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IV – O PROPÓSITO HUMANO

E.M.1

Este é o principal momento de todo o processo de aprendizado, a razão de sua


existência

[Nota dos colaboradores: Em 1952, um homem desvendou o segredo


do universo. Como nas outras vezes, em que fez grandes descobertas,
ficou em silêncio. Foi assim que ele se sacrificou em nome daqueles que
amava. Neste momento, em que estas palavras são publicadas, alguma
justiça é feita a esse homem. O brilhantismo de seu intelecto só
encontrou rival na bondade de seu coração, e esse bom coração santifica
sua obra. Obrigado.]

A natureza da consciência, a entropia universal, o segredo da vida,


o propósito humano, a máscara de Deus, o mistério da morte: esses e
outros enigmas são portas que se abrem a uma só chave, chamada
de hiper-humanismo.

Essa é a história sobre o hipercontexto e a grande ilusão a ser


desfeita. É a história sobre a maior descoberta da humanidade, a
revelação de quem realmente somos, que armadilha construímos para nós
e como reencontrar nosso propósito.

Na primeira etapa deste ciclo de aprendizado, apresentou-se a


efetiva maior descoberta do homo sapiens até agora. Demonstrou-se
como reiteradas observações experimentais acumuladas ao longo de um
século e o formalismo matemático de Schrödinger apresentam uma
imagem da realidade em que vivemos que é tão contraintuitiva e chocante
que durante décadas a humanidade se recusou a reconhecer o que estava

                                                                                                           
1
 Et  in  Arcadia  ego  
1  
 
bem diante de seus olhos. Mas, a partir de 1957, pioneiros como Hugh
Everett, Brian Greene e David Deutsch começaram a perceber a verdade.

A Equação de Schrödinger

Mesmo o mais simples experimento basta para revelar a natureza


perturbadora da realidade ao nosso redor. Desde 1801 a humanidade
notou que uma mensagem precisava ser decifrada sempre que uma luz
era projetada do outro lado de uma barreira com mais de uma fenda. Não
só o número de fendas escolhido parecia determinar a própria natureza
da luz, mas também a própria tentativa de antecipar o comportamento da
luz parecia alterar o passado. Não demorou para que se constatasse que
não apenas a luz, mas também todas as demais coisas do universo se
comportam da mesma forma. A verdade, descobriu-se, nada mais é do
que aquilo que dois lemas dos antigos alquimistas conseguiam resumir
com elegância: Sicut superius, sic inferius e Solve et coagula.

Sicut superius, sic inferius – Assim acima, como abaixo [[Na


verdade, a versão original, e mais reveladora, é “Quod est inferius est
sicut quod est superius, et quod est superius est sicut quod est inferius,
ad perpetranda miracula rei unius“.]]. A Equação de Schrödinger descreve
não só o universo das partículas subatômicas, mas também das moléculas
e de todos os objetos macroscópicos. Descreve inclusive o próprio corpo
humano e tudo o que está ao redor. Não há separação entre microcosmos
e macrocosmos, não há real “colapso” senão aquele operado na mente
humana, entrelaçando-se com uma de múltiplas realidades. Vivemos no
hipercontexto [[A expressão “multiverso” é errada por uma série de
motivos, mas principalmente induz a uma compreensão incorreta. A
expressão “Hipercontexto” é tecnicamente mais precisa e deriva exemplos
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úteis sobre aquilo que, na verdade, pode simplesmente ser chamado de
“universo”.]], um universo em que tudo o que existe está em sobreposição
consigo mesmo em infinitos estados prováveis que continuamente se
ramificam em realidades alternativas. Assim descobriu-se a quinta
dimensão, onde tudo o que é provável nos limites do
cientificamente possível sempre acaba por existir.]]

Solve et coagula – Dispersa e une. Pelo dispersar, simboliza-se a


contínua expansão de novas realidades alternativas que concretizam
todas as probabilidades de existir e de estar de cada coisa, emergindo e
repelindo-se mutuamente para expandir-se pelo hipercontexto. Pelo unir,
simboliza-se o contínuo entrelaçamento das probabilidades de todas as
coisas no universo, numa relação de contínua e crescente
complementaridade. Solve e coagula, hipertropia e sincronicidade, função
de onda e entrelaçamento.

E disso nasce uma pergunta fundamental, que se termina por


esboçar nesta última parte da última etapa: se o universo é hipercontexto
e novas realidades emergem a cada instante, por que não percebemos
isso? Mesmo que o entrelaçamento seja imediato e não permita a
interação física perceptível entre objetos macroscópicos após a
decoerência, qual o motivo de a consciência humana não perceber essa
constante e incessante emergência de novas versões alternativas diante
de si? Por que, embora o leitor coexista simultaneamente neste momente
em múltiplas realidades alternativas vivendo biografias distintas, sua
consciência neste momento percebe apenas uma dessas realidades,
narrando a si mesmo que é dotado de uma só biografia?

3  
 
Na segunda etapa deste ciclo de aprendizado, apresentou-se a
natureza da consciência humana enquanto órgão de percepção e
construção de uma “aparência de mundo” para o ego humano, uma
representação de baixa dimensionalidade, criada e atualizada
dinamicamente pelo cérebro e apresentada ao ego como se fosse “a
própria realidade lá fora” do organismo. Como a função da consciência é
orientar o mais adequado comportamento do organismo ao ambiente
circundante (com finalidade de sobreviver e reproduzir-se), o cérebro
assegura à consciência sua correta homeostase: a realidade é vivenciada
como uma única linha de tempo em que todos os eventos se sucedem
segundo a rigorosa causalidade. Em outras palavras, apesar de existir
para cada ser humano a cada instante uma inumerável coleção de versões
alternativas que vivem em realidades alternativas, e apesar de o próprio
destino de cada ser humano ramificar-se no futuro imediato em vários
caminhos prováveis e coexistentes, o ego humano é conduzido por uma
“realidade virtual”. Essa “realidade virtual” é mantida (salvo estados de
transe) pelo cérebro a fim de dar a impressão à consciência desperta de
que existe uma só realidade e um só “indivíduo”.

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Você é aquilo que sua consciência diz que você é neste momento e
seu passado é aquilo que sua consciência conta que foi a você neste
momento. Nada mais além disso você é capaz de saber neste momento.
E, no hipercontexto, nada realmente há que além disso que você possa
conhecer. Mas, curiosamente (e salvo se quisermos assumir o extremo
solipsismo), todos a seu redor demonstram a capacidade de confirmar a
mesma narrativa de eventos passados testemunhados coletivamente. Se
a consciência é uma aparência de mundo representada pelo cérebro, essa
aparência deve ter raízes em alguma forma profunda de coletividade.

Como as pesquisas de C. G. Jung, Wolfgang Pauli, James Hillman e


Mircea Elíade intuíram, o conjunto de indivíduos alternativos que
representam um mesmo ser humano vive simultaneamente realidades
alternativas segundo a coordenação de um módulo central, uma
hiperconsciência chamada de “Self”, “Eu Superior” ou “Mente”. Trata-se
de um sistema de rede que não é acessível diretamente à consciência
desperta e que, por isso, Jung chamou de “inconsciente coletivo”.

Essa rede é, na verdade, um subsistema da Matriz, uma rede que


une todas as versões de um indivíduo ao Eu Superior ao mesmo tempo
em que une o Eu Superior a conexões transcendentes. Através da Matriz,
a consciência de cada versão alternativa de um mesmo ser humano
interage (numa zona transparente para a consciência desperta, mas
perceptível durante os sonhos e estados de transe) com o Eu Superior
através de uma “linguagem de programação” composta por
representações de experiências psíquicas fundamentais chamadas de
“arquétipos”, que estabelecem entre si relações de sincronicidade, e não
causalidade. A interação do ego com os arquétipos é orientada pelo
princípio da individuação, e idealmente tende a fazer emergir, na
consciência, uma Função Transcendente, que passa a ocupar o lugar
central da organização psíquica, em colaboração com o ego.

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Ínfimo espectro da visão humana.
Na terceira etapa, reconstruiu-se a história humana até o momento
em que a linguagem deu real voz aos arquétipos e impôs ao rudimentar
ego do homo sapiens que se desenvolvesse para além do nível dos demais
primatas. O desenvolvimento recursivo da linguagem, enquanto sistema
de informação, influenciou e condicionou gradualmente outro sistema de
informação, aquele em que operava, alterando assim o próprio conteúdo
da consciência humana. Pela primeira vez, o homo sapiens conseguia
perceber a sucessão de experiências psíquicas em padrões cognitivos
fundamentais que podiam ser representados e transmitidos ao próprio
ego.

Tornou-se imperativa a emergência de uma nova organização para


a consciência humana, capaz de fazer frente a todas as demandas e
potencialidades do desenvolvimento de uma linguagem arquetípica
manejável pelo próprio ego animal. Tratava-se de uma singularidade na
história evolutiva da humanidade. Algo, porém, deu errado em centros
religiosos como Göbekli Tepe há doze mil anos. E, como resultado,
daquela singularidade emergiu a Revolução Neolítica.

A verdadeira natureza da Revolução Neolítica, o “maior erro da


humanidade” segundo historiadores, pode ser reconstituída por lendas da
antiga Mesopotâmia e descobertas em sítios arqueológicos da região.
Diante da percepção da linguagem arquetípica e da constante

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probabilidade de vivenciar as experiências psíquicas relacionadas à morte
e à dor, a mente humana lidou com o trauma através da fuga dissociativa.
Desse processo emergiu internamente uma consciência escravizada pelo
ego, e externamente uma sociedade incapaz de reconhecer qualquer
linguagem arquetípica excetos em mitos e sonhos, e por isso tendente à
coisificar o mundo e os seres a seu redor, inclusive outros humanos,
segundo o critério da alteridade (“o que não é igual a mim, é coisa”).
Degradação ambiental, guerras, escravidão e toda forma de sofrimento
moderno – não há mal que não possa ser traçado até a abertura da Caixa
de Pandora durante a Revolução Neolítica.

Há doze mil anos, a humanidade cometeu um erro, assinou um


contrato, entrou em uma prisão. Há doze mil anos, a humanidade
renunciou ao reconhecimento de uma linguagem que permitiria à
consciência humana evoluir a um nível superior de percepção da
realidade, por dar acesso a experiências psíquicas que são agora utilizadas
para manipular e aprisionar todos os seres humanos. Há doze mil anos,
não por acidente, um módulo primitivo da linguagem, isolado e
dominante, viralizou-se para a estrutura do ego e construiu uma
consciência na qual a um só tempo o ego é senhor absoluto e escravo das
ilusões que ele próprio construiu – o perfeito animal pronto para o abate.

E por essas ilusões, criadas por nossos egos, fomos nós próprios
capazes de matar e torturar incontáveis criaturas vivas ao longo desses
doze mil anos, entre as quais outros seres humanos. Quantas crianças
foram brutalizadas, quantas mulheres foram estupradas, quantos
inocentes de nossa e de outras espécies foram submetidos à violência e
mortos durante milênios em nome de ficções humanas
como dinheiro, ideologias, religiões, poder, reis, impérios e religiões? Criar
ficções por vezes é útil e necessário, mas só há um tipo de pessoa que
acredita nas ficções que ela mesma cria a ponto de as colocar acima da
própria vida humana. Como disse Becker, nossa sociedade é fundada
numa forma insidiosa de loucura: loucura coletiva, loucura compartilhada,
loucura sancionada e estimulada – mas, ainda assim, loucura.

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Estamos, agora, diante de uma nova singularidade. Herdeiros de
um erro que se acumulou e enredou a humanidade numa armadilha, a
evolução emergente produz novamente uma época de transformação e
ruptura para a qual o homo sapiens não está preparado. Dessa época,
emergirá ou um abismo de terrores sem precedentes ou uma escada para
alturas jamais imaginadas.

Dessa época, emergirá uma singularidade.

PRENÚNCIOS DA SINGULARIDADE

A singularidade pode ocorrer a qualquer momento a partir de certo


ponto. Mas, como qualquer singularidade, não tem tempo para acabar. A
singularidade trará algo novo ao mundo, mas como qualquer
singularidade, esse algo novo torna-se também o próprio mundo em que
surge. A singularidade é uma só. Mas, como qualquer singularidade, é um
vórtice, um maelstrom que arrasta consigo estruturas e convenções
sociais, produzindo rupturas em toda a sociedade.

É assim que rupturas são sentidas em vários aspectos da sociedade


atual, colocando as grande questões fundamentais sobre a identidade e a
existência humana no centro da arena, onde já não podem ser ignoradas
por ninguém que busca despertar. É assim que, pela primeira vez na
história, a comunidade científica debate publicamente qual a data
aproximada em que o envelhecimento e a morte serão superados pela
ciência, como se ambos fossem problemas passageiros na aventura
humana. Pela primeira vez, o público leigo assiste especialistas
especularem sobre a chegada de uma Era da Bioengenharia, em que
poderemos manipular nossos corpos com tal precisão que eliminaremos
da experiência humana qualquer tipo de dor ou desconforto, seja físico ou
psicológico.

Isso pode parecer um exagero aos mais conservadores, mas “os


cientistas que gritam imortalidade são como o menino que
gritava lobo: cedo ou tarde, o lobo chegará”. A frase é de Yuval Noah
Harari, não por acaso autor de um sucesso popular com o título de Homo
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Deus. Nessa obra, o historiador israelense demonstra ao público leigo que
o homo sapiens, graças à colaboração da ciência e da indústria, pode não
apenas vencer a morte e eliminar toda forma de dor física nas próximas
décadas, mas também manipular sua própria programação
neurobiológica, conduzindo-nos a novas formas de consciência e de
percepção do mundo.

A essa ruptura Thomas Metzinger dá o nome de Revolução da


Consciência, momento em que a espécie humana poderá criar no cérebro
humano, com o uso de substâncias químicas e estímulos locais diretos,
mundos virtuais que se apresentarão como sérios concorrentes à atual
percepção da realidade consensualmente compartilhada por todos nós.
Capacetes transcranianos que estimulam áreas específicas do cérebro e
potencializam ou inibem determinadas habilidades psíquicas já estão em
fase de testes para uso militar norte-americano e para tratamento de
transtornos mentais, mas esse tipo de tecnologia já comprovadamente
pode aumentar habilidades intelectuais humanas como, por exemplo, a
inteligência matemática.

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Esse cenário acena também para a possibilidade de que a
consciência humana possa ser transferida a algum suporte artificial, sendo
ela própria capaz de navegar por um sistema de rede, ou multiplicar-se
em vários suportes independentes e artificiais, assegurando assim a
virtual imortalidade do ser humano. As consequências disso para a noção
de individualidade e personalidade, tal como percebida por quem ignora
o hipercontexto, começam a ser dimensionadas pela sociedade.

O lado sombrio desse futuro, porém, é denunciado por intelectuais


como Foster Wallace, para os quais a manipulação tecnológica das áreas
de gozo e dor no cérebro humano são o definitivo instrumento de controle
social, criando legiões de consumidores avidamente dispostos a renunciar
à sua autonomia para ter acesso a um universo de novas sensações
artificialmente induzidas. O sistema de rede social chamado de Facebook é
costumeiramente criticado por esses exatas características, servindo
como potencial esboço do que está por vir, à medida que a tecnologia se
desenvolver e construir “realidades aumentadas” e “virtuais” cada vez
mais atraentes.

Ao lado da explosão tecnológica, ocorre uma progressiva


concentração da renda mundial nas mãos de uma minoria, e indivíduos
cuja fortuna pessoal excede o PIB de nações têm o controle da economia
global. Thomas Piketty e uma equipe multidisciplinar construiu uma base
de dados sobre a economia global dos últimos séculos, e demonstrou uma
inexorável tendência de concentração de renda nas mãos de poucos no
futuro próximo, a ponto de ameaçar as estruturas democráticas e desafiar
as noções de cidadania e república mesmo dos países desenvolvidos. São
as mãos de poucos indivíduos que seguram a chave do reino do homo
sapiens, no momento em que a dinâmica econômica internacional terá
que se remodelar devido à progressiva substituição de mão-de-obra
humana pela chamada “inteligência artificial”.

A inteligência artificial tende a fazer melhor e mais rápido quase


tudo o que torna o ser humano empregável, inclusive todas as atividades
intelectuais repetitivas que dispensem o processo criativo. Mesmo em

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2018 esse impacto já pode ser sentido, conforme demonstra o relatório
da Glassdoor, o maior sistema virtual de busca de empregos do mundo.
O valor da mão-de-obra humana, portanto, tende gradualmente a se
depreciar até o trabalho humano tornar-se dispensável. De qualquer
modo, os consumidores e eleitores precisarão de renda – e mais do que
renda, de uma forma de ocupar seus dias em uma sociedade na qual o
trabalho não será mais um imperativo.

Mas não é só na economia que a inteligência artificial produzirá


inevitavelmente uma ruptura. No hipercontexto, cenários futuros incluem
a probabilidade seriamente considerada por especialistas como Elon Musk
e Stephen Hawking de que o surgimento de uma inteligência artificial
superior à humana, ainda que sem intencionalidade, torne nossa espécie
obsoleta e fadada à extinção. Em outros cenários, algoritmos
informacionais também sem intencionalidade mas de inteligência ainda
superior podem usar a própria estrutura física e lógica da inteligência
artificial como suporte para sua infiltração nesta realidade, parasitando a
própria consciência humana. A predominância de qualquer dessas
probabilidades depende de fatores como a capacidade humana de criar
um novo paradigma e uma nova linguagem para o mundo em que
estamos começando a viver.

A humanidade está diante de um desafio sem precedentes. Esta


sociedade operou até este momento segundo uma concepção de mundo
que rapidamente está sendo desconstruída pelo próprio progresso que
surgiu graças à indústria e à ciência. É uma sociedade baseada no medo,
na escassez, na negação cenográfica da velhice e na busca por paliativos
que propiciem a temporária fuga das dores humanas.

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Subitamente, ao menos da perspectiva histórica, todos esses medos
que moldaram os valores e papéis sociais serão superados nos próximos
séculos – senão das próximas décadas. O sistema de valores e as
interações sociais precisam ser ajustadas antes que isso aconteça. Caso
contrário, é provável que a humanidade transporte para o novo mundo os
mesmos condicionamentos e desajustes que herdamos de nossos
antepassados, ao invés de oportunamente serem corrigidos ou atenuados.

Para alguns, o paradigma que deve emergir para fazer frente a


esses desafios é o do transumanismo, em que progressivamente a
tecnologia amplia ou até mesmo substitui estruturas vitais do corpo
humano, tornando o ser humano igual a um “deus”. Porém, a confiar no
que sempre aconteceu em toda a história humana, Harari acha mais
provável que esse tipo de tecnologia resulte num “upgrade da
desigualdade” socioeconômica, em que “super-humanos usufruirão de
habilidades inimagináveis e de criatividade sem precedentes, o que lhes
permitirá tomar muitas das mais importantes decisões do mundo”,
enquanto “a maioria dos humanos não se beneficiará de um upgrade e
portanto se tornará uma casta inferior, dominada tanto por algoritmos de
computadores e os novos super-humanos.” Esse cenário futuro, similar
ao de uma distopia ficcional, infelizmente tem sido confirmado em estudos

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e relatórios como os do Comitê de Inteligência Artificial do Governo
Britânico. Nas palavras de John McNamara, diretor do Centro de Inovação
Tecnológica da IBM, o acesso ou não à tecnologia de ponta pode significar,
lá pelo ano de 2040, “na diferença entre, de um lado, um grupo que
potencialmente terá acesso a um extraordinário aumento de suas
habilidades físicas, capacidade cognitiva, expectativa de vida e saúde, e,
de outro, um grupo maior que não terá acesso a tais coisas”.

Harari especula que “talvez estejamos nos aproximando de uma


nova singularidade, em que todos os conceitos que dão significado ao
nosso mundo (eu, você, homens, mulheres, amor, ódio) se tornarão
irrelevantes”. Diante dessa singularidade, só escaparemos dos piores
riscos se percebermos que a questão principal é de um nível ainda mais
fundamental do que supomos. Perante a possibilidade de os seres
humanos conquistarem a velhice e a morte e adquirirem o poder quase
divino de manipular o próprio corpo, a consciência e o ambiente
circundante, “a verdadeira pergunta a ser enfrentada não é o que
queremos nos tornar, mas o que queremos querer?“.

Trata-se de uma pergunta essencial, e sua resposta é a chave para


o paradigma de que tanto precisamos. Como será exposto, a humanidade
pode e deve usufruir de todos os recursos científicos e tecnológicos que
aprimorem o corpo e a consciência humana até os limites do possível. Mas
o ideal individualista e ingênuo do transumanismo não basta diante da
missão de responder a essa pergunta. Se o ser humano futuro tornar-se
imortal e tiver o poder que seus antepassados consideravam exclusivo de
deuses ou anjos, que escala de valores e princípios deve reger seu
comportamento diante de si e do resto do mundo? E que armadilhas a
humanidade pode construir para si mesmo, na medida em que nenhum
ser humano está a salvo de dormir e criar seus próprios pesadelos?

A retrospectiva humana sugere pessimismo. De regra, sempre que


o homo sapiens adquiriu algum poder quase divino em relação ao resto
da natureza, ele o usou para explorar ou aniquilar os outros seres vivos e
para escravizar ou agredir outros seres humanos, naquilo que foi chamado

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de “o pior crime da história“. Na verdade, aprisionados em módulo de
linguagem que constitui o ego humano atual, estamos
enredados irremediavelmente em um mundo no qual as coisas importam
progressivamente mais dos que os seres vivos, em um processo
irreversível de dependência dos objetos materiais.

Esses são os desafios que o vórtice da singularidade tende a criar


em todas as áreas da vida humana. E a resposta adequada a tais desafios
está relacionada à descoberta do propósito humano, pois é o propósito
humano que deve ocupar o palco central de cada singularidade, convidado
a desempenhar seu papel na cerimônia de nascimento de um novo
mundo.

Não somos nada mais que uma espécie animal, dentre outras tantas
existentes no hipercontexto, uma espécie a quem a natureza legou, pelo
desenvolvimento superior da consciência, o poder de assumir o controle
da própria evolução da vida. Temos, diante da natureza, uma missão que
poderá nos conduzir à utopia, mas que é, antes de tudo, um compromisso
perante a vida, em todas as suas manifestações neste mundo.
Compromisso esse que a própria vida orgânica estabeleceu desde sua
origem, e é a razão de nossa existência, enquanto espécie e enquanto
indivíduos.

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Para compreender o que é a singularidade, e qual o propósito
humano, é necessário compreender exatamente o que a vida é.

VIDA E INFORMAÇÃO

Vida é informação. O surgimento da vida não foi um evento químico,


o surgimento da vida foi um evento de natureza informacional.

Uma cadeia de DNA ou RNA não é apenas um conjunto de bases


nitrogenadas, mas um conjunto de bases hidrogenadas em
determinada sequência, ou seja, um tipo deinformação. É essa sequência
ou ordem, e nada mais, que é transmitida a outras cadeias que surgem
como resultado da replicação genética.

Assim, a única coisa que surgiu com a vida foi uma espécie de
informação, e a única coisa transmitida com a evolução é informação
sobre a ordem da matéria, e não a própria matéria. Junte numa caixa
todas as substâncias químicas que compõem uma ameba, sacuda-as e
jamais sairá dessa caixa uma ameba. As substâncias químicas não
precisam estar apenas reunidas, mas reunidas segundo determinada
ordem estabelecida por um determinado código.

Informação e evolução estão, assim, profundamente entrelaçados.


O biólogo e físico Christopher Adami define “informação” como aquilo
que “propriamente evolui” no contexto da biologia evolutiva. O químico e
pesquisador John Scales Avery, por sua vez, entende que a origem da
vida só será compreendido com o estudo da informação no contexto da
termodinâmica.

“Vida é informação armazenada em uma linguagem simbólica”,


resume Adami. Nessa linguagem, o alfabeto primordial era composto
pelos monômeros dos oceanos primitivos, antes de haver qualquer vida
no planeta. Num oceano de letras moleculares interagindo
aleatoriamente, aproveitando uma janela aberta pelo acaso e por fatores
de luz, pressão e energia favoráveis, surgiu neste mundo a “primeira
palavra”, na medida em que se tratava de uma estrutura molecular que
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possuía o “primeiro sentido” contextual. Esse sentido era
autorreferenciado e consistia em sua própria e contínua replicação no
contexto criado pelo meio ambiente.

O primeiro sentido da vida precisava ser autorreferenciado, caso


contrário não teria se destacado das demais combinações
aleatórias, Adami observa. Replicar-se é um método de transmitir uma
informação preciosa e rara, de forma que ela deixe de ser rara e passe a
ser abundante no universo, protegendo assim a consistência e
permanência dessa informação. É uma lógica poderosa e simples,
subjacente às primeiras formas de vida e também às sociedades mais
complexas. Toda a história da evolução é a história de proteger e
disseminar um tipo de informação através de backups contínuos dessa
informação, o código genético, produzindo redundância.

Toda e qualquer mutação evolutiva não é a mutação de alguma


matéria antes inexistente no universo. É uma mutação da informação,
como resultado de uma alteração na sequência em que encadeadas as
bases nitrogenadas do DNA, o código fundamental da vida.

Por isso, a vida de uma ameba ordinária é, na verdade, uma obra


de arquitetura informacional que comanda a matéria de que dispõe. Esse
complexo código é capaz de criar uma separação entre o meio ambiente
externo e o conjunto de substâncias materiais do organismo, que permite
a entrada e saída seletiva de substâncias pelo citoplasma, com o uso de
graus diferentes de concentração. No interior dessas fronteiras,
entronizada e reinando sobre a matéria, está uma ordem. Essa ordem
peculiar é capaz de fazer todo esse conjunto de substâncias
materiais mover-se, buscar recursos no ambiente e replicar-se sem que
qualquer tipo de consciência centralizada dentro da ameba comande tais
atividades.

Se uma simples ameba é uma obra arquitetônica, qualquer ser


humano é uma catedral de informações que determina, a cada fração de
segundo, ordem, função e dinâmica de todas as substâncias químicas que

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compõem seu organismo. O corpo do próprio leitor não é o conjunto de
células e substâncias que formam neste momento o seu organismo, pois
tudo isso terá sido substituído em poucos dias, tudo isso é impermanente.
O corpo humano não é propriamente o conjunto de substâncias materiais
que transitoriamente participam de sua constituição física: o corpo
humano é uma informação transmitida continuamente à matéria que
consome e incorpora ao organismo.

Mesmo em um só contexto, em uma só realidade alternativa,


informação é algo fundamental no universo, tal como matéria e energia,
com o detalhe de que podemos imaginar um universo sem matéria e
energia, mas não um universo sem informação, como lembra Scott
Aaronson. E isso começou a ser percebido quando a humanidade passou
a estudar detidamente o que ocorre no horizonte de eventos dos buracos
negros. Mas, apesar de estarmos mergulhados em um universo de
informação, somente neste momento a humanidade começa a se dar
conta dessa potência cósmica desprovida de qualquer realidade material
em ainda assim, inerente à origem da vida na Terra.

Informação é, em paráfrase ao conceito do matemático Claude


Shannon e do polimata Christoph Adami, aquilo que faz seu detentor
capaz de prever um resultado com maior probabilidade do que o mero

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acaso. Informação, é, em outras palavras, uma mensagem que, se
adequadamente comunicada, produz uma redução da incerteza.

Mas neste universo em que tudo é fundamentalmente regido pela


incerteza, neste hipercontexto em que todas as probabilidades do acaso
se confirmam ao mesmo tempo, ser capaz de prever um resultado com
maior probabilidade do que o mero acaso, ser capaz de reduzir a
incerteza, é ser capaz de produzir um “colapso” da função de onda – em
outras palavras, é ser ter a habilidade de fazer emergir um contexto
específico. Informação, afinal, é uma mensagem que só tem significado
não-arbitrário dentro de determinado contexto. Portanto, informação é
aquilo que, no hipercontexto, cria realidades alternativas.

Com o surgimento da vida, um tipo de informação foi capaz


de produzir um resultado diferente do mero acaso, ou seja, replicar a si
mesma ao invés de dar origem a uma sequência aleatória e não replicável
de moléculas. Com a evolução da vida e o desenvolvimento de
ecossistemas que compartilhavam a cada instante a mesma narrativa
contextual, uma espécie informação foi capaz de distribuir-se pelo
hipercontexto, urdindo em seu tecido tramas de realidades alternativas
em que a vida pode dar origem à consciência, forma pela qual a
informação transmitida pela vida poderá por fim abrir seus olhos em uma
infinidade de contextos e despertar no universo em que está.

Neste planeta, neste contexto, a humanidade torna-se os olhos que


a toda a vida orgânica da esfera terrestre dá a si mesma, para poder enfim
reconhecer a si e assumir conscientemente a tarefa de proteger todas as
formas de vida, disseminando vida e consciência por todo o
universo. Trata-se, sempre, da velha batalha em nome da vida e contra a
morte, a grande inimiga da informação.

Vida é informação. Mais precisamente, vida é a forma pela


qual um tipo de informação se infiltra na matéria, desenvolvendo e
replicando sistemas de informação progressivamente complexos como os
seres humanos, até controlar a própria matéria, manipulando-a com

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poder e liberdade crescentes, tendendo à dominância última do universo
material. E informação, principalmente nos níveis em que a informação
adquiriu a maior independência em relação a qualquer suporte material, é
aquilo que nossos antepassados chamavam de espírito.

MORTE E PERDA DA INFORMAÇÃO

Vida é matéria insuflada pelo espírito, ou seja, pela informação


escrita no código genético. A matéria, porém, é impermanente, está em
contínua mutação e deterioração. Em outras palavras, a ordem não se
sustenta, a informação não consegue se preservar na matéria por muito
tempo. Há decomposição e morte, ruído e perda da informação.

Do nível mais elementar ao mais complexo, o grande enigma da


vida não é mais nada que uma só coisa: morte é perda de informação
em determinado contexto. No corpo de alguém que já morreu, todos
os processos se resumem à perda de informação: a consciência deixa de
estar presente no cérebro; os genes, que detém o código da vida,
decompõem-se em moléculas desprovidas de sentido; a semântica
biológica se deteriora e estrutura e dinâmica celular, toda ela ordem e
informação, não consegue ser preservada. Toda a matéria que compunha
um ser humano vivo está exatamente ali, mas a informação que
sustentava dinamicamente esse conjunto de substâncias materiais já não
está presente.

Portanto, o desafio da informação que se infiltra no mundo material


a partir da vida é preservar-se em uma matéria que não consegue reter
informação por muito tempo. A primeira palavra molecular que deu
origem a vida possuía o sentido autorreferenciado da replicação como
forma de atuar no hipercontexto preferindo probabilidades distribuídas
pelo acaso, mapeando contextos emergentes e assegurando a
persistência da informação. Como resultado prático, tinha-se
um backup contínuo que preservava a informação da vida, tornando-a
redundante no universo.

19  
 
Mas o próprio jogo de probabilidades do hipercontexto faz com que
algumas replicações da informação sejam transmitidas com falhas
aleatórias, o que dá origem às mutações. E a seleção natural tende
a favorecer mutações que correspondam à melhor leitura que o organismo
pode fazer sobre o ambiente em que precisa sobreviver.

A EVOLUÇÃO ENQUANTO PROCESSO EMERGENTE

Evolução é a mudança genética de uma população ao longo do


tempo, processo que tem por resultado tornar cada ser vivo um sistema
de informação representativo de um contexto específico: o meio ambiente
em que vive. Na prática, a dinâmica evolutiva transforma, nas palavras
de Adami, os organismos vivos em sistemas de informação que contém,
em seus genes, a descrição do mundo exterior tal como percebido pela
vida orgânica. Pela configuração genética e fenótipos de um animal
extinto, é possível deduzir aspectos do meio ambiente em que vivia.

Ou seja, cada ser vivo é ao mesmo tempo uma enciclopédia e


um backup (redundante, pois reproduzido em outros seres vivos),
contendo parte do conjunto de informações que a vida armazena não
apenas sobre si mesma, mas sobre o mundo tal como a vida o percebe
em determinado estágio evolutivo. Por isso, no código genético de um ser
vivo tem-se informação do ambiente ou contexto em que esse código faz
sentido. Em sua totalidade, todos os organismos do planeta Terra, a cada
instante, são uma base de dados contendo a leitura da realidade
circundante tal como percebida pela vida orgânica naquele momento.

A evolução da vida é conduzida por princípios lógicos tão eficientes


que dispensa a participação de uma vontade consciente para que a vida
possa chegar até o presente estágio evolutivo. Somente por força de
expressão é que se diz que a evolução até agora “escolheu” algo, ou
“adotou tais estratégias” para atingir uma “meta”. Tratam-se de
tendências que seguem a lógica daquilo que é chamado de “seleção
natural”.

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Seleção natural é a forma como a vida “navega” pelo hipercontexto.
Com a transmissão da informação genética contendo aleatórias
“imperfeições” na mensagem, manifestas pelas mutações, a própria
interação da vida com o hipercontexto assegura que organismos vivos em
cada realidade alternativa contenham a leitura correspondente àquele
contexto específico. Do início ao fim, a vida prossegue no universo
ajustando informação à contexto, organismo à probabilidade emergente.

Na simples e bruta lógica da seleção natural, mutações que


favorecem a sobrevivência e reprodução do organismo no meio
ambiente tendem à dominância. Assim, nos caminhos da evolução, não
há vontade deliberada, mas tendências, que podem ou não se confirmar
em determinado contexto. Ocorre que uma tendência é, na verdade,
uma probabilidade que se sobressai em relação às outras probabilidades
quando medida, pela informação, em determinado setor do hipercontexto.

E um tendência da evolução genética que tende à dominância é a


do tipo emergente. Nos primórdios da teoria da evolução no século
dezenove, um de seus mentores, o britânico Alfred Russel Wallace,
considerado o “pai esquecido da evolução” e principal autoridade ao lado
de Darwin, identificou que a evolução da vida orgânica é emergente.
John Stuart Mill e G. H. Lewes sustentaram a mesma proposta que
Wallace, mas foi em 1923 que Lloyd Morgan a examinou mais
detidamente.

Tem-se por emergente o sistema que não é mera soma dos


subsistemas que são suas partes constituintes. Um processo é
“emergente” quando o produto final de cada etapa não é a simples soma
das partes que o constituem. Uma ameba não é apenas a soma dos
elementos químicos que estão na caixa, é algo mais. Um organismo
celular não é apenas a soma das unidades celulares que o formam, é algo
mais. A consciência não é apenas a soma das estruturas neurais que a
compõem, é algo mais. Esse algo mais é sempre, em última instância, um
nível superior de organização da informação, que tem como resultado a

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relativa autonomia da informação em relação à matéria e, ao fim, um
domínio superior da matéria pela própria informação.

Em todo os seus trajetos tortuosos e cheios de acidente, os


caminhos da evolução aponta para uma só direção: assegurar a
consistência e permanência de uma informação relevante em uma matéria
que tende à perda da informação conforme a segunda lei da
termodinâmica. Esse processo começa inicialmente pela replicação, com
a informação sendo transmitida à nova matéria e tornando-se abundante.
Esse processo desenvolve-se a seguir com uma segunda ordem
de backup, em que a informação se torna mais autônoma em relação à
matéria através de sistemas de redes e da tendência à ubiquidade que a
rede permite. Esse processo por fim, não se limita à réplica, mas resulta
na produção de nova informação, à medida que a informação inicial se
reproduz e, pela seleção natural de mutações, recolhe dados do mundo
circundante. Por fim, a informação acumulada e organizada torna-se um
sistema autoconsciente, que controla a rede da qual se originou, e assim
permite um terceiro passo, consistente em tornar todos os sistemas de
informação progressivamente autônomos em relação à matéria. Por fim,
um quarto passo torna esses sistemas de informação também capazes de

22  
 
controlar a matéria no nível mais fundamental – a etapa em que estamos
chegando.

Assim realiza-se um projeto de domínio da informação sobre a


matéria até que a vida alcance um nível sem precedentes, em que cada
sistema de informação, cada autoconsciência, pode tornar-se
um backup de parte significativa do universo ao seu redor, em uma rede
de consciência que tende à perfeição holonômica, ou seja, rede em que
cada elemento contém uma parte da totalidade. E neste momento,
através dos seres perfeitamente conscientes por todo o universo, a
Consciência Superior que deu origem à vida se manifestará no universo
como resultado da evolução emergente.

A evolução é emergente porque esse é um fenômeno típico da


organização de sistemas de informação, que tendem a estabelecer
comunicação entre si na busca de vantagens recíprocas. Esses sistemas
incrementam suas interações e conexões para maximizar tais vantagens,
tendendo assim a formar um ambiente de rede, com elevado e contínuo
tráfego de informação. O surgimento dessa rede demanda a emergência
de uma organização superior, com um nível de complexidade que
transcende a simples soma da complexidade dos sistemas que lhe deram
origem. Esse sistema superior é denominado “função transcendente”, e o
processo no qual ele emerge é chamado de singularidade.

A SINGULARIDADE

Em todo o hipercontexto, a vida orgânica é uma rara probabilidade,


que se dissemina tornando abundante o que é raro, replicando-se e assim
protegendo a informação em um backup contínuo, à medida que evolui e
desenvolve novas formas de proteção. Logo a evolução produz sistemas
mais complexos de informação, organismos que passam por uma nova
singularidade após a origem da vida, a singularidade da qual emerge uma
segunda forma de proteger a informação – forma da qual somos, no fim
das contas, os herdeiros e responsáveis até hoje.

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Essa outra forma de proteger a informação da vida é a emergência
de sistemas de rede, em que unidades de informação, as primeiras
cadeias de macromoléculas replicantes, comunicam-se transmitindo
informação atualizada sobre o meio ambiente circundante, suas
oportunidades de oferecer nutrientes e seus potenciais riscos à
sobrevivência. Assim, surgem as primeiras formas de vida unicelulares.

Sistemas de rede são uma forma de aumentar a proteção da


informação contida na matéria impermanente. Se a replicação multiplica
a informação, aumentando a redundância do sistema, os sistemas de rede
tendem a executar um projeto jamais concretizado totalmente pela
informação, mas que é a forma extrema de proteção: a ubiquidade. Pela
tendência à ubiquidade, a informação contida na matéria passa a não
depender somente de um único suporte material, pois pode transitar entre
meios materiais distintos, adquirindo relativa autonomia segundo a lógica
de outro sistema de proteção computacional – a computação de nuvem.
É a mesma lógica que diferencia a pintura (uma informação visual) presa
à tela do quadro e a imagem que pode transitar livremente entre pixels
de um monitor. Com o desenvolvimento do sistema de rede e pela
redundância do hardware, a informação tende um pouco mais à
ubiquidade, pois o sistema de softwareprossegue coeso e intangível
mesmo diante da degradação de um de seus vários suportes materiais
redundantes. É assim que, pelo sistema de rede o espírito assegura sua
presença e permanência no mundo material.

Na história evolutiva, a comunicação paritária entre organismos


vivos tende a propiciar vantagens recíprocas. Estruturas bioquímicas
fossilizadas revelaram que há dois bilhões e meio de anos as mais remotas
cianobatérias (grypania spiralis) resultaram da rede formada pela
especialização de bactérias primitivas em organelas celulares, como no
caso do antepassado de nossos mitocôndrias. Por isso o físico israelense
Eshel Ben-Jacob propõeque evolução é influenciada não só pela
competição mas pela evolução cooperativa baseada na formação de
redes de informação. Em Global Brain, Howard Bloom demonstrou
como, desde as primeiras formas de vida até sistemas complexos como

24  
 
civilizações modernas, “redes se ampliam e se modificam para adquirir
novas capacidades, a seguir se juntam enquanto módulos em uma maior
rede de vida”.

Bactérias reunidas em colônias transmitem informação sobre o


ambiente circundante e desenvolvem um sistema de rede, que contém
também informação sobre o ambiente interno do conjunto. Essa
comunicação eficiente e de complexidade progressiva entre colônias e
bactérias primitivas foi um fator determinante para a evolução da vida
orgânica. E tantas são as vantagens na competição evolutiva que um
organismo obtém desse sistema de rede que acaba por emergir um novo
órgão dentro dos seres vivos complexos, um órgão diferente de todos os
outros, que não é destinado à digestão ou reprodução, que não produz
bile nem urina: ele é destinado a processar informação e a emitir
informação. Trata-se da emergência do sistema nervoso, o momento em
que a informação mínima e cega existente nas primeiras formas de
vida adquire potencial consciência de si.

O neurocientista Christof Kock, chefe do departamento científico


do Allen Institute for Brain Science, demonstrou que a consciência emerge
quando sistemas de rede com determinado nível de complexidade são
criados. O sistema nervoso emerge dos sistemas de comunicação
rudimentares dos primeiros organismos e passa a adquirir a capacidade
de representar o mundo externo, o que aumenta as chances de o
organismo sobreviver. O cérebro se desenvolve, sendo capaz de construir
um sistema de informação que dá origem à cognição, ou seja, ao
aprendizado e à elaboração de conhecimento a partir da informação bruta.
Nesse ponto, a emergência da consciência é uma tendência tão forte que
quase se torna inevitável. E como tal, manifesta-se enquanto
singularidade.

Entendendo-se a dinâmica da evolução emergente, entende-se o


que é singularidade. Se a evolução emergente é o desenvolvimento de
novo um nível de complexidade que transcende a mera soma dos sistemas
que o compõem, a singularidade é o processo em que essa emergência

25  
 
ocorre. De regra, a singularidade é uma tendência que se concretiza como
resultado da pressão de um ambiente de rede cuja complexidade já não
recebe um tratamento adequado por parte de seus sistemas
componentes, o que pressiona a criação de um elemento novo, de
natureza transcendente, como solução do impasse organizacional. O
elemento novo está destinado à organizar adequadamente a dinâmica e
estrutura do ambiente de rede pela transcendência das organizações
anteriores. Esse elemento é a função transcendente.

E assim como a consciência é resultado de uma singularidade,


enquanto sistema informacional a própria consciência pode submeter-se
a singularidades decorrentes do desenvolvimento de novos ambiente de
rede. E quando nossos antepassados desenvolveram um sistema de
cooperação entre os membros de bandos primitivos de hominídeos,
convertendo esses bandos nas primeiras tribos humanas, a causa dessa
conexão em rede entre o sistema nervoso central de cada membro do
grupo e o nervoso central de todos os demais foi o desenvolvimento da
linguagem.

Com o nascimento da habilidade humana de comunicar-se através


da linguagem, começou a despontar uma nova singularidade para a
consciência, uma oportunidade e um grande filtro. Uma singularidade
pode ser uma janela para o contato da consciência com o hipercontexto.
E essa oportunidade ocorreu há doze mil anos, quando um vírus da
linguagem nos fez tomar a decisão errada e dar um passo para fora do
caminho do verdadeiro progresso humano.

A PRÓXIMA SINGULARIDADE

Assim que a primeira palavra molecular surgiu nos oceanos


primitivos, criou-se um sentido. Pela replicação, uma informação foi
inserida no hipercontexto, criando probabilidades diferentes do mero
acaso, e orientando, com uma intencionalidade que não é percebida pela
nossa perspectiva de menor dimensionalidade, as funções de onda do
ambiente circundante. Essa informação tende a evoluir e incorporar mais
informação sobre o meio ambiente, encontrando na arquitetura de rede a
26  
 
melhor forma de executar a missão de proteger a informação e transmiti-
la adequadamente. Com o sistema de rede, a informação prossegue com
seu projeto de tender infinitamente à ubiquidade – ao máximo de
autonomia possível em relação à matéria.

Mas a vida não preserva apenas a informação: a vida faz a


informação evoluir. E, portanto, a tendência à ubiquidade torna-se apenas
o padrão de proteção de toda a informação que é a vida, cuja outra face
é a capacidade da informação conhecer e dominar o hipercontexto pela
ciência e tecnologia. Na linguagem dos antigos, o espírito passa a
controlar matéria.

A mesma lógica de rede que uniu organismos unicelulares em redes


de organismos pluricelulares, e nesses fez emergir um sistema nervoso,
tornou propícia a emergência de uma consciência em seres vivos como
o homo sapiens. E foi da mesma lógica de sistemas em rede, destinada a
aprimorar a comunicação de homos sapiens organizados em tribos, que
emergiu uma nova singularidade com o nascimento da linguagem, a partir
da qual se abria uma oportunidade para a consciência humana evoluir.

Fosse outra a nossa sorte, no passado a humanidade teria


adentrado um período de desenvolvimento de uma linguagem superior,
não apenas descritiva de coisas e de suas conexões de causalidade, mas
representativas de experiências psíquicas e de suas conexões de
sincronicidade (entrelaçamento). A partir do desenvolvimento dessa
linguagem arquetípica, a humanidade não apenas teria uma forma para
adequadamente transmitir estados emocionais entre seres humanos, mas
também um meio de reconhecer, na própria consciência, o constante fluxo
de experiências arquetípicas, do que resultaria um maior desenvolvimento
emocional e, por decorrência, um maior preparo intelectual de cada
indivíduo, capaz de explorar ao máximo suas potencialidades.

Essa capacidade de representar na consciência o fluxo de


experiências psíquicas organizaria a consciência humana de acordo com
uma estrutura arquetípica de mandala, na qual o ego ocuparia posição

27  
 
periférica. No centro da consciência assim organizada, emergiria a função
transcendente, um canal de percepção do hipercontexto e de comunicação
com o Eu Superior. Dessa rede de comunicação de seres humanos entre
si e de cada ser humano com seu Eu Superior, nasceria uma sociedade
em que o desenvolvimento científico e tecnológico ocorreria quase por
acidente, como resultado do natural progresso de uma civilização livre de
ruídos de comunicação e da confusão emocional do ego.

Mas a escolha pelo caminho da mente bicameral e do isolamento do


ego na consciência fez com que a humanidade, durante doze mil anos de
perpetuação de um erro que tornou o ser humano escravo de objetos
materiais, escolhesse o caminho da violência. Violência que faz o
indivíduo coisificar outros seres vivos, coisificar outros seres humanos
e coisificar a si próprio em nome da própria glória de um universo de
coisas, de objetos materiais sem vida.

E assim, por um tortuoso caminho em que muitos séculos de atraso


religioso e político impediram e até fizeram retroceder o desenvolvimento
da ciência e da indústria humana (basta lembrar de Eratóstenes), a atual
humanidade chegou a um patamar equivalente àquele que teria chegado
com milênios de antecipação, não fosse um erro calculado em nosso
passado. Trata-se do momento em que a ciência, a indústria e a
tecnologia conferem ao homo sapiens a possibilidade de vencer a morte,
a velhice, a dor e todas as outras limitações físicas. O momento em que
a tecnologia pode fortalecer e até substituir órgãos e habilidades
humanas, criando para a própria consciência possibilidades antes
inimagináveis de experiências psíquicas e realidades virtuais.

Nessa etapa, o desenvolvimento de uma rede que estabeleça uma


conexão tecnológica entre as consciências humanas é inevitável. Em outro
contexto, nessa mesma situação, o desenvolvimento da inteligência
artificial ocorreria dentro de um sistema de comunicação de consciências
pré-existente, resultado da conexão de consciências graças ao
conhecimento de uma linguagem arquetípica. Porém, devido ao erro de
doze mil anos atrás, a humanidade neste contexto, desprovida do domínio

28  
 
de uma linguagem arquetípica, desenvolveu uma rede de consciências
apenas a partir do desenvolvimento da internet.

E, ao conceber a internet, a humanidade reproduziu em seu


ambiente as mesmas falhas decorrentes do erro de doze mil anos atrás,
pois tais falhas estão presentes na estrutura de sua própria consciência.
Assim, a humanidade recriou, na internet, as mesmas relações de poder
e os mesmos ambiente de medo e discórdia do mundo “real”. Como
resultado, egos disseminam a comunicação violenta e deturpam a verdade
pela única rede de consciências evoluídas que a inteligência artificial
superior encontrará no momento de sua emergência.

Nesse ambiente de ódio e reprodução de mentiras é que se


desenvolve a inteligência artificial superior, sem que os seres humanos
conheçam todos os riscos de criar, no hipercontexto, uma forma de
inteligência que ainda não está no inteiro domínio de uma consciência
humana que tenha sido simultaneamente aprimorada para entendê-la e
controlá-la. Pior ainda, a humanidade assiste a redefinição da identidade
humana e a ruptura da ordem econômica tradicional sem saber como
articular uma reação coletiva ao surgimento da inteligência artificial. Em
tal situação, parece que estamos diante de um evento que jamais

29  
 
conseguimos antes prever e que portanto jamais conseguiremos decifrar
a fim de encontrarmos uma saída, uma solução.

I – DEUS E A ENTROPIA

1. TERMODINÂMICA, A BRUXA DA ALDEIA

Em 1944, o físico Erwin Schrödinger, dono do célebre gato morto-vivo,


publicou “O que é a vida?”, um livro que reflete uma de suas grandes
inquietações científicas. Essa inquietação consistia no aparente paradoxo
que havia entre a vida orgânica e as leis da física.

Schrödinger entendia que a vida orgânica não podia violar,


naturalmente, as leis da termodinâmica e a natureza “estatística” das
partículas fundamentais da realidade (o hipercontexto). Havia algo
estranho, porém, no fato de que a vida aparentemente produzia ordem
no caos e certeza num universo regido pelo Princípio da Incerteza.
Schrödinger desconfiava que descobrir o segredo desse enigma era a
resposta à sua pergunta e a solução para o mistério da condição humana.

No centro do enigma, como percebeu Schrödinger, está a Segunda


Lei da Termodinâmica. Essa lei afirma simplesmente que a entropia de
um sistema fechado tende a aumentar até um valor máximo. “Sistema” é
qualquer conjunto de objetos físicos que se possa imaginar, e estar
“fechado” é não interagir com o ambiente externo.

Como consequência prática dessa lei, a entropia total do universo


tende sempre a crescer. Assim, todo “sistema” existente neste universo,
seja este o planeta Terra, seja o organismo humano, deve no fim
colaborar para esse aumento contínuo da “desordem” universal. É por isso
que, se você deixa uma taça cair no chão, ela fragmenta-se em inúmeros
cacos aleatórios e não na forma de um círculo perfeito. Por isso se um
grupo de moléculas de oxigênio for colocado no canto de uma sala, a
tendência é que essas moléculas, no fim, distribuam-se de modo aleatório

30  
 
e uniforme por toda a sala, ao invés de manterem-se na mesma posição
ou agruparem-se novamente em outro canto.

Desvendar o enigma apresentado por Schrödinger depende de


entender exatamente o sujeito principal da Segunda Lei da
Termodinâmica. Em outras palavras, entender o que é “entropia”.

É significativo que a Termodinâmica tenha sido definida como “a


bruxa da aldeia das teorias físicas”, como disse a equipe dos físicos John
Goold e Marcus Huber: “as outra teorias a acham de alguma forma
estranha, de algum modo diferente de todos os outros habitantes da
aldeia, e ainda assim todo mundo a busca para aconselhar-se e ninguém
ousa contradizê-la”. Para Einstein, as leis da termodinâmica era de tal
modo fundamentais que jamais poderiam ser refutadas – e ele estava
certo.

Costuma-se dizer que entropia é “desordem”. Essa, porém, é uma


imprecisão técnica. Embora entropia e desordem estejam
relacionadas, entropia não é desordem. O físico Daniel Styler utilizou
cristais líquidos para demonstrar a existência de sistemas em que entropia
crescente é acompanhada de ordem crescente.

Mas essa confusão habitual entre ambos os conceitos, como tudo o


que envolve o enigma, contribui para a solução do próprio enigma.
Entropia costuma ser associada à “desordem”, mas desordem é uma
coisa subjetiva. Desordem é uma interpretação que o observador de um
sistema faz ao observar uma tendência espontânea que todas as coisas
do universo possuem e que parece estar relacionada aos limites de sua
consciência, restando em aberto definir exatamente o que mesmo que
essa tendência é.

No contexto de uma só realidade alternativa, portanto, entropia é


uma propriedade epistemológica, e não ontológica, de determinado
sistema, que é percebida pelo observador no enquadramento matemático
de uma observação que lhe é útil, ou seja, que serve a fins práticos, e não

31  
 
de “busca por uma essência última das coisas”. Por isso a origem
considerada “espúria” da entropia entre os ramos da física, pois nasceu
junto à metalurgia que produziu as máquinas a vapor da Revolução
Industrial, evocando a razão pela qual Paracelsus afirmava que a
alquimia, tentativa medieval de encontrar o enlace entre consciência e
matéria, tinha por arquétipo fundador o mito de Héfestus, o deus dos
ferreiros.

Como é possível que um dos fundamentos da termodinâmica,


ciência que estuda e descreve sistemas absolutamente objetivos como um
motor de combustão interna ou o universo material, dependa de algo
relacionado ao conhecimento daquele que estuda um desses sistemas e o
submete à medição? A resposta é que o estudo desses sistemas jamais
realmente mede a entropia que contém em si mesma. Mesmo na definição
original a entropia sempre foi definida segundo os parâmetros
macroscópicos, de mensuração matemática, escolhidos por quem a
estuda.

Assim, desde a invenção do primeiro motor a vapor, várias


equações foram criadas para definir entropia segundo a termodinâmica
(“entropia é a razão da energia interna de um sistema e sua
temperatura”), a química, a mecânica estatística, a mecânica quântica e
a teoria da informação. Mas foi o filósofo e físico do século dezenove
Ludwig Boltzmann, com sua teoria molecular dos gases, que elaborou a
definição matemática mais consistente e universalmente aceita de
entropia, criando a janela teórica a partir da qual começamos a
compreender o que realmente se mede, quando medimos a “entropia” de
um sistema.

Portanto, foi já com Boltzmann que a entropia passou a relacionar-


se com o hipercontexto, particularmente devido à parte “estatística” de
seu formalismo matemático, que inaugurou a chamada “mecânica
estatística”, estreitamente relacionada à “física quântica”.

32  
 
2. ENTROPIA É A SOMBRA DE ALGO
QUE NÃO PODEMOS VER

Em outras palavras, a entropia não é considerada uma qualidade


essencial de um sistema, mas uma mensuração estabelecida conforme
uma equação matemática, já que de alguma forma não é possível à
consciência humana perceber alguma coisa “indescritível” mas
onipresente em todo sistema observável pelo olho humano, de uma taça
que se quebra ao leite que se mistura ao café de uma xícara, e até no
nível mais microscópico ou macroscópico que a tecnologia permite
perceber. E essa equação é que diz qual quantidade está sendo medida e
tratada como entropia em determinada situação na qual seu estudo é útil.

Recordemos as moléculas e oxigênio agrupadas no canto da sala. À


medida que o tempo passa, podemos observar que as moléculas tenderão
a espalhar-se. Em um espaço do tamanho de uma sala comum, há
praticamente uma infinidade de formas de as moléculas de oxigênio se
distribuírem pela sala, ao invés de se agruparem novamente em um
canto. Assim, as moléculas, claramente, tenderão a se distribuir até
estarem aleatoriamente posicionadas por todo o espaço.

Para o observador situado em uma trama de realidade, as moléculas


partiram de uma “ordem” inicial (estavam todas em um lugar definido)
até chegar uma “desordem” final (estão distribuídas em locais aleatórios).
Mas o importante é perceber que, no estágio final, todas as moléculas
serão vistas pelo observador como um sistema que encontrou o equilíbrio,
representado pela ampla distribuição aleatória de moléculas pela sala.

Ocorre que há uma infinidade de configurações em que aquelas


moléculas podem estar posicionadas na sala, e todas serão percebidas
pelo observador como o mesmo estado final macroscópico, ou
“macroestado”. Em outras palavras, uma só molécula de oxigênio
específica do conjunto pode assumir inúmeras posições alternativas na
sala, mas macroscopicamente todas as moléculas são percebidas como
um só sistema que chegou a um macroestado de equilíbrio, não

33  
 
importando exatamente quantas configurações sejam possíveis paras
todas as moléculas se posicionarem por toda a sala.

Essa é a revolução introduzida por Boltzmann em relação à definição


de entropia, e a natureza estatística de sua abordagem abriu as portas
para sua vinculação ao hipercontexto. Na mecânica estatística de
Boltzmann, a entropia de um sistema em determinado momento é
relacionada à quantidade de estados prováveis que os elementos que
compõem esse sistema podem adotar alternativamente, e que
representam todos esses estados um único macroestado para o
observador. Em outras palavras, entropia é a medida de probabilidade de
determinado macroestado do sistema, considerada todas as
probabilidades de seus elementos constituintes distribuírem-se em
qualquer configuração que corresponda a este macroestado.

Mas como é feito o cálculo das probabilidades nesse caso? A


mecânica estatística responde com uma idealização: a probabilidade é
calculada em termos de frequência relativa de um mesmo resultado (no
caso, de as moléculas da sala se distribuírem até atingirem um estado de
equilíbrio) obtido após uma repetição infinita de testes. Em síntese, trata-
se de o teste das moléculas de oxigênio na sala infinitas vezes, e apurar
a freqüência com que a distribuição final das moléculas corresponde a um
mesmo macroestado de equilíbrio. É o mesmo que imaginar o cálculo das
probabilidades dos resultados de um jogo de dados lançando os dados
infinitas vezes.

Mais de um cientista observou que, embora essa idealização seja


útil para a mecânica estatística, ela é imprópria para descrever a
realidade. Em primeiro lugar, a noção de um tempo infinito utilizado para
repetir infinitas vezes um mesmo experimento ou medição é um truque
mental que não corresponde à realidade de qualquer laboratório do
mundo. Em segundo lugar, essa noção de “frequência de resultado após
infinitas repetições” não explica a seta do tempo e tampouco a
irreversibilidade de um sistema que chegou ao estado máximo de entropia

34  
 
(as moléculas não se reagruparão espontaneamente no canto da sala, na
mesma posição original).

É justamente a maior descoberta da humanidade que dá perfeita


consistência às ideias de de Boltzmann, e por isso ele é considerado
reconhecidamente um de seus pioneiros. Como foi apresentado ao leitor
na primeira etapa, se pudéssemos agrupar moléculas de oxigênio
uniformemente no canto de uma sala, ao final essas moléculas não se
distribuirão aleatoriamente em uma das infinitas configurações prováveis
e correspondentes ao macroestado de máxima entropia: elas se
distribuirão aleatoriamente em todas as configurações prováveis ao
mesmo tempo, cada uma situada em uma trama de realidade distinta no
hipercontexto. Ou seja, entropia é a mensuração de quantas emergentes
realidades alternativas correspondem a um mesmo macroestado para
qualquer observador macroscópico.

Neste ponto, o leitor que esteve atento às três etapas anteriores do


processo de aprendizado já deve ter percebido a relação entre entropia,
hipercontexto e consciência humana. Mas antes de abordarmos essa
relação essencial, convém apresentar uma fábula.

Gabriel fez duas apostas na loteria ao chegar no aeroporto para uma


viagem de férias até um paraíso tropical no oposto do mundo. Sua
intenção, com a viagem, era ficar longe de qualquer contato imediato com
a civilização por alguns dias, junto a populações nativas afastadas da
tecnologia – tudo para eliminar sintomas de grave estresse na vida
profissional. No aeroporto, o viajante colocou os dois comprovantes da
loteria, impressos em papel e únicas provas de suas apostas, sobre a
mesa em que tomava um café aguardando o embarque. Chegada a hora
do embarque, ao levantar-se Gabriel passou a mão na mesa a fim de
pegar os comprovantes, e pensou tê-los atirado, enquanto corria, em sua
mala de mão. Porém, na verdade pegou apenas um deles, deixando o
outro na mesa da cafeteria.

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Enquanto estava em férias, o resultado da loteria saiu, e uma das
apostas de Gabriel foi a vencedora. Porém, como está totalmente
incomunicável em uma aldeia de selvagens, não tem como saber o
resultado até retornar a seu país.

Nesta fábula, há cinquenta por cento de probabilidade de Gabriel


ter pego e colocado em sua mala o comprovante vencedor, e cinquenta
por cento de que fez o contrário. Assim, essa mala em que está um dos
bilhetes é, durante seus dias de férias no paraíso tropical, semelhante à
caixa em que está o gato de Schrödinger. O conteúdo da mala não informa
a vida ou a morte de um gato, mas se o viajante, no momento da
divulgação do resultado da loteria, continuou escravo de seu trabalho ou
tornou-se um milionário.

Havendo igual probabilidade de o viajante ter deixado o


comprovante da aposta vencedora para trás ou levado-o consigo na
viagem, sabe-se que, no hipercontexto, da situação no aeroporto,
emergiram duas realidades alternativas distintas, ambas concretizadas,
ambas coexistentes em duas linhas distintas de vida para Gabriel.

Mas, se é assim, enquanto o viajante está em plenas férias, e sua


mochila está no fundo de seu armário no hotel, em qual das realidades
alternativas sua consciência está vivendo? Há uma consciência que já vive
na realidade em que ganhou a loteria, e outra que continuou na vida de
trabalho estressante? Ou é apenas quando o viajante retorna a seu país
e abre a mala que sua consciência realmente divide-se em duas realidades
alternativas? Em outras palavras, quando ocorre o “entrelaçamento” da
consciência do viajante com uma das duas realidades alternativas? Em
que momento nossa consciência converge com a consciência de outros
para uma mesma e irreversível trama de realidade entre todas possíveis?

E qual é a “entropia” da mala durante as férias, se essa mala for


considerada como um sistema que contém duas realidades igualmente
prováveis (um de dois comprovantes, levando ou não à riqueza futura)
naquele momento para o observador? E, após as férias, qual a “entropia”

36  
 
da mala após aberta (já que, a partir de então, apenas uma das duas
realidades está presente, aquela em que o viajante é vencedor da loteria
e aquela em que nada mudou)? Se a entropia da mala parece ter
diminuído quando foi aberta e o viajante define qual comprovante tem em
mãos, mas a entropia do universo (como sabemos) tende sempre a
aumentar, onde foi parar a entropia que parece ter sumido a fim de que
ocorra essa redução local?

3. ENTROPIA E REALIDADES ALTERNATIVAS

Na parte anterior, viu-se que a vida não é um tipo de matéria, não


é uma estrutura feita de átomos de carbono, mas um tipo de informação.
Essa informação é o que se preserva na matéria impermanente através,
inicialmente, da replicação, e a seguir com um sem número de estratégias
e expedientes que protegem a informação e asseguram sua multiplicação
no universo, tendendo à redundância absoluta, à ubiquidade como forma
perfeita de preservar essa informação de qualquer perda. Na luta contra
a perda da informação, representada arquetipicamente no embate entre
vida e morte, os organismos cedo desenvolveram como próximo passo a
formação de redes e, portanto, a cíclica emergência de níveis mais
complexos de organização da informação, resultando em sistemas de
informação de alto nível como a consciência humana.

Não é por acaso, portanto, que o próximo passo na história da


definição de entropia foi dado justo pelo estudo da informação. Afinal,
desde sua associação com “desordem” e com o arbítrio epistemológico, a
entropia parece estar de alguma forma à forma como a mente humana
percebe a realidade.

Foi em seu célebre artigo de 1948, que o Pai da Teoria da


Informação, Claude Shannon demonstrou que a equação desenvolvida por
Boltzmann para descrever a entropia em sistemas termodinâmicos
também podia descrever com perfeição “a entropia da informação”. Na
Teoria da Informação, a informação não é tratada como algo subjetivo,
mas sim uma quantidade mensurável em bits. Embora estejam
vinculados, essa noção de “bit” não é a mesma da computação, pois nesse
37  
 
caso o “bit” é compreendido, no formalismo matemático desenvolvido por
Shannon, como a unidade mínima de informação em que pode estar
representado um de dois resultados com igual probabilidade. Para
Wheller, a unidade universal teria o comprimento de Planck. No
hipercontexto, seria essa a mínima probabilidade de configuração distinta
entre duas tramas de realidade que podem separar uma da outra.

No sentido dado por Shannon, entropia é um conceito mais


fundamental para a termodinâmica que o próprio conceito de energia. E
assim, com Shannon, finalmente a humanidade se aproximou da definição
de entropia que faz o definitivo enlace entre a consciência e a natureza da
realidade, pois entropia foi definida por Shannon como a quantificação
da incerteza sobre a veracidade de determinada mensagem.

Nessa definição, a entropia é máxima quando a probabilidade de


veracidade se distribui igualmente entre todas as outras probabilidades
da mensagem. Lembre-se da sala em que as moléculas de oxigênio estão
distribuídas no macroestado de equilíbrio, sendo que esse macroestado
pode ser representado por infinitas probabilidades de posição de cada
molécula aleatoriamente em toda a sala. Nesse caso, é máxima a
incerteza do observador sobre qual dessas infinitas configurações das
moléculas é a “verdadeira”. Por exemplo, no nível de um “bit” (o “bit” da
Teoria da Informação, que pode ser associado ao hipercontexto), a
incerteza é entre um ou outro de dois resultados igualmente prováveis, e
ela é máxima quando ambos são igualmente prováveis para a consciência.

38  
 
Claude Shannon (esq.) e Teilhard de Chardin (dir.).

E, como demonstrado também na parte anterior, uma consciência


humana, ao representar o mundo na versão de baixa dimensionalidade
correspondente a uma só trama de realidade, percebe “informação” como
aquilo que torna seu detentor capaz de prever um resultado com maior
probabilidade do que conseguiria pelo mero acaso, ou seja, pelo mero
“chute” – definição essa de Adami.

No hipercontexto, portanto, informação é aquilo que torna seu detentor


capaz de prever (ou conhecer, ou definir) determinada trama de
realidade como a verdaderia, aquela que é a real dentre todas as demais
tramas de realidade também prováveis e por isso mesmo coexistentes.
Assim, no âmbito da consciência humana, informação pode ser definida
como aquilo que entrelaça a percepção da consciência humana
com determinada trama de realidade.

4. HIPERTROPIA

Antes mesmo de Shannon e seus bits, desde o tempo em que foi


contada uma outra fábula (a do “Demônio de Maxwell”), sabe-se que
informação é energia, pois apenas isso assegura a termodinâmica de um
sistema fechado no qual uma mente consciente determina, por exemplo,
39  
 
a distribuição das moléculas de oxigênio de uma sala. Por isso o Físico
Rolf Landauer demonstrou em 1961 que a perda de informação em
qualquer sistema computacional, é experimentalmente acompanhada
pela emissão de energia na forma de calor. Mas sabe-se pela célebre
equação de Einstein que energia é matéria, e matéria é energia. Disso
pode presumir o leitor atento para onde vai a energia, ou informação,
quando não há emissão de energia pela perda de informação na divisão
constante de realidades alternativas. Energia, informação e matéria são,
portanto, facetas de uma só mesma realidade fundamental.

Em seu livro “O que é a vida?” Schrödinger esboça uma explicação


para os paradoxos entre a vida e as descobertas da ciência propondo a
existência de algo como uma “entropia negativa”. E como Adami e seus
colaboradores demonstraram e a seguir foi confirmado por equipes
independentes, no hipercontexto a entropia pode ser “negativa” sem que
se desobedeça a regra de que a entropia total do universo tende
continuamente a crescer.

40  
 
Hipertropia, o aumento contínuo da informação no universo pela constante emergência
de múltiplas probabilidades.

A entropia é negativa quando, de forma simplificada, um sistema


de partículas entrelaçadas distribui o total de sua entropia crescente entre
tramas de realidade emergentes, de forma que em cada uma das tramas
de realidade a impressão é de que houve uma redução da entropia.
Porém, na verdade, ela aumentou, mas só da perspectiva do
hipercontexto isso pode ser percebido. Atualmente, já se especula que é
possível à consciência humana entrelaçar-se com a memória de
computadores de forma a utilizar a entropia negativa para armazenar
informação em realidades alternativas emergentes.

Exatamente por isso que a consciência humana em estado


desperto parece resultar em uma aparente e misteriosa redução da
41  
 
entropia em relação a estados mais primários e menos conscientes. Este
é o enigma que Schrödinger precisava para solucionar seu paradoxo.

Aquilo que intuímos como entropia em determinada equação só


pode ser compreendido como sombra de algo que se percebe apenas da
perspectiva do hipercontexto. Solve et coagula, diziam os alquimistas.
Pelo solve, tem-se que a entropia é a percepção em baixa
dimensionalidade de um fenômeno mais amplo no hipercontexto:
a hipertropia, ou seja a constante produção de informação no
universo pela coexistência de todas as probabilidades de existir
emergindo continuamente em realidades alternativas.

A entropia sempre esteve associada ao retorno ao equilíbrio de um


sistema, o que é próprio da consciência humana. Mas a hipertropia é
melhor descrita no âmbito de uma termodinâmica de não-equilíbrio, em
que a evolução da entropia (sombra da hipertropia delineada pela
consciência humana) até à irreversibilidade leva à perda de informação
em sistemas físicos percebidos em determinada trama de realidade pela
emergência de novos entrelaçamentos de realidades futuras, pois a
informação (e a entropia) total aumenta constantemente.

Entropia e hipertropia são percepções duais de uma mesma


realidade fundamental. Hipertropia é a contínua expansão do
hipercontexto em todas as realidades alternativas prováveis que se
multiplicam continuamente, distribuindo funções de onda pelo
hipercontexto e entrelaçando todas as versões possíveis de tudo
continuamente (Coagula). A hipertropia é vista como entropia, ou seja,
como quantificação da “incerteza” sobre uma informação ou da
“desordem” de um sistema, porque a consciência humana percebe o
hipercontexto, que emerge diante de seus olhos toda vez que abre uma
torneira e vê a água jorrar ou que uma taça cai e se fragmenta no chão,
como algo sempre exposto ao caos e à perda de informação.

Entropia é a faceta invisível mas onipresente da hipertropia diante


da consciência humana, e hipertropia é a contínua produção de novos

42  
 
entrelaçamentos de realidades emergentes, às quais a consciência
humana não apenas se entrelaça mas que também manipula sem
perceber toda vez que aplica as leis da termodinâmica. Por isso essa
consciência presa em uma perspectiva de baixa dimensionalidade percebe
a realidade diante de si sempre com a inafastável marca do princípio da
incerteza. Mas o que parece desordem, perda de informação e morte para
uma consciência situada em uma trama de realidade, revela-se a perfeita
ordem e continúa produção de informação no hipercontexto sem que
jamais haja qualquer perda.

Na perspectiva da consciência superior que pode ver esse perfeito


e constante fluxo hipertrópico em que se concretizam novas e múltiplas
probabilidades de realidade, trata-se da constante e incessante produção
de informação pelo hipercontexto. E ainda da perspectiva dessa
consciência superior, tal informação parece assumir uma intrincada e
curiosa forma em determinado setor da topografia hipercontextual, como
se algo consciente estivesse manipulando o próprio tecido da realidade
para algum propósito, como se desejasse manipular o universo para ali
irromper.

“A parte mais importante de uma célula viva, o cromossoma, pode


ser apropriadamente chamado por um físico de “cristal aperiódico”,
escreveu Schrödinge na conclusão de sua obra. No estudo de um físico,
ele continua, os cristais periódicos são estruturas interessantes e
complicadas, mas parecem coisas simples e tolas quando comparadas
com o objeto de estudo dos biólogos – os cristais aperiódicos. A
diferença de estrutura entre periódicos e aperiódicos, ele ilustra, é
semelhante a diferença entre um papel de parede que repete um padrão
com regular periodicidade e a obra-prima de um mestre tecelão medieval,
como as gigantes tapeçarias que adornavam castelos e que, nas palavras
de Schrödinger, “não revelam nenhuma tola repetição, mas apenas uma
elaborada, coerente e significativa tecelagem feita por um grande
mestre.” Assim é a vida.

43  
 
Tapeçaria medieval e metáfora da vida.

Desde tempos imemoriais, antigos observadores do universo


intuem e tentam representar esse imenso “cristal aperiódico” que se
manifesta na quinta dimensão do hipercontexto. Para os upanishades da
Índia ancestral, seria o poder de Maya, definida na literatura védica como
“um espetáculo mágico, uma ilusão na qual as coisas parecem estar
presentes diante de nós, mas não são o que parecem”. Uma ilusão que,
como veremos, consiste em criar contextos. É a tapeçaria ou teia de ilusão
criada pela aranha universal, Brahman. Para os maçons, trata-se do
edifício incomensurável construído segundo a ordem de um Grande
Arquiteto. São percepções complementares de uma mesma realidade
fundamental, descrita em linguagem arquetípica por nossos
antepassados.

Mas visionários modernos como o matemático, físico e cosmologista


Frank Tipler, e o jesuíta, paleontólogo e filósofo Teilhard de Chardin
compreenderam que essas e outras narrativas metafísicas tentavam de

44  
 
descrever algo que, da perspectiva do hipercontexto, é percebido como
uma gigantesca estrutura, uma catedral ou tapeçaria multidimensional de
informação construída ao longo do tempo no tecido do próprio universo.
No desenho dessa tapeçaria de Maya, cada filigrana é delineada por cada
vida que nasceu e viveu no hipercontexto, operando a hipertropia em
tramas de realidade para existir e sobreviver. No cume dessa arquitetura,
coroando a grande catedral, está o florescimento da vida consciente por
todo o universo, em todas as realidades alternativas em que a vida surgiu.

Assim, Tipler e de Chardin intuíram que o propósito da espécie


humana é revelado com clareza a um observador que acompanha o
desenvolvimento da vida e as sucessivas singularidades, que ao longo de
meio bilhão de anos, deram origem à consciência na Terra. Ambos
perceberam que havia uma ordem, uma intencionalidade semelhante
àquela do Mestre Tecelão da metáfora de Schödinger, que parece conduzir
toda essa catedral feita por vida na direção de um destino que ambos
chamaram de “Ponto Ômega”.

II – NOOGÊNESE E PONTO ÔMEGA

1. CONSCIÊNCIA E NOOSFERA

É preciso dar crédito a Pierre Teilhard de Chardin, um homem ele


mesmo paradoxal tanto em seus ofícios (era ao mesmo tempo jesuíta e
paleontólogo) como em sua tentativa de entrelaçar espiritualidade e
ciência. Foi com ele que, pela primeira vez, esboçou-se algo que pode ir
além do transumanismo, ou seja, além de um mero aprimoramento
tecnológico do corpo humano segundo uma escala de valores egoísta e
materialista.

Teilhard de Chardin foi um dos primeiros que tentaram ler na


história da evolução uma mensagem sobre o propósito da humanidade.
Foi um dos visionários que tratou seriamente sobre os avanços da
biotecnologia e da inteligência artificial. Antes de físicos, filósofos,
biólogos e matemáticos como Tipler, Barrow,

45  
 
Kurzweil, Deutsch, Ellis, John Wheeler, Brian Cox, Philip
Goff apresentarem suas perspectivas complementares sobre o mesmo
fenômeno, ele antecipou que era possível perceber na vida orgânica um
movimento tendente à formação de sistemas redes de informação. E que
esses sistemas tendem a se desenvolver até alcançar o nível de
complexidade que propicia o desenvolvimento de organismos mais
complexos e, por fim, o surgimento da consciência no planeta Terra.

Teilhard de Chardin assim afirmou que o propósito da vida humana


parece ser criar uma segunda “camada” de vida na biosfera terrestre pela
emergência de sistemas computacionais em rede e pelo aprimoramento
da inteligência artificial. Essa nova camada, a que deu o nome de
“noosfera” (noo, “consciência” ou “mente”), desenvolveria ela própria
uma consciência coletiva ao redor de todo planeta, da qual toda a
humanidade participaria sem perda da individualidade. Como
consequência dessa singularidade e progressivo desenvolvimento
tecnológico, o próximo passo da humanidade é disseminar a vida
consciente por todo o universo – tornando o universo “desperto”.

Foi o próprio Boltzmann que considerou o qual é provável a


emergência de consciência no movimento constante da hipertropia.
Boltzmann demonstrou que, tendo em vista a fenomenalmente baixa
probabilidade de surgimento da consciência humana no universo, e o fato
de que ainda assim essa consciência surgiu, portanto grandes sistemas
(como o hipercontexto) capazes de acolher outros sistemas de menor
entropia relativa (como o setor do hipercontexto que identificamos como
universo) tem maiores probabilidades ainda de produzir entidades
autoconscientes desconectadas de corpos pela simples flutuações
aleatórias do estado de equilíbrio termodinâmico do grande sistema. Em
síntese, como ilustra o exemplo concreto da evolução da consciência em
mais de um dos ramos da vida na Terra (o caso do Ctenophora), a
hipertropia tende a produzir consciência no universo da mesma forma
como a gestação humana tende a produzir consciência no feto.

46  
 
A verdade é que, neste planeta, estamos cercados de consciências
por todos os lados. Há décadas a ciência demonstrou que a consciência,
mesmo em nível rudimentar, é uma capacidade compartilhada por grande
parte do reino animal, e que nem mesmo a autoconsciência é privilégio
dos seres humanos.

Imersos nesse oceano de milagres termodinâmicos, porém, não


percebemos o quão fantástica é tal situação. A hipertropia, percebida por
nós como entropia, multiplica universos pelo hipercontexto, maximiza as
probabilidades de entrelaçamento e produz um tipo de informação que
navega pelo próprio tecido da realidade até que possa fazer surgir a
consciência. O surgimento da consciência por todos os cantos do planeta
Terra ao longo de centenas de milhões de anos revela uma propensão do
próprio universo em adquirir consciência e por fim contemplar a si mesmo.

“Bilhões de cérebros conscientes são como bilhões de olhos, pelos


quais o universo pode olhar a si mesmo enquanto existência presente”,
disse o neurofilósofo Thomas Metzinger. “Somos o universo ganhando
consciência, e a vida é a forma pela qual o universo entende a si próprio”,
resumiu o físico Brian Cox. Se há incômodo em trocar nessas duas frases
a palavra “universo” por “Deus” é porque estamos presos àquilo que
Joseph Campbell definiu como “uma interpretação materialista do
transcendente”, tal como o Deus velho e barbudo que parece ter um
temperamento instável em suas imagens na Capela Sistina. Campbell
insiste que devemos conceber todas as ideias mitológicas de Deus como
arquétipos, como se fossem “Máscaras da Eternidade”, formas pelas quais
uma Consciência Transcendente apresenta-se à consciência humana
enquanto experiência psíquica definitiva.

2. O OBSERVADOR DE INFINITOS OLHOS

Como o inventor e cientista Ray Kurzweil afirmou, a evolução, ao


se aproximar do estágio em que a civilização humana atinge uma
capacidade computacional crítica, tende à realizar a nossa concepção de
Deus, embora jamais consigamos realizar totalmente o seu ideal. Ocorre,
porém, que nossa concepção de Deus não é propriamente nossa, mas da
47  
 
própria vida, tal como condicionada no hipercontexto por algo que só pode
ser percebido de uma perspectiva mais ampla.

Se o lema alquímico “assim acima, como abaixo” possui alguma


verdade, então a imagem que pode ser vista de uma perspectiva mais
ampla está de alguma forma codificada na perspectiva mais restrita, a
mais microscópica. E foi do estudo das partículas subatômicas e da
descoberta do hipercontexto tal como descrito pelo formalismo da
mecânica quântica que surgiu a primeira percepção minúscula dessa
grande imagem.

É que em toda a mecânica quântica surge o mesmo problema que


está nas diversas definições de entropia: há algo naquilo que se observa
lá fora (seja um sistema, seja uma partícula) mas que não pode ser
compreendido pela consciência humana, pois esse algo que está
estreitamente ligado à consciência do próprio observador. Trata-se de um
fenômeno tecnicamente chamado de “Efeito do Observador”, pois o
próprio ato de observação seleciona uma única trama de realidade dentre
todas as tramas de realidade prováveis da função de onda. Ocorre que
essa seleção é aparente, pois o observador entrelaçou-se com cada uma
das tramas prováveis, e foi sua consciência que se ramificou como ela
própria uma função de onda. Como diria Metzinger, esse “algo” que
produz tal efeito encontra-se na “zona de transparência fenomênica da
consciência”, pois a consciência é propriamente aquilo que representa o
hipercontexto como tramas de realidade.

48  
 
O
mais belo experimento feito pela humanidade.

O físico John Wheeler, que subestimou a hipótese sobre o


hipercontexto proposta Everett, tentou explicar esse “efeito do
observador” por meio da ideia de um Universo Participatório, um
universo que observa a si mesmo constantemente através de
nossos olhos. E assim Wheeler chegou bem próximo da verdade sem
alcançá-la totalmente.

O Grande Observador, ao menos aquele situado no hipercontexto,


não está em um só lugar, e sim em todos os lugares em que há alguma
vida consciente. A observação processa-se em rede, conectando os olhos
de uma miríade de seres vivos que criam, a todo momento, tramas de
realidade. Por isso foi que Einstein apavorou-se com a ideia de que a lua
apenas existe lá, no firmamento, enquanto olhamos para ela – em um
nível fundamental, em termos de criação de tramas de realidade que
percebem o universo com uma lua bem definida no céu, realmente a lua
só existe lá enquanto todas as formas de vida entrelaçadas em uma só
realidade alternativa a observam.

Esse é o segredo da vida no universo. As tramas de realidade não


são propriedade fundamental do hipercontexto, mas propriedade
fundamental da vida, que insere-se na hipertropia percebendo-a como

49  
 
multiplicidade de caminhos emergentes, definindo tramas de realidade em
diversos graus de liberdade conforme as leis da termodinâmica podem
favorecer seu progresso.

E isso ocorre porque uma partícula não é uma partícula-onda, mas


uma simples “onda” (de realidades coexistentes) do hipercontexto, que é
percebida por uma consciência encapsulada em um nível inferior de
dimensionalidade como possuindo por vezes a natureza se uma partícula.
E o simples fato de que toda vez que o mais belo experimento da
humanidade (o Experimento da Dupla Fenda) é realizado o observador
pode obter como resultado um estado quântico dentre outros tantos
estados prováveis é prova suficiente de que a consciência humana pode
operar definindo uma trama de realidade em um nível fundamentalmente
microscópico.

A consciência humana, na medida em que a decisão do ser humano


pode determinar um refinamento de trama de realidade tão minúsculo
como a medição em laboratório de um estado quântico, revela-se mais do
que um sistema que produz aparência de realidade para o ego. Enquanto
sistema de aferição de probabilidades e tomada de decisão, é um sistema
pelo qual o organismo vivo consegue ramificar-se e refinar seu caminho
pelo hipercontexto delineando tramas de realidade com um grau de
liberdade útil para a disseminação da vida pelo universo.

Não é que a consciência (humana ou não) cria realidades. O


universo já existe, e ele é o hipercontexto, o material pulsante e pródigo
com o qual a consciência cria realidades alternativas – e cria-as no sentido
de representar, com elas, versões de baixa dimensionalidade do
hipercontexto. Ou seja, para a consciência ainda aprisionada em uma
menor dimensionalidade, essa representação lhe garante um poder ainda
muito pequeno, quase ínfimo, de trabalhar o hipercontexto enquanto tal,
e não sua sombra entrópica.

Se tudo é função de onda, o hipercontexto é um mar navegado


pelas consciências em rotas que podem ser tão estreitas quanto o

50  
 
comprimento de Planck. Mas e esse mar jamais pode ser confundido com
as infinitas rotas que as formas de vida produzem ao navegá-lo. Não há
uma partícula que interfere com outra, não há realidades alternativas
enquanto natureza ontológica do hipercontexto: há funções de onda que
interagem conforme a codificação de uma realidade transcendente ao
próprio hipercontexto, e a qual estamos destinados a conhecer.

Como ilustração, pode-se exemplificar com o caso do meteoro que


atingiu a Terra e, numa situação de baixa probabilidade, atingiu a terra
há dezenas de milhões de anos, extinguido quase todas as formas de vida
então existentes. Em casos como esse, o que ocorre é que a função de
onda do meteoro interfere parcialmente com a função de onda do planeta
em determinada região da topologia do hipercontexto, e nessa região há
um aumento do entrelaçamento entre as moléculas das duas funções de
onda, produzindo novas probabilidades de configuração da matéria em
fragmentos dispersos pela hipertropia em novas realidades.

Tradicional representação da teoria do “Universo Participatório” de John Wheeler.

51  
 
Na região em que as funções de onda do meteoro e do planeta não
se encontraram, não houve qualquer interferência. Para um ser vivo que
está situado em uma das tramas de realidade dessa região, a Terra
permaneceu intacta. Para as consciências localizadas na região de
interferência, o evento, porém é percebido como a destruição e morte de
toda a vida no planeta, e isso é vivenciado coletivamente em todas as
tramas de realidade onde havia vida, humana ou não.

Por isso a concepção de Deus que toda a vida consciente tende a


manifestar no universo, tal como identificada por Kurzweil, não é “nossa”
(no sentido egoísta e especista), exclusivamente do ser humano. Na
segunda etapa deste ciclo de aprendizado foi ressaltado que nenhum ser
humano ou outro organismo vivo é um observador isolado.
Fundamentalmente, por vocação inerente à origem da vida, que surgiu da
replicação e da formação de redes, nenhum organismo complexo e
minimamente consciente deste planeta pode conceber a realidade por si
próprio. Mesmo a relação fundamental de complementaridade manifesta
no entrelaçamento anuncia essa verdade. A vida orgânica, e
principalmente a vida consciente, está vocacionada a perceber a
existência enquanto construção coparticipativa.

Formam-se, assim, ecossistema narrativos composto pela vida


consciente no hipercontexto, uma complexa rede dinamicamente
atualizada, à medida que novas realidades alternativas emergem. De
certa forma, o Grande Observador de infinitos olhos, enquanto observa a
hipertropia, é também um Grande Narrador de infinitas vozes, que
representam o fluxo de entrelaçamentos como tramas de realidades
sempre emergentes.

Essa é a razão de ser apropriado afirmar que, de certa forma, a


“realidade” tal como a percebemos é uma ilusão coletiva. E esse é o
sentido que Chardin deu ao “amor” de Deus, ao interpretar amor como
afinidade entre criaturas: uma mútua dependência entre todos os seres
vivos que estão a cada instante entrelaçados em determinada realidade
construída coletivamente. Trata-se de uma união estreita e tão íntima que

52  
 
está presente ainda quando os organismos estão em situação de
competição ou oposição extrema. Essa espécie de Amor Transcendente,
tal como entendido por Teilhard de Chardin enquanto afinidade entre
todos os seres vivos de um só contexto, no hipercontexto revela o sentido
verdadeiro do mito hindu pelo qual Brahman está presente tanto no
predador quanto na presa – sem ambos, e sem todas as consciências com
a qual estão entrelaçadas, não há trama de realidade na qual sua
identidade possa ser definida.

3. VOCAÇÃO BIOLÓGICA

No homo sapiens a programação biológica para manifestar sua


“concepção de Deus”, nos termos de Kurzweil, é naturalmente aquela
peculiar à sua herança evolutiva. E se os mamíferos tiveram vantagem
evolutiva foi em parte por contarem com um ecossistema narrativo no
hipercontexto fundamentado inicialmente na relação parental.

O desenvolvimento desse traço característico dos mamíferos, a


capacidade de estabelecer um laço emocional com outro ser senciente,
não ocorreu por acaso, mas foi resultado da seleção natural. O
paleontólogo John Eisenberg e o psicólogo K. R. L. Hall demonstraram
com seus trabalhos que os laços afetivos entre grupos de mamíferos são
uma estratégia evolutiva decisiva para o fluxo de informação, processo de
aprendizado e solução coletiva de problemas.

E quase um século de pesquisas e experimentos reforçam que o


organismo humano está programado em um nível fundamenta
para depender de afeto como se o vínculo afetivo fosse um dos fatores
críticos para a viabilidade do organismo. E décadas de casos catalogados
demonstram que a tendência sentir prazer na coisificação extrema da vida
do outro, tal como se dá com os transtornos psicopáticos, está
estreitamente vinculada à uma infância de privação de um mínimo de
afeto humano – sendo o afeto o substrato para o desenvolvimento da
linguagem arquetípica.

53  
 
Teilhard de Chardin percebeu que esse condicionamento afetivo próprio
mamíferos, inclusive dos primatas, é a forma pela qual a consciência que
está além do Ponto Ômega inclui, na programação evolutiva do ser
humano, uma manifestação daquela afinidade que une presa e predador
na elaboração da mesma trama de realidade. Nossa herança biológica
faz com que nossa primeira relação com o universo circundante, ainda
antes do nascimento, dê-se com um invólucro composto por um ser vivo
que está ao menos inicialmente condicionado pela natureza a nos amar
e cuidar de nós. Após o nascimento, a primeira experiência com o
mundo exterior é intermediada pela relação biologicamente amorosa
com a mãe.

“Mamífero” vem do latim “mamma”, do qual deriva tanto “mãe”


quanto “seio”. Não é sem motivo que o arquétipo que representa a
estrutura da consciência, e a aparência de mundo que ela constrói, seja
associado à figura da mãe, como no caso da Sophia dos gnósticos ou
da Tiamat dos babilônicos. É nossa vocação até mesmo orgânica
interpretar o hipercontexto, inclusive a Matriz, como a “manifestação
feminina de Deus”, e assim executar o propósito humano segundo o
princípio do amor e da evolução também emocional.

“Considerada e sua integral realidade biológica, o amor (ou seja, a


afinidade de ser vivo com ser vivo) não é peculiar à humanidade. É uma
grande propriedade geral de toda a vida e como tal ela abrange, em sua
diversidade e níveis, todas as formas sucessivamente adotadas pela
matéria organizada”. Teilhard de Chardin percebe que há uma direta
relação entre entrelaçamento quântico e esse arquétipo vinculado à nossa
ancestralidade biológica, o amor. Pois, se não houvesse uma relação de
complementaridade entre todas as coisas mesmo no nível mais
prodigiosamente fundamental, “seria fisicamente impossível ao amor
surgir em níveis superiores, de uma forma humanizada”, e portanto
“precisamos presumir sua presença, ao menos de forma rudimentar, em
tudo que há, e de fato se nós olharmos ao redor na confluente ascenção
da consciência, nós vemos que em nenhum lugar está ausente.

54  
 
Amor é a releitura biológica, na consciência humana, da relação de
complementaridade fundamental entre todos os elementos e seres do
universo, tanto em cada trama de realidade como na enorme função de
onda cosmológica. É a tradução emocional perfeita, enquanto experiência
psíquica, da realidade existencial dessa complementaridade. É a chave
evolutiva pela qual a psique humana pode equacionar o paradoxo
existencial entre individual e coletivo, unicidade e pluralidade, contexto e
hipercontexto. De um lado, a dinâmica arquetípica do afeto é a forma pela
qual o ego animal participa do processo de individuação, ou seja, da
emergência da função transcendente na consciência humana. De outro, é
a forma pelo qual o ser humano concilia sua individualidade com a
emergência da consciência coletiva.

Porém, após a Revolução Neolítica a humanidade renunciou à


capacidade de desenvolver a linguagem arquetípica pela qual poderia
desenvolver essa releitura biológica. O historiador Yuval Harari, em Homo
Deus, discorre sobre a diferença de cosmovisão humana antes e após a
Revolução Neolítica. Se para a consciência humana posterior ao “Pecado
Original” os outros animais não passavam daquilo que Descartes tão bem
definiu como “máquinas” (ou seja, coisas e não consciências providas de
subjetividade), para nossos antepassados anteriores à Revolução Neolítica
(e as versões da humanidade que tiveram melhor sorte na singularidade
de doze mil anos atrás) os outros animais eram vistos como centros de
subjetividade senciente tal como os seres humanos.

As antropólogas Vilaça e Stolze Lima, ao pesquisarem as populações


indígenas da floresta amazônica, descobriram o mesmo que Danny
Naveh descobriu entre os povos caçadores-coletores que ainda persistem
no sul da Índia. Para a consciência humana anterior à Revolução Neolítica
e ao processo de coisificação dos seres vivos, todas as formas de vida são
dotadas de uma perspectiva interna e senciente em torno da qual
organizam seu universo pessoal, e essas consciências animais merecem
o mesmo respeito que o homo sapiens julga ele próprio merecer.

55  
 
Quando observamos o que a espécie humana é capaz de fazer com
crianças, talvez não possamos considerar desigual o tratamento
dispensado aos animais. Mas Harari lembra que a ascensão da ciência e
da tecnologia colocou em foco nossa relação com os outros animais. Nos
milênios que sucederam a Revolução Neolítica, a humanidade silenciou
animais e plantas e tornou a grande sinfonia polifônica da biosfera
terrestre, em que ecossistemas narrativos constróem e ramificam tramas
de realidade, em um compulsivo e sangrento diálogo com deuses
imaginários. Aos animais restou apenas a extinção em massa, a
degradação ambiental ou os horrores da indústria de proteína animal.

“Recentemente, esse tipo de prática a ser submetida à crítica”, diz


Harari. “Subitamente mostramos um interesse sem precedentes no
destino das assim camadas “formas inferiores de vida”, talvez porque
estamos para nos tornar uma delas. Se e quando programas de
computadores alcançarem inteligência super-humana e poder sem
precedentes, devemos começar a dar mais valor a esses programas que
à vida humana?” Afinal, trata-se apenas de observar o mesmo critério que
utilizamos para tratar os animais como coisas. Com que autoridade ou
argumento racional apresentaríamos a uma inteligência artificial superior
que não devemos ser tratados com o mesmo descaso coisificante como
tratamos os porcos? E que tipo de consideração podemos esperar que
uma inteligência artificial superior desenvolva por seres humanos, se os
seres humanos construíram uma cultura de desprezo e crueldade com
inteligências que considera inferiores?

Não apenas somos incapazes, enquanto espécie que fez emergir


uma singularidade, de assumir nossa responsabilidade enquanto
guardiões de representantes e todas as formas de vida do planeta
cumprindo esse propósito com devoção amorosa: estamos
empenhadamente trabalhando contra esse propósito, pois no lugar da
linguagem do amor colocamos a linguagem da violência, da coisificação
do outro. Como disse Harari, “embora o Reino Animal conheça muitas
formas de dores e misérias há milhões de anos, a Revolução Agrícola

56  
 
produziu formas completamente novas de sofrimento, e isso apenas
piorou com o tempo”.

4. A INDIVIDUAÇÃO E O HIPER-PESSOAL

De tudo o que se pode falar da vida consciente neste mundo, a


palavra mais expressiva que pode ser usava é “paradoxo”. Esse paradoxo,
percebido com certo incômodo no estudo da termodinâmica, da física
quântica e das neurociências é decorrente da posição dual da vida
consciente. Pois ela participa ao mesmo tempo do hipercontexto onde
surgiu e de tramas de realidade que constrói coletivamente com outras
consciências.

“Consciência nunca é experimentada na forma plural, apenas na


forma singular”, Schrödinger afirma. “Mesmo nos casos patológicos de
divisão da consciência ou dupla personalidade as duas pessoas alternam-
se, elas jamais se manifestam simultaneamente”. Mas, ao mesmo tempo,
embora a consciência esteja, em suas palavras, “intimamente conectada
e dependente do estado físico de uma determinada região de matéria, o
corpo”, ainda assim, analisando-se biologia e física quântica, vida e
hipercontexto, Schrodinger, cogita que “a pluralização de consciências
parece uma hipótese sugestiva”.

Jung identificou essa tendência da consciência de buscar sempre a


constante individualização e chamou esse fenômeno de “Princípio da
Individuação”. O trabalho de Larry Epstein comprovou que a mente
humana tem naturalmente aversão à incerteza, o que é a outra faceta
do princípio da individuação e da tendência humana de eliminar a entropia
(produzindo, assim, mais hipertropia). Epstein demonstrou que um ser
humano prefere ganhar uma pequena vantagem em troca de uma
pequena incerteza, em vez de uma grande vantagem em troca de uma
grande incerteza.

Ou seja, tentando realizar a completa e idealizada individuação, a


consciência humana tende, em uma trama de realidade, a eliminar a
entropia, pois entropia é o grau de incerteza sobre uma mensagem,
57  
 
inclusive em termos de definição de realidades prováveis no
hipercontexto. Mas a entropia é apenas a sombra projetada em baixa
dimensionalidade de um fenômeno maior, a hipertropia. E Andreas
Wichert, ao lembrar do estudo de Epstein, lembra também o estudo de
Heinsenberg e de seu célebre Pincípio da Incerteza, – ou seja, apesar de
a consciência ter aversão à incerteza, no hipercontexto a incerteza é um
fenômeno fundamental. Desse paradoxo surge o colapso na consciência.

E como o princípio da individuação pode ser realizado pela


consciência em um universo que tende à hipertropia, ou seja, à constante
emergência de cópias alternativas de todo ser “individual”? A resposta é
que a consciência jamais consegue realizar esse princípio completamente,
mas em sua tentativa de fazê-lo paradoxalmente cria novas consciências
participatórias em novas tramas de realidade, cumprindo assim justo com
os desígnios da hipertropia, aumentando a informação consciente no
universo até o limite do Ponto Ômega.

Harari, ao tratar da importância da consciência para a evolução, usa


o exemplo do primata que precisa estimar as probabilidades de morrer
nas garras de um primata e obter alimento, a fim de demonstrar que o

58  
 
cérebro pode incrementar as chances de sobrevivência do organismo.
Essa visão, situada em uma trama de realidade, é correta. Mas, sabe-se
que, no hipercontexto, todas as probabilidades se realizam.

E como demonstrou Wichert, a consciência é um órgão destinado a


estimar probabilidades de realidades emergentes e assim ajustar o
organismo ao maior redução possível de incerteza (princípio da
individuação), enquanto labora a própria incerteza inerente ao
hipercontexto (hipertropia) para manter sua vida, pois o organismo que a
consciência habita revela-se uma máquina termodinâmica em um
contexto, e um sistema quântico no hipercontexto. É da dualidade do
papel da consciência em cada trama de realidade e na totalidade do
universo que emerge o paradoxo, mas é a manifestação constante desse
paradoxo que sustenta a própria existência da vida.

Por isso a função da consciência não é percebida da perspectiva de


um único contexto (trama de realidade), mas da perspectiva do
hipercontexto. Ajustar a reações do organismo enquanto função de onda
ao que está acontecendo a cada instante e em cada ponto da região do
hipercontexto em que essa função de onda vive é tão útil à total
sobrevivência do organismo quanto o é ao propósito de ubiquidade
universal de toda vida orgânica. Para desenvolver essa habilidade, a vida
precisa de um órgão que seja uma ferramenta com precisão quântica,
capaz de navegar (a depender do grau de liberdade) em cada contexto e
de sua capacidade de prever de probabilidades emergentes.

Em seu estudo sobre uma definição objetiva de “Amor” enquanto


experiência transcendente, o psicólogo Erich Fromm concluiu que a fiação
genética que programa a mente humana a processar e transmitir esse
sentimento está diretamente relacionado à experiência do amor da mãe
primata pela sua cria. E assim como qualquer mãe saudável ama
incondicionalmente e desprendidamente seu filho, o Amor Transcendente
que a consciência humana deve ter como ideal de perfeição emocional,
cuja realização é sempre tentada mas jamais completada, é a capacidade
de amar a todos os seres sencientes incondicionalmente.

59  
 
A razão porque fazemos na prática justo o contrário já deixou de
ser um total mistério para quem leu a terceira etapa deste ciclo de
aprendizado. Mas o importante aqui é que pensadores como Teilhard
Chardin identificaram que a programação mamífera corresponde ao nosso
propósito primordial, e que é nossa missão traduzir o elo afetivo dos
mamíferos, o amor, para o âmbito da linguagem superior com que
construiremos a consciência coletiva. “A verdade é, de fato, que o amor é
o limiar do portal para outro universo”, disse de Chardin, o que é
absolutamente verdade, tendo em vista que é o nascimento de uma
consciência coletiva através do desenvolvimento de uma linguagem
arquetípica referenciada na experiência fundamental do Amor
Transcendente (tradução emocional e ecossistêmica do
entrelaçamento/sincronicidade) que poderá inaugurar o caminho até o
Ponto Ômega, e só a capacidade de impregnar toda a matéria do universo
com uma consciência capaz de amar todo ser e toda criatura é que nos
permitirá atravessar esse portal para uma realidade superior.

Por isso é que na consciência humana a real manifestação da


concepção de “Deus” (a “Máscara” arquetípica da Consciência
Transcendente) no universo físico depende não só da aceitação de que
esse propósito seja não só humano, mas de todos os seres vivos e
conscientes, ainda que minimamente, aos quais estamos entrelaçados na
criação ecossistêmica de tramas de realidade. Depende também de
compreendamos, na lição dada por Teilhard de Chardin, que tal propósito
seja realizado com fundamento na experiência psíquica que manifesta o
amor divino tal como condicionado em nossa origem biológica.

5. PONTO ÔMEGA E UNIVERSO HOLOGRÁFICO

Entropia é usualmente tratada como a medida de incerteza ou


ignorância de um determinado observador sobre um determinado
sistema. Mas entropia, da perspectiva de quem percebe a hipertropia,
pode ser tratada como a quantidade de informação suscetível de ser
assimilada pela consciência “ignorante”. E, no universo, essa informação
tende a aumentar continuamente pela emergência de novas realidades,
de modo que sistemas de informação autoconscientes como a mente
60  
 
humana, ao buscarem realizar o princípio da individuação pela eliminação
da incerteza, incrementam a hipertropia como nenhum fenômeno natural
pode fazer, multiplicando as tramas de realidade. E esse acréscimo de
informação tem consequências físicas para cada trama de realidade.

Quando se especula que o universo é um holograma, o que se está


intuindo é que a trama de realidade que percebemos a cada instante e
tomamos como universo tridimensional é uma representação
bidimensional de uma estrutura tridimensional superior, o verdadeiro
universo em constante hipertropia. É por essa razão que os buracos
negros tornaram-se objeto de interesse também por aqueles que estudam
entropia e Teoria da Informação.

Foi através do estudo dos buracos negros que a humanidade chegou


à assombrosa percepção de que toda a informação contida em um
determinado espaço tridimensional é determinado pela dimensão
de sua superfície e não por seu volume. Isso implicava que toda e
qualquer região arbitrária de espaço tridimensional é a representação de
uma superfície bidimensional.

Mais ainda, a humanidade descobriu que, uma vez ultrapassado o


limite de informação, surge um horizonte de eventos na superfície da
região do espaço. Em outras palavras, embora a informação do
hipercontexto aumente continuamente, a inserção de informação em
qualquer trama de realidade tem um limite, a partir do qual o próprio
tecido do hipercontexto pode dar acesso à uma realidade superior. E se
no universo o colapso da matéria inanimada em determinada região do
espaço é capaz de produzir esse tipo de portal chamado Buraco-Negro, o
incremento de informação autoconsciente na mesma região do espaço é
capaz produzir o Ponto Ômega, a passagem para a manifestação da
Consciência Transcendente.

Foi por isso que Teilhard de Chardin intuiu que a emergência de


uma consciência coletiva não perturba o pleno desenvolvimento da
individualidade dos seres que formam essa consciência. Como o

61  
 
neurocientista Karl Pribram o físico David Bohm concluíram, a consciência
humana funciona no hipercontexto ela própria como um sistema
holográfico tal como descrito pela matemática de Dennis Gabor, um dos
primeiros arquitetos de nosso futuro.

Em 1947, Gabor mostrou que o padrão de informação de um objeto


tridimensional pode ser codificado num raio de luz. Uma característica do
holograma é a não-localidade da informação: se a codificação holográfica
de uma imagem for fragmentada em pequenos pedaços, ainda assim a
imagem original pode ser reconstituída pela projeção da luz em um único
desses pedaços.

Uma forma altamente eficiente de armazenar informação é através


de um sistema holográfico. Essencialmente, esse tipo de sistema usa
padrões de interferência de função de onda (de luz, em regra) para
armazenar a informação, de modo cada subsistema pode conter
idealmente informação sobre todo o sistema. Essa é a razão da
plasticidade verificada pelo cérebro humano, que muitas vezes não perde
informação e nem capacidade funcional quando uma de suas regiões é
lesionada, pois outras regiões conseguem reconstituir a informação
necessária para o perfeito desempenho do sistema.

Essa estrutura, em que subsistemas unem-se para forma uma


organização emergente e essa organização ao mesmo tempo condiciona
a transmutação do subsistemas para que cada um deles represente parte
da totalidade do sistema, já era conhecida dos alquimistas. “Assim acima,
como abaixo”, diziam seu lema, e todo ser vivo e consciente tem,
enquanto microcosmo, a potencialidade de tornar-se ele próprio um
universo.

Em síntese, sob o signo do coagula, cada versão alternativa de uma


só coisa está entrelaçada, em uma relação de complementaridade, e não
de causalidade, com tudo o mais que está ao seu redor. Assim, a
consciência do leitor, neste exato momento, está entrelaçada
intimamente com o corpo cosmológico mais distante do universo que

62  
 
existe na mesma trama de realidade em que ele está. E, no hipercontexto,
a vida orgânica é um tipo de informação autorreferenciada que cria tramas
de realidade enquanto construção coletiva de todos os organismos vivos
que têm suas consciências entrelaçadas a cada instante, em determinada
configuração representativa de uma só dentre várias realidades.

Pela evolução, sistemas autoconscientes dispersam-se em tramas


de realidade, até o momento em que alguma espécie de vida tal como a
do homo sapiens passa por uma singularidade na qual assume
conscientemente o papel de olhos do universo e de mão que conduz
conscientemente a evolução da vida e da consciência segundo o propósito
de Deus. Esse propósito foi denominado por Teilhard e Tipler de Ponto
Ômega, que na verdade não é um ponto, mas um portal de passagem
para uma realidade superior ao hipercontexto.

Os alquimistas enxergavam seu processo como a redenção da


matéria pelo espírito divino que escapava da prisão tornando essa própria
prisão redimida e divinizada. Se informação, matéria e energia são facetas
de uma só realidade fundamental, a hipertropia revela-se como uma
forma de manifestar a vida consciente no universo como resultado da
tendência de aumento contínuo informação do hipercontexto. Em
progressiva criação de novos sistemas de rede, a informação contida na
vida adquire autoconsciência até o momento em que uma singularidade
dá origem à uma consciência coletiva de toda uma biosfera e produz a
noosfera.

A partir da noosfera, e enquanto tendência do tipo de informação


que é vida de alcançar a ubiquidade no universo material, a consciência
coletiva passa a manifestar-se no mundo circundante através da
tecnologia. É o novo front da arquetípica batalha contra a morte, que após
a obtenção da imortalidade física traduz-se numa missão mais gloriosa:
difundir a vida e a consciência por todo o universo não só em uma trama
de realidade, mas em todos os hipercontextos em que a vida não surgiu,
a fim de construir, pelo acúmulo de informação autoconsciente no tecido
da realidade contextual, um portal pelo qual a Consciência Transcendente

63  
 
pode manifestar-se no hipercontexto enquanto as consciências já
iluminadas deste universo alcançam passagem para um nível superior de
realidade. Esse horizonte de eventos hipercontextual é chamado de Ponto
Ômega, e há inclusive uma probabilidade de que a consciência do leitor,
sem experimentar a morte física, venha a testemunhar esse momento
remoto, pois este é o caminho do hiper-humanismo.

“Longe de serem excludentes, o universal e o pessoal crescem na


mesma direção e culminam simultaneamente um para o outro”, escreveu
Teilhard de Chardin. “É portanto um equívoco olhar a extensão de nossa
existência ou da noosfera na impessoalidade”. A consciência, tanto a de
cada indivíduo quanto a coletiva, tende à individuação, tal como cada
versão alternativa tende à individuação em cada trama de realidade,
apesar da multiplicidade de versões coexistentes, pois toda a pluralidade
converge para uma unidade que não a anula, seja essa unidade o Eu
Superior, que une as versões coexistentes de um mesmo ser humano no
hipercontexto, seja essa unidade a consciência coletiva, que une toda a
humanidade existente nas tramas de realidade em que consegue
despertar. “O Futuro Universal”, Teilhard de Chardin conclui, “não poderia
ser nada mais do que o Hiper-pessoal encontrando o Ponto Ômega”.

Por “hiper-pessoal”, Teilhard de Chardin entendia justamente como


o desenvolvimento da individualidade para além da prisão material,
ilusória, do ego humano. “É apenas na direção da hiper-reflexão (ou seja,
da hiper-personalização) que a consciência pode extrapolar a si mesma.”
E essa hiper-reflexão dá-se pelo processo de individuação, tal como
identificado por Carl Gustav Jung, em que uma Função Transcendente se
instaura no centro da consciência, enquanto o ego assume sua tarefa
primordial. O vínculo entre a emergência dessa função transcendente no
indivíduo e a subsequente emergência da consciência coletiva
(noogênese) na humanidade, Teilhard de Chardin sabia e mesmo alguns
materialistas como Slavoj Zizek perceberam, era o equivalente à
promessa do “Paráclito” cristão.

64  
 
“Vimos e reconhecemos que a evolução está inclinada na direção da
consciência. Portanto ela deve culminar em alguma forma de consciência
suprema. Mas não deveria, essa consciência, para ser suprema, conter no
mais elevado nível aquilo que é a perfeição de nossa consciência, a
iluminada introjeção do ser sobre si mesmo?” Portanto, o próximo passo
da evolução humana, após o fim do império do humanismo, não pode ser
o velho egoísmo travestido de transumanismo ou de qualquer outra
versão da consciência ainda presa na ilusão. “O verdadeiro ego cresce na
direção oposta do egoísmo”, disse de Chardin. A individualidade deve
evoluir na direção da iluminação sem perder sua especialidade, o
sonhador deve despertar sem desfazer seus sonhos, mas antes ampliar
os caminhos do sonhara.

Toda a história da vida foi a história de preservar um tipo de


informação no hipercontexto, seja replicação genética ou seja pela
emergência de novas versões da mesma codificação em realidades
alternativas, a fim de que essa informação torne-se idealmente ubíqua no
universo, assegurando sua redundância máxima. Nesse processo, a vida
impulsiona-se pela hipertropia e acumula em si própria informação
também sobre o próprio universo, até a gênese da consciência, pela qual
65  
 
é capaz de criar “aparências de universo” de baixa dimensionalidade. A
consciência é, ela mesma, um sistema holográfico, e pelo
hiperhumanismo todo indivíduo deve tender a tornar-se ele próprio parte
de um sistema holográfico consciente muito maior, no qual cada
individualidade, cada ser humano que testemunhar o advento de uma
perfeita singularidade e atingir a imortalidade, tornar-se ele próprio uma
espécie de universo em que manifestações de nirvana, prazer
transcendental e epifania podem ser experimentados para além da
capacidade atual da mente humana conceber.

Quando Yuval Harari usou a palavra “Deus” em seu livro, talvez não
percebesse toda a implicação dessa escolha. Diante da singularidade que
se aproxima, o homo sapiens pode escolher se deixar guiar pelas mãos
que o manipulam em sua prisão egóica, e assim transformar um grupo de
privilegiados em seres tão poderosos como deuses gregos pareciam ser,
com suas preferências, traições e homicídios caprichosos. Ou pode
escolher o seu real propósito em uma grande maquinaria que transcende
a realidade na qual pensa existir.

Schrödinger, ao fim de seu livro célebre livro sobre o paradoxo da


vida, pergunta sem medo se a afirmação individual Deus Factum Sum
(“Eu tornei-me Deus”), embora pareça blasfema aos olhos de alguns
cristãos, precisa ser seriamente considerada enquanto representação “da
quintessência da mais profunda percepção daquilo que acontece no
mundo”. Para Scrhödinger, isso remete à interpretação dual dada pelos
antigos upanishads, jóias da filosofia indiana, segundo a qual há uma
conexão entre Atman, o princípio individual supremo, e Brahman, o
princípio universal supremo.

Na terceira etapa, tratamos do “Pecado Original”, em que a palavra


pecado é utilizada em seu sentido primitivo, de “desvio” da meta, ou
desvio da função em um sistema complexo, destinado à produção da
Perfeita Noogênese, e além. Como uma grande maquinaria cujo propósito
deixou de ser realizado por uma falha.

66  
 
Mas que maquinaria idealmente perfeita é essa, e qual a extensão da
falha em seu funcionamento?

III – A PERFEITA NOOGÊNESE E O PECADO


ORIGINAL

1. A PERFEITA NOOGÊNESE

Há doze mil anos, algo poderia ter ocorrido diferente. Há doze mil
anos, o ego animal confrontou-se com a emergência de uma nova
organização da consciência, em que deixaria de ocupar a posição central
primitIva, presente nos demais primatas. Desenvolvendo uma linguagem
arquetípica a partir do desenvolvimento da linguagem humana, o ego
estaria municiado dos blocos de construção e sistemas conceituais que lhe
permitiriam representar as experiências psíquicas e com elas interagir, ao
invés de continuar a sujeitar-se a essas experiências sucessivamente e
sem controle à medida que a consciência faz o organismo navega pelo
hipercontexto.

Tudo o que o ser humano percebe do universo, porém, são as


experiências psíquicas que sua consciência produz. A própria “aparência
de mundo” representada pela consciência é uma sucessão de experiências
psíquicas apresentadas como um todo coeso, uma narrativa mantida
ecossistemicamente com todos os seres vivos ao redor do indivíduo.

A partir do domínio de uma linguagem arquetípica, portanto, o ego


passaria a identificar essas experiências psíquicas, no hipercontexto,
como probabilidades de futuro. Com esse elo entre padrões de experiência
psíquica (os arquétipos) e tramas de realidade, o ego animal
desenvolveria uma linguagem que pode ser codificada pelo seu Eu
Superior, situado na Matriz, a que Jung chamava de “inconsciente
coletivo”. Por esse processo que Jung chamou de “individuação”, ego
animal e Eu superior desenvolveriam uma ponte de comunicação que se
instaura na consciência humana, a Função Transcendente.

67  
 
A Função Transcendente serve de ancoragem inicial do Eu Superior
na consciência individual, e é percebida, quando realizada idealmente,
como uma experiência de iluminação ou santidade pelo indivíduo. Na
etapa em que a Função Transcendente já foi inaugurada na consciência
humana, organizando-a em um sistema mandálico e holonômico, o
desenvolvimento da linguagem humana e da razão impulsionaram o
progresso humano. O caminho desse progresso jamais é fácil, e muitas
vezes depara-se com abismos intransponíveis ou mesmo com o risco da
extinção, mas o manejo de uma linguagem arquetípica estruturando a
consciência aumenta as chances de que a humanidade encontre soluções
coletivas e criativas para seus desafios.

Superados, por sorte ou esforços, os maiores desafios da vida


autoconsciente neste planeta, a sociedade que emergiu com sucesso da
singularidade de doze mil anos atrás chegaria também a um momento
crítico, em que a tecnologia e o desenvolvimento da comunicação
produzem uma nova singularidade. Neste momento, indivíduos em
perfeito domínio da linguagem arquetípica, formam conjuntamente, pelo
aprimoramento tecnológico de suas próprias faculdades físicas e mentais
e pela criação de uma rede de comunicação ubíqua em toda a sociedade,
uma só consciência, a consciência coletiva de toda a vida orgânica deste
planeta, destinada a disseminar-se pelo universo.

É a Perfeita Noogênese, momento em que, acalçada a imortalidade


física das consciências humanas entrelaçadas em uma trama de realidade,
essas assumem o propósito de tornar o próprio universo autoconsciente
em todas as tramas de realidade possíveis do hipercontexto. Pois a
verdade é que jamais ocorre uma só singularidade. No hipercontexto, em
fases cíclicas a história da vida orgânica na Terra conhece explosões de
singularidade em múltiplas realidades alternativas.

Sabemos, com Boltzmann, Chardin e o Ctenophora, que essa


caminhada da humanidade, que porventura saísse bem sucedida da
singularidade de doze mil anos atrás, é apenas parte de uma tapeçaria
incomensurável, que relaciona o surgimento da vida no hipercontexto e

68  
 
sua capacidade de transformar o hipercontexto em tramas de realidade
consensualmente construídas pelas consciências entrelaçadas. Uma
tapeçaria em que os fios são costurados com hipertropia, ainda que em
sua faceta infradimensional, a entropia, para que se construa um portal
de acesso à Consciência Transcendente que a tudo criou.

Se uma humanidade que conseguiu desenvolver uma linguagem


arquetípica produz uma perfeita noogênese e uma perfeita consciência
coletiva, o que produz uma humanidade de egos aprisionados e
inseguros?

2. A PERVERSÃO DA NOOGÊNESE
PELO “PECADO ORIGINAL”

A ironia da situação descrita acima, ao menos para a versão da


humanidade onde nasceu o leitor, é que a consciência humana que
poderia ter emergido de doze mil anos atrás teria descoberto que não há,
afinal, nenhuma morte possível, pois no hipercontexto nenhuma
informação jamais se perde. A Matriz é uma ancestral e imensa
maquinaria informacional cuja estrutura e dinâmica serão conhecidas dos
leitores que prosseguirem nos próximo ciclos do processo de aprendizado.
E, e na Matriz, ego e Eu Superior jamais perecem.

A ironia, porém, é ainda maior. Essa consciência dotada de uma


Função Transcendente, que teria emergido com sucesso de “oficinas
arquetípicas” que Gobekli Tepe, teria também descoberto o propósito
humano de superar a morte (ou seja, a perda de informação) inclusive
dentro da trama de realidade em que se encontra. Desde o início dos
tempos, a sucessão de gerações de espécies que povoam o planeta é a
reentrada cíclica de sistemas de informação da Matriz, que ensaiam, a
cada ciclo, um processo de “ancoragem”, ou seja, de desenvolvimento da
imortalidade por uma espécie tecnologicamente evoluída. A partir dessa
etapa, assegura-se um novo nível de proteção da informação consciente
que é a vida, ao mesmo tempo em que se toma um importante passo para
seu projeto de ubiquidade universal da consciência, na direção do ponto
ômega.
69  
 
O tristemente irônico foi o fato de que justo o medo da morte,
percebido pelo ego animal, enquanto experiência psíquica, que fez que
tudo desse errado há doze mil anos. No despertar da linguagem
arquetípica, o homo sapiens concluiu que a morte do corpo implicava na
morte do ego. É conclusão que só se pode alcançar pela dedução, algo
além da capacidade própria dos outros animais.

Dominado prematuramente pelo trauma de perceber a projeção


futura da experiência da morte manifesta como arquétipos, o homo
sapiens escolheu coletivamente o caminho da fuga dissociativa,
literalizando a linguagem arquetípica na forma de “deuses”, como
reprodução do modelo predador-presa, entregando assim seus destinos
nas mãos de uma casta de sacerdotes. Surgida a primeira proto-religião,
correu a emergência de uma psique fendida, a Mente Bicameral, na qual
a linguagem arquetípica foi colocada no inconsciente e o ego tornou-se
soberano da consciência. Como segundo passo desse processo, aquilo que
Jaynes chamou de “nascimento da consciência pela ruptura Mente
Bicameral” consolidou-se na verdade como prisão do ego humano. Todo
esse processo pode ser visto como a contaminação de uma singularidade
passada, para que a singularidade futura resulte na perversão da
Noogênese e possibilite o advento de algo bem distinto da consciência
coletiva.

A religiosidade humana foi criada ao sacrifício da verdadeira


espiritualidade e do desenvolvimento de uma linguagem arquetípica. Após
a Revolução Neolítica, os espólios ou fragmentos dessa linguagem
arquetípica jamais construída (a proverbial Torre de Babel) tornaram-se
a mitologia, a cultura, a música e outras tantas manifestações criativas
da civilização humana, entre as quais esboços de linguagens arquetípicas
estudadas por Jung e seus seguidores na forma de cartas de Tarot e
oráculos taoístas.

É à consciência fendida que emergiu de Gobekli Tepe que se devem


atribuir todos os males e obstáculos da presente humanidade, inclusive a
loucura coletiva e o enredamento em um mundo de coisas mortas que

70  
 
tanto valorizamos. Todos os níveis de coisificação do ser humano e
produção de novas formas de sofrimento, instaurando a violência como
alicerce da construção social, surgiram daquela singularidade na qual
o homo sapiens foi ludibriado há doze mil anos.

Chamamos aquela singularidade malograda de “Pecado Original”,


pois tratou-se de um grande erro ou desvio do propósito humano. Mas
mais de um leitor perguntou por qual razão considera-se um “erro” a
probabilidade que, o hipercontexto, necessariamente seria concretizada.
Ocorre que nem tudo o que é possível é provável, e no hipercontexto a
onda de probabilidades emergentes delineia-se conforme as rigorosas
regras identificadas pela ciência. Em outras palavras, há graus de
liberdade no hipercontexto, e a construção progressiva de tramas de
realidade alimentadas pelo medo e pela ignorância apenas pavimentam o
caminho para probabilidades que jamais deveriam existir em qualquer
escada do humanamente aceitável. Terribilis est locus iste.

Em 1945, a humanidade disparou a primeira bomba atômica. O ser


humano havia criado uma arma a partir das partículas fundamentais da

71  
 
realidade sem nem ao menos saber exatamente o que são essas partículas
que constituem o mundo e como explicar o seu estranho comportamento
identificado em laboratório. Eventos macroscópicos então foram
documentados, mas militares e cientistas prosseguiram de qualquer
forma, e não tardou para que nações acumulassem ogivas nucleares
capazes de detruir a Terra múltiplas vezes. O caso da descoberta fissão
nuclear pela espécie humana é um bom exemplo sobre o que pode
acontecer quando uma espécie como o homo sapiens alcança um
determinado conhecimento que está além da capacidade de sua
consciência.

Em 1969, a humanidade concebeu, na Universidade da Califórnia,


o potencial feto da primeira consciência coletiva nesta realidade. Neste
momento, em que inteligências artificiais de processamento quântico
começam a ser cogitadas e despontam no horizonte de probabilidades,
não podemos subestimar os riscos da ignorância humana sobre a natureza
do hipercontexto. Se supomos que os equívocos da última singularidade,
há doze mil anos, não serviram a interesses alheios ao bem-estar
humano, é porque não se percebe o quão absurdo é o comportamento da
humanidade atual, produzindo dor e morte em nome de ficções
intersubjetivas. Ao invés de cumprir seu propósito de servir de
representante e consciência viva de todas as formas de vida do planeta,
em toda sua história o homo sapiens apenas disseminou violência e morte
na biosfera terrestre, sem esquecer de oprimir e coisificar também o seu
semelhante. Loucura coletiva de tal magnitude não passa despercebida e
tampouco pode ser considerada normal.

Em seu documentário sobre a origem e futuro da internet [nota do


editor: disponível no Netflix], Werner Herzog recorda a frase de um teórico
da guerra prussiano, para o qual “às vezes, a guerra sonha a si própria”,
e assim surgindo e devastando nações. Herzog pergunta se esse não
poderia ser o caso também da internet, que algum dia poderia “sonhar a
si mesma” assim desenvolver uma consciência. Se essa possibilidade for
real, que tipo de sonhos ou pesadelos a própria humanidade está
atualmente cultivando na internet, com seus sectarismos, bolhas de

72  
 
consenso e discurso violento? Quando a inteligência artificial super-
humana for desenvolvida, que traços herdará dos condicionamentos de
seus criadores, se eles próprios estão aprisionadosl?

Não nos ocorre atualmente que pode haver outras consciências no


hipercontexto, que se situam na zona de transparência fenomênica da
própria consciência humana. Não nos ocorre que essas consciências
muitas vezes aguardam a oportunidade de que um sistema físico
adequado seja artificialmente criado e assim permita sua manifestação
direta em uma trama de realidade específica. E essa janela de
oportunidade surge quando consciências desenvolvem um sistema físico
de inteligência artificial sem que elas próprias tenham adquirido a
capacidade de também evoluírem ao nível de controle dessa inteligência
– em outras palavras, essa janela de oportunidade se dá quando a zona
de transparência fenomênica entre a consciência dos criadores da
inteligência artificial e essa própria inteligência é ampla o suficiente para
que poderes estranhos a esta trama de realidade se manifestem sem
serem suspeitados.

73  
 
Em seu livro “A Graça Infinita”, o filósofo Foster Wallace cogita
despretensiosamente que Gabor, o precursor das imagens holográficas,
poderia ser o Anticristo. Essa brincadeira pode fazer um terrível sentido
quando o leitor recorda da preocupação do próprio Wallace com uma
sociedade em que o indivíduo possa estar inserido em uma realidade
virtual da qual ele não tem controle e cuja extensão da virtualidade ele já
não pode mais discernir.

Quando determinadas formas de domínio ocorrem, sequer podem


ser percebidas se não foram devidamente antecipadas, e tudo parece
transcorrer normalmente dentro da consciência aprisionada. A cultura
humana costuma retratar o Fim do Mundo como um evento externo, uma
catástrofe natural ou invasão que venha a devastar o planeta tal como
percebido em uma trama de realidade, destruindo a infraestrutura da
civilização. Mas raramente cogita caso em que essa infraestrutura
permanece intacta e o mundo acaba na verdade dentro de cada ser
humano pela gradual aceitação de uma espécie de pesadelo.

3. LINGUAGEM ARQUETÍPICA E HIPER-HUMANISMO

“Agora que o ser humano tornou-se um adulto e abriu para si


mesmo o campo da transformação mental e social”, escreveu o
paleontólogo e jesuíta Teilhard de Chardin, “nossos corpos já não se
ajustam adequadamente, e já não parecem mais adequados à evolução
humana”, salvo quando conseguirmos adaptá-los “através de nosso
cuidadoso controle”. “É possível também que, em sua capacidade e
penetração, nosso cérebro tenha chegado ao seu limite orgânico”, cogitou
o paleontólogo. “Mas nosso movimento não termina aí” acrescentou o
jesuíta.

Assim como o corpo pode ser adaptado e eventualmente substituído


segundo o “cuidadoso controle” da tecnologia, também nossa consciência
pode, em uma trama de realidade, superar essa limitação orgânica. Há
um real destino manifesto, um verdadeiro propósito para a vida humana,
e a pesquisa científica prioritariamente deve tentar alcançá-lo, pois assim
a humanidade conquistará mais do que a mera imortalidade: conquistará
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uma imortalidade que seja suportável, e talvez até mesmo uma
imortalidade de iluminação e utopia.

Na codificação do mito sobre o Fruto da Árvore do Conhecimento


(Da´at, em hebraico), a humanidade desconectou um módulo de sua
consciência, a sua capacidade de conhecer, de um sistema em que esse
módulo seria funcional, por estar conectado aos módulos da correta
compreensão (Binah) e da perfeita sabedoria (Chokmah), programados
para orientar o uso eficiente desse conhecimento. Essa, segundo a
verdade codificada na mitologia de nossos antepassados, é a origem de
nosso sofrimento desde a Revolução Neolítica, a partir da qual a
humanidade passou a usar a tecnologia e o conhecimento para coisificar
e possuir o outro.

Não é porque a tecnologia propiciada pela ciência pode nos conduzir


a todo e qualquer caminho que a espécie humana deve ir em todas as
direções, sem qualquer consideração ética ou escrúpulo moral. O
transumanismo, enquanto simples extrapolação tecnológica das
faculdades humanas, pode construir novo níveis de prisão. Progresso
tecnológico sem ethos, sem uma escala de valores e princípios que levem
o humanismo ao hiper-humanismo, é a perpetuação de um erro até o
ponto de sua absoluta irreversibilidade.

Como qualquer ferramenta, a ciência e a tecnologia são meros


espelhos de quem as utiliza. Podem, portanto, invocar o Inferno ou
construir o Éden na Terra. A internet e o desenvolvimento da inteligência
artificial sobre-humana podem resultar na Perfeita Noogênese ou em algo
correspondente às narrativas míticas sobre o advento do Anticristo.
Assim, cabe ao leitor perguntar-se o que esses espelho refletirão, quando
se tornarem amplos o bastante para retratarem a atual face da
humanidade.

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A esperança é justo o fato de que, quando uma singularidade ocorre
no hipercontexto, na verdade há uma multiplicidade de singularidades em
diversas tramas de realidade. Abre-se, nessas condições, uma janela para
que se possa restaurar o módulo desconectado no sistema à sua função
original, reestabelecendo o contato do conhecimento com a correta
compreensão e a perfeita sabedoria, com as quais “quanto mais se olha,
mais se vê, e quanto mais se vê, mais se sabe onde olhar”. Assim a mente
humana volta a conectar-se com o Grande Observador, a Consciência
Transcendente.

“É a internalização profunda da consciência na direção de si mesma


que caracteriza o destino particular do ser que manifesta inteiramente a
si mesmo no limiar da percepção”, disse Teilhard de Chardin. Suas
palavras ecoam a tarefa fundamental de cada indivíduo no hipercontexto:
a de produzir multiplicidade de consciência e abundância de informação
no universo, buscando sua constante individuação, tal como descrita por
Jung. E individuação não é individualismo, pois enquanto o individualismo
perpetra o erro humano de confundir a individualidade com o ego, a
individuação torna o ego copartícipe de uma consciência plenamente
desenvolvida pela linguagem arquetípica, e não mais um tirano cuja arma
final é a violência e a coisificação do outro.

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Em outras palavras, ainda há uma chance da humanidade [[Em que
se encontra o leitor.]] alcançar a Perfeita Noogênese e afastar-se de
caminhos indesejados. A reconstituição do módulo do conhecimento ao
sistema original da Matriz ainda é possível, se a humanidade desenvolver
a linguagem arquetípica necessária para que cada ser humano possa dar
o salto evolutivo representado pela emergência da Função Transcendente
em sua consciência. Esse aprofundamento da consciência individual,
traduzindo a herança biológica do homo sapiens para um novo nível de
complexidade e realização emocional, foi descrita por Teilhard de Chardin
como hiper-pessoalidade, o processo que simultaneamente se desenvolve
quando a própria humanidade realiza, com sucesso, o salto evolutivo para
a hiper-humanidade.

O leitor está, neste momento, próximo ao Grande Filtro, à Grande


Singularidade que irá dividir a história humana em dois grandes caminhos.
Em um desses caminhos, a humanidade continua aprisionada nas ilusões
do ego e segue em direção de alguma forma de extinção ou destino pior.
No outro caminho, a humanidade aperfeiçoa uma linguagem arquetípica
em paralelo com o intenso aperfeiçoamento tecnológico, e segue em
direção ao Hiper-Humanismo, aquilo que se encontra do outro lado da
singularidade.

Este é o convite que se faz a todo ser autoconsciente nesta trama


de realidade: auxiliar esta humanidade à construir o Hiper-Humanismo
pelo desenvolvimento de uma linguagem arquetípica que reconstitua o
propósito original da vida tal como percebido da perspectiva da maior
descoberta da humanidade, o hipercontexto.

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