humanidade, a
relação de débito e crédito. Tendo em vista que as comunidades primitivas eram
regidas por relações de escambo, inicialmente sem ideia de proporcionalidade, o
que imperava era uma noção de ao se receber algo dever aceitá-lo e ao mesmo
tempo retribuí-lo sob pena de responder ao castigo dos ancestrais. É essa
dimensão de medo, no que se refere ao risco de sanção, que garantia o caráter
obrigacional, por consequência, de certa forma, jurídico, que ainda possuía uma
natureza também de mágica.

A concepção pós-positivista adquire uma importância particular na presente


obra, uma vez que o próprio livro está situado nesse paradigma. Em linhas gerais,
é possível dizer que o pós-positivismo define o direito a partir do elemento
interpretativo que aparece como elemento fundamental da experiência jurídica,
vale dizer, toda composição jurídica de conflitos exsurge da interpretação que se
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faz da história institucional do direito da comunidade política. Nesse sentido, o pós-


positivismo, por diversas vezes mal compreendido, deve necessariamente produzir
novo conceito de norma que não pode mais ser uma entidade abstrata/semântica,
mas, sim, algo concreto, derivado da interpretação dos textos normativos
confrontados com a problematização do caso concreto.

O segundo capítulo apresenta, ainda, um panorama geral acerca do positivismo


contemporâneo e sua visão sobre o direito. Desse modo, após expormos o
fundamental debate entre Dworkin e Hart, analisamos o paradigma positivista
contemporâneo que se erigiu a partir das críticas lançadas por Dworkin ao
positivismo de Hart: o positivismo exclusivista e o inclusivista.

O terceiro capítulo teve a preocupação de abordar uma ideia funcional sobre o


direito, destacando a característica histórica do direito enquanto regulador das
relações sociais. Por conseguinte, analisamos os temas: da possibilidade de o
direito satisfazer os anseios sociais; a função social da dogmática jurídica; a
limitação do poder político pelo direito; e, com especial destaque, a relação do
direito com a violência, raramente analisada em livros introdutórios. Seguindo essa
mesma toada, o terceiro capítulo contempla questões que são centrais para a
compreensão dos problemas examinados pela sociologia jurídica. Nessa medida,
realiza-se uma abordagem sobre o pensamento sociológico no direito. Sua
estrutura engloba o contexto histórico do surgimento da sociologia com Comte, a
relação entre sociologia e direito  – perquirindo sobre a possibilidade de pensar a
autonomia da sociologia do direito – e, ainda, o pensamento de Durkheim e Weber,
dois grandes autores que servem como referência, em especial, para pensar o
desenvolvimento do método sociológico.

No quarto capítulo, inicia-se a segunda parte do livro. O problema do


fundamento é por nós analisado a partir de dois pontos, o primeiro aborda o modo
como o conhecimento jurídico pode ser produzido de modo válido. Assim,
exploramos as questões relativas ao direito e as mais relevantes propostas
epistemológicas.

Em uma segunda perspectiva, exposta nos capítulos cinco e seis, examinamos


a questão do fundamento com o objetivo de problematizar a relação do direito com
a justiça e com a moral. Desse modo, apresentamos a discussão em torno da
existência ou não de algum critério externo que ofereça justificação para os
conteúdos tutelados pelos direitos.

O sétimo capítulo ocupa-se de uma questão instigante. Trata-se da tendência


existente no pensamento jurídico de retratar a questão do fundamento a partir de
uma dicotomia:  jusnaturalismo  vs.  juspositivismo. Nos termos da referida
tendência, as possibilidades para o problema da justificação do direito oscilariam
entre a reivindicação de critérios transcendentes de adequação e correção do
direito positivo (jusnaturalismo) ou a afirmação de que a análise teórica do direito
deve ficar restrita às normas produzidas em contexto de espaço e tempo
determinado (juspositivismo). De maneira simples: no que tange ao fundamento, a
posição do jurista poderia ser classificada como jusnaturalista ou positivista. Em
nossa análise, procuramos reconstruir as duas perspectivas, tendo por premissa
evidenciar a possibilidade de construção de uma terceira via que reivindique a
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necessidade de revisão, tanto do jusnaturalismo quanto do juspositivismo. Essa


terceira via pode ser emblematicamente representada pelo modelo de pós-
positivismo sobre o qual se assenta a presente obra.

Os três capítulos restantes (8, 9 e 10) formam a terceira e última parte do livro.
O oitavo capítulo da obra é dedicado à análise das fontes do direito. Na elaboração
desse capítulo examinamos a teoria das fontes do direito a partir da mesma
perspectiva que se estrutura a obra, qual seja, a pós-positivista. Por consequência,
atualizamos a teoria das fontes a fim de contemplar os fundamentos e as funções
adquiridas pelo fenômeno jurídico na atualidade. Outrossim, além dos tradicionais
elementos, incorporamos questões referente ao  common law,  haja vista a
crescente demanda de conhecimento desse sistema em face das discutíveis,
porém incontestáveis, tendências de aproximação entre o sistema romano-
canônico e o sistema do common law.

O nono capítulo da obra dedica-se à análise da teoria da norma e do


ordenamento jurídicos. Visando atingir tal desiderato, expusemos os conceitos
elementares para compreensão do tema, merecendo destaque o conceito de
norma. Além da tradicional análise positivista que considera a norma como
conceito semântico, ou seja, que admite sua concepção abstrata, analisamos aqui
o conceito pós-positivista de norma. Referido conceito, supera a tradicional visão
que subdivide a norma em regra e princípio, porquanto a compreende como fruto
da atividade interpretativa e, portanto, a norma adquire feição concreta.

O conceito interpretativo de norma não exclui a existência de princípios


jurídicos, apenas recoloca a discussão em seu contexto adequado. Desse modo,
faz-se necessário consignar a impossibilidade de se confundir os princípios gerais
do direito com os princípios constitucionais. Com efeito, o constitucionalismo
contemporâneo produziu um significado para o conceito de princípio que supera a
definição dos princípios gerais do direito, bem como sua função de colmatação de
lacunas. De modo geral, é possível dizer que os princípios constitucionais
assumem caráter de justificação (legitimidade) das decisões judiciais na medida
em que passam a figurar como os marcos definidores da história institucional do
direito, servindo de guia para a integridade da jurisprudência.

Em virtude da importância e da nova função adquirida pelos princípios


constitucionais, consideramos necessárias a apresentação e a discussão de uma
teoria da decisão judicial.

Para correta colocação do tema da decisão, iniciamos o décimo e último


capítulo com o debate em torno da questão da metodologia jurídica. Trata-se de
ponto particularmente importante e que a grande maioria dos livros introdutórios
não apresenta adequadamente, limitando-se a expor a questão do método colada
ao problema da interpretação, de modo que toda a complexidade sistemática e
sociológica existente na questão desaparece diluída nos quatro clássicos métodos
de interpretação: o gramatical, o lógico-sistemático, o histórico e o teleológico.

No entanto, uma discussão adequada sobre a metodologia jurídica deve


pressupor a distinção entre método e metodologia. O método representa um
caminho, procedimento, estratégia etc., para alcançar determinado objetivo de
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pesquisa. Já a metodologia significa um discurso sobre os métodos na perspectiva


de encontrar o mais adequado para a análise que se realiza sobre o campo de
conhecimento em que se está situado. Nesse sentido, a metodologia jurídica
discute qual o melhor método para conhecer e aplicar o direito. Assim, a discussão
passa pela recomposição histórica das principais perspectivas metodológicas,
construídas pela chamada ciência dogmática do direito.

Após a apresentação da metodologia jurídica, iniciamos a reflexão sobre a


hermenêutica jurídica pautada pelo fio condutor da filosofia contemporânea. Nesse
contexto, analisamos o modo como a hermenêutica é trabalhada nas obras de
Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, a fim de indicar as principais
contribuições para se alcançar nova compreensão do fenômeno jurídico.

Por fim, apresentamos três posturas teóricas sobre a decisão judicial, a saber,
as propostas de Robert Alexy, Ronald Dworkin e Lenio Luiz Streck.

Desse modo, acreditamos que o conteúdo desenvolvido constitui base


fundamental para a formação e atualização dos acadêmicos e pesquisadores que
se ocupam da ciência jurídica.

.Martin Heidegger. Introdução à filosofia, São Paulo: Martins Fontes, 2008.


2

.Martin Heidegger.  Los problemas fundamentales de la fenomenologia.  Madrid: Editorial Trotta,


2000.
3

.Cavalice é a essência de todo cavalo. James Joyce. Ulisses. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p.
227.
4

.Sobre a “estandardização” do ensino jurídico, cf. Lenio Luiz Streck.  O que é isto  – decido
conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, passim.
5

.Cf. Peter Sloterdijk. Regras para o parque humano. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
6

.Cf. Aldous Huxley. Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Globo, 2009.


7

.Cf. George Orwell. 1984. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.


8

.Cf. Ray Badbury. Fahrenheit 451. Rio de Janeiro: Globo, 2009.


9

.Importante lembrar que, na sociedade criada por Badbury, os bombeiros não combatiam
incêndios. As casas eram “à prova de fogo”. A função dos bombeiros era exatamente queimar
livros que, eventualmente, ainda existissem nas casas das pessoas. O título do livro  – que virou
filme pelas mãos de François Truffaut  – alude exatamente a esse fato: Fahrenheit 451 seria a
temperatura necessária para que os livros fossem eficazmente queimados.

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10

.Jan Schapp. Problemas fundamentais da metodologia jurídica. Porto Alegre: SAFE, 1985.


11

.Ronald Dworkin. Levando os Direitos a Sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.


12

.Wolfgang Stegmüller. A filosofia contemporânea. São Paulo: EPU, 1977, vol. I e II.

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Primeira Parte - O que é o


Direito? Conceito e Função

1. Polissemia do Termo Direito

1.1. A expressão do Direito na convivência social

A pergunta sobre o conceito de direito, ou mais precisamente sobre o que é o


direito, traz à discussão uma série de questionamentos iniciais.

Na realidade, tal indagação deve ser respondida a partir de várias perspectivas,


pois cada um que estude o termo e seu conteúdo adequadamente se direcionará
para uma formulação de resposta a partir de suas inclinações teóricas, filosóficas,
sociológicas entre outras que compõem a base de formação intelectual e
experiencial do indivíduo.

De imediato, verifica-se que o sentido do que se expressa como direito de


forma ampla se encontra na expressão característica que historicamente o
determinou como algo que regula de modo singular as relações humanas.

O exame dessa expressão é averiguado na experiência social, marcada pela


presença do homem em situação de permanente convívio com seus semelhantes.
Em toda a sua vida e sob todos os seus aspectos, o homem interage: com seus
semelhantes, não semelhantes; em vida privada, social, religiosa; e, nesses
relacionamentos, ocorre uma constante troca. Falamos em troca de ideias, de
formas de trabalho, de manifestações culturais, expressões intelectuais, formas de
entretenimento, realização de negócios, bem como escolhas para sua forma de
vida, entre outras manifestações socioculturais.1

Isso aparece com muita clareza no pensamento de Reinhold Zippelius, ao


afirmar que o homem é feito para a vida em comunidade e é apenas por meio dela
que se pode alcançar o pleno desenvolvimento de nossas aptidões, ou seja, o
exercício mesmo de nossas experiências sociais.2

A ocorrência desse comportamento humano, seguindo ainda as indicações de


Zippelius, ocorre na construção da própria comunidade,3  que se forma quando
“trabalhamos uns com os outros, argumentamos, realizamos negócios, cultivamos
ritos ou nos divertimos com outras pessoas. Uma comunidade existe, portanto,
onde o comportamento de uma maioria de pessoas de adapta ao de outras
segundo determinadas formas relacionais”.4

O termo Direito é equívoco, ou seja, possui uma variedade de significados. Ao


mesmo tempo que qualquer pessoa leiga pode manifestar de alguma forma sua

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ideia mesmo que intuitiva sobre o direito, os estudiosos e especialistas na área


jurídica podem realmente precisá-la e desenvolvê-la.

Leitura recomendada

Básica

Rosa Maria de Andrade Nery. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria


geral do direito privado. São Paulo: Ed. RT, 2008, n. I. 1.

Intermediária

Reinhold Zippelius. Introdução ao estudo do direito. Trad. Gercélia Batista de


Oliveira Mendes, Belo Horizonte: Del Rey, 2006, n. 1.1.

Avançada

Max Weber. Economia e sociedade. 3.  ed. Brasília: UNB Brasiliense: 1994,
vols. 1 e 2.

Josef Kohler. The philosophy of law. Trad. Adalbert Albrecht. New York:
Augustus M. Kelley publishers, 1969, n. IV, s. VII, § 7.

.Rosa Maria de Andrade Nery.  Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado. São Paulo: Ed. RT, 2008, n. I.1. p. 11.
2

.Reinhold Zippelius.  Introdução ao estudo do direito. Trad. Gercélia Batista de Oliveira Mendes.
Belo Horizonte: Del Rey, 2006, n. 1.1. p. 1.
3

.Apenas a título de esclarecimento, a utilização do termo comunidade não é por acaso. Ao se


estabelecer o conceito de comunidade, tem-se em mente um retorno às comunidades primitivas,
principalmente pela importância do seu  modus vivendi, que se projetava nas relações de troca,
escambo etc. É especificamente sobre essa estrutura de  modus  de vida que se está fazendo
referência. A importância dessa verificação é salutar para identificar as pretensões estruturais da
investigação, pois como se sabe existem diferenças relevantes entre os termos comunidade e
sociedade. Sobre o conceito de comunidade, vale ressaltar a proposta de Martin Buber, para quem
“comunidade significa, aqui e agora, multiplicidade de pessoas, de modo que sempre seja possível
para qualquer um que a ela pertença, estabelecer relações autênticas, totais, sem finalidades (...)”.
Martin Buber. Sobre comunidade. Trad. Newton Aquiles von Zuben. São Paulo: Perspectiva, 1987.
p. 87.
4

.Reinhold Zippelius. Introdução ao estudo do direito cit., n. 1.2, p. 2.

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1.2. As diversas acepções sobre o termo direito

Nessa linha, projetando o estudo para a precisão, alguns conceitos


relacionados ao vocábulo Direito podem ser identificados.

A palavra direito é oriunda do latim directus, a, um, adj., que significa colocado


em linha reta, direito, certeiro, reto, preciso. O vocábulo vem do
verbo  derigere  ou  dirigere, que possui o sentido de endireitar, dirigir, ordenar. O
vocábulo, em sua origem etimológica, significa o que é reto, o que não se desvia,
seguindo uma só direção, entendendo-se, portanto, tudo aquilo que é conforme à
razão, à justiça e à equidade.5

Émile Benveniste, ao início de seus estudos em relação à estrutura e à origem


das palavras sobre o direito, identifica como dois primeiros termos sobre o conceito
de Direito: Thémis e Díke.

Ambos os termos se relacionam e se complementam. O ponto de partida vem


do entendimento de que a estrutura geral da sociedade, definida em suas grandes
divisões por dado número de conceitos, baseia-se num conjunto de normas que
constituem um direito.

Segundo Benveniste, todas as sociedades, mesmo as mais primitivas, são


regidas por princípios de direito quanto às pessoas e aos bens e essas regras e
normas se imprimem no vocabulário da sociedade.6

Na formação da palavra  Thémis, se compararmos o avéstico com o grego,


reiteramos seu significado, isto é, o direito familiar que se opõe à  Díke, que é o
direito entre as famílias das tribos.  Thémis  é de origem divina; na epopeia
homérica, por exemplo, entendia-se como sendo a prescrição que fixa os direitos e
os deveres de cada um sob a autoridade do chefe do  génos  e que fixam na sua
consciência como juízes a conduta a seguir sempre que estiver em jogo a ordem
do génos.7

Na verdade, o que Benveniste acaba determinando é que a noção


de  Thémis  tem seu complemento na de  Diké, a primeira indica a justiça que se
exerce no interior do grupo familiar; a outra a que rege as relações entre famílias.
O ponto de partida de atribuição de  Diké  é costume, maneira de ser, como uma
regra imperativa, como uma “fórmula que rege a sorte”, uma maneira “habitual” que
é na realidade uma obrigação natural ou convencional é por meio dessa fórmula,
responsável por estabelecer a sorte e a atribuição, e que se tornou em grego a
palavra “justiça”, a qual se transmudou na própria expressão da justiça, que, por
sua vez, intervém para pôr fim ao poder da força; ela, Diké, é a virtude da justiça, e
quem a tem ao seu lado é dikaios, justo.8

Na linha do que se expôs, o vocábulo Direito, de maneira lata, pode ser


identificado a partir das seguintes significações:9

1 – O que é reto, que não se desvia;

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2 – Contrário do esquerdo (sentido lexical antônimo);

3  – Ordenamento ou norma: como sistema de normas que regula para


assegurar a preservação das condições de existência do homem em sociedade.
Algo no sentido de leis, tanto em sentido particular quanto coletivo e em projeção
coercitivamente imposta a um grupo social;

4  – Autorização ou permissão de fazer o que a norma não proíba ou que ela


autorize;

5 – Justiça, enquanto qualidade do que atende aos anseios de justiça e retidão;

6  – Equidade, no sentido do exercício, projetado pelos gregos, em especial


Aristóteles – na ética nicomaquea – da busca do equilíbrio nas práticas jurídicas e
também das relações sociais;

7 – Prudência, no sentido de ordem e prudência, em sentido grego – e depois


propriamente utilizado pelos romanos – como uma arte (ars) ou virtude de chegar à
solução adequada no caso concreto;

8 – Prerrogativa que se possui de exigir do outro a prática ou a abstenção de


certos atos;

9 – Ciência de norma coercitivamente imposta, enquanto estudo da dogmática


jurídica em sentido estrito (jurisprudenz);

10  – Conjunto de conhecimentos acerca dessa ciência (regras dos ramos do


direito);

11 – objeto da ciência do direito.

Fica evidente, enfim, mediante as explanações trazidas, que parece impossível,


bem como dispensável, uma definição lexical do conceito “direito”.

Com bem mostra Tercio Sampaio Ferraz Junior, caberia a nós, nessa tarefa, a
tentativa de uma redefinição ou, então, de uma pura estipulação, sendo que esta
última certamente apresentaria o defeito de num compêndio de “Introdução ao
Direito”, criar uma certa distância, vagueza, para com os usos habituais. A tarefa
conceitual do Direito é senão impossível num ambiente de neutralidade, na
tentativa de eliminação de qualquer carga emotiva, isso, pois a língua é fenômeno
comunicativo e a tentativa seria fadada ao próprio corrompimento daquele que o
tenta, haja vista que sempre existem inclinações teóricas na definição.10

Na explicação sobre a polissemia do termo direito, dois pontos devem receber


destaque nesta exposição: i) direito enquanto noção de jurisprudentia e ii) o direito
como um conjunto de conhecimentos conglobantes, que se ocupa de uma série de
disciplinas diferentes, como: filosofia do direito, antropologia e sociologia jurídica,
teoria do direito, jurisprudência (dogmática jurídica), entre outras.

A palavra  jurisprudentia,11  termo designativo da atividade jurídica em Roma,


recebia, indistintamente, os mais diversos qualificativos: ars, disciplina, scientia ou
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notitia. Seu centro gravitacional era uma noção que está contida na própria
palavra: a prudentia.12

O interessante é que essa palavra nos remete diretamente ao sentido inicial


mesmo do conceito de direito, pois os romanos ligaram a noção
de jurisprudentia ao conceito de phronesis dos gregos.

Os gregos, em seus estudos meticulosos sobre ética  – no caso, em especial,


Aristóteles  – utilizam a palavra  phronesis, traduzida entre nós como virtude,
discernimento, sensatez.

A phronesis seria uma espécie de sabedoria e capacidade para julgamento. Ela


era desenvolvida pelo homem prudente, capaz de sopesar soluções, apreciar
situações e tomar decisões. Assim, para que a  phronesis  se exercesse, seria
necessário o desenvolvimento de uma arte (techne, ars), no trato, confronto de
opiniões,  instaurando assim nesse ambiente a possibilidade de diálogo e
procedimento crítico.13

Na realidade, o que se pretende expressar aqui é que os gregos realmente


prepararam o terreno para o que os romanos  – e toda a tradição ocidental neles
baseada – definiram inicialmente como Direito.

No livro VI da Ética a Nicômaco, que trata das virtudes dianoéticas, encontra-se


o conceito fundamental de  phronesis  como “excelência ou virtude de uma das
partes da alma capaz de razão, e como tal uma possibilidade extrema do humano.
A  phronesis  é a excelência do pensar as coisas que se encontram no homem a
sua causa, inaugurando-se a ética sobre a possibilidade do agir humano sobre o
mundo, perfazendo-o, e sobre si mesmo (...)”.14

Dessa forma, o direito como prudência se consagrou em Roma como a arte ou


a virtude de chegar à solução justa no caso concreto.15 Fato é que o pensamento
prudencial foi um modo de pensamento autônomo, desenvolvido pelos
jurisconsultos romanos, e que, além de estar até hoje na base do pensamento da
história da humanidade, também foi prosseguido pelos juristas do medievo.16

Nesse sentido, o direito se encontra numa dialética da ordem e da prudência,


ou seja, o direito busca uma solução prudente dentro da ordem.

Cabe ainda expor o segundo ponto de nossa reflexão, a saber, a ideia do direito
como um conjunto de conhecimentos conglobantes, que se ocupa de uma série de
disciplinas diferentes, como: filosofia do direito, antropologia e sociologia jurídica,
teoria do direito, jurisprudência (dogmática jurídica), entre outros inúmeros outros
ramos jurídicos.

Ademais, a referida noção conglobante sobre o direito, em parte, deve-se à


própria proposta de estudar as noções jurídicas cientificamente.

Paira nessa dimensão uma tentativa aparentemente sistemática de se analisar


o fenômeno jurídico.17 Tal reflexão poderia ser detida a partir da própria experiência
da revolução das ciências, mormente no século XIX, e como o estudo do direito foi
conduzido sobre uma tensão de uma inicial abordagem quase enciclopédica, haja
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vista os esforços empreendidos inicialmente no final da pandectista e início da


escola histórica e após, com muito mais rigor na Escola de Viena, com seu
expoente jurídico máximo, Hans Kelsen.

Fato é que, inarredavelmente, o direito enquanto ciência social (fenômeno


social) necessita, diuturnamente, buscar assimilar ao máximo a produção das
vivências sociais, acompanhando, com esforço dialético, o âmbito de sua própria
constituição.

Karl Larenz indica um caminho interessante para a reflexão que se propõe


neste tópico.18

Analisando os modos de manifestação do direito e as ciências


correspondentes, o referido autor afirma que, na atualidade, o direito, ao ocupar-se
de uma série de disciplinas (filosofia do direito, antropologia e sociologia jurídica,
teoria do direito, dogmática jurídica, entre outras), recebe de cada uma delas
contemplações em diferentes aspectos.

Segundo sua afirmação, todas contemplam o direito sob um diferente aspecto,


e, assim, de modo distinto. Isso explica como o direito se apresenta como uma
realidade, um fenômeno complexo, que se manifesta em distintos planos do ser e
em diferentes contextos, do mesmo modo como acontece com a língua, a
literatura, a arte, mas também o Estado e a própria civilização tecnológica.19

Nessa ordem que o direito apresenta sua relação estreita com a existência
social do homem e se constitui, historicamente e pela opinião geral, como um
conjunto de regras em conformidade às quais os homens ordenam entre si a
conduta. Em síntese, o direito seria a invocação de tudo o que é reto, regular,
normativo, “ou seja, tudo aquilo que atende ao anseio de retidão, de justiça, de
comando imperativo para um sentido bom e justo, e, com isso desafia o
conhecimento, despertando espírito científico que possa realizá-lo”.20

Isso tudo evidencia, como mostra Josef Kohler, que fica estabelecido
fundamentalmente, como numa base religiosa, que a regulação, em termos de
pacificação, buscada no Direito é uma necessidade fundada na peculiar natureza
de nossa raça, e, especificamente, em duas qualidades: nossa cega emotividade
(blind passioneteness) e a incompletude de nosso conhecimento (incompleteness
of our knowledge). Tanto é verdade, adverte o autor, que mesmo quando em casos
em que o direito parece claro como o dia, sua administração é difícil.21

Inegavelmente, reitera-se a complexidade e sociabilidade do fenômeno jurídico


e como sua constituição ocorre no âmbito das relações de força e poder,
intimamente relacionados ao próprio sentido, ainda que primitivo, das formas de
organização social, seja em termos pré-civilizatórios, seja em termos do próprio
processo de civilização.

Leitura recomendada

Básica

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Rosa Maria de Andrade Nery. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria


geral do direito privado. São Paulo: Ed. RT, 2008. n. I, 2.

Intermediária

Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo:


Malheiros, 1996.

Avançada

Émile Benveniste. O vocabulário das instituições indo-européias. Trad.: Denise


Bottman. Campinas: Ed. Unicamp, 1995, verbetes: Thémis e Díke. vol. 1.

.De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro. São Paulo: Forense, 1967. p. 528 e
529. vol. II, D – I.
6

.Émile Benveniste.  O vocabulário das instituições indo-européias. Trad. Denise Bottman.


Campinas: Ed. Unicamp, 1995. p. 101.
7

.Idem, p. 104 e 105.


8

.No sumário do capítulo 2 que inicia na referida obra de Benveniste, a palavra Díke, o autor afirma
que “o grego díke impõe a representação de um direito formular, determinado para cada situação
particular o que se deve fazer. O juiz – hom dikas-pólos – é aquele que tem a guarda do conjunto
de fórmulas e pronuncia com autoridade, dicit, a sentença apropriada”. Émile Benveniste. Op. cit.,
p. 112.
9

.A definição do vocábulo se refere, em parte, à análise dos seguintes autores e obras: Rosa Maria
de Andrade Nery. Op.cit., p. 13, e Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto. São
Paulo: Malheiros, 1996. p. n. 1, 1.1. p. 15 e 16.
10

.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2007. n 1, 1.2. p. 38.
11

.Com relação a essa palavra, tem-se que também ela é equívoca, podendo designar a referida
atividade romana, como também o estudo da ciência do direito em sentido estrito (jurisprudenz).
Sobre esse assunto esclarecedor o comentário de Willis Santiago Guerra Filho: “O século XIX traz
à baila a chamada Escola Histórica, a qual, conforme já aludimos, emprega pela primeira vez a
expressão “ciência do direito” (Rechtswissenschaft, Jurisprudenz). Nesse momento, instaura-se o
confronto que serve de orientação às mais diversas teorias jurídicas aparecidas desde então.
Trata-se da oposição entre a concepção sistemática, de caráter formal-dedutivo, representada pelo
jusnaturalismo racionalista, e aquela que acentua a inserção histórica e social do Direito, que
determina a busca do jurídico onde ele se dê concretamente, ou seja, na experiência jurídica dos
povos”. Willis Santiago Guerra Filho e Henrique Garbellini Carnio. Teoria da ciência jurídica. 2. ed.
Saraiva: São Paulo, 2009, n. 1, 1.3. p. 38.
12

.Idem, p. 32.

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13

.Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Introdução ao estudo do direito... cit., n. 2, 2.2, p. 57.


14

.Expondo mais claramente:  “Falar da  phronesis  requer retomar todo o conjunto da ética de
Aristóteles assim como seu lugar no universo ético grego  – e retomar também o pensamento
político de Aristóteles. Todo o pensamento ético em Aristóteles é ao mesmo tempo político e
jurídico. Pode-se aceitar a afirmação de que o pensamento grego moveu-se na unidade sincrética
entre moral, política e direito, e acompanhar a tese de que a consciência jurídica apenas se
autonomiza na experiência jurídica romana”. Aristóteles.  Ética a Nicômaco. Trad. António de
Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, introdução. p.  2 e 3. O texto da citação se refere à
introdução do livro feita por Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho. Ainda na introdução há
outra importante consideração digna de nota. Na mesma passagem citada há uma nota sobre o
conceito de phronesis e a advertência pelo introdutor de que, em especial, na tradução de António
de Castro Caeiro, a palavra que normalmente é traduzida por via do latim como  prudência, é
preferida diretamente do grego como sensatez.
15

.Para um aprofundamento nos sentidos do vocábulo Direito em Roma, sugerimos a análise do


pensamento de Max Kaser. Cf. Max Kaser.  História do direito privado romano. Trad. Samuel
Rodrigues e Ferdinand Hämmerle. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1999, n. 2, I, § 3.º. p. 46 a 54.
16

.José de Oliveira Ascensão.  O direito: introdução e teoria geral.  2.  ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001, n. 1, 1. p. 5.
17

.A reflexão sobre a ideia de sistema e ordenamento será realizada em capítulo a parte (v. item 9.3)
e ainda no tópico sobre direito e ciência.
18

.Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. 5.  ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2009, II, cap. 1, n 1. p. 261 et seq.
19

.Idem, p. 261.
20

.Rosa Maria de Andrade Nery. Op. cit., p. 14


21

.Josef Kohler. The philosophy of law, tradução de Adalbert Albrecht. New York: Augustus M. Kelley
publishers, 1969, n. IV, s. VII, §  7, p.  63. Com o intuito de esclarecer o exposto, a referência de
Kohler se dá exatamente nos seguintes termos: “In addition to the legal order peaceble regulation
is indispensable. Its rests primarily on a religious basis and is therefore dependent on the religion
basis and its therefore dependent on the religion that dominate society. This peaceable regulation is
a necessity founded on the peculiar nature of our race, and, especially, on two qualities: our blind
passionateness, and the incompleteness of our knowledge”.

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1.3. Conclusões principais

1) A pergunta sobre  O que é o Direito  não é simples de ser respondida. Se colocada assim, de plano, dificilmente será
desenvolvida uma resposta de forma adequada caso não se determine um ponto de partida. Isso evidencia como a pergunta
sobre o conceito de direito pode ter várias perspectivas.

2) Algumas perspectivas de resposta sobre o conceito de direito foram apresentadas neste capítulo e a forma de sua
apresentação se deu a partir da escolha de sentidos que representam e constituem o significado do direito desde a idade antiga
até a atual. De qualquer forma, a preocupação não foi a de se seguir um fio condutor histórico sobre o conceito de Direito, mas
verificar como ele ocorre de modo experiencial na vida do homem em sociedade.

3) De imediato, então, procuramos nos referir ao conceito de direito como decorrente das próprias relações humanas, em
especial, que pode ser identificada a gênese do conceito de direito nas comunidades primitivas. Isso possibilita o entendimento
de como o Direito decorre das relações sociais.

4) Estabelecer um conceito de direito não é tarefa simples. O termo direito possui vários significados, por isso é considerado
como um conceito equívoco, tal qual ocorre com o conceito de justiça. A partir disso, foram apresentados os vários sentidos que
o termo direito possui, desde o sentido de como algo reto, que traz retidão, isto é, que não se desvia, até como objeto da ciência
do direito.

5) O entendimento sobre a polissemia do conceito de direito demonstra como os vários significados do termo Direito podem
ser utilizados, propiciando um bom emprego do conceito e demonstrando a amplitude de seu sentido.

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2. O Conceito de Direito

2.1. Definição Etimológica

A proposta de uma definição etimológica – que irá servir de base para a


definição etnológica apresentada na sequência – será baseada, mormente, no
sentido histórico constitutivo do termo direito. A intenção, na presente obra é fazer
uma ponte entre o conceito inicial apresentado e aqueles que serão expostos pelas
demais escolas jurídicas.

A melhor tratativa sobre esse tema foi apresentada em forma monográfica por
Sebastião Cruz, em texto intitulado como:  Ius. Derectum (Directum): Dereito
(Derecho, Diritto, Droit, Direito, Recht, Right etc.).1

O autor inicia sua exposição indicando que a palavra  Ius, de origem muito
antiga na língua latina, que entre nós é traduzida como direito, encerra uma série
de problemas. Na realidade, a palavra  Ius, que remonta ao patrimônio linguístico
indo-europeu, deduz-se de sua própria etimologia, encontrando uma séria
dificuldade na sua significação básica.

Inicialmente sua tradução foi como dereito no antigo português e direito no atual


português (além de derecho no castelhano, diritto no italiano, droit em francês e de
forma próxima em outras línguas e dialetos).

Ocorre que a palavra  dereito  (e todas as outras palavras com o mesmo


significado das várias línguas românicas) que traduz ius não vem de  ius; procede
do termo directum ou melhor derectum; e fato é que  ius  e  derectum  são palavras
que se afiguram como totalmente diferentes, segundo alguns autores.2

A questão colocada então provoca a seguinte perplexidade: como se explica


que sendo  ius  e  derectum  duas palavras diferentes e sendo  dereito  tradução
de  ius, provenha não de  ius, mas de  derectum? Haveria alguma convergência
semântica ou de conteúdo entre ius e derectum?3

Como projeção de resposta, outras três questões são colocadas e


desenvolvidas em termos históricos sobre o conceito de Direito: 1)  Quando  terá
surgido derectum a par de ius? 2) Donde procederá derectum com o significado de
Direito? 3)  Por que  não passou  ius  às línguas românicas, como palavra
fundamental?4

Empreendendo as respostas, a primeira observação seria a de que  directum,


concebido como direito, teria, para alguns, origem indo-europeia, para outros,
origem céltica e ainda para o próprio autor origem judaico-cristã, ou simplesmente
cristã, e ter sido introduzida essa palavra no Direito Romano, já como substantivo,
significaria “um direito informado de princípios cristãos – de moral, de piedade, de
caridade, etc.;  ius  continuaria a significar um direito rígido, intransigente, numa
palavra, um direito pagão (como diz Álvaro D’Ors)”.5

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Na continuidade de sua exposição, Sebastião Cruz passa a discutir que o


problema principal colocado se deve à questão simbológica –6  imaginária – sobre
os símbolos que, tanto na Grécia quanto em Roma, ganharam conotações
diferentes e fizeram permanecer o sentido do conceito do Direito e da Justiça.

O principal símbolo do direito tem como seu primeiro elemento, colocado de


modo central, uma balança de dois pratos, no mesmo nível, com o fiel ao meio
(quando existente), perfeitamente a prumo.

Inicialmente, como se disse, a balança não era o símbolo todo, mas apenas um
elemento, na realidade o primeiro.

O símbolo grego completo, indicado por volta dos séculos XII-X a.C., era
inicialmente constituído por Zeus, enquanto encarnação suprema da justiça, o deus
que tudo vê, segurando a balança.

Foi somente posteriormente, mas ainda no tempo de Homero, que Zeus passa
a ser substituído pela deusa Thémis, figura austera, digna e triste, que segurava a
balança com os dois pratos ao mesmo nível, portanto iguais, a prescrever, a impor
aos homens o que Zeus lhe inspirasse.

Por fim, no tempo de Hesíodo é que surge, então, o símbolo que gozou de
maior popularidade até então, a deusa Díkê, filha de Zeus e Thémis, encarnando,
mas, sobretudo, administrando a justiça, tendo na mão direita uma espada e na
esquerda uma balança de dois pratos, porém sem fiel ao meio, e estando de pé e
de olhos bem abertos.

Segundo se relata, era mediante essa balança que ela declarava (ora por
inspiração, ora por ordem de Zeus), ou melhor,  dizia  ser justo,  haver  direito,
quando estivessem iguais os dois pratos da balança. O justo, portanto, é o que é
visto como igual.7

Desse modo é que os romanos, desde remoto período, por influência grega,
criaram seu símbolo sobre o direito.

Iupiter  (Iovis,  Júpiter), deus máximo da personificação da justiça –


correspondente ao deus Zeus grego – utilizava-se da balança com dois pratos,
mas com o fiel ao meio. Depois desse, teria surgido  Dione, parcialmente similar
à Thémis grega, mas sem a influência da deusa Minerva, Atenas, caso a tradição
fosse grega.

Mais tarde, já na época da república, à semelhança da Díkê  grega, aparece a


deusa romana Iustitia, a simbolizar, encarnar, mas, sobretudo, administrar a justiça,
mediante o emprego da balança de dois pratos com o fiel ao meio que essa segura
com as duas mãos, de pé, e de olhos vendados.8

Sobre esse tema, analisando também o pensamento de Sebastião Cruz, Tercio


Sampaio Ferraz Jr. evidencia como, em termos simbólicos, há diferenças
pequenas, porém significativas, entre os dois povos. Os gregos aliavam à sua
deusa algumas palavras, sendo a mais representativa  díkaion, significando

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algo  dito  solenemente pela deusa  Díke, e  íson, mais popular, exprimindo que os
dois pratos estavam iguais.

Em Roma, as palavras mais importantes eram  jus, correspondendo ao


grego  díkaion  e significando o que a deusa  diz  (quod Iustitia dicit), e  derectum,
correspondendo ao grego íson, mas com algumas diferenças.9

Além disso, algumas pequenas diferenças podem ser identificadas nas deusas
gregas e romanas, em especial duas: (a) a deusa grega possui os olhos abertos e
a deusa romana os olhos vendados – considerando a importância, para os gregos,
que os dois sentidos mais intelectualmente sensíveis eram a visão e a audição, (b)
a deusa grega, tendo numa das mãos a balança e na outra a espada, enquanto
deusa romana permanece sem espada e segurando a balança com as duas
mãos.10

Fato é que, no decorrer dos séculos, a expressão jus, pouco a pouco, passou a


ser substituída por  derectum,  que seria uma terceira palavra grega, aparecida
depois de Youes, a primeira palavra grega para significar direito, enquanto a
primeira palavra latina,  youes, seguida de  Ius, segunda palavra a representar a
ideia de Direito.

Derectum, já significando direito, pode ter existido desde o início da vida jurídica
em Roma, primeiro ao lado de  youes; depois a par de  youes  e de  ius, entre os
séculos V a III a.C. e desde o século III a.C. ao lado de ius.

Foi a partir do século IV a.C. que a palavra, em sua significação mais popular e
vinculada ao equilíbrio da balança, não aparecia, sendo encontrada apenas nas
fontes não jurídicas, destinadas aos povos.

O interessante é que ela guarda, desde sua origem, um significado  moral  e


principalmente religioso, por sua proximidade com a deificação de justiça. E nos
séculos VI ao IX, “as fórmulas derectum e directum passam a sobrepor-se ao uso
de ius. Depois do século IX, finalmente, derectum é a palavra consagrada, sendo
usada para indicar o ordenamento jurídico ou uma norma jurídica em geral”.11

Conclusivamente, a palavra  direito, em português e em todas as


correspondentes latino-românicas, guardou tanto o sentido de ius como aquilo que
é consagrado pela Justiça – em termos de virtude moral – quanto o
de derectum como um exame da retidão da balança, por meio do ato da justiça, em
termos do aparelho judicial.12

Segundo Sebastião Cruz, “é este  derectum  (directum) de fundo religioso,


carregado de moral e cristianizado, que procede o Direito dos povos de língua
românica, e, portanto, a nossa concepção de Direito, em que o Direito é tão moral,
que deixa de ser jurídico, se atentar abertamente contra a Moral”.13

De modo objetivo, as observações apresentadas mostram o quão complexo é


se definir o conceito de direito. Em termos históricos, o conceito acontece na
dimensão complexa e simbólica do termo e sua representação, ganhando
dimensão para a Idade Média e Moderna a partir daquilo que foi legado pela
tradição, ou seja, um entrecruzamento entre  ius  e  derectum  que ganhará com o
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decorrer dos tempos novas dimensões, como se demonstrará em outros pontos


nesta obra.

Enfim, o conceito de direito relegado para a tradição medieval e moderna


advém, dentro de um panorama religioso, da forte relação entre o próprio direito e
a moral.

Leitura recomendada

Básica

Norberto Bobbio; Nicola Matteucci; Gianfranco Pasquino. Dicionário de


política.  Brasília: Ed. UnB/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. vol.  1,
verbete: jusnaturalismo.

Intermediária

Lenio Luiz Streck. In: Vicente Barreto (org.). Dicionário de filosofia política. São


Leopoldo: Unisinos, 2011. verbete: direito.

Michel Villey.  Formação do pensamento jurídico moderno.  2.  ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.

Avançada

John Finnis. Lei natural e direitos naturais. São Leopoldo: Unisinos, 2007.

Michel Bastit. O nascimento da lei moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

.Sebastião Cruz. Ius.  Derectum (directum): dereito (derecho, diritto, droit, direito, recht, right,
etc.). reimp. doimbra: Editorial de Derecho Financiero, 1974.
2

.A polêmica é que alguns autores, como Walde-Hofmann, entendem que a tradução seria a
mesma, entretanto o autor que estamos nos baseando e ainda Michel Bréal possuem
posicionamento contrário. Para tanto, cf. Idem, p. 17, A.
3

.Sebastião Cruz. Op. cit., p. 18, A.


4

.Idem, ibidem, A.
5

.Idem, p. 20, B.
6

.Nesse ponto, o autor mostra sua preocupação com a pesquisa que apresenta, pois trata que a
questão por traz de tudo é a da Filosofia da Linguagem, determinando como assente, no ambiente
das correntes que se instauram nesse mote, de que os símbolos são anteriores às palavras. Idem,
p. 21-23, C.

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7

.Sebastião Cruz. Op. cit., p. 26-27, C, a.


8

.Idem, p. 28-29, C, b.
9

.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2007. p. 33, n. 1, 1.1.
10

.Sebastião Cruz. Op. cit., p. 29-30, n. 2, C.


11

.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Op. cit., p. 33, n. 1, 1,1.


12

.Idem, p. 34, n. 1, 1,1.


13

.Sebastião Cruz. Op. cit., p. 58, n. 6.

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2.2. Definição Etnológica

A pesquisa de material etnológico sobre o conceito de direito pode proporcionar


o desenvolvimento de uma concepção, completamente original, sobre a gênese do
direito.

Tal originalidade se destaca quando baseada na investigação antropológica das


comunidades primitivas e, em especial, na ideia de que o estabelecimento
organizacional de tais comunidades primitivas se dava pelas trocas entre os
homens e as autoridades sobre-humanas.

Essas trocas eram representadas na forma de um fenômeno jurídico, pois


determinavam uma obrigação, a de receber e retribuir o que se trocava.

Dessa forma, o estudo proposto pretende revelar que essa obrigação foi a
primeira a identificar a noção de um vínculo jurídico que, aparentemente, foi
cunhado em nossa tradição pela noção de obligatio do direito privado romano.14

A tese central da definição etnológica proposta se encontra exatamente nos


termos indicados: relações de troca, escambo (relações de débito e crédito) nas
comunidades primitivas e suas implicações no conceito tradicional do direito e na
teoria do pacto social do Estado – consequentemente, na teoria da soberania.

Esses atos de troca podem ser considerados como determinantes do patamar


mais antigo da civilização até então conhecido, e sua pesquisa desloca o estudo
do direito da pretensão de uma gênese primordial, divina, e proporciona uma
investigação de cariz antropológico jurídico.

2.2.1. A gênese da sociedade e do direito nas comunidades primitivas: a


interpretação primitiva da natureza intrínseca à sociedade

O pensamento das comunidades primitivas era dominado por uma tendência


emocional normativa. A psiquê do homem primitivo se caracterizava pela
predominância do componente emocional sobre o racional, e essa sensibilidade
emocional nascia do sentimento e da volição dos homens primitivos.

As suas reações em relação à natureza expressavam valorações que


estabeleciam uma ordem normativa da conduta humana. A atitude emocional era a
estrutura que dirigia a sociedade, que era regida por normas que surgiam a partir
dessa experiência. Na verdade, o homem primitivo não tinha, obviamente, o fim de
entender e explicar os fenômenos naturais, ele reagia a eles como resposta do que
sentia.

Nesse sentido, pode-se afirmar que os componentes emocionais mais antigos


eram o desejo e o medo, uma vez que quanto menos domínio técnico o homem
tinha sobre a natureza tanto mais se dirigia com seus desejos e medos expressos
em linguagem de signos e na crença em seres sobre-humanos.

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Isso demonstra que, nesse período, ainda não se pensava causalmente, como
consideram alguns historiadores. Na verdade, pode se falar em pensamento causal
somente se a regularidade percebida em alguma sucessão de fatos é considerada
como necessária, algo que estava extremamente distante do pensamento do
homem primitivo.

O princípio de convívio nessas comunidades era a embalada pelo chamado


princípio da retribuição, que consistia numa regra obrigatória em que tudo o que
era dado em troca – presenteado – deveria ser obrigatoriamente recebido e
retribuído. Nessa época, ainda não havia noção de proporcionalidade e a referida
obrigação era sustentada pelo medo dos ancestrais, que poderiam castigar as
pessoas envolvidas na relação, caso não cumprissem com a regra.

O homem primitivo não possuía a capacidade de distinguir o seu “eu” do “tu” e


do “ele” e, porque não se sentia como um sujeito em relação a algum outro objeto,
isto é, não se sentia em relação suficiente com as coisas para discernir sobre si
próprio. Seu mundo era rodeado de espíritos e medo, temor dos mortos, da
vingança e da crença na função retributiva das almas dos mortos. Tal fenômeno é
conhecido como “animismo”, pela crença na natureza como habitada por espíritos
e se expressava na projeção dos fenômenos da vida psíquica sobre o mundo
exterior.

Cabe notar, portanto, a evidência de que toda a estrutura social era baseada no
misticismo envolvendo o respeito, a crença e o medo, na ideia mágica que permeia
o princípio da retribuição.15

O homem primitivo acreditava que as qualidades corporais, mentais e


especialmente as morais e ainda atos moralmente qualificados eram substâncias.
A interpretação da sociedade como substância de valores resultantes da ordem
social originou a falsa ideia de que o povo primitivo fosse moralmente indiferente.

A ideia de que as qualidades morais e jurídicas são substâncias levava à


crença de que o mal, como a doença, era contagioso. Esse é o ponto fundamental
para se compreender o pensamento coletivista do homem primitivo. Assim, a
ofensa cometida por um indivíduo tem caráter coletivo, pois estende-se aos demais
que dele estejam perto e com ele se relacionem, sendo essa a grande razão da
responsabilidade coletiva ser tão significativa na ordem jurídica primitiva.

Para Durkheim,16  primitivamente, a divisão do trabalho não diferenciava os


indivíduos segundo sua função social; não havia uma ideia de personalidade
individual. O fato de que o homem não se considerava um indivíduo separado, e,
sim, apenas um membro de um grupo, demonstra o caráter autocrático dos povos
primitivos pela figura do chefe.

14

.A referência etnológica na presente obra se dá de acordo com o conceito da etnologia enquanto


estudos nas comunidades primitivas. Essa referência é importante, pois atualmente o estudo
etnológico é muito mais amplo envolvendo noções de relacionamento cultural entre culturas e

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sociedades diferentes, de grupos étnicos variados. Ressalta-se que este tópico foi escrito a partir
das referências produzidas em dissertação de mestrado apresentada na Pontifícia Univerisadade
Católica de São Paulo – PUC-SP. Para tanto, cf. Henrique Garbellini Carnio. Kelsen e Nietzsche:
aproximações do pensamento sobre a gênese do processo de formação do direito. Dissertação de
Mestrado, São Paulo, PUC-SP, 2008. p.  19-48 e ainda no livro  Curso de sociologia
jurídica  publicado pela editora Revista dos Tribunais, cf. Henrique Garbellini Carnio; Alvaro de
Azevedo Gonzaga. Curso de sociologia jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2011. parte 6, n. XVII, p. 223-
246.
15

.Nesse sentido, é válida a seguinte abordagem de Lévy-Bruhl: “De l’ánalyse dês faits qui precede,
et qui pourrait facilement être confirmeé par beacoup d’autres, Il ressort, une fois de plus, que la
mentalité primitive est essentiellement mystique: Ce ceractère fondamental impregne toute se
façon de penser, de sentir et d’agir. De là naît une extrême difficulté de la comprende et de la suivre
dans sés démarches. A partir dês impressions sensibles, qui sont semblables pour lês primitifs et
pour nous, elle fait um coude Brusque, et elle s’engage dans dês chemins que nous ne prenons
pás. Nous sommes vite déroutes. Si nous cherchons à deviner pourquoi des primitifs font ou ne
font pás telle chose, à quelles préoccupations ils obéissent en un cas donné, lês raisons qui lês
asrtreignent au respct d’une costume, nous avons les plus grandes chances de nous tromper. Nous
trouverons une ‘explication’ qui sera plus ou moins vraisemblable, mais fausse neuf fois sur dix”.
Lucien Lévy-Bruhl. La mentalité primitive. Paris: Librairie Félix Alcan, 1933. p. 503.
16

.Émile Durkheim. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999. p. 14-37. Vale lembrar que para Durkheim a sociedade e as suas relações formam a
personalidade e a forma de agir dos indivíduos, ou seja, o indivíduo é formado de uma forma
externa, diferentemente de Marx, para quem a consciência individual é formada dialeticamente.

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2.2.2. O conceito de magia e sua importância sobre a estrutura


organizacional da comunidade primitiva

Para ficar clara a exposição sobre o princípio da retribuição que se iniciou neste
tópico, cabe expor o conceito primitivo de magia que compunha sua projeção.

James G. Frazer estabelece que a magia é um sistema espúrio de lei natural,


um guia enganoso do comportamento, sendo tanto uma falsa ciência, como uma
arte abortiva. Considerando-a como um sistema de regras que determina a
sequência dos acontecimentos em todo o mundo, pode ser chamada de magia
teórica; já, quando considerada como uma coleção de preceitos observados por
seres humanos com o fim de conseguir seus objetivos, pode ser chamada da
magia prática.17

O mago primitivo, aquele encarado como uma autoridade pela crença mágica
primitiva, exerce tão somente a magia prática, porque ele nunca analisa os
processos mentais em que sua prática se baseia, nunca reflete sobre os princípios
abstratos que cercam seus atos. Essa magia prática pode ainda ser uma magia
positiva, a feitiçaria, ou uma magia negativa, o tabu.

A ideia de uma magia simpática baseia-se em dois princípios lógicos: o primeiro


afirma que o semelhante produz o semelhante, ou que o efeito se assemelha a sua
causa. Esse princípio, numa análise extensiva, parece ser baseado no sentido
muito forte nas sociedades primitivas, o princípio da retribuição. E o segundo
assevera que as coisas que estiverem em contato continuam a agir umas sobre as
outras, mesmo à distância, mesmo depois de rompido o contato físico. Cabe
lembrar também que essa ideia se relaciona com o princípio da retribuição.18

Ao primeiro princípio, Frazer o atribui à lei da similaridade, ou seja, o mago


deduz a possibilidade de produzir qualquer efeito desejado simplesmente imitando-
o; ao segundo, à lei do contato ou contágio, ou seja, todos os atos praticados sobre
um objeto material afetarão igualmente a pessoa com a qual o objeto estava em
contato, quer ele faça parte de seu corpo ou não. Considera, assim,
consequentemente, que os sortilégios baseados na lei de similaridade podem ser
chamados de magia homeopática ou imitativa, e os que têm base na lei do
contágio podem ser chamados magia do contágio.

Além desses tipos mágicos, existe ainda um último extremamente relevante: a


magia pública, ou seja, a feitiçaria praticada em favor de toda comunidade.

As características do animismo, do coletivismo e da homogeneização são


evidentes ao se considerar o mago como uma autoridade que mantém o bem-estar
de toda a tribo. Para estruturar corretamente a ideia, porém, é preciso aprofundar a
análise.

Fundamentalmente, cabe, então, dar atenção ao pensamento de Marcel


Mauss,19 que no ensaio Esboço de uma teoria geral da magia propõe, a partir dos
estudos até então existentes sobre a magia, uma noção mais clara.

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A proposta de Mauss é relevante, pois para ele a magia é um fenômeno social


e na sua origem pode se encontrar a forma primeira de representações coletivas
que se tornaram depois os fundamentos dos entendimentos individuais. Essa
constatação, ao passo que valoriza a pesquisa de Frazer, torna insuficiente seu
critério de que o rito mágico é simpático. E isso tanto porque há ritos mágicos que
não são simpáticos, quanto porque há simpatias que não são mágicas. Para
Mauss, a magia é, por definição, objeto de crença, e as manifestações mágicas
podem assim ser consideradas se forem realmente para toda a sociedade, e não
apenas para parte dela.

A magia compreende agentes, atos e representações. Os ritos mágicos e as


magias como um todo são sempre fatos de tradição. Atos que não se repetem não
são mágicos. Atos nos quais um grupo não crê também não são mágicos.

A forma dos ritos, por isso, é eminentemente transmissível e sancionada pela


opinião.

O exercício da magia, a partir da proposta de Mauss, pode ser encarado


também sob um ponto de vista político. Willis Santiago Guerra Filho demonstra que
a submissão do homem primitivo a entes superiores sugere o resultado também
da  submissão àqueles que se diziam capazes de entender e tratar com eles, a
saber, as castas sacerdotais que forneciam o sustentáculo ideológico para a
concentração de poder, inicialmente distribuído entre os membros do grupo social.

Nesse sentido, surge um aspecto relacional entre a religião e a magia, pois,


enquanto a magia envolve operações que se revestem de um caráter coercitivo
para com os espíritos, que agem de acordo com o indicado pelo praticante dos
atos mágicos, na religião é estabelecida uma espécie de aliança para impedir a
arbitrariedade na ação divina. Surge disso um relacionamento entre homens e
divindades, revestido de um vínculo, por assim dizer, jurídico.20

Ao atribuir a culpa, a responsabilidade a uma pessoa real ou imaginária, o


homem primitivo imputa a esses seres todos os fatos positivos e negativos da
natureza. Essa conduta se baseia sob um ponto de vista normativo. As sanções
são instituídas pelas autoridades sobre-humanas e garantem a ordem social,
estabelecendo os deveres sociais dos indivíduos, isto é, os seres pessoais
imaginados nos fatos da natureza é que representam a autoridade social.

Assim, a habitual interpretação de que o homem primitivo é um homem no


estado de natureza é totalmente desprovida de sentido e incoerente. O homem
primitivo, portanto, não é um homem natural; é um homem social e o dualismo de
um reino natural e outro social é um dualismo moderno.

17

.James George Frazer.  O ramo de ouro. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara
Koogan S.A., 1982. p. 34.
18

.Idem, ibidem.
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19

.Considerar esses princípios lógicos da magia como relacionados ao princípio da retribuição


encontra uma ressalva e uma complementação na análise de Marcel Mauss em seu ensaio
intitulado Esboço de uma teoria geral da magia. Para Mauss, Frazer acaba aplicando o princípio da
causalidade ao considerar que o homem primitivo, que anteriormente se acreditava como senhor
das forças naturais ao sentir sobre si a resistência da natureza, acaba dotando-o de forças
misteriosas. Assim, depois de ter sido Deus, povoa o mundo dos deuses e devota-se em adoração
a eles, pelo sacrifício e pela prece; isso, para Mauss, trata-se de uma causalidade experimental e
não uma causalidade mágica porque “a percepção da resistência do mundo em aceitar seu
domínio mágico, pela consequente falibilidade de seus rituais, atestada pelo malogro de
experiências sucessivas, termina por acarretar a submissão às forças misteriosas e sobrenaturais
que não consegue controlar – ‘après avoir été dieu, il a peuplé le monde de dieux’.” Willis Santiago
Guerra Filho. Teoria política do direito: uma introdução política ao direito. Brasília: Brasília jurídica,
2000. p.  31. Nesse sentido, uma abordagem sobre o princípio da retribuição surge à tona nessa
crítica de Mauss a Frazer, apesar de ele não a sugerir. Outro ponto importante sobre esses dois
autores se refere à relação entre magia e religião. Frazer sugere a hipótese de que haveria uma
linha evolutiva partindo da magia, passando pela religião, para chegar à ciência. Já, para Mauss, a
questão apresenta uma diferença, não havendo uma evolução de uma para outra, mas uma
relação, elas se imbrincam. Cf. Marcel Mauss. Sociologia e antropologia. Trad. Paulo Neves. São
Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 51.
20

.Willis Santiago Guerra Filho. Op. cit., p. 31.

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2.2.3. O princípio da retribuição como condutor das relações sociais


primitivas

A significação da ideia de retribuição na vida primitiva aparece de várias


formas. Há para o homem primitivo uma grande importância de socialização que
tem, entre várias funções, uma das mais importantes: a proteção da vida do grupo
como um todo.

A ideia nucleica, portanto, é a de que a conduta recíproca dos membros da


comunidade, enquanto regulada pelo sistema social, desde seu despertar
apresenta uma característica determinante, um vínculo jurídico. Esse vínculo
jurídico realizado nas comunidades primitivas significa, ainda, que existia
necessariamente uma coincidência entre direito e moral, obviamente que não no
sentido de uma moral individualizada, que está muito além do desenvolvimento
mental das sociedades primitivas, mas, sim, uma moral retributiva.

Toda a estrutura perpassa por uma relação de dar, receber e retribuir de forma
obrigatória.

Portanto, pode-se afirmar que a ideia de retribuição possui um caráter duplo,


pois significa não só que uma desvantagem sofrida por outro deve ser retornada
com a mesma desvantagem – primeiro plano da consciência primitiva exercida
como reação a uma ofensa – mas também que uma vantagem recebida também
deve ser retornada com a mesma vantagem. A retribuição, com efeito, não significa
apenas castigo, mas também recompensa, isso, inclusive, torna-a coerente diante
da interpretação social da natureza pelo homem primitivo.

Entre as duas funções do princípio da retribuição – castigo e recompensa – a


segunda tornou-se mais importante com seu desenvolvimento de maneira
construtiva e gradual.

A raiz desse princípio marca a vida social e particularmente o caráter do direito


penal. Ainda mais importante: originariamente esse desenvolvimento gradual do
princípio da retribuição como recompensa expressa um primeiro vínculo jurídico
nas comunidades primitivas, ocasionado pelas relações de trocas que
influenciavam, inclusive, toda sua estrutura econômica.

A verificação dessa ocorrência está de acordo com a constatação de


Malinoviski ao se referir ao caráter de reciprocidade existente como cooperação
nas sociedades primitivas.21

Nesse sentido, lança-se a profunda investigação de Marcel Mauss,


demonstrando como a ideia de retribuição dominava a consciência primitiva. No
célebre Ensaio sobre o dom (Essai sur le don) de 1924, Marcel Mauss concebeu a
ideia de que a organização das sociedades arcaicas, primitivas, eram regidas por
sistemas sociais-totais estruturados sobre uma regra social primordial,
desenvolvida a partir da mentalidade primitiva do princípio da retribuição: a sua
famosa tríplice obrigação de dar, receber e retribuir.

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Dar, receber e retribuir eram a base organizacional das sociedades arcaicas.


Era preciso pôr em circulação os presentes e os benefícios ou, até mesmo, os
malefícios. O estabelecimento dessa tríplice obrigação era regido pelo caráter da
troca, uma relação contratual na qual se misturavam as almas nas coisas, o
que Mauss identifica precisamente para manter o termo utilizado pelas sociedades
arcaicas como potlatch.22

O  potlatch  é bem mais que um fenômeno jurídico, ele é o sistema da dádiva


das trocas que possui originariamente o sentido jurídico contratual da relação que
ali se formava a partir de uma regra de direito, advinda do princípio da retribuição.
A tríplice obrigação era, de fato, algo definitivamente obrigacional. A essência
dessa obrigação era seu início, dar, ao passo em que se dava e ao mesmo tempo
na coisa se misturava o espírito da pessoa era preciso recebê-la, não se podendo
recusá-la, para, então, retribuir. O retribuir era a essência do  potlatch. Nota-se,
assim, certa complexidade nessa relação, que passa a propiciar a (sobre) vivência
dessas sociedades. O mais interessante é que a relação social nelas não fluía
segundo os parâmetros do mercado ou do contrato.

Na verdade, o mais importante nessa produção de vida não era simplesmente a


satisfação utilitária e efetiva dos membros da sociedade; o que importava, em
primeiro lugar, era constituir o laço social. Essa era a afirmação do dom. A
sociedade se estruturava pelo vínculo obrigacional da dádiva. A maneira ritual pela
qual se formava a obrigação numa mistura inextrincável de interesse e
desinteresse.

A análise de Caillé se aprofunda no reconhecimento de que a tríplice obrigação


de dar, receber e retribuir constitui “o universal socioantropológico sobre o qual
foram construídas as sociedades antigas e tradicionais”.23 Ela foi o alicerce do que
se pode designar de sociedade primeira, podendo se reconhecer que Mauss
esboçou com seu estudo um reconhecimento originário, “precisamente uma
genealogia empírica da moral, da justiça e do político”.24

A reflexão nessa extensão do reconhecimento da retribuição, retoma uma


reflexão sobre a sociedade atual sob dois aspectos.

O primeiro diz respeito à compreensão de que na circulação de bens e serviços


nos mercados e na circulação garantida pelo Estado, sob a forma de redistribuição,
há um grande número de relações que se dão pelos mecanismos do dom e do
contrato. Desse modo, pode-se afirmar que a sociedade moderna ainda se
encontra com a sociedade primitiva, ao passo que até mesmo possibilita novas
formas de dom, que vêm compensar, sem muita ênfase, a frieza da lógica
mercadológica. Essa análise encontra-se na perspectiva traçada por Jacques T.
Godbout e Alain Caillé, na obra O espírito da dádiva.

O segundo aspecto – o mais importante para o objetivo da obra e que justifica


inclusive essa abordagem mais extensiva sobre o desenvolvimento do princípio da
retribuição – é compreender o sentido originário das comunicativas primitivas,
estabelecido a partir de um sentido originário do direito, do vínculo jurídico.

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O homem primitivo estabelece relações com as autoridades sobre-humanas por


conexões de retribuição, ou seja, por promessas, por sacrifícios e por orações.
Com isso, o mago, que em algumas sociedades identifica a si mesmo com as
autoridades, – o que cria uma organização social na qual se forma um sistema de
castas com uma classe especial de feiticeiros – comunica-se com as autoridades
sobre-humanas não apenas informando o que se espera delas, mas também
dando-lhes algo como oferenda.

Além de se relacionar assim com as divindades, especialmente diante dos


fenômenos da natureza que afetam sua vida cotidiana na relação com os animais e
vegetais, o homem primitivo também se comporta segundo o princípio da
retribuição. A ideia de que animais e homens subordinam-se a um contrato que os
obriga a prestação de um serviço e contrasserviço é um exemplo claro da
característica da homogeneização da interpretação social da natureza, sob o
esquema normativo do princípio da retribuição.

Na verdade, o homem primitivo interpreta segundo o princípio da retribuição,


além dos infortúnios corporais, até mesmo os infortúnios dos fenômenos naturais
perigosos, como o trovão, o raio, as erupções vulcânicas, as tempestades, o sol, a
lua e as estrelas; são esses os fenômenos que o induzem a pensar, a uni-los
mentalmente.

Pelo fato de a ideia da retribuição aparecer como um dos elementos mais


antigos no desenvolvimento da mente humana, não é correto supor que somente
em formas avançadas de religião as enfermidades ou outros danos corporais não
são meras coincidências, senão castigo por uma violação de normas. Justamente
por esse motivo, não é correto falar de uma transformação de tabus primitivos em
normas éticas, porque o tabu mais primitivo já é uma norma social, isto é, uma
proibição que possui um caráter social e, portanto, moral ou jurídico.

Essa questão demonstra a projeção de uma necessária verificação até então


não explorada de maneira suficiente na investigação do princípio da retribuição em
relação ao sentido da compreensão totalitária do mundo pelo homem primitivo,
levando em conta o nível de desenvolvimento de capacidade de sua mentalidade,
que se apresenta muito relevante no pensamento de Lévi-Strauss, a partir de sua
crítica sobre os pensamentos de Lévy-Bruhl e Malinowski.

Lévi-Strauss25  desconsidera o termo “povos primitivos”, pois, para o


antropólogo, eles devem ser chamados de povos sem-escrita, sendo esta, a
escrita, o verdadeiro fator discriminatório existente entre eles e a sociedade atual.
Desse modo, opõe-se a Malinowski26  quando este considera que o pensamento
primitivo é de qualidade mais grosseira do que o pensamento atual, pois acreditava
que o pensamento dos povos sem escrita era ou é determinado inteiramente pelas
necessidades básicas da vida. Isto é: ao identificar num povo suas necessidades
subsistenciais, a satisfação de suas pulsões sexuais etc., estaria apto a explicar as
instituições sociais, suas crenças, sua mitologia e tudo o mais que formou aquela
comunidade. Tal concepção é usualmente denominada como funcionalista.

Quanto a Lévy-Bruhl, sua crítica parte da afirmação de que o pensamento


primitivo é um tipo de pensamento fundamentalmente diferente do atual, pois a
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diferença básica entre o pensamento primitivo e o pensamento moderno reside em


que o primeiro é completamente determinado pelas representações místicas e
emocionais, concepção denominada como emocional ou afetiva.

A posição de Lévi-Strauss busca superar ambas as concepções. A rigor, o


pensamento dos povos sem escrita é, ou pode ser, por um lado, um pensamento
desinteressado e, por outro, um pensamento intelectual.

Nas suas obras Totemismo ou O pensamento selvagem, Lévi-Strauss lança sua


hipótese básica, qual seja, a de que povos sem-escrita são capazes de
pensamento desinteressado, isto é, são movidos por uma necessidade ou um
desejo de compreender o mundo que os envolve, a sua natureza e a sociedade em
que vivem; mas, por outro lado, para atingirem esse objetivo, agem por meios
intelectuais, igualmente como faz um filósofo e até em certa medida, como pode
fazer um cientista.

Tal pensamento desinteressado tem a finalidade de apresentar pelos meios


mais práticos uma compreensão total do universo. Essa ambição totalitária da
mente selvagem é bastante diferente dos procedimentos do pensamento científico.

O mito fracassa em dar ao homem mais poder material sobre o meio, mas dá a
ele a ilusão de que pode entender o universo e de que entende, de fato, o
universo. O homem sem-escrita completa sua compreensão total do mundo pela
satisfação e obviedade do princípio da retribuição.

A proposta de Lévi-Strauss é relevante, pois se projeta adiante, considerando


que o ser humano em geral usa uma quantidade muito limitada de seu poder
mental.

Com isso, quer-se dizer que, com o potencial que os homens sem-escrita
tinham, poderiam ter modificado a qualidade das suas mentes, mas tal modificação
não seria adequada ao tipo de vida que levavam e ao tipo de relações que
mantinham com a natureza. Uma conclusão muito significativa que se pode extrair
dessa investigação antropológica é que a mente humana, apesar das diferenças
culturais, é, em toda a parte, uma e a mesma coisa, com as mesmas capacidades.

21

.Bronislaw Malinovski.  Crime and custom in savage  society. New York: Harcourt, Brace &
Company, 1929. p. 22-27.
22

.Marcel Mauss. Op. cit., p. 235.


23

.Alain Caillé. Antropologia do dom: o terceiro paradigma. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 2002. p. 8.
24

.Idem, p. 9.

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25

.Claude Lévi-Strauss. Mito e significado. Lisboa: ed. 70, sem data.


26

.Bronislaw Malinovski. Op. cit.

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2.2.4. As organizações gentílicas e o banimento

Em continuidade ao senso das comunidades primitivas, cabe, por fim, propor


uma análise pontual sobre as organizações gentílicas, pois essas representam o
exato modelo sobre ideia de um conceito etnológico do direito.

Como bem nota Albert Hermann Post, as organizações gentílicas eram


comunidades na forma de  gens  e tribos, ou seja, formas de organização
comunitária que deram origem aos primeiros ordenamentos sociais.27

Nas organizações gentílicas, encontra-se a figura do  banimento  (advinda do


conceito de  Bando, Bann, Bande), um conceito trabalhado no primitivo direito
germânico, que, na realidade, demonstra uma transposição posterior da matriz de
direito obrigacional de débito e crédito para o plano das comunidades e nas
relações entres seus indivíduos.

O banimento, nessas comunidades, corresponde a um desligamento, uma


privação total, uma expulsão da comunidade. A perda da paz e o descumprimento
da lei expõe o condenado à mercê da violência e do arbítrio de indivíduos ou de
grupos.

O indivíduo banido da comunidade passa a ser odiado como um inimigo, tal


castigo é uma reprodução do castigo dado ao inimigo. Esse fato denota a
mentalidade primitiva no reconhecimento de suas leis e dos vínculos jurídicos que
regem sua comunidade e ressalta ainda mais a importância do reconhecimento
dos sentimentos de responsabilidade e obrigação.

Esses argumentos retomam a ideia do caráter mítico-religioso que ocupava a


mentalidade primitiva e comprova que ele faz parte da mesma matriz obrigacional
do débito e crédito. É, inclusive, a partir dessa noção que haverá origem das
primeiras formas de religiosidade, que têm parte fundamental na organização
social das sociedades primitivas.

Nessa ordem, os principais conceitos e as fundamentais estimações morais de


valores são derivados da concepção originária do ambiente jurídico de débito e
crédito, ao ponto de verificar aqui a partir da polissemia da palavra culpa – em
alemão, Schuld, que significa ao mesmo tempo dívida e culpa – isto é, que a noção
moral de culpa é uma espiritualização do sentimento jurídico de ter dívidas.28

Ao lado de pensar a gênese da civilização, e com ela do Estado, a partir da


interiorização e da espiritualização da crueldade, e com apoio em categorias
jurídicas tanto de direito penal, como os castigos, como do direito pessoal, como
a obligatio, deve-se destacar o esforço em prol de uma história natural do dever e
do direito. Essa proposta permite uma concepção de direitos e deveres ligada a
relações de poder e sujeição, recolocando em novos termos a equação entre
direito e força.29

No contexto organizacional das comunidades primitivas, encontra-se, na


realidade, a herança que foi legada à humanidade da necessária noção de
cômputo e equilíbrio na instituição e reconhecimento de direitos e obrigações.
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De modo muito interessante, ainda sobre o referido assunto das organizações


gentílicas e a ideia de banimento, no primeiro volume da obra O espírito do direito
romano, de Rudolf Von Jhering, no denominado Livro Primeiro, cujo título
é Origens do direito romano (§§ 7 e 8), além de em outros tópicos do conjunto da
obra, como nos §§ 11, 12, 17, 24, 25, pode ser encontrada a produção original de
um estudo antropológico do direito, extremamente profícuo para o ambiente das
reflexões e perplexidades que se pretende instaurar com esta breve análise do
conceito etnológico do direito e das comunidades gentílicas.30

De modo surpreendente, o autor nota que a história principia por germens


infinitamente débeis, pois à formação do Estado precede a existência de um
agregado de indivíduos, cuja reunião em famílias ou camadas sociais não merece
ainda o nome de Estado.

Nessa linha, Jhering está caminhando nas proximidades críticas da teoria do


contrato social no sentido de não se alinhar completamente às bases consagradas
até então, pois vai reconhecer na instituição do direito no povo romano a violência,
a força física, e que “a força material, poder, é, pois, a origem do direito”.31

Segundo as nossas ideias atuais, o contrato parece um modo tão natural de


fundar as relações jurídicas que não titubeamos em atribuir aos romanos a nossa
maneira de ver, mas, enganamo-nos redondamente, como o demonstraremos mais
circunstanciadamente ao expor o segundo sistema. Bastará indicar aqui que, no
direito mais antigo, a transferência da propriedade por contrato não tinha força nem
valor em si mesma, senão, unicamente, porque se acomodava à ideia do direito de
presa.32

Desse modo, sua investigação abarca a justiça privada, o nascimento da ideia


de pena, os conceitos de vingança, culpa, sacrifício, castigo, crédito e débito
entrelaçados nesse ambiente.

O cerne da investigação aqui empreendida não pretende aprofundar essas


interessantíssimas categorias apresentadas com originalidade por Jhering, mas,
em contrapartida, se fixar no sentido de sua observação sobre a “origem” do direito
com relação à violência e à associação comunitária, pontuadas anteriormente.

Na realidade, a investigação de Jhering evidencia de maneira singular os


problemas centrais da filosofia política e do direito.

Desse modo, importa verificar, de modo pontual, o estudo da proscrição do


direito romano, aproveitando a (re)leitura feita por Giorgio Agamben e entre nós por
Oswaldo Giacóia Jr.

A proscrição é vinculada por Jhering à  sacratio  no antigo direito romano, de


modo a associar o  sacer  romano e o  friedlos  germânico, ambos condenados a
viver em estado de proscrição religiosa e civil, completamente excluídos da
comunidade humana e sujeitos à vingança divina.33

O banido era um inimigo da paz, um ser nocivo e completamente “excluído, por


consequência da comunidade humana, era privado de todos os seus bens em

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proveito dos deuses, podendo até ser morto pelo primeiro que assim o
quisesse”.34 Matar o sacer sequer era considerado homicídio.35

Como bem nota Oswaldo Giacóia Jr., o  Bann  (bando) resulta, pois, de uma
transposição da matriz jurídico-obrigacional do débito e do crédito, desenvolvendo
o sentimento primitivo de justiça como equivalência.36

O significado da palavra remete a bandido, mas também a  banido – excluído –


do mesmo modo que, em alemão, os termos  Bande  e  Bann  designam tanto a
expulsão da comunidade quanto a insígnia de governo do soberano. Tal como se
encontra explicitamente mencionado na obra Rudolph von Jhering,  O Espírito do
Direito Romano, o termo  Bann  guarda relação com a  sacratio  romana arcaica,
designando o fora da lei, proscrito e banido da proteção do ordenamento primitivo,
que, enquanto tal, poderia ser morto independentemente de um juízo e fora do
direito. A figura do banido era, na antiguidade germânica, o Friedlos, o “sem paz”,
teria seu fundamento na paz (Fried) assegurada na comunidade, da qual a
proscrição o excluía. Tratava-se, pois, de um caso de exclusão includente, ao qual
o ordenamento jurídico  se aplica integralmente, por meio de sua própria
suspensão – a instituição do bando mantém o proscrito  capturado fora  do
ordenamento, na medida em que a aplicação (incidência) da decisão soberana
consiste precisamente na exclusão e na suspensão da lei e da paz, fazendo
coincidir, num mesmo ato, suspensão (exclusão) e aplicação (inclusão).37

Essa é a pista inestimável deixada por Jhering que, na esteira do pensamento


do pensador italiano Giorgio Agamben, renasce de maneira emblemática,
fornecendo subsídio para a compreensão do vínculo ancestral entre violência,
sacrifício e direito e que abre, como bem observa Oswaldo Giacóia Jr., um campo
fecundo de indagação na proposta agambeniana sobre o mito fundador da
soberania, que refaz inteiramente a interpretação hegemônica, na filosofia política
e no direito, do clássico mitologema hobbesiano do contrato originário.

Com esses apontamentos, o que se pretendeu com essa análise etnológica do


conceito de direito foi lançar um conceito não tradicional sobre a sua gênese e, ao
mesmo tempo, evidenciar como o seu solo antropológico está completamente
sedimentado em relações de dominação e poder, desde os primórdios nas
comunidades primitivas.

Leitura recomendada

Básica

Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão,


dominação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2007. n. 1, 1.2.

Intermediária

Sebastião Cruz.  Ius. Derectum (Directum): Dereito (Derecho, Diritto, Droit,


Direito, Recht, Right, etc.). reimp. Coimbra: Editorial de Derecho Financiero, 1974.

Avançada

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Rudolf von Jhering.  Espírito do direito romano.  Rio de Janeiro: Alba, 1943.
vol. 1, livro 1, pár. 7.

27

.Albert Hermann Post foi um dos principais autores a se dedicar ao estudo etnológico do direito,
em seu Esboço de uma jurisprudência etnológica (Grundriss der ethnologischen jurisprudenz) logo
na Introdução (Einleitung) o autor oferece a importância do estudo etnológico do Direito nos
seguintes termos: “Das Recht ist eine Funktion der sozialen Verbände, eine der
Aeusserungsformen des Volksgeistes. Es wird dahen von den einzelnen Menschen gelebt und
erlebt, man könnte fast sagen geträumnt, und es gehört die Erreichung einer erheblichen
Kulturstufe dazu, bis der Mensch anfängt, sich dês Rechts bewusst zu werden und über dasselbe
nachzudenken. Bis dahin wird das Recht nur geübt. Setzt diese Uebung wegen stärkeren
Entwicklung des Recht bereits die Erwerbung von Kentnissen voraus, so kann die Ausübung des
Rechts zu einer Kunst warden, die erlernt warden muss. Eine solche Kunst kann schon weit
entwickelt sein, ehe ein Volk beginnt, über sein Recht nachzudenken und nach den Ursachen
desselben zu forschen”. Albert Hermann Post.  Grundriss der ethnologischen jurisprudenz.
Oldenburg und Leipizig: A. Schwartz, 1984. p. 1, n. 1, § 1.
28

.Oswaldo Giacóia Jr. Nietzsche e a genealogia do direito. In: Ricardo Marcelo Fonseca
(org.).  Crítica da modernidade: diálogos com o direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.
p. 35.
29

.Idem, p. 35-36.
30

.Cf. Hernique Garbellini Carnio. Notas sobre o pensamento antropológico jurídico de Rudolf von
Jhering. In: Alvaro de Azevedo Gonzaga; Antonio Baptista Gonçalves (orgs.).  (Re)pensando o
direito: estudos em homenagem ao Prof. Cláudio de Cicco. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 125-132.
31

.A proposta de Jhering que se pretende aproveitar é bem clara: “A condição primitiva dos povos, os
primeiros rudimentos da formação do direito e do Estado, oferecem grande interesse para a
história da civilização (...) Tôda a atividade do povo romano se encaminhou, durante séculos
inteiros, para os interesses práticos do presente. Teve, para dizer a verdade, profundo respeito
pela tradição; o que existia, conservava força e vigor, até a mais avançada idade, mas quando
desaparecia completamente, não tardava em cair no esquecimento, ocupando-se pouco dos
acontecimentos históricos, da origem e do desenvolvimento das instituições existentes (...) houve
um tempo em que existia este aspecto primitivo de direito e pouco importa que o povo romano dos
tempos históricos não o tenha reconhecido. Não se pode com exatidão, demonstrar, nem onde
nem quando, nem por quanto tempo este estado de cousas existiu; mas basta saber que a partir
dele, se derivou o Direito romano. Neste primeiro livro:

1.º Subteremos, desde logo, à crítica, a origem do Direito romano, segundo a lenda, ou a
cosmogonia do Direito romano (§ 8);

2.º Trataremos, em seguida, de fixar o aspecto do direito, nos tempos primitivos, isto é, os pontos
de partida e os elementos originários do Direito romano (§ 9-23);

3.º E, finalmente, examinaremos como o espírito romano tratou esses primeiros pontos de partida
que descobriremos (§ 24-25)”. Rudolf Von Jhering. O espírito do direito romano: nas diversas fases
de seu desenvolvimento. Trad. Rafael Benaion. Rio de Janeiro: Ed. Alba, 1943. p. 91-93.
32

.Idem, p. 93.

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33

.Oswaldo Giacóia Jr. Notas sobre direito, violência e sacrifício.  Dois pontos: Estado, soberania,
mundialização. vol. 5, n. 2, p. 37. Curitiba: UFPR/São Carlos: UFSCar, out. 2008.
34

.Rudolf von Jhering. Op. cit., p. 203.


35

.Aduz Jhering: “O perfeito caráter da pena sacer esse indica que não nasceu no sólo de uma
órdem jurídica regulada, mas remonta ao período da vida présocial, como um fragmento da vida
primitiva dos povos indogermânicos. Não indagaremos si a palavra grega ε´υχΥη´ς tem alguma
analogia com esse estado; mas a antiguidade germânica escandinava mostra, sem dúvida alguma,
que o banido, ou forasteiro, é irmão do homo sacer (warges, varg, lobo; e no sentido religioso, lobo
santo,  vargr i veum). Esta semelhança histórica, que até aqui não foi feita por ninguém, que
saibamos, é de um valor inestimável para a compreensão exata do sacer romano. É opinião
generalizada que ninguém se convertia em sacer por consequência imediata do delito, e sim por
uma condenação, ou pelo menos, que se comprovasse o facto (…) Isso prova, com efeito, que o
que se considerava como impossível para a antiguidade romana, isto é, o homicídio do proscrito
sem razão e sem direito, foi de indiscutível realidade na antiguidade germânica.” Idem, p.  203,
vol. 1.
36

.Segundo Oswaldo Giacóia Jr.: “O significado da palavra remete a bandido, mas também a
banido – excluído – do mesmo modo que, em alemão, os termos Bande e Bann designam tanto a
expulsão da comunidade quanto a insígnia de governo do soberano. Tal como se encontra
explicitamente mencionado na obra Rudolph von Jhering O Espírito do Direito Romano, o termo
Bann guarda relação com a sacratio romana arcaica, designando o fora da lei, proscrito e banido
da proteção do ordenamento primitivo, que, enquanto tal, poderia ser morto independentemente de
um juízo e fora do direito. A figura do banido era, na antiguidade germânica, o Friedlos, o ‘sem
paz’, teria seu fundamento na paz (Fried) assegurada na comunidade, da qual a proscrição o
excluía. Tratava-se, pois, de um caso de exclusão includente, ao qual o ordenamento jurídico se
aplica integralmente, por meio de sua própria suspensão – a instituição do bando mantém o
proscrito capturado fora do ordenamento, na medida em que a aplicação (incidência) da decisão
soberana consiste precisamente na exclusão e suspensão da lei e da paz, fazendo coincidir, num
mesmo ato, suspensão (exclusão) e aplicação (inclusão)”. Oswaldo Giacóia Jr. Notas sobre direito,
violência e sacrifício cit., p. 38.
37

.Oswaldo Giacóia Jr. Notas sobre direito, violência e sacrifício cit., p. 38.

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2.3. Definição jusnaturalista

Um modo interessante de se definir o conceito de direito professado


pelo  jusnaturalismo  nos é apresentado por Lenio Streck. Segundo o autor, toda
ideia de direito natural professa um conceito segundo o qual se compreende por
direito tudo aquilo que, no seio do convívio humano, acontece de acordo com uma
ordem de coisas pressuposta (vale dizer: uma ordem de coisas natural).38

Ainda com Streck é importante mencionar que essa ordem deveria espelhar a
harmonia e a perfeição encontrada em uma determinada natureza.

Nesse ambiente de ideias, devemos entender natureza como um conceito


amplo e extremamente genérico que serve para definir, de maneira global, a
realidade; usado para dar uma resposta única, definitiva e conclusiva à pergunta: o
que é a realidade? Assim, para a pergunta: “o que é a realidade?” pode-se
responder o seguinte: a realidade é a natureza.

Como afirma Bobbio, o termo natureza serve, originalmente, para abranger, em


uma mesma categoria, todas as coisas que não são produzidas pelo homem; toda
a parte do mundo que, aos olhos de quem observa e procura entender a realidade
não depende do fazer humano; todos os seres e eventos que, tendo “em si mesmo
o princípio do movimento” (Aristóteles), nascem, desenvolvem-se e morrem de
acordo com leis que o homem não formulou nem pode alterar.39

Há, no interior do pensamento jusnaturalista, pelo menos três ideias distintas de


natureza.

Entre os gregos, a ideia de natureza que comandará o conceito de direito será


a  ordem cosmológica; entre os medievais, essa ordem natural será remetida ao
modo do  ser perfeito: Deus.  Daí que, no primeiro caso, fala-se de um direito
natural  cosmológico, ao passo que, no segundo, teríamos um direito
natural, teológico. Em ambos os casos, há uma certa ordem natural a determinar o
conteúdo correto (ou os critérios de correção) do direito positivo, da lei humana.

Esse ponto é de suma importância: a ideia de um direito natural não exclui a


existência de um direito positivo (positivo, aqui, quer significar posto pelo homem).
O que é peculiar ao jusnaturalismo é submeter esse direito positivo, historicamente
determinado e construído pelo homem, a uma ordem de justiça que fica num
ambiente transcendente. Essa ordem natural, obviamente, situa-se fora do tempo e
fora da história; é transcendente40  e condiciona, regulativamente, o direito
produzido em tempos e lugares determinados.

Com o renascimento e a modernidade, ocorre uma transformação profunda no


conceito de direito que fora produzido pelas doutrinas clássicas do jusnaturalismo.

O modo como esses dois períodos históricos passaram a tratar de temas como
a liberdade, a autonomia e a vontade, afetarão, em toda sua amplitude, os estudos
sobre o direito natural e a justiça. Isso porque o racionalismo antropocêntrico
rejeitará qualquer ideal de ordem que não seja colocada pela razão, isto é, pelo
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homem. Ou seja: dá-se um manifesto afastamento com relação a qualquer


determinação limitadora da liberdade ou da autonomia individual que seja dada por
realidades transcendentes.

Como explica Streck: “para os clássicos, as premissas que arquitetavam o


cenário jurídico eram autoevidentes – dadas por uma determinada natureza – para
os modernos, as premissas são postas pelo sujeito racional”.41

Assim, as doutrinas racionalistas do direito natural trabalhavam na construção


de um sistema completo, sem a necessidade de recorrer a fatores externos para
assegurar sua correção. Para tanto, passou-se a ter como pressuposta a ideia de
que a razão pode dar a ela mesma um direito. E esse direito, construído
racionalmente, é o melhor para gerir os assuntos humanos, não sendo necessária
a sua justificação em nenhuma ordem transcendente.

De todo modo, essa espécie de imanência em torno do sujeito racional, acabou


por tornar a doutrina moderna do Direito natural despicienda, na medida em que
seus sistemas foram assimilados pelo primeiro grande marco daquilo que se
convencionou chamar de positivismo jurídico:  o movimento codificador, modo de
explicitar a interdição operada pela razão. E isso é deveras significativo: os códigos
civis burgueses – principalmente o francês, mas também o prussiano – não se
opunham ao jusnaturalismo em sua feição moderna. Ao contrário, eles
representavam, em alguma medida, a consagração daquilo que havia sido ditado
pela filosofia da consciência no campo da filosofia do direito.42

Leitura recomendada

Básica

Willis Santiago Guerra Filho.  Teoria política do direito: uma introdução política
ao direito. Brasília: Brasília jurídica, 2000.

Intermediária

Marcel Mauss. Sociologia e antropologia. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Cosac


Naify, 2003.

James George Frazer. O ramo de ouro. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro:


Ed. Guanabara Koogan S.A., 1982.

Avançada

Albert Hemann  Post. Giurisprudenza etnologica.  Milano: Società Editrice


Libraria, 1906. vol. 1, Parte Generale.

38

.Cf. Lenio Luiz Streck. Direito. In: Vicente de Paulo Barreto; Alfredo Culleton (coords.). Dicionário
de filosofia política. São Leopoldo: Unisinos, 2010. p. 145-150.

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39

.Cf. Norberto Bobbio. Locke e o direito natural. Brasília: Ed. UnB, 1997. p. 28.
40

.Importante anotar que existe uma diferença entre o conceito de  transcendência  e
de transcendental. O conceito de transcendental remete à tradição kantiana e pode ser encarado
como totalidade da subjetividade (eu transcendental). O transcendente e o transcendental são
temas que remetem, corriqueiramente, a questões metafísicas tradicionais. No metafísico,
transcendemos a natureza (física) para pôr em causa um ente suprassensível, tocando, assim, nas
últimas possibilidades do conhecimento humano. O transcendente já respondeu pelo nome
de Cosmos, de Deus e de Razão. Como anota Ernildo Stein “essa concepção ontológica faz uso
do método objetivo e absolutamente não problematiza a possibilidade de acesso à realidade
transcendente ao sujeito. Na explicitação dessa realidade, ela facilmente poderá entrar em choque
com as teorias científicas que também se ocupam de coisas objetivas, ainda que em outro plano”.
Com Descartes e a fundação da modernidade, a subjetividade é posta como fundamento – o
fundamento então deixa de ser  transcendente  e passa a ser  imanente – e a realidade
transcendente é posta em dúvida: “pela primeira vez, a ontologia do real objetivo parte do
problema do conhecimento. O sujeito é condição de possibilidade do conhecimento do real”. Mas
não bastava afirmar a subjetividade como fundamento para resolver os problemas da
transcendência porque permanecia como enigmática a passagem para o mundo exterior; como se
dá afinal o conhecimento? Assim se encontra o debate entre empirismo e racionalismo que
mencionamos no texto. No fundo, continuava em jogo o velho problema do conhecimento
metafísico da transcendência e do dualismo. Kant procurou solucionar o problema a partir da
construção do método transcendental. Para ele, “o objeto da interrogação não é o conteúdo do
conhecimento, mas as formas em que ele nos é dado. E as formas são as condições que brotam
da subjetividade. O transcendental surge como problema crítico. O método transcendental deduz
da subjetividade não apenas as condições de possibilidade do conhecimento, mas a própria
condição de possibilidade dos fenômenos. O problema do singular e do universal é resolvido no
interior da subjetividade. Não há mais conhecimento metafísico, interessa apenas a metafísica do
conhecimento.” Ernildo Stein. Uma breve introdução à filosofia. Ijuí: Unijuí, 2005. p. 73-77.
41

.Cf. Lenio Luiz Streck. Op. cit., passim.


42

.Cf. Lenio Luiz Streck. Op. cit., passim.

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2.4. Definição juspositivista

Começaremos este item com uma citação de Norberto Bobbio que ilustra muito
bem aquilo que pretendemos abordar aqui: “A teoria do jusnaturalismo vem ao
encontro de nossa exigência de mudar, de aperfeiçoar, ou, conforme o caso, de
justificar o direito vigente; mas, como disse Gellner, ‘é difícil acreditar nela’. É mais
fácil acreditar no positivismo jurídico, que pode oferecer-nos uma teoria coerente
do fenômeno jurídico, construída racionalmente e controlada empiricamente. (...)
em outras palavras, o jusnaturalismo desempenha bem sua função, quando se
apresenta como uma ideologia do direito; o positivismo, quando se apresenta como
uma teoria do direito”.43

É importante notar que Bobbio associa a ideia de positivismo à de uma teoria


do direito. Vale dizer,  positivismo jurídico  é um termo que se refere a um modo
específico de se estudar o direito;  direito positivo, por outro lado, representa o
objeto de estudo do positivismo jurídico.

Não se pode, portanto, confundir o chamado positivismo jurídico com o direito


positivo.

O direito positivo pode ser definido como o conjunto de regras e normas que
rege o convívio humano num determinado contexto histórico (temporal), social e
territorial (espacial). Como afirmamos acima, mesmo as teorias do direito natural
não excluem o conceito de direito positivo de seu âmbito de análises. Elas apenas
submetem esse direito positivo a uma ordem transcendente, condicionando, assim,
seu conteúdo a determinados princípios de justiça.

Já o positivismo jurídico representa uma postura metodológica específica que


estabelece determinados pressupostos de objeto e método para a análise do
fenômeno jurídico.

No que tange ao objeto, o positivismo jurídico exclui de sua esfera de análise


qualquer conteúdo transcendente ao direito positivo (daí sua principal divergência
com relação ao  jusnaturalismo), limitando-se a descrever e organizar apenas o
direito produzido pelo convívio humano, chamado direito positivo. Daí que,
dependendo do tipo de teoria positivista que se professe, seu objeto de estudo irá
oscilar, ora em torno dos códigos produzidos nos novecentos (positivismo
legalista), ora em torno da norma jurídica (Hans Kelsen), ora em torno do conceito
de regra (Herbert Hart); ou, ainda, como o conjunto de decisões emitidas pelos
tribunais (realismo jurídico).

Na perspectiva do método, o positivismo realiza uma radical separação entre a


ciência do direito (ponto do observador) e o das práticas jurídicas efetivas (ponto
observado) e coloca entre eles um ideal de neutralidade: a descrição efetuada
deve ser realizada de modo que nenhum elemento ideológico, psicológico ou
político influencie o observador.

Assim, o  juspositivismo  procurará definir o direito a partir de uma separação


com relação à moral. Esse é outro ponto que o distingue em absoluto das posturas
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jusnaturalistas: nelas, o direito é vinculado à moral. Para o positivismo jurídico, o


direito vale independentemente do conteúdo que ele regulamenta. O que definirá
sua validade é a sua adequação a determinados procedimentos formais previstos
pelo próprio sistema ou ordenamento jurídico. O direito assume, assim, um caráter
de autorreferência – em contraposição ao jusnaturalismo que professava uma
espécie de heterorreferência –, vale dizer, é o próprio direito que define aquilo que
é ou não é direito.

Desse modo, a definição  juspositivista  de direito pode ser apresentada, a


princípio, da seguinte maneira: um conjunto de normas válidas que regem o
convício social em um peculiar momento histórico e espacial. Vale ressaltar que os
critérios para aferição da validade dessas normas encontram-se estabelecidos pelo
próprio ordenamento jurídico.

No capítulo 7, veremos com mais vagar as peculiaridades do positivismo. Por


enquanto, nos contentamos em afirmar que o conceito de direito professado pelo
juspositivismo fica restrito ao direito positivo, pressupondo uma análise objetiva e
neutra desse objeto.

2.4.1. Positivismo contemporâneo: exclusivista e inclusivista

Segundo Leslie Green, os críticos mais influentes do positivismo asseveram


que a doutrina em questão negligencia a importância da moral ao direito. Na visão
dos críticos, uma teoria que insiste na exclusiva facticidade da lei parece contribuir
pouco para o nosso entendimento de que o direito tem funções importantes para o
conceito de vida boa, que o estado de direito é um ideal valorizado e que a
linguagem e a prática do direito são atingidas pela moral.44

O traço mais importante do direito seria a sua capacidade de promover o bem à


sociedade, não a sua fonte social.

Ronald Dworkin é dos autores que oferece forte crítica ao positivismo por força
da posição assumida diante da relação direito/moral. Conforme o resumo de
Green, a crítica mais significativa do positivismo rejeita a teoria do direito em todos
os níveis imagináveis. Ele nega que possa haver qualquer teoria geral da
existência e do conteúdo da lei; ele nega que as teorias de sistemas jurídicos
possam identificar a lei sem recorrer aos seus méritos, e rejeita todo o foco
institucional no positivismo.45.

Na visão dworkiana, a teoria do direito é apresentada como uma teoria sobre de


que forma os casos jurídicos devem ser decididos (teoria da decisão). Para
Dworkin, a coerção só pode ser utilizada se em conformidade com princípios
preestabelecidos.46

O direito, na visão dworkiana, não pode se assentar num consenso oficial,


posto que, na prática, observa-se grande controvérsia sobre como casos devem
ser decididos e diversidade sobre quais os elementos relevantes para fazê-lo47.

É marco importante da dura crítica dworkiana ao positivismo a publicação,


pela  University of Chicago Law Review, de artigo originalmente intitulado “O

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modelo de regras”.   O objeto do escrito era, especificamente, o positivismo


48

normativista de Hebert Hart, considerado por Dworkin a formulação sofisticada da


teoria que pretendia examinar.

Ronaldo Porto Macedo Junior49 sintetiza de forma clara as teses do positivismo


que foram alvos da teoria de Dworkin.

A primeira tese referida é a das fontes sociais, segundo a qual o direito é


produto de um fato social. Noutras palavras, em última instância, o fundamento de
validade do sistema jurídico é uma questão de fato, isto é, a  regra de
reconhecimento, indicada por Hart como o critério supremo de aferição da validade
das normas jurídicas, um fato social. O direito será composto de todas aquelas
normas que atendam aos critérios dispostos na regra de reconhecimento. Para
aferir se uma norma pertence a determinado sistema jurídico, basta realizar um
“teste de pedigree” para verificar sua procedência e avaliar se, em última instância,
atende aos requisitos exigidos pela regra de reconhecimento para que seja
incorporada ao ordenamento.

A segunda tese característica do positivismo é a tese da convencionalidade,


nos termos da qual a regra de reconhecimento, que as demais retiram fundamento
de validade, é aceita convencionalmente. O aspecto convencional é extremamente
relevante. Streck, com apoio em Bayon, sustenta que o convencionalismo seria
uma espécie de código genético que perpassa todas as modalidades de
positivismo.50

A terceira tese é aquela segundo a qual cumpre ao positivismo a função de


descrever o direito, afastada qualquer consideração valorativa sobre o seu objeto.

Dworkin acresce, ainda, às teses retro, outras duas características da teoria


hartiana: a tese da obrigação e a tese da discricionariedade. Pela primeira,
compreende-se que das determinações das regras jurídicas surgem obrigações
que vinculam os indivíduos. “Em razão disso, juízes têm a obrigação de aplicar
uma regra sempre que dela se possa extrair de forma clara uma obrigação”51. Pela
segunda, entende-se que, em determinados casos (os  hard cases), quando não
existir regra jurídica regulamentadora, o juiz agirá discricionariamente, na medida
em que inexistiria subsunção a ser realizada. Ao fazê-lo, criará nova regra jurídica.
Como não existia norma preestabelecida, a decisão do magistrado, sob o ponto de
vista jurídico, não se sujeita a uma avaliação crítica.

A consideração das teses anteriormente elencadas conduz à conclusão de que


o positivismo considera o direito um sistema de regras, o que proporciona uma
visão insuficiente da prática jurídica. No cotidiano, os juízes decidem com escoro
em normas intituladas  princípios, cujo conteúdo e critério de aplicação são
diferentes das regras e que não podem ser identificados por meio do teste
de  pedigree. Os princípios asseguram um critério de correção das decisões
judiciais, mesmo ante os hard cases,52 e demonstram que o direito possui natureza
argumentativa e interpretativa, ao tempo que a argumentação jurídica é de
natureza moral.

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O ataque de Dworkin ao positivismo foi notadamente contundente e ao longo do


debate se aperfeiçoou53. Após as críticas  dworkianas,  tornou-se logicamente
impossível acolher todas elas e continuar se proclamando positivista.54  A
constatação de que a argumentação jurídica se pauta em princípios, isto é,
em standards de forte conteúdo moral55, ignorados pela norma de reconhecimento,
colocou em xeque tanto a tese da separação radical entre moral e direito quanto a
tese das fontes sociais.

Para elaborar respostas às críticas de Dworkin, o positivismo foi forçado a se


reinventar. Daí o surgimento das vertentes contemporâneas do positivismo,
denominadas positivismo inclusivista/inclusivo (soft positivism) e positivismo
exclusivista/exclusivo (hard positivism). Essa bipartição efetivamente se dá em
decorrência das críticas lançadas por Dworkin. Daí a importância do estudo desse
debate para a compreensão dos dilemas teóricos contemporâneos e eleição
consciente do pós-positivismo como referencial teórico: para abonar o positivismo
em prol do pós-positivismo, é necessário demonstrar que o positivismo
contemporâneo não consegue responder de forma satisfatória a todas as críticas
opostas à teoria positivista.

Os positivistas inclusivistas, em resposta às críticas de Dworkin, argumentam


que considerações de mérito podem integrar o direito se assim determinado pela
“source-based considerations”56. Na visão dos inclusivistas, referidas
considerações morais são parte do direito porque as fontes fizeram com que elas
se tornassem direito. Nesse aspecto, Dworkin estaria correto. Ocorre que a
validade da ordem jurídica depende da moral, não pelo argumento  dworkiano  de
que a interpretação deveria convergir para algum ideal de como o governo deve
usar sua força, mas porque a moral é a validade legal da própria ordem
jurídica.57  Nessa perspectiva, referências a princípios morais são possíveis no
contexto da “judge made law”.

Para Green, não parece plausível que considerações de mérito sejam


relevantes apenas quando a regra social assim o diga. Questões morais e políticas
sempre estão presentes no momento decisório independentemente de serem
referendadas por regras sociais.

O autor também assevera que a mera referência à “moral language” nas


decisões judiciais não significa que esteja presente um teste de moral para o
direito, “what sounds like moral reasoning in the courts is sometimes really source-
based reasoning”58. O direito é, inclusive, dinâmico e, aquilo que outrora era um
exemplo de aplicação da moral, pode se tornar uma fonte de direito59.

De toda forma, o Judiciário é frequentemente invocado a decidir questões


morais, como o que seria razoável, justo etc. Cuida-se daquilo que Hart denomina
casos difíceis, decididos por discricionariedade.60

Segundo Green, qualquer caso sempre será parcialmente indeterminado pelo


direito, ou seja, será decidido, em parte, via discricionariedade. O grau de
importância da discricionariedade é que varia61.

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A doutrina enquadra como positivistas exclusivistas aqueles autores que negam


a possibilidade de a regra de conhecimento incorporar critérios morais, ou seja,
rechaçam a possibilidade de a critérios morais constituírem fundamento de
validade do direito.62  Positivistas inclusivistas, por outro lado, admitem que seja
possível (mas não necessário ou devido) que a regra de reconhecimento de um ou
outro sistema jurídico se valha de critérios morais para identificar as normas que
integram o ordenamento.63

Leslie Green destaca que os positivistas exclusivistas, basicamente,


desenvolvem três argumentos em defesa das fontes sociais.

O primeiro e o mais importante é que ele captura e sistematiza distinções que


fazemos regularmente e que temos boas razões para continuar a fazer64. A
atribuição de responsabilidades é uma quando uma decisão ruim se respalda nas
fontes e outra quando é fruto de um julgamento moral ou político por parte do juiz.

A segunda razão para parar nas fontes é que isso é comprovadamente


compatível com as principais características do papel do direito no raciocínio
prático65.

O terceiro argumento desafia um preceito subentendido do positivismo inclusivo


intitulado “Midas Principle”, segundo o qual tudo o que o direito tocar se tornaria
também direito. Fica, porém, o questionamento: se a letra da lei se referir a um
algarismo numérico, a matemática será considerada direito? A resposta intuitiva é
que não. Ao que parece, determinados elementos resistem aos avanços do direito
ou de um sistema jurídico. É o caso do direito alienígena. Apesar de o direito
interno possuir regra que se refere ou manda aplicar lei de outro país, essa não se
incorporaria ao sistema interno66.

Analisando o positivismo exclusivista, Lenio Streck o considera autodestrutível


porque “se diante de um juízo discricionário, razões morais podem ser usadas, e
estas depois farão parte do sistema jurídico, parece que haveria assim uma
incorporação da moral, ainda que excepcional”.67

Em linhas gerais, essa diferenciação é fundamental para a colocação dos


princípios jurídicos em relação ao direito. Para os exclusivistas, é um equívoco de
Dworkin considerar os princípios como direito, logo, vinculantes. Por exemplo, para
Raz, princípios não são standards jurídicos a não ser que dotados de autoridade.
Os positivistas inclusivistas, por sua vez, aceitam que os princípios morais podem
desempenhar papel importante no raciocínio jurídico, logo, eles também seriam
princípios jurídicos e vinculantes para o julgador.68

Por se tratar de um livro de introdução, nos itens seguintes trabalharemos


basicamente dois autores que representam o positivismo inclusivista e exclusivista
e que nos auxiliam a melhor compreender essas novas formas de organização da
doutrina positivista.69 A escolha dos autores teve por base a importância deles para
cada uma das correntes.

2.4.1.1. Positivistas inclusivistas: Waluchow

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Wilfrid Waluchow propôs abertamente uma defesa do positivismo inclusivo em


obra intitulada “Positivismo Jurídico Inclusivo”.70

Conforme o autor, o positivismo inclusivo é uma linha que sustenta a


possibilidade de uma conexão particular entre o direito e a moral, segundo a qual
seria possível determinar a validade das regras num determinado sistema,
discernir seu conteúdo ou seu modo de aplicação ao caso a partir de critérios
morais.71

En esta concepción, que hemos llamado positivismo jurídico incluyente, los valores
y principios morales cuentan entre los posibles fundamentos que un sistema jurídico
podría aceptar para determinar la existencia y contenido de las leyes válidas.72

Waluchow desenvolve seu argumento a partir da análise de diversos


posicionamentos jusfilosóficos, a exemplo de Hart e Raz.

Conforme relata Waluchow, Hart preconizava a existência de uma área de


intersecção ou sobreposição entre direito e moral, mas se opunha a qualquer teoria
jusnaturalista, inclusive as que surgiram após a Segunda Guerra Mundial.

Hart e Bentham compartilhavam uma preocupação comum diante do


jusnaturalismo: a de que a proposição de Agustín, segundo a qual o direito injusto
não é direito absoluto, provavelmente não resultaria num “equilíbrio saudável entre
o respeito pelo direito e uma atitude moralmente crítica com relação a sua grande
quantidade de demandas”.73

Bentham considerava que a confusão entre moral e direito poderia conduzir a


dois tipos de pensamento que se encontram em extremos opostos, ambos
perigosos: o anarquista e o conservador. Pelo primeiro, o sujeito se considera em
posição de agir ao arrepio do direito se o considerar injusto; pelo segundo, o
indivíduo entende que o direito é exatamente o que deveria ser e sufoca qualquer
crítica que lhe seja oponível. Bentham, então, estabeleceu um argumento moral
em favor do positivismo, doutrina que, ao estabelecer limites bem definidos entre
direito e moral, evita os extremos que foram apresentados.74

Waluchow anteviu que o argumento moral de Bentham favorável ao positivismo


poderia facilmente se tornar um argumento moral em favor do
positivismo exclusivo. Por essa razão, Waluchow se preocupa em desconstruí-lo.

O argumento moral retroexposto é um argumento causal, que não assegura


uma relação racional ou teórica entre o jusnaturalismo (e o positivismo inclusivo) e
a doutrina anarquista ou reacionária, mas que pressupõe que aceitar as primeiras
conduz, causalmente, à aceitação das segundas. Existiria, ao menos, uma
tendência a uma postura anárquica ou reacionária como consequência da adoção
da linha jusnaturalista ou positivista inclusiva.75

Para Waluchow, parece inadequado criticar teorias descritivas do direito por


meio de argumentos consequencialistas. Segundo o autor:

(...) para decirlo directamente, por qué debería considerar, si mi objetivo es la


comprensión filosófica, si la gente que adopta una teoría del derecho se confundirá
moralmente? Si una teoría descriptivo-explicativa del derecho, o cualquier otro
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fenómeno, es verdadera o filosóficamente iluminadora, parece independiente de las


consecuencias prácticas morales de su adopción y posible aplicación equivocada por
parte de la gente.76

O positivismo inclusivo pretende descrever o que o direito  é. Se aquilo que o


direito é  gera consequências morais indesejadas, é outra questão. Não nos cabe
distorcer a natureza do direito, mas nos adaptarmos para melhor conviver com as
suas consequências.77

Waluchow aponta como possível adaptação a insistência de que as fontes não


morais de validade jurídica sempre se empreguem nos sistemas jurídicos, ainda
que não sejam indispensáveis ao conceito de direito.

En otras palabras, podríamos desear insistir en que la posibilidad que contempla el


positivismo incluyente, pero que el positivismo excluyente descarta por inconsistente
con la naturaleza misma del derecho, sea dejada de lado en la práctica. Sería posible
aceptar que la validez moral puede condicionar la validez jurídica pero insistir en que
esto no debería permitirse.78

Os argumentos morais-causais agem no plano conceitual, ou seja, pretendem


excluir a possibilidade da intersecção entre direito e moral como opção viável ao
direito. O argumento de adaptação não exclui a possibilidade, mas recomenda que
ela não seja adotada.

O positivismo inclusivo é de natureza descritiva-explicativa. Waluchow pretende


enfrentar também a força da argumentação moral quando dirigida a teorias de
natureza normativa, a exemplo da concepção interpretativa do direito dworkiana.
As consequências morais negativas de uma teoria normativa do direito, segundo
Waluchow, não fragilizam teorias normativas, exceto se estivermos diante de uma
teoria normativa especial, que se singulariza por pretender guiar as atitudes e
decisões dos indivíduos para aquilo que considera ser o mais correto. Nesse caso,
consequências morais negativas constituirão motivos de crítica. Por outro lado,

(...) una teoría normativa da ética diseñada no como un conjunto de guías de


acción sino como una explicación filosófica, es inatacable por medio de objeciones
que apunten a los resultados moralmente indeseables da adopción de la teoría, o de
su aplicación (aplicación equivocada) en contextos prácticos.79

A conclusão de Waluchow é a seguinte:

(...) Salvo que los argumentos morales de la clase de los ofrecidos por Bentham,
Hart y MacCormick estén destinados a cuestionar una teoría cuyo objetivo sea la
aplicación práctica en la vida cotidiana, son inválidos. Apelan a consideraciones que
no logran tocar los temas relevantes de adecuación filosófica o, si están en juego
concepciones dworknianas, la real justificación moral de la coerción estatal y el tema,
relacionado, de dotar de fuerza a los derechos morales reles. Los argumentos
causales/morales de Betham, Hart y MacCormick no ofrecen razones, por lo tanto,
para preferir el positivismo excluyente sobre el incluyente. Es conveniente, entonces,
enrolarse em la nota preventiva de Hume: “no es cierto que una opinión sea falsa en
virtud de sus consecuencias peligrosas”.

Ainda que superássemos a objeção inicial, uma outra crítica se coloca ao


argumento causal de Bentham e Hart: não é verdade que tornar a moral critério de
validade do direito conduza aos extremos anárquico e reacionário de que se falou.

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Não faltam teóricos que acusam o positivismo de conduzir à postura reacionária


que Bentham atribui como consequência negativa ao jusnaturalismo.

Waluchow não vê motivo para considerar corretas as relações apresentadas


entre positivismo inclusivo e anarquia/reacionarismo, muito pelo contrário, evita
ambos: ao ser moralmente escorado, tem mais chances de ser respeitado, ao
tempo que o positivismo exclusivo é que provavelmente conduziria a uma postura
reacionária.80

Vale dizer, na visão de Waluchow, a radical separação entre direito e moral do


positivismo exclusivista possibilita a degeneração do sistema para visões mais
reacionárias e autoritárias.

O primeiro argumento hartiniano (compartilhado por Bentham) combatido por


Waluchow foi o argumento causal. A segunda ordem argumentativa de Hart
explorada por Waluchow é o argumento da claridade intelectual, também pensado
por aquele para rebater as teorias jusnaturalistas.

Supostamente, o jusnaturalismo, na visão de Hart, pecaria pelo obscurecimento


e pela supersimplificação de questões práticas complexas, as quais o positivismo
conseguiria melhor responder.

Outrossim, o positivismo, teoricamente, proporcionaria maior clareza no estudo


teórico do direito. O jusnaturalismo, ao pretender a exclusão das leis “perversas” –
que, nada obstante seu conteúdo moral, apresentam todas as características de
uma lei comum – apenas causaria confusão.

43

.Norberto Bobbio. Op. cit., p. 27.


44

.Leslie Green. Legal Positivism. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Fall Edition, 2009. p. 11.
45

.Idem, p. 13.
46

.Idem, ibidem. “A society has a legal system only when, and to the extent that, it honors this ideal,
and its law is the set of all considerations that the courts of such a society would be morally justified
in applying, whether or not those considerations are determined by any source”.
47

.Idem, ibidem. “The controversy suggests to him that law cannot rest on an official consensus, and
the diversity suggests that ther is no single social rule that validates all relevant reasons, moral and
non-moral, for judicial decisions”.
48

.Posteriormente, o artigo foi republicado com o título “O modelo de regras I” e inserto na obra
“Levando os Direitos a sério”, em que foram reunidos diversos ensaios escritos por Dworkin.
49

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.Ronaldo Porto Macedo Junior. Do xadrez à cortesia: Dworkin e a teoria do direito contemporânea.
São Paulo: Saraiva, 2014. p. 160.
50

.Lenio Streck. Dicionário de Hemenêutica. São Paulo: Letramento, 2017,, n. 29, p. 167.
51

.Ronaldo Macedo Junior. Op. cit., p. 161.


52

.Sobre o tema: Lenio Streck. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 40.
53

.Ver. Ronald Dworkin. O império do Direito, passim.


54

.Ronaldo Porto Macedo. Op. cit., p. 166.


55

.“Tais padrões seriam princípios que estariam embebidos em uma forte controvérsia de fundo não
apenas jurídico, mas, também – e principalmente –, moral”. Lenio Streck Streck. Verdade e
consenso... cit., 5. ed., p. 40.
56

.Leslie Green. Op. cit., p. 14.


57

.Idem, p.  15. “Such moral considerations, inclusivists claim, are part of law because the sources
make it so, and thus Dworkin is right that the existence and content of law turns on its merits, and
wrong only in his explanation of this fact. Legal validity depends on morality, not because of the
interpretative consequences of some ideal about how the government may use force, but because
that is one of the things that may be customarily recognized as an ultimate determinant of legal
validity. It is the sources that make the merits relevant”.
58

.Leslie Green. Legal Positivism. Op. cit., p. 15.


59

.Idem, p. 16.
60

.Idem, ibidem. “‘Discretion’, however, may be a potentially misleading term here. First, discretionary
judgments are not arbitrary: they are guided by merit-based considerations, and they may also be
guided by law even though not fully determined by it – judges may be empowered to make certain
decisions and yet under a legal duty to make them in a particular way, say, in conformity with the
spirit of preexisting law or with certain moral principles (Raz 1994, p.  238-53). Second, Hart’s
account might wrongly be taken to suggest that there are fundamentally two kinds of cases, easy
ones and hard ones, distinguished by the sorts of reasoning appropriate to each. A more
perspicuous way of putting it would be to say that there are two kinds of reasons that are operative
in every case: source-based reasons and non-source-based reasons”.
61

.Idem, p. 17.
62

.Nesse sentido: “O positivismo jurídico excludente, tendo pretensões meramente descritivas, afirma
que a determinação da existência e do conteúdo do direito nunca demanda juízos de aprovação ou
desaprovação moral”.Bruno Torrano. Positivismo jurídico excludente: um guia rápido. Disponível
em: [http://emporiododireito.com.br/backup/positivismo-juridico-excludente-um-guia-rapido/].

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63

.Nesse sentido: “Seria, portanto, um tipo de positivismo – que mantém o apego pelas fontes sociais
do direito –, porém, inclusivas com relação à possibilidade de incorporação de elementos morais”.
Lenio Streck. Verdade e consenso... cit., 5. ed., p. 42.
64

.Leslie Green. Legal Positivism. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Fall Edition, 2009. p. 19.
65

.“The second reason for stopping at sources is that this is demonstrably consistent with key
features of law’s role in practical reasoning”. Leslie Green. Op. cit., p. 19.
66

.“In like manner, moral standards, logic, mathematics, principles of statistical inference, or English
grammar, though all properly applied in cases, are not themselves the law, for legal organs have
applicative but not creative power over them. The inclusivist thesis is actually groping towards an
important, but different truth. Law is an open normative system (Raz 1975, p. 152-54): it adopts and
enforces many other standards, including moral norms and the rules of social groups. There is no
warrant for adopting the Midas Principle to explain how or why it does this”. Leslie Green. Op. cit.,
p. 20-21.
67

.Lenio Streck. Dicionário de hermenêutica, cit., n. 29, p. 184-185.


68

.Ronaldo Porto Macedo. Do xadrez à cortesia..., cit., p. 168-169.


69

.Para análise de mais autores, conferir Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Ed. RT, 2018, cap. 1.
70

.Wilfrid J. Waluchow. Positivismo jurídico incluyente. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2007. p. 17.
71

.Idem, p. 97. “En los últimos años ha surgido una controversia en las líneas del positivismo sobre la
posibilidad de una conexión particular entre el derecho y la moral que algunos positivistas
reconocidos aceptan como posible e incluso característica de los sistemas jurídicos modernos,
pero que otros rechazan por considerarla inconsistente con la naturaleza misma del derecho,
Filósofos como Jules Coleman, John Mackie y David Lyons han sugerido que entre las conexiones
concebibles entre el derecho y la moral que un positivista podría aceptar está el hecho de que la
identificación de una regla como válida dentro de un sistema jurídico, así como el discernimiento
del contenido de una regla o el modo en que influye en un caso jurídico, pueden depender de
factores morales”.
72

.Idem, ibidem.
73

.Idem, p. 101.
74

.Idem, p. 102.
75

.Idem, p. 107.
76

.Idem, p. 103.
77

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.Idem, p. 105.
78

.Idem, p. 105.
79

.Idem, p. 108.
80

.Idem, p. 110-113.

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2.4.1.2. Crítica aos argumentos de Hart

Waluchow considera que Hart não apresentou razões plausíveis para preferir o
positivismo ao jusnaturalismo, e que seus argumentos não podem ser utilizados
para sobrepor o positivismo exclusivo ao inclusivo.81

O positivismo é que causa confusão diante dos dilemas nascidos no pós-


guerra. É o positivismo (exclusivista) que empresta autoridade injustificada às leis
perversas e afasta os sujeitos de uma reflexão moral sobre seu dever de obedecê-
las.82

Poderia afirmar-se que, a partir do direito natural, se causaria insegurança


jurídica e confusão ao pretender, por exemplo, punir retroativamente condutas que
não eram, à época em que praticadas, consideradas ilícitas. Entretanto, a validade
da crítica depende de aceitarmos que o direito natural realmente exigiria a punição
nos termos expostos, à ignorância de um princípio jusnaturalista segundo o qual as
autoridades jurídicas seculares devem punir apenas quem, ao praticar o mal,
cometeu aquilo que o Estado, naquele momento, proibia expressamente.

Hart considerava o jusnaturalismo uma teoria que prejudicava a clareza das


investigações teóricas sobre o direito, pois excluía, equivocadamente, certas
regras, que, a despeito de possuírem complexas características do direito,
ostentam conteúdo imoral. Waluchow revida a acusação  hartiana  por meio da
afirmativa de que a teoria do direito natural não obriga que sejam excluídas do
estudo do direito as regras imorais: poderão sempre ser estudadas como
elementos patológicos do direito. Em suas exatas palavras, “no hay razón,
entonces, para pensar que un defensor de la teoría del derecho natural deba negar
que el estudio del uso del derecho debe incluir el estudio de su abuso”83.

Os argumentos em favor da claridade moral e teórica do positivismo são


frágeis. Outrossim, não poderiam ser reaproveitados em defesa do positivismo
exclusivo. Mesmo porque o positivismo inclusivo reconhece a possibilidade
conceitual de existirem regras criticáveis do ponto de vista moral, mas válidas.
Mais que isso: admite a possibilidade de um sistema jurídico em que a moral não
constitua critério de validade algum. “Del hecho de que la validez moral y la jurídica
puedan estar relacionadas entre sí, no se sigue que lo están o deban estarlo”.84

O positivismo inclusivo, por outro lado, ao contrário da linha exclusivista, é


capaz de explicar sistemas jurídicos (por exemplo, sistemas constitucionais) em
que os testes de validade jurídica, aparentemente, incluem critérios morais.

Do ponto de vista da clareza teórica, poder-se-ia asseverar que o positivismo


exclusivo leva vantagem no que concerne à separação entre a descrição do direito
e sua valoração. Em síntese, a linha exclusivista evitaria a confusão entre o que é
e o que deve ser o direito.

O argumento apenas se sustenta se concluirmos que o direito verdadeiramente


apenas se identifica por meio de fontes sociais. Se, porém, a detecção das regras

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de um sistema às vezes implica em avaliações morais, a tese defendida por Hart


falhará85.

81

.Idem, p. 114.
82

.Idem, ibidem.
83

.Idem, p. 116.
84

.Idem, ibidem.
85

.Idem, p. 118.

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2.4.1.3. Positivismo inclusivo vs. exclusivo: a análise crítica de


Waluchow acerca dos argumentos de Raz

O primeiro argumento examinado por Waluchow é o intitulado  argumento


linguístico, nos termos do qual o positivismo supostamente reflete de maneira
correta o significado do direito e de termos análogos da linguagem ordinária.86

Como parte da compreensão dos termos referidos, é preciso entender que


algumas leis são moralmente inaceitáveis, mas juridicamente válidas.
Ordinariamente, ao dizer que um  direito  injusto não é  direito  absoluto, intuímos,
desde logo, que, na sua essência, o conceito de direito não depende de valores
morais (é direito injusto, mas continua sendo  direito). A linguagem ordinária,
portanto, suportaria o positivismo exclusivo.87

O apelo linguístico, para Raz, possui alguma força, mas não é o bastante
porque é insuficiente à resolução de questões substantivas. A vinculação às
palavras não pode se sobrepor ao objetivo de estudar a sociedade e suas
instituições. Se o uso ordinário da palavra direito não contribui para a investigação
da sociedade, então não podemos colocar o argumento linguístico em benefício do
positivismo exclusivo.

O segundo argumento analisado por Waluchow é o argumento da parcialidade,


segundo o qual o positivismo (exclusivo), como guia filosófico, poderia eliminar a
parcialidade do investigador no estudo de seu objeto, posto que dissocia a
existência e o conteúdo das leis de qualquer argumento moral (dependem apenas
de fatos sociais). Ao descrever o direito, o investigador estaria menos suscetível a
sucumbir às tendências morais se aderir à linha de positivismo que apartar o objeto
de estudo de qualquer valor moral.

O problema do argumento em questão é que pressupõe o que deseja


demonstrar. Ou seja, pressupõe que o direito está dissociado da moral para
demonstrar que o está. Se, dado sistema, implica critérios morais para a
descoberta do direito, o argumento da parcialidade estará completamente
comprometido e a teoria “pura” será completamente enganosa.

Los comentaristas deberían esforzarse por obtener imparcialidad y objetividad.


Pero si la existencia misma de lo que investigan depende de modo crucial de que
satisfaga condiciones morales, entonces la completa imparcialidad moral no puede
ser posible.88

Que vantagem o positivismo exclusivo poderia fornecer ao propiciar uma


descrição pura quando o objeto descrito é, em si, impuro? Com acerto, Waluchow
enxerga valoração intrínseca em toda atividade supostamente e meramente
descritiva.

O terceiro argumento sob exame é o da  conexão institucional. John Austin


asseverava que o direito não é uma construção ideal, mas social: é o que é e não o
que deveria ser. O direito é descoberto nas atividades de uma complexa instituição
social, não na moral, na natureza ou na religião. Raz compartilha da ideia
austiniana ao insistir que o direito possui fontes e limites sociais. É uma instituição
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social, com limites institucionais próprios. O conteúdo do direito é definido pelo


direito. Os limites do direito são postos pelo próprio direito, que se cria por meio
das autoridades (Judiciário ou Legislativo). O direito é uma instituição social dotada
de limites institucionais: a limitação é ideia associada ao caráter institucional do
direito e os limites são estabelecidos pela instituição dotada de autoridade para
tanto.

Decerto, ao analisar as teorias de direito natural e o juspositivismos, concluímos


que os últimos melhor se compatibilizam com o caráter institucional do direito que
as primeiras.

Nada obstante o argumento da conexão institucional pareça eficaz contra o


jusnaturalismo, Waluchow opina que não pode ser utilizado para que se defenda
preferência do positivismo exclusivo face ao inclusivo. Tudo porque o positivismo
inclusivo considera que os critérios morais serão relevantes à identificação da
existência e conteúdo do direito apenas quando o sistema jurídico lhes atribua tal
função.89  Não existe, portanto, incompatibilidade entre o positivismo inclusivo e a
natureza institucional do direito. A moral, para o positivismo inclusivo, apenas
importa na medida em que reconhecida institucionalmente.

O quarto argumento examinado é o do  poder explicativo. Segundo Raz, o


positivismo exclusivo é recomendável porque explica de melhor maneira o direito.
Sob a perspectiva raziana, a linha exclusivista aborda, de forma mais adequada, as
diferenças entre as avaliações jurídicas e morais dos juízes, bem como de suas
decisões entre o direito certo e o indeterminado, entre aplicação e a criação, entre
a modificação e a revelação do direito. O positivismo exclusivo, teoricamente,
reflete o modo como as diferenças retro são geralmente aplicadas e, por isso,
possui o intitulado  poder explicativo. Existe certeza no direito quando a solução
para um caso for provida por fontes juridicamente vinculantes; nas situações em
que o direito é certo, é hábito se dizer que o juiz realiza atividade de aplicação (e
não de criação); ao juiz cabe apenas racionar a partir das fontes que existem para
solucionar a controvérsia, dispensados juízos morais. Por outro lado, inexistente
regra identificada por uma fonte social, considera-se que o direito é incerto; caberá
ao juiz, nesse caso, criar direito novo, para o que deverá acudir às considerações
extrajurídicas.90

O raciocínio de Raz depende de considerarmos que, de fato, as diferenças retro


listadas devem ser explicadas por toda teoria do direito. Entretanto, é possível
argumentar que os traços que se exige, que uma teoria adequada sistematize e
explique, não são outra coisa senão consequências do positivismo exclusivo, com
as quais outras vertentes teóricas não têm obrigação. Por outro lado, ainda que
consideremos os traços como elemento pré-teóricos aos quais, de fato, a teoria
precisa explica, não existe razão para supor que o positivismo inclusivo seja
incapaz de fazê-lo.

O quinto argumento que é objeto de exame é o argumento da função, segundo


o qual o positivismo exclusivo teoricamente captaria a concepção fundamental da
função do direito, qual seja, “identificar de un modo accesible las pautas de
comportamiento requeridos para la cooperación social”.91

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Prover pautas publicamente descobríveis é uma das funções fundamentais do


direito. Os indivíduos deverão se submeter às pautas, não podendo se esquivar de
obedecê-las atacando a sua justificação. Cuidam-se de guias mandatórios do agir
humano. É por esse motivo que existe diferença na atuação do tribunal de aplicar o
direito (as pautas públicas e vinculantes, sobre as quais não se discute
justificações morais) e na execução de outras atividades, nas quais transformam e
desenvolvem o direito, com base em argumentações extrajurídicas (inclusive
morais).

A função que os positivistas atribuem ao direito, de balizar a ação individual e


social, os impede de compreender o direito dos sistemas modernos, segundo
argumenta Dworkin. No raciocínio dworkiano, nem sempre o recurso a princípios é
feito com vistas a criar direito novo. Os juízes, na realidade, valem-se da
argumentação via princípio para afirmar direitos preexistentes.92 O modo de ver o
direito positivista impede o reconhecimento dessa possibilidade, isto é, a função
atribuída pelo positivismo ao direito o vincula à tese das fontes e, por conseguinte,
ao positivismo exclusivo, conforme pensa Dworkin.

Para Waluchow, o argumento da função não distingue de maneira adequada


atribuições de funções moral-valorativa e de funções descritivas. A identificação
das funções do direito é um exercício descritivo.

Ofrecen explicaciones sobre por qué ciertas cosas existen en la forma en que
existen, y a menudo articulan los propósitos que otra gente considera justificadamente
útiles. Pero estas articulaciones en modo alguno comprometen al hablante con las
mismas creencias valorativas (...). Así como puede ofrecerse una teoría descriptiva
del derecho, puede ofrecerse una explicación del  apartheid  sin buscar (sin éxito)
justificar su existencia y su uso contra los negros sudafricanos.93

Raz enxerga as atribuições de função ao direito como algo de natureza


descritiva, que não se pauta em critérios moral-valorativos, mas em juízos
metateóricos de importância.

Según Raz, el positivismo excluyente ha de ser recomendado, no porque ayuda a


“destacar estructuras y procesos sociales importantes”, a “tratar de clasificar lo que es
central y significativo en la comprensión común del concepto de derecho”. Lo que es
central y significativo podría considerarse así en virtud de nuestros intereses morales,
pero desde el punto de vista de Raz obviamente no es necesariamente de valor
moral.94

O fato é que, para Waluchow, a função atribuída ao direito por Raz não dá
motivos para que rechacemos o positivismo inclusivo.

Waluchow considera exagerada a proporção dada à ideia de que os positivistas


precisam ou devem acentuar a capacidade do direito de resolver questões sociais
de forma a torná-las invulneráveis às influências equívocas dos argumentos
morais.

Los positivistas no conciben ni necesitan concebir la relativa certeza,


determinación y previsibilidad que el derecho puede a veces crear, como su único o
más importante propósito. Tampoco necesitan concebir esto como una condición sine
qua non  de legalidad, como un propósito que debe alcanzarse si el derecho ha de
existir.95

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Por vezes, conforme aponta Hart, o direito emprega termos abstratos


(e.g.  razoável), que comprometem em algum nível a previsibilidade e garantem
certa flexibilidade no momento da aplicação. Entretanto, não significa que seu
funcionamento estará comprometido. Para Waluchow,

(...) es mejor que se nos requiera utilizar nuestro propio juicio y luego seamos
juzgados por ello, antes que tener una guía clara del derecho, pero que sea
completamente irrazonable en las circunstancias.96

Waluchow avalia ser exagerada ou desproporcional a certeza que se considera


obtenível das regras calcadas em fontes sociais e a instabilidade que
supostamente causam as regras cuja validade ou conteúdo dependem, ainda que
parcialmente, de investigações morais. Mesmo as regras identificáveis pela tese
das fontes possuem lacunas e estão sujeitas às polêmicas interpretativas. Por
outro lado, questões morais nem sempre são de difícil solução. Ou seja, não
necessariamente a moral compromete a função do direito de servir de parâmetro
de conduta confiável.

Las cuestiones de moral política poseen considerables zonas de penumbra e


incertidumbre, pero este hecho no debe ser exagerado. Tampoco debe ignorarse el
hecho de que cuestiones que giran en torno de la existencia e interpretación de
fuentes o con linaje poseen zonas de penumbra similares.97

Por esse prisma, o argumento da função não é suficiente para rejeitar o


positivismo inclusivo (e nem para que aceitemos o positivismo exclusivo).

O argumento da autoridade raziano é o último enfrentado por Waluchow no seu


exame da disputa entre inclusivistas e exclusivistas. Para Raz, o positivismo
exclusivo, uma vez que é o único que identifica o direito exclusivamente com base
nas fontes sociais (tese da fonte social forte), sem recorrer às razões dependentes
que são substrato das diretivas, é o único consistente com a natureza autorizativa
do direito, cujas diretivas devem ser suscetíveis de autoridade (de serem “razones
excluyentes” para agir que substituem – não competem com – as razões
dependentes). O positivismo inclusivo não se coaduna com essa natureza
justamente porque considera que “no siempre es posible identificar una ley,  l, sin
recurrir a las razones o consideraciones sobre las que  l  se propuso adjudicar y
decidir”.98  O positivismo inclusivo, afinal, não exclui a possibilidade da discussão
moral como condição necessária para a identificação da existência e conteúdo do
direito.

Waluchow considera que o engenhoso argumento de Raz não é motivo de


abalo ao positivismo inclusivo. Para o inclusivista, que o direito seja
necessariamente autorizativo não implica que a existência e o conteúdo de todas
as diretivas jurídicas devem ser identificadas independentemente de considerações
morais. Cuida-se de uma conclusão falsa, a que Raz, teoricamente, nos conduz
por meio da enganosa analogia do árbitro.

No mundo jurídico, existem autoridades diversas (legislador, juiz, árbitro). O fato


é que as categorias de autoridade prática se distinguem umas das outras.
Destarte, existem características que separam o árbitro das demais autoridades.

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Muito embora a função ordinária da arbitragem seja a solução de disputas, não


é a única possível. O árbitro pode ter objetivo educativo, por exemplo. Nesse caso,
surgiria a necessidade de examinar as razões dependentes de sua decisão.
Existirão casos em que o árbitro produzirá decisão cuja interpretação requer
investigar parcialmente algumas das razões dependentes em conflito.99

Outro ponto importante diz respeito ao fato de que as razões dependentes cujo
exame ulterior frustraria a função arbitral (estabelecer a disputa) sãos aquelas a
que a diretiva arbitral deve substituir. Recorrer a outras possíveis razões ao
interpretar a diretiva não necessariamente, por esse raciocínio, frustraria a
atividade arbitral (porque são outras razões, que não as substituídas pelas
diretivas).100 “El conjunto de todas las razones morales no es idéntico al conjunto
de razones dependientes en conflicto en un caso de arbitraje”.101

Do exposto, Waluchow conclui que a analogia entre o direito e arbitragem


apenas falsifica o positivismo inclusivo se:

a) el primordial, o al menos un esencial objeto del derecho es que debería decidir


contiendas sobre razones dependientes de un modo concluyente y dotado de
autoridad; y b) este objeto se frustraría por completo si fuera alguna vez necesario
considerar razones morales dependientes para la acción para identificar e interpretar
leyes válidas; se obtiene c) alguna razón para preferir el positivismo excluyente sobre
el incluyente. ¿Pero por qué deberían aceptarse a) y b)?102

Waluchow, então, coloca sob dúvida a ideia de que a função única essencial do
direito é a decisão autoritativa de disputas sobre razões dependentes. Veja-se, por
exemplo, as sociedades regidas por Constituições repletas de valores positivados.
Nesses âmbitos, é também função, não apenas a resolução de questões práticas,
mas também o respeito a esses direitos morais. Se a diretiva conflita com tais
direitos, pode não ser mais considerada vinculante ou válida. As sociedades em
questão aceitam algum grau de indeterminação em benefício da promoção de
outros valores. Esses valores, inclusive, que não se confundem com as razões
dependentes que subjazem a diretiva, podem ser motivo para questionar sua
validade.

La validez de una ley, por ejemplo, podría ser cuestionada sobre bases morales
que no tienen relación con las razones dependientes que aquélla se propone a
determinar (...). De esto se sigue que el positivismo incluyente, que da lugar a tales
criterios morales de validez para el derecho, no puede refutarse sobre la simple base
de que haría depender la identificación de una directiva jurídica válida de “las
consideraciones de peso y resultado sobre las que ella pretendía resolver”.103

86

.Idem, p. 119.
87

.Idem, ibidem.
88

.Idem, p. 220-221.
89

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.Idem, p. 127.
90

.Idem, p. 128.
91

.Idem, p. 133.
92

.Idem, ibidem.
93

.Idem, p. 134.
94

.Idem, p. 136.
95

.Idem, ibidem.
96

.Idem, ibidem.
97

.Idem, p. 138.
98

.Idem, p. 142.
99

.Idem, p. 147.
100

.Idem, p.  148. “Por ejemplo, podría haber acuerdo entre las partes sobre algún principio moral
necesario para interpretar la directiva del árbitro. Tal vez la contienda no se refiera a qué requiere
este principio sino a si el principio es el único relevante. En tal caso, la necesidad de apelar a la
razón moral articulada por el principio con el objeto de comprender la directiva no sería
impedimento alguno”.
101

.Idem, p. 154.
102

.Idem, p. 149.
103

.Idem, p. 154.

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2.4.1.4. Positivistas exclusivistas: Joseph Raz

O positivismo contemporâneo tem um ponto de partida comum: Ronald


Dworkin. A sobrevivência da doutrina positivista dependia dos contra-argumentos
que pudesse oferecer às críticas formuladas por Dworkin.

O revide de Joseph Raz se pauta na doutrina da autoridade do direito,


reforçada por dois argumentos – o primeiro, pautado nas distinções intuitivas
presentes em nossa compreensão, o segundo, baseado na sua função104.

Joseph Raz pretende a defesa da tese social (numa versão estrita


intitulada  tese das fontes), para o que não considera necessário qualquer
compromisso com a tese moral105 ou a tese semântica.106-107

A tese social está diretamente relacionada à identificação do direito108. É,


portanto, preocupação que precede a discussão acerca da legitimação ou mérito
moral do direito109. “Isso não significa que argumentos morais não possam estar
envolvidos na identificação do direito. Raz acredita que não estão”110.

Joseph Raz argumenta em favor de uma versão forte da tese social. Segundo
Raz, a tese social é a mais fundamental entre aquelas retro-numeradas e,
inclusive, é responsável pelo nome “positivismo”, o qual “indica la idea de que el
derecho es puesto, de que es hecho derecho por la actividad de seres
humanos”111.

Consoante a versão forte da tese social, uma teoria do direito apenas é


aceitável

(...) cuando sus criterios (test) para identificar el contenido del derecho y
determinar su existencia dependen exclusivamente de hechos de conducta humana
susceptibles de ser descritos en términos valorativamente neutros y cuando es
aplicada sin recurrir a argumentos morales112.

Para os adeptos da dimensão fraca da tese social, a eficácia e o caráter


institucional do direito bastam para explicar seus fundamentos sociais. A satisfação
de um determinado grau de eficácia e institucionalidade basta para que exista um
sistema jurídico. Atendidos os requisitos de eficácia e institucionalidade é possível,
inclusive, que critérios morais sejam incorporados para que identifiquemos direitos
e deveres de um ordenamento.

Muito embora reconheça que os requisitos listados pela tese social fraca sejam
verdadeiros, Raz não os considera suficientes para a caracterização do positivismo
jurídico.

Considerando-se apenas o quanto proposto pela tese fraca, não seria possível
negar que, por vezes, a identificação de algumas normas jurídicas exige
argumentos morais ou que, em todo ordenamento, a identificação de certas
normas exige argumentos morais113. Ou seja, não seria possível afastar a relação
contingente ou necessária entre direito e moral, razão pela qual a tese fraca não é
uma tese distintamente positivista; não explica por si só a identidade dos sistemas

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jurídicos e, ainda, é compatível com as teses não positivistas que colocam a moral
como condição necessária para o direito.

A tese social forte, a despeito de também reconhecer os requisitos de que trata


a tese fraca, vai além: a identificação do conteúdo de um sistema jurídico deve ser
completa e exclusivamente determinada por fontes sociais, jamais se escorando
em argumentos de cunho moral. Fundamentos sociais de direito seriam apenas as
fontes exclusivamente sociais:

Una disposición jurídica tiene una fuente si su contenido y existencia puede ser
determinado sin usar argumentos morales (permitiendo, sin embargo, argumentos
sobre las concepciones e intenciones morales de la gente, las cuales son, por
ejemplo, necesarias para la interpretación). Las fuentes de una disposición jurídica
son aquello hechos em virtud de los cuales ésta es válida y su contenido identificado.
Este sentido de “fuente” es más amplio que el de ‘fuentes formales’ las cuales son
aquellas que establecen la validez del derecho (una o más leyes del Parlamento
conjuntamente con uno o más precedentes, puede ser la fuente formal de una
disposición jurídica). “Fuente”, tal y como es usada aquí, comprende, también,
‘fuentes interpretativas’, a saber, todos os materiales interpretativos relevantes. La
fuente del derecho, así entendida, no es nunca un acto individual aislado (de
legislación, etcétera), sino toda una gama de hechos de variedad de tipos114.

Raz aponta dois argumentos que, combinados, recomendam a adoção da tese


das fontes (tese social forte): o argumento das distinções intuitivas e o argumento
sobre a função do direito.

Conforme o argumento das distinções intuitivas, a tese social forte “reflete e


explica nossa concepção do direito”115. A concepção que temos do direito é
identificada com escoro numa série de distinções, isto é, de crenças intuitivas e
notoriamente verdadeiras sobre o direito, que, naturalmente, fazemos todos os dias
e que qualquer teoria deve aceitar e explicar (do contrário, deixaria de lado uma
parte importante da nossa compreensão sobre o direito). A tese das fontes teria o
condão de explicar e sistematizar tais distinções.116

Que distinções são essas?

A primeira, segundo Raz, é aquela entre as habilidades jurídicas e a


sensibilidade moral de um juiz117. A segunda é aquela que se estabelece entre
aplicação do direito e sua criação, inovação e desenvolvimento118. Existem casos
em que a atuação do juiz é nebulosa (não se sabe ao certo se aplicou ou inovou) e
outros casos em que é mais clara. Num geral, parece-nos que o juiz se vale de
argumentos morais quando desenvolvem o direito e de habilidades jurídicas
quando o aplicam. Por fim, a distinção que se coloca entre o direito certo e o direito
incerto. O direito, como se sabe, não possui respostas determinadas para algumas
questões jurídicas. Quando alguém se vale dessa assertiva pode estar se referindo
ao fato de que: a) não se sabe qual o direito é aplicável ou qual a resposta jurídica
adequada à questão; b) o caso é uma questão aberta para a qual o direito não
prevê resposta ou solução, ou seja, é um caso de lacuna. No argumento raziano, é
relevante a exploração da segunda alternativa. Diante das lacunas é que o jurista
cria direito novo, oportunidade em que argumentos jurídicos passam a segundo
plano e cedem passo à argumentação moral.119

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La tesis de las fuentes explica y sistematiza estas distinciones. De acuerdo con


ella, el derecho em cuestión es cierto cuando fuentes jurídicamente obligatorias
proporcionan su solución. En tales casos se dice de los jueces que aplican el derecho
y, en virtud de que está basado en una fuente, su aplicación supone habilidades
jurídicas técnicas para razonar a partir de tales fuentes sin recurrir a su sensibilidad
moral. Si una cuestión jurídica no está resuelta por estándares derivados de fuentes
jurídicas, entonces se carece de una respuesta jurídica – el derecho en cuestión es
incierto –. Al decidir tales casos los tribunales inevitablemente establecen nuevos
fundamentos (jurídicos) y las decisiones judiciales desarrollan el derecho (al menos en
los órdenes jurídicos basados en sistema de precedentes). Naturalmente, sus
decisiones en dichos casos se basan, al menos parcialmente, em consideraciones
morales y otras de tinte extra-jurídico120.

Compreendido o argumento referente às distinções, passemos ao argumento


da função do direito. Segundo tal argumento, a tese das fontes captaria a
essência da função do direito121. A vida social, conforme é comumente aceita,
requer e é facilitada por vários padrões de abstenção, cooperação e coordenação
entre os membros da sociedade122.

Cada membro da sociedade, porém, pode ter uma visão diferente sobre quais
esquemas de cooperação, coordenação e abstenção são apropriados. É parte
essencial da função do direito identificar até que ponto uma opinião particular dos
membros ou grupos influentes da sociedade se torna uma opinião que obriga a
todos, inclusive aqueles que não estejam de acordo com ela. O direito cumpre com
esse objetivo de identificação por meio do estabelecimento de formas
publicamente determináveis (independente de opiniões particulares) de guiar a
conduta e regular a vida em sociedade. O “derecho es un patrón público por medio
del cual se puede medir el proprio comportamiento como, también, el
comportamiento de los demás”123.

É função básica do direito o fornecimento dos padrões publicamente


verificáveis para identificar os comportamentos obrigatórios. Uma coisa são
opiniões ou pontos de vista, outras são  regras dotadas de autoridade. São
necessários critérios por meio dos quais possamos diferenciar um e outro.

Não é possível identificar as regras dotadas de autoridade por meio de opiniões


particulares e nem por meio de justificações morais de qualquer tipo, porque o
dissenso sobre concepções morais frustraria a tarefa do estabelecimento de um
padrão comum. Assim,

(...) o direito deve nos permitir distinguir entre opiniões particulares e regras
dotadas de autoridade, do contrário ele não poderia colaborar na manutenção da
cooperação e coordenação social, que julgamos ser sua função essencial. É por conta
disso que a tese das fontes é verdadeira: admitir que o direito contém padrões não
dotados de  pedigree  significaria eliminar a distinção entre uma opinião particular e
uma regra dotada de autoridade. Só por meio de critérios publicamente acessíveis e
empiricamente verificáveis (fontes sociais) é possível que o direito cumpra sua função
essencial124.

Além do argumento das distinções e o argumento da função, Raz defende a


tese das fontes por meio de um terceiro argumento: o argumento da autoridade,
segundo o qual apenas a tese das fontes se ajusta à reivindicação de autoridade
realizada pelo direito, reivindicação essa que constitui um de seus aspectos mais

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fundamentais. “Apenas a tese das fontes, portanto, é compatível com a natureza


autoritativa do direito”.125

A tese das fontes, ao tempo que lida com o problema da identidade dos
sistemas jurídicos, lida também com a questão da relação entre direito e moral.
Segundo a tese das fontes, não é possível que uma norma se torne jurídica por ser
moralmente vinculante e nem que uma norma deixe de ser jurídica por ser
moralmente reprovável.126

O que, segundo Raz, torna as respostas dadas pela tese das fontes
verdadeiras é a conexão entre direito e autoridade.

Joseph Raz restabelece uma diferenciação entre os conceitos de autoridade


legítima, autoridade de facto e mero controle ou poder.

Autoridade de fato é aquela que se proclama legítima ou é reconhecida dessa


forma por parte significativa da população, podendo, de facto, sê-lo ou não127. Toda
autoridade legítima é uma autoridade de facto, mas nem toda autoridade de facto é
uma autoridade legítima128. Autoridade legítima é aquela que reivindica a
legitimidade de forma justificada.

Por outro lado, o sujeito que, ao agir, o faz apenas com base no uso ou na
ameaça do uso da força, sem qualquer reivindicação ou crença de legitimidade,
não é uma autoridade de facto, mas uma pessoa em simples posição de poder ou
controle.129

O direito, segundo Raz, é necessariamente dotado de autoridade de facto130. É


a presença do elemento autoridade  de facto  que explica a linguagem e a forma
utilizadas pelos oficiais na apresentação de suas diretivas; é o elemento
autoridade  de facto  que explica por que, do ponto de vista jurídico, dizemos ter
obrigação de obediência para com o direito.

Um sistema que não reivindica legitimidade ou que não é considerado legítimo


pela população não pode ser considerado jurídico. A “reivindicação” de autoridade
legítima equivaleria, para Raz, a uma reivindicação de direito de ser obedecido.
Sociedades em que pessoas ou instituições em posição de controle não afirmem
tal direito ou não afirmem que os sujeitos lhes devem algum tipo de obediência
podem até mesmo existir (ainda que Raz considere isso improvável), mas elas
teriam uma forma tão diferentes das instituições que chamamos de autoridade, que
não precisaríamos alterar nossa análise do conceito para abarcá-las. O direito, por
esse raciocínio, é uma típica instituição “autoritativa”131.

Nada obstante o direito não precise realmente gozar de legitimidade para


possuir autoridade de fato, é necessário que preencha alguns requisitos mínimos
para que possa, ao menos, reivindicá-la.132 Dito de outro modo, o direito só pode
frustrar o objetivo de legitimidade por alguns meios; só pode deixar de atender a
legitimidade pela ausência de alguns requisitos, dado que outros constituem
um  minimum  necessário para que possa, ao menos, reclamar autoridade
legítima.133

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Existem duas ordens de condições necessárias à autoridade legítima: as


condições morais/normativas e as condições não morais. As condições não morais
se referem a todos aqueles requisitos exigidos para que tenhamos capacidade de
possuir autoridade (ex.: habilidade de se comunicar).134

Diretivas dotadas de autoridade se diferenciam de meros pedidos, porque


peremptórias e constituem uma razão para o particular agir num determinado
sentido. É o caso, por exemplo, da sentença de um árbitro eleitos por duas partes
para julgar um determinado caso. Sua diretiva é dotada de autoridade porque
peremptória e, nessa qualidade, constitui uma razão prática (razão de agir) para os
envolvidos.135

A decisão arbitral deve refletir as razões conflitantes e representar a solução ao


conflito que o árbitro considera adequada. A razão contida na decisão arbitral
pretende substituir as razões das partes (das quais a primeira é, inclusive
dependente). A razão substitutiva é intitulada, por Raz, de razão peremptória.

As razões consideradas pelo árbitro ao decidir não podem ser levadas em


conta após a sentença. A sentença arbitral não pode ser criticada com base nas
razões individuais que foram seu substrato. Essas foram adequadamente
consideradas na decisão que as substitui. Poderá, porém, a sentença ser atacada
com base em outros critérios. Uma razão peremptória não é, pois, uma razão
absoluta e incriticável.

As noções de preempção e dependência mencionadas são aspectos


importantes de uma relação de autoridade. Dessa forma,

(...) ambos se relacionam da seguinte maneira: como a decisão do árbitro deve


estar baseada nas razões que se aplicam ao caso (no esquema, em r1, r2 e r3), às
partes não é mais dado levá-las em conta para decidir como agir. A tarefa de avaliar
que ação é apoiada pelo equilíbrio de razões entre r1, r2 e r3  foi transferida para o
árbitro. Se, mesmo com sua decisão, as partes ainda decidissem com base no que
julgam ser o correto curso de ação apoiado pelo equilíbrio de  r1, r2 e r3, elas
“frustrariam o point e propósito da arbitragem”136.

Operada a substitutividade, as razões dependentes (aquelas nas quais a


decisão se baseia) não podem mais ser consideradas. Ou consideramos a decisão
que sumariza o equilíbrio entre as razões ou consideramos as razões em si.
Colocar elas lado a lado como um motivo combinado para a ação é contar as
mesmas razões duas vezes.

A decisão é o reflexo do equilíbrio de razões feitos pelo julgador. É possível que


as partes não concordem com o equilíbrio de razões projetado. Entretanto, devem
agir conforme o  decidido  ainda assim, o que não atenta contra a autonomia dos
sujeitos.

Veja-se que os indivíduos possuem razões de primeira e de segunda ordem


para agirem. As razões de primeira ordem são quaisquer razões para que alguém
faça algo. As razões de segunda ordem são para agir ou deixar de agir com base
em outra razão. Quando o sujeito age com espeque numa decisão, possui uma
razão para abdicar de agir com fundo nas razões de primeira ordem. Se as razões
de primeira ordem conflitam com a decisão, deve-se socorrer ao princípio segundo
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o qual as razões exclusionárias (para não agir de acordo com algo) prevalecem
quando conflitam com razões de primeira ordem.

Considerando a existência de razões de segunda ordem que guiam os


indivíduos, não é possível alegar que o agir conforme uma decisão da autoridade
arbitral ceifa a autonomia.137

A partir do exemplo do árbitro, Joseph Raz constrói uma concepção geral de


autoridade (autoridade como serviço ou  service conception of authority), que é
resumida nas teses da dependência, da preempção e da justificação normal.

A tese da dependência é aquela segundo a qual as diretivas dotadas de


autoridade devem se pautar, entre outras coisas, nas razões de primeira ordem.
Tanto as razões de primeira ordem quanto a diretiva são intituladas razões
dependentes.

A tese da preempção, a seu turno, é aquela segundo a qual a diretiva de


autoridade substitui as razões de primeira ordem no conjunto de fatores que o
indivíduo considera no momento da ação. Não é somada às razões de primeira
ordem, mas as substitui enquanto juízo de equilíbrio entre essas.

Por fim, a tese da justificação normal dita que a autoridade estará justificada se
for mais provável que seu juízo de equilíbrio das razões aplicáveis ao caso seja
mais correto que o julgamento realizado pelo particular.138

O árbitro é investido nas suas funções quando é escolhido pelas partes para
julgar determinado conflito. Por força da tese da justificação normal, o acordo entre
as partes é dispensado. A justificação da autoridade se dá porque essa se
encontra numa situação melhor que a dos particulares para avaliar as razões
aplicáveis ao caso, proferindo uma diretiva que as reflita. Noutras palavras, a
autoridade se justifica quando passa pelos testes de dependência e de justificação
normal. Se o fizer, a preempção também estará justificada (e não apenas alegada).
Os indivíduos terão justificativa para substituir suas razões pela diretiva quando a
diretiva obedecer às teses da dependência e da preempção.

Preexiste a investigação sobre a legitimidade da autoridade à investigação


acerca dos pré-requisitos para a posse de autoridade. Se se adequar ao teste triplo
retroanunciado, a autoridade será legítima.

Os testes, ao oferecer critérios de legitimidade para a autoridade, constituem


requisitos normativos da autoridade legítima. Os critérios ou requisitos não
normativos dizem respeito à aptidão para a posse de autoridade em si. Quando a
autoridade contempla os critérios não morais, mas não os critérios morais, é uma
mera autoridade de facto.

Os critérios não morais sempre deverão ser satisfeitos para que a autoridade
possa, ao menos, ser uma autoridade  de facto. Alegar que o direito é uma
autoridade  de facto  pressupõe que atenda a todos os critérios não morais. A
afirmativa é forte. Como Raz deseja instrumentalizar a teoria da autoridade em
favor da tese das fontes, acaba por se contentar com a afirmativa de que o direito
obedece ao menos dois critérios não morais: a condição da visão do agente e a
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condição da identificação independente. “Estes dois critérios representam


condições para que algo ou alguém possa ter autoridade, ou, o que dá no mesmo,
para que possa alegar, de maneira significativa, possuir autoridade legítima”.139

A condição da visão do agente determina que, para que a diretiva tenha


autoridade, deve representar (ou alegar-se enquanto) a visão de um agente sobre
o qual o sujeito deve agir. A condição da identificação independente estabelece
que a diretiva só pode deter autoridade se puder ser identificada sem recurso às
razões dependentes às quais reflete.140

Para que o direito seja, ao menos, autoridade  de facto, deverá obedecer aos
requisitos não normativos da condição da visão e da condição da identificação
independente. Para Raz, apenas a tese das fontes satisfaz as condições não
normativas retro. A tese da coerência (Dworkin) e a tese da incorporação não a
satisfazem, e, por isso, devem ser rejeitadas.141

O problema que imediatamente nos vem à mente quando analisamos a defesa


aguerrida da tese das fontes  raziana  é o seguinte: se o direito realmente é
identificado exclusivamente a partir do teste de fontes, como explicar as decisões
que se baseiam em princípios? Noutras palavras, Raz precisa ainda dar conta da
crítica primeira de Dworkin e o faz a partir de dois argumentos principais.

A primeira linha argumentativa de que se vale Joseph Raz está relacionada aos
intitulados “poderes dirigidos”. Raz assume que, por vezes, não existem regras
rastreáveis por meio das fontes sociais aptas a solucionar o caso  sub iudice.
Nessas circunstâncias, o magistrado será compelido a criar a regra. Cuidam-se de
situações em que o direito fornece razões para o seu desenvolvimento, isto é, o
direito se torna “una fuente de inspiración para su próprio desarrollo. Las ideas
incorporadas en él pueden sugerir soluciones para problemas sociales o jurídicos
nuevos”142.

As razões podem ser do tipo auxiliar ou do tipo operativa. Razões operativas


são aquelas que municiam o juiz de força motivadora para a inovação no
ordenamento jurídico. Razões auxiliares constituem razões de “conveniência” ou
de possibilidade prática para a inovação.143

Raz assume que é pacífico que o direito oferece razões auxiliares para seu
desenvolvimento, restando investigar se pode oferecer razões operativas.144 Saber
se o direito fornece razões operativas para sua inovação depende da compreensão
dos intitulados poderes legislativos ordinários ou comuns.

As leis, conforme se sabe, é que outorgam poderes legislativos à esse ou


àquele órgão. O órgão ser dotado de poder legislativo não significa que tenha
razão para utilizá-lo.145  Conforme Raz, em geral a instituição competente é livre
para utilizar como queira do poder legislativo.146 Existem casos, porém, em que o
poder, quando outorgado, vem associado ao dever de exercício. É o que ocorre
com os legisladores subordinados, a quem o legislador originário confere poder
legislativo para a consecução de um fim: o subordinado não apenas pode,
como  deve  criar novas regras.147  Ao poder-dever de criação do direito Raz
denomina “poder delegado dirigido”.148  Ao fixar um dever legislativo, o direito

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fornece razões para o seu desenvolvimento. Nesse ponto, “encontramos que el


derecho brinda razones para la inclusión de nuevas normas jurídicas, aunque éstas
no sean parte del derecho hasta que hayan sido promulgadas por la autoridad que
tiene esa facultad”.149

Por meio do poder dirigido, a instituição subordinada cria direito novo, isto é,
regra que dantes não existia no ordenamento. Considera-se que em um caso
decidido por meio de princípio, o Tribunal exerceu um poder dirigido, introduzindo
regra nova no sistema. Antes de o juiz aplicá-lo, o princípio não era parte
integrante do direito – Raz insiste –, mas, tornar-se-á regra jurídica para o futuro ao
“afirmar que estas sentencias efectivamente modifican el derecho, supongo que, o
bien establecen un precedente obligatorio, o bien cristalizan una costumbre
judicial”.150-151

O magistrado, vale dizer, criou regra nova guiado por razões que o próprio
direito lhe deu para fazê-lo (razões internas). Inovou,  a partir  do direito, mas não
aplicou direito preexistente. Sob o prisma raziano, é incorreto afirmar que o padrão
moral aplicado pelo magistrado desde sempre vinculava o Judiciário.

As cartas de direito, que contêm normas que se reportam a valores morais,


nada mais fazem que outorgar aos juízes poderes dirigidos para desenvolver o
direito com base em critérios morais específicos, isto é, criar regras novas para os
diversos casos (quando necessário) a partir de valores constitucionalmente
insculpidos.152

De toda sorte, nos hard cases – entendidos como aqueles que não se decidem
a partir de uma regra identificada a partir do teste de  pedigree – o juiz aplica
padrões  extrajurídicos  ao prover a solução. Não são parte integrante do direito,
porque não possuem fonte social. Ou seja,

(...) em casos como esse, de maneira similar ao que ocorre com regras de direito
estrangeiro, os juízes estariam juridicamente obrigados a ir além do direito o que, ao
final, preserva a discricionariedade em sentido forte dos juízes sem redundar numa
incoerência com a prática jurídica (pelo menos, não de acordo com Raz).153

O que se deve ter em mente – e aqui partimos para a segunda linha


argumentativa  raziana  contra a crítica primeira de Dworkin – é que, para Raz,
existe uma diferença entre raciocinar sobre o direito e raciocinar de acordo com o
direito. Em sua visão,

He dividido el razonamiento jurídico en el razonamiento acerca del derecho y el


razonamiento según el derecho. El primero se rige por la tesis de las fuentes del
derecho, y considero que el segundo consiste a menudo en el razonamiento moral
directo. La aceptación de la tesis de las fuentes del derecho no implica la aceptación
del formalismo o de la autonomía del razonamiento jurídico.154

Raciocinar sobre o direito significa se imiscuir numa atividade autônoma, à luz


da tese das fontes, segundo a qual o direito resume apenas os padrões que
possuem fonte social. “Reasoning about law” é identificar o direito a partir da tese
das fontes. Existe, porém, um outro tipo de raciocínio que atua no momento
decisório. Cuida-se do raciocínio  de acordo com o direito, segundo o qual a
argumentação moral, por vezes, é utilizada para decidir, no contexto dos poderes
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dirigidos de que falamos anteriormente. O raciocínio de acordo com o direito é uma


exigência do próprio direito, levando em conta as regras dotadas de fontes, mas
indo além. Ao fim e ao cabo, regras e padrões jurídicos não são as únicas razões
relevantes no momento decisório.

Leitura recomendada

Básica

Norberto Bobbio; Nicola Matteucci; Gianfranco Pasquino. Dicionário de política.


Brasília:  Ed. UnB/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. Vol.  1, verbete:
direito.

Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro. 2. ed. São Paulo: Ed. RT,


2018. cap. 1.

Intermediária

Lenio Luiz Streck. In: Vicente Barreto (org.). Dicionário de filosofia política. São
Leopoldo: Unisinos, 2011. verbete: direito.

Tercio Sampaio Ferraz Junior. Ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1980.

Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


vol. 2, n. I. 7.

Avançada

Herbert Hart. Conceito de direito. 5. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2007.

104

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Introdução Crítica ao positivismo jurídico exclusivo: a teoria do
direito de Joseph Raz. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 77.
105

.“Su tesis moral es que el valor moral del derecho (tanto de una disposición jurídica particular como
de todo un orden jurídico) o el mérito moral que éste tenga es una cuestión contingente que
depende del contenido del derecho y de circunstancias de la sociedad a la cual se aplica”. Joseph
Raz. La autoridad del derecho: ensayos sobre derecho y moral. 2.  ed. Cidade do México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 1985. p. 56. “A tese moral afirma que o valor ou mérito
moral do direito é um fato contingente, dependente do seu conteúdo e das circunstâncias
concretas da sociedade na qual ele se aplica. Não existiria, assim, uma obrigação moral geral de
obedecer ao direito, já que não podemos determinar, em abstrato e sem uma análise do conteúdo
do direito e das circunstâncias de sua aplicação, se ele é moralmente legítimo ou não. O caráter
jurídico de uma norma não lhe confere, automaticamente, legitimidade moral”. Horacio Lopes
Mousinho Neiva. Op. cit., p. 80.
106

.“La única tesis semántica que puede ser identificada como común a la mayoría de las teorías
positivistas es una tesis negativa, a saber: que términos como ‘derechos’ y ‘deberes’ no pueden
ser usados con el mismo significado en el contexto jurídico y en el contexto moral”. Joseph Raz. La
autoridad del derecho… cit., p.  56. “A tese semântica positivista, por sua vez, afirma que termos

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como ‘direito’ e ‘dever’ não podem ser usados com o mesmo significado em contextos jurídicos e
não-jurídicos. Sabemos que termos normativos como esses não são usados exclusivamente em
contextos jurídicos. Assim como falamos de um ‘dever jurídico’, também falamos de ‘deveres
morais’. O que o positivista defensor da tese semântica ressalta é que, a despeito da coincidência,
os significados de tais termos nesses diferentes contextos são distintos”. Horacio Lopes Mousinho
Neiva. Op. cit., p. 80-81.
107

.Segundo Joseph Raz: “La afirmación de que lo que es y no es derecho es puramente una
cuestión de hechos sociales, deja abierta la cuestión de si los hechos sociales, por los cuales
identificamos el derecho o determinamos su existencia, le proporcionan valor moral”. Joseph Raz.
La autoridad del derecho… cit., p. 57. No mesmo sentido “Para Raz, dizer que o que é ou não é o
direito é uma questão de fato social deixa em aberto a questão de (i) se os fatos sociais que nos
permitem identificar o direito dotam-no ou não de mérito moral e (ii) se termos como ‘direito’ e
‘dever’ são utilizados ou não com significados distintos em contextos jurídicos morais”. Horacio
Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 82.
108

.“En términos muy generales la tesis social positivista es que lo que es y lo que no es derecho es
una cuestión de hechos sociales (esto es, la variedad de las tesis sostenidas por los positivistas
son diversos refinamientos y elaboraciones de esta gruesa formulación)”. Joseph Raz. La
autoridad del derecho… cit., p. 55.
109

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 83.


110

.Idem, p. 77.
111

.Joseph Raz. La autoridad del derecho… cit., p. 56.


112

.Segundo Joseph Raz: “La afirmación de que lo que es y no es derecho es puramente una
cuestión de hechos sociales, deja abierta la cuestión de si los hechos sociales, por los cuales
identificamos el derecho o determinamos su existencia, le proporcionan valor moral” (Idem, p. 58).
113

.Idem, p. 66.
114

.Idem, p. 67. Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 97.


115

.Joseph Raz. La autoridad del derecho… cit., p. 68.


116

.Idem, p. 70.
117

.Idem, p. 68.
118

.Idem, p. 69.
119

.Idem, p. 70.
120

.Idem, ibidem.

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121

.Idem, p. 71.
122

.Idem, ibidem.
123

.Idem, ibidem.
124

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 106.


125

.Idem, p. 105-106.
126

.Idem, p. 107.
127

.“La autoridad en general puede dividirse en legítima y de facto. Esta última alega ser legítima, o se
la considera así, y resulta efectiva en la imposición de su voluntad sobre una cantidad de
personas, sobre la cual alega tener autoridad, quizás debido a que su pretensión de legitimidad es
reconocida por buena parte de sus gobernados. No obstante, no necesariamente posee
legitimidad”. Joseph Raz. La ética en el ámbito público. Barcelona: Gedisa, 2001. p. 228-229.
128

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 108.


129

.Idem, p. 109.
130

.Joseph Raz. La ética en el ámbito público cit., p. 232.


131

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 113.


132

.“Supondré que necesariamente el derecho, todo sistema jurídico vigente em cualquier lugar, tiene
autoridad de facto. Esto implica que el derecho tiene la pretensión de poseer autoridad legítima, o
que se supone que la tiene, o ambos. Argumentaré que, aunque el sistema jurídico puede no tener
una autoridad legítima, y aunque su autoridad legítima puede no ser tan amplia como éste
pretende, todo sistema jurídico tiene la pretensión de poseer autoridad legítima. Si esta pretensión
de autoridad forma parte de la naturaliza del derecho, sin importar qué otras características tenga,
el derecho debe tener la capacidad de poseer autoridad. Un sistema jurídico puede no tener
autoridad legítima. Si le faltan los atributos Morales exigidos para investirlo de autoridad legítima,
no tiene ninguna. Pero debe poseer todos los demás rasgos de la autoridad, o de otra manera
resultaría extraño afirmar que tiene una pretensión de autoridad”. Joseph Raz. La ética en el
ámbito público cit., p. 222-223.
133

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 115.


134

.Joseph Raz. La ética en el ámbito público cit., p. 235.


135

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 119.


136

.Idem, p. 121. Sobre o tema, ver também: André Coelho. Op. cit.
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137

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 124.


138

.Idem, p. 127.
139

.Idem, p. 131.
140

.Idem, p. 131-132.
141

.Idem, p. 136.
142

.Joseph Raz. La ética en el ámbito público… cit., p. 260.


143

.Idem, p.  261-262. “Ya he trazado en otra obra una distinción entre dos tipos de razones, las
operativas y las auxiliares. Para explicarlo en forma sucinta, las razones operativas son aquéllas
que, de ser aceptadas, aportan una fuerza motivadora. Señalan la necesidad de una acción para
alcanzar un determinado objetivo. Las razones auxiliares conectan un determinado curso de acción
con ese objetivo, al mostrarlo como un camino para su consecución. El hecho de que mojarnos y
torna frío sea malo para nosotros constituye una razón operativa. El hecho de que, si salimos de
nuestra casa, nos mojaremos y tomaremos frío porque hay una tormenta, constituye una razón
auxiliar, que em combinación con la razón operativa recién mencionada señala que quedarse en
casa es lo que mejor podemos hacer. De manera similar, una promesa de suministrar determinada
información a un amigo constituye una razón operativa. El hecho de que en este momento se
encuentre en su casa y pueda comunicarme con él por teléfono es una razón auxiliar. Reunidas,
señalan que lo que debo hacer es llamar a mi amigo por teléfono.”
144

.Joseph Raz. La ética en el ámbito público cit., p. 262.


145

.Idem, ibidem.
146

.Idem, p. 263.
147

.“Los legisladores por delegación a menudo están sujetos a deberes legales con respecto a cómo
deben ejercitar sus poderes legislativos. Al igual que las condiciones que limitan las facultades
derivadas de la ley pueden variar ampliamente en el contenido. Me ocuparé de un tipo de deber:
se trata del deber de legislar, y de legislar normas que promuevan o protejan ciertos fines y ningún
otro”. Joseph Raz. La ética en el ámbito público cit., p. 263.
148

.Idem, p.  263. “A los fines del presente artículo, nos concentraremos en el poder legislativo
combinado con el deber de utilizarlo, y de utilizarlo únicamente para el logro de determinados
objetivos, independientemente de que este limitado de manera correspondiente o no. Denominaré
poder delegado dirigido a este poder, y a las obligaciones relacionadas con él”.
149

.Idem, p. 263-264.
150

.Idem, p. 267.
151

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.Idem, p.  271. “He dedicado una extensión considerable al argumento de que la sentencia de mi
ejemplo modifica y desarrolla el derecho, debido a que, una vez que este punto queda establecido,
resulta sugestiva y evidente la similitud entre la situación jurídica de los tribunales en tales casos y
la de un legislador por delegación, sujeto a un poder delegado dirigido. Hemos mencionado ya que
ambos tienen la potestad de crear derecho. En las situaciones que se ilustran en el ejemplo, los
poderes de los tribunales son dirigidos, v.g. están sujetos a deberes que prescriben los únicos fines
a los que debe abocarse el ejercicio de tales facultades, y obligan a los tribunales a emplearlas con
esos fines. Éstos están representados en las doctrinas generale, por ejemplo, la que declara la
ilegalidad de todos los contratos que propician la corrupción en la vida pública. Al tratar con casos
que se encuentran comprendidos en esta doctrina, los tribunales pueden desarrollar el derecho,
pero sólo con fin de adaptarse a las circunstancias de los distintos casos. Evaluamos sus
esfuerzos a partir del éxito alcanzado en lograrlo, y consideramos que han faltado a sus deberes si
sus sentencias no se ajustan a las doctrinas aplicables”.
152

.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 261-262.


153

.Idem, p. 262.
154

.Joseph Raz. La ética en el ámbito público cit., p. 355.

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2.5. Definição pós-positivista

Podemos resumir a definição pós-positivista155 de direito como aquela em que o


fenômeno jurídico é analisado a partir da perspectiva da concretização, sendo o
conceito de direito um “conceito interpretativo”.156  Com efeito, a segunda metade
do século XX representa para o direito uma revolução nos níveis teórico e prático.
No nível teórico, a necessidade do reconhecimento de uma especificidade do
direito diante da política – em face dos movimentos que levaram ao totalitarismo da
primeira metade do século – desloca o foco metodológico em direção à decisão
judicial que garante uma autonomia maior do que a velha postura formal
decorrente de uma pura teoria da legislação, recorrente no imaginário jurídico
desde os movimentos que sucederam a revolução francesa e o posterior período
codificador. No nível prático, tento em vista o espaço de reflexão colocado no
âmbito da decisão judicial, as questões sobre interpretação passaram a ocupar o
centro das atenções.

Diferentemente das teorias positivistas, as posturas teóricas que se


desenvolvem neste contexto procuram afirmar a radicalidade de uma espécie de
“elemento antropológico” que atravessa toda a experiência hermenêutica e que era
desconsiderado pelo positivismo. Isso em virtude do predomínio das questões
teórico-abstratas e da configuração da interpretação como mero voluntarismo do
órgão aplicador da norma.157  Diante do enigma que o elemento antropológico
manifesta – de maneira sintomática – na experiência hermenêutica, o positivismo
foge em direção à investigação teórica, suprimindo, consequentemente, a práxis de
sua esfera de preocupações: o direito é pensado como um sistema de normas e a
tarefa do jurista é ordenar, segundo os rigores da lógica, esse sistema de modo
coerente e racional. Mas essa ordenação deve se dar primeiro num plano abstrato,
num nível de conhecimento, para somente depois se voltar para os problemas da
aplicação do direito. O enigma que o elemento antropológico acarreta aqui é
precisamente este: que tipo de conhecimento é a interpretação? É possível
desenvolver interpretações  in abstracto  desconsiderando as especificidades
particularíssimas do caso concreto, ou seja, dos fatos?

Também quanto à aplicação propriamente dita, as teorias positivistas da


primeira metade do século passado – conscientes da polissemia inerente a todo
texto jurídico – passaram a afirmar uma espécie de espaço de discricionariedade
daquele que aplica a norma à situação concreta da vida. Com efeito, como a
aplicação sequer era pensada como um problema hermenêutico, este último se
vinculava estritamente aos problemas interpretativos, as teorias positivistas, para
afirmar a especificidade e a autonomia do direito diante da política, passaram a
realizar uma cisão entre interpretação como ato de conhecimento e interpretação
como ato de vontade. Toda norma jurídica possui um espaço moldural que o
aplicador deve preencher com sua interpretação – e de acordo com sua vontade –
no momento da aplicação da norma. Nessa medida, a interpretação do juiz pode
ser  criticada  pela dogmática e pela ciência do direito, mas de maneira alguma
poderá ser o órgão aplicador da norma  declarado desobediente,  uma vez que a
interpretação do direito é um ato de vontade – portanto uma questão de filosofia

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prática – que não pode ser apreendida no nível teórico puro, onde se desempenha
uma interpretação como ato de conhecimento.158

Diante desse quadro geral, as posturas teóricas  pós-positivistas  procuram


enfrentar esse elemento antropológico a partir do desenvolvimento de teorias
interpretativas do jurídico que possuem, no momento da decisão – portanto, no
momento aplicativo – o seu ponto de estofo. Pode-se dizer, portanto, que há uma
espécie de radicalização hermenêutica por parte de diversas teorias que se
desenvolvem no contexto cultural do pós-guerra e que atravessa toda segunda
metade do século passado.159 Essa radicalização da hermenêutica traz consigo a
necessidade de se estudar, não apenas as peculiaridades da interpretação jurídica,
mas também o próprio desenvolvimento da hermenêutica durante o século XX.
Autores como Ernildo Stein falam desse período da filosofia contemporânea como
a “era da hermenêutica”,160  a partir da qual a  hermenêutica  foi alçada, de mera
disciplina auxiliar das ciências do espírito (Schliermacher/Dilthey), para condição
de Filosofia, fundamentada na existência e sendo percebida em seus vínculos
(antropológicos) com a práxis (Heidegger/Gadamer).

Acontece que, desde o século XIX, as discussões metodológicas e


interpretativas sobre o direito articulam a hermenêutica no sentido de uma
disciplina jurídica auxiliar, que tem por finalidade esclarecer as obscuridades das
leis para aprimorar, através de uma interpretação teórica, o processo de aplicação
do direito. A interpretação é vista aqui, portanto, como uma tarefa abstrata que
antecede o momento prático aplicativo. De se ressaltar que, no interior desse
entendimento, solvidas as questões teórico-interpretativas por meio dos vetustos
métodos de interpretação – desenvolvidos ainda no seio do paradoxal historicismo
alemão pelo gênio de Savigny – a aplicação do direito se daria de forma neutra e
imparcial, ainda que, nos casos de lacuna, fosse utilizada a aplicação analógica de
outro dispositivo intrassistêmico.

Como a teoria hermenêutica desenvolvida no decorrer do século XX aproximou


seu âmbito de reflexão da dimensão prática – a partir da afirmação da
compreensão existencial que o homem pressupõe de si mesmo nas suas relações
com as coisas e com o mundo que, por sua vez, já estão acompanhadas por uma
pré-compreensão em virtude da antecipação de sentido que incorpora o modo
prático do ser humano  ser-no-mundo – as questões jurídicas fundamentais da
interpretação, da aplicação e da fundamentação, precisam ser (re)colocadas sob
essas novas perspectivas, para que seja possível uma “correção” ontológica no
modo como a interpretação jurídica é desenvolvida tradicionalmente.

A ausência desse questionamento radical torna os resultados de uma


teoria  pós-positivista, preocupada com a indeterminação do direito e com o
problema prático da decisão judicial, precários e em grande medida duvidosos.
Mas essa aproximação da hermenêutica com a  práxis  (no sentido aristotélico
da phrónesis) só será compreendida na medida em que as sedimentações que a
linguagem jurídica produziu puderem ser removidas. Esse processo de remoção
dessa calcificação linguística se dará a partir da análise dos pressupostos teóricos
e filosóficos que sustentam as teorias do direito positivistas, de modo a fazer
aparecer como tais teorias “escondem” os problemas da razão prática. Isso implica
mostrar como que o voluntarismo kelseniano faz com que haja uma quase
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identificação entre teoria e prática que sufoca a diferença sustentada na filosofia


desde Aristóteles. Implica, também, em mostrar como o espaço da
discricionariedade da “textura aberta” de Hart é exatamente o espaço do saber
prático que a reflexão teórica do positivismo insiste em excluir da reflexão concreta.

Assim, nos quadros do chamado  pós-positivismo, o conceito de direito é


determinado a partir do inexorável elemento hermenêutico que acompanha a
experiência jurídica. O que unifica as diversas posturas que podem ser chamadas
de pós-positivistas é que o direito é analisado na perspectiva da sua interpretação
ou da sua concretização.

Leitura recomendada

Básica

Friedrich Müller.  O novo paradigma do direito.  São Paulo: Ed. RT, 2007.
Introdução.

Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão judicial e o conceito de princípio.  Porto


Alegre: Livraria do Advogado, 2008. n. 4.2.

Intermediária

Albert Calsamiglia.  Pospositivismo. Doxa – Cuadernos de Filosofia del


Derecho. n. 21. Alicante, 1998.

Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso.  São Paulo: Saraiva, 2011. posfácio,
n. 4.

Robert Alexy. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009.


cap. 2. III.

Willis Santiago Guerra Filho. Pós-modernismo, pós-positivismo e o direito como


filosofia. In:  José Alcebíades de Oliveira Jr. (org.).  O poder das metáforas:
homenagem aos 35 anos de docência de Luis Alberto Warat. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 1998.

Avançada

Friedrich Müller. Teoria estruturante do direito. São Paulo: Ed. RT, 2008.

Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010. texto n. 7
(Trinta anos depois).

155

.Segundo define Friedrich Müller, o termo  pós-positivismo não se refere a um  antipositivismo
qualquer, mas uma postura teórica que, sabedora do problema não enfrentado pelo positivismo –
qual seja: a questão interpretativa concreta, espaço da chamada “discricionariedade judicial” –
procura apresentar perspectivas teóricas e práticas que ofereçam soluções para o problema da
concretização do direito, e não para problemas abstrato-sistemáticos apenas. Aliás, registre-se que
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o termo pós-positivismo foi utilizado – de uma maneira expressa e com pretensões concretas – por


Müller já na primeira edição de seu  Juristische Methodik  em 1971. Cf. Friedrich Müller.  O novo
paradigma do direito. Introdução à teoria e metódica estruturante do direito. São Paulo: Ed. RT,
2008. p. 11.
156

.Cf. Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2006. parte II, passim.
157

.Nesse sentido, Cf. Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. cap. VIII.
158

.Cf. Hans Kelsen. Op. cit. Num sentido aproximado, mas afirmando um outro tipo de relação entre
razão teórica e razão prática, Hebert Hart fala de dois níveis em que se desenvolvem questões
jurídicas: o do observador e o do participante, cuja característica principal, que distingue um nível
do outro, é a objetividade e a isenção do observador em relação ao comprometimento casuístico
do participante. Cf. Hebert L. A. Hart. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1996.
159

.Basta recordar aqui as teorias de Friedrich Müller e Ronald Dworkin que, em contextos culturais e
sistemáticos distintos, pensam a questão da normatividade e a tarefa do direito de modo muito
aproximado. Isso porque, ambos os autores ressaltam a importância de se colocar a reflexão
jurídica junto a questões relativas ao saber prático, em detrimento do semânticismo que
predominava nas teorias positivistas. Quanto a isso, conferir: Friedrich Müller. Op. cit.; Ronald
Dworkin. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. De
um modo distinto, mas também reconhecendo a primazia metodológica da decisão judicial Cf.
Robert Alexy. Teoria de la argumentación jurídica. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid:
CEC, 1989; Robert Alexy.  El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2.  ed.
Barcelona: Gedisa, 1997. Entre nós essa questão é tratada, já há algum tempo, pelos mais
diversos setores do campo jurídico, abarcando desde trabalhos mais dogmáticos até trabalhos de
profundidade, com uma especificidade teórica mais evidente. Por todos Cf. Paulo
Bonavides. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999; Lenio Luiz Streck. Verdade
e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito.  4.  ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Marcelo Neves.  Entre Têmis e
Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006; Virgílio Afonso da Silva. Princípios e
regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção.  Revista Latino-americana de Estudos
Constitucionais. n. I, p. 607-630. Belo Horizonte: Del Rey, jan.-jun. 2003.
160

.Cf. Ernildo Stein. História e ideologia. Porto Alegre: Movimento, 1972.

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2.6. Conclusões principais

1) Além do conteúdo polissêmico do direito, de forma original e com a intenção de contribuir para o entendimento dos
leitores de como o direito se apresenta em termos experienciais-sociais, apostamos na apresentação de definições sobre o
conceito de direito não apenas como tradicionalmente se costuma fazer na doutrina. Dessa forma, exploramos alguns conceitos
que contribuem de modo diferenciado para o entendimento dos fenômenos jurídicos. Ei-los:

2) Conceito etnológico: com esse conceito trabalhamos com estudos antropológicos e sociológicos sobre o surgimento do
direito desde os tempos mais remotos e identificamos a gênese do direito nas relações de débito e crédito ocorridas nas
comunidades primitivas;

3)  Conceito historicista-etimológico: foi abordado com o intuito de demonstrar como a palavra (termo) direito nasce na
comunicação (linguagem) social da época antiga e como isso é determinante para tudo o que virá a ser referido como direito até
os dias atuais e;

4)  Definições jusnaturalista, juspositivista e pós-positivista: com o escopo de demonstrar como o conceito de direito se
desenvolveu historicamente e como o seu sentido foi sendo aprofundado com o tempo, inclusive em termos científicos, e como
está sendo pensado teoricamente nos dias atuais.

5) A proposta geral deste capítulo foi a de demonstrar como o direito é um fenômeno complexo e como ocorreu o sentido de
sua existência para os homens e de que forma, a partir de conteúdos teóricos e filosóficos que foram surgindo historicamente,
serviu para todo o desenvolvimento da civilização ocidental e como hoje trabalhamos com ele para resolver os problemas atuais
que vivenciamos.

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3. Direito e sua Função

3.1. Direito e regulação social

O direito é um fenômeno social. Essa constatação é inegável entre os


estudiosos do direito. Portanto, se é evidente que o direito seja um fenômeno
social, mais especificamente, que fenômeno social é o direito?1

Historicamente, pode-se afirmar que o direito possui o caráter de regulador das


relações humanas. O surgimento das normas jurídicas evidentemente está ligado à
ideia de que o homem é ser social e que se impõe, para sua convivência com os
outros, limitações de sua conduta, interagindo de distintas formas com ações no
meio social em que vive.2

Desse modo, pode-se afirmar que o fenômeno jurídico, como regra de conduta
social que se mostra, apresenta dois conteúdos muito importantes que, a saber,
são: a norma e a conduta jurídica.

A norma formada juridicamente e a conduta humana prevista juridicamente se


referem a um conteúdo importante da capacidade científica do direito. A norma
jurídica regula a conduta humana que determinada por ela pode ser considerada
como uma conduta jurídica. Nesse ambiente argumentativo, insere-se,
evidentemente, a questão entre as normas ou regras de conduta social gerais,
éticas, que de maneira tradicional são consideradas como morais, e o conteúdo e
efeito específico das normas jurídicas. Tal assunto pode ser com mais
profundidade explorado nos estudos introdutórios de filosofia jurídica.

Indiferentemente da perspectiva a ser considerada, norma e conduta jurídica se


implicam, pois esta última é sempre normada e aquela sempre referente à conduta
social, a que ela atribui natureza jurídica.

O fenômeno normativo que se liga à ideia de poder político é da essência do


jurídico, de modo que não se confunde com ele. Enquanto o sociólogo estuda os
indivíduos na medida em que desenvolvem relações sociais constantes, ao direito
cabe o estabelecimento de mecanismos que evitam desvios sociais dessa
interação.

Assim, compreende-se que norma e conduta jurídica implicam-se e evidenciam


aspectos básicos da realidade jurídica.

Como afirma Claudio Souto, o fenômeno jurídico é o mais social dos


fenômenos de regulamentação social.

De fato, as regras de conduta social em geral (ou regras éticas), excetuadas as


regras jurídicas, têm uma aceitação social menos intensa que essas regras
jurídicas. A aceitação e o cumprimento de regras, como as que impõem a
castidade, ou obrigam o vestir-se e o cumprimentar segundo determinados
padrões, são claramente menos gerais que a aceitação e o cumprimento de regras

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jurídicas. As regras jurídicas, por isso mesmo, na base de um bem vasto de


reconhecimento de seu caráter de mínimo pacificador indispensável, são
geralmente impostas pela força da via judiciária, ou, pelo menos, tendem a essa
imposição forçada. Isso tudo quer dizer que o fenômeno jurídico é um fenômeno
que apresenta um índice de maior socialização que os outros fenômenos de
normação social.3

Na capacidade jurídica de ser, praticamente, o fenômeno jurídico o mais


essencial dos fenômenos de regulamentação social, revela-se um importante
conteúdo do próprio direito enquanto sendo este fundamentalmente fenômeno
social.

A regulação de que trata o direito possui um forte conteúdo político,


compromissado com a sua capacidade de emancipação social, projetando-se, ou
melhor, devendo-se projetar com o escopo de contribuir com o desenvolvimento
humano e seu bem-estar social.

Nesse sentido, com Boaventura de Sousa Santos, pode-se afirmar que, em


todos os momentos da história, o direito é constituído por uma tensão entre
regulação (autoridade) e emancipação (razão), apesar de, com o desenrolar da
experiência humana, a emancipação acabar sendo absorvida pela regulação. O
potencial emancipatório do direito reside no fato de sua racionalidade não se
distinguir do bem-estar social universal.4

Desconsideradas as possíveis críticas e interpretações que o texto permite, o


que interessa é frisar o fato de o direito estar necessariamente engendrado, desde
sua formação, no processo de humanização, cabendo a todos que com ele
laborem – desde aportes teóricos até práticos – o reconhecimento dessa
significante potencialidade de contribuir na projeção das relações humanas.

Portanto, na definição do fato social do direito está, realmente, o centro mais


essencial da teoria sociojurídica, pois um dos maiores problemas com que se
defronta o estudioso do direito é a necessidade de compreendê-lo não apenas
como um conjunto de normas que formam um sistema lógico e disciplinador da
vida em sociedade, mas também como fato social.

Uma boa explicação do fenômeno social jurídico relaciona-se aos estudos


antropológicos que envolvem a gênese e o desenvolvimento do direito, expostos
na primeira parte deste capítulo.

A delimitação do direito como fato social deve evitar qualquer tomada de


posição filosófica e toda dogmatização de uma situação particular do direito,
vinculada a um tipo preciso de sociedade global, de estrutura ou de grupo. Para
fazê-lo, deve basear-se na variabilidade da experiência jurídica. A experiência
jurídica consiste no reconhecimento coletivo de fatos normativos que realizam um
dos múltiplos aspectos da justiça num quadro social dado.

Para Gurvitch, compreender o direito como fato social implica entender que “o
direito representa, um ensaio de realizar, num quadro social dado, a justiça (é
dizer, uma reconciliação prévia e essencialmente variável das obras da civilização

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em contradição) por meio da imposição de encadeamentos multilaterais entre


pretensões e deveres, cuja validez deriva dos fatos normativos, que levam em si
mesmos a garantia da eficácia das condutas correspondentes”.5

3.1.1. O direito como fato social e a satisfação das necessidades sociais

O direito em sua produção, desenvolvimento, em sua realização espontânea,


em suas projeções práticas aparece como um conjunto de fatos sociais. O próprio
ato de sentenciar dos juízes, bem como a formulação das leis pelos legisladores
apresentam-se como fatos sociais.

Nesse sentido, e de acordo que o que até aqui se apresentou, podemos chegar
a duas conclusões bem claras sobre o direito: 1) o direito que vige num
determinado momento é o resultado de um complexo de fatores sociais; 2) o
direito, que do ponto de vista sociológico é um tipo de fato social, atua como uma
força configuradora das condutas, seja modelando-as, seja intervindo nelas como
auxiliar, seja preocupando o sujeito agente de qualquer outro modo.6

Na estrutura da regulação social do direito há uma preocupação relacionada


com a resolução de conflitos de interesse pelo direito e sua atuação na forma
positiva organizadora do poder estatal. Independentemente das objeções críticas
que podem ser lançadas nessa nuance, é fundamental sua contribuição no
reconhecimento do direito como fato social e da sua predominante atuação sob o
ponto de vista organizacional do Estado.

Leitura recomendada

Básica

Henrique Garbellini Carnio; Álvaro de Azevedo Gonzaga.  Curso de sociologia


jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2011, cap. 10.

Intermediária

Cláudio Souto. Introdução ao direito como ciência social. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 1971.

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.  Introdução à sociologia geral. 2.  ed.


Rio de Janeiro: Forense, 1980.

Nelson Saldanha. Sociologia do direito. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 1989.

Avançada

Georges Gurvitch.  Tratado de sociología. Buenos Aires: Editorial Kapelusz,


1962. vol. 2.

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.Este item foi inicialmente desenvolvido na obra  Curso de sociologia jurídica. Para tanto, cf.
Henrique Garbellini Carnio; Alvaro de Azevedo Gonzaga. Curso de sociologia jurídica. São Paulo:
Ed. RT, 2011. p. 143150.
2

.Rosa Maria de Andrade Nery.  Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 36.
3

.Cláudio Souto. Introdução ao direito como ciência social. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1971.
p. 7.
4

.Boaventura de Sousa Santos. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência.


4. ed. São Paulo: Cortez, 2002. p. 129.
5

.Georges Gurvitch. Tratado de sociologia. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1962, vol. II. p. 218.
6

.Luis Recaséns Siches.  Tratado de sociologia. Porto Alegre: Globo, 1969, vol.  II, p.  692-693. O
referido autor esboça algo interessante sobre a questão da regulação social do direito. Segundo
ele, pode-se delimitar as seguintes espécies de necessidades sociais que o direito procura
satisfazer: “1) Resolução dos conflitos de interesses: para resolver os conflitos de interesses entre
indivíduos ou entre os grupos, o direito positivo age da seguinte maneira: a) Classifica os
interesses opostos em duas categorias: a.1) interesses que merecem proteção; a.2) interesses que
não merecem proteção; b) Estabelece uma espécie de tabela hierárquica na qual determina quais
os interesses que devem ter prioridade ou preferência sobre outros, e os esquemas de possível
harmonização ou compromisso entre interesses parcialmente opostos; c) Define limites dentro dos
quais esses interesses devem ser reconhecidos e protegidos, mediante preceitos jurídicos que
sejam convenientemente aplicados pela autoridade judicial ou administrativa, em caso de
necessidade; d) Estabelece e estrutura uma série de órgãos e funcionários para: d.1) declarar as
normas que sirvam como critério para resolver os conflitos de interesses; d.2) desenvolver e
executar normas; d.3) ditar normas individualizadas – sentenças e resoluções – nas quais se
apliquem as regras gerais. 2) Organização do poder político: o direito alicerçado no poder social
promove a organização do poder político exercido pelo Estado; 3) Legitimação do poder político:
enquanto o direito promove a organização do poder político cabe a ele legitimá-lo; 4) Limitação do
poder político: enquanto o direito organiza e legitima o poder político, cabe, enfim, a ele limitá-lo,
evitando a limitação deste poder pela sua própria força.”

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3.2. Direito e Sociologia

3.2.1. Augusto Comte e a sua Filosofia Positivista7

O termo sociologia foi criado em 1839 por Augusto Comte8  para indicar a
ciência da observação dos fenômenos sociais. De modo geral, atualmente, ele é
usado para designar qualquer tipo ou espécie de análise empírica ou teoria que se
refira aos fatos sociais, ou seja, às efetivas relações intersubjetivas, em oposição
às “filosofias” ou “metafísicas” da sociedade, que pretendem explicar a natureza
como um todo, independentemente dos fatos e de modo definitivo.9

Augusto Comte, fundador do positivismo clássico, na tentativa de explicar a


verdadeira natureza e o caráter próprio da sua filosofia positiva – em sua
obra Curso de filosofia positiva10–, aposta na possibilidade de ter encontrado uma
grande lei fundamental que pode, inclusive, ser solidamente estabelecida, quer na
base de provas racionais fornecidas pelo conhecimento de nossa organização,
quer na base de verificações históricas, resultante de um atento exame do
passado.

A referida lei consiste no fato de que cada uma de nossas concepções


principais, cada ramo de nosso conhecimento, passa sucessivamente por três
estados históricos diferentes: o estado teológico ou fictício; o estado metafísico ou
abstrato; e o estado científico ou positivo. Tal lei fundamental, então, é concebida
como Lei dos três estados.11

Respectivamente, esses três grandes métodos (filosofias) do pensamento


correspondem a estágios do desenvolvimento humano. A infância, enquanto o
estado teológico; a juventude, enquanto o estado metafísico, e a maturidade,
enquanto o estado científico.

Na realidade, tais leis representam sistemas globais de interpretação do


universo que determinam uma perfeita isonomia entre o desenvolvimento
intelectual do indivíduo (ontogênese) e o desenvolvimento intelectual do gênero
humano (filogênese).

No balanço desse desenvolvimento, pode-se encontrar a pista que funda toda


uma compreensão do processo de desenvolvimento civilizatório, a primeira forma
de explicação global e sua identificação com a causalidade da própria vontade
humana: o medo.

No estado teológico, o espírito humano, na investigação da natureza íntima dos


seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam, apresenta a
ocorrência de fenômenos como produzidos pela ação direta e contínua de agentes
sobrenaturais, cuja intervenção arbitrária, como já se demonstrou de alguma forma
anteriormente, explica todas as anomalias aparentes do universo.

No estado metafísico, que representa nada mais do que a simples modificação


geral do primeiro, os agentes supernaturais acabam sendo substituídos por forças
abstratas, verdadeiras entidades inerentes aos diversos seres do mundo e são
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concebidas como capazes de engendrar por elas próprias todos os fenômenos


observados, cuja explicação consiste na determinação para cada um de uma
entidade correspondente.

Por fim, no estado positivo ou científico, o espírito humano, reconhecendo a


impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o
destino do universo, passando, diferentemente do início, a fazer uso bem
combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas. Nessa dimensão, a
explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume, de agora em
diante, à ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns
fatos gerais.

De plano, o que nos interessa é como no estado teológico há uma explicação


global fundamental. Em outras palavras, a infância do processo de explicação do
universo é religioso-teológica.

3.2.1.1. O medo e o desejo como elementos motivacionais da


sociabilidade

O homem, no primeiro passo de seu conhecimento sobre o mundo – e mesmo


de si –, encontra-se na situação originária de que sua única forma de causalidade é
a de sua própria vontade.

As diversas formas de magia e a primitiva prece representam as maneiras de


explicar a existência e o seu modo de vida, no fundo, tudo se passa no ambiente
de se fazer alguma espécie de contrato com os deuses ou deus.

Esse contrato, no ambiente permeado pela concepção mágica, gera as formas


mais primitivas de sacralidade, sacrifício, castigo, dádivas12, entre outras, e servem
como ponto fulcral para essa análise, pois direcionam ao seguinte questionamento:
por que se entendia como a maior vantagem existente o fato de o homem – em
que sua única forma de causalidade é a de sua própria vontade –, empreender
esses tipos de contratos com os deuses?

De toda sorte de especulações possíveis, a mais certeira – e por isso aqui é


defendida – é a pista de que seja pelo sentimento mais primevo também aparecido
no homem: o medo.

O homem não é naturalmente especulativo, é um animal permanentemente


com medo, carências, indigências e angústias ancoradas tanto na sua condição
fisiológica quanto na psicológica. Em seu estado primitivo, à mercê de sua vontade
e no ambiente de suas necessidades, sejam físicas, fisiológicas ou psicológicas,
vive em estado de premente ambivalência ocasionada pelo medo.

O medo gera, originariamente, um sentimento de mal-estar provocado por um


sentimento de opressão, isto é, de inquietude relativa a um futuro incerto ou à
iminência de um perigo indeterminado e ameaçador. Tal inquietude também
aparece em relação ao medo máximo da morte13 e às incertezas de um presente
ambíguo, seja sem objeto claramente definido ou determinado e que
frequentemente é acompanhando de alterações fisiológicas.

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Não é à toa que se pode, na modernidade, considerar a angústia como neurose


caracterizada por ansiedade, agitação, fantasia, fobias e até mesmo um
sentimento confuso de impotência diante de perigo eventual, real ou imaginário.14

Essa definição de medo é identificada no volume II da Retórica aristotélica, na


qual este defende, em uma das análises mais impactantes da história, que o medo
é uma dor ou uma agitação produzida pela perspectiva de um mal futuro, que seja
capaz de produzir morte ou dor.15 Isso revela a face angustiante do sentimento do
medo que, representativo do opressivo sentimento de ansiedade não ligado a um
objeto determinado, de uma fundamental e permanente inquietação do indivíduo
humano, originada tanto pelo caráter absoluto e sofredor da existência quanto pela
consciência de sua própria liberdade, correlata a sua absoluta responsabilidade
pela própria existência.16

No estado primevo de nossos conhecimentos, não existe nenhuma divisão


regular em nossos trabalhos intelectuais e esse modo de organização dos estudos
humanos é entendido como inevitável e até mesmo indispensável, alterando-se
pouco a pouco, na medida em que diversas ordens de concepções se
desenvolvem.

O medo é o elemento fundamental psicológico que determina a origem de uma


legalidade do desenvolvimento espiritual humano.

Assim, o homem com medo, em situação de abandono e desassossego


perante forças maiores que as dele, como as da natureza, dos outros homens e
animais, acaba criando um esquema de explicação do mundo como uma
necessidade prática de fuga do próprio medo e da dor.17

Na concepção do sistema global das ciências, Comte acabou demonstrando


que o medo também está por trás da religião e da ciência. O temor do desamparo
e a necessidade de exercer controle e dominação sobre as hostilidades da
natureza os justificam.

Nesse ponto é que entra a máxima comteana “saber para prever, prever para
prover”. Na realidade, desde o primeiro sistema – o teológico – até o último – o
científico – uma mesma lógica é obedecida. É possível prever, tanto na natureza
quanto na ciência; é possível antecipar os fenômenos e exercer um controle
técnico sobre a natureza para que ela possa suprir as fragilidades humanas.

.A base desse texto e dos que se sucedem neste tópico foi primeiramente produzida pelo coautor
Henrique Garbellini Carnio na obra Curso de sociologia jurídica, editada em 2011 por essa mesma
casa editorial e teve seu aprofundamento, numa original edição, no livro Introdução à sociologia do
direito, também produzido por essa editora em 2015. Ambos os livros foram escritos em coautoria,
contando com partes produzidas em separado por cada coautor. O primeiro contou com a
participação de Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga e o segundo com a de Willis Santiago
Guerra Filho. Para tanto, cf. Henrique Garberllini Carnio; Alvaro Luis Travassos de Azevedo
Gonzaga. Curso de sociologia jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2011 e Henrique Garbellini Carnio; Willis
Santiago Guerra Filho. Introdução à sociologia do direito. São Paulo: Ed. RT, 2015.

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8

.A despeito da criação do termo por Comte, há de se ressaltar que Saint-Simon foi um autor que
influenciou consideravelmente seu pensamento. Saint-Simon sustentava que a sociedade se
desenvolve por meio de duas épocas orgânicas e de uma crítica. As épocas orgânicas seriam
aquelas nas quais a vida se desenvolve em harmonia, sustentada por um sistema de ideias bem
construídas e universalmente aceitas, já a época seria aquela na qual as ideias mantidas antes
são atacadas, contestadas e rechaçadas, a ordem social vacila e precipita e os componentes da
própria ordem se debatem em contradições e contrastes de todos os gêneros. Para uma análise
pontual sobre as ideias aludida, sugere-se os estudos de, Renato Treves.  Sociologia do Direito:
origem, pesquisa e problemas. São Paulo: Editora Manole, 2004. De forma mais detalhada sobre o
pensamento de Saint-Simon e de Augusto Comte, verifique o capítulo 4, tópico 2.2 e 2.4 desta
obra.
9

.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 914-917.
10

.A obra utilizada foi a editada pela editora Abril Cultural e se refere à conhecida coleção  Os
Pensadores, cuja tradução ficou a cargo de José Arthur Gianotti e Miguel Lemos. Para tanto, cf.
Augusto Comte. Curso de filosofia positiva: discurso sobre o espírito positivo; discurso preliminar
sobre o conjunto do positivismo; catecismo positivista. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Coleção Os
pensadores). p. 3-20.
11

.Idem, p. 4.
12

.Sobre o tema de forma detalhada, cf. Marta Gerez Ambertín. Entre dívidas e culpas: sacrifícios –
crítica da razão sacrificial. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2009. p. 25-64.
13

.Em relação ao medo da morte, Eduardo Viveiros de Castro relata como os índios têm a noção da
morte como quase acontecimento e como isso os atinge de forma pavorosa. O assunto foi tema de
um dos programas “Café Filosófico” da rede Cultura de televisão. Cf. Eduardo Viveiros Catro.  A
morte como quase acontecimento. Disponível em: [www.cpflcultura.com.br/2009/10/16integra-a-
morte-como-quase-esquecimento-eduardo-viveiros-de-castro]. Acesso em: 15.08.2012.
14

.Hilton Japiassu; Danilo Marcondes.  Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2001. p. 13 e 14.
15

.ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional, 2005. Livro II. p. 41 e ss. Entre nós há uma
recente edição desta obra publicada pela Folha de São Paulo. Cf. ARISTÓTELES. Retórica. São
Paulo: Editora Folha de São Paulo, 2015 (Coleção Folha Grandes Nomes do Pensamento).
16

.Sobre o tema da angústia, com cuidado, assevera Giacoia, que esta seria um “opressivo
sentimento de ansiedade não ligado a um objeto determinado; em Heidegger, designa uma
afinação fundamental (Grundstimmung) da existência, em que o Dasein experimenta a sua própria
finitude enquanto ser-para-morte; no existencialismo, a fundamental e permanente inquietação do
indivíduo humano, originada tanto pela consciência do caráter absurdo e sofredor da existência
quanto pela consciência de sua própria liberdade, isto é, de sua absoluta responsabilidade pela
própria existência.” Cf. Oswaldo Giacoia Junior.  Pequeno dicionário de filosofia contemporânea.
São Paulo: Publifolha, 2006. p. 20.
17

.Esse esquema traz ao homem uma capacidade inventiva e cria um sistema criativo de
cosmovisão. Cabe lembrar aqui o posicionamento de David Hume, que de forma emblemática
evidencia como o medo está na origem da religião. David Hume.  Natural history of religion.
London: A. and H. Bradlaugh Bonner, 1889. p. 2-9.
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3.2.2. O termo sociologia

Theodor Adorno e Max Horkheimer18 alertam que o termo sociologia, enquanto


ciência da sociedade, possui uma desagradável mistura linguística que se compõe
de uma metade latina e de uma metade grega, e o caráter artificial e arbitrário da
palavra remete ao nascimento tardio do assunto, pois a sociologia não se encontra
enquanto tal no edifício tradicional do saber.

O termo, como vimos, remete a Comte e aparece na primeira metade do século


XIX. A palavra “positiva” fixava com exatidão o acento que a sociologia manteve
desde sempre, como ciência em sentido estrito, filha do positivismo, nascida da
vontade de liberar o saber da religião e da especulação metafísica.

De modo preciso, Adorno e Horkheimer apresentam que o termo sociologia se


encontra já na carta de Comte a Valat, de 25 de dezembro de 182419, mas Comte
somente a teria usado ao público literário em 1839 no IV volume de sua obra
fundamental. Antes disso utilizava a expressão physique sociale (física social) para
designar a ciência que queria construir.20

Nota-se que o termo cunhado por Comte possui certa sofisticação de sentido.
Ele o cria para designar aquilo a que chamava primeiro  física social, isto é, o
estudo dos fenômenos sociais considerados como um reino de efeitos naturais
submetidos a leis, do mesmo modo que os fenômenos físicos e biológicos. Comte
esforça-se na tentativa de considerar a sociologia como uma disciplina autônoma,
dotada de metodologia própria.

Apesar de na história do pensamento ocidental sempre terem sido feitas


observações úteis e decisivas no campo social, que produziram
contribuição especialmente na ética e na política, não é correto afirmar que antes
da definição comteana havia algo como uma sociologia fundada e autônoma.

Foi com Comte que nasceu a sociologia como sistema, como determinação da
natureza da sociedade em seu conjunto. Ele atribuía à sociologia a mesma função
atribuída às outras ciências: dominar os fenômenos de que tratam em proveito do
homem, de modo que a sociologia tem a função de perceber o sistema geral das
operações sucessivas – filosóficas e políticas – que devem libertar a sociedade de
sua fatal tendência à dissolução iminente e conduzi-la a uma nova organização,
mais progressista e sólida do que a fundada na filosofia teológica ou metafísica.

A classificação das ciências é um tema básico da filosofia comteana. Ela é


apresentada vinculada à filosofia da história. Comte mostra que a evolução de
cada ciência obedece à periodização dos três estados, mas que essa periodização
não se faz ao mesmo tempo em todos os domínios. Por exemplo, o estado
metafísico de uma ciência como a física não é contemporâneo do estado
metafísico da biologia, além do fato de que o desenvolvimento das ciências seja
assintótico, ou seja, elas jamais atingem a compreensão absoluta dos seus
objetivos respectivos. A classificação das ciências ocorre de acordo com o grau de
simplicidade de seus objetos respectivos, e a complexidade crescente permite

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estabelecer a sequência: matemáticas, astronomia, física, química, biologia e


sociologia.

As matemáticas possuem o maior grau de generalidade e estudam a realidade


mais simples e indeterminada. A astronomia acrescenta a força puramente ao
quantitativo, estudando as massas dotadas de forças de atração. A física soma a
qualidade ao quantitativo e às forças, ocupando-se do calor, da luz etc., que seriam
forças qualitativamente distintas. A biologia ocupa-se dos fenômenos vitais, nos
quais a matéria bruta é enriquecida pela organização. A sociologia estuda a
sociedade, em que os seres vivos se unem por laços independentes de seus
organismos. A sociologia é vista por Comte como o fim essencial de toda a filosofia
positiva.

As outras ciências (matemática, astronomia, física, química e biologia) atingem


o estado positivo antes da sociologia, mas, por permanecerem presas a parcelas
do real, não conseguem instaurar a filosofia positiva em sua plenitude. A
totalização do saber somente poderia ser alcançada pela sociologia que culminaria
a formulação de um sistema verdadeiramente indivisível, na qual toda
decomposição é radicalmente artificial, tudo relacionando-se com as Humanidades,
única concepção completamente universal.21

A sociologia é projetada como um ramo autônomo da ciência, dotado de


método a partir da proposta emancipatória de se superar o predomínio das
interpretações teológicas metafísicas que prevaleciam ainda na primeira metade do
século XIX.

A intenção de se conduzir a sociedade para uma nova organização baseada na


sociologia faz surgir o termo  sociocracia, a designar efeito indispensável da
solidificação da concepção da sociologia como ciência.

Desse modo, reconhecendo a concepção da sociologia como um ramo


autônomo, com potencialidade de estudo científico, tem-se como uma primeira
aproximação a de que ela é a ciência que estuda os fatos sociais, isto é, aqueles
fatos que concernem à vida em comum, repetíveis no tempo e no espaço,
decorrentes ou semelhantes. Por definição, o que é puramente individual não
interessa à sociologia, tampouco pode ser objeto de sua pesquisa, pois se alguns
dados forem ainda individuais, repetíveis no espaço e no tempo, podem constituir o
campo de outras ciências. Ocorre que, de tal modo, elas se entrelaçam, e é muito
difícil encontrar o fato da vida do indivíduo que não se dê ao encontro com o fato
social. De modo rigoroso, é da e na sociedade que se constitui o próprio
indivíduo.22

18

.Cf. Theodor W. Adorno; Max Horkheimer.  La sociedad: lecciones de sociología. Buenos Aires:
Editora Proteo, 1969. p. 9.
19

.Augusto Comte. Lettres d’Auguste Comte á M.Valat. Paris: Dunod, 1870. p. 158.

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20

.Theodor W. Adorno; Max Horkheimer. Op. cit., p. 9.


21

.Para uma abordagem da relação entre as ciências sociais e a sociologia, com ênfase na análise
do pensamento de Comte sobre o as ciências fundamentais e o papel da sociologia, cf. CAIRNS,
Huntington. Sociología y ciencias sociales. In: Georges Gurvitch; Wilbert E. Moore
(orgs.). Sociología del siglo XX. 2 ed. Barcelona: El Ateneo Editorial, 1965. p. 3-5.
22

.Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.  Introdução à sociologia geral. 2  ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1980. p. 1 e 2.

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3.2.3. O objeto da sociologia

Anthony Giddens, no início de sua obra Sociologia, fornece uma análise precisa


sobre o ponto de partida do pensamento sociológico. Sua afirmação inicial é a de
que a maioria das pessoas veem o mundo segundo as características que têm a
ver com suas próprias vidas. Se assim o é, a sociologia demonstra que é
necessário utilizar um ponto de vista mais amplo para saber por que somos, como
somos e por que atuamos da forma como o fazemos. Ela nos ensina que o que
consideramos natural, inevitável, bom ou verdadeiro pode não o ser e que as
“coisas dadas” de nossa vida estão influenciadas por forças históricas e sociais.
Dessa forma, para o enfoque sociológico é fundamental compreender de que
forma sutil, ainda que complexa e profunda, a vida individual reflete as
experiências sociais. Nesse sentido, o trabalho sociológico depende – conforme
ensinou Wright Mills – de imaginação sociológica.23

O trabalho da sociologia tem a ver com investigar a conexão que existe entre o
que a sociedade faz de nós e o que nós fazemos de nós mesmos, pois nossas
atividades estruturam – dão forma – ao mundo social que nos rodeia e, ao mesmo
tempo, são estruturadas por ele.24

De modo geral, o objeto da sociologia pode ser delimitado conforme três


orientações distintas.

A principal delas (1ª) caracteriza-se pela tendência a considerar os fenômenos


sociais através de propriedades que parecem peculiares ao comportamento social
humano. Formulada de modos variados por grandes sociólogos do passado e da
atualidade, no entanto, essa orientação conduz sempre à conceituação restrita de
que a sociologia deve estudar fenômenos sociais como eles se manifestam nas
sociedades humanas.

Como algumas manifestações do comportamento humano não são específicas


e podem ser encontradas em outras esferas do mundo animal, alguns especialistas
resolveram (2ª) incluir o estudo do comportamento animal no campo da sociologia,
embora sendo feito limitado às espécies em que a interação social chega a
assumir a forma organizada. Parece-nos, contudo, que aqui fica melhor situar tais
estudos no campo da etologia.

Por último, a vida associativa pode ser encarada como uma condição
“necessária” e “universal” da existência dos seres vivos, (3ª) o que rendeu o
fundamento à ideia de que a sociologia é uma ciência inclusiva dos fenômenos
sociais, cabendo-lhe estudá-los em todos os níveis de manifestação da vida,
independentemente do grau de diferenciação e de integração por eles
alcançados.25

Certo é que a capacidade de organização social do homem com relação aos


animais é consideravelmente distinta, sendo inegável que os fenômenos sociais
alcançam o máximo de complexidade, de autonomia e de organização nas
sociedades humanas. Em nenhuma outra espécie a investigação dos fenômenos
sociais poderia ser tão frutífera para o conhecimento e explicação dos diferentes

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processos sociais – ao menos, para ela mesma. Nesse sentido, a investigação


sociológica dos fenômenos sociais vale, sobremaneira, para o nível sociocultural
de organização da vida, e pode ser útil ao esclarecimento de certos aspectos da
vida social pré-humana, apesar de tais estudos serem pouco empregados pelos
sociólogos na interpretação das bases sociais da vida.

Atualmente, pode-se afirmar que os estudos sociológicos estão mais aptos a


fundamentar uma concepção inclusiva do objeto da sociologia. Assim, eles se
divorciam da pretensão de fazer da sociologia uma réplica da biologia e promovem
uma revisitação que se projete a partir e além dos estudos com resíduos
espiritualistas, dominantes na tendência de tratar os homens como um
acontecimento milagroso da natureza.26  De se notar, contudo, é o quanto os
estudos da biologia podem ser inspiradores para abordagens destacadas da
sociologia contemporânea, como aquela dos sistemas sociais autopoiéticos de
Luhmann, abordada aqui, ao final deste livro.

Cabe ao sociólogo, nessa perspectiva, estar apto para reconhecer, descrever e


explicar as diferentes formas e funções assumidas pela interação social nos vários
níveis de organização da vida. Por óbvio, isso não quer dizer que cabe à sociologia
estudar toda e qualquer modalidade de aglomeração de seres vivos. Sua
importância está nos níveis de interação e sociabilidade que se manifestam nas
relações sociais. A sociologia busca pelo estudo da interação e sociabilidade dos
seres vivos, não sendo possível sua utilização onde a interação dos seres vivos
não alcançar um mínimo de sociabilidade.

Diferente de outras ciências sociais, como a economia, a sociologia não confina


sua atenção principalmente numa única área da atividade humana, mas lida com
uma grande variedade de temas que cobrem quase a totalidade da área dos
assuntos humanos.27

Em sendo assim, em seu sentido tradicional – de modo bastante abrangente –,


a sociologia é  a ciência que tem por objeto estudar a interação social dos seres
vivos nos diferentes níveis de organização da vida.28

23

.Anthony Giddens. Sociología. 3. ed. Madrid: Alianza Editorial, 2000. p. 29. Cf. também Wright C.
Mills. A imaginação sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
24

.Anthony Giddens. Op. cit., p. 32.


25

.Florestan Fernandes. Conceito de sociologia. In: Fernando Henrique Cardoso; Octavio Ianni
(orgs.).  Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. 3.  ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1966. p. 25.
26

.Florestan Fernandes. Op. cit., p. 27.


27

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.PELLEGRIN, Roland. The nature and characteristics of sociology. In: Robert W. O’brien; Clarence
C. Schrag; Walter T. Martin (orgs.). Readings in general sociology. 3. ed. Boston: Houghton Mifflin
Company, 1964. p. 9.
28

.Florestan Fernandes. Op. cit., p. 29.

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3.2.4. Divisões da disciplina sociologia

De maneira panorâmica, é possível distinguir dois conceitos fundamentais de


sociologia sucessivos no tempo:  sociologia sintética  (ou sistemática) e  sociologia
analítica. A  sociologia sintética ou sistemática  tem como objeto a totalidade dos
fenômenos sociais a serem estudados em seu conjunto, em suas leis. Já
a  sociologia analítica  se debruça no estudo delimitado dos fenômenos sociais,
tendo como objeto grupos ou aspectos particulares dos fenômenos sociais, a partir
dos quais são feitas generalizações oportunas. Nesse conceito, a sociologia
fragmenta-se numa multiplicidade de correntes de investigação e tem certa
dificuldade para reencontrar sua unidade conceitual.29

Essa divisão não nos parece oferecer uma suficiente exploração da sociologia
enquanto ciência, razão pela qual é preciso delimitar com maior precisão as
divisões da sociologia em suas disciplinas básicas.

As divisões da sociologia, enquanto disciplina científica, referem-se aos


conceitos e problemas com os quais ela deve lidar. Elas surgem do progresso das
investigações com os quais vão se intensificando e aprimorando o estudo da
matéria.

Por esse motivo, a sistematização dos campos da sociologia exige a busca de


conhecimentos prévios sobre os fenômenos que constituem seu objeto de
investigação.30

29

.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia, cit., p. 915.


30

.Na falta desses conhecimentos, os sociólogos utilizaram-se de analogias para com outras
disciplinas para conseguirem uma sistematização provisória dos materiais empíricos e dos
problemas da sociologia. Exemplo desse fato é a clássica analogia de Spencer e Durkheim com a
biologia, este último dividindo a sociologia em Morfologia Social, Fisiologia Social e Sociologia
Geral, e também a divisão de Karl Mannheim em três planos metodológicos distintos na sociologia:
o da Sociologia Sistemática ou Geral, o da Sociologia Comparada e o da Sociologia Estrutural.

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3.2.5. As sociologias especiais

As chamadas “sociologias especiais” correspondem a especializações do


estudo sociológico, separando de seu contexto geral temáticas específicas. São
exemplos delas: a sociologia econômica, a sociologia moral, a sociologia jurídica, a
sociologia do conhecimento, a sociologia política, a sociologia da arte, a sociologia
do desenvolvimento etc.

Rigorosamente, parece-nos que essa designação “especial” é imprópria. Como


em qualquer ciência, os métodos sociológicos podem ser aplicados à investigação
e à explicação de qualquer fenômeno social particular, sem que, por isso, deva-se
admitir a existência de uma disciplina especial, o que ocasionaria uma subdivisão
indefinida e interminável nos campos da sociologia.

No entanto, sob outros aspectos, o uso menos rigoroso, mais livre de tais
expressões facilita a identificação do teor das contribuições e fornece uma
compreensão didática do assunto. Especificamente com relação ao direito, o
estudo se aprofundou de maneira considerável atualmente, revelando a
importância e insistência na definição da sociologia jurídica como ramo autônomo
de pesquisa que explora metodologicamente o direito como ciência social.31

31

.Sobre o direito como ciência social e os conceitos de sociologia do/no direito, verifique o capítulo


5, tópico 1.1.

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3.2.6. O sociologismo e o sociologismo jurídico

Um termo muito comum e de importante compreensão para a sociologia,


principalmente porque numa primeira leitura pode causar um falso entendimento, é
o sociologismo.

O sociologismo é considerado como uma doutrina segundo a qual a explicação


dos principais problemas filosóficos e dos fatos essenciais da religião depende da
sociologia.32

É um termo polemístico para designar a tendência a reduzir fenômenos morais


ou religiosos a fatos sociais. O termo é utilizado também quando ocorrem reduções
similares a essas no campo jurídico, sendo denominado, nesse caso,
como sociologismo jurídico.

No direito, portanto, a expressão sociologismo significa a radicalização da


explicação sociológica do fenômeno jurídico. A expressão é empregada, como
aponta Carbonnier, não sem conotação depreciativa pelos historiadores do
pensamento jurídico. Ela pode designar tanto uma vaga tendência que teriam os
sociólogos do direito em superestimarem a explicação que dão sobre o direito
(Villey), a escola “sociológica” do direito (Miaille e Arnaud), ou a negação do direito
dogmático em favor de uma sociologia totalizante (Amselek).33

Já o sociologismo jurídico reduz o direito a um simples capítulo da sociologia. O


direito é identificado completamente com o fato social34. A preocupação da
sociologia jurídica não é a de tomar o lugar da filosofia do direito, mas sim em
determinar as condições objetivas que favorecem ou impedem a disciplina jurídica
dos comportamentos35.

Apesar de às vezes se encontrar os termos como sinônimos, deve-se ter bem


clara a distinção existente entre sociologia jurídica e sociologismo jurídico. De
modo algum os termos têm sentido sinônimo, sendo o sociologismo um conceito
bastante específico que abarca tratativas extremas de redução do direito como um
capítulo da sociologia. Eles se apresentam em contraposição, sendo
completamente diletante o seu uso indiscriminado.

32

.André Lalande. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
p. 1048-1049.
33

.André-Jean Arnaud. Sociologismo. In: André-Jean Arnaud e outros (orgs.).  Dicionário


enciclopédico de teoria e de sociologia do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 765-766.
34

.Para um estudo mais detalhado sobre o tema, conferir o tópico correspondente ao pensamento de
Léon Duguit.
35

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.Miguel Reale. Lições preliminares de direito, cit., p. 20.

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3.2.7. Sociologia política

Entre as diversas disciplinas da sociologia e seu relacionamento com o direito,


bem como com a sociologia jurídica, escolhemos a sociologia política para ser
evidenciada, levando em conta dois aspectos importantes. O primeiro, sua
capacidade de complementação de conceitos relevantes – como participação
popular e democracia – para o estudo do direito, e o segundo, pois a sociologia
política surge como reação às carências da análise formal-jurídica das instituições
políticas.

A sociologia política surge no momento em se inicia a reflexão sociológica


sobre o poder, o Estado e o dever político. Nesse contexto, o poder, o Estado e o
dever político são vistos como elementos da ordem social, quer representem uma
“função” da sociedade civil, quer revelem, em vez disso, em forma institucional, a
coercitividade como elemento da luta de classes. Nesse sentido, a preeminência
do político na reflexão sociológica foi uma das razões do atraso da sociologia
política em constituir-se em disciplina específica com relação às outras disciplinas
sociológicas36.

Ela se constitui como disciplina científica com a análise das formações político-
sociais que surgem tanto como aspecto político da sociedade industrial quanto
consequência, primeiro da ampliação do sufrágio e depois do sufrágio universal.
Ela se apresenta histórica e analiticamente como uma tomada de consciência da
transição da sociedade contemporânea, de um sistema político baseado na
participação e no controle de uma elite – o sistema político fundado na relevância
cada vez maior da maioria popular. A importância desse fenômeno está no fato de
que ele provoca uma nova orientação na própria reflexão sociológica, de tal modo
que a sociologia pós-clássica do período que medeia entre duas guerras mundiais
deve ser considerada essencialmente como sociologia política37.

36

.Norberto Bobbio; Nicola Matteucci; Gianfranco Pasquino. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Ed.
UnB/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. vol. 2. p. 1217.
37

.Idem, p. 1217.

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3.3. A relação entre direito e sociologia

3.3.1. Contexto histórico e noção científica da sociologia

3.3.1.1. A ciência sociológica

Para uma definição satisfatória da sociologia enquanto ciência – e ainda mais


para uma posterior e mais precisa definição da sociologia jurídica – o mais
interessante seria não propor de plano uma definição, mas sim apresentá-la após
um período de familiarização com seus elementos, conteúdos e problemas. Como
bem observa Luís Recaséns Siches, apresentar o conceito de sociologia seria mais
preciso não no começo de um livro ou de um curso, mas sim no seu término. Essa
observação, que pode valer em maior ou menor grau para todas as ciências, tem
aplicação especial no estudo da sociologia, dada as particularidades de sua
fundação, de seu desenvolvimento, da discussão crítica sobre seu objeto, seus
temas e métodos e de como seu desenvolvimento foi impressionante nos tempos
atuais.38

Com os esforços de Augusto Comte em fundar a independência científica da


sociologia, seu conteúdo recebe fortes projeções  enciclopédicas. A sociologia
passa a ser considerada como a ciência da existência coletiva do homem, devendo
se basear nas demais ciências, mas também, ao mesmo tempo, incluí-las em si de
alguma maneira.

A metodologia comteana buscou, em primeiro lugar, que a sociologia fosse uma


ciência de caráter igual ao das demais ciências, ou seja, empírica e indutiva e, em
segundo lugar, que a sociologia compreendesse dentro de seu estudo, de certo
modo, os objetos de todas as ciências restantes, posto que o homem em sua
realidade coletiva inclui dentro de si a totalidade das leis que regem o mundo, pois
a própria humanidade ou o espírito humano em seu desenvolvimento histórico
absorve em si e reflete todas as leis dos fenômenos nos quais se baseia e se
originou.

Tais tendências enciclopédicas suscitaram, no final do século XIX e começo do


século XX, uma gama de estudos sobre os mais variados temas, invocando do
aspecto sociológico que cada um pudesse apresentar, apesar de que na maioria
das vezes, sem uma clara visão de qual deveria ser exatamente sua concatenação
com a sociologia.39

Essas considerações iniciais demonstram como os estudos sociológicos, na


matriz de seu acontecimento, perderam-se em confusões metodológicas na
aplicação desmesurada da sociologia a vários temas sem muito rigor e, ainda,
como isso contribui para seu afastamento de um estudo sério enquanto ciência
com objeto próprio e definido.

Esses estudos enciclopédicos se desenvolveram na produção sociológica de


algumas escolas positivistas – mas não em todas. Ao se verificar a influência do
social sobre tudo o que é humano, mesmo sobre o mundo físico e a técnica que
nele o homem empreende, ocorreram também em outras ciências do homem, da
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cultura e de outros produtos humanos, como a Psicologia, a História, a Filologia, a


Teoria da Arte, a Jurisprudência40, a Ciência Política etc.41

Nesse contexto, ocorre uma produção de estudos bem diversificada sobre


esses vários ramos dos saberes – Psicologia, História, Filologia, Teoria da Arte, a
Jurisprudência, Ciência Política – que aos poucos também vão se estruturando em
termos metodológicos para seus próprios estudos científicos.42

38

.Luis Recaséns Siches.  Tratado de sociologia. Trad. João Baptista Coelho Aguiar. Rio de
Janeiro/Porto Alegre/São Paulo: Editora Globo, 1965. vol.  1. p.  1. Sobre esse mesmo viés
metodológico verifica-se a preocupação de Georges Gurvitch: “Así, no es tarea fácil definir la
sociología como ciencia. Evidentemente, la dificultad de circunscribir una ciencia por anticipado se
presenta en todas; solo después de haberla estudiado y, sobre todo, después de haber conseguido
contribuir en ella, se sabe lo que es”. Cf. Georges Gurvitch. Tratado de sociologia. Buenos Aires:
Editorial Kapelusz, 1962. vol. I. p. 3.
39

.Luis Recaséns Siches. Tratado de sociologia, cit., p. 2.


40

.Inicialmente,  jurisprudentia  aparece como termo designativo da atividade jurídica em Roma.


Recebia, indistintamente, os mais diversos qualificativos:  ars,  disciplina,  scientia  ou  notitia. Seu
centro gravitacional era uma noção que está contida na própria palavra: a prudentia. Esse termo
teve outras designações no pensamento jurídico, servindo em certas situações para nomear
escolas jurídicas, por exemplo, a Jurisprudência dos Conceitos, a Jurisprudência dos Interesses e
a Jurisprudência dos Valores. Em alemão, o termo  Jurisprudenz  significa ciência do direito em
sentido estrito, ou seja, dogmática jurídica, e foi empregado pela primeira vez no século XIX pela
Escola Histórica. Em nosso país, o termo jurisprudência designa o conjunto uniforme e constante
de decisões judiciais sobre determinadas questões jurídicas. Para uma análise do conceito nos
termos romanos e da escola histórica, cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique
Garbellini (col.). Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 32 e 39.
41

.Sobre esses estudos, de modo mais apartado sobre cada um deles, seria interessante analisar a
obra de Georges Gurvitch. Op. cit., p. 50 a 172.
42

.Para um aprofundamento dessa reflexão, é interessante fazer remissão ao pensamento de Karl


Popper e suas teses sobre a lógica das ciências sociais. Popper evidencia que a questão
fundamental para o estudo das ciências sociais é a qualidade dos  problemas formulados. Suas
quinta e sexta teses são exemplificativas do aqui mencionado: “Quinta tese: igual a todas as outras
ciências, também as ciências sociais se veem acompanhadas pelo êxito ou pelo fracasso, são
interessantes ou triviais, frutíferas ou infrutíferas, e estão em idêntica relação com a importância ou
o interesse dos problemas que entram em jogo; e, por isso, também em idêntica relação sobre a
honradez, linearidade e sensibilidade com que esses problemas são atacados. Problemas que de
modo algum têm por que ser sempre de natureza teorética. Sérios problemas práticos, como o da
pobreza, o do analfabetismo, o da opressão política e a insegurança jurídica, têm constituído
importantes pontos de partida da investigação científico-social [...] Sexta tese (tese principal): a) o
método das ciências sociais, igual ao das ciência da natureza, radica em ensaiar possíveis
soluções para seus problemas – é dizer, para esses problemas em que se fundam suas raízes [...];
b) se é acessível a uma crítica objetiva, tentamos refutá-lo; porque toda crítica consiste em
intenções de refutação; c) se um ensaio de solução é refutado por nossa crítica, buscamos outro;
d) se resiste a crítica, o aceitamos provisoriamente; e, desde então, o aceitamos principalmente
como digno de seguir sendo discutido e criticado; e) o método da ciência é, pois, o da tentativa de
solução, o do ensaio (ou ideia) de solução submetido ao mais estrito controle crítico. Não é senão
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uma prolongação crítica do método do ensaio e do erro (trial and error); f) a chamada objetividade
da ciência radica na objetividade do método crítico [...]”. POPPER, Karl. La logica de las ciencias
sociales. In: Jacobo Muñoz (org.).  La disputa del positivismo en la Alemana. Barcelona, México
D.F., 1973 (Colección Teoría y realidad: estudios críticos de filosofía e ciencias sociales). p. 103 e
104. Salvo indicação em contrário, as traduções são de nossa autoria.

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3.3.1.2. O contexto histórico do surgimento da sociologia

A sociologia é uma manifestação do pensamento moderno. Seu aparecimento


se encontra na marcha da constituição e do desenvolvimento do pensamento
científico – desde Copérnico, Galileu e outros. A sociologia surge como uma nova
área do conhecimento científico explorando algo ainda não incorporado ao saber
científico, a saber, o mundo social. Seu surgimento é posterior à constituição das
ciências naturais e de diversas ciências sociais, a ponto de ser indicada como uma
das diversas ciências sociais especializadas. A formação do pensamento
sociológico é derivada de uma miríade de condições históricas e culturais, o
contexto específico dele é o da desagregação da sociedade feudal e da
consolidação da civilização capitalista. O século XVIII traz consigo transformações
econômicas, políticas e culturais que se intensificam e são catalisadas a partir de
sua época, e é exatamente isso que irá proporcionar o surgimento de problemas
inéditos, sendo fulcral nesse processo a chamada dupla revolução – industrial e
francesa – que juntas constituíam a instalação definitiva da sociedade capitalista.
Esse movimento que, um século depois, por volta de 1830, motivará o surgimento
do conceito de sociologia.43

A sociedade moderna que vinha se formando no curso da industrialização


passou a racionalizar um número cada vez maior de pessoas e de esferas da vida
humana, reunindo uma grande massa de gente em enormes centros, denotando
novas formas de vida para as pessoas. A vida entre as massas de uma grande
cidade tende a tornar as pessoas muito mais passíveis de sugestões, explosões
incontroladas de impulsos e regressões psíquicas do que as pessoas
organicamente integradas e firmadas em grupos menores. Essa sociedade de
massa industrializada tende a produzir um comportamento muito contraditório não
só na sociedade, mas na vida pessoal do indivíduo.44 Esse ambiente, certamente,
é algo importante para a ocorrência da sociologia.

Aos se posicionar a sociologia como uma das diversas ciências sociais


especializadas, ela é muitas vezes identificada, do ponto de vista prático, na
relação que mantém com aspectos das sociedades modernas industrializadas (por
exemplo: a estratificação social, a socialização, o sexo, a raça e a tecnicidade, a
ideologia e a cultura etc.) relativamente negligenciados por outras ciências sociais
ou pelos temas específicos de que ela trata (por exemplo: a família, a escola, as
instituições religiosas, a cidade, a medicina e a saúde, o trabalho, a política e o
poder), nos quais ela vislumbra os centros da vida social de uma maneira mais
integrada e abrangente, algo que outras ciências sociais não conseguem. Pode-se
deduzir que as concepções da sociologia dependem das visões teóricas
divergentes sobre a natureza particular de seu objeto e de seus métodos.45

Toda e qualquer sociedade produz algum tipo de reflexão sobre suas relações
internas e sobre as relações que estabelece em outras sociedades. Ocorre que a
sociologia não é apenas uma reflexão ou análise de inter-relações humanas, mas
fundamentalmente, um estudo científico dessas inter-relações. A sociologia é,
então, fruto das grandes revoluções burguesas que marcaram a crise do antigo
regime e a consequente ascensão do modo capitalista e burguês de organização
social da produção e do poder político, ou seja, a sociologia advém de uma matriz
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laica e humanista, antropocêntrica, que alterou radicalmente os padrões de


compreensão do mundo físico e social.46

A constatação de que a sociologia seria fruto das grandes revoluções


burguesas e, em especial, do modo capitalista burguês de organização social da
produção e do poder político é fundamental para os propósitos de um estudo em
sociologia jurídica, pois é exatamente nessa matriz que a própria concepção dos
sujeitos de  direito e suas relações tomam novos rumos e exatamente nesse
momento que o direito deve ser desencantado por estudos sérios de sociologia.47

Esse conceito de sociologia desenvolvido no século XIX buscava respostas que


dessem conta dos problemas de ordem política, econômica e cultural que se
faziam necessárias na transição da idade moderna à idade contemporânea. Tanto
é verdade que até hoje é objeto da sociologia buscar respostas dentro desses três
campos, apesar de essas respostas serem diferentes, pois os problemas – em
tempos denominados pós-modernos – também o são.

Aparentemente, as explicações sociológicas de forma sistemática passam a


ocorrer no século XIX, quando, em especial na Europa, há a reunião de um
conjunto de fatores econômicos, científicos e políticos que evidenciam
necessidades que criam condições para a realização de uma reflexão mais
profunda sobre a sociedade.

Em sua obra  A era das Revoluções48, Eric Hobsbawm analisa, com olhar
historiador, as revoluções científicas e como esse ambiente determinou o
surgimento da sociologia.

No 15º capítulo da referida obra, denominado  A ciência49, verifica-se que as


ciências também refletiram em sua marcha o que o autor nomeia de revolução
dupla, em parte porque esta lhe colocou novas e específicas exigências, em parte
porque lhe abriu novas possibilidades e confrontou-as com novos problemas, e em
parte porque sua própria exigência sugeria novos padrões de pensamento.

A referência de seu pensamento está centrada na evolução das ciências entre


1789 e 1848, sob a advertência de que tal evolução não possa ser analisada
exclusivamente em termos dos movimentos da sociedade que as rodeavam. O
progresso que teve a ciência não é um simples avanço linear. Ele envolve a
solução de problemas anteriormente colocados implícita ou explicitamente que, por
sua vez, colocam novos problemas. Esse período revolucionário foi o momento de
novos pontos de partidas radicais em alguns dos campos do pensamento – como
na matemática – do despertar de ciências até então adormecidas – como a
química –, da virtual criação de novas ciências – como a geologia – e da injeção de
novas ideias revolucionárias em outras ciências – como as ciências sociais e as
biológicas. A revolução francesa mobilizou o governo colocando os cientistas, pela
primeira vez na história, como parte do governo. Na Grã-Bretanha, as principais
indústrias do período foram as têxteis de algodão, as de carvão, de ferro, de
ferrovias e de construção de navios mercantes.

A ciência, em contrapartida, beneficiou-se bastante com o surpreendente


estímulo dado à educação científica e técnica. É pontual nesse contexto como a

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revolução francesa transformou a educação técnica e científica de seu país,


principalmente devido à criação da Escola Politécnica (1795), onde estudou
Comte, e do primeiro esboço da Escola Normal Superior (1794), além de fazer
renascer a Academia Real (1795) e ter criado o Museu Nacional de História Natural
(1794), certamente o primeiro centro genuíno de pesquisa fora das ciências
físicas.50

O modelo da Escola Politécnica francesa foi imitado em outros grandes centros,


como Praga, Viena, Estocolmo, São Petersburgo e Copenhagen, em toda a
Alemanha, Bélgica, em Zurique e Massachusetts. Na Inglaterra, nenhuma reforma
nesse sentido, entretanto, foi estabelecida, por outro lado, toda Grã-Bretanha, com
sua imensa riqueza, tornou possível a criação de laboratórios particulares, e a
pressão geral das pessoas inteligentes de classe média por uma educação técnica
e científica obteve bons resultados. Como se nota, a era chamada revolucionária,
portanto, fez crescer o número de cientistas e eruditos e estendeu a ciência em
todos os seus aspectos, ademais, viu o universo geográfico das ciências alargar
em duas direções. Em primeiro lugar, o progresso do comércio e o processo de
exploração abriram novos horizontes do mundo ao estudo científico e, em segundo
lugar, o universo das ciências se ampliou para abranger países e povos que até
então só tinham dado contribuições insignificantes. A ciência parece também,
nessa medida, refletir a ascensão das culturas nacionais fora da Europa Ocidental,
algo surpreendentemente representativo desse período revolucionário.51

No todo dos estudos científicos, aponta Hobsbawm que as clássicas ciências


físicas não foram revolucionadas, ao passo que permaneceram nesse período
ainda substancialmente dentro dos termos de referência estabelecidos por Newton,
ou continuando as linhas de pesquisa já seguidas no século XVIII ou expandindo
as antigas descobertas fragmentárias e coordenando-as em sistemas teóricos mais
amplos, com exceção do estudo sobre o eletromagnetismo. A revolução que
transformou a astronomia e a física em ciências modernas ocorrera no século XVII,
a que criou a química estava em pleno desenvolvimento no início desse período
também, sendo essa ciência a mais intimamente ligada às práticas industriais,
especialmente os processos de tingimento e branqueamento da indústria têxtil. De
todo modo, uma revolução ainda mais profunda que ocorreu foi a da matemática.
Contrariamente à física, que ainda nesse período se manteve dentro dos termos de
referência do século XVII, a matemática entrou em um universo inteiramente novo,
como pela teoria das funções de complexos variáveis, da teoria dos grupos ou da
teoria dos vetores, além, é claro, da decorada da geometria euclidiana.52

Enquanto a revolução matemática passou despercebida, exceto para alguns


especialistas em assuntos notórios por sua distância da vida cotidiana, a revolução
nas ciências sociais, por outro lado, não podia deixar de abalar o leigo.

Segundo Hobsbawm, precisamente houve duas revoluções cujos cursos


convergem para produzir o que passa a se conhecer o chamado marxismo como a
mais abrangente síntese das ciências sociais. A primeira delas dava continuidade
ao brilhante pioneirismo dos racionalistas dos séculos XVII e XVIII, estabelecia o
equivalente das leis físicas para as populações humanas. Seu primeiro triunfo foi a
construção de uma sistemática teoria dedutiva de economia política, que já estava
bastante avançada por volta de 1789. A segunda delas, que em substância
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pertence a nosso período e está intimamente ligada ao romantismo, foi a


descoberta da evolução histórica.

Os racionalistas clássicos traziam a ousada inovação ao demonstrar que algo


como leis logicamente compulsórias era aplicável à consciência e ao livre-arbítrio
humano. A lógica racional economista que se formava é significativamente
demonstrada no seguinte exemplo: se a população de uma cidade se duplica e o
número de habitações não cresce, então, permanecendo as outras coisas iguais,
os aluguéis devem subir, queiram ou não.

São proposições desse tipo que constituem a força dos sistemas de raciocínios
dedutivos criados pela economia política, principalmente na Grã-Bretanha, e em
menor intensidade nos velhos centros de ciências do século XVIII, a França, a
Itália e a Suíça. Nesse momento também se teve a primeira apresentação
sistemática de uma teoria demográfica que pretendia estabelecer uma relação
mecânica entre as proposições matemáticas dos aumentos de população e os
meios de subsistência. O ensaio de T. R Malthus de 1798 intitulado Ensaio sobre a
população  é representativo, não tanto pela importância de seus méritos
intelectuais, mas no direito que ele fazia valer para um tratamento científico de um
conjunto de decisões tão individuais e pontuais quantos as decisões sexuais,
consideradas como um fenômeno social.

Um passo a mais nesse período foi a aplicação de métodos matemáticos à


sociedade. No ambiente que buscava assimilar as ciências sociais às ciências
físicas, um grupo (Adolphe Quételet da Bélgica, autor da marcante obra  Sobre o
homem, de 1835, e o grupo de florescentes estatísticos) de contemporâneos,
antropometristas e pesquisadores sociais aplicou esses métodos a campos bem
mais amplos, e criou o que ainda é a principal ferramenta matemática para a
investigação de fenômenos sociais. De se notar é que a própria palavra
“estatística” derive de outra, alemã, formada a partir de Estado (Staat). É nesse
processo que as ciências sociais tiveram algo inteiramente novo e original. Algo
que floresceu e fertilizou todo o estudo das ciências biológicas e até mesmo as
físicas, como da geologia. Esse algo novo foi a descoberta da história como um
processo de evolução lógica, e não simplesmente como uma sucessão cronológica
de acontecimentos, ou seja, uma descoberta metodológica. Foi exatamente nesse
contexto que surgiu o que veio a se chamar sociologia, nascendo diretamente da
crítica ao capitalismo:

mas as ciências sociais também tiveram algo inteiramente novo e original a seu
crédito, que por sua vez fertilizou as ciências biológicas e até mesmo as físicas, como
no caso da geologia. Foi a descoberta da história como um processo de evolução
lógica, e não simplesmente como uma sucessão cronológica de acontecimentos. [...].
Assim, o que veio a se chamar sociologia (a palavra foi inventada por Augusto Comte
por volta de 1830) nasceu diretamente da crítica ao capitalismo. O próprio Comte, que
normalmente é considerado fundador daquela disciplina, começou sua carreira como
secretário particular do pioneiro socialista utópico, o Conde de Saint-Simon, e o mais
formidável teórico contemporâneo em matéria sociológica, Karl Marx [...].

Certamente, nesse contexto de inserção da história nas ciências sociais, os


efeitos foram imediatos no direito. É nesse ambiente que Friedrich Karl von
Savigny fundou a escola histórica do direito, em 1815. Isso é tão significativo para
o estudo do direito que este, o direito (Lei), é algo que passa a ser entendido como
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“vivo”, emanado da experiência vivencial de um povo que o legislador exprime e,


em algumas circunstâncias, até integra, mas não pode, arbitrariamente, criar (algo
muito diferente do que acontece na França, em que o legislador é soberano para
criar as disposições normativas, o que o faz ex nihilo, ou seja, de forma arbitrária).
Para a Escola histórica, “o Direito não era manifestação ou produto de um
legislador racional (...). A crença na imanência de um sentido criador nas
manifestações históricas é comum ao que se denomina ‘historicismo’”.53

Assim, era da análise das concretas e típicas formas de conduta que se poderia
identificar os institutos jurídicos que deveriam ser recompostos na perspectiva da
evolução do direito, entendido como um organismo vivo. Esses institutos
apresentam os nexos orgânicos dos quais se extraem as regras. Essas – as
regras – são na verdade o resultado de uma intuição global dos institutos que, por
sua vez, são o resultado das vivências de um determinado povo.

Aqui vale referir ao pensamento de Rudolf von Jhering, em sua primeira fase,
pois, consequente com a ideia do Direito como organismo natural, o paradigma de
Jhering era fornecido pela história natural: a taxionomia da botânica, bem como a
“fisiologia do organismo jurídico” e a análise dos elementos que compõem os
“corpos jurídicos”, à maneira da química. Daí ser o seu método denominado
“histórico-natural”, já que ele preconiza seja superada o que chama de
“jurisprudência inferior” – “jurisprudência” aqui sempre entendida no sentido de
“ciência do direito” ou “dogmática jurídica”, tal como designa a palavra
alemã Jurisprudenz.54

Ao lado de conceber o direito como uma ciência que opera segundo um método
histórico, Savigny também visualizava um caráter filosófico para essa mesma
ciência. Mas, ao contrário das filosofias do direito natural (que Savigny chamava de
“filosofia do direito propriamente dita”), que procuravam compor o direito a partir de
fórmulas lógicas atemporais que podem ser apreendidas pela razão, Savigny
identificava um  elemento  filosófico no direito: a  sistematicidade.  Assim, a
sistematicidade aplicada ao direito pressupõe a filosofia, mas descarta a
necessidade do conhecimento do direito natural: o direito, numa perspectiva
sistemática, pode ser estudado com ou sem o direito natural.55

Tal influência da história também se faz presente no estudo da teologia – na


qual a aplicação de critérios históricos, notadamente no  Leben Jesu  de 1835 de
D. F. Strauss, horrorizava os fundamentalistas – e, especialmente, em uma ciência
totalmente nova, a filologia.

No contexto histórico de seu surgimento, a sociologia nasce intimamente ligada


aos objetivos de estabilidade social das classes dominantes. Sua preocupação são
as consequências desintegradoras do conflito de classes. Sua função é dar
respostas a essa crise. A magnitude dos problemas colocados por essa crise
impõe uma abordagem científica da sociedade como objeto de conhecimento. A
ciência social via constituir-se positivamente, ou seja, com atitude metodológica
idêntica a das ciências positivas.

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43

.Carlos Benedito Martins. O que é sociologia? 38. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 9-10.
44

.Karl Mannheim.  O homem e a sociedade: estudos sobre a estrutura social moderna. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1962. p. 70-71.
45

.André-Jean Arnaud. Op. cit., p. 752.


46

.FERREIRA, Lier Pires; JORGE, Vladimyr Lombardo. A sociologia jurídica no contexto das ciências
sociais humanas e sociais. In: Lier Pires Ferreira, Ricardo Guanabara e Vladimyr Lombardo Jorge
(orgs.). Curso de sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 5.
47

.Sobre o assunto, recomendamos o estudo do pensamento de Jürgen Habermas em sua


obra Direito e Democracia. A primeira parte seria a constatação no prefácio da existência atual de
pluralismo de procedimentos metodológicos que incluem as perspectivas da teoria do direito, da
sociologia do direito e da história do direito, da teoria da moral e da teoria da sociedade, já a
segunda, e mais importante seriam seus estudos no 2º capítulo denominado Conceitos de
sociologia do direito e da filosofia da justiça  e seu primeiro subitem denominado  O
desencantamento do direito por obra das ciências sociais. Cf. Jürgen Habermas.  Direito e
democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Editora
Tempo Brasileiro, 2003. vol. 1. p. 9 e 65 a 82.
48

.HOBSBAWM, Eric. Era das revoluções. 15. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.
49

.Idem, p. 301.
50

.Idem, p. 302- 303.


51

.Idem, p. 304.
52

.Idem, p. 305-306.
53

.José Lamego.  Hermenêutica e jurisprudência.  Análise de uma recepção.  Lisboa: Fragmentos,


1990, n. 1.1.1., p. 20.
54

.Sobre o pensamento de Jhering nesse contexto, cf. Willis Santiago Guerra Filho; Henrique
Garbellini Carnio (col.). Op. cit., p. 61 e ss. capítulo 2; CARNIO, Henrique Garbellini. Notas sobre o
pensamento antropológico jurídico de Rudolf von Jhering. In: Alvaro de Azevedo Gonzaga; Antonio
Baptista Gonçalves (orgs.). (Re)pensando o direito: estudos em homenagem ao prof. Cláudio de
Cicco. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 125-132.
55

.Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito.  Trad. José Lamego. 5.  ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2009. p. 11.

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3.3.1.3. Escorço histórico panorâmico sobre os pensamentos


precedentes, formadores e sucessores do acontecimento da sociologia

Como já assumido no tópico anterior, a sociologia é algo moderno. Após seu


surgimento, para pensarmos sobre o seu desenvolvimento, parece-nos relevante
apresentar de forma concisa uma reflexão sobre o modo de se compreender as
ideias predecessoras na história de pensamentos que ocasionaram o surgimento
da sociologia e aqueles sucessores que nos trouxeram até onde estamos hoje.

Alguns especialistas se esforçam em representar a sociologia traçando suas


origens a partir da filosofia clássica da Grécia, Índia ou China e em alguns casos
traçando também suas origens como ligadas às formas pré-filosóficas do
pensamento.

Esses estudos aparecem, às vezes, desse modo, pois toda organização social
de seres humanos acaba por apresentar manifestações culturais, dispondo de
técnicas de explicação do mundo, com aplicações das mais variadas.

Como paradigma da civilização ocidental surgem os mitos da antiguidade grega


e em todos eles há a presença de autoridades sobre-humanas. Os mitos gregos
normalmente são representados a partir dos poemas épicos de Homero e Hesíodo,
entretanto, mesmo antes desses autores, há relatos de que já havia deuses antes
dos poemas homéricos. Como bem aponta Eudoro de Sousa, o mito, antes de o
ser, pertence a algo superior e onde é indistinto de outros componentes que o
complementam reciprocamente, a saber, a religião.56

A filosofia na Grécia antiga, desde os pré-socráticos, também representa uma


das principais formas de investigação e explicação das condições da existência
social. O mito, a religião e a filosofia constituem as principais formas que
inicialmente invocam a explicação do mundo, a necessidade de organização social
e o desenvolvimento humano.

Tais estudos não são comuns à sociologia, por mais que possam ser
complementares e desempenhar funções intelectuais similares à sociologia na sua
composição histórica na civilização industrial moderna, uma vez que todos acabam
tendo os mesmos propósitos e as mesmas necessidades de explicação da posição
do homem no cosmos, não se pode, com rigor, afirmar que eles tenham pontos de
contato que sirvam de base para se assumir que eles tenham contribuído para o
desenvolvimento da sociologia. Mesmo as filosofias greco-romanas e medievais,
que certamente deram relevo especial à reflexão sistemática sobre a natureza
humana e a organização das sociedades, contrastam singularmente com a
explicação sociológica.57

Durkeim evidencia isso com clareza ao referir que esses estudos antigos,
medievais e mesmo alguns, diríamos, modernos, anteriores à proposição de
Comte (suas referências no texto são  A república, de Platão,  A política, de
Aristóteles, Campanella, Hobbes e Rousseau, entre outras sem especificação)
tinham, com efeito, por objeto, não explicar as sociedades tais e quais elas são ou

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tais e quais elas foram, mas indagar o que as sociedades devem ser, como elas
devem organizar-se, para serem tão perfeitas quanto possível.58

Assim, por mais que esses estudos já tragam questionamentos sobre a


organização social e sirvam de mote predecessor para o pensamento sociológico –
como se desenvolve longamente no capítulo 3 deste livro –, entendemos que é
preciso procurar pelos fatores específicos da formação da sociologia no âmbito
histórico de sua constituição e surgimento, entendendo as condições intelectuais e
materiais de seu desenvolvimento.

A procura por essa base deve ser cuidadosa, pois, após o período da fundação
da sociologia por Comte, há autores que discutem exatamente qual seria o papel
da sociologia, se esta deveria permanecer como uma “filosofia” ou se lançar
mesmo ao substrato de pensamento científico.

Referimo-nos aqui ao interessante debate entre Émile Durkheim e Gabriel


Tarde ocorrido no ano escolar de 1903-1904, na Escola de Altos Estudos Sociais
de Paris, presidido pelo sociólogo M. A. Crise, Reitor da Faculdade de Artes,
discutindo a Sociologia e as Ciências Sociais, seus problemas e métodos. Os
resumos dessas conferências foram publicados pela  Revue Internationale de
Sociologie, no seu número 12, do ano de 1904, revelando o debate entre duas
correntes de pensamento sobre  o que é  e  como funciona  a sociologia como
ciência.

Entre o final do século XIX e as duas primeiras décadas do século XX, a


sociologia francesa foi se formando sob duas tendências bem marcadas, de um
lado, Gabriel Tarde, com sua sociologia intersubjetiva e, do outro lado, Émile
Durkheim, com sua sociologia positiva, de cunho objetivista, que buscava tratar a
sociedade como coisa, como uma realidade autônoma sui generis.

As perguntas que iniciam cada uma das conferências nos parecem servir de
reflexão inicial para o modo de pensar sobre o surgimento e desenvolvimento da
sociologia.

Durkeim inicia sua conferência com os seguintes questionamentos:

A Sociologia deve continuar a ser uma especulação filosófica que envolve a vida
social numa fórmula sintética? Ou deve, pelo contrário, fragmentar-se em diferentes
ciências e, se necessita se especializar, como deve ser obtida esta especialização? A
sociologia puramente filosófica se baseia inteiramente na ideia de que os fenômenos
sociais se submetem a leis necessárias. Os fatos sociais têm ligações entre si que a
vontade humana não pode arbitrariamente romper. Esta verdade supõe uma
mentalidade avançada e não podia ser mais do que o fruto de especulações
filosóficas. A sociologia é filha do pensamento filosófico, ela nasceu na filosofia
contista e é o seu culminar lógico [...].59

Já Gabriel Tarde inicia sua conferência do seguinte modo:

Deve-se falar ciência social ou ciências sociais? A sociologia deve ser a ciência e
não a filosofia dos fatos sociais que, nos dias de hoje, seria insuficiente. As ciências
sociais precederam a ciência social e prepararam a sua evolução. Estas ciências
fundadas sobre os métodos comparativo e evolutivo têm necessidade elas mesmas
de ser comparadas. E esta comparação das comparações seria a sociologia [...].60

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Os questionamentos de ambos os autores denotam um ambiente de estudos


muito próprio do momento do surgimento da sociologia com seu fundador Comte.
Compreender adequadamente isso nos remete a entender que fatores
socioculturais, fatores intelectuais e fatores próprios relacionados à ciência e sua
sistematicidade contribuem para o entendimento da formação e do
desenvolvimento da sociologia.

Quanto aos fatores socioculturais que deram sentido unívoco às diferentes


formas de concepção do mundo, nascidos das exigências da vida moderna, eles
operaram principalmente nas esferas práticas, como a econômica, a administrativa
e a política e, sem dúvida, sobremaneira, no nível comunicacional, com o avanço
tecnológico das mídias, internet e demais meios eletrônicos de informação e
comunicação. Esses fatores atingem diretamente a mentalidade e a cognição do
homem médio. Eles também influem no modo como valores, instituições sociais e
normas, tradicionalmente encarados como possuindo um caráter sagrado e
intangível, passaram a ser vistos como produtos da atividade humana, o processo
de compreender os modos secularizados de conceber o mundo e o predomínio
técnico-científico na racionalização do controle social que conduziram o homem
moderno aos patamares atuais.

Do ponto de vista dos fatores intelectuais, o pensamento moderno é marcado


por influências de novas concepções filosóficas, históricas e jurídicas. A revolução
copernicana e a reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea
marcam importantes projeções para os novos rumos que os estudos sociológicos
tomaram atualmente.

No pensamento de Kant, podemos vislumbrar o culminar da chamada


revolução copernicana61. Em sua Crítica da razão pura, Kant encontrava-se diante
de um duplo impasse: o primeiro derivado do racionalismo dogmático,
emblematicamente representado na escola de Christian Wolff; o segundo vinha de
sua dedicação em refutar a atitude cética que se formava no ambiente anglo-
saxão, cujo maior expoente era o empirista David Hume.

Kant tocava no íntimo do grande problema filosófico de sua época: seria o


conhecimento imanente, cujo fundamento é interior ao sujeito que conhece, ou viria
ele de fora, da experiência? O racionalismo dogmático respondia, em continuação
à tradição iniciada por Descartes, em favor da imanência do conhecimento e da
subjetividade como fundamento; enquanto o empirismo humeniano, em
continuação a Locke, levava às últimas consequências a ideia da mente como
“folha de papel em branco”, na qual a experiência imprime o conhecimento. Na
tentativa de resolver esse impasse entre racionalismo e empirismo, Kant introduz o
elemento da  transcendentalidade,  consumando com ele a chamada “revolução
copernicana”. Ou seja, com Kant, não se trata de perguntar se o conhecimento é
dado pela razão ou pela experiência, mas, sim, quais são os  limites do
conhecimento, seja ele racional, seja empírico. Quando se coloca a pergunta pelos
limites do conhecimento, o que se procura é determinar quais são as condições de
possibilidade da razão pura e da experiência; como existem elas em nós e diante
de nós? Ou seja, como pode o aparelho humano cognoscente, que é interior,
afirmar ou negar algo exterior? Como é possível a passagem das categorias que
se formam na subjetividade, para construir teoria do concreto fora dela?
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Encontradas as respostas a essas questões, estaria resolvido, para Kant, o


problema que estava realmente em jogo nas duas posições (na racionalista e na
empirista): como é possível estabelecer uma ponte
entre consciência e mundo? Para Kant, esse é o verdadeiro escândalo da filosofia:
não ter ainda encontrado a ponte.62

A reviravolta linguística da filosofia representa algo como uma nova revolução


copernicana. Como afirma Manfredo Araújo de Oliveira:

Pouco a pouco se tornou claro que se tratava, no caso da “reviravolta linguística”


(linguistic turn) de um novo paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa
dizer que a linguagem passa de objeto da reflexão filosófica para a “esfera dos
fundamentos” de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa a poder levantar a
pretensão de ser a “filosofia primeira” à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias.63

A partir de então, a filosofia apercebeu-se de que é impossível chegar aos


objetos diretamente. O acesso ao objeto – independentemente do que se entenda
por objeto, seja ele um elemento químico, uma ação humana, uma lei, seja um
julgado – dá-se a partir de um  medium  universal: a linguagem. Temos acesso às
coisas e chegamos a conhecê-las porque temos palavras para mencioná-las.

O pensamento sociológico certamente é atingido por essa revolução,


projetando-se nesses trilhos amplamente. Isso é presente – cada qual de um
modo – em autores consagrados como Niklas Luhmann e Jürgen Habermas, sem
se esquecer dos esforços dos estudos semióticos e comunicacionais que também
são desenvolvidos nessa área na esteira de autores como Charles Sanders Pierce.

Por fim, em terceiro lugar, temos a própria sistematicidade das ciências na


época moderna como fator de contribuição para se pensar o fundamento do
pensamento sociológico. A dinâmica das ciências sociais e a evolução das ciências
no mundo moderno se atrelam à necessidade de controle racional das condições
instáveis do meio artificial em que vivemos e que foi criado por nós mesmos,
homens modernos.64

À medida que a civilização urbano-industrial conseguia condições propícias de


desenvolvimento, a ciência assumia a significação e as funções culturais de
sistema dominante de concepção de mundo, entretanto, não se pode afirmar que
os efeitos desse processo sejam responsáveis, causalmente, pelo aparecimento da
sociologia, pois é cediço que, com relação aos fenômenos sociais, ele foi
precipitado, historicamente, por duas influências concomitantes, a saber, por um
lado, a intensidade crescente a partir dos meados do século XVIII no sentido de
descobrir técnicas racionais de controle dos “problemas sociais” provocados pela
revolução burguesa e, de outro, pelas evidências, de origem extracientífica, de que
a sociedade possui “suas leis” e uma ordem que lhe é própria. Daí o fato de se
considerar o processo evolutivo das ciências no mundo moderno como um fator
potencial relevante na formação da sociologia.65

Além disso, com Raymond Aron, pode-se dizer ainda mais, para além dos
fatores mencionados. Para ele, a sociologia moderna não tem como origem
exclusiva as doutrinas histórico-sociais do século XIX, mas possui outra fonte, a
saber, as estatísticas administrativistas, os surveys, as pesquisas empíricas.66 Para
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Aron, a sociologia é o estudo, que pretende ser científico, do social como social,
seja no nível elementar das relações interpessoais, seja no nível macroscópico de
vastos conjuntos, como as classes, as nações, as civilizações ou, mais
precisamente, as sociedades globais. Tal definição permite compreender como é
difícil escrever uma história da sociologia, saber onde ela começa e termina.67

Disso tudo pode-se concluir que a sociologia é algo decorrente de diversos


fatores histórico-sociais e culturais e das pesquisas empíricas, ligando-se
primariamente a certas necessidades intelectuais e sociais presenciadas na
moderna civilização urbano-industrial e no conhecimento científico daí decorrente.

O pensamento que formatou o surgimento da sociologia, por certo, também


possuía suas limitações e, do ponto de vista do estudo sociológico que viria a ser
desenvolvido na segunda metade do século XIX, possuía certas limitações
inerentes à perspectiva filosófica que informava a concepção sociológica assumida
por Comte. Os autores que se projetam nesse período criam a tendência a
substituir os hábitos filosóficos por procedimentos de caráter científico.

Três frentes bem demarcadas surgem nesse contexto, a dos (1) organicistas
que assimilavam a organização do funcionamento das sociedades à organização e
ao funcionamento do organismo, como Spencer, Schalke, Lilienfeld, Worms,  de
Greef, Novik e outros, cabendo destaque ao pensamento de Spencer e mesmo de
Greef, ao sugerirem que o organicismo favoreceu a descoberta de conceitos
unitários de descrição de fenômenos sociais, a (2) exploração mais frequente de
materiais empíricos e uma atitude mais objetiva diante dos estudos sociológicos e
a (3) daqueles autores que, por mais que centrados no âmbito da sociologia
filosófica, restringiram o campo de suas investigações, como Marx, Le Play,
Summer, Espinas, Durkheim, Tarde, Tönnies, Simmel e outros, ou, ainda, a
daqueles autores que se preocupavam com a especificidade de suas construções
teóricas e tinham como tarefa afastar da sociologia os resíduos filosóficos
entendidos como prejudiciais ao espírito científico, por exemplo, Gumplowicz,
Ratzenhofer, Ward, Giddings e outros.68

Nesse contexto que os métodos sociológicos começam, ainda que


precariamente, a aparecer. Precariamente, pois, não se conseguiu atingir nesse
período um desenvolvimento científico homogêneo da sociologia que
compreendesse uma favorável organização e investigação nos métodos de
interpretação e sistematização teórica dos sociólogos. Daí que surge a ideia de
que a sociologia devia imitar o modelo das ciências hipotético-dedutivas, cabendo
a ela formular explicações abstratas e universais.

A sociologia do século XIX marca incontestavelmente um momento da reflexão


dos homens sobre si mesmos, em que o social é tematizado, com seu caráter
equívoco, ora relação elementar entre indivíduos, ora entidade global. Além disso,
exprime uma intenção, não totalmente nova, mas original relativa a um
conhecimento propriamente científico, segundo o modelo das ciências da natureza
e com igual objetivo, a saber, deveria dar aos homens o controle sobre a sua
sociedade e a sua história, assim como a física e a química lhes deram o controle
das forças naturais.69

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A primeira metade do século XX foi o período mais pujante para o


desenvolvimento da sociologia como disciplina científica. Na busca de ultrapassar
os problemas permanentes do século XIX quanto ao aprimoramento do estudo
científico da sociologia, surgem padrões autônomos e regulares de pesquisa
empírica sistemática nessa época.

A pesquisa de campo evolui70, a pesquisa de reconstrução histórica – com Max


Weber e Alfred Weber, por exemplo – efetiva-se, inclusive sob a perspectiva de
novas metodologias, e a pesquisa quantitativa, sob a forma estatística – com
Simiand, Ogburn e Stuart Rice –, passa a ser feita segundo critérios sociológicos, e
a pesquisa comparada ganha nova significação, com recursos metodológicos ou
como fonte de conhecimento teórico sobre questões sociológicas específicas.71

Já na segunda metade do século XX o desenvolvimento da sociologia foi


afetado de modo negativo pelas duas guerras mundiais, criando especialmente um
problema relativo à continuidade dos estudos que vinham sendo desenvolvidos. De
todo modo, nos EUA, nesse período um pouco obscuro, os centros norte-
americanos possuíam condições de levar adiante os estudos de sociologia, ficando
caracterizado esse período pelo acúmulo de materiais empíricos com muitas
pesquisas importantes realizadas, tendo como objeto os mais diversos fenômenos
sociais. De outra banda, nessa época também se intensificam os estudos sob a
influência de antropólogos sociais funcionalistas, sendo um profundo e interessante
campo de pesquisa as comunidades primitivas e campesinas. Tudo isso contribuiu
para que na segunda metade do século XX se começasse com muito mais rigor a
pensar a necessidade de criar técnicas sociológicas de pesquisa ou da importância
de aproveitamento de outras técnicas e métodos de outras disciplinas, como a
psicologia, economia, antropologia etc.

Esses estudos aumentaram certamente o nível de complexidade dos estudos


sociológicos e, diante das novas reflexões metodológicas e filosóficas relativas,
como a já mencionada virada linguística da filosofia, a sociologia atualmente
recebe novos impulsos de estudos fenomenológicos, realistas, históricos e outros
acompanhando a premente necessidade de se pensar sobre as possibilidades de
se buscar a compreensão a atual sociedade complexa em que vivemos, sendo
exemplo disso os estudos da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann e seu
aprofundamento nos mais diversos níveis, a nosso ver, um dos mais interessantes
é o de uma a teoria imunológica social desenvolvida, por exemplo, por Roberto
Esposito,72 como por um de nós73, sob a influência de Niklas Luhmann e também
de Jacques Derrida,74 além de Francisco Varela e outros.75

56

.Eudoro de Sousa.  Origem da poesia e da mitologia e outros ensaios diversos. Lisboa: INCM,
2000.
57

.Florestan Fernandes. Op. cit., p. 30.


58

.Émile Durkheim. Sociologie et sciences sociales. Paris: Félix Alcan, 1909. p. 259.


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59

.Émile Durkheim; Gabriel Tarde. A sociologia e as ciências sociais. Trad. Mauro Guilherme Pinheiro
Koury, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 10, n. 29, ago. 2011. p. 365.
60

.Idem. p. 366.
61

.A base sobre a questão da “revolução copernicana” e “reviravolta linguístico-pragmático da


filosofia” aqui apresentada encontra-se desenvolvida na obra  Introdução à teoria e filosofia do
direito. Cf. Georges Abboud; Henrique Garbellini Carnio; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à
teoria e filosofia do direito. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 213 e ss. e cap. X. De modo geral, a
proposta dessa questão encontra-se em Manfredo Araújo de Oliveira  Reviravoltalingüístico-
pragmática na filosofia contemporânea adiante referida com maiores detalhes. Cf. Manfredo Araújo
de Oliveira. Reviravoltalingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. ed. São Paulo: Loyola,
2001.
62

.Cf. REALE, Miguel.  Filosofia do direito, cit., p.  77. Segundo Miguel Reale, Kant opera uma
verdadeira revolução copernicana no eixo da filosofia moderna, quando coloca o sujeito no centro
do processo gnosiológico. Nas palavras de Reale: “Antes de Kant, a filosofia clássica vivia girando
em torno de objetos, aos quais se subordinava essencialmente; enquanto que, no dizer de Kant,
quem deve ficar fixo é o sujeito, em torno do qual deve girar o objeto, que somente é tal porque
‘posto’ pelo sujeito (...) Em lugar de se conceber o sujeito cognoscente como planeta a girar em
torno do objeto, pretende Kant serem os objetos dependentes da posição central e primordial do
sujeito cognoscente. Essa referência ao criticismo de Kant visa mostrar a correlação essencial que
existe entre o problema do objeto e o método, até o ponto de subordinar-se um ao problema do
outro: – uma ciência viria a ser o seu método, porque o sujeito que conhece, ao seguir um método,
criaria, de certa maneira, o objeto, como momento de seu pensar”.
63

.Manfredo Araújo de Oliveira. Op. cit., p. 12 e 13.


64

.Zachary Davis; Anthony Steinbovk. Max Scheler. In: Edward N. Zalta (ed.).  The Stanford
Encyclopedia of Philosophy.  Summer 2014 edition. Disponível em:
[http://plato.stanford.edu/archives/sum2014/entries/scheler].
65

.Florestan Fernandes. Op. cit., p. 32-33.


66

.Raymond Aron. As etapas do pensamento sociológico. 7.  ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
p. XX.
67

.Idem, p. XIX.
68

.Florestan Fernandes. Op. cit., p.  35-36. Segundo o autor: “[...] a verdadeira transformação da
Sociologia em disciplina científica, imprimiram novas diretrizes à investigação sociológica. Estas se
revelam em três direções diversas do pensamento científico: 1.) na importância adquirida pela
fundamentação empírica das explanações, apesar da existência de um padrão regular de pesquisa
empírica sistemática, aplicável ao estudo sociológico do presente ou do passado; 2.) na tendência
de operar com problemas sociológicos propriamente ditos (como os fatores da formação do
capitalismo, as causas e efeitos da divisão do trabalho social etc.), o que permitia considere os
fenômenos sociais em termos das uniformidades de coexistência ou de sequência,  evidenciadas
nas relações deles entre si, suscetíveis de serem abstraídas e generalizáveis; 3.) na preocupação
de descobrir, em qualquer das esfera que fosse aplicado o ponto de vista sociológico, como
combine umas às outras as explanações relativas às uniformidades investigadas, de modo a fazer

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delas uma síntese dos conhecimentos teóricos, alcançados na interpretação de problemas


sociológicos interdependentes. [...].”
69

.ARON, Raymond. Op. cit., p. XX.


70

.Cf. Robert S. Lynd; Helen Merrel Lynd.  Middletown:  a study in contemporary american culture.
New York: Harcourt, Brace and Company, 1929. p. 21-54. A pesquisa empreendida finalizada em
1925 trata de um caso de estudo sociológico na cidade de Muncie, Indiana, conduzida pelos
autores Robert Staughton Lynd e Helen Merrel Lynd, marido e mulher. Os Lynd e um grupo de
pesquisadores conduziram um estudo de campo numa pequena cidade americana com o objetivo
de descobrir suas bases culturais, normas e melhor entender as mudanças sociais. O
nome middletown foi dado de forma representativa, em razão de existirem inúmeras outras cidades
nos moldes da investigada. Os capítulos 4, 5 e 6 são muito interessantes para compreender o
desenvolvimento do trabalho de campo feito pelos pesquisadores.
71

.Florestan Fernandes. Op. cit., p. 37.


72

.ESPOSITO, Roberto. Filosofia e biopolítica. ethic@, Florianópolis, vol.  9, n.  2, p.  369-382, 2010;
Id., Communitas: origen y destino de la comunidade. Trad. Carlo Rodolfo Molinari Marotto. Buenos
Aires/Madrid: Amorrortu, 2007; Id.,  Immunitas:  the protection and negation of life. Trad. Zakiya
Hanafi. Cambridge/UK and Malden/USA: Polity Press, 2011.
73

.Cf. Willis Santiago Guerra Filho. Potência crítica da ideia de direito como um sistema social
autopoiético na sociedade mundial contemporânea. In: Germano Schwartz (org.).  Jurisdicização
das esferas sociais e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2012. p.  59-69; Id., Immunological theory of law. Saarbrücken: Lambert Academic
Publishing, 2014 e Id.; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do direito, cit., cap. XII, p. 235
e ss.
74

.Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993. p. 161 e
565 e ss.; Jacques Derrida. Foi et savoir. Les deux sources de la ‘religion’ aux limites de la simple
raison. In: Thierry Marchaisse (ed.). La religion. Seminaire de Capri sous la direction de Jacques
Derrida et Gianni Vattimo. Paris: Seuil, 1996. p. 58 e ss., texto e nota 23; Id., A Universidade sem
condição. Trad. Evando Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 49.
75

.F. J. Varela; A Cohen. Le corps evocateur: une relecture de l’immunité.  Nouvelle Revue de
Psychanalyse, Paris, n. 40, p. 193-213, 1989; F. J. Varela; A Coutinho. Second generation immune
networks.  Immunology Today, Amsterdam, n.  12, p.  159-166, 1991; PROTEVI, John.  Political
physics: deleuze, derrida, and the body politic. London: Athlone Press, 2001. p. 102, passim.

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3.3.2. Sociologia do direito e sociologia no direito

A investigação sobre o direito em termos sociológicos pode ocorrer tanto em


decorrência da influência dos elementos da sociologia geral no direito como de
elementos próprios produzidos pela sociologia do direito.

Ana Lúcia Sabadell estabelece que a sociologia  no  direito parte de uma
perspectiva  interna  com relação ao sistema jurídico. Os adeptos dessa teoria
contestam a exclusividade de um método jurídico tradicional, afirmando que a
sociologia jurídica deve interferir ativamente na elaboração, no estudo dogmático e,
inclusive, na aplicação do direito. A rigor, não haveria uma ciência jurídica
autônoma porque o direito, além de seus métodos próprios, emprega ou deve
empregar métodos próprios das ciências sociais. Segundo a autora, seriam
adeptos dessa forma de análise Manfred Rehbinder e Winfred Hassemer, na
Alemanha; Giovanni Tarello, na Itália, André-Jean Arnaud, na França, entre outros.

Já a abordagem da sociologia do direito parte de um estudo sociológico numa


perspectiva  externa, de modo que seus adeptos consideram que a sociologia do
direito faz parte das ciências sociais, sendo um ramo da sociologia. Dessa forma, o
direito deve continuar utilizando seu método tradicional, que lhe garante uma
posição autônoma com relação às outras ciências humanas. Os estudiosos
adeptos dessa acepção informam que a sociologia jurídica não pode ter uma
participação ativa dentro do direito, pois, se o direito é “a lei e as relações entre as
leis”, tudo o que não for “lei e relações entre as leis” ficará fora da ciência jurídica.
Também segundo a autora, defenderiam essa forma específica de análise, apesar
de fortes divergências entre si, Niklas Luhmann na Alemanha; Renato Treves e
Vincenzo Ferrari na Itália e Rámon Soriano na Espanha.

De tudo quanto exposto, verifica-se que a contraposição do modo indicado é


sofisticada e sua análise detida resulta numa verdadeira polêmica, praticamente
inconciliável. A adoção completa de uma das teorias é algo complexo de afirmar
até para os autores mencionados.

Além disso, atualmente existem esforços em unificar as duas perspectivas, de


modo que, segundo essa vertente, o sociólogo do direito realizaria uma análise
externa daquilo que é considerado como direito pelo ponto de vista da dogmática
jurídica.76

Assim, a sociologia jurídica pode estudar e criticar o direito, mas não pode ser
integrante dessa ciência. Na realidade, sua tarefa consiste em promover
um observador neutro do sistema jurídico77.

A par dessas considerações, entendemos que a problematização sobre a


sociologia  do  direito e a sociologia  no  direito possui uma vertente didática – algo
que também acontece, por exemplo, com a filosofia no e do direito, guardadas as
devidas proporções –, em especial se levarmos em conta a forma como a
sociologia jurídica ocorre na história.

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A sociologia  no direito  seria resultado da utilização de conceitos, elementos,


métodos etc. da sociologia  no  direito. Assumir esse ponto de partida como uma
forma exclusiva deixa escapar a problemática de até que ponto o direito não ficaria
reduzido ao próprio exercício da sociologia.

Já a sociologia do direito seria o material – substância e resultado – produzido


pelos conteúdos propriamente jurídicos com base em seu – íntimo e inevitável –
relacionamento com os conceitos sociológicos gerais. Tal definição, do modo como
colocada, também traz questionamentos, pois deixa em xeque a própria
epistemologia jurídica, enquanto saber suposto da ordenação dos saberes sobre o
direito.

A nosso ver, essa descrição sociologia  do  e  no  direito, apesar de didática, ao
ser estabelecida num viés interno e externo, rotulando autores como seus adeptos,
oferece o risco de criar sincretismos que reduziriam a perspectiva metodológica
adotada por alguns dos autores identificados como adeptos da sociologia no direito
e da sociologia  do  direito. Ademais, tal diferenciação resultaria numa espécie de
dualismo, que numa perspectiva metodológica mais atualizada não mais poderia
ser suportado.

Nesse compasso, como já vimos defendendo uma teoria possibilista –


inclusivista – do direito, entendemos que atualmente não há mais espaço para se
ater dualisticamente a essas categorias (sociologia  do  e  no  direito). É preciso
despertar-se para o entendimento de que uma atuação jurídica – em termos
científicos – sem a contribuição da pesquisa desenvolvida nos estudos da
sociologia geral e da sociologia jurídica, produzida como uma  especialidade  da
sociologia geral), bem como de outras disciplinas introdutórias – e fundamentais –
ao direito, como a filosofia (do  e  no  direito), psicologia (do  e  no  direito),
antropologia (do  e  no  direito), é algo que mantém o estudo do direito aferrado a
uma lógica científica clássica que não consegue mais ofertar respostas adequadas
para as complexas situações que vivenciamos hodiernamente.

Nesse trilho, o que realmente nos importa é a demanda do emprego de uma


metodologia de pesquisa do direito que se tem chamado “inclusiva”, voltada para a
incorporação de conhecimentos advindos de ciências sociais empíricas e
disciplinas jurídicas diversas, além da dogmática do Direito positivo nacional, como
a história, o direito comparado, a filosofia jurídica, a sociologia jurídica e a teoria do
Direito na sua feição atual, sensível tanto às contribuições das ciências formais
contemporâneas (semiótica, cibernética, teoria da comunicação etc.) como ao
desenvolvimento de uma lógica material própria do discurso normativo (tópica,
nova retórica, teorias da argumentação, lógica deôntica etc.), na qual ação e
pensamento, ética e lógica e mesmo a estética e as artes (com destaque para a
literatura, o teatro e o cinema), encontram-se numa situação comunicativa concreta
de diálogo, em que, pragmaticamente, são produzidas sempre novas
interpretações, novos significados.78

3.3.2.1. Posição e autonomia da sociologia jurídica

A sociologia geral é a ciência mais geral do estudo do social, enquanto as


sociologias especiais ou aplicadas investigam áreas parciais. A sociologia geral e
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as sociologias especiais se complementam reciprocamente.79  Toda sociologia


jurídica representa conhecimento aplicado (ao direito) com relação à sociologia
geral.

A sociologia jurídica constitui um campo de conhecimento jurídico que,


enquanto tal, deve ser encarado sob uma perspectiva interdisciplinar, projetando-
se cada vez mais para a ampliação de seus horizontes e de seu poder criativo.

Para alguns autores, se entendermos “ciência” em sentido lato, ou seja, como


um conjunto ordenado de definições, classificações e princípios pertinentes a
objetos correlacionados, a sociologia jurídica pode ser vista como componente dos
estudos científicos jurídicos básicos, ao lado das chamadas dogmática jurídica e
filosofia jurídica.

Num sentido científico – de modo mais estrito –, a sociologia jurídica é uma


disciplina especial da sociologia, que tem possíveis distinções internas entre
definições e proposições mais gerais, como a ideia de uma Sociologia do Direito
Teórica a par de definições e proposições menos gerais, como a Sociologia do
Direito Aplicada.80

Nota-se que na conceituação adotada não distinguimos sociologia jurídica de


sociologia do direito, como fazem alguns autores. Na maioria das vezes, as
diferenciações apresentadas incorrem em certo verbalismo que termina em
concepções artificiais. Na verdade, a maioria dos autores trabalha com as
definições de modo sinônimo.81  Assim, não há que se distinguir uma sociologia
jurídica por obra de juristas de uma sociologia do direito, feita por sociólogos.

Portanto, a sociologia jurídica é disciplina autônoma que cuida da realidade


jurídica, entendendo e investigando o fenômeno jurídico sob um ponto de vista
especial: como fato social a que se aplicam as regras gerais que dominam os
demais fatos sociais, além de certas regras que lhe são próprias. Nesse sentido é
que ela constitui sua autonomia científica.82

76

.SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica. São Paulo: RT, 2002, p. 59.
77

.Idem, p. 55.
78

.Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago e CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do direito em
sua segunda edição (2013) pela Editora Revista dos Tribunais, em especial o capítulo XI.
79

.CARBONNIER, Jean. Sociologie juridique. Paris: Armand Colin, 1972. p. 18-19.


80

.Cláudio Souto; Solange Souto. Sociologia do direito: uma visão substantiva, 2  ed. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris editor, 1997, p. 37.
81

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.Jean Carbonnier. Op. cit., p. 16. “Mais à ce champ d’étude nous appliquerons, par convention faite
une fois pour toutes, l’une ou l’autre des deux expressions indifférement: sociologie du droit ou
sociologie juridique”.
82

.ROSA, F. A. de Miranda. Posição e autonomia da sociologia do direito.  In Sociologia e direito:


textos básicos para a disciplina de sociologia jurídica. 2  ed. São Paulo: Pioneira, 1999. Cláudio
Souto e Joaquim Falcão (org.), p. 50.

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3.3.2.2. Relações da sociologia jurídica com a dogmática jurídica e


com a filosofia do direito

A sociologia jurídica possui um objeto diferente do objeto da dogmática jurídica.


Enquanto a dogmática jurídica estuda as regras do direito por elas mesmas, a
sociologia jurídica se esforça para descobrir as causas sociais que as produzem ou
os efeitos sociais que elas irão produzir.83

Enquanto a sociologia jurídica coloca a tônica de suas investigações no


fenômeno jurídico levando sempre em consideração a realidade social, a
dogmática jurídica tende a isolar em sua abordagem sistemática e analítica
aspectos lógico-normativos do conjunto da vida social, visando facilitar a aplicação
judiciária ou administrativa das normas.84

Já a filosofia do direito, em suas reflexões, aprofunda a explicação do


fenômeno jurídico a partir e além do conhecimento científico-empírico e lógico-
normativo do direito. A filosofia do direito perquire além do trabalho investigado no
campo da ciência empírica do direito, projetando-se para os sentidos da gênese do
direito, bem como dos possíveis efeitos que encontra na manifestação dos
fenômenos jurídicos, além de estabelecer uma instância crítica e reflexiva sobre os
conteúdos jurídicos e sua dimensão normativa.

Um critério razoável a ser utilizado para evitar possíveis confusões entre a


filosofia e a sociologia do direito pode se dar estabelecendo, de empréstimo, a
clássica distinção entre a filosofia social e a sociologia, guardando-se as devidas
proporções. Se a filosofia social diz o que deve ser a sociedade, cabe à sociologia
dizer o que ela é. Desse modo, levando em conta as variações que o tema
encontra no direito, ela pode se dar com a clássica distinção entre  o que é o
direito e como deve ser o direito. A distinção do que é como próprio da ciência e,
portanto, também da sociologia, e o que  deve ser  como próprio da filosofia. A
filosofia se situa numa dimensão ontológico-filosófica, e não propriamente
empírico-científica, capaz de ser explorada pela sociologia.85

Assim, a filosofia do direito também se apoia nos dados fornecidos pela


sociologia do direito e pela dogmática jurídica como base de articulação de suas
reflexões e propostas.

Desse modo, é certo que não há uma contraposição entre a dogmática, a


filosofia e a sociologia jurídica. Em conjunto, elas compõem um importante elo de
constituição da teoria do direito, juntamente com outras matérias, como a
antropologia jurídica e a história do direito.

Esse entendimento também deve ser encarado para uma abordagem além do
sentido tradicional empregado que atribui à sociologia jurídica o fato, à dogmática
jurídica a norma, e à filosofia do direito o valor86.

Tal classificação se lança em contraposição ao próprio sentido


constitutivo do direito, posto que fato social, norma social e valor se imbricam na

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constituição do fenômeno jurídico, como se imbricam a sociologia, a filosofia e a


dogmática jurídica.87

A capacidade crítica das investigações da filosofia jurídica aprofunda as


implicações dos estudos jurídicos em geral. A abordagem objetiva tradicional da
dogmática jurídica pode se lançar além e abstrair das normas legais e de outras
normas o social, reconhecendo a importância de sua função social. A sociologia
jurídica revela sua importância não só na abordagem teórica que lhe é peculiar,
mas também nas implicações práticas que dela se pode observar, possibilitando
também um estudo crítico do direito que fomente, por exemplo, uma mudança na
mentalidade jurídica dos profissionais com relação aos dados científico-empíricos
em geral que se encontram no direito e em suas manifestações.

83

.Jean Carbonnier. Op. cit., p. 21.


84

.Cláudio Souto; Solange Souto. Op. cit., p. 40.


85

.DÍAZ, Elías. Sociología y filosofía del derecho. Madri: Taurus, 1976. p. 181-182.


86

.Idem, p. 42. Aqui, vale lembrar o quanto defende Miguel Reale, em sua Teoria Tridimensional do
Direito, a respeito do caráter dinâmico e dialético em que dever ser consideradas as três
dimensões do direito.
87

.Para uma visão mais detalhada do assunto, que não se refira apenas à dogmática e filosofia
jurídicas, é relevante a abordagem de Jean Carbonnier da relação da sociologia jurídica com
outras disciplinas auxiliares do direito. Cf. Jean Carbonnier. Op. cit., p. 16-29. Também é relevante
a análise de Óscar Correas, cf. Óscar Correas.  Intoducción a la sociología jurídica. México:
Ediciones Coyoacan, 1994. p. 45-46.

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3.3.3. Émile Durkheim (1858-1917)

Émile Durkheim nasceu em Épinal, em 15 de abril 1858, no seio de uma família


de rabinos da Alsácia – seu pai, avô e bisavô foram rabinos. Seus primeiros
estudos foram feitos no próprio colégio de Épinal e, posteriormente, continuados no
Liceu Louis-Le-Grand e na Escola Normal Superior, estes últimos ambos em Paris.

Chegou a revelar, em decorrência, desagrado pelo estrito e demasiado ensino


literário e muito pouco científico nas instituições em que havia passado. Em 1882,
diploma-se e passa a lecionar filosofia nos liceus de Sens, Saint-Quentin e Troyes,
ao tempo em que se aprofundava no estudo da obra de Herbert Spencer – que
posteriormente será particularmente criticado por Durkheim – e da obra de Alfred
Espinas. Sob a influência do primeiro, pegou o gosto marcado pelos modelos
biológicos, já com relação ao segundo, o contato pessoal com sua obra contribui
para sua explicação sobre a gênese de uma de suas ideias centrais, a de
consciência coletiva, além de explicar sua teoria de que as leis reguladoras da vida
social são irredutíveis às de outros domínios, sobretudo às da psicologia.

De forma decisiva, parece-nos ainda mais relevante, foi o contato de Durkheim


com o laboratório de psicologia experimental fundado por Wilhelm Wundt em
Leipzig, na Alemanha. Com Wundt, ele estudou antropologia e psicologia dos
povos, fato que claramente o motivou a se dedicar às ciências sociais e a explorar
e desenvolver seu projeto de transformar a sociologia em ciência autônoma.

A par desses destaques, fato é que as referências ao seu pensamento, como


acontecia com os pensadores daquela época, são impregnadas por um lado pela
Revolução Francesa e Revolução Industrial, e por outro, pelo manancial de ideias
decorrentes desses mesmos acontecimentos, que vinham sendo formados por
autores como Saint-Simon e Augusto Comte, por exemplo. Nesse ponto, cabe
apontar para a influência que Durkheim recebe de Comte, no que tange a crença
de que a humanidade avança no sentido de seu gradual aperfeiçoamento,
governada pela força do progresso. Some-se a isso também a influência da
filosofia kantiana, do darwinismo social, do organicismo alemão e do socialismo de
cátedra.

Em 1887, Durkheim foi nomeado como “encarregado de cursos” na


Universidade de Bordéus. Esse foi o momento em que, pela primeira vez na
história do ensino francês, criava-se uma cátedra exclusiva para a sociologia. Daí
em diante, toda sua carreira foi dedicada ao desenvolvimento da sociologia, sendo
reconhecido por ser o escritor de alguma das obras fundamentais da história da
disciplina, são elas:  Elementos de sociologia  (1889),  A divisão do trabalho
social  (1893),  As regras do método sociológico  (1895),  O suicídio  (1897),  As
formas elementares da vida religiosa  (1912),  Educação e
sociologia  (1922),  Sociologia e filosofia  (1924),  A educação moral  (1925),  O
socialismo (1928).

Enquanto escrevia seus livros, Durkheim também se dedicava ao trabalho da


sociologia no magistério universitário de Paris, a partir de 1902, nas cadeiras de
sociologia. Importante salientar que em 1898, quando ainda estava em Bordéus,
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fundou a revista  L’Année Sociologique, na qual foi publicada a maior parte dos
trabalhos iniciais da Escola Sociológica Francesa.

Em 1914, quando rompe a Primeira Guerra Mundial, Durkheim participou


ativamente da causa francesa, chegando a escrever panfletos veementemente
nacionalistas. Próximo ao fim da Primeira Guerra Mundial, Durkheim faleceu, em
Paris, no dia 15 de novembro de 1917.

Ao longo de sua vida e após o seu falecimento, Durkheim foi se tornando um


autor consagrado, possuindo muitos seguidores. Teve também muitos
colaboradores, tanto pela ligação religiosa advinda de sua família quanto a partir
de relações de sangue – nesse caso, é fundamental lembrar, em especial, de
Marcel Mauss, seu sobrinho que posteriormente irá se revelar um grande autor dos
estudos antropológicos e sociológicos e, de maneira menos enfática, sua sobrinha
Claudette Bloch, bióloga marinha, mãe de Maurice Bloch, outro que se tornou um
grande antropólogo.

Como importantes fatos da vida de Durkheim, destaca-se o de ter convivido


com grandes intelectuais em seus estudos, seja sob a orientação deles, seja sob
seu ensino direto. Vale apontar que quando ingressou, em 1879, na Escola Normal
Superior, tinha como colegas de classe duas figuras que se consagraram como
brilhantes pensadores nos séculos XIX e XX, a saber, Jean Jaurès e Henri
Bergson, além de ter estudado lá sob a direção de Fustel de Coulanges.

Durkheim se dedicou a estabelecer a sociologia como disciplina rigorosamente


objetiva, opondo-se a todas as orientações que transformavam a investigação
social numa dedução de fatos particulares a partir de leis supostamente universais,
como a lei dos três estados de Comte. A crítica de Durkheim é que uma lei desse
tipo pode até ter alguma utilidade para a filosofia da história, mas não tem
serventia maior para o estudo dos fatos sociais concretos. Caberia à sociologia a
utilização de uma metodologia científica, investigando leis, não generalidades
abstratas, e sim expressões precisas de relações descobertas entre os diversos
grupos sociais. Sua proposta desemboca na compreensão da sociedade como um
conjunto de ideais, constantemente alimentados pelos homens que fazem parte
dela, uma proposta que parte, portanto, da exterioridade dos fatos sociais, não
transformando o social em fato puramente físico com seu objetivismo.

Nesse projeto de pensamento, Durkheim é levado a investigar a possibilidade


de abordar a sociedade como um fato sui generis e, portanto, irredutível a outros.
Daí que advém sua ideia de “consciência coletiva”, entendida como o sistema das
representações coletivas numa determinada sociedade. Seriam, por exemplo,
representações coletivas a linguagem, ou um grupo de práticas de trabalho,
encontradas em certas sociedades. Essas representações coletivas constituiriam
fatos de natureza específica, diferentes dos fenômenos psicológicos individuais.
Segundo Durkheim, as representações coletivas desdobram-se nos aspectos
intelectual e emocional, sendo possível determiná-las de maneira direta, e não
apenas através dos pensamentos e emoções individuais, de tal forma que o
método para conhecimento direto das representações coletivas utilizaria o exame
das expressões permanentes dessas representações, como os sistemas jurídicos
e as obras de arte; outro procedimento seria a pesquisa estatística, como realizada
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por ele mesmo, estudando o problema do suicídio, não como fato psicológico
social, mas como fato social.

As especulações sobre a necessidade da sociologia como disciplina científica


em Durkheim eram também expressivas. Para ele, os valores são, em geral,
determinados pela natureza particular das sociedades e, por essa razão, seria
possível formular uma ética com base no estudo dessas sociedades, de forma que
a sociologia poderia substituir a moral, criticando os valores estabelecidos e
esforçando-se para afastar tendências novas. No círculo dessas preocupações,
Durkheim desenvolveu teorias educacionais utilizadas e referenciadas a esmo pela
pedagogia. Para Durkheim, educar um indivíduo é o meio de prepará-lo ou
“determiná-lo” a ser membro de um ou vários grupos sociais, e, da mesma forma
que cada sociedade tem a moral mais bem adaptada à sua natureza, possui
também as instituições pedagógicas supostamente mais convenientes.

Além de ser um sociólogo extremamente importante em seu tempo e que,


definitivamente, determinou a partir de seus estudos as diretrizes que iriam seguir
o pensamento sociológico, com sua crítica à sociologia positivista e naturalista que
impregnava o pensamento sobre o fenômeno jurídico, é considerado o fundador da
concepção de sociologia do direito, pois há uma tônica muito significativa em seu
pensamento que se assenta sobre a indagação sociológica das questões jurídicas.

Em sua obra  A divisão do trabalho social88  encontra-se um bom resumo de


suas concepções sociojurídicas fundamentais. Nela, o autor revela seu interesse
pelo problema da sociabilidade e as espécies de direito a ela concernentes.

Esse livro consiste na tese de doutoramento de Émile Durkheim. Nele encontra-


se a obra em que mais claramente há a influência do pensamento de Augusto
Comte.

Como nota Raymond Aron, o tema principal desse livro se estrutura na relação
entre indivíduos e a coletividade, surgindo os seguintes questionamentos: 1) Como
pode uma coleção de indivíduos constituir uma sociedade? 2) Como se chega a
essa condição da existência social que é o consenso?89

A resposta de Durkheim a esses questionamentos revela um elemento


especial, muito importante dentro de suas teorias, a saber, o conceito de
solidariedade social, que o conduziu à distinção dos principais tipos de grupos
sociais.

A primeira forma de solidariedade seria a solidariedade mecânica que se


encontra nas sociedades em que os indivíduos diferem pouco entre si, partilhando
dos mesmos valores e sentimentos. Sua coesão advém do fato de que seus
elementos individuais são similares. A horda e o clã são desse tipo primeiro de
sociedade.

A solidariedade mecânica pode ser entendida por semelhança. Quando essa


forma de solidariedade domina uma sociedade, os indivíduos diferem pouco uns
dos outros, pois, enquanto membros de uma mesma coletividade, eles se
assemelham porque têm os mesmos sentimentos, os mesmos valores e

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reconhecem os mesmos objetos sagrados. Isto é, a sociedade ainda tem


coerência, pois os indivíduos não se diferenciaram do todo social.

A outra forma de solidariedade é a solidariedade orgânica, presente nas


sociedades mais complexas, que resultam da crescente divisão e trabalho,
exigidas pelas tarefas econômicas menos simples. Ela é baseada na diferenciação
dos indivíduos, é aquela na qual o consenso, ou seja, a unidade coerente da
coletividade, resulta de uma diferenciação ou se exprime por seu intermédio. Os
indivíduos não se assemelham, são diferentes e essa diferença existe porque o
próprio consenso a permite.

As duas formas de solidariedade correspondem, no pensamento de Durkheim,


a duas formas extremas de organização social. As sociedades que há meio século
chamávamos de primitivas, e que hoje preferimos chamar de arcaicas, ou
sociedades sem escrita (mudança de terminologia que exprime uma mudança de
atitude com relação a essas sociedades, liberando-se do etnocentrismo),
caracterizam-se pela prevalência da solidariedade mecânica. Os indivíduos de um
clã são, por assim dizer, intercambiáveis. O resultado – esta é uma das ideias
essenciais do pensamento de Durkheim – é que o indivíduo não vem,
historicamente, em primeiro lugar. A tomada de consciência da individualidade
decorre do próprio desenvolvimento histórico. Nas sociedades ditas primitivas,
cada indivíduo é o que são os outros; na consciência de cada um predomina, em
número e intensidade, os sentimentos comuns a todos, os sentimentos coletivos90.

Durkheim caracteriza a solidariedade mecânica como representativa de


um  direito repressivo, que pune severamente faltas ou crimes e a solidariedade
orgânica como representativa de um  direito restitutivo, ou cooperativo, cuja
essência não é punir as violações das regras sociais, mas repor as coisas em
ordem quando uma falta foi cometida, para assim organizar a cooperação entre os
indivíduos.

No desenvolvimento dessas ideias, Durkheim elabora algo próximo a uma


teoria da sanção. Para ele, as normas jurídicas, diferentemente de quaisquer
outras, implicam a ideia de sanções organizadas, uma vez que, não sendo
observadas, determinam uma atitude sancionadora.

Tais sanções podem ser  repressivas  ou  restitutivas  e são derivadas de dois
tipos de direito estabelecidos por Durkheim, a saber: repressivo e restitutivo
respectivamente.

Portanto, sua definição se fundamenta na classificação do direito com base em


dois tipos de sanções: as repressivas, correspondentes à “solidariedade mecânica”
ou “por semelhança”, próprias do direito penal, e as sanções  restitutivas,
correspondentes à “solidariedade orgânica” ou por “dissemelhança”, próprias do
direito civil, comercial, processual, do direito administrativo e do direito
constitucional, com a abstração das regras penais que se possam neles encontrar.

Durkheim estabelece os fundamentos da sociologia jurídica se colocando


contra as ideias predominantes vigentes em sua época, ou seja, com relação às
propostas estatizantes dos juristas. Isso o levou a criticar, de modo original, a

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divisão ainda atualmente usual no meio jurídico, entre direito público e direito
privado baseada no Estado. Ele se coloca além da ótica que centraliza a noção
de Estado para explicar tais conceitos jurídicos alertando que nem sempre existiu o
Estado e que seu papel varia nas sociedades.

Conforme nota Cláudio Souto, Durkheim não consegue, porém, delimitar


satisfatoriamente o domínio específico do direito, logo, não consegue de modo
satisfatório classificá-lo. Para ele, como se nota do exposto, o direito se resume a
regras de sanções organizadas (repressivas e restitutivas).91

De um ponto de vista crítico, sob o conceito de direito exposto por Durkheim, na


realidade, pode ser percebido que sua definição parte de um pressuposto que
imediatamente vincula sua visão sobre o direito, pois as sanções jurídicas, na
verdade, precisam da preexistência do direito, que lhes atribui natureza jurídica.
Portanto, pode-se afirmar que a definição de Durkheim se assenta num elemento
que não constitui de modo substancial o direito, apenas instrumental, o que faz
com que se possa identificar laços com o pensamento jurídico positivista de sua
época.

Apesar de sua definição se pautar em elementos que orientam a crítica


apresentada, é inegável a contribuição original do autor com relação aos estudos
das sociedades arcaicas e o direito nelas encontrado.

Nesses estudos, Durkheim distingue o direito coletivo relativo à religião, e o


direito individual relativo à magia, que tornava possível a iniciativa individual. Nesse
caso, sua teoria ainda se liga à ideia de sanção, no entanto, figura relacionada com
a força do princípio de retribuição, que predomina nessas comunidades. Nesse
contexto é que Durkheim trata a gênese do direito. Tanto é que o autor nota que tal
classificação de direito coletivo e direito individual não é aplicável às sociedades
modernas.

Para Durkheim92, primitivamente, a divisão do trabalho não diferenciava os


indivíduos segundo sua função social; não havia uma ideia de personalidade
individual. O fato de que o homem não se considerava um indivíduo separado, e,
sim, apenas um membro de um grupo, demonstra o caráter autocrático dos povos
primitivos pela figura do chefe. O chefe representava todo o grupo e a
solidariedade deste se comprovava pela incondicional submissão do indivíduo ao
chefe. A tribo chega, desse modo, a ter consciência de si mesma na pessoa do
chefe. Essa completa submissão do indivíduo ao grupo demonstra um
tradicionalismo particular da mentalidade primitiva no caráter consuetudinário da
formação do direito. Isso devido à observação exagerada dos usos e costumes
herdados dos antepassados e ao fato de que as violações da ordem social são
menos frequentes do que na sociedade civilizada. De pronto, vale notar que tal
concepção veio a ser completamente rejeitada pela investigação de campo, levada
a cabo pelos antropólogos no século XX.

Isso pode se explicar, surpreendentemente, pela ausência de qualquer sanção


organizada contra certos delitos, como o homicídio. Se ele era cometido por
pessoa de outro grupo, aplicava-se a retribuição contra-atacando o grupo todo; já,
se dentro do mesmo grupo, a sanção era transcendental e infligida por autoridades
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sobre-humanas, pelas almas dos antepassados e o temor dessa sanção era tão
grande que poderia chegar a causar morte da pessoa que se sentisse
culpada.93  Essa atitude coletivista se manifestava num rígido esquema de
conservacionismo. Os vivos eram governados pelo passado e pelos mortos. Estes
eram considerados sagrados, e essa crença era tão forte que criou, também sob a
base do princípio da retribuição, a tradição de que somente deveria ser feito aquilo
que os antepassados faziam. Isso denota o sentido de justiça originário, altamente
desenvolvido nas sociedades arcaicas, que não era outra coisa senão o fato de
que a ordem que governava a comunidade era muita mais arraigada nela do que o
direito e a moral no homem civilizado, que considera a si mesmo como um
indivíduo mais ou menos independente do grupo, conforme as circunstâncias.

O tradicionalismo que nasce desse sentido coletivo do homem primitivo conduz


a um conceito de verdade totalmente alheio ao pensamento moderno. Ele não
pensava, nem de maneira remota, a relação de conexão necessária entre a
violação da norma e a desgraça como algo verdadeiro, real, pois considerava a
norma obrigatória embasada na concepção sobre a autoridade de seus
antepassados, e não sobre sua razão.

No pensamento dito primitivo, completamente governado por emoções, os


valores lógicos e os valores de moral social, a razão da cognição verdadeira e a
razão da violação da justiça coincidiam. Nele, a verdade e a força obrigatória de
sua ordem social eram a mesma94, identificavam-se.

Por essa via de raciocínio, verifica-se como Durkheim insistiu no caráter exterior
do objeto da ciência social. A rigor, o esforço da época mais promissor tendente a
uma união entre teoria sociológica e investigação empírica se encontra em seu
pensamento. Em  A divisão do trabalho social, ao distinguir a divisão do trabalho
técnico e a divisão de trabalho social, Durkheim evidencia que o desenvolvimento
do trabalho social conduzia à preponderância da solidariedade orgânica sobre a
solidariedade mecânica, pela crescente multiplicação de grupos particulares, a
expansão paralela do Estado e do contrato, a limitação progressiva do direito
repressivo pelo direito de restituição.

Nesse contexto, torna-se evidente que em seu pensamento se configuram as


bases de uma sociologia do direito, posto que as diferentes espécies de direito são
para ele os símbolos mais visíveis das solidariedades. Dois autores singularmente
importantes que continuam o desenvolvimento desse aspecto do pensamento de
Durkheim, em parte, até o superando, são Mauss – seu sobrinho – e Lévy-Bruhl.
Ambos retomam investigações empíricas, socioantropológicas, e deslocam o plano
investigativo da sociologia para um trabalho mais profícuo e de profundo interesse
para o estudo do direito.

Outro fato digno de nota é como o estudo das sociedades mais complexas
também levou Durkheim a apresentar suas ideias de normalidade e patologia
sociais. A normalidade social seria relativa a determinado tipo de grupos sociais,
num certo momento de seu desenvolvimento. Em fases de transição de uma
sociedade é muito difícil definir o que seja normal. Ao estudar essas formas,
Durkheim introduziu o conceito de anomia, ou seja, de ausência ou desintegração
das normas sociais, algo que reforça sua investigação sociológica sobre o direito.
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A  anomia  é característica das sociedades orgânicas desenvolvidas e seu


aparecimento ocorreria quando diversas funções sociais se tornassem muito
tênues ou intermitentes. Assim, como as sociedades mais complexas são
baseadas na diferenciação, é necessário que as tarefas dos indivíduos
correspondam a seus desejos e aptidões; daí, como isso nem sempre acontece, os
valores ficam enfraquecidos e a sociedade é ameaçada pela desintegração,
resultante da divisão social do trabalho. O remédio disso, mostra Durkheim, seriam
as formas cooperativistas de produção econômica.

A obra de Durkheim foi elaborada num período de constantes crises


econômicas, que causavam desemprego e miséria entre os trabalhadores,
ocasionando o aguçamento das lutas de classes, com os operários passando a
utilizar a greve como instrumento de luta e fundando os seus sindicatos. Nesse
trilho, ele aponta que a divisão do trabalho deveria, em geral, provocar uma relação
de cooperação e de solidariedade entre os homens. Entretanto, como as
transformações socioeconômicas de época ocorriam rapidamente, acabava por
inexistir um novo e eficiente conjunto de ideias e soluções que pudessem guiar o
comportamento dos indivíduos e da sociedade. Essa situação fazia com que a
sociedade industrial mergulhasse em um estado de anomia, resultando numa
demonstração contundente de que a sociedade se encontrava socialmente doente.

Os resultados apresentados até então fornecem uma base importante para a


compreensão do estudo de Durkheim sobre o suicídio enquanto fenômeno social.

No estudo sobre o suicídio, Durkheim, ao analisar um dos comportamentos


mais íntimos do ser humano, procurou demonstrar cientificamente com dados – no
prefácio da obra ele agradece a seu sobrinho Marcel Mauss pela ajuda singular no
trabalho de levantamento e separação de 26.000 casos de suicídio na França –
que sobre ele pode haver uma determinação social, externa ao indivíduo.

Nessa obra, Durkheim pretende aplicar os princípios de  As regras do método


sociológico, mostrando que existem forças reais que vivem e operam determinando
os indivíduos e que não dependem dele. Em sua contraposição ao pensamento de
Comte, coloca ênfase no fato de que os sociólogos devem focar sua atenção em
grupos, bem definidos, de fato sociais e desenvolver hipóteses específicas sobre
eles especificamente comprovadas.

Fica claro como Durkheim teria se envolvido e aceitado as ideias de Quételet


sobre a importância e utilidade das técnicas quantitativas para as ciências sociais
com o levantamento estatístico feito sobre o suicídio e o modo como ele reproduziu
isso em sua obra. Daí que surge a principal hipótese de Durkheim nessa obra: a de
que a soma total de suicídios numa sociedade deve ser tratada com um fato que
só pode ser explicado plenamente em termos sociológicos, e não por motivações
pessoais de atos de autodestruição. A unidade da análise é a sociedade, e não o
indivíduo.

No livro III da obra O Suicídio, Durkheim expõe a tipologia do suicídio segundo


suas causas, distinguindo os suicídios em três grandes tipos, a saber, o suicídio
egoísta, o suicídio altruísta e o suicídio anômico.

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O suicídio egoísta seria motivado por um isolamento exagerado do indivíduo


com relação à sociedade. Ele é transformado numa pessoa solitária, que vive às
margens da sociedade (abandonado), que não possui laços sólidos de
solidariedade com o grupo social.

Já o suicídio altruísta ocorreria no outro extremo, quando o indivíduo está


demasiadamente ligado à sociedade.

Já o suicídio anômico, o mais significativo de sua análise, vem da noção e


anomia, ausência de normas. Ocorre com aquele que não soube aceitar os limites
morais que a sociedade impõe, que aspira a mais do que pode, que tem demandas
muito acima de suas possibilidades reais e que, por essa razão, cai em desespero.

Além desses tipos, em nota de rodapé da obra, Durkheim afirma haver a


possibilidade do suicídio fatalista, que seria aquele cometido pelos escravos e
pelos esposos demasiadamente jovens, quando o indivíduo mata-se porque se
encontra sobre um jugo intolerável e porque o futuro lhe está irremediavelmente
vedado. Por ser um tipo raro, Durkheim não se detém em sua análise.

Além desses, Durkheim aponta ainda a existência de tipos mistos de suicídios.


Seriam três, a saber, o suicídio ego-anômico, que envolveria uma mistura de
agitação e apatia, de ação e devaneio; o suicídio anômico-altruísta, que ocorreria
por efervescência exasperada do indivíduo, e o suicídio ego-altruísta, decorrente
de melancolia moderada por uma certa firmeza moral.

Após essa exposição, no livro III, Durkheim trata do suicídio como um


fenômeno social em geral e tece considerações sobre o tema a partir de outros
fenômenos sociais e os remédios que poderiam ser utilizados para evitar seu
acontecimento.

A obra O suicídio, de Durkheim, além de conter o resultado dos esforços de seu


autor no combate pela necessidade da sociologia se descontaminar da psicologia,
da metafísica e pelo pensamento messianista redentor, traz o conceito de anomia –
conforme indicado anteriormente – que é vinculado à elaboração da tipologia do
suicídio. Segundo Durkheim, o bem-estar ou a felicidade do indivíduo somente
será possível se houver um equilíbrio entre suas expectativas, suas exigências e
os meios socialmente acordados e isso pode ocorrer tanto em crises recessivas
como nas chamadas crises de prosperidade, de tal forma que a anomia
corresponderia a um estado crônico no mundo econômico.

Outro elemento significativo e que aparece na extensão da obra de Durkheim é


seu conceito de religião, tanto é que em 1912 escreve a obra monumental  As
formas elementares da vida religiosa. O tema da religião circunda a obra de
Durkheim, sua preocupação com ele já aparece em 1894, quando ministrou curso
sobre o assunto, sendo posteriormente publicado em  L’Année Sociologique  de
1899, em um artigo intitulado De la Définition des Phénomènes Religeuses. Nessa
época, Durkheim teve contato com os trabalhos de Robertson Smith e outros
autores de sua escola que consideravam a religião como um fenômeno social.
Nesse período, sua visão era mais restritiva sobre a religião, cabendo a ela a
função de manter a unidade do grupo. Antes de 1895 não há um estudo

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sistemático em Durkheim sobre a religião e, mesmo no texto lançado em 1899, ele


apresenta uma definição essencialmente formal de religião, sustentada por uma
série de hipóteses acerca da natureza desse fenômeno, de seu papel na
sociedade e definindo um conjunto de questões que deveriam ser investigadas
pela sociologia da religião, cabendo ao sociólogo a tarefa de examinar as forças
sociais que dominam o crente, concebidas enquanto um produto direto dos
sentimentos coletivos.95

Já em seu  As formas elementares da vida religiosa, sua concepção é


modificada. Ali, para Durkheim, todos os elementos religiosos essenciais do
pensamento encontravam-se, de forma embrionária, nas religiões primitivas. Nesse
contexto, mesmo tendo desenvolvido seu próprio conceito de sociedade e religião
nessa época, mantendo-se atrelado à proposta metodológica apresentada em sua
obra  As regras do método sociológico, Durkheim propõe-se a apreender as
características essenciais do fenômeno religioso, tendo como preocupação
descobrir e entender os elementos constitutivos da religião e de compreender a
origem da religião não a partir de uma origem histórica, mas causal.

Afastando-se, portanto, do método dedutivo, busca entender a religião no


ambiente de suas características, essas que se encontram em toda parte em que
houver religião. Tecendo críticas aos conceitos usuais de sua época sobre a
religião, como a defesa de que a religião era reflexo do caráter sobrenatural e
misterioso da realidade ou um fenômeno fundado sobre a ideia de Deus ou outro
ente superior, explica que é preciso uma definição mais “científica” da religião. Daí,
de forma cartesiana, analítica, ele procura decompor em partes o estudo do objeto,
assumindo que entre os fenômenos que constituem a religião são identificados
primeiramente as crenças e os ritos. A existência de uma articulação de crenças e
ritos é certamente uma condição necessária para a caracterização de qualquer
forma de religião, apesar de não ser suficiente, pois restava ainda para o autor a
necessidade de evidenciar a diferença entre magia e religião96, diferença que os
estudos posteriores e mais aprofundados de Marcel Mauss o farão renunciar e
fazer de modo cabal.

O elemento que proporciona essa diferenciação entre os conceitos é a igreja.


Segundo Durkheim, não haveria vida religiosa sem igreja, ao passo em que a
magia, com suas práticas e rituais, não possui a função que a religião possui de
promover a unidade e a identidade entre os membros do grupo, de tal forma
enquanto a religião existe quando seus membros unidos formam uma igreja, uma
unidade moral consistente, a magia não serve de base para a formação de uma tal
coletividade, a ponto de Durkheim afirmar que não existe igreja que seja mágica,
numa evidente adesão, despercebida, ao conceito de religião implementado
historicamente pelo cristianismo.97

Daí é que surge a clássica definição de religião de Durkheim: “uma religião é


um sistema de crenças e práticas relativas a coisas sagradas, isto é separadas,
proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral,
chamada igreja, todos aqueles a que ela aderem”.98

Na primeira noção de religião no pensamento de Durkheim, a religião é uma


forma de coerção social que tinha como função garantir a coesão do grupo e
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desempenhar o papel de representação do mundo. Já no conceito de  As formas


elementares da vida religiosa nota-se uma ligação com a moral e incremento, pois
Durkheim passa a afirmar que a religião é uma comunidade moral, ressaltando
totalmente seu caráter social. Nessa obra é possível identificar a análise da religião
em três esferas, a saber, a religião é vista como se estivesse sob as lentes de um
microscópio, de tal forma a ser possível se examinar sua constituição mais
elementar, identificando suas partes e como cada qual opera individualmente,
como se verifica na análise de Durkheim sobre os ritos e crenças; a segunda
esfera é a que é possível olhar a religião como um sistema autônomo com a
intenção de explicar como as partes que o constituem se relacionam entre si,
conferindo o caráter específico de cada religião (relação entre crenças e ritos) e a
terceira esfera é a de que a investigação pode ser definida por um olhar
“panorâmico”, que enxerga a religião como parte do sistema social abrangente,
donde se pode apreender tanto as causas mais gerais que engendram o fenômeno
quanto as funções que a religião desempenha no conjunto do sistema social.99

A busca da origem da religião em Durkheim, diferente dos autores de sua


época, tem como ponto de partida o totem, e este representa uma espécie de coisa
que designa um clã e cria os laços de família entre seus membros, tanto que em
Durkheim o totem não é originário de uma religião anterior. O totem, segundo ele,
enquanto símbolo sagrado – não a coisa mesma – é a apropriação simbólica do
animal, feito totem, e não o animal em si mesmo. O totem representa ao mesmo
tempo o símbolo de deus e da sociedade, o que lhe garante o status de sagrado.

88

.DURKHEIM, Émile.  Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. 2.  ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
89

.ARON, Raymond. Op. cit., p. 458.


90

.Idem, p. 459.
91

.SOUTO, Cláudio.  Introdução ao direito como ciência social. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro,
1971. p. 37.
92

.Émile Durkheim. Da divisão do trabalho social, cit., p. 14-37. Vale lembrar que, para Durkheim, a
sociedade e as suas relações formam a personalidade e a forma de agir dos indivíduos, ou seja, o
indivíduo é formado unilateralmente de uma forma externa, diferentemente de Marx, para quem a
consciência individual é formada dialeticamente.
93

.Hans Kelsen. Sociedad y naturaleza: una investigación sociologica. Trad. Jaime Perriaux, Buenos
Aires: De Palma, 1945. p.  36. Cf., ainda, Henrique Garbellini Carnio. Direito e antropologia. São
Paulo: Saraiva, 2013, p.  41 e ss. e GUERRA FILHO, Willis Santiago e CARNIO, Henrique
Garbellini. Teoria política do direito. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. capítulo III. p. 51 e ss.
94

.Hans Kelsen. Sociedad y naturaleza, cit., p. 40.


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95

.WEISS, Raquel. Durkheim e as formas elementares da vida religiosa.  Debates do NER, Porto
Alegre, ano 13, n. 22, jul.-dez., 2012. p. 97.
96

.Idem, p. 105.
97

.A respeito, cf., de último Jacyntho Lins Brandão.  Em nome da (in)diferença: o mito grego e os
apologistas cristãos do segundo século. Campinas: Ed. Unicamp, 2014.
98

.Émile Durkheim. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 32.
99

.Raquel Weiss. Op. cit., p. 107 e 108.

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3.3.4. Max Weber (1865-1920)

Karl Emil Maximilian Weber nasceu em Erfurt, na Alemanha, em 21 de abril de


1864, e faleceu em Munique, na Alemanha, em 14 de junho de 1920. Foi o
primogênito de 8 filhos. Seu pai, Max Weber, foi um bem-sucedido advogado e
servidor público que participava do Partido Nacional Liberal, e sua mãe, Hellen
Fallenstein, era uma calvinista moderada, descendente de imigrantes huguenotes
franceses.

Desde muito jovem, Weber recebe direta influência familiar em sua formação
intelectual. Com 13 anos de idade já escrevia textos e ensaios, mostrando sua
precoce intelectualidade. Em sua família, além dele, seu irmão Alfred Weber se
destaca, tornando-se um sociólogo e economista respeitado.

Ainda jovem, em 1893, Weber casa-se com sua prima de segundo grau,
Marianne Schnitiger Weber, uma feminista envolvida na causa, que chegou a
escrever vários livros sobre os problemas femininos e a própria biografia de
Weber100, após sua morte prematura. Além disso, ela se consagrou como curadora
das obras do marido.

Weber iniciou sua carreira acadêmica na Universidade Humboldt de Berlim,


tendo trabalhado também, posteriormente, na Universidade de Freiburg, na
Universidade de Heidelberg, na Universidade de Viena e na Universidade de
Munique.

A trajetória de seu pensamento é notável. Como intelectual se dedicou ao


direito, economia e sociologia, sendo considerado um dos fundadores da
sociologia moderna. Além disso, foi um importante personagem político na
Alemanha em sua época, chegou a ser consultor dos negociadores alemães do
Tratado de Versalhes (1919) e da comissão encarregada de redigir a Constituição
de Weimar.

Em 1882, Weber iniciou o curso de Direito na Universidade Heidelberg –


mesmo lugar onde seu pai havia estudado – e nesse período de estudos
frequentou também os cursos de história, teologia e economia política. Em 1884 se
transferiu para Universidade de Berlim, onde, em 1889, obteve o doutorado em
direito com uma tese intitulada  A história das companhias comerciais na idade
média, e, em 1891, a tese de habilitação com  O direito agrário romano e sua
significação para o direito público e privado.

Em 1894, foi nomeado professor de economia na Universidade de Freiburg e


em 1896 na Universidade de Heidelberg. Entre 1897 – ano de falecimento de seu
pai – e 1898, Weber sofreu de uma depressão profunda, não realizando atividades
regulares de ensino e pesquisa durante os anos de 1898 e 1902. Nesse período,
Weber esteve em alguns sanatórios e viajou bastante pela Europa, ficando vários
meses em Roma, local onde teria recuperado suas forças.

Em 1903, renunciou ao cargo de professor e se tornou diretor-associado do,


então, recém-nascido  Archiv für Sozialwissenschaft und Sozailpolitk  (Arquivos de

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Ciências sociais e política social) conjuntamente com Edgar Jaffe e Werner


Sombart.  Foi nessa revista que foram publicados, originalmente, em duas partes,
em 1904 e 1905, seu texto A ética protestante e o espírito do capitalismo.

Após receber uma herança, em 1907, Weber consegue se dedicar ainda mais
às suas pesquisas. No período da primeira guerra mundial, Weber serviu como
diretor de hospitais militares de Heidelberg. Ao seu final, retorna à docência,
dedicando-se novamente ao ensino da disciplina de economia em Viena e,
posteriormente, em 1919, em Munique, onde dirigiu o primeiro instituto universitário
de sociologia da Alemanha. Em 1920, Weber morreu de pneumonia, em Munique.

A produção de Weber foi intensa, constando entre suas principais obras


aquelas organizadas postumamente por sua esposa como a “Sociologia do direito”.

Além do seu doutoramento e tese de habilitação, pulicados respectivamente em


1889 e 1891, em sequência cronológica, Weber publica em, 1895,  O Estado
Nacional e a Política Econômica; em 1904,  A objetividade do conhecimento na
ciência política e na ciência e A ética protestante e o espírito do capitalismo; em
1905, A situação da democracia burguesa na Rússia e A transição da Rússia a um
regime pseudoconstitucional; em 1906,  As seitas protestantes e o espírito do
capitalismo; em 1913,  Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva; em
1917/1918, Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião, Parlamento e Governo na
Alemanha reordenada, A ciência como vocação,O sentido da neutralidade
axiológica nas ciências políticas e sociais e a Conferência sobre o Socialismo; em
1929, A política como vocação; e entre 1910/1921, Economia e Sociedade.

Sua obra, como se nota, bastante considerável e variada, pode, de forma


exemplificada, ser dividida em quatro categorias:101

1) Os estudos de metodologia, crítica e filosofia, que tratam essencialmente do


espírito, objeto e método das ciências humanas, história e sociologia. Os principais
trabalhos desse gênero estão reunidos numa coletânea intitulada  Gesammelte
Aufsätze zur Wissenschaftslehre, traduzida para o francês com o título Essais sur
la théorie de la science (Ensaios sobre a teoria de ciência).

2) As obras ditas propriamente históricas, com seus estudos sobre as relações


de produção na agricultura do mundo antigo, uma história econômica geral e
alguns textos publicados depois de sua morte sobre problemas econômicos
especiais da Alemanha ou da Europa contemporânea.

3) Os trabalhos de sociologia da religião, a começar pelo célebre estudo sobre


as relações na  A ética protestante e o espírito do capitalismo, na qual Weber
continuou com uma análise comparativa das grandes religiões e da ação recíproca
entre as condições econômicas, as situações sociais e as convicções religiosas.

4) Por fim, sua obra prima, o tratado de sociologia geral, intitulado Economia e


Sociedade (Wirtschaft und Gesellschaft), publicado também postumamente.

De modo geral, destacam-se entre suas obras, A ética protestante e o espírito


do capitalismo, A ciência como vocação,  A política como vocação  e a afamada
obra póstuma  Economia e sociedade, bem como os estudos de sociologia da
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religião, cuja parte dedicada à China, por exemplo, ainda na atualidade é


referência nesse país.

No período em que Weber viveu, travava-se na Alemanha um intenso debate


entre os defensores do positivismo, corrente que vinha se consagrando como a
referência dos estudos sociais, e seus críticos, sendo certamente Weber um deles.

O problema era exatamente a polêmica das especificidades das ciências da


natureza e do espírito e, no interior destas, o papel dos valores e a possibilidade de
formulação de leis.102  Nesse momento é que se verifica a crítica contumaz da
Wilhelm Dilthey, ao contrapor à razão científica dos positivistas a razão histórica,
em outras palavras, a ideia de que a compreensão do fenômeno social pressupõe
a recuperação do sentido arraigado no tempo e na experiência vivida, de tal forma
que a experiência histórica é representativa de um realidade múltipla inesgotável e
irredutível ao “mundo do ser”.

Weber considerava Marx e Nietzsche, como ele mesmo indica, os principais


pensadores de seu tempo, sendo inegável o impacto de suas obras em seu
pensamento.

Em sua obra  A ética protestante e o espírito do capitalismo, texto mais


conhecido e afamado de Weber, o autor discorre sobre a relevância da reforma
protestante para a formação do capitalismo moderno, para demonstrar a
operacionalização de relações sociais que favorecem a produção de excedente, o
que gera o acúmulo de capital.

Debruçando-se sobre a temática, perpassa a reflexão de que o mundo, antes


dominado pela religião católica, era concebido a partir da cultura por ela
promulgada, de forma que o modo de vida cristão (católico) transcendia os limites
da igreja, sendo concebido numa dimensão cultural, perpassando a vida dos
sujeitos. O católico enxergava o trabalho como meio de sustentação, mas não via
prescrição que o impedisse de se divertir, se entreter, buscando modos de lazer
nos quais empenhava seu dinheiro. Apesar de que o tema do pecado tinha uma
centralidade marcante, pois o catolicismo condenava a usura e pregava pela
salvação das almas por meio da confissão, das indulgências e da presença aos
cultos, o católico era menos temerário do que o protestante e menos impregnado
pela proibição da usura, pois pensava que pedir perdão a Deus seria o suficiente
para elevar-se ao reino dos céus. Com o advento do protestantismo, a doutrina – e
cultura – católica foi modificada e a salvação passou a ser para alguns não mais
tão passível de ser conquistada, mas obtida por uma espécie de providência
divina, por meio da qual o trabalho era o meio crucial para glorificar-se. Assim, para
o protestante, o trabalho enobrece o homem, dignifica-o perante Deus. Enquanto o
indivíduo trabalha não pratica excesso, não cede à luxúria, não se dá à preguiça.
Além disso, na doutrina protestante há se de pontuar que não há espaço para a
sociabilidade humana, pois todo o prazer que se põe à parte da sobrevivência de
Deus fora considerado errado e abominável, de tal forma que os crentes dessa
doutrina viam no trabalho e na acumulação sua adequação de conduta religiosa,
sendo o seu sucesso considerado uma demonstração de que agradava a Deus.

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Aqui estamos adentrando num terreno bastante sensível, pois, ao pensarmos


na concepção tradicional de trabalho, vemos uma clara divergência entre o
pensamento católico e o protestante. Numa visão tradicional da concepção de
trabalho, temos que na concepção católica não se acumulava e se pensava o
trabalho como meio de garantir a subsistência, por outro lado a concepção que
toma o trabalho como fim absoluto é a protestante, que enxerga no emprego de
esforços produtivos a finalidade da própria existência humana, interligada, nesse
contexto, com os propósitos providenciais divinos.

O choque desses pensamentos, certamente, encaminha-se para uma abrupta


mudança no cenário econômico. O pensamento protestante traz a ideia de gerar
excedente, e acumula capital, investindo-o em cadernetas de poupança, gera
lucro. O protestante pretende salvar-se fazendo-se benfazejo e o trabalho é
salvador. Então, o protestante faz-se dono dos meios de produção, detém um
corpo de funcionários e acumula cada dia mais excedentes, gerando mais capital
e, assim, a gênese do capitalismo moderno é concebida.

A cultura, no pensamento de Weber, é pensada com base nesse contexto. Ela


corresponde a um modo de ser que promove as práticas usuais e que, ao ser
modificada, gera novos costumes, de forma que um comportamento diferente –
deslocado –, que embora nada tenha a ver com o objetivo de estabelecer uma
nova ordem econômica, mas sim moral, passa a sustentar a essência do sistema
econômico capitalista.

Esse novo tom no discurso sobre a cultura é muito bem observado por Antonio
Flávio Pierucci. Para ele, quando Weber fala em “espírito do capitalismo” estaria se
referindo não à prática cotidiana da economia nem aos negócios diretamente, mas
ao espírito com que se fazem esses negócios. Ele se reporta a um modo de vida
baseado em normas éticas, e essas normas ele chama de ascéticas, que
valorizam muito não apenas o trabalho como domínio da natureza, mas o trabalho
como domínio de si mesmo, como controle de si.103

Considerando a situação que surge da ética protestante, ele pensa o


capitalismo como cultura, como modo se ser e não de pensar, um modo de viver
que traz consigo uma sensação de obrigação. Daí a ideia weberiana de ética
profana, uma vez que as pessoas submetidas ao capitalismo possuem um forte
senso de dever, não só quanto ao trabalho racional, mas também que sinta na
obrigação de acumular bens e melhorar de vida.

A relação entre economia e religião no pensamento de Weber é, portanto,


deveras importante. No período em que Weber viveu, na Alemanha, o capitalismo
veio a ser autonomizado e passou por uma grande fase expansionista que foi
marcada pela entrada do capitalismo na produção do capital, e não apenas de
produção de mercadorias. A reflexão de Weber exerce-se exatamente sobre o
elemento de ligação, como uma religião tão austera e rigorosa no que diz respeito
à conduta – apoiada na Bíblia – que chega a desvalorizar a riqueza, promove tanto
interesse pela riqueza e por sua posse. Em sua análise econômica Weber verifica
que da ética religiosa surge uma ética profissional, uma valorização do trabalho, do
trabalho profissional, metódico, cotidiano e isso acaba repercutindo no
desenvolvimento do capitalismo.
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Nesse ponto da reflexão, cremos que possa ser então explorado o conceito
central de Weber que perpassa a maioria de suas obras, a saber, o de
“desencantamento (desenfeitiçamento/desmitificação) do mundo” (Entzauberung
der Welt).

Para alguns autores, a expressão “desencantamento do mundo” é apresentada


como um conceito profícuo no esquema analítico weberiano, contra as
interpretações que o consideram um simples termo ou ainda uma visão de mundo.
Sendo um conceito, possui variações que se encontram na obra de Weber,
entretanto, também possui uma essência que o explica.

Sua essência corresponde à semântica religiosa. Para explicá-la, Pierucci se


apoia em dois argumentos cronológicos: o primeiro, de ordem histórica, propõe que
a “desmagificação” operada no âmbito religioso, em especial no judaísmo e
puritanismo, seria o verdadeiro  Big Bang  do racionalismo prático ao modo
do ocidente moderno, tanto é verdade que o desencantamento traz em si um modo
de racionalização que antes é relativo ao “agir” do que ao “pensar”, por isso a ideia
de que as religiões ocidentais são o seio milenar de regularização da conduta
prática. O segundo seria um argumento de ordem biográfica, pois o último
aparecimento do termo ocorre na edição final de A ética protestante e o espírito do
capitalismo, em 1920, exatamente em sua conotação ético-religiosa, de
“desmitificação”, que corresponde ao núcleo duro – essência – do conceito.

Por outro lado, as variações do conceito se resumiriam a dois significados


associados à expressão desencantamento do mundo, um religioso ou ético-prático
que indica o processo de desmagificação das vias de salvação e outro científico ou
empírico-intelectual, que indica o processo de “deseticização” via transformação
desse mundo num mero mecanismo causal.

A crítica a essa ideia de desencantamento do mundo permite nos projetarmos


para um outro conceito fundamental no pensamento de Weber, o conceito de tipos
ideais.

A crítica reforça que, ao se atribuir um caráter conceitual à expressão


“desencantamento do mundo”, seria preciso pensar sobre o modo como o próprio
Weber pensa o que é um “conceito”, e isso exigiria um tratamento posto a partir da
sua noção de “tipos ideais”. Para Weber, conceitos são tipificações que auxiliam o
pesquisador na sua tarefa de conferir significados à realidade, logo, são
instrumentais para a expressão de problemas, meio para o conhecimento causal-
significativo, e não a finalidade do conhecimento.104

Por meio dessa crítica, não haveria uma evolução semântica do conceito na
obra de Weber, mas um desenvolvimento histórico de sua significação cultural, de
modo que seu núcleo duro pudesse ser referido em duas etapas, em que a
primeira seria a desmagificação religiosa do mundo, e a outra, a desdogmatização
técnica e intelectual do mundo.

Daí que o caráter decisivo do puritanismo no processo ocidental tem a ver com
a ética rigorosa individual e racional, no sentido da busca de fins práticos e
particulares, e Weber o entenderá como a única das religiões éticas. O

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puritanismo, para além da eliminação definitiva da magia, também romperá com o


que é característico em todas as profecias ético-emissárias que o precederam: a
tentativa de conferir um “sentido unificado e unificador à totalidade da vida”. No
puritanismo, a ética é rigorosamente individual e racional, no sentido da busca de
fins práticos (tornados meios) e particulares (não universais e não fraternos). Não
se compreende bem como o puritanismo fornece o ethos do ascetismo peculiar ao
Ocidente moderno e sua função de ponte para uma era pós-tradicional, se não se
considera o seu impacto sobre a metafísica religiosa tradicional, para além do
impacto sobre as concepções mágicas de mundo. Por isso, Weber dirá que o
puritanismo é a única das religiões éticas que, por meios que se rejeitou o mundo
continua ligada a uma ideia de “além” e de redenção, adapta-se facilmente ao
racionalismo tipicamente antiético das rotinas nacionais secularizadas e
tipicamente pós-religiosas, donde o paradoxo interno, de ser uma religião que
promove a profanação do mundo.

Weber constrói sua metodologia refletindo sobre a ciência e os valores,


admitindo que há uma pressuposição valorativa no trato das ciências, de tal modo
que a crença numa ciência livre de todas as pressuposições esconde a base do
pensamento da própria ciência.

Surge, assim, o questionamento de como pensar a objetividade nas ciências


sociais. Weber propõe que os valores devem ser incorporados conscientemente à
pesquisa e controlados por meio de procedimentos rigorosos de análise, o que ele
caracteriza como “esquemas de explicação condicional”. Os valores correspondem
a um guia para a escolha de um certo objeto pelo cientista, que possui uma ação
seletiva. Com base nisso, o cientista é quem irá estabelecer uma direção para sua
explicação e os limites da cadeia causal que conseguirá estabelecer,

as relações de causalidade, por ele construídas na forma de hipóteses,


constituirão um esquema lógico-explicativo cuja objetividade é garantida pelo rigor e
obediência aos cânones do pensamento científico [...] o próprio cientista é quem
atribui aos aspectos do real e da história que examina uma ordem através da qual
procura estabelecer uma relação causal entre certos fenômenos. Assim produz o que
se chama tipo ideal.105

Em seu texto Aobjetividade das ciências sociais106, Weber defende que para o


cientista chegar ao conhecimento que pretende deve passar por quatro operações:
1) estabelecer leis e fatores hipotéticos que servirão como meios para seu estudo;
2) analisar e expor ordenadamente o agrupamento individual desses fatores
historicamente dados e sua combinação concreta e significativa, procurando tornar
inteligível a causa e natureza dessa significação; 3) retornar ao passado para
observar como se desenvolveram as diferentes características individuais dos
agrupamentos sociais que possuem grande importância para o presente e procurar
fornecer uma explicação histórica a partir de tais constelações individuais
anteriores e 4) avaliar as constelações possíveis no futuro.

Weber se dedica a uma compreensão das ciências sociais que leve em conta
as questões culturais. É importante que se capte a especificidade dos fenômenos
estudados e seus significados, ciente de que as circunstâncias culturais são
infinitas. Então, deve-se isolar o fragmento que se considera mais relevante e a

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seleção, nesse caso, pauta-se pelo critério do significado que certos fenômenos
possuem, tanto para o cientista quanto para a cultura e época em que se inserem.

Daí que as coisas não podem ser simplesmente “dadas” – o particular e a


objetividade está naquilo que vem dado da experiência ou de um ponto de
partida –, mas do resultado de um esforço de pensamento que analisa, discrimina,
organiza e abstrai certos aspectos da realidade com o escopo de explicar as
causas associadas à produção de determinados fenômenos.

É nesse trilho que surgem os conceitos de tipos puros ou ideais em Weber, um


processo por meio do qual se busca compreender uma ação por meio do método
científico a partir de uma elaboração limite.

O tipo ideal é um conceito teórico abstrato que serve como uma referência (um
vetor) na variedade de fenômenos que ocorrem na realidade e que busca uma
caracterização sistemática dos padrões individuais concretos, fugindo do
esquematismo empírico ou do método comparativo, usuais até então nas
projeções sobre o pensamento das ciências sociais, com destaque para sua
constituição na Inglaterra e França.

O tipo ideal, então, corresponde a uma abstração de um modelo simplificado do


real que é construído com base em traços característicos essenciais para a
determinação da causalidade. Dessa forma, reconstruir atos humanos é
compreender os significados que eles tiveram para os agentes e compreender algo
como “as regras gerais do acontecer”.

Um bom exemplo é o conhecido “homem cordial”, de Sérgio Buarque de


Holanda, apresentado na sua obra Raízes do Brasil.

Aprofundando esse pensamento, Weber não deixa escapar que durante do


desenvolvimento da ação outros condicionamentos podem ocorrer, como
condicionamentos irracionais, emoções, equívocos, incongruências etc. Por isso,
constrói quatro tipos puros ou ideais de ação, a saber: a ação racional com
relação a fins (Zweckrational), a ação racional com relação a valores (Wertrational),
a ação tradicional e a ação afetiva.

A tarefa do sociólogo está bem presente nisso, pois, se o próprio objeto da


sociologia está inserido numa realidade absoluta, então, para compreendê-la, é
preciso estabelecer tipos ideais que não existem de fato, mas que norteiam a
investigação, e o esforço de Weber foi no sentido de resumi-los a quatro
fundamentais, numa espécie de “tipologia ideal dos tipos ideais”.

A ação racional com relação a fins é aquela na qual a ação é puramente


racional. Reconhece-se um fim almejado e este é racionalmente buscado num
processo que envolve a escolha dos melhores meios para se realizar um fim. Um
exemplo seria a organização, o planejamento e a concretização de um
investimento econômico.

Na ação racional com relação a valores o que orienta é o valor, e não mais a
ação racional. Tal valor pode ser ético, estético, político ou religioso. Exemplos

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seriam usar a paz como vetor para a sociedade, a luta pelo reconhecimento do
exercício da liberdade religiosa ou sexual etc.

Na ação social afetiva, o sujeito se baseia em sentimentos, em emoções


imediatas, como a paixão, a loucura, o medo, a inveja, a luxúria, o orgulho, a
vingança etc. Exemplos seriam a briga de torcedores de futebol que passam a se
digladiar pela paixão que possuem por seu clube, ou a briga de uma mulher
ciumenta com seu marido.

Por fim, na ação tradicional, também irracional, baseada em emoções, a


motivação está nos costumes ou hábitos arraigados, em razão dos quais o sujeito
passa a agir. Um exemplo é o batismo de filhos realizado por pais não
comprometidos com a religião. Nesse caso, Weber chama atenção para a possível
relação dessa ação social com aquelas ações de imitação reativa, pois é difícil
saber até que ponto o agente tem consciência de seu ato.

Essas quatro categorias servem para a análise de “n” números de condutas,


sejam elas em termos de ação, sejam de omissão do sujeito. Weber, entretanto,
alerta que é preciso distinguir uma ação social de dois modos meramente reativos
de conduta, pois estas não possuem caráter social. São eles: a ação homogênea,
que é aquela executada por muitas pessoas simultaneamente, e a ação
proveniente da imitação, exercida sob a influência ou condicionamento da conduta
de outros ou por uma massa, uma vez que o sujeito não se orientou causalmente
para praticar sua conduta, mas apenas está a imitar outros.

O conceito de ação social é central no pensamento de Weber. Para ele, ação é


toda conduta humana (seja ação, omissão, seja permissão) que possui um
conteúdo subjetivo dado por quem a executa e que orienta essa ação. Quando tal
orientação tem em vista a ação – passada, presente ou futura – de outro ou outros
agentes em sentido amplo – que podem ser individualizados e conhecidos ou não –
a ação passa a ser definida como social. Segundo Weber, a sociologia  “pretende
entender, interpretando-a, a ação social para, dessa maneira, explica-la
causalmente em seu desenvolvimento e efeitos”.107

Assim, a sociologia busca compreender o sentido, o desenvolvimento, os


efeitos da conduta de um ou mais indivíduos com outro ou outros indivíduos, sem
pretensão de julgamento de validez ou compreensão do agente enquanto pessoa.
Daí a qualificação de “compreensiva” (verstehende) que nele a sociologia adquire.

Outro ponto importantíssimo no pensamento de Weber é sobre o enfoque da


dominação, a fim de responder por que se obedece. Como já expusemos na
obra Teoria Política do Direito108, em sentido sociológico, o poder é a capacidade
de um indivíduo ou grupo de praticar sua vontade, mesmo com resistência de
outros indivíduos ou grupos. Possui, portanto, três elementos: capacidade, vontade
e o elemento suporte, o elemento humano, as pessoas. Essa colocação,
comumente aceita, tem sua origem no pensamento de Max Weber. Para ele,
existem duas formas de poder: o poder legítimo, sinônimo de autoridade, e o
simples domínio ou força, noção quase física.

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Segundo Weber, existem três formas de Poder legítimo, em que se reconhece o


direito da pessoa ou grupo detentor do Poder a exercê-lo. O Poder legítimo pode
ser tradicional, carismático e legal ou racional. Tradicional: a autoridade é
transmitida de acordo com costumes muito antigos e considerados sagrados.
Carismático: a autoridade é baseada no dom da graça (carisma), extraordinário e
pessoal. Legal: a autoridade é estabelecida por regras racionalmente criadas.
Observa-se que, para Weber, como cientista social, a palavra legitimidade não tem
nenhuma conotação valorativa, nenhum conteúdo de valor.

No pensamento de Max Weber notamos, como já se percebe em sua referência


ao conceito de poder legal, uma importante investigação no campo também da
sociologia jurídica.

O exame da sociologia jurídica de Weber tem como ponto inicial a


oposição  existente entre o caráter místico-irracional e o caráter racional que
envolve a criação ou a descoberta do direito existente, bem como quanto aos
elementos formais e materiais que o compõem. Nesse sentido, Weber alcança o
conteúdo mágico-religioso que permeia o conteúdo do direito.

Para ele, o direito é obra dos juristas atuando com finalidades práticas, sendo,
assim, obra de um formalismo especial e racional gerador de fórmulas de alta
generalização aplicáveis a uma quantidade inumerável de casos, como a
fórmula non bis in idem dos romanos.109

Weber entende o direito como uma obra formal ou dogmático-técnica dos


juristas. Para ele, o direito é um conjunto de regras que possui uma probabilidade
de efetivação pela força, seja física, seja psicológica, e não necessariamente
estatal.

Nessa medida, a racionalização do direito deve ser intensificada por meio de


uma maior liberdade de interpretação jurídica, que acompanhe a constante
mutabilidade do direito, pois a evolução jurídica se processa finalmente no sentido
de uma crescente sublimação lógica e rigor dedutivo do direito, a que corresponda
uma crescente racional; dada pelos procedimentos.110

Nota-se que a posição de Weber percebe a sociologia do direito em função de


um formalismo lógico-dedutivo e técnico-formalista dos juristas, o que empobrece a
potência de sua ideia sobre a racionalidade jurídica111, uma vez que acaba se
assentando nesses dois pressupostos fundantes em sua análise sociológica
jurídica.

Os estudos jurídicos de Weber o revelam um estudioso produzindo uma


pesquisa comparativa com as tradições jurídicas. Ele faz um estudo comparativo
tanto do direito ocidental (romano, anglo-saxônico, germânico e francês) como de
tradições jurídicas orientais (direito judaico, islâmico, hindu, chinês e do
consuetudinário polinésio).

Segundo Felipe Fucito, o pensamento sociológico jurídico de Max Weber pode


ser dividido da seguinte forma: 1) validez dos ordenamentos legítimos; 2) conceito
de direito, 3) o ponto de vista sociológico e o jurídico, 4) a delimitação do direito

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público e do direito privado (aplicação do direito), 5) normas gerais e particulares,


6) racionalidade e irracionalidade na criação e aplicação do direito, 7) ordem
jurídica, convenção e costume (gênese do direito), 8) o conflito entre convenção e
direito, 9) direito e economia, 10) a aprendizagem jurídica e a prática profissional,
11) racionalização formal e material do direito e 12) condicionantes históricos da
codificação112.

Da análise de toda essa diferenciação, em termos didáticos, importa revelar a


noção conceitual de direito para Weber.

O direito representa a ordem quando esta permanece garantida externamente


pela probabilidade de coação física ou psíquica exercida por um quadro de
indivíduos com a missão de obrigar a observância desta ordem ou de castigar sua
transgressão. Tal fato difere completamente da ideia de convenção social, pois
nesta falta um quadro de pessoal especialmente dedicado a impor seu
cumprimento. A presença desse quadro é decisiva no conceito de direito.113

Para Weber, a consideração jurídica sobre o direito se pergunta pelo que


idealmente vale como direito, ou seja, ela parte do questionamento de qual sentido
normativo logicamente correto deve corresponder a uma formulação verbal que se
apresente como norma jurídica. Já a sociologia se pergunta por que o direito
ocorre numa comunidade.

Enquanto a ciência do direito trata de determinar o sentido lógico dos preceitos


singulares de todas as classes para ordená-los num sistema lógico sem
contradição, a ciência social e a econômica consideram as conexões efetivas.
Dessa forma, a ordem jurídica, ideal da teoria jurídica, nada tem que ver
diretamente com o cosmos do atuar econômico real, porque ambas estão em
planos distintos, a saber, um na esfera ideal do dever ser e a outra nos
acontecimentos reais.

100

.Cf., Marianne Weber. Max Weber: a biography. New York: Transaction, 1988.


101

.Cf. para esta definição Raymond Aron. Op. cit., p. 725 e 726.
102

.Tania Quintaneiro.  Um toque de clássicos:  Marx, Durkheim e Weber. 2.  ed. Belo Horizonte: Ed
UFMG, 2002. p. 97.
103

.Antonio Flávio Pierucci. Secularização em Max Weber: da contemporânea serventia de voltarmos


a acessar aquele velho sentido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n. 37, jun.
1998.
104

.Renarde Freire Nobre. Entre passos firmes e tropeços. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, v. 19, n. 54, fev. 2004.
105

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.Tania Quintaneiro. Op. cit., p. 99.


106

.WEBER, Max. A objetividade das ciências sociais. In: Gabriel Cohen (org.).  Max
Weber: sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1982. p. 91.
107

.Max Weber. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura, 1984. p. 5.


108

.Cf. Willis Santiago Guerra Filho; Henrique Garbellini Carnio. Teoria política do direito, cit., cap. II.
p. 21 e ss.
109

.Cláudio Souto. Introdução ao direito como ciência social, cit., p. 40.


110

.Cláudio Souto. Introdução ao direito como ciência social, cit., p. 42.


111

.Para aprofundar o momento histórico em que vivia Weber e esclarecer de certo modo algumas de
suas inclinações políticas e posturas intelectuais, cf. Max Weber.  Ensaios de sociologia. Trad.
Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968. p. 47-63.
112

.Felipe Fucito. Sociologia del derecho. Sociologia del derecho: a ordem jurídica e suas condições
sociais. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1999, p. 199 a 219.
113

.Para se aprofundar no tema da dominação no pensamento de Weber, aconselha-se a leitura de


seu texto Os três tipos puros de dominação legítima. In: Max Weber: sociologia, cit., p. 129-141.

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3.4. A sociologia jurídica na França

3.4.1. Para além de Durkheim: Leon Duguit, Henri Lévy-Brhul, Marcel


Mauss e Georges Gurvitch

Além do pensamento de Durkheim desenvolvido anteriormente, apresentamos


neste tópico o posicionamento de alguns pensadores que desenvolveram os
estudos sobre a sociologia jurídica na França.

Léon Duguit (1859-1928) foi um dos pensadores ligados ao chamado


Sociologismo Jurídico. Para ele, o Direito apresenta-se como simples componente
dos fenômenos sociais, suscetíveis de serem estudados segundo nexos de
causalidade não diversos dos que ordenam os fatos do mundo físico. Em outras
palavras, o Direito é exclusivamente fato social.

Não há, inegavelmente, fenômeno jurídico que não se desenvolva em


dimensão histórico-social, no entanto, a crítica a esse pensamento se dá no
sentido de acreditar que somente o fato social determina o Direito.

Léon Duguit era um naturalista social. Ninguém mais que ele contribuiu para
convencer juristas – principalmente da França – de que o Direito é uma força social
e que o princípio da solidariedade do direito deve ser levado em conta tanto pelo
legislador como pelo intérprete da lei, daí que se deve não apenas dizer que “todo
o direito é social”, mas sim tirar as consequências desse princípio, no plano
dogmático, superando as colocações de um individualismo insustentável.

Inegavelmente, Duguit inspira-se na obra de Émile Durkheim. Concorda com


ele, aceitando seu plano metodológico, ou seja, acredita que os fatos sociais
devem ser estudados da maneira mais objetiva possível. Em outras palavras,
devem-se estudar os fatos sociais como se fossem coisas, e acredita que no
estudo do direito devem-se empregar os mesmos métodos e processos seguidos
pelas ciências físico-naturais.

Influenciado, mas não igual. Existem divergências entre o pensamento de


Duguit e Durkheim. Basicamente, Duguit nega a ideia de uma “consciência
coletiva” superior e independente das consciências individuais e irredutíveis a ela.
Para ele, tal ideia é “metafísica”, pois não existe sociedade senão de indivíduos
com carne e osso.114

Encontrável tanto no pensamento de Duguit como no pensamento de Durkheim


é a questão da solidariedade. Na linha proposta por Durkheim, aquele defende
também que existem dois tipos de solidariedades na sociedade, a mecânica e a
orgânica. Para ele, a solidariedade mecânica estabelece-se quando duas ou mais
pessoas, tendendo a um mesmo fim, praticam a mesma série de atos. Manifesta-
se, primordialmente, no direito penal. Caso tal solidariedade não seja observada,
haverá uma reprovação social e, consequentemente, uma sanção repressiva. Um
exemplo seria o de alguns homens carregando uma pedra, todos exercem e
devem exercer a mesma função, entretanto, se um deles abandonar o objetivo de
carregar a pedra, os demais irão reprovar a atitude dessa pessoa e a manifestação
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dessa reprovação se dará com a aplicação de uma sanção. Por seu turno, a
solidariedade orgânica dá-se quando indivíduos se unem para realizar determinado
fim ou atingir uma meta. Unem-se, praticando atos distintos e complementares. No
direito, ela se manifesta de maneira contratual e tem como objetivo a restauração,
ou manutenção da situação jurídica, tendo como sanção a restituição. Pode-se
citar como exemplo a divisão orgânica de trabalho em uma fábrica.

Já Henri Lévy-Bruhl (1884-1964) compreende o direito numa ampla perspectiva


sociológica. Para o sociólogo, defende o autor, o direito é antes de tudo um
fenômeno social. Isso o faz propor a seguinte definição de direito: “O direito é o
conjunto de normas obrigatórias que determinam as relações sociais impostas a
todo momento pelo grupo a qual pertence”115.

Dessa definição o autor extrai três elementos que merecem destaque e que
identificam seu pensamento sociológico sobre o direito: 1) trata-se de normas
obrigatórias; 2) essas normas são impostas pelo grupo social; 3) essas normas
modificam-se incessantemente.

Lévy-Bruhl trabalha de modo enfático com a sociologia jurídica explorando


noções sobre o conceito do direito, as fontes do direito, os fatores do direito e a
ciência do direito.116

Em sua definição sociológica, dividida em três partes, conforme se destacou


anteriormente (direito como normas obrigatórias, impostas pelo grupo social e com
modificação incessante), a primeira noção que elabora é a de obrigação.

A obrigação é o elemento fundante do direito. Apesar de parecer paradoxal


essa afirmação, adverte o autor, pois a palavra “direito” sugere mais a ideia de uma
faculdade, de uma liberdade, ou seja, o oposto de uma coação, a noção principal
do direito é a obrigação que se encontra em seu sentido originário, qual seja, a de
que a despeito de não ser completamente claro para todos os homens, estes se
encontram estreitamente coagidos em seu comportamento social.

Essa afirmação tem sentido, pois nós, os homens, estamos tão acostumados a
obedecer a essas normas que quase não sofremos com elas, da mesma forma que
não sofremos com certas coesões físicas, como a lei da gravidade.

Tanto é verdade que, em geral e por definição, tais normas correspondem à


nossa maneira de pensar e sentir, de modo que a margem deixada à vontade
individual nos regimes jurídicos, mesmo nos mais liberais, é extremamente
reduzida.

Isso se manifesta, afirma Lévy-Bruhl, inclusive na esfera do direito contratual,


em que a liberdade é frequentemente considerada a mais completa. A estrutura
dos contratos é fixada pela coletividade mediante prescrições legais ou
consuetudinárias e não se modifica senão na medida em que se tenha mudado de
opinião a seu respeito.

Além disso, não pode existir obrigação sem sanção, por isso, em sua definição,
o direito é representado como um sistema de sanções. As sanções jurídicas,

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inclusive, são distintas das sanções meramente religiosas e das sanções


meramente morais.

Lévy-Bruhl estabelece uma classificação das sanções jurídicas, destacando


como a mais importante a distinção que delas ocorre entre o direito civil e o direito
penal. O direito civil é, sobretudo, retributivo, já o direito penal é repressivo, pois
cabe ao direito civil precisar o estado das pessoas, a condição dos bens
patrimoniais, as formas e os efeitos das relações de ordem econômica. A princípio,
o direito civil não levanta nenhum problema de ordem passional, enquanto as
prescrições relativas ao direito penal provocam uma reação violenta no grupo
social, sendo a intensidade dessa reação variável segundo o delito cometido e a
importância que o grupo atribui ao objeto, homem ou coisa que sofreu a lesão.

As normas de direito são impostas a cada um pelo grupo de que se faz parte,
entretanto, tal afirmação não pode ser simplesmente resolvida na famosa
máxima  Ubi societas, ibi jus, mas deve ser precisada a partir da seguinte
indagação: qual é o grupo social de que emanam as normas jurídicas? E ainda: é
verdade que certas sociedades (qualquer que seja o sentido atribuído a esse
termo) podem viver sem direito? Em outras palavras, o adágio  Ubi societas, ibi
jus é universal?

Posicionando-se pela aparente impossibilidade de inexistência de regramento


das sociedades, mesmo das arcaicas e ainda – especulativamente – de possíveis
sociedades do futuro sem classes, Lévy-Bruhl especula se cada agrupamento
humano tem seu próprio direito. Nesse contexto, surge sua análise dualista
apontando para duas teorias que ele denomina como verdadeiras escolas de
pensamento, a saber, a escola monista e a escola pluralista.

Na escola monista está situada a maioria dos juristas. Nela se acredita que um
único tipo de grupo social, o grupo político  – atualmente conhecido pela
denominação genérica de sociedade global  –, está habilitado a criar normas de
direito.

A outra escola, pluralista, que compreende, afora alguns juristas, os sociólogos


e filósofos (não positivistas, bem entendido), professa que qualquer agrupamento,
seja qual for a sua consistência, pode instituir – e quase sempre institui – normas
de funcionamento capazes de ultrapassar o caráter simples de regulamentos para
elevar-se à categoria de verdadeiras normas jurídicas.

Segundo Lévy-Bruhl, a primeira teoria, mais afeta às filosofias hegeliana e


marxista, é manifestamente errônea, pois uma simples vista de olhos sobre a vida
social permite convencermo-nos de que existem prescrições legais, ou pelo menos
jurídicas, fora das que foram impostas pela autoridade política. Existiram e existem
hoje direitos que não emanam da competência dos órgãos da sociedade global. Há
direitos supranacionais e infranacionais.

Assim, entende o autor os  Direitos supraestatais  como os Direitos Religiosos


(canônico, muçulmano, judaico, protestante etc.), os Direitos de Instituições
Consuetudinárias Profissionais e as Organizações Internacionais e os  Direitos

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infraestatais  como Agrupamentos Inferiores ao Estado e ainda em outras


manifestações dessa ordem que ocorrem em Sociedades Modernas.

De toda essa análise, invocando como epígrafe o célebre dito de Heráclito,


Lévy-Bruhl entende que há um caráter essencialmente provisório no direito, pois se
o grupo muda, o direito muda.

Com efeito, se o direito emana do grupo social, não poderia ter mais estabilidade
que esse mesmo grupo. Ora, um agrupamento humano não é senão uma reunião
mais ou menos natural, voluntária ou fortuita, de indivíduos de sexo e idades
diferentes, grupo que nunca permanece semelhante a si mesmo, uma vez que os
elementos de que se compõe, modificam-se a todo instante pelo efeito do tempo [...]
Antes de tudo, se o direito é instável, frequentemente sua expressão permanece fixa,
ou, pelo menos, não segue o seu ritmo e atrasa-se ou, às vezes  – o que é mais
raro –, adianta-se a ele. O caso mais comum é o de uma norma de direito que, por ter
sido formulada oralmente ou por escrito e ter se transmitido nos mesmos termos,
durante longos anos, de geração a geração, é cercada de um certo respeito, que se
prende ao fato de ela emanar da coletividade ou de seus representantes: por isso é
muito difícil modificá-la. Mas chega um momento em que sua formulação já não é
adequada. A partir daí pode-se colocar para aquele que é encarregado de aplicá-la –
normalmente o juiz  – um verdadeiro caso de consciência que, em certa
circunstâncias, pode assumir um aspecto dramático.117

Como se nota, a investigação sociológica sobre o direito de Lévy-Bruhl é muito


abrangente, revelando ideias que compreendem o fenômeno jurídico desde
questões relacionadas a sua origem e conceito até sua aplicabilidade.

Outro autor menos conhecido e trabalhado, que vai além do pensamento de


Durkheim, é seu sobrinho Marcel Mauss.

Mauss aprofunda consideravelmente os estudos sociológicos e antropológicos


investigando as comunidades tribais e identificando nelas o que vem a ser
designado como sua famosa tríplice obrigação. Em seu célebre  Ensaio sobre a
dádiva (Essai sur le don), de 1924, Mauss defende a ideia de que a organização
das sociedades arcaicas era regida por sistemas sociais-totais estruturados sobre
uma regra social primordial, desenvolvida a partir da mentalidade do princípio da
retribuição: a sua famosa tríplice obrigação de dar, receber e obrigação de
retribuir.118

Dar, receber e retribuir eram a base organizacional das sociedades arcaicas.


Era preciso pôr em circulação os presentes e os benefícios ou, até mesmo, os
malefícios. O estabelecimento dessa tríplice obrigação era regido pelo caráter da
troca, uma relação contratual na qual se misturavam as almas nas coisas, o que
Mauss identifica precisamente para manter o termo utilizado por certas sociedades
arcaicas da América do Norte, o potlatch.119

O potlatch  é bem mais que um fenômeno jurídico, ele é o sistema da dádiva


das trocas que possui originariamente o sentido jurídico contratual da relação que
ali se formava a partir de uma regra de direito, advinda do princípio da retribuição.

A tríplice obrigação era, de fato, algo definitivamente obrigacional. A essência


dessa obrigação era seu início, dar, ao passo em que se dava e ao mesmo tempo
na coisa se misturava o espírito da pessoa era preciso recebê-la, não se podendo

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recusá-la, para depois retribuir. O retribuir era a essência do potlatch, festa em que
se dizimava praticamente tudo quanto uma comunidade havia produzido para
demonstrar sua capacidade retributiva.

Nota-se, assim, certa complexidade nessa relação, que passa a propiciar a


(sobre)vivência dessas sociedades. O mais interessante é que a relação social
nelas não fluía segundo os parâmetros do mercado ou do contrato. Na verdade, o
mais importante nessa produção de vida não era simplesmente a satisfação
utilitária e efetiva dos membros da sociedade; o que importava em primeiro lugar
era constituir o laço social. Essa era a afirmação do dom, da dádiva.

Sobre o tema da magia, Marcel Mauss em seu conhecido ensaio  Esboço de


uma teoria geral da magia propõe, a partir dos estudos até então existentes sobre
o tema, uma noção mais clara e completa sobre o assunto, tendo em vista sua
crítica de que as propostas anteriores se baseavam em pontos específicos e em
alguns casos apresentavam equívocos.

A proposta de Mauss é relevante, pois, para ele, a magia é um “fato social


total”, na sua origem pode-se encontrar a forma primeira de representações
coletivas que se tornaram depois os fundamentos dos entendimentos individuais.

Para Mauss, a magia é por definição objeto de crença, e as manifestações


mágicas podem assim ser consideradas se forem realmente enquanto tais para
toda a sociedade, e não apenas para parte dela.

A magia compreende agentes, atos e representações. Os ritos mágicos e as


magias como um todo são sempre fatos de tradição. Atos que não se repetem não
são mágicos. Atos nos quais um grupo não crê não são mágicos. A forma dos ritos,
por isso, é eminentemente transmissível e sancionada pela opinião.120

As práticas tradicionais com as quais os atos mágicos podem ser confundidos são:
os atos jurídicos, as técnicas, os ritos religiosos. O sistema da obrigação jurídica foi
associado à magia em razão de que, de parte a parte, há palavras e gestos que
obrigam e vinculam, há formas solenes. Mas, se com frequência os atos jurídicos têm
um caráter ritual, se o contrato, os juramentos, o ordálio são alguns aspectos
sacramentais, é que eles se misturam a ritos, sem que sejam ritos por si mesmos. Na
medida em que têm uma eficácia particular, em que fazem mais do que estabelecer
relações contratuais entre indivíduos, eles não são jurídicos, mas mágicos ou
religiosos.121

O exercício da magia, a partir da proposta de Mauss, pode ser encarado


também sob um ponto de vista político. A submissão do homem primitivo a entes
superiores sugere o resultado também da submissão àqueles que se diziam
capazes de entender e tratar com eles, a saber, as castas sacerdotais que
forneciam o sustentáculo ideológico para a concentração de poder inicialmente
distribuído entre os membros do grupo social.

Nesse sentido, surge um aspecto relacional entre a religião e a magia, pois,


enquanto a magia envolve operações que se revestem de um caráter coercitivo
para com os espíritos, que agem de acordo com o indicado pelo praticante dos
atos mágicos, na religião é estabelecida uma espécie de aliança para impedir a

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arbitrariedade na ação divina. Surge disso um relacionamento entre homens e


divindades revestido de um vínculo por assim dizer jurídico.

Já com relação ao tema do sacrifício, Mauss – tendo como coautor nesse texto
Henri Hubert  – prudentemente apresenta a conceituação e esquematização do
sistema sacrificial. A proposta do ensaio, publicado originalmente como  Essai sur
la nature et la fonction du sacrificie na Année Sociologique, no segundo volume, no
ano de 1899, é, antes de tudo, descritiva.

Segundo Mauss, o sacrifício sugere imediatamente a ideia de consagração,


chegando a poder se pensar que as ideias se confundem. Indiscutivelmente, o
sacrifício sempre implica uma consagração, em outras palavras, em todo sacrifício
um objeto passa do domínio comum ao domínio religioso. Ocorre que as
consagrações não são todas da mesma natureza, algumas esgotam seus efeitos
no objeto consagrado, indiferentemente do que este seja, coisa ou homem; já no
sacrifício, pelo contrário, a ideia de sagração vai além da coisa consagrada,
atingindo, entre outros entes, a pessoa moral que se encarrega da cerimônia.122

Todos os participantes do ato sacrificial são enredados numa teia que os


modifica no acontecimento do sacrifício. O crente que forneceu a vítima, por
exemplo, não é no final da consagração o que era no seu começo, pois adquiriu
um caráter religioso que não possuía, ou também pode acontecer de ter se
desembaraçado de um caráter que o atingia, elevando-se a um estado de graça ou
mesmo saindo de um pecado. De qualquer forma, o que o marca é que em todos
os casos ele é religiosamente transformado.

A par da definição de sacrifício, os autores explicitam também o papel do


sacrificante, que representa o sujeito que recolhe os benefícios do sacrifício ou se
submete a seus efeitos. O interessante é que esse sujeito pode ser ora um
indivíduo, ora uma coletividade, como uma família, um clã, uma tribo ou nação. Na
representação coletiva, o grupo pode assistir em conjunto ao sacrifício, mas
também pode delegar a um de seus membros a função de agir em seu lugar.
Assim, a família é geralmente representada pelo seu chefe, e a sociedade, por
seus magistrados.

Outra importante definição é a dos objetos do sacrifício, que são as coisas em


vista das quais o sacrifício é feito. Isso evidencia que a irradiação da consagração
sacrificial não se faz sentir diretamente, somente no próprio sacrificante, mas em
algumas coisas mais ou menos diretamente ligadas à sua pessoa.

Essa seria a representação da ação irradiante do sacrifício, que de forma


particularmente sensível produz um duplo efeito: um sobre o objeto pelo qual é
oferecido e sobre o qual se quer agir, outro sobre a pessoa moral que deseja e
provoca esse efeito.

Com isso, vê-se que o traço distintivo da consagração no sacrifício é o de que a


coisa consagrada sirva de intermediário entre o sacrificante e a divindade à qual o
sacrifício é endereçado, de tal forma que o homem e o deus não estejam em
contato imediato.123

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A fórmula que determina o conceito de sacrifício é a de que este representa


“um ato religioso que mediante a consagração de uma vítima modifica o estado da
pessoa moral que o efetua ou de certos objetos pelos quais se interessa”.124

Interessa aqui tomar nota do que resulta da definição apresentada, havendo


analogias e diferenças entre a pena religiosa e o sacrifício, ao menos o sacrifício
expiatório. Fato é que a pena religiosa implica igualmente uma consagração, sendo
os ritos bastante semelhantes aos do sacrifício expiatório.

No caso da pena, a manifestação violenta da consagração se aplica


diretamente ao sujeito que cometeu o crime e que o expia ele próprio, enquanto no
caso do sacrifício expiatório, ao contrário, há uma substituição, e é sobre a vítima
que incide a expiação, e não sobre o culpado.

A dimensão sacrificial é complexa e muitos autores buscaram delimitar


categorias de sacrifício, como os sacrifícios expiatórios, sacrifício de ações de
graças, sacrifícios-demandas etc. A questão é que todas elas apresentam
problemas uma vez que, na verdade, os limites entre as categorias são
indecidíveis e muitas vezes até mesmo indiscerníveis, pois as mesmas práticas se
verificam em certo grau em todas.

Esses estudos de Mauss, juntamente com sua abordagem sobre a magia, a


religião e o sacrifício, promovem e identificam importantes elementos de sociologia
do direito, razão pela qual tal autor não pode deixar de ser mencionado.

Outro autor, este bem mais conhecido e utilizado em estudos sociológicos do


direito, que merece destaque nesta breve abordagem é Georges Gurvitch.

Gurvitch foi um sociólogo de origem russa que desenvolveu seus estudos na


França. Ele considerava a estrutura social como um processo de transformação
permanente. Tomando os fatos sociais em sua totalidade, traçou sobre eles um
quadro de observação operacional e concreto.

A contribuição de Gurvitch para o pensamento sociológico do direito foi ter


enfatizado a variabilidade e a pluralidade fundamental da vida do direito.

Cláudio Souto nota que Gurvitch parte da ideia tradicional de que o direito tem
um caráter bilateral ou multilateral, por encadear pretensões de uns e deveres de
outros, e que tal encadeamento implica a necessidade de sua imposição pela
autoridade de um fato normativo, de modo que não se pode realizar realmente
esse encadeamento senão pela eficácia de uma garantia social que o proteja.125

Apesar de sua abordagem diferenciada, Gurvitch não escapa da falha


verificada em diversos sociólogos na definição do direito.

Ele entende o direito como a tentativa de realizar em um quadro social dado a


justiça, levando em conta a relação existente que há entre os direitos e deveres,
cuja validade deriva dos fatos normativos e que, portanto, levam neles a garantia
da eficácia das condutas correspondentes.

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Nota-se vagueza na definição de Gurvitch sobre o direito, que o sustenta na


imposição e validade das condutas baseadas no fenômeno ético em geral, e não
especificamente no jurídico.

Além disso, sua definição de justiça, que se debruça como uma reconciliação
prévia e essencialmente variável das obras de civilização em contradição, é
acentuadamente indistinta, o que leva à possibilidade de se sustentar que ainda se
encontra em Gurvitch um resíduo daquele desprezo da sociologia cientificista do
século passado pelo mundo das normas, dos valores.

Isso o faz não alcançar com nitidez a realidade do fenômeno jurídico


tipicamente social, fenômeno que implica necessariamente em si mesmo, em sua
substância. Desse modo, Gurvitch não encontra o critério substancial do direito.126

Em Gurvitch encontramos também numa influente divisão da disciplina da


sociologia jurídica de acordo com as abordagens metódicas de seu objeto127.

A divisão de Gurvitch se estrutura de maneira geral em três tópicos:

Microssociologia do direito ou sociologia sistemática do direito;

Sociologia diferencial do direito  – uma tipologia jurídica dos agrupamentos


estruturados;

Sociologia genética do direito

No primeiro tópico da divisão encontra-se a importância da sociologia do direito


para compreender melhor o jogo completo dos gêneros e das formas de direito no
seio dos ordenamentos jurídicos e dos sistemas de direito que se apoiam em fatos
normativos dos agrupamentos estruturados, das classes sociais e das sociedades
globais.

Nela encontramos o estudo das relações das formas de sociabilidade por


interpenetração (massa, comunidade, comunhão) com os fenômenos geradores do
direito social, e das formas de sociabilidade por interdependência (relações de
aproximação, de afastamento ou mistas) com os fenômenos originários do direito
interindividual, bem como o estudo dos planos de profundidade do direito. O direito
de integração na massa, na comunidade e na comunhão, entrecruza-se com o
direito integrante nas uniões unifuncionais, multifuncionais e superfuncionais e, por
outra parte, com o direito particularista e o direito comum, servindo tanto ao
interesse geral quanto ao particular.

Essa análise contribui para a compreensão da tensão formadora do direito nas


relações humanas, bem como a sua maneira de ser encarado e organizado. Desse
modo, pode-se apresentar com base na interpretação de Machado Neto o seguinte
quadro dos diferentes níveis do jurídico.

1 – Direito organizado e prefixado – leis, estatutos etc.;

2 – Direito organizado flexível – direito discricionário da administração;

3  – Direito organizado intuitivo  – reconhecimento pelas partes do direito


organizado sem fazer recurso ao procedimento técnico-formal dos tribunais;

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4 – Direito espontâneo prefixado – direito consuetudinário;

5  – Direito espontâneo flexível  – standards  ou diretrizes da jurisprudência anglo-


saxônica;

6  – Direito espontâneo intuitivo  – valorações sociais que não encontraram ainda


positivação.

No segundo tópico da divisão, temos a Sociologia diferencial do direito. Na sua


primeira parte, cabe a essa sociologia estudar a tipologia dos grupos particulares.
Para tanto, Gurvitch utiliza a sua classificação dos grupos para estudar a relação
do direito com cada tipo de agrupamento social, enfatizando o estudo da soberania
e das relações das diversas ordens jurídicas com o direito estatal.

Tem-se, assim, uma sociologia jurídica das sociedades totais, em que se


estudam as condições jurídicas de cada uma das seguintes formas societárias
genéricas ou totais.

1 – Sociedades poli-segmentárias, que têm uma base mágico-religiosa;

2  – Sociedades com homogeneidade, baseadas no princípio teocrático-


carismático;

3  – Sociedades com homogeneidade, baseadas no predomínio do grupo


doméstico-político;

4 – Sociedades feudais, baseadas na predominância da Igreja;

5 – Sociedades unidas pela predominância da Cidade e do Império;

6  – Sociedades unidas pela preeminência do Estado territorial e autonomia da


vontade individual;

7  – Sociedades contemporâneas, em que os grupos de atividade econômica e o


Estado territorial estão lutando por um novo equilíbrio.

Corresponde a cada um desses tipos de sociedade global um determinado


sistema jurídico caracterizado pelas notas específicas do habitat social que lhe deu
origem.

Por fim, tem-se o terceiro tópico da divisão denominado Sociologia genética do


direito. Esse tópico corresponde ao que, até então, vinha sendo explorado como o
campo exclusivo da sociologia do direito.

Nele, Gurvitch estuda de maneira pontual as relações de interinfluência que se


estabelecem entre o direito e outros segmentos como a economia, a religião, a
moral, o conhecimento, a psicologia coletiva e a base ecológica da sociedade.

A abrangência do esboço temático gurvitchiano parece às vezes perder a tônica


das relações empíricas entre sociedade e direito, aproximando-se e identificando
muitas vezes, por exemplo, com a antropologia jurídica. De qualquer forma, o
esforço e sua criteriosa condução metodológica representam uma das maiores
construções que assume e define a constituição da sociologia jurídica como
disciplina científica.

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Apesar dos apontamentos críticos referidos, é inegável que Gurvitch lança de


modo original um conceito de justiça singular  – e pioneiro  – e que de modo
rigoroso tenta estabelecer as tarefas da sociologia jurídica, que serão evidenciadas
segundo seu pensamento no próximo capítulo.128

114

.DUGUIT, Léon. Traité du Droit Constitutionnel. 3. ed. Paris, Ancienne Libraire Fontemoing & Cie.
Editeurs de Boccard, 1927. v. 1, p. 127.
115

.LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 20.
116

.A análise aqui feita sobre o pensamento de Lévy Brhul foi desenvolvida com base na sua
obra Sociologia do Direito. Cf. LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997, p. 20-37.
117

.LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito, cit., p. 30-32.


118

.Cf., nesse sentido, MAUSS, Marcel.  Sociologia e antropologia. Tradução de Paulo Neves. São
Paulo: Cosac e Naify, 2003, p.  235 e  Ensaios de sociologia.  Tradução de Luiz João Gaio. São
Paulo: Perspectiva, 1999, pp. 351-372. No capítulo 3, em especial, fez-se destaque pontual ao
pensamento do autor, motivo pelo qual aqui não se retoma o assunto.
119

.MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia, cit., p. 235. Aprofundando a extensão do potlatch e as


noções de dom, troca e contrato, cf. MAUSS, Marcel.  Ensaios de sociologia. Tradução de Luiz
João Gaio. São Paulo: Perspectiva, 1999. p. 351-372.
120

.MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Nayfi,
2003. p. 55-56.
121

.MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia, cit., p. 56.


122

.MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício, Trad.: Paulo Neves, São Paulo: Cosac Naify,
2005, p. 15.
123

.MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício, cit., p. 17.


124

.MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício, cit., p. 19.


125

.SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva, cit., p. 65.
126

.SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva, p. 71.


127

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.Cf. GURVITCH, Georges Gurvitch. Problemas de la sociologia del derecho.  In Tratado de


sociologia. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1963, pp. 217-238 e Elementos de sociologia jurídica.
Puebla: Editorial Jose M. Cajica Jr., 1948, pp. 160-181, e, também, MACHADO NETO, A.
L. Sociologia jurídica, cit., p. 124-127.
128

.Os estudos de sociologia jurídica na França continuam avançando, sendo representativo desse
pensamento autores como K. Stoyanovitch, André-Jean Arnaud e Jacques Commaille e, de certo
modo, também Jean Carbonnier, com o livro publicado em 1969 dedicado à matéria
intitulado Direito flexível que é seguido – da obra citada no capítulo anterior – de seu Sociologia do
direito.

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3.5. A sociologia jurídica no pensamento germânico

3.5.1. Para além de Weber: o pensamento de Eugen Ehrlich e os novos


rumos da sociologia jurídica

O austríaco Eugen Ehrlich dedicou especificamente sobre o tema da sociologia


jurídica a conhecida obra Fundamentos de sociologia do direito  (Grundlegung der
Soziologie des Recht).

Essa obra, primeiramente editada em 1913, haveria de desempenhar um papel


de maior relevo para o desenvolvimento do novo ramo do saber e, embora seja
cronologicamente anterior à de Weber, situa-se em maior afinidade com a
perspectivas hoje preponderantes na Sociologia Jurídica.

Ehrlich foi um dos principais representantes da chamada escola sociológica do


direito, sendo usualmente identificado como um dos fundadores da escola do
direito livre, que via a aplicação do direito livre das amarras normativas com a
finalidade de buscar a justiça.

Uma das importantes contribuições de Ehrlich foi sua crítica às questões


tratadas pelos juristas que mantinham suas ideias de uma ciência jurídica num
nível que apenas aprendia o direito numa realidade extremamente superficial,
meramente formal-normativa.

Talvez o maior mérito da Sociologia do Direito de Ehrlich consista no seu cunho


antificcionista, ou seja, no combate que representa inúmeras ficções que
infrutificavam e em parte ainda infrutificam no campo dos estudos jurídicos.

Para ele, uma dessas ficções é a relativa à ciência do direito dos juristas, ser
antes de tudo uma doutrina técnica (Kunstlehre) e não efetivamente de um estudo
jurídico compromissado com sua realidade, visando apenas fins práticos.

Segundo o autor, a ligação absoluta do juiz a fórmulas prefixadas, a


dependência total do direito em relação ao Estado e a unidade técnico-sistemática
do direito, tidas como postulados lógicos, apresentam-se como princípios técnicos
que só valem para determinadas sociedades, onde há centralização estatal.

Sua crítica se espalha sobre a formatação que recebera o direito até sua época.
Isso o faz chegar à ideia de um direito social subjacente, o direito da sociedade,
com a função de organização social pacífica interna e que cabia à sociologia
jurídica estudar.

Assim, o desenvolvimento do direito dependeria essencialmente, segundo Ehrlich,


desse estudo, e não deveria ser buscado com centro ou na lei, ou na jurisprudência,
ou na doutrina, ou de modo mais geral, em um sistema de regras, mas na própria
sociedade, sendo o direito vivo algo “em contraste” (‘im Gegensatze’) àquele
meramente em vigor diante do tribunal e das autoridades. O direito vivo é o direito
que, não fixado embora em proposições jurídicas (‘in Rechtssätzen’), domina, porém,
a vida” [...] A ideia básica de nosso Autor de um direito social, ou seja, de uma ordem
jurídica direta da sociedade, é, porém, na realidade, uma ideia por demais vaga, para
que ele consiga através dela delimitar o campo próprio do direito. De fato, a obra de
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Ehrlich apresenta a falha de não distinguir realmente o direito dos outros fenômenos
sociais normativos, e, pois, de não tornar preciso o domínio da Sociologia Jurídica.129

Além da clássica obra destinada à produção exclusiva do tema da sociologia


jurídica de Ehrlich, o pensamento de F. W. Jerusalem e Theodor Geiger – este que
viveu na Dinamarca e será referido também na sociologia jurídica escandinava  –
devem também ser lembrados. Outras importantes contribuições a se destacar são
as que surgem não só de alemães, mas de autores que escrevem nessa língua,
como Julius Kraft e Herman Kantorowicz, e, sobretudo, o pensamento de Niklas
Luhmann – que iremos abordar de maneira apartada em capítulo sequente –, bem
como de Jürgen Habermas, Helmut Schelsky, Karl Dieter Opp, Klaus Röhl, Gunther
Teubner, Karl-Heinz Ladeur, dentre outros.130

129

.SOUTO, Cláudio. Introdução ao direito como ciência social, cit., p. 48-50.


130

.Para uma abordagem mais precisa e completa sobre o desenvolvimento do pensamento


sociológico jurídico alemão, cf. SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange.  Sociologia do direito: uma
visão substantiva, p. 79-80.

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3.6. A sociologia do direito nos Estados Unidos

De modo bastante percuciente, Ralf Dahrendorf apresenta uma introdução ao


pensamento da sociologia norte-americana.

Ele inicia sua análise com a tradicional diferenciação entre uma sociologia
conservadora e uma sociologia crítica, evidenciando que a primeira se baseia na
ideia das leis naturais, e a segunda, na ideia dos direitos naturais. Após, afirma que
seguramente a investigação dos fatos contra valores é a primeira linha divisória
que demarca a sociologia americana que nessa fase e um pouco depois deixa
completamente de lado o estudo sociológico do direito e das instituições jurídicas,
bem como dos sistemas políticos, da ciência e instituições científicas131.

Em sua abordagem histórica, Dahrendorf pautadamente nota a importância das


contribuições dos pensamentos de Talcott Parsons, Wright Mills, Sorokin  – de
origem russa que se fixou nos EUA  –, Hans Gerth  – de origem alemã, aluno de
Mills –, R. Lynd, entre outros.

Tudo isso para chegar à afirmação de que o núcleo fundamental da nova crítica
da sociologia americana estava no estudo de uma teoria da evolução social,
evitada por Parsons, pela sua impossibilidade momentânea.

Com o desenvolvimento das ideias dessa mescla de pensadores, pode-se


afirmar que de modo mais recente a sociologia jurídica nos EUA ganhou novo
fôlego, apesar de seu esquecimento no passado.

Com um particular gosto pelas técnicas de pesquisa empírica, os juristas-


sociólogos americanos deixaram se levar pelo modo preconcebido dogmático-
juridicista do nexo conceitual necessário entre direito e tribunais, que pode ser
ilustrado, por exemplo, em Roscoe Pound, considerado como uma transição entre
as posições de jurista-sociólogo o sociólogo-jurista propriamente dito132.

Foi Roscoe Pound quem utilizou o conceito Sociological Jurisprudence, apesar


da escola que leve este título já ter nascido com a obra de Oliver Wendell Holmes
Jr., cerca de vinte anos antes. A esta escola também estão ligados Louis D.
Brandeis, Benjamin N. Cardozo e Felix Frankfurter. À exceção de Roscoe Pound,
todos os demais foram juízes na Suprema Corte dos Estados Unidos. Enquanto as
iniciativas legislativas de regulamentação o do trabalho em particular entravam em
choque com declarações judiciais de inconstitucionalidade, eles adotaram uma
interpretação restritiva do poder de controle exercido pelo juiz sobre a legislação
(judicial restraint). Essa escola foi criada contra o formalismo instaurado tanto pelas
vias da corrente analítica quanto da corrente histórica. Preocupados com o
sentimento de evolução da sociedade e do direito, eles promovem uma
interrogação quanto ao papel do juiz, quanto ao processo de decisão judicial, que
se encontra no centro do pensamento do realismo jurídico americano.133

Em Holmes notamos a influência do evolucionismo e do utilitarismo, a ausência


do pragmatismo  – apesar dos encontros com Charles S. Peirce no  Metaphysical

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Club. Em Pound, a do pragmatismo de William James e a dos primeiros sociólogos


americanos.

Outro destaque que cabe a essa escola é o de que no final do século XIX
triunfa nos EUA a doutrina dos precedentes, que faz do juiz um órgão puramente
passivo e de repetição de soluções já adotadas. Nesse momento, esses estudos
serão chamados por Pound como  Mechanichal jurisprudence, por Cohen
como slot-machine theory e seus membros irão fazer um esforço para demonstrar
que essa concepção de doutrina do precedente não corresponde nem ao que se
faz nem ao que se deve fazer.

Assim, pode-se afirmar que o que mais se desenvolveu nos EUA foi a pesquisa
empírica em sociologia jurídica, sendo oportuno mencionar o realismo jurídico
americano, uma corrente de pensamento surgida na primeira metade do século XX
nos Estados Unidos – que não dever ser confundido com a escola da sociological
jurisprudence  –, sobre a base da qual ele se expandiu o movimento realista
americano que serviu para o desenvolvimento da abordagem sociológica do direito
nos EUA. Da mesma forma que a sociological jurisprudence e as escolas do direito
livre europeias, o realismo norte-americano rebela-se contra o formalismo mais
preocupado com as semelhanças do que com as diferenças, como a “elegentia
juris”, do que com os efeitos sociais do direito e o significado do direito. Ele aborda
o problema da adaptação do direito a uma sociedade que se desenvolve e busca
enfatizar o caráter único de cada caso.134

O direito, no realismo americano, permanece, explícita e essencialmente, à


busca de um dever-ser ético, centralizando-se  – de forma similar à  sociological
jurisprudence  – na atuação do juiz e no processo de decisão judicial. Há de se
ressaltar que tal corrente também eclode com a instauração de um ensino
universitário do direito por professores em tempo integral. As ciências
experimentais na natureza  – na moda no período  – sugeriram modelos para os
realistas, havendo interessantes discussões entre jurista e sociólogos nesse
período. Há uma preocupação dos realistas em reintroduzir na reflexão jurídica o
problema da relação do direito e da moral, do direito e da política, da equidade da
decisão jurídica.

Entre pensamentos e autores, também é relevante mencionar Nicolas


Timasheff, discípulo como Gurvitch de Petrazhitsky. Em sua obra  Introdução à
sociologia do direito  ele enfatiza sua contribuição da análise do direito em
experiências biopsíquicas. O aporte teórico de Timasheff contribui de modo
essencial para sua investigação sobre o direito, desenvolvendo importantes
estudos na área da sociologia geral, o que permite uma investigação substancial
em sua análise jurídica135.

A contribuição de Underhill Moore também deve ser salientada tendo em vista,


inclusive, seu reconhecimento entre vários autores, como Northrop. Sua pesquisa
em jurisprudência sociológica fornece uma especificação determinante do direito
vivo de uma sociedade com as normas comuns da maioria de seu povo136.

Por fim, atualmente podemos realçar o importante trabalho que o brasileiro


Roberto Mangabeira Unger vem desenvolvendo nos EUA entre a filosofia social e a
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sociologia do direito. Ele parece se aproximar de um jusnaturalismo sociológico ao


basear-se numa ideia da natureza humana universal. Seus estudos ganham
considerável projeção principalmente com a escola denominada  Critical legal
studies, que lança uma crítica ao desmedido empirismo das ciências sociais e
econômicas dos EUA, bem como ao pluralismo dos estudos baseados em
precedentes e conceitos jurídicos de um modo geral.

131

.DAHRENDORF, Ralf.  Sociedad e sociologia:  la ilustración aplicada. Madrid: Editorial Tecnos,


1966, p. 191-194.
132

.Nota-se que a análise sociológica do direito nos EUA se inter-relaciona com o desenvolvimento da
ideia do realismo jurídico neste país. Para aprofundar as ideias jurídicas de Pound sobre o direito,
em temas como justiça, lei e tribunais, cf. POUND, Roscoe.  Justiça conforme a lei. 2  ed. São
Paulo: Ibrasa, 1976.
133

.ARNAUD, André-Jean. Sociological Jurisprudence in  Dicionário enciclopédico de teoria e de


sociologia do direito. André-Jean Arnaud e outros (orgs.), 2  ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1999,
p. 763-765.
134

.ARNAUD, André-Jean. Realismo I – Realismo Jurídico Americano in Dicionário enciclopédico de


teoria e de sociologia do direito. André-Jean Arnaud e outros (orgs.), 2  ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1999, p.  667-670. Ver também LYRA FILHO, Roberto.  O realismo jurídico norte-
americano. Porto Alegre: Fabris, 1982.
135

.De modo mais preciso, cf. TIMASHEFF, Nicholas.  Teoria sociológica. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1965, p. 309-313 e 405-420.
136

.SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva, p. 86.

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3.7. A sociologia do direito na Escandinávia

Sobre a sociologia jurídica na Escandinávia, inicialmente devemos considerar


seu advento pelo realismo da escola de Upsala, fundada por A. Hägerström.

Por essa inicial e marcante influência, a sociologia do direito na Escandinávia


se estabelece, sobretudo, nas áreas de pesquisa empírica, sendo desse ponto de
vista uma das mais importantes da Europa. Note-se que o desenvolvimento do
realismo escandinavo comporta a preocupação sociológica de autores como o
afamado jurista Alf Ross.

São importantes expoentes do pensamento escandinavo Theodor Geiger,


alemão que viveu na Dinamarca, que dá continuidade à análise realista com aporte
sociológico; de modo mais teórico, autores como Segerstedt; sobre os estudos de
senso geral da justiça, Chirstie, Andenaes e Skirbekk na Noruega, de Christiansen
e Kutschinsky na Dinamarca, entre outros137.

Entre os autores mencionados estão os fundadores do chamado Realismo


Jurídico Escandinavo, uma escola de pensamento do final do século XIX e início
do século XX situada em torno da já referida escola da Universidade de Uppsala.
Essa corrente dispunha de competência filosófica específica e suas críticas foram
direcionadas para os conceitos jurídicos fundamentais, tendo como foco principal a
pesquisa teórica, mais do que o trabalho feito concretamente pelos tribunais.

De modo mais pontual, os nomes eminentes do realismo jurídico escandinavo


são: Axel Hägerström, Anders Vilhelm Lundstedt, Karl Hans Knut Olivercrona e Alf
Ross. O realismo dessa escola é certamente diferente do realismo americano,
como produto do pragmatismo e do behaviorismo.

Hägeström procurou criar uma unidade de métodos e orientações entre os mais


importantes pesquisadores dedicados aos problemas morais e jurídicos das
regiões nórdicas da Europa. Ademais, “realismo” indica que essa orientação de
pensamento filosófico-jurídico, por mais que não recuse as concepções
jusnaturalísticas, combate o positivismo jurídico em alguns de seus aspectos.138

O tipo de pesquisa desenvolvida pelos realistas escandinavos determina que o


jurista estudará a técnica particular, constituída pelo uso das palavras,
denominações, procedimentos, rituais por meio dos quais é possível determinar-se
o comportamento na sociedade e os hábitos da população, dando a esta um
sentimento de obrigação, vinculado à crença de que tais palavras e hábitos podem
fazer nascer normas, vínculos e poderes. Na interpretação do direito, sustentam
que na aplicação e determinação dos preceitos jurídicos interveem considerações
extrínsecas ao enunciado normativo preexistente.

Como se nota, está entre as peculiaridades do realismo escandinavo


demonstrar profundo interesse por compreender o lugar e qual a função que
ocupam o direito e também a moral, a religião, a superstição etc. na vida humana e
na sociedade. Em razão desses estudos, que envolvem a esfera prática, no âmbito

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do realismo escandinavo encontramos uma escola original de filosofia e sociologia


do direito.

137

.SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva, p. 87-89.


138

.ARNAUD, André-Jean. Realismo II  – Realismo Jurídico Escandinavo in Dicionário enciclopédico


de teoria e de sociologia do direito. André-Jean Arnaud e outros (orgs.), 2  ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1999, p. 670-674.

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3.8. A sociologia jurídica no Brasil

No Brasil, a disciplina sociológica, como ocorre nos países de formação


semelhante na América Latina, evolui segundo influências exógenas que
“impediram” o desenvolvimento de um pensamento autêntico ou em estrita
correspondência com a realidade e particularidade do país.

Guerreiro Ramos afirma ser desprovido de arbitrariedade o fato de se tomar a


data de 1878, em que Benjamin Constant fundou a Sociedade Positivista do Rio de
Janeiro, como a inicial dos estudos academicamente definidos como do domínio da
disciplina sociológica no Brasil. Além de apontar algumas características que
marcam o pensamento sociológico brasileiro, este autor oferece um panorama dos
esforços de teorização da sociologia no Brasil desde 1870 até a década de 50 do
século passado, quando é editado seu livro.139

Seu ponto de partida é o Manifesto de 1870 do Partido Republicano. Um


documento situado num ambiente de nítidas contradições entre as instituições
vigentes e as novas forças produtivas que buscavam seu curso fora da forma de
organização escravocrata. Uma sociedade formada por uma considerável massa
de cidadãos livres, mal ajustados num sistema em que nutria os lugares somente
do senhor e do escravo, refletia diretamente nos quadros políticos e demandavam
alterações do esquema das instituições, em cujo funcionamento predominavam os
fazendeiros com seus latifúndios. O referido Manifesto de 1870 representa uma
sistematização dos pontos de estrangulamento que deviam ser desfeitos a fim de
que pudessem ser liberadas as novas tendências objetivas da sociedade imperial e
a própria teoria política da realidade nacional naquele momento. O documento
refere-se, ainda, a “vícios” orgânicos das instituições, deficientes para garantir a
democracia.

De todo modo, foram os positivistas que, pela primeira vez, apresentaram o


problema da formulação de uma teoria da sociedade brasileira como fundamento
da ação política e social. O primeiro estudo que aparece no Brasil – manifestando
os interesses dos adeptos de Comte  – foi  A escravidão no Brasil, de autoria de
Francisco José Brandão, editado em Bruxelas em 1865. A fundação da Sociedade
Positivista, em 1878, propiciou uma difusão de estudos, fazendo surgir no Brasil
diversos adeptos de Comte que procuravam formular uma concepção unitária do
país. Cabe destaque a Aníbal Falcão, que em 1883 publicou um opúsculo
chamado  Fórmula da civilização brasileira, que tratava do prolongamento
americano da civilização ibérica até a reunificação total, os índios e os negros
importados ou os seus descendentes e, com ainda maior ênfase, a Teixeira
Mendes, que num esforço mais sério para uma formulação de uma teoria no Brasil,
escreveu  A Pátria Brasileira, em 1881, reportando-se ao “empirismo” da geração
da independência, em razão da inexistência de uma teoria positiva de governo.

A concepção positivista brasileira se caracterizou por sua normatividade. Os


positivistas brasileiros adotaram o sistema de Comte  – e todas as restrições
oriundas de seu pensamento. Os positivistas brasileiros admitiam a possibilidade
de transformação da sociedade por meio do esclarecimento mental dos homens.

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Seu pensamento era utópico, e sua análise dos problemas brasileiros apresentava
cunho prático, sendo exemplos das medidas pensadas: a supressão da
hereditariedade monárquica, a supressão da religião do Estado, a promulgação
das instituições civis que assegurassem a liberdade do pensamento e a abolição
da escravatura. Cerca de dois meses depois da Proclamação da República, os
positivistas apresentaram ao povo brasileiro as Bases de uma constituição político-
ditatorial federativa para a república brasileira, em que se preconizava a atribuição
do governo federal a um ditador. Por bem, apesar da relativa influência dos
seguidores da doutrina, a proposta ficou no papel, sem que se deixe de considerar,
no entanto, o caráter ditatorial e militar de república em seu nascedouro.

Após Teixeira Mendes, merece destaque, na sequência, o pensamento de


Sylvio Romero.140  Apesar de nunca ter chegado a formular uma teoria bem
configurada do Brasil, deixou várias obras esparsas, nas quais certamente podem
se encontrado os elementos de uma teoria sociológica brasileira, sendo reflexo de
suas linhas gerais o opúsculo  O Brasil Social. Com os acontecimentos políticos
ocorridos nos primeiros anos da República, Sylvio Romero viu no presidencialismo
da Constituição de 1891 a fonte de nossos males e em oito cartas escritas ao
Conselheiro Rui Barbosa, que depois foram reunidas na obra  Parlamentarismo e
Presidencialismo na República do Brasil, defendeu as instituições parlamentares.
Já num posterior trabalho,  O Evolucionismo e o Positivismo no Brasil, de 1894,
nosso autor procura por uma lei sociológica que reflita sobre os partidos políticos
da República. Sylvio Romero chama atenção para o fato de que neste período o
país não passava de uma “vasta feitoria”, uma colônia, explorada pelo capital
europeu sob a forma de comércio e empresas, o que se refletia, em geral, na
pobreza da população. Ainda sobre a vida política no Brasil, Sylvio Romero
escreve  As oligarquias e sua classificação  em 1908, apresentando neste texto
como até então não temos um sistema de doutrinas e até os grandes nomes se
submetiam “aos patrões e chefes do clã”.

Sequentemente, com o falecimento de Sylvio Romero em 1914 e início da


Primeira Grande Guerra Mundial, há reflexos em nosso País que se tornam
aceleradores de nosso progresso. Nesse momento, estimulada por uma conjuntura
internacional favorável que envolvia o declínio da importação e da concorrência
estrangeira, resultante da queda do câmbio, a economia nacional esboçou sinais
de expansão pela ampliação do mercado e indústrias nacionais. Por outro lado,
havia problemas também que precisavam de solução, como o fato de o controle de
nosso comércio interno ser feito por estrangeiros. Foi nesse cenário que presidiram
a partir do final da década de 1910 e 1920 expressivos esforços na teorização dos
problemas brasileiros, sendo um destaque relevante para este livro o fato de que
desde 1912 já eram ministradas aulas de sociologia na Faculdade de Direito do
Ceará, por Soriano de Albuquerque141, fato noticiado e louvado em  L’Anné
Sociologique. Segundo Cruz, a mola desses esforços foi Alvaro Bomilcar da
Cunha, que, conjuntamente com Jackson Figueiredo, Miguel Austregésilo. J. De
Almeida Magalhães, Tasso Silveira, José Cândido Andrade Murici, Alberto Deodato
e outros, fundou a  Propaganda Nativista, uma sociedade política que tinha como
frente de trabalho a emancipação intelectual, financeira e econômica do País da
opressão estrangeira, a importância da solidariedade entre as nações americanas,
defesa do projeto legislativo obrigando as casas comercias estrangeiras no Brasil a
terem ao menos 2/3 de empregados brasileiros natos, o afastamento de
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estrangeiros de cargos eletivos e empregos públicos, adoção do princípios da


igualdade de raças, organização do teatro nacional brasileiro, entre outras. É por
iniciativa desse mesmo grupo que se fundou a Ação Social Nacionalista, que tinha
como metas a nacionalização do comércio, da imprensa política, da costeagem e
da pesca, regulamentação do trabalho etc. Esse grupo se mantém atuante durante
vários anos, e em 1925 é dele a diretriz para a fundação no Rio de Janeiro da
Academia Brasileira de Ciências Econômicas.

Nesse ambiente, propício à meditação sociológica, alguns autores se dedicam


ao pensamento e à consciência da nacionalidade brasileira, o que rendeu a obra À
Margem da História da República, editada em 1924 e que possui estudos de A.
Carneiro Leão, Celso Vieira, Gilberto Amado, Jonathas Serrano, José Antonio
Nogueira, Nuno Pinheiro, Oliveira Viana, Pontes de Miranda, Ronald de Carvalho,
Tasso da Silveira, Tristão Athaíde e Vicente Licínio Cardoso.

Após 6 anos da edição desse livro, ocorre a revolução de 1930, que promoveu
mudanças de sinal positivo na vida político-partidárias no País. A classe média
passou a ter mais espaço nos quadros dirigentes, houve institucionalização das
forças econômicas, por meio da sindicalização, liquidação, no Governo Federal, de
hegemonia de uns poucos Estados em detrimento de outros, firmou-se o princípio
da intervenção do Estado na economia  – apesar de ter ocorrido precariamente.
Entre 1930 e 1937, há um grande esforço de teorização política da realidade
nacional.

Como se nota, várias foram as tentativas de esboçar um pensamento sobre os


estudos sociais no Brasil. Nos anos de 1950, a sociologia no Brasil buscava por
consolidação metodológica, haja vista o fato de em 1930 os estudos sociais em
nosso país terem adquirido tom científico, e nos parece que nesse trilho ainda
estamos caminhando.

Esses são genuinamente os elementos direcionadores das discussões sobre o


pensamento sociológico no Brasil, que após esse período, com a experiência da
segunda guerra mundial e os percalços políticos que vivenciamos até os dias
atuais, mesmo frente a uma Constituição que prima por um Estado Democrático de
Direito, ainda notamos a necessidade de buscarmos genuinamente uma
abordagem original sobre o pensamento sociológico brasileiro.

Nesse contexto, pensar uma sociologia jurídica no Brasil é algo bastante


incipiente, apesar de ser importante reconhecer o esforço de estudiosos e sobre o
tema que tem originariamente sua motivação no hoje centenário curso de Direito
da Faculdade do Ceará com Soriano de Albuquerque, e a grande importância da
contribuição de Pontes de Miranda, ainda pouco aproveitada – como destacaremos
no capítulo 10 deste livro.

Após Pontes de Miranda, alguns autores tratam o tema de maneira


propedêutica ou filosófica – não aprofundando realmente o seu estudo –, podendo,
nesse sentido, ser mencionados os nomes de Euzébio de Queiroz Lima, Evaristo
Moraes Filho, Carlos Campos, entre outros. Após essa fase, surgem obras que
rompem com essa perspectiva tradicional e passam a tratar o tema a partir de uma
verdadeira visualização psicológica  – nesse sentido se destaca o trabalho de
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Cláudio Souto, primeiro a lecionar sociologia do direito, na Universidade Católica


de Pernambuco, nos idos de 1960, bem como o do também pernambucano Nelson
Saldanha.142

Com isso, o estudo continua com seu desenvolvimento no País, passando a se


desenvolver, e vertentes que se alinham a propostas metodológicas mais atuais,
envolvendo a teoria do conhecimento, a reviravolta linguístico-pragmática da
filosofia, entre outras formulações, podendo, de forma exemplificada, serem
mencionados, além do nosso, os estudos de A. L. Machado Neto, José Eduardo
Faria, Marcelo Neves, Celso Fernandes Campilongo, Marcio Pugliesi, Eliane
Botelho Junqueira, Leonel Severo Rocha, Aurélio Wander Bastos, Joaquim Falcão,
Leonel Rezende, Luciano Oliveira, Germano Schwartz, Juliana Neunschwander
Magalhães, Orlando Villas-Boas, Guilherme Leite Gonçalves, entre outros.

Importante também foi o estudo de sociologia do direito no Brasil realizado pelo


sociólogo português, consagrado mundialmente como sociólogo em geral,
Boaventura de Sousa Santos. Trata-se de pesquisa realizada em favelas do Rio de
Janeiro na década de 1980, publicado inicialmente nos EUA com título referindo,
sintomaticamente, o reino ideal cantado pelo poeta Manuel
Bandeira: Pasárgada.143

139

.RAMOS, Guerreiro.  Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editorial Andes,
1957, p.  19. Ainda, sobre o nosso desenvolvimento do pensamento sociológico no Brasil, cf. o
capítulo V da referida obra.
140

.O pensamento de Sylvio Romero merece destaque também pela produção de uma obra
genuinamente original sobre o folclore brasileiro. Cf. ROMERO, Silvio.  Folclore brasileiro: cantos
populares do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1954.
141

.MONTENEGRO, Abelardo F.  Soriano de Albuquerque: um pioneiro da sociologia no Brasil.


Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1952.
142

.Cf. Cláudio Souto e Solange Souto, p. 107. Para uma análise mais detalhada do pensamento de
Nelson Saldanha, cf. Nelson Saldanha. Sociologia do direito. 3 ed. São Paulo: RT, 1989.
143

.Cf. SANTOS, B. S.  The law of the opressed: the construction and reproduction of legality in
Pasargada. Law & Society Review, v.  12, p.  5-126, 1977; entre nós, SANTOS, Boaventura de
Sousa. Notas sobre a história jurídico social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e FALCÃO,
Joaquim (Orgs.); Sociologia e Direito: textos básicos para a disciplina da sociologia jurídica. São
Paulo: Pioneira, 1999.

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3.9. Direito e limitação do poder político

3.9.1. A dogmática jurídica e sua função social

O fato de o direito historicamente regular as relações sociais faz surgir uma


série de questionamentos interessantes que, em parte, devem ser discutidos em
sede da realidade da própria formação do Estado e do Poder Político.

Questionamentos interessantes seriam:  como  o direito regula a


sociedade?  Qual  a legitimidade e validade de sua regulação?  Por que  deve se
seguir os ditames jurídicos?  Que  relação pode ser estabelecida entre a ideia do
direito antes da formação do Estado e após a sua construção e efetivação?

Tais questionamentos são invariavelmente enfrentados nesta obra, entretanto,


de modo singular, há um questionamento que nesta parte do livro chama maior
atenção, a saber: Qual o efetivo papel que o direito (enquanto dogmática jurídica)
desempenha na sociedade moderna, funcionando como instrumento de
manutenção da estabilidade política e sua desigual distribuição de poder?144

Incontestavelmente, o direito tem relação com o poder, uma relação tão estreita
que, algumas vezes, seu estudo acaba sofrendo um reducionismo às relações de
poder, acabando por ocorrer como consequência de uma politização absoluta,
autoritária, e em certos casos totalitária do direito, que, dessa forma, passa a ser
degradado à condição de uma espécie de disfarce da política e mero instrumento
de poder (político).145

A partir dessa constatação, dois questionamentos interessantes surgem: qual a


papel da dogmática jurídica? E como o direito se relaciona com a violência?

A primeira pergunta será respondida no presente tópico, e a segunda no tópico


sequente.

3.9.1.1. A concepção dogmática do direito

O termo  dogma  possui em sua significação primitiva a identificação com a


decisão política de um soberano ou de uma assembleia e sua evolução, enquanto
uma opinião filosófica pode ter decorrido do fato de as escolas filosóficas antigas
de alguma forma estarem ligadas a seitas religiosas que impunham aos seus
adeptos a mesma autoridade que era imposta por um decreto político determinado
pelo Estado.146

Em sentido filosófico, Kant define que “uma proposição diretamente sintética


por conceitos é um dogma”.147

Para Cícero e Sêneca, o termo configurava-se como juízo, decisão, decreto de


ordem, identificando assim as crenças fundamentais das escolas filosóficas e para
indicar as decisões dos concílios e das autoridades eclesiásticas sobre as matérias
fundamentais da fé.148

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No ambiente jurídico, a primeira proposta de uma dogmática jurídica autônoma


pode ser encontrada no período dos glosadores. A proposta era feita com a ideia
da exegese da harmonização de textos e com a construção de regras a partir das
fontes do direito romano e das tradições da Antiguidade.

Em termos estritos, o conceito de dogmática jurídica ocorre em termos


científicos, identificando disciplinas específicas, como a ciência do direito civil,
empresarial, constitucional, penal, tributário, administrativo, internacional, do
trabalho etc., que passam a ter a dimensão em termos de um “estudo estrito” do
Direito, para que os juristas procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável
dentro dos marcos da ordem vigente, assim, essa ordem que lhes aparece como
um dado – que se aceita e não se nega – é o ponto de partida para a investigação
que “constitui uma espécie de limitação, dentro do qual eles podem explorar as
diferentes combinações para a determinação operacional de comportamentos
juridicamente possíveis.”149

Na dimensão do proposto, há de se asseverar que o direito não é um fenômeno


meramente dogmático, mas possui toda uma espécie de conhecimentos
conglobantes que o produzem, como a teoria geral do direito, a filosofia jurídica, a
sociologia jurídica, a hermenêutica jurídica, entre outros que complementam o
ambiente de trabalho dogmático jurídico.

A questão, então, que se coloca atualmente em termos de discussão é a de


que atualmente há uma tendência em se identificar a dogmática jurídica como um
tipo de produção técnica, de utilidade imediata, o que a afasta de um estudo
realmente organizado e rigoroso do direito.150

A atual tarefa, então, é que se situe os estudos dogmáticos do direito em


termos da proposta conglobante – de certo modo sistemática – do direito e, com o
apoio efetivo da hermenêutica jurídica, em um processo de problematização das
próprias questões dogmáticas, buscar aplicar o direito e trazer as respostas
adequadas aos casos concretos propostos.151

Tal tarefa se lança como o grande tema atual na insigne tarefa da superação do
rigorismo exegético e até mesmo do purismo metodológico do positivismo,
residindo na hermenêutica jurídica, de modo fundamental, a verdadeira tarefa
funcional para os deslindes dogmáticos do direito.

Leitura recomendada

Básica

Tercio Sampaio Ferraz Junior. Função social da dogmática jurídica. São Paulo:


Max Limonad, 1998.

Intermediária

Cláudio Souto. Introdução ao direito como ciência social. Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 1971.

Avançada
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Nicola Matteucci. Organización del poder y liberta., Madrid: Trotta, 1998.

144

.Essa pergunta foi formulada de forma contextualizada em estudo crítico sobre o pensamento
dogmático jurídico por João Maurício Adeodato. Para tanto, cf. João Maurício Adeodato.  Ética e
retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, n. 7. p. 143.
145

.Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-)Direito e força de lei/lei.Panóptica 4/65.


146

.Rosa Maria de Andrade Nery. Op. cit., parte 1, n. 20, p. 56.


147

.Immanuel Kant.  Crítica da razão prática. 5.  ed. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, A 736 B 764, p. 606.
148

.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.


149

.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed.


São Paulo: Atlas, 2007, n. 1,5. p. 48.
150

.Conforme preceitua Tercio Sampaio Ferraz Junior: “Afinal, quando se fala hoje em dogmática
jurídica, nossa tendência é identificá-la com um tipo de produção técnica capaz de atender a
demanda profissional, no desempenho imediato das suas funções, ou de vê-la na produção
didática que, dirigida para um consumo cada vez mais massificante, tem muito pouco a ver com o
que, nas demais ciências, seria admitido como trabalho de rigor e controle”. Tercio Sampaio Ferraz
Junior. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 9.
151

.Sobre essa indagação, interessante a seguinte reflexão de Willis Santiago Guerra Filho: “O quadro
que se vem de esboçar revela a feição atual, eminentemente “autopoiética”, do Direito, como um
sistema que regula sua própria (re)produção, por meio de procedimentos que ele mesmo
instaura...diante da qualidade dos problemas com que se defronta a sociedade contemporânea,
não se pode pretender encontrar naquele ordenamento pré-(e)scritas as soluções, que só se
encontram realmente  ex post. Da mesma forma, não se mostra satisfatória a dogmática jurídica
tradicionalmente praticada, em que se volta a atenção predominantemente para os textos legais,
para com base neles reconstruir autorizadamente o sentido normativo. O objeto da ciência jurídica
não seria propriamente as normas, mas os problemas para os quais a elas cabe viabilizar a
solução. E, para isso, importa acima de tudo examinar as situações concretas em que os
interesses envolvidos se manifestam e (eventualmente) entram em conflito. Daí a importância de
normas procedimentais, que regulam o modo de entender interesses, sem pretender determinar de
antemão a solução a ser dada”.  Willis Santiago Guerra Filho.  A filosofia do direito: aplicada ao
direito processual e à teoria da Constituição. São Paulo: Atlas, 2001.

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3.10. Direito e violência: autoridade e legitimidade

A questão fundamental que aqui se coloca é uma pergunta muito bem proposta
por Max Weber em sua célebre conferência tratando sobre a política como
vocação profissional (Politik als Beruf),152 a saber: “Quando e por que os homens
obedecem?”153

Nesse texto, Weber apresenta a política como a participação no poder ou a luta


para influir na distribuição de poder.154

Tal colocação remete a reflexão diretamente para o conteúdo do direito, pois,


indubitavelmente, desde sua gênese, o direito encontra-se em relação estreita com
o poder, tão estreita que muitas vezes pode se encontrar quem o reduza às
relações de poder, “tendo como consequência a politização absoluta –
tendencialmente absolutista, autoritária, quando não, totalitária – do direito, que
assim é degradado à condição de uma espécie de disfarce da política, mero
instrumento do poder”.155

Interessante notar que, dependendo do prisma que se olha a questão das


relações entre direito e poder – plenamente coordenadas sobre as matrizes da
política e da violência –, enfoques diferentes podem ser colocados.

Se a análise pautar-se em termos pré-civilizatórios, como nas comunidades


primitivas, encontrar-se-á uma genealogia do próprio direito, do poder e da
civilização, pois, como demonstrado anteriormente, as relações de débito e crédito
(troca, escambo) e sua consequente projeção violenta em termos de castigo e
medo dos ancestrais determinaram as relações humanas e propiciaram o terreno
de todo o processo civilizatório.

Poder-se-ia, ainda, restringir essa relação no mencionado reducionismo, que


reduz o direito às relações de poder, causando a politização absoluta com
ramificações possíveis para o absolutismo, autoritarismo e mesmo totalitarismo.

Por fim, projetando-se de forma histórica a análise, chegar-se-ia à figura do


Estado Moderno e toda sua configuração política-jurídica, o que ocasiona outro tipo
de reducionismo, metodologicamente dizendo, pois reduz a política e o próprio
direito a uma forma jurídica de exercício do poder.156

Willis Santiago Guerra Filho, ao se referir à conferência aqui tratada e a


proposta de sua perspectiva sociológica compreensiva, verifica que Weber se vale
de León Trotski para dar cabo de sua investigação, demonstrando como a ideia de
“força” era o fundamento do Estado, ou seja, ocorria consagração da força física
como o meio empregado tipicamente pelas associações políticas.157

Tal noção de força é que passa a ser referida por uma denominação mais
precisa, a de violência.

Essa noção de violência é que serviu a certas instituições sociais àquilo que
será a própria configuração do Estado, haja vistas as predecessoras formas de
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organizações sociais, aqui já mencionadas, a exemplo das comunidades primitivas,


mais precisamente dos clãs, tribos e organizações gentílicas.

Em termos jurídicos, mais precisamente em termos de Teoria do Direito, a


discussão – que perpassa as teorias contratualistas e suas críticas com as teorias
da dominação e poder como configuradoras do Estado e o próprio positivismo
jurídico normativista kelseneano – revela a questão de se caracterizar a
legitimidade do emprego da violência pelo direito para regular as relações sociais,
daí a importância da pergunta que encabeça este tópico: “Quando e por que os
homens obedecem?”

O desenvolvimento dessa colocação parece sugerir que a presente discussão


instaura praticamente uma zona de indeterminação entre a filosofia política e a
filosofia jurídica, arriscando-se a dizer aqui que, ao se referir propriamente nesses
termos, é que se está no campo de uma Teoria Político-Jurídica, em sua forma
mais precisa.

As pistas deixadas por Weber revelam que sua tentativa foi a de uma resposta
em termos científicos, pois, ao privilegiar a questão do  como  se obedece, em
termos funcionais, se atingiria a sua clássica tipologia – tripológica – das três
formas “puras” de legitimação, a saber: dominação legal, dominação tradicional e a
dominação carismática.158

A grande sacada de Weber seria, então, a de que as formas puras de


dominação se apoiam internamente em base jurídicas legitimadoras, ou seja, é o
direito que fornece a legitimidade da autoridade e quando esta é desacreditada as
consequências são de grande alcanço.159

Nas linhas traçadas por Weber, encontra-se um fundamento antropológico de


todas as “puras” formas de dominação. A obediência e a sujeição se dizem
determinadas pelos motivos bastante fortes do medo e da esperança. O medo da
vingança do detentor do poder, que possuía poderes mágicos; e a esperança de
recompensa neste mundo ou noutro. E, além da vingança e da recompensa, medo
e vingança era igualmente causados pelos mais variados interesses.

Seria essa, então, a justificativa para o respeito ao direito e ao Estado, que foi
dada por alguns autores que fundamentam o pensamento político moderno,
utilitarista e positivista, como Maquiavel e Hobbes.160

As questões que surgem, e que serão discutidas, aprofundam um pouco mais o


tema: tais argumentos são suficientes para, em termos meramente fáticos e
basicamente acríticos, compreender o porquê da submissão à violência organizada
juridicamente? E, mais, pelo fato de a violência ser na realidade proveniente do
Estado e este ser o configurador ficcional do modo de organização de nossas
vidas?

Como bem evidencia Willis Santiago Guerra Filho, vivemos atualmente num
estado de onipresença e ubiquidade da violência, pois esta se encontra em todos
os planos e espaços de convivência, desde a família, passando pela comunidade
em que se vive, até as grandes cidades e, ainda, em escala planetária, onde atuam

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os Estados e organizações paraestatais que não se limitam a exercer a violência


em determinado território.161

Seria, aparentemente, essa a análise proposta pelo contemporâneo filósofo


italiano Giorgio Agamben nos rastros da genealogia da governamentabilidade de
Michel Foucault, em especial na obra  O reino e glória. Sua premissa parte
exatamente da investigação dos modos e dos motivos pelos quais o poder foi
assumindo, no ocidente, a forma de uma  oikonomia  (de  oikos  “casa”,
e nomia, “regramento”), ou seja, de um governo dos homens.162

Nessa medida, o direito vem sendo construído pela tensão entre um ideal de
justiça, jamais realizado, e na realidade da violência na qual se ampara o poder.
Poder este de assenhoramento de um sujeito sobre outro. Em sentido jurídico, pelo
exercício da autoridade (legítima), e, em sentido psicológico, para assujeitar o
outro a uma simples vontade de poder, isto é, um desejo de sujeição para suprir a
carência de ser, própria do ser ficcional, artificioso, desejante e anormal, que é o
ser humano.163

O poder aqui mencionado, conhecido em todas as sociedades de que se tem


notícia, salvo aquelas surgidas na modernidade, é um poder que tem como
fundamento uma força superior, divina, como bem demonstra Walter Benjamin ao
final de seu texto Para uma crítica da violência (Zur Kritik der Gewalt),164  e que é
bem aproveitado por Jacques Derrida em seu Força de lei.165

Segundo Walter Benjamin, em seu espetacular ensaio supramencionado, há


uma oscilação semântica constante a partir do termo Gewalt entre os sentidos de
violência e poder. Todo o seu esforço é para demonstrar coma a origem do direito e
do próprio Poder Judiciário surge a partir da violência.

De modo cuidadoso, Derrida evidencia que a tradução da


palavra  Gewalt  proposta da forma como o fez Benjamin exige precauções,
pois Gewalt, além de violência pode significar o domínio ou a soberania do poder
legal, a autoridade autorizante ou autorizada: a força de lei.

Em sua análise, Derrida demonstra como Benjamin pretende colocar em


questão o direito, mais propriamente, com todo rigor, uma “filosofia do direito”. Para
tanto, cria uma primeira distinção entre as duas violências do direito: a violência
fundadora, aquela que institui e instaura o direito (die rechtsetzende Gewalt), e a
violência conservadora, aquela que mantém, confirma, assegura a permanência e
a aplicabilidade do direito (die rechtserhaltende Gewalt).166

Logo em seguida, surgem duas outras distinções, a saber: a distinção entre a


violência fundadora do direito, que é dita “mística”; e a violência destruidora do
direito (Rechtsvernichtend), que é dita divina.

E, por fim, a distinção entre a justiça (Gerechtigkeit), como princípio de toda


colocação divina de finalidade (das Prinzip aller göttlichen Zwecksetzung) e o
poder (Macht), como princípio de toda instauração mística do direito (aller
mythischen Rechtsetzung).

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Segundo Derrida, o termo “crítica” (Kritik), utilizado por Benjamin não significa
simplesmente uma avaliação negativa, rejeição ou condenação legítimas de
violência, mas um juízo, uma avaliação dos meios de se julgar a violência.

Na realidade, o conceito de violência pertence à ordem simbólica do direito, da


política e da moral, de todas as formas de autoridade ou de autorização ou pelo
menos de pretensão de autoridade.167

A par de tudo o exposto, é interessante ainda notar como René Girard, em sua
obra  A violência e o sagrado168  (La violence et le sacré), aborda o tema
fundamental da violência na exteriorização da noção de sacrifício praticada pelos
homens.

Em seu texto, o referido autor trata sobre o mistério do sacrifício, evidenciando


nucleicamente que só o sacrifício de alguém, “o bode expiatório”, pode catalisar a
violência de todos contra todos. Tudo pelo sentimento mimético do ser humano de
desejar o que o outro deseja, sem se saber o porquê se deseja.169

Essa figura do “bode expiatório” é a que encontramos hoje em nossa sociedade


moderna, pois, enquanto modernas e racionais, não são mais crentes em magias e
ritos, na forma de incluídos/excluídos da sociedade,  “ou seja, os que se acham
internos e internados, em domicílios, reformatórios, asilos, delegacias, prisões,
hospitais e também naquela instituição paradigmática dessas todas, segundo
Giorgio Agamben (em  HomoSacer, 1995), que é o campo de concentração, para
refugiados ou prisioneiros em geral, de status indefinido”.170

Cabe ressaltar aqui que a noção biopolítica171  utilizada por Agamben possui
uma matriz foucaultiana, e sua significação fica clara no momento em que se
instaura um novo modelo – de relacionamento humano – que ressalta a tomada do
poder sobre o homem enquanto ser vivo e que tem no Estado do século XIX sua
força catalisadora.

Na dimensão de tudo isso é que resta, por fim, o interessante apontamento


sobre o conceito de política em Carl Schmitt e o modo pelo qual evidencia a
potência de uma violência instauradora e mantenedora do direito em nossa
sociedade atual.

Em termos de legalidade, Schmitt defende que a forma especial de


manifestação do direito é a lei e a justificação específica da coerção estatal é a
legalidade, cabendo ao soberano decidir sobre o estado de exceção, ou seja, na
figura do soberano reúnem-se os seguintes elementos que acontecem
simultaneamente: supremo legislador, supremo juiz e supremo mandatário, última
fonte de legalidade e última base de legitimidade.172

Para Schmitt, a razão última da política é a possibilidade extrema da guerra,


que se expressa na dualidade dos conceitos opostos de amigo/inimigo.

Como bem nota Lorenzo Córdova Vianello, em Schmitt pode-se encontrar


quatro características fundamentais da contraposição amigo/inimigo.173

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A primeira seria que a distinção amigo/inimigo constitui um elemento originário,


ou seja, a confrontação proposta não é um resultado de uma série de situações
que se pode definir como políticas, mas, pelo contrário, constitui a premissa para
poder qualificar tais situações como políticas. Essa dimensão define o fenômeno
político como toda situação conflitiva que pode ser reconduzida, em última
instância, à confrontação entre amigo/inimigo, a qual deve ser considerada como
pertencente à esfera da política.

Em segundo lugar, o dualismo amigo/inimigo é uma parelha de categorias


autônomas, que não pode ser comparada a dicotomias de outras espécies, como
da moral, da estética ou da economia. Em outras palavras, ser amigo não significa
ser bom, belo ou útil, da mesma maneira que ser inimigo não significa ser mal, feio
ou inútil.

Os conceitos amigo e inimigo são antitéticos, é dizer, que se excluem


reciprocamente e são exaustivos. Enquanto antitéticos, os conceitos definem um
ao outro através da negação e da contraposição em relação ao outro. Isso é
importante, pois, enquanto antitéticos não é possível se criar um meio termo para
amigo e inimigo.

Por fim, a quarta característica seria a de que na dicotomia há um conceito


mais forte do que o outro, no caso, o de inimigo, pois a partir dele é que se
consegue atingir a contraposição ao conceito de amigo. Nessa dimensão, o
conceito de inimigo tem uma prioridade lógica sobre o conceito de amigo.

A par dessas considerações iniciais, tem-se a divisão da política concebida


como a expressão do conflito e esta pode se desenvolver de forma especial em
dois campos diversos, a saber: no campo internacional (“alta política”) e no campo
nacional, palco de uma política concebida pelo contrário, como algo degradado a
extremos “parasitários” e “caracturais”.174

E mais, isso revela que somente a partir do Estado um povo pode expressar a
decisão política fundamental: a decisão sobre o amigo/inimigo.

A dicotomia entre amigo e inimigo é que dá, então, a tônica da existência de um


povo, pois a identidade de um coletivo é determinada pela confrontação e pela luta
contra um inimigo comum, ou seja, um povo pode se considerar unido
politicamente quando todos os seus membros possuem os mesmos inimigos e os
combatem e, por outro lado, que a derrota e o aniquilamento do inimigo pode
confirmar a existência de um grupo de homens constituídos em um povo, surgindo,
assim, a essência da política como mors tua vita mea.175

O grande problema desse articulado pensamento de Schmitt, que remete à


relação de seu conceito político, é a de que tragicamente para se identificar o
elemento forte, inimigo, qualquer diferença pode ser utilizada para determiná-lo.
Isto é, qualquer diversidade de tipo étnico, religioso, cultural ou econômico pode
ser utilizada e enfatizada para estabelecer quem é o outro que se deve combater e
aniquilar.176

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Essa dimensão politizada entra num esquema fatal reconhecido hodiernamente


em práticas governamentais que podem ser exemplificadas nas três seguintes
situações – a primeira delas já trabalhada de acordo com a proposta de Agamben:
a) a identidade racial construída pelo nazismo para justificar a aniquilação dos
judeus, dos ciganos e dos homossexuais durante o Terceiro  Reich, b) as
identidades étnicas sobre as quais se baseiam as reivindicações de autonomia do
Estado da ex-Iugoslávia, precursoras de guerras e de limpezas étnicas e c) a
guerra global declarada pelos Estados Unidos a partir dos atentados terroristas de
11 de Setembro, criando a chamada guerra contra o terror.177

O direito, nessa perspectiva intrinsecamente relacionada à violência, é atingido


pela capacidade manipuladora das mencionadas instituições, criadas
modernamente e que dissimulam a complexa prisão simbólica de nossas pulsões,
exasperada pelos meios de comunicação em massa e pela capacidade
dissimuladora de uma das principais instituições ficcionais responsáveis pela
regulação dos seres humanos, o próprio direito.

152

.Max Weber.  Ensaios de sociologia. 3.  ed. Trad. Waltensir Dutra, rev. técnica de Fernando
Henrique Cardoso. Rio de Janeiro: LTC, 1974.
153

.Idem, p. 99.
154

.Idem, p. 98.
155

.Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-)Direito... cit., p. 65.


156

.Idem, p. 65.
157

.Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-)Direito... cit., p. 67.


158

.Max Weber. Os três tipos puros de dominação legítima. In: ______; Gabriel Cohn (orgs.). 7.  ed.
São Paulo: Ática, 2003, n. 4. p. 128-141.
159

.Mais precisamente, nas palavras de Weber: “A dominação, ou seja, a probabilidade de encontrar


obediências a um determinado mandato, pode fundar-se em diversos motivos de submissão. Pode
depender diretamente de uma constelação de interesses, ou seja, de considerações utilitárias de
vantagens e inconvenientes por parte daquele que obedece. Pode depender também do mero
‘costume’, do hábito cego de um comportamento inveterado. Ou pode fundar-se, finalmente, no
puro afeto, mera inclinação pessoal do súdito. Não obstante, a dominação que repousasse apenas
nesses fundamentos seria relativamente instável. Nas relações entre dominantes e dominados, por
outro lado, a dominação costuma apoiar-se internamente em bases jurídicas, nas quais se funda a
sua ‘legitimidade’, e o abalo dessa crença na legitimidade costuma acarretar consequências da
grande alcanço” (...). Max Weber. Os três tipos puros... cit., p. 128.
160

.Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-)Direito... cit., p. 70.


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161

.Idem, ibidem.
162

.Giorgio Agamben. O reino e a glória: uma genealogia teológica da economia e do governo. Trad.
Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 9.
163

.Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-)Direito... cit., p. 71.


164

.Walter Benjamin. Para una crítica de la violencia. Trad. Héctor A. Murena. Buenos Aires: Editorial
Leviatán, 1995. p. 46.
165

.Jacques Derrida. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Trad. Leyla Perrone-Moisés.


São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 72.
166

.Idem, p. 73.
167

.Idem, p. 74 e 75.


168

.René Girard. La violence et le sacré. Paris: Bernard Gasset, 1972.


169

.Idem, p. 13 e 14.


170

.Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-) Direito... cit., p. 74.


171

.Segundo Foucault: (...) uma das mais maciças transformações do direito político do século XIX
consistiu, não digo exatamente em substituir, mas em completar esse velho direito de soberania –
fazer morrer ou deixar viver – com outro direito novo, que não vai apagar o primeiro, mas vai
penetrá-lo, perpassá-lo, modificá-lo, e que vai ser um direito, ou melhor, um poder exatamente
inverso: poder de ‘fazer’ viver e de ‘deixar’ morrer (...). Michel Foucault. Aula de 17 de março de
1976. In: ______. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 287.
172

.Carl Schmitt.  Legalidade e legitimidade. Trad. Tito Lívio Cruz Romão. Belo Horizonte: Del Rey,
2007. p. 3 e 4.
173

.Lorenzo Córdova Vianello.  Derecho y poder: Kelsen y Schmitt frente a frente. México:
FCE/Unam/IIJ, 2009. p. 213-217.
174

.Idem, p. 220 e 221.


175

.Idem, p. 225.
176

.Idem, p. 226.
177

.Lorenzo Córdova Vianello. Op. cit., p. 227.

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3.11. Biopoder, biopolítica e direito

As possibilidades modernas de se exercer o biopoder ou a soberania remetem


a noções de violência cuja base fundadora é confusa. A vida, a contingência e os
perigos parecem funcionais aos interesses imperiais que permitem o
desdobramento de toda a força coercitiva do Estado e a imposição de seu
discurso, verdade e valor.178

A originalidade dessa discussão, sem sombra de dúvidas, é encontrada no


pensamento de Michel Foucault, para quem, na sociedade moderna, múltiplas
relações de poder constituem o corpo social, que se forma a partir de sua
indissociabilidade com o funcionamento de um discurso de verdade e, por mais
que isso seja real em qualquer sociedade, o autor aposta que a nossa a relação
entre poder, direito e verdade se organize de uma maneira muito particular.179

No Rio de Janeiro, em 1974, em palestra intitulada “O nascimento da medicina


social”, Foucault lançou mão, pela primeira vez, do termo biopolítica. Seu intuito
não era discutir o que de fato veio a ser a “biopolítica”, mas discutir como o
capitalismo teria acarretado uma socialização do corpo, e, não como poderia se
pensar, uma privatização da medicina.

Ao se ampliar o contexto da palavra biopolítica para biopoder, surge uma


interessante diferenciação entre o biopoder e poder de soberania ao qual ele
sucede historicamente, insistindo, sobretudo, na relação distinta que é mantida
entre este com a vida e a morte, pois enquanto o último faz morrer e deixa viver, o
biopoder faz viver e deixa morrer.180

O conceito de biopoder é extremamente significante para situarmos nossa


proposta. A noção do “fazer viver” de Foucault – característica do biopoder –
reveste-se de suas formas principais, a saber, a disciplina e a biopolítica. A
explicação delas é bem acertada na proposta de Pelbart que indica a importância
de sua diferenciação.

A ideia de disciplina foi primeiramente analisada por Foucault já na obra Vigiar


e punir, e pode ser encontrada no século XVII, surgindo nas escolas, hospitais,
fábricas etc., resultando no processo de docilização e disciplinarização do corpo.
Com o adestramento do corpo, a otimização de suas forças e sua integração em
sistemas de controle, as disciplinas o concebem como uma máquina ou um corpo-
máquina, sujeito, assim, a uma anátomo-política. Já a biopolítica, enquanto
segunda forma, surgiu no século XVIII e mobiliza outra meta estratégica que seria
a gestão da vida incidindo já não sobre os indivíduos, mas sobre a população
enquanto população, enquanto espécie, não se centrando mais somente no corpo-
máquina, mas no corpo-espécie, algo como o corpo atravessado pela mecânica do
vivente, os nascimentos e a mortalidade, a proliferação, a saúde e longevidade.181

Essa tese foucaultiana tem um forte apelo, ou, ao menos, pode-se buscar antes
dela para a discussão do tema em tom de apoio reflexivo, a proposta nietzschiana
que analisa a tarefa colossal da época moderna, cujo caráter predominante é o

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técnico-científico, de fazer o homem utilizável e aproximá-lo o quanto for possível


de uma máquina infalível.182

Tal tema é recorrente e extremamente atual, pois, hodiernamente, as


discussões de manipulações genéticas sobre o corpo humano – a moderna
fabricação de corpos –, seja corpo-máquina, mas, em especial, corpo-espécie,
referem-se especificamente à inevitabilidade das relações de poder, principalmente
na inevitabilidade de se assumir a tarefa do domesticador ou mesmo do criador
seletivo por amansamento e domesticação.183

O resultado aparente desse processo pode ser pensado pelo acontecimento


das atuais pesquisas biotécnicas com embriões e genoma,184 sendo evidente que
o biopoder, nessa faceta, passa a incluir em sua forma de “produções de homens”
a tarefa da intervenção eugênica.

Todo esse processo centra no corpo um objeto disponível à apropriação da


curiosidade científica e que tem como delimitador organizacional o direito, em
especial no ponto em que hoje está centrado em discutir a temática dos direitos
humanos.

Roberto Esposito verifica que esse é precisamente o objeto da biopolítica, ao


afirmar que qualquer perspectiva que se tome – que vá além da linguagem
comum –, no ambiente da discussão da biopolítica, envolve o direito e a política,
arrastando-os para uma dimensão que está fora de seus aparatos conceituais
tradicionais. Esse algo seria exatamente o objetivo da biopolítica.185

A ideia de uma teoria política do direito está aí, na indissociabilidade da política


e do direito que, na reflexividade filosófica, são arrastados para fomentar a
discussão sobre conjecturas de novas formas jurídicas, ou melhor, jurídico-
políticas.

O estreitamento dessa via é encontrado na relação atual entre o direito e a


violência.

178

.Cf. Maximiliano E. Korstange,  Sobre la violencia: seis reflexiones marginales en respuesta a S.


Zizek, Nómadas, Revista Crítica de Ciencias Socieales y Jurídicas, n. 30, 2.2011.
179

.Segundo o autor, “en una sociedad como la nuestra [...] múltiples relaciones de poder atraviesan,
caracterizan, constituyen el cuerpo social; no pueden disociarse, ni establecerse, ni funcionar sin
una producción, una acumulación, una circulación, un funcionamiento del discurso verdadero. No
hay ejercicio de poder sin cierta economía de los discursos de verdad que funcionan en, a partir y
a través de ese poder. El poder nos somete a la producción de la verdad y sólo podemos ejercer el
poder por la producción de la verdad. Eso es válido en cualquier sociedad, pero creo que en la
nuestra esa relación entre poder, derecho y verdad se organiza de una manera muy particular”.
Michel Foucault. Defender la sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2001, p. 34.
180

.A ampliação do termo biopolítica num contexto mais amplo acontece, como indica Peter Pál
Pelbert, dois anos depois, em que se pode reencontrar a mesma expressão tanto no último
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capítulo de A vontade de saber, intitulado “Direito de morte e poder sobre a vida”, publicado em
1976, como na aula ministrada no Collège de France em março do mesmo ano, publicada
posteriormente como  Em defesa da sociedade. Cf. Peter Pál Pelbart,  Vida capital: ensaios de
biopolítica, São Paulo: Iluminuras, 2009, p. 55.
181

.Peter Pál Pelbart, Vida capital, cit., p. 57.


182

.Segundo Oswaldo Giacoia Junior, “esse sentido metafórico do corpo-mente-máquina constitui, a


meu ver, uma das mais produtivas chaves interpretativas para compreender o sentido mais
autêntico da problemática tese nietzscheana, de acordo com a qual, a despeito do irresistível
predomínio do ideal democrático, a escravização permanece incrustada no seio da civilização
moderna, como o abutre a dilacerar o fígado de prometeu”. Oswaldo Giacoia Junior.  Sonhos e
pesadelos da razão esclarecida: Nietzsche e a modernidade, Passo Fundo: PUF, 2005, p. 189-190.
Não é à toa que Foucault, no quadro geral da biopolítica e do biopoder, renova a reflexão sobre o
racismo.
183

.Num perfil filosófico extremamente interessante, sobre o tema, cf. Hans Blumemberg. “Imitação da
natureza”: contribuição à pré-história da ideia do homem criador In:  Mímesise a reflexão
contemporânea, Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010, p. 87-189.
184

.Sobre o assunto, é interessante para a discussão a análise de Habermas. Cf. Jürgen


Habermas. O futuro da natureza humana: a caminho de uma Eugenia liberal? São Paulo: Martins
Fontes, 2004, p. 84-91.
185

.Roberto Esposito. Bíos: biopolitcs and philosophy, cit., p. 14.

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3.12. Direitos do Homem, Nação e Cidadania: para uma introdução crítica


aos Direitos Humanos

No século XX, verifica-se a crise permanente daquilo que foi a configuração do


Estado-nação. As conjunturas históricas, a precariedade, e mesmo a diletância e
abstração da noção de direitos dos homens rompeu com o vínculo entre homem e
cidadão.

Exemplo característico dessa situação são os fenômenos de multiplicação de


minorias que, por meio de tratados de paz, terminam com a primeira guerra
mundial. A antiga Iugoslávia, a Tchecoslováquia, os servos e croatas, acabaram
assumindo funções da soberania política. Ocorre que tais minorias acabaram tendo
a necessidade de uma autoridade externa para assegurar seus direitos. Isso
porque passou a caber a outros segmentos étnicos dessas populações a
característica de serem minorias regidas, por sua vez, por regramentos especiais,
tutelados, no caso pela Organização das Nações Unidas.186

Esse fenômeno típico das comunidades europeias187  configurou a existência


jurídica problemática de pessoas que não eram integradas nacionalmente numa
comunidade política e, dessa forma, encontravam-se em condição precária quanto
à proteção legal e normativa.

Essa situação, em si, é paradoxal ao conceito buscado pelos modernos


Estados-nação, pois, em vez de buscar a proteção e a sinonímia entre o homem e
o cidadão, revelou nada menos do que a incapacidade de se proteger legalmente
indivíduos de origem nacional diversa.

Atualmente, a essas minorias podemos somar também os ciganos e os


apátridas, sendo que estes últimos serão objeto específico para encetar a reflexão
pretendida e cuja ocorrência maciça se deu mais nos anos que precederam a
segunda guerra mundial e se intensificaram ainda mais quando de sua ocorrência,
e mesmo após seu término.

Os apátridas representavam agrupamentos humanos que não dispunham de


nenhum estado nacional, em razão da perda da cidadania original, decorrente de
algum transtorno político ou alguma revolução. A acentuação desse fenômeno foi
agravada, sobremaneira, pela agressiva e contingente desnacionalização de
judeus, alemães, ciganos e armênios pelas autoridades nazistas num obliterado
regime de exceção que durou mais de uma década.

Hannah Arendt analisou de forma pontual esse fenômeno em seus estudos


sobre a formação dos estados totalitários e o declínio do Estado-nação,
escolhendo justamente a figura dos apátridas –  displaced persons188– como a
figura identificativa desse declínio.

Essas pessoas desnacionalizadas e desterradas demonstravam exatamente o


paradoxo do direito. A faceta dos direitos humanos e o paradoxo causado pela sua
utilização que gera a possibilidade de uma reflexão profunda, pois fica claro que
sua articulação é condicionada historicamente pelo processo técnico-científico
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configurador da sociedade burguesa como uma sociedade de massas e com ela se


escancara a condição volátil de seres humanos despossuídos das qualidades e
proteções básicas do gênero humano.

É nessa linha que Arendt discute liberdade, emancipação e soberania popular.


Segundo seu posicionamento, a verdadeira liberdade, emancipação e soberania
popular só poderiam ser alcançadas por meio de uma completa emancipação
nacional, e os povos privados do seu próprio governo nacional se encontrariam na
paradoxal situação de ficarem sem a possibilidade de usufruir de seus
direitos.189  “Os Direitos do Homem, afinal, haviam sido definidos como
“inalienáveis” porque se supunha serem independentes de todos os governos; mas
sucedia que, no momento em que seres humanos deixavam de ter um governo
próprio, não restava nenhuma autoridade para protegê-los e nenhuma instituição
disposta a garanti-los.”190

A questão é que essas pessoas estavam desprovidas de um estatuto político


definido, desprovidos da proteção de comunidades jurídico-políticas nacionais e
ainda privados dos chamados direitos humanos universais. Tal situação,
evidentemente, revela as raízes históricas deficitárias dos direitos humanos em
relação ao seu conteúdo e efetividade.

Essas manifestações claras de ineficácia dos direitos humanos, integradas na


crescente implicação da vida natural do homem nos mecanismos e cálculos do
poder, têm como marco inicial justamente as declarações de direitos.

Precisamente, os direitos – sejam individuais, sejam coletivos – presumem um


direito fundamental ao qual estão ligados, a saber, a cidadania, que, conforme
expusemos, em sua primazia, emergiu sob a forma negativa da perda de uma
comunidade política por refugiados e apátridas.

Esse não pertencimento identifica a falácia do que foi conclamado como direitos
humanos. As temáticas despatriamento e naturalização guardavam uma relação
inversamente proporcional. O fenômeno da naturalização acabava estabelecendo
nessa época uma condição de privação de certos direitos civis, o que não tornava
distante as pessoas da condição de apátridas. “[...] É difícil saber o que ocorreu
primeiro, se a relutância dos Estados nações em naturalizar os refugiados (com a
chegada destes, a prática de naturalização tornou-se cada vez mais limitada e a
prática da desnaturalização cada vez mais comum), ou a relutância dos refugiados
em aceitar outra cidadania. Em países com populações minoritárias, como a
Polônia, os refugiados russos e ucranianos tinham uma clara tendência de se
incorporarem às minorias russa e ucraniana sem, contudo, exigirem cidadania
polonesa”.191

Fica claro que os apátridas representam a figura prototípica – juntamente com


os demais que na condição como a deles se encontravam, como as minorias
étnicas – do abandonado, do sintagma paradoxal incluído/excluído.

Isso é reforçado, pois a própria condição de criminoso era melhor que a de um


apátrida, já que, nessa condição, é que se tornava possível a recuperação de certa
igualdade humana.

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Quando um apátrida cometia um crime, passava a ser tratado como um


criminoso qualquer, passando a possuir direito ao devido processo legal e, até
mesmo de reclamar contra abusos que pudesse sofrer na prisão, ou seja, “só como
transgressor da lei pode o apátrida ser protegido pela lei”.192 “[...] O mesmo homem
que ontem estava na prisão devido à sua mera presença no mundo, que não tinha
quaisquer direitos e vivia sob ameaça de deportação, ou era enviado sem sentença
e sem julgamento para algum tipo de internação por haver tentado trabalhar e
ganhar a vida, pode tornar-se quase um cidadão completo graças a um pequeno
roubo. Mesmo que não tenha um vintém, pode agora conseguir advogado, queixar-
se contra os carcereiros e ser ouvido com respeito. Já não é o refugo da terra: é
suficientemente importante para ser informado de todos os detalhes da lei sob a
qual será julgado. Ele torna-se pessoa respeitável”.193

Além dessa forma, Arendt afirma que outro modo, menos seguro e muito mais
difícil, de passar de anomalia não reconhecida à posição de exceção reconhecida
seria se destacar como gênio, pois, assim como a lei só conhece uma diferença
entre seres humanos: a diferença entre o não criminoso normal e o criminoso
anômalo, também a sociedade, conformista, reconhece apenas uma fora de
individualismo determinado, o gênio.194

O gênio, na sociedade burguesa europeia, era algo que permanecia além das
leis humanas, uma espécie de monstro cuja principal função social fosse criar
excitamento e de nada importava se fosse um fora da lei. Assim, “A perda da
cidadania privava não apenas a pessoa de proteção, mas também de qualquer
identidade e seu problema só estava resolvido quando conseguia aquele grau de
distinção que separa o homem da multidão gigantesca e anônima. Somente a fama
podia vir a atender a repetida queixa dos refugiados de todas as camadas sociais
de que “ninguém aqui sabe quem eu sou”; e a verdade é que as chances de um
refugiado famoso aumentam, da mesma forma que um cachorro perdido com
pedigree sobrevive mais facilmente que um outro cachorro perdido, que é apenas
um cão como os demais.”195

Os apátridas são o ponto de partida na contemporaneidade da situação


paradoxal de abandonado, lógica constitutiva das relações humanas desde os
grupos gentílicos. Ocorre que o hiato paradoxal da figura do abandonado no século
XX pode ser ainda mais aprofundada, atingindo facetas mais profundas no
desnudamento da vida e dos absurdos, escancarando, ainda mais, o déficit entre a
noção dos direitos humanos e a sua realização, evidenciando, com mais força,
como, na modernidade, que o direito e a política têm a vida como campo de
incidência. Sobre isso de dedica o tópico seguinte.

3.12.1. A experiência do holocausto e a dignidade da pessoa humana

Nas pistas de Hannah Arendt, o filósofo italiano Giorgio Agamben afirma que
historicamente todo princípio da soberania reside essencialmente na Nação, de
modo que nenhum corpo ou indivíduo pode exercer uma autoridade que não
emane expressamente da Nação. E é pelas declarações de direitos que devem ser
vistas como o ponto de passagem e forma clássica de soberania de origem divina
à nova figura histórica da soberania que corresponde à figura dos modernos
estados democráticos de direito.196
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Essa dimensão da politização da vida é tão profunda que uma das teses
principais em que aposta é exatamente a de que  “o campo, e não a cidade, é o
paradigma biopolítico do Ocidente”.197

A experiência dos campos de concentração é avassaladora, superando o


conceito de crime de tal forma e com tamanha proporção que a própria estrutura
jurídico-política na qual eles se produziram parece ser desconsiderada atualmente.
Uma espécie de não dito.

Os campos de concentração foram os lugares onde se realizou, nos dizeres de


Agamben, a mais absoluta  conditio inhumana198  de que se tem conhecimento
sobre a terra, sendo isso o que vale tanto para as vítimas como para a posteridade.

Indagar sobre qual a estrutura político-jurídica dos campos, porque esses


eventos lá aconteceram, é uma proposta ao mesmo tempo descritiva de nosso
tempo, mas também identificativa de nossas próprias vidas.

Na obra  O que resta de Auschwitz, considerada como ocupante de um lugar


intermediário e singular de sua vasta publicação, Agamben retoma a problemática
de Homo sacer I e de Mezzi senza fine, em particular na distinção entre vida nua
(zoé) e forma de vida (bios), que vem desde a distinção proposta por Aristóteles
até a transformação na época moderna, da noção de política em biopolítica.

Os campos de concentração, neste livro, são revelados na figura identificativa


de Auschwitz como a prova sempre viva de que o  nomos  (lei, norma) do espaço
político contemporâneo, dessa forma, portanto, não só do espaço político do
regime nazista, não é mais a idealizada construção da cidade comum (pólis), mas,
sim, o campo de concentração.199

A experiência é a de que nos campos de concentração se apresenta uma


devastadora ausência de normas, tanto rígida quanto aleatória.

O problema dos campos é exatamente o nosso problema, pois, como bem


alertou Adorno, a repetição desse fato é uma possibilidade que está
profundamente imbricada em nossa própria condição moderna, de racionalização
dos gestos, neutralização dos julgamentos morais e éticos e de burocratização das
decisões, aliado, ainda, à centralização cada vez maior do poder nas mãos do
Estado.200

Adorno inicia seu texto seminal  A educação após Auschwitz  com a ideia da
exigência de que Auschwitz não se repita como a primeira de todas para a
educação. Adverte, ainda, que o fato de não conseguir entender como este fato até
hoje teve tão pouca atenção e que a pouca consciência existente em relação a
essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não
calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita
no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas.
Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e
importância frente à Auschwitz.201

Adorno está anunciando que a barbárie continuará existindo enquanto


persistirem no que têm de fundamental as condições que geram essa regressão à
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Auschwitz. O pavor vem justamente disso, pois, apesar da não visibilidade atual
dos infortúnios, a pressão social continua se impondo, impelindo as pessoas em
direção ao que é indescritível e que, nos termos da história mundial, culminaria em
Auschwitz, fazendo com que o autor retome a Freud, que identificou de forma
perspicaz que a própria civilização, por seu turno, origina e fortalece
progressivamente o que é anticivilizatório.202

Em  O que é isto um homem?, Primo Levi imprime a ideia do testemunho e


deixa muito claro como há na experiência dos campos de concentração um
completo esvaziamento da própria condição humana, melhor dizendo, da
dignidade humana. Este autor demonstra como, aos poucos, surge a ideia de uma
outra ética, a de transmitir algo que pretende ao sofrimento humano, mas cujo
nome é desconhecido. Algo que implode as definições de dignidade humana e sua
coerência discursiva.

A realidade dos campos de concentração, como bem observa Jean Améry,


triunfou sobre a própria noção de morte, de tal forma que seu extremo se
apresentava na figura do Muselman, o prisioneiro que havia abandonado qualquer
esperança e que havia sido abandonado pelos companheiros, sem qualquer
discernimento entre bem e mal, espiritualidade e não espiritualidade, algo como um
cadáver ambulante que deve ser excluído de consideração.203

Sobre a definição originária do termo Muselman há várias opiniões discordantes


e até mesmo se encontram em outros campos nomes identificativos para a figura
do  Muselman, mas, indiferentemente disso, a dimensão real que este ser se
encontrava era a de uma “situação extrema” e, nessa situação, estava em jogo
continuar sendo ou não um ser humano, de tal forma que no muçulmano se
marcava de algum modo o umbral em que o homem passava a ser não homem e o
diagnóstico clínico passava a ser a análise antropológica, razão pela qual esse
ambiente extremo entre a vida e a morte, o humano e o inumano tem um forte
sentido político, a saber, a de que o muçulmano encarna o significado
antropológico do poder absoluto de forma radical.204

A ideia de “situação extrema” ou “situação limite”, termo usado de forma


frequente entre filósofos e teólogos, pode desempenhar função semelhante a que
em alguns juristas corresponde ao estado de exceção. Como o estado de exceção
permite fundar e definir a validez do ordenamento jurídico normal, também é
possível diante da “situação extrema” – que nada mais é que uma espécie de
exceção – julgar e decidir sobre a situação normal.

A trágica situação do campo de concentração revela-se de forma introspectiva


na perífrase de que se serve Levi de que o muçulmano é aquele que viu a
Górgona.

Na mitologia grega, a Górgona representa o que não tem rosto –  prósopon –


tendo serpentes em lugar de cabelos, dentes enormes, uma língua protuberante e
um rosto tão feio que todos os que a fitavam petrificavam-se de horror. O mito
conta que, quando ajudado por Atenas, Perseu foi levado até a cidade de Dictérion
em Samos, onde estavam apresentadas as estátuas das três górgonas. Durante a
viagem, que o capacitou de distinguir Medusa de suas irmãs mortais, foi advertido
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por Atenas para que nunca olhasse diretamente para a Medusa, somente para o
seu reflexo. Ao mesmo tempo que o advertia, Atenas presenteou Perseu com um
escudo brilhantemente polido.205

A noção de petrificação por horror e a relação com a figura do muçulmano


como aquele que viu a Górgona não é algo simples, pois ver a Górgona equivale a
uma impossibilidade de ver, de tal forma que a Górgona não nomeia algo que está
ou acontece no campo, ela designa, na realidade, a impossibilidade de ver de
quem está no campo, de quem chegou tão fundo que se tornou um não homem, “o
muçulmano não viu nem conheceu nada – senão a impossibilidade de conhecer e
de ver”.206

O desafio, o que permanece em jogo na situação extrema é a possibilidade de


se continuar ou não um ser humano, tornar-se ou não um muçulmano, em outras
palavras, pensando sobre isso em termos morais, conseguir conservar dignidade e
respeito de si.

Bruno Bettelheim, discutindo as condições do homem na moderna sociedade


de massa e a impacto psicológico das tendências totalitárias, lança uma pergunta –
indicada em sua obra  O coração informado – que é significativa para a
continuidade de nossa análise: “No campo de concentração, embora alguns presos
sobrevivessem e outros fossem mortos, uma porcentagem considerável
simplesmente morria. Por quê?”.207

Em sua análise, o que se passava no campo de concentração indica que, sob


condições de privação como as que lá ocorriam, a influência do ambiente sobre o
indivíduo pode ser total. Nesse ponto de seu livro, Bettelheim fala
dos Muselmänner como cadáveres ambulantes.

Nas linhas de Bettelheim, o muçulmano seria aquele que abriu mão da margem
irrenunciável de liberdade e que extraviou de si qualquer traço de vida afetiva e de
humanidade, ele ultrapassou algo que o autor parece considerar como “ponto sem
retorno”, por mais humilhado e massacrado, para manter-se ser humano, era antes
de tudo importante manter-se informado e ciente de qual era seu ponto sem
retorno.208  O muçulmano “é a refutação radical de qualquer possível refutação, a
destruição desses últimos baluartes metafísicos que continuam de pé por poderem
ser provados diretamente, mas unicamente negando a sua negação.”209

Nessa dimensão entra também a relação entre o direito e o conceito de


responsabilidade. A responsabilidade é plenamente concebida num ambiente de
juridicidade e tentar utilizá-la fora do âmbito jurídico é algo quase impraticado, haja
vista como a ética, a política e mesmo a religião puderam se definir unicamente ao
roubarem terreno à responsabilidade jurídica, “não, porém, para assumirem
responsabilidades de outro tipo, mas sim ampliando zona de não
responsabilidade”.210

Por fim, há ainda um último conceito jurídico que toda a experiência do campo,
como paradigma biopolítico moderno, nos atine à reflexão e que enreda o sentido
final de nossa abordagem: a noção de dignidade.

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O conceito de dignidade tem origem jurídica e a proposta de uma verdadeira


teoria da dignidade jurídica deve-se aos juristas e aos canonistas medievais.

Na já referida obra de Kantorowicz, Os dois corpos do rei, verificamos como o


autor demonstra a ciência jurídica vinculada estritamente à teologia com o intuito
de apresentar um dos pilares da teoria da soberania e o caráter perpétuo do poder
político, e forma que a dignidade emancipa-se de seu portador e converte-se em
pessoa fictícia, um corpo místico que se põe junto do corpo real do magistrado ou
imperador, tal como em Cristo a pessoa divina duplica seu corpo humano,
interpretação esta que os juristas medievais lançaram a ideia de que a dignidade
nunca morre e que revela no duplo funeral do imperador romano e depois, no dos
reis franceses, a imagem de cera do soberano morto representava a sua
dignidade.

No capítulo “O rei que nunca morre”, na parte denominada Dignitas non moritur,


Kantorowicz mostra que a continuidade dinástica se associa ao caráter corporativo
da coroa em conjunto com a imortalidade da dignidade real. A coroa é como um
corpo coletivo do reino associada à dignidade, que também é de natureza pública e
não meramente privada.211

Para demonstrar a simbologia, o autor invoca Macbeth, de Shakespeare,


evidenciando que a dignidade nunca morre, sendo percebida na procissão de
fantasmas de reis predecessores de Macbeth, o que demonstra, ainda, a
preservação da noção de dignidade nas esfinges das moedas em circulação como
poderoso elemento simbólico da continuidade monástica.212

Esse modelo foi utilizado pelos canonistas medievais e interiorizado nos


tratados de moral.

As fórmulas geradas desse núcleo da dignidade revelam, então, a utilização da


dignidade como conceito jurídico a pertencer a uma pessoa, ou não, sendo assim,
os nazistas, após a lei marcial, com referência à condição jurídica dos judeus,
entendem-nos como homens privados de qualquer dignidade. É explícito que os
campos de concentração marcam o fim e a ruína de qualquer ética da dignidade e
da adequação a uma norma, que faz surgir, de forma extrema, uma situação entre
a vida e a morte: condição clara do Muselman – uma verdadeira banalização geral
da existência humana.

Esse núcleo é que motivou sobremaneira o desenvolvimento do


constitucionalismo no pós-guerra e está retratado neste livro em partes no capítulo
7 e em parte no capítulo 10.

186

.Oswaldo Giacoia Junior.  Sobre direitos humanos na era da bio-política. In: Kriterion, Belo
Horizonte, n. 118, Dez./2008, p. 278.
187

.Cf. sobre o assunto, envolvendo análise de pesquisadores europeus de situações na Alemanha,


Noruega, Irlanda do Norte, Grécia, Inglaterra e outros países, David Turton; Julia
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Gonzales.  Identidades culturales y minorías etnicas en Europa, Bilbao: Universidad de Deusto,


2001.
188

.Segundo Arendt: “até a terminologia aplicada ao apátrida deteriorou-se. A expressão “povos sem
Estado” pelo menos reconhecia o fato de que essas pessoas haviam perdido a proteção do seu
governo e tinham necessidade de acordos internacionais que salvaguardassem a sua condição
legal. A expressão displaced persons [pessoas deslocadas] foi inventada durante a guerra com a
utilidade única de liquidar o problema dos apátridas de uma vez por todas, por meio do simplório
expediente de ignorar a sua existência. O não reconhecimento de que uma pessoa pudesse ser
“sem Estado” levava as autoridades, quaisquer que fossem, à tentativa de repatriá-la, isto é, de
deportá-la para o seu país origem, mesmo que este se recusasse a reconhecer o repatriado em
perspectiva como cidadão ou, pelo contrário, desejasse o seu retorno apenas para puni-lo. Como
os países não totalitários, a despeito do clima de guerra, geralmente têm evitado repatriações em
massa, o número de pessoas sem Estado era substancialmente elevado — ainda doze anos após
o fim da guerra. A decisão dos estadistas de resolver o problema do apátrida ignorando-o é
revelada ainda pela falta de quaisquer estatísticas dignas de confiança sobre o assunto. Contudo,
sabe-se pelo menos que, enquanto existia 1 milhão de apátridas.” Hannah Arendt. O declínio do
estado nação e o fim dos direitos do homem. In:  Origens do totalitarismo: anti-semitismo,
imperialismo e totalitarismo. Trad. Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 1989,
p. 313.
189

.Hannah Arendt. Origens do totalitarismo, cit., p. 305.


190

.Idem, p. 325.
191

.Idem, p. 306.
192

.Idem, p. 320.
193

.Idem, ibidem.
194

.Hannah Arendt. Origens do totalitarismo, cit., p. 321.


195

.Idem, ibidem.
196

.Giorgio Agamben. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I, cit., p. 134-135.


197

.Idem, p. 176.
198

.Giorgio Agamben. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I, cit., p. 162.


199

.A análise sobre os campos de concentração tem várias vertentes, em especial na dimensão da


filosofia estética. Para evitar delongas desnecessárias e impor o que se busca com sua reflexão,
no caso, a figura do  Muselman, sugerimos a leitura do texto  Após Auschwitz  de Jeanne Marie
Gagnebin. Cf. Jean Marie Gagnebin. Lembrar, escrever, esquecer, São Paulo: Ed. 34, 2006, cap.
5, p. 59-82.
200

.Theodor Adorno, Educação após Auschwitz. In: Palavras e Sinais, Petrópolis: Vozes, 1995.
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201

.Idem, p. 104.
202

.Idem, 105. A referência de Adorno seria a duas obras de Freud, a saber,  O mal-estar na
civilização e Psicologia de grupo e a análise do ego.
203

.Jean Améry,  At the mind’s limits: contemplations by a survivor on Auschwitz and its realities,
Bloomington: Indiana University Press, 1980, p. 18-19.
204

.Giorgio Agamben. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha, Trad. Selvino Assman,
São Paulo: Boitempo, 2008, p. 55.
205

.Robert Graves. O grande livro dos mitos gregos, São Paulo: Ediouro, 2008. p. 285.
206

.Giorgio Agamben. O que resta de Auscwhitz, cit., p. 61.


207

.Bruno Bettelheim. O coração informado: autonomia na era da massificação, Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985, p. 117.
208

.Idem, p. 127.
209

.Giorgio Agamben. O que resta de Auschwitz, cit., p. 72-73.


210

.Idem, p. 30.
211

.Afirma o autor: “A perpetuidade dos direitos soberanos do corpo político integral, do qual o rei era
a cabeça, era entendida como situada na Coroa, por vaga que possa ter sido essa noção, sem a
qual ficariam quase incompreensíveis as especulações em torno de “dois corpos” de um rei: a
Dignitas”. Ernst Kantorowicz. Os dois corpos do rei, cit., p. 233.
212

.Idem, p. 235.

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3.13. Direito e poder

A relação do direito com o poder é indubitável e tão estreita que, muitas vezes,
é possível encontrar quem o reduza às relações de poder, tendo como
consequência a politização absoluta – tendencialmente absolutista, autoritária,
quando não, totalitária – do direito. Assim, este é degradado à condição de uma
espécie de disfarce da política, um mero instrumento do poder.

Nossa preocupação é a de se pensar uma concepção do direito como uma


forma que tenha como conteúdo o poder e dominação.

A violência, distintamente do poder, da força ou do vigor, sempre necessita de


implementos. Isso tudo se verifica na revolução da tecnologia e na revolução na
fabricação de instrumentos proporcionada pela guerra. Até a própria substância da
ação violenta é regida pela categoria meio-fim, cuja principal característica, quando
aplicada aos negócios humanos, foi sempre a de que o fim corre o perigo de ser
suplantado pelos meios que ele justifica e que são necessários para alcançá-lo.213

Ademais, o fim da ação humana, distintamente dos produtos finais da


fabricação, nunca pode ser previsto de maneira confiável, pois os meios utilizados
para atingir objetivos políticos são desmesurados, de forma que, posto que o
resultado das ações dos homens está além do controle dos atores, a violência
abriga em si mesma um elemento adicional de arbitrariedade, de tal maneira que a
guerra e sua presença na exaltação do aperfeiçoamento dos meios de destruição
físico e material humano representam “um irônico lembrete da imprevisibilidade
onipotente que encontramos no momento em que nos aproximamos do domínio da
violência”.214

Esse assombro da guerra e o irônico lembrete de Arendt, de modo interessante,


encontram uma exploração muito factível para a reflexão aqui empreendida na
conhecida troca de cartas entre Freud e Einstein conhecida pelo título  Por que a
guerra?215

Einstein escreve para Freud indicando sua constatação de que o intenso desejo
de poder, que caracteriza a classe governante em cada nação, seria hostil a
qualquer limitação de sua soberania nacional. Tal soberania possui aspirações
econômicas que consideram a guerra, a fabricação e a venda de armas como uma
oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade
pessoal. É a partir desse primeiro passo que a maioria acaba sucumbindo à
vontade de uma minoria, que se resigna a perder e a sofrer com uma situação de
guerra, a serviço da ambição de poucos – a ponto, até mesmo, de se sacrificarem
por estes.

A carta-resposta de Freud revela exatamente a discussão a que nos


propusemos neste trabalho. No desenvolvimento do texto de resposta à carta de
Einstein, Freud revela vicissitudes por nós perseguidas no âmbito do processo
civilizatório e que de forma categórica contribui para o esquema conclusivo de
nosso estudo.

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De plano, Freud evidencia como Einstein incitou a conversa pela relação entre
direito e poder e, aceitando o ponto de partida como correto da investigação,
sugere sua substituição pela palavra violência, pois, basicamente, conflitos de
interesse entre os homens são resolvidos pelo uso da violência.

“O senhor começou com a relação entre o direito e o poder. Não se pode


duvidar de que seja este o ponto de partida correto de nossa investigação. Mas,
permita-me substituir a palavra poder pela palavra mais nua e crua de violência?
Atualmente, direito e violência se nos afiguram como antíteses. No entanto, é fácil
mostrar que uma se desenvolveu da outra e, se nos reportarmos às origens
primeiras e examinarmos como essas coisas se passaram, resolve-se o problema
facilmente. Perdoe-me se, nessas considerações que se seguem, eu trilhar chão
familiar e comumente aceito, como se isto fosse novidade. O fio de minhas
argumentações o exige. É, pois, um princípio geral que os conflitos de interesses
entre os homens são resolvidos pelo uso da violência. [...] No início, numa pequena
horda humana, era a superioridade da força muscular que decidia quem tinha a
posse das coisas ou quem fazia prevalecer sua vontade. A força muscular logo foi
suplementada e substituída pelo uso de instrumentos: o vencedor era aquele que
tinha as melhores armas ou aquele que tinha a maior habilidade no seu manejo. A
partir do momento em que as armas foram introduzidas, a superioridade intelectual
já começou a substituir a força muscular bruta; mas o objetivo final da luta
permanecia o mesmo uma ou outra facção tinha de ser compelida a abandonar
suas pretensões ou suas objeções, por causa do dano que lhe havia sido infligido
pelo desmantelamento de sua força. Conseguia-se esse objetivo de modo mais
completo se a violência do vencedor eliminasse para sempre o adversário, ou seja,
se o matasse. Isto tinha duas vantagens: o vencido não podia restabelecer sua
oposição e o seu destino dissuadiria outros de seguirem seu exemplo. Ademais
disso, matar um inimigo satisfazia uma inclinação do instinto, que mencionarei
posteriormente”.216

A revelação de Freud indica que as relações sociais ocorrem, no início, pela


dominação por parte de qualquer um que tivesse poder maior, cumprindo com a
dominação pela violência bruta ou pela violência apoiada no intelecto, e, mesmo
esse regime tendo sido modificado no transcurso histórico com a interferência do
direito na resolução dos conflitos, houve desde sempre um caminho que se
estendeu da violência ao direito ou à lei.

Por mais que o reconhecimento do fato de que a força superior de um único


indivíduo poderia contrapor-se à união de diversos indivíduos fracos, dando o
conhecido jargão “a união faz a força”, fazendo valer a força de uma comunidade,
mesmo assim, ela ainda é violência pronta para ser utilizada contra qualquer um
que lhe afronte os objetivos, configurando-se nada mais, nada menos, do que a
transição da violência de um indivíduo para a violência de uma comunidade,
havendo um elemento psicológico inscrito nessa nova noção de direito e justiça
que seria transposto num jogo infinito, pois a pessoa, a seguir, que se julgasse
superior em força, haveria de mais uma vez tentar estabelecer o domínio através
da violência.

A comunidade, ao dever se manter permanentemente organizada, antecipando-


se ao risco de rebelião, fazendo reinar o respeito às leis e superintender a
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execução dos atos legais da violência, fez com que surgissem vínculos emocionais
entre os membros, verificando-se com isso “a violência suplantada pela
transferência do poder a uma unidade maior, que se mantém unida por laços
emocionais entre os seus membros”.217

Nesse esquema, cada indivíduo deve abrir mão de sua liberdade pessoal de
utilizar a sua força para fins violentos e qualquer noção de equilíbrio nessa
perspectiva não passa de teoria, pois, na realidade, a situação complica-se pelo
fato de que, desde os seus primórdios, a comunidade abrange elementos de força
desigual seus membros, sejam homens e mulheres, sejam pais e filhos, gerando,
logo em seguida, a noção em prática de vencedores e vencidos, que se
transformam em senhores e escravos.

Assim, as leis começam a ser feitas por e para membros governantes,


sobrando muito pouco espaço para os que se encontram em estado de sujeição.
No início, os detentores do poder tentam se colocar acima das proibições que
aplicam a todos, no exercício de um absolutismo soberano, de forma que tentam,
dessa forma, escapar do domínio pela lei para o domínio pela violência.

Tudo isso revela o quanto condenada ao fracasso é a tentativa de substituir a


força real pela força das ideias, advertindo Freud que estaríamos fazendo um
cálculo errado se desprezarmos o fato de que a lei, originalmente, era força bruta e
que, mesmo hoje, não pode prescindir do apoio da violência.218

A noção de um instinto de destruição e desejo de poder é muito significativa no


homem, de tal forma a se supor que estejam em atividade em qualquer criatura
viva e procura levá-la ao aniquilamento, reduzir a vida à condição original
inanimada, a ideia mesma de um instinto de morte – ressaltando que na tese
freudiana os instintos eróticos representariam a esforço de viver – como instinto
destrutivo que, com o auxílio de órgãos especiais, é dirigido para fora, para
objetos, ocasionando que o organismo preserva sua própria vida, por assim dizer,
destruindo uma vida alheia.

O diálogo entre os autores se encaminha para uma resposta à pergunta


indicativa do título dado a troca de cartas em tom supranacional e com apoio na
ideia de um processo de intelectualização dos homens relacionado ao
desenvolvimento histórico.

Indiferentemente de se aceitar isso como resposta ou não, Hannah Arendt


enfrenta a questão posta afirmando que a principal razão de a guerra ainda estar
entre os homens não seria um secreto desejo de morte da espécie humana, nem
um instinto irreprimível de agressão ou mesmo os perigos econômicos e sociais
inerentes ao desarmamento, mas o simples fato de que nenhum substituto para
esse arbítrio, único nos negócios internacionais, surgiu na cena política, e sequer
sendo provável que um substituto venha a aparecer enquanto estiverem
identificadas a independência nacional, em outras palavras, o estar livre da
dominação estrangeira, e a soberania do Estado, isto é, a reinvindicação de um
poder ilimitado e irrestrito.219

 
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213

.Hannah Arendt. Sobre a violência, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 18.


214

.Idem, p. 19.
215

.Albert Einstein; Sigmund Freud.  Um diálogo entre Einstein e Freud:  por que a guerra?,  Santa
Maria: Fadisma, 2005.
216

.Albert Einstein; Sigmund Freud. Um diálogo entre Einstein e Freud: por que a guerra?, cit., p. 30.
217

.Idem, p. 32-33.
218

.Idem, p. 37.
219

.Hannah Arendt. Sobre a violência, cit., p. 20.

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3.14. Violência e racionalidade jurídica

Os caminhos propostos tradicionalmente na construção do pensamento jurídico


apontam para uma racionalidade que mantém a forma direito completamente
intocada em sua aderência à violência. Seja de forma direta, seja indireta, velhas
ou novas formas jurídicas, todas mantêm-se atreladas a uma não  deposição  do
direito, todas desembocam num contrato de direito.

O retorno ao estudo das vias tradicionais que fundamentam o mote da história


do pensamento jurídico, classicamente, representado na confrontação entre o
jusnaturalismo e o positivismo jurídico, ao tempo em que serve de suporte
essencial para se entender o direito tido hoje, também fornece o substrato para a
averiguação do que alguns, de modo esforçado, chamam de uma “terceira
via”,220 projetada entre ou para além do tradicional confronto do jusnaturalismo com
o positivismo jurídico, e que ganha identificação como pós-positivismo,
antipositivismo ou qualquer outra pretensão para além do positivismo jurídico.

Essas novas propostas, que se denominam como desafiadoras ao positivismo


jurídico, todas também estão atreladas a uma categorização jurídica, por mais que
lidam com novas vertentes filosóficas, imbuídas de um estudo pós-metafísico, ao
se atrelarem à teoria da decisão e sua forma jurídica continuam, em alguma
medida, não  depondo  o direito e não atingindo a raiz em que está posta o
problema da racionalidade jurídica atualmente: a necessidade de uma categoria
pressuposicional do direito.

Da mesma forma, outras possibilidades de pensar o direito no mesmo contexto,


mas que não tomam o desafio ao positivismo como ponto central, como o que tem
sido proposto por alguns como uma retomada jusnaturalista revelada em alguns
estudos que colocam destaque no conceito de direitos humanos – e mesmo as
retomadas realistas e o estudo da positivação do direito a partir de decisão
jurídica – todas compactuam com o mesmo esquema de uma manutenção da
forma direito que é construída na perspectiva de uma racionalidade jurídica
atrelada à violência.

Mesmo no confronto, muitas vezes confuso, entre uma retomada do positivismo


e do jusnaturalismo, independentemente de a quem for dada a tônica principal,
atualmente não se tem conseguido superar o problema posto pela relação entre o
direito e a política. Todas as tentativas de pensar novas formas jurídicas nessa
estandardização do direito são fadadas ao insucesso, pois encontram em sua
estrutura a sua própria fatalidade. O anúncio de um resgate das formas jurídicas e
a proposta de novas forma é bastante plausível, mas a sua prática um desastre.

Um outro acesso à polêmica desse insucesso, entretanto, parece-nos possível.


O ponto fulcral que marca essa possibilidade é justamente aquele que aparece
impensado no horizonte político ocidental, aquilo que exatamente possibilita a
existência de algo como a política (algo como a polis): a exceção.

A constituição política ocidental é fundada sobre um espaço vazio, anômico, no


qual qualquer teorização não faz mais do que o recobrir, um recobrimento
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incessante que revela a aguda crise em que o estudo das formas políticas e
jurídicas estão arremetidas.

O intuito inicial deste estudo, que pretende romper com o paradoxo anunciado,
tem como ponto de partida o estudo da figuração do problema do poder e sua
deslocação prototípica – que vá do poder soberania ao poder governo –, não
simplesmente como domínio, mas como gestão. O entroncamento em que se
encontra o poder tem laço direito com os problemas do direito, residindo aí o objeto
inicial da proposta deste estudo que pretende retomar a discussão desse problema
no diálogo entre dois grandes autores do século XX – Carl Schmitt e Walter
Benjamin (o que nos remeterá por sua vez, previamente, à discussão sobre a
soberania entre Carl Schmitt e Hans Kelsen e, posteriormente, entre Carl Schmitt e
Jakob Taubes).

O autor que fornece o palco para a construção dessa reflexão inicial é Giorgio
Agamben, que, em seu livro  Estado de Exceção, dedica um capítulo ao
confrontamento dos autores e que foi por ele denominado como Lutas de Gigantes
acerca de um Vazio. O capítulo trata sobre o debate de Walter Benjamin e Carl
Schmitt sobre o estado de exceção e seu dilema, compondo o autor a ideia de
tentar ler a teoria da soberania de Carl Schmitt como uma resposta à crítica
benjaminiana da violência no seu afamado Crítica da violência: crítica do poder.221

O dilema da exceção é fundante, pois coloca em confronto a racionalidade do


direito que ao estipular regras de conduta vê-se confrontada pela dimensão da
possibilidade da exceção. Esse é o campo em que se situam propriamente as
relações entre direito e política, uma vez que o que compõe a exceção só pode ser
uma positividade exterior à norma em cotejo com o ordenamento jurídico
identificado como um sistema lógico de normas jurídicas. Regra e exceção são
conceitos que no sentido prático evocam uma dimensão paradoxal que é revestida
no trato de teoria do direito amplamente, ganhando o conceito de exceção uma
gama semântica de enunciados.

Os institutos jurídicos que temos e que são compostos diretamente pelo signo
da exceção, como o estado de defesa ou intervenção federal e estado de sítio,
revelam a dificuldade de se ter clara e objetivada a vigência normal da ordem
jurídica e as condições extraordinárias possíveis de sua realização, em outras
palavras, os acontecimentos que geram e condicionam a suspensão legítima da
ordem jurídica. Por trás dessa complexa situação paradoxal estão as relações
entre validade, eficácia, vigência, legalidade, legitimidade e facticidade o que, dito
de outro modo, também pode ser representado na relação entre o direito e a
violência (força) e a própria instituição de uma ordem estatal (jurídica), pois com a
exceção o direito revela que é constituído por uma dimensão paradoxal aberta para
um espaço tanto interno quanto externo à lei e ao ordenamento.

Desse modo, a exceção representa a acepção moderna de soberania e revela


a dimensão constitutiva em que se encontram Direito e Estado. A decisão
excepcional tem em si uma dimensão política (soberana), pois alguém terá que ter
legitimidade para decidir a suspensão da constituição e de suas garantias. No
momento em que isso ocorre, a própria decisão tem que se manter no âmbito das
condições necessárias para a aplicação da ordem jurídica aos casos não
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excepcionais (normais), ficando dependente sempre a uma remissão ao direito. O


controle de uma situação de incontrolabilidade (exceção) é jurídico e ao mesmo
tempo constitutivo do próprio direito.

Tudo isso nos remete à questão sobre o sentido constitutivo de uma ordem
jurídica: o poder constituinte, seja em sua forma originária, seja em sua forma
derivada. Esse é, em si, o tema da questão jurídica da revolução.

Lançadas essas premissas iniciais, os elementos que irão compor a base


investigativa quedam delimitados: investigar a exceção como categoria
constituidora e configuradora da racionalidade jurídica; entender como a questão
da exceção explicita propriamente a moderna soberania; expor realmente os
problemas das relações entre direito e política; recolocar a questão jurídica da
revolução; repensar o mitologema da soberania e construir uma crítica à forma
direito a partir de sua deposição (profanação).

3.14.1. O Antagonismo entre Kelsen e Schmitt

Em seu livro Homo Sacer I, Giorgio Agamben chama atenção para a principal


discussão jurídica posta sobre a exceção como estrutura da soberania. O confronto
doutrinário entre a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen e a Teologia Política  de
Carl Schmitt.

Se a exceção é a estrutura da soberania, a soberania não é, então, nem um


conceito exclusivamente político, nem uma categoria exclusivamente jurídica, nem
uma potência externa ao direito (Schmitt), nem a norma suprema do ordenamento
jurídico (Kelsen): ela é a estrutura originária na qual o direito de se refere à vida e a
inclui em si através da própria suspensão [...].222

O entrecruzamento da discussão sobre a soberania como uma potência externa


ao direito ou como representada na norma suprema do ordenamento jurídico
revela o conflito entre duas posições metodológicas da mais aclarada importância
e atualidade. Enquanto em Kelsen o positivismo jurídico se mostra como satisfeito
na noção pressuposta categorial da imputação, da norma estatal e do dever-ser,
além do descompromisso com o plano da facticidade causal – compondo um
sistema lógico de regras escalonadas hierarquicamente, num plano ideal de
perfeita consistência, coerência e completude –, em Schmitt temos a exceção que
constitui e explica o próprio direito, sendo no momento da decisão em que se
manifesta a essência do jurídico.

A indicação de Agamben é sintomática e seu adequado desenvolvimento e


compreensão nos leva a dedicarmos esforços na importância do diálogo
implacável entre Schmitt e Kelsen.

Dois textos de Kelsen são fundamentalmente relevantes para essa


investigação, são eles: O problema da soberania e a teoria do direito internacional.
Contribuição para uma doutrina pura do direito,223  publicado em 1920, e  Deus e
Estado,224 publicado no tomo II da Logos (Internationale Zeitschrift für Philosophie
der Kultur) em 1922/1923.

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Logo no início do texto de Kelsen sobre o problema da soberania, este


reconhece no conceito de soberania um conceito bem difícil e controverso da
doutrina do direito público que desde sua origem passou por inúmeras
controvérsias relativas à sua definição. A pesquisa dedicada à história dogmática
da soberania mostra que desde o início o conceito de soberania é fruto de um
inadmissível sincretismo metódico. De qualquer modo, o fenômeno da soberania
somente é compreendido segundo categorias jurídicas quando posto em conexão
com o Estado e – na linha kelseniana – com o ordenamento jurídico.

Esse sincretismo, entretanto, não quer dizer que se deve afastar o conceito de
soberania da ciência jurídica, mas, ao contrário, que se deve realmente reconhecer
seu sentido de verdade. Segundo Kelsen, é substancialmente errada a ideia de
“eliminar o conceito de soberania da moderna doutrina do direito e do estado
somente porque um dos seus muitos significados – que sem nenhuma razão é
retido como o único justo, como ‘autêntico’, in genere aquele do poder absoluto e
ilimitado do Estado – não se concilia com o moderno conceito do Estado de
direito”.225

Compreendendo o suporte teórico que o conceito de soberania provocou para


postulado prático, Kelsen procura aplicá-la ao seu modelo de  purificação,
metodologicamente, portando-se como um conceito inserido no âmbito normativo
do direito, excluído de qualquer acepção científica ou ideológica de outra natureza,
como: política, sociológica, psicológica etc. Somente é soberana a norma suprema,
aquela instância normativa que não pode ser logicamente derivada de nenhuma
outra norma, mas que oferece o suporte pressuposicional. A relação da soberania
com um homem – o soberano – é posta na medida em que pressupõe uma norma
como suprema e uma atividade suprema vinculada à norma estatal. Em outras
palavras, soberana é somente a norma e soberano é o homem que comanda
somente nessa medida em que se pressupõe a norma como suprema. Pressupor a
norma ou um sistema normativo, um ordenamento, como supremo é uma metáfora
de uma determinada qualificação lógica daquele ordenamento que tem a
propriedade de não ser ulteriormente derivável.226

A grande questão da soberania em Kelsen é que ela é vinculada,


verdadeiramente, como dependente do ordenamento jurídico, e não como
usualmente tentou se definir, como um fato real da natureza que pode ser
conhecida pela via indutiva com a observação daquelas  fattispecie  reais que se
mostram no mundo sensível.227

Passando pela purificação metodológica kelseniana o “[...]o Estado soberano é


um ordenamento supremo, que não deriva de nenhum outro ordenamento superior
ou que se pressupõe supremo”.228 Resta patente, assim, a força metodológica e a
influência kantiana da teoria pura do direito.

No texto Deus e Estado, Kelsen inicia fazendo a instigante referência de como


o problema religioso e o problema social apresentam um notável paralelismo. A
vivência social se manifesta na consciência do indivíduo como vinculada a outros
seres, o que, em desenvolvimento, gerará a representação de uma subordinação e
dependência do próprio eu, o que corresponde necessariamente à representação
complementar de uma autoridade que institui o engendramento social.229
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Nesse sentido, em termos sociais Deus e Estado são os atores principais da


representação social. Se lhes retiram as máscaras, tais representações – religiosa
ou social – da esfera política o que acontece é que deixa de ser Deus aquele que
recompensa e castiga e deixa de ser o Estado aquele que condena e faz a guerra:
“são homens que exercem violência sobre outros homens, é o senhor x quem
triunfa sobre o senhor e, ou uma besta que aplaca seu apetite sanguinário
revivido”.230 Metodologicamente, retirar as máscaras é o ponto em que se apoia a
biologia e a psicologia orientadas pelas ciências naturais, porém, tal enfoque não
leva em conta nem religião, nem nação, nem estado.

Se a sociedade for concebida como mera ideologia, em tal caso, a religião


constituirá tão somente uma ideologia social particular, originariamente idêntica a
essa ideologia social que pode designar-se, em sentido mais lato, com a palavra
Estado. Nesse exercício de raciocínio, as representações de Deus e Estado
coincidem plenamente. Somente aos poucos, em especial com o desenvolvimento
da religião cristã, que se produz uma separação do conceito de Deus em relação à
comunidade nacional. Constitui-se, assim, uma ideia de Deus supranacional que
se aproxima, de forma idêntica, ao gênero humano, social, a de uma sociedade
supraestatal.

Não é à toa que no texto  O problema da soberania e a teoria do direito


internacional  pode-se afirmar que a soberania dos ordenamentos jurídicos
nacionais é absorvida e diluída normativamente no direito público internacional e
no ordenamento jurídico global.

A figura “Estado” criada pela ciência jurídica com o objetivo de encarnar a


unidade do sistema jurídico vem hipostasiada na forma usual e contraposta, como
ente particular, ao direito, trata-se exatamente da mesma problemática ou
pseudoproblemática que envolve o caso da teologia. A teologia, afirma Kelsen,
somente pode manter-se como disciplina distinta da ética ou das ciências naturais,
na medida em que existe uma firme convicção na transcendência de Deus com
relação ao mundo; da mesma forma somente é possível uma teoria do Estado
distinta da teoria do direito na medida em que se crê na transcendência do Estado
com relação ao direito, na existência, ou melhor dizendo, na pesudoexistência, de
um Estado metajurídico, situado acima do direito.231

O que costuma considerar-se como característica essencial do Estado, a


soberania, no fundo não significa outra coisa senão que o Estado é o poder
supremo – o qual não pode se definir mais que em forma negativa, é dizer, pelo fato
de que não está subordinado a nenhum poder superior, de que não deriva de, nem
está limitado por nenhum poder superior. Na teologia, também enfatizar a
transcendência de Deus conduz a descrever sua essência com predicados negativos.
O conceito de soberania próprio do direito público, deveria prestar-se perfeitamente a
um uso de acordo com os fins da teologia, já que nele somente se expressa a
absolutização do objeto. Sem que se tivesse mais a mínima consciência da correlação
com a teologia, a jurisprudência tem reconhecido que o Estado, na medida em que é
declarado soberano, voltado como absoluto, pressuposto como ser jurídico dotado de
absoluta supremacia [...] Quando a soberania do Estado é interpretada como poder,
não se trata senão de este mesmo poder que toda teologia afirma como essência de
seu Deus e que, levado a classe de omnipotência absoluta, é proclamado também
pelo Estado, ainda que, num princípio, unicamente num sentido normativo [...].232

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Nesse trajeto é que Kelsen defende o fato de um Estado todo poderoso,


ilimitado e soberano, terminar, sem embargo, por converter-se em um ser jurídico,
numa pessoa de direito que ao se submeter à ordem jurídica e extrair desta seu
poder, já não pode ser soberana, se é que ao conceito de soberania se pretende,
assim, conservar algum sentido. Uma metamorfose do Estado como poder ao
Estado como direito, que deve ser tratado como unidade, pois o dualismo Estado-
Direito representa não somente uma contradição lógica e sistemática, mas também
a fonte de um abuso político-jurídico.

As reflexões de Kelsen ainda continuam num paralelismo na figura do conceito


de pessoa pela teoria teológica da alma com a teoria jurídica da pessoa e entre o
ateísmo e o anarquismo, que, além de reforçar seu ponto de partida, articula o
sentido conclusivo de seu texto: o de que uma teoria pura do Estado desintegra o
conceito de um Estado distinto do direito, sendo a teoria de um Estado sem
Estado  e, por mais paradoxal que possa parecer, somente dessa maneira que a
teoria do direito e do Estado abandonam o nível da teologia para ascenderem ao
nível da ciência moderna.

Na teoria pura do direito, a redução do conceito suprajurídico de Estado ao


conceito de direito é o pré-requisito imprescindível para o desenvolvimento de uma
autêntica ciência jurídica como ciência do direito positivo depurada de todo direito
natural. “Tal é o objetivo da teoria pura do direito que é simultaneamente a teoria
pura do Estado, porque toda teoria do Estado somente e possível como teoria do
direito do Estado, e vice-versa todo direito é direito do Estado, porque todo Estado
é Estado de direito”.233

No pensamento de Carl Schmitt, o que se passa quanto ao conceito de


soberania, teoricamente, é ao contrário.

A soberania tem ínsita em si a exceção e não pode ser entendida a partir da


regularidade da norma. A purificação kelseneana aqui de forma alguma se opera, a
soberania não está fora do âmbito do fato real da natureza ou da política, mas
numa borda situada entre o ordenamento jurídico e a política, num sentido não
jurídico.

Exatamente nesse domínio limítrofe que ela instaura o seu elemento essencial:
a decisão.

Soberano é quem decide sobre o estado de exceção. Somente esta definição


pode ser justa para o conceito de soberania como conceito limite. Pois conceito limite
não significa conceito confuso, como na impura terminologia da literatura popular,
senão conceito da esfera mais estrema. A ele corresponde que sua definição não
possa conectar-se ao caso normal, senão ao caso limite [...] Uma razão sistemática
lógico-jurídica faz do estado de exceção em sentido eminente a definição jurídica da
soberania. Pois a decisão sobre a exceção é decisão em sentido eminente. Com
efeito, uma norma geral, a representada, por exemplo, num princípio jurídico válido
normal, nunca pode captar uma exceção absoluta nem, portanto, fundar a decisão de
que está dado um caso excepcional autêntico.234

A frase que inicia a citação referida é basicamente a célebre fórmula que


resume o decisionismo de Schmitt. O soberano é aquele a quem o ordenamento
jurídico confere a legitimidade de decidir sobre a suspensão total ou parcial das

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garantias constitucionais e dos direitos fundamentais, podendo até mesmo decidir


sobre a suspensão total ou parcial da Constituição.

Para Schmitt, o normal nada prova, já a exceção demonstra tudo, não só


confirma a regra, senão que a regra só vive graças a ela. A exceção, nesse
sentido, perturba a unidade e a ordem do esquema racionalista pensado por
Kelsen.

A inversão se opera da seguinte forma: o estado de exceção é um vácuo


normativo que não deve ser considerado pelo jurista como um pressuposto – uma
condição lógico-transcendental –, mas uma condição extraordinária que precede a
ordem. A decisão sobre o estado de exceção cria a condição efetiva para aplicação
de normas – não num sentido de uma existência lógica pressuposta, para a
validade e sentido de ordenamentos jurídicos.

É uma ordem garantida sem o direito. O estado de exceção tem uma estrutura
antinômica, pois tem origem na legitimidade normativa do soberano para
suspender a ordem jurídico-constitucional, no todo ou em parte, assim, nessa
situação, a Constituição aplica-se, desaplicando-se. Por essa razão, para Schmitt a
essência da soberania somente se revela na – e pela – exceção, estando o
soberano, ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico.

Esse antagonismo entre Kelsen e Schmitt é um profundo e profícuo campo de


exploração que se pretende desenvolver neste texto. A investigação profunda dos
interstícios desses pensadores tem refletido na filosofia juspolítica de Giorgio
Agamben uma relevante contribuição crítica sobre os direitos humanos, sua função
e efetividade nos tempos atuais, bem como da própria democracia, pois o
surgimento da soberania moderna está indelevelmente marcado pela emergência
dos estado-nação, das democracias ditas liberais e de todo o movimento do
constitucionalismo – ampliado sobremaneira no pós-guerra – na faceta das
declarações de direito e dos direitos fundamentais e suas restrições. Como bem
aponta Oswaldo Giacoia Jr., nesse movimento há de se levar principalmente em
conta que o conceito jurídico-político da cidadania é figura gêmea da soberania,
pois o binômio nascimento/nação é o dispositivo que, como operador biopolítico,
promove a inscrição da vida na esfera da decisão soberana da autoridade
estatal.235

220

.Como referência, Arthur Kaufmann, apresenta uma lista de autores e livros consideravelmente
extensa no início do capítulo 4 de sua obra Filosofia do direito intitulado Além do direito natural e
do positivismo jurídico que é justificada nos seguintes termos: “A indicação de tanta bibliografia a
respeito deste tema tem naturalmente uma razão. E esta está no facto de a busca de uma ‘terceira
via’ entre, ou para além do direito natural e do positivismo ser hoje ‘o’ tema da filosofia do direito
[...]”. Cf. KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. trad.: António Ulisses Cortês, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004, cap. 4, p. 60 e ss.
221

.BENJAMIN, Walter. Para uma crítica da violência. In  Escritos sobre mito e linguagem. Trad.:
Susana Kampff Lages e Ernani Chaves, São Paulo: Editora 34, 2011, p. 121-156.

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222

.AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad: Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo, 2004, p. 35.
223

.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale. Contributo per una
dottrina pura del diritto. Trad.: Agostino Carrino, Milano: Giuffrè Editore, 1989.
224

.KELSEN, Hans. Dios y estado. In  El otro Kelsen. Óscar Correas (org.), trad.: Jean Hennequin,
México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1989, p. 243-266.
225

.KELSEN, Hans.  Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p.  7. Salvo
indicação em contrário, todas as traduções são nossas.
226

.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p. 14.
227

.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p. 14.
228

.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p. 18.
229

.KELSEN, Hans. Dios y estado, cit., p. 243.


230

.KELSEN, Hans. Dios y estado, cit., p. 250.


231

.KELSEN, Hans. Dios y estado, cit., p. 253-254.


232

.KELSEN, Hans. Dios y estado, cit., p. 254.


233

.KELSEN, Hans. Dios y estado, cit., p. 266.


234

.SCHMITT, Carl. Teología política. Trad.: Francisco Javier Conde e Jorge Navarro Pérez, Madrid:
Editorial Trotta, 2009, p. 13.
235

.GIACOIA JUNIOR. Oswaldo. Sobre direitos humanos na era da bio-política. In  Kriterion, Belo
Horizonte, n. 118, Dez. 2008, pp. 281 e segs.

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3.14.2. A Filosofia de Walter Benjamin como Antípoda do pensamento de


Kelsen e Schmitt

Na polêmica discussão clássica colocada entre Kelsen e Schmitt, Agamben


propõe uma profunda reflexão a par das duas teorias: o decisionismo e o
positivismo jurídico. Para Agamben, o ponto fulcral não seria propriamente a
questão de se propor um desafio ou mesmo uma superação para além delas, mas
mostrar como ambas as teorias se aproximam no esforço de demonstrar a
racionalidade jurídica permeada pela violência. Para Kelsen, o direito não pode
subsistir sem o poder; em Schmitt, a inscrição da exceção revela a própria insígnia
da soberania, do poder.

Como já reportado, para Agamben, a exceção é a estrutura da soberania, a


estrutura originária na qual o direito se refere à vida e a inclui em si através da
própria suspensão. A constituição da esfera política da decisão soberana,
consistente no direito de vida e morte, direito de fazer morrer ou deixar viver, é o
fato jurídico primordial e a exceção é a estrutura originária na qual o direito se
refere à vida e a inclui em si através de sua própria suspensão.236 Tais afirmações
evidenciam como a interpretação dominante do contrato social e da lógica da
soberania – como fundamento racional de legitimidade do poder político – perde
consideravelmente sua força de convencimento. Em conta disso, Agamben,
retomando uma sugestão de Jean Luc-Nancy chama de bando237 a essa potência,
no sentido próprio da dynamis aristotélica, da lei de manter-se na própria privação,
de aplicar-se, desaplicando-se. O  bando  é fundamentalmente uma  exceptio  e,
como tal, insígnia da soberania, cujo paradoxo se enuncia na esteira da tese
schmittiana: o soberano está, ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento
jurídico.238

Dessa forma, pode-se denominar “bando (do antigo termo germânico que indica
tanto a exclusão da comunidade quanto a insígnia do soberano) esta estrutura
original da lei, através da qual esta se conserva inclusive na própria suspensão e
se aplica também àquilo que exclui de si, que abandonou, isto é, que baniu.”239

Nessa medida, uma análise detida sobre o conceito de bando


e  dynamis  também seria um importante objeto de desenvolvimento da pesquisa
inicialmente exposta neste texto.

O autor que Agamben apresenta como referencial para a investigação oposta


às teorias tradicionais apresentadas é Walter Benjamin. Para ele, a violência é uma
figura resistente às estratégias colonizadoras do direito, de tal forma, que pensar
uma violência pura equivale a pensá-la emancipada, sem relação com as
categorias – formas – do direito, uma vez que o direito em sua forma histórica se
apresenta desde sua origem como um dispositivo sangrento, de barbárie, que
assegura paradoxalmente ao mesmo tempo dominação e inclusão.

O ensaio de Benjamin Kritik der Gewalt,240 para tanto, é decisivo. Nesse ensaio,


Benjamin apresenta contraposições ao pensamento de Schmitt, em especial,
expondo diferenciações da ditadura proposta por Schmitt às modalidades de

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violência propostas por Sorel, tendo como pano de fundo o mesmo problema, a
saber: o da racionalidade jurídica tradicional.241

A primeira publicação do ensaio de Benjamin se deu em agosto de 1921,


nos Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik.242 A exposição é guiada pelas
relações entre violência, direito e justiça. O caminho do autor perpassa tanto a
doutrina do Direito Natural – na sua justificação dos meios pelos fins justos –
quanto àquela do Direito positivo – que impetra a crítica da legitimidade dos meios.
Após análises de relações jurídicas da Europa de seu tempo (direito de greve,
direito de guerra), Benjamin aponta o sempre e constante nó que entrelaça direito
e violência, expondo, sem reservas, numa perspectiva dialética, a presença da
violência como instituidora e como conservadora do direito.

Toda violência como meio é ou instauradora  ou mantenedora do direito. Se não


pode reivindicar nenhum desses predicados, ela renuncia por si qualquer validade.
Daí resulta que toda violência como meio, mesmo no caso mais favorável, participa da
problemática do direito em geral. E mesmo nesta altura da investigação, não se possa
enxergar com certeza o alcance dessa problemática, o direito, depois do que foi dito,
aparece sob uma luz ética tão ambígua, que se impõe naturalmente a pergunta se
não existiriam outros meios, não violentos, para a regulamentação dos interesses
humanos em conflito. A pergunta obriga, sobretudo, a constatar que uma resolução de
conflitos totalmente não violenta, jamais pode desembocar num contrato de direito.
Mesmo que este tenha sido firmado pelas partes contratantes de maneira pacífica, o
contrato leva, em última instância, a uma possível violência.243

Benjamin procura abrir, a partir de então, o caminho para uma terceira figura
chamada por ele de violência divina ou pura (ainda, segundo o autor, “poder
revolucionário, termo pelo qual deve ser designada a mais alta manifestação do
poder puro, por parte do homem”). Na complexidade dessa violência irrelacional –
além do direito, que rompe o estatuto dialético da instauração/conservação do
direito – estaria a possibilidade a fundamentação de uma nova época histórica.

A resposta a esse pensamento de Benjamin é a investidura de Carl Schmitt em


seu Teologia Política.

Com a ação decisória do soberano – a violência soberana – que instaura um


estado de exceção, no qual a lei é suspensa e ao mesmo tempo conservada
através mesmo da sua suspensão, Schmitt pretende combater aquela violência
divina da crítica benjaminiana. Isso porque, àquela desconexão absoluta em face
ao direito da violência pura, a soberana fixa justamente o contrário na forma da
imprescindibilidade da decisão por um soberano. Dito de outro modo, por mais que
no estado de exceção aquilo que é interno e o que é externo, lei e natureza,
violência que põe e violência que conserva o direito fiquem indiscerníveis, sempre
haverá aquele que decide tais limites e, portanto, nessa decisão, mantém-se o elo
entre violência e direito.

Em Schmitt, a decisão soberana possibilita uma eterna conexão entre lei


(direito) e anomia (um fora do direito), sendo sua figura extrema no ordenamento
jurídico, o soberano.

No texto A Origem do Drama Barroco Alemão, Benjamin, ao fazer referência à


definição schmittiana do soberano, substitui o termo “decidir” por “excluir”, de modo

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que a figura do soberano, que em Schmitt  decidiria  a exceção, agora seria a


responsável pela exclusão da conexão entre direito e estado de exceção. Benjamin
separa o poder soberano de seu exercício: “Se, para Schmitt, a decisão é o elo que
une soberania e estado de exceção, Benjamin, de modo irônico, separa o poder
soberano de seu exercício e mostra que o soberano barroco está,
constitutivamente, na impossibilidade de decidir.”244

Em Benjamin não há a possibilidade de uma conexão direito/anomia. A


proposta de Benjamin de uma nova época está na oitava tese sobre filosofia da
história – publicada pelo Instituto de Pesquisas Sociais dois anos após a morte do
autor:

A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é
a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa
verdade. Neste momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro
estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte a luta contra o fascismo
[...]”.245

Benjamin, numa completa destruição da proposta de Schmitt, pretende livrar


qualquer possível relação entre direito e anomia com a ideia de
um  verdadeiro  estado de exceção. Buscando a abertura para um novo tempo
histórico, ele constata no Reich alemão de 1940 a fundição entre direito e anomia
da qual o jurista alemão tentava escapar.

Duas experiências específicas desse verdadeiro estado de exceção


benjaminiano podem ser pensadas no horizonte articulado por Benjamin e que não
serão aqui aprofundadas por zelo à sua complexidade e pelo foco da pretensão de
que este texto seja o introdutório para a questão. A primeira seria em cotejo ao
pensamento de Carl Schmitt e George Sorel. Aprofundar a diferenciação
benjaminiana com relação à ditadura de Schmitt pelas noções de violência de
Sorel nos leva à questão da greve geral e a deposição da soberania. A segunda
seria no cotejo de seu pensamento messiânico e a revelação, a partir de Paulo,
apóstolo, de uma categoria que nos chama profundamente atenção, a deposição
da lei messiânica pela graça.

O direito, para Benjamin, tem a mesma natureza da violência mítica. Possui


uma natureza de meio sangrento e o Estado, nesta linha, é a forma juridicamente
racionalizada da violência e da alienação. Com apoio em Agamben e a
reverberação de sua investigação sobre Benjamin e Schmitt, pode ser lançada
também, por esta via, a projeção de uma instância crítica aos direitos humanos.

A admissão atual de que não há como negar que a exceção virou regra nos
impõe a tarefa de pensar um aproveitamento estratégico do estado de exceção.
Acompanhar a análise de Agamben sobre o campo como paradigma biopolítico e,
portanto, a dimensão da biopolítica e da sacralidade da vida na atualidade é uma
das pistas a serem seguidas que nos permite a crítica almejada.

A outra, que se configura como principal e conclusiva – e mais difícil –, cujas


investigações anteriores proficuamente poderão indicar, é a de se pensar
uma  superação da forma direito, uma tarefa para o futuro, uma profanação do
direito para uma liberação e invenção, coletiva, de novos usos. O brincar com o

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direito e invocar ao máximo uma aposta de estudo rigoroso e teórico, não prático,
uma profanação correspondente ao que Benjamin pensava como deposição do
direito e sua liberação para uma pura condição medial. Um direito que sobreviveria
à sua própria deposição, profanado para um novo uso, comparável ao que
acontece com a lei após a deposição messiânica (Paulo, apóstolo) e com a
soberania na greve geral (Georges Sorel).

236

.AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad.: Henrique Burigo, 2. ed.,
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, cit., p. 35.
237

.A partir do conceito de bando, chega-se ao conceito de banimento, isto é, a expulsão – a  ex-


clusão – do integrante para fora do laço social.  “O banimento corresponderia, então, a um
desligamento subsequente ao rompimento da obligatio, que vincula os membros de uma
sociedade à obediência a seus usos e costumes; ele tem, portanto, o sentido de uma expulsão da
comunidade, onde reinam a paz e a lei [Friedlosigkeit], expondo o infrator desprotegido à violência
e ao arbítrio de forças naturais ou humanas. GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. A autossupressão como
catástrofe da consciência moral in Estudos Nietzsche, Jan./Jun. 2010, vol. 1, n. 1, p. 97.
238

.AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I, cit., p. 22.


239

.AGAMBEN, Giorgio. La Potenza del Pensiero. Saggi e conferenze. Vicenza: Néri Pozza Editore,
2005, pp. 253-254.
240

.Conforme nota da tradução, a palavra alemã  Gewalt, dada sua ambiguidade, por vezes é
traduzida por ‘violência,’ por outras, por ‘poder’.
241

.Entre nós, sobre a articulação do pensamento de Walter Benjamin, Carl Schmitt e Giorgio
Agamben temos como referência o trabalho de Vinícius Nicastro Honesko. Cf. HONESKO, Vinícius
Nicastro.  O paradigma do tempo: Walter Benjamin e messianismo em Giorgio Agamben.
Revista Filosofia Política do Direito – AGON, Rio de Janeiro, 2009. 3 v. 
242

.Ressalta-se que o Teologia Política I de Schmitt foi publicado em março de 1922, sete meses após
a publicação do texto de Benjamin.
243

.BENJAMIN, Walter. Para uma crítica da violência. In  Escritos sobre mito e linguagem.  Trad.:
Susana Kampff e Ernani Chaves, São Paulo: Editora 34, 2011, p. 136 e 137.
244

.AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção, cit., p. 87.


245

.BENJAMIN, Walter.  Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e histórica da
cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 226

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3.15. Direito e ideologia

Historicamente, nem no passado nem nos tempos atuais houve a proposição


de uma definição única do termo ideologia, isso porque o próprio termo “ideologia”
tem toda uma série de significados convenientes e nem todos compatíveis entre si.

A palavra ideologia possui uma grande riqueza de significados, sendo inútil e


até mesmo pejorativo sintetizá-la em um único conceito, conforme expõe Terry
Eagleton, a palavra ideologia é, por assim dizer, um texto, tecido com uma trama
inteira de diferentes fios conceituais, que é traçado por divergentes histórias, sendo
importante determinar o que há de valioso em cada uma delas e o que pode ser
descartado em vez de se criar algo como uma grande Teoria Global da
Ideologia.246

Entre essa variedade de significados, cabe então a análise direcionada para o


sentido da ideologia que corresponda à proposta do trabalho e que sirva de base
para o entendimento do Direito como fenômeno ideológico.

O termo ideologia foi inicialmente criado por Destut de Tracy, que publicou em
1801 um livro chamado Eléments d’Idéologie. Para o autor, a ideologia é o estudo
científico das ideias e as ideias são resultado da interação entre organismo vivo e a
natureza, o meio ambiente.

Após alguns anos, Destutt de Tracy e seu grupo de enciclopedistas entram em


conflito com Napoleão, ganhando o termo um sentido pejorativo, uma vez que
Napoleão o utilizava para demonstrar que eles, ideologistas franceses, eram
ultrapassados, sem nexo político ou contato com a realidade, que viviam num
mundo especulativo. Paradoxalmente, ao passo em que Destutt e seu grupo
queriam fazer uma análise científica materialista da ideologia, foram chamados por
Napoleão no sentido de especuladores metafísicos, sendo essa, digamos, por
força ideológica, a maneira de se utilizar o termo na época.247

Já em meados do século XIX, Karl Marx, que encontra a palavra em folhetins e


jornais ainda usada em termos napoleônicos, passa a utilizá-la a partir de 1846, em
sua obra chamada  A Ideologia Alemã. Nessa obra, o termo se refere à ideologia
equivalente à ilusão, falsa consciência, como um conjunto de crenças, trazendo a
ideia de que o ideólogo é aquele que inverte as relações entre a ideia e o
real.248 Esse conceito, após, é ampliado por Marx, passando a abranger as formas
ideológicas através das quais os indivíduos tomam consciência da vida real. Para
ele, a ideologia é um conceito pejorativo, um conceito crítico que implica ilusão.249

Mesmo depois de Marx, o conceito continua sua trajetória no marxismo,


restando mais claro e combatente o sentido da ideologia como um conceito de algo
ilusório, encobridor da realidade, espectral, a ideologia representativa.

3.15.1. A ideologia representativa

O sentido representativo da ideologia  – a ideologia como representação  – é


aquele causador do efeito de enublação, obnublante, ilusório, formador de uma
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consciência inerte ou desenvolvida a partir do erro, da simulação do autoengano.

O paradoxo que envolve o efeito da  ideologia representativa, segundo Slavoj


Zizek, apresenta-se como sendo a própria forma de escravização a ela, portanto se
deve separar a ideologia da problemática representativista, a ideologia é distinta da
ilusão.250

Os filósofos frankfurtianos Horkheimer e Adorno entendem que “os que


sucumbem à ideologia são exatamente os que ocultam a contradição, em vez de
acolhê-la na consciência de sua própria produção”.251

Essa produção da ideologia predispõe uma postura crítica diante do próprio


velamento do sentido ideológico representativo.

Contudo, a credulidade, a aversão à dúvida, a temeridade no responder, o


vangloriar-se com o saber, a timidez no contradizer, o agir por interesse, a preguiça
nas investigações pessoais, o fetichismo verbal, o deter-se em conhecimentos
parciais: isto e coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendimento
humano com a natureza das coisas e o acasalaram, em vez disso, a conceitos vãos e
experimentos erráticos: o fruto e a posteridade de tão gloriosa união pode-se
facilmente imaginar.252

Na verdade, essa postura ideológica representativa se fortifica, (re)cria-se e se


relaciona com a inauguração do Estado Liberal, o que faz com que os autores
frankfurtianos alertem que

neste país, não há nenhuma diferença entre o destino econômico e o próprio


homem... na consciência dos homens, a máscara econômica e  o  que  está debaixo
dela coincidem nas mínimas ruguinhas. Cada um vale o que ganha, cada um ganha o
que vale.253

A produção desse ambiente ideológico se promove no contexto da experiência


vivencial dos seres humanos envoltos numa rede formada pelo capitalismo
religiosamente exercido.

Como, então, superar, ir além desse ambiente ideológico representativo, há a


possibilidade de um exercício para a desmistificação ideológico-representativa?

Na verdade, essa formação espectral da ideologia representativa deve ser


observada na resolução do impasse da “antinomia da razão crítico-ideológica”, ou
seja, a ideologia não é tudo, há um lugar do qual se possa denunciá-la e tal lugar
tem que permanecer vazio, não pode se desvirtuar por uma realidade determinada,
pois a partir do momento em que se cede a essa tentação se volta à ideologia254.

O problema do sentido representativo da ideologia está situado


num locus composto, há a necessidade de o ser humano se predispor criticamente
e essa própria predisposição já apresenta um sentido ideológico, no entanto, além-
representativo.

Com isso, deve-se retomar um dos significados do termo ideologia, aquele em


que ela é aquilo que confere certa posição a um sujeito255, ou seja, a postura
intelectual, crítica, emancipadora já predispõe uma ideologia, que, de qualquer
maneira, está relacionada aos atos humanos. Esse conceito é extremamente
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importante e deve ser observado em contraposição ao sentido ideológico-


representativo.256

Toda essa complexidade da significação da palavra “ideologia” ganha uma certa


organização sociológica, muito importante para o presente estudo, dada por um
famoso sociólogo, Karl Mannheim, em seu livro Ideologia e utopia.

Para Mannheim, ideologia é um conjunto das concepções, ideias, teorias, que


se orientam para a estabilização, ou legitimação ou reprodução, da ordem
estabelecida, ou seja, todas aquelas doutrinas que, consciente ou
inconscientemente, voluntária ou involuntariamente, servem à manutenção da
ordem estabelecida, enquanto que as utopias, ao contrário são aquelas ideias,
concepções, teorias que aspiram uma outra realidade, uma realidade ainda
inexistente, têm, portanto,  uma dimensão crítica ou de negação da ordem social
existente. As utopias têm uma  função subversiva, crítica e até mesmo
revolucionária.

Diante dessa proposta, nota-se que ideologia e utopia são duas formas de um
mesmo fenômeno que se manifesta de duas maneiras distintas, podendo se
expressar num primeiro caso ideologicamente em outro utopicamente. Assim,
Mannheim utiliza esse fenômeno em relação às classes sociais como “ideologia
total”.

Desse modo, o conceito de ideologia se abre em dois sentidos: o primeiro,


ideologia total como conjunto de ideias, formas de pensar, relacionados às
posições sociais de grupos ou classes; e o segundo, ideologia em sentido estrito,
que é a forma conservadora que essa ideologia total pode tomar, em oposição à
forma crítica que ele chama de utopia.257

Portanto, Karl Mannheim, partindo de uma concepção particular para uma total
de ideologia, demonstra que um grupo reunido de indivíduos tende a forçar a
modificação do mundo envolvente da natureza e da sociedade, ou procura
perpetuá-lo sob uma dada condição, sob um determinado aspecto e é a direção
dessa vontade de mudar ou conservar que explica o aparecimento de seus
problemas e de sua forma de pensar.258

Tal conceito admite dois aspectos que são antagônicos, o primeiro


transformador e o segundo conservador, de maneira que ambos atuam nas
formações sociais específicas como fator de legitimação.

Sobre as formações sociais específicas como fator de legitimação ideológica,


continuando numa análise marxista, é preciso entender consequentemente o
sentido de produção social da ideologia, que, como demonstra Marilena Chauí, é
produzida em três momentos fundamentais:259

a) inicia-se como um conjunto sistemático de ideias de uma classe em


ascensão cuidando para que os interesses desta legitime a representação de todos
os interesses da sociedade por ela. Nesse momento se está assim legitimando a
luta da nova classe pelo poder;

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b) no segundo momento se espraia no senso comum, ou seja, passa a se


popularizar, passa a ser um conjunto de ideias e conceitos aceitos por todos que
são contrários à dominação existente. Nesse momento, as ideias e valores da
classe emergente são interiorizados pela consciência de todos os membros não
dominantes da sociedade;

c) uma vez assim sedimentada, a ideologia se mantém, mesmo após a


chegada da nova classe ao poder, que é então a classe dominante, os interesses
de todos que eram os não dominantes passam a ser negados pela realidade da
nova dominação.

Essa produção da ideologia se dá em relações de poder na esfera social, é a


partir desse aspecto que se pode abordar o sentido de ascensão ideológica.

O poder da ideologia se apresenta nessa produção. István Mészarós,


enfaticamente, observa que por óbvio as ideologias dominantes da ordem social
estabelecida desfrutam de uma importante posição privilegiada em relação a todas
as variedades de “contraconsciência”, fazendo valer os mecanismos
autorreprodutivos da sociedade, tendo como apoio as principais instituições
econômicas, culturais e políticas, portanto, a ideologia, nesse sentido, tem forte
potencial de transformação ou destruição social.260

Enfim, a ideologia é necessária, sua necessidade se apresenta no sentido


natural da formação de seu acontecimento, daí a importância da superação
constante do seu sentido representativo não enganado por uma impossível
desideologização, nisso reside o potencial transformador, emancipador social da
ideologia.

246

.Cf. EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. Tradução Silvana Vieira e Luís Carlos Borges.
São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista; Editora Boitempo, 1997, p. 15.
247

.Cf. LÖWY, Michael. Ideologia e ciência social: elementos para uma análise marxista. São Paulo:
Editora Cortez, 1985, p. 13.
248

.Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 531 e
532.
249

.LÖWY, Michael. Ideologia e ciência social... cit., p. 12.


250

.Cf. ZIZEK, Salvoj.  O espectro da ideologia.  Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Ed.
Contraponto, 1996. Em alusão ao desenvolvimento do exposto, o autor assim continua: “Eis aí
uma das tarefas da crítica pós-moderna da ideologia: nomear, dentro de uma ordem social vigente,
os elementos que à guisa de ficção, isto é de narrativas utópicas de histórias alternativas
possíveis, mas fracassadas – apontam para o caráter antagônico do sistema e, desse modo nos
alienam da evidência de sua identidade estabelecida”.
251

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.Cf. HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 19.
252

.Ibidem, p. 19.
253

.Ibidem, p. 197.
254

.Cf. ZIZEK, Slavoj. O espectro da ideologia cit.


255

.EAGLETON, Terry. Ideologia… cit., p. 15.


256

.Com isso não estamos querendo criar um maniqueísmo entre uma ideologia melhor ou pior, mas
justamente demonstrar a acepção do conceito de ideologia nas relações humanas e o quão é
importante a concretização de uma postura ética comprometida com a sociedade. Essa questão é
tão importante que, como será discorrido no próximo tópico, essa postura ética no Direito se
relaciona com seu sentido epistemológico, a palavra episteme em seu sentido original se refere à
postura, postura ética.
257

.É a partir dessa conceituação que Michel Löwy cria um termo que se refere ao mesmo tempo
tanto à ideologia quanto à utopia,  visão social de mundo. Para ele, as visões sociais de mundo
seriam todos aqueles conjuntos estruturados de valores, representações, ideias e orientações
cognitivas unificados por uma perspectiva determinada, por um ponto de vista social, de classes
sociais determinadas. Cf. LÖWY, Michael. Ideologia e ciência social... cit., p. 13.
258

.MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.


259

.CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia? 14. ed. Brasília: Editora Brasiliense, 1984, p. 119.
260

.MÉSZARÓS, István.  O poder da ideologia. Tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo:
Boitempo, 2004, p. 233.

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3.15.2. Ideologia e direito

O Direito como uma criação humana, como produção da linguagem, encontra-


se a todo o momento com a ideologia e desse encontro cabe uma reflexão
filosófica dos contornos e potencialidades do próprio Direito enquanto fenômeno
ideológico.

Para tanto, resta ainda identificar o sentido da ideologia num ponto de vista
individual, a partir do indivíduo, reforçando a questão da necessidade da ideologia
e da ascensão ideológica, anteriormente exposta.

Hans Barth, em sua obra Veritá e ideologia, anuncia que a ideologia no século


XX tem como base quatro pressupostos que se relacionam pelo sentido da
atividade espiritual humana em íntima correlação com a atividade econômica, que
formam de algum modo a maneira como o indivíduo orienta-se no mundo,
predispõe-se ao mundo e transforma-o, (re)cria-o.261

Atualmente, a criação do Direito está muito relacionada e muito pressionada


pela realidade vivencial (experiencial/existencial) que a sociedade presencia, as
questões processuais se estruturam em modelos e atitudes utilitaristas,
caracteristicamente representadas por um individualismo ideológico-representativo.

Segundo Ovídio Baptista da Silva, a ideologia, de um ponto de partida


individualista, deve ser observada sob dois aspectos: o primeiro se refere à
atribuição aos nossos opositores a condição de ideológicos, na suposição que
predispomos de um “Ponto de Arquimedes”, como se houvesse o acesso
privilegiado à verdade absoluta, e o segundo como que uma consequência do
primeiro, de que o “outro” não aceitasse nossa ideia por não conseguir atingir a
nossa verdade, o que a determinaria como implicitamente válida, permanecendo
como única.262

Essa postura, “é a marca do pensamento conservador. Tudo o que questiona a


‘realidade’, construída pelo pensamento conservador, é ideológico, no sentido do
irreal, pois a visão conservadora supõe que nosso ‘mundo’ seja o único
possível.”263

O direito está tomado pelo pensamento conservador e nele, nitidamente, a


ideologia, em seu sentido representativo, tem grande força e se alastra por
questões teóricas e científicas até questões práticas do cotidiano.

Esse aspecto negativo, no entanto, é um dos pontos de partida para o


entendimento do Direito como fenômeno ideológico. Tendo em vista o que se
propôs com a necessidade da ideologia, deve-se entender que as ideologias

não são superficiais, irrelevantes ou nefastas... não se pode apenas visualizar seu
aspecto negativo de distorção e com isso descartar sua função e minimizar sua
operacionalidade, ainda que sob novas roupagens e rotulações nos horizontes do
atual estágio das sociedades pós-industriais e globalizadas.264

A formação epistemológica jurídica é construída em formação e relação com a


ideologia. Raymond Boudon se refere aos efeitos epistemológicos no
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conhecimento científico, de maneira que “não somente o conhecimento científico


está ao abrigo das crenças não demonstradas, como não poderia existir sem
elas”,265 ou seja, seu objetivo é demonstrar que a ideologia se desenvolve mesmo
no coração do trabalho científico.

A questão que vem à tona diante de realidade da ideologia no estudo científico


é que desde as discussões dos modelos levantadas por Popper, Kuhn e
Feyerabend, atrás disso, há, sobretudo, um efeito epistemológico, ambientado pela
ideologia.

Um interessante exemplo sobre o sentido ideológico do Direito é observado na


obra de Karl Marx em sua contribuição para a teoria epistemológica do Direito, ao
tratar sobre a dogmática jurídica com o caso, por ele analisado, sobre o roubo de
lenhas.

Sua ideia nasce a partir de um caso concreto, de um projeto de lei que passaria
a considerar como crime de roubo a colheita de pedaços de madeiras caídos na
floresta à beira do rio Reno e previa como pena o pagamento de multa ou
trabalhos forçados prestados ao dono da floresta, por quem praticasse tal ato.

A reflexão de Marx em primeiro lugar é não aceitar simplesmente essa lei pelo
fato de apenas ter ela compatibilidade com a ordem jurídica por emanar de um
poder para produzir tal norma. Marx, com essa postura, está distanciado da
postura formalista dogmática do Direito, pela qual essa lei teria validade jurídica,
não aceitando como roubo de lenha a simples colheita de galhos caídos no chão
para fazer fogo, absolutamente necessário para a sobrevivência de um camponês
na Alemanha.

Marx afirma que tal prática é um atentado ao “princípio da adequação e


verdade” ao qual se deve submeter também o Direito, por mais que se utilize de
ficções ou analogias para cumprir sua função.

Um segundo ponto analisado por Marx, estritamente mais jurídico, é que se


transpôs uma medida sancionadora de direito público para o campo do direito
privado, uma vez que a pena de trabalhos forçados se aplica sobre a pessoa do
imputado, e não de seu patrimônio, a própria multa que colocou como alternativa
vai para o particular, supostamente ofendido em seu direito de propriedade, e não
aos cofres públicos.

Verifica-se nesse caso o que ele chamou de “jurisdição patrimonial”, a não


defesa dos direitos públicos em favorecimento aos direitos privados, de natureza
patrimonial.

Um terceiro ponto é de que havia um costume estabelecido de colher os galhos


livremente, logo, havia um direito consuetudinário que foi desprezado, justamente
pelos próprios defensores da escola histórica do Direito, que toma o costume como
fonte primária do Direito.

Essa flagrante contradição com a proposta teórica e a prática vai apontar para
que Marx realize uma crítica da ideologia, mostrando as contradições à prática de
alguém e sua própria concepção de mundo.266
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Portanto, com um exemplo jurídico, parece ser que Marx desperta para sua
crítica da ideologia, identificando claramente a sobreposição dos interesses de
uma classe sobre a outra.

Esse exemplo apresenta o poder da ideologia representativa como usurpadora


das relações sociais conflitando diretamente com a característica epistemológica
do Direito.

A epistemologia jurídica, a tentativa do estudo científico do Direito, acontece de


maneira diferente de algumas outras ciências, a proposta do estudo científico do
Direito deve, necessariamente, demandar uma função e atuação social direta, daí
a importância de seu entendimento enquanto fenômeno ideológico.

Nas ciências em geral há uma impossibilidade de se depurar de elementos


ideológicos bem como de compromissos políticos e sociais, segundo o autor, no
direito, a ideologia

se encontra agregada ao próprio objeto, pois a configuração de institutos jurídicos


é determinada pela visão de mundo ou mundividência  (Weltanschauung) subjacente
ao ordenamento jurídico, ou seja, sua ideologia, no sentido empregado primeiro na
obra de Destutt de Tracy.267

Portanto, a proposta do autor se refere à

assunção de uma nova ideologia, porosa em relação às demais, mas consciente


de seu caráter ideológico... esse tipo de ideologia “superideologia”... deve ser utilizada
como uma “prototeoria”, ou seja, “um corpo de ideias que podem servir de ponto de
partida para diferentes concepções da realidade e possibilidades sociais.268

Essa porosidade ideológica potencializa o sentido de aplicabilidade do Direito,


deste modo “a hermenêutica crítica não rejeita a ideologia (...); mas exige que a
ideologia do Direito não permaneça inconsciente e que, tornando-a consciente,
possa estar o jurista em condições de questioná-la quanto aos seus efeitos na vida
social...”.269

Portanto, retomando a proposta ideológica de Mannheim e os dois estratos em


que se divide a ideologia, pode-se dizer que o Direito como fenômeno ideológico
apresenta outros dois aspectos que de certa forma derivam do antagonismo que foi
demonstrado, um interno e outro externo que se relacionam; dizer a ideologia
interna do Direito é defini-lo em suas características historicamente aceitas pelo
senso comum como essenciais; dizer a ideologia externa é vincular essa
caracterização com as formas históricas dominantes do saber e atuar.

Seguindo com essa análise marxista sobre a ideologia, ao seu lado e em


polêmica com ela está o estudo sistêmico-funcionalista de Niklas Luhmann. A partir
de sua concepção se entende que:

A análise da teoria sistêmica é uma concepção nova. Na tradição do pensamento


europeu procurou-se a medida última de avaliação nos critérios de verdade e justiça,
e ainda hoje procuramos aferir com eles os conceitos de nosso tema, questionando as
ideologias pelo seu conteúdo de verdade e o direito positivo por sua justiça270.

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Portanto, para Luhmann, é descabido avaliar as ideologias por seu conteúdo de


verdade, diferentemente da abordagem que faz Talcott Parsons e sua tendência à
minimização do papel dos conflitos na análise social. Para Parsons, os conflitos
sociais não passam de distúrbios ocasionais, que são incorporados e eliminados
pela organização social271.

Jürgen Habermas, que principalmente na primeira fase de seu pensamento


mantinha apego à tradição marxista, apresenta sua conceituação no sentido de

para quem a verdade é algo inseparável da sociedade que a concebe e


essencialmente animada por um interesse, nem sempre confessado, parte-se de uma
concepção prévia, de certa forma considerada justa, de organização social, o que
possibilita em caso de discrepância, a denúncia ideológica ou Ideologiekritik.272

Em importante obra publicada originariamente em 1968,  Técnica e ciência


como “ideologia”  (Technick und Wissenschaft als “ideologie”), Habermas alcança
uma boa crítica ao positivismo quando assevera que o tecnicismo consiste em uma
ideologia que tenta pôr em prática, sob qualquer preço, o conhecimento técnico e a
ilusão objetiva das ciências.273

Enfim, o Direito se manifesta como fenômeno ideológico e a crítica da ideologia


no Direito se configura diante dos pressupostos críticos propostos pela Filosofia do
Direito, que devem projetar o estudo do direito, a mentalidade jurídica e o senso
comum para uma justificação e efetividade de um Estado Democrático de Direito.

261

.BARTH, Hans. Veritá e ideologia. Bologna: Societá editrice el Mulino, 1971, p. 347 e 348.
262

.Cf. SILVA, Ovídio Baptista da.  Processo e ideologia:  o paradigma racionalista. Rio de Janeiro,
Forense, 2004, p. 9.
263

.Ibidem, p. 9.
264

.Cf. WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 189.
265

.BOUDON, Raymond.  A ideologia ou a origem das idéias recebidas. Tradução Emir Sader. São
Paulo: Editora Ática, 1989, p. 188.
266

.A propósito, sobre o exemplo do roubo de lenha e a realização de Marx de uma crítica da


ideologia, cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini (col.).  Teoria da
ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 2009.
267

.Ibidem, p. 112.
268

. GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito aplicada ao direito processual e à teoria da
Constituição. São Paulo: Ed. Atlas, 2001, p. 102-103.

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269

.Idem.
270

.LUHMANN, Niklas. Wahrheit und ideologie. Sociologize Aufklärung, Köln, n. 8, 1970, p. 196 apud
GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini (col.).  Teoria da ciência jurídica.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 110.
271

.GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini (col.). Teoria da ciência jurídica.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 110.
272

.Ibidem, p. 109.
273

.Cf. HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 2001.

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3.15.3. Ideologia do mercado como ideologia do heroísmo

Pensar o direito como um fenômeno ideológico nos remete, ainda, à concepção


da ideologia do mercado.

Com apoio na obra Crítica de razão utópica, de Franz J. Hinkelammert,274  este


breve texto procura incitar a uma reflexão de como, em nome das relações
capitalistas de produção, configura-se o caminho de uma sociedade que se
legitima como a única alternativa possível.

Por um lado, diante das relações capitalistas de produção, sustenta-se que não
há alternativas e, por outro, que tais relações são as mais eficientes porque
produzem as maiores taxas de crescimento, de modo que seus valores passam a
ser considerados os mais corretos e humanos e sua eficácia formal se transforma
na ética dominante.

Qualquer alternativa pensada em relação a este quadro será considerada


utópica  – a própria utopia, então, passa a ser vista como algo diabólico. Isso
remete e coloca em cena o pensamento de Hayek na perspectiva da justiça e das
leis do mercado e como a ideologia do mercado se transforma na ideologia do
heroísmo do suicídio coletivo.

Em Hayek, em vez das leis da história, aparecem as leis do mercado e sua


sustentação ocorre na forma da assunção de um princípio totalitário em que a lei é
legítima como tal, sem admitir nenhuma moral que possa relativizá-la, ou seja, a lei
não admite uma moral que possa interpelá-la em nome de seus resultados.

Tal princípio conduz ao que Hinkelammert denomina de “suicídio coletivo da


humanidade”. Desse contexto, surge a necessidade de se travar uma batalha
contra aqueles que se atrevem a criticar o mercado e que têm como fundamento a
existência de um único direito, a saber, o de se ter uma economia de mercado, por
meio da qual toda resistência contrária é transformada num monstro diabólico que
nos leva para o inferno.

A rigor, as teorias neoliberais totalizam o mercado e reduzem a política a uma


aplicação de suas técnicas, relegando para o plano do resultado das distorções
que sofre o mercado a própria exclusão da população e o sofrimento humano.

O mercado é transformado no lugar da razão. A razão, na visão liberal, é vista,


portanto, como um mecanismo coletivo de produção de decisões como um
resultado do próprio mecanismo do mercado. A razão desse estranho
individualismo não é uma razão individual, seu ser mais íntimo é um  sacrificium
intellectus, a renúncia ao próprio juízo. Trata-se de um individualismo que nega ao
indivíduo sua razão subjetiva e individual. Tal individualismo, defende
Kinkelammert, é irracional e, no final das contas, anti-individual.

Nesse sentido, a seguinte passagem de Hayek é pontual:

A razão não existe como singular, como algo dado à pessoa particular e que esteja
à sua disposição, tal e como parece pressupor o procedimento racionalista; ao

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contrário, deve ser entendida como um processo interpessoal o qual a contribuição de


cada um é controlada e corrigida por outros.275

Hayek fala do mercado como o lugar de uma razão “coletiva milagrosa”. E,


dado que o mercado, como lugar desse “processo interpessoal” é uma instituição,
a razão verdadeira que é coletiva e milagrosa está no coração do sistema
institucional na mesma medida em que ali se encontra o mercado. Onde há
mercado há força superior, o ser humano somente pode calar, reconhecer e adorar.
O orgulho não reconhece o milagre. Aparece, então, a virtude central e chave da
ética neoliberal, derivada de sua marca categorial com a qual interpreta o mundo: a
humildade. Onde está o orgulho do utopista, que se lança à procura da justiça
social e contra o mercado, ali falta humildade frente ao milagre que somente os
corações singelos reconhecem:

A orientação básica do individualismo verdadeiro consiste numa humildade frente


aos procedimentos, por meio dos quais a humanidade conquistou objetivos que não
foram nem planejados nem entendidos por nenhum particular. A grande pergunta do
momento consiste em saber se vai ser admitido que a razão humana continue
crescendo como parte desse processo, ou se o espírito humano se deixará prender
com algemas que ele mesmo criou.276

Essa transfiguração ética nos permite inferir um pensamento neoliberal


propriamente teológico. Ao passar aos termos teológicos, temos o contraste entre
o positivo como Deus e o negativo como o Diabo.

O ponto chave (do modelo de um equilíbrio do mercado) tinha sido visto, bem
cedo, por aqueles notáveis precursores da economia moderna que foram os
escolásticos espanhóis do séc. XVI, os quais insistiam que aquilo que eles
chamavam  pretium mathematicum, o preço matemático, depende de tantas
circunstâncias particulares que só Deus pode conhecê-lo. Tomara que nossos
economistas matemáticos levem tal afirmação à sério!277

Esse Deus nada mais é que uma hipóstase do mercado e, ao mesmo tempo, o
Deus da burguesia. É aquele Deus que hoje já sabe algo que nenhum ser humano
pode prever: o câmbio do dólar amanhã. Um Deus desse tipo é um Deus que
santifica o  nomos  da sociedade burguesa e ele é confirmado por Hayek nas
seguintes palavras em entrevista reproduzida no jornal El Mercurio:

Nunca soube o significado da palavra Deus. Acredito que é de suma importância


na conservação das leis. Mas, insisto, como não sei o significado da palavra Deus,
não posso lhe dizer nem que creio nem que não creio em sua existência [...] Mas
também todos devemos admitir, simultaneamente, que nenhum de nós tem a posse
de toda a verdade, neste caso estou disposto a usar a palavra Deus. Ainda mais:
sempre que você não pretenda possuir toda a verdade, eu estaria disposto a trabalhar
de seu lado buscando Deus através da verdade.278

Deus como aquele que sabe tudo serve como um reflexo para a própria
visibilidade do diabo. No paraíso, Deus insinua ao homem que, comendo da árvore
do conhecimento, pode-se chegar até Ele. O diabo, então, seduz o homem à
pretensão do conhecimento.

Tal esquema teológico é manifestamente maniqueísta, pois transforma a


reivindicação da vida humana frente ao mercado em pecado do diabo e a defesa
do mercado como a mais absoluta legitimação. Por meio desse esquema, “Deus,
os homens humildes e o mercado, se enfrentam com Lúcifer, com os homens
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orgulhosos e com a justiça social numa verdadeira batalha do Messias que o


neoliberalismo protagoniza”.279

274

.HINKELLAMERT, Franz. Crítica da razão utópica. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 107.


275

.HAYEK, Friedrich von. “La pretension del conocimento”. Anflación o pleno empleo? Unión Editoria,
Madrid, 1976, p. 27.
276

.Ibidem, p. 47.
277

.Ibidem, p. 19-20.
278

.HAYEK, Friedrich von. Entrevista en El Marcurio, 1981, Santiago, Chile, 1981.
279

.HINKELLAMERT, Franz. Crítica da razão utópica. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 107.

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3.15.4. A crítica da ideologia e o associal integrado: a falsa consciência


esclarecida

Num jogo entre a noção originária de cinismo na Antiguidade e o cinismo


moderno, Sloterdijk revolve um campo fértil que permite um outro acesso à antiga
estrutura da crítica à ideologia.

O mal-estar na cultura assumiu uma nova qualidade ao aparecer como um


“difuso cinismo universal”, algo que reverbera com força a crítica da ideologia
tradicional, uma vez que ela não vê na consciência cínica desperta um ponto de
partida para o esclarecimento.

O cinismo moderno se apresenta como o estado de consciência que se segue


às ideologias ingênuas e ao seu esclarecimento. No cinismo moderno, o
esgotamento gritante da crítica ideológica tem sua razão de ser. Para o autor, a
sequência das formas da falsa consciência (erro, mentira e ideologia) está
incompleta e a mentalidade atual força o acréscimo de uma quarta estrutura a
saber, a do fenômeno cínico.

Ao assumir o cinismo universal como algo universal, instaura-se um paradoxo,


pois numa visão pontual sobre ele vê-se seu caráter não difuso, mas marcante;
não universal, mas peculiar e altamente universal.

O cínico na Antiguidade, cuja representação máxima é a figura de Diógenes em


seu barril, figura  – na tradição de análise dos tipos sociais  – como um trocista
desagregador, um individualista mordaz e ignóbil, uma figura urbana que mantém
sua conduta na engrenagem antiga da metrópole. Sua virada cínica contra a
arrogância e os segredos morais das instituições da alta civilização pressupõe a
cidade, com seus sucessos e fracassos, pois apenas na cidade, como imagem
reversa, que a compleição do cínico pode se cristalizar em toda sua plenitude, sob
a pressão do falatório público e do amor-ódio gerais.

A ligação com a modernidade, na via proposta por Sloterdijk, é construída


nessa relação com a cidade. O solo moderno do cinismo se encontra tanto na
cultura da cidade como na esfera palaciana, já que ambas produzem um realismo
maldoso, de onde os homens assimilam o sorriso oblíquo da franca imoralidade, do
qual decorre um saber distinto que se movimenta de maneira elegante entre meros
fatos e fachadas convencionais. Tanto pela via da inteligência urbana
desclassificada quanto pelo topo da consciência política, sinais testemunham
claramente uma ironização radical da ética e da convenção social. Enquanto os
poderosos sorriem, os plebeus (hynikoi) fazem ouvir uma gargalhada sarcástica.

Essa polarização entre um saber de cima e um saber debaixo, típico da


sociedade burguesa, com o tempo, acabou por levar a uma fusão “realista” desses
extremos. Hoje o cínico é um tipo das massas: um caráter social medíocre na
superestrutura elevada.

O cínico moderno é um tipo vulgar, não só porque a civilização industrial


avançada produz a solitária amargura como fenômeno de massa, mas porque as

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próprias cidades grandes se tornaram borras difusas, cuja força para criar  figuras
públicas universalmente aceitas se perdeu.

O cínico de massa moderno perde o ímpeto individual e se poupa do risco de


se evidenciar:

O cínico moderno é um associal integrado, páreo para qualquer hippie na falta de


ilusões subconscientes. A ele próprio, seu olhar mau e claro não surge como defeito
pessoal ou como mania amoral a ser justificada por ele mesmo. [...] Psicologicamente,
o cínico do presente deixa-se compreender como um caso limite de melancolia, que
mantém seus sintomas depressivos sob o controle e, em certa medida, pode
permanecer apto para o trabalho. Sim, é isso que importa ao cinismo moderno: a
capacidade de trabalho de seus representantes – apesar de tudo, e mesmo depois de
tudo. Há muito os postos-chave da sociedade pertencem ao cinismo difuso, em
diretorias, parlamentos, conselhos, gerências, leitorados, consultórios, faculdades,
chancelarias e redações.280

No novo cinismo integrado, tem-se presente frequentemente o sentimento


compreensível de ser vítima e fazer sacrifícios e desse campo é que resulta na
primeira definição de cinismo proposta por Sloterdijk, a saber, cinismo é a falsa
consciência esclarecida.

Temos sido parte de uma sociedade hedonista incapaz de viver autenticamente


o sofrimento ou o tédio. Sofremos da impossibilidade de sofrer e passar a maior
parte do tempo sob o efeito entorpecente de narcóticos que aliviem em nós a
possibilidade de confrontar a dimensão de nosso vazio (existência) é uma das
marcas características desse tempo.

Esse hedonismo desperta para a marca narcísica de nosso tempo. Na imagem


de uma completude e perfeição (instaurada no narcisismo primário), o sujeito se
reconhece e passa a gerar uma relação de amor consigo mesmo (eu-ideal), algo
que vai ser cultivado e defendido como necessidade da satisfação narcísica que se
transforma na demanda de ser objeto de amor de um outro. A dificuldade de
correspondência desse amor nos mostra que o narcisismo também está ligado à
morte (pulsão de morte).

Pensando na relação entre como, em nome das relações capitalistas de


produção, tem-se o caminho de uma sociedade que se legitima como a única
alternativa possível e como o cínico moderno é um ser “associal integrado” que
frequentemente apresenta o sentimento compreensível de ser vítima e fazer
sacrifícios (cinismo como falsa consciência esclarecida), tem-se um cenário em
que o próprio narcisismo ocorre numa forma de substituição. O narcisismo como
um substituto (ersatz) da pulsão de morte.

Em nossa sociedade, o narcisismo cada vez mais se espraia em sujeitos com


possibilidades de simbolização empobrecida, no uso obsessivo das redes sociais
não só em fóruns que se tornam locais de idolatria pela busca de reconhecimento,
mas nas excessivas postagens de selfies e de autopromoção, na supervalorização
dos corpos, do sucesso de si – pelo máximo desempenho – e no apagamento do
outro. Refletir sobre a ambiguidade de uma ética da sobrevivência narcísica hoje
em dia (em que o excesso narcísico se torna suicídio, tanto pela via da ideologia
de mercado como pela via do cinismo moderno) mostra-se urgente.

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Leitura recomendada

Básica

Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-)Direito e força de lei/lei. Panóptica. n. 4. ano
1. p. 65-81. Vitória, dez. 2006.

Intermediária

Jacques Derrida. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Trad. Leyla


Perrone-Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

Max Weber.  Os três tipos puros de dominação legítima. In: ______; Gabriel
Cohn (orgs.). 7. ed. São Paulo: Ática, 2003. n. 4. capítulo 4.

Avançado

Giorgio Agamben. O reino e a glória: uma genealogia teológica da economia e


do governo. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2011.

Agamben, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2.  ed., Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2010.

Walter Benjamin.  Para una crítica de la violencia. Trad. Héctor A. Murena.


Buenos Aires: Editorial Leviatán, 1995.

280

.SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. São Paulo: Estação Liberdade, 2012, p. 33.

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3.16. Conclusões principais

1) A questão inicial colocada foi a de que o direito é um fenômeno social e por assim ser representa, já há algum tempo,
uma ciência social com potencialidade de regular as relações humanas.

2) De modo fundamental, uma das preocupações foi a de demonstrar como o direito possui a característica histórica de
regular as relações sociais, ou seja, de como, desde as acepções mais primitivas sobre o conceito de direito até as mais atuais,
o direito serviu para regular e ordenar as relações sociais.

3) Por regular e ordenar as relações sociais, verificou-se que o exercício do direito tem como consequência compor conflitos
sociais, satisfazendo, em certo sentido, as necessidades sociais. Isso tudo sem perder de vista que o direito trabalha a todo
momento com o conflito (entre as partes, da coletividade para com o Estado, do Estado para com as partes ou com a
coletividades, entre outras) e é nesse conflito – e não meramente em suposta realização da paz social – que o direito recebe
sua maior representação de acontecimento.

4) Outro ponto em questão foi a demonstração de como a dogmática jurídica – responsável pela organização das ordens a
serem seguidas socialmente – representa um sentido estrito de ciência do direito e que no ato de seu manejo e aplicação deve-
se sempre ter em vista a dimensão de sua função social, para se evitar atos de mera força e, portanto, não legítimos
juridicamente.

5) Há extrema importância no asseguramento pelo direito do exercício político-jurídico do Estado. Enquanto o direito é uma
forte ferramenta do Estado, este não pode dele se valer para fins não legítimos, cabendo até mesmo ao direito funcionar como
limitador do exercício político do Estado.

6) Na relação entre direito e violência, buscou evidenciar como o direito gera sempre minimamente uma violência simbólica,
que em certos casos pode vir a se tornar um ato de força real, causando até mesmo a suspensão do próprio e legítimo Estado
de Direito. Neste tópico, foi colocada ainda a questão do porquê os homens obedecem e até quando é legítima essa
obediência, com o intuito de demonstrar de que maneira o direito representa uma ficção construída por nós, homens, para a
possível guarida de nossas relações sociais.

7) Os termos biopoder e biopolítica são apresentados para revelar como a partir dos séculos XVII e XVIII puderam ser
identificadas novas situações envolvendo o poder do Estado e o seu relacionamento com os seres humanos num exercício
complexo de dominação e domesticação. De forma inicial, essa abordagem também permitiu introjetar a possibilidade de uma
análise crítica dos direitos humanos, discutida na sequência.

8) Os campos de concentração na segunda guerra mundial representaram uma profunda experiência sobre a condição dos
homens e sua dignidade. Nesta parte, do texto, procuramos explorar como as experiências sociais nos campos de
concentração eram devastadoras a ponto de esvaziar a dignidade das pessoas que lá se encontravam. O conceito de dignidade
ocupa certo destaque e servo de base para mostrar como a experiência do constitucionalismo contemporâneo levou em conta
esse fator histórico para projetar suas ideias e propostas.

9) Por fim, na abordagem sobre direito e poder, de modo particular, apresentamos como muitas vezes esses dois conceitos
parecem se confundir ou se reduzir mutuamente, a ponto de um se tornar completamente o outro. A conclusão é de que o
processo civilizatório do ocidente foi marcado profundamente pela relação entre o direito e o poder e a reflexão sobre eles ainda
é uma das principais questões para lidar com os problemas jurídicos na atualidade.

10) Na polêmica discussão sobre a soberania entre Kelsen (positivismo jurídico) e Schmitt (decisionismo), é possível
identificar uma profunda reflexão cujo ponto fulcral seria mostrar como ambas as teorias se aproximam no esforço de
demonstrar a racionalidade jurídica permeada pela violência. A exploração amiúde dessa reflexão revela o pensamento de
Walter Benjamin como antípoda dessa polêmica, pois, para ele, a violência é uma figura resistente às estratégias colonizadoras
do direito, de tal forma que pensar uma violência pura equivale a pensá-la emancipada, sem relação com as categorias –
formas – do direito, uma vez que o direito em sua forma histórica se apresenta desde sua origem como um dispositivo
sangrento, de barbárie, que assegura paradoxalmente ao mesmo tempo dominação e inclusão.

11) A constatação de que o direito é um fenômeno ideológico nos remete a uma reflexão sobre os sentidos da ideologia na
história e como sua conceituação é paradoxal. Se, por um lado, não há como pensarmos sem promover alguma ideologia,
também não é factível que a ideologia à qual nos inclinamos chegue a nos impedir de ao menos ouvir o outro lado. Atualmente,
a ideologia de mercado tem trazido desafios interessantes para o direito, pois as modificações sociais que ela impõe, num
contexto cada vez mais complexo de sociedade, traz novos desafios para a criação e aplicação do direito.

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Segunda Parte – Quais os


Fundamentos do Direito?
Noções Elementares sobre
Epistemologia, Validade e
Legitimidade do Direito

4. Direito e Ciência

4.1. O que é Ciência? Conceito Elementar

Explica Mário Ferreira dos Santos que, etimologicamente, ciência vem da


palavra latina scire que significa saber.

Cabe notar que, inicialmente, a partir do sentido etimológico, a ciência seria a


ideia do saber e, neste caso, para os gregos, toda a espécie de saber, pois a ideia
de ciência (epistéme) se contrapunha ao chamado saber vulgar (doxa),
significando todo saber culto, especulado, teórico, que se contrapunha aos
conhecimentos prováveis de  doxa  (opinião) e da fé. Neste sentido, incluía-se a
filosofia, outra forma de sophia (sabedoria).1

Na idade média, o termo prossegue basicamente com o mesmo significado do


que o grego, como um conhecimento das coisas, do que infunde ser e razão ao
objeto conhecido, enquanto, somente na Idade Moderna, tomou um sentido mais
limitado, afastando-se a filosofia. Nesse momento, a ciência passa a ter como
objeto fatos reais.

Segundo Eric Hobsbawn (no 15.º  capítulo de sua obra  Era das Revoluções,
denominado A ciência),  as ciências na idade moderna também refletiram em sua
marcha o que ele nomeia de “revolução dupla”, em parte, porque esta lhes colocou
novas e específicas exigências, em parte, porque lhes abriu novas possibilidades e
confrontou-as com novos problemas, e, por fim, também porque sua própria
exigência sugeria novos padrões de pensamento.2

A referência de seu pensamento está centrada na considerada evolução das


ciências entre 1789 e 1848, sob a advertência de que tal evolução não possa ser
analisada exclusivamente em termos dos movimentos da sociedade que as
rodeavam.

Enquanto a revolução matemática passou despercebida, exceto para alguns


especialistas em assuntos notórios, por sua distância da vida cotidiana, a

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revolução nas ciências sociais, por outro lado, não podia deixar de abalar o leigo.
Os racionalistas clássicos traziam a ousada inovação ao demonstrar que algo
como leis logicamente compulsórias era aplicável à consciência e ao livre-arbítrio
humano. São proposições deste tipo que constituem a força dos sistemas de
raciocínio dedutivo criados pela economia política, principalmente na Grã-
Bretanha, e, em menor intensidade, nos velhos centros de ciências do século XVIII,
a França, a Itália e a Suíça.

O conceito básico – e amplo – de ciência se apresenta como uma modalidade


de conhecimento metódico e sistemático, que investiga e estabelece leis que
regem a produção e modificação dos fenômenos ou as relações constantes de
acordo com as quais eles ocorrem. É um tipo de conhecimento objetivo, cujas
doutrinas ou sistemas são passíveis de verificação, por observação empírica ou
demonstração racional.

Por essa razão, a ciência é considerada um modo de conhecimento positivo e


objetivo, distinto de opinião e crença, sustentadas com base na aparência ou em
razões de ordem subjetiva.3

4.1.1. A questão do conhecimento: senso comum, conhecimento científico


e conhecimento filosófico

4.1.1.1. O senso comum e o sentido comum teórico dos juristas

A expressão senso comum adquiriu significações diferentes no decorrer


histórico. Primeiramente, Aristóteles cunha o conceito como a capacidade geral de
sentir; já nos escritores clássicos latinos tinha o significado de costume, modo
comum de viver ou falar; em Kant, senso comum é “o princípio do gosto”, da
faculdade de formar juízos sobre os objetos de sentimento em geral.4

Hodiernamente, a expressão é cunhada com um significado análogo,


caracterizado por um pensamento coletivo massificado, essencialmente técnico,
não teórico e acrítico, que compõe as linguagens cotidianas comuns, pelas quais
os membros da sociedade intercomunicam-se.

Em observação às características demonstradas, nota-se que o senso comum


se desenvolve a partir de um aspecto do ser já convalescido nas relações de
interação entre os homens, em razão da sua composição linguístico-comunicativa
imanentemente acrítica, ou seja, há uma reciprocidade entre o ser e sua relação
social e, no desenvolvimento dessa relação, se estratifica o senso comum.

Podemos estabelecer, portanto, que o senso comum tem como características


ser assistemático, por não possuir nexo com outros conhecimentos, por não
perfazer uma sistematização; ambíguo, pois traz sobre uma mesma explicação às
vezes realidades diferentes; é também eminentemente prático, ou seja, não
perceptivo, não produz teorias explicativas; e, por fim, casual, de maneira que o
adquirimos à medida que as circunstâncias o vão ditando no limite dos casos
isolados.5

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Segundo Agostinho Ramalho Marques Neto, sobre o senso comum “partindo da


presunção que os fatos não mentem, o senso comum postula que o conhecimento
verdadeiro é totalmente adequado ao seu objeto, não contendo senão uma
reprodução fiel dos fatos (...) é, por assim dizer, de um consenso de opiniões, que
o conhecimento comum retira sua veracidade”.6

Dessa forma, não há que se dizer que o senso comum seja falso, às vezes, é
verdadeiro, falta a ele, entretanto, suficiente sistematização racional, bem como um
posicionamento crítico perante o ato mesmo de conhecer.7

Suprimindo a referência do senso comum ao campo jurídico, ou seja, a


possibilidade do desenvolvimento do senso comum no aspecto jurídico-científico,
Luiz Alberto Warat se refere ao termo “sentido comum teórico” como um quadro de
referência imaginário que, através da verdade, organiza a vida social no interior de
um paradoxo. Em suas palavras, “em nome da razão madura se consegue a
infantilização dos atores sociais. Eles não conseguem mais pensar por si, pensam
a partir da mediação que o Estado exerce sobre a produção, circulação e recepção
de todos os discursos de verdade”.8

Na verdade, esta é a primeira caracterização abarcada pelo autor sendo tecidas


outras duas de considerável observação.

A segunda se refere a “um complexo de significações pré-discursivas que


compõem, simultânea e articuladamente, o imaginário gnoseológico das ciências
humanas e de seu contorno epistemológico”.9 Neste sentido, procura elucidar que
o sentido comum teórico com múltiplas instâncias significativas não pode ser
discursivamente apreendido, devendo, portanto, ser derivado, ultrapassando suas
marcas discursivas, ou seja, precisa que se opere sobre os discursos da verdade
das ciências humanas.

A terceira e última forma que se perfaz relevante quanto ao sentido comum


teórico é como conjunto de elementos integrantes de uma  doxa  (opinião)
ilusoriamente “elucidada”, como uma racionalidade jurídica ocidental que se
manifesta subjacentemente aos discursos do direito.10

Ao tratar sobre uma racionalidade subjacente, devemos nos voltar ao


entendimento do funcionamento e dos efeitos do discurso jurídico no mundo social.
Tais efeitos transformam o sentido comum teórico em ratificador do próprio
discurso, se torna como elucida Warat “o lugar secreto” das verdades jurídicas.

O que se procura demonstrar através da presente exposição é que o sentido


comum teórico do direito o direciona a uma irrealidade do cotidiano social, sem
condições de captar as necessidades sociais e que, se vislumbrado fosse tal
aspecto, a partir de uma autocorreção (crítica), se poderia fazer brotar o
conhecimento real sociojurídico, ou seja, através de tal atitude a aplicação do
Direito poderia se praticar um Direito mais próximo da realidade social.

O sentido comum teórico dos juristas é representado atualmente por uma


parcela da mentalidade jurídica  – dos chamados operadores do direito  – que
muitas das vezes, preocupados apenas com a técnica e o caráter praxista do

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exercício desta técnica, acabam por fazer do Direito um mero instrumento


mecânico, sem compromisso e rigor de estudo e investigação, para solucionar
casos concretos que acabam sendo tratados e resolvidos de forma obsoleta e sem
a devida atenção aos problemas reais da vida que ali estão sendo enfrentados.11

.Mário Ferreira dos Santos. Dicionário de filosofia e ciências naturais. São Paulo: Matese, 1963.
vol. 1, p. 266.
2

.Eric Hobsbawm. Era das revoluções. 25.  ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. p.  198. Sobre essa
passagem, cf. ainda Henrique Garbellini Carnio e Alvaro de Azevedo Gonzaga.  Curso de
sociologia jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 38 e 39.
3

.Nicola Abbagnano. Diccionario de filosofia. 4. ed. Trad. José Esteban Cálderon e outros. México:
FCE, 2004. p. 158.
4

.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 872 e 873.
Segundo Kant, sobre o senso comum: “tal princípio só poderia ser considerado senso comum, que
é essencialmente diferente da inteligência comum, que às vezes também é chamado de senso
comum (sensus communis), pois esta não julga conforme o sentimento, mas conforme conceitos,
embora se trate em geral de conceitos obscuramente representados”. Immanuel Kant.  Primeira
introdução à crítica do juízo in Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
5

.Agostinho Ramalho Marques Neto.  A ciência do direito: conceito, objeto, método.  2.  ed. Rio de
Janeiro: Renovar. 2001. p. 46.
6

.Idem, ibidem.
7

.Idem, ibidem.
8

.Luis Alberto Warat. Introdução geral ao direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2002. p. 69.
9

.Idem, p. 71.
10

.Idem, p. 72.
11

.Segundo Warat, ao se referir sobre o sentido comum teórico: “estamos diante de um mito
importante que precisamos desvelar-descobrir expondo à crítica a própria noção de verdade.
Neste sentido teríamos que demonstrar uma presença ética, ideológica e política que fundamenta
uma vontade de verdade fora de todo o controle epistemológico. Dito de outro modo, que existe
uma doxa no coração da episteme: o sentido comum teórico”. Luis Alberto Warat. Op. cit., p. 99.

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4.1.1.2. O conhecimento científico

A par das considerações explicativas sobre o conceito de ciência no início deste


tópico, cabe ainda pontuar alguns aspectos sobre a forma como o conhecimento
dito científico se apresenta e se aproxima do Direito.

Um dos primeiros pensadores gregos que se referiu ao tema da ciência foi


Aristóteles, ao conceber a ciência como o conhecimento da coisa como ela é, ou
seja, o conhecimento de sua necessidade, de suas causas e relações. A definição
aristotélica demonstra que, para os gregos, o conhecimento científico era de
validez universal e que captava a essência dos fenômenos. Para o processo deste
conhecimento, o instrumento, o método, inicialmente utilizado, era a lógica formal e
a matemática.12

O interessante de se notar é que Aristóteles por mais que se refira a um


conhecimento científico, afirma também que existia um conhecimento que era
efetivamente ético e pragmático, a prudência. Esse tipo de conhecimento se referia
ao valor e à utilidade das coisas, sendo destinado para a produção de um padrão
capaz de avaliar a correção e justeza do comportamento humano.

Enquanto o instrumento básico do conhecimento científico era o pensamento


lógico formal e matemático, na práxis  prudencial, o instrumento básico seria a
dialética, que consistia numa técnica para confrontar opiniões contraditórias.13

Como referido anteriormente, o pensamento grego sobre a ciência ficou


tematizado também na Idade Média e somente na Idade Moderna, com a
“revolução das ciências”, é que se passa a ter um sentido de estudo científico
como ideia técnica que irá se incorporar plenamente em nossa atual sociedade, na
qual efetivamente há o predomínio de um pensamento  – e forma de vida  –
predominantemente técnico-científico.

Um dos autores que apresentou um detalhe interessante sobre o conhecimento


científico, apesar das críticas passíveis a serem feitas, foi Karl Popper.

Segundo Karl Popper, os pontos fundamentais para o conhecimento científico


(natural) seriam:14

1. Ele parte dos problemas, e tanto dos problemas práticos como dos teóricos
(exemplo de um problema importante de natureza prática é a luta da medicina
contra os sofrimentos evitáveis, advertindo que tal luta já teve algumas
consequências consideráveis, como a relação entre a explosão demográfica e a
ideia do controle de constitucionalidade.)

2. O conhecimento é uma procura da verdade  – a procura de teorias


explicativas, objetivamente verdadeiras.

3. O conhecimento não é a procura da certeza. Errar é humano  – todo o


conhecimento humano é falível e, consequentemente, incerto. Disso decorre que
se deva estabelecer uma distinção rigorosa entre a verdade e certeza.

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A partir destas considerações fundamentais, Popper vai definir que o saber


científico é sempre hipotético, um saber conjectural, cabendo ao conhecimento
científico o método crítico, que seria oposto ao conhecimento dogmático, e serviria
como um método de pesquisa e de eliminação do erro ao serviço da busca da
verdade.

O questionamento principal que vai ser colocado na modernidade em termos de


um predomínio técnico-científico da vida se relaciona com o crescente
desenvolvimento dessa sociedade e a complexidade que ela envolve.

Essa realidade acaba oferecendo situações que tornam as ciências na sua


forma usual de trabalho um tanto quanto obsoletas ou, no mínimo, insuficientes em
certos casos, por não se conseguir oferecer solução para problemas novos que
surgem e precisam ser resolvidos. É nesse ambiente que se inserem e surgem as
novas ciências  – e novos ramos do direito também enquanto estudado
cientificamente – como, por exemplo, a ecologia, a bioética, a genética etc.

Nesta dimensão é que surge a importante noção de paradigma cunhada por


Thomas S. Kuhn em sua obra  A estrutura das revoluções científicas, na qual se
afirma que o paradigma de uma ciência pode ser definido como o conjunto de
valores expressos em regras, tácita ou explicitamente, acordadas entre os
membros da comunidade científica. Ao paradigma, também se integra uma
determinada concepção geral sobre a natureza dos fenômenos estudados por
dada ciência, bem como sobre os métodos e conceitos mais adequados para
estudá-los.

Por essa caracterização, para Khun, explica-se o fato de que os paradigmas, tal
como outras ordens normativas, entrem em crise e se rompam por meio de
revoluções quando não se consegue a partir deles se explicar certas “anomalias”.

Nesse sentido, a questão seria ultrapassar a problemática dessas “anomalias”,


com a tentativa de criação de uma capacidade de se romper com os paradigmas
vigentes nas mais diversas ciências ou, no mínimo, gerar uma “crise de
paradigmas” pelo fato de não oferecer explicações suficientes e satisfatórias aos
problemas ocorrentes.15

A dimensão atual do estudo científico certamente necessita deste tipo de


enfrentamento, pois até que ponto a ciência pode fornecer todas as respostas que
precisamos? Há ainda uma crença inabalável nas ciências? Em qual dimensão, a
ciência pode contribuir para a vida?

As perguntas lançadas estão inseridas na realidade do pensamento atual sobre


a ciência e suas respostas prontas a serem colocadas na diversidade de
tratamento que os próprios temas científicos apresentam.

12

.Sobre a forma aqui exposta sobre o conceito de ciência em Aristóteles, cf. Willis Santiago Guerra
Filho e Henrique Garbellini Carnio.  Teoria da ciência jurídica. 2.  ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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p. 32.
13

.Aristóteles.  Arte retórica. In: ______.  Arte retórica e arte poética. Rio Janeiro: Tecnoprint, [s/d].
cap. 19, n. IV, 12, p. 33. Cf. também o capítulo 1 e o conceito de dialética e phronesis.
14

.Sobre toda a exposição neste tópico sobre Popper, cf. Karl Popper.  Em busca de um mundo
melhor, 1.  ed.: 1989; 2.  ed.: 1989; 3.  ed.: 1992. Seria ainda esclarecedor a seguinte passagem:
“(Se quiere) distinguir entre la ciencia y la pseudo-ciencia, (...)”. (§  I, p.  57) “(...) el problema que
traté de resolver al proponer el criterio de refutabilidad no fue un problema de sentido o
significación, ni un problema de verdad o aceptabilidad, sino el de trazar una línea divisoria (en la
medida en que esto pueda hacerse) entre los enunciados, o sistemas de enunciados, de las
ciencias empíricas y todos los otros enunciados, sean de carácter religioso o metafísico, o
simplemente pseudo-científico. Años más tarde, probablemente en 1928 o 1929, llamé a este
primer problema el ‘problema de la demarcación’. (...)” (§  II, p.  63-64). Karl Popper.  La ciencia:
conjeturas y refutaciones (1965). Buenos Aires: Paidós, 1967. cap. 1, §§ I-X, fragmentos.
15

.Thomas Samuel Khun.  A estrutura das revoluções científicas. Trad. César Mortari. São Paulo:
Unesp, 2006.

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4.1.1.3. O conhecimento filosófico

A palavra filosofia significa amante (philos) do saber (sophia) e teria sido


cunhada por Pitágoras. Na filosofia, há um saber comum e um saber especulativo,
procurado, buscado, um saber reflexivo.16

Compreender sobre o sentido da filosofia nos remete a uma questão muito bem
colocada pelo filósofo alemão Martin Heidegger, a saber: “que é isto  – a
filosofia?”.17

A abordagem heideggeriana retorna ao sentido originário da filosofia buscando


as raízes, a atitude do filosofar, bem como o seu fim e começo.

A filosofia que determina toda a base e desenvolvimento do pensamento


filosófico ocidental nasce na Grécia, com a indagação inicial sobre o Ser das
coisas, nos pensadores da chamada escola Jônica, na Grécia do século VI a.C.,
por autores como Tales de Mileto, Anaximandro e Anaximenes.18

A partir da conceituação grega, pode se apreender o ponto de partida inicial


para o caminho de uma discussão acerca da filosofia.

Há uma ligação nomeada pela palavra filosofia ao seu diálogo que se dá em


relação a uma tradição historial. Assim, a questão acerca da filosofia é carregada
de historicidade e não simplesmente de cunho histórico, ou seja, carrega em si um
destino, nosso destino, uma questão historial de nossa existência.

A filosofia se insere nesse sentido na perquirição da procura do que é o ente


enquanto é, ela está a caminho do ser do ente, do ente sob o ponto de vista do ser.

A pergunta sobre a filosofia nos leva para uma resposta filosofante que se inicia
e se abre no diálogo com os filósofos, a resposta à filosofia é muito mais a
[co]respondência que corresponde ao ser do ente.

Enfim, o que se quer dizer é que não se encontra a resposta da questão o que
é a filosofia através de enunciados históricos sobre as definições da filosofia, mas
através do diálogo com aquilo que se nos transmitiu como ser do ente.

Assim, acertadamente, é preciso entender que a filosofia não pode


simplesmente elaborar assertivas com pretensão a serem verdadeiras, mas
também não deve limitar-se a emitir meras opiniões, tornando-se “filodoxia”
(diletantismo intelectual que se satisfaz apenas em suscitar problemas filosóficos,
sem pretender chegar a conclusões que possam ser universalmente aceitas),
solipsismo, uma “questão de gosto”, livre de qualquer parâmetro racional de
avaliação de seus resultados, pois isso a tornaria mera ideologia.19

Daí a importância de se identificar o sentido da filosofia, do pensamento


filosófico, a partir e em comparação com a época atual, em cuja forma de
pensamento dominante é a técnico-científica.

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Ao fazer esta identificação, o que se descobre é a ocorrência de uma crise da


filosofia que se manifesta nos tempos atuais em seu sentido e em relação a sua
autonomia; tempos estes entendidos como pós-modernos ou mesmo
hipermodernos, que se contextualizam numa abertura filosófica pós-metafísica e
até mesmo pós-filosófica.20

Portanto, nesse contexto de abertura filosófica, surge o pensamento da filosofia


do (no) direito e sua correspondente crise, que indaga a possibilidade de uma
filosofia do direito e não simplesmente uma filosofia dos juristas, isso faz surgir
uma perquirição filosófica sobre a compreensão da própria filosofia do direito  tout
court em relação aos seus aportes teóricos, práticos e acadêmicos.

A partir destas considerações iniciais, cabe então propor quais seriam as


principais características possíveis de ser destacadas sobre o conhecimento
filosófico.

1) Reflexividade da filosofia: sua  reflexividade  significa que ela, a filosofia, se


coloca como objeto a ser conhecido por ela própria. A filosofia permite uma
instância constante de indagação permanente de si mesma e de tudo o mais que o
ser humano produz e adquire em termos de conhecimento.

2) Circularidade da filosofia: a circularidade serve para indicar o fato de que não


há, em filosofia, como há na ciência, um “progresso do conhecimento”, pois
sempre se volta às mesmas questões, que em tempo e lugar diferentes requerem
respostas diversas, sem que, por isso, perca-se o interesse pelas respostas dadas
pelos filósofos de outros tempos e lugares; muito pelo contrário, pois dessas
respostas, ao se recolocarem as perguntas que a suscitaram, extraem-se
esclarecimentos antes ainda não percebidos.

3) Busca de totalidade de explicações: a filosofia tudo pretende explicar, numa


investigação globalizante, ao contrário da ciência, com sua marcada tendência à
especialização (e consequente fracionamento) do conhecimento.

4) Pensamento conjectural: segundo Platão, conjectura é o menor grau de


conhecimento sensível, aquele que tem por objeto as sombras e as imagens das
coisas, assim como a opinião, no mesmo grau sensível, tem por objeto as próprias
coisas (Rep., VI, 510 e 511). Nicolau de Cusa retomou essa palavra para indicar a
natureza de todo conhecimento humano, que, como conjectura, seria um
conhecimento  por alteridade, isto é, que remete ao que é outro, à verdade como
tal, e só por essa razão está em relação com a verdade e dela participa.

O conhecimento filosófico, portanto, se lança na perspectiva de um saber


reflexivo, especulativo e crítico apto a fornecer subsídios e elementos para as
instâncias da vida humana em todas as suas projeções.

Leitura recomendada

Básica

Mário Ferreira dos Santos.  Dicionário de filosofia e ciências culturais. São


Paulo: Matese. vol. 1, verbete ciência.
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Intermediária

Karl Popper. Em busca de um mundo melhor (1. ed.: 1989; 2. ed.: 1989; 3. ed.:


1992). São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Aristóteles.  Arte retórica. In: ______.  Arte retórica e arte poética. Rio Janeiro:
Tecnoprint, [s/d]. cap. 19.

Avançada

Thomas Kuhn. A estrutura das revoluções científicas. Trad. César Mortari. São


Paulo: Unesp, 2006.

Paul Feyeraband. Contra o método. 2. ed. São Paulo: Unesp, 2011.

16

.Mário Ferreira dos Santos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Matese, 1963.
vol. 2, p. 658.
17

.Cf. Martin Heidegger. Que é isto – a filosofia? Identidade e diferença. São Paulo: Vozes, 2006.
18

.Sobre o conceito de conhecimento filosófico aqui esboçado, Cf. Willis Santiago Guerra Filho e
Henrique Garbellini Carnio. Teoria da ciência..., cit., p. 2-12.
19

.Cf. Willis Santiago Guerra Filho. Para uma filosofia da filosofia. Fortaleza: UFC  – Casa José de
Alencar Programa Editorial, 1999.
20

.Cf. Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da
filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003.
p. 7-19.

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4.2. Direito como Ciência

Quando se menciona o conceito de ciência jurídica, a estrutura de significados


que primeiro vem à presença é aquela que aponta para a construção de um
conhecimento rigoroso para o direito. Dizendo de melhor maneira: o conceito de
ciência jurídica indica a elaboração de uma série de elementos  – ferramentas  –
que permitam acessar, de um modo rigoroso, o conhecimento das
chamadas formas jurídicas.

Certamente, o modelo de “rigor” que fez mais sucesso no ambiente da ciência


jurídica contemporânea foi aquele praticado a partir de uma analogia com o
método das ciências da natureza, em especial da matemática, que gestou e gerou
a construção dos grandes modelos sistemáticos de conhecimento do direito, cujo
apogeu pôde ser sentido no século XVIII.

Todavia, não podemos buscar no conceito de ciência jurídica apenas o objetivo


de rigor e certeza do conhecimento por ela obtido. Na verdade, a ciência jurídica
constitui-se de uma série de procedimentos que foram pensados e produzidos
muito antes da revolução científica do século XVII que instituiu o paradigma
científico que, ainda hoje, nos imprime significado.

Com efeito, é possível dizer que a configuração de uma ciência jurídica é um


elemento fundamental da tradição jurídica ocidental. Isso porque, pelo menos
desde o século XII, os estudiosos do direito compuseram uma série de estudos
dispostos a ordenar e sistematizar os conjuntos informes de textos normativos.

Autores como Harold Berman chegam a afirmar, inclusive, que, na verdade, a


ciência jurídica é que representa uma espécie de “protótipo” das ciências
ocidentais (modernas) e não o contrário. Nas palavras do autor: “uma ciência, no
sentido ocidental moderno, pode ser definida por três conjuntos de critérios: o
critério metodológico, o da validade e o sociológico. Por qualquer um dos três, a
ciência dos juristas do século XII foi a progenitora das ciências ocidentais
modernas”.21

Nessa medida, é interessante anotar que essa ciência jurídica surge a partir da
formação da universidade de Bolonha cujo núcleo dos estudos era o Direito
romano compilado por Justiniano que foi nomeado – pelos juristas do século XI –
de corpus juris civilis.

Esse elemento, do estudo universitário constituidor de uma ciência jurídica,


somado ao direito canônico, compõe o que era chamado  jus commune  (direito
comum). Como afirma Berman, o direito romano de Justiniano era estudado tanto
em Edimburgo quanto na Sicília e, do mesmo modo, o direito canônico deveria ser
cumprido em todos os territórios submetidos à jurisdição do Vaticano.

Percebe-se, assim, que a constituição do direito como uma ciência – dotada de


certa generalidade – está profundamente enraizada na cultura jurídica ocidental.

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O que veremos aqui é como esse modelo germinal de ciência jurídica instituído
na idade média desaguou na modernidade, produzindo o conhecimento jurídico
com o que hoje operamos.

Leitura recomendada

Básica

Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental.


São Leopoldo: Unisinos, 2006. vol. 1, cap. 3.

_____. Law and Revolution. Cambridge: Harvard University Press, 1983. vol. 1,


cap. 3.

Intermediária

Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3.  ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. cap. 3.

Tercio Sampaio Ferraz Junior. Ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991.

Avançada

Harold J. Berman.  Law and Revolution, vol.  2. Cambridge: Harvard University


Press, 2003.

4.2.1. A ciência do direito: um excurso histórico das diversas perspectivas


(historicismo, finalismo e positivismo)

A ideia da construção  racional  de um sistema jurídico  – perfeitamente


formulado em termos lógicos objetivos  – foi uma manifestação teórico-cultural,
inaugurada com o humanismo renascentista, no interior da qual se buscava
afirmar, num espaço discursivo situado dentro de um universo humano-racional,
um modelo de pensamento que conseguisse captar as formas jurídicas naturais
que a razão poderia demonstrar a partir da lógica. Demonstração a partir da lógica
significava: um desprendimento do conhecimento jurídico das estruturas teológicas
que sempre o seguiram muito proximamente; representava a afirmação de um
modo autônomo com relação aos modelos teológicos anteriores (sem embargo dos
elementos teológicos que, implícita ou explicitamente, apareciam nesse discurso
“secularizado” de construção lógico-sistemática do pensamento jurídico).22

Nesse âmbito de análise, portanto, o que aparece como conhecimento rigoroso


e racional do direito é aquele que pode ser recomposto de um modo lógico-
sistemático. Assim, há rigor e há razão (no direito)  – epistemologia  – onde
houver sistema.

Já na segunda metade do século XIX, esse modelo matemático-sistemático de


ciência jurídica passa a sofrer, paulatinamente, uma dura contraposição por parte
de alguns importantes teóricos. De uma maneira geral, o ataque se dá a partir da
alegação de que essa excessiva preocupação com o rigor sistemático do
conhecimento levava à análise dos problemas jurídicos a um nível de abstração
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completamente desconectado da realidade social, do tecido básico que dá origem


aos problemas do direito. Para esses autores, era preciso atrelar o estudo do
direito à origem social dessa disciplina, ou seja, era necessário saber perceber
qual é a “finalidade do direito”, como diria o segundo Jhering23  –, suscitando as
bases genéticas dos interesses que constituem os conflitos que o direito pretende
resolver.

Embora não seja dito com frequência, a primeira tentativa de resposta a esse
caos sistemático das finalidades e dos interesses somente será oferecida por
Hans  Kelsen, com a construção de sua “Teoria pura do direito”. De fato, em sua
obra, Kelsen continuava a perseguir o tipo de rigor lógico que inspirava o
dedutivismo da Jurisprudência dos Conceitos, porém, sabia que os instrumentos
por ela utilizados eram insuficientes para garantir precisão epistemológica para a
ciência jurídica. Ademais, ele conhecia as críticas formuladas pela  jurisprudência
dos interesses  e pelo  movimento do direito livre  em relação ao problema da
determinação do papel do juiz no preenchimento das chamadas lacunas e sabia
que o dogma da completude dos significados dos conceitos que compõem a lei –
em especial os códigos – não podia mais ser defendido àquela altura da história.

A saída encontrada por Kelsen foi estabelecida a partir de uma fratura


entre  conhecimento  e  vontade.24  Explicamos: a construção epistemológica
kelseniana está alicerçada na clássica dicotomia razão vs.vontade. Assim, todas as
questões reivindicadas pelos interesses, finalidades etc. Kelsen atira para dentro
daquilo que ele chamou de  políticajurídica, que se manifesta, em termos
kelsenianos, na interpretação que os órgãos jurídicos competentes formulam sobre
o direito. Portanto, são reunidos no interior da esfera de atos voluntaristas
daqueles que lidam com o direito; ao passo que a ciência do direito se interessa
pelo  conhecimento  das normas jurídicas (e não de sua “aplicação”), sendo que
essa interpretação é regulada por determinados pressupostos lógico-sistemáticos
desenvolvidos no ambiente de sua teoria pura.25 Nesse aspecto, portanto, Kelsen
se movimenta em um metadiscurso que fornece uma interpretação logicamente
rigorosa do complexo “mundo normativo”. Assim, Kelsen retoma a ideia de um
sistema estruturado a partir de uma rigorosa cadeia lógico-dedutiva, mas que não
se encontra atrelado à atividade das autoridades  – órgãos  – que efetivamente
“aplicam” as normas jurídicas.

Esse ponto é de fundamental importância não apenas para compreensão


correta da obra de Kelsen, mas também para se compreender corretamente o que
se passava com o direito nos anos de chumbo das três primeiras décadas do
século  XX.26  Com efeito, aquilo que era postulado pelos movimentos teóricos da
ordem de um positivismo mais sociológico (jurisprudência dos
interesses e  movimento do direito livre) era duramente criticado por Kelsen, pois,
segundo ele, esse tipo sociológico de ciência jurídica estava completamente
contaminado  – ou mantinha retida a possibilidade de se contaminar  – pelo
problema das visões de mundo e das ideologias que se apresentavam, de um
modo cada vez mais forte, nas movimentações políticas de então.

Mas, para retirar a ciência jurídica desse pântano movediço das ideologias,
Kelsen também não aceitava as respostas axiologistas que eram dadas por
aqueles discursos ainda atrelados a um certo jusnaturalismo. Seu profundo vínculo
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com o ceticismo do empirismo lógico do Círculo de Viena deixara nele marcas


profundas de um relativismo moral que não aceitava uma instância superior,
constituída a partir de um conceito de natureza, que regulasse o conteúdo do
direito humano concreto, isto é, positivo. Em sua crítica aos diversos naturalismos,
Kelsen afirma, inclusive, que os modelos  jusnaturalistas  não deixavam de se
vincular, de algum modo, a uma ideologia. Para ele, o único modo de deixar o
caminho livre dessas ramificações ideológicas do direito seria o caminho de sua
Teoria Pura.

Leitura recomendada

Básica

José Lamego.  Hermenêutica e jurisprudência. Análise de uma recepção.


Lisboa: Fragmentos, 1990. par. 1.

Intermediária

Federico Fernández-Crehuet López.  La perspectiva del sistema en la obra y


vida de Friedrich Carl von Savigny. Granada: Editorial Comares, 2008.

Avançada

Friedrich Carl von Savigny.  Sistema del derecho romano actual. 2.  ed. Trad.
Jacinto Mesía e Manuel Poley. Madrid: Centro Editorial de Góngora, 1933. vol. 1.

21

.Cf. Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental. São Leopoldo:
Unisinos, 2006. p. 190.
22

.De se notar que esse processo de secularização do Direito e da afirmação de uma autonomia
relativa deste com relação às questões teológicas teve seu marco inicial não com a modernidade
jurídica, mas, sim, com os movimentos que se seguiram à revolução papal (também chamada
gregoriana) na segunda metade do século XI, no período histórico conhecido como Baixa Idade
Média. A partir desses movimentos, as linhas definidoras dos espaços de regulamentação
eclesiásticos e dos espaços de regulamentação seculares ficaram mais nítidas. Antes dessa
revolução, o chamado Direito Germânico estava completamente inserido na vida religiosa. Mesmo
o lugar do Direito Canônico não se encontrava devidamente determinado, pois ele estava fundido
com a teologia e, salvo por coleções de cânones e livros monásticos de penas aplicáveis aos
pecados não havia uma literatura que pudesse ser caracterizada como sendo de Direito Canônico.
Do mesmo modo, uma ciência jurídica  – entendida como um discurso por meio do qual o direito
possa ser analisado e avaliado  – não havia se constituído antes do século XI. Portanto,
concordamos com a tese de Harold Berman que afirma serem os séculos XI e XII os séculos
decisivos para a formação da Tradição jurídica ocidental, pois, todos os traços que singularizam o
direito contemporâneo foram forjados ali. Entre essas características podemos ressaltar: 1) a
afirmação de uma autonomia, ainda que relativa, do direito para com a teologia, a política e a
moral; 2) a formação de uma ciência jurídica constituída no seio de universidades; 3) a capacitação
e treinamento de profissionais capazes de lidar com o todo informe de regras e disposições
normativas que constituem o “mundo” jurídico (Cf. Harold J. Berman.  Law and Revolution. The
formation of the Western legal tradition. Massachusetts: Harvard University Press, 1983). Todavia,
é necessário registrar o problema que existe em migrar o conceito de revolução  – próprio da
modernidade  – para o medievo. Também é problemática a tese de Berman no que tange à
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afirmação de que o Vaticano teria sido o “primeiro Estado Moderno”. Certamente, é muito difícil
falar de modernidade sem os contextos de diferenciação funcional que compõe a estrutura
burocrática do Estado Moderno. Mesmo no direito, as questões autorreferências de produção do
direito também não estavam presentes no âmbito das estruturas jurídicas do medievo. De todo
modo, é preciso reconhecer que as transformações ocorridas na segunda metade do século XI e
início do século XII foram decisivas para a formação daquilo que entendemos por Direito hoje.
Esse reconhecimento é afirmado, não apenas por Berman, mas também por F. W. Maitland que
dizia ser o  século XI um século decisivo para o Direito  (Cf. Maitland, F. W.  The Collected
Papers.  Cornell: Cornell University Library, 2010. vol.  I). Na verdade, o próprio Berman parte de
Maitland para afirmar sua tese, modificando, porém, a assertiva feita pelo historiador inglês: ao
invés de dizer que o século XI foi um século decisivo para o Direito, Berman afirma que o século XI
foi o século do Direito.
23

.Importante consignar que a obra de Jhering tem sido dividida pelos seus estudiosos em duas
fases. A primeira fase (ou Ihering I) corresponde aos seus primeiros trabalhos, incluindo o
monumental  Espírito do Direito Romano. Nesse primeiro momento, as premissas de sua teoria
ainda se encontram em alguma medida vinculadas à escola histórica e ao desenvolvimento da
“Ciência das pandectas”. Embora haja peculiaridades com relação à composição de seus textos, é
certo que essa sua primeira fase é marcada por um certo esforço conceitualista, na linha do que
vinha sendo desenvolvido até então. Por outro lado, a segunda fase de seu pensamento (ou
Ihering II) é marcada profundamente por uma aproximação ao que, naquele tempo, ficou
conhecido como darwinismo social. O texto que marca essa viragem da obra de Ihering é  A
finalidade do Direito, no qual se desenvolve um raciocínio teleológico-evolucionista para a
construção da teoria jurídica (há algumas traduções para o português que traduzem o título dessa
obra por A Evolução do Direito). Foi esse segundo momento da obra de Ihering que acabou por
influenciar os movimentos libertários da ciência jurídica a que o texto faz referência). Para
aprofundamento, Cf. Losano, Mario G. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes,
2010. vol. I e II, passim.
24

.De se ressaltar que esse dualismo kelseniano entre razão e vontade e os problemas teórico-
jurídicos daí decorrentes, foram denunciados – de maneira inédita – no posfácio da terceira edição
do livro Verdade e consenso de Lenio Luiz Streck. Com efeito, neste texto – em que o autor busca
as condições para construção de uma teoria da decisão no direito  – aparece claramente
apresentada a dualidade kelseniana entre razão teórica e razão prática (no interior da qual aparece
o problema da vontade) e a opção de Kelsen por um modelo teórico de fundamentação, bem ao
modo da filosofia da ciência propagada pelo neokantismo de Marburgo, cujos corifeus Herman
Cohen e Paul Nartop são os grandes inspiradores de Kelsen (neste sentido, cf. Lenio Luiz
Streck.  Verdade e consenso. 3.  ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. pp.  415/429; para uma
identificação das manifestações desse solipsismo kelseniano nas diversas posições doutrinárias
no âmbito da dogmática jurídica brasileira, ver também Lenio Luiz Streck. O que é isto – Decido
conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 33 e ss.).
25

.Nesse sentido, importante registrar que Lenio Streck afirma existir certo fatalismo decisionista por
parte de Kelsen, no que tange ao problema interpretativo do direito. Para o jusfilósofo, em Kelsen
“o sujeito solipsista seria (é) incontrolável. Por isso, Kelsen elabora uma teoria que é uma
metalinguagem (afinal, foi frequentador do Círculo de Viena) sobre uma linguagem-objeto. Em
consequência, o mestre de Viena confere uma importância mais do que secundária à interpretação
(papel do ‘sujeito’), admitindo que, por ‘ser inexorável’, deixe-se que o juiz decida
‘decisionisticamente’ (afinal, para ele, a interpretação do juiz é um ato de vontade e, por isso, não
‘se preocupa’ com isso – eis aí o problema do decisionismo)” (Verdade e consenso, cit., p. 45).
26

.Para uma correta interpretação dessas questões, é importante consultar: Hans Kelsen. El método
y los conceptos fundamentales de la teoría pura del derecho. Madrid: Editorial Reus, 2009.

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4.2.2. A ciência do direito: a atual abordagem epistemológica da teoria dos


sistemas sociais autopoiéticos

4.2.2.1. Considerações preparatórias acerca da matriz teórica


“pragmático-sistêmica”

É conhecida a afirmação de Eric Hobsbawn que apresenta o século XX como o


século mais curto de toda história.27  Certamente, essa enunciação do historiador
inglês é reflexo dos eventos que marcaram profundamente o século passado: duas
guerras com um potencial destrutivo jamais vivenciado em outros períodos; a
grande depressão econômica que praticamente levou à falência todo o sistema
capitalista; o  new deal; as democracias do segundo pós-guerra; os movimentos
pela efetivação dos direitos humanos etc. todos acontecimentos que levaram esse
mesmo autor a nomear o século XX como “A Era dos Extremos”, pois esse reflexo
da história  – e dos extremos retratados por Hobsbawn  – certamente produziram
efeitos nas concepções filosóficas e científicas que pulularam, numa quantidade
absurda de diferentes propostas, nesses tempos extremos.

De fato, não é exagero afirmar que também no campo teórico, de produção do


conhecimento, o século XX foi uma era de extremos. Em nenhuma outra época
histórica existiu um número tão grande de diferentes abordagens teóricas que
procuram apontar para um mesmo aspecto, problema ou objeto do mundo
histórico-social.

No âmbito das ciências humanas, então, esse quadro assume uma proporção
ainda mais agigantada. Com efeito, são várias as formas pelas quais se nomeia
esse conflito entre diversas posições teóricas que competem, ao mesmo tempo, o
título de estatuto primário do conhecimento de cada uma das disciplinas que
compõem o universo da cultura: fala-se em  crise do fundamento;28poluição
semântica;29 e, até mesmo, em um relativismo epistemológico.30 O campo jurídico
é um terreno fértil para isso. O século XX assistiu a construção de inúmeras
propostas que procuravam cuidar de solucionar os problemas teóricos e concretos
da experiência jurídica.

As teorias jurisprudenciais na Alemanha pandectistica e pós-pandectistica


(jurisprudência dos conceitos, jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos
valores);31 o normativismo lógico de Hans Kelsen; o jusnaturalismo culturalista de
Gustav Radbruch; e, já na segunda metade do século, a ascensão das chamadas
teorias pós-positivistas, como é o caso da teoria da argumentação de Robert Alexy
e da metódica estruturante de Friedrich Müller.

No âmbito do direito anglo-saxão, o mesmo período presenciou a construção do


positivismo utilitário de Bentham e Austin, bem como as críticas lançadas por
Herbert Hart à posição destes autores, que acabou por ser considerada uma forma
“moderada” do positivismo jurídico. Ainda, neste contexto, não se pode esquecer
das críticas feitas por Ronald Dworkin ao  conceito de direito  de Hart, cujo eixo
central encontra-se vinculado à refutação da tese hartiana do poder discricionário
dos juízes para decidir sobre a chamada “textura aberta”, a “zona da franja”
dos Hard Cases.
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Diante desse aparente caos teórico, no interior do qual essas diversas


posições – que podem até confluir para um consenso num determinado aspecto –
se apresentam de maneira contraditória, o primeiro (e talvez o maior) esforço a ser
empregado pelo pesquisador passa pela construção de ferramentas que o
possibilitem encontrar, dentro desse universo complexo, algo que produza sentido.

Uma ferramenta interessante é desenvolvida contemporaneamente por Lorenz


Puntel a partir daquilo que, no contexto de sua obra, vem sendo chamado
de quadro referencial teórico.32 Por certo que Puntel pensa esse quadro referencial
para composição de sua filosofia sistemática que, embora com reformulações e
novos contornos críticos, procuram recompor uma unidade presente na tradição e
que foi perdida no contexto da radicalização da filosofia analítica no século XX.

Com efeito, a construção desse quadro referencial teórico é realizada por


Puntel a partir de Rudolf Carnap que introduziu – no âmbito da filosofia analítica –
o conceito de  linguistic framework, ou,  quadro referencial linguístico.33  Todavia,
Puntel vai além de Carnap e oferece um conceito que é ao mesmo tempo mais
abrangente e mais preciso do que aquele com o qual operava este último. Como
ressaltado em nota, para Carnap, o quadro referencial linguístico só era acionado
no momento em que alguém queria nomear uma nova espécie de entidades.34

Leonel Severo Rocha, por exemplo, já indicava uma preocupação com a


construção de um quadro referencial teórico para observar o Direito. De fato, no
texto  As três matrizes da teoria jurídica,35  Rocha aponta para as diferenças
presentes nas epistemologias jurídicas construídas no interregno do século
passado.

Coincidentemente, é também em Carnap que o jurista busca inspiração para


compor seu instrumento de análise. Isso é assim porque, como se sabe, a segunda
fase do pensamento de Carnap36  é marcada pela percepção de que uma teoria
completa da linguagem deve contemplar três dimensões: a sintaxe; a semântica; e
a pragmática.37

Nessa ordem de ideias, Severo Rocha divide a epistemologia jurídica em três


matrizes que seriam, respectivamente:  1)  o  normativismo
analítico  (sintaxe);  2)  a  hermenêutica jurídica  (semântica); e  3)  a  pragmática-
sistêmica (pragmática).38

Não nos cabe aqui realizar uma descrição aprofundada de cada uma dessas
matrizes. Para nós, interessa apenas delimitar o espaço no qual se desenvolve o
quadro referencial conformado pela matriz que Rocha nomeia  pragmático-
sistêmica.

No interior dessa matriz, há um rompimento com os tradicionais cânones da


ciência jurídica. Entre vários aspectos, nos parece relevante apontar para pelo
menos três:

a) em primeiro lugar, há um deslocamento do “espaço objetual” que sempre foi


gravemente determinado pelo próprio sistema jurídico. No interior da matriz
pragmático-sistêmica, o Direito é observado a partir da sociedade, ou seja, perde-

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se uma espécie de narcisismo que procurava dar conta do funcionamento do


direito imerso nele mesmo. Aqui, o Direito é da sociedade. É a sociedade que
forma o direito e não o contrário.

b) Num segundo momento, a noção de hierarquia normativa  – tão cara aos


modelos epistemológicos normativistas  – cede lugar para um tipo de observação
mais ligada às operações e às decisões que o subsistema do direito produz. Não
importa mais, simplesmente, o que está estatuído nos Códigos ou demais
documentos escritos que compõem a estrutura jurídica.

c) Por fim, a positividade do direito é dada, muito mais, pelas suas decisões do
que pela estrutura fixa de um Código.39  Igualmente importante é destacar que a
ênfase metodológica – por assim dizer – parte não em direção às estruturas, como
acontecia no funcionalismo parsoniano, mas sim em direção às operações
produzidas pelas organizações que compõem o sistema jurídico.40

Todos esses traços, descritos sumariamente, apontam para uma diferença


significativa de tratamento com relação aos problemas epistemológicos do Direito.

Mesmo a questão metodológico-dogmática passa a assumir uma nova


preocupação. Como afirma Jean Clam:

“A autopoiese do Direito não é um dado bruto ou um processo em terceira


pessoa, no qual essa pessoa tem um lugar factual e o Direito é o objeto. Um
sistema não pode se tornar autopoiético exceto se for capaz de organizar, por si
mesmo, sua autorreferência, ou seja, de se observar de maneira autorreferencial.
A autopoiese pressupõe uma certa medida de auto-observação, um relato em si,
que não vive no imediatismo do relato de primeira observação, mas se constrói
como uma operação de segundo grau pela qual a primeira operação (no caso
específico, um ato jurídico) é observada. (...) Esse reconhecimento toma forma de
uma  dogmática jurídica.  Essa dogmática é o órgão da observação do sistema
jurídico, no quadro de sua própria referência.”41

Nesse contexto, é possível perceber que o sentido do trabalho jurídico passa a


ser tencionado de um modo diferente. É que a dogmática jurídica tradicional fincou
suas bases a partir de discussões metodológicas que circulavam em torno de um
texto específico. Isso se consagrou, de uma maneira mais clara, no contexto das
discussões levadas a efeito no século XIX.

Para marcar essa diferença, tendo como pano de fundo as considerações


traçadas por Jean Clam, podemos seguir os passos de Tercio Sampaio Ferraz
Junior para mostrar o modo como se formou a tradicional dogmática jurídica.
Primeiramente, o autor nos mostra que a dogmática jurídica, nos moldes como a
conhecemos hoje, é produto de um processo histórico que só chega a se cristalizar
nos albores do século XIX, como resultado da aglutinação de três elementos
centrais: a)  a jurisprudência dos romanos; b) a  dogmaticidade dos glosadores
medievais; e c) o racionalismo sistemático-iluminista dos séculos XVII e XVIII.42 No
contexto do século XIX, a dogmática jurídica se organizará a partir de críticas
lançadas ao método dos antigos glosadores, que basicamente ficarão restritas ao
problema da falta de sistematicidade dos estudos medievais. Ao mesmo tempo,

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seu trabalho será construído em torno dos códigos dos oitocentos – que, por si só,
já expressavam o ideal de sistematicidade –, de modo que ela passa a receber um
caráter lógico-demonstrativo de um sistema fechado dedutivamente, cuja maior
expressão será a chamada jurisprudência dos conceitos. Assim, podemos
identificar como traços marcantes deste período de sedimentação da dogmática
jurídica a primazia da lei e o caráter sistemático do direito.

Por certo que essa sistematicidade não tem qualquer parentesco com a ideia
de sistema que povoa a matriz pragmático-sistêmica. Com efeito, essa
sistematicidade era um dado a ser alcançado pelo sujeito racional que,
posteriormente, levaria essa razão até a composição de um texto normativo, o
Código.

Já o sistema, do qual fala a teoria dos sistemas autopoiéticos, é um complexo


autorreferente que possui a capacidade de se auto-organizar e se autorreproduzir
por meio de suas próprias operações que, no caso do Direito, serão as decisões.
Sendo mais claro, e o socorro nos vem de Jean Clam, a efetuação da autopoiese –
que possibilitará a formação e a evolução do sistema  – vai das operações à
estrutura, e retorna destas às primeiras. O sistema é autorreferencial, pois ele
reenvia os acontecimentos a outros acontecimentos na recursividade de uma
referência, colocando em contato as operações jurídicas com outras operações
jurídicas.43

Feitas tais considerações, passaremos agora a abordar, em largas linhas, o


pensamento luhmaniano.

27

.Eric Hobsbawm. Interesting times. A twentieth-century life. Nova York: Pantheon Books, 2002. Em
especial, p. 411 e ss.
28

.Ver quanto a isso ver Ernildo Stein.  A caminho de uma fundamentação pós-metafísica. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1997. Nesse texto, afirma o autor que a crise pela qual passou a filosofia no
final do século XIX e início do século XX gerou um processo de fragmentação do pensamento de
modo que foi possível a produção de vários modos de filosofar que competem  –
concomitantemente  – pela solução dos problemas filosóficos. O livro citado traz um modo
interessante de colocar esse problema ao apresentar ao leitor dez modos possíveis de se fazer
filosofia no século XX.
29

.Cf. Wolfgang Stegmüller. A filosofia contemporânea. São Paulo: EPU, 1977. vol. I e II.
30

.Cf. Franca D’Agostini. Analíticos e continentais. Trad. Benno Dischinger. São Leopoldo: Unisinos,


2003. p. 175 e ss.
31

.Essas correntes metodológicas, que propiciam uma abordagem mais “dogmática” da ciência do
direito serão por nós apresentadas no capítulo 10. Aqui nossas preocupações estão voltadas para
aquelas perspectivas que pretendem desenvolver uma epistemologia jurídica enquanto “teoria
geral do direito”.

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32

.Cf. Lorenz Puntel. Estrutura e ser. Um quadro referencial teórico para uma filosofia sistemática.
São Leopoldo: Unisinos, 2008. p. 27 e ss. Na esteira do autor, leia-se o seguinte: “a determinação
mínimal mas fundamental de filosofia, como entendida neste livro, diz que filosofia é uma
atividade teórica, isto é, uma atividade que visa o desenvolvimento e a exposição de teorias. Para
que o desenvolvimento e a exposição de uma teoria seja factível. Devem ser reconhecidos e
cumpridos muitos requisitos específicos. A totalidade dos fatores que preenchem esses requisitos
pode ser chamada de quadro referencial, mais precisamente quadro referencial teórico.”
33

.Cf. Rudolf Carnap.  Empiricism, semantics, and ontology. Texto disponível em:
[www.philosophy.ru/library/carnap/02_eng.html]. Acesso em 29.10.2010. Dentro das pretensões da
filosofia de Carnap, eis uma amostra do significado do conceito: “If someone wishes to speak in his
language about a new kind of entities, he has to introduce a system of new ways of speaking,
subject to new rules; we shall call this procedure the construction of a linguistic framework for the
new entities in question” (Se alguém deseja falar em sua linguagem sobre uma nova espécie de
entidades, deve introduzir um sistema de novos modos de falar, sujeito a novas normas; daremos
a esse procedimento o nome de construção de um  quadro referencial linguístico  para as novas
entidades em questão – em tradução livre).
34

.Puntel articula o conceito da seguinte forma: “Neste livro, o termo quadro referencial é empregado
em um sentido teórico abrangente, a saber, no sentido de  quadro referencial teórico. O quadro
referencial como quadro teórico designa a totalidade de todos aqueles quadros referenciais
específicos (pensa-se principalmente no quadro referencial linguístico, no lógico, no semântico, no
conceitual, no ontológico) que de uma ou outra maneira constituem os componentes irrenunciáveis
de um quadro referencial compreensivo pressuposto por uma dada teoria. (...) o termo “quadro
referencial teórico” não pode ser entendido no sentido de um sistema formal interpretado; um
quadro teórico de cunho filosófico (e científico)  é, antes, um instrumento que permite apreender,
compreender e explicar algo (um nexo, um domínio objetual...). Dentro de ou por intermédio de um
quadro referencial teórico se faz referência a algo” (Lorenz Puntel. Op. cit., p. 30).
35

.Cf. Leonel Severo Rocha. As três matrizes da teoria jurídica.  In: Lenio Luiz Streck. José Luiz
Bolsan de Morais. Leonel Severo Rocha (orgs.).  Anuário de Pós-Graduação em Direito. São
Leopoldo: Unisinos, 1999.
36

.Conforme informa Manfredo Araújo de Oliveira, a primeira fase do pensamento de Carnap é


marcada pela construção de um ambiente antimetafísico de reflexão, fincado na teia do giro
linguístico efetuado pela filosofia do início do século XX e que desaguou nas construções do
empirismo lógico do Círculo de Viena. Para Carnap, o afastamento da metafísica  – com sua
consequente superação  – só seria alcançado a partir da construção de uma linguagem rigorosa
que superasse os paradoxos lógicos (a expressão é de Bertrand Russel) que permeiam a
“linguagem natural”. Carnap chega a afirmar que a linguagem natural está corrompida pela
metafísica. Desse modo, é preciso procurar uma base formal a partir da qual seja possível efetuar
uma distinção entre  frases metafísicas  (também chamadas pseudo-objetuais) e frases  não
metafísicas (objetuais). O modo encontrado por ele para solucionar essa questão foi dado a partir
da construção de uma linguagem artificial, rigorosamente determinada por sua objetualidade
(empirismo) e coerentemente conformada a partir dos instrumentos da lógica matemática. Num
primeiro momento de seu pensamento, Carnap estará voltado, exclusivamente, para construção de
uma sintaxe da linguagem. Como afirma Manfredo: “Do ponto de vista da linguagem, o programa
de Carnap significa a proclamação da autossuficiência da sintaxe. Ele afirma que os conceitos
semânticos podem ser definidos no seio da teoria da sintaxe lógica por meio de conceitos
sintáticos. Em suma, nessa fase de seu pensamento Carnap defende uma substituição da
semântica pela sintaxe”. Assim, apenas em um segundo momento, é que as preocupações
semânticas ocuparão um lugar privilegiado no pensamento carnapiano. De todo modo, é
importante afirmar que, para Carnap, apenas a sintaxe e a semântica eram as dimensões da
linguagem que interessavam ao labor filosófico. A pragmática, sendo uma ciência empírica, estava
excluída da filosofia (Cf. Manfredo Araújo de Oliveira. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia
contemporânea. São Paulo: Loyola, 2001. p. 82-83).
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37

.Ainda na trilha de Manfredo, as três dimensões da linguagem apontadas por Carnap podem ser
enunciadas da seguinte maneira: “a  sintaxe, que se relaciona às propriedades formais das
construções linguísticas. Trata-se, pois, de uma consideração da linguagem abstraindo tanto do
sujeito, do sentido e da significação, como do objeto designado. Seu único objetivo são as
expressões linguísticas e suas formas; a  semântica  que estuda a relação entre construções
linguísticas e coisas, acontecimentos no mundo etc., aos quais se referem as expressões
linguísticas, como também a relação entre frases e condições no mundo, que devem existir a fim
de que as frases possam ser consideradas verdadeiras; e, por fim, a  pragmática, que trata das
características do uso da linguagem, como dos motivos psicológicos dos falantes, das relações
dos ouvintes, da sociologia dos diferentes padrões linguísticos” (Cf. Manfredo Araújo de Oliveira.
Op. cit., p. 83).
38

.Essa questão é retomada em outros textos do autor. Assim, para um aprofundamento sobre a
temática Cf. “Da epistemologia jurídica normativista ao construtivismo sistêmico”. In: Leonel Severo
Rocha; Germano Schwartz; Jean Clam.  Introdução à teoria do sistema autopoiético do direito.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
39

.Sobre essa questão, afirma Rocha o seguinte: “O grande problema do Direito nas sociedades
complexas passa a ser, portanto, a efetividade de seu processo de tomada de decisões. O poder
judiciário ocupa, nessa lógica, uma função determinante: operacionalizar, com efetividade, a
equação entre os meios normativos e os fins sociais”. (Leonel Severo Rocha. Observações sobre
autopoiese, normativismo e pluralismo jurídico. In: Lenio Luiz Streck; José Luis Bolzan de Morais
(orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica –Anuário do Programa de Pós-Gradução em
Direito da Unisinos. n. 4. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 176).
40

.Nesse sentido, esclarece Leonel Rocha que: “Niklas Luhmann assume, portanto, a proposta de
um construtivismo voltado à produção do sentido desde critérios de autorreferência e auto-
organização introduzidos pela autopoiese. (...) A autopoiese aparece, assim, como uma diferença
importante entre Luhmann e Parsons. Para Luhmann, a grande questão que relaciona o Direito é
caracterizada pela oposição entre autorreferência e heterorreferência, entre os sistemas fechados
e os sistemas abertos”. (Leonel Severo Rocha.  A produção sistêmica do sentido do direito: da
semiótica à autopoiese.  In: José Luis Bolzan de Morais; Lenio Luiz Streck (orgs.).  Anuário do
Programa de Pós-graduação em Direito da Unisinos: constituição, sistemas sociais e
hermenêutica. n. 6. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 175).
41

.Cf. Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz; Jean Clam. Op. cit., p. 123-124.
42

.Conferir, para tanto, Tercio Sampaio Ferraz Junior.  Função social da dogmática jurídica. São
Paulo: Max Limonad, 1998. Importante anotar que, no que tange à jurisprudência romana, não se
pode entendê-la no modo como articulamos o termo  jurisprudência  no contexto atual. Para os
romanos, a jurisprudência era uma confirmação, um fundamento do certo e do justo. Tratava-se da
realização concreta da prudência grega, que entre os gregos permanecia retida como uma simples
promessa de orientação – pela reta razão – para a ação. Na Idade Média, a teoria jurídica torna-se
uma disciplina universitária, na qual o ensino era dominado por textos que gozavam de autoridade.
Por certo, permanece presente o pensamento prudencial da jurisprudência romana, mas acontece
uma reformulação no seu caráter: aquilo que os romanos chamavam de casos problemáticos são
transformados em casos paradigmáticos pelos medievais, casos estes que deveriam expressar
uma harmonia interna. Dito de outro modo, a ideia de cúria  presente nos romanos é substituída
pela ideia de escola dos medievais. Já na modernidade, a autoridade já identificada nos textos
medievais passará por uma modificação decisiva, na medida em que a harmonia revindicada
deverá se adequar à ordem de um sistema abstratamente considerado segundo os padrões do
pensamento matemático. Assim, a tarefa da dogmática jurídica será transformada radicalmente, na
medida em que, além da simples tarefa de exegese dos textos, ser-lhe-á agregada a tarefa de
posicionar os resultados de sua produção no contexto de um sistema. Idem, ibidem, p.  25 e ss.
Cabe aqui também uma referência ao modo como os medievais procediam ao estudo dos textos
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romanos para que se tenha, com maior clareza, a influência dos glosadores e comentadores para
a conformação da dogmática jurídica. Nesse sentido, Harold Berman assevera: “o  curriculum  de
uma Faculdade de Direito do século XII consistia, em primeiro lugar, da leitura de textos do
Digesto. (...) Como o texto era muito difícil, ele tinha que ser explicado. Por isso, após ler o texto, o
professor glosava-o, isto é, interpretava-o, palavra por palavra, linha por linha (Glosa  em grego
significa tanto ‘língua’, ou ‘linguagem’, como ‘palavra incomum’). As glosas, ditadas pelo professor,
eram copiadas pelos estudantes entre as linhas do texto; quando se tornavam mais longas,
espalhavam-se pelas margens. Logo, as glosas adquiriram autoridade quase igual à do próprio
texto glosado” (Cf. Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. p. 166). É interessante notar que é nesse contexto que se forma a
chamada “doutrina”. Por certo que, com o surgimento da prensa no contexto da revolução
provocada por Gutemberg, essa técnica de glosar e comentar os textos romanos foi
substancialmente transformada a partir da produção em larga escala de livros jurídicos. É
importante também lembrar que, no ambiente da Codificação, o caráter proto-teológico atribuído
aos textos romanos será transferido para os Códigos Civis, cujos marcos centrais são o  Code
Napoleon  de 1804 e o BGB Alemão de 1900. A partir desse novo espaço de experiência
(Koselleck), será construído um novo horizonte de expectativa (Koselleck): o objeto da glosa será a
obra do legislador racional, impressa na forma de código!
43

.Cf. Leonel Severo Rocha. Germano Schwartz. Jean Clam. Op. cit., p. 118.

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4.2.2.2. Traços fundamentais da teoria dos sistemas autopoiéticos de


Niklas Luhmann

A compreensão de uma ideia sistêmica em termos científicos e aplicados à


sociedade – e desta para o direito – foi construída de maneira singular por Niklas
Luhmann.44

Vale ressaltar, já de início, que, como afirma Marcelo Neves, para a teoria dos
sistemas, a evolução social não se configura como um processo de progressão
para uma vida melhor, ou seja, a evolução não se dirige a um fim determinado ou à
realização de um ideal ou valor. Assim, a teoria dos sistemas não admite a
existência de um sentido para o processo histórico tal como o espírito de Hegel ou
o desenvolvimento social e a superação das formas materiais de dominação para
uma plena igualdade e liberdade tal como preconizada por Marx.

Na realidade, a teoria sistêmica considera a evolução como a transformação do


improvável em provável, por consequência, ela não oferece nenhuma interpretação
para o futuro.45 Dessa maneira, a teoria não apresenta pretensões holísticas, tendo
como finalidade observar a sociedade e descrever seu funcionamento.

Importante anotar que, para Luhmann, a sociedade moderna distingue-se


pela  alta complexidade: “Por um lado, a supercomplexidade envolve
supercontingência e abertura para o futuro; por outro, provoca pressão seletiva e
diferenciação  sistêmico-funcional. Na medida em que estão presentes
complexidade (que implica pressão seletiva), pressão seletiva (que importa
contingência) e contingência (que significa risco), desenvolve-se uma sobrecarga
seletiva que exige especificação de funções em sistemas parciais diferenciados e
operacionalmente autônomos”.46

Para compreendermos adequadamente os pressupostos da teoria, faz-se


necessário partirmos da distinção fundamental que se opera na relação entre
“sistema” e “meio ambiente”.47

A distinção entre sistema e seu meio ambiente é utilizada para explicar tudo
entre o que pertence a determinado sistema e o que está fora, no ambiente
circundante, como elemento de outros sistemas ou não.

O desenvolvimento desta teoria ocorre a partir de um conceito de sociedade


que possui uma distinção. Para Luhmann, sociedade é a “sociedade mundial”
(Weltgesellschaft)  que se forma modernamente. O que compõe a sociedade não
são os seres humanos que a ele pertencem, mas, sim, a comunicação entre eles,
que nela circula de várias formas, nos diversos subsistemas funcionais, tais como:
direito, economia, arte, religião, ciência etc.

Vale dizer: para a teoria dos sistemas a comunicação é o elemento estrutural


(pano de fundo) da própria sociedade. Assim, “tendo em vista que a comunicação
é a unidade elementar da sociedade, resulta que a variação ocorre quando a
comunicação se desvia do modelo estrutural de reprodução social”.48

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Luhmann assume para estrutura de sua teoria os seguintes pressupostos: 1)


substitui a contraposição entre sujeito e objeto pela diferenciação sistêmica no
mundo, entre o que é “sistema” e seu ambiente; 2) com isso, além de fornecer uma
abordagem “dessubstancializada”, ela também fornece uma abordagem
desumanizada, pois os seres humanos – enquanto sistemas biológicos dotados de
consciência – não fazem parte dos sistemas sociais integrantes do sistema global
que é a sociedade, e, sim, do seu meio ambiente.

A diferenciação sistêmica entre “sistema” e “meio ambiente” é como


anteriormente se evidenciou, o artifício básico empregado pela teoria para se
desenvolver em simetria com aquilo que estuda, como seu “equivalente funcional”.
Tal diferenciação é chamada sistêmica por ser trazida “para dentro” do próprio
sistema. Assim, o sistema total, a sociedade, aparece como meio ambiente dos
próprios sistemas parciais, que dele e entre si se diferenciam por reunirem certos
elementos, ligados por “relações”, nas operações do sistema, formando uma
“unidade”.

Portanto, uma “unidade” também pode parecer como meio ambiente para
outras unidades, além de diferenciada no sistema do meio ambiente, permitindo
que por ela se aplique, recorrentemente, a diferença ente sistema/meio ambiente,
sem com isso perder sua “organização”.

A “organização” é o que qualifica um sistema como complexo ou como uma


simples unidade que possui características próprias decorrentes das relações entre
seus elementos, mas que, no entanto, não são características desses elementos.

O fato de haver a organização do sistema pela unidade de seus elementos não


quer dizer que não variem os elementos componentes do sistema e as suas
relações. Essas possíveis mudanças ocorrem na “estrutura” do sistema, que é
formada por elementos componentes do sistema relacionados entre si.

Nesse sentido, para a organização do sistema, o que importa é o tipo peculiar


de relação, circular e recorrente, entre os elementos, enquanto para estrutura o
que importa é que haja elementos em interação, ação e reação mútuas, elementos
esses que podem se fornecidos pelo meio ambiente ao sistema, sem que por isso
a ele não se possa atribuir o atendimento de suas “condições gerais”, para que se
tenha “sistemas autopoiéticos”, como Luhmann propõe que se considere os
sistemas sociais: a “autonomia” e a “clausura” do sistema.

44

.A referência ao pensamento de Luhmann aqui apresentada foi primeiramente elaborada em nossa


obra Curso de sociologia jurídica, cf. para tanto Henrique Garbellini Carnio e Alvaro de Azevedo
Gonzaga. Op. cit., p. 207-214.
45

.Marcelo Neves. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o estado democrático de direito a partir
e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Cap. I, n. 1.1, p. 6.
46

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.Idem, Cap. I, n. 1.2, p. 16.


47

.Para um estudo introdutório do pensamento de Luhmann, remeto à indicação de uma obra que
apresenta um conjunto de textos consideravelmente relevantes para os estudos elementares de
sua teoria, cf. Niklas Luhmann.  Introducción a la teoría de sistemas. México: Univerisad
Iberoamericana, 1996.
48

.Marcelo Neves. Op. cit., Cap. I, n. 1.1, p. 5.

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4.2.2.3. Sistemas autopoiéticos

Sistema autopoiético49  é o sistema dotado de organização autopoiética,50  no


qual há a (re)produção dos elementos de que se compõe o sistema e que geram
sua organização, pela relação reiterativa e circular entre eles.

Como afirma Luhmann: “Um sistema autopoiético produz as operações


necessárias para produzir mais operações, servindo-se da rede de suas próprias
operações. No inglês tão particular de Maturana faz-se menção a componentes
(componentes); entretanto, este conceito não ajuda a obter clareza sobre se os
componentes são operações ou estruturas”.51

Importante anotar, ainda no tocante à autopoiese e ao modo como Luhmann se


relaciona com ela, que, para Jean Clam:

“(...) a autopoiese luhmanniana não é um simples empréstimo junto à biologia


ou à cibernética. Ela é derivada, antes, de uma expansão cognitivista do todo da
problemática da reflexividade. (...) Tal expansão está baseada na transformação da
teoria sociológica em um tipo de prototeoria ou super-teoria, que acolhe em si a
intenção de uma crítica à ontologia e o projeto de um construtivismo diferencialista.
(...) Ela assume, então, o aspecto da teoria de uma forma específica de
observação, que tem o seu lugar dentro do sistema geral da ciência e tematiza
todas as construções sociais.”52

O sistema autopoiético, portanto, se afigura como um sistema autônomo, pois


nele o que se passa não é determinado por nenhum componente do ambiente,
mas por sua própria organização, formada por seus elementos.

O fato de ser autônomo indica sua condição de clausura, ou seja, ser “fechado”
diante do ponto de vista de sua organização, não havendo nem entrada (inputs) e
nem saídas (outputs) para o ambiente, uma vez que os elementos interagem no e
por meio dele.

Para Luhmann, apenas a comunicação se autoproduz, razão pela qual se


qualificam como autopoiéticos os sistemas de comunicação da sociedade.

O sentido da comunicação varia de acordo com o sistema no qual ela está


sendo veiculada, e as pessoas são meios (media) dessas comunicações. Esses
componentes, contudo, não pertencem aos sistemas sociais, e, sim, ao seu meio
ambiente. Para tentar esclarecer um pouco: os seres humanos, enquanto seres
biológicos, são sistemas biológicos autopiéticos e, enquanto seres pensantes, são
também sistemas psíquicos autopoiéticos.

Certo é, portanto, que sem a consciência decorrente do aparato psíquico, é


claro, não haveria comunicação e logo também não haveria sistemas sociais.

É a linguagem, então, a primeira condição para que se dê o acoplamento


(estrutural) entre sistemas auto(conscientes) e sistemas sociais (autopiéticos) de
comunicação.

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Tal acoplamento necessita ser viabilizado por certos meios (media). O meio
principal que Luhmann usa como exemplo de acoplamento entre o sistema de
direito e o sistema de política são as constituições, o que nos remete para o
entendimento de que o judiciário é a organização que ocupa o centro do sistema
jurídico – as cortes constitucionais. Nesse caso, situar-se-iam no “centro do centro”
do sistema jurídico – pois determinam, em última instância, o que é ou não direito,
da mesma forma que os demais poderes do Estado  – legislativo e executivo  –
ocupam o centro do sistema político.53

É no “centro do centro”, então, que se daria o acoplamento estrutural do


sistema jurídico com os outros sistemas. Todos os demais sistemas, não só o
político, mas também a economia, a arte, a religião etc. penetram no direito e por
ele são penetrados, principalmente, por via de interpretações do que se acha
disposta na constituição. Interpretações essas que são feitas por juristas, juízes e
demais operadores jurídicos e, mesmo, por jornalistas, padres, cientistas, enfim
todos os cidadãos, e essas interpretações todas influenciam os membros das
Cortes Constitucionais; no entanto, a interpretação que prevalece num sistema
jurídico autopiéticos é tão somente a deles, membros das Cortes Constitucionais.

Portanto, o acoplamento estrutural reconhece a possibilidade de que haja


influência dos sistemas uns com os outros. Assim o sistema da política acopla-se
estruturalmente ao do direito pelas constituições dos Estados, enquanto o direito
se acopla à economia pelos títulos de propriedade e assim sequentemente.

49

.Para uma análise mais aprofundada dos sistemas autopoiéticos, cf. Marcelo Neves.
Op.  cit.,  passim; Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz; Jean Clam. Op.  cit.,  passim; Jean
Clam. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade. Contingência, paradoxo, só-efetuação.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. passim; Michael King; Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz. A
verdade sobre a autopoiese no direito.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.  passim; Willis
Santiago Guerra Filho. Autopoiese do direito na sociedade pós-moderna: introdução a uma teoria
social sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. passim.
50

.O conceito de  autopoiesis  adotado por Luhmann foi desenvolvido por Maturana e Varela para
afirmar que os subsistemas funcionais da sociedade são sempre autorreferenciais, ou seja,
produzem e reproduzem a si próprios. Eles constituem seus componentes pelo arranjo próprio
desses componentes, o que constitui propriamente sua unidade e, portanto, seu
fechamento  autopoiético. A extensão do conceito de autorreferência do nível agregado da
estrutura para o nível dos elementos do sistema constitui, segundo Luhmann, a mais importante
contribuição da teoria de Maturana e Varela para o entendimento de todo esse processo. Cf.
Marcelo Pereira de Mello. A perspectiva sistêmica na sociologia do direito: Luhmann e
Teubner. Tempo social – Revista de sociologia da USP. vol. 18. n. 1, p. 351-373. São Paulo: USP,
2006.
51

.Niklas Luhmann.  Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p.  120. Neste
particular, é importante mencionar ainda que: “A  autopoiese constitui, portanto, um princípio
teórico, e, muito particularmente, responde à pergunta do que é a vida, o que é a consciência, o
que é o social. Trata-se de uma refundação da teoria, cujo desenvolvimento dos conceitos
complementares requer muita elaboração. O conceito de  autopoiesis  não oferece ganho de

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informação e se mantém em um plano geral abstrato. Necessita de apoios decisivos, como o do


conceito de acoplamento estrutural” (Niklas Luhmann. Introdução à teoria..., cit., p. 125).
52

.Jean Clam. Questões..., cit., p. 146.


53

.Sobre o conceito de acoplamento estrutural, vale transcrever as palavras de Luhmann: “O


conceito de acoplamento, assim como o de forma, mostra dois lados: a) o acoplamento não está
ajustado à totalidade do meio, mas somente a uma parte escolhida de maneira altamente seletiva;
consequentemente, b) apenas um recorte efetuado no meio está acoplado estruturalmente ao
sistema, e muito fica de fora, influindo de forma destrutiva no sistema.

No plano dos acoplamentos estruturais, há possibilidades armazenadas (ruídos) no meio, que


podem ser transformadas pelo sistema; portanto, mediante o  acoplamento estrutural,  o sistema
desenvolve, por um lado, um campo de indiferença e, por outro, faz com que haja uma canalização
de causalidade que produz efeitos que são aproveitados pelo sistema. Nunca se deve perder de
vista que o  acoplamento estrutural  é compatível com a  autopoiesis, e que, por conseguinte,  há
possibilidades de influir no sistema, desde que não se atente contra a autopoiesis. Isso pode ser
formulado de modo inverso: a linha de demarcação que divide o meio, entre aquilo que estimula o
sistema e aquilo que não o estimula – e que se realiza mediante o acoplamento estrutural –, tende
a reduzir as relações relevantes entre sistema e meio a um âmbito estreito de influência. Apenas
desse modo, um sistema pode transformar as irritações em causalidade” (Niklas
Luhmann. Introdução à teoria..., cit., p. 131-132).

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4.2.2.4. A sociologia do direito no pensamento de Luhmann: a


relação entre a proposta sistêmica e o Direito

Em 1972, Luhmann lança uma obra de sociologia jurídica em dois volumes


denominada Rechtssoziologie I e Rechtssoziologie II.54

De modo sistemático, a obra parte das abordagens clássicas da sociologia do


direito e encaminha para a formação do direito pelas bases de uma teoria
sociológica, bastante original e identificada em sua proposta sistêmica.

Entendendo o direito como estrutura da sociedade, Luhmann55  retorna ao


estudo do desenvolvimento do direito e da sociedade, de modo que,
consequentemente, retoma pontos sobre o direito arcaico e nas culturas antigas
até alcançar a ideia de sua positivação. A partir da ideia de positivação, ele passa
a tratar do direito positivo e indica possibilidades de mudança social a partir dessa
abordagem do direito positivo.

A abordagem sociológica sobre o direito em Luhmann rejeita as abordagens


tradicionais, as considerando insuficiente diante do problema fundamental da
relação entre a sociedade e o direito. Essas insuficiências, segundo Luhmann, se
manifestam de três modos: 1) quando as teorias desviam sua atenção do direito
para o jurista, por exemplo, numa abordagem na qual o enfoque recai sobre o
papel e a profissão do jurista, e não exatamente sobre o objeto e o método do
direito; 2)  quando tentam deduzir o direito das decisões e do comportamento de
pequenos grupos e órgãos colegiados de juízes (tribunais, por exemplo); ou, ainda,
3) quando se restringem simplesmente ao conjunto das opiniões que os diversos
grupos e indivíduos têm a respeito do direito.

Para Luhmann, em todas essas abordagens do fenômeno jurídico, é o próprio


direito que desaparece da sociologia do direito.56

Luhmann propõe que o fenômeno essencial que caracteriza o direito na


sociedade industrial moderna, e que, justamente, tem escapado às diversas
perspectivas da sociologia do direito, é a  positividade  do direito, entendendo
por  positividade  o processo legislativo que, no século XIX, concebeu de forma
inédita que a modificação do direito é parte integrante do próprio direito e imanente
a ele, ou seja, ao contrário da suposição sociológica tradicional de que
a  positividade  é um constructo da ortodoxia jurídica, e que esta, por sua vez, é
simplesmente o resultado das condições sociais gerais.

Sobre o conceito de positividade em Luhmann, faz-se importante transcrever


importante passagem de Marcelo Neves:

“Só quando o direito passa a ser regularmente posto e alterável por decisão é
que se pode falar de positividade. Nesse novo contexto, a legiferação não se
destina mais simplesmente ao registro e à compilação de direito já vigente, mas
sim serve de fundamento de validade jurídica. A escrita deixa de ser apenas um
meio de difusão e sistematização de normas e princípios jurídicos
preestabelecidos, a facilitar-lhes a aplicação, e torna-se condição da própria

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vigência do direito. A positividade significa que a seleção agora envolvendo o


processo legislativo, intensifica-se e diferencia-se da reestabilização, que se
concentra na reflexão dogmática. Tendo em vista a deficiência da dogmática
jurídica em oferecer conceitos socialmente adequados (problema
de output), Luhmann considerou residir na restabilização o impasse da evolução do
direito positivo (moderno).

A noção de positividade como decidibilidade e alterabilidade do direito, tal como


formulada por Luhmann inicialmente, deve ser rearticulada com a concepção de
positividade como autodeterminidade, fechamento operacional, autorreferência ou
autopoiese do sistema jurídico, por ele desenvolvida e radicalizada
posteriormente”.57

Na realidade, a positivação significa que o direito passa a ser visto, pela


legislação, como modificável, em princípio.58 Segundo a formulação de Luhmann,
somente condições legalmente fixadas na legislação podem fundamentar objeções
contra a vigência e a validade das leis.59 A proposta de Luhmann modifica de modo
bastante específico e substancial o foco das teorias sociológicas tradicionais sobre
o direito, como demonstrado no livro, principalmente as estabelecidas nas teses de
Marx, Weber e Durkheim.

Para Luhmann, a sociologia do direito está interessada somente nas conexões


entre variáveis legais e extralegais e, embora todas elas falem da unidade do
sistema legal, esta unidade nunca é claramente percebida.60

A proposta de Luhmann acrescenta um aspecto original à sociologia do direito,


quando analisa a forma como o sistema jurídico cria realidades descortinadas pelo
código lícito e ilícito com efeitos sensíveis nas comunicações dos indivíduos, ou
seja, nas relações sociais. O direito, nessa perspectiva, não representa um
“indicador externo” das moralidades sociais, como na expressão de Durkheim, ou
um documento autenticado das relações de dominação entre as classes sociais,
ou, ainda, um reflexo dos interesses estratégicos de grupos de qualquer natureza.
Sem desconhecer esses aspectos, todos influentes no direito, ou qualquer outro
estímulo do ambiente moral, político, artístico e científico da criação dos sistemas
jurídicos, a teoria sistêmica problematiza a relação entre direito e sociedade a partir
do direito. E isso significa contemplar a forma como o código binário essencial do
sistema jurídico (lícito/ilícito) não apenas determina a recepção dos estímulos do
meio, mas, ao mesmo tempo, condiciona a expressão da comunicação e de seus
conteúdos entre os agentes sociais.61

A teoria luhmanianna representa uma contribuição distinta e original aos


estudos da sociologia jurídica.62  Ela problematiza a natureza dos vínculos
postulados pela teoria sociológica tradicional entre a organização social e a
organização do direito, e desfaz a hipótese clássica dessas teorias a respeito dos
vínculos mecânicos entre os interesses materiais e políticos de grupos e classes
sociais e a constituição do sistema jurídico, bem como propõe um sofisticado
modelo que consegue identificar movimentos especiais resultantes das “fricções”
(irritações) entre os subsistemas sociais: político, econômico e jurídico. Na
realidade, a ideia da autonomia autopoiética do direito, despida de seus elementos
mais biológicos, identifica um processo totalmente distinto daqueles observados e
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analisados exaustivamente pela sociologia tradicional, e que enfatizam a influência


das variáveis macrossociológicas na constituição do direito. De modo distinto, a
teoria sistêmica afirma uma dupla via na interação desses elementos, de forma que
também o direito, isto é, o sistema jurídico  stricto sensu, produz “realidade
social”.63

54

.As traduções para o português destas obras foram as adotadas na produção deste capítulo, cf.
Niklas Luhmann. “Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. vol.  I” e
“Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985. vol. II”.
55

.Para uma abordagem completa e muito bem elaborada sobre o pensamento de Luhmann e o
direito, cf. Marcelo Neves. Op. cit.
56

.Niklas Luhmann. Sociologia..., cit., vol. I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 9-12.
57

.Marcelo Neves. Op. cit., Cap. I, n. 1.3, p. 24.


58

.Niklas Luhmann. Sociologia do direito..., cit., vol. I, p. 34.


59

.Idem, p. 35.
60

.Cf. Marcelo Pereira de Mello. Op. cit., p. 362.


61

.Idem, p. 367.
62

.Cumpre lembrar os importantes estudos feitos por Luhmann com Talcott Parsons e a projeção
diferenciada do sistema social proposta por este. De maneira generalizada, Talcott Parsons define
sistema social como constituído pela interação direta ou indireta dos seres humanos entre si. Ele
consiste numa pluralidade de atores individuais interagindo mutuamente numa situação que tem
pelo menos um aspecto físico ou ambiental. Estes atores são motivados relativamente a uma
tendência ao máximo de satisfações, e a relação de cada qual com uma situação e com os outros
é definida e mediatizada por um sistema comum de símbolos culturalmente elaborados. Nesse
sentido, cf. Talcott Parsons. Os componentes dos sistemas sociais. In: Fernando Henrique
Cardoso; Octavio Ianni.  Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. 3.  ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. p.  59; ______. Papel e sistema social. In: Fernando
Henrique Cardoso; Octavio Ianni. Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. 3. ed.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. p.  63-68; e ______.  O sistema das sociedades
modernas. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Livraria Pioneira, 1974. p.  15-42. Outro ponto
importante que merece estudo apartado e complementar ao que se propõe é a proposta de
Gunther Teubner que parte do pensamento de Luhmann indicando diferentes apontamentos. Cf.
Gunther Teubner.  O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1989.
63

.Cf. Marcelo Pereira de Mello. Op. cit., p. 371.

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4.2.2.5. Uma discussão contemporânea sobre o lugar da teoria no


direito: um debate entre Richard Posner e Ronald Dworkin

A discussão sobre as possibilidades da ciência do direito e o papel da teoria


nesse contexto não é uma peculiaridade da tradição europeia de se estudar o
fenômeno jurídico. A tradição anglófona, no contexto atual, produz um interessante
debate sobre o tema. Na verdade, no âmbito do  common law, a questão
envolvendo a teoria do direito é algo historicamente confuso. Como é sabido, essa
tradição jurídica possui um acentuado apelo pragmático, deixando questões
especulativas ou de natureza filosófica para outros campos do conhecimento, que
não o direito. Todavia, desde a edição de O Conceito de Direito de Herbert Hart, o
interesse da cultura anglo-saxã pela teoria do direito foi vitaminado. Desde então,
importantes construções teóricas foram produzidas. A obra de Ronald Dworkin é,
de algum modo, resultado desse impulso hartiano.

E esse mesmo autor, Ronald Dworkin, protagonizou um debate a respeito das


possibilidades da teoria do direito. Trata-se do debate envolvendo Richard Posner
e a reivindicação desse último de uma teoria pragmática do direito que fosse mais
sociológica e que dependesse o mínimo possível da filosofia.

É interessante notar que os temas da investigação teórica do direito e sua


aplicação prática ocupam lugar de destaque nesse acalorado debate. As questões
acerca das possibilidades de uma teoria do direito de corte mais filosófico em face
de uma teoria do direito de inspiração sociológica também dão o tom das
discussões. Por fim, as questões envolvendo a distinção entre o direito e a moral e
as (necessárias?) implicações de uma teoria sobre a outra também representam
um ponto determinante.

É de bom alvitre alertar o leitor, logo no início, que não se pretende aqui esgotar
a temática. Seria uma pretensão absurda e que, certamente, se encontra fora das
possibilidades atuais de um livro introdutório. Trata-se, muito mais, de uma
apresentação de um debate emblemático e que possui o poder de mostrar como
que, nos últimos anos, os debates teóricos no Brasil têm se aproximado muito mais
dos estadunidenses do que dos europeus, o que era uma tradição entre nós. As
questões relativas à atividade da jurisdição constitucional e a interpretação que o
Supremo Tribunal Federal vem realizando acerca de conceitos jurídicos (como a
criminalização da interrupção da gravidez para fins terapêuticos; a possibilidade de
utilização do amianto na indústria; quais as condições que podem ensejar a
inelegibilidade de um candidato; entre tantas outras) contribui para isso. Com
efeito, do mesmo modo que os europeus, no final da Segunda Guerra Mundial e
com a radicalização dos Tribunais Constitucionais, assistiram a uma “descoberta”
jurídico-cultural dos Estados Unidos, ocorre entre nós um fenômeno similar no
momento em que a atividade da nossa Suprema Corte passa a ficar em grande
evidência. Mas isso é matéria para ser discutida em uma outra oportunidade. Por
enquanto, vamos aos contentores de nosso debate.

4.2.2.5.1. Richard Posner

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Ano passado, foi publicada no Brasil uma tradução do livro de Richard


Posner, The Problematics of Moral and Legal Theory, pela editora Martins Fontes
de São Paulo.64 Embora a tradução seja recente, o livro original existe há mais de
uma década. Foi publicado em 1999 como resultado de um ciclo de palestras
proferido por Posner em 1997, cuja temática girava em torno do ensaio de Oliver
Wendell Holmes,  The Path of the Law, que, naquele ano, completava seu
centenário de publicação.65  O autor reescreveu e reorganizou os textos das
palestras, incluiu trechos novos e respondeu a algumas críticas que lhe foram
apresentadas. O livro é resultado de todo esse processo. Apresenta-se como um
manifesto pragmaticista no direito: afirma-se nele que os métodos de investigação
e decisão do direito não devem ser tributários de uma teoria moral “metafísica”,
mas, sim, devem ser buscados pragmaticamente, no seio das ciências sociais e do
senso comum.

Explicando melhor: os juízes  – ou qualquer outro tomador de decisões no


âmbito do direito  – quando se veem diante de casos que não encontram uma
resposta simples a partir das fontes corriqueiras de orientação (Constituição, Leis,
precedentes) “nada podem fazer além de recorrer a noções derivadas da condução
dos negócios públicos, dos valores profissionais e pessoais, da intuição e da
opinião”.66  Essa seria, segundo o autor, uma abordagem mais condizente com
aquilo que efetivamente se passa no âmbito das práticas decisórias no direito.
Seria uma perspectiva mais profissional e menos teórica de aproximação do
fenômeno jurídico.67

Partindo desse pressuposto, os argumentos críticos do texto são dirigidos a um


alvo definido: aqueles autores aos quais Posner nomeia como “juristas
acadêmicos” e que, de alguma forma, estabelecem uma aproximação entre a
filosofia do direito e a filosofia moral ou, melhor ainda, colocam a teoria jurídica
para dentro da teoria moral. Os alvos privilegiados de Posner (os “juristas
acadêmicos”) são os seguintes: Ronald Dworkin, Charles Fried, Anthony Kronman,
John Noonan e Martha Nussbaum.

De todos esses nomes, o de Ronald Dworkin certamente é aquele que aparece


com maior frequência diante de sua artilharia pragmaticista. A concepção de moral
que perpassa a obra de Dworkin é constantemente atacada por Posner. Na
verdade, uma de suas pretensões básicas é realizar uma desmistificação do direito
para libertá-lo das amarras de qualquer teoria moral. Nas palavras de Posner: “a
filosofia moral não tem nada a oferecer aos juízes e aos estudiosos do direito no
que se refere à atividade judicial ou à formulação de doutrinas jusfilosóficas ou
jurídicas”.68

O jurista da escola de Chicago segue adiante para dizer que tanto a filosofia
moral quanto “algumas de suas primas-irmãs, como a jusfilosofia e a teoria
constitucional, são impotentes para resolver questões jurídicas concretas”.69  Para
justificar sua afirmação, Posner recorre a um argumento, por assim dizer,
“empírico”. Relembra de um julgamento da Suprema Corte estadunidense no
interior do qual se discutiam leis que proibiam o suicídio assistido por médicos
(uma questão que tem como pano de fundo um acalorado debate moral). Nesse
caso, um grupo de filósofos morais submeteram à apreciação da Corte um
memorial de  amici curiae. Este memorial teria sido, ainda seguindo a
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argumentação de Posner, ignorado solenemente pelos juízes daquele Tribunal. In


verbis: “os juízes ficam com um pé atrás quando se procura convencê-los a usar a
teoria moral ou constitucional para decidirem as demandas”.70

Note-se que a verdadeira pretensão de Posner é postular a inviabilidade da


Teoria do Direito. Sua intenção, portanto, é metateorética: analisar as condições
pelas quais se considera impossível ou, neste caso, o melhor seria dizer, inútil e
despiciendo, o esforço teórico no direito. Não que, em seu livro, não se faça algum
tipo de “teoria jurídica”. Aliás, como bem enfatizará Dworkin em um de seus textos
de resposta a Posner, a postura deste último é sempre também teorética e, em
certo sentido, “metafísica”. De todo modo, sua proposta de abordagem do direito
não é teórica em um sentido filosófico, mas, sim, em um sentido sociológico: não
possui uma matriz filosófico-reflexiva; trata-se de um referencial sociológico-
descritivo. No fundo, portanto, o argumento de Posner se apresenta como uma
crítica das posturas que procuram pensar o direito a partir da filosofia para realizar
uma defesa das análises sociológicas sobre o direito. No caso, da sua peculiar
análise sociológica do direito.

4.2.2.5.2. Ronald Dworkin

Em um texto de 1997, Dworkin escreveu sobre alguns pontos destacados por


Posner no livro que comentamos acima. Na verdade, os argumentos enfrentados
por Dworkin já haviam aparecido em um livro anterior do autor, chamado  Para
Além do Direito (Overcoming Law). O texto de Dworkin ao qual me refiro foi
incorporado ao livro  A justiça de Toga, em capítulo intitulado  O Elogio da
Teoria.71  Nesse texto, Dworkin afirma que a postura teórica  – em sentido
filosófico  – não apenas é possível como também inevitável. Como já referido
acima, para Dworkin, Posner também faz teoria do direito no mesmo sentido em
que ele a critica.

O grande atrativo da proposta de Posner é, sem dúvida nenhuma, seu apelo


prático. No modo como constrói seu argumento, a sua aparentemente
despretensiosa teoria parece dar notas de grande utilidade e adequação aos
problemas contemporâneos do direito. Porém, se olhada mais de perto, essa sua
análise esconde uma série de elementos que comprometem toda a argumentação.

O primeiro destes pontos, certamente, é a sua pretensa assepsia moral. Numa


estratégia que não é exatamente nova (Kelsen, por exemplo, já havia argumentado
de forma parecida para criticar a concepção kantiana de moral e defender a sua
tese da separação entre o juízo moral e o juízo jurídico), Posner se afirma como
um “relativista moral moderado”. Ele critica as concepções universalistas sobre o
conteúdo dos conceitos morais, mas, ao mesmo tempo, não se diz pronto para
aceitar as teses dos relativistas radicais, que pregam um ceticismo completo no
que tange à possibilidade do conhecimento das formas morais. Para ele, é possível
ao investigador mapear certo conjunto de crenças e sentimentos que compõem a
dimensão moral de uma determinada e específica comunidade de indivíduos. Mas,
por outro lado, seria impossível universalizar o conteúdo conhecido dentro
daquelas condições específicas de modo a aplicar suas normas em outro local,
diferente daquele em que tais conteúdos tiveram origem.

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Para ele, no momento de decidir, mais importante do que o juiz conhecer tais
conteúdos morais (por exemplo, qual o valor da democracia no seio de uma
comunidade; o que significa a cláusula de igual respeito; ou se é compatível com a
Constituição uma lei que proíbe o suicídio assistido por médicos) é ele ter o
domínio instrumental das questões econômicas, políticas e sociais envolvidas na
questão. É preciso que ele tenha um domínio, com máxima previsibilidade
possível, sob as consequências geradas por sua decisão, tendo sempre como guia
a adoção da medida que traga maior benefício ou uma melhora nas condições
gerais observadas pelas pessoas envolvidas no caso.

Desse modo, Posner faz uma admoestação a Dworkin, dizendo que sua
preocupação, quase realista, com os conceitos morais acaba por desvencilhá-lo
dessas questões consequencialistas, produzindo, assim, um tipo de teoria da
decisão que desconsidera totalmente as condições reais que determinam  in
concreto o direito.

Em sua avassaladora resposta, Dworkin inicia argumentando que sua


abordagem teórica difere substancialmente da descrição oferecida por Posner. Sua
proposta não se desenha a partir de um emaranhado de conceitos morais e
jurídicos abstratos. O argumento moral não é construído pelos juízes apenas nos
casos limítrofes, de decisões “difíceis”. Na verdade, qualquer interpretação jurídica
implica uma argumentação moral. Em sua proposta, Dworkin afirma que conceitos
como os de democracia, liberdade, igualdade, devido processo legal etc. são
conceitos jurídicos que estão impregnados pela moralidade política e que, no
momento em que são discutidos judicialmente, eles são, necessariamente,
interpretados. Nesse sentido, a sua proposta teórica é interpretativa e
construtivista. Melhor seria dizer que quem interpreta o direito deve fazê-lo de
modo a construir argumentos que se ajustem, de melhor forma, às práticas
jurídicas da comunidade política. Nessa medida, sua abordagem teórica “alega que
há princípios de tal modo inseridos em nossa prática jurídica que, quando os
aplicamos ao caso em questão, eles dão (ou não) o direito”72  à parte que o
reivindica. Vale dizer: “justificamos as alegações jurídicas ao demonstrar que os
princípios que as sustentam também oferecem a melhor justificação de uma prática
jurídica mais geral na área do direito em que se situa o caso”.73

Por certo, haverá discordância com relação a qual conjunto de princípios


oferece a melhor solução para o caso. Mas essa discordância, antes de ser o
retrato da improcedência da tese é, ela mesma, o que a torna mais atraente (para
usar uma expressão dworkiniana). A controvérsia sobre esse conjunto de
princípios  – que é uma questão moral  – será resolvida a partir do confronto dos
vários argumentos lançados para o caso, sendo que prevalecerá aquele que, de
forma mais responsável, demonstrar o melhor ajuste às práticas jurídicas.

Na mesma linha, a questão a respeito do consequencialismo deve ser colocada


em devidos termos. Na verdade, Dworkin afirma que também sua proposta é
consequencialista. Mas o é em um sentido diferente daquele retratado por Posner.
Nos termos propalados por Dworkin, sua proposta é consequencial no seguinte
sentido: “cada argumento jurídico interpretativo tem por finalidade assegurar um
estado de coisas que, de acordo com princípios incorporados à nossa prática, seja
superior às alternativas”.74
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4.2.2.5.3. Uma síntese conclusiva

Por fim, a proposta de Posner, com toda a sua aparente indiferença às


questões morais, acaba sendo portadora de uma certa concepção de moralidade:
aquela que se verifica no utilitarismo. No fundo, o debate sobre os conteúdos
morais dos conceitos jurídicos é inescapável. Do mesmo modo que a reflexão
teórica também o é. E isso por um motivo muito simples: todo aquele que estiver
comprometido com alguma ambição de igualdade e democracia terá melhor
sucesso se enveredar pelos caminhos da teoria. Nas palavras do próprio Dworkin:

“Nossas divisões são de natureza cultural, étnica, política e moral. Não


obstante, aspiramos viver juntos e iguais, e parece crucial para essa ambição que
também aspiremos que os princípios que nos governam nos tratem como iguais.
(...) Só poderemos perseguir essa indispensável ambição se tentarmos, sempre
que necessário, nos colocar em um plano elevado [vale dizer: teórico, acrescentei]
nossas decisões coletivas, inclusive em nossas decisões judiciais, de modo a pôr à
prova nosso progresso em tal direção. Devemos nos incumbir desse dever
soberano se pretendemos alcançar um Estado de Direito que não seja apenas
instrumento de avanço econômico e paz social, mas um símbolo e espelho da igual
consideração pública, que nos dá o direito de afirmar a comunidade”.75

Leitura recomendada

Básica

Marcelo Neves.  Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o estado


democrático de direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.

Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz; Jean Clam.  Introdução à teoria do


sistema autopoiético do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

Intermediária

Michael King, Leonel Severo Rocha e Germano Schwartz.  A verdade sobre a


autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

Avançada

Jean Clam. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade. Contingência,


paradoxo, só-efetuação. São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2006.

64

.Richard A. Posner. A problemática da teoria moral e jurídica. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São
Paulo: Martins Fontes, 2012, 507 p.
65

.Cf. Oliver Wendell Holmes.  The path of law. Kindle Book: Public Domain, 1897. O texto é um
programa de uma teoria pragmática do direito, que fez história sob o epíteto “realismo jurídico”. É

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nele que se encontra a frase de Holmes que entraria definitivamente para a posteridade:  The
prophecies of what the courts to do in fact, are what I mean by the law. Holmes, Oliver Wendell.
Idem, ibidem, pos. 58.
66

.Cf. Richard A. Posner. Op. cit., p. 8.


67

.Para conhecer os detalhes da proposta “profissionalista” de Posner, ver: Richard A. Posner.


Op. cit., p. 291 e ss.
68

.Richard A. Posner. Op. cit., p. 9.


69

.Idem, ibidem.
70

.Richard A. Posner. Op. cit., p. 12. De se consignar que Ronald Dworkin menciona o mesmo caso
em seu A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 71 e ss.
71

.Ronald Dworkin. Op. cit., p. 71 e ss.


72

.Idem, p. 74.
73

.Idem, p. 75.
74

.Idem, p. 89.
75

.Idem, p. 105-106.

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4.3. Conclusões principais

1) O conceito elementar de ciência como saber (scire) que englobava na antiguidade a própria filosofia enquanto ciência,
pois esta era uma forma de sabedoria (sophia), fornece o terreno básico para o propício entendimento do direito enquanto
estudado cientificamente.

2) O conceito elementar clássico predominou ainda na idade média e na idade moderna, quando ocorreu algo como uma
“revolução das ciências”, pois neste momento ela se afastou da filosofia e ganhou um sentido mais limitado, identificando-se
como ciência o que possui como objeto fatos reais.

3) Ampliando a tratativa, didaticamente, optamos por fornecer alguns indicativos das formas de conhecimento que aos
poucos puderam ser identificadas na trajetória da humanidade. Isto se deu com o escopo de demonstrar como a anteriormente
chamada “revolução das ciências” projetou realmente uma forma de pensamento que predominou na época atual, que
denominamos como técnico-científica.

4) A primeira das formas de conhecimento abordada foi o senso comum, que representa nada mais que uma forma de
conhecimento vulgar, acrítico e a-histórico que representa o pensamento coletivo massificado, essencialmente técnico, não
teórico e que compõe as linguagens cotidianas comuns.

5) Além dele, fizemos questão de fazer referência ao “sentido comum teórico” dos juristas, que representa no campo jurídico
exatamente aquilo que o senso comum representa no campo social de modo geral. Com isso, a intenção foi a de promover um
despertar crítico para os leitores do atual estágio em que nos encontramos, de pouco rigor e de extremo praxismo no estudo do
direito.

6) Ao nos expressarmos sobre conhecimento científico, procuramos criar uma relação de sua base desde os gregos, em
especial com Aristóteles, até os dias atuais, evidenciando o movimento que havia já na Grécia entre o saber científico  – de
natureza universal e que explicava a essência das coisas – do conhecimento efetivamente ético, pragmático, a prudência que
como exposto representava a forma do pensamento jurídico.

7) Ademais, a objetivação da ciência enquanto uma forma predominante de saber (técnico-científico) na modernidade se
apresenta como algo determinante para a compreensão e articulação do direito diante desta realidade.

8) Com relação ao pensamento filosófico, além de determinar sua origem, a proposta foi a de identificar brevemente
algumas características que o representam (reflexividade,  circularidade,  busca de totalidade de explicações  e  pensamento
conjectural) e de comprovar sua importância para a composição da formação humanística de todos, pois este representa um
tipo de saber reflexivo, especulativo e crítico apto a fornecer subsídios e elementos para as instâncias da vida humana em todas
as suas projeções.

9) Por fim, aproximando a ciência do direito, a intenção foi a de demonstrar como o direito foi ou pode ser pensado
cientificamente e qual seria a sua contribuição ao assim se proceder com sua aplicação. Para tanto, algumas perspectivas do
direito enquanto ciência foram apresentadas.

10) Tais formas foram a historicista, a finalista, a positivista e a sistêmica. Com a historicista, a questão foi a de demonstrar o
princípio do pensamento científico do direito no final do pandectismo alemão e início da escola histórica; com a finalista, o intuito
de tratar a questão da finalidade do direito em sentido científico e de expor algumas críticas ao conceito historicista; com a
positivista, buscamos demonstrar a tentativa máxima de purificar o direito cientificamente com Hans Kelsen e o forte impacto
que isto representa até hoje no sentido do direito; e, por fim, com a sistêmica a interessante tese alemã de Niklas Luhmann e a
conjectura de um plano teórico-científico que explica, entre outras coisas, a autoprodução do direito no contexto de uma teoria
sistêmica social.

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5. Direito e Moral
A relação entre direito e moral é um dos temas mais complexos dos estudos
introdutórios ao direito. Sua complexidade, em parte, deve-se pelo fato de que
muitas são as teorias sobre as relações entre direito e moral.

Ademais, tal complexidade também se verifica, pois a relação pode ser


aprofundada sobremaneira na dimensão filosófica – e também histórica – sobre o
conceito de moral e de ética e, ainda, sobre o relacionamento dos dois últimos
conceitos.

Levando em conta estes iniciais apontamentos, a proposta se centrará em


alguns pontos de referência sobre o relacionamento entre os conceitos de direito,
moral e ética.

Certamente, um dos temas que mais necessite de ser repensado no estudo


atual da teoria do direito seja a relação entre direito e moral.

Fato é que a relação entre direito e moral e suas distinções clássicas


propostas – quando se faz referência, por exemplo, de que a moral seria autônoma
e o direito heterônomo – não dão conta de oferecer respostas satisfatórias para a
realidade significante que surge dos dois conceitos.

As questões iniciais que se colocam são: as distinções clássicas entre direito e


moral são realmente possíveis de serem feitas num plano prático da vida? Tais
distinções não seriam meramente didáticas? Quais as atuais perspectivas teóricas
do estudo do direito com relação à moral?

A intenção aqui depositada, então, é a de oferecer respostas para tais


questionamentos.

5.1. Noções elementares sobre moral

Segundo Mário Ferreira dos Santos, a moral pode ser entendida como um
estudo sistemático dos costumes humanos.1  Tal estudo pode ser considerado
como uma moral geral, particular ou individual.

A moral geral estabelece as obrigações fundadas em princípios gerais que


seriam aqueles de ordem geral que estabelecem valores para convivência em
sociedade. A moral particular estabelece as obrigações fundadas em normas
particulares, estas que foram fundadas nos princípios gerais da moral geral  – a
moral particular tem como característica as pretensões individuais de cada um e o
modo como estas pretensões morais se relacionam a partir da moral geral  – e a
moral individual se estabelece a partir de normas individuais, que também são
baseadas nos princípios gerais e nos princípios particulares, mas que se mantêm
em termos introspectivos em cada indivíduo, levando em conta seus valores
pessoais e a reflexão sobre esses valores para a vida de cada um.

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Por fim, há a possibilidade de a moral ser teórica ou prática, ou seja, em termos


teóricos – de modo explicativo e sistemático –, procuramos compreender o porquê
dos fatos morais, para, em termos práticos, aplicarmos a nossas vidas as normas
entendidas como moralmente obrigatórias de serem seguidas.

Historicamente, a diferenciação ou a sinonímia entre ética e moral ocorreu em


vários autores. Tal fato é relevante para a reflexão de até que ponto os conceitos
de moral e ética podem ser confundidos e até que ponto é possível de se criar uma
diferenciação sobre eles.

Ademais, a explicação sobre o conceito de moral inicialmente deve passar pela


aproximação com a ética, pois um dos primeiros significados do conceito de moral
foi a de que esta pertence à doutrina ética.

Em termos mais precisos, tal conceito também foi cunhado inicialmente como
significando ética e como pertinente à conduta e, portanto, suscetível de valoração
moral.2

Isso permitiu que se criassem juízos de valoração para indicar que


determinadas pessoas são moralmente valiosas ou não.

Nessa dimensão, portanto, a moral pode ser considerada como um conjunto de


valores  – costumes  – considerados pelos homens em suas relações sociais que
devem ser seguidos para uma adequada convivência social.

Em termos de valoração, a moral de modo mais específico, a moralidade, ou


seja, tudo aquilo que se amolda à moral, constitui-se como uma diretriz
comportamental que determina as atitudes e posturas de uma dada sociedade, em
um determinado período histórico.

Isto pode ser bem presenciado ao se analisar como, historicamente, mesmo de


forma recente, alguns conceitos antes tidos como imorais, passam a ser
incorporados pela sociedade com o passar do tempo.

Em termos estritamente sociais, podemos fazer referência às roupas de banho


femininas que antes eram peças que cobriam todo o corpo e atualmente a prática
normal, incorporada socialmente pelos biquínis curtos e até mesmo
do topless, praticados nas áreas destinados aos banhistas.

Para verificarmos a influência da moralidade na esfera jurídica, um exemplo


significativo seria o modo como o Código Penal tratava inicialmente a figura do
adultério como crime e como com o passar dos tempos este tipo penal passou a
não ser considerado mais como figura penal, mas tão somente como uma prática
de impossibilidade de comunhão da vida.3

Aos poucos, em termos histórico-filosóficos, a moral passa a ganhar a


dimensão de algo pertencente ao espírito humano, uma conduta espontânea.

Nesse sentido, a moral para realizar-se autenticamente, conta com a adesão


dos obrigados, pois quem pratica um ato consciente de sua moralidade, já aderiu
ao mandamento que está a obedecer.4
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A adesão dos que se sentem obrigados é basicamente o último ponto reflexivo


no conceito elementar de moral aqui a ser abordado.

Podemos não seguir a moral, enquanto conjunto de costumes  – valores


morais  – adequados para a convivência em sociedade? Como os valores morais
são aos poucos modificados socialmente?

Fato é que se pode não seguir os ditames morais de uma determinada época
em uma determinada sociedade, sendo essa exatamente a dimensão da
espontaneidade da atitude moral. Ocorre que o não seguimento de determinados
valores morais, dependendo de quais forem, pode ocorrer de duas formas.

A primeira pode corresponder a uma situação referente àquilo que não se


seguiu, e que, moralmente, não possui imediato efeito no campo jurídico, por
exemplo, o fato de se discutir com um familiar e sequer se arrepender do feito. O
efeito, dependendo do grau da discussão e do abalo das partes, não passa do
descumprimento de uma norma moral.

Já a segunda, pelo contrário, pois a correspondência do descumprimento de


um valor moral com implicação direta no campo jurídico, como, por exemplo, o fato
de se ter que prestar auxílio aos pais quando necessário pelos filhos capazes e
com possibilidade para fazê-lo. Os pais que necessitados não possuem ajuda
voluntária dos filhos  – regra moral  – podem propor ação de alimentos, com
fundamento na Constituição Federal e nos  Código Civil  e de Processo Civil,
para obrigar, juridicamente, os filhos a bancarem a sua subsistência digna, mesmo
estes não se importando moralmente com a situação dos pais.5

Nesse ambiente, há uma zona determinante entre direito e moral em sentido


prático, da vida. Há sempre, então, certa impossibilidade de uma distinção real do
direito, da moral e da ética, pois o próprio direito e a própria ética se configuram
enquanto estudos que se baseiam em ideias gerais da moral.

A moral e a modificação dos valores e ela atribuídos envolve certamente um


caráter histórico, ou seja, a moral se constitui como produto de circunstâncias
específicas que dependem de uma série de fatores sociais e seria, exatamente,
neste sentido, a possibilidade de se verificar a mudança nas atribuições de
sentidos morais aos fatos sociais.

Leitura recomendada

Básica

Mário Ferreira dos Santos.  Dicionário de filosofia e ciências naturais.  São


Paulo: Matese, 1963. 4. vols. (vol. 3, verbete moral).

Intermediária

Otfried Höffe. Verbete moral. In: Hermann Krings, Hans Michael Baumgartner e
Christoph Wild (orgs).  Conceptos fundamentales de filosofía. Barcelona, Herder,
1977. t. II.

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John Rawls. História da filosofia moral. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Avançada

Immanuel Kant. Crítica da razão prática. 5. ed. Trad. Manuela Pinto dos Santos


e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

Friedrich W. Nietzsche. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César


de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

.Mário Ferreira dos Santos.  Dicionário de filosofia e ciências sociais. São Paulo: Matese, 1963,
vol. 3, p. 912. A referência inicial sobre moral geral, particular, individual e teórica e prática foi feita
com base no pensamento de Mário Ferreira dos Santos.
2

.Nicola Abbagnano. Diccionario de filosofia. Trad. José Esteban Cálderon e outros. 4. ed. México:
FCE, 2004, p. 732.
3

.Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “A  Lei 11.106/2005 revogou o art. 
240 do  CP, excluindo, assim, do ordenamento jurídico brasileiro o crime de adultério, que
passou a ser, desde então, apenas justificativa de impossibilidade de comunhão de vida, a ensejar
a separação judicial, como o ilícito civil, capaz de proporcionar indenização por dano moral ao
cônjuge enganado.” Cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery.  Código Civil
comentado. 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, coment. 2  CC 1573, p. 1338.
4

.Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 44.
5

.Este exemplo, em sentido contextual, pode ser encontrado na obra de Miguel Reale. Miguel
Reale. Op. cit., p. 45 e 46.

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5.2. Noções elementares sobre ética

5.2.1. Conceito básico de ética

A palavra ética é derivada do grego  ethos  que significa costume, ganhando


proporções realmente significativas como uma ciência da moral a partir de
Aristóteles.6

Segundo Abbagnano, a ética de modo geral seria a ciência da conduta.


Havendo duas concepções fundamentais desta ciência, a saber: 1) a que
considera como a ciência do  fim  a que se deve dirigir a conduta dos homens e
dos meios para atingir tal fim e deduzir, tanto o fim como os meios da natureza do
homem e 2) a que considera como a ciência do impulso da conduta humana e tem
como intenção determiná-lo com vistas a dirigir ou disciplinar a conduta mesma.
Estes conceitos podem ser encontrados desde os tempos antigos, passando pelo
medievo até a sociedade moderna, possuindo distinções e linguagens diferentes:
enquanto o primeiro conceito está adstrito do ideal ao que o homem se dirige por
sua natureza, o segundo estaria baseado nos motivos ou nas causas da conduta
humana ou ainda das forças que a determinam e pretende ater-se ao
reconhecimento dos fatos.7

.Mário Ferreira dos Santos. Op. cit., p. 608.


7

.Nicola Abbagnano. Op. cit., p. 425 e 426.

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5.2.2. A relação entre moral e ética e uma breve distinção

Diante dos conceitos básicos expostos, seria possível se proceder com a


diferenciação entre a ética e a moral?8

O autor que, aparentemente, melhor propõe isto, lançando uma investigação


profunda em termos éticos, é Foucault.9

Segundo Foucault, é preciso fazer uma distinção entre os atos e o código


moral. Os atos (condutas) são o verdadeiro comportamento das pessoas em
relação ao código (prescrições) a elas imposto.10

Foucault denominou como próprio ao campo da ética rapport à soi – a relação


consigo –; pois isso determina a maneira pela qual o indivíduo deve se constituir a
si mesmo como sujeito moral de suas próprias ações. É por isso que a relação
consigo comporta quatro aspectos principais, a saber: qual a parte de mim mesmo
que está relacionada à conduta moral? De que maneira sou incitado a reconhecer
minhas obrigações morais? De que modo posso me modificar a fim de me tornar
um sujeito ético? Qual é o tipo de ser que aspiro quando me comporto de acordo
com a moral?11

Segundo Foucault, o que denominamos como moral é o comportamento efetivo


das pessoas; há os códigos e há este tipo de relação consigo mesmo que
compreende os quatro aspectos citados. Existem entre eles tanto relações quanto
um certo tipo de independência. Decorre disso seu interesse pelo período histórico
da antiguidade greco-romana: “acho que as grandes modificações que ocorreram
entre a sociedade grega, a ética grega, a moralidade grega e como os cristãos se
viam, não estão no código, porém, no que chamo de ética, que é a relação consigo
mesmo”.12

Diante de tais apontamentos, segundo Oswaldo Giacoia Júnior, a distinção


entre ética e moral surge como aspecto fundamental no projeto da foucaultiano de
genealogia da ética: “o significado que o termo ética assume em Foucault não
pode ser tomado como sinônimo de moral. Moral diz respeito ao comportamento
efetivo das pessoas em relação aos códigos. Ética diz respeito ao tipo de relação
que o sujeito mantém consigo mesmo; é esse o sentido do rapport à soi, o que
determina como o indivíduo se constitui como sujeito moral de suas próprias
ações”.13

Nesse sentido, caberia, então, a distinção de que a noção ética está no homem,
incutida, e diz respeito ao tipo de relação que a própria pessoa estabelece consigo.
Uma ideia mais  espiritual  e interiorizante, enquanto a dimensão da moral seria,
basicamente, o comportamento das pessoas diante dos códigos morais  – e
jurídicos – existentes.

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.A base deste texto pode ser encontrada no artigo  Entre a ética e o Código de Ética da
advocacia de nossa autoria. Para tanto, cf. Henrique Garbellini Carnio. Entre a ética e o Código de
Ética da advocacia. In: Fernando Rister de Souza Lima; Ricardo Tinoco de Goes; Willis Santiago
Guerra Filho (coords.). Compêndio de ética jurídica moderna. Curitiba: Juruá, 2011, p. 115-124.
9

.Os textos que serviram de base para reflexão sobre o pensamento de Foucault para conferência:
Michel Foucault. “A ética do cuidado de si como prática da liberdade” e “Uma estética da
existência”. In: ______. Ditos & escritos V – Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004 e na obra A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
10

.P. Rabinow e H. Dreyfus. Michel Foucault – Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e
da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 262.
11

.Cf. sobre esta passagem: Marcio Mariguela. Sexualidade e a ética do cuidado de si.  Revista
Educação: teoria e prática, vol. 18, n. 30, p. 37-46.
12

.P. Rabinow e H. Dreyfus. Op. cit., p. 265.


13

.Oswaldo Giacoia Jr. A filosofia como diagnóstico do presente: Foucault, Nietzsche e a genealogia
da ética. In: M. Mariguela (org.). Foucault e a destruição das evidências. Piracicaba/SP: Unimep,
1995, p. 89.

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5.2.3. A relação do fenômeno jurídico com a ética

Levando em conta a ideia da ética como uma tendência do  espírito  humano,
outros possíveis pontos de inflexão surgem, mormente para se tratar da relação
antiga entre as leis e a ética e, ainda, levando em conta o objeto aqui discutido, a
de normas que buscam regular eticamente os que trabalham com as leis
jurídicas de um modo geral, no exercício da profissão advocatícia.14

Certo é que, no atual grau de complexidade relacional de nossa sociedade, o


consenso sobre os valores se apresenta como algo completamente problemático.
Esta disputa revela a proximidade ou, sem exageros, poder-se-ia dizer, o sentido
praticamente sinônimo entre o conceito de ética e moral, pois cada vez mais os
valores tornam-se maiores, fato que dificulta consideravelmente consensos morais.

Muitas vezes, diante destas situações, a resposta é no mínimo um sentimento


de que determinado consenso ético é impossível, fato que certeiramente revela o
ambiente de certa impossibilidade de exercício consensual ético em determinadas
condições.15

Como bem apresenta Renato Janine Ribeiro,16  há um velho conflito entre a


ética e o código, ou seja, entre a ética e a lei. Atualmente, bem como em outros
momentos históricos, parece difícil à lei dar conta das intenções das pessoas.

O exemplo utilizado pelo autor é emblemático para o sentido do que estamos


tratando sobre ética: nenhum guarda para os carros que respeitaram o sinal
vermelho, isto é, que estão dentro da lei, para saber se fizeram isso por respeito
humano ou só por medo da multa e dos pontos na carta. Para a lei, basta que
obedeçam. Mas, para a ética, isso não quer dizer nada. Cumprir a lei por medo das
consequências não implica em ser ético.

No ambiente destas colocações, surge o questionamento sobre os sujeitos que


obedecem aos códigos de ética e a constatação de que as suas disposições, na
sua maioria, são quase todas corretas. Isto se deve ao fato de que o
termo ética em “códigos de éticas” se referir mais à deontologia jurídica, ou seja, a
uma padronização de valores jurídicos-sociais para um adequado convívio em
sociedade do que o próprio termo ética.

De modo geral, o autor identifica que a maioria dos códigos de ética, na


verdade, são leis disfarçadas, leis light, promulgadas por quem não tem poder para
legislar (por exemplo, uma empresa, uma associação profissional), e não são
textos que decidam, de maneira cabal, sobre o caráter ético ou não das pessoas.

Sendo assim, seria possível um código determinar sobre o caráter ético das
pessoas?

De modo geral, para o autor, os códigos de ética são bons, sobretudo quando
eles são frutos de uma ampla discussão social. Mas o fato é que nenhum código
de ética vai fazer uma pessoa ética.

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Conforme destaca Renato Janine Ribeiro, para alguém ser ético, é preciso mais
do que a obediência a uma lei, e isso por melhor que seja a lei. Em outras
palavras: numa época cheia de agências certificadoras (tipo os vários ISO, 9000,
14000 e outros), não há agência certificadora para nosso caráter ético. Ele
depende só de nós, de nossa consciência, com toda a insegurança que isso possa
trazer – e quanto mais insegurança trouxer, melhor, porque mostrará que estamos
mesmo em dúvida diante de nós e de nossa ação.

Sem procurar nos determos em termos históricos, no séc. XVIII com Kant17, a
ética passa por uma revolução, pois até então esta era algo completamente
determinado pelo caráter divino. A partir de então, enfrenta-se uma questão
decisiva, a ética não mais subjugada a padrões divinos hierárquicos.

De modo mais acentuado, ao que interessa a presente tratativa em autores


como Freud e Marx, as questões éticas passam a ser questões de consciência, e
como é cediço, nossa consciência é limitada.

Esta verificação, aliada à temática wittgensteiniana, revela a nós que a


inexistência de nossa certeza sobre as coisas é que torna a pergunta ética
importante.

A polêmica que se instaura, portanto, é a de um desafio ético que impele o ser


humano a sair de sua moral18 de rebanho e se lançar, pensando por si mesmo. A
capacidade de colocar em crítica, dúvida, os preconceitos que nos foram incutidos
pelos outros e os nossos próprios preconceitos.

A perquirição que se lança inicialmente, portanto, é a de um relacionamento


entre o sentido da ética e a atividade da ética jurídica.

Atualmente, está em voga a temática da ética profissional que se estabelece


entre a problemática da codificação das regras e dos princípios éticos a um
conjunto de prescrições de caráter puramente formal e jurídico e, como tais
atitudes, acabam reduzindo a ética e simplificando-a de modo extremado a uma
tecnologia ética.19

A problemática apresenta-se de forma radical do ponto de vista da moralidade,


pois, aparentemente, a instância ética da “tendência do espírito humano” se
encontra perdida e materializam-se atitudes ético-profissionais completamente
despregadas de sentido ético e dominadas por sentidos técnicos.

Na realidade, os códigos de ética ou o estatuto da advocacia não têm o condão


de resolver a atuação antiética dos profissionais, tornando defasado o discurso
dessas pessoas em relação a sua própria atuação prática.

Isto, evidentemente, é um problema interessante, pois propriamente este


projetar ético nada mais é que um reducionismo dos valores normativos
deontológicos da profissão advocatícia, de modo que, enquanto não houver uma
postura que evidencie um “sendo ético”, o reducionismo legislativo servirá como
fachada para a ação de um exercício jurídico que não tem questionamentos éticos,
mas, sim, uma burocratização administrativa e de ajuste de uma moralidade
convencida de ser ética.
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Neste espeque, a ética envolve, sobremaneira, um pensamento sobre o sujeito


e o próprio problema do conhecimento, ou seja, um pensamento de ordem
teorético-filosófica, de modo que a instância inicial a ser resgatada de modo geral
nas éticas profissionais, em especial na jurídica, é justamente esta, a de um
resgate para o sentido interno tendencial (espiritual) ético.

O que está fora desta perspectiva não passa de uma atividade impossível da
ética, que, materializada de forma normativa deontológica, muitas vezes, não é
nada além de um concílio moral, sobre o qual pairam sérios perigos.

Com esta argumentação, a proposta não é a de rechaçar o código de ética,


pelo contrário, a intenção é a sua valorização a partir da busca de um nível de
comprometimento, de assunção de compromisso por parte dos seres humanos,
que esteja antes calcado realmente em termos éticos (para consigo).

Leitura recomendada

Básica

Aristóteles.  Ética a Nicômaco.  Trad. António de Castro Caeiro. São Paulo:


Atlas, 2009.

Intermediária

Fábio Konder Comparato. Ética. São Paulo: Cia. das Letras, 2006.

Mário Ferreira dos Santos.  Dicionário de filosofia e ciências naturais.  São


Paulo: Matese, 1963. 4. vols. (vol. 2, verbete ética).

Avançada

Ernst Tugendhat. Lições sobre ética. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

14

.Henrique Garbellini Carnio. Op. cit., p. 119-124.


15

.Henderson Fürst. A crise da ética kantiana na sociedade pós-moderna e o biodireito. Revista dos


Acadêmicos de Direito da Unesp 5/128-155.
16

.Os apontamentos sobre o pensamento de Renato Janine Ribeiro expostos neste artigo  fazem
parte do livro A sociedade contra o social, editado pela Cia. das Letras em 2000 e de sua coluna
sobre o tema da ética no sítio da America Online e podem ser acessados de modo direto no sítio
do próprio autor no seguinte endereço: [www.renatojanine.pro.br/Etica/colunaaol.html]. Acesso em:
20.12.2012. Como poderá ser notado, os principais artigos de sua coluna utilizados para a reflexão
proposta foram: Códigos de ética, A ética questãode vida ou morte e Desafios para a ética.
17

.De modo interessante, como consulta para aprofundar esta investigação e o papel de Kant, em
especial sobre a temática jurídica e o tema da moral, cf. Imanuel Kant. Doutrina do direito. 2. ed.
Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993, p. 19-43 e 60.
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18

.Ressalta-se que historicamente a diferenciação ou a sinonímia entre ética e moral ocorreu em


vários autores. Aqui a proposta é seguir a reflexão nos parâmetros indicados a partir do
pensamento de Michel Foucault.
19

.Cf., apenas em sentido didático: Eduardo C. B. Bittar. Curso de ética jurídica. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 366.

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5.3. A relação entre moral e direito numa perspectiva contemporânea

5.3.1. A distinção proposta por Robert Alexy: uma topografia das relações
possíveis entre o direito e a moral

Segundo o jusfilósofo alemão Robert Alexy, a relação entre direito e moral pode
ser pensada de três formas distintas que aconteceram, em maior ou menor
medida, no decorrer da história do pensamento jurídico.

Essas três formas seriam:  a)  a tese da vinculação;  b)  a tese da separação;
e c) a tese da complementaridade.20

Passemos, então, a uma análise perfunctória de cada uma delas. Ao final,


apontaremos a qual delas está filiado o pensamento do autor, procurando
apresentar os contornos gerais de sua proposta teórica.

5.3.1.1. Tese da vinculação

A tese da vinculação pode ser notada nas doutrinas clássicas do direito natural,


nas quais haveria uma vinculação do direito para com uma moral natural que, ora é
dada à razão pela ordem cósmica ou divina, ora é a razão quem a constrói a partir
das regras da lógica e do sistema. Como afirma Gabriel Nogueira Dias: “no âmbito
da ciência do direito o objetivo principal de todo princípio jusnaturalista é propagar
a unidade entre a moral e o direito.”21

Nos termos propostos por Alexy, a tese da vinculação “determina que o


conteúdo do direito deve ser definido de modo que contenha elementos
morais”.22 O autor lembra que o fato de reivindicar uma conexão necessária entre
direito e moral não faz com que a tese da vinculação ignore a existência de um
direito positivo  – espacial e temporalmente situado  –, excluindo do conceito de
direito elementos de legalidade, conformidade com o ordenamento e eficácia
social.

A principal característica dessa tese reside no fato de que, além das


características que orientam o direito “real”, deve haver uma instância que
determine os conteúdos no modo como esse direito deve ser.

20

.Cf. Robert Alexy. La institucionalización de la justicia. Granada: Editorial Comares, 2005, p. 45 e
ss.
21

.Gabriel Nogueira Dias. Positivismo jurídico e a teoria geral do direito. São Paulo: Ed. RT, 2011,
n. I, 1, p. 134.
22

.Robert Alexy. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 4.

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5.3.1.2. Tese da separação

A  tese da separação  é defendida pelos autores que se filiam ao positivismo


jurídico. No interior dessa tese, procura-se criar pressupostos metodológicos
capazes de distinguir, de modo claro e científico, o campo da moral e da ética e o
campo do direito e da ciência jurídica.

Para Alexy, a tese da separação “determina que o conceito de direito deve ser
definido de modo que não inclua elementos morais.”23  Está expressa da forma
mais bem definida e acaba na fórmula kelseniana de que “todo e qualquer
conteúdo pode ser direito”.

De acordo com Gabriel Nogueira Dias, a primeira tese do projeto juspositiva de


Kelsen identifica e descreve o objeto de sua reflexão jurídico-teórica como
exclusivamente voltada para o direito positivo. Neste caso, apenas o direito
produzido pelo ser humano é que pode ser objeto da ciência jurídica.24

Assim, a tese da separação é aquela que afirma não existir nenhuma conexão
necessária entre direito e moral, de modo que a investigação sobre o direito pode
ser feita sem ter em conta qualquer tipo de vínculo com a investigação moral.

23

.Robert Alexy. Conceito e validade..., cit., p. 3.


24

.Cf. Gabriel Nogueira Dias. Op. cit., p. 142-143.

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5.3.1.3. Tese da complementaridade

A tese da complementaridade – que é uma espécie de continuação lógica da tese da separação operada pelo positivismo –
afirma que há espaços distintos de  atuação entre o direito e a moral, mas que, nalguns casos, a insuficiência do discurso
jurídico para resolver determinados problemas de direito pode ser resolvida (rectius: corrigida) pelo discurso moral.

Na verdade, para esta tese, o direito seria um caso especial do discurso moral, que teria certa autonomia para resolver os
problemas próprios de seu campo de trabalho, mas que, quando fossem insuficientes ou injustas suas prescrições, haveria
uma complementação efetuada pelo discurso moral geral.

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5.3.1.4. Análise específica da proposta de Robert Alexy

Robert Alexy defende a tese de que entre direito e moral existe uma relação de
complementaridade. A moral serviria, nesse caso, como um parâmetro de correção
do direito. Este preservaria uma “autonomia relativa”, na medida em que os
padrões de legalidade, conformidade com o ordenamento e eficácia social,
estariam mantidos, porém, na existência de algum tipo de lacuna ou até mesmo
em casos de evidente injustiça, o discurso moral poderia corrigir o discurso jurídico.

Vejamos como essa relação aparece mais especificamente na obra de Alexy.

Segundo o autor, nos discursos sobre o direito, sempre está em jogo a correção
de enunciados normativos. Mas os enunciados normativos não são todos do
mesmo tipo; comportam enunciados axiológicos  – quando se referem a valores  –
e  deônticos  quando está em jogo uma  proibição, uma  permissão  ou
um mandamento.

Neste caso, Alexy parece aceitar a distinção kelseniana – que por sua vez vem
de Kant – entre ser e dever-ser, sendo, portanto, o discurso prático um conjunto de
enunciados produzidos sobre o dever-ser. Porém, para Alexy, esse dever-ser  está
vinculado não apenas a formas deônticas, mas também a um problema de valores,
o que o liga ao neokantismo da escola de Baden.25 Esse discurso prático atua num
âmbito que abrange, de certa forma, todo universo da cultura e do agir humano
(engloba, portanto, a moral e o direito).

Dessa maneira, o discurso prático sofre uma espécie de impedimento ou


restrição quando trata do direito, sendo que esta restrição se dá em virtude de que
o discurso jurídico se trata de um  caso especial  (direito) do discurso prático
geral (moral).

Como afirma o próprio Alexy:

“De importancia central es la idea de que el discurso jurídico es un caso


especial del discurso práctico general. Lo que tienen en común los discursos
jurídicos con el discurso práctico general consiste en que en ambas formas de
discurso se trata de la corrección de enunciados normativos. Se fundamentará que
tanto con la afirmación de un enunciado práctico en general, como con la
afirmación de un enunciado jurídico, se plantea una pretensión de corrección. En el
discurso jurídico se trata de un caso  especial, porque la argumentación jurídica
tiene lugar bajo una serie de condiciones limitadoras. Entre éstas, se deben
mencionar especialmente la sujeción a la ley, la obligada consideración de los
precedentes, su encuadre en la dogmática elaborada por la ciencia organizada
institucionalmente”.26

Ou seja, o discurso jurídico é uma espécie (caso especial) do discurso prático


em geral porque, diferentemente deste, sofre limitações endógenas do próprio
sistema que pretende articular na forma de enunciados normativos (deônticos).
Limitações essas que decorrem, exatamente, dos fatores derivados da legalidade,
conformidade com o ordenamento e eficácia social do direito positivo.

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O que parece decisivo em Alexy é que, junto da tese do caso especial, ele
articula a  tese da complementaridade  (em alguns momentos  – e dependendo da
tradução, também pode ser mencionada como  tese da integração), ou seja, para
ele, a valoração e a conexão com a moral (discurso prático geral) não só existe,
como é necessária para a argumentação jurídica, visto que a argumentação
jurídica chega até um determinado ponto no qual já não são possíveis outros
argumentos especificamente jurídicos, momento em que, aos argumentos
especificamente jurídicos, devem ser unidos, em todos os níveis, aos argumentos
do discurso prático em geral.27  É neste momento que o discurso jurídico é
penetrado por argumentos baseados em valores. Em outras palavras, é neste
momento que o discurso moral penetra no interior do discurso jurídico:

“La tarea de la aplicación del Derecho puede exigir, en especial, poner de


manifiesto y realizar en decisiones mediante un acto de conocimiento valorativo en
el que tampoco faltan elementos volitivos, valoraciones que son inmanentes al
orden jurídico constitucional, pero que no han llegado a ser expresadas en los
textos de las leyes escritas, o lo han sido solo incompletamente. El juez debe
actuar aquí sin arbitrariedad; su decisión debe descansar en
una  argumentaciónracional.  Debe haber quedado claro que la ley escrita no
cumple su función de resolver justamente un problema jurídico. La decisión judicial
llena entonces esta laguna, según los criterios de la razón prática”.28

Desse modo, a pretensão de correção de que falamos no início aparece como a


entrada do discurso prático geral no discurso jurídico enquanto caso especial. É o
discurso prático em geral (moral) que deverá “corrigir” os desvios do discurso
jurídico (direito). Trata-se de uma pretensão de fundamentação racional do
ordenamento jurídico, cujo marco de racionalidade não é dado pela razão pura,
mas pela razão prática entendida numa dimensão axiológica, muito próxima àquela
proposta  – na linha do neokantismo de Windelband e Rickert  – por Gustav
Radbruch e a fórmula do direito injusto.29

Desse modo, o conceito de norma é alargado e o discurso normativo passa a


comportar, no interior da teoria da argumentação jurídica, um sentido deôntico e
um sentido axiológico. Explicando melhor: Alexy descreve uma  norma deôntica  e
uma  norma axiológica.30  A norma deontológica é composta por dois tipos de
enunciados: as regras  e os  princípios; também a  norma axiológica  comporta dois
tipos de enunciados que são as regras de valoração e os critérios de valoração que
são propriamente o valor. Alexy restringe o âmbito em que os valores podem influir
na argumentação jurídica, mas reconhece a influência que eles exercem por meio
dos  princípios. Desse modo, os princípios são normas deônticas que são
aplicadas, a partir do procedimento da ponderação, através de um juízo valorativo
que será o locus por onde o discurso prático ingressará no discurso jurídico.

Destarte, com Alexy, temos uma  classificação da norma  a partir do


reconhecimento dos princípios como espécies deônticas deste gênero. Daí sua
conceituação de princípio como  mandado, que é uma das dimensões da lógica
deôntica (além do proibido e do permitido). Ao lado do conceito de princípio como
mandamento  – que lhe confere propriamente a forma deôntica  – Alexy insere a
ideia de otimização que deve ser entendida como a ordenação para que algo seja
realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais
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existentes.   Como coexistem sistematicamente e todos os princípios


31

constitucionais possuem esse elemento da otimização, não raro tais princípios


colidem e essa colisão deverá ser resolvida pelo intérprete, antes de aplicar a regra
pertinente ao caso concreto. A resolução desta colisão de princípios se dá por
meio de um juízo valorativo do intérprete, que é regrado e limitado racionalmente
pelo procedimento da ponderação.

25

.Neste ponto, é preciso entender as grandes questões e transformações a que estão submetidas a
filosofia e a ciência entre o final do século XIX e o início do século XX. Esse período marca a
eclosão de uma crise filosófica que certamente ainda repercute em nossos dias. Crise que marca o
desenvolvimento das neofilosofias (neokantismo; neo-hegelianismo; neomarxismo;
neoaristotelismo etc.) e das diversas tentativas de afirmar um método autônomo para as ciências
humanas e sociais (como pode ser percebido em Dilthey, Droysen e outros autores que compõem
a chamada escola histórica). É deste ambiente que emergirá também a fenomenologia. No direito,
há um profundo impacto das chamadas neofilosofias. De todas as orientações desenvolvidas,
aquela que marcara, definitivamente, as teorias do direito produzidas no século XX foi, sem dúvida
nenhuma, a kantiana, ou, melhor  dizendo, neokantiana. Mas o neokantismo não era todo ele
uniforme, comportando uma divisão radical entre pelo menos duas escolas: a de Baden e da de
Marburgo. Podemos destacar como grandes representantes da escola de Marburgo Cohen e
Nartop que, no nível da teoria do direito, influenciaram fortemente Kelsen e Stammeler. Na escola
de Baden, Windelband e Rickert eram os grandes nomes e influenciaram decisivamente a tentativa
de restabelecimento do direito natural no segundo pós-guerra principalmente através da obra de
Radbruch. Quanto à filosofia propriamente dita, a escola de Marburgo voltava suas preocupações
para o conhecimento nos seus quadros e nas suas leis gerais a priori, vinculando-se à Razão Pura
Teórica; ao passo que, os neokantianos de Baden, como  idealistas da cultura, se preocupavam
mais com a questão dos valores e com aquilo que eles têm de individual e intuitivo, voltando-se
com maior vigor para a Razão Pura Prática. No fundo, a escola de Marburgo deixou-se influenciar,
em grande medida, pelo naturalismo do século 19 dando seguimento ao projeto técnico-científico
construído pela modernidade; enquanto a escola de Baden afirmava que o pensamento teorético
não cria por si só seu objeto, mas que acima dele há necessariamente alguma coisa em harmonia
com a qual o pensamento se move e se rege para atingir o valor da verdade. Este  alguma
coisa  não é, evidentemente, uma pura realidade empírica, mas algo transcendental. Para
os neokantianos de Baden, esse alguma coisa era um dever-ser puro, um valor. Para eles, são os
valores, enquanto produtos do fazer humano concebido como cultura, que regem o pensamento e
lhe permitem alcançar objetividade (Cf. João Maurício Adeodato. Filosofia do direito. Uma crítica
da verdade na ética e na ciência.  3.  ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.  41 e ss.; Gustav
Radbruch. Filosofia do direito. Trad. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Universidade de Coimbra,
1979).
26

.Robert Alexy. Teoría de la argumentación jurídica. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid:


CEC, 1989, p. 35-36.
27

.Idem, p. 39.
28

.Robert Alexy. Teoría de la argumentación..., cit., p. 43-44.


29

.Neste sentido, remetemos o leitor para a nota n. 140. Conferir também Robert Alexy. Teoría de la
argumentación..., cit., p. 208-211.
30

.Cf. Robert Alexy. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: CEC, 2002, p. 145.
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31

.Idem, p. 86.

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5.3.1.5. Tese da interconexão

Dworkin propõe que, entre o direito e a moral, não existe nem separação nem
vinculação, muito menos complementaridade. Ele afirma ser o direito um ramo
(branch) da moral, havendo, entre eles, uma interconexão.

Antes de aprofundarmos a visão  dworkiana, porque nos aproximamos dela,


faremos uma explanação da visão de Jeremy Waldron que, não obstante sua
filiação ao positivismo,32  admite que o direito seja ramo da moral, corroborando
argumentos  dworkianos  de que tanto os fundamentos de teoria quanto os de
prática jurídica são morais. Assim, “descobrir o que o direito quer dizer é uma
questão moral, radicada num dos campos mais importantes da moralidade
política”.33

Waldron investiga se o direito é um ramo da moral e qual ramo seria esse. A


coerção governamental não seria seu traço distintivo. Essa seria a diferenciação
em relação à ética. Contudo, a sua diferença seria a preocupação moral com as
decisões políticas do passado. O direito enfraquece o governo quando tenta tornar
melhor as coisas em vista do futuro.34

Nessa perspectiva, o direito se preocuparia com eventos gerais e individuais.


Os gerais são de cariz legislativo, consistentes em regulamentações público-
formais destinadas a determinadas políticas, manutenção de padrões decisórios e
aplicação de princípios. Os individuais, por sua vez, referem-se a direitos e
responsabilidades das pessoas, o seu significado moral enquanto precedentes,
comprometendo-nos com uma questão de consistência, a alguns padrões ou
princípios que devemos honrar. Ambos os eventos têm significado moral pela
consequência (resolução de determinado problema) e pelo fundamento (sua
produção se deu por decisão de membros da comunidade em nome de todos os
membros).35

Para Waldron, dentro de aspectos dworkianos, o direito seria ramo da


moralidade política que confere especial atenção ao significado moral dos eventos
gerais e pessoais. “Law, on this account, is that part of public morality tasked with
paying attention to the moral significance of events of this kind”.36

32

.Ver: Jeremy Waldron. Jurisprudence for Hedgehogs.Public Law & Legal Theory Research Paper
Series, New York University School of Law, n. 13-45, july 2013. p. 1 et seq, em especial p. 8 et seq.
33

.Francisco Motta. Ronald Dworkin e a decisão jurídica. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 157.


34

.“So if law is a branch of morality, it is a branch of morality concerned with the moral significance of
the kind of ‘past political decisions’ that preoccupy lawyers. This distinguishes it from other
branches of political morality. Much of political morality is (quite rightly) pragmatic and forward-
looking. It looks to deploy the force of the state to make things better for the future – for example, to
make society freer or more equal or more democratic. But law as a branch of morality has this
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additional preoccupation. ‘Legality is sensitive in its applications, to a far greater degree than is
liberty, equality, or democracy, to the history and standing practices of the community... because a
community displays legality, among other requirements, by keeping faith in certain ways with its
past”. Jeremy Waldron. Jurisprudence for Hedgehogs. Op.  cit., p.  9. Para melhor análise sobre o
tema, Francisco Motta. Ronald Dworkin e a decisão jurídica, cit., p. 157.
35

.MOTTA, Francisco. Ronald Dworkin e a decisão jurídica, cit., p. 157-158.


36

.Jeremy Waldron. Op. cit., p. 10. De acordo com Francisco Motta: “(...) essa linha de pensamento
adota uma premissa de contornos dworkianos: de que eventos que geram o que se conhecer
por direito positivo são eventos que têm natureza moral, e cujo impacto moral deve ser avaliado
com argumentos morais.  Nestes termos,  seria possível considerar o Direito como um ramo da
moralidade política. Numa analogia com a moralidade pessoal, Waldron sugere que se conceba o
Direito como o ramo da moralidade política que se preocupa com eventos passados da mesma
forma que a moralidade pessoal está preocupada com significado moral das promessas.
Entretanto, o direito está preocupado com práticas que estão formalizadas e gravadas, gerando
um conhecimento que se acumula e que se constrói reflexivamente. E isso exige do jurista,
habilidades especiais, frequentemente distintas das habilidades mais amplas de um moralista
político”. Francisco Motta. Ronald Dworkin e a decisão jurídica, cit., p. 158.

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5.3.2. A proposta de Ronald Dworkin

Em  A justiça de toga, Dworkin propõe uma análise da relação entre direito e
moral que complementa, em grande parte, a exposição por ele realizada em outras
obras. Nessa ocasião, o jusfilósofo americano afirma que entre o direito e a moral
não existe nem separação, nem vinculação, muito menos complementaridade. Ele
afirma ser o direito um ramo (branch) da moral, havendo, entre direito e moral,
uma interconexão.

Baseado em Dworkin, Lenio Streck afirma que entre direito e moral existe
uma  relação de cooriginariedade: embora haja especificidades próprias de cada
um destes campos  –  e.g., o direito possui seu grau de autonomia  – o direito e a
moral compartilham a mesma origem de modo que, em sua constituição, o
argumento jurídico é moral (na medida em que, para se saber qual o melhor
argumento jurídico para conformar um caso concreto, é preciso proceder a
valorações de ordem moral).37

Essa interconexão, nos termos propostos por Dworkin, trata “o direito como um


segmento da moral, não como algo separado dela. Entendemos a teoria política
desta forma: como parte da moral compreendida em termos gerais, porém
diferenciadas, com sua substância específica, uma vez que aplicável a estruturas
institucionais distintas”.38

Desse modo, o jusfilósofo trata a teoria jurídica como uma parte da moral
política – é dizer: inserida nela – caracterizada por uma depuração das estruturas
institucionais.

É importante considerar que, em toda obra de Dworkin, o argumento jurídico


aparece como um tipo específico de argumento moral. Nesse sentido, Stephen
Guest afirma que a justificação moral é um ingrediente essencial para o argumento
jurídico e que, no contexto da obra dworkiniana, “a existência do direito é uma
justificação moral para a coerção do Estado, afirmando que o conceito de direito
que compartilhamos é um conceito por meio do qual entendemos que o sentido do
direito é limitar e autorizar a coerção governamental”.39

Essa posição de Dworkin, contudo, é criticada por importantes autores da


Teoria do Direito. Nos itens subsequentes, discutiremos uma crítica em específico,
feita por Luigi Ferrajoli. Ao final, trazemos um exemplo concreto para melhor
elucidar a hipótese de ambos os autores a respeito da relação entre direito e moral.

5.3.2.1. Discussão da proposta de Dworkin com a teoria positivista:


um debate com Luigi Ferrajoli

Em trabalho recente, o jusfilósofo italiano Luigi Ferrajoli aponta para o fato de


que a profusão de novas teorias jurídicas que procuraram dar da nova experiência
constitucional que se seguiu ao final da Segunda Guerra Mundial terminou por criar
dois grandes modelos de análise desse mesmo fenômeno que englobam as mais
diversas posições: há, de um lado, um constitucionalismo principialista e, de outro,
um constitucionalismo garantista.40

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No interior do conceito  constitucionalismo principialista, Ferrajoli encaixa as


mais variadas posições que compõem os chamados  pós-positivismo
eneoconstitucionalismo. Nos termos por ele propostos, todas essas posições
partilham da ideia de que a novidade representada pela juridicidade das
Constituições do pós-Guerra deve ser entendida como uma superação do
positivismo jurídico – que pregava uma separação exclusiva entre direito e moral e
descrevia o direito como um simples sistema de regras, deixando de lado outros
padrões normativos, como é o caso dos princípios  – em favor de um modelo
teórico que reconheça uma necessária conexão entre direito e moral e que
reconheça um papel privilegiado dos princípios na formação concreta do direito.
Esse tipo de posição teórica acarreta um modelo de fundamentação do direito
tendencialmente “jusnaturalista” ou “ético-objetivista”.

De outra banda, o  constitucionalismo garantista  – que é a proposta teórica


defendida por Ferrajoli  – afirma que o  novum  desse movimento constitucionalista
vivenciado pelas democracias do segundo pós-Guerra só poderá ser apreendido
em sua plenitude se ele for entendido como um aperfeiçoamento do positivismo
jurídico. Afirma que, como a questão da democracia está no cerne desse debate, é
preciso reconhecer que há uma relação interna e imanente entre positivismo e
democracia, de modo que o melhoramento que esse novo modelo constitucional
agregou ao positivismo foi o fato de que os dispositivos guarnecedores de direitos
fundamentais passaram a possibilitar uma submissão conteudística por parte dos
demais poderes  – inclusive a legislação  – à Constituição: além do “quem” e do
“como”, que já eram uma preocupação das manifestações posteriores do
positivismo jurídico, o  constitucionalismo garantista  apresenta um modelo de
positivismo que prescreve também uma adequação do “que”, vale dizer, dos
conteúdos veiculados pela legislação.

A posição de Ferrajoli, nesse sentido, pode ser capitulada como uma espécie
de  iluminismo constitucional, uma vez que há inúmeros traços que aproximam
seu  constitucionalismo garantista  de elementos teóricos e práticos que
compunham o painel teórico-cultural do iluminismo, entre os quais,  v.g., podemos
citar:

i) A tese da separação entre direito e moral,41 no interior da qual esta última é
quase que identificada ou com algum tipo de elemento religioso de fundo; ou ainda,
uma moral secularizada – ou laica – que, à moda da filosofia moderna, é entendida
como expressão de uma subjetividade isolada  – ou solipsista, como diria Lenio
Streck. Nesse sentido, qualquer influência da moral sobre o direito deve ser,
taxativamente, repudiada.

ii)  Por outro lado, há um certo proceder argumentativo nos termos de


uma  filosofia da história, dentro do qual o conteúdo regulatório presente na ideia
de progresso condiciona a tessitura do texto. Isso fica claro tanto no modo como o
autor expressa a defesa de sua proposta teórica (que aparece como um
aperfeiçoamento ou reforço  – em um sentido claramente  evolutivo/progressivo  –
do  positivismo jurídico) quanto na sua descrição  evolutiva  do Estado (que, em
outra obra, é apresentada no sentido de uma sucessão histórica entre o
chamado  Estado Jurisdicional, predominante na transição do medievo para a
modernidade; passando pelo  Estado legal, que tem seu apogeu no século XIX,
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pelo  Estado social burocrático  do entre guerras, até chegar ao  Estado
Constitucional  contemporâneo).42  Há, nessas duas manifestações,  o exemplar
sentido ético do iluminismo: a crença de que o progresso, como motor da história,
faz com que  – sem embargo dos revezes ao longo do caminho  – a humanidade
evolua, melhore, inclusive em termos de aperfeiçoamento de teorias.

Feita essa devida contextualização, é preciso dizer, ainda, que o jusfilósofo


pretende oferecer um  confrontamento  crítico entre duas posições apresentadas
anteriormente, quais sejam, o  constitucionalismo principialista  e
o  constitucionalismo garantista, deixando claro os riscos democráticos e jurídicos
criados pelas teses que compõem o ambiente do constitucionalismo principialista.

O enfrentamento das duas posições se dá a partir da análise, desde o ponto de


vista do  constitucionalismo garantista, dos três principais elementos teóricos
do constitucionalismo principialista:

i) A conexão necessária entre direito e moral;

ii) A distinção entre regras e princípios;

iii) A ponderação como modelo privilegiado de aplicação do direito.

Na catalogação das posições teóricas que expressam o núcleo definidor


do  constitucionalismo principialista, Ferrajoli cita autores como Robert Alexy,
Manuel Atienza e Ronald Dworkin. Por certo que, no momento em que unifica
posições teóricas tão díspares entre si, Ferrajoli cria um problema para a crítica
que pretende efetuar: ela pode estar apontada para o alvo errado. No caso, isso
fica muito evidente com relação a Ronald Dworkin. Isso porque, dos elementos
elencados acima  – que, nos termos propostos no texto, compõem a ossatura
do constitucionalismo principialista  –, Dworkin só participa, com muitas ressalvas,
do segundo: a distinção entre regras e princípios. No que tange ao problema da
“conexão entre direito e moral”, há uma distância oceânica a separar a proposta de
Robert Alexy, por exemplo, daquela defendida por Dworkin na sua
propalada  leitura moral da Constituição.43  Quanto à ponderação, deve-se ter
presente que, em nenhum momento de sua obra, o jusfilósofo estadunidense
chegou a promovê-la como procedimento para solução de uma colisão entre
princípios para resolução dos casos jurídicos.

Diante disso, parece correto afirmar que a crítica de Ferrajoli acerta em cheio
as propostas teóricas que, de um modo ou de outro, estão em diálogo com Robert
Alexy, seja porque defendem um modelo de complementação entre o direito e a
moral (na terminologia da teoria da argumentação alexyana: uma relação de
complementaridade entre o discurso prático especial, que é o direito, e o discurso
prático geral, que é a moral), seja porque reconhecem na ponderação um
procedimento útil para solução daquilo que, com base na Teoria dos Direitos
Fundamentais de Alexy, nomeia-se como colisão de princípios. No entanto, dispara
muito longe das teses centrais que compõem o argumento dworkiniano.

Aliás, em última análise, é possível afirmar até que existem pontos de contato
entre a proposta de Dworkin e aquela defendida por Ferrajoli. Isso porque, tanto

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o  juízo de substancialidade  a que o  constitucionalismo garantista  submete a lei,


quanto a  leitura moral da Constituição  asseverada pela teoria integrativa
dworkiniana, apresentam uma defesa dos direitos da minoria e apresentam,
também, uma solução similar para o aparente embate entre democracia (governo
da maioria) e direitos fundamentais (garantias das minorias).

Nessa medida, há que se perguntar: será que, diante de uma análise


cuidadosa, a obra de Dworkin poderá continuar a figurar como objeto da crítica
efetuada pelo constitucionalismo garantista?

É preciso ter presente, também, que as críticas de Ronald Dworkin, no que é


seguido por Lenio Streck, ao positivismo jurídico, não representam – de nenhuma
maneira – a assunção de pressupostos jusnaturalistas de adequação ou correção
do direito pela moral. No caso de Dworkin, que, diferentemente da teoria
alexyana  – que possui um corte explicitamente analítico  –, propõe uma
teoria  construtivista, edificada a partir da descoberta de que o  direito é um
fenômeno interpretativo, a defesa que se faz é de que a interpretação do direito
depende de uma leitura moral.44 Ressalta-se: não se afirma que esta leitura moral
fará uma “correção” do direito vigente, mas, ao contrário, é ela que sustenta a
interpretação, isto é, ela é o “lugar” de onde a interpretação jurídica retira sua
origem. Daí que, em sua proposta de uma Teoria da Decisão – que pressupõe um
rompimento com o positivismo jurídico  –, Lenio Streck, a partir desse ponto de
partida dworkiniano, somadas as contribuições da hermenêutica filosófica de Hans-
Georg Gadamer, afirme que há, entre direito e moral, uma relação
de cooriginariedade.

Em tais posições, tampouco existe a aderência ao procedimento da ponderação


como fórmula privilegiada de aplicação do direito. Isso porque elas apontam para o
caráter rigorosamente interpretativo da experiência jurídica, algo que traz consigo
determinadas consequências, que não estão presentes nas teorias
argumentativistas/principialistas em sentido lato.45

No item seguinte, procuraremos desenvolver essas questões com mais vagar.


Nossa análise ficará restrita ao juízo de  substancialidade, vale dizer, àquele
atinente ao controle dos conteúdos da produção legislativa, no modo como
defendido pelo constitucionalismo garantista.

A pergunta guia que conduz nossa análise quer saber como é possível que
esse  juízo de substancialidade da lei  (e, em última análise, dos demais atos do
poder público) possa ser feito de uma forma neutra, a partir de um ponto situado do
“lado de fora” da  leitura moral. Queremos saber quais são as “condições de
possibilidade” desse juízo de substancialidade da lei e, ao final, afirmamos que
esse juízo só é possível nos termos de uma leitura moral da Constituição.

Noutras palavras, como é possível interpretar a garantia da presunção de


inocência, por exemplo, sem que nessa interpretação se dê um debate sobre as
“valorações” (morais) que permeiam o momento mais decisivo dessa concreção
substancial, que é sua adequação a um caso apresentado?

 
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37

.Cf. Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da
possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4.  ed. São Paulo: Saraiva, 2011,
posfácio, passim.
38

.Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 51.
39

.Stephen Guest. Ronald Dworkin. São Paulo: Elsevier, 2010, p. 38.


40

.Luigi Ferrajoli. Constitucionalismo principialista e constitucionalismo garantista. In: ______; Lenio


Luiz Streck; André Karam Trindade.  Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo  – Um
debate com Luigi Ferrajoli. São Paulo: Livraria do Advogado, 2012, passim.
41

.De se notar que, no ambiente cultural da modernidade, existe uma luta constante  – que vem
desde Hobbes  – no sentido de afirmar uma separação entre moral e política. Com efeito, a
modernidade é marcada por um processo que procurou justificar os atos de governo e de
imposição da força física pelo poder político fora do contexto teológico que, no medievo, dava
sustentabilidade à política, a partir da unidade representada pelo poder da igreja católica. Os
movimentos reformistas no interior da doutrina católico-cristã, a constante eclosão de guerras civis
religiosas e o posterior surgimento dos Estados Nacionais levaram à formação de outros contextos
de justificação do poder político, que procuravam se desvencilhar das justificativas
teológicas/ontológicas de até então. Portanto, a moral de uma comunidade política deve ser
pensada nesse contexto. Todavia, as teses iluministas foram mais radicais e reconheceram – em
toda e qualquer representação da moral  – algum tipo de elemento irracional que deveria ser
combatido pela Razão. Nossa posição, contudo, procura se afastar desse radicalismo iluminista.
Ao contrário, perfilamos a tese de que uma composição jurídica desde sempre sofre os influxos da
moralidade (que é aquilo que lhe confere legitimidade), mas essa moralidade, justamente por ser
moral, não está a serviço de uma crença pessoal ou da representação subjetiva que uma
consciência isolada possui da sociedade. Essa moralidade é instalada no espaço público, sendo,
por isso, desde sempre uma moral compartilhada (Sobre o processo de “secularização” da política,
Cf. Reinhart Koselleck. Crítica e crise. Uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1999).
42

.Cf., Luigi Ferrajoli. Principia Juris. Teoria del diritto e della democrazia. Roma: Editora Laterza,
2007, vol. 2, p. 83 e ss.
43

.Em virtude dos limites deste trabalho, não é possível abordar todas as nuances que separam a
ideia de inter-relação entre direito e moral de Dworkin (tal como aparece expressa, com maior
refinação, em A justiça de toga, op. cit., em especial a introdução) da tese da complementaridade
entre direito e moral, como quer Robert Alexy (de modo emblemático, essa questão está descrita
em  La institucionalización de la justicia, op.  cit.). Para um aprofundamento dessa questão, ver:
Lenio Luiz Streck.  Hermenêutica jurídica e(m) crise. 10.  ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2011, em especial, o pós-posfácio; e Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão judicial e o conceito de
princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, em especial o item 4.
44

.Cf. Ronald Dworkin. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
45

.É importante notar que há uma diferença entre argumentação e interpretação. A teoria de


Dworkin, embora use recorrentemente o termo  argumento, é uma teoria  interpretativa  e
não  argumentativa, ou seja, Dworkin não pode ser considerado um teórico da Teoria da
Argumentação. Essa sutileza não passou despercebida por Paul Ricoer que no texto interpretação
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e/ou argumentação  demonstra que diferentemente da teoria de Robert Alexy, que possui a
característica de reivindicar para a prática argumentativa geral a qualidade de  Begründung, ou
seja, de fundamentação, Ronald Dworkin está muito mais interessado no horizonte político-ético no
qual se desdobra a prática interpretativa do direito. Para ele, afirma Ricoeur, “o direito é
inseparável de uma teoria política substantiva. É esse interesse último que, afinal, o afasta de uma
teoria formal da argumentação jurídica” (Paul Ricouer. Interpretação e/ou argumentação. In:
______. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2008, vol. 1. p. 153-173).

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5.3.2.2. Análise da proposta de Ferrajoli e seu primeiro confronto


com a tese de Ronald Dworkin

Na resposta de seu  constitucionalismo garantista, Ferrajoli defende a tese de


que o constitucionalismo (jurídico) só pode ser entendido como um
aperfeiçoamento – ou um reforço – do positivismo jurídico. Positivismo esse que o
autor define como sendo a tradição teórica que identifica como direito apenas
aquele que é posto pela autoridade do Estado. Não reconhece, assim, nenhuma
instância superior transcendente (seja de ordem cosmológica ou teológica) que lhe
conforme o sentido. Rechaça a tese da conexão entre direito e moral defendida
pelo  constitucionalismo principialista, reafirmando a tese da separação. Essa
defesa, para ele, é necessária na medida em que a tese da conexão pretende
impor a todos valores morais de pessoas ou grupos, sob o pretexto de que estes
valores seriam “objetivos”, “verdadeiros” ou “reais”. Revela-se, assim, uma
“intolerância para com as opiniões morais dissidentes”. E isso é assim tanto para
os defensores de uma ética católica  – que o autor julga como mais coerente  –
quanto para aqueles que defendem uma ética objetivista laica, que estaria
ancorada em um tipo de cognitivismo moral. Nesse sentido, a defesa da tese da
separação entre o direito e a moral seria uma necessidade democrática. Nas
palavras de Ferrajoli: “a negação do cognitivismo ético e a defesa da separação
entre direito e moral, que conformam o pressuposto do constitucionalismo
garantista, são, portanto, o fundamento e, ao mesmo tempo, a principal garantia do
pluralismo moral e do multiculturalismo, isto é, da convivência pacífica das muitas
culturas que convivem em uma mesma sociedade”.

Esse é o teor da crítica. Passemos, então, ao entendimento da posição teórica


do autor. Na descrição do que seja o seu  constitucionalismo garantista, Ferrajoli
anota o seguinte:

Como  teoria do direito, o constitucionalismo positivista ou garantista é uma


teoria que tematiza a divergência entre o  dever ser  (constitucional) e
o  ser  (legislativo) do direito. Em relação à teoria paleopositivista, o
constitucionalismo garantista caracteriza-se pela distinção e virtual divergência
entre  validade e vigência, uma vez que admite a existência de normas vigentes
porque em conformidade com as normas procedimentais sobre sua formação e,
todavia,  inválidas porque incompatíveis  com as normas  substanciais  sobre a sua
produção (grifamos).46

Fica claro, portanto, que o reforço ou aperfeiçoamento do constitucionalismo


positivista com relação ao paleopositivismo está representado por esse  juízo de
substancialidade que a jurisdição constitucional deve fazer para identificar o direito
constitucionalmente ilegítimo. Para Ferrajoli, essa substancialidade constitucional –
plasmada em maior medida nos direitos fundamentais – não admite, nem no nível
de um modelo de direito, nem no nível de uma  teoria do direito, nem no nível de
uma filosofia ou teoria política uma “conexão entre direito e moral”. Pelo contrário,
equivale a um limite ao poder dos juízes e ao seu arbítrio moral e, também, a um
limite ao poder dos legisladores e à sua invasão na vida moral das pessoas.

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Nesse caso, não há qualquer reparo à sua descrição. Isso no caso de


aceitarmos a definição de “moral” como algo que depende do arbítrio do sujeito –
no caso, do juiz. Assumindo tal definição, então, realmente, seria um retrocesso
reconhecermos algum tipo de vínculo entre o direito e a moral. Aliás, é exatamente
esse nosso entendimento: o de que o grande desafio da contemporaneidade é
conseguir construir anteparos para atividade judicante47  (não no sentido de
“reduzir” ou “mitigar” o poder dos juízes e sua independência funcional, mas, sim,
com o intuito de aferir um maior grau de legitimidade democrática para as decisões
judiciais) no interior daquilo que Lenio Streck vem chamando de uma Teoria da
Decisão, garantidora de um direito fundamental de todo o cidadão que é o de obter
respostas adequadas à Constituição. Portanto, se o sentido dessa conexão entre
direito e moral depende do subjetivismo do juiz  – como ocorre na maioria das
manifestações do constitucionalismo principialista  –, ela deve, de plano, ser
rechaçada. Todavia, nem toda tese que reivindica uma cooriginariedade entre
direito e moral (como acontece nos textos de Lenio Streck) ou uma interconexão
(no termo proposto, recentemente, por Ronald Dworkin) defende esse tipo
subjetivista de moral, decorrente de um cognitivismo ético, ou seja, para além
dessa serôdia em torno da questão – se a moral depende de uma mera descrição
dos fatos morais que acontecem na “realidade”, independentemente do sujeito; ou
se a moral é fruto da própria subjetividade –, afirma-se uma teoria interpretativa (do
direito e da moral). Neste caso, a  compreensão  do que seja moral  – abstrata ou
concretamente considerada  – é fruto de uma disputa (ou controvérsia, diria
Dworkin) sobre qual a melhor interpretação,  substancial, para “valores” como
“democracia”, “presunção de inocência”, “liberdade” etc.

Nesse sentido, temos a seguinte passagem de Dworkin:

Em minha opinião, o argumento jurídico é um argumento típica e


completamente moral. Os juristas devem decidir qual desses conjuntos coerentes
de princípios  oferece a melhor justificação  da prática jurídica como um todo
(...).48 (grifei)

Nota-se, pelo trecho acima transcrito, que a questão da vinculação entre o


direito e a moral não está associada a um parâmetro de correção transcendente,
mas, ao contrário, remete-nos a uma imanência interpretativa que deve posicionar
o argumento construído pela interpretação do direito constitucional no interior da
melhor justificação para a prática jurídica como um todo. Mas não é apenas isso. A
interconexão, como quer Dworkin, entre direito e moral, também repercute na
própria concepção de “teoria”. Com efeito, para o jusfilósofo, mesmo no plano da
teoria, não é adequado falar em pura descrição, como se fosse possível conquistar
um ponto arquimediano a partir do qual o teórico se colocaria, de forma neutra, a
tratar dos conceitos jurídicos ou políticos. Para Dworkin, também os
juízos descritivos (teóricos) e valorativos (morais) estão em estado de interrelação.
Isso fica claro quando o autor assevera que:

Conceitos de liberdade, democracia etc. funcionam, no pensamento e no


discurso comuns, como conceitos interpretativos de valor: seu sentido descritivo é
contestado, e a contestação gira em torno de qual especificação de um sentido
descritivo melhor apreende ou melhor dá conta desse valor. O significado descritivo
não pode ser removido da força valorativa porque o primeiro depende do segundo
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desse modo particular. É claro que um filósofo ou cidadão podem insistir que, afinal
de contas, não há valor na democracia, na liberdade, na igualdade ou na
legalidade. Mas ele não pode defender esse ponto de vista simplesmente
escolhendo uma entre as muitas versões questionadas da liberdade, por exemplo,
e em seguida insistir que a liberdade entendida dessa maneira não tem valor. Ele
deve afirmar não apenas que a liberdade é inútil nos termos de determinada
concepção, mas que ela é inútil nos termos da melhor concepção defensável, e
esse é um empreendimento muito mais ambicioso, que não separa os sentidos
descritivo e valorativo, mas tira partido da inter-relação entre eles.49

Portanto, a teoria do direito de Dworkin apresenta-se com uma preocupação


fundamental de base: dar conta da controvérsia que inevitavelmente existe no
momento da interpretação desses conceitos abstratos, de modo que a “melhor”
interpretação possa aparecer como tal. Como o “melhor” dessa interpretação
implica “valoração”, o argumento construído a partir dela será posicionado,
necessariamente, em um horizonte moral.

É nesse ponto que se instala a seguinte dúvida: quando Ferrajoli reconhece a


existência de um  juízo de substancialidade  da lei em face da Constituição (a
tematização da divergência entre o “dever-ser” constitucional e o “ser” do direito
legislado), esse reconhecimento não carrega consigo, necessariamente, um
debate moral acerca dos conteúdos dos conceitos abstratos previstos no texto
constitucional?

Um juízo substancial sobre o que seja, in concreto, a garantia da presunção de


inocência  – para ficar apenas neste exemplo  – reivindica esse tipo de debate
moral, bem na linha do que defende Dworkin, naquilo que ele considera uma leitura
moral da Constituição, ou no modo como é discutido por Lenio Streck, de uma
resposta adequada à Constituição.

Tomemos um caso exemplar para ilustrar essa afirmação. Em nossa exposição,


procuraremos submetê-lo à avaliação tanto do  constitucionalismo garantista  (de
Ferrajoli) quanto da teoria integrativa (de Dworkin, especificada na Teoria da
Decisão de Lenio Streck).

46

.Luigi Ferrajoli. Constitucionalismo principialista..., cit., p. 11.


47

.Lenio Luiz Streck. O que é isto – Decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010.
48

.Ronald Dworkin. A justiça de toga..., cit., p. 205.


49

.Idem, p. 212-213.

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5.3.2.3. Aplicação dessa discussão teórica a um exemplo concreto: a


presunção de inocência e a moralidade na LC 135/2010

Entre o ano de 2009 e o ano de 2010, criou-se um sentimento generalizado no


Brasil de que os cargos públicos eletivos  – principalmente os destinados ao
preenchimento das vagas que compõem o Congresso Nacional  – estavam
constantemente assujeitados por candidatos com conhecidas e contumazes
passagens pelos tribunais, respondendo por processos de crimes graves, como
evasão de divisas, lavagem de dinheiro, peculato e outros crimes contra a
administração pública (muitos com condenação inclusive em grau de revisão, ou
seja, em segundo grau de jurisdição), e que, ainda assim, continuavam a ser
eleitos.50  Essa situação gerou um sentimento de indignação por boa parte da
população brasileira, uma vez que essa convivência espúria do sistema político
com agentes públicos respondendo a vários processos judiciais e com grandes
indícios de má conduta na administração da coisa pública acarretava/acarreta um
descrédito das instituições democráticas. Tornou-se lugar-comum, tanto nos
veículos de opinião da grande mídia quanto em alguns setores da comunidade
jurídica, dizer que essa situação afrontava os ditames de moralidade administrativa
e que, portanto, haveria por parte do Congresso a necessidade de se criar uma
legislação que desse efetivo cumprimento a essa regra constitucional (prevista nos
arts. 14, § 9.º, e 37, caput, da  CF/1988).51

Para explicar melhor a situação, convém esclarecer algumas nuances do


sistema processual brasileiro e sua relação com o princípio da presunção de
inocência. De início, cabe lembrar que as democracias modernas se constituíram
sob a égide do princípio da presunção de inocência. Trata-se de uma garantia
constitucional que impede que o Estado submeta o indivíduo à sua força  –
aplicando-lhe algum tipo de pena que lhe restrinja direitos, seja esse direito à
liberdade de ir e vir, seja esse direito o de votar e ser votado – sem que antes esse
uso da força física por parte do Estado não esteja legitimado pelo estrito
cumprimento do devido processo legal. No caso brasileiro, para efeitos de
decretação definitiva da condenação (condição para legitimar a aplicação da pena
por parte do Estado, ressalvados, evidentemente, os casos em que a lei
estabelece legitimamente a necessidade das prisões cautelares), a Constituição
exige que sejam esgotadas todas as instâncias recursais previstas em nosso
sistema processual (é essa a presunção de inocência, prevista no art.  5.º,
LVII,52 da  CF/1988).

Setores da sociedade brasileira entenderam, contudo, que essa garantia


constitucional criou uma sensação geral de impunidade que beneficiava alguns
atores do cenário político, que  – usando de meios ardilosos na administração
pública  – conseguiam levar adiante seus processos, postergando ao máximo sua
condenação. Era necessário, portanto, rever quais seriam os critérios jurídicos para
determinação desse “esgotamento das vias recursais” exigido pela garantia da
presunção de inocência. Assim, afirmam alguns, no caso específico dos agentes
públicos ocupantes de cargos eletivos, a garantia da presunção de inocência
representava um atentado à moralidade necessária para lidar com a coisa pública,
pois a possibilidade de recursos aos tribunais superiores prolongava demais o
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desfecho do processo, sendo que, na grande maioria dos casos, no momento da


efetiva condenação, acabava-se por ter que se decretar extinta a punibilidade em
virtude de ter transcorrido o prazo da prescrição in concreto. Isso tudo, somados os
sucessivos escândalos noticiados pela imprensa de casos de corrupção
envolvendo ministros de estado, deputados federais e senadores da república
(conhecido como o famigerado caso dos “mensalões”, que envolveu membros de
praticamente todos os partidos políticos do país), abriu espaço para que fosse
defendida uma alteração da lei eleitoral para que esses desvios de conduta
pudessem ser devidamente coibidos, ou seja, a necessidade de “moralizar o
processo político” impunha a consagração de uma legislação que se mostrasse
apta à consecução de tal desiderato.

Em 2010, então, em pleno ano eleitoral, essa lei de “moralização do processo


político” foi promulgada pelo legislativo brasileiro com a “chancela democrática”
de  ter sido criada mediante proposta de Iniciativa Popular, um dos
mecanismos  de  democracia semidireta previstos pela Constituição de 1988
(art. 61, § 2.º, da  CF/1988).

Com efeito, a  LC 135/2010, conhecida como “lei da ficha limpa”  – numa


alusão ao fato de que, a partir dela, apenas cidadãos com bons antecedentes
judiciais é que poderiam ser votados para ocupação dos cargos públicos eletivos –,
instituiu novas regras para o processo eleitoral, que retiravam dos cidadãos
brasileiros a possibilidade de serem eleitos, caso houvesse contra eles decisão de
órgão colegiado  (de segunda instância),  mesmo que ainda lhes restasse recurso
para os tribunais superiores. Cabe notar que, conforme foi assinalado
anteriormente, pela sistemática do direito brasileiro, mesmo com condenação em
um órgão colegiado de segunda instância, ainda será possível interpor recurso
dessa decisão  – desde que atenda a uma série de requisitos previstos pela lei
processual  – a tribunais superiores (STF e o STJ), o que, em tese, cria a
expectativa de que a condenação possa ser revista, gerando, portanto, incerteza
quanto ao resultado final do processo. Portanto, como a Constituição exige, para
efeitos de presunção de inocência, que só pode ser considerado culpado aquele
que teve sua condenação determinada por decisão da qual não caiba mais
recurso, os candidatos que, atendidos os requisitos, consigam levar seus
processos até esses tribunais superiores, ainda não podem ser considerados
condenados/culpados. Portanto, não sendo considerados condenados, não seria
possível aplicar-lhes todos os efeitos da decisão condenatória. Desse modo, não
poderiam eles ser considerados inelegíveis.

A despeito disso, a  LC 135/2010 considera que são inelegíveis os cidadãos


que tiverem contra si condenações determinadas por órgãos colegiados, ainda que
dessa decisão caiba recurso aos tribunais superiores. Há, portanto, uma virtual
inconstitucionalidade, na medida em que, conforme dito acima, a garantia
constitucional da presunção de inocência exige o esgotamento de  todas as vias
recursais para se considerar como definitiva a condenação. Ocorre que parcela da
comunidade jurídica brasileira argumenta que a lei cumpre outra determinação
constitucional  – tão importante quanto a da presunção de inocência  – que é a
garantia da moralidade na administração pública, prevista pelo art.  37, caput,

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da  CF/1988. Os partidários dessa tese afirmam, ainda, que o direito à


moralidade da administração pública é de caráter social, enquanto a presunção de
inocência representa uma garantia individual e, no conflito entre o interesse social
e o individual, o primeiro é que deve prevalecer.53

Diante disso, cabe perguntar: em sendo a Constituição o parâmetro material da


legislação (ou seja, como afirma Ferrajoli, a Constituição determina o “dever-ser”
da legislatura), como seria possível resolver esse problema, se tanto a presunção
de inocência quanto a moralidade administrativa estão “positivadas” na
Constituição?

Note-se que, se a referida Lei Complementar pretendesse tão somente


moralizar o processo político, sem nenhum respaldo no texto da Constituição, a
questão seria de simples solução: bastaria impor a garantia da presunção de
inocência contra esse tipo circunstancial de moralismo ventilado pela lei. Todavia,
tanto quanto a presunção de inocência, também a moralidade está prevista
expressamente pela Constituição, sendo considerada um dever a ser cumprido por
todo e qualquer agente público.

Claro que, para os adeptos do  constitucionalismo principialista  que acreditam


na fórmula da ponderação, caberia sempre apostar na saída de afirmar que, no
caso apresentado, existe uma colisão entre o princípio da presunção de inocência
(art.  5.º, LVII, da  CF/1988) com o princípio da moralidade da administração
pública (art.  37, caput, da  CF/1988). De toda sorte, o problema da
ponderação é muito bem identificado por Ferrajoli e, neste ponto, concordamos
com a crítica feita pelo mestre.

Aliás, conforme afirma Dworkin, a tentativa de se encontrar um procedimento


prévio (a priori), que nos permita encontrar uma decisão adequada para casos
constitucionais como esse, é uma empresa fadada ao fracasso. Nos termos
assinalados pelo jusfilósofo estadunidense, “não conseguiremos encontrar uma
fórmula para garantir que todos os juízes cheguem à mesma resposta em
processos constitucionais complexos, inéditos ou importantes”.54

No entanto se não há a possibilidade de se recorrer a esse tipo de estratégia


para solução do problema  – até porque, em última análise, a ponderação é uma
fórmula artificial que, no modo como vem sendo utilizada em países como o Brasil,
tem servido para justificar decisões díspares sob o mesmo caso concreto55 –, por
qual caminho passa a solução dessa questão? Ou seja, a chamada lei da ficha
limpa está ou não de acordo com a Constituição brasileira de 1988?

Pensamos que a resposta a esta questão passa pela seguinte afirmação: é


preciso avaliar os argumentos que são apresentados pela comunidade política,
submetê-los à crítica e se posicionar diante daquele que reflete – a partir de uma
leitura moral  – a resposta mais adequada à Constituição. Sendo mais claro, é
preciso construir – a partir de um processo de interpretação das práticas jurídicas –
o argumento que mostre a Constituição em sua melhor luz. Como afirma Dworkin,
num contexto de análise crítica das decisões judiciais: é ingênuo tentar coibir os
vícios das más decisões através de um procedimento universal a ser seguido por

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todos os juízes no momento em que decidem os casos constitucionais (jurisdição


constitucional). “O vício das más decisões está nos maus argumentos e nas más
convicções; tudo o que podemos fazer contra elas é apontar como e onde os
argumentos estão falhos”.56

É interessante anotar que Dworkin não exige uma correspondência desses


argumentos ou convicções com uma espécie de “moral absoluta”, passível de ser
conhecida por um sujeito privilegiado (cognitivismo ético). O princípio anterior que
deve moldar a interpretação construída pela jurisdição (constitucional  –
acrescentei) é a  integridade. Essa exigência de integridade é manifestada por
Dworkin em várias dimensões. Destacamos aqui duas dessas dimensões
lembradas pelo autor no livro em que defende explicitamente a leitura moral da
Constituição.

Numa primeira dimensão, a integridade exige que “a decisão judicial seja


determinada por princípios, não por acordos, estratégias ou acomodações
políticas”.57 Nota-se, portanto, que, já de saída, a preocupação de Dworkin é com o
Estado de Direito e com a democracia, na medida em que uma questão de
princípio, neste caso, representa uma blindagem contra consequencialismos
episódicos, manifestados em questões com “necessidade imediata de solução” e
que produzem, no mais das vezes, profundo impacto no clamor popular. Cabe
ressaltar: a decisão deve apresentar argumentos que representem da melhor
forma o  direitoda comunidade política, e não o direito conforme uma natureza
imutável que, de forma transcendente, condiciona o direito humano histórico e
imperfeito; nem um “direito” que atenda pragmaticamente o interesse temporário
de setores da sociedade.

A segunda dimensão da integridade, segundo Dworkin, diz respeito a uma


aplicação vertical: “se um juiz afirma que um determinado direito à liberdade é
fundamental, deve demonstrar que sua afirmação é coerente com todos os
precedentes e com as principais estruturas do nosso arranjo constitucional”.58 Isso
significa que, na construção de sua interpretação, a jurisdição (constitucional) não
pode simplesmente compor seus argumentos de acordo com aquilo que seus
membros pensam ser melhor (num sentido de uma moral subjetiva) para a
sociedade, tampouco devem justificar sua interpretação numa essência absoluta
ao tipo das posturas jusnaturalistas. Na construção de sua interpretação, a
jurisdição deve, sim, justificar sua interpretação de modo a demonstrar que ela é a
melhor (num sentido moral) no contexto do modelo constitucional vigente.
Complementando essa exigência vertical  – de ajuste da interpretação da melhor
maneira possível ao arranjo constitucional da comunidade política –, há um ajuste
de ordem horizontal: “um juiz que aplica um princípio deve dar plena importância a
esse princípio nos outros pleitos que decide ou endossa”.59

Não é outra a posição que Lenio Streck defende a partir da sua proposta de
uma “Teoria da Decisão Judicial”. Segundo o jusfilósofo brasileiro, é preciso ter
presente que a intersecção entre direito e moral (ou sua cooriginariedade) vem à
tona a partir de Dworkin, não pela defesa de moralismos ou de jusnaturalismos,
mas em virtude da identificação em sua teoria de uma “responsabilidade política de
cada juiz/intérprete/aplicador, obrigando-o (has a duty) a obedecer a integridade do
direito, evitando que as decisões se baseiem em raciocínios ad hoc  (teleológicos,
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de moralidade ou de política)”.60  O autor brasileiro é ainda mais enfático nesse


sentido ao asseverar o seguinte:

Quando Dworkin diz que o juiz deve decidir lançando mão de argumentos de
princípio e não de políticas, não é porque esses princípios sejam ou estejam
elaborados previamente, à disposição da “comunidade jurídica” como enunciados
assertóricos ou categorias (significantes primordiais-fundantes). Na verdade,
quando sustenta essa necessidade, apenas aponta para os limites que devem
haver no ato de aplicação judicial (por isso, ao direito não importa as convicções
pessoais/morais do juiz acerca da política, sociedade, esportes etc.; ele deve
decidir por princípios). É preciso compreender que essa “blindagem” contra
discricionarismos é uma defesa candente da democracia.61

Veja-se, portanto, que, tal qual o juízo de substancialidade da lei, o argumento


de princípios de Dworkin  – assentado em uma leitura moral da Constituição  –
também estabelece uma defesa candente, nas palavras de Streck, da democracia.
Também há uma defesa intransigente da efetividade dos direitos fundamentais
contra injunções episódicas das maiorias parlamentares. Então, a divergência que
se apresenta mesmo é com relação ao papel da moral. Quanto a esse aspecto,
cabe retomar a pergunta: é realmente possível que esse juízo de substancialidade
(ou de materialidade) da constitucionalidade da lei seja feito sem que haja um
enfrentamento dos juízos morais que tencionam essa interpretação?

No caso em análise, o que temos? Quantas são as possíveis posições em torno


da presunção de inocência? Há quem entenda que essa garantia constitucional
não pode ser maculada em virtude de um raciocínio pragmático que pretende
remediar uma situação circunstancial da vida política brasileira. Por outro lado, há
também os que defendam que essa presunção precisa ser mitigada, pois, no
momento em que foi dada oportunidade de recurso de um primeiro julgamento e,
em sede de apelação a um órgão colegiado, a condenação foi mantida, seria um
exagero aguardar o julgamento de um último recurso aos tribunais superiores. A
simples revisão pelo órgão colegiado de instância inferior já seria o suficiente para
cumprir o que exige a garantia de presunção de inocência. Há, ainda, o
entendimento que defende a inelegibilidade de candidatos com condenações
emitidas por órgãos colegiados, uma vez que se objetiva com isso dar vazão ao
“princípio” constitucional da moralidade administrativa, que é um direito coletivo e
que deve prevalecer diante do direito individual que cada candidato tem de ser
presumido inocente até o efetivo trânsito em julgado da condenação.

O próprio Ferrajoli reconhece essa questão quando afirma que não é possível
negar que “no exercício da discricionariedade interpretativa gerada pela
indeterminação da linguagem legal, o intérprete é, frequentemente, orientado por
escolhas de caráter moral”.62

A grande questão que parece fugir da esfera de preocupações do mestre


italiano é que exatamente esse fator leva não a uma possibilidade discricionária do
intérprete, mas à necessidade de haver uma justificação coerente com relação às
práticas jurídicas, ou seja, justamente porque há uma intersecção ou
cooriginariedade entre direito e moral é que é possível controlar os sentidos
produzidos no momento da decisão.
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Ora, de todas essas posições, apenas uma irá determinar efetivamente o


sentido jurídico que irá prevalecer. Podemos aceitar qualquer uma delas como
legítima? Evidentemente, não! Mas, então, qual delas é a mais correta? Qual delas
é a melhor no contexto do arranjo constitucional brasileiro? A resposta a essas
perguntas depende, necessariamente, de uma leitura moral que coloque todas
essas posições num ambiente de tensão, controvertido.

Parece-nos que, neste caso, a questão é saber em que circunstâncias e de que


modo um direito individual como a presunção de inocência pode ser restringido.
Esse “quando” e “como” deverão aparecer a partir de uma interpretação das
práticas jurídico-constitucionais presentes no direito brasileiro. Com relação ao
problema apresentado (a constitucionalidade da  LC 135/2010), se os motivos
determinantes da restrição apresentada pela lei não estiverem autorizados por
esse modelo institucional – como nos parece ser o caso –, a segunda questão – o
como restringir – sequer precisa ser respondida. De fato, a restrição impingida pela
referida lei não pode ser justificada  – em nenhuma perspectiva  – no contexto do
nosso modelo constitucional.

Em primeiro lugar, o motivo determinante para restringir a presunção de


inocência é baseado em um típico argumento de exceção que atenta frontalmente
contra os princípios edificadores de um Estado de direito. Ora, um problema
circunstancial de funcionamento do sistema político é apontado como um caso que
coloca em xeque toda a ordem pública e que, por isso, precisa de uma resposta
legislativa que restabeleça a ordem perdida. A questão é que o restabelecimento
da ordem, no caso, acarreta a suspensão do direito. Fica muito claro, portanto, o
paradoxo apontado por Giorgio Agambem em seu  Estado de Exceção: sob o
pretexto de fazer cumprir uma lei, suspende-se o cumprimento do direito.63  Uma
situação de necessidade reivindica a suspensão da execução de um direito, com o
pretexto de salvar o próprio direito, com o restabelecimento da ordem. Esse
caminho é perigoso, tortuoso e sem volta... Por mais que seja execrável vivenciar
diuturnamente a recondução de pessoas de duvidosa conduta com relação à coisa
pública, sua exclusão do processo político deve ser feita no contexto das regras
democráticas (através do sufrágio e dos meios legais de condenação e
ilegibilidade). Suspender o direito de presunção de inocência em virtude da
“necessidade” de moralizar o processo político é abrir um perigoso espaço na
institucionalidade, a partir do qual emerge figuras típicas de um Estado de
Exceção.

Por outro lado, também o argumento de que o direito social à moralidade


administrativa deve sobrepor-se ao direito individual à presunção de inocência;
pode ser afastado por não ser o que melhor se adequa à nossa prática político-
jurídica. Ora, além de estar assentado na – falsa – ideia de colisão entre princípios,
esse argumento repristina a perigosa tese de que o coletivo é mais importante do
que o individual, que era moda nas primeiras décadas do século XX. Despiciendo
lembrar que esse tipo de argumento estava presente em muitos elementos das
“visões de mundo” totalitárias que compuseram os anos de chumbo da primeira
metade do século passado. Portanto, essa imposição  prima facie  de direitos
sociais sobre direitos individuais constitui um gravíssimo risco à democracia, além
de ser um atentado contra os direitos fundamentais.

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Corroborando a afirmação de que os direitos fundamentais – como, no caso a


presunção de inocência  – devem prevalecer frente a argumentos que procuram
sufocá-los a partir da arguição de  topois argumentativos  do tipo o “coletivo
prevalece sobre o individual” ou, o que dá no mesmo, o “interesse público é
superior ao privado”, faz-se necessária referência a estudo em que tivemos a
ocasião de elucidar o falso problema que é o mito da prevalência do interesse
público sobre o privado. Importante destacarmos aqui as seguintes conclusões
resultantes do referido estudo:

VII. A fórmula que postula a necessária e incontestável primazia do interesse


público sobre o particular é uma simplificação errônea e frequente do problema que
existe entre o interesse público e os direitos fundamentais. Os direitos
fundamentais são essencialmente direitos contra o Poder Público (Estado). A
própria existência dos direitos fundamentais seria colocada em risco, caso fosse
admitida qualquer restrição contra eles, sob o argumento de que tal restrição traria
benefício geral para a maioria da sociedade ou então para o próprio governo ou,
ainda. para a preservação do interesse público.

VIII. A primazia dos direitos fundamentais sobre o interesse público configura a


premissa fundamental para a caracterização do Estado Constitucional. Assim, caso
fosse admitida a restrição de direito fundamental com fundamento na suposta
primazia do interesse público, de uma única vez, seriam esvaziadas as duas
principais funções dos direitos fundamentais: (a) oponibilidade contra o Poder
Público; e (b) proteção do cidadão contra formação de eventuais maiorias, ou da
atuação do governamental supostamente embasada na vontade da maioria.64

Encerrando essa questão, resta-nos ainda um argumento do tipo horizontal  –


tal qual apresentado na descrição de Dworkin. Com efeito, como ressaltado na
nota n. 45 infra, em 2008, o STF julgou a ADPF 144, que tinha como objetivo vetar
as candidaturas de cidadãos que tivessem seu passado contaminado por
processos criminais ou de improbidade administrativa, ainda em curso no
Judiciário. No julgamento, o Supremo afirmou que a pretensão formulada na
referida ação atentava contra a presunção de inocência, julgando improcedente o
pedido. Lenio Streck, inclusive, faz uso desse julgamento para ilustrar o que pode
ser considerada uma resposta adequada à Constituição.

Nos termos do autor:

Por maioria de votos, o STF decidiu que o princípio da presunção da inocência


não dava azo a outra interpretação que não a de que o critério final era,
efetivamente, o trânsito em julgado de sentença condenatória. Vê-se, assim, que,
não obstante os argumentos de política (e de moral) utilizados pela Associação dos
Magistrados Brasileiros, com apoio na expressiva maioria da imprensa, o STF
esgrimiu decisão contrária, exatamente com fundamento em argumentos de
princípio (presunção da inocência).65

Por uma questão de integridade “horizontal”, o STF não pode deixar de


considerar como relevante esse precedente em futuros julgamentos a que a
referida lei será submetida. É preciso lembrar, com Maurício Ramires, que “o
precedente judicial adquire um papel decisivo na tarefa da continuidade da tradição
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e da integridade do direito. Sua influência e seu campo gravitacional serão tão


mais fortes quanto maior for seu vetor de concretização de princípios
constitucionais”.66  É interessante notar que o mesmo autor afirma mais adiante
que, nessa atração exercida pelo precedente, o órgão judicial não pode se deixar
levar por um simples precedente isolado em sua fundamentação. É necessário que
a pesquisa pela jurisprudência “possa dar ao juiz um quadro da totalidade da
prática jurídica estabelecida até então”.67 É relevante notar que, nos últimos anos,
o tema da presunção de inocência tem ganhado destaque nos julgamentos do STF.
No Plenário, firmou-se o posicionamento de que  é inconstitucional a chamada
execução antecipada da pena,  tendo sido apontada uma possível
inconstitucionalidade (não recepção) do art.  637  do  CPP, que vedava a
atribuição de efeitos suspensivos aos recursos extraordinários interpostos em
matéria criminal. Nesse caso, o relator, Min. Eros Grau, entendeu estar configurada
verdadeira execução antecipada da pena, muito embora o acusado já houvesse
passado por duas condenações sucessivas (no juízo singular e no órgão colegiado
na segunda instância).68  Tudo em homenagem à garantia da presunção de
inocência. Ora, também a suspensão de direitos políticos tem caráter de pena!
Assim sendo, é evidente que impor tal restrição antes do trânsito em julgado da
condenação representa afronta à presunção de inocência. Portanto, não
restam  dúvidas de que  – por uma questão de integridade horizontal69  – a
afirmação  da presunção de inocência deva prevalecer no julgamento da
constitucionalidade da  Lei Complementar n. 135/2010.

Fica claro, portanto, que, no caso, há uma gravíssima ofensa à presunção de


inocência. Todavia, a interpretação lançada acima não poderia ser realizada se não
estivesse  fundada em uma controvérsia de fundo moral  sobre o que significa  –
substancialmente – a presunção de inocência.

Sem embargo da posição defendida na presente obra, é certo que o Supremo


Tribunal Federal firmou entendimento, no julgamento conjunto das Ações
Declaratórias de Constitucionalidade 29 e 30 e da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4578, no sentido da constitucionalidade da  Lei
Complementar n. 135/2010. Nosso entendimento, contudo, se mantém no sentido
de que, tal disposição normativa, ofende a Constituição pelos motivos lançados
nos parágrafos anteriores. Por certo, a decisão do Pretório Excelso foi pautada,
neste caso, por questões ligadas mais ao clamor popular que cercava a questão do
que propriamente por critérios de juridicidade. Desse modo, ressaltamos aqui a
posição da Suprema Corte, no sentido da constitucionalidade da lei da ficha limpa,
reservando-nos ao direito de manifestar nossa posição, no plano teórico, em
sentido contrário.

Leitura recomendada

Básica

Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Ed.


Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 14.

Intermediária

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Robert Alexy. La institucionalización de la justicia. Granada: Editorial Comares,


2005.

Ronald Dworkin.  A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


(Introdução – direito e moral).

Avançada

Ronald Dworkin.  Justice for hedgehogs. Cambridge: Harvard University Press,


2011.

50

.Apenas a título de curiosidade, é importante lembrar que, em 2008, a AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros) promoveu uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental), que é um mecanismo do controle concentrado de constitucionalidade previsto no
art. 102, § 1.º, da  CF/1988, pedindo para que fossem levados em conta como critérios para a
aferição da elegibilidade dos candidatos a cargos eletivos os antecedentes criminais e possíveis
ações de improbidade administrativa em curso. Esse pedido aconteceu em 2008, nas vésperas
das eleições municipais, e suscitou um grande debate. Na oportunidade, o STF decidiu que o
pedido não poderia ser procedente uma vez que era contrário à presunção de inocência garantida
pela Constituição (para uma análise aprofundada do conteúdo dessa decisão, cf. Lenio Luiz
Streck. Verdade e consenso..., cit., p. 547 e ss.). Ocorre que, em 2009, mesmo depois da decisão
do Supremo em sentido contrário, o tema continuou na pauta política do país e acabou chegando,
pela via da iniciativa popular, ao Congresso Nacional brasileiro, na forma de Projeto de Lei
Complementar. Em junho de 2010, o Congresso aprovou o projeto, dando origem à  LC
135/2010, que originou o imbróglio jurídico retratado no texto.
51

.Teor do § 9.º do art.  14 da  CF/1988: § 9.º Lei complementar estabelecerá outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade
e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Teor do art.  37, caput,  da 
CF/1988: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
52

.Eis o texto do inc. LVII do art.  5.º  da  CF/1988: “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
53

.Essa a posição assentada pelo Min. Carlos Ayres Britto em voto proferido no RE 633.703/MG. Na
verdade, além da virtual inconstitucionalidade da Lei 135/2010, pela afronta à garantia da
presunção de inocência, há outras inconstitucionalidades que podem ser a ela atribuídas. No caso
do recurso no qual o Min. Aires Britto proferiu seu voto, o que se questionava era uma afronta ao
art.  16 da  CF/1988, que determina que lei que altera regras do processo eleitoral só pode
ser aplicada às eleições depois de um ano de sua entrada em vigor. No caso, a lei foi aprovada em
2010 e teve sua aplicação determinada por alguns órgãos da Justiça Eleitoral já nas eleições de
2010. Ofendeu, portanto, a regra da anterioridade anual presente no art.  16. No julgamento do
citado Recurso Extraordinário, o STF excluiu a aplicação da lei às eleições de 2010. Todavia, já no
julgamento desse recurso extraordinário, alguns ministros indicaram a forma como votariam caso o
objeto de análise fosse a constitucionalidade da lei em tese – e não sua aplicação às eleições de
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2010, como era o caso. O Min. Ayres Britto foi um destes: sua posição vai no sentido de que a
garantia dos direitos individuais não pode esvaziar a efetividade dos direitos sociais. Portanto, na
interpretação por ele construída, a restrição à garantia de presunção de inocência se justifica em
face do interesse maior, de cunho social, de moralização do processo político. Resta saber se essa
construção permanece de pé diante da leitura moral da Constituição.
54

.Cf. Dworkin, O direito da liberdade, op. cit., p. 132.


55

.Na 4. ed. de Verdade e consenso..., cit., Lenio Streck escreve uma longa introdução procurando
apontar para o ambiente no qual o livro e, no limite, toda sua obra deve ser lida. Nela, o autor
apresenta aquilo que ele chama de recepções equivocadas realizadas pelo pensamento
constitucional brasileiro que, diante de uma constituição normativa sem uma Teoria da Constituição
adequada, foi obrigado a importar teorias produzidas por outras culturas. Muitas vezes, essas
teorias acabam sendo adaptadas ao ambiente cultural brasileiro, produzindo resultados
patológicos. Uma dessas recepções equivocadas refere-se, exatamente, à ponderação proposta
por Alexy. Na versão à brasileira da ponderação, pondera-se sem critérios. Não se aplica a fórmula
quanto-tanto, criada por Alexy justamente para conferir racionalidade ao procedimento utilizado
pelo Tribunal Constitucional Alemão. Resultado disso é uma jurisprudência constitucional que,
muitas vezes, se apresenta em estado de fragmentação, vindo a ocorrer situações
interessantíssimas, como casos em que, num mesmo julgamento, ministros diferentes,
fundamentando sua posição na ponderação, chegaram a resultados totalmente diferentes. Este
caso é descrito por Lenio Streck na terceira edição da mesma obra, p. 533 e ss.
56

.Ronald Dworkin. O direito da liberdade..., cit., p. 132.


57

.Idem, p. 133.
58

.Idem, ibidem.
59

.Idem, ibidem. No que atina a essa dimensão horizontal da integridade, é importante anotar que há
uma série de particularidades – principalmente no que toca à modificação dos precedentes – que
mereceriam ser abordadas com vagar. Todavia, esse particular não faz parte dos objetivos do
texto, que está mais preocupado em colocar em questão o problema do juízo de substancialidade
proposto pelo constitucionalismo garantista na perspectiva de saber se, de alguma forma, também
ele não reivindica um horizonte moral para solução  de casos concretos. Todavia, há importantes
obras que tratam com cuidado do problema da “aplicação” dessa integridade horizontal. Problema
particularmente inquietante nessa esfera temática é aquele que se afigura a partir de uma
constatação apressada de que essa necessidade de recursividade das decisões – das próprias e
das demais esferas que compõem a estrutura judiciária  – poderia levar a um “continuísmo
histórico” ou a um excessivo conservadorismo judicial. Todavia, essa preocupação é apenas
aparente. Com efeito, conforme anota Francisco Borges Motta  – em obra que revela uma crítica
contundente ao chamado “protagonismo judicial”  – assevera o seguinte sobre o problema da
alteração das decisões passadas: “a integridade obviamente convive com a possibilidade (melhor
dito:  necessidade) de alteração das decisões (concepções) anteriores, e esclarece que aí não
estará em jogo um escolha entre “história” e “justiça”. Neste fio, uma decisão judicial que “quebre”
(corretamente) um precedente, estará apenas realizando uma ‘conciliação entre as considerações
que em geral se combinam em qualquer cálculo de direito político’, e isso na exata medida de que
a decisão judicial nada mais faz do que tornar efetivos direitos políticos já existentes. Não há nada
‘surpreendente’ aqui. Sucede simplesmente que as circunstâncias variam e os princípios mudam
de peso no tempo. (...) De mais a mais, na medida em que se difunda – e aí a doutrina entra em
cena – que determinado veredicto é um erro, a sua reinterpretação não só se fará oportuna, como
necessária” (Francisco J. Borges Motta.  Levando o direito a sério.  Uma crítica hermenêutica ao
protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 123).
60

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.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso..., cit., p. 446.


61

.Idem, p. 446.
62

.Luigi Ferrajoli. Constitucionalismo principialista... cit., p. 14.


63

.Cf. Giorgio Agambem. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 65 e ss.
64

.Georges Abboud. O mito da supremacia do interesse público sobre o privado: a dimensão


constitucional dos direitos fundamentais e os requisitos necessários para se autorizar restrição a
direitos fundamentais. RT  907/61, conclusões principais. Para maior detalhamento, ver: Georges
Abboud.  Jurisdição constitucional e direitos fundamentais.  São Paulo: Ed. RT, 2011, n.  3.6.2.3,
p. 269 et seq.
65

.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso..., cit., p. 547.


66

.Maurício Ramires. Crítica à aplicação de precedentes no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria


do Advogado, 2010, p. 103-104.
67

.Idem, p. 104.
68

.Cf. HC 84.078, j. 05.02.2009.


69

.Remetemos o leitor à nota n.  24, infra, para que as devidas ressalvas sobre o cumprimento da
exigência horizontal da integridade sejam registradas.

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5.4. Conclusões principais

1) A relação entre direito e moral é um dos temas mais polêmicos no estudo introdutório do direito e um dos que,
provavelmente, mais precise ser repensado. Levando em conta este fato, inicialmente, com o intuito didático, oferecemos desde
o conceito elementar de moral como um estudo sistemático dos costumes humanos até as teses mais atuais sobre a relação
entre direito e moral.

2) Para evitar equívocos, também oferecemos o conceito elementar de ética e como, historicamente, os termos moral e ética
foram entendidos como sinônimos até que alguns autores, nossa referência foi Michel Foucault, se pode definir a ética como
determinante da maneira pela qual o indivíduo deve se constituir a si mesmo como sujeito moral de suas próprias ações e a
moral como o comportamento efetivo das pessoas diante dos códigos (normas morais).

3) Aproximando o conteúdo do Direito da Ética, adentramos no campo próprio da ética jurídica para procurar demonstrar
como atualmente a problemática do tema se instaura pela codificação das regras e dos princípios éticos a um conjunto de
prescrições de caráter puramente formal e jurídico, fato que reduz a ética a um certo tipo de técnica (uma tecnologia ética) e
como é importante a busca de um nível de comprometimento, de assunção de compromisso por parte daqueles que trabalham
com o direito em termos realmente éticos e não meramente de uma tecnologia ética.

4) A relação entre o Direito e a Moral, na contemporaneidade, foi explorada inicialmente a partir do pensamento do
jusfilósofo alemão Robert Alexy e a sua proposta de que o relacionamento entre direito e moral na história fora pensado a partir
de três teses, a saber: a) a tese da vinculação determinando que o direito deve ser definido de modo que contenha elementos
morais; b) a tese da separação, por excelência, propagada pelos autores positivistas que defendiam que o direito não deve ser
definido de como contenha elementos morais, ou seja, há uma distinção clara entre os campos da moral e da ética em relação
ao direito; e c) a tese da complementaridade, pela qual haveria espaços distintos entre direito e moral, mas que, entretanto, em
certos casos, poderiam ser pensados de modo complementar para solucionar questões jurídicas.

5) Na sequência, apresentamos a proposta de Ronald Dworkin com o intuito de criar um ambiente reflexivo e crítico a partir
da proposta de Robert Alexy. Segundo Dworkin, o direito é um ramo (branch) da moral, havendo, entre direito  e moral, uma
interconexão, ou seja, Dworkin trata o direito como um segmento da moral. Isto revela que a tratativa de Dwokin trabalha com a
teoria jurídica como uma parte da moral política.

6) A problematização do pensamento de Dworkin com o de Luigi Ferrajoli serviu como aporte para uma discussão prática
sobre o relacionamento entre direito e moral e ainda mais para comprovar a acertada tese de Ronald Dworkin, de como o direito
representa um ramo da moral.

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6. Direito e Justiça

6.1. O conceito de justiça

6.1.1. Sobre a origem do conceito de justiça: plurivalência e equivocidade


do termo

O conceito de justiça não é algo que se possa definir ou delimitar em uma exata
e conclusiva definição,1 o mesmo acontece com o conceito de direito.

Na verdade, a justiça é um conceito fundamental, de certa maneira irredutível,


da ética, da filosofia social e jurídica, bem como da vida política, social, religiosa e
jurídica.2

A abrangência desse conceito estrutura-se, na maioria das vezes, a partir de


alguns pontos que acabam sendo utilizados para direcionar o seu estudo, por
exemplo, identificar a igualdade como início de uma resposta para a justiça, como
seu cerne, essencialmente.

No entanto, compreendendo a plurivalência do sentido da justiça, importa


primeiramente para seu entendimento identificar a sua formação e
desenvolvimento histórico.3

A compreensão sobre o conceito de justiça nos termos aqui propostos dá-se na


perspectiva de um resgate originário de sentido da justiça e do justo. Esse resgate
possibilita o questionamento dos marcos históricos da justiça, a maioria deles
divinos ou teológicos, da sua divisão em critérios: formal e material e dos seus
sentidos de aplicabilidade, como a justiça comutativa, distributiva e social o que
proporciona uma abertura filosófica na exploração do sentido da justiça e sua
relação com a potencialidade de um estudo científico do direito.

Harold Berman destaca a impossibilidade de se examinar, sob a perspectiva


ocidental, de forma dissociada o direito e a justiça. Destaca o autor que é da
tradição jurídica ocidental preservar a ordem e ao mesmo tempo fazer a justiça, por
conseguinte, o ordenamento jurídico sempre possui uma tensão interna entre as
necessidades de mudança e de estabilidade.4

Além da mudança e da estabilidade, a justiça é marcada por outra dicotomia


consistente na preservação dos direitos individuais e no bem-estar da comunidade.
Na realidade, a tradição jurídica ocidental alçou a justiça como ideal messiânico do
próprio direito. Esse ideal foi originariamente associado à Revolução Papal com o
Julgamento Final e o Reino de Deus, depois, na Revolução Germânica com a
consciência cristã; na Revolução Inglesa com o espírito público; nas Revoluções
Francesa e Americana com a razão e os direitos do homem; e recentemente, na
Revolução Russa com o coletivismo, a economia planejada e a igualdade social.5

Em síntese, foi o ideal messiânico de justiça que permeou e encontrou


expressão nas revoluções, uma vez que, “a substituição do Direito anterior era

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justificada como restabelecimento de um direito como justiça, mais fundamental.


Foi a crença de que o Direito estava traindo os seus propósitos e finalidades que
levou às grandes revoluções”.6

Leitura recomendada

Básica

Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês, Lisboa: Ed.


Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 10, 11 e 12.

Intermediária

Georges Abboud; Henrique Garbellini Carnio. Genealogia da justiça: uma


abordagem a partir do conceito de obligatio do direito privado romano.  Revista de
Direito Privado. vol. 48. p. 11. São Paulo: Ed. RT, out. 2011.

Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental.


São Leopoldo: Unisinos, 2006.

Aristóteles.  Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro Caeiro. São Paulo:


Atlas, 2009. livro 5.

Santo Tomás de Aquino. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006. caps. I, II e


III.

Santo Agostinho. Cidade de Deus. São Paulo: Vozes, 2011. livro IV, cap. IV.

Avançada

Ota Weinberger.  Law, institution and legal politics: fundamental problems of


legal theory and social philosophy. Dordrecht: Kluwe Academic Publishers, 1991.

.Nesse sentido, é relevante a análise de Ota Weinberger ao demonstrar, a nosso ver, que a
complexidade de definição da justiça esteja por trás da noção da condição humana e aquilo que a
própria humanidade busca como ideal da justiça, por essa razão que o autor entende a justiça
como “a ubliquitous problem”. Cf. Ota Weinberger. Law, institution and legal politics: fundamental
problems of legal theory and social philosophy. Dordrecht: Kluwe Academic Publishers, 1991.
p. 247.
2

.Cf. Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês, Lisboa: Ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004. p. 225.
3

.Sobre o assunto, cf. nosso Georges Abboud; Henrique Garbellini Carnio. Genealogia da justiça:
uma abordagem a partir do conceito de obligatio do direito privado romano, RDPRIV 48/11. No
referido artigo a ideia de uma proposta genealógica sobre o conceito de justiça. A proposta
genealógica será desenvolvida a partir do método histórico-crítico genealógico de Friedrich W.
Nietzsche. Empreendendo seu método genealógico, caracterizado como um método histórico-
crítico de investigação de instituições, saberes e práticas sociais, históricas e culturais que busca
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revelar as valorações que lhes servem de fundamento, Nietzsche promove uma reviravolta no solo
antropológico e psicológico que fomenta a criação e a construção do direito. De maneira
concernente ao seu esclarecimento genealógico em Para genealogia da moral Nietzsche recorre
insistentemente em querer demonstrar o modo como certos filósofos utilizaram uma genealogia da
moral estropiada, principalmente quando se nota o modo pelo qual foi realizada a pesquisa sobre a
origem (Ursprung) e proveniência (Herkunft) de certos conceitos, como o de “bom” ou o de
“culpa/dívida” (Schuld). Assim, Nietzsche emprega o estudo da genealogia das palavras para
descrever o processo metafórico pela qual algumas palavras fundamentais  – como as acima
referidas  – aos poucos assumiram significados de caráter moral. Ele encara o significado como
algo radicalmente histórico, sendo um dos pontos-chave não se confundir a origem de algo com a
sua finalidade. Isso revela ainda mais sua crítica aos genealogistas da moral, indicando que a eles
falta um senso histórico genuíno que os faz acabarem escrevendo não uma genealogia, mas uma
história da emergência de uma coisa (Entstehungsgeschichte). Para Nietzsche, analisando-se as
“origens”, demonstra-se que no começo das coisas são encontrados o conflito, a luta e a
contestação. Ao reconstruir o passado, seus objetivos são práticos, desejando opor-se aos
preconceitos do presente que impõem uma interpretação do passado com o fim de sustentar seus
valores democráticos e altruísticos. Sua tentativa, enfaticamente, na Genealogia é de maneira
original e provocadora mostrar que a moral e as noções legais têm uma história e que o homem
estudado como animal político e moral, precisa “vir-a-ser”. Para Nietzsche, quase tudo que existe
está aberto à interpretação. A própria vida nada mais é do que uma disputa e conflito de valores.

Foucault analisa bem essa característica do método genealógico de encontrar no começo histórico
das coisas a discórdia, o disparate. Para Foucault, a genealogia se opõe ao desenvolvimento
meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Opõe-se à pesquisa de
origem, pois o que se encontra no começo da história das coisas não é a identidade ainda
preservada de sua origem, mas a discórdia entre as coisas, o disparate. Assim, fazer a genealogia
dos valores, da moral, do conhecimento nunca será deter-se em busca de sua origem, “mas deter-
se nas meticulosidades e nos acasos dos começos: prestar uma atenção escrupulosa em sua
derrisória maldade, esperar vê-las surgir, máscaras finalmente retiradas, com o rosto do outro; não
ter pudor de ir buscá-los lá onde eles estão, ‘escavando as profundezas’”. Para tanto, cf. Oswaldo
Giacoia Jr. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006. p.  89;
Friedrich W. Nietzsche. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza, São
Paulo: Cia. das Letras, 2007. Primeira dissertação, §  17, p.  45; Keith Ansell-Pearson. Nietzsche
como pensador político: uma introdução. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1997. p. 140-141; e Michel Foucault. Nietzsche, a genealogia, a história. In: ______.
Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. Elisa Monteiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2000. p. 264.

Finalizando, seria ainda interessante notar como a perspectiva genealógica privilegia a visão
historicista para compreensão do direito e seus institutos. Essa relação entre direito e história é
ressaltada e defendida por Harold Berman nos seguintes termos: “O conceito tradicional de direito
como um conjunto de regras derivadas de atos normativos e decisões jurisprudenciais – refletindo
a tese de que a fonte última do direito é a vontade do legislador (Estado)  – é inteiramente
inadequado para servir de base para um estudo sobre uma cultura jurídica transnacional. Para
falar da tradição jurídica ocidental, é necessário postular um conceito de direito que seja diferente
de um conjunto de regras, que o veja como um processo, como um empreendimento no qual as
regras só têm valor no contexto das instituições e procedimentos, valores e modos de pensar.
Desse ponto de vista mais amplo, as fontes do direito ultrapassam a vontade do legislador, para
abranger também a razão e a consciência das comunidades e os seus usos e costumes. Essa não
é a visão dominante no direito. Contudo, não é, de modo algum, uma visão heterodoxa, pois, não
muito tempo atrás, costumava-se dizer que as fontes do direito eram a legislação, os precedentes,
a equidade e os costumes. Na era de formação da tradição jurídica ocidental, não havia tanta
legislação ou tantos precedentes como passou a haver nos séculos posteriores. A maior parte do
Direito era derivada dos costumes, que eram visto à luz da  equidade  (definida como razão e
consciência). É necessário reconhecer que o costume e a equidade são tão integrantes do direito
quanto as normas e as decisões, se se deseja seguir e aceitar a história da tradição jurídica
ocidental”. Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental. São
Leopoldo: Unisinos, 2006. p. 22.
4

.Harold J. Berman. Direito e revolução... cit., p. 34.


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5

.Idem, ibidem.
6

.Idem, ibidem.

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6.2. O conceito tradicional de justiça e problema de sua dualidade metafísica

Aristóteles7 foi, na verdade, o primeiro filósofo a formular uma teoria consistente


sobre a justiça. Apoiado no princípio de igualdade, partindo da ideia pitagórica de
justiça, e também da ideia platônica da justiça como virtude, Aristóteles emprega o
realismo do meio termo na análise dos fatos como investigação da justiça.8

A partir dessa concepção tradicional da justiça,9  em conjunto com a proposta


dos romanos (suum cuique tribuere), de Santo Tomás de Aquino10  e de Santo
Agostinho, isto é, da justiça verdadeira construída no cristianismo pela prática do
amor, da caridade e da devoção, passou-se, então, a delimitar nos contornos das
teorias do direito e das teorias políticas uma maneira de se dividir o estudo de
justiça de um ponto de vista formal e material.

Nesse contexto, vale destacar o posicionamento de Tercio Sampaio Ferraz


Junior ao afirmar que o tema da justiça, atualmente, costuma ser tratado pelas
teorias jurídicas e políticas sob dois aspectos; seu aspecto formal, um valor ético-
social positivo, através do qual se atribui a uma pessoa o que lhe é devido, ou seja,
a clássica ideia do suum cuique tribuere; e seu aspecto material, ou seja, os
critérios de acordo (valores) com os quais é decidido aquilo que é devido a alguém,
e que são formulados normalmente com base em concepções metafísicas.11

A questão pontual, portanto, que encerra esta primeira parte é a compreensão


de que a divisão da justiça nesses dois aspectos é insuficiente por manter a
análise da justiça numa base completamente metafísica,12 não possibilitando uma
construção, enquanto noção interpretativa do sentido do justo na aplicabilidade do
direito, tampouco acompanhando o desenvolvimento filosófico e o potencial do
estudo científico do direito que se criou e ampliou, principalmente a partir do século
XIX, com o desenvolvimento dos chamados princípios da justiça e do seu conteúdo
racional-ético.

Leitura recomendada

Básica

Tercio Sampaio Ferraz Junior. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o


poder, a liberdade a justiça e o direito. São Paulo: Atlas, 2002. cap. 7.

Intermediária

Giorgio del Vecchio.  A justiça. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo:
Saraiva, 1960.

Hans Kelsen.  O que é justiça?  Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.

Avançada

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Friedrich W. Nietzsche. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César


de Souza, São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Segunda Dissertação.

.Sobre o conceito de justiça considerado de modo restrito  – com base na linha do pensamento
platônico-aristotélico  –, faz-se interessante a conferência do verbete Justiça produzido por Mario
Ferreira dos Santos que examina o conceito a partir do conceito que a justiça seria um dos quatro
pontos cardinais, oferecendo assim, um conceito estrito sobre a justiça. Cf. Mário Ferreira dos
Santos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Editora Matese, 1963. (verbete:
justiça), vol. 3, p. 830-831.
8

.Cf. Aristóteles. Ética a Nicômaco. 4.  ed. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Ed. UNB, 2001. O
livro V da referida obra contém o estudo sobre A Justiça, que se inicia do seguinte modo: “com
vistas à justiça e à injustiça, devemos indagar quais são as espécies de ações as quais eles se
relacionam, que espécie de meio termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio
termo”.
9

.Sobre uma visão mais detalhada da experiência histórica da justiça, cf. Giorgio del Vecchio. A
justiça. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo: Saraiva, 1960. p. 83-93.
10

.Santo Tomás de Aquino pode ser considerado o verdadeiro precursor da reflexão sobre a justiça,
fundamentada em Aristóteles e nos romanos. Sobre a proposta de Santo Tomás de Aquino
importante o estudo dos capítulos I, II e II da Summa Theológica que se referem ao tema justiça,
especificamente no que remonta a Ulpiano, no mesmo livro, II, II, 58, 1, e em Santo Agostinho, na
obra Cidade de Deus no livro IV, capítulo IV.
11

.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade
a justiça e o direito. São Paulo: Atlas, 2002. p. 232.
12

.Para uma temática diferenciada sobre este assunto, muito interessante são os estudos
nietzscheanos sobre a justiça. No contorno de sua obra, vale a pena ressaltar a seguinte
passagem: “Origem da justiça. A justiça (equidade) tem origem entre homens aproximadamente o
mesmo poder(...): troca é o caráter inicial da justiça. Cada um satisfaz ao outro, ao receber aquilo
que estima mais que o outro. Um dá ao outro o que ele quer, para tê-lo como seu a partir de então,
e por sua vez recebe o desejado. A justiça é, portanto, retribuição e intercâmbio sob o pressuposto
de um poderio mais ou menos igual: originalmente a vingança pertence ao domínio da justiça, ela
é um intercâmbio. Do mesmo modo a gratidão”. Friedrich W. Nietzsche. Humano, demasiado
humano. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2005. p. 92. Continuando com a
questão, importante também a crítica de Martin Heidegger a partir do seguinte comentário
“Nevertehless, because in Nietzsche’s thought it remains veiled as to whether and how “justice” is
te essencial trait of truth, the key word justice may not be raised to the rank of the main heading in
Nietzsche’s metaphysics”. Martin Heidegger. Nietzsche. San Francisco: Harper Collins pbk, 1991.
vol. 3, p. 249.

Neste ambiente, levando em conta a proposta de Tercio Sampaio Ferraz Junior sobre a dualidade
metafísica de justiça e sua noção de retribuição, passa a ser de fundamental importância para
complementação e finalização do assunto do princípio da retribuição aqui retratado e a ser mais
desenvolvido a partir do pensamento de Nietzsche, a compreensão das consequências da justiça
na forma de retribuição com base no texto “Vergeltung” zwischen Ethologie und Ethic (“Retribuição”
entre Etologia e Ética) de Walter Burkert. As bases sob as quais Burkert estrutura seu estudo sobre
retribuição fornecem importantes revelações sobre os contornos em relação a elaboração dos
modelos de justiça. Ele retorna a textos e mitologias da Antiguidade alcançando importantes
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apontamentos atuais que merecem relevo. Por mais que a aceitabilidade da agressão, repressão e
violência como base da retribuição justa pareça algo das sociedades primitivas, a expressão latina
vindex, os princípios islâmicos vigentes da pena e mesmo a pena de morte, que não se divide
necessariamente entre Ocidente e Oriente, apresentam a sutil presença desse modo primevo de
manifestação da justiça como retribuição. Tercio Sampaio Ferraz Junior. Poder e justiça. Direito e
poder: nas instituições e nos valores do público e do privado contemporâneos. Estudos em
homenagem a Nelson Saldanha. Barueri: Manole, 2005. p. 168-182.

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6.3. A teoria da justiça e a reviravolta linguística da filosofia

6.3.1. Proposta para se (re)pensar a dualidade metafísica do conceito de


justiça no ambiente da filosofia da linguagem

A dualidade metafísica a que se reportou é bem exposta por duas questões


principais que remetem ao tema da justiça no direito e que podem ser expostas em
duas perguntas: o que é a justiça? Como conhecemos ou realizamos a justiça?13

As questões colocadas remetem para um novo contexto filosófico, inaugurado


com a virada linguística (linguistic turn)14  com autores como Wittgenstein,
Heidegger e Gadamer. A partir da reviravolta linguística, de alguma forma, toda
teoria do direito produzida no século XX parte do pressuposto inexorável de que a
análise da linguagem – entendida como instância na qual se produzem significados
e o sentido – é o ponto decisivo para a compreensão do fenômeno jurídico. Nessa
medida, manifesta-se Castanheira Neves ao dispor que: “o direito é linguagem, e
terá de ser considerado em tudo e por tudo como uma linguagem. O que quer que
seja e como quer que seja, o que quer que ele se proponha e como quer que nos
toque, o direito é-o numa linguagem e como linguagem  – propõe-se sê-lo numa
linguagem”.15

Dessa forma, as questões postas para serem analisadas devem receber um


novo contorno filosófico, em razão do giro linguístico, pois a partir do entendimento
de que o direito é criado, é criação humana e produzido pela linguagem, o
esquema cognitivo sujeito/objeto já foi superado, implementando-se nos últimos
tempos cada vez mais as teorias processuais da justiça,16 que concebem a justiça
e o direito justo como produto do processo de determinação do direito.

Compreendendo a justiça, nesse sentido, como produto do processo de


determinação do direito, surge-nos uma reflexão sobre os contornos científicos do
direito na questão da justiça.

Leitura recomendada

Básica

Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Ed.


Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 8 e 19.

Intermediária

Castanheira Neves.  Metodologia jurídica: problemas fundamentais. Coimbra:


Coimbra Ed., 1993.

Avançada

Manfredo Araújo de Oliveira.  Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia


contemporânea. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

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Martin Heidegger. Nietzsche. Rio de Janeiro: Forense, 2007. vol. 1, cap. 3.

13

.Arthur Kaufmann. Filosofia do direito cit., p. 228.


14

.Sobre o giro linguístico, ou reviravolta linguística, afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “Pouco a
pouco se tornou claro que se tratava, no caso da ‘reviravolta linguística’ (linguistic turn) de um novo
paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da
reflexão filosófica para a ‘esfera dos fundamentos’ de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa
a poder levantar a pretensão de ser a ‘filosofia primeira’ à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias” (Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2.  ed. São Paulo:
Loyola, 2001. p. 12-13). No âmbito do direito são significativas as palavras de Castanheira Neves,
para quem “o direito é linguagem, e terá de ser considerado em tudo e por tudo e por tudo como
uma linguagem. O que quer que seja e como quer que seja, o que quer que ele se proponha e
como quer que nos toque, o direito é-o numa linguagem e como linguagem  – propõem-se sê-lo
numa linguagem (nas significações linguísticas em que se constitui e exprime) e atinge-nos através
dessa linguagem, que é” (Antônio Castanheira Neves. Metodologia jurídica: problemas
fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 90).
15

.Antonio Castanheira Neves. Metodologia jurídica... cit., p. 90.


16

.O tema sobre as teorias processuais da justiça não será aqui tratado, pois, além de não ser
escopo do trabalho é complexo e exigiria, no mínimo, por honestidade intelectual, um estudo
apartado. De qualquer modo, há interessantes apontamentos sobre estes estudos no pensamento
de Arthur Kaufmann, em especial na obra Filosofia do direito, que possui um capítulo dedicado ao
tema e intitulado como “Princípios duma teoria processual de justiça materialmente fundada”. Cf.
Arthur Kaufmann. Filosofia do direito cit., p. 425-435.

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6.3.2. A justiça e sua projeção racionalista: a importância de Kant

Em conformidade com o que expusemos, a questão da justiça, em essência,


frequentemente é equiparada à igualdade, o que evidencia com obviedade de que
se justiça é essencialmente igualdade, não poderia apenas ser igualdade.

Ocorre que, antes de Kant, a justiça foi reduzida exclusivamente ao princípio da


igualdade, ou seja, o igual deve ser tratado de maneira igual e o desigual de
maneira desigual.

Kelsen considerava a questão tautológica, os conteúdos sobre o conceito de


justiça deveriam ser tratados pela política e não pelo direito. Para Kelsen, a justiça
é antes de tudo, uma característica possível, porém não necessária, de uma ordem
social e a proposta de tipo racionalista, de dar a cada um o que é seu, é totalmente
vazia, pois justifica toda e qualquer ordem social.17

Na verdade, o racionalismo que procura dar resposta à questão da justiça com


os meios da razão humana é consagrado tradicionalmente nas teorias jurídicas e
em alguns sistemas filosóficos.

A questão, no entanto, é se a justiça se porta como produto do processo de


determinação do direito. Como construir o sentido de aplicabilidade do direito
nesse viés, sem ser tautológico e se reduzir a justiça ao simples princípio da
igualdade?

Abre-se, assim, o estudo da justiça sobre três vertentes: a igualdade como um


princípio formal (justiça em sentido estrito), a adequação, como um princípio
material da justiça (justiça social ou comum) e a segurança jurídica (paz jurídica). A
justiça passa a ser expressa simultaneamente no sentido da forma, do conteúdo e
da função.18

Nessa perspectiva, começa a surgir a necessidade de se buscar pela


materialidade do conceito de justiça, pois o conceito formal da igualdade precisa de
um conteúdo material. O máximo bem comum almejado não é determinado sem
forma e a segurança jurídica não existe por si só, vez que só será seguro o direito
que respeite o princípio da igualdade e a justiça do bem comum.

O conteúdo da justiça na realização do bem comum necessita de uma base de


formação, que ocorre na tentativa de uma nova racionalidade jurídica que almeja
romper com algumas ilusões da razão clássica montada por verdades imutáveis.
Esse empreendimento se dá com a ética e os seus contornos objetivos, que, em
tese, possibilitam um melhor desenvolvimento humano.

17

.Hans Kelsen. O que é justiça? Trad. Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2.
18

.Arthur Kaufmann. Filosofia do direito cit., p. 228.


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6.3.3. O pensamento retórico de Chaïm Perelman

Um dos precursores de racionalidade-ética do direito é Chaïm Perelman, que,


procurando criticar a razão clássica, discute as teses de Lévy-Bruhl, distanciando-
se do cepticismo moral e ao mesmo tempo procurando trabalhar com o direito e a
moral. Para Perelman, o direito não é evidentemente a moral, mas na prática, por
não ser formalismo puro, importa à razão prática.

Resgatando o conceito aristotélico de retórica, o filósofo belga propõe a “nova


retórica” que tem seu ponto de início, sua mola propulsora, justamente na
codificação napoleônica referente à análise do raciocínio jurídico.

Por insatisfação com a afirmação da irracionalidade da aplicação do direito,


Perelman elege como projeto teórico a “lógica dos julgamentos de valor”,19 da qual
nasce a nova retórica.

Assim, imbuído desse meio termo proposto pela nova retórica, de maneira que
o direito não é o lugar do racional e do irracional, nos contornos da justiça,
Perelman analisa seis exemplos possíveis de sua noção, sendo: a cada qual a
mesma coisa; a cada qual segundo seus méritos; a cada qual segundo suas obras;
a cada qual segundo suas necessidades; a cada qual segundo sua posição; a cada
qual segundo a lei que lhe atribui.20

A partir dessa base, o que Perelman busca é um caráter interrelacional, criando


um conceito de justiça superior a essas noções, o conceito de justiça formal “como
um princípio de ação segundo o qual os seres de uma mesma categoria essencial
devem ser tratados da mesma forma”.21

O conceito é genérico, portanto, abrangente, pois busca uma forma única que
abarque as possibilidades de trabalho com a justiça, pode-se dizer que essa
tentativa, além do racionalismo, demonstra uma tentativa de contorno material da
justiça, uma justiça no caso concreto.

19

.Chaim Perelman. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
20

.Chaim Perelman. Ética e direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão, 2.  ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 9.
21

.Idem, p. 19.

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6.3.4. A crítica pela novíssima retórica de Boaventura de Sousa Santos

No entanto, a proposta de Perelman não permanece sem críticas. Para


Boaventura de Sousa Santos, a nova retórica fundamentada é técnica e
manipuladora, uma vez que, em seus dados imutáveis, não permite reflexão
quanto aos processos sociais de inclusão e exclusão, nem quanto aos processos
de criação e destruição de comunidades, considerando, por fim, que a retórica de
Perelman seria muito moderna para contribuir com o conhecimento pós-moderno.22

Diante desse posicionamento, fundamenta uma crítica radical à nova retórica,


buscando a novíssima retórica.

Boaventura de Sousa Santos parte de um contexto histórico da retórica, a


reemergência da retórica seria parte integrante da crise paradigmática da ciência
moderna.

A ideia da reconstrução do conhecimento-emancipação como nova forma de


saber parte do pressuposto de que este conhecimento é um conhecimento local,
criado e disseminado através do discurso.

O autor considera que a proposição da nova retórica tem que ser radicalmente
reconstruída para contribuir com a reinvenção do conhecimento-emancipação, vez
que se caracteriza por ser técnica (não adjudica entre as formas de influenciar,
entre persuasão e convencimento), por partir do princípio que o auditório e,
consequentemente, a comunidade, são dados imutáveis, ficando sem refletir sobre
os processos sociais de inclusão neles ou exclusão deles, nem os processos
sociais de criação e de destruição de comunidades e, por fim, atribui que a nova
retórica é manipuladora, porque os oradores visam apenas influenciar o auditório e
não se consideram influenciados por ele, a não ser na medida em que se lhe
adaptam para conseguirem influenciá-lo.23

Para Boaventura de Sousa Santos “a novíssima retórica deve privilegiar o


convencimento em detrimento da persuasão, deve acentuar as boas razões em
detrimento da produção de resultados”.24

Assim, através de novíssima retórica, nasce uma tentativa de se inaugurar uma


tópica de emancipação, um novo senso comum, propondo a ideia de uma dupla
ruptura epistemológica, primeiramente permitindo à ciência moderna diferenciar-se
do senso comum, e irromper com esta primeira ruptura epistemológica, a fim de
transformar o conhecimento cientifico num novo senso comum, em outras palavras
“o conhecimento-emancipação tem que romper com o senso comum conservador,
mistificado e mistificador, não para criar uma forma autônoma e isolada de
conhecimento superior, mas para se transformar a si mesmo num senso comum
novo e emancipatório”.25

Todo esse contexto filosófico de Perelman, que é estendido por Boaventura de


Sousa Santos, possui um interessante fundo filosófico que, como já demonstrado,
dá-se nos contornos do racionalismo.

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Em um sentido filosófico, estendendo-o da sua proposição religiosa, Kant foi o


primeiro a adotar esse termo como símbolo de sua doutrina, para ele o
racionalismo no campo da moral proporcionava uma maneira crítica de pensar em
relação ao misticismo e ao empirismo e, no campo estético, falava de um
racionalismo do princípio do gosto.26

Por outro lado, Hegel foi o primeiro a caracterizar como racionalismo a corrente
que vai de Descartes a Spinoza e Leibniz que se opunha ao empirismo de origem
lockiana, enfim, como conceito filosófico, o racionalismo designa propriamente a
doutrina de Kant ou, então, a corrente metafísica da filosofia moderna de
Descartes a Kant27 que tanto se desenvolveu e buscou-se superar seus limites na
filosofia contemporânea.

22

.Boaventura de Sousa Santos. Crítica da razão indolente: para um novo senso comum: a ciência, o
direito e a política na transição paradigmática. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
23

.Idem, p. 104.
24

.Idem, ibidem.
25

.Idem, p. 107.
26

.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 4.  ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p. 822.
27

.Idem, ibidem.

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6.3.5. A proposta de John Rawls

Toda a questão da justiça perpassa esse caminho racionalista, no entanto, para


uma completa observação sobre este estudo proposto no sentido da racionalidade
ética dos princípios materiais de justiça, resta ainda uma reflexão sobre uma das
mais importantes teorias da justiça de nossos tempos, proposta por John Rawls.

No ano de 1957, John Rawls traz a lume o primeiro texto, intitulado “Justice as
fairness”, e em torno do núcleo deste texto, foi-se, aos poucos, constituindo-se a
obra intitulada A theory of justice  – traduzida para nós como Uma teoria da
justiça – publicada em Harvard no ano de 1971. Durante a década seguinte, várias
críticas foram enfrentadas pelo autor e em 1980 o autor começa a retomar o tema
com uma nova série de artigos, buscando, unicamente, uma revisão sobre o
campo de aplicação e os meios de efetivação de uma teoria que permaneceu
essencialmente intocada.28

O objetivo de Rawls com essa obra foi apresentar uma concepção de justiça
que generaliza e leva a um ponto de reflexão maior a conhecida teoria do contrato
social em Locke, Rousseau e Kant.29 Para isso, propõe que não se deve pensar no
contrato original como um contrato que introduz uma ordem social ou
governamental, mas o contrário, isto é, que os princípios da justiça como estrutura
básica da sociedade são o objeto do consenso original.30

Tal fato denota uma importante tomada de partido por Rawls, pois ele apresenta
o esforço do autor em tomar o conceito de justiça a partir de uma forma
procedimental e sua crença na noção de “cooperação” e não de “dominação” no
âmbito da estrutura social inicial que enceta sua teoria numa perspectiva
institucionalista.

De se notar, portanto, que Rawls propõe uma teoria da justiça como base da
construção social, para isso, procura elaborar uma teoria da justiça que represente
uma alternativa ao pensamento utilitarista em geral e, consequentemente, a todas
as suas diferentes visões.31

Para uma tentativa de efetivação daquilo que se refere como “consenso


original” (posição original), Rawls elabora dois princípios de justiça.

A proposta, como aponta o próprio autor, um resumo, dos dois princípios é:

“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de
liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de
liberdade para as outras.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal


modo que sejam ao mesmo tempo (a) consideradas como vantajosas para todos
dentro dos limites do razoável, e (b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a
todos.”32

Ao decorrer de sua exposição, Rawls vai delimitando o contexto de seus


princípios e buscando materializar um conceito de justiça que seja a estrutura
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inicial e de proposta da sociedade. A tese é bastante arrojada e uma reflexão sobre


o assunto abre a possibilidade para uma plêiade de apontamentos.

Essa superação do utilitarismo é muito importante para a conceituação de uma


justiça material. Não existe, na verdade, um único utilitarismo, como se sabe o
princípio do utilitarismo clássico vem desde Jeremy Bentham e Stuart Mill, e
visava, em palavras singelas, a maior felicidade do maior número.

A partir do momento em que o utilitarismo compreende o bem-estar de todos –


o bem comum, de forma coletiva e não distributiva –, passam a existir vantagens
desmedidas de alguns membros da sociedade em detrimento de outros, criando
um círculo vicioso.

Nesse sentido, Rawls vai além,33 procede de forma distributiva, não tomando a


parte desta ou daquela pessoa ou grupo, mas de todas (institucional); para ele é
essa a imparcialidade exigida pela justiça.34  Dessa maneira, o princípio da
equidade para Rawls assim se estabelece: age de tal modo, que todos os
envolvidos participem de forma igual, tanto nos benefícios como nos encargos.
Portanto, não é justo um projeto de tecnologia genética que apenas traz progresso
e utilidade para a maioria, sendo as desvantagens suportadas exclusivamente pela
minoria, é a tutela das minorias, uma inversão da ideia primeira do tradicional
conceito de contrato originário social.35

Nesse ambiente, é interessante lembrar do conceito de “convicções


ponderadas”, proposto por Rawls – que além da ideia de um consenso originário e
do véu da ignorância  – possui importante participação em sua teoria em sentido
conclusivo, pois traz a noção, em suma, do que Rawls entende como toda a
compreensão prévia, intuitiva, nos quais temos a máxima confiança.

Na verdade, segundo o próprio autor, as “convicções ponderadas” justificam de


outra maneira uma descrição particular da posição original, enquanto os princípios
que seriam escolhidos estejam de acordo com nossas “convicções ponderadas”
sobre o que é a justiça e se eles as prolongam de maneira aceitável.36

28

.Paul Ricouer. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: WMF Martins
fontes, 2008. p. 89.
29

.Segundo Ricouer, o objetivo de John Rawls em Theory of Justice, conforme o próprio autor lembra
em 1992, no prefácio à tradução francesa de seus escritos posteriores, era generalizar e levar a
um grau mais alto de abstração a doutrina tradicional do contrato social. Cf. Paul Ricouer. O justo
1... cit., p. 89.
30

.John Rawls. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímole Esteves, 2. ed., São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 12.
31

.Idem, p. 24.

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32

.Idem, p. 64.
33

.Nesse sentido há também uma boa crítica de Otfried Höffe na obra Justiça política. São Paulo:
Matins Fontes, 2006.
34

.Arthur Kaufmann. Filosofia do direito cit., p. 260.


35

.Idem, p. 273.
36

.Paul Ricouer. O justo 1... cit., p. 85.

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6.3.6. A noção material de justiça de Amartya Sen a partir da leitura de


John Rawls

Tomando em conta essas noções, Amartya Sen, ao buscar uma concepção de


justiça, também se pode dizer num sentido material, concreto, propõe uma das
críticas mais importantes ao pensamento de Rawls no que se refere ao contexto
denominado como “prioridade da liberdade formal”, que pelo próprio Rawls, fora
analisada moderadamente, mas já, por Nozick37 de forma um tanto inflexível.38

Rawls considera através desse conceito que amplas classes de direitos, desde
direitos formais até direitos de propriedade, têm procedência política quase total
sobre a promoção de objetivos sociais. Esses direitos assumem forma de
“restrições colaterais” que não podem ser violadas, ou seja, os procedimentos
empreendidos têm de ser aceitos, independentemente das consequências que
deles possam advir. Portanto, Sen demonstra que a questão nesse sentido, não é
a importância comparativa dos direitos, mas sua prioridade absoluta.39

O argumento em favor dessa “prioridade” pode ser demonstrado através da


força das considerações, por exemplo, econômicas. A questão crucial, ao
entendimento de Sen, dá-se não pela total precedência, mas se a importância da
liberdade formal de uma pessoa deve ser considerada possuidora do mesmo tipo
de importância que a de outros tipos de vantagens pessoais, como rendas,
utilidades etc.40

Enfim, a reflexão de Sen demonstra um argumento de peso no sentido do


exercício material do desenvolvimento humano através do conceito de justiça como
estrutural para a sociedade que deve ser levado em conta, tendo em vista a
possibilidade de concretização da participação pública diante de sua própria
realidade.

37

.Nesse ponto, merece destaque a análise de Dworkin sobre a concepção de Robert Nozick:

“Existem conexões pelo menos superficiais entre a teoria da igualdade de recursos aqui sugerida e
as diversas formas da teoria lockeana da justiça na propriedade privada, especialmente na ilustre e
influente versão de Robert Nozick. É claro que as diferenças, mesmo as superficiais, são mais
marcantes. Não há lugar em uma teoria como a de Nozick para algo semelhante à ideia de uma
distribuição igualitária do poder econômico abstrato para todos os bens sob controle social. Mas
tanto a teoria de Nozick quanto a igualdade de recursos, conforme descrita aqui, atribuem uma
posição de importância à ideia de mercado, e recomendam a distribuição obtida por um mercado
adequadamente definido e restrito. Pode ser que as partes dos argumentos de Nozick que
parecem intuitivamente mais persuasivas se baseiem em exemplos nos quais a presente teoria
alcançaria resultados bem semelhantes”. Ronald Dworkin. A virtude soberana: a teoria e a prática
da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 145.
38

.Amartya Sen. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta, São Paulo: Cia. das
Letras, 2000. p. 83.
39

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.Idem, ibidem.
40

.O ponto de vista do autor pode ser bem entendido na seguinte passagem de sua obra: “Em
particular, a questão é se a importância da liberdade formal para a sociedade é adequadamente
refletida pelo peso que a própria pessoa tenderia a atribuir a essa liberdade ao julgar sua própria
vantagem global. A afirmação da preeminência da liberdade formal (como liberdades políticas e
direitos civis básicos) contesta que seja adequado julgar a liberdade formal simplesmente como
uma vantagem  – tal como unidade extra de renda  – que a própria pessoa recebe por essa
liberdade”. Amartya Sen. Desenvolvimento como liberdade cit., p. 84.

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6.3.7. As esferas da justiça de Michael Walzer

Contemporaneamente, merece destaque a teoria das esferas da justiça de


Michael Walzer, cuja proposta é uma teoria pluralista da justiça social e seu escopo
primordial consiste em atingir a igualdade complexa. Walzer inicia sua teorização
ressaltando que a justiça distributiva é uma ideia extensa que abarca a totalidade
do mundo dos bens, por conseguinte, a própria sociedade é uma comunidade
distributiva.41

No contexto da doutrina de Walzer, a justiça é apresentada como conceito


complexo, fruto da construção humana, sendo duvidoso que ela possa ser
realizada de uma única maneira.42  Assim, essa doutrina rejeita os objetivos
igualitários simples, isso porque os bens não estão todos sujeitos aos mesmos
princípios de distribuição, na medida em que a igualdade simples ignora as
convenções e a história de cada sociedade, desconhecendo, assim, que cada
convenção possui diferente esfera de justiça, cada uma das quais é governada por
seu próprio princípio de igualdade.43

A teoria da igualdade complexada assenta-se em duas premissas. Cada tipo de


recurso deve ser distribuído de acordo com o princípio adequado a sua esfera, e o
sucesso em uma esfera não produz excedente que permita a preponderância em
outra.44  Nesse contexto, o conceito de justiça distributiva passa necessariamente
pela compreensão acerca dos bens e suas respectivas esferas de distribuição.45

Para Walzer, a conceituação de justiça é indissociável aos significados sociais,


consequentemente, não existe um princípio universal que assegure a
concretização da justiça. Todo exame substancioso da justiça é um tratamento
local e não universal e geral. Assim, quando os indivíduos dissentirem acerca dos
significados dos bens sociais, a justiça exige que a sociedade seja fiel com a
dissensão oferecendo canais institucionais para expressá-la.46

Já o conceito de igualdade complexa, Walzer o apresenta como o oposto do


totalitarismo.47 Não se pode problematizar a justiça de forma estanque em relação
à história e à cultura da sociedade. Isso se dá porque a cultura de uma
comunidade é a história que seus membros nos narram de modo que todas as
distintas partes de sua vida social tenham sentido. A justiça é a doutrina que
distingue referidas partes.48 De forma simplificada, a concretização do conceito de
igualdade complexa materializar-se-á na medida em que mulheres e homens
aprendam a viver com autonomia de distribuições e reconheçam que resultados
diferentes, para indivíduos diferentes em esferas distintas, tornam justa a
sociedade.49

A teoria da justiça de Walzer não passa imune às críticas de Ronald Dworkin,


que, apesar de ressaltar a sofisticação e a complexidade da teoria de Walzer,
enfatiza o relativismo ínsito a ela.

41

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.Michael Walzer. Las esferas de la justicia: uma defensa del pluralismo y la igualdad, 2. ed. Mexico:
Fondo de Cultura Económica, 2001. n. I, p. 17.
42

.Idem, n. I, p. 19 et seq.


43

.Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. cap. 10, p. 319.
44

.Idem, ibidem.
45

.Michael Walzer. Op. cit., n. XIII, p. 322.


46

.Idem, n. XIII, p. 322-323.


47

.Idem, n. XIII, p. 325.


48

.Idem, n. XIII, p. 328.


49

.Idem, n. XIII, p. 329.

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6.3.8. O tema da justiça no pensamento de Ronald Dworkin e sua crítica ao


pensamento de Walzer

Para Dworkin, o conceito de justiça de Walzer é relativista porque se um


sistema de castas é justo em uma sociedade cujas tradições o admitem, e que
seria injusto em tal sociedade distribuir os bens e outros recursos igualmente,
Walzer não apresenta de forma clara quais os requisitos necessários para se
caracterizar como justa uma sociedade em que os indivíduos discordam sobre
quais os significados dos bens sociais, limitando-se apenas a ressaltar que, diante
de dissenso, é obrigatório que o regime democrático disponibilize canais para os
descontentes manifestarem sua discordância.50

A obra de Dworkin talvez seja umas das maiores teorizações sobre a justiça,
cuja sistematização demandaria exame de toda sua obra, o que não é o escopo
deste artigo. O que desejamos ressaltar é o resgate da intrínseca relação entre
política e legalidade para se analisar a concepção de justiça. Dworkin propõe como
um dos principais paradigmas a serem enfrentados a releitura da legalidade para
se examinar a questão da própria justiça. Vale dizer, é possível afirmar que em
sistemas jurídicos em que impera a perversidade esses sistemas seriam dotados
de legalidade? A legalidade pode ser explicada abstratamente a ponto de ser
admitida em estruturas políticas profundamente injustas?51

Em conclusão, postulamos que a teoria de Dworkin sobre conceitos


interpretativos seja de grande valia para o estudo e a formulação sobre teorias da
justiça, isso porque, atualmente, nas sociedades complexas, é impossível a
existência de um conceito unívoco e unânime sobre termos como direito, justiça e
legalidade ou mesmo de um conceito em si de cada um desses termos.

Nesse contexto, a teoria do conceito interpretativo é fundamental para


examinar-se a justiça, isso permitiria que as pessoas compartilhassem esse
conceito mesmo quando divergissem drasticamente sobre seus exemplos. A
existência de polêmica sobre o conceito de justiça constitui entrave para a análise
do conceito de justiça em diversos paradigmas, todavia, essa polêmica é positiva
perante a teoria do conceito interpretativo, conforme ensina Dworkin: “uma boa
teoria de um conceito interpretativo deve ser, em si mesma, uma interpretação, de
caráter provavelmente polêmico, da prática em que está inserido o conceito”.52

Em conclusão, importante ressaltar que a partir de Dworkin é possível concluir


que não faria nenhum sentido examinar-se, hodiernamente, a justiça fora da
prática (mundo da vida), sem levarmos em conta a complexidade das estruturas
sociais contemporâneas; essa é leitura inicial para a premissa dworkiana de que a
justiça não é um deus ou um ícone: nós a valorizamos, se o fazemos, devido a
suas consequências para as vidas que levamos enquanto indivíduos
coletivamente.53

Leitura recomendada

Básica

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Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Ed.


Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 10.

Intermediária

Chaim Perelman.  Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo:


Martins Fontes, 1996.

Boaventura de Sousa Santos. Crítica da razão indolente:  para um novo senso


comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. 4.  ed. São
Paulo: Cortez, 2002.

Paul Ricouer.  O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São
Paulo: WMF Martins fontes, 2008.

John Rawls. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímole
Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Otfried Höffe. Justiça política. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

Ronald Dworkin.  A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. São


Paulo: Martins Fontes, 2005.

Amartya Sen.  Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta.


São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

Avançada

Michael Walzer.  Las esferas de la justicia: uma defensa del pluralismo y la


igualdad. 2. ed. Mexico: Fondo de Cultura Económica, 2001.

Ronald Dworkin.  Uma questão de princípio. 2.  ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005, cap. 10.

Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Introdução
e cap. 6.

Amartya Sen. A ideia de justiça. São Paulo: Cia das letras, 2011.

50

.A crítica de Dworkin está assim concluída:

“Ele diz, por exemplo, que um sistema de castas é justo numa sociedade cujas tradições o
aceitam, e que seria injusto em tal sociedade distribuir bens e outros recursos igualmente. Mas
suas observações sobre o que a justiça requer numa sociedade cujos membros discordam sobre a
justiça são obscuras. ‘Outras possibilidades de distribuição’ podem significar cuidado médico para
os pobres em algumas cidades, mas não em outras? Como uma sociedade que tem de decidir se
permite ou não que comitês de ação política financiem campanhas eleitorais pode realmente ser
‘fiel’ à discordância sobre o significado social das eleições e da expressão política? O que
significaria ser fiel?

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Se a justiça é apenas uma questão de seguir as opiniões compartilhadas, como as partes podem
estar debatendo sobre a justiça quando não existe nenhuma opinião compartilhada? Nessa
situação, nenhuma solução é possivelmente justa, pela descrição relativista de Walzer, e a política
só pode ser uma luta egoísta. Mesmo dizer que as pessoas discordam sobre significados sociais, o
que pode significar? O fato da discordância mostra que não existe nenhum significado social
compartilhado sobre o qual discordar. Walzer não levou a termo o pensamento sobre as
consequências de seu relativismo para uma sociedade como a nossa, na qual questões de justiça
são contestadas e debatidas”. Ronald Dworkin. Uma questão de princípio cit., cap. 10, p. 324.
51

.Sobre essas questões, ver; Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
cap. 6, p. 243 e p. 394, n. 29.
52

.Idem, p. 19.
53

.Idem, cap. 6, p. 224.

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6.4. Apontamentos finais sobre o conceito de justiça

Dessarte, cabe evidenciar que o cerne do texto foi a preocupação em demonstrar reiteradamente a importância do processo
de formação da gênese do conceito de justiça, desvinculando a filosofia do direito de algumas tratativas tradicionais ou
equivocadas com relação ao próprio sentido histórico desse conceito. Nessa dimensão, a preocupação não evidencia a
pretensão de se revelar em destaque a grande importância da história da filosofia do direito, mas, sim, de uma crescente
necessidade de uma filosofia da história do direito que forneça novas reflexões para os temas do próprio direito, em especial, do
conceito de justiça.

O enfoque na dualidade metafísica do conceito de justiça – e a importância de sua superação – bem como a recorrência aos
estudos etnológicos, acaba por se reconhecer nas relações de troca, escambo, compra e venda, credor e devedor, a forma mais
antiga das relações humanas nos primórdios dos patamares civilizatórios. Essa é a grande revelação que projeta a temática
metodológica do estudo, pois considera a gênese do direito como elemento constitutivo do engendramento do processo
civilizatório.

A partir disso, a proposta se enceta em explorar a construção dos sentidos da justiça de maneira diferente, e denunciar em
seu percurso suas inclinações ideológicas, históricas e de formação social, e precipuamente seus aprisionamentos metafísicos.
A intenção restringe-se, precipuamente, a promover a descoberta de várias novas aberturas sobre os sentidos que permeiam o
conceito de justiça historicamente.

Inicialmente, o tema da justiça nos remete à noção dos primeiros “sujeitos de direito”. Os “primitivos sujeitos de direito” não
são pessoas individuais, mas, sim, clãs, gens, organizações coletivas de cujo desenvolvimento surgem as comunidades tribais
e posteriormente os povos inteiros. A importância dessa revelação desloca a interpretação histórica dos “modernos sujeitos de
direito”.

Esse fato ganha profundo destacamento na obra texto, pois ao conceber a ideia de “primitivos sujeitos de direito” nas
organizações gentílicas encontra nelas a formação do velho cânon moral que recebe o sentido da justiça.

Surge, assim, a importância de se discernir sobre a ideia da justiça e da vingança, que em alguns momentos passam a ser
confundidas, fato que gera alguns contornos sobre a dimensão da ideia de igualdade relacionada à justiça, propiciando uma
proposta racionalista, que surge no afamado conceito de justiça de “dar a cada um o que é seu”, totalmente anêmica de sentido,
pois se apresenta como tautológica e justifica toda e qualquer ordem social.

Fato é que todo esse estudo aliado às novas projeções da reviravolta linguística da filosofia revelam um amplo ambiente de
exploração diferenciada para o tratamento do conceito de justiça enquanto categoria ficcional do direito premente da
necessidade de novas alocações no contexto histórico atual.

Nesse sentido, a proposta do artigo foi também a de promover de modo pontual uma análise do pensamento racional da
justiça até John Rawls e revelando a atual polêmica levantada por Walzer e a crítica e posicionamento de Ronald Dworkin,
entendidos como viáveis para a renovação da discussão sobre o tema da justiça.

Por fim, tem-se que o intuito fora o de fornecer um ambiente profícuo capaz de fomentar o direito e reconhecer a sua
importância e a sua potencialidade de transformação social, reforçando e comprovando a possibilidade teórica e prática da
necessidade de renovação das formas jurídicas – justiça –, que a partir do que se propôs, pretende-se que adquiram novo foco
de discussão e atuação, promovendo um direito mais compromissado filosoficamente.

Leitura recomendada

Básica

Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, cap. 8
e 19.

Intermediária

Hans Kelsen. Sociedad y naturaleza: una investigación sociologica. Tradução de Jaime Perriaux. Buenos Aires: De Palma,
1945. 1 parte, cap III.

Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010. introdução e cap. 6.

Avançada

Friedrich W. Nietzsche.  Genealogia da moral: uma polêmica.  Trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Cia. das Letras,
2007. Segunda dissertação.

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6.5. Conclusões principais

1) Do mesmo modo que ocorre com o conceito de direito, ocorre com o conceito de Justiça, ambos são termos equívocos,
ou seja, não podem ser definidos ou apresentados numa exata e conclusiva definição.

2) De modo geral, definimos a justiça como conceito fundamental, de certa maneira irredutível, da ética, da filosofia social e
jurídica, bem como da vida política, social, religiosa e jurídica, no qual se busca encontrar a justa medida (o equilíbrio, o meio
termo) nos atos que envolvem os conflitos oriundos das relações humanas.

3) A par do conceito tradicional de justiça como meio termo, que teve seu início com o pensamento de Aristóteles e foi
desenvolvido de modo singular por Santo Tomás de Aquino, a proposta sobre o conceito de justiça procurou aprofundar os
estudos para além das concepções básicas que identificamos como 1) em seu aspecto formal, um valor ético-social positivo,
através do qual se atribui a uma pessoa o que lhe é devido, ou seja, a clássica ideia do suum cuique tribuere e 2) seu aspecto
material, ou seja, os critérios de acordo (valores) com os quais é decidido aquilo que é devido a alguém, e que são formulados
normalmente com base em concepções metafísicas.

4) Com o intuito de projetar um conceito que supere as manifestações tradicionais apresentadas, alguns autores que tratam
sobre o tema da justiça foram apresentados, a saber: Chaïm Perelman, Boaventura de Sousa Santos, John Rawls, Amartya
Sen,Michael Walzer e Ronald Dworkin.

5) Com a análise dos autores mencionados e a revelação de que a justiça-em-si não existe fora de uma dimensão
existencial (interpretativa), conclusivamente, de que hodiernamente, o estudo da teoria justiça fora da prática (mundo da vida),
sem levarmos em conta a complexidade das estruturas sociais contemporâneas, simplesmente não passa de uma atitude
meramente discursiva, sem efeito prático, sendo essa a leitura inicial feita para a premissa dworkiana de que a justiça não é um
deus ou um ícone: nós a valorizamos, se o fazemos, devido a suas consequências para as vidas que levamos enquanto
indivíduos coletivamente.

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7. Jusnaturalismo Versus Juspositivismo: Uma


Questão Válida?

7.1. Jusnaturalismo: vertentes

O tema do jusnaturalismo, de uma doutrina do direito natural, não pode ser


centrado apenas na visão clássica que entende o direito como algo proveniente do
cosmos ou de uma lei divina.

Historicamente o jusnaturalismo recebe tratativas diferenciadas que se


justificam em termos filosóficos e históricos, sendo possível identificar formações
específicas do jusnaturalismo na Idade Antiga, na Idade Média, na Idade Moderna
e ainda na contemporaneidade.

Norberto Bobbio, ao analisar as várias formas da doutrina do direito natural,


afirma que o jusnaturalismo é uma doutrina segundo a qual existe e pode ser
conhecido um “direito natural” (ius naturale). Esse direito natural seria um sistema
de normas de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas
fixadas pelo Estado (direito positivo).1

Adverte ainda Bobbio que a expressão jusnaturalismo é perigosamente


equívoca, pois o seu significado, tanto filosófico como político, revela-se
diversificado consoante as várias concepções do direito natural, podendo-se
destacar na história da filosofia jurídico-política, ao menos três versões
fundamentais – as quais também possuem variantes –, a saber:

1) a de uma lei estabelecida por vontade da divindade e revelada aos homens;

2) a de uma lei natural em sentido estrito, fisicamente natural a todos os seres
animados à guisa de instinto;

3) a de uma lei ditada pela razão, específica, portanto, do homem que a
encontra autonomamente dentro de si.2

Diante destas iniciais considerações, com o intuito de demonstrar como


historicamente as concepções foram ocorrendo, mormente no seio histórico da
filosofia jurídico-política, passamos a analisar a referidas formas e ainda como na
contemporaneidade, pelo olhar da filosofia, pode se identificar novos traços na
doutrina do direito natural.

7.1.1. Doutrina do direito natural: o direito natural clássico em sua forma


antiga e medieval e sua relação inicial com o direito natural moderno
(racionalista)

A expressão  iuris naturalis scientia  é utilizada por Castanheira Neves3  para


designar a tradição filosófica ocupada em justificar o direito a partir de uma
determinada “natureza”, estando relacionada, portanto, a uma ontologia que, como
diz Kaufmann,4 põe o mundo como objetividade. Ou seja, trata-se de um discurso
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que pretende justificar o direito a partir de um princípio que é exterior ao sujeito e


que existe independentemente do pensamento. Este princípio não se dirige à
consciência, mas ao ser – entendido tradicionalmente como presença permanente
de algo  – que só está à disposição do homem, na medida em que respeita leis
implantadas na “natureza”.

Aqui entra o argumento decisivo para a compreensão de todas as teorias do


direito natural: conforme variar o conceito filosófico que responde pela condição
suprema ou indepassável de “natureza”, será alterado o princípio justificador, que
serve como totalidade fundadora de todo o direito. Em Platão, a Ideia, e em
Aristóteles, a Substância são as formas eternas da natureza que irão justificar, em
última análise, a essência do direito; em toda a Idade Média é Deus que contém
em si a essência de todas as coisas.

Nesse sentido, é comum falar-se em direito natural com fundamento


cosmológico e em direito natural com fundamento teológico, todavia, ambos os
casos estão unidos por uma ontologia objetivista a partir da qual as categorias
estavam no ser e cabia ao conhecimento correto a elas se adequar.

Enquanto pensava o direito natural, a scientia trazia consigo uma dupla


intenção: uma filosófica e outra normativa. Enquanto filosofia, propunha-se ao
conhecimento essencial e absoluto do direito pela explicitação e explicação destes
seus constitutivos fundamentos ontológicos; enquanto intenção normativa,
estabelecia e definia os supremos princípios de um sistema de normas que se
constituía tanto num cânone regulativo como num critério de validade de uma
ordem histórica de convivência prática. Desse modo, e novamente com
Castanheira Neves, podemos resumir as duas intenções que destacamos no
interior da  iuris naturalis scientia  como uma intenção teórica em sua
fundamentação e definição dos pressupostos de validade do direito; e uma
intenção prática enquanto normativa e regulativamente operante.5

Portanto, a intenção filosófica corresponde à teoria, no sentido do


conhecimento dos fundamentos  – constituídos por uma ontologia metafísica-
essencialista entre os gregos e por uma metafísica-teológica na Idade Média cristã;
e a intenção normativa à prática no sentido de uma filosofia prática normativa que
já tinha por estabelecidos seus pressupostos através dos últimos e gerais
princípios teoricamente afirmados e que procuravam objetivar-se no âmbito da
convivência histórica.

No entanto, no interior da  iuris naturalis scientia  essa relação não se dava de
uma maneira concorrente com “outros tipos de direitos”. É certo que se reconhecia
um direito positivo, manifestado em sua contingência histórico-social e política.
Mas este não deixava de ser pensado como um elemento integrado e
hierarquizado do sistema normativo do direito natural, ao qual não cabia apenas
uma função residual, mas também, e fundamentalmente, uma função normativa
concreta: o contingente e variável historicamente (direito positivo) não poderia
contrariar o essencial e imutável (direito natural). Nessa medida, o essencial e
imutável fundamento teórico do direito natural se dava a partir de uma justificação:

a) Cosmológica – na tradição essencialista entre os gregos;


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b) Teológica – na Idade Média Cristã.

Já na modernidade, acontecem transformações importantes no interior da


doutrina do direito natural que merecem uma maior atenção para que se
compreenda bem como se dá isso tudo no interior da doutrina racionalista,
construtora dos modernos sistemas de direito natural.

Sabemos de sua pretensão sistemática retirada não de uma cosmologia (direito


natural clássico) ou de uma teologia (direito natural medieval), mas, sim, de algo
que podemos chamar psicologia racional, no interior da qual a razão aparece como
fundamento último de todo direito. Desse modo, o conceito de “natureza” recebe
uma nova e decisiva transformação para o direito natural: não mais uma “natureza
do mundo”; também não uma “natureza divina”, mas uma “natureza racional ou
humana” (uma espécie de fundamento antropológico).

Ou seja, é natural o direito capaz de ser entendido e estabelecido de modo


sistemático pela razão. Esse sistema é constituído a partir de um modelo
axiomático-demonstrativo na sua formação  – de um problema particular se retira
um axioma que passará a compor a estrutura do sistema, abstratamente livre de
incoerências e contradições; e sistemático-dedutivo na sua operação.

Assim, o jusnaturalismo racionalista constrói abstratamente um sistema cerrado


de normas que aparece como uma espécie de direito ideal, em contraposição a um
direito real histórico-social e político: o direito positivo. Ressalta-se que essa
contraposição entre um direito ideal (que podemos chamar natural) e um direito
real (positivo) não era encarada nestes termos no interior da  iuris naturalis
scientia (grego-medieval). Ali, o direito essencial e imutável influía normativamente
na concretização do direito histórico-social e político. Havia uma espécie de
interdependência entre “prática” e “teoria”, embora houvesse um primado da teoria
sobre a prática e essa relação não se desse de uma maneira livre de aporias.

Em todo caso, sempre estavam em jogo ou poderiam ser articuladas questões


a respeito do ser do direito natural (fundamentos teóricos) e os problemas de como
deveriam ser articulados tais fundamentos (prática-normativa). Já no
jusnaturalismo racionalista, operou-se uma cisão radical entre “teoria” e “prática”
que acabou por asfixiar toda dimensão prática do discurso filosófico-jurídico, uma
vez que o direito natural se revestia de uma construção simplesmente teórica, dada
a partir de um sujeito racional, colocada em oposição ao direito positivo.

Mas é preciso determinar, mais proximamente, os vínculos do direito natural


moderno-racionalista com a transformação da filosofia que se opera na
modernidade, uma vez que ele nada mais é do que um fruto desta transformação.

Heidegger identifica dois momentos essenciais para a configuração da


metafísica moderna: 1) a representação cristã do ente enquanto ens creatum; 2) o
traço matemático fundamental. Poder-se-ia dizer, de uma forma um tanto
precipitada, que o primeiro momento determina o seu conteúdo, enquanto o
segundo a sua forma. Mas o filósofo demonstra o equívoco que essa
caracterização apressada pode apresentar. Para Heidegger, a estrutura
determinada pelo cristianismo não constitui apenas o conteúdo daquilo que a

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metafísica moderna trata, mas determina igualmente a sua forma. Isso, porque
Deus, como ente criador, é a causa e o fundamento de todo ente. O “como”, o
“modo de questionar” é orientado, antecipadamente, por esse princípio. Da mesma
maneira, o matemático não é apenas forma atribuída a um conteúdo cristão, mas
pertence igualmente ao seu conteúdo, na medida em que o “cogito” se torna
princípio último de todo saber, o eu, e, por consequência, o homem assume uma
posição sem precedentes, no interior deste questionar acerca do ente, e “não
designa apenas um domínio entre outros, mas sim aquele domínio para o qual
todas as metafísicas reenviam e do qual todas elas saem”.6

Tudo isso pode se apresentar de forma mais compreensiva se retornarmos


àquele que é considerado o “pai da modernidade”.

Descartes, pelo contexto opressivo e dogmático que o saber escolástico


cristalizara, teve a intenção de libertar a filosofia dessa situação indigna. Realizou
isso a partir da afirmação da dúvida. Todas as afirmações e os dogmas da tradição
foram colocados em dúvida pelo cartesianismo, até que essa dúvida encontrou
qualquer coisa que já não podia ser posta em dúvida: enquanto se duvida, não se
pode duvidar que aquele que duvida ele próprio existe e que tem que existir para
que possa duvidar. Na medida em que duvido, portanto, eu sou. O eu é aquilo que
não pode ser colocado em dúvida. Desse modo, antes da teoria acerca do mundo
(esse sim, objeto da dúvida), deve colocar-se a teoria acerca do sujeito. Daqui em
diante a teoria do conhecimento é o fundamento da filosofia, o que a torna
moderna, distinguindo-a da medieval. Todavia, o que Heidegger vem mostrar é que
há elementos ontológicos da tradição medieval que continuam presentes em
Descartes e, em última análise, em toda filosofia moderna.

Isso, porque a afirmação da razão e de uma racionalidade absoluta e certa não


só interessava como era pretendida pela igreja católica na medida em que
somente por essa afirmação é que ainda se mantinha a possibilidade de uma
“prova” racional da existência de Deus. Não é à toa que todos os racionalistas
dogmáticos, e mesmo depois a filosofia crítica de Kant, ocuparam-se desse tema.
Isso significa que a pretensão de descrever e apreender a totalidade desde fora,
que caracterizava a Metafísica greco-medieval, continuava na modernidade tendo
nela ingressado pelas vias do racionalismo dogmático de Descartes, Leibniz,
Christian Wolff, Baugartem etc., com o deslocamento dessa totalidade para o
sujeito racional, o cogito de Descartes.

Desenvolver tal argumento foge das expectativas e possibilidades de nossa


investigação. Para nosso trabalho, importa perceber como Descartes é parte
essencial desse trabalho de reflexão acerca do matemático. É preciso
compreender que o matemático, de acordo com a sua exigência mais íntima, quer
fundamentar-se a si mesmo. Descartes não duvida por ser um cético, mas deve
tornar-se alguém que duvida porque coloca o matemático como fundamento
absoluto e procura, para todo o saber, uma base que lhe corresponda. Já não se
trata de encontrar uma lei fundamental para a natureza, mas o princípio mais
universal e mais elevado para o Ser em geral, dirá Heidegger.

O direito natural moderno, portanto, radica-se nesse movimento que tem no


cogito cartesiano seu desencadeamento. O eu que põe não se dirige a qualquer
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coisa previamente dada, mas que dá a si mesmo o que nela está. “O que nela está
é eu ponho; sou aquele que põe e pensa”7  o direito. É desse modo, assevera
Kaufmann, que se postulava a possibilidade de se “estabelecer uma ordem
jurídica, que, tal como a imutável razão dos homens, teria caráter universal, ou
seja, seria necessariamente válida para todos os homens e para todos os tempos
(...) a partir de alguns muito poucos e abstractos, princípios fundamentais do
direito”.8  Neste momento, ingressamos, de maneira radical, nos fundamentos
matemáticos da metafísica.

De todo modo, podemos dizer, com Goyard-Fabre, que é no campo do direito


que a transformação da razão e os postulados do racionalismo se manifestaram
com maior nitidez.9 Isso não se dá ao acaso: os vínculos entre direito e Metafísica
se mostram de maneira mais ostensiva quando podemos perceber, como até aqui
destacamos, que ocorre a divisão da metafísica tornada clássica por Christian
Wolff em três dimensões do Ente: 1) a cosmologia; 2) a teologia; 3) a psicologia,
que compunham a chamada  metaphysica specialis, serviram de fundamento
ontológico para o direito em toda a tradição que descrevemos até aqui (iuris
naturalis scientia).

Nesse sentido, o vínculo entre direito e filosofia é tão estreito que o conteúdo e
a forma do direito natural modificam-se na medida em que se altera o fundamento
metafísico que aparece de modo predominante na antiguidade clássica, na Idade
Média e na Modernidade. De comum, todos eles guardam o fato de afirmarem o
fundamento na compreensão de uma totalidade que está para além dos limites do
conhecimento: o mundo (cosmologia); Deus (teologia); e o homem (psicologia).

Com a consumação da  iuris naturalis scientia  na doutrina do direito natural


moderno, e o positivismo da codificação, podemos dizer que se encerra o tempo
da metafísica do conhecimento no direito. Mas é apenas com Kant que teremos a
primeira revolução que romperá com os dogmatismos da tradição metafísica e sua
ingenuidade objetivista no que atina às ontologias (Mundo, Deus, Homem). Com
Kant, saímos da metafísica do conhecimento e ingressamos no conhecimento
metafísico, ou seja, é apenas com Kant que a virada da subjetividade, iniciada com
a dúvida e o cogito cartesiano, terá se consumado, a partir da limitação da
metafísica e da introdução do conceito de transcendental em oposição à
transcendência medieval. Em Kant, ao contrário do que se pensava na tradição
aristotélico-tomista, as categorias estão na mente e são as coisas que se
conformam com essas categorias. Isto é, “as categorias estão no entendimento, e
não imediatamente no ser”,10 como afirmava a tradição anterior.

Embora nunca tenha usado essa expressão, a filosofia do direito começa


efetivamente com Kant e sua crítica ao direito natural levada a cabo na Doutrina do
Direito que compõe a sua Metafísica dos Costumes. Desse modo, passaremos a
analisar as principais características dessa nova possibilidade de se estabelecer a
relação entre filosofia e direito e que se nomeia propriamente como filosofia do
direito.

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16/01/2022 16:39 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022
1

.Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino.  Dicionário de política. Brasília: Ed.
UnB, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, vol. 1, p. 655 e 656.
2

.Idem, p. 656.
3

.Cf. Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da
filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003,
p. 24.
4

.Cf. Arthur Kaufmann.  Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas.  In:
______; Winfried Hassemer (orgs.). Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 37.
5

.Cf. Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia... cit., p. 24.


6

.Cf. Martin Heidegger. Que é uma coisa? Doutrina de Kant dos princípios transcendentais. Lisboa:
Ed. 70, 1972, p.  112. Neste sentido conferir também Martin Heidegger.  Ser e verdade. Trad.
Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 51 et seq.
7

.Cf. Martin Heidegger. Que é uma coisa?... cit., p. 107.


8

.Arthur Kaufmann. Introdução à filosofia do direito... cit., p. 85.


9

.Cf. Simone Goyard-Fabre.  Filosofia crítica e razão jurídica.  São Paulo: Martins Fontes, 2006,
p. 12.
10

.Ernildo Stein. Racionalidade e existência. Uma introdução à filosofia. Porto Alegre: L&PM, 1988,
p. 21.

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16/01/2022 16:43 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

7.1.2. O desenvolvimento do jusnaturalismo moderno e seu relacionamento


com a filosofia moderna e com a filosofia político-jurídica

Dissemos que tal qual o direito natural se consuma com a codificação, a


filosofia do direito aparece para ocupar o lugar da  iuris naturalis scientia, que
determinava os estudos do direito medieval e do direito comum (pré-codificação).
Mas não sem alguma transformação. Para apresentar essa transformação, tivemos
que realizar um pequeno incurso no interior da filosofia que inicia propriamente a
modernidade: a de René Descartes. Destacamos, ainda, que a reflexão sobre o
direito entre os gregos e os medievais se dava numa dupla intenção: filosófica
(teórica) e normativa (prática). Na modernidade, isso se altera radicalmente a partir
de uma cisão entre teoria e prática. Isso levará a uma filosofia do direito que deixa
de ter uma pretensão normativo-regulativa (prática) para assumir um papel crítico-
filosófico do direito histórico real.

Na modernidade, essa intenção normativo-regulativa será transferida, no


continente, para aquilo que tradicionalmente se chama de filosofia política, ao
passo que a filosofia do direito ficaria restritamente determinada pela sua função
de fundamentação teórica do conhecimento jurídico. Portanto, a filosofia do direito,
assim nomeada, deve atingir a conceitualização fundamental e a explicitação de
suas decisivas implicações real-concretas, ou seja, deve garantir e determinar sua
inteligibilidade e nada mais. A filosofia do direito passava a ser teoria do
conhecimento “aplicada” ao direito, diluindo-se posteriormente nas epistemologias
jurídicas positivistas, embora, como iremos demonstrar, haja sempre uma “teoria
do conhecimento” servindo como fundamento de base das principais
epistemologias construídas no continente, máxime Kelsen e Radbruch.

Kant fez filosofia do direito na sua Doutrina do Direito. Nela, se tem a tentativa
de colocar a reflexão jurídica nos trilhos dos limites impostos à Metafísica pela
reflexão transcendental. Mas o que significa isso? Para compreender a filosofia do
direito kantiana, é preciso perceber como ela se insere no contexto mais amplo de
seu projeto filosófico como um todo, ou seja, como Kant pretende oferecer limites à
metafísica, instalando os procedimentos crítico-transcendentais da razão pura. A
partir da realização desses procedimentos, o autor via como superada a metafísica
e preparado o caminho para uma filosofia colocada nos trilhos de uma certeza
matemática.

Na sua Crítica da razão pura, Kant se encontrava diante de um duplo impasse:


o primeiro derivado do racionalismo dogmático, emblematicamente representado
na escola de Christian Wolff; o segundo vinha de sua dedicação em refutar a
atitude cética que se formava no ambiente anglo-saxão, cujo maior expoente era o
empirista David Hume.11  Com isso, Kant tocava no íntimo do grande problema
filosófico de sua época: seria o conhecimento imanente, cujo fundamento é interior
ao sujeito que conhece, ou viria ele de fora, da experiência? O racionalismo
dogmático respondia, em continuação à tradição iniciada por Descartes, em favor
da imanência do conhecimento e da subjetividade como fundamento; enquanto o
empirismo humeniano, em continuação a Locke, levava às últimas consequências
a ideia da mente como “folha de papel em branco” na qual a experiência imprime o
conhecimento. Na tentativa de resolver esse impasse entre racionalismo e
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empirismo, Kant introduz o elemento da transcendentalidade,12  consumando com


ele a chamada “revolução copernicana”. Ou seja, com Kant, não se trata de
perguntar se o conhecimento é dado pela razão ou pela experiência, mas, sim,
quais são os limites do conhecimento, seja ele racional ou empírico. Quando se
coloca a pergunta pelos limites do conhecimento, o que se procura é determinar
quais são as condições de possibilidade da razão pura e da experiência; como
existem elas em nós e diante de nós? Ou seja, como pode o aparelho humano
cognoscente, que é interior, afirmar ou negar algo exterior? Como é possível a
passagem das categorias que se formam na subjetividade, para construir teoria do
concreto fora dela? Encontradas as respostas a essas questões, estaria resolvido,
para Kant, o problema que estava realmente em jogo nas duas posições (na
racionalista e na empirista): como é possível estabelecer uma ponte entre
consciência e mundo? Para Kant, esse é o verdadeiro escândalo da filosofia: não
ter ainda encontrado a ponte.

Mas não é somente nesse sentido que Kant introduz o conceito de


transcendental. Na esteira da emancipação das ciências naturais da metafísica,
Kant opera uma espécie de primeiro passo para a libertação da própria filosofia da
metafísica. “Através de sua Crítica da razão pura, deu ele fim à metafísica
‘dogmática’ criando, assim, a situação em que se encontram todos os
filósofos”.13 Ou seja, Kant pretendeu ser um filósofo superador da metafísica, mas
sua tentativa acabou fracassada, terminando apenas por inverter a polaridade
determinante do conhecimento: do conhecimento metafísico saltou para uma
metafísica do conhecimento. Todavia, não pode haver dúvidas de que, com Kant,
há uma liberação parcial da filosofia da ingenuidade metafísica e, a partir de então,
fazer filosofia é pensar transcendentalmente, isto é, nas condições de possibilidade
do conhecimento.

Isto porque, com seu conceito de transcendental, Kant rompeu com o


dogmatismo racionalista bloqueando, na discussão de sua Dialética
Transcendental,14  a apreensão racional do que ele chamou de coisa em si. Esse
bloqueio é tão importante para sua Crítica que já se afirmou não ser possível entrar
na Critica da razão pura sem a coisa em si. Portanto, precisamos compreender o
que é a coisa em si de Kant; determinar porque ela oferece limites para a
metafísica (embora não sem problemas) e quais as consequências que essa
operação da filosofia kantiana traz para a filosofia do direito então nascente.15

Foi Kant mesmo que, em um trabalho que escreveu para um concurso


promovido pela Academia Real de Ciências de Berlim, determinou os “três
estágios” pelos quais teve que passar a evolução da metafísica europeia: 1) o
dogmatismo de Christian Wolff; 2) o ceticismo de David Hume; e 3) o criticismo
transcendental da Crítica da razão pura. Isso tem algo a dizer sobre a história da
coisa em si. Como já mencionamos, Christian Wolff ficou famoso e fez escola,
entre outras coisas, pelos seus manuais escritos em latim e alemão onde se
ambicionava realizar uma unificação essencial entre a fundamentação da filosofia
realizada por Descartes e a tradição da Escolástica Medieval e, ao mesmo tempo,
uma nova reconciliação entre Platão e Aristóteles. Nesses manuais, apareciam as
três dimensões fundamentais do questionar metafísico que acabaram por se tornar
clássicas nos trabalhos acadêmicos a partir de então. Nessas três dimensões, em
cada caso, é um ente que está em causa: Deus, mundo e homem. Na Idade
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Média, essa tríade aparecia da seguinte maneira: Deus como criador; mundo como
criado; o homem e sua salvação eterna. Na modernidade, a soma desse traço
medieval com a matematicidade ínsita ao pensamento moderno, colocou também
a metafísica a partir dos princípios da razão.

Desse modo, a metafísica sobre Deus se tornou teologia, mas teologia racional;
a teoria do mundo, cosmologia racional; e a teoria do homem tornou-se psicologia
racional. Essas seriam, portanto, as últimas questões da metafísica, afirmadas a
partir da razão pura do iluminismo e do humanismo. Para Kant, no plano da razão
pura, essas questões só são viáveis no âmbito do como se, ou seja: se a razão
pura pudesse conhecer o todo representado nessas questões, o que ela
pesquisaria? Definitivamente, para Kant, não seria conhecimento, pois não há
experiência humana possível de captar esses entes.

O conhecimento das questões metafísicas seria, então, como se fosse


conhecimento efetivo, mas não propriamente conhecimento da razão pura. Isto é,
não se chega a um conhecimento efetivo de tais entes porque não é possível
aplicar as categorias do entendimento à coisa em si. Falta à coisa em si a condição
de possibilidade fenomênica para ser objeto da razão pura. A Dialética
Transcendental, como campo da razão sintética, exclui das condições de
possibilidade do conhecimento as simples intuições que o ser humano tem do
mundo, de sua liberdade ou livre-arbítrio e de Deus e da imortalidade, isto é, das
ideias de que se ocupam as perguntas últimas das três dimensões do questionar
metafísico: a teologia; a cosmologia; e a psicologia. Para Kant, é certo que a razão
leva à constituição dessas ideias, mas não consegue tratá-las com certeza
filosófica (certeza entendida a partir do traço matemático que compõe o pensar
moderno e que, a partir de Heidegger, estamos insistindo em ressaltar desde o
início da investigação).

Mas, se Kant colocou na coisa em si tudo aquilo que fundamentava o direito


natural e, em última análise, o próprio direito positivo, o que sobra como
fundamento para o direito? Já foi referido que os traços racionalistas do direito
natural moderno começavam a apontar para uma ruptura entre um direito ideal,
fundamentado metafisicamente nos últimos princípios da razão, e um direito real,
historicamente situado e operacionalizado.

Nesse contexto, a introdução kantiana da coisa em si, literalmente destruiu os


fundamentos metafísicos do direito natural (direito ideal), sobrando apenas o direito
histórico, real. Esse é um ponto a partir do qual, depois de Kant, não temos mais
como retornar sem cair nas ingenuidades metafísicas já verificadas
anteriormente.16  Se é certo que os fundamentos kantianos de uma subjetividade
transcendental para o direito devem ser colocados em questão dado o
comprometimento com uma totalidade inapreensível e da própria aporia da
dialética transcendental entre fenômeno e coisa em si; também é certo que os
fundamentos dogmáticos da tradição não podem ser retomados, a não ser que
ignoremos a revolução copernicana. Por isso que qualquer tipo de “regresso” ao
direito natural, tem que acertar contas com Kant e sua filosofia do direito. Esses
problemas retornaram no contexto do pós-guerra e nas tentativas ali desenvolvidas
no sentido de uma repristinação do fundamento natural do direito, a partir de outras

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perspectivas. Disso, trataremos oportunamente. Aqui ainda se fazem necessários


alguns esclarecimentos.

Foi dito que Kant destruiu os fundamentos do direito natural a partir da


determinação da coisa em si. Não sendo eles possíveis de serem aprendidos com
certeza pela razão pura, são elevados à condição de mera ideia da razão, devendo
ser excluídos da reflexão filosófica. Ao mesmo tempo, a inversão kantiana do
dualismo metafísico, levou a uma plenipotenciária subjetividade transcendental,
que se preocupa apenas com a análise do positivo, e dos processos a priori de sua
constituição efetiva.

Mas o que fará Kant, então, para fundamentar racionalmente o direito? Qual
será a tarefa da filosofia do direito, já que a dupla intencionalidade da iuris naturalis
scientia  se perdeu junto com a coisa em si? Por que continuamos a afirmar,
mesmo com Kant, uma totalidade metafísica para a fundamentação do direito?

Em Kant, sempre partiremos do positivo para desenvolver a reflexão crítico-


transcendental. Portanto, não é que o direito se esgote em sua veiculação
estatutária como “direito positivo”  – o que acontecerá posteriormente na tradição
das Teorias do Direito. Afinal, o caráter transcendental do conhecimento do direito
preserva nele algo mais que a pura experiência.

Entretanto, a reflexão crítica jamais poderá ser instalada em algum princípio


dogmático exterior como se fazia antes, mas será o direito estatuído, positivado, o
elemento determinante a partir do qual os procedimentos transcendentais sobre o
direito serão instalados. Retomando o dilema racionalismo vs. empirismo: não se
trata nem de uma insondável consideração empírico-prática sobre as figuras e
origens de uma ordem jurídica, como no caso do empirismo; tampouco de uma
racionalidade especulativa, vazia e formal do modelo axiomático-dedutivo dos
sistemas do direito natural racionalista. Com uma reflexão crítica sobre o direito, na
colocação da ordem jurídica sob os auspícios do “tribunal crítico da razão”, cumpre
definir, “através das disposições do direito estatutário (ou positivo), as condições
que possibilitam sua inteligibilidade e sua validade”.17 E a pretensão de totalidade,
própria da metafísica, é dada pelo eu transcendental e as fórmulas a priori da
razão pura.

Podemos encontrar em Goyard-Fabre uma boa síntese da tarefa da filosofia do


direito a partir de Kant:

A “doutrina do direito”, ao realizar pelo juízo reflexivo o projeto crítico da


filosofia, não visa ao conhecimento do direito, mas a instauração do fundamento
racional puro que lhe confere sentido e valor. Esse questionamento novo tem como
ponto central o entrelaçamento do direito e da filosofia. (...) Por isso não se deve
esquecer que a atividade reflexionante da razão é essa experiência específica e
decisiva do pensamento que, liberto das certezas indevidas vinculadas aos
absolutismos lógicos e aos dogmatismos metafísicos, encontra em si mesmo seu
ponto de apoio; contém em si suas próprias leis; carrega-as, como regras de ouro,
em toda ação; mas não poderia superar suas capacidades.18

(...) Para a filosofia crítica, o importante não é que o direito deite suas raízes na
natureza racional do homem (a totalidade metafísica do direito natural moderno  –
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acrescentei), mas que encontre sua fundação e sua legitimação no caráter a priori dos
princípios universais aos quais recorre a razão prática em todas suas manifestações.
Assim, é por uma verdadeira conversão epistêmica que o criticismo de Kant, nisso
despertado pela meditação de Rousseau, pretende transformar, logo seguido por
Fichte nessa empreitada,  o significado e o alcance seculares da noção de direito
natural ao desvelar o  a priori  da racionalidade pura que está no fundamento do
direito.19 Grifos do autor.

Fica claro, portanto, como há em Kant uma pretensão metafísica de abarcar o


todo, e que no direito isso repercute a partir das fórmulas a priori do eu
transcendental e na certeza do fundamento racional encontrado. Também fica
evidenciado como esse fundamento se dá através do matemático. Ou seja, para
Kant, o direito e a dogmática jurídica só podem ser praticados  – de maneira
filosoficamente certa – na medida em que aí se encontre matemática.20 Com isso,
outro ponto também decisivo deve ser mencionado: a verdade deixa de ser
adequação com o real e passa a ser construção. Dito de outro modo, a filosofia
transcendental inaugura aquilo que se pode chamar de crise do fundamento da
filosofia, representada pela perda dos fundamentos últimos da metafísica da
natureza (Deus, mundo e homem) e impossibilitando conceber a verdade como
adequação entre a inteligência e a coisa (o fundamento da adequação havia se
perdido com a determinação da coisa em si). A verdade, naquilo que Stein chamou
de “a era do niilismo”,21 passa a ser construída a partir de hipóteses das quais se
ergue, por sua vez, todo progresso da ciência e da técnica.

Com isso, estava preparado o terreno para a invasão que as epistemologias


positivistas operariam no interior do direito. A verdade como construção e o
advento da era do niilismo também produziram um tipo de transformação da praxis
ou da técnica, muito comum no âmbito do direito contemporâneo: a tecnocracia.

O papel exclusivamente teórico-crítico da filosofia do direito, com os olhos


voltados pura e simplesmente para o direito real – vale dizer, positivo – acabou por
levar à identificação do direito com a lei, ou com o conjunto de leis num dado
território onde vive e se relaciona um povo que então se afirmara como Estado-
nação. Desse modo, o positivismo jurídico entra em cena e a caracterização do
direito como ciência passa a reivindicar cada vez menos uma filosofia do direito.
Esta, de disciplina auxiliar, preocupada em garantir a inteligibilidade do direito real,
passa para disciplina cosmética, um mero apêndice daquilo que a partir de então
se afirmava como “teoria do direito”, um espaço no interior do qual se formavam as
epistemologias jurídicas que haveriam de monopolizar as reflexões em quase toda
primeira metade do século XX. Entretanto, em todas elas, paira difusamente uma
sombra: a teoria do conhecimento de matriz kantiana ou neokantiana.

11

.Isso não significa que Kant repudiasse o empirismo inglês tout court. Ao contrário, hoje já se sabe
que os autores ingleses, de Hobbes a Hume, influenciaram substancialmente a obra kantiana a
ponto de se falar atualmente na Alemanha em o Outro da razão, numa referência ao empirismo
inglês como elemento oculto presente na  Critica da razão pura  de Kant. Todavia, seu profundo
enraizamento no racionalismo do  Aufklärung, nunca lhe permitiu libertar-se completamente das
pretensões de totalidade e unidade da razão que no contexto da sua crítica se manifesta no  eu
transcendental. Quanto a isso é importantíssimo o Capítulo “a Diferença Ontológica e os Vetores
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de Racionalidade” do livro Pensar é pensar a diferença de Ernildo Stein. (Cf. Ernildo Stein. Pensar


é pensar a diferença. Ijuí: Unijuí, 2002, p. 169 et seq.).
12

.Importa, desde já, não confundir o  transcendental  de matriz kantiana com


a  transcendência  clássico-medieval. Como vimos anteriormente, o  transcendente  da tradição
greco-medieval é proveniente de uma ontologia dogmática que remete o domínio do real a um
fundamento absoluto que é transcendente com relação à própria realidade. É o transcendente a
melhor explicação para o metafísico, ou seja, aquilo que ultrapassa o ente em direção ao ilimitado
e que responde pelo domínio do real e pela certeza do conhecimento. Evidentemente isso trás
possibilidades de equívocos. Como anota Stein “essa concepção ontológica faz uso do método
objetivo e absolutamente não problematiza a possibilidade de acesso à realidade transcendente ao
sujeito. Na explicitação dessa realidade, ela facilmente poderá entrar em choque com as teorias
científicas que também se ocupam de coisas objetivas, ainda que em outro plano”. Vimos que, com
Descartes e a fundação da modernidade, a subjetividade é posta como fundamento  – o
fundamento então deixa de ser  transcendente  e passa a ser  imanente  – e a realidade
transcendente é posta em dúvida: “pela primeira vez, a ontologia do real objetivo parte do
problema do conhecimento. O sujeito é condição de possibilidade do conhecimento do real”. Mas
não bastava afirmar a subjetividade como fundamento para resolver os problemas da
transcendência porque permanecia como enigmática a passagem para o mundo exterior; como se
dá afinal o conhecimento? Assim se encontra o debate entre empirismo e racionalismo que
mencionamos no texto. No fundo, continuava em jogo o velho problema do conhecimento
metafísico da transcendência e do dualismo. Kant procurou solucionar o problema a partir da
construção do método transcendental. Para ele, “o objeto da interrogação não é o conteúdo do
conhecimento, mas as formas em que ele nos é dado. E as formas são as condições que brotam
da subjetividade. O transcendental surge como problema crítico. O método transcendental deduz
da subjetividade não apenas as condições de possibilidade do conhecimento, mas a própria
condição de possibilidade dos fenômenos. O problema do singular e do universal é resolvido no
interior da subjetividade. Não há mais conhecimento metafísico, interessa apenas a metafísica do
conhecimento” (Ernildo Stein. Uma breve introdução à filosofia. Ijuí: Unijuí, 2005, p. 73-77). Esse é,
em última análise, o sentido da inversão kantiana do dualismo metafísico:  a passagem de um
conhecimento metafísico para uma metafísica do conhecimento. Numa aproximação maior com o
direito, Lenio Streck esclarece a questão a partir da distinção que realiza entre uma  metafísica
clássica  (objetivista) e uma  filosofia da consciência  (subjetivista) procurando apontar para como
nas duas existe o predomínio do dualismo sujeito-objeto e como a hermenêutica jurídica oscila ora
em direção ao sujeito (filosofia da consciência); ora em direção ao objeto (metafísica clássica) (Cf.
Lenio Luiz Streck. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 8. ed., p. 65 e ss.)
13

.Ernildo Stein. Melancolia.  Ensaios sobre a finitude do pensamento ocidental. Porto Alegre:
Movimento, 1976, p. 108.
14

.Assim afirma Kant na introdução da  Crítica:  “O que é mais significativo ainda (do que as
precedentes considerações) é o fato de certos conhecimentos saírem do campo de todas as
experiências possíveis e, mediante conceitos, aos quais a experiência não pode apresentar objeto
correspondente, aparentarem estender os nossos juízos para além de todos os limites da
experiência. É precisamente em relação a estes conhecimentos, que se elevam acima do mundo
sensível, em que a experiência não pode dar um fio condutor nem correção, que se situam as
investigações da nossa razão, as quais, por sua importância, consideramos eminentemente
preferíveis e muito mais sublimes quanto ao seu significado último, do que tudo o que o
entendimento nos pode ensinar no campo dos fenômenos. Por esse motivo,  mesmo correndo o
risco de nos enganarmos, preferimos arriscar tudo a desistir de tão importantes pesquisas,
qualquer que seja o motivo, dificuldade, menosprezo ou indiferença. (Estes problemas inevitáveis
da própria razão pura são Deus, a liberdade e a imortalidade e a ciência que, com todos os seus
requisitos, tem por verdadeira finalidade a resolução destes problemas chama-se  metafísica.
O seu proceder metódico é, de início, dogmático, isto é, aborda confiadamente a realização de tão
magna empresa, sem previamente examinar a sua capacidade ou incapacidade)” (Immanuel Kant.
Op. cit., introdução – grifamos).
15

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.Assim anota Ernildo Stein citando Jacobi: “Sem a coisa em si não se entra na Crítica da razão
pura  e com a coisa em si não se pode permanecer nela” (Cf. Ernildo Stein.  Pensar é pensar a
diferença... cit., p. 173).
16

.Assim também afirma Kaufmann quando diz que “ele (Kant) provou não ser possível deduzir o
conteúdo de uma metafísica – de um direito natural – simplesmente a partir de princípios formais
apriorísticos, sem recorrer ao empírico, e que, por isso, uma metafísica com conteúdo jamais
poderá ter validade universal e ser matematicamente exata. Deste modo, foi rejeitada a pretensão
de se poder fundar, a partir da ‘natureza’, um direito natural com um conteúdo inequívoco igual
para todos os homens e para todos os tempos. Esta descoberta de Kant é incontornável” (Arthur
Kaufmann. Introdução à filosofia do direito... cit., p. 98 – grifamos).
17

.Simone Goyard-Fabre, Op. cit., p. 73.


18

.Idem, p. 74.
19

.Idem, p. 149.
20

.Nesse sentido, também Arthur Kaufmann. Introdução à filosofia do direito... cit., p. 98-99.


21

.Cf. Ernildo Stein.  Melancolia.  Ensaios sobre a finitude do pensamento ocidental. Porto Alegre:
Movimento, 1976, em especial o ensaio intitulado: “A ontologia da finitude e a Tarefa da Verdade
na era do Niilismo”, p. 102-116.

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7.1.3. A contemporaneidade e o jusnaturalismo

É no marco inexorável do segundo pós-guerra que emerge o significado do


conceito de princípio constitucional. Isso é significativo, porque, a partir de então, é
possível notar uma retomada da filosofia do direito num sentido diretivo, regulatório
e normativo, através das diversas tentativas que se instalaram de resgate da
filosofia prática, ou da racionalidade prática. Certamente, o movimento
determinante para esse rumo da reflexão jurídica se dá a partir da experiência
judicial do Tribunal Constitucional Federal alemão. Como afirma Castanheira
Neves, tais princípios aparecem no interior de um acontecimento maior a partir do
qual a tradicional interpretação jurídica muda de rumo e a própria teoria do direito
passa a ser problematizada tendo em vista um horizonte de sentido que se
capilariza a partir de uma determinada ideia de razão prática. Do direito identificado
com a lei, passa-se ao direito enquanto direito. Isso quer dizer: ultrapassa-se a
simples interpretação textual da lei em direção à interpretação do direito.

O problema interpretativo se torna mais complexo do que nas epistemologias


anteriores, na medida em que não mais está em jogo apenas o entendimento
daquilo que os textos legais comunicam, mas também, e principalmente, o
conhecimento, ou melhor seria dizer, a compreensão do sentido do direito. Temos,
nesse sentido, a experiência da jurisprudência dos valores. É importantíssimo tê-la
em conta posto que, como dissemos, a partir de Kant não nos é dado retornar a
um fundamento puramente dogmático que não remeta, em alguma medida, para
uma experiência capaz de gerar conhecimento efetivo. Isso, evidentemente, no
contexto da revolução transcendental e de tudo o que ela representa.

Desse modo, as transformações pelas quais passaram a filosofia e a teoria do


direito no segundo pós-guerra não se deram a partir de uma pura especulação
lógico-formal. Mas, pelo contrário, os impulsos que elas recebem se originam da
experiência dos tribunais e da ascensão daquilo que se pode chamar de
judicialismo, numa clara oposição ao legalismo anterior. Ou seja, essas
transformações representaram uma radical mudança de postura daqueles que
refletem sobre o direito na tradição continental, a partir de uma maior atenção
despendida à decisão judicial propriamente dita.

Já falamos sobre o problema que o Tribunal Constitucional alemão enfrentava


nos anos que se seguiram à promulgação da Lei Fundamental no que atina ao
julgamento de casos que tinham como objeto relações jurídicas constituídas ainda
sob a égide das leis nazistas.22  Dissemos também que, para solucionar esses
casos e outros similares, o Tribunal começou a lançar mão de uma série de novos
instrumentos conceituais que permitiam uma justificação da decisão descolada da
simples interpretação textual da lei e da própria Constituição.

Assim, princípios, cláusulas gerais, e enunciados abertos eram invocados pelo


tribunal para que fosse possível legitimar suas decisões ainda que, num sentido
estrito, fossem contrárias à lei. Isso surge no contexto das atividades jurisdicionais
do Tribunal e não simplesmente de uma justificação filosófico-cultural de tais
mecanismos. No momento em que o Tribunal começa a decidir assim, tem-se por
aberto um espaço positivo para a reflexão filosófica sobre o direito e, a partir de
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então, passaram a ser exploradas posições filosóficas que fundamentassem a


utilização de tais mecanismos.

Por certo, colocar as questões dessa maneira seria, de certo modo, simplificar
demais o complexo quadro que se instalou não apenas no momento subsequente
ao final da segunda guerra, mas a todo período de crise pelo qual passaram a
filosofia e o direito desde os anos 1920.

Nesse contexto, assume fundamental importância Gustav Radbruch e seu


axiologismo jurídico-cultural. Isso é importante para nós, na medida em que
Radbruch influenciou fortemente Robert Alexy. Para Radbruch, seguindo a
orientação dos neokantianos de Baden, a transcendentalidade do direito era
encontrada nos valores que verdadeiramente regem a objetividade do
pensamento. Autores como Kaufmann veem em Radbruch uma terceira via em
relação à velha oposição entre jusnaturalismo vs. juspositivismo: “Foi Radbruch o
primeiro a superar as trincheiras entre direito natural e positivismo”.23

No entanto, num sentido mais radical, o direito natural já havia sido superado
por Kant, paradigma filosófico a partir do qual Radbruch assenta sua reflexão sobre
o direito. Isso fica claro quando o próprio Kaufmann afirma que Radbruch, tal como
Kelsen, era kantiano, na medida em que só considerava possíveis proposições
apriorísticas, inequívocas, concludentes do ponto de vista da forma, não quanto ao
conteúdo. Mas, enquanto por essa razão Kelsen se cingia ao formal, Radbruch
filosofava também sobre conteúdos, em especial sobre valores.24  Isso leva,
evidentemente, à configuração de um relativismo axiológico.

Nessa medida, Castanheira Neves afirma que, com Radbruch começa a ter
expressão algo que podemos nomear como “neojusnaturalismo”, só que não mais
cosmológico; teológico; ou psicológico (que, como vimos, foram destruídos pela
crítica kantiana), mas, sim, axiológico, fundado na leitura neokantiana da razão
pura prática da escola de Baden. Desse modo, temos um direito fundado a priori
não no cosmos, nem na vontade de Deus, nem na universalidade da razão, mas,
simplesmente, na própria essência objetiva dos valores. E arremata Castanheira
Neves: “pensamento este de uma jusnaturalista afirmação de um superpositivo
conteúdo axiológico ou ético-material (uma pré-dada ordem de valores), enquanto
fundamento constitutivo do direito (...) que repercutia inclusive na jurisprudência
jurisdicional alemã”.25  É importante ressaltar que com fundamento nesse direito
axiológico e supralegal, Radbruch considerava a lei positiva como não direito, nos
casos extremos de violação deste “direito natural dos valores” retirando-lhe, por
isso sua própria validade de direito. Essa posição se tornou famosa como “fórmula
Radbruch” e influenciou consideravelmente Robert Alexy e sua defesa de uma
moral corretiva para o direito.26

Diante de tal posição e da inclinação dos Tribunais europeus (principalmente o


Alemão) para utilização de conceitos ditos “valorativos”, como é o caso do conceito
de princípio, não tardaria a encontrar como problema a acusação de relativismo.

Assim, problemas derivados da utilização de tais mecanismos como a perda da


segurança jurídica em virtude do exacerbado relativismo que uma argumentação

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nesse sentido acarretaria, passaram a receber tratamento no nível de outras


discussões filosóficas sobre o direito.

Dessa forma, recorria-se a posições filosóficas que fossem capazes de debelar


esse relativismo advindo de argumentos de princípios ou cláusulas gerais
baseados em valores, como no caso de Max Scheler e Nicolai Hartmann,27 ambos
com propostas de realização de uma análise objetiva dos valores. Não é nosso
objetivo aqui analisar em pormenores o que cada uma dessas posições
estabelecia com respeito ao problema dos valores, mas simplesmente apontar
para a construção deste “direito natural axiologista” e como ele é distinto de toda
tradição jusnaturalista anterior. Nesse caso, o esforço é encontrar um fundamento
não dogmático para o direito e justificar o caráter de conhecimento efetivo dos
valores, ou seja, uma condição de validade positiva para determinação destes
valores ético-materiais que condicionam o direito.

Dessarte, isso que se postula como um “renascimento do direito natural” a partir


de uma axiologia jurídica (afora esta orientação estar pautada na “natureza das
coisas”), no fundo pode ser encarado, em última instância, como um positivismo
axiológico que, tal qual o positivismo normativista, deita suas raízes em Kant, com
a diferença de que ele se afirma a partir da razão pura prática, enquanto o
normativismo parte da razão pura teórica.28

De todo modo, todas essas questões são extremamente importantes de serem


colocadas visto que é a partir desses acontecimentos que as atenções do
jusfilósofos se voltaram para a prática interpretativa do direito, ou seja, para a
decisão judicial, em detrimento do momento lógico-matemático preocupado com a
arquitetônica de um sistema jurídico num nível meramente semântico.

Por certo que toda essa discussão se aprofunda e se torna mais complexa no
interior do chamado pós-positivismo e das diversas posições que ali se manifestam
no sentido de criar anteparos para a atividade do juiz. Dito de outro modo: o que
fazer com a discricionariedade judicial, nos termos que se estabelecem a partir
desta revoada judicialista que toma o direito a partir do segundo pós-guerra? Essa
investigação aponta para o fato de que o cerne desse problema está no conceito
de princípio e que o acontecimento determinante para apresentar como esse
conceito se manifesta deve emergir da estrutura do pensamento. Isto quer dizer
que somente será possível determinar, de uma maneira profícua, em que sentido
podemos colocar o significado desses princípios pragmático-problemáticos, na
medida em que estivermos seguros de que não estamos caindo naqueles
significados já sedimentados pela tradição e por tudo que ela representa. Já
sabemos que, a partir de Kant, procurou-se pensar o direito de um modo não
metafísico. Evidentemente, os princípios também terão que ser pensados nesse
sentido.

Todavia, o não metafísico da tradição kantiana é dado a partir de um


fundamento matemático firmado na subjetividade do eu transcendental. Mas, com
Heidegger, nós vimos que a metafísica moderna é, inerentemente, matemática. Se,
por tudo que dissemos até aqui, o conceito princípio é tratado de modo
matemático, tanto no seu significado de princípios gerais do direito quanto no
significado dos princípios jurídico-epistemológicos, não seria isso uma
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manifestação metafísica de se pensar o conceito de princípio? Não estaríamos, do


mesmo modo, incorrendo em um tipo de dogmatismo metafísico?

Leitura recomendada

Básica

Arthur Kaufmann.  Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa:


Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 3.

Intermediária

Norberto Bobbio. Locke e o direito natural. Brasília: Ed. UnB, 1997.

Avançada

Antonio Castanheira Neves.  A crise actual da filosofia do direito no contexto


global da crise da filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva
reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003.

Michel Villey.  Formação do pensamento jurídico moderno.  2.  ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.

22

.Neste sentido ver, por todos, Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito.  5.  ed. Trad. José
Lamego. Lisboa: Calouste Gulbekian, 2009, passim.
23

.Arthur Kaufmann. Introdução à filosofia do direito... cit., p. 135.


24

.Idem, p. 154.
25

.Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia... cit., p. 38.


26

.Esse elemento corretivo da moral sobre o direito plasmado na “fórmula Radbruch” vem assim
justificada em sua  Filosofia do Direito: “O direito é apenas a possibilidade da moral e por isso
mesmo também a possibilidade da imoralidade. Ele torna possível a moral. Não a torna
forçosamente necessária, porque o acto moral, por natureza de seu próprio conceito, não pode ser
senão um acto de liberdade. Mas porque o direito apenas torna possível a moral, por isso mesmo
deve também tornar possível a negação da moral. Desta maneira a relação entre a moral e o
direito apresenta-se-nos como uma relação muito especial. O direito começa por se encontrar ao
lado da moral, mas estranho a ela, diferente dela até, possivelmente, oposto a ela, como acontece
com os ‘meios’ colocados ao lado dos ‘fins’.  Posteriormente, como meio para a realização de
certos valores morais, o direito toma, porém, parte no valioso deste fim. Deste modo, embora com
reserva da sua autonomia, é absorvido pela Moral” (Gustav Radbruch. Filosofia do direito.  6.  ed.
Coimbra: Universidade de Coimbra, 1979, p. 112-113). Nesse sentido, Robert Alexy traz, em seu O
conceito e a validade do direito, um exemplo retirado de uma decisão do Tribunal Alemão que se
utiliza da fórmula Radbruch para justificar sua decisão de não aplicação de uma lei criada ao
tempo do nazismo e que, por motivos racistas, privava da cidadania alemã judeus emigrados.
Trata-se de um advogado que emigrara de Amsterdam e que havia perdido sua cidadania de
acordo com a lei emitida pelo regime, tendo sido deportado em 1942. Ocorre que, nesse trâmite, o
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advogado acabou por falecer e isso significava a impossibilidade de recuperar a cidadania alemã
de acordo com o art. 16, parágrafo 2, da Lei Fundamental. Mas o Tribunal chega à conclusão de
que o advogado nunca havia perdido a cidadania alemã porque a lei que assim estipulava
era extremamente injusta, sendo, portanto, nula ab initio (Cf. Robert Alexy. El concepto y la validez
del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997, p. 15 e ss.).
27

.Como afirma Adeodato, “A teoria dos valores de Hartmann segue as linhas básicas da ética de
Max Scheler e teve grande repercussão, sendo até hoje um dos maiores exemplos da  doutrina
axiológica objetivista, segundo a qual os chamados valores não são criação humana, mas existem
no universo independentemente de serem ou não realizados, compreendidos ou sequer
percebidos por quem quer que seja”. Apesar de Scheler e Hartmann postularem, na mesma linha
de Radbruch, uma “objetividade dos valores”, é preciso ressaltar que, diferentemente deste, eles
não aceitavam acriticamente a noção de  dever puro  presente na ética kantiana. Tanto Scheler
como Hartmann criticavam a ética kantiana em pelo menos três pontos principais: o subjetivismo, o
formalismo e o intelectualismo (Cf. João Maurício Adeodato. Filosofia do direito... cit., p. 153 e ss.).
28

.Veja-se, nesse sentido, o que afirma Kaufmann a respeito de Radbruch: “Em contrapartida, a
impressão causada pelo Estado de não direito nacional-socialista nunca levou Radbruch a
desligar-se totalmente do positivismo; ele nunca sacrificou a segurança jurídica como elemento da
ideia de direito a um vago conceito de direito natural. Não existem quaisquer indícios de que
Radbruch alguma vez tenha tido em mente uma renovação da ideia de direito natural ‘clássica’, de
acordo com a qual se pode deduzir todo um sistema de proposições jurídicas objectivas e
eternamente verdadeiras a partir de um conceito substancial de natureza” (Arthur
Kaufmann. Introdução à filosofia do direito... cit., p. 136-137).

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7.2. Juspositivismo

Antes de passarmos à análise dos tipos específicos de positivismo, devemos


registrar uma análise que tente apresentar esse tipo de proposta teórica de uma
maneira global.

Já falamos, anteriormente, sobre o positivismo (itens 2.4 e 4.2.3). Conhecemos,


portanto, suas principais características tanto no que tange à determinação do
objeto da ciência jurídica quanto na questão dos métodos de análise desse mesmo
objeto.

Agora nos interessa retornar ao tema procurando determinar aspectos que,


independentemente do tipo de positivismo que se professe, podem ser
encontrados em suas diversas manifestações.

Nos termos propostos por Lenio Streck, o positivismo sempre se caracterizou


por apresentar três características específicas na análise que realiza do fenômeno
jurídico:29

Em primeiro lugar, seu objeto é determinado a partir das fontes estatais-sociais


do direito. Recusa-se, assim, que a abordagem do fenômeno jurídica dê conta de
fatores externos àquilo que foi produzido em termos de regulação social pelo
Estado. Essa característica aponta para outro fator próprio das teorias positivistas:
são elas a representação teórica de um tipo específico de estatalismo.

Em segundo lugar, temos que todo positivismo professa a tese da separação


entre o direito e a moral. Assim, as teorias positivistas oferecem critérios para
análise do direito que excluem o problema de sua adequação ou não a um sistema
moral mais abrangente que determine o conteúdo das normas jurídicas.

Ao contrário, tais teorias restringem a determinação da validade do direito à


critérios previstos pelo próprio ordenamento jurídico ou sistema jurídico (variando o
conceito conforme o autor, v.g., Kelsen fala em ordenamento jurídico; Herbert Hart,
prefere falar em sistema jurídico).

Por fim, mas não menos importante, todo positivismo professa, em alguma
medida, um coeficiente de discricionariedade judicial, no momento de aplicação do
direito à casos especiais – que podem ser chamados, à moda do direito americano,
de casos difíceis (Hard Cases)  – que deverão ser decididos pelo julgador
independente de o ordenamento ou o sistema jurídico prever antecipadamente
alguma regulação para o caso.

Essa questão nos remete ao célebre debate que se desenvolveu no ambiente


anglo-saxão entre Herbert Hart e Ronald Dworkin. Com efeito, em 1961, Hart
publicou a primeira edição do seu O conceito de direito, obra que se apresentava
como uma reformulação global do positivismo jurídico.

Em seu livro, Hart criticava as teses de J. L. Austin e, ultrapassando os limites


da common law, criticava também algumas das principais teses do positivismo
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normativista de Hans Kelsen. Seu objetivo era colocar e responder, de forma mais
precisa, a pergunta: o que é direito?

Essa resposta é procurada por ele a partir de uma atenção à linguagem que os
advogados, juízes, legisladores e os cidadãos em geral utilizam ao referir-se a
assuntos jurídicos, tendo como pano de fundo as análises desenvolvidas pela
filosofia analítica da linguagem de Austin e Wittgenstein.

Num resumo bastante genérico, e nos limites daquilo que interessa a esta obra
introdutória, podemos dizer que Hart assume como pressuposto o fato de que toda
expressão linguística  – seja ela jurídica ou não  – possui um núcleo duro de
significado e uma zona de penumbra.

O núcleo duro de significado da interpretação está conformado pelos casos de


fácil interpretação, é dizer, aqueles nos quais quase todos os intérpretes estariam
de acordo sobre a expressão que se aplica ao caso em questão, seja ele um objeto
ou um fato social. No âmbito da decisão judicial, isso significa que uma regra
sempre possuirá um núcleo duro e uma zona de penumbra, frente à qual o juiz
deverá escolher qual o sentido que deve prevalecer.

Para demonstrar sua tese, Hart formula um exemplo. Vejamos: se uma regra
diz “é proibida a circulação de veículos no parque”, diante das diversas hipóteses
de interpretação, todos estariam de acordo que não se permite a circulação de
automóveis ou caminhões. Apesar disso, haveria dúvida sobre a proibição da
circulação de bicicletas, por exemplo. Neste caso, estaríamos  – segundo Hart  –
diante de um caso difícil e a solução deveria ser dada a partir de um critério
aproximativo de analogia com os casos de fácil aplicação da regra. Nesse âmbito
aproximativo-analógico, os juízes possuem discricionariedade para escolher a
melhor interpretação.

É nesse ponto que se encontra o ponto decisivo de discordância nas posições


de Hart e Dworkin. Para Dworkin, ao contrário do que sugere Hart, os juízes não
possuem discricionaridade alguma porque, mesmo nos chamados “casos difíceis”,
eles estão vinculados a julgar conforme padrões prévios de conduta que ele
descreve como princípios jurídicos.

Para definir o conceito de discricionariedade, enquanto característica do


juspositivismo, Ronald Dworkin afirma existir três sentidos para o termo: um
sentido fraco; um sentido forte; e um sentido limitado.

O sentido limitado oferece poucos problemas para sua definição. Significa que
o poder de escolha daquela autoridade à qual se atribui poder discricionário se
determina a partir da escolha “entre” duas ou mais alternativas. A esse sentido,
Dworkin agrega a distinção entre discricionariedade em sentido fraco e
discricionariedade em sentido forte, cuja determinação é bem mais complexa do
que a discricionariedade em sentido limitado.

A principal diferença entre os sentidos forte e fraco da discricionariedade reside,


segundo Dworkin, no fato de que, em seu sentido forte, a discricionariedade

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implica a incontrolabilidade da decisão segundo um padrão antecipadamente


estabelecido.

Desse modo, alguém que possua poder discricionário em seu sentido forte
pode ser criticado, mas não pode ser considerado desobediente. Não se pode
dizer que ele cometeu um erro em seu julgamento. É nesse sentido forte da
discricionariedade que Dworkin assenta sua crítica ao positivismo hartiano quando
este afirma ter o juiz poder discricionário, toda vez que uma regra clara e
preestabelecida não esteja disponível.

Ou seja, e aqui citamos expressamente Dworkin, “os padrões jurídicos que não
são regras e são citados pelos juízes não impõem obrigações a estes”.30 Na esteira
de Hart, Dworkin afirma ainda: “quando o poder discricionário do juiz está em jogo,
não podemos mais dizer que ele está vinculado a padrões, mas devemos, em vez
disso, falar sobre os padrões que ele ‘tipicamente emprega’”.31

Em sua crítica ao poder discricionário, Dworkin afirma que nesses casos, os


“padrões que os juízes tipicamente empregam” são, na verdade, princípios que os
guiam em suas decisões e que os obrigam no momento de determinar qual das
partes possui direitos.

Todavia, o problema interpretativo que se esconde por trás da questão da


discricionariedade judicial pode ser percebido também em trabalhos de autores
“continentais”, oriundos de sistemas romano-germânicos. Esse é o caso da Teoria
pura do direito de Hans Kelsen.

De todo modo, podemos resumir, então, o conceito de juspositivismo como


sendo o tipo de postura teórica que se caracteriza por esses três elementos:32

1) pelas fontes sociais do direito;

2) pela separação entre direito e moral;

3) pela discricionariedade delegada ao juiz nos hard cases ou nas incertezas da


linguagem em geral.

É importante registrarmos, também, a profunda diferença que existe entre o


positivismo jurídico praticado pela teoria jurídica predominante no século XIX e o
positivismo jurídico construído pela teoria jurídicas do século XX. O primeiro,
definiremos com Castanheira Neves,33 de positivismo Legalista; o segundo, devido
ao corte profundamente kelseniano presente em suas teses, será nomeado
positivismo normativista.34

7.2.1. Positivismo legalista

A principal característica do positivismo legalista é a equiparação do direito à


lei. Essa equiparação pode ser pensada a partir do direito produzido por corpo
legislativo soberano (no caso francês) ou na perspectiva da lei formada segundo os
padrões ditados pelos eruditos, professores de direito (caso alemão).

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Para melhor compreender o positivismo legalista, podemos recorrer a uma


análise semiótica do direito. A semiótica divide a análise da linguagem em três
níveis: sintática, semântica e pragmática.

No nível da sintaxe, a linguagem é considerada a partir de sua estrutura dos


signos e a análise obedece a uma lógica de relação signo-signo. Não se considera,
aqui, para efeitos de análise, a relação do signo com o objeto ao qual ele faz
referência.

Por outro lado, a semântica opera uma análise da linguagem na perspectiva de


determinar o sentido do signo a partir de sua relação com o objeto.

Já a pragmática considera a linguagem na perspectiva do uso (prático) que dela


faz aqueles que com ela operam.

Nessa perspectiva, o positivismo legalista pode ser considerado uma teoria


jurídica-sintática. Isso porque o direito aqui é conhecido e analisado apenas a partir
dos conceitos que compõem a legislação. Não se problematiza, aqui, a relação
deste conceito com a concretude fática. O conceito pode ser conhecido em si
mesmo apenas a partir da utilização das fórmulas lógicas do entendimento.

Nesse caso, o direito nunca poderia ser analisado numa perspectiva quer
semântica, quer pragmática. Esse fato acaba por produzir um reducionismo na
análise do direito, na medida em que os problemas interpretativos não são
problematizados em análises exclusivamente sintáticas.

Esse ponto está na raiz das críticas que o movimento do direito livre e a
jurisprudência dos interesses farão às teorias positivistas (legalistas). Urge
ressaltar que esses movimentos não deixavam de ser positivistas. Todavia, como
será abordado no capítulo 10, a abordagem por eles proposta possuía um nítido
caráter sociológico.

Essa aproximação do direito aos fatos sociais  – propiciando uma análise


cultural-valorativa do fenômeno jurídico  – reivindicada por estes movimentos
deixou o direito exposto à ideologia e à política, tornando prejudicada sua
determinação científica.

Assim, o normativismo kelseniano terá como ponto de partida a necessidade de


se oferecer uma resposta a esse caos epistemológico deixado pelo movimento do
direito livre e pela jurisprudência dos interesses.

29

.Cf. Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da
possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4.  ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
pósfácio, n. 4.2., p. 509.
30

.Ronald Dworkin.  Levando os direitos a sério.  Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002, p. 50 e ss.

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31

.Idem, ibidem.
32

.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., posfácio, n. 4.2., p. 509.


33

.Sobre a questão, ver: Antonio Castanheira Neves. Escola da exegese. Digesta. vol. 2. n. 2. p. 109.
Coimbra: Coimbra Ed., 1995.
34

.Essa construção que identifica no positivismo diferentes ramificações é estabelecida explorada de


forma aprofundada por Lenio Luiz Streck. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Revista
Novos Estudos Jurídicos, vol. 15, n. 1, p. 158-173.

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7.2.2. Positivismo normativista

Já o positivismo normativista opera uma análise semântico-sintática do direito. Desse modo, o normativismo reconhece o
problema dos múltiplos significados que emanam dos conceitos que compõem o direito e problematiza a relação desses
conceitos com os objetos que compõem o “mundo jurídico”. Assim, um normativista como Kelsen, por exemplo, não exclui a
possibilidade de, no momento de aplicar a norma, os juízes decidirem de mais de uma maneira (desde ajustados à “moldura da
norma”). Todavia, na determinação da validade das normas que compõem o ordenamento, Kelsen opera segundo uma lógica
sintática.

Isso quer dizer a validade da norma inferior pode ser aferida a partir de uma norma superior, sem que sejam
problematizadas questões de conteúdo social, político ou ideológico. A questão se apresenta simplesmente na perspectiva da
forma (lógica formal).

Assim, no normativismo, o direito não é reduzido à lei  – como no positivismo legalista. No interior desse tipo de teoria
positivista, o direito é apresentado como um conjunto de normas válidas (sobre o conceito de norma, ver os itens 9.1, 9.5 e 9.7).

Leitura recomendada

Básica

Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 3.

Intermediária

Luigi Ferrajoli. Principia juris. Teoria del diritto e della democrazia. Roma: Laterza, 2007. vol. 1.

Lenio Luiz Streck. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Revista Novos Estudos Jurídicos. vol. 15. n. 1. p. 158-173.
Itajaí: Univali, jan.-abr. 2010.

Avançada

Antonio Castanheira Neves.  A crise actual da filosofia do direito no contexto global da crise da filosofia. Tópicos para a
possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003.

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7.3. Para além da dicotomia entre jusnaturalismo e juspositivismo: é possível


uma terceira via?

É importante anotar que este capítulo foi estruturado porque é comum no


âmbito do pensamento jurídico opor as possibilidades de investigação do direito
entre jusnaturalismo e juspositivismo.35 Assim, a exploração do fenômeno jurídico
fica restrita a essa dicotomia: ou se faz análise jusnaturalista ou se faz uma
abordagem juspositivista.

Deve-se alertar, contudo, que esse tipo “maniqueísta” de pensar o fenômeno


jurídico exclui de sua análise as propostas que tendem a apontar para um caminho
que não passa nem pelas vias do jusnaturalismo e nem pelas vias do
juspositivismo. Tais propostas situam-se para além dessas manifestações teóricas
e procuram criar novas maneiras de se aproximar do direito.

Certamente, esse modelo de análise pode ser verificado no âmbito das teorias
pós-postivistas. Com efeito, tais teorias, ao radicalizarem o problema interpretativo
que compõe a experiência jurídica, apontam para uma dimensão de revisão tanto
dos postulados jusnaturalistas quanto dos postulados juspositivistas.

Toda tessitura da presente obra procura explorar a dimensão que trafega por
essa “terceira via” e que, de alguma forma, pode ser encontrada no âmbito do pós-
positivismo. Para mencionar algumas dessas propostas podemos referir à obra de
Ronald Dworkin, Friedrich Müller e Arthur Kaufmann.36

Leitura recomendda

Básica

Arthur Kaufmann.  Filosofia do direito.  Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa:


Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 4.

Intermediária

Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011.

Avançada

Friedrich Müller. Teoria estruturante do direito. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011.

35

.Por todo, Cf. Norberto Bobbio. Locke e o direito natural. Brasília: Ed. UnB, 1997, passim.
36

.Arthur Kaufmann.  Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004, passim; Friedrich Müller.  Teoria estruturante do direito.  3.  ed. São
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Paulo: Ed. RT, 2011, passim; Ronald Dworkin. Op. cit., passim.

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7.4. Conclusões principais

1) O estudo do presente capítulo teve por norte a célebre discussão entre o jusnaturalismo e o juspositivismo que em
termos históricos enceta, talvez, uma das discussões mais profícuas da Teoria do Direito, pois ela permeia todo o ambiente
constitutivo e de aplicabilidade do direito.

2) O fio condutor da abordagem teve a intenção original de propor a análise a partir do fio condutor da filosofia, evitando o
desgaste tradicional de uma análise meramente histórico-cronológica.

3) A proposta foi a de demonstrar que a teoria do direito natural possui seu início na época antiga, já entre os gregos, e
como no decorrer dos tempos foi se projetando com novos enfoques, de modo que, mesmo atualmente, pode-se falar numa
Teoria do Direito Natural. Os enfoques tratados na teoria do direito natural foram, em especial, os seguintes: 1) a de uma lei
estabelecida por vontade da divindade e revelada aos homens; 2) a de uma lei natural em sentido estrito, fisicamente natural a
todos os seres animados à guisa de instinto; 3) a de uma lei ditada pela razão, portanto, específica do homem que a encontra
autonomamente dentro de si.

4) Já com relação ao tema do juspositivismo, abordamos tanto a noção do positivismo legalista, quanto do positivismo
normativista, ratificando os apontamentos feitos com relação ao positivismo jurídico em outras partes da obra, em especial no
capítulo 9.

5) Assim, passamos a nos ocupar da tendência existente no pensamento jurídico de retratar a questão do fundamento a
partir da dicotomia: jusnaturalismo vs. juspositivismo.

6) Diante disso, em nossa análise, procuramos reconstruir as duas perspectivas, tendo por premissa evidenciar a
possibilidade de construção de uma terceira via que reivindique a necessidade de revisão, tanto do jusnaturalismo quanto do
juspositivismo. Essa terceira via pode ser emblematicamente representada pelo modelo de pós-positivismo sobre o qual se
assenta toda a obra.

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Terceira Parte - Como são


Decididas as Questões
Jurídicas? Teoria da Decisão e
da Norma Jurídica

8. A Teoria das Fontes do Direito e sua Visão


Contemporânea
O estudo da teoria das fontes é fundamental para a compreensão do próprio
direito, isto é, a concepção acerca das fontes do direito determinará o conceito do
direito em si.1

A passagem supramencionada é elucidativa para demonstrar que uma


concepção pós-positivista do direito demanda, necessariamente, uma diferente
compreensão da teoria das fontes jurídicas em relação ao paradigma positivista.

De forma esquemática, a expressão  fontes do direito  pode se revestir de


diversos sentidos. Eurico Heitor Consciência2  apresenta cinco para conceituar as
fontes do direito. O primeiro é o técnico-jurídico, que se refere à maneira de
produzir as normas jurídicas. O segundo é o sentido filosófico, que consiste no
fundamento da obrigatoriedade das normas e dos textos normativos. O sociológico
é o terceiro sentido e refere-se aos fatos que determinam o surgimento das
normas. O quarto é o sentido político, referente aos órgãos a partir dos quais são
construídas as normas e elaborados os textos normativos. Por fim, o último sentido
apresentado é o material e refere-se aos textos normativos propriamente
ditos: e.g., leis, medidas provisórias, súmula vinculante.

Castanheira Neves nos oferece um conceito mais técnico e preciso de fontes


do direito. Assim, somente podem ser consideradas fontes os processos, atos ou
modos constitutivos de positivação do direito. As fontes não são nem o próprio
direito e nem mesmo, necessariamente, seus fundamentos de validade.3

Em regra, a doutrina identifica como fontes do direito os seguintes institutos: lei;


costume; jurisprudência e a doutrina. O costume e a lei são considerados como
fontes diretas porque influenciam a própria formação do direito, já a doutrina e a
jurisprudência seriam fontes mediatas porque seriam modos de revelação do
direito.4

Atualmente, essa classificação tradicional das fontes do direito está defasada,


seja porque diversos outros institutos podem ser assim considerados, tal como as
súmulas vinculantes, medidas provisórias e precedentes judiciais, seja porque a

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distinção entre imediata e mediata não faz mais sentido, haja vista que a própria
jurisprudência tem sido cada vez mais dotada de efeito vinculante, com o intuito de
assegurar sua efetividade. Ademais, alçar a doutrina à fonte mediata (indireta),
porque ela não teria normatividade, faz transparecer que ela deveria ser
considerada fonte de menor prestígio, o que é inaceitável, conforme
demonstraremos em item específico da obra (8.5.3).

A referida teoria tradicional das fontes do direito está alicerçada no paradigma


positivista, que alçava a legislação à fonte praticamente exclusiva do direito.

Nessa perspectiva, em razão do pós-positivismo e do fenômeno do


constitucionalismo, faz-se necessária releitura sobre a tradicional estrutura das
fontes do direito.

Em análise sofisticada sobre a questão, Castanheira Neves identifica três


mudanças que condicionam a alteração da tradicional teoria das fontes do direito.
A primeira refere-se à mudança na concepção do direito; a segunda, na realização
direito; e a terceira refere-se ao sentido do sistema jurídico.5

No que se refere à concepção, o direito não deve mais ser compreendido de


forma puramente estatista,6  com embasamento no positivismo legalista. Isso
porque, depois do momento histórico do pós-guerra, consolidou-se o fenômeno do
constitucionalismo, que determinou a racionalização do poder e inseriu, nos
ordenamentos jurídicos, os princípios constitucionais e os direitos fundamentais do
cidadão.

A realização, tal como sua concepção, do mesmo modo, sofreu radical


modificação, de modo que o direito deixou de ser encarado como simples
aplicação do direito. Isso porque a realização do direito deixou de ser mera
aplicação da legalidade vigente a partir do sistema conceitual do positivismo,
tornando-se instrumento de promoção de direitos e construção da democracia.7

Essa alteração remete ao fenômeno da jurisprudência de valores, corrente


teórica segundo a qual o direito não deveria mais ser buscado tão apenas na
legalidade vigente, mas, sim, em uma axiologia (direitos fundamentais + princípios
constitucionais) fruto da evolução histórica da sociedade e da civilização, que já
não admitia qualquer conteúdo como direito.

Por fim, o próprio sentido do sistema jurídico alterou-se. Hodiernamente, o


direito não tem seu sentido apenas no seu sistema legislativo vigente. Ou seja,
além da legalidade vigente, o direito tem seu sentido condicionado pelo elemento
histórico. Ou seja, nenhum direito se constitui senão em referência à realidade
histórico-social.8

Nesse ponto, é ilustrativo o pensamento de Lenio Streck, que identifica a


necessidade de ruptura com o positivismo para que se possam concretizar os
ditames do constitucionalismo contemporâneo, consistentes na implementação dos
direitos fundamentais e sociais, e em evitar decisionismos, arbitrariedades e
discricionariedades interpretativas, típicas do paradigma positivista.9

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Assim, a teoria tradicional das fontes jurídicas apresenta-se defasada porque


pautada no paradigma positivista, que se sustenta no sistema de normas como
regras jurídicas. Atualmente, em razão da Constituição, a teoria das fontes do
Direito deve ser revisitada sob o paradigma pós-positivista que não mais confunda
a norma com o texto normativo (v. Item 9.7) e que esteja apto a trabalhar a
dimensão principiológica do direito.

Nas palavras de Lenio Streck, “a Constituição altera (substancialmente) a teoria


das fontes que sustentava o positivismo e os princípios vêm a propiciar uma nova
teoria da norma (atrás de cada regra, há, agora, um princípio que não a deixa se
desvencilhar do mundo prático)”.10

Portanto, em função do surgimento e da evolução do constitucionalismo, a


teoria tradicional das fontes apresenta-se defasada. Isso porque ela estava
assentada na quase exclusividade do dogma da lei como sua fonte máxima, como
se a própria lei pudesse ser a norma jurídica em si. Dessa forma, perante um
paradigma pós-positivista, a teoria das fontes precisa ser atualizada, a fim de
contemplar os novos sentidos e as funções que o direito adquire nessa quadra da
nossa história como instrumento de proteção e de promoção dos direitos
fundamentais do cidadão, bem como da igualdade.

Leitura recomendada

Básica

Eurico Heitor Consciência.  Breve introdução ao estudo do direito.  Coimbra:


Almedina, 1997, n. 5.

Intermediária

Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011, cap. 1.

Avançada

Antonio Castanheira Neves. Fontes do Direito. In: ______. Digesta: escritos


acerca do direito do pensamento jurídico da sua metodologia e outros.  Coimbra:
Coimbra Ed., 1995. vol. 2.

8.1. Os sistemas do common law e do civil law. Características e diferenças

Neste capítulo introdutório da obra, explanamos, de forma resumida, quais as


principais características do  common law,  a fim de que possamos distingui-lo
do civil law.

Os sistemas (tradições) jurídicos são classificados de diversos modos. Nosso


intuito consiste apenas em examinar as similitudes e as diferenças entre  civil
law  e  common law, isso porque os sistemas de direito islâmico, talmúdico, ou
socialistas (que atualmente já se extinguiram), não serão objeto de nossa análise.11
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De acordo com John Henry Merryman, ao se comparar  civil law  e  common


law,  mais do que uma análise de sistemas jurídicos, em verdade, está se
realizando uma comparação entre tradições jurídicas. Isso porque a tradição
jurídica consistiria em perspectiva mais ampla sobre o fenômeno, uma vez que a
tradição legal não redunda, tão somente, no conjunto de regras jurídicas acerca
dos principais institutos jurídicos de determinado ordenamento jurídico  –  e.g.,
contratos, das sociedades anônimas e dos delitos  –, ainda que elas, em regra,
sempre sejam um reflexo dessa tradição.12

A tradição jurídica consiste, verdadeiramente, em um conjunto de práticas,


costumes e hábitos profundamente arraigados em uma comunidade,
historicamente condicionados, a respeito da natureza do direito, do papel do direito
na sociedade e na política, a respeito da organização e da operação adequada de
um sistema legal, bem como a respeito da forma que deveria criar-se, aperfeiçoar-
se, aplicar-se, e ensinar-se o direito. Assim, a tradição jurídica relaciona o sistema
jurídico (conjunto de regras normativas) com a cultura, ela insere o sistema legal
dentro e a partir da perspectiva cultural.13

Para análise mais rigorosa no que se refere à diferenciação entre o  civil


law e common law, faz-se necessária análise da formação do direito escrito e do
direito consuetudinário, originária da recepção do direito romano.

Carlo Augusto Cannata14  ensina que a distinção entre países de costumes e


países de direito escrito consolidou-se no século XVI, principalmente no território
francês, tendo sido fruto de um compromisso. A parte sul francesa rapidamente
adotou o direito romano, por dois principais motivos. O primeiro porque o sul havia
suportado menos fortemente que o norte o desenvolvimento do feudalismo, e uma
das consequências havia sido converter em inadequadas às necessidades da
época as instituições de direito romano, que se convertia, por esse motivo, em um
direito sábio, patrimônio da Igreja.

O segundo e mais decisivo consistia na própria vontade dos reis franceses, que
sabiam que o direito romano seria instrumento imprescindível para a dominação
de  Languedoc  e do sul da França, ou seja, o direito romano compreendido e
juridicamente utilizado, rapidamente, convertia-se em perfeito instrumento de
poder.15

Desse modo, a distinção entre países de costume e países de direito escrito,


ocorrida no século XVI, foi fruto de um compromisso celebrado em território
francês. O norte recusou-se a adotar o direito romano como o direito comum, já o
sul adotou o direito romano como direito comum, em virtude da atitude favorável da
população acerca das tradições romanistas. Tanto assim é que, para justificar a
aplicação do direito romano no sul, o Parlamento de Paris, como demonstram
decisões de 1312, considerou o direito romano verdadeiro costume particular, em
conformidade com o direito escrito.16

A diferente recepção do direito romano também se traduziu nos planos


dogmático e técnico. Os países de direito escrito consideravam seus costumes, em
relação ao direito romano, como  iura propria,  vale dizer, como direitos especiais,
que deveriam ser aplicados prioritariamente. Porém, sua interpretação deveria ser
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restritiva, não poderiam ser utilizados de forma extensiva por meio da analogia e
nem caracterizariam fonte de princípios gerais. Já os países de direito
consuetudinário, não obstante eles não ignorarem o direito romano, conferiam a
ele o caráter de ratio scripta, ou seja, apenas recorriam a ele de forma subsidiária,
depois do esgotamento de todos os meios oferecidos pelo direito consuetudinário
para colmatar lacunas.17

A partir dessa perspectiva, é possível concluir que a existência (presença) do


direito romano por si só não permite a distinção entre os países de direito escrito e
os países de direito consuetudinário, uma vez que ele estava, em maior ou menor
medida, contido nos dois. A importância do direito romano dentro do sistema
jurídico de cada país é o que permite a diferenciação entre direito consuetudinário
e escrito. Isso porque, nesse último, ele deve sempre ser aplicado de maneira
prioritária, estruturando e sistematizando a aplicação do direito, enquanto no direito
consuetudinário sua aplicação deveria ser meramente subsidiária, quando a
solução não pudesse ser alcançada pelas alternativas oferecidas pelo direito
costumeiro, principalmente sua cadeia de precedentes.

O  common law  inglês deve ser analisado a partir de quatro momentos


fundamentais para sua formação: período da conquista normanda; surgimento
do common law  propriamente dito em detrimento dos tribunais locais; surgimento
da jurisdição de equidade (equity); período do surgimento da Lei de Organização
Judiciária (Judicature Act de 1873).18

O período da conquista normanda é fundamental para a consolidação e


formação do  common law  inglês, porquanto foi nesse sistema que o direito foi
utilizado como instrumento de governo. Acerca desse ponto, Patrick Glenn destaca
que uma nação pode ser conquistada militarmente, contudo, não deveria ser
governada militarmente. Ainda nesse contexto, a conquista normanda incorporou o
direito local à sua nova produção jurídica.19

Nesse ínterim, cabe salientar que o desenvolvimento do atual common law  na


Inglaterra foi possível a partir da centralização da jurisdição nas mãos do rei.
Referida unificação ocorreu com a introdução da figura do  sheriff, que era
responsável por assegurar a efetividade e executoriedade das decisões reais.20

A consolidação da unificação da jurisdição foi corroborada pelo compromisso


obtido em Westminster, em 1285, entre o poder real e os barões, o que possibilitou
a institucionalização das relações duradouras entre o judicial law making e o poder
dos parlamentos no sistema do common law.21

Contudo, o que efetivamente assegurou a aplicação e unificação da jurisdição


régia e sua expansão em detrimento dos tribunais locais foi o surgimento do
sistema dos brevia writs. O sistema jurídico-processual inglês, baseado nos  writs,
pode ser considerado uma construção original do  common law  que,
verdadeiramente, o individualiza em relação aos demais sistemas.22  Nesse
momento histórico, a função do juiz não era a de decidir a lide, pois essa consistia
em atribuição do júri.23

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Tal sistema assegurava que o poder judicial do rei descansasse em três


fundamentos diferentes: 1) como senhor feudal supremo, era competente para
julgar os litígios entre seus  tenants in chief  (feudatários que haviam recebido a
investidura diretamente do rei); 2) na qualidade de rei da Inglaterra, era
competente ainda para julgar os  placita coronae,  ou seja, os litígios nos quais a
Coroa estava diretamente interessada, e.g., os litígios que perturbassem a paz do
rei (King’s peace); 3) por ocupar o cume da pirâmide feudal, tinha poder sobre os
demais tribunais inferiores, isso porque caberia àquele que não tivesse conseguido
fazer valer seu direito perante seu senhor (a quem estava diretamente
subordinado) apelar ao rei.24

O terceiro período do  common law  consiste na formação da  equity  inglesa a
partir das decisões da Court of Chancery. A equity teve tamanho desenvolvimento
que chegou a concorrer com o próprio common law, tendo ao final incorporado-se
a ele.25

A equity caracterizava-se por ser um recurso voltado à autoridade real diante da


injustiça de flagrantes casos concretos, que eram despachados pelo chanceler
(Keeper of the King’s Conscience), encarregado de orientar e guiar o rei em sua
decisão.

A característica fundamental para demonstrar a diferença entre o sistema


da  equity  e do  common law  consistia no fato de que os tribunais do segundo
tinham maior comprometimento com o rigor iuris, e, a partir de meados do século
XIV, acentuaram sua independência rechaçando todo tipo de juízo que conferisse o
reconhecimento de poder puramente discricionário ao magistrado. Já a equity, em
seus julgamentos, não primava pela obrigatoriedade de seguir o direito (legislação
posta), de modo que sua característica essencial era admitir julgados fundados
precipuamente na consciência, fundados em caráter puramente discricionário.26

Vale ressaltar que o surgimento da  equity  e a dicotomia estabelecida entre o


Tribunal da Chancelaria e os tribunais do common law foram elementos essenciais
para individualizar o common law.

Nesse sentido, Jerome Frank pontua que o  common law  nunca seria o que é
hoje se não tivesse existido o Tribunal da Chancelaria (equity). Isso porque, graças
à equity, coexistiram duas jurisdições distintas e opostas no mesmo ordenamento,
algo que não poderia ser imaginado por um jurista latino ou germânico. A
importância da equity foi tamanha que Jerome Frank ressalta que apenas seis ou
sete séculos depois dela é que o continente conheceu uma jurisdição fundada na
equidade e boa-fé.27

O quarto período do  common law  é inaugurado com a primeira Lei de


Organização Judiciária (Judicature Act  de 1873), responsável pela fusão
do common law com a equity. O Judicature Act de 1873 aboliu os antigos tribunais
centrais e os substituiu pela  Supreme Court of Judicature,  composta pela  High
Court of Justice  e a  Court of Appeal.  Toda a jurisdição dos Tribunais anteriores,
incluindo os de equity, foi atribuída à Supreme Court.28

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Nessa quadra histórica, as reformas processuais foram fundamentais para o


desenvolvimento e a transformação do common law na tradição jurídica que ele é
hoje, na medida em que construíram a ponte entre o antigo direito processual (old
processual world) e o novo sistema jurídico (new substantive world). No novo
sistema, os juízes passavam a decidir lides, o que tornou possível a existência de
erro judicial, concretizando a distinção entre fatos e o direito  substancial,  direito
material propriamente dito.29

Desse modo, tornava-se mais clara a possibilidade de se precisar o acerto ou


desacerto da decisão judicial em confronto com a própria tradição jurídica.

8.1.1. Análise crítica sobre a possível confluência entre os sistemas

Ao contrário do que possa transparecer, desde seus primórdios, as duas


tradições jurídicas não estavam totalmente alheias às recíprocas influências.30

Outro fator fundamental para assegurar o diálogo entre os dois sistemas é a


forma como se apresentava a literatura continental, principalmente a das regiões
latinas dos séculos XVI e XVIII. Ela se apresentava essencialmente como conjunto
de soluções levadas a casos concretos, os argumentos jurídicos contidos nelas
eram rationes decidendi transferíveis a casos análogos. Por exemplo, em matéria
de direito contratual, são numerosas as regras que compõem o direito inglês, cuja
inspiração é romanista.31

Assim, é possível afirmar que nunca existiu uma barreira indevassável e


intransponível entre as duas tradições jurídicas, bem como permite esclarecer que
uma possível relação entre os dois sistemas existiu desde sempre, não se tratando
de fenômeno recente apto a justificar modismos como uma espécie
de commonlização de nosso direito ou a instituição do sistema de precedentes em
nosso ordenamento.32

Esses aspectos são fundamentais para se evidenciar que o desenvolvimento


do common law e, respectivamente, dos seus principais institutos não ocorreu por
criação legislativa; pelo contrário, ele é fruto da evolução histórica, social e
doutrinária de determinados países, principalmente a Inglaterra; ou seja, as
particularidades da própria história da Inglaterra contribuíram para determinar a
formação do seu  common law.  Em decorrência do  common law  ser fruto da
evolução histórica de determinada comunidade, seus institutos e conceitos não
podem ser instituídos em outros ordenamentos mediante via legislativa, daí por
que é, no mínimo, ingênuo imaginar que seja possível a criação do sistema
de stare decisis ou da doutrina dos precedentes no Brasil tão somente por meio de
alteração legislativa ou constitucional.

Depois de traçarmos o escorço histórico da formação do  common


law,  passaremos a destacar suas particularidades em relação ao nosso sistema
do civil law. Para tanto, utilizaremos a obra de Harold Berman e a comparação que
ele faz entre o sistema francês e o inglês.33

De modo geral, Harold Berman ensina que o direito francês (civil law)
diferenciou-se do inglês (common law) no fim do século XIII e no século XIV,

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depois do fortalecimento do Parlamento de Paris e do tribunal inglês em Londres.


Depois de um século, o direito francês passou a basear-se no procedimento por
escrito, e o inglês na oralidade. A solução dos casos era destinada aos juízes
profissionais no caso do civil law, já o inglês, em juristas e justiças de paz leigos. O
processo inglês fundamentava-se na acusação e negação pelas partes oponentes,
com a solução da controvérsia sendo de competência do júri; o francês, por sua
vez, lançava mão do interrogatório judicial das partes e das testemunhas sob
juramento. No que se refere ao direito material, o direito francês é mais
sistemático, romanizado e codificado que o inglês, mais particularista, prático e
orientado para resolução dos casos. Por consequência, o direito francês incluía os
conceitos de obrigações civis, contratos, delito, propriedade e direito público.34

Vale ressaltar que não é correto apresentar o common law  tão somente como
um direito não codificado de base tipicamente jurisprudencial. Em verdade, boa
parte das regras de direito que se aplicam todos os dias na Inglaterra e nos
Estados Unidos são regras sancionadas pelo Legislativo ou pelo poder
administrativo. Inclusive, nos Estados Unidos, chega-se a falar de um fenômeno
designado pelo neologismo de  staturification  do direito, em alusão ao
termo statute, que significa lei em sentido formal.35

A independência do Judiciário como corolário da independência decisória dos


magistrados teve início em 1701, na Inglaterra, por meio do Act of Settlement, que
impediu que a nomeação dos magistrados fosse feita de acordo com a vontade da
Coroa.36

Na realidade, a razão pela qual a tradição do  common law  incorporou a


independência decisória como um princípio jurídico constitui interessante questão.
Patrick Glenn ensina que o princípio da independência dos juízes, em sua forma, é
característico da tradição do  common law,  é produto de sua própria evolução
histórica, que, desde a conquista normanda, passou a conferir especial importância
à atuação e às decisões dos magistrados.37

Em sentido próximo, R. C. Van Caenegem também enfatiza a força e a


independência histórica do Judiciário como características inerentes ao  common
law.  Nessa tradição, os juízes eram os defensores e também os próprios
portadores da tradição jurídica.38

Além das razões políticas, o princípio da independência do Judiciário é


claramente parte da luta constitucional existente na Inglaterra durante o século
XVII, ocasião em que o Judiciário se aliou ao Parlamento contra o Poder Executivo
(autoridade real). Na Inglaterra, a independência do Judiciário foi adquirida em
momento histórico muito peculiar, qual seja, o iluminismo, momento em que se
desencadeavam todas as forças criativas da humanidade.39

Ou seja, no  common law,  principalmente na Inglaterra, o Judiciário teve suas


garantias e sua importância asseguradas antes dos demais ordenamentos
jurídicos. Por consequência, tradicionalmente, o  common law,  principalmente o
direito inglês, tem considerado o direito legislado (statute law) como algo
secundário, a partir do qual não se deveria buscar os princípios gerais do direito.

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Ademais, conforme ensina Caenegem, o  common law  inglês viveu no século


XVIII a era dourada do direito dos juízes, momento em que se comungava da ideia
de que a criação do direito deveria ser atividade do Judiciário e não do Parlamento.
Ilustrativa, nesse sentido, é a citação feita por Caenegem das palavras proferidas,
à época, por Lord Mansfield, contrárias à legislação: “a statute can seldom take in
all cases, therefore, the common law that works itself pure by rules drawn from the
fountain of justice is for this reason superior to an Act of Parliament”.40

Nessa perspectiva, qualquer tentativa de legislar/codificar o direito “não escrito”


inglês era vista como uma forma de descartar uma das maiores vantagens que os
ingleses, historicamente, usufruíam em seu sistema, que era justamente a aptidão
de possuir aplicação flexível.41  Ou seja, por não possuir suas regras jurídicas
essencialmente codificadas, os ingleses consideravam que o seu sistema jurídico
estava mais qualificado para se adaptar às novas realidades históricas e sociais.

Já no  civil law,  por possuir sua formação relacionada ao direito romano
canônico e ao direito alemão medieval entre suas formas de criação legislativa,
destaca-se o Poder Legislativo, alçando a lei a uma posição privilegiada perante as
demais fontes do direito.42

Referida distinção repercute inclusive na forma como se desenvolve a


interpretação jurídica de cada tradição. Isso porque, no  civil law, os juristas, ao
interpretarem a lei, recorrem à  história legislativa,  artifício que não é utilizado na
mesma medida pelos juristas do common law, justamente porque a legislação não
é considerada a principal forma de manifestação e desenvolvimento do próprio
direito.43

No contexto apresentado, o Legislativo do  common law  atua de forma mais


restrita, respeitando a terminologia jurídica e as divisões tradicionais das matérias,
operando mediante instituições e conceitos jurídicos já consolidados.44  Daí por
que, costumeiramente, ressalta-se que o  common law  não possui na lei sua
principal fonte do direito.

Além da posição ocupada pela legislação em cada um dos sistemas, outro fator
diferenciador a ser apontado é o modelo de aplicação do direito de cada um
desses sistemas, case law vs. code law.

As técnicas de interpretação do direito escrito estão fundadas em uma tradição


histórica muito antiga e, dessa forma, recorrem às instituições jurídicas para
solucionar seus casos. O  common law,  por sua vez, elabora suas decisões em
função das casuísticas dos tribunais de justiça e não sobre as instituições jurídicas,
frutos de longa tradição histórica e da dogmática jurídica.45

Vale dizer, a doutrina dos romanos exerceu menor influência na formação da


ciência jurídica do sistema do  common law,  podendo-se dizer que ela possui
verdadeiro papel secundário; por consequência, o próprio ensino jurídico
apresentava diferenças: na medida em que o  common law  lançava mão do  case
method,  tanto o aprendizado do direito quanto a solução das questões jurídicas
passavam pela análise de decisões judiciais anteriores,  o que é radicalmente
diferente do método dedutivo preponderante no  civil law,  que historicamente

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consagrou o silogismo como forma adequada para aplicação dos casos em que a
lei seria a premissa maior e, por meio da lógica, seria aplicada à premissa menor,
que é o caso jurídico a ser decidido.46

Apesar da diferença de metodologia para a aplicação do direito (case law


vs. code law), determinados países como o da civil law  aproximam-se muito mais
do modelo da case law, tal como a França, daí que a simples oposição entre case
law  e  code law  não pode ser considerada a distinção primordial entre a tradição
jurídica do common law e do civil law.47

Por fim, uma última característica que distingue as duas tradições diz respeito
ao próprio conteúdo e à natureza dos conceitos jurídicos utilizados, bem como à
forma de raciociná-los. Cannata realça essa diferenciação a partir do próprio
conceito de direito de propriedade, que é apresentado pelo direito romano sob uma
perspectiva individualizada, viés esse desconhecido pelos juristas do common
law inglês.48

Assim, a diferença entre  civil law  e  common law  não se resume apenas à
diferente posição das fontes do direito ou então dos processos históricos de sua
formação, o próprio conteúdo jurídico dos institutos jurídicos de cada tradição
jurídica apresenta sensíveis diferenças entre cada um dos sistemas. Outrossim,
diferença marcante entre os dois sistemas é a doutrina de precedentes e o sistema
do stare decisis característicos da tradição do common law (v. item 8.6).

Leitura recomendada

Básica

Georges Abboud. Precedente judicial  versus  jurisprudência dotada de efeito


vinculante: a ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma
cultura de precedentes. In: Arruda Alvim Wambier, Teresa (Org.).  Direito
jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT, 2012.

John Henry Merryman.  La tradición jurídica romano-canónica.  2.  ed. México:


Fondo de Cultura Economica, 2007.

Intermediária

H. Patrick Glenn. Legal traditions of the world: sustainable diversity in law. 3. ed.


New York: Oxford University Press, 2007.

Avançada

Carlo Augusto Cannata. Historia de la ciencia juridica europea. Madrid: Tecnos,


1996, cap. X.

James Gordley. Common law v. civil law: una distinzione che va scomparendo?
In:  Scritti in onore di Rodolfo Sacco: la comparazione giuridica alle soglie del 3.º
millenio. Milano: Giuffrè Editore, 1994. t. I.

 
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16/01/2022 16:45 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

.Antonio Castanheira Neves. Fontes do direito. In: ______. Digesta: escritos acerca do direito do
pensamento jurídico da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Ed., 1995, vol. 2, p. 7-8.
2

.Eurico Heitor Consciência.  Breve introdução ao estudo do direito.  Coimbra: Almedina, 1997,
n. 5.1, p. 31.
3

.Antonio Castanheira Neves. Fontes do direito... cit., p. 53.


4

.Eurico Heitor Consciência. Op. cit., n. 5.2, p. 31.


5

.Antonio Castanheira Neves. Fontes do direito... cit., p. 45 et seq.


6

.Idem, p. 45.
7

.Idem, p. 49-51.
8

.Idem, p. 56.
9

.Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da


possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, cap.
1, p. 69.
10

.Idem, p. 66-67.
11

.H. Patrick Glenn apresenta uma classificação mais sofisticada sobre as diversas tradições
jurídicas, dividindo-as em sete categorias principais: a)  chthonic legal tradition, talmudic legal
tradition; civil law tradition; islamic legal tradition, common law tradition, hindu legal tradition e asian
legal tradition. Cf. H. Patrick Glenn. Legal traditions of the world: sustainable diversity in law. 3. ed.
New York: Oxford University Press, 2007. Alguns autores utilizam o termo sistema jurídico, em vez
de tradição jurídica. Contudo, Franz Wieacker alerta que o termo sistema é mais restrito a
determinado ordenamento jurídico que reúna as seguintes características: a) plena compreensão
de todos os elementos de sua classe; b) do ponto de vista externo, está fechado aos elementos
que lhe sejam alheios, ou seja, é autárquico; c) do ponto de vista interno, é coerente e consistente.
Os elementos de tais sistemas podem ser objetos reais, bem como entidades, proposições de fé
de uma teologia sistemática, os axiomas e proposições da geometria euclediana, e, no caso da
Ciência do Direito, os conceitos fundamentais e as normas de um sistema de direito privado. Cf.
Franz Wieacker. Fundamentos de la formación del sistema en la jurisprudencia romana.
Seminarios Complutenses de Derecho Romano (febrero-mayo 1991).  Madrid: Facultad de
Derecho, 1992. t. III, p. 11-12.
12

.John Henry Merryman.  La tradición jurídica romano-canónica.  2.  ed. México: Fondo de Cultura
Economica, 2007, n.  I, p.  16-17. Para uma análise mais profunda da questão da tradição como
elemento diferenciador dos diversos sistemas jurídicos, ver: H. Patrick Glenn. Op. cit., p. 1-30.
13

.John Henry Merryman. Op. cit., p. 17. Para uma análise mais profunda sobre conceito de tradição,
ver: H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 1, p. 12 et seq. Para a relação da tradição com mudança, ver: H.
Patrick Glenn. Op. cit., n. 1, p. 23-24.
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14

.Carlo Augusto Cannata. Historia de la ciencia juridica europea. Madrid: Tecnos, 1996, cap. X, n. 1,
p.  165-167. Sobre o tema, ver: R. C. Van Caenegem.  Uma introdução histórica ao direito
privado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, n. III, p. 43-160.
15

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. X, n.  1, p.  167. Corroborando a importância do direito
romano para o desenvolvimento do  common law,  ver: Jerome Frank.  La influencia del derecho
europeo continental en el ‘common law’. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1957, p. 15-16.
16

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. X, n. 1, p. 167.


17

.Idem, ibidem.
18

.René David e Camile Jauffret-Spinosi.  Les grans systèmes de droi contemporains.  9.  ed. Paris:
Précis, Dalloz, 1988, p. 350 et seq.
19

.H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 234. Nesse ponto é importante destacar, conforme já citamos,
que Cannata também ressalta a utilização do direito romano como instrumento de poder, cf. Carlo
Augusto Cannata. Op. cit., cap. X, n. 1, p. 167.
20

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. I.3, p. 211-212. Em sentido próximo, Patrick Glenn
enfatiza que a existência de uma jurisdição leal à Coroa cujo intuito era assegurar a prevalência
da  king’s peace  para diferentes partes do reino constitui traço marcante que individualiza
sobremaneira o common law inglês. H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 226.
21

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. I.3, p. 212.


22

.H. Patrick Glenn. Op. cit., n.  7, p.  228. Interessante notar que o sistema dos  writs  que
verdadeiramente individualiza o common law inglês dos demais sistemas, uma vez que, na origem,
a atuação do juiz inglês (judge) aproximava-se sobremaneira da atividade do pretor romano;
apesar da profissionalização dos judges,  ambos atuavam na instrução e condução do processo,
relegando a terceiros (particulares) a solução da controvérsia. Os particulares seriam
o iudex romano e o júri inglês. H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 227-228 e p. 230.
23

.H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 230.


24

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. II.5, p. 216.


25

.Idem, cap. XIII, n. III.11, p. 225. Sobre a influência da equity no civil law, conferir: Jerome Frank.
Op. cit., p. 11-12 e p. 21-25.
26

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n.  III.11, p.  226. Ver ainda: James Gordley.  Common
law v. civil law: una distinzione che va scomparendo? In: ______. Scritti in onore di Rodolfo Sacco:
la comparazione giuridica alle soglie del 3.º millenio. Milano: Giuffrè Editore, 1994. t. I. n. 2, p. 562.
27

.Jerome Frank. Op. cit., p. 23-24.


28

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.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. IV.12, p. 228. O Judicature Act entrou em vigor em
1875, tendo sido substituído em 1925 pela  Supreme Court of Judicature (consolidation) Act de
1925, que sofreu ainda algumas modificações por meio dos Administration of Justice Acts de 1928
e 1932. Em sua origem, a High Court of Justice continha cinco divisões que conservavam o nome
dos antigos tribunais. Trata-se da Queen’s Bench Division, Chancery Division, Common Pleas
Division, Exchequer Division e, por último, Probate, Divorce and Admiralty Division. Em 1880, as
três Common Law Division (Queen´s Bench, Common Pleas, Exchequer) foram reunidas na
Queen´s Bench Division. Atualmente, as três divisões da High Court são denominadas Queen’s
Bench Division, Chancery Division e Family Division. Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII,
n. IV.12, p. 228.
29

.H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 243.


30

.Por exemplo, o próprio Montesquieu ressalta ter extraído sua percepção acerca da divisão de
poderes a partir da Constituição inglesa. Do mesmo modo, os práticos ingleses que trabalhavam
perante o tribunal da equity, eclesiásticos, e o tribunal de almirantazgo, formaram uma corporação
(Doctor’s Commons), que funcionou do final do século XV até a primeira metade do século XIX.
Esses práticos eram denominados civilians, em oposição aos common lawyers,  que trabalhavam
perante os tribunais do  common law  propriamente dito. Os  civilians  ingleses conheciam
profundamente o direito continental e, juntamente com os juristas escoceses, foram os mediadores
entre ele e o direito inglês. Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. IV.16, p. 236.
31

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. IV.16, p. 237.


32

.Sobre o tema, ver: Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro., 3.ª  ed., São Paulo: Ed.
RT/Thomson Reuters, 2019, n. 6.1/6.6, p. 1007-1065.
33

.Para uma análise sobre o tema, conferir: James Gordley. Op. cit., p. 561 et seq.
34

.Harold J. Berman.  Law and revolution: the formation of the western legal tradition.  London:
Harvard University Press, 1983. vol.  1. n.  13, p.  477-478. Sobre o tema, ver: Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 6.
35

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIV, n. I, p. 238.


36

.H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 244.


37

.Idem, ibidem.
38

.R. C. Van Caenegem.  Legal history. A European perspective.  London: Hambledon Press, 1991,
n. 7, p. 170.
39

.H. Patrick Glenn. Op. cit., n.  7, p.  244-245. Sobre a questão, ver: R. C. Van Caenegem.  Legal
history... cit., n. 7, p. 171-174.
40

.R. C. Van Caenegem. Legal history... cit., n. 7, p. 176.


41

.Idem, n. 7, p. 177.


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42

.Cf. José Ovalle Favela. Estudios de derecho procesal. México: Universidad Autónoma de México,


1981, n. IV, p. 130.
43

.Jerome Frank. Op. cit., p. 19-20.


44

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIV, n. I, p. 238.


45

.Idem, Cap. XIV, n. I, p. 239.


46

.José Ovalle Favela. Op. cit., n.  IV, p.  131. Para exame da influência promovida pelo  common
law nas demais tradições, ver: H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 248 et seq.
47

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIV, n. I, p. 239.


48

.Idem, cap. XIV, n. I, p. 239.

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8.2. Constitucionalismo: gênese e a função do controle


de constitucionalidade

O direito constitucional ganha maior destaque e consolida-se no século XX,


mais precisamente depois da Segunda Guerra Mundial. Nesse período, a
Constituição adquire, em plenitude, força normativa. Ou seja, ela deixa de ser uma
mera carta de intenções e passa a ter sua observância obrigatória pelos três
poderes e pelos próprios cidadãos.

Atualmente, o direito constitucional estrutura as bases e a principiologia das


demais disciplinas. Por exemplo, ele estabelece a obrigatoriedade de se cumprir o
contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal no processo civil,
administrativo e penal. É o direito constitucional que impõe a observância da
função social da propriedade no direito civil e também a obrigatoriedade de a
Administração Pública motivar seus atos.

A nossa Constituição vigente de 1988 é produto desse constitucionalismo pós-


guerra. Trata-se de uma Constituição que contém força normativa. Ela assegura a
separação e o equilíbrio entre os poderes ao mesmo tempo que confere ao
cidadão uma pluralidade de direitos fundamentais e sociais.

Tendo em vista a importância do direito constitucional para se compreender as


demais disciplinas, no presente item, traçamos as linhas fundamentais para se
compreender o fenômeno do constitucionalismo, que se estabeleceu no direito
constitucional que aplicamos atualmente.

O direito constitucional não surgiu no século XX, apesar de ter se consolidado


nele. Ele deita suas raízes na própria Idade Média quando pensamos no
constitucionalismo inglês, por exemplo. Ilustrativa nesse sentido é a Carta Magna
do Rei João Sem Terra de 1215, que, apesar de possuir caráter estritamente
conservador, já determinava uma limitação ao poder real absoluto e indicava os
parâmetros mínimos para se dar início à consolidação do princípio constitucional
do devido processo legal.

Sendo assim, para se compreender a relação do constitucionalismo com a


perspectiva histórica, é preciso ter em mente que o constitucionalismo não se trata
de um modelo inventado por um grupo de juristas, mas, sim, do resultado de
muitos séculos de ensaio e de erros.49

Na realidade, é possível afirmar-se que o constitucionalismo se desenvolveu


por séculos, tendo como mote principal coibir os excessos do Poder Público.

É o fenômeno político-jurídico do constitucionalismo que coloca freios e


racionaliza o poder. Daí que, nas palavras de Peter Häberle, a função da jurisdição
constitucional consiste na limitação, na racionalização e no controle do poder
estatal e social, na proteção das minorias e dos débeis, e na reparação dos novos
perigos para a dignidade humana.50

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A história por detrás do constitucionalismo é mais bem vislumbrada no direito


inglês, que teve na jurisprudência seu verdadeiro fator de unidade e coesão da
história nacional constitucional inglesa. Nesse modelo, são os juízes, e não os
príncipes ou os legisladores, os responsáveis pela construção do direito comum
inglês (common law). Assim, ela é o instrumento principal de elaboração das
regras de tutela das liberdades que foram evoluindo desde a Idade Média até a
Idade Moderna.

Desse modo, formou-se no modelo inglês a convicção de que o tema das


liberdades, enquanto expressão da jurisprudência e manifestação das regras
da common law, é substancialmente indisponível por parte do Poder Público, seja
ele Executivo ou Legislativo. Vale dizer que a Inglaterra, ao contrário da França,
não admitiu a figura do Legislador Absoluto; mesmo a partir da  Glorious
Revolution, a soberania parlamentar que surgiu para limitar o Poder Real nunca se
desvirtuou em poder soberano e ilimitado.51

Ademais, a posição do Poder Legislativo a partir da Carta Magna inglesa de


1215 também é peculiar em relação aos demais países europeus. Na Inglaterra, o
Parlamento inglês aparece na luta contra o rei como o sujeito da unidade nacional
(política) na luta contra os demais estamentos medievais.52

Portanto, há uma conjuntura de fatores políticos e sociais que historicamente


contribuíram para o surgimento e a consolidação do constitucionalismo em solo
inglês. Entre os diversos países europeus, a Inglaterra é a nação que menos
conviveu com regimes soberanos de cariz absolutista, afinal, se nela já se
desenvolvia o constitucionalismo, consequentemente, já se estruturavam
mecanismos de controle e racionalização de poder.

O que há de mais essencial no constitucionalismo  – de que não há poder


absoluto – consistia em questão central do common law inglês, na medida em que
nem a Coroa e nem o Parlamento poderiam se julgar acima do common law.

Tanto na Inglaterra quanto no Continente Europeu é possível, ainda que não ao


mesmo tempo, vislumbrar a mesma evolução de sistema até se alcançar o Estado
Constitucional atual. Essa passagem é representada no seguinte vetor evolutivo:
monarquia – feudalismo – absolutismo – parlamento – Constituição.

Do século V ao VIII a Europa viveu o período das monarquias tribais, depois da


conquista e divisão do Império Romano do Ocidente. Entre o século VIII e o século
IX, deve-se destacar a dinastia Carolíngia. A partir do governo de Carlos Magno é
que a Europa ocidental voltou a ter uma unificação de comando, o Império. Em
seguida, os séculos X e XI assistiram à divisão política e a uma fragmentação
extrema. A figura de uma autoridade pública unificada havia ruído, uma vez que
diversos ducados ou condados possuíam às vezes exércitos e poderes maiores
que  os próprios reis. O cenário era dominado pelo feudalismo, havia uma
fragmentação ou quase inexistência de um poder central.53

Depois do ano 1100, inicia-se um renascimento do poder monárquico e os


prolegômenos de uma verdadeira administração de Estado. As nascentes
monarquias soberanas restauraram um poder estatal, iniciando a burocracia e a

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estrutura de governo necessárias para consolidação do posterior Estado-Nação. A


monarquia absoluta desenvolveu-se para limitar o poder do rei, transformando-se
numa monarquia constitucional/parlamentar ou no regime modernizado dos
déspotas esclarecidos.54

O Estado funcionalizado por meio de uma Administração Pública tem sua


gênese no próprio Estado absolutista do medievo. É nesse Estado que as funções
governamentais começam a se especificar, surge a figura do funcionário e os
elementos do conceito moderno de Estado se estruturam: povo, território e
soberania.55

Assim, o século XIX colheu os frutos desses desenvolvimentos, tendo sido


dominado pela ideia liberal de uma forma de governo constitucional e parlamentar,
liderado por um rei ou por um presidente.

No século XX, parte da Europa teve seu modelo liberal modificado, isso porque
onde havia práticas constitucionais e parlamentares sólidas, o Estado liberal
manteve-se; contudo, o parlamento oligárquico foi trocado por um parlamento
democrático, dando passos em direção ao Estado-Providência.56

A democracia parlamentar, que é tão intrínseca ao constitucionalismo


contemporâneo, não teve espaço onde não havia um constitucionalismo histórico.

Recentemente, o marco histórico mais importante para a evolução do


constitucionalismo diz respeito à 2.ª Guerra Mundial.

O final da Segunda Guerra Mundial representa um marco para composição de


uma nova ordem social, política e jurídica; é o início do fenômeno denominado por
Mario Losano de direito pós-bélico.57

Na atual quadra de nossa história, o direito adquire importante função como


instrumento democratizador do processo civilizatório dos povos, principalmente
depois da 2.ª Guerra Mundial, quando se consolidou a crença de que nem todo
conteúdo poderia ser direito, e algumas garantias deveriam ser asseguradas em
qualquer regime constitucional.

Nesse momento histórico é que se consolida a jurisdição constitucional


especializada e passa-se admitir a possibilidade de controlar de forma
contramajoritária  – via judicial  – o conteúdo da legislação, e não apenas seus
aspectos formais.

Desse modo, no direito desenvolvido depois da Segunda Guerra Mundial,


superou-se aquela máxima: desde que respeitados os procedimentos formais, todo
conteúdo poderia ser direito. Assim, mesmo uma lei formalmente regular passou a
ter seu conteúdo/sua materialidade controlada pelo Poder Judiciário, quando
contrária ao texto constitucional.

Nessa perspectiva, o  constitucionalismo contemporâneo  pretende explicar um


conjunto de textos constitucionais que surgem depois da segunda guerra. Trata-se
de expressão oriunda do direito constitucional espanhol, que importamos como um
novo paradigma científico para estudarmos o direito constitucional. Essas novas
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Constituições não se limitam mais a apenas estabelecer a separação de poderes e


delimitar competências do Poder Público, na medida em que passam a positivar
diversas garantias fundamentais, estabelecendo, assim, novos limites para a
atuação do Poder Público.58

Convém ressaltar que, no cenário político, as Constituições tiveram profundas


alterações em seus textos. Elas deixaram de apenas estabelecer a formação do
processo legislativo, pois seu enfoque passou a constituir primordialmente a
consagração de direitos fundamentais.

Em razões do novo formato desses textos constitucionais, a atuação dos


Tribunais Constitucionais e da doutrina também sofreu profundas alterações.

Portanto, o constitucionalismo, em si, na qualidade de movimento político-


jurídico, estruturou-se como elemento para assegurar a proteção dos direitos
fundamentais e a consequente racionalização e limitação do poder. A única forma
de se compreender historicamente o constitucionalismo é como instrumento
civilizatório de limitação de poder. Se o poder é absoluto, o constitucionalismo
perde sentido, tudo se torna decisão política, imergimos no decisionismo de Carl
Schmitt.59

O constitucionalismo surge e se consolida, principalmente, como fenômeno


histórico-político, cuja função consiste em limitar e racionalizar o poder político,
estabelecendo todas as regras normativas a partir das quais o Estado pode agir.
Ademais, é o constitucionalismo que impõe limites ao poder soberano, mediante a
divisão de poderes, estabelecendo como valores primordiais da sociedade a
liberdade, igualdade e a preservação dos direitos fundamentais.60

Para assegurar essa limitação do poder, o mecanismo desenvolvido e


aperfeiçoado pelo constitucionalismo é conhecido como controle de
constitucionalidade. Não é intuito da obra detalhar a forma de controle de
constitucionalidade no Brasil. Sendo assim, limitar-nos-emos a indicar que há
basicamente dois sistemas: a) controle difuso e b) controle abstrato.

O controle difuso de constitucionalidade (judicial review) tem inspiração norte-


americana e sua gênese remonta ao célebre caso Marbury vs. Madison.61 Nele, o
controle difuso de constitucionalidade é realizado perante o caso concreto. Nesse
modelo, a lei não é examinada em abstrato, mas, sim, confrontada com a
facticidade do caso concreto. Ou seja, o Poder Judiciário examina se a lei para
determinado caso concreto é ou não inconstitucional. A lei não é retirada do
ordenamento nesse controle. Seus efeitos, em regra, ficam adstritos às partes do
processo. Salvo se o Senado emitir resolução, nos termos do inc. X do art. 
52 da  CF.

O controle abstrato de constitucionalidade é desenvolvido e teorizado por Hans


Kelsen. Trata-se de controle realizado por um Tribunal Constitucional por meio do
qual a lei tem seu exame de constitucionalidade realizado em
sua  própria  textitude.  Ou seja, é a própria lei que tem sua constitucionalidade
analisada em abstrato. Nesse modelo, que teve sua consolidação ocorrida
principalmente na Alemanha, a declaração de inconstitucionalidade da lei
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determina a própria retirada da lei do mundo jurídico. Daí a metáfora utilizada por
Kelsen de que a declaração de inconstitucionalidade caracterizaria verdadeiro ato
legislativo com sinal trocado, por conseguinte, nesse modelo de controle, o
Tribunal Constitucional agiria como legislador negativo.

O Brasil possui sistema misto de controle de constitucionalidade. O controle


difuso pode ser realizado por todos os juízes e tribunais. Quando os tribunais
realizarem controle difuso, devem obrigatoriamente observar a regra da reserva de
plenário para votação, conforme determina o art.  97  da  CF. O controle
abstrato é reservado exclusivamente para o Supremo Tribunal Federal, que,
apesar de não possuir a estrutura de um Tribunal Constitucional, por se tratar de
órgão puramente do Poder Judiciário, a ele a Constituição conferiu a prerrogativa
para examinar em abstrato a constitucionalidade das leis (CF 102 I). Em razão do
preceito da simetria, as Constituições Estaduais podem prever modalidade de
controle abstrato de constitucionalidade no âmbito estadual. Esse controle seria
realizado pelo órgão especial dos Tribunais de Justiça dos Estados. Há ainda
previsão de o STF realizar controle abstrato de lei municipal, estadual e de lei
anterior à  CF, por meio da arguição de descumprimento de preceito
fundamental, conforme determina o inc. I do art. 1º da Lei 9882/2000.

Leitura recomendada

Básica

R. C. van Caenegem.  Uma introdução história ao direito constitucional


ocidental. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.

Intermediária

Georges Abboud; Rafael Tomaz de Oliveira. A gênese do controle difuso de


constitucionalidade. Revista de Processo, n. 229, março, 2014.

Avançada

Nicola Matteucci.  Organización del poder y libertad: história del


constitucionalismo moderno, Madrid: Editorial Trotta, 1998.

49

.R. C. van Caenegem.  Uma introdução história ao direito constitucional ocidental. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p. 11.
50

.Peter Häberle.  La jurisdicción constitucional en la fase actual de desarrollo del estado


constitucional. In: Häberle, Peter.  Estudios sobre la jurisdicción constitucional,  México: Editorial
Porrúa, 2005, n. II.4, p. 142. Ver também: Peter Häberle. El Estado constitucional, cit., § 61 p. 285.
51

.Maurizio Fioravanti. Los Derechos Fundamentales, cit., Cap. 1, n. 1, p. 32-33.


52

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.Carl Schmitt. Teoria de la Constitución. Madrid: Alianza Universidad Textos, 2006, § 6, n. 1, p. 67.
53

.R. C. van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito constitucional ocidental, p. 25.


54

.R. C. van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito constitucional ocidental, p. 26.


55

.Nicola Matteucci. Organización del poder y libertad, Madrid: Trotta, 1998, n. 2, p. 32-33. Ver ainda:
François Châtelet; Olivier Duhamel e Evelyne Pisier-Kouchner.  História das ideias políticas. RJ:
Jorge Zahar, 1997, cap. 2, p. 37-84.
56

.R. C. van Caenegem. Uma introdução história ao direito constitucional ocidental, p. 27.


57

.Mario G. Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010, cap. V, vol. 2.
p. 185 et seq.
58

.Ver: Miguel Carbonell.  El Neoconstitucionalismo: significado y niveles de análisis,  cit., n.  I-II,
p. 154-155. Ver também, Susanna Pozzolo. Reflexiones sobre la concepción neoconstitucionalista
de la Constitución.  In: Carbonell, Miguel; Jaramillo, Leonardo García (orgs.).  El canon
neoconstitucional, cit., p. 165 et seq. Para uma análise da relação entre neoconstitucionalismo e
positivismo, ver: Paolo Comanducci.  Il Neocostituzionalismo ideológico. In:  Filosofia e realtà del
diritto: studi in onore di Silvana Castignone. Torino: Giappichelli Editore, 2008, p.  141  et
seq. Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 2.4.2, p. 454 et seq.
59

.Ver: Carl Schmitt. Teoría de la Constitución, Madrid: Alianza Editorial, 2006, § 3º, p. 46-47.


60

.Georges Abboud.  Processo constitucional brasileiro,  cit., n.  5.3, p.  941  et seq.  Maurizio
Fioravanti.  Constitución de la antigüedad a nuestros días,  Madrid: Editorial Trotta, 2007, n.  3.5,
p. 132 et seq. Sobre o constitucionalismo como mecanismo de limitação do poder, conferir: Nicola
Matteucci.  Organización del poder y libertad: história del constitucionalismo moderno,  Madrid:
Editorial Trotta, 1998.
61

.Sobre tema, ver: Georges Abboud; Rafael Tomaz de Oliveira.  A gênese do controle difuso de
constitucionalidade. Revista de Processo, n. 229, mar. 2014, p. 433 et seq.

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8.3. A clássica distinção entre direito público e direito privado: a necessidade


de sua revisão e o fenômeno do constitucionalismo

Nesse ponto, evidenciaremos a clássica distinção entre direito público e direito


privado, para, em seguida, expor a influência do constitucionalismo sobre essa
dualidade.

A distinção entre direito público e direito privado tem sua origem nos conceitos
romanistas de ius privatum  e  ius publicum.  O primeiro é relacionado ao interesse
privado da sociedade civil (conjunto dos indivíduos sujeitos privados). Já o
interesse público encontra seu titular e exequente na figura do Estado. Assim, o
direito público pode ser visto como regulador do Estado, enquanto a sociedade civil
seria regulada pelo direito privado.62

A supramencionada dicotomia remonta ao direito romano. Naquele sistema,


corresponderiam ao direito público as matérias em que a comunidade atua perante
o indivíduo, exigindo sua subordinação (e.g., direito administrativo, canônico, penal
e processual). O direito privado compreende as relações privadas estabelecidas
entre particulares.63

Contudo, mesmo no direito romano, a jurisprudência romana considerava que


certas regras de direito privado eram ius publicum. Assim, determinadas regras de
direito privado, tendo em vista sua importância para a comunidade, não poderiam
ter sua vigência excluída pela convenção das partes.64

Sobre o tema, Antonio Menezes Cordeiro ressalta que a distinção é importante


do ponto de vista sistemático, na medida em que na prática não se operaria essa
distinção para cada relação jurídica. Assim, no direito público, dominam a
autoridade e a competência, enquanto, no direito privado, prevalecem a liberdade e
a igualdade.65

Nesse contexto, no âmbito das situações particulares, o sujeito pode agir


livremente, desde que não lhe sejam proibidas (atipicidade dos negócios jurídicos
privados). De modo distinto, no que tange ao direito público, o sujeito responsável
pelo trato das coisas públicas apenas pode agir desde que previamente autorizado,
dado que ele somente pode agir  secundum legem  (princípio da legalidade ou
tipicidade dos negócios de direito público).66

Com efeito, a distinção entre direito público e direito privado, em sua origem,
repousa na própria diferenciação entre Estado e sociedade, oriunda do
constitucionalismo monárquico do século XIX, a partir do qual o poder estatal
sustentava a si próprio na figura do monarca; já a sociedade, enquanto instituição,
organizava-se na câmara baixa do parlamento e não era fator de legitimidade do
poder real.67

Atualmente, a dicotomia direito público e direito privado não pode mais se


sustentar na total separação entre Estado e sociedade, afinal, essa radical
distinção não se opera no Estado Constitucional. Todavia, a distinção não deve ser

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totalmente abandonada, uma vez que ela possui aspectos importantes a serem
ressaltados.

Rosa M. A. Nery sublinha que, no plano ideológico, o direito privado deve ser
visto como o ordenamento que possui as regras protetivas do cidadão contra o
Estado e contra o arbítrio de grupos. Ou seja, ele tem por escopo prevenir
ingerências indevidas nas esferas dos particulares e a intromissão arbitrária da
autoridade na liberdade das pessoas.68

Nessa perspectiva, a citada jurista conclui pela importância do dualismo,


afirmando que: “se de um lado o  direito público  respeita à estrutura mesma do
poder, de onde emana a ordem necessária para a construção e mantença do
próprio sistema jurídico, o direito privado se volta para o elemento mais importante
desse sistema, que é o homem. Se de um lado a estrutura de poder precisa
sempre encontrar motivo e razoabilidade para o seu existir e para o seu regular e
eficiente funcionamento, de outro não se pode negar ao ser humano a realização
de sua humanidade, no seio da sociedade (estruturada) a que pertence”.69

Atualmente, em virtude da estruturação do Estado Constitucional e da influência


do constitucionalismo, a dicotomia direito público e direito privado sofreu profunda
reformulação.

De forma simplificada, o Estado Constitucional pode ser definido pela soberania


popular, isto é, o poder do próprio Estado advém da sociedade  – pela divisão de
poderes  –, caracteriza-se pela dignidade humana como premissa antropológico-
cultural, pelos direitos fundamentais e pela tolerância, pela pluralidade de partidos
e pela independência dos tribunais.70

Nessa nova modalidade de Estado, os direitos fundamentais do cidadão não


mais se limitam a liberdades negativas destinadas a impedir a ingerência do
Estado. A evolução do constitucionalismo assegurou que aos direitos fundamentais
fossem agregados direitos de natureza sociais que permitem ao particular exigir
prestações positivas do Estado. Ademais, surgiram novos direitos de natureza,
inclusive, difusa, tais como os direitos das crianças, do idoso (arts.  226,  227,
228, 229  e  230  da  CF/1988) e do meio ambiente (art.  225  da 
CF/1988).

Tanto assim é que Rosa M. A. Nery pondera que essas novas categorias de
direito ora podem ser analisadas como direito público, ora como direito privado:
tudo dependerá de qual a finalidade imediata da análise do fato em questão.71

Nesse contexto, para o Estado ser considerado Estado Constitucional ele deve
respeitar a delimitação entre esfera pública e privada, no sentido de que nem todas
as funções públicas são funções estatais (e.g., funções desempenhadas pela
imprensa, igreja e pelos partidos políticos) e, ao mesmo tempo, um Estado em que
algumas funções públicas não podem ser funções sociais (e.g., segurança pública
e defesa nacional).72

Por fim, cumpre evidenciar a importância da dignidade da pessoa humana no


Estado Constitucional que corrobora a diluição entre direito público e privado.
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Atualmente, a proteção da dignidade humana deve ser concebida como dever


jurídico fundamental do Estado constitucional, uma vez que ela constitui a
premissa para todas as questões jurídico-dogmáticas particulares. Vale dizer, ela
fundamenta, também, a sociedade constituída e eventualmente a ser constituída.
Assim, a dignidade humana cria uma força protetiva pluridimensional, de acordo
com a situação de perigo que ameaça os bens jurídicos de estatura
constitucional.73

Conforme ensinamento de Peter Häberle, a proteção da dignidade humana


constitui dever fundamental do Estado Constitucional, mais precisamente, um
dever jurídico fundamental. Por consequência, a soberania popular possui na
dignidade humana seu último e primeiro fundamento; o povo não constitui uma
grandeza mística, senão uma coordenação de diversos homens dotados, cada
qual com dignidade própria.74

Destarte, no Estado Constitucional, não se concebe poder do Estado que não


esteja assentado na soberania popular e na dignidade humana,
consequentemente, o dualismo entre direito público e privado mantém sua
importância sob o aspecto sistemático, contudo, dificilmente pode-se conceber
situação jurídica puramente privada ou puramente pública, na medida em que
todas elas estão diretamente normatizadas pelo texto constitucional. Com efeito, o
dualismo deve ser utilizado para realçar e fortalecer os direitos fundamentais do
cidadão em seu aspecto privado e destacar e pormenorizar as tarefas e os limites
do Poder Público.

8.3.1. A evolução do direito subjetivo

O direito subjetivo consiste em um dos conceitos mais elementares da teoria do


direito. O ponto de partida para sua compreensão é contrapô-lo ao próprio direito
objetivo.

A palavra direito, em aspectos gerais, adquire duas acepções distintas. O termo


direito pode corresponder à estrutura normativa de determinada comunidade com
sua hierarquia (conjunto de leis e demais textos normativos que compõem o
ordenamento jurídico), essa acepção corresponderia ao termo law do common law,
e seria a perspectiva objetiva do direito. Contudo, o termo direito não se apresenta
apenas mediante perspectiva objetiva, ele possui faceta subjetiva, perante a qual o
direito não representa mais o termo  law, mas, sim,  right  do  common law.  Nesse
ponto de vista, o direito (right) subjetivo corresponde à faculdade jurídica que o
ordenamento (direito objetivo) atribui à determinada pessoa.75

Em seu conceito amplo, direito subjetivo é a figura jurídica que dentro do


ordenamento normativo concede ao indivíduo espaço de autonomia, poder de
iniciativa que é irrenunciável e insubstituível em todo sistema jurídico.76

Deve-se à Jhering o conceito mais tradicional de direito subjetivo, que seria o


interesse juridicamente protegido.77  Referido conceito criou polêmica com
Windscheid, que defendia ser o direito subjetivo o poder da vontade assegurado
pelo direito objetivo. Kaufmann propõe uma acepção conciliatória para a polêmica;

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assim, o direito subjetivo seria: interesse juridicamente protegido + poder de


vontade assegurado pelo direito objetivo.78

Arthur Kaufmann assevera que estudar a relação existente entre direito


subjetivo e objetivo é fundamental para se compreender a própria concepção de
Estado de determinada comunidade. Kaufmann realiza tripartição classificatória
para os direitos subjetivos, que poderiam ser: públicos, privados e sociais. A
primeira categoria refere-se aos direitos subjetivos públicos, que seriam os direitos
do Estado em face do indivíduo (por exemplo, o crédito tributário).79

A formulação desses direitos é muito importante, uma vez que: “de acordo com
uma concepção autoritária, o Estado enquanto autoridade não precisa de tais
direitos. Ao invés, dum ponto de vista do Estado de Direito, o Estado não tem
nenhum poder em face do indivíduo que não lhe seja concedido através do Direito.
Estas concepções opostas referem-se também a: (b) direitos subjectivos do
indivíduo em face do Estado. No Estado autoritário, o indivíduo não tem mais
direitos, em especial não pode intentar ações contra Estado, no Estado de Direito,
pelo contrário, existe uma cláusula de geral jurisdição administrativa: se alguém for
lesado nos seus direitos pelo Poder Público, poderá recorrer à via judicial”.80

Os direitos subjetivos sociais seriam uma categoria híbrida que possui


características do direito privado e do direito público.81

Os direitos subjetivos privados admitem duas divisões. Direitos  sobre  algo e


direitos a algo e direitos para algo. Os direitos sobre algo são os absolutos, como o
direito de propriedade, cujos efeitos são oponíveis perante todos (erga omnes). Os
direitos  a  algo são os direitos-dever, por exemplo, direitos obrigacionais e de
crédito, bem como os direitos de participação, sócio em face da sociedade. Os
direitos  para  algo são os direitos-poder, compreendendo os direitos potestativos
em sentido lato.82

A segunda divisão dos direitos subjetivos particulares refere-se ao seu objeto:


direitos pessoais; patrimoniais e patrimoniais relativos. Os direitos pessoais são os
direitos personalíssimos, e.g., referentes ao próprio nome, à filiação, à paternidade;
os direitos patrimoniais se subdividem em absolutos, englobando os direitos reais,
direitos autorais, patente; e os patrimoniais relativos, que seriam os direitos de
crédito.83

Em conformidade com o que expusemos, examinar a relação entre direito


subjetivo e objetivo é necessário, porquanto ela elucida a própria concepção de
Estado de determinada comunidade. Nesse contexto, Massimo La Torre analisa o
aspecto político do direito subjetivo, ressaltando que ele possui uma construção
simbólica, de modo que seu conceito é historicamente, socialmente e culturalmente
determinado, configurando-se como espaço de autonomia do cidadão que não
pode ser suprimido em nenhum ordenamento.84

Desse modo, Massimo La Torre pontua a necessidade de se examinar o


conceito de direito subjetivo como se faria com o Estado Democrático de Direito
(rule of law), porque a sua presença é que determina a função, o lugar e a
autonomia de cada indivíduo perante sua comunidade jurídica.85

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A construção de direito subjetivo deve ser anterior ao próprio Estado, o direito


subjetivo não pode ser visto como concessão do Poder Público (Estado). Na
realidade, ele preexiste ao próprio Estado.

Nesse ponto, é importante salientar que, ao se afirmar o fato de o direito


subjetivo preexistir ao Estado, não se está afirmando sua natureza jusnatural como
concessão divina,  e.g.  O que se pretende afirmar, com fundamento em Massimo
La Torre, é que, antes do nível normativo fixado pelo Estado, existe nível normativo
difuso da sociedade, afinal, ela é formada por seres humanos, que possuem
capacidade jurídica para realizar atos intencionais. Assim, todo ordenamento
jurídico, fundado no ser humano, pressupõe uma capacidade jurídica que implica a
formação do próprio direito subjetivo. Portanto, ignorar a categoria do direito
subjetivo termina por formar sistema jurídico que não está centrado no próprio
homem.86

Urge ressaltar que não se está afirmando que todo sistema jurídico necessita
da presença do direito subjetivo para se desenvolver. Contudo, em virtude do
desenvolvimento social e histórico, e da consolidação do Estado Constitucional, o
sistema jurídico não pode mais ignorar a instituição do direito subjetivo, sob o risco
de tornar-se sistema autoritário em que a figura central do direito deixa de ser o
indivíduo e passa a ser o próprio Estado. Nessa concepção, o Estado deixa de ser
instrumento e instituição promovedora e asseguradora de direito e passa a
constituir-se um fim em si mesmo, função essa que não se coaduna com a atual
quadra da história que consolidou o Estado Constitucional e a presença dos
direitos fundamentais.

62

.Ana Prata. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, n. 1.2, p. 28.
Ver ainda: Miguel Nogueira Brito. Sobre a distinção entre direito público e direito privado.  In:
______.  Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia. Lisboa: Faculdade da
Universidade de Lisboa, 2010, vol. I. n. 1, p. 43-45.
63

.Paul Jörs e Wolfgang Kunkel.  Derecho privado romano.  Barcelona: Editorial Labor, 1937, §  32,
p.  78. Nesse sentido, é a definição de Ulpiano (D. 1,1,1,2): ius publicum est, quod ad statum rei
Romane spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem spectat.
64

.Paul Jörs e Wolfgang Kunkel. Op. cit., § 32, p. 79.


65

.António Menezes Cordeiro. Teoria geral do direito civil. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1994. vol. 1,
p. 12. Rosa Maria de Andrade Nery. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado. São Paulo: Ed. RT, 2008, n. 44.1, p. 172; Miguel Nogueira Brito. Op. cit., n. 4, p. 63.
66

.Rosa Maria de Andrade Nery. Op. cit., n. 44.1, p. 172.


67

.Miguel Nogueira Brito. Op. cit., n. 5.1, p. 66.


68

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.Rosa Maria de Andrade Nery. Op. cit., n. 44.1, p. 1723.


69

.Idem, n. 44.2, p. 175.


70

.Peter Häberle.  El Estado constitucional.  Buenos Aires: Editorial Ástrea de Alfredo y Ricardo
Depalma, 2007, § 2º, p. 83.
71

.Rosa Maria de Andrade Nery. Op. cit., n. 44.2, p. 174.


72

.Miguel Nogueira Brito. Op. cit., n. 5.1, p. 69.


73

.Peter Häberle. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In: Sarlet, Ingo
Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 128-129.
74

.Peter Häberle. A dignidade humana... cit., p. 133.


75

.Paulo Jörs e Wolfgang Kunkel. Op. cit., p. 78.


76

.Massimo La Torre. La lucha contra el derecho subjetivo: Karl Larenz y la teoría nacional socialista
del Derecho. Madrid: Dykinson, 2008, n. VII.3, p. 351.
77

.Ver: Rudolf Von Jhering. A evolução do direito. 2. ed. Salvador: Livraria Progresso Editora, n. 159,
p. 276.
78

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 7.III, p. 154.


79

.Idem, n. 7.III, p. 156.


80

.Idem, n. 7.III, p. 155.


81

.Idem, n. 7.III, p. 156.


82

.Idem, ibidem.
83

.Idem, ibidem.
84

.Massimo La Torre. Op. cit., p. 351.


85

.Idem, p. 356.
86

.Idem, n. VII.3, p. 360.

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8.3.2. Os direitos fundamentais. Conceito e função

Os direitos fundamentais (Grundrechte) constituem, na atualidade, o conceito


que engloba os direitos humanos universais e os direitos nacionais dos cidadãos.
As duas classes de direitos são, ainda que com intensidades diferentes, partes
integrantes necessárias da cultura jurídica de todo o Estado constitucional.87

Em nosso ordenamento, os direitos fundamentais estão contidos no art. 


5º  da  CF/1988, contudo, o §  2º do art.  5º determina que direitos e garantias
expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos
princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República
Federativa do Brasil seja parte.

A aplicação imediata configura característica inerente aos direitos


fundamentais, e o art.  5º, § 1º, da  CF/1988  determina expressamente a
aplicação imediata desses direitos.

Nessa perspectiva, o constitucionalismo consagrou formulação amplamente


difundida de que, atualmente, não são mais os direitos fundamentais que se
movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos
fundamentais. Desse modo, os direitos fundamentais asseguram ao cidadão uma
posição jurídica subjetiva, de fazer valer seu direito perante o Poder Público,
independentemente de lei ordinária regulamentadora do direito fundamental, ou
ainda se a lei for deficiente e inadequada.88

Acerca da aplicabilidade direta dos direitos fundamentais, nosso texto


constitucional é ainda mais enfático, uma vez que assegura a utilização do
mandado de injunção como ação constitucional (art.  5º, LXXI, da  CF) a ser
utilizada pelo cidadão para a concretização de seu direito fundamental quando não
existir lei infraconstitucional que regulamente esse direito.

De forma geral, podemos afirmar que os direitos fundamentais possuem duas


funções principais: limitação do Poder Público e proteção contra formação de
eventuais maiorias.

No que diz respeito à sua primeira função, importante ressaltar que, em um


Estado de Direito, existe forte sentido substancial exercido pelos direitos
fundamentais em relação à atuação do Poder Público. Assim, os poderes estão
limitados pela Constituição e vinculados a ela, não apenas quanto à forma e aos
procedimentos, mas também quanto aos conteúdos.

Por outros termos, no Estado Constitucional de Direito, a Constituição não


apenas disciplina as formas de produção legislativa, mas também impõe a essa
proibições e obrigações de conteúdo correspondentes aos direitos de liberdade e
aos direitos sociais, cuja violação ocasiona antinomias e lacunas que a ciência
jurídica precisa identificar para que sejam eliminadas e corrigidas.89

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Desse modo, cabe especificar, como bem ensina Garcia Herrera, que o Estado
Democrático de Direito, em uma perspectiva garantista, está caracterizado não
apenas pelo princípio da legalidade formal, que subordina os poderes públicos às
leis gerais e abstratas, mas também pela legalidade substancial, que vincula o
funcionamento dos três poderes à garantia dos direitos fundamentais.90

Sendo assim, é facilmente perceptível que os direitos fundamentais constituem-


se primordialmente em uma reserva de direitos que não pode ser atingida pelo
Estado [Poder Público] ou pelos próprios particulares.91

Na realidade, os direitos fundamentais asseguram ao cidadão um feixe de


direitos e garantias que não poderá ser violado por nenhuma das esferas do Poder
Público. Os referidos direitos apresentam dupla função: constituem prerrogativas
que asseguram diversas posições jurídicas ao cidadão, ao mesmo tempo que
constituem limites/restrições à atuação do Estado.92

Hodiernamente, a existência e a preservação dos direitos fundamentais são


requisitos fundamentais para se estruturar o Estado Constitucional, tanto no âmbito
formal quanto material.

Além de sua importância como instrumentos de limitação do Poder Público, os


direitos fundamentais exercem forte função contramajoritária, assim, ter direito
fundamental assegura a existência de posição juridicamente garantida contra as
decisões políticas de eventuais maiorias políticas.93

Exemplo interessante, nesse sentido, é a questão da pena de morte. Nossa


Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVII, a, assegura a inexistência de pena de
morte, salvo em caso de guerra declarada. Desse modo, é possível afirmar que em
nosso sistema jurídico a vida é direito fundamental, sendo vedada em todas as
hipóteses a instituição da pena de morte, salvo nos casos de guerra declarada.

Assim, mesmo que grande parte da sociedade e a maioria parlamentar


entendam que a pena de morte consiste em alternativa viável para diminuição da
criminalidade, essa vontade, apesar de ser da maioria política, não poderá
prevalecer, porque os direitos fundamentais (no caso, a vida) a impedem de se
concretizar. Qualquer lei que pretenda instituir a pena de morte diante de nosso
sistema constitucional será considerada inconstitucional e não poderá gerar
efeitos. Esse exemplo ilustra adequadamente a função contramajoritária dos
direitos fundamentais.

A função contramajoritária do direito fundamental assegura, em última


instância, a força normativa da Constituição e a preservação do princípio da
dignidade da pessoa humana. Do contrário, as posições minoritárias seriam
perseguidas e, ao final, suprimidas. Assim, a “ideia dos direitos fundamentais como
trunfos contra a maioria não é mera exigência política ou moral ou uma construção
teórica artificial. Ela é também uma exigência do reconhecimento da força
normativa da Constituição da necessidade de levar a Constituição a sério: por
majoritários que sejam, os poderes constituídos não podem pôr em causa aquilo
que a Constituição reconhece como direito fundamental”.94

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8.3.2.1. Os modelos de fundamentação dos direitos fundamentais

Maurizio Fioravanti,95 em obra dedicada à evolução dos direitos fundamentais,


propõe um esquema em três modelos de fundamentação teórica das liberdades
(direitos fundamentais de primeira dimensão).

8.3.2.1.1. O modelo historicista

O primeiro modelo é  historicista,96  desenvolvido pela tradição anglo-saxônica


das liberdades, cuja principal característica é a constatação de que o
reconhecimento dos direitos se dá mediante processo histórico que se confunde
com o próprio common law. O modelo inglês/historicista é essencialmente distinto
dos demais por conter elemento genuíno e dinâmico: a jurisprudência, daí ele
corresponder ao common law inglês.

Desse modo, formou-se no modelo inglês a convicção de que o tema das


liberdades, enquanto expressão da jurisprudência e manifestação das regras
da common law, é substancialmente indisponível por parte do Poder Público, seja
ele Executivo ou Legislativo. Vale dizer que a Inglaterra, ao contrário da França,
não admitiu a figura do Legislador Absoluto; mesmo a partir da  Glorious
Revolution, a soberania parlamentar que surgiu para limitar o Poder Real nunca se
desvirtuou em poder soberano e ilimitado.97

O constitucionalismo inglês desconfia de uma concepção radical do Poder


Constituinte.98  Nesse sistema, o citado poder, ainda que originário, não possui
legitimidade para iniciar a partir do zero sua ação. A sua atuação, em última
instância, está limitada pelo catálogo de direitos fundamentais que foram
historicamente garantidos pela própria jurisprudência. Com efeito, a doutrina de
John Locke99  assegura ao povo o direito de resistência, em caso de tirania e de
dissolução do governo. Trata-se de direito concebido como instrumento de
restauração da legalidade violada e não como instrumento de projeção de uma
nova e melhor ordem política.100

Assim, pode-se concluir que, no modelo historicista, as liberdades civis


(negativas, patrimoniais e civis) ocupam posição extremamente privilegiada,
inclusive em relação às liberdades políticas. Nesse sistema, as liberdades políticas
são acessórias em relação às civis. É dizer, a possibilidade de participar da
formação da lei está em função de se poder controlar e equilibrar as forças, para
manter-se incólume a proteção dos direitos já conquistados.101

Dessa maneira, no constitucionalismo inglês, não se consegue precisar o


momento constituinte puramente originário, entendido como poder absoluto do
povo ou da nação para projetar uma nova ordem constitucional dependente da
vontade dos cidadãos. A essa premissa opõe-se a dimensão irrenunciável do
governo moderado e equilibrado como forma que a história tem o apresentado: que
o indivíduo não pode perturbar sem que, concomitantemente, seja perturbada toda
a ordem política e social.102

Desse modo, em síntese, pode-se afirmar que o modelo historicista (inglês)


confere especial importância às liberdades civis (direitos fundamentais), tendo sido
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seu principal elemento diferenciador  – a jurisprudência  – o responsável pela


construção e proteção desses direitos.103

Dessa forma, “historicamente, a atuação do Poder Executivo e a atividade do


Legislativo foram limitadas pela manutenção e garantia dessas liberdades
conquistadas/asseguradas pela jurisprudência, de modo que o constitucionalismo
inglês não admite a figura do Poder Constituinte ilimitado, porquanto mesmo esse
Poder somente pode atuar para resgatar o governo limitado e moderado
respeitador dos direitos fundamentais”.104

8.3.2.1.2. O modelo individualista

O modelo individualista – que está presente, de alguma forma, tanto na tradição


continental como na tradição anglo-saxônica, como produto próprio dos processos
de transformações sociais, culturais e do saber que se operaram na modernidade –
foi, de alguma forma, o que possibilitou o rompimento com o modelo político-
jurídico-social predominante no Medievo. O modelo individualista, a seu modo,
também se orienta para tutelar o binômio liberdade e propriedade.105

O modelo individualista tem como premissa fundamental a primazia do


indivíduo exclusivamente perante o poder estatal. Ponto marcante que o distingue
do modelo historicista diz respeito ao lugar ocupado em cada um deles pela
revolução. Em resumo, o modelo historicista preconiza primordialmente a ideia do
governo limitado. O individualista, por sua vez, sustenta, em primeiro lugar, uma
revolução social que elimine os privilégios e a ordem estamental que os
fundamenta.106

No paradigma individualista, a Constituição não é apenas um pacto entre o


príncipe e o povo ou qualquer outra organização estamental. Nesse modelo, a
Constituição consiste na decisão política adotada pela nação, que é uma instituição
una, indivisível e capaz de fixar seu próprio destino. Para o modelo individualista,
toda a Constituição pressupõe essa unidade.107

Na realidade, o modelo individualista é fundamentado no contratualismo108  e


reivindica como premissa a  presunção de liberdade,  portanto, defende que o
exercício das liberdades não pode ser guiado ou dirigido pela autoridade pública,
mas tão somente delimitado pelo legislador.109

O modelo individualista sustenta a total primazia e anterioridade dos direitos


fundamentais em relação à figura do Estado que surge como instrumento para
garantir e aperfeiçoar a tutela dos referidos direitos.

No modelo individualista, o Poder Constituinte também é elemento


diferenciador. Nesse paradigma, o Poder Constituinte é tratado como o
fundamental e originário poder dos indivíduos de decidir sobre a forma e o rumo da
estrutura política, ou seja, o Estado. Esse Poder Constituinte será o pai de todas as
liberdades políticas.110

Nesse ponto, o modelo individualista também se diferencia do estatalista. O


Poder Constituinte é incompatível com o paradigma estatalista. Isso ocorre porque,

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nesse modelo, a sociedade de indivíduos politicamente ativos nasce somente com


o Estado e por meio do Estado; antes desse momento não existe nenhum sujeito
politicamente significativo. O estatalista não reconhece a qualidade de sujeito
político ao povo ou à nação antes da existência do próprio Estado.111

Historicamente, os modelos, individualista e historicista, disputam qual a melhor


forma de se tutelar os direitos individuais. A visão individualista, ainda que em
menor escala, também possui diferenças em relação à historicista. Em
conformidade com o exposto, os individualistas postulam que o melhor modo de
garantir as liberdades é confiá-las à autoridade da lei do Estado, dentro dos limites
rigidamente fixados pela presunção de liberdade e a condição sine qua non de que
o Estado seja posterior à sociedade civil, por consequência, fruto da vontade
constituinte dos cidadãos. Já os historicistas preconizam que não existem
garantias sérias e estáveis de manutenção das liberdades – uma vez que o poder
político já tenha se apoderado da capacidade de defini-las. Assim, para o
historicista, a melhor forma de se tutelar e garantir essas liberdades é mediante a
atuação da jurisprudência, em virtude de sua natureza mais prudente e ligada ao
transcurso natural do tempo e à evolução da sociedade.112

8.3.2.1.3. O modelo estatalista

O modelo estatalista é o que se forma na Europa continental a partir do século


XIX, no período exatamente posterior à chamada codificação dos ideais
jusnaturalistas com os Códigos Civis francês e alemão e que coincide com o
aparelhamento burocrático do Estado de Direito liberal e a formação do Direito
Público europeu.113

Na realidade, “a melhor forma de compreender a doutrina estatalista é


confrontá-la com aquilo que ela pretende superar: o individualismo revolucionário
que a antecede. Quanto ao modelo historicista, o estatalismo não o rechaça
completamente. Pelo contrário, acaba se aproximando dele em alguns pontos,
embora discorde em relação ao modo de fundamentação do próprio poder”.114

Como afirma Fioravanti, o modelo estatalista se difere do individualista porque


neste, ao contrário daquele, presume-se a existência da sociedade civil dos
indivíduos como anterior ao Estado. Contudo, o elemento Estado e o sentimento
de descontinuidade histórica  – que também se manifesta no modelo estatalista  –
afiguram-se presentes já nesse primeiro período pós-revolução.

Em resumo, no paradigma estatalista todas as liberdades se fundam única e


exclusivamente sobre as normas impostas pelo próprio Estado. Assim,
forçosamente se deve admitir que nesse modelo apenas existe um único direito
fundamental, qual seja, o de ser tratado conforme as leis do Estado.115

No modelo estatalista, faz-se necessário ressaltar o relativo desprestígio que a


jurisprudência (Poder Judiciário) sofre quando o paradigma estatalista é
comparado ao modelo historicista, principalmente. Em um sistema político erigido
sobre princípios de caráter estatalista, é difícil que o juiz (ordinário ou
administrativo) seja completamente livre para tutelar direitos individuais no
momento em que eles se chocarem com razões de autoridade. Nesses momentos
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críticos, o Estado não pode atuar como terceiro neutro perante conflitos
estabelecidos entre as razões individuais dos particulares e as razões da
autoridade pública da burocracia do Estado.116

87

.Peter Häberle. El Estado constitucional… cit. § 65, p. 304.


88

.Jorge Miranda e Rui Medeiros.  Constituição portuguesa anotada,  2.  ed. Coimbra: Coimbra Ed.,
2010, Const. Port. 18, t. I, p. 319.
89

.Luigi Ferrajoli. Pasado y futuro del estado de derecho. In: Carbonell, Miguel
(Org.). Neoconstitucionalismo(s). 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 13 e 18.
90

.Miguel Angel Garcia Herrera. Poder judicial y Estado social: legalidad y resistencia constitucional.
In: Perfecto Andrés Ibáñez (org.). Corrupción y Estado de Derecho  – El papel de la jurisdicción.
Madrid: Editorial Trotta, 1996, p. 71.
91

.Sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ver: Wilson Steinmetz.  A
vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
92

.Cf. Thomas Fleiner; Alexandre Misic e Nicole Töpperwien. Swiss constitutional law. Berne: Kluwer
Law International, 2005, n. 466, p. 153.
93

.Jorge Reis Novais. Direitos como trunfos contra a maioria  – Sentido e alcance da vocação
contramajoritária dos direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. In: Clève,
Clèmerson Mèrlin; Sarlet, Ingo Wolfgang; Pagliarini, Alexande C. (orgs.).  Direitos humanos e
democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 90.
94

.Jorge Reis Novais. Op. cit., p. 91.


95

.Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales: apuntes de historia de las constituciones. 5. ed.


Madrid: Editorial Trotta, 2007.
96

.O modelo historicista de fundamentação das liberdades proposto por Fioravanti não remete,
necessariamente, para o historicismo filosófico alemão. Com efeito, a proposta de análise de
Fioravanti simplesmente pretende apontar para o caráter de continuidade histórica que existe no
contexto da formação dos direitos no espaço anglo-saxão

(ao contrário, por exemplo, do modelo francês, de cunho nitidamente ruptural). Veja-se o exemplo
da revolução gloriosa, cujo escopo fundamental consistia justamente na restauração da legalidade
parlamentar já vigente, enquanto a revolução francesa tinha como principal intuito romper
totalmente com a legalidade vigente, a fim de instituir uma nova (revolucionária). Já o historicismo
filosófico  – que se forma no contexto do romantismo alemão, desaguando em Dilthey  – tem
características fundamentalistas (no sentido da fundamentação inconcusum, no nível filosófico do
pensamento), além de apostar em elementos nacionalistas. Sobre o modelo historicista de
fundamentação das liberdades, cf. Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1,
n.  1, p.  26-34. Para um aprofundamento crítico sobre a questão do historicismo, cf. Ernildo

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Stein. Racionalidade e existência. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2008, epílogo, p. 127-134. Ver também: Hans-
Georg Gadamer. Verdade e método. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, n. 1.2., p. 335 et seq.
97

.Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., n. 1, p. 32-33. Georges Abboud. Processo


constitucional brasileiro, cit., n. 4.4, p. 833 et seq.
98

.Importante destacar que a Carta Magna inglesa de 15.07.1215 pode ser considerada como
modelo e origem das modernas Constituições liberais. Sobre essa questão, ver: Carl
Schmitt. Teoria de la Constitución. Madrid: Alianza Universidad Textos, 2006, § 6º, n. 1, p. 67.
99

.Cf. John Locke.  Dois tratados sobre o governo.  São Paulo: Martins Fontes, 1998. Ver também:
Clarence Morris (org.). Os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, n. 6 (John
Locke), p. 152-153. Comentando a obra de Locke, ver: Jean-Jacques Chevallier. As grandes obras
políticas de Maquiavel a nossos dias. 8.  ed. São Paulo: Agir, 2001, 2.ª Parte, cap. I, p.  103-117.
Ver, ainda: François Châtelet, Olivier Duhamel e Evelyne Pisier-Kouchner.  História das ideias
políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, cap. II, n. 2 D, p. 57-60.
100

.Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1, n. 1, p. 34. Comentando o direito


de resistência de Locke, ver: Ian Shapiro. Os fundamentos morais da política. São Paulo: Martins
Fontes, 2006, n. 5.1, p. 145. Para análise sobre a evolução e o conceito do direito de resistência,
ver: Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, cap. 13, n. VII,
p. 306-313. Sobre desobediência civil, conferir: Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. 2.  ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2005, n. 4, p. 153-174.
101

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro... cit., n. 4.2.1, p. 828 et seq.


102

.Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1, n. 2, p. 35.


103

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro... cit., n. 4.2.1, p. 828 et seq.


104

.Idem, ibidem.
105

.Sobre a relação das teorias contratualistas e a proteção dos direitos individuais, ver: Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.3, p. 830 et seq. Ian Shapiro. Op. cit., n. 5.1,
p. 145-147.
106

.Georges Abboud.  Processo constitucional brasileiro, cit., n.  4.2.1, p.  828  et seq.; Maurizio
Fioravanti. Los derechos fundamentales… cit., cap. 1, n. 2, p. 37.
107

.Carl Schmitt. Op. cit., § 6º, n. 5, p. 72.


108

.Acerca do contratualismo citado, cf. Jean Jacques-Rousseau.  O contrato social: princípios do


direito político. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Para comentário de Rousseau, ver: Jean-Jacques
Chevallier. Op. cit., 2.ª parte, cap. III, p. 163-195. Ver, ainda: John Locke. Op. cit. Sobre Locke, ver,
ainda: Clarence Morris (org.). Op. cit., n. 6 (John Locke), p. 130 et seq. Para seleção da obra de
Rousseau cf. Clarence Morris (org.), op. cit., n. 9 (Jean-Jacques Rousseau), p. 211 et seq.
109

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.Maurizio Fioravanti.  Los derechos fundamentales... cit., cap. 1, n.  2, p.  41; Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.3, p. 830 et seq.
110

.Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1, n. 2, p. 41-42.


111

.Idem, cap. 1, n. 2, p. 42.


112

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro,  cit., n.  4.3, p.  830  et seq., p.  338. Maurizio
Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1, n. 2, p. 43-44.
113

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.3, p. 830 et seq.


114

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.3, p. 830 et seq., p. 339.


115

.Ver: Maurizio Fioravanti.  Los derechos fundamentales...  cit., cap. 3, n.  2, p.  120. Ver: Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.4, p. 833 et seq. Para uma crítica aos vínculos
estatalistas existentes na vertente teórica da instrumentalidade do processo, conferir: Georges
Abboud e Rafael Tomaz de Oliveira. O dito e o não dito sobre a instrumentalidade do processo:
críticas e projeções a partir de uma exploração hermenêutica da teoria processual.  Revista de
Processo. n. 166. p. 47-59 (n. 3.2-3.3). São Paulo: Ed. RT, 2008.
116

.Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 3, n. 2, p. 120.

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8.3.2.2. Direitos fundamentais e a Constituição Federal

Atualmente, na maior parte dos Estados democráticos, os direitos fundamentais


estão catalogados e assegurados em textos constitucionais. Por consequência, os
direitos fundamentais possuem absoluta normatividade, devendo ser aplicados
imediatamente.

Nesse sentido, Friedrich Müller pontua que os direitos fundamentais, a partir do


momento em que são positivados no texto constitucional, passam a ser
considerados direitos vigentes, adquirindo caráter estatal-normativo; por
conseguinte, seu respeito significa respeitar o próprio direito positivo.117

Assim, a positivação dos direitos fundamentais nos textos constitucionais é


importante para a respectiva concretização desses direitos. Todavia, os direitos
fundamentais, ainda que tenham sua normatividade diretamente proveniente do
texto constitucional, têm a existência como fruto do desenvolvimento histórico de
cultura de cada sociedade (historicismo).118

Nessa perspectiva é que se apresenta importante a elaboração de uma teoria


referente às restrições aos direitos fundamentais.119  Atualmente, tão importante
quanto assegurar a implementação dos direitos fundamentais é estabelecer em
que hipóteses é legítima uma restrição a esses direitos. Em estudo dedicado ao
tema, concluímos serem necessários cinco requisitos cumulativos: a) a restrição
deve estar constitucionalmente autorizada; b) deve ser proporcional; c) seu
fundamento pode ser o de interesse social, mas não interesse público; d) a
restrição deve estar exaustivamente fundamentada (art.  93, IX, da  CF/1988);
e) o ato administrativo que restringir direito fundamental pode ser revisto pelo
Poder Judiciário.120

A restrição a qualquer direito fundamental deve, necessariamente, observar o


princípio da proibição de excesso [Übermassverbot]. Isto é, toda restrição a direito
fundamental deve ser proporcional.121

Outrossim, a restrição dos direitos fundamentais pode estar constitucionalmente


autorizada e fundamentada em interesse social, mas não no interesse público. Isso
ocorre porque a decretação do “interesse público” é um ato arbitrário do Estado,
que, como um Midas, coloca o selo de “público” em tudo o que toca. Ou seja, do
ponto de vista prático, seria complicado conseguir demonstrar que determinada
restrição não atende ao interesse público contra justamente o instituidor e o
principal beneficiário da restrição. Ao contrário, o interesse social demanda
justificativa exaustiva por parte do Poder Público quando determinar a restrição a
algum direito fundamental, haja vista que terá que demonstrar,
pormenorizadamente, quais os direitos fundamentais que serão beneficiados com
a medida e qual o dispositivo constitucional autorizativo da referida restrição.122

No Estado Constitucional, não há mais espaço para o ato administrativo


puramente discricionário. A discricionariedade não se coaduna com o Estado
Democrático de Direito, uma vez que todo ato do Poder Público, principalmente
aquele restritivo de direitos, deve ser amplamente fundamentado, expondo com
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exaustão os fundamentos fático-jurídicos, a fim de demonstrar por que aquela


escolha da Administração Pública é a melhor possível. Todo ato proveniente do
direito público que busque restringir qualquer direito fundamental deve ser
amplamente fundamentado, não basta mais simples alegações de que a restrição
beneficiaria o interesse público. No Estado Democrático de Direto, a mera
alegação de preservação do interesse público não permite a realização de
qualquer restrição a direito fundamental.123

Todo ato da Administração Pública que pratique restrição a direito fundamental


poderá ser revisto pelo Poder Judiciário. Primeiro, porque nessa matéria inexiste
discricionariedade administrativa que não possa ser sindicada pelo Poder
Judiciário; segundo, porque em última instância é tarefa do próprio Poder Judiciário
examinar se existe ilegalidade e principalmente (in)constitucionalidade no ato do
Poder Público que restrinja direito fundamental, sendo que qualquer restrição a
esse direito configurará flagrante violação ao disposto no art.  5º, XXXV, da 
CF/1988.124

Destarte, os direitos fundamentais não devem ser compreendidos apenas na


dimensão do texto constitucional, isso porque a positivação desses direitos é fruto
do desenvolvimento histórico da sociedade e da evolução do próprio
constitucionalismo, que tem como uma de suas funções principais a regulação
(controle) do poder e, consequentemente, a preservação dos direitos
fundamentais.125

Leitura recomendada

Básica

Georges Abboud. Processo Constitucional Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Ed. RT,


2021, cap. 4.

Intermediária

Paul Jörs e Wolfgang Kunkel.  Derecho privado romano.  Barcelona: Editorial


Labor, 1937, § 32.

Avançada

Miguel Nogueira Brito. Sobre a distinção entre direito público e direito privado.
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia.  Lisboa: Faculdade da
Universidade de Lisboa, 2010. vol. I.

117

.Friedrich Müller. Teoria e interpretação dos direitos humanos nacionais e internacionais  –


Especialmente na ótica da teoria estruturante do direito. In: Clève, Clèmerson Merlin; Sarlet, Ingo
Wolfgang; Pagliarini, Alexandre Coutinho (orgs.). Direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, n. I, p. 46.
118

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.Ver: Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.2, p. 826 et seq.


119

.Para teorização sobre restrições a direitos fundamentais, ver: Georges Abboud. O mito da
supremacia do interesse público sobre o privado  – A dimensão constitucional dos direitos
fundamentais e os requisitos necessários para se autorizar restrição a direitos
fundamentais. Revista dos Tribunais. vol. 907. p. 61. São Paulo: Ed. RT, 2011.
120

.Georges Abboud. O mito da supremacia... cit., n. 6, p. 104 et seq.


121

.Idem, n. 6.2.2, p. 106-108.


122

.Idem, p. 108-109.
123

.Idem, n. 6.2.4, p. 109-112.


124

.Idem, n. 6.2.5, p. 112.


125

.Cf., em especial, a introdução feita por Bartolomé Clavero para a obra de Nicola
Matteucci.  Organización del poder y libertad: historia del constitucionalismo moderno.  Madrid:
Editorial Trotta, 1998, p.  9-21. Sobre o tema, merece destaque o artigo elaborado por Rafael
Tomaz de Oliveira. A Constituição e o estamento: contribuições à patogênese do controle difuso de
constitucionalidade brasileiro.  In: Streck, Lenio Luiz; Barreto, Vicente de Paula; Culleton, Alfredo
Santiago (orgs.).  20 anos de Constituição: os direitos humanos entre a norma e a política.  São
Leopoldo: Óikos, 2010, n. 2.1, p. 221.

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8.4. Lei

A lei é considerada tradicionalmente a principal fonte do direito, principalmente


nos países de tradição do civil law, sendo por diversas vezes a lei confundida com
o próprio conceito de direito.126

Tendo em vista sua importância, a lei e o respectivo princípio da legalidade


estão positivados em nosso texto constitucional (art.  5º, caput  e II, da 
CF/1988).

Para conceito inicial sobre a lei, deve-se utilizar a oposição; desse modo, a lei
será aquilo que se opõe ao costume e à jurisprudência. Essa distinção
fundamenta-se na própria teoria da separação dos poderes. Assim, a lei é o
produto do ato legislativo por excelência, não podendo ser confundido com o ato
administrativo (Executivo), nem com a jurisprudência (Poder Judiciário).127

A partir de um ponto de vista estritamente formal, a lei pode ser considerada


todo texto normativo de caráter geral e abstrato cuja aplicação seja para o futuro.
Contudo, essas características também estão presentes em outros institutos, como
a súmula vinculante (art. 103-A da  CF/1988) e as medidas provisórias (art. 
62 da  CF/1988).

Arthur Kaufmann ensina que a lei sempre esteve presente na história do próprio
direito, ocorre que somente no século XIX é que ela alcançou seu apogeu.
Diversos fatores contribuíram para isso, merecendo destaque a complexidade da
sociedade, que criou economia mais desenvolvida, tornando-se necessária uma
maior segurança jurídica, cujo alcance seria possível com a própria lei, que
continha racionalidade e sua fórmula era geral e abstrata.128  Nesse ponto, o
conceito de legislação fundava-se no paradigma positivista.

Na realidade, o século XIX demandava uma segurança jurídica que o direito


natural não havia conseguido proporcionar, daí a importância de o séc. XIX
instituir-se sob o império da lei, sem que isso, necessariamente, caracterizasse
perda da liberdade. Vale dizer, a lei deve ser condição de liberdade da pessoa,
dentro da qual o indivíduo fica possibilitado de realizar sua personalidade ética.129

Carl Schmitt fornece sofisticada e interessante análise sobre o conceito de lei.


De início, o autor alemão ressalta a necessidade de a lei relacionar-se com o
Estado de Direito. Ou seja, a simples existência de legislação não é o suficiente
para caracterizar o Estado de Direito, do contrário, os Estados autoritários também
deveriam ser considerados Estado de Direito. Assim, para relacionar a lei com o
Estado de Direito, faz-se necessário introduzir diversas qualidades no conceito de
lei.130

Nessa perspectiva, o autor evidencia as duas perspectivas em que se pode


examinar o conceito de lei: formal e material.

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Em seu aspecto formal, a lei é o texto normativo acordado pelos órgãos


legislativos competentes, dentro do processo legislativo, constitucionalmente
estabelecido.131

Entretanto, a lei não possui aspecto apenas formal, ela contém dimensão
política em sua composição, sendo, portanto, insuficiente caracterizá-la sob o
aspecto estritamente formal. Assim, a lei, dentro do Estado de Direito, deve possuir
certas características: a regulação deve ser razoável e possuir caráter
geral.132 Com efeito, em seu aspecto material, a lei possui conteúdo político porque
ela significa a concretização de uma vontade e de um mandado. Na monarquia, é a
concretização da vontade do rei, na democracia, é a representação da vontade do
povo.133

Portanto, a lei deve ser vista como o texto normativo geral e abstrato produzido
pelos órgãos legislativos, constitucionalmente fixados. Ademais, em sua
formulação, a lei deve ser razoável e geral, a fim de promover a igualdade dos
cidadãos. Desse modo, a lei não pode ser utilizada como instrumento em favor do
governo, do contrário, a lei não assegurará a liberdade, mas tão somente o regime
absolutista do monarca ou de eventual maioria.134

A análise do aspecto material da lei é fundamental para a atual situação


histórica que nos encontramos, isso porque, depois da segunda guerra mundial,
tornou-se consenso que nem todo conteúdo legislativo poderia ser considerado
direito.

Nesse contexto, depois de 1945, ocorreu um momento de ruptura na Europa


justamente sobre a histórica questão de se a lei pode ser tudo e se tudo pode ser
lei. Assim, a Europa passou a elaborar nova resposta a essa questão, que marca,
profundamente, a análise do direito em nosso tempo.135  Assim, hodiernamente,
existe amplo consenso no sentido de que ao menos a lei injusta não deve ser
incluída no conceito de direito.136  Exatamente nesse ponto é que se evidencia a
importância do constitucionalismo, que analisaremos no tópico seguinte, como
fenômeno que assegura o controle do poder e da legislação.

8.4.1. Distinção entre lei e Constituição

O constitucionalismo surge como fenômeno histórico-político cuja função


consiste em limitar e racionalizar o poder político, estabelecendo todas as regras
normativas a partir das quais o Estado pode agir. Ademais, é o constitucionalismo
que impõe limites ao poder soberano, mediante a divisão de poderes,
estabelecendo como valores primordiais da sociedade a liberdade, igualdade e a
preservação dos direitos fundamentais.137

No Estado Constitucional, a Constituição passa a ser a salvaguarda da própria


sociedade. Isso porque ela limita a soberania do Estado, ou seja, no
constitucionalismo, é impensável qualquer sujeito político amplamente soberano
que não encontre limites no texto constitucional.138

Portanto, a Constituição é essencial para a vida do Estado, porque sem ela não
se saberia quais são os órgãos supremos de um Estado, como se formam, como

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expressam sua vontade e que limites possuem, e, por fim, como se situam os
particulares nessa organização política, quais são seus direitos perante o Estado.
Daí, atualmente, ser impensável um Estado sem Constituição, bem como
Constituição sem Estado.139

Nossa Constituição Federal de 1988 é fruto do constitucionalismo democrático


que teve início no séc. XX a partir de Weimar.140

Nesse movimento histórico, as Constituições não mais se restringiram apenas a


limites e separar os poderes e a assegurar a utilização da lei para a promoção dos
direitos. Essas Constituições tinham por objetivo primordial assegurar a existência
de alguns princípios constitucionais fundamentais. A partir desse ponto, as
Constituições adquirem nova faceta, na medida em que elas passam a buscar
instrumentos institucionais necessários para assegurar a preservação dos
princípios fundamentais. Obviamente que cada Constituição possui suas
particularidades referentes ao momento histórico e social de seu surgimento,
contudo, dois princípios fundamentais estavam, em maior ou menor medida,
presentes em cada uma delas O princípio da inviolabilidade dos direitos
fundamentais e o princípio da igualdade. Esse segundo princípio, nas
Constituições democráticas, não se limita mais à mera proibição de discriminação,
ele adquire dimensão promocional como mecanismo de acesso a bens
fundamentais de convivência civil, tal como direito à educação, à saúde e aos
direitos sociais.141

A partir do que expusemos, é fácil depreender que a Constituição Federal não


se relaciona apenas com a limitação e racionalização do próprio Estado, pois, a
partir da Constituição de Weimar, elas  – as Constituições  – adquirem dimensão
democrática.

Nesse contexto, Peter Häberle oferece conceito amplamente democrático sobre


o que seria a Constituição. Para o insigne constitucionalista, a Constituição
significa ordem jurídica fundamental do Estado e da sociedade. A Constituição não
é apenas Constituição “do Estado”, ela possui um conceito mais amplo que
compreende as estruturas fundamentais da sociedade. A Constituição, num Estado
Democrático, não estrutura apenas o Estado em sentido estrito, mas também o
espaço público e o privado, constituindo, assim, a sociedade.142

Acerca desse assunto, Lenio Streck ressalta que: “a dimensão política da


Constituição não é uma dimensão separada, mas, si, o  ponto de estofo  em que
convergem as dimensões  democrática  (formação da unidade política),
a liberal (coordenação e limitação do poder estatal) e a social (configuração social
das condições de vida) daquilo que se pode denominar de essência do
constitucionalismo do segundo pós-guerra”.143

Em decorrência do que expusemos neste item da obra, não se pode confundir a


lei como fonte do direito com a própria Constituição Federal. A segunda, apesar de
estabelecer todas as etapas necessárias do processo legislativo, não pode ser
equiparada à própria lei.

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A Constituição estabelece a formação do próprio Estado (o Constitucional),


além disso, ela racionaliza e limita a soberania e os poderes constituídos. Com
efeito, não há poder legítimo que não esteja previsto na Constituição e que nela
não encontre também seus limites.

Ademais, a Constituição estabelece princípios fundamentais (v.g.,  liberdade e


igualdade) e direitos fundamentais que devem ser promovidos e respeitados pelos
três poderes, sendo a lei um dos principais instrumentos para implementá-los.

Ocorre que, se em algum instante a lei for contrária ao que prescrevem esses
princípios fundamentais (constitucionalmente assegurados), ela deverá ser
controlada, mediante o controle de constitucionalidade das leis, seja difuso, no
caso concreto, ou em sede concentrada pelo STF. Dessarte, a Constituição
estabelece o fundamento de validade e os limites da realização da própria lei, o
que a impede de com ela ser confundida.

126

.Para uma crítica a essa concepção ver: Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 9.I, p. 201-204.
127

.Maria Lúcia Amaral. A lei na história das ideias. Pequenos apontamentos. In: ______. Estudos em
homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra: Almedina, 2010, n. I, p. 380.
128

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 9.III, p. 211.


129

.Idem, ibidem.
130

.Carl Schmitt. Op. cit., § 13, p. 149.


131

.Idem, ibidem.
132

.Ressaltando a generalidade como característica fundamental da lei, ver: Arthur Kaufmann. Op.
cit., n. 9.III, p. 214.
133

.Carl Schmitt. Op. cit., § 13, p. 155.


134

.Idem, p.  159. Ver, ainda: Fábio Konder Comparato. Precisões sobre os conceitos de lei e de
igualdade jurídica. Revista dos Tribunais. vol. 750. p. 16-17. São Paulo: Ed. RT, abr. 1998.
135

.Maria Lúcia Amaral. Op. cit., n. II, p. 386.


136

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 9.III, p. 213.


137

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.Georges Abboud.  Processo constitucional brasileiro,  cit., n.  2.4.1, p.  452 et seq. Maurizio
Fioravanti.  Constitución de la antigüedad a nuestros días. Madrid: Editorial Trotta, 2007, nº  3.5,
p. 132 et seq. Sobre o constitucionalismo como mecanismo de limitação do poder, conferir: Nicola
Matteucci. Op. cit.
138

.Maurizio Fioravanti. Constitución de la antigüedad… cit., n. 3.5, p. 137.


139

.Idem, n. 3.5, p. 142.
140

.Na realidade, o direito inglês antes do século XX já possuía diversos aspectos democráticos e um
constitucionalismo desenvolvido, apesar de não possuir uma Constituição escrita nos parâmetros
das que foram desenvolvidas no século XX. Em virtude de sua complexidade e riqueza, o
constitucionalismo inglês mereceria análise pormenorizada e separada, o que não se enquadra
nas finalidades do presente texto.
141

.Maurizio Fioravanti. Constitución de la antigüedad… cit., n. 3.6, p. 150.


142

.Peter Häberle. El Estado constitucional… cit., § 2º, p. 84; § 54, p. 272.


143

.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., n. 2.1, p. 79.

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8.4.2. Distinção e semelhança entre ato legislativo e ato normativo


(súmulas vinculantes e medidas provisórias)

Em nosso ordenamento, existem outros textos normativos de caráter geral e


abstrato que não são produzidos pelo Poder Legislativo, mas, sim, pelo Poder
Judiciário (súmula vinculante) e pelo Poder Executivo (medida provisória). Ou seja,
apesar de possuírem características formais da legislação, sua origem não é
proveniente dos órgãos legislativos. Esses instrumentos serão objeto de nosso
exame nos tópicos subsequentes.

8.4.2.1. Súmula vinculante

A súmula vinculante foi instituída em nosso ordenamento a partir da  EC


45/2004 e está positivada no art. 103-A da  CF, podendo ser proferida de ofício
ou por provocação do STF, consistindo em breve texto normativo que passará a ter
efeito vinculante depois de sua publicação. Assim, “a súmula vinculante passa a
valer a partir de sua publicação, ou seja, sua constituição tem por objeto o futuro e
não a consagração da jurisprudência”.144

A súmula vinculante consiste em breve texto normativo geral e abstrato,145 cujo


efeito vinculante vale perante o Poder Judiciário e a Administração Pública, a partir
da publicação do verbete sumular, sendo seu escopo permitir a solução de casos
futuros.

A partir das características supramencionadas, torna-se perceptível que a


súmula vinculante possui diversas características que também estão presentes na
própria lei, sendo sua principal diferença o órgão prolator, que, no caso da súmula,
é o órgão máximo do Poder Judiciário: o STF.

O objeto da súmula vinculante é a divergência interpretativa acerca de aspectos


constitucionais; em outros termos, sua função precípua é a de elucidar a correta
interpretação de dispositivos constitucionais.

A súmula vinculante não pode ser confundida com o precedente judicial típico
do  common law.  Ela apresenta, ao menos, quatro diferenças fundamentais em
relação ao precedente, no que se refere ao seu modo de aplicação, ao alcance, à
teleologia e ao âmbito de vinculação.146

No que se refere ao modo de aplicação, a súmula vinculante diferencia-se


nitidamente do precedente judicial. Isso porque o verbete sumular tem natureza e
texto normativo e aplica-se de forma assemelhada à legislação. Em contrapartida,
o precedente judicial, por consistir em decisão judicial que historicamente tem sido
aplicada como paradigma, não possui texto geral e abstrato predefinido, por
consequência, ele tem uma maleabilidade normativa, sendo necessária uma
ponderação de cada caso concreto para avaliar se e como pode aplicar-se o
precedente àquela hipótese. Desse modo, o precedente não possui uma
formulação legislativa predefinida, o que impede que sua aplicação seja feita da
mesma forma que a lei e a súmula vinculante, que são dois institutos que possuem
texto predefinido.147
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Por isso, a súmula vinculante também apresenta profunda diferença com o


precedente no que se refere ao alcance. Isto é, a súmula vinculante encerra-se da
mesma forma que a legislação em um texto normativo, que passa a ter validade
depois de sua publicação. Já os precedentes não são prescrições literais abstratas
no formato legislativo. Pelo contrário, o precedente deve ser identificado com o
caso decidido, para se concluir qual a regra jurídica formulada pelo tribunal pode
ser considerada precedente; consequentemente, toda a fundamentação utilizada
na formulação do precedente precisa ser levada em conta durante sua aplicação.
Ou seja, reitere-se que o precedente, diferentemente da súmula, não possui texto
normativo definido.148

No que tange à sua teleologia, conforme exposto em item específico 8.7, a


doutrina dos precedentes surgiu como instrumento para proteção e resguardo da
independência judicial. Em contrapartida, a má utilização da súmula vinculante,
bem como o seu antecessor histórico, o assento português, conduz à perda da
autonomia e da independência decisória dos juízes, o que não se coaduna com o
Estado Constitucional (Democrático de Direito).149

Por fim, cumpre mencionar a diferença no que diz respeito ao âmbito de


vinculação. O regime de precedente possui grande flexibilidade em sua aplicação,
de modo que o precedente dinamiza o sistema jurídico. Isso porque ele admite
largo ajuste jurisprudencial, o que não é possível com a súmula vinculante, uma
vez que é admissível a cassação de toda decisão judicial que desrespeitar o
verbete sumular, conforme estabelece o §  3º do art.  103-A da  CF. Portanto, o
precedente judicial possui sistema extremamente mais flexível de aplicação do que
a súmula vinculante.150

O precedente histórico de nossa súmula vinculante é o assento português.


Sobre a questão, já pontuamos que: “a súmula vinculante, da mesma forma que o
assento português, passa a ter autonomia, isto é, vale seu enunciado por si
somente; por consequência, passa a ter vigência sem ligação concreta com os
casos que a originaram, impõe-se como um texto normativo com autonomia formal
para seu conteúdo abstrato, a ser aplicado a casos futuros, não sendo possível de
mutações históricas porque vale o que está prescrito na súmula”.151

Destarte, diante do que expusemos neste tópico, a súmula vinculante possui


caráter legislativo, porque consistente em texto normativo geral e abstrato de
aplicação pro futuro, podendo ser revisada a qualquer momento nos termos da 
Lei 11.417/2006, o que não se admite em relação às decisões judiciais. Contudo,
não se pode perder de vista que a súmula vinculante, apesar de possuir as
principais características da legislação, tem como órgão prolator o Poder Judiciário
(STF), e não o Poder Legislativo, de modo que ela possui natureza normativa geral
e abstrata (legislativa), não podendo ser considerada pura e simplesmente
legislação, porque sua produção é realizada pelo próprio STF.

144

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro... cit., n. 6.8.2, p. 1078 et seq.


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145

.O termo “súmula” como pequeno texto jurídico tem sua gênese desde o próprio direito romano.
Essa explicação pode ser obtida a partir da leitura da seguinte passagem de Mário Losano: “[e]ssa
progressiva separação do texto latino assume também uma forma concreta: as glosas, originadas
por oposição ao texto latino, são separadas dele e publicadas de forma autônoma. Nascem assim
as listas de lugares paralelos, ou contrários, que se referem a um mesmo instituto jurídico mas
estão dispersas por todo o Corpus iuris; são chamados de  summulae,  e nelas o glosador expõe
um argumento jurídico específico, também de uma certa amplitude. Nessa obra de síntese e de
esclarecimento, diminui o valor dos verba justinianos, que são substituídos por formulações mais
fáceis e adequadas às novas exigências: os famosos brocharda, expressos dos princípios gerais
implícitos (mas não expressos) no  Corpus iuris.  Muitas  summulae  são reunidas em
uma summa, que é a reexposição autônoma de um livro ou também de uma parte da compilação
justiniana”. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. 1,
p. 52-53.
146

.Georges Abboud.  Processo constitucional brasileiro,  cit., n.  6.8.2, p.  1078  et seq.  Ver, ainda:
Georges Abboud. Súmula vinculante versus precedente: notas para evitar alguns enganos. Revista
de Processo. n. 165. p. 218. São Paulo: Ed. RT, nov. 2008.
147

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 6.8.2.1, p. 1080 et seq.


148

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 6.8.2.2, p. 1082 et seq.


149

.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 6.8.2.3, p. 1085 et seq.


150

.Idem, p. 371-372.
151

.Georges Abboud.  Processo constitucional brasileiro,  cit., n.  6.8.3, p.  1092  et seq.  Sobre as
características do assento que demonstram seu caráter legislativo, ver: Antonio Castanheira
Neves. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra: Coimbra Ed.,
1983, n. 1, p. 91.

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8.4.2.2. Medida provisória

A medida provisória está prevista no art.  62 da  CF/1988. Trata-se de texto


normativo de caráter geral e abstrato, cuja produção é exclusiva do Presidente da
República para as hipóteses de relevância e urgência.

A eficácia da medida provisória é imediata, e, se ela não for convertida pelo


Congresso em lei, perderá sua eficácia em 60 dias (art.  62, § 7º, da 
CF/1988). Se ela não tiver sido votada nas duas casas do Congresso, poderá ser
prorrogada por igual período de 60 dias (art.  62, § 7º, da  CF/1988).

Trata-se de instituto inspirado no decreto-lei da Constituição Federal de 1937.


Friedrich Müller compara as atuais medidas provisórias com os decretos
emergenciais (Notverordnungen) da República de Weimar (1919-1933). Referidos
decretos configuravam forma excepcional de atuação do Poder Executivo e tinham
pressupostos expressamente mencionados pela Constituição. O pressuposto
desses decretos foi a considerável ameaça ou perturbação da segurança e ordem
públicas. A princípio, esse pressuposto tinha em vista os perigos políticos e as
tentativas de subversão violenta. Entretanto, em pouco tempo, o instituto foi
estendido cada vez mais, inclusive a problemas econômicos.152

Em nosso ordenamento, a inserção das medidas provisórias tinha o intuito de


assegurar a preservação do sistema constitucional, para aquelas hipóteses em que
não fosse possível aguardar a resposta e o tempo do legislador. Todavia, conforme
dados comprovam,153 sua utilização foi desvirtuada, seu uso é político, verdadeiro
instrumento de governo. Assim, em vários assuntos, a medida provisória tornou-se
a regra e a lei a exceção, o que é impensável no Estado Constitucional.154

Os requisitos essenciais para a concepção da súmula vinculante são a urgência


e a necessidade. Ocorre que o §  1º do art.  62  da  CF  elenca algumas
matérias que não podem ser objeto de medida provisória, porque estão abrangidas
pela reserva legal, são elas: nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos
políticos e direito eleitoral; direito penal, processual penal e processual civil;
organização do Judiciário e do Ministério Público; planos plurianuais e diretrizes
orçamentárias; detenção ou sequestro de poupança popular ou qualquer outro
ativo financeiro; todas as matérias reservadas à lei complementar; matérias já
aprovadas pelo Congresso Nacional e pendentes de sanção do Presidente da
República.

Sendo assim, é perceptível que a medida provisória, da mesma forma que a


legislação, em sua estrutura, possui texto normativo predefinido de caráter geral e
alcance abstrato. Contudo, o objeto da medida provisória é mais restrito que o da
legislação, seu órgão prolator é o Poder Executivo (Presidente da República),
outrossim, deverão estar preenchidos os requisitos de urgência e relevância, sem
os quais não poderá ser produzida a medida provisória. Assim, a medida
provisória, tal como a súmula vinculante, possui características semelhantes às
presentes na lei, todavia, seu objeto é mais restrito, possui os requisitos da

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urgência e relevância, que não são indispensáveis para a legislação, e seu órgão
prolator é o Poder Executivo.

Leitura recomendada

Básica

Maria Lúcia Amaral. A lei na história das ideias. Pequenos apontamentos.


In:  Estudos em homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do
Amaral. Coimbra: Almedina, 2010.

Intermediária

Fábio Konder Comparato. Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade


jurídica. Revista dos Tribunais. vol. 750. p. 16. São Paulo: Ed. RT, 1998.

Avançada

Carl Schmitt.  Teoría de la Constitución.  Madrid: Alianza Universidad Textos,


2006, § 13.

152

.Friedrich Müller. Medidas provisórias no Brasil e a experiência alemã. In: Grau, Eros Roberto;
Guerra Filho, Willis Santiago (orgs.).  Estudos em homenagem a Paulo Bonavides.  São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 339-341.
153

.Apenas para se ter uma ideia da grandeza dos números, é possível afirmar que: em termos
gerais, depois da  EC 32, de 11.09.2001  até 23.12.2011, foram editadas 556 medidas
provisórias. Até a data de 06.09.2001, foram editadas 2.220 medidas provisórias.
154

.Setores abalizados da doutrina admitem o controle de constitucionalidade da medida provisória. In


verbis:  “[a]s medidas provisórias podem ser objeto de controle de constitucionalidade, tanto
abstratamente pela via da ação direta de inconstitucionalidade como em concreto. Cabe ao STF
exercer o controle abstrato da constitucionalidade das medidas provisórias. Compete aos juízes e
tribunais controlar, em concreto, a constitucionalidade das medidas provisórias, analisando tanto
os aspectos formais e procedimentais quanto os substanciais dessas normas, deixando de lhes
dar eficácia quando em desconformidade com o sistema constitucional”. Nelson Nery Junior e
Rosa M. A. Nery. Constituição Federal comentada. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, coment. 8 CF
62, p.  531. Recentemente, o STF modificou, em alguns julgados, seu entendimento, passando a
admitir o controle de constitucionalidade da medida provisória, a fim de coibir excessos legislativos.
Paradigmática nesse sentido é a seguinte decisão de relatoria do Min. Gilmar Mendes: STF, MC na
ADIn 4.048/DF, Pleno, j.  14.05.2008, rel. Min. Gilmar Mendes, voto do Min. Gilmar
Mendes, DJ 22.08.2008.

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8.5. Princípios no direito: a necessária diferenciação entre as diversas


possibilidades de uso do conceito

8.5.1. A (in)determinação do conceito de princípio

O termo  princípio  é utilizado pelos juristas com diferentes perspectivas e


intencionalidades.155 Quando se fala em  princípio  no direito, nem sempre se está
diante da mesma referência objetual. Em termos conceituais, o espaço denotativo
do conceito de princípio é abrangente.

Ocorre que aqueles que operam com a linguagem jurídica nem sempre se
preocupam em precisar o sentido com que estão operando no momento em que
fazem uso do conceito de princípio. Incorre-se, assim, em uma confusão
decorrente do uso aleatório do conceito.

Daí que qualquer análise rigorosa que se faça a respeito do conceito de


princípio deve partir de um esclarecimento inicial acerca de suas diversas
possibilidades de uso.

No contexto atual, o termo  princípio  é certamente um dos mais recorrentes,


tanto no plano da produção teórica do direito quanto no nível das práticas
cotidianas dos tribunais. Afirma-se que os princípios são “as normas fundantes e
nucleares de um sistema”;156  que se apresentam como demarcadores do “ponto
inicial dos estudos de uma disciplina jurídica”; que são instrumentos de colmatação
de lacunas, nos termos do art. 4º da LINDB; que são normas;157 que são “normas
de normas”;158  que representam um “fechamento interpretativo limitador da
discricionariedade judicial”159 etc.

Uma simples aproximação inicial em meio a esses diversos enunciados


aleatoriamente mencionados no parágrafo anterior é suficiente para perceber que
tais assertivas não se referem necessariamente ao mesmo campo significativo. Ao
contrário, cada uma possui uma origem específica em um determinado espaço de
experiência  que lhe projeta, ou lhe abre, um correspondente  horizonte de
expectativa  que irá estabelecer as possibilidades semânticas de significação do
conceito.160

Para facilitar a compreensão, podemos agrupar esses diferentes usos do


conceito em três dimensões que comportam, do ponto de vista da história
conceitual, um diferente espaço de experiência e um específico horizonte de
expectativa. Essas três dimensões cobrem um movimento histórico que se deflagra
no século XIX e chega até o nosso contexto atual. Assim, é preciso distinguir e
perceber as rupturas que existem entre três possibilidades de uso do conceito:  a)
os  princípios gerais do direito;  b)  os  princípios jurídico-epistemológicos  e  c)  os
princípios constitucionais.

8.5.1.1. Princípios gerais do direito

A utilização do conceito de princípio para se referir à ideia de princípios gerais


do direito remonta ao século XIX e à formação dos sistemas codificados de direito
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privado, notadamente a realização máxima desse conjunto de experiências, que


são os Códigos Civis (os mais representativos, nesse contexto, são: o Código Civil
francês, de 1804, e o Código Civil alemão, de 1900).

Na verdade, a introdução dos princípios gerais do direito nesse espaço de


experiências representa um abalo no ideal de completude que revestia a
codificação francesa (é sempre lembrada nesse sentido a prescrição napoleônica
que proibia a interpretação dos dispositivos do código) e na fórmula dedutivista de
aplicação do direito criada pela pandectística alemã. Representariam eles “axiomas
de justiça” que poderiam reforçar o sistema codificado em casos de lacunas
legislativas.

No fundo, os princípios gerais do direito continuavam a operar com a mesma


lógica que estava pressuposta pelo sistema de direito privado: a lacuna legislativa
seria apenas aparente. O sistema seria sempre completo, uma vez que os
princípios gerais do direito seriam postulados racionais que estariam pressupostos
pelo sistema codificado. Sua aplicação a casos particulares, além de
excepcionalíssima, obedeceria ainda às regras do método dedutivo-axiomático. O
apelo à razão é significativo aqui porque denota, de forma expressiva, como tais
“princípios gerais” representavam uma espécie de reminiscência jusnaturalista
dentro do sistema positivo de direito privado, plasmado nas codificações.

155

.Em outro momento já tivemos a oportunidade de analisar de forma mais amiúde o problema da
indeterminação do conceito de princípio. Nesse sentido, Cf. Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão
judicial e o conceito de princípio. Op., cit., em especial, o capítulo 1.
156

.Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello.  Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.  ed. São
Paulo: Malheiros, 2011, passim.
157

.Por todos, Cf. Robert Alexy.  Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, em
especial, capítulo I.
158

.Cf. Marcelo Neves. Entre Hidra e Hércules. Princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins
Fontes, 2013, passim.
159

.Cf. Ronald Dworkin.  Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, modelos de
regras I e II; Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso. Op., cit., passim.
160

.Nesse aspecto, seguimos os passos metodológicos da História dos Conceitos, notadamente no


desenvolvimento que lhe dá Reinhart Koselleck na construção de sua “semântica dos tempos
históricos”. Nesse sentido, cf. Reinhart Koselleck. Futuro passado. Contribuições à semântica dos
tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006, p. 305 e ss.

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8.5.1.2. Princípios jurídico-epistemológicos

O tempo histórico que conforma o uso desse conceito é o mesmo daquele verificado para os princípios gerais do direito.
Todavia, o espaço de experiência é distinto. Dessa forma, o tipo de expectativa que se gera desse uso do conceito de princípio
difere nitidamente daquele observado anteriormente.

Em primeiro lugar, os princípios gerais do direito possuem uma clara intencionalidade aplicativa. Vale dizer, eles se propõem
a resolver um problema de aplicação do direito a casos concretos apresentados em que, aparentemente, não existe nenhuma
regra clara disponível no sistema para resolvê-los. Já os princípios jurídico-epistemológicos intencionam dirigir e organizar o
estudo de uma disciplina científica particular do direito.

No século XIX, inaugura-se também um movimento de autonomização de diversas disciplinas no estudo do direito. A ciência
jurídica que até então englobava todo o estudo do direito  – principalmente o direito privado  – passa a adotar “filhotes”, que
demarcaram as particularidades de uma série de especialidades que não apareciam no espaço de experiência dos juristas
medievais e dos primeiros representantes da modernidade jurídica.

O processo, por exemplo, antes um apêndice dos estudos sobre o direito privado, passa a ser estudado autonomamente
com pretensões de instituir uma ciência autônoma: a ciência processual. As disciplinas de direito do Estado (Constitucional,
Administrativo e Tributário) passam, igualmente, por um processo de autonomização com relação à filosofia política e aos
precários estudos sobre o “direito público”, reivindicando, igualmente, o status de ciência.

A ideia de ciência, aqui, não está ligada à aplicação de um método experimental, mas, sim, à ideia de sistema. A questão é
estudar, de forma autônoma e sistemática, cada uma dessas disciplinas.

Todas essas disciplinas, sem exceção, irão recorrer ao conceito de princípio para organizar e sistematizar os seus
conteúdos. Porém, nesse caso, a preocupação é com o estudo e a análise dos temas cobertos por cada uma dessas disciplinas
e não necessariamente com uma reposta a um problema de aplicação do direito. Esse último aspecto pode até aparecer no
campo de análise, porém, esse será um efeito indireto. A função primordial do conceito de princípio aqui é de natureza
epistemológica: organizar o estudo de uma disciplina jurídica específica.

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8.5.1.3. Princípios constitucionais

No contexto das transformações que se verificam na teoria jurídica a partir do final da Segunda Guerra Mundial, também o
conceito de princípio sofre, ao mesmo tempo, um processo de ruptura no contexto de espaço e experiência e horizonte de
expectativa, levando à abertura de novas dimensões significacionais.

Nesse caso, os princípios  – agora associados à Constituição e a toda sua carga política de conformação de uma nova
sociedade e da possibilidade de instituição de um melhor governo, limitado e respeitador dos direitos fundamentais – passam a
incorporar um elemento pragmático muito forte. Há uma semelhança de intencionalidade com relação aos princípios gerais do
direito. Ambos atuam num contexto de aplicação do direito. Todavia, a composição metodológica do conceito de princípio geral
do direito é axiomático-dedutiva, ao passo que os princípios constitucionais são fortemente pragmáticos.

Por conta da proximidade entre esses dois usos do conceito de princípio, é importante conferirmos aqui uma análise mais
amiúde dos princípios gerais do direito em contraste com os princípios constitucionais.

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8.5.2. Diferença entre princípios gerais do direito e princípios


constitucionais

De tudo o que foi dito anteriormente, fica claro que na análise das diversas
possibilidades de uso do conceito de princípio faz-se necessário estar atento para
as descontinuidades significativas e para o aparecimento de novos fatores a
compor um novo espaço de experiência e horizonte de expectativa.

Nesse sentido, Lenio Streck afirma existir uma ruptura paradigmática entre os
princípios constitucionais e os princípios gerais do direito. Os primeiros não podem
simplesmente ser considerados sucedâneos dos outros.161

Na realidade, os princípios gerais do direito são  topois  argumentativos162  e


consistem em sistematização de métodos e regras utilizadas para a solução de
antinomias, em grande parte advindas da evolução do próprio direito privado. Ou
ainda, com Castanheira Neves,163  podemos afirmar que os princípios gerais do
direito são axiomas jurídico-racionais que compõem a estrutura lógico-conceitual
dos sistemas de direito positivo, predominantes nos novecentos. Também Mario
Losano aponta para essa direção quando esclarece a função sistemática assumida
pelos princípios gerais do direito no contexto da codificação. Na verdade, é
possível afirmar, ainda com Losano, que os princípios gerais são como
os brochardas que compunham a sistemática dos glosadores e comentadores que
representavam os princípios gerais implícitos no  Corpus iuris. De fato, tais quais
os  brochardas, também os princípios gerais do direito encontram-se latentes no
sistema de direito codificado.164

Acerca dos princípios gerais do direito, já tivemos a oportunidade de


apontar165 para o caráter matemático que predomina na definição desse conceito.
Com efeito, na medida em que os princípios gerais do direito são aquilo que, desde
sempre, acompanha o sistema jurídico, eles se manifestam como aquilo que se
conhece por antecipação sobre o direito, tal qual se estrutura o conhecimento
matemático.166

Nessa perspectiva, Nelson Nery Junior Rosa M. A. Nery ensinam que os


princípios gerais do direito são “regras de conduta que norteiam o juiz na
interpretação da norma, do ato ou negócio jurídico”.167

Arthur Kaufmann168  elenca rol de seis princípios gerais do direito que


historicamente têm se constituído como parâmetros para solução de antinomias
em busca do ideal de justiça.

O rol pode ser assim sintetizado: 1)  princípio do suum cuique


tribuere (Cícero), significa dar a cada um o que é seu. Assim, cada um tem o direito
de levar uma vida conforme as suas características, desde que não exponha os
outros a perigo; 2)  a regra de ouro  (Sermão da montanha de Jesus). Faça aos
outros o que gostaria que fizessem a ti; 3)  imperativo categórico de Kant.  O
cidadão deve agir de acordo com aquelas máximas que possam ser erigidas a leis
gerais. O ser humano deve ser tratado como meio e não fim; 4)  princípio da
equidade (John Rawls). Todos os envolvidos devem participar igualmente tanto nos
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benefícios quanto nos encargos; 5) princípio da responsabilidade (Hans Jonas).  A


ação do cidadão não pode destruir ou diminuir a possibilidade de subsistência da
vida humana e de seu ambiente; 6)  princípio da tolerância (Arthur Kaufmann).  A
ação humana deve sempre ser direcionada na intenção de diminuir a miséria
humana.169

Do mesmo modo que a nova perspectiva acerca da teoria das fontes do direito,
a análise dos princípios constitucionais deve ser iniciada a partir dos movimentos
históricos que se seguem depois do fim da Segunda Guerra Mundial e são
decisivos para o direito e para as teorias jurídicas que se desenvolveram no
continente a partir de então. No direito, a radicalização do dirigismo constitucional
na Alemanha e na Itália, bem como a ampliação do campo da intervenção jurídica
no tecido social, acirrou a tensão entre política e direito. A consagração de
Tribunais Constitucionais  ad hoc  para fiscalizar a constitucionalidade das leis fez
com que novos problemas metodológicos fossem tematizados pela teoria jurídica
e, dessa maneira, os estudos sobre interpretação passaram a ocupar, cada vez
com mais proeminência, um lugar de destaque nas obras produzidas nesse
período.170

Isso tudo se deu em um ambiente no qual era possível vislumbrar as profundas


feridas abertas pela guerra em uma Europa que procurava se reestruturar nos
níveis político, social e econômico. Evidentemente, a propositura de soluções para
todos esses problemas passava pela revisão do modelo de direito até então
praticado, e essa revisão implicava, inexoravelmente, novas perspectivas teórico-
metodológicas.

Nessa medida, dá-se uma radical mudança com relação ao direito que, em
última análise, trará consigo propostas jusfilosóficas dispostas a repensar o sentido
do direito e seus vínculos com o comportamento humano concreto. Isso importa
em não tratá-lo mais como um sistema fechado, construído abstratamente a partir
de modelos epistemológicos fundados na subjetividade e modelados conforme os
padrões matemáticos de conhecimento (v. Item 10.2.1). Para Castanheira Neves,
esse era o tempo de se afirmar a autonomia do direito, mas de um modo diverso
daquele que afirmou a autonomia dogmática do positivismo “numa forte tentativa
da sua superação, justamente em nome de uma autonomia do direito de outro
sentido e mais profunda que diferenciava não apenas objetivo-formalmente o
jurídico do político, mas, axiológico-materialmente no seu sentido e na sua
intencionalidade” (sobre esse ponto, v. Item 8).171

Ou seja, trata-se de afirmar, de forma radical, a fragilidade do direito frente à


política – e os eventos que envolvem todo o dilema das duas guerras do século XX
apontavam para isso  – e, nessa fragilidade mesma, procurar um sentido para o
direito, já de um modo diferente do positivismo que acreditava que simples
procedimentos lógico-formais poderiam garantir a especificidade do jurídico. Dito
de outro modo: “o problema deixava de ser apenas o da legitimidade (legitimidade
política) da criação-constituição do direito, do direito-lei (...), para ser o problema do
fundamento-validade constitutiva do direito enquanto direito”.172 Isso tudo implica a
afirmação de um direito (ius) distinto da lei (lex), ou seja, de um direito que se
forma a partir de elementos normativos constitutivos diferentes da lei, o que é
radicalmente novo desde a formação do direito moderno.
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Desse modo ocorre a afirmação dos conceitos de “direitos fundamentais”, das


chamadas “cláusulas gerais”, dos “enunciados abertos” e, evidentemente, dos
“princípios”. Todos esses elementos  – que, como dissemos, passam a ser
constitutivos da normatividade  – são reconhecidos independentemente da lei ou
apesar dela. Vale dizer, a própria lei perde seu status de fonte quase exclusiva do
direito e adquire dimensões materiais anteriormente negligenciadas (v. Item 8.2).

O que une todos esses elementos em unidade é a oposição a qualquer método


lógico-abstrato, em favor de uma espécie de jurisprudência que resgate a
concretude da manifestação da juridicidade. Isto é, em vez de se preocupar com o
encadeamento lógico-abstrato de conceitos previamente conhecidos, era preciso
que o jurista atentasse para as especificidades culturais, históricas e temporais que
emanam de cada caso concreto.

Assim, o primado teórico que o abstracionismo do direito racionalista forjou


acabava por direcionar a manifestação da experiência jurídica para apenas o
conhecimento da estrutura sistemática dos conceitos que compõem a legislação e
a supressão de suas lacunas e incoerências (papel dos nomeados princípios
gerais do direito).

Dessa maneira, os debates teóricos e os problemas jurídicos passaram a


reivindicar o estatuto da “prática” e a atividade jurisdicional assume um lugar
proeminente nessa questão. Isso porque nessa quadra da histórica aparecem com
nitidez os movimentos que levaram à consolidação da chamada jurisprudência dos
valores (v. Item 10.1.1.5.), que surge na Alemanha em virtude da atuação do
Tribunal Constitucional Federal alemão nos anos que sucederam a promulgação
da Lei Fundamental (outorgada pelos aliados).

Por certo, os argumentos axiológicos do Tribunal representavam a estratégia de


legitimação da Lei Fundamental perante a sociedade alemã. Ao mesmo tempo, era
preciso afirmar, num contexto internacional mais amplo, o total rompimento com o
modelo jurídico-político vigente ao tempo do nazismo.

Em inúmeras ocasiões, o Tribunal Constitucional teve que se pronunciar sobre


conflitos envolvendo casos concretos ocorridos ainda sob a égide do direito
nazista. Pela tradição, esse é um típico caso resolvido pela aplicação do adágio
latino  tempus regit actum  (que é um princípio geral do direito). Contudo, isso
significaria dar vigência às leis nazistas em pleno restabelecimento da democracia
e fundação de um novo Estado. De se ressaltar também que a boa imagem
internacional da Alemanha  – recém-saída de uma guerra e extremamente
endividada pelas indenizações de guerra e empréstimos para reconstrução do
país  – passava pela afirmação de uma ruptura total com o regime anterior. Mas
isso demandava tomada de decisão  extra legem  e, em última análise, até  contra
legem.

Desse modo, para legitimar suas decisões e, ao mesmo tempo, não reafirmar
as leis nazistas, o Tribunal passou a construir argumentos fundados em princípios
axiológico-materiais, que remetiam para fatores  extra legem  de justificação da
fundamentação de suas decisões. Afirmava-se, portanto, um direito distinto da lei.
Mas não bastava isso, era preciso criar instrumentos que permitissem justificar,
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normativamente, tais decisões. Assim é que começam a aparecer, nas decisões do


Tribunal, argumentos que remetiam a “cláusulas gerais”, “enunciados abertos” e,
obviamente, “princípios”.173 A utilização desses conceitos não foi aleatória, diversos
fatores contribuíram para tanto, merecendo destaque o caráter aberto de seus
textos, que permitiu maior margem interpretativa, o que, por sua vez, possibilitou
que mediante a utilização deles o Tribunal adequasse e corrigisse a legislação, já
defasada, para a nova realidade histórica concreta.

Nesse contexto, também a filosofia do direito alemã passou a construir


“fundamentações filosóficas” para a atividade do tribunal, que já começava a ser
classificada como relativismo interpretativo-decisório, o que apresentava um
grande risco para o regime democrático que se estabelecia. Num primeiro
momento, dá-se uma retomada ou se opera uma tentativa de restauração do
jusnaturalismo  – que não se revestia de características cosmológicas, teológicas
ou racionalistas, mas se fundava numa espécie de ontologia dos valores (Max
Scheler e Nicolai Hartmann), ou numa filosofia transcendental dos valores, ao
modo do neokantismo de Baden (Gustav Radbruch) (v. Item 7). De uma maneira
geral, esse pensamento – que repercutia incisivamente na jurisprudência alemã –
afirmava um suprapositivo conteúdo axiológico ou ético-material enquanto
fundamento constitutivo do direito. Isto é, um direito natural fundado na essência
objetiva dos valores; um direito natural dos valores ou axiológico.174

Um segundo momento da chamada jurisprudência dos valores pode ser


determinado a partir da construção de mecanismos que pretendem justificar, a
partir de procedimentos, o não relativismo dos valores e, consequentemente, o
caráter minimamente discricional da atividade judicativa do Tribunal. Nesse
momento, começa a tomar forma um elemento decisivo para o significado do
conceito de princípio no âmbito da teoria do direito: a ponderação. A ponderação
será o elemento capilar da teoria dos direitos fundamentais e do conceito de
princípio com o qual irá operar Robert Alexy, profundo defensor da jurisprudência
dos valores. Apesar de declarado partidário da valoração, Alexy critica, em alguns
aspectos, o modo como a ponderação foi utilizada pelo Tribunal Constitucional e
passa a criar uma estrutura procedimental (baseado no discurso racional prático)
para a ponderação, com o intuito de coibir os erros cometidos pela jurisprudência
dos valores. Contudo, já no ponto de partida, Alexy deixa claro que o elemento
discricionário no ato de julgar é inevitável. Isso fica evidente em seu conceito de
princípios como mandados de otimização, o que demanda a obrigação de se
cumprir os princípios na maior medida possível em relação às circunstâncias fático-
jurídicas de cada caso concreto.

Dessa forma, os princípios funcionam como cláusulas de abertura para o


julgador no momento da decisão. Para sua teoria da argumentação, as regras não
produzem qualquer tipo de discricionariedade, pois continuam a operar a partir do
modelo da subsunção. Já os princípios, devido ao seu largo espectro de aplicação,
merecem outro tipo de procedimento metodológico-aplicativo. Isso, porque, no
mais das vezes, os princípios colidem no momento de sua aplicação. Para resolver
esse conflito, Alexy estrutura um método alternativo à subsunção (inadequada para
os princípios), que é a ponderação.

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O conceito de princípio é muitas vezes apresentado de forma posicional, ou


seja, em contraposição ao conceito de regra. Por consequência, as características
e o conceito de princípio podem sofrer severas alterações quando analisados em
diferentes tradições jurídicas (civil law  e  common law). Isso porque há que se
considerar ainda que, no âmbito do  common law, tradicionalmente, o juiz não
formula questões abstratas sobre as fontes ou sobre o método jurídico.

Portanto, também o conceito anglo-saxão (ou anglo-americano)


de  principles  fica isento de toda carga axiomática da qual está revestido na
tradição continental dos princípios gerais do direito, que atende, em última análise,
à excessiva necessidade do civil law de codificar as regras positivas. Esser procura
atentar para isso a partir da distinção de dois modelos de sistema: 1) um aberto,
cujo protótipo moderno é o método do direito inglês e anglo-americano; 2) um
sistema fechado, que se manifesta no modelo jurídico da codificação.

Desse modo, dois conceitos distintos de princípios serão produzidos: no


sistema fechado, os princípios terão as características axiomático-dedutivistas que
já aludimos anteriormente; enquanto, no sistema aberto, os princípios são critérios
pragmáticos que renunciam a uma conexão dedutiva, assumindo um modo de ser
retórico muito mais evidente do que na tradição continental.175

Aqui cabe perceber uma coisa: a atenção se desloca – tal qual diz Esser176 – do
elemento abstrato-sistemático para a atividade concreta do juiz, que, no contexto
da jurisprudência dos valores, deixa de ter o caráter de uma simples atividade de
dedução de conceitos – parte da estrutura sistemática da ordem jurídica – e passa
a ser colocada na necessidade de justificação judicial diante da providência e
comprobabilidade dos critérios supralegais de valoração que surgem como
elementos constitutivos da normatividade jurídica.

Dessa forma, os juízes são colocados perante tarefas de indagação de


métodos racionais de conhecimento de valores, a partir da problemática oferecida
pelo caso que será julgado, abrindo espaço para a chamada discricionariedade
judicial. A incorporação dessa nova tarefa jurisdicional e a inserção de dimensões
valorativas no âmbito das questões jurídicas obrigam a teoria do direito a analisar
reflexivamente seus próprios conceitos, mormente os princípios jurídicos e o dever
de motivação das decisões. Isso, por si só, começa a demonstrar o esgotamento
do modo tradicional de se olhar para o direito.

Do conceito de princípios constitucionais podemos dizer, com o auxílio de


Castanheira Neves, que “se distinguem decisivamente dos ‘princípios gerais do
direito’ que o positivismo normativista-sistemático via como axiomas jurídico-
racionais do seu sistema jurídico, pois são agora princípios normativamente
materiais fundamentantes da própria juridicidade, expressões normativas de ‘o
direito’ em que o sistema jurídico cobra o seu sentido e não apenas a sua
racionalidade”.177

Em suma, cabe registrar que esses elementos que permeiam o conceito de


princípios constitucionais, embora projetem maior luz para o fenômeno da decisão
judicial, não podem ser tidos como permissivas para livre criação jurisprudencial do
direito.178  O dever de fundamentação das decisões somente é plenamente
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satisfeito na medida em que as decisões se apresentam adequadas à Constituição.


No fundo, os princípios constitucionais oferecem espaços argumentativos que
permitem controlar os sentidos articulados pelas decisões. Ademais, o conteúdo
dos princípios constitucionais não é predefinido por lei, muito menos pode ser
livremente determinado pelos tribunais, isso porque eles são manifestação
histórico-cultural que se expressa em determinado contexto de uma experiência
jurídica comum.179

161

.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., n. 5.1, p. 518.


162

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 11.IV, p. 272.


163

.Antonio Castanheira Neves.  A crise actual da filosofia do direito no contexto global da crise da
filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003,
p. 108.
164

.Conferir: Mario G. Losano.  Sistema e estrutura no direito: das origens à Escola Histórica. São
Paulo: Martins Fontes, 2008, vol.  1, n.  I.II, p.  52-53. Nesse ponto, já tivemos a oportunidade de
apresentar os princípios gerais do direito.
165

.Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão judicial e o conceito de princípio.  Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008, n. 1.1.1 e 1.3.
166

.In verbis: “[a] expressão o (matemático) tem sempre dois sentidos: significa, em primeiro lugar, o
que se pode aprender do modo já referido e somente desse modo; em segundo lugar, o modo do
próprio aprender e do proceder. O matemático é aquilo que há de manifesto nas coisas, em que
sempre nos movimentamos e de acordo com o qual as experimentamos como coisas e como
coisas de tal gênero. O matemático é a posição-de-fundo em relação às coisas que se nos
propõem, a partir do modo como já nos foram dadas, têm de ser dadas e devem ser dadas. O
matemático é, portanto, o pressuposto fundamental do saber acerca das coisas”. Martin
Heidegger.  Que é uma coisa? Doutrina de Kant dos princípios transcendentais.  Lisboa: Ed. 70,
1972, p. 81-82.
167

.Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado. 9. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2012, coment. Prelim. 12, p. 230.
168

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 11.IV, p. 273.


169

.Idem, n. 11.IV, p. 273-274.


170

.É nesse contexto que aparecem as diversas teorias jurídicas que, de alguma maneira, privilegiam
o momento retórico-argumentativo do raciocínio jurídico. Entre tais teorias, destacam-se: a tópica
de Viehweg; a nova retórica de Chaïn Perelman; a teoria da pré-compreensão jurídica de Esser; o
pensamento analógico de Arthur Kaufmann; a metódica estruturante de Friedrich Muller; a teoria
integrativa de Ronald Dworkin e a teoria da argumentação de Robert Alexy. Em todas essas obras,
a questão dos princípios aparece como ponto central das discussões. No Brasil, Lenio Luiz Streck
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tem explorado exaustivamente essa questão, principalmente no que atina à tensão legislação-
jurisdição. Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso, passim.
171

.Antônio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito... cit., p. 104.


172

.Idem, ibidem.
173

.Autores como José Lamego se referem a esse contexto histórico como o período da “perda das
certezas do pensamento jurídico”, em explícita referência à crise das certezas matemáticas das
concepções até então vigentes (cf. José Lamego. Hermenêutica e jurisprudência.Análise de uma
Recepção. Lisboa: Fragmentos, 1990, p.  80 e ss.). A despeito disso, existem trabalhos que
pretendem compatibilizar esse aspecto valorativo e problemático introduzido pela
chamada jurisprudência dos valores numa estrutura de coerência e dedutibilidade inerente à ideia
de sistema. Esse é o caso de Canaris que, apoiado numa visão da evolução metodológica no
domínio do direito privado alemão, procura definir o sistema jurídico como uma “ordem axiológico-
teleológica de princípios jurídicos gerais”. Desse modo, professa a ideia do direito como um
“sistema aberto” tal como ele é entendido nos quadros da  jurisprudência dos valores, em
contraposição ao sistema fechado e estático postulado pelo pensamento conceitual-sistemático
que se ancorava nos pressupostos filosóficos do modelo axiomático-dedutivista que predominava
no ambiente dos chamados princípios gerais do direito. Cf. Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão
judicial... cit., n. 1.1.1. (Cf. Claus-Wilhelm Canaris. Pensamento sistemático e conceito de sistema
na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, passim).
174

.Nesse sentido, cf. Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 5.  ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, em especial p. 163-182; Arthur Kaufmann. Op. cit., p. 124-126;
Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito... cit., p. 37-42.
175

.São importantes nesse sentido o que assevera Esser: “El precepto moderno del sistema
continental ha de ser ‘aplicable’, es decir, precisado en su alcance y modo de operación por medio
de criterios que un cuerpo de funcionarios ha de establecer, en forma comprobable, como dados o
no dados. Ya aquí aparece la distancia que separa el concepto continental de ‘norma’ del
angloamericano de  rule: en ésta el juez no es un funcionario a los efectos de una acción
burocráticamente organizada. En la terminología de Max Weber, tendría las notas de una forma de
soberanía tradicional, no las de una forma burocrática. Esto basta para explicar la razón de que
para el pensamiento jurídico continental la diferencia entre principio y norma mucho mayor que,
para la concepción del  common law, la distancia entre  principle  y  rule” (Josef Esser.  Principio y
norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado.  Barcelona: Bosch Casa Editorial,
1961, p. 66).
176

.Josef Esser. Op. cit., p. 66.


177

.Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito... cit., p. 108.


178

.De se consignar que a má utilização ou o uso descriterioso dos princípios constitucionais tende a
gerar grande insegurança jurídica e perda da autonomia do direito. Lenio Streck, com a perspicácia
que lhe é habitual, denominou esse uso equivocado dos princípios no Brasil
de pampricipiologismo. Ver: Lenio Streck. Verdade e consenso... cit., posfácio, n. 5, p. 517 et seq.
179

.Sobre a dimensão histórica e social dos princípios, ver: Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão
judicial... cit., introdução; em especial, nota 8.

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8.5.3. Cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados

Nosso atual  Código Civil  integra funcionalmente os princípios gerais do


direito, conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais.

Tanto a cláusula geral quanto os conceitos jurídicos indeterminados consistem


em dispositivos legais cuja função consiste em dinamizar o sistema normativo,
permitindo uma maior adaptação do texto normativo para a evolução da sociedade
e modificação da realidade. Karl Larenz especifica que os referidos dispositivos
podem ser utilizados para introdução de valores no ordenamento ou para que a lei
consiga fazer a remissão a conceitos extrajurídicos, como os bons costumes e a
moral social.180

Os conceitos jurídicos indeterminados (unbestimmte Gesetzbegriffe) são


precisamente definidos por Nelson Nery Junior e Rosa M. A. Nery, nos seguintes
termos: “são palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e extensão
altamente vagos, imprecisos e genéricos, e por isso mesmo esse conceito é
abstrato e lacunoso”.181

As cláusulas gerais em sua essência assemelham-se aos conceitos legais


indeterminados, na medida em que elas também são dispositivos legais de texto
vago e impreciso que precisam ser preenchidos pelos julgados. Contudo,
distinguem-se em virtude de sua eficácia e finalidade, isso porque a lei já
determina as consequências advindas da aplicação do conceito jurídico
indeterminado, essa mesma consequência não está prevista para as cláusulas
gerais.182

Por exemplo, o art.  188, II, do  CC/2002 determina que o perigo iminente
caracteriza excludente de ilicitude. A expressão “perigo iminente” engloba conceito
legal indeterminado, todavia, uma vez preenchido, a solução para sua aplicação é
determinada pela própria lei e consiste, justamente, na exclusão da ilicitude. Essa
consequência, expressamente prevista na lei, não está presente nas cláusulas
gerais.

As cláusulas gerais são dispositivos legais de textura genérica que vinculam a


atuação do magistrado, que inclusive sobre elas deve se pronunciar mesmo sem
provocação das partes. Ocorre que, ao mesmo tempo que vinculam o magistrado
na confecção da decisão judicial, elas lhe conferem maior liberdade, na medida em
que sua vagueza possibilita melhor e mais sistemática adaptação do texto legal à
realidade atual.183

São exemplos de cláusulas gerais a função social do contrato, a função social


da propriedade, a boa-fé objetiva; em sua grande parte, as cláusulas gerais
costumam ser consectárias de princípios constitucionais ou dos princípios gerais
do direito.184

As cláusulas gerais, diferentemente dos conceitos legais indeterminados, não


têm sua solução preestabelecida pela lei. As cláusulas gerais, quando identificadas
pelo magistrado, exigem que ele formule a solução mais consentânea com a
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ordem jurídica para a solução do caso, uma vez que essa solução não estará
predefinida na lei.185

Sobre o tema, é preciosa a lição de Marcelo Neves, ao dispor que “não se deve
confundir a questão da imprecisão com a questão da discricionariedade em sentido
estrito. A imprecisão semântica, nas formas de ambiguidade (conotativa) e
vagueza (denotativa), implica, a partir primariamente do significado do texto e do
seu âmbito de referência, a incerteza cognitiva em relação à norma a aplicar”.186

Na realidade, a utilização das cláusulas gerais impõe ao magistrado a


obrigação de criar uma solução judicial que leve em conta a valoração e a própria
justiça de cada caso concreto.187

É importante enfatizar um aspecto sombrio na história das cláusulas gerais. De


acordo com o filósofo do direito alemão Bernd Rüthers, esse instituto, na forma
concebida por Larenz, serviu para introduzir, na interpretação das leis da República
de Weimar, os valores do nacional-socialismo.188

Depois de 1933, da tomada do poder pelos nazistas, as cláusulas gerais e os


conceitos legais indeterminados foram utilizados para assegurar que os intérpretes
pudessem transformar o direito alemão no programa do partido de Hitler.189

Hoje em dia, não se pode mais admitir a utilização desses elementos para fazer
com que o magistrado possa alcançar a decisão que quiser. Ou seja, esses
institutos não podem ser manejados como inputs para que o juiz traga sua vontade
e sua discricionariedade para solucionar o caso jurídico. Do contrário,
converteríamos, tal como fizeram os juristas do III Reich, o Poder Judiciário em
poder constituinte permanente, desdiferenciando o político do jurídico.

Destarte, em nenhuma hipótese as cláusulas gerais e os conceitos legais


indeterminados podem ser utilizados como subterfúgio para o julgador decidir o
caso concreto de forma discricionária ou arbitrária. Vale dizer, apesar da maior
vagueza dos textos legais que consagram esses dispositivos, o magistrado deve
sempre fundamentar suas conclusões tendo em vista que a obrigatoriedade de
fundamentar advém de mandamento constitucional expresso no art.  93, IX, da 
CF/1988. De se ressaltar que essa fundamentação deve possuir como lastro a
história institucional do direito da comunidade política. Essa história institucional se
apresenta emblematicamente nos princípios (constitucionais) e nas decisões
corretas tomadas no passado. A decisão fundamentada de forma adequada deve,
portanto, espelhar uma reconstrução dos elos da cadeia discursiva que compõem
a história institucional, cujos marcos iluminadores são os princípios que compõem
a moralidade da comunidade política.

Leitura recomendada

Básica

Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão judicial e o conceito de princípio.  Porto


Alegre: Livraria do Advogado, 2008, n. 1.1.1 e 1.3.

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Intermediária

Lenio Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011, posfácio, n. 5.

Avançada

Josef Esser.  Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho


privado. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1961.

180

.Karl Larenz. Op. cit., p. 310-312 e especialmente p. 407 e p. 410. Ver, ainda: Judith Martins Costa.
As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. Revista dos Tribunais.
vol. 680. p. 50 et seq. São Paulo: Ed. RT, jun. 1992.
181

.Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado... cit., coment. prelim.
14, p. 230.
182

.Idem, ibidem.
183

.Franz Wieacker.  História do direito privado moderno.  4.  ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010, p. 545-546.
184

.Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado... cit., coment. prelim.
12, p. 230.
185

.Idem, coment. prelim. 18, p. 231.


186

.Marcelo Neves. Entre Hidra e Hércules. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 13.
187

.Franz Wieacker. História do direito privado moderno... cit., p. 626.


188

.Bernd Rüthers.  Derecho Degenerado. Teoria jurídica y juristas de câmara en el Tercer Reich.
Madrid: Marcial Pons, 2016, p. 54.
189

.Ibidem, p. 117.

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8.6. Jurisprudência

Em relação ao conceito de jurisprudência, existe verdadeira poluição


semântica, uma vez que, por diversas vezes, ele é confundido com o termo
latino  iurisprudentia.  Contudo, conforme será demonstrado ao longo deste item,
eles não podem ser equiparados.

8.6.1. Compreensão do termo: “iurisprudentia” e “jurisprudência”

A poluição semântica sobre o conceito de jurisprudência advém do fato de que


o termo latino (“iurisprudentia”) e “jurisprudência”, como utilizado nas línguas
neolatinas em geral, designaria, primeiro, o conhecimento das regras jurídicas e,
ainda, a sua atuação pelo uso prático.190

Por outros termos, no sentido romano, “iurisprudentia” corresponderia mais ao


que se chama, modernamente, de “doutrina” nas línguas derivadas do latim e não
ao conjunto das decisões judiciais (aos quais se reserva, também em português, o
vocábulo “jurisprudência”).191

190

.J. Gilissen.  Introdution historique au droit. Trad. port. de A. M. Hespanha e L. M. Macaísta


Malheiros. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001, p. 90.
191

.Por sua vez, o termo inglês “jurisprudence” aproximar-se-ia mais à noção romana, como observa
J. Gilissen, Op. cit., p. 90.

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8.6.2. Conceito romano de “iurisprudentia”. Gênese da doutrina e da


jurisprudência

A história da jurisprudência enquanto doutrina não se identifica com a história


do direito. A existência de instituições jurídicas (normas e tribunais) não implica,
necessariamente, a existência da categoria  juristas. Ainda que fosse possível
constatar a existência de uma habilidade pragmática de legislar ou julgar, isso não
se equiparava a uma atividade de ciência jurídica.192

Atualmente, o que designamos como ciência jurídica ou  iurisprudentia  é o


conhecimento técnico da estrutura interna das instituições jurídicas, e, ao mesmo
tempo, uma metodologia que permite trabalhar sobre elas e a partir delas. Nesse
contexto, ciência jurídica e jurisprudência são realidades sinônimas. Para citada
concepção, o direito não é encarado como objeto de conhecimento, mas,
primordialmente, como instrumento operativo.193

Nos  Digesta, compilação194  de extratos das obras  – “iura”  – dos juristas


clássicos (século I a. C. ao século III d. C.) ordenada pelo Imperador Justiniano em
530 d.  C. (constituição  Deo Auctore) e concluída em 533 d. C.,195  em um texto
atribuído a Ulpiano (1 regul., D. 1, 1, 10, 2), define-se:

“Iuris prudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, iusti atque iniusti
scientia” = “Jurisprudência é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a
ciência do justo e do injusto”.196

A definição de Ulpiano  – tal como outra, atribuída a Celso (Ulp. 1  inst.,


D.  1,  1,  1, 1: (...)  ius est ars boni et aequi  = (...) o direito é a arte do bom e do
justo)197  –  confere ao direito um lugar entre as ciências práticas: o trabalho
do  jurista  consiste em examinar os casos concretos e valorá-los sob o ponto de
vista jurídico.198

Para esse fim, deveria o experto do direito conhecer a extensão e a diversidade


do mundo que circunda o direito (ou, em outros termos, conhecer a realidade social
e as ideologias que a animam  –  notitia rerum divinarum et humanarum); além
disso, é o jurista que possui a scientia do justo e do injusto: não lhe cabe apenas
registrar e memorizar regras, mas, sim, formulá-las e aplicá-las com método e
rigor, no exame de uma questão particular.199

Na experiência jurídica romana, a tarefa de interpretação do direito coube,


inicialmente, ao colégio sacerdotal dos pontífices.200

A ciência do direito (iurisprudentia) tem sua gênese no direito romano, porque


ele foi o primeiro sistema jurídico e o único da Antiguidade que possuía a figura do
jurista (na acepção romana do termo), que constitui personagem criado
originariamente no direito romano.201

O jurista é o personagem que passa a exercer de forma profissional a ciência


jurídica. Antes do jurista, já existiam a figura do advogado, do juiz, do notário etc.,
contudo, é ele quem começa a fazer ciência do direito. O jurista era quem possuía
o conhecimento técnico necessário para subsidiar os trabalhos dos magistrados,
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juízes e funcionários. Nesse sentido, o jurista era o artesão que proporcionava a


substância técnica de suas realizações práticas. Assim, antes dele, não
existia  iurisprudentia,  uma vez que o direito não era ciência. Muito embora já
houvesse objeto, legislação e prolação de decisões jurídicas, o direito não possuía
uma técnica/tecnologia (metodologia).202

De fato, lê-se em um texto de Pompônio (l. sing. enchir., D. 1, 2, 2, 13): “(...)


quod constare non potest ius, nisi sit aliquis iuris peritus, per quem possit cottidie in
melius produci” = “(...) porque o direito não se sustenta se não houver algum
jurisperito por meio do qual o direito possa quotidianamente ser conduzido para
melhor”.203

Esse trabalho técnico dos juristas teria conformado uma “fonte doutrinária” do
direito.204  Nas Institutas, Gaio, jurista do século II d. C., arrola os  responsa  dos
jurisconsultos entre as fontes dos  iura populi Romani  (isto é, os direitos do povo
romano):205  “Constat autem iura populi Romani ex legibus, plebiscitis, senatus
consultis, constitutionibus principum, edictis eorum qui ius edicendi habent,
responsis prudentium” = “As fontes do direito, para o povo romano, são as leis, os
plebiscitos, os senatus-consultos, as constituições imperiais, os editos emanantes
daqueles que estão providos do direito de promulgá-los, os pareceres dos
jurisconsultos”.206

Dada a simplicidade e rigidez, em geral, que marcam as regras


consuetudinárias e as  – relativamente poucas  – leis romanas, pode-se ter uma
noção da importância dessa atividade afeita à iurisprudentia: a sua praticabilidade
exigia, por parte dos prudentes  – tal como já dos pontífices  – a interpretação
criadora, inovativa das normas, como peritos do direito.207

O surgimento da  iurisprudentia  romana remonta aos anos de 451 e 449 a.C.,
época das Doze Tábuas, podendo ser considerada a etapa subsequente da
jurisprudência pontifical (momento em que a decisões eram atribuídas aos
sacerdotes). A jurisprudência romana surge depois do fenômeno lento de
laicização da jurisprudência pontifical e, apesar de poder exercer a mesma função,
o jurista laico exercia a justiça em seu próprio nome, e não em virtude de pertencer
a um colégio sacerdotal ou à comunidade religiosa.208

Tanto a jurisprudência pontifical quanto a romana solucionavam conflitos. No


direito romano, surge o termo ius, que consiste na solução justa do caso concreto,
mais precisamente a situação de fato conforme ao ordenamento jurídico. O que
permite o alcance da decisão justa (ius) é a regula iuris, interpretação a ser obtida
a partir das estruturas normativas (lei), que permitem divisar para cada caso sua
solução correta.209 Já a decisão pontifical não era oriunda de uma técnica jurídica,
seu fundamento estava assentado na autoridade político-religiosa dos sacerdotes,
ou seja, sua base não era o próprio direito, pois apesar de também solucionar
conflitos, seu fundamento precípuo não tinha o caráter jurídico que possuía a
jurisprudência romana.210

Nesse contexto, os juristas laicos asseguraram que o vínculo existente entre o


texto normativo (legislação) e os casos fosse também normativo (técnico/jurídico).
Por consequência, conforme ensina Carlo Augusto Cannata, somente no
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desenvolvimento do direito romano e com a contundente laicização da


jurisprudência é que ela deixa de ser atividade religiosa ou política para ser
concebida como tecnologia (verdadeira metodologia com tecnicidade própria).211

Desse modo, “o direito romano passa a ser concebido como um ordenamento


responsável em assegurar a tecnicidade e juridicidade à solução jurídica. Assim, a
decisão judicial deixa de ser ato fundado apenas na autoridade política ou religiosa
e passa a se fundamentar no próprio direito, isso porque os juristas romanos
evidenciaram que o vínculo entre o direito legislado e a aplicação dele constitui
vínculo jurídico que demanda técnica e metodologia para ser concretizado.
Ademais, a decisão judicial deixa de ser mero ato de revelação de entidade
metafísica (religiosa), passando a ser técnica (daí a jurisprudência ser encarada
como tecnologia). Urge ressaltar que, no direito romano, não se concebe mais a
decisão pautada tão somente na autoridade; a decisão precisa também estar
assentada em argumento técnico/jurídico persuasivo”.212-213

192

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. I, n.  II, p.  18. Esse tema está mais pormenorizadamente
tratado em: Georges Abboud. Precedente judicial  versus  jurisprudência dotada de efeito
vinculante: a ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de
precedentes, In: Arruda Alvim Wambier, Teresa (org.). Direito jurisprudencial.  São Paulo: Ed. RT,
2012, passim.
193

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. I, n. II, p. 18-19.


194

.De rigor lembrar que somente mais de mil anos depois da organização das coleções por
Justiniano Dionysio Gothofredo teve a ideia de compilar as quatro coleções justinianeias e batizar
de  Corpus Juris Civilis  essa coletânea da integralidade do Direito Romano, formada
pelas  Institutas,  pelo  Digesto (Pandectas),  pelo  Codex  e pelas  Novellæ. Assim, a
denominação  Corpus Juris Civilis  não foi dada à coletânea por Justiniano, mas por Gothofredo.
Dionysio Gothofredo JC. Corpus Juris Civilis – In quatuor partes distinctum. Francofurti ad Mœnum:
Hieronymus Polichius, 1663, passim.
195

.Cf., v.g., S. A. B. Meira. Curso de direito romano  – História e fontes. São Paulo: Saraiva, 1975,
p. 170-171.
196

.Cf. Justiniano I (Imperador do Oriente).  Digesto de Justiniano  – Liber Primus  – Introdução ao


direito romano. 3.  ed. Trad. H. M. França Madeira. Osasco: Unifieo, 2005; São Paulo: Ed. RT,
2002, p. 21.
197

.Idem, p. 17.
198

.Cf. B. Schmidlin e C. A. Cannata. Droit privé romain I – Sources – famille – biens. 2. ed. Lausanne:
Payot, 1984, p. 31.
199

.Cf. B. Schmidlin e C. A. Cannata. Droit privé romain I – Sources – famille – biens. 2. ed. Lausanne:
Payot, 1984, p. 31.
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200

.Cf. Pomp. l. sing. enchir., D. 1, 2, 2, 6 in fine; A. Guarino. L’esegesi delle fonti del diritto romano I.
Napoli: Jovene, 1968, p.  105, para quem a referência do texto de Ulpiano “divinarum atque
humanarum rerum notitia” diria respeito, propriamente, a essa atividade dos pontífices.
201

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. II, n. I, p. 22. Cumpre esclarecer que o termo jurista utilizado
no texto corresponde à função exercida, em regra, por membro da aristocracia romana que iniciou
o exercício profissional do direito, o que não quer dizer que não possa existir, em outras culturas, a
figura de um consultor jurídico religioso presente também em determinados momentos na
Antiguidade. Contudo, esse consultor não poderia equiparar-se à figura do  jurista  do direito
romano.
202

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. II, n. I, p. 22-23.


203

.Cf. Justiniano I (Imperador do Oriente). Op. cit., p. 28-29.


204

.Cf. Luiz Carlos Azevedo.  Introdução à história do direito. 2.  ed. São Paulo: Ed. RT, 2007, cit.,
p. 67.
205

.Cf., ademais, Papin. 2 defin., D. 1, 1, 7 pr.; Pomp. l. sing. enchir., D. 1, 2, 2, 12.


206

.Nesse catálogo das principais fontes do direito, sem pretensão de sistematização, seriam
reconhecíveis três grupos: (a) as fontes legais (leis, plebiscitos e senatus-consultos), (b) editos dos
magistrados (em primeiro lugar, aquele dos pretores) e, finalmente, (c)  a obra dos juristas,
precisamente, os seus pareceres (responsa). Cf. B. Schmidlin e C. A. Cannata. Op. cit., p. 22-23.
207

.Cf. T. Marky. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 20.
208

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. IV-V, n.  II, p.  29-31. Dessa forma, como ressaltam B.
Schmidlin e C. A. Cannata, a iurisprudentia romana permaneceu sempre, em sua tradição milenar,
em movimento, jamais se cristalizando em um cego  stare decisis, nem em deduções  more
geométrico, e, por fim, nem mesmo em um exagerado conceptualismo. Op. cit., p. 40.
209

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. II, n. VII, p. 39.


210

.Idem, ibidem.
211

.Idem, ibidem.
212

.Sobre o tema, ver: Georges Abboud. Precedente judicial versus jurisprudência... cit., item 3.


213

.Georges Abboud. Precedente judicial versus jurisprudência... cit., item 3, p. 499.

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8.6.3. A doutrina como fonte do direito

Esse escorço histórico é fundamental para dimensionar a diferença entre o que


atualmente conhecemos por doutrina em relação à jurisprudência, dado que ambas
são fontes do direito.

O termo doutrina advém do latim  doctrina  do verbo  docio,  cujo significado é


ensinar, indicar, apontar algo. Assim, em seu sentido etimológico, doutrina é o
ensino, a educação, ou seja, o sistema de conduta ou a cultura de algo.214  No
caso, doutrina do direito corresponde a todo conhecimento jurídico desenvolvido
para ensinar e compreender a ciência e a teoria do direito.

O fato de a doutrina não ser dotada de efeito vinculante expresso, tal como
possui a lei, por exemplo, não deve desmerecer sua posição como importante
fonte do direito. A força vinculante da doutrina advém da obrigatoriedade de se
motivar as decisões judiciais contidas no inc. IX do art.  93 da  CF/1988. Em
outros termos, na quase totalidade dos casos, a decisão judicial não estará
devidamente fundamentada se não estiver utilizando a doutrina como fundamento
e mecanismo de análise do texto legal perante o caso concreto.

Por consequência, no Estado Constitucional não se pode mais admitir decisão


que desconsidere por completo a doutrina, por afirmar que basta a autoridade do
tribunal para assegurar a legalidade de sua decisão.215 Assim, a doutrina não pode
ser ignorada pelo Poder Judiciário, sob pena de violação ao que prescreve o inc. IX
do art.  93 da  CF/1988. Contudo, mister salientar que não se está afirmando
que o Poder Judiciário deve seguir, estritamente, o que determina a doutrina,
contudo, se pretender proferir decisões contrárias aos principais posicionamentos
doutrinários, deverá, obrigatoriamente, expor os fundamentos de sua discordância,
não bastando, tão somente, arguir a autoridade de seu tribunal como fonte
legitimadora única para sua decisão.

214

.Mário Ferreira dos Santos. Diccionário de filosofia e ciência culturais. São Paulo: Matese, 1963.
vol. 2, verbete: doutrina, p. 518.
215

.“Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do STJ, assumo a
autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal
importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de
Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos
estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso
consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto
Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria
de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do STJ, e a doutrina que
se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos
aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a
declaração de que temos notável saber jurídico  – uma imposição da Constituição Federal. Pode
não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha
investidura obriga-me a pensar que assim seja” (STJ, AgRg no EDiv no REsp 279889/AL, 1.ª
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Seção, j.  27.08.2003, m.v., rel. p/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, voto do
relator,  DJU  28.10.2003, p.  184). Criticando essa decisão, Lenio Luiz Streck destaca que: “[j]á
como preliminar é necessário lembrar  – antes mesmo de iniciar estas reflexões no sentido mais
crítico – que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete quer que ele seja. Portanto, o
direito não é aquilo que o Tribunal, no seu conjunto ou na individualidade seus componentes,
dizem que é. A doutrina deve doutrinar, sim. Esse é o seu papel. Aliás, não fosse assim, o que
faríamos com as mais de mil faculdades de direito, os milhares de professores e os milhares de
livros produzidos anualmente? E mais: não fosse assim, o que faríamos com o parlamento, que
aprova as leis? E, afinal, o que fazer com a Constituição, ‘lei das leis’”. Lenio Luiz Streck. O que é
isto – Decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. n. 2,
p.  25. Sobre nosso posicionamento acerca da polêmica, ver: Georges Abboud.  Processo
constitucional brasileiro, cit., n. 6.10, p. 1119 et seq.

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8.6.4. Jurisprudência como fonte do direito

A jurisprudência é costumeiramente considerada fonte do direito, ao lado do


costume, da lei e da doutrina. A peculiaridade da jurisprudência é que ela sempre
esteve intrinsecamente relacionada a outras fontes, uma vez que a origem e o
desenvolvimento do costume devem ser vistos a partir da sua aplicação pelos
tribunais.216  Nesse contexto, importa mencionar que o mesmo acontece com a
própria legislação.

R. C. Van Caenegem ressalta a importância da jurisprudência, ponderando que a


legislação não pode prever todas as hipóteses fáticas a serem solucionadas,
precisando ser complementada pela jurisprudência a partir da interpretação. Já a
ciência do Direito, que não se interessa pela jurisprudência, não passa de uma
abstração etérea.217

8.6.4.1. Princípios informadores da atividade decisória (jurisprudência)

Em obra dedicada à análise da jurisdição constitucional,218  elencamos alguns


princípios que orientariam a produção da sentença constitucional. Por entendermos
que esses mesmos princípios se aplicam também à jurisprudência em sentido lato,
concluímos que eles seriam aplicáveis à atividade jurisprudencial, bastando, para
tanto, apenas alguns detalhamentos.219

8.6.4.1.1. Princípio da congruência

O juiz deve resolver a questão jurídica guardando estrita relação entre a


demanda e o seu pronunciamento, conforme estabelece o art.  141 do  CPC.220

Isso ocorre porque a ação é caracterizada pelo seu pedido; caso se permita a
algum tribunal realizar a alteração do pedido, autorizando-se, por conseguinte, que
esse modifique a ação. Permitir-se essa teratologia é admitir que o tribunal, de forma
transversa, inicie processo  ex officio,  porquanto pode alterar o pedido, ou seja,
estabelecer nova ação.221

8.6.4.1.2. Princípio da motivação

O art.  93, IX, da  CF/1988 estabelece a obrigatoriedade de fundamentação


em todas as decisões judiciais. Tal exigência recrudesce em razão do surgimento de
novas decisões dotadas de efeitos vinculantes e  erga omnes, cuja aplicabilidade
incide em casos futuros, até mesmo porque a motivação da sentença é importante
para melhor interpretação e identificação do dispositivo.222

Nessa perspectiva, as sentenças devem conter uma completa fundamentação;


um déficit de fundamentação é, na realidade, um déficit de legitimação da atividade
do Poder Judiciário.

Tanto é que José Carlos Barbosa Moreira considera a motivação das decisões
judiciais garantia constitucional do cidadão inerente ao Estado Democrático de
Direito.223

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Aliás, tanto a Corte Europeia de Direitos Humanos224  quanto a Corte


Interamericana de Direitos Humanos225 tem se posicionado no sentido de constituir-
se como garantia fundamental a exposição clara dos motivos da decisão judicial.
Nesse sentido, merece atenção o posicionamento de Michele Taruffo,226 para quem
a motivação das decisões judiciais é fundamental para assegurar a existência de
parâmetros necessários para a sociedade avaliar a atuação de seu Poder Judiciário.

8.6.4.1.3. Princípio da colegialidade e publicidade

Esse princípio aplica-se às sentenças que decidem acerca da


inconstitucionalidade de determinado ato normativo. Tal previsão está expressa no
art.  97 da  CF/1988, cuja redação estabelece:

“Art.  97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”227

Apesar de sua forte relação com o art.  97  da  CF/1988, a colegialidade
configura elemento que deve ser ínsito a todas as modalidades de decisões dos
Tribunais, o que pontua a obrigatoriedade de refletirmos com maior atenção às
recentes reformas legislativas que têm praticamente fulminado a colegialidade,
conferindo cada vez mais poderes ao relator, transformando o julgamento dos
tribunais em monocráticas (v.g., art. 932, inc. IV, do  CPC).

8.6.4.1.4. Princípio da igualdade

Os tribunais, além de obrigatoriamente observar as particularidades de cada caso


concreto, que é por excelência único e irrepetível, devem, na formação de sua
jurisprudência, assegurar tratamento isonômico entre os jurisdicionados.

216

.Por exemplo, devido à jurisprudência do Parlamento de Paris, vários princípios do  Coutume de
Paris vieram a formar o direito comum francês. Cf. R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica
ao direito privado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, n. 51, p. 134.
217

.R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado, cit., n. 51, p. 134.
218

.Georges Abboud. Jurisdição constitucional... cit., n. 2.5, p. 122.


219

.Cf. Francisco Fernandez Segado.  La jurisdiccion constitucional en España. In: ______; Belaunde,
Garcia (orgs.). La jurisdiccion constitucional en Iberoamerica.  Madrid: Dykinson, 1997, p.  668. Ver:
Georges Abboud. Jurisdição constitucional... cit., n. 2.5, p. 122.
220

.Contudo, no processo constitucional, o princípio da congruência sofre temperamentos, porque


permite estender a declaração de inconstitucionalidade sobre preceitos não impugnados na ação,
mas cuja declaração de inconstitucionalidade é imprescindível Cf. María Mercedes Serra
Rad. Procesos y recursos constitucionales. Buenos Aires: Depalma, 1992, p. 67.

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221

.Para maior detalhamento, ver: Georges Abboud. Jurisdição constitucional... cit., n. 2.5.1, p. 112-115.


222

.Sobre a motivação da sentença constitucional no direito comparado, v.: Georges Abboud. Jurisdição


constitucional...  cit., n.  2.5.2, p.  115-116; Adele Anzon. La motivazione delle decisioni della Corte
Suprema statunitense (struttura e stile). In: A.a.V.v.  La motivazione delle decisioni della corte
costituzionale. A cura di Antonio Ruggeri. Torino: G. Giappichelli Ed., 1993, p. 51-53; Jörg Luther. La
motivazione delle sentenze costituzionali in Germania. In: A.a.V.v.  La motivazione delle decisioni...
cit., p.  94-106; Paolo Carrozza. Spunti comparatistici in tema di motivazione delle sentenze
costituzionali (tra judicial review of legislation e constitucional adjudication). In: A.a.V.v. La
motivazione delle decisioni... cit., p. 153-166.
223

.José Carlos Barbosa Moreira. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado
de Direito. Temas de direito processual civil: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 95. Nesse
sentido, merece destaque a seguinte passagem de Liebman: “[e]m um estado-de-direito, tem se
como exigência fundamental que os casos submetidos a Juízo sejam julgados com base em fatos
provados e com aplicação imparcial do direito vigente; e, para que se possa controlar se as coisas
caminharam efetivamente dessa forma, é necessário que o juiz exponha qual o caminho lógico que
percorreu para chegar à decisão a que chegou. Só assim a motivação poderá ser uma garantia
contra o arbítrio. Seria de todo desprovida de interesse a circunstância de o juiz sair à busca de
outras explicações que não essa, ainda que eventualmente convincente”. Enrico Tullio Liebman. Do
arbítrio à razão reflexões sobre a motivação da sentença. Revista de Processo. vol.  29. p.  80. São
Paulo: Ed. RT, jan.-mar. 1983.
224

.“The national courts must, however, indicate with sufficient clarity the grounds on which they based
their decision” (Hadjianastassiou v. Greece, 16.12.1992, Série A, v. 52, p. 16, § 39). Disponível em:
[www.iidh.ed.cr/comunidades/libertadexpresion/docs/le_europeo/hadjianastassiou%20v.%20greece.htm].
Acesso em: 27.12.2012.
225

.Corte Interamericana de DDHH: “el deber de motivación es una de las ‘debidas garantías’ incluidas
en el artículo 8.1 [ser ouvido por tribunal independente, imparcial e competente] para salvaguardar el
derecho a un debido proceso”  Apitz Barbera e outros vs Venezuela  (sentença de 05.08.08).
Disponível em: [www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_182_esp.pdf]. Acesso em:
27.12.2012.
226

.Michele Taruffo. La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, especialmente cap. 6,
p. 406-407.
227

.Georges Abboud. Jurisdição constitucional... cit., n. 2.5.3, p. 116-117.

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8.6.4.2. As funções da jurisprudência

De certa forma, a função básica da jurisprudência é interpretação e a


concretização do próprio direito. Assim, a jurisprudência teria quatro funções
primordiais em relação à lei, que seriam: explicativa, supletiva, diferencial e
renovadora.228

Nessa perspectiva é que, atualmente, a lei e a jurisprudência não devem mais


ser confrontadas como fontes jurídicas colocadas em grau diferente de hierarquia,
uma vez que, atualmente, elas devem ser consideradas fontes complementares,
sendo insensata a análise de uma estanque em relação à outra.229

Ainda no que se refere às funções da jurisprudência, hodiernamente, o controle


de constitucionalidade e a interpretação das leis em conformidade com o texto
constitucional constituem a função essencial a ser realizada pela jurisprudência e
pela atividade dos juízos singulares.230

228

.Italo A. Luder. Concepto, function y técnica de la jurisprudência.  Adolfo Alvarado Velloso


(org.).  Doctrinas Esenciales (1936-2010).Derecho Procesal Civil y Comercial.  Buenos Aires: La
Ley, 2010. v. III, p. 56-57.
229

.Guido Alpa. La creatività della giurisprudenza. Studi in memória di Alessandro Giuliani.  Napoli:
Edizioni Scientifiche Italiane, 2001, t. I, n. 3, p. 8.
230

.Italo A. Luder. Op. cit., p. 57-58.

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8.6.4.3. A diferente posição da jurisprudência no common law em


relação ao civil law

Na tradição jurídica do  civil law, a jurisprudência possui uma maior


autolimitação em relação à legislação. A jurisprudência encontra seu limite direto
na lei, na medida em que prevalece o sistema do direito escrito. Convém ressaltar
que a jurisprudência se apresenta com força normativa inferior em relação à
legislação, uma vez que as regras advindas dela seriam mais frágeis, porque
suscetíveis de serem abandonadas ou modificadas a qualquer momento.231

Na tradição do  civil law,  apenas é possível aferir-se a importância da


jurisprudência se levarmos em conta sua relação com a lei.232  Nesse sistema, as
decisões judiciais devem ser fundamentadas em texto legal; por consequência, o
papel da jurisprudência fica sempre dissimulado atrás de uma aparente
interpretação da lei.

Em nosso sistema, essa fundamentação é obrigatória, nos termos do art.  93,


IX, da  CF/1988. O julgamento apenas pode ser feito com a desaplicação do
texto legal se ocorrer o controle difuso de constitucionalidade da lei; nesses casos,
o fundamento legal da decisão será diretamente o texto constitucional.233

Com isso, não se está afirmando que no  common law  é permitido ao
magistrado negar-se a cumprir a lei. Ocorre que essa tradição jurídica é mais
aberta e flexível quanto a essa questão, justamente em virtude da posição e da
função exercida pela lei, que, além de não ser considerada a principal forma de
manifestação e desenvolvimento do próprio direito, atua de forma mais restrita,
respeitando a terminologia jurídica e as divisões tradicionais das matérias.234

John Henry Merryman ressalta que a maior flexibilidade da atuação


jurisprudencial do  common law  se dá em razão da menor reverência que essa
tradição conferiu ao próprio texto legal em virtude do sistema do stare decisis, que,
antes de tudo, é uma doutrina judicial. Isso ocorre porque no  common law,  ainda
que a decisão judicial demande a aplicação da lei, o juiz não inicia a decisão do
caso a partir e tão somente do texto legal; ele busca aplicar o precedente ao caso,
ou seja, passa a investigar nas decisões acumuladas sobre essa questão e quais
as principais regras jurídicas a serem extraídas desse acúmulo histórico-normativo-
decisional, necessário para solucionar o caso concreto.235

Em virtude de assim proceder é que, muitas vezes, afirma-se que a decisão


judicial no  common law  tem o mesmo poder da própria lei, na medida em que
ambas possuem a mesma posição hierárquica na solução da controvérsia.236

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier ressalta que, em termos


funcionais, o precedente no direito inglês aproxima-se sobremaneira da lei escrita
no sistema continental. Isso porque, nos dizeres da autora, “nos países
de  common law,  os precedentes desempenham o papel de principal pauta de
conduta dos cidadãos. Correlatamente, a lei desempenha, nos países de  civil
law, exatamente este papel”.237

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Na realidade, não se trata, efetivamente, de hierarquia entre fontes do direito. O


que de fato ocorre é que, em virtude de sua própria evolução histórica, o Poder
Judiciário no common law não decide o caso concreto a partir da interpretação da
lei sem lançar mão da cadeia de precedentes já existente.

Corroborando nosso entendimento, Carlo Augusto Cannata238 ressalta que um


magistrado inserto no  civil law  tem a constante possibilidade de modificar sua
jurisprudência, bem como afastar-se do entendimento dos Tribunais Superiores,
ainda que isso ocorra de forma mais limitada. Essa limitação concretiza-se em
razão da própria atuação do magistrado, que almeja privilegiar a segurança jurídica
e a economia processual.

Já no regime do common law, o juiz está vinculado ao sistema de precedentes;


não se trata de vinculação a uma decisão ou uma sentença, mas, sim, a uma série
de decisões que, ao longo da história, possibilitaram a concretização de uma  rule
of law.239 Para se afastar dessa decisão, o juiz deve, obrigatoriamente, proceder à
exaustiva fundamentação, a fim de evidenciar que, para aquele caso concreto, não
deve ser mantida aplicação do precedente, lançando mão, para tanto,
do distinguishing e do overruling.240

Leitura recomendada

Básica

J. Gilissen, Introdution historique au droit. Trad. port. de A. M. Hespanha – L. M.


Macaísta Malheiros,  Introdução histórica ao direito, Lisboa, Calouste Gulbenkian,
2001, p. 90 e ss.

Intermediária

Georges Abboud.  Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Ed.


RT/Thomson Reuters, 2019, n. 3.18.

Avançada

Carlo Augusto Cannata. Historia da Ciencia Juridica Europea, Madrid: Editorial


Tecnos, 1996, Cap. I, n. II.

231

.Javier Solís Rodrígues. La jurisprudencia en las tradiciones jurídicas.  In: Cienfuegos Salgado,
David; López Olvera, Miguel Alejandro (orgs.).  Estudios en homenaje a Don Jorge Fernández
Ruiz. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, n. II, p. 326-327.
232

.Sobre a questão, Lenio Streck pontua que somente em hipóteses específicas é permitido ao
Poder Judiciário desvincular-se do texto legal.  In verbis:  “a) quando a lei (ato normativo) for
inconstitucional, caso em que deixará de aplicá-la (controle difuso de constitucionalidade  strictu
sensu) ou a declarará inconstitucional mediante controle concentrado; b)  quando for o caso de
aplicação dos critérios de resolução de antinomias. Nesse caso, há que se ter cuidado com a
questão constitucional, pois, v.g., a  lex posterioris, que derroga a  lex anterioris, pode ser

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inconstitucional, com o que as antinomias deixam de ser relevantes; c)  quando aplicar a
interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna
necessária uma adição de sentido ao artigo da lei para que haja plena conformidade da norma à
Constituição. Neste caso, o texto de lei (entendido na sua literalidade) permanecerá intacto; o que
muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que o torne adequado a
Constituição; d) quando aplicar a nulidade sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne
Normtextreduzierung), pela qual permanece a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a
sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade de determinada(s)
hipótese (s) de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração
expressa do texto legal. Assim, enquanto na interpretação conforme há uma adição de sentido, na
nulidade parcial sem redução de texto ocorre uma abdução de sentido e) quando for o caso de
declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a exclusão de uma
palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo”. Lenio Luiz Streck. Verdade e
consenso... cit., posfácio n. 6, p. 605-606.
233

.Javier Solís Rodrígues. La jurisprudencia en las tradiciones jurídicas… cit., n. II, p. 327-328.


234

.Jerome Frank. Op. cit., p.  19-20. Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIV, n.  I, p.  238. Javier
Solís Rodrígues. La jurisprudencia en las tradiciones jurídicas… cit., n. II, p. 328.
235

.John Henry Merryman. Op. cit., especialmente p. 97 e p. 103.


236

.Idem, n. VIII, p. 97.


237

.Teresa Arruda Alvim Wambier. Interpretação da lei e de precedentes  civil law  e  common
law. Revista dos Tribunais. vol. 893. p. 34. São Paulo: Ed. RT, mar. 2010.
238

.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIV, n. I, p. 239-240.


239

.Idem, ibidem.
240

.Sobre distinguishing e o overruling, ver: Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro,  cit.,


n. 6.8.5, p. 1096 et seq. José Lamego. Op. cit., p. 216.

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8.7. Precedente judicial – o regime do Stare Decisis

De início, cumpre esclarecer que a doutrina dos precedentes, apesar de


anterior, não é sinônima de stare decisis, conforme demonstraremos neste tópico.

Nessa perspectiva, não se pode perder de vista que o stare decisis  é mais do
que a aplicação da regra de solução análoga para casos iguais, pois essa seria
uma visão muito simplificada de um procedimento altamente complexo que por
séculos se estruturou naquelas comunidades. De acordo com Harold Berman, a
regra antes mencionada  (likes cases should be decided alike)  já era usada
pelas royal courts da França e da Inglaterra, o que não se confundia com o  stare
decisis.241

A doutrina do stare decisis, em sua acepção técnica, surgiu apenas mais tarde,
mediante uma sistematização das decisões, que distinguia entre holding e  dictum.
A  holding  seria a elaboração/construção (holding) do caso que consistiria no
precedente e seria vinculante para casos futuros; já o  dictum  consistiria na
argumentação utilizada pela corte dispensável à decisão e, desse modo, não era
vinculante.242

Logo, pela forte influência da história na consolidação do common Law, aliada à


filosofia embasada no método de análise e síntese que exigia um exame casuístico
para se alcançar as soluções legais, bem como a inexistência de um direito
dogmatizado e científico ministrado em suas universidades, o  common
law estruturou-se com base na prática cotidiana do direito e não a partir de doutrina
ou da ciência do direito, como ocorreu com o civil law. Ou seja, o common law, ao
contrário do  civil law, não se originou cientificamente (do ponto de vista
professoral), mas, sim, judicialmente, como prática judiciária.243

Nesse contexto, pode-se afirmar que o  common law, mesmo antes do


surgimento da doutrina dos precedentes ou do stare decisis,  sempre se embasou
na casuística, vale dizer, na análise de prévias decisões judiciais, para alcançar o
deslinde da demanda. Essas decisões prévias não constituíam verdadeiramente
precedentes, mas exemplos de como o direito havia sido aplicado naqueles casos
particulares.

Harold Berman afirma que o termo precedente foi utilizado pela primeira vez em
1557.244  A doutrina dos precedentes consiste em teoria que alça as decisões
judiciais à fonte imediata do direito, junto à equidade e legislação. Dessa maneira,
a doutrina dos precedentes vincula as Cortes no julgamento dos casos análogos.
Essa doutrina, para ser aplicada, demanda dos juízes a avaliação de quais razões
jurídicas foram essenciais para o deslinde das causas anteriores. Os fundamentos
jurídicos que foram imprescindíveis para solução da demanda constituem
a holding; já o que não foi essencial é mera dictum, que deve ser desconsiderada
no julgamento dos casos futuros. Todavia, uma vez detectada a  holding,  ela
constituirá a rule of law que vinculará a solução dos casos futuros.245

Essa teoria declaratória significa que a fonte do direito no precedente está ela


própria ligada à fonte do direito no costume, que, por sua vez, é ligada à fonte do
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direito na razoabilidade, como elemento moral do direito. A convicção na


razoabilidade jurídica consiste na própria origem da conhecida doutrina dos
precedentes.246

Desse modo, existem duas razões fundamentais para a caracterização da


teoria dos precedentes: “(1) a sense of the historical appropriateness of the
precedent and of the body of law as a whole, and (2) the belief that its component
decisions are the products of a disciplined process of reasoning and reflection on
common experience”.247

A referida doutrina dos precedentes não pode ser confundida com a estrita
doutrina do  stare decisis  que surgiu no século XIX, na qual a realização de um
determinado caso é tratada como obrigatória em um tribunal no julgamento de um
caso semelhante mais tarde. A doutrina do stare decisis origina-se da doutrina dos
precedentes, contudo, ela almejava fazer com maior clareza a distinção entre
a  holding  e a  dictum.  Todavia, a doutrina dos precedentes estava mais vinculada
ao costume dos juízes e consistia em uma linha de casos, em vez de apenas uma
única decisão que poderia ter efeito vinculante, conforme admite o stare decisis.248

Destarte, o stare decisis  pode ser conceituado como a designação dada para
descrever o desenvolvimento que a doutrina dos precedentes do  common
law  obteve no século XIX, tanto nas cortes da Inglaterra quanto nos Estados
Unidos. Antes disso, essa doutrina não se consolidou, conforme anota Thomas
Lundmark, em razão da inexistência de fonte confiável de reprodução das decisões
judiciais.249

Dessa maneira, torna-se evidente a complexidade da formação e da


estruturação da doutrina dos precedentes no sistema do  common law,  porquanto
sua consolidação é fruto da evolução histórica, política e filosófica de determinada
comunidade, ou seja, sua criação não é fruto de imposição legislativa. Tanto assim
é que não existe nenhuma regra escrita no  common law  determinando a
obrigatoriedade de se seguir os precedentes, tampouco atribuindo efeito vinculante
de maneira explícita a eles.

Assim, a partir da obra de A. Castanheira Neves, o precedente pode ser


conceituado como a decisão judicial pronunciada para solucionar o caso que
historicamente decidiu, ou seja, trata-se de decisão estritamente jurisdicional que
se torna ou se impõe como padrão normativo para deslinde de decisões
análogas.250

Importante salientar que o precedente, diferentemente de uma súmula (simples


ou vinculante), não possui seu conteúdo retratado em um curto texto normativo. O
precedente somente é efetivamente obtido depois de diversas aplicações futuras
de um caso concreto anterior. Ou seja, não existe um verbete sumular que
determina expressamente o que é um precedente.

Outrossim, a doutrina destaca a dificuldade inclusive para se definir o que é


vinculante (binding element)251  dentro do precedente. Entre essas dificuldades,
conforme expusemos, a principal delas é a distinção entre o que caracteriza a ratio
decidendi de um caso e o que é simples obiter dicta. A ratio decidendi configura a

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regra de direito utilizada como fundamento da questão fática controvertida (lide).


A  obiter dicta  consiste no conjunto de afirmações e argumentos contidos na
motivação da sentença, mas que não constituem fundamentos jurídicos da própria
decisão.252

Em síntese, o precedente se constitui como critério normativo a ser seguido em


novos casos nos quais exista idêntica questão de direito, até porque, se ocorrer a
identidade material (fática) e a jurídica, não se tratará de resolução por precedente,
mas, sim, de coisa julgada.253

Leitura recomendada

Básica

Georges Abboud.  Processo constitucional brasileiro. São Paulo: Ed.


RT/Thomson Reuters, 2019, cap. 6.

Intermediária

Michele Taruffo. Precedente e jurisprudência.  Revista de Processo.  vol.  199.


p. 139. São Paulo: Ed. RT, set. 2001.

Avançada

António Castanheira Neves.  O instituto dos assentos e a função jurídica dos


supremos tribunais, Coimbra: Coimbra Ed., 1983.

241

.Harold J. Berman. Op. cit., p. 479.


242

.Idem, ibidem.
243

.Idem, n. 9, p. 272.


244

.Inverbis:  “This principle was not ironclad; in 1557, in perhaps the first recorded use of the term
‘precedent’, a case was reported in which it was said that judgement was given, ‘notwithstanding
two presidents. Moreover, the principle was largely confined to procedural matters, including
matters of judicial competence, and was probably related to the necessity of maintaining lines of
separation between the jurisdiction of the common law courts and that of the other types of courts”.
Harold J. Berman. Op. cit., n. 9, p. 273-274.
245

.Harold J. Berman. Op. cit., n.  9, p.  274. A doutrina de Harold Berman também é ilustrativa para
evidenciar a primeira distinção entre dictum  e  holding.  Inverbis:  “[t]he earliest attempt to develop
the distinction between dictum and holding was that of Chief of Justice Vaughan of the Court of
Common Pleas in 1673. Vaughan stated: ‘an opinion given in Court, if not necessary to the
judgment … but … [the judgment] might have been as well given if no such or a contrary opinion
had been broached, is no… more than a gratis dictum’. Vaughan did not consider, however, that the
holding in any particular case was necessarily to be followed in subsequent cases. ‘If a judge
conceives a judgment given in another Court to be erroneous’, Vaughan stated, ‘he being sworn to
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judge according to law, that is, in his conscience, ought not to give like judgment’”. Harold J.
Berman. op. cit., n. 9, p. 274.
246

.Harold J. Berman. Op. cit., n. 9, p. 275.


247

.Idem, ibidem.
248

.Idem, ibidem.
249

.Thomas Lundmark. Soft stare decisis: the common law doctrine retooled for Europe. Richterrecht
und Rechtsfortbildung in der Europäischen Rechtsgemeinschaf.  Tübingen: Mohr Siebeck, 2003.
n. IV, p. 166.
250

.António Castanheira Neves. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais.
Coimbra: Coimbra Ed. 1983. n. 1, p. 12.
251

.Sobre o tema, ver: Geoffrey Marshall.  What is binding in a precedent.  In: Maccormick, Neil;
Summers, Robert S.; Goodhart, Arthur L. (org.). Interpreting precedents. England: Ashgate, 1997,
p. 503 et seq.
252

.Michele Taruffo.  Precedente e giurisprudenza.  In: Mac-Gregor, Eduardo Ferrer; Lelo de Larrea,
Arturo Zaldívar (org.). Estudios en homenaje a Héctor Fix-Zamudio en sus cincuenta años como
investigador del derecho.  México: Marcial Pons, 2008. t. V, n.  III. p.  801. Referido artigo foi
atualmente traduzido por André Luis Monteiro; Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim Wambier,
publicado na Revista de Processo. vol. 199. p. 139. São Paulo: Ed. RT, set. 2001.
253

.Cf. Antonio Castanheira Neves.  O instituto dos assentose a Função Jurídica dos Supremos
Tribunais, Coimbra, 1983, n. 2, p. 60. Para conceito de precedente, ver: Nesse sentido, Alessandro
Pizzorusso. Le sentenze dei giudici costituzionali tra diritto giurisprudenziale e diritto
legislative.  Estudios en homenaje à Héctor Fix-Zamudio. México: Universidad Autonoma de
Mexico, 2008. n. III, p. 558. Adotando nosso posicionamento, conferir: Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery. Constituição Federal comentada e legislação extravagante, cit., coments.
7-9 CF 103-A, p. 665-666.

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8.8. Justiça e equidade

Deve-se a Aristóteles a distinção de duas formas diversas de justiça: a justiça


comutativa e a justiça distributiva. A primeira refere-se à justiça entre os desiguais
por natureza, mas iguais perante a lei. A justiça comutativa implica a absoluta
igualdade entre prestação e contraprestação a respeito daquilo que a lei considera
relevante. Ou seja, a justiça comutativa determina a igualdade de valor das coisas
cambiadas, uma vez que o comerciante que venda seu produto acima do valor
normal ofenderia a justiça comutativa.254

Assim, a justiça comutativa tem como seu principal objeto os contratos,


portanto, sua função é corretiva, porquanto busca equilibrar as vantagens e as
desvantagens entre dois contratantes.255

A justiça distributiva, por sua vez, exige a igualdade proporcional no tratamento


de uma pluralidade de pessoas. Ela consiste na forma primordial de justiça, porque
seu escopo é assegurar a repartição de direitos e deveres segundo o merecimento,
a capacidade e a necessidade de cada um. Destarte, a justiça distributiva é a
forma de justiça dada aos membros de cada sociedade de acordo com seu
merecimento e sua necessidade, de forma proporcional.256

Nesse sentido, a justiça distributiva é aquela que objetiva a distribuição das


honras, do dinheiro e dos demais bens que possam ser divididos entre os
membros pertencentes à mesma comunidade, sempre tendo como parâmetro os
méritos de cada um.257

As bases elementares para a compreensão da equidade também foram


lançadas por Aristóteles, que a conceituou como a justiça do caso concreto.258

Em sua etimologia, equidade advém do termo  equitas; atualmente, ela é


empregada em dois sentidos principais. O primeiro consiste em conceituar a
equidade como virtude subordinada à justiça, é o hábito virtuoso. A segunda
acepção é mais jurídica, nela, a equidade é oposta à letra da lei, isso porque a letra
da lei (a regra legal) nem sempre se apresenta como justa, devendo sofrer
correção por meio da equidade.259

Por consistir na justiça do caso concreto, a aplicação da equidade teve maior


desenvolvimento no common law, que é essencialmente direito casuístico. Aliás, já
tivemos a oportunidade de demonstrar nesta obra que uma das principais
diferenças entre civil law e common law reside, justamente, na maior recepção que
teve a equidade na tradição do common law inglês.260

Rosa Maria de Andrade Nery salienta que a noção de equidade não pode ser
devidamente compreendida se não for analisada conjuntamente com o conceito
grego de epiqueia. Isso porque: “a equidade é o estado de igualdade, de harmonia,
que às vezes se vê comprometido e precisa ser restaurado; a  epiqueia  é um
esforço hermenêutico de quem analisa a desarmonia comprometida/perdida de
uma situação jurídica”.261

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A epiqueia tem por função temperar o rigorismo do texto legal, a fim de


coaduná-lo com a justiça do caso concreto. Três são os sentidos básicos para o
termo epiqueia: “a) com o sentido de justa medida; b) com o sentido de
particularmente equitativo, estritamente justo; c) com o sentido de indulgência, de
bondade, de doçura de caráter”.262

Hodiernamente, no Estado Constitucional, não se pode utilizar a equidade


como fundamento normativo para se proferir decisões  contra legem.  A equidade
pode ser parâmetro interpretativo da legislação, contudo, a lei somente poderá ser
afastada do caso concreto mediante o controle difuso de constitucionalidade, vale
dizer, somente é lícito ao Poder Judiciário decidir contra a lei quando essa lei
apresentar inconstitucionalidade no caso concreto, sempre precedida de larga e
extensa motivação, nos termos do inc. IX do art.  93 da  CF/1988.263

Leitura recomendada

Básica

Rosa Maria de Andrade Nery.  Introdução ao pensamento jurídico e à teoria


geral do direito privado, cit., 32.1.

Intermediária

Aristóteles. Ética a Nicômaco, cit., livro V, n. 10.

Avançada

Arthur Kaufmann. Filosofia do direito, cit., n. 10. III.

254

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n.  10.II, p.  232. Ver, ainda: Mário Ferreira dos Santos. Op. cit.,
verbete justiça, p. 831.
255

.Nicola Abbagnano. História da filosofia. Trad. António Borges Coelho, Franco de Sousa e Manoel
Patrício. 5. ed. Lisboa: Presença, 1991, n. XI, § 81, p. 234-235.
256

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n.  10.II, p.  232. Ver, ainda: Mário Ferreira dos Santos. Op. cit.,
verbete justiça, p. 831.
257

.Nicola Abbagnano. Op. cit., n. XI, § 81, p. 234-235.


258

.Aristóteles assim define o conceito de equidade: “(...) A justiça e a equidade são, pois, o mesmo.
E, embora ambas sejam qualidades sérias, a equidade é a mais poderosa. O que põe aqui
problemas é o fato da equidade ser justa, não de acordo com a lei, mas na medida em que tem
uma função retificadora da justiça legal. O fundamento para tal função retificadora resulta de,
embora toda a lei seja universal, haver, contudo, casos a respeito dos quais não é possível
enunciar de modo correto um princípio universal. Ora nos casos em que é necessário enunciar um
princípio universal, mas aos quais não é possível aplicá-lo na sua totalidade de modo correto, a lei
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tem em consideração apenas o que se passa o mais das vezes não, não ignorando, por isso, a
margem para o erro mas não deixando, contudo, por outro lado, de atuar menos corretamente. O
erro não reside na lei nem no legislador, mas na natureza da coisa: isso é simplesmente a matéria
do que está exposto às ações humanas”. Aristóteles. Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro
Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, livro V, n.  10, p.  124-125. Arthur Kaufmann. Op. cit., n.  10.III,
p. 233.
259

.Mário Ferreira dos Santos. Op. cit., verbete equidade, p. 578.


260

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 10.II, p. 232.


261

.Rosa Maria de Andrade Nery. Op. cit., 32.1, p. 94.


262

.Idem, 32.1, p. 95.


263

.Sobre o controle difuso de constitucionalidade, ver: Georges Abboud.  Processo constitucional


brasileiro, cit., n. 5.3.3, p. 951 et seq.

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8.9. Costume

De acordo com R. C. Van Caenegem, o costume pode ser considerado,


originariamente, a fonte mais importante do antigo direito europeu.264

O costume consiste em uso constante e notório que é seguido porque se


acredita que ele corresponda a uma necessidade jurídica. Ou seja, ele é um uso
constante de caráter juridicamente obrigatório.265

Nessa perspectiva, para o costume se caracterizar como fonte do direito, ele


precisa possuir requisito objetivo e subjetivo. O elemento objetivo é o uso, que é a
observância constante, prolongada e uniforme da regra pelos membros da
comunidade. Já o requisito subjetivo consiste na convicção geral de que o uso
corresponde a uma necessidade jurídica.266 Do ponto de vista subjetivo, o costume
deve transparecer como juridicamente obrigatório.

Em termos classificatórios, o costume pode ser  secundum legem  (costume


expressamente contido na própria lei);  praeter legem  (complementa a legislação,
sua função é de preencher as lacunas da lei);  contra legem  (que se forma em
oposição ao texto legal).267

As principais características dos costumes são a adaptabilidade, flexibilidade e


fluidez com que surgem e desaparecem. Não obstante essas características, na
Europa, ocorreu tendência crescente em se registrar por escrito os costumes.
Assim, quando uma regra consuetudinária é registrada por escrito, a versão escrita
adquire vida própria e o formato textual restringe posteriores modificações desse
costume.268

Esse produto final, consistente na homologação de costumes, pode ser


considerado fonte híbrida do direito. Isso porque, por um lado, o costume é direito
consuetudinário, e, por outro lado, sua positivação no texto legal, posteriormente
promulgado, lhe confere aspecto próximo ao legislativo. Destarte, esses costumes
homologados (positivados) representam uma fase de transição entre os costumes
autênticos, cuja formação foi espontânea no começo da Idade Média, e a
verdadeira legislação do período seguinte.269

Depois do período de transição supramencionado, a lei passou a ser a fonte


proeminente do direito, tendo seu costume perdido significância no direito atual,
permanecendo apenas o costume  secundum legem  e, em alguma medida, o
costume praeter legem como elemento para integrar alguma lacuna do direito.270

Todavia, não obstante o costume ter perdido sua importância, ele deve ser
considerado elemento do direito positivo vigente (somente o
costume  secundum  e  praeter legem), ainda que não esteja escrito, isso porque
“sua positividade não reside, no entanto, num acto estadual de criação do direito,
mas sim na prática duradoura e reiterada duma regra, ligada à vontade comunitária
de vigência jurídica (o direito consuetudinário existe sobretudo no direito social do
trabalho)”.271

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Leitura recomendada

Básica

Orlando Gomes.  Introdução ao Direito Civil,  19  ed., Rio de Janeiro: Forense,
2008, n. 21.

Intermediária

R. C. van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado, cit., n. 24.

Avançada

Arthur Kaufmann. Filosofia do direito, cit., n. 7. III.

264

.R. C. Van Caenegem.  Uma introdução histórica ao direito privado.  São Paulo: Martins Fontes,
2000, n. 24, p. 50-51.
265

.Orlando Gomes. Introdução ao direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, n. 21, p. 39-40.
266

.Idem, n. 21, p. 39-40.


267

.Idem, n. 21, p. 41.


268

.R. C. van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado, cit., n. 24, p. 51.


269

.Idem, n. 24, p. 52.


270

.Orlando Gomes. Op. cit., n. 21, p. 42.


271

.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 7.III, p. 151.

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8.10. Conclusões principais

1) O estudo da teoria das fontes do direito possui uma visão tradicional que foi explorada na obra, sendo
identificadas suas principais características. Entretanto, o maior objetivo do capítulo foi a ideia de uma revisitação
dessa visão tradicional, pois uma interpretação diferenciada pós-positivista do direito demanda, necessariamente, uma
diferente compreensão da teoria das fontes jurídicas em relação ao paradigma positivista.

2) Evidenciamos que, de modo tradicional, a doutrina identifica como fontes do direito: a lei, o costume, a
jurisprudência e a doutrina, sendo que o costume e a lei são considerados como fontes diretas porque influenciam a
própria formação do direito, enquanto a doutrina e a jurisprudência seriam fontes mediatas porque seriam modos de
revelação do direito.

3) Consequentemente, a pretensão foi a de demonstrar como esses conceitos estão ultrapassados, uma vez que
diversos outros institutos podem ser considerados fontes do direito, tal como as súmulas vinculantes, medidas
provisórias e precedentes judiciais, porque a distinção entre imediata e mediata não faz mais sentido, haja vista que a
própria jurisprudência tem sido cada vez mais dotada de efeito vinculante, com o intuito de assegurar sua efetividade,
e, ainda, porque o fato de alçar a doutrina à fonte mediata porque ela não teria normatividade faz transparecer que ela
deveria ser considerada fonte de menor prestígio, o que é inaceitável.

4) O entendimento exarado foi o de que atualmente, em razão da Constituição, a teoria das fontes do direito deve
ser revisitada sob o paradigma pós-positivista que não mais confunda a norma com o texto normativo e que esteja apto
a trabalhar a dimensão principiológica do direito.

5) Para explicarmos a proposta, todos os conceitos elementares foram trabalhados e ainda foi feita uma análise do
ponto de vista dos sistemas jurídicos tradicionais, civil law e  commom law, evidenciando vários equívocos cometidos
pela doutrina e como ambos devem ser tratados.

6) Antes de tratarmos da diferenciação entre direito público e direito privado, demonstramos que o direito
desenvolvido depois da Segunda Guerra Mundial superou aquela máxima:  desde que respeitados os procedimentos
formais, todo conteúdo poderia ser direito. Assim, mesmo uma lei formalmente regular passou a ter seu conteúdo/sua
materialidade controlada pelo Poder Judiciário, quando contrária ao texto constitucional.

7) Nessa perspectiva, o constitucionalismo contemporâneo pretende explicar um conjunto de textos constitucionais


que surgem depois da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de expressão oriunda do direito constitucional espanhol que
importamos como um novo paradigma científico para estudarmos o direito constitucional. Essas novas Constituições
não se limitam mais a apenas estabelecer a separação de poderes e delimitar competências do Poder Público, na
medida em que passam a positivar diversas garantias fundamentais, estabelecendo, assim, novos limites para a
atuação do Poder Público.

8) Também foi tratado no presente capítulo sobre a clássica distinção entre direito público e direito privado e a
necessidade de sua revisão diante do fenômeno do constitucionalismo. A par de identificar a visão tradicional sobre a
dicotomia público/privado, a ideia foi demonstrar como atualmente é necessário superar o dualismo entre público e
privado da forma como colocado pela doutrina tradicional e, com apoio na doutrina alemã, como o tema deve passar
fundamentalmente pelos contornos constitucionais dos direitos fundamentais.

9) Além dos elementares conceitos sobre a teoria das fontes e da dicotomia entre direito público e privado, foi
também apresentada a teoria do direito subjetivo e como essa se desenvolveu durantes os tempos. Conclusivamente,
sobre o tema, defendemos que, embora não seja todo sistema jurídico que necessite da presença do direito subjetivo
para se desenvolver, em virtude do desenvolvimento social e histórico e a consolidação do Estado Constitucional, o
sistema jurídico não pode mais ignorar a instituição do direito subjetivo, sob o risco de tornar-se sistema autoritário em
que a figura central do direito deixa de ser o indivíduo e passa a ser o próprio Estado.

10) Por fim, a temática foi a dos direitos fundamentais, quase nunca rigorosamente tratada pela doutrina brasileira.
Exploramos inicialmente que os direitos fundamentais (Grundrechte) constituem, na atualidade, o conceito que engloba
os direitos humanos universais e os direitos nacionais dos cidadãos. Apostamos na perspectiva de que o
constitucionalismo consagrou a formulação amplamente difundida de que, atualmente, não são mais os direitos
fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais.

11) Isso demonstra o modo como os direitos fundamentais asseguram ao cidadão uma posição jurídica subjetiva de
fazer valer seu direito perante o poder público, independentemente de lei ordinária regulamentadora do direito
fundamental, ou ainda se a lei for deficiente e inadequada.

12) Destarte, sobre os direitos fundamentais, defendemos que esses não devem ser compreendidos apenas na
dimensão do texto constitucional; isso porque a positivação desses direitos é fruto do desenvolvimento histórico da
sociedade e da evolução do próprio constitucionalismo, que tem como uma de suas funções principais a regulação
[controle] do poder e, consequentemente, a preservação dos direitos fundamentais.

13) Sequentemente, foi tratado o conceito de princípio jurídico, alertando-se para uma separação entre os princípios
gerais do direito e os princípios jurídico-constitucionais, de forma que uns não podem ser simplesmente considerados
como sucedâneos dos outros. Os princípios gerais do direito são topois argumentativos e consistem em sistematização
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de métodos e regras utilizadas para a solução de antinomias, em grande parte advindas da evolução do próprio direito
privado, enquanto os princípios constitucionais oferecem espaços argumentativos que permitem controlar os sentidos
articulados pelas decisões. Ademais, o conteúdo dos princípios constitucionais não é predefinido por lei, muito menos
pode ser livremente determinado pelos tribunais, isso porque eles são manifestação histórico-cultural que se expressa
em determinado contexto de uma experiência jurídica comum.

14) A lei deve ser vista como o texto normativo geral e abstrato produzido pelos órgãos legislativos,
constitucionalmente fixados. Ademais, em sua formulação, a lei deve ser razoável e geral, a fim de promover a
igualdade dos cidadãos. Desse modo, a lei não pode ser utilizada como instrumento em favor do governo, do contrário,
a lei não assegurará a liberdade, mas tão somente o regime absolutista do monarca ou de eventual maioria.

15) Não se pode confundir a lei como fonte do direito com a própria Constituição Federal. A segunda, apesar de
estabelecer todas as etapas necessárias do processo legislativo, não pode ser equiparada à própria lei. A Constituição
estabelece a formação do próprio Estado (o Constitucional) e, além disso, racionaliza e limita a soberania e os poderes
constituídos. Com efeito, não há poder legítimo que não esteja previsto na Constituição e que nela não encontre
também seus limites. Ademais, a constituição estabelece princípios fundamentais (v.g., liberdade e igualdade) e direitos
fundamentais que devem ser promovidos e respeitados pelos três poderes, sendo a lei um dos principais instrumentos
para implementá-los.

16) A súmula vinculante possui caráter legislativo, consistente em texto normativo geral e abstrato de aplicação pro
futuro, podendo ser revisada a qualquer momento, nos termos da  Lei 11.417/2006, o que não se admite em relação
às decisões judiciais. Contudo, não se pode perder de vista que a súmula vinculante, apesar de possuir as principais
características da legislação, é prolatada pelo Poder Judiciário (STF), e não pelo Legislativo, de modo que possui
natureza normativa geral e abstrata (legislativa), não podendo ser considerada pura e simplesmente legislação, porque
sua produção é realizada pelo próprio STF.

17) A medida provisória, da mesma forma que a legislação, em sua estrutura, possui texto normativo predefinido de
caráter geral e alcance abstrato. Contudo, o objeto da medida provisória é mais restrito que o da legislação, seu órgão
prolator é o Poder Executivo (Presidente da República), outrossim, deverão estar preenchidos os requisitos de urgência
e relevância, sem os quais não poderá ser produzida a medida provisória. Assim, tal como a súmula vinculante, possui
características semelhantes às presentes na lei. Todavia, seu objeto é mais restrito, possuindo os requisitos da
urgência e relevância, que não são indispensáveis para a legislação, e seu órgão prolator é o Poder Executivo.

18) Em nenhuma hipótese as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados podem ser utilizados como
subterfúgio para o julgador decidir o caso concreto de forma discricionária ou arbitrária. Vale dizer, apesar da maior
vagueza dos textos legais que consagram esses dispositivos, o magistrado deve sempre fundamentar suas
conclusões, tendo em vista que essa é uma obrigatoriedade que advém de mandamento constitucional expresso no
inc. IX do art.  93 da  CF/1988.

19) No direito romano, surge o termo  ius,  que consiste na solução justa do caso concreto, mais precisamente a
situação de fato conforme ao ordenamento jurídico. O que permite o alcance da decisão justa (ius) é a  regula iuris,
interpretação a ser obtida a partir das estruturas normativas (lei), que permitem divisar para cada caso sua solução
correta.

20) A doutrina do direito corresponde a todo conhecimento jurídico desenvolvido para ensinar e compreender a
ciência e a teoria do direito. Apesar de ela não ser dotada de efeito vinculante expresso tal como possui a lei, por
exemplo, não deve desmerecer sua posição como importante fonte do direito. A força vinculante da doutrina advém da
obrigatoriedade de se motivar as decisões judiciais contidas no inc. IX do art.  93 da  CF/1988.

21) A complexidade da formação e da estruturação da doutrina dos precedentes no sistema do  common
law,  porquanto sua consolidação, é fruto da evolução histórica, política e filosófica de determinada comunidade, ou
seja, sua criação não é fruto de imposição legislativa. Tanto assim é que não existe nenhuma regra escrita no common
law  determinando a obrigatoriedade de se seguir os precedentes, tampouco atribuindo efeito vinculante de maneira
explícita a eles.

22) Em síntese, o precedente se constitui como critério normativo a ser seguido em novos casos nos quais exista
idêntica questão de direito, até porque, se ocorrer a identidade material (fática) e a jurídica, não se tratará de resolução
por precedente, mas, sim, de coisa julgada.

23) Por consistir na justiça do caso concreto, a aplicação da equidade teve maior desenvolvimento no  common
law, que é essencialmente direito casuístico. Aliás, já tivemos a oportunidade de demonstrar nesta obra que uma das
principais diferenças entre  civil law  e  common law  reside, justamente, na maior recepção que teve a equidade na
tradição do common law inglês

24) As principais características dos costumes são a adaptabilidade, flexibilidade e fluidez com que surgem e
desaparecem. Não obstante essas características, na Europa, ocorreu tendência crescente em se registrar por escrito
os costumes. Assim, ao registrar regra consuetudinária por escrito, a versão escrita adquire vida própria e o formato
textual restringe posteriores modificações desse costume.

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9. Teoria da Norma e do Ordenamento Jurídico


Historicamente, o conceito norma jurídica foi frequentemente posto como o
objeto da teoria do direito, sendo trabalhado dos mais diversos modos pelas
correntes teóricas do direito. Assim, a resposta à pergunta: qual é o objeto da
ciência jurídica? Receberia como resposta o seguinte enunciado: o objeto da
ciência jurídica é a norma jurídica. Todavia, o conceito de norma jurídica está longe
de ser uma unanimidade entre os teóricos do direito. Por exemplo, o uso que
Savigny fazia do conceito de norma difere substancialmente daquele formulado
por  Hans Kelsen.  Não por nada, Savigny pensava as normas jurídicas em um
mesmo nível; Kelsen as coloca em uma estrutura escalonada, que responde a uma
ordem hierárquica e chama esse conjunto sistemático e organizado de normas
jurídicas de “ordenamento jurídico”.

Portanto, uma análise pormenorizada de toda a história do conceito de norma


seria praticamente infindável e extremamente longa, fugindo completamente do
propósito da presente obra.

Sem embargo, optamos por realizar um corte temporal, colocando em relevo a


discussão científica a respeito do conceito de norma jurídica que aconteceu a partir
do século XX. De fato, é apenas no século mencionado que foram criadas as
teorias sobre a norma. Porque, não obstante, sempre se falar a respeito da norma,
até não havia sido feita uma teoria da norma propriamente dita. No texto, daremos
ênfase à teoria kelseniana da norma e, no que tange às tentativas de sua
superação, concentraremos nossos esforços em torno da proposta de Friedrich
Müller e de sua metódica estruturante.

Leitura recomendada

Básica

Norberto Bobbio. Teoria geral do direito. Trad. de Denise Agostinetti. São Paulo:


Martins Fontes, 2007.

Intermediária

Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


vol. 2.

Avançada

Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3.  ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.

9.1. Norma e ordenamento

Deve-se à obra de Kelsen, a construção teórica do conceito de norma. Isso


porque o uso anteriormente efetuado pelos juristas se dava de maneira aleatória.

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Kelsen define o conceito de norma, a ponto de apurá-lo alçando-o ao centro de sua


análise sobre o próprio direito. Daí que Kelsen é classificado como positivista
normativista: em sua forma de teorizar o direito, tudo aquilo que é jurídico,
necessariamente, é norma (normativo).1

Nessa perspectiva kelseniana, o conceito de direito é identificado com o próprio


conceito de norma. Todavia, o conceito de norma não possa ser equiparado ao de
lei. Vale dizer, a lei é uma espécie de norma que faz parte da estrutura supra e
infraordenada da dinâmica jurídica.

O esforço de uma teoria do direito  kelseniana  é efetivamente demonstrado


quando Kelsen cria a divisão do estudo do direito em dois sistemas, o estático e o
dinâmico.

Kelsen apresenta duas teorias: uma estática, em que o direito é entendido


como um sistema de normas em vigor, e uma dinâmica, que tem por objeto o
processo jurídico em que o direito é produzido e aplicado, o direito em seu
movimento. De acordo com a maneira estrita com que Kelsen explora o objeto da
ciência jurídica, surgem dois importantes conceitos: o de norma jurídica e o de
proposição jurídica. As proposições jurídicas são juízos hipotéticos que enunciam
ou traduzem que de conformidade com o sentido da ordem jurídica, nacional ou
internacional, dada ao conhecimento jurídico, sob certas condições ou
pressupostos fixados por esse ordenamento, devem intervir certas consequências
pelo mesmo ordenamento determinadas. São exemplos de proposições jurídicas:
se alguém comete um crime, deve ser-lhe aplicada uma pena, se alguém não paga
uma dívida, deve ser procedida a execução forçada. Já as normas jurídicas não
são juízos, elas são mandamentos,  imperativos, comandos, permissões ou
atribuições de poder ou competência, são prescrições.2

Para efetiva compreensão do conceito de norma em Kelsen, é importante


distinguir norma jurídica de proposição jurídica. A primeira (norma) representa o
conceito nuclear com o qual opera o direito, vale dizer, “elas são produzidas
através de atos de conduta humana e devem ser aplicadas e observadas também
por atos de conduta”.3

Em outros termos, as normas são produtos da aplicação de outras normas


realizadas pelos órgãos jurídicos (e.g., tribunais que aplicam a lei ao caso concreto
e o legislativo que cria a lei por meio do processo legislativo, constitucionalmente
estabelecido). Ou ainda, as normas compreendem o resultado de sua observação
social. Por sua vez, as proposições representam os enunciados nos quais a ciência
jurídica descreve as relações que se estabelecem a partir das normas.

De forma sintética, podemos afirmar que a diferença


entre  proposição  e  norma  opera no mesmo nível da diferenciação
entre ciência e direito. Essa diferença é que permite estabelecer a distinção entre o
que é conhecimento jurídico (ato da ciência jurídica) e o que é a aplicação da
norma pela autoridade jurídica competente (ato de aplicação do direito). No oitavo
capítulo da  Teoria Pura do Direito,  que trata do problema da interpretação do
direito, Kelsen distingue claramente a interpretação efetuada no nível da ciência do
direito e a interpretação realizada pelas autoridades jurídicas. No primeiro caso,
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Kelsen afirma estar-se diante de ato de conhecimento de caráter teórico/objetivo.


Ao passo que, no segundo, trata-se de ato de vontade, prático/subjetivo.4

Tradicionalmente, são elencadas duas influências básicas que compõem,


dialeticamente, a  Teoria pura do direito: o  neokantismo  de Marburgo5  e
o  positivismo lógico  do Círculo de Viena. Dito de outro modo: como  teórico do
conhecimento, Kelsen é um kantiano de Marburgo; como  epistemólogo, ele é um
positivista lógico.

Como kantiano, Kelsen filia-se ao criticismo transcendental da  Razão pura


teórica e, a partir dos procedimentos críticos da dialética transcendental, determina
as condições de possibilidade do fenômeno jurídico operando o processo de
especialização daquilo que, no interior do  conhecimento efetivo  (entendido
kantianamente), há de jurídico.

Nesse nível, ele efetua o corte radical entre direito e moral, ou qualquer outro
tipo de manifestação ético-valorativa, ao mesmo tempo que exclui qualquer tipo de
abordagem psicologicista sobre o direito. Desse modo, o objeto de sua
epistemologia jurídica se apresenta exclusivamente dado pelo sistema de  normas
jurídicas, que imprimem sentidos nos atos sociais.6

A  norma jurídica  funciona, nesse caso, como  esquema de interpretação, que


determina o sentido deôntico dos fatos sociais. Como explicita Warat apoiando-nos
em pressupostos gnoseológicos do  neokantismo  de Marburgo podemos afirmar
que o conhecimento científico do direito para Kelsen somente é possível em uma
base e estrutura deôntica precisa e preexistente.7

Ao mesmo tempo, a partir de uma operação epistemológica determinada pela


norma jurídica enquanto modelo de interpretação e objeto da ciência do direito,
Kelsen garante a especificidade e a autonomia do direito frente à política, à
sociologia e à ideologia.

Também no plano da validade do direito (entendida tanto como obrigatoriedade


quanto existência) esta não será garantida de uma maneira simplesmente factual,
como querem os partidários do realismo jurídico (também chamado “positivismo
fático”), mas, sim, em um nível de idealidade a priori dessa estrutura deôntica, que
será constituída a partir de uma ordenação normativa encadeada hierarquicamente
que tem como ponto de interrupção uma criação gnoseológica de Kelsen,
chamada norma fundamental.

A grande inovação kelseniana, contudo, reside em introduzir, no nível dessa


estrutura deôntica, uma lógica de “proposições jurídicas” e não simplesmente de
“normas jurídicas”. A norma jurídica se mantém como esquema de interpretação,
porém apenas para apoiar a construção de uma linguagem rigorosa que pode
assumir as estruturas formais a priori exigidas pelo conhecimento científico efetivo.

Assim, Kelsen constrói uma metalinguagem (proposições)  – ao estilo do


positivismo lógico do círculo de Viena  – para resolver os paradoxos lógicos da
linguagem-objeto que são as normas jurídicas.

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Outro ponto que foi introduzido por Kelsen foi tratar da relação entre as normas
jurídicas na perspectiva de um ordenamento jurídico. Por mais paradoxal que
possa parecer, o conceito de ordenamento jurídico só é colocado como um
problema autônomo no contexto da ciência jurídica produzida no século XX. Antes
disso, havia uma preocupação com o sistema e com sua coerência interna, mas
essa perspectiva, como afirma Bobbio, ficava restrita à descrição da própria norma
jurídica: “a norma jurídica era a única perspectiva a partir da qual o direito era
estudado. O ordenamento jurídico era, quando muito, um conjunto de muitas
normas, mas não um objeto autônomo de estudo, com seus problemas particulares
e diversos”.8

Certamente, isso tem uma razão: as análises sistemáticas do século XIX, como
veremos mais amiúde no capítulo 10 da presente obra, ficavam restritas ao direito
privado, orbitando em torno dos problemas da codificação do direito civil, e não
precisavam lidar com o problema da relação deste mesmo código civil com uma
Constituição, por exemplo. Essa relação entre Constituição e direito
infraconstitucional é algo próprio das teorias jurídicas produzidas no continente
europeu na primeira metade do século XX. A de Kelsen, certamente, é a mais
importante, tanto pela acurada estrutura científica quanto por ter produzido maior
número de seguidores e de críticos.

Como dito anteriormente, em sua  Teoria Pura do Direito, Kelsen isolou os


problemas referentes ao ordenamento jurídico naquilo que ele chamou de dinâmica
jurídica, enquanto os estudos sobre a norma foram reservados para uma parte
inicial que ele nomeou de estática jurídica.

Nos termos propostos por Bobbio, uma teoria autônoma do ordenamento


jurídico aglutina-se em torno dos seguintes problemas:

a) saber como que uma pluralidade de normas pode constituir-se em uma


unidade. Nesse ponto, o problema principal a ser discutido é o da  hierarquia
normativa;

b) o segundo problema é que, partindo dessa unidade, o ordenamento deve


constituir-se enquanto sistema devendo ser oferecidos critérios de resolução das
possíveis antinomias jurídicas;

c) todo ordenamento jurídico unitário e sistemático também pretende ser


completo. Daí que, deve-se discutir o problema fundamental das lacunas do direito;

d) sendo o ordenamento jurídico constituído em torno de uma


realidade  estatal  específica, na perspectiva do direito internacional, existirá uma
plêiade de ordenamentos. Assim, o problema do reenvio ou da inter-relação entre
um ordenamento e outro também deve ser objeto de uma teoria do ordenamento
jurídico.9

Em face da especificidade do tema, não abordaremos aqui a questão


do  reenvio  de um ordenamento a outro. Essa envolve problemas relativos ao
direito internacional, cuja análise  – pelo caráter especialíssimo  – foge ao intuito
dessa obra.

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Nos tópicos seguintes, passaremos a expor, em linhas gerais, a questão da


hierarquia normativa; da sistematicidade do ordenamento; e o problema das
lacunas e da completude dos ordenamentos jurídicos.

Leitura recomendada

Básica

Hans Kelsen. Teoria pura do direito. 7.  ed. Trad. João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.

Intermediária

Norberto Bobbio.  Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
Cap. III, n. 1.

Avançada

Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


v. 2, p. 51 et seq.

.Kelsen, Hans.  Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3.  ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.

Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 51 et seq.
2

.Hans Kelsen.  Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 7.  ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 84.
3

.Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito cit., p. 78.


4

.Idem, cap. 8.

Mister salientar que a obra Teoria Pura do Direito movimenta-se no espaço da ciência do direito.


Assim, ainda que o objeto da ciência jurídica sejam as normas, a ciência, em si, não produz norma.
Ela somente produz proposições a respeito das normas, constituindo-se assim, em uma
metalinguagem bem ao estilo do empirismo lógico formulado pelos frequentadores do Círculo de
Viena.
5

.É importante anotar algumas coisas em torno do que o neokantismo de Marburgo representou


para a experiência jurídica. Seu primeiro representante de projeção foi Rudolf Stammler que
conservou do kantismo a necessária distinção entre a fenomenalidade do direito positivo e o
conhecimento que o filósofo dele pode obter mediante um juízo de reflexão. O direito positivo é da
ordem do fato e do  a posteriori. Em compensação, ele observa que uma ciência do direito
necessita elevar-se ao conceito de direito considerado em sua validade universal. Esse
procedimento permite observar nele a “ideia” que o anima a priori. Como Kant – e posteriormente
Kelsen  – Stammler estima que a pureza do direito (exigência racional a priori) deve ser a busca
fundamental da ciência do direito e que é indispensável expurgá-la de toda contaminação pela
moral ou pela história (Cf. Simone Goyard-Fabre.  Filosofia crítica e razão jurídica.  São Paulo:
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Martins Fontes, 2006, p. 228). Isso decorre, numa perspectiva mais ampla, da própria orientação
predominante em Marburgo como foi ressaltado na nota anterior.
6

.Cf. Luis Alberto Warat.  Epistemologia Jurídica e Ensino do Direito. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2004. p. 241 e ss.
7

.Verbis:

“Apoyándonos en los presupuestos gnoseológicos del neokantismo de Marburgo, podemos


suponer que para Kelsen el conocimiento científico del Derecho, sólo es posible en base a una
estructura deóntica precisa y preexistente”. Idem, p. 243.
8

.Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, Cap. III, n. 1. p. 174.
9

.Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito, cit., p. 187.

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9.2. A hierarquia normativa e Unidade do Ordenamento

A questão envolvendo a relação entre normas de modo a encadeá-las numa


perspectiva hierárquica não é algo novo. O problema da adequação da lei humana
à lei natural  – que envolve todo o pensamento jusnaturalista  – é algo que
acompanha o direito desde os gregos.

Na modernidade, principalmente no contexto do movimento constitucionalista,


foi colocado em questão o problema da supremacia da Constituição e
da necessidade de o direito infraconstitucional a ela estar adequado. Esse tipo de
pensamento teve uma longa gestação, mas terminou por ser firmado e cristalizado
no ambiente do constitucionalismo norte-americano que, por uma decisão de um
juiz da suprema corte (John Marshall) instituiu o chamado controle de
constitucionalidade dos atos normativos, afirmando, assim, o ponto que faltava
para tornar explicita a supremacia da Constituição com relação ao restante da
produção normativa de uma ordem jurídica.

Esses movimentos, todavia, nunca chegaram a tratar da questão da hierarquia


normativa com a finalidade de produzir uma teoria – até certo ponto autônoma – do
ordenamento jurídico. Essa intenção terá, novamente na obra de Hans Kelsen, o
seu ponto de partida.

Com efeito, Kelsen formulou a tese de que o ordenamento jurídico possui uma
estrutura  suprainfraordenada. Essa estruturação do ordenamento é, por várias
vezes, remetida à clássica metáfora da “pirâmide normativa”. Embora não seja
errado mencionar essa estrutura suprainfraordenada  a partir dessa metáfora, não
se pode dizer que ela tenha sido descrita por Kelsen em sua  Teoria Pura do
Direito. Mais especificamente, ela aparece em um texto produzido pelo autor para
explicar à comunidade acadêmica a novidade de sua teoria.10

Na verdade, a grande inovação de Kelsen é propor que essa relação


normativa  – que envolve uma norma superior sendo aplicada por uma norma
inferior  – se dá não numa perspectiva de conteúdo (como nas formulações
jusnaturalistas e nas do constitucionalismo moderno), mas, sim, numa perspectiva
de validade.

A perspectiva kelseniana é a seguinte: a norma superior oferece um


fundamento de validade para a norma inferior. Daí que essa estrutura possui uma
natureza  suprainfraordenada: da norma superior o órgão aplicador deduz a
validade da  norma inferior. No exemplo figurado pelo próprio Kelsen, a partir da
metáfora da pirâmide: a Constituição oferece o fundamento de validade das leis
produzidas pelo poder legislativo. As leis produzidas pelo poder legislativo
oferecem o fundamento de validade para as decisões proferidas pelos juízes e da
execução dos negócios da administração via decreto; por outro lado, também os
negócios jurídicos retiram seu fundamento de validade da legislação e podem
servir de fundamento de validade de uma decisão judicial que, eventualmente,
tenha que julgar um conflito proveniente de um contrato aplicando alguma de suas
regras.

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A  validade  da norma inferior, portanto, está condicionada à sua adequação à


norma superior. Mas essa adequação não é pensada numa perspectiva de
conteúdo, mas, sim, numa perspectiva formal de procedimento: a norma inferior é
válida na medida em que obedece ao procedimento estabelecido na norma
superior.

Todavia, a novidade do pensamento kelseniano não se resume à teorização


acerca da estrutura suprainfraordenada do ordenamento jurídico. Na verdade, além
de oferecer uma explicação sobre o modo como o ordenamento jurídico se
movimenta e se modifica (daí essa parte de sua teoria ser nomeada de  dinâmica
jurídica), Kelsen apresenta uma hipótese que explicaria de que modo todo o
ordenamento jurídico remete a um único ponto. Trata-se de uma hipótese que
explica a questão da unidade do ordenamento jurídico.

Essa hipótese é a chamada  norma hipotética fundamental. Como explica


Losano, “o direito é unitário porque todo o ordenamento deriva de uma única
norma fundamental. Tal norma fundamental não é uma norma estatuída (ou posta)
pelo legislador, mas imaginada por quem examina o ordenamento” (o jurista
estudioso do direito – acrescentamos).11

Durante toda sua vida, o tema da norma hipotética fundamental foi, certamente,
o maior “espinho teórico” de Kelsen (verdadeiro “calcanhar de Aquiles” de sua
teoria). Por diversas vezes, ele alterou sua definição de modo que podemos
registrar, aqui, ao menos duas delas: a)  em um primeiro momento, Kelsen afirma
ser a norma hipotética fundamental o resultado de uma operação lógica conhecida
por tautologia: ela é porque é; fundamento porque é fundamento. Anos depois, em
sua obra póstuma chamada  Teoria Geral das Normas, Kelsen se apropria da
filosofia do  como se  (Als-ob- Philosophie) de Hans Vaihinger para afirmar que a
norma hipotética fundamental seria uma  ficção necessariamente útil, sem a qual
não seria possível pensar em um fundamento unitário para todo o ordenamento
jurídico.12

Por fim, calha registrar que os mesmos autores que refinaram a teoria sobre o
ordenamento jurídico continuaram seguindo as intuições fundamentais de Kelsen.
Norberto Bobbio  – que produziu um trabalho notável sobre o tema  – confessava
expressamente que, em linhas gerais, continuava seguindo a teoria kelseniana.
Nas palavras do autor:

“Essa teoria serve para dar uma explicação da unidade de um ordenamento


jurídico complexo. O núcleo dessa teoria é que as normas de um ordenamento não
estão todas no mesmo plano. Existem normas superiores e normas inferiores. As
normas inferiores derivam das superiores. Partindo das normas inferiores e
passando por aquelas que estão acima, chega-se por último a uma norma superior,
e sobra a qual repousa todo o ordenamento.  Todo ordenamento tem uma norma
fundamental. É essa norma fundamental que dá unidade a todas as outras normas;
ou seja, faz as normas esparsas e de proveniência variada um conjunto unitário,
que pode chamar a justo título de “ordenamento”” (grifamos).13

Note-se, portanto, que a própria ideia de ordenamento depende da norma


fundamental para poder existir. Daí que, para uma teoria do ordenamento jurídico,
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a questão da norma hipotética fundamental não é cosmética. Pelo contrário, trata-


se de um ponto fundamental que, em sendo de frágil definição, coloca a perigo
toda a teoria.

Leitura recomendada

Básica

Norberto Bobbio.  Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
Parte II, cap. II, n. 9.

Intermediária

Gabriel Nogueira Dias.  Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito. cit.,


p. 295 e ss.

Avançada

Hans Kelsen.  El método y los conceptos fundamentales de la Teoría Pura del


Derecho. Madrid: Editorial Reus, 2009, n. 32.

10

.Cf. Hans Kelsen. El método y los conceptos fundamentales de la Teoría Pura del Derecho. Madrid:
Editorial Reus, 2009, n. 32. p. 68 e segs.
11

.Mario Losano. Sistema e Estrutura no Direito. cit., p. 54.


12

.Não cabe aqui aprofundarmos a questão. Para uma análise pormenorizada remetemos o leitor
para a obra de Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito. cit., p. 295 e
segs.
13

.Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito cit., Parte II, cap. II, n. 9. p. 199.

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9.3. Ordenamento e sistema: o problema das antinomias

Toda teoria do ordenamento tende para a ideia de sistema. Dizendo de melhor


maneira, a teoria do ordenamento necessita da ideia de sistema para lhe completar
sentido e lhe possibilitar um adequado tratamento para a relação entre as normas
jurídicas.

Assim, além do problema envolvendo a hierarquia (os distintos estratos de


normas) e da unidade (todas as normas remetendo a uma única norma
fundamental) um ponto essencial para se trabalhar com a teoria do ordenamento é
a questão da coerência normativa. Sistema, portanto, está aqui atrelado à ideia de
um todo coerente e harmônico de normas.14

Nessa perspectiva a teoria descreve duas situações distintas:

a) primeiro estabelece critérios para identificar possíveis conflitos entre normas


de modo a tutelar conteúdos contraditórios entre si. O fato de haver um conflito –
uma contradição  – entre normas de um mesmo ordenamento é chamado
de antinomia.

Bobbio define a antinomia como sendo uma situação em que são criadas duas
normas, sendo que uma obriga e a outra proíbe. Ou uma obriga e a outra permite,
ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento. Ademais, essas
normas precisam ter o mesmo âmbito de validade, ou seja, devem existir no
mesmo âmbito temporal, espacial, pessoal e material;

b) num segundo momento, é preciso estabelecer critérios para solução dessas


antinomias.

Como afirma Bobbio, é preciso passar da  definição  de antinomias para


a solução de antinomias.15

O jusfilósofo italiano indica, ainda, dois tipos de antinomias: as  solúveis  e


as insolúveis.

Há dois casos em que as antinomias são  insolúveis:  1) quando não se pode


aplicar nenhuma das regras disponíveis para solucionar a antinomia em caso; 2)
quando se podem aplicar, ao mesmo tempo, duas ou mais estratégias de solução.

Já as antinomias  solúveis,  também chamadas de  aparentes, são aquelas que


podem ser resolvidas pela aplicação das tradicionais regras de solução de
conflito.16 Nesse caso, o intérprete pode optar por aplicar as seguintes estratégias:

1) o critério cronológico: a norma posterior derroga a anterior;

2) o  critério hierárquico: diante de um conflito entre normas de diferentes


estratos hierárquicos, prevalece aquela que se encontra no estrato superior;

3) o critério da especialidade: em caso de conflito entre normas que tratam de


uma mesma relação jurídica, prevalece aquela com regras mais específicas para a
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situação.

Por fim, calha registrar que todo esse discurso em torno do problema das
antinomias reivindica algo que é nomeado por Bobbio de “dever de coerência”.
Esse dever de coerência pode ser analisado na dimensão legislativa ou na
dimensão judicial.17

Na dimensão legislativa, que é o órgão criador do direito, o dever de coerência


se manifesta da seguinte forma: não cria normas que sejam incompatíveis com as
outras normas do sistema.

Já na dimensão judicial, o dever de coerência apresenta um aspecto específico,


ligado à atividade de aplicação de normas  – próprias dos órgãos jurisdicionais.
Assim, tem-se a seguinte fórmula: “caso se deparem com antinomias no momento
da aplicação, devem eliminá-las”.

Leitura recomendada

Básica

Norberto Bobbio.  Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
Parte II, cap. III.

Intermediária

José de Oliveira Ascensão.  O direito: introdução e teoria geral. 2.  ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. Tít. VII, Cap. I, p. 393 et seq. Cap. III, p. 451 et seq.

Avançada

Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010,


vol. I e II, passim.

14

.Existem muitas peculiaridades no modo como o conceito de sistema foi articulado no interior do
pensamento jurídico ao longo da história. Não há espaço aqui para se descer a esse grau de
minúcias. Assim, remetemos o leitor para Mario Losano. Sistema e Estrutura no Direito cit., vol. I e
II, passim.
15

.Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito cit., Parte II, cap. III, n. 17. p. 238.
16

.Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito cit., Parte II, cap. III, n. 17, p. 238.
17

.Cf. Idem, n. 20, p. 254.

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9.4. O mito da completude do ordenamento: a questão das lacunas do


ordenamento

O mito ou dogma da completude nasce na esteira do fenômeno da codificação,


no início do século XIX, e tem seu marco característico apresentado pelo  Code
civil  francês e na chamada “proibição de interpretar” a que eram submetidos os
juízes e os eruditos (doutrinadores). Como veremos mais adiante (capítulo 10), o
regime napoleônico tinha no novo código um importante mecanismo para a
construção de uma nova ordem jurídica  – apta a moldar a nova estrutura política
que se seguiu ao golpe de 18 de brumário. Nesse sentido, qualquer
desvirtuamento que viesse a ser submetida a obra do legislador, feriria os
interesses do regime.

Também o  BGB  (CC alemão) padecia desse elemento, até certo ponto,
autoritário. Todavia, os motivos históricos que produziram esse fenômeno no
contexto alemão foram outros. No caso, o BGB foi fruto de um decantado estudo
acadêmico produzido no contexto da chamada “recepção do direito romano” e das
escolas histórica e pandectista (Jurisprudência dos Conceitos). Assim, a chancela
legislativa ao produto de infindáveis pesquisas e argumentos dos eruditos colocava
no código a condição de obra acabada, não estando sujeita a “complementos
interpretativos”.

Ademais, a própria concepção de sistema, herdada do racionalismo iluminista,


impingia uma ideia de completude e fechamento que, de algum modo, restringia o
trabalho dos tribunais e juízes no momento de aplicar as disposições dos códigos.

O dogma da completude dos códigos sofrerá críticas já no início do século XX,


a partir das obras de François Gény e Hermann Kantorowicz e da instauração do
chamado “movimento do direito livre”. Como será analisado em pormenores mais
adiante (cap.  10) o movimento do direito livre afirmava que o tecido normativo
estabelecido pelo sistema da codificação deixa zonas de desregulamentação no
plano da sociedade. Assim, no momento de aplicação do direito  – pelos juízes  –
havia uma dimensão, não coberta pelos códigos, que possibilitava uma atividade
criativa por parte dos juízes. Era uma zona de lacuna  ou de  Freies Recht  (direito
livre), que possibilitava ao juiz uma atividade de colmatação.

No caso de uma teoria do ordenamento, o problema das lacunas é deslocado


do contexto dos códigos, em direção a todo ordenamento jurídico (entendido como
um todo unitário composto por uma estrutura escalonada de normas, como vimos
anteriormente).

A obra de Kelsen, novamente, assume papel de relevância nesse contexto, ao


examinar especificamente, o problema das lacunas. Kelsen entendia não ser
possível falar em lacunas do ordenamento jurídico reivindicando, assim, uma
completude para o ordenamento jurídico. A lacuna estaria na lei, mas não no
ordenamento, já que toda resposta a um problema normativo deveria sair do
próprio direito e, mesmo que algum elemento externo fosse introduzido ao direito,

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16/01/2022 16:48 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022

passando ele pelos critérios formais de adequação ao ordenamento, ele,


automaticamente, seria transformado em direito.

Nos termos propostos pelo próprio Kelsen, as lacunas seriam


logicamente impossíveis, pois quando a ordem jurídica não estatui qualquer dever
a um indivíduo  de realizar determinada conduta, ela permite essa conduta. Na
verdade, não seria possível, segundo Kelsen, aplicar a esse caso a norma jurídica
singular.18

Autores como Norberto Bobbio – embora perfilem o pensamento de Kelsen em


várias oportunidades  – não seguem o mestre nesse aspecto em específico. O
jusfilósofo italiano não apenas aceita que, nalguns casos, existem lacunas no
ordenamento, como oferece uma série de critérios para sua colmatação,
nomeados por ele como critérios de heterointegração e autointegração (utilizando-
se de uma terminologia consagrada por Carnelutti).19

A heterointegração consiste em duas estratégias básicas: 1) de um lado indica


ao estudioso que recorra a recursos normativos disponibilizados por ordenamentos
jurídicos diversos; e 2) nos recursos a fontes diferentes daquelas predominantes
(no civil law, a lei; no common law os precedentes).

Já a autointegração se apresenta nas estratégias de colmatação das lacunas a


partir de critérios internos, presentes no próprio ordenamento. Nesse caso, Bobbio
faz referência à analogia e aos princípios gerais do direito (v. item 8.4).

Importa consignar que a teoria do ordenamento jurídico sofre hoje críticas de


outros modelos epistemológicos (como é o caso da matriz sistêmica, de cariz
Luhmmaniano). Ademais, várias das teorias da norma contemporâneas  – pós-
positivistas, como a de Friedrich Müller – não possuem essa mesma preocupação
com o conceito de ordenamento que existia nas teorias positivistas.

Esse ponto, aliás, oferece uma ótima amostra do anacronismo que acomete o
direito brasileiro, em especial a processualística. Ao mesmo tempo, demonstra
como a teoria do direito não faz parte das preocupações daqueles que influem
diretamente na construção do discurso legislativo. O Código de 1973 e o projeto da
comissão de juristas de  NCPC  fala em lacuna ou obscuridade da lei, um
problema enfrentado pela teoria do direito do século do final do XIX e do início do
século XX, a partir dos movimentos que se seguiram à jurisprudência dos
interesses e ao movimento do direito livre. Assim, tanto o código vigente, de 1973
quanto o anteprojeto, de 2010, estão assentados sob postulados novecentistas. A
relatoria do Senado, por sua vez, “atualiza” com pelo menos 60 anos de atraso o
texto ao associar a ideia de lacuna e obscuridade não à lei  – isoladamente
considerada, mas ao “ordenamento jurídico”. Ocorre que “ordenamento jurídico”
seria um conceito contemporâneo ao Código de 1973, que optou, entretanto, por
se apegar às “descobertas” novecentistas da Teoria do Direito. Com efeito, o
conceito de ordenamento jurídico foi inaugurado por Kelsen e, depois, difundido
nos países de línguas latinas por Norberto Bobbio, a partir de seu clássico Teoria
do Ordenamento Jurídico  – de confessadas inspirações kelsenianas  –, cuja
publicação remonta ao final da década de 1950 e ao início da década de 1960.
Para Bobbio, a  teoria do ordenamento  representava uma integração da teoria da
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norma jurídica, cuja premissa elementar pode ser traduzida na seguinte passagem:
“as normas jurídicas nunca existem sozinhas, mas sempre num contexto de
normas que tem relações específicas entre si”.20 Certamente, no início da segunda
metade do século XX, a ideia de ordenamento representava uma grande novidade,
principalmente nos termos trabalhados pelo jusfilósofo italiano.

Todavia, também a partir da década de 1960, com a publicação de Verdade e


Método, de Gadamer, e de todas as discussões que dali se seguiram com setores
da  chamada filosofia analítica da linguagem, a hermenêutica jurídica sofreu  – ou
deveria sofrer  – sensíveis transformações, principalmente no que tange ao modo
como o “objeto” da interpretação nos é dado (ver, nesse sentido, o Capítulo 10
desta obra). O grande problema da teoria do ordenamento e, portanto, do conceito
de ordenamento, é que ele compreende a norma jurídica como uma entidade
autônoma, que existe independentemente da interpretação. Sendo a norma não
uma representação do “existente”, do “imediatamente dado”, mas, sim, o produto
da interpretação de um texto, a harmonia, a coerência (e a integridade, diríamos,
dworkinianamente) não devem ser buscadas no ordenamento, mas na própria
interpretação. E, aqui, é que temos a grande novidade da hermenêutica: não se
deve buscar a verdade das coisas nem numa realidade externa ao sujeito, nem na
própria consciência, isolada de seu entorno, mas na clivagem que existe entre
consciência e mundo, e que a experiência da linguagem retrata de um modo
privilegiado.

Leitura recomendada

Básica

Norberto Bobbio. Teoria geral do direito. Trad. de Denise Agostinetti. São Paulo:


Martins Fontes, 2007.

Intermediária

Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3.  ed. São
Paulo: Martins Fontes.

Avançada

Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. 5.  ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009.

18

.Cf. Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito cit., V, n. 2, y, p. 263.


19

.Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito cit., Parte II, cap. IV, p. 286 e ss.


20

.Cf. Norberto Bobbio. Teoria geral do direito cit., p. 173.

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9.5. Construção positivista do conceito de norma e seus críticos

Assim, a partir da primeira metade do século XX, o conceito central para teoria
do direito  – ao menos na teoria do direito desenvolvida na Europa continental  –
será o conceito de norma, não mais entendida de maneira justaposta à lei, ou seja,
lei e norma não são conceitos coincidentes.

A não coincidência entre norma e lei fica esclarecida a partir da clássica obra
de Hans Kelsen, a Teoria Pura do Direito, aliás, tal teoria influencia o próprio
paradigma pós-positivista, uma vez que também as posturas que se pretendem
críticas em relação ao seu positivismo normativista, voltam a ele na perspectiva de
estabelecer um diálogo.21

A partir da leitura da Teoria Pura do Direito é possível depreender que, para


Kelsen, é a norma jurídica que imprime significado jurídico aos atos da conduta
humana sendo que ela própria é produzida por um ato jurídico que, por sua vez,
recebe o significado jurídico de outra norma, no interior da estrutura dinâmica da
ordem jurídica.22

Desse modo, a norma jurídica é conceituada por Kelsen como um esquema de


interpretação  que determina o sentido objetivo dos atos humanos, imprimindo
neles significado de direito. “O juízo que se enuncia que um ato de conduta
humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma
interpretação específica, a saber, a interpretação normativa”.23 É a norma jurídica,
portanto, que confere significado jurídico ao fato/ato que sempre surge a partir de
uma operação mental: o ato/fato é recebido pela intuição sensível e da
interpretação – produzida no entendimento – que se deduz o conteúdo jurídico ou
antijurídico. O conceito de norma assume um colorido  transcendental, um  a
priori  necessário para o conhecimento jurídico, algo similar ao que Kant já havia
feito com conceitos jurídicos tradicionais como  posse,  propriedade,  contrato,
matrimônio etc.24

Nesse contexto, em sua estrutura formal, a norma jurídica se reveste de


uma  forma deôntica da qual se pode deduzir uma  proibição,  uma  permissão,
ou  uma  ordem, que confere “poder” (ou um ter competência) para agir de
determinada maneira. Essa  interpretação normativa  é dividida por Kelsen  – por
meio de uma operação epistemológica inspirada no positivismo lógico do Círculo
de Viena25 – em dois níveis: a interpretação da ciência e a interpretação do direito.
Na interpretação do direito, estamos diante de um ato de vontade e que, portanto,
não pode ser pensado pela razão pura teórica;26 ao passo que, na interpretação da
ciência do direito, estamos diante de um ato de conhecimento, que deve obedecer
aos padrões objetivos das ciências. Na interpretação da ciência, resolvem-se os
paradoxos lógicos daquilo que as autoridades produzem como  normas, mas não
se chega a determinar, efetivamente, qual o conteúdo que deve ser mencionado na
aplicação prática do direito. Os juízos do cientista do direito devem ser restritos à
verificação procedimental de validação das normas. Os juízos realizados pelo
aplicador são algo que não podem ser apreendidos pela razão, portanto, que
fogem do campo de interesse da ciência jurídica.

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Sendo assim, é por isso que no pensamento de Kelsen, uma vez obedecido o
procedimento formal de elaboração de normas, qualquer conteúdo poderia ser
direito. Esse ponto específico é muito importante para compreender a
obra  de  Kelsen em seu contexto global. De fato, mesmo problemas como a
separação do direito e da moral, estão vinculados a essa operação kelseniana que
separa em dois níveis ato de vontade e ato de conhecimento. Como empirista
lógico, Kelsen jamais poderia admitir que a vontade pudesse ser objeto de
conhecimento válido, daí que toda a dimensão da chamada filosofia prática ficava
excluída de suas preocupações científicas.27

Assim, direito e moral estariam, logicamente, separados. Com efeito, a


separação não seria uma questão de justiça, como muitos imaginam, mas uma
operação lógica, rigorosamente determinada pela ciência, o que demonstra a
coerência interna da teoria de Kelsen.

Esse ponto também apresenta reflexos em questões dogmáticas, e.g., controle


de constitucionalidade das leis, que em Kelsen, deve-se restringir ao exame dos
vícios formas do processo legislativo, nunca podendo analisar aspectos referentes
ao próprio conteúdo da lei.28

O pensamento de Kelsen teve tamanha importância que influenciou autores


contemporâneos, merecendo destaque Robert Alexy que mantém o conceito de
norma  kelseniano, porém substitui seu conceito de interpretação pelo conceito
de  argumentação racional baseada no discurso prático. Desse modo, os
enunciados dogmáticos da ciência jurídica, os precedentes judiciais e todo
manancial legislativo se cruzam para solução da controvérsia jurídica. O conceito
de norma, tal como aparece em sua  Teoria dos Direitos Fundamentais  é
explicitamente um conceito semântico, tal como é aquele desenvolvido por Kelsen.

Afirmamos que se trata de conceito semântico na medida em que sua


configuração é possível, antes da problematização de caso concreto (real ou
fictício). Ou seja, o conceito de norma é semântico quando ele pode se produzir em
abstrato (v. Item 9.7).

É certo que Alexy se esforça para demonstrar diferenças entre o seu conceito
de norma e o de Kelsen, mas, além da coincidência de ambos se situarem no nível
semântico, o próprio Alexy admite, ao final, uma estreita relação entre ambos.29 O
autor da Teoria dos Direitos Fundamentais não concorda com a ideia kelseniana de
que a norma seja “o sentido objetivo de um dever ser” o que, para Kelsen, significa
que ela pode ser referida a uma norma fundamental que lhe atribua validade
objetiva. Afirma ser difícil a inclusão da concepção kelseniana no modelo por ele
cunhado. Em todas essas investidas, Alexy parece se esforçar para retirar toda
dimensão científico-objetiva que perpassa o discurso de Kelsen e que seria,
justamente, o que excluiria a possibilidade de tematizar algo como valores no
âmbito da ciência do direito. Assim, ele aceita, expressamente, apenas o
argumento de que com  norma  se designa algo que  deve ser  ou suceder,
especialmente que uma pessoa deva se comportar ou agir de determinada
maneira.

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Apesar de suas objeções, Alexy não chega a tocar no âmago do conceito de


norma que havia sido colocado por Kelsen. Nem coloca como questão o problema
dos níveis de interpretação através dos quais a norma pode ser tematizada.
Sabemos apenas que, para ele, o conceito de norma continua sendo um conceito
semântico, posto em abstrato. Ou seja, o seu conhecimento ainda implica um pôr
entre parênteses o aspecto pragmático, tendo em vista que a ela subjaz uma
noção de um sujeito cognoscente transcendental. No fundo, a concepção alexyana
mantém o conceito de norma como esquema de interpretação e forma a priori  do
conteúdo deôntico dos fatos.

Desse modo, seu conceito de princípio depende “toxicologicamente” do


conceito semântico de norma, pois somente assim será possível pensá-los em
termos de enunciados deônticos. Conceituando os princípios como
“mandados/mandamentos” (ao lado de proibição e permissão), Alexy  faz com
que  eles participem do gênero  norma  embora  realize um nebuloso esforço para
distingui-los de outra espécie normativa: as regras. Por mais clara que esta
distinção possa parecer, desde o ponto de vista lógico, ela sempre levará a mal-
entendidos por se tratar de uma artificialidade que não problematiza a questão no
âmbito pragmático. Com isso, Alexy consegue realizar uma classificação da norma
jurídica, mas calcada sobre o mesmo pressuposto que possibilitava o conceito
anterior: a subjetividade abstrato-transcendental e o esquema sujeito-objeto. A
opção, portanto, é paradigmática: Alexy continua, na qualidade de  kantiano,
situado no paradigma da subjetividade, ou, simplesmente, filosofia da consciência.

Destarte, o ponto central na teoria da norma de Alexy, é a distinção entre


princípios (mandados de otimização) e regras (mandados de definição). Essa
dualidade consiste em espécie do gênero norma jurídica. Contudo, essa dicotomia
apenas é possível, porque o conceito de norma elaborado por Alexy opera-se no
plano semântico (abstrato).

Por outro lado, autores tais quais Ronald Dworkin formulam conceito de norma
que não comporta enquadramento como gênero que engloba regras e
princípios.30  Isso é assim porque  – segundo Esser31  – os anglo-saxões não
conhecem o conceito continental (europeu) de norma, no sentido que lhe dá o
idealismo normativista kelseniano. Entre eles, o conceito de norma corresponde ao
conceito de regra (rule) e por esse motivo o conteúdo deôntico dos princípios não
são atribuídos a partir de uma simples “normatividade”, ainda prisioneira de uma
teoria do conhecimento subjetivista.

O fato de Dworkin não mencionar o gênero norma na distinção que ele realiza


entre regra e princípio também aponta para algo inquietante: se Dworkin não define
princípio como norma  – pois o conceito de norma é equivalente ao de regra  –
então como é possível afirmá-los deonticamente? E mais, se o conceito anglo-
saxão de rule pode ser tido como equivalente do continental de norma, como fica
esse conceito frente à crítica de Dworkin àquilo que ele chama de  teorias
semânticas? Parece evidente que não cabe falar aqui em norma como esquema
de interpretação ou como um conceito semântico. Isso porque, a partir de Dworkin,
poderíamos afirmar que essa dimensão deôntica que reveste as regras e os
princípios é sempre interpretação, uma vez que, para ele, o próprio
direito  é  interpretação.32  Podemos dizer que a norma não é um esquema de
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interpretação ou um conceito semântico que coloca entre parênteses a atividade


judicativa que caracteriza o direito, mas, sim, ela própria já  é  interpretação. Isso
implica dizer que  normas não significam em abstrato. Uma norma só significa na
medida em que ela se manifesta em uma interpretação.

Portanto, normas não são coisas com um caráter significativo predeterminado e


nem tampouco categorias semânticas que operam deonticamente de uma maneira
prévia, descolada da existência. Daí ser fundamental a presença de caso concreto
(real ou fictício), pendente de solução, para que se possa vislumbrar a
manifestação da norma jurídica.

Leitura recomendada

Básica

Georges Abboud. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:


Ed. RT, 2011. n. 1.

Intermediária

Robert Alexy. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: CEC, 2002.

Ronald Dworkin.  Uma questão de princípio.  2.  ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005.

Avançada

Josef Esser.  Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho


privado. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1961.

21

.Cf. Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão judicial e o conceito de princípio: a hermenêutica e a


(in)determinação do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. Cap. II, tópico 2.3.
22

.Cf. Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito cit., p. 4 e p. 240 e ss.


23

.Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 4.
24

.Para uma análise específica da relação entre Kant e Kelsen, ver: Simone Goyard-Fabre. Filosofia
Crítica e Razão Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2006, passim.
25

.O Círculo de Viena foi movimento filosófico que estatuiu as bases da nova filosofia da linguagem
de matriz lógico-analítica. Tal movimento tinha na obra de Ludwig Wittgenstein (Tractatus Logico-
Philosophicus, 3. ed. São Paulo: Edusp, 2008) o epicentro do debate. Além de Wittgenstein eram
expoentes do Círculo de Viena, filósofos como Rudof Carnap e M. Schlick. Como é sabido, o
empirismo lógico de Hans Kelsen é tributário do conhecimento produzido por esse movimento
filosófico.

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26

.No que tange ao  voluntarismo  kelseniano aduz Müller: “A interpretação autêntica (e.g., na
sentença judicial) é concluída por meio de um ato de geração da norma, que aparece como mero
ato de vontade, cujas medidas não propõem nenhum problema de teoria jurídica ou genericamente
de direito positivo, mas apenas um problema de política jurídica. Excluem-se aqui liminarmente a
racionalização de teores materiais normativos, a descoberta de elementos de política jurídica na
interpretação. Não se consegue compreender como a geração judicial do direito no quadro lógico
da norma genérica deva continuar sendo ao mesmo tempo a ‘aplicação’ da lei, por meio de atos de
vontade de teor juspolítico” (Friedrich Müller.  O novo paradigma do direito.  São Paulo: Ed. RT,
2007. p. 51).
27

.Lenio Luiz Streck. Direito. In: Vicente de Paulo Barreto; Alfredo Culleton (coords.).  Dicionário de
filosofia política. São Leopoldo: Unisinos, 2010. p. 145-150.
28

.Georges Abboud.  Jurisdição constitucional e direitos fundamentais.  São Paulo: Ed. RT, 2011,
n. 3.2.1.1. p. 172 e n. 3.2.2. p. 173-175.

Do ponto de vista da materialidade da lei, Kelsen admitia, excepcionalmente, e ainda assim


apenas por via negativa, que a Constituição determinasse o conteúdo das leis a editar, excluindo
certos conteúdos.  Verbis:  “A Constituição (no sentido material da palavra) em regra apenas
determina os órgãos e o procedimento da atividade legislativa e deixa o conteúdo das leis ao órgão
legislativo. Só excepcionalmente – e, de modo eficaz, por via negativa – determina o conteúdo das
leis a editar, excluindo certos conteúdos”. Hans Kelsen. Teoria Pura do Direito cit., p. 258.
29

.Cf. Robert Alexy. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: CEC, 2002. p.  50, em especial
nota n. 10.
30

.Não concordamos, portanto, com constante referência a Dworkin como autor que “elevou” (sic) os
princípios à condição de normas, a partir de uma apressada justaposição com Alexy (Nesse
sentido Cf. Luis Roberto Barroso. Ana Paula de Barcellos. O começo da História: a Nova
Interpretação Constitucional e o papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In:  Interpretação
Constitucional. Virgílio Afonso da Silva (org.). São Paulo: Malheiros, 2005. p.  277-279; Daniel
Sarmento.  A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002. p.  41). Com efeito, se essa “norma” que comporta a espécie princípio for entendida num
sentido semântico, é impossível enquadrar a teoria de Dworkin em seu bojo. Como ficará claro no
decorrer da exposição, a normatividade dos princípios não aparece a partir de sua imolação
normativa, mas sim do contexto pragmático em que o direito, enquanto atividade interpretativa, se
desenvolve.
31

.Cf. Josef Esser.  Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho


privado. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1961. p. 62.
32

.Nesse sentido, Cf. Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005. Parte Dois.

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9.6. A atual dicotomia que divide a norma entre regras e princípios

De tudo o que foi dito, esperamos que uma coisa tenha sido esclarecida:
distinguir,  estruturalmente,33  regras de princípios representa uma operação de
classificação normativa que se movimenta num nível puramente semântico (em
abstrato), que não problematiza, radicalmente, o problema da interpretação num
nível pragmático-existencial (interpretative) (Hermenêutico, poderíamos dizer).

Isso acontece claramente nas posturas de Robert Alexy que continua preso a
um normativismo idealista ao afirmar o conceito de norma como o principal
conceito da ciência do direito e fazer derivar dele o caráter deôntico dos princípios.
Não é exagero afirmar que o conceito semântico de norma com o qual Alexy opera
torna o princípio uma derivação artificial e, ao mesmo tempo, confere-lhe uma força
talvez maior do que eles mesmos podem suportar ao afirmá-los como mandados
de otimização, o que confere um  poder  (ou competência no seu sentido
kelseniano) demasiadamente exagerado à figura do juiz.

Nesse ponto é que o elemento discricional se afigura mais evidente no conceito


de princípio de Alexy. O ponto decisivo para a sua distinção entre regras e
princípios reside no fato de que os princípios são, como já vimos,  mandados de
otimização, enquanto que as regras têm caráter de  mandados de
definição.34  Como  mandados de otimização, os princípios ordenam que algo seja
realizado na maior medida possível, desde que respeitadas as possibilidades e os
limites fáticos e jurídicos. Nessa medida, a ordenação principiológica pode ser
satisfeita em diferentes graus o que depende não só de suas possibilidades fáticas,
mas também jurídicas. As limitações jurídicas são derivadas do fato de existirem,
não apenas regras, mas também princípios opostos que estão em constante
pressão uns contra os outros. Esse caráter oposicional dos princípios implica na
suscetibilidade (e até mesmo na necessidade, segundo Alexy) da ponderação.  A
ponderação, portanto, é a forma de aplicação dos princípios.35  Por outro lado, as
regras são normas que sempre são satisfeitas ou não são. Não há possibilidade de
satisfazer a ordem emanada das regras em diferentes graus, como acontece com
os princípios, mas sua aplicação é uma questão de  tudo ou nada. Assim, Alexy
determina a subsunção como a forma característica de aplicação do direito que as
regras realizam.

Diante do exposto, é perceptível que a teoria da norma de Alexy sustenta-se


precipuamente na distinção entre regra e princípio. Por sua vez, somente é
possível distinguir regra de princípio, porque este deve ser aplicado pela
ponderação, algo que não é possível para as regras. Outrossim, a exclusão de
uma regra na aplicação  de um caso acarreta sua não aplicação para todos os
futuros casos. Já a não aplicação de um princípio, não implica seu afastamento em
um caso futuro cujas circunstâncias fáticas sejam diferentes daquele caso que
ensejaram sua não aplicação.

Dessarte, a diferenciação estrutural entre regra e princípio é fundamental para a


coerência e a compreensão da obra de Alexy, desse modo, nos parece

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incompreensíveis as teorizações de natureza alexyiana que almejam a ponderação


das próprias regras.36

Lenio Streck afirma a filiação de Alexy ao paradigma da filosofia da consciência


a partir da sua não superação do esquema sujeito-objeto e da manutenção, em
sua  Teoria da Argumentação,  do modelo dedutivo baseado na subsunção que
aparece em sua  justificação interna  (lógico sistemática) da fundamentação das
decisões jurídicas nos chamados “casos simples”, resolvidos pela aplicação das
regras. Essa distinção aponta, ainda, para uma possível separação entre direito e
fato, o que nos remete à metodologia jurídica construída, no século XIX, sob a
égide das teorias sintático-semânticas de interpretação.37

À primeira vista, é realmente muito similar a distinção oferecida por Alexy,


daquela apresentada por Dworkin. Mas, olhadas mais de perto  – e tendo como
pressuposto as diferenças estruturais que caracterizam o pensar de cada um
destes autores  – as posições parecem assumir significados muito distantes entre
si. A tese da justaposição tem por base os seguintes argumentos:

a) tanto Dworkin quanto Alexy pretendem apresentar uma diferença qualitativa


(e não simplesmente quantitativa  – de grau ou generalidade) entre regras e
princípios;

b) o tudo ou nada que Dworkin apresenta como característica para as regras é
expressamente assumido por Alexy e se aproxima, em grande medida, daquilo que
este autor denomina “mandado de definição”;

c)  Dworkin se refere a uma dimensão de  peso  e de  importância  presente em
seu conceito de princípio e que impediria, ao contrário das regras, a exclusão de
um em favor da aplicação de outro, como fatalmente acontece com as regras. Essa
dimensão de peso  – também expressamente referenciada por Alexy  – seria o
ponto por onde o argumento da ponderação seria introduzido no conceito de
princípio de Dworkin.

Tais considerações, todavia, não parecem estar corretas.

Isto porque:

a)  como dissemos anteriormente, Alexy e Dworkin operam com diferentes


conceitos de norma e o caráter deôntico dos princípios é dado de maneira distinta
em cada um deles. Para Alexy, o princípio tem caráter deôntico porque,
como mandado, participa, ao lado das regras, do gênero  norma. Para Dworkin, a
normatividade do direito se manifesta concretamente na própria  prática
interpretativa e não em um sistema lógico previamente delimitado, sendo, portanto,
o conceito de norma remetido a um nível pragmático  – e não meramente
semântico como quer Alexy. Desse modo, não há na obra de Dworkin conceito
prévio e abstrato de norma jurídica. Os princípios são normativos em Dworkin
porque acontecem, interpretativamente, no interior desta atividade interpretativa
que é o direito;

b) é, no mínimo, apressada a aproximação que se faz entre o tudo ou nada de


Dworkin, e a subsunção como forma de aplicação do direito preservada por
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Alexy.  Subsunção  pressupõe silogismo que, por sua vez, repristina a velha cisão
entre  questão de fato e questão de direito  que definitivamente não está em jogo
quando se fala de tudo ou nada. Ademais, a referência dworkiana a essa
característica  da regra refere-se muito mais ao modo como se dá a justificação
argumentativa de uma regra, do que propriamente ao seu modelo de aplicação. Ou
seja, quando se argumenta com uma regra ela é ou não é, logo, sua “aplicação”
não depende de um esforço argumentativo que vá além dela própria. Já num
argumento de princípio, é necessário que se mostre como sua “aplicação” mantém
uma coerência com o contexto global dos princípios que constituem uma
comunidade política;

c) isso implica, diretamente, a dimensão de peso ou importância à que Dworkin


faz referência no seu conceito de princípio. É possível dizer que Dworkin combina
peso e importância porque, ao contrário das regras, nenhum princípio deixa de ter
importância e pode ser excluído da fundamentação de uma decisão. Assim a
dimensão de  peso  determina que um argumento de princípio sempre se
movimente de forma coerente em relação ao contexto de todos os princípios da
comunidade política. Desse modo, a justificação do fundamento da decisão só
estará correta, na medida em que respeite a um todo coerente de princípios num
contexto de integridade. Isso implica: os princípios têm, desde sempre, um caráter
transcendental, porque, diferentemente das regras, nos remete a uma totalidade na
qual, desde sempre, já estamos inseridos: nosso contexto de mundo, de vivências
primárias que constituem a significatividade do mundo. Por
isso, ponderação e dimensão depeso não são equivalentes.

Com isso, foi possível ressaltar, com maior precisão, como Dworkin e Alexy
apontam para direções diferentes como suas posições sobre o conceito de
princípio e a consequente distinção entre regras e princípios.

Podemos afirmar, portanto, que para Dworkin, não há uma cisão radical entre
regras e princípios que estão, de modo permanente, implicados na prática
interpretativa que é o direito. Há uma  diferença  entre regra e princípio porque,
quando nos ocupamos das controvérsias jurídicas e procuramos argumentar para
resolvê-las, somos levados a nos comportar de modo distinto de quando
argumentamos com regras e quando argumentamos com princípios. Há um
elemento transcendente  nos princípios, porque, quando argumentamos com eles,
sempre ultrapassamos a pura objetividade em direção a um todo contextual
coerentemente (re)construído, que, todavia, sempre se dá como pressuposto em
todo processo interpretativo. Algo que permanece oculto pela objetividade aparente
das regras. Tanto é assim que o próprio positivismo de Hart, levado por essa
objetividade das regras, construiu uma imagem do direito não conseguindo
descrevê-lo colado na própria faticidade. Isso, de certa maneira, permanece na
classificação (semântica) proposta por Alexy em seu conceito de norma. A partir
dele somos surpreendidos por uma artificialidade que efetua uma cisão radical
entre regras e princípios oferecendo, inclusive, diferentes procedimentos para a
“aplicação” de cada uma dessas espécies normativas.

d) o equívoco em se equiparar Alexy com Dworkin repercute na própria relação


entre princípio jurídico e sistema. Isso porque esses dois pensadores ao
apresentarem diferentes conceitos para princípios, consequentemente, conferem-
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lhes distintas funções. Para Alexy, os princípios jurídicos possibilitam abertura no


sistema jurídico, admitindo para os casos difíceis, certa margem de
discricionariedade, ou seja, por via da ponderação duas ou mais soluções jurídicas
devem ser consideradas legitimamente válidas perante o sistema. Em
contrapartida, Dworkin elabora a questão dos princípios sempre tendo em vista a
integridade do ordenamento, sua utilização não é conflitiva (daí a impossibilidade
de se utilizar a ponderação), os princípios conferem coerência e integridade ao
sistema jurídico, conduzindo a interpretação para aquilo que o jusfilósofo nomeia
de única resposta correta. Assim, em Dworkin, mesmo perante casos difíceis, não
se pode admitir como válidas mais de uma única decisão para o caso judicial.

Por fim, cabe registrar que a questão central do problema envolvendo a


distinção entre regras e princípios passa, necessariamente, pela problematização e
determinação do conceito de princípio, e não simplesmente por uma discussão
estrutural de como deve se dar esta classificação que se ocupa em distinguir duas
espécies normativas.

No âmbito da dogmática brasileira, contudo, o debate parece se encaminhar na


direção oposta, dando-se ênfase ao problema de distinção classificatório-estrutural
entre regras e princípios e deixando sem uma problematização adequada o próprio
conceito de princípio e suas relações com o conceito de norma jurídica. Veja-se,
por exemplo, o artigo  de Virgílio Afonso da Silva, publicado na  Revista Latino-
Americana de Estudos Constitucionais,  e que procura debater  – principalmente
com Humberto Ávila e sua proposta de redefinição do dever de proporcionalidade –
os mitos e os equívocos acerca da distinção entre princípios e regras tendo como
marco a teoria de Alexy.38

Virgílio parece firme ao denunciar os diversos “sincretismos metodológicos” que


se escondem por detrás das classificações que vários autores brasileiros realizam
entre regras e princípios. O ponto principal apontado por Virgílio e que
caracterizaria esse sincretismo, é a utilização indiscriminada da teoria estruturante
de Friedrich Müller e a teoria dos princípios de Robert Alexy. Muitos autores,
inclusive Humberto Ávila, justapõem as teses destes dois teóricos que,
definitivamente, são exclusivas e não inclusivas.

Por certo, é realmente muito difícil tentar compatibilizar as teorias de Alexy e


Müller uma vez que este último é um ferrenho crítico da ponderação, instrumento
metodológico utilizado por Alexy para solucionar os problemas que em sua teoria
derivam da colisão de princípios. Müller também crítica o conceito semântico de
norma proposto por Alexy. Quanto a isso, estamos de acordo com Virgílio.

Todavia, a crítica ao “sincretismo” desenvolvido Virgílio volta-se contra ele


mesmo. Com efeito, o autor – como boa parte da doutrina brasileira – aceita uma
espécie de “compatibilização” entre as posições de Alexy e Dworkin no que atina
ao conceito de princípio destes dois autores. Em nenhum momento, contudo,
chegam a ser esclarecidas as diferenças paradigmáticas que marcam as teorias de
Alexy e Dworkin e a própria distinção entre regras e princípios efetuada por cada
um deles, tal como expusemos anteriormente.

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Desse modo, o próprio Virgílio recai em uma espécie de sincretismo, pois não
coloca como problema aquilo que, em cada um dos autores, determina a formação
do conceito, mas somente a distinção/classificação dos princípios em relação às
regras. Sendo assim, todo processo de formação do conceito de princípio
permanece escondido nas entrelinhas da argumentação, terminando por velar a
radical diferença que existe entre Alexy e Dworkin.

Mister ressaltar que esta não é uma peculiaridade de Virgílio. Também


Humberto Ávila, com sua crítica à distinção alexyana e a (re)formulação que
propõe a esta classificação, de onde vem a ideia de princípios como  postulados
normativos que comportam uma dimensão finalística a ser executada que não está
presente nas regras  – não reconhece como verdadeira a questão envolvendo
aquilo que possibilita o conceito de princípio de cada um destes autores (Alexy e
Dworkin).39

De todo modo, é preciso ter claro que esse problema está intimamente ligado à
relação entre prática e teoria. Isto é, quando falamos em princípios, colocamos em
questão o papel que a razão desempenha na formação e consagração de uma
decisão: trata-se de uma tarefa  prática  ou de uma tarefa  teórica? Classificações,
distinções e cisões estruturais sempre permanecerão ligadas a uma intenção
teórica e, se desenvolvida no modelo alexyano, carregarão consigo os problemas
da subjetividade matemática que a metafísica moderna nos legou.

Ora, Heidegger mostrou, de forma peremptória, as consequências do processo


de asfixia teórica que a modernidade operou na filosofia e que determinou o
império da técnica, do dis-positivo. Ao mesmo tempo, o filósofo, sem desconsiderar
o peso que esse processo histórico desempenha e que, portanto, não pode ser
simplesmente renunciado, liberou o pensamento desse aprisionamento teórico e
lhe possibilitou uma  re-inserção  prática que coloca a filosofia diante do problema
da história, do sentido e da existência humana. Autores como Hans-Georg
Gadamer, influenciados por Heidegger, recuperaram a dignidade da pergunta pela
relação entre prática e teoria, colocando novamente em xeque a primazia da teoria
em relação à prática. Na modernidade, nos fala Gadamer, a reflexão teórica dos
gregos e dos medievais – entre as primeiras ligadas ao “olhar”, a um “demorar-se
no olhar” e que, entre os medievais, transformou-se na “contemplação” de algo –
radicalizou-se como uma ferramenta da ciência. A partir de então, a teoria é
serviente à ciência e, na medida em que se torna obsoleta, é substituída por outra.
Teorias servem para expor fórmulas que possibilitam a realização de experimentos
de modo universal e exato.

Dessa noção ferramental de teoria, nasce a ideia precária e enganosa de que


primeiro aprendemos as coisas na teoria e depois “aplicamos” o conhecimento
adquirido teoricamente na prática. Isso representa não só uma representação
abstrata da relação entre teoria e prática, como articula uma simplificação ingênua
do saber e do problema do conhecimento: como a teoria se limita a formular os
resultados dos experimentos descobertos pela investigação da ciência, a diferença
entre teoria e prática se torna turva e estas acabam por se tornar a mesma coisa.40

Não é esse o problema em questão? Quando nos ocupamos em tentar


determinar qual a classificação que se mostra “metodologicamente mais coerente e
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sólidas”,   não estamos a questionar qual formulação representa melhor os


41

resultados que os experimentos jurídicos em torno da normatividade e do caráter


deôntico dos princípios nos coloca à disposição? Parece-nos difícil aduzir pela
negativa dessas questões. A primazia teórica das posições de Alexy e o elemento
semântico presente em sua teoria parece contaminar seus seguidores e críticos
brasileiros. É difícil responder como escapar da cilada que o conceito semântico de
norma impinge a Alexy. Afinal, os princípios podem ter um conteúdo
predeterminado? Calcado em Alexy, Virgílio reivindica para os princípios uma
dimensão de deveres que eles carregariam  prima facie.42  Mas como determinar
esses conteúdos abstratamente? O problema entre semântica e pragmática é
definitivo nessa questão. Como superar o artificialismo abstrato que reveste o
conceito de princípio de Alexy? Quais parâmetros minimamente seguros para
determinar quais princípios colidem? O que asseguraria que tão somente dois
princípios colidem?

Em seu texto, Virgílio chega a reconhecer o problema que os princípios


representam dentro de uma “filosofia moral”. Porém, não chega a tocar no papel
que a racionalidade e o saber podem desempenhar diante dessa problemática. Em
nossa investigação temos afirmado sempre que os princípios são problemas do
saber ou da racionalidade prática que Aristóteles chamava de phrónesis.

Com efeito, o tipo de saber ou racionalidade que empregamos quando temos


que julgar uma atividade humana (ação, conduta, pensamentos, opiniões etc.) é
um saber prático que precisa se decidir sobre uma situação determinada. É
também desse tipo de saber que falamos quando problematizamos questões
relativas à compreensão e à hermenêutica. Como afirma Gadamer: “tomando
como referência a estrutura fundamental do ser humano baseado na linguagem, a
virtude aristotélica da racionalidade,  a phrónesis, acaba sendo a virtude
hermenêutica fundamental”.43 Isso porque, o problema da compreensão tem lugar
não apenas quando interpretamos textos, mas também quando temos de
compreender nossas ações e pensamentos, as ações dos outros, um gesto, uma
crença, um mito etc. De alguma forma, sempre estamos envolvidos por um
problema hermenêutico, que remete a um modo prático de ser-no-mundo.44

Os princípios, portanto, situam-se em um âmbito compartilhado de crenças


e  decisões que são tomadas no passado e que possibilitam a abertura de um
projeto decisional futuro, constituindo-se como fundamento normativo das
principais questões jurídicas. Isso não representa nenhum conformismo ou
conservadorismo – como nos lembra Gadamer – mas representa a “dignidade do
ser-próprio e da autocompreensão humanos. A pessoa que não é associal acolhe
sempre o outro e aceita o intercâmbio com ele e a construção de um mundo
comum de convenções”.45

Esse possibilitar aberto pela dimensão prática que um princípio comporta não
autoriza discricionariedades por parte daquele que decide. Como bem aduz Gerd
Bornheim, com Heidegger, ou bem somos históricos ou bem somos supra-
históricos. Não há possibilidade de meio termo. Se saímos pela supra-historicidade
caímos no beco da Metafísica e nas armadilhas subjetivistas da matemática que
caracterizam a modernidade. Por outro lado, se assumimos a radicalidade de

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nosso ser histórico “só podemos agir dentro do sentido da história”.46 Isso significa


que a historicidade limita os projetos de sentido (atividade interpretativa).

Desse modo, toda reflexão sobre o conceito de princípio e as possibilidades de


sua determinação precisam atentar para o fato de que eles são construídos no
interior de uma comunidade histórica que desde sempre é compreendida
antecipadamente na historicidade. Todo princípio possibilita uma decisão  – no
sentido de abrir um espaço para que o juiz decida,  de forma correta, a demanda
que lhe é apresentada – mas, ao mesmo tempo, a comum-unidade dos princípios
limita essa mesma decisão uma vez que impõe que ela seja tomada ao modo de
padrões já estabelecidos e compreendidos historicamente.

Nesse contexto, a própria ideia de  história institucional  que aparece


constantemente em Dworkin e na sua teoria dos precedentes – que reverbera de
modo determinante em seu conceito de princípios  – fica muito melhor
compreendida.

Nesses termos, aparece com clareza o sentido da afirmação de Lenio Streck de


que os princípios efetuam um “fechamento hermenêutico”47  no momento da
decisão. Afinal, a dimensão prática e o caráter de transcendentalidade histórica
dos princípios não os fazem aparecer como cláusulas permissivas de um projeto
livre no momento da decisão judicial. Mas esse projeto – enquanto projeto jogado –
opera como uma limitação da decisão a ser tomada, visto que, em sua
fundamentação, esta deverá prestar contas ao sentido histórico-temporal que a
comum-unidade de princípios projeta naquele caso, naquele problema que se deve
decidir.

Portanto, se não há problematicidade, se não há caso concreto não se pode


falar em princípios. Com maior razão, não se pode falar em norma jurídica  ante-
casum.

Dessa maneira, no nível da  práxis,  não há uma distância tão grande entre
regras e princípios, como quer  – semanticamente  – Alexy e seus seguidores. Os
princípios só não aparecem com a clareza objetiva das regras porque se revestem
de uma dimensão histórico-transcendental: sua “aplicação” depende de uma
justificação que vai além da mera objetividade das regras, num plano que não é
meramente empírico e textual, mas que traz consigo a dimensão de vivências
práticas e compartilhadas pela comunidade histórica.

A primazia da teoria, presente nas classificações discutidas anteriormente cede


lugar à dimensão prática que atravessa o direito e sua inexorável dimensão
hermenêutica. Num exemplo que nos remete ao aprendizado de uma língua
estrangeira: não aprendemos primeiro a gramática – forma teórica de manifestação
da língua – para depois apreender seus usos e aplicações concretas.

Pelo contrário, muitas vezes “aplicamos” regras gramaticais sem saber,


conscientemente, que o estamos fazendo. Elas operam conosco de um modo
subterrâneo porque nos movemos numa dimensão compartilhada que
compreendemos no modo de uma racionalidade prática, que dispensa os
procedimentos metodológicos próprios da apreensão teórica.  Nossa historicidade

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nos carrega. Do mesmo modo, o direito não pode ser visto como uma “gramática
da convivência”.48  Desde sempre executamos regras de convívio porque desde
sempre vivemos em uma sociedade que compartilha tradições, cultos, rituais,
regras de convívio, formas de expressão etc.  Desde cedo somos educados e
partilhamos a educação com outras pessoas de modo que, já aí, temos como
pressupostos uma série de padrões sociais que nos possibilita dizer o que se tolera
ou não; ou o que é permitido ou não. Quando nos colocamos em posição em que
pretendemos discutir teoricamente as questões jurídicas não podemos perder de
vista esta dimensão prática na qual já estamos – existencialmente – inseridos.

Assim, quando falamos de princípios isso se torna ainda mais evidente porque
é nessa dimensão prática que eles aparecem e são cultivados. Ninguém estuda o
devido processo legal se não compreende a dimensão histórica e as questões
cotidianas na qual ele está envolvido. Sua rigidez no âmbito da  common law  e o
rigor na sua aplicação decorrem certamente do contexto histórico que o cunhou e
da tradição que se sedimentou em torno de sua consagração.49

Destarte, aquilo que Alexy, Virgílio e Ávila operam é uma classificação de


normas  – num sentido próximo daquilo que no Brasil ficou famoso no formato
da classificação das normas constitucionais50 – mas não chegam a tocar no âmbito
do problema que envolve a determinação do conceito de princípio. O modelo
abstrato/semântico do  a priori  de Alexy e, em última análise, de todo positivismo
jurídico de inspiração kantiana, faz com que a segurança e certeza da
argumentação jurídica se dê, pretensamente, no âmbito de uma estrutura formal a
priori que é a ponderação. E esse processo só pode ser realizado porque se guia,
antecipadamente por critérios de rigor e exatidão próprios das matemáticas a partir
dos quais o resultado nem é tão importante, desde que a estrutura metodológica
seja firme e coerente. Tudo isso no interior de um âmbito estritamente teórico que
não alcança as dimensões práticas presentes na atitude interpretativa do direito.
A diferença entre regra e princípio deve ser pensada, portanto, na estrutura prática
da interpretação do direito.

Sendo assim, não basta trabalhar com a dicotomia princípios/regra para


caracterizar como pós-positivista determinada teoria do direito, afinal, conforme
demonstrado, grande parte dessas teorizações utilizam conceito puramente
semântico da norma que é sempre abstrata e anterior ao caso. No item
subsequente, demonstrar-se-á qual o conceito pós-positivista de norma jurídica.

Leitura recomendada

Básica

Robert Alexy. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: CEC, 2002.

Ronald Dworkin.  Uma questão de princípio.  2.  ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005.

Intermediária

Nelson Nery Junior.  Princípios do Processo Civil na Constituição Federal.


10. ed. São Paulo: Ed. RT, cap. 1.
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Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão judicial e o conceito de princípio: a


hermenêutica e a (in)determinação do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008.

Avançada

Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011, n. 8.

33

.Ao estabelecer uma distinção estrutural entre regra e princípio, Alexy permanece na
superficialidade ôntica e acaba caindo em uma certa ingenuidade ontológica. Podemos falar, mais
especificamente, em uma inadequação ontológica da teoria alexyana, que leva ao equívoco de se
introduzir essa distinção estrutural entre regras e princípios. Como bem assevera Streck, Alexy
ignora a dupla estrutura da linguagem, e com isso permanece numa dimensão de suficiências
ônticas. Por isso, em sua distinção entre regras e princípios, os princípios são apresentados como
“reservas” argumentativas no caso da falência do sistema de regras. Em outras palavras, com sua
teoria da argumentação, “Alexy substitui o  standard I  (compreensão) pela racionalidade
procedimental-argumentativa, de índole axiomático-dedutiva” (Lenio Luiz Streck.  Verdade e
consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 139).
34

.Cf. Alexy, Robert.  El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2.  ed. Barcelona:
Gedisa, 1997. p. 162.
35

.Idem, ibidem.
36

.No sentido que discordamos ver: Ana Paula de Barcellos. Ponderação, racionalidade e atividade
jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
37

.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso... cit., n. 10.1, p. 296 et seq; Robert Alexy. Teoría de la
argumentación jurídica.  Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid: CEC, 1989. p.  205 e ss.
Nesse trabalho, procuramos atentar, também, para a manutenção do eu transcendental kantiano
como totalidade Metafísica, que aparece como  locus fundamentador  do elemento formal  a
priori da ponderação.
38

.Cf. Virgílio Afonso da Silva. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção. Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais. n. I Belo Horizonte: Del Rey, jan.-
jun. 2003. p. 607-630.
39

.Cf. Humberto Bergmann Ávila. A distinção entre regras e princípios e a redefinição do dever de
proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo.  vol.  215. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar.
1999.
40

.Cf. Hans-Gerge Gadamer.  Acotaciones hermenéuticas. Trad. Ana Agud e Rafael de Agapito.
Madrid: Trotta, 2002. p. 19.
41

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.Cf., Virgílio Afonso Silva. Op. cit., p. 614.


42

.Idem, p. 619.
43

.Hans-Georg Gadamer.  Verdade e método.  Trad. Enio Paulo Giachini. 2.  ed. Petrópolis: Vozes,
2004. vol. II. p. 380.
44

.Quanto a isso, Cf. Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão judicial... cit., n. 4.4.


45

.Hans-Georg Gadamer. Verdade e Método II cit., p. 377.


46

.Gerd A. Bornhaeim. Dialética. Teoria e praxis. São Paulo: Edusp, 1977. p. 91.


47

.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso... cit., n. 8.1, p. 213 et seq.


48

.Nesse sentido, não concordamos com Otfried Höffe que cunhou o termo  gramática da
convivência para se referir ao direito. A democracia no mundo de hoje. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p. 60.
49

.Em estudo com abundante pesquisa, Nelson Nery Junior apresenta a dimensão histórica presente
na formação do princípio do devido processo legal (due process of law) e sua sedimentação no
devido processo em sentido material (Substantive due process) e em sentido processual
(Procesural due process). Esses contornos são decisivos para a formação do princípio e sua
gradual afirmação (Cf. Nelson Nery Junior. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal.
10. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010, cap. 1 e 2).
50

.Faz-se referência aqui a corrente teórica que se criou e fez escola no Brasil chamada, numa
expressão cunhada por Luís Roberto Barroso, de “Doutrina Brasileira da Efetividade” (Cf. Luís
Roberto Barroso. A doutrina brasileira da efetividade. In: Bonavides, Paulo; Lima, Francisco
Gérson Marques; Bedê, Faya Silveira (orgs.). Constituição e democracia. Estudos em Homenagem
ao professor J.J. Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 435-447). A “doutrina brasileira
da efetividade” engloba uma corrente teórica no interior da qual estão incluídos os esforços de
José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3  ed. São Paulo: Malheiros,
1998); Celso Antônio Bandeira de Mello (Eficácia das normas constitucionais sobre Justiça
Social.  Revista de Direito Público 57-58, 1981); Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Britto
(Interpretação e Aplicabilidade das normas constitucionais, 1982); Maria Helena Diniz (Norma
Constitucional e seus efeitos, 1989); e do próprio Luís Roberto Barroso (O Direito Constitucional e
a Efetividade de suas Normas. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003). Todos os trabalhos e autores
mencionados guardam relação quanto ao modo como cuidam de pensar as “normas
constitucionais” e os sentidos que elas podem projetar no desenrolar da vida político-jurídica do
Estado, divergindo, num ou noutro ponto, quanto a questões meramente classificatórias. Contudo,
o que se encontra no cerne de todas essas perspectivas semântico-classificatórias, é a noção dual
dos dispositivos constitucionais que aparecem divididos em: normas constitucionais
de aplicabilidade imediata  e normas constitucionais  programáticas. Também aqui, como no caso
da distinção entre regras e princípios, o que está em jogo é uma tentativa de classificação, abstrata
e apriorística, de normas. Todavia, o neoconstitucionalismo e toda tradição do segundo pós-guerra
cunhou um sentido de Constituição que busca ressaltar sua força normativa, colocando-a em meio
ao problema pragmático da interpretação do direito. Portanto, qualquer tentativa de classificação a
priori  de normas cai por terra, posto que o sentido de uma norma só aparece diante da
problematicidade do caso concreto.

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9.7. Para além de um conceito positivista de norma: a visão pós-positivista

Nesse item do livro, demonstraremos as premissas teóricas fundamentais para


a compreensão do paradigma pós-positivista. Obviamente, que para se estruturar
uma teoria pós-positivista é fundamental a superação ou uma profunda
modificação nos conceitos elementares do positivismo jurídico. Por consequência,
o paradigma pós-positivista, necessariamente, deverá possuir novo conceito de
norma, ou seja, a norma não possuirá mais existência semântica e abstrata, a
norma passa a ser concreta e produto da própria linguagem.

Desse modo, para uma teoria jurídica desenvolver-se sob as bases de um


paradigma  pós-positivista,51  faz-se necessário elaborar-se juntamente uma
concepção pós-positivista de norma que a distinga do texto normativo, o que, por
sua vez, implica a necessidade de uma estruturação pós-positivista de sentença
não mais vista como um processo de subsunção.52

Portanto, de início cumpre demonstrar que o conceito de norma do paradigma


pós-positivista não pode ser o mesmo do positivismo. Nessa perspectiva, para
demonstrarmos os fundamentos do paradigma pós-positivista, será necessário
analisarmos três pontos fundamentais: (a) a diferença entre texto e norma; (b)
interpretação do direito deixa de ser ato revelador da vontade da lei ou do
legislador; (c) a sentença deixa de ser processo silogístico: ou seja, as questões
jurídicas não podem mais ser aplicadas por subsunção.53

9.7.1. A necessária distinção entre texto e norma

Tratando do conceito de norma, de um modo que coloca em xeque o seu


sentido tradicional, Lenio Streck constrói a tese de que para falar
de  norma  primeiro é preciso compreendê-la em sua diferença com relação ao
texto. Para Streck, há uma  diferença ontológica  (no sentido heideggeriano) entre
texto e norma e que, nesse sentido, quando falamos de norma, falamos
necessariamente em interpretação, fruto de um processo compreensivo que não se
reduz à compreensão sintático-semântica do texto, mas envolve um contexto
pragmático que é muito mais amplo. Desse modo, Lenio assevera: “Quando quero
dizer que a norma é sempre o resultado da interpretação de um texto, quero dizer
que estou falando do sentido que este texto vem a assumir no processo
compreensivo. A norma de que falo é o sentido do ser do ente (texto). O texto só
exsurge na sua “normação”.54

A distinção entre texto e norma já havia sido realizada por Friedrich Müller,
embora este autor nunca tenha chegado a tematizar tal distinção nos termos
da  diferença ontológica. Isto porque a ideia de diferença ontológica aponta para
uma  dimensão compreensiva mais radical, lançava mão no interrogatório judicial
do que a simples distinção estrutural entre a norma e seu texto, essa, sim,
efetivamente realizada por Müller. Sem embargo, cabe mencionar que chamada
metódica estruturante, construída por Müller, pode ser elencada como uma
perspectiva teórica que pretende problematizar o conceito tradicional de norma e a
subjetividade que se apresenta por detrás dele. Para

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Müller,  normatividade  significa a propriedade  dinâmica da ordem jurídica de


influenciar a realidade e de ser, ao mesmo tempo, influenciada e  estruturada  por
este aspecto da realidade.

Desse modo, o autor descreve pelo menos duas dimensões que a estruturam: o
programa da norma, que é constituído do ponto de vista interpretativo mediante a
assimilação de dados primariamente linguísticos, e do âmbito normativo, que é
construído pela intermediação linguístico-jurídica de dados primariamente não
linguísticos.55

Assim, o programa normativo e o âmbito normativo são entidades jurídicas. O


primeiro constitui os elementos linguísticos do processo concretizador (teor literal).
Já o âmbito normativo, caracteriza os elementos não linguísticos, ou seja, a
realidade social a ser regulamentada pelo programa normativo.56

Desse modo, em face da dificuldade de sustentação do conceito tradicional


de norma frente à caracterização decisiva de Dworkin do direito como prática social
interpretativa (um agir interpretativo), a conceituação de norma em aspecto
semântico (em abstrato) apresenta-se bastante defasada.

É nessa perspectiva que o conceito pós-positivista de norma jurídica não pode


mais possuir acepção semântica, porque norma não pode ser confundida com o
texto normativo. A norma somente surge na solução de caso jurídico, seja ele real
ou fictício.

Portanto, perante o paradigma pós-positivista do direito, não se pode mais


confundir texto normativo com norma. Assim, “o texto normativo é o  programa da
norma, representa o enunciado legal (lei, súmula vinculante, portaria, decreto), sua
constituição é  ante casum  e sua existência é abstrata. A norma, por sua vez, é
produto de um complexo processo concretizador em que são envolvidos o
programa normativo e o âmbito normativo”.57

Em suma, a norma não é nem está contida na lei (apesar de ela ser elemento
importante para formação da norma). Somente após a interpretação jurídica,
destinada a solucionar caso concreto (real ou fictício), é que surge a norma
jurídica.

51

.Para não cairmos no risco provocado pela poluição semântica, faz-se necessário transcrever a
lição de Lenio Luiz Streck acerca da acepção do positivismo:

“Quando falamos em positivismos e pós-positivismos, torna-se necessário, já de início, deixar claro


o “lugar da fala”, isto é, sobre “o quê” estamos falando. Com efeito, de há muito minhas críticas são
dirigidas primordialmente ao positivismo normativista pós-kelseniano, isto é, ao positivismo que
admite discricionariedades (ou decisionismos e protagonismos judiciais). Isto porque considero, no
âmbito dessas reflexões, superado o velho positivismo exegético. Ou seja, não é (mais) necessário
dizer que o “juiz não é a boca da lei” etc.; enfim, podemos ser poupados, nesta quadra da história,
dessas “descobertas polvolares”. Essa “descoberta” não pode implicar um império de decisões
solipsistas, das quais são exemplos as posturas caudatárias da jurisprudência dos valores (que foi
“importada” de forma equivocada da Alemanha), os diversos axiologismos, o realismo jurídico (que

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não passa de um “positivismo fático”), a ponderação de valores (pela qual o juiz literalmente
escolhe um dos princípios que ele mesmo elege prima facie) etc.

Explicando melhor: o positivismo é uma postura científica que se solidifica de maneira decisiva no


século XIX. O “positivo” a que se refere o termo positivismo é entendido aqui como sendo os fatos
(lembremos que o neopositivismo lógico também teve a denominação de “empirismo lógico”).
Evidentemente, fatos, aqui, correspondem a uma determinada interpretação da realidade que
engloba apenas aquilo que se pode contar, medir ou pesar ou, no limite, algo que se possa definir
por meio de um experimento. No âmbito do direito, essa mensurabilidade positivista será
encontrada num primeiro momento no produto do parlamento, ou seja, nas leis, mais
especificamente, num determinado tipo de lei: os Códigos. É preciso destacar que esse legalismo
apresenta notas distintas, na medida em que se olha esse fenômeno numa determinada tradição
jurídica (como exemplo, podemos nos referir: ao positivismo inglês, de cunho utilitarista; ao
positivismo francês, onde predomina um exegetismo da legislação; e ao alemão, no interior do qual
é possível perceber o florescimento do chamado formalismo conceitual que se encontra na raiz da
chamada jurisprudência dos conceitos). No que tange às experiências francesas e alemãs, isso
pode ser debitado à forte influência que o direito romano exerceu na formação de seus respectivos
direitos privado. Não em virtude do que comumente se pensa – de que os romanos “criaram as leis
escritas”  –, mas, sim, em virtude do modo como o direito romano era estudado e ensinado. Isso
que se chama de exegetismo tem sua origem aí: havia um texto específico em torno do qual
giravam os mais sofisticados estudos sobre o direito. Este texto era – no período pré-codificação –
o  Corpus Juris Civilis.  A codificação efetua a seguinte “marcha”: antes dos códigos, havia uma
espécie de função complementar atribuída ao Direito Romano. A ideia era simples: aquilo que não
poderia ser resolvido pelo Direito Comum seria resolvido segundo critérios oriundos da autoridade
dos estudos sobre o Direito Romano – dos comentadores ou glosadores. O movimento codificador
incorpora, de alguma forma, todas as discussões romanísticas e acaba “criando” um novo dado: os
Códigos Civis (França, 1804 e Alemanha, 1900).

A partir de então, a função de complementaridade do direito romano desaparece completamente.


Toda argumentação jurídica deve tributar seus méritos aos códigos, que passam a possuir, desse
momento em diante, a estatura de verdadeiros “textos sagrados”. Isso porque eles são o dado
positivo com o qual deverá lidar a Ciência do Direito. É claro que, já nesse período, apareceram
problemas relativos à interpretação desse “texto sagrado”.

De algum modo se perceberá que aquilo que está escrito nos Códigos não cobre a realidade. Mas,
então, como controlar o exercício da interpretação do direito para que essa obra não seja
“destruída”? E, ao mesmo tempo, como excluir da interpretação do direito os elementos
metafísicos que não eram bem quistos pelo modo positivista de interpretar a realidade? Num
primeiro momento, a resposta será dada a partir de uma análise da própria codificação: a Escola
da Exegese, na França, e A Jurisprudência dos Conceitos, na Alemanha.

Esse primeiro quadro eu menciono, no contexto de minhas pesquisas – e aqui talvez resida parte
do “criptograma do positivismo”  –, como positivismo primevo ou positivismo  exegético. Poderia
ainda, junto com Castanheira Neves, nomeá-lo como positivismo legalista. A principal
característica desse “primeiro momento” do positivismo jurídico, no que tange ao problema da
interpretação do direito, será a realização de uma análise que, nos termos propostos por Rudolf
Carnap, poderíamos chamar de sintático. Neste caso, a simples determinação rigorosa da conexão
lógica dos signos que compõem a “obra sagrada” (Código) seria o suficiente para resolver o
problema da interpretação do direito. Assim, conceitos como o de analogia e princípios gerais do
direito devem ser encarados também nessa perspectiva de construção de um quadro conceitual
rigoroso, que representaria as hipóteses  – extremamente excepcionais  – de inadequação dos
casos às hipóteses legislativas.

Num segundo momento, aparecem propostas de aperfeiçoamento desse “rigor” lógico do trabalho
científico proposto pelo positivismo. É esse segundo momento que podemos chamar de
positivismo normativista. Aqui, há uma modificação significativa com relação ao modo de trabalhar
e aos pontos de partida do “positivo”, do “fato”. Primeiramente, as primeiras décadas do século XX
viram crescer, de um modo avassalador, o poder regulatório do Estado – que se intensificará nas
décadas de 1930 e 1940  – e, também, a falência dos modelos sintático-semânticos de
interpretação da codificação, que se apresentaram completamente frouxos e desgastados. O
problema da indeterminação do sentido do Direito aparece, então, em primeiro plano.

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É nesse ambiente que aparece Hans Kelsen. Por certo, Kelsen não quer destruir a tradição
positivista que foi construída pela jurisprudência dos conceitos. Pelo contrário, é possível afirmar
que seu principal objetivo era reforçar o método analítico proposto pelos conceitualistas de modo a
responder ao crescente desfalecimento do rigor jurídico que estava sendo propagado pelo
crescimento da Jurisprudência dos Interesses e da Escola do Direito Livre  – que favoreciam,
sobremedida, o aparecimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos na interpretação
do direito. Isso é feito por Kelsen a partir de uma radical constatação: o problema da interpretação
do direito é muito mais semântico do que sintático. Desse modo, temos aqui uma ênfase na
semântica”. Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso... cit., p. 31-33.
52

.Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.1.1, p. 49.


53

.Para uma análise pormenorizada desses dois pontos, ver: Georges Abboud.  Jurisdição
Constitucional... cit., n. 1.3.1, p. 61.
54

.Lenio Luiz Streck.  Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Uma Exploração Hermenêutica da
Construção do Direito.  8.  ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, n.  10.1.3.1. p.  224-226.
Grifos do original.
55

.Sobre conceito de norma elaborado por Müller, ver: O novo paradigma do direito. São Paulo: Ed.
RT, 2007. n. 4.3. p. 119; n. 7. p. 148; e Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Ed. RT, 2008, I,
p. 80. Para exame da importância da obra de Friedrich Müller para a elaboração do conceito pós-
positivista de norma, ver: Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.4.1, p. 62-64.
56

.Friedrich Müller.  Métodos de trabalho de direito constitucional.  3.  ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. n. III.1, p. 42.

Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.4.1, p. 63.


57

.Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.4.1, p. 64.

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9.7.2. A superação da interpretação como ato que revela a vontade da lei


ou do legislador

Diante do paradigma pós-positivista, a atividade interpretativa do jurista não


pode mais ser concebida como ato para se descobrir a vontade da lei (voluntas
legis) ou do legislador (voluntas legislatoris).

A interpretação jurídica é diretamente influenciada pela historicidade, ou seja, a


interpretação de todo texto legal altera-se frequentemente em virtude do momento
histórico em que é realizada.

Sobre esse ponto, já tivemos a oportunidade de pontuar que: “a atividade


interpretativa é sempre histórica, porque o texto somente é abordável a partir da
historicidade do intérprete. Portanto, o jurista não se torna um ser histórico apenas
quando se desdobra sobre o produto da cultura no estudo da disciplina “história”,
mas, mesmo quando efetua uma interpretação no nível de um campo, como é o do
direito, ali também operam com ele os efeitos da história”.58

Dessarte, a interpretação do direito está diretamente condicionada pelo


momento histórico. Ilustrativo nesse sentido é a jurisprudência da Suprema
Corte  Norte Americana que alterou profundamente seu entendimento sobre o
princípio  da  igualdade sem que tenha havido nenhuma modificação no texto
constitucional.

No caso Plessy vs. Ferguson (163 U.S. 537), a Suprema Corte havia admitido a


raça como fator de discrímen em benefícios dos brancos durante o transporte
ferroviário, tal voto consolidou a equivocada premissa (separados, mas iguais). Ou
seja, a Suprema Corte admitiu como razoável a segregação racial em locais
públicos. O entendimento da Suprema Corte Norte Americana modificou-se
totalmente, posteriormente, no julgamento do caso Brown vs. Board of Education,
que revogou a possibilidade de discrímen racial, declarando inconstitucional o
“regime Jim Crow” que eram leis estaduais e locais decretadas nos estados
sulistas e limítrofes nos Estados Unidos, em vigor entre 1876 e 1965, e que
discriminavam afro-americanos, asiáticos e outros grupos minoritários.

A supramencionada questão racial evidência com ampla clareza que a


interpretação de um texto, seja ele qual for, não pode desconsiderar a modificação
e a alteração oriunda das questões históricas. Daí não se poder mais falar em
interpretação jurídica destinada a revelar suposta vontade da lei ou do legislador.
A  interpretação consiste em atividade concretizadora que se influencia,
diretamente, pela realidade e pelos momentos históricos.

58

.Idem, n. 1.5.2, p. 66.

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9.7.3. A necessidade de se superar a sentença como ato silogístico

Do mesmo modo que um paradigma só pode ser considerado pós-positivista se


trabalhar com novo conceito de norma (que já não mais se confunde com seu
texto), da mesma forma, somente será possível instrumentalizar esse novo
conceito de norma a partir de um conceito pós-positivista de sentença (decisão
judicial). Perante o paradigma pós-positivista, a sentença deixa de ser ato
silogístico em que se aplica mecanicamente uma premissa maior (lei) para a
solução do caso (premissa menor).59

Sobre conceito pós-positivista de sentença, já asseveramos que: “um dos


principais equívocos que o conceito de sentença como silogismo proporciona é a
confusão entre texto normativo e norma, porque, ao se considerar a sentença
como silogismo, o enunciado legislativo e a norma se confundem, uma vez que a
sentença passa a ser ato meramente declarativo, e não criador do direito”.60

A concepção da decisão judicial como simples silogismo formulado a partir de


um procedimento lógico-formal apresenta-se plenamente defasado, isso porque, a
sentença não pode mais ser conhecida como silogismo em que se formula a norma
por meio de um método lógico-formal. Todavia, a sentença na qual é produzida a
norma para solucionar o caso concreto (real ou fictício), ocorre de maneira
estruturante, afinal, não existe um descobrir a norma (como se ela correspondesse
à vontade da lei ou do intérprete) o que de fato existe é um produzir/atribuir sentido
à norma diante da problematização de um caso concreto.

Na realidade, crer no silogismo é, no mínimo, uma ingenuidade do intérprete.


Isso porque, “o silogismo judicial cria uma atitude reconfortante para o intérprete,
que passa a se iludir ao crer que a lei, ou a súmula vinculante, traz consigo a
norma já pronta para a solução dos casos futuros, restando ao juiz a simples tarefa
de acoplar o suporte fático ao texto normativo”.61  Vale dizer, “a concepção
subsuntiva é produto da concepção do positivismo mecanicista no qual o juiz é
mero autômato na aplicação do direito, algo irreal e inconcebível diante do
paradigma pós-positivista”.62

Portanto, a sentença judicial perante o paradigma pós-positivista não pode mais


ser vislumbrada como ato meramente silogístico, pelo contrário, ela é o modelo
fundamental na qual se fundem a compreensão da norma e sua relevância
aplicativa. Assim, a norma é fruto do conhecimento vivo proveniente da atividade
interpretativa criadora do jurista. Diante da hermenêutica filosófica, a interpretação
e a ciência jurídica são algo mais que a utilização de um método seguro e
predefinido, do mesmo modo que a aplicação do direito é sempre algo mais que a
simples subsunção de um enunciado legislativo ao caso concreto.63

Leitura recomendada

Básica

Georges Abboud. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:


Ed. RT, 2011, cap. 1.

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Intermediária

Friedrich Müller. Teoria Estruturante do Direito. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011.

Avançada

José Lamego.  Hermenêutica e jurisprudência. Análise de uma recepção.


Lisboa: Fragmentos, 1990.

59

.Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.5.2, p. 66. O conceito de silogismo pode ser
assim resumido: “Um silogismo (ou melhor, um silogismo categórico) é a inferência de uma
proposição a partir de duas premissas. Por exemplo: todo os cavalos têm cauda; todas as coisas
que têm cauda são quadrúpedes; logo, todos os cavalos são quadrúpedes. Cada premissa tem um
termo em comum com a conclusão e um termo em comum com a outra premissa”. Simon
Blackburn.  Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997,  verbete
silogismo, p. 360.
60

.Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.6, p. 69.


61

.Idem, p. 71.
62

.Idem, ibidem.
63

.Georges Abboud.  Jurisdição Constitucional... cit., n.  1.6, p.  73 e Antonio Osuna Fernandez-
Largo.  La hermenéutica juridical de Hans-Georg Gadamer.  Valladolid: Secretariado de
Publicaciones Universidad de Valladoolid, 1992. p. 101 e 105.

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9.8. Conclusões Principais

1) Inicialmente, defendemos que foi a partir do século XX que se acirrou o debate sobre o conceito de norma, de modo que
apenas neste século é que foram criadas as teorias sobre a norma, pois, por mais que antes já se falava a respeito da norma,
sobre esta até então não havia sido feita uma teoria propriamente dita.

2) Apresentamos que é a partir da obra de Kelsen que se inicia a construção teórica do conceito de norma. Isso porque o
uso anteriormente efetuado pelos juristas se dava de maneira aleatória e ainda que a tentativa kelseniana tenha levado às
últimas consequências sua atividade ao delimitar que o direito corresponde ao conceito de norma.

3) Definimos, segundo Norberto Bobbio, a possibilidade de uma teoria autônoma do ordenamento jurídico, que se aglutina
em torno dos seguintes problemas: 1) a ideia de uma unidade normativa, ou seja, como uma pluralidade de normas se constitui
numa ordem normativa; 2) enquanto unidade, o ordenamento deve constituir-se enquanto sistema devendo ser oferecidos
critérios de resolução das possíveis antinomias jurídicas; 3) o tema da completude do ordenamento e o problema fundamental
das lacunas do direito; 4) o problema de uma plêiade de ordenamentos, levando em conta a perspectiva internacional.

4) Consequentemente, todos esses pontos problemáticos sobre o ordenamento foram debatidos de modo em separado,
surgindo, por fim, a especulação em torno da teoria positivista da norma e como atualmente  – em termos pós-positivistas  –
podemos explorar a questão de teoria da norma na relação existente, em especial em Robert Alexy e Ronald Dworkin, entre
regra e princípio.

5) Podemos afirmar, portanto, que para Dworkin, não há uma cisão radical entre regras e princípios que estão, de modo
permanente, implicados na prática interpretativa que é o direito. Há uma diferença entre regra e princípio porque, quando nos
ocupamos das controvérsias jurídicas e procuramos argumentar para resolvê-las, somos levados a nos comportar de modo
distinto quando argumentamos com regras e quando argumentamos com princípios. Há um elemento  transcendente  nos
princípios, porque, quando argumentamos com eles, sempre ultrapassamos a pura objetividade em direção a um todo
contextual coerentemente (re)construído, que, todavia, sempre se dá como pressuposto em todo processo interpretativo. Algo
que permanece oculto pela objetividade aparente das regras. Tanto é assim que o próprio positivismo de Hart, levado por essa
objetividade das regras, construiu uma imagem do direito não conseguindo descrevê-lo colado na própria faticidade. Isso, de
certa maneira, permanece na classificação (semântica) proposta por Alexy em seu conceito de norma. A partir dele somos
surpreendidos por uma artificialidade que efetua uma cisão radical entre regras e princípios oferecendo, inclusive, diferentes
procedimentos para a “aplicação” de cada uma dessas espécies normativas.

6) O equívoco em se equiparar Alexy com Dworkin repercute na própria relação entre princípio jurídico e sistema. Isso
porque esses dois pensadores ao apresentarem diferentes conceitos para princípios, consequentemente, conferem-lhes
distintas funções. Para Alexy, os princípios jurídicos possibilitam abertura no sistema jurídico, admitindo para os casos difíceis,
certa margem de discricionariedade, ou seja, por via da ponderação duas ou mais soluções jurídicas devem ser consideradas
legitimamente válidas perante o sistema. Em contrapartida, Dworkin elabora a questão dos princípios sempre tendo em vista a
integridade do ordenamento, sua utilização não é conflitiva (daí a impossibilidade de se utilizar a ponderação), os princípios
conferem coerência e integridade ao sistema jurídico, conduzindo a interpretação para aquilo que o jusfilósofo nomeio de
única resposta correta. Assim, em Dworkin, mesmo perante casos difíceis, não se pode admitir como válidas mais de uma única
decisão para o caso judicial.

7) Dessa forma, após indicar as posições dos referidos autores e a polêmica entre ambos, definimos o conceito pós-
positivista de norma a partir do pensamento de Friedrich Müller, advertindo, de plano, a diferença entre norma e texto de norma,
concluindo que a norma não é e nem está contida na lei (apesar de ela ser elemento importante para formação da norma).
Somente após a interpretação jurídica, destinada a solucionar caso concreto (real ou fictício), é que surge a norma jurídica.

8) Ou seja, graças à teoria estruturante de Friedrich Müller que se tornou possível a teorização acerca de conceito pós-
positivista da teoria do direito e da própria norma jurídica. Portanto, perante o paradigma pós-positivista do direito, não se pode
mais confundir texto normativo com norma. Assim, o texto normativo é o programa da norma, representa o enunciado legal (lei,
súmula vinculante, portaria, decreto), sua constituição é  ante casum  e sua existência é abstrata. A norma, por sua vez, é
produto de um complexo processo concretizador em que são envolvidos o programa normativo e o âmbito normativo. Em suma,
a norma não é nem está contida na lei (apesar de ela ser elemento importante para formação da norma). Somente após a
interpretação jurídica, destinada a solucionar caso concreto (real ou fictício), é que surge a norma jurídica.

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10. Teoria da Decisão Judicial

10.1. O ponto de partida da discussão: teoria sobre o método

De um modo geral, é possível dizer que a polêmica sobre o método se


apresenta como o cerne das discussões quando o assunto é filosofia ou
ciência.1 Com efeito, representa um lugar comum imaginar que o conhecimento ou
a técnica que se constitui sob o fio condutor de um rigoroso pensar metodológico
são mais perfeitos do que aqueles que se manifestam de forma – até certo ponto –
aleatória no âmbito do chamado senso comum. A discussão sobre essa questão é
infindável. Tanto no que tange aos defensores do rigor metodológico, quanto no
âmbito daqueles que pretendem reconhecer maior dignidade ao senso comum.
Nós últimos séculos, a tendência cada vez mais frequente para a fragmentação do
conhecimento, somada à enorme propulsão de técnicas científicas, nos mais
diversos campos do saber, fizeram com que o debate sobre o método pudesse ser
encarado como uma espécie de polo unificador do discurso. Vale dizer,
independente da área em que se situe o filósofo ou o cientista, a discussão sobre o
método por meio do qual eles organizam seus conhecimentos ou suas técnicas
representa uma preocupação comum.

No âmbito do direito, essa situação pode ser facilmente visualizada. Não é de


hoje que a proficiência do jurista sobre determinado ramo do direito exige
conhecimentos e técnicas específicas. Isso responde a diversos fatores que podem
ser de modo genérico explicados pelo grau de complexidade da sociedade
contemporânea, a exigir uma carga de regulamentação que atinge especificidades
que antes ficavam fora do direito, e pelo próprio desenvolvimento da disciplina
jurídica em questão que, no contexto atual, produz um volume imenso de
publicações que acabam por contribuir para um endurecimento da linguagem de
modo que se torna cada vez mais difícil a visualização de um cabedal conceitual
comum, que abarque todo o “mundo jurídico”. Desse modo, é cada vez mais
corriqueira a figura do especialista em direito tributário, ou em direito constitucional,
ou em direito processual etc., que domina as especificidades mais profundas de
sua disciplina, mas que, ao mesmo tempo, tem dificuldades para lidar com
questões que envolvem os fundamentos mais abrangentes do fenômeno jurídico.
Isto é, torna-se cada vez mais complicada a instauração de uma via de acesso que
apanhe o direito em uma dimensão global na perspectiva de uma espécie de teoria
geral.

A discussão sobre o método possui essa finalidade. Ela pode se apresentar de


duas maneiras distintas:

a) na configuração e explicitação de uma teoria geral do direito que possibilite o


acesso (conhecimento) e a explicação do fenômeno jurídico;

b) na constituição de uma dogmática do direito ou, na expressão de Larenz, de


uma “ciência dogmática do direito”, que possui como objeto a análise da
apreciação judicial de casos, possibilitando, assim, a solução de questões
jurídicas.2
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No primeiro caso, intenciona-se a constituição de uma ciência do direito, no


sentido descrito no item n. 4 desta obra. No segundo, a intencionalidade do jurista
está direcionada para a “solução de questões jurídicas no contexto e com base em
um ordenamento jurídico determinado”.3

No presente capítulo, desenvolveremos a questão do método no objetivo


perseguido por esta última perspectiva. Nossa análise visa encaminhar a questão
no sentido de se encontrar uma via para o estabelecimento de condições e
pressupostos para a análise da decisão judicial que, certamente, representa uma
das questões centrais para o pensamento jurídico contemporâneo.4

A definição de método é complexa e pode sugerir certa gama de diferentes


significados. Martin Heidegger lembra-nos que, etimologicamente, método é uma
palavra de raiz grega e que significa  “o caminho pelo qual sigo uma coisa”.5  No
mesmo sentido, Friedrich Rapp afirma que “en su sentido más estricto por ‘método’
ha de entenderse una manera consecuente de proceder que se aplica para
alcanzar un determinado fin”.6

A modernidade filosófica, principalmente pelas mãos de Descartes, alterou de


forma radical o conceito de método de modo que, a partir de então, método é um
termo que remete à ideia de certeza e segurança do conhecimento que se obtém
através do emprego de certas estratégias cognitivas. Nesse âmbito de análise, há
uma crença difusa de que, se respeitadas determinadas formas de organização da
atividade de cognição, o conhecimento obtido através dessas fórmulas é certo e
indiscutível.7

Outro ponto que causa complexidade na definição de método, diz respeito à


diferença que existe entre método e metodologia. Com efeito, independentemente
de se movimentar no interior de uma definição mais clássica ou numa definição
mais moderna do termo método, este último sempre se refere a um conjunto de
procedimentos específicos que foram utilizados pelo agente para consecução
de  um determinado desiderato. Já a  metodologia  refere-se a uma espécie de
“discurso do método”. Novamente com Larenz, podemos afirmar que
a “metodologia é uma reflexão da ciência sobre sua própria atividade”.8 Ou seja, se
o método diz respeito a um “dado método”, a um procedimento específico já
utilizado pelo pesquisador, cientista, filósofo etc.; a metodologia representa a teoria
que se faz sobre o método.

Por exemplo: a realização de uma dedução lógica de enunciados dentro de um


sistema axiomático-dedutivo representa a execução daquilo que tradicionalmente é
chamado de método dedutivo; a perspectiva de descrever situações particulares e,
através delas, chegar a um conceito geral, representa uma figuração do
chamado método indutivo.

A descrição abstrata de todas essas estratégias metodológicas com a finalidade


de se debater qual o melhor método a ser empregado para a solução de um
determinado problema é que se chama de metodologia. A metodologia, como dito
anteriormente, constitui-se em um verdadeiro discurso sobre o método.

Leitura recomendada

https://proview.thomsonreuters.com/title.html?redirect=true&titleKey=rt%2Fmonografias%2F94831849%2Fv6.4&titleStage=F&titleAcct=i0ad82d… 2/20
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Básica

Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011. posfácio.

Intermediária

Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


vol. 2, cap. IV, V, VI.

Richard Posner.  Para além do direito. Trad. Evandro Ferreira e Silva. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

Avançada

Robert Alexy. Teoria da argumentação jurídica. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense,


2011.

Ronald Dworkin. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

10.1.1. A metodologia jurídica

Assim, é possível dizer que a metodologia jurídica se constitui em um discurso


sobre o método jurídico, ou ainda, em uma reflexão sobre o método jurídico a ser
utilizado para solucionar os casos judiciais, tendo como referência
a  interpretação  de textos e eventos que compõem a base normativa de uma
determinada realidade jurídica.

A metodologia jurídica, porém, não se resolve a partir da simples aplicação de


mecanismos dedutivos, indutivos, dialéticos etc. Essa disciplina se reveste da
peculiaridade de se manifestar com uma intenção normativa de base: deve
fornecer os elementos necessários para a correta aplicação do Direito; da
interpretação dos textos jurídicos aos casos submetidos à apreciação do direito;
além de ter que cumprir um importante papel no processo de ensino e aprendizado
do Direito. Não é, portanto, uma simples estratégia de leitura de textos, sua
compreensão e correta interpretação. Manifesta-se também como a perspectiva de
elaboração de composições teórico-dogmáticas que determinem o papel
desempenhado pelos casos concretos para a construção da solução normativa
adequada.9

Tradicionalmente, tende-se a tratar o problema do método jurídico colado à


questão da interpretação e às regras daquilo que se chama de hermenêutica
jurídica.10  Nesses casos, a metodologia representaria uma série de estratégias
utilizadas pelo intérprete do direito para atingir a correta significação do texto legal
que possui como fiadores ora a vontade da lei, ora a  vontade do legislador. Esse
tipo de abordagem será exposto e criticado mais adiante, no ponto 10.2.1. Por
hora, é importante colocar corretamente a questão da metodologia jurídica e o
ambiente discursivo que lhe é correspondente.

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Há pelo menos, duas modalidades de pensamento metodológico no âmbito do


direito:

a) uma de corte mais abstrato-filosófico, constituído a partir do declínio do


jusnaturalismo moderno e da emergência do fenômeno da codificação que
culminou com a edição do Code civil francês de 1804 e do BGB alemão em 1900.
Na senda desses acontecimentos, aparecem as posturas metodológicas
cristalizadas na chamada  escola da exegese  francesa e na  jurisprudência dos
conceitos  alemã (também chamada de  pandectismo  ou  escola das pandectas),
cujo predomínio metodológico poderia ser resumido como um  conceitualismo-
dedutivista;

b) uma segunda modalidade de pensamento metodológico apresenta uma


característica mais sociológica, inspirada no movimento positivista que envolveu o
debate em torno das humanidades e das chamadas “ciências sociais”
especialmente a partir da segunda metade do século XIX. São representativas
desse modelo as escolas nomeadas como  movimento do direito
livre; jurisprudência dos interesses e realismo jurídico. Em ambos os casos, existe
uma mudança de direção metodológica com relação ao modelo anterior. Essas
correntes passam a se alimentar de uma investigação mais particularista que
reivindica maior atenção à “realidade efetiva” do que aos conceitos abstratos
existentes na lei. Por isso, poderíamos dizer, com algumas ressalvas, que o
método predominante aqui seria de corte indutivista.

Por outro lado, é importante perceber que essa discussão – especialmente no


contexto do pensamento jurídico germânico  – responde também a um problema
acerca do âmbito da grande dicotomia em que o intérprete esteja situado. Vale
dizer: Direito Privado e Direito Público (neste último caso, especialmente no campo
do “Direito do Estado”). Na segunda década do século XIX, existe um número
significativo de trabalhos no âmbito do direito alemão que buscam perquirir sobre o
método jurídico no campo das disciplinas que se encontram no eixo da
chamada  Staatsrechtslehre  (Teoria do Direito do Estado). Em um primeiro
momento, as principais estratégias desse campo se desenvolveram a partir de uma
assimilação, por analogia, dos métodos desenvolvidos no âmbito do direito privado,
consolidados no contexto do conceitualismo pandectista. Posteriormente, em
especial durante a década de 1920, o debate metodológico se intensifica de modo
a produzir vertentes metodológicas com coloridos específicos e em muitos
aspectos diferentes daqueles observados no campo do direito privado.

Já na década de 1930, depois da ascenção do regime nazista ao poder na


Alemanha, o debate sobre o método sofre um processo de retração e as práticas
jurídicas acabam por articular um ecleticismo instrumental a partir de uma
diversidade de posições metodológicas, mas sem um compromisso teórico com um
sistema ou um modelo em específico.

Por fim, ao final da primeira metade do século XX, no período pós-guerra,


houve uma retomada filosófica na metodologia jurídica consubstanciada,
principalmente, na corrente chamada  jurisprudência dos valores. Porém, nesse
último caso, o retorno à filosofia não envolve um resgaste do racionalismo
conceitualista. Ao contrário, o que é buscado nesse modelo metodológico, são
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experiências que comportem uma dimensão axiológica ou espiritual (no sentido


hegeliano do termo).

A referência à filosofia e à sociologia remete-nos, aqui, à clássica oposição feita


por Pontes de Miranda em seu  Sistema de ciência positiva do direito.11  Para
Pontes de Miranda, as possibilidades de análise do “mundo jurídico” oscilavam
sempre entre posturas racionalistas, historicistas ou daquilo que ele nomeava
como “método científico do direito”. As posturas racionalistas e historicistas estão
identificadas – no modo como o Pontes constrói seu argumento – com a filosofia,
pois, no caso da primeira, a produção do conhecimento jurídico está ligada a
modelos de pensamento que perquirem por formas jurídicas já sempre dadas à
razão, enquanto conceitos gerais e universais, sendo que a tarefa do jurista seria
conhecer essa “generalidade universal” e deduzi-las aos fatos concretos. O
historicismo, por outro lado, apenas inverte a polaridade, dando ênfase ao caráter
particular e singular da história dos povos como fator de composição do direito.
Pontes rejeita ambos os modelos de ciência do direito e opta por uma terceira via,
que ele nomeia como “método científico” que teria, no contexto do que era
produzido pelo movimento do direito livre e pela jurisprudência dos interesses, um
forte colorido sociológico de base.12 Nesse caso, o direito não seria procurado nem
em ideias inatas da razão, nem nas particularidades da história, mas nos próprios
fatos sociais.

A definição desse “método científico” era defendida por Pontes de Miranda


como uma exigência dos novos tempos para agregar ao conhecimento do direito
maior rigor de investigação e de construção de sentenças. De se anotar que
Pontes reconhecia poder criativo  ao juiz  – na linha, inclusive, do que era moda à
época  – mas apontava claramente para a necessidade de restrição desse “poder
de criação”. Para ele, o modo de restringir esse espaço criativo era dado pela
construção de um “rigoroso método científico” que, poderíamos acrescentar,
possibilitasse maior objetividade para o conhecimento do direito.

Assim, a análise correta da chamada metodologia jurídica passa pelo


enfrentamento da construção sistemática e dos problemas que advém dessas
escolas do pensamento jurídico. A seguir, trataremos de recompô-las, ainda que
em linhas gerais.

Leitura recomendada

Básica

Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. 5.  ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009.

Intermediária

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Sistema de ciência positiva do direito.


Campinas: Bookseller, 2000. t. II.

Lenio Luiz Streck.  Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração


hermenêutica da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009.
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Avançada

Antonio Castanheira Neves.  Metodologia jurídica: problemas fundamentais.


Coimbra: Coimbra Ed., 1993.

10.1.1.1. Discurso sobre o método no contexto do Direito Privado

10.1.1.1.1. Escola da exegese

Não se compreende bem o estilo metodológico que compõe a escola da


exegese se não se conhece a história da codificação francesa de 1804. É de
notório conhecimento que o Golpe de Estado de 18 de brumário marcou o início do
regime napoleônico e instituiu uma nova ordem política e jurídica na França. Do
ponto de vista político, o golpe representou o fim da Revolução, como diz
Caenegem a partir de uma frase da época: “a revolução está sob o jugo dos
princípios que a inspiraram: ela acabou”.13 Do ponto de vista jurídico, o momento é
dominado pela intenção napoleônica de introduzir uma legislação efetiva na França
para pôr fim ao fosso criado pela nova ordem instituída pela revolução e o modelo
jurídico antigo.

Evidentemente, o  Code civil  de 1804 é produto de uma larga construção


histórica, permeada por influências romanistas, jusnaturalistas e nacionalistas.
Todavia, não se pode desconsiderar o fato de que sua compilação e promulgação
devem-se, em grande parte, à vontade e determinação política de Napoleão que o
fez, inclusive, em tempo recorde.14 Desse modo, os traços imperiais e autoritários
do regime de Napoleão se espalharam no ambiente jurídico francês,
transcendendo o texto do Código.

De fato, a ideologia do regime contaminou inclusive a corrente


metodológica que manipulava as regras contidas na codificação. Assim, a principal
premissa desse movimento metodológico se apresenta no comando de
respeitabilidade que deveria existir entre o texto e o intérprete (no caso, os juízes):
este deveria ater-se, rigorosamente, aos dizeres contidos na complicação. Era
necessário manter fidelidade aos artigos  dos códigos. Nenhum tipo de
complementação ou esclarecimento judicial era admitido, sendo que deveria haver,
portanto, uma total equiparação entre código e direito. Em outras palavras, para
conhecer o direito francês vigente, bastaria ler os códigos de leis (os estatutos). A
aplicação desses conteúdos dava-se a partir de uma simples operação silogística:
conhecedor daquilo que está estatuído nos códigos, os juízes simplesmente os
aplicam (enquanto premissa maior) ao caso que lhes é narrado (premissa menor).
Do confronto entre caso (fato) e código (direito), nasce a decisão, que nada mais
faz do que reproduzir em concreto o sentido normativo geral já contido na
codificação.

A proibição de pretensas manipulações interpretativas não se limitava à figura


dos juízes. Também a atividade dos eruditos  – chamada de doutrina  – era
veementemente repudiada. Isso é de extrema importância e marca uma diferença
significativa para com a realidade que se observa na Alemanha e que resulta na
formação da chamada jurisprudência dos conceitos: os códigos franceses são
frutos do parlamento, obra de um ícone chamado legislador racional portador de
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uma igualmente icônica vontade geral.15 Como já afirmado, o Código se funde com


o direito de modo que não há aqui uma significativa diferenciação. Como afirma
Mario Losano, “no século XIX, a compilação de Justiniano foi substituída por uma
codificação baseada em princípios racionais do iluminismo. (...) O debate sobre as
codificações caracterizará todo o século XIX, remetendo-se a um novo texto
sagrado: o Code Napoleón de 1804”.16  À diferença dos debates a que a
compilação de Justiniano foi submetida desde o século XII, o novo “texto sagrado”
que emerge no regime de Napoleão não poderia ser interpretado, nem suscitar
desavenças. Ele se bastava (ou deveria ser o suficiente) para solucionar as
disputas jurídicas produzidas pela sociedade.

Caenegem anota uma outra importante referência: esse tipo de abordagem


metodológica deve-se ao clima de total subordinação e desconfiança a que
estavam submetidas a jurisprudência (juízes) e a erudição (doutrinadores). Nesse
ambiente, seria algo natural que “a escola dominante de pensamento praticasse
uma interpretação literal dos códigos, razão pela qual ficou conhecida como escola
exegética”.17

O elemento racionalista,18 que oferece colorido filosófico à escola da exegese,


se apresenta no caráter sistemático assumido pela codificação. Nesse sentido, é
importante lembrar, com Kaufmann e Castanheira Neves, que o movimento
codificador representa, em grande medida, a realização concreta do ideal lógico-
sistemático presente no jusnaturalismo racionalista.19

Em conclusão:

– a sistematicidade jusnaturalista-racionalista;

– a radical separação entre fato e direito;

– a identificação total entre código (estatuto) e direito;

– e o dogma da literalidade na interpretação dos artigos dos códigos.

Esses são os principais elementos que caracterizam o método da escola da


exegese.

Leitura recomendada

Básica

R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo:


Martins Fontes, 2000. cap. 5.

Intermediária

Antonio Castanheira Neves. Escola da exegese. In: Digesta. Coimbra: Coimbra


Ed., 1995. vol. 2.

Avançada

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Antonio Manuel Hespanha.  Panorama histórico da cultura jurídica européia.


Lisboa: Europa América, 1997.

10.1.1.1.2. Escola histórica

Diferentemente da França  – em que a codificação teve lugar e foi legitimada


pelo poder legislativo  – na Alemanha, a codificação é fruto de um decantado
processo acadêmico (universitário) de apuração conceitual. A partir desse dado
inicial, Van Caenegem constrói a tese de que, enquanto na França a figura
proeminente para a criação e aplicação do direito é o legislador (os juízes e
doutrinadores eram vistos com desconfiança); na Alemanha, a figura do erudito
(doutrinador) assume o papel mais relevante. Destaca-se, assim, a diferença de
um direito produzido pelo parlamento com relação a um direito produzido nas
universidades.20

A Escola histórica, certamente, marca a cristalização do prestígio dos eruditos


no ambiente jurídico alemão. Nesse ambiente, na medida em que a figura do
erudito passa a ser realçada, a reconstrução dos aspetos metodológicos de uma
determinada escola passa a reivindicar a indicação dos autores (doutrinadores)
que capitanearam cada uma das correntes teóricas. No caso da Escola histórica, o
grande nome é Friedrich Carl von Savigny.21

Importante referir, de plano, que a escola histórica apresenta elementos


importantes para a afirmação posterior do  pandectismo, cujo ponto culminante é
atingindo com o formalismo conceitual da jurisprudência dos conceitos e que dará
vida ao BGB (Bürgerliches Gesetzbuch) de 1900. Além disso, Savigny e seu
historicismo influenciou, de maneiras diversas e em variados graus, juristas como
Rudolf von Ihering e Friederich Puchta.

Sobre o historicismo e o método da Escola histórica, José Lamego aponta para


a existência de um peculiar tipo de sincretismo – uma ambiguidade, na verdade –
no interior do historicismo que envolve elementos claramente modernos (como o
ideal de sistema), com ingredientes de reação ao processo de afirmação da
modernidade (de afirmação das vivências históricas, de crítica ao racionalismo e
de reabilitação da tradição).22

Na verdade, o historicismo opera, efetivamente, o trânsito do jusnaturalismo


para o juspositivismo (entendido como ênfase ao direito positivo e não numa
perspectiva de ciência positivista, como se constrói a partir do século XIX). Fica ao
meio do caminho: não é nem jusnaturalista (ao contrário, representa uma postura
crítica com relação ao racionalismo); e tampouco positivista, haja vista a ênfase
que se dá à contextualização histórica – quase exotérica – dos institutos jurídicos.

A escola histórica, nessa perspectiva, apresentou-se, portanto, como uma


reação aos postulados de supratemporalidade dos ideais de justiça existentes no
ambiente jusnaturalista, afirmando ser o direito um produto histórico (portanto,
temporal). Desloca-se, assim, a atenção do jurista para a positividade do direito e
sua realidade, temporalmente condicionada.

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Todavia, diferentemente do exegetismo francês, o historicismo não afirma essa


positividade na figura de um estatuto aprovado por um corpo legislativo
determinado, mas procurava remeter a formação das instituições jurídicas à
história de um ente chamado  povo. Esse ponto é particularmente interessante e
sua compreensão absolutamente importante porque, em não raras vezes, induz a
certos equívocos. O principal deles é identificar a Escola histórica com um
positivismo do tipo exegético e considerar Savigny um legalista (entendendo por
legalista o tipo de experiência que se teve no ambiente francês, vivenciada pela
chamada “escola da exegese”). É verdade que Savigny, em diversas ocasiões,
equiparava direito à lei.23 Mas não no sentido de um livro sistematizado e editado
por uma autoridade parlamentar e, sim, como algo que emergiria da história de
uma comunidade; algo que emergiria daquilo que ele nomeou
de Volksgeist (espírito do povo). O direito (lei), assim, não seria o produto de um
corpo legislativo, mas sim das “forças históricas (...) que transcendem a
consciência dos indivíduos; é no povo que se identifica o autêntico criador do
Direito positivo”.24

Em resumo: o direito (Lei) seria algo “vivo” emanado da experiência vivencial de


um povo que o legislador exprime e, em algumas circunstâncias, até integra, mas
não pode, arbitrariamente, criar (algo muito diferente do que acontecia na França
em que o legislador, enquanto corpo político constituído de representantes que
atuavam em nome de um povo soberano, seria para criar as disposições
normativas o que poderia fazer ex nihilo, ou seja, de forma arbitrária). Novamente
com Lamego, podemos afirmar que, para a Escola histórica “o Direito não era
manifestação ou produto de um legislador racional (...). A crença na imanência de
um sentido criador nas manifestações históricas é comum ao que se denomina
‘historicismo’”.25

Assim, era da análise das concretas e típicas formas de conduta que se poderia
identificar os institutos jurídicos que deveriam ser recompostos na perspectiva da
evolução do direito, entendido como um organismo vivo. Esses institutos
apresentariam os nexos orgânicos dos quais seriam extraídas as regras. Estas  –
as regras  – seriam, na verdade, o resultado de uma intuição global dos institutos
que, por sua vez, representariam o resultado das vivências de um determinado
povo.

Ao lado de conceber o direito como uma ciência que operaria segundo um


método histórico, Savigny também visualizava um caráter filosófico para essa
mesma ciência.26  Mas, ao contrário das filosofias do direito natural (que Savigny
chamava de “filosofia do direito propriamente dita”) que procuravam compor o
direito a partir de fórmulas lógicas atemporais que podem ser apreendidas pela
razão, Savigny identificava um  elemento  filosófico no direito: a  sistematicidade.
Assim, a sistematicidade aplicada ao direito pressuporia a filosofia. Mas descartaria
a necessidade do conhecimento do direito natural: o direito, numa perspectiva
sistemática, poderia ser estudado com ou sem o direito natural.27

Segundo Larenz, a ideia de sistema é tão importante para Savigny que, em


determinado ponto da sua obra ele chega a afirmar que “o todo do Direito só em
sistema é reconhecível”.28

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Desse modo, é da combinação dos métodos histórico e sistemático que emerge


a característica metodológica fundamental da Escola histórica. Todos os autores
são unânimes em afirmar que é dessa estrutura metodológica que a ciência do
direito da Europa continental, ainda hoje, retira seus fundamentos.

Leitura recomendada

Básica

Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. 5.  ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009.

Intermediária

Franz Wieacker. Historia del derecho privado en la edad moderna. Madrid:


Aguilar, 1957.

Federico Fernández-Crehuer López. La perspectiva del sistema en la obra y


vida de Friedrich Carl von Savigny. Granada: Editorial Comares, 2008.

Avançada

Friedrich Carl von Savigny. Sistema de direito romano atual. Ijuí: Editora Unijuí,
2004.

10.1.1.1.3. Jurisprudência dos conceitos

A jurisprudência29 dos conceitos (Begriffsjurisprudenz) também reivindicava um


ideal de sistema para o direito. Seus mais representativos expoentes foram
formados no ambiente do historicismo de Savigny. Todavia, o formalismo
conceitual da jurisprudência dos conceitos não pode ser confundido com aquilo
que foi produzido pela escola histórica. O método formalista-conceitual da
jurisprudência dos conceitos representou o apogeu daquilo que Franz Wieacker
chama de “ciência das pandectas”,30  sendo a face mais evidente do movimento
nomeado de  pandectismo. Os mais importantes autores dessa corrente foram,
certamente, Puchta e Bernhard Windscheid.

Como bem assinala Lamego, a jurisprudência dos conceitos representa  –


ressalvadas as peculiaridades históricas e os contextos específicos que cada
realidade nacional  – o equivalente alemão da escola da exegese francesa.31  A
aproximação, evidentemente, se dá por motivos formais: equiparação do direito ao
conteúdo colocado no texto estatutário; a concepção de que a atividade do juiz é
uma simples atividade de conhecimento, não comportando interpretações que
alterem o significado dos conceitos que compõem a legislação etc. No que tange
ao modo como essa mesma legislação tem origem, contudo, as diferenças se
apresentam visíveis: a jurisprudência dos conceitos continua a apresentar um
papel de destaque para a figura do erudito, enquanto a experiência francesa, como
vimos, coloca ênfase na figura do legislador.

No contexto da obra de Puchta, a ciência do direito deveria realizar uma


“genealogia dos conceitos” e agrupá-los na forma de uma pirâmide, estruturada
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segundo os critérios da lógica formal. Do conceito mais geral, seriam deduzidos


conceitos mais específicos e o conhecimento jurídico deveria articular-se no interior
desses vários estratos de estrutura ascendente e descendente.

Essa rígida estrutura conceitual deveria funcionar na perspectiva do


sistema.32  Todavia, diferentemente da proposta de sistema encampada por
Savigny, a estrutura sistemática da jurisprudência dos conceitos não seria aferida
pelo nexo de institutos (dos quais derivam regras específicas de conduta, nos
termos propostos pela escola histórica), mas, sim, por um nexo de proposições que
estão alocadas no contexto da pirâmide conceitual.33 O nexo orgânico reivindicado
pela escola histórica transmuta-se em um nexo lógico de conceitos.

Um exemplo de como funciona o método da jurisprudência dos conceitos, pode


ser retirado da obra de van Caenegem. Depois de afirmar que a principal
contribuição acadêmica para a formação do BGB teria sido dada pelo “eminente
pandecstista Bernhard Windscheid”, Caenegem assevera: “o BGB é um código
sistemático e teoricamente coerente, inteiramente no espírito dos pandectístas,
como mostra sua importante Allgemeiner Teil (‘Parte Geral’). (...) Um exemplo da
estrutura sistemática do BGB e da maneira pela qual caminha de princípios gerais
até normas específicas – a pirâmide conceitual, acrescentamos – é fornecido pelo
contrato de compra e venda. Primeiro é preciso consultar o Allgemeiner Teil
(artigos 116 e seguintes, artigos 145 e seguintes), em seguida os artigos sobre os
princípios gerais das obrigações (artigos  275 e seguintes), depois os princípios
gerais sobre obrigações contratuais (artigos  305 e seguintes) e, finalmente, os
artigos sobre contratos de venda em particular (artigos 433 e seguintes)”.34

Nesse ilustrativo exemplo apresentado por Caenegem, fica fácil assimilar o


movimento dedutivo ascendente presente no método da jurisprudência conceitual.
No caso retratado por Caenegem, o procedimento se instala no sentido geral-
particular. Todavia, o movimento poderia, também, ser inverso, descendente,
particular-geral: de um contrato de venda particular induzir-se-ia elementos sobre
os princípios gerais das obrigações contratuais, voltando-se às disposições sobre
os princípios gerais das obrigações, até desaguar nas regras contidas na Parte
Geral. Qualquer movimentação, seja ela ascendente (dedutiva), seja ela
descendente (indutiva), está abarcada pelo método da jurisprudência dos
conceitos.

Diante disso, é possível perceber que o modelo de direito privado, em especial


o  Código Civil, existente no Brasil é tributário desse tipo de procedimento
metodológico. Mesmo o Código promulgado em 2002, manteve, em suas grandes
linhas, o método formal-conceitual produzido pela “ciência das pandectas”.

Nesse sentido, é extremamente instigante uma colocação efetuada por José


Reinaldo de Lima Lopes tendo em vista o tipo de pensamento jurídico que
predominava no Brasil no século XIX. Segundo Lima Lopes, a essa época nos
tornamos uma nação fortemente influenciada pela pandectística alemã e, ao
mesmo tempo, passamos a fazer doutrina com autores franceses e italianos que,
como vimos com relação aos franceses, pouco ou nada tem a ver com o direito
civil alemão.35

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Na verdade, como bem acentua Lenio Streck, sempre estivemos envolvidos


com esse tipo complicado de sincretismo que procura conciliar diversos
pensamentos e métodos jurídicos que, no mais das vezes, apresentam
características conflituosas entre si.36 Isso decorre, em grande parte, do fato de o
estudo sobre a metodologia jurídica ser deficiente, principalmente no âmbito da
graduação brasileira, mas permanecendo insatisfatório o seu desenvolvimento
também no ambiente da pós-graduação. Falta a constituição daquilo que Rapp
nomeia “consciência de método”: não basta desenvolver uma ação e, faticamente,
atingir o resultado correto; é necessário, para que essa ação possa ter caráter
científico, que o agente tenha consciência das etapas metodológicas que utilizou
em seu procedimento.37

De todo modo, fica claro que, no ambiente metodológico da jurisprudência dos


conceitos, as soluções para as questões judiciais do direito estavam já desde
sempre assentadas na estrutura sistemática da legislação (do BGB, no caso). Não
há margem de criação para os juízes: sua tarefa é simplesmente um ato de
conhecimento das estruturas lógicas que compõem os dispositivos do código.

Por fim, para evitar mal-entendidos sobre as diferenças existentes entre escola
histórica e o legalismo exegético, é importante registrar aqui uma advertência feita
por Lamego. Essa abordagem do professor português corrobora a afirmação que
fizemos quando tratamos da Escola histórica, no sentido de afirmar sua
desvinculação tanto com relação ao jusnaturalismo quanto com relação ao
positivismo jurídico. Nas palavras do autor: “é completamente errônea a
assimilação corrente entre a filosofia jurídica do historicismo (e
a  Begriffsjurisprudenz, formada na sua esteira) e o positivismo legalista. (...) a
filosofia jurídica do historicismo – e de Savigny em particular – não só é estranha a
representações positivistas-legalistas, como, do ponto de vista epistemológico e
metafísico, se coloca em contraponto ao positivismo”.38

Leitura recomendada

Básica

Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. 5.  ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. cap. 2.

Intermediária

Jose Lamego.  Hermenêutica e jurisprudência. Análise de uma recepção.


Lisboa: Fragmentos, 1990. n. 1.1.2.

Philipp Nicolai von Heck.  El problema de la creación del derecho. Barcelona:


Ariel, 1961.

Avançada

Bernhard Windscheid.  Diritto delle Pandette: del diritto in genere. Torino:


Torinese, 1930. vol. I.

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Georg Friedrich Puchta. Corso delle istituzione presso il popolo romano. Milano:


Stabilimento Civelli Giuseppe, 1858.

10.1.1.1.4. Jurisprudência dos interesses

Até aqui tratamos de posturas metodológicas que estão enraizadas na filosofia.


Mais especificamente: que deitam suas raízes, em maior ou menor medida, na
filosofia racionalista dos séculos XVII e XVIII ou no historicismo. A partir deste item,
passaremos a retratar as posturas que, influenciadas pelo positivismo científico
que predominou na segunda metade do século XIX, podem ser apresentadas
como de inspiração sociológica.

Importante salientar que esses movimentos críticos com relação ao formalismo


conceitual da pandectologia  – na expressão de Caenegem  – emergem em um
contexto de formação e estruturação do direito público que erige em torno do
Estado liberal dos novecentos. Uma leitura atenta dos itens anteriores é suficiente
para perceber que toda a discussão da escola histórica ou do conceitualismo é
travada no seio do direito privado. O aparecimento de disciplinas jurídicas ligadas à
regulação do fenômeno estatal também deve ser levado em conta para a formação
dessas novas escolas metodológicas, muito embora a grande maioria dos autores
dessas correntes ainda continue ligada, de alguma maneira, ao direito privado.

No caso da chamada jurisprudência dos interesses (Interessen jurisprudenz), o


corifeu teórico foi Philipp Heck que era o líder da chamada “escola de Tübingen”.
Na raiz desse movimento metodológico, estão outras duas posturas teóricas que,
cruzadas, servem de impulso para Heck e seus seguidores: trata-se do
pensamento professado pelo segundo Ihering e dos postulados defendidos pelo
chamado movimento do direito livre.

Com relação a Rudolf Von Ihering calha registrar que é comum entre os
estudiosos de sua obra, dividi-la em dois momentos distintos:

a) em um primeiro momento  – registrado no magistral  Espírito do direito


romano – encontramos um Ihering ainda ligado à filosofia sistemática que, embora
já demonstre um profundo senso crítico com relação às teses do historicismo de
Savigny, continua ainda a buscar os nexos orgânicos que possibilitem a construção
do fenômeno jurídico. Na referida obra, o jusfilósofo trata, em diversos parágrafos,
daquilo que ele chamava de “alfabeto jurídico”, uma espécie de cabedal conceitual
que o jurista precisa ter a disposição para poder articular o conhecimento sobre o
Direito.39

b) Em um segundo momento, tem-se uma ruptura com esse elemento


sistemático, que ligava sua obra à pandectística, e o jusfilósofo passa a professar
um tipo de “proto jurisprudência sociológica”  – inspirado no darwinismo social  –
com sua ideia de finalidade do direito.40

Foi esse segundo momento da obra de Ihering que inspirou os partidários da


jurisprudência dos interesses.

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Outro elemento, que também oferece as bases para a jurisprudência dos


interesses, foi a eclosão do  movimento do direito livre. Esse movimento também
tem em Ihering uma espécie de “fiador intelectual” (ao menos em sua vertente
germânica). Duas curiosidades cercam esse movimento: de um lado sua
brevidade, se ápice teve lugar entre os anos de 1905 e 1914; por outro lado, sua
“internacionalização”, uma vez que o movimento começa com um autor francês
(François Gény), passa pela obra de autores alemães (com destaque para
Hermann Kantorowicz) e se dissemina por várias partes do mundo com o final da
primeira guerra mundial e a ascensão do nacional socialismo na Alemanha (isso
porque, muitos de seus expoentes eram socialistas e acabaram perseguidos e
exilados pelos nazistas). Houve também relações desse movimento nos Estados
Unidos, como pode ser notado nas obras de Cardoso, Holmes e Pound.41

A princípio, o “direito livre” que se menciona na nomenclatura dessa escola


metodológica quer apontar para um tipo específico de libertação. Trata-se de uma
libertação científica do direito do método predominante no interior do formalismo
conceitual dos pandectistas e dos exegetas franceses. Isso fica claro quando
analisamos o título do livro que inaugura o movimento em solo alemão: Der Kampf
um die Rechtswissenschaft  (A Luta pela Ciência do Direito), escrito por
Kantorowicz, mas assinado com o pseudônimo Gnaeus Flavius.42

O texto de Kantorowicz  – de claras inspirações iheringnianas  – procurava


apontar para um dos principais problemas que a jurisprudência dos conceitos
insistia em ignorar: no momento em que o juiz preenche as lacunas do sistema ele,
efetivamente, desenvolve uma função de criação do direito. Assim, como afirma
Losano, “ao lado do direito formal, emanado pelo legislador, existe um direito livre,
um freies Recht: também dessa expressão recebeu o nome o Movimento do Direito
Livre”.43

Todavia, Kantorowicz ia além, afirmando que  – em casos específicos e como


uma espécie de mal necessário  – os juízes poderiam decidir inclusive  contra
legem. Losano afirma que o autor tentou, posteriormente, restringir os efeitos
dessa sua declaração. Porém, para muitos, ela nunca deixou de surtir o efeito
bombástico que acarretara. Ora, em um ambiente extremamente vinculado a uma
ortodoxia lógico-conceitual, a simples reivindicação de uma “liberdade”, seja ela de
investigação seja ela de criação do direito nos casos de lacunas, já representa um
atentado contra o  status quo. A afirmação da possibilidade de decisões  contra
legem, assim, foi recebida com reservas inclusive por aqueles que seguiam ou
simpatizavam com as teses principais do movimento.

Esse foi o caso de Philipp Heck. Sua proposta de uma jurisprudência dos
interesses nasce de uma secessão (Losano) com o movimento do direito livre que
se dá, justamente, em razão de uma discordância com relação ao problema da
possibilidade de decisões  contra legem. A jurisprudência dos interesses, então,
pode ser entendida como uma “ala moderada do movimento do direito livre”.44

Tal qual os adeptos do direito livre, Heck criticava a “falácia conceitual” da


jurisprudência dos conceitos. Segundo Losano, essa falácia apresenta-se da
seguinte maneira: considerar ser possível deduzir logicamente as normas umas

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das outras, quando na verdade a dedução opera a partir de conceitos gerais


preexistentes na mente de quem aplica o direito.45

Como alternativa, Heck apontava para a dimensão concreta dos interesses em


conflito de modo a demonstrar como que a obra mais preciosa da pandectística – o
BGB de 1900  – não conseguia regular plenamente o tecido social. Era preciso
suprir as insuficiências do pensamento lógico dedutivo puro, com elementos
intuitivos que o jurista perceberia na realidade social concreta. Portanto, apenas
um estudo sociológico da gênese dos interesses que levaram o legislador a criar a
lei é que poderia preencher os espaços lacunosos dessa mesma lei. O método
para compor os interesses em conflito era dado por uma ponderação (Abwägung),
que deveria apontar para o interesse que deveria prevalecer.

Assim é que se inaugura uma nova perspectiva metodológica que voltará a


aparecer na chamada  jurisprudência dos valores: a  ponderação. Para Heck, toda
norma jurídica representa uma tentativa de conciliar, segundo um princípio de
ponderação (Abwägung), os interesses opostos que, sociologicamente, aparecem
na base dessa mesma norma.

Leitura recomendada

Básica

Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. 5.  ed. Trad. José Lamego,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. cap. 5.

Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010.


vol. 2, cap. IV.6.

Intermediária

Philipp Nicolai von Heck.  El problema de la creación del derecho. Barcelona:


Ariel, 1961.

François Gény. Método de interpretación y fuentes en derecho privado positivo.


Granada: Comares, 2000.

Avançada

M. Schoch. The Jurisprudence of interests: selected writings of Max Rümelin,


Philipp Heck, Paul Oertmann, Heinrich Stoll, Julius Binder, Hermann Isay. Trad. M.
Magdalena Schoch. Cambridge: Harvard University, 1948.

.A discussão sobre o método, tanto no âmbito da filosofia como no campo das diversas ciências,
foi objeto de exaustiva análise de muitos autores das mais diversas tradições teóricas e recortes
argumentativos. Indicamos aqui obras que, de um modo ou de outro, capilarizam os debates
realizados. Cf. Ernildo Stein,  A questão do método na filosofia. 3.  ed. Porto Alegre: Movimento,
1983. cap.  II, n.  4, p.  97-112. Para determinação do método no âmbito das chamadas ciências
humanas ou do espírito (Geistwissenschaften)  – discurso no interior do qual está inserido o
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Direito  – assume particular importância a obra de Dilthey. Nesse sentido, consultar Wilhelm
Dilthey,  Introdução às ciências humanas. Trad. de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2010. n.  XII, p.  68-74. No campo das ciências, uma primeira leitura a
respeito do problema do método pode ser feita através de Boaventura de Souza Santos.  Um
discurso sobre as ciências. 3.  ed., São Paulo: Cortez, 2005. Para uma aproximação mais
aprofundada, que acrescenta e desenvolve a noção de paradigma no âmbito do método científico,
Cf. Thomas Samuel Kuhn, A estrutura ds revoluções científicas. 8.  ed. Trad. César Mortari. São
Paulo: Perspectiva, 2003.
2

.Cf. Karl Larenz.  Metodologia da ciência do direito. 5.  ed. Trad. José Lamego, Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2009. prefácio, p. XXI e XXII.
3

.Idem, introdução, p. 1.


4

.Nesse sentido, consultar a inovadora e percuciente tese de Lenio Streck descrita em Verdade e
consenso.  Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito. 4.  ed. São Paulo: Saraiva, 2011.  passim. Cf., também, Lenio
Streck.  O que é isto  – Decido conforme minha consciência?  2.  ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. passim. De se consignar que o enfrentamento do problema da decisão judicial
representa um ponto fulcral para a teoria do direito na contemporaneidade. No Brasil, essa
preocupação repercute na obra de importantes autores. Nesse contexto, é fundamental a leitura de
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado
democrático de direito: um ensaio de teoria da interpretação enquanto teoria discursiva da
argumentação jurídica de aplicação.  In: ______ (org.).  Jurisdição e hermenêutica
constitucional.  Belo Horizonte: Mandamentos, 2005; Alexandre Morais da Rosa e José Manuel
Aroso Linhares.  Diálogos com a  Law and Economics. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008;
Francisco J. Borges Motta. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo
judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; Ronald Dworkin e a decisão jurídica. 2 ed.
Salvador: JusPodivm, 2018.
5

.Martin Heidegger.  Os conceitos fundamentais da metafísica: Mundo  – Finitude  – Solidão. Trad.


Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. § 11, b), p. 47.
6

.Friedrich Rapp.  Método. In: Hermann Krings; Hans Michael Baumgarten; Christoph
Wild. Conceptos fundamentales de filosofia. Barcelona: Herder, 1978. t. II, p. 530.
7

.Também Gadamer faz essa observação quando aborda a questão do método: “Em verdade, a
palavra método soa muito bem em grego. Todavia, enquanto uma palavra estrangeira moderna,
ela designa algo diverso, a saber, um instrumento para todo conhecimento, tal como Descartes a
denominou em seu  Discurso do método. Enquanto um termo grego, a palavra tem em vista a
multiplicidade, com a qual se penetra em uma região de objetos, por exemplo, enquanto
matemático, enquanto mestre de obras ou enquanto alguém que filosofa sobre ética” (Hans Georg
Gadamer.  Hermenêutica em retrospectiva.  2.  ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. vol.  II, p.  164).
Grifos do original.
8

.Karl Larenz. Op. cit., prefácio, p. XXI.


9

.De se consignar que existem propostas metodológicas de refinado matiz teórico que procura
retratar a metodologia jurídica como uma estratégia para equacionar a complexa relação existente
entre sistema (âmbito textual) e problema (âmbito fático-normativo). Esse é o caso de Antônio
Castanheira Neves e da verdadeira escola que se constitui em torno de sua obra, que pode ser
notada na obra de autores como Fernando Pinto Bronze e José Manuel Aroso Linhares. No que

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tange à proposta mencionada, Cf. Antônio Castanheira Neves.  Metodologia jurídica: problemas
fundamentais. Coimbra: Coimbra Ed., 1993, em especial n. 3, p. 155 e ss.
10

.Ver por todos: Paulo Dourado Gusmão. Introdução ao estudo do direito. 10.  ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1984. quarta parte, cap.  XXI-XXVI, p.  255-296; Paulo Nader.  Introdução ao estudo do
direito. 9.  ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. quinta parte, cap.  XXII-XXVII, p.  239-303; André
Franco Montoro. Introdução à ciência do direito. 25.  ed. São Paulo: Ed. RT, 2000. n.  12, p.  369-
387.
11

.Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.  Sistema de ciência positiva do direito. Campinas:


Bookseller, 2000. 4 tomos.
12

.De se ressaltar que a interpretação que Pontes oferece sobre o movimento do direito livre
discrepa da sua tradicional retratação como um movimento em favor do simples reconhecimento
da liberdade criativa do juiz (o imbróglio sobre as “lacunas” do direito). Na verdade, nos termos
formulados pelo jusfilósofo, o movimento do direito livre implicava  liberdade de investigação  no
direito. Vale dizer, a institucionalização da possibilidade de investigar cientificamente o direito para
além do dogmatismo do conceitualismo alemão (jurisprudência dos conceitos), do exegetismo
francês e do formalismo anglo-americano (vale lembrar que o movimento do direito livre, diferente
das escolas metodológicas que possuíam clara identificação nacional, internacionalizou-se). Essa
interpretação é corroborada, inclusive, pelo título do opúsculo que dá vida ao movimento: A luta
pela ciência do direito (Der Kampf um die Rechtswissenschaft, de Hermann Kantorowicz publicado,
na verdade, sob o pseudônimo Gnaeus Flavius) que indica, à toda evidência, seu caráter científico
e não apenas jurisprudencial (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Sistema de ciência positiva
do direito. Campinas: Bookseller, 2000. t.  II., p.  220 e ss.). Em última análise, o movimento do
direito livre seria  – ressalvadas as inúmeras peculiaridades da época  – um ato de afirmação do
desprendimento do direito da metafísica; de constituição verdadeira de uma ciência do direito.
13

.R. C. Van Caenegem.  Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes,
2000. n. I., p. 5.
14

.Idem, p. 6.
15

.Essa discussão reflete, em termos gerais, os profundos problemas que as discussões em torno da
soberania popular e os conceitos de povo e nação engendram no contexto do direito público.
Nesse sentido, Cf. Friedrich Müller.  Quem é o Povo? A Questão Fundamental da
Democracia. 2 ed. São Paulo: Max limonada, 2000. Para desdobramentos possíveis da construção
apresentada no texto em torno da “icônica vontade geral”, consultar especialmente o capítulo IV,
que trata especificamente do “Povo” como ícone.
16

.Mario Losano. Os grandes sistemas jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 59.
17

.R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica... cit., p. 208. O autor afirma ainda que o nome foi
sugerido por E. Glasson que, no centenário do  Code civil, tratou do tema mencionando a
existência de “advogados civilistas que formaram uma espécie de escola que poderia ser chamada
de Escola da Exegese”.
18

.O elemento racionalista a que o texto faz menção não se resume, por certo, ao caráter sistemático
da codificação. Ele pode ser sentido também na intenção de se colocar o conhecimento
acumulado pelos estudos romanistas diante do “tribunal da Razão” e na crença de que seja
possível criar uma engenharia social ideal a partir de uma “arquitetônica da Razão” (a
Codificação).
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19

.Cf. Arthur Kaufmann; Winfried Hassemer (orgs.).  Introdução à filosofia do direito e à teoria do
direito contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 83 e ss. Para Kaufmann
“os juristas racionalistas procediam totalmente de acordo com a escolástica, na medida em que
também eles estavam convencidos da possibilidade de, a partir de um número reduzido de
princípios superiores e apriorísticos, extrair, através da pura dedução, todas as regras de direito,
sem ter em conta a realidade empírica, as circunstâncias espaço temporais. (...) Na realidade,
acabava por se proceder empiricamente, quando se pediam ‘empréstimos’ ao direito romano, cuja
racionalidade se enaltecia (era o tempo da recepção). Só assim puderam nascer os grandes
‘códigos jusnaturalistas’”. Também Castanheira Neves afirma que “o jusnaturalismo moderno-
iluminista preparou desde meados do séc. XVIII, e consumou-se, a partir de 1794 (a data do
Código prussiano) na codificação. Os códigos iluministas, e mesmo o pós-revolucionário  Code
civil  francês de 1804 outra coisa não foram, fundamentalmente, senão a consagração dos
sistemas racionalmente construídos pelo jusnaturalismo moderno-iluminista em positivo-
codificados sistemas legislativos (Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito
no contexto global da crise da filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação.
Coimbra: Coimbra Ed., 2003. p. 26-27.). Desse modo, fica claro que o jusnaturalismo moderno não
apenas preparou o caminho para codificação, como se consumou nela. Em outra obra Castanheira
Neves vai além da tese da consumação do direito natural na codificação, procurando apontar para
a maturação dos conceitos fundamentais do positivismo jurídico já ao tempo do período
racionalista-iluminista Cf. Antônio Castanheira Neves.  Curso de introdução ao estudo do direito.
Coimbra: Sebenta, 1976. parte II, passim.
20

.O historiador belga retrata essa tese em diversas obras. Em maiores detalhes ela aparece em R.
C. Van Caenegem.  Judges, legislators & professors. Chapters in European legal history.
Cambridge: Cambridge University Press, 2002.  passim.  No mesmo sentido, Cf. R. C. Van
Caenegem.  European law in the past and the future. Cambridge: Cambridge University Press,
2002. passim.
21

.Sobre a vida e obra de Savigny Cf. Frederico Fernándz-Crehuet López. La perspectiva del sistema
en la obra y vida de Friedrich Carl von Savigny. Granada: Editorial Comares, 2008. passim.
22

.Cf. José Lamego. Hermenêutica e jurisprudência. Análise de uma recepção. Lisboa: Fragmentos,


1990. n. 1.1.1., p. 19.
23

.Sobre essa problemática Cf. Frederico Fernándz-Crehuet López. Op. cit., p. 117 e ss.
24

.José Lamego. Op. cit., p. 20.


25

.Idem, p. 22.
26

.Karl Larenz. Op. cit., passim.


27

.Cf. Karl Larenz. Op. cit., p. 11.


28

.Idem, ibidem.
29

.Importante anotar que o termo “jurisprudência” aqui é utilizado no sentido de “ciência jurídica”,
sem uma específica conotação tribunalícia ou qualquer significado similar. Na verdade,
jurisprudência dos conceitos, jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores são

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expressões que traduzem um modo específico de se relacionar com o conhecimento do direito e


apresentar soluções para os casos judiciais.
30

.Cf. Franz Wieacker.  História do direito privado moderno. 4.  ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010. parte IV.
31

.Cf. José Lamego. Op. cit., p. 30.


32

.Cf. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. I, cap. XIII,
n. 5, p. 337 e ss.
33

.Cf. Karl Larenz. Op. cit., p. 24.


34

.R. C. van Caenegem. Uma introdução histórica... cit., p. 221-222.


35

.José Reinaldo de Lima Lopes. O direito na história. 2.  ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. n.  3,
p. 24.
36

.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., introdução, p. 28 e ss.


37

.Cf. Friedrich Rapp. Op. cit., p. 534 e ss.


38

.José Lamego. Op. cit., p. 30.


39

.Rudolf von Jhering.  O espírito do direito romano: nas diversas fases de seu desenvolvimento.
Trad. Rafael Benaion. Rio de Janeiro: Alba, 1943. vol. III, § 43, I, p. 24 e ss.
40

.Cf. Rudolf von Ihering. A finalidade do direito. Campinas: Bookseller, 2002. t. I., p. 225 e ss. Essa
divisão entre os momentos da obra de Ihering é também explorada por Losano em seu Sistema e
estrutura no direito cit., vol. I, n. XIV, p. 349 e ss., e vol. 2., n. IV, p. 150 e ss.
41

.Cf. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. II, n. IV, 5,
p. 150-151.
42

.Registre-se que autores importantes, ligados aos altos círculos da universidade alemã, foram
influenciados pela leitura desse texto. Esse é o caso de Oskar von Büllow – tido como o fundador
da “ciência processual”. Mario Losano, no segundo volume de seu Sistema e estrutura do direito,
indica a vinculação de Büllow a esses movimentos antissistemáticos que polularam no final do
século XIX e início do século XX. Interessante é que Losano traz à colação um depoimento de
Gustav Radbruch – à época também vinculado ao Direito Livre – no qual se afirma que a opção
pelo pseudônimo é que levou ao relativo sucesso do manifesto, pois conferiu ao texto de um jovem
pesquisador a aparência de um escritor experiente, com “autoridade” para tratar dos temas ali
abordados. Nos termos do depoimento de Radbruch, foi esse fator, provavelmente, que possibilitou
a leitura e aderência de juristas de renomado prestígio como é o caso de Franz Klein e do próprio
Bülow (Cf. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito cit., vol. II, p. 153-154).
43

.Idem, p. 160.
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44

.Idem, p. 164.
45

.Idem, ibidem.

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10.1.1.2. O problema do Método no Campo da Teoria do Direito do


Estado (Staatsrechtslehre)

10.1.1.2.1. Positivismo jurídico-constitucional  v.s.  sociologia


empírica

A história da questão do método na Teoria do Estado tem um começo


incontroverso naquilo que se conhece como “positivismo constitucional” ou
“positivismo estatal”. O contexto é o da Constituição Imperial de 1871 da Alemanha
e do impacto produzido em várias dimensões do direito pela recente unificação
operada pelo então chanceler Otto von Bismark. Há questões políticas importantes
aqui, mas, para evitar uma inconveniente perda de foco de análise, devemos nos
concentrar no problema do método.

A estrela maior dessa construção metodológica é um autor chamado Paul


Laband. Seu método é desenvolvido a partir de um encurtamento do objeto: o
ponto de partida da análise é o “direito constitucional positivo”, o que pressupunha
a unidade da vontade jurídica do poder estatal e de seus órgãos (ou seja, o Estado
é aquilo que as normas jurídicas que criam e regulamentam as suas instituições
dizem que ele é). Nesse sentido, Laband considerava possível a formação de
conceitos e institutos jurídicos a partir de uma análise restrita ao direito positivo,
identificando também a possibilidade de solução de problemas dogmáticos  – tais
quais o preenchimento de lacunas  – mediante o uso de recursos que pudessem
reconduzir o procedimento conceitual a um sistema de forma lógica, sem
contradições.

Esse modelo metodológico  – de carga eminentemente conceitualista  –


predominou como “teoria dominante” pelo menos até a virada do século XIX para o
século XX. Nesse momento, o aumento da complexidade social  – gerado pela
revolução industrial e pelo início da formação de uma sociedade de massas  –
começou a produzir reflexos também no ambiente teórico, mediante a profusão de
novas abordagens metodológicas que reivindicavam reconhecimento. A principal
delas era oriunda de autores que se inspiravam em um outro modelo de
positivismo: o sociológico. A essa altura, o sistema criado pela Constituição de
1871 já começava a dar sinais de esgotamento. Começou-se, então, a se falar em
“mutações constitucionais” que poderiam produzir sentidos normativos eficazes do
ponto de vista social sem que se necessitasse para isso de uma alteração formal
da Constituição. Nesse contexto, pressionava-se, então, por duas coisas:

1) que se reconhecesse também como fator de produção jurídica o “fato social”


(e não apenas o direito abstrato das leis e da Constituição);

2) que o “método jurídico” pudesse se abrir para permitir uma produção


científica mais adaptada ao “método científico das ciências sociais”. Importante
perceber que, nesse aspecto, ainda estamos no terreno do positivismo. Todavia,
em lugar de um positivismo jurídico do tipo conceitualista (inaugurado pelos
pandectistas, vide ponto 10.1.1.1.3 infra), reivindicava-se um positivismo
sociológico.

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Em uma equação explicativa um pouco mais didática: para o positivismo


jurídico, as estruturas que viabilizavam a ação do Estado estavam dadas pela Lei e
a tarefa da Teoria do Estado se esgotava em sua análise conceitual-sistemática;
enquanto que, para o positivismo sociológico, as estruturas e instituições que
conformam o Estado representavam um fato social, que só uma análise empírica
da sociedade poderia corretamente acessar.

Nesse contexto de polarização, um outro importante autor da Teoria do Estado,


chamado Georg Jellinek, apresentará uma espécie de “solução conciliadora”. Com
efeito, em sua Teoria Geral do Estado – que Hans Kelsen considerou como sendo
a descrição mais bem-acabada da Teoria do Estado do século XIX  – Jellinek
separa a sua abordagem em dois níveis distintos (a partir de um modelo
metodológico eclético) que comportaria uma “teoria jurídica do Estado” e uma
“teoria social do Estado”. Como afirma Stolleis: “com a admissão da facticidade do
Estado, contemplava-se a pressão das ciências sociais empíricas por
reconhecimento; ao mesmo tempo, na esfera normativa, assegurava-se a
preservação do território do direito”.46 É de Jellinek a formatação teórica que afirma
ser o Estado uma corporação territorial de Direito Público, cuja composição
pressupunha três elementos: um território estatal, um povo estatal e um poder
estatal. Essa formulação perdura, de algum modo, até os dias de hoje.

Na verdade, em termos normativos, não é totalmente correto dizer que o


conceito de Estado é composto por esses três elementos. Essa é uma afirmação
comum, feita inclusive para servir como premissa crítica à obra de Jellinek.
Todavia, parece-nos que o mais correto seria dizer que a dogmática do Estado  –
ou seja, a sua “ciência jurídica” – estrutura-se em meio a esses três elementos. A
partir da plataforma oferecida por cada um deles, projeta-se o estudo jurídico do
Estado, sendo que, dentro do elemento “povo” se constrói toda grade conceitual
para a análise das questões ligadas à cidadania e aos direitos (sempre importante
lembrar, aqui, do desenvolvimento da doutrina dos “status”, que revolucionou, de
alguma forma, o modo como a teoria do direito do Estado alemã encarava o tema
dos direitos fundamentais); por outro lado, no contexto do elemento “território” se
enquandra toda a problemática jurídica sobre a relação de imperium que o Estado
desenvolve com a sua base geográfica, bem como as formas que ela pode assumir
com relação à produção da normatividade; por fim, no contexto do elemento
“poder” analisa-se, além das questões de fundamentação da soberania, o modo
próprio de organização do poder político e seus respectivos desdobramentos.47

Sem embargo, inclusive em virtude de seu ecletismo, é importante perceber


que, se há algo como um conceito sintético de Estado na obra de Jellinek, esse
conceito necessariamente pressupõe a análise sociológica do fenômeno estatal.

10.1.1.2.2. A via do normativismo Kelseniano

Um dos críticos mais contundentes ao modelo metodológico eclético de Jellinek


foi Hans Kelsen. Kelsen fundou uma verdadeira escola em Vienna, na Áustria, no
interior da qual se articulavam produções científicas desenvolvidas a partir de seu
método de análise, conhecido como “Teoria Pura”.48  Como já mencionado nesta
obra, Kelsen organiza seus trabalhos a partir de uma distinção rigorosa entre ser e
dever-ser (fruto da influência da escola neokantiana de Marburgo sobre o seu
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pensamento). O campo de atuação do jurista – ou cientista do direito – limita-se ao


mundo do dever-ser. Elementos políticos, sociais ou psicológicos  – que estariam
no mundo do ser – não devem influenciar a investigação sobre o direito e o Estado.
Numa expressão de radical encurtamento de objeto, Kelsen propugnava a total
identificação entre ordenamento jurídico e Estado.

Apesar das críticas por ele desferidas contra o modelo de Jellinek  – que se
estendiam também ao positivismo jurídico clássico  – Kelsen parecia compartilhar
com esses modelos alguns aspectos de sua teoria. A formulação povo, território e
soberania, oriunda de Jellinek, por exemplo, é reafirmada em sua Teoria Geral do
Estado (com o acréscimo do elemento temporal, para refletir sobre a origem e o
desaparecimento dos Estados). Por outro lado, a ideia de autoridade presente no
positivismo clássico é também por ele aceita, sem maiores reparos.

10.1.1.2.3. As vertentes antipositivistas

Os anos conturbados da chamada República de Weimar, que se instala em


1919  depois dos eventos ligados à capitulação alemã na primeira grande guerra
em  1918, aumentaram a fervura também no âmbito da “querela sobre o método”
(Methodenstreit)49  na Teoria do Estado. Além da já mencionada tensão entre
positivismo jurídico e sociologia empírica, entram também no campo de discussões
posturas que não se vinculam propriamente nem à tradição do positivismo jurídico,
nem, tampouco, com a tradição sociologista. Esse debate, ao final, acabará por
lidar com uma “crise do Estado” (Staatskrise), que irá desaguar na destruição do
regime republicano-democrático de Weimar pela ditadura de partido único
instalada pelo nacional-socialismo.

Sem embargo, é importante anotar que esses modelos são intensamente


heterogêneos entre si de tal modo que não seria possível falar aqui em um núcleo
que ofereça características de uma “tradição” metodológica. Todavia, se não é
possível identificar um elemento positivo de identificação, é possível perceber um
aspecto negativo comum: ambas as construções negam o legado do positivismo
jurídico, especialmente em sua vertente de pureza Kelseniana. Com relação ao
sociologismo, ele é aceito, em alguns casos, com reservas. A nota geral é que,
mesmo as posturas sociológicas, encurtam demais o objeto da Teoria do Estado
que, para ser propriamente colocado, necessita de uma via interpretativa que
permita o acesso aos elementos éticos, políticos e culturais que conformam o
Estado.

A primeira contribuição relevante nesse sentido  – e que ainda ecoa na Teoria


do Estado e no Direito Constitucional contemporâneos  –, é de Rudolf
Smend.50  Smend desenvolve sua proposta metodológica sob a denominação
“Teoria da Integração”. Em um sentido geral, a teoria de Smend asseverava que
um Estado só atinge a sua finalidade se conseguir produzir a “integração” entre o
individual e o comunitário. Seu método, que permitia tanto explicar quanto perquirir
por elementos aptos a produzir a “integração”, baseava-se em uma interpretação
da obra de Herbert Spencer  – que produz o colorido sociológico de sua
abordagem – e de um recorte amplo daquilo que seria a representação do mundo
intelectual. A integração, nesse sentido, pode ser lida também como um
entrelaçamento do normativo com o social; no campo normativo, parte do mundo
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intelectual, o Direito, o Estado e a Ética representariam um conjunto dialético que,


junto com o social, conduziriam a processos intelectuais portadores de sentido.
Apenas aquilo que se integrava era Estado  – aqui o ponto certamente
determinante seria a integração entre o individual e o comunitário. É interessante
anotar, com Stolleis, que a “reluzente palavra integração também era oferecida
como via metodológica para a eliminação de contradições imanentes em um texto
constitucional”.51  O constitucionalista português Gomes Canotilho nomeou o
método de Smend como “científico-espiritual”, pelo fato de buscar uma “integração”
entre elementos de uma teoria sociológica com questões oriundas da ética (ou de
uma ética em determinado sentido).

De todo modo, o certo é que, nos termos propostos por Smend, a associação
política que não fosse capaz de produzir a “integração”, não poderia ser chamada
de Estado. Essa era a porta de abertura para a crítica do Estado criado pela
República de Weimar e de sua claudicante democracia. Tão certo quanto o
sucesso alcançado por propostas metodológicas como a de Smend no contexto do
“neoconstitucionalismo” (em face de sua possibilidade mais heurística em termos
de interpretação da Constituição), é também o fato de que esse tipo de discurso
contribuiu para consolidar no imaginário jurídico da época, a tese de que a
democracia de Weimar representava um obstáculo  – e não um elemento de
solução  – para o enfrentamento dos problemas vivenciados pela Alemanha da
época.52

Outro autor igualmente crítico dos modelos positivistas, mas que se situava no
outro espectro do pensamento político, era Hermann Heller. Diferente de Smend,
Heller era um social-democrata convicto. Todavia, reconhecia-se como um
adversário metodológico do positivismo  – especialmente Kelsen. Para ele, era
inaceitável que o Estado fosse apenas um ordenamento jurídico. Heller reconhecia
o valor dos esforços da escola de Kelsen para produzir um tratamento
metodológico mais adequado para as questões do Direito e do Estado. Todavia,
insurgia-se contra a hipertrofia normativista que se projetava a partir da escola de
Vienna. Desse modo, sua teoria buscava compreender a influência normativa
existente no Estado asseverando que a criação deste mesmo Estado pelos
indivíduos deveria se projetar a partir de uma plataforma comum de normas e
valores, sem, com isso, desconsiderar a importância de um contato empírico com a
realidade social para a composição de uma adequada teoria do estado. Assim, o
Estado, como unidade organizada de decisão e ação, deveria, por sua vez,
conduzir a convivência social, principalmente por meio do direito positivo.53

Todo esse debate sobre o método na Teoria do Estado acaba por se encerrar
com a instalação dos nacional-socialistas no poder, a partir de 1933. Segundo
Stolleis, um sintoma que demonstra que a produção intelectual nesse campo – que
atingiu um ponto alto de criatividade e intensidade no contexto dos anos da
República de Weimar  – acabou solapada pela ditadura nacional-socialista,
encontra-se no fato de que a Associação Alemã dos Teóricos do Direito do Estado
(Vereinigung der Deutschen Staasrechtslehrer) que havia sido fundada em 1922,
deixou de se reunir depois de 1933.54 Somente após o término da Guerra é que as
atividades da referida associação seriam retomadas.

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De fato, no período posterior a 1933, dois elementos passam a ser


determinantes no contexto das práticas jurídicas: 1) um processo de
ressignificação linguística, por meio de “aberturas interpretativas”, de conteúdos já
postos pelo direito vigente e herdado pelo regime nacional-socialista do período
democrático; 2) um afastamento da discussão sobre “o melhor método” para
compreensão do fenômeno jurídico e estatal, em favor de uma articulação aleatória
e instrumental de modelos que fossem mais convenientes para uma solução
casuística das demandas, mas sem se derivar daí uma preocupação de coerência
ou sistematicidade, que recolocasse a decisão tomada no contexto de um painel
mais amplo de significados.

Em Derecho Degenerado, Bernd Rüthers coloca a seguinte pergunta: haveria


um método jurídico unitário para o Estado nacional-socialista, ou, ao contrário, uma
competição entre vários métodos? Sua resposta pode ser depreendida a partir da
transcrição abaixo:

“Um lance de olhos superficial na literatura produzida naqueles anos poderia


nos dar a impressão de que teria existido, então, uma filosofia do direito e uma
metodologia jurídica do nacional-socialismo. Todavia, essa ideia é inadequada,
desde meu atual ponto de vista [...]. Olhando-se para as coisas com maior
precisão, percebe-se que, sob o nazismo, eram várias e diferentes as doutrinas
jurídicas e as metodologias que competiam pela meta de uma ‘renovação política
popular’”.55

Nas páginas seguintes, procuraremos esclarecer melhor como essas questões


se desenrolaram. Essa abordagem é importante, em primeiro lugar, porque
demonstra como a questão da metodologia jurídica está intimamente vinculada à
produção democrática do direito. Dentro da relação paradoxal que existe entre
direito e autoritarismo, os aspectos políticos são sempre ressaltados com maior
vigor. Entretanto, as questões relativas ao método jurídico e sua íntima relação
com a produção de decisões judiciais é também crucial para a correta
compreensão do problema. Por outro lado, é cada vez mais comum encontrar no
direito brasileiro defensores de métodos “mais porosos” de interpretação do direito,
que se adequem melhor à “justiça do caso”. Nesse sentido, é importante
perceber  – sem que isso implique o descarte a priori das referidas propostas
metodológicas  – que os instrumentos metodológicos e teóricos desenvolvidos
nessa época, seguem sendo, até os dias de hoje, os mesmos, trocando-se, às
vezes, apenas as etiquetas conceituais ou modificando os seus nomes.56

10.1.1.2.4. A década de 1930 e o abandono da discussão sobre o


método

A chegada dos Nazistas ao poder, em janeiro de 1933, não foi acompanhada


de uma reviravolta radical com relação ao Direito vigente. O regime político, em
contrapartida, foi rapidamente subvertido; e, apenas alguns meses depois de
assumir a Chancelaria do Reich, Hitler já contava com as prerrogativas da lei de
habilitação (Ermächtigungsgesetz), transformando aquilo que era uma claudicante
democracia parlamentar  – já profundamente abalada pela fragmentação do
sistema partidário e pelo uso recorrente dos poderes ditatoriais do Presidente do
Reich com base no famigerado artigo  48 da Constituição de Weimar  – em uma
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Ditadura. Sem embargo, a ordem jurídica vigente, de forma geral, continuava a ser
(e assim aparentava) aquela herdada da era Weimar. Do ponto de vista do Direito,
portanto, o regime recepcionara em bloco o material jurídico produzido durante os
tempos de democracia.57

Essa constatação não autoriza, contudo, a afirmação de que esse material


jurídico, aparentemente “aceito” pelos novos detentores do poder, continuou a ser
operacionalizado segundo os padrões vigentes durante a República de
Weimar.58 É provável que os nazistas tenham percebido, logo no início do regime,
que a tarefa de substituição da totalidade do direito vigente, trocando-o por outro
“purificado” nos termos da Weltanschauung nacional-socialista, seria aos olhos dos
novos governantes, além de uma hercúlea tarefa, algo inconveniente: uma ação
desse tipo assustaria a elite econômica e financeira que, àquela altura, já apoiava
o partido e o governo hitlerista. Com efeito, como lembra Stolleis, os nazistas
tinham grande necessidade de manter a aparência da “normalidade” e ao menos
um fio de esperança de que, superados os propalados momentos de
“necessidade”, as relações econômicas e sociais voltariam para os trilhos de
um Rechtsstaat civil.59 Isso porque a burguesia econômica e os funcionários civis
que ofereciam algum tipo de sustentação política para o iniciante regime nacional
socialista não ficavam à vontade nem com o terror explícito, nem com rupturas
bruscas e desnecessárias com as burocracias e algumas regras seletivas de livre
mercado. Eram todos nacionalistas, inimigos da democracia parlamentar, e
desejavam um Estado Alemão forte, desde que isso não produzisse um giro brusco
e inopinado com relação à ordem vigente.60

Por outro lado, a criação de leis gerais e abstratas poderia passar a mensagem
de que o governo, em algum nível e com algum sentido, estaria comprometido a
cumpri-las. E o comprometimento com algum tipo de ordem jurídica limitadora,
ainda que emanada da própria autoridade, não é algo que se observe em regimes
autocráticos. Como anota Franz Neumann, o nacional-socialismo não podia ser
definido a partir de uma teoria (política ou jurídica) e nem por meio de uma prática
consistente. Na verdade, se houve algo que o definia, esse algo era a
instrumentalização radical de tudo aquilo que servisse, da forma que fosse, para
oferecer um pseudofundamento para as ações do partido e do Estado. Fala-se
muito sobre a vagueza e a gigantesca ambiguidade que caracterizava a ideologia
nacional-socialista, mas, de certa forma, isso se calçava como uma luva nas mãos
das lideranças do regime: quem pretende estabelecer um domínio radical precisa
ter mecanismos para ajustar os fatos à sua vontade. Diretrizes vagas e portadoras
de ambiguidade servem a esse desiderato com perfeição, na medida em que
permitem um ajuste individualizado e a utilização de uma medida específica para
cada situação apresentada.

Por fim, mas não menos importante, os nazistas também perceberam que,
muito mais fácil do que destruir o direito vigente por meio de sua substituição
legislativa, seria conspurcá-lo por dentro, por meio de um alargamento das
margens interpretativas de atuação dos juízes e dos tribunais. A esse elemento,
combinaram-se políticas de “limpeza” de inimigos ideológicos que eventualmente
estivessem alojados dentro do Judiciário, bem como uma doutrinação eficaz que
servia de orientação para os juízes “amigos” no preenchimento desses espaços de
interpretação. Com efeito, a técnica que ficou conhecida, na emblemática
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expressão de Bernd Rüthers, como “interpretação irrestrita” (unbegrenzte


Auslegung)61 foi utilizada de forma contumaz durante o regime nacional-socialista e
ajudou a pulverizar os poucos escombros de juridicidade, ou algumas
reminiscências de um antigo  Rechtsstaat,  que ainda pudessem existir durante
aquele período. A herança de Weimar foi, assim, profanada.

10.1.1.2.4.1. A manipulação/instrumentalização do Direito por meio de


aberturas interpretativas

O Direito  – ou o que restava dele  – era constantemente submetido a esse


trabalho de permeável reconstrução significativa segundo os elementos difusos da
ideologia nacional-socialista. O trabalho de promover uma “renovação jurídica
popular” era abertamente estimulado. O modo como ele deveria ser processado
não era necessariamente aglutinado em torno de núcleos teóricos ou
metodológicos claramente organizados e homogêneos. Pelo contrário, como afirma
Bernd Rüthers:

bajo el nazismo eran varias y diferentes las doctrinas jurídicas y las concepciones
metodológicas que competían por esa meta de la ‘renovación jurídica popular’. A
veces las diferencias de sus contenidos son considerables. También hay que fijarse
en la competencia entre las distintas escuelas y entre los autores a la hora de ganar el
favor de los gobernantes y para hacer valer la supuesta cercanía y fidelidad de sus
respectivas teorías a la ideología nacionalsocialista.62

Essa descrição, com relação ao Direito, coaduna-se com o modo global a partir
do qual Franz Neumann procura definir a estrutura da prática política nacional-
socialista.63  Em termos teóricos ou filosóficos, afirma Neumann, a ação nacional-
socialista não é informada nem por um modelo puro (muito já se discutiu sobre o
pretenso hegelianismo do Estado nacional-socialista; ou sobre as inspirações
nietzchianas do racismo biológico que estaria na base da ideologia hitlerista),
tampouco poderia ser explicado por meio de um modelo sincrético, que
contemplasse vários paradigmas filosóficos ao mesmo tempo.64  Na verdade,
segundo Neumann, o nacional-socialismo e o regime totalitário que ele construiu
não podem ser descritos por nenhum modelo filosófico ou teórico disponível no
terreno da política. O que mais se aproximaria, não como explicação, mas como
dispositivo de entendimento do funcionamento do aparato nacional-socialista, seria
a abordagem renascentista  – Maquiavel à frente, mas emblematicamente
explorada por Arnold Clapmar  – sobre os  Arcana imperii  e os  Arcana
dominationis.65  Não obstante, ainda assim, essa constatação não autorizaria a
conclusão de que o nacional-socialismo seria, então, “maquiavélico”. Ao contrário,
novamente o que se poderia concluir aqui seria que esse regime se caracterizava
pela instrumentalização de teorias, concepções de mundo e métodos de
abordagem em níveis altíssimos; isto é, vale qualquer coisa! O importante é que
a vontade triunfe. E, para isso, é preciso manter-se no poder e dominar as massas
que estão sob seu jugo.

Em meio a essa estratégia de dominação, “o Nacional-Socialismo transformou


a democracia institucional da República de Weimar em uma democracia cerimonial
e mágica”.66  Isso ocorreu, entre outras coisas, porque as instâncias de mediação
democrática foram drasticamente modificadas para se transformar em ambientes
de aclamação plebiscitária ou em instrumentos de uma pseudodemocracia direta,
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que desaguaria no princípio de liderança. Ou seja, o  Führer  (líder) era colocado


como o representante máximo (e de direito!) do Volk (povo). O caráter mágico de
um tal arranjo é autoevidente. Um aspecto curioso do “princípio de liderança”
(Führerprinzip) é que ele estabelecia uma espécie de controle aberto de
mentalidades. Embora retirasse do Führer sua legitimidade, tal princípio também
era direcionado a cada agente do  Volk, estimulando-os à ação; à tomada de
iniciativa. Era um regime que pregava a obediência à liderança, mas que, ao
mesmo tempo, incutia nas pessoas a necessidade de trabalharem em prol dessa
liderança a partir de comandos abertos, indeterminados. Ian Kershaw, um dos mais
notáveis biógrafos de Hitler, chamou isso de “trabalhar para o Führer”.67

Bernd Rüthers esclarece como essa operação de “trabalhar para o Führer”, na


linha do  Führerprinzip, era veiculada em periódicos jurídicos que circulavam
naquela época. Com efeito, segundo Rüthers, em 1934, o caderno 31 da
revista  Juristische Wochenschrift  (algo como “semanário jurídico”), publicou o
seguinte trecho em assuntos ligados ao direito civil: “decida usted rápidamente,
como un Führer, decida usted claramente, como un Führer, y decida usted de tal
manera que hasta el último perciba que ha hablado el derecho”68.

Uma forma particularmente incisiva por meio da qual os nazistas estimularam a


instrumentalização interpretativa do direito vigente se deu por meio das
chamadas  Cláusulas Gerais  (Generalklausen). Esse ponto é particularmente
importante porque uma das dimensões do direito que são lembradas como
relativamente intocadas pelo regime seria exatamente o direito civil. E, de fato, do
ponto de vista legislativo, o Código (BGB) permaneceu vigente até o final da
guerra, tal qual esteve durante a era Weimar. Stolleis informa que, no início da
década de 1940, chegou-se a cogitar um “Código Civil do Povo Alemão”
(Volksgesetzbuches), cujo texto seria ajustado aos “padrões” nacional-socialistas.
Todavia, esse projeto nunca saiu do estágio de um esboço69. Talvez porque nunca
tenha sido necessário chegar a tal ponto. O alargamento interpretativo (a tal
“interpretação irrestrita”, de que fala Rüthers) fez muito bem o trabalho de
adaptação circunstancial aos interesses do regime, transformando o direito civil
“aplicado” em algo diferente do que estava “legislado”. As cláusulas gerais foram a
porta de entrada para essa mutação; e o Judiciário, o seu veículo.70 Na pregação
de tal modelo, Rüthers lembra de algumas “publicações paralelas” de Carl Schmitt,
nas quais o jurista – que um ano antes trabalhara no gabinete do Chanceler Von
Papen  – estabelecia cinco “novas diretrizes para a prática jurídica”. Rüthers
transcreve o que seria a “quarta diretriz” nos seguintes termos: “para la aplicación y
manejo de las cláusulas generales [...] se ha de estar de modo pleno y exclusivo a
los fundamentos del nacionalsocialismo”71.

10.1.1.2.4.2. Digressão: sobre o nazismo e os “juízes obedientes”

Todos esses elementos de análise demonstram que a tese comumente


difundida no sentido de que os juízes, ao tempo do regime nacional-socialista,
estavam de mãos atadas diante de uma legalidade fechada e opressora; ou ainda,
que por sua formação “positivista”, não tinham ferramentas teóricas ou
metodológicas para desconstruir as leis nazistas, é, senão completamente falsa, ao
menos parcialmente verdadeira. Por certo, as injustiças mais visíveis produzidas
pelo regime estavam assentadas em leis ou atos normativos produzidos pelos
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“dadores de leis” (que poderia ser o parlamento, o  Führer, o gabinete da


chancelaria do Reich, o Partido, a SS etc.). Todavia, é importante perceber que,
mesmo naqueles nichos no interior dos quais não se pode observar uma clara
“atuação legislativa do regime”, o direito foi violentado. Na verdade, o que se viu
em termos de “direito” e práticas jurídicas durante aquele período foi exatamente a
conspurcação constante da legalidade e das estruturas de um Rechtsstaat.

Mesmo as chamadas “ilhas de juridicidade” que, do ponto de vista abstrato,


puderam existir dentro daquele regime extremamente injusto (uma das acepções
possíveis para a expressão  Recht im Unrecht, de Stolleis) foram de algum modo
invadidas pelos mecanismos ideológicos do regime.

Como bem assinala Lenio Streck  – que, aliás, sempre destacou o caráter
antidemocrático de posturas teórico-doutrinárias que estimulavam ativismos ou
protagonismos judiciais –, quem defende a liberdade interpretativa dos juízes não
conseguiu entender o problema em sua globalidade. Tão perigoso quanto o
autoritarismo explícito, que propaga o terror e a violência por meio de rupturas
claras com o Estado de Direito, é aquele que se expressa de forma invisível,
penetrando nas sendas abertas das práticas jurídicas.

Em 2011, Streck submeteu sua obra a uma espécie de autoanálise e, desde


então, deixou de se referir aos modelos constitucionais do pós-guerra como sendo
expressão de um  neoconstitucionalismo. Com efeito, embora nunca tenha
defendido protagonismos judiciais ou relativismos interpretativos, o fato é que, por
vezes, o termo havia sido ventilado anteriormente em seus textos. A revisão teve
lugar porque, já naquela altura, ficava claro que as propostas enfeixadas
nesse  neocostitucionalismo  – de fortalecimento de uma “normatividade aberta”,
com a ponderação se destacando como forma privilegiada de aplicação do direito e
o ímpeto “constitucionalizador” a invadir desenfreadamente os campos
disciplinares específicos, muitas vezes impulsionados pelo entusiasmo de parte da
doutrina com relação às “clausulas gerais”  – distanciavam-se cada vez mais dos
polos norteadores de um direito democrático, produzido dentro dos critérios de um
Estado de Direito, navegando, então, pelos mares das águas turvas do
irracionalismo e da autocracia e tangenciando  – às vezes de forma deliberada  –
um voluntarismo judicial.72  De todo  modo, o fato é que, nos dias atuais  –
especialmente no que tange ao pensamento jurídico brasileiro  –, o
imaginário  neoconstitucionalista  é o herdeiro desse “pensamento mágico” que se
manifestou nesses anos turbulentos de nacional-socialismo.73

Por outro lado, Streck também é importante para desmistificar outra tese que
pretende criticar abordagens hermenêuticas com relação ao Direito, uma vez que,
ao alertar para a autoridade da tradição, a hermenêutica seria uma vertente
“conservadora” no campo do pensamento e que poderia flertar com modelos
políticos autoritários ou aristocráticos. Ora, a hermenêutica não produz o tipo de
relativismo instrumentalista necessário para manter a dominação em regimes como
aquele que atingiu a Alemanha ao tempo do nacional-socialismo. Como bem anota
Streck, a hermenêutica não se expressa como um irracionalismo e nem permite
concluir que a interpretação seja uma atividade livre, a partir da qual seria possível
dizer “qualquer coisa sobre qualquer coisa”.74

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E mais do que isso, tomando por exemplo a discussão que aqui estabelecemos
a respeito da ressignificação encampada pelo nacional-socialismo do direito
herdado da República de Weimar, temos que a hermenêutica apontaria para o
sentido oposto daquele pretendido pelo regime. Com efeito, o impulso constante de
dar às formas jurídicas novo significado  – criando-se uma espécie de novilíngua
jurídica  – vilipendia a linguagem; atenta contra a constituição historial e
intersubjetiva das palavras e dos conceitos. A pretexto de se recuperar um
elemento essencialmente germânico, de origens teutônicas profundas, o nacional-
socialismo maculou a tradição. O nazismo, nesse sentido, não foi um movimento
que prestou reverência à tradição; pelo contrário, foi um movimento que destruiu
“tesouros da cultura” (na feliz expressão de Erich Rothacker): o  Rechtsstaat; a
separação de Poderes; o federalismo; o direito penal civilizado75  etc., para ficar
apenas nesses. Palavras novas ou com significados reconstruídos abalaram as
estruturas desses “monumentos jurídicos” do passado: “comunidade do povo”
(Volksgemeinschaft), “coordenação” (Gleichschaltung), “princípio de liderança”
(Führerprinzip), talvez sejam os exemplos mais significativos.

10.1.1.2.4.3. Havia “Direito” no regime nacional-socialista? Qual teoria?


Com que método?

Em suma, pode-se indicar uma resposta a essa questão com Franz Neumann:

Um sistema como esse merece ser chamado de Direito? Sim, se o Direito for
entendido apenas como a vontade do soberano; definitivamente não, se o Direito,
diferentemente do comando do soberano, necessite ser racional na forma ou no
conteúdo. O sistema nacional-socialista não é nada mais do que uma técnica de
manipulação de massas por meio do terror. Tribunais criminais, junto com a Gestapo,
o ministério público, e os executores, são agora os agentes primários da violência. Os
tribunais civis, por sua vez, são agentes primários para a execução dos comandos de
organizações empresariais monopolizadoras.76

E se Neumann afirma que nenhuma filosofia pode ser responsabilizada pelo


nacional-socialismo, é possível dizer o mesmo sobre as teorias do direito. De fato,
não é o compromisso com uma teoria que definia as ações do regime. Ao
contrário, o que o caracterizava era, exatamente, o vácuo teórico e a
instrumentalização  – com contornos de um pensamento mágico  – de qualquer
argumento que pudesse instruir e “legitimar” a ação em termos ideológicos. O
nacional-socialismo produziu um conjunto de práticas políticas sem compromisso
com teorias. Bernd Rüthers afirmou que havia ali uma “hostilidade para com o
Direito”; Stolleis, conclui que seria inútil tentar identificar, no plano da Teoria do
Estado, um “sistema” ou modelo teórico consistente, já que “nenhum sistema
haveria de existir”, pois, “se o poder de decisão estava concentrado da
transfiguração mística de uma pessoa, qualquer tipo de sistema teria o efeito de
criar compromissos e obrigações, que é tudo o que o governante não quer.”77

46

.Michael Stolleis. Recht im Unrecht. 3. ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2016, p. 129.


47

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.Cf. Georg Jellinek.  Teoria General del Estado. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 2004, em
especial, o livro terceiro.
48

.Para maiores detalhes sobre a Teoria Pura do Direito, ver o Capítulo 9, infra.
49

.A expressão Methodenstreit é de Michal Stolleis e serve para designar os debates e disputas que


tiveram lugar no contexto dos anos de 1920 na Áustria e na Alemanha sobre o método no interior
da Staasrechtslehre. Uma tradução mais “ao pé da letra”, optaria por verter Methodenstreit para o
português “disputa (ou querela) sobre o método”. Todavia, optamos por traduzi-la pela expressão
“querela sobre o método” por esta última se mostrar mais significativa no contexto da língua
portuguesa. Cf. Michael Stolleis.  Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschaland. Munique:
Beck, 1999, v. 3. p. 153 et seq.
50

.Para Stolleis, esse grupo de autores, notadamente antipositivistas, incluiria, além de Smend,
outros importantes autores da Teoria do Estado ou da Teoria da Constituição, como é o caso de
Heinrich Triepel, Erich Kaufmann, Gerhard Leibholz, que, embora não chegassem a ser nazistas,
eram assumidamente antidemocracia e defendiam um Estado forte, baseado em uma liderança
rigorosa, como parte da solução dos problemas vivenciados pela Alemanha na época. Dentro
desse grupo, seria possível alocar, também, autores que compactuavam do diagnóstico da época
e da crítica ao positivismo, mas que, em algum momento, aderiram ou mantiveram uma relação
apologética com o nazismo. Este seria o caso de Carl Schmitt, Otto Koelreutter e de jovens
professores de Direito que se autointitulavam “Jungen Rechten” (juventude direitista) dentre os
quais estava Karl Larenz. A heterogeneidade desses autores “antipositivistas” era tão grande, do
ponto de vista político, que comportava inclusive um jurista defensor da social democracia e do
modelo parlamentar instalado pela Constituição de Weimar, que era Herman Heller. Cf. Michael
Stolleis. Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschaland cit., p. 171-186.
51

.Michael Stolleis. Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschaland cit., p. 174.


52

.Hans Kelsen foi um dos mais incisivos críticos da obra de Smend. Além de acusar sua “teoria da
integração” de irracionalismo, Kelsen denunciava também o caráter antidemocrático e autoritário
dessa proposta metodológica (dois fatores que, na interpretação kelseniana, sempre andaram
juntos). Parte desse debate se encontra com tradução para o português. Nesse sentido, Cf. Hans
Kelsen. O Estado como integração. São Paulo: Martins Fontes, 2003, passim.
53

.Cf. Herman Heller.  Teoría del Estado. Madrid: Fondo de Cultura Econômica, 2015, Edição do
Kindle, passim.
54

.Cf. Michael Stolleis. Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschaland cit., p. 186-199.


55

.Bernd Rüthers. Derecho Degenerado. Madrid: Marcial Pons, 2016, p. 52.


56

.Bernd Rüthers. Derecho Degenerado cit., p. 47.


57

.Cf. Michael Stolleis. Recht im Unrecht cit., p. 10.


58

.Bernd Rüthers destaca a grande influência exercida pelas práticas jurídicas  – especialmente
doutrina e jurisprudência – na consolidação jurídica do nacional-socialismo. Depois de afirmar que,
sob o prisma do direito positivo, o “legislador” nacional-socialista manteve vigente as normas
provenientes da época de Weimar (especialmente com relação ao Direito Privado), Rüthers
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adverte: “Eso no significa que los gobernantes estuvieran inclinados, respecto a esas leyes
mantenidas en vigor, a dejar las cosas como estaban, a aceptar los contenidos jurídicos recibidos.
Muy al contrario, el programa que guiaba la política jurídica del nazismo era el de una completa
‘renovación jurídica popular’ basada en la ideología nacionalsocialista” (Bernd Rüthers.  Derecho
Degenerado cit., p. 51).
59

.Cf. Michael Stolleis. Recht im Unrecht cit., p. 22-26.


60

.Ibidem, p. 9-10.
61

.Cf. Bernd Rüthers. Die unbegrenzte Auslegung. 8. ed. Tubingen: Mohr Siebeck, 2017, passim.
62

.Bernd Rüthers. Derecho Degenerado cit., p. 52.


63

.Franz Neumann. Behemoth: The structure and practice of National Socialism. Chicago: Ivanrdee,


Kindle Edition, 2009, p. 459 et seq.
64

.Para Neumann  – e concordamos com ele  – “no philosophy can be held responsible for National
Socialism” (Franz Neumann, op. cit., p. 463).
65

.O estudo realizado por Clapmar também é explorado por Carl Schmitt em seu  Ditadura  (Carl
Schmitt. Dictartorship.  Tradução Michael Hoelzl e Graham Ward. Cambrigde: Polity Press, 2014,
p. 11-16), livro anterior à chegada ao poder por parte dos nacional-socialistas, mas que descreve
boa parte dos elementos que iriam compor, posteriormente, o  éthos  político do regime. Com
relação especificamente aos desdobramentos que a análise de Clapmar pode projetar na
interpretação da estrutura do regime de Hitler, Neumann afirma: “National Socialism has revived
the methods current in the fourteenth century, when the first modern states, the Italian city states,
were founded. It has returned to the early period of state absolution where ‘theory’ was a mere
arcanum dominations, a technique outside of right and wrong, a sum of devices for maintaining
power. The leaders of the Italian city states in the fourteenth century: Machiavelli, the early
seventeenth-century German lawyers (like Arnold Clapmar); were masters of this art. A study of
Arnold Clapmar’s De arcanis rerum publicarum (1605) will reveal striking similarities with National
Socialism in the transformation of thought into propaganda techniques” (Franz Neumann, op.  cit.
p. 465).
66

.Franz Neumann, Op. cit., p. 464.


67

.Nas palavras de Kershaw: “trabalhando para o Führer, tomaram-se iniciativas, criaram-se


pressões, instigaram-se leis, tudo de um modo alinhado com o que se supunha ser os objetivos de
Hitler e sem que o ditador tivesse necessariamente que os ditar” (Ian Kershaw. Hitler. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008, Edição do Kindle, p. 6405).
68

.Cf. Berd Rüthers, Derecho Degenerado, cit., p. 53.


69

.Cf. Michael Stolleis. Recht im Unrecht cit., p. 26.


70

.Stolleis descreve o caso mencionado no texto da seguinte maneira: “Im Bürgerlichen Recht,  das
seinen normativen Bestand im wesentlichen behielt, verschoben sich die Gewichte vor allem durch
Rechtsprechung und Rechtswissenschaft. Die Generalklausen (§§ 138, 157, 226, 242, 826 BGB),
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vor denen kurz zuvor noch gewarnt worden war, wurden jetzt als ‘Einbruchstellen’ für die
nationalsozialistische Weltanschauung empfohlen. Betonung des ‘Gemeinschaftgedankens’,
Reduzierung der Ansprüche gegenüber den Pflichten, Ethisierung und Vulgarisierung des Rechts
führten sowohl zu Verlusten an dogmatischer Rationalität und Rechtssicherheit als auch zur
Bildung neuer dogmatischer Figuren” (2016, p. 25-26). Em tradução livre: “No Direito Civil, que de
forma geral manteve o seu núcleo normativo, os pesos mudaram, acima de tudo, por meio da
ciência jurídica e da jurisprudência. As cláusulas gerais (parágrafos 138, 157, 226 e 826 do 
Código Civil), contra as quais os nazistas haviam alertado, eram vistas agora como ‘pontos de
entrada’ para a visão de mundo nacional-socialista. A ênfase estava no ‘pensamento comunitário’,
que reduzia direitos em favor de deveres; na infusão da moralidade no direito e sua vulgarização:
tudo isso levou à perda da racionalidade doutrinária e da segurança jurídica, bem como à
construção de novas figuras dogmáticas”.
71

.Cf. Berd Rüthers, Derecho Degenerado, cit., p. 54.


72

.Lenio Streck. Verdade e consenso cit., p. 35-47.


73

.Não se quer com isso dizer, é bom registrar, que o neoconstitucionalismo seja um modelo teórico
nazista. Como já destacado no texto, não há simplesmente uma “teoria nazista”. O que pode haver
são descrições ou posturas metodológicas articuladoras de fórmulas para a “obtenção de
normas” – para usar uma expressão de Friedrich Müller – permissivas com relação à aplicação ou
realização do direito que não respeitam os postulados do  rule of law  ou de um  Rechtsstaat. Ou
seja, ainda que inconscientemente, acabam por expressar um modelo jurídico autoritário. É nesse
sentido que, aqui, criticamos alguns elementos presentes dentro do imaginário jurídico que
compõe esse movimento teórico  – o qual possui alguma expressão significativa no direito
brasileiro – que é o neoconstitucionalismo.
74

.Lenio Streck. Hermenêutica jurídica e(m) crise cit., p. 231 et seq.


75

.Como assinala Bernd Rüthers: “antes: ninguna pena sin ley. Ahora: ningún criminal sin su pena”
(Bernd Rüthers. Derecho Degenerado cit., p. 53).
76

.Franz Neumann, op. cit., p. 457.


77

.Michael Stolleis. Recht im Unrecht cit., p. 141-144.

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10.1.1.3. Jurisprudência dos valores

Quando Bernd Rüthers afirma que muitos dos modelos metodológicos que
ainda hoje estão ativos foram desenvolvidos e experimentados no contexto do
nacional-socialismo, ele certamente está se referindo à jurisprudência dos valores.
Evidentemente, os nomes e conceitos sofrem variações. Mas a estrutura e o
modelo de pensamento se mantêm. Por certo, como já foi dito, isso não significa
que essas manifestações metodológicas devem ser afastadas  a priori. Todavia, o
jurista preocupado com a produção democrática do direito deve se manter alerta
para as erupções autoritárias que podem emergir a partir da articulação dessas
posições metodológicas.

Sem embargo, a chamada jurisprudência dos valores (Wertungsjurisprudenz)


representa mais uma continuidade do que uma verdadeira ruptura com o método
da jurisprudência dos interesses, como retratamos no item 10.1.1.1.4  supra. A
principal diferença entre essas duas correntes metodológicas reside no fato de
que, a jurisprudência dos interesses possui um acentuado corte sociológico (da
identificação dos interesses em conflito que levaram o legislador a editar a norma),
ao passo que a Jurisprudência dos valores é revestida de um colorido filosófico:
auxiliar o julgador a identificar os valores que subjazem ao direito naquele dado
conflito levado à sua apreciação. Como afirma Lamego: “se a jurisprudência dos
interesses tinha empreendido a crítica aos procedimentos abstrato-classificatórios
e lógico-subsuntivos da jurisprudência dos conceitos mediante o recurso a modos
de pensamento ‘teleológicos’ a jurisprudência da valoração, em vez de
pensamento ‘teleológico’, prefere falar de pensamento ‘orientado a valores’”.78

Uma segunda diferença está no lugar privilegiado para o  Leitmotiv  da


discussão: na jurisprudência dos interesses  – nos termos propostos por Philipp
Heck  – as atenções estão voltadas para a atividade do legislador. A tarefa do
intérprete, aqui, é reconstruir os argumentos e ponderar os interesses que levaram
à edição do diploma legislativo. Já no caso da jurisprudência dos valores, o polo da
discussão é deslocado para a atividade jurisdicional e o principal problema a ser
enfrentado é a fundamentação da decisão final. Aqui a preocupação é orientar a
decisão dos juízes segundo os valores que constituem os fundamentos do convívio
social.

Trata-se de uma época retratada por autores como Larenz, Lamego e


Haverkate como a da “perda das certezas jurídicas”.79

Tal fenômeno pode ser explicado, em grande aparte, por meio de uma
peculiaridade histórica que cerca a jurisprudência dos valores. O final da Segunda
Guerra Mundial representa um marco para composição de uma nova ordem,
social, política e jurídica. Em termos sociais, os anos que se seguiram a 1945
vivenciaram as agruras do período da reconstrução da Europa e, a partir da
década de 1950, desenvolveram condições de vida e igualdade sem paralelo na
história (a chamada “era de ouro do capitalismo”). Politicamente, a queda do
nazismo e do fascismo  – enquanto inimigos comuns  – abriu espaço para a
polarização do mundo entre as duas grandes ideologias: o capitalismo e o
socialismo. É o tempo da chamada “guerra fria”. Juridicamente, a principal
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mudança operada pelo fim do período bélico é, certamente, o novo papel


desempenhado pelas Constituições e uma ressignificação global do direito público
em face da força normativa dos direitos fundamentais. Outro elemento, nem
sempre bem explorado, diz respeito ao papel que a “redescoberta cultural dos
Estados Unidos”80 desempenhou nessa reconfiguração do jurídico.

Na última década, começaram a surgir estudos  – muitos deles oriundos da


ciência política  – que dão conta da expansão do  judge made law  no continente
Europeu e, mais recentemente, pelos países periféricos (hoje chamados de
emergentes, como é o caso do Brasil).81 Ou seja, as transformações operadas pelo
constitucionalismo do segundo pós-guerra e o papel efetivo desempenhado
pelo  Tribunal Constitucional Federal (Bundesverfassungsgericht) alemão para
efetividade da Lei Fundamental de Bonn de 1949, passam por essa tendência, hoje
global, de “expansão do poder judicial”.

Essa é outra diferença decisiva que a jurisprudência dos valores guarda com
relação à jurisprudência dos interesses. No caso da primeira, seus postulados
metodológicos não se restringem ao âmbito acadêmico, mas tem como grande
“laboratório” a atividade do Tribunal Constitucional Federal alemão nas primeiras
décadas da segunda metade do século XX que recepcionou muitas de suas teses.

No âmbito acadêmico, autores importantes como Karl Larenz, Josef Esser,


Claus-Wilhelm Canaris, defenderam  – cada um ao seu modo  – os postulados da
jurisprudência dos valores.

Não cabe aqui, pelos limites de uma obra com finalidade didática, discutir em
pormenores a obra de cada um destes autores. Todavia, é importante apresentar
um panorama geral de cada uma delas.

10.1.1.3.1. Karl Larenz

Pelo menos dois traços característicos marcaram o pensamento de Larenz:


filosoficamente, seu trabalho se alinha ao neohegelianismo, de onde decorrem
suas noções de Estado e sistema; politicamente, é preciso observar que, em um
primeiro momento, sua obra apresenta traços marcadamente nacionais-socialistas
(Larenz chegou a ser um dos principais teóricos do regime). Porém, no pós-guerra,
sua obra se concentrou em elementos metodológicos do direito. Seu trabalho
influenciou diretamente os sistemas de Walter Wilburg e Canaris. Importante
advertir, com Losano, que com essas afirmações não queremos dizer que as
concepções mais recentes sobre metodologia e sistema sejam de inspiração
nacional socialista.82  Apenas entendemos ser importante advertir para esse dado
absolutamente fundamental da biografia do autor.

Do ponto de vista da sua teoria produzida no segundo pós-guerra, é importante


mencionar sua proposta de distinção entre  jus  e  Lex  (direito e lei). Essa é uma
operação comum entre os teóricos do direito na Alemanha do pós-guerra. Como
afirma Lenio Streck, o equacionamento da tensão provocada pela edição da lei
fundamental e sua compatibilização com o direito vigente ao tempo de sua
promulgação reivindicava “a invocação de argumentos que permitissem ao
Tribunal recorrer a critérios decisórios que se encontravam fora da estrutura rígida
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da legalidade. A referência a valores aparece, assim, como mecanismo de abertura


de uma legalidade extremamente fechada”.83  É importante anotar que, como
vimos, também as práticas jurídicas vigentes ao tempo do nacional-socialismo
valeram-se do recurso retórico da distinção entre “direito” e “lei” para criar um
ambiente metodológico de maior liberdade interpretativa, permitindo, assim, que o
direito herdado da era Weimar fosse submetido a uma “renovação jurídica
popular”.84 Portanto, a posição que Larenz assenta no contexto do pós-guerra se
apresenta, de algum modo, fiel ao desenho metodológico professado
anteriormente, apenas preenchido com conteúdos mais adequados à lei
fundamental e à democracia por ela instalada. Antes, o argumento havia sido
utilizado para “introduzir” o nacional-socialismo nas ilhas de juridicidade que
haviam sobrevivido à ascensão do regime; agora, o mesmo método serviria para
“corrigir” os desvios e a monumental injustiça cometida pelo nacional-socialismo.

Assim, para este autor, a decisão de uma questão judicial que exige um juízo
de valoração  – e ao final, todas elas exigem, porque o direito é concebido aqui
como uma ordem positiva de valores  – pode até ser  praeter legem, mas será,
necessariamente, intra jus. Isto é, na decisão orientada por valores, o juiz pode ir
para além daquilo enunciado pelo texto da lei. Mas sua decisão, que positivava
valores, será de acordo com o direito.85

Esse traço decorre diretamente de seu neohegelianismo. Com efeito, como nos
lembra Losano, essa distinção entre jus e Lex não coloca Larenz nos trilhos de um
jusnaturalismo. Na verdade, Larenz aposta em um sentido de justiça existente em
cada indivíduo, a partir de algo que ele nomeia “consciência jurídica”. Assim, “a
justiça não é nem a norma fundamental do ordenamento, nem o axioma do qual
deduzir outras normas, mas um ideal que o direito positivo tenta realizar,
conseguindo-o apenas em parte”.86

Nessa medida, Larenz propõe um método para resolver o problema das


lacunas, apresentando três casos com instrumentos para preenchê-las. No
primeiro, a lacuna é “patente” e pode ser colmatada por  analogia; no segundo, a
lacuna é “oculta” e deve ser integrada por meio de uma  redução teleológica; no
terceiro, que é uma extensão do segundo, a lacuna pode ser coberta por meio de
uma extensão teleológica.

Nos dois últimos casos, o intérprete não deve ficar restrito ao texto da lei, mas,
sem desconsiderá-lo  – vale dizer, de forma imanente  – ele deve aperfeiçoá-lo de
modo que atinja a finalidade nele contida e amparada pelo direito. Se esse
aperfeiçoamento implica restrição do conteúdo, têm-se uma  redução teleológica;
se implica extensão de conteúdos, têm-se uma extensão teleológica.87

Todavia, Larenz cerca essa atividade de cautelas colocando-a na esteira de


uma Rechtsfortbildung (que pode ser traduzida, imperfeitamente, como “formação
do Direito”), entendida como uma atividade extra legem intra jus.

Outro ponto importante da proposta teórica de Larenz  – e que se apresenta


como elemento central da jurisprudência dos valores  – é a aposta na
chamada “ponderação de bens” como forma de solução de lacunas do direito em
virtude da “colisão de normas”. Ponderação de bens, interesses, valores ou, como
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se passou a falar a partir de Robert Alexy, fórmula da ponderação, são expressões


que se constituem e se consolidam a partir da jurisprudência dos interesses e
da Abwägung de que falava Philipp Heck. Em Larenz, e nos demais partidários da
jurisprudência dos valores que tratam do problema da ponderação, essa questão
diz respeito a uma ponderação da colisão normativa em caso orientada por uma
pauta valorativa.88

Por fim, importante transcrever a seguinte passagem de Losano: “a expressão


intra ius demonstra que o direito é ainda entendido como um conjunto coerente
(um sistema em sentido clássico, talvez), em cujo interior pode-se, porém, ir além
do direito positivo, ou seja, além do direito estatuído segundo os procedimentos
constitucionais”.89

10.1.1.3.2. Josef Esser

Josef Esser é, certamente, um dos juristas mais interessantes da


metodologia  jurídica alemã do segundo pós-guerra. Embora ele esteja atrelado à
jurisprudência  dos  valores, sua obra difere sensivelmente da de Larenz e de
Canaris. O ponto em  comum com esses autores aparece na preocupação com a
questão das lacunas – ou da indeterminação do direito – e o problema da chamada
criação judicial do direito.

Como vimos anteriormente, o problema da criação judicial do direito se


apresenta como objeto de análise dos juristas desde o movimento do direito livre e
de sua vertente “moderada” que é a jurisprudência dos interesses. A diferença é
que, no caso da jurisprudência dos valores, esse momento da “criação judicial do
direito” deve ser guiado por determinados requisitos objetivos que são os valores
culturais de uma sociedade. O modo de tornar “objetivo” o conhecimento desses
valores é que varia de autor para autor. Em Larenz, como vimos, há uma ênfase na
“consciência jurídica” dos indivíduos; Esser, por sua vez, procura estabelecer
esses valores a partir da própria sociedade e de seu contexto de vivências.

Em seus trabalhos, o autor procura desenvolver uma espécie de “jurisprudência


comparativa”, colocando lado a lado as experiências interpretativas que se
manifestam em países de  common law  e aqueles que se operam em países
de  civil law. No livro  Princípio e norma na elaboração judicial do direito privado,
Esser pratica esse tipo de metodologia procurando desenvolver  – a partir da
distinção anglo-saxã entre principle e rule – uma distinção entre princípio e norma.
Com isso, o jusfilósofo se aproxima de uma abordagem que confere ênfase à
figura do juiz procurando, todavia, explorar meios de contenção dessa mesma
atividade. Numa passagem extremamente percuciente, Losano afirma o seguinte
sobre a obra de Esser: “Visto que Esser se move num ambiente de direito
continental, a ligação entre o mundo dos princípios e as normas do ordenamento
jurídico deve, de qualquer maneira, passar através de um elemento legislativo, que
para Esser é constituído pelas cláusulas gerais”.90

A importância de Esser deve ser referida também em face de sua peculiar


preocupação em apontar para a debilidade de um pensamento jurídico
autossuficiente, apontando para a necessidade de se constituir um saber jurídico a
partir de um diálogo com a filosofia, a sociologia e demais ciências sociais. Além
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disso, seu inegável tino comparativista abrira o estudo do direito para um diálogo
produtivo entre as tradições que compõem o direito ocidental.91

78

.José Lamego. Op. cit., p. 87.


79

.Cf. Karl Larenz. Op. cit., p. 1; José Lamego. Op. cit., passim.


80

.Cf. Mario Losano. Op. cit., p. 245.


81

.Nesse sentido, é importante mencionar as seguintes obras: Chester Neal Tate; Torbjörn Vallinder.
The global expansion of judicial power: the judicialization of politics. In: ______; ______
(orgs.). The global expansion of judicial power. New York: New York University Press, 1995; Martin
Shapiro; Alec Stone Sweet.  On law, politics & judicialization. New York: Oxford University Press,
2002; Ran Hirschl.  Towards juristocracy. The origins and consequences of the new
constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2007. Há também textos traduzidos para o
português e publicados recentemente na  Revista de Direito Administrativo  da Fundação Getulio
Vargas: Ran Hirschl. O novo constitucionalismo e a judicialização da política pura no
mundo.  Revista de Direito Administrativo. n.  251. p.  139-175. Belo Horizonte: Fórum, maio-ago.
2009.
82

.Cf. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito cit., vol. II, p. 219.


83

.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., p. 48.


84

.Cf. Bernd Rüthers. Derecho Degenerado cit., p. 51-52.


85

.Cf. Karl Larenz. Op. cit., n. 2, p. 172 e ss.


86

.Mario Losano. Sistema e estrutura no direito cit., vol. II, n. 4, p. 255.


87

.Cf. Karl Larenz. Op. cit., parte V, letra “c”, p. 555 e ss.


88

.Cf. Karl Larenz. Op. cit., parte V, n. 3, p. 574 e ss.


89

.Mario Losano. Sistema e estrutura no direito cit., vol. II, n. 4, p. 256.


90

.Mario Losano. Sistema e estrutura no direito cit., vol. II, n. VI.5, p. 260.


91

.Cf. Josef Esser.  Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado.
Barcelona: Bosch, 1961. passim; Josef Esser. Precomprensione e scelta del metodo nel processo
di individuazione del diritto. Camerino: Edizione Scientifiche Italiane, 1983, passim.

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10.1.1.4. Considerações à jurisprudência dos valores e à


jurisprudência do Bundesverfassungsgericht

Como afirmado no início deste item, a jurisprudência dos valores possui, com
relação às demais posturas metodológicas que aqui retratamos, a peculiaridade de
ter repercutido, de alguma forma, na atividade concreta dos tribunais. Em especial,
a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão.

Nesse caso, aquilo que ficou conhecido como “revolução copernicana do direito
público”,92 produziu uma série de debates reconduzindo a Constituição e o direito
constitucional a um lugar realmente novo no âmbito da experiência jurídica
vivenciada pelo Europa continental.

Dentre as mais variadas concepções, nunca é demais lembrar as ideias


de  força normativa da constituição93  e de aplicabilidade imediata dos direitos
fundamentais que, nessa quadra da história, condicionam efetivamente o legislador
infraconstitucional, incidindo, inclusive, no sistema de direito privado.

O Tribunal Constitucional Federal alemão, em diversas oportunidades,94  firmou


a concepção de que a Lei Fundamental se assenta em uma ordem plural
de  valores  guarnecidos pelos princípios constitucionais. Tais valores, por serem
plurais, no mais das vezes, encontram-se em rota de colisão. Isto é, as
circunstâncias concretas sob as quais se assenta o caso a ser decidido podem
fazer com que dois valores, igualmente amparados por princípios constitucionais,
estejam agindo como forças opostas para solução do caso. Assim, é necessário
que haja um procedimento para apurar qual deles possui mais força para reger a
relação estabelecida naquele dado caso. Esse procedimento é a chamada
ponderação que o tribunal afere segundo critérios de proporcionalidade.

Esse tipo de solução acabou se espalhando por todos os ramos do direito na


medida em que, esse novo fenômeno constitucional provocou algo que é chamado
por diversos autores de constitucionalização do direito.95

O mencionado fenômeno nada mais quer significar do que a invasão das


disposições constitucionais  – mormente aquelas guarnecedoras de direitos
fundamentais – em todos os ramos do direito, inclusive no âmbito do direito privado
que, classicamente, se colocava como um “feudo” inviolável. Assim, é interessante
citar o caso que constitui o Leitmotiv do BfverGE 7 377. Nesse caso, o tribunal teve
de decidir se um determinado dispositivo de uma lei de um Estado que limitava a
abertura de farmácias a partir da instituição de certos requisitos estava de acordo
com o princípio da liberdade profissional guarnecido pela Lei Fundamental. Nesse
caso, o tribunal ponderou sobre a importância do direito fundamental à liberdade
de profissão e o bem comunitário do direito à saúde pública. No caso em
específico, o tribunal entendeu inconstitucional a lei do Estado por ferir “em grau
muito elevado” a liberdade profissional estatuída (como valor) pela Lei
Fundamental.

O Tribunal Constitucional Alemão também ocupou uma posição de destaque na


afirmação das liberdades civis previstas pela Lei Fundamental nos primeiros anos
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da República Federal. Já em 1958, com o julgamento do caso  Lüth, o tribunal


assentou as premissas que norteariam as discussões sobre a força normativa dos
direitos fundamentais e os eventuais vínculos com o passado autoritário.96  O
caso  Lüth  é especialmente relevante com relação ao tema das liberdades civis e
suas dimensões de normatividade porque, desse julgamento, foram projetadas
consequências duradouras  – que ainda gravitam em torno do debate
contemporâneo  – e que se expressam nas questões da chamada
“constitucionalização do direito privado”, da “eficácia contra terceiros”
(Drittwirkung)97 ou também “eficácia horizontal dos direitos fundamentais”, além da
clássica afirmação que definia a Constituição (na verdade, Lei Fundamental), em
grande parte na linha do que preconizava a Jurisprudência dos Valores, como uma
“ordem de valores” (Wertordnung des Grundgesetzs).98

Por um lado, o Código Civil deixava de ser o centro normativo da regulação da


liberdade civil e os direitos fundamentais, previstos na Constituição, estabeleciam
limites para o exercício da autonomia privada, ao mesmo tempo em que
sustentavam a dimensão objetiva dos direitos fundamentais com a respectiva força
irradiadora das liberdades (no caso específico da sentença  Lüth, a liberdade de
expressão). Por outro, a decisão marca um compromisso efetivo com a democracia
e a rejeição com o passado autoritário. Nesse sentido, a expressão “ordem de
valores” (Wertordnung) denotava um rompimento com um passado vacilante com
relação à democracia, que, nos debates da era Weimar permitiram o
recrudescimento de falanges antidemocráticas e, regatando elementos da filosofia
dos valores dos anos 1920, estabelecia uma vinculação forte na interpretação que
o Tribunal fazia da Constituição com aquilo que ali eram considerados valores
democráticos.

A concepção da Constituição como uma Ordem de Valores (Wertordnung des


Grundgesetzs) gerará consequências também para o modo como o tribunal
atribuirá sentido à proteção constitucional da liberdade de expressão. Nesse
sentido, como bem lembra Ricardo Campos, a representação da Constituição
como uma ordem de valores pode ser lida como uma espécie de conceito  ex
adverso, ou seja, uma conceituação negativa. Não se trata de afirmar uma espécie
de identidade constitucional absoluta  – algo que seria impossível em uma
sociedade pluralista  – mas, sim, de determinar aquilo ao que ela (a Constituição)
se opõe historicamente.99 E, no caso em específico, essa oposição tem lugar com
relação ao passado autoritário. É importante lembrar, com Stolleis, que esse
passado conviveu com manifestações intensamente antidemocráticas, de partidos
e intelectuais que pregavam soluções claramente autoritárias e autocráticas para
os problemas nacionais, que, ao tempo do nacional-socialismo encontrou o seu
paroxismo na ressignificação máxima operada pela propaganda oficial do regime
que indicava que a verdadeira representação popular – e portanto, democrática –
só se materializava no  Führersstaat, ou seja, na liderança mística exercida
pelo  Führer. Nesse sentido, o art.  18 da Lei Fundamental de Bonn prevê, como
hipótese de perda de direitos fundamentais, aquele ou aquela que “combater a
ordem fundamental democrática” e “abusar da liberdade de expressar a opinião”.

Esse quadro, por si só, coloca a experiência alemã de tutela da liberdade de


expressão numa tradição diversa daquela que deita raízes na intuição madsoniana
de que um convívio pacífico entre facções divergentes deveria pressupor um
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modelo de tolerância com as opiniões produzidas no âmbito da comunidade de


modo a combater os seus efeitos, e não as causas. Em outras palavras, a
liberdade de expressão não encontraria praticamente nenhum limite normativo
prévio, mas suas consequências poderiam ser perseguidas juridicamente.

Já no caso alemão, o Bundesverfassungsgericht estabeleceu, em uma série de


julgamentos, limites mais rigorosos já com relação à articulação da opinião e não
apenas com relação aos seus efeitos. Ainda na década de 1950, foram duas
decisões que, além de limitar o campo da liberdade de expressão, produziram
intervenções restritivas também no âmbito de proteção da liberdade de associação.
No primeiro caso, em 1952, foi determinada pelo tribunal a proibição das atividades
político-partidárias do Partido Socialista do Império (Sozialistische Reichspartei),
uma espécie de sucessor do NADSP, por entender o Tribunal que sua plataforma
pregava um retorno ao totalitarismo, em clara oposição aos valores democráticos.
Já em 1956, foi a vez da proibição do KPD (Komunistische Partei Deutschland).
Neste último caso, para afastar o argumento da pluralidade e da livre concorrência
de opiniões, o tribunal assentou que “a Constituição exclui da pluralidade partidária
aqueles partidos que fazem senão atentar contra essa mesma ordem plural e
contra as demais garantias fundamentais postuladas pela Carta Magna.”100

Outra decisão que merece destaque no campo da composição jurisprudencial


da dimensão normativa das liberdades civis é o caso  Lebach. Neste caso, o
tribunal inaugurou uma tradição que faria fama no futuro e que chegaria aos
nossos dias com muita força, em face da propagação e do acúmulo de
informações gerado pela internet. Trata-se daquilo que se convencionou a chamar
de “direito ao esquecimento” e que representa, na verdade, uma proteção
conferida à personalidade e que estabelece uma limitação para o exercício da
liberdade de expressão. No julgamento do caso  Lebach101  o tribunal avaliou a
hipótese de exibição de um documentário que retratava um grave crime, mas cuja
data de exibição estava distante da época em que os fatos ocorreram. Na verdade,
a exibição coincidia com o momento de soltura de um dos condenados e foi
exatamente ele quem demandou o Tribunal. Na sua interpretação, a exibição do
documentário pelo canal de TV, trazendo novamente à tona todo o conjunto de
elementos que envolveu o cometimento do delito e associando o seu nome a ele,
prejudicaria sua ressocialização além de lesar dimensões de sua personalidade
que deveriam ser preservadas. Na decisão, o tribunal considerou que, naquela
hipótese, a circunstância de não ser a notícia atual, nem revestida de interesse
imediato, não justificaria uma preferência à liberdade de expressão, visto que
deixaria deficientemente protegida a personalidade e o direito de ressocialização
daquele que já havia cumprido a sua pena.

Essa atividade de constante intervenção do tribunal, nas mais variadas


questões apresentadas pela sociedade, provocou grande reação por parte da
comunidade intelectual alemã. Autores da estatura de um Jürgen Habermas
passaram a criticar duramente a jurisprudência do tribunal classificando-a
como ativista, nos termos das discussões que têm lugar nos Estados Unidos.102

Já no caso de autores como Robert Alexy, a postura que se apresenta é mais


de legitimação teórica da atividade do tribunal, do que propriamente de crítica.
Alexy aprova, em alguma medida, a jurisprudência da valoração praticada pelo
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tribunal. Todavia, reconhece que, nalguns momentos, o apelo a valores pode levar
a certo irracionalismo decisório, na medida em que não existem critérios objetivos
para determinar qual dos valores em conflito deve prevalecer. Assim, em sua obra,
Alexy opõe um modelo decisionista a um modelo fundamentado de sopesamento.
O modelo decisionista representa as decisões “irracionais”. O fundamentado, por
sua vez, tem lugar no momento em que a lei da ponderação é aplicada às decisões
do tribunal.103

Mais recentemente, Mathias Jastaedt afirma que a jurisprudência do Tribunal


Constitucional, na perspectiva de concretizar a constituição, acabou criando um
aglomerado de decisões que são constantemente referidas para oferecer soluções
para os novos casos apresentados ao tribunal. Vale dizer: ao invés de se remeter
ao texto da Constituição, o tribunal fundamenta suas decisões na própria
jurisprudência. Nalguns casos limítrofes, que têm lugar no âmbito da chamada
“mutação constitucional”, o tribunal acaba por realizar uma alteração no texto da
Constituição de modo a, na interpretação oferecida pelo citado autor, tomar o papel
do legislador constitucional. Assim, o autor fala de um poder cada vez maior do
“guardião da Constituição” em detrimento do poder de revisão da Constituição, que
é do legislador constitucional.104

Por certo que decisões “ativistas” ou que ultrapasse os limites


estabelecidos juridicamente na Constituição devem ser criticadas e proibidas. Uma
teoria  da  decisão, como será apresentada nos itens seguintes, tem como missão
criar as condições para o controle jurídico das decisões judiciais, condenando
qualquer tipo de decisionismo político por parte dos tribunais. Todavia, não se deve
confundir esse tipo de postura  – que defende uma autonomia para o jurídico no
momento da construção das soluções apresentadas aos casos concretos  – com
uma vetusta proibição de interpretar. A tarefa de concretização exige, sim, um
exercício interpretativo. Mas essa interpretação possui limites e essa é a grande
questão a ser abordada. Definitivamente, o fato de ser inexorável interpretar para
se fazer direito não pode autorizar decisões arbitrárias por parte do intérprete. Toda
essa problemática reivindica uma revisão e uma nova postura com relação ao
dever constitucional de fundamentação das decisões proferidas pelo judiciário (art. 
93, IX da  CF/1988).

10.1.1.4.1. Crítica à “recepção” da jurisprudência dos valores pela


doutrina brasileira

No Brasil, o final do regime militar e o processo de redemocratização que


culminou com a promulgação da Constituição de 1988, trouxeram à tona todo o
debate sobre direito constitucional que esteve presente no campo jurídico europeu
na segunda metade do século XX. Assim, é possível dizer  – numa expressão de
Gomes Canotilho  – que, no interior da doutrina brasileira, o direito constitucional,
realmente, passou de disciplina assessória para disciplina estruturante. Não faltam
livros, teses de doutoramente e dissertações de mestrado para fazer referência a
mantras como  força normativa da Constituição;  normatividade dos princípios
constitucionais; efetividade dos direitos fundamentais etc.

Evidentemente, esses fatores apontam para um aperfeiçoamento democrático


da academia jurídica no Brasil e devem ser, na sua devida medida, festejados.
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Todavia, a questão problemática surge no momento em que todas essas


questões são ventiladas sem o necessário enquadramento e equacionamento das
peculiaridades culturais que marcaram a discussão nos países europeus.

Esse problema que acomete parte da doutrina brasileira vem sendo fortemente
denunciado por Lenio Streck.105  Com efeito, segundo o jusfilósofo, a doutrina
brasileira operou três recepções equivocadas: a) dos postulados da jurisprudência
dos valores; b) da ponderação alexyana; c) do ativismo judicial norte-americano.

Aqui, nos interessa mais de perto a questão que diz respeito aos equívocos
presentes na recepção dos postulados da jurisprudência dos valores.

Tornou-se comum no Brasil o discurso sobre a chamada  constitucionalização


do direito  – em referência ao espalhamento das disposições constitucionais para
todos os demais ramos do direito. É comum também a referência ao fato de que o
direito (infraconstitucional) não pode ficar imune aos “valores” introduzidos pela
nova ordem constitucional.106  Valores esses que são conduzidos para dentro do
sistema jurídico pela via dos princípios constitucionais que devem ser aplicados
segundo as regras da ponderação.

Streck afirma que as teses da jurisprudência dos valores serviram, na realidade


alemã, para oferecer um método que possibilitasse a abertura de uma estrutura
de  legalidade extremamente fechada e rígida. As concepções de sistema
predominante,  inclusive, também apontavam para um fechamento rigoroso do
direito e para uma restrição forte da criação da atividade judicial. Isso começou a
se alterar a partir das postulações do  movimento do direito livre  e das críticas à
“falácia conceitual”, efetuada pela jurisprudência dos interesses. A jurisprudência
dos valores, nesse sentido, pode ser vista como uma transformação das teses da
jurisprudência  dos  interesses. Sua contribuição é conduzir a solução da “criação
judicial do direito”  nos  casos de lacunas pelos valores que sustentam todo o
discurso sobre o direito.

Esse ponto é que parece não ter sido bem compreendido por parte da doutrina
brasileira. Como afirma Streck: “os juristas brasileiros não atentaram para as
distintas realidades (Brasil e Alemanha). No caso específico do Brasil, onde,
historicamente, até mesmo a legalidade burguesa tem sido difícil de ‘emplacar’, a
grande luta tem sido estabelecer um espaço democrático de edificação da
legalidade, plasmado no texto constitucional”.107

Também no direito privado há uma acentuada incidência das teses presentes


na jurisprudência da valoração. Isso acontece, no mais das vezes, na senda aberta
pelas chamadas “cláusulas gerais” que, nem sempre é articulada de forma
adequada pela doutrina brasileira, deixando excessiva margem de
discricionariedade para o julgador no momento da decisão de um caso que esteja
coberto por uma dessas regras.108

Em suma, há que se ter presente que a jurisprudência dos valores produziu um


tipo de discurso metodológico que, ainda hoje, faz parte de nossa doutrina e
jurisprudência. As críticas que são feitas aos partidários da valoração passam pelo
excesso de subjetivismo que existe na ideia de valores (que estão a depender do

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sujeito que os conhece e os articula) chegando às acusações de irracionalidade a


que o procedimento da ponderação submete o direito.109

Ademais, podemos acrescentar que o modo como a referida corrente aborda o


problema da interpretação é passível de críticas. Essa questão ficará clara no
decorrer da exposição do próximo item. Antes, porém, será importante analisarmos
dois problemas que aparecem na senda do que estamos tratando neste tópico.
Trata-se das questões envolvendo a relação entre o direito e a política e que são
descritas a partir de duas ferramentas conceituais: o ativismo judicial e a
judicialização da política e das relações sociais.

92

.A expressão é de Jorge Miranda e é mencionada em Lenio Luiz Streck. Jurisdição constitucional e


hermenêutica. Uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 216 e ss.
93

.Cf. Konrad Hesse. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Safe, 1991. passim.
94

.Como referência, podemos citar: BverfGE 7, 198; BverfGE 7, 377; BverfGE 35, 202; BverfGE 41,


251. Importante referir que todos os casos aqui citados são amplamente discutidos em livros já
traduzidos para o português. Eles podem ser facilmente encontrados em Karl Larenz. Op.  cit.,
parte V, n.  3, p.  576-579; ou em Robert Alexy.  Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2008. passim.
95

.Nesse sentido, Mathias Jestaedt. El positivismo jurídico aplicado al Tribunal Constitucional


Alemán. El poder del guardián y la impotencia del señor de la Constitución. In: Eduardo
Montealegre (org.). La ponderación en el Derecho. Bogotá: Universidade Externado, 2008, p. 255 e
ss.
96

.A história do Caso  Lüth  é bastante conhecida e festejada, especialmente pelos cultores da


chamada “virada principiológica” do constitucionalismo que  – anos depois  – incorporaria os
dilemas e mal-entendidos do assim denominado “neoconstitucionalismo”. Para uma análise
pormenorizada dos elementos históricos que marcam a sentença Lüth, Cf. RODRIGUES JÚNIOR,
Otávio Luiz.  Direito Civil Contemporâneo: Estatuto epistemológico, Constituição e Direitos
Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2019, pp. 248-259.
97

.Para uma análise aprofundada do ponto de vista da filosofia e da teoria da Constituição, Cf.
FRANKENBERG, Günter. Autorität und Integration: Zur Gramatik von Recht und Verfassung. 2 ed.
Frankfurt: Suhrkamp, 2016, pp. 190-208.
98

.Cf. STOLLEIS, Michael. Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschland. Vol. 4. Munique: C. H.


Beck, 2012, pp. 220 e segs.
99

.CAMPOS, Ricardo. A Família Bolsonaro e a ordem de valor(es) da Constituição de 1988.


In  Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-abr-22/ricardo-campos-
bolsonaros-ordem-valores-constituicao. Acessado em: 15.10.2020.
100

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.CAMPOS, Ricardo. op. cit.


101

.BVerfGE 35, 202.
102

.Para maiores informações sobre a discussão norte-americana acerca do chamado “ativismo


judicial”, Cf. Christopher Wolfe. The rise of modern judicial review.From constitutional interpretation
to judge-made law.  Boston: Littlefield Adams Quality Paperbacks, 1994. A  crítica de Habermas
mencionada no texto pode ser lida nos dois volumes de seu Direito e democracia. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1997.
103

.Cf. Robert Alexy.  Teoria dos direitos fundamentais  cit. São Paulo: Malheiros, 2008. n.  2.2.2.1.,
p. 164 e ss.
104

.Cf. Mathias Jestaedt. Op. cit., p. 255 e ss.


105

.Essa crítica aparece na introdução à 4.  ed. de Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso... cit.,
introdução, n. 4, p. 47 e ss.
106

.Por todos, Cf. Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos. O começo da história: a nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: Virgílio Afonso da Silva
(org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.
107

.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., introdução, n. 4, p. 48 e ss.


108

.Por todos, Cf. Judith Martins-Costa. As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema
jurídico. Revista dos Tribunais. vol. 680. p. 47. São Paulo: Ed. RT, jun. 1992; Judith Martins-Costa.
O direito privado como um “sistema em construção” – As cláusulas gerais no projeto do  Código
Civil brasileiro. Revista dos Tribunais. vol. 753. p. 24. São Paulo: Ed. RT, jul. 1998.
109

.Nesse sentido são as críticas de Friedrich Müller: “Tal procedimento (a ponderação) não satisfaz
as exigências, imperativas no Estado de Direito e nele efetivamente satisfatíveis, a uma formação
da decisão e representação da fundamentação, controlável em termos de objetividade da ciência
jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional.
O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições
constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com
ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferenciadores e estruturante da análise
do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos elementos de
concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com
representações necessariamente formais de ponderação, que consequentemente insinuam no
fundo uma reserva de juízo (Urteilsvorbehalt) em todas as normas constitucionais, do que com
categorias de valores, sistema de valores e valoração, necessariamente vagas e conducentes a
insinuações ideológicas”. Friedrich Müller. Métodos de trabalho de direito constitucional. 3. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 36.

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10.1.1.5. As diferenças entre a judicialização da política (e das relações sociais)


e o ativismo judicial: discussão sobre o papel dos tribunais no contexto do
Constitucionalismo Contemporâneo

Toda a atividade do poder judiciário que se segue à jurisprudência dos valores passa a
incorporar um elemento essencial. Quais os limites do direito em relação à política e vice-versa.
O tema reflete um interesse interdisciplinar, que envolve, além de questões jurídicas, problemas
relativos às ciências sociais, em especial a Ciência Política e a Sociologia.

É fato notório que, nos últimos anos, o debate acerca do papel desempenhado pelos
tribunais  – notadamente no exercício da  jurisdição constitucional110  – na concretização dos
direitos fundamentais foi, acentuadamente, acirrado. O tema transcendeu os muros das
universidades, saiu do universo restrito das pesquisas científicas que polarizou o debate
durante o final da década de 1990 e a primeira metade dos anos 2000, e desaguou nas páginas
dos jornais e nos portais de notícias da internet. No contexto atual, já não nos causa surpresa
quando nos depararmos, durante uma simples leitura de jornal, com uma notícia que dê conta
de alguma intervenção do judiciário no âmbito da política, da sociedade e, até mesmo, da
ciência (v.g. ADIn 3510).

Não é preciso muito esforço para perceber que, num caso como esse, a discussão – por sua
íntima natureza, política – acabou por ser juridicializada. E não é apenas em casos envolvendo
o processo político que acontece essa judicialização de matérias classicamente tidas como
exteriores à esfera de atuação do Poder Judiciário. No julgamento da citada ADIn 3510, por
exemplo, o tribunal foi chamado a atuar num campo no interior do qual se discutiam as
“verdades da ciência” sobre a vida e a pesquisa biológica. Discutia-se a constitucionalidade do
dispositivo da  Lei 11.105/2005  que permitia, em seu art.  5.º, a possibilidade, para fins
terapêuticos e de pesquisa, de utilização de células-tronco embrionárias obtidas através de
fertilização in vitro. A afronta à Constituição estava balizada no potencial desrespeito à garantia
constitucional do direito à vida (art.  5.º,  caput) e, nos diversos votos, os ministros da Corte
discutiram o conceito de vida; quando ela se inicia; qual o estatuto jurídico do embrião (se deve
ou não ser protegido pelo direito etc.), entre outros assuntos que se situam em um ambiente
próprio da ciência e não exatamente jurídico. De forma solene, por ocasião do julgamento desta
mesma ação, o Min. Carlos Ayres Britto afirmou que o STF havia se tornado uma “casa de fazer
destinos”. Nesse caso, o debate acerca das “verdades da ciência” (houve, inclusive, quem
ressuscitasse o debate medieval ciência  v.s.  religião) e das (in)certezas a respeito das
pesquisas científicas, judicializou-se.

E os exemplos sobre esse universo de questões que, no atual contexto, tornaram-se


judicializáveis podem ser multiplicados sem maiores esforços por parte do pesquisador do
Direito: questões caras para as relações sociais no Brasil contemporâneo como os casos da
ADPF 153 que colocou sob julgamento a Lei de Anistia no que tange à apuração e à
persecução dos crimes comuns praticados por agentes do governo militar; a definição de regras
para demarcação de terras indígenas, como no conhecido “caso Raposa Serra do Sol”, também
foram judicializadas. A listagem de casos certamente continuaria com outros, de igual projeção
e importância.

Nessa medida, cabe perguntar: de onde vem esse fenômeno que se insere, cada vez mais,
em nosso espaço público de discussões? Em que ele está enraizado? É algo recente? Se não,
por que demoramos tanto para sentir os seus efeitos?

Na verdade, o fenômeno da judicialização da política, das relações sociais ou ainda, como


querem alguns autores, da vida, já faz parte do âmbito de interesse de pesquisadores dos mais
variados campos das ciências sociais. Cientistas políticos, sociólogos e juristas discutem – há
décadas – as causas e os contornos deste fenômeno.

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Há uma variedade imensa de obras sobre o assunto.111 Entre nós, o grupo de pesquisadores


liderados pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna, iniciou o enfrentamento da matéria tendo como
objeto de pesquisa a jurisprudência do STF.112  No entanto, a obra desses pesquisadores
brasileiros não partiu de um “grau zero”, mas, sim de um impulso promovido por vários autores
que enraizaram seus estudos em outras realidades nacionais. Jürgen Habermas, Antoine
Garapon, Ronald Dworkin, Bruce Ackerman, Laurence Tribe, John Hart Ely entre outros, fazem
parte do rol de autores que proporcionaram o solo teórico das pesquisas efetuadas pelo grupo
de Werneck Vianna.

Com efeito, o livro  A judicialização da política e das relações sociais no Brasil  traz, já no
início, uma acalentada discussão que procura reunir  – a partir de dois eixos temáticos,
nomeados pelos autores  substancialismo  e  procedimentalismo113  – as mais diversas posturas
dos mais variados autores a respeito do problema envolvendo o papel dos tribunais no
momento da interpretação da Constituição, principalmente nos casos que envolvem a
concretização de direitos fundamentais.

No entanto, como a ênfase da obra é dirigida ao problema da judicialização, acabou-se por


tratar de maneira oblíqua outro fenômeno que possui uma proximidade enorme com a temática:
o ativismo judicial. Evidentemente que esse fator não pode ser debitado como um demérito da
obra de Werneck Vianna. Porém,  é  notório que durante muito tempo o pensamento jurídico-
social brasileiro acabou por não dar tratamento crítico a essa questão. Isso acarretou, nalguns
casos, que se confundisse ativismo com judicialização e vice-versa. Muitos autores chegaram a
associar, por exemplo, a defesa de uma postura substancial dos tribunais na interpretação dos
direitos fundamentais como uma profissão de fé no ativismo judicial (substancialismo, nessa
perspectiva, passou a ser tratado como sinônimo de ativismo). Esse fator é extremamente
intrigante na medida em que, autores que historicamente defendem essa postura substancial,
como é o caso de Dworkin e Ferrajoli, formulam inúmeras restrições a atuações ativistas por
parte do Poder Judiciário.

Todas essas questões, somadas à grande repercussão que temos hoje no Brasil sobre
situações envolvendo a judicialização da política e o ativismo judicial, nos levaram a pesquisar
um modo adequado que pudesse oferecer uma distinção mais clara a respeito destes dois
fenômenos. Em artigo recente, Luís Roberto Barroso procura encontrar um modo de diferenciá-
los. De forma que nos parece adequada, o autor posiciona o fenômeno da judicialização no
contexto do modelo constitucional adotado em 1988 e de uma série de questões que daí se
seguiram. Todavia, no momento em que esboça sua definição sobre o que seja o ativismo
judicial, Barroso formula uma afirmação que não nos parece acertada. Afirma o iminente
constitucionalista que “judicialização e ativismo são primos” e “provenientes da mesma família”,
embora reconheça que a judicialização e o ativismo não possuem a mesma origem. A pesquisa
que efetuamos nos permite afirmar, contudo, que não há uma relação de parentesco entre
ativismo e judicialização, do modo como quer Barroso. Efetivamente, as origens dos fenômenos
são distintas. Mas não se trata apenas disso: os contornos de cada um – sua “carga genética”,
por assim dizer – demonstram que cada um dos fenômenos participa de famílias diferentes.

Antecipando nossa conclusão: enquanto o ativismo judicial está umbilicalmente associado a


um  ato de vontade  do órgão judicante; a judicialização de questões políticas ou sociais não
depende desse ato volitivo do poder judiciário, mas, sim, decorre da expansão da sociedade
(que se torna cada vez mais complexa) e da própria crise da democracia, que tende a produzir
um número gigantesco de regulações (seja através de leis, medidas provisórias, decretos,
portarias etc.) e que encontram seu ponto de capilarização no judiciário e, principalmente, nas
questões cujo deslinde envolve atos de jurisdição constitucional.

Num primeiro momento, é importante ter presente que a diferença entre ativismo e
judicialização não se dá apenas por uma questão de “natureza”. Há também um problema de
corte teórico: a judicialização é um fenômeno político, gerado pelas democracias
contemporâneas; ao passo que o ativismo é um problema interpretativo, um capítulo da teoria
do direito (e da Constituição). Já a judicialização é um fenômeno eminentemente político,
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contingencial, que tende a se agigantar e a diminuir na medida em que cresce ou diminui a


conflituosidade da sociedade; o cumprimento pelos poderes constituídos dos direitos
fundamentais; o número de regulamentações existentes etc.

Essa tendência judicializante que se verifica nas sociedades atuais é típica das democracias
de massa e tem se apresentado, em números cada vez maiores, no contexto atual. Sua
manifestação não obedece, diretamente, aos desejos do órgão judicante. Pelo contrário, ela se
apresenta como fruto de contingências político-sociais. No âmbito político, fenômenos como
o  dirigismo constitucional  e a  inflação legislativa  contribuem para aumentar o espaço de
interferência (possível) do judiciário no âmbito de regulamentação projetado pelo texto da
Constituição e do manancial legislativo,  lato senso  (Leis, Medidas Provisórias, Regulamentos,
Portarias etc.). Vale dizer, com Lenio Streck, há um aumento da dimensão hermenêutica do
direito: quanto mais direitos são constitucionalizados ou mais leis são editadas para
regulamentar toda uma plêiade de matérias, maior será o espaço  – possível  – de concreção
dessa normatividade, atividade que se realiza no âmbito da jurisdição, no enfrentamento das
questões concretas e das demandas apresentadas pela sociedade.

Por outro lado, as  razões sociais  para a aglutinação cada vez maior de matérias
judicializadas, deve-se ao  aumento da litigiosidade  e de uma peculiaridade que pode ser
observada, em maior ou menor medida, na maioria dos países (pelo menos no que tange aos
países ocidentais). Esta particularidade diz respeito a um imaginário difuso que tende a
enxergar no judiciário o lugar legítimo para se discutir questões que, antes, eram debatidas no
âmbito político (legislativo e executivo). Muitos fatores contribuem para isso, desde o
desprestígio dos agentes públicos (que cada vez mais aparecem como protagonistas de casos
de corrupção), passando pelo discurso retumbante da eficácia dos direitos fundamentais e
desaguando no fato de que, de forma cada vez mais evidente, “o juiz (melhor seria dizer: o
judiciário – acrescentamos) passa a ser uma referência da ação política”.114

Esse último fator anotado repercute no nível da cultura, produzindo um interessante


fenômeno de transformação em algo que podemos chamar de “semântica da política”, vale
dizer, novamente com Antoine Garapon, a judicialização passa a oferecer para a democracia
um “novo
vocabulário: imparcialidade, processo, transparência, contraditório, neutralidade, argumentação etc.
O juiz – e a constelação de representações que gravitam à sua volta – confere à democracia as
imagens capazes de dar forma a uma nova ética da deliberação coletiva”.115

Por todas essas questões que levantamos nas linhas anteriores, fica evidenciado que a
judicialização é um fenômeno que independe dos desejos ou da vontade dos membros do
Poder Judiciário. A judicialização, na verdade, é um fenômeno que está envolvido por uma
transformação cultural profunda pela qual passou os países que se organizam politicamente em
torno do regime democrático. Ademais, há fatores políticos que condicionam o grau de
judicialização vivenciado por  uma dada sociedade. Dentre esses fatores, podemos
mencionar:  a)  o grau de (in)efetividade dos direitos fundamentais (núcleo compromissório da
Constituição); b) o nível de profusão legislativa com o consequente aumento da regulamentação
social;  c)  o nível de litigiosidade que se observa em cada sociedade. Na medida em que
aumentam os indicadores de inefetividade dos direitos fundamentais, os índices de produção
legislativa, e da litigiosidade social, também aumentará o nível de judicialização (daí que, no
título deste tópico, tenhamos falado de uma paradoxal “inexorabilidade contingencial”: por um
lado a judicialização é inexorável, produto do próprio modelo político vivenciado
contemporaneamente; por outro, ela é contingencial, na medida em que terá níveis variados de
acordo com a articulação dos fatores mencionados no texto).

Já o ativismo possui uma raiz completamente diversa. Isso é importante porque os remédios
para controlar uma ou outra patologia serão completamente distintos, pois as causas dos
fenômenos são, elas mesmas, absolutamente distintas: a judicialização não representa um mal
em si. Ela pode se tornar inconveniente quando encontrada em níveis elevados, mas se mostra
necessária em vários âmbitos que caracterizam a sociedade contemporânea. As relações de
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consumo; a preservação do meio ambiente; as questões envolvendo direitos sociais etc., são
questões que merecem ser discutidas judicialmente, na medida em que aquilo que foi projetado
pela Constituição apresentar-se na forma de descumprimento. De todo modo, o bom
funcionamento do sistema político tende a controlar os índices da judicialização. O ativismo, por
outro lado, está situado dentro do direito – no âmbito interpretativo, da decisão judicial – mas,
paradoxalmente, também está fora, na medida em que a estrita dependência em torno daquilo
que o juiz pensa, entende ou deseja no julgamento de uma determinada questão judicializável,
pode levar à suspensão do direito vigente, criando fissuras na institucionalidade, desenvolvendo
figuras típicas de um Estado de Exceção. Por isso, o modo de controlá-lo deve ser aferido no
âmbito da própria interpretação do direito, sendo, por isso, um problema a ser enfrentado pela
hermenêutica jurídica.

Embora sem mencionar expressamente, Antoine Garapon, intui de forma correta o elemento
que marca a linha divisória que separa a judicialização do ativismo. Com efeito, depois de uma
análise minuciosa do modo como a sociedade contemporânea encara temas como a política e a
democracia, demonstrando como a democracia contemporânea acabou por produzir esse
espaço de judicialização, Garapon assevera o seguinte:

“O ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz é dependente
do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário, de a travar.”116

Nota-se, portanto, que Garapon liga a ideia de ativismo a um desejo – vale dizer, um ato de
vontade – do órgão judicante. Esse ponto indica, de plano, que o problema que vem à tona no
enfrentamento do ativismo é, exatamente, o âmbito que a Teoria do Direito reconhece como
“calcanhar de Aquiles” do jurídico, qual seja, o âmbito interpretativo. De forma mais clara, é aqui
que aparece o ponto decisivo que diferencia ativismo de judicialização: aquele é dependente de
um ato de vontade; este é contingencial, condicionado pelo sistema político.

No próximo item, veremos de que modo o problema interpretativo se insere no contexto da


teoria do direito.

Leitura recomendada

Básica

Mario Losano.  Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol.  2,
cap. VI.

Intermediária

Jose Lamego. Hermenêutica e jurisprudência. Análise de uma recepção. Lisboa:


Fragmentos, 1990. n. 1.3.1.

Avançada

Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2009.

Josef Esser. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado.


Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1961.

Carl Wilhelm Canaris. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito.


3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002.

110

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.Importante salientar que o termo jurisdição constitucional tem um sentido decisivo naqueles países que, adotando
a fórmula de Tribunais Constitucionais  ad hoc, possuem um órgão especializado para se pronunciar sobre
questões envolvendo a constitucionalidade das leis e demais matérias determinadas pela própria constituição.
Dessa maneira, se diferencia a jurisdição ordinária (comum) da jurisdição constitucional, que aparece como uma
espécie de jurisdição especializada. No Brasil, essa significação perde densidade, na medida em que nos
ordenamos por um sistema misto de controle da constitucionalidade no qual convivem o modelo difuso, baseado
na  judicial review  estadunidense e o modelo concentrado, de inspiração europeia. Ademais, a despeito de o
Supremo Tribunal Federal ter competência para julgar, de forma concentrada, a constitucionalidade das leis, tal
qual um Tribunal Constitucional europeu, não se pode dizer que vivenciamos um modelo de jurisdição
constitucional stricto senso.
111

.Nesse sentido, é importante mencionar as seguintes obras: Chester Neal Tate; Torbjörn Vallinder. The global
expansion of Judicial Power: the judicialization of politics. In:  ______  (orgs.).  The global expansion of Judicial
Power. New York: New York University Press, 1995; Martin Shapiro; Alec Stone Sweet.  On law, politics &
judicialization. New York: Oxford University Press, 2002; Ran Hirschl.  Towards juristocracy. The origins and
consequences of the new constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2007. Há também textos
traduzidos para o português e publicados recentemente na Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio
Vargas: Ran Hirschl. O novo constitucionalismo e a judicialização da política pura no mundo. Revista de Direito
Administrativo, n. 251, maio/agosto de 2009, p. 139-175; numa outra perspectiva, mas apontando também para a
incisividade do poder judiciário na condução da vida política Cf. Robert A. Dahl. Tomada de decisões em uma
democracia: a Suprema Corte como uma entidade formuladora de políticas nacionais.  Revista de Direito
Administrativo, n. 252, setembro/dezembro de 2009, p. 25-43.
112

.Cf. Luiz Wernek Vianna. Maria Alice Rezende de Carvalho. Manuel Plácidos cunha Mello. Marcelo Baumann
Burgos. A jurisdicionalização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan: 1999. Os estudos
foram ampliados e repercutem também em outra obra, cuja organização é assinada por Luiz Werneck Vianna
intitulada A democracia e os três poderes no Brasil. Ed. UFMG, IUPERJ, FAPERJ, 2002.
113

.A dicotomia  procedimentalismo  v.s.  substancialismo  vem explicada da seguinte maneira por Lenio Streck: “a
grande diferença de cada um destes aportes teóricos está no tipo de atividade que a jurisdição realiza no
momento em que interpreta as disposições constitucionais que guarnecem direitos fundamentais. As
posturas procedimentalistas não reconhecem um papel concretizador à jurisdição constitucional, reservando para
esta apenas a função de controle das ‘regras do jogo’ democrático; já as posturas substancialistas reconhecem o
papel concretizador e veem o judiciário como um  locus  privilegiado para a garantia do fortalecimento das
democracias contemporâneas”. Esclarecendo melhor o significado das posturas substancialistas o autor destaca
que sua adoção “não autoriza a defesa de ativismos judiciais ou protagonismos  ad hoc, a pretexto de estar-se
concretizando direitos. A concretização só se apresenta  como  concretização na medida em que se encontra
adequada à Constituição, não podendo estar fundada em critérios pessoais de conveniência política e/ou
convicções morais” (Cf. Lenio Luiz Streck.  Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 52). Não faz parte das intenções deste
trabalho aprofundar-se nas questões que emergem desta classificação. Apenas a título ilustrativo, é importante
referir que autores como Jürgen Habermas, Antoine Garapon e John Hart Ely são apresentados
como procedimentalistas, ao passo que Ronald Dworkin, Laurence Tribe e Luigi Ferrajoli seriam representantes
do  substancialismo. Como toda dicotomia, também essa é imperfeita e apresenta falhas. De todo modo, a
distinção é ilustrativa e consegue apresentar o modo como o problema do excesso de judicialização vem sendo
discutido nas democracias contemporâneas.
114

.Cf. Antoine Garapon. O guardador de promessas. Justiça e democracia. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, p. 41.
115

.Idem, p. 42.
116

.Antoine Garapon, Op. cit., p. 54 (grifo nosso).

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10.2. As vertentes contemporâneas sobre interpretação do direito:


a hermenêutica jurídica

A discussão sobre o método jurídico, historicamente, tomou um rumo estreito


no Brasil. À exceção de livros como A função social da dogmática jurídica de Tercio
Sampaio Ferraz Junior117  e de algumas obras clássicas do pensamento jurídico
nacional entre as quais podemos citar, a título exemplificativo, dos textos de Pontes
de Miranda sobre a Ciência do Direito ou ainda o livro de Oliveira
Vianna,  Instituições Políticas Brasileiras, que conta no início com uma reflexão
sobre o método no âmbito do direito público118. Sem excluir a possibilidade de se
referir a outros exemplos pontuais, em que destacamos, de maneira especial, o
livro de José Reinaldo de Lima Lopes119, as obras com pretensão didática que
trataram do tema o fizeram/fazem de maneira a aproximá-lo em demasia da seara
da  hermenêutica jurídica  de modo a enfatizar o problema da interpretação dos
textos jurídicos, perdendo de vista a preocupação sistemática e científica que,
como vimos, aparece nas discussões das escolas sobre o método jurídico.
Esperamos que tenha ficado claro que o problema da resolução judicial de casos
jurídicos envolve uma discussão que é muito mais ampla e profunda do que aquela
que discute interpretação de textos e aplicação de normas. Nesse ambiente de
discussões estamos envolvidos também por questão que especulam sobre o modo
como o direito é conhecido e pode ser transmitido por meio do seu ensino
acadêmico.

Sem embargo, mesmo as discussões sobre a hermenêutica jurídica  – que,


atualmente, assumem uma dimensão de essencialidade: uma disciplina da qual
não se pode passar ao largo  – foram travadas, tradicionalmente, de maneira
oblíqua. Em sua grande maioria, os manuais sobre hermenêutica ou sobre
introdução ao direito escritos até a década de 1990, trataram a questão a partir da
polêmica em torno dos métodos de interpretação (gramatical, lógico, sistemático,
teleológico, histórico etc.) sem dar a devida atenção a todo o debate filosófico que
teve lugar no século XX e que envolveu, em primeiro plano, exatamente a questão
da hermenêutica (de se consignar que, para muitos autores, o século XX pode ser
considerado como “a era da hermenêutica”).120

Somente no final dos anos de 1990, e início dos anos de 2000 é que esse
debate tomará um rumo diferente no âmbito do pensamento jurídico brasileiro,
modificando o modo como a hermenêutica era encarada tradicionalmente. Nesse
caso, a obra de Lenio Luiz Streck,  Hermenêutica jurídica e(m) crise,  é um marco
importante nessa mudança de rota. Essa obra critica(va) o modo tradicional de se
pensar o problema da interpretação, procurando situar a hermenêutica nos
quadros da filosofia contemporânea, oferecendo, a partir desse contexto reflexivo,
um modo de se pensar a construção do fenômeno jurídico.121

É de se consignar que esse tipo de estreitamento do problema interpretativo


não é uma particularidade brasileira. Há, no âmbito do conhecimento jurídico em
geral, uma tendência de encobrir o fenômeno interpretativo que lhe dá origem,
procurando criar teorias autossuficientes. A despeito disso, se aumentarmos nosso

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espectro de pesquisa, percebemos que muitos autores se ocuparam de problema


da interpretação e sobre ele edificaram seu pensamento.

A partir de agora, procuraremos reconstruir, em linhas gerais, esse


percurso, procurando conduzir o discurso para o seguinte elemento central: pensar
o direito nas trilhas do problema interpretativo que lhe é inerente representa a
descoberta de algo que ficou à margem das investigações teóricas sobre o direito
que, de uma forma ou de outra, consideram o problema da interpretação uma
questão menor, de simples solução de dúvidas e mal-entendidos gerados pela
dificuldade de compreensão dos textos legais. Nos tópicos seguintes, pretendemos
demonstrar que a hermenêutica não é um elemento auxiliar da construção de uma
teoria jurídica ou de suas metodologias. Mais do que isso, a hermenêutica é
condição de possibilidade do próprio fenômeno jurídico e, dessa maneira, envolve,
ela mesma, o próprio problema da metodologia jurídica.

10.2.1. A insuficiência das posturas metodológicas tradicionais para


resolver os problemas da decisão jurídica: a crítica ao método

10.2.1.1. Aproximações sobre Hermenêutica

Uma definição lexicográfica de hermenêutica, dessas que são encontradas nos


dicionários, afirma que a palavra significa teoria ou arte da compreensão e
interpretação de textos produzidos, principalmente, no âmbito da literatura, da
teologia ou do direito, apresentando-a como uma “ciência da interpretação”.

No entanto, há grande divergência sobre o caráter “científico” dessa


“disciplina”122. Porém, não existem dúvidas de que, seja enquanto teoria, seja
enquanto arte, a hermenêutica se preocupa em determinar as condições e
possíveis procedimentos para se aferir o conteúdo  correto  dos textos que busca
analisar, apesar de existir uma grande discussão – até certo ponto infindável entre
os cultores da hermenêutica  – sobre a possibilidade de construção ou não de
métodos que possam auxiliar na obtenção da objetividade e da veracidade da
interpretação a ser realizada.

A grande questão que existe aqui para determinar o caráter científico, filosófico
ou o estatuto de uma arte para a hermenêutica está em saber até que ponto o tipo
de conhecimento com o qual ela se relaciona faz parte daquilo que se chama de
conhecimento teórico e até que ponto ela se insere no âmbito do chamado
conhecimento prático.123

A origem da hermenêutica não pode ser determinada com precisão, mas, em


termos etimológicos, é possível afirmar que remonta à Grécia antiga, mais
precisamente ao mitológico Hermes. Consta que esse personagem da mitologia
grega era um semideus, dotado da função de “mensageiro”: era Hermes o
encarregado de traduzir, para linguagem humana, aquilo que era dito entre os
Deuses.

Assim, é muito comum a afirmação de que a palavra  Hermenêutica  derive


de  Hermes  e que seja tomada por um forte conteúdo de  mediação  e,
consequentemente, interpretação. Para efetuar a mediação entre Deuses e seres
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humanos, Hermes tinha de interpretar o que disseram os Deuses, esclarecendo e


integrando o sentido daquilo que foi dito em algumas ocasiões.

No campo da filosofia, o livro de Aristóteles  Da Interpretação  (Peri


Hermeneias)  é também uma fonte importante da hermenêutica, assim como os
estudos sobre retórica desenvolvidos pelo pensamento medieval. Desse modo,
além do mítico contexto de Hermes, a hermenêutica encontra-se também
associada ao problema da comunicação humana e da perseguição pelo melhor
modo de se expressar, transmitir algo pensado para uma outra pessoa ou para um
auditório.

Do ponto de vista disciplinar, a hermenêutica assume relevo no contexto do


renascimento e da Reforma Protestante, sendo empregada  – como técnica
interpretativa  – na exegese dos textos bíblicos, dos textos clássicos da literatura
antiga, bem como na elucidação da interpretação dos textos jurídicos,
principalmente do Digesto de Justiniano.

É nesse tempo histórico que aparecem os primeiros registros de obras que se


ocupam especificamente da hermenêutica, embora ainda de um modo conectado a
alguma região específica do conhecimento para o qual ela serviria como uma
disciplina auxiliar. Nessa medida, seria possível falar, como o faz Paul Ricoeur, em
“hermenêuticas especiais”, ou seja, disciplinas acessórias constituídas para
permitir um acesso adequado a matérias “principais”, fontes de onde brotariam
uma hermenêutica jurídica (que auxiliaria na lida com textos jurídicos); uma
hermenêutica teológica (que auxiliaria na lida com os textos sagrados); e uma
hermenêutica filológica (que trataria das questões que envolvem a língua e a
literatura clássica).

Já no contexto do romantismo alemão a hermenêutica assumirá contornos mais


sofisticados, chegando a ser tematizada expressamente como filosofia dotada de
uma universalidade. Será um teólogo, chamado Schleiermacher, quem efetuará
essa importante operação. De forma geral, é possível dizer que Schleiermacher
estava preocupado em enfrentar o problema dos mal-entendidos que poderiam
surgir na compreensão de um texto. Na verdade, Schleiermacher chamava a
atenção para a inevitabilidade da interpretação, expandindo essa dimensão
interpretativa para outras formas de interação humana que não se materializam,
necessariamente, em textos (abordava ele também o diálogo, as artes
pictográficas, performáticas etc.). Todavia, tanto uma coisa qual a outra, para
Schleiermacher, partiam de um pressuposto básico: no processo comunicativo, a
primeira disposição, não é o entendimento mútuo. Pelo contrário, a regra é
compreender mal as intenções do outro. Daí a necessidade da hermenêutica: um
campo do conhecimento que poderia explorar formas que possibilitassem evitar
o  mal-entendido. Para Schleiermacher  – impulsionado pelos ventos românticos  –
apenas os gênios teriam a capacidade de compreender diretamente, sem a
necessidade de empregar métodos ou outras estratégias formais, para interpretar
corretamente o outro. Fora disso, vigeria o império do mal-entendido que, para ser
desfeito, necessitaria de um treinamento e do desenvolvimento de capacidades
específicas.

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Devido a sua proximidade com o iluminismo alemão (Aufklärung), a saída de


Schleiermacher para aquilo que ele encarava como a inevitabilidade do mal-
entendido se deu pela via do método. Mas o método de Schleiermacher era
sensivelmente distinto de todos aqueles previstos pela tradição anterior. Era
um método circular, que recuperava a tradição clássica desenvolvida pela retórica,
por meio do qual o intérprete se movimentaria do todo para a parte e da parte para
o todo, de modo a apurar sua compreensão a cada movimentação efetuada. Essa
movimentação, por outro lado, deveria compor um quadro de transição entre os
elementos objetivos projetados pelo evento objeto de interpretação (no caso dos
textos, fatores linguísticos-gramaticais) e os elementos subjetivos, derivados da
intenção do autor (fatores psicológicos). Nesse empreendimento, caberia a
intérprete se envolver com a solução de problemas gramaticais (de conhecimento
efetivo da língua de modo a evitar que aquele que buscasse interpretar algo não
ficasse como que em estado de “suspensão” perante as palavras), bem como atuar
para recompor os contextos originários de produção do texto, obra, ou fala, que
implicaria conhecer a vida do autor, o período histórico em que ele viveu, as
correntes de pensamento que estavam vigentes à época, resultando, ao final, na
possibilidade de compreender o autor melhor do que ele mesmo. Mediante esse
procedimento, que Schleiermacher denominou  Círculo hermenêutico  o sentido
original poderia ser preservado – embora, para Schleiermacher não houvesse aqui
nenhuma garantia de certeza para esse “resultado” – e a compreensão encontraria
nele aquilo que o próprio autor imprimiu. A ênfase no “sentido do autor” levará os
comentadores do mencionado filósofo a classificar sua teoria da interpretação
como  hermenêutica psicológica124. Esse é um detalhe muito importante, porque
revela, segundo Gadamer, que, para Schleiermacher, a obscuridade que pode
levar a um empreendimento interpretativo não está na história (que perpassa os
diversos objetos a serem interpretados,  v.g.,  documentos, livros, obras de arte
etc.), mas, sim, no Outro que atuou para produzir aquilo que será interpretado. Nos
termos propostos por Gadamer: não seria uma obscuridade da história, mas a
obscuridade de um Tu, a alavanca que movimenta a hermenêutica proposta por
Schleiermacher. A universalidade da hermenêutica, por outro lado, estaria
garantida pelo método: era uma universalidade procedimental, uma vez que,
independentemente da área do conhecimento com a qual o intérprete se
encontrasse envolvido, o método empregado para compreender e interpretar seria
o mesmo.125

Outro autor importante, que levará adiante a hermenêutica de Schleiermacher é


Wilhem Dilthey. O trabalho de Dilthey é marcado pela busca de uma
fundamentação filosófica para as ciências humanas (ou  Geistswissenschaften,
ciências do espírito, na expressão do filósofo). Esse objetivo pode ser descrito
como uma tentativa de repetir Kant para alcançar um sentido diverso: assim como
Kant produziu uma fundamentação filosófica para a epistemologia das ciências
naturais, Dilthey pretendia que sua obra possibilitasse o mesmo para as ciências
do espírito. Dizia-se, então, que, assim como Kant produziu uma “crítica da razão
pura”, Dilthey pretendia realizar uma “crítica da razão histórica”.126

Nesse contexto, a obra de Dilthey é marcada pela intenção de descolar as


ciências humanas da tradição metafísica, procurando colocá-las no solo seguro da
experiência concreta e, ao mesmo tempo, de declarar a independência
metodológica desse campo com relação às ciências naturais. Assim, Dilthey
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colocava-se, ao mesmo tempo, nos antípodas da metafísica e do positivismo


científico (que pretendia afirmar que as ciências da sociedade deveriam buscar nas
ciências da natureza um aporte metodológico seguro que possibilitasse afirmar
uma validade universal para o conhecimento por elas produzido).

Por um lado, a tradição metafísica estava incapacitada de produzir uma


fundamentação das ciências do espírito porque, entre outras coisas, não podia
oferecer uma explicação do indivíduo baseada na experiência. Para ele, apenas a
experiência concreta, como experiência vivida e experiência histórica  – e não a
especulação  – poderia se apresentar como o ponto de partida para a
fundamentação das ciências humanas.

De outra banda, os métodos das ciências da natureza não ofereciam um


caminho seguro para a epistemologia das ciências humanas. Segundo Dilthey,
essa constatação poderia ser demonstrada por dois motivos: em primeiro lugar,
haveria uma  impossibilidade cognitiva: para a descrição dos fenômenos naturais,
pressupunha-se uma separação total entre o sujeito que conhece o e objeto que é
conhecido (segundo o pensamento padrão vigente no século XIX). Nas ciências
humanas, por outro lado, essa separação seria impossível. Isso porque a
experiência histórica só pode ser conhecida na medida em que vivenciada por uma
consciência subjetiva. Logo, o sujeito que conhece participa, necessariamente, de
seu objeto de conhecimento.

Dilthey afirmava ainda que o proceder das ciências da natureza, baseadas no


princípio da causalidade, manifestava-se de um modo explicativo (vale dizer, uma
lei da natureza é explicada com base numa relação de causa e efeito); ao passo
que, no ambiente das ciências humanas, procuramos compreender (e não explicar)
a experiência histórica e a experiência vivida. Desse modo, fica constituída uma
diferença fundamental entre  explicar  e  compreender  que marcaria, em
consequência, os espaços epistemológicos das ciências naturais e das ciências
humanas.127

A base mais fundamental para o desenvolvimento das ciências humanas será,


para Dilhtey, em um primeiro momento, a psicologia. Melhor dizendo: a ciência
humana fundamental (da qual derivam todas as outras, história, sociologia, direito
etc..) seria a psicologia porque a base segura para a descrição da experiência
vivida individualmente e da experiência histórica universal, dependeria
inexoravelmente de uma psicologia descritiva que pudesse estabelecer as
condições para a compreensão das expressões de vida. Nesse aspecto, o que é
vital e histórico é registrado, de forma mais originária, nas consciências dos
indivíduos. Daí que o ponto de partida de qualquer investigação oriunda das
ciências humanas deveria ser a “vida psíquica interna”. Mas, como o mundo
histórico se faz a partir do compartilhamento de várias “vidas psíquicas internas”
que precisaram ser compreendidas por outras (ou seja, o conhecimento da história
exige que o sujeito saia da compreensão de si em direção à compreensão dos
outros), a hermenêutica se impõe como método. Entre outras coisas, isso é assim
porque a tentativa de compreender o que se passa na vida psíquica interna do
Outro está sujeita a mal-entendidos (como já havíamos anotado quando tratamos
acima de Schleiermacher). Por isso, para compreender corretamente seria preciso
encontrar as condições adequadas de interpretação. Assim, deve-se, primeiro,
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interpretar e compreender a evidência mais imediata, que é a própria vida psíquica


(o problema do autoconhecimento) para, depois, buscar as condições para
interpretar e compreender a vida psíquica alheia.

O desenvolvimento da obra de Dilthey, contudo, é marcado por uma radical


transformação em sua trajetória. É possível dizer que existe um Dilthey primevo e
um Dilthey tardio. O primeiro estaria representado por essa breve descrição
realizada anteriormente e que colocava a psicologia como centro epistêmico das
ciências humanas. O segundo seria caracterizado pela superação desse
psicologismo em direção a uma verdadeira fundamentação hermenêutica das
ciências humanas. Em outras palavras, no Dilthey tardio, a hermenêutica passa a
exercer o papel que, antes, era da psicologia. Na verdade, ocorre aqui uma
ressignificação com relação ao papel da hermenêutica: de disciplina auxiliar, que
oferecia o método para as ciências do espírito, a hermenêutica passa a ser ela
mesma o fundamento destas ciências. Essa mudança de rota no pensamento de
Dilthey é muito pouco lembrada ou destacada. De algum modo, a posteridade
coloca maior ênfase no Dilthey primevo, psicologista, do que no Dilthey tardio, que
alça a hermenêutica para uma dimensão que, kantianamente, poderíamos chamar
de “condição de possibilidade”. É importante registrar que esse Dilthey tardio será
influência primordial na construção da fenomenologia hermenêutica de Martin
Heidegger e estará, de certo modo, presente nos desenvolvimentos posteriores da
hermenêutica.

Sem embargo, essa modificação profunda pode ser compreendida em face do


contexto temporal e dos debates filosóficos de então. De fato, no final do século
XIX e início do século XX a filosofia é marcada pelo combate ao psicologismo (a
tentativa de fundar a origem radical de todo conhecimento humano na psicologia).
Tanto a tradição analítica quanto a tradição continental produzirão escolas que têm
como ponto de partida a superação do psicologismo (basta lembrar Frege, entre os
analíticos; e a fenomenologia de Husserl, entre os continentais). E é evidente que
todo esse movimento da filosofia influenciou a obra de Dilthey. Especialmente o
impacto causado pelas Investigações Lógicas de Edmund Husserl.

A partir daí é possível dizer que Dilthey passa a abordar o problema da


compreensão e da fundamentação das ciências humanas não mais desde a
perspectiva da subjetividade, mas, sim, desde uma perspectiva ligada à
“objetividade da vida”. Ou seja, o conhecimento produzido nas ciências humanas
não está fundado em uma descrição das condições psíquicas internas que levam
os indivíduos a registrar suas experiências vitais; ao contrário, a validade de tal
conhecimento está atestada por aquilo que o ser humano inscreve no mundo
histórico, deixando suas marcas nos textos, nas artes, nos monumentos etc. A
história é prenhe de registros “escritos” da vida. O resultado apresentado pelas
ciências do espírito depende de compreender essas manifestações objetivas.
Assim, a hermenêutica, enquanto “teoria da arte (Kunstlehre) de compreender as
manifestações de vida fixadas por escrito, convertia-se no fundamento adequado
para as ciências do espírito.”128

Há vários procedimentos epistemológicos complexos envolvidos nessa “virada”


da obra de Dilthey. Todavia, para os limites desta obra, queremos apenas jogar luz

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ao tratamento que essa fase tardia do autor dá ao conceito de “comum” e o papel


por ele desempenhado na hermenêutica e nas ciências humanas.

O que se chama de “comum” aqui remete à condição intersubjetiva válida e


vinculante para um grupo de indivíduos que se encontram imersos e envolvidos por
um horizonte partilhado, ou uma “esfera de comunidade” (algo que, mais
contemporaneamente, aparece também em Peter Sloterdijk). “Toda manifestação
de vida espiritual representa, no reino do espírito objetivo, um elemento comum.
Cada palavra, cada gesto, cada obra de arte, cada ação histórica são
compreensíveis porque há uma comunidade que une o que neles se manifesta (...)
o indivíduo vive, pensa, e trabalha em uma esfera de comunidade.”129

A necessidade de pensar o “comum” aparece, posteriormente, no conceito de


mundo de Heidegger e, mais contemporaneamente, na tentativa de explorar o
sentido de um  a priori  compartilhado, como desenvolvido por Herbert
Schnädelbach, Ernildo Stein e, no caso específico do direito, Lenio Streck.130

Notem: o conceito de comum, central para a hermenêutica desde Dilthey, é um


elemento essencial para pensar a política e o direito. Na verdade, o sentido e o
significado que produzimos na política e no direito só são possíveis em face do que
se experimenta no âmbito “comum”.

É importante salientar que, no plano da hermenêutica jurídica, as conquistas de


Schleiermacher permaneceram inexploradas durante muito tempo. Ao contrário
das outras disciplinas hermenêuticas (teologia e filologia), o direito permaneceu
recluso nos padrões tradicionais de exegese que foram constituídos no interior da
interpretação canônica da bíblia e compilados por Savigny no seio do historicismo.
São de todos conhecidos os tradicionais métodos de interpretação: gramatical;
histórico; lógico-sistemático. Posteriormente,  Jhering  – que, como vimos
anteriormente, pode ser considerado uma espécie de fundador intelectual da
chamada jurisprudência dos interesses – introduz o método teleológico, tão caro a
correntes jurídicas contemporâneas como é o caso da chamada instrumentalidade
do processo, proposta por Cândido Rangel Dinamarco. De todo modo, podemos
apontar o jurista italiano Emílio Betti como um pensador que tentar trazer toda essa
complexidade da reflexão sobre a hermenêutica observada no campo da filosofia
para dentro do Direito. Foi, desse modo, um dos percursores na tentativa de
temperar os elementos de uma dogmática jurídica (que descrevemos no início
deste capítulo) com os procedimentos da hermenêutica proposta por
Schleiermacher e depois continuada por Dilthey (no caso específico de Emilio Betti,
com ênfase naquilo que antes chamamos de Dilthey I, de traços psicologistas).

Vejamos, a partir de agora, em pormenores como se dá essa questão.

117

.Cf. Tercio Sampaio Ferraz Junior. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad,
1999.  passim; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda.  Sistema de ciência positiva do
direito cit., passim.
118

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.Importante consignar que, ao mencionar os trabalhos de Pontes de Miranda e de Oliveira Vianna


não estamos, automaticamente, asseverando também as posições políticas desses autores algo
que, certamente, demandaria um outro tipo de análise, com intencionalidade diversa daquela
presente nesta obra. Essa brevíssima menção do texto apenas quer apontar que a discussão
sobre o método da ciência do direito, comum na obra desses autores, deixou de ser realizada da
mesma maneira nos livros didáticos – especialmente de introdução ao direito – passando a estar
mais diretamente associada (a discussão sobre método) a pretensos problemas de hermenêutica
jurídica. Para uma análise política da obra de Oliveira Vianna, Cf. Christian Lynch. Um
Conservadorismo Estatista: Nacionalismo, Democracia Cristã e Crítica ao Neoliberalismo na obra
de Oliveira Vianna. Revista Política Hoje, v. 27, p. 7-26, maio 2018.
119

.José Reinaldo de Lima Lopes. Curso de Filosofia do Direito: O Direito Como Prática. São Paulo:
Atlas, 2021.
120

.Cf. Ernildo Stein. História e ideologia. Porto Alegre: Movimento, 1972. p. 11 e ss.
121

.De se consignar que o modo de se trabalhar com a hermenêutica inaugurado por Streck aparece
em importantes trabalhos publicados na última década. Nesse sentido, podemos citar: Adalberto
Narciso Hommerding. Fundamentos para uma compreensão hermenêutica do processo civil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007; Francisco J. Borges Motta. Op.  cit.; Wálber Araújo
Carneiro.  Hermenêutica jurídica heterorreflexiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. Em
todas essas obras, o rompimento paradigmático operado pela filosofia hermenêutica e pela
hermenêutica filosófica aparece de forma clara, procurando projetar suas consequências para o
estudo do direito.
122

.Sobre a definição de hermenêutica, Cf. Josef Bleicher.  Hermenêutica contemporânea.  Lisboa:


Edições 70, 1992, em especial a introdução. Outros textos básicos que podemos recomendar a
título de uma introdução: Lawrence Schmidt.  Hermenêutica. Rio de Janeiro: Vozes, 2012; Jean
Grondin.? Qué es la Hermenéutica? Barcelona: Herder, 2008.
123

.Cf. Hans-Georg Gadamer.  Hermenêutica e filosofia prática. Petrópolis: Vozes, 2007.  passim.
Nesse contexto importante referir, também, Ernildo Stein.  Aproximações sobre hermenêutica.
3. ed. Porto Alegre: Edpurs, 2003. passim.
124

.Criticando o psicologismo de Schleiermacher, Gadamer reconstrói o painel da hermenêutica


anterior à Schileiermacher, especialmente em Spinoza e Chladenius, apontado por ele como um
percursor da hermenêutica romântica. A ideia de hermenêutica, nos dois casos, manteria  –
segundo Gadamer  – a ênfase na compreensão e no acordo como elemento da comunicação e
ponto de partida do processo interpretativo, que seria desencadeado por falhas e desajustes
gerados pela falta de familiaridade com determinadas regiões temáticas. Essas hipóteses de
“incompreensibilidade” encontrariam em Schleiermacher uma dimensão completamente distinta,
ganhando em abrangência e universalidade. “o problema para Schleiermacher não é a
obscuridade da história, mas a obscuridade de um Tu” („Schleiermacher Problem ist nicht das
dunklen Geschichte, sondern das des dunklen Du“. GADAMER, Hans-Geoerg.  Wahrheit und
Methode. 4 ed. Tübingen: Mohr Siebeck, 1974, p. 179).
125

.Para uma ampla exploração histórica da hermenêutica, reconstruindo o caminho de Dilthey desde
a reafirmação da hermenêutica no âmbito da filologia e da teologia no esclarecimento alemão
(Aufklärung) e das contradições da hermenêutica romântica, até sua construção como metodologia
das ciências do espírito: Hans-Georg Gadamer. Verdade e método. Traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1999. vol. I, p. 237-353.
Para um contexto geral de tudo o que foi dito Cf. Streck,  Hermenêutica jurídica e(m) crise.
Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009.
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126

.Para análise mais ampla da questão, Cf. Streck, Lenio Luiz.  Hermenêutica Jurídica e(m) Crise.
11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, especialmente o tópico 10.2.2.
127

.Stein, Ernildo. Racionalidade e Existência. O ambiente hermenêutico e as ciências humanas. 2 ed.


Ijuí: Unijuí, 2008.
128

.Guervos, Luis Henrique de Santiago.  Hans-Georg Gadamer y la Hermenéutica en el Siglo XX.


Kindle Edition, 2012, p. 1349.
129

.Dilthey, Wilhelm.  El Mundo Histórico. Obras VII. México: Fondo de Cultura Económica, 2014,
Kindle Edition, p. 3496 e segs.
130

.Streck, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, em especial o posfácio.

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10.2.1.2. O problema do método no ambiente da hermenêutica


jurídica

No que tange à hermenêutica jurídica, a construção que fez escola e ainda


circula no âmbito dos manuais de graduação pontifica que a interpretação seria
uma atividade auxiliar para a correta aplicação do direito, que seria acionada
somente nas hipóteses de o sentido dos textos jurídicos não serem percebidos de
forma transparente por aquele que pretende conhecer o Direito. Nesse sentido, a
superação das dificuldades no entendimento da matéria jurídica seria aconteceria
mediante a utilização de determinados métodos que tornariam possível a correta –
ou a mais correta possível – aplicação do Direito.

Nesses termos, Inocêncio Mártines Coelho acredita que o problema da


objetividade na interpretação (a correção dos conteúdos apreendidos pelo
intérprete) resume-se em encontrar aquilo que, em Teoria do Conhecimento,
denomina-se  critério de verdade, ou seja, algo a partir do qual pode-se distinguir
uma interpretação falsa de uma interpretação verdadeira, independentemente de
sabermos que em toda interpretação  – enquanto algo construído
hermeneuticamente – não seja possível eliminar a participação do intérprete. Para
ele: “o dualismo sujeito-objeto é da essência do conhecimento e, na relação
subjetivo-objetiva, um termo só é o que é enquanto é para o outro. Pela mesma
razão, sob pena de decretar a morte do conhecimento, é inadmissível que, a
pretexto de não se posicionar passivamente perante o objeto  – como se fora um
espelho  – o sujeito venha a ocupar os dois pólos daquela relação, criando a
realidade ao invés de apreendê-la, mesmo que essa apreensão se faça
ativamente” (grifamos).131

Essa objetividade/neutralidade na apreensão da realidade é (deveria ser), como


já mencionado anteriormente, garantida por métodos que condicionam a atividade
do sujeito perante seu objeto (o texto jurídico no caso). Essa primazia
metodológico-normativa é tida, dentro desse paradigma, como inegável em relação
ao sujeito ao realizar sua investigação ao objeto.132

Emilio Betti dizia que para não comprometer a objetividade da interpretação,


quaisquer formas significativas, enquanto objeto de mente de um outro, têm que
ser compreendidas em relação a essa mente, que nelas foi objetivada, e não com
referência a qualquer sentido que a própria forma possa adquirir uma vez abstraída
da função representativa que possuía para aquela mente ou aquele pensamento.
Note-se que, nesse contexto, Betti filia-se à linha teórica aberta por Schleiermacher
e desenvolvida, posteriormente, por Dilthey. Dessa forma, Betti afirmava que as
formas têm que ser consideradas autônomas e compreendidas de acordo com sua
própria lógica de desenvolvimento, conforme à sua necessidade interior, coerência
e racionalidade; que hão de ser avaliadas de acordo com os parâmetros imanentes
na intenção inicial a que deveriam corresponder, do ponto de vista do autor e do
seu impulso formativo no processo de criação.133

Dois pontos merecem destaque a partir desta sumária exposição: o primeiro diz
respeito à pretensão de totalidade de apreensão de sentidos do texto; o segundo,

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já diversas vezes referido, no que atina aos métodos que garantam a objetividade
e preservem o sentido do texto atribuído por seu autor.

Nesse sentido, Carlos Maximiliano, em obra clássica sobre a hermenêutica


jurídica, já afirmava que interpretar significa “explicar, esclarecer; dar significado de
vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento
exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de uma
frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém”.134

Maximiliano apresenta os processos de interpretação que oferecem regras para


esse “mostrar o sentido verdadeiro” de frases, leis e sentenças.

O primeiro seria um esforço filológico de exegese do texto através do processo


(ou método)  gramatical, que exige a posse de requisitos como: a)  conhecimento
perfeito da língua empregada no texto;  b)  informação relativamente segura,
minuciosa quanto possível, sobre a vida, profissão, hábitos pelo menos intelectuais
do autor; c) notícia completa do assunto que se trata; d)  certeza da autenticidade
do texto, tanto em conjunto como em cada uma das partes.135

Além do método gramatical, Maximiliano apresenta o que chama de processo


(método)  lógico  que consiste em “procurar descobrir o sentido e o alcance de
expressões do Direito sem o auxílio de nenhum elemento exterior, como aplicar ao
dispositivo em apreço um conjunto de regras tradicionais e precisas, tomadas de
empréstimo à lógica geral”.136 Mais adiante, assevera que o processo (ou método)
lógico tem mais valor que o simplesmente verbal (gramatical), uma vez que estuda
as normas em si ou em conjunto e, por meio de um raciocínio dedutivo, busca
obter a interpretação correta.

Expõe, por fim, o processo (método) sistemático, que consiste em “comparar o


dispositivo sujeito a exegese, com outros do mesmo repositório ou de leis diversas,
mas referentes ao mesmo objeto”.137  Além desses  processos de
interpretação,  Maximiliano coloca ainda elementos que incidem na atividade do
hermeneuta de forma a conduzi-lo ao correto sentido do texto interpretado. Desse
modo traça regras para solução de  disposições
contraditórias  (antinomias);   ressalta a importância do elemento histórico;139  e,
138

por fim, elenca o elemento  teleológico, segundo o qual “a norma enfeixa um


conjunto de providências, protetoras, julgadas necessárias para satisfazer a certas
exigências econômicas e sociais; será interpretada de modo que  melhor
corresponda àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a
qual foi redigida”.140

Emilio Betti também formula um cânon completo dos princípios hermenêuticos,


cujo ponto culminante é a autonomia de sentido do texto. Em conformidade com
essa autonomia, há que se apreender o sentido, ou seja, a opinião do autor, a
partir do próprio texto. Ponderando, ele acentua o  princípio da atualidade da
compreensão, da adequação deste ao objeto, ou seja, a vinculação do intérprete
com sua própria posição representa um momento integrante da verdade
hermenêutica.141 Porém, como lembra Gadamer, na defesa da autonomia do texto,
Betti não escapa da malha da filosofia da consciência e acaba resvalando na
“interpretação psicológica” de Schleiermacher.142
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Desse modo, para ele, a interpretação é um reconhecimento e uma


reconstrução do sentido “E do espírito que, através das formas de sua objetivação,
fala ao espírito pensante, espírito que se sente aparentado àquele em humanidade
comum: trata-se de um reconduzir reunitivamente e de um religar aquelas formas
com o todo interior que as gerou e do qual elas se separaram. Uma interiorização
dessas formas; só que o conteúdo deslocado para uma subjetividade diversa da
originária. Trata-se, segundo isso, de uma inversão, em consequência da qual o
intérprete precisa percorrer, em seu caminho hermenêutico, o caminho criador na
direção inversa; deve levar a cabo esse pensar dentro de si” (grifamos).143

Para Betti, portanto, a interpretação deve buscar averiguar o que o autor quis
dizer sobre algo e para isso  – de modo parecido ao que pensa Maximiliano  –
estabelece cânones/princípios hermenêuticos, para que, kantianamente, estejam
assegurados os valores e sentidos estabelecidos pelo autor do texto
interpretado.144

De uma forma ou de outra, o paradigma hermenêutico clássico não escapa


daquilo que Eros Grau apropriadamente chamou de “calcanhar de Aquiles” da
interpretação: “quando interpretamos, o fazemos sem que exista norma a respeito
de como interpretar normas. Quer dizer, não existem aquelas que seriam
metanormas ou meta-regras. Temos inúmeros métodos, ao gosto de cada um.
Interpretar gramaticalmente? Analiticamente? Finalisticamente? Isso quer dizer
pouco, pois as regras metodológicas de interpretação só teriam real significação se
efetivamente definissem em que situações o intérprete deve usar este ou aquele
cânone hermenêutico, este ou aquele outro método de interpretar. Mas acontece
que essas normas nada dizem a respeito disso; não existem essas regras”.145

Sem contar que, como assevera Streck, na ausência de um “método dos


métodos”, seu uso será fatalmente arbitrário, propiciando interpretações  ad
hoc (quando não voluntaristas). Na melhor das hipóteses, o que se apresenta aqui
como solução seria o caráter de complementaridade presente em todos os
métodos disponíveis, como se pode notar nesta passagem de Maximiliano:146“No
meio está a virtude: os  vários processos completam-se  reciprocamente, todos
elementos contribuem para a descoberta da verdade e maior aproximação do ideal
de justiça”.147

Há ainda que se anotar, que, no interior desse cânone da hermenêutica jurídica,


a interpretação se dá por partes/fases que devem ser obedecidas pelo intérprete,
resultando na seguinte equação: o intérprete (sujeito) deve contemplar o
dispositivo legal a ser aplicado (objeto) interpretando-o por etapas, em que primeiro
ele conhece  (subtilitas intelligendi)  – utilizando-se dos cânones hermenêuticos
disponíveis  –, depois compreende  (subtilitas explicandi)  e só então aplica-o à
situação concreta que lhe foi submetida (subtilitas applicandi).

Percebe-se, portanto, uma separação entre interpretação e aplicação do direito,


o que leva ao entendimento de que a interpretação é ato de conhecimento, do qual
(se espera que) o sujeito  reproduzirá  o sentido exato extraído do texto legal.
Repita-se,  o intérprete primeiro interpreta  (subtilitas intelligendi)  para só depois
compreender o sentido do texto submetido a sua interpretação  (subtilitas
explicandi) e, assim, o aplica (subtilitas applicandi).148
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Além das questões até aqui expostas que, recordando, são:  a)  pretensão de
totalidade da compreensão;  b)  (in)determinação de cânones/métodos
hermenêuticos para a atividade interpretativa;  c)  e da separação entre
interpretação e aplicação, essa hermenêutica jurídica canônica consagra ainda
uma forma de interpretar a Constituição destacada das regras comuns atinentes
aos demais ramos do direito.

Maximiliano, por exemplo, entendia que os “processos convencionais” da


exegese jurídica podem auxiliar na interpretação da Constituição, porém, tais
métodos são adequados a leis minuciosas, relativamente mais perfeitas e
destinadas a fins particulares, menos efêmeros. Em virtude disso, há preceitos
hermenêuticos que servem apenas para o direito público (constitucional), como é o
caso do princípio da presunção da constitucionalidade dos atos do poder público,
entre outros.149

Assim, a problemática da interpretação (e aplicação) da constituição, nesse


paradigma, gira em torno da “abstração” ou generalidade ínsita a seus preceitos.

Dessa forma, numa perspectiva mais contemporânea que a de Maximiliano,


Inocêncio Coelho entende que:

“A Constituição – enquanto objeto – determina a escolha do método adequado


ao seu conhecimento, o qual, por sua vez, manejado pelo intérprete, vai ‘criando’
os  objetos  hermenêuticos, num processo aberto e infinito, cuja consistência e
validade são controladas submetendo-se o seu resultado a um  critério de
verdade que se assenta na  justiça  da decisão produzida em cada caso concreto.
(...) Então, aquilo que se chama interpretação especificamente  constitucional vem
a ser, a rigor, apenas  um  entre os  possíveis  resultados  finais  alcançados a cada
corte ou interrupção que se opera no processo de interpretação e aplicação da
Constituição (...)  A peculiaridade reside em que enquanto os preceitos legais
possuem um grau relativamente elevado de determinação material, de precisão de
sentido e de conformação normativo-conceitual, as normas constitucionais, em sua
quase totalidade, apresentam uma conformação normativo-
materialfragmentária e fracionária. (...) Como aplicar diretamente – sem mediação,
densificação ou concretização dos operadores constitucionais  –, por exemplo, o
princípio da dignidade da pessoa humana, que aparece logo no artigo de abertura
da Constituição do Brasil como um dos fundamentos do nosso Estado Democrático
de Direito? Como dizer, abstratamente e de forma apriorística, o que significa um
princípio desta natureza?”.150 Grifos nossos.

Portanto, como a Constituição se apresenta como um sistema aberto de regras


e princípios e sua parte dogmática é essencialmente  principiológica, Coelho irá
dizer que sua normatividade difere da normatividade infraconstitucional, inclusive
em sua “interpretação e aplicação”, o que justifica um(a) método(logia) distinto(a)
para o exercício hermenêutico-constitucional. Desta forma, na parte final de sua
obra, propõe uma série de métodos e princípios voltados para a “interpretação e
aplicação” da Constituição, dentre os quais pode-se destacar:  método
hermenêutico-concretizador  em que o autor trabalha com a noção de “círculo
hermenêutico”;151  método científico-espiritual  segundo o qual a interpretação
constitucional deve levar em conta a ordem ou sistema de valores subjacente à
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Constituição;  e  método normativo-estruturante  através do qual o intérprete deve


considerar, concomitantemente, a norma propriamente dita e a situação normanda,
o texto e a realidade social que intenta conformar.152

Importante consignar, ainda, que autores como Lenio Streck se posicionam


fortemente contra esse tipo “especializado”de hermenêutica a ser “aplicada” à
Constituição. Nos termos do autor:

“O Direito Constitucional não deve(ria) ser uma disciplina autônoma, isto porque
sempre se corre o risco de objetificar o sentido da Constituição, ao separá-la das
demais disciplinas, que passam, também  – e assim tem sido  – a ser estudadas
autonomamente. É evidente que  – em face da crise paradigmática por que passa o
Direito – é (ainda) absolutamente necessário que se estude o Direito Constitucional a
partir de reflexões extremamente rigorosas a partir de um plano de pesquisa
institucionalizado em disciplina específica. A preocupação aqui exposta é semelhante
ao problema da hermenêutica jurídica entendida como “método”, isto porque o método
objetifica o Direito. (...) Não há um Direito Penal autônomo e tampouco é aconselhável
falar em um Direito Civil Constitucional; o Direito penal deve ser sempre Direito Penal
compreendido a partir da Constituição, assim como qualquer texto do  Código
Civil somente será válido se estiver filtrado/compreendido a partir de uma adequada
análise à luz do fundamento de validade que é a Constituição, sob pena de
incorrermos em outro problema metafísico, que é a ‘equiparação’ da (mera) vigência
com a validade. Direito Constitucional, mais do que disciplina autônoma, é modo de
ser, é modo de agir; é uma construção como bem diz Hesse; mais do que isto, é
condição de possibilidade do processo interpretativo. Nenhum texto poderá ter sentido
válido se esse sentido não estiver de acordo com a Constituição. Do mesmo modo
hermenêutica também não é método; é modo-de-ser-no-mundo”. Grifos do original153

Desde logo, é preciso rechaçar qualquer pretensão de construção de uma


hermenêutica “puramente” ou “exclusivamente” constitucional. Isto significaria
objetificar a Constituição, através da pretensão de apreensão do ente como
presença constante e como generalidade abstrata, propiciando, assim,
interpretações  ad hoc  da constituição, perdendo-se o núcleo político da Lei
Fundamental.

131

.Inocêncio Mártines Coelho.  Interpretação constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1997. p.  22. É
interessante anotar que essa “essencialidade” da relação sujeito-objeto no processo de
conhecimento destoa em larga medida daquilo que preconiza autores da própria tradição
hermenêutica, v.g. o próprio Dilthey para quem, no caso das ciências humanas, a separação entre
o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido não se mostra possível já que aquele que
conhece é também parte do objeto a ser investigado. Por outro lado, a crítica de Heidegger à
ontologia cartesiana.
132

.Cf. Inocêncio Mártines Coelho. Racionalidade hermenêutica: Acertos e equívocos. In: Ives Gandra
da Silva Martins (org.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. São Paulo: América
Jurídica, 2002. p. 353-377.
133

.Idem, p. 370-371.
134

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.Carlos Maximiliano. Hermenêutica e aplicação do direito. 19.  ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.


p. 7.
135

.Idem, p. 87-100.
136

.Idem, p. 100.
137

.Idem, p. 104.
138

.Idem, p. 110.
139

.Idem, p. 112.
140

.Idem, p. 124-125.
141

.Cf. Hans-George Gadamer. Verdade e método:complementos e índices cit., p. 455.


142

.Cf. Emilio Betti. Hermeneutics as a General Methodology of the Sciences of the Spirit.Nova York:
Routledge, 2021.  Interpretação da lei e dos Atos Jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Ademais, como afirmava Gadamer: “(Betti) mantém-se tão fiel à ‘interpretação psicológica’ de
Schleiermacher que sua posição hermenêutica está constantemente ameaçada de afundar e
desaparecer. Por mais que se esforce para superar o reducionismo psicológico e conceber sua
tarefa como a reconstrução do nexo espiritual de valores e conteúdos de sentido, só consegue
fundamentar a proposição dessa autêntica tarefa hermenêutica através de uma espécie
de analogia com a interpretação psicológica” (grifos do original) Hans-George Gadamer. Verdade e
método: complementos e índices cit., p. 456.
143

.Cf. Emílio Betti.  Teoria generale della interpretazione. Milão: A. Giuffre, edição alemã de 1967,
p. 93 e ss. apud Hans-George Gadamer. Verdade e método: complementos e índices cit., p 456.
144

.Quanto aos cânones hermenêuticos propostos por Betti, tem-se a descrição de Lamego: “Como já
dito, a hermenêutica de Betti é normativa. Para o labor interpretativo, especifica diversos cânones
(regras): o primeiro deles é o “cânone da autonomia hermenêutica, que é o cânone da imanência
do critério hermenêutico  ou  cânone da autonomia hermenêutica do objeto. Esta regra de
interpretação determina que todo significante de ser entendido em  conformidade com o espírito
nela objetivado, isto é, a sua (...) necessidade, coerência e racionalidade.  O segundo cânone é
o cânone da totalidade, segundo o qual haveria um intercâmbio de sentido entre a parte e o todo,
ou, segundo dito corrente da hermenêutica, que o texto deve ser compreendido pelo contexto. Betti
exemplifica exatamente o alcance deste cânone com a remissão para a regra da interpretação dos
negócios jurídicos contida no Código Civil italiano (art.  1.363). O terceiro cânone refere-se já ao
intérprete, e não ao objeto da interpretação, e Betti o denomina de  cânone da atualidade da
compreensão. Betti vê na subjetividade da reconstrução interna uma condição imprescindível da
possibilidade da interpretação (no sentido da teoria Kantiana do conhecimento). O Quarto cânone
estreitamente conexionado com o anterior, é o  cânone da correspondência (da adequação do
sentido) da interpretação,  segundo o qual o intérprete deverá procurar a compatibilização e
harmonia entre a sua atualidade vivencial e o estímulo que recebe do objeto” (grifos do original)
José Lamego. Hermenêutica e jurisprudência... cit., p. 194.
145

.Eros Roberto Grau. A jurisprudência dos interesses e a interpretação do direito. In: João Maurício
Adeodato (org.).  Jhering e o Direito no Brasil. Recife: Editora Universitária, 1996. p.  79. Essa
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impossibilidade de se encontrar um “método dos métodos” é a demonstração maior de equívoco


presente na hermenêutica clássica. Um exemplo pode ilustrar melhor a questão: Suponha-se que
um juiz ao aplicar determinada regra processual versando sobre competência, justifique sua
interpretação pela utilização do método gramatical, dizendo que lei processual que disponha sobre
competência deve ser interpretada literalmente. Nesse caso, qual regra ou metarregra de
interpretação serviria de fundamento para opção do julgador na utilização do método gramatical
para interpretação da disposição processual? A resposta é: Nenhuma! E esta perplexidade não é
exclusiva do método gramatical! O mesmo raciocínio serve para o método teleológico, para o
método lógico etc. Daí que se diz que a escolha/adequação destes métodos de interpretação se dá
ou de maneira dogmática (ou seja, “autoritariamente”) como no caso do art.  111 do Código
Tributário Nacional; ou de maneira  ad hoc  segundo a conveniência do ato, que quase sempre
resvala em um posicionamento político, ideologicamente camuflado pela penumbra judicial. Essa
problemática desaparece a partir de uma fundamentação antimetafísica, em que a questão da
interpretação é colocada na antecipação de sentido presente na noção de círculo hermenêutico e
que é determinada pela tradição.
146

.Cf. Lenio Luiz Streck. Jurisdição constitucional e hermenêutica... cit., p. 248. E continua o citado


autor dizendo: “Afinal, toda interpretação sempre será gramatical (porque, à evidência, deve partir
de um texto jurídico); será inexoravelmente teleológica (seria viável pensar em uma interpretação
que não fosse voltada à finalidade da lei, com a consequente violação à firme determinação do
art.  5.º  da Lei de Introdução ao  Código Civil, que determina que o juiz, na aplicação da lei,
atenderá aos fins sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum?); será,
obrigatoriamente sistemática (porque é impossível que um texto normativo represente a si mesmo,
sem se relacionar com o todo), e assim por diante”.
147

.Carlos Maximiliano. Op. cit., p. 104. Não obstante, é possível encontrar na legislação tentativas de
doutrinar a interpretação dos textos normativos a partir da adoção de um método específico de
interpretação, buscando limitar a intervenção do intérprete na construção da norma. O que dizer,
por exemplo, da napoleônica disposição contida no art.  111 do Código Tributário Nacional, que
determina, expressamente, que a interpretação em casos de extinção, suspensão, isenção ou
dispensa de cumprimento de obrigações tributárias acessórias será sempre literal (gramatical).
Dentre as muitas críticas existentes na doutrina, pode-se acrescentar o fato de que, em muitos
casos, a própria redação dos dispositivos constantes do Código leva ao chão o disposto no
art. 111, como se pode perceber na redação do art.  171 do  CTN.
148

.Importante ressaltar, desde já, que, como ressalta Lenio Streck (Hermenêutica jurídica e(m)
crise... cit., passim) para Gadamer a interpretação se dá em um único momento que é a applicatio.
Não se interpreta por fases, uma vez que a interpretação é apenas a explicitação da compreensão
do texto realizada pelo intérprete. Esse fator, aliás, é outra revolução marcante presente na obra
de Gadamer. Com efeito, seguindo o caminho trilhado por Heidegger, Gadamer irá dizer que não
se interprete para compreender, mas sim se compreende para interpretar, por isso que
interpretação é uma coisa só, um momento só, que explicita a compreensão do
intérprete: applicatio!. Cf. Hans-Georg Gadamer. Verdade e método, cit., vol. I p. 459 e ss.
149

.Cf. Carlos Maximiliano. Op. cit., p. 248-256.


150

.Inocêncio Mártines Coelho. Interpretação constitucional cit., p. 76-78.


151

.Apesar de essa investigação ter como um dos marcos teóricos a ideia de “círculo hermenêutico”
gadameriano, e se aproximar de certa forma do método hermenêutico-concretizador proposto por
Coelho, é preciso consignar que as noções de círculo hermenêutico estão inseridas na ideia de
antecipação de sentido e estrutura prévia da compreensão que levará Gadamer a enxergar um
projeto hermenêutico em toda compreensão de um texto. Assim, todo intérprete projeta de
antemão um sentido do todo, uma vez que ao ler o texto ele o faz com certas expectativas na
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perspectiva de um determinado sentido. A compreensão daquilo que está no texto consiste na


elaboração deste projeto prévio, que sofre uma constante revisão à medida que aprofunda e
amplia o sentido do texto. Desta forma, entende-se que não há que se falar em um “movimento de
ir e vir”  – como fala Betti em seu cânone da totalidade, segundo o qual o texto deve ser
compreendido pelo contexto. Isso seria cair novamente na objetificação metafísica da filosofia da
consciência! Como diz Heidegger, o círculo hermenêutico não é um “círculo vicioso”. É muito mais
um “círculo virtuoso”, uma vez que se encontra em constante evolução, dado que o frequente
projetar da compreensão e seu confrontamento com o texto sempre ampliará o “diâmetro” deste
círculo. A referência a um movimento de “ir e vir” (texto e contexto) leva a uma ideia de
estagnação, incidindo novamente nos problemas lógico dedutivos aqui já mencionados. Cf. Hans-
Georg Gadamer. Verdade e método: complementos e índices. cit., p. 77.
152

.Cf. Inocêncio Martinés Coelho. Interpretação constitucional cit., p. 89-93.


153

.Lenio Luiz Streck. Jurisdição constitucional e hermenêutica... cit., p. 236-237.

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10.2.1.3. A “era da hermenêutica” (Stein) e o caráter filosófico da


hermenêutica

Em outras palavras: não é possível falar em uma hermenêutica


“especificamente constitucional” porque a hermenêutica não é algo que possa ser
regionalizado.

Isso pode ser afirmado porque a filosofia contemporânea (assim entendida


aquela que se constrói no contexto do século XX) transformou profundamente o
modo como a hermenêutica deve ser encarada. O principal movimento para o
acontecimento dessa transformação é conhecido como  linguistic turn  (giro-
linguístico).154 A partir dele se estabeleceu um certo consenso no sentido de que é
impossível chegar aos objetos diretamente. O acesso ao objeto – independente do
que se entenda por objeto, seja ele um elemento químico, uma ação humana, uma
lei ou um julgado  – se dá a partir de um  médium  universal: a linguagem. Temos
acesso às coisas e chegamos a conhecê-las porque temos palavras para
mencioná-las.

Também na literatura brasileira há autores que exploraram essa dimensão de


trazer os fenômenos à manifestação através da linguagem, oferecendo-nos um
ótimo exemplo disso que estamos tratando no âmbito abstrato da
filosofia.155  Certamente, Guimarães Rosa é o primeiro a ser lembrado pela
composição/construção fenomenológica de palavras que possam mostrar as gretas
inacessíveis da condição humana. Nunca é dispensável lembrar que  Grande
Sertão: veredas  é um livro sobre a própria condição humana. Aqui, novamente,
estamos diante de uma articulação metafórica: o Sertão é o mundo.156

Outra obra que também tematiza esse dilema de que, para compreendermos os
fenômenos, eles precisam ser mostrados através da linguagem, é Vidas Secas de
Graciliano Ramos. A “secura” que se indica no texto não diz respeito apenas aos
aspectos dramáticos da vida agreste que se vive nos confins do sertão nordestino.
Nem tampouco se restringe às agruras que os retirantes suportam em sua
existência errante. Essa secura toca em todas essas questões, mas diz respeito –
principalmente – ao fato de que Fabiano, o protagonista, e os meninos seus filhos
são jogados constantemente contra os limites de sua linguagem e, em muitas
vezes, se sentem impossibilitados de manifestar as coisas por meio de palavras.
Há uma passagem que descreve de modo emblemático essa “secura” da fala.
Fabiano fora convidado por um “soldado amarelo” para jogar trinta e um no interior
da venda de seu vilarejo. Faltavam-lhe palavras, inclusive para recusar o convite e,
diante disso, entrou no jogo. Poucos minutos depois, sai da mesa como um
matuto, esbravejando e sem se despedir. Enquanto se preparava para voltar para
casa, ele foi surpreendido pelo “soldado amarelo” que lhe dá voz de prisão, sem ter
um motivo claro... Afirma, apenas, que ele saiu do jogo sem se despedir e que isso
o teria deixado irritado. Segue-se disso uma pequena discussão, uma troca de
insultos e Fabiano é surrado e depois levado à prisão. Já na cadeia, tem-se a
seguinte passagem:

“Afinal para que serviam os soldados amarelos? Deu um pontapé na parede, gritou
enfurecido. Para que serviam os soldados amarelos? Os outros presos remexeram-
se, o carcereiro chegou à grade, e Fabiano acalmou-se:
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– Bem, bem. Não há nada não.

Havia muitas coisas. Ele não podia explicá-las, mas havia. Fossem perguntar a
seu Tomás da bolandeira, que lia livros e sabia onde tinha as ventas. Seu Tomás da
bolandeira contaria aquela história. Ele, Fabiano, um bruto, não contava nada. Só
queria voltar para junto de sinhá Vitória, deitar-se na cama de varas. Por que vinham
bulir com um homem que só queria descansar? Deviam bulir com outros”.

A dificuldade da fala se agrava na medida em que se estende sua situação de


prisioneiro:

“Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso
por isso? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? (...)
se não fosse aquilo... Nem sabia. O fio da idéia cresceu, engrossou  – e partiu-se.
Difícil pensar.”157

A “secura” da linguagem impede que as coisas sejam mostradas na fala, impede


que ele seja ouvido, seja para se defender, seja para reclamar. Essa secura aparece
também num episódio em que toda a família vai para a cidade, participar das
festividades natalinas. Os seus meninos assustam-se e encantam-se com as coisas
da cidade: novidades. Novamente, o novo precisa ser nomeado... Mas lhes falta a
palavra: “[Os meninos] agora olhavam as lojas, as toldas, a mesa do leilão. E
conferenciavam pasmados. Tinham percebido que havia muitas pessoas no mundo.
Ocupavam-se em descobrir uma enorme quantidade de objetos. Comunicaram
baixinho um ao outro as surpresas que os enchiam. Impossível imaginar tantas
maravilhas juntas. O menino mais novo teve uma dúvida e apresentou-a timidamente
ao irmão. Seria que aquilo tinha sido feito por gente? O menino mais velho hesitou,
espiou as lojas, as toldas iluminadas, as moças bem-vestidas. Encolheu os ombros.
Talvez aquilo tivesse sido feito por gente. Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito,
soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. Sim, com
certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das
lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intricada.  Como podiam os
homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão grande
soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes,
misteriosas.”158 Grifos nossos.

Voltando para a Filosofia, de um modo global, é possível dizer que todo


pensamento desenvolvido no século XX teve como grande mote o problema da
linguagem e seu inevitável papel no processo de conhecimento no qual está
envolvido o ser humano.159

Diante do problema da linguagem, é possível determinar dois grandes grupos


que englobam diversas posições acerca da tarefa da filosofia e de seu papel no
processo de conhecimento:

a) um analítico;

b) um continental.160

O grupo analítico, mais próximo à tradição filosófica anglo-saxã (Estados


Unidos e Reino Unido, especialmente), pode também ser mencionado
como  semântico, tendo em vista a estrutura da reflexão por eles desenvolvida.
Superada a ideia da pura sintática – no interior da qual acreditava-se que os signos
linguísticos e as palavras produziam um sentido unívoco, independente do
contexto em que era utilizada – a analítica ou semântica, reconhece a polissemia
dos significados produzidos pela linguagem, mas acredita que essa polissemia
pode ser reduzida por uma espécie de terapia conceitual, que tem lugar na própria
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estrutura lógica do enunciado linguístico (sujeito + predicado). Ou seja, é possível


determinar a “pureza” linguística dos enunciados a partir de sua análise lógica, mas
tendo em conta seu uso denotativo.

Já o grupo continental, que recebe esse nome porque as posições filosóficas


desenvolvidas no seu bojo são provenientes  – em grande maioria  – da
Europa continental, possuiu um modo de pensar a linguagem bem diferente. É no
interior da chamada  filosofia continental  que está situada a  hermenêutica. Para a
hermenêutica, o papel e a tarefa da filosofia vão muito além da mera análise lógica
dos enunciados linguísticos. Embora não desconsidere a importância da
enunciação lógica, a hermenêutica procura apontar para uma dimensão mais
profunda que a linguagem humana comporta. Ou seja, “a hermenêutica toma por
fundamento o fato de que a linguagem nos remete tanto para além dela mesma
como para além da expressividade que ela apresenta. Não se esgota no que diz,
ou seja, no que nela vem à fala”.161  Isso significa que para a hermenêutica a
linguagem não está em jogo apenas em seu aspecto teórico, mas também no seu
sentido prático: o que é significado pela linguagem aparece a partir dos contextos
histórico-concretos a partir do qual estão envolvidos o sujeito que conhece e o
objeto que é conhecido.

Assim, o ponto convergente que faz encontrar  analítica  e a  hermenêutica  é


o giro-linguístico. Todavia, entre elas há diferenças consideráveis quando abordam
a questão do fundamento e o papel da história, e o problema da relação sujeito-
objeto.

Importante registrar que, sobre o chamado  giro linguístico, Lenio Streck vai
além para afirmar um giro ontológico-linguístico, uma vez que além da premência
do problema da linguagem (que aparece com clareza nas filosofias de matriz
analítica) também a questão ontológica é deslocada para um plano concreto e
fático no âmbito da filosofia hermenêutica de Heidegger.162

Porém, se é certa essa afirmação, também é certo que uma volta para trás
do  linguistic turn  não é possível. Como afirma Castanheira Neves: “O direito é
linguagem, e terá de ser considerado em tudo e por tudo como uma linguagem. O
que quer que seja e como quer que seja, o que quer que ele se proponha e como
quer que nos toque, o direito é-o numa linguagem e como linguagem – propõe-se
sê-lo numa linguagem (nas significações linguísticas em que se constitui e
exprime) e atinge-nos através dessa linguagem, que é”.163

A opção – paradigmática – entre analítica e hermenêutica deverá ficar clara no


decorrer deste curso. Para nós, o direito se apresenta como uma experiência
exemplar onde o elemento hermenêutico acontece. No direito, o caráter
sintomático da linguagem – que aparece em todas as teorias hermenêuticas – fica
claro no momento em que, como juristas, nunca conseguimos mencionar o que
desejamos totalmente, de forma transparente, algo sempre escapa.

Como afirma Emílio Betti: “o encontro do intérprete com o texto da lei nunca é
um contato direto que prescinda da mediação de elos intermediários”.164

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Por isso, devemos agora compreender melhor o que


significa Hermenêutica nesse novo contexto apresentado.

10.2.1.3.1. O papel de Martin Heidegger na transformação do sentido


da Hermenêutica no século XX

O século XX foi decisivo tanto para a Filosofia quanto para o Direito. Na filosofia
três transformações significativas podem ser mencionadas: a) o linguistic turn (giro
linguístico) que marca definitivamente a superação do esquema sujeito-objeto que
imperava no interior do realismo filosófico – clássico e medieval – e do idealismo
moderno a partir do vínculo indissociável entre pensamento e linguagem;165b)  o
declínio de um modelo matemático de fundamentação do pensamento e a
ascensão de um modelo histórico que dê conta do problema da fundamentação
nas chamadas ciências do espírito;166c) o giro ontológico que supera a ontologia da
coisa  pela  ontologia da compreensão  a partir do deslocamento do ser humano
(Dasein)167  para o interior da problemática ontológica.150 Estas três
transformações permitem que Ernildo Stein fale em uma “era da hermenêutica”,151
dada a radicalização que a problemática hermenêutica desempenha, pelo menos
no contexto da filosofia continental,168 na filosofia contemporânea. Nessa medida,
há algumas consequências decisivas para o pensamento das chamadas  Ciências
Humanas  (ou, na terminologia que se tornou clássica  Ciências do Espírito):  a)  a
colocação de todo pensamento sob o fio condutor da linguagem, que se assenta
em um modo distinto de conceber a relação entre linguagem e
conhecimento;169b)  a necessidade de se pensar historicamente seus
fundamentos;  c)  a radicalização da linguagem e a redefinição dos fundamentos
impõe que o conhecimento não seja mais pensado em função de um sujeito
solipsista (no caso da teoria processual o juiz), mas que o pensamento seja
encaminhado em direção à intersubjetividade cujo fio condutor é a linguagem e o
horizonte de sentido é o acontecer da historicidade do Ser-aí.170

Tudo o que foi mencionado anteriormente se dá a partir de uma transformação


fundamental da compreensão que tradicionalmente se tinha de  Hermenêutica.  É
uma transformação na qual Heidegger ocupa, novamente, um lugar central. Com
efeito, tal qual se dá com o giro ontológico, também a hermenêutica é tomada por
Heidegger num sentido totalmente novo na História da Filosofia. Não seria exagero
dizer que é a apropriação que o filósofo faz da hermenêutica que o possibilita
realizar o giro ontológico, de modo que é possível falar em um  giro ontológico-
hermenêutico.

Dado a centralidade que essa forma de compreender a hermenêutica


assume em nossa reflexão, é importante discorrermos um pouco mais sobre essa
transformação.

Não é no sentido que descrevemos no item 10.2.1.1 que Heidegger se apropria


da hermenêutica. A interpretação que ele efetuará é tão violenta que o fundo
metodológico que reveste o sentido da hermenêutica na tradição será destruído.
Com efeito, em  Ontologia  – Hermenêutica da Faticidade, Heidegger busca
recuperar um sentido para a hermenêutica que, para ele, havia ficado encoberto a
partir da construção levada à efeito pelo romantismo, especialmente com
Schleiermacher, e, posteriormente, reforçado no historicismo, com Dilthey. Ao
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contrário de Schleiermacher  – e, por derivação, também Dilthey  – Heidegger


desloca o significado essencial da hermenêutica de
uma Kunstlehre (predominantemente formal) para uma dimensão mais diretamente
ligada ao mundo prático; ao ato de falar; de se comunicar. Realizando uma espécie
de  história do conceito, de modo a enfatizar as suas transformações no contexto
da história da filosofia, Heidegger afirma que a origem da hermenêutica está
relacionada diretamente com a fala e a comunicação e, nessa significação mais
originária, estaria ela relacionada intimamente com a própria interpretação, ou seja,
com a descrição da própria atividade, e não como uma observação de segundo
nível a se apresentar como uma “doutrina”, expressando, nessa medida, o sentido
de tornar acessível  ou  fazer com que se manifeste  isto ou aquilo sobre o que se
fala.

A palavra grega  hermeneuen,  da qual provém


etimologicamente  hermenêutica,  teria um significado mais propriamente ligado à
anunciação de algo, interpretando um pensamento (citando Aristóteles, Heidegger
afirma: “a linguagem do discurso é a interpretação através do
pensamento”).171 Portanto, nesse campo de significações, hermenêutica implicaria
a própria interpretação e não a doutrina da arte [Kunstlehre] da interpretação. Seu
sentido mais essencial radica-se, assim, na participação de um sentido comum  –
que compartilhamos  – e nos possibilita trazer as coisas à presença por meio da
linguagem; mostrar uns aos outros as experiências compartilhadas.

Esse sentido manter-se-ia parcialmente preservado em Santo Agostinho, mas


já indicaria, nesse contexto, algumas transformações interessantes. A primeira,
certamente, diz respeito ao fato de se articular a interpretação e seus
desdobramentos às Escrituras, problematizando o acesso à “vontade de Deus”. A
segunda, diz respeito ao fato de já aqui estar esboçado um conjunto de certos
pressupostos que o intérprete deveria cuidar de cultivar  – virtudes interpretativas,
poder-se-ia dizer  – para que não deixasse de ver “sua fraqueza demonstrativa,
apoiada no conteúdo da verdade.” Tais pressupostos seriam: a caridade perante o
texto; o conhecimento da linguagem “para que não fique suspenso diante de
palavras e locuções”; o conhecimento de um conjunto de objetualidades que
possam ser inseridas para ilustrar o significado, por meio de metáforas e analogias.

Abre-se, então, o caminho para a construção de uma “teoria da interpretação”.


Embora, e essa ressalva é feita mais de uma vez, em Agostinho – e também em
Lutero – alguns elementos do significado original ainda estivessem vigentes.

Heidegger afirma que Schleiermacher, por seu turno, produziu uma restrição na
ideia de hermenêutica  – apagando esses elementos que ainda vindicavam nas
formatações anteriores – ao retirá-la desse universo abrangente da compreensão
enquanto acordo ou ajuste da dimensão de objetualidade do discurso,
transformando-a exclusivamente em uma  Kunstlehre.172  Dilthey, virando o
problema da individualidade para a história, teria se mantido no interior dessa
mesma estrutura normativa, retendo, portanto, o significado mais originário da
hermenêutica.

Em Hermenêutica da Faticidade, Heidegger pretendia recuperar as


possibilidades mais originárias para a hermenêutica.
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A partir deste trabalho, a hermenêutica, até então utilizada preponderantemente


para interpretação de textos, obras de arte e outras manifestações do “espírito”,
passa a ter como “objeto” outra coisa, a  faticidade. Mas o que é  faticidade? Em
nota anterior, para explicar o giro ontológico de Heidegger, afirmamos que o
filósofo dá ao homem o nome de  Ser-aí  e que o modo de ser deste ente é
a  existência. Todavia, dissemos também que este ente  – que somos nós  –
chamado Ser-aíé o que ele já foi, ou seja: o seu passado. Podemos dizer que isso
representa aquilo que desde sempre nos atormenta e que está presente nas
perguntas: de onde viemos? Para onde vamos? A primeira pergunta nos remete ao
passado, a segunda, ao futuro. O passado é selo histórico imprimido em nosso
ser: Faticidade; o futuro é o ter-que-ser que caracteriza o modo-de-ser do ente que
somos (Ser-aí): Existência. Portanto, a hermenêutica é utilizada para compreender
o ser (faticidade) do  Ser-aí  e permitir a  abertura do horizonte para o qual ele se
encaminha (existência). Aquilo que tinha um caráter ôntico, voltado para textos,
assume uma dimensão ontológica visando a compreensão do ser do Ser-aí. Note-
se: Heidegger crava a reflexão filosófica na concretude, no plano prático e precário
da existência humana. Por certo que essa reflexão reclama uma abstração muito
forte que decorre do necessário distanciamento para perceber aquilo que de nós
está mais próximo. Porém, a abstração parte de algo concreto, faticamente
determinável, e procura compreender aquilo que nós mesmos já somos. Mas nós
compreendemos o que nós mesmos já somos na medida em que compreendemos
o sentido do ser. Também já alertamos para o fato de que homem (Ser-aí) e ser
estão unidos por um vínculo indissociável. Isso porque, de tudo aquilo com que ele
se relaciona, o homem já compreendeu o ser, ainda que ele não se dê conta disso.
Como afirma Georg Steiner: “La fórmula de Heidegger (‘somos lo que entendemos
ser’) implica que nuestro proprio ser es modificado por cada suceso de
apropriación-comprensión. Ninguna lengua, ningún sistema simbólico tradicional,
ningún grupo cultural importa elementos ajenos sin correr el riesgo de
transformarse”.173

10.2.1.3.1.1. Os dois teoremas fundamentais: diferença ontológica e


círculo hermenêutico

Há, em toda ação humana, uma compreensão antecipadora do ser que permite
que o homem se movimente no mundo para além de um agir no universo
meramente empírico, ligado a objetos. Nos relacionamos com as coisas, com o
empírico, porque de algum modo já sabemos o que e como elas são. Há algo que
acontece além da pura relação objetivadora.174  Nosso privilégio se constitui pelo
fato de termos a “memória do ser”; ou seja: temos um  privilégio ôntico  – entre
todos os entes apenas nós existimos; e um  privilégio ontológico  – de todos os
entes somos os únicos que, em seu modo-de-ser, compreendem o  ser. Desse
duplo privilégio, o filósofo anota um terceiro: um  privilégio ôntico-ontológico  – a
compreensão do ser deste ente que somos é condição de possibilidade de todas
as outras ontologias (do Direito, da História, do Processo etc.).175

Didaticamente, podemos dizer: o fato de podermos dizer que algo  é, já


pressupõe que tenhamos dele uma compreensão, ainda que incerta e mediana. E
mais: só nos relacionamos com algo, agimos, direcionamos nossas vidas na
medida em que temos uma compreensão do ser. Ao mesmo tempo, só podemos
compreender o ser na medida em que já nos compreendemos em nossa faticidade.
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O acompanhamento desta rápida exposição por si só já dá conta da estrutura


circular em que se movimenta o pensamento heideggeriano. Essa estrutura circular
é o  Círculo Hermenêutico, não mais ligado à interpretação de textos, mas à
compreensão da faticidade e existência do  Ser-aí.176  É preciso notar que o ser
humano só compreende o  ser  na medida em que pergunta pelo  ente. Vejamos o
nosso caso: colocamos em movimento uma reflexão sobre o processo na
perspectiva de que, ao final, possamos dizer algo sobre o seu ser (uma definição
sobre o processo começaria com:  o processo é...). Mas ninguém negaria que o
processo se trata de um  ente. Um  ente  que é interrogado em seu  ser, pois toda
pergunta pelo processo depende disso:  O que éprocesso? Como éo
processo?  Assim, embora o  ser  e o  ente  se deem numa unidade que é a
compreensão que o homem (Ser-aí) tem do ser, há entre eles uma diferença. Esta
diferença Heidegger chama de diferença ontológica e se dá pelo fato de que todo
ente só  é  no seu  ser. Em outras palavras, a pergunta se dirige para o  ente, na
perspectiva de o compreendermos em seu ser.

10.2.1.3.1.2. A estrutura prévia da compreensão

Falamos do  Círculo Hermenêutico  e da  diferença ontológica  que são os dois
teoremas fundamentais da fenomenologia hermenêutica. Sabemos, então, que o
homem (Ser-aí) compreende a si mesmo e compreende o  ser  (Círculo
hermenêutico) na medida em que pergunta pelos  entes  em seu  ser  (diferença
ontológica).

De plano, o fenômeno que toma frente nesta curta exposição é a compreensão.


A partir de Heidegger, a hermenêutica terá raízes existências porque se dirige para
compreensão do  ser-dos-entes. Como nos lembra Streck, se nos paradigmas
anteriores vigia a crença de que primeiro interpretamos – através de um método –
para depois compreender; Heidegger nos mostra a partir da descrição
fenomenológica realizada pela analítica existencial em  Ser e
Tempo que compreendemos para interpretar.  A interpretação é sempre derivada
177

da compreensão que temos do  ser-dos-entes. Ou seja, originariamente o  Ser-


aí compreende o ente em seu ser e, de uma forma derivada, torna explicita essa
compreensão através da interpretação (Auslegung). Na interpretação, procuramos
manifestar onticamente aquilo que foi resultado de uma compreensão ontológica. A
interpretação é o momento discursivo-argumentativo em que falamos dos entes
(processo, direito etc.) pela compreensão que temos de seu ser.178

E como desde sempre compreendemos o  ser, não há uma ponte


entre consciência e mundo. Aquilo que era reivindicado por Kant foi desmistificado
por Heidegger no momento em que o filósofo descobriu o vínculo entre homem e
ser. Não há uma ponte entre consciência e mundo porque desde sempre já
estamos no mundo compreendendo o ser. Ou seja, há um vínculo entre ser-aí-ser
e uma co-originaridade entre ser e mundo. Não há primeiro o  Ser-aí  e depois o
mundo ou vice-versa. O Ser-aí é ser-no-mundo e sua faticidade é estar-jogado-no-
mundo; sua existência é ter-que-ser-no-mundo, sendo que, desde sempre, está
junto aos entes.179

c) aspectos conclusivos em torno do pensamento de Heidegger sobre a


hermenêutica.
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Há outras peculiaridades que poderíamos explorar na transformação que se


opera na filosofia com o pensamento heideggeriano. Para efeitos dessa
investigação, nos damos por satisfeitos com a compreensão de que a
hermenêutica recebe, a partir de então, um novo tratamento, sendo alçada a um
nível de verdadeira filosofia prática.180  O que precisa ficar estabelecido é que o
homem (Ser-aí) se apresenta no centro do mundo, reunindo os fios deste. Ao
escolher o homem (Ser-aí) como ponto central de sua filosofia, Heidegger não se
concentra em um ente com exclusão de outros; o  Ser-aí  traz consigo o mundo
inteiro.181 Isso é assim porque o Ser-aí é desde sempre ser-no-mundo; porque sua
condição é, em si compreendendo, compreender o ser (Circulo Hermenêutico); e
compreende o ser através da pergunta pelo ente (diferença ontológica).

Captar as estruturas da compreensão (que, como vimos, sempre é histórica)


não é possível ser feito pela via do método, uma vez que como elemento
interpretativo, o método sempre chega tarde. O que organiza o pensamento e
comanda a compreensão não é uma estrutura metodológica rígida  – como
acreditava Schleiermacher  – mas a  diferença ontológica. Todas essas conquistas
heideggerianas, serão apropriadas depois por outro hermeneuta, Gadamer, que
encontrará espaço para construção de sua Hermenêutica Filosófica. O título de sua
obra máxima é Verdade e Método, mas bem poderia chamar-se Verdade contra o
método  ou  Verdade apesar do Método, a partir da qual a hermenêutica será
radicalizada como um agir mediador através da experiência da arte, da história e
da linguagem.182

Por tudo isso, é a “era da hermenêutica” que fundamenta a tese de José


Lamego de que a Teoria do Direito, durante o século XX, efetua uma espécie de
recepção destas três revoluções descritas até aqui (da linguagem; do fundamento;
e da ontologia) encontrando seu ponto de estofo da filosofia existencial
(hermenêutica da faticidade) de Heidegger. Essa recepção é percebida em
diferentes graus em diversos autores. Mas, de uma forma global, em todos eles é
possível perceber aquilo que o professor português chama de “acesso
hermenêutico ao Direito”.

No que tange à fenomenologia hermenêutica e à hermenêutica filosófica  –


comportando as descobertas tanto de Heidegger quanto de Gadamer  – Lamego
demonstra como é possível notar nas obras de Josef Esser, Friedrich Müller, Arthur
Kaufmann e Ronald Dworkin183 a recepção dos principais conceitos desenvolvidos
por essa tradição hermenêutica do século XX. Em todos estes autores, há,
segundo Lamego, a possibilidade de se pensar em um acesso hermenêutico  para
o direito.

10.2.1.3.2. A hermenêutica Filosófica de Hans-Georg Gadamer

10.2.1.3.2.1. Considerações iniciais em torno da obra Verdade e Método

Verdade e Método, antes de qualquer coisa, é elaborada contendo em seu


núcleo uma intenção filosófica: com ela, Gadamer não quer apresentar um
conjunto de cânones para a interpretação de textos, nem tampouco construir uma
nova fundamentação para as assim chamadas ciências do espírito. Pelo contrário,
como o próprio filósofo reconhece no Prefácio à segunda edição: interessa-lhe
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perguntar como é possível a compreensão. No desenrolar dessa pergunta,


Gadamer não se interessa por aquilo que devemos ou queremos fazer nesse
momento compreensivo, mas, sim, por aquilo que,  para além do nosso querer e
dever, acontece quando compreendemos. Nessa medida, a investigação realizada
em  Verdade e Método  pretende rastrear e mostrar aquilo que é comum a toda
maneira de compreender não estando em jogo o que cada campo específico das
chamadas disciplinas hermenêuticas, ou seja, o Direito, a Teologia e a Literatura,
produzem em termos de procedimentos específicos para seu desenvolvimento
teórico e técnico, mas sim aquilo que independentemente do campo em que se
situe, acontece quando compreendemos.

Dito isso, é importante ter presente, portanto, que não podemos fazer uso
“aplicativo” dos elementos que Gadamer explora em sua obra nesses campos
diversos da cultura. Vale dizer, não há uma passagem direta, por exemplo, dos
conceitos gadamerianos para o direito. Tais conceitos são produzidos, como afirma
Stein, para “apanhar o compreender como um todo, e não o compreender de cada
campo em específico”.184 Todavia, é certo que, as análises acerca do compreender,
da história e da linguagem que são realizadas em  Verdade e Método  produzem
profundas alterações no modo como a ciência jurídica se constitui. Mostra-se
evidente, por exemplo, a contribuição que Verdade e Método oferecem para pôr à
mostra a estreiteza do perspectivismo metodológico que impera nos modelos
jurídico-epistemológicos do século XX, frente ao caráter oniabrangente da
compreensão. Também podemos lembrar o modo como a obra de Gadamer pode
contribuir para afastar o fantasma do relativismo no direito (lembrando o que o
próprio filósofo afirma: “o interesse hermenêutico do filósofo aparece exatamente
no momento em que se conseguiu evitar o erro”),185  que tem sido explorado
amplamente por Lenio Streck que produz, em seu  Verdade e Consenso,  uma
verdadeira Teoria da Decisão Jurídica que, é, sem dúvida, o problema fundamental
da ciência jurídica contemporânea.

10.2.1.3.2.2. A Consciência da história efetual


(Wirkungsgeschichtliches Bewußtsein)

De toda sorte, é importante notar aqui a importância que assume, na obra


gadameriana, o problema da história. Para sermos mais específicos: a importância
daquilo que Gadamer anuncia como  pensar historicamente. Antes, urge lembrar,
mais uma vez, que o pensamento em Gadamer é radicalmente determinado pela
história (a consciência deve reconhecer-se como efeito da história). Todavia, essa
historicidade do pensamento não é fruto de uma fundamentação absoluta, mas,
sim, o resultado de um compreender-se na experiência da finitude que caracteriza,
desde Heidegger, as estruturas existenciais do Dasein. Esse pensar histórico – ou
esse exercício de pensar historicamente – é descrito por Gadamer a partir de uma
crítica ao modo como o romantismo enxergava a tarefa do historiador (apenas para
recordar, o romantismo pensava a compreensão como a reprodução de uma
produção originária).186  No contexto do romantismo, exigia-se daquele que se
ocupa do estudo da história que deixasse de lado os seus próprios conceitos para
pensar, única e exclusivamente, naqueles da época que se tratava de
compreender. Essa exigência, segundo Gadamer, se apresenta como uma ingênua
ficção. “A consciência histórica incorre em um mal-entendido quando, para
compreender, pretende se desconectar daquilo que faz possível a compreensão.
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Pensar historicamente quer dizer: realizar a transformação que acontece aos


conceitos do passado quando intentamos pensar neles no presente”.187

Por outro lado, a consciência da história efetual também opera, num nível
hermenêutico, enquanto pressuposto de uma certa autorreflexão – que lhe confere,
mais uma vez, o caráter de filosofia  – ao indicar que o acontecimento da
compreensão implica que “toda a compreensão de algo de outro vem precedida de
uma autocritica. Aquele que compreende não postula uma posição superior.
Confessa, antes, a necessidade de colocar à prova a verdade que supõe própria. É
o que está implícito em todo compreender, e por isso todo o compreender contribui
para o aperfeiçoamento da consciência da história dos efeitos188”.

10.2.1.3.2.3. O Significado hermenêutico da Distância Temporal

Desse modo, quando se procura fazer um esforço de retorno autorreflexivo aos


conceitos do passado, a tentativa de encurtar a distância temporal que separa o
intérprete do momento originário de sua constituição não se encaminha para o
acontecimento da verdade da compreensão. Com efeito, a distância temporal é,
mais do que qualquer coisa, um elemento essencial da compreensão. Note-se
bem: a distância temporal é um elemento essencial da compreensão mesma. Não
se trata de fazer a compreensão melhorar, em um sentido de se saber mais em
virtude de possuir conceitos mais claros; trata-se, simplesmente, de compreender,
de conseguir levar as coisas a se manifestarem como objeto. Gadamer, sobre isso,
afirma apenas que não se trata de compreender melhor; bastaria dizer que quando
se compreende, compreende-se de um modo diferente.

Nas palavras do filósofo: “o tempo já não é um abismo que é preciso saltar


porque seria causa de divisão e de distância (...) pelo contrário, trata-se de
reconhecer a distância temporal como uma possibilidade positiva e produtiva do
compreender”.189

Gadamer explica a distância temporal a partir de um exemplo retirado da


experiência da arte. De fato, é uma experiência comum e peculiar a “impotência do
juízo” ali onde não há uma distância temporal que nos propicie padrões seguros de
abordagem. Veja-se, por exemplo, o juízo sobre a arte contemporânea que se
reveste, para a consciência científica, de uma desesperada insegurança:

“Quando nos aproximamos deste tipo de criações o fazemos desde prejuízos


incontroláveis, desde pressupostos que têm um poder demasiado sobre nós mesmos
como para poder conhecê-los. Tais pressupostos conferem à criação contemporânea
uma espécie de hiperresonância que não se corresponde com seu verdadeiro
significado. Apenas a paulatina extinção dos nexos atuais que irá fazer visível sua
verdadeira forma e possibilitará uma compreensão que pode pretender para si uma
generalidade vinculante.”190

Essa peculiaridade da distância temporal que aparece na experiência da arte


também pode ser sentida no direito. Como retratamos no início, os grandes
problemas que a ciência jurídica teve que enfrentar no século XX  – e o principal
deles que é a questão interpretativa; o elemento hermenêutico – parece somente
ter ficado claro no final de sua segunda metade e no início do século XXI. De
algum modo, nossa finitude nos leva à necessidade de enfrentar esse paradoxo: o
de que as grandes questões com as quais deve se ocupar o jurista apenas tornam-
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se claras o bastante num momento posterior à sua efetiva ocorrência. Isso é assim
porque precisamos da distância temporal para poder avaliar criticamente os nossos
prejuízos que, como frisado acima, constituem a força propulsora de nossa
compreensão. Todavia, sem esse processo de avaliação crítica, tais prejuízos
podem nos levar à produção de mal-entendidos. Os prejuízos são possibilitadores
de projetos de sentido que abrem para compreensão novos horizontes. Esse
horizonte, por sua vez, é conquistado a partir da elaboração de uma situação
hermenêutica.

Como explica Stein:

“O sujeito que compreende é finito, isto é, ocupa um ponto no tempo, determinado


de muitos modos pela história. A partir daí desenvolve seu horizonte de compreensão,
o qual pode ser ampliado e fundido com outros horizontes. O sujeito que compreende
não pode escapar da história pela reflexão. Dela faz parte. Estar na história tem como
consequência que o sujeito é ocupado por pré-conceitos que pode modificar no
processo da experiência, mas que não pode liquidar inteiramente”.191

10.2.1.3.2.4. Descrição dos principais elementos da Hermenêutica


Filosófica e seu significado para a hermenêutica jurídica

Gadamer modifica de forma intensa o conceito de hermenêutica que aparece


na tradição Schleiermacher-Dilthey. Em um procedimento bem semelhante àquele
já explorado por Heidegger, Gadamer procura demonstrar como Schleiermacher
reduziu toda a questão hermenêutica ao problema dos mal-entendidos e com isso
escondeu – ou entulhou – o significado anterior, que era articulado na tradição pré-
Schleiermacher. Ponto importante de se destacar é que os movimentos posteriores
da hermenêutica (incluindo Dilthey) teriam mantido soterrados esse significado
guiando-se pelo sentido imprimido à discussão por Schleiermacher. O que, de fato,
ocorre, bastando lembrar, aqui, de Dilthey e a sua “doutrina do gênio”.192 Mas qual
seria, afinal, esse significado encoberto por Schleiermacher? Na interpretação
gadameriana, antes de Schcleiermacher a ênfase da hermenêutica estava no
acordo; no common ground em meio ao qual nos movimentamos e que, no fundo,
possibilita nossa convivência comum. Não nos mal-entendidos. Mesmo no nível do
texto, o fenômeno (a evidência mais imediata que temos) indica que fazemos com
eles contatos diários, sobre os mais diferentes assuntos, e não nos ocorre
nenhuma dificuldade interpretativa em sua adequada compreensão. Apenas
quando esse ciclo comum é interrompido é que necessitamos, mais uma vez,
realizar aqui aquilo que Heidegger  – e, nesse sentido, citado expressamente por
Gadamer – chamava de “apropriação científica da compreensão”. Essa interrupção
pode se dar das mais diversas maneiras, inclusive por acesso inadequado à
linguagem – desconhecimento de palavras ou termos que nos colocam em estado
de “suspensão” perante o texto –; ou porque o texto trata de situações que
reclamam uma apropriação mais rigorosa do passado para ser devidamente
esclarecido; ou ainda – e, nesse caso, já avançando bastante e dando uma pitada
de hermenêutica filosófica para o problema – quando nos deixamos levar por um
preconceito arraigado e imprimimos um significado equivocado ao texto e algum
interlocutor nos chama a atenção, entre outras tantas situações.

Em todos esses casos, o ponto de partida da experiência hermenêutica são os


acertos  – e não os mal-entendidos. É a nossa disposição para nos colocar de
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acordo com relação a algo (a “coisa mesma”) que movimenta o círculo da


compreensão.

Um pequeno parêntese: alguém (jurista) poderia arguir: “mas não seria então
como que repristinar o bordão  in claris cessat interpretatio?” Resposta: não!
Sempre interpretamos. Porém, muitas vezes, corretamente. Hoje mesmo você
acordou, provavelmente leu o jornal pela manhã, compreendeu boa parte das
notícias e, por certo, interpretou corretamente muitos dos conteúdos que iam nelas
veiculados. O erro do vetusto brocardo não está em indicar que, em situações de
“obscuridade” (diríamos: interrupções no círculo da compreensão), faz-se
necessário uma mudança de comportamento com relação ao texto (ou seja:
“apropriar-se cientificamente da compreensão”). Ao contrário, o erro está em
pressupor que aquilo que  – para o intérprete  – foi “claro” não se operou como
interpretação. Ora, também na “clareza” há interpretação. Porém, provavelmente,
interpretação adequada. A hermenêutica filosófica coloca-nos em alerta com
relação aos nossos próprios preconceitos. Porém, não elimina a necessária
constatação de que, em muitos momentos, produzimos interpretações corretas dos
diálogos que mantemos, dos textos que lemos, do mundo em que vivemos.
Lembrando aquela citação que já fizemos de Gadamer: “o interesse hermenêutico
do filósofo começa justamente nos casos em que se logrou evitar o erro.”193

Nessa medida, partindo da descoberta heideggeriana da pré-estrutura da


compreensão e da ideia de círculo hermenêutico, Gadamer aduz que “quem quiser
compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro
sentido, o intérprete prelineia um sentido do todo”.194

Há, portanto, na base desse círculo hermenêutico, sempre uma antecipação de


sentido que aparece tão logo se mostre um primeiro sentido no texto. Este primeiro
sentido se mostra porque quando o intérprete/jurista lê o texto constitucional, por
exemplo, não o faz como uma  tábula rasa, despido de seus pré-juízos e de sua
pré-compreensão. Pelo contrário, sempre o faz dentro daquela estrutura circular
descrita por Heidegger, com certas expectativas, na perspectiva de um
determinado sentido. A compreensão do texto constitucional (e de todos demais
textos normativos) dependerá sempre da elaboração deste projeto prévio
(permeado pela pré-compreensão do intérprete),195  que sofre uma constante
revisão, na medida em que amplia e aprofunda o sentido do texto.196

Explicando (e explicitando) melhor tudo que foi colacionado, tem-se, as lições


do próprio Gadamer:

“O processo descrito por Heidegger de que cada revisão do projeto prévio pode
lançar um outro projeto de sentido; que projetos conflitantes podem posicionar-se lada
a lado na elaboração, até que se confirme de modo mais unívoco a unidade de
sentido; que a interpretação começa com conceitos prévios substituídos depois por
conceitos mais adequados. Em suma, esse constante projetar de novo é o que perfaz
o movimento semântico de compreender e interpretar. Quem procura compreender
está sujeito a errar por causa das opiniões prévias, que não se confirmam nas coisas
elas mesmas. Dessa forma, a constante tarefa do compreender consiste em elaborar
projetos corretos, adequados às coisas, isto é, ousar hipóteses que só devem ser
confirmadas ‘nas coisas elas mesmas’. Aqui não há outra ‘objetividade’ além da
elaboração da opinião prévia a ser confirmada. Faz sentido afirmar que o intérprete
não vai diretamente ao ‘texto’, a partir da opinião prévia pronta e instalada nele. Ao

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contrário,  põe à prova, de maneira expressa, a opinião prévia instalada a fim de


comprovar sua legitimidade, o que significa, sua origem e sua validade.” (grifamos).197

Nessa ordem de ideias, Gadamer afirma ainda que o esforço hermenêutico


deve proporcionar um questionamento das  coisas elas mesmas, para construir
uma empresa sólida. Quem quiser compreender não pode se abandonar
cegamente à casualidade de suas próprias opiniões, para em consequência e de
maneira autoritária, não “dar ouvidos” à opinião do texto, até chegar ao ponto desta
opinião ser sufocada pela arbitrariedade do intérprete.  Quem quiser compreender
um texto deve estar disposto a escutá-lo; a deixar que ele lhe diga alguma coisa.198

É dessa alteridade presente no texto que flui a interpretação.

De suma importância salientar que todo esse projetar da interpretação que se


dá a partir da antecipação de sentido presente na pré-compreensão do intérprete,
é guiada por sua carga de pré-juízos emergentes da  tradição. Em Gadamer,
a  tradição  assume especial relevo na medida em que há uma preocupação do
filósofo em encontrar um caminho da consciência histórica para mostrar como a
razão deve ser recuperada na historicidade do sentido, e essa tarefa se constitui
na autocompreensão que o ser humano alcança como participante e intérprete
da tradição histórica.199

Assim, não há uma estrutura metodológica rígida que prescreve a


interpretação. Esta é sim desde sempre condicionada pelos pré-juízos e pela pré-
compreensão do intérprete que são legados pela  tradição  histórica na qual ele  –
intérprete  – está linguisticamente mergulhado. Não são métodos/cânones que
guiam o intérprete em sua empresa hermenêutica, mas sim seus projetos de
sentido que emanam do confronto de seus pré-juízos/pré-compreensão com o
texto. Os sentidos produzidos pelo intérprete adquirem validade na medida em que
são compatíveis com a “coisa ela mesma” ou com a “coisa em si” presente no
texto. Se esta alteridade entre texto e intérprete se mostrar incompatível com a
“coisa em si”, há a substituição dos sentidos atribuídos pelo intérprete por outros
mais autênticos, e, assim, sucessivamente.

Com Heidegger e Gadamer, então, a hermenêutica deixa der ser


normativa/metodológica, constituída a partir de metafísicos esquemas dedutivos-
subsuntivos em que o objeto é construído pelo cogito ou refletido na consciência; e
passa a ser filosófica, na medida em que está estruturada na  antecipação de
sentido  presente na base do círculo hermenêutico anteriormente descrito. Dessa
forma, o caráter da interpretação será sempre  produtivo. É impossível reproduzir
um sentido. A atividade criativa/produtiva do intérprete no trabalho hermenêutico é
parte inexorável do sentido da compreensão e de sua estrutura prévia.

Por isso, hermenêutica não é (e não pode ser) método(logia). É, sim,


filosofia,200 e seu problema central reside na pré-compreensão, ou na antecipação
de sentido própria do círculo hermenêutico.

Enfim, para afastar a ilusão de objetividade dos métodos de interpretação,


calham as palavras de Gadamer proferidas já no apagar das luzes de seu Verdade
e Método:

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“Assim, é certo que não existe compreensão que seja livre de todo preconceito,
por mais que a vontade do nosso conhecimento tenha de estar sempre dirigida, no
sentido de escapar de nossos preconceitos. No conjunto desta investigação
evidencia-se que, para garantir a verdade, não basta o gênero de certeza, que o uso
dos métodos científicos proporciona. Isso vale especialmente para as ciências do
espírito, mas não significa, de modo algum, uma diminuição de sua cientificidade,
mas, antes, a legitimação da pretensão de um significado humano especial, que elas
vêm reivindicando desde antigamente. O fato de que, em seu conhecimento, opere
também o ser próprio daquele que conhece, designa certamente o limite do ‘método’,
mas não da ciência.  O que a ferramenta do ‘método’ não alcança tem de ser
conseguido e pode realmente sê-lo através de uma disciplina do perguntar e do
investigar, que garante a verdade.” (grifamos)201

Da mesma forma, o processo hermenêutico não se realiza por partes ou


camadas. Não há uma  subtilitas intelligendi  que conhece; uma  subtilitas
explicandi  que interpreta; e uma  subtilitas applicandi  que aplica o resultado da
interpretação. Daí decorre outro inconveniente da hermenêutica jurídica clássica
que separa interpretação de aplicação. O sujeito (intérprete/jurista) primeiro
conhece, depois aplica o objeto (texto jurídico-norma) construído pelo  cogito  ou
refletido na consciência.

A hermenêutica filosófica de Gadamer avança nesse sentido e concebe a


interpretação como um processo unitário, a aplicação (applicatio). Com efeito,
sendo a interpretação apenas a exteriorização da compreensão  – como diz
Heidegger em passagem já citada,  “interpretar é elaborar as possibilidades
projetadas na compreensão” – interpretar já é aplicar!

Assim, há um salto para além do modo tradicional de se pensar fenômenos


como compreensão, interpretação e concretização de textos normativos, tratando
unitariamente interpretação e aplicação. Do mesmo modo, não há também uma
questão de direito à espera de ser “acoplada” a uma questão de fato à moda
dedutivista da hermenêutica clássica. Não existe uma autonomia entre questão de
fato e questão de direito. Por isso, diz Gadamer, “o conhecimento do sentido de um
texto jurídico e sua aplicação a um caso jurídico concreto não são atos separados,
mas um processo unitário”.202  De fato, o intérprete não se depara com o texto
constitucional separado da realidade social e dos demais textos
infraconstitucionais. Daí Castanheira Neves dizer, em seu “Metodologia Jurídica –
Problemas fundamentais” que uma questão de direito é sempre uma questão de
fato, e uma questão de fato, será sempre uma questão de direito.203

Tais constatações desmitificam conceitos tradicionais da metodologia e da


hermenêutica jurídicas e abre caminho para uma hermenêutica de cunho produtivo
em que a interpretação da lei é uma tarefa eminentemente criativa. Sem dúvida,
com Heidegger e Gadamer há um rompimento com a possibilidade de saberes
reprodutivos e, principalmente a partir deste último, fica claro que interpretar uma
lei passa a ser uma atividade criativa de atribuição de sentido (e não de
reprodução do sentido unívoco presente no texto normativo).

Torna-se muito claro, portanto, que o grande problema hermenêutico é dar


conta da distância que existe entre o intérprete (sujeito) e o texto (objeto). A
hermenêutica filosófica nos mostra que a tradição, e a consciência dos efeitos da
história nos aproximam dos objetos  – textos  – de modo que não existe uma

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“consciência subjetiva” pura, despida de qualquer significação, a se aproximar de


um texto para ser interpretado. Nesse ponto, aniquila-se o mito da objetividade na
interpretação: a “consciência subjetiva” sempre carrega consigo seus pré-juízos e
sua carga histórica quando se aproxima do texto e, é só por causa deles, que
consegue atribuir sentido aos textos que interpreta.

Todavia, essa atribuição não pode, em nenhuma hipótese, representar um ato


pleno da vontade subjetiva do intérprete.

Pelo contrário, Gadamer é enfático ao dizer que só interpreta corretamente um


texto quem se abre para a “alteridade hermenêutica”: quem quiser compreender
um texto deve deixar que o texto lhe diga algo.

Assim, o controle dessa atribuição de sentido e da garantia mínima da


objetividade na interpretação dos textos jurídicos, passa a ser tematizado no
âmbito de uma teoria da decisão.

Separamos aqui três autores que procuram solucionar o problema da decisão


judicial no seio de nossa contemporaneidade jurídica (em que a interpretação do
direito sofreu uma profunda transformação a partir da introdução de elementos que
aumentaram a complexidade do fenômeno interpretativo sendo que, entre todos,
os principais são os chamados  princípios constitucionais). Nestes três autores,
podemos visualizar as nuances filosóficas que descrevemos no presente item. No
caso do primeiro, Robert Alexy, sua matriz analítica o leva a afirmar uma  teoria
procedimental da decisão, oferecendo uma fórmula de racionalização do discurso
judicial. O segundo autor é Ronald Dworkin que, inspirado na hermenêutica
produzida pela filosofia continental contemporânea, afirma um ideal construtivista
de decisão judicial, baseado no princípio do  direito como integridade. Por fim,
temos a teoria da decisão de Lenio Streck que, operando a partir de uma
imbricação entre Gadamer e Dworkin, procura assegurar as condições para se
encontrar respostas adequadas à constituição para os casos judiciais.

154

.Sobre o giro linguístico, ou reviravolta linguística, afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “Pouco a
pouco se tornou claro que se tratava, no caso da ‘reviravolta linguística’ (linguistic turn) de um novo
paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da
reflexão filosófica para a ‘esfera dos fundamentos’ de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa
a poder levantar a pretensão de ser a ‘filosofia primeira’ à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias” (Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2.  ed. São Paulo:
Loyola, 2001. p.  12-13). Também mencionamos o problema das teorias realistas e idealistas na
compreensão da filosofia e sua superação pelo giro linguístico. Na verdade  – e é importante
compreender este fator  – o idealismo moderno, principalmente em sua vertente kantiana que se
chamará idealismo transcendental, já representa a superação de uma representação ingênua do
mundo presente nas posturas realistas que procuravam pensá-lo como algo dado cujo trabalho do
pensamento era apurar as essências deste dado (isto faz com que alguns autores denominem este
período da Filosofia como Metafísica  Objetivista, porque orientada por objetos). O idealismo de
Kant supera esta concepção na medida em que problematiza decisivamente o papel do sujeito na
atividade cognoscente (Como contraponto ao objetivismo, fala-se aqui em Metafísica Subjetivista,
por que coloca em jogo o papel do sujeito sob o prisma da subjetividade que se afirma a partir de
Descartes). No entanto, em ambas as hipóteses,  há uma vala entre o sujeito que conhece e o
objeto que é conhecido. O problema que se instaura e permanece aberto é encontrar uma  ponte
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entre consciência e mundo. Já em Hegel o problema se terá por solucionado a partir do


chamado  idealismo absoluto  cuja característica central é tomar como objeto do pensamento o
próprio pensamento na perspectiva de constituição de um sistema filosófico acabado (Cf. Martin
Heidegger. A tese de Kant sobre o ser. Conferências e escritos filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São
Paulo: Nova Cultural, 2005; A constituição onto-teo-lógica da metafísica.  Conferências e escritos
filosóficos. Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Nova Cultural, 2005). De todo modo, o que precisa ficar
claro que é o giro linguístico representa uma transformação decisiva em relação aos dois
paradigmas filosóficos anteriores. A indicação de um vínculo indissolúvel entre pensamento e
linguagem propicia uma nova leitura da história da filosofia e abre um novo horizonte para a
reflexão filosófica. Por certo que, a linha de frente é o combate à subjetividade presente nas teorias
idealistas. Isto fica claro em Gadamer quando assevera:  “Quem pensa a ‘linguagem’ já se
movimenta para além da subjetividade” (Hermenêutica em retrospectiva. Petrópolis: Vozes, 2007.
vol. I, p. 27).
155

.De se notar que há importantes estudos que procuram descrever e compreender o fenômeno
jurídico a partir de uma relação com a literatura. Nesse sentido, faz-se imprescindível a consulta de
André Karam Trindade; Roberta Magalhães Gubert; Alfredo Copetti Neto (orgs.).  Direito &
Literatura: reflexões teóricas.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008; e dos mesmos
organizadores Direito & Literatura: ensaios críticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
156

.Ver, nesse sentido, Ernildo Stein. A instauração do sentido. Porto Alegre: Movimento, 1977. p. 11 e
ss.
157

.Graciliano Ramos. Vidas secas. 111. ed. São Paulo: Record, 2009. p. 33.


158

.Idem, p. 82.
159

.Sobre o giro linguístico, ou reviravolta linguística, afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “Pouco a
pouco se tornou claro que se tratava, no caso da ‘reviravolta linguística’ (linguistic turn) de um novo
paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da
reflexão filosófica para a ‘esfera dos fundamentos’ de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa
a poder levantar a pretensão de ser a ‘filosofia primeira’ à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias” (Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2  ed. São Paulo:
Loyola, 2001. p. 12-13). Também Castanheira Neves: “Conclui-se que a referência, a orientação e
a ordenação do mundo, que sua experiência no mundo fá-las o homem pela linguagem, enquanto
é ela o radical mediador de seu acesso cultural ao mundo: ‘o que há no mundo não depende em
geral do nosso uso da linguagem, mas já depende desse uso o que nós podemos dizer que há’
(W.V.O. Quine)” (Antônio Castanheira Neves. Metodologia... cit., p. 89).
160

.Franca D’Agostini.  Analíticos e continentais.  Trad. Benno Dischinger. São Leopoldo: Unisinos,
2003. p. 175 e ss. A referência a esta obra não é aleatória ou casual. A autora desenvolve nela um
guia enciclopédico de toda Filosofia produzida nos últimos trinta anos, procurando pontuar as
principais diferenças e divergências entre os modos de fazer Filosofia: a)Analítico – mais próximo
aos autores da tradição anglo-saxã; e b) continental – que se expressa principalmente nos filósofos
oriundos da Europa continental. Existem pontos de convergência que em algum momento
aproximam as duas tradições que se dá nos temas da superação da metafísica e da colocação da
reflexão filosófica no âmbito da linguagem de modo a não admitir mais a dissociação entre
pensamento e linguagem (movimento conhecido como linguistic turn  – giro linguístico). Contudo,
cada uma delas apontará caminhos diferentes tanto no que atina à questão da linguagem, ou ao
papel da Filosofia em relação à linguagem, quanto em relação à superação da metafísica. Este
curso se aproxima e acompanha a tradição que D’Agostini chama continental.
161

.Hans-Georg Gadamer. Verdade e método: complementos e índices cit., p. 209.

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162

.Cf. Lenio Luiz Streck. O que é isto... cit., em especial o capítulo 2.


163

.Metodologia... cit., p. 90.
164

.Emilio Betti. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. CIV.
165

.Sobre o giro linguístico, consultar a nota n.  105, mencionada anteriormente. No mais, também
mencionamos o problema das teorias realistas e idealistas na compreensão da filosofia e sua
superação pelo giro linguístico. Na verdade – e é importante compreender este fator – o idealismo
moderno, principalmente em sua vertente kantiana que se chamará  idealismo transcendental, já
representa a superação de uma representação ingênua do mundo presente nas posturas realistas
que procuravam pensá-lo como algo dado cujo trabalho do pensamento era apurar as essências
desse dado (isso faz com que alguns autores denominem esse período da Filosofia como
Metafísica Objetivista, porque orientada por objetos). O idealismo de Kant supera essa concepção
na medida em que problematiza decisivamente o papel do sujeito na atividade cognoscente (Como
contraponto ao objetivismo, fala-se aqui em Metafísica Subjetivista, por que coloca em jogo o papel
do sujeito sob o prisma da subjetividade que se afirma a partir de Descartes). No entanto, em
ambas as hipóteses,  há uma vala entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido. O
problema que se instaura e permanece aberto é encontrar uma ponte entre consciência e mundo.
Já em Hegel o problema se terá por solucionado a partir do chamado  idealismo absoluto  cuja
característica central é tomar como objeto do pensamento o próprio pensamento na perspectiva de
constituição de um sistema filosófico acabado (Cf. Martin Heidegger. A tese de Kant sobre o ser...
cit.; A constituição onto-teo-lógica da metafísica... cit.). De todo modo, o que precisa ficar claro que
é o giro linguístico representa uma transformação decisiva em relação aos dois paradigmas
filosóficos anteriores. A indicação de um vínculo indissolúvel entre pensamento e linguagem
propicia uma nova leitura da história da filosofia e abre um novo horizonte para a reflexão
filosófica. Por certo que, a linha de frente é o combate à subjetividade presente nas teorias
idealistas. Isto fica claro em Gadamer quando assevera:  “Quem pensa a ‘linguagem’ já se
movimenta para além da subjetividade” (Hermenêutica em retrospectiva cit., vol. I, p. 27).
166

.No século XX, tem lugar o que se convencionou a chamar “crise do fundamento”. Para aqueles
que, como os juristas, operam no universo das ciências humanas (do espírito) essa questão
assume uma peculiaridade singular. Isto porque, é exatamente o modelo de fundamentação destas
ciências que está em jogo nesta crise. De alguma forma, a determinação das ciências humanas
em contraste com as ciências naturais, procurando medir o caráter “científico” das ciências
humanas a partir do caráter científico das ciências da natureza, passa a sofrer um ataque decisivo.
No interior da Filosofia continental, a tradição hermenêutica procura oferecer uma fundamentação
histórico-filosófica para esse grupo de ciências que, como relata Gadamer, chegaram a ser
apelidadas de “inexatas”. (Cf. Hermenêutica em Retrospectiva, Vol. II p. 185 e segs.). Desse modo,
procura-se deslocar o modelo fundacional de um modelo matemático, constituído a partir de
axiomas operados de modo indutivo na sua formação e dedutivo na aplicação, para o terreno
precário e contingente do acontecer da história humana. A influência deste modelo matemático de
fundamentação pode ser facilmente percebida no Direito. Como atesta Lamego: “as
representações sobre o modo de argumentação e fundamentação das decisões traduzem as
ideias sobre a questão da ‘justiça’ do Direito. Nos quadros do modelo  axiomático-dedutivo, a
argumentação cinge-se à discussão sobre o verdadeiro sentido das proposições ou dos textos
legais” (Cf. Hermenêutica e jurisprudência... cit., p. 217).
167

.O termo alemão  Dasein  tradicionalmente designa existência (é neste sentido que é usado por
filósofos da tradição metafísica, como é o caso de Kant, por exemplo), encontra sérios problemas
na tradução para outras línguas. Isso porque Heidegger oferece ao termo uma conotação
diferenciada que mantém o significado inicial de existência, mas no sentido daquele ente que,
entre todos os outros,  existe,  que é homem. Para Heidegger somente o  Dasein  existe, porque
existência implica em possibilidades, projetos. Os demais entes intramundanos, que estão à
disposição subsistem. Como ficará claro no decorrer da exposição, há toda uma carga semântica
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em torno do termo  Dasein, que dificulta a tradução para o português, por exemplo. Em nossa
língua há pelo menos duas traduções possíveis:  Ser-aí  e  Pre-sença. Esta última é o termo
escolhido pela tradução brasileira de Márcia Sá Cavalcante Schuback editada pela editora Vozes
de Petrópolis (Cf. Ser e Tempo. 12. ed., parte I. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis:
Vozes, 2002;  Ser e Tempo.  12.  ed., parte  II. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis:
Vozes, 2005). Ambas as traduções são passíveis de equívocos ou mal-entendidos. Todavia,
optamos por traduzir Dasein por  Ser-aí  visto que  Pre-sença  pode ser confundido com a
representação tradicional do ser em geral como pre-sente, o que definitivamente não está em jogo
no uso que Heidegger faz da expressão  Dasein. Importante anotar, que na tradução que Jorge
Eduardo Rivera realizou para o castelhano (e que é a tradução que utilizamos no presente
trabalho), o filósofo chileno optou por deixar  Dasein  sem tradução, procurando preservar toda
carga semântica que a expressão contém em alemão (Cf. Martin Heidegger. Ser y Tiempo.  Trad.
Jorge Eduardo Rivera. Madrid: Trotta, 2003). Por motivos didáticos, nós sempre utilizaremos a
expressão Ser-aí como tradução para Dasein. Esclarecendo a questão do Dasein Michael Inwood
afirma que: “Dasein é o modo de Heidegger referir-se tanto ao ser humano quanto ao tipo de ser
que os seres humanos têm. Vem do verbo dasein que significa ‘existir’ ou ‘estar aí, estar aqui’. O
substantivo Dasein é usado por outros filósofos, Kant por exemplo para designar a existência de
toda entidade. Mas Heidegger restringe-o aos seres humanos. (...) Por que Heidegger fala do ser
humano dessa maneira? O ser dos seres humanos é notadamente distinto dos ser de outras
entidades do mundo. O Dasein é uma entidade para a qual, em seu Ser, esse Ser é uma questão”.
Michael Inwood. Heidegger. Trad. Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Loyola, 2004. p. 33-34.
168

.Franca D’Agostini. Op.  cit., p.  175 e ss. A referência a esta obra não é aleatória ou casual. A
autora desenvolve nela um guia enciclopédico de toda Filosofia produzida nos últimos trinta anos,
procurando pontuar as principais diferenças e divergências entre os modos de fazer
Filosofia: a)Analítico – mais próximo aos autores da tradição anglo-saxã; e b)continental – que se
expressa principalmente nos filósofos oriundos da Europa continental. Existem pontos de
convergência que em algum momento aproximam as duas traições que se dá nos temas da
superação da metafísica e da colocação da reflexão filosófica no âmbito da linguagem de modo a
não admitir mais a dissociação entre pensamento e linguagem (movimento conhecido
como  linguistic turn  – giro linguístico). Contudo, cada uma delas apontará caminhos diferentes
tanto no que atina à questão da linguagem, ou ao papel da Filosofia em relação à linguagem,
quanto em relação à superação da metafísica. Esta investigação se aproxima e acompanha a
tradição que D’Agostini chama continental.
169

.Nunca é demais lembrar que este “novo” modo de se compreender a linguagem implica em uma
recolocação de seu papel no processo cognitivo. Como anota Lenio Streck, no interior deste
paradigma, “a linguagem deixa de ser uma terceira coisa que se interpõe entre um sujeito e um
objeto e passa a ser condição de possibilidade” (Jurisdição constitucional e hermenêutica...  cit.,
p.  197 e ss.). Ou seja: a linguagem não pode mais ser vista como ferramenta disponível para
conhecer objetos. A linguagem é constituinte e constituidora do mundo do homem. Como anota
Gadamer: “a linguagem não é nenhum instrumento, nenhuma ferramenta. Pois uma das
características essenciais do instrumento é dominarmos seu uso, e isso significa que lançamos
mão e nos desfazemos dele assim que prestou seu serviço. Não acontece o mesmo quando
pronunciamos as palavras disponíveis de um idioma e depois de utilizadas deixamos que retornem
ao vocabulário comum de que dispomos. Esse tipo de analogia é falso porque jamais nos
encontramos como consciência diante do mundo para um estado desprovido de linguagem
lançarmos mão do instrumental do entendimento. Pelo contrário, em todo conhecimento de nós
mesmos e do mundo, sempre já fomos tomados pela nossa própria linguagem” (Verdade e
método: complementos e índices cit. p. 176).
170

.Preparando o caminho para o que será abordado logo mais, é importante esclarecer que essa
historicidade que as teorias hermenêuticas reivindicam como horizonte no qual o saber das
ciências humanas acontece não se confunde com uma espécie de consciência historiológica,
entendida como conhecimento acumulado dos eventos do passado. Isso se dá porque, em Ser e
Tempo, iniciando a analítica existencial do Ser-aí, Heidegger precisa estabelecer um aceno prévio
do modo-de-ser deste ente. No § 6.º, onde o filósofo anuncia a tarefa de uma destruição da história
da ontologia, Heidegger afirma que o Ser-aí  ‘é”  seu passado. O  Ser-aí  é seu passado na forma
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própria do seu ser, ser que acontece sempre desde seu futuro. O filósofo mostra algo que pode
soar estranho: ele afirma que o passado do Ser-aí não se situa atrás deste ente, mas sempre e a
cada vez lhe antecipa. Ou seja, as possibilidades do Ser-aí são limitadas por aquilo que de alguma
forma ele já é. Esse ter que ser o que já é, Heidegger denomina estar-jogado-no-mundo, ao passo
que sua existência, enquanto possibilidade, se denomina estar-lançado. No seu ter que ser, ou
estar-jogado-no-mundo, o Ser-aí se encontra já sempre imerso em uma tradição, embora disso ele
não seja necessariamente consciente. Esse ser histórico que atravessa o Ser-aí por todos os lados
é o que propriamente designa sua  historicidade. Como diz Gadamer: “ele só possui uma tal
consciência porque é histórico. Ele é seu futuro, a partir do qual ele se temporaliza em suas
possibilidades. Todavia, o seu futuro não é o seu projeto livre, mas um projeto jogado. Aquilo que
ele pode ser é aquilo que ele já foi” (Hermenêutica em retrospectiva cit., vol.  II. p.  143). Daí que
surge a necessidade de se diferenciar, através da linguagem, essa especificidade do  Ser-aí.
Heidegger joga, então, com a palavra alemã Geschehen que significa acontecer. Há também que
se ter em conta o sentido de Geschichte e Geschichtlichkeit. Com o termo Geschichte Heidegger
menciona-se a história enquanto acontecer humano, diferente de Historie que designa ciência dos
eventos históricos. Já Geschichtlichkeit, que se traduz tradicionalmente por historicidade, se refere
ao caráter de  acontecência  que reveste a própria existência humana. Nesse sentido, Heidegger
assevera que a ausência de um saber histórico não é, de forma alguma, prova  contra  a
historicidade do Ser-aí. Isto é sim, enquanto modo deficiente desta constituição de ser, uma prova
a seu favor, pois, uma determinada época somente pode carecer de sentido histórico (unhistorisch
sein) na medida em que é historial (Geschichtlich). Assim, o universo de fundamentação e limites
das ciências humanas devem ser pensadas a partir da historicidade do humano, a partir de uma
apropriação positiva do passado e da plena posse de suas mais próprias possibilidades e
questionamentos (Cf. Ser y Tiempo cit., p. 43-50).
171

.Cf. HEIDEGGER, Martin.  Ontologie: Hermeneutik der Faktizität. Vol. 63 da Obra Completa.
Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1988, p. 10.
172

.Heidegger afirma que “Schleiermacher, então, reduziu a abrangente e viva ideia de Hermenêutica
(como em Augustinho!) a uma ‘arte (doutrina da arte) da compreensão’ do discurso de outras
pessoas, colocando-a em relação com outras disciplinas, como a gramática e a retórica, em
conexão com a dialética; essa metodologia é formal, ela envolve uma ‘hermenêutica geral’ (Teoria
e doutrina da arte da compreensão do discurso alheio em geral).” No original: “Schleiermacher hat
dann die umfassend und lebendig gesehene Idee der Hermeneutik (vgl. Augustin!) eingeschränkt
auf eine ‚Kunst (Kunstlehre) des Verstehens‘ der Rede eines anderen und bringt sie als Disziplin
mit Grammatik und Rhetorik in Zusammenhang mit der Dialektik; diese Methodologie ist formal, sie
umgreift als ‚allgemeine Hermeneutik‘ (Theorie und Kunstlehre des Verstehens fremder Rede
überhaupt)“. HEIDEGGER, Martin, Ontologie. op. cit., p. 13.
173

.Georg Steiner. Después de Babel. Aspectos del lenguaje y la tradución. 3. ed. México: Fondo de
Cultura Económica, 2005. n. V., p. 305.
174

.Para uma análise pormenorizada Cf. Ernildo Stein.  Pensar é pensar a diferença. A filosofia e o
conhecimento empírico. Ijuí: Editora Unijuí, 2002.
175

.Cf. Heidegger. Ser y Tiempo cit., p. 36.


176

.Sobre o círculo hermenêutico no sentido que assume em Heidegger, Stein anota o seguinte: “O
homem se compreende quando compreende o ser, para compreender o ser. Mas logo em seguida
Heidegger vai dizer: ‘Não se compreende o homem sem se compreender o ser’. Então a ontologia
fundamental é caracterizada por esse círculo: estuda-se aquele ente que tem por tarefa
compreender o ser e, contudo, para estudar esse ente que compreende o ser, já é preciso ter
compreendido o ser. O ente homem não se compreende a si mesmo sem compreender o ser, e
não compreende o ser sem compreender-se a si mesmo; isso numa espécie de esfera
antepredicativa que seria o objeto da exploração fenomenológica  – daí vem a idéia de círculo
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hermenêutico, no sentido mais profundo”. Ernildo Stein.  Racionalidade e existência.Uma


introdução à filosofia. Porto Alegre: L&PM, 1988. p. 79.
177

.Cf. Streck. Jurisdição constitucional e hermenêutica... cit., p. 197 e ss.


178

.Assim fala Heidegger: “En la interpretación el comprender se apropia comprensoramente de lo


comprendido por él. En la interpretación el comprender no se convierte en otra cosa, sino que llega
a ser él mismo. La interpretación se funda existencialmente en el comprender, y no es éste el que
llega a ser por medio de aquélla. La interpretación no consiste en tomar conocimiento de lo
comprendido, sino en la elaboración de las posibilidades proyectadas en el comprender”  (Ser y
Tiempo cit., p. 172) (grifamos).
179

.A ideia heideggeriana de ser-no-mundo é de fundamental importância para compreender o


rompimento definitivo que o filósofo efetua com relação aos dualismos da tradição metafísica
(e.g. consciência e mundo; palavras e coisas; conceitos e objetos etc.). Como afirma Heidegger:
“El Dasein no es primero sólo un ser-con otro, para luego, a partir de ser en convivencia, llegar a
un mundo objetivo, a las cosas. Este punto de partida sería tan erróneo como el del idealismo
subjetivista que antepone primero un sujeto que luego, en cierto modo crea un objeto. (...) El
Dasein no está primeramente delante de las cosas un ente que posee su propio modo de ser, sino
que el Dasein, en tanto que ente, que se ocupa de sí mismo, es co-originariamente ser-con otro y
ser cabe el ente intramundano. (...) Sólo si hay Dasein, si el Dasein existe como ser-en-el-mundo,
hay comprensión del ser, y sólo si existe esta comprensión se devela el ente intramundano como lo
subsistente y lo a la mano. La comprensión del mundo en tanto que comprensión del Dasein es
comprensión de sí mismo. El yo y el mundo se copertenecen mutuamente en un único ente, el
Dasein. Yo y mundo no son dos entes, como sujeto y objeto, tampoco como yo y tú; más bien, yo y
mundo son, en la unidad de la estructura del ser-en-el-mundo, las condiciones fundamentales del
propio Dasein” (Los problemas fundamentales de la fenomenologia. Trad. Júan José García Norro.
Madrid: Trotta, 2000. p. 354-335).
180

.Importante neste ponto a exploração que Tugendhat faz a partir de uma perspectiva linguístico-
analítica. Apesar das críticas, o texto de Tugendhat é importante para perceber como a filosofia
heideggeriana se movimenta numa dimensão de filosofia prática (Cf. Ernest
Tugendhat.  Autoconciencia y autodeterminación.  Una interpretación lingüístico-analítica. Madrid:
FCE, 1993. p. 129-191).
181

.Cf. Michael Inwood. Heidegger cit., p. 33.


182

.Cf. Gadamer. Verdade e método... cit., vol. I.


183

.Cf. Ronald Dworkin.  O império do direito. São Paulo: Martins fontes, 2003;  Uma questão de
princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005; Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins
Fontes, 2002; Arthur Kaufmann.  Filosofia do direito.  Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2004; Friedrich Müller. Direito linguagem e violência: elementos de
uma teoria constitucional. Trad. Peter Naumann. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1995; Métodos de trabalho do direito constitucional cit.; Streck, “Hermenêutica jurídica e(m) crise...”
cit.;  “Verdade e consenso...” cit.; Lamego,  Hermenêutica e jurisprudência...  cit.; Josef
Esser. Principio y norma... cit. 1961.
184

.Ernildo Stein. Da fenomenologia hermenêutica à hermenêutica filosófica.  Veritas.  vol.  47. n.  1.
p. 22. Porto Alegre: Edipucrs, mar. 2002.
185

.Hans-Georg Gadamer. Verdad y método. 12. ed. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2007. p. 15.


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186

.Idem, p. 366.
187

.Idem, p. 477. Nesse caso, o eco de Heidegger parece evidente. Com efeito, o próprio Gadamer
afirma, em inúmeras ocasiões, o impacto profundo que lhes causaram as interpretações de
Aristóteles lançadas por Heidegger naquilo que era conhecido até então como Relatório Nartop e
que, posteriormente, foi publicado no volume 61 da obra completa sob o título:  Interpretações
Fenomenológicas de Aristóteles.  Nesse texto, antes de proceder a uma interpretação radical de
alguns dos principais conceitos aristotélicos, Heidegger afirma de maneira preventiva: “A crítica da
história é única e exclusivamente crítica do presente”. Martin Heidegger.  Interpretaciones
fenomenológicas sobre Aristóteles. Indicación de la situación hermenéutica. Madrid: Trotta, 2002.
p. 33.
188

.Hans-Georg Gadamer. Verdade e método: complementos e índices cit., p. 141.


189

.Hans-Georg Gadamer. Verdad y método cit., p. 367.


190

.Idem, p. 367-368.
191

.Ernildo Stein. Crítica da ideologia e racionalidade. Porto Alegre: Movimento, 1986. p. 37.


192

.Nesse sentido, escreve Stein: “Os gênios, segundo Dilthey, têm a capacidade de, no universo
singular da obra literária, por exemplo, apanhar sua universalidade; de, no universo singular dos
fatos históricos, apanhar o elemento universal; eles produzem  necessidade  e  verdade  dos fatos
humanos mediante uma aplicação da própria genialidade; os outros é que precisam de método, de
lógica e de epistemologia. Ora, como a ciência é feita para os medíocres, para os menos dotados,
na concepção de Dilthey, e a maioria da humanidade é medíocre e menos dotada, então temos de
fornecer recursos para a humanidade, e este é o  ideal  da Escola Histórica. A ciência é dos
medíocres, a ciência como um conjunto de procedimentos que faz com que também os medíocres
cheguem à universalidade”. STEIN, Ernildo. Racionalidade e Existência: o Ambiente Hermenêutico
e as Ciências Humanas. 2 ed. Ijuí: Unijuí, 2008, p. 49.
193

.GADAMER, Hans-Georg. Wahrheit und Methode. Op. cit., p. XXI.


194

.Hans-Georg Gadamer. Verdade e método... cit., p. 402.


195

.No caso da interpretação do texto da Constituição, os resultados/sentidos atribuídos pelo


intérprete ao preceito interpretado dependerá (prescinde) de uma prévia teoria da Constituição, do
Estado Democrático de Direito, enfim dos conceitos fundamentais para que o texto constitucional
apareça para ele como texto constitucional.
196

.Cf. Hans-Georg Gadamer. Verdade e método: complementos e índices cit., p. 75.


197

.Idem, ibidem.
198

.Idem, p. 76.
199

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.Com maior clareza, Lenio Streck assim estabelece o papel da tradição em Gadamer: “Vê-se,
assim, a importância que Gadamer atribui à tradição, entendida como o objeto de nossa
(pré-)compreensão. O legado da tradição vem a nós através da linguagem, cujo papel, como já se
viu, é central/primordial na teoria gadameriana. A linguagem não é somente mais um meio entre
outros, diz ele, senão o que guarda uma relação especial com a comunidade potencial da razão; é
a razão o que se atualiza comunicativamente na linguagem (R. Hönigswald): a linguagem não é
um mero fato, e sim um princípio no qual descansa a universalidade da dimensão hermenêutica.
Por evidente, destarte, que a tradição terá uma dimensão linguística. Tradição é transmissão. A
experiência hermenêutica, diz o mestre, tem direta relação com a tradição. É esta que deve anuir à
experiência. A tradição não é um simples acontecer que se possa conhecer e dominar pela
experiência, senão que é linguagem, isto é, a tradição fala por si mesma. O transmitido continua,
mostra novos aspectos significativos em virtude da continuação histórica do acontecer. Através de
sua atualização na compreensão, os textos integram-se em um autêntico acontecer. Toda
atualização na compreensão pode entender a si mesma como uma possibilidade histórica do
compreendido. Na finitude histórica de nossa existência, devemos ter consciência de que, depois
de nós, outros entenderão cada vez de maneira diferente. Para nossa experiência hermenêutica, é
inquestionável que a obra mesma é a que desdobra a sua plenitude de sentido na medida em que
se vai transformando a sua compreensão. Por outro lado, a história é somente uma; seu
significado é que segue se autodeterminando de forma incessante. Por isso, alerta Gadamer, a
redução hermenêutica “a opinião do autor é tão inadequada como a redução dos acontecimentos
históricos à intenção dos que neles atuam”. Lenio Luiz Streck. Hermenêutica jurídica e(m) crise...
cit., p. 206-207.
200

.Explicando o caráter filosófico da hermenêutica de Gadamer, Ernildo Stein preleciona: “Portando


‘Verdade e Método’ fala-nos de um acontecer da verdade no qual já estamos embarcados pela
tradição. Gadamer vê a possibilidade de explicitar fenomenologicamente esse acontecer em três
esferas da tradição: o acontecer na obra de arte, o acontecer na história e o acontecer na
linguagem. A hermenêutica que cuida dessa verdade não se submete a regras metódicas das
ciências humanas, por isso ela é chamada de hermenêutica filosófica. É desse modo que
Gadamer inaugura um lugar para a atividade da razão, fora das disciplinas da filosofia clássica e
num contexto em que a metafísica foi superada. (...) Gadamer nos deu, com sua hermenêutica
filosófica, uma lição nova e definitiva: uma coisa é estabelecer uma práxis de interpretação opaca
como princípio, e outra coisa bem diferente é inserir a interpretação num contexto – ou de caráter
existencial, ou com as características do acontecer da tradição na história do ser  – em que
interpretar permite ser compreendido progressivamente como uma autocompreensão de quem
interpreta. E, de outro lado, a hermenêutica filosófica nos ensina que o ser não pode ser
compreendido em sua totalidade, não podendo assim, haver uma pretensão de totalidade da
interpretação”. Ernildo Stein. A consciência da história: Gadamer e a hermenêutica cit., passim.
201

.Hans-Georg Gadamer. Verdade e método... cit., p. 709.


202

.Hans-George Gadamer. Verdade e método. op. cit., p. 463.


203

.Cf. Antonio Castanheira Neves. Op.  cit. Acrescenta-se, ainda, as lições de Eros Grau: “Sendo
concomitantemente aplicação do direito, a interpretação deve ser entendida como produção prática
do direito, precisamente como a toma Friedrich Müller: não existe um terreno composto de
elementos normativos (= direito), de um lado, e de elementos reais ou empíricos (= realidade), do
outro. (...) a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto
normativo (mundo do dever-ser), mas também  a partir de elementos do caso ao qual será
aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”. Eros Roberto Grau. A
jurisprudência dos interesses e a interpretação do direito cit., p. 31.

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10.3. Teorias do direito contemporâneas com ênfase na questão da decisão


judicial: a ponderação de Alexy. O Juiz Hércules de Dworkin e a Teoria da
Decisão de Lenio Streck

10.3.1. A relação entre decisão judicial e o conceito de princípio e o


problema da distinção regra e princípios constitucionais

Conforme ressaltamos no tópico 8.5, o conceito de princípio, em nosso contexto


atual, assume a forma de princípios constitucionais. Isso tem particular significado
porque, nesse uso, sua dimensão significativa aproxima-se da ideia de legitimação
da utilização da força, pelo Estado, em face de seus cidadãos. Nesse aspecto, os
princípios constitucionais representam a faceta limitadora do poder judicial que se
manifesta nas decisões judiciais. Por isso, seguindo essa orientação, nossa
problematização a respeito de uma teoria da decisão relaciona, inexoravelmente,
decisão judicial e o conceito de princípio.

Trata-se, basicamente, de propor uma discussão que tenha como pano de


fundo uma Teoria da Decisão Jurídica que comporta, em seu bojo, uma Teoria dos
Princípios. Esses dois pontos conexos vêm sendo tratados de maneira
conjunta.204  Dito de outro modo, o espaço adequado para se colocar, ao menos
nessa quadra da história, o problema dos princípios jurídicos é o da própria
decisão judicial,205 e não de uma forma abstrata, a partir de um quadro sistemático-
estrutural como era a regra na metodologia jurídica do século XIX e que, em
grande medida, ainda está presente no imaginário dos juristas.

Como já afirmamos anteriormente, esse é o caso dos velhos  princípios gerais


do direito  que, no direito brasileiro, assumem a condição de determinação
legislativa, sendo expressamente estabelecido como critérios de solução para as
“lacunas” do ordenamento no art.  4.º  da LINDB, ao lado da analogia e dos
costumes. Isso é um sintoma! Na verdade, o senso comum teórico dos juristas
trata do problema como  se estivéssemos, ainda, sob a égide da metodologia
novecentista que operava com um sistema em que os princípios gerais eram
chamados para atuar nos casos em que o modelo de regras não fosse suficiente
para resolver os problemas da realidade.206 Não deixa de ser sugestivo o fato de
que esse tipo de estratégia legislativa tenha sido utilizada, pela primeira vez, nos
Códigos dos oitocentos. Tais códigos tinham uma feição nitidamente privativista.
Mas, o mais emblemático é que esses velhos axiomas – que foram chamados no
século XIX de Princípios Gerais do Direito  – continuam a ser aplicados em pleno
Constitucionalismo Contemporâneo, como se houvesse apenas uma mera
continuidade entre a nova Constituição e o ancién regime jurídico.

Portanto, é preciso ter presente que no contexto do Constitucionalismo


Contemporâneo os princípios assumem uma dimensão normativa de base. Vale
dizer: não podem mais ser tidos como meros instrumentos para solucionar um
problema derivado de uma lacuna na lei ou do ordenamento jurídico. Na verdade,
em nosso contexto atual, os princípios constitucionais apresentam-se como
constituidores da normatividade que emerge na concretude dos casos que devem
ser resolvidos pelo judiciário. É esse o significado do profundo vínculo que existe
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entre decisão judicial e o conceito de princípio (algo que aparece claramente nas
obras de Josef Esser e Ronald Dworkin).

Tudo isso, ao fim e ao cabo, quer dizer o seguinte: toda e qualquer decisão jurídica
só será correta (ou, na expressão cunhada por Lenio Streck, adequada à
Constituição), na medida em que dela seja possível extrair um princípio. Vale dizer,
uma decisão judicial – hermeneuticamente correta – se sustenta em uma comunidade
de princípios.207

204

.Ver, para tanto, Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Rafael
Tomaz de oliveira. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio. A hermenêutica e a (in)determinação
do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
205

.Cf. Rafael Tomaz de Oliveira.  Decisão judicial e o conceito de princípio. A hermenêutica e a


(in)determinação do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
206

.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso. Op. cit., p. 173.


207

.Nesse sentido, Cf. Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão judicial e o conceito de princípio. Op.  cit.,
cap. 4.

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10.3.2. A teoria da argumentação de Robert Alexy: a fórmula da


ponderação como fator de racionalização do discurso judicial que aplica
princípios

O que justifica, ou torna legítimo, o fundamento lançado pelo juiz na decisão


judicial? Essa parece ser a questão central que opõe o juiz Hércules de Dworkin e
a ponderação de Alexy. A técnica da ponderação legitima a decisão pelo
procedimento: se foram respeitadas as três etapas da leide colisão, o resultado da
sentença se torna inquestionável; em Dworkin o “método” do juiz Hércules
pressupõe que em toda decisão o julgador está “onerado” a  justificar  sua
fundamentação num contexto que envolve um argumento de princípio. Na
reconstrução narrativa do direito colocado em questão, o impacto dos juízos do
próprio Hércules será disseminado. O contexto justificador se mostra num conjunto
de princípios coerente que  justifique  a história narrada, na forma exigida pela
equidade.

Portanto, nos parece esclarecedor apontar para as diferenças


entre  método,  procedimento  e “método” para que tenhamos presente
rigorosamente aquilo de que se fala.

Fazemos uso do termo “método” (entre aspas) para distingui-lo da acepção que
em torno dele se constrói na modernidade, no sentido de um procedimento
mecânico prévio, capaz de ordenar e estruturar o conhecimento de algo. Para esse
sentido, usamos o termo método sem aspas. Com “método” queremos significar –
como esclarece Heidegger – o caminho através do qual se segue a coisa.208 Esse
caminho será, desde sempre, provisório, uma vez que os resultados alcançados
sempre serão provisórios e dependerão de uma confirmação para saber qual a
percuciência de tais resultados. Ao mesmo tempo, não é possível falar,
rigorosamente, em  um  caminho, mas em caminhos, cuja determinação é guiada
pela coisa mesma.209

O método, em sua acepção tradicionalmente aceita desde a modernidade, tem


o caráter de rigidez e a crença de que seu resultado será sempre correto. Trata-se,
portanto, de estruturas canônicas ou etapas rigidamente predeterminadas,
enquanto no “método” estamos diante de um constante caminhar que procura, na
medida do possível, mostrar aquilo que persegue. Já a distinção
entre método e procedimento se afigura bem mais complexa. Todavia, para efeitos
do que nesta pesquisa pretendemos abordar, podemos dizer que, enquanto pela
ideia de  método  tradicionalmente desenvolvida, estava também implicada uma
pretensão de certeza e verdade ao final de sua correta aplicação.

Quando falamos em  procedimento  temos que o  conteúdo  da decisão tomada


conforme o procedimento é, em princípio, irrelevante.210  Com isso, nos
aproximamos em grande medida das questões que envolvem todo problema
democrático de legitimação e estrutura das decisões político-jurídicas que é, no
fundo, o problema que se enfrenta com a questão da ponderação e do juiz
Hércules. Dessa forma, a ponderação tem o caráter de  procedimento  na medida
em que a justificação da fundamentação da decisão tomada pelo juiz é dada
conforme o procedimento, sendo desonerado de uma justificação conteudística. Já
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o “método” de Hércules reivindica uma justificação de um contexto conteudístico no


interior do qual forma e conteúdo se interpenetram. Ou seja, se exige que não
apenas o procedimento seja equitativo, mas também que produza um resultado
que justifique a coação do Estado.211

Desenvolveremos, primeiro, a forma como Alexy apresenta a ponderação.212 Já


sabemos que a ponderação tem lugar nos chamados casos difíceis e que ela visa
sanar uma eventual colisão de princípios para que, depois de sua correta
aplicação,  possa ser determinada a regra a ser subsumida ao caso  (chamada
regra da ponderação). Ou seja, não há em Alexy, propriamente, uma aplicação de
princípios  – nos termos das tradicionais teorias semânticas da interpretação
jurídica  – mas somente aplicação de regras, visto que do procedimento da
ponderação  – que opõe dois princípios em conflito  – resulta uma regra que será
efetivamente subsumida ao caso concreto.213

Alexy desenvolveu várias estratégias para legitimar seu procedimento que


merece ser explicitadas. Como uma pergunta guia, podemos oferecer a seguinte
questão: Quem elege os princípios em conflito para que seja realizada a
ponderação? Por que são sempre apenas dois os princípios em conflito? Qual a
diferença entre princípio e valor? Por que o juízo de ponderação é sempre um juízo
de valoração, mas isso não implica dizer que o conteúdo dos princípios sejam
propriamente valores?

Procurando esclarecer as questões que envolvem a ponderação e o possível


enaltecimento de um subjetivismo do juiz na aplicação de tal técnica, Alexy procura
desenvolver a ideia daquilo que ele chama de “dogmática dos espaços” que se
vinculam, intimamente, à formula da ponderação.214  Para ele, esta construção de
uma “dogmática dos espaços” resolveria o problema de possíveis subjetivismos, ao
mesmo tempo em que demonstra a racionalidade da técnica da ponderação a
partir dos limites que são impostos pelos  espaços estruturais  e pelos  espaços
epistemológicos. Os “espaços” são os lugares nos quais o legislador e o julgador
se movimentam em razão da aplicação dos princípios jurídico-constitucionais. No
desenvolvimento desta dogmática, deve-se ficar claro o papel exercido
pelos espaços estruturais e pelos espaços epistemológicos (ou cognitivos).

Os  espaços estruturais  são definidos pela ausência de mandamentos ou


proibições constitucionais definitivas. O que a Constituição não proíbe ela libera ou
deixa livre definitivamente. Estes espaços começam exatamente onde termina a
normatividade material da Constituição. Como o controle judicial-constitucional é
exclusivamente controle no critério da Constituição, conclui-se que, onde se inicia o
espaço estrutural, termina consequentemente o controle judicial-constitucional.

Já os chamados espaços epistemológicos  (ou cognitivos) são, segundo Alexy,


de tipo totalmente diferente. Eles não nascem dos limites daquilo que a
Constituição ordena ou proíbe. Um  espaço epistemológico  nasce dos limites da
capacidade de cognição dos limites da Constituição. No  espaço
estrutural,  considerações jurídico-funcionais ou princípios formais não
desempenham nenhum papel. Mas os problemas dos  espaços
epistemológicos  não podem ser selecionados sem eles. Ou seja, os espaços

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estruturais, funcionam como uma espécie de “condição de possibilidade” dos


espaços epistemológicos.

Podem ser três os espaços estruturais: o espaço de determinação que funciona


como determinação dos limites das finalidades impostas pelos princípios jurídico-
constitucionais (até que ponto a Constituição permite e quanto permite); o  espaço
de escolha médio  que aparece quando os diretos fundamentais não apenas
proíbem intervenções, como também ordenam uma ação positiva do Poder Público
(máxime  do legislador) estando a princípio livre para, na busca dos fins
determinados pela Constituição, utilizar vários meios idôneos para sua realização;
por fim, o espaço de ponderação que é para Alexy a parte essencial da dogmática-
quadro (ou dogmática dos espaços). A resposta de  como  o problema da
constitucionalização deve ser resolvido,  depende essencialmente da solução do
problema da ponderação. A compatibilidade entre ponderação e dogmática-quadro
depende se pela ponderação algo é determinado ou não. Para resolver o problema
desta (im)compatibilidade, Alexy propõe um voltar de olhos para a estrutura da
ponderação. No núcleo dessa estrutura encontra-se a já mencionada
fórmula  quanto-tanto  – que chega a sugerir como “lei da ponderação/colisão”  –,
formulada da seguinte maneira:  quanto mais alto é o grau de não realização ou
prejuízo de um princípio, tanto maior deve ser a importância de outro.

Na aplicação dessa fórmula, devem ser obedecidos três passos: 1) determina-


se o grau de não realização ou prejuízo de um princípio, ou seja a intensidade da
intervenção que será realizada; 2) deve-se comprovar a importância da realização
do princípio em sentido contrário; 3) Como decorrência da fase anterior, deve ser
comprovado se a importância da realização em sentido contrário justifica o prejuízo
ou não realização do princípio cuja aplicação será excluída pela ponderação.

Dito isso, Alexy procura contornar a acusação de que “somente a subjetividade


do examinador” se encontra presente na ponderação a partir da constatação de
“sentenças racionais que bem aplicam a intensidade da intervenção e o grau de
importância respectivo”. Como tais exemplos, menciona as decisões que
estipularam o dever de os produtores de artigos de tabacaria colocarem em seus
produtos alusão a perigos à saúde (BVerfGE  95,173, 187), uma intervenção
relativamente leve na liberdade de profissão (no caso haveria uma colisão de
princípios entre a saúde pública e a liberdade profissional). Uma intervenção grave
seria, pelo contrário, uma proibição total aos produtos de tabacaria. A partir desse
exemplo o autor propõe uma escala com os graus “leve”, “médio” e “grave”, cuja
associação (controle) racional dos graus de intervenção é racionalmente possível.
Ao fim, conclui afirmando que a decisão tabaco deixa-se colocar ao lado de
numerosas outras que demonstram casos nos quais, com auxílio da ponderação,
deixa-se determinar em forma racional o que, com base na Constituição, é
ordenado, proibido e permitido definitivamente. Com isso, todavia, simplesmente
está refutada a tese, que mediante uma ponderação sempre tudo é possível. (...) A
exigência por realização, no máximo possível, ampla de princípios jurídico-
fundamentais, que também pode ser qualificada de produção de concordância
prática ou de otimização normativa, significa, portanto, tudo menos o mandamento
de aspirar a um ponto máximo. Cada princípio quer, sem dúvida, para si o máximo
possível. Otimizar princípios colidentes, porém, não significa ceder a ele, mas
pede, ao lado da exclusão de sacrifícios desnecessários, somente a justificação do
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sacrifício necessário por, pelo menos, igual importância da realização do princípio,


a cada vez, em sentido contrário. Isso é um critério negativo, que mostra que
também a otimização no quadro da ponderação é compatível com o caráter-quadro
da Constituição.215

Quanto aos espaços epistemológicos, essa outra passagem sintetiza bem as


posturas de Alexy frente à necessidade/possibilidade de limitação do exercício da
ponderação: nenhum espaço é ilimitado. A limitação, em último lugar, somente
pode resultar do próprio direito fundamental. Isso encontra sua expressão nisto
que, ao lado da lei de ponderação material, está na base do espaço de apreciação
estrutural, vale dizer, uma lei de ponderação epistemológica, que se deixa formular
como segue: quanto mais grave pesa uma intervenção em um direito fundamental,
tanto mais alta deve ser a certeza das premissas sustentadoras da intervenção.216

Não só temos aqui, explicitamente, a matematização do discurso jurídico


presente na teoria dos princípios de Alexy, como também salta aos olhos o
artificialismo que reveste o procedimento da ponderação. A matematização implica
uma espécie de explicação natural dos fundamentos jurídicos, visto que procede
tal qual a investigação matemática da natureza própria da ciência moderna. Como
vimos com vagar no segundo capítulo deste trabalho, é só na modernidade que a
natureza é investigada fundamentalmente de modo matemático: uma lei posta na
base (aberta pela investigação) no sentido de obter os fatos que lhe verifiquem ou
lhe neguem verificação. Ou seja, quando falamos em ponderação (ou dogmática
de espaços) nos situamos no âmbito de algo que, na filosofia da ciência se
conhece como contextos de descoberta e contextos de justificação.

Nesse sentido, quando se tem um  caso difícil  – entendido como aqueles nos
quais as regras não conseguem regular de forma subsuntiva  – deve-se primeiro
descobrir quais princípios se encontram em conflito. Isso é importante. Apenas
quando não há respostas nas regras ou, para usar a terminologia alexyana,
nos  mandados de definição, é que se recorre a um argumento de princípio,
ou mandados de otimização. Com a otimização implica que um princípio deve ser
cumprido na maior medida possível, respeitadas as condições reais e
jurídicas,  toda vez que estiver em jogo uma questão de princípio, dirá Alexy,
sempre haverá a necessidade de se ponderar.217  Isso porque não havendo
hierarquia entre princípios e sendo todos eles mandados de otimização, eles
permanecem em constante tensão, de modo que, apenas a ponderação poderá
determinar qual princípio deverá prevalecer, estabelecendo assim a regra a ser
aplicada ao caso. Portanto, depois de descobertos os princípios em colisão, no
contexto do caso analisado, passa-se para  o contexto de justificação  dado
teoricamente pelo procedimento da ponderação.

Para a justificação se dar, tem-se previamente determinada uma  lei  posta na


base da investigação que descobriu o conflito entre princípios que deverá “testar”
sua verificabilidade. No exemplo trazido pelo próprio Alexy na questão envolvendo
o “princípio” da saúde pública e o “princípio” da liberdade profissional, no caso de
os produtores de produtos tabagistas serem obrigados a imprimir avisos de risco à
saúde advindos do uso continuado de tais produtos. Trata-se de um  caso
difícil  segundo Alexy porque, mesmo havendo regra que determine a obrigação
dos fabricantes tal regra poderia ser inconstitucional se estivesse em desacordo
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com o princípio da liberdade profissional. Porém, se descobre que, além da


liberdade profissional, a Constituição também guarnece o princípio da saúde
pública, o que torna conflituosa – no âmbito semântico – a determinação da regra a
ser aplicada ao caso em questão. É importante notar que Alexy não coloca como
problema “quem” descobre os princípios em conflito e parece ignorar que essa
decisão – sobre quais princípios estão em colisão – é fator determinante para sua
ponderação. Isso não se dá por um motivo aleatório, mas porque as teorias
jurídicas de um modo geral, que circulam no âmbito da dicotomia  descoberta e
justificação, não estão preocupadas com o contexto de descoberta, mas apenas e
simplesmente com o contexto de justificação. Não é preciso muito esforço para
perceber que também teorias positivistas como a de Hans Kelsen compartilham
desta característica.

Como já foi ressaltado, Kelsen não se preocupa com o contexto de descoberta


(interpretação do direito  – ato de vontade) por ser este um problema da razão
prática que não pode ser apreendido teoricamente pela razão. Todavia, partindo de
contextos de descobertas (evidentemente não problematizados), Kelsen constrói
toda  Teoria Pura do Direito  sob o signo de um contexto de justificação
procedimental de validade do direito (interpretação da ciência do direito  – ato de
conhecimento). Novamente, a proximidade entre Kelsen e Alexy fica evidenciada.
Ambos se situam num contexto de justificação dado matematicamente por uma
estrutura procedimental predeterminada. Mais: tanto Alexy quanto Kelsen
professam um conceito semântico de norma jurídica.

Não deixa de ser curioso que é justamente o contexto de descoberta que torna
problemática toda estrutura da ponderação na forma como a desenvolve Alexy.
Além do problema de “quem” elege os princípios em conflito  – o que por si só já
aponta para um elemento discricional não tematizado pelo autor  – podemos
elencar também como uma questão problemática a seguinte pergunta: por que a
saúde pública, que consta textualmente na Constituição, é um  princípio  e não
uma  regra? Por que a liberdade profissional, que consta textualmente na
Constituição, é um princípio e não uma regra? Ou seja, o que faz um princípio ser
um princípio? Fora do contexto justificador da ponderação  – ressalta-se que é
abstrato e artificial – não há como assegurar, com uma precisão mínima, o conceito
de princípio proposto pela teoria da argumentação jurídica alexyana. Afinal, o
simples fato de compor o texto constitucional faz com que um enunciado jurídico
goze do caráter de princípio. Ou será a determinação da otimização que deve ser
encarada como fator determinante para que um princípio se manifeste como um
princípio. Evidentemente que esta última alternativa parece ser mais coerente com
a teoria de Alexy.218  Todavia, ainda nesses termos, temos um problema na
definição de  otimização  como característica específica dos princípios:
a discricionariedade que emana da avaliação de até que ponto um princípio deve
ser efetivado.

Desse modo, somos remetidos forçosamente, ao âmbito de justificação, ou


seja, à ponderação. Também quanto à própria estrutura da ponderação, é possível
formular algumas questões importantes:

1) Para Alexy, princípios são distintos de valores, embora a ponderação tenha


lugar a partir de um procedimento que é valorativo. Portanto, o juízo que decide a
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respeito de cada uma das “etapas” da “lei da ponderação” é um juízo valorativo;

2) O resultado da ponderação  – isto é, a regra da ponderação  – não aparece


como um problema efetivo para Alexy, pois sua validade está condicionada ao
procedimento. Esses dois fatores devem nos permitir iluminar o fato de que Alexy
não consegue se livrar do problema que o paradigma filosófico sob o qual está
assentado lhe legou: a aporia entre razão teórica e razão prática. Isto porque em
todas as questões que a razão prática entre em jogo, sua saída é sempre
garantida por uma construção teórica, que não responde nem o problema prático
da valoração das etapas da ponderação, nem o problema prático do resultado do
procedimento da ponderação. Portanto, o verdadeiro problema interpretativo do
direito (o de sua indeterminação e da consequente discricionariedade da decisão
judicial) permanece não resolvido por Alexy, tendo em vista que ele continua
oferecendo construções abstratas para solução dos problemas jurídicos, situando-
se no âmbito daquilo que Dworkin chama de teorias semânticas.

208

.Cf. Martin Heidegger. Os conceitos fundamentais da metafísica... cit.


209

.Também Gadamer faz essa observação quando aborda a questão do método: “Em verdade, a
palavra método soa muito bem em grego. Todavia, enquanto uma palavra estrangeira moderna,
ela designa algo diverso, a saber, um instrumento para todo conhecimento, tal como Descartes a
denominou em seu  Discurso do método. Enquanto um termo grego, a palavra tem em vista a
multiplicidade, com a qual se penetra em uma região de objetos, por exemplo, enquanto
matemático, enquanto mestre de obras ou enquanto alguém que filosofa sobre ética” (Hans Georg
Gadamer. Hermenêutica em retrospectiva... cit., vol. II, p. 164).
210

.Nesse sentido Cf. Marcelo Neves. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 136-137.
211

.Cf. Albert Calsamiglia. El concepto de integridad en Dworkin. Doxa – Cuadernos de Filosofia del


Derecho. n. 12. Alicante, 1992.
212

.Para uma análise da obra de Alexy e o conceito de ponderação Cf. Wálber Araújo Carneiro.
Op. cit., passim.
213

.Importa salientar que, no âmbito da dogmática jurídica, Ana Paula de Barcellos propõem que,
além da ponderação de princípios, deve existir também uma ponderação entre regras. Por certo
que os problemas que identificamos na ponderação no âmbito da chamada “colisão de princípios”,
reaparecem também na “colisão de regras” que Barcellos parece propor. Mas, o que chama mais
atenção é o fato de que, se a ponderação é um dos fatores centrais que marcam a distinção entre
regras e princípios de Alexy  – como mostramos no item anterior  – e se a  ponderação  é o
procedimento do qual o resultado será uma regra posteriormente subsumida ao caso concreto, o
que temos como resultado da “ponderação de regras” (sic)? Uma “regra” da regra? Como fica,
portanto, em termos práticos, a distinção entre regras e princípios posto que deixa de ter razão de
ser a distinção entre subsunção e ponderação? Nos termos propostos por Barcellos a ponderação
aparece como procedimento generalizado de aplicação do direito. Desse modo, em todo e
qualquer processo aplicativo, haveria a necessidade de uma “parada” para que se efetuasse a
ponderação. Mas uma vez, o artificialismo matemático do procedimento da ponderação salta aos
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olhos. Uma tal empresa  – estender a ponderação para a aplicação de regras  – se mostre
destituída de sentido prático visto que da regra irá resultar uma outra regra, essa sim aplicável ao
caso (quanto ao que foi dito, Cf. Luis Roberto Barroso. Ana Paula de Barcellos.  O começo da
história... cit., passim).
214

.Ainda nesse texto, Alexy argumenta em defesa da  sentença Lüth  – proferida pelo Tribunal
Constitucional Federal Alemão em 1958 –, uma das famosas intervenções que o Tribunal exerceu
durante o apogeu daquilo que se convencionou a chamar “jurisprudência dos valores”. Para Alexy,
não há que se falar em sobreconstitucionalização do ordenamento, como entendem Forsthoff e
Böckenförde, a partir da qual o Tribunal estaria exercendo uma competência normativa
inadmissível em um contexto democrático. Segundo ele, a linha desenvolvida a partir da sentença
Lüth “está em geral correta. Erros foram naturalmente cometidos e em toda parte perigos estão à
espreita. Estes, porém, podem ser prevenidos com meios que são imanentes à estrutura dos
princípios constitucionais e, com isso, à estrutura da Constituição que os contém. Trazê-los à luz é
tarefa de uma  dogmática dos espaços. (...) Uma Constitucionalização adequada somente é
possível obter sobre o caminho, pedregoso e cheio de manhas, de uma dogmática do espaço”.
Criticando fortemente a linha de decisão da sentença Lüth, em particular o “método” utilizado para
sua fundamentação, Friedrich Müller assevera: “Tal procedimento (a ponderação) não satisfaz as
exigências, imperativas no Estado de Direito e nele efetivamente satisfazíveis, a uma formação da
decisão e representação da fundamentação, controlável em termos de objetividade da ciência
jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional.
O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições
constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com
ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferenciadores e estruturante da análise
do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos elementos de
concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com
representações necessariamente formais de ponderação, que consequentemente insinuam no
fundo uma reserva de juízo (Urteilsvorbehalt) em todas as normas constitucionais, do que com
categorias de valores, sistema de valores e valoração, necessariamente vagas e conducentes a
insinuações ideológicas”. Friedrich Müller. Métodos de trabalho de direito constitucional cit., p. 36.
215

.Robert Alexy. Direito constitucional e direito ordinário. Jurisdição constitucional e jurisdição


especializada. Revista dos Tribunais. ano 92. vol. 809. p. 64. São Paulo: Ed. RT, mar. 2003.
216

.Idem, ibidem.
217

.É importante (e necessário) frisar que a crítica à cisão,  estrutural,  entre  casos fáceis  e  casos
difíceis é dirigida a Alexy e decorre de sua distinção, igualmente estrutural, entre regra e princípio.
Alexy procede assim porque se mantém aprisionado ao paradigma da filosofia da consciência e
atende, com isso, a uma exigência do esquema representacional sujeito-objeto  – estabelecer
previamente o que seja um caso fácil ou um caso difícil significa objetificar o processo
compreensivo. Essa operação acarreta, como bem assinala Lenio Streck, a substituição da razão
prática e a construção de uma teoria da argumentação que busca construir uma racionalidade
discursiva, estabelecendo previamente modos de operar diante da indeterminabilidade do direito –
como é o caso da  ponderação. Esse tipo de  cisão  não ocorre em autores como Dworkin. Isso
porque “Dworkin, contrapondo-se ao formalismo legalista e ao mundo das regras positivistas,
busca nos princípios os recursos racionais para evitar o governo da comunidade por regras que
possam ser incoerentes em princípio. É neste contexto que Dworkin trabalha a questão dos hard
cases, que incorporam, na sua leitura, em face das dúvidas sobre o sentido de uma norma,
dimensões principiológicas, portanto, não consideradas no quadro semântico da regra. Distinguir
casos simples de casos difíceis não é o mesmo que cindir casos simples de casos difíceis. Essa
pode ser a diferença entre a dicotomia hard e easycases de Dworkin e a das teorias discursivo-
procedurais. Cindir hard e easy cases é cindir o que não pode ser cindido: o compreender, com o
qual sempre operamos, que é condição de possibilidade para a interpretação (portanto, da
atribuição de sentido do que seja um caso simples ou um caso complexo)” (Lenio Luiz
Streck. Verdade e consenso... cit., p. 250).

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218

.Esse é também o caminho escolhido por Virgílio Afonso para defender a distinção entre regra e
princípio oferecida por Alexy. Para o autor princípio e regra são espécie do gênero norma  e não
de  textos  legais ou constitucionais. Mas nesse ponto, Virgílio se vale de uma operação
epistemológica que sequer chega a ser tematizada explicitamente por Alexy e que não parece
encontrar abrigo em sua teoria o que deixa margem a mal-entendidos e continua a ventilar os
problemas próprios de uma classificação abstrata de espécies normativas (Cf. Virgílio Afonso da
Silva. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-americana de
Estudos Constitucionais. n. I. p. 615 e ss. Belo Horizonte: Del Rey, jan.-jun. 2003.).

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10.3.3. O construtivismo de Ronald Dworkin: o direito como integridade

Mas como fica, então, o conceito de princípio no interior do “método” de


Hércules desenvolvido por Dworkin219  em seu conceito de direito como
integridade?

Para responder tal indagação, é preciso saber se transportar para o âmbito em


que Dworkin desenvolve suas considerações sobre Hércules percebendo no que
ele se distingue daquele no qual Alexy edifica sua ponderação. De um modo muito
simplista, poderíamos dizer que enquanto a teoria alexyana é semântica, Dworkin
nos oferece uma teoria pragmática que parte do pressuposto de que o direito seja
uma prática interpretativa. Mas isso não seria suficiente para captar a riqueza do
pensamento dworkiano.

Para Dworkin a complicação se manifesta já no momento de se descrever


aquilo sobre o que, em direito, realmente estamos falando. Evidentemente que
para Dworkin não será sobre fundamentos ou procedimentos matemáticos
construídos por abstração ou generalização. Quando se encara o direito
como prática interpretativa, todos os procedimentos metodológicos são instalados
em função das controvérsias que cada um de nós temos sobre o que seja direito e
até onde é legítima a coerção exercida pelo Estado sob o signo do direito. Já
nesse ponto fica claro porque Dworkin não aceita nenhum tipo de
discricionariedade judicial: permitir que o juiz decida de modo a inovar na seara
jurídica pode representar um exercício arbitrário (não justificado em princípios da
comunidade moral) da coerção estatal, colocando-se no tênue liame que sustenta
o exercício legítimo da força e a exceção.

Portanto, no interior do “método” de Hércules, há uma nítida preocupação com


o resultado da decisão, ao contrário do que encontramos na posição de Alexy.
Desse modo, uma decisão judicial estará justificada não apenas quando respeita a
equidade dos procedimentos, senão quando respeita a coerência de princípios que
compõem a integridade moral da comunidade. Ou seja, a ideia de princípio em
Dworkin não é materializável  a priori  em um texto ou enunciado emanado de um
precedente, lei ou mesmo da Constituição, mas um argumento de princípio remete
à totalidade referencial dos significados desses instrumentos jurídicos. Tanto é
assim que, no  Império do Direito  o “método” de Hércules e o direito como
integridade aparece nestas três dimensões: nos precedentes (ou no common law);
nas leis; e na Constituição.220 Com bem alude Calsamiglia,221  a partir das críticas
de Dworkin ao positivismo, e do conceito de princípio por ele produzido, passa a
ser impossível distinguir  – de modo antecipado, vale dizer: matemático  – um
princípio jurídico de um princípio moral ou social. A juridicidade do princípio
somente poderá ser determinada efetivamente no momento de sua interpretação,
que não necessariamente será realizada pelo juiz em sua decisão, mas que – por
motivos metodológicos  – é na decisão judicial que os princípios devem ser
analisados. Portanto, o conceito de princípio, visto desta perspectiva, não pode ser
pensado em sua realidade, entendida como quididade. O conceito de princípio se
manifesta sempre numa possibilidade que, não é exagero afirmar, nunca chega a
se esgotar. Há uma certa intangibilidade no que atina a seus significados ônticos.
Isso porque no momento em que o caso concreto é resolvido através de um
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argumento de princípio  – que no interior do direito, como integridade nunca se


dá por meio da articulação de apenas um princípio, mas sempre do contexto e da
repercussão no todo de princípio da comunidade – tal argumento ficará assentado
como precedente e atrelará, de forma compromissória, uma possível decisão
posterior tomada em um caso similar. Nesse sentido, o direito como integridade
trata de reconstruir a história jurídica de uma determinada comunidade. Onde se
encontram critérios contraditórios para solução dos problemas apresentados pelo
caso concreto, trata de encontrar uma explicação para elas e de exigir que as
distinções e determinações produzidas no caso não se façam ao acaso, senão que
respondam por razões públicas e justificadas. Isso quer dizer que a atividade
coativa do Estado  – realizada sob o signo do direito  – exige uma resposta a um
conjunto coerente de princípios. No caso de necessidade de rompimento com essa
cadeia de significados, a necessidade de justificação aumenta ainda mais, e a
remissão ao contexto conjuntural dos princípios se faz de maneira ainda mais
delicada. Porém, essa modificação adere-se à integridade do direito de modo que
sua modificação exigirá o mesmo processo, em um momento subsequente.

219

.O direito como integridade no modo como o descreve Dworkin é exemplarmente desenvolvido no


texto de Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira. Ronald Dworkin: De que maneira o direito se
assemelha à literatura. In: André Karam Trindade; Roberta Magalhães Gubert; Alfredo Copetti Neto
(orgs.). Direito & literatura: reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 21-38;
imprescindível, também, a leitura de Francisco J. Borges Motta. Op. cit., passim.
220

.Cf. Ronald Dworkin. O império do direito. São Paulo: Martins fontes, 2003. p. 305 e ss.
221

.Cf. Albert Calsamiglia. El concepto de integridad em Dworkin cit., passim.

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10.3.4. A proposta de Lenio Streck: a teoria da decisão e a resposta


adequada a Constituição

Em sua proposta teórica, Lenio Streck apresenta uma Teoria da Decisão


construída a partir de uma imbricação entre Gadamer e Dworkin. Tal proposta está
inserida no contexto do constitucionalismo Contemporâneo222  que redefiniu o
Direito Público a partir de uma reconstrução de todo fenômeno jurídico na senda
do Direito Constitucional. Assim, procura-se estabelecer o horizonte teórico
adequado para que as decisões judiciais construam respostas adequadas à
Constituição. Enfatiza o autor que a obtenção de respostas adequadas à
Constituição manifesta-se como direito fundamental do cidadão na medida em que
o art.  93, IX, da  CF/1988 estabelece o dever de fundamentação das decisões
judiciais.

O percurso para a construção dessa teoria da decisão inicia-se com a


obra hermenêutica jurídica e(m) crise, na qual o autor faz um diagnóstico da crise
de dupla face que acomete o direito e a dogmática jurídica nos países de
modernidade tardia e, a partir daí, procura apontar novas perspectivas para a
construção do Direito.

A primeira face dessa crise é de natureza epistemológica e aparece no


momento em que nos damos conta de que o pensamento jurídico continua
refratário das conquistas produzidas pelo “linguistic turn” (viragem linguística) e
pelo giro ontológico operado pela filosofia hermenêutica de Martin Heidegger e
pela  hermenêutica filosófica de Hans-George Gadamer. Diante disso, os juristas
permanecem prisioneiros da vetusta relação sujeito-objeto, tal como a descreveu a
metafísica clássica e a filosofia da consciência, sem se darem conta de que a partir
do giro linguístico, não é possível acessar os objetos senão através da linguagem.
Por outro lado, a partir do giro ontológico, mostra-se como que a interpretação de
um texto jurídico traz consigo todas as implicações da faticidade e da historicidade
daquele que interpreta tais textos. Isso porque o homem é um animal formador de
mundo sendo desnecessário procurar uma ponte entre ele e os objetos. Assim, sua
existência o atira, desde sempre, para dentro de um mundo, no interior do qual ele
lida com objetos, os compreendendo e os interpretando a partir de uma estrutura –
compartilhada por todos de um modo apriorístico – chamada pré-compreensão.

A segunda face da crise é uma crise de paradigmas. A partir dela, busca-se


demonstrar como o pensamento jurídico dominante continua lidando com o
fenômeno jurídico ao modo do paradigma liberal absenteísta próprio do legalismo
econômico reinante ao tempo do Estado Liberal-burguês. Esse fator obnubila as
possibilidades de sentido projetadas pelo paradigma do Estado Democrático de
Direito no interior do qual o Direito assume um caráter transformador, que vai mais
além da simples conservação do status quo  permitindo a transformação profunda
da sociedade e do modo de composição de suas relações.

Em  Verdade e Consenso, acontece uma “virada teórica” no pensamento do


autor e o problema da decisão judicial, que já aparecia no ambiente de obras
anteriores, passa a ser o ponto de referência de suas preocupações teóricas.

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Assim, seguindo a advertência de Dworkin de que “não conseguiremos


encontrar uma fórmula para garantir que todos os juízes cheguem à mesma
resposta em processos constitucionais complexos, inéditos ou
importantes”,   Streck realiza uma  Teoria da Decisão de modelo
223

construtivista,  vale dizer, uma teoria que onera o intérprete no momento de


construir seu argumento de modo a apresentar uma justificação adequada à
constituição do ajuste por ele realizado entre as circunstâncias concretas do caso e
o contexto normativo do direito da comunidade política.

Nesse sentido, teorias procedimentais  – que procuram estabelecer critérios


prévios para correção da decisão judicial – como a de Robert Alexy, são, de plano,
rechaçadas.

Na defesa de sua tese, o autor insiste na importância paradigmática da noção


de  applicatio  que aparece em Gadamer (tal como a apresentamos no item
10.2.1.3.2). Com ela o direito se liberta da velha armadilha presente nas teorias
tradicionais sobre a hermenêutica que acreditavam na possibilidade de separar o
fenômeno interpretativo  – e, no limite, o decisional  – em partes. Na verdade, “no
campo do conhecimento do direito é preciso ter presente que nenhum processo
lógico-argumentativo pode ‘acontecer’ sem a pré-compreensão”.224

Por outro lado, Streck acentua que a hermenêutica, ao ampliar o espaço de


legitimação dos processos cognitivos, estabelece as condições necessárias para
dar conta desse complexo pré-compreensivo, determinando seus limites e sua
pretensão de universalidade, possibilitando, assim, determinar a validade daquilo
que foi obtido através da interpretação.225

De Dworkin  – e da sua noção de direito como integridade  – retira-se os


elementos necessários para compor os padrões mínimos que devem estar
presentes em toda decisão. Esses padrões compõem algo que pode ser nomeado
como história institucional do direito e têm nos princípios os marcos definidores de
seu caminho. Assim, “quando Dworkin diz que o juiz deve decidir lançando mão de
argumentos de princípio e não de políticas, não é porque esses princípios sejam ou
estejam elaborados previamente, à disposição da ‘comunidade jurídica’ como
enunciados assertórios ou categorias (significantes primordiais-fundantes). Na
verdade, quando sustenta essa necessidade, apenas aponta para os limites que
deve haver no ato de aplicação judicial (por isso, ao direito não importa as
convicções pessoais/morais do juiz acerca da política, sociedade, esportes etc.; ele
deve decidir por princípios)”.226

Esse compromisso passa pela reconstrução da história institucional do direito e


pelo momento de colocação do caso julgado dentro da cadeia da integridade do
direito. Portanto, a decisão jurídica não se apresenta como um processo de
escolha do julgador das diversas possibilidades de solução da demanda. Mas, sim,
como um processo em que o julgador deve estruturar sua interpretação – como a
melhor, a mais adequada  – de acordo com o sentido do direito projetado pela
comunidade política.227

A exortação desse compromisso (pré-compreendido) pode ser acessada pelo


investigador do direito a partir de uma determinada estratégia metodológica.
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É preciso salientar que, quando falamos em princípios e em decidir por princípios,


nos movemos na ordem do a priori e, portanto, fazemos um esforço de explicitação
de algo que, com algumas ressalvas, poderíamos chamar de  transcendentalidade
jurídica. Os princípios são, de algum modo, os marcos dessa transcendentalidade.
Isso significa que há um plano, materialmente válido, no qual as decisões jurídicas
se assentam e que não depende da escolha isolada de uma única pessoa. Trata-
se de uma espécie de “tecido básico”  – na expressão de Norbert Elias228  – que
acarreta um elo de interdependência entre as pessoas e que se encontram nos
mais diversos movimentos da sociedade (no caso de Elias, aquilo que ele chamou
de  processo civilizador) e que pode ser percebido de um modo privilegiado no
direito a partir da experiência dos princípios jurídicos (constitucionais).

Nessa perspectiva, a teoria propõe um redimensionamento do papel da


doutrina que, além das clássicas atribuições de sistematização do conhecimento
jurídico, deveria efetuar um efetivo papel de “censora” das decisões dos Tribunais:
uma verdadeira censura epistemológica das decisões.229

Nessa medida, a necessidade de construção de respostas adequadas à


Constituição leva o autor a elaborar cinco princípios que representariam uma
espécie de minimum applicandi no momento de afirmação da decisão judicial. Tais
princípios são:

a) Preservar a autonomia do direito. Nos termos deste princípio a decisão deve


se pautar por argumentos de princípio (direito) e não de política, moral ou
economia. Vale dizer, a decisão adequada deve se assentar em solo jurídico e não
veicular questões que acabam por fragilizar o caráter de garantia sustentado pelo
direito;

b) Estabelecer as condições hermenêuticas para a realização de um controleda


interpretação constitucional. Trata-se, aqui, de firmar uma posição no âmbito
da discussão em torno dos limites da interpretação constitucional. Para o autor, o
fato de não existir um método que garanta a “correção” do processo interpretativo,
não autoriza o intérprete a escolher um sentido que lhe seja mais conveniente,
segundo os ditames de sua “consciência”.

c) Garantir o respeito à integridade e à coerência do direito. Na linha da


proposta dworkiniana do Direito como integridade, Streck afirma que a
fundamentação das decisões judiciais  – e o consequente respeito pela história
institucional do direito  – deve ser alçada à condição de direito fundamental do
cidadão.

d) Estabelecer que a fundamentação das decisões é um dever fundamental dos


juízes e tribunais. Corolário do princípio anterior, o presente princípio se apresenta
como a contrapartida do “direito fundamental à fundamentação” colocando-a como
um dever, no sentido forte do termo.

e) Garantir que cada cidadão tenha sua causa julgada a partir da Constituição e
que haja condições para aferir se essa resposta está ou não constitucionalmente
adequada. Esse último princípio tem por finalidade preservar a força normativa da
Constituição e o caráter deontológico dos princípios.230

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Por fim, Streck oferece um rol de seis hipóteses que tornariam possível ao
julgador deixar de aplicar uma lei.

“O acentuado grau de autonomia alcançado pelo direito e o respeito à produção


democrática das normas faz com que se possa afirmar que  o Poder Judiciário
somente pode deixar de aplicar uma lei ou dispositivo de lei nas seguintes
hipóteses:

a) quando a lei (o ato normativo) for inconstitucional, caso em que deixará de


aplicá-la (controle difuso de constitucionalidade  stricto sensu) ou a declarará
inconstitucional mediante controle concentrado;

b)  quando for o caso de aplicação dos critérios de resolução de antinomias.


Nesse caso, há que se ter cuidado com a questão constitucional, pois, v.g., a  lex
posterioris,  que derroga a  lex anterioris,  pode ser inconstitucional, com o que as
antinomias deixam de ser relevantes;

c)  quando aplicar a interpretação conforme à Constituição


(verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna necessária uma
adição de sentido ao artigo  de lei para que haja plena conformidade da norma à
Constituição. Neste caso, o texto de lei (entendido na sua “literalidade”)
permanecerá intacto; o que muda é o seu sentido, alterado por intermédio de
interpretação que o torne adequado a Constituição;

d) quando aplicar a nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung


ohne Normtextreduzierung), pela qual permanece a literalidade do dispositivo,
sendo alterada apenas a sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por
inconstitucionalidade, de determinada(s) hipótese(s) de aplicação
(Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração expressa
do texto legal. Assim, enquanto na interpretação conforme há uma adição de
sentido, na nulidade parcial sem redução de texto ocorre uma abdução de sentido;

e)  quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de


texto, ocasião em que a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da
constitucionalidade do dispositivo”.

f) Nos casos em que uma regra estiver em situação de contrariedade com os


princípios. Neste caso, a regra cede em favor da força deontológica dos princípios
constitucionais.231

Fora destas hipóteses, estaria o julgador necessariamente vinculado à obra do


Poder Legislativo, devendo aplicá-la ao caso sob julgamento.

Nesses termos, a Teoria da Decisão representa o âmbito discursivo no interior


do qual se busca encontrar anteparos para o exercício da atividade jurisdicional –
que o polo privilegiado para discussões envolvendo a interpretação do direito – de
modo a adequar tal atividade aos contornos democráticos que o constitucionalismo
Contemporâneo impõe. Vale dizer, a fundamentação – mais do que dever do órgão
judicante – é um direito fundamental de todo cidadão.

Leitura recomendada
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Básica

Lenio Streck.  Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica


da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

Intermediária

José Lamego.  Hermenêutica e jurisprudência.  Análise de uma recepção.


Lisboa: Fragmentos, 1990.

Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias


discursivas da possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2011, posfácio.

Ronald Dworkin. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Avançada

Emílio Betti. Teoria generale della interpretazione. Milão, edição alemã de 1967.


vol. II.

Ernildo Stein.  Aproximações sobre hermenêutica. 3.  ed. Porto Alegre: Edpurs,
2003.

Hans-Georg Gadamer.  Hermenêutica e filosofia prática. Petrópolis: Vozes,


2007, passim.

Hans-George Gadamer. Verdade e método II.  Complementos e índices. 2.  ed.


Petrópolis: Vozes, 2002.

222

.O conceito de constitucionalismo contemporâneo e sua diferença com relação ao


chamado  neoconstitucionalismo  é explorado em Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso...  cit.,
introdução, n. 2, p. 35 e ss. Nos termos propostos pelo autor: “é possível dizer que, nos termos em
que o neoconstitucionalismo vem sendo utilizado, ele representa uma clara contradição, isto é, se
ele expressa um movimento teórico para lidar com um direito “novo” (poder-se-ia dizer, um direito
“pós Auschwitz” ou “pós-bélico” como quer Mário Losano), fica sem sentido depositar todas as
esperanças de realização desse direito na loteria do protagonismo judicial (mormente levando em
conta a prevalência, no campo jurídico, do paradigma epistemológico da filosofia da consciência).
Assim, reconheço que não faz mais sentido continuar a fazer uso da expressão
“neconstitucionalismo” para mencionar aquilo que essa obra pretende apontar: a construção de um
direito democraticamente produzido, sob o signo de uma constituição normativa e da integridade
da jurisdição”.
223

.Cf. Ronald Dworkin.  Direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São
Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 132.
224

.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., posfácio, n. 3.2., p. 476.


225

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.Idem, posfácio, n. 3.2., p. 477.


226

.Idem, posfácio, n. 3.2., p. 485.


227

.Cf. Lenio Luiz Streck. O que é isto... cit., passim.


228

.Cf. Norbert Elias. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. vol. 2, p. 194.
229

.Cf. Lenio Luiz Streck. O que é isto... cit., passim.


230

.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., posfácio, 5.8.2., p. 585-588.


231

.Lenio Luiz Streck.  Verdade e consenso...  cit., posfácio, n.  6., p.  605-606. No mesmo sentido,
utilizando dos fundamentos de Lenio Streck, conferir Georges Abboud. Jurisdição constitucional e
direitos fundamentais. São Paulo: Ed. RT, 2011. n. 9.3, p. 449 et seq.

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10.4. Conclusões principais

1) O capítulo se inicia com o debate em torno da questão da metodologia jurídica. O objetivo foi apresentar uma concepção
que fosse além de expor a questão do método colada ao problema da interpretação (assim, teríamos o método gramatical,
lógico-sistemático, histórico e teleológico).

2) Para tanto, propusemos a distinção entre método e metodologia, enquanto o método representa um caminho,
procedimento, estratégia etc., para alcançar determinado objetivo de pesquisa, a metodologia significa um discurso sobre as
diversas possibilidades de enfoques e utilização de métodos na perspectiva de encontrar o mais adequado para a análise que
se realiza sobre o campo de conhecimento em que se está situado. Nesse sentido, a metodologia jurídica discute qual o melhor
método para conhecer e aplicar o direito.

3) Dessa forma, toda a discussão empregada passa pela recomposição histórica das principais perspectivas metodológicas
construídas pela chamada ciência dogmática do direito.

Nesse contexto, trouxemos também à baila o modo como essa dogmática jurídica se desenvolveu no âmbito do direito
público, especialmente no que tange à tradição germânica procurando apontar para discussões que influenciaram fortemente os
desenvolvimentos futuros para enfrentamento de questões jurídicas, especialmente no âmbito do pensamento jurídico brasileiro.

4) Sequentemente à apresentação da metodologia jurídica, iniciamos a reflexão sobre a hermenêutica jurídica pautada pelo
fio condutor da filosofia contemporânea. Nesse contexto, analisamos o modo como a hermenêutica é trabalhada nas obras de
Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, a fim de indicar as principais contribuições para se alcançar uma nova compreensão
do fenômeno jurídico. Nessa medida, ressaltamos que, a partir dessa matriz filosófica, a hermenêutica jurídica não distingue
mais o entendimento da lei de sua interpretação, uma vez que ambas as experiências estão reduzidas na ideia de applicatio. Do
mesmo modo, a partir de obra de Gadamer, é possível afirmar que o ato interpretativo se manifesta como um ato produtor de
sentido e não meramente reprodutor. Sem embargo, é necessário ter presente que esse caráter produtivo da interpretação não
autoriza uma conclusão precipitada de que o intérprete pode “criar” livremente o direito a ser aplicado ao caso uma vez que
essa produção de sentido sofre os limites impostos pela linguagem e pela historicidade do intérprete.

5) O capítulo também tem a pretensão de demonstrar que a necessidade de desmistificação dos conceitos tradicionais da
metodologia e da hermenêutica jurídicas e sugerir a abertura de caminho para uma hermenêutica de cunho produtivo em que a
interpretação da lei é uma tarefa que se constitui a partir de uma fusão de horizontes, vale dizer, do sentido projetado pelo texto
com a pré-compreensão do intérprete. Assim, o resultado do processo interpretativo será sempre uma novidade, em certo
sentido, uma vez que a distância temporal e os efeitos da história que atuam sobre o intérprete são diferentes daqueles que
atuavam sobre o criador do texto. Mas a produção do sentido efetuada pela interpretação encontrará limites na linguagem e na
própria história, que condicionam a pré-compreensão e estabelecem as possibilidades para os projetos interpretativos
formulados pelos intérpretes do Direito.

6) A aposta é a de que o grande problema hermenêutico é dar conta da distância temporal que existe entre o intérprete
(sujeito) e o texto (objeto) procurando estratégias para que possam ser sentidos os efeitos da história no momento de afirmação
da interpretação.

7) Nessa dimensão, a hermenêutica filosófica se apresenta como o método mais adequado para o trato da questão, pois nos
mostra que a tradição, e a consciência dos efeitos da história nos aproximam dos objetos – textos – de modo que não existe
uma “consciência subjetiva” pura, despida de qualquer significação, a se aproximar de um texto para ser interpretado,
aniquilando-se, assim, o mito da pura objetividade na interpretação. Todavia, a determinação e análise dos efeitos da história no
processo de compreensão/interpretação faz com que a hermenêutica articule a necessidade de suspensão dos pré-juízos que
acompanham o intérprete no momento do desempenho de sua atividade. Assim, só podem ser mantidos na tarefa interpretativa
aqueles pré-juízos que estejam confirmados pela correta compreensão do texto interpretado.

8) Assim, apresentamos outro importante ponto é com relação a atribuição de sentido aos textos que interpreta: tal atribuição
não pode, em nenhuma hipótese, representar um ato pleno da vontade subjetiva do intérprete. Sua “vontade” está aqui
condicionada à suspensão dos pré-juízos na perspectiva de determinação do correto sentido (ou o melhor) para o texto.

9) A proposta de uma Teoria da Decisão aqui apresentada tem o esforço de representar o âmbito discursivo no interior do
qual se busca encontrar anteparos para o exercício da atividade jurisdicional de modo a adequar tal atividade aos contornos
democráticos que o constitucionalismo Contemporâneo impõe.

10) Por fim, apresentamos três posturas teóricas sobre a decisão judicial, a saber, as propostas de Robert Alexy, Ronald
Dworkin e Lenio Luiz Streck.

11) Segundo Robert Alexy, o problema da “racionalização da decisão judicial” pela construção de uma fórmula que permita
reduzir a arbitrariedade interpretativa no momento em que, ao determinar qual dos valores conflitantes se sobressai para
resolução de um dado caso, o intérprete afirma qual deve prevalecer. Nesse sentido, constrói a chamada “fórmula da
ponderação”. A ponderação tem lugar nos chamados casos difíceis e ela visa sanar uma eventual colisão de princípios (valores)
para que, depois de sua correta aplicação,  possa ser determinada a regra a ser subsumida ao caso  (chamada regra da
ponderação, ou regra de direito fundamental atribuída).

12) Em tal dimensão, entendemos que em Alexy não há, propriamente, uma aplicação de princípios  – nos termos das
tradicionais teorias semânticas da interpretação jurídica  – mas somente aplicação de regras, visto que do procedimento da
ponderação – que opõe dois princípios em conflito – resulta uma regra que será efetivamente subsumida ao caso concreto.

13) Por isso, conclusivamente, pode-se afirmar que Alexy procura desenvolver a ideia daquilo que ele chama de “dogmática
dos espaços” que se vinculam, intimamente, à fórmula da ponderação. A “dogmática dos espaços” resolveria o problema de
possíveis subjetivismos, ao mesmo tempo em que demonstra a racionalidade da técnica da ponderação a partir dos limites que
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são impostos pelos espaços estruturais e pelos espaços epistemológicos. Os “espaços” são os lugares nos quais o legislador e
o julgador se movimentam em razão da aplicação dos princípios jurídico-constitucionais.

14) Na dogmática dos espaços têm papel privilegiado os espaços estruturais e os espaços epistemológicos (ou cognitivos).
Enquanto os primeiros são definidos pela ausência de mandamentos ou proibições constitucionais definitivas, ou seja, o que a
Constituição não proíbe ela libera ou deixa livre definitivamente, os segundos são de tipo totalmente diferente, pois não nascem
dos limites daquilo que a Constituição ordena ou proíbe, mas sim limites da capacidade de cognição dos limites da Constituição.

15) Nesse sentido pode ser encontrado em Alexy não só uma matematização do discurso jurídico, mas também um forte
grau de artificialismo que reveste o procedimento da ponderação.

16) O resultado da ponderação alexyana não aparece como um problema efetivo pois sua validade está condicionada ao
procedimento. Assim, em sua teoria da ponderação, remanesce um coeficiente de discricionariedade interpretativa que
prejudica seu empreendimento teórico, na medida em que não fornece elementos seguros para se construir uma teoria da
decisão.

17) Diferentemente do pensamento de Robert Alexy, Ronald Dworkin verifica a complicação de uma Teoria da Decisão já
manifesta já no momento de se descrever aquilo sobre o que, em direito, realmente estamos falando.

18) Para Dworkin o fio condutor não será sobre fundamentos ou procedimentos matemáticos construídos por abstração ou
generalização. Para ele quando se encara o direito como  prática interpretativa  todos os procedimentos metodológicos são
instalados em função das controvérsias que cada um de nós temos sobre o que seja direito e até onde é legítima a coerção
exercida pelo Estado sob o signo do direito.

19) Dworkin não aceita nenhum tipo de discricionariedade judicial: permitir que o juiz decida de modo a inovar na seara
jurídica pode representar um exercício arbitrário (não justificado em princípios da comunidade moral) da coerção estatal,
colocando-se no tênue liame que sustenta o exercício legítimo da força e a exceção.

20) Na realidade o que pretendemos esclarecer é que no interior do “método” de Hércules, há uma nítida preocupação com
o resultado da decisão, ao contrário do que encontramos na posição de Alexy, de modo que uma decisão judicial
estará justificada não apenas quando respeita a equidade dos procedimentos, senão quando respeita a coerência de princípios
que compõem a integridade moral da comunidade.

21) Já Lenio Streck apresenta uma Teoria da Decisão construída a partir de uma imbricação entre Gadamer e Dworkin
estando inserida no contexto do constitucionalismo contemporâneo que redefiniu o Direito Público a partir de uma reconstrução
de todo fenômeno jurídico na senda do Direito Constitucional.

22) Streck defende a importância paradigmática da noção de applicatio que aparece em Gadamer e como com ela o direito
se liberta da velha armadilha presente nas teorias tradicionais sobre a hermenêutica que acreditavam na possibilidade de
separar o fenômeno interpretativo – e, no limite, o decisional – em partes.

23) O referido autor ainda acentua que a hermenêutica, ao ampliar o espaço de legitimação dos processos cognitivos,
estabelece as condições necessárias para dar conta do complexo pré-compreensivo que a envolve, determinando seus limites e
sua pretensão de universalidade, possibilitando, assim, determinar a validade daquilo que foi obtido através da interpretação.

24) Com isso, nessa medida, a necessidade de construção de respostas adequadas à Constituição leva o autor a elaborar
cinco princípios que representariam uma espécie de  minimum applicandi  no momento de afirmação da decisão judicial. Tais
princípios são: a) preservar a autonomia do direito; b) estabelecer as condições hermenêuticas para a realização de um controle
da interpretação constitucional; c) garantir o respeito à integridade e à coerência do direito; d) estabelecer que a fundamentação
das decisões é um dever fundamental dos juízes e tribunais e e) garantir que cada cidadão tenha sua causa julgada a partir da
Constituição e que haja condições para aferir se essa resposta está ou não constitucionalmente adequada.

25) Complementando sua proposta, por fim, Streck oferece um rol de seis hipóteses que tornariam possível ao julgador
deixar de aplicar uma lei e fora destas hipóteses, estaria o julgador necessariamente vinculado à obra do Poder Legislativo,
devendo aplicá-la ao caso sob julgamento.

26) Diante de tudo, a conclusão a que chegamos é a de que a fundamentação – mais do que dever do órgão judicante – é
um direito fundamental de todo cidadão.

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Nota Conclusiva

Optamos em realizar uma breve nota conclusiva, uma vez que a obra já possui
alentado posfácio de autoria de Lenio Streck e todos os capítulos possuem suas
respectivas conclusões numeradas.

Sendo assim, consideramos oportuno tão somente realizar um fechamento


conclusivo da obra a partir das perguntas elementares que nortearam e estruturam
todo o livro.

No que se refere à primeira pergunta “o que é o direito”, o principal escopo foi


fugir das abordagens tradicionais que conceituam o direito apenas em seus
aspectos elementares reduzindo-o a conceito de norma, busca pela justiça, lei etc.
Essas apresentações, apesar de poderem ter apelo retórico, muito pouco
contribuem para o efetivo conhecimento do fenômeno jurídico. Daí que elencamos
as principais conceituações hodiernas do direito, em parte abordando a
funcionalidade do direito e em outra sua própria estrutura. Ou seja, o direito não
pode ser explicado sem que se demonstre concomitantemente sua funcionalidade
e sua complexa estrutura.

Importante registrar que, levando em conta essa abordagem, não deixamos


escapar a relação existente entre o direito com conceito de poder e sua acepção
da modernidade como violência, seja simbólica como ideia reguladora da
sociedade, seja não simbólica como representação de um ato de força.

Na verdade, caso se buscasse nessa nota conclusiva apresentar um único e


fechado conceito de o que seria o direito, estaríamos incorrendo em contradição
com o próprio escopo do livro, que é, antes de tudo, apresentar o direito como
uma experiência,  e não como mero receituário de conceitos estanques e em sua
maior parte já desgastados pelo decurso do tempo. Vale dizer  – tal como
afirmamos na própria introdução –, o direito é um saber que se agencia na efetiva
experiência da convivência, na dimensão do mundo prático, de modo que somente
se conhece o direito fazendo-o.

A segunda questão do livro referia-se aos fundamentos do direito. Do mesmo


modo que na questão anterior, foi preocupação constante ao longo de todo o texto
nos afastarmos da tradicional dicotomia em que o direito ou se sustenta apenas na
legalidade vigente ou em leis de natureza anistóricas (cosmologia, teologia ou nas
formas lógicas inatas à Razão).

Para atingirmos nosso desiderato, de início, enfrentamos a relação entre direito


e ciência que, atualmente, possui instigante cenário de discussão, uma vez que
alguns autores chegam a encarar a possibilidade de um completo afastamento do
direito da ciência. Apesar de propriamente ser muito complexo equiparar o direito a
uma ciência, fato é que há um grande potencial de estudo propriamente científico
no campo jurídico, haja vista a importância de se discutir uma teoria da decisão
com elementos objetivantes para respostas jurídicas oferecidas aos casos judiciais.
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Ademais, nunca é excessivo lembrar, com Harold Berman, que a Ciência


Jurídica dos medievais serviu de protótipo para a Ciência moderna. O modo de se
organizar e se praticar o estudo, a pesquisa e o ensino do direito pode ser diferente
daqueles praticados nas chamadas “ciências duras”, mas isso, nem de longe,
autoriza descredenciar o caráter científico do direito.

A polêmica entre direito e ciência também foi pensada com o intuito de,
originalmente, analisar a ciência do direito em uma perspectiva crítica, a fim de
permitir o diálogo com outras ciências. Ou seja, criar uma dimensão propriamente
crítica do discurso científico do direito.

Dessa forma, após analisarmos a relação entre direito e ciência, passamos


para o exame do direito e moral e em seguida com a justiça. Esses temas
relacionam-se porque a justiça, costumeiramente, é apresentada como conceito
metafísico, portanto, ambientado em perspectivas morais, de difícil
consensualidade.

Nessa ordem, a preocupação foi de estabelecer uma tradicional análise entre


direito e moral, demonstrando a importância de na modernidade se repensar o
conceito de moral em relação à ética.

Na linha do enfrentamento da relação entre direito e moral, foi analisada a


dicotomia formada a partir do embate entre jusnaturalismo e juspositivismo. Tal
análise teve lugar porque, entre as diversas formas de se pensar um fundamento
único para o direito, as mais conhecidas são aquelas que criam uma vinculação do
direito com a moral (jusnaturalismo) e aquelas que, criticando a vinculação entre o
direito e a moral, procuram demonstrar a existência de um fundamento imanente
para o direito, geralmente aferido a partir de operações lógicas da ciência do direito
(juspositivismo). Além de demonstrar os equívocos provenientes de se
desconhecer a existência de diversos jusnaturalismos e juspositivismos, lançamos
as premissas elementares para se refletir acerca de uma terceira via para
fundamento do direito, o pós-positivismo.

A terceira parte buscou responder à pergunta: “como são decididas as questões


jurídicas?”, nos trilhos dos problemas enfrentados pela ciência jurídica no contexto
do pós-positivismo. Caracterizado o pós-positivismo como uma postura teórica que
se ocupa da concretização do direito e não de seu mero entendimento, vale dizer,
uma postura teórica que enfrente a radicalidade do elemento interpretativo que
atravessa toda a experiência jurídica, procuramos recompor as tradicionais teorias
das fontes, da norma e do ordenamento jurídico.

Importante anotar que, entre as várias questões que compõem esse universo
de problemas, o elemento central desse capítulo diz respeito à passagem do
conceito semântico-positivista de norma para um conceito paradigmático-pós-
positivista. Ou seja, salta-se do simples entendimento das normas em direção à
discussão e enfrentamento dos problemas relativos à sua efetiva concretização.
Esse novo conceito de norma  – que, como afirma Friedrich Müller, representa a
pedra de toque do pós-positivismo  – não aparece bem trabalhado por alguns
setores do pensamento jurídico brasileiro. De fato, há uma certa dificuldade em

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lidar com a distinção entre texto e norma e os diversos reflexos que isso produz
para a instrumentalização concreta do direito.

No capítulo final, abordamos a questão do método jurídico e da interpretação


do direito.

A análise do método jurídico centrou-se, principalmente, em torno da


experiência da teoria do direito privado alemão procurando traçar um grande painel
que demonstra como as preocupações passaram da construção de mecanismos
para o entendimento do direito em direção à efetiva decisão dos casos judiciais.
Essa passagem (do entendimento à interpretação) acentua sobremodo o papel que
a hermenêutica desempenha no âmbito do pensamento jurídico. Interessante notar
que autores tão heterogêneos entre si, como Karl Larenz, Josef Esser, e Friedrich
Müller, se ocuparam da hermenêutica em alguma altura de suas respectivas obras.
Ressalvadas as nuances do pensamento de cada um desses citados autores, é
certo que se pode afirmar que todos eles apontam para o caráter incisivo assumido
pela interpretação do direito nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.

Assim, procuramos apresentar, também, os traços fundamentais da


hermenêutica e sua respectiva aproximação com o direito. Devido aos elementos
pragmáticos e narrativos assumidos pelo direito na contemporaneidade, a vertente
hermenêutica por nós destacada e que representa o espaço teórico mais
adequado para lidar com os problemas jurídicos foi aquela que se projeta a partir
da filosofia hermenêutica e da hermenêutica filosófica.

Por fim, o fechamento do problema da decisão se faz a partir da construção de


uma teoria. Assim, apresentamos três propostas que procuram enfrentar a questão
da interpretação do direito no momento de sua realização judicial.

Primeiramente, trabalhamos com a fórmula da ponderação de Robert Alexy,


apontando para seu caráter procedimental e para a sua aposta de existência de
múltiplas respostas para os casos judiciais. Ressaltamos que esse grau de
decisionismo presente em sua teoria faz com que seu procedimento não seja
satisfatório para solucionar o problema da decisão judicial.

Na sequência, apresentamos o pensamento de Ronald Dworkin no que tange,


especificamente, ao direito como integridade, procurando confrontá-lo com a
proposta de Alexy. A teoria de Dworkin procura enquadrar o fenômeno jurídico
como uma cadeia narrativa composta por várias decisões do passado (políticas e
judiciais) e que devem ser respeitadas nas decisões tomadas no futuro de modo
que, a cada nova decisão, deve-se reconstruir e recontar a história institucional do
direito, cuja força determinante é dada pelos princípios jurídicos.

Levando adiante o pensamento de Dworkin  – e operando uma imbricação


desse pensamento com a hermenêutica filosófica de Hans-George Gadamer  –,
Lenio Streck procura pensar uma teoria da decisão capaz de construir respostas
adequadas à Constituição para cada caso jurídico levado à apreciação
jurisdicional.

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Em suma, desde a introdução destacamos que o principal objetivo do livro era


apresentar o direito, sua teoria e os seus problemas filosóficos, de modo a
ressaltar seu caráter problematizante e complexo, de confluência de vários
discursos que, na grande maioria das vezes, longe estão de ser consensuais. O
objetivo, portanto, era suscitar corretamente os problemas, de modo que as
respostas pudessem encontrar um encaminhamento adequado. Sendo assim, mais
importante do que ter a resposta é saber colocar corretamente a pergunta. O
movimento da ciência, é sabido, não é impulsionado pelas respostas, mas pelas
perguntas.

Como nota de despedida, talvez seja melhor permanecermos silentes e praticar


a arte da escuta/leitura. Certamente, não teríamos palavras mais belas e precisas
que essas que aqui se seguem:

“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é
sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais
completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não
entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não
entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um
desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a
inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que
não entendo.”

Clarisse Lispector 1

.Clarice Lispector.  A Descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,


1984.

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Posfácio

Do Positivismo ao não Positivismo: A Trajetória


Hermenêutica do Direito – A Necessidade da Crítica
Jurídica
Por Lenio Luiz Streck

1. Os sentidos coagulados do direito, a linguagem


oficial dos juristas e a reprodução do habitus
dogmaticus
Uma advertência se faz necessária no início deste posfácio. A crítica que
desenvolvo nos meus diversos escritos não tem por escopo produzir um ambiente
castrador que acarrete algum tipo de limitação ao estabelecimento de novas
teorias ou mesmo à incorporação de novos autores no diálogo. Tampouco são
sectárias.

Pelo contrário, a questão que se coloca é, exatamente, a necessidade de se


criar um modelo mais rigoroso de avaliação dos argumentos teóricos produzidos
pelo campo jurídico para que o  novo  tenha realmente condições de aflorar; que
não seja apenas um reformismo daquilo que já se encontra superado; e nem que
se incorra em (auto)contradições  – fato mais comum nessa argumentação dos
juristas que perfilam as mais variadas posições filosóficas. É nesse ambiente que
procuro assentar o lugar de minha fala: o lugar da pluralidade.

Pois bem. Passadas três décadas da Constituição do Brasil e depois de tantos


avanços na teoria do direito, um olhar sobre as práticas cotidianas da
operacionalidade do direito (juízos singulares e colegiados) e o ensino jurídico
praticado nas mais de trezentas faculdades espalhadas pelo país ainda mostra um
intenso grau de atrelamento ao senso comum teórico-jurídico.

E o que é o senso comum teórico? Luis Alberto Warat já há mais de trinta anos
“decretava”: a dogmática jurídica é (as)sim, conservadora, assistemática, formalista
e decisionista, porque é refém do senso comum teórico. Isso, porque, ao servir de
instrumento para a interpretação/sistematização/aplicação do Direito, a dogmática
jurídica vai aparecer como um conjunto de técnicas de “fazer crer”, com as quais
os juristas conseguem produzir a linguagem oficial do Direito que se integra com
significados tranquilizadores, representações que têm como efeito impedir uma
problematização e uma reflexão mais aprofundada sobre nossa realidade
sociopolítica.1

Esse conjunto de técnicas, essa “linguagem oficial” e esses significados


tranquilizadores representam o sustentáculo do que se pode chamar de
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“paradigma dominante do direito”. Trata-se daquilo que chamei, de há muito,


de habitus ­dogmaticus, um conjunto de crenças e práticas que compõem os pré-
juízos do jurista, que tornam a sua atividade refém da cotidianidade (algo que
podemos denominar de concretude ôntica), d’onde falará do e sobre o Direito.

É o desde-já-sempre e o como-sempre-o-Direito-tem-sido que proporcionam a


rotinização do agir dos operadores jurídicos, propiciando-lhe, em linguagem
heideggeriana, uma “tranquilidade tentadora”. O  habitus  é uma espécie de “casa
tomada” (pensemos em Cortázar), onde o problema de estar-refém-do-habitus nem
sequer se apresenta como um “problema-de-estar-refém-do-habitus”. Quem está
no  habitus  não se dá conta disso. Simplesmente está. Nesse “estar-sem-se-dar-
conta” a suspensão dos pré-juízos não ocorre, impossibilitando-se a sua
confrontação com o horizonte crítico. Mesmo com o advento da Constituição de
1988, classificável como compromissória, social e dirigente (ao menos para um
constitucionalista “jurássico” como eu), esse modo de “fazer direito” resiste. E
persiste. Por isso, é possível afirmar que a crise do direito  – e da dogmática
jurídica que “o instrumentaliza” – é, fundamentalmente, paradigmática.2

A dogmática jurídica define e controla a ciência jurídica, indicando, com o poder


que o “consenso” (fruto da rotinização, do  habitus) da comunidade científica lhe
confere, não só as soluções para seus problemas tradicionais, mas,
principalmente, os tipos de problemas que devem fazer parte de suas
investigações (não esqueçamos, aqui, o fenômeno da “recuperação ideológica”
que a dogmática jurídica vem fazendo). Mais do que isso, é possível dizer que a
crise da ciência do Direito é, fundamentalmente, um capítulo da crise mais ampla
da racionalidade política que ocorre nas sociedades avançadas.3

Se o Constitucionalismo Contemporâneo – que chega ao Brasil apenas no final


da década de 80 do século XX – estabelece um novo paradigma, ou proporciona
as bases para a introdução de um novo, o que impressiona, fundamentalmente, é a
permanência das velhas formas de interpretar e aplicar o direito, o que pode ser
facilmente percebido pelos Códigos ainda vigentes (embora de validade
constitucional duvidosa em grande parte).4 Em tempos de intersubjetividade (refiro-
me à transição da prevalência do esquema sujeito-objeto para a relação sujeito-
sujeito),5 parcela considerável de juristas ainda trabalha com os modelos (liberais-
individualistas) “Caio”, “Tício” e “Mévio”...! Ou aderem, sem maior pudor, às
posturas realistas, pelas quais o direito é aquilo que os tribunais dizem que é.

Os manuais – entendidos aqui como “modelos prêt-à-porters” de disseminação


da dogmática jurídica –6  mudaram muito pouco nos últimos anos.7  Mergulhados
nesse magma de significações (aqui homenageio Cornelius Castoriadis) forjado
pelo senso comum teórico, os juristas reproduzem sentidos. É a estandardização
que, paradoxalmente, cresce dia a dia, em plena era da informação. Daí ser
possível afirmar que parcela relevante do material utilizado nas salas de aula das
Faculdades de Direito deveria trazer uma tarja com a advertência similar às
carteiras de cigarro: “o uso constante desse material fará mal à sua saúde mental”.
Além de  uma fotografia de um bacharel, com uma expressão bizarra, com os
dizeres: “Usei durante cinco anos e fiquei assim...”.8

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A estandardização é coisa antiga. Direito e Filosofia, crítica e direito, não são


coisas que andaram juntas desde o Império brasileiro. No início do século  XIX,
Tobias Barreto censurava duramente os  acomodados juristas  da época, que, no
dizer dele, ocupavam-se em pensar simplesmente sobre “questiúnculas forenses”,
desconsiderando a importância que certos ramos do saber como a Filosofia
possuíam no Direito:

Um médico filósofo parece coisa mais tolerável aos olhos da gente sensata do que
um bacharel em direito. Parece que este só deve se ocupar do que diz respeito
ao  Corpus Iuris. Se ousa um instante olhar por cima dos muros destas velhas e
hediondas prisões, chamadas Côrrea Telles, Lobão, Gouveia Pinto, etc., ai dele, que
vai ser punido por tamanho desatino!9

Vejam a atualidade de suas críticas:

Como quer que seja, a verdade é que o pobre bacharel, limitado aos seus
chamados conhecimentos jurídicos, sabe menos das necessidades e tendências do
mundo moderno, sente menos a infinitude dos progressos humanos, do que pode ver
de céu azul um preso através das grades do calabouço.10

Esses dois séculos foram forjando tais processos de calcificação do raciocínio


dos juristas. Senso comum teórico: esse é o imaginário no qual se sustenta o
pensamento médio dos juristas de terrae brasilis.

No âmbito do senso comum teórico, ocorre a ficcionalização do mundo jurídico-


social. Alguns exemplos beiram ao folclórico, como no caso da explicação do
“estado de necessidade” constante no art.  24 do Código Penal, não sendo
incomum encontrar professores (ainda hoje) utilizando o exemplo do naufrágio em
alto-mar, em que duas pessoas (Caio e Tício, personagens comuns na cultura dos
manuais) “sobem em uma tábua” e, na disputa por ela, um deles é morto (em
estado de necessidade!). A pergunta fica mais “sofisticada” quando o professor
resolve discutir o “foro de julgamento” de Caio (entra, então, a relevantíssima
discussão acerca da origem da referida tábua, como se pudesse haver outra
flutuando em alto-mar, além daquela que, com certeza, despregou-se do navio
naufragado!). No caso, devem existir muitas tábuas  – talvez milhares  – em alto-
mar, para que um dos personagens, dentre os nascidos para servirem de exemplo
no direito penal, a ela se agarre... Só a ironia salva o exemplo.

Não faz muito tempo, em um importante concurso público, foi colocada a


seguinte questão: Caio quer matar Tício (sempre eles), com veneno; ao mesmo
tempo, Mévio também deseja matar Tício (igualmente com veneno, é claro!). Um
não sabe da intenção assassina do outro. Ambos ministram apenas a metade da
dose letal (na pergunta não há qualquer esclarecimento acerca de como o idiota do
Tício bebe as duas meias porções de veneno  – sim, porque somente um idiota
faria isso, pois não?). Em consequência da ingestão das meias doses, Tício vem a
perecer... Daí a “relevantíssima” indagação da questão do concurso: qual o crime
de Caio e Mévio? Muito relevante; deveras importante...! Qual seria a resposta?
Por certo, os nossos tribunais estão repletos de casos como esse...11 Casos como
esse devem ser corriqueiros!

Outro exemplo que há tempos venho denunciando é o de uma pergunta feita


em concurso público de âmbito nacional, pela qual o examinador queria saber a
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solução a ser dada no caso de um gêmeo xifópago ferir o outro! Com certeza,
gêmeos xifópagos  – encontráveis em qualquer esquina  – andam armados e são
perigosos... Pois não é que a pergunta voltou a ser feita, desta vez em concurso
público de importante carreira no Estado do Rio Grande do Sul? A questão de
direito penal que levou o número 46 dizia:

André e Carlos, gêmeos xipófagos [sic  – o original da pergunta constou assim],


nasceram em 20 de janeiro de 1979. Amadeu é inimigo capital de André. Pretendendo
por (sic) fim a vida de André, desfere-lhe um tiro mortal, que também acerta Carlos,
que graças a uma intervenção cirúrgica eficaz, sobrevive.

E seguem várias alternativas.

Sem entrar no mérito da questão  – e até para não parecer politicamente


incorreto e  não ser processado pelo gêmeo xifópago que, milagrosamente,
sobreviveu  –, impõem-se, no mínimo, duas observações: primeira, é importante
saber que os gêmeos xifópagos (e não xipófagos, como constou da pergunta)
nasceram no mesmo dia (tal esclarecimento era de vital importância!); e, segunda,
não está esclarecido o porquê de Amadeu odiar apenas a André, e não a Carlos
(afinal, tudo está a indicar que eles sempre andavam juntos  – a ironia, aqui, é
irresistível).

Agora, falando sério: diariamente temos lutado para superar a crise do ensino
jurídico e da operacionalidade do direito. Não está nada fácil. Basta um olhar
perfunctório para verificar o estado da arte da crise. Para se ter uma ideia da
dimensão do problema, há um importante manual de direito penal  – dos mais
vendidos – que ensina o conceito de erro de tipo do seguinte modo: um artista se
fantasia de cervo e vai para o meio do mato; um caçador, vendo apenas a galhada,
atira e acerta o “disfarçado de cervo”. Fantástico. Quem não sabia o que era erro
de tipo agora sabe... (ou não!). Só uma coisa me deixou intrigado: por que razão
alguém se fantasiaria de cervo e iria para o meio do mato? Trata-se de um mistério
que somente o sarcasmo pode auxiliar na explicação.

Ah, se o direito penal fosse tão fantasioso, engraçado ou simples assim. O


problema é que sempre sobra realidade. E como sobra! Com efeito, enquanto
setores importantes da dogmática jurídica tradicional se ocupam com exemplos
fantasiosos e idealistas/idealizados, a vida continua. Mais ou menos como em uma
sala de aula de uma faculdade de direito no Rio de Janeiro, em que o professor
explicava os crimes de dano, rixa e estampilha falsa e, lá de fora, ouviram-se tiros,
muitos tiros. Na verdade, enquanto o professor explicava os conceitos desses
relevantes crimes, várias pessoas foram mortas, em um conflito entre traficantes.
Mas o professor não se abalou: abriu seu Código e passou a explicar o conceito de
atentado ao pudor mediante fraude!12

A literatura poderia nos auxiliar, para, a partir disso, abrir frestas no direito para
o ingresso da sangria do cotidiano. Uma pitada de Os Miseráveis, de Victor Hugo –
que, publicado em 1862, vendeu sete mil exemplares em vinte e quatro horas  –
poderia ser útil. Quantos Jean Valjean’s, personagem que é encarcerado e depois
perseguido por ter furtado um pão, existem espalhados no “sistema” carcerário ou
no “sistema judiciário”, respondendo processos? A cada dia, deparamo-nos com
novos Jean Valjean’s...
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Mas, prossigo: pesquisando um pouco mais, descobri em outro manual que o


indivíduo que escreve a carta não pode ser agente ativo do crime de violação de
correspondência; também constatei que, para configurar o crime de rixa, é
necessário o  animus rixandi; e ainda verifiquei que  agressão atual é a que está
acontecendo, e que agressão iminente é a que está por acontecer. E coisa alheia
móvel, no crime de furto, é algo “que não pertence à pessoa”. Também desvelei
outro mistério: o crime de quadrilha necessita, no mínimo, da participação de
quatro pessoas. Um antigo manual explica a diferença entre dolo eventual e culpa
consciente do seguinte modo: um jardineiro quer cortar as ervas daninhas e acaba
cortando o caule da flor...!

Finamente, outro mistério foi solucionado pela dogmática penal. Havia sérias
“dúvidas” acerca do que seria o “princípio da consunção”. Mas a resposta já está
nas bancas, nas melhores casas do ramo, por meio do seguinte exemplo: “o
peixão (fato mais abrangente) engole os peixinhos (fatos que integram aquele
como sua parte)”. E, pronto. Fiat Lux.

Mas tem mais. Talvez o  Top Five  do senso comum teórico esteja no seguinte
exemplo, retirado do Concurso Público para Ingresso na Carreira de Defensor
Público do Estado do Rio de Janeiro, do ano de 2010.

PROVA ESCRITA DISCURSIVA DE CARÁTER GERAL DO XXIII CONCURSO


PARA INGRESSO NA CARREIRA DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO
DE JANEIRO (7 linhas para resposta)

12.ª  Questão: Um indivíduo hipossuficiente, interessado em participar da prática


de modificação extrema do corpo (body modification extreme), decidiu se submeter a
cirurgias modificadoras, a fim de deixar seu rosto com a aparência de um lagarto.
Para tanto, pretende enxertar pequenas e médias bolas de silicone acima das
sobrancelhas e nas bochechas, e, após essas operações, tatuar integralmente sua
face de forma a parecer a pele do anfíbio. Frustrado, após passar por alguns hospitais
públicos, onde houve recusa na realização das mencionadas operações, o indivíduo
decidiu procurar a Defensoria Pública para assisti-lo em sua pretensão. Pergunta-se:
você, como Defensor Público, entende ser viável a pretensão? Fundamente a
resposta. (7,0 pontos)

Pois bem. Ao que consta, recebeu nota máxima quem respondeu que o
defensor público deveria ajuizar a ação, porque o hipossuficiente tem o direito à
felicidade (princípio da felicidade). Trata-se de uma excelente amostra do patamar
que atingiu o pamprincipiologismo e o estado de natureza hermenêutico
em terrae brasilis, que sustentam ativismos e decisionismos. Por certo, deve haver
uma espécie de “direito fundamental a alguém se parecer com um lagarto” ou algo
do gênero. Como se o direito estivesse à disposição para qualquer coisa. Não
parece ser um bom modo de exercitar a cidadania o incentivo a que advogados de
hipossuficientes, pagos pelo contribuinte, venham a se utilizar do Poder Judiciário
para fazer “laboratório” ou até mesmo estroinar com os direitos fundamentais. Eis,
aqui, pois, uma coletânea de elementos que apontam, em pleno Estado
Democrático de Direito, paradoxalmente, para o recrudescimento do conhecimento
jurídico.13

Essa crise de paradigma(s)  – que denomino de “crise paradigmática de dupla


face” –,14  à evidência, atinge o conjunto das instituições encarregadas de
administrar a Justiça. Com efeito, essas instituições, reproduzidas a partir de um
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ensino estandardizado (e, aqui, devemos chamar à baila as Faculdades de Direito


e a reprodução do senso comum teórico por elas proporcionado), sustentam
esse  gap  existente entre, de um lado, a teoria do direito e a dogmática jurídica
tradicional, e, de outro, a Constituição, os textos infraconstitucionais e as
demandas sociais. Assim, se a Constituição da República possui os indicadores
formais para uma ruptura paradigmática, estes mais de trinta anos deveriam
testemunhar uma ampla adaptação do direito aos ditames da Lei Maior.

Isso não aconteceu porque há uma  nadificação  – no sentido hermenêutico


da  palavra  – do novo paradigma pós-1988. A resistência das velhas práticas
institucionalizadas na e pela dogmática jurídica se deve a essa “coagulação de
sentidos”  que, no plano específico do direito, podemos chamar de senso comum
teórico dos juristas. É ele – o senso comum teórico – que vela. Que esconde. Que
coagula.

Sem qualquer dúvida, foi Warat quem, além de cunhar a expressão senso
comum teórico dos juristas, melhor trabalhou essa relação dos juristas – inseridos
numa espécie de  corpus de representações  –  com suas práticas cotidianas. O
senso comum teórico dos juristas é, assim, o conjunto de crenças, valores e
justificativas por meio de disciplinas específicas, legitimadas mediante discursos
produzidos pelos órgãos institucionais, tais como os parlamentos, os tribunais, as
escolas de direito, as associações profissionais e a administração pública.15

A partir de tais premissas, é possível afirmar16 que a realidade do cotidiano dos


juristas – a sua relação com a lei e o direito e destes com a sociedade no qual ele,
jurista, está inserido – por si só não é significativa. Porém, ela se apresenta dessa
maneira graças ao senso comum teórico no ato de conhecer.

O que determina a significação dessa realidade é uma espécie de “ascensão da


insignificância”17  que consubstancia toda a faculdade cognoscitiva,
institucionalmente conformada com todos os seus elementos fáticos, lógicos,
científicos, epistemológicos, éticos e de qualquer outra índole ou espécie. Por isso,
não é difícil ou temerário dizer que os paradoxos originários da sociedade repleta
de conflitos e contradições acabam sendo, exatamente, diluídos no interior
desse corpus denominado de senso comum teórico do saber jurídico.

2. A lei, o direito e a alografia dos textos. De como


o direito não cabe na lei, mas também não pode ser
criado à revelia da lei
Como superar a crise paradigmática que atravessa o direito? De que maneira
podemos superar os resquícios do senso comum teórico? A que devemos debitar
esse processo de “coagulação dos sentidos jurídicos”?

De há muito tenho buscado a explicação para essa crise. Nas idas e vindas de
minhas investigações, há um ponto que pode ser considerado como o de
“estofo”, para onde confluem os diversos caudais doutrinário-jurisprudenciais: trata-
se do modo como a teoria do direito tem compreendido a viragem do fenômeno do

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positivismo exegético (formalismo-textualismo) para as novas formas desse


fenômeno.

No presente posfácio, essa temática está entrecruzando e atravessando meu


discurso em todos os momentos, implícita ou explicitamente. Trata-se da busca de
algo que, já por si, é a condição de possibilidade da própria pergunta. Essa é, já de
pronto, a diferença entre o positivismo (ou positivismos) e um adequado
posicionamento não positivista (ou antipositivista): no(s) positivismo(s), quer-se
fornecer respostas antes das perguntas; já no não positivismo (ou
antipositivismo)  – ao menos naquilo que entendo por não positivismo  –, não
existem respostas antes das perguntas. No conto, está o contado; no conto,
também está o contador.

O direito necessita de teorias que explicitem as condições para o adequado


fornecimento de respostas (decisões) que estejam em conformidade com a
Constituição. Esse é o ponto central da reflexão jurídica: a necessidade de uma
teorização, que decorre do caráter alográfico do direito, como diz Eros Grau. O
direito necessita de um medium interpretandi. Sem a teoria, não há direito. O que
quero dizer é que não é qualquer pessoa que pode ou que sabe interpretar a lei.
Mesmo que um dispositivo legal esteja formulado na mais simples linguagem
ordinária,18  ainda assim a sua interpretação não pode ser feita afastada daquilo
que se pode chamar de campo jurídico.19

As palavras da lei somente adquirem significado a partir de uma teorização, que


já sempre ocorre em face de um mundo concreto. A teoria é que é a condição de
possibilidade desse “dar sentido”. Esse sentido vem de fora. Não há um “sentido
evidente” (ou imanente). As palavras da lei não contêm um “sentido em si”. Um
exemplo de Paulo Barros de Carvalho ajuda a compreender melhor essa questão:
se uma lei diz que três pessoas disputarão uma cadeira no senado da República,
nem de longe se pode pensar que três pessoas disputarão o móvel (cadeira) do
Senado. Não fosse assim e o marceneiro poderia ser jurista, muito embora a
recíproca possa ser verdadeira...!

Procurando ser mais claro: se, a interpretação/aplicação – porque interpretar é


aplicar, conforme deixo claro em  Hermenêutica Jurídica e(m) Crise  – fosse uma
“questão de sintaxe” (análise sintática), um bom linguista ou professor de
português seria o melhor jurista. Seria o império dos “conceitos” sem coisas. Só
que as coisas (fatos, textos, fenômenos em geral) não existem sem conceitos (ou
nomes).20

Aliás, se não se compreender o direito a partir de uma adequada teoria, pode-


se sempre cair em armadilhas, tanto ligadas a uma perspectiva objetivista como a
uma perspectiva subjetivista.21 Há erro nas duas posições, como venho insistindo
em dizer há tantos anos. Vejamos o exemplo do conceito de contrato. A tradição
específica que “o contrato é um acordo estabelecido por duas ou mais pessoas
com capacidade jurídica para praticar os atos da vida civil, com forma prescrita ou
não defesa em lei e objeto lícito, possível, determinado ou determinável”. Isso quer
dizer que um menino de dez anos não pode comprar um picolé? Claro que pode e
isto porque o conceito não abarca todas as hipóteses de aplicação. Isso acontece
com o conjunto das palavras que compõem o universo da legislação. Elas não
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esgotam a realidade. Na palavra “Nilo” não está a água do Rio Nilo e nem na
palavra “rosa” está o seu perfume...! A palavra “borboleta” não tem asas (permito-
me fazer esta ironia). A palavra água não molha... e não pinga!

Do mesmo modo, o tipo penal “subtrair coisa alheia móvel” não contém a
“essência” do significado do furto. No enunciado “constranger mulher a praticar
sexo” não está contida a “essência da estuprês”. Tampouco o enunciado “não
compete ao STF conhecer de ‘habeas corpus’ impetrado contra decisão do relator
que, em ‘habeas corpus’ requerido a tribunal superior, indefere a liminar” (Súmula
691 do STF) contém todas as hipóteses aplicativas, bastando, para tanto, ver como
o próprio Supremo Tribunal Federal confessa isso, ao suplantar o nível meramente
sintático-semântico do referido enunciado sumular, ao conceder liberdade a Paulo
Maluf e seu filho.

Outro exemplo pode melhorar o nosso entendimento. Trata-se do clássico


exemplo de Recaséns Siches, que vou aqui tornar mais complexo. Se há uma lei
que proíbe que se leve cães na plataforma do trem, a pergunta que se põe é: seria
possível levar um urso? Afinal, apenas os cães estão proibidos... O que não é
proibido está permitido... Ocorre que a palavra “cães” não esgota o sentido da
regra. Neste caso, a partir da reconstrução da história institucional do direito pelo
“método hermenêutico”,22  chega-se à conclusão de que, onde está escrito cães,
deve-se ler “animais perigosos”, isto é, os animais que podem colocar em risco os
passageiros. Ainda, assim, a reconstrução institucional deve continuar. Afinal, que
tipo de animal está proibido? O que seria um animal perigoso? Quem define essas
“coisas” (animais) que devem se compatibilizar com o conceito de “perigosos”? É o
juiz? É ele quem escolhe, de forma discricionária (arbitrária)? Ou ele consultará um
dicionário? Há uma listagem de animais perigosos à disposição na literatura
jurídica (ou não jurídica)? E, se houvesse tal lexicografia (ou taxonomia), o
conceito de “animal perigoso” estaria condizente com o contexto de aplicação
(caso concreto), isto é, “a plataforma de um trem”? Afinal, um conceito “abstrato”
de “animais perigosos” pode ser aplicado à selva ou ao interior de uma escola, mas
não a uma plataforma de trem, pois não?

E, atenção: nem mesmo a palavra “cães” segura o “seu próprio sentido”, uma
vez que não se poderia aplicar a proibição a um cego levando o seu cão guia (o
que parece óbvio). E assim por diante. Se a  holding  está assentada em “animais
perigosos”, todo tipo de cão não perigoso não estaria fora da proibição da regra?
Veja-se, desde já – problemática que voltarei mais adiante – a questão da relação
“texto-norma”.

Mais do que isso, para que seja possível falar da superação do(s)
positivismo(s), deve-se ter consciência da necessidade de uma teoria da decisão.
Como se decidem os casos, eis a questão que procuro responder em Verdade e
Consenso.23  Na especificidade do exemplo de Siches, se a resposta fosse
simplesmente “sim, pode levar um urso”, estar-se-ia em face de uma decisão
“raso-positivista-exegética” (positivismo primitivo). Já se a resposta fosse “não,
porque onde está escrito cães, leia-se animais perigosos”, em tese estar-se-ia em
face de uma análise não positivista, isto é, uma análise que superaria o positivismo
exegético. Entretanto, o final da história, isto é, a resposta acerca de como poderia
ser classificada a segunda resposta advirá do tipo de decisão. Se for discricionária
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a resposta, sem uma reconstrução da história institucional do direito, poderemos


estar em face de uma resposta positivista do tipo pós-exegético-voluntarista.

Isso quer dizer que a interpretação da lei não pode se limitar à lei (à súmula ou
ao “verbete”).  Entretanto, ao ir “além” da lei, cresce o grau de complexidade.  É
neste ponto que muitos juristas pensam que, pelo simples fato de superarem o
positivismo exegético, já se encontram em território não positivista... Ledo engano,
uma vez que, como venho demonstrando, o positivismo tem várias faces. O ponto
mais simples é a constatação – elementar – de que a lei não contém a resposta em
si mesma. Essa é a constatação primeira que deve ser feita. Óbvia,
desde  Antígona  (Sófocles) até  As Aventuras de Gulliver  (Jonathan
Swift),24 passando por Medida por Medida (Shakespeare). É em Lagado, capital da
nação de Balnibarbi, que Gulliver encontra a Academia de Projetistas. Entre seus
diversos projetos, destaco, aqui, uma de suas salas, na qual os sábios locais
discutiam as possibilidades de se simplificar a linguagem. Era um consenso em
Balnibarbi que o discurso, além de complexo, fazia mal à saúde – afinal, o simples
ato de falar poderia, a longo prazo, trazer malefícios aos pulmões e,
consequentemente, diminuir a expectativa de vida da população. Trabalhando a
partir dessa lógica, um dos professores sugeria que todas as palavras,
especialmente as longas, fossem suprimidas, de forma que nos comunicássemos
apenas por meio de sílabas. A solução não agradou a todos: outro acadêmico de
Lagado sugeria que a empreitada fosse mais além, abolindo as palavras de uma
vez por todas. Em vez de palavras  – essas coisinhas tão inconvenientes, que
variam de idioma para idioma –, usássemos... objetos. Se eu pretendo falar de um
livro, diz o professor, por que não mostrar um livro? Livro, libro, book, Buch, livre...
objetificar a palavra é muito mais simples.

Measure for Measure (Medida por Medida), por sua vez, conta a história de um
Rei recém-ascendido ao governo de Viena. Esse rei (na verdade, um juiz, amigo
do Duque), Ângelo, ao descobrir que sua irmã teve relações sexuais com Claudio,
condena o rapaz a morte. Desesperada, Isabella, irmã de Claudio, procura
interceder, e suplica ao governante que seu irmão seja poupado. Angelo é
irredutível: a lei é a lei. “Fosse meu irmão”, diz Ângelo, “morreria também”. Isabella
insiste no dia seguinte. E, diante do encanto de Angelo com a beleza da jovem... a
lei já não parece ser mais tão absoluta assim. Se fosse amado por Isabella, o Rei
pouparia Claudio. Do extremo objetivismo, Ângelo vai ao completo subjetivismo. E
o Direito brasileiro, ao suplicar por um sentido posto pela cartografia explicativa do
mundo é uma espécie de Ângelo invertido: vai do sujeito solipsista que põe o
sentido das coisas, às estruturas que nos assujeitam.

Ainda assim, embora a obviedade disso  – e isso já deixei explicitado no


exemplo da “proibição de cães na plataforma”  –, não é difícil perceber a forma
como os juristas se apegam às discussões (meramente) sintáticas. Trata-se de
uma tentação na qual os juristas caem cotidianamente, bastando para tanto ver o
modo como se discute o que quer dizer uma súmula vinculante, como se fosse
possível fazer uma “antecipação dos sentidos da complexidade da multiplicidade
de casos concretos”. A ex-Ministra Ellen Gracie chegou a dizer que  a súmula
vinculante não era algo passível de interpretação, pois deveria ser suficientemente
clara para ser aplicada sem maior tergiversação.

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Por vezes, firma-se posição acerca da “literalidade” da lei ou do enunciado


sumular25 (ou de algum verbete jurisprudencial), como se, voltando ao Wittgenstein
do  Tratactus, houvesse uma linguagem que pudesse espelhar à perfeição o
mundo. Nestas hipóteses, acredita-se que os conceitos são isomórficos, ou seja,
como propõe Manfredo de Oliveira acerca da primeira fase do filósofo austríaco,
como se houvesse uma “identidade de estrutura interna e externa, havendo uma
comparação entre a proposição e o real”,26  como se a palavra representasse a
própria coisa (ainda que não se saiba de que “coisa” se trate). Já na sequência, a
“literalidade” perde o valor e importância, inclusive com citações doutrinárias do
tipo “é obvio que a letra da lei não contém o direito” ou “já não se pode falar do
adágio  in claris cessat interpretatio” etc. Por razões de baixa densidade
hermenêutica, os intérpretes (tribunais etc.) lançam mão de ampla
discricionariedade. Como os tribunais não estão acostumados a julgar por
princípios e, sim, por política(s), acaba predominando um “jogo interpretativo  ad
hoc”:27 quando interessa, vale a palavra da lei, a sua sintaxe, o verbo nuclear etc.;
quando não interessa, as palavras são fugidias, líquidas, amorfas... Aí então se
busca a vontade da norma,  28  a vontade do legislador,29  a ponderação de
valores,30 enfim, os mais diversos álibis teóricos que visam a confortar a decisão.

Todavia, antes de criticar esse “jogo ad hoc”, cabe insistir na “crítica primeva”:
efetivamente, a lei não “carrega” o direito. E como descobrimos isso, de forma
definitiva? A resposta é induvidosa: a partir da superação dos paradigmas
essencialista-clássicos e da filosofia da consciência (objetivismo e subjetivismo).
Isto é, a partir da viragem ontológico-linguística, a linguagem é alçada à condição
de possibilidade. Eu não possuo a linguagem. É ela que me tem. Heidegger dizia:
a linguagem é a casa do ser; nessa casa mora o homem; os poetas e os
pensadores são os vigilantes (os curadores) dessa casa. E, acrescento: tudo o que
sei é graças às palavras que sei. E tudo o que (ainda) não sei é em face das
palavras que desconheço. As coisas que não sei estão “cobertas” pela linguagem à
qual ainda não tenho acesso, porque não a descobri. Nesse sentido, Gadamer
afirma que “ser que pode ser compreendido é a linguagem”31  (Sein, dass
verstanden werden kann, ist Sprache). Por isso, por meio da linguagem, o ser se
vela e se desvela. Palavra é como uma “pá-que-lavra”. Ela é abertura,  des-
cobrimento e des-velamento.

A lei é construída por palavras, circunstância que aparece como evidente.


Ocorre que uma palavra não consegue abranger de antemão as diferentes
possibilidades de sentido. A frase “você é um cão” pode ser afetuosa, dando
ênfase à fidelidade do amigo ou extremamente ofensiva. Warat usava o seguinte
exemplo para demonstrar esse viés pragmático que a filosofia da linguagem
ordinária trouxe ao direito: “é proibido fazer (ou usar) topless na praia” pode ter um
sentido diametralmente oposto se o enunciado se referir à praia de Ipanema ou de
nudismo. Contribuindo para fazer ruir os alicerces do objetivismo e do subjetivismo,
Wittgenstein, em sua segunda fase, demonstrou que é o contexto de uso que dá
sentido às palavras. Não há, como pontua o próprio autor das Investigações
Filosóficas, precisamente no 88º parágrafo, um “ideal de exatidão”. A significação
depende de um contexto, um contexto socioprático, dirá ele, que se abre em
intersubjetividade. E isso foi muito útil, embora não suficiente, para a construção de
uma crítica à teoria tradicional do direito.

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A tentativa de colocar no “interior” do texto  – como se a lei tivesse um lugar


“oco” para “carregar” coisas  – as futuras possibilidades de aplicação têm sua
origem tanto nas perspectivas objetivistas quanto nas posturas subjetivistas. Ou
seja, historicamente os juristas aposta(ra)m no mito do dado, no sentido de que,
feita/posta a lei, bastaria “acoplar” o caso. É o fenômeno da subsunção (vejam
como isso ainda é corrente, hoje).32 Explicando isso melhor: mesmo nas correntes
que busca(ra)m superar essa perspectiva objetivista, também nelas há essa aposta
metafísica, na medida em que constroem um sentido arbitrário, que, em um
segundo momento, passa a ser aplicado, pelos próprios adeptos do subjetivismo,
de forma subsuntiva (as súmulas são um bom exemplo disso). Nada mais
positivista do que isso: o positivismo discricionarista constrói o seu próprio objeto
de conhecimento. Por isso é possível ver abordagens – sincréticas – nas quais o
intérprete (operacionalidade do direito  lato sensu) por vezes é subjetivista ou
adepto de alguma corrente realista e, em segundo momento, transforma-se em um
objetivista, para defender o conceito que ele mesmo produziu (ou que a doutrina
produziu).

Ainda no plano de minha crítica àquilo que a cultura estandardizada vem


construindo nas últimas décadas, lembro-me do seguinte exemplo: imaginemos
uma súmula com o seguinte enunciado: “para a aferição do conteúdo do art. 23, II,
do Código Penal, a legítima defesa não se mede milimetricamente”. Embora não
seja uma súmula (mas vamos fazer de conta que seja), esse enunciado foi/é
utilizado como uma “protossúmula” (afinal, depois de constar na RT 604/327, foi
transportada acriticamente pelos principais manuais de direito penal), servindo, nas
práticas dos juristas, como um álibi para provar as mais diversas teses. Como toda
cultura  prêt-à-porter  que se preze, o referido enunciado tem sido simplesmente
citado como se fosse uma proposição assertórica, como se nele mesmo estivesse
contida a substância de “todas as legítimas defesas que não podem ser medidas
com um esquadro”. Fosse um precedente no sentido norte-americano,
essa  holding  somente poderia ser utilizada com força vinculativa se ficassem
comprovadas as especificidades do  leading case, e seu abandono seria possível
apenas a partir de uma  distinguishing.  Não esqueçamos: lá, o precedente serve
para resolver um caso passado; aqui, as súmulas (ou os demais ementários
jurisprudenciais) “servem” indevidamente para resolver uma infinidade de casos
futuros (novamente,  mais um elemento que aponta para a não similitude entre
precedente e súmula!).

Também nesse exemplo  é irrelevante a discussão acerca da vagueza ou


clareza  do enunciado. As legítimas defesas e suas densificações “não cabem no
enunciado”. A sua aplicação depende de cada caso concreto, cujo sentido
exsurgirá da reconstrução institucional dos casos que levaram à edição da súmula,
como já especificado nos exemplos anteriores.

Que dizer, então, do recente fenômeno dos enunciados no direito


brasileiro,33  produzidos em  workshops  de magistrados que, por vezes, chegam a
dispor  contra legem? Vejase até que ponto chega o caos do decisionismo de
Pindorama. Juízes se reunindo para elaborar conceitos abstratos, com a pretensão
de responder antes mesmo de a pergunta surgir, que podem ser aplicados  à
selfservice. Como os precedentes [sic].

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Ora, Heidegger já desconstruiu isso de há muito: a proposição não é o lugar da


verdade; ao contrário,  a verdade é o lugar da proposição.  E veja: tratase de
verdade como tal, verdade transcendental. Não acredito que verdade seja
consenso, menos ainda que seja algo subjetivo, tratando-se apenas de uma
palavra sem sentido da linguagem ordinária. Falo de uma verdade  fundamentada,
para a qual se tem critérios por meio dos quais será possível dizêla ou não. Afinal,
então, como se pode fazer, ou mesmo pretender fazer, proposições
“adivinhatórias”, prospectivas?

Critérios, critérios. Essa é a chave. Quando a proposição se desprende do


contexto, seu fundamento único (e  último) é, precisamente,
o sujeito que põe a proposição (seja ela o enunciado, o precedente, a súmula). É
ou não um verdadeiro retorno à relação sujeito-objeto? Pura personificação da
filosofia da consciência e seu problema da semântica. Um sujeito propõe. Pois
bem. Mas de que lugar? Qual é a fundamentação? Uma outra palavra ou um
conjunto de palavras. Uma analítica que se autofunda. Como diz Rosemiro Leal,
uma Tópica sem Tópica.

Trata-se do fetichismo das palavras, que se, de um lado, cai no problema


semântico, de outro, cai também no convencionalismo. Algo como “antes dos
conceitos, nada existe ou, se existe, não tem a relevância suficiente para alterar o
conceito que formularei”. Percebem o paradoxo comum a esses problemas todos?
Precedentes (que não o são genuinamente, diga-se), enunciados, súmulas,
enfim... a velha busca pela verdade correspondencial. Mas como buscar essa
verdade correspondencial quando sequer explicito o que exatamente desejo fazer
corresponder? Ignorase a facticidade, produz-se um conceito sem coisa.

Ernildo Stein lembra – e bem, como de costume – que não é a realidade que é
contraditória; os  nossos discursos sobre a realidade é que são contraditórios. É
precisamente por isso que temos de ter cuidado para não confundir a estrutura dos
nossos discursos com a estrutura da realidade. Como dizia Heráclito: o logos  das
coisas é um; o logos dos filósofos – intérpretes –, outro. Por isso a simetria entre os
dois logos será sempre ideal. Ou... ilusória.

Nós também, no nosso dia a dia, necessitamos de uma “certa dogmática”. Não
podemos ficar trocando o sentido das coisas ao nosso bel-prazer. Por exemplo,
sabemos o que quer dizer a palavra lápis. Mas isso não basta, porque há milhões
de lápis. Quando digo a palavra automóvel, o ouvinte pensará não no “conceito
abstrato de automóvel”, mas, sim, em um determinado automóvel, concreto (p. ex.,
o dele) ou um imaginário. Mas sempre pensará em um “dado automóvel”. O que
nos coloca no mundo é esse “mínimo é”.

Trata-se daquilo que em  Hermenêutica Jurídica e(m) crise  (já em 11ª  edição)
chamei de “entificação minimamente necessária para estarmos no mundo”.
Sabemos o sentido das palavras, mas é a situação concreta de aplicação que
determinará o sentido. Como lembra Heidegger, não há um “lagarto em geral”. Há
sempre aquele lagarto...! Agrego: não há um furto em geral... Há sempre um
determinado furto. Não existe um “contrato agrícola” em geral. É aquilo que
Heidegger chamará de “coisa mesma” (die Sache selbst).

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Gadamer, quando critica a forma positivista de direito, faz uma crítica à


subsunção. Claro que Gadamer faz a crítica tão somente ao positivismo legalista.
Esse era o quadro que se apresentava naquele momento. Por isso, por vezes, sua
crítica ao positivismo é mal compreendida, porque se pensa que, superada a
subsunção, poder-se-ia atribuir qualquer sentido ao texto (jurídico). Isso pode ser
visto em vários pontos do direito brasileiro. Por aqui, qualquer postura que supere
o “juiz boca da lei” já é pós-positivista (por isso, abandonei essa expressão, em
face de sua equivocidade).

Ora, quando Gadamer supera a Auslegung (reprodução de sentido) colocando


no seu lugar a  Sinngebung, nem de longe está a dizer que esse “dar sentido”
permite atribuir “qualquer sentido”. Afinal, é o próprio Gadamer quem diz: para a
hermenêutica, o relativismo não deve ser refutado; deve ser destruído! Mais ainda
e de forma contundente, assevera que “toda interpretação correta deve resguardar-
se da arbitrariedade dos ‘chutes’ e do caráter limitado de hábitos mentais
inadvertidos, de maneira a voltar-se ‘para as coisas mesmas’”.

A tese gadameriana de que interpretar significa aplicar, antes de se relacionar


com qualquer forma de subjetivismo ou relativismo, está vinculada ao que
Gadamer chama de dialética da pergunta e da resposta. Isto é: o sentido da
resposta é pré-determinado pela própria pergunta. Portanto, há respostas
diferentes para perguntas diferentes. Ou, como afirmo, não há respostas antes das
perguntas. É no perguntar, portanto, que reside substancialmente a tarefa do
intérprete. Para Gadamer, assim, “uma das mais importantes intuições que
herdamos do Sócrates platônico é que, ao contrário da opinião dominante,
perguntar é mais difícil do que responder”34. A partir da centralidade e
complexidade ínsita ao próprio perguntar, cabe ao intérprete, seja ele um filósofo,
um teórico do direito ou um jurista, cultivar a sua capacidade linguística de maneira
reflexiva e crítica. Afinal, a resposta correta será o resultado de uma pergunta
correta.

Por isso, para Gadamer, compreender quer dizer “elaborar projetos corretos,
adequados às coisas”.35  Outro equívoco que se faz na leitura da obra do mestre
de Tübingen é lê-lo como um filólogo, como se a hermenêutica fosse um modo de
interpretar textos escritos. Na verdade, há que se entender que, pelo caráter
de  universalidade que assume a hermenêutica filosófica, textos são eventos.
Textos são fatos. Coisas. Fenômenos.

Assim, o grande salto para (um)a teoria do direito (não positivista ou


antipositivista) é a recepção correta (adequada) dos pressupostos teóricos
advindos da fenomenologia hermenêutica. Minimamente, todos nós sabemos o
que é “legítima defesa”. Todavia, não podemos imaginar as múltiplas possibilidades
em que se dá a legítima defesa. Ou seja, conclui-se disso que o legislador não
trata das legítimas defesas, mas, sim, de um conteúdo “dogmático” de legítima
defesa, que busca servir de bússola para as hipóteses aplicativas (talvez nisso
resida o melhor conceito do papel da “dogmática jurídica”).

Uma decisão do STF que ecoa essas discussões foi a do  habeas
corpus coletivo 143.641, veiculada no Informativo 891, por meio da qual a 2ª Turma
concedeu a ordem no  habeas corpus  coletivo impetrado em favor das mulheres
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presas preventivamente e que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou


de mães de crianças sob sua responsabilidade. O provimento excetuou, entanto,
os casos  de  crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça,
contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais
deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício.
Além disso, o STF ampliou a ordem, de ofício, às demais mulheres presas,
gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, assim
como às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no
território nacional, observadas as restrições citadas anteriormente.

Apesar das boas intenções por trás disso tudo, há uma série de complicações
nessa forma de atuação judicial, as quais podem resultar num problema ainda
maior do que aquele que se quer combater.

Primeiro, há uma questão não superada na dogmática jurídica sobre o HC,


mesmo coletivo, dever individualizar os envolvidos, sob pena de tornarse abstrato.
Segundo, há a tensão com a política. Se, por um lado, essa decisão tem certo
caráter pedagógico quanto ao estado prisional e ao desrespeito à lei de execuções
penais, ao mesmo tempo ela traz uma mistura perigosa entre ativismo e
judicialização da política. É possível fixar um limite que não soe arbitrário para esse
tipo de ingerência judicial de teor abstrato nas atividades do Legislativo e do
Executivo? Se se pode conceder HC coletivo para o descumprimento do
dispositivo que trata do acesso das mães aos filhos, o que dizer dos demais
dispositivos da lei que são desrespeitados (por exemplo: o número de pessoas por
cela, as condições de alimentação, higiene etc., que são desrespeitados todos os
dias no Brasil)?

A esse respeito, tenho discutido uma criteriologia decisória que passa por três
perguntas fundamentais: está o Judiciário diante de um direito fundamental,
subjetivamente exigível? Esse direito, em situações similares, pode ser concedido
a toda e qualquer pessoa que o pedir? Por fim, é possível transferir recursos das
outras pessoas para fazer aquela ou um grupo feliz, sem violar a isonomia no seu
sentido substancial, já levando em conta toda a força do estado social previsto na
Constituição? Se uma das respostas for negativa, não se está diante de uma
judicialização, mas, sim, de uma atitude ativista.

Terceiro, a tentativa de resolver problemas sociais por meio de uma tese


abstrata fixada por um órgão de cúpula relembra o problema dos precedentes à
brasileira (sobretudo o que se tentava fazer com as súmulas vinculantes), com
todos os problemas que venho denunciando há muito tempo.

Quarto, o critério que veda abstratamente a substituição da prisão preventiva


pela domiciliar em se tratando de crime mediante emprego de violência ou grave
ameaça não consta na Lei de Execuções Penais: “Art. 117. Somente se admitirá o
recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se
tratar de: I – condenado maior de 70 anos; II – condenado acometido de doença
grave; III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV –
condenada gestante.”

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No HC 438.607, a impetrante sustentou que o STF teria imposto restrição


apenas aos crimes praticados mediante violência e grave ameaça contra os
descendentes. Contudo, a 5ª  Turma negou, por unanimidade, provimento ao
agravo regimental, mantendo a decisão monocrática que havia indeferido o HC.
Entendeu-se que tais critérios não precisariam estar ambos presentes, e sim que a
presença  de qualquer um deles vedaria o benefício, segundo noticiou a própria
assessoria de imprensa do STF.

De acordo com o ministro Paciornik, o entendimento do STJ acerca da decisão


do STF no  habeas corpus  coletivo – e isso resulta da interpretação em vários
julgados – reconhece a existência de três exceções: crimes cometidos mediante
violência ou grave ameaça; crimes perpetrados contra os próprios descendentes
ou situações excepcionalíssimas, que devem ser verificadas caso a caso. “Dizer
que o Supremo Tribunal Federal limitou-se a obstar o benefício às mulheres que
tenham praticado crimes mediante emprego de violência ou grave ameaça contra
os menores viabilizaria, absurdamente, a prisão domiciliar às mães acusadas de
corrupção de menores, por exemplo”, concluiu Joel Paciornik.

Assim, tal entendimento do STF e do STJ está redefinindo a lei e interpretando


o direito penal de maneira restritiva. Há uma dificuldade procedimental: mesmo
com essa previsão do STF, são os juízes de cada caso concreto quem dirão o que
deverá ocorrer. Se eles descumprirem esse HC coletivo, cabe reclamação
fundamentada nesse tipo de decisão do STF? Segundo o próprio Supremo,
conforme veiculado no Informativo 891, “nas hipóteses de descumprimento da
presente decisão, a ferramenta a ser utilizada é o recurso, e não a reclamação,
como já explicitado na ADPF 347 MC/DF (DJe de 19.02.2016)”.

Na mesma linha: se estamos diante de uma injusta agressão, o dispositivo do


Código Penal não conterá as milhares de possibilidades de agressões injustas. E
como será feita a aplicação? Como se preenche essa porosidade (ínsita a qualquer
mandamento jurídico)? A partir de uma reconstrução histórico-institucional. Afinal,
o direito não é um conjunto de casos isolados, em que são atribuídos sentidos a
partir de “graus zeros de significação”. Não é do subjetivismo do juiz (portanto, de
sua discricionariedade/arbitrariedade) que decorrerá o sentido do texto “injusta
agressão”.

Aliás, o texto jurídico “injusta agressão”, enquanto componente da legítima


defesa, somente adquire o sentido na concreta normatividade e não por meio de
verbetes ou conceitualizações de caráter analítico. Os princípios da igualdade,
integridade, dignidade, por certo estarão presentes nessa aplicação. E estará
presente o princípio democrático-republicano que obriga (have a duty) o juiz a
decidir por argumentos de princípio e não de políticas, de moral etc. E, não
esqueçamos, numa palavra: a applicatio é exatamente o modo de demonstrar que
o ato interpretativo não pode ser cindido. E ele não é cindido porque somente se
dá na concretude, no mundo prático, locus dos princípios.

É por isso que as regras sempre se mostram porosas, ao contrário do que


algumas teorias do direito (em especial, as teorias da argumentação jurídica)
querem mostrar. Para essas teorias, a regra tem um conteúdo (comando) certo,
objetivo;36  já os princípios seriam porosos (aqui remeto o leitor ao verbete
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“princípios jurídicos”, do meu Dicionário de hermenêutica cit.), abertos (veja-se que


esse equívoco é cometido inclusive por juristas do quilate de Gomes Canotilho e
Paulo Bonavides, para citar apenas esses).

A partir da hermenêutica jurídica  – em especial, a que advém da Crítica


Hermenêutica do Direito37 –, as regras são compreendidas como porosas, abertas,
pela simples razão de que o seu sentido depende da  applicatio.  38  Quando o
legislador estabelece a regra do furto, parece simples compreendê-la. Afinal, trata-
se do ato de subtrair coisa alheia móvel. Ocorre que – e isso deveria ser evidente –
o legislador não está pretendendo “cuidar” dos milhares de modos em que um furto
pode ocorrer (imaginemos, só para começar, o problema do valor da coisa
subtraída). A porosidade da regra do furto será preenchida pelos princípios.39 São
os princípios que preenchem as faltas, os silêncios, as lacunas e as demasias da
“letra da regra” (ou do preceito em geral). A porosidade da regra convoca a
densidade dos princípios. Por isso, não há regra sem princípio; e não há
possibilidade de aplicação de um princípio sem uma regra.

Quando das pesquisas para o livro Hermenêutica Jurídica e(m) Crise, descobri


que a relação texto-norma constante em Müller (repetida, depois, por Eros Grau
em terrae brasilis, mormente ele) poderia ser melhor compreendida a partir de um
dos teoremas fundamentais da hermenêutica: a diferença ontológica (a outra é o
círculo hermenêutico, pelo qual se vai da parte para o todo e do todo para a
parte).40 Para Heidegger, o ser é sempre um ser do ente (nada há com o ser, dizia
Heidegger). Eis o enigma. Os fenômenos se manifestam. Exsurgem. Põem-se à
mão (manu), por intermédio da linguagem. Daí os dois teoremas: a diferença
ontológica (ontologische  Differenz) e o círculo hermenêutico
(hermeneutische  Zirkel). O ser é sempre o ser do ente (atenção: não é ser
“doente”). O ente só é no seu ser. Por isso não há cisão entre ser e ente. E não há
cisão-cesura entre palavra e coisa; entre fato e direito.41 Daí a construção que fiz,
colocando a relação texto-norma no contexto da diferença ontológica. Como diz
Heidegger, o ser não pode ser visto; ele serve para dar sentido aos entes.
Portanto, o ser não é um ente.

3. A hermenêutica como uma “questão moderna” e


a sua recepção pelo giro ontológico-linguístico
Percebe-se, então, que a interpretação é a condição de possibilidade do direito.
O direito não se basta. Por que interpretar?

A relação “lei-direito” (e justiça) atravessa os milênios. Essa “relação”


acompanha as transformações ocorridas no campo filosófico. Ou seja, a filosofia é
que é a condição de possibilidade de estarmos no mundo. A modernidade se
instaura a partir do momento em que o homem começa a perquirir as razões pelas
quais o mundo é (era) assim. O homem começava a pensar, no sentido de “pensar
por si”.  Cogito, ergo sum, disse Descartes. Penso, logo existo. Os sentidos
deixavam de estar nas coisas e passaram a se localizar na consciência do sujeito
(esquema sujeito-objeto).42  Essa palavra “sujeito” muda de sentido. Se antes o
indivíduo estava “sujeito a” (portanto, assujeitado), agora ele passava a ser o
sujeito da relação (portanto, assujeitador).
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Como se dão os sentidos? As coisas têm essências? Os sentidos se dão


porque existem essências, substâncias imutáveis? Pois bem. Teremos que
sofisticar um pouco mais a discussão (lembremos sempre: o direito é um fenômeno
complexo; não é possível explicá-lo em quadrinhos; tampouco em livros que
trazem no título a promessa de “simplificação”, como se pode notar em um certo
tipo de literatura cuja indústria cresce dia a dia; se você está em dúvida em
continuar a leitura, pense na hipótese de se operar com um médico que tenha
escrito um livro chamado “operação cardíaca simplificada” ou “O ABC da cirurgia
descomplicada”).

Então, avancemos. Na modernidade, a essência, fundamento da verdade na


metafísica clássica (“é o que se chama de mito do dado”), foi substituída pela
consciência do sujeito. Passa-se do clássico para o moderno. Do objetivismo para
o subjetivismo. Esta passagem, na interpretação de Heidegger, operou “apenas”
uma alteração nos polos da relação de conhecimento (o que antes estava no
objeto/coisas, passa a estar no sujeito/consciência). Todavia, o equívoco
fundamental  – que já perseguia o pensamento clássico  – continua presente na
crítica oposta pela modernidade à filosofia objetivista.43 Com efeito, nos seminários
de Ser e Verdade, realizados em 1932, o filósofo reconstrói a história da metafísica
realçando o significado da ideia grega de substância. Em largas linhas, é possível
afirmar que a “substância” representa aquilo que, mesmo com os diversos
acidentes que acontecem ao ente por sua exposição ao tempo (as mudanças
inexoráveis a que ele se submete), permanece sempre inalterado. Vale dizer, a
substância é o que garante ao ente a certeza de sua existência. Na modernidade,
essa concepção de algo que permanece inalterado em toda transformação, em
toda crítica, responde pelo termo sujeito. Parafraseando Heidegger, é possível
afirmar que a crítica moderna coloca toda realidade exterior ao sujeito em questão,
mas não questiona radicalmente a realidade interior, o próprio sujeito. Heidegger é
enfático ao afirmar que a palavra latina  sub-jectum  era o termo utilizado pelos
filósofos medievais para se referir exatamente àquela dimensão do  ente que
sempre  subjaz, que sempre se manifesta presente, independentemente  de  toda
modificação que possa vir a sofrer. Não deixa de ser curioso que o ato fundador da
modernidade incorpore o termo medieval para nominar aquilo que lhe é mais caro.
A subjetividade, o sujeito moderno, é uma forma da filosofia moderna escapar do
problema do tempo e da radical questão do ser. Aliás, é justamente por isso que
podemos nos referir à filosofia da modernidade como metafísica.44

Há uma passagem de Heidegger em Holzwege (Caminhos de Floresta) em que


ele mostra magnificamente a diferença entre a filosofia clássica e a moderna.
Heidegger pergunta: mas não ousou um sofista dizer, no tempo de Sócrates, que o
homem é a medida de todas as coisas? Não soa essa frase como se falasse
Descartes? O próprio Heidegger responde: essa frase sofística não significa
subjetivismo nenhum, porque só Descartes pôde efetuar a inversão do pensar
grego de Platão e Aristóteles. A ruptura com o eidos e a ousia somente poderia ser
feita por Descartes. Com ele nasce o sujeito da modernidade.

A modernidade é, assim, o espaço do sujeito. Na modernidade, a filosofia


transcendental, como Kant a articulou, é o ponto de partida de uma forma de
pensar paradigmática para o pensamento moderno. A novidade do quadro
esboçado por Kant é que aqui tudo o que é formalmente necessário para a
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compreensão de algo vem da própria esfera da compreensão e não da coisa


compreendida e isso significa a expressão da autonomia do sujeito, que não está
preso por objetividades predadas.45

A literatura pode nos ajudar a entender essa “passagem” paradigmática do


objetivismo para o subjetivismo. Com efeito, Shakespeare, no início do século XVII,
antecipa a discussão hermenêutica que será o centro das preocupações dos
juristas do século XIX até os nossos dias. Entre as várias peças, há duas que
podem ser trazidas à baila, começando por  Medida por Medida  – já referida de
passagem anteriormente –, escrita bem no início dos anos 1600.

Também em  Otelo  a “passagem” do objetivismo para o subjetivismo pode ser


detectada. Em Otelo  – entenda-se, no personagem/protagonista  – remanesce o
realismo filosófico. A verdade, para ele, é a adequatio intelectus et rei. Otelo busca
na aparência “a própria coisa”, como se esta tivesse uma essência. E
Shakespeare, com sua modernidade, denuncia – e castiga – esse equívoco. Otelo
foi enganado por Iago. Mas, mais do que enganado por Iago, Otelo foi enganado
por ele mesmo, por ignorar a razão. As consequências são desastrosas: por estar
equivocado, mata Desdêmona e, depois, tira a sua própria vida.

Shakespeare era, pois, um moderno. E a hermenêutica é uma “questão


moderna”. Entretanto, Hermes é da Antiguidade (período arcaico da Grécia).
Hermes tinha traços de “predador dos sentidos”, o que o aproxima do solipsismo
(embora, como já referido, o sujeito seja uma invenção da modernidade). Seu
nascimento é em uma forquilha de uma árvore e já no dia seguinte subtrai todas as
vacas e bois de seu irmão Apolo. Além disso, ainda nesse primeiro dia, inventou o
fogo, os sacrifícios, sandálias mágicas e a lira. Para que não descobrissem o furto,
amarrou galhos de árvore nos rabos dos animais, para apagar os rastros.
Na  Ilíada  e na  Odisseia, Hermes é apresentado como ladrão e enganador. A
palavra que designa essa característica de Hermes é  Kléptein, “remoção sem
deixar sinais”. Como se pode ler no Dictionnaire des Mithes Littéraires, em mais de
uma ocasião é possível perceber Hermes pôr a descoberto tesouros ocultos; daí a
roubá-los é apenas um passo.  Kléptein  sugere também a ideia de astúcia, no
sentido de “ação secreta”. A hermenêutica, assim, traz à lume tesouros ocultos.
Astutamente. No  Crátilo  platônico, Hermes é relacionado ao discurso (logos); ele
também é  hermeneus  (intérprete). Na Bíblia, lê-se em Atos XIV, 12, que os
habitantes de Listra tomam Paulo por Hermes, porque descobrem nele um mestre
da palavra.

Desnecessário, aqui, elencar as virtudes e os “defeitos” da figura mitológica. O


que importa referir é o traço marcante da interpretação (e da hermenêutica) que
pode ser retirada da trajetória de Hermes. Além de descobrir, inventar, Hermes
esconde. Clepta. Trata-se da dialética “velar-desvelar”. Heidegger, ao tratar da
interpretação em  Ser e Tempo, dirá que toda a interpretação é um roubo (das
Raub). E, em Hermenêutica Jurídica e(m) crise, acrescento que o intérprete deve
manter consigo essa  res furtivae, caso contrário ela se esfumaça, se vai,
desaparece.

Esse mesmo Hermes, semideus, tinha o poder de dizer aos mortais o que os
deuses diziam. Ele era o intermediário. Ele atribuía sentidos. Todavia, nunca se
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soube o que efetivamente os deuses disseram. Só se soube o que Hermes disse


acerca do que os deuses disseram. É nesse contexto da ambiguidade do “herói”
que se coloca a advertência de Francis Zore, para quem Hermes, por seu próprio
caráter evasivo, anárquico e dúbio, torna-nos cientes das limitações do projeto do
Iluminismo que orientou a cultura do século XIX e parte da do século XX, das
ambiguidades da cultura contemporânea, e dos riscos envolvidos em toda a
hermenêutica, que podem levar ao niilismo, ao paradoxo, a uma ideia de que “tudo
vale”, e a distorções na interpretação e aplicação da justiça. Por outro lado, é o
deus que propicia o entendimento e a penetração em zonas confusas e intrincadas
da interpretação; por seus dois lados, é um deus que pode guiar e iluminar ou
confundir e perder.46

Dessa forma, a esse Hermes  – por isso a palavra “hermenêutica”  – falta(va)


algo. Se ele é munido do poder de interpretar e de atribuir sentidos, o que falta é
um modo de controlá-lo. Ele não pode ser compreendido com o niilismo. Esse
passou a ser um problema fundamental para as diversas correntes que se
desenham no século XX. Eis a importância do parêntese na palavra “faltava”.
Ainda hoje, a grande “descoberta” parece ser a de que “a interpretação do direito
não é neutra” e que “os juízes não podem ser simplesmente a boca que pronuncia
as palavras da lei” etc. Ocorre que isso não é suficiente.

Explico melhor isso, contrapondo os dois polos de tensão tradicionais. É


possível perceber que parcela considerável dos juízes ainda acredita na
possibilidade da busca da verdade real (sic)  – como se existissem essências.
Trata-se  – e me permito insistir nesse tema  – daquilo que podemos chamar de
“objetivismo”, que, a par de estar sustentado na ontologia clássica, aprimorou-se
no século XIX por intermédio do positivismo exegético (sintático), pelo qual o direito
estava na lei e o juiz era apenas a boca que pronunciava as palavras da lei. Era
como se texto e norma estivessem “colados” (ou tivessem uma “imanência”). No
fundo, esse exegetismo não passa(va) de uma técnica; o direito tinha/tem a função
de ser uma “mera racionalidade instrumental”. É o que se pode denominar de
positivismo primitivo (exegético-sintático), no qual texto e norma se confundiam.

Mas, veja-se: ao lado e ao mesmo tempo em que ainda se fala desse


“objetivismo”,47  não se pode esquecer alguns elementos históricos que forjaram
uma antítese a essa velha posição ocupada pelo “juiz boca da lei”. Essa
fenomenologia já podia ser vista nas teses que se sucederam ao exegetismo
francês, ao pandectismo alemão e ao jurisprudencialismo analítico (especialmente
da Inglaterra), isto é, nas posições antiestruturais assumidas pela Escola do Direito
Livre, pelo Movimento do Direito Livre, pela Jurisprudência dos Interesses, pelo
realismo escandinavo e norte-americano e pela jurisprudência dos valores. Ou
seja, o descritivismo (objetivista) foi sendo derrotado pela vontade. No que tange
ao final do século XIX, uma das suas principais heranças foi a negação da razão
como fundamento típico do agir humano, fomentada por Rousseau no âmbito
jurídico, mas proposta ampliada e difundida (no seguir do séc. XX) também por
Schopenhauer a partir da redução da vida a cegos instintos, por Nietzsche, no
combate aberto à moral cristã, e por Freud, a partir da negação da razão diante
dos impulsos do sexo e da morte como guias do agir humano.

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A partir da viragem kelseniana (anos 60 do século XX), instaurou-se um


verdadeiro “incentivo” às teses voluntaristas.48 No plano do direito constitucional, é
possível detectar essa problemática em alguns ramos do
neoconstitucionalismo.   Com efeito, parcela significativa dos defensores do
49

neoconstitucionalismo continua a professar  – consciente ou inconscientemente  –


as teses da jurisprudência da valoração e acreditam que, com isso, estão no
caminho correto para a concretização da Constituição. A grande questão, que
sequer vem à tona nos debates neoconstitucionalistas, é a origem dessa corrente
do pensamento jurídico chamada Jurisprudência dos Valores
(Wertungsjurisprudenz). Ora, seu antecedente imediato é a Jurisprudência dos
Interesses (Interessenjurisprudenz)  – de onde foi retirada a ideia de
ponderação  (Abwägung)  –  que, por sua vez, representa uma alternativa ao
conceitualismo defendido e praticado pela Jurisprudência dos Conceitos- ­
(Begriffjurisprudenz).

Observemos: todas essas teorias/metodologias do direito foram criadas e


articuladas no âmbito do direito privado e de seu particular conceito de sistema.50 A
Jurisprudência dos Valores, nesse sentido, apresenta(va)-se como uma alternativa
que mantém (intactas) as estruturas sistemáticas do direito privado, porém,
“consentindo” e construindo aberturas nesse sistema para a entrada dos “valores”
(sic) constitucionais. Esse é o grande “segredo” da Jurisprudência dos Valores: ela
não aceita plenamente o  novum  que o Constitucionalismo Contemporâneo
inaugura. O que essa corrente teórica faz é apenas conceder uma abertura na
ideia de sistema que, em suas grandes linhas, permanece com as mesmas
máculas do privativismo novecentista. A pergunta que fica é: em que momento a
dogmática jurídica brasileira compreenderá esse fenômeno? O
neoconstitucionalismo, do modo como é apresentado por setores da doutrina, não
passa de uma postura ingênua, pela qual a antiga subsunção é substituída por
uma espécie de “principiolatria” ou “pamprincipiologismo”. Seu principal lema é:
“princípios são valores”, o que se constitui em um arrematado equívoco teórico (de
novo remeto o leitor ao meu  Dicionário de hermenêutica  cit.  – verbete “princípios
jurídicos”).

Eis o ponto nevrálgico: por detrás da discussão positivismo-antipositivismo-


Constitucionalismo, está a resistência dos cânones do direito privado.
Neoconstitucionalistas  – assim denominados ou autodenominados  – entenderam
“neo” como uma continuidade do direito privado, em que o constitucionalismo
(social e democrático) teria a função de abrir as portas do privado para o público.

Por isso, por exemplo, a malsinada permanência até os nossos dias dos velhos
princípios gerais do direito, axiomas do século XIX que, entretanto, atravessaram o
século XX e continuam a fazer vítimas, ao ponto de derrotar princípios
constitucionais e preceitos que tratam de direitos fundamentais, como é o caso
do  Habeas Corpus  n.  103.525, do STF. Isso também é possível de perceber na
proliferação de cláusulas abertas no direito civil e na tese de que “princípios são
valores”, problemática que enfrento nestas reflexões na sequência.

Não é à toa que Friedrich Müller, quando cria a metódica estruturante  –


em  seu  Juristische Methodik  –,51  realça a dimensão  pós-positivista  (aqui, em
respeito ao seu  criador, permaneço com a palavra pós-positivismo, uma vez que
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sua perspectiva é diferente dos demais autores que se dizem “pós-positivistas” e,


na verdade, não passam de uma nova versão de um positivismo voluntarista e, em
outras, de um positivismo fático, representado pelo realismo jurídico)52  e  pós-
privativista de sua teoria.

Correto o mestre de Heidelberg. No Brasil esse detalhe é pouco compreendido


e no mais das vezes leva a mal-entendidos, como o de taxar a metódica
estruturante como sendo um tipo de metodologia específica para o Direito
Constitucional. Por certo que esse entendimento se mostra completamente
equivocado, na medida em que, no pós-positivismo defendido por Müller, existe um
tipo de metódica que não é tributária da concepção de sistema oriunda do
privativismo, que está na base de todos os positivismos e que fundamenta,
também, as teses da Jurisprudência da valoração.

Daí que uma teoria não positivista e que dê efetiva contribuição para a
concretização da Constituição deve estar em condições de superar esses
elementos próprios do privativismo que, de alguma maneira, pode ser tido como
uma característica do positivismo.

Em síntese, na tentativa de compreendermos o Direito paradigmaticamente, a


partir da identificação dos seus problemas fundamentais ao longo da história do
pensamento, revolvendo, portanto, o chão linguístico em que se assenta a
tradição, identificamos categorias dicotômicas cuja possibilidade de superação é
velada pelo senso comum teórico, no sentido já desenvolvido. Sujeito e objeto, fato
e norma. Entre a literalidade dos textos e a consciência dos juízes intérpretes,
entre o tudo ou nada das regras e a ponderação (subjetivista) de valores... Estes
são apenas alguns exemplos. O aspecto crítico da concepção hermenêutica do
direito aqui desenvolvida consiste, nesse sentido, em iluminar estas incongruências
e apontar para uma alternativa teórica que seja coerente com a ideia de Estado
Democrático de Direito.

4. O novo direito, seu grau de autonomia e “de


como esse fenômeno não foi bem compreendido”
Como já dito, o direito é alográfico. Ele não existe (ou não subsiste) sem uma
teoria. Por isso existe uma disciplina chamada Teoria do Direito. E por isso que
Georges, Henrique e Rafael fizeram esta obra à qual agrego este posfácio. E,
como bem diz Ernildo Stein, em seu recente Inovações na Filosofia, não é qualquer
teoria que explica o mundo.

Também é assim no direito. Não é qualquer teoria que consegue explicar a


complexidade do fenômeno jurídico, especialmente nestes duros embates entre
positivismo e não positivismo. Direito e Filosofia não estão cindidos. Ou, melhor
dizendo, não deveriam estar separados. Dependendo do “caminho” que se
pretenda percorrer, o lugar de chegada poderá não ser aquele que mais
adequadamente apresente as possibilidades de compreensão do direito.

Dizendo de outro modo: o direito do qual estamos falando não é o mesmo


direito do século XIX ou do início do século XX. Hoje estamos face ao direito que
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pode ser denominado “pós-bélico”, para usar uma expressão de Mario Losano.
Efetivamente, o direito exsurgido após a segunda grande guerra tinha que vir
diferente. Sim, o direito mudou. Estamos naquilo que se pode denominar de
terceira dimensão das possibilidades autônomas do direito. Com efeito, em
Ésquilo, na Oresteia, já se pode perceber – como que antecipando a modernidade
em um milhar de anos  – um elevado grau de “emancipação” jurídica, na medida
em que a formação do primeiro tribunal institucionalizou a punição de crimes de
sangue.

A segunda dimensão dessa autonomização exsurge com Hobbes, com o seu


Leviatã e a institucionalização da lei enquanto interdição. Ali, o positivismo tem o
caráter de “Gesetz”, algo assentado pelo grande Interditor: o Estado, problemática
que já se fazia presente na antecipação histórica promovida pela literatura de
Shakespeare, com seu Mercador de Veneza (lembremos o debate que segue
durante os séculos, com Ihering, ainda naquele momento adepto
da  Begriffjurisprudenz, fazendo uma dura crítica ao papel desempenhado pela
juíza Pórcia).

Já a terceira dimensão dessa autonomização, anteriormente anunciada, ocorre


com o término da segunda grande guerra. O “positivo” e o “positivismo” haviam
fracassado. Expungir a ética e a moral da lei  – esse era o sonho da razão do
positivismo exegético em suas três vertentes (a Escola da Exegese, em França, a
Jurisprudência dos Conceitos, na Alemanha, e a Jurisprudência Analítica na
Inglaterra). E veja-se que isso foi tentado, respectivamente, em três esferas de
poder: um direito produzido pelo legislador, outro por professores e ainda outro
produzido por juízes. Cada uma dessas vertentes engendrou dialeticamente a sua
contradição, o que se pode perceber pelas correntes voluntaristas tentando
superar o aprisionamento do direito no interior da lei, problemática já explicada em
linhas anteriores.

Portanto, repita-se, o direito pós-bélico tinha que vir de modo diferente. Não
mais era possível aprisionar nos conceitos todas as futuras hipóteses de aplicação
(sonho da razão). Esse direito pós-Auschwitz traz consigo um elevado grau de
autonomia, representado pela institucionalização da moral no direito (aqui, a
importância contemporânea de Habermas). O direito não pode(ria) mais ser imoral.
E o direito não pode(ria) mais ser aético.

Esse novo paradigma jurídico (o direito pós-bélico) é principiológico, para além


do positivismo (exegético), que dispensava os princípios. Os fracassos do passado
nos apontam para um futuro com perspectivas de novos direitos. Perpassando as
diversas dimensões dos direitos fundamentais (indivíduo, grupo, sociedade),
estamos no raiar de um novo patamar: os direitos dessa dimensão que protege
o  ethos. E a hermenêutica, ao modo como é convocada pela obra de Georges,
Henrique e Rafael e neste posfácio, pode fornecer um ferramental de fundamental
importância para esse desiderato.

No livro  Os últimos dias de um condenado, Victor Hugo consegue contar a


história de um condenado à morte por guilhotina. Pelos poros da obra gotejam
princípios. Victor Hugo é contrário à pena de morte. Visceralmente contra. E
consegue levar a sua tese até o final sem falar se o condenado era inocente ou
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culpado. Tampouco fala do crime “em si”. O que Victor Hugo quer mesmo é deixar
claro o seu princípio.

Princípios são assim. Em princípio, algo deve ser. Não importa,


necessariamente, o singular. O que importa é que, por princípio, devemos ser a
favor ou contra algo. O direito é assim. Dworkin trata do direito desse modo.
Devemos agir por princípios e não por políticas. Princípios são virtudes soberanas.
No princípio está a ética e na ética está a igualdade-equanimidade do tratamento
(fairness). Princípio é  arché. O que principia. Por isso,  anarché  é ausência de
princípios.

Os princípios carregam o DNA do direito. Eles introduzem o mundo prático, a


faticidade, no direito, como deixo claro em Verdade e Consenso. O equívoco das
diversas teorias que se pretendem não positivistas (mas, que, em verdade, apenas
superam o positivismo exegético, isto é, o velho textualismo ou, ainda, o
paleojuspositivismo, nas palavras de Ferrajoli) foi fazer uma cisão estrutural entre
regra e princípio. Isso aparece explicitamente em autores como Robert Alexy,
quando divide a questão da decidibilidade em casos fáceis (simples) e casos
difíceis. Ora, se os casos fáceis se resolvem por subsunção, é porque Alexy  –
assim como os demais adeptos da teoria da argumentação, mormente os que
adotam a ponderação  – pensa que há uma cisão lógico-estrutural entre regra e
princípio. Ou seja, pensa que a regra pode subsistir “por si só”. Nesse caso, ele
admite a subsunção, ou seja, que a questão do direito se revolve até mesmo no
plano da sintaxe, tal qual ocorria no positivismo exegético. Sendo mais claro ainda:
acreditar na cisão entre casos fáceis e difíceis é pensar que uma regra pode conter
o próprio direito. Consequentemente, para ele, quando a regra “não resolve”, são
chamados à colação os princípios, que funcionariam como uma espécie de
“reserva hermenêutica”. O resto da história já sabemos. Havendo colisão de
princípios, busca-se socorro na ponderação, problemática sobre a qual remeto o
leitor ao meu Verdade e Consenso.

Desse modo, pensar a equação “regra-princípio” fora de uma nova teoria da


norma é fazer concessões às diversas formas de axiologismo e voluntarismo. A
cisão estrutural fica refém de uma dimensão semântica do direito. A partir dela,
estabelece-se a possibilidade de ampla discricionariedade ao intérprete, a ponto de
manejar princípios  ad hoc, à revelia de regras e preceitos. Disso exsurge o
fenômeno que venho denominando de pamprincipiologismo, essa bolha
especulativa de princípios que assola o direito.

O lugar comum é dizer: positivaram-se os valores... Mas, quais os valores? O


que é isto, “os valores”? De que modo se pode falar em “valores” em sociedades
complexas (“pós-tradicionais”, como se refere Habermas) como as nossas? Não há
como defender um “método de ponderação”, porque ele supõe valores
intersubjetivamente compartilhados; além disso, nega o caráter deontológico do
direito, colocando este sob a lógica gradual dos valores.53  Isso só é possível
porque fundado no primeiro ponto, isto é, se “a” sociedade compartilha valores
comuns, pode-se escaloná-los de forma gradual.

O problema é que, se não há tal compartilhamento, o que resta, ao fim e ao


cabo, além da violação ao “código” (Luhmann) próprio do Direito, é o
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“decisionismo” judicial. Ademais, se o juiz se coloca como crítico das opções do


legislador, para lhe definir “sentidos” (e.g., interpretação conforme a Constituição) a
partir da valoração dos valores constitucionais, perdem-se os parâmetros de
controle de sua atividade (Ingeborg Maus).

O que é interessante sobre esta “adoção acrítica” (ao contrário, entusiasta!) da


jurisprudência dos valores germânica é que, na Alemanha, esta sofre duras
críticas. Ingeborg Maus fala do mal que se abateu sobre o Judiciário de seu país
desde o final da 2ª  Guerra, dizendo que o mesmo assumiu o “superego de uma
sociedade órfã”.54  Na mesma linha, Habermas também tece críticas a partir,
inclusive, de outros constitucionalistas, como Denninger, Dieter Grimm e
Böckenförde.

Na verdade, para uma análise do “conceito” de princípio, é fundamental que se


adentre no mundo prático (faticidade-existencialidade) que forjou o paradigma do
Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, é necessário examinar as  virtudes
soberanas que (sub)jazem ao texto constitucional e à densa principiologia passível
de ser extraída desse elo conteudístico com função de ligar política, moral e
direito. O Brasil é uma República que visa a erradicar a pobreza, garantir a justa
distribuição de riqueza, diminuir as desigualdades sociais e regionais, promover os
“valores” éticos por intermédio dos meios de comunicação (concessão pública),
evitar discriminações etc.

Portanto, isso quer dizer que cada texto jurídico-normativo (regra/preceito) não
pode se colocar na contramão desse desiderato, digamos assim, virtuoso,
propagado pelo texto que explicita o contrato social: a Constituição. É fácil concluir
que não queremos uma República em que a vigarice seja a regra e que achemos
absolutamente normal (e por que não, legal – sic) o aproveitamento das benesses
originárias do espaço público, dando razão assim aquilo que Raymundo Faoro
denunciava de há muito: o Brasil é, ainda, em muitos aspectos, pré-moderno, isto
é, uma sociedade sustentada nos estamentos e nos privilégios daí decorrentes.

Vejamos alguns episódios que se enquadram nesse elevado padrão de


autonomia. Há algum tempo  – lembram-se disso?  – parlamentares (deputados e
senadores) utilizaram suas cotas de passagens aéreas para levar familiares e
amigos, a maioria em caras passagens em classe executiva (ou primeira classe), a
passeios nos Estados Unidos e Europa.

Quais foram os argumentos de todos os utentes desses privilégios? “Fizemos


tudo de acordo com a legislação (leis, decretos, portarias etc.)”. Esgrimiam o “novo
regramento”, feito depois dos escândalos de março/2009, que “legalizou” (sic) as
viagens de parentes dos parlamentares com dinheiro público. Para ser fiel ao texto:
a nova regra diz que “o benefício pode ser utilizado pelo próprio parlamentar, a
mulher ou marido, seus dependentes legais e assessores em situações
relacionadas à atividade parlamentar”. Incrível: as próprias glosas feitas pelo
Tribunal de Contas da União apenas apontam para os utentes que usufruíram das
benesses “fora das autorizações legais” (sic). Isso ocorre em diversos setores
governamentais, como, por exemplo, o caso de uma empresa estatal que
concedeu auxílio a uma ONG para “organizar festas juninas” em 26 municípios da
Bahia no valor de um milhão e quatrocentos mil reais, sendo que o dirigente da
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aludida organização não governamental longe está de ser alguém “não


governamental” (sic). Ou as generosas doações feitas por empresas do Estado
para desfiles de carnaval, ao mesmo tempo em que pessoas, afetadas pela
dengue, eram submetidas às mais vis humilhações, como, por exemplo, tomar soro
em pé, porque não há sequer uma maca para o utente do SUS (a banalização dos
privilégios estamentais vai do pagamento de passagens aéreas aos familiares dos
parlamentares até aos amigos dos edis  – parentes, sogras, artistas etc.  –,
passando por aluguel de jatos com as sobras mensais das passagens não
utilizadas, sem considerar o pagamento de horas extras efetivamente não
trabalhadas; até empregadas domésticas são pagas, “dentro das regras
estatutárias”, pelos gabinetes parlamentares). Argumento de todos: tudo foi feito de
acordo com a “lei”.

A questão é saber se as virtudes soberanas previstas na Constituição


“suportam” essa “legalidade” (mundo de regras que, se não permitem os  ab-usos,
também não os proíbe..., mandando às favas os  princípios  que regem o direito
administrativo!). Mais ainda, quero saber como a dogmática jurídica  – majoritária
no campo administrativo-constitucional  – lidará com essas dicotomias
(contraposições) “regras-princípios”. Já sei a resposta. A pergunta é retórica. Na
verdade, ao mesmo tempo em que se escrevem centenas de livros sobre o “papel
dos princípios”, sustentando que “princípios são normas”, na prática, na
cotidianidade, princípios são transformados em álibis teóricos ou mandados de
otimização... A maior parte dos juristas ainda faz a distinção estrutural (na verdade,
semântico-estrutural) “regra-princípio”. O resultado: caímos no
pamprincipiologismo. “Princípios são valores”, dizem. Que “valores” seriam
estes?55 Bem, aqui permito remeter os leitores para o meu  Verdade e Consenso.
Não é possível explicar esse complexo fenômeno neste espaço.

Regras “fecham” e princípios “abrem”? Equívoco. Desde sua teorização por


Ronald Dworkin  – no primeiro ataque a Hart, em 1967  – os princípios já eram
invocados como fechamento, como controle da decisão judicial. Seriam padrões
normativos que atuavam mesmo nos tais casos difíceis, nos quais os positivistas
queriam ver discricionariedade judicial. De todo modo, parece que o ponto de
estofo do problema reside na seguinte questão: em nome de um conjunto de
regras, praticam-se as maiores ilegalidades há décadas, sem que esse “mundo de
suficiências ônticas”  – representado por um cipoal de regulamentos, portarias,
subportarias e pareceres interpretativos (sic) – tenha sido colonizado/invadido pelo
mundo prático dos princípios. Não houve, pois, um “princípio  turn” no campo do
direito administrativo. A permanência de regras dessa má estirpe faz com que se
pense que, de fato, não há qualquer força normativa nos princípios...! E que o
enunciado “O Brasil é uma República” é vazio de conteúdo. Afinal, o que é uma
República?

Embora tudo isso, ainda não consegui(mos) convencer a comunidade jurídica.


Formou-se, com o decorrer dos anos, um caleidoscópio jurídico, no interior do qual
as diversas mixagens teóricas passaram a ditar o tom das diversas formas de
analisar o direito. Teorias e posturas foram se formando, cada qual tentando ir além
daquilo que, paradoxalmente, é o desiderato final de uma comunidade (jurídica): a
preservação do grau de autonomia do Direito.

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Alguns episódios pelos quais já passei me causam tamanha perplexidade que é


bom relembrá-los aqui de forma paradigmática, para demonstrar o que me leva a
acreditar que ainda estamos longe de alcançar uma teoria adequada a esse novo
paradigma jurídico.

Episódio um: A antiga confusão acerca do que


significa a expressão “positivismo jurídico”
Em uma banca de mestrado, um aluno defendia uma dissertação sobre
hermenêutica filosófica, sob minha orientação. Uma importante professora,
convidada para a arguição, no entremeio de uma discussão em que eu defendia a
aplicação do art.  212 do Código de Processo Penal (eu cheguei a invocar a
“literalidade” do dispositivo), aparteou-me dizendo: “mas você está sendo
positivista, ao defender a aplicação da ‘letra da lei’...”). Fiquei impressionado com a
“admoestação”.

Já explicitei, neste texto e em tantos outros, a trajetória do positivismo, do


século XIX ao século XXI. Portanto, nitidamente a professora, ao acusar-me de
“positivista”, falava do positivismo primevo-legalista (o paleojuspositismo tão
criticado por Ferrajoli). Escrevi um texto com um título que é uma pergunta: “Aplicar
a letra da lei é uma atitude positivista?”,56  em que alerto para a confusão que é
feita quando os juristas tratam da temática “o positivismo jurídico”. Utilizei o
exemplo do art.  212 do Código de Processo Penal,57  que estabeleceu uma nova
forma de inquirição de testemunhas. Enfim, pela nova redação, institucionalizou-se,
pelo menos em parte, o tão reclamado “sistema acusatório”. Portanto, um
considerável avanço produzido pela legislação. Ocorre que os juízes e Tribunais da
República, incluindo parte do STF e parte do STJ, decidiram que a nova redação,
muito embora determine que o juiz somente possa fazer perguntas
complementares, na verdade essa “letra da lei” não deve ser entendida desse
modo. O STJ, por sua 6.ª  Turma (HC 121215), invocou doutrina de Guilherme
Nucci, para quem a inovação do art. 212 não alterou o sistema inicial de inquirição,
podendo o juiz seguir fazendo “como de praxe”.58  O mesmo Tribunal se fundou
também em doutrina – equivocada – de Luis Flávio Gomes, para quem:

A  leitura apressada  deste dispositivo legal pode passar a impressão de que as


partes devem, inicialmente, formular as perguntas para que, somente a partir daí,
possa intervir o juiz, a fim de complementar a inquirição. Não parece se exatamente
assim. (...)  Melhor que fiquemos com a fórmula tradicional, arraigada
na “praxis” forense, pela qual o juiz dá início às suas indagações para, depois, facultar
às partes a possibilidade de, também, inquirirem a testemunha, desta feita
diretamente, sem a necessidade de passar antes pelo filtro judicial.59

Em face dessa argumentação, invoquei – e continuo invocando – os limites da


jurisdição. Isto é, para mim, uma lei votada democraticamente somente pode
deixar de ser aplicada em seis hipóteses, descritas no corpo da presente
obra.60  Para ser mais simples: em nome de que e com base em que é possível
ignorar ou “passar por cima” de uma inovação legislativa aprovada
democraticamente? É possível fazer isso sem lançar mão da jurisdição
constitucional?

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Parece que, no Brasil, compreendemos de forma inadequada o sentido da


produção democrática do direito e o papel da jurisdição constitucional. Tenho
ouvido em palestras e seminários que “hoje possuímos dois tipos de juízes”:
aquele que se “apega” à letra fria (sic) da lei (e esse deve “desaparecer”, segundo
alguns juristas) e aquele que julga conforme os “princípios” (esse é o juiz que
traduziria os “valores” – sic – da sociedade, que estariam “por baixo” da “letra fria
da lei”). Pergunto: cumprir princípios significa descumprir a lei? Cumprir a lei
significa descumprir princípios? Existem regras (leis ou dispositivos legais)
desindexados de princípios?

Daí o meu brado: que os juristas não repitam a velha história de que “cumprir a
letra ‘fria’ (sic) da lei” é assumir uma postura positivista...! Aliás, o que seria essa
“letra fria da lei”? Haveria um sentido em-si-mesmo da lei? Na verdade,
confundem-se conceitos. Tenho a convicção de que isso se deve a um motivo
muito simples: a tradição continental, pelo menos até o segundo pós-guerra, não
havia conhecido uma Constituição normativa, invasora da legalidade e fundadora
do espaço público democrático.  Isso tem consequências drásticas para a
concepção do direito como um todo!

Quero dizer: saltamos de um legalismo rasteiro, que reduzia o elemento central


do direito ora a um conceito estrito de lei (como no caso dos códigos oitocentistas,
base para o positivismo primitivo), ora a um conceito abstrato-universalizante de
norma (que se encontra plasmado na ideia de direito presente no positivismo
normativista), para uma concepção da legalidade que só se constitui sob o manto
da constitucionalidade. Afinal  – e me recordo aqui de Elías Díaz  –, não seríamos
capazes, nesta quadra da história, de admitir uma legalidade inconstitucional. Isso
deveria ser evidente.

Portanto, não devemos confundir “alhos” com “bugalhos”. “Cumprir a letra [sic]
da lei” significa, sim, nos marcos de um regime democrático como o nosso, um
avanço considerável. A isso, deve-se agregar a seguinte consequência: é
positivista tanto aquele que diz que texto e norma (ou vigência e validade) são a
mesma coisa, como aquele que diz que “texto e norma estão descolados” (no
caso, as posturas axiologistas, realistas, pragmaticistas etc.).61

Para ser mais simples: Kelsen, Hart e Ross foram todos positivistas. E disso
todos sabemos as consequências. Ou seja: apegar-se à letra da lei pode ser uma
atitude positivista ou pode não ser. Do mesmo modo, não se apegar à letra da lei
pode caracterizar uma atitude positivista ou antipositivista. Por vezes, “trabalhar”
com princípios (e aqui vai a denúncia do pamprincipiologismo que tomou conta do
“campo” jurídico de  terrae brasilis)  pode representar uma atitude (deveras)
positivista (não esqueçamos que o realismo jurídico é uma espécie de positivismo,
conforme deixo claro em vários de meus textos e livros). Utilizar os princípios para
contornar a Constituição ou ignorar dispositivos legais  – sem lançar mão da
jurisdição constitucional (difusa ou concentrada) – é uma forma de prestigiar tanto
a irracionalidade constante no oitavo capítulo da TPD de Kelsen, quanto
homenagear, tardiamente, o positivismo discricionarista de Herbert Hart.  Não é
desse modo, pois, que escapamos do positivismo.

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Em terrae brasilis, é de se pensar: em que momento o direito legislado deve ser


obedecido e quais as razões pelas quais fica tão fácil afastar até mesmo – quando
interessa – a assim denominada “literalidade da lei”, mormente quando isso é feito
com base em métodos de interpretação elaborados por Savigny (no caso em tela,
foi o método sistemático) ainda no século XIX e para o direito privado.

Aliás, o que se quer mencionar quando se afirma a “literalidade da lei”? Ora,


desde o início do século XX a filosofia da linguagem e o neopositivismo lógico do
círculo de Viena (que está na origem de teóricos do direito como Hans Kelsen), já
havia apontado para o problema da polissemia das palavras. Isso nos leva a uma
outra questão: a literalidade é algo que está à disposição do intérprete? Se as
palavras são polissêmicas, se não há a possibilidade de cobrir completamente o
sentido das afirmações contidas em um texto, quando é que se pode dizer que
estamos diante de uma interpretação literal?

A literalidade, portanto, é muito mais uma questão da compreensão e da


inserção do intérprete no mundo, do que uma característica, por assim dizer,
natural dos textos jurídicos. Numa palavra final, não podemos admitir que ainda
nessa quadra da história sejamos levados por argumentos que afastam o conteúdo
de uma lei – democraticamente legitimada – com base numa suposta “superação”
da literalidade do texto legal. Insisto: literalidade e ambiguidade são conceitos
intercambiáveis que não são esclarecidos numa dimensão simplesmente abstrata
de análise dos signos que compõem um enunciado. Tais questões sempre
remetem a um plano de profundidade que carrega consigo o contexto no qual a
enunciação tem sua origem. Esse é o problema hermenêutico que devemos
enfrentar! Problema esse que argumentos despistadores como esse só fazem
esconder e, o que é mais grave, com riscos de macular o pacto democrático.

Por exemplo, o mesmo STJ, para afastar a tese da possibilidade da pena


aquém do mínimo, utiliza-se da literalidade do Código Penal! Indago: Juristas
críticos (pós-positivistas?) seriam (são?) aqueles que “buscam valores” que
estariam “debaixo” da “letra da lei” (sendo, assim, pós-exegéticos) ou aqueles que,
baseados na Constituição, lançam mão de “literalidade da lei” para preservar
direitos fundamentais?

A propósito: seria uma atitude “crítica” a manutenção de alguém preso


(denegando-se, assim, a ordem de habeas corpus) com “fundamento” no princípio
(sic) da confiança do juiz da causa, ignorando os requisitos da prisão preventiva
previstas na “literalidade” do art.  312  do  CPP? Como se viu, é necessário
compreender os limites e os compromissos hermenêuticos que exsurgem do
paradigma do Estado Democrático de Direito. O positivismo é bem mais complexo
do que a antiga discussão “lei versus direito” ... Ou seja, nem tudo que parece, é...!

Episódio dois: O fatalismo em torno do solipsismo


ou “de como é difícil convencer a comunidade
jurídica de que o direito não está imune aos
avanços da filosofia”
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Depois de uma fatigante conferência de mais de uma hora em um importante


Programa de Pós-Graduação em Direito, presentes alunos de mestrado, doutorado
e parte expressiva do corpo docente, tratando do tema da necessidade de uma
teoria da decisão e de uma crítica ácida ao “imaginário solipsista” que ainda
domina as práticas jurídicas, um importante professor me interpelou dizendo: “veja,
Professor Lenio, concordo com o que o senhor falou acerca da filosofia da
consciência etc. Entretanto, estou convencido de uma coisa: não tem outro jeito...
Os juízes decidem assim mesmo. Primeiro decidem, depois buscam o
fundamento... Ademais, Professor, é impossível escapar da filosofia da
consciência...”. Fecha-se a cortina.

Esse “fatalismo” é uma das coisas que mais me intriga. Trata-se daquilo que se
pode denominar de falácia realista. Chamo a isto de “paradoxo da falácia realista”,
uma vez que é pela via do  mito do dado  (metafísica clássica) que se sustenta a
filosofia da consciência. Ou seja, para sustentar a “tese” de que a filosofia da
consciência é algo inexorável, recorre-se ao objetivismo... Em outras palavras, é
como se a filosofia não penetrasse nas “capas de sentido” produzidas
historicamente por um direito blindado a transformações.

Episódio semelhante ao de Minas Gerais ocorreu em Portugal, quando, em um


debate, ao defender a necessidade de controlar as decisões e criticar a
discricionariedade judicial, outro importante Professor (brasileiro) acusou-me de
estar defendendo uma espécie de volta à exegese, isto é, uma proibição (sic) de os
juízes de interpretar. Mais recentemente, ainda, na Argentina, uma juíza me
contestou, após conferência que fiz sobre (e contra) “o poder discricionário e o
ativismo”, dizendo que era antidemocrático retirar o poder discricionário dos juízes.
Para ela, esse poder discricionário era natural. Era “assim mesmo”. No Brasil,
proliferam blogs jurídicos com artigos  e postagens, onde os signatários se dizem
perplexos com a minha tese antidiscricionária (e, portanto, antirrelativista). Eles
perguntam: onde ficam as apreciações subjetivas dos juízes? As indagações ficam
ainda mais incisivas quando os subscritores são juízes.

Vamos ao ponto. A primeira questão é nos darmos conta de que a


discricionariedade está ligada umbilicalmente ao paradigma da subjetividade, isto
é, do esquema sujeito-objeto (S-O). Nesse paradigma, o sujeito (intérprete, juiz,
tribunal) é “senhor dos sentidos”. Ele “assujeita” as “coisas” (se, se quiser, “as
provas”, o “andar do processo” etc.). Isso é facilmente perceptível por meio da
produção da prova ex officio  e da prevalência de princípios (sic) como o do “livre
convencimento do juiz”62 etc.

Daí a pergunta: por que, depois de uma intensa luta pela democracia e pelos
direitos fundamentais, enfim, pela inclusão nos textos legais-constitucionais, das
conquistas civilizatórias,  continuamos a delegar ao juiz a
apreciação  discricionária  das provas?  Nos casos de regras (textos legais) que
contenham vaguezas e ambiguidades e nas hipóteses dos assim
denominados hard cases, por que continuamos a insistir em deixar a sua definição
ao livre convencimento ou a discricionariedade dos juízes?

Volta-se, sempre, ao lugar do começo:  o problema da democracia e da


(necessária) limitação do poder.  Discricionariedades, arbitrariedades,
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inquisitorialidades, positivismo jurídico: tudo está entrelaçado. Diz-se por aí que a


interpretação feita pelo juiz é um “ato de vontade” (por todos, lembro dos Ministros
Marco Aurélio e Fux, além do Procurador da República Paulo Queiroz). Quanto
tempo ainda levará para que a comunidade jurídica compreenda esse problema?

E não venha a argumentar que o poder discricionário (ou o livre convencimento)


tem como “solução racional” a obrigação de fundamentação prevista no art. 93, IX,
da Constituição. Não há nenhum indicador nesse sentido. Ao contrário: se todas as
decisões devem ser fundamentadas, isso não quer dizer que “basta ter uma
fundamentação”, entendida aqui num sentido superficial meramente analítico. É
preciso discutir o “fundamento” dessa fundamentação, o que lhe dá sentido. Trata-
se da dimensão hermenêutica, lançada na historicidade (que não apela a um
fundamento último absoluto, como numa teoria da interpretação de cunho
positivista exegético). Ora, decisão não é o mesmo que escolha.

Ou seja, é preciso deixar claro que existe uma diferença


entre Decisão e Escolha. A decisão – no caso, a decisão jurídica –  não pode ser
entendida como um ato em que o juiz, diante de várias possibilidades possíveis
para a solução de um caso concreto, escolhe aquela que lhe parece mais
adequada. Com efeito,  decidir não é sinônimo de escolher. Antes disso, há um
contexto originário que impõe uma diferença quando nos colocamos diante destes
dois fenômenos. A escolha, ou a eleição de algo, é um ato de opção que se
desenvolve sempre que estamos diante de duas ou mais possibilidades, sem que
isso comprometa algo maior do que o simples ato presentificado em uma dada
circunstância.

Em outras palavras, a escolha é sempre parcial. Há no direito uma palavra


técnica para se referir à escolha:  discricionariedade  e, quiçá (ou na maioria das
vezes),  arbitrariedade.  Portanto, quando um jurista diz que “o juiz possui poder
discricionário” para resolver os “casos difíceis”, o que quer afirmar é que, diante de
várias possibilidades de solução do caso, o juiz pode escolher aquela que melhor
lhe convier...! Daí a pergunta: e isso é bom para a democracia?

Ora, a decisão se dá, não a partir de uma escolha, mas, sim,  a partir do
comprometimento com algo que se antecipa.  No caso da decisão jurídica, esse
algo que se antecipa é a compreensão daquilo que a comunidade política constrói
como direito  (ressalte-se, por relevante, que essa construção não é a soma de
diversas partes, mas, sim, um todo que se apresenta como a melhor
interpretação – mais adequada – do direito).

Dito de outro modo, um direito que se pretende democrático – e, lembremos, o


direito só se realiza a partir de uma adequada teoria  – depende de uma ampla
intersubjetividade; depende da perspectiva acusatória e não inquisitória; depende
do respeito ao contraditório, tudo a partir de uma fundamentação/justificação
detalhada ao nível daquilo que venho denominando de accountability processual.

Não é possível concordar com essa espécie de fatalismo solipsista, no sentido


de que “é assim que acontece no mundo prático”, porque “é assim que os juízes
pensam e decidem”. Se, de fato, os juízes “pensam assim”, é porque se expressam
a partir de um paradigma ultrapassado, em que um sujeito “assujeita” o objeto. Isso
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é filosofia da consciência, que foi condição de possibilidade para a construção da


modernidade, para o surgimento da noção de contrato e, fundamentalmente, para
a institucionalização do Estado Moderno (pensemos em Hobbes, por exemplo). Só
que, no plano filosófico, já de há muito esse paradigma está superado. De todo
modo, é necessário colocar aqui uma espécie de “retranca”: o que se tem visto no
plano das práticas jurídicas nem de longe chega a poder ser caracterizada como
“filosofia da consciência”. Trata-se de uma vulgata disso. Em meus textos, tenho
falado que o solipsismo judicial, o protagonismo e a prática de discricionariedades
se enquadram paradigmaticamente no “paradigma epistemológico da filosofia da
consciência”. Advirto, porém, que é evidente que o  modus decidendi  não guarda
estrita relação com o “sujeito da modernidade” ou até mesmo com o “solipsismo
kantiano”. Esses são muito mais complexos. Aponto essas “aproximações” para,
exatamente, poder fazer uma anamnese dos discursos, até porque não há discurso
que esteja “em paradigma nenhum”, por mais sincrético que seja.

Sigo. E insisto: entregar-se à tese do tipo “azar, é assim que os juízes pensam”
é adotar uma posição fatalista, que não pode ser aceita no âmbito de uma teoria do
direito preocupada com a democracia. Numa palavra: se os juristas – em especial,
os juízes  – efetivamente pensam assim, temos a obrigação de dizer que estão
equivocados, pelo menos se analisamos o problema à luz dos paradigmas
filosóficos que conformam o Ocidente a partir da superação da metafísica clássica.

Explicando um pouco mais detalhadamente esse ponto: o paradigma da


linguagem (S-S) veio exatamente para superar o sujeito solipsista. Livre
convencimento não deixa de ser “livre apreciação da prova” ou outro nome que se
dê; livre convencimento, discricionariedade ou outro nome que se dê não passa de
“um sujeito atribuindo sentidos a partir de sua subjetividade assujeitadora”. Não se
resolve o problema desse solipsismo lato sensu com a simples exigência de que se
fundamente a decisão “já tomada no âmbito do Selbstsüchtiger” (sujeito solipsista).
Pensar assim é dar azo a que uma decisão possa ser tomada independentemente
de qualquer coisa, buscando-se, a posteriori, a justificação para aquilo que já está
decidido. Ora, isso é repristinar a “vontade do poder”; isso é justificar raciocínios
teleológicos. Gadamer elaborou sua teoria justamente para  superar  o modo de
pensar da hermenêutica moderna em que primeiro se conhecia, depois se
interpretava, para, só então, aplicar.

De há muito venho sustentando  – junto com Ernildo Stein  – que nós não
interpretamos para compreender, mas, sim, compreendemos para interpretar. Esse
é o ponto em que reside o equívoco, no âmbito do processo penal, da tese do livre
convencimento “racional”. Admito até que a adjetivação “racional” esteja correta;
afinal, o paradigma da racionalidade (solipsística) parece que ainda está presente
em todo o projeto do novo  CPP. Estar-se-ia falando em racional de acordo com
um paradigma filosófico totalmente ultrapassado. No paradigma atual (da
intersubjetividade), racional é incompatível com livre convencimento. E nem se
venha defender uma “discricionariedade racionalizada”, do tipo “decido” primeiro e
fundamento depois, de uma maneira meramente ornamental. Mas o que me
parece mais grave é que, talvez, o LC nem sequer seja “racional”; na verdade, tudo
está a indicar que ele esteja ancorado na “vontade”  (não esqueçamos que as
teorias exegéticas do direito, sustentadas na razão, foram superadas pela vontade,

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no bojo da qual surgiram tanto a jurisprudência dos valores, o realismo jurídico,


como a concepção kelseniana acerca da interpretação judicial; e as consequências
disso todos conhecemos).

Ainda mais uma coisa: rigoroso controle das decisões judiciais que venho
propondo  não quer dizer  –  sob nenhuma hipótese  –  diminuição do papel da
jurisdição (constitucional). Aliás, esse mesmo controle deve ser feito em relação às
atividades do Poder Legislativo. O Estado Democrático de Direito é uma conquista.
É, portanto, um paradigma, a partir do qual compreendemos o direito.

Quando propugno pelo cumprimento da Constituição e o direito fundamental à


obtenção de respostas adequadas (à Constituição), quero dizer que, mesmo em
face de o Parlamento realizar amplas reformas e (visar a) desvirtuar a Lei
Maior, ainda assim poderemos continuar a sustentar as mesmas teses. Ou seja, a
defesa que faço da Constituição não significa “qualquer Constituição”! Há uma
principiologia constitucional que garante a continuidade da democracia, mesmo
que os princípios não tenham visibilidade ôntica.

Ora, o direito possui uma dimensão interpretativa. Essa dimensão


interpretativa  implica o dever de atribuir às práticas jurídicas o melhor sentido
possível para o direito de uma comunidade política.  A integridade e a coerência
devem garantir o DNA do direito nesse novo paradigma.

Para ser mais claro, quero dizer com isso que, em última  ratio, levando em
conta as inexoráveis possibilidades de o Parlamento aprovar leis ou emendas
constitucionais “de ocasião” (inconstitucionais), a jurisdição constitucional deve se
constituir na garantia daquilo que é o cerne do pacto constituinte de
1988. Entretanto – e esse é o motivo pelo qual defendo uma Teoria da Decisão –
isso não depende (e não pode depender) da  visão solipsista  (consciência
individual) de juízes ou Tribunais.

Episódio três: De como não devemos confundir


pré-compreensão com subjetivismos, ideologias e
preconceitos
Depois de tanto escrever sobre pré-compreensão, círculo hermenêutico e as
condições em que se realiza o “processo hermenêutico”, leio seguidamente críticas
à hermenêutica no sentido de que esta seria relativista e que a pré-compreensão
(de cada pessoa) propiciaria diversas interpretações etc. Tais objeções tenho
ouvido em debates após as palestras e em artigos  científicos. Para situar melhor
os leitores, trago à lume crítica de Daniel Sarmento,63 importante constitucionalista
da escola argumentativa do Rio de Janeiro.

De todo modo, não é somente Sarmento quem lança críticas desse jaez
(também Inocêncio Mártires Coelho pensa assim, além de vários adeptos das
diversas teorias analíticas e as de cariz neoconstitucional). Segundo Sarmento, em
uma sociedade plural, coexistem múltiplas visões de mundo e, consequentemente,
cada “visão” disputa o seu espaço. O resultado disso seria uma fragmentação de

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opiniões-decisões.   Veja-se, aqui, a relação deste episódio com o anterior


64

(acusação de proibição de interpretar e a inexorabilidade do subjetivismo).

À evidência, tenho várias objeções a essa concepção (e a essa crítica à


hermenêutica). Antes de tudo, a hermenêutica filosófica (penso que é a ela que
Sarmento aponta suas críticas) não pode ser “regionalizada”, como, por exemplo,
“hermenêutica constitucional” ou “hermenêutica a ser feita em países com
‘múltiplas visões de mundo disputando espaço’” (sic). Isto porque hermenêutica é
filosofia; consequentemente, não há modos diferentes de interpretar, por exemplo,
o direito penal, o direito civil, o direito constitucional, o cotidiano, a mídia etc. Esse
é o caráter de universalização da hermenêutica e não de regionalização (se assim
se quiser dizer).

O que existe é uma grande confusão entre pré-compreensão e preconceitos,


ideologia, vontades, desejos etc. Pré-compreensão (Vorverständnis), não
subjetividade ou subjetivismo. Os juristas – mormente os neoconstitucionalistas (ou
aqueles que “descobriram” que o juiz não pode ser mais a boca-da-lei)  –
confundem essas duas questões. No meu  Verdade e Consenso  faço uma longa
explicação. Parcela dos juristas – e cito, por todos, o talentoso Daniel Sarmento –
acha que a pré-compreensão da hermenêutica filosófica é a simples visão de
mundo. Ora, isso acabaria com os pressupostos da hermenêutica. A superação do
esquema sujeito-objeto implica compreender a pré-compreensão como
estruturante. É uma espécie de razão hermenêutica, para usar uma ideia do Ernest
Schnödelbach. As teorias da argumentação, quando apostam na
discricionariedade e na ponderação como modo de resolver problemas de colisão
de princípios, não conseguem entender essa problemática. Por isso, seus adeptos
permanecem em um vetor de segundo nível, meramente apofântico. A pré-
compreensão é anterior ao conhecimento objetivado65. É algo que me (nos)
antecipa. Quando alguém diz que interpreta de acordo com o método x ou y, lá já
está o sentido antecipado. Há sempre uma  Vorsicht, uma  Vorgriff  e
uma  Vorhabe  (pré-ver, pré-ter e pré-conceito  – que não é o preconceito vulgar,
subjetivista, solipsista). Hermeneuticamente, eu digo: não me pergunto como eu
compreendo, porque eu já compreendi. Compreender é um existencial. Isso não
está à minha disposição. O jurista não procura as palavras. As palavras devem
procurar o jurista. Elas devem desabrochar.

Minha aposta na pré-compreensão  – e, portanto, na hermenêutica filosófica  –


dá-se em face desta ser condição de possibilidade (é nela que reside o giro-
ontológico-linguístico). Minha cruzada contra discricionariedades e decisionismos
se assenta no fato de existirem  dois vetores de racionalidade  (apofântico e
hermenêutico), circunstância que o meu crítico não percebe e não entendeu (veja-
se, já aqui, a distinção entre compreender e entender, este de nível lógico-
argumentativo e aquele de nível hermenêutico-estruturante). Aliás,
discricionariedade não deixa de ser uma forma de relativismo.

As principais críticas à hermenêutica provêm do campo da teoria da


argumentação, que (ainda) aposta em “descrições e prescrições”, “subsunções e
deduções”, enfim, dos domínios do (metafísico) esquema sujeito-objeto.
Entretanto, registre-se, críticas desse viés já vêm sendo feitas à hermenêutica
filosófica de há muito, especialmente a partir do epíteto desta ser “relativista”,
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ataque que Gadamer respondeu com veemência, conforme se pode ver


em  Wahrheit und Methode.  Na verdade, essa é uma acusação que deixava
Gadamer extremamente enfurecido.

Em definitivo, os críticos não se dão conta de uma questão que chega a ser
prosaica. Ou seja, o fato de a hermenêutica (filosófica) rechaçar o método não
implica – e nunca implicou – ausência (ou carência) de racionalidade. Até porque o
“método” que é destruído pela hermenêutica filosófica é o “método acabado e
definitivo” que o subjetivismo epistemológico da modernidade construiu. Nesse
sentido, afirma Gadamer na passagem final de Verdade e Método: “o fato de que o
ser próprio daquele que conhece também entre em jogo no ato de conhecer marca
certamente o limite do ‘método’ mas não o da ciência. O que o instrumento do
‘método’ não consegue alcançar deve e pode realmente ser alcançado por uma
disciplina do perguntar e do investigar que garante a verdade”66.

Dizendo de outro modo: exatamente porque o método (no sentido moderno da


palavra)  morreu é que, agora, exige-se maior cuidado no controle da
interpretação (atenção: compreender e interpretar são coisas diferentes). Ou “Deus
morreu; agora pode tudo?” Não, definitivamente, não. Se “Deus morreu”, agora é
que não se pode fazer tudo” ...!

Para tentar ser mais claro ainda: o método “morreu” porque morreu a
subjetividade que sustentava a filosofia da consciência (lócus do sujeito solipsista –
 Selbstsüchtiger). O método – supremo momento da subjetividade – soçobra diante
da superação do esquema sujeito-objeto. Método não é sinônimo de racionalidade.
Longe disso! E nem é necessário lembrar que a obra Verdade e Método pode (ou
deve) ser lida como Verdade  contra  o Método, o que significa admitir a
possibilidade de verdades conteudísticas (não apodídicas, é claro).

O que alguns críticos da hermenêutica não entendem é que a hermenêutica


atua em um nível de racionalidade I, que é estruturante, transcendental não
clássico (Stein); já, por exemplo, as teorias da argumentação atuam a partir de um
vetor de racionalidade de segundo nível, ficando, portanto,  no plano lógico e não
filosófico (é a contraposição entre o como apofântico [wie] e o como hermenêutico
[als]). E, não esqueçamos, filosofia não é lógica.

Eis a distância entre a hermenêutica e as teorias metódico-procedurais como a


teoria da argumentação jurídica (circunstância que se agrava a partir da leitura que
dela é feita em terrae brasilis, onde a ponderação é “entendida” como um modo de
resolução “direta” do conflito entre princípios). A diferença fundamental talvez
esteja no fato de que a hermenêutica atua no âmbito da intersubjetividade (S-S),
enquanto as teorias procedurais (como a teoria da argumentação jurídica)  não
superaram o esquema sujeito-objeto  (S-O). É evidente  – e compreensível  – que
qualquer teoria que esteja refém do esquema sujeito-objeto apostará em
metodologias que introduzam discursos adjudicadores no direito (Alexy é um típico
caso). Isso explica também por que a  ponderação  repristina a velha
discricionariedade (e, tenha-se claro, toda discricionariedade é positivista).67  Isso
explica também porque Alexy e muitos de seus seguidores não abrem mão da
discricionariedade.68 Com efeito, a teoria da argumentação não conseguiu fugir do

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velho problema engendrado pelo subjetivismo: a discricionariedade,  circunstância


que é reconhecida pelo próprio Alexy:

Os direitos fundamentais não são um objeto passível de ser dividido de uma forma
tão refinada que inclua impasses estruturais  – ou seja, impasses reais no
sopesamento  –, de forma a torná-los praticamente sem importância. Neste caso,
então,  existe uma discricionariedade para sopesar, uma discricionariedade tanto do
legislativo quanto do judiciário.69

Esse é o ponto que liga a teoria da argumentação jurídica ao protagonismo


judicial, isto é, nela, o  sub-jectum  da interpretação termina sendo  o juiz e suas
escolhas. É também nesse sentido que concordo com Arthur Kaufmann, ao negar
qualquer interligação entre hermenêutica e teoria da argumentação jurídica.
Agregue-se, ademais, diz Kaufmann,  que a teoria da argumentação não
acompanha a hermenêutica na abolição do esquema sujeito-objeto, prevalecendo-
se da objetividade. 70

Interessante notar  – ainda com relação à crítica de que à hermenêutica falta


racionalidade  – que tanto a hermenêutica filosófica como a teoria dworkiniana,
cada uma ao seu modo, admitem respostas corretas (interpretações corretas).71 E
por que acreditariam nisso, se são irracionais (sic)? Por certo que isso deixa claro
que a ideia de racionalidade que guia os críticos da hermenêutica é aquela
proveniente do método da modernidade, isto é, só pode ser epitetado de “racional”
uma teoria que ofereça um método ou um procedimento para sua realização. Mas,
será que todas as transformações da filosofia desencadeadas no decorrer do
século XX permitem ainda afirmar tal conceito de racionalidade?

Em Dworkin a integridade e a coerência são o modo de “amarrar” o intérprete,


evitando discricionariedades, arbitrariedades e decisionismos (e nem é necessário
enfrentar, aqui, as indevidas e injustas críticas feitas à metafórica figura do juiz
Hércules, acusado, a todo momento, de “solipsismo”), há algo mais digno do signo
da racionalidade que isso? Onde estaria o relativismo hermenêutico?

Por certo, se olharmos com cuidado, veremos que relativistas são as teses
procedurais, que sustentam uma margem de discricionariedade daquele que
manipula o procedimento, como ocorre com a teoria da argumentação. Já na
hermenêutica filosófica (gadameriana) a não cisão entre interpretação e aplicação
(pensemos nas três  subtilitates) e a autoridade da tradição são os componentes
que “blindam” a interpretação contra irracionalismos e relativismos. Por isso é que
se chama de hermenêutica da faticidade.

Episódio quatro: O “neoconstitucionalismo” e a


simplista visão de que basta superar o velho
exegetismo
Assisti a uma conferência de um importante professor de terrae brasilis, em que
este defendia o neoconstitucionalismo, a partir da dicotomia “positivismo exegético”
(sem citar o adjetivo “exegético”, o que, aliás, constitui-se em um grave problema,
porque há uma gama enorme de positivismos, conforme explico no meu Dicionário

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de Hermenêutica) versus o “direito principialista”, que teria vindo para superar esse


“mundo de regras”. Esse elemento superador do positivismo (qual?) seria o
neoconstitucionalismo72 (sic).

Novamente estamos frente ao problema da questão “o que é isto  – o


positivismo?” ou “de quais positivismos o interlocutor estaria falando?” Por isso
tenho insistido na necessidade de reconstruir a história institucional do fenômeno
“positivismo”. Daí que sempre é bom construir a questão da dicotomia
“subjetivismo v.s. objetivismo” a partir do problema da interpretação. Isso já venho
fazendo de há muito.

A discussão acerca do exegetismo (formalismo-textualismo), suas variantes


(pandectismo alemão e jurisprudência analítica inglesa) e as teorias que buscaram
superar essa teorização do positivismo, demanda uma série de cuidados por parte
do jurista-pesquisador. Observe-se que o exegetismo remete, tradicionalmente, à
escola da exegese, francesa. Ocorre que é temerário dizer que o exegetismo
decorre da revolução francesa (ou do direito da revolução). A questão política,
nesse contexto, vai nos mostrar que “a escola da exegese” se forma no contexto
contrarrevolucionário, com os movimentos que se seguem ao golpe de Napoleão e
o 18 de Brumário.

Vale dizer: a assim denominada e por todos conhecida “proibição de interpretar”


é algo proveniente do regime contrarrevolucionário e não propriamente do
ambiente da revolução (Caenegem). Ou seja, a Escola da Exegese não veio para
(con)firmar a ideologia revolucionária, mas, sim, as ideias contrarrevolucionárias,
para impedir qualquer possibilidade de conspurcação hermenêutica do produto, a
codificação.

Outro cuidado nesse processo de reconstrução histórica e revolvimento do


chão linguístico que sustenta a tradição do positivismo (isso é o que denomino de
“método hermenêutico”) é com o papel da Escola Histórica e de Savigny. Ele não
pode ser considerado um “exegeta”. A escola histórica  – que é alemã  – não tem
nada a ver com o exegetismo. Há, sim, uma equiparação do direito à lei, mas a lei
não é um conjunto de disposições editadas arbitrariamente por um parlamento; ela
é o resultado de uma pesquisa científica que tem como objeto a história de um
povo (Volksgeist); o legislador, no caso, não cria; apenas descobre o direito (lei) já
impresso na história dos povos. Portanto, não se pode equiparar o exegetismo à
escola histórica (Savigny). Finalmente, não se pode vincular a escola histórica ao
positivismo da época, uma vez que aquela, antes de qualquer semelhança,
possuía um cariz antipositivista.

Com relação ao neoconstitucionalismo, há um texto em que eu comento as


onze características que seriam ínsitas a essa corrente/teoria.73  Como na
discussão do positivismo, em que nos deparamos com dezenas de correntes e
subteorias, também não há apenas um neoconstitucionalismo. O mais tradicional é
aquele que caracterizado a partir de cinco elementos: mais princípios que regras,
predomínio do judiciário, mais ponderação do que subsunção, primazia da
Constituição sobre a lei e preocupação com concretização dos direitos.74

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De todo modo, não se pode dizer que neoconstitucionalismo e não positivismo


sejam coisas que decorrem uma da outra ou que sejam intercambiáveis. A questão
da gênese conceitual do pós-positivismo (aqui permaneço com a palavra porque é
assim que Calsamiglia tratou da matéria) é um problema intricado. Ha um texto de
Albert Calsamiglia, na revista  Doxa, que explora a questão a partir da teoria da
argumentação: o pós-positivismo seria, então, uma teoria do direito com uma teoria
da argumentação [perceba-se que, até aqui, nada tem a ver com o
neoconstitucionalismo, mas ao contrário, o neoconstitucionalismo é que pode(ria),
de alguma maneira, ser considerado um tipo ou um modelo de pós-positivismo].

Por outro lado, Friedrich Müller, que tudo indica ter sido o primeiro a usar a
palavra pós-positivismo, entende-o como uma teoria do direito que supera o
conceito semântico de norma a partir de uma teoria da concretização da norma
que pressupõe a distinção entre texto e norma; entre programa da norma e
âmbito da norma. Portanto, não é conveniente que se diga que o não positivismo
deriva do neoconstitucionalismo (aqui retomei a nomenclatura não positivismo em
lugar  da desgastada “pós-positivismo”, que, para mim, permanece apenas para
Müller e Calsamiglia).

Acredito que seria possível dizer que o não positivismo tem lugar no ambiente
teórico do  Constitucionalismo Contemporâneo. Aí, sim, porque o
Constitucionalismo Contemporâneo é ruptural, não sendo uma mera continuidade
do(s) constitucionalismo(s) anterior(es).75

Outra questão importante: esse Constitucionalismo Contemporâneo é um


ambiente teórico, diferente do neconstitucionalismo que apresenta propostas
teóricas que, embora com sutilezas e diferenças, podem ser agrupadas em torno
de características comuns (conforme meu posfácio ao livro de Ecio Oto e Susanna
Pozzolo, já citado alhures).

A minha principal crítica ao neoconstitucionalismo diz com a adoção da


ponderação de valores (ou de princípios) e a consequente aposta na
discricionariedade. O neoconstitucionalismo com tais características é jogado nos
braços do positivismo pós-exegético, com fortes relações com a jurisprudência dos
interesses e da valoração. Ferrajoli, um positivista da cepa, critica o
neoconstitucionalismo por seu viés “principialista”, porque este enfraquece a sua
tese do “constitucionalismo normativo ou garantista”. Sua crítica é correta por ser
colocada  erga omnes  aos diversos neoconstitucionalismos, uma vez que estes
transformam os direitos (fundamentais) em valores ou princípios morais, abrindo
caminho à ponderação, o que Ferrajoli considera o modo pelo qual ocorre a
fragilização da normatividade do direito. Nas suas palavras:

Se, na verdade, sustenta-se que os juízes não devem se limitar a interpretar as


normas de direito positivo, mas estão habilitados, eles mesmos, a criá-las – ainda que
por meio da ponderação de princípios  – então resulta violada a separação de
poderes.

O mestre florentino chega a comparar a ponderação à velha interpretação


sistemática. Em face do exposto, pergunto: no que poderia discordar de Ferrajoli,
se, por exemplo, suas críticas ao neoconstitucionalismo, ao axiologismo, ao
pamprincipiologismo (expressão que cunhei em  terrae brasilis  para mostrar a
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“bolha especulativa” dos princípios) e à ponderação de valores se situam muito


proximamente ao que venho defendendo de há muito, mormente desde a
obra Verdade e Consenso?

A temática “neoconstitucionalismo-positivismo-não-positivismo” é, pois,


intrincada. Claro que nem todo neoconstitucionalismo aposta, pura e
simplesmente, no subjetivismo-voluntarismo ou em correntes pragmatistas. Há
também neoconstitucionalistas objetivistas (com pretensões descritivas-
textualistas); e há aqueles que procuram diminuir o subjetivismo a partir de alguma
estratégia teórica, uma analítica da linguagem (v.g., Susanna Pozzolo) ou uma
técnica-método como a ponderação de valores ou princípios (na verdade, a maior
parte dos neoconstitucionalistas enquadra nesse bloco, porque é a vertente
advinda de Robert Alexy). Entretanto, o que importa referir é que, mesmo tentando
corrigir o problema do subjetivismo, o neoconstitucionalismo não consegue atingir
seu desiderato. Para isso, é necessário  – e isso já foi feito anteriormente  –
entender a trajetória do direito do século XIX aos nossos dias.

Dizendo de outro modo, regra geral, os movimentos neoconstitucionalistas – ao


modo como foram construídos visando superar o paleojuspositivismo, inimigo
maior da teoria do direito em países como Itália e Espanha, berço das referidas
teorias  – são conhecidos como sociológicos e, por terem sofrido influência direta
do positivismo comtiano, é difícil dizer que neles não haja um retorno ao direito
natural (essa é a acusação forte de autores como Ferrajoli). Direito natural é
metafísica (entendida como filosofia) e esses movimentos se pretendem, nesse
contexto, antimetafísicos e antifilosóficos. Pretendem-se, pois, científicos e por isso
colam o direito no ambiente das questões sociológicas. Assim, a jurisprudência dos
interesses pode ser pensada como um embrião da jurisprudência dos valores, mas
há uma radical diferença entre elas, que é o caráter sociológico de uma
(Interessenjurisprudenz) e o filosófico da outra (Wertungsjurisprudenz). Nesse
sentido, dá para dizer que, em algumas propostas da jurisprudência dos valores,
há um quase retorno ao direito natural, circunstância bem apanhada por Ferrajoli,
como já referi. No movimento do direito livre e na jurisprudência dos interesses não
encontraremos o jusnaturalismo (esses conceitos estão esmiuçados no meu
Dicionário de Hermenêutica, mormente na segunda edição, em que trabalho os
diversos jusnaturalismos). Pelo contrário, não há nada mais positivista do que
esses movimentos (eles é que sofrem as influências diretas do movimento
positivista que acontece na segunda metade do século XIX).

Já na especificidade brasileira, passadas três décadas da Constituição de 1988,


é necessário reconhecer que as características desse “neoconstitucionalismo”
acabaram por provocar condições patológicas que, em nosso contexto atual,
acabam por contribuir para a corrupção do próprio texto da constituição.76 Ora, sob
a bandeira “neoconstitucionalista” defende-se, ao mesmo tempo, um direito
constitucional da efetividade; um direito assombrado pela ponderação de
valores;77  uma concretização  ad hoc  da Constituição; e uma pretensa
constitucionalização do ordenamento, a partir de jargões vazios de conteúdo e que
reproduzem o prefixo  neo  em diversas ocasiões, tais
como:  neoprocessualismo  (sic) e  neopositivismo  (sic). Tudo porque, ao fim e ao
cabo, acreditou-se ser a jurisdição responsável pela incorporação dos “verdadeiros
valores” que definem o direito justo (vide, a este respeito, as posturas decorrentes
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do instrumentalismo processual). Nesse sentido, tem razão Ferrajoli quando acusa


o neoconstitucionalismo como aquele que se caracteriza pela configuração dos
direitos fundamentais como valores ou princípios morais estruturalmente diversos
das regras, porque dotados de uma normatividade fraca, confiada não mais à
subsunção, mas à ponderação.

Desse modo, fica claro que o neoconstitucionalismo representa, apenas, a


superação – no plano teórico-interpretativo – do paleo-juspositivismo (Ferrajoli), na
medida em que nada mais faz do que afirmar as críticas antiformalistas deduzidas
pelos partidários da escola do direito livre, da jurisprudência dos interesses e,
daquilo que é a versão mais contemporânea desta última, a jurisprudência dos
valores. Este me parece ser um ponto fulcral para as pesquisas sobre esse
importante tema.

Resumindo: o neoconstitucionalismo não é uma superação do paleo-jus-


positivismo (exegetismo), mas os neoconstitucionalistas acham que é. E esse é o
problema. Portanto, Ferrajoli tem razão, porque, nos moldes como é apresentado,
o neoconstitucionalismo depende de posturas axiologistas e voluntaristas, que
proporcionam atitudes incompatíveis com a democracia, como o ativismo e a
discricionariedade judicial.

O que quero dizer é que o neoconstitucionalismo, na tentativa de superar o


“positivismo primitivo”, buscou na teoria da argumentação jurídica (especialmente a
de Alexy) um modo de racionalizar o modelo de interpretação e aplicação do
direito, imaginado pelos seus adeptos como o adequado para os novos textos
constitucionais. A raiz da problemática está na jurisprudência dos valores, que
Robert Alexy tentou racionalizar com a sua teoria da argumentação.78 Daí se dizer
que no neoconstitucionalismo há mais princípios que regras, mais ponderação e
menos subsunção, ao contrário do positivismo, em que predominam as regras e a
subsunção. Ou que os casos simples se resolvem com subsunção, e os casos
difíceis pela ponderação (como se os princípios fossem uma espécie de reserva
“interpretativa” à disposição dos adeptos da teoria, que deles lançariam mão
apenas para resolver os  hard cases). Sempre cabe um alerta: não existe uma
cisão estrutural entre regras e princípios. Por isso, uma regra é sempre aplicada a
partir de um ou mais princípios e um princípio sempre demanda uma regra. Para
ser mais simples: não há regra sem princípio e não há princípio sem regra.

É indubitável que os teóricos do neoconstitucionalismo  – mormente os


brasileiros – tomaram emprestado da jurisprudência dos valores sua tese fundante
de que a Constituição é uma ordem concreta de valores, sendo o papel dos
intérpretes o de encontrar e revelar esses interesses ou valores. E, efetivamente, o
modo mais específico de implementação dessa recepção foi a teoria da
argumentação de Robert Alexy, que, entretanto, recebeu uma leitura superficial por
parcela considerável da doutrina e dos tribunais (não somente do Brasil, advirta-
se).79

Um exemplo ilustrativo dessa mixagem teórica  – e agora falo apenas do


Brasil – pode ser encontrado na doutrina de Luis Roberto Barroso, adepto no Brasil
da teoria da argumentação jurídica.  80 Segundo o autor, “a colisão entre princípios
constitucionais decorre do pluralismo, da diversidade de valores e de interesses
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que se abrigam no documento dialético e compromissório que é a Constituição.


Como estudado, não existe hierarquia em abstrato entre tais princípios, devendo a
precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso
concreto”.81  Na verdade, Barroso, quando fala de uma “nova hermenêutica
constitucional”, incorpora algumas estruturas analíticas de Alexy, transformando-as
em métodos constitutivos, sem, no entanto, as exigências de participação,
igualdade e ônus argumentativo, centrais na tese alexyana. Mais ainda, não
encontramos em Barroso a regra de saturação82  dos argumentos, dentre eles os
que envolvem a interpretação e a doutrina.

Aqui parece ficar claro a maneira como a ideia da “Constituição como ordem de
valores” é literalmente subsumida à teoria alexyana da colisão de princípios,  só
que sem atentar minimamente para os pressupostos lógicos que sustentam a
teoria do autor alemão. Ora, os princípios são, para Alexy, mandados de
otimização e possuem, por isso, uma estrutura alargada de dever-ser. É essa
estrutura alargada de dever-ser  – que é dada  prima facie  – que tensiona os
princípios, fazendo-os colidir. A valoração é um momento subsequente – ou seja,
posterior à colisão  – que incorpora o procedimento da ponderação. O mais
paradoxal nesse sincretismo teórico é que Alexy constrói sua teoria exatamente
para “racionalizar” a ponderação de valores, ao passo que,  no Brasil, os
pressupostos formais  – racionalizadores  – são praticamente desconsiderados,
retornando às estratégias de fundamentação da jurisprudência da valoração. Dito
de outro modo: levada a teoria alexyana às suas últimas consequências, é possível
dizer que, ao menos no Brasil, embora todos os esforços empreendidos pela
doutrina, não há aplicação da teoria da argumentação jurídica.

Muito embora isso, o Direito Constitucional foi “tomado” por diversas “teorias
dos princípios” – por vezes autodenominadas “teorias da argumentação jurídica” –,
sendo raro, nestes dias, encontrar constitucionalistas que não se rendam à
distinção estrutural regra-princípio e à ponderação de valores (alguns ainda falam
em “ponderação de interesses”). A partir dessa mixagem teórica, são
desenvolvidas/seguidas diversas teorias/teses por vezes incompatíveis entre si.
Nesse particular, anote-se o estado de embaraço teórico em que se encontra
enveredadas posturas teóricas como as de Luis Roberto Barroso e Ana Paula de
Barcellos. Os autores propõem que, além da ponderação de princípios, deve existir
também uma ponderação entre regras, tese que se repete, sob outro fundamento,
em Humberto Ávila.83 O que chama mais atenção nessa modalidade de proposta
teórica é o fato de a ponderação ser um dos fatores centrais que marcam a
distinção entre regras e princípios de Robert Alexy (princípios se aplicam por
ponderação e regras por subsunção, é uma das máximas alexyanas). E mais: se
a ponderação é o procedimento do qual o resultado será uma regra posteriormente
subsumida ao caso concreto, o que temos como resultado da “ponderação de
regras”? Uma “regra” da regra? Como fica, portanto, em termos práticos, a
distinção entre regras e princípios, posto que deixa de ter razão de ser a distinção
entre subsunção e ponderação? Nos termos propostos por Barroso e Barcellos, a
ponderação aparece como procedimento generalizado de aplicação do direito.
Desse modo, em todo e qualquer processo aplicativo, haveria a necessidade de
uma “parada” para que se efetuasse a ponderação. Tal empresa  – estender a
ponderação para a aplicação de regras – mostra-se destituída de sentido prático,
visto que da regra irá resultar outra regra, essa, sim, aplicável ao caso, além de
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apontar para os equívocos na recepção da teoria alexyana entre os autores


brasileiros.84

Existe um ponto que não pode deixar de ser destacado na teoria de Robert
Alexy que diz respeito à distinção estrutural entre regras e princípios: enquanto as
regras constituem mandamentos de definição e são aplicadas por subsunção, os
princípios têm natureza de mandamentos de otimização, determinando que algo
seja realizado na máxima medida possível, tento em vista as possibilidades fáticas
e jurídicas. A ponderação para o autor é, portanto, a forma de aplicação designada
aos princípios. Aliás, o próprio Alexy refere que, havendo colisão entre normas,
não se resolve esta por meio de um sopesamento, mas, sim, excluindo uma das
regras do sistema jurídico.

Outro aspecto que deve ser observado para a manutenção da coerência com o
projeto de Alexy é a utilização da máxima da proporcionalidade que se apresenta
em suas três submáximas parciais (adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito), que se prestam a solucionar subsidiariamente uma colisão de
princípio por meio da lei de colisão.

Um ponto importante: na maior parte das vezes, os adeptos da ponderação não


levam em conta a relevante circunstância de  que é impossível fazer uma
ponderação que resolva diretamente o caso.  A ponderação  – nos termos
propalados por seu criador, Robert Alexy  –  não é uma operação em que se
colocam os dois princípios em uma balança e se aponta para aquele que “pesa
mais” (sic), algo do tipo “entre dois princípios que colidem, o intérprete escolhe um”
(sic). Nesse sentido é preciso fazer justiça a Alexy: sua tese sobre a ponderação
não envolve essa “escolha direta”.

Importante anotar que no Brasil,  os tribunais, no uso descriterioso da teoria


alexyana, transformaram a regra da ponderação em um “princípio”  (sic). Com
efeito, se, na formatação proposta por Alexy, a ponderação conduz à formação de
uma regra  – que será aplicada ao caso por subsunção  –, os tribunais brasileiros
passaram a utilizar esse conceito como se fosse um enunciado performático, uma
espécie de álibi teórico capaz de fundamentar os posicionamentos mais diversos.85

Episódio cinco: O decisionismo, a ponderação e a


Katchanga real
A estória da Katchanga foi inventada pelo saudoso Luis Alberto Warat. Ele a
chamava de “O Jogo da Katchanga”. Discuti muito em sala de aula e contei várias
vezes a  estorinha  em conferências. Warat contou a  estória  para metaforizar
(e  criticar acidamente) a dogmática jurídica. Afinal, dizia: “a dogmática jurídica é
um jogo de cartas marcadas”. E quando alguém consegue entender “as regras”,
ela mesma, a própria dogmática, tem sempre um modo de superar os paradoxos e
decidir a “coisa” ao seu modo... Ela, por si – acrescento – é decisionista, no sentido
da “vontade do poder” (Wille zur Macht). Mas, vamos à estória: existia um Cassino
que aceitava todos os tipos de jogos. Havia uma placa na porta: aqui se jogam
todos os jogos! Isto é, não havia nada que ficasse de fora do “sistema de jogo” do
Cassino. Tratava-se de um Cassino non liquet (na verdade, vedação de non liquet).
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Um Cassino que era um sistema aberto e fechado ao mesmo tempo (prato cheio
não só para hermeneutas, como também para sistêmicos, como Leonel Severo
Rocha, com o qual tantas vezes discutimos isso – ele, Warat, Sérgio Cademartori e
eu). Poderíamos chamar esse “sistema do cassino” de uma espécie de “Cassino
Fundamental” (um Grundcassino?) ...! De uma forma mais sofisticada, pressupõe-
se que “todos os jogos sejam jogados”, ou algo nessa linha. As derivações são
múltiplas, pois.

Pois bem. Chegou um forasteiro e desafiou o croupier do cassino, propondo-lhe


o jogo da Katchanga. Como o  croupier  não poderia ignorar esse tipo de jogo  –
porque, afinal, ali se jogavam todos os jogos (lembremos do non liquet) – aceitou,
ciente de que “o jogo se joga jogando”, portanto, não há lacunas no “sistema jogo”.

Veja-se que o dono do Cassino, também desempenhando as funções


de croupier, sequer sabia que Katchanga se jogava com cartas... Por isso, desafiou
o desafiante a iniciar o jogo, fazendo com que este tirasse do bolso um baralho.
Mais: o desafiado também não sabia com quantas cartas se jogava a Katchanga...
Por isso, novamente instou o desafiante a começar o jogo.

O desafiante, então, distribuiu dez cartas para cada um e começou


“comprando” duas cartas. O desafiado, com isso, já aprendera duas regras: 1)
Katchanga se joga com cartas; 2) é possível iniciar “comprando” duas cartas. Na
sequência, o desafiante pegou cinco cartas, devolveu três; o desafiado (croupier)
fez o mesmo. Eram as regras seguintes.

Mas o “Grundcassinero” (chamemos ele assim) não entendia o que fazer na


sequência. O que fazer com as cartas? Eis que, de repente, o desafiante colocou
suas cartas na mesa, dizendo “Katchanga” ... e, ato contínuo, puxou o dinheiro,
limpando a mesa. O “Grundcassinero”, vendo as cartas, “captou” que havia uma
sequência de três cartas e as demais estavam desconexas. Logo, achou que ali
estava uma nova regra.

Dobraram a aposta e... tudo de novo. Quando o “Grundcassinero” conseguiu


fazer uma sequência igual à que dera a vitória ao desafiante na jogada primeira,
nem deu tempo para mais nada, porque o desafiante atirou as cartas na mesa,
dizendo “Katchanga” ... Tinha, desta vez, duas sequências! Dobraram novamente a
aposta e tudo se repetiu, com pequenas variações na “formação” do carteado. O
“doutor Grund...” já havia perdido quase todo o dinheiro, quando se deu conta do
óbvio: a regra do jogo estava no enunciado “ganha quem disser Katchanga
primeiro”.

Pronto. O “Grundcassinero” desafiou o forasteiro ao jogo final: tudo ou nada.


Todo o dinheiro contra o que lhe restava: o Cassino. E lá se foram. O desafiante
pegava três cartas, devolvia seis, buscava mais três, fazia cara de preocupado;
jogava até com o ombro... E o “Doutor Grund”, agora, estava tranquilo. Fazia a sua
performance. Sabia que sabia! Ou pensava que sabia que sabia!

Quando percebeu que o desafiante jogaria as cartas para dizer Katchanga,


adiantou-se e, abrindo largo sorriso, conclamou: Katchanga... e foi puxar o
dinheiro. O desafiante fez cara de “pena”, jogando a cabeça de um lado para outro

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e, com os lábios semicerrados, deixou escapar várias onomatopeias (tsk, tsk, tsk)
... Atirou as cartas na mesa e disse: Katchanga Real!

Moral da estória: a dogmática jurídica sabe tudo, tem  – sempre  – todas as


saídas, mas sempre sobra algo!!! Os sentidos não cabem na regra. A lei não está
no direito, e vice-versa. Não há isomorfia. Há sempre um não dito, que pode ser
tirado da “manga do colete interpretativo”. Esse é o papel da interpretação. Para o
“bem” e para o “mal”!

Mas, atenção: a  estória  era para mostrar o paradoxo que representa esse
fenômeno “a dogmática jurídica”, com seu “pretenso sistema fechado” e os modos
de derrotá-la. Ou não. Dizia-se (eu repetia muito isso pelo Brasil afora): você tem
que saber jogar a Katchanga... (Real!). Portanto, não basta pensar que aprendeu
jogar a Katchanga. O jogo é mais complexo, uma vez que a própria Katchanga
Real representa um problema.

Quando a  estória  foi criada, não imaginávamos o “estado de natureza


hermenêutico” provocado pelas teorias voluntaristas (mormente as
pamprincipialistas que se multiplicaram Brasil afora). Nem de longe poderíamos
imaginar essa onda “solipsista” que se espraiou pós-Constituição de 1988,
principalmente nos últimos 10-12 anos. Sendo mais específico: em um Estado dito
Democrático de Direito, a tarefa interpretativa (applicatio) da magistratura é
argumentar dentro dos parâmetros dos mundos constitucionalmente possíveis. Em
parte, lutava-se nas brechas da institucionalidade, para encontrar vaguezas e
ambiguidades, como analíticos que éramos. Mesmo após o advento da
Constituição, levamos alguns anos para compreender o novo paradigma e a
própria autonomia que o direito adquirira. A “função” da Katchanga se alterara... E
muito. Por exemplo, a crítica ao positivismo se alterou profundamente; passamos a
nos preocupar com o discricionarismo e os ativismos; no Brasil, parcela
considerável dos juristas ainda não se deu conta disso.

Mesmo depois da Constituição, usei a metáfora várias vezes, já dando a ela


uma “roupagem mais hermenêutica”. Na verdade, sempre a relatei para evidenciar
o papel criativo da hermenêutica. Queria mostrar que o texto jurídico não é
plenipotenciário. Lá adiante, na fusão de horizontes, levando em conta
a Wirkungsgeschichtliches Bewußtsein,  há um algo que se manifesta. Como falei
antes, há sempre um não dito, que deve ser descoberto (desde a primeira edição
do  Hermenêutica Jurídica e[m] Crise  – da década de 90, trabalho com as três
dimensões:  Erschossenheit, Entdeckenheit  e  Unverborgenheit). Como diz
Gadamer, ser que pode ser compreendido é linguagem. A linguagem não abarca
tudo. Sempre sobra “um real” ainda não dito. Eis aí a questão do des-velamento
(Unverborgenheit).86

Assim, em um primeiro momento a Katchanga Real era, efetivamente, o salto


para além do exegetismo. Em um segundo momento, a Katchanga poderia ser um
perigoso elemento de, sob pretexto de superar o exegetismo, transformar-se em
um álibi para poder “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”... Algo que o
voluntarismo interpretativo de  terrae brasilis  fez e faz. Basta ver a
pamprincipiologia (expressão que cunhei e que está presente em vários textos
meus e especialmente em  Verdade e Consenso). Afinal, se princípios são
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normas  – e deve haver já mais de 2.000 dissertações e teses que dizem isso  –,
qual é a normatividade de “princípios” (sic) como o da confiança do juiz da causa,
da verdade real, da instrumentalidade, da cooperação processual etc.?

Percebe-se, assim, o modo como a  estória  contada por Warat se encaixa


perfeitamente ao modo como (ainda) opera a dogmática jurídica, que sobrevive a
partir do senso comum teórico dos juristas (que ele também caricaturava como o
“monastério dos sábios”). Talvez a dogmática tenha até se aprimorado (tenho
referido, de uns oito anos para cá, que a dogmática jurídica passou por uma
“adaptação darwiniana”, porque até mesmo os juristas mais “tradicionais”
“descobriram” que as palavras da lei são vagas e ambíguas, coisa que
denunciávamos desde o início dos anos 80, quando nem se falava ainda em
Constituição; junto a isso houve a descoberta da “era dos princípios”.

Registre-se, por relevante, que autores contemporâneos a Warat, como é o


caso de Tercio Sampaio Ferraz Jr., oferecem uma excelente descrição para a
dogmática jurídica que possui essas mesmas características. Tercio, já há mais de
trinta anos, em específico, retrata a dogmática como técnica, dominação e decisão
que se desenvolve a partir da confluência de três fatores históricos específicos: o
método dos glosadores/comentadores do século XII e seguintes; a concepção
sistemática que emerge das correntes do jusnaturalismo racionalista; e as
construções teóricas do século XIX, mais especificamente a discussão em torno da
polêmica “jurisprudência dos conceitos  vs.  jurisprudência dos interesses”. Tercio
aponta para o fato de que todo saber dogmático que se constitui no direito tem
como polo unificador a necessidade da decisão.

Em termos mais simples: o que diferencia o nosso direito de outros direitos


existentes em outras culturas e outros tempos históricos é, exatamente, a
impossibilidade de “decisões salomônicas”, como bem lembra João Maurício
Adeodato. O  non liquet  impõe à dogmática uma espécie de tarefa: os problemas
jurídicos precisam de uma solução decisional. Essa é a questão. A “Katchanga”, no
fundo, representa esse fator de decisão que, como desmascarava Warat, não pode
ser encontrada a partir de uma análise pedestre dos textos que compõem os
códigos e a legislação de uma maneira geral. Há uma plêiade de fatores a
influenciar a decisão que ficam de fora dessas análises estritas do fenômeno
jurídico e do modo de se retratar, tradicionalmente, o papel da dogmática jurídica.

Por certo que, atualmente, nossa tarefa, enquanto viventes de uma


democracia constitucional, é criar as condições para a extirpação de qualquer tipo
de  decisionismo. E a Katchanga Real, pós-exegética, corre o risco  – efetivo  – de
ser  decisionista, discricionária, solipsista, arbitrária... Exatamente por isso é que
já não a uso de há muito, em face desse “alto fator de risco deciso-solipsista que
parcela da doutrina assumiu, recepcionando, equivocadamente,
a  Wertungsjurisprudenz  (jurisprudência dos valores), a Teoria da Argumentação
Jurídica, que se transformou na “pedra filosofal da interpretação” (d’onde a
disseminação descriteriosa da ponderação de valores) e um certo realismo jurídico,
problemática que explico em trinta páginas na Introdução da 6.ª edição do Verdade
e Consenso, para onde me permito remeter o leitor. Por isso, minha cruzada, de há
muito, está assentada na necessidade de se criar anteparos à atividade decisória,
num contexto democrático de legitimação (é a Teoria da Decisão que proponho).
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Uma justificação que, com Dworkin, podemos dizer que deve ser a que melhor
retrata o direito da comunidade política como um todo.

Estórias  não pertencem a ninguém. Podem ser utilizadas à vontade. Só que


cada uma tem uma “história institucional”, cujo contexto devemos respeitar.
A estória da Katchanga Real não pode representar um “ponto cego”, porque corre
o risco de vitimar sua construção. A Katchanga não “resolve” o problema da crítica
à ponderação à brasileira. Ela é muito mais do que isto. Não basta dizer que essa
“ponderação à brasileira” está assentada em uma espécie de “pedra filosofal da
interpretação”, que se chamaria Katchanga Real. O problema é bem mais
complexo, porque reside na própria Teoria da Argumentação Jurídica e, em
consequência, na  Abwägung  (ponderação). Ou seja, não dá para pensar que,
fosse bem utilizada, a ponderação seria a saída para a irracionalidade decisional...

Ora, na verdade, o que deve ser dito é que a ponderação à brasileira não é
uma representação de uma “teoria da Katchanga” (sic), mas, sim,  ela própria é a
Katchanga no modo como a joga a dogmática jurídica. Ela representa uma forma
de decidir, e afirmar, assim, o  non liquet. O “mito Katchangal” está presente na
própria teoria de Alexy e no elemento decisionista inerente ao seu procedimento ou
fórmula da ponderação. Se é verdade que criamos uma “ponderação à brasileira”,
também é verdade que há fortes traços discricionários e voluntaristas
na  Abwägung  original (que, aliás, constou inicialmente
na Interessenjurisprudenz, de Philipp Heck, setenta anos antes de Alexy ter escrito
a sua TAJ).

No fundo, a defesa da discricionariedade já é a adoção da Katchanga Real.


Pela simples razão de que é o sub-jectum que definirá o sentido. E os critérios ele
busca(rá) na “certeza de si do pensamento pensante”. Esse é o ponto central.
Numa palavra final: ponderação e a discricionariedade são irmãs siamesas,
bastando lembrar, aqui, das agudas e azedas críticas que Müller e Habermas
fazem à ponderação. Tudo isso serve também para o “enquadramento” das teses
como “o livre convencimento”, “instrumentalismo processual” etc. E alertar a
comunidade jurídica sobre essa “novilíngua” – para lembrar o papel da linguagem
em Orwell, no seu 1984  – que deu um novo nome ao solipsismo no Brasil: ele
passou a ser chamar “ponderação”, mas que pode ser substituída por Katchanga
Real.

Mas pode haver muito mais na  estória  da Katchanga (Real). Nela, é possível
ver (também) fortes traços de nominalismo e pitadas da velha sofística. Meu
interesse em (re)contar o “mito” da Katchanga é denunciar esse viés pragmaticista
presente na invocação que o jogador faz da Katchanga Real. Ela é uma forma de
positivismo, porque estabelece um grau zero de sentido. O nominalismo era (e é)
isso. Todo positivismo é pragmaticista, assim como o nominalismo também o é.
Positivismo e nominalismo andam juntos (nesse sentido, ver verbete “positivismo”,
no meu Dicionário de hermenêutica cit.). A convocação da Katchanga Real é uma
forma de estabelecer a vontade do poder. Busquemos, novamente, o personagem
Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho. Discutindo sobre o papel do
“desaniversário”, pelo qual haveria 364 dias destinados ao recebimento de
presentes em geral e somente um de aniversário, Humpty Dumpty diz para Alice:
“é a glória para você”. Ela responde: “não sei o que quer dizer com glória”, ao que
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ele, desdenhosamente, diz: “Claro que não sabe... até que eu lhe diga. Quero dizer
‘é um belo e demolidor argumento para você’”. Mas, diz Alice, “glória não significa
‘um belo e demolidor argumento’”. E Humpty Dumpty aduz: “Quando eu uso uma
palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem
menos”. Observe-se bem essa frase final do personagem nominalista de Lewis
Caroll... A palavra “glória” significa o que ele quer que signifique... É o fim
“demolidor” de uma discussão! Assim como é a Katchanga (Real).

5. Pequena conclusão reflexiva ou “de como


precisamos falar sobre o direito”
No livro “Precisamos Falar sobre o Kevin”, Lionel Shriver mostra o drama dos
pais de um adolescente psicopata, diante do massacre que este comete na escola.
A frase tardia, muito tardia: “precisamos falar sobre o Kevin”. O personagem-
psicopata foi criado sem a interdição. Sem “lei”. Seu superego erodiu. Estraçalhava
pássaros, furou o olho da irmã... E comprou armas pela Internet. Eis o Kevin. Eis a
crônica de um massacre anunciado. E a crônica do fracasso civilizatório.

Penso que nós também “precisamos falar sobre o direito”, “sobre o ensino
jurídico”, “sobre o papel da doutrina” ... Antes que seja tarde. Parece que não
aprendemos o suficiente – para fazer um eufemismo – com a história. Quando vejo
o que se diz sobre o positivismo jurídico e sobre a relação regra-princípio, indago-
me acerca das razões pelas quais não conseguimos compreender a “evolução” do
positivismo do século XIX aos nossos dias, assim como tudo o que de mais disso
deflui. Relegamos a teoria do direito a um segundo plano, tudo em nome de razões
e motivações pragmaticistas. Talvez isso seja assim porque pouco conversamos
sobre o direito.

É mais producente ler Balzac para compreender as vicissitudes do direito, a


partir do positivismo exegético (ou legalista, nas suas três formas  – francesa,
alemã e inglesa) ao não positivismo (ou aquilo que se pretende não positivismo) da
contemporaneidade do que ler parte considerável da doutrina produzida nas
últimas décadas no Brasil. Por exemplo, escrito na primeira metade do século XIX,
em Ilusões Perdidas já podemos ler uma contundente crítica à sociedade francesa
e, especialmente, ao (mal) funcionamento da Justiça. Observemos como são
antigos os mecanismos do direito para impedir o funcionamento do próprio direito:
as chicanas de Petit-Cloud para arrastar o processo. Entra com mil artimanhas,
embargos disso, embargos daquilo, passa os bens de Davi para o nome da esposa
etc. Enfim, tudo igual ao que se vê hoje. Davi tem razão, não deve a quantia, mas
as mil voltas do processo não servem para ver isso, só para ganhar tempo e
multiplicar o valor da dívida, sem razão nenhuma. Também já na década de 40 do
século XIX Balzac fazia uma ácida crítica à ideologia da conciliação como solução
para a disfuncionalidade do direito: Petit-Cloud, um advogado canalha, oferece a
Davi um acordo (em que ele abre mão da invenção), dizendo que qualquer acordo
é melhor que um processo, mesmo que Davi seja vítima de uma grande armação:
“vocês estão sendo enganados pelos Cointets, poderiam ganhar o processo (...).
Querem enfrentar mais dez anos de demandas? Haverá dezenas de perícias e
vocês ficarão sujeitos às vicissitudes dos pareceres mais contraditórios. (...)
Olhem, um mau acordo é melhor que um bom processo”.
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Mais ainda, Balzac antecipa, pelas palavras do Padre Herrera ao personagem


Lucien, as discussões acerca do papel do direito, mostrando-o como instrumento
de dominação e perpetuação de privilégios:

Para as galés vão os gatunos que roubam galinhas à noite nos quintais, ao passo
que mal ficam uns meses na prisão aqueles que arruínam famílias com falências
fraudulentas; mas esses hipócritas sabem muito bem que, condenando o ladrão de
galinhas, os juízes mantêm a barreira entre pobres e ricos, barreira que, derrubada,
provocaria o fim da ordem social; ao passo que quem cometeu falência fraudulenta, o
esperto usurpador de heranças e o banqueiro que destrói um negócio em proveito
próprio, só estão fazendo com que a riqueza mude de mãos.

Passados tantos anos, precisamos falar sobre o direito. E muito. O direito do


Estado Democrático de Direito é um novo paradigma. Isso precisa ser comunicado
à “sociedade fechada dos intérpretes do direito de  terrae brasilis”. O direito não
pode depender da boa ou má vontade do intérprete. Seu grau de autonomia deve
ser visto como emancipador. Não é por acaso que a Constituição estabelece, no
seu art.  3.º, que o Brasil é um país que busca agregar as três dimensões dos
direitos fundamentais, ao estabelecer, como norma – sim, porque a Constituição é
lei  – a obrigatoriedade de construirmos uma sociedade livre (direitos individuais,
com direito à segurança), justa (direitos sociais, igualdade) e solidária (direitos
transindividuais), repetindo, de certo modo, o lema da Revolução Francesa. As
diversas dimensões dos direitos estão na Constituição.

Precisamos falar sobre isso tudo. Mostrar para os alunos que a frase do
camponês salvadorenho, repetida por José Jesus de La Torre, de que  “La ley es
como la serpiente, sólo pica a los descalzos”, não pode mais ter eco no Brasil.

Enfim, necessitamos “provar” para os alunos (e os demais participantes da


comunidade jurídica) que o direito é um fenômeno complexo. E que não dá para
expressá-lo em quadrinhos. E nem em resumos que lembram um “novo” direito: o
“direito twittado”, como se a complexidade do fenômeno coubesse em 140
caracteres...

A “cultura”  prêt-à-porter,  prêt-à-parler  e  prêt-à-penseé, abundante na


cotidianidade das faculdades de direito (e na cotidianidade das práticas jurídicas
nos fóruns e tribunais), esconde/mascara a complexidade do direito, transformando
os utentes em “mittleufers” (os que seguem os outros”, os que simplesmente
“andam com os demais”). Os que tão somente reproduzem sentidos, algo do tipo
“como sempre-tem-sido”, “isto-é-assim-mesmo” ...).

Precisamos nos livrar dos velhos “atributos” que conforma(ra)m a tradição


inautêntica (no sentido hermenêutico da palavra) do direito  – e aqui me refiro à
noção de Eigenschafften constante já no título daquele que foi considerado o maior
romance do século XX, “O Homem Sem Qualidades” (Der Mann Ohne
Eigenschafften), de Robert Musil. O jurista não pode se comportar como os dois
transeuntes  – pertencentes a uma camada privilegiada da sociedade  – diante da
cena do atropelamento de uma pessoa por um pesado caminhão (o romance se
passa nos anos 20 do século XX). Nas palavras de Musil:

Também aquela dama e seu acompanhante tinham chegado perto e, por cima das
cabeças e costas baixadas, olhando o homem deitado. Depois recuaram e ficaram por
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ali, hesitantes. A dama estava com uma sensação ruim no coração e no estômago,
que tinha o direito de considerar compaixão; uma sensação vaga, paralisante. Depois
de algum tempo, o cavalheiro que a acompanhava disse: Os caminhões pesados que
se usam aqui têm um tempo de frenagem longo demais.

E a dama sentiu-se mais aliviada, e agradeceu com o olhar. (...) Afastaram-se


quase com a justa impressão que acontecera um fato dentro da ordem e legalidade.

Pronto. A morte do transeunte estava explicada pela técnica. Sim, a técnica: o


princípio epocal da contemporaneidade, como alertou Heidegger. A consciência da
dama estava aliviada. Mas, nós, juristas, não podemos nos comportar desse modo.
Não podemos nos alienar. O direito não é uma mera racionalidade instrumental.
Não é uma técnica, na qual podemos colocar a “culpa” pelo atropelamento, para
voltar à metáfora de Musil. O jurista não pode se alienar. A palavra “alienação” vem
do latim  alienus, que quer dizer “outro”. Uma pessoa se aliena quando coloca a
responsabilidade no “outro”. Sempre é o “outro”. Alieno a minha ação ao outro. Daí
a palavra “alienação”. Talvez por isso possamos dizer que uma pessoa alienada
“ali-é-nada” ...

Por tudo isto, em tempos de inclusão social, temos que construir as condições
para a inclusão cultural, a inclusão acadêmica. O livro de Georges, Henrique e
Rafael caminha nessa trilha. Eles sabem ler os sinais e os sintomas da alienação
que contamina o imaginário dos juristas, conformando esse magma de
(in)significações. Sim, os sinais são visíveis. Como lembra Eráclio Zepeda, poeta
mexicano,

Quando as águas da enchente descem e cobrem a tudo e a todos,

É porque há muito tempo começou a chover na serra.

Ainda que não nos déssemos conta.

Dizendo de outro modo e numa palavra final, o jurista não pode se comportar
como aquele sujeito que, estando o Vesúvio prestes a entrar em erupção, fica
arrumando um valioso quadro pendurado na parede!

.Ver, para tanto, Warat, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito II. Porto Alegre:
Fabris, 1995, p. 37 e ss.
2

.Cf. Campilongo, Celso Fernandes. Representação política e ordem jurídica: os


dilemas da democracia liberal. Dissertação de mestrado, São Paulo, USP, 1988,
p. 11 e ss.
3

.Cf. Puceiro, Enrique Zuleta. Teoria jurídica y crisis de legitimación. In:  Anuário
de Filosofia Jurídica y Social. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1982, p. 289.

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4

.Falo, obviamente, da diferença entre vigência e validade, problemática que


retirei de Luigi Ferrajoli e retrabalho no meu  Hermenêutica jurídica e(m) crise.
11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, passim.
5

.Um registro: enquanto a filosofia discute há séculos a relação sujeito-objeto e


suas implicações, o campo jurídico continua refratário a esse tipo de reflexão. Seria
o conhecimento jurídico blindado às transformações ocorridas no campo da
filosofia? Com a palavra, os juristas. Nesse sentido, consultar meu Dicionário de
Hermenêutica. 2. ed. Belo Horizonte, Casa do Direito, 2020.
6

.Nos últimos tempos, começaram a proliferar as publicações


ultrassimplificadoras. Ou seja, não bastassem os compêndios que pretendem, já
no título, simplificar, facilitar a compreensão do direito, agora temos um socorro
jurídico plastificado. Nem vou aqui falar do “pronto-socorro” relativo ao direito
penal, permitindo-me descrever apenas parte do conteúdo de um deles, no qual
nos é dito que a filosofia reinante no liberalismo, apresentada como “vigorante no
século XVII” (sic), era o “absolutismo de Schleiermacher”... (sic); o modelo
interpretativo do neoliberalismo (final do século XX e início do século XXI) é o
tópico-indutivo (sic); a “visão do direito” (sic) no liberalismo era a partir de um
“sistema de lógica pura”; no  welfare state, o “sistema de natureza social”; e no
neoliberalismo, o “sistema de direitos humanos”...; as escolas de interpretação,
segundo o “pronto socorro jurídico” em questão, seriam a “dogmática”, a “histórico-
evolutiva”, a “livre criação do direito” (sic); entre as advertências da publicação
plastificada, lê-se como “importante” que o leitor não esqueça que “parte da
doutrina entende que nenhuma das duas teorias (subjetiva e objetiva) é suficiente
e absoluta”, porque a subjetiva “favorece o autoritarismo por preponderância da
vontade do legislador” e a objetiva “retira a responsabilidade do legislador e
favorece o anarquismo” (...)  –  sic. O aluno é alertado para o fato de que “o STF
retira a eficácia da norma (controle difuso) e remete ao Senado Federal para que
este retire a validade da lei” ... (sic). Trata-se, efetivamente, de importante “dica”
acerca da diferença entre vigência, validade eficácia”, contanto  – permito-me
dizer – que o consumidor não a siga, para que não responda de forma equivocada
eventual questão em concurso público! De todo modo, há uma esperança: na parte
em que o “pronto socorro” trata das antinomias no Código Civil de 2002, os autores
assinalam que, se alguma norma civil confrontar com a Constituição, “por certo
prevalecerá o texto constitucional”. Ainda bem, não?
7

.E evidente que existem bons manuais e compêndios. Minha crítica se dirige a


esse imaginário simplificador, prêt-à-porter.
8

.Em um interessante texto chamado  Homo concurseiros, o escritor Ignacio


Loyolla faz uma contundente crítica ao ensino estandardizado: “Além de
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movimentar um mercado que duplica de tamanho a cada ano, a literatura de


autoajuda para concurso gera um indivíduo incapaz de criticar. Só as conexões das
questões dos exames importam. As chamadas pegadinhas são os perigos para a
‘alma pura’. A ideia é criar um indivíduo burocrático, preso a uma lógica que é
ditada pelas organizadoras de concursos públicos  – nada de namoros
empolgantes, de amizades profundas e do ócio produtivo. Como um evangélico
recém-convertido, tudo que não diz respeito aos concursos pode tirar o
concursando do justo caminho e levá-lo ao inferno que a não aprovação
representa. O conhecimento sem substância só privilegia às bordas, indivíduos
atomizados carregados pelo desejo de atingir altos salários e cômodas jornadas de
trabalho. Não a toa os livros de autoajuda da área pintam o paraíso como o
indivíduo saindo cedo do trabalho, carregado de símbolos da bonança financeira
(geralmente um bom carro) e indo para a praia surfar diante de um belo sol de
início de tarde. É este modelo de homem que irá mudar a sociedade? Movimentar
as atividades de estado? Servir ao público? O sonho de ingressar em uma carreira
de estado, pelo modo como é alimentado pela indústria cultural concurseira, destrói
as possibilidades de construir uma sociedade diferente. É o projeto político de um
homem egoísta, que não entende (e não quer compreender) o papel que irá
desempenhar na sociedade. Desafio para ele? ‘Só o de se superar e passar numa
seleção ainda mais difícil’”. Disponível em: [www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-
livros-de-concursos-publicos]. Acesso em 27.12.2012.
9

.Barreto, Tobias, 1977, pp. 287-9, apud Lopes, José Reinaldo de Lima. O Direito


na História. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 341.
10

.Idem, ibidem.
11

.A afirmação em tela, por óbvio, está eivada de ironia e sarcasmo...


12

.Apenas para evitar mal-entendidos, não ignoro que tal conduta foi abolida do
Código Penal pela  Lei 12.015/2009. Todavia, o exemplo permanece perene,
diante da sua irretocável força simbólica.
13

.Por fim, talvez um dos últimos casos de importante questão trazida pelo
Concurso de n.  54 do Ministério Público de Minas Gerais, em 2017, que, ao
abordar sobre corrupção, indagou a respeito da “teoria” da graxa e o Estado
“Vampiro”: “Questão 09: Sobre a teorização constitucional: I. O fenômeno da
constitucionalização simbólica com a padronização de um simbolismo jurídico
invariavelmente fomenta o surgimento do Estado Vampiro. II. A teoria da graxa
sobre rodas valoriza a corrupção como um aspecto positivo, com a possibilidade
de implemento do crescimento econômico. III. A teoria discursiva do direito procura
equacionar o discurso de fundamentação e o de aplicação do direito, de modo a
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colocar no primeiro o ponto final de equilíbrio do sistema dentro da solução dos


conflitos. IV. A concepção de justiça formatada a partir do véu da ignorância rompe
o vínculo de equidade entre os atores de um discurso jurídico.” Registremos que o
Conselheiro do CNMP, Valter Shuenquener de Araújo, corretamente, concedeu
liminar em 01º de junho de 2017, anulando a referida questão.
14

.Cf. Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, cit.


15

.Cf. Warat, Luis Alberto.  Introdução geral ao Direito I. Porto Alegre: Fabris,
1994, p.  14 e 15;  Introdução geral ao Direito II, cit., p.  71; e  Manifesto do
Surrealismo Jurídico. São Paulo: Acadêmica, 1988, p. 39.
16

.Adaptação de uma análise de Warat, Luis Alberto.  Manifesto do Surrealismo


Jurídico, cit., p. 38, sobre a realidade social e o senso comum.
17

.Cf. Castoriadis, Cornelius.  As Encruzilhadas do Labirinto: ascensão da


insignificância. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, passim.
18

.Como este posfácio possui um espaço reduzido, remeto o leitor à discussão


acerca do surgimento do neopositivismo lógico (também chamado de empirismo
lógico), no início do século XX. Os filósofos – e só depois essa questão chegou ao
direito  – estavam preocupados com a linguagem da ciência. Para eles, a
linguagem ordinária era insuficiente para traduzir o que a ciência queria. A
ambiguidade e a vagueza (vejam como tardiamente os juristas “descobriram” isso)
poderiam obstaculizar os enunciados científicos. Consequentemente, propuseram
a construção de uma linguagem técnica, lógica. A partir da sintaxe e da
semântica – excluindo, portanto, a pragmática –, nasceu o neopositivismo lógico ou
empirismo contemporâneo. Mas, para isso, sugiro a leitura de meu  Hermenêutica
Jurídica e(m) crise, cit., assim como a literatura ali citada, como os textos de Luis
Alberto Warat e Leonel Severo Rocha.
19

.Campo jurídico pode também ser entendido como “imaginário” dos juristas. É o
modo como os jogadores do jogo jurídico se localizam e pensam o jogo a partir do
próprio jogo, cujas regras estão pré-fixadas, assim como o seu modo de
interpretação.
20

.Lembro, aqui, do romance de Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão.


No início da obra, ele fala da pequena localidade de Macondo, onde as coisas
eram tão recentes, tão novas, que, para dirigirmo-nos a elas, tínhamos que apontar

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com o dedo... porque elas ainda não tinham nome! Na literatura brasileira, bem
antes de García Márquez, Graciliano Ramos, em seu famoso Vidas Secas, já fizera
antes um exercício fenomenológico desse jaez, quando do episódio da ida dos dois
filhos de Fabiano à cidade. Lá, eles se deslumbram com tantas coisas que nunca
tinham visto. E dizem: “Provavelmente aquelas coisas tinham nomes.  Sim, com
certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das
lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intricada.  Como podiam os
homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão grande
soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes,
misteriosas”.  Daí a minha pergunta (metafórica): olhando a ainda frágil teoria do
direito de  terrae brasilis  e vendo a complexidade do fenômeno jurídico, quantas
coisas ainda permanecem sem nome? Para quantas coisas os juristas ainda
apenas apontam o dedo? Por exemplo: o jurista pode estar “vendo” as práticas
positivistas, mas pode não estar compreendendo o que elas significam... Por outro
lado, de que adianta ele saber a palavra “positivismo” se não sabe a que essa
palavra se refere no mundo das “coisas”?
21

.Vai aqui uma advertência: quando me refiro ao objetivismo na interpretação ou


ao subjetivismo interpretativo, não estabeleço relações intertemporais com a
clássica dicotomia objetivismo-subjetivismo representado pelo debate que se
estabeleceu a partir do século  XIX acerca da vontade da lei  versus  vontade do
legislador. Nesse sentido, ver Streck, L.L.  Lições de Crítica Hermenêutica do
Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
22

.O que é o método hermenêutico? Para isso, remeto o leitor, mais uma vez, ao
meu  Hermenêutica Jurídica e(m) crise, na Introdução, em que explico essa
“metodologia”. Também o meu Lições de Crítica Hermenêutica do Direito, op. cit.
23

.Streck, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Ver
também meu Dicionário de Hermenêutica. 2. edição. Belo Horizonte, Casa do
Direito, 2020.
24

.Em  As Aventuras de Gulliver, há outras passagens magníficas acerca da


interpretação da lei, para além desta de que trato no ponto específico a seguir.
Valendo lembrar, então, além dessa, a questão principiológica envolvendo o
salvamento da imperatriz levada a cabo por Gulliver. O palácio estava em chamas
e a imperatriz encurralada. Não havia água próxima. Os bombeiros fracassaram.
Gulliver, em ultima  ratio, urinou sobre o palácio e em menos de três minutos
apagou o incêndio. Tempos depois, Gulliver foi acusado por crime de lesa
majestade, por ter infringido a lei que proíbe “verter água” nas proximidades do
palácio real. Gulliver, condenado à morte por inanição (fornecimento de alimentos
reduzido dia a dia), além de pena auxiliar de ter seus olhos cegados, resolve deixar
o país. Qual é a diferença entre a “cega” aplicação da regra (lei)
pelo establishment de Liliput e a condenação de um camponês por estar portando,
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sem autorização, uma espingarda em seu sítio? Qual é a diferença entre a


condenação de Gulliver e a condenação, pelo crime de apropriação indébita, do
cidadão que não devolveu três DVD’s em uma locadora de vídeo de São Paulo?
Recordo, aqui, uma antiga frase de Paulo Bonavides: regras vigem, princípios
valem! Como insisto em dizer em  Verdade e Consenso, princípios são a
enunciação da regra; princípios são o mundo prático que penetra nas fissuras das
regras.
25

.Aqui, permito-me, mais uma vez, remeter o leitor a meu Hermenêutica Jurídica


(e)m crise, em especial o nono capítulo, “A viragem linguística da filosofia e o
rompimento com a metafísica ou de como a linguagem não é uma terceira coisa
que se interpõe entre o sujeito e o objeto”.
26

.DE OLIVEIRA, Manfredo.  Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia


contemporânea. 4. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2015. p. 104.
27

.Veja-se o que Hart dizia sobre o “jogo ao arbítrio do marcador”: HART,


Herbert. O conceito de direito. Trad. Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo:
Martins Fontes, 2009. p. 183-187.
28

.Já tenho escrito muito sobre a “vontade da lei ou vontade da norma”. Trata-se
de um artifício que pode ser chamado de objetivismo interpretativo. Ora, norma só
tem vontade quando for uma senhora que aceite um determinado convite...
29

.Um aluno me perguntou: o que é que o legislador quis dizer aqui? Dei-lhe uma
moeda, sugeri que fosse a um telefone público (na época em que ocorreu o
episódio, não havia celulares) e ligasse para o legislador. Se, por acaso essa figura
mítica chamada “o legislador” já tivesse morrido, a solução é “invocar o seu
espírito” (sic)... Ora, são inúmeros os artifícios retóricos para justificar soluções de
caráter subjetivista. Basta escolher um...! Por isso, precisamos de uma teoria da
decisão. É nesse sentido que construo a Crítica Hermenêutica do Direito.
30

.Observe-se como o Google não é confiável, demonstrando a farsa que é a


“pós-modernidade”. Coloquei “princípio da ponderação” e apareceram quase
15.000 incidências; já a “regra da ponderação” gerou menos de quinhentos
eventos. A maioria vence? Ledo engano. Não acredite na internet. A ponderação –
essa “pedra filosofal da hermenêutica” fake –, na sua versão alemã (Alexy), é uma
“regra” produzida depois de um procedimento. Portanto, não bastassem os
problemas acarretados pelo uso indiscriminado dessa “fórmula mágica”, ainda nos
deparamos com o fenômeno da multiplicação equivocada do conceito via redes

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sociais. Sobre a crítica à ponderação, ver meu  Verdade e Consenso, passim;


também o presente livro de Georges, Henrique e Rafael trata da matéria.
31

.GADAMER, Hans-Georg.  Wahrheit und Methode: Grundzüge einer


philosophischen Hermeneutik. Mohr Siebeck Tübingen, 2010, p. 478.
32

.Aqui calha uma advertência. É um equívoco pensar que a subsunção “acabou”


ou que o exegetismo não mais vigora... Todos os dias somos brindados com
decisões “subsuntivas”. Observe-se que mesmo aqueles juristas/doutrinadores que
dizem que o positivismo exegético morreu, ao mesmo tempo defendem a
subsunção para os “casos simples-fáceis”. Trata-se de uma contradição insolúvel.
Quem sustenta a subsunção é, efetivamente, um positivista exegético (ou um
“meio-positivista”, se fosse possível esse corte epistemo-caricatural). Quem se
recusa a aplicar a jurisdição constitucional para resolver, por exemplo, casos
envolvendo a aplicação de princípios como da insignificância (casos de furto,
apropriação indébita, estelionato), da presunção da inocência (crimes de porte
ilegal de arma desmuniciada ou em lugar ermo), não escapa da velha questão
positivista da equiparação (lei = direito) entre texto e norma. Mas o pior de tudo é
que os positivistas desse jaez só o são em alguns casos; em outros, quando o
pragmaticismo assim exigir, transformam-se em positivistas-voluntaristas, com
filiações implícitas na velha jurisprudência dos interesses ou na jurisprudência dos
valores. Um singelo exemplo confirma essa minha advertência: para não aplicar a
pena abaixo do mínimo, o STJ se apega à “letra da lei”; já no caso da aplicação do
art.  212  do  CPP, a “letra da lei” nada vale. Entretanto, veja-se o  Habeas
Corpus 102.472, do STF, em que está assentada a literalidade do art.  112 da 
LEP. No julgamento do STJ,  ACO 1295 AgRg-segundo/SP (Pleno, j.  14.10.2010,
rel. Min. Dia Toffoli, DJe 02.12.2010), ficou acertado que “a literalidade do art. 102,
I, ‘f’, da Constituição não indica os municípios no rol de entes federativos aptos a
desencadear o exercício da jurisdição originária deste Tribunal. Mas para decidir o
caso da união estável homoafetiva, o STF ignora totalmente os limites semânticos
das palavras “homem” e “mulher”. Tudo “muito interessante”, mormente se
lembrarmos que o artigo 111 do Código Tributário Nacional, pelo qual “Interpreta-se
literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I – suspensão ou exclusão
do crédito tributário; II  – outorga de isenção; III  – dispensa do cumprimento de
obrigações tributárias acessórias.”, continua a ser aplicado cotidianamente, mesmo
que represente a mais bizarra reprodução do positivismo primevo do século XIX. E
quem o defende? Os mesmos juristas que, em outras ocasiões, sustentam que “a
letra da lei é apenas a ponta do iceberg”...! O restante das “questões tributárias”,
como são interpretadas? Não literalmente? Para além da literalidade? E o que
dizer da não menos bizarra previsão do art. 108, que estabelece que, na ausência
de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação
tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I  – a analogia; II  – os
princípios gerais de direito tributário; III  – os princípios gerais de direito público;
IV  – a equidade. De que princípios gerais se está tratando? O que a teoria do
direito tem a dizer a respeito? São, enfim, sintomas dos tempos de sincretismo
teorético que vivemos.
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33

.Ver meu recente livro sobre  Precedentes.  Streck, Lenio Luiz.  Precedentes
judiciais e hermenêutica:  o sentido da vinculação no  CPC/15. Salvador:
JusPodivm, 2018.
34

.GADAMER, Hans-Georg.  Wahrheit und Methode: Grundzüge einer


philosophischen Hermeneutik. Mohr Siebeck Tübingen, 2010, p. 368.
35

.So ist die ständige Aufgabe des Verstehen,  die rechten, sachangemessesen
Entwürfe auszuarbeiten, das heist Vorwegnahmen, die sich ,an den Sachena erst
bestätigen sollen, zu wagen.  Cf. Gadamer, Hans-Georg.  Wahrheit und
Methode. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1972, p. 60.
36

.Parcela da comunidade jurídica continua atrelada à concepção ontológica


clássica-essencialista. Os juristas não conseguem pensar sem as “ontologias”.
Para isso, necessitam objetivar, transformando os conceitos jurídicos em “sentidos
ontológicos”. Assim, “coisa julgada” parece ser algo “enorme”, “forte” ... Por isso a
importância dada à natureza jurídica dos institutos. No direito penal ainda se fala
em “conceito ontológico de delito” ... A verdade real no processo penal buscaria a
essência das coisas...
37

.Ver o meu Lições de Crítica Hermenêutica do Direito, Op. cit.


38

.A partir de Gadamer, não há cisão entre interpretar e aplicar. Quando


interpreto  – porque antes compreendo  – estou já sempre aplicando. Não
interpreto in abstrato. De uns tempos para cá, tornou-se lugar comum repetir essa
máxima de Gadamer: interpretar é aplicar. Só que parcela considerável dos juristas
que assim procede continua incorrendo no dualismo que Gadamer superou.
Quando ele faz a crítica as três  subtilitates  (subtilitas
intelligendi,  explicandi  e  applicandi, mostrando que nós sempre estamos
na  applicatio), ele está afirmando que quando interpreto, já está comigo o caso.
Não há conceito e caso. Não há essa separação. Portanto, não adianta dizer que
interpretar é aplicar se cai no dualismo, como se pode perceber em parcela da
dogmática jurídica (até mesmo na crítica do direito isso aparece). No
livro Hermenêutica Jurídica procuro explicar isso, no pós-posfácio.
39

.Aqui sugiro uma parada ao leitor, remetendo-o para a leitura das páginas 554 e
ss. do meu Verdade e Consenso, assim como do capítulo específico da presente
obra de Abboud, Garbeline e Oliveira.

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40

.Muitos autores, a partir de um indevido sincretismo, buscam colocar o círculo


hermenêutico para explicar os diversos modos de interpretar (por todos, Jane Reis
Gonçalves, em Interpretação constitucional e direitos fundamentais e Ana Paula de
Barcellos, em  Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional). É preciso
entender que o círculo hermenêutico, um dos dois teoremas fundamentais da
ontologia fundamental juntamente com a diferença ontológica, afasta qualquer
possibilidade teóretica que guarde relação com o esquema sujeito-objeto (por
exemplo, o método ponderativo não se coaduna com a perspectiva
antimetodológica de Gadamer). Mais ainda, na medida em que Gadamer rejeita
qualquer possibilidade de subsunção  – exatamente pela introdução do círculo
hermenêutico  –, não é possível sustentar que casos simples se resolvam desse
modo. Portanto, quem defende qualquer modalidade subsuntiva (mesmo que
“reservada” para os casos fáceis) ou discricionariedades, está longe do círculo
hermenêutico de que falam Heidegger e Gadamer. Nesse sentido, ver Verdade e
Consenso, op. cit.
41

.Cf. Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise, op. cit., passim.


42

.O que é isto  – o esquema sujeito-objeto? Tentemos entender isso a partir da


crítica ao empreendimento fundacional da “filosofia reflexiva” (filosofia da
consciência), que tem em Descartes o seu expoente paradigmático. Critica-se,
assim, a “certeza de si do pensamento pensante” (Selbstgewissheit des denkenden
Denken), para usar uma expressão de Gadamer. Heidegger, em  Ser e Tempo,
supera tanto o esquema tradicional (filosofia clássica), como a filosofia da
consciência. E qual é ponto central da filosofia da consciência? A relação sujeito-
objeto quer dizer um sujeito observador que se situa frente a um mundo, frente
ao(s) objeto(s). Daí porque a palavra “objeto”, em alemão, ajuda a explicar esse
esquema: “Gegen-stand”, o que está contra ou em frente a nós. Por isso os
adeptos das teorias do conhecimento falam em “sujeito cognoscente” e “objeto
cognoscível”. A hermenêutica supera isso. O objeto não está “separado” do sujeito.
Tampouco está à disposição (Ge-stell) do sujeito. Assim, enquanto no paradigma
epistemológico da filosofia da consciência o sujeito está frente ao mundo, a partir
da hermenêutica filosófica há um  Dasein  situado em um mundo estruturado
simbolicamente. E, atenção: sujeito e objeto não coincidem com Dasein e mundo.
43

.Tugendhat, Ernest.  Autoconciencia y autodeterminación: Una interpretación


lingüístico-analítica. Madrid: FCE, 1993, p. 129-191.
44

.Heidegger, Martin. Ser e Verdade. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis:


Vozes, 2007, p. 51 e ss.
45

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.Oliveira, Manfredo Araújo. Apresentação: direito, democracia e racionalidade


procedimental. In: Maus, Ingeborg.  O direito e a política: teoria da democracia.
Trad. de Elisete Antoniuk. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. V-VI.
46

.Cf. Zore, Franci.  Hermes and Dike: The Understanding and Goal of Platonic
Philosophizing.  Synthesis Philosophica, Aškerceva: University of Ljubljana, n.  46,
fev. 2008, passim.
47

.Refiro-me, aqui, do objetivismo filosófico. Não se trata, à evidência, da


discussão das dicotomias “subjetivismo-objetivismo” (vontade do legislador-
vontade da lei), embora, com muito cuidado, dependendo do rumo da discussão,
isso possa ser feito, se pensarmos, por exemplo, que a “vontade da lei” funciona
como uma estrutura que “assujeita o intérprete”, a exemplo do “mito do dado”.
48

.Atenção: Kelsen não incentivou o voluntarismo. Na verdade, Kelsen, no plano


de sua Teoria Pura do Direito, buscava uma ciência neutra. Esse cientista faria
uma interpretação neutral, a partir de um “ato de conhecimento”. Como ele tinha
convicção de que a aplicação do direito, nas práticas judiciárias, era um problema
de “política jurídica”, disse, no Oitavo Capítulo de sua TPD, que os juízes faziam
um “ato de vontade”. Pronto. Foi o suficiente para lançar a comunidade jurídica no
maior equívoco do século XX.
49

.Nesse sentido, ver Streck, Lenio Luiz, Verdade e Consenso, cit., Introdução à


Quinta Edição.
50

.Sobre o conceito de sistema nesse ambiente teórico Cf. Losano,


Mario. Sistema e Estrutura no Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. I e II,
passim.
51

.Cf. Müller, Friedrich.  Juristische Methodik.  7.  ed. Berlin: Duncker & Humblot,
1997, passim.
52

.Remeto o leitor ao meu  Dicionário de hermenêutica  cit., passim, verbetes


“positivismo” e “pós-positivismo”.
53

.Habermas, Jürgen. A Inclusão do outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 355 e ss.
54

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.Maus, Ingeborg. Judiciário como Superego da Sociedade: o papel da atividade


jurisprudencial na “sociedade órfã”. Novos Estudos CEBRAP. n.  58. p.  183. São
Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 2000. Em suas palavras: “A
eliminação de discussões e procedimentos no processo de construção política do
consenso [...], é alcançada por meio da centralização da ‘consciência’ social na
Justiça. [...] Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta
instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle
social” (p. 186-187).
55

.Ver Verbete Valores, in Dicionário de Hermenêutica, op. cit.


56

.Cf. Streck, Lenio Luiz. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista?  Revista
Novos Estudos Jurídicos. vol.  15. n.  1. jan.-abr. 2010, p.  158-173. Disponível em:
[http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/2308]. Acesso em
27.12.2012.
57

.O art.  212, alterado em 2008, passou a conter a determinação de que “as


perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não
admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com
a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.” No parágrafo único
fica claro que “sobre pontos não esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar
a inquirição”.
58

.Cf. Nucci, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 11. ed.


São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 479/480 (grifei).
59

.Cf. Gomes, Luís Flávio; Cunha, Rogério Sanches; Pinto, Ronaldo


Batista.  Comentários às Reformas do Código de Processo Penal e da Lei de
Trânsito. São Paulo: Ed. RT, 2008, p. 302.
60

.Nesse particular, remeto o leitor para o item 10.3.4 do livro de Georges,


Henrique e Rafael.
61

.Sobre os vários tipos de positivismo, remeto o leitor ao verbete respectivo no


meu: STRECK, Lenio Luiz.  Dicionário de hermenêutica: quarenta temas
fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do direito. Belo
Horizonte: Casa do Direito, 2017.

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Ainda, remeto à edição de 2013 do meu  Hermenêutica jurídica e(m) crise,


Op.  cit., em que explicito essa temática amiúde. Também o meu  Jurisdição
constitucional e decisão jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2013, em especial os
capítulos 5 e 6.
62

.Necessário lembrar que o Código de Processo Civil de 2015 aboliu o livre


convencimento, rompendo com a estrutura subjetivista existente até então, como
se pode ver da redação do artigo 371. Essa retirada da palavra “livre” se deu por
direta interferência minha junto ao Relator do Código, o Deputado Paulo Teixeira.
Lamentavelmente, ainda há doutrinadores que defendem,  contra legem,  a
permanência desse elemento solipsista no ordenamento. Também os Tribunais da
República, incluindo o STF, ainda lançam mão desse retrógrado instituto. Nesse
sentido, ver meu comentário ao artigo  371 do  CPC, na obra Comentários ao
CPC, da Editora Saraiva, 2017, que coordenei juntamente com Dierle Nunes e
Leonardo Carneiro da Cunha. De modo que todas as referências no decorrer deste
texto ao malsinado “livre convencimento” ou à “livre apreciação da prova” devem
pagar pedágio a essa alteração legislativa.
63

.Cf. Sarmento, Daniel. Interpretação Constitucional, Pré-Compreensão e


Capacidades Institucionais do Intérprete. In: ______; Souza Neto, Cláudio Pereira
de; Binenjoim, Gustavo.  Vinte Anos da Constituição Federal de 1988. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 311 e ss.
64

.Idem, ibidem.
65

.Nesse sentido, afirma o próprio Habermas: “sem a intersubjetividade da


compreensão não há a objetividade do conhecimento” (Ohne Intersubjektivität des
Verstehens keine Objektivität des Wissens). HABERMAS, Jürgen.  Freiheit und
Determinismus. In: Deutsche Zeitschrift für Philosophie 52 (6): 2004, S. 871-890.
66

.GADAMER, Hans-Georg.  Wahrheit und Methode: Grundzüge einer


philosophischen Hermeneutik. Mohr Siebeck Tübingen, 2010, p. 494.
67

.Um importante autor positivista, Gregorio Peces-Barba Martinez, deixa clara


essa fundamental característica do positivismo, ao afirmar que o positivismo, hoje,
detecta-se porque coincide que detrás de toda norma, princípio ou regra, existe
sempre uma vontade, o que supõe afirmar a relação necessária entre Direito e
poder; porque a moralidade pública, que é componente necessário do fenômeno
jurídico, não é diretamente Direito por ser moralidade, senão porque se incorpora
ao sistema jurídico por vias estabelecidas pelos operadores habilitados pelo

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Direito. Dessa forma, frente à tese da resposta correta, o positivismo se identifica


pela pluralidade de respostas possíveis para os casos difíceis, graças à tese do
poder discricionário dos juízes. In: Derechos sociales y positivismo jurídico. Madrid:
Dickinson, 1999, p. 88.
68

.No Brasil, além de Sarmento, podem ser elencados Luís Roberto Barroso e
Ana Paula de Barcellos.
69

.Cf. Alexy, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Luis Virgilio A. Silva.


São Paulo: Malheiros, 2008, p. 611.
70

.Ver, para tanto, Kaufmann, Arthur. Introdução à filosofia do Direito e à Teoria do


Direito Contemporâneas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 154 e ss.
71

.Isso está demonstrado em  Verdade e Consenso, cit., especialmente no


Posfácio.
72

.Em vários textos e livros afirmo e reafirmo minhas críticas ao


“neoconstitucionalismo”. Nos primeiros anos cheguei a utilizar o termo
“neoconstitucionalismo”, porém sempre com a especificação de que não se tratava
de um conceito ou postura que admitia ponderações e dicotomias ingênuas como
“juiz boca da lei  – juiz dos princípios”. Logo depois, face à proliferação dessas
temáticas, fiz a ruptura com o termo “neoconstitucionalismo”, passando a utilizar
Constitucionalismo Contemporâneo. Obviamente que se trata de um conceito
antitético ao que propalam as posturas neoconstitucionalistas. Em  Verdade e
Consenso  deixo isso bem claro. Há um texto seminal sobre o tema, que intitulei
“Eis porque abandonei o neoconstitucionalismo”, publicado na Revista Consultor
Jurídico, edição de 13.03.2014.
73

.Cf. Streck, Lenio Luiz. Posfácio: diálogos (neo)constitucionais. In: Duarte, Écio
Oto Ramos; Pozzolo, Susanna.  Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: as
faces da teoria do direito em tempos de interpretação moral da constituição. 3. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
74

.Sobre o tema ver: Sanchís, Luis Prieto.  Justicia Constitucional y Derechos


Fundamentales. Madrid: Trotta; 2003, p. 101.
75

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.Aqui outra parada se faz indispensável, para que o leitor vá até a Introdução de
meu Verdade e Consenso e compreenda essa problemática amiúde.
76

.Refiro que, se em um primeiro momento apoiei a tese “neoconstitucionalista”,


em um segundo momento, ao constatar a sua inexorável filiação às posturas
voluntaristas (em especial a jurisprudência da valoração), passei a colocá-la entre
parênteses ou entre aspas, a partir da ressalva “entendido como o
constitucionalismo compromissório do segundo pós-guerra” e “longe de ativismos e
práticas discricionárias”. Finalmente, a partir da 4.ª edição de Verdade e consenso,
definitivamente abandonei a tese.
77

.Alexy pode ser considerado um neoconstitucionalista, a exemplo de


considerável parcela dos constitucionalistas brasileiros, que apostam, como Alexy,
na tese de que princípios são valores (na verdade, buscam equiparar o conteúdo
deontológico dos princípios ao conteúdo axiológico dos valores). Nesse universo, a
teoria da argumentação jurídica funciona como uma tentativa de racionalizar o
“ingresso dos valores” no direito. Não esqueçamos que, em Alexy, a moral pode se
constituir em um veto ao direito (cf. Alexy, Robert.  Teoría de la argumentación
jurídica: la teoría del discurso racional como teoría de la fundamentación jurídica.
Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, p.  38 e ss.; García Figueroa,
Alfonso. La tesis del caso especial y el positivismo jurídico. Revista Doxa, Alicante,
n.  22, 1999, p.  209-210; e Cattoni De Oliveira, Marcelo de Andrade.  Direito
processual constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p.  156).  Mutatis
mutandis, trata-se de um positivismo inclusivo (bemora Alexy se considere um não
positivista inclusivo). Isso também pode ser visto nas teses recentemente
denominadas “neoprocessualistas”, que nada mais fazem do que trazer para o
campo processual as teses “principialistas-axiologistas”, não se dando conta de
que a superação do positivismo exegético já fora feita por um outro positivismo,
que, para resolver os problemas sintáticos, apostou no  semantic sense  e cujo
corifeu é Hans Kelsen.
78

.De fato, Alexy não identifica o seu modelo como uma “jurisprudência dos
valores”, embora não seja esta a questão central da “incorporação” de Alexy pelo
neoconstitucionalismo. Despiciendo lembrar que Alexy procura depurar
(racionalizar) a jurisprudência dos valores dominante até hoje no Tribunal
Constitucional Alemão. Para ele, a  Wertungsjuriprudenz  é irracional. E essa
racionalização é feita, segundo ele, por meio de padrões analítico-conceituais
ainda signatários da tradição da “jurisprudência dos conceitos” alemã. Pode-se
dizer, assim, que Alexy tem um pé na Jurisprudência dos Conceitos, o que se pode
perceber pela produção da regra da ponderação, que é aplicada, ao final, por
subsunção. Lembremos, no entanto, que a jurisprudência dos conceitos foi o
modelo alemão similar à exegese francesa: enquanto na França o direito era feito
pelos legisladores, na Alemanha foi feita por professores. Se na França o
exegetismo da legislação foi o berço do positivismo primitivo (legalista), na
Alemanha floresceu o chamado formalismo conceitual que se encontra na raiz da
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chamada jurisprudência dos conceitos (Begriffjurisprudenz). O problema, portanto,


está na tese de que a Constituição é uma ordem concreta de valores nos “efeitos
colaterais” de uma racionalização que envolve a ponderação destes valores (sem
contar as incontáveis leituras equivocadas que foram feitas no Brasil).
79

.É possível dizer que, no Brasil, não há sequer “teoria da argumentação”. Há,


tão somente, os traços analíticos de uma teoria dos princípios, sem o controle  –
bem ou mal – exercido pelas regras de argumentação.
80

.No Brasil, veja-se interessante crítica feita por Dimitri Dimoulis


(Neoconstitucionalismo e moralismo jurídico. In: Sarmento, Daniel.  Filosofia e
Teoria Constitucional Contemporânea. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 213-
225) ao conceito de neoconstitucionalismo assumido por Luis Roberto Barroso.
81

.Cf. Barroso, Luís Roberto. Novos paradigmas e categorias da interpretação


constitucional. In: Fernandes, Bernardo Gonçalves.  Interpretação Constitucional:
reflexões sobre (a nova) hermenêutica. Salvador: Podivm, 2010, p. 189.
82

.Sobre a “saturação” dos argumentos interpretativos e dogmáticos (doutrina),


ver Alexy, Robert. Teoria da argumentação jurídica. São Paulo: Landy, 2005, p. 241
e 263.
83

.Cf. Ávila, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2003.


84

.Quanto ao que foi dito, ver, por todos, Barroso, Luis Roberto; Barcellos, Ana
Paula de. O começo da História: a Nova Interpretação Constitucional e o papel dos
Princípios no Direito Brasileiro. In: Silva, Virgílio Afonso da (Org.).  Interpretação
Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 277-279. Acrescente-se que a tese
da ponderação de regras sofre pesadas críticas de seguidores das teses alexyanas
no Brasil, como é o caso de Virgílio Afonso da Silva (Direitos fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 2009, p.  52), para quem não é possível a ponderação de regras.
Para ele, o que haveria é impossibilidade de que tanto a regra A, quanto a regra B,
fossem otimizadoras de princípios em conflito, o que geraria uma regra C como
uma regra otimizadora. Portanto, a ponderação não se deu entre as regras A e B,
mas entre os princípios conflitantes que impediram a aplicação de A e B e
mandamentou a otimização por meio de C.
85

.Isso pode ser visto na jurisprudência do STF sobre se o (suposto) pai em uma
ação de investigação de paternidade pode ou não ser obrigado a fazer o exame de

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DNA. Valendo-se da ponderação e do (estandardizado) princípio da dignidade da


pessoa humana, tudo depende “sobre quem” fazer recair este “princípio”. Se o
princípio for sopesado (sic) em favor do (suposto) pai (e sua integridade física), diz-
se que não é possível obrigá-lo a fazer o exame; se for sopesado (sic) em favor do
(suposto) filho, aí a decisão é diametralmente oposta (afinal, a “dignidade da
pessoa humana” implica o respeito ao direito à filiação). O mesmo ocorreu quando
o STF julgou o HC 82.424, os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, ambos se
valendo da jurisprudência dos valores, chegaram a resultados diametralmente
opostos.
86

.Disso não se segue, obviamente, que esse “real” admite arbítrios, sob pena de
acabarmos recorrendo a um relativismo linguístico. As palavras precisam
conservar seus sentidos mínimos e precisamos levar a linguagem a sério, pois,
como já disse, Hölderlin, trata-se do bem mais precioso e poderoso que foi dado ao
homem. E se alguém duvida disso, sugiro que assista a palestra de Gadamer,
chamada Die Vielfalt der Sprachen und das Verstehen der Welt. Gadamer retoma a
história bíblica da Torre de Babel, mostrando que as pessoas buscavam construir
uma torre para chegar ao céu. Deus não gostou daquilo e usou como método de
punição a retirada da linguagem dos homens. Sem a linguagem as pessoas não
conseguiram mais se comunicar. E o projeto ruiu. A história da Bíblia serve de
alerta: devemos levar a linguagem a sério, sob pena de ruirmos enquanto
sociedade.

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Índice Alfabético-Remissivo

Abandono da discussão – Método: 10.1.1.2.4

Absolutismo: 3.10

Abstenção: 2.4.3

Ação divina

– Arbitrariedade: 2.2.2

Ação social: 3.3.4

Acontecimento da Sociologia: 3.3.2

Acontecimento milagroso

– Natureza: 3.2.4

Adaptabilidade: 8.9

Alterabilidade: 4.2.3

Alteração constitucional: 8.1.1

Alteração legislativa: 8.1.1

Ambiente constitutivo

– Aplicabilidade do direito: 7.4

Ambiente de neutralidade

– Direito: 1.2

Análise do fenômeno jurídico: 2.4, 10.1.1.2.1

Análise sociológica – Fenômeno estatal: 10.1.1.2.1

Animismo: 2.2.1

Anomia: 3.3.3

Antagonismo: 3.14.1

Anticivilizatório: 3.12.1

Antinomias jurídicas

– Critérios: 9.1

Antinomias jurídicas: 9.7.3

Antropologia: 1.2

Antropologia jurídica

– História do direito: 3.3.2.2


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Aparecimento da sociologia: 3.14.2

Aparência de normalidade: 10.1.1.2.4

Apátridas: 3.12

– Agrupamentos humanos: 3.12

– Desnacionalização dos judeus: 3.12

Aplicação do direito: 9.1; 10.1.1.2

Apreciação judicial de casos: 10.1

Aprendizagem jurídica

– Prática profissional: 3.3.4

Apresentação sistemática

– Teoria demográfica: 3.3.2

Arbitrariedade

– Ação divina: 2.2.2

Arbitrariedade: 8

Argumentação moral: 2.4.3

Argumentações extrajurídicas: 2.4.2

Associal integrado: 3.15.5

– Crítica de ideologia: 3.15.5

Atitude sancionadora: 3.3.3

Atividade de cognição

– Organização: 10.1

Ativismo: 10.1.1.6

Ativismo judicial norte-americano: 10.1.1.6

Ato legislativo e ato normativo

– Diferença: 8.5

Ato legislativo e ato normativo

– Semelhança: 8.5

Ato normativo

– Poder Público: 8.6.4.1.3

Ato silogístico: 9.7.3

Atuação jurisprudencial

– Flexibilidade: 8.6.4.3

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Autointegração

– Colmatação das lacunas: 9.4

Autonomia da sociologia jurídica: 3.3.2

Autonomia individual

– Liberdade: 2.3

Autoridade: 3.1; 3.10

Autoridade autorizante: 3.10

Autoridade autorizada: 3.10

Autoridade jurídica competente: 9.1

Autoridade pública

– Burocracia do Estado: 8.3.2

Autoritarismo: 3.10

Banimento: 2.2.4

Biopoder: 3.11; 3.15

Biopolítica: 3.11; 3.15

Capacidade científica do direito: 3.1

Capacidade de mentalidade: 2.2.3

Capacidade jurídica

– Atos intencionais: 8.3.1

Caráter autocrático

– Povos primitivos: 2.2.1

Caráter institucional

– Direito: 2.4.1

Caridade: 2.1

Cartas de direito

– Normas: 2.4.3

Cega emotividade (blind passioneteness): 1.2

Cidadania: 3.12

Cidadania original – Perda: 3.12

Ciência

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– Conceito Elementar: 4.1

Ciência dogmática do direito: 10.4

Ciência social

– Fenômeno social: 1.2

Ciência sociológica: 3.3.1

Cinismo individual: 3.15.5

Cinismo universal: 3.15.5

– Metodologia comteana: 3.3.1

Circulação de bens e serviços

– Mercados: 2.2.3

Circularidade da filosofia: 4.1.3

Civil law

– Características: 8.1

– Conceito: 8.1

Civilização: 2.2

Civilização tecnológica: 1.2

Claridade intelectual: 2.4.1

Cláusulas gerais: 8.5.1.3, 8.5.3

Codificação napoleônica

– Raciocínio jurídico: 6.3.3

Codificação – Poder Legislativo: 10.1.1.1.2

Códigos de éticas: 5.2.2

Cognitivismo ético: 5.3.2.1

Colisão normativa: 10.1.1.5

Common law

– Características: 8.1

– Lei – Fonte de direito: 8.1.1

Commonlização: 8.1.1

Componente emocional

– Predominância: 2.2.1

Comportamento das pessoas

– Código imposto: 5.2.2

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Comportamento efetivo

– Pessoas diante dos códigos: 5.4

Comportamento humano: 4.1.2

Composição metodológica

– Princípio geral do direito: 8.5.1.3

Comunhão da vida: 5.1

Comunidade primitiva: 2.2.1; 2.2.2; 2.2.4

Comunidades gentílicas: 2.2.4

Conceito de norma: 9.7.3

Conceito de princípio: 10.3.1

Conceito etnológico do direito

– Comunidades gentílicas: 2.2.4

Conceito positivista

– Norma: 9.7

Conceitos jurídicos indeterminados: 8.5.1.3

Conceitos tradicionais da metodologia

– Desmistificação: 10.4

Conceitualismo dedutivista: 10.1.1.1

Concepção de justiça: 6.3.4

Concepção dogmática do direito: 3.14.1.1

Concepção subsuntiva: 9.7.3

Concreção substancial

– Decisão: 5.3.2.1

Condição da visão do agente: 2.4.3

Condição precária

– Proteção legal: 3.12

Condicionantes históricos da codificação: 3.3.4

Conduta espontânea: 5.1

Conduta humana

– Conduta jurídica: 3.1

Conduta moral: 5.2.2

Conduta regular

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– Vida em sociedade: 2.4.3

Conduta social: 3.1

Conflito

– Ética e o código: 5.2.2

Conflitos sociais: 3.13

Conflituosidade da sociedade: 10.1.1.6

Confluência entre os sistemas: 8.1.1

Conhecimento científico: 4.1.2

Conhecimento dogmático: 4.1.2

Conhecimento filosófico: 4.1.3

Conhecimentos conglobantes

– Direito: 1.2

Conjunto de normas

– Direito: 1.2

Conjunto de regras normativas: 8.1

Conotação valorativa: 3.3.4

Consciência: 4.1

Consenso moral: 5.2.2

Consenso original

– Princípios de justiça: 6.3.4

Consequencialismo episódico: 5.2.3

Constitucionalismo: 8.2

Constitucionalismo

– Evolução: 8.2

Constitucionalismo

– Fenômeno: 8

Constitucionalismo

– Movimento político-jurídico: 8.2

– Revisão: 8.3

Constitucionalismo Contemporâneo: 10.4

Constitucionalismo inglês

– Poder absoluto do povo: 8.3.2.1

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Constitucionalismo moderno: 9.2

Constitucionalismo principialista

– Conceito: 5.3.2.1

Constituição de Weimar

– Dimensão democrática: 8.4.1

Construção da democracia: 8

Construção positivista: 9.5

Construtivismo de Ronald Dworkin: 10.3.3.1

Contato físico

– Rompimento: 2.2.2

Contemporaneidade: 7.1.3

Contexto conteudístico

– Justificação: 10.4

Contorno material da justiça: 6.3.3

Controle abstrato de constitucionalidade: 8.2

Controle de constitucionalidade

– Função: 8.2

Convergência semântica: 2.1

Convicções ponderadas: 6.3.4

Convivência pacífica

– Diversas culturas: 5.3.2.1

Convivência social

– Direito: 1

– Moral: 5.1

Convívio com seus semelhantes

– Homens: 1

Convívio em sociedade

– Ética: 5.2.2

Convívio humano: 2.3

Cooperação: 2.4.3

– Noção: 6.3.4

– Sociedades primitivas: 2.2.3

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Cooperação entre os indivíduos: 3.3.3

Cooperação social: 2.4.2

Cooriginariedade

– Direito e moral: 5.3.2.1

– Intersecção – Direito e moral: 5.3.2

Corte indutivista: 10.1.1

Cosmologia: 7.1

Costume: 5.2.1; 8.9

Cotidiano social: 4.1.1

Crença em seres sobre-humanos: 2.2.1

Crença mágica primitiva: 2.2.2

Criação gnoseológica

– Kelsen: 9.1

Critério cronológico: 9.4

Critérios de valoração: 5.3.1.3

Danos corporais: 2.2.3

Decidibilidade: 4.2.3

Decisão arbitral: 2.4.3

Decisão estritamente jurisdicional: 8.7

Decisão política fundamental: 3.10

Decisionismo: 8

Decisões dos magistrados

– Atuação: 8.1.1

Declarações de direitos: 3.12

Definição Etimológica: 2

Democracia

– Risco: 5.3.2

Demonstração racional: 4.1

Deônticos

– Mandamento: 5.3.1.3

– Permissão: 5.3.1.3

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– Proibição: 5.3.1.3

Desdogmatização técnica: 3.3.4

Desejo

– Elementos motivacionais: 3.2.1.1

Desenvolvimento do capitalismo: 3.3.4

Desenvolvimento do direito – Potencial emancipatório: 3.1

Desenvolvimento espiritual humano: 3.2.1.1

Desenvolvimento intelectual

– Gênero humano: 3.2.1

Desenvolvimento humano

– Estágios: 3.2

Desenvolvimento mental

– Sociedades primitivas: 2.2.3

Desenvolvimento intelectual: 3.2.1

– Gênero humano: 3.2.1

Desmagificação das vias: 3.3.4

– Racionalismo prático: 3.3.4

– Desnacionalização dos judeus: 3.12

Despatriamento: 3.12

Desregulamentação

– Plano da sociedade: 9.4

Deseticização: 3.3.4

Deusa Minerva

– Influência: 2.1

Deusa romana

– Iustitia: 2.1

Deveres sociais

– Indivíduos: 2.2.2

Dever-ser da legislatura: 5.3.2.3

Devido processo legal

– Princípio constitucional: 8.2

Dialetos: 2.1

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Dicotomia

– Direito romano: 8.3

Dicotomia

– Norma entre regras e princípios: 9.6

Dicotomia entre jusnaturalismo e juspositivismo: 7.3

Dignidade da pessoa humana: 3.12.1

Dignidade humana

– Novos perigos: 8.2

Dilemas teóricos: 2.4.1

Diletantismo intelectual: 4.1.3

Dimensão axiológica: 10.1.1

Dimensão do vazio: 3.14.5

Dimensão espiritual: 10.1.1

Dimensão normativa: 3.3.2.2

Dimensão principiológica do direito: 8.10

Dinâmica jurídica: 9.1

Direito

– Ciência social: 3.15 Fenômeno social: 3.1, 3.13, 3.15

Direito

– Conceito: 1

– Conhecimentos conglobantes: 1.2

– Conjunto de normas: 1.2

– Convivência social: 1

– Dimensão filosófica: 5

– Encadeamento multilateral: 3.1 Etimologia: 1.2

– Função: 1

– Função: 3.1

– Inclinações filosóficas: 1

– Inclinações sociológicas: 1

– Inclinações teóricas: 1

– Justiça: 6

– Línguas românicas: 2.1

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– Meio social – Relações: 3.1 Moral: 5

– Necessidade fundada – Raça: 1.2

– Noção conglobante: 1.2

– Projeção das relações humanas: 3.1

– Regulação social: 3.1

– Regulamento das relações humanas: 1, 3.1

– Relações humanas: 3.15

– Símbolo: 2.1

– Sociologia: 3.2

– Variedade de significados: 1

Direito como integridade: 10.3.3

Direito consuetudinário: 8.1

Direito de restituição: 3.3.3

Direito e moral

– Complementariedade: 5.3.1.3

Direito e moral

– Interconexão: 5.3.1.5

– Vinculação: 5.3.2

Direito e poder: 3.13

Direito e violência: 3.10

– Legitimidade: 3.10

Direito escrito

– Formação: 8.1

Direito e sociologia: 3.2

– Augusto Comte: 3.2.1

– Fenômenos sociais: 3.2.1

– Relações intersubjetivas: 3.2.1

Direito heterônomo: 5

Direito inglês

– Romanista: 8.1.1

Direito injusto: 5.3.1.3

Direito natural: 7.1

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Direito natural

– Concepções: 7.1

Direito natural

– Doutrina: 7.1

Direito natural axiologista: 7.1.3

Direito natural clássico: 7.1

Direito natural medieval: 7.1

Direito natural moderno (racionalista): 7.1

Direito obrigacional de crédito: 2.2.4

Direito obrigacional de débito: 2.2.4

Direito pagão: 2.1

Direito positivo: 7.1

Direito privado – Método: 10.1.1.1

Direito público e direito privado

– Distinção: 8.3

Direito repressivo: 3.3.3

Direito restitutivo: 3.3.3

Direito de restituição: 3.3.2

Direito repressivo: 3.3.2

Direito romano: 8.1

Direito subjetivo: 8.3.1

Direito tout court: 4.1.3

Direitos do Homem: 3.12

Direitos fundamentais

– Constituição Federal: 8.3.2.2

– Preservação: 8.3.2.2

– Função: 8.3.2

– Conceito: 8.3.2

– Pluralidade: 8.2

Direitos fundamentais de primeira dimensão: 8.3.2.1

Direitos fundamentais do cidadão: 8

Direitos sociais

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– Pluralidade: 8.2

Digressão – Nazismo: 10.1.1.2.4.2

Discricionariedade: 8.5.3

Discricionariedade delegada: 7.2

Discricionariedade interpretativa: 8

Discricionarismo

– Blindagem: 5.3.2

Discurso prático

– Impedimento: 5.3.1.3

Discurso prático

– Restrição: 5.3.1.3

Discursos de verdade: 4.1.1

Displaced persons: 3.12

Dispositivo: 9.6

Dissemelhança: 3.3.3

Distinção “eu” do “tu”: 2.2.1

Distribuição de poder: 3.10

Dogmação legal: 3.10

Dogmação tradicional: 3.10

Dogmática Jurídica: 3.3.2.2

– Função social: 3.14.1

– Norma: 3.3.2.2

Dogmatismo metafísico: 7.1.3

Dominação carismática: 3.10

Doutrina estatalista: 8.3.2.1

Doutrina racionalista: 7.1

Doxa (opinião): 4.1.1

Dupla revolução – Francesa e Industrial: 3.3.1.2

Economia planejada

– Igualdade social: 6.1

Efetividade

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– Decisões reais: 8.1

Efetivação – Construção: 3.14.1

Efeito de enublação: 3.14.2

Efeito obnublante: 3.14.2

Efeito ilusório: 3.14.2

Eficácia social

– Moral: 5.3.1.3

– Ordenamento: 5.3.1

Elemento constitutivo

– Processo civilizatório: 6.4

Emancipação: 3.1

Empirismo: 3.3.4; 7.1.2

Encadeamento multilateral: 3.1

Engenhamento social: 3.14.1

Enunciados axiológicos: 5.3.1.3

Enunciados normativos (deônticos): 5.3.1.3

Epistemologia: 4

Equidade

– Tradição do common law inglês: 8.10

Equilíbrio

– Noção: 3.13

Equivocidade: 6.1

Escola da exegese: 10.1.1.1.1

Escola das pandectas: 10.1.1

Escola exegética: 10.1.1.1

Escola histórica: 9.4; 10.1.1.2

Escola pandectista: 9.4

Escorço Histórico Panorâmico: 3.3.1.3

– Sucessores do acontecimento: 3.3.1.3

– Pensamentos Precedentes: 3.3.2

Esforço argumentativo: 9.6

Espírito da dádiva: 2.2.3

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Espírito humano

– Inflexão: 5.2.2

Estado

– Visão organizacional: 3.1.1

– Exercício político: 3.15

Estado metafísico: 3.2.1

Estado teleológico: 3.2.1

Estado metajurídico: 3.14.1

Estratégia de dominação: 10.1.1.2.4.1

Estrutura metodológica rígida: 10.2.1.2

Estrutura suprainfraordenada: 9.2

Estudo sistemático

– Costumes humanos: 5.4

Ética

– Conceito: 5

– Noções elementares: 5.2

Etimologia

– Direito: 1.2

Excessos do Poder Público: 8.2

Execução forçada: 9.1

Executoriedade

– Decisões reais: 8.1

Exegese – Autoridade religiosa: 3.14.1.1

Exegetismo francês: 10.1.1.2

Exercício consensual ético: 5.2.2

Exercício da liberdade religiosa: 3.3.4

Exercício da sociologia: 3.3.2

Experiência humana: 3.1

Experiência social

– Direito: 1

Experiência vivencial: 10.1.1.1.2

Experiências sociais: 1

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Expressões intelectuais: 1

Facticidade do Estado: 10.1.1.2.1

Falsa consciência: 3.14.5

– Crítica da ideologia: 3.14.5

Fato normativo: 3.1

Fatos sociais

– Conjunto: 3.1.1

– Delimitação do direito: 3.1

– Transformação social: 3.2.2 Sentido moral: 5.1

Feitiçaria: 2.2.2

Fenômeno estatal – Análise sociológica: 10.1.1.2.1

Fenômeno ideológico: 3.15

Fenômeno jurídico

– Ética: 5.2.2

– Explicação: 10.1

Fenômeno normativo: 3.1

Fenômeno social: 3.1; 3.3.3

Fiador intelectual: 10.1.1.1.4

Filodoxia: 4.1.3

Filosofia contemporânea: 6.3.4

Filosofia da consciência: 9.5

Filosofia do direito: 1.2; 3.3.2.2; 6.4

Filosofia jurídica: 3.1

Filosofia metafísica: 3.2.2

Filosofia moderna: 7.1.2

Filosofia político-jurídica: 7.1.2

Filosofia positiva

– Sociologia: 3.2.2

Filosofia positivista: 3.2.1

Filosofia prática normativa: 7.1

Filosofia teleológica: 3.2.2

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Finalismo: 4.1.4

Flexibilidade: 8.9

Fontes sociais do direito: 7.2

Forma de redistribuição: 2.2.3

Forma de vida: 1

Formação da gênese

– Conceito de justiça: 6.4

Formação da sociologia: 3.14.2

Formalismo conceitual da pandectologia: 10.1.1.4

Formalismo conceitual dos pandectistas: 10.1.1.3

Formas cooperativistas

– Produção econômica: 3.3.3

Formas de entretenimento: 1

Formulações jusnaturalistas: 9.2

Fragilidades humanas: 3.2.1.1

Função contramajoritária

– Direitos fundamentais: 8.3.2

Função social: 3.14

– Dogmática jurídica: 3.14.1

Funções da jurisprudência: 8.6.4.2

Fundamentação das decisões

– Dever constitucional: 10.1.1.6

Fundamento antropológico: 7.1

Fundamento de validade

– Legislação: 9.2

Fundamentos do direito: 4

Garantias das minorias

– Direitos fundamentais: 5.3.2.1

Garantias fundamentais: 8.2

Genealogia da ética: 5.2.2

Genealogia empírica da moral: 2.2.3

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Gênese da sociedade: 2.2.1

Governamentabilidade: 3.10

Grupo familiar: 1.2

Grupo social

– Membros: 2.2.2

Grupos minoritários: 9.7.1

Hard cases: 2.4; 2.4.1; 2.4.1.3; 2.4.3; 4.2.2; 7.2

Hedonista: 3.14.5

– Narcísico: 3.14.5

Hermenêutica jurídica: 3.14.1; 4.2.2.1; 7.1.2; 10.1.1; 10.2

– Especial: 10.2.1.1

– Filosofia: 10.4

Heterointegração: 9.4

Hierarquia normativa: 9.1; 9.2

Historicidade do intérprete

– Linguagem: 10.4

Historicismo: 4.1.4; 8.3.2.2; 10.1.1; 10.1.1.1.2

Holocausto: 3.12.1

– Dignidade da pessoa humana: 3.12.1

Homem

– Convívio com seus semelhantes: 1

– Interação: 1

– Interação: 1

– Vida em comunidade: 1

Homem primitivo: 2.2.1

Homogeneização da interpretação social: 2.2.3

Humanidades

– Concepção universal: 3.2.2

Idealismo normativista: 9.5

Ideologia

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– Associal integrado: 3.15.5

Ideologia do heroísmo: 3.14.4

Ideologia do mercado: 3.15.4

– Ideologia do heroísmo: 3.15.4

– Teorias neoliberais: 3.15.4

– Relações capitalistas: 3.14.4

Ideologia e o direito: 3.15

– Ambiente ideológico: 3.15.1

– Análise científica: 3.15

– Criação humana: 3.15.3

– Organismo: 3.15

Ideologia representativa: 3.14.1, 3.14.3

– Credulidade: 3.15.1

– Efeito de enublação: 3.14.2

– Efeito ilusório: 3.14.2

– Efeito obnublante: 3.14.2

– Formação epistemológica: 3.14.1, 3.14.3

– Paradoxos: 3.15.1

– Poder social: 3.15.1

Igualdade: 8.4.1

Ilhas de juridicidade: 10.1.1.2.4.2

Imortalidade: 7.1.2

Império da técnica: 9.6

Imposição legislativa: 8.10

Imprevisibilidade onipotente: 3.13

Inclinações filosóficas

– Direito: 1

Inclinações sociológicas

– Direito: 1

Inclinações teóricas

– Direito: 1

Incorporação da moral: 2.4.1

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Incontrolabilidade: 3.14

Individualismo revolucionário: 8.3.2.1

Infantilização

– Atores sociais: 4.1.1

Influências jusnaturalistas: 10.1.1.1.1

Influências nacionalistas 10.1.1.1.1

Influências romanistas: 10.1.1.1.1

Infortúnios dos fenômenos naturais perigosos: 2.2.3

Inspiração sociológica: 10.1.1.4

Institucionalização das relações duradouras: 8.1

Instrumentalização do direito: 10.1.1.2.4.1

Instrumento de poder: 3.9.1

Integridade moral da comunidade: 10.4

Inteligibilidade

– Direito real: 7.1.2

Intenção prática: 7.1

Interação – Individual e comunitária: 10.1.1.2.2

Interação social

– Forma organizada: 3.2.3

Interpretação hegemônica

– Direito: 2.2.4

Interpretação jurídica

– Princípios em conflito: 10.2

Interpretação social

– Homem primitivo: 2.2.3

Investigação da justiça: 6.1

Investigação moral: 5.3.1.2

Investigação sociológica

– Direito: 3.3.3

– Fenômenos sociais: 3.2.4

Investimento econômico: 3.3.4

Investigação sociológica: 3.2.3

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Ironização radical: 3.14.6

Irracionalismo decisório: 10.1.1.6

Isonomia – Desenvolvimento intelectual do indivíduo – Gênero humano: 3.2.1

Iuris naturalis scientia: 7.1

Judge made law: 2.4.1

Judicial law making: 8.1

Judicialismo: 7.1.3

Juiz Hercules de Dworkin: 10.3

Juízes obedientes: 10.1.1.2.4.2

Juízo valorativo: 10.4

Júpiter

– Personificação da justiça: 2.1

Jurisdição patrimonial: 3.14.3

Jurisprudência: 8.6

– Civil law: 8.6.4.3

– Common law: 8.6.4.3

– Conceitos: 10.1.1.3

– Dogmática jurídica: 1.2

– Fonte do direito: 8.6.4

– Gênese da doutrina: 8.6.2

Jurisprudência dos conceitos: 10.1.1.4

Jurisprudência dos interesses: 10.1.1.1.4

Jurisprudência dos valores: 10.1.1.5; 10.1.1.6

Jurisprudência romana: 8.6.2

Jurisprudentia

– Atividade jurídica: 1.2

Jusfilósofo

– Lacunas no ordenamento: 9.4

Jusnaturalismo: 10.1.1.5

– Relação ao positivismo jurídico: 10.1.1.3

– Vertentes: 7.1

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Jusnaturalismo moderno

– Declínio: 10.1.1

Jusnaturalismo racionalista: 7.1.1; 10.1.1.1.1

Jusnaturalista

– Definição: 2.3

Juspositivismo: 7.2

– Exploração do fenômeno jurídico: 7.3

Juspositivista: 2.4

Justiça

– Conceito: 6.1

Justiça

– Construída no cristianismo: 6.1

Justiça

– Dicotomia: 6.1

Justiça

– Dualidade metafísica: 6.1

Justiça

– Grupo familiar: 1.2

Justiça: 2.2.3

– Projeção racionalista: 6.3.2

Justiça e equidade: 8.8

Justificação conteudística: 10.4

Lacuna

– Obscuridade da lei: 9.4

Lacunas do ordenamento: 9.4

Legalidade

– Desenvolvimento espiritual humano: 3.2.1.1

Legalidade da decisão: 8.6.2

Legislador negativo: 8.2

Legislador racional

– Vontade geral: 10.1.1

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Legitimidade: 3.10

Legitimidade do Direito: 4

Legitimidade do emprego da violência: 3.10

Lei

– Função diferencial: 8.6.4.2

– Função explicativa: 8.6.4.2

– Função renovadora: 8.6.4.2

– Função supletiva: 8.6.4.2

Lei da ponderação

– Etapas: 10.4

Lei de habilitação: 10.1.1.2.4

Lei divina

– Jusnaturalismo: 7.1

Lei dos três estados: 3.2

Lei e Constituição

– Distinção: 8.4.1

Lei fundamental

– Compatibilização: 10.1.1.5

Lei ordinária regulamentadora

– Direito fundamental: 8.10

Leis reguladoras

– Vida social: 3.3.3

Liberdade: 8.4.1

Liberdade das pessoas

– Intromissão arbitrária: 8.3

Liberdade de expressão: 10.1.1.4

– Direito ao esquecimento: 10.1.1.4

Liberdades básicas: 6.3.4

Libertação científica do direito: 10.1.1.4

Limitação do poder: 8.2

Limitação do poder político: 3.9

Limites da filosofia contemporânea: 6.3.4

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Linguagem de signos: 2.2.1

Linguagem ordinária

– Termos análogos: 2.4.1

Litigiosidade social: 10.1.1.6

Livre-arbítrio: 7.1.2

Livre-arbítrio humano: 4.1

Lógico-sistemático

– Jusnaturalismo racionalista: 10.1.1.1

Magia do contágio: 2.2.2

Magia homeopática: 2.2.2

Magia imitativa: 2.2.2

Magia negativa: 2.2.2

Magia positiva: 2.2.2

Magia prática: 2.2.2

Magia pública: 2.2.2

Magia simpática: 2.2.2

Mago primitivo: 2.2.2

Manifestações culturais: 1

Manifestações socioculturais: 1

Manipulação do direito: 10.1.1.2.4.1

Mecanismos dedutivos: 10.1.1

Mecanismos indutivos: 10.1.1

Medida provisória: 8.4.2.2

Medo: 3.2.1.1

– Elementos motivacionais – Sociabilidade: 3.2.11

Meio social – Regulação social: 3.1

Membros da sociedade: 2.4.3

Mentalidade jurídica: 3.3.2.2

Método – Ponto de partida: 10.1

Método – Senso comum: 10.1

Método científico das ciências sociais: 10.1.1.2.1

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Método crítico: 4.1.2

Método dedutivo: 10.1

Método gramatical: 10.4

Método histórico: 10.4

Método indutivo: 10.1

Método jurídico: 10.1.1.2.1

Método lógico-sistemático: 10.4

Método no ambiente

– Hermenêutica jurídica: 10.2.1.2

Método sociológico: 3.3.2

Método teleológico: 10.4

Metodologia

– Tecnicidade própria: 8.6.2

Metodologia jurídica: 10.1.1

– Problema: 10.2

Metodologia jurídica – Nacional-socialismo: 10.1.1.2.3

Modelo axiomático-demonstrativo: 7.1

Modelo individualista: 8.3.2.1

Modelo jurídico antigo: 10.1.1.1

Modelo sistemático-dedutivo

– Operação: 7.1

Modernidade filosófica: 10.1

Modificação no texto constitucional: 9.7.1

Moral

– Conceito elementar: 5.1

– Noções elementares: 5.1

Moral e direito

– Perspectiva contemporânea: 5.3

Moral e ética

– Distinção: 5.2.2

Moral e ética

– Relação: 5.2.2

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Moral individualizada: 2.2.3

Moral language

– Decisões judiciais: 2.4.1

Moral natural: 5.3.1

Moral particular: 5.1

Moral retributiva: 2.2.3

Moralidade

– Comunidade política: 8.5.1.3

Moralidade convencida

– Ética: 5.2.2

Moralidade política: 5.3.1.5

Movimento codificador: 2.3

Movimento do direito livre: 10.1.1.1.4

Movimento metodológico: 10.1.1.1.3

Movimento político-jurídico: 8.2

Multiplicação de minorias: 3.12

Muçulmano – Petrificação do horror: 3.12

Muçulmano – Refutação radical: 3.12

Nação: 3.12

Nacional-socialismo: 10.1.1.5.1

Narcisismo primário: 3.14.5

Naturalização: 3.12

Natureza autorizativa do direito: 2.4.3

Neoconstitucionalismo: 5.3.2.1, 10.1.1.2.2

Neoconstitucionalista – Pensamento mágico: 10.1.1.2.4.2

Necessidade social: 3.1.1

– Fato social: 3.1.1

Noção de obligatio: 2.2

Norma

– Críticos: 9.5

– Infraordenada: 9.1

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Norma hipotética fundamental: 9.2

Norma jurídica

– Sentido deôntico: 9.1

Normação social: 3.1

Normas deônticas: 5.3.1.3

Normas morais: 5.4

Normativismo idealista: 9.6

Normativismo kelseniano: 7.2.1, 10.1.1.2.2

Novas realidades históricas

– Sistema jurídico: 8.1.1

Novas realidades sociais

– Sistema jurídico: 8.1.1

Objetividade

– Ciências sociais: 3.3.4

Objeto da Sociologia: 3.2, 3.2.3

Obligatio

– Noção: 2.2

Obrigação contratual: 10.1.1.3

Obrigação convencional: 1.2

Obrigação de dar: 2.2.3

Obrigação de receber: 2.2.3

Obrigação de retribuir: 2.2.3

Obrigação natural: 1.2

Obrigatoriedade das normas

– Fundamento: 8

Observação empírica: 4.1

Ontologia objetivista: 7.1

Operação silogística: 10.1.1.1

Ordem cosmológica: 2.3

Ordem de valores – Wertordnung: 10.1.1.4

Ordem estamental: 8.3.2.1

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Ordenamento e sistema: 9.3

Ordenamento Jurídico: 9

Organização social

– Desenvolvimento humano: 3.3.2

Organização social: 1.2

Organizações gentílicas: 2.2.4

Órgãos legislativos competentes: 8.4

Padrões de pensamentos: 4.1

Padrões divinos

– Hierarquia: 5.2.2

Pandectismo: 4.4; 10.1.1

Paradigma hermenêutico clássico: 10.2.1.2

Paradigma positivista: 8.10

Parlamento democrático: 8.2

Patrimônio linguístico indo-europeu: 2.1

Pensamento

– Homem primitivo: 2.2.1

Pensamento autônomo: 1.2

Pensamento causal: 2.2.1

Pensamento coletivista do homem primitivo: 2.2.1

Pensamento coletivo massificado: 4.4

Pensamento heideggeriano: 10.2.1.2

Pensamento jurídico contemporâneo: 10.1

Pensamento lógico dedutivo puro: 10.1.1.4

Pensamento mágico – Neoconstitucionalista: 10.1.1.2.4.2

Pensamento metodológico: 10.1.1

Pensamento prudencial: 1.2

Pensamento retórico

– Chaïm Perelman: 6.3.3

Pensamento teleológico: 10.1.1.5

Perigo eventual: 3.2.1.1

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Perigo imaginário: 3.2.1.1

Perigo real: 3.2.1.1

Personificação da justiça: 2.1

Personalidade individual: 3.3.2

Piedade: 2.1

Plano semântico (abstrato): 9.5

Plano teórico-científico: 4.4

Pleno desenvolvimento de aptidões: 1

Pluralidade de normas: 9.1

Plurivalência: 6.1

Poder absoluto: 3.12.1

Poder discricionário: 7.2

Poder do juiz

– Independência funcional: 5.3.2.1

Poder dos parlamentos: 8.1

Poder monárquico

– Renascimento: 8.2

Poder Político: 3.9

– Limitação: 3.9

– Função social: 3.9.1

Poder Público

– Atuação: 8.10

Poder Público

– Limites de atuação: 8.2

Politização absoluta: 3.10

Politização da vida:.3.3.1

Polo unificador do discurso: 10.1

Ponderação alexyana: 10.1.1.6

Ponderação de Alexy: 10.3

Positivação do direito: 8

Positividade

– Conceito: 4.2.3

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Positivismo: 4.1.4; 8

Positivismo axiológico: 7.1.3

Positivismo científico: 10.1.1.4

Positivismo contemporâneo

– Exclusivista: 2.4.1

Positivismo contemporâneo

– Inclusivista: 2.4.1

Positivismo fático: 9.1

Positivismo inclusivista: 2.4.1

Positivismo jurídico: 2.3, 2.4, 3.15

– Caracterização: 2.4.3

Positivismo jurídico-constitucional – Sociologia empírica: 10.1.1.2

Positivismo legalista: 2.4

Positivismo legalista: 7.2.1

Positivismo normativista: 7.2.2

Positivistas exclusivistas: 2.4.3

Positivistas inclusivistas: 2.4.1.1

Pós-positivismo: 5.3.2.1; 7.1.3

Pós-positivista: 8.10

– Norma jurídica: 9.6

– Paradigma: 9.7.3

Potencial emancipatório do direito: 3.1

Potencialidade

– Estudo científico do direito: 6.1

Potlatch

– Essência: 2.2.3

– Sociedade arcaica: 2.2.3

Povo

– Estruturação: 8.2

Povos primitivos

– Figura do chefe: 2.2.1

Práticas jurídicas

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– Equilíbrio: 1.2

Praxismo: 4.4

Precedente judicial: 8.7

Preconceito

– Ética: 5.2.2

Premissa maior: 10.1.1.1

Premissa menor: 9.7.3

Preservação dos direitos fundamentais: 8.4.1

Pressupostos gnoseológicos

– Neokantismo: 9.1

Prestígio dos eruditos

– Cristalização: 10.1.1.2

Presunção de inocência

– Moralidade: 5.3.2.2

– Ofensa: 5.3.2

Pretensões individuais: 5.1

Previsibilidade possível: 4.4

Princípio

– Colmatação de lacunas: 8.5.1

– Conceito: 8.5.1

– Determinação: 8.5.1

Princípio da adequação e verdade: 3.14.3

Princípio da colegialidade: 8.6.4.1.3

Princípio da congruência: 8.6.4.1.1

Princípio da igualdade: 6.3.2; 8.4.1; 8.6.4.1.4

Princípio da inviolabilidade

– Direitos fundamentais: 8.4.1

Princípio da publicidade: 8.6.4.1.3

Princípio da retribuição

– Relações sociais primitivas: 2.2.3

Princípio da retribuição: 2.2.1; 2.2.2

Princípio de convívio: 2.2.1

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Princípio de igualdade: 6.1; 6.3.12

Princípio do gosto

– Racionalismo: 6.3.4

Princípio do movimento: 2.3

Princípio do utilitarismo clássico: 6.3.4

Princípio formal: 6.3.2

Princípio jusnaturalista: 5.3.1

Princípios

– Características axiomático-dedutivistas: 8.5.1.3

Princípios axiológicos-materiais: 8.5.1.3

Princípios constitucionais: 8, 8.5.1.3

Princípios cristãos: 2.1

Princípios de justiça: 2.4

Princípios gerais do direito: 8.5.1.1; 8.5.1.3

– Sistema de direito codificado: 8.5.1.3

Princípios gerais do direito e princípios constitucionais

– Diferenças: 8.5.1.3

Princípios informadores da atividade decisória: 8.6.4.1

Princípios jurídico-constitucionais: 10.4

Princípios jurídico-epistemológicos: 8.5.1.2

Princípios lógicos: 2.2.2

Princípios normativamente materiais fundamentantes: 8.5.1.3

Princípios pragmático-problemáticos: 7.1.3

Prioridade absoluta

– Comparativa de direitos: 6.3.4

Problema da interpretação: 10.4

Problema das antinomias: 9.3

Problemas da realidade

– Estratégia legislativa: 10.3.1

Problemas de direito

– Tese da complementaridade: 5.3.1.3

Problematicidade: 9.6

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Problematização

– Caso concreto: 9.7.3

Procedimento metodológico: 10.1.1.3

Processo civilizatório: 3.10

– Totalitarismo: 3.10

Processo concretizador

– Programa normativo: 9.7.1

Processo de civilização: 1.2

Processo de desmagificação das vias: 3.3.4

Processo de problematização: 3.9.2

Processo interpessoal: 3.14.4

Processo legislativo: 8.4

Processos mentais: 2.2.2

Produção jurídica

– Direito local: 8.1

Produção legislativa

– Índices: 10.1.1.6

Profissão advocatícia

– Exercício: 5.2.2

Programa normativo: 9.4; 9.7.1

Projeções enciclopédicas: 3.3.1

Proporcionalidade

– Critérios: 10.1.1.6

Proscrição

– Direito romano: 2.2.4

Proteção da dignidade humana: 8.3

Psicologia: 10.2.1.1

Puritanismo: 3.3.4

Questão racial

– Interpretação de um texto: 9.7.1

Questões Jurídicas

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– Formas de decisão: 8

Raciocinar

– Tese das fontes: 2.4.3

Racionalidade jurídica: 3.14, 3.15

– Violência: 3.15

Racionalidade prática

– Problemas: 9.6

Racionalismo: 3.3.4; 7.1.2

Racionalismo prático: 3.3.4

Racionalista: 7.1

Racionalização de poder

– Controle: 8.2

Racionalização do discurso judicial: 10.3.2

Racionalização do poder: 8.2

Racionalização formal: 3.3.4

Racionalização material: 3.3.4

Reabilitação da tradição

– Racionalismo: 10.1.1.2

Realidade

– Fenômeno complexo: 1.2

Realidade efetiva: 10.1.1

Realidade histórico-social: 8

Realidade social: 4.1.1

Realidade vivencial: 3.15.3

Realidades transcendentes: 2.3

Realismo jurídico

– Positivismo fático: 9.1

Realização de negócios: 1

Recepção do direito romano: 9.4

Reconhecimento dos fatos: 5.2.1

Reflexão teórica: 9.6

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Regime do Stare Decisis: 8.7

Regime modernizado

– Déspotas esclarecidos: 8.2

Regime republicano-democrático: 10.1.1.2.3

– Ditadura de partido único: 10.1.1.2.3

Regras da ponderação

– Aplicação: 10.1.1.6

Regras de tutela das liberdades

– Elaboração: 8.2

Regras de valoração: 5.3.1.3

Regulação social – Direito: 3.1.1

Regulamentação social: 3.1

Regulamento das relações humanas

– Direito: 1

Reino natural

– Dualismo moderno: 2.2.2

Relações capitalistas: 3.14.4

Relações sociais

– Acepções mais primitivas: 3.13

Relações intersubjetivas: 3.2.1

– Lei fundamental: 3.2.1

Religião:3.3.4

Renovação jurídico-popular: 10.1.1.5.1

Representação da vontade do povo: 8.4

Resolução de conflitos – Violência ao direito: 3.13

Resolução de conflitos – Violência à lei: 3.13

Responsabilidade coletiva

– Razões: 2.2.1

Restrições colaterais: 6.3.4

Revelação do direito

– Modos: 8

Revolução copernicana: 7.1.2

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Revolução da ciência: 4.4

Revoluções científicas

– Estrutura: 4.1.2

Sabedoria: 4.1; 4.4

Sagrado: 3.3.3

Sanções organizadas

– Repressivas: 3.3.3

Sanções organizadas

– Restitutivas: 3.3.3

Satisfação das necessidades sociais: 3.1.1

Sensibilidade emocional: 2.2.1

Senso comum: 4.1.1, 10.1

– Método: 10.1

Sentença: 9.7.3

Sentido comum teórico dos juristas: 4.1.1

Sentido normativo

– Codificação: 10.1.1.1

Sentimento primitivo: 2.2.4

Separação entre direito e moral: 7.2

Separação entre fato e direito: 10.1.1.1

Seres sobre-humanos

– Crença: 2.2.1

Significação básica: 2.1

Simbologia

– Direito: 2.1

Sinônimo de moral: 5.2.2

Sistema autorreferencial: 4.2.2.1

Sistema axiomático-dedutivo: 10.1

Sistema da equity: 8.1

Sistema de direito natural: 7.1

Sistema de regras

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– Acontecimentos em todo o mundo: 2.2.2

Sistema harmônico de normas: 9.4

Sistema social: 3.3.3

Sistemas autopoiéticos: 4.2.2.3

Sistematicidade jusnaturalista-racionalista: 10.1.1.1.1

Sistematicidade: 10.1.1.2

Soberania: 8.2

Soberania parlamentar: 8.2

Sociabilidade: 3.2.1.1

– Elementos motivacionais: 3.2.1.1

Sociabilidade: 3.2.4

Sociedade burguesa europeia

– Leis humanas: 3.12

Sociedade civil

– Direito privado: 8.3

Sociedade civilizada: 3.3.2

Sociedade hedonista: 3.14.5

Sociologia

– Capacidade de organização social: 3.2.3 Ciência autônoma: 3.3.3

Ciências naturais: 3.3.1.2

– Disciplina: 3.2.4

– Divisões das disciplinas: 3.2.4 – Metodologia própria: 3.2.2

Noção científica: 3.2.7

– Objeto: 3.2.3 – Surgimento: 3.3.1.2

Sociologia analítica: 3.2.4

Sociologia do direito: 3.3.2; 3.4.1

Sociologia empírica: 10.1.1.2.1

– Problema do método: 10.1.1.2.1

Sociologia especial: 3.2.5

Sociologia jurídica: 1.2, 3.3.2.1; 3.4

– Autonomia: 3.3.2.1

– Brasil: 3.8

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– Dogmática jurídica: 3.3.2.2

– Escandinávia: 3.7

– EUA: 3.6

– França: 3.4; 3.4.1

– Germânica: 3.5

Sociologia no direito: 3.3.2

Sociologia Política: 3.2.7

Sociologia sintética: 3.2.4

– Aspectos particulares: 3.2.4

– Fenômenos sociais: 3.2.4

Sociologias Especiais: 3.2.5

Sociológica jurídica: 3.3.4

Sociological jurisprudence: 3.6

Sociologismo: 3.2.6

– Disciplina de comportamentos: 3.2.6

– Redução do direito: 3.2.6

Sociologismo jurídico: 3.2.6

Solidariedade mecânica: 3.3.3

Solidariedade orgânica: 3.3.3

Solipsismo: 4.1.3

Solipsista: 5.3.2.1

Solução adequada no caso concreto: 1.2

Solução normativa adequada

– Construção: 10.1.1

Subjetividade isolada: 5.3.2.1

Submissão do homem primitivo: 2.2.2

Subsunção

– Aplicação: 9.7

Sufrágio universal: 3.2.7

Suicídio altruísta: 3.3.3

Suicídio anômico: 3.3.3

Suicídio egoísta: 3.3.3

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Sujeito ético: 5.2.2

Súmula vinculante: 8

Tabu: 2.2.2

Tecnologia ética: 5.4

Tendência emocional normativa

– Comunidade primitiva: 2.2.1

Teologia (direito natural medieval): 7.1

Teoria autônoma do ordenamento jurídico: 9.1

Teoria da argumentação: 10.3.2

Teoria da decisão

– Norma jurídica: 8

Teoria da Decisão de Lenio Streck: 10.3

Teoria da Decisão Judicial: 10

Teoria sobre o método: 10.1

Teoria da igualdade: 6.3.7

Teoria da justiça: 6.3; 6.3.7

Teoria da Norma: 9

Teoria da soberania: 2.2

Teoria das Fontes do Direito

– Visão Contemporânea: 8

Teoria demográfica: 3.3.2

Teoria do direito: 1.2; 7.1.2

Teoria do Direito do Estado – Problema do método: 10.1.1.2

Teoria do jusnaturalismo: 2.4

Teoria dominante: 10.1.1.2.1

– Método conceitualista: 10.1.1.2.1

Teoria do pacto social do Estado: 2.2

Teoria dos sistemas autopoiéticos: 4.2.2.1

Teoria geral da magia: 2.2.2

Teoria paleopositivista: 5.3.2.1

Teoria positivista: 2.4.1; 5.3.2.1

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Teoria sistêmica social: 4.4

Teorias da justiça

– Nossos tempos: 6.3.4

Teorias jusnaturalistas: 2.4.1

Território

– Estruturação: 8.2

Tese da complementaridade: 5.3.1

Tese da interconexão: 5.3.1.5

Tese da separação: 5.3.1

Tese da vinculação: 5.3.1

Tese moral: 2.4.3

Tese semântica: 2.4.3

Tese social

– Definição: 2.4.3

Teses das fontes: 2.4.3

Teses principais do movimento: 10.1.1.4

Texto constitucional – Eliminação de contradições: 10.1.1.2.2

Texto e norma

– Distinção: 9.7.1

Tipologia ideal: 3.3.4

Tipos ideais: 3.3.4

Tomada de decisão – Consciência: 3.3.2

Trabalho social – Direito de restituição: 3.3.2

Tradição jurídica

– Sistema jurídico: 8.1

Tradicionalismo

– Homem primitivo: 3.3.3

Transcendentalidade jurídica: 10.3.3

Transformação do improvável: 4.2.2.2

Tratamento isonômico

– Jurisdicionados: 8.6.4.1.4

Tribunais Constitucionais

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– Alterações: 8.2

Tribunal Constitucional

– Legislador negativo: 8.2

Tribunal da Chancelaria: 8.1

Unidade do Ordenamento: 9.2

Validade: 4

Validez dos ordenamentos legítimos: 3.3.4

Valor moral: 2.4.1

Valoração

– Horizonte moral: 5.3.2.1

Valoração da justiça

– Caso concreto; 8.5.1.3

Valoração moral: 5.1

Vertente antipositivista: 10.1.1.2.3

Vida em comunidade: 1

Vida individual

– Experiências sociais: 3.2.3

Verdade absoluta: 3.14.3

Vida jurídica: 6.5

Vida política: 6.5

Vida psíquica

– Projeção de fenômenos: 2.2.1

Vida religiosa: 6.5

Vida social: 3.3.3, 6.5

Vinculante (binding element): 8.7

Vínculo jurídico

– Comunidades primitivas: 2.2.3

Vínculo obrigacional da dádiva

– Estrutura da sociedade: 2.2.3

Vingança divina

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– Sujeição: 2.2.4

Violência conservadora: 3.10

Violência fundadora: 3.10

Visão pós-positivista

– Norma: 9.7

Volição dos homens primitivos: 2.2.1

Voluntarismo judicial: 10.1.1.2.4.2

Vontade da lei: 9.7.1

Vontade do legislador: 9.7.1

Vontade dos cidadãos: 8.3.2.1

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