DIVULGAÇÃO/GLIN+MIRA

MARIA FORTUNA
mariafortuna@oglobo.com.br
OGLOBO | Quinta-feira 22 .12.2022

N em fama, nem dinheiro.

OmotivoquelevouPau-
lo Vieira à carreira artística
SEGUNDO CADERNO segundocaderno@oglobo.com.br
foi outro: o desejo de ser
amado. O estrago causado
pelo bullying na infância e a
frágil realidade emocional e
financeira da família abri-
ram nele um buraco profun-
do. Dores que até hoje —
mesmo após cativar o públi-
co e se tornar um dos gran-
des do humor atual no país
—pena para superar.
—É do que mais tenho tra-
tado na terapia: reconhecer
esse garoto que fui, tirá-lo da
escuridão e trazê-lo para
2022. Tudo que sou e criei
devo a esse menino gordo,
preto, pobre e loser que fui.
Com seus traumas, família
cagada e que resolveu obser-
var tudo e escrever sobre isso
—elabora Paulo. —Quando Ele é big.
falo de uma história que vivi, Humorista teve
não deixo de reinventá-la. quadro confirmado
Aos 30 anos, Paulo hoje in- no “BBB 23” e grava
verte a narrativa e dá voz nova temporada do
àquele garoto, muitas vezes o “Avisa lá que eu vou’’
colocando até à frente de de-
cisões. Como a que tomou na
gravação de seu programa
“Avisa lá que eu vou”, que es-
treia a segunda temporada
em 2023, no GNT, com ver-
são editada no “Fantástico”.
Após dias sem folga na ci-
dade de Piranhas, resolveu
que a equipe pararia mesmo
com trabalho por fazer. Nada
era mais importante do que
“ser feliz”. E assim foi: dentro
do barco que alugou, “cheio
de comida”, curtiram como
se não houvesse amanhã um
passeio pelo Rio São Francis-
co. Pode não ter sido uma es-
colha madura, reconhece
Paulo, mas agradou o seu
“mais profundo eu” (“veio do
lugar onde habita minha cri-
atividade, e ele é mais huma-
no do que burocrata”).

VIVÊNCIA PROFUNDA
Em busca das próprias raízes
ele segue toda vez que em-
barcarumoacidadesdointe-
rior do país com o programa.
Ametadogoiano,quefuroua
bolhasudestina,éapresentar
o Brasil profundo de onde
saiu aos brasileiros:
— O programa nasceu
quando a narrativa que do-
minava era de que o Brasil
não valia a pena, que só ele-

‘ÀS VEZES, PENSO:

gia péssimas pessoas. A in-
tenção era dizer: “O Brasil
que vale a pena é este aqui”.
Paulo sabia, desde o início,
que queria falar de gente co-

SERÁ QUE FUI

mum, de realidades que as
redes sociais não alcançam:
— Precisamos gravar en-
trevistados autorizando a

imagem porque não sabem
escrever. Entramos nas ca-
sas, comemos a comida da
pessoa, usamos o banheiro.
É uma vivência profunda.
Tudo que é mostrado na
tela conversa com o tipo de
humor feito por Paulo, cuja
base —além do cinismo —é
a consciência social. Al-
guémqueteveumacriseéti-
ca ao apresentar um reality
de gastronomia (“Rolling
Kitchen Brasil”) enquanto a
fome voltava a explodir no
país. Desconforto que resul-
tou na ideia de doar R$ 10
mil a instituições de comba-
te à fome a cada episódio.
Na receita do programa, ele
cutuca a ferida e faz cócegas,
falando de comida com a ex-
periência de quem aprendeu
apilotarofogãoaos9anos.Os
pais saíam para trabalhar e a
responsabilidade de alimen-
tar o irmão era dele.
As lembranças vão ganhan-
donovossignificadosnaatual
realidade abastada de Paulo,
que precisou virar a chave pa-
ra enxergar o próprio valor.
— Quando sonhava ser
Global, pensava sobre o que
precisaria me tornar ou es-
conder de mim. Cheguei no
momento certo, falando so-
bre brasilidade, em que a
emissora entende a necessi-
dade de descentralizar.
Não só entende como pa-
rece ter dado carta branca
para Paulo brincar. Ele zoa o
“Domingão”, o “Criança Es-
perança”, o “BBB’’... Aliás,
Paulo está confirmado com
o Big Terapia no “BBB 23’’:
— Não sei se me deram
carta branca ou eu me dei,
só sei que fui indo, e eles, to-
pando.Umcaminhoque Ta-
tá Werneck, Porchat e Ad-
net também trilharam.
Cheguei me apropriando
dele e não fiz negociações.
Mas há uma confiança.
Paulo sabe até onde ir.
— Às vezes penso: será
que fui longe demais? As pi-
adas que quero fazer passo
três vezes no filtro. As que
arrisco, são as importantes
de serem feitas. Perguntam
se sofro assédio de outras
emissoras. Respondo que só
a Globo suportaria um fun-
cionário como eu. Não só
por ser preto, gordo e prota-
gonista, perfil que não ve-
mos em outras TVs, mas pe-
LONGE DEMAIS?’
PAULO VIEIRA BRINCA COM A FALTA DE
LIMITE DE SEU HUMOR, FALA SÉRIO
SOBRE TRAUMAS DA INFÂNCIA QUE
HOJE O INSPIRAM E ANALISA SUA
ONIPRESENÇA: ‘TEVE O MOMENTO DE
SER COTA, MAS VIREI PROTAGONISTA’
los cutucões que dou. Já es-
taria na rua em outro lugar.
Responsável por revelar
PauloVieiraaomundoemseu
extinto programa na Record,
FábioPorchatodefineassim:
—Ele é a tempestade per-
feita para o humor. Engraça-
do, ousado, escroto, inteli-
genteetemotempoperfeito.
Os dois têm em comum “o
humor de tia”. Uma voz fe-
mininanacomédiaquevem
do fato de considerarem as
próprias mães engraçadas e
de terem sido criados com
avós, tias... Daí o motivo de
acharem que Paulo é gay, ar-
risca o próprio. O humoris-
ta, que namora a influencer
Ilana Salles há seis anos, es-
tá longe de se incomodar
com isso. Mas acha um re-
trocesso ter que dizer “o que
é e o que não é”. Romper pa-
drões é com ele mesmo. As-
sim conquistou posição im-
portante no mercado publi-
citário e virou garoto propa-
ganda de várias marcas:
—Teve o momento de ser
cota e estar na moda, mas vi-
rei protagonista de segmen-
tos que nunca toparam fa-
zer propaganda com gordo,
como a área de comida.
É posição poderosa, sobre
a qual procura estar atento:
—Eumeproduzo,mevisto
bem para ser referência para
quem se parece comigo. Na-
da me deixa mais feliz do que
jovens pretos e gordos dize-
rem que são meus fãs. Quero
criar boas referências para
que essas pessoas não sejam
ridicularizadas na escola.
Tem dias, no entanto, que
Paulo não sustenta essa au-
toestima toda:
— A gente passa tempos
deixando aspessoasfalarem
coisas e até reproduzindo o
discurso. A sociedade nos
ensina a odiar nosso corpo.
E marginalizar um corpo é
invalidar uma existência.
Na hora da baixa autoesti-
ma, haters fazem estragos:
— Ainda estou transfor-
mando meu coração num
CNPJ. Nunca fiz arte para
ser pessoa pública, mas para
ser amado. As pessoas falam
se gostam da Anitta como se
falassem de uma cadeira.
Prezo a espontaneidade e is-
so passa por me mostrar frá-
gil. Mas pessoas se aprovei-
tam disso para piorar tudo.
Por ora, ele segue o fluxo.
No próximo ano, estreia “Pa-
blo e Luisão”, programa ins-
pirado em histórias de seu
pai e do melhor amigo dele.
Fechou com a Paris Filmes
um longa por ano. O primei-
ro, em que interpreta a pa-
rentadatoda,serádezumbie
rodado no Nordeste. No ho-
rizonte de Paulo ainda ca-
bem livros infantis e a vonta-
de de gravar um disco:
— Música é o que desejo
fazer no futuro. Digo que
vou ser comediante até os
35, Mas estudo pedalada
de dois anos por causa da
pandemia.
Um show já está certo:
Paulo vai apresentar a posse
de Lula. Os dois são amigos.
Mais até de Janja.
—Ela tem WhatsApp, Lu-
la,não.Agentemandamen-
sagem e são sete pessoas pa-
ra avisá-lo. Bem tio mesmo.
Dáparaseramigoecobrar?
— A melhor maneira de
cobrar é estando perto.
Do novo governo, ele tem
altas expectativas:
— O governo Bolsonaro
foi caótico e prejudicial
psicologicamente. Espero
poder respirar.