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A MISSÃO

Leandro Tinoco

SOBRE A MISSÃO

Anos atrás vimos surgir um movimento no ambiente eclesiástico cuja
ênfase estava na necessidade de esclarecermos nossa visão e missão como igrejas
locais. Embora isso possa ser útil para o nosso senso de direção, de fato, pode
também nos confundir, fazendo-nos entender que temos a opção de decidir sobre
nossa identidade ou sobre o objetivo que temos como Corpo de Cristo.
Nossa identidade e objetivo como igreja não são definidos por nós, nem
precisam ser definidos a cada geração ou momento histórico, porque já foram
definidos de uma vez por todas em Cristo Jesus. Somos Seu povo, Seu corpo, que
na caminhada com Ele realiza junto Sua tarefa, Sua MISSÃO.
Quando falamos da MISSÃO, no singular, estamos nos referindo à Missão
de Deus de buscar e salvar o perdido – Missio Dei. A Missão de Deus de restaurar
a Sua criação e fazer todos os Seus chegarem à medida da estatura de Cristo
(Efésios 4:13). Esta é a Missão de Deus, e só existe uma missão, mesmo que possa
ser descrita de formas diversas.
Esta missão é também esclarecida em nosso Chamado. Nós somos
chamados a Imitar Cristo Jesus (Efésios 5:1-2), inclusive em Sua missão (João
20:21), e o alvo maior desta missão é a Gloria de Deus (1 Coríntios 10:31), é fazer
Seu nome conhecido (João 3:30).
Em 2 Coríntios 5:20, a Palavra diz também que nós somos embaixadores
de Cristo e, em 6:1, ele nos chama de cooperadores. Ou seja, nós não
representamos outra organização. Nós não representamos outro objetivo. Nós não
representamos outra possibilidade de vida. A grande narrativa de nossa vida é que
nós representamos Deus em nossa caminhada na terra.
Lembre-se então: Só existe uma missão. Quando nos tornamos
participantes no Reino de Deus, somos promovidos a embaixadores do Seu Reino,
a cooperadores na Sua Missão que, então, passa a ser a nossa missão.

Algumas Implicações

Quando abordamos o tema da missão, percebemos certas implicações.
Talvez você já esteja pensando em algumas. Uma dessas implicações é que não faz
sentido um crente viver como se não tivesse uma missão ou não fosse conectado
a ela, porque a Missão de Deus para nós é nos transformar à imagem de Cristo
Jesus, logo, nossa missão é ver Cristo formado em nós.
Esta é a nossa missão e nenhum crente pode se excluir dela. Não existe a
possibilidade de separarmos uns que fazem a missão e outros que não a fazem
diretamente, dizendo ser sua parte somente apoiar. Ou você faz parte do Reino
dEle, representando-O em tudo, ou está seguindo e representando outro senhor.
Então, tudo que fazemos precisa estar conectado à Missão de Deus. Não
importa se você é empresário, médico, estudante, dona de casa ou se você é mais
envolvido com este ou aquele ministério, sua missão é apenas uma, embora possa
sempre ser vista sobre duas perspectivas: eu imito Cristo Jesus e, ao mesmo
tempo, trabalho para levar outros a imitá-lO também.
Além disso, não existe a possibilidade de separarmos as coisas que fazemos
como espirituais, seculares, portanto neutras, e como carnais. Não existem essas
divisões na Palavra de Deus. De fato, só existem duas possibilidades: ou somos
seguidores de Cristo que andam, oram, adoram e vivem no Espírito, ou somos
incrédulos, que estão fora da fé, portanto, seguindo o mundo, a carne e o Diabo.
Tudo isso, deveria nos fazer pensar em como orientamos nossa vida. É a
Missão de Deus que me orienta na escolha da minha profissão e no jeito que eu a
realizo? É a Missão de Deus que me orienta no jeito que escolho minhas
alternativas de vida? Se vou fazer este ou aquele curso? Se vou trabalhar neste ou
naquele emprego? Se vou me casar com esta ou aquela pessoa? As suas decisões
devem ser feitas com base na missão que nos foi dada que é representar Cristo
Jesus. Enfim, a Missão de Deus é também a nossa Missão.

Vocação e Chamado

Muitas vezes nossa compreensão da vocação e chamado, que na Bíblia são
sinônimos, acaba sofrendo com uma percepção errada da nossa missão. Todos
somos chamados. Somos chamados à santidade, à comunhão, a permanecer nEle,
a imitar Cristo. Não vemos na Bíblia nenhuma referência a chamado geográfico, ir
para um país, ou a serviço específico, como pastorear. É claro que Deus nos
direciona para irmos ou realizarmos trabalhos específicos, mas na Bíblia isso não
é apresentado como chamado ou vocação.
No entanto, talvez fosse bom, pelo menos didaticamente, separarmos as
palavras chamado e vocação: assim, chamado seria para imitarmos Cristo e
vocação se referiria à profissão, ministério ou tarefa na sociedade para a qual Deus
direciona cada um de nós. Além disso, podemos acrescentar outra palavra que é
“trabalho”. Nem sempre conseguimos conectar nosso trabalho (emprego) com
nossa vocação (profissão/ministério), pois vivemos numa sociedade com
problemas de oportunidade e sustentabilidade.
Neste caso, nosso alvo seria colocarmos nosso chamado como grande
objetivo de nossa vida e a maneira como avaliamos todas as outras decisões e
afazeres. Então buscaríamos a direção clara de Deus para saber onde deveríamos
desempenhar nossa vocação. E clamaríamos e lutaríamos pela oportunidade de
ter um trabalho conectado com esta vocação, onde nosso sustento e estabilidade
seriam recebidos como provisão dEle.

Sobre Missões

Agora quando falamos de MISSÕES, no plural, normalmente estamos nos
referindo às missões transculturais. Estamos nos referindo àquela ação de ir para
outros povos e culturas pregar o evangelho. A expressão também pode ser usada
para se referir àquilo que fazemos fora do ambiente das quatro paredes da igreja.
Neste caso, aqueles que trabalham com grupos não alcançados nas cidades, como
moradores de rua, estariam realizando uma tarefa missionária.
Missões, quando dita assim no plural, diz respeito a algo que alguns de nós
somos direcionados por Deus a fazer, mas não todos, assim como nas outras
vocações. Eu fui direcionado por Deus a ir para a China. Você pode ter sido
direcionado a ser um pastor, um empresário, ou um advogado, ou um médico, ou
uma dona de casa. Ou seja, Deus pode nos direcionar a um ambiente que não seja,
necessariamente, o ambiente missionário ou da prática ministerial.
Muitas vezes nós, missionários, quando falamos à igreja local, passamos a
ideia de que quem não se realiza missões é um crente de “nível inferior”, mas isso
não existe na Palavra de Deus. Os que ficaram na igreja de Antioquia, em Atos 13,
e colocaram as mãos na cabeça de Paulo e Barnabé foram tão direcionados pelo
Espirito Santo quanto Paulo e Barnabé que foram enviados. Então, missões é
apenas uma das tarefas da igreja, tão importante quanto as outras tarefas que
temos como igreja.

BASE MISSIONÁRIA PARA A BÍBLIA E BASE BÍBLICA PARA MISSÕES

A Palavra de Deus apresenta textos que nos ensinam e nos esclarecem
sobre nossa tarefa missionária, formando uma base bíblica para missões. No
entanto, existe também outra perspectiva que eu gostaria de lhe apresentar, é a
base missionária para a Bíblia. Este outro olhar pode ampliar nosso foco e
aprofundar mais o nosso entendimento bíblico da tarefa missionária.
Porque será que Deus nos deu as Escrituras? Será que missões começou a
partir do momento em que Ele nos deu o texto escrito? Ou o Senhor começou a
buscar e salvar o perdido e, então, neste processo ele nos deu a Bíblia,
esclarecendo-nos sobre Sua ação e nos envolvendo nEla? Parece-me que foi isso.
Lemos em Gênesis 3:9 que, depois do pecado entrar na terra, Deus foi em
busca de Adão e Eva. Lemos em Genesis 12:1 a 3 que Deus, através de Abraão, foi
ao encontro de todas as etnias da terra (hoje pouco mais de 16 mil) e que pessoas
de todas elas seriam abençoadas com a mesma benção de Abraão, sendo
transformadas em povo de Deus. Quando pensamos e entendemos que tudo isso
aconteceu antes de recebermos a Palavra Escrita, então fica claro que a Bíblia faz
parte do processo missionário de Deus.
A Bíblia não apenas nos apresenta textos sobre a missão, ela própria é uma
prova de que existe uma missão e existe a necessidade de missões, e de que o
nosso Deus é missionário. Então, quando dizemos que missões é somente uma das
áreas da igreja, alguns pensam: “Ufa, meu ministério é louvor” Ou “Ufa, meu
ministério é ensino“, e se sentem aliviados em não ter que fazer missões.
Cuidado com esse pensamento! É verdade que missões é apenas uma área
da igreja, mas o nosso Deus, que nos chama a sermos representantes dEle, é um
Deus missionário, e essa é a base missionária da Bíblia. E toda a História da
Salvação aponta para isso e nos chama ao envolvimento. Posso não ser
direcionado por Deus para trabalhar como missionário, mas certamente Ele quer
que eu me envolva de alguma forma, seja orando, ofertando, oferecendo meus
dons, talentos e capacitações, meus contatos, know-how, recursos diversos etc.

A Totalidade do Evangelho

Vemos em textos como o Mateus 28.16-20 a apresentação da totalidade do
evangelho. Toda autoridade foi dada a Cristo – a luta não é mais pelo poder, mas
pelos corações humanos. Ele já tem toda a autoridade sobre tudo e todos e,
portanto, não estamos a cada momento prestes a sofrer uma derrota, mas temos,
sim, a vitória já alcançada em Cristo.
Todos os discípulos são chamados a fazer discípulos, ou seja, toda Igreja
está comissionada. A ideia do texto é “tendo ido...uma vez que já estão no
caminho...façam discípulos”. Ou seja, já que Cristo é o Senhor e o Salvador de vocês,
preguem o evangelho com palavras e ações para o maior número de pessoas.
Além disso, em Mateus 28 podemos ver que todas as etnias e todos os
grupos em nossa sociedades são alvo da nossa missão. Posturas etnocêntricas ou
preconceituosas não cabem mais. E, segundo Atos 1:8, devemos priorizar todas as
“geografias” ao mesmo tempo, perto ou distante, o que somente é possível se todo
o povo de Deus, em todas as partes, estiver engajado.
Finalmente, neste texto é enfatizado que todo evangelho deve ser pregado
–“ensinando-os a obedecer a tudo que eu lhes ordenei”-, e não somente que Jesus
é o Salvador, mas que Ele é o Senhor e que, portanto, este evangelho impacta todas
as áreas do viver humano. Ensinamos que existe todo um novo jeito de ser
humano. Existe um novo e vivo caminho para todos que estão em Cristo.
Nesta dinâmica de viver e apresentar o evangelho, Cristo nos diz que
estaria com Seu povo até o fim. Ainda que não coloque uma condicionante, Ele
parece indicar que de uma forma especial estaria todo tempo com Seu povo na
caminhada rumo ao cumprimento da missão, mas não necessariamente estaria
com eles quando optassem trilhar caminhos diferentes e distantes do evangelho.

A Imitação de Cristo

Hoje mais do que nunca também precisamos enfatizar a Grande Comissão
de João 20:21, na qual Cristo nos diz que, assim como o Pai O enviou, agora Ele nos
envia. Com a mesma radicalidade, desprendimento e amor os discípulos deveriam
apresentar o Pai ao mundo. A imitação de Cristo é o papel essencial e primeiro da
Igreja em tudo na vida. Um modelo encarnacional do evangelho.
Paulo várias vezes chama seus ouvintes e leitores a imitá-lo, assim como
ele imitava Cristo. Não estaria Paulo sendo arrogante ou presunçoso? No entanto,
a pergunta que teríamos de fazer a nós mesmos é a seguinte: “se não estamos
imitando Cristo, então a quem mais estamos imitando?” E se estamos imitando-O,
qual será então nosso receio? Nossa vida transformada apresenta ao mundo quem
é o Pai e que tipo de evangelho seguimos.
Assim, a igreja como instrumento de Deus é usada para mostrar quem Ele
é a pessoas de todos os povos e grupos. Assim como as religiões vão colocando
imagens de seus deuses para demonstrar o domínio do local, Deus vai colocando
sua imagem e semelhança, o novo homem em Cristo, no mundo inteiro,
demonstrando Seu senhorio universal. A espinha dorsal da proposta de Deus é a
mesma com Israel e com a Igreja - quando o mundo ver, irá crer.

O Começo da Ação

A Igreja que se segue ao momento da morte e ressurreição de Cristo parece
entender o evangelho e a necessidade de imitação de Cristo somente em parte,
mas mesmo assim inicia a pregação e, através de alguns incidentes, às vezes
traumáticos, entende que o evangelho é para todos os povos e se esforça para
empreender a tarefa missionária.
No começo do livro de Atos, Lucas parece nos dar um retrato do que a Igreja
deveria ser e que em certos momentos foi. Eles deveriam manifestar o poder do
Reino em sua vida, curando e libertando o oprimido e resistindo todos os desafios
para demonstrar que a vida deles somente seria preciosa se eles fossem
semelhantes a Cristo em meio a um mundo em trevas.
Com a chegada do Reino não haveria mais barreiras para a atuação do povo
de Deus – a missão se tornaria multicultural, multigeracional, alcançando pessoas
de origens sociais e contextos diversos. As estruturas da sociedade e do poder
iriam se render a este Reino. Agora haveria lugar para todos, mesmo os mais
excluídos da sociedade. A igreja se tornaria uma sociedade alternativa, uma cidade
sobre o monte.
Depois desse tempo inicial a Igreja ainda precisou de muitos momentos de
redirecionamento, como no Concílio de Jerusalém. No entanto, vemos
principalmente na vida de Paulo que o modelo que mais impactou a Igreja do
primeiro século foi o de levar o evangelho todo a todos os povos, não importando
os custos e desafios que tivessem que enfrentar.

Acerca do Fim

Somos fruto desta compreensão de que o Pai ainda trabalha para alcançar
todos os povos e todos os grupos não alcançados e que usa a igreja para completar
esta obra. Semelhantemente ao povo de Israel, ora temos entendido mais nossa
missão, ora entendido menos. No entanto, mesmo com todos os desentendimentos
e desencontros, segundo Patrick Johnstone, nunca na história tivemos um
investimento tão grande em missões como hoje em dia1.
Se continuarmos aumentando o investimento em missões como tem
acontecido nas últimas décadas, a entrega de vidas para os campos mais difíceis e
distantes, seja para cidades ou para as regiões remotas, logo chegaremos ao nosso
objetivo – falar da graça de Deus a todas as etnias sobre a face da terra. E a
promessa é que Ele voltará quando todos ouvirem (Mateus 24:14).
Segundo o livro de Apocalipse, no último dia haverá pessoas de todas as
línguas e culturas. De fato a grande mensagem do Apocalipse é “a esperança e a
certeza para os povos” (Apocalipse 5: 9; 7: 9; 10:11). Nós somos desafiados a
trabalhar para que todos os povos ouçam e, finalmente, lutaremos o bom combate
até que Ele venha.

UMA PALAVRA SOBRE A PRÁTICA DA IGREJA LOCAL

Como organização ou instituição, a igreja local tem como alvo primário
todas aquelas ações que visam o cuidado do rebanho, em especial a pregação, o
pastorear, o discipulado e o culto a Deus. Somente isso já é um imenso desafio em
nosso mundo secularizado e vazio de sentidos e compromissos mais profundos.
No entanto, temos também o desafio de preparar nossos membros para a
vida pública, local onde o evangelho encontra a praça pública, onde vivemos nossa
vida em família e exercemos nossas profissões, onde formamos nossos jovens e
preparamos a base para a nossa vida em sociedade. Ou seja, o evangelho através
da vida de cada membro de nossas igrejas precisa chegar a todos os cantos escuros
de nossas cidades.
É claro que podemos utilizar as estruturas de nossas igrejas para
desenvolvermos projetos e ações de misericórdia, projetos de formação e reflexão,
dentre outras coisas, mas não podemos perder de vista que como igreja local
nosso alvo primeiro é o cuidado e formação espiritual do membro e que à medida
que cada um cresça em Cristo teremos pessoas para serem exportadas para todos
os cantos onde se faz necessária a pregação e demonstração do evangelho.
E é claro que precisamos plantar e revitalizar igrejas bíblicas e saudáveis
que alcancem estes objetivos em diferentes partes do mundo, diferentes partes de
nossas cidades. De fato, plantação e revitalização de igrejas é o melhor e mais
eficaz método de evangelismo que existe, mesmo porque foi o método criado por
Jesus, implementado pelos apóstolos e comprovado na história da igreja.
Que o Pai nos guie e nos empodere com Seu Espírito para sermos
embaixadores e cooperadores de Sua Missão.


1
Em seu livro “A Igreja é Maior do que Você Pensa”.

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