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2022
Introdução ao Direito
Autores
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16/01/2022 16:24 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022
ISBN 978-65-5991-481-4
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Expediente
Gerente de Conteúdo
Editorial: Aline Marchesi da Silva, Diego Garcia Mendonça, Karolina de Albuquerque Araújo
Martino e Quenia Becker
Produção Editorial
Gerente de Conteúdo
Especialistas Editoriais: Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos e Maria Angélica Leite
Analistas de Operações Editoriais: Caroline Vieira, Damares Regina Felício, Danielle Castro de
Morais, Mariana Plastino Andrade, Mayara Macioni Pinto, Patrícia Melhado Navarra e Vanessa
Mafra
Analistas de Qualidade Editorial: Ana Paula Cavalcanti, Fernanda Lessa e Victória Menezes
Pereira
Estagiárias: Bianca Satie Abduch, Gabrielly N. C. Saraiva, Maria Carolina Ferreira e Sofia
Mattos
Coordenação
Analistas: Gabriel George Martins, Jonatan Souza, Maria Cristina Lopes Araujo e Rodrigo
Araujo
Analistas de Produção Gráfica: Aline Ferrarezi Regis e Jéssica Maria Ferreira Bueno
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Ficha catalográfica
Abboud, Georges
Introdução ao direito: Teoria, Filosofia e Sociologia do Direito [livro eletrônico] : teoria, filosofia e sociologia do direito /
Georges Abboud, Henrique Garbellini Carnio e Rafael Tomaz de Oliveira. -- 6. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2022.
6 M ; ePub
Bibliografia.
ISBN 978-65-5991-481-4
1. Direito - Filosofia I. Carnio, Henrique Garbellini. II. Oliveira, Rafael Tomaz de. III. Título.
21-93032 CDU-340.12
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Dedicatória
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Agradecimentos
Importante registrarmos alguns agradecimentos devidos a pessoas que, cada uma ao seu
modo, contribuíram para a edição da presente obra.
Ao Professor Nelson Nery Junior pelo incentivo e apoio para a sua produção. A possibilidade de
utilização de seu magnífico acervo bibliográfico foi fundamental para a composição do texto que se
apresenta. Ressaltamos ainda, por inspiração, sua postura como jurista de destaque,
compromissado com o estudo rigoroso do Direito.
Ao Professor Lenio Luiz Streck pelo acompanhamento e análise crítica do texto final. Suas
indicações contribuíram, sobremaneira, para a melhoria e ampliação do trabalho. Sua proposta de
crítica hermenêutica do direito foi, certamente, um dos fios condutores para a construção desta
obra.
A Henderson Fürst pela percuciente análise e pela interlocução envolvendo vários temas
propostos no livro.
Por fim, com apreço, agradecemos à Thomson Reuters Revista dos Tribunais, que nos
agraciou com essa cuidadosa publicação.
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Epígrafe
Martin Heidegger. Nietzsche.
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Prefácio
II
Tudo isso fica muito claro no segundo capítulo do livro, que examina a fundo as
questões referentes ao conceito de direito. Os autores escolhem ir além das
tradicionais definições jusnaturalistas e positivistas, introduzindo outras três
concepções sobre o conceito de direito: a) etimológica, b) etnológica e
principalmente a c) pós-positivista. O pós-positivismo em sua acepção correta,
aquela preconizada por Friedrich Müller, e não a correntemente trabalhada no
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III
A própria filosofia possui uma natureza dogmática, pois os dogmas são, nada
menos, do que opiniões transformadas em respostas indiscutíveis, que não se
pode responder definitivamente e que em matéria filosófica de denomina como
aporia.
Isso não quer dizer relegar a filosofia para o dogmatismo, mas demonstrar que
a filosofia só pode ser praticada a partir do próprio filosofar.
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Nessa cena, Fausto está sentado numa poltrona de sola, desassossegado, com
a cabeça fincada nas mãos e os cotovelos na mesa de estudo, envolvido por um
feixe de luz frouxo de um candeeiro aceso.
Este livro tem como engenho em si – característica de seus autores – e para os
outros – seus leitores – esse desassossego goetheano que, em tempo, deve ser
experimentado para o rompimento de um compromisso hipócrita e superficial com
o estudo jurídico no Brasil.
Em linhas bem gerais, a contribuição desta obra pode ser verificada em pontos
claros e significativos, pois 1) fornece uma exploração conceitual didática dos
pontos mais importantes de uma introdução ao estudo da teoria e da filosofia do
direito; 2) apresenta os elementos básicos e fundantes do direito, sem os quais não
se é possível enfrentar as questões jurídicas; 3) com esmero traz a verificação da
difícil relação entre filosofia e direito, além de adentrar nas facetas também
complexas do entendimento científico da matéria; 4) delineia um ambiente de
crítica do direito, contribuindo de forma salutar na evidenciação da importância de
uma escrita e estudo rigorosos no campo jurídico não produzido por grande parte
da doutrina brasileira e 5) a possibilidade de formação de uma nova mentalidade
jurídica, que se projete além da estandardização estapafúrdia que assola boa parte
daqueles que lidam com o direito.
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16/01/2022 16:25 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022
.Johann Wolfgang von Goethe. Fausto: uma tragédia, primeira parte. São
Paulo: Editora 34, 2004.
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16/01/2022 16:26 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022
Ao alcançar a sua 6ª. Edição, a presente obra mantém-se firme sob os alicerces que foram
lançados quando de sua primeira aparição ao público: produzir o ambiente adequado para a
introdução dos acadêmicos – dos mais variados níveis – ao estudo e à prática reflexiva do direito,
da filosofia do direito e da sociologia jurídica.
Durante todos esses anos, o sentido que informava o texto foi explorado a partir de um esforço
constante para atualização de conteúdos, melhoria na redação e estruturação dos temas, bem
como para incorporação das sugestões e críticas dos amigos leitores, que sempre contribuíram
muitíssimo para o aperfeiçoamento do livro.
Para a atual edição, todo o texto foi revisto e novos conteúdos foram incorporados,
acompanhando o desenvolvimento das pesquisas e do exercício da docência pelos autores. De
igual modo, também foram atualizados o prefácio e o posfácio, com as já usuais e profícuas
contribuições dos professores Nelson Nery Jr. e Lenio Luiz Streck.
Por fim, registramos nossa imensa satisfação e agradecimento pelo acolhimento da obra pelo
público leitor e à Thomson Reuters Revista dos Tribunais, que tornaram possível mais uma edição
desse texto do qual tanto nos orgulhamos.
Os Autores
Georges Abboud
Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.
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O livro que o leitor tem em mãos é relativamente jovem. Elaborado ao longo do ano de 2012,
em meio ao processo de pesquisa para as teses de doutoramento de seus autores, teve a sua
primeira edição publicada em 2013. Em 2020, a obra completa sete anos e a Thomson Reuters
Revista dos Tribunais brinda-nos com a publicação de sua 5ª. Edição. Tal acontecimento regozija-
nos. Além de marcar a consolidação de nosso livro no mercado editorial das disciplinas
fundamentais para o direito, denota, também, o acolhimento da obra pelo público leitor, que é o
principal destinatário de nossos esforços.
Para esta nova edição, como de praxe, o texto foi todo revisto. Ademais, atualizamos as
referências e a abordagem, de modo a aumentar o frescor da apresentação das questões mais
contemporâneas da Teoria, Filosofia e Sociologia do Direito.
Importante registrar, também, que houve significativo acréscimo de conteúdos, algo que torna
esta 5ª. Edição especialmente diferente em relação às anteriores.
O terceiro capítulo é dedicado ao exame da relação entre direito e ideologia. De fato, não há
como negar que o direito é um fenômeno ideológico, a questão é saber como lidar com a produção
ideológica que dele decorre. Nessa nova edição, apresentamos aos leitores nossa reflexão sobre a
importância de se evitar uma ideologia representativa, ou seja, aquela que nos impede o acesso a
uma instância crítica. Igualmente, apresentamos a investigação de como o próprio direito contribuiu
para o surgimento do conceito de ideologia.
Por sua vez, no décimo e último capítulo, a discussão sobre o método no direito foi enriquecida
com a inclusão da disputa teórica em torno do estatuto metodológico da Teoria do Direito do
Estado (Staatsrechtslehre). Além da reconstrução histórica dos principais elementos que definem
essa questão, houve também a inserção de um estudo sobre a íntima relação que se coloca entre
o método jurídico e os regimes jurídicos autoritários. Com efeito, no interior da paradoxal relação
que existe entre Direito e Autoritarismo, o método jurídico ocupa um espaço interessante – nem
sempre lembrado – e que aparece com grande nitidez nos eventos que marcam a história do
direito alemão durante a década de 1930. Posteriormente, projetamos as implicações dessa
análise para as configurações contemporâneas da metodologia jurídica.
A 5ª. Edição conta também com prefácio e posfácio revistos e atualizados respectivamente
pelos professores Nelson Nery Junior e Lenio Luiz Streck.
Por fim, cumpre registrar que continuamos sempre abertos às críticas e sugestões que possam
auxiliar-nos no aperfeiçoamento da obra.
Os Autores
Georges Abboud
Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.
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Honra-nos a Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais com a publicação de mais uma
edição de nossa Introdução ao Direito. Alcançar a quarta edição de um livro – em um mercado
editorial tão competitivo como o do Direito – é, para nós, motivo de grande satisfação e orgulho,
além de representar um considerável reforço para a consolidação desta obra como referência no
campo das disciplinas que exploram os fundamentos do pensamento jurídico.
Para esta edição, optamos por transformar substancialmente a grade de conteúdos. Desse
modo, foram incorporados, de forma mais evidente, os problemas, empíricos e metodológicos,
explorados pela Sociologia Jurídica. Assim, além de cobrir o âmbito de temas da Filosofia e da
Teoria do Direito (que caracterizavam a obra desde a primeira edição), a atual versão contempla
também temas da Sociologia Jurídica. Pensamos que, dessa maneira, a obra passa a oferecer ao
público leitor um texto mais completo e capaz de promover um efetivo tratamento transdisciplinar
das questões fundamentais para o pensamento jurídico.
Explicitando de forma um pouco mais detalhada, esta quarta edição contemplou os seguintes
acréscimos substantivos: a) o segundo capítulo foi ampliado para acrescentarmos o panorama
geral acerca do positivismo contemporâneo e sua visão sobre o direito. Desse modo, após
expormos o fundamental debate entre Dworkin e Hart, analisamos o paradigma positivista
contemporâneo que se erigiu, a partir das críticas lançadas por Dworkin, ao positivismo de Hart: o
positivismo exclusivista e o inclusivista; b) o terceiro capítulo recebeu a inclusão de uma
abordagem sobre o pensamento sociológico no direito, sua estrutura engloba o contexto histórico
do surgimento da sociologia com Comte, a relação entre sociologia e direito – perquirindo sobre a
possibilidade de pensar a autonomia da sociologia do direito – e, ainda, o pensamento de
Durkheim e Weber, dois grandes autores que servem como referência, em especial para pensar o
desenvolvimento do método sociológico; e c) no capítulo quinto, apresentamos mais uma tese da
relação entre direito e moral, a tese da interconexão. Trata-se de visão contemporânea
desenvolvida, cada um a seu modo, por Dworkin e Waldron.
Ademais, esta nova edição conta também com prefácio e posfácio revisados e atualizados por
nossos mestres e grandes parceiros acadêmicos, professores Nelson Nery Junior e Lenio Luiz
Streck.
Como de praxe, colocamo-nos desde logo à disposição da comunidade jurídica para críticas e
sugestões que possam contribuir para o aperfeiçoamento deste nosso trabalho.
Por fim, mas não menos importante, um agradecimento especial aos nossos leitores, que são
os verdadeiros destinatários dos nossos esforços e que tornaram possível que um livro de
introdução ao direito, portador de uma proposta diferenciada e não ortodoxa, pudesse alcançar a
sua quarta edição.
Os Autores
Georges Abboud
Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.
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Foi com imensa satisfação que recebemos a notícia para a produção da 3.ª edição de nosso
livro pela Editora Thomson Reuters Revista dos Tribunais. O entusiasmo da boa nova recebida,
levou-nos a uma ampla revisão bem como a alguma ampliação da obra, mantendo aquilo que já
havia sido feito na 2.ª edição.
No que tange especificamente à ampliação, cumpre destacar que, no capítulo 3, que discorre
sobre o Direito e sua Função, foi inserido o tópico 3.7, denominado Violência e Racionalidade
Jurídica. Este tópico avança nos estudos sobre o direito, poder e violência iniciados nas edições
anteriores e apresenta um cotejo do pensamento sobre a soberania de dois grandes pensadores
do direito, a saber, Hans Kelsen e Carl Schmitt. Em face da polêmica discussão sobre a soberania
entre Kelsen (positivismo jurídico) e Schmitt (decisionismo) é possível identificar uma profunda
reflexão para evidenciar como ambas as teorias se aproximam no esforço de demonstrar uma
racionalidade jurídica permeada pela violência. A exploração amiúde desta reflexão nos revela o
pensamento de Walter Benjamin, como antípoda desta polêmica, pois, para ele, a violência é uma
figura resistente às estratégias colonizadoras do direito de tal forma que pensar uma violência pura
equivale a pensá-la emancipada, sem relação com as categorias – formas – do direito, uma vez
que o direito em sua forma histórica se apresenta desde sua origem como um dispositivo
sangrento, de barbárie, que assegura paradoxalmente ao mesmo tempo dominação e inclusão.
Esse acréscimo tem o objetivo de atualizar o conteúdo do livro sobre a inarredável relação
entre direito e poder e criar a possibilidade de uma reflexão que sirva para pensar sobre a real
situação de uma teoria da decisão judicial, como apresentamos no capítulo 10 da obra.
Além disso, também de forma inédita, acrescentamos a esta edição um índice remissivo e um
índice onomástico com o intuito de facilitar o trabalho de pesquisa dos leitores.
Como de nossa praxe, continuamos, sinceramente, a aguardar por críticas e sugestões que nos
ajudem a aperfeiçoar o trabalho que aqui se apresenta.
Os Autores
Georges Abboud
Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.
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Foi com imensa satisfação que recebemos a notícia da Editora Thomson Reuters Revista dos
Tribunais sobre o esgotamento da primeira edição desta obra e o correspondente convite para
realização de uma segunda edição. Em tempos de massificação e crise do ensino jurídico, ficamos
felizes com a repercussão que esta proposta de introdução do direito tem alcançado, uma vez que
nela apostamos no cultivo do ensino voltado para a complexidade do fenômeno jurídico, não se
rendendo a simplificações, resumos e similares.
Nesse contexto, a segunda edição está amplamente revista e ampliada de modo a agregar
conteúdos oriundos das pesquisas atuais de cada um dos autores, bem como da intenção de
tornar ainda mais contemporânea a discussão de determinados temas.
Esperamos, sinceramente, que esta obra possa atender as expectativas do público leitor, seja
aquele que se inicia no estudo do direito, seja aquele já iniciado. De todos vocês, é preciso
ressaltar, esperamos continuar recebendo as sugestões e comentários para continuarmos
aperfeiçoando as futuras edições da obra.
Os Autores
Georges Abboud
Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC/SP. Professor de Direito Processual Civil da PUC/SP e do programa de mestrado e doutorado
em Direito Constitucional do Instituto Brasileiro de Ensino – IDP/DF. Advogado e consultor jurídico.
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Lista de abreviaturas
a. C. – Antes de Cristo
Art. – Artigo
Cap. – Capítulo
CC – Código Civil
CP – Código Penal
D. – Digesto de Justiniano
d. C. – Depois de Cristo
EC – Emenda Constitucional
HC – Habeas corpus
J. – Julgamento
L – Lei Federal
Min. – Ministro
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N. – número
RE – Recurso Extraordinário
Séc. – Século
T. – Tomo
inc. – Inciso
Ulp. – Ulpiano
V. – Verificar
vs/vs – versus
v.g. – verbi gratia
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Introdução
Considerações iniciais
Este livro foi preparado com o objetivo de introduzir aos problemas
fundamentais do conhecimento jurídico os estudantes e os pesquisadores do
direito. Evidentemente, tal afirmação não implica limitar sua utilidade apenas
àqueles que iniciam seus passos nos estudos jurídicos. Também os leitores que
estão com suas leituras mais avançadas encontrarão nesta obra informações
importantes para seguir, de maneira segura, caminhos mais aprofundados.
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jurídicas. Tais pontos não podem ser pensados fora da dimensão filosófica que os
abarca e que apresenta como questão principal a relação entre saber teórico e
saber prático e suas consequências para o conhecimento jurídico.
Fato é que, para muitos juristas, o jurídico está para o direito assim como
a cavalice3 está para o cavalo. De nosso ponto de vista, entretanto, o direito é
antes de tudo complexo, dinâmico, histórico e conflituoso, o que impede a
formulação de qualquer estratégia essencialista para definição de um único
conceito que defina toda a gama de possibilidades que se projetam a partir do
jurídico. Assim, uma, ainda que simples e breve, introdução ao direito, para cumprir
seu desiderato, de forma teoricamente honesta, não pode ser esquematizada,
simplificada, condensada, entabulada, plastificada etc.4
Com efeito, como nos lembra Peter Sloterdijk,5 em seu polêmico Regras para o
Parque Humano, o humanismo está ligado à intenção de se formar uma grande
comunidade de leitores; de seres humanos que deixam o estado da pura barbárie
e se civilizam por meio da leitura de textos que transmitem, através de elos
inscritos no passado, a tradição cultural que nos conforma. O autor afirma que,
desde os dias de Cícero, aquilo que se chama humanitas faz parte, no sentido
mais amplo e no mais estrito, das consequências da alfabetização e se aperfeiçoa
com o exercício da leitura. Ou seja, da possibilidade que se abre a partir da
comunicação realizada à distância pela escrita.
Não é à toa que grandes distopias como Admirável Mundo Novo, de Aldous
Huxley,61984, de Georg Orwell,7 e Fahrenheit 451, de Ray Badbury8 criavam um
tipo de sociedade em que os livros – e consequentemente a escrita e a leitura –
estavam banidos das atividades sociais. Desse modo, os indivíduos dessas
sociedades imaginadas, justamente por isso, acabavam moldados por um coletivo
acrítico e, portanto, aculturado. Não deixa de ser igualmente sintomático nesse
sentido que, no livro de Huxley por exemplo, é o Selvagem – alguém que está
situado fora da ordem preestabelecida – quem descobre Shakespeare, lê suas
obras e, a partir de então, começa a questionar as estruturas do establishment. Há
um diálogo, extremamente marcante nesse sentido, no qual Mustafá Mond – o
grande Dirigente daquela sociedade distópica de Huxley – afirma que a leitura de
livros como os de Shakespeare era uma atividade proibida. O Selvagem, então,
questiona o todo poderoso a respeito da proibição, ao que responde o dirigente:
“porque é velho; – eis a principal razão. Aqui não temos aplicações para coisas
velhas”.
Esta introdução passa bem longe dessas pretensões. Ela trata o leitor com o
respeito que ele merece e o convida para participar de um diálogo que nós não
iniciamos e também não encerraremos. Todos somos apenas parte dessa
“comunidade intergeracional de leitores”.
Guia de leitura
Desse modo, o texto está segmentado em três partes compostas por dez
capítulos. A primeira parte tem como capítulo inicial a polissemia sobre o termo
direito. Tal item tem a função de aclarar a poluição semântica12 acerca da palavra
direito.
Os três capítulos restantes (8, 9 e 10) formam a terceira e última parte do livro.
O oitavo capítulo da obra é dedicado à análise das fontes do direito. Na elaboração
desse capítulo examinamos a teoria das fontes do direito a partir da mesma
perspectiva que se estrutura a obra, qual seja, a pós-positivista. Por consequência,
atualizamos a teoria das fontes a fim de contemplar os fundamentos e as funções
adquiridas pelo fenômeno jurídico na atualidade. Outrossim, além dos tradicionais
elementos, incorporamos questões referente ao common law, haja vista a
crescente demanda de conhecimento desse sistema em face das discutíveis,
porém incontestáveis, tendências de aproximação entre o sistema romano-
canônico e o sistema do common law.
Por fim, apresentamos três posturas teóricas sobre a decisão judicial, a saber,
as propostas de Robert Alexy, Ronald Dworkin e Lenio Luiz Streck.
.Cavalice é a essência de todo cavalo. James Joyce. Ulisses. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p.
227.
4
.Sobre a “estandardização” do ensino jurídico, cf. Lenio Luiz Streck. O que é isto – decido
conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, passim.
5
.Cf. Peter Sloterdijk. Regras para o parque humano. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2000.
6
.Importante lembrar que, na sociedade criada por Badbury, os bombeiros não combatiam
incêndios. As casas eram “à prova de fogo”. A função dos bombeiros era exatamente queimar
livros que, eventualmente, ainda existissem nas casas das pessoas. O título do livro – que virou
filme pelas mãos de François Truffaut – alude exatamente a esse fato: Fahrenheit 451 seria a
temperatura necessária para que os livros fossem eficazmente queimados.
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10
.Wolfgang Stegmüller. A filosofia contemporânea. São Paulo: EPU, 1977, vol. I e II.
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
Max Weber. Economia e sociedade. 3. ed. Brasília: UNB Brasiliense: 1994,
vols. 1 e 2.
Josef Kohler. The philosophy of law. Trad. Adalbert Albrecht. New York:
Augustus M. Kelley publishers, 1969, n. IV, s. VII, § 7.
.Rosa Maria de Andrade Nery. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado. São Paulo: Ed. RT, 2008, n. I.1. p. 11.
2
.Reinhold Zippelius. Introdução ao estudo do direito. Trad. Gercélia Batista de Oliveira Mendes.
Belo Horizonte: Del Rey, 2006, n. 1.1. p. 1.
3
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5 – Justiça, enquanto qualidade do que atende aos anseios de justiça e retidão;
Com bem mostra Tercio Sampaio Ferraz Junior, caberia a nós, nessa tarefa, a
tentativa de uma redefinição ou, então, de uma pura estipulação, sendo que esta
última certamente apresentaria o defeito de num compêndio de “Introdução ao
Direito”, criar uma certa distância, vagueza, para com os usos habituais. A tarefa
conceitual do Direito é senão impossível num ambiente de neutralidade, na
tentativa de eliminação de qualquer carga emotiva, isso, pois a língua é fenômeno
comunicativo e a tentativa seria fadada ao próprio corrompimento daquele que o
tenta, haja vista que sempre existem inclinações teóricas na definição.10
notitia. Seu centro gravitacional era uma noção que está contida na própria
palavra: a prudentia.12
Cabe ainda expor o segundo ponto de nossa reflexão, a saber, a ideia do direito
como um conjunto de conhecimentos conglobantes, que se ocupa de uma série de
disciplinas diferentes, como: filosofia do direito, antropologia e sociologia jurídica,
teoria do direito, jurisprudência (dogmática jurídica), entre outros inúmeros outros
ramos jurídicos.
Nessa ordem que o direito apresenta sua relação estreita com a existência
social do homem e se constitui, historicamente e pela opinião geral, como um
conjunto de regras em conformidade às quais os homens ordenam entre si a
conduta. Em síntese, o direito seria a invocação de tudo o que é reto, regular,
normativo, “ou seja, tudo aquilo que atende ao anseio de retidão, de justiça, de
comando imperativo para um sentido bom e justo, e, com isso desafia o
conhecimento, despertando espírito científico que possa realizá-lo”.20
Isso tudo evidencia, como mostra Josef Kohler, que fica estabelecido
fundamentalmente, como numa base religiosa, que a regulação, em termos de
pacificação, buscada no Direito é uma necessidade fundada na peculiar natureza
de nossa raça, e, especificamente, em duas qualidades: nossa cega emotividade
(blind passioneteness) e a incompletude de nosso conhecimento (incompleteness
of our knowledge). Tanto é verdade, adverte o autor, que mesmo quando em casos
em que o direito parece claro como o dia, sua administração é difícil.21
Leitura recomendada
Básica
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Intermediária
Avançada
.De Plácido e Silva. Vocabulário Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro. São Paulo: Forense, 1967. p. 528 e
529. vol. II, D – I.
6
.No sumário do capítulo 2 que inicia na referida obra de Benveniste, a palavra Díke, o autor afirma
que “o grego díke impõe a representação de um direito formular, determinado para cada situação
particular o que se deve fazer. O juiz – hom dikas-pólos – é aquele que tem a guarda do conjunto
de fórmulas e pronuncia com autoridade, dicit, a sentença apropriada”. Émile Benveniste. Op. cit.,
p. 112.
9
.A definição do vocábulo se refere, em parte, à análise dos seguintes autores e obras: Rosa Maria
de Andrade Nery. Op.cit., p. 13, e Eros Roberto Grau. O direito posto e o direito pressuposto. São
Paulo: Malheiros, 1996. p. n. 1, 1.1. p. 15 e 16.
10
.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2007. n 1, 1.2. p. 38.
11
.Com relação a essa palavra, tem-se que também ela é equívoca, podendo designar a referida
atividade romana, como também o estudo da ciência do direito em sentido estrito (jurisprudenz).
Sobre esse assunto esclarecedor o comentário de Willis Santiago Guerra Filho: “O século XIX traz
à baila a chamada Escola Histórica, a qual, conforme já aludimos, emprega pela primeira vez a
expressão “ciência do direito” (Rechtswissenschaft, Jurisprudenz). Nesse momento, instaura-se o
confronto que serve de orientação às mais diversas teorias jurídicas aparecidas desde então.
Trata-se da oposição entre a concepção sistemática, de caráter formal-dedutivo, representada pelo
jusnaturalismo racionalista, e aquela que acentua a inserção histórica e social do Direito, que
determina a busca do jurídico onde ele se dê concretamente, ou seja, na experiência jurídica dos
povos”. Willis Santiago Guerra Filho e Henrique Garbellini Carnio. Teoria da ciência jurídica. 2. ed.
Saraiva: São Paulo, 2009, n. 1, 1.3. p. 38.
12
.Idem, p. 32.
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13
.Expondo mais claramente: “Falar da phronesis requer retomar todo o conjunto da ética de
Aristóteles assim como seu lugar no universo ético grego – e retomar também o pensamento
político de Aristóteles. Todo o pensamento ético em Aristóteles é ao mesmo tempo político e
jurídico. Pode-se aceitar a afirmação de que o pensamento grego moveu-se na unidade sincrética
entre moral, política e direito, e acompanhar a tese de que a consciência jurídica apenas se
autonomiza na experiência jurídica romana”. Aristóteles. Ética a Nicômaco. Trad. António de
Castro Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, introdução. p. 2 e 3. O texto da citação se refere à
introdução do livro feita por Nuno Manuel Morgadinho dos Santos Coelho. Ainda na introdução há
outra importante consideração digna de nota. Na mesma passagem citada há uma nota sobre o
conceito de phronesis e a advertência pelo introdutor de que, em especial, na tradução de António
de Castro Caeiro, a palavra que normalmente é traduzida por via do latim como prudência, é
preferida diretamente do grego como sensatez.
15
.José de Oliveira Ascensão. O direito: introdução e teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2001, n. 1, 1. p. 5.
17
.A reflexão sobre a ideia de sistema e ordenamento será realizada em capítulo a parte (v. item 9.3)
e ainda no tópico sobre direito e ciência.
18
.Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2009, II, cap. 1, n 1. p. 261 et seq.
19
.Idem, p. 261.
20
.Josef Kohler. The philosophy of law, tradução de Adalbert Albrecht. New York: Augustus M. Kelley
publishers, 1969, n. IV, s. VII, § 7, p. 63. Com o intuito de esclarecer o exposto, a referência de
Kohler se dá exatamente nos seguintes termos: “In addition to the legal order peaceble regulation
is indispensable. Its rests primarily on a religious basis and is therefore dependent on the religion
basis and its therefore dependent on the religion that dominate society. This peaceable regulation is
a necessity founded on the peculiar nature of our race, and, especially, on two qualities: our blind
passionateness, and the incompleteness of our knowledge”.
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1) A pergunta sobre O que é o Direito não é simples de ser respondida. Se colocada assim, de plano, dificilmente será
desenvolvida uma resposta de forma adequada caso não se determine um ponto de partida. Isso evidencia como a pergunta
sobre o conceito de direito pode ter várias perspectivas.
2) Algumas perspectivas de resposta sobre o conceito de direito foram apresentadas neste capítulo e a forma de sua
apresentação se deu a partir da escolha de sentidos que representam e constituem o significado do direito desde a idade antiga
até a atual. De qualquer forma, a preocupação não foi a de se seguir um fio condutor histórico sobre o conceito de Direito, mas
verificar como ele ocorre de modo experiencial na vida do homem em sociedade.
3) De imediato, então, procuramos nos referir ao conceito de direito como decorrente das próprias relações humanas, em
especial, que pode ser identificada a gênese do conceito de direito nas comunidades primitivas. Isso possibilita o entendimento
de como o Direito decorre das relações sociais.
4) Estabelecer um conceito de direito não é tarefa simples. O termo direito possui vários significados, por isso é considerado
como um conceito equívoco, tal qual ocorre com o conceito de justiça. A partir disso, foram apresentados os vários sentidos que
o termo direito possui, desde o sentido de como algo reto, que traz retidão, isto é, que não se desvia, até como objeto da ciência
do direito.
5) O entendimento sobre a polissemia do conceito de direito demonstra como os vários significados do termo Direito podem
ser utilizados, propiciando um bom emprego do conceito e demonstrando a amplitude de seu sentido.
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2. O Conceito de Direito
A melhor tratativa sobre esse tema foi apresentada em forma monográfica por
Sebastião Cruz, em texto intitulado como: Ius. Derectum (Directum): Dereito
(Derecho, Diritto, Droit, Direito, Recht, Right etc.).1
O autor inicia sua exposição indicando que a palavra Ius, de origem muito
antiga na língua latina, que entre nós é traduzida como direito, encerra uma série
de problemas. Na realidade, a palavra Ius, que remonta ao patrimônio linguístico
indo-europeu, deduz-se de sua própria etimologia, encontrando uma séria
dificuldade na sua significação básica.
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Inicialmente, como se disse, a balança não era o símbolo todo, mas apenas um
elemento, na realidade o primeiro.
O símbolo grego completo, indicado por volta dos séculos XII-X a.C., era
inicialmente constituído por Zeus, enquanto encarnação suprema da justiça, o deus
que tudo vê, segurando a balança.
Foi somente posteriormente, mas ainda no tempo de Homero, que Zeus passa
a ser substituído pela deusa Thémis, figura austera, digna e triste, que segurava a
balança com os dois pratos ao mesmo nível, portanto iguais, a prescrever, a impor
aos homens o que Zeus lhe inspirasse.
Por fim, no tempo de Hesíodo é que surge, então, o símbolo que gozou de
maior popularidade até então, a deusa Díkê, filha de Zeus e Thémis, encarnando,
mas, sobretudo, administrando a justiça, tendo na mão direita uma espada e na
esquerda uma balança de dois pratos, porém sem fiel ao meio, e estando de pé e
de olhos bem abertos.
Segundo se relata, era mediante essa balança que ela declarava (ora por
inspiração, ora por ordem de Zeus), ou melhor, dizia ser justo, haver direito,
quando estivessem iguais os dois pratos da balança. O justo, portanto, é o que é
visto como igual.7
Desse modo é que os romanos, desde remoto período, por influência grega,
criaram seu símbolo sobre o direito.
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algo dito solenemente pela deusa Díke, e íson, mais popular, exprimindo que os
dois pratos estavam iguais.
Além disso, algumas pequenas diferenças podem ser identificadas nas deusas
gregas e romanas, em especial duas: (a) a deusa grega possui os olhos abertos e
a deusa romana os olhos vendados – considerando a importância, para os gregos,
que os dois sentidos mais intelectualmente sensíveis eram a visão e a audição, (b)
a deusa grega, tendo numa das mãos a balança e na outra a espada, enquanto
deusa romana permanece sem espada e segurando a balança com as duas
mãos.10
Derectum, já significando direito, pode ter existido desde o início da vida jurídica
em Roma, primeiro ao lado de youes; depois a par de youes e de ius, entre os
séculos V a III a.C. e desde o século III a.C. ao lado de ius.
Foi a partir do século IV a.C. que a palavra, em sua significação mais popular e
vinculada ao equilíbrio da balança, não aparecia, sendo encontrada apenas nas
fontes não jurídicas, destinadas aos povos.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Michel Villey. Formação do pensamento jurídico moderno. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.
Avançada
.Sebastião Cruz. Ius. Derectum (directum): dereito (derecho, diritto, droit, direito, recht, right,
etc.). reimp. doimbra: Editorial de Derecho Financiero, 1974.
2
.A polêmica é que alguns autores, como Walde-Hofmann, entendem que a tradução seria a
mesma, entretanto o autor que estamos nos baseando e ainda Michel Bréal possuem
posicionamento contrário. Para tanto, cf. Idem, p. 17, A.
3
.Idem, ibidem, A.
5
.Idem, p. 20, B.
6
.Nesse ponto, o autor mostra sua preocupação com a pesquisa que apresenta, pois trata que a
questão por traz de tudo é a da Filosofia da Linguagem, determinando como assente, no ambiente
das correntes que se instauram nesse mote, de que os símbolos são anteriores às palavras. Idem,
p. 21-23, C.
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7
.Idem, p. 28-29, C, b.
9
.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 5. ed.
São Paulo: Atlas, 2007. p. 33, n. 1, 1.1.
10
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Dessa forma, o estudo proposto pretende revelar que essa obrigação foi a
primeira a identificar a noção de um vínculo jurídico que, aparentemente, foi
cunhado em nossa tradição pela noção de obligatio do direito privado romano.14
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Isso demonstra que, nesse período, ainda não se pensava causalmente, como
consideram alguns historiadores. Na verdade, pode se falar em pensamento causal
somente se a regularidade percebida em alguma sucessão de fatos é considerada
como necessária, algo que estava extremamente distante do pensamento do
homem primitivo.
Cabe notar, portanto, a evidência de que toda a estrutura social era baseada no
misticismo envolvendo o respeito, a crença e o medo, na ideia mágica que permeia
o princípio da retribuição.15
14
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sociedades diferentes, de grupos étnicos variados. Ressalta-se que este tópico foi escrito a partir
das referências produzidas em dissertação de mestrado apresentada na Pontifícia Univerisadade
Católica de São Paulo – PUC-SP. Para tanto, cf. Henrique Garbellini Carnio. Kelsen e Nietzsche:
aproximações do pensamento sobre a gênese do processo de formação do direito. Dissertação de
Mestrado, São Paulo, PUC-SP, 2008. p. 19-48 e ainda no livro Curso de sociologia
jurídica publicado pela editora Revista dos Tribunais, cf. Henrique Garbellini Carnio; Alvaro de
Azevedo Gonzaga. Curso de sociologia jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2011. parte 6, n. XVII, p. 223-
246.
15
.Nesse sentido, é válida a seguinte abordagem de Lévy-Bruhl: “De l’ánalyse dês faits qui precede,
et qui pourrait facilement être confirmeé par beacoup d’autres, Il ressort, une fois de plus, que la
mentalité primitive est essentiellement mystique: Ce ceractère fondamental impregne toute se
façon de penser, de sentir et d’agir. De là naît une extrême difficulté de la comprende et de la suivre
dans sés démarches. A partir dês impressions sensibles, qui sont semblables pour lês primitifs et
pour nous, elle fait um coude Brusque, et elle s’engage dans dês chemins que nous ne prenons
pás. Nous sommes vite déroutes. Si nous cherchons à deviner pourquoi des primitifs font ou ne
font pás telle chose, à quelles préoccupations ils obéissent en un cas donné, lês raisons qui lês
asrtreignent au respct d’une costume, nous avons les plus grandes chances de nous tromper. Nous
trouverons une ‘explication’ qui sera plus ou moins vraisemblable, mais fausse neuf fois sur dix”.
Lucien Lévy-Bruhl. La mentalité primitive. Paris: Librairie Félix Alcan, 1933. p. 503.
16
.Émile Durkheim. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999. p. 14-37. Vale lembrar que para Durkheim a sociedade e as suas relações formam a
personalidade e a forma de agir dos indivíduos, ou seja, o indivíduo é formado de uma forma
externa, diferentemente de Marx, para quem a consciência individual é formada dialeticamente.
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Para ficar clara a exposição sobre o princípio da retribuição que se iniciou neste
tópico, cabe expor o conceito primitivo de magia que compunha sua projeção.
O mago primitivo, aquele encarado como uma autoridade pela crença mágica
primitiva, exerce tão somente a magia prática, porque ele nunca analisa os
processos mentais em que sua prática se baseia, nunca reflete sobre os princípios
abstratos que cercam seus atos. Essa magia prática pode ainda ser uma magia
positiva, a feitiçaria, ou uma magia negativa, o tabu.
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17
.James George Frazer. O ramo de ouro. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara
Koogan S.A., 1982. p. 34.
18
.Idem, ibidem.
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Toda a estrutura perpassa por uma relação de dar, receber e retribuir de forma
obrigatória.
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O mito fracassa em dar ao homem mais poder material sobre o meio, mas dá a
ele a ilusão de que pode entender o universo e de que entende, de fato, o
universo. O homem sem-escrita completa sua compreensão total do mundo pela
satisfação e obviedade do princípio da retribuição.
Com isso, quer-se dizer que, com o potencial que os homens sem-escrita
tinham, poderiam ter modificado a qualidade das suas mentes, mas tal modificação
não seria adequada ao tipo de vida que levavam e ao tipo de relações que
mantinham com a natureza. Uma conclusão muito significativa que se pode extrair
dessa investigação antropológica é que a mente humana, apesar das diferenças
culturais, é, em toda a parte, uma e a mesma coisa, com as mesmas capacidades.
21
.Bronislaw Malinovski. Crime and custom in savage society. New York: Harcourt, Brace &
Company, 1929. p. 22-27.
22
.Alain Caillé. Antropologia do dom: o terceiro paradigma. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis:
Vozes, 2002. p. 8.
24
.Idem, p. 9.
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proveito dos deuses, podendo até ser morto pelo primeiro que assim o
quisesse”.34 Matar o sacer sequer era considerado homicídio.35
Como bem nota Oswaldo Giacóia Jr., o Bann (bando) resulta, pois, de uma
transposição da matriz jurídico-obrigacional do débito e do crédito, desenvolvendo
o sentimento primitivo de justiça como equivalência.36
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
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Rudolf von Jhering. Espírito do direito romano. Rio de Janeiro: Alba, 1943.
vol. 1, livro 1, pár. 7.
27
.Albert Hermann Post foi um dos principais autores a se dedicar ao estudo etnológico do direito,
em seu Esboço de uma jurisprudência etnológica (Grundriss der ethnologischen jurisprudenz) logo
na Introdução (Einleitung) o autor oferece a importância do estudo etnológico do Direito nos
seguintes termos: “Das Recht ist eine Funktion der sozialen Verbände, eine der
Aeusserungsformen des Volksgeistes. Es wird dahen von den einzelnen Menschen gelebt und
erlebt, man könnte fast sagen geträumnt, und es gehört die Erreichung einer erheblichen
Kulturstufe dazu, bis der Mensch anfängt, sich dês Rechts bewusst zu werden und über dasselbe
nachzudenken. Bis dahin wird das Recht nur geübt. Setzt diese Uebung wegen stärkeren
Entwicklung des Recht bereits die Erwerbung von Kentnissen voraus, so kann die Ausübung des
Rechts zu einer Kunst warden, die erlernt warden muss. Eine solche Kunst kann schon weit
entwickelt sein, ehe ein Volk beginnt, über sein Recht nachzudenken und nach den Ursachen
desselben zu forschen”. Albert Hermann Post. Grundriss der ethnologischen jurisprudenz.
Oldenburg und Leipizig: A. Schwartz, 1984. p. 1, n. 1, § 1.
28
.Oswaldo Giacóia Jr. Nietzsche e a genealogia do direito. In: Ricardo Marcelo Fonseca
(org.). Crítica da modernidade: diálogos com o direito. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005.
p. 35.
29
.Idem, p. 35-36.
30
.Cf. Hernique Garbellini Carnio. Notas sobre o pensamento antropológico jurídico de Rudolf von
Jhering. In: Alvaro de Azevedo Gonzaga; Antonio Baptista Gonçalves (orgs.). (Re)pensando o
direito: estudos em homenagem ao Prof. Cláudio de Cicco. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 125-132.
31
.A proposta de Jhering que se pretende aproveitar é bem clara: “A condição primitiva dos povos, os
primeiros rudimentos da formação do direito e do Estado, oferecem grande interesse para a
história da civilização (...) Tôda a atividade do povo romano se encaminhou, durante séculos
inteiros, para os interesses práticos do presente. Teve, para dizer a verdade, profundo respeito
pela tradição; o que existia, conservava força e vigor, até a mais avançada idade, mas quando
desaparecia completamente, não tardava em cair no esquecimento, ocupando-se pouco dos
acontecimentos históricos, da origem e do desenvolvimento das instituições existentes (...) houve
um tempo em que existia este aspecto primitivo de direito e pouco importa que o povo romano dos
tempos históricos não o tenha reconhecido. Não se pode com exatidão, demonstrar, nem onde
nem quando, nem por quanto tempo este estado de cousas existiu; mas basta saber que a partir
dele, se derivou o Direito romano. Neste primeiro livro:
1.º Subteremos, desde logo, à crítica, a origem do Direito romano, segundo a lenda, ou a
cosmogonia do Direito romano (§ 8);
2.º Trataremos, em seguida, de fixar o aspecto do direito, nos tempos primitivos, isto é, os pontos
de partida e os elementos originários do Direito romano (§ 9-23);
3.º E, finalmente, examinaremos como o espírito romano tratou esses primeiros pontos de partida
que descobriremos (§ 24-25)”. Rudolf Von Jhering. O espírito do direito romano: nas diversas fases
de seu desenvolvimento. Trad. Rafael Benaion. Rio de Janeiro: Ed. Alba, 1943. p. 91-93.
32
.Idem, p. 93.
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33
.Oswaldo Giacóia Jr. Notas sobre direito, violência e sacrifício. Dois pontos: Estado, soberania,
mundialização. vol. 5, n. 2, p. 37. Curitiba: UFPR/São Carlos: UFSCar, out. 2008.
34
.Aduz Jhering: “O perfeito caráter da pena sacer esse indica que não nasceu no sólo de uma
órdem jurídica regulada, mas remonta ao período da vida présocial, como um fragmento da vida
primitiva dos povos indogermânicos. Não indagaremos si a palavra grega ε´υχΥη´ς tem alguma
analogia com esse estado; mas a antiguidade germânica escandinava mostra, sem dúvida alguma,
que o banido, ou forasteiro, é irmão do homo sacer (warges, varg, lobo; e no sentido religioso, lobo
santo, vargr i veum). Esta semelhança histórica, que até aqui não foi feita por ninguém, que
saibamos, é de um valor inestimável para a compreensão exata do sacer romano. É opinião
generalizada que ninguém se convertia em sacer por consequência imediata do delito, e sim por
uma condenação, ou pelo menos, que se comprovasse o facto (…) Isso prova, com efeito, que o
que se considerava como impossível para a antiguidade romana, isto é, o homicídio do proscrito
sem razão e sem direito, foi de indiscutível realidade na antiguidade germânica.” Idem, p. 203,
vol. 1.
36
.Segundo Oswaldo Giacóia Jr.: “O significado da palavra remete a bandido, mas também a
banido – excluído – do mesmo modo que, em alemão, os termos Bande e Bann designam tanto a
expulsão da comunidade quanto a insígnia de governo do soberano. Tal como se encontra
explicitamente mencionado na obra Rudolph von Jhering O Espírito do Direito Romano, o termo
Bann guarda relação com a sacratio romana arcaica, designando o fora da lei, proscrito e banido
da proteção do ordenamento primitivo, que, enquanto tal, poderia ser morto independentemente de
um juízo e fora do direito. A figura do banido era, na antiguidade germânica, o Friedlos, o ‘sem
paz’, teria seu fundamento na paz (Fried) assegurada na comunidade, da qual a proscrição o
excluía. Tratava-se, pois, de um caso de exclusão includente, ao qual o ordenamento jurídico se
aplica integralmente, por meio de sua própria suspensão – a instituição do bando mantém o
proscrito capturado fora do ordenamento, na medida em que a aplicação (incidência) da decisão
soberana consiste precisamente na exclusão e suspensão da lei e da paz, fazendo coincidir, num
mesmo ato, suspensão (exclusão) e aplicação (inclusão)”. Oswaldo Giacóia Jr. Notas sobre direito,
violência e sacrifício cit., p. 38.
37
.Oswaldo Giacóia Jr. Notas sobre direito, violência e sacrifício cit., p. 38.
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Ainda com Streck é importante mencionar que essa ordem deveria espelhar a
harmonia e a perfeição encontrada em uma determinada natureza.
O modo como esses dois períodos históricos passaram a tratar de temas como
a liberdade, a autonomia e a vontade, afetarão, em toda sua amplitude, os estudos
sobre o direito natural e a justiça. Isso porque o racionalismo antropocêntrico
rejeitará qualquer ideal de ordem que não seja colocada pela razão, isto é, pelo
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Leitura recomendada
Básica
Willis Santiago Guerra Filho. Teoria política do direito: uma introdução política
ao direito. Brasília: Brasília jurídica, 2000.
Intermediária
Avançada
38
.Cf. Lenio Luiz Streck. Direito. In: Vicente de Paulo Barreto; Alfredo Culleton (coords.). Dicionário
de filosofia política. São Leopoldo: Unisinos, 2010. p. 145-150.
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39
.Cf. Norberto Bobbio. Locke e o direito natural. Brasília: Ed. UnB, 1997. p. 28.
40
.Importante anotar que existe uma diferença entre o conceito de transcendência e
de transcendental. O conceito de transcendental remete à tradição kantiana e pode ser encarado
como totalidade da subjetividade (eu transcendental). O transcendente e o transcendental são
temas que remetem, corriqueiramente, a questões metafísicas tradicionais. No metafísico,
transcendemos a natureza (física) para pôr em causa um ente suprassensível, tocando, assim, nas
últimas possibilidades do conhecimento humano. O transcendente já respondeu pelo nome
de Cosmos, de Deus e de Razão. Como anota Ernildo Stein “essa concepção ontológica faz uso
do método objetivo e absolutamente não problematiza a possibilidade de acesso à realidade
transcendente ao sujeito. Na explicitação dessa realidade, ela facilmente poderá entrar em choque
com as teorias científicas que também se ocupam de coisas objetivas, ainda que em outro plano”.
Com Descartes e a fundação da modernidade, a subjetividade é posta como fundamento – o
fundamento então deixa de ser transcendente e passa a ser imanente – e a realidade
transcendente é posta em dúvida: “pela primeira vez, a ontologia do real objetivo parte do
problema do conhecimento. O sujeito é condição de possibilidade do conhecimento do real”. Mas
não bastava afirmar a subjetividade como fundamento para resolver os problemas da
transcendência porque permanecia como enigmática a passagem para o mundo exterior; como se
dá afinal o conhecimento? Assim se encontra o debate entre empirismo e racionalismo que
mencionamos no texto. No fundo, continuava em jogo o velho problema do conhecimento
metafísico da transcendência e do dualismo. Kant procurou solucionar o problema a partir da
construção do método transcendental. Para ele, “o objeto da interrogação não é o conteúdo do
conhecimento, mas as formas em que ele nos é dado. E as formas são as condições que brotam
da subjetividade. O transcendental surge como problema crítico. O método transcendental deduz
da subjetividade não apenas as condições de possibilidade do conhecimento, mas a própria
condição de possibilidade dos fenômenos. O problema do singular e do universal é resolvido no
interior da subjetividade. Não há mais conhecimento metafísico, interessa apenas a metafísica do
conhecimento.” Ernildo Stein. Uma breve introdução à filosofia. Ijuí: Unijuí, 2005. p. 73-77.
41
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Começaremos este item com uma citação de Norberto Bobbio que ilustra muito
bem aquilo que pretendemos abordar aqui: “A teoria do jusnaturalismo vem ao
encontro de nossa exigência de mudar, de aperfeiçoar, ou, conforme o caso, de
justificar o direito vigente; mas, como disse Gellner, ‘é difícil acreditar nela’. É mais
fácil acreditar no positivismo jurídico, que pode oferecer-nos uma teoria coerente
do fenômeno jurídico, construída racionalmente e controlada empiricamente. (...)
em outras palavras, o jusnaturalismo desempenha bem sua função, quando se
apresenta como uma ideologia do direito; o positivismo, quando se apresenta como
uma teoria do direito”.43
O direito positivo pode ser definido como o conjunto de regras e normas que
rege o convívio humano num determinado contexto histórico (temporal), social e
territorial (espacial). Como afirmamos acima, mesmo as teorias do direito natural
não excluem o conceito de direito positivo de seu âmbito de análises. Elas apenas
submetem esse direito positivo a uma ordem transcendente, condicionando, assim,
seu conteúdo a determinados princípios de justiça.
Ronald Dworkin é dos autores que oferece forte crítica ao positivismo por força
da posição assumida diante da relação direito/moral. Conforme o resumo de
Green, a crítica mais significativa do positivismo rejeita a teoria do direito em todos
os níveis imagináveis. Ele nega que possa haver qualquer teoria geral da
existência e do conteúdo da lei; ele nega que as teorias de sistemas jurídicos
possam identificar a lei sem recorrer aos seus méritos, e rejeita todo o foco
institucional no positivismo.45.
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En esta concepción, que hemos llamado positivismo jurídico incluyente, los valores
y principios morales cuentan entre los posibles fundamentos que un sistema jurídico
podría aceptar para determinar la existencia y contenido de las leyes válidas.72
(...) Salvo que los argumentos morales de la clase de los ofrecidos por Bentham,
Hart y MacCormick estén destinados a cuestionar una teoría cuyo objetivo sea la
aplicación práctica en la vida cotidiana, son inválidos. Apelan a consideraciones que
no logran tocar los temas relevantes de adecuación filosófica o, si están en juego
concepciones dworknianas, la real justificación moral de la coerción estatal y el tema,
relacionado, de dotar de fuerza a los derechos morales reles. Los argumentos
causales/morales de Betham, Hart y MacCormick no ofrecen razones, por lo tanto,
para preferir el positivismo excluyente sobre el incluyente. Es conveniente, entonces,
enrolarse em la nota preventiva de Hume: “no es cierto que una opinión sea falsa en
virtud de sus consecuencias peligrosas”.
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43
.Leslie Green. Legal Positivism. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Fall Edition, 2009. p. 11.
45
.Idem, p. 13.
46
.Idem, ibidem. “A society has a legal system only when, and to the extent that, it honors this ideal,
and its law is the set of all considerations that the courts of such a society would be morally justified
in applying, whether or not those considerations are determined by any source”.
47
.Idem, ibidem. “The controversy suggests to him that law cannot rest on an official consensus, and
the diversity suggests that ther is no single social rule that validates all relevant reasons, moral and
non-moral, for judicial decisions”.
48
.Posteriormente, o artigo foi republicado com o título “O modelo de regras I” e inserto na obra
“Levando os Direitos a sério”, em que foram reunidos diversos ensaios escritos por Dworkin.
49
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.Ronaldo Porto Macedo Junior. Do xadrez à cortesia: Dworkin e a teoria do direito contemporânea.
São Paulo: Saraiva, 2014. p. 160.
50
.Lenio Streck. Dicionário de Hemenêutica. São Paulo: Letramento, 2017,, n. 29, p. 167.
51
.“Tais padrões seriam princípios que estariam embebidos em uma forte controvérsia de fundo não
apenas jurídico, mas, também – e principalmente –, moral”. Lenio Streck Streck. Verdade e
consenso... cit., 5. ed., p. 40.
56
.Idem, p. 15. “Such moral considerations, inclusivists claim, are part of law because the sources
make it so, and thus Dworkin is right that the existence and content of law turns on its merits, and
wrong only in his explanation of this fact. Legal validity depends on morality, not because of the
interpretative consequences of some ideal about how the government may use force, but because
that is one of the things that may be customarily recognized as an ultimate determinant of legal
validity. It is the sources that make the merits relevant”.
58
.Idem, p. 16.
60
.Idem, ibidem. “‘Discretion’, however, may be a potentially misleading term here. First, discretionary
judgments are not arbitrary: they are guided by merit-based considerations, and they may also be
guided by law even though not fully determined by it – judges may be empowered to make certain
decisions and yet under a legal duty to make them in a particular way, say, in conformity with the
spirit of preexisting law or with certain moral principles (Raz 1994, p. 238-53). Second, Hart’s
account might wrongly be taken to suggest that there are fundamentally two kinds of cases, easy
ones and hard ones, distinguished by the sorts of reasoning appropriate to each. A more
perspicuous way of putting it would be to say that there are two kinds of reasons that are operative
in every case: source-based reasons and non-source-based reasons”.
61
.Idem, p. 17.
62
.Nesse sentido: “O positivismo jurídico excludente, tendo pretensões meramente descritivas, afirma
que a determinação da existência e do conteúdo do direito nunca demanda juízos de aprovação ou
desaprovação moral”.Bruno Torrano. Positivismo jurídico excludente: um guia rápido. Disponível
em: [http://emporiododireito.com.br/backup/positivismo-juridico-excludente-um-guia-rapido/].
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63
.Nesse sentido: “Seria, portanto, um tipo de positivismo – que mantém o apego pelas fontes sociais
do direito –, porém, inclusivas com relação à possibilidade de incorporação de elementos morais”.
Lenio Streck. Verdade e consenso... cit., 5. ed., p. 42.
64
.Leslie Green. Legal Positivism. Stanford Encyclopedia of Philosophy. Fall Edition, 2009. p. 19.
65
.“The second reason for stopping at sources is that this is demonstrably consistent with key
features of law’s role in practical reasoning”. Leslie Green. Op. cit., p. 19.
66
.“In like manner, moral standards, logic, mathematics, principles of statistical inference, or English
grammar, though all properly applied in cases, are not themselves the law, for legal organs have
applicative but not creative power over them. The inclusivist thesis is actually groping towards an
important, but different truth. Law is an open normative system (Raz 1975, p. 152-54): it adopts and
enforces many other standards, including moral norms and the rules of social groups. There is no
warrant for adopting the Midas Principle to explain how or why it does this”. Leslie Green. Op. cit.,
p. 20-21.
67
.Para análise de mais autores, conferir Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro. 2. ed.
São Paulo: Ed. RT, 2018, cap. 1.
70
.Wilfrid J. Waluchow. Positivismo jurídico incluyente. Madrid/Barcelona: Marcial Pons, 2007. p. 17.
71
.Idem, p. 97. “En los últimos años ha surgido una controversia en las líneas del positivismo sobre la
posibilidad de una conexión particular entre el derecho y la moral que algunos positivistas
reconocidos aceptan como posible e incluso característica de los sistemas jurídicos modernos,
pero que otros rechazan por considerarla inconsistente con la naturaleza misma del derecho,
Filósofos como Jules Coleman, John Mackie y David Lyons han sugerido que entre las conexiones
concebibles entre el derecho y la moral que un positivista podría aceptar está el hecho de que la
identificación de una regla como válida dentro de un sistema jurídico, así como el discernimiento
del contenido de una regla o el modo en que influye en un caso jurídico, pueden depender de
factores morales”.
72
.Idem, ibidem.
73
.Idem, p. 101.
74
.Idem, p. 102.
75
.Idem, p. 107.
76
.Idem, p. 103.
77
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.Idem, p. 105.
78
.Idem, p. 105.
79
.Idem, p. 108.
80
.Idem, p. 110-113.
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Waluchow considera que Hart não apresentou razões plausíveis para preferir o
positivismo ao jusnaturalismo, e que seus argumentos não podem ser utilizados
para sobrepor o positivismo exclusivo ao inclusivo.81
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81
.Idem, p. 114.
82
.Idem, ibidem.
83
.Idem, p. 116.
84
.Idem, ibidem.
85
.Idem, p. 118.
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O apelo linguístico, para Raz, possui alguma força, mas não é o bastante
porque é insuficiente à resolução de questões substantivas. A vinculação às
palavras não pode se sobrepor ao objetivo de estudar a sociedade e suas
instituições. Se o uso ordinário da palavra direito não contribui para a investigação
da sociedade, então não podemos colocar o argumento linguístico em benefício do
positivismo exclusivo.
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Ofrecen explicaciones sobre por qué ciertas cosas existen en la forma en que
existen, y a menudo articulan los propósitos que otra gente considera justificadamente
útiles. Pero estas articulaciones en modo alguno comprometen al hablante con las
mismas creencias valorativas (...). Así como puede ofrecerse una teoría descriptiva
del derecho, puede ofrecerse una explicación del apartheid sin buscar (sin éxito)
justificar su existencia y su uso contra los negros sudafricanos.93
O fato é que, para Waluchow, a função atribuída ao direito por Raz não dá
motivos para que rechacemos o positivismo inclusivo.
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(...) es mejor que se nos requiera utilizar nuestro propio juicio y luego seamos
juzgados por ello, antes que tener una guía clara del derecho, pero que sea
completamente irrazonable en las circunstancias.96
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Outro ponto importante diz respeito ao fato de que as razões dependentes cujo
exame ulterior frustraria a função arbitral (estabelecer a disputa) sãos aquelas a
que a diretiva arbitral deve substituir. Recorrer a outras possíveis razões ao
interpretar a diretiva não necessariamente, por esse raciocínio, frustraria a
atividade arbitral (porque são outras razões, que não as substituídas pelas
diretivas).100 “El conjunto de todas las razones morales no es idéntico al conjunto
de razones dependientes en conflicto en un caso de arbitraje”.101
Waluchow, então, coloca sob dúvida a ideia de que a função única essencial do
direito é a decisão autoritativa de disputas sobre razões dependentes. Veja-se, por
exemplo, as sociedades regidas por Constituições repletas de valores positivados.
Nesses âmbitos, é também função, não apenas a resolução de questões práticas,
mas também o respeito a esses direitos morais. Se a diretiva conflita com tais
direitos, pode não ser mais considerada vinculante ou válida. As sociedades em
questão aceitam algum grau de indeterminação em benefício da promoção de
outros valores. Esses valores, inclusive, que não se confundem com as razões
dependentes que subjazem a diretiva, podem ser motivo para questionar sua
validade.
La validez de una ley, por ejemplo, podría ser cuestionada sobre bases morales
que no tienen relación con las razones dependientes que aquélla se propone a
determinar (...). De esto se sigue que el positivismo incluyente, que da lugar a tales
criterios morales de validez para el derecho, no puede refutarse sobre la simple base
de que haría depender la identificación de una directiva jurídica válida de “las
consideraciones de peso y resultado sobre las que ella pretendía resolver”.103
86
.Idem, p. 119.
87
.Idem, ibidem.
88
.Idem, p. 220-221.
89
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.Idem, p. 127.
90
.Idem, p. 128.
91
.Idem, p. 133.
92
.Idem, ibidem.
93
.Idem, p. 134.
94
.Idem, p. 136.
95
.Idem, ibidem.
96
.Idem, ibidem.
97
.Idem, p. 138.
98
.Idem, p. 142.
99
.Idem, p. 147.
100
.Idem, p. 148. “Por ejemplo, podría haber acuerdo entre las partes sobre algún principio moral
necesario para interpretar la directiva del árbitro. Tal vez la contienda no se refiera a qué requiere
este principio sino a si el principio es el único relevante. En tal caso, la necesidad de apelar a la
razón moral articulada por el principio con el objeto de comprender la directiva no sería
impedimento alguno”.
101
.Idem, p. 154.
102
.Idem, p. 149.
103
.Idem, p. 154.
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Joseph Raz argumenta em favor de uma versão forte da tese social. Segundo
Raz, a tese social é a mais fundamental entre aquelas retro-numeradas e,
inclusive, é responsável pelo nome “positivismo”, o qual “indica la idea de que el
derecho es puesto, de que es hecho derecho por la actividad de seres
humanos”111.
(...) cuando sus criterios (test) para identificar el contenido del derecho y
determinar su existencia dependen exclusivamente de hechos de conducta humana
susceptibles de ser descritos en términos valorativamente neutros y cuando es
aplicada sin recurrir a argumentos morales112.
Muito embora reconheça que os requisitos listados pela tese social fraca sejam
verdadeiros, Raz não os considera suficientes para a caracterização do positivismo
jurídico.
Considerando-se apenas o quanto proposto pela tese fraca, não seria possível
negar que, por vezes, a identificação de algumas normas jurídicas exige
argumentos morais ou que, em todo ordenamento, a identificação de certas
normas exige argumentos morais113. Ou seja, não seria possível afastar a relação
contingente ou necessária entre direito e moral, razão pela qual a tese fraca não é
uma tese distintamente positivista; não explica por si só a identidade dos sistemas
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jurídicos e, ainda, é compatível com as teses não positivistas que colocam a moral
como condição necessária para o direito.
Una disposición jurídica tiene una fuente si su contenido y existencia puede ser
determinado sin usar argumentos morales (permitiendo, sin embargo, argumentos
sobre las concepciones e intenciones morales de la gente, las cuales son, por
ejemplo, necesarias para la interpretación). Las fuentes de una disposición jurídica
son aquello hechos em virtud de los cuales ésta es válida y su contenido identificado.
Este sentido de “fuente” es más amplio que el de ‘fuentes formales’ las cuales son
aquellas que establecen la validez del derecho (una o más leyes del Parlamento
conjuntamente con uno o más precedentes, puede ser la fuente formal de una
disposición jurídica). “Fuente”, tal y como es usada aquí, comprende, también,
‘fuentes interpretativas’, a saber, todos os materiales interpretativos relevantes. La
fuente del derecho, así entendida, no es nunca un acto individual aislado (de
legislación, etcétera), sino toda una gama de hechos de variedad de tipos114.
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Cada membro da sociedade, porém, pode ter uma visão diferente sobre quais
esquemas de cooperação, coordenação e abstenção são apropriados. É parte
essencial da função do direito identificar até que ponto uma opinião particular dos
membros ou grupos influentes da sociedade se torna uma opinião que obriga a
todos, inclusive aqueles que não estejam de acordo com ela. O direito cumpre com
esse objetivo de identificação por meio do estabelecimento de formas
publicamente determináveis (independente de opiniões particulares) de guiar a
conduta e regular a vida em sociedade. O “derecho es un patrón público por medio
del cual se puede medir el proprio comportamiento como, también, el
comportamiento de los demás”123.
(...) o direito deve nos permitir distinguir entre opiniões particulares e regras
dotadas de autoridade, do contrário ele não poderia colaborar na manutenção da
cooperação e coordenação social, que julgamos ser sua função essencial. É por conta
disso que a tese das fontes é verdadeira: admitir que o direito contém padrões não
dotados de pedigree significaria eliminar a distinção entre uma opinião particular e
uma regra dotada de autoridade. Só por meio de critérios publicamente acessíveis e
empiricamente verificáveis (fontes sociais) é possível que o direito cumpra sua função
essencial124.
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A tese das fontes, ao tempo que lida com o problema da identidade dos
sistemas jurídicos, lida também com a questão da relação entre direito e moral.
Segundo a tese das fontes, não é possível que uma norma se torne jurídica por ser
moralmente vinculante e nem que uma norma deixe de ser jurídica por ser
moralmente reprovável.126
O que, segundo Raz, torna as respostas dadas pela tese das fontes
verdadeiras é a conexão entre direito e autoridade.
Por outro lado, o sujeito que, ao agir, o faz apenas com base no uso ou na
ameaça do uso da força, sem qualquer reivindicação ou crença de legitimidade,
não é uma autoridade de facto, mas uma pessoa em simples posição de poder ou
controle.129
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o qual as razões exclusionárias (para não agir de acordo com algo) prevalecem
quando conflitam com razões de primeira ordem.
Por fim, a tese da justificação normal dita que a autoridade estará justificada se
for mais provável que seu juízo de equilíbrio das razões aplicáveis ao caso seja
mais correto que o julgamento realizado pelo particular.138
O árbitro é investido nas suas funções quando é escolhido pelas partes para
julgar determinado conflito. Por força da tese da justificação normal, o acordo entre
as partes é dispensado. A justificação da autoridade se dá porque essa se
encontra numa situação melhor que a dos particulares para avaliar as razões
aplicáveis ao caso, proferindo uma diretiva que as reflita. Noutras palavras, a
autoridade se justifica quando passa pelos testes de dependência e de justificação
normal. Se o fizer, a preempção também estará justificada (e não apenas alegada).
Os indivíduos terão justificativa para substituir suas razões pela diretiva quando a
diretiva obedecer às teses da dependência e da preempção.
Os critérios não morais sempre deverão ser satisfeitos para que a autoridade
possa, ao menos, ser uma autoridade de facto. Alegar que o direito é uma
autoridade de facto pressupõe que atenda a todos os critérios não morais. A
afirmativa é forte. Como Raz deseja instrumentalizar a teoria da autoridade em
favor da tese das fontes, acaba por se contentar com a afirmativa de que o direito
obedece ao menos dois critérios não morais: a condição da visão do agente e a
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Para que o direito seja, ao menos, autoridade de facto, deverá obedecer aos
requisitos não normativos da condição da visão e da condição da identificação
independente. Para Raz, apenas a tese das fontes satisfaz as condições não
normativas retro. A tese da coerência (Dworkin) e a tese da incorporação não a
satisfazem, e, por isso, devem ser rejeitadas.141
A primeira linha argumentativa de que se vale Joseph Raz está relacionada aos
intitulados “poderes dirigidos”. Raz assume que, por vezes, não existem regras
rastreáveis por meio das fontes sociais aptas a solucionar o caso sub iudice.
Nessas circunstâncias, o magistrado será compelido a criar a regra. Cuidam-se de
situações em que o direito fornece razões para o seu desenvolvimento, isto é, o
direito se torna “una fuente de inspiración para su próprio desarrollo. Las ideas
incorporadas en él pueden sugerir soluciones para problemas sociales o jurídicos
nuevos”142.
Raz assume que é pacífico que o direito oferece razões auxiliares para seu
desenvolvimento, restando investigar se pode oferecer razões operativas.144 Saber
se o direito fornece razões operativas para sua inovação depende da compreensão
dos intitulados poderes legislativos ordinários ou comuns.
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Por meio do poder dirigido, a instituição subordinada cria direito novo, isto é,
regra que dantes não existia no ordenamento. Considera-se que em um caso
decidido por meio de princípio, o Tribunal exerceu um poder dirigido, introduzindo
regra nova no sistema. Antes de o juiz aplicá-lo, o princípio não era parte
integrante do direito – Raz insiste –, mas, tornar-se-á regra jurídica para o futuro ao
“afirmar que estas sentencias efectivamente modifican el derecho, supongo que, o
bien establecen un precedente obligatorio, o bien cristalizan una costumbre
judicial”.150-151
O magistrado, vale dizer, criou regra nova guiado por razões que o próprio
direito lhe deu para fazê-lo (razões internas). Inovou, a partir do direito, mas não
aplicou direito preexistente. Sob o prisma raziano, é incorreto afirmar que o padrão
moral aplicado pelo magistrado desde sempre vinculava o Judiciário.
De toda sorte, nos hard cases – entendidos como aqueles que não se decidem
a partir de uma regra identificada a partir do teste de pedigree – o juiz aplica
padrões extrajurídicos ao prover a solução. Não são parte integrante do direito,
porque não possuem fonte social. Ou seja,
(...) em casos como esse, de maneira similar ao que ocorre com regras de direito
estrangeiro, os juízes estariam juridicamente obrigados a ir além do direito o que, ao
final, preserva a discricionariedade em sentido forte dos juízes sem redundar numa
incoerência com a prática jurídica (pelo menos, não de acordo com Raz).153
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Lenio Luiz Streck. In: Vicente Barreto (org.). Dicionário de filosofia política. São
Leopoldo: Unisinos, 2011. verbete: direito.
Avançada
104
.Horacio Lopes Mousinho Neiva. Introdução Crítica ao positivismo jurídico exclusivo: a teoria do
direito de Joseph Raz. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 77.
105
.“Su tesis moral es que el valor moral del derecho (tanto de una disposición jurídica particular como
de todo un orden jurídico) o el mérito moral que éste tenga es una cuestión contingente que
depende del contenido del derecho y de circunstancias de la sociedad a la cual se aplica”. Joseph
Raz. La autoridad del derecho: ensayos sobre derecho y moral. 2. ed. Cidade do México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 1985. p. 56. “A tese moral afirma que o valor ou mérito
moral do direito é um fato contingente, dependente do seu conteúdo e das circunstâncias
concretas da sociedade na qual ele se aplica. Não existiria, assim, uma obrigação moral geral de
obedecer ao direito, já que não podemos determinar, em abstrato e sem uma análise do conteúdo
do direito e das circunstâncias de sua aplicação, se ele é moralmente legítimo ou não. O caráter
jurídico de uma norma não lhe confere, automaticamente, legitimidade moral”. Horacio Lopes
Mousinho Neiva. Op. cit., p. 80.
106
.“La única tesis semántica que puede ser identificada como común a la mayoría de las teorías
positivistas es una tesis negativa, a saber: que términos como ‘derechos’ y ‘deberes’ no pueden
ser usados con el mismo significado en el contexto jurídico y en el contexto moral”. Joseph Raz. La
autoridad del derecho… cit., p. 56. “A tese semântica positivista, por sua vez, afirma que termos
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como ‘direito’ e ‘dever’ não podem ser usados com o mesmo significado em contextos jurídicos e
não-jurídicos. Sabemos que termos normativos como esses não são usados exclusivamente em
contextos jurídicos. Assim como falamos de um ‘dever jurídico’, também falamos de ‘deveres
morais’. O que o positivista defensor da tese semântica ressalta é que, a despeito da coincidência,
os significados de tais termos nesses diferentes contextos são distintos”. Horacio Lopes Mousinho
Neiva. Op. cit., p. 80-81.
107
.Segundo Joseph Raz: “La afirmación de que lo que es y no es derecho es puramente una
cuestión de hechos sociales, deja abierta la cuestión de si los hechos sociales, por los cuales
identificamos el derecho o determinamos su existencia, le proporcionan valor moral”. Joseph Raz.
La autoridad del derecho… cit., p. 57. No mesmo sentido “Para Raz, dizer que o que é ou não é o
direito é uma questão de fato social deixa em aberto a questão de (i) se os fatos sociais que nos
permitem identificar o direito dotam-no ou não de mérito moral e (ii) se termos como ‘direito’ e
‘dever’ são utilizados ou não com significados distintos em contextos jurídicos morais”. Horacio
Lopes Mousinho Neiva. Op. cit., p. 82.
108
.“En términos muy generales la tesis social positivista es que lo que es y lo que no es derecho es
una cuestión de hechos sociales (esto es, la variedad de las tesis sostenidas por los positivistas
son diversos refinamientos y elaboraciones de esta gruesa formulación)”. Joseph Raz. La
autoridad del derecho… cit., p. 55.
109
.Idem, p. 77.
111
.Segundo Joseph Raz: “La afirmación de que lo que es y no es derecho es puramente una
cuestión de hechos sociales, deja abierta la cuestión de si los hechos sociales, por los cuales
identificamos el derecho o determinamos su existencia, le proporcionan valor moral” (Idem, p. 58).
113
.Idem, p. 66.
114
.Idem, p. 70.
117
.Idem, p. 68.
118
.Idem, p. 69.
119
.Idem, p. 70.
120
.Idem, ibidem.
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121
.Idem, p. 71.
122
.Idem, ibidem.
123
.Idem, ibidem.
124
.Idem, p. 105-106.
126
.Idem, p. 107.
127
.“La autoridad en general puede dividirse en legítima y de facto. Esta última alega ser legítima, o se
la considera así, y resulta efectiva en la imposición de su voluntad sobre una cantidad de
personas, sobre la cual alega tener autoridad, quizás debido a que su pretensión de legitimidad es
reconocida por buena parte de sus gobernados. No obstante, no necesariamente posee
legitimidad”. Joseph Raz. La ética en el ámbito público. Barcelona: Gedisa, 2001. p. 228-229.
128
.Idem, p. 109.
130
.“Supondré que necesariamente el derecho, todo sistema jurídico vigente em cualquier lugar, tiene
autoridad de facto. Esto implica que el derecho tiene la pretensión de poseer autoridad legítima, o
que se supone que la tiene, o ambos. Argumentaré que, aunque el sistema jurídico puede no tener
una autoridad legítima, y aunque su autoridad legítima puede no ser tan amplia como éste
pretende, todo sistema jurídico tiene la pretensión de poseer autoridad legítima. Si esta pretensión
de autoridad forma parte de la naturaliza del derecho, sin importar qué otras características tenga,
el derecho debe tener la capacidad de poseer autoridad. Un sistema jurídico puede no tener
autoridad legítima. Si le faltan los atributos Morales exigidos para investirlo de autoridad legítima,
no tiene ninguna. Pero debe poseer todos los demás rasgos de la autoridad, o de otra manera
resultaría extraño afirmar que tiene una pretensión de autoridad”. Joseph Raz. La ética en el
ámbito público cit., p. 222-223.
133
.Idem, p. 121. Sobre o tema, ver também: André Coelho. Op. cit.
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137
.Idem, p. 127.
139
.Idem, p. 131.
140
.Idem, p. 131-132.
141
.Idem, p. 136.
142
.Idem, p. 261-262. “Ya he trazado en otra obra una distinción entre dos tipos de razones, las
operativas y las auxiliares. Para explicarlo en forma sucinta, las razones operativas son aquéllas
que, de ser aceptadas, aportan una fuerza motivadora. Señalan la necesidad de una acción para
alcanzar un determinado objetivo. Las razones auxiliares conectan un determinado curso de acción
con ese objetivo, al mostrarlo como un camino para su consecución. El hecho de que mojarnos y
torna frío sea malo para nosotros constituye una razón operativa. El hecho de que, si salimos de
nuestra casa, nos mojaremos y tomaremos frío porque hay una tormenta, constituye una razón
auxiliar, que em combinación con la razón operativa recién mencionada señala que quedarse en
casa es lo que mejor podemos hacer. De manera similar, una promesa de suministrar determinada
información a un amigo constituye una razón operativa. El hecho de que en este momento se
encuentre en su casa y pueda comunicarme con él por teléfono es una razón auxiliar. Reunidas,
señalan que lo que debo hacer es llamar a mi amigo por teléfono.”
144
.Idem, ibidem.
146
.Idem, p. 263.
147
.“Los legisladores por delegación a menudo están sujetos a deberes legales con respecto a cómo
deben ejercitar sus poderes legislativos. Al igual que las condiciones que limitan las facultades
derivadas de la ley pueden variar ampliamente en el contenido. Me ocuparé de un tipo de deber:
se trata del deber de legislar, y de legislar normas que promuevan o protejan ciertos fines y ningún
otro”. Joseph Raz. La ética en el ámbito público cit., p. 263.
148
.Idem, p. 263. “A los fines del presente artículo, nos concentraremos en el poder legislativo
combinado con el deber de utilizarlo, y de utilizarlo únicamente para el logro de determinados
objetivos, independientemente de que este limitado de manera correspondiente o no. Denominaré
poder delegado dirigido a este poder, y a las obligaciones relacionadas con él”.
149
.Idem, p. 263-264.
150
.Idem, p. 267.
151
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.Idem, p. 271. “He dedicado una extensión considerable al argumento de que la sentencia de mi
ejemplo modifica y desarrolla el derecho, debido a que, una vez que este punto queda establecido,
resulta sugestiva y evidente la similitud entre la situación jurídica de los tribunales en tales casos y
la de un legislador por delegación, sujeto a un poder delegado dirigido. Hemos mencionado ya que
ambos tienen la potestad de crear derecho. En las situaciones que se ilustran en el ejemplo, los
poderes de los tribunales son dirigidos, v.g. están sujetos a deberes que prescriben los únicos fines
a los que debe abocarse el ejercicio de tales facultades, y obligan a los tribunales a emplearlas con
esos fines. Éstos están representados en las doctrinas generale, por ejemplo, la que declara la
ilegalidad de todos los contratos que propician la corrupción en la vida pública. Al tratar con casos
que se encuentran comprendidos en esta doctrina, los tribunales pueden desarrollar el derecho,
pero sólo con fin de adaptarse a las circunstancias de los distintos casos. Evaluamos sus
esfuerzos a partir del éxito alcanzado en lograrlo, y consideramos que han faltado a sus deberes si
sus sentencias no se ajustan a las doctrinas aplicables”.
152
.Idem, p. 262.
154
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prática – que não pode ser apreendida no nível teórico puro, onde se desempenha
uma interpretação como ato de conhecimento.158
Leitura recomendada
Básica
Friedrich Müller. O novo paradigma do direito. São Paulo: Ed. RT, 2007.
Introdução.
Intermediária
Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso. São Paulo: Saraiva, 2011. posfácio,
n. 4.
Avançada
Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010. texto n. 7
(Trinta anos depois).
155
.Segundo define Friedrich Müller, o termo pós-positivismo não se refere a um antipositivismo
qualquer, mas uma postura teórica que, sabedora do problema não enfrentado pelo positivismo –
qual seja: a questão interpretativa concreta, espaço da chamada “discricionariedade judicial” –
procura apresentar perspectivas teóricas e práticas que ofereçam soluções para o problema da
concretização do direito, e não para problemas abstrato-sistemáticos apenas. Aliás, registre-se que
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.Cf. Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2006. parte II, passim.
157
.Nesse sentido, Cf. Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. cap. VIII.
158
.Cf. Hans Kelsen. Op. cit. Num sentido aproximado, mas afirmando um outro tipo de relação entre
razão teórica e razão prática, Hebert Hart fala de dois níveis em que se desenvolvem questões
jurídicas: o do observador e o do participante, cuja característica principal, que distingue um nível
do outro, é a objetividade e a isenção do observador em relação ao comprometimento casuístico
do participante. Cf. Hebert L. A. Hart. O conceito de direito. Trad. A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1996.
159
.Basta recordar aqui as teorias de Friedrich Müller e Ronald Dworkin que, em contextos culturais e
sistemáticos distintos, pensam a questão da normatividade e a tarefa do direito de modo muito
aproximado. Isso porque, ambos os autores ressaltam a importância de se colocar a reflexão
jurídica junto a questões relativas ao saber prático, em detrimento do semânticismo que
predominava nas teorias positivistas. Quanto a isso, conferir: Friedrich Müller. Op. cit.; Ronald
Dworkin. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002. De
um modo distinto, mas também reconhecendo a primazia metodológica da decisão judicial Cf.
Robert Alexy. Teoria de la argumentación jurídica. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid:
CEC, 1989; Robert Alexy. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2. ed.
Barcelona: Gedisa, 1997. Entre nós essa questão é tratada, já há algum tempo, pelos mais
diversos setores do campo jurídico, abarcando desde trabalhos mais dogmáticos até trabalhos de
profundidade, com uma especificidade teórica mais evidente. Por todos Cf. Paulo
Bonavides. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999; Lenio Luiz Streck. Verdade
e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Marcelo Neves. Entre Têmis e
Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins Fontes, 2006; Virgílio Afonso da Silva. Princípios e
regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-americana de Estudos
Constitucionais. n. I, p. 607-630. Belo Horizonte: Del Rey, jan.-jun. 2003.
160
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1) Além do conteúdo polissêmico do direito, de forma original e com a intenção de contribuir para o entendimento dos
leitores de como o direito se apresenta em termos experienciais-sociais, apostamos na apresentação de definições sobre o
conceito de direito não apenas como tradicionalmente se costuma fazer na doutrina. Dessa forma, exploramos alguns conceitos
que contribuem de modo diferenciado para o entendimento dos fenômenos jurídicos. Ei-los:
2) Conceito etnológico: com esse conceito trabalhamos com estudos antropológicos e sociológicos sobre o surgimento do
direito desde os tempos mais remotos e identificamos a gênese do direito nas relações de débito e crédito ocorridas nas
comunidades primitivas;
3) Conceito historicista-etimológico: foi abordado com o intuito de demonstrar como a palavra (termo) direito nasce na
comunicação (linguagem) social da época antiga e como isso é determinante para tudo o que virá a ser referido como direito até
os dias atuais e;
4) Definições jusnaturalista, juspositivista e pós-positivista: com o escopo de demonstrar como o conceito de direito se
desenvolveu historicamente e como o seu sentido foi sendo aprofundado com o tempo, inclusive em termos científicos, e como
está sendo pensado teoricamente nos dias atuais.
5) A proposta geral deste capítulo foi a de demonstrar como o direito é um fenômeno complexo e como ocorreu o sentido de
sua existência para os homens e de que forma, a partir de conteúdos teóricos e filosóficos que foram surgindo historicamente,
serviu para todo o desenvolvimento da civilização ocidental e como hoje trabalhamos com ele para resolver os problemas atuais
que vivenciamos.
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Desse modo, pode-se afirmar que o fenômeno jurídico, como regra de conduta
social que se mostra, apresenta dois conteúdos muito importantes que, a saber,
são: a norma e a conduta jurídica.
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Para Gurvitch, compreender o direito como fato social implica entender que “o
direito representa, um ensaio de realizar, num quadro social dado, a justiça (é
dizer, uma reconciliação prévia e essencialmente variável das obras da civilização
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Nesse sentido, e de acordo que o que até aqui se apresentou, podemos chegar
a duas conclusões bem claras sobre o direito: 1) o direito que vige num
determinado momento é o resultado de um complexo de fatores sociais; 2) o
direito, que do ponto de vista sociológico é um tipo de fato social, atua como uma
força configuradora das condutas, seja modelando-as, seja intervindo nelas como
auxiliar, seja preocupando o sujeito agente de qualquer outro modo.6
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
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.Este item foi inicialmente desenvolvido na obra Curso de sociologia jurídica. Para tanto, cf.
Henrique Garbellini Carnio; Alvaro de Azevedo Gonzaga. Curso de sociologia jurídica. São Paulo:
Ed. RT, 2011. p. 143150.
2
.Rosa Maria de Andrade Nery. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 36.
3
.Cláudio Souto. Introdução ao direito como ciência social. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro, 1971.
p. 7.
4
.Georges Gurvitch. Tratado de sociologia. Buenos Aires: Editorial Kapelusz, 1962, vol. II. p. 218.
6
.Luis Recaséns Siches. Tratado de sociologia. Porto Alegre: Globo, 1969, vol. II, p. 692-693. O
referido autor esboça algo interessante sobre a questão da regulação social do direito. Segundo
ele, pode-se delimitar as seguintes espécies de necessidades sociais que o direito procura
satisfazer: “1) Resolução dos conflitos de interesses: para resolver os conflitos de interesses entre
indivíduos ou entre os grupos, o direito positivo age da seguinte maneira: a) Classifica os
interesses opostos em duas categorias: a.1) interesses que merecem proteção; a.2) interesses que
não merecem proteção; b) Estabelece uma espécie de tabela hierárquica na qual determina quais
os interesses que devem ter prioridade ou preferência sobre outros, e os esquemas de possível
harmonização ou compromisso entre interesses parcialmente opostos; c) Define limites dentro dos
quais esses interesses devem ser reconhecidos e protegidos, mediante preceitos jurídicos que
sejam convenientemente aplicados pela autoridade judicial ou administrativa, em caso de
necessidade; d) Estabelece e estrutura uma série de órgãos e funcionários para: d.1) declarar as
normas que sirvam como critério para resolver os conflitos de interesses; d.2) desenvolver e
executar normas; d.3) ditar normas individualizadas – sentenças e resoluções – nas quais se
apliquem as regras gerais. 2) Organização do poder político: o direito alicerçado no poder social
promove a organização do poder político exercido pelo Estado; 3) Legitimação do poder político:
enquanto o direito promove a organização do poder político cabe a ele legitimá-lo; 4) Limitação do
poder político: enquanto o direito organiza e legitima o poder político, cabe, enfim, a ele limitá-lo,
evitando a limitação deste poder pela sua própria força.”
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O termo sociologia foi criado em 1839 por Augusto Comte8 para indicar a
ciência da observação dos fenômenos sociais. De modo geral, atualmente, ele é
usado para designar qualquer tipo ou espécie de análise empírica ou teoria que se
refira aos fatos sociais, ou seja, às efetivas relações intersubjetivas, em oposição
às “filosofias” ou “metafísicas” da sociedade, que pretendem explicar a natureza
como um todo, independentemente dos fatos e de modo definitivo.9
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Nesse ponto é que entra a máxima comteana “saber para prever, prever para
prover”. Na realidade, desde o primeiro sistema – o teológico – até o último – o
científico – uma mesma lógica é obedecida. É possível prever, tanto na natureza
quanto na ciência; é possível antecipar os fenômenos e exercer um controle
técnico sobre a natureza para que ela possa suprir as fragilidades humanas.
.A base desse texto e dos que se sucedem neste tópico foi primeiramente produzida pelo coautor
Henrique Garbellini Carnio na obra Curso de sociologia jurídica, editada em 2011 por essa mesma
casa editorial e teve seu aprofundamento, numa original edição, no livro Introdução à sociologia do
direito, também produzido por essa editora em 2015. Ambos os livros foram escritos em coautoria,
contando com partes produzidas em separado por cada coautor. O primeiro contou com a
participação de Alvaro Luiz Travassos de Azevedo Gonzaga e o segundo com a de Willis Santiago
Guerra Filho. Para tanto, cf. Henrique Garberllini Carnio; Alvaro Luis Travassos de Azevedo
Gonzaga. Curso de sociologia jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2011 e Henrique Garbellini Carnio; Willis
Santiago Guerra Filho. Introdução à sociologia do direito. São Paulo: Ed. RT, 2015.
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8
.A despeito da criação do termo por Comte, há de se ressaltar que Saint-Simon foi um autor que
influenciou consideravelmente seu pensamento. Saint-Simon sustentava que a sociedade se
desenvolve por meio de duas épocas orgânicas e de uma crítica. As épocas orgânicas seriam
aquelas nas quais a vida se desenvolve em harmonia, sustentada por um sistema de ideias bem
construídas e universalmente aceitas, já a época seria aquela na qual as ideias mantidas antes
são atacadas, contestadas e rechaçadas, a ordem social vacila e precipita e os componentes da
própria ordem se debatem em contradições e contrastes de todos os gêneros. Para uma análise
pontual sobre as ideias aludida, sugere-se os estudos de, Renato Treves. Sociologia do Direito:
origem, pesquisa e problemas. São Paulo: Editora Manole, 2004. De forma mais detalhada sobre o
pensamento de Saint-Simon e de Augusto Comte, verifique o capítulo 4, tópico 2.2 e 2.4 desta
obra.
9
.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 914-917.
10
.A obra utilizada foi a editada pela editora Abril Cultural e se refere à conhecida coleção Os
Pensadores, cuja tradução ficou a cargo de José Arthur Gianotti e Miguel Lemos. Para tanto, cf.
Augusto Comte. Curso de filosofia positiva: discurso sobre o espírito positivo; discurso preliminar
sobre o conjunto do positivismo; catecismo positivista. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Coleção Os
pensadores). p. 3-20.
11
.Idem, p. 4.
12
.Sobre o tema de forma detalhada, cf. Marta Gerez Ambertín. Entre dívidas e culpas: sacrifícios –
crítica da razão sacrificial. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2009. p. 25-64.
13
.Em relação ao medo da morte, Eduardo Viveiros de Castro relata como os índios têm a noção da
morte como quase acontecimento e como isso os atinge de forma pavorosa. O assunto foi tema de
um dos programas “Café Filosófico” da rede Cultura de televisão. Cf. Eduardo Viveiros Catro. A
morte como quase acontecimento. Disponível em: [www.cpflcultura.com.br/2009/10/16integra-a-
morte-como-quase-esquecimento-eduardo-viveiros-de-castro]. Acesso em: 15.08.2012.
14
.Hilton Japiassu; Danilo Marcondes. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2001. p. 13 e 14.
15
.ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Imprensa Nacional, 2005. Livro II. p. 41 e ss. Entre nós há uma
recente edição desta obra publicada pela Folha de São Paulo. Cf. ARISTÓTELES. Retórica. São
Paulo: Editora Folha de São Paulo, 2015 (Coleção Folha Grandes Nomes do Pensamento).
16
.Sobre o tema da angústia, com cuidado, assevera Giacoia, que esta seria um “opressivo
sentimento de ansiedade não ligado a um objeto determinado; em Heidegger, designa uma
afinação fundamental (Grundstimmung) da existência, em que o Dasein experimenta a sua própria
finitude enquanto ser-para-morte; no existencialismo, a fundamental e permanente inquietação do
indivíduo humano, originada tanto pela consciência do caráter absurdo e sofredor da existência
quanto pela consciência de sua própria liberdade, isto é, de sua absoluta responsabilidade pela
própria existência.” Cf. Oswaldo Giacoia Junior. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea.
São Paulo: Publifolha, 2006. p. 20.
17
.Esse esquema traz ao homem uma capacidade inventiva e cria um sistema criativo de
cosmovisão. Cabe lembrar aqui o posicionamento de David Hume, que de forma emblemática
evidencia como o medo está na origem da religião. David Hume. Natural history of religion.
London: A. and H. Bradlaugh Bonner, 1889. p. 2-9.
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Nota-se que o termo cunhado por Comte possui certa sofisticação de sentido.
Ele o cria para designar aquilo a que chamava primeiro física social, isto é, o
estudo dos fenômenos sociais considerados como um reino de efeitos naturais
submetidos a leis, do mesmo modo que os fenômenos físicos e biológicos. Comte
esforça-se na tentativa de considerar a sociologia como uma disciplina autônoma,
dotada de metodologia própria.
Foi com Comte que nasceu a sociologia como sistema, como determinação da
natureza da sociedade em seu conjunto. Ele atribuía à sociologia a mesma função
atribuída às outras ciências: dominar os fenômenos de que tratam em proveito do
homem, de modo que a sociologia tem a função de perceber o sistema geral das
operações sucessivas – filosóficas e políticas – que devem libertar a sociedade de
sua fatal tendência à dissolução iminente e conduzi-la a uma nova organização,
mais progressista e sólida do que a fundada na filosofia teológica ou metafísica.
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18
.Cf. Theodor W. Adorno; Max Horkheimer. La sociedad: lecciones de sociología. Buenos Aires:
Editora Proteo, 1969. p. 9.
19
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20
.Para uma abordagem da relação entre as ciências sociais e a sociologia, com ênfase na análise
do pensamento de Comte sobre o as ciências fundamentais e o papel da sociologia, cf. CAIRNS,
Huntington. Sociología y ciencias sociales. In: Georges Gurvitch; Wilbert E. Moore
(orgs.). Sociología del siglo XX. 2 ed. Barcelona: El Ateneo Editorial, 1965. p. 3-5.
22
.Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Introdução à sociologia geral. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1980. p. 1 e 2.
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O trabalho da sociologia tem a ver com investigar a conexão que existe entre o
que a sociedade faz de nós e o que nós fazemos de nós mesmos, pois nossas
atividades estruturam – dão forma – ao mundo social que nos rodeia e, ao mesmo
tempo, são estruturadas por ele.24
Por último, a vida associativa pode ser encarada como uma condição
“necessária” e “universal” da existência dos seres vivos, (3ª) o que rendeu o
fundamento à ideia de que a sociologia é uma ciência inclusiva dos fenômenos
sociais, cabendo-lhe estudá-los em todos os níveis de manifestação da vida,
independentemente do grau de diferenciação e de integração por eles
alcançados.25
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23
.Anthony Giddens. Sociología. 3. ed. Madrid: Alianza Editorial, 2000. p. 29. Cf. também Wright C.
Mills. A imaginação sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969.
24
.Florestan Fernandes. Conceito de sociologia. In: Fernando Henrique Cardoso; Octavio Ianni
(orgs.). Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. 3. ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1966. p. 25.
26
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.PELLEGRIN, Roland. The nature and characteristics of sociology. In: Robert W. O’brien; Clarence
C. Schrag; Walter T. Martin (orgs.). Readings in general sociology. 3. ed. Boston: Houghton Mifflin
Company, 1964. p. 9.
28
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Essa divisão não nos parece oferecer uma suficiente exploração da sociologia
enquanto ciência, razão pela qual é preciso delimitar com maior precisão as
divisões da sociologia em suas disciplinas básicas.
29
.Na falta desses conhecimentos, os sociólogos utilizaram-se de analogias para com outras
disciplinas para conseguirem uma sistematização provisória dos materiais empíricos e dos
problemas da sociologia. Exemplo desse fato é a clássica analogia de Spencer e Durkheim com a
biologia, este último dividindo a sociologia em Morfologia Social, Fisiologia Social e Sociologia
Geral, e também a divisão de Karl Mannheim em três planos metodológicos distintos na sociologia:
o da Sociologia Sistemática ou Geral, o da Sociologia Comparada e o da Sociologia Estrutural.
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No entanto, sob outros aspectos, o uso menos rigoroso, mais livre de tais
expressões facilita a identificação do teor das contribuições e fornece uma
compreensão didática do assunto. Especificamente com relação ao direito, o
estudo se aprofundou de maneira considerável atualmente, revelando a
importância e insistência na definição da sociologia jurídica como ramo autônomo
de pesquisa que explora metodologicamente o direito como ciência social.31
31
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32
.André Lalande. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
p. 1048-1049.
33
.Para um estudo mais detalhado sobre o tema, conferir o tópico correspondente ao pensamento de
Léon Duguit.
35
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Ela se constitui como disciplina científica com a análise das formações político-
sociais que surgem tanto como aspecto político da sociedade industrial quanto
consequência, primeiro da ampliação do sufrágio e depois do sufrágio universal.
Ela se apresenta histórica e analiticamente como uma tomada de consciência da
transição da sociedade contemporânea, de um sistema político baseado na
participação e no controle de uma elite – o sistema político fundado na relevância
cada vez maior da maioria popular. A importância desse fenômeno está no fato de
que ele provoca uma nova orientação na própria reflexão sociológica, de tal modo
que a sociologia pós-clássica do período que medeia entre duas guerras mundiais
deve ser considerada essencialmente como sociologia política37.
36
.Norberto Bobbio; Nicola Matteucci; Gianfranco Pasquino. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Ed.
UnB/São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000. vol. 2. p. 1217.
37
.Idem, p. 1217.
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38
.Luis Recaséns Siches. Tratado de sociologia. Trad. João Baptista Coelho Aguiar. Rio de
Janeiro/Porto Alegre/São Paulo: Editora Globo, 1965. vol. 1. p. 1. Sobre esse mesmo viés
metodológico verifica-se a preocupação de Georges Gurvitch: “Así, no es tarea fácil definir la
sociología como ciencia. Evidentemente, la dificultad de circunscribir una ciencia por anticipado se
presenta en todas; solo después de haberla estudiado y, sobre todo, después de haber conseguido
contribuir en ella, se sabe lo que es”. Cf. Georges Gurvitch. Tratado de sociologia. Buenos Aires:
Editorial Kapelusz, 1962. vol. I. p. 3.
39
.Sobre esses estudos, de modo mais apartado sobre cada um deles, seria interessante analisar a
obra de Georges Gurvitch. Op. cit., p. 50 a 172.
42
uma prolongação crítica do método do ensaio e do erro (trial and error); f) a chamada objetividade
da ciência radica na objetividade do método crítico [...]”. POPPER, Karl. La logica de las ciencias
sociales. In: Jacobo Muñoz (org.). La disputa del positivismo en la Alemana. Barcelona, México
D.F., 1973 (Colección Teoría y realidad: estudios críticos de filosofía e ciencias sociales). p. 103 e
104. Salvo indicação em contrário, as traduções são de nossa autoria.
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Toda e qualquer sociedade produz algum tipo de reflexão sobre suas relações
internas e sobre as relações que estabelece em outras sociedades. Ocorre que a
sociologia não é apenas uma reflexão ou análise de inter-relações humanas, mas
fundamentalmente, um estudo científico dessas inter-relações. A sociologia é,
então, fruto das grandes revoluções burguesas que marcaram a crise do antigo
regime e a consequente ascensão do modo capitalista e burguês de organização
social da produção e do poder político, ou seja, a sociologia advém de uma matriz
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Em sua obra A era das Revoluções48, Eric Hobsbawm analisa, com olhar
historiador, as revoluções científicas e como esse ambiente determinou o
surgimento da sociologia.
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São proposições desse tipo que constituem a força dos sistemas de raciocínios
dedutivos criados pela economia política, principalmente na Grã-Bretanha, e em
menor intensidade nos velhos centros de ciências do século XVIII, a França, a
Itália e a Suíça. Nesse momento também se teve a primeira apresentação
sistemática de uma teoria demográfica que pretendia estabelecer uma relação
mecânica entre as proposições matemáticas dos aumentos de população e os
meios de subsistência. O ensaio de T. R Malthus de 1798 intitulado Ensaio sobre a
população é representativo, não tanto pela importância de seus méritos
intelectuais, mas no direito que ele fazia valer para um tratamento científico de um
conjunto de decisões tão individuais e pontuais quantos as decisões sexuais,
consideradas como um fenômeno social.
mas as ciências sociais também tiveram algo inteiramente novo e original a seu
crédito, que por sua vez fertilizou as ciências biológicas e até mesmo as físicas, como
no caso da geologia. Foi a descoberta da história como um processo de evolução
lógica, e não simplesmente como uma sucessão cronológica de acontecimentos. [...].
Assim, o que veio a se chamar sociologia (a palavra foi inventada por Augusto Comte
por volta de 1830) nasceu diretamente da crítica ao capitalismo. O próprio Comte, que
normalmente é considerado fundador daquela disciplina, começou sua carreira como
secretário particular do pioneiro socialista utópico, o Conde de Saint-Simon, e o mais
formidável teórico contemporâneo em matéria sociológica, Karl Marx [...].
Assim, era da análise das concretas e típicas formas de conduta que se poderia
identificar os institutos jurídicos que deveriam ser recompostos na perspectiva da
evolução do direito, entendido como um organismo vivo. Esses institutos
apresentam os nexos orgânicos dos quais se extraem as regras. Essas – as
regras – são na verdade o resultado de uma intuição global dos institutos que, por
sua vez, são o resultado das vivências de um determinado povo.
Aqui vale referir ao pensamento de Rudolf von Jhering, em sua primeira fase,
pois, consequente com a ideia do Direito como organismo natural, o paradigma de
Jhering era fornecido pela história natural: a taxionomia da botânica, bem como a
“fisiologia do organismo jurídico” e a análise dos elementos que compõem os
“corpos jurídicos”, à maneira da química. Daí ser o seu método denominado
“histórico-natural”, já que ele preconiza seja superada o que chama de
“jurisprudência inferior” – “jurisprudência” aqui sempre entendida no sentido de
“ciência do direito” ou “dogmática jurídica”, tal como designa a palavra
alemã Jurisprudenz.54
Ao lado de conceber o direito como uma ciência que opera segundo um método
histórico, Savigny também visualizava um caráter filosófico para essa mesma
ciência. Mas, ao contrário das filosofias do direito natural (que Savigny chamava de
“filosofia do direito propriamente dita”), que procuravam compor o direito a partir de
fórmulas lógicas atemporais que podem ser apreendidas pela razão, Savigny
identificava um elemento filosófico no direito: a sistematicidade. Assim, a
sistematicidade aplicada ao direito pressupõe a filosofia, mas descarta a
necessidade do conhecimento do direito natural: o direito, numa perspectiva
sistemática, pode ser estudado com ou sem o direito natural.55
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43
.Carlos Benedito Martins. O que é sociologia? 38. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 9-10.
44
.Karl Mannheim. O homem e a sociedade: estudos sobre a estrutura social moderna. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1962. p. 70-71.
45
.FERREIRA, Lier Pires; JORGE, Vladimyr Lombardo. A sociologia jurídica no contexto das ciências
sociais humanas e sociais. In: Lier Pires Ferreira, Ricardo Guanabara e Vladimyr Lombardo Jorge
(orgs.). Curso de sociologia jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 5.
47
.HOBSBAWM, Eric. Era das revoluções. 15. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.
49
.Idem, p. 301.
50
.Idem, p. 304.
52
.Idem, p. 305-306.
53
.Sobre o pensamento de Jhering nesse contexto, cf. Willis Santiago Guerra Filho; Henrique
Garbellini Carnio (col.). Op. cit., p. 61 e ss. capítulo 2; CARNIO, Henrique Garbellini. Notas sobre o
pensamento antropológico jurídico de Rudolf von Jhering. In: Alvaro de Azevedo Gonzaga; Antonio
Baptista Gonçalves (orgs.). (Re)pensando o direito: estudos em homenagem ao prof. Cláudio de
Cicco. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 125-132.
55
.Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 5. ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2009. p. 11.
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Esses estudos aparecem, às vezes, desse modo, pois toda organização social
de seres humanos acaba por apresentar manifestações culturais, dispondo de
técnicas de explicação do mundo, com aplicações das mais variadas.
Tais estudos não são comuns à sociologia, por mais que possam ser
complementares e desempenhar funções intelectuais similares à sociologia na sua
composição histórica na civilização industrial moderna, uma vez que todos acabam
tendo os mesmos propósitos e as mesmas necessidades de explicação da posição
do homem no cosmos, não se pode, com rigor, afirmar que eles tenham pontos de
contato que sirvam de base para se assumir que eles tenham contribuído para o
desenvolvimento da sociologia. Mesmo as filosofias greco-romanas e medievais,
que certamente deram relevo especial à reflexão sistemática sobre a natureza
humana e a organização das sociedades, contrastam singularmente com a
explicação sociológica.57
Durkeim evidencia isso com clareza ao referir que esses estudos antigos,
medievais e mesmo alguns, diríamos, modernos, anteriores à proposição de
Comte (suas referências no texto são A república, de Platão, A política, de
Aristóteles, Campanella, Hobbes e Rousseau, entre outras sem especificação)
tinham, com efeito, por objeto, não explicar as sociedades tais e quais elas são ou
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tais e quais elas foram, mas indagar o que as sociedades devem ser, como elas
devem organizar-se, para serem tão perfeitas quanto possível.58
A procura por essa base deve ser cuidadosa, pois, após o período da fundação
da sociologia por Comte, há autores que discutem exatamente qual seria o papel
da sociologia, se esta deveria permanecer como uma “filosofia” ou se lançar
mesmo ao substrato de pensamento científico.
As perguntas que iniciam cada uma das conferências nos parecem servir de
reflexão inicial para o modo de pensar sobre o surgimento e desenvolvimento da
sociologia.
A Sociologia deve continuar a ser uma especulação filosófica que envolve a vida
social numa fórmula sintética? Ou deve, pelo contrário, fragmentar-se em diferentes
ciências e, se necessita se especializar, como deve ser obtida esta especialização? A
sociologia puramente filosófica se baseia inteiramente na ideia de que os fenômenos
sociais se submetem a leis necessárias. Os fatos sociais têm ligações entre si que a
vontade humana não pode arbitrariamente romper. Esta verdade supõe uma
mentalidade avançada e não podia ser mais do que o fruto de especulações
filosóficas. A sociologia é filha do pensamento filosófico, ela nasceu na filosofia
contista e é o seu culminar lógico [...].59
Deve-se falar ciência social ou ciências sociais? A sociologia deve ser a ciência e
não a filosofia dos fatos sociais que, nos dias de hoje, seria insuficiente. As ciências
sociais precederam a ciência social e prepararam a sua evolução. Estas ciências
fundadas sobre os métodos comparativo e evolutivo têm necessidade elas mesmas
de ser comparadas. E esta comparação das comparações seria a sociologia [...].60
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Além disso, com Raymond Aron, pode-se dizer ainda mais, para além dos
fatores mencionados. Para ele, a sociologia moderna não tem como origem
exclusiva as doutrinas histórico-sociais do século XIX, mas possui outra fonte, a
saber, as estatísticas administrativistas, os surveys, as pesquisas empíricas.66 Para
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Aron, a sociologia é o estudo, que pretende ser científico, do social como social,
seja no nível elementar das relações interpessoais, seja no nível macroscópico de
vastos conjuntos, como as classes, as nações, as civilizações ou, mais
precisamente, as sociedades globais. Tal definição permite compreender como é
difícil escrever uma história da sociologia, saber onde ela começa e termina.67
Três frentes bem demarcadas surgem nesse contexto, a dos (1) organicistas
que assimilavam a organização do funcionamento das sociedades à organização e
ao funcionamento do organismo, como Spencer, Schalke, Lilienfeld, Worms, de
Greef, Novik e outros, cabendo destaque ao pensamento de Spencer e mesmo de
Greef, ao sugerirem que o organicismo favoreceu a descoberta de conceitos
unitários de descrição de fenômenos sociais, a (2) exploração mais frequente de
materiais empíricos e uma atitude mais objetiva diante dos estudos sociológicos e
a (3) daqueles autores que, por mais que centrados no âmbito da sociologia
filosófica, restringiram o campo de suas investigações, como Marx, Le Play,
Summer, Espinas, Durkheim, Tarde, Tönnies, Simmel e outros, ou, ainda, a
daqueles autores que se preocupavam com a especificidade de suas construções
teóricas e tinham como tarefa afastar da sociologia os resíduos filosóficos
entendidos como prejudiciais ao espírito científico, por exemplo, Gumplowicz,
Ratzenhofer, Ward, Giddings e outros.68
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56
.Eudoro de Sousa. Origem da poesia e da mitologia e outros ensaios diversos. Lisboa: INCM,
2000.
57
.Émile Durkheim; Gabriel Tarde. A sociologia e as ciências sociais. Trad. Mauro Guilherme Pinheiro
Koury, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v. 10, n. 29, ago. 2011. p. 365.
60
.Idem. p. 366.
61
.Cf. REALE, Miguel. Filosofia do direito, cit., p. 77. Segundo Miguel Reale, Kant opera uma
verdadeira revolução copernicana no eixo da filosofia moderna, quando coloca o sujeito no centro
do processo gnosiológico. Nas palavras de Reale: “Antes de Kant, a filosofia clássica vivia girando
em torno de objetos, aos quais se subordinava essencialmente; enquanto que, no dizer de Kant,
quem deve ficar fixo é o sujeito, em torno do qual deve girar o objeto, que somente é tal porque
‘posto’ pelo sujeito (...) Em lugar de se conceber o sujeito cognoscente como planeta a girar em
torno do objeto, pretende Kant serem os objetos dependentes da posição central e primordial do
sujeito cognoscente. Essa referência ao criticismo de Kant visa mostrar a correlação essencial que
existe entre o problema do objeto e o método, até o ponto de subordinar-se um ao problema do
outro: – uma ciência viria a ser o seu método, porque o sujeito que conhece, ao seguir um método,
criaria, de certa maneira, o objeto, como momento de seu pensar”.
63
.Zachary Davis; Anthony Steinbovk. Max Scheler. In: Edward N. Zalta (ed.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy. Summer 2014 edition. Disponível em:
[http://plato.stanford.edu/archives/sum2014/entries/scheler].
65
.Raymond Aron. As etapas do pensamento sociológico. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
p. XX.
67
.Idem, p. XIX.
68
.Florestan Fernandes. Op. cit., p. 35-36. Segundo o autor: “[...] a verdadeira transformação da
Sociologia em disciplina científica, imprimiram novas diretrizes à investigação sociológica. Estas se
revelam em três direções diversas do pensamento científico: 1.) na importância adquirida pela
fundamentação empírica das explanações, apesar da existência de um padrão regular de pesquisa
empírica sistemática, aplicável ao estudo sociológico do presente ou do passado; 2.) na tendência
de operar com problemas sociológicos propriamente ditos (como os fatores da formação do
capitalismo, as causas e efeitos da divisão do trabalho social etc.), o que permitia considere os
fenômenos sociais em termos das uniformidades de coexistência ou de sequência, evidenciadas
nas relações deles entre si, suscetíveis de serem abstraídas e generalizáveis; 3.) na preocupação
de descobrir, em qualquer das esfera que fosse aplicado o ponto de vista sociológico, como
combine umas às outras as explanações relativas às uniformidades investigadas, de modo a fazer
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.Cf. Robert S. Lynd; Helen Merrel Lynd. Middletown: a study in contemporary american culture.
New York: Harcourt, Brace and Company, 1929. p. 21-54. A pesquisa empreendida finalizada em
1925 trata de um caso de estudo sociológico na cidade de Muncie, Indiana, conduzida pelos
autores Robert Staughton Lynd e Helen Merrel Lynd, marido e mulher. Os Lynd e um grupo de
pesquisadores conduziram um estudo de campo numa pequena cidade americana com o objetivo
de descobrir suas bases culturais, normas e melhor entender as mudanças sociais. O
nome middletown foi dado de forma representativa, em razão de existirem inúmeras outras cidades
nos moldes da investigada. Os capítulos 4, 5 e 6 são muito interessantes para compreender o
desenvolvimento do trabalho de campo feito pelos pesquisadores.
71
.ESPOSITO, Roberto. Filosofia e biopolítica. ethic@, Florianópolis, vol. 9, n. 2, p. 369-382, 2010;
Id., Communitas: origen y destino de la comunidade. Trad. Carlo Rodolfo Molinari Marotto. Buenos
Aires/Madrid: Amorrortu, 2007; Id., Immunitas: the protection and negation of life. Trad. Zakiya
Hanafi. Cambridge/UK and Malden/USA: Polity Press, 2011.
73
.Cf. Willis Santiago Guerra Filho. Potência crítica da ideia de direito como um sistema social
autopoiético na sociedade mundial contemporânea. In: Germano Schwartz (org.). Jurisdicização
das esferas sociais e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2012. p. 59-69; Id., Immunological theory of law. Saarbrücken: Lambert Academic
Publishing, 2014 e Id.; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do direito, cit., cap. XII, p. 235
e ss.
74
.Cf. LUHMANN, Niklas. Das Recht der Gesellschaft, Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1993. p. 161 e
565 e ss.; Jacques Derrida. Foi et savoir. Les deux sources de la ‘religion’ aux limites de la simple
raison. In: Thierry Marchaisse (ed.). La religion. Seminaire de Capri sous la direction de Jacques
Derrida et Gianni Vattimo. Paris: Seuil, 1996. p. 58 e ss., texto e nota 23; Id., A Universidade sem
condição. Trad. Evando Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 2003. p. 49.
75
.F. J. Varela; A Cohen. Le corps evocateur: une relecture de l’immunité. Nouvelle Revue de
Psychanalyse, Paris, n. 40, p. 193-213, 1989; F. J. Varela; A Coutinho. Second generation immune
networks. Immunology Today, Amsterdam, n. 12, p. 159-166, 1991; PROTEVI, John. Political
physics: deleuze, derrida, and the body politic. London: Athlone Press, 2001. p. 102, passim.
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Ana Lúcia Sabadell estabelece que a sociologia no direito parte de uma
perspectiva interna com relação ao sistema jurídico. Os adeptos dessa teoria
contestam a exclusividade de um método jurídico tradicional, afirmando que a
sociologia jurídica deve interferir ativamente na elaboração, no estudo dogmático e,
inclusive, na aplicação do direito. A rigor, não haveria uma ciência jurídica
autônoma porque o direito, além de seus métodos próprios, emprega ou deve
empregar métodos próprios das ciências sociais. Segundo a autora, seriam
adeptos dessa forma de análise Manfred Rehbinder e Winfred Hassemer, na
Alemanha; Giovanni Tarello, na Itália, André-Jean Arnaud, na França, entre outros.
Assim, a sociologia jurídica pode estudar e criticar o direito, mas não pode ser
integrante dessa ciência. Na realidade, sua tarefa consiste em promover
um observador neutro do sistema jurídico77.
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A nosso ver, essa descrição sociologia do e no direito, apesar de didática, ao
ser estabelecida num viés interno e externo, rotulando autores como seus adeptos,
oferece o risco de criar sincretismos que reduziriam a perspectiva metodológica
adotada por alguns dos autores identificados como adeptos da sociologia no direito
e da sociologia do direito. Ademais, tal diferenciação resultaria numa espécie de
dualismo, que numa perspectiva metodológica mais atualizada não mais poderia
ser suportado.
76
.SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica. São Paulo: RT, 2002, p. 59.
77
.Idem, p. 55.
78
.Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago e CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria política do direito em
sua segunda edição (2013) pela Editora Revista dos Tribunais, em especial o capítulo XI.
79
.Cláudio Souto; Solange Souto. Sociologia do direito: uma visão substantiva, 2 ed. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris editor, 1997, p. 37.
81
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.Jean Carbonnier. Op. cit., p. 16. “Mais à ce champ d’étude nous appliquerons, par convention faite
une fois pour toutes, l’une ou l’autre des deux expressions indifférement: sociologie du droit ou
sociologie juridique”.
82
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Esse entendimento também deve ser encarado para uma abordagem além do
sentido tradicional empregado que atribui à sociologia jurídica o fato, à dogmática
jurídica a norma, e à filosofia do direito o valor86.
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83
.Idem, p. 42. Aqui, vale lembrar o quanto defende Miguel Reale, em sua Teoria Tridimensional do
Direito, a respeito do caráter dinâmico e dialético em que dever ser consideradas as três
dimensões do direito.
87
.Para uma visão mais detalhada do assunto, que não se refira apenas à dogmática e filosofia
jurídicas, é relevante a abordagem de Jean Carbonnier da relação da sociologia jurídica com
outras disciplinas auxiliares do direito. Cf. Jean Carbonnier. Op. cit., p. 16-29. Também é relevante
a análise de Óscar Correas, cf. Óscar Correas. Intoducción a la sociología jurídica. México:
Ediciones Coyoacan, 1994. p. 45-46.
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fundou a revista L’Année Sociologique, na qual foi publicada a maior parte dos
trabalhos iniciais da Escola Sociológica Francesa.
por ele mesmo, estudando o problema do suicídio, não como fato psicológico
social, mas como fato social.
Como nota Raymond Aron, o tema principal desse livro se estrutura na relação
entre indivíduos e a coletividade, surgindo os seguintes questionamentos: 1) Como
pode uma coleção de indivíduos constituir uma sociedade? 2) Como se chega a
essa condição da existência social que é o consenso?89
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Tais sanções podem ser repressivas ou restitutivas e são derivadas de dois
tipos de direito estabelecidos por Durkheim, a saber: repressivo e restitutivo
respectivamente.
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divisão ainda atualmente usual no meio jurídico, entre direito público e direito
privado baseada no Estado. Ele se coloca além da ótica que centraliza a noção
de Estado para explicar tais conceitos jurídicos alertando que nem sempre existiu o
Estado e que seu papel varia nas sociedades.
sobre-humanas, pelas almas dos antepassados e o temor dessa sanção era tão
grande que poderia chegar a causar morte da pessoa que se sentisse
culpada.93 Essa atitude coletivista se manifestava num rígido esquema de
conservacionismo. Os vivos eram governados pelo passado e pelos mortos. Estes
eram considerados sagrados, e essa crença era tão forte que criou, também sob a
base do princípio da retribuição, a tradição de que somente deveria ser feito aquilo
que os antepassados faziam. Isso denota o sentido de justiça originário, altamente
desenvolvido nas sociedades arcaicas, que não era outra coisa senão o fato de
que a ordem que governava a comunidade era muita mais arraigada nela do que o
direito e a moral no homem civilizado, que considera a si mesmo como um
indivíduo mais ou menos independente do grupo, conforme as circunstâncias.
Por essa via de raciocínio, verifica-se como Durkheim insistiu no caráter exterior
do objeto da ciência social. A rigor, o esforço da época mais promissor tendente a
uma união entre teoria sociológica e investigação empírica se encontra em seu
pensamento. Em A divisão do trabalho social, ao distinguir a divisão do trabalho
técnico e a divisão de trabalho social, Durkheim evidencia que o desenvolvimento
do trabalho social conduzia à preponderância da solidariedade orgânica sobre a
solidariedade mecânica, pela crescente multiplicação de grupos particulares, a
expansão paralela do Estado e do contrato, a limitação progressiva do direito
repressivo pelo direito de restituição.
Outro fato digno de nota é como o estudo das sociedades mais complexas
também levou Durkheim a apresentar suas ideias de normalidade e patologia
sociais. A normalidade social seria relativa a determinado tipo de grupos sociais,
num certo momento de seu desenvolvimento. Em fases de transição de uma
sociedade é muito difícil definir o que seja normal. Ao estudar essas formas,
Durkheim introduziu o conceito de anomia, ou seja, de ausência ou desintegração
das normas sociais, algo que reforça sua investigação sociológica sobre o direito.
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88
.DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999.
89
.Idem, p. 459.
91
.SOUTO, Cláudio. Introdução ao direito como ciência social. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro,
1971. p. 37.
92
.Émile Durkheim. Da divisão do trabalho social, cit., p. 14-37. Vale lembrar que, para Durkheim, a
sociedade e as suas relações formam a personalidade e a forma de agir dos indivíduos, ou seja, o
indivíduo é formado unilateralmente de uma forma externa, diferentemente de Marx, para quem a
consciência individual é formada dialeticamente.
93
.Hans Kelsen. Sociedad y naturaleza: una investigación sociologica. Trad. Jaime Perriaux, Buenos
Aires: De Palma, 1945. p. 36. Cf., ainda, Henrique Garbellini Carnio. Direito e antropologia. São
Paulo: Saraiva, 2013, p. 41 e ss. e GUERRA FILHO, Willis Santiago e CARNIO, Henrique
Garbellini. Teoria política do direito. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013. capítulo III. p. 51 e ss.
94
.WEISS, Raquel. Durkheim e as formas elementares da vida religiosa. Debates do NER, Porto
Alegre, ano 13, n. 22, jul.-dez., 2012. p. 97.
96
.Idem, p. 105.
97
.A respeito, cf., de último Jacyntho Lins Brandão. Em nome da (in)diferença: o mito grego e os
apologistas cristãos do segundo século. Campinas: Ed. Unicamp, 2014.
98
.Émile Durkheim. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 32.
99
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Desde muito jovem, Weber recebe direta influência familiar em sua formação
intelectual. Com 13 anos de idade já escrevia textos e ensaios, mostrando sua
precoce intelectualidade. Em sua família, além dele, seu irmão Alfred Weber se
destaca, tornando-se um sociólogo e economista respeitado.
Ainda jovem, em 1893, Weber casa-se com sua prima de segundo grau,
Marianne Schnitiger Weber, uma feminista envolvida na causa, que chegou a
escrever vários livros sobre os problemas femininos e a própria biografia de
Weber100, após sua morte prematura. Além disso, ela se consagrou como curadora
das obras do marido.
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Após receber uma herança, em 1907, Weber consegue se dedicar ainda mais
às suas pesquisas. No período da primeira guerra mundial, Weber serviu como
diretor de hospitais militares de Heidelberg. Ao seu final, retorna à docência,
dedicando-se novamente ao ensino da disciplina de economia em Viena e,
posteriormente, em 1919, em Munique, onde dirigiu o primeiro instituto universitário
de sociologia da Alemanha. Em 1920, Weber morreu de pneumonia, em Munique.
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Esse novo tom no discurso sobre a cultura é muito bem observado por Antonio
Flávio Pierucci. Para ele, quando Weber fala em “espírito do capitalismo” estaria se
referindo não à prática cotidiana da economia nem aos negócios diretamente, mas
ao espírito com que se fazem esses negócios. Ele se reporta a um modo de vida
baseado em normas éticas, e essas normas ele chama de ascéticas, que
valorizam muito não apenas o trabalho como domínio da natureza, mas o trabalho
como domínio de si mesmo, como controle de si.103
Nesse ponto da reflexão, cremos que possa ser então explorado o conceito
central de Weber que perpassa a maioria de suas obras, a saber, o de
“desencantamento (desenfeitiçamento/desmitificação) do mundo” (Entzauberung
der Welt).
Por meio dessa crítica, não haveria uma evolução semântica do conceito na
obra de Weber, mas um desenvolvimento histórico de sua significação cultural, de
modo que seu núcleo duro pudesse ser referido em duas etapas, em que a
primeira seria a desmagificação religiosa do mundo, e a outra, a desdogmatização
técnica e intelectual do mundo.
Daí que o caráter decisivo do puritanismo no processo ocidental tem a ver com
a ética rigorosa individual e racional, no sentido da busca de fins práticos e
particulares, e Weber o entenderá como a única das religiões éticas. O
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Weber se dedica a uma compreensão das ciências sociais que leve em conta
as questões culturais. É importante que se capte a especificidade dos fenômenos
estudados e seus significados, ciente de que as circunstâncias culturais são
infinitas. Então, deve-se isolar o fragmento que se considera mais relevante e a
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seleção, nesse caso, pauta-se pelo critério do significado que certos fenômenos
possuem, tanto para o cientista quanto para a cultura e época em que se inserem.
O tipo ideal é um conceito teórico abstrato que serve como uma referência (um
vetor) na variedade de fenômenos que ocorrem na realidade e que busca uma
caracterização sistemática dos padrões individuais concretos, fugindo do
esquematismo empírico ou do método comparativo, usuais até então nas
projeções sobre o pensamento das ciências sociais, com destaque para sua
constituição na Inglaterra e França.
Na ação racional com relação a valores o que orienta é o valor, e não mais a
ação racional. Tal valor pode ser ético, estético, político ou religioso. Exemplos
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seriam usar a paz como vetor para a sociedade, a luta pelo reconhecimento do
exercício da liberdade religiosa ou sexual etc.
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Para ele, o direito é obra dos juristas atuando com finalidades práticas, sendo,
assim, obra de um formalismo especial e racional gerador de fórmulas de alta
generalização aplicáveis a uma quantidade inumerável de casos, como a
fórmula non bis in idem dos romanos.109
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100
.Cf. para esta definição Raymond Aron. Op. cit., p. 725 e 726.
102
.Tania Quintaneiro. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. Belo Horizonte: Ed
UFMG, 2002. p. 97.
103
.Renarde Freire Nobre. Entre passos firmes e tropeços. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São
Paulo, v. 19, n. 54, fev. 2004.
105
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.WEBER, Max. A objetividade das ciências sociais. In: Gabriel Cohen (org.). Max
Weber: sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1982. p. 91.
107
.Cf. Willis Santiago Guerra Filho; Henrique Garbellini Carnio. Teoria política do direito, cit., cap. II.
p. 21 e ss.
109
.Para aprofundar o momento histórico em que vivia Weber e esclarecer de certo modo algumas de
suas inclinações políticas e posturas intelectuais, cf. Max Weber. Ensaios de sociologia. Trad.
Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968. p. 47-63.
112
.Felipe Fucito. Sociologia del derecho. Sociologia del derecho: a ordem jurídica e suas condições
sociais. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1999, p. 199 a 219.
113
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Léon Duguit era um naturalista social. Ninguém mais que ele contribuiu para
convencer juristas – principalmente da França – de que o Direito é uma força social
e que o princípio da solidariedade do direito deve ser levado em conta tanto pelo
legislador como pelo intérprete da lei, daí que se deve não apenas dizer que “todo
o direito é social”, mas sim tirar as consequências desse princípio, no plano
dogmático, superando as colocações de um individualismo insustentável.
dessa reprovação se dará com a aplicação de uma sanção. Por seu turno, a
solidariedade orgânica dá-se quando indivíduos se unem para realizar determinado
fim ou atingir uma meta. Unem-se, praticando atos distintos e complementares. No
direito, ela se manifesta de maneira contratual e tem como objetivo a restauração,
ou manutenção da situação jurídica, tendo como sanção a restituição. Pode-se
citar como exemplo a divisão orgânica de trabalho em uma fábrica.
Dessa definição o autor extrai três elementos que merecem destaque e que
identificam seu pensamento sociológico sobre o direito: 1) trata-se de normas
obrigatórias; 2) essas normas são impostas pelo grupo social; 3) essas normas
modificam-se incessantemente.
Essa afirmação tem sentido, pois nós, os homens, estamos tão acostumados a
obedecer a essas normas que quase não sofremos com elas, da mesma forma que
não sofremos com certas coesões físicas, como a lei da gravidade.
Além disso, não pode existir obrigação sem sanção, por isso, em sua definição,
o direito é representado como um sistema de sanções. As sanções jurídicas,
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As normas de direito são impostas a cada um pelo grupo de que se faz parte,
entretanto, tal afirmação não pode ser simplesmente resolvida na famosa
máxima Ubi societas, ibi jus, mas deve ser precisada a partir da seguinte
indagação: qual é o grupo social de que emanam as normas jurídicas? E ainda: é
verdade que certas sociedades (qualquer que seja o sentido atribuído a esse
termo) podem viver sem direito? Em outras palavras, o adágio Ubi societas, ibi
jus é universal?
Na escola monista está situada a maioria dos juristas. Nela se acredita que um
único tipo de grupo social, o grupo político – atualmente conhecido pela
denominação genérica de sociedade global –, está habilitado a criar normas de
direito.
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Com efeito, se o direito emana do grupo social, não poderia ter mais estabilidade
que esse mesmo grupo. Ora, um agrupamento humano não é senão uma reunião
mais ou menos natural, voluntária ou fortuita, de indivíduos de sexo e idades
diferentes, grupo que nunca permanece semelhante a si mesmo, uma vez que os
elementos de que se compõe, modificam-se a todo instante pelo efeito do tempo [...]
Antes de tudo, se o direito é instável, frequentemente sua expressão permanece fixa,
ou, pelo menos, não segue o seu ritmo e atrasa-se ou, às vezes – o que é mais
raro –, adianta-se a ele. O caso mais comum é o de uma norma de direito que, por ter
sido formulada oralmente ou por escrito e ter se transmitido nos mesmos termos,
durante longos anos, de geração a geração, é cercada de um certo respeito, que se
prende ao fato de ela emanar da coletividade ou de seus representantes: por isso é
muito difícil modificá-la. Mas chega um momento em que sua formulação já não é
adequada. A partir daí pode-se colocar para aquele que é encarregado de aplicá-la –
normalmente o juiz – um verdadeiro caso de consciência que, em certa
circunstâncias, pode assumir um aspecto dramático.117
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recusá-la, para depois retribuir. O retribuir era a essência do potlatch, festa em que
se dizimava praticamente tudo quanto uma comunidade havia produzido para
demonstrar sua capacidade retributiva.
As práticas tradicionais com as quais os atos mágicos podem ser confundidos são:
os atos jurídicos, as técnicas, os ritos religiosos. O sistema da obrigação jurídica foi
associado à magia em razão de que, de parte a parte, há palavras e gestos que
obrigam e vinculam, há formas solenes. Mas, se com frequência os atos jurídicos têm
um caráter ritual, se o contrato, os juramentos, o ordálio são alguns aspectos
sacramentais, é que eles se misturam a ritos, sem que sejam ritos por si mesmos. Na
medida em que têm uma eficácia particular, em que fazem mais do que estabelecer
relações contratuais entre indivíduos, eles não são jurídicos, mas mágicos ou
religiosos.121
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Já com relação ao tema do sacrifício, Mauss – tendo como coautor nesse texto
Henri Hubert – prudentemente apresenta a conceituação e esquematização do
sistema sacrificial. A proposta do ensaio, publicado originalmente como Essai sur
la nature et la fonction du sacrificie na Année Sociologique, no segundo volume, no
ano de 1899, é, antes de tudo, descritiva.
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Cláudio Souto nota que Gurvitch parte da ideia tradicional de que o direito tem
um caráter bilateral ou multilateral, por encadear pretensões de uns e deveres de
outros, e que tal encadeamento implica a necessidade de sua imposição pela
autoridade de um fato normativo, de modo que não se pode realizar realmente
esse encadeamento senão pela eficácia de uma garantia social que o proteja.125
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Além disso, sua definição de justiça, que se debruça como uma reconciliação
prévia e essencialmente variável das obras de civilização em contradição, é
acentuadamente indistinta, o que leva à possibilidade de se sustentar que ainda se
encontra em Gurvitch um resíduo daquele desprezo da sociologia cientificista do
século passado pelo mundo das normas, dos valores.
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114
.DUGUIT, Léon. Traité du Droit Constitutionnel. 3. ed. Paris, Ancienne Libraire Fontemoing & Cie.
Editeurs de Boccard, 1927. v. 1, p. 127.
115
.LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 20.
116
.A análise aqui feita sobre o pensamento de Lévy Brhul foi desenvolvida com base na sua
obra Sociologia do Direito. Cf. LÉVY-BRUHL, Henri. Sociologia do direito. 2 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997, p. 20-37.
117
.Cf., nesse sentido, MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Tradução de Paulo Neves. São
Paulo: Cosac e Naify, 2003, p. 235 e Ensaios de sociologia. Tradução de Luiz João Gaio. São
Paulo: Perspectiva, 1999, pp. 351-372. No capítulo 3, em especial, fez-se destaque pontual ao
pensamento do autor, motivo pelo qual aqui não se retoma o assunto.
119
.MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Cosac Nayfi,
2003. p. 55-56.
121
.MAUSS, Marcel; HUBERT, Henri. Sobre o sacrifício, Trad.: Paulo Neves, São Paulo: Cosac Naify,
2005, p. 15.
123
.SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva, cit., p. 65.
126
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.Os estudos de sociologia jurídica na França continuam avançando, sendo representativo desse
pensamento autores como K. Stoyanovitch, André-Jean Arnaud e Jacques Commaille e, de certo
modo, também Jean Carbonnier, com o livro publicado em 1969 dedicado à matéria
intitulado Direito flexível que é seguido – da obra citada no capítulo anterior – de seu Sociologia do
direito.
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Para ele, uma dessas ficções é a relativa à ciência do direito dos juristas, ser
antes de tudo uma doutrina técnica (Kunstlehre) e não efetivamente de um estudo
jurídico compromissado com sua realidade, visando apenas fins práticos.
Sua crítica se espalha sobre a formatação que recebera o direito até sua época.
Isso o faz chegar à ideia de um direito social subjacente, o direito da sociedade,
com a função de organização social pacífica interna e que cabia à sociologia
jurídica estudar.
Ehrlich apresenta a falha de não distinguir realmente o direito dos outros fenômenos
sociais normativos, e, pois, de não tornar preciso o domínio da Sociologia Jurídica.129
129
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Ele inicia sua análise com a tradicional diferenciação entre uma sociologia
conservadora e uma sociologia crítica, evidenciando que a primeira se baseia na
ideia das leis naturais, e a segunda, na ideia dos direitos naturais. Após, afirma que
seguramente a investigação dos fatos contra valores é a primeira linha divisória
que demarca a sociologia americana que nessa fase e um pouco depois deixa
completamente de lado o estudo sociológico do direito e das instituições jurídicas,
bem como dos sistemas políticos, da ciência e instituições científicas131.
Tudo isso para chegar à afirmação de que o núcleo fundamental da nova crítica
da sociologia americana estava no estudo de uma teoria da evolução social,
evitada por Parsons, pela sua impossibilidade momentânea.
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Outro destaque que cabe a essa escola é o de que no final do século XIX
triunfa nos EUA a doutrina dos precedentes, que faz do juiz um órgão puramente
passivo e de repetição de soluções já adotadas. Nesse momento, esses estudos
serão chamados por Pound como Mechanichal jurisprudence, por Cohen
como slot-machine theory e seus membros irão fazer um esforço para demonstrar
que essa concepção de doutrina do precedente não corresponde nem ao que se
faz nem ao que se deve fazer.
Assim, pode-se afirmar que o que mais se desenvolveu nos EUA foi a pesquisa
empírica em sociologia jurídica, sendo oportuno mencionar o realismo jurídico
americano, uma corrente de pensamento surgida na primeira metade do século XX
nos Estados Unidos – que não dever ser confundido com a escola da sociological
jurisprudence –, sobre a base da qual ele se expandiu o movimento realista
americano que serviu para o desenvolvimento da abordagem sociológica do direito
nos EUA. Da mesma forma que a sociological jurisprudence e as escolas do direito
livre europeias, o realismo norte-americano rebela-se contra o formalismo mais
preocupado com as semelhanças do que com as diferenças, como a “elegentia
juris”, do que com os efeitos sociais do direito e o significado do direito. Ele aborda
o problema da adaptação do direito a uma sociedade que se desenvolve e busca
enfatizar o caráter único de cada caso.134
131
.Nota-se que a análise sociológica do direito nos EUA se inter-relaciona com o desenvolvimento da
ideia do realismo jurídico neste país. Para aprofundar as ideias jurídicas de Pound sobre o direito,
em temas como justiça, lei e tribunais, cf. POUND, Roscoe. Justiça conforme a lei. 2 ed. São
Paulo: Ibrasa, 1976.
133
.De modo mais preciso, cf. TIMASHEFF, Nicholas. Teoria sociológica. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1965, p. 309-313 e 405-420.
136
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137
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Seu pensamento era utópico, e sua análise dos problemas brasileiros apresentava
cunho prático, sendo exemplos das medidas pensadas: a supressão da
hereditariedade monárquica, a supressão da religião do Estado, a promulgação
das instituições civis que assegurassem a liberdade do pensamento e a abolição
da escravatura. Cerca de dois meses depois da Proclamação da República, os
positivistas apresentaram ao povo brasileiro as Bases de uma constituição político-
ditatorial federativa para a república brasileira, em que se preconizava a atribuição
do governo federal a um ditador. Por bem, apesar da relativa influência dos
seguidores da doutrina, a proposta ficou no papel, sem que se deixe de considerar,
no entanto, o caráter ditatorial e militar de república em seu nascedouro.
Após 6 anos da edição desse livro, ocorre a revolução de 1930, que promoveu
mudanças de sinal positivo na vida político-partidárias no País. A classe média
passou a ter mais espaço nos quadros dirigentes, houve institucionalização das
forças econômicas, por meio da sindicalização, liquidação, no Governo Federal, de
hegemonia de uns poucos Estados em detrimento de outros, firmou-se o princípio
da intervenção do Estado na economia – apesar de ter ocorrido precariamente.
Entre 1930 e 1937, há um grande esforço de teorização política da realidade
nacional.
139
.RAMOS, Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro: Editorial Andes,
1957, p. 19. Ainda, sobre o nosso desenvolvimento do pensamento sociológico no Brasil, cf. o
capítulo V da referida obra.
140
.O pensamento de Sylvio Romero merece destaque também pela produção de uma obra
genuinamente original sobre o folclore brasileiro. Cf. ROMERO, Silvio. Folclore brasileiro: cantos
populares do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1954.
141
.Cf. Cláudio Souto e Solange Souto, p. 107. Para uma análise mais detalhada do pensamento de
Nelson Saldanha, cf. Nelson Saldanha. Sociologia do direito. 3 ed. São Paulo: RT, 1989.
143
.Cf. SANTOS, B. S. The law of the opressed: the construction and reproduction of legality in
Pasargada. Law & Society Review, v. 12, p. 5-126, 1977; entre nós, SANTOS, Boaventura de
Sousa. Notas sobre a história jurídico social de Pasárgada. In: SOUTO, Cláudio e FALCÃO,
Joaquim (Orgs.); Sociologia e Direito: textos básicos para a disciplina da sociologia jurídica. São
Paulo: Pioneira, 1999.
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Incontestavelmente, o direito tem relação com o poder, uma relação tão estreita
que, algumas vezes, seu estudo acaba sofrendo um reducionismo às relações de
poder, acabando por ocorrer como consequência de uma politização absoluta,
autoritária, e em certos casos totalitária do direito, que, dessa forma, passa a ser
degradado à condição de uma espécie de disfarce da política e mero instrumento
de poder (político).145
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Tal tarefa se lança como o grande tema atual na insigne tarefa da superação do
rigorismo exegético e até mesmo do purismo metodológico do positivismo,
residindo na hermenêutica jurídica, de modo fundamental, a verdadeira tarefa
funcional para os deslindes dogmáticos do direito.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
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144
.Essa pergunta foi formulada de forma contextualizada em estudo crítico sobre o pensamento
dogmático jurídico por João Maurício Adeodato. Para tanto, cf. João Maurício Adeodato. Ética e
retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, n. 7. p. 143.
145
.Immanuel Kant. Crítica da razão prática. 5. ed. Trad. Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011, A 736 B 764, p. 606.
148
.Conforme preceitua Tercio Sampaio Ferraz Junior: “Afinal, quando se fala hoje em dogmática
jurídica, nossa tendência é identificá-la com um tipo de produção técnica capaz de atender a
demanda profissional, no desempenho imediato das suas funções, ou de vê-la na produção
didática que, dirigida para um consumo cada vez mais massificante, tem muito pouco a ver com o
que, nas demais ciências, seria admitido como trabalho de rigor e controle”. Tercio Sampaio Ferraz
Junior. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 9.
151
.Sobre essa indagação, interessante a seguinte reflexão de Willis Santiago Guerra Filho: “O quadro
que se vem de esboçar revela a feição atual, eminentemente “autopoiética”, do Direito, como um
sistema que regula sua própria (re)produção, por meio de procedimentos que ele mesmo
instaura...diante da qualidade dos problemas com que se defronta a sociedade contemporânea,
não se pode pretender encontrar naquele ordenamento pré-(e)scritas as soluções, que só se
encontram realmente ex post. Da mesma forma, não se mostra satisfatória a dogmática jurídica
tradicionalmente praticada, em que se volta a atenção predominantemente para os textos legais,
para com base neles reconstruir autorizadamente o sentido normativo. O objeto da ciência jurídica
não seria propriamente as normas, mas os problemas para os quais a elas cabe viabilizar a
solução. E, para isso, importa acima de tudo examinar as situações concretas em que os
interesses envolvidos se manifestam e (eventualmente) entram em conflito. Daí a importância de
normas procedimentais, que regulam o modo de entender interesses, sem pretender determinar de
antemão a solução a ser dada”. Willis Santiago Guerra Filho. A filosofia do direito: aplicada ao
direito processual e à teoria da Constituição. São Paulo: Atlas, 2001.
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A questão fundamental que aqui se coloca é uma pergunta muito bem proposta
por Max Weber em sua célebre conferência tratando sobre a política como
vocação profissional (Politik als Beruf),152 a saber: “Quando e por que os homens
obedecem?”153
Tal noção de força é que passa a ser referida por uma denominação mais
precisa, a de violência.
Essa noção de violência é que serviu a certas instituições sociais àquilo que
será a própria configuração do Estado, haja vistas as predecessoras formas de
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As pistas deixadas por Weber revelam que sua tentativa foi a de uma resposta
em termos científicos, pois, ao privilegiar a questão do como se obedece, em
termos funcionais, se atingiria a sua clássica tipologia – tripológica – das três
formas “puras” de legitimação, a saber: dominação legal, dominação tradicional e a
dominação carismática.158
Seria essa, então, a justificativa para o respeito ao direito e ao Estado, que foi
dada por alguns autores que fundamentam o pensamento político moderno,
utilitarista e positivista, como Maquiavel e Hobbes.160
Como bem evidencia Willis Santiago Guerra Filho, vivemos atualmente num
estado de onipresença e ubiquidade da violência, pois esta se encontra em todos
os planos e espaços de convivência, desde a família, passando pela comunidade
em que se vive, até as grandes cidades e, ainda, em escala planetária, onde atuam
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Nessa medida, o direito vem sendo construído pela tensão entre um ideal de
justiça, jamais realizado, e na realidade da violência na qual se ampara o poder.
Poder este de assenhoramento de um sujeito sobre outro. Em sentido jurídico, pelo
exercício da autoridade (legítima), e, em sentido psicológico, para assujeitar o
outro a uma simples vontade de poder, isto é, um desejo de sujeição para suprir a
carência de ser, própria do ser ficcional, artificioso, desejante e anormal, que é o
ser humano.163
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Segundo Derrida, o termo “crítica” (Kritik), utilizado por Benjamin não significa
simplesmente uma avaliação negativa, rejeição ou condenação legítimas de
violência, mas um juízo, uma avaliação dos meios de se julgar a violência.
A par de tudo o exposto, é interessante ainda notar como René Girard, em sua
obra A violência e o sagrado168 (La violence et le sacré), aborda o tema
fundamental da violência na exteriorização da noção de sacrifício praticada pelos
homens.
Cabe ressaltar aqui que a noção biopolítica171 utilizada por Agamben possui
uma matriz foucaultiana, e sua significação fica clara no momento em que se
instaura um novo modelo – de relacionamento humano – que ressalta a tomada do
poder sobre o homem enquanto ser vivo e que tem no Estado do século XIX sua
força catalisadora.
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E mais, isso revela que somente a partir do Estado um povo pode expressar a
decisão política fundamental: a decisão sobre o amigo/inimigo.
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152
.Max Weber. Ensaios de sociologia. 3. ed. Trad. Waltensir Dutra, rev. técnica de Fernando
Henrique Cardoso. Rio de Janeiro: LTC, 1974.
153
.Idem, p. 99.
154
.Idem, p. 98.
155
.Idem, p. 65.
157
.Max Weber. Os três tipos puros de dominação legítima. In: ______; Gabriel Cohn (orgs.). 7. ed.
São Paulo: Ática, 2003, n. 4. p. 128-141.
159
.Idem, ibidem.
162
.Giorgio Agamben. O reino e a glória: uma genealogia teológica da economia e do governo. Trad.
Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2011. p. 9.
163
.Walter Benjamin. Para una crítica de la violencia. Trad. Héctor A. Murena. Buenos Aires: Editorial
Leviatán, 1995. p. 46.
165
.Idem, p. 73.
167
.Segundo Foucault: (...) uma das mais maciças transformações do direito político do século XIX
consistiu, não digo exatamente em substituir, mas em completar esse velho direito de soberania –
fazer morrer ou deixar viver – com outro direito novo, que não vai apagar o primeiro, mas vai
penetrá-lo, perpassá-lo, modificá-lo, e que vai ser um direito, ou melhor, um poder exatamente
inverso: poder de ‘fazer’ viver e de ‘deixar’ morrer (...). Michel Foucault. Aula de 17 de março de
1976. In: ______. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 287.
172
.Carl Schmitt. Legalidade e legitimidade. Trad. Tito Lívio Cruz Romão. Belo Horizonte: Del Rey,
2007. p. 3 e 4.
173
.Lorenzo Córdova Vianello. Derecho y poder: Kelsen y Schmitt frente a frente. México:
FCE/Unam/IIJ, 2009. p. 213-217.
174
.Idem, p. 225.
176
.Idem, p. 226.
177
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Essa tese foucaultiana tem um forte apelo, ou, ao menos, pode-se buscar antes
dela para a discussão do tema em tom de apoio reflexivo, a proposta nietzschiana
que analisa a tarefa colossal da época moderna, cujo caráter predominante é o
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178
.Segundo o autor, “en una sociedad como la nuestra [...] múltiples relaciones de poder atraviesan,
caracterizan, constituyen el cuerpo social; no pueden disociarse, ni establecerse, ni funcionar sin
una producción, una acumulación, una circulación, un funcionamiento del discurso verdadero. No
hay ejercicio de poder sin cierta economía de los discursos de verdad que funcionan en, a partir y
a través de ese poder. El poder nos somete a la producción de la verdad y sólo podemos ejercer el
poder por la producción de la verdad. Eso es válido en cualquier sociedad, pero creo que en la
nuestra esa relación entre poder, derecho y verdad se organiza de una manera muy particular”.
Michel Foucault. Defender la sociedad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2001, p. 34.
180
.A ampliação do termo biopolítica num contexto mais amplo acontece, como indica Peter Pál
Pelbert, dois anos depois, em que se pode reencontrar a mesma expressão tanto no último
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capítulo de A vontade de saber, intitulado “Direito de morte e poder sobre a vida”, publicado em
1976, como na aula ministrada no Collège de France em março do mesmo ano, publicada
posteriormente como Em defesa da sociedade. Cf. Peter Pál Pelbart, Vida capital: ensaios de
biopolítica, São Paulo: Iluminuras, 2009, p. 55.
181
.Num perfil filosófico extremamente interessante, sobre o tema, cf. Hans Blumemberg. “Imitação da
natureza”: contribuição à pré-história da ideia do homem criador In: Mímesise a reflexão
contemporânea, Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2010, p. 87-189.
184
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Esse não pertencimento identifica a falácia do que foi conclamado como direitos
humanos. As temáticas despatriamento e naturalização guardavam uma relação
inversamente proporcional. O fenômeno da naturalização acabava estabelecendo
nessa época uma condição de privação de certos direitos civis, o que não tornava
distante as pessoas da condição de apátridas. “[...] É difícil saber o que ocorreu
primeiro, se a relutância dos Estados nações em naturalizar os refugiados (com a
chegada destes, a prática de naturalização tornou-se cada vez mais limitada e a
prática da desnaturalização cada vez mais comum), ou a relutância dos refugiados
em aceitar outra cidadania. Em países com populações minoritárias, como a
Polônia, os refugiados russos e ucranianos tinham uma clara tendência de se
incorporarem às minorias russa e ucraniana sem, contudo, exigirem cidadania
polonesa”.191
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Além dessa forma, Arendt afirma que outro modo, menos seguro e muito mais
difícil, de passar de anomalia não reconhecida à posição de exceção reconhecida
seria se destacar como gênio, pois, assim como a lei só conhece uma diferença
entre seres humanos: a diferença entre o não criminoso normal e o criminoso
anômalo, também a sociedade, conformista, reconhece apenas uma fora de
individualismo determinado, o gênio.194
O gênio, na sociedade burguesa europeia, era algo que permanecia além das
leis humanas, uma espécie de monstro cuja principal função social fosse criar
excitamento e de nada importava se fosse um fora da lei. Assim, “A perda da
cidadania privava não apenas a pessoa de proteção, mas também de qualquer
identidade e seu problema só estava resolvido quando conseguia aquele grau de
distinção que separa o homem da multidão gigantesca e anônima. Somente a fama
podia vir a atender a repetida queixa dos refugiados de todas as camadas sociais
de que “ninguém aqui sabe quem eu sou”; e a verdade é que as chances de um
refugiado famoso aumentam, da mesma forma que um cachorro perdido com
pedigree sobrevive mais facilmente que um outro cachorro perdido, que é apenas
um cão como os demais.”195
Nas pistas de Hannah Arendt, o filósofo italiano Giorgio Agamben afirma que
historicamente todo princípio da soberania reside essencialmente na Nação, de
modo que nenhum corpo ou indivíduo pode exercer uma autoridade que não
emane expressamente da Nação. E é pelas declarações de direitos que devem ser
vistas como o ponto de passagem e forma clássica de soberania de origem divina
à nova figura histórica da soberania que corresponde à figura dos modernos
estados democráticos de direito.196
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Essa dimensão da politização da vida é tão profunda que uma das teses
principais em que aposta é exatamente a de que “o campo, e não a cidade, é o
paradigma biopolítico do Ocidente”.197
Adorno inicia seu texto seminal A educação após Auschwitz com a ideia da
exigência de que Auschwitz não se repita como a primeira de todas para a
educação. Adverte, ainda, que o fato de não conseguir entender como este fato até
hoje teve tão pouca atenção e que a pouca consciência existente em relação a
essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não
calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita
no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas.
Qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e
importância frente à Auschwitz.201
Auschwitz. O pavor vem justamente disso, pois, apesar da não visibilidade atual
dos infortúnios, a pressão social continua se impondo, impelindo as pessoas em
direção ao que é indescritível e que, nos termos da história mundial, culminaria em
Auschwitz, fazendo com que o autor retome a Freud, que identificou de forma
perspicaz que a própria civilização, por seu turno, origina e fortalece
progressivamente o que é anticivilizatório.202
por Atenas para que nunca olhasse diretamente para a Medusa, somente para o
seu reflexo. Ao mesmo tempo que o advertia, Atenas presenteou Perseu com um
escudo brilhantemente polido.205
Nas linhas de Bettelheim, o muçulmano seria aquele que abriu mão da margem
irrenunciável de liberdade e que extraviou de si qualquer traço de vida afetiva e de
humanidade, ele ultrapassou algo que o autor parece considerar como “ponto sem
retorno”, por mais humilhado e massacrado, para manter-se ser humano, era antes
de tudo importante manter-se informado e ciente de qual era seu ponto sem
retorno.208 O muçulmano “é a refutação radical de qualquer possível refutação, a
destruição desses últimos baluartes metafísicos que continuam de pé por poderem
ser provados diretamente, mas unicamente negando a sua negação.”209
Por fim, há ainda um último conceito jurídico que toda a experiência do campo,
como paradigma biopolítico moderno, nos atine à reflexão e que enreda o sentido
final de nossa abordagem: a noção de dignidade.
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186
.Oswaldo Giacoia Junior. Sobre direitos humanos na era da bio-política. In: Kriterion, Belo
Horizonte, n. 118, Dez./2008, p. 278.
187
.Segundo Arendt: “até a terminologia aplicada ao apátrida deteriorou-se. A expressão “povos sem
Estado” pelo menos reconhecia o fato de que essas pessoas haviam perdido a proteção do seu
governo e tinham necessidade de acordos internacionais que salvaguardassem a sua condição
legal. A expressão displaced persons [pessoas deslocadas] foi inventada durante a guerra com a
utilidade única de liquidar o problema dos apátridas de uma vez por todas, por meio do simplório
expediente de ignorar a sua existência. O não reconhecimento de que uma pessoa pudesse ser
“sem Estado” levava as autoridades, quaisquer que fossem, à tentativa de repatriá-la, isto é, de
deportá-la para o seu país origem, mesmo que este se recusasse a reconhecer o repatriado em
perspectiva como cidadão ou, pelo contrário, desejasse o seu retorno apenas para puni-lo. Como
os países não totalitários, a despeito do clima de guerra, geralmente têm evitado repatriações em
massa, o número de pessoas sem Estado era substancialmente elevado — ainda doze anos após
o fim da guerra. A decisão dos estadistas de resolver o problema do apátrida ignorando-o é
revelada ainda pela falta de quaisquer estatísticas dignas de confiança sobre o assunto. Contudo,
sabe-se pelo menos que, enquanto existia 1 milhão de apátridas.” Hannah Arendt. O declínio do
estado nação e o fim dos direitos do homem. In: Origens do totalitarismo: anti-semitismo,
imperialismo e totalitarismo. Trad. Roberto Raposo, São Paulo: Companhia das Letras, 1989,
p. 313.
189
.Idem, p. 325.
191
.Idem, p. 306.
192
.Idem, p. 320.
193
.Idem, ibidem.
194
.Idem, ibidem.
196
.Idem, p. 176.
198
.Theodor Adorno, Educação após Auschwitz. In: Palavras e Sinais, Petrópolis: Vozes, 1995.
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201
.Idem, p. 104.
202
.Idem, 105. A referência de Adorno seria a duas obras de Freud, a saber, O mal-estar na
civilização e Psicologia de grupo e a análise do ego.
203
.Jean Améry, At the mind’s limits: contemplations by a survivor on Auschwitz and its realities,
Bloomington: Indiana University Press, 1980, p. 18-19.
204
.Giorgio Agamben. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha, Trad. Selvino Assman,
São Paulo: Boitempo, 2008, p. 55.
205
.Robert Graves. O grande livro dos mitos gregos, São Paulo: Ediouro, 2008. p. 285.
206
.Bruno Bettelheim. O coração informado: autonomia na era da massificação, Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1985, p. 117.
208
.Idem, p. 127.
209
.Idem, p. 30.
211
.Afirma o autor: “A perpetuidade dos direitos soberanos do corpo político integral, do qual o rei era
a cabeça, era entendida como situada na Coroa, por vaga que possa ter sido essa noção, sem a
qual ficariam quase incompreensíveis as especulações em torno de “dois corpos” de um rei: a
Dignitas”. Ernst Kantorowicz. Os dois corpos do rei, cit., p. 233.
212
.Idem, p. 235.
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A relação do direito com o poder é indubitável e tão estreita que, muitas vezes,
é possível encontrar quem o reduza às relações de poder, tendo como
consequência a politização absoluta – tendencialmente absolutista, autoritária,
quando não, totalitária – do direito. Assim, este é degradado à condição de uma
espécie de disfarce da política, um mero instrumento do poder.
Einstein escreve para Freud indicando sua constatação de que o intenso desejo
de poder, que caracteriza a classe governante em cada nação, seria hostil a
qualquer limitação de sua soberania nacional. Tal soberania possui aspirações
econômicas que consideram a guerra, a fabricação e a venda de armas como uma
oportunidade de expandir seus interesses pessoais e ampliar a sua autoridade
pessoal. É a partir desse primeiro passo que a maioria acaba sucumbindo à
vontade de uma minoria, que se resigna a perder e a sofrer com uma situação de
guerra, a serviço da ambição de poucos – a ponto, até mesmo, de se sacrificarem
por estes.
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De plano, Freud evidencia como Einstein incitou a conversa pela relação entre
direito e poder e, aceitando o ponto de partida como correto da investigação,
sugere sua substituição pela palavra violência, pois, basicamente, conflitos de
interesse entre os homens são resolvidos pelo uso da violência.
execução dos atos legais da violência, fez com que surgissem vínculos emocionais
entre os membros, verificando-se com isso “a violência suplantada pela
transferência do poder a uma unidade maior, que se mantém unida por laços
emocionais entre os seus membros”.217
Nesse esquema, cada indivíduo deve abrir mão de sua liberdade pessoal de
utilizar a sua força para fins violentos e qualquer noção de equilíbrio nessa
perspectiva não passa de teoria, pois, na realidade, a situação complica-se pelo
fato de que, desde os seus primórdios, a comunidade abrange elementos de força
desigual seus membros, sejam homens e mulheres, sejam pais e filhos, gerando,
logo em seguida, a noção em prática de vencedores e vencidos, que se
transformam em senhores e escravos.
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213
.Idem, p. 19.
215
.Albert Einstein; Sigmund Freud. Um diálogo entre Einstein e Freud: por que a guerra?, Santa
Maria: Fadisma, 2005.
216
.Albert Einstein; Sigmund Freud. Um diálogo entre Einstein e Freud: por que a guerra?, cit., p. 30.
217
.Idem, p. 32-33.
218
.Idem, p. 37.
219
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incessante que revela a aguda crise em que o estudo das formas políticas e
jurídicas estão arremetidas.
O intuito inicial deste estudo, que pretende romper com o paradoxo anunciado,
tem como ponto de partida o estudo da figuração do problema do poder e sua
deslocação prototípica – que vá do poder soberania ao poder governo –, não
simplesmente como domínio, mas como gestão. O entroncamento em que se
encontra o poder tem laço direito com os problemas do direito, residindo aí o objeto
inicial da proposta deste estudo que pretende retomar a discussão desse problema
no diálogo entre dois grandes autores do século XX – Carl Schmitt e Walter
Benjamin (o que nos remeterá por sua vez, previamente, à discussão sobre a
soberania entre Carl Schmitt e Hans Kelsen e, posteriormente, entre Carl Schmitt e
Jakob Taubes).
O autor que fornece o palco para a construção dessa reflexão inicial é Giorgio
Agamben, que, em seu livro Estado de Exceção, dedica um capítulo ao
confrontamento dos autores e que foi por ele denominado como Lutas de Gigantes
acerca de um Vazio. O capítulo trata sobre o debate de Walter Benjamin e Carl
Schmitt sobre o estado de exceção e seu dilema, compondo o autor a ideia de
tentar ler a teoria da soberania de Carl Schmitt como uma resposta à crítica
benjaminiana da violência no seu afamado Crítica da violência: crítica do poder.221
Os institutos jurídicos que temos e que são compostos diretamente pelo signo
da exceção, como o estado de defesa ou intervenção federal e estado de sítio,
revelam a dificuldade de se ter clara e objetivada a vigência normal da ordem
jurídica e as condições extraordinárias possíveis de sua realização, em outras
palavras, os acontecimentos que geram e condicionam a suspensão legítima da
ordem jurídica. Por trás dessa complexa situação paradoxal estão as relações
entre validade, eficácia, vigência, legalidade, legitimidade e facticidade o que, dito
de outro modo, também pode ser representado na relação entre o direito e a
violência (força) e a própria instituição de uma ordem estatal (jurídica), pois com a
exceção o direito revela que é constituído por uma dimensão paradoxal aberta para
um espaço tanto interno quanto externo à lei e ao ordenamento.
Tudo isso nos remete à questão sobre o sentido constitutivo de uma ordem
jurídica: o poder constituinte, seja em sua forma originária, seja em sua forma
derivada. Esse é, em si, o tema da questão jurídica da revolução.
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Esse sincretismo, entretanto, não quer dizer que se deve afastar o conceito de
soberania da ciência jurídica, mas, ao contrário, que se deve realmente reconhecer
seu sentido de verdade. Segundo Kelsen, é substancialmente errada a ideia de
“eliminar o conceito de soberania da moderna doutrina do direito e do estado
somente porque um dos seus muitos significados – que sem nenhuma razão é
retido como o único justo, como ‘autêntico’, in genere aquele do poder absoluto e
ilimitado do Estado – não se concilia com o moderno conceito do Estado de
direito”.225
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Exatamente nesse domínio limítrofe que ela instaura o seu elemento essencial:
a decisão.
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É uma ordem garantida sem o direito. O estado de exceção tem uma estrutura
antinômica, pois tem origem na legitimidade normativa do soberano para
suspender a ordem jurídico-constitucional, no todo ou em parte, assim, nessa
situação, a Constituição aplica-se, desaplicando-se. Por essa razão, para Schmitt a
essência da soberania somente se revela na – e pela – exceção, estando o
soberano, ao mesmo tempo, dentro e fora do ordenamento jurídico.
220
.Como referência, Arthur Kaufmann, apresenta uma lista de autores e livros consideravelmente
extensa no início do capítulo 4 de sua obra Filosofia do direito intitulado Além do direito natural e
do positivismo jurídico que é justificada nos seguintes termos: “A indicação de tanta bibliografia a
respeito deste tema tem naturalmente uma razão. E esta está no facto de a busca de uma ‘terceira
via’ entre, ou para além do direito natural e do positivismo ser hoje ‘o’ tema da filosofia do direito
[...]”. Cf. KAUFMANN, Arthur. Filosofia do direito. trad.: António Ulisses Cortês, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004, cap. 4, p. 60 e ss.
221
.BENJAMIN, Walter. Para uma crítica da violência. In Escritos sobre mito e linguagem. Trad.:
Susana Kampff Lages e Ernani Chaves, São Paulo: Editora 34, 2011, p. 121-156.
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222
.AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad: Iraci D. Poleti, São Paulo: Boitempo, 2004, p. 35.
223
.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale. Contributo per una
dottrina pura del diritto. Trad.: Agostino Carrino, Milano: Giuffrè Editore, 1989.
224
.KELSEN, Hans. Dios y estado. In El otro Kelsen. Óscar Correas (org.), trad.: Jean Hennequin,
México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1989, p. 243-266.
225
.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p. 7. Salvo
indicação em contrário, todas as traduções são nossas.
226
.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p. 14.
227
.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p. 14.
228
.KELSEN, Hans. Il problema della sovranità e la teoria del diritto internazionale, cit., p. 18.
229
.SCHMITT, Carl. Teología política. Trad.: Francisco Javier Conde e Jorge Navarro Pérez, Madrid:
Editorial Trotta, 2009, p. 13.
235
.GIACOIA JUNIOR. Oswaldo. Sobre direitos humanos na era da bio-política. In Kriterion, Belo
Horizonte, n. 118, Dez. 2008, pp. 281 e segs.
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Dessa forma, pode-se denominar “bando (do antigo termo germânico que indica
tanto a exclusão da comunidade quanto a insígnia do soberano) esta estrutura
original da lei, através da qual esta se conserva inclusive na própria suspensão e
se aplica também àquilo que exclui de si, que abandonou, isto é, que baniu.”239
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violência propostas por Sorel, tendo como pano de fundo o mesmo problema, a
saber: o da racionalidade jurídica tradicional.241
Benjamin procura abrir, a partir de então, o caminho para uma terceira figura
chamada por ele de violência divina ou pura (ainda, segundo o autor, “poder
revolucionário, termo pelo qual deve ser designada a mais alta manifestação do
poder puro, por parte do homem”). Na complexidade dessa violência irrelacional –
além do direito, que rompe o estatuto dialético da instauração/conservação do
direito – estaria a possibilidade a fundamentação de uma nova época histórica.
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A tradição dos oprimidos nos ensina que o ‘estado de exceção’ em que vivemos é
a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa
verdade. Neste momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro
estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte a luta contra o fascismo
[...]”.245
A admissão atual de que não há como negar que a exceção virou regra nos
impõe a tarefa de pensar um aproveitamento estratégico do estado de exceção.
Acompanhar a análise de Agamben sobre o campo como paradigma biopolítico e,
portanto, a dimensão da biopolítica e da sacralidade da vida na atualidade é uma
das pistas a serem seguidas que nos permite a crítica almejada.
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direito e invocar ao máximo uma aposta de estudo rigoroso e teórico, não prático,
uma profanação correspondente ao que Benjamin pensava como deposição do
direito e sua liberação para uma pura condição medial. Um direito que sobreviveria
à sua própria deposição, profanado para um novo uso, comparável ao que
acontece com a lei após a deposição messiânica (Paulo, apóstolo) e com a
soberania na greve geral (Georges Sorel).
236
.AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Trad.: Henrique Burigo, 2. ed.,
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, cit., p. 35.
237
.AGAMBEN, Giorgio. La Potenza del Pensiero. Saggi e conferenze. Vicenza: Néri Pozza Editore,
2005, pp. 253-254.
240
.Conforme nota da tradução, a palavra alemã Gewalt, dada sua ambiguidade, por vezes é
traduzida por ‘violência,’ por outras, por ‘poder’.
241
.Entre nós, sobre a articulação do pensamento de Walter Benjamin, Carl Schmitt e Giorgio
Agamben temos como referência o trabalho de Vinícius Nicastro Honesko. Cf. HONESKO, Vinícius
Nicastro. O paradigma do tempo: Walter Benjamin e messianismo em Giorgio Agamben.
Revista Filosofia Política do Direito – AGON, Rio de Janeiro, 2009. 3 v.
242
.Ressalta-se que o Teologia Política I de Schmitt foi publicado em março de 1922, sete meses após
a publicação do texto de Benjamin.
243
.BENJAMIN, Walter. Para uma crítica da violência. In Escritos sobre mito e linguagem. Trad.:
Susana Kampff e Ernani Chaves, São Paulo: Editora 34, 2011, p. 136 e 137.
244
.BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e histórica da
cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 226
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O termo ideologia foi inicialmente criado por Destut de Tracy, que publicou em
1801 um livro chamado Eléments d’Idéologie. Para o autor, a ideologia é o estudo
científico das ideias e as ideias são resultado da interação entre organismo vivo e a
natureza, o meio ambiente.
Diante dessa proposta, nota-se que ideologia e utopia são duas formas de um
mesmo fenômeno que se manifesta de duas maneiras distintas, podendo se
expressar num primeiro caso ideologicamente em outro utopicamente. Assim,
Mannheim utiliza esse fenômeno em relação às classes sociais como “ideologia
total”.
Portanto, Karl Mannheim, partindo de uma concepção particular para uma total
de ideologia, demonstra que um grupo reunido de indivíduos tende a forçar a
modificação do mundo envolvente da natureza e da sociedade, ou procura
perpetuá-lo sob uma dada condição, sob um determinado aspecto e é a direção
dessa vontade de mudar ou conservar que explica o aparecimento de seus
problemas e de sua forma de pensar.258
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246
.Cf. EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. Tradução Silvana Vieira e Luís Carlos Borges.
São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista; Editora Boitempo, 1997, p. 15.
247
.Cf. LÖWY, Michael. Ideologia e ciência social: elementos para uma análise marxista. São Paulo:
Editora Cortez, 1985, p. 13.
248
.Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 531 e
532.
249
.Cf. ZIZEK, Salvoj. O espectro da ideologia. Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Ed.
Contraponto, 1996. Em alusão ao desenvolvimento do exposto, o autor assim continua: “Eis aí
uma das tarefas da crítica pós-moderna da ideologia: nomear, dentro de uma ordem social vigente,
os elementos que à guisa de ficção, isto é de narrativas utópicas de histórias alternativas
possíveis, mas fracassadas – apontam para o caráter antagônico do sistema e, desse modo nos
alienam da evidência de sua identidade estabelecida”.
251
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.Ibidem, p. 19.
253
.Ibidem, p. 197.
254
.Com isso não estamos querendo criar um maniqueísmo entre uma ideologia melhor ou pior, mas
justamente demonstrar a acepção do conceito de ideologia nas relações humanas e o quão é
importante a concretização de uma postura ética comprometida com a sociedade. Essa questão é
tão importante que, como será discorrido no próximo tópico, essa postura ética no Direito se
relaciona com seu sentido epistemológico, a palavra episteme em seu sentido original se refere à
postura, postura ética.
257
.É a partir dessa conceituação que Michel Löwy cria um termo que se refere ao mesmo tempo
tanto à ideologia quanto à utopia, visão social de mundo. Para ele, as visões sociais de mundo
seriam todos aqueles conjuntos estruturados de valores, representações, ideias e orientações
cognitivas unificados por uma perspectiva determinada, por um ponto de vista social, de classes
sociais determinadas. Cf. LÖWY, Michael. Ideologia e ciência social... cit., p. 13.
258
.CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia? 14. ed. Brasília: Editora Brasiliense, 1984, p. 119.
260
.MÉSZARÓS, István. O poder da ideologia. Tradução Paulo Cezar Castanheira. São Paulo:
Boitempo, 2004, p. 233.
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Para tanto, resta ainda identificar o sentido da ideologia num ponto de vista
individual, a partir do indivíduo, reforçando a questão da necessidade da ideologia
e da ascensão ideológica, anteriormente exposta.
não são superficiais, irrelevantes ou nefastas... não se pode apenas visualizar seu
aspecto negativo de distorção e com isso descartar sua função e minimizar sua
operacionalidade, ainda que sob novas roupagens e rotulações nos horizontes do
atual estágio das sociedades pós-industriais e globalizadas.264
Sua ideia nasce a partir de um caso concreto, de um projeto de lei que passaria
a considerar como crime de roubo a colheita de pedaços de madeiras caídos na
floresta à beira do rio Reno e previa como pena o pagamento de multa ou
trabalhos forçados prestados ao dono da floresta, por quem praticasse tal ato.
A reflexão de Marx em primeiro lugar é não aceitar simplesmente essa lei pelo
fato de apenas ter ela compatibilidade com a ordem jurídica por emanar de um
poder para produzir tal norma. Marx, com essa postura, está distanciado da
postura formalista dogmática do Direito, pela qual essa lei teria validade jurídica,
não aceitando como roubo de lenha a simples colheita de galhos caídos no chão
para fazer fogo, absolutamente necessário para a sobrevivência de um camponês
na Alemanha.
Essa flagrante contradição com a proposta teórica e a prática vai apontar para
que Marx realize uma crítica da ideologia, mostrando as contradições à prática de
alguém e sua própria concepção de mundo.266
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Portanto, com um exemplo jurídico, parece ser que Marx desperta para sua
crítica da ideologia, identificando claramente a sobreposição dos interesses de
uma classe sobre a outra.
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261
.BARTH, Hans. Veritá e ideologia. Bologna: Societá editrice el Mulino, 1971, p. 347 e 348.
262
.Cf. SILVA, Ovídio Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. Rio de Janeiro,
Forense, 2004, p. 9.
263
.Ibidem, p. 9.
264
.Cf. WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e direito. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000, p. 189.
265
.BOUDON, Raymond. A ideologia ou a origem das idéias recebidas. Tradução Emir Sader. São
Paulo: Editora Ática, 1989, p. 188.
266
.Ibidem, p. 112.
268
. GUERRA FILHO, Willis Santiago. A filosofia do direito aplicada ao direito processual e à teoria da
Constituição. São Paulo: Ed. Atlas, 2001, p. 102-103.
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269
.Idem.
270
.LUHMANN, Niklas. Wahrheit und ideologie. Sociologize Aufklärung, Köln, n. 8, 1970, p. 196 apud
GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini (col.). Teoria da ciência jurídica.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 110.
271
.GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini (col.). Teoria da ciência jurídica.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 110.
272
.Ibidem, p. 109.
273
.Cf. HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 2001.
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Por um lado, diante das relações capitalistas de produção, sustenta-se que não
há alternativas e, por outro, que tais relações são as mais eficientes porque
produzem as maiores taxas de crescimento, de modo que seus valores passam a
ser considerados os mais corretos e humanos e sua eficácia formal se transforma
na ética dominante.
A razão não existe como singular, como algo dado à pessoa particular e que esteja
à sua disposição, tal e como parece pressupor o procedimento racionalista; ao
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O ponto chave (do modelo de um equilíbrio do mercado) tinha sido visto, bem
cedo, por aqueles notáveis precursores da economia moderna que foram os
escolásticos espanhóis do séc. XVI, os quais insistiam que aquilo que eles
chamavam pretium mathematicum, o preço matemático, depende de tantas
circunstâncias particulares que só Deus pode conhecê-lo. Tomara que nossos
economistas matemáticos levem tal afirmação à sério!277
Esse Deus nada mais é que uma hipóstase do mercado e, ao mesmo tempo, o
Deus da burguesia. É aquele Deus que hoje já sabe algo que nenhum ser humano
pode prever: o câmbio do dólar amanhã. Um Deus desse tipo é um Deus que
santifica o nomos da sociedade burguesa e ele é confirmado por Hayek nas
seguintes palavras em entrevista reproduzida no jornal El Mercurio:
Deus como aquele que sabe tudo serve como um reflexo para a própria
visibilidade do diabo. No paraíso, Deus insinua ao homem que, comendo da árvore
do conhecimento, pode-se chegar até Ele. O diabo, então, seduz o homem à
pretensão do conhecimento.
274
.HAYEK, Friedrich von. “La pretension del conocimento”. Anflación o pleno empleo? Unión Editoria,
Madrid, 1976, p. 27.
276
.Ibidem, p. 47.
277
.Ibidem, p. 19-20.
278
.HAYEK, Friedrich von. Entrevista en El Marcurio, 1981, Santiago, Chile, 1981.
279
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próprias cidades grandes se tornaram borras difusas, cuja força para criar figuras
públicas universalmente aceitas se perdeu.
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Leitura recomendada
Básica
Willis Santiago Guerra Filho. (Anti-)Direito e força de lei/lei. Panóptica. n. 4. ano
1. p. 65-81. Vitória, dez. 2006.
Intermediária
Max Weber. Os três tipos puros de dominação legítima. In: ______; Gabriel
Cohn (orgs.). 7. ed. São Paulo: Ática, 2003. n. 4. capítulo 4.
Avançado
Agamben, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed., Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2010.
280
.SLOTERDIJK, Peter. Crítica da razão cínica. São Paulo: Estação Liberdade, 2012, p. 33.
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1) A questão inicial colocada foi a de que o direito é um fenômeno social e por assim ser representa, já há algum tempo,
uma ciência social com potencialidade de regular as relações humanas.
2) De modo fundamental, uma das preocupações foi a de demonstrar como o direito possui a característica histórica de
regular as relações sociais, ou seja, de como, desde as acepções mais primitivas sobre o conceito de direito até as mais atuais,
o direito serviu para regular e ordenar as relações sociais.
3) Por regular e ordenar as relações sociais, verificou-se que o exercício do direito tem como consequência compor conflitos
sociais, satisfazendo, em certo sentido, as necessidades sociais. Isso tudo sem perder de vista que o direito trabalha a todo
momento com o conflito (entre as partes, da coletividade para com o Estado, do Estado para com as partes ou com a
coletividades, entre outras) e é nesse conflito – e não meramente em suposta realização da paz social – que o direito recebe
sua maior representação de acontecimento.
4) Outro ponto em questão foi a demonstração de como a dogmática jurídica – responsável pela organização das ordens a
serem seguidas socialmente – representa um sentido estrito de ciência do direito e que no ato de seu manejo e aplicação deve-
se sempre ter em vista a dimensão de sua função social, para se evitar atos de mera força e, portanto, não legítimos
juridicamente.
5) Há extrema importância no asseguramento pelo direito do exercício político-jurídico do Estado. Enquanto o direito é uma
forte ferramenta do Estado, este não pode dele se valer para fins não legítimos, cabendo até mesmo ao direito funcionar como
limitador do exercício político do Estado.
6) Na relação entre direito e violência, buscou evidenciar como o direito gera sempre minimamente uma violência simbólica,
que em certos casos pode vir a se tornar um ato de força real, causando até mesmo a suspensão do próprio e legítimo Estado
de Direito. Neste tópico, foi colocada ainda a questão do porquê os homens obedecem e até quando é legítima essa
obediência, com o intuito de demonstrar de que maneira o direito representa uma ficção construída por nós, homens, para a
possível guarida de nossas relações sociais.
7) Os termos biopoder e biopolítica são apresentados para revelar como a partir dos séculos XVII e XVIII puderam ser
identificadas novas situações envolvendo o poder do Estado e o seu relacionamento com os seres humanos num exercício
complexo de dominação e domesticação. De forma inicial, essa abordagem também permitiu introjetar a possibilidade de uma
análise crítica dos direitos humanos, discutida na sequência.
8) Os campos de concentração na segunda guerra mundial representaram uma profunda experiência sobre a condição dos
homens e sua dignidade. Nesta parte, do texto, procuramos explorar como as experiências sociais nos campos de
concentração eram devastadoras a ponto de esvaziar a dignidade das pessoas que lá se encontravam. O conceito de dignidade
ocupa certo destaque e servo de base para mostrar como a experiência do constitucionalismo contemporâneo levou em conta
esse fator histórico para projetar suas ideias e propostas.
9) Por fim, na abordagem sobre direito e poder, de modo particular, apresentamos como muitas vezes esses dois conceitos
parecem se confundir ou se reduzir mutuamente, a ponto de um se tornar completamente o outro. A conclusão é de que o
processo civilizatório do ocidente foi marcado profundamente pela relação entre o direito e o poder e a reflexão sobre eles ainda
é uma das principais questões para lidar com os problemas jurídicos na atualidade.
10) Na polêmica discussão sobre a soberania entre Kelsen (positivismo jurídico) e Schmitt (decisionismo), é possível
identificar uma profunda reflexão cujo ponto fulcral seria mostrar como ambas as teorias se aproximam no esforço de
demonstrar a racionalidade jurídica permeada pela violência. A exploração amiúde dessa reflexão revela o pensamento de
Walter Benjamin como antípoda dessa polêmica, pois, para ele, a violência é uma figura resistente às estratégias colonizadoras
do direito, de tal forma que pensar uma violência pura equivale a pensá-la emancipada, sem relação com as categorias –
formas – do direito, uma vez que o direito em sua forma histórica se apresenta desde sua origem como um dispositivo
sangrento, de barbárie, que assegura paradoxalmente ao mesmo tempo dominação e inclusão.
11) A constatação de que o direito é um fenômeno ideológico nos remete a uma reflexão sobre os sentidos da ideologia na
história e como sua conceituação é paradoxal. Se, por um lado, não há como pensarmos sem promover alguma ideologia,
também não é factível que a ideologia à qual nos inclinamos chegue a nos impedir de ao menos ouvir o outro lado. Atualmente,
a ideologia de mercado tem trazido desafios interessantes para o direito, pois as modificações sociais que ela impõe, num
contexto cada vez mais complexo de sociedade, traz novos desafios para a criação e aplicação do direito.
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4. Direito e Ciência
Segundo Eric Hobsbawn (no 15.º capítulo de sua obra Era das Revoluções,
denominado A ciência), as ciências na idade moderna também refletiram em sua
marcha o que ele nomeia de “revolução dupla”, em parte, porque esta lhes colocou
novas e específicas exigências, em parte, porque lhes abriu novas possibilidades e
confrontou-as com novos problemas, e, por fim, também porque sua própria
exigência sugeria novos padrões de pensamento.2
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revolução nas ciências sociais, por outro lado, não podia deixar de abalar o leigo.
Os racionalistas clássicos traziam a ousada inovação ao demonstrar que algo
como leis logicamente compulsórias era aplicável à consciência e ao livre-arbítrio
humano. São proposições deste tipo que constituem a força dos sistemas de
raciocínio dedutivo criados pela economia política, principalmente na Grã-
Bretanha, e, em menor intensidade, nos velhos centros de ciências do século XVIII,
a França, a Itália e a Suíça.
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Dessa forma, não há que se dizer que o senso comum seja falso, às vezes, é
verdadeiro, falta a ele, entretanto, suficiente sistematização racional, bem como um
posicionamento crítico perante o ato mesmo de conhecer.7
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.Mário Ferreira dos Santos. Dicionário de filosofia e ciências naturais. São Paulo: Matese, 1963.
vol. 1, p. 266.
2
.Eric Hobsbawm. Era das revoluções. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2009. p. 198. Sobre essa
passagem, cf. ainda Henrique Garbellini Carnio e Alvaro de Azevedo Gonzaga. Curso de
sociologia jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 38 e 39.
3
.Nicola Abbagnano. Diccionario de filosofia. 4. ed. Trad. José Esteban Cálderon e outros. México:
FCE, 2004. p. 158.
4
.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 872 e 873.
Segundo Kant, sobre o senso comum: “tal princípio só poderia ser considerado senso comum, que
é essencialmente diferente da inteligência comum, que às vezes também é chamado de senso
comum (sensus communis), pois esta não julga conforme o sentimento, mas conforme conceitos,
embora se trate em geral de conceitos obscuramente representados”. Immanuel Kant. Primeira
introdução à crítica do juízo in Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1974.
5
.Agostinho Ramalho Marques Neto. A ciência do direito: conceito, objeto, método. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar. 2001. p. 46.
6
.Idem, ibidem.
7
.Idem, ibidem.
8
.Luis Alberto Warat. Introdução geral ao direito II: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2002. p. 69.
9
.Idem, p. 71.
10
.Idem, p. 72.
11
.Segundo Warat, ao se referir sobre o sentido comum teórico: “estamos diante de um mito
importante que precisamos desvelar-descobrir expondo à crítica a própria noção de verdade.
Neste sentido teríamos que demonstrar uma presença ética, ideológica e política que fundamenta
uma vontade de verdade fora de todo o controle epistemológico. Dito de outro modo, que existe
uma doxa no coração da episteme: o sentido comum teórico”. Luis Alberto Warat. Op. cit., p. 99.
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1. Ele parte dos problemas, e tanto dos problemas práticos como dos teóricos
(exemplo de um problema importante de natureza prática é a luta da medicina
contra os sofrimentos evitáveis, advertindo que tal luta já teve algumas
consequências consideráveis, como a relação entre a explosão demográfica e a
ideia do controle de constitucionalidade.)
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Por essa caracterização, para Khun, explica-se o fato de que os paradigmas, tal
como outras ordens normativas, entrem em crise e se rompam por meio de
revoluções quando não se consegue a partir deles se explicar certas “anomalias”.
12
.Sobre a forma aqui exposta sobre o conceito de ciência em Aristóteles, cf. Willis Santiago Guerra
Filho e Henrique Garbellini Carnio. Teoria da ciência jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
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p. 32.
13
.Aristóteles. Arte retórica. In: ______. Arte retórica e arte poética. Rio Janeiro: Tecnoprint, [s/d].
cap. 19, n. IV, 12, p. 33. Cf. também o capítulo 1 e o conceito de dialética e phronesis.
14
.Sobre toda a exposição neste tópico sobre Popper, cf. Karl Popper. Em busca de um mundo
melhor, 1. ed.: 1989; 2. ed.: 1989; 3. ed.: 1992. Seria ainda esclarecedor a seguinte passagem:
“(Se quiere) distinguir entre la ciencia y la pseudo-ciencia, (...)”. (§ I, p. 57) “(...) el problema que
traté de resolver al proponer el criterio de refutabilidad no fue un problema de sentido o
significación, ni un problema de verdad o aceptabilidad, sino el de trazar una línea divisoria (en la
medida en que esto pueda hacerse) entre los enunciados, o sistemas de enunciados, de las
ciencias empíricas y todos los otros enunciados, sean de carácter religioso o metafísico, o
simplemente pseudo-científico. Años más tarde, probablemente en 1928 o 1929, llamé a este
primer problema el ‘problema de la demarcación’. (...)” (§ II, p. 63-64). Karl Popper. La ciencia:
conjeturas y refutaciones (1965). Buenos Aires: Paidós, 1967. cap. 1, §§ I-X, fragmentos.
15
.Thomas Samuel Khun. A estrutura das revoluções científicas. Trad. César Mortari. São Paulo:
Unesp, 2006.
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Compreender sobre o sentido da filosofia nos remete a uma questão muito bem
colocada pelo filósofo alemão Martin Heidegger, a saber: “que é isto – a
filosofia?”.17
A pergunta sobre a filosofia nos leva para uma resposta filosofante que se inicia
e se abre no diálogo com os filósofos, a resposta à filosofia é muito mais a
[co]respondência que corresponde ao ser do ente.
Enfim, o que se quer dizer é que não se encontra a resposta da questão o que
é a filosofia através de enunciados históricos sobre as definições da filosofia, mas
através do diálogo com aquilo que se nos transmitiu como ser do ente.
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Aristóteles. Arte retórica. In: ______. Arte retórica e arte poética. Rio Janeiro:
Tecnoprint, [s/d]. cap. 19.
Avançada
16
.Mário Ferreira dos Santos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Matese, 1963.
vol. 2, p. 658.
17
.Cf. Martin Heidegger. Que é isto – a filosofia? Identidade e diferença. São Paulo: Vozes, 2006.
18
.Sobre o conceito de conhecimento filosófico aqui esboçado, Cf. Willis Santiago Guerra Filho e
Henrique Garbellini Carnio. Teoria da ciência..., cit., p. 2-12.
19
.Cf. Willis Santiago Guerra Filho. Para uma filosofia da filosofia. Fortaleza: UFC – Casa José de
Alencar Programa Editorial, 1999.
20
.Cf. Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da
filosofia: tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003.
p. 7-19.
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Nessa medida, é interessante anotar que essa ciência jurídica surge a partir da
formação da universidade de Bolonha cujo núcleo dos estudos era o Direito
romano compilado por Justiniano que foi nomeado – pelos juristas do século XI –
de corpus juris civilis.
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O que veremos aqui é como esse modelo germinal de ciência jurídica instituído
na idade média desaguou na modernidade, produzindo o conhecimento jurídico
com o que hoje operamos.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. cap. 3.
Avançada
Embora não seja dito com frequência, a primeira tentativa de resposta a esse
caos sistemático das finalidades e dos interesses somente será oferecida por
Hans Kelsen, com a construção de sua “Teoria pura do direito”. De fato, em sua
obra, Kelsen continuava a perseguir o tipo de rigor lógico que inspirava o
dedutivismo da Jurisprudência dos Conceitos, porém, sabia que os instrumentos
por ela utilizados eram insuficientes para garantir precisão epistemológica para a
ciência jurídica. Ademais, ele conhecia as críticas formuladas pela jurisprudência
dos interesses e pelo movimento do direito livre em relação ao problema da
determinação do papel do juiz no preenchimento das chamadas lacunas e sabia
que o dogma da completude dos significados dos conceitos que compõem a lei –
em especial os códigos – não podia mais ser defendido àquela altura da história.
Mas, para retirar a ciência jurídica desse pântano movediço das ideologias,
Kelsen também não aceitava as respostas axiologistas que eram dadas por
aqueles discursos ainda atrelados a um certo jusnaturalismo. Seu profundo vínculo
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
Friedrich Carl von Savigny. Sistema del derecho romano actual. 2. ed. Trad.
Jacinto Mesía e Manuel Poley. Madrid: Centro Editorial de Góngora, 1933. vol. 1.
21
.Cf. Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental. São Leopoldo:
Unisinos, 2006. p. 190.
22
.De se notar que esse processo de secularização do Direito e da afirmação de uma autonomia
relativa deste com relação às questões teológicas teve seu marco inicial não com a modernidade
jurídica, mas, sim, com os movimentos que se seguiram à revolução papal (também chamada
gregoriana) na segunda metade do século XI, no período histórico conhecido como Baixa Idade
Média. A partir desses movimentos, as linhas definidoras dos espaços de regulamentação
eclesiásticos e dos espaços de regulamentação seculares ficaram mais nítidas. Antes dessa
revolução, o chamado Direito Germânico estava completamente inserido na vida religiosa. Mesmo
o lugar do Direito Canônico não se encontrava devidamente determinado, pois ele estava fundido
com a teologia e, salvo por coleções de cânones e livros monásticos de penas aplicáveis aos
pecados não havia uma literatura que pudesse ser caracterizada como sendo de Direito Canônico.
Do mesmo modo, uma ciência jurídica – entendida como um discurso por meio do qual o direito
possa ser analisado e avaliado – não havia se constituído antes do século XI. Portanto,
concordamos com a tese de Harold Berman que afirma serem os séculos XI e XII os séculos
decisivos para a formação da Tradição jurídica ocidental, pois, todos os traços que singularizam o
direito contemporâneo foram forjados ali. Entre essas características podemos ressaltar: 1) a
afirmação de uma autonomia, ainda que relativa, do direito para com a teologia, a política e a
moral; 2) a formação de uma ciência jurídica constituída no seio de universidades; 3) a capacitação
e treinamento de profissionais capazes de lidar com o todo informe de regras e disposições
normativas que constituem o “mundo” jurídico (Cf. Harold J. Berman. Law and Revolution. The
formation of the Western legal tradition. Massachusetts: Harvard University Press, 1983). Todavia,
é necessário registrar o problema que existe em migrar o conceito de revolução – próprio da
modernidade – para o medievo. Também é problemática a tese de Berman no que tange à
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afirmação de que o Vaticano teria sido o “primeiro Estado Moderno”. Certamente, é muito difícil
falar de modernidade sem os contextos de diferenciação funcional que compõe a estrutura
burocrática do Estado Moderno. Mesmo no direito, as questões autorreferências de produção do
direito também não estavam presentes no âmbito das estruturas jurídicas do medievo. De todo
modo, é preciso reconhecer que as transformações ocorridas na segunda metade do século XI e
início do século XII foram decisivas para a formação daquilo que entendemos por Direito hoje.
Esse reconhecimento é afirmado, não apenas por Berman, mas também por F. W. Maitland que
dizia ser o século XI um século decisivo para o Direito (Cf. Maitland, F. W. The Collected
Papers. Cornell: Cornell University Library, 2010. vol. I). Na verdade, o próprio Berman parte de
Maitland para afirmar sua tese, modificando, porém, a assertiva feita pelo historiador inglês: ao
invés de dizer que o século XI foi um século decisivo para o Direito, Berman afirma que o século XI
foi o século do Direito.
23
.Importante consignar que a obra de Jhering tem sido dividida pelos seus estudiosos em duas
fases. A primeira fase (ou Ihering I) corresponde aos seus primeiros trabalhos, incluindo o
monumental Espírito do Direito Romano. Nesse primeiro momento, as premissas de sua teoria
ainda se encontram em alguma medida vinculadas à escola histórica e ao desenvolvimento da
“Ciência das pandectas”. Embora haja peculiaridades com relação à composição de seus textos, é
certo que essa sua primeira fase é marcada por um certo esforço conceitualista, na linha do que
vinha sendo desenvolvido até então. Por outro lado, a segunda fase de seu pensamento (ou
Ihering II) é marcada profundamente por uma aproximação ao que, naquele tempo, ficou
conhecido como darwinismo social. O texto que marca essa viragem da obra de Ihering é A
finalidade do Direito, no qual se desenvolve um raciocínio teleológico-evolucionista para a
construção da teoria jurídica (há algumas traduções para o português que traduzem o título dessa
obra por A Evolução do Direito). Foi esse segundo momento da obra de Ihering que acabou por
influenciar os movimentos libertários da ciência jurídica a que o texto faz referência). Para
aprofundamento, Cf. Losano, Mario G. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes,
2010. vol. I e II, passim.
24
.De se ressaltar que esse dualismo kelseniano entre razão e vontade e os problemas teórico-
jurídicos daí decorrentes, foram denunciados – de maneira inédita – no posfácio da terceira edição
do livro Verdade e consenso de Lenio Luiz Streck. Com efeito, neste texto – em que o autor busca
as condições para construção de uma teoria da decisão no direito – aparece claramente
apresentada a dualidade kelseniana entre razão teórica e razão prática (no interior da qual aparece
o problema da vontade) e a opção de Kelsen por um modelo teórico de fundamentação, bem ao
modo da filosofia da ciência propagada pelo neokantismo de Marburgo, cujos corifeus Herman
Cohen e Paul Nartop são os grandes inspiradores de Kelsen (neste sentido, cf. Lenio Luiz
Streck. Verdade e consenso. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. pp. 415/429; para uma
identificação das manifestações desse solipsismo kelseniano nas diversas posições doutrinárias
no âmbito da dogmática jurídica brasileira, ver também Lenio Luiz Streck. O que é isto – Decido
conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 33 e ss.).
25
.Nesse sentido, importante registrar que Lenio Streck afirma existir certo fatalismo decisionista por
parte de Kelsen, no que tange ao problema interpretativo do direito. Para o jusfilósofo, em Kelsen
“o sujeito solipsista seria (é) incontrolável. Por isso, Kelsen elabora uma teoria que é uma
metalinguagem (afinal, foi frequentador do Círculo de Viena) sobre uma linguagem-objeto. Em
consequência, o mestre de Viena confere uma importância mais do que secundária à interpretação
(papel do ‘sujeito’), admitindo que, por ‘ser inexorável’, deixe-se que o juiz decida
‘decisionisticamente’ (afinal, para ele, a interpretação do juiz é um ato de vontade e, por isso, não
‘se preocupa’ com isso – eis aí o problema do decisionismo)” (Verdade e consenso, cit., p. 45).
26
.Para uma correta interpretação dessas questões, é importante consultar: Hans Kelsen. El método
y los conceptos fundamentales de la teoría pura del derecho. Madrid: Editorial Reus, 2009.
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No âmbito das ciências humanas, então, esse quadro assume uma proporção
ainda mais agigantada. Com efeito, são várias as formas pelas quais se nomeia
esse conflito entre diversas posições teóricas que competem, ao mesmo tempo, o
título de estatuto primário do conhecimento de cada uma das disciplinas que
compõem o universo da cultura: fala-se em crise do fundamento;28poluição
semântica;29 e, até mesmo, em um relativismo epistemológico.30 O campo jurídico
é um terreno fértil para isso. O século XX assistiu a construção de inúmeras
propostas que procuravam cuidar de solucionar os problemas teóricos e concretos
da experiência jurídica.
Não nos cabe aqui realizar uma descrição aprofundada de cada uma dessas
matrizes. Para nós, interessa apenas delimitar o espaço no qual se desenvolve o
quadro referencial conformado pela matriz que Rocha nomeia pragmático-
sistêmica.
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c) Por fim, a positividade do direito é dada, muito mais, pelas suas decisões do
que pela estrutura fixa de um Código.39 Igualmente importante é destacar que a
ênfase metodológica – por assim dizer – parte não em direção às estruturas, como
acontecia no funcionalismo parsoniano, mas sim em direção às operações
produzidas pelas organizações que compõem o sistema jurídico.40
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seu trabalho será construído em torno dos códigos dos oitocentos – que, por si só,
já expressavam o ideal de sistematicidade –, de modo que ela passa a receber um
caráter lógico-demonstrativo de um sistema fechado dedutivamente, cuja maior
expressão será a chamada jurisprudência dos conceitos. Assim, podemos
identificar como traços marcantes deste período de sedimentação da dogmática
jurídica a primazia da lei e o caráter sistemático do direito.
Por certo que essa sistematicidade não tem qualquer parentesco com a ideia
de sistema que povoa a matriz pragmático-sistêmica. Com efeito, essa
sistematicidade era um dado a ser alcançado pelo sujeito racional que,
posteriormente, levaria essa razão até a composição de um texto normativo, o
Código.
27
.Eric Hobsbawm. Interesting times. A twentieth-century life. Nova York: Pantheon Books, 2002. Em
especial, p. 411 e ss.
28
.Ver quanto a isso ver Ernildo Stein. A caminho de uma fundamentação pós-metafísica. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 1997. Nesse texto, afirma o autor que a crise pela qual passou a filosofia no
final do século XIX e início do século XX gerou um processo de fragmentação do pensamento de
modo que foi possível a produção de vários modos de filosofar que competem –
concomitantemente – pela solução dos problemas filosóficos. O livro citado traz um modo
interessante de colocar esse problema ao apresentar ao leitor dez modos possíveis de se fazer
filosofia no século XX.
29
.Cf. Wolfgang Stegmüller. A filosofia contemporânea. São Paulo: EPU, 1977. vol. I e II.
30
.Essas correntes metodológicas, que propiciam uma abordagem mais “dogmática” da ciência do
direito serão por nós apresentadas no capítulo 10. Aqui nossas preocupações estão voltadas para
aquelas perspectivas que pretendem desenvolver uma epistemologia jurídica enquanto “teoria
geral do direito”.
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32
.Cf. Lorenz Puntel. Estrutura e ser. Um quadro referencial teórico para uma filosofia sistemática.
São Leopoldo: Unisinos, 2008. p. 27 e ss. Na esteira do autor, leia-se o seguinte: “a determinação
mínimal mas fundamental de filosofia, como entendida neste livro, diz que filosofia é uma
atividade teórica, isto é, uma atividade que visa o desenvolvimento e a exposição de teorias. Para
que o desenvolvimento e a exposição de uma teoria seja factível. Devem ser reconhecidos e
cumpridos muitos requisitos específicos. A totalidade dos fatores que preenchem esses requisitos
pode ser chamada de quadro referencial, mais precisamente quadro referencial teórico.”
33
.Cf. Rudolf Carnap. Empiricism, semantics, and ontology. Texto disponível em:
[www.philosophy.ru/library/carnap/02_eng.html]. Acesso em 29.10.2010. Dentro das pretensões da
filosofia de Carnap, eis uma amostra do significado do conceito: “If someone wishes to speak in his
language about a new kind of entities, he has to introduce a system of new ways of speaking,
subject to new rules; we shall call this procedure the construction of a linguistic framework for the
new entities in question” (Se alguém deseja falar em sua linguagem sobre uma nova espécie de
entidades, deve introduzir um sistema de novos modos de falar, sujeito a novas normas; daremos
a esse procedimento o nome de construção de um quadro referencial linguístico para as novas
entidades em questão – em tradução livre).
34
.Puntel articula o conceito da seguinte forma: “Neste livro, o termo quadro referencial é empregado
em um sentido teórico abrangente, a saber, no sentido de quadro referencial teórico. O quadro
referencial como quadro teórico designa a totalidade de todos aqueles quadros referenciais
específicos (pensa-se principalmente no quadro referencial linguístico, no lógico, no semântico, no
conceitual, no ontológico) que de uma ou outra maneira constituem os componentes irrenunciáveis
de um quadro referencial compreensivo pressuposto por uma dada teoria. (...) o termo “quadro
referencial teórico” não pode ser entendido no sentido de um sistema formal interpretado; um
quadro teórico de cunho filosófico (e científico) é, antes, um instrumento que permite apreender,
compreender e explicar algo (um nexo, um domínio objetual...). Dentro de ou por intermédio de um
quadro referencial teórico se faz referência a algo” (Lorenz Puntel. Op. cit., p. 30).
35
.Cf. Leonel Severo Rocha. As três matrizes da teoria jurídica. In: Lenio Luiz Streck. José Luiz
Bolsan de Morais. Leonel Severo Rocha (orgs.). Anuário de Pós-Graduação em Direito. São
Leopoldo: Unisinos, 1999.
36
.Ainda na trilha de Manfredo, as três dimensões da linguagem apontadas por Carnap podem ser
enunciadas da seguinte maneira: “a sintaxe, que se relaciona às propriedades formais das
construções linguísticas. Trata-se, pois, de uma consideração da linguagem abstraindo tanto do
sujeito, do sentido e da significação, como do objeto designado. Seu único objetivo são as
expressões linguísticas e suas formas; a semântica que estuda a relação entre construções
linguísticas e coisas, acontecimentos no mundo etc., aos quais se referem as expressões
linguísticas, como também a relação entre frases e condições no mundo, que devem existir a fim
de que as frases possam ser consideradas verdadeiras; e, por fim, a pragmática, que trata das
características do uso da linguagem, como dos motivos psicológicos dos falantes, das relações
dos ouvintes, da sociologia dos diferentes padrões linguísticos” (Cf. Manfredo Araújo de Oliveira.
Op. cit., p. 83).
38
.Essa questão é retomada em outros textos do autor. Assim, para um aprofundamento sobre a
temática Cf. “Da epistemologia jurídica normativista ao construtivismo sistêmico”. In: Leonel Severo
Rocha; Germano Schwartz; Jean Clam. Introdução à teoria do sistema autopoiético do direito.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
39
.Sobre essa questão, afirma Rocha o seguinte: “O grande problema do Direito nas sociedades
complexas passa a ser, portanto, a efetividade de seu processo de tomada de decisões. O poder
judiciário ocupa, nessa lógica, uma função determinante: operacionalizar, com efetividade, a
equação entre os meios normativos e os fins sociais”. (Leonel Severo Rocha. Observações sobre
autopoiese, normativismo e pluralismo jurídico. In: Lenio Luiz Streck; José Luis Bolzan de Morais
(orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica –Anuário do Programa de Pós-Gradução em
Direito da Unisinos. n. 4. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 176).
40
.Nesse sentido, esclarece Leonel Rocha que: “Niklas Luhmann assume, portanto, a proposta de
um construtivismo voltado à produção do sentido desde critérios de autorreferência e auto-
organização introduzidos pela autopoiese. (...) A autopoiese aparece, assim, como uma diferença
importante entre Luhmann e Parsons. Para Luhmann, a grande questão que relaciona o Direito é
caracterizada pela oposição entre autorreferência e heterorreferência, entre os sistemas fechados
e os sistemas abertos”. (Leonel Severo Rocha. A produção sistêmica do sentido do direito: da
semiótica à autopoiese. In: José Luis Bolzan de Morais; Lenio Luiz Streck (orgs.). Anuário do
Programa de Pós-graduação em Direito da Unisinos: constituição, sistemas sociais e
hermenêutica. n. 6. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 175).
41
.Cf. Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz; Jean Clam. Op. cit., p. 123-124.
42
.Conferir, para tanto, Tercio Sampaio Ferraz Junior. Função social da dogmática jurídica. São
Paulo: Max Limonad, 1998. Importante anotar que, no que tange à jurisprudência romana, não se
pode entendê-la no modo como articulamos o termo jurisprudência no contexto atual. Para os
romanos, a jurisprudência era uma confirmação, um fundamento do certo e do justo. Tratava-se da
realização concreta da prudência grega, que entre os gregos permanecia retida como uma simples
promessa de orientação – pela reta razão – para a ação. Na Idade Média, a teoria jurídica torna-se
uma disciplina universitária, na qual o ensino era dominado por textos que gozavam de autoridade.
Por certo, permanece presente o pensamento prudencial da jurisprudência romana, mas acontece
uma reformulação no seu caráter: aquilo que os romanos chamavam de casos problemáticos são
transformados em casos paradigmáticos pelos medievais, casos estes que deveriam expressar
uma harmonia interna. Dito de outro modo, a ideia de cúria presente nos romanos é substituída
pela ideia de escola dos medievais. Já na modernidade, a autoridade já identificada nos textos
medievais passará por uma modificação decisiva, na medida em que a harmonia revindicada
deverá se adequar à ordem de um sistema abstratamente considerado segundo os padrões do
pensamento matemático. Assim, a tarefa da dogmática jurídica será transformada radicalmente, na
medida em que, além da simples tarefa de exegese dos textos, ser-lhe-á agregada a tarefa de
posicionar os resultados de sua produção no contexto de um sistema. Idem, ibidem, p. 25 e ss.
Cabe aqui também uma referência ao modo como os medievais procediam ao estudo dos textos
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romanos para que se tenha, com maior clareza, a influência dos glosadores e comentadores para
a conformação da dogmática jurídica. Nesse sentido, Harold Berman assevera: “o curriculum de
uma Faculdade de Direito do século XII consistia, em primeiro lugar, da leitura de textos do
Digesto. (...) Como o texto era muito difícil, ele tinha que ser explicado. Por isso, após ler o texto, o
professor glosava-o, isto é, interpretava-o, palavra por palavra, linha por linha (Glosa em grego
significa tanto ‘língua’, ou ‘linguagem’, como ‘palavra incomum’). As glosas, ditadas pelo professor,
eram copiadas pelos estudantes entre as linhas do texto; quando se tornavam mais longas,
espalhavam-se pelas margens. Logo, as glosas adquiriram autoridade quase igual à do próprio
texto glosado” (Cf. Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. p. 166). É interessante notar que é nesse contexto que se forma a
chamada “doutrina”. Por certo que, com o surgimento da prensa no contexto da revolução
provocada por Gutemberg, essa técnica de glosar e comentar os textos romanos foi
substancialmente transformada a partir da produção em larga escala de livros jurídicos. É
importante também lembrar que, no ambiente da Codificação, o caráter proto-teológico atribuído
aos textos romanos será transferido para os Códigos Civis, cujos marcos centrais são o Code
Napoleon de 1804 e o BGB Alemão de 1900. A partir desse novo espaço de experiência
(Koselleck), será construído um novo horizonte de expectativa (Koselleck): o objeto da glosa será a
obra do legislador racional, impressa na forma de código!
43
.Cf. Leonel Severo Rocha. Germano Schwartz. Jean Clam. Op. cit., p. 118.
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Vale ressaltar, já de início, que, como afirma Marcelo Neves, para a teoria dos
sistemas, a evolução social não se configura como um processo de progressão
para uma vida melhor, ou seja, a evolução não se dirige a um fim determinado ou à
realização de um ideal ou valor. Assim, a teoria dos sistemas não admite a
existência de um sentido para o processo histórico tal como o espírito de Hegel ou
o desenvolvimento social e a superação das formas materiais de dominação para
uma plena igualdade e liberdade tal como preconizada por Marx.
A distinção entre sistema e seu meio ambiente é utilizada para explicar tudo
entre o que pertence a determinado sistema e o que está fora, no ambiente
circundante, como elemento de outros sistemas ou não.
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Portanto, uma “unidade” também pode parecer como meio ambiente para
outras unidades, além de diferenciada no sistema do meio ambiente, permitindo
que por ela se aplique, recorrentemente, a diferença ente sistema/meio ambiente,
sem com isso perder sua “organização”.
44
.Marcelo Neves. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil: o estado democrático de direito a partir
e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Cap. I, n. 1.1, p. 6.
46
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.Para um estudo introdutório do pensamento de Luhmann, remeto à indicação de uma obra que
apresenta um conjunto de textos consideravelmente relevantes para os estudos elementares de
sua teoria, cf. Niklas Luhmann. Introducción a la teoría de sistemas. México: Univerisad
Iberoamericana, 1996.
48
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O fato de ser autônomo indica sua condição de clausura, ou seja, ser “fechado”
diante do ponto de vista de sua organização, não havendo nem entrada (inputs) e
nem saídas (outputs) para o ambiente, uma vez que os elementos interagem no e
por meio dele.
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Tal acoplamento necessita ser viabilizado por certos meios (media). O meio
principal que Luhmann usa como exemplo de acoplamento entre o sistema de
direito e o sistema de política são as constituições, o que nos remete para o
entendimento de que o judiciário é a organização que ocupa o centro do sistema
jurídico – as cortes constitucionais. Nesse caso, situar-se-iam no “centro do centro”
do sistema jurídico – pois determinam, em última instância, o que é ou não direito,
da mesma forma que os demais poderes do Estado – legislativo e executivo –
ocupam o centro do sistema político.53
49
.Para uma análise mais aprofundada dos sistemas autopoiéticos, cf. Marcelo Neves.
Op. cit., passim; Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz; Jean Clam. Op. cit., passim; Jean
Clam. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade. Contingência, paradoxo, só-efetuação.
São Leopoldo: Unisinos, 2006. passim; Michael King; Leonel Severo Rocha; Germano Schwartz. A
verdade sobre a autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. passim; Willis
Santiago Guerra Filho. Autopoiese do direito na sociedade pós-moderna: introdução a uma teoria
social sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. passim.
50
.O conceito de autopoiesis adotado por Luhmann foi desenvolvido por Maturana e Varela para
afirmar que os subsistemas funcionais da sociedade são sempre autorreferenciais, ou seja,
produzem e reproduzem a si próprios. Eles constituem seus componentes pelo arranjo próprio
desses componentes, o que constitui propriamente sua unidade e, portanto, seu
fechamento autopoiético. A extensão do conceito de autorreferência do nível agregado da
estrutura para o nível dos elementos do sistema constitui, segundo Luhmann, a mais importante
contribuição da teoria de Maturana e Varela para o entendimento de todo esse processo. Cf.
Marcelo Pereira de Mello. A perspectiva sistêmica na sociologia do direito: Luhmann e
Teubner. Tempo social – Revista de sociologia da USP. vol. 18. n. 1, p. 351-373. São Paulo: USP,
2006.
51
.Niklas Luhmann. Introdução à teoria dos sistemas. Rio de Janeiro: Vozes, 2009. p. 120. Neste
particular, é importante mencionar ainda que: “A autopoiese constitui, portanto, um princípio
teórico, e, muito particularmente, responde à pergunta do que é a vida, o que é a consciência, o
que é o social. Trata-se de uma refundação da teoria, cujo desenvolvimento dos conceitos
complementares requer muita elaboração. O conceito de autopoiesis não oferece ganho de
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“Só quando o direito passa a ser regularmente posto e alterável por decisão é
que se pode falar de positividade. Nesse novo contexto, a legiferação não se
destina mais simplesmente ao registro e à compilação de direito já vigente, mas
sim serve de fundamento de validade jurídica. A escrita deixa de ser apenas um
meio de difusão e sistematização de normas e princípios jurídicos
preestabelecidos, a facilitar-lhes a aplicação, e torna-se condição da própria
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54
.As traduções para o português destas obras foram as adotadas na produção deste capítulo, cf.
Niklas Luhmann. “Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. vol. I” e
“Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1985. vol. II”.
55
.Para uma abordagem completa e muito bem elaborada sobre o pensamento de Luhmann e o
direito, cf. Marcelo Neves. Op. cit.
56
.Niklas Luhmann. Sociologia..., cit., vol. I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 9-12.
57
.Idem, p. 35.
60
.Idem, p. 367.
62
.Cumpre lembrar os importantes estudos feitos por Luhmann com Talcott Parsons e a projeção
diferenciada do sistema social proposta por este. De maneira generalizada, Talcott Parsons define
sistema social como constituído pela interação direta ou indireta dos seres humanos entre si. Ele
consiste numa pluralidade de atores individuais interagindo mutuamente numa situação que tem
pelo menos um aspecto físico ou ambiental. Estes atores são motivados relativamente a uma
tendência ao máximo de satisfações, e a relação de cada qual com uma situação e com os outros
é definida e mediatizada por um sistema comum de símbolos culturalmente elaborados. Nesse
sentido, cf. Talcott Parsons. Os componentes dos sistemas sociais. In: Fernando Henrique
Cardoso; Octavio Ianni. Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. 3. ed. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. p. 59; ______. Papel e sistema social. In: Fernando
Henrique Cardoso; Octavio Ianni. Homem e sociedade: leituras básicas de sociologia geral. 3. ed.
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. p. 63-68; e ______. O sistema das sociedades
modernas. Trad. Dante Moreira Leite. São Paulo: Livraria Pioneira, 1974. p. 15-42. Outro ponto
importante que merece estudo apartado e complementar ao que se propõe é a proposta de
Gunther Teubner que parte do pensamento de Luhmann indicando diferentes apontamentos. Cf.
Gunther Teubner. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
1989.
63
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É de bom alvitre alertar o leitor, logo no início, que não se pretende aqui esgotar
a temática. Seria uma pretensão absurda e que, certamente, se encontra fora das
possibilidades atuais de um livro introdutório. Trata-se, muito mais, de uma
apresentação de um debate emblemático e que possui o poder de mostrar como
que, nos últimos anos, os debates teóricos no Brasil têm se aproximado muito mais
dos estadunidenses do que dos europeus, o que era uma tradição entre nós. As
questões relativas à atividade da jurisdição constitucional e a interpretação que o
Supremo Tribunal Federal vem realizando acerca de conceitos jurídicos (como a
criminalização da interrupção da gravidez para fins terapêuticos; a possibilidade de
utilização do amianto na indústria; quais as condições que podem ensejar a
inelegibilidade de um candidato; entre tantas outras) contribui para isso. Com
efeito, do mesmo modo que os europeus, no final da Segunda Guerra Mundial e
com a radicalização dos Tribunais Constitucionais, assistiram a uma “descoberta”
jurídico-cultural dos Estados Unidos, ocorre entre nós um fenômeno similar no
momento em que a atividade da nossa Suprema Corte passa a ficar em grande
evidência. Mas isso é matéria para ser discutida em uma outra oportunidade. Por
enquanto, vamos aos contentores de nosso debate.
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O jurista da escola de Chicago segue adiante para dizer que tanto a filosofia
moral quanto “algumas de suas primas-irmãs, como a jusfilosofia e a teoria
constitucional, são impotentes para resolver questões jurídicas concretas”.69 Para
justificar sua afirmação, Posner recorre a um argumento, por assim dizer,
“empírico”. Relembra de um julgamento da Suprema Corte estadunidense no
interior do qual se discutiam leis que proibiam o suicídio assistido por médicos
(uma questão que tem como pano de fundo um acalorado debate moral). Nesse
caso, um grupo de filósofos morais submeteram à apreciação da Corte um
memorial de amici curiae. Este memorial teria sido, ainda seguindo a
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Para ele, no momento de decidir, mais importante do que o juiz conhecer tais
conteúdos morais (por exemplo, qual o valor da democracia no seio de uma
comunidade; o que significa a cláusula de igual respeito; ou se é compatível com a
Constituição uma lei que proíbe o suicídio assistido por médicos) é ele ter o
domínio instrumental das questões econômicas, políticas e sociais envolvidas na
questão. É preciso que ele tenha um domínio, com máxima previsibilidade
possível, sob as consequências geradas por sua decisão, tendo sempre como guia
a adoção da medida que traga maior benefício ou uma melhora nas condições
gerais observadas pelas pessoas envolvidas no caso.
Desse modo, Posner faz uma admoestação a Dworkin, dizendo que sua
preocupação, quase realista, com os conceitos morais acaba por desvencilhá-lo
dessas questões consequencialistas, produzindo, assim, um tipo de teoria da
decisão que desconsidera totalmente as condições reais que determinam in
concreto o direito.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
64
.Richard A. Posner. A problemática da teoria moral e jurídica. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São
Paulo: Martins Fontes, 2012, 507 p.
65
.Cf. Oliver Wendell Holmes. The path of law. Kindle Book: Public Domain, 1897. O texto é um
programa de uma teoria pragmática do direito, que fez história sob o epíteto “realismo jurídico”. É
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nele que se encontra a frase de Holmes que entraria definitivamente para a posteridade: The
prophecies of what the courts to do in fact, are what I mean by the law. Holmes, Oliver Wendell.
Idem, ibidem, pos. 58.
66
.Idem, ibidem.
70
.Richard A. Posner. Op. cit., p. 12. De se consignar que Ronald Dworkin menciona o mesmo caso
em seu A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 71 e ss.
71
.Idem, p. 74.
73
.Idem, p. 75.
74
.Idem, p. 89.
75
.Idem, p. 105-106.
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1) O conceito elementar de ciência como saber (scire) que englobava na antiguidade a própria filosofia enquanto ciência,
pois esta era uma forma de sabedoria (sophia), fornece o terreno básico para o propício entendimento do direito enquanto
estudado cientificamente.
2) O conceito elementar clássico predominou ainda na idade média e na idade moderna, quando ocorreu algo como uma
“revolução das ciências”, pois neste momento ela se afastou da filosofia e ganhou um sentido mais limitado, identificando-se
como ciência o que possui como objeto fatos reais.
3) Ampliando a tratativa, didaticamente, optamos por fornecer alguns indicativos das formas de conhecimento que aos
poucos puderam ser identificadas na trajetória da humanidade. Isto se deu com o escopo de demonstrar como a anteriormente
chamada “revolução das ciências” projetou realmente uma forma de pensamento que predominou na época atual, que
denominamos como técnico-científica.
4) A primeira das formas de conhecimento abordada foi o senso comum, que representa nada mais que uma forma de
conhecimento vulgar, acrítico e a-histórico que representa o pensamento coletivo massificado, essencialmente técnico, não
teórico e que compõe as linguagens cotidianas comuns.
5) Além dele, fizemos questão de fazer referência ao “sentido comum teórico” dos juristas, que representa no campo jurídico
exatamente aquilo que o senso comum representa no campo social de modo geral. Com isso, a intenção foi a de promover um
despertar crítico para os leitores do atual estágio em que nos encontramos, de pouco rigor e de extremo praxismo no estudo do
direito.
6) Ao nos expressarmos sobre conhecimento científico, procuramos criar uma relação de sua base desde os gregos, em
especial com Aristóteles, até os dias atuais, evidenciando o movimento que havia já na Grécia entre o saber científico – de
natureza universal e que explicava a essência das coisas – do conhecimento efetivamente ético, pragmático, a prudência que
como exposto representava a forma do pensamento jurídico.
7) Ademais, a objetivação da ciência enquanto uma forma predominante de saber (técnico-científico) na modernidade se
apresenta como algo determinante para a compreensão e articulação do direito diante desta realidade.
8) Com relação ao pensamento filosófico, além de determinar sua origem, a proposta foi a de identificar brevemente
algumas características que o representam (reflexividade, circularidade, busca de totalidade de explicações e pensamento
conjectural) e de comprovar sua importância para a composição da formação humanística de todos, pois este representa um
tipo de saber reflexivo, especulativo e crítico apto a fornecer subsídios e elementos para as instâncias da vida humana em todas
as suas projeções.
9) Por fim, aproximando a ciência do direito, a intenção foi a de demonstrar como o direito foi ou pode ser pensado
cientificamente e qual seria a sua contribuição ao assim se proceder com sua aplicação. Para tanto, algumas perspectivas do
direito enquanto ciência foram apresentadas.
10) Tais formas foram a historicista, a finalista, a positivista e a sistêmica. Com a historicista, a questão foi a de demonstrar o
princípio do pensamento científico do direito no final do pandectismo alemão e início da escola histórica; com a finalista, o intuito
de tratar a questão da finalidade do direito em sentido científico e de expor algumas críticas ao conceito historicista; com a
positivista, buscamos demonstrar a tentativa máxima de purificar o direito cientificamente com Hans Kelsen e o forte impacto
que isto representa até hoje no sentido do direito; e, por fim, com a sistêmica a interessante tese alemã de Niklas Luhmann e a
conjectura de um plano teórico-científico que explica, entre outras coisas, a autoprodução do direito no contexto de uma teoria
sistêmica social.
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5. Direito e Moral
A relação entre direito e moral é um dos temas mais complexos dos estudos
introdutórios ao direito. Sua complexidade, em parte, deve-se pelo fato de que
muitas são as teorias sobre as relações entre direito e moral.
Segundo Mário Ferreira dos Santos, a moral pode ser entendida como um
estudo sistemático dos costumes humanos.1 Tal estudo pode ser considerado
como uma moral geral, particular ou individual.
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Em termos mais precisos, tal conceito também foi cunhado inicialmente como
significando ética e como pertinente à conduta e, portanto, suscetível de valoração
moral.2
Fato é que se pode não seguir os ditames morais de uma determinada época
em uma determinada sociedade, sendo essa exatamente a dimensão da
espontaneidade da atitude moral. Ocorre que o não seguimento de determinados
valores morais, dependendo de quais forem, pode ocorrer de duas formas.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Otfried Höffe. Verbete moral. In: Hermann Krings, Hans Michael Baumgartner e
Christoph Wild (orgs). Conceptos fundamentales de filosofía. Barcelona, Herder,
1977. t. II.
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Avançada
.Mário Ferreira dos Santos. Dicionário de filosofia e ciências sociais. São Paulo: Matese, 1963,
vol. 3, p. 912. A referência inicial sobre moral geral, particular, individual e teórica e prática foi feita
com base no pensamento de Mário Ferreira dos Santos.
2
.Nicola Abbagnano. Diccionario de filosofia. Trad. José Esteban Cálderon e outros. 4. ed. México:
FCE, 2004, p. 732.
3
.Segundo Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “A Lei 11.106/2005 revogou o art.
240 do CP, excluindo, assim, do ordenamento jurídico brasileiro o crime de adultério, que
passou a ser, desde então, apenas justificativa de impossibilidade de comunhão de vida, a ensejar
a separação judicial, como o ilícito civil, capaz de proporcionar indenização por dano moral ao
cônjuge enganado.” Cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil
comentado. 9. ed. São Paulo: Ed. RT, 2012, coment. 2 CC 1573, p. 1338.
4
.Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 44.
5
.Este exemplo, em sentido contextual, pode ser encontrado na obra de Miguel Reale. Miguel
Reale. Op. cit., p. 45 e 46.
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Nesse sentido, caberia, então, a distinção de que a noção ética está no homem,
incutida, e diz respeito ao tipo de relação que a própria pessoa estabelece consigo.
Uma ideia mais espiritual e interiorizante, enquanto a dimensão da moral seria,
basicamente, o comportamento das pessoas diante dos códigos morais – e
jurídicos – existentes.
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.A base deste texto pode ser encontrada no artigo Entre a ética e o Código de Ética da
advocacia de nossa autoria. Para tanto, cf. Henrique Garbellini Carnio. Entre a ética e o Código de
Ética da advocacia. In: Fernando Rister de Souza Lima; Ricardo Tinoco de Goes; Willis Santiago
Guerra Filho (coords.). Compêndio de ética jurídica moderna. Curitiba: Juruá, 2011, p. 115-124.
9
.Os textos que serviram de base para reflexão sobre o pensamento de Foucault para conferência:
Michel Foucault. “A ética do cuidado de si como prática da liberdade” e “Uma estética da
existência”. In: ______. Ditos & escritos V – Ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004 e na obra A hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
10
.P. Rabinow e H. Dreyfus. Michel Foucault – Uma trajetória filosófica: para além do estruturalismo e
da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995, p. 262.
11
.Cf. sobre esta passagem: Marcio Mariguela. Sexualidade e a ética do cuidado de si. Revista
Educação: teoria e prática, vol. 18, n. 30, p. 37-46.
12
.Oswaldo Giacoia Jr. A filosofia como diagnóstico do presente: Foucault, Nietzsche e a genealogia
da ética. In: M. Mariguela (org.). Foucault e a destruição das evidências. Piracicaba/SP: Unimep,
1995, p. 89.
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Levando em conta a ideia da ética como uma tendência do espírito humano,
outros possíveis pontos de inflexão surgem, mormente para se tratar da relação
antiga entre as leis e a ética e, ainda, levando em conta o objeto aqui discutido, a
de normas que buscam regular eticamente os que trabalham com as leis
jurídicas de um modo geral, no exercício da profissão advocatícia.14
Sendo assim, seria possível um código determinar sobre o caráter ético das
pessoas?
De modo geral, para o autor, os códigos de ética são bons, sobretudo quando
eles são frutos de uma ampla discussão social. Mas o fato é que nenhum código
de ética vai fazer uma pessoa ética.
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Conforme destaca Renato Janine Ribeiro, para alguém ser ético, é preciso mais
do que a obediência a uma lei, e isso por melhor que seja a lei. Em outras
palavras: numa época cheia de agências certificadoras (tipo os vários ISO, 9000,
14000 e outros), não há agência certificadora para nosso caráter ético. Ele
depende só de nós, de nossa consciência, com toda a insegurança que isso possa
trazer – e quanto mais insegurança trouxer, melhor, porque mostrará que estamos
mesmo em dúvida diante de nós e de nossa ação.
Sem procurar nos determos em termos históricos, no séc. XVIII com Kant17, a
ética passa por uma revolução, pois até então esta era algo completamente
determinado pelo caráter divino. A partir de então, enfrenta-se uma questão
decisiva, a ética não mais subjugada a padrões divinos hierárquicos.
O que está fora desta perspectiva não passa de uma atividade impossível da
ética, que, materializada de forma normativa deontológica, muitas vezes, não é
nada além de um concílio moral, sobre o qual pairam sérios perigos.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
14
.Os apontamentos sobre o pensamento de Renato Janine Ribeiro expostos neste artigo fazem
parte do livro A sociedade contra o social, editado pela Cia. das Letras em 2000 e de sua coluna
sobre o tema da ética no sítio da America Online e podem ser acessados de modo direto no sítio
do próprio autor no seguinte endereço: [www.renatojanine.pro.br/Etica/colunaaol.html]. Acesso em:
20.12.2012. Como poderá ser notado, os principais artigos de sua coluna utilizados para a reflexão
proposta foram: Códigos de ética, A ética questãode vida ou morte e Desafios para a ética.
17
.De modo interessante, como consulta para aprofundar esta investigação e o papel de Kant, em
especial sobre a temática jurídica e o tema da moral, cf. Imanuel Kant. Doutrina do direito. 2. ed.
Trad. Edson Bini. São Paulo: Ícone, 1993, p. 19-43 e 60.
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18
.Cf., apenas em sentido didático: Eduardo C. B. Bittar. Curso de ética jurídica. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 366.
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5.3.1. A distinção proposta por Robert Alexy: uma topografia das relações
possíveis entre o direito e a moral
Segundo o jusfilósofo alemão Robert Alexy, a relação entre direito e moral pode
ser pensada de três formas distintas que aconteceram, em maior ou menor
medida, no decorrer da história do pensamento jurídico.
Essas três formas seriam: a) a tese da vinculação; b) a tese da separação;
e c) a tese da complementaridade.20
20
.Cf. Robert Alexy. La institucionalización de la justicia. Granada: Editorial Comares, 2005, p. 45 e
ss.
21
.Gabriel Nogueira Dias. Positivismo jurídico e a teoria geral do direito. São Paulo: Ed. RT, 2011,
n. I, 1, p. 134.
22
.Robert Alexy. Conceito e validade do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 4.
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Para Alexy, a tese da separação “determina que o conceito de direito deve ser
definido de modo que não inclua elementos morais.”23 Está expressa da forma
mais bem definida e acaba na fórmula kelseniana de que “todo e qualquer
conteúdo pode ser direito”.
Assim, a tese da separação é aquela que afirma não existir nenhuma conexão
necessária entre direito e moral, de modo que a investigação sobre o direito pode
ser feita sem ter em conta qualquer tipo de vínculo com a investigação moral.
23
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A tese da complementaridade – que é uma espécie de continuação lógica da tese da separação operada pelo positivismo –
afirma que há espaços distintos de atuação entre o direito e a moral, mas que, nalguns casos, a insuficiência do discurso
jurídico para resolver determinados problemas de direito pode ser resolvida (rectius: corrigida) pelo discurso moral.
Na verdade, para esta tese, o direito seria um caso especial do discurso moral, que teria certa autonomia para resolver os
problemas próprios de seu campo de trabalho, mas que, quando fossem insuficientes ou injustas suas prescrições, haveria
uma complementação efetuada pelo discurso moral geral.
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Robert Alexy defende a tese de que entre direito e moral existe uma relação de
complementaridade. A moral serviria, nesse caso, como um parâmetro de correção
do direito. Este preservaria uma “autonomia relativa”, na medida em que os
padrões de legalidade, conformidade com o ordenamento e eficácia social,
estariam mantidos, porém, na existência de algum tipo de lacuna ou até mesmo
em casos de evidente injustiça, o discurso moral poderia corrigir o discurso jurídico.
Segundo o autor, nos discursos sobre o direito, sempre está em jogo a correção
de enunciados normativos. Mas os enunciados normativos não são todos do
mesmo tipo; comportam enunciados axiológicos – quando se referem a valores –
e deônticos quando está em jogo uma proibição, uma permissão ou
um mandamento.
Neste caso, Alexy parece aceitar a distinção kelseniana – que por sua vez vem
de Kant – entre ser e dever-ser, sendo, portanto, o discurso prático um conjunto de
enunciados produzidos sobre o dever-ser. Porém, para Alexy, esse dever-ser está
vinculado não apenas a formas deônticas, mas também a um problema de valores,
o que o liga ao neokantismo da escola de Baden.25 Esse discurso prático atua num
âmbito que abrange, de certa forma, todo universo da cultura e do agir humano
(engloba, portanto, a moral e o direito).
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O que parece decisivo em Alexy é que, junto da tese do caso especial, ele
articula a tese da complementaridade (em alguns momentos – e dependendo da
tradução, também pode ser mencionada como tese da integração), ou seja, para
ele, a valoração e a conexão com a moral (discurso prático geral) não só existe,
como é necessária para a argumentação jurídica, visto que a argumentação
jurídica chega até um determinado ponto no qual já não são possíveis outros
argumentos especificamente jurídicos, momento em que, aos argumentos
especificamente jurídicos, devem ser unidos, em todos os níveis, aos argumentos
do discurso prático em geral.27 É neste momento que o discurso jurídico é
penetrado por argumentos baseados em valores. Em outras palavras, é neste
momento que o discurso moral penetra no interior do discurso jurídico:
25
.Neste ponto, é preciso entender as grandes questões e transformações a que estão submetidas a
filosofia e a ciência entre o final do século XIX e o início do século XX. Esse período marca a
eclosão de uma crise filosófica que certamente ainda repercute em nossos dias. Crise que marca o
desenvolvimento das neofilosofias (neokantismo; neo-hegelianismo; neomarxismo;
neoaristotelismo etc.) e das diversas tentativas de afirmar um método autônomo para as ciências
humanas e sociais (como pode ser percebido em Dilthey, Droysen e outros autores que compõem
a chamada escola histórica). É deste ambiente que emergirá também a fenomenologia. No direito,
há um profundo impacto das chamadas neofilosofias. De todas as orientações desenvolvidas,
aquela que marcara, definitivamente, as teorias do direito produzidas no século XX foi, sem dúvida
nenhuma, a kantiana, ou, melhor dizendo, neokantiana. Mas o neokantismo não era todo ele
uniforme, comportando uma divisão radical entre pelo menos duas escolas: a de Baden e da de
Marburgo. Podemos destacar como grandes representantes da escola de Marburgo Cohen e
Nartop que, no nível da teoria do direito, influenciaram fortemente Kelsen e Stammeler. Na escola
de Baden, Windelband e Rickert eram os grandes nomes e influenciaram decisivamente a tentativa
de restabelecimento do direito natural no segundo pós-guerra principalmente através da obra de
Radbruch. Quanto à filosofia propriamente dita, a escola de Marburgo voltava suas preocupações
para o conhecimento nos seus quadros e nas suas leis gerais a priori, vinculando-se à Razão Pura
Teórica; ao passo que, os neokantianos de Baden, como idealistas da cultura, se preocupavam
mais com a questão dos valores e com aquilo que eles têm de individual e intuitivo, voltando-se
com maior vigor para a Razão Pura Prática. No fundo, a escola de Marburgo deixou-se influenciar,
em grande medida, pelo naturalismo do século 19 dando seguimento ao projeto técnico-científico
construído pela modernidade; enquanto a escola de Baden afirmava que o pensamento teorético
não cria por si só seu objeto, mas que acima dele há necessariamente alguma coisa em harmonia
com a qual o pensamento se move e se rege para atingir o valor da verdade. Este alguma
coisa não é, evidentemente, uma pura realidade empírica, mas algo transcendental. Para
os neokantianos de Baden, esse alguma coisa era um dever-ser puro, um valor. Para eles, são os
valores, enquanto produtos do fazer humano concebido como cultura, que regem o pensamento e
lhe permitem alcançar objetividade (Cf. João Maurício Adeodato. Filosofia do direito. Uma crítica
da verdade na ética e na ciência. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 41 e ss.; Gustav
Radbruch. Filosofia do direito. Trad. Cabral de Moncada. 6. ed. Coimbra: Universidade de Coimbra,
1979).
26
.Idem, p. 39.
28
.Neste sentido, remetemos o leitor para a nota n. 140. Conferir também Robert Alexy. Teoría de la
argumentación..., cit., p. 208-211.
30
.Cf. Robert Alexy. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: CEC, 2002, p. 145.
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31
.Idem, p. 86.
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Dworkin propõe que, entre o direito e a moral, não existe nem separação nem
vinculação, muito menos complementaridade. Ele afirma ser o direito um ramo
(branch) da moral, havendo, entre eles, uma interconexão.
32
.Ver: Jeremy Waldron. Jurisprudence for Hedgehogs.Public Law & Legal Theory Research Paper
Series, New York University School of Law, n. 13-45, july 2013. p. 1 et seq, em especial p. 8 et seq.
33
.“So if law is a branch of morality, it is a branch of morality concerned with the moral significance of
the kind of ‘past political decisions’ that preoccupy lawyers. This distinguishes it from other
branches of political morality. Much of political morality is (quite rightly) pragmatic and forward-
looking. It looks to deploy the force of the state to make things better for the future – for example, to
make society freer or more equal or more democratic. But law as a branch of morality has this
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16/01/2022 16:35 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022
additional preoccupation. ‘Legality is sensitive in its applications, to a far greater degree than is
liberty, equality, or democracy, to the history and standing practices of the community... because a
community displays legality, among other requirements, by keeping faith in certain ways with its
past”. Jeremy Waldron. Jurisprudence for Hedgehogs. Op. cit., p. 9. Para melhor análise sobre o
tema, Francisco Motta. Ronald Dworkin e a decisão jurídica, cit., p. 157.
35
.Jeremy Waldron. Op. cit., p. 10. De acordo com Francisco Motta: “(...) essa linha de pensamento
adota uma premissa de contornos dworkianos: de que eventos que geram o que se conhecer
por direito positivo são eventos que têm natureza moral, e cujo impacto moral deve ser avaliado
com argumentos morais. Nestes termos, seria possível considerar o Direito como um ramo da
moralidade política. Numa analogia com a moralidade pessoal, Waldron sugere que se conceba o
Direito como o ramo da moralidade política que se preocupa com eventos passados da mesma
forma que a moralidade pessoal está preocupada com significado moral das promessas.
Entretanto, o direito está preocupado com práticas que estão formalizadas e gravadas, gerando
um conhecimento que se acumula e que se constrói reflexivamente. E isso exige do jurista,
habilidades especiais, frequentemente distintas das habilidades mais amplas de um moralista
político”. Francisco Motta. Ronald Dworkin e a decisão jurídica, cit., p. 158.
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Em A justiça de toga, Dworkin propõe uma análise da relação entre direito e
moral que complementa, em grande parte, a exposição por ele realizada em outras
obras. Nessa ocasião, o jusfilósofo americano afirma que entre o direito e a moral
não existe nem separação, nem vinculação, muito menos complementaridade. Ele
afirma ser o direito um ramo (branch) da moral, havendo, entre direito e moral,
uma interconexão.
Baseado em Dworkin, Lenio Streck afirma que entre direito e moral existe
uma relação de cooriginariedade: embora haja especificidades próprias de cada
um destes campos – e.g., o direito possui seu grau de autonomia – o direito e a
moral compartilham a mesma origem de modo que, em sua constituição, o
argumento jurídico é moral (na medida em que, para se saber qual o melhor
argumento jurídico para conformar um caso concreto, é preciso proceder a
valorações de ordem moral).37
Desse modo, o jusfilósofo trata a teoria jurídica como uma parte da moral
política – é dizer: inserida nela – caracterizada por uma depuração das estruturas
institucionais.
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A posição de Ferrajoli, nesse sentido, pode ser capitulada como uma espécie
de iluminismo constitucional, uma vez que há inúmeros traços que aproximam
seu constitucionalismo garantista de elementos teóricos e práticos que
compunham o painel teórico-cultural do iluminismo, entre os quais, v.g., podemos
citar:
i) A tese da separação entre direito e moral,41 no interior da qual esta última é
quase que identificada ou com algum tipo de elemento religioso de fundo; ou ainda,
uma moral secularizada – ou laica – que, à moda da filosofia moderna, é entendida
como expressão de uma subjetividade isolada – ou solipsista, como diria Lenio
Streck. Nesse sentido, qualquer influência da moral sobre o direito deve ser,
taxativamente, repudiada.
pelo Estado social burocrático do entre guerras, até chegar ao Estado
Constitucional contemporâneo).42 Há, nessas duas manifestações, o exemplar
sentido ético do iluminismo: a crença de que o progresso, como motor da história,
faz com que – sem embargo dos revezes ao longo do caminho – a humanidade
evolua, melhore, inclusive em termos de aperfeiçoamento de teorias.
Diante disso, parece correto afirmar que a crítica de Ferrajoli acerta em cheio
as propostas teóricas que, de um modo ou de outro, estão em diálogo com Robert
Alexy, seja porque defendem um modelo de complementação entre o direito e a
moral (na terminologia da teoria da argumentação alexyana: uma relação de
complementaridade entre o discurso prático especial, que é o direito, e o discurso
prático geral, que é a moral), seja porque reconhecem na ponderação um
procedimento útil para solução daquilo que, com base na Teoria dos Direitos
Fundamentais de Alexy, nomeia-se como colisão de princípios. No entanto, dispara
muito longe das teses centrais que compõem o argumento dworkiniano.
Aliás, em última análise, é possível afirmar até que existem pontos de contato
entre a proposta de Dworkin e aquela defendida por Ferrajoli. Isso porque, tanto
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A pergunta guia que conduz nossa análise quer saber como é possível que
esse juízo de substancialidade da lei (e, em última análise, dos demais atos do
poder público) possa ser feito de uma forma neutra, a partir de um ponto situado do
“lado de fora” da leitura moral. Queremos saber quais são as “condições de
possibilidade” desse juízo de substancialidade da lei e, ao final, afirmamos que
esse juízo só é possível nos termos de uma leitura moral da Constituição.
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37
.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da
possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011,
posfácio, passim.
38
.Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 51.
39
.De se notar que, no ambiente cultural da modernidade, existe uma luta constante – que vem
desde Hobbes – no sentido de afirmar uma separação entre moral e política. Com efeito, a
modernidade é marcada por um processo que procurou justificar os atos de governo e de
imposição da força física pelo poder político fora do contexto teológico que, no medievo, dava
sustentabilidade à política, a partir da unidade representada pelo poder da igreja católica. Os
movimentos reformistas no interior da doutrina católico-cristã, a constante eclosão de guerras civis
religiosas e o posterior surgimento dos Estados Nacionais levaram à formação de outros contextos
de justificação do poder político, que procuravam se desvencilhar das justificativas
teológicas/ontológicas de até então. Portanto, a moral de uma comunidade política deve ser
pensada nesse contexto. Todavia, as teses iluministas foram mais radicais e reconheceram – em
toda e qualquer representação da moral – algum tipo de elemento irracional que deveria ser
combatido pela Razão. Nossa posição, contudo, procura se afastar desse radicalismo iluminista.
Ao contrário, perfilamos a tese de que uma composição jurídica desde sempre sofre os influxos da
moralidade (que é aquilo que lhe confere legitimidade), mas essa moralidade, justamente por ser
moral, não está a serviço de uma crença pessoal ou da representação subjetiva que uma
consciência isolada possui da sociedade. Essa moralidade é instalada no espaço público, sendo,
por isso, desde sempre uma moral compartilhada (Sobre o processo de “secularização” da política,
Cf. Reinhart Koselleck. Crítica e crise. Uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1999).
42
.Cf., Luigi Ferrajoli. Principia Juris. Teoria del diritto e della democrazia. Roma: Editora Laterza,
2007, vol. 2, p. 83 e ss.
43
.Em virtude dos limites deste trabalho, não é possível abordar todas as nuances que separam a
ideia de inter-relação entre direito e moral de Dworkin (tal como aparece expressa, com maior
refinação, em A justiça de toga, op. cit., em especial a introdução) da tese da complementaridade
entre direito e moral, como quer Robert Alexy (de modo emblemático, essa questão está descrita
em La institucionalización de la justicia, op. cit.). Para um aprofundamento dessa questão, ver:
Lenio Luiz Streck. Hermenêutica jurídica e(m) crise. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2011, em especial, o pós-posfácio; e Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão judicial e o conceito de
princípio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, em especial o item 4.
44
.Cf. Ronald Dworkin. O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
45
e/ou argumentação demonstra que diferentemente da teoria de Robert Alexy, que possui a
característica de reivindicar para a prática argumentativa geral a qualidade de Begründung, ou
seja, de fundamentação, Ronald Dworkin está muito mais interessado no horizonte político-ético no
qual se desdobra a prática interpretativa do direito. Para ele, afirma Ricoeur, “o direito é
inseparável de uma teoria política substantiva. É esse interesse último que, afinal, o afasta de uma
teoria formal da argumentação jurídica” (Paul Ricouer. Interpretação e/ou argumentação. In:
______. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2008, vol. 1. p. 153-173).
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desse modo particular. É claro que um filósofo ou cidadão podem insistir que, afinal
de contas, não há valor na democracia, na liberdade, na igualdade ou na
legalidade. Mas ele não pode defender esse ponto de vista simplesmente
escolhendo uma entre as muitas versões questionadas da liberdade, por exemplo,
e em seguida insistir que a liberdade entendida dessa maneira não tem valor. Ele
deve afirmar não apenas que a liberdade é inútil nos termos de determinada
concepção, mas que ela é inútil nos termos da melhor concepção defensável, e
esse é um empreendimento muito mais ambicioso, que não separa os sentidos
descritivo e valorativo, mas tira partido da inter-relação entre eles.49
46
.Lenio Luiz Streck. O que é isto – Decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2010.
48
.Idem, p. 212-213.
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Não é outra a posição que Lenio Streck defende a partir da sua proposta de
uma “Teoria da Decisão Judicial”. Segundo o jusfilósofo brasileiro, é preciso ter
presente que a intersecção entre direito e moral (ou sua cooriginariedade) vem à
tona a partir de Dworkin, não pela defesa de moralismos ou de jusnaturalismos,
mas em virtude da identificação em sua teoria de uma “responsabilidade política de
cada juiz/intérprete/aplicador, obrigando-o (has a duty) a obedecer a integridade do
direito, evitando que as decisões se baseiem em raciocínios ad hoc (teleológicos,
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Quando Dworkin diz que o juiz deve decidir lançando mão de argumentos de
princípio e não de políticas, não é porque esses princípios sejam ou estejam
elaborados previamente, à disposição da “comunidade jurídica” como enunciados
assertóricos ou categorias (significantes primordiais-fundantes). Na verdade,
quando sustenta essa necessidade, apenas aponta para os limites que devem
haver no ato de aplicação judicial (por isso, ao direito não importa as convicções
pessoais/morais do juiz acerca da política, sociedade, esportes etc.; ele deve
decidir por princípios). É preciso compreender que essa “blindagem” contra
discricionarismos é uma defesa candente da democracia.61
O próprio Ferrajoli reconhece essa questão quando afirma que não é possível
negar que “no exercício da discricionariedade interpretativa gerada pela
indeterminação da linguagem legal, o intérprete é, frequentemente, orientado por
escolhas de caráter moral”.62
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
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Avançada
50
.Apenas a título de curiosidade, é importante lembrar que, em 2008, a AMB (Associação dos
Magistrados Brasileiros) promoveu uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental), que é um mecanismo do controle concentrado de constitucionalidade previsto no
art. 102, § 1.º, da CF/1988, pedindo para que fossem levados em conta como critérios para a
aferição da elegibilidade dos candidatos a cargos eletivos os antecedentes criminais e possíveis
ações de improbidade administrativa em curso. Esse pedido aconteceu em 2008, nas vésperas
das eleições municipais, e suscitou um grande debate. Na oportunidade, o STF decidiu que o
pedido não poderia ser procedente uma vez que era contrário à presunção de inocência garantida
pela Constituição (para uma análise aprofundada do conteúdo dessa decisão, cf. Lenio Luiz
Streck. Verdade e consenso..., cit., p. 547 e ss.). Ocorre que, em 2009, mesmo depois da decisão
do Supremo em sentido contrário, o tema continuou na pauta política do país e acabou chegando,
pela via da iniciativa popular, ao Congresso Nacional brasileiro, na forma de Projeto de Lei
Complementar. Em junho de 2010, o Congresso aprovou o projeto, dando origem à LC
135/2010, que originou o imbróglio jurídico retratado no texto.
51
.Teor do § 9.º do art. 14 da CF/1988: § 9.º Lei complementar estabelecerá outros casos de
inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade
e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de
função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Teor do art. 37, caput, da
CF/1988: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”
52
.Eis o texto do inc. LVII do art. 5.º da CF/1988: “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
53
.Essa a posição assentada pelo Min. Carlos Ayres Britto em voto proferido no RE 633.703/MG. Na
verdade, além da virtual inconstitucionalidade da Lei 135/2010, pela afronta à garantia da
presunção de inocência, há outras inconstitucionalidades que podem ser a ela atribuídas. No caso
do recurso no qual o Min. Aires Britto proferiu seu voto, o que se questionava era uma afronta ao
art. 16 da CF/1988, que determina que lei que altera regras do processo eleitoral só pode
ser aplicada às eleições depois de um ano de sua entrada em vigor. No caso, a lei foi aprovada em
2010 e teve sua aplicação determinada por alguns órgãos da Justiça Eleitoral já nas eleições de
2010. Ofendeu, portanto, a regra da anterioridade anual presente no art. 16. No julgamento do
citado Recurso Extraordinário, o STF excluiu a aplicação da lei às eleições de 2010. Todavia, já no
julgamento desse recurso extraordinário, alguns ministros indicaram a forma como votariam caso o
objeto de análise fosse a constitucionalidade da lei em tese – e não sua aplicação às eleições de
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2010, como era o caso. O Min. Ayres Britto foi um destes: sua posição vai no sentido de que a
garantia dos direitos individuais não pode esvaziar a efetividade dos direitos sociais. Portanto, na
interpretação por ele construída, a restrição à garantia de presunção de inocência se justifica em
face do interesse maior, de cunho social, de moralização do processo político. Resta saber se essa
construção permanece de pé diante da leitura moral da Constituição.
54
.Na 4. ed. de Verdade e consenso..., cit., Lenio Streck escreve uma longa introdução procurando
apontar para o ambiente no qual o livro e, no limite, toda sua obra deve ser lida. Nela, o autor
apresenta aquilo que ele chama de recepções equivocadas realizadas pelo pensamento
constitucional brasileiro que, diante de uma constituição normativa sem uma Teoria da Constituição
adequada, foi obrigado a importar teorias produzidas por outras culturas. Muitas vezes, essas
teorias acabam sendo adaptadas ao ambiente cultural brasileiro, produzindo resultados
patológicos. Uma dessas recepções equivocadas refere-se, exatamente, à ponderação proposta
por Alexy. Na versão à brasileira da ponderação, pondera-se sem critérios. Não se aplica a fórmula
quanto-tanto, criada por Alexy justamente para conferir racionalidade ao procedimento utilizado
pelo Tribunal Constitucional Alemão. Resultado disso é uma jurisprudência constitucional que,
muitas vezes, se apresenta em estado de fragmentação, vindo a ocorrer situações
interessantíssimas, como casos em que, num mesmo julgamento, ministros diferentes,
fundamentando sua posição na ponderação, chegaram a resultados totalmente diferentes. Este
caso é descrito por Lenio Streck na terceira edição da mesma obra, p. 533 e ss.
56
.Idem, p. 133.
58
.Idem, ibidem.
59
.Idem, ibidem. No que atina a essa dimensão horizontal da integridade, é importante anotar que há
uma série de particularidades – principalmente no que toca à modificação dos precedentes – que
mereceriam ser abordadas com vagar. Todavia, esse particular não faz parte dos objetivos do
texto, que está mais preocupado em colocar em questão o problema do juízo de substancialidade
proposto pelo constitucionalismo garantista na perspectiva de saber se, de alguma forma, também
ele não reivindica um horizonte moral para solução de casos concretos. Todavia, há importantes
obras que tratam com cuidado do problema da “aplicação” dessa integridade horizontal. Problema
particularmente inquietante nessa esfera temática é aquele que se afigura a partir de uma
constatação apressada de que essa necessidade de recursividade das decisões – das próprias e
das demais esferas que compõem a estrutura judiciária – poderia levar a um “continuísmo
histórico” ou a um excessivo conservadorismo judicial. Todavia, essa preocupação é apenas
aparente. Com efeito, conforme anota Francisco Borges Motta – em obra que revela uma crítica
contundente ao chamado “protagonismo judicial” – assevera o seguinte sobre o problema da
alteração das decisões passadas: “a integridade obviamente convive com a possibilidade (melhor
dito: necessidade) de alteração das decisões (concepções) anteriores, e esclarece que aí não
estará em jogo um escolha entre “história” e “justiça”. Neste fio, uma decisão judicial que “quebre”
(corretamente) um precedente, estará apenas realizando uma ‘conciliação entre as considerações
que em geral se combinam em qualquer cálculo de direito político’, e isso na exata medida de que
a decisão judicial nada mais faz do que tornar efetivos direitos políticos já existentes. Não há nada
‘surpreendente’ aqui. Sucede simplesmente que as circunstâncias variam e os princípios mudam
de peso no tempo. (...) De mais a mais, na medida em que se difunda – e aí a doutrina entra em
cena – que determinado veredicto é um erro, a sua reinterpretação não só se fará oportuna, como
necessária” (Francisco J. Borges Motta. Levando o direito a sério. Uma crítica hermenêutica ao
protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 123).
60
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.Idem, p. 446.
62
.Cf. Giorgio Agambem. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 65 e ss.
64
.Idem, p. 104.
68
.Remetemos o leitor à nota n. 24, infra, para que as devidas ressalvas sobre o cumprimento da
exigência horizontal da integridade sejam registradas.
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1) A relação entre direito e moral é um dos temas mais polêmicos no estudo introdutório do direito e um dos que,
provavelmente, mais precise ser repensado. Levando em conta este fato, inicialmente, com o intuito didático, oferecemos desde
o conceito elementar de moral como um estudo sistemático dos costumes humanos até as teses mais atuais sobre a relação
entre direito e moral.
2) Para evitar equívocos, também oferecemos o conceito elementar de ética e como, historicamente, os termos moral e ética
foram entendidos como sinônimos até que alguns autores, nossa referência foi Michel Foucault, se pode definir a ética como
determinante da maneira pela qual o indivíduo deve se constituir a si mesmo como sujeito moral de suas próprias ações e a
moral como o comportamento efetivo das pessoas diante dos códigos (normas morais).
3) Aproximando o conteúdo do Direito da Ética, adentramos no campo próprio da ética jurídica para procurar demonstrar
como atualmente a problemática do tema se instaura pela codificação das regras e dos princípios éticos a um conjunto de
prescrições de caráter puramente formal e jurídico, fato que reduz a ética a um certo tipo de técnica (uma tecnologia ética) e
como é importante a busca de um nível de comprometimento, de assunção de compromisso por parte daqueles que trabalham
com o direito em termos realmente éticos e não meramente de uma tecnologia ética.
4) A relação entre o Direito e a Moral, na contemporaneidade, foi explorada inicialmente a partir do pensamento do
jusfilósofo alemão Robert Alexy e a sua proposta de que o relacionamento entre direito e moral na história fora pensado a partir
de três teses, a saber: a) a tese da vinculação determinando que o direito deve ser definido de modo que contenha elementos
morais; b) a tese da separação, por excelência, propagada pelos autores positivistas que defendiam que o direito não deve ser
definido de como contenha elementos morais, ou seja, há uma distinção clara entre os campos da moral e da ética em relação
ao direito; e c) a tese da complementaridade, pela qual haveria espaços distintos entre direito e moral, mas que, entretanto, em
certos casos, poderiam ser pensados de modo complementar para solucionar questões jurídicas.
5) Na sequência, apresentamos a proposta de Ronald Dworkin com o intuito de criar um ambiente reflexivo e crítico a partir
da proposta de Robert Alexy. Segundo Dworkin, o direito é um ramo (branch) da moral, havendo, entre direito e moral, uma
interconexão, ou seja, Dworkin trata o direito como um segmento da moral. Isto revela que a tratativa de Dwokin trabalha com a
teoria jurídica como uma parte da moral política.
6) A problematização do pensamento de Dworkin com o de Luigi Ferrajoli serviu como aporte para uma discussão prática
sobre o relacionamento entre direito e moral e ainda mais para comprovar a acertada tese de Ronald Dworkin, de como o direito
representa um ramo da moral.
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6. Direito e Justiça
O conceito de justiça não é algo que se possa definir ou delimitar em uma exata
e conclusiva definição,1 o mesmo acontece com o conceito de direito.
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Santo Agostinho. Cidade de Deus. São Paulo: Vozes, 2011. livro IV, cap. IV.
Avançada
.Nesse sentido, é relevante a análise de Ota Weinberger ao demonstrar, a nosso ver, que a
complexidade de definição da justiça esteja por trás da noção da condição humana e aquilo que a
própria humanidade busca como ideal da justiça, por essa razão que o autor entende a justiça
como “a ubliquitous problem”. Cf. Ota Weinberger. Law, institution and legal politics: fundamental
problems of legal theory and social philosophy. Dordrecht: Kluwe Academic Publishers, 1991.
p. 247.
2
.Cf. Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês, Lisboa: Ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004. p. 225.
3
.Sobre o assunto, cf. nosso Georges Abboud; Henrique Garbellini Carnio. Genealogia da justiça:
uma abordagem a partir do conceito de obligatio do direito privado romano, RDPRIV 48/11. No
referido artigo a ideia de uma proposta genealógica sobre o conceito de justiça. A proposta
genealógica será desenvolvida a partir do método histórico-crítico genealógico de Friedrich W.
Nietzsche. Empreendendo seu método genealógico, caracterizado como um método histórico-
crítico de investigação de instituições, saberes e práticas sociais, históricas e culturais que busca
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revelar as valorações que lhes servem de fundamento, Nietzsche promove uma reviravolta no solo
antropológico e psicológico que fomenta a criação e a construção do direito. De maneira
concernente ao seu esclarecimento genealógico em Para genealogia da moral Nietzsche recorre
insistentemente em querer demonstrar o modo como certos filósofos utilizaram uma genealogia da
moral estropiada, principalmente quando se nota o modo pelo qual foi realizada a pesquisa sobre a
origem (Ursprung) e proveniência (Herkunft) de certos conceitos, como o de “bom” ou o de
“culpa/dívida” (Schuld). Assim, Nietzsche emprega o estudo da genealogia das palavras para
descrever o processo metafórico pela qual algumas palavras fundamentais – como as acima
referidas – aos poucos assumiram significados de caráter moral. Ele encara o significado como
algo radicalmente histórico, sendo um dos pontos-chave não se confundir a origem de algo com a
sua finalidade. Isso revela ainda mais sua crítica aos genealogistas da moral, indicando que a eles
falta um senso histórico genuíno que os faz acabarem escrevendo não uma genealogia, mas uma
história da emergência de uma coisa (Entstehungsgeschichte). Para Nietzsche, analisando-se as
“origens”, demonstra-se que no começo das coisas são encontrados o conflito, a luta e a
contestação. Ao reconstruir o passado, seus objetivos são práticos, desejando opor-se aos
preconceitos do presente que impõem uma interpretação do passado com o fim de sustentar seus
valores democráticos e altruísticos. Sua tentativa, enfaticamente, na Genealogia é de maneira
original e provocadora mostrar que a moral e as noções legais têm uma história e que o homem
estudado como animal político e moral, precisa “vir-a-ser”. Para Nietzsche, quase tudo que existe
está aberto à interpretação. A própria vida nada mais é do que uma disputa e conflito de valores.
Foucault analisa bem essa característica do método genealógico de encontrar no começo histórico
das coisas a discórdia, o disparate. Para Foucault, a genealogia se opõe ao desenvolvimento
meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Opõe-se à pesquisa de
origem, pois o que se encontra no começo da história das coisas não é a identidade ainda
preservada de sua origem, mas a discórdia entre as coisas, o disparate. Assim, fazer a genealogia
dos valores, da moral, do conhecimento nunca será deter-se em busca de sua origem, “mas deter-
se nas meticulosidades e nos acasos dos começos: prestar uma atenção escrupulosa em sua
derrisória maldade, esperar vê-las surgir, máscaras finalmente retiradas, com o rosto do outro; não
ter pudor de ir buscá-los lá onde eles estão, ‘escavando as profundezas’”. Para tanto, cf. Oswaldo
Giacoia Jr. Pequeno dicionário de filosofia contemporânea. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 89;
Friedrich W. Nietzsche. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza, São
Paulo: Cia. das Letras, 2007. Primeira dissertação, § 17, p. 45; Keith Ansell-Pearson. Nietzsche
como pensador político: uma introdução. Trad. Mauro Gama e Cláudia Martinelli. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1997. p. 140-141; e Michel Foucault. Nietzsche, a genealogia, a história. In: ______.
Arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. Elisa Monteiro. Rio de
Janeiro: Forense, 2000. p. 264.
Finalizando, seria ainda interessante notar como a perspectiva genealógica privilegia a visão
historicista para compreensão do direito e seus institutos. Essa relação entre direito e história é
ressaltada e defendida por Harold Berman nos seguintes termos: “O conceito tradicional de direito
como um conjunto de regras derivadas de atos normativos e decisões jurisprudenciais – refletindo
a tese de que a fonte última do direito é a vontade do legislador (Estado) – é inteiramente
inadequado para servir de base para um estudo sobre uma cultura jurídica transnacional. Para
falar da tradição jurídica ocidental, é necessário postular um conceito de direito que seja diferente
de um conjunto de regras, que o veja como um processo, como um empreendimento no qual as
regras só têm valor no contexto das instituições e procedimentos, valores e modos de pensar.
Desse ponto de vista mais amplo, as fontes do direito ultrapassam a vontade do legislador, para
abranger também a razão e a consciência das comunidades e os seus usos e costumes. Essa não
é a visão dominante no direito. Contudo, não é, de modo algum, uma visão heterodoxa, pois, não
muito tempo atrás, costumava-se dizer que as fontes do direito eram a legislação, os precedentes,
a equidade e os costumes. Na era de formação da tradição jurídica ocidental, não havia tanta
legislação ou tantos precedentes como passou a haver nos séculos posteriores. A maior parte do
Direito era derivada dos costumes, que eram visto à luz da equidade (definida como razão e
consciência). É necessário reconhecer que o costume e a equidade são tão integrantes do direito
quanto as normas e as decisões, se se deseja seguir e aceitar a história da tradição jurídica
ocidental”. Harold J. Berman. Direito e revolução: a formação da tradição jurídica ocidental. São
Leopoldo: Unisinos, 2006. p. 22.
4
.Idem, ibidem.
6
.Idem, ibidem.
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Giorgio del Vecchio. A justiça. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo:
Saraiva, 1960.
Hans Kelsen. O que é justiça? Trad. Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
Avançada
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.Sobre o conceito de justiça considerado de modo restrito – com base na linha do pensamento
platônico-aristotélico –, faz-se interessante a conferência do verbete Justiça produzido por Mario
Ferreira dos Santos que examina o conceito a partir do conceito que a justiça seria um dos quatro
pontos cardinais, oferecendo assim, um conceito estrito sobre a justiça. Cf. Mário Ferreira dos
Santos. Dicionário de filosofia e ciências culturais. São Paulo: Editora Matese, 1963. (verbete:
justiça), vol. 3, p. 830-831.
8
.Cf. Aristóteles. Ética a Nicômaco. 4. ed. Trad. Mário da Gama Kury. Brasília: Ed. UNB, 2001. O
livro V da referida obra contém o estudo sobre A Justiça, que se inicia do seguinte modo: “com
vistas à justiça e à injustiça, devemos indagar quais são as espécies de ações as quais eles se
relacionam, que espécie de meio termo é a justiça, e entre que extremos o ato justo é o meio
termo”.
9
.Sobre uma visão mais detalhada da experiência histórica da justiça, cf. Giorgio del Vecchio. A
justiça. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. São Paulo: Saraiva, 1960. p. 83-93.
10
.Santo Tomás de Aquino pode ser considerado o verdadeiro precursor da reflexão sobre a justiça,
fundamentada em Aristóteles e nos romanos. Sobre a proposta de Santo Tomás de Aquino
importante o estudo dos capítulos I, II e II da Summa Theológica que se referem ao tema justiça,
especificamente no que remonta a Ulpiano, no mesmo livro, II, II, 58, 1, e em Santo Agostinho, na
obra Cidade de Deus no livro IV, capítulo IV.
11
.Tercio Sampaio Ferraz Junior. Estudos de filosofia do direito: reflexões sobre o poder, a liberdade
a justiça e o direito. São Paulo: Atlas, 2002. p. 232.
12
.Para uma temática diferenciada sobre este assunto, muito interessante são os estudos
nietzscheanos sobre a justiça. No contorno de sua obra, vale a pena ressaltar a seguinte
passagem: “Origem da justiça. A justiça (equidade) tem origem entre homens aproximadamente o
mesmo poder(...): troca é o caráter inicial da justiça. Cada um satisfaz ao outro, ao receber aquilo
que estima mais que o outro. Um dá ao outro o que ele quer, para tê-lo como seu a partir de então,
e por sua vez recebe o desejado. A justiça é, portanto, retribuição e intercâmbio sob o pressuposto
de um poderio mais ou menos igual: originalmente a vingança pertence ao domínio da justiça, ela
é um intercâmbio. Do mesmo modo a gratidão”. Friedrich W. Nietzsche. Humano, demasiado
humano. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Cia das Letras, 2005. p. 92. Continuando com a
questão, importante também a crítica de Martin Heidegger a partir do seguinte comentário
“Nevertehless, because in Nietzsche’s thought it remains veiled as to whether and how “justice” is
te essencial trait of truth, the key word justice may not be raised to the rank of the main heading in
Nietzsche’s metaphysics”. Martin Heidegger. Nietzsche. San Francisco: Harper Collins pbk, 1991.
vol. 3, p. 249.
Neste ambiente, levando em conta a proposta de Tercio Sampaio Ferraz Junior sobre a dualidade
metafísica de justiça e sua noção de retribuição, passa a ser de fundamental importância para
complementação e finalização do assunto do princípio da retribuição aqui retratado e a ser mais
desenvolvido a partir do pensamento de Nietzsche, a compreensão das consequências da justiça
na forma de retribuição com base no texto “Vergeltung” zwischen Ethologie und Ethic (“Retribuição”
entre Etologia e Ética) de Walter Burkert. As bases sob as quais Burkert estrutura seu estudo sobre
retribuição fornecem importantes revelações sobre os contornos em relação a elaboração dos
modelos de justiça. Ele retorna a textos e mitologias da Antiguidade alcançando importantes
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apontamentos atuais que merecem relevo. Por mais que a aceitabilidade da agressão, repressão e
violência como base da retribuição justa pareça algo das sociedades primitivas, a expressão latina
vindex, os princípios islâmicos vigentes da pena e mesmo a pena de morte, que não se divide
necessariamente entre Ocidente e Oriente, apresentam a sutil presença desse modo primevo de
manifestação da justiça como retribuição. Tercio Sampaio Ferraz Junior. Poder e justiça. Direito e
poder: nas instituições e nos valores do público e do privado contemporâneos. Estudos em
homenagem a Nelson Saldanha. Barueri: Manole, 2005. p. 168-182.
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13
.Sobre o giro linguístico, ou reviravolta linguística, afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “Pouco a
pouco se tornou claro que se tratava, no caso da ‘reviravolta linguística’ (linguistic turn) de um novo
paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da
reflexão filosófica para a ‘esfera dos fundamentos’ de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa
a poder levantar a pretensão de ser a ‘filosofia primeira’ à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias” (Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. ed. São Paulo:
Loyola, 2001. p. 12-13). No âmbito do direito são significativas as palavras de Castanheira Neves,
para quem “o direito é linguagem, e terá de ser considerado em tudo e por tudo e por tudo como
uma linguagem. O que quer que seja e como quer que seja, o que quer que ele se proponha e
como quer que nos toque, o direito é-o numa linguagem e como linguagem – propõem-se sê-lo
numa linguagem (nas significações linguísticas em que se constitui e exprime) e atinge-nos através
dessa linguagem, que é” (Antônio Castanheira Neves. Metodologia jurídica: problemas
fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993. p. 90).
15
.O tema sobre as teorias processuais da justiça não será aqui tratado, pois, além de não ser
escopo do trabalho é complexo e exigiria, no mínimo, por honestidade intelectual, um estudo
apartado. De qualquer modo, há interessantes apontamentos sobre estes estudos no pensamento
de Arthur Kaufmann, em especial na obra Filosofia do direito, que possui um capítulo dedicado ao
tema e intitulado como “Princípios duma teoria processual de justiça materialmente fundada”. Cf.
Arthur Kaufmann. Filosofia do direito cit., p. 425-435.
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17
.Hans Kelsen. O que é justiça? Trad. Luís Carlos Borges, São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 2.
18
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Assim, imbuído desse meio termo proposto pela nova retórica, de maneira que
o direito não é o lugar do racional e do irracional, nos contornos da justiça,
Perelman analisa seis exemplos possíveis de sua noção, sendo: a cada qual a
mesma coisa; a cada qual segundo seus méritos; a cada qual segundo suas obras;
a cada qual segundo suas necessidades; a cada qual segundo sua posição; a cada
qual segundo a lei que lhe atribui.20
O conceito é genérico, portanto, abrangente, pois busca uma forma única que
abarque as possibilidades de trabalho com a justiça, pode-se dizer que essa
tentativa, além do racionalismo, demonstra uma tentativa de contorno material da
justiça, uma justiça no caso concreto.
19
.Chaim Perelman. Tratado da argumentação: a nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
20
.Chaim Perelman. Ética e direito. Trad. Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão, 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 9.
21
.Idem, p. 19.
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O autor considera que a proposição da nova retórica tem que ser radicalmente
reconstruída para contribuir com a reinvenção do conhecimento-emancipação, vez
que se caracteriza por ser técnica (não adjudica entre as formas de influenciar,
entre persuasão e convencimento), por partir do princípio que o auditório e,
consequentemente, a comunidade, são dados imutáveis, ficando sem refletir sobre
os processos sociais de inclusão neles ou exclusão deles, nem os processos
sociais de criação e de destruição de comunidades e, por fim, atribui que a nova
retórica é manipuladora, porque os oradores visam apenas influenciar o auditório e
não se consideram influenciados por ele, a não ser na medida em que se lhe
adaptam para conseguirem influenciá-lo.23
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Por outro lado, Hegel foi o primeiro a caracterizar como racionalismo a corrente
que vai de Descartes a Spinoza e Leibniz que se opunha ao empirismo de origem
lockiana, enfim, como conceito filosófico, o racionalismo designa propriamente a
doutrina de Kant ou, então, a corrente metafísica da filosofia moderna de
Descartes a Kant27 que tanto se desenvolveu e buscou-se superar seus limites na
filosofia contemporânea.
22
.Boaventura de Sousa Santos. Crítica da razão indolente: para um novo senso comum: a ciência, o
direito e a política na transição paradigmática. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
23
.Idem, p. 104.
24
.Idem, ibidem.
25
.Idem, p. 107.
26
.Nicola Abbagnano. Dicionário de filosofia. Trad. Ivone Castilho Benedetti. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. p. 822.
27
.Idem, ibidem.
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No ano de 1957, John Rawls traz a lume o primeiro texto, intitulado “Justice as
fairness”, e em torno do núcleo deste texto, foi-se, aos poucos, constituindo-se a
obra intitulada A theory of justice – traduzida para nós como Uma teoria da
justiça – publicada em Harvard no ano de 1971. Durante a década seguinte, várias
críticas foram enfrentadas pelo autor e em 1980 o autor começa a retomar o tema
com uma nova série de artigos, buscando, unicamente, uma revisão sobre o
campo de aplicação e os meios de efetivação de uma teoria que permaneceu
essencialmente intocada.28
O objetivo de Rawls com essa obra foi apresentar uma concepção de justiça
que generaliza e leva a um ponto de reflexão maior a conhecida teoria do contrato
social em Locke, Rousseau e Kant.29 Para isso, propõe que não se deve pensar no
contrato original como um contrato que introduz uma ordem social ou
governamental, mas o contrário, isto é, que os princípios da justiça como estrutura
básica da sociedade são o objeto do consenso original.30
Tal fato denota uma importante tomada de partido por Rawls, pois ele apresenta
o esforço do autor em tomar o conceito de justiça a partir de uma forma
procedimental e sua crença na noção de “cooperação” e não de “dominação” no
âmbito da estrutura social inicial que enceta sua teoria numa perspectiva
institucionalista.
De se notar, portanto, que Rawls propõe uma teoria da justiça como base da
construção social, para isso, procura elaborar uma teoria da justiça que represente
uma alternativa ao pensamento utilitarista em geral e, consequentemente, a todas
as suas diferentes visões.31
“Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de
liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de
liberdade para as outras.
28
.Paul Ricouer. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São Paulo: WMF Martins
fontes, 2008. p. 89.
29
.Segundo Ricouer, o objetivo de John Rawls em Theory of Justice, conforme o próprio autor lembra
em 1992, no prefácio à tradução francesa de seus escritos posteriores, era generalizar e levar a
um grau mais alto de abstração a doutrina tradicional do contrato social. Cf. Paul Ricouer. O justo
1... cit., p. 89.
30
.John Rawls. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímole Esteves, 2. ed., São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 12.
31
.Idem, p. 24.
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32
.Idem, p. 64.
33
.Nesse sentido há também uma boa crítica de Otfried Höffe na obra Justiça política. São Paulo:
Matins Fontes, 2006.
34
.Idem, p. 273.
36
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Rawls considera através desse conceito que amplas classes de direitos, desde
direitos formais até direitos de propriedade, têm procedência política quase total
sobre a promoção de objetivos sociais. Esses direitos assumem forma de
“restrições colaterais” que não podem ser violadas, ou seja, os procedimentos
empreendidos têm de ser aceitos, independentemente das consequências que
deles possam advir. Portanto, Sen demonstra que a questão nesse sentido, não é
a importância comparativa dos direitos, mas sua prioridade absoluta.39
37
.Nesse ponto, merece destaque a análise de Dworkin sobre a concepção de Robert Nozick:
“Existem conexões pelo menos superficiais entre a teoria da igualdade de recursos aqui sugerida e
as diversas formas da teoria lockeana da justiça na propriedade privada, especialmente na ilustre e
influente versão de Robert Nozick. É claro que as diferenças, mesmo as superficiais, são mais
marcantes. Não há lugar em uma teoria como a de Nozick para algo semelhante à ideia de uma
distribuição igualitária do poder econômico abstrato para todos os bens sob controle social. Mas
tanto a teoria de Nozick quanto a igualdade de recursos, conforme descrita aqui, atribuem uma
posição de importância à ideia de mercado, e recomendam a distribuição obtida por um mercado
adequadamente definido e restrito. Pode ser que as partes dos argumentos de Nozick que
parecem intuitivamente mais persuasivas se baseiem em exemplos nos quais a presente teoria
alcançaria resultados bem semelhantes”. Ronald Dworkin. A virtude soberana: a teoria e a prática
da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 145.
38
.Amartya Sen. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta, São Paulo: Cia. das
Letras, 2000. p. 83.
39
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.Idem, ibidem.
40
.O ponto de vista do autor pode ser bem entendido na seguinte passagem de sua obra: “Em
particular, a questão é se a importância da liberdade formal para a sociedade é adequadamente
refletida pelo peso que a própria pessoa tenderia a atribuir a essa liberdade ao julgar sua própria
vantagem global. A afirmação da preeminência da liberdade formal (como liberdades políticas e
direitos civis básicos) contesta que seja adequado julgar a liberdade formal simplesmente como
uma vantagem – tal como unidade extra de renda – que a própria pessoa recebe por essa
liberdade”. Amartya Sen. Desenvolvimento como liberdade cit., p. 84.
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.Michael Walzer. Las esferas de la justicia: uma defensa del pluralismo y la igualdad, 2. ed. Mexico:
Fondo de Cultura Económica, 2001. n. I, p. 17.
42
.Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. cap. 10, p. 319.
44
.Idem, ibidem.
45
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A obra de Dworkin talvez seja umas das maiores teorizações sobre a justiça,
cuja sistematização demandaria exame de toda sua obra, o que não é o escopo
deste artigo. O que desejamos ressaltar é o resgate da intrínseca relação entre
política e legalidade para se analisar a concepção de justiça. Dworkin propõe como
um dos principais paradigmas a serem enfrentados a releitura da legalidade para
se examinar a questão da própria justiça. Vale dizer, é possível afirmar que em
sistemas jurídicos em que impera a perversidade esses sistemas seriam dotados
de legalidade? A legalidade pode ser explicada abstratamente a ponto de ser
admitida em estruturas políticas profundamente injustas?51
Leitura recomendada
Básica
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Intermediária
Paul Ricouer. O justo 1: a justiça como regra moral e como instituição. São
Paulo: WMF Martins fontes, 2008.
John Rawls. Uma teoria da justiça. Trad. Almiro Pisetta e Lenita Maria Rímole
Esteves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Avançada
Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005, cap. 10.
Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Introdução
e cap. 6.
Amartya Sen. A ideia de justiça. São Paulo: Cia das letras, 2011.
50
“Ele diz, por exemplo, que um sistema de castas é justo numa sociedade cujas tradições o
aceitam, e que seria injusto em tal sociedade distribuir bens e outros recursos igualmente. Mas
suas observações sobre o que a justiça requer numa sociedade cujos membros discordam sobre a
justiça são obscuras. ‘Outras possibilidades de distribuição’ podem significar cuidado médico para
os pobres em algumas cidades, mas não em outras? Como uma sociedade que tem de decidir se
permite ou não que comitês de ação política financiem campanhas eleitorais pode realmente ser
‘fiel’ à discordância sobre o significado social das eleições e da expressão política? O que
significaria ser fiel?
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Se a justiça é apenas uma questão de seguir as opiniões compartilhadas, como as partes podem
estar debatendo sobre a justiça quando não existe nenhuma opinião compartilhada? Nessa
situação, nenhuma solução é possivelmente justa, pela descrição relativista de Walzer, e a política
só pode ser uma luta egoísta. Mesmo dizer que as pessoas discordam sobre significados sociais, o
que pode significar? O fato da discordância mostra que não existe nenhum significado social
compartilhado sobre o qual discordar. Walzer não levou a termo o pensamento sobre as
consequências de seu relativismo para uma sociedade como a nossa, na qual questões de justiça
são contestadas e debatidas”. Ronald Dworkin. Uma questão de princípio cit., cap. 10, p. 324.
51
.Sobre essas questões, ver; Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
cap. 6, p. 243 e p. 394, n. 29.
52
.Idem, p. 19.
53
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Dessarte, cabe evidenciar que o cerne do texto foi a preocupação em demonstrar reiteradamente a importância do processo
de formação da gênese do conceito de justiça, desvinculando a filosofia do direito de algumas tratativas tradicionais ou
equivocadas com relação ao próprio sentido histórico desse conceito. Nessa dimensão, a preocupação não evidencia a
pretensão de se revelar em destaque a grande importância da história da filosofia do direito, mas, sim, de uma crescente
necessidade de uma filosofia da história do direito que forneça novas reflexões para os temas do próprio direito, em especial, do
conceito de justiça.
O enfoque na dualidade metafísica do conceito de justiça – e a importância de sua superação – bem como a recorrência aos
estudos etnológicos, acaba por se reconhecer nas relações de troca, escambo, compra e venda, credor e devedor, a forma mais
antiga das relações humanas nos primórdios dos patamares civilizatórios. Essa é a grande revelação que projeta a temática
metodológica do estudo, pois considera a gênese do direito como elemento constitutivo do engendramento do processo
civilizatório.
A partir disso, a proposta se enceta em explorar a construção dos sentidos da justiça de maneira diferente, e denunciar em
seu percurso suas inclinações ideológicas, históricas e de formação social, e precipuamente seus aprisionamentos metafísicos.
A intenção restringe-se, precipuamente, a promover a descoberta de várias novas aberturas sobre os sentidos que permeiam o
conceito de justiça historicamente.
Inicialmente, o tema da justiça nos remete à noção dos primeiros “sujeitos de direito”. Os “primitivos sujeitos de direito” não
são pessoas individuais, mas, sim, clãs, gens, organizações coletivas de cujo desenvolvimento surgem as comunidades tribais
e posteriormente os povos inteiros. A importância dessa revelação desloca a interpretação histórica dos “modernos sujeitos de
direito”.
Esse fato ganha profundo destacamento na obra texto, pois ao conceber a ideia de “primitivos sujeitos de direito” nas
organizações gentílicas encontra nelas a formação do velho cânon moral que recebe o sentido da justiça.
Surge, assim, a importância de se discernir sobre a ideia da justiça e da vingança, que em alguns momentos passam a ser
confundidas, fato que gera alguns contornos sobre a dimensão da ideia de igualdade relacionada à justiça, propiciando uma
proposta racionalista, que surge no afamado conceito de justiça de “dar a cada um o que é seu”, totalmente anêmica de sentido,
pois se apresenta como tautológica e justifica toda e qualquer ordem social.
Fato é que todo esse estudo aliado às novas projeções da reviravolta linguística da filosofia revelam um amplo ambiente de
exploração diferenciada para o tratamento do conceito de justiça enquanto categoria ficcional do direito premente da
necessidade de novas alocações no contexto histórico atual.
Nesse sentido, a proposta do artigo foi também a de promover de modo pontual uma análise do pensamento racional da
justiça até John Rawls e revelando a atual polêmica levantada por Walzer e a crítica e posicionamento de Ronald Dworkin,
entendidos como viáveis para a renovação da discussão sobre o tema da justiça.
Por fim, tem-se que o intuito fora o de fornecer um ambiente profícuo capaz de fomentar o direito e reconhecer a sua
importância e a sua potencialidade de transformação social, reforçando e comprovando a possibilidade teórica e prática da
necessidade de renovação das formas jurídicas – justiça –, que a partir do que se propôs, pretende-se que adquiram novo foco
de discussão e atuação, promovendo um direito mais compromissado filosoficamente.
Leitura recomendada
Básica
Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, cap. 8
e 19.
Intermediária
Hans Kelsen. Sociedad y naturaleza: una investigación sociologica. Tradução de Jaime Perriaux. Buenos Aires: De Palma,
1945. 1 parte, cap III.
Ronald Dworkin. A justiça de toga. São Paulo: Martins Fontes, 2010. introdução e cap. 6.
Avançada
Friedrich W. Nietzsche. Genealogia da moral: uma polêmica. Trad. Paulo César de Souza, São Paulo: Cia. das Letras,
2007. Segunda dissertação.
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1) Do mesmo modo que ocorre com o conceito de direito, ocorre com o conceito de Justiça, ambos são termos equívocos,
ou seja, não podem ser definidos ou apresentados numa exata e conclusiva definição.
2) De modo geral, definimos a justiça como conceito fundamental, de certa maneira irredutível, da ética, da filosofia social e
jurídica, bem como da vida política, social, religiosa e jurídica, no qual se busca encontrar a justa medida (o equilíbrio, o meio
termo) nos atos que envolvem os conflitos oriundos das relações humanas.
3) A par do conceito tradicional de justiça como meio termo, que teve seu início com o pensamento de Aristóteles e foi
desenvolvido de modo singular por Santo Tomás de Aquino, a proposta sobre o conceito de justiça procurou aprofundar os
estudos para além das concepções básicas que identificamos como 1) em seu aspecto formal, um valor ético-social positivo,
através do qual se atribui a uma pessoa o que lhe é devido, ou seja, a clássica ideia do suum cuique tribuere e 2) seu aspecto
material, ou seja, os critérios de acordo (valores) com os quais é decidido aquilo que é devido a alguém, e que são formulados
normalmente com base em concepções metafísicas.
4) Com o intuito de projetar um conceito que supere as manifestações tradicionais apresentadas, alguns autores que tratam
sobre o tema da justiça foram apresentados, a saber: Chaïm Perelman, Boaventura de Sousa Santos, John Rawls, Amartya
Sen,Michael Walzer e Ronald Dworkin.
5) Com a análise dos autores mencionados e a revelação de que a justiça-em-si não existe fora de uma dimensão
existencial (interpretativa), conclusivamente, de que hodiernamente, o estudo da teoria justiça fora da prática (mundo da vida),
sem levarmos em conta a complexidade das estruturas sociais contemporâneas, simplesmente não passa de uma atitude
meramente discursiva, sem efeito prático, sendo essa a leitura inicial feita para a premissa dworkiana de que a justiça não é um
deus ou um ícone: nós a valorizamos, se o fazemos, devido a suas consequências para as vidas que levamos enquanto
indivíduos coletivamente.
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1) a de uma lei estabelecida por vontade da divindade e revelada aos homens;
2) a de uma lei natural em sentido estrito, fisicamente natural a todos os seres
animados à guisa de instinto;
3) a de uma lei ditada pela razão, específica, portanto, do homem que a
encontra autonomamente dentro de si.2
No entanto, no interior da iuris naturalis scientia essa relação não se dava de
uma maneira concorrente com “outros tipos de direitos”. É certo que se reconhecia
um direito positivo, manifestado em sua contingência histórico-social e política.
Mas este não deixava de ser pensado como um elemento integrado e
hierarquizado do sistema normativo do direito natural, ao qual não cabia apenas
uma função residual, mas também, e fundamentalmente, uma função normativa
concreta: o contingente e variável historicamente (direito positivo) não poderia
contrariar o essencial e imutável (direito natural). Nessa medida, o essencial e
imutável fundamento teórico do direito natural se dava a partir de uma justificação:
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metafísica moderna trata, mas determina igualmente a sua forma. Isso, porque
Deus, como ente criador, é a causa e o fundamento de todo ente. O “como”, o
“modo de questionar” é orientado, antecipadamente, por esse princípio. Da mesma
maneira, o matemático não é apenas forma atribuída a um conteúdo cristão, mas
pertence igualmente ao seu conteúdo, na medida em que o “cogito” se torna
princípio último de todo saber, o eu, e, por consequência, o homem assume uma
posição sem precedentes, no interior deste questionar acerca do ente, e “não
designa apenas um domínio entre outros, mas sim aquele domínio para o qual
todas as metafísicas reenviam e do qual todas elas saem”.6
coisa previamente dada, mas que dá a si mesmo o que nela está. “O que nela está
é eu ponho; sou aquele que põe e pensa”7 o direito. É desse modo, assevera
Kaufmann, que se postulava a possibilidade de se “estabelecer uma ordem
jurídica, que, tal como a imutável razão dos homens, teria caráter universal, ou
seja, seria necessariamente válida para todos os homens e para todos os tempos
(...) a partir de alguns muito poucos e abstractos, princípios fundamentais do
direito”.8 Neste momento, ingressamos, de maneira radical, nos fundamentos
matemáticos da metafísica.
Nesse sentido, o vínculo entre direito e filosofia é tão estreito que o conteúdo e
a forma do direito natural modificam-se na medida em que se altera o fundamento
metafísico que aparece de modo predominante na antiguidade clássica, na Idade
Média e na Modernidade. De comum, todos eles guardam o fato de afirmarem o
fundamento na compreensão de uma totalidade que está para além dos limites do
conhecimento: o mundo (cosmologia); Deus (teologia); e o homem (psicologia).
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1
.Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. Dicionário de política. Brasília: Ed.
UnB, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2000, vol. 1, p. 655 e 656.
2
.Idem, p. 656.
3
.Cf. Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito no contexto da crise global da
filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003,
p. 24.
4
.Cf. Arthur Kaufmann. Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas. In:
______; Winfried Hassemer (orgs.). Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2002, p. 37.
5
.Cf. Martin Heidegger. Que é uma coisa? Doutrina de Kant dos princípios transcendentais. Lisboa:
Ed. 70, 1972, p. 112. Neste sentido conferir também Martin Heidegger. Ser e verdade. Trad.
Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 51 et seq.
7
.Cf. Simone Goyard-Fabre. Filosofia crítica e razão jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2006,
p. 12.
10
.Ernildo Stein. Racionalidade e existência. Uma introdução à filosofia. Porto Alegre: L&PM, 1988,
p. 21.
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Kant fez filosofia do direito na sua Doutrina do Direito. Nela, se tem a tentativa
de colocar a reflexão jurídica nos trilhos dos limites impostos à Metafísica pela
reflexão transcendental. Mas o que significa isso? Para compreender a filosofia do
direito kantiana, é preciso perceber como ela se insere no contexto mais amplo de
seu projeto filosófico como um todo, ou seja, como Kant pretende oferecer limites à
metafísica, instalando os procedimentos crítico-transcendentais da razão pura. A
partir da realização desses procedimentos, o autor via como superada a metafísica
e preparado o caminho para uma filosofia colocada nos trilhos de uma certeza
matemática.
Média, essa tríade aparecia da seguinte maneira: Deus como criador; mundo como
criado; o homem e sua salvação eterna. Na modernidade, a soma desse traço
medieval com a matematicidade ínsita ao pensamento moderno, colocou também
a metafísica a partir dos princípios da razão.
Desse modo, a metafísica sobre Deus se tornou teologia, mas teologia racional;
a teoria do mundo, cosmologia racional; e a teoria do homem tornou-se psicologia
racional. Essas seriam, portanto, as últimas questões da metafísica, afirmadas a
partir da razão pura do iluminismo e do humanismo. Para Kant, no plano da razão
pura, essas questões só são viáveis no âmbito do como se, ou seja: se a razão
pura pudesse conhecer o todo representado nessas questões, o que ela
pesquisaria? Definitivamente, para Kant, não seria conhecimento, pois não há
experiência humana possível de captar esses entes.
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Mas o que fará Kant, então, para fundamentar racionalmente o direito? Qual
será a tarefa da filosofia do direito, já que a dupla intencionalidade da iuris naturalis
scientia se perdeu junto com a coisa em si? Por que continuamos a afirmar,
mesmo com Kant, uma totalidade metafísica para a fundamentação do direito?
(...) Para a filosofia crítica, o importante não é que o direito deite suas raízes na
natureza racional do homem (a totalidade metafísica do direito natural moderno –
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acrescentei), mas que encontre sua fundação e sua legitimação no caráter a priori dos
princípios universais aos quais recorre a razão prática em todas suas manifestações.
Assim, é por uma verdadeira conversão epistêmica que o criticismo de Kant, nisso
despertado pela meditação de Rousseau, pretende transformar, logo seguido por
Fichte nessa empreitada, o significado e o alcance seculares da noção de direito
natural ao desvelar o a priori da racionalidade pura que está no fundamento do
direito.19 Grifos do autor.
11
.Isso não significa que Kant repudiasse o empirismo inglês tout court. Ao contrário, hoje já se sabe
que os autores ingleses, de Hobbes a Hume, influenciaram substancialmente a obra kantiana a
ponto de se falar atualmente na Alemanha em o Outro da razão, numa referência ao empirismo
inglês como elemento oculto presente na Critica da razão pura de Kant. Todavia, seu profundo
enraizamento no racionalismo do Aufklärung, nunca lhe permitiu libertar-se completamente das
pretensões de totalidade e unidade da razão que no contexto da sua crítica se manifesta no eu
transcendental. Quanto a isso é importantíssimo o Capítulo “a Diferença Ontológica e os Vetores
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.Ernildo Stein. Melancolia. Ensaios sobre a finitude do pensamento ocidental. Porto Alegre:
Movimento, 1976, p. 108.
14
.Assim afirma Kant na introdução da Crítica: “O que é mais significativo ainda (do que as
precedentes considerações) é o fato de certos conhecimentos saírem do campo de todas as
experiências possíveis e, mediante conceitos, aos quais a experiência não pode apresentar objeto
correspondente, aparentarem estender os nossos juízos para além de todos os limites da
experiência. É precisamente em relação a estes conhecimentos, que se elevam acima do mundo
sensível, em que a experiência não pode dar um fio condutor nem correção, que se situam as
investigações da nossa razão, as quais, por sua importância, consideramos eminentemente
preferíveis e muito mais sublimes quanto ao seu significado último, do que tudo o que o
entendimento nos pode ensinar no campo dos fenômenos. Por esse motivo, mesmo correndo o
risco de nos enganarmos, preferimos arriscar tudo a desistir de tão importantes pesquisas,
qualquer que seja o motivo, dificuldade, menosprezo ou indiferença. (Estes problemas inevitáveis
da própria razão pura são Deus, a liberdade e a imortalidade e a ciência que, com todos os seus
requisitos, tem por verdadeira finalidade a resolução destes problemas chama-se metafísica.
O seu proceder metódico é, de início, dogmático, isto é, aborda confiadamente a realização de tão
magna empresa, sem previamente examinar a sua capacidade ou incapacidade)” (Immanuel Kant.
Op. cit., introdução – grifamos).
15
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.Assim anota Ernildo Stein citando Jacobi: “Sem a coisa em si não se entra na Crítica da razão
pura e com a coisa em si não se pode permanecer nela” (Cf. Ernildo Stein. Pensar é pensar a
diferença... cit., p. 173).
16
.Assim também afirma Kaufmann quando diz que “ele (Kant) provou não ser possível deduzir o
conteúdo de uma metafísica – de um direito natural – simplesmente a partir de princípios formais
apriorísticos, sem recorrer ao empírico, e que, por isso, uma metafísica com conteúdo jamais
poderá ter validade universal e ser matematicamente exata. Deste modo, foi rejeitada a pretensão
de se poder fundar, a partir da ‘natureza’, um direito natural com um conteúdo inequívoco igual
para todos os homens e para todos os tempos. Esta descoberta de Kant é incontornável” (Arthur
Kaufmann. Introdução à filosofia do direito... cit., p. 98 – grifamos).
17
.Idem, p. 74.
19
.Idem, p. 149.
20
.Cf. Ernildo Stein. Melancolia. Ensaios sobre a finitude do pensamento ocidental. Porto Alegre:
Movimento, 1976, em especial o ensaio intitulado: “A ontologia da finitude e a Tarefa da Verdade
na era do Niilismo”, p. 102-116.
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Por certo, colocar as questões dessa maneira seria, de certo modo, simplificar
demais o complexo quadro que se instalou não apenas no momento subsequente
ao final da segunda guerra, mas a todo período de crise pelo qual passaram a
filosofia e o direito desde os anos 1920.
No entanto, num sentido mais radical, o direito natural já havia sido superado
por Kant, paradigma filosófico a partir do qual Radbruch assenta sua reflexão sobre
o direito. Isso fica claro quando o próprio Kaufmann afirma que Radbruch, tal como
Kelsen, era kantiano, na medida em que só considerava possíveis proposições
apriorísticas, inequívocas, concludentes do ponto de vista da forma, não quanto ao
conteúdo. Mas, enquanto por essa razão Kelsen se cingia ao formal, Radbruch
filosofava também sobre conteúdos, em especial sobre valores.24 Isso leva,
evidentemente, à configuração de um relativismo axiológico.
Nessa medida, Castanheira Neves afirma que, com Radbruch começa a ter
expressão algo que podemos nomear como “neojusnaturalismo”, só que não mais
cosmológico; teológico; ou psicológico (que, como vimos, foram destruídos pela
crítica kantiana), mas, sim, axiológico, fundado na leitura neokantiana da razão
pura prática da escola de Baden. Desse modo, temos um direito fundado a priori
não no cosmos, nem na vontade de Deus, nem na universalidade da razão, mas,
simplesmente, na própria essência objetiva dos valores. E arremata Castanheira
Neves: “pensamento este de uma jusnaturalista afirmação de um superpositivo
conteúdo axiológico ou ético-material (uma pré-dada ordem de valores), enquanto
fundamento constitutivo do direito (...) que repercutia inclusive na jurisprudência
jurisdicional alemã”.25 É importante ressaltar que com fundamento nesse direito
axiológico e supralegal, Radbruch considerava a lei positiva como não direito, nos
casos extremos de violação deste “direito natural dos valores” retirando-lhe, por
isso sua própria validade de direito. Essa posição se tornou famosa como “fórmula
Radbruch” e influenciou consideravelmente Robert Alexy e sua defesa de uma
moral corretiva para o direito.26
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Por certo que toda essa discussão se aprofunda e se torna mais complexa no
interior do chamado pós-positivismo e das diversas posições que ali se manifestam
no sentido de criar anteparos para a atividade do juiz. Dito de outro modo: o que
fazer com a discricionariedade judicial, nos termos que se estabelecem a partir
desta revoada judicialista que toma o direito a partir do segundo pós-guerra? Essa
investigação aponta para o fato de que o cerne desse problema está no conceito
de princípio e que o acontecimento determinante para apresentar como esse
conceito se manifesta deve emergir da estrutura do pensamento. Isto quer dizer
que somente será possível determinar, de uma maneira profícua, em que sentido
podemos colocar o significado desses princípios pragmático-problemáticos, na
medida em que estivermos seguros de que não estamos caindo naqueles
significados já sedimentados pela tradição e por tudo que ela representa. Já
sabemos que, a partir de Kant, procurou-se pensar o direito de um modo não
metafísico. Evidentemente, os princípios também terão que ser pensados nesse
sentido.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
Michel Villey. Formação do pensamento jurídico moderno. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.
22
.Neste sentido ver, por todos, Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José
Lamego. Lisboa: Calouste Gulbekian, 2009, passim.
23
.Idem, p. 154.
25
.Esse elemento corretivo da moral sobre o direito plasmado na “fórmula Radbruch” vem assim
justificada em sua Filosofia do Direito: “O direito é apenas a possibilidade da moral e por isso
mesmo também a possibilidade da imoralidade. Ele torna possível a moral. Não a torna
forçosamente necessária, porque o acto moral, por natureza de seu próprio conceito, não pode ser
senão um acto de liberdade. Mas porque o direito apenas torna possível a moral, por isso mesmo
deve também tornar possível a negação da moral. Desta maneira a relação entre a moral e o
direito apresenta-se-nos como uma relação muito especial. O direito começa por se encontrar ao
lado da moral, mas estranho a ela, diferente dela até, possivelmente, oposto a ela, como acontece
com os ‘meios’ colocados ao lado dos ‘fins’. Posteriormente, como meio para a realização de
certos valores morais, o direito toma, porém, parte no valioso deste fim. Deste modo, embora com
reserva da sua autonomia, é absorvido pela Moral” (Gustav Radbruch. Filosofia do direito. 6. ed.
Coimbra: Universidade de Coimbra, 1979, p. 112-113). Nesse sentido, Robert Alexy traz, em seu O
conceito e a validade do direito, um exemplo retirado de uma decisão do Tribunal Alemão que se
utiliza da fórmula Radbruch para justificar sua decisão de não aplicação de uma lei criada ao
tempo do nazismo e que, por motivos racistas, privava da cidadania alemã judeus emigrados.
Trata-se de um advogado que emigrara de Amsterdam e que havia perdido sua cidadania de
acordo com a lei emitida pelo regime, tendo sido deportado em 1942. Ocorre que, nesse trâmite, o
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advogado acabou por falecer e isso significava a impossibilidade de recuperar a cidadania alemã
de acordo com o art. 16, parágrafo 2, da Lei Fundamental. Mas o Tribunal chega à conclusão de
que o advogado nunca havia perdido a cidadania alemã porque a lei que assim estipulava
era extremamente injusta, sendo, portanto, nula ab initio (Cf. Robert Alexy. El concepto y la validez
del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2. ed. Barcelona: Gedisa, 1997, p. 15 e ss.).
27
.Como afirma Adeodato, “A teoria dos valores de Hartmann segue as linhas básicas da ética de
Max Scheler e teve grande repercussão, sendo até hoje um dos maiores exemplos da doutrina
axiológica objetivista, segundo a qual os chamados valores não são criação humana, mas existem
no universo independentemente de serem ou não realizados, compreendidos ou sequer
percebidos por quem quer que seja”. Apesar de Scheler e Hartmann postularem, na mesma linha
de Radbruch, uma “objetividade dos valores”, é preciso ressaltar que, diferentemente deste, eles
não aceitavam acriticamente a noção de dever puro presente na ética kantiana. Tanto Scheler
como Hartmann criticavam a ética kantiana em pelo menos três pontos principais: o subjetivismo, o
formalismo e o intelectualismo (Cf. João Maurício Adeodato. Filosofia do direito... cit., p. 153 e ss.).
28
.Veja-se, nesse sentido, o que afirma Kaufmann a respeito de Radbruch: “Em contrapartida, a
impressão causada pelo Estado de não direito nacional-socialista nunca levou Radbruch a
desligar-se totalmente do positivismo; ele nunca sacrificou a segurança jurídica como elemento da
ideia de direito a um vago conceito de direito natural. Não existem quaisquer indícios de que
Radbruch alguma vez tenha tido em mente uma renovação da ideia de direito natural ‘clássica’, de
acordo com a qual se pode deduzir todo um sistema de proposições jurídicas objectivas e
eternamente verdadeiras a partir de um conceito substancial de natureza” (Arthur
Kaufmann. Introdução à filosofia do direito... cit., p. 136-137).
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7.2. Juspositivismo
Por fim, mas não menos importante, todo positivismo professa, em alguma
medida, um coeficiente de discricionariedade judicial, no momento de aplicação do
direito à casos especiais – que podem ser chamados, à moda do direito americano,
de casos difíceis (Hard Cases) – que deverão ser decididos pelo julgador
independente de o ordenamento ou o sistema jurídico prever antecipadamente
alguma regulação para o caso.
normativista de Hans Kelsen. Seu objetivo era colocar e responder, de forma mais
precisa, a pergunta: o que é direito?
Essa resposta é procurada por ele a partir de uma atenção à linguagem que os
advogados, juízes, legisladores e os cidadãos em geral utilizam ao referir-se a
assuntos jurídicos, tendo como pano de fundo as análises desenvolvidas pela
filosofia analítica da linguagem de Austin e Wittgenstein.
Num resumo bastante genérico, e nos limites daquilo que interessa a esta obra
introdutória, podemos dizer que Hart assume como pressuposto o fato de que toda
expressão linguística – seja ela jurídica ou não – possui um núcleo duro de
significado e uma zona de penumbra.
Para demonstrar sua tese, Hart formula um exemplo. Vejamos: se uma regra
diz “é proibida a circulação de veículos no parque”, diante das diversas hipóteses
de interpretação, todos estariam de acordo que não se permite a circulação de
automóveis ou caminhões. Apesar disso, haveria dúvida sobre a proibição da
circulação de bicicletas, por exemplo. Neste caso, estaríamos – segundo Hart –
diante de um caso difícil e a solução deveria ser dada a partir de um critério
aproximativo de analogia com os casos de fácil aplicação da regra. Nesse âmbito
aproximativo-analógico, os juízes possuem discricionariedade para escolher a
melhor interpretação.
O sentido limitado oferece poucos problemas para sua definição. Significa que
o poder de escolha daquela autoridade à qual se atribui poder discricionário se
determina a partir da escolha “entre” duas ou mais alternativas. A esse sentido,
Dworkin agrega a distinção entre discricionariedade em sentido fraco e
discricionariedade em sentido forte, cuja determinação é bem mais complexa do
que a discricionariedade em sentido limitado.
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Desse modo, alguém que possua poder discricionário em seu sentido forte
pode ser criticado, mas não pode ser considerado desobediente. Não se pode
dizer que ele cometeu um erro em seu julgamento. É nesse sentido forte da
discricionariedade que Dworkin assenta sua crítica ao positivismo hartiano quando
este afirma ter o juiz poder discricionário, toda vez que uma regra clara e
preestabelecida não esteja disponível.
Ou seja, e aqui citamos expressamente Dworkin, “os padrões jurídicos que não
são regras e são citados pelos juízes não impõem obrigações a estes”.30 Na esteira
de Hart, Dworkin afirma ainda: “quando o poder discricionário do juiz está em jogo,
não podemos mais dizer que ele está vinculado a padrões, mas devemos, em vez
disso, falar sobre os padrões que ele ‘tipicamente emprega’”.31
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Nesse caso, o direito nunca poderia ser analisado numa perspectiva quer
semântica, quer pragmática. Esse fato acaba por produzir um reducionismo na
análise do direito, na medida em que os problemas interpretativos não são
problematizados em análises exclusivamente sintáticas.
Esse ponto está na raiz das críticas que o movimento do direito livre e a
jurisprudência dos interesses farão às teorias positivistas (legalistas). Urge
ressaltar que esses movimentos não deixavam de ser positivistas. Todavia, como
será abordado no capítulo 10, a abordagem por eles proposta possuía um nítido
caráter sociológico.
29
.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da
possibilidade à necessidade de respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
pósfácio, n. 4.2., p. 509.
30
.Ronald Dworkin. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes,
2002, p. 50 e ss.
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31
.Idem, ibidem.
32
.Sobre a questão, ver: Antonio Castanheira Neves. Escola da exegese. Digesta. vol. 2. n. 2. p. 109.
Coimbra: Coimbra Ed., 1995.
34
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Já o positivismo normativista opera uma análise semântico-sintática do direito. Desse modo, o normativismo reconhece o
problema dos múltiplos significados que emanam dos conceitos que compõem o direito e problematiza a relação desses
conceitos com os objetos que compõem o “mundo jurídico”. Assim, um normativista como Kelsen, por exemplo, não exclui a
possibilidade de, no momento de aplicar a norma, os juízes decidirem de mais de uma maneira (desde ajustados à “moldura da
norma”). Todavia, na determinação da validade das normas que compõem o ordenamento, Kelsen opera segundo uma lógica
sintática.
Isso quer dizer a validade da norma inferior pode ser aferida a partir de uma norma superior, sem que sejam
problematizadas questões de conteúdo social, político ou ideológico. A questão se apresenta simplesmente na perspectiva da
forma (lógica formal).
Assim, no normativismo, o direito não é reduzido à lei – como no positivismo legalista. No interior desse tipo de teoria
positivista, o direito é apresentado como um conjunto de normas válidas (sobre o conceito de norma, ver os itens 9.1, 9.5 e 9.7).
Leitura recomendada
Básica
Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. cap. 3.
Intermediária
Luigi Ferrajoli. Principia juris. Teoria del diritto e della democrazia. Roma: Laterza, 2007. vol. 1.
Lenio Luiz Streck. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Revista Novos Estudos Jurídicos. vol. 15. n. 1. p. 158-173.
Itajaí: Univali, jan.-abr. 2010.
Avançada
Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito no contexto global da crise da filosofia. Tópicos para a
possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003.
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Certamente, esse modelo de análise pode ser verificado no âmbito das teorias
pós-postivistas. Com efeito, tais teorias, ao radicalizarem o problema interpretativo
que compõe a experiência jurídica, apontam para uma dimensão de revisão tanto
dos postulados jusnaturalistas quanto dos postulados juspositivistas.
Toda tessitura da presente obra procura explorar a dimensão que trafega por
essa “terceira via” e que, de alguma forma, pode ser encontrada no âmbito do pós-
positivismo. Para mencionar algumas dessas propostas podemos referir à obra de
Ronald Dworkin, Friedrich Müller e Arthur Kaufmann.36
Leitura recomendda
Básica
Intermediária
Avançada
Friedrich Müller. Teoria estruturante do direito. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2011.
35
.Por todo, Cf. Norberto Bobbio. Locke e o direito natural. Brasília: Ed. UnB, 1997, passim.
36
.Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa: Ed. Fundação
Calouste Gulbenkian, 2004, passim; Friedrich Müller. Teoria estruturante do direito. 3. ed. São
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1) O estudo do presente capítulo teve por norte a célebre discussão entre o jusnaturalismo e o juspositivismo que em
termos históricos enceta, talvez, uma das discussões mais profícuas da Teoria do Direito, pois ela permeia todo o ambiente
constitutivo e de aplicabilidade do direito.
2) O fio condutor da abordagem teve a intenção original de propor a análise a partir do fio condutor da filosofia, evitando o
desgaste tradicional de uma análise meramente histórico-cronológica.
3) A proposta foi a de demonstrar que a teoria do direito natural possui seu início na época antiga, já entre os gregos, e
como no decorrer dos tempos foi se projetando com novos enfoques, de modo que, mesmo atualmente, pode-se falar numa
Teoria do Direito Natural. Os enfoques tratados na teoria do direito natural foram, em especial, os seguintes: 1) a de uma lei
estabelecida por vontade da divindade e revelada aos homens; 2) a de uma lei natural em sentido estrito, fisicamente natural a
todos os seres animados à guisa de instinto; 3) a de uma lei ditada pela razão, portanto, específica do homem que a encontra
autonomamente dentro de si.
4) Já com relação ao tema do juspositivismo, abordamos tanto a noção do positivismo legalista, quanto do positivismo
normativista, ratificando os apontamentos feitos com relação ao positivismo jurídico em outras partes da obra, em especial no
capítulo 9.
5) Assim, passamos a nos ocupar da tendência existente no pensamento jurídico de retratar a questão do fundamento a
partir da dicotomia: jusnaturalismo vs. juspositivismo.
6) Diante disso, em nossa análise, procuramos reconstruir as duas perspectivas, tendo por premissa evidenciar a
possibilidade de construção de uma terceira via que reivindique a necessidade de revisão, tanto do jusnaturalismo quanto do
juspositivismo. Essa terceira via pode ser emblematicamente representada pelo modelo de pós-positivismo sobre o qual se
assenta toda a obra.
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distinção entre imediata e mediata não faz mais sentido, haja vista que a própria
jurisprudência tem sido cada vez mais dotada de efeito vinculante, com o intuito de
assegurar sua efetividade. Ademais, alçar a doutrina à fonte mediata (indireta),
porque ela não teria normatividade, faz transparecer que ela deveria ser
considerada fonte de menor prestígio, o que é inaceitável, conforme
demonstraremos em item específico da obra (8.5.3).
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
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O segundo e mais decisivo consistia na própria vontade dos reis franceses, que
sabiam que o direito romano seria instrumento imprescindível para a dominação
de Languedoc e do sul da França, ou seja, o direito romano compreendido e
juridicamente utilizado, rapidamente, convertia-se em perfeito instrumento de
poder.15
restritiva, não poderiam ser utilizados de forma extensiva por meio da analogia e
nem caracterizariam fonte de princípios gerais. Já os países de direito
consuetudinário, não obstante eles não ignorarem o direito romano, conferiam a
ele o caráter de ratio scripta, ou seja, apenas recorriam a ele de forma subsidiária,
depois do esgotamento de todos os meios oferecidos pelo direito consuetudinário
para colmatar lacunas.17
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O terceiro período do common law consiste na formação da equity inglesa a
partir das decisões da Court of Chancery. A equity teve tamanho desenvolvimento
que chegou a concorrer com o próprio common law, tendo ao final incorporado-se
a ele.25
Nesse sentido, Jerome Frank pontua que o common law nunca seria o que é
hoje se não tivesse existido o Tribunal da Chancelaria (equity). Isso porque, graças
à equity, coexistiram duas jurisdições distintas e opostas no mesmo ordenamento,
algo que não poderia ser imaginado por um jurista latino ou germânico. A
importância da equity foi tamanha que Jerome Frank ressalta que apenas seis ou
sete séculos depois dela é que o continente conheceu uma jurisdição fundada na
equidade e boa-fé.27
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De modo geral, Harold Berman ensina que o direito francês (civil law)
diferenciou-se do inglês (common law) no fim do século XIII e no século XIV,
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Vale ressaltar que não é correto apresentar o common law tão somente como
um direito não codificado de base tipicamente jurisprudencial. Em verdade, boa
parte das regras de direito que se aplicam todos os dias na Inglaterra e nos
Estados Unidos são regras sancionadas pelo Legislativo ou pelo poder
administrativo. Inclusive, nos Estados Unidos, chega-se a falar de um fenômeno
designado pelo neologismo de staturification do direito, em alusão ao
termo statute, que significa lei em sentido formal.35
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Já no civil law, por possuir sua formação relacionada ao direito romano
canônico e ao direito alemão medieval entre suas formas de criação legislativa,
destaca-se o Poder Legislativo, alçando a lei a uma posição privilegiada perante as
demais fontes do direito.42
Além da posição ocupada pela legislação em cada um dos sistemas, outro fator
diferenciador a ser apontado é o modelo de aplicação do direito de cada um
desses sistemas, case law vs. code law.
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consagrou o silogismo como forma adequada para aplicação dos casos em que a
lei seria a premissa maior e, por meio da lógica, seria aplicada à premissa menor,
que é o caso jurídico a ser decidido.46
Por fim, uma última característica que distingue as duas tradições diz respeito
ao próprio conteúdo e à natureza dos conceitos jurídicos utilizados, bem como à
forma de raciociná-los. Cannata realça essa diferenciação a partir do próprio
conceito de direito de propriedade, que é apresentado pelo direito romano sob uma
perspectiva individualizada, viés esse desconhecido pelos juristas do common
law inglês.48
Assim, a diferença entre civil law e common law não se resume apenas à
diferente posição das fontes do direito ou então dos processos históricos de sua
formação, o próprio conteúdo jurídico dos institutos jurídicos de cada tradição
jurídica apresenta sensíveis diferenças entre cada um dos sistemas. Outrossim,
diferença marcante entre os dois sistemas é a doutrina de precedentes e o sistema
do stare decisis característicos da tradição do common law (v. item 8.6).
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
James Gordley. Common law v. civil law: una distinzione che va scomparendo?
In: Scritti in onore di Rodolfo Sacco: la comparazione giuridica alle soglie del 3.º
millenio. Milano: Giuffrè Editore, 1994. t. I.
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.Antonio Castanheira Neves. Fontes do direito. In: ______. Digesta: escritos acerca do direito do
pensamento jurídico da sua metodologia e outros. Coimbra: Coimbra Ed., 1995, vol. 2, p. 7-8.
2
.Eurico Heitor Consciência. Breve introdução ao estudo do direito. Coimbra: Almedina, 1997,
n. 5.1, p. 31.
3
.Idem, p. 45.
7
.Idem, p. 49-51.
8
.Idem, p. 56.
9
.Idem, p. 66-67.
11
.H. Patrick Glenn apresenta uma classificação mais sofisticada sobre as diversas tradições
jurídicas, dividindo-as em sete categorias principais: a) chthonic legal tradition, talmudic legal
tradition; civil law tradition; islamic legal tradition, common law tradition, hindu legal tradition e asian
legal tradition. Cf. H. Patrick Glenn. Legal traditions of the world: sustainable diversity in law. 3. ed.
New York: Oxford University Press, 2007. Alguns autores utilizam o termo sistema jurídico, em vez
de tradição jurídica. Contudo, Franz Wieacker alerta que o termo sistema é mais restrito a
determinado ordenamento jurídico que reúna as seguintes características: a) plena compreensão
de todos os elementos de sua classe; b) do ponto de vista externo, está fechado aos elementos
que lhe sejam alheios, ou seja, é autárquico; c) do ponto de vista interno, é coerente e consistente.
Os elementos de tais sistemas podem ser objetos reais, bem como entidades, proposições de fé
de uma teologia sistemática, os axiomas e proposições da geometria euclediana, e, no caso da
Ciência do Direito, os conceitos fundamentais e as normas de um sistema de direito privado. Cf.
Franz Wieacker. Fundamentos de la formación del sistema en la jurisprudencia romana.
Seminarios Complutenses de Derecho Romano (febrero-mayo 1991). Madrid: Facultad de
Derecho, 1992. t. III, p. 11-12.
12
.John Henry Merryman. La tradición jurídica romano-canónica. 2. ed. México: Fondo de Cultura
Economica, 2007, n. I, p. 16-17. Para uma análise mais profunda da questão da tradição como
elemento diferenciador dos diversos sistemas jurídicos, ver: H. Patrick Glenn. Op. cit., p. 1-30.
13
.John Henry Merryman. Op. cit., p. 17. Para uma análise mais profunda sobre conceito de tradição,
ver: H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 1, p. 12 et seq. Para a relação da tradição com mudança, ver: H.
Patrick Glenn. Op. cit., n. 1, p. 23-24.
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14
.Carlo Augusto Cannata. Historia de la ciencia juridica europea. Madrid: Tecnos, 1996, cap. X, n. 1,
p. 165-167. Sobre o tema, ver: R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito
privado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, n. III, p. 43-160.
15
.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. X, n. 1, p. 167. Corroborando a importância do direito
romano para o desenvolvimento do common law, ver: Jerome Frank. La influencia del derecho
europeo continental en el ‘common law’. Barcelona: Bosch Casa Editorial, 1957, p. 15-16.
16
.Idem, ibidem.
18
.René David e Camile Jauffret-Spinosi. Les grans systèmes de droi contemporains. 9. ed. Paris:
Précis, Dalloz, 1988, p. 350 et seq.
19
.H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 234. Nesse ponto é importante destacar, conforme já citamos,
que Cannata também ressalta a utilização do direito romano como instrumento de poder, cf. Carlo
Augusto Cannata. Op. cit., cap. X, n. 1, p. 167.
20
.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. I.3, p. 211-212. Em sentido próximo, Patrick Glenn
enfatiza que a existência de uma jurisdição leal à Coroa cujo intuito era assegurar a prevalência
da king’s peace para diferentes partes do reino constitui traço marcante que individualiza
sobremaneira o common law inglês. H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 226.
21
.H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 228. Interessante notar que o sistema dos writs que
verdadeiramente individualiza o common law inglês dos demais sistemas, uma vez que, na origem,
a atuação do juiz inglês (judge) aproximava-se sobremaneira da atividade do pretor romano;
apesar da profissionalização dos judges, ambos atuavam na instrução e condução do processo,
relegando a terceiros (particulares) a solução da controvérsia. Os particulares seriam
o iudex romano e o júri inglês. H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 227-228 e p. 230.
23
.Idem, cap. XIII, n. III.11, p. 225. Sobre a influência da equity no civil law, conferir: Jerome Frank.
Op. cit., p. 11-12 e p. 21-25.
26
.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. III.11, p. 226. Ver ainda: James Gordley. Common
law v. civil law: una distinzione che va scomparendo? In: ______. Scritti in onore di Rodolfo Sacco:
la comparazione giuridica alle soglie del 3.º millenio. Milano: Giuffrè Editore, 1994. t. I. n. 2, p. 562.
27
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.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. IV.12, p. 228. O Judicature Act entrou em vigor em
1875, tendo sido substituído em 1925 pela Supreme Court of Judicature (consolidation) Act de
1925, que sofreu ainda algumas modificações por meio dos Administration of Justice Acts de 1928
e 1932. Em sua origem, a High Court of Justice continha cinco divisões que conservavam o nome
dos antigos tribunais. Trata-se da Queen’s Bench Division, Chancery Division, Common Pleas
Division, Exchequer Division e, por último, Probate, Divorce and Admiralty Division. Em 1880, as
três Common Law Division (Queen´s Bench, Common Pleas, Exchequer) foram reunidas na
Queen´s Bench Division. Atualmente, as três divisões da High Court são denominadas Queen’s
Bench Division, Chancery Division e Family Division. Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII,
n. IV.12, p. 228.
29
.Por exemplo, o próprio Montesquieu ressalta ter extraído sua percepção acerca da divisão de
poderes a partir da Constituição inglesa. Do mesmo modo, os práticos ingleses que trabalhavam
perante o tribunal da equity, eclesiásticos, e o tribunal de almirantazgo, formaram uma corporação
(Doctor’s Commons), que funcionou do final do século XV até a primeira metade do século XIX.
Esses práticos eram denominados civilians, em oposição aos common lawyers, que trabalhavam
perante os tribunais do common law propriamente dito. Os civilians ingleses conheciam
profundamente o direito continental e, juntamente com os juristas escoceses, foram os mediadores
entre ele e o direito inglês. Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIII, n. IV.16, p. 236.
31
.Sobre o tema, ver: Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro., 3.ª ed., São Paulo: Ed.
RT/Thomson Reuters, 2019, n. 6.1/6.6, p. 1007-1065.
33
.Para uma análise sobre o tema, conferir: James Gordley. Op. cit., p. 561 et seq.
34
.Harold J. Berman. Law and revolution: the formation of the western legal tradition. London:
Harvard University Press, 1983. vol. 1. n. 13, p. 477-478. Sobre o tema, ver: Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 6.
35
.Idem, ibidem.
38
.R. C. Van Caenegem. Legal history. A European perspective. London: Hambledon Press, 1991,
n. 7, p. 170.
39
.H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 244-245. Sobre a questão, ver: R. C. Van Caenegem. Legal
history... cit., n. 7, p. 171-174.
40
.José Ovalle Favela. Op. cit., n. IV, p. 131. Para exame da influência promovida pelo common
law nas demais tradições, ver: H. Patrick Glenn. Op. cit., n. 7, p. 248 et seq.
47
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No século XX, parte da Europa teve seu modelo liberal modificado, isso porque
onde havia práticas constitucionais e parlamentares sólidas, o Estado liberal
manteve-se; contudo, o parlamento oligárquico foi trocado por um parlamento
democrático, dando passos em direção ao Estado-Providência.56
determina a própria retirada da lei do mundo jurídico. Daí a metáfora utilizada por
Kelsen de que a declaração de inconstitucionalidade caracterizaria verdadeiro ato
legislativo com sinal trocado, por conseguinte, nesse modelo de controle, o
Tribunal Constitucional agiria como legislador negativo.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
49
.R. C. van Caenegem. Uma introdução história ao direito constitucional ocidental. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2009, p. 11.
50
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.Carl Schmitt. Teoria de la Constitución. Madrid: Alianza Universidad Textos, 2006, § 6, n. 1, p. 67.
53
.Nicola Matteucci. Organización del poder y libertad, Madrid: Trotta, 1998, n. 2, p. 32-33. Ver ainda:
François Châtelet; Olivier Duhamel e Evelyne Pisier-Kouchner. História das ideias políticas. RJ:
Jorge Zahar, 1997, cap. 2, p. 37-84.
56
.Mario G. Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010, cap. V, vol. 2.
p. 185 et seq.
58
.Ver: Miguel Carbonell. El Neoconstitucionalismo: significado y niveles de análisis, cit., n. I-II,
p. 154-155. Ver também, Susanna Pozzolo. Reflexiones sobre la concepción neoconstitucionalista
de la Constitución. In: Carbonell, Miguel; Jaramillo, Leonardo García (orgs.). El canon
neoconstitucional, cit., p. 165 et seq. Para uma análise da relação entre neoconstitucionalismo e
positivismo, ver: Paolo Comanducci. Il Neocostituzionalismo ideológico. In: Filosofia e realtà del
diritto: studi in onore di Silvana Castignone. Torino: Giappichelli Editore, 2008, p. 141 et
seq. Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 2.4.2, p. 454 et seq.
59
.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 5.3, p. 941 et seq. Maurizio
Fioravanti. Constitución de la antigüedad a nuestros días, Madrid: Editorial Trotta, 2007, n. 3.5,
p. 132 et seq. Sobre o constitucionalismo como mecanismo de limitação do poder, conferir: Nicola
Matteucci. Organización del poder y libertad: história del constitucionalismo moderno, Madrid:
Editorial Trotta, 1998.
61
.Sobre tema, ver: Georges Abboud; Rafael Tomaz de Oliveira. A gênese do controle difuso de
constitucionalidade. Revista de Processo, n. 229, mar. 2014, p. 433 et seq.
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A distinção entre direito público e direito privado tem sua origem nos conceitos
romanistas de ius privatum e ius publicum. O primeiro é relacionado ao interesse
privado da sociedade civil (conjunto dos indivíduos sujeitos privados). Já o
interesse público encontra seu titular e exequente na figura do Estado. Assim, o
direito público pode ser visto como regulador do Estado, enquanto a sociedade civil
seria regulada pelo direito privado.62
Com efeito, a distinção entre direito público e direito privado, em sua origem,
repousa na própria diferenciação entre Estado e sociedade, oriunda do
constitucionalismo monárquico do século XIX, a partir do qual o poder estatal
sustentava a si próprio na figura do monarca; já a sociedade, enquanto instituição,
organizava-se na câmara baixa do parlamento e não era fator de legitimidade do
poder real.67
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totalmente abandonada, uma vez que ela possui aspectos importantes a serem
ressaltados.
Rosa M. A. Nery sublinha que, no plano ideológico, o direito privado deve ser
visto como o ordenamento que possui as regras protetivas do cidadão contra o
Estado e contra o arbítrio de grupos. Ou seja, ele tem por escopo prevenir
ingerências indevidas nas esferas dos particulares e a intromissão arbitrária da
autoridade na liberdade das pessoas.68
Tanto assim é que Rosa M. A. Nery pondera que essas novas categorias de
direito ora podem ser analisadas como direito público, ora como direito privado:
tudo dependerá de qual a finalidade imediata da análise do fato em questão.71
Nesse contexto, para o Estado ser considerado Estado Constitucional ele deve
respeitar a delimitação entre esfera pública e privada, no sentido de que nem todas
as funções públicas são funções estatais (e.g., funções desempenhadas pela
imprensa, igreja e pelos partidos políticos) e, ao mesmo tempo, um Estado em que
algumas funções públicas não podem ser funções sociais (e.g., segurança pública
e defesa nacional).72
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A formulação desses direitos é muito importante, uma vez que: “de acordo com
uma concepção autoritária, o Estado enquanto autoridade não precisa de tais
direitos. Ao invés, dum ponto de vista do Estado de Direito, o Estado não tem
nenhum poder em face do indivíduo que não lhe seja concedido através do Direito.
Estas concepções opostas referem-se também a: (b) direitos subjectivos do
indivíduo em face do Estado. No Estado autoritário, o indivíduo não tem mais
direitos, em especial não pode intentar ações contra Estado, no Estado de Direito,
pelo contrário, existe uma cláusula de geral jurisdição administrativa: se alguém for
lesado nos seus direitos pelo Poder Público, poderá recorrer à via judicial”.80
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Urge ressaltar que não se está afirmando que todo sistema jurídico necessita
da presença do direito subjetivo para se desenvolver. Contudo, em virtude do
desenvolvimento social e histórico, e da consolidação do Estado Constitucional, o
sistema jurídico não pode mais ignorar a instituição do direito subjetivo, sob o risco
de tornar-se sistema autoritário em que a figura central do direito deixa de ser o
indivíduo e passa a ser o próprio Estado. Nessa concepção, o Estado deixa de ser
instrumento e instituição promovedora e asseguradora de direito e passa a
constituir-se um fim em si mesmo, função essa que não se coaduna com a atual
quadra da história que consolidou o Estado Constitucional e a presença dos
direitos fundamentais.
62
.Ana Prata. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almedina, 1982, n. 1.2, p. 28.
Ver ainda: Miguel Nogueira Brito. Sobre a distinção entre direito público e direito privado. In:
______. Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia. Lisboa: Faculdade da
Universidade de Lisboa, 2010, vol. I. n. 1, p. 43-45.
63
.Paul Jörs e Wolfgang Kunkel. Derecho privado romano. Barcelona: Editorial Labor, 1937, § 32,
p. 78. Nesse sentido, é a definição de Ulpiano (D. 1,1,1,2): ius publicum est, quod ad statum rei
Romane spectat; privatum, quod ad singulorum utilitatem spectat.
64
.António Menezes Cordeiro. Teoria geral do direito civil. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 1994. vol. 1,
p. 12. Rosa Maria de Andrade Nery. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito
privado. São Paulo: Ed. RT, 2008, n. 44.1, p. 172; Miguel Nogueira Brito. Op. cit., n. 4, p. 63.
66
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.Peter Häberle. El Estado constitucional. Buenos Aires: Editorial Ástrea de Alfredo y Ricardo
Depalma, 2007, § 2º, p. 83.
71
.Peter Häberle. A dignidade humana como fundamento da comunidade estatal. In: Sarlet, Ingo
Wolfgang (Org.). Dimensões da dignidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 128-129.
74
.Massimo La Torre. La lucha contra el derecho subjetivo: Karl Larenz y la teoría nacional socialista
del Derecho. Madrid: Dykinson, 2008, n. VII.3, p. 351.
77
.Ver: Rudolf Von Jhering. A evolução do direito. 2. ed. Salvador: Livraria Progresso Editora, n. 159,
p. 276.
78
.Idem, ibidem.
83
.Idem, ibidem.
84
.Idem, p. 356.
86
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Desse modo, cabe especificar, como bem ensina Garcia Herrera, que o Estado
Democrático de Direito, em uma perspectiva garantista, está caracterizado não
apenas pelo princípio da legalidade formal, que subordina os poderes públicos às
leis gerais e abstratas, mas também pela legalidade substancial, que vincula o
funcionamento dos três poderes à garantia dos direitos fundamentais.90
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críticos, o Estado não pode atuar como terceiro neutro perante conflitos
estabelecidos entre as razões individuais dos particulares e as razões da
autoridade pública da burocracia do Estado.116
87
.Jorge Miranda e Rui Medeiros. Constituição portuguesa anotada, 2. ed. Coimbra: Coimbra Ed.,
2010, Const. Port. 18, t. I, p. 319.
89
.Luigi Ferrajoli. Pasado y futuro del estado de derecho. In: Carbonell, Miguel
(Org.). Neoconstitucionalismo(s). 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 13 e 18.
90
.Miguel Angel Garcia Herrera. Poder judicial y Estado social: legalidad y resistencia constitucional.
In: Perfecto Andrés Ibáñez (org.). Corrupción y Estado de Derecho – El papel de la jurisdicción.
Madrid: Editorial Trotta, 1996, p. 71.
91
.Sobre a vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, ver: Wilson Steinmetz. A
vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004.
92
.Cf. Thomas Fleiner; Alexandre Misic e Nicole Töpperwien. Swiss constitutional law. Berne: Kluwer
Law International, 2005, n. 466, p. 153.
93
.Jorge Reis Novais. Direitos como trunfos contra a maioria – Sentido e alcance da vocação
contramajoritária dos direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. In: Clève,
Clèmerson Mèrlin; Sarlet, Ingo Wolfgang; Pagliarini, Alexande C. (orgs.). Direitos humanos e
democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 90.
94
.O modelo historicista de fundamentação das liberdades proposto por Fioravanti não remete,
necessariamente, para o historicismo filosófico alemão. Com efeito, a proposta de análise de
Fioravanti simplesmente pretende apontar para o caráter de continuidade histórica que existe no
contexto da formação dos direitos no espaço anglo-saxão
(ao contrário, por exemplo, do modelo francês, de cunho nitidamente ruptural). Veja-se o exemplo
da revolução gloriosa, cujo escopo fundamental consistia justamente na restauração da legalidade
parlamentar já vigente, enquanto a revolução francesa tinha como principal intuito romper
totalmente com a legalidade vigente, a fim de instituir uma nova (revolucionária). Já o historicismo
filosófico – que se forma no contexto do romantismo alemão, desaguando em Dilthey – tem
características fundamentalistas (no sentido da fundamentação inconcusum, no nível filosófico do
pensamento), além de apostar em elementos nacionalistas. Sobre o modelo historicista de
fundamentação das liberdades, cf. Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1,
n. 1, p. 26-34. Para um aprofundamento crítico sobre a questão do historicismo, cf. Ernildo
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Stein. Racionalidade e existência. 2. ed. Ijuí: Unijuí, 2008, epílogo, p. 127-134. Ver também: Hans-
Georg Gadamer. Verdade e método. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, n. 1.2., p. 335 et seq.
97
.Importante destacar que a Carta Magna inglesa de 15.07.1215 pode ser considerada como
modelo e origem das modernas Constituições liberais. Sobre essa questão, ver: Carl
Schmitt. Teoria de la Constitución. Madrid: Alianza Universidad Textos, 2006, § 6º, n. 1, p. 67.
99
.Cf. John Locke. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Ver também:
Clarence Morris (org.). Os grandes filósofos do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, n. 6 (John
Locke), p. 152-153. Comentando a obra de Locke, ver: Jean-Jacques Chevallier. As grandes obras
políticas de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. São Paulo: Agir, 2001, 2.ª Parte, cap. I, p. 103-117.
Ver, ainda: François Châtelet, Olivier Duhamel e Evelyne Pisier-Kouchner. História das ideias
políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, cap. II, n. 2 D, p. 57-60.
100
.Idem, ibidem.
105
.Sobre a relação das teorias contratualistas e a proteção dos direitos individuais, ver: Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.3, p. 830 et seq. Ian Shapiro. Op. cit., n. 5.1,
p. 145-147.
106
.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.2.1, p. 828 et seq.; Maurizio
Fioravanti. Los derechos fundamentales… cit., cap. 1, n. 2, p. 37.
107
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.Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1, n. 2, p. 41; Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.3, p. 830 et seq.
110
.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.3, p. 830 et seq., p. 338. Maurizio
Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 1, n. 2, p. 43-44.
113
.Ver: Maurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales... cit., cap. 3, n. 2, p. 120. Ver: Georges
Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 4.4, p. 833 et seq. Para uma crítica aos vínculos
estatalistas existentes na vertente teórica da instrumentalidade do processo, conferir: Georges
Abboud e Rafael Tomaz de Oliveira. O dito e o não dito sobre a instrumentalidade do processo:
críticas e projeções a partir de uma exploração hermenêutica da teoria processual. Revista de
Processo. n. 166. p. 47-59 (n. 3.2-3.3). São Paulo: Ed. RT, 2008.
116
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
Miguel Nogueira Brito. Sobre a distinção entre direito público e direito privado.
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia. Lisboa: Faculdade da
Universidade de Lisboa, 2010. vol. I.
117
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.Para teorização sobre restrições a direitos fundamentais, ver: Georges Abboud. O mito da
supremacia do interesse público sobre o privado – A dimensão constitucional dos direitos
fundamentais e os requisitos necessários para se autorizar restrição a direitos
fundamentais. Revista dos Tribunais. vol. 907. p. 61. São Paulo: Ed. RT, 2011.
120
.Idem, p. 108-109.
123
.Cf., em especial, a introdução feita por Bartolomé Clavero para a obra de Nicola
Matteucci. Organización del poder y libertad: historia del constitucionalismo moderno. Madrid:
Editorial Trotta, 1998, p. 9-21. Sobre o tema, merece destaque o artigo elaborado por Rafael
Tomaz de Oliveira. A Constituição e o estamento: contribuições à patogênese do controle difuso de
constitucionalidade brasileiro. In: Streck, Lenio Luiz; Barreto, Vicente de Paula; Culleton, Alfredo
Santiago (orgs.). 20 anos de Constituição: os direitos humanos entre a norma e a política. São
Leopoldo: Óikos, 2010, n. 2.1, p. 221.
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16/01/2022 16:45 Thomson Reuters ProView - Introdução ao Direito - Ed. 2022
8.4. Lei
Para conceito inicial sobre a lei, deve-se utilizar a oposição; desse modo, a lei
será aquilo que se opõe ao costume e à jurisprudência. Essa distinção
fundamenta-se na própria teoria da separação dos poderes. Assim, a lei é o
produto do ato legislativo por excelência, não podendo ser confundido com o ato
administrativo (Executivo), nem com a jurisprudência (Poder Judiciário).127
Arthur Kaufmann ensina que a lei sempre esteve presente na história do próprio
direito, ocorre que somente no século XIX é que ela alcançou seu apogeu.
Diversos fatores contribuíram para isso, merecendo destaque a complexidade da
sociedade, que criou economia mais desenvolvida, tornando-se necessária uma
maior segurança jurídica, cujo alcance seria possível com a própria lei, que
continha racionalidade e sua fórmula era geral e abstrata.128 Nesse ponto, o
conceito de legislação fundava-se no paradigma positivista.
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Entretanto, a lei não possui aspecto apenas formal, ela contém dimensão
política em sua composição, sendo, portanto, insuficiente caracterizá-la sob o
aspecto estritamente formal. Assim, a lei, dentro do Estado de Direito, deve possuir
certas características: a regulação deve ser razoável e possuir caráter
geral.132 Com efeito, em seu aspecto material, a lei possui conteúdo político porque
ela significa a concretização de uma vontade e de um mandado. Na monarquia, é a
concretização da vontade do rei, na democracia, é a representação da vontade do
povo.133
Portanto, a lei deve ser vista como o texto normativo geral e abstrato produzido
pelos órgãos legislativos, constitucionalmente fixados. Ademais, em sua
formulação, a lei deve ser razoável e geral, a fim de promover a igualdade dos
cidadãos. Desse modo, a lei não pode ser utilizada como instrumento em favor do
governo, do contrário, a lei não assegurará a liberdade, mas tão somente o regime
absolutista do monarca ou de eventual maioria.134
Portanto, a Constituição é essencial para a vida do Estado, porque sem ela não
se saberia quais são os órgãos supremos de um Estado, como se formam, como
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expressam sua vontade e que limites possuem, e, por fim, como se situam os
particulares nessa organização política, quais são seus direitos perante o Estado.
Daí, atualmente, ser impensável um Estado sem Constituição, bem como
Constituição sem Estado.139
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Ocorre que, se em algum instante a lei for contrária ao que prescrevem esses
princípios fundamentais (constitucionalmente assegurados), ela deverá ser
controlada, mediante o controle de constitucionalidade das leis, seja difuso, no
caso concreto, ou em sede concentrada pelo STF. Dessarte, a Constituição
estabelece o fundamento de validade e os limites da realização da própria lei, o
que a impede de com ela ser confundida.
126
.Para uma crítica a essa concepção ver: Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 9.I, p. 201-204.
127
.Maria Lúcia Amaral. A lei na história das ideias. Pequenos apontamentos. In: ______. Estudos em
homenagem ao Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral. Coimbra: Almedina, 2010, n. I, p. 380.
128
.Idem, ibidem.
130
.Idem, ibidem.
132
.Ressaltando a generalidade como característica fundamental da lei, ver: Arthur Kaufmann. Op.
cit., n. 9.III, p. 214.
133
.Idem, p. 159. Ver, ainda: Fábio Konder Comparato. Precisões sobre os conceitos de lei e de
igualdade jurídica. Revista dos Tribunais. vol. 750. p. 16-17. São Paulo: Ed. RT, abr. 1998.
135
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.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 2.4.1, p. 452 et seq. Maurizio
Fioravanti. Constitución de la antigüedad a nuestros días. Madrid: Editorial Trotta, 2007, nº 3.5,
p. 132 et seq. Sobre o constitucionalismo como mecanismo de limitação do poder, conferir: Nicola
Matteucci. Op. cit.
138
.Idem, n. 3.5, p. 142.
140
.Na realidade, o direito inglês antes do século XX já possuía diversos aspectos democráticos e um
constitucionalismo desenvolvido, apesar de não possuir uma Constituição escrita nos parâmetros
das que foram desenvolvidas no século XX. Em virtude de sua complexidade e riqueza, o
constitucionalismo inglês mereceria análise pormenorizada e separada, o que não se enquadra
nas finalidades do presente texto.
141
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A súmula vinculante não pode ser confundida com o precedente judicial típico
do common law. Ela apresenta, ao menos, quatro diferenças fundamentais em
relação ao precedente, no que se refere ao seu modo de aplicação, ao alcance, à
teleologia e ao âmbito de vinculação.146
144
.O termo “súmula” como pequeno texto jurídico tem sua gênese desde o próprio direito romano.
Essa explicação pode ser obtida a partir da leitura da seguinte passagem de Mário Losano: “[e]ssa
progressiva separação do texto latino assume também uma forma concreta: as glosas, originadas
por oposição ao texto latino, são separadas dele e publicadas de forma autônoma. Nascem assim
as listas de lugares paralelos, ou contrários, que se referem a um mesmo instituto jurídico mas
estão dispersas por todo o Corpus iuris; são chamados de summulae, e nelas o glosador expõe
um argumento jurídico específico, também de uma certa amplitude. Nessa obra de síntese e de
esclarecimento, diminui o valor dos verba justinianos, que são substituídos por formulações mais
fáceis e adequadas às novas exigências: os famosos brocharda, expressos dos princípios gerais
implícitos (mas não expressos) no Corpus iuris. Muitas summulae são reunidas em
uma summa, que é a reexposição autônoma de um livro ou também de uma parte da compilação
justiniana”. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. 1,
p. 52-53.
146
.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 6.8.2, p. 1078 et seq. Ver, ainda:
Georges Abboud. Súmula vinculante versus precedente: notas para evitar alguns enganos. Revista
de Processo. n. 165. p. 218. São Paulo: Ed. RT, nov. 2008.
147
.Idem, p. 371-372.
151
.Georges Abboud. Processo constitucional brasileiro, cit., n. 6.8.3, p. 1092 et seq. Sobre as
características do assento que demonstram seu caráter legislativo, ver: Antonio Castanheira
Neves. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais. Coimbra: Coimbra Ed.,
1983, n. 1, p. 91.
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urgência e relevância, que não são indispensáveis para a legislação, e seu órgão
prolator é o Poder Executivo.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
152
.Friedrich Müller. Medidas provisórias no Brasil e a experiência alemã. In: Grau, Eros Roberto;
Guerra Filho, Willis Santiago (orgs.). Estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo:
Malheiros, 2001, p. 339-341.
153
.Apenas para se ter uma ideia da grandeza dos números, é possível afirmar que: em termos
gerais, depois da EC 32, de 11.09.2001 até 23.12.2011, foram editadas 556 medidas
provisórias. Até a data de 06.09.2001, foram editadas 2.220 medidas provisórias.
154
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Ocorre que aqueles que operam com a linguagem jurídica nem sempre se
preocupam em precisar o sentido com que estão operando no momento em que
fazem uso do conceito de princípio. Incorre-se, assim, em uma confusão
decorrente do uso aleatório do conceito.
155
.Em outro momento já tivemos a oportunidade de analisar de forma mais amiúde o problema da
indeterminação do conceito de princípio. Nesse sentido, Cf. Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão
judicial e o conceito de princípio. Op., cit., em especial, o capítulo 1.
156
.Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São
Paulo: Malheiros, 2011, passim.
157
.Por todos, Cf. Robert Alexy. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, em
especial, capítulo I.
158
.Cf. Marcelo Neves. Entre Hidra e Hércules. Princípios e regras constitucionais. São Paulo: Martins
Fontes, 2013, passim.
159
.Cf. Ronald Dworkin. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002, modelos de
regras I e II; Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso. Op., cit., passim.
160
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O tempo histórico que conforma o uso desse conceito é o mesmo daquele verificado para os princípios gerais do direito.
Todavia, o espaço de experiência é distinto. Dessa forma, o tipo de expectativa que se gera desse uso do conceito de princípio
difere nitidamente daquele observado anteriormente.
Em primeiro lugar, os princípios gerais do direito possuem uma clara intencionalidade aplicativa. Vale dizer, eles se propõem
a resolver um problema de aplicação do direito a casos concretos apresentados em que, aparentemente, não existe nenhuma
regra clara disponível no sistema para resolvê-los. Já os princípios jurídico-epistemológicos intencionam dirigir e organizar o
estudo de uma disciplina científica particular do direito.
No século XIX, inaugura-se também um movimento de autonomização de diversas disciplinas no estudo do direito. A ciência
jurídica que até então englobava todo o estudo do direito – principalmente o direito privado – passa a adotar “filhotes”, que
demarcaram as particularidades de uma série de especialidades que não apareciam no espaço de experiência dos juristas
medievais e dos primeiros representantes da modernidade jurídica.
O processo, por exemplo, antes um apêndice dos estudos sobre o direito privado, passa a ser estudado autonomamente
com pretensões de instituir uma ciência autônoma: a ciência processual. As disciplinas de direito do Estado (Constitucional,
Administrativo e Tributário) passam, igualmente, por um processo de autonomização com relação à filosofia política e aos
precários estudos sobre o “direito público”, reivindicando, igualmente, o status de ciência.
A ideia de ciência, aqui, não está ligada à aplicação de um método experimental, mas, sim, à ideia de sistema. A questão é
estudar, de forma autônoma e sistemática, cada uma dessas disciplinas.
Todas essas disciplinas, sem exceção, irão recorrer ao conceito de princípio para organizar e sistematizar os seus
conteúdos. Porém, nesse caso, a preocupação é com o estudo e a análise dos temas cobertos por cada uma dessas disciplinas
e não necessariamente com uma reposta a um problema de aplicação do direito. Esse último aspecto pode até aparecer no
campo de análise, porém, esse será um efeito indireto. A função primordial do conceito de princípio aqui é de natureza
epistemológica: organizar o estudo de uma disciplina jurídica específica.
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No contexto das transformações que se verificam na teoria jurídica a partir do final da Segunda Guerra Mundial, também o
conceito de princípio sofre, ao mesmo tempo, um processo de ruptura no contexto de espaço e experiência e horizonte de
expectativa, levando à abertura de novas dimensões significacionais.
Nesse caso, os princípios – agora associados à Constituição e a toda sua carga política de conformação de uma nova
sociedade e da possibilidade de instituição de um melhor governo, limitado e respeitador dos direitos fundamentais – passam a
incorporar um elemento pragmático muito forte. Há uma semelhança de intencionalidade com relação aos princípios gerais do
direito. Ambos atuam num contexto de aplicação do direito. Todavia, a composição metodológica do conceito de princípio geral
do direito é axiomático-dedutiva, ao passo que os princípios constitucionais são fortemente pragmáticos.
Por conta da proximidade entre esses dois usos do conceito de princípio, é importante conferirmos aqui uma análise mais
amiúde dos princípios gerais do direito em contraste com os princípios constitucionais.
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De tudo o que foi dito anteriormente, fica claro que na análise das diversas
possibilidades de uso do conceito de princípio faz-se necessário estar atento para
as descontinuidades significativas e para o aparecimento de novos fatores a
compor um novo espaço de experiência e horizonte de expectativa.
Nesse sentido, Lenio Streck afirma existir uma ruptura paradigmática entre os
princípios constitucionais e os princípios gerais do direito. Os primeiros não podem
simplesmente ser considerados sucedâneos dos outros.161
Do mesmo modo que a nova perspectiva acerca da teoria das fontes do direito,
a análise dos princípios constitucionais deve ser iniciada a partir dos movimentos
históricos que se seguem depois do fim da Segunda Guerra Mundial e são
decisivos para o direito e para as teorias jurídicas que se desenvolveram no
continente a partir de então. No direito, a radicalização do dirigismo constitucional
na Alemanha e na Itália, bem como a ampliação do campo da intervenção jurídica
no tecido social, acirrou a tensão entre política e direito. A consagração de
Tribunais Constitucionais ad hoc para fiscalizar a constitucionalidade das leis fez
com que novos problemas metodológicos fossem tematizados pela teoria jurídica
e, dessa maneira, os estudos sobre interpretação passaram a ocupar, cada vez
com mais proeminência, um lugar de destaque nas obras produzidas nesse
período.170
Nessa medida, dá-se uma radical mudança com relação ao direito que, em
última análise, trará consigo propostas jusfilosóficas dispostas a repensar o sentido
do direito e seus vínculos com o comportamento humano concreto. Isso importa
em não tratá-lo mais como um sistema fechado, construído abstratamente a partir
de modelos epistemológicos fundados na subjetividade e modelados conforme os
padrões matemáticos de conhecimento (v. Item 10.2.1). Para Castanheira Neves,
esse era o tempo de se afirmar a autonomia do direito, mas de um modo diverso
daquele que afirmou a autonomia dogmática do positivismo “numa forte tentativa
da sua superação, justamente em nome de uma autonomia do direito de outro
sentido e mais profunda que diferenciava não apenas objetivo-formalmente o
jurídico do político, mas, axiológico-materialmente no seu sentido e na sua
intencionalidade” (sobre esse ponto, v. Item 8).171
Desse modo, para legitimar suas decisões e, ao mesmo tempo, não reafirmar
as leis nazistas, o Tribunal passou a construir argumentos fundados em princípios
axiológico-materiais, que remetiam para fatores extra legem de justificação da
fundamentação de suas decisões. Afirmava-se, portanto, um direito distinto da lei.
Mas não bastava isso, era preciso criar instrumentos que permitissem justificar,
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Aqui cabe perceber uma coisa: a atenção se desloca – tal qual diz Esser176 – do
elemento abstrato-sistemático para a atividade concreta do juiz, que, no contexto
da jurisprudência dos valores, deixa de ter o caráter de uma simples atividade de
dedução de conceitos – parte da estrutura sistemática da ordem jurídica – e passa
a ser colocada na necessidade de justificação judicial diante da providência e
comprobabilidade dos critérios supralegais de valoração que surgem como
elementos constitutivos da normatividade jurídica.
161
.Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito no contexto global da crise da
filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação. Coimbra: Coimbra Ed., 2003,
p. 108.
164
.Conferir: Mario G. Losano. Sistema e estrutura no direito: das origens à Escola Histórica. São
Paulo: Martins Fontes, 2008, vol. 1, n. I.II, p. 52-53. Nesse ponto, já tivemos a oportunidade de
apresentar os princípios gerais do direito.
165
.Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão judicial e o conceito de princípio. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008, n. 1.1.1 e 1.3.
166
.In verbis: “[a] expressão o (matemático) tem sempre dois sentidos: significa, em primeiro lugar, o
que se pode aprender do modo já referido e somente desse modo; em segundo lugar, o modo do
próprio aprender e do proceder. O matemático é aquilo que há de manifesto nas coisas, em que
sempre nos movimentamos e de acordo com o qual as experimentamos como coisas e como
coisas de tal gênero. O matemático é a posição-de-fundo em relação às coisas que se nos
propõem, a partir do modo como já nos foram dadas, têm de ser dadas e devem ser dadas. O
matemático é, portanto, o pressuposto fundamental do saber acerca das coisas”. Martin
Heidegger. Que é uma coisa? Doutrina de Kant dos princípios transcendentais. Lisboa: Ed. 70,
1972, p. 81-82.
167
.Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado. 9. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2012, coment. Prelim. 12, p. 230.
168
.É nesse contexto que aparecem as diversas teorias jurídicas que, de alguma maneira, privilegiam
o momento retórico-argumentativo do raciocínio jurídico. Entre tais teorias, destacam-se: a tópica
de Viehweg; a nova retórica de Chaïn Perelman; a teoria da pré-compreensão jurídica de Esser; o
pensamento analógico de Arthur Kaufmann; a metódica estruturante de Friedrich Muller; a teoria
integrativa de Ronald Dworkin e a teoria da argumentação de Robert Alexy. Em todas essas obras,
a questão dos princípios aparece como ponto central das discussões. No Brasil, Lenio Luiz Streck
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tem explorado exaustivamente essa questão, principalmente no que atina à tensão legislação-
jurisdição. Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso, passim.
171
.Idem, ibidem.
173
.Autores como José Lamego se referem a esse contexto histórico como o período da “perda das
certezas do pensamento jurídico”, em explícita referência à crise das certezas matemáticas das
concepções até então vigentes (cf. José Lamego. Hermenêutica e jurisprudência.Análise de uma
Recepção. Lisboa: Fragmentos, 1990, p. 80 e ss.). A despeito disso, existem trabalhos que
pretendem compatibilizar esse aspecto valorativo e problemático introduzido pela
chamada jurisprudência dos valores numa estrutura de coerência e dedutibilidade inerente à ideia
de sistema. Esse é o caso de Canaris que, apoiado numa visão da evolução metodológica no
domínio do direito privado alemão, procura definir o sistema jurídico como uma “ordem axiológico-
teleológica de princípios jurídicos gerais”. Desse modo, professa a ideia do direito como um
“sistema aberto” tal como ele é entendido nos quadros da jurisprudência dos valores, em
contraposição ao sistema fechado e estático postulado pelo pensamento conceitual-sistemático
que se ancorava nos pressupostos filosóficos do modelo axiomático-dedutivista que predominava
no ambiente dos chamados princípios gerais do direito. Cf. Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão
judicial... cit., n. 1.1.1. (Cf. Claus-Wilhelm Canaris. Pensamento sistemático e conceito de sistema
na ciência do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, passim).
174
.Nesse sentido, cf. Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego. 5. ed.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009, em especial p. 163-182; Arthur Kaufmann. Op. cit., p. 124-126;
Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito... cit., p. 37-42.
175
.São importantes nesse sentido o que assevera Esser: “El precepto moderno del sistema
continental ha de ser ‘aplicable’, es decir, precisado en su alcance y modo de operación por medio
de criterios que un cuerpo de funcionarios ha de establecer, en forma comprobable, como dados o
no dados. Ya aquí aparece la distancia que separa el concepto continental de ‘norma’ del
angloamericano de rule: en ésta el juez no es un funcionario a los efectos de una acción
burocráticamente organizada. En la terminología de Max Weber, tendría las notas de una forma de
soberanía tradicional, no las de una forma burocrática. Esto basta para explicar la razón de que
para el pensamiento jurídico continental la diferencia entre principio y norma mucho mayor que,
para la concepción del common law, la distancia entre principle y rule” (Josef Esser. Principio y
norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado. Barcelona: Bosch Casa Editorial,
1961, p. 66).
176
.De se consignar que a má utilização ou o uso descriterioso dos princípios constitucionais tende a
gerar grande insegurança jurídica e perda da autonomia do direito. Lenio Streck, com a perspicácia
que lhe é habitual, denominou esse uso equivocado dos princípios no Brasil
de pampricipiologismo. Ver: Lenio Streck. Verdade e consenso... cit., posfácio, n. 5, p. 517 et seq.
179
.Sobre a dimensão histórica e social dos princípios, ver: Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão
judicial... cit., introdução; em especial, nota 8.
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Por exemplo, o art. 188, II, do CC/2002 determina que o perigo iminente
caracteriza excludente de ilicitude. A expressão “perigo iminente” engloba conceito
legal indeterminado, todavia, uma vez preenchido, a solução para sua aplicação é
determinada pela própria lei e consiste, justamente, na exclusão da ilicitude. Essa
consequência, expressamente prevista na lei, não está presente nas cláusulas
gerais.
ordem jurídica para a solução do caso, uma vez que essa solução não estará
predefinida na lei.185
Sobre o tema, é preciosa a lição de Marcelo Neves, ao dispor que “não se deve
confundir a questão da imprecisão com a questão da discricionariedade em sentido
estrito. A imprecisão semântica, nas formas de ambiguidade (conotativa) e
vagueza (denotativa), implica, a partir primariamente do significado do texto e do
seu âmbito de referência, a incerteza cognitiva em relação à norma a aplicar”.186
Hoje em dia, não se pode mais admitir a utilização desses elementos para fazer
com que o magistrado possa alcançar a decisão que quiser. Ou seja, esses
institutos não podem ser manejados como inputs para que o juiz traga sua vontade
e sua discricionariedade para solucionar o caso jurídico. Do contrário,
converteríamos, tal como fizeram os juristas do III Reich, o Poder Judiciário em
poder constituinte permanente, desdiferenciando o político do jurídico.
Leitura recomendada
Básica
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Intermediária
Avançada
180
.Karl Larenz. Op. cit., p. 310-312 e especialmente p. 407 e p. 410. Ver, ainda: Judith Martins Costa.
As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema jurídico. Revista dos Tribunais.
vol. 680. p. 50 et seq. São Paulo: Ed. RT, jun. 1992.
181
.Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado... cit., coment. prelim.
14, p. 230.
182
.Idem, ibidem.
183
.Franz Wieacker. História do direito privado moderno. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010, p. 545-546.
184
.Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado... cit., coment. prelim.
12, p. 230.
185
.Marcelo Neves. Entre Hidra e Hércules. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 13.
187
.Bernd Rüthers. Derecho Degenerado. Teoria jurídica y juristas de câmara en el Tercer Reich.
Madrid: Marcial Pons, 2016, p. 54.
189
.Ibidem, p. 117.
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8.6. Jurisprudência
190
.Por sua vez, o termo inglês “jurisprudence” aproximar-se-ia mais à noção romana, como observa
J. Gilissen, Op. cit., p. 90.
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“Iuris prudentia est divinarum atque humanarum rerum notitia, iusti atque iniusti
scientia” = “Jurisprudência é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a
ciência do justo e do injusto”.196
Esse trabalho técnico dos juristas teria conformado uma “fonte doutrinária” do
direito.204 Nas Institutas, Gaio, jurista do século II d. C., arrola os responsa dos
jurisconsultos entre as fontes dos iura populi Romani (isto é, os direitos do povo
romano):205 “Constat autem iura populi Romani ex legibus, plebiscitis, senatus
consultis, constitutionibus principum, edictis eorum qui ius edicendi habent,
responsis prudentium” = “As fontes do direito, para o povo romano, são as leis, os
plebiscitos, os senatus-consultos, as constituições imperiais, os editos emanantes
daqueles que estão providos do direito de promulgá-los, os pareceres dos
jurisconsultos”.206
O surgimento da iurisprudentia romana remonta aos anos de 451 e 449 a.C.,
época das Doze Tábuas, podendo ser considerada a etapa subsequente da
jurisprudência pontifical (momento em que a decisões eram atribuídas aos
sacerdotes). A jurisprudência romana surge depois do fenômeno lento de
laicização da jurisprudência pontifical e, apesar de poder exercer a mesma função,
o jurista laico exercia a justiça em seu próprio nome, e não em virtude de pertencer
a um colégio sacerdotal ou à comunidade religiosa.208
192
.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. I, n. II, p. 18. Esse tema está mais pormenorizadamente
tratado em: Georges Abboud. Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito
vinculante: a ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de
precedentes, In: Arruda Alvim Wambier, Teresa (org.). Direito jurisprudencial. São Paulo: Ed. RT,
2012, passim.
193
.De rigor lembrar que somente mais de mil anos depois da organização das coleções por
Justiniano Dionysio Gothofredo teve a ideia de compilar as quatro coleções justinianeias e batizar
de Corpus Juris Civilis essa coletânea da integralidade do Direito Romano, formada
pelas Institutas, pelo Digesto (Pandectas), pelo Codex e pelas Novellæ. Assim, a
denominação Corpus Juris Civilis não foi dada à coletânea por Justiniano, mas por Gothofredo.
Dionysio Gothofredo JC. Corpus Juris Civilis – In quatuor partes distinctum. Francofurti ad Mœnum:
Hieronymus Polichius, 1663, passim.
195
.Cf., v.g., S. A. B. Meira. Curso de direito romano – História e fontes. São Paulo: Saraiva, 1975,
p. 170-171.
196
.Idem, p. 17.
198
.Cf. B. Schmidlin e C. A. Cannata. Droit privé romain I – Sources – famille – biens. 2. ed. Lausanne:
Payot, 1984, p. 31.
199
.Cf. B. Schmidlin e C. A. Cannata. Droit privé romain I – Sources – famille – biens. 2. ed. Lausanne:
Payot, 1984, p. 31.
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200
.Cf. Pomp. l. sing. enchir., D. 1, 2, 2, 6 in fine; A. Guarino. L’esegesi delle fonti del diritto romano I.
Napoli: Jovene, 1968, p. 105, para quem a referência do texto de Ulpiano “divinarum atque
humanarum rerum notitia” diria respeito, propriamente, a essa atividade dos pontífices.
201
.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. II, n. I, p. 22. Cumpre esclarecer que o termo jurista utilizado
no texto corresponde à função exercida, em regra, por membro da aristocracia romana que iniciou
o exercício profissional do direito, o que não quer dizer que não possa existir, em outras culturas, a
figura de um consultor jurídico religioso presente também em determinados momentos na
Antiguidade. Contudo, esse consultor não poderia equiparar-se à figura do jurista do direito
romano.
202
.Cf. Luiz Carlos Azevedo. Introdução à história do direito. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2007, cit.,
p. 67.
205
.Nesse catálogo das principais fontes do direito, sem pretensão de sistematização, seriam
reconhecíveis três grupos: (a) as fontes legais (leis, plebiscitos e senatus-consultos), (b) editos dos
magistrados (em primeiro lugar, aquele dos pretores) e, finalmente, (c) a obra dos juristas,
precisamente, os seus pareceres (responsa). Cf. B. Schmidlin e C. A. Cannata. Op. cit., p. 22-23.
207
.Cf. T. Marky. Curso elementar de direito romano. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 20.
208
.Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. IV-V, n. II, p. 29-31. Dessa forma, como ressaltam B.
Schmidlin e C. A. Cannata, a iurisprudentia romana permaneceu sempre, em sua tradição milenar,
em movimento, jamais se cristalizando em um cego stare decisis, nem em deduções more
geométrico, e, por fim, nem mesmo em um exagerado conceptualismo. Op. cit., p. 40.
209
.Idem, ibidem.
211
.Idem, ibidem.
212
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O fato de a doutrina não ser dotada de efeito vinculante expresso, tal como
possui a lei, por exemplo, não deve desmerecer sua posição como importante
fonte do direito. A força vinculante da doutrina advém da obrigatoriedade de se
motivar as decisões judiciais contidas no inc. IX do art. 93 da CF/1988. Em
outros termos, na quase totalidade dos casos, a decisão judicial não estará
devidamente fundamentada se não estiver utilizando a doutrina como fundamento
e mecanismo de análise do texto legal perante o caso concreto.
214
.Mário Ferreira dos Santos. Diccionário de filosofia e ciência culturais. São Paulo: Matese, 1963.
vol. 2, verbete: doutrina, p. 518.
215
.“Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do STJ, assumo a
autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal
importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de
Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos
estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso
consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto
Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria
de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do STJ, e a doutrina que
se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos
aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a
declaração de que temos notável saber jurídico – uma imposição da Constituição Federal. Pode
não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha
investidura obriga-me a pensar que assim seja” (STJ, AgRg no EDiv no REsp 279889/AL, 1.ª
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Seção, j. 27.08.2003, m.v., rel. p/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, voto do
relator, DJU 28.10.2003, p. 184). Criticando essa decisão, Lenio Luiz Streck destaca que: “[j]á
como preliminar é necessário lembrar – antes mesmo de iniciar estas reflexões no sentido mais
crítico – que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete quer que ele seja. Portanto, o
direito não é aquilo que o Tribunal, no seu conjunto ou na individualidade seus componentes,
dizem que é. A doutrina deve doutrinar, sim. Esse é o seu papel. Aliás, não fosse assim, o que
faríamos com as mais de mil faculdades de direito, os milhares de professores e os milhares de
livros produzidos anualmente? E mais: não fosse assim, o que faríamos com o parlamento, que
aprova as leis? E, afinal, o que fazer com a Constituição, ‘lei das leis’”. Lenio Luiz Streck. O que é
isto – Decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. n. 2,
p. 25. Sobre nosso posicionamento acerca da polêmica, ver: Georges Abboud. Processo
constitucional brasileiro, cit., n. 6.10, p. 1119 et seq.
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Isso ocorre porque a ação é caracterizada pelo seu pedido; caso se permita a
algum tribunal realizar a alteração do pedido, autorizando-se, por conseguinte, que
esse modifique a ação. Permitir-se essa teratologia é admitir que o tribunal, de forma
transversa, inicie processo ex officio, porquanto pode alterar o pedido, ou seja,
estabelecer nova ação.221
Tanto é que José Carlos Barbosa Moreira considera a motivação das decisões
judiciais garantia constitucional do cidadão inerente ao Estado Democrático de
Direito.223
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“Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”227
Apesar de sua forte relação com o art. 97 da CF/1988, a colegialidade
configura elemento que deve ser ínsito a todas as modalidades de decisões dos
Tribunais, o que pontua a obrigatoriedade de refletirmos com maior atenção às
recentes reformas legislativas que têm praticamente fulminado a colegialidade,
conferindo cada vez mais poderes ao relator, transformando o julgamento dos
tribunais em monocráticas (v.g., art. 932, inc. IV, do CPC).
216
.Por exemplo, devido à jurisprudência do Parlamento de Paris, vários princípios do Coutume de
Paris vieram a formar o direito comum francês. Cf. R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica
ao direito privado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, n. 51, p. 134.
217
.R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado, cit., n. 51, p. 134.
218
.Cf. Francisco Fernandez Segado. La jurisdiccion constitucional en España. In: ______; Belaunde,
Garcia (orgs.). La jurisdiccion constitucional en Iberoamerica. Madrid: Dykinson, 1997, p. 668. Ver:
Georges Abboud. Jurisdição constitucional... cit., n. 2.5, p. 122.
220
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221
.José Carlos Barbosa Moreira. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado
de Direito. Temas de direito processual civil: segunda série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 95. Nesse
sentido, merece destaque a seguinte passagem de Liebman: “[e]m um estado-de-direito, tem se
como exigência fundamental que os casos submetidos a Juízo sejam julgados com base em fatos
provados e com aplicação imparcial do direito vigente; e, para que se possa controlar se as coisas
caminharam efetivamente dessa forma, é necessário que o juiz exponha qual o caminho lógico que
percorreu para chegar à decisão a que chegou. Só assim a motivação poderá ser uma garantia
contra o arbítrio. Seria de todo desprovida de interesse a circunstância de o juiz sair à busca de
outras explicações que não essa, ainda que eventualmente convincente”. Enrico Tullio Liebman. Do
arbítrio à razão reflexões sobre a motivação da sentença. Revista de Processo. vol. 29. p. 80. São
Paulo: Ed. RT, jan.-mar. 1983.
224
.“The national courts must, however, indicate with sufficient clarity the grounds on which they based
their decision” (Hadjianastassiou v. Greece, 16.12.1992, Série A, v. 52, p. 16, § 39). Disponível em:
[www.iidh.ed.cr/comunidades/libertadexpresion/docs/le_europeo/hadjianastassiou%20v.%20greece.htm].
Acesso em: 27.12.2012.
225
.Corte Interamericana de DDHH: “el deber de motivación es una de las ‘debidas garantías’ incluidas
en el artículo 8.1 [ser ouvido por tribunal independente, imparcial e competente] para salvaguardar el
derecho a un debido proceso” Apitz Barbera e outros vs Venezuela (sentença de 05.08.08).
Disponível em: [www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_182_esp.pdf]. Acesso em:
27.12.2012.
226
.Michele Taruffo. La motivazione della sentenza civile. Padova: Cedam, 1975, especialmente cap. 6,
p. 406-407.
227
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228
.Guido Alpa. La creatività della giurisprudenza. Studi in memória di Alessandro Giuliani. Napoli:
Edizioni Scientifiche Italiane, 2001, t. I, n. 3, p. 8.
230
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Com isso, não se está afirmando que no common law é permitido ao
magistrado negar-se a cumprir a lei. Ocorre que essa tradição jurídica é mais
aberta e flexível quanto a essa questão, justamente em virtude da posição e da
função exercida pela lei, que, além de não ser considerada a principal forma de
manifestação e desenvolvimento do próprio direito, atua de forma mais restrita,
respeitando a terminologia jurídica e as divisões tradicionais das matérias.234
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231
.Javier Solís Rodrígues. La jurisprudencia en las tradiciones jurídicas. In: Cienfuegos Salgado,
David; López Olvera, Miguel Alejandro (orgs.). Estudios en homenaje a Don Jorge Fernández
Ruiz. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 2005, n. II, p. 326-327.
232
.Sobre a questão, Lenio Streck pontua que somente em hipóteses específicas é permitido ao
Poder Judiciário desvincular-se do texto legal. In verbis: “a) quando a lei (ato normativo) for
inconstitucional, caso em que deixará de aplicá-la (controle difuso de constitucionalidade strictu
sensu) ou a declarará inconstitucional mediante controle concentrado; b) quando for o caso de
aplicação dos critérios de resolução de antinomias. Nesse caso, há que se ter cuidado com a
questão constitucional, pois, v.g., a lex posterioris, que derroga a lex anterioris, pode ser
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inconstitucional, com o que as antinomias deixam de ser relevantes; c) quando aplicar a
interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung), ocasião em que se torna
necessária uma adição de sentido ao artigo da lei para que haja plena conformidade da norma à
Constituição. Neste caso, o texto de lei (entendido na sua literalidade) permanecerá intacto; o que
muda é o seu sentido, alterado por intermédio de interpretação que o torne adequado a
Constituição; d) quando aplicar a nulidade sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne
Normtextreduzierung), pela qual permanece a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a
sua incidência, ou seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade de determinada(s)
hipótese (s) de aplicação (Anwendungsfälle) do programa normativo sem que se produza alteração
expressa do texto legal. Assim, enquanto na interpretação conforme há uma adição de sentido, na
nulidade parcial sem redução de texto ocorre uma abdução de sentido e) quando for o caso de
declaração de inconstitucionalidade com redução de texto, ocasião em que a exclusão de uma
palavra conduz à manutenção da constitucionalidade do dispositivo”. Lenio Luiz Streck. Verdade e
consenso... cit., posfácio n. 6, p. 605-606.
233
.Jerome Frank. Op. cit., p. 19-20. Carlo Augusto Cannata. Op. cit., cap. XIV, n. I, p. 238. Javier
Solís Rodrígues. La jurisprudencia en las tradiciones jurídicas… cit., n. II, p. 328.
235
.Teresa Arruda Alvim Wambier. Interpretação da lei e de precedentes civil law e common
law. Revista dos Tribunais. vol. 893. p. 34. São Paulo: Ed. RT, mar. 2010.
238
.Idem, ibidem.
240
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Nessa perspectiva, não se pode perder de vista que o stare decisis é mais do
que a aplicação da regra de solução análoga para casos iguais, pois essa seria
uma visão muito simplificada de um procedimento altamente complexo que por
séculos se estruturou naquelas comunidades. De acordo com Harold Berman, a
regra antes mencionada (likes cases should be decided alike) já era usada
pelas royal courts da França e da Inglaterra, o que não se confundia com o stare
decisis.241
A doutrina do stare decisis, em sua acepção técnica, surgiu apenas mais tarde,
mediante uma sistematização das decisões, que distinguia entre holding e dictum.
A holding seria a elaboração/construção (holding) do caso que consistiria no
precedente e seria vinculante para casos futuros; já o dictum consistiria na
argumentação utilizada pela corte dispensável à decisão e, desse modo, não era
vinculante.242
Harold Berman afirma que o termo precedente foi utilizado pela primeira vez em
1557.244 A doutrina dos precedentes consiste em teoria que alça as decisões
judiciais à fonte imediata do direito, junto à equidade e legislação. Dessa maneira,
a doutrina dos precedentes vincula as Cortes no julgamento dos casos análogos.
Essa doutrina, para ser aplicada, demanda dos juízes a avaliação de quais razões
jurídicas foram essenciais para o deslinde das causas anteriores. Os fundamentos
jurídicos que foram imprescindíveis para solução da demanda constituem
a holding; já o que não foi essencial é mera dictum, que deve ser desconsiderada
no julgamento dos casos futuros. Todavia, uma vez detectada a holding, ela
constituirá a rule of law que vinculará a solução dos casos futuros.245
A referida doutrina dos precedentes não pode ser confundida com a estrita
doutrina do stare decisis que surgiu no século XIX, na qual a realização de um
determinado caso é tratada como obrigatória em um tribunal no julgamento de um
caso semelhante mais tarde. A doutrina do stare decisis origina-se da doutrina dos
precedentes, contudo, ela almejava fazer com maior clareza a distinção entre
a holding e a dictum. Todavia, a doutrina dos precedentes estava mais vinculada
ao costume dos juízes e consistia em uma linha de casos, em vez de apenas uma
única decisão que poderia ter efeito vinculante, conforme admite o stare decisis.248
Destarte, o stare decisis pode ser conceituado como a designação dada para
descrever o desenvolvimento que a doutrina dos precedentes do common
law obteve no século XIX, tanto nas cortes da Inglaterra quanto nos Estados
Unidos. Antes disso, essa doutrina não se consolidou, conforme anota Thomas
Lundmark, em razão da inexistência de fonte confiável de reprodução das decisões
judiciais.249
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241
.Idem, ibidem.
243
.Inverbis: “This principle was not ironclad; in 1557, in perhaps the first recorded use of the term
‘precedent’, a case was reported in which it was said that judgement was given, ‘notwithstanding
two presidents. Moreover, the principle was largely confined to procedural matters, including
matters of judicial competence, and was probably related to the necessity of maintaining lines of
separation between the jurisdiction of the common law courts and that of the other types of courts”.
Harold J. Berman. Op. cit., n. 9, p. 273-274.
245
.Harold J. Berman. Op. cit., n. 9, p. 274. A doutrina de Harold Berman também é ilustrativa para
evidenciar a primeira distinção entre dictum e holding. Inverbis: “[t]he earliest attempt to develop
the distinction between dictum and holding was that of Chief of Justice Vaughan of the Court of
Common Pleas in 1673. Vaughan stated: ‘an opinion given in Court, if not necessary to the
judgment … but … [the judgment] might have been as well given if no such or a contrary opinion
had been broached, is no… more than a gratis dictum’. Vaughan did not consider, however, that the
holding in any particular case was necessarily to be followed in subsequent cases. ‘If a judge
conceives a judgment given in another Court to be erroneous’, Vaughan stated, ‘he being sworn to
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judge according to law, that is, in his conscience, ought not to give like judgment’”. Harold J.
Berman. op. cit., n. 9, p. 274.
246
.Idem, ibidem.
248
.Idem, ibidem.
249
.Thomas Lundmark. Soft stare decisis: the common law doctrine retooled for Europe. Richterrecht
und Rechtsfortbildung in der Europäischen Rechtsgemeinschaf. Tübingen: Mohr Siebeck, 2003.
n. IV, p. 166.
250
.António Castanheira Neves. O instituto dos assentos e a função jurídica dos supremos tribunais.
Coimbra: Coimbra Ed. 1983. n. 1, p. 12.
251
.Sobre o tema, ver: Geoffrey Marshall. What is binding in a precedent. In: Maccormick, Neil;
Summers, Robert S.; Goodhart, Arthur L. (org.). Interpreting precedents. England: Ashgate, 1997,
p. 503 et seq.
252
.Michele Taruffo. Precedente e giurisprudenza. In: Mac-Gregor, Eduardo Ferrer; Lelo de Larrea,
Arturo Zaldívar (org.). Estudios en homenaje a Héctor Fix-Zamudio en sus cincuenta años como
investigador del derecho. México: Marcial Pons, 2008. t. V, n. III. p. 801. Referido artigo foi
atualmente traduzido por André Luis Monteiro; Arruda Alvim e Teresa Arruda Alvim Wambier,
publicado na Revista de Processo. vol. 199. p. 139. São Paulo: Ed. RT, set. 2001.
253
.Cf. Antonio Castanheira Neves. O instituto dos assentose a Função Jurídica dos Supremos
Tribunais, Coimbra, 1983, n. 2, p. 60. Para conceito de precedente, ver: Nesse sentido, Alessandro
Pizzorusso. Le sentenze dei giudici costituzionali tra diritto giurisprudenziale e diritto
legislative. Estudios en homenaje à Héctor Fix-Zamudio. México: Universidad Autonoma de
Mexico, 2008. n. III, p. 558. Adotando nosso posicionamento, conferir: Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery. Constituição Federal comentada e legislação extravagante, cit., coments.
7-9 CF 103-A, p. 665-666.
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Rosa Maria de Andrade Nery salienta que a noção de equidade não pode ser
devidamente compreendida se não for analisada conjuntamente com o conceito
grego de epiqueia. Isso porque: “a equidade é o estado de igualdade, de harmonia,
que às vezes se vê comprometido e precisa ser restaurado; a epiqueia é um
esforço hermenêutico de quem analisa a desarmonia comprometida/perdida de
uma situação jurídica”.261
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254
.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 10.II, p. 232. Ver, ainda: Mário Ferreira dos Santos. Op. cit.,
verbete justiça, p. 831.
255
.Nicola Abbagnano. História da filosofia. Trad. António Borges Coelho, Franco de Sousa e Manoel
Patrício. 5. ed. Lisboa: Presença, 1991, n. XI, § 81, p. 234-235.
256
.Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 10.II, p. 232. Ver, ainda: Mário Ferreira dos Santos. Op. cit.,
verbete justiça, p. 831.
257
.Aristóteles assim define o conceito de equidade: “(...) A justiça e a equidade são, pois, o mesmo.
E, embora ambas sejam qualidades sérias, a equidade é a mais poderosa. O que põe aqui
problemas é o fato da equidade ser justa, não de acordo com a lei, mas na medida em que tem
uma função retificadora da justiça legal. O fundamento para tal função retificadora resulta de,
embora toda a lei seja universal, haver, contudo, casos a respeito dos quais não é possível
enunciar de modo correto um princípio universal. Ora nos casos em que é necessário enunciar um
princípio universal, mas aos quais não é possível aplicá-lo na sua totalidade de modo correto, a lei
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tem em consideração apenas o que se passa o mais das vezes não, não ignorando, por isso, a
margem para o erro mas não deixando, contudo, por outro lado, de atuar menos corretamente. O
erro não reside na lei nem no legislador, mas na natureza da coisa: isso é simplesmente a matéria
do que está exposto às ações humanas”. Aristóteles. Ética a Nicômaco. Trad. António de Castro
Caeiro. São Paulo: Atlas, 2009, livro V, n. 10, p. 124-125. Arthur Kaufmann. Op. cit., n. 10.III,
p. 233.
259
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8.9. Costume
Todavia, não obstante o costume ter perdido sua importância, ele deve ser
considerado elemento do direito positivo vigente (somente o
costume secundum e praeter legem), ainda que não esteja escrito, isso porque
“sua positividade não reside, no entanto, num acto estadual de criação do direito,
mas sim na prática duradoura e reiterada duma regra, ligada à vontade comunitária
de vigência jurídica (o direito consuetudinário existe sobretudo no direito social do
trabalho)”.271
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Orlando Gomes. Introdução ao Direito Civil, 19 ed., Rio de Janeiro: Forense,
2008, n. 21.
Intermediária
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264
.R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes,
2000, n. 24, p. 50-51.
265
.Orlando Gomes. Introdução ao direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, n. 21, p. 39-40.
266
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1) O estudo da teoria das fontes do direito possui uma visão tradicional que foi explorada na obra, sendo
identificadas suas principais características. Entretanto, o maior objetivo do capítulo foi a ideia de uma revisitação
dessa visão tradicional, pois uma interpretação diferenciada pós-positivista do direito demanda, necessariamente, uma
diferente compreensão da teoria das fontes jurídicas em relação ao paradigma positivista.
2) Evidenciamos que, de modo tradicional, a doutrina identifica como fontes do direito: a lei, o costume, a
jurisprudência e a doutrina, sendo que o costume e a lei são considerados como fontes diretas porque influenciam a
própria formação do direito, enquanto a doutrina e a jurisprudência seriam fontes mediatas porque seriam modos de
revelação do direito.
3) Consequentemente, a pretensão foi a de demonstrar como esses conceitos estão ultrapassados, uma vez que
diversos outros institutos podem ser considerados fontes do direito, tal como as súmulas vinculantes, medidas
provisórias e precedentes judiciais, porque a distinção entre imediata e mediata não faz mais sentido, haja vista que a
própria jurisprudência tem sido cada vez mais dotada de efeito vinculante, com o intuito de assegurar sua efetividade,
e, ainda, porque o fato de alçar a doutrina à fonte mediata porque ela não teria normatividade faz transparecer que ela
deveria ser considerada fonte de menor prestígio, o que é inaceitável.
4) O entendimento exarado foi o de que atualmente, em razão da Constituição, a teoria das fontes do direito deve
ser revisitada sob o paradigma pós-positivista que não mais confunda a norma com o texto normativo e que esteja apto
a trabalhar a dimensão principiológica do direito.
5) Para explicarmos a proposta, todos os conceitos elementares foram trabalhados e ainda foi feita uma análise do
ponto de vista dos sistemas jurídicos tradicionais, civil law e commom law, evidenciando vários equívocos cometidos
pela doutrina e como ambos devem ser tratados.
6) Antes de tratarmos da diferenciação entre direito público e direito privado, demonstramos que o direito
desenvolvido depois da Segunda Guerra Mundial superou aquela máxima: desde que respeitados os procedimentos
formais, todo conteúdo poderia ser direito. Assim, mesmo uma lei formalmente regular passou a ter seu conteúdo/sua
materialidade controlada pelo Poder Judiciário, quando contrária ao texto constitucional.
8) Também foi tratado no presente capítulo sobre a clássica distinção entre direito público e direito privado e a
necessidade de sua revisão diante do fenômeno do constitucionalismo. A par de identificar a visão tradicional sobre a
dicotomia público/privado, a ideia foi demonstrar como atualmente é necessário superar o dualismo entre público e
privado da forma como colocado pela doutrina tradicional e, com apoio na doutrina alemã, como o tema deve passar
fundamentalmente pelos contornos constitucionais dos direitos fundamentais.
9) Além dos elementares conceitos sobre a teoria das fontes e da dicotomia entre direito público e privado, foi
também apresentada a teoria do direito subjetivo e como essa se desenvolveu durantes os tempos. Conclusivamente,
sobre o tema, defendemos que, embora não seja todo sistema jurídico que necessite da presença do direito subjetivo
para se desenvolver, em virtude do desenvolvimento social e histórico e a consolidação do Estado Constitucional, o
sistema jurídico não pode mais ignorar a instituição do direito subjetivo, sob o risco de tornar-se sistema autoritário em
que a figura central do direito deixa de ser o indivíduo e passa a ser o próprio Estado.
10) Por fim, a temática foi a dos direitos fundamentais, quase nunca rigorosamente tratada pela doutrina brasileira.
Exploramos inicialmente que os direitos fundamentais (Grundrechte) constituem, na atualidade, o conceito que engloba
os direitos humanos universais e os direitos nacionais dos cidadãos. Apostamos na perspectiva de que o
constitucionalismo consagrou a formulação amplamente difundida de que, atualmente, não são mais os direitos
fundamentais que se movem no âmbito da lei, mas a lei que deve mover-se no âmbito dos direitos fundamentais.
11) Isso demonstra o modo como os direitos fundamentais asseguram ao cidadão uma posição jurídica subjetiva de
fazer valer seu direito perante o poder público, independentemente de lei ordinária regulamentadora do direito
fundamental, ou ainda se a lei for deficiente e inadequada.
12) Destarte, sobre os direitos fundamentais, defendemos que esses não devem ser compreendidos apenas na
dimensão do texto constitucional; isso porque a positivação desses direitos é fruto do desenvolvimento histórico da
sociedade e da evolução do próprio constitucionalismo, que tem como uma de suas funções principais a regulação
[controle] do poder e, consequentemente, a preservação dos direitos fundamentais.
13) Sequentemente, foi tratado o conceito de princípio jurídico, alertando-se para uma separação entre os princípios
gerais do direito e os princípios jurídico-constitucionais, de forma que uns não podem ser simplesmente considerados
como sucedâneos dos outros. Os princípios gerais do direito são topois argumentativos e consistem em sistematização
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de métodos e regras utilizadas para a solução de antinomias, em grande parte advindas da evolução do próprio direito
privado, enquanto os princípios constitucionais oferecem espaços argumentativos que permitem controlar os sentidos
articulados pelas decisões. Ademais, o conteúdo dos princípios constitucionais não é predefinido por lei, muito menos
pode ser livremente determinado pelos tribunais, isso porque eles são manifestação histórico-cultural que se expressa
em determinado contexto de uma experiência jurídica comum.
14) A lei deve ser vista como o texto normativo geral e abstrato produzido pelos órgãos legislativos,
constitucionalmente fixados. Ademais, em sua formulação, a lei deve ser razoável e geral, a fim de promover a
igualdade dos cidadãos. Desse modo, a lei não pode ser utilizada como instrumento em favor do governo, do contrário,
a lei não assegurará a liberdade, mas tão somente o regime absolutista do monarca ou de eventual maioria.
15) Não se pode confundir a lei como fonte do direito com a própria Constituição Federal. A segunda, apesar de
estabelecer todas as etapas necessárias do processo legislativo, não pode ser equiparada à própria lei. A Constituição
estabelece a formação do próprio Estado (o Constitucional) e, além disso, racionaliza e limita a soberania e os poderes
constituídos. Com efeito, não há poder legítimo que não esteja previsto na Constituição e que nela não encontre
também seus limites. Ademais, a constituição estabelece princípios fundamentais (v.g., liberdade e igualdade) e direitos
fundamentais que devem ser promovidos e respeitados pelos três poderes, sendo a lei um dos principais instrumentos
para implementá-los.
16) A súmula vinculante possui caráter legislativo, consistente em texto normativo geral e abstrato de aplicação pro
futuro, podendo ser revisada a qualquer momento, nos termos da Lei 11.417/2006, o que não se admite em relação
às decisões judiciais. Contudo, não se pode perder de vista que a súmula vinculante, apesar de possuir as principais
características da legislação, é prolatada pelo Poder Judiciário (STF), e não pelo Legislativo, de modo que possui
natureza normativa geral e abstrata (legislativa), não podendo ser considerada pura e simplesmente legislação, porque
sua produção é realizada pelo próprio STF.
17) A medida provisória, da mesma forma que a legislação, em sua estrutura, possui texto normativo predefinido de
caráter geral e alcance abstrato. Contudo, o objeto da medida provisória é mais restrito que o da legislação, seu órgão
prolator é o Poder Executivo (Presidente da República), outrossim, deverão estar preenchidos os requisitos de urgência
e relevância, sem os quais não poderá ser produzida a medida provisória. Assim, tal como a súmula vinculante, possui
características semelhantes às presentes na lei. Todavia, seu objeto é mais restrito, possuindo os requisitos da
urgência e relevância, que não são indispensáveis para a legislação, e seu órgão prolator é o Poder Executivo.
18) Em nenhuma hipótese as cláusulas gerais e os conceitos legais indeterminados podem ser utilizados como
subterfúgio para o julgador decidir o caso concreto de forma discricionária ou arbitrária. Vale dizer, apesar da maior
vagueza dos textos legais que consagram esses dispositivos, o magistrado deve sempre fundamentar suas
conclusões, tendo em vista que essa é uma obrigatoriedade que advém de mandamento constitucional expresso no
inc. IX do art. 93 da CF/1988.
19) No direito romano, surge o termo ius, que consiste na solução justa do caso concreto, mais precisamente a
situação de fato conforme ao ordenamento jurídico. O que permite o alcance da decisão justa (ius) é a regula iuris,
interpretação a ser obtida a partir das estruturas normativas (lei), que permitem divisar para cada caso sua solução
correta.
20) A doutrina do direito corresponde a todo conhecimento jurídico desenvolvido para ensinar e compreender a
ciência e a teoria do direito. Apesar de ela não ser dotada de efeito vinculante expresso tal como possui a lei, por
exemplo, não deve desmerecer sua posição como importante fonte do direito. A força vinculante da doutrina advém da
obrigatoriedade de se motivar as decisões judiciais contidas no inc. IX do art. 93 da CF/1988.
21) A complexidade da formação e da estruturação da doutrina dos precedentes no sistema do common
law, porquanto sua consolidação, é fruto da evolução histórica, política e filosófica de determinada comunidade, ou
seja, sua criação não é fruto de imposição legislativa. Tanto assim é que não existe nenhuma regra escrita no common
law determinando a obrigatoriedade de se seguir os precedentes, tampouco atribuindo efeito vinculante de maneira
explícita a eles.
22) Em síntese, o precedente se constitui como critério normativo a ser seguido em novos casos nos quais exista
idêntica questão de direito, até porque, se ocorrer a identidade material (fática) e a jurídica, não se tratará de resolução
por precedente, mas, sim, de coisa julgada.
23) Por consistir na justiça do caso concreto, a aplicação da equidade teve maior desenvolvimento no common
law, que é essencialmente direito casuístico. Aliás, já tivemos a oportunidade de demonstrar nesta obra que uma das
principais diferenças entre civil law e common law reside, justamente, na maior recepção que teve a equidade na
tradição do common law inglês
24) As principais características dos costumes são a adaptabilidade, flexibilidade e fluidez com que surgem e
desaparecem. Não obstante essas características, na Europa, ocorreu tendência crescente em se registrar por escrito
os costumes. Assim, ao registrar regra consuetudinária por escrito, a versão escrita adquire vida própria e o formato
textual restringe posteriores modificações desse costume.
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Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.
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Nesse nível, ele efetua o corte radical entre direito e moral, ou qualquer outro
tipo de manifestação ético-valorativa, ao mesmo tempo que exclui qualquer tipo de
abordagem psicologicista sobre o direito. Desse modo, o objeto de sua
epistemologia jurídica se apresenta exclusivamente dado pelo sistema de normas
jurídicas, que imprimem sentidos nos atos sociais.6
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Outro ponto que foi introduzido por Kelsen foi tratar da relação entre as normas
jurídicas na perspectiva de um ordenamento jurídico. Por mais paradoxal que
possa parecer, o conceito de ordenamento jurídico só é colocado como um
problema autônomo no contexto da ciência jurídica produzida no século XX. Antes
disso, havia uma preocupação com o sistema e com sua coerência interna, mas
essa perspectiva, como afirma Bobbio, ficava restrita à descrição da própria norma
jurídica: “a norma jurídica era a única perspectiva a partir da qual o direito era
estudado. O ordenamento jurídico era, quando muito, um conjunto de muitas
normas, mas não um objeto autônomo de estudo, com seus problemas particulares
e diversos”.8
Certamente, isso tem uma razão: as análises sistemáticas do século XIX, como
veremos mais amiúde no capítulo 10 da presente obra, ficavam restritas ao direito
privado, orbitando em torno dos problemas da codificação do direito civil, e não
precisavam lidar com o problema da relação deste mesmo código civil com uma
Constituição, por exemplo. Essa relação entre Constituição e direito
infraconstitucional é algo próprio das teorias jurídicas produzidas no continente
europeu na primeira metade do século XX. A de Kelsen, certamente, é a mais
importante, tanto pela acurada estrutura científica quanto por ter produzido maior
número de seguidores e de críticos.
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Leitura recomendada
Básica
Hans Kelsen. Teoria pura do direito. 7. ed. Trad. João Baptista Machado. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
Intermediária
Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
Cap. III, n. 1.
Avançada
.Kelsen, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 51 et seq.
2
.Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 84.
3
.Idem, cap. 8.
Martins Fontes, 2006, p. 228). Isso decorre, numa perspectiva mais ampla, da própria orientação
predominante em Marburgo como foi ressaltado na nota anterior.
6
.Cf. Luis Alberto Warat. Epistemologia Jurídica e Ensino do Direito. Florianópolis: Fundação
Boiteux, 2004. p. 241 e ss.
7
.Verbis:
.Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007, Cap. III, n. 1. p. 174.
9
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Com efeito, Kelsen formulou a tese de que o ordenamento jurídico possui uma
estrutura suprainfraordenada. Essa estruturação do ordenamento é, por várias
vezes, remetida à clássica metáfora da “pirâmide normativa”. Embora não seja
errado mencionar essa estrutura suprainfraordenada a partir dessa metáfora, não
se pode dizer que ela tenha sido descrita por Kelsen em sua Teoria Pura do
Direito. Mais especificamente, ela aparece em um texto produzido pelo autor para
explicar à comunidade acadêmica a novidade de sua teoria.10
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Durante toda sua vida, o tema da norma hipotética fundamental foi, certamente,
o maior “espinho teórico” de Kelsen (verdadeiro “calcanhar de Aquiles” de sua
teoria). Por diversas vezes, ele alterou sua definição de modo que podemos
registrar, aqui, ao menos duas delas: a) em um primeiro momento, Kelsen afirma
ser a norma hipotética fundamental o resultado de uma operação lógica conhecida
por tautologia: ela é porque é; fundamento porque é fundamento. Anos depois, em
sua obra póstuma chamada Teoria Geral das Normas, Kelsen se apropria da
filosofia do como se (Als-ob- Philosophie) de Hans Vaihinger para afirmar que a
norma hipotética fundamental seria uma ficção necessariamente útil, sem a qual
não seria possível pensar em um fundamento unitário para todo o ordenamento
jurídico.12
Por fim, calha registrar que os mesmos autores que refinaram a teoria sobre o
ordenamento jurídico continuaram seguindo as intuições fundamentais de Kelsen.
Norberto Bobbio – que produziu um trabalho notável sobre o tema – confessava
expressamente que, em linhas gerais, continuava seguindo a teoria kelseniana.
Nas palavras do autor:
Leitura recomendada
Básica
Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
Parte II, cap. II, n. 9.
Intermediária
Avançada
10
.Cf. Hans Kelsen. El método y los conceptos fundamentales de la Teoría Pura del Derecho. Madrid:
Editorial Reus, 2009, n. 32. p. 68 e segs.
11
.Não cabe aqui aprofundarmos a questão. Para uma análise pormenorizada remetemos o leitor
para a obra de Gabriel Nogueira Dias. Positivismo Jurídico e a Teoria Geral do Direito. cit., p. 295 e
segs.
13
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Bobbio define a antinomia como sendo uma situação em que são criadas duas
normas, sendo que uma obriga e a outra proíbe. Ou uma obriga e a outra permite,
ou uma proíbe e a outra permite o mesmo comportamento. Ademais, essas
normas precisam ter o mesmo âmbito de validade, ou seja, devem existir no
mesmo âmbito temporal, espacial, pessoal e material;
situação.
Por fim, calha registrar que todo esse discurso em torno do problema das
antinomias reivindica algo que é nomeado por Bobbio de “dever de coerência”.
Esse dever de coerência pode ser analisado na dimensão legislativa ou na
dimensão judicial.17
Leitura recomendada
Básica
Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2007,
Parte II, cap. III.
Intermediária
José de Oliveira Ascensão. O direito: introdução e teoria geral. 2. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001. Tít. VII, Cap. I, p. 393 et seq. Cap. III, p. 451 et seq.
Avançada
14
.Existem muitas peculiaridades no modo como o conceito de sistema foi articulado no interior do
pensamento jurídico ao longo da história. Não há espaço aqui para se descer a esse grau de
minúcias. Assim, remetemos o leitor para Mario Losano. Sistema e Estrutura no Direito cit., vol. I e
II, passim.
15
.Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito cit., Parte II, cap. III, n. 17. p. 238.
16
.Cf. Norberto Bobbio. Teoria Geral do Direito cit., Parte II, cap. III, n. 17, p. 238.
17
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Também o BGB (CC alemão) padecia desse elemento, até certo ponto,
autoritário. Todavia, os motivos históricos que produziram esse fenômeno no
contexto alemão foram outros. No caso, o BGB foi fruto de um decantado estudo
acadêmico produzido no contexto da chamada “recepção do direito romano” e das
escolas histórica e pandectista (Jurisprudência dos Conceitos). Assim, a chancela
legislativa ao produto de infindáveis pesquisas e argumentos dos eruditos colocava
no código a condição de obra acabada, não estando sujeita a “complementos
interpretativos”.
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Esse ponto, aliás, oferece uma ótima amostra do anacronismo que acomete o
direito brasileiro, em especial a processualística. Ao mesmo tempo, demonstra
como a teoria do direito não faz parte das preocupações daqueles que influem
diretamente na construção do discurso legislativo. O Código de 1973 e o projeto da
comissão de juristas de NCPC fala em lacuna ou obscuridade da lei, um
problema enfrentado pela teoria do direito do século do final do XIX e do início do
século XX, a partir dos movimentos que se seguiram à jurisprudência dos
interesses e ao movimento do direito livre. Assim, tanto o código vigente, de 1973
quanto o anteprojeto, de 2010, estão assentados sob postulados novecentistas. A
relatoria do Senado, por sua vez, “atualiza” com pelo menos 60 anos de atraso o
texto ao associar a ideia de lacuna e obscuridade não à lei – isoladamente
considerada, mas ao “ordenamento jurídico”. Ocorre que “ordenamento jurídico”
seria um conceito contemporâneo ao Código de 1973, que optou, entretanto, por
se apegar às “descobertas” novecentistas da Teoria do Direito. Com efeito, o
conceito de ordenamento jurídico foi inaugurado por Kelsen e, depois, difundido
nos países de línguas latinas por Norberto Bobbio, a partir de seu clássico Teoria
do Ordenamento Jurídico – de confessadas inspirações kelsenianas –, cuja
publicação remonta ao final da década de 1950 e ao início da década de 1960.
Para Bobbio, a teoria do ordenamento representava uma integração da teoria da
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norma jurídica, cuja premissa elementar pode ser traduzida na seguinte passagem:
“as normas jurídicas nunca existem sozinhas, mas sempre num contexto de
normas que tem relações específicas entre si”.20 Certamente, no início da segunda
metade do século XX, a ideia de ordenamento representava uma grande novidade,
principalmente nos termos trabalhados pelo jusfilósofo italiano.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Hans Kelsen. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes.
Avançada
Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009.
18
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Assim, a partir da primeira metade do século XX, o conceito central para teoria
do direito – ao menos na teoria do direito desenvolvida na Europa continental –
será o conceito de norma, não mais entendida de maneira justaposta à lei, ou seja,
lei e norma não são conceitos coincidentes.
A não coincidência entre norma e lei fica esclarecida a partir da clássica obra
de Hans Kelsen, a Teoria Pura do Direito, aliás, tal teoria influencia o próprio
paradigma pós-positivista, uma vez que também as posturas que se pretendem
críticas em relação ao seu positivismo normativista, voltam a ele na perspectiva de
estabelecer um diálogo.21
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Sendo assim, é por isso que no pensamento de Kelsen, uma vez obedecido o
procedimento formal de elaboração de normas, qualquer conteúdo poderia ser
direito. Esse ponto específico é muito importante para compreender a
obra de Kelsen em seu contexto global. De fato, mesmo problemas como a
separação do direito e da moral, estão vinculados a essa operação kelseniana que
separa em dois níveis ato de vontade e ato de conhecimento. Como empirista
lógico, Kelsen jamais poderia admitir que a vontade pudesse ser objeto de
conhecimento válido, daí que toda a dimensão da chamada filosofia prática ficava
excluída de suas preocupações científicas.27
É certo que Alexy se esforça para demonstrar diferenças entre o seu conceito
de norma e o de Kelsen, mas, além da coincidência de ambos se situarem no nível
semântico, o próprio Alexy admite, ao final, uma estreita relação entre ambos.29 O
autor da Teoria dos Direitos Fundamentais não concorda com a ideia kelseniana de
que a norma seja “o sentido objetivo de um dever ser” o que, para Kelsen, significa
que ela pode ser referida a uma norma fundamental que lhe atribua validade
objetiva. Afirma ser difícil a inclusão da concepção kelseniana no modelo por ele
cunhado. Em todas essas investidas, Alexy parece se esforçar para retirar toda
dimensão científico-objetiva que perpassa o discurso de Kelsen e que seria,
justamente, o que excluiria a possibilidade de tematizar algo como valores no
âmbito da ciência do direito. Assim, ele aceita, expressamente, apenas o
argumento de que com norma se designa algo que deve ser ou suceder,
especialmente que uma pessoa deva se comportar ou agir de determinada
maneira.
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Por outro lado, autores tais quais Ronald Dworkin formulam conceito de norma
que não comporta enquadramento como gênero que engloba regras e
princípios.30 Isso é assim porque – segundo Esser31 – os anglo-saxões não
conhecem o conceito continental (europeu) de norma, no sentido que lhe dá o
idealismo normativista kelseniano. Entre eles, o conceito de norma corresponde ao
conceito de regra (rule) e por esse motivo o conteúdo deôntico dos princípios não
são atribuídos a partir de uma simples “normatividade”, ainda prisioneira de uma
teoria do conhecimento subjetivista.
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005.
Avançada
21
.Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 4.
24
.Para uma análise específica da relação entre Kant e Kelsen, ver: Simone Goyard-Fabre. Filosofia
Crítica e Razão Jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2006, passim.
25
.O Círculo de Viena foi movimento filosófico que estatuiu as bases da nova filosofia da linguagem
de matriz lógico-analítica. Tal movimento tinha na obra de Ludwig Wittgenstein (Tractatus Logico-
Philosophicus, 3. ed. São Paulo: Edusp, 2008) o epicentro do debate. Além de Wittgenstein eram
expoentes do Círculo de Viena, filósofos como Rudof Carnap e M. Schlick. Como é sabido, o
empirismo lógico de Hans Kelsen é tributário do conhecimento produzido por esse movimento
filosófico.
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26
.No que tange ao voluntarismo kelseniano aduz Müller: “A interpretação autêntica (e.g., na
sentença judicial) é concluída por meio de um ato de geração da norma, que aparece como mero
ato de vontade, cujas medidas não propõem nenhum problema de teoria jurídica ou genericamente
de direito positivo, mas apenas um problema de política jurídica. Excluem-se aqui liminarmente a
racionalização de teores materiais normativos, a descoberta de elementos de política jurídica na
interpretação. Não se consegue compreender como a geração judicial do direito no quadro lógico
da norma genérica deva continuar sendo ao mesmo tempo a ‘aplicação’ da lei, por meio de atos de
vontade de teor juspolítico” (Friedrich Müller. O novo paradigma do direito. São Paulo: Ed. RT,
2007. p. 51).
27
.Lenio Luiz Streck. Direito. In: Vicente de Paulo Barreto; Alfredo Culleton (coords.). Dicionário de
filosofia política. São Leopoldo: Unisinos, 2010. p. 145-150.
28
.Georges Abboud. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Ed. RT, 2011,
n. 3.2.1.1. p. 172 e n. 3.2.2. p. 173-175.
.Cf. Robert Alexy. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: CEC, 2002. p. 50, em especial
nota n. 10.
30
.Não concordamos, portanto, com constante referência a Dworkin como autor que “elevou” (sic) os
princípios à condição de normas, a partir de uma apressada justaposição com Alexy (Nesse
sentido Cf. Luis Roberto Barroso. Ana Paula de Barcellos. O começo da História: a Nova
Interpretação Constitucional e o papel dos Princípios no Direito Brasileiro. In: Interpretação
Constitucional. Virgílio Afonso da Silva (org.). São Paulo: Malheiros, 2005. p. 277-279; Daniel
Sarmento. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2002. p. 41). Com efeito, se essa “norma” que comporta a espécie princípio for entendida num
sentido semântico, é impossível enquadrar a teoria de Dworkin em seu bojo. Como ficará claro no
decorrer da exposição, a normatividade dos princípios não aparece a partir de sua imolação
normativa, mas sim do contexto pragmático em que o direito, enquanto atividade interpretativa, se
desenvolve.
31
.Nesse sentido, Cf. Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005. Parte Dois.
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De tudo o que foi dito, esperamos que uma coisa tenha sido esclarecida:
distinguir, estruturalmente,33 regras de princípios representa uma operação de
classificação normativa que se movimenta num nível puramente semântico (em
abstrato), que não problematiza, radicalmente, o problema da interpretação num
nível pragmático-existencial (interpretative) (Hermenêutico, poderíamos dizer).
Isso acontece claramente nas posturas de Robert Alexy que continua preso a
um normativismo idealista ao afirmar o conceito de norma como o principal
conceito da ciência do direito e fazer derivar dele o caráter deôntico dos princípios.
Não é exagero afirmar que o conceito semântico de norma com o qual Alexy opera
torna o princípio uma derivação artificial e, ao mesmo tempo, confere-lhe uma força
talvez maior do que eles mesmos podem suportar ao afirmá-los como mandados
de otimização, o que confere um poder (ou competência no seu sentido
kelseniano) demasiadamente exagerado à figura do juiz.
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b) o tudo ou nada que Dworkin apresenta como característica para as regras é
expressamente assumido por Alexy e se aproxima, em grande medida, daquilo que
este autor denomina “mandado de definição”;
c) Dworkin se refere a uma dimensão de peso e de importância presente em
seu conceito de princípio e que impediria, ao contrário das regras, a exclusão de
um em favor da aplicação de outro, como fatalmente acontece com as regras. Essa
dimensão de peso – também expressamente referenciada por Alexy – seria o
ponto por onde o argumento da ponderação seria introduzido no conceito de
princípio de Dworkin.
Isto porque:
Alexy. Subsunção pressupõe silogismo que, por sua vez, repristina a velha cisão
entre questão de fato e questão de direito que definitivamente não está em jogo
quando se fala de tudo ou nada. Ademais, a referência dworkiana a essa
característica da regra refere-se muito mais ao modo como se dá a justificação
argumentativa de uma regra, do que propriamente ao seu modelo de aplicação. Ou
seja, quando se argumenta com uma regra ela é ou não é, logo, sua “aplicação”
não depende de um esforço argumentativo que vá além dela própria. Já num
argumento de princípio, é necessário que se mostre como sua “aplicação” mantém
uma coerência com o contexto global dos princípios que constituem uma
comunidade política;
Com isso, foi possível ressaltar, com maior precisão, como Dworkin e Alexy
apontam para direções diferentes como suas posições sobre o conceito de
princípio e a consequente distinção entre regras e princípios.
Podemos afirmar, portanto, que para Dworkin, não há uma cisão radical entre
regras e princípios que estão, de modo permanente, implicados na prática
interpretativa que é o direito. Há uma diferença entre regra e princípio porque,
quando nos ocupamos das controvérsias jurídicas e procuramos argumentar para
resolvê-las, somos levados a nos comportar de modo distinto de quando
argumentamos com regras e quando argumentamos com princípios. Há um
elemento transcendente nos princípios, porque, quando argumentamos com eles,
sempre ultrapassamos a pura objetividade em direção a um todo contextual
coerentemente (re)construído, que, todavia, sempre se dá como pressuposto em
todo processo interpretativo. Algo que permanece oculto pela objetividade aparente
das regras. Tanto é assim que o próprio positivismo de Hart, levado por essa
objetividade das regras, construiu uma imagem do direito não conseguindo
descrevê-lo colado na própria faticidade. Isso, de certa maneira, permanece na
classificação (semântica) proposta por Alexy em seu conceito de norma. A partir
dele somos surpreendidos por uma artificialidade que efetua uma cisão radical
entre regras e princípios oferecendo, inclusive, diferentes procedimentos para a
“aplicação” de cada uma dessas espécies normativas.
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Desse modo, o próprio Virgílio recai em uma espécie de sincretismo, pois não
coloca como problema aquilo que, em cada um dos autores, determina a formação
do conceito, mas somente a distinção/classificação dos princípios em relação às
regras. Sendo assim, todo processo de formação do conceito de princípio
permanece escondido nas entrelinhas da argumentação, terminando por velar a
radical diferença que existe entre Alexy e Dworkin.
De todo modo, é preciso ter claro que esse problema está intimamente ligado à
relação entre prática e teoria. Isto é, quando falamos em princípios, colocamos em
questão o papel que a razão desempenha na formação e consagração de uma
decisão: trata-se de uma tarefa prática ou de uma tarefa teórica? Classificações,
distinções e cisões estruturais sempre permanecerão ligadas a uma intenção
teórica e, se desenvolvida no modelo alexyano, carregarão consigo os problemas
da subjetividade matemática que a metafísica moderna nos legou.
Esse possibilitar aberto pela dimensão prática que um princípio comporta não
autoriza discricionariedades por parte daquele que decide. Como bem aduz Gerd
Bornheim, com Heidegger, ou bem somos históricos ou bem somos supra-
históricos. Não há possibilidade de meio termo. Se saímos pela supra-historicidade
caímos no beco da Metafísica e nas armadilhas subjetivistas da matemática que
caracterizam a modernidade. Por outro lado, se assumimos a radicalidade de
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Dessa maneira, no nível da práxis, não há uma distância tão grande entre
regras e princípios, como quer – semanticamente – Alexy e seus seguidores. Os
princípios só não aparecem com a clareza objetiva das regras porque se revestem
de uma dimensão histórico-transcendental: sua “aplicação” depende de uma
justificação que vai além da mera objetividade das regras, num plano que não é
meramente empírico e textual, mas que traz consigo a dimensão de vivências
práticas e compartilhadas pela comunidade histórica.
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nos carrega. Do mesmo modo, o direito não pode ser visto como uma “gramática
da convivência”.48 Desde sempre executamos regras de convívio porque desde
sempre vivemos em uma sociedade que compartilha tradições, cultos, rituais,
regras de convívio, formas de expressão etc. Desde cedo somos educados e
partilhamos a educação com outras pessoas de modo que, já aí, temos como
pressupostos uma série de padrões sociais que nos possibilita dizer o que se tolera
ou não; ou o que é permitido ou não. Quando nos colocamos em posição em que
pretendemos discutir teoricamente as questões jurídicas não podemos perder de
vista esta dimensão prática na qual já estamos – existencialmente – inseridos.
Assim, quando falamos de princípios isso se torna ainda mais evidente porque
é nessa dimensão prática que eles aparecem e são cultivados. Ninguém estuda o
devido processo legal se não compreende a dimensão histórica e as questões
cotidianas na qual ele está envolvido. Sua rigidez no âmbito da common law e o
rigor na sua aplicação decorrem certamente do contexto histórico que o cunhou e
da tradição que se sedimentou em torno de sua consagração.49
Leitura recomendada
Básica
Ronald Dworkin. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005.
Intermediária
Avançada
33
.Ao estabelecer uma distinção estrutural entre regra e princípio, Alexy permanece na
superficialidade ôntica e acaba caindo em uma certa ingenuidade ontológica. Podemos falar, mais
especificamente, em uma inadequação ontológica da teoria alexyana, que leva ao equívoco de se
introduzir essa distinção estrutural entre regras e princípios. Como bem assevera Streck, Alexy
ignora a dupla estrutura da linguagem, e com isso permanece numa dimensão de suficiências
ônticas. Por isso, em sua distinção entre regras e princípios, os princípios são apresentados como
“reservas” argumentativas no caso da falência do sistema de regras. Em outras palavras, com sua
teoria da argumentação, “Alexy substitui o standard I (compreensão) pela racionalidade
procedimental-argumentativa, de índole axiomático-dedutiva” (Lenio Luiz Streck. Verdade e
consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 139).
34
.Cf. Alexy, Robert. El concepto y la validez del derecho. Trad. Jorge M. Seña. 2. ed. Barcelona:
Gedisa, 1997. p. 162.
35
.Idem, ibidem.
36
.No sentido que discordamos ver: Ana Paula de Barcellos. Ponderação, racionalidade e atividade
jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
37
.Cf. Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso... cit., n. 10.1, p. 296 et seq; Robert Alexy. Teoría de la
argumentación jurídica. Trad. Manuel Atienza e Isabel Espejo. Madrid: CEC, 1989. p. 205 e ss.
Nesse trabalho, procuramos atentar, também, para a manutenção do eu transcendental kantiano
como totalidade Metafísica, que aparece como locus fundamentador do elemento formal a
priori da ponderação.
38
.Cf. Virgílio Afonso da Silva. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção. Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais. n. I Belo Horizonte: Del Rey, jan.-
jun. 2003. p. 607-630.
39
.Cf. Humberto Bergmann Ávila. A distinção entre regras e princípios e a redefinição do dever de
proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo. vol. 215. Rio de Janeiro: Renovar, jan.-mar.
1999.
40
.Cf. Hans-Gerge Gadamer. Acotaciones hermenéuticas. Trad. Ana Agud e Rafael de Agapito.
Madrid: Trotta, 2002. p. 19.
41
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.Idem, p. 619.
43
.Hans-Georg Gadamer. Verdade e método. Trad. Enio Paulo Giachini. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
2004. vol. II. p. 380.
44
.Nesse sentido, não concordamos com Otfried Höffe que cunhou o termo gramática da
convivência para se referir ao direito. A democracia no mundo de hoje. São Paulo: Martins Fontes,
2005. p. 60.
49
.Em estudo com abundante pesquisa, Nelson Nery Junior apresenta a dimensão histórica presente
na formação do princípio do devido processo legal (due process of law) e sua sedimentação no
devido processo em sentido material (Substantive due process) e em sentido processual
(Procesural due process). Esses contornos são decisivos para a formação do princípio e sua
gradual afirmação (Cf. Nelson Nery Junior. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal.
10. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010, cap. 1 e 2).
50
.Faz-se referência aqui a corrente teórica que se criou e fez escola no Brasil chamada, numa
expressão cunhada por Luís Roberto Barroso, de “Doutrina Brasileira da Efetividade” (Cf. Luís
Roberto Barroso. A doutrina brasileira da efetividade. In: Bonavides, Paulo; Lima, Francisco
Gérson Marques; Bedê, Faya Silveira (orgs.). Constituição e democracia. Estudos em Homenagem
ao professor J.J. Gomes Canotilho. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 435-447). A “doutrina brasileira
da efetividade” engloba uma corrente teórica no interior da qual estão incluídos os esforços de
José Afonso da Silva (Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 3 ed. São Paulo: Malheiros,
1998); Celso Antônio Bandeira de Mello (Eficácia das normas constitucionais sobre Justiça
Social. Revista de Direito Público 57-58, 1981); Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres de Britto
(Interpretação e Aplicabilidade das normas constitucionais, 1982); Maria Helena Diniz (Norma
Constitucional e seus efeitos, 1989); e do próprio Luís Roberto Barroso (O Direito Constitucional e
a Efetividade de suas Normas. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003). Todos os trabalhos e autores
mencionados guardam relação quanto ao modo como cuidam de pensar as “normas
constitucionais” e os sentidos que elas podem projetar no desenrolar da vida político-jurídica do
Estado, divergindo, num ou noutro ponto, quanto a questões meramente classificatórias. Contudo,
o que se encontra no cerne de todas essas perspectivas semântico-classificatórias, é a noção dual
dos dispositivos constitucionais que aparecem divididos em: normas constitucionais
de aplicabilidade imediata e normas constitucionais programáticas. Também aqui, como no caso
da distinção entre regras e princípios, o que está em jogo é uma tentativa de classificação, abstrata
e apriorística, de normas. Todavia, o neoconstitucionalismo e toda tradição do segundo pós-guerra
cunhou um sentido de Constituição que busca ressaltar sua força normativa, colocando-a em meio
ao problema pragmático da interpretação do direito. Portanto, qualquer tentativa de classificação a
priori de normas cai por terra, posto que o sentido de uma norma só aparece diante da
problematicidade do caso concreto.
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A distinção entre texto e norma já havia sido realizada por Friedrich Müller,
embora este autor nunca tenha chegado a tematizar tal distinção nos termos
da diferença ontológica. Isto porque a ideia de diferença ontológica aponta para
uma dimensão compreensiva mais radical, lançava mão no interrogatório judicial
do que a simples distinção estrutural entre a norma e seu texto, essa, sim,
efetivamente realizada por Müller. Sem embargo, cabe mencionar que chamada
metódica estruturante, construída por Müller, pode ser elencada como uma
perspectiva teórica que pretende problematizar o conceito tradicional de norma e a
subjetividade que se apresenta por detrás dele. Para
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Desse modo, o autor descreve pelo menos duas dimensões que a estruturam: o
programa da norma, que é constituído do ponto de vista interpretativo mediante a
assimilação de dados primariamente linguísticos, e do âmbito normativo, que é
construído pela intermediação linguístico-jurídica de dados primariamente não
linguísticos.55
Em suma, a norma não é nem está contida na lei (apesar de ela ser elemento
importante para formação da norma). Somente após a interpretação jurídica,
destinada a solucionar caso concreto (real ou fictício), é que surge a norma
jurídica.
51
.Para não cairmos no risco provocado pela poluição semântica, faz-se necessário transcrever a
lição de Lenio Luiz Streck acerca da acepção do positivismo:
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não passa de um “positivismo fático”), a ponderação de valores (pela qual o juiz literalmente
escolhe um dos princípios que ele mesmo elege prima facie) etc.
De algum modo se perceberá que aquilo que está escrito nos Códigos não cobre a realidade. Mas,
então, como controlar o exercício da interpretação do direito para que essa obra não seja
“destruída”? E, ao mesmo tempo, como excluir da interpretação do direito os elementos
metafísicos que não eram bem quistos pelo modo positivista de interpretar a realidade? Num
primeiro momento, a resposta será dada a partir de uma análise da própria codificação: a Escola
da Exegese, na França, e A Jurisprudência dos Conceitos, na Alemanha.
Esse primeiro quadro eu menciono, no contexto de minhas pesquisas – e aqui talvez resida parte
do “criptograma do positivismo” –, como positivismo primevo ou positivismo exegético. Poderia
ainda, junto com Castanheira Neves, nomeá-lo como positivismo legalista. A principal
característica desse “primeiro momento” do positivismo jurídico, no que tange ao problema da
interpretação do direito, será a realização de uma análise que, nos termos propostos por Rudolf
Carnap, poderíamos chamar de sintático. Neste caso, a simples determinação rigorosa da conexão
lógica dos signos que compõem a “obra sagrada” (Código) seria o suficiente para resolver o
problema da interpretação do direito. Assim, conceitos como o de analogia e princípios gerais do
direito devem ser encarados também nessa perspectiva de construção de um quadro conceitual
rigoroso, que representaria as hipóteses – extremamente excepcionais – de inadequação dos
casos às hipóteses legislativas.
Num segundo momento, aparecem propostas de aperfeiçoamento desse “rigor” lógico do trabalho
científico proposto pelo positivismo. É esse segundo momento que podemos chamar de
positivismo normativista. Aqui, há uma modificação significativa com relação ao modo de trabalhar
e aos pontos de partida do “positivo”, do “fato”. Primeiramente, as primeiras décadas do século XX
viram crescer, de um modo avassalador, o poder regulatório do Estado – que se intensificará nas
décadas de 1930 e 1940 – e, também, a falência dos modelos sintático-semânticos de
interpretação da codificação, que se apresentaram completamente frouxos e desgastados. O
problema da indeterminação do sentido do Direito aparece, então, em primeiro plano.
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É nesse ambiente que aparece Hans Kelsen. Por certo, Kelsen não quer destruir a tradição
positivista que foi construída pela jurisprudência dos conceitos. Pelo contrário, é possível afirmar
que seu principal objetivo era reforçar o método analítico proposto pelos conceitualistas de modo a
responder ao crescente desfalecimento do rigor jurídico que estava sendo propagado pelo
crescimento da Jurisprudência dos Interesses e da Escola do Direito Livre – que favoreciam,
sobremedida, o aparecimento de argumentos psicológicos, políticos e ideológicos na interpretação
do direito. Isso é feito por Kelsen a partir de uma radical constatação: o problema da interpretação
do direito é muito mais semântico do que sintático. Desse modo, temos aqui uma ênfase na
semântica”. Lenio Luiz Streck. Verdade e Consenso... cit., p. 31-33.
52
.Para uma análise pormenorizada desses dois pontos, ver: Georges Abboud. Jurisdição
Constitucional... cit., n. 1.3.1, p. 61.
54
.Lenio Luiz Streck. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Uma Exploração Hermenêutica da
Construção do Direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, n. 10.1.3.1. p. 224-226.
Grifos do original.
55
.Sobre conceito de norma elaborado por Müller, ver: O novo paradigma do direito. São Paulo: Ed.
RT, 2007. n. 4.3. p. 119; n. 7. p. 148; e Teoria Estruturante do Direito. São Paulo: Ed. RT, 2008, I,
p. 80. Para exame da importância da obra de Friedrich Müller para a elaboração do conceito pós-
positivista de norma, ver: Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.4.1, p. 62-64.
56
.Friedrich Müller. Métodos de trabalho de direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2005. n. III.1, p. 42.
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Intermediária
Avançada
59
.Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.5.2, p. 66. O conceito de silogismo pode ser
assim resumido: “Um silogismo (ou melhor, um silogismo categórico) é a inferência de uma
proposição a partir de duas premissas. Por exemplo: todo os cavalos têm cauda; todas as coisas
que têm cauda são quadrúpedes; logo, todos os cavalos são quadrúpedes. Cada premissa tem um
termo em comum com a conclusão e um termo em comum com a outra premissa”. Simon
Blackburn. Dicionário Oxford de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, verbete
silogismo, p. 360.
60
.Idem, p. 71.
62
.Idem, ibidem.
63
.Georges Abboud. Jurisdição Constitucional... cit., n. 1.6, p. 73 e Antonio Osuna Fernandez-
Largo. La hermenéutica juridical de Hans-Georg Gadamer. Valladolid: Secretariado de
Publicaciones Universidad de Valladoolid, 1992. p. 101 e 105.
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1) Inicialmente, defendemos que foi a partir do século XX que se acirrou o debate sobre o conceito de norma, de modo que
apenas neste século é que foram criadas as teorias sobre a norma, pois, por mais que antes já se falava a respeito da norma,
sobre esta até então não havia sido feita uma teoria propriamente dita.
2) Apresentamos que é a partir da obra de Kelsen que se inicia a construção teórica do conceito de norma. Isso porque o
uso anteriormente efetuado pelos juristas se dava de maneira aleatória e ainda que a tentativa kelseniana tenha levado às
últimas consequências sua atividade ao delimitar que o direito corresponde ao conceito de norma.
3) Definimos, segundo Norberto Bobbio, a possibilidade de uma teoria autônoma do ordenamento jurídico, que se aglutina
em torno dos seguintes problemas: 1) a ideia de uma unidade normativa, ou seja, como uma pluralidade de normas se constitui
numa ordem normativa; 2) enquanto unidade, o ordenamento deve constituir-se enquanto sistema devendo ser oferecidos
critérios de resolução das possíveis antinomias jurídicas; 3) o tema da completude do ordenamento e o problema fundamental
das lacunas do direito; 4) o problema de uma plêiade de ordenamentos, levando em conta a perspectiva internacional.
4) Consequentemente, todos esses pontos problemáticos sobre o ordenamento foram debatidos de modo em separado,
surgindo, por fim, a especulação em torno da teoria positivista da norma e como atualmente – em termos pós-positivistas –
podemos explorar a questão de teoria da norma na relação existente, em especial em Robert Alexy e Ronald Dworkin, entre
regra e princípio.
5) Podemos afirmar, portanto, que para Dworkin, não há uma cisão radical entre regras e princípios que estão, de modo
permanente, implicados na prática interpretativa que é o direito. Há uma diferença entre regra e princípio porque, quando nos
ocupamos das controvérsias jurídicas e procuramos argumentar para resolvê-las, somos levados a nos comportar de modo
distinto quando argumentamos com regras e quando argumentamos com princípios. Há um elemento transcendente nos
princípios, porque, quando argumentamos com eles, sempre ultrapassamos a pura objetividade em direção a um todo
contextual coerentemente (re)construído, que, todavia, sempre se dá como pressuposto em todo processo interpretativo. Algo
que permanece oculto pela objetividade aparente das regras. Tanto é assim que o próprio positivismo de Hart, levado por essa
objetividade das regras, construiu uma imagem do direito não conseguindo descrevê-lo colado na própria faticidade. Isso, de
certa maneira, permanece na classificação (semântica) proposta por Alexy em seu conceito de norma. A partir dele somos
surpreendidos por uma artificialidade que efetua uma cisão radical entre regras e princípios oferecendo, inclusive, diferentes
procedimentos para a “aplicação” de cada uma dessas espécies normativas.
6) O equívoco em se equiparar Alexy com Dworkin repercute na própria relação entre princípio jurídico e sistema. Isso
porque esses dois pensadores ao apresentarem diferentes conceitos para princípios, consequentemente, conferem-lhes
distintas funções. Para Alexy, os princípios jurídicos possibilitam abertura no sistema jurídico, admitindo para os casos difíceis,
certa margem de discricionariedade, ou seja, por via da ponderação duas ou mais soluções jurídicas devem ser consideradas
legitimamente válidas perante o sistema. Em contrapartida, Dworkin elabora a questão dos princípios sempre tendo em vista a
integridade do ordenamento, sua utilização não é conflitiva (daí a impossibilidade de se utilizar a ponderação), os princípios
conferem coerência e integridade ao sistema jurídico, conduzindo a interpretação para aquilo que o jusfilósofo nomeio de
única resposta correta. Assim, em Dworkin, mesmo perante casos difíceis, não se pode admitir como válidas mais de uma única
decisão para o caso judicial.
7) Dessa forma, após indicar as posições dos referidos autores e a polêmica entre ambos, definimos o conceito pós-
positivista de norma a partir do pensamento de Friedrich Müller, advertindo, de plano, a diferença entre norma e texto de norma,
concluindo que a norma não é e nem está contida na lei (apesar de ela ser elemento importante para formação da norma).
Somente após a interpretação jurídica, destinada a solucionar caso concreto (real ou fictício), é que surge a norma jurídica.
8) Ou seja, graças à teoria estruturante de Friedrich Müller que se tornou possível a teorização acerca de conceito pós-
positivista da teoria do direito e da própria norma jurídica. Portanto, perante o paradigma pós-positivista do direito, não se pode
mais confundir texto normativo com norma. Assim, o texto normativo é o programa da norma, representa o enunciado legal (lei,
súmula vinculante, portaria, decreto), sua constituição é ante casum e sua existência é abstrata. A norma, por sua vez, é
produto de um complexo processo concretizador em que são envolvidos o programa normativo e o âmbito normativo. Em suma,
a norma não é nem está contida na lei (apesar de ela ser elemento importante para formação da norma). Somente após a
interpretação jurídica, destinada a solucionar caso concreto (real ou fictício), é que surge a norma jurídica.
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Leitura recomendada
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Básica
Intermediária
Richard Posner. Para além do direito. Trad. Evandro Ferreira e Silva. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
Avançada
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Leitura recomendada
Básica
Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009.
Intermediária
Avançada
Em conclusão:
– a sistematicidade jusnaturalista-racionalista;
Leitura recomendada
Básica
Intermediária
Avançada
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Assim, era da análise das concretas e típicas formas de conduta que se poderia
identificar os institutos jurídicos que deveriam ser recompostos na perspectiva da
evolução do direito, entendido como um organismo vivo. Esses institutos
apresentariam os nexos orgânicos dos quais seriam extraídas as regras. Estas –
as regras – seriam, na verdade, o resultado de uma intuição global dos institutos
que, por sua vez, representariam o resultado das vivências de um determinado
povo.
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Leitura recomendada
Básica
Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009.
Intermediária
Avançada
Friedrich Carl von Savigny. Sistema de direito romano atual. Ijuí: Editora Unijuí,
2004.
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Por fim, para evitar mal-entendidos sobre as diferenças existentes entre escola
histórica e o legalismo exegético, é importante registrar aqui uma advertência feita
por Lamego. Essa abordagem do professor português corrobora a afirmação que
fizemos quando tratamos da Escola histórica, no sentido de afirmar sua
desvinculação tanto com relação ao jusnaturalismo quanto com relação ao
positivismo jurídico. Nas palavras do autor: “é completamente errônea a
assimilação corrente entre a filosofia jurídica do historicismo (e
a Begriffsjurisprudenz, formada na sua esteira) e o positivismo legalista. (...) a
filosofia jurídica do historicismo – e de Savigny em particular – não só é estranha a
representações positivistas-legalistas, como, do ponto de vista epistemológico e
metafísico, se coloca em contraponto ao positivismo”.38
Leitura recomendada
Básica
Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. cap. 2.
Intermediária
Avançada
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Com relação a Rudolf Von Ihering calha registrar que é comum entre os
estudiosos de sua obra, dividi-la em dois momentos distintos:
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Esse foi o caso de Philipp Heck. Sua proposta de uma jurisprudência dos
interesses nasce de uma secessão (Losano) com o movimento do direito livre que
se dá, justamente, em razão de uma discordância com relação ao problema da
possibilidade de decisões contra legem. A jurisprudência dos interesses, então,
pode ser entendida como uma “ala moderada do movimento do direito livre”.44
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Leitura recomendada
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Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2009. cap. 5.
Intermediária
Avançada
.A discussão sobre o método, tanto no âmbito da filosofia como no campo das diversas ciências,
foi objeto de exaustiva análise de muitos autores das mais diversas tradições teóricas e recortes
argumentativos. Indicamos aqui obras que, de um modo ou de outro, capilarizam os debates
realizados. Cf. Ernildo Stein, A questão do método na filosofia. 3. ed. Porto Alegre: Movimento,
1983. cap. II, n. 4, p. 97-112. Para determinação do método no âmbito das chamadas ciências
humanas ou do espírito (Geistwissenschaften) – discurso no interior do qual está inserido o
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Direito – assume particular importância a obra de Dilthey. Nesse sentido, consultar Wilhelm
Dilthey, Introdução às ciências humanas. Trad. de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2010. n. XII, p. 68-74. No campo das ciências, uma primeira leitura a
respeito do problema do método pode ser feita através de Boaventura de Souza Santos. Um
discurso sobre as ciências. 3. ed., São Paulo: Cortez, 2005. Para uma aproximação mais
aprofundada, que acrescenta e desenvolve a noção de paradigma no âmbito do método científico,
Cf. Thomas Samuel Kuhn, A estrutura ds revoluções científicas. 8. ed. Trad. César Mortari. São
Paulo: Perspectiva, 2003.
2
.Cf. Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego, Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 2009. prefácio, p. XXI e XXII.
3
.Nesse sentido, consultar a inovadora e percuciente tese de Lenio Streck descrita em Verdade e
consenso. Constituição, hermenêutica e teorias discursivas da possibilidade à necessidade de
respostas corretas em direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. passim. Cf., também, Lenio
Streck. O que é isto – Decido conforme minha consciência? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010. passim. De se consignar que o enfrentamento do problema da decisão judicial
representa um ponto fulcral para a teoria do direito na contemporaneidade. No Brasil, essa
preocupação repercute na obra de importantes autores. Nesse contexto, é fundamental a leitura de
Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira Jurisdição e hermenêutica constitucional no Estado
democrático de direito: um ensaio de teoria da interpretação enquanto teoria discursiva da
argumentação jurídica de aplicação. In: ______ (org.). Jurisdição e hermenêutica
constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2005; Alexandre Morais da Rosa e José Manuel
Aroso Linhares. Diálogos com a Law and Economics. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2008;
Francisco J. Borges Motta. Levando o direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo
judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012; Ronald Dworkin e a decisão jurídica. 2 ed.
Salvador: JusPodivm, 2018.
5
.Friedrich Rapp. Método. In: Hermann Krings; Hans Michael Baumgarten; Christoph
Wild. Conceptos fundamentales de filosofia. Barcelona: Herder, 1978. t. II, p. 530.
7
.Também Gadamer faz essa observação quando aborda a questão do método: “Em verdade, a
palavra método soa muito bem em grego. Todavia, enquanto uma palavra estrangeira moderna,
ela designa algo diverso, a saber, um instrumento para todo conhecimento, tal como Descartes a
denominou em seu Discurso do método. Enquanto um termo grego, a palavra tem em vista a
multiplicidade, com a qual se penetra em uma região de objetos, por exemplo, enquanto
matemático, enquanto mestre de obras ou enquanto alguém que filosofa sobre ética” (Hans Georg
Gadamer. Hermenêutica em retrospectiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007. vol. II, p. 164).
Grifos do original.
8
.De se consignar que existem propostas metodológicas de refinado matiz teórico que procura
retratar a metodologia jurídica como uma estratégia para equacionar a complexa relação existente
entre sistema (âmbito textual) e problema (âmbito fático-normativo). Esse é o caso de Antônio
Castanheira Neves e da verdadeira escola que se constitui em torno de sua obra, que pode ser
notada na obra de autores como Fernando Pinto Bronze e José Manuel Aroso Linhares. No que
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tange à proposta mencionada, Cf. Antônio Castanheira Neves. Metodologia jurídica: problemas
fundamentais. Coimbra: Coimbra Ed., 1993, em especial n. 3, p. 155 e ss.
10
.Ver por todos: Paulo Dourado Gusmão. Introdução ao estudo do direito. 10. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1984. quarta parte, cap. XXI-XXVI, p. 255-296; Paulo Nader. Introdução ao estudo do
direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. quinta parte, cap. XXII-XXVII, p. 239-303; André
Franco Montoro. Introdução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000. n. 12, p. 369-
387.
11
.De se ressaltar que a interpretação que Pontes oferece sobre o movimento do direito livre
discrepa da sua tradicional retratação como um movimento em favor do simples reconhecimento
da liberdade criativa do juiz (o imbróglio sobre as “lacunas” do direito). Na verdade, nos termos
formulados pelo jusfilósofo, o movimento do direito livre implicava liberdade de investigação no
direito. Vale dizer, a institucionalização da possibilidade de investigar cientificamente o direito para
além do dogmatismo do conceitualismo alemão (jurisprudência dos conceitos), do exegetismo
francês e do formalismo anglo-americano (vale lembrar que o movimento do direito livre, diferente
das escolas metodológicas que possuíam clara identificação nacional, internacionalizou-se). Essa
interpretação é corroborada, inclusive, pelo título do opúsculo que dá vida ao movimento: A luta
pela ciência do direito (Der Kampf um die Rechtswissenschaft, de Hermann Kantorowicz publicado,
na verdade, sob o pseudônimo Gnaeus Flavius) que indica, à toda evidência, seu caráter científico
e não apenas jurisprudencial (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Sistema de ciência positiva
do direito. Campinas: Bookseller, 2000. t. II., p. 220 e ss.). Em última análise, o movimento do
direito livre seria – ressalvadas as inúmeras peculiaridades da época – um ato de afirmação do
desprendimento do direito da metafísica; de constituição verdadeira de uma ciência do direito.
13
.R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes,
2000. n. I., p. 5.
14
.Idem, p. 6.
15
.Essa discussão reflete, em termos gerais, os profundos problemas que as discussões em torno da
soberania popular e os conceitos de povo e nação engendram no contexto do direito público.
Nesse sentido, Cf. Friedrich Müller. Quem é o Povo? A Questão Fundamental da
Democracia. 2 ed. São Paulo: Max limonada, 2000. Para desdobramentos possíveis da construção
apresentada no texto em torno da “icônica vontade geral”, consultar especialmente o capítulo IV,
que trata especificamente do “Povo” como ícone.
16
.Mario Losano. Os grandes sistemas jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 59.
17
.R. C. Van Caenegem. Uma introdução histórica... cit., p. 208. O autor afirma ainda que o nome foi
sugerido por E. Glasson que, no centenário do Code civil, tratou do tema mencionando a
existência de “advogados civilistas que formaram uma espécie de escola que poderia ser chamada
de Escola da Exegese”.
18
.O elemento racionalista a que o texto faz menção não se resume, por certo, ao caráter sistemático
da codificação. Ele pode ser sentido também na intenção de se colocar o conhecimento
acumulado pelos estudos romanistas diante do “tribunal da Razão” e na crença de que seja
possível criar uma engenharia social ideal a partir de uma “arquitetônica da Razão” (a
Codificação).
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19
.Cf. Arthur Kaufmann; Winfried Hassemer (orgs.). Introdução à filosofia do direito e à teoria do
direito contemporâneas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. p. 83 e ss. Para Kaufmann
“os juristas racionalistas procediam totalmente de acordo com a escolástica, na medida em que
também eles estavam convencidos da possibilidade de, a partir de um número reduzido de
princípios superiores e apriorísticos, extrair, através da pura dedução, todas as regras de direito,
sem ter em conta a realidade empírica, as circunstâncias espaço temporais. (...) Na realidade,
acabava por se proceder empiricamente, quando se pediam ‘empréstimos’ ao direito romano, cuja
racionalidade se enaltecia (era o tempo da recepção). Só assim puderam nascer os grandes
‘códigos jusnaturalistas’”. Também Castanheira Neves afirma que “o jusnaturalismo moderno-
iluminista preparou desde meados do séc. XVIII, e consumou-se, a partir de 1794 (a data do
Código prussiano) na codificação. Os códigos iluministas, e mesmo o pós-revolucionário Code
civil francês de 1804 outra coisa não foram, fundamentalmente, senão a consagração dos
sistemas racionalmente construídos pelo jusnaturalismo moderno-iluminista em positivo-
codificados sistemas legislativos (Antonio Castanheira Neves. A crise actual da filosofia do direito
no contexto global da crise da filosofia. Tópicos para a possibilidade de uma reflexiva reabilitação.
Coimbra: Coimbra Ed., 2003. p. 26-27.). Desse modo, fica claro que o jusnaturalismo moderno não
apenas preparou o caminho para codificação, como se consumou nela. Em outra obra Castanheira
Neves vai além da tese da consumação do direito natural na codificação, procurando apontar para
a maturação dos conceitos fundamentais do positivismo jurídico já ao tempo do período
racionalista-iluminista Cf. Antônio Castanheira Neves. Curso de introdução ao estudo do direito.
Coimbra: Sebenta, 1976. parte II, passim.
20
.O historiador belga retrata essa tese em diversas obras. Em maiores detalhes ela aparece em R.
C. Van Caenegem. Judges, legislators & professors. Chapters in European legal history.
Cambridge: Cambridge University Press, 2002. passim. No mesmo sentido, Cf. R. C. Van
Caenegem. European law in the past and the future. Cambridge: Cambridge University Press,
2002. passim.
21
.Sobre a vida e obra de Savigny Cf. Frederico Fernándz-Crehuet López. La perspectiva del sistema
en la obra y vida de Friedrich Carl von Savigny. Granada: Editorial Comares, 2008. passim.
22
.Sobre essa problemática Cf. Frederico Fernándz-Crehuet López. Op. cit., p. 117 e ss.
24
.Idem, p. 22.
26
.Idem, ibidem.
29
.Importante anotar que o termo “jurisprudência” aqui é utilizado no sentido de “ciência jurídica”,
sem uma específica conotação tribunalícia ou qualquer significado similar. Na verdade,
jurisprudência dos conceitos, jurisprudência dos interesses e jurisprudência dos valores são
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.Cf. Franz Wieacker. História do direito privado moderno. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010. parte IV.
31
.Cf. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. I, cap. XIII,
n. 5, p. 337 e ss.
33
.José Reinaldo de Lima Lopes. O direito na história. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2002. n. 3,
p. 24.
36
.Rudolf von Jhering. O espírito do direito romano: nas diversas fases de seu desenvolvimento.
Trad. Rafael Benaion. Rio de Janeiro: Alba, 1943. vol. III, § 43, I, p. 24 e ss.
40
.Cf. Rudolf von Ihering. A finalidade do direito. Campinas: Bookseller, 2002. t. I., p. 225 e ss. Essa
divisão entre os momentos da obra de Ihering é também explorada por Losano em seu Sistema e
estrutura no direito cit., vol. I, n. XIV, p. 349 e ss., e vol. 2., n. IV, p. 150 e ss.
41
.Cf. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. II, n. IV, 5,
p. 150-151.
42
.Registre-se que autores importantes, ligados aos altos círculos da universidade alemã, foram
influenciados pela leitura desse texto. Esse é o caso de Oskar von Büllow – tido como o fundador
da “ciência processual”. Mario Losano, no segundo volume de seu Sistema e estrutura do direito,
indica a vinculação de Büllow a esses movimentos antissistemáticos que polularam no final do
século XIX e início do século XX. Interessante é que Losano traz à colação um depoimento de
Gustav Radbruch – à época também vinculado ao Direito Livre – no qual se afirma que a opção
pelo pseudônimo é que levou ao relativo sucesso do manifesto, pois conferiu ao texto de um jovem
pesquisador a aparência de um escritor experiente, com “autoridade” para tratar dos temas ali
abordados. Nos termos do depoimento de Radbruch, foi esse fator, provavelmente, que possibilitou
a leitura e aderência de juristas de renomado prestígio como é o caso de Franz Klein e do próprio
Bülow (Cf. Mario Losano. Sistema e estrutura no direito cit., vol. II, p. 153-154).
43
.Idem, p. 160.
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44
.Idem, p. 164.
45
.Idem, ibidem.
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Apesar das críticas por ele desferidas contra o modelo de Jellinek – que se
estendiam também ao positivismo jurídico clássico – Kelsen parecia compartilhar
com esses modelos alguns aspectos de sua teoria. A formulação povo, território e
soberania, oriunda de Jellinek, por exemplo, é reafirmada em sua Teoria Geral do
Estado (com o acréscimo do elemento temporal, para refletir sobre a origem e o
desaparecimento dos Estados). Por outro lado, a ideia de autoridade presente no
positivismo clássico é também por ele aceita, sem maiores reparos.
De todo modo, o certo é que, nos termos propostos por Smend, a associação
política que não fosse capaz de produzir a “integração”, não poderia ser chamada
de Estado. Essa era a porta de abertura para a crítica do Estado criado pela
República de Weimar e de sua claudicante democracia. Tão certo quanto o
sucesso alcançado por propostas metodológicas como a de Smend no contexto do
“neoconstitucionalismo” (em face de sua possibilidade mais heurística em termos
de interpretação da Constituição), é também o fato de que esse tipo de discurso
contribuiu para consolidar no imaginário jurídico da época, a tese de que a
democracia de Weimar representava um obstáculo – e não um elemento de
solução – para o enfrentamento dos problemas vivenciados pela Alemanha da
época.52
Outro autor igualmente crítico dos modelos positivistas, mas que se situava no
outro espectro do pensamento político, era Hermann Heller. Diferente de Smend,
Heller era um social-democrata convicto. Todavia, reconhecia-se como um
adversário metodológico do positivismo – especialmente Kelsen. Para ele, era
inaceitável que o Estado fosse apenas um ordenamento jurídico. Heller reconhecia
o valor dos esforços da escola de Kelsen para produzir um tratamento
metodológico mais adequado para as questões do Direito e do Estado. Todavia,
insurgia-se contra a hipertrofia normativista que se projetava a partir da escola de
Vienna. Desse modo, sua teoria buscava compreender a influência normativa
existente no Estado asseverando que a criação deste mesmo Estado pelos
indivíduos deveria se projetar a partir de uma plataforma comum de normas e
valores, sem, com isso, desconsiderar a importância de um contato empírico com a
realidade social para a composição de uma adequada teoria do estado. Assim, o
Estado, como unidade organizada de decisão e ação, deveria, por sua vez,
conduzir a convivência social, principalmente por meio do direito positivo.53
Todo esse debate sobre o método na Teoria do Estado acaba por se encerrar
com a instalação dos nacional-socialistas no poder, a partir de 1933. Segundo
Stolleis, um sintoma que demonstra que a produção intelectual nesse campo – que
atingiu um ponto alto de criatividade e intensidade no contexto dos anos da
República de Weimar – acabou solapada pela ditadura nacional-socialista,
encontra-se no fato de que a Associação Alemã dos Teóricos do Direito do Estado
(Vereinigung der Deutschen Staasrechtslehrer) que havia sido fundada em 1922,
deixou de se reunir depois de 1933.54 Somente após o término da Guerra é que as
atividades da referida associação seriam retomadas.
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Ditadura. Sem embargo, a ordem jurídica vigente, de forma geral, continuava a ser
(e assim aparentava) aquela herdada da era Weimar. Do ponto de vista do Direito,
portanto, o regime recepcionara em bloco o material jurídico produzido durante os
tempos de democracia.57
Por outro lado, a criação de leis gerais e abstratas poderia passar a mensagem
de que o governo, em algum nível e com algum sentido, estaria comprometido a
cumpri-las. E o comprometimento com algum tipo de ordem jurídica limitadora,
ainda que emanada da própria autoridade, não é algo que se observe em regimes
autocráticos. Como anota Franz Neumann, o nacional-socialismo não podia ser
definido a partir de uma teoria (política ou jurídica) e nem por meio de uma prática
consistente. Na verdade, se houve algo que o definia, esse algo era a
instrumentalização radical de tudo aquilo que servisse, da forma que fosse, para
oferecer um pseudofundamento para as ações do partido e do Estado. Fala-se
muito sobre a vagueza e a gigantesca ambiguidade que caracterizava a ideologia
nacional-socialista, mas, de certa forma, isso se calçava como uma luva nas mãos
das lideranças do regime: quem pretende estabelecer um domínio radical precisa
ter mecanismos para ajustar os fatos à sua vontade. Diretrizes vagas e portadoras
de ambiguidade servem a esse desiderato com perfeição, na medida em que
permitem um ajuste individualizado e a utilização de uma medida específica para
cada situação apresentada.
Por fim, mas não menos importante, os nazistas também perceberam que,
muito mais fácil do que destruir o direito vigente por meio de sua substituição
legislativa, seria conspurcá-lo por dentro, por meio de um alargamento das
margens interpretativas de atuação dos juízes e dos tribunais. A esse elemento,
combinaram-se políticas de “limpeza” de inimigos ideológicos que eventualmente
estivessem alojados dentro do Judiciário, bem como uma doutrinação eficaz que
servia de orientação para os juízes “amigos” no preenchimento desses espaços de
interpretação. Com efeito, a técnica que ficou conhecida, na emblemática
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bajo el nazismo eran varias y diferentes las doctrinas jurídicas y las concepciones
metodológicas que competían por esa meta de la ‘renovación jurídica popular’. A
veces las diferencias de sus contenidos son considerables. También hay que fijarse
en la competencia entre las distintas escuelas y entre los autores a la hora de ganar el
favor de los gobernantes y para hacer valer la supuesta cercanía y fidelidad de sus
respectivas teorías a la ideología nacionalsocialista.62
Essa descrição, com relação ao Direito, coaduna-se com o modo global a partir
do qual Franz Neumann procura definir a estrutura da prática política nacional-
socialista.63 Em termos teóricos ou filosóficos, afirma Neumann, a ação nacional-
socialista não é informada nem por um modelo puro (muito já se discutiu sobre o
pretenso hegelianismo do Estado nacional-socialista; ou sobre as inspirações
nietzchianas do racismo biológico que estaria na base da ideologia hitlerista),
tampouco poderia ser explicado por meio de um modelo sincrético, que
contemplasse vários paradigmas filosóficos ao mesmo tempo.64 Na verdade,
segundo Neumann, o nacional-socialismo e o regime totalitário que ele construiu
não podem ser descritos por nenhum modelo filosófico ou teórico disponível no
terreno da política. O que mais se aproximaria, não como explicação, mas como
dispositivo de entendimento do funcionamento do aparato nacional-socialista, seria
a abordagem renascentista – Maquiavel à frente, mas emblematicamente
explorada por Arnold Clapmar – sobre os Arcana imperii e os Arcana
dominationis.65 Não obstante, ainda assim, essa constatação não autorizaria a
conclusão de que o nacional-socialismo seria, então, “maquiavélico”. Ao contrário,
novamente o que se poderia concluir aqui seria que esse regime se caracterizava
pela instrumentalização de teorias, concepções de mundo e métodos de
abordagem em níveis altíssimos; isto é, vale qualquer coisa! O importante é que
a vontade triunfe. E, para isso, é preciso manter-se no poder e dominar as massas
que estão sob seu jugo.
Como bem assinala Lenio Streck – que, aliás, sempre destacou o caráter
antidemocrático de posturas teórico-doutrinárias que estimulavam ativismos ou
protagonismos judiciais –, quem defende a liberdade interpretativa dos juízes não
conseguiu entender o problema em sua globalidade. Tão perigoso quanto o
autoritarismo explícito, que propaga o terror e a violência por meio de rupturas
claras com o Estado de Direito, é aquele que se expressa de forma invisível,
penetrando nas sendas abertas das práticas jurídicas.
Por outro lado, Streck também é importante para desmistificar outra tese que
pretende criticar abordagens hermenêuticas com relação ao Direito, uma vez que,
ao alertar para a autoridade da tradição, a hermenêutica seria uma vertente
“conservadora” no campo do pensamento e que poderia flertar com modelos
políticos autoritários ou aristocráticos. Ora, a hermenêutica não produz o tipo de
relativismo instrumentalista necessário para manter a dominação em regimes como
aquele que atingiu a Alemanha ao tempo do nacional-socialismo. Como bem anota
Streck, a hermenêutica não se expressa como um irracionalismo e nem permite
concluir que a interpretação seja uma atividade livre, a partir da qual seria possível
dizer “qualquer coisa sobre qualquer coisa”.74
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E mais do que isso, tomando por exemplo a discussão que aqui estabelecemos
a respeito da ressignificação encampada pelo nacional-socialismo do direito
herdado da República de Weimar, temos que a hermenêutica apontaria para o
sentido oposto daquele pretendido pelo regime. Com efeito, o impulso constante de
dar às formas jurídicas novo significado – criando-se uma espécie de novilíngua
jurídica – vilipendia a linguagem; atenta contra a constituição historial e
intersubjetiva das palavras e dos conceitos. A pretexto de se recuperar um
elemento essencialmente germânico, de origens teutônicas profundas, o nacional-
socialismo maculou a tradição. O nazismo, nesse sentido, não foi um movimento
que prestou reverência à tradição; pelo contrário, foi um movimento que destruiu
“tesouros da cultura” (na feliz expressão de Erich Rothacker): o Rechtsstaat; a
separação de Poderes; o federalismo; o direito penal civilizado75 etc., para ficar
apenas nesses. Palavras novas ou com significados reconstruídos abalaram as
estruturas desses “monumentos jurídicos” do passado: “comunidade do povo”
(Volksgemeinschaft), “coordenação” (Gleichschaltung), “princípio de liderança”
(Führerprinzip), talvez sejam os exemplos mais significativos.
Em suma, pode-se indicar uma resposta a essa questão com Franz Neumann:
Um sistema como esse merece ser chamado de Direito? Sim, se o Direito for
entendido apenas como a vontade do soberano; definitivamente não, se o Direito,
diferentemente do comando do soberano, necessite ser racional na forma ou no
conteúdo. O sistema nacional-socialista não é nada mais do que uma técnica de
manipulação de massas por meio do terror. Tribunais criminais, junto com a Gestapo,
o ministério público, e os executores, são agora os agentes primários da violência. Os
tribunais civis, por sua vez, são agentes primários para a execução dos comandos de
organizações empresariais monopolizadoras.76
46
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.Cf. Georg Jellinek. Teoria General del Estado. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 2004, em
especial, o livro terceiro.
48
.Para maiores detalhes sobre a Teoria Pura do Direito, ver o Capítulo 9, infra.
49
.Para Stolleis, esse grupo de autores, notadamente antipositivistas, incluiria, além de Smend,
outros importantes autores da Teoria do Estado ou da Teoria da Constituição, como é o caso de
Heinrich Triepel, Erich Kaufmann, Gerhard Leibholz, que, embora não chegassem a ser nazistas,
eram assumidamente antidemocracia e defendiam um Estado forte, baseado em uma liderança
rigorosa, como parte da solução dos problemas vivenciados pela Alemanha na época. Dentro
desse grupo, seria possível alocar, também, autores que compactuavam do diagnóstico da época
e da crítica ao positivismo, mas que, em algum momento, aderiram ou mantiveram uma relação
apologética com o nazismo. Este seria o caso de Carl Schmitt, Otto Koelreutter e de jovens
professores de Direito que se autointitulavam “Jungen Rechten” (juventude direitista) dentre os
quais estava Karl Larenz. A heterogeneidade desses autores “antipositivistas” era tão grande, do
ponto de vista político, que comportava inclusive um jurista defensor da social democracia e do
modelo parlamentar instalado pela Constituição de Weimar, que era Herman Heller. Cf. Michael
Stolleis. Geschichte des öffentlichen Rechts in Deutschaland cit., p. 171-186.
51
.Hans Kelsen foi um dos mais incisivos críticos da obra de Smend. Além de acusar sua “teoria da
integração” de irracionalismo, Kelsen denunciava também o caráter antidemocrático e autoritário
dessa proposta metodológica (dois fatores que, na interpretação kelseniana, sempre andaram
juntos). Parte desse debate se encontra com tradução para o português. Nesse sentido, Cf. Hans
Kelsen. O Estado como integração. São Paulo: Martins Fontes, 2003, passim.
53
.Cf. Herman Heller. Teoría del Estado. Madrid: Fondo de Cultura Econômica, 2015, Edição do
Kindle, passim.
54
.Bernd Rüthers destaca a grande influência exercida pelas práticas jurídicas – especialmente
doutrina e jurisprudência – na consolidação jurídica do nacional-socialismo. Depois de afirmar que,
sob o prisma do direito positivo, o “legislador” nacional-socialista manteve vigente as normas
provenientes da época de Weimar (especialmente com relação ao Direito Privado), Rüthers
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adverte: “Eso no significa que los gobernantes estuvieran inclinados, respecto a esas leyes
mantenidas en vigor, a dejar las cosas como estaban, a aceptar los contenidos jurídicos recibidos.
Muy al contrario, el programa que guiaba la política jurídica del nazismo era el de una completa
‘renovación jurídica popular’ basada en la ideología nacionalsocialista” (Bernd Rüthers. Derecho
Degenerado cit., p. 51).
59
.Ibidem, p. 9-10.
61
.Cf. Bernd Rüthers. Die unbegrenzte Auslegung. 8. ed. Tubingen: Mohr Siebeck, 2017, passim.
62
.Para Neumann – e concordamos com ele – “no philosophy can be held responsible for National
Socialism” (Franz Neumann, op. cit., p. 463).
65
.O estudo realizado por Clapmar também é explorado por Carl Schmitt em seu Ditadura (Carl
Schmitt. Dictartorship. Tradução Michael Hoelzl e Graham Ward. Cambrigde: Polity Press, 2014,
p. 11-16), livro anterior à chegada ao poder por parte dos nacional-socialistas, mas que descreve
boa parte dos elementos que iriam compor, posteriormente, o éthos político do regime. Com
relação especificamente aos desdobramentos que a análise de Clapmar pode projetar na
interpretação da estrutura do regime de Hitler, Neumann afirma: “National Socialism has revived
the methods current in the fourteenth century, when the first modern states, the Italian city states,
were founded. It has returned to the early period of state absolution where ‘theory’ was a mere
arcanum dominations, a technique outside of right and wrong, a sum of devices for maintaining
power. The leaders of the Italian city states in the fourteenth century: Machiavelli, the early
seventeenth-century German lawyers (like Arnold Clapmar); were masters of this art. A study of
Arnold Clapmar’s De arcanis rerum publicarum (1605) will reveal striking similarities with National
Socialism in the transformation of thought into propaganda techniques” (Franz Neumann, op. cit.
p. 465).
66
.Stolleis descreve o caso mencionado no texto da seguinte maneira: “Im Bürgerlichen Recht, das
seinen normativen Bestand im wesentlichen behielt, verschoben sich die Gewichte vor allem durch
Rechtsprechung und Rechtswissenschaft. Die Generalklausen (§§ 138, 157, 226, 242, 826 BGB),
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vor denen kurz zuvor noch gewarnt worden war, wurden jetzt als ‘Einbruchstellen’ für die
nationalsozialistische Weltanschauung empfohlen. Betonung des ‘Gemeinschaftgedankens’,
Reduzierung der Ansprüche gegenüber den Pflichten, Ethisierung und Vulgarisierung des Rechts
führten sowohl zu Verlusten an dogmatischer Rationalität und Rechtssicherheit als auch zur
Bildung neuer dogmatischer Figuren” (2016, p. 25-26). Em tradução livre: “No Direito Civil, que de
forma geral manteve o seu núcleo normativo, os pesos mudaram, acima de tudo, por meio da
ciência jurídica e da jurisprudência. As cláusulas gerais (parágrafos 138, 157, 226 e 826 do
Código Civil), contra as quais os nazistas haviam alertado, eram vistas agora como ‘pontos de
entrada’ para a visão de mundo nacional-socialista. A ênfase estava no ‘pensamento comunitário’,
que reduzia direitos em favor de deveres; na infusão da moralidade no direito e sua vulgarização:
tudo isso levou à perda da racionalidade doutrinária e da segurança jurídica, bem como à
construção de novas figuras dogmáticas”.
71
.Não se quer com isso dizer, é bom registrar, que o neoconstitucionalismo seja um modelo teórico
nazista. Como já destacado no texto, não há simplesmente uma “teoria nazista”. O que pode haver
são descrições ou posturas metodológicas articuladoras de fórmulas para a “obtenção de
normas” – para usar uma expressão de Friedrich Müller – permissivas com relação à aplicação ou
realização do direito que não respeitam os postulados do rule of law ou de um Rechtsstaat. Ou
seja, ainda que inconscientemente, acabam por expressar um modelo jurídico autoritário. É nesse
sentido que, aqui, criticamos alguns elementos presentes dentro do imaginário jurídico que
compõe esse movimento teórico – o qual possui alguma expressão significativa no direito
brasileiro – que é o neoconstitucionalismo.
74
.Como assinala Bernd Rüthers: “antes: ninguna pena sin ley. Ahora: ningún criminal sin su pena”
(Bernd Rüthers. Derecho Degenerado cit., p. 53).
76
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Quando Bernd Rüthers afirma que muitos dos modelos metodológicos que
ainda hoje estão ativos foram desenvolvidos e experimentados no contexto do
nacional-socialismo, ele certamente está se referindo à jurisprudência dos valores.
Evidentemente, os nomes e conceitos sofrem variações. Mas a estrutura e o
modelo de pensamento se mantêm. Por certo, como já foi dito, isso não significa
que essas manifestações metodológicas devem ser afastadas a priori. Todavia, o
jurista preocupado com a produção democrática do direito deve se manter alerta
para as erupções autoritárias que podem emergir a partir da articulação dessas
posições metodológicas.
Tal fenômeno pode ser explicado, em grande aparte, por meio de uma
peculiaridade histórica que cerca a jurisprudência dos valores. O final da Segunda
Guerra Mundial representa um marco para composição de uma nova ordem,
social, política e jurídica. Em termos sociais, os anos que se seguiram a 1945
vivenciaram as agruras do período da reconstrução da Europa e, a partir da
década de 1950, desenvolveram condições de vida e igualdade sem paralelo na
história (a chamada “era de ouro do capitalismo”). Politicamente, a queda do
nazismo e do fascismo – enquanto inimigos comuns – abriu espaço para a
polarização do mundo entre as duas grandes ideologias: o capitalismo e o
socialismo. É o tempo da chamada “guerra fria”. Juridicamente, a principal
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Essa é outra diferença decisiva que a jurisprudência dos valores guarda com
relação à jurisprudência dos interesses. No caso da primeira, seus postulados
metodológicos não se restringem ao âmbito acadêmico, mas tem como grande
“laboratório” a atividade do Tribunal Constitucional Federal alemão nas primeiras
décadas da segunda metade do século XX que recepcionou muitas de suas teses.
Não cabe aqui, pelos limites de uma obra com finalidade didática, discutir em
pormenores a obra de cada um destes autores. Todavia, é importante apresentar
um panorama geral de cada uma delas.
Assim, para este autor, a decisão de uma questão judicial que exige um juízo
de valoração – e ao final, todas elas exigem, porque o direito é concebido aqui
como uma ordem positiva de valores – pode até ser praeter legem, mas será,
necessariamente, intra jus. Isto é, na decisão orientada por valores, o juiz pode ir
para além daquilo enunciado pelo texto da lei. Mas sua decisão, que positivava
valores, será de acordo com o direito.85
Esse traço decorre diretamente de seu neohegelianismo. Com efeito, como nos
lembra Losano, essa distinção entre jus e Lex não coloca Larenz nos trilhos de um
jusnaturalismo. Na verdade, Larenz aposta em um sentido de justiça existente em
cada indivíduo, a partir de algo que ele nomeia “consciência jurídica”. Assim, “a
justiça não é nem a norma fundamental do ordenamento, nem o axioma do qual
deduzir outras normas, mas um ideal que o direito positivo tenta realizar,
conseguindo-o apenas em parte”.86
Nos dois últimos casos, o intérprete não deve ficar restrito ao texto da lei, mas,
sem desconsiderá-lo – vale dizer, de forma imanente – ele deve aperfeiçoá-lo de
modo que atinja a finalidade nele contida e amparada pelo direito. Se esse
aperfeiçoamento implica restrição do conteúdo, têm-se uma redução teleológica;
se implica extensão de conteúdos, têm-se uma extensão teleológica.87
disso, seu inegável tino comparativista abrira o estudo do direito para um diálogo
produtivo entre as tradições que compõem o direito ocidental.91
78
.Nesse sentido, é importante mencionar as seguintes obras: Chester Neal Tate; Torbjörn Vallinder.
The global expansion of judicial power: the judicialization of politics. In: ______; ______
(orgs.). The global expansion of judicial power. New York: New York University Press, 1995; Martin
Shapiro; Alec Stone Sweet. On law, politics & judicialization. New York: Oxford University Press,
2002; Ran Hirschl. Towards juristocracy. The origins and consequences of the new
constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2007. Há também textos traduzidos para o
português e publicados recentemente na Revista de Direito Administrativo da Fundação Getulio
Vargas: Ran Hirschl. O novo constitucionalismo e a judicialização da política pura no
mundo. Revista de Direito Administrativo. n. 251. p. 139-175. Belo Horizonte: Fórum, maio-ago.
2009.
82
.Cf. Josef Esser. Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado.
Barcelona: Bosch, 1961. passim; Josef Esser. Precomprensione e scelta del metodo nel processo
di individuazione del diritto. Camerino: Edizione Scientifiche Italiane, 1983, passim.
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Como afirmado no início deste item, a jurisprudência dos valores possui, com
relação às demais posturas metodológicas que aqui retratamos, a peculiaridade de
ter repercutido, de alguma forma, na atividade concreta dos tribunais. Em especial,
a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão.
Nesse caso, aquilo que ficou conhecido como “revolução copernicana do direito
público”,92 produziu uma série de debates reconduzindo a Constituição e o direito
constitucional a um lugar realmente novo no âmbito da experiência jurídica
vivenciada pelo Europa continental.
tribunal. Todavia, reconhece que, nalguns momentos, o apelo a valores pode levar
a certo irracionalismo decisório, na medida em que não existem critérios objetivos
para determinar qual dos valores em conflito deve prevalecer. Assim, em sua obra,
Alexy opõe um modelo decisionista a um modelo fundamentado de sopesamento.
O modelo decisionista representa as decisões “irracionais”. O fundamentado, por
sua vez, tem lugar no momento em que a lei da ponderação é aplicada às decisões
do tribunal.103
Esse problema que acomete parte da doutrina brasileira vem sendo fortemente
denunciado por Lenio Streck.105 Com efeito, segundo o jusfilósofo, a doutrina
brasileira operou três recepções equivocadas: a) dos postulados da jurisprudência
dos valores; b) da ponderação alexyana; c) do ativismo judicial norte-americano.
Aqui, nos interessa mais de perto a questão que diz respeito aos equívocos
presentes na recepção dos postulados da jurisprudência dos valores.
Esse ponto é que parece não ter sido bem compreendido por parte da doutrina
brasileira. Como afirma Streck: “os juristas brasileiros não atentaram para as
distintas realidades (Brasil e Alemanha). No caso específico do Brasil, onde,
historicamente, até mesmo a legalidade burguesa tem sido difícil de ‘emplacar’, a
grande luta tem sido estabelecer um espaço democrático de edificação da
legalidade, plasmado no texto constitucional”.107
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92
.Cf. Konrad Hesse. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:
Safe, 1991. passim.
94
.Para uma análise aprofundada do ponto de vista da filosofia e da teoria da Constituição, Cf.
FRANKENBERG, Günter. Autorität und Integration: Zur Gramatik von Recht und Verfassung. 2 ed.
Frankfurt: Suhrkamp, 2016, pp. 190-208.
98
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.BVerfGE 35, 202.
102
.Cf. Robert Alexy. Teoria dos direitos fundamentais cit. São Paulo: Malheiros, 2008. n. 2.2.2.1.,
p. 164 e ss.
104
.Essa crítica aparece na introdução à 4. ed. de Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit.,
introdução, n. 4, p. 47 e ss.
106
.Por todos, Cf. Luis Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos. O começo da história: a nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. In: Virgílio Afonso da Silva
(org.). Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005.
107
.Por todos, Cf. Judith Martins-Costa. As cláusulas gerais como fatores de mobilidade do sistema
jurídico. Revista dos Tribunais. vol. 680. p. 47. São Paulo: Ed. RT, jun. 1992; Judith Martins-Costa.
O direito privado como um “sistema em construção” – As cláusulas gerais no projeto do Código
Civil brasileiro. Revista dos Tribunais. vol. 753. p. 24. São Paulo: Ed. RT, jul. 1998.
109
.Nesse sentido são as críticas de Friedrich Müller: “Tal procedimento (a ponderação) não satisfaz
as exigências, imperativas no Estado de Direito e nele efetivamente satisfatíveis, a uma formação
da decisão e representação da fundamentação, controlável em termos de objetividade da ciência
jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional.
O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições
constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com
ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferenciadores e estruturante da análise
do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos elementos de
concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com
representações necessariamente formais de ponderação, que consequentemente insinuam no
fundo uma reserva de juízo (Urteilsvorbehalt) em todas as normas constitucionais, do que com
categorias de valores, sistema de valores e valoração, necessariamente vagas e conducentes a
insinuações ideológicas”. Friedrich Müller. Métodos de trabalho de direito constitucional. 3. ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. p. 36.
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Toda a atividade do poder judiciário que se segue à jurisprudência dos valores passa a
incorporar um elemento essencial. Quais os limites do direito em relação à política e vice-versa.
O tema reflete um interesse interdisciplinar, que envolve, além de questões jurídicas, problemas
relativos às ciências sociais, em especial a Ciência Política e a Sociologia.
É fato notório que, nos últimos anos, o debate acerca do papel desempenhado pelos
tribunais – notadamente no exercício da jurisdição constitucional110 – na concretização dos
direitos fundamentais foi, acentuadamente, acirrado. O tema transcendeu os muros das
universidades, saiu do universo restrito das pesquisas científicas que polarizou o debate
durante o final da década de 1990 e a primeira metade dos anos 2000, e desaguou nas páginas
dos jornais e nos portais de notícias da internet. No contexto atual, já não nos causa surpresa
quando nos depararmos, durante uma simples leitura de jornal, com uma notícia que dê conta
de alguma intervenção do judiciário no âmbito da política, da sociedade e, até mesmo, da
ciência (v.g. ADIn 3510).
Não é preciso muito esforço para perceber que, num caso como esse, a discussão – por sua
íntima natureza, política – acabou por ser juridicializada. E não é apenas em casos envolvendo
o processo político que acontece essa judicialização de matérias classicamente tidas como
exteriores à esfera de atuação do Poder Judiciário. No julgamento da citada ADIn 3510, por
exemplo, o tribunal foi chamado a atuar num campo no interior do qual se discutiam as
“verdades da ciência” sobre a vida e a pesquisa biológica. Discutia-se a constitucionalidade do
dispositivo da Lei 11.105/2005 que permitia, em seu art. 5.º, a possibilidade, para fins
terapêuticos e de pesquisa, de utilização de células-tronco embrionárias obtidas através de
fertilização in vitro. A afronta à Constituição estava balizada no potencial desrespeito à garantia
constitucional do direito à vida (art. 5.º, caput) e, nos diversos votos, os ministros da Corte
discutiram o conceito de vida; quando ela se inicia; qual o estatuto jurídico do embrião (se deve
ou não ser protegido pelo direito etc.), entre outros assuntos que se situam em um ambiente
próprio da ciência e não exatamente jurídico. De forma solene, por ocasião do julgamento desta
mesma ação, o Min. Carlos Ayres Britto afirmou que o STF havia se tornado uma “casa de fazer
destinos”. Nesse caso, o debate acerca das “verdades da ciência” (houve, inclusive, quem
ressuscitasse o debate medieval ciência v.s. religião) e das (in)certezas a respeito das
pesquisas científicas, judicializou-se.
Nessa medida, cabe perguntar: de onde vem esse fenômeno que se insere, cada vez mais,
em nosso espaço público de discussões? Em que ele está enraizado? É algo recente? Se não,
por que demoramos tanto para sentir os seus efeitos?
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Com efeito, o livro A judicialização da política e das relações sociais no Brasil traz, já no
início, uma acalentada discussão que procura reunir – a partir de dois eixos temáticos,
nomeados pelos autores substancialismo e procedimentalismo113 – as mais diversas posturas
dos mais variados autores a respeito do problema envolvendo o papel dos tribunais no
momento da interpretação da Constituição, principalmente nos casos que envolvem a
concretização de direitos fundamentais.
Todas essas questões, somadas à grande repercussão que temos hoje no Brasil sobre
situações envolvendo a judicialização da política e o ativismo judicial, nos levaram a pesquisar
um modo adequado que pudesse oferecer uma distinção mais clara a respeito destes dois
fenômenos. Em artigo recente, Luís Roberto Barroso procura encontrar um modo de diferenciá-
los. De forma que nos parece adequada, o autor posiciona o fenômeno da judicialização no
contexto do modelo constitucional adotado em 1988 e de uma série de questões que daí se
seguiram. Todavia, no momento em que esboça sua definição sobre o que seja o ativismo
judicial, Barroso formula uma afirmação que não nos parece acertada. Afirma o iminente
constitucionalista que “judicialização e ativismo são primos” e “provenientes da mesma família”,
embora reconheça que a judicialização e o ativismo não possuem a mesma origem. A pesquisa
que efetuamos nos permite afirmar, contudo, que não há uma relação de parentesco entre
ativismo e judicialização, do modo como quer Barroso. Efetivamente, as origens dos fenômenos
são distintas. Mas não se trata apenas disso: os contornos de cada um – sua “carga genética”,
por assim dizer – demonstram que cada um dos fenômenos participa de famílias diferentes.
Num primeiro momento, é importante ter presente que a diferença entre ativismo e
judicialização não se dá apenas por uma questão de “natureza”. Há também um problema de
corte teórico: a judicialização é um fenômeno político, gerado pelas democracias
contemporâneas; ao passo que o ativismo é um problema interpretativo, um capítulo da teoria
do direito (e da Constituição). Já a judicialização é um fenômeno eminentemente político,
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Essa tendência judicializante que se verifica nas sociedades atuais é típica das democracias
de massa e tem se apresentado, em números cada vez maiores, no contexto atual. Sua
manifestação não obedece, diretamente, aos desejos do órgão judicante. Pelo contrário, ela se
apresenta como fruto de contingências político-sociais. No âmbito político, fenômenos como
o dirigismo constitucional e a inflação legislativa contribuem para aumentar o espaço de
interferência (possível) do judiciário no âmbito de regulamentação projetado pelo texto da
Constituição e do manancial legislativo, lato senso (Leis, Medidas Provisórias, Regulamentos,
Portarias etc.). Vale dizer, com Lenio Streck, há um aumento da dimensão hermenêutica do
direito: quanto mais direitos são constitucionalizados ou mais leis são editadas para
regulamentar toda uma plêiade de matérias, maior será o espaço – possível – de concreção
dessa normatividade, atividade que se realiza no âmbito da jurisdição, no enfrentamento das
questões concretas e das demandas apresentadas pela sociedade.
Por outro lado, as razões sociais para a aglutinação cada vez maior de matérias
judicializadas, deve-se ao aumento da litigiosidade e de uma peculiaridade que pode ser
observada, em maior ou menor medida, na maioria dos países (pelo menos no que tange aos
países ocidentais). Esta particularidade diz respeito a um imaginário difuso que tende a
enxergar no judiciário o lugar legítimo para se discutir questões que, antes, eram debatidas no
âmbito político (legislativo e executivo). Muitos fatores contribuem para isso, desde o
desprestígio dos agentes públicos (que cada vez mais aparecem como protagonistas de casos
de corrupção), passando pelo discurso retumbante da eficácia dos direitos fundamentais e
desaguando no fato de que, de forma cada vez mais evidente, “o juiz (melhor seria dizer: o
judiciário – acrescentamos) passa a ser uma referência da ação política”.114
Por todas essas questões que levantamos nas linhas anteriores, fica evidenciado que a
judicialização é um fenômeno que independe dos desejos ou da vontade dos membros do
Poder Judiciário. A judicialização, na verdade, é um fenômeno que está envolvido por uma
transformação cultural profunda pela qual passou os países que se organizam politicamente em
torno do regime democrático. Ademais, há fatores políticos que condicionam o grau de
judicialização vivenciado por uma dada sociedade. Dentre esses fatores, podemos
mencionar: a) o grau de (in)efetividade dos direitos fundamentais (núcleo compromissório da
Constituição); b) o nível de profusão legislativa com o consequente aumento da regulamentação
social; c) o nível de litigiosidade que se observa em cada sociedade. Na medida em que
aumentam os indicadores de inefetividade dos direitos fundamentais, os índices de produção
legislativa, e da litigiosidade social, também aumentará o nível de judicialização (daí que, no
título deste tópico, tenhamos falado de uma paradoxal “inexorabilidade contingencial”: por um
lado a judicialização é inexorável, produto do próprio modelo político vivenciado
contemporaneamente; por outro, ela é contingencial, na medida em que terá níveis variados de
acordo com a articulação dos fatores mencionados no texto).
Já o ativismo possui uma raiz completamente diversa. Isso é importante porque os remédios
para controlar uma ou outra patologia serão completamente distintos, pois as causas dos
fenômenos são, elas mesmas, absolutamente distintas: a judicialização não representa um mal
em si. Ela pode se tornar inconveniente quando encontrada em níveis elevados, mas se mostra
necessária em vários âmbitos que caracterizam a sociedade contemporânea. As relações de
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consumo; a preservação do meio ambiente; as questões envolvendo direitos sociais etc., são
questões que merecem ser discutidas judicialmente, na medida em que aquilo que foi projetado
pela Constituição apresentar-se na forma de descumprimento. De todo modo, o bom
funcionamento do sistema político tende a controlar os índices da judicialização. O ativismo, por
outro lado, está situado dentro do direito – no âmbito interpretativo, da decisão judicial – mas,
paradoxalmente, também está fora, na medida em que a estrita dependência em torno daquilo
que o juiz pensa, entende ou deseja no julgamento de uma determinada questão judicializável,
pode levar à suspensão do direito vigente, criando fissuras na institucionalidade, desenvolvendo
figuras típicas de um Estado de Exceção. Por isso, o modo de controlá-lo deve ser aferido no
âmbito da própria interpretação do direito, sendo, por isso, um problema a ser enfrentado pela
hermenêutica jurídica.
Embora sem mencionar expressamente, Antoine Garapon, intui de forma correta o elemento
que marca a linha divisória que separa a judicialização do ativismo. Com efeito, depois de uma
análise minuciosa do modo como a sociedade contemporânea encara temas como a política e a
democracia, demonstrando como a democracia contemporânea acabou por produzir esse
espaço de judicialização, Garapon assevera o seguinte:
“O ativismo começa quando, entre várias soluções possíveis, a escolha do juiz é dependente
do desejo de acelerar a mudança social ou, pelo contrário, de a travar.”116
Nota-se, portanto, que Garapon liga a ideia de ativismo a um desejo – vale dizer, um ato de
vontade – do órgão judicante. Esse ponto indica, de plano, que o problema que vem à tona no
enfrentamento do ativismo é, exatamente, o âmbito que a Teoria do Direito reconhece como
“calcanhar de Aquiles” do jurídico, qual seja, o âmbito interpretativo. De forma mais clara, é aqui
que aparece o ponto decisivo que diferencia ativismo de judicialização: aquele é dependente de
um ato de vontade; este é contingencial, condicionado pelo sistema político.
Leitura recomendada
Básica
Mario Losano. Sistema e estrutura no direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. vol. 2,
cap. VI.
Intermediária
Avançada
Karl Larenz. Metodologia da ciência do direito. 5. ed. Trad. José Lamego, Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2009.
110
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.Importante salientar que o termo jurisdição constitucional tem um sentido decisivo naqueles países que, adotando
a fórmula de Tribunais Constitucionais ad hoc, possuem um órgão especializado para se pronunciar sobre
questões envolvendo a constitucionalidade das leis e demais matérias determinadas pela própria constituição.
Dessa maneira, se diferencia a jurisdição ordinária (comum) da jurisdição constitucional, que aparece como uma
espécie de jurisdição especializada. No Brasil, essa significação perde densidade, na medida em que nos
ordenamos por um sistema misto de controle da constitucionalidade no qual convivem o modelo difuso, baseado
na judicial review estadunidense e o modelo concentrado, de inspiração europeia. Ademais, a despeito de o
Supremo Tribunal Federal ter competência para julgar, de forma concentrada, a constitucionalidade das leis, tal
qual um Tribunal Constitucional europeu, não se pode dizer que vivenciamos um modelo de jurisdição
constitucional stricto senso.
111
.Nesse sentido, é importante mencionar as seguintes obras: Chester Neal Tate; Torbjörn Vallinder. The global
expansion of Judicial Power: the judicialization of politics. In: ______ (orgs.). The global expansion of Judicial
Power. New York: New York University Press, 1995; Martin Shapiro; Alec Stone Sweet. On law, politics &
judicialization. New York: Oxford University Press, 2002; Ran Hirschl. Towards juristocracy. The origins and
consequences of the new constitutionalism. Cambridge: Harvard University Press, 2007. Há também textos
traduzidos para o português e publicados recentemente na Revista de Direito Administrativo da Fundação Getúlio
Vargas: Ran Hirschl. O novo constitucionalismo e a judicialização da política pura no mundo. Revista de Direito
Administrativo, n. 251, maio/agosto de 2009, p. 139-175; numa outra perspectiva, mas apontando também para a
incisividade do poder judiciário na condução da vida política Cf. Robert A. Dahl. Tomada de decisões em uma
democracia: a Suprema Corte como uma entidade formuladora de políticas nacionais. Revista de Direito
Administrativo, n. 252, setembro/dezembro de 2009, p. 25-43.
112
.Cf. Luiz Wernek Vianna. Maria Alice Rezende de Carvalho. Manuel Plácidos cunha Mello. Marcelo Baumann
Burgos. A jurisdicionalização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro, Revan: 1999. Os estudos
foram ampliados e repercutem também em outra obra, cuja organização é assinada por Luiz Werneck Vianna
intitulada A democracia e os três poderes no Brasil. Ed. UFMG, IUPERJ, FAPERJ, 2002.
113
.A dicotomia procedimentalismo v.s. substancialismo vem explicada da seguinte maneira por Lenio Streck: “a
grande diferença de cada um destes aportes teóricos está no tipo de atividade que a jurisdição realiza no
momento em que interpreta as disposições constitucionais que guarnecem direitos fundamentais. As
posturas procedimentalistas não reconhecem um papel concretizador à jurisdição constitucional, reservando para
esta apenas a função de controle das ‘regras do jogo’ democrático; já as posturas substancialistas reconhecem o
papel concretizador e veem o judiciário como um locus privilegiado para a garantia do fortalecimento das
democracias contemporâneas”. Esclarecendo melhor o significado das posturas substancialistas o autor destaca
que sua adoção “não autoriza a defesa de ativismos judiciais ou protagonismos ad hoc, a pretexto de estar-se
concretizando direitos. A concretização só se apresenta como concretização na medida em que se encontra
adequada à Constituição, não podendo estar fundada em critérios pessoais de conveniência política e/ou
convicções morais” (Cf. Lenio Luiz Streck. Hermenêutica jurídica e(m) crise. Uma exploração hermenêutica da
construção do Direito. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 52). Não faz parte das intenções deste
trabalho aprofundar-se nas questões que emergem desta classificação. Apenas a título ilustrativo, é importante
referir que autores como Jürgen Habermas, Antoine Garapon e John Hart Ely são apresentados
como procedimentalistas, ao passo que Ronald Dworkin, Laurence Tribe e Luigi Ferrajoli seriam representantes
do substancialismo. Como toda dicotomia, também essa é imperfeita e apresenta falhas. De todo modo, a
distinção é ilustrativa e consegue apresentar o modo como o problema do excesso de judicialização vem sendo
discutido nas democracias contemporâneas.
114
.Cf. Antoine Garapon. O guardador de promessas. Justiça e democracia. Lisboa: Instituto Piaget, 1998, p. 41.
115
.Idem, p. 42.
116
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Somente no final dos anos de 1990, e início dos anos de 2000 é que esse
debate tomará um rumo diferente no âmbito do pensamento jurídico brasileiro,
modificando o modo como a hermenêutica era encarada tradicionalmente. Nesse
caso, a obra de Lenio Luiz Streck, Hermenêutica jurídica e(m) crise, é um marco
importante nessa mudança de rota. Essa obra critica(va) o modo tradicional de se
pensar o problema da interpretação, procurando situar a hermenêutica nos
quadros da filosofia contemporânea, oferecendo, a partir desse contexto reflexivo,
um modo de se pensar a construção do fenômeno jurídico.121
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A grande questão que existe aqui para determinar o caráter científico, filosófico
ou o estatuto de uma arte para a hermenêutica está em saber até que ponto o tipo
de conhecimento com o qual ela se relaciona faz parte daquilo que se chama de
conhecimento teórico e até que ponto ela se insere no âmbito do chamado
conhecimento prático.123
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117
.Cf. Tercio Sampaio Ferraz Junior. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad,
1999. passim; Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Sistema de ciência positiva do
direito cit., passim.
118
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.José Reinaldo de Lima Lopes. Curso de Filosofia do Direito: O Direito Como Prática. São Paulo:
Atlas, 2021.
120
.Cf. Ernildo Stein. História e ideologia. Porto Alegre: Movimento, 1972. p. 11 e ss.
121
.De se consignar que o modo de se trabalhar com a hermenêutica inaugurado por Streck aparece
em importantes trabalhos publicados na última década. Nesse sentido, podemos citar: Adalberto
Narciso Hommerding. Fundamentos para uma compreensão hermenêutica do processo civil. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007; Francisco J. Borges Motta. Op. cit.; Wálber Araújo
Carneiro. Hermenêutica jurídica heterorreflexiva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. Em
todas essas obras, o rompimento paradigmático operado pela filosofia hermenêutica e pela
hermenêutica filosófica aparece de forma clara, procurando projetar suas consequências para o
estudo do direito.
122
.Cf. Hans-Georg Gadamer. Hermenêutica e filosofia prática. Petrópolis: Vozes, 2007. passim.
Nesse contexto importante referir, também, Ernildo Stein. Aproximações sobre hermenêutica.
3. ed. Porto Alegre: Edpurs, 2003. passim.
124
.Para uma ampla exploração histórica da hermenêutica, reconstruindo o caminho de Dilthey desde
a reafirmação da hermenêutica no âmbito da filologia e da teologia no esclarecimento alemão
(Aufklärung) e das contradições da hermenêutica romântica, até sua construção como metodologia
das ciências do espírito: Hans-Georg Gadamer. Verdade e método. Traços fundamentais de uma
hermenêutica filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1999. vol. I, p. 237-353.
Para um contexto geral de tudo o que foi dito Cf. Streck, Hermenêutica jurídica e(m) crise.
Uma exploração hermenêutica da construção do direito. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2009.
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126
.Para análise mais ampla da questão, Cf. Streck, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise.
11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, especialmente o tópico 10.2.2.
127
.Dilthey, Wilhelm. El Mundo Histórico. Obras VII. México: Fondo de Cultura Económica, 2014,
Kindle Edition, p. 3496 e segs.
130
.Streck, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, em especial o posfácio.
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Dois pontos merecem destaque a partir desta sumária exposição: o primeiro diz
respeito à pretensão de totalidade de apreensão de sentidos do texto; o segundo,
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já diversas vezes referido, no que atina aos métodos que garantam a objetividade
e preservem o sentido do texto atribuído por seu autor.
Para Betti, portanto, a interpretação deve buscar averiguar o que o autor quis
dizer sobre algo e para isso – de modo parecido ao que pensa Maximiliano –
estabelece cânones/princípios hermenêuticos, para que, kantianamente, estejam
assegurados os valores e sentidos estabelecidos pelo autor do texto
interpretado.144
Além das questões até aqui expostas que, recordando, são: a) pretensão de
totalidade da compreensão; b) (in)determinação de cânones/métodos
hermenêuticos para a atividade interpretativa; c) e da separação entre
interpretação e aplicação, essa hermenêutica jurídica canônica consagra ainda
uma forma de interpretar a Constituição destacada das regras comuns atinentes
aos demais ramos do direito.
“O Direito Constitucional não deve(ria) ser uma disciplina autônoma, isto porque
sempre se corre o risco de objetificar o sentido da Constituição, ao separá-la das
demais disciplinas, que passam, também – e assim tem sido – a ser estudadas
autonomamente. É evidente que – em face da crise paradigmática por que passa o
Direito – é (ainda) absolutamente necessário que se estude o Direito Constitucional a
partir de reflexões extremamente rigorosas a partir de um plano de pesquisa
institucionalizado em disciplina específica. A preocupação aqui exposta é semelhante
ao problema da hermenêutica jurídica entendida como “método”, isto porque o método
objetifica o Direito. (...) Não há um Direito Penal autônomo e tampouco é aconselhável
falar em um Direito Civil Constitucional; o Direito penal deve ser sempre Direito Penal
compreendido a partir da Constituição, assim como qualquer texto do Código
Civil somente será válido se estiver filtrado/compreendido a partir de uma adequada
análise à luz do fundamento de validade que é a Constituição, sob pena de
incorrermos em outro problema metafísico, que é a ‘equiparação’ da (mera) vigência
com a validade. Direito Constitucional, mais do que disciplina autônoma, é modo de
ser, é modo de agir; é uma construção como bem diz Hesse; mais do que isto, é
condição de possibilidade do processo interpretativo. Nenhum texto poderá ter sentido
válido se esse sentido não estiver de acordo com a Constituição. Do mesmo modo
hermenêutica também não é método; é modo-de-ser-no-mundo”. Grifos do original153
131
.Inocêncio Mártines Coelho. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1997. p. 22. É
interessante anotar que essa “essencialidade” da relação sujeito-objeto no processo de
conhecimento destoa em larga medida daquilo que preconiza autores da própria tradição
hermenêutica, v.g. o próprio Dilthey para quem, no caso das ciências humanas, a separação entre
o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido não se mostra possível já que aquele que
conhece é também parte do objeto a ser investigado. Por outro lado, a crítica de Heidegger à
ontologia cartesiana.
132
.Cf. Inocêncio Mártines Coelho. Racionalidade hermenêutica: Acertos e equívocos. In: Ives Gandra
da Silva Martins (org.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. São Paulo: América
Jurídica, 2002. p. 353-377.
133
.Idem, p. 370-371.
134
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.Idem, p. 87-100.
136
.Idem, p. 100.
137
.Idem, p. 104.
138
.Idem, p. 110.
139
.Idem, p. 112.
140
.Idem, p. 124-125.
141
.Cf. Emilio Betti. Hermeneutics as a General Methodology of the Sciences of the Spirit.Nova York:
Routledge, 2021. Interpretação da lei e dos Atos Jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Ademais, como afirmava Gadamer: “(Betti) mantém-se tão fiel à ‘interpretação psicológica’ de
Schleiermacher que sua posição hermenêutica está constantemente ameaçada de afundar e
desaparecer. Por mais que se esforce para superar o reducionismo psicológico e conceber sua
tarefa como a reconstrução do nexo espiritual de valores e conteúdos de sentido, só consegue
fundamentar a proposição dessa autêntica tarefa hermenêutica através de uma espécie
de analogia com a interpretação psicológica” (grifos do original) Hans-George Gadamer. Verdade e
método: complementos e índices cit., p. 456.
143
.Cf. Emílio Betti. Teoria generale della interpretazione. Milão: A. Giuffre, edição alemã de 1967,
p. 93 e ss. apud Hans-George Gadamer. Verdade e método: complementos e índices cit., p 456.
144
.Quanto aos cânones hermenêuticos propostos por Betti, tem-se a descrição de Lamego: “Como já
dito, a hermenêutica de Betti é normativa. Para o labor interpretativo, especifica diversos cânones
(regras): o primeiro deles é o “cânone da autonomia hermenêutica, que é o cânone da imanência
do critério hermenêutico ou cânone da autonomia hermenêutica do objeto. Esta regra de
interpretação determina que todo significante de ser entendido em conformidade com o espírito
nela objetivado, isto é, a sua (...) necessidade, coerência e racionalidade. O segundo cânone é
o cânone da totalidade, segundo o qual haveria um intercâmbio de sentido entre a parte e o todo,
ou, segundo dito corrente da hermenêutica, que o texto deve ser compreendido pelo contexto. Betti
exemplifica exatamente o alcance deste cânone com a remissão para a regra da interpretação dos
negócios jurídicos contida no Código Civil italiano (art. 1.363). O terceiro cânone refere-se já ao
intérprete, e não ao objeto da interpretação, e Betti o denomina de cânone da atualidade da
compreensão. Betti vê na subjetividade da reconstrução interna uma condição imprescindível da
possibilidade da interpretação (no sentido da teoria Kantiana do conhecimento). O Quarto cânone
estreitamente conexionado com o anterior, é o cânone da correspondência (da adequação do
sentido) da interpretação, segundo o qual o intérprete deverá procurar a compatibilização e
harmonia entre a sua atualidade vivencial e o estímulo que recebe do objeto” (grifos do original)
José Lamego. Hermenêutica e jurisprudência... cit., p. 194.
145
.Eros Roberto Grau. A jurisprudência dos interesses e a interpretação do direito. In: João Maurício
Adeodato (org.). Jhering e o Direito no Brasil. Recife: Editora Universitária, 1996. p. 79. Essa
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.Carlos Maximiliano. Op. cit., p. 104. Não obstante, é possível encontrar na legislação tentativas de
doutrinar a interpretação dos textos normativos a partir da adoção de um método específico de
interpretação, buscando limitar a intervenção do intérprete na construção da norma. O que dizer,
por exemplo, da napoleônica disposição contida no art. 111 do Código Tributário Nacional, que
determina, expressamente, que a interpretação em casos de extinção, suspensão, isenção ou
dispensa de cumprimento de obrigações tributárias acessórias será sempre literal (gramatical).
Dentre as muitas críticas existentes na doutrina, pode-se acrescentar o fato de que, em muitos
casos, a própria redação dos dispositivos constantes do Código leva ao chão o disposto no
art. 111, como se pode perceber na redação do art. 171 do CTN.
148
.Importante ressaltar, desde já, que, como ressalta Lenio Streck (Hermenêutica jurídica e(m)
crise... cit., passim) para Gadamer a interpretação se dá em um único momento que é a applicatio.
Não se interpreta por fases, uma vez que a interpretação é apenas a explicitação da compreensão
do texto realizada pelo intérprete. Esse fator, aliás, é outra revolução marcante presente na obra
de Gadamer. Com efeito, seguindo o caminho trilhado por Heidegger, Gadamer irá dizer que não
se interprete para compreender, mas sim se compreende para interpretar, por isso que
interpretação é uma coisa só, um momento só, que explicita a compreensão do
intérprete: applicatio!. Cf. Hans-Georg Gadamer. Verdade e método, cit., vol. I p. 459 e ss.
149
.Apesar de essa investigação ter como um dos marcos teóricos a ideia de “círculo hermenêutico”
gadameriano, e se aproximar de certa forma do método hermenêutico-concretizador proposto por
Coelho, é preciso consignar que as noções de círculo hermenêutico estão inseridas na ideia de
antecipação de sentido e estrutura prévia da compreensão que levará Gadamer a enxergar um
projeto hermenêutico em toda compreensão de um texto. Assim, todo intérprete projeta de
antemão um sentido do todo, uma vez que ao ler o texto ele o faz com certas expectativas na
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Outra obra que também tematiza esse dilema de que, para compreendermos os
fenômenos, eles precisam ser mostrados através da linguagem, é Vidas Secas de
Graciliano Ramos. A “secura” que se indica no texto não diz respeito apenas aos
aspectos dramáticos da vida agreste que se vive nos confins do sertão nordestino.
Nem tampouco se restringe às agruras que os retirantes suportam em sua
existência errante. Essa secura toca em todas essas questões, mas diz respeito –
principalmente – ao fato de que Fabiano, o protagonista, e os meninos seus filhos
são jogados constantemente contra os limites de sua linguagem e, em muitas
vezes, se sentem impossibilitados de manifestar as coisas por meio de palavras.
Há uma passagem que descreve de modo emblemático essa “secura” da fala.
Fabiano fora convidado por um “soldado amarelo” para jogar trinta e um no interior
da venda de seu vilarejo. Faltavam-lhe palavras, inclusive para recusar o convite e,
diante disso, entrou no jogo. Poucos minutos depois, sai da mesa como um
matuto, esbravejando e sem se despedir. Enquanto se preparava para voltar para
casa, ele foi surpreendido pelo “soldado amarelo” que lhe dá voz de prisão, sem ter
um motivo claro... Afirma, apenas, que ele saiu do jogo sem se despedir e que isso
o teria deixado irritado. Segue-se disso uma pequena discussão, uma troca de
insultos e Fabiano é surrado e depois levado à prisão. Já na cadeia, tem-se a
seguinte passagem:
“Afinal para que serviam os soldados amarelos? Deu um pontapé na parede, gritou
enfurecido. Para que serviam os soldados amarelos? Os outros presos remexeram-
se, o carcereiro chegou à grade, e Fabiano acalmou-se:
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Havia muitas coisas. Ele não podia explicá-las, mas havia. Fossem perguntar a
seu Tomás da bolandeira, que lia livros e sabia onde tinha as ventas. Seu Tomás da
bolandeira contaria aquela história. Ele, Fabiano, um bruto, não contava nada. Só
queria voltar para junto de sinhá Vitória, deitar-se na cama de varas. Por que vinham
bulir com um homem que só queria descansar? Deviam bulir com outros”.
“Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso
por isso? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? (...)
se não fosse aquilo... Nem sabia. O fio da idéia cresceu, engrossou – e partiu-se.
Difícil pensar.”157
a) um analítico;
b) um continental.160
Importante registrar que, sobre o chamado giro linguístico, Lenio Streck vai
além para afirmar um giro ontológico-linguístico, uma vez que além da premência
do problema da linguagem (que aparece com clareza nas filosofias de matriz
analítica) também a questão ontológica é deslocada para um plano concreto e
fático no âmbito da filosofia hermenêutica de Heidegger.162
Porém, se é certa essa afirmação, também é certo que uma volta para trás
do linguistic turn não é possível. Como afirma Castanheira Neves: “O direito é
linguagem, e terá de ser considerado em tudo e por tudo como uma linguagem. O
que quer que seja e como quer que seja, o que quer que ele se proponha e como
quer que nos toque, o direito é-o numa linguagem e como linguagem – propõe-se
sê-lo numa linguagem (nas significações linguísticas em que se constitui e
exprime) e atinge-nos através dessa linguagem, que é”.163
Como afirma Emílio Betti: “o encontro do intérprete com o texto da lei nunca é
um contato direto que prescinda da mediação de elos intermediários”.164
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O século XX foi decisivo tanto para a Filosofia quanto para o Direito. Na filosofia
três transformações significativas podem ser mencionadas: a) o linguistic turn (giro
linguístico) que marca definitivamente a superação do esquema sujeito-objeto que
imperava no interior do realismo filosófico – clássico e medieval – e do idealismo
moderno a partir do vínculo indissociável entre pensamento e linguagem;165b) o
declínio de um modelo matemático de fundamentação do pensamento e a
ascensão de um modelo histórico que dê conta do problema da fundamentação
nas chamadas ciências do espírito;166c) o giro ontológico que supera a ontologia da
coisa pela ontologia da compreensão a partir do deslocamento do ser humano
(Dasein)167 para o interior da problemática ontológica.150 Estas três
transformações permitem que Ernildo Stein fale em uma “era da hermenêutica”,151
dada a radicalização que a problemática hermenêutica desempenha, pelo menos
no contexto da filosofia continental,168 na filosofia contemporânea. Nessa medida,
há algumas consequências decisivas para o pensamento das chamadas Ciências
Humanas (ou, na terminologia que se tornou clássica Ciências do Espírito): a) a
colocação de todo pensamento sob o fio condutor da linguagem, que se assenta
em um modo distinto de conceber a relação entre linguagem e
conhecimento;169b) a necessidade de se pensar historicamente seus
fundamentos; c) a radicalização da linguagem e a redefinição dos fundamentos
impõe que o conhecimento não seja mais pensado em função de um sujeito
solipsista (no caso da teoria processual o juiz), mas que o pensamento seja
encaminhado em direção à intersubjetividade cujo fio condutor é a linguagem e o
horizonte de sentido é o acontecer da historicidade do Ser-aí.170
Heidegger afirma que Schleiermacher, por seu turno, produziu uma restrição na
ideia de hermenêutica – apagando esses elementos que ainda vindicavam nas
formatações anteriores – ao retirá-la desse universo abrangente da compreensão
enquanto acordo ou ajuste da dimensão de objetualidade do discurso,
transformando-a exclusivamente em uma Kunstlehre.172 Dilthey, virando o
problema da individualidade para a história, teria se mantido no interior dessa
mesma estrutura normativa, retendo, portanto, o significado mais originário da
hermenêutica.
Há, em toda ação humana, uma compreensão antecipadora do ser que permite
que o homem se movimente no mundo para além de um agir no universo
meramente empírico, ligado a objetos. Nos relacionamos com as coisas, com o
empírico, porque de algum modo já sabemos o que e como elas são. Há algo que
acontece além da pura relação objetivadora.174 Nosso privilégio se constitui pelo
fato de termos a “memória do ser”; ou seja: temos um privilégio ôntico – entre
todos os entes apenas nós existimos; e um privilégio ontológico – de todos os
entes somos os únicos que, em seu modo-de-ser, compreendem o ser. Desse
duplo privilégio, o filósofo anota um terceiro: um privilégio ôntico-ontológico – a
compreensão do ser deste ente que somos é condição de possibilidade de todas
as outras ontologias (do Direito, da História, do Processo etc.).175
Falamos do Círculo Hermenêutico e da diferença ontológica que são os dois
teoremas fundamentais da fenomenologia hermenêutica. Sabemos, então, que o
homem (Ser-aí) compreende a si mesmo e compreende o ser (Círculo
hermenêutico) na medida em que pergunta pelos entes em seu ser (diferença
ontológica).
Dito isso, é importante ter presente, portanto, que não podemos fazer uso
“aplicativo” dos elementos que Gadamer explora em sua obra nesses campos
diversos da cultura. Vale dizer, não há uma passagem direta, por exemplo, dos
conceitos gadamerianos para o direito. Tais conceitos são produzidos, como afirma
Stein, para “apanhar o compreender como um todo, e não o compreender de cada
campo em específico”.184 Todavia, é certo que, as análises acerca do compreender,
da história e da linguagem que são realizadas em Verdade e Método produzem
profundas alterações no modo como a ciência jurídica se constitui. Mostra-se
evidente, por exemplo, a contribuição que Verdade e Método oferecem para pôr à
mostra a estreiteza do perspectivismo metodológico que impera nos modelos
jurídico-epistemológicos do século XX, frente ao caráter oniabrangente da
compreensão. Também podemos lembrar o modo como a obra de Gadamer pode
contribuir para afastar o fantasma do relativismo no direito (lembrando o que o
próprio filósofo afirma: “o interesse hermenêutico do filósofo aparece exatamente
no momento em que se conseguiu evitar o erro”),185 que tem sido explorado
amplamente por Lenio Streck que produz, em seu Verdade e Consenso, uma
verdadeira Teoria da Decisão Jurídica que, é, sem dúvida, o problema fundamental
da ciência jurídica contemporânea.
Por outro lado, a consciência da história efetual também opera, num nível
hermenêutico, enquanto pressuposto de uma certa autorreflexão – que lhe confere,
mais uma vez, o caráter de filosofia – ao indicar que o acontecimento da
compreensão implica que “toda a compreensão de algo de outro vem precedida de
uma autocritica. Aquele que compreende não postula uma posição superior.
Confessa, antes, a necessidade de colocar à prova a verdade que supõe própria. É
o que está implícito em todo compreender, e por isso todo o compreender contribui
para o aperfeiçoamento da consciência da história dos efeitos188”.
se claras o bastante num momento posterior à sua efetiva ocorrência. Isso é assim
porque precisamos da distância temporal para poder avaliar criticamente os nossos
prejuízos que, como frisado acima, constituem a força propulsora de nossa
compreensão. Todavia, sem esse processo de avaliação crítica, tais prejuízos
podem nos levar à produção de mal-entendidos. Os prejuízos são possibilitadores
de projetos de sentido que abrem para compreensão novos horizontes. Esse
horizonte, por sua vez, é conquistado a partir da elaboração de uma situação
hermenêutica.
Um pequeno parêntese: alguém (jurista) poderia arguir: “mas não seria então
como que repristinar o bordão in claris cessat interpretatio?” Resposta: não!
Sempre interpretamos. Porém, muitas vezes, corretamente. Hoje mesmo você
acordou, provavelmente leu o jornal pela manhã, compreendeu boa parte das
notícias e, por certo, interpretou corretamente muitos dos conteúdos que iam nelas
veiculados. O erro do vetusto brocardo não está em indicar que, em situações de
“obscuridade” (diríamos: interrupções no círculo da compreensão), faz-se
necessário uma mudança de comportamento com relação ao texto (ou seja:
“apropriar-se cientificamente da compreensão”). Ao contrário, o erro está em
pressupor que aquilo que – para o intérprete – foi “claro” não se operou como
interpretação. Ora, também na “clareza” há interpretação. Porém, provavelmente,
interpretação adequada. A hermenêutica filosófica coloca-nos em alerta com
relação aos nossos próprios preconceitos. Porém, não elimina a necessária
constatação de que, em muitos momentos, produzimos interpretações corretas dos
diálogos que mantemos, dos textos que lemos, do mundo em que vivemos.
Lembrando aquela citação que já fizemos de Gadamer: “o interesse hermenêutico
do filósofo começa justamente nos casos em que se logrou evitar o erro.”193
“O processo descrito por Heidegger de que cada revisão do projeto prévio pode
lançar um outro projeto de sentido; que projetos conflitantes podem posicionar-se lada
a lado na elaboração, até que se confirme de modo mais unívoco a unidade de
sentido; que a interpretação começa com conceitos prévios substituídos depois por
conceitos mais adequados. Em suma, esse constante projetar de novo é o que perfaz
o movimento semântico de compreender e interpretar. Quem procura compreender
está sujeito a errar por causa das opiniões prévias, que não se confirmam nas coisas
elas mesmas. Dessa forma, a constante tarefa do compreender consiste em elaborar
projetos corretos, adequados às coisas, isto é, ousar hipóteses que só devem ser
confirmadas ‘nas coisas elas mesmas’. Aqui não há outra ‘objetividade’ além da
elaboração da opinião prévia a ser confirmada. Faz sentido afirmar que o intérprete
não vai diretamente ao ‘texto’, a partir da opinião prévia pronta e instalada nele. Ao
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“Assim, é certo que não existe compreensão que seja livre de todo preconceito,
por mais que a vontade do nosso conhecimento tenha de estar sempre dirigida, no
sentido de escapar de nossos preconceitos. No conjunto desta investigação
evidencia-se que, para garantir a verdade, não basta o gênero de certeza, que o uso
dos métodos científicos proporciona. Isso vale especialmente para as ciências do
espírito, mas não significa, de modo algum, uma diminuição de sua cientificidade,
mas, antes, a legitimação da pretensão de um significado humano especial, que elas
vêm reivindicando desde antigamente. O fato de que, em seu conhecimento, opere
também o ser próprio daquele que conhece, designa certamente o limite do ‘método’,
mas não da ciência. O que a ferramenta do ‘método’ não alcança tem de ser
conseguido e pode realmente sê-lo através de uma disciplina do perguntar e do
investigar, que garante a verdade.” (grifamos)201
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154
.Sobre o giro linguístico, ou reviravolta linguística, afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “Pouco a
pouco se tornou claro que se tratava, no caso da ‘reviravolta linguística’ (linguistic turn) de um novo
paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da
reflexão filosófica para a ‘esfera dos fundamentos’ de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa
a poder levantar a pretensão de ser a ‘filosofia primeira’ à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias” (Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. ed. São Paulo:
Loyola, 2001. p. 12-13). Também mencionamos o problema das teorias realistas e idealistas na
compreensão da filosofia e sua superação pelo giro linguístico. Na verdade – e é importante
compreender este fator – o idealismo moderno, principalmente em sua vertente kantiana que se
chamará idealismo transcendental, já representa a superação de uma representação ingênua do
mundo presente nas posturas realistas que procuravam pensá-lo como algo dado cujo trabalho do
pensamento era apurar as essências deste dado (isto faz com que alguns autores denominem este
período da Filosofia como Metafísica Objetivista, porque orientada por objetos). O idealismo de
Kant supera esta concepção na medida em que problematiza decisivamente o papel do sujeito na
atividade cognoscente (Como contraponto ao objetivismo, fala-se aqui em Metafísica Subjetivista,
por que coloca em jogo o papel do sujeito sob o prisma da subjetividade que se afirma a partir de
Descartes). No entanto, em ambas as hipóteses, há uma vala entre o sujeito que conhece e o
objeto que é conhecido. O problema que se instaura e permanece aberto é encontrar uma ponte
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.De se notar que há importantes estudos que procuram descrever e compreender o fenômeno
jurídico a partir de uma relação com a literatura. Nesse sentido, faz-se imprescindível a consulta de
André Karam Trindade; Roberta Magalhães Gubert; Alfredo Copetti Neto (orgs.). Direito &
Literatura: reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008; e dos mesmos
organizadores Direito & Literatura: ensaios críticos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
156
.Ver, nesse sentido, Ernildo Stein. A instauração do sentido. Porto Alegre: Movimento, 1977. p. 11 e
ss.
157
.Idem, p. 82.
159
.Sobre o giro linguístico, ou reviravolta linguística, afirma Manfredo Araújo de Oliveira: “Pouco a
pouco se tornou claro que se tratava, no caso da ‘reviravolta linguística’ (linguistic turn) de um novo
paradigma para a filosofia enquanto tal, o que significa dizer que a linguagem passa de objeto da
reflexão filosófica para a ‘esfera dos fundamentos’ de todo pensar, e a filosofia da linguagem passa
a poder levantar a pretensão de ser a ‘filosofia primeira’ à altura do nível de consciência crítica de
nossos dias” (Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2 ed. São Paulo:
Loyola, 2001. p. 12-13). Também Castanheira Neves: “Conclui-se que a referência, a orientação e
a ordenação do mundo, que sua experiência no mundo fá-las o homem pela linguagem, enquanto
é ela o radical mediador de seu acesso cultural ao mundo: ‘o que há no mundo não depende em
geral do nosso uso da linguagem, mas já depende desse uso o que nós podemos dizer que há’
(W.V.O. Quine)” (Antônio Castanheira Neves. Metodologia... cit., p. 89).
160
.Franca D’Agostini. Analíticos e continentais. Trad. Benno Dischinger. São Leopoldo: Unisinos,
2003. p. 175 e ss. A referência a esta obra não é aleatória ou casual. A autora desenvolve nela um
guia enciclopédico de toda Filosofia produzida nos últimos trinta anos, procurando pontuar as
principais diferenças e divergências entre os modos de fazer Filosofia: a)Analítico – mais próximo
aos autores da tradição anglo-saxã; e b) continental – que se expressa principalmente nos filósofos
oriundos da Europa continental. Existem pontos de convergência que em algum momento
aproximam as duas tradições que se dá nos temas da superação da metafísica e da colocação da
reflexão filosófica no âmbito da linguagem de modo a não admitir mais a dissociação entre
pensamento e linguagem (movimento conhecido como linguistic turn – giro linguístico). Contudo,
cada uma delas apontará caminhos diferentes tanto no que atina à questão da linguagem, ou ao
papel da Filosofia em relação à linguagem, quanto em relação à superação da metafísica. Este
curso se aproxima e acompanha a tradição que D’Agostini chama continental.
161
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162
.Metodologia... cit., p. 90.
164
.Emilio Betti. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. CIV.
165
.Sobre o giro linguístico, consultar a nota n. 105, mencionada anteriormente. No mais, também
mencionamos o problema das teorias realistas e idealistas na compreensão da filosofia e sua
superação pelo giro linguístico. Na verdade – e é importante compreender este fator – o idealismo
moderno, principalmente em sua vertente kantiana que se chamará idealismo transcendental, já
representa a superação de uma representação ingênua do mundo presente nas posturas realistas
que procuravam pensá-lo como algo dado cujo trabalho do pensamento era apurar as essências
desse dado (isso faz com que alguns autores denominem esse período da Filosofia como
Metafísica Objetivista, porque orientada por objetos). O idealismo de Kant supera essa concepção
na medida em que problematiza decisivamente o papel do sujeito na atividade cognoscente (Como
contraponto ao objetivismo, fala-se aqui em Metafísica Subjetivista, por que coloca em jogo o papel
do sujeito sob o prisma da subjetividade que se afirma a partir de Descartes). No entanto, em
ambas as hipóteses, há uma vala entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido. O
problema que se instaura e permanece aberto é encontrar uma ponte entre consciência e mundo.
Já em Hegel o problema se terá por solucionado a partir do chamado idealismo absoluto cuja
característica central é tomar como objeto do pensamento o próprio pensamento na perspectiva de
constituição de um sistema filosófico acabado (Cf. Martin Heidegger. A tese de Kant sobre o ser...
cit.; A constituição onto-teo-lógica da metafísica... cit.). De todo modo, o que precisa ficar claro que
é o giro linguístico representa uma transformação decisiva em relação aos dois paradigmas
filosóficos anteriores. A indicação de um vínculo indissolúvel entre pensamento e linguagem
propicia uma nova leitura da história da filosofia e abre um novo horizonte para a reflexão
filosófica. Por certo que, a linha de frente é o combate à subjetividade presente nas teorias
idealistas. Isto fica claro em Gadamer quando assevera: “Quem pensa a ‘linguagem’ já se
movimenta para além da subjetividade” (Hermenêutica em retrospectiva cit., vol. I, p. 27).
166
.No século XX, tem lugar o que se convencionou a chamar “crise do fundamento”. Para aqueles
que, como os juristas, operam no universo das ciências humanas (do espírito) essa questão
assume uma peculiaridade singular. Isto porque, é exatamente o modelo de fundamentação destas
ciências que está em jogo nesta crise. De alguma forma, a determinação das ciências humanas
em contraste com as ciências naturais, procurando medir o caráter “científico” das ciências
humanas a partir do caráter científico das ciências da natureza, passa a sofrer um ataque decisivo.
No interior da Filosofia continental, a tradição hermenêutica procura oferecer uma fundamentação
histórico-filosófica para esse grupo de ciências que, como relata Gadamer, chegaram a ser
apelidadas de “inexatas”. (Cf. Hermenêutica em Retrospectiva, Vol. II p. 185 e segs.). Desse modo,
procura-se deslocar o modelo fundacional de um modelo matemático, constituído a partir de
axiomas operados de modo indutivo na sua formação e dedutivo na aplicação, para o terreno
precário e contingente do acontecer da história humana. A influência deste modelo matemático de
fundamentação pode ser facilmente percebida no Direito. Como atesta Lamego: “as
representações sobre o modo de argumentação e fundamentação das decisões traduzem as
ideias sobre a questão da ‘justiça’ do Direito. Nos quadros do modelo axiomático-dedutivo, a
argumentação cinge-se à discussão sobre o verdadeiro sentido das proposições ou dos textos
legais” (Cf. Hermenêutica e jurisprudência... cit., p. 217).
167
.O termo alemão Dasein tradicionalmente designa existência (é neste sentido que é usado por
filósofos da tradição metafísica, como é o caso de Kant, por exemplo), encontra sérios problemas
na tradução para outras línguas. Isso porque Heidegger oferece ao termo uma conotação
diferenciada que mantém o significado inicial de existência, mas no sentido daquele ente que,
entre todos os outros, existe, que é homem. Para Heidegger somente o Dasein existe, porque
existência implica em possibilidades, projetos. Os demais entes intramundanos, que estão à
disposição subsistem. Como ficará claro no decorrer da exposição, há toda uma carga semântica
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em torno do termo Dasein, que dificulta a tradução para o português, por exemplo. Em nossa
língua há pelo menos duas traduções possíveis: Ser-aí e Pre-sença. Esta última é o termo
escolhido pela tradução brasileira de Márcia Sá Cavalcante Schuback editada pela editora Vozes
de Petrópolis (Cf. Ser e Tempo. 12. ed., parte I. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis:
Vozes, 2002; Ser e Tempo. 12. ed., parte II. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis:
Vozes, 2005). Ambas as traduções são passíveis de equívocos ou mal-entendidos. Todavia,
optamos por traduzir Dasein por Ser-aí visto que Pre-sença pode ser confundido com a
representação tradicional do ser em geral como pre-sente, o que definitivamente não está em jogo
no uso que Heidegger faz da expressão Dasein. Importante anotar, que na tradução que Jorge
Eduardo Rivera realizou para o castelhano (e que é a tradução que utilizamos no presente
trabalho), o filósofo chileno optou por deixar Dasein sem tradução, procurando preservar toda
carga semântica que a expressão contém em alemão (Cf. Martin Heidegger. Ser y Tiempo. Trad.
Jorge Eduardo Rivera. Madrid: Trotta, 2003). Por motivos didáticos, nós sempre utilizaremos a
expressão Ser-aí como tradução para Dasein. Esclarecendo a questão do Dasein Michael Inwood
afirma que: “Dasein é o modo de Heidegger referir-se tanto ao ser humano quanto ao tipo de ser
que os seres humanos têm. Vem do verbo dasein que significa ‘existir’ ou ‘estar aí, estar aqui’. O
substantivo Dasein é usado por outros filósofos, Kant por exemplo para designar a existência de
toda entidade. Mas Heidegger restringe-o aos seres humanos. (...) Por que Heidegger fala do ser
humano dessa maneira? O ser dos seres humanos é notadamente distinto dos ser de outras
entidades do mundo. O Dasein é uma entidade para a qual, em seu Ser, esse Ser é uma questão”.
Michael Inwood. Heidegger. Trad. Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Loyola, 2004. p. 33-34.
168
.Franca D’Agostini. Op. cit., p. 175 e ss. A referência a esta obra não é aleatória ou casual. A
autora desenvolve nela um guia enciclopédico de toda Filosofia produzida nos últimos trinta anos,
procurando pontuar as principais diferenças e divergências entre os modos de fazer
Filosofia: a)Analítico – mais próximo aos autores da tradição anglo-saxã; e b)continental – que se
expressa principalmente nos filósofos oriundos da Europa continental. Existem pontos de
convergência que em algum momento aproximam as duas traições que se dá nos temas da
superação da metafísica e da colocação da reflexão filosófica no âmbito da linguagem de modo a
não admitir mais a dissociação entre pensamento e linguagem (movimento conhecido
como linguistic turn – giro linguístico). Contudo, cada uma delas apontará caminhos diferentes
tanto no que atina à questão da linguagem, ou ao papel da Filosofia em relação à linguagem,
quanto em relação à superação da metafísica. Esta investigação se aproxima e acompanha a
tradição que D’Agostini chama continental.
169
.Nunca é demais lembrar que este “novo” modo de se compreender a linguagem implica em uma
recolocação de seu papel no processo cognitivo. Como anota Lenio Streck, no interior deste
paradigma, “a linguagem deixa de ser uma terceira coisa que se interpõe entre um sujeito e um
objeto e passa a ser condição de possibilidade” (Jurisdição constitucional e hermenêutica... cit.,
p. 197 e ss.). Ou seja: a linguagem não pode mais ser vista como ferramenta disponível para
conhecer objetos. A linguagem é constituinte e constituidora do mundo do homem. Como anota
Gadamer: “a linguagem não é nenhum instrumento, nenhuma ferramenta. Pois uma das
características essenciais do instrumento é dominarmos seu uso, e isso significa que lançamos
mão e nos desfazemos dele assim que prestou seu serviço. Não acontece o mesmo quando
pronunciamos as palavras disponíveis de um idioma e depois de utilizadas deixamos que retornem
ao vocabulário comum de que dispomos. Esse tipo de analogia é falso porque jamais nos
encontramos como consciência diante do mundo para um estado desprovido de linguagem
lançarmos mão do instrumental do entendimento. Pelo contrário, em todo conhecimento de nós
mesmos e do mundo, sempre já fomos tomados pela nossa própria linguagem” (Verdade e
método: complementos e índices cit. p. 176).
170
.Preparando o caminho para o que será abordado logo mais, é importante esclarecer que essa
historicidade que as teorias hermenêuticas reivindicam como horizonte no qual o saber das
ciências humanas acontece não se confunde com uma espécie de consciência historiológica,
entendida como conhecimento acumulado dos eventos do passado. Isso se dá porque, em Ser e
Tempo, iniciando a analítica existencial do Ser-aí, Heidegger precisa estabelecer um aceno prévio
do modo-de-ser deste ente. No § 6.º, onde o filósofo anuncia a tarefa de uma destruição da história
da ontologia, Heidegger afirma que o Ser-aí ‘é” seu passado. O Ser-aí é seu passado na forma
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própria do seu ser, ser que acontece sempre desde seu futuro. O filósofo mostra algo que pode
soar estranho: ele afirma que o passado do Ser-aí não se situa atrás deste ente, mas sempre e a
cada vez lhe antecipa. Ou seja, as possibilidades do Ser-aí são limitadas por aquilo que de alguma
forma ele já é. Esse ter que ser o que já é, Heidegger denomina estar-jogado-no-mundo, ao passo
que sua existência, enquanto possibilidade, se denomina estar-lançado. No seu ter que ser, ou
estar-jogado-no-mundo, o Ser-aí se encontra já sempre imerso em uma tradição, embora disso ele
não seja necessariamente consciente. Esse ser histórico que atravessa o Ser-aí por todos os lados
é o que propriamente designa sua historicidade. Como diz Gadamer: “ele só possui uma tal
consciência porque é histórico. Ele é seu futuro, a partir do qual ele se temporaliza em suas
possibilidades. Todavia, o seu futuro não é o seu projeto livre, mas um projeto jogado. Aquilo que
ele pode ser é aquilo que ele já foi” (Hermenêutica em retrospectiva cit., vol. II. p. 143). Daí que
surge a necessidade de se diferenciar, através da linguagem, essa especificidade do Ser-aí.
Heidegger joga, então, com a palavra alemã Geschehen que significa acontecer. Há também que
se ter em conta o sentido de Geschichte e Geschichtlichkeit. Com o termo Geschichte Heidegger
menciona-se a história enquanto acontecer humano, diferente de Historie que designa ciência dos
eventos históricos. Já Geschichtlichkeit, que se traduz tradicionalmente por historicidade, se refere
ao caráter de acontecência que reveste a própria existência humana. Nesse sentido, Heidegger
assevera que a ausência de um saber histórico não é, de forma alguma, prova contra a
historicidade do Ser-aí. Isto é sim, enquanto modo deficiente desta constituição de ser, uma prova
a seu favor, pois, uma determinada época somente pode carecer de sentido histórico (unhistorisch
sein) na medida em que é historial (Geschichtlich). Assim, o universo de fundamentação e limites
das ciências humanas devem ser pensadas a partir da historicidade do humano, a partir de uma
apropriação positiva do passado e da plena posse de suas mais próprias possibilidades e
questionamentos (Cf. Ser y Tiempo cit., p. 43-50).
171
.Cf. HEIDEGGER, Martin. Ontologie: Hermeneutik der Faktizität. Vol. 63 da Obra Completa.
Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1988, p. 10.
172
.Heidegger afirma que “Schleiermacher, então, reduziu a abrangente e viva ideia de Hermenêutica
(como em Augustinho!) a uma ‘arte (doutrina da arte) da compreensão’ do discurso de outras
pessoas, colocando-a em relação com outras disciplinas, como a gramática e a retórica, em
conexão com a dialética; essa metodologia é formal, ela envolve uma ‘hermenêutica geral’ (Teoria
e doutrina da arte da compreensão do discurso alheio em geral).” No original: “Schleiermacher hat
dann die umfassend und lebendig gesehene Idee der Hermeneutik (vgl. Augustin!) eingeschränkt
auf eine ‚Kunst (Kunstlehre) des Verstehens‘ der Rede eines anderen und bringt sie als Disziplin
mit Grammatik und Rhetorik in Zusammenhang mit der Dialektik; diese Methodologie ist formal, sie
umgreift als ‚allgemeine Hermeneutik‘ (Theorie und Kunstlehre des Verstehens fremder Rede
überhaupt)“. HEIDEGGER, Martin, Ontologie. op. cit., p. 13.
173
.Georg Steiner. Después de Babel. Aspectos del lenguaje y la tradución. 3. ed. México: Fondo de
Cultura Económica, 2005. n. V., p. 305.
174
.Para uma análise pormenorizada Cf. Ernildo Stein. Pensar é pensar a diferença. A filosofia e o
conhecimento empírico. Ijuí: Editora Unijuí, 2002.
175
.Sobre o círculo hermenêutico no sentido que assume em Heidegger, Stein anota o seguinte: “O
homem se compreende quando compreende o ser, para compreender o ser. Mas logo em seguida
Heidegger vai dizer: ‘Não se compreende o homem sem se compreender o ser’. Então a ontologia
fundamental é caracterizada por esse círculo: estuda-se aquele ente que tem por tarefa
compreender o ser e, contudo, para estudar esse ente que compreende o ser, já é preciso ter
compreendido o ser. O ente homem não se compreende a si mesmo sem compreender o ser, e
não compreende o ser sem compreender-se a si mesmo; isso numa espécie de esfera
antepredicativa que seria o objeto da exploração fenomenológica – daí vem a idéia de círculo
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.Importante neste ponto a exploração que Tugendhat faz a partir de uma perspectiva linguístico-
analítica. Apesar das críticas, o texto de Tugendhat é importante para perceber como a filosofia
heideggeriana se movimenta numa dimensão de filosofia prática (Cf. Ernest
Tugendhat. Autoconciencia y autodeterminación. Una interpretación lingüístico-analítica. Madrid:
FCE, 1993. p. 129-191).
181
.Cf. Ronald Dworkin. O império do direito. São Paulo: Martins fontes, 2003; Uma questão de
princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005; Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins
Fontes, 2002; Arthur Kaufmann. Filosofia do direito. Trad. António Ulisses Cortês. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2004; Friedrich Müller. Direito linguagem e violência: elementos de
uma teoria constitucional. Trad. Peter Naumann. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1995; Métodos de trabalho do direito constitucional cit.; Streck, “Hermenêutica jurídica e(m) crise...”
cit.; “Verdade e consenso...” cit.; Lamego, Hermenêutica e jurisprudência... cit.; Josef
Esser. Principio y norma... cit. 1961.
184
.Ernildo Stein. Da fenomenologia hermenêutica à hermenêutica filosófica. Veritas. vol. 47. n. 1.
p. 22. Porto Alegre: Edipucrs, mar. 2002.
185
.Idem, p. 366.
187
.Idem, p. 477. Nesse caso, o eco de Heidegger parece evidente. Com efeito, o próprio Gadamer
afirma, em inúmeras ocasiões, o impacto profundo que lhes causaram as interpretações de
Aristóteles lançadas por Heidegger naquilo que era conhecido até então como Relatório Nartop e
que, posteriormente, foi publicado no volume 61 da obra completa sob o título: Interpretações
Fenomenológicas de Aristóteles. Nesse texto, antes de proceder a uma interpretação radical de
alguns dos principais conceitos aristotélicos, Heidegger afirma de maneira preventiva: “A crítica da
história é única e exclusivamente crítica do presente”. Martin Heidegger. Interpretaciones
fenomenológicas sobre Aristóteles. Indicación de la situación hermenéutica. Madrid: Trotta, 2002.
p. 33.
188
.Idem, p. 367-368.
191
.Nesse sentido, escreve Stein: “Os gênios, segundo Dilthey, têm a capacidade de, no universo
singular da obra literária, por exemplo, apanhar sua universalidade; de, no universo singular dos
fatos históricos, apanhar o elemento universal; eles produzem necessidade e verdade dos fatos
humanos mediante uma aplicação da própria genialidade; os outros é que precisam de método, de
lógica e de epistemologia. Ora, como a ciência é feita para os medíocres, para os menos dotados,
na concepção de Dilthey, e a maioria da humanidade é medíocre e menos dotada, então temos de
fornecer recursos para a humanidade, e este é o ideal da Escola Histórica. A ciência é dos
medíocres, a ciência como um conjunto de procedimentos que faz com que também os medíocres
cheguem à universalidade”. STEIN, Ernildo. Racionalidade e Existência: o Ambiente Hermenêutico
e as Ciências Humanas. 2 ed. Ijuí: Unijuí, 2008, p. 49.
193
.Idem, ibidem.
198
.Idem, p. 76.
199
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.Com maior clareza, Lenio Streck assim estabelece o papel da tradição em Gadamer: “Vê-se,
assim, a importância que Gadamer atribui à tradição, entendida como o objeto de nossa
(pré-)compreensão. O legado da tradição vem a nós através da linguagem, cujo papel, como já se
viu, é central/primordial na teoria gadameriana. A linguagem não é somente mais um meio entre
outros, diz ele, senão o que guarda uma relação especial com a comunidade potencial da razão; é
a razão o que se atualiza comunicativamente na linguagem (R. Hönigswald): a linguagem não é
um mero fato, e sim um princípio no qual descansa a universalidade da dimensão hermenêutica.
Por evidente, destarte, que a tradição terá uma dimensão linguística. Tradição é transmissão. A
experiência hermenêutica, diz o mestre, tem direta relação com a tradição. É esta que deve anuir à
experiência. A tradição não é um simples acontecer que se possa conhecer e dominar pela
experiência, senão que é linguagem, isto é, a tradição fala por si mesma. O transmitido continua,
mostra novos aspectos significativos em virtude da continuação histórica do acontecer. Através de
sua atualização na compreensão, os textos integram-se em um autêntico acontecer. Toda
atualização na compreensão pode entender a si mesma como uma possibilidade histórica do
compreendido. Na finitude histórica de nossa existência, devemos ter consciência de que, depois
de nós, outros entenderão cada vez de maneira diferente. Para nossa experiência hermenêutica, é
inquestionável que a obra mesma é a que desdobra a sua plenitude de sentido na medida em que
se vai transformando a sua compreensão. Por outro lado, a história é somente uma; seu
significado é que segue se autodeterminando de forma incessante. Por isso, alerta Gadamer, a
redução hermenêutica “a opinião do autor é tão inadequada como a redução dos acontecimentos
históricos à intenção dos que neles atuam”. Lenio Luiz Streck. Hermenêutica jurídica e(m) crise...
cit., p. 206-207.
200
.Cf. Antonio Castanheira Neves. Op. cit. Acrescenta-se, ainda, as lições de Eros Grau: “Sendo
concomitantemente aplicação do direito, a interpretação deve ser entendida como produção prática
do direito, precisamente como a toma Friedrich Müller: não existe um terreno composto de
elementos normativos (= direito), de um lado, e de elementos reais ou empíricos (= realidade), do
outro. (...) a norma é produzida, pelo intérprete, não apenas a partir de elementos colhidos no texto
normativo (mundo do dever-ser), mas também a partir de elementos do caso ao qual será
aplicada, isto é, a partir de dados da realidade (mundo do ser)”. Eros Roberto Grau. A
jurisprudência dos interesses e a interpretação do direito cit., p. 31.
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entre decisão judicial e o conceito de princípio (algo que aparece claramente nas
obras de Josef Esser e Ronald Dworkin).
Tudo isso, ao fim e ao cabo, quer dizer o seguinte: toda e qualquer decisão jurídica
só será correta (ou, na expressão cunhada por Lenio Streck, adequada à
Constituição), na medida em que dela seja possível extrair um princípio. Vale dizer,
uma decisão judicial – hermeneuticamente correta – se sustenta em uma comunidade
de princípios.207
204
.Ver, para tanto, Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Rafael
Tomaz de oliveira. Decisão Judicial e o Conceito de Princípio. A hermenêutica e a (in)determinação
do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
205
.Nesse sentido, Cf. Rafael Tomaz de Oliveira. Decisão judicial e o conceito de princípio. Op. cit.,
cap. 4.
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Fazemos uso do termo “método” (entre aspas) para distingui-lo da acepção que
em torno dele se constrói na modernidade, no sentido de um procedimento
mecânico prévio, capaz de ordenar e estruturar o conhecimento de algo. Para esse
sentido, usamos o termo método sem aspas. Com “método” queremos significar –
como esclarece Heidegger – o caminho através do qual se segue a coisa.208 Esse
caminho será, desde sempre, provisório, uma vez que os resultados alcançados
sempre serão provisórios e dependerão de uma confirmação para saber qual a
percuciência de tais resultados. Ao mesmo tempo, não é possível falar,
rigorosamente, em um caminho, mas em caminhos, cuja determinação é guiada
pela coisa mesma.209
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Nesse sentido, quando se tem um caso difícil – entendido como aqueles nos
quais as regras não conseguem regular de forma subsuntiva – deve-se primeiro
descobrir quais princípios se encontram em conflito. Isso é importante. Apenas
quando não há respostas nas regras ou, para usar a terminologia alexyana,
nos mandados de definição, é que se recorre a um argumento de princípio,
ou mandados de otimização. Com a otimização implica que um princípio deve ser
cumprido na maior medida possível, respeitadas as condições reais e
jurídicas, toda vez que estiver em jogo uma questão de princípio, dirá Alexy,
sempre haverá a necessidade de se ponderar.217 Isso porque não havendo
hierarquia entre princípios e sendo todos eles mandados de otimização, eles
permanecem em constante tensão, de modo que, apenas a ponderação poderá
determinar qual princípio deverá prevalecer, estabelecendo assim a regra a ser
aplicada ao caso. Portanto, depois de descobertos os princípios em colisão, no
contexto do caso analisado, passa-se para o contexto de justificação dado
teoricamente pelo procedimento da ponderação.
Não deixa de ser curioso que é justamente o contexto de descoberta que torna
problemática toda estrutura da ponderação na forma como a desenvolve Alexy.
Além do problema de “quem” elege os princípios em conflito – o que por si só já
aponta para um elemento discricional não tematizado pelo autor – podemos
elencar também como uma questão problemática a seguinte pergunta: por que a
saúde pública, que consta textualmente na Constituição, é um princípio e não
uma regra? Por que a liberdade profissional, que consta textualmente na
Constituição, é um princípio e não uma regra? Ou seja, o que faz um princípio ser
um princípio? Fora do contexto justificador da ponderação – ressalta-se que é
abstrato e artificial – não há como assegurar, com uma precisão mínima, o conceito
de princípio proposto pela teoria da argumentação jurídica alexyana. Afinal, o
simples fato de compor o texto constitucional faz com que um enunciado jurídico
goze do caráter de princípio. Ou será a determinação da otimização que deve ser
encarada como fator determinante para que um princípio se manifeste como um
princípio. Evidentemente que esta última alternativa parece ser mais coerente com
a teoria de Alexy.218 Todavia, ainda nesses termos, temos um problema na
definição de otimização como característica específica dos princípios:
a discricionariedade que emana da avaliação de até que ponto um princípio deve
ser efetivado.
208
.Também Gadamer faz essa observação quando aborda a questão do método: “Em verdade, a
palavra método soa muito bem em grego. Todavia, enquanto uma palavra estrangeira moderna,
ela designa algo diverso, a saber, um instrumento para todo conhecimento, tal como Descartes a
denominou em seu Discurso do método. Enquanto um termo grego, a palavra tem em vista a
multiplicidade, com a qual se penetra em uma região de objetos, por exemplo, enquanto
matemático, enquanto mestre de obras ou enquanto alguém que filosofa sobre ética” (Hans Georg
Gadamer. Hermenêutica em retrospectiva... cit., vol. II, p. 164).
210
.Nesse sentido Cf. Marcelo Neves. Entre Têmis e Leviatã: uma relação difícil. São Paulo: Martins
Fontes, 2006. p. 136-137.
211
.Para uma análise da obra de Alexy e o conceito de ponderação Cf. Wálber Araújo Carneiro.
Op. cit., passim.
213
.Importa salientar que, no âmbito da dogmática jurídica, Ana Paula de Barcellos propõem que,
além da ponderação de princípios, deve existir também uma ponderação entre regras. Por certo
que os problemas que identificamos na ponderação no âmbito da chamada “colisão de princípios”,
reaparecem também na “colisão de regras” que Barcellos parece propor. Mas, o que chama mais
atenção é o fato de que, se a ponderação é um dos fatores centrais que marcam a distinção entre
regras e princípios de Alexy – como mostramos no item anterior – e se a ponderação é o
procedimento do qual o resultado será uma regra posteriormente subsumida ao caso concreto, o
que temos como resultado da “ponderação de regras” (sic)? Uma “regra” da regra? Como fica,
portanto, em termos práticos, a distinção entre regras e princípios posto que deixa de ter razão de
ser a distinção entre subsunção e ponderação? Nos termos propostos por Barcellos a ponderação
aparece como procedimento generalizado de aplicação do direito. Desse modo, em todo e
qualquer processo aplicativo, haveria a necessidade de uma “parada” para que se efetuasse a
ponderação. Mas uma vez, o artificialismo matemático do procedimento da ponderação salta aos
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olhos. Uma tal empresa – estender a ponderação para a aplicação de regras – se mostre
destituída de sentido prático visto que da regra irá resultar uma outra regra, essa sim aplicável ao
caso (quanto ao que foi dito, Cf. Luis Roberto Barroso. Ana Paula de Barcellos. O começo da
história... cit., passim).
214
.Ainda nesse texto, Alexy argumenta em defesa da sentença Lüth – proferida pelo Tribunal
Constitucional Federal Alemão em 1958 –, uma das famosas intervenções que o Tribunal exerceu
durante o apogeu daquilo que se convencionou a chamar “jurisprudência dos valores”. Para Alexy,
não há que se falar em sobreconstitucionalização do ordenamento, como entendem Forsthoff e
Böckenförde, a partir da qual o Tribunal estaria exercendo uma competência normativa
inadmissível em um contexto democrático. Segundo ele, a linha desenvolvida a partir da sentença
Lüth “está em geral correta. Erros foram naturalmente cometidos e em toda parte perigos estão à
espreita. Estes, porém, podem ser prevenidos com meios que são imanentes à estrutura dos
princípios constitucionais e, com isso, à estrutura da Constituição que os contém. Trazê-los à luz é
tarefa de uma dogmática dos espaços. (...) Uma Constitucionalização adequada somente é
possível obter sobre o caminho, pedregoso e cheio de manhas, de uma dogmática do espaço”.
Criticando fortemente a linha de decisão da sentença Lüth, em particular o “método” utilizado para
sua fundamentação, Friedrich Müller assevera: “Tal procedimento (a ponderação) não satisfaz as
exigências, imperativas no Estado de Direito e nele efetivamente satisfazíveis, a uma formação da
decisão e representação da fundamentação, controlável em termos de objetividade da ciência
jurídica no quadro da concretização da constituição e do ordenamento jurídico infraconstitucional.
O teor material normativo de prescrições de direitos fundamentais e de outras prescrições
constitucionais é cumprido muito mais e de forma mais condizente com o Estado de Direito com
ajuda dos pontos de vista hermenêutica e metodicamente diferenciadores e estruturante da análise
do âmbito da norma e com uma formulação substancialmente mais precisa dos elementos de
concretização do processo prático de geração do direito, a ser efetuada, do que com
representações necessariamente formais de ponderação, que consequentemente insinuam no
fundo uma reserva de juízo (Urteilsvorbehalt) em todas as normas constitucionais, do que com
categorias de valores, sistema de valores e valoração, necessariamente vagas e conducentes a
insinuações ideológicas”. Friedrich Müller. Métodos de trabalho de direito constitucional cit., p. 36.
215
.Idem, ibidem.
217
.É importante (e necessário) frisar que a crítica à cisão, estrutural, entre casos fáceis e casos
difíceis é dirigida a Alexy e decorre de sua distinção, igualmente estrutural, entre regra e princípio.
Alexy procede assim porque se mantém aprisionado ao paradigma da filosofia da consciência e
atende, com isso, a uma exigência do esquema representacional sujeito-objeto – estabelecer
previamente o que seja um caso fácil ou um caso difícil significa objetificar o processo
compreensivo. Essa operação acarreta, como bem assinala Lenio Streck, a substituição da razão
prática e a construção de uma teoria da argumentação que busca construir uma racionalidade
discursiva, estabelecendo previamente modos de operar diante da indeterminabilidade do direito –
como é o caso da ponderação. Esse tipo de cisão não ocorre em autores como Dworkin. Isso
porque “Dworkin, contrapondo-se ao formalismo legalista e ao mundo das regras positivistas,
busca nos princípios os recursos racionais para evitar o governo da comunidade por regras que
possam ser incoerentes em princípio. É neste contexto que Dworkin trabalha a questão dos hard
cases, que incorporam, na sua leitura, em face das dúvidas sobre o sentido de uma norma,
dimensões principiológicas, portanto, não consideradas no quadro semântico da regra. Distinguir
casos simples de casos difíceis não é o mesmo que cindir casos simples de casos difíceis. Essa
pode ser a diferença entre a dicotomia hard e easycases de Dworkin e a das teorias discursivo-
procedurais. Cindir hard e easy cases é cindir o que não pode ser cindido: o compreender, com o
qual sempre operamos, que é condição de possibilidade para a interpretação (portanto, da
atribuição de sentido do que seja um caso simples ou um caso complexo)” (Lenio Luiz
Streck. Verdade e consenso... cit., p. 250).
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218
.Esse é também o caminho escolhido por Virgílio Afonso para defender a distinção entre regra e
princípio oferecida por Alexy. Para o autor princípio e regra são espécie do gênero norma e não
de textos legais ou constitucionais. Mas nesse ponto, Virgílio se vale de uma operação
epistemológica que sequer chega a ser tematizada explicitamente por Alexy e que não parece
encontrar abrigo em sua teoria o que deixa margem a mal-entendidos e continua a ventilar os
problemas próprios de uma classificação abstrata de espécies normativas (Cf. Virgílio Afonso da
Silva. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-americana de
Estudos Constitucionais. n. I. p. 615 e ss. Belo Horizonte: Del Rey, jan.-jun. 2003.).
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219
.Cf. Ronald Dworkin. O império do direito. São Paulo: Martins fontes, 2003. p. 305 e ss.
221
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e) Garantir que cada cidadão tenha sua causa julgada a partir da Constituição e
que haja condições para aferir se essa resposta está ou não constitucionalmente
adequada. Esse último princípio tem por finalidade preservar a força normativa da
Constituição e o caráter deontológico dos princípios.230
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Por fim, Streck oferece um rol de seis hipóteses que tornariam possível ao
julgador deixar de aplicar uma lei.
Leitura recomendada
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Básica
Intermediária
Avançada
Ernildo Stein. Aproximações sobre hermenêutica. 3. ed. Porto Alegre: Edpurs,
2003.
222
.Cf. Ronald Dworkin. Direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São
Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 132.
224
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.Cf. Norbert Elias. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993. vol. 2, p. 194.
229
.Lenio Luiz Streck. Verdade e consenso... cit., posfácio, n. 6., p. 605-606. No mesmo sentido,
utilizando dos fundamentos de Lenio Streck, conferir Georges Abboud. Jurisdição constitucional e
direitos fundamentais. São Paulo: Ed. RT, 2011. n. 9.3, p. 449 et seq.
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1) O capítulo se inicia com o debate em torno da questão da metodologia jurídica. O objetivo foi apresentar uma concepção
que fosse além de expor a questão do método colada ao problema da interpretação (assim, teríamos o método gramatical,
lógico-sistemático, histórico e teleológico).
2) Para tanto, propusemos a distinção entre método e metodologia, enquanto o método representa um caminho,
procedimento, estratégia etc., para alcançar determinado objetivo de pesquisa, a metodologia significa um discurso sobre as
diversas possibilidades de enfoques e utilização de métodos na perspectiva de encontrar o mais adequado para a análise que
se realiza sobre o campo de conhecimento em que se está situado. Nesse sentido, a metodologia jurídica discute qual o melhor
método para conhecer e aplicar o direito.
3) Dessa forma, toda a discussão empregada passa pela recomposição histórica das principais perspectivas metodológicas
construídas pela chamada ciência dogmática do direito.
Nesse contexto, trouxemos também à baila o modo como essa dogmática jurídica se desenvolveu no âmbito do direito
público, especialmente no que tange à tradição germânica procurando apontar para discussões que influenciaram fortemente os
desenvolvimentos futuros para enfrentamento de questões jurídicas, especialmente no âmbito do pensamento jurídico brasileiro.
4) Sequentemente à apresentação da metodologia jurídica, iniciamos a reflexão sobre a hermenêutica jurídica pautada pelo
fio condutor da filosofia contemporânea. Nesse contexto, analisamos o modo como a hermenêutica é trabalhada nas obras de
Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, a fim de indicar as principais contribuições para se alcançar uma nova compreensão
do fenômeno jurídico. Nessa medida, ressaltamos que, a partir dessa matriz filosófica, a hermenêutica jurídica não distingue
mais o entendimento da lei de sua interpretação, uma vez que ambas as experiências estão reduzidas na ideia de applicatio. Do
mesmo modo, a partir de obra de Gadamer, é possível afirmar que o ato interpretativo se manifesta como um ato produtor de
sentido e não meramente reprodutor. Sem embargo, é necessário ter presente que esse caráter produtivo da interpretação não
autoriza uma conclusão precipitada de que o intérprete pode “criar” livremente o direito a ser aplicado ao caso uma vez que
essa produção de sentido sofre os limites impostos pela linguagem e pela historicidade do intérprete.
5) O capítulo também tem a pretensão de demonstrar que a necessidade de desmistificação dos conceitos tradicionais da
metodologia e da hermenêutica jurídicas e sugerir a abertura de caminho para uma hermenêutica de cunho produtivo em que a
interpretação da lei é uma tarefa que se constitui a partir de uma fusão de horizontes, vale dizer, do sentido projetado pelo texto
com a pré-compreensão do intérprete. Assim, o resultado do processo interpretativo será sempre uma novidade, em certo
sentido, uma vez que a distância temporal e os efeitos da história que atuam sobre o intérprete são diferentes daqueles que
atuavam sobre o criador do texto. Mas a produção do sentido efetuada pela interpretação encontrará limites na linguagem e na
própria história, que condicionam a pré-compreensão e estabelecem as possibilidades para os projetos interpretativos
formulados pelos intérpretes do Direito.
6) A aposta é a de que o grande problema hermenêutico é dar conta da distância temporal que existe entre o intérprete
(sujeito) e o texto (objeto) procurando estratégias para que possam ser sentidos os efeitos da história no momento de afirmação
da interpretação.
7) Nessa dimensão, a hermenêutica filosófica se apresenta como o método mais adequado para o trato da questão, pois nos
mostra que a tradição, e a consciência dos efeitos da história nos aproximam dos objetos – textos – de modo que não existe
uma “consciência subjetiva” pura, despida de qualquer significação, a se aproximar de um texto para ser interpretado,
aniquilando-se, assim, o mito da pura objetividade na interpretação. Todavia, a determinação e análise dos efeitos da história no
processo de compreensão/interpretação faz com que a hermenêutica articule a necessidade de suspensão dos pré-juízos que
acompanham o intérprete no momento do desempenho de sua atividade. Assim, só podem ser mantidos na tarefa interpretativa
aqueles pré-juízos que estejam confirmados pela correta compreensão do texto interpretado.
8) Assim, apresentamos outro importante ponto é com relação a atribuição de sentido aos textos que interpreta: tal atribuição
não pode, em nenhuma hipótese, representar um ato pleno da vontade subjetiva do intérprete. Sua “vontade” está aqui
condicionada à suspensão dos pré-juízos na perspectiva de determinação do correto sentido (ou o melhor) para o texto.
9) A proposta de uma Teoria da Decisão aqui apresentada tem o esforço de representar o âmbito discursivo no interior do
qual se busca encontrar anteparos para o exercício da atividade jurisdicional de modo a adequar tal atividade aos contornos
democráticos que o constitucionalismo Contemporâneo impõe.
10) Por fim, apresentamos três posturas teóricas sobre a decisão judicial, a saber, as propostas de Robert Alexy, Ronald
Dworkin e Lenio Luiz Streck.
11) Segundo Robert Alexy, o problema da “racionalização da decisão judicial” pela construção de uma fórmula que permita
reduzir a arbitrariedade interpretativa no momento em que, ao determinar qual dos valores conflitantes se sobressai para
resolução de um dado caso, o intérprete afirma qual deve prevalecer. Nesse sentido, constrói a chamada “fórmula da
ponderação”. A ponderação tem lugar nos chamados casos difíceis e ela visa sanar uma eventual colisão de princípios (valores)
para que, depois de sua correta aplicação, possa ser determinada a regra a ser subsumida ao caso (chamada regra da
ponderação, ou regra de direito fundamental atribuída).
12) Em tal dimensão, entendemos que em Alexy não há, propriamente, uma aplicação de princípios – nos termos das
tradicionais teorias semânticas da interpretação jurídica – mas somente aplicação de regras, visto que do procedimento da
ponderação – que opõe dois princípios em conflito – resulta uma regra que será efetivamente subsumida ao caso concreto.
13) Por isso, conclusivamente, pode-se afirmar que Alexy procura desenvolver a ideia daquilo que ele chama de “dogmática
dos espaços” que se vinculam, intimamente, à fórmula da ponderação. A “dogmática dos espaços” resolveria o problema de
possíveis subjetivismos, ao mesmo tempo em que demonstra a racionalidade da técnica da ponderação a partir dos limites que
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são impostos pelos espaços estruturais e pelos espaços epistemológicos. Os “espaços” são os lugares nos quais o legislador e
o julgador se movimentam em razão da aplicação dos princípios jurídico-constitucionais.
14) Na dogmática dos espaços têm papel privilegiado os espaços estruturais e os espaços epistemológicos (ou cognitivos).
Enquanto os primeiros são definidos pela ausência de mandamentos ou proibições constitucionais definitivas, ou seja, o que a
Constituição não proíbe ela libera ou deixa livre definitivamente, os segundos são de tipo totalmente diferente, pois não nascem
dos limites daquilo que a Constituição ordena ou proíbe, mas sim limites da capacidade de cognição dos limites da Constituição.
15) Nesse sentido pode ser encontrado em Alexy não só uma matematização do discurso jurídico, mas também um forte
grau de artificialismo que reveste o procedimento da ponderação.
16) O resultado da ponderação alexyana não aparece como um problema efetivo pois sua validade está condicionada ao
procedimento. Assim, em sua teoria da ponderação, remanesce um coeficiente de discricionariedade interpretativa que
prejudica seu empreendimento teórico, na medida em que não fornece elementos seguros para se construir uma teoria da
decisão.
17) Diferentemente do pensamento de Robert Alexy, Ronald Dworkin verifica a complicação de uma Teoria da Decisão já
manifesta já no momento de se descrever aquilo sobre o que, em direito, realmente estamos falando.
18) Para Dworkin o fio condutor não será sobre fundamentos ou procedimentos matemáticos construídos por abstração ou
generalização. Para ele quando se encara o direito como prática interpretativa todos os procedimentos metodológicos são
instalados em função das controvérsias que cada um de nós temos sobre o que seja direito e até onde é legítima a coerção
exercida pelo Estado sob o signo do direito.
19) Dworkin não aceita nenhum tipo de discricionariedade judicial: permitir que o juiz decida de modo a inovar na seara
jurídica pode representar um exercício arbitrário (não justificado em princípios da comunidade moral) da coerção estatal,
colocando-se no tênue liame que sustenta o exercício legítimo da força e a exceção.
20) Na realidade o que pretendemos esclarecer é que no interior do “método” de Hércules, há uma nítida preocupação com
o resultado da decisão, ao contrário do que encontramos na posição de Alexy, de modo que uma decisão judicial
estará justificada não apenas quando respeita a equidade dos procedimentos, senão quando respeita a coerência de princípios
que compõem a integridade moral da comunidade.
21) Já Lenio Streck apresenta uma Teoria da Decisão construída a partir de uma imbricação entre Gadamer e Dworkin
estando inserida no contexto do constitucionalismo contemporâneo que redefiniu o Direito Público a partir de uma reconstrução
de todo fenômeno jurídico na senda do Direito Constitucional.
22) Streck defende a importância paradigmática da noção de applicatio que aparece em Gadamer e como com ela o direito
se liberta da velha armadilha presente nas teorias tradicionais sobre a hermenêutica que acreditavam na possibilidade de
separar o fenômeno interpretativo – e, no limite, o decisional – em partes.
23) O referido autor ainda acentua que a hermenêutica, ao ampliar o espaço de legitimação dos processos cognitivos,
estabelece as condições necessárias para dar conta do complexo pré-compreensivo que a envolve, determinando seus limites e
sua pretensão de universalidade, possibilitando, assim, determinar a validade daquilo que foi obtido através da interpretação.
24) Com isso, nessa medida, a necessidade de construção de respostas adequadas à Constituição leva o autor a elaborar
cinco princípios que representariam uma espécie de minimum applicandi no momento de afirmação da decisão judicial. Tais
princípios são: a) preservar a autonomia do direito; b) estabelecer as condições hermenêuticas para a realização de um controle
da interpretação constitucional; c) garantir o respeito à integridade e à coerência do direito; d) estabelecer que a fundamentação
das decisões é um dever fundamental dos juízes e tribunais e e) garantir que cada cidadão tenha sua causa julgada a partir da
Constituição e que haja condições para aferir se essa resposta está ou não constitucionalmente adequada.
25) Complementando sua proposta, por fim, Streck oferece um rol de seis hipóteses que tornariam possível ao julgador
deixar de aplicar uma lei e fora destas hipóteses, estaria o julgador necessariamente vinculado à obra do Poder Legislativo,
devendo aplicá-la ao caso sob julgamento.
26) Diante de tudo, a conclusão a que chegamos é a de que a fundamentação – mais do que dever do órgão judicante – é
um direito fundamental de todo cidadão.
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Nota Conclusiva
Optamos em realizar uma breve nota conclusiva, uma vez que a obra já possui
alentado posfácio de autoria de Lenio Streck e todos os capítulos possuem suas
respectivas conclusões numeradas.
A polêmica entre direito e ciência também foi pensada com o intuito de,
originalmente, analisar a ciência do direito em uma perspectiva crítica, a fim de
permitir o diálogo com outras ciências. Ou seja, criar uma dimensão propriamente
crítica do discurso científico do direito.
Importante anotar que, entre as várias questões que compõem esse universo
de problemas, o elemento central desse capítulo diz respeito à passagem do
conceito semântico-positivista de norma para um conceito paradigmático-pós-
positivista. Ou seja, salta-se do simples entendimento das normas em direção à
discussão e enfrentamento dos problemas relativos à sua efetiva concretização.
Esse novo conceito de norma – que, como afirma Friedrich Müller, representa a
pedra de toque do pós-positivismo – não aparece bem trabalhado por alguns
setores do pensamento jurídico brasileiro. De fato, há uma certa dificuldade em
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lidar com a distinção entre texto e norma e os diversos reflexos que isso produz
para a instrumentalização concreta do direito.
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“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é
sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais
completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não
entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não
entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um
desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a
inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que
não entendo.”
Clarisse Lispector 1
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Posfácio
E o que é o senso comum teórico? Luis Alberto Warat já há mais de trinta anos
“decretava”: a dogmática jurídica é (as)sim, conservadora, assistemática, formalista
e decisionista, porque é refém do senso comum teórico. Isso, porque, ao servir de
instrumento para a interpretação/sistematização/aplicação do Direito, a dogmática
jurídica vai aparecer como um conjunto de técnicas de “fazer crer”, com as quais
os juristas conseguem produzir a linguagem oficial do Direito que se integra com
significados tranquilizadores, representações que têm como efeito impedir uma
problematização e uma reflexão mais aprofundada sobre nossa realidade
sociopolítica.1
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Um médico filósofo parece coisa mais tolerável aos olhos da gente sensata do que
um bacharel em direito. Parece que este só deve se ocupar do que diz respeito
ao Corpus Iuris. Se ousa um instante olhar por cima dos muros destas velhas e
hediondas prisões, chamadas Côrrea Telles, Lobão, Gouveia Pinto, etc., ai dele, que
vai ser punido por tamanho desatino!9
Como quer que seja, a verdade é que o pobre bacharel, limitado aos seus
chamados conhecimentos jurídicos, sabe menos das necessidades e tendências do
mundo moderno, sente menos a infinitude dos progressos humanos, do que pode ver
de céu azul um preso através das grades do calabouço.10
solução a ser dada no caso de um gêmeo xifópago ferir o outro! Com certeza,
gêmeos xifópagos – encontráveis em qualquer esquina – andam armados e são
perigosos... Pois não é que a pergunta voltou a ser feita, desta vez em concurso
público de importante carreira no Estado do Rio Grande do Sul? A questão de
direito penal que levou o número 46 dizia:
Agora, falando sério: diariamente temos lutado para superar a crise do ensino
jurídico e da operacionalidade do direito. Não está nada fácil. Basta um olhar
perfunctório para verificar o estado da arte da crise. Para se ter uma ideia da
dimensão do problema, há um importante manual de direito penal – dos mais
vendidos – que ensina o conceito de erro de tipo do seguinte modo: um artista se
fantasia de cervo e vai para o meio do mato; um caçador, vendo apenas a galhada,
atira e acerta o “disfarçado de cervo”. Fantástico. Quem não sabia o que era erro
de tipo agora sabe... (ou não!). Só uma coisa me deixou intrigado: por que razão
alguém se fantasiaria de cervo e iria para o meio do mato? Trata-se de um mistério
que somente o sarcasmo pode auxiliar na explicação.
A literatura poderia nos auxiliar, para, a partir disso, abrir frestas no direito para
o ingresso da sangria do cotidiano. Uma pitada de Os Miseráveis, de Victor Hugo –
que, publicado em 1862, vendeu sete mil exemplares em vinte e quatro horas –
poderia ser útil. Quantos Jean Valjean’s, personagem que é encarcerado e depois
perseguido por ter furtado um pão, existem espalhados no “sistema” carcerário ou
no “sistema judiciário”, respondendo processos? A cada dia, deparamo-nos com
novos Jean Valjean’s...
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Finamente, outro mistério foi solucionado pela dogmática penal. Havia sérias
“dúvidas” acerca do que seria o “princípio da consunção”. Mas a resposta já está
nas bancas, nas melhores casas do ramo, por meio do seguinte exemplo: “o
peixão (fato mais abrangente) engole os peixinhos (fatos que integram aquele
como sua parte)”. E, pronto. Fiat Lux.
Mas tem mais. Talvez o Top Five do senso comum teórico esteja no seguinte
exemplo, retirado do Concurso Público para Ingresso na Carreira de Defensor
Público do Estado do Rio de Janeiro, do ano de 2010.
Pois bem. Ao que consta, recebeu nota máxima quem respondeu que o
defensor público deveria ajuizar a ação, porque o hipossuficiente tem o direito à
felicidade (princípio da felicidade). Trata-se de uma excelente amostra do patamar
que atingiu o pamprincipiologismo e o estado de natureza hermenêutico
em terrae brasilis, que sustentam ativismos e decisionismos. Por certo, deve haver
uma espécie de “direito fundamental a alguém se parecer com um lagarto” ou algo
do gênero. Como se o direito estivesse à disposição para qualquer coisa. Não
parece ser um bom modo de exercitar a cidadania o incentivo a que advogados de
hipossuficientes, pagos pelo contribuinte, venham a se utilizar do Poder Judiciário
para fazer “laboratório” ou até mesmo estroinar com os direitos fundamentais. Eis,
aqui, pois, uma coletânea de elementos que apontam, em pleno Estado
Democrático de Direito, paradoxalmente, para o recrudescimento do conhecimento
jurídico.13
Sem qualquer dúvida, foi Warat quem, além de cunhar a expressão senso
comum teórico dos juristas, melhor trabalhou essa relação dos juristas – inseridos
numa espécie de corpus de representações – com suas práticas cotidianas. O
senso comum teórico dos juristas é, assim, o conjunto de crenças, valores e
justificativas por meio de disciplinas específicas, legitimadas mediante discursos
produzidos pelos órgãos institucionais, tais como os parlamentos, os tribunais, as
escolas de direito, as associações profissionais e a administração pública.15
De há muito tenho buscado a explicação para essa crise. Nas idas e vindas de
minhas investigações, há um ponto que pode ser considerado como o de
“estofo”, para onde confluem os diversos caudais doutrinário-jurisprudenciais: trata-
se do modo como a teoria do direito tem compreendido a viragem do fenômeno do
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esgotam a realidade. Na palavra “Nilo” não está a água do Rio Nilo e nem na
palavra “rosa” está o seu perfume...! A palavra “borboleta” não tem asas (permito-
me fazer esta ironia). A palavra água não molha... e não pinga!
Do mesmo modo, o tipo penal “subtrair coisa alheia móvel” não contém a
“essência” do significado do furto. No enunciado “constranger mulher a praticar
sexo” não está contida a “essência da estuprês”. Tampouco o enunciado “não
compete ao STF conhecer de ‘habeas corpus’ impetrado contra decisão do relator
que, em ‘habeas corpus’ requerido a tribunal superior, indefere a liminar” (Súmula
691 do STF) contém todas as hipóteses aplicativas, bastando, para tanto, ver como
o próprio Supremo Tribunal Federal confessa isso, ao suplantar o nível meramente
sintático-semântico do referido enunciado sumular, ao conceder liberdade a Paulo
Maluf e seu filho.
E, atenção: nem mesmo a palavra “cães” segura o “seu próprio sentido”, uma
vez que não se poderia aplicar a proibição a um cego levando o seu cão guia (o
que parece óbvio). E assim por diante. Se a holding está assentada em “animais
perigosos”, todo tipo de cão não perigoso não estaria fora da proibição da regra?
Veja-se, desde já – problemática que voltarei mais adiante – a questão da relação
“texto-norma”.
Mais do que isso, para que seja possível falar da superação do(s)
positivismo(s), deve-se ter consciência da necessidade de uma teoria da decisão.
Como se decidem os casos, eis a questão que procuro responder em Verdade e
Consenso.23 Na especificidade do exemplo de Siches, se a resposta fosse
simplesmente “sim, pode levar um urso”, estar-se-ia em face de uma decisão
“raso-positivista-exegética” (positivismo primitivo). Já se a resposta fosse “não,
porque onde está escrito cães, leia-se animais perigosos”, em tese estar-se-ia em
face de uma análise não positivista, isto é, uma análise que superaria o positivismo
exegético. Entretanto, o final da história, isto é, a resposta acerca de como poderia
ser classificada a segunda resposta advirá do tipo de decisão. Se for discricionária
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Isso quer dizer que a interpretação da lei não pode se limitar à lei (à súmula ou
ao “verbete”). Entretanto, ao ir “além” da lei, cresce o grau de complexidade. É
neste ponto que muitos juristas pensam que, pelo simples fato de superarem o
positivismo exegético, já se encontram em território não positivista... Ledo engano,
uma vez que, como venho demonstrando, o positivismo tem várias faces. O ponto
mais simples é a constatação – elementar – de que a lei não contém a resposta em
si mesma. Essa é a constatação primeira que deve ser feita. Óbvia,
desde Antígona (Sófocles) até As Aventuras de Gulliver (Jonathan
Swift),24 passando por Medida por Medida (Shakespeare). É em Lagado, capital da
nação de Balnibarbi, que Gulliver encontra a Academia de Projetistas. Entre seus
diversos projetos, destaco, aqui, uma de suas salas, na qual os sábios locais
discutiam as possibilidades de se simplificar a linguagem. Era um consenso em
Balnibarbi que o discurso, além de complexo, fazia mal à saúde – afinal, o simples
ato de falar poderia, a longo prazo, trazer malefícios aos pulmões e,
consequentemente, diminuir a expectativa de vida da população. Trabalhando a
partir dessa lógica, um dos professores sugeria que todas as palavras,
especialmente as longas, fossem suprimidas, de forma que nos comunicássemos
apenas por meio de sílabas. A solução não agradou a todos: outro acadêmico de
Lagado sugeria que a empreitada fosse mais além, abolindo as palavras de uma
vez por todas. Em vez de palavras – essas coisinhas tão inconvenientes, que
variam de idioma para idioma –, usássemos... objetos. Se eu pretendo falar de um
livro, diz o professor, por que não mostrar um livro? Livro, libro, book, Buch, livre...
objetificar a palavra é muito mais simples.
Measure for Measure (Medida por Medida), por sua vez, conta a história de um
Rei recém-ascendido ao governo de Viena. Esse rei (na verdade, um juiz, amigo
do Duque), Ângelo, ao descobrir que sua irmã teve relações sexuais com Claudio,
condena o rapaz a morte. Desesperada, Isabella, irmã de Claudio, procura
interceder, e suplica ao governante que seu irmão seja poupado. Angelo é
irredutível: a lei é a lei. “Fosse meu irmão”, diz Ângelo, “morreria também”. Isabella
insiste no dia seguinte. E, diante do encanto de Angelo com a beleza da jovem... a
lei já não parece ser mais tão absoluta assim. Se fosse amado por Isabella, o Rei
pouparia Claudio. Do extremo objetivismo, Ângelo vai ao completo subjetivismo. E
o Direito brasileiro, ao suplicar por um sentido posto pela cartografia explicativa do
mundo é uma espécie de Ângelo invertido: vai do sujeito solipsista que põe o
sentido das coisas, às estruturas que nos assujeitam.
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Todavia, antes de criticar esse “jogo ad hoc”, cabe insistir na “crítica primeva”:
efetivamente, a lei não “carrega” o direito. E como descobrimos isso, de forma
definitiva? A resposta é induvidosa: a partir da superação dos paradigmas
essencialista-clássicos e da filosofia da consciência (objetivismo e subjetivismo).
Isto é, a partir da viragem ontológico-linguística, a linguagem é alçada à condição
de possibilidade. Eu não possuo a linguagem. É ela que me tem. Heidegger dizia:
a linguagem é a casa do ser; nessa casa mora o homem; os poetas e os
pensadores são os vigilantes (os curadores) dessa casa. E, acrescento: tudo o que
sei é graças às palavras que sei. E tudo o que (ainda) não sei é em face das
palavras que desconheço. As coisas que não sei estão “cobertas” pela linguagem à
qual ainda não tenho acesso, porque não a descobri. Nesse sentido, Gadamer
afirma que “ser que pode ser compreendido é a linguagem”31 (Sein, dass
verstanden werden kann, ist Sprache). Por isso, por meio da linguagem, o ser se
vela e se desvela. Palavra é como uma “pá-que-lavra”. Ela é abertura, des-
cobrimento e des-velamento.
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Ernildo Stein lembra – e bem, como de costume – que não é a realidade que é
contraditória; os nossos discursos sobre a realidade é que são contraditórios. É
precisamente por isso que temos de ter cuidado para não confundir a estrutura dos
nossos discursos com a estrutura da realidade. Como dizia Heráclito: o logos das
coisas é um; o logos dos filósofos – intérpretes –, outro. Por isso a simetria entre os
dois logos será sempre ideal. Ou... ilusória.
Nós também, no nosso dia a dia, necessitamos de uma “certa dogmática”. Não
podemos ficar trocando o sentido das coisas ao nosso bel-prazer. Por exemplo,
sabemos o que quer dizer a palavra lápis. Mas isso não basta, porque há milhões
de lápis. Quando digo a palavra automóvel, o ouvinte pensará não no “conceito
abstrato de automóvel”, mas, sim, em um determinado automóvel, concreto (p. ex.,
o dele) ou um imaginário. Mas sempre pensará em um “dado automóvel”. O que
nos coloca no mundo é esse “mínimo é”.
Trata-se daquilo que em Hermenêutica Jurídica e(m) crise (já em 11ª edição)
chamei de “entificação minimamente necessária para estarmos no mundo”.
Sabemos o sentido das palavras, mas é a situação concreta de aplicação que
determinará o sentido. Como lembra Heidegger, não há um “lagarto em geral”. Há
sempre aquele lagarto...! Agrego: não há um furto em geral... Há sempre um
determinado furto. Não existe um “contrato agrícola” em geral. É aquilo que
Heidegger chamará de “coisa mesma” (die Sache selbst).
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Por isso, para Gadamer, compreender quer dizer “elaborar projetos corretos,
adequados às coisas”.35 Outro equívoco que se faz na leitura da obra do mestre
de Tübingen é lê-lo como um filólogo, como se a hermenêutica fosse um modo de
interpretar textos escritos. Na verdade, há que se entender que, pelo caráter
de universalidade que assume a hermenêutica filosófica, textos são eventos.
Textos são fatos. Coisas. Fenômenos.
Uma decisão do STF que ecoa essas discussões foi a do habeas
corpus coletivo 143.641, veiculada no Informativo 891, por meio da qual a 2ª Turma
concedeu a ordem no habeas corpus coletivo impetrado em favor das mulheres
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Apesar das boas intenções por trás disso tudo, há uma série de complicações
nessa forma de atuação judicial, as quais podem resultar num problema ainda
maior do que aquele que se quer combater.
A esse respeito, tenho discutido uma criteriologia decisória que passa por três
perguntas fundamentais: está o Judiciário diante de um direito fundamental,
subjetivamente exigível? Esse direito, em situações similares, pode ser concedido
a toda e qualquer pessoa que o pedir? Por fim, é possível transferir recursos das
outras pessoas para fazer aquela ou um grupo feliz, sem violar a isonomia no seu
sentido substancial, já levando em conta toda a força do estado social previsto na
Constituição? Se uma das respostas for negativa, não se está diante de uma
judicialização, mas, sim, de uma atitude ativista.
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Esse mesmo Hermes, semideus, tinha o poder de dizer aos mortais o que os
deuses diziam. Ele era o intermediário. Ele atribuía sentidos. Todavia, nunca se
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Por isso, por exemplo, a malsinada permanência até os nossos dias dos velhos
princípios gerais do direito, axiomas do século XIX que, entretanto, atravessaram o
século XX e continuam a fazer vítimas, ao ponto de derrotar princípios
constitucionais e preceitos que tratam de direitos fundamentais, como é o caso
do Habeas Corpus n. 103.525, do STF. Isso também é possível de perceber na
proliferação de cláusulas abertas no direito civil e na tese de que “princípios são
valores”, problemática que enfrento nestas reflexões na sequência.
Daí que uma teoria não positivista e que dê efetiva contribuição para a
concretização da Constituição deve estar em condições de superar esses
elementos próprios do privativismo que, de alguma maneira, pode ser tido como
uma característica do positivismo.
pode ser denominado “pós-bélico”, para usar uma expressão de Mario Losano.
Efetivamente, o direito exsurgido após a segunda grande guerra tinha que vir
diferente. Sim, o direito mudou. Estamos naquilo que se pode denominar de
terceira dimensão das possibilidades autônomas do direito. Com efeito, em
Ésquilo, na Oresteia, já se pode perceber – como que antecipando a modernidade
em um milhar de anos – um elevado grau de “emancipação” jurídica, na medida
em que a formação do primeiro tribunal institucionalizou a punição de crimes de
sangue.
Portanto, repita-se, o direito pós-bélico tinha que vir de modo diferente. Não
mais era possível aprisionar nos conceitos todas as futuras hipóteses de aplicação
(sonho da razão). Esse direito pós-Auschwitz traz consigo um elevado grau de
autonomia, representado pela institucionalização da moral no direito (aqui, a
importância contemporânea de Habermas). O direito não pode(ria) mais ser imoral.
E o direito não pode(ria) mais ser aético.
culpado. Tampouco fala do crime “em si”. O que Victor Hugo quer mesmo é deixar
claro o seu princípio.
Portanto, isso quer dizer que cada texto jurídico-normativo (regra/preceito) não
pode se colocar na contramão desse desiderato, digamos assim, virtuoso,
propagado pelo texto que explicita o contrato social: a Constituição. É fácil concluir
que não queremos uma República em que a vigarice seja a regra e que achemos
absolutamente normal (e por que não, legal – sic) o aproveitamento das benesses
originárias do espaço público, dando razão assim aquilo que Raymundo Faoro
denunciava de há muito: o Brasil é, ainda, em muitos aspectos, pré-moderno, isto
é, uma sociedade sustentada nos estamentos e nos privilégios daí decorrentes.
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Daí o meu brado: que os juristas não repitam a velha história de que “cumprir a
letra ‘fria’ (sic) da lei” é assumir uma postura positivista...! Aliás, o que seria essa
“letra fria da lei”? Haveria um sentido em-si-mesmo da lei? Na verdade,
confundem-se conceitos. Tenho a convicção de que isso se deve a um motivo
muito simples: a tradição continental, pelo menos até o segundo pós-guerra, não
havia conhecido uma Constituição normativa, invasora da legalidade e fundadora
do espaço público democrático. Isso tem consequências drásticas para a
concepção do direito como um todo!
Portanto, não devemos confundir “alhos” com “bugalhos”. “Cumprir a letra [sic]
da lei” significa, sim, nos marcos de um regime democrático como o nosso, um
avanço considerável. A isso, deve-se agregar a seguinte consequência: é
positivista tanto aquele que diz que texto e norma (ou vigência e validade) são a
mesma coisa, como aquele que diz que “texto e norma estão descolados” (no
caso, as posturas axiologistas, realistas, pragmaticistas etc.).61
Para ser mais simples: Kelsen, Hart e Ross foram todos positivistas. E disso
todos sabemos as consequências. Ou seja: apegar-se à letra da lei pode ser uma
atitude positivista ou pode não ser. Do mesmo modo, não se apegar à letra da lei
pode caracterizar uma atitude positivista ou antipositivista. Por vezes, “trabalhar”
com princípios (e aqui vai a denúncia do pamprincipiologismo que tomou conta do
“campo” jurídico de terrae brasilis) pode representar uma atitude (deveras)
positivista (não esqueçamos que o realismo jurídico é uma espécie de positivismo,
conforme deixo claro em vários de meus textos e livros). Utilizar os princípios para
contornar a Constituição ou ignorar dispositivos legais – sem lançar mão da
jurisdição constitucional (difusa ou concentrada) – é uma forma de prestigiar tanto
a irracionalidade constante no oitavo capítulo da TPD de Kelsen, quanto
homenagear, tardiamente, o positivismo discricionarista de Herbert Hart. Não é
desse modo, pois, que escapamos do positivismo.
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Esse “fatalismo” é uma das coisas que mais me intriga. Trata-se daquilo que se
pode denominar de falácia realista. Chamo a isto de “paradoxo da falácia realista”,
uma vez que é pela via do mito do dado (metafísica clássica) que se sustenta a
filosofia da consciência. Ou seja, para sustentar a “tese” de que a filosofia da
consciência é algo inexorável, recorre-se ao objetivismo... Em outras palavras, é
como se a filosofia não penetrasse nas “capas de sentido” produzidas
historicamente por um direito blindado a transformações.
Daí a pergunta: por que, depois de uma intensa luta pela democracia e pelos
direitos fundamentais, enfim, pela inclusão nos textos legais-constitucionais, das
conquistas civilizatórias, continuamos a delegar ao juiz a
apreciação discricionária das provas? Nos casos de regras (textos legais) que
contenham vaguezas e ambiguidades e nas hipóteses dos assim
denominados hard cases, por que continuamos a insistir em deixar a sua definição
ao livre convencimento ou a discricionariedade dos juízes?
Ora, a decisão se dá, não a partir de uma escolha, mas, sim, a partir do
comprometimento com algo que se antecipa. No caso da decisão jurídica, esse
algo que se antecipa é a compreensão daquilo que a comunidade política constrói
como direito (ressalte-se, por relevante, que essa construção não é a soma de
diversas partes, mas, sim, um todo que se apresenta como a melhor
interpretação – mais adequada – do direito).
Sigo. E insisto: entregar-se à tese do tipo “azar, é assim que os juízes pensam”
é adotar uma posição fatalista, que não pode ser aceita no âmbito de uma teoria do
direito preocupada com a democracia. Numa palavra: se os juristas – em especial,
os juízes – efetivamente pensam assim, temos a obrigação de dizer que estão
equivocados, pelo menos se analisamos o problema à luz dos paradigmas
filosóficos que conformam o Ocidente a partir da superação da metafísica clássica.
De há muito venho sustentando – junto com Ernildo Stein – que nós não
interpretamos para compreender, mas, sim, compreendemos para interpretar. Esse
é o ponto em que reside o equívoco, no âmbito do processo penal, da tese do livre
convencimento “racional”. Admito até que a adjetivação “racional” esteja correta;
afinal, o paradigma da racionalidade (solipsística) parece que ainda está presente
em todo o projeto do novo CPP. Estar-se-ia falando em racional de acordo com
um paradigma filosófico totalmente ultrapassado. No paradigma atual (da
intersubjetividade), racional é incompatível com livre convencimento. E nem se
venha defender uma “discricionariedade racionalizada”, do tipo “decido” primeiro e
fundamento depois, de uma maneira meramente ornamental. Mas o que me
parece mais grave é que, talvez, o LC nem sequer seja “racional”; na verdade, tudo
está a indicar que ele esteja ancorado na “vontade” (não esqueçamos que as
teorias exegéticas do direito, sustentadas na razão, foram superadas pela vontade,
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Ainda mais uma coisa: rigoroso controle das decisões judiciais que venho
propondo não quer dizer – sob nenhuma hipótese – diminuição do papel da
jurisdição (constitucional). Aliás, esse mesmo controle deve ser feito em relação às
atividades do Poder Legislativo. O Estado Democrático de Direito é uma conquista.
É, portanto, um paradigma, a partir do qual compreendemos o direito.
Para ser mais claro, quero dizer com isso que, em última ratio, levando em
conta as inexoráveis possibilidades de o Parlamento aprovar leis ou emendas
constitucionais “de ocasião” (inconstitucionais), a jurisdição constitucional deve se
constituir na garantia daquilo que é o cerne do pacto constituinte de
1988. Entretanto – e esse é o motivo pelo qual defendo uma Teoria da Decisão –
isso não depende (e não pode depender) da visão solipsista (consciência
individual) de juízes ou Tribunais.
De todo modo, não é somente Sarmento quem lança críticas desse jaez
(também Inocêncio Mártires Coelho pensa assim, além de vários adeptos das
diversas teorias analíticas e as de cariz neoconstitucional). Segundo Sarmento, em
uma sociedade plural, coexistem múltiplas visões de mundo e, consequentemente,
cada “visão” disputa o seu espaço. O resultado disso seria uma fragmentação de
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Em definitivo, os críticos não se dão conta de uma questão que chega a ser
prosaica. Ou seja, o fato de a hermenêutica (filosófica) rechaçar o método não
implica – e nunca implicou – ausência (ou carência) de racionalidade. Até porque o
“método” que é destruído pela hermenêutica filosófica é o “método acabado e
definitivo” que o subjetivismo epistemológico da modernidade construiu. Nesse
sentido, afirma Gadamer na passagem final de Verdade e Método: “o fato de que o
ser próprio daquele que conhece também entre em jogo no ato de conhecer marca
certamente o limite do ‘método’ mas não o da ciência. O que o instrumento do
‘método’ não consegue alcançar deve e pode realmente ser alcançado por uma
disciplina do perguntar e do investigar que garante a verdade”66.
Para tentar ser mais claro ainda: o método “morreu” porque morreu a
subjetividade que sustentava a filosofia da consciência (lócus do sujeito solipsista –
Selbstsüchtiger). O método – supremo momento da subjetividade – soçobra diante
da superação do esquema sujeito-objeto. Método não é sinônimo de racionalidade.
Longe disso! E nem é necessário lembrar que a obra Verdade e Método pode (ou
deve) ser lida como Verdade contra o Método, o que significa admitir a
possibilidade de verdades conteudísticas (não apodídicas, é claro).
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Os direitos fundamentais não são um objeto passível de ser dividido de uma forma
tão refinada que inclua impasses estruturais – ou seja, impasses reais no
sopesamento –, de forma a torná-los praticamente sem importância. Neste caso,
então, existe uma discricionariedade para sopesar, uma discricionariedade tanto do
legislativo quanto do judiciário.69
Por certo, se olharmos com cuidado, veremos que relativistas são as teses
procedurais, que sustentam uma margem de discricionariedade daquele que
manipula o procedimento, como ocorre com a teoria da argumentação. Já na
hermenêutica filosófica (gadameriana) a não cisão entre interpretação e aplicação
(pensemos nas três subtilitates) e a autoridade da tradição são os componentes
que “blindam” a interpretação contra irracionalismos e relativismos. Por isso é que
se chama de hermenêutica da faticidade.
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Por outro lado, Friedrich Müller, que tudo indica ter sido o primeiro a usar a
palavra pós-positivismo, entende-o como uma teoria do direito que supera o
conceito semântico de norma a partir de uma teoria da concretização da norma
que pressupõe a distinção entre texto e norma; entre programa da norma e
âmbito da norma. Portanto, não é conveniente que se diga que o não positivismo
deriva do neoconstitucionalismo (aqui retomei a nomenclatura não positivismo em
lugar da desgastada “pós-positivismo”, que, para mim, permanece apenas para
Müller e Calsamiglia).
Acredito que seria possível dizer que o não positivismo tem lugar no ambiente
teórico do Constitucionalismo Contemporâneo. Aí, sim, porque o
Constitucionalismo Contemporâneo é ruptural, não sendo uma mera continuidade
do(s) constitucionalismo(s) anterior(es).75
Aqui parece ficar claro a maneira como a ideia da “Constituição como ordem de
valores” é literalmente subsumida à teoria alexyana da colisão de princípios, só
que sem atentar minimamente para os pressupostos lógicos que sustentam a
teoria do autor alemão. Ora, os princípios são, para Alexy, mandados de
otimização e possuem, por isso, uma estrutura alargada de dever-ser. É essa
estrutura alargada de dever-ser – que é dada prima facie – que tensiona os
princípios, fazendo-os colidir. A valoração é um momento subsequente – ou seja,
posterior à colisão – que incorpora o procedimento da ponderação. O mais
paradoxal nesse sincretismo teórico é que Alexy constrói sua teoria exatamente
para “racionalizar” a ponderação de valores, ao passo que, no Brasil, os
pressupostos formais – racionalizadores – são praticamente desconsiderados,
retornando às estratégias de fundamentação da jurisprudência da valoração. Dito
de outro modo: levada a teoria alexyana às suas últimas consequências, é possível
dizer que, ao menos no Brasil, embora todos os esforços empreendidos pela
doutrina, não há aplicação da teoria da argumentação jurídica.
Muito embora isso, o Direito Constitucional foi “tomado” por diversas “teorias
dos princípios” – por vezes autodenominadas “teorias da argumentação jurídica” –,
sendo raro, nestes dias, encontrar constitucionalistas que não se rendam à
distinção estrutural regra-princípio e à ponderação de valores (alguns ainda falam
em “ponderação de interesses”). A partir dessa mixagem teórica, são
desenvolvidas/seguidas diversas teorias/teses por vezes incompatíveis entre si.
Nesse particular, anote-se o estado de embaraço teórico em que se encontra
enveredadas posturas teóricas como as de Luis Roberto Barroso e Ana Paula de
Barcellos. Os autores propõem que, além da ponderação de princípios, deve existir
também uma ponderação entre regras, tese que se repete, sob outro fundamento,
em Humberto Ávila.83 O que chama mais atenção nessa modalidade de proposta
teórica é o fato de a ponderação ser um dos fatores centrais que marcam a
distinção entre regras e princípios de Robert Alexy (princípios se aplicam por
ponderação e regras por subsunção, é uma das máximas alexyanas). E mais: se
a ponderação é o procedimento do qual o resultado será uma regra posteriormente
subsumida ao caso concreto, o que temos como resultado da “ponderação de
regras”? Uma “regra” da regra? Como fica, portanto, em termos práticos, a
distinção entre regras e princípios, posto que deixa de ter razão de ser a distinção
entre subsunção e ponderação? Nos termos propostos por Barroso e Barcellos, a
ponderação aparece como procedimento generalizado de aplicação do direito.
Desse modo, em todo e qualquer processo aplicativo, haveria a necessidade de
uma “parada” para que se efetuasse a ponderação. Tal empresa – estender a
ponderação para a aplicação de regras – mostra-se destituída de sentido prático,
visto que da regra irá resultar outra regra, essa, sim, aplicável ao caso, além de
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Existe um ponto que não pode deixar de ser destacado na teoria de Robert
Alexy que diz respeito à distinção estrutural entre regras e princípios: enquanto as
regras constituem mandamentos de definição e são aplicadas por subsunção, os
princípios têm natureza de mandamentos de otimização, determinando que algo
seja realizado na máxima medida possível, tento em vista as possibilidades fáticas
e jurídicas. A ponderação para o autor é, portanto, a forma de aplicação designada
aos princípios. Aliás, o próprio Alexy refere que, havendo colisão entre normas,
não se resolve esta por meio de um sopesamento, mas, sim, excluindo uma das
regras do sistema jurídico.
Outro aspecto que deve ser observado para a manutenção da coerência com o
projeto de Alexy é a utilização da máxima da proporcionalidade que se apresenta
em suas três submáximas parciais (adequação, necessidade e proporcionalidade
em sentido estrito), que se prestam a solucionar subsidiariamente uma colisão de
princípio por meio da lei de colisão.
Um Cassino que era um sistema aberto e fechado ao mesmo tempo (prato cheio
não só para hermeneutas, como também para sistêmicos, como Leonel Severo
Rocha, com o qual tantas vezes discutimos isso – ele, Warat, Sérgio Cademartori e
eu). Poderíamos chamar esse “sistema do cassino” de uma espécie de “Cassino
Fundamental” (um Grundcassino?) ...! De uma forma mais sofisticada, pressupõe-
se que “todos os jogos sejam jogados”, ou algo nessa linha. As derivações são
múltiplas, pois.
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e, com os lábios semicerrados, deixou escapar várias onomatopeias (tsk, tsk, tsk)
... Atirou as cartas na mesa e disse: Katchanga Real!
Mas, atenção: a estória era para mostrar o paradoxo que representa esse
fenômeno “a dogmática jurídica”, com seu “pretenso sistema fechado” e os modos
de derrotá-la. Ou não. Dizia-se (eu repetia muito isso pelo Brasil afora): você tem
que saber jogar a Katchanga... (Real!). Portanto, não basta pensar que aprendeu
jogar a Katchanga. O jogo é mais complexo, uma vez que a própria Katchanga
Real representa um problema.
normas – e deve haver já mais de 2.000 dissertações e teses que dizem isso –,
qual é a normatividade de “princípios” (sic) como o da confiança do juiz da causa,
da verdade real, da instrumentalidade, da cooperação processual etc.?
Uma justificação que, com Dworkin, podemos dizer que deve ser a que melhor
retrata o direito da comunidade política como um todo.
Ora, na verdade, o que deve ser dito é que a ponderação à brasileira não é
uma representação de uma “teoria da Katchanga” (sic), mas, sim, ela própria é a
Katchanga no modo como a joga a dogmática jurídica. Ela representa uma forma
de decidir, e afirmar, assim, o non liquet. O “mito Katchangal” está presente na
própria teoria de Alexy e no elemento decisionista inerente ao seu procedimento ou
fórmula da ponderação. Se é verdade que criamos uma “ponderação à brasileira”,
também é verdade que há fortes traços discricionários e voluntaristas
na Abwägung original (que, aliás, constou inicialmente
na Interessenjurisprudenz, de Philipp Heck, setenta anos antes de Alexy ter escrito
a sua TAJ).
Mas pode haver muito mais na estória da Katchanga (Real). Nela, é possível
ver (também) fortes traços de nominalismo e pitadas da velha sofística. Meu
interesse em (re)contar o “mito” da Katchanga é denunciar esse viés pragmaticista
presente na invocação que o jogador faz da Katchanga Real. Ela é uma forma de
positivismo, porque estabelece um grau zero de sentido. O nominalismo era (e é)
isso. Todo positivismo é pragmaticista, assim como o nominalismo também o é.
Positivismo e nominalismo andam juntos (nesse sentido, ver verbete “positivismo”,
no meu Dicionário de hermenêutica cit.). A convocação da Katchanga Real é uma
forma de estabelecer a vontade do poder. Busquemos, novamente, o personagem
Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho. Discutindo sobre o papel do
“desaniversário”, pelo qual haveria 364 dias destinados ao recebimento de
presentes em geral e somente um de aniversário, Humpty Dumpty diz para Alice:
“é a glória para você”. Ela responde: “não sei o que quer dizer com glória”, ao que
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ele, desdenhosamente, diz: “Claro que não sabe... até que eu lhe diga. Quero dizer
‘é um belo e demolidor argumento para você’”. Mas, diz Alice, “glória não significa
‘um belo e demolidor argumento’”. E Humpty Dumpty aduz: “Quando eu uso uma
palavra, ela significa exatamente o que quero que ela signifique: nem mais, nem
menos”. Observe-se bem essa frase final do personagem nominalista de Lewis
Caroll... A palavra “glória” significa o que ele quer que signifique... É o fim
“demolidor” de uma discussão! Assim como é a Katchanga (Real).
Penso que nós também “precisamos falar sobre o direito”, “sobre o ensino
jurídico”, “sobre o papel da doutrina” ... Antes que seja tarde. Parece que não
aprendemos o suficiente – para fazer um eufemismo – com a história. Quando vejo
o que se diz sobre o positivismo jurídico e sobre a relação regra-princípio, indago-
me acerca das razões pelas quais não conseguimos compreender a “evolução” do
positivismo do século XIX aos nossos dias, assim como tudo o que de mais disso
deflui. Relegamos a teoria do direito a um segundo plano, tudo em nome de razões
e motivações pragmaticistas. Talvez isso seja assim porque pouco conversamos
sobre o direito.
Para as galés vão os gatunos que roubam galinhas à noite nos quintais, ao passo
que mal ficam uns meses na prisão aqueles que arruínam famílias com falências
fraudulentas; mas esses hipócritas sabem muito bem que, condenando o ladrão de
galinhas, os juízes mantêm a barreira entre pobres e ricos, barreira que, derrubada,
provocaria o fim da ordem social; ao passo que quem cometeu falência fraudulenta, o
esperto usurpador de heranças e o banqueiro que destrói um negócio em proveito
próprio, só estão fazendo com que a riqueza mude de mãos.
Precisamos falar sobre isso tudo. Mostrar para os alunos que a frase do
camponês salvadorenho, repetida por José Jesus de La Torre, de que “La ley es
como la serpiente, sólo pica a los descalzos”, não pode mais ter eco no Brasil.
Também aquela dama e seu acompanhante tinham chegado perto e, por cima das
cabeças e costas baixadas, olhando o homem deitado. Depois recuaram e ficaram por
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ali, hesitantes. A dama estava com uma sensação ruim no coração e no estômago,
que tinha o direito de considerar compaixão; uma sensação vaga, paralisante. Depois
de algum tempo, o cavalheiro que a acompanhava disse: Os caminhões pesados que
se usam aqui têm um tempo de frenagem longo demais.
Por tudo isto, em tempos de inclusão social, temos que construir as condições
para a inclusão cultural, a inclusão acadêmica. O livro de Georges, Henrique e
Rafael caminha nessa trilha. Eles sabem ler os sinais e os sintomas da alienação
que contamina o imaginário dos juristas, conformando esse magma de
(in)significações. Sim, os sinais são visíveis. Como lembra Eráclio Zepeda, poeta
mexicano,
Dizendo de outro modo e numa palavra final, o jurista não pode se comportar
como aquele sujeito que, estando o Vesúvio prestes a entrar em erupção, fica
arrumando um valioso quadro pendurado na parede!
.Ver, para tanto, Warat, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito II. Porto Alegre:
Fabris, 1995, p. 37 e ss.
2
.Cf. Puceiro, Enrique Zuleta. Teoria jurídica y crisis de legitimación. In: Anuário
de Filosofia Jurídica y Social. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1982, p. 289.
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4
.Idem, ibidem.
11
.Apenas para evitar mal-entendidos, não ignoro que tal conduta foi abolida do
Código Penal pela Lei 12.015/2009. Todavia, o exemplo permanece perene,
diante da sua irretocável força simbólica.
13
.Por fim, talvez um dos últimos casos de importante questão trazida pelo
Concurso de n. 54 do Ministério Público de Minas Gerais, em 2017, que, ao
abordar sobre corrupção, indagou a respeito da “teoria” da graxa e o Estado
“Vampiro”: “Questão 09: Sobre a teorização constitucional: I. O fenômeno da
constitucionalização simbólica com a padronização de um simbolismo jurídico
invariavelmente fomenta o surgimento do Estado Vampiro. II. A teoria da graxa
sobre rodas valoriza a corrupção como um aspecto positivo, com a possibilidade
de implemento do crescimento econômico. III. A teoria discursiva do direito procura
equacionar o discurso de fundamentação e o de aplicação do direito, de modo a
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.Cf. Warat, Luis Alberto. Introdução geral ao Direito I. Porto Alegre: Fabris,
1994, p. 14 e 15; Introdução geral ao Direito II, cit., p. 71; e Manifesto do
Surrealismo Jurídico. São Paulo: Acadêmica, 1988, p. 39.
16
.Campo jurídico pode também ser entendido como “imaginário” dos juristas. É o
modo como os jogadores do jogo jurídico se localizam e pensam o jogo a partir do
próprio jogo, cujas regras estão pré-fixadas, assim como o seu modo de
interpretação.
20
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com o dedo... porque elas ainda não tinham nome! Na literatura brasileira, bem
antes de García Márquez, Graciliano Ramos, em seu famoso Vidas Secas, já fizera
antes um exercício fenomenológico desse jaez, quando do episódio da ida dos dois
filhos de Fabiano à cidade. Lá, eles se deslumbram com tantas coisas que nunca
tinham visto. E dizem: “Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. Sim, com
certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das
lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intricada. Como podiam os
homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão grande
soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes,
misteriosas”. Daí a minha pergunta (metafórica): olhando a ainda frágil teoria do
direito de terrae brasilis e vendo a complexidade do fenômeno jurídico, quantas
coisas ainda permanecem sem nome? Para quantas coisas os juristas ainda
apenas apontam o dedo? Por exemplo: o jurista pode estar “vendo” as práticas
positivistas, mas pode não estar compreendendo o que elas significam... Por outro
lado, de que adianta ele saber a palavra “positivismo” se não sabe a que essa
palavra se refere no mundo das “coisas”?
21
.O que é o método hermenêutico? Para isso, remeto o leitor, mais uma vez, ao
meu Hermenêutica Jurídica e(m) crise, na Introdução, em que explico essa
“metodologia”. Também o meu Lições de Crítica Hermenêutica do Direito, op. cit.
23
.Streck, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. Ver
também meu Dicionário de Hermenêutica. 2. edição. Belo Horizonte, Casa do
Direito, 2020.
24
.Já tenho escrito muito sobre a “vontade da lei ou vontade da norma”. Trata-se
de um artifício que pode ser chamado de objetivismo interpretativo. Ora, norma só
tem vontade quando for uma senhora que aceite um determinado convite...
29
.Um aluno me perguntou: o que é que o legislador quis dizer aqui? Dei-lhe uma
moeda, sugeri que fosse a um telefone público (na época em que ocorreu o
episódio, não havia celulares) e ligasse para o legislador. Se, por acaso essa figura
mítica chamada “o legislador” já tivesse morrido, a solução é “invocar o seu
espírito” (sic)... Ora, são inúmeros os artifícios retóricos para justificar soluções de
caráter subjetivista. Basta escolher um...! Por isso, precisamos de uma teoria da
decisão. É nesse sentido que construo a Crítica Hermenêutica do Direito.
30
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.Ver meu recente livro sobre Precedentes. Streck, Lenio Luiz. Precedentes
judiciais e hermenêutica: o sentido da vinculação no CPC/15. Salvador:
JusPodivm, 2018.
34
.So ist die ständige Aufgabe des Verstehen, die rechten, sachangemessesen
Entwürfe auszuarbeiten, das heist Vorwegnahmen, die sich ,an den Sachena erst
bestätigen sollen, zu wagen. Cf. Gadamer, Hans-Georg. Wahrheit und
Methode. Tübingen: J. C. B. Mohr, 1972, p. 60.
36
.Aqui sugiro uma parada ao leitor, remetendo-o para a leitura das páginas 554 e
ss. do meu Verdade e Consenso, assim como do capítulo específico da presente
obra de Abboud, Garbeline e Oliveira.
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.Cf. Zore, Franci. Hermes and Dike: The Understanding and Goal of Platonic
Philosophizing. Synthesis Philosophica, Aškerceva: University of Ljubljana, n. 46,
fev. 2008, passim.
47
.Cf. Müller, Friedrich. Juristische Methodik. 7. ed. Berlin: Duncker & Humblot,
1997, passim.
52
.Habermas, Jürgen. A Inclusão do outro. São Paulo: Loyola, 2002, p. 355 e ss.
54
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.Cf. Streck, Lenio Luiz. Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista? Revista
Novos Estudos Jurídicos. vol. 15. n. 1. jan.-abr. 2010, p. 158-173. Disponível em:
[http://www6.univali.br/seer/index.php/nej/article/view/2308]. Acesso em
27.12.2012.
57
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.Idem, ibidem.
65
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.No Brasil, além de Sarmento, podem ser elencados Luís Roberto Barroso e
Ana Paula de Barcellos.
69
.Cf. Streck, Lenio Luiz. Posfácio: diálogos (neo)constitucionais. In: Duarte, Écio
Oto Ramos; Pozzolo, Susanna. Neoconstitucionalismo e positivismo jurídico: as
faces da teoria do direito em tempos de interpretação moral da constituição. 3. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.
74
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.Aqui outra parada se faz indispensável, para que o leitor vá até a Introdução de
meu Verdade e Consenso e compreenda essa problemática amiúde.
76
.De fato, Alexy não identifica o seu modelo como uma “jurisprudência dos
valores”, embora não seja esta a questão central da “incorporação” de Alexy pelo
neoconstitucionalismo. Despiciendo lembrar que Alexy procura depurar
(racionalizar) a jurisprudência dos valores dominante até hoje no Tribunal
Constitucional Alemão. Para ele, a Wertungsjuriprudenz é irracional. E essa
racionalização é feita, segundo ele, por meio de padrões analítico-conceituais
ainda signatários da tradição da “jurisprudência dos conceitos” alemã. Pode-se
dizer, assim, que Alexy tem um pé na Jurisprudência dos Conceitos, o que se pode
perceber pela produção da regra da ponderação, que é aplicada, ao final, por
subsunção. Lembremos, no entanto, que a jurisprudência dos conceitos foi o
modelo alemão similar à exegese francesa: enquanto na França o direito era feito
pelos legisladores, na Alemanha foi feita por professores. Se na França o
exegetismo da legislação foi o berço do positivismo primitivo (legalista), na
Alemanha floresceu o chamado formalismo conceitual que se encontra na raiz da
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.Quanto ao que foi dito, ver, por todos, Barroso, Luis Roberto; Barcellos, Ana
Paula de. O começo da História: a Nova Interpretação Constitucional e o papel dos
Princípios no Direito Brasileiro. In: Silva, Virgílio Afonso da (Org.). Interpretação
Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 277-279. Acrescente-se que a tese
da ponderação de regras sofre pesadas críticas de seguidores das teses alexyanas
no Brasil, como é o caso de Virgílio Afonso da Silva (Direitos fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 2009, p. 52), para quem não é possível a ponderação de regras.
Para ele, o que haveria é impossibilidade de que tanto a regra A, quanto a regra B,
fossem otimizadoras de princípios em conflito, o que geraria uma regra C como
uma regra otimizadora. Portanto, a ponderação não se deu entre as regras A e B,
mas entre os princípios conflitantes que impediram a aplicação de A e B e
mandamentou a otimização por meio de C.
85
.Isso pode ser visto na jurisprudência do STF sobre se o (suposto) pai em uma
ação de investigação de paternidade pode ou não ser obrigado a fazer o exame de
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.Disso não se segue, obviamente, que esse “real” admite arbítrios, sob pena de
acabarmos recorrendo a um relativismo linguístico. As palavras precisam
conservar seus sentidos mínimos e precisamos levar a linguagem a sério, pois,
como já disse, Hölderlin, trata-se do bem mais precioso e poderoso que foi dado ao
homem. E se alguém duvida disso, sugiro que assista a palestra de Gadamer,
chamada Die Vielfalt der Sprachen und das Verstehen der Welt. Gadamer retoma a
história bíblica da Torre de Babel, mostrando que as pessoas buscavam construir
uma torre para chegar ao céu. Deus não gostou daquilo e usou como método de
punição a retirada da linguagem dos homens. Sem a linguagem as pessoas não
conseguiram mais se comunicar. E o projeto ruiu. A história da Bíblia serve de
alerta: devemos levar a linguagem a sério, sob pena de ruirmos enquanto
sociedade.
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Índice Alfabético-Remissivo
Absolutismo: 3.10
Abstenção: 2.4.3
Ação divina
– Arbitrariedade: 2.2.2
Acontecimento milagroso
– Natureza: 3.2.4
Adaptabilidade: 8.9
Alterabilidade: 4.2.3
Ambiente constitutivo
Ambiente de neutralidade
– Direito: 1.2
Animismo: 2.2.1
Anomia: 3.3.3
Antagonismo: 3.14.1
Anticivilizatório: 3.12.1
Antinomias jurídicas
– Critérios: 9.1
Antropologia: 1.2
Antropologia jurídica
Apátridas: 3.12
Aprendizagem jurídica
Apresentação sistemática
Arbitrariedade
Arbitrariedade: 8
Atividade de cognição
– Organização: 10.1
Ativismo: 10.1.1.6
– Diferença: 8.5
– Semelhança: 8.5
Ato normativo
Atuação jurisprudencial
– Flexibilidade: 8.6.4.3
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Autointegração
Autonomia individual
– Liberdade: 2.3
Autoridade pública
Autoritarismo: 3.10
Banimento: 2.2.4
Capacidade jurídica
Caráter autocrático
Caráter institucional
– Direito: 2.4.1
Caridade: 2.1
Cartas de direito
– Normas: 2.4.3
Cidadania: 3.12
Ciência
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Ciência social
– Mercados: 2.2.3
Civil law
– Características: 8.1
– Conceito: 8.1
Civilização: 2.2
Codificação napoleônica
Common law
– Características: 8.1
Commonlização: 8.1.1
Componente emocional
– Predominância: 2.2.1
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Comportamento efetivo
Composição metodológica
Conceito positivista
– Norma: 9.7
– Desmistificação: 10.4
Concreção substancial
– Decisão: 5.3.2.1
Condição precária
Conduta humana
Conduta regular
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Conflito
Conhecimentos conglobantes
– Direito: 1.2
Conjunto de normas
– Direito: 1.2
Consciência: 4.1
Consenso original
Constitucionalismo: 8.2
Constitucionalismo
– Evolução: 8.2
Constitucionalismo
– Fenômeno: 8
Constitucionalismo
– Revisão: 8.3
Constitucionalismo inglês
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Constitucionalismo principialista
– Conceito: 5.3.2.1
Constituição de Weimar
Construção da democracia: 8
Contato físico
– Rompimento: 2.2.2
Contemporaneidade: 7.1.3
Contexto conteudístico
– Justificação: 10.4
Controle de constitucionalidade
– Função: 8.2
Convivência pacífica
Convivência social
– Direito: 1
– Moral: 5.1
– Homens: 1
Convívio em sociedade
– Ética: 5.2.2
Cooperação: 2.4.3
– Noção: 6.3.4
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Cooriginariedade
Cosmologia: 7.1
Criação gnoseológica
– Kelsen: 9.1
Decidibilidade: 4.2.3
Decisionismo: 8
– Atuação: 8.1.1
Definição Etimológica: 2
Democracia
– Risco: 5.3.2
Deônticos
– Mandamento: 5.3.1.3
– Permissão: 5.3.1.3
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– Proibição: 5.3.1.3
Desejo
Desenvolvimento intelectual
Desenvolvimento humano
– Estágios: 3.2
Desenvolvimento mental
Despatriamento: 3.12
Desregulamentação
Deseticização: 3.3.4
Deusa Minerva
– Influência: 2.1
Deusa romana
– Iustitia: 2.1
Deveres sociais
– Indivíduos: 2.2.2
Dialetos: 2.1
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Dicotomia
Dicotomia
Dignidade humana
Direito
Direito
– Conceito: 1
– Convivência social: 1
– Dimensão filosófica: 5
– Função: 1
– Função: 3.1
– Inclinações filosóficas: 1
– Inclinações sociológicas: 1
– Inclinações teóricas: 1
– Justiça: 6
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– Símbolo: 2.1
– Sociologia: 3.2
– Variedade de significados: 1
Direito e moral
– Complementariedade: 5.3.1.3
Direito e moral
– Interconexão: 5.3.1.5
– Vinculação: 5.3.2
– Legitimidade: 3.10
Direito escrito
– Formação: 8.1
Direito heterônomo: 5
Direito inglês
– Romanista: 8.1.1
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Direito natural
– Concepções: 7.1
Direito natural
– Doutrina: 7.1
– Distinção: 8.3
Direitos fundamentais
– Preservação: 8.3.2.2
– Função: 8.3.2
– Conceito: 8.3.2
– Pluralidade: 8.2
Direitos sociais
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– Pluralidade: 8.2
Discricionariedade: 8.5.3
Discricionariedade interpretativa: 8
Discricionarismo
– Blindagem: 5.3.2
Discurso prático
– Impedimento: 5.3.1.3
Discurso prático
– Restrição: 5.3.1.3
Dispositivo: 9.6
Dissemelhança: 3.3.3
– Norma: 3.3.2.2
Economia planejada
Efetividade
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Eficácia social
– Moral: 5.3.1.3
– Ordenamento: 5.3.1
Elemento constitutivo
Emancipação: 3.1
Epistemologia: 4
Equidade
Equilíbrio
– Noção: 3.13
Equivocidade: 6.1
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Espírito humano
– Inflexão: 5.2.2
Estado
Estudo sistemático
Ética
– Conceito: 5
Etimologia
– Direito: 1.2
Executoriedade
Experiência social
– Direito: 1
Experiências sociais: 1
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Expressões intelectuais: 1
Fatos sociais
– Conjunto: 3.1.1
Feitiçaria: 2.2.2
Fenômeno jurídico
– Ética: 5.2.2
– Explicação: 10.1
Filodoxia: 4.1.3
Filosofia positiva
– Sociologia: 3.2.2
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Finalismo: 4.1.4
Flexibilidade: 8.9
Forma de vida: 1
Formação da gênese
Formas cooperativistas
Formas de entretenimento: 1
Função contramajoritária
Fundamento de validade
– Legislação: 9.2
Fundamentos do direito: 4
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Governamentabilidade: 3.10
Grupo social
– Membros: 2.2.2
Hedonista: 3.14.5
– Narcísico: 3.14.5
– Especial: 10.2.1.1
– Filosofia: 10.4
Heterointegração: 9.4
Historicidade do intérprete
– Linguagem: 10.4
Holocausto: 3.12.1
Homem
– Interação: 1
– Interação: 1
– Vida em comunidade: 1
Humanidades
Ideologia
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– Organismo: 3.15
– Credulidade: 3.15.1
– Paradoxos: 3.15.1
Igualdade: 8.4.1
Imortalidade: 7.1.2
Inclinações filosóficas
– Direito: 1
Inclinações sociológicas
– Direito: 1
Inclinações teóricas
– Direito: 1
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Incontrolabilidade: 3.14
Infantilização
Inteligibilidade
Interação social
Interpretação hegemônica
– Direito: 2.2.4
Interpretação jurídica
Interpretação social
Investigação sociológica
– Direito: 3.3.3
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Judicialismo: 7.1.3
Júpiter
Jurisprudência: 8.6
– Common law: 8.6.4.3
– Conceitos: 10.1.1.3
Jurisprudentia
Jusfilósofo
Jusnaturalismo: 10.1.1.5
– Vertentes: 7.1
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Jusnaturalismo moderno
– Declínio: 10.1.1
Jusnaturalista
– Definição: 2.3
Juspositivismo: 7.2
Juspositivista: 2.4
Justiça
– Conceito: 6.1
Justiça
Justiça
– Dicotomia: 6.1
Justiça
Justiça
Justiça: 2.2.3
Lacuna
Legalidade
Legislador racional
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Legitimidade: 3.10
Legitimidade do Direito: 4
Lei
Lei da ponderação
– Etapas: 10.4
Lei divina
– Jusnaturalismo: 7.1
Lei e Constituição
– Distinção: 8.4.1
Lei fundamental
– Compatibilização: 10.1.1.5
Leis reguladoras
Liberdade: 8.4.1
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Linguagem ordinária
Livre-arbítrio: 7.1.2
Lógico-sistemático
Manifestações culturais: 1
Manifestações socioculturais: 1
Medo: 3.2.1.1
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Método no ambiente
Metodologia
– Problema: 10.2
Modelo sistemático-dedutivo
– Operação: 7.1
Moral
Moral e direito
Moral e ética
– Distinção: 5.2.2
Moral e ética
– Relação: 5.2.2
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Moral language
Moralidade
Moralidade convencida
– Ética: 5.2.2
Nação: 3.12
Nacional-socialismo: 10.1.1.5.1
Naturalização: 3.12
Norma
– Críticos: 9.5
– Infraordenada: 9.1
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Norma jurídica
Objetividade
Obligatio
– Noção: 2.2
– Fundamento: 8
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Ordenamento Jurídico: 9
Organização social
Padrões divinos
– Hierarquia: 5.2.2
Pensamento
Pensamento retórico
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Piedade: 2.1
Plurivalência: 6.1
Poder do juiz
Poder monárquico
– Renascimento: 8.2
– Limitação: 3.9
Poder Público
– Atuação: 8.10
Poder Público
Politização da vida:.3.3.1
Positivação do direito: 8
Positividade
– Conceito: 4.2.3
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Positivismo: 4.1.4; 8
Positivismo contemporâneo
– Exclusivista: 2.4.1
Positivismo contemporâneo
– Inclusivista: 2.4.1
– Caracterização: 2.4.3
Pós-positivista: 8.10
– Paradigma: 9.7.3
Potencialidade
Potlatch
– Essência: 2.2.3
Povo
– Estruturação: 8.2
Povos primitivos
Práticas jurídicas
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– Equilíbrio: 1.2
Praxismo: 4.4
Preconceito
– Ética: 5.2.2
Pressupostos gnoseológicos
– Neokantismo: 9.1
– Cristalização: 10.1.1.2
Presunção de inocência
– Moralidade: 5.3.2.2
– Ofensa: 5.3.2
Princípio
– Conceito: 8.5.1
– Determinação: 8.5.1
Princípio da inviolabilidade
Princípio da retribuição
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Princípio do gosto
– Racionalismo: 6.3.4
Princípios
– Diferenças: 8.5.1.3
Prioridade absoluta
Problemas da realidade
Problemas de direito
Problematicidade: 9.6
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Problematização
– Totalitarismo: 3.10
Processo concretizador
Produção jurídica
Produção legislativa
– Índices: 10.1.1.6
Profissão advocatícia
– Exercício: 5.2.2
Proporcionalidade
– Critérios: 10.1.1.6
Proscrição
Psicologia: 10.2.1.1
Puritanismo: 3.3.4
Questão racial
Questões Jurídicas
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– Formas de decisão: 8
Raciocinar
– Violência: 3.15
Racionalidade prática
– Problemas: 9.6
Racionalista: 7.1
Racionalização de poder
– Controle: 8.2
Reabilitação da tradição
– Racionalismo: 10.1.1.2
Realidade
Realidade histórico-social: 8
Realismo jurídico
Realização de negócios: 1
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Regime modernizado
Regras da ponderação
– Aplicação: 10.1.1.6
– Elaboração: 8.2
– Direito: 1
Reino natural
Relações sociais
Religião:3.3.4
Responsabilidade coletiva
– Razões: 2.2.1
Revelação do direito
– Modos: 8
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Revoluções científicas
– Estrutura: 4.1.2
Sagrado: 3.3.3
Sanções organizadas
– Repressivas: 3.3.3
Sanções organizadas
– Restitutivas: 3.3.3
– Método: 10.1
Sentença: 9.7.3
Sentido normativo
– Codificação: 10.1.1.1
Seres sobre-humanos
– Crença: 2.2.1
Simbologia
– Direito: 2.1
Sistema de regras
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Sistematicidade: 10.1.1.2
Soberania: 8.2
Sociabilidade: 3.2.1.1
Sociabilidade: 3.2.4
Sociedade civil
Sociologia
– Disciplina: 3.2.4
– Autonomia: 3.3.2.1
– Brasil: 3.8
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– Escandinávia: 3.7
– EUA: 3.6
– Germânica: 3.5
Sociologismo: 3.2.6
Solipsismo: 4.1.3
Solipsista: 5.3.2.1
– Construção: 10.1.1
Subsunção
– Aplicação: 9.7
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Súmula vinculante: 8
Tabu: 2.2.2
Teoria da decisão
– Norma jurídica: 8
Teoria da Norma: 9
– Visão Contemporânea: 8
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Teorias da justiça
Território
– Estruturação: 8.2
Tese social
– Definição: 2.4.3
Texto e norma
– Distinção: 9.7.1
Tradição jurídica
Tradicionalismo
Tratamento isonômico
– Jurisdicionados: 8.6.4.1.4
Tribunais Constitucionais
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– Alterações: 8.2
Tribunal Constitucional
Validade: 4
Valoração
Valoração da justiça
Vida em comunidade: 1
Vida individual
Vida psíquica
Vínculo jurídico
Vingança divina
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– Sujeição: 2.2.4
Visão pós-positivista
– Norma: 9.7
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