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Eu não sei o que é Liberdade

Em uma noite mal dormida como qualquer outra, enquanto ouvia música pra tentar pegar
no sono, passou pelo meu Spotify uma música que me remontou a infância. “Minha Alma”, da banda
O Rappa, é uma daquelas músicas que você ouve tocando no rádio do carro do seu pai quando é
criança e não dá muita atenção a letra, mas que acaba entrando na sua mente mesmo assim. Anos
depois, ouvindo o que a música dizia com atenção, uma estrofe em específico me levantou um
questionamento:

“As grades do condomínio são para trazer proteção,


mas também trazem a dúvida se é você quem está nessa prisão”

Antes de começarmos, acho importante dizer que as reflexões que trago aqui se referem a
momentos cotidianos que não envolvem o período de pandemia que estamos passando.
Nas cidades grandes (e aviso que falarei especialmente das cidades grandes pois foi onde
nasci e cresci minha vida inteira), nos é dito que existe essa fronteira entre a porta de sua casa ou as
grades do seu condomínio e o lado de fora da rua. Também nos é dito que essas fronteiras são
criadas para nos proteger contra a violência da rua, do lado de fora, e nós crescemos com essa visão.
Ao sair, não fale com estranhos. Não fique com o celular na rua. Esteja sempre atento e evite locais
desertos. Você só estará verdadeiramente seguro quando voltar para casa, passar pela porta de seu
lar. E assim nós crescemos reféns dentro de nosso próprio porto seguro.
Fisicamente, a coisa toda lembra uma prisão, com uma separação entre o exterior e o
interior através de barreiras físicas, sejam elas grades, muros ou portões. Talvez a principal diferença
seja que nos é permitido entrar e sair livremente dessa prisão. Ninguém, ao menos em uma situação
cotidiana normal, vai nos parar e impedir de sairmos de nossa própria casa. Mas será que nos é
permitido fazê-lo mentalmente?
Quando nós estamos fora do confinamento físico autoimposto de nossa casa, somos
ensinados a não vacilar. Como foi dito antes no texto, ser descuidado significa poder ser assaltado,
ser vítima da violência do mundo. Mesmo fora da prisão física, nossa mente ainda está presa a esse
medo, ainda estamos encarcerados, nunca estamos verdadeiramente livres ou seguros... Exceto
quando passamos novamente pelas grades de nossa residência. Seja em casa, no conforto do lar,
seja na rua, na liberdade aparente da cidade, você nunca estará verdadeiramente livre. Você está
preso em um ciclo. Sair de casa pra ser livre fisicamente, voltar para casa pra ser livre do medo.
Mas se estamos sendo mantidos em cárcere, deve haver um carcereiro. Quem nos está
mantendo preso? Seriam nossos pais, que nos passam esses ensinamentos de que a nossa casa é o
único porto seguro desde que somos pequenos? Não vejo assim, pois eles também estão presos da
mesma forma que nós, e foram ensinados a isso pelos pais de nossos pais. Em verdade, creio que os
carcereiros são na verdade nós mesmos, e nossos pais são simplesmente os professores. Eles nos
ensinam a limitarmos nossa própria liberdade, nos ensinam como fazermos de nós mesmos reféns
de nosso próprio medo, em prol da segurança. E de jeito nenhum podemos culpá-los por isso,
porque, como dito anteriormente, eles também o fazem consigo mesmos.
Isso quer dizer que você deve ignorar tais ensinamentos, não se preocupando ao sair à rua?
De forma alguma. Você pode acabar sendo assaltado, sequestrado, quem sabe até morto. O ponto
que trago como reflexão é simples: Enquanto formos vítimas da violência, seremos prisioneiros,
encarcerados por nós mesmos, e jamais conheceremos a verdadeira liberdade.

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