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Recensão Brotéria

Abril de 2020

Michel Houellebecq, Serotonina. Alfaguara, 2019

Não se aconselha a leitura deste livro a jovens leitores, nem a quem valide o conceito de
trigger warnings. Com Serotonina, Michel Houellebecq garante-nos uma longa ruminação de
desgostos passados, imbricada de preconceitos, sarcasmo, sadismo e obscenidades, como lhe
é habitual, talvez, desta vez, com demasiada esperteza e insistência. Florent-Claude Labrouste,
o protagonista que detesta o seu próprio nome, é um agrónomo desencantado, como
Houellebecq, que se debate com os efeitos secundários de captorix, um antidepressivo que
causa “náuseas, diminuição de libido e impotência” (p. 10). O narrador declara sofrer de todas,
menos de náuseas, o que, para o leitor, se vai tornando cada vez mais claro que é mentira.
Todo o livro, para além de uma neurose demorada, consequência das duas últimas, é uma
grande náusea, um enorme mal-estar na civilização, que, à semelhança da personagem,
“morre por lassidão, por nojo de si mesma” (p. 129). Ao contrário de Antoine Roquentin de
Jean-Paul Sartre, Labrouste tenta malogradamente encontrar algum entusiasmo na sua vida.
Tenta fazê-lo, em primeiro lugar, ao “reinventar-se”, abandonando o trabalho no Ministério da
Agricultura, a namorada bizarra e o apartamento, mas o mais perto de entusiasmo que acaba
por encontrar, na sua pululação de hotel em hotel, dá-se no materialismo da sociedade que
abomina: no Mercedes, na variedade do supermercado Leclerc ou nas descrições detalhadas
das ementas dos restaurantes. A tentativa falhada de recuperar o passado, com alguns
reencontros e perseguições, acaba por resultar em episódios verdadeiramente sórdidos, cujo
clímax, aparentemente político, tem também um lado pessoal: a identificação de Labrouste
com o drama dos agricultores franceses não é mais do que uma identificação voluntária, mas
cobarde com o lado dos oprimidos. Serotonina, apesar de intragável, vale pela conclusão do
velho Labrouste: que ser livre não é ser insubmisso (p. 53). Ser livre é, afinal, como dizia
Chesterton “ter o coração preso.”

Pedro Franco

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