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A Dinâmica Do Reino Entre Nós

ou
E Se Nós Colocássemos O Reino Em Prática?

Flaviana Teodoro de Mendonça Tinoco


e
Leandro Tinoco

Trabalho feito em cumprimento das exigências


da matéria “Teologia Bíblica da Missão”
professor Don Finley, no
Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil

Rio de Janeiro
2008
INTRODUÇÃO

Estudar os propósitos de Deus para Sua criação, incluindo nós mesmos, deveria
sempre produzir em nós bastante entusiasmo. Primeiro, porque fazendo isso
conheceríamos mais sobre Ele, Seu caráter e Sua obra. E segundo porque ao nos
familiarizarmos mais com quem Ele, nos conscientizaríamos mais sobre quem somos e
o qual o nosso propósito.
Neste trabalho pretendemos estudar o Reino de Deus sob a perspectiva de
Mateus 6:33 e seu contexto imediato, que é o Sermão do Monte, onde Cristo nos fala da
necessidade e das implicações de se colocar o Reino de Deus como foco em nossas
vidas.
Além disso, queremos refletir um pouco sobre o que aconteceria ao nosso redor
se nós, povo de Deus, colocássemos em prática as palavras de Cristo e as ordenanças
dadas ao Seu povo no decorrer da história. Creio que se conseguíssemos visualizar isso
poderíamos ser mais motivados a realizar as coisas de forma que agrade a Ele.
Desde Gênesis o Pai nos deixou claro que temos o compromisso de cuidar de
Sua criação como co-administradores1. No entanto, sabemos que o pecado se interpôs
entre nós e Deus e nos fez perder o foco. Em Cristo temos novamente a clareza do que
fazer e do porque fazer, além de podermos ver nEle o como fazer e através do Seu
Espírito termos o poder para fazer.
De forma alguma temos a pretensão de esgotar o assunto ou mesmo de abordá-lo
com profundidade num trabalho resumido como este, mas esperamos contribuir ao
menos um pouco com o entendimento e implicações do Reino entre nós.

A Dinâmica de Mateus 6:33


Jesus havia começado Seu ministério a pouco e as pessoas ainda estavam
tentando entender quem Ele era. Cristo não cativava somente pelo que falava, mas
também pelas coisas extraordinárias que fazia aos olhos de todos. Diante de uma
multidão que estava bastante interessada nisso, vemos a apresentação clara da ética do
Reino. Parece que Seu objetivo principal não era tanto mostrar o que eles precisavam

1
Genêsis 1.26 – “Então disse Deus: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.
Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre
todos os pequenos animais que se movem rente ao chão’.”
fazer, mas evidenciar quais as características que deveríamos encontrar nos filhos do
Reino.
No capitulo 6 de Mateus Ele deixa claro que a fonte de nossa recompensa,
reconhecimento e identidade deveria ser o Pai. A lente que usamos para enxergamos a
vida deveria ser a realidade do Reino de Deus – “assim na terra como no céu”. O foco
de nossas vidas deveria ser Seu reinado do começo ao fim.
O versículo 33 tem então esse pano de fundo. Jesus está nos instruindo sobre o
que vem a ser o Reino e nos dizendo que o foco de nossa vida não é mais qualquer outra
coisa senão a concretização do Reino entre nós.
Quais seriam então algumas características tanto do Reino quanto da justiça que
nos ajudariam a clarear um pouco as implicações disto para nossas vidas?
Jesus ao inaugurar o Reino nos diz que ele está próximo de nós2. Segundo Dallas
Wilard3, esta proximidade não significa que ele está chegando, mas que já chegou e está
ao alcance de todos, como se estivesse ao alcance da mão, bastando somente a decisão
de nele entrar. O Reino já é uma realidade hoje.
Outra coisa que Cristo nos diz é que o Reino está dentro de nós4. Mais do que
uma realidade externa ele é uma invasão de nossa interioridade sendo transformada pela
ação do Espírito Santo, e com isso produzindo em nós o caráter do Pai. Neste mesmo
sentido, Paul Hiebert 5 nos diz que a batalha espiritual é uma batalha pelos nossos
corações, é ali que tudo acontece, e não pelo poder, pois este já pertence a Deus.
Sendo assim, a igreja é a Comunidade do Reino que deveria expressar em todas
as suas construções e relacionamentos as características deste Reino que já é vigente e já
atua dentro de nós e entre nós, ainda que aguarde a volta de Cristo para se tornar
completo – o “já e ainda não”.6 Tarefa primordial seria então demonstrarmos a vontade
e caráter de Deus aqui na terra como ela é feita no céu.
Outro conceito que precisamos trabalhar deste versículo é o que vem a ser a
justiça do Reino. Vamos olhar duas características a que o texto possa estar se referindo.
A primeira é com relação ao que Cristo fez por nós na Cruz. Ele se tornou a nossa
justiça, a nossa justificação. Nele Deus nos enxerga como justos ou justificados.

2
Mateus 4.17
3
Em seu livro “A Conspiração Divina”.
4
Lucas 17.21
5
Hiebert, Paul – “Guerra Espiritual e Cosmovisão” in “Missiologia Global para o Século XXI: A consulta
de Foz de Iguaçu”.
6
1 João 3:2.
Buscarmos a justiça seria então buscarmos a justificação em Cristo para nós e para as
pessoas a quem pregamos.
Justiça também pode estar se referindo a lutar por aquilo que é justo. Na vida de
Cristo foi mais enfatizado o fazer crescer a justiça do que o aplicar a justiça. Há um dia
em que Deus irá julgar a todos, mas neste meio tempo nós devemos como Cristo, nos
esforçar para fazer crescer a justiça do Reino entre os homens e dentro deles. Não
somos nós que aplicamos a justiça, mas podemos cooperar com Deus para fazê-la
crescer nos corações humanos. Nossa tarefa novamente seria modelada por esta ação –
fazer crescer a justiça do Reino nos corações e nas vidas das pessoas.

O Reino e a sua Justiça


Tendo em mente esses conceitos do Reino e da sua justiça caminharemos um
pouco mais para entendermos o que Cristo está nos falando neste texto.
Podemos abordar este texto sob duas perspectivas. A primeira seria entender que
colocarmos em primeiro lugar o Reino e a sua justiça seria darmos parte do nosso tempo
e recursos ao trabalho da Igreja e, desta forma, Deus derramaria sobre nós toda a sorte
de bênçãos. Ainda que esta idéia possa ter algum valor, não explora todas as
implicações deste texto, além de muitas vezes ser usada por alguns para “espiritualizar”
por demais nossa tarefa ou mesmo reduzi-la.
Uma segunda abordagem seria entendermos que ao colocarmos o Reino em
primeiro lugar na totalidade de nossas vidas, seriamos afetados diretamente em nossa
história pelas conseqüências de tal postura 7 . Por exemplo, ao cuidarmos do meio
ambiente, teríamos um ar mais puro, uma água limpa para beber, locais mais bonitos
para passear, as catástrofes produzidas pelo efeito estufa não existiriam, só para
citarmos algumas coisas. Em outra direção, se cuidássemos dos estrangeiros entre nós,
dos miseráveis, dos dês-possuídos, em fim, dos que estão à margem de nossa sociedade,
teríamos mais segurança nas ruas e mais pessoas trabalhando pelo bem comum. Em
outras palavras, o efeito de buscarmos o Reino seria sentido claramente em nosso dia a
dia e não somente no domingo8.
Ao vivenciarmos essa realidade, sinalizaríamos o Reino e, desta forma, seriamos
ao mesmo tempo uma Comunidade que vive sob a luz do futuro com Cristo no céu,

7
Nisso vemos uma conexão clara entre o mandato cultural e o mandato redentor e a justiça do Reino, pois
todos estes conceitos falam sobre o caráter de Deus sendo demonstrado no e pelo Seu povo.
8
Devo essa idéia ao Pr Ricardo Barbosa da Igreja Presbiteriana do Planalto, Brasília.
onde tudo será completamente renovado, e por outro lado com nossas vidas
apontaríamos hoje para essa realidade futura. As pessoas teriam então mais condições
de entender e visualizar o amor de Deus via as nossas vidas e, como em Atos 2 e 4,
ficariam admiradas com o que Ele faz.
Uma das implicações desta realidade é que precisamos olhar a vida como um
todo e não dividida. O evangelho fala à integralidade da vida. Não podemos enfatizar
algo em detrimento de alguma outra coisa, mas precisamos olhar todas as coisas sob a
mesma perspectiva, a do Reino. Desta forma não faria tanto sentido ficarmos
enfatizando numa possível dicotomia entre evangelização e ação social, sobrenatural e
natural, espiritual e secular, pois todas as coisas precisariam ser afetadas e usadas para a
glória de Deus – somos salvos pela graça e feitos para as boas obras9. A espiritualidade
do Reino fala de mudança de corações, de cosmovisão, portanto, muda o nosso
relacionamento com o todo, não somente com a parte.
Somos então a Comunidade do Reino que sinaliza o futuro com Cristo e que já
tem dentro de si o Espírito tornando realidade o caráter de Deus em nós e que, portanto,
tem tudo ao seu redor sendo afetado por essa nossa nova concepção da realidade.

Fotografias do Reino
Se nós colocássemos o Reino em prática teríamos uma verdadeira revolução
acontecendo em nosso mundo. Hiebert10 escreve que os cristãos abastados, que seriam a
maioria, dão somente 3% de seus recursos para o Reino apesar verem a pobreza dos
outros, inclusive quando esses outros também são cristãos. Ele cita David Barret ao
escrever que “grande parte dos problemas mundiais de fome, pobreza, doença,
desemprego, falta de água e assim por diante poderiam ser resolvidos se os cristãos
compartilhassem seu dinheiro, suas riquezas, propriedades e seus bens”.
Com o intuito de tornar mais palpável o que estamos tratando, vamos agora
mostrar certas ordenanças bíblicas e a realidade que afetariam, caso fossem colocadas
em prática pela Igreja. Vamos mostrar como se fossem fotografias de nossa realidade
que poderiam e podem ainda ser mais bonitas.

9
Efésios 2.8-10
10
Em seu livro “O Evangelho e a Diversidade das Culturas”, pág. 294.
a. A pobreza no mundo
Segundo um relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU) mais de
um bilhão de seres humanos vive com menos de um dólar por dia11. O mesmo relatório
nos mostra o seguinte:

• Mais de 800 milhões de pessoas vão se deitar todas as noites com fome; dentre
elas, 300 milhões são crianças.
• Desses 300 milhões de crianças, apenas 8% são vítimas de fome ou de outras
condições de emergência. Mais de 90% sofrem de má nutrição prolongada e de
um déficit de micronutrientes.
• A cada 3,6 segundos, mais uma pessoa morre de fome; em sua grande maioria,
crianças com menos de 5 anos.

Se observássemos o mandamento de Deus em textos como o Deuteronômio 24.1412


ou o de Levítico 19.1013 ou o texto de Gálatas quando Paulo fala que a única coisa que a
Igreja de Jerusalém havia pedido era que não se esquecesse dos pobres14, ou mesmo se
observássemos a atitude de Cristo frente a realidades como estas, nós não teríamos
quase 300 milhões de crianças morrendo de fome em nossos dias.

b. A falta de água potável

Ainda segundo o relatório da ONU citado acima “mais de 2,6 bilhões de pessoas -
mais de 40% da população mundial – carecem de saneamento básico e mais de um
bilhão continua a usar fontes de água imprópria para o consumo. Quatro em cada dez

11
Tirado do site http://www.pnud.org.br/milenio/numeroscrise.php no dia 04/04/08.
12
“Não se aproveitem do pobre e necessitado, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que viva
numa das suas cidades”.
13
“Não passem duas vezes pela sua vinha, nem apanhem as uvas que tiverem caído. Deixem-nas para o
necessitado e para o estrangeiro. Eu sou o SENHOR, o Deus de vocês”.
14
“Somente pediram que nos lembrássemos dos pobres, o que me esforcei por fazer” Gálatas 2.10.
pessoas no mundo carecem de acesso a uma simples latrina. Cinco milhões de pessoas,
na sua maioria crianças, morrem todos os anos de doenças relacionadas à qualidade da
água”.

Se cuidássemos da criação de Deus como nos foi ordenado em Gênesis 2.1515 não
teríamos agora esta realidade de tantas pessoas morrendo por causa da falta de água
pura para o seu consumo básico. Esta é outra realidade que sob a perspectiva do Reino
deveria ser diferente.

c. Sobre o estrangeiro

Segundo a Organização Mundial do Trabalho (OIT)16 hoje existem cerca de 12,3


milhões de pessoas pressas pelas garras do trabalho escravo e segundo o Fundo das
Nações Unidas para as Crianças (UNICEF) 17 2,4 milhões de pessoas estão sendo
traficadas como se fosse um objeto ou um animal. Este é somente um dos indícios a
respeito de como na maior parte do mundo o estrangeiro é tido como inimigo. Ainda
ficamos chocados com cenas como a da destruição do World Trade Center, em 2001, ou
a guerra do Iraque, e ambas expõem de forma alarmante como as pessoas do mundo
reagem a respeito dos estrangeiros. E precisamos nos lembrar que nestes casos citados
os evangélicos estavam envolvidos.

Como seria diferente se nosso comportamento tivesse como base textos como o de
Êxodo 22.21 que diz “Não maltratem nem oprimam o estrangeiro, pois vocês foram
estrangeiros no Egito”. O mundo poderia ser um ambiente bem menos hostil e nós
evangélicos poderíamos ser reconhecidos como modelo no trato com os estrangeiros.

15
“O SENHOR Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”.
16
http://www.oitbrasil.org.br/
17
http://www.unicef.org.br/
d. Sobre os órfãos

Segundo a UNICEF “no final de 2004, aproximadamente 48% de todos os


refugiados em todas as partes do mundo eram crianças. Durante o mesmo ano, o
número total de pessoas deslocadas dentro de seus próprios países, por conflitos ou por
violações de direitos humanos, chegou a aproximadamente 25 milhões”.18 Todos esses
esperam por uma resposta da Comunidade do Reino. Não podemos continuar esperando
que qualquer outra instituição humana resolva este dilema, pois isto, acima de tudo, é
nossa responsabilidade, especialmente quando está ao nosso alcance.

A proposta bíblica novamente é altamente comprometida com a realidade, veja: “Ao


final de cada três anos, tragam todos os dízimos da colheita do terceiro ano,
armazenando-os em sua própria cidade, para que os levitas, que não possuem
propriedade nem herança, e os estrangeiros, os órfãos e as viúvas que vivem na sua
cidade venham comer e saciar-se, e para que o SENHOR, o seu Deus, os abençoe em
todo o trabalho das suas mãos.” 19 Precisamos nos lembrar que a verdadeira religião
ainda é cuidar dos órfãos e das viúvas20.

18
Dados retirados do site http://www.unicef.org.br/ no dia 04/04/08.
19
Deuteronômio 14. 28 e 29
20
Tiago 1.27. É evidente que não podemos reduzir o evangelho somente a primeira parte do versículo.
CONCLUSÃO

Somos chamados não somente para falar sobre o Reino, mas mostrá-lo por ações
e palavras. Cristo ao ficar em pé na sinagoga e recitar o texto de Isaías 61 estava não
somente trazendo uma mensagem bonita, mas mostrando a natureza mesma de Sua obra
e consequentemente da obra que Seu povo estaria encarregado de realizar.

Um de nossos grandes problemas como Igreja, Comunidade do Reino, é que


“perdemos a visão do Reino e aí ao invés de discipulado, oferecemos legalismos e
instituições”21, dizia o professor Don Finley. Diminuímos o peso da mensagem, talvez
para tornar mais confortável para nós mesmos ou para nossos ouvintes, e acabamos com
isso criando estruturas que não significam muita coisa no Reino.

Por outro lado, por termos o Reino já entre nós e dentro de nós, podemos ter a
certeza de que nossos esforços por menores que sejam irão produzir o que agrada a
Deus, desde que sejamos fieis. Para isso é preciso ajustar nossos focos e perspectivas.
Precisamos olhar não somente parte da realidade como sendo nosso alvo, mas toda ela.
A integralidade da vida precisa ser afetada pela realidade do Reino.

Temos muitos desafios, mas com certeza como nos foi prometido pelo Mestre
todas as outras coisas nos serão acrescentadas. Todo animo, motivação, recurso, benção,
amizade, suporte, tudo está disponibilizado a nós para a demonstração do Reino neste
mundo sem Deus.

Queira Deus que nossa geração possa ver e experimentar momentos de mais
maturidade da Igreja e que possamos ser instrumentos dEle para que isso aconteça aqui
ou aonde quer que formos representá-lo.

A Deus toda a glória.

21
Anotações de sala de aula.

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