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Odiava tanto que, tão logo cresceu o suficiente para abandoná-lo, aprendeu o
ofício de encadernador de livros e a ele se dedicou. Mas ninguém contraria o
destino: a vida fez com que aos vinte anos, com a morte do pai em 1772, Joseph
Marie voltasse à tecelaria que herdou e assumisse a responsabilidade de mantê-
la em funcionamento. Mister no qual não foi muito bem sucedido.
Com a experiência que havia adquirido nos seus tempos de “draw boy” e com
sua inteligência superior, Joseph Marie logo percebeu que embora complexa, a
tarefa do tecelão era repetitiva por natureza. E tarefas assim são ideais para
serem mecanizadas e automatizadas. Por isso, em vez de dedicar-se a obter
lucro com a produção de sua tecelagem, Jacquard dedicou-se a desenvolver
técnicas para mecanizar o processo de fabricação, o que acabou levando-o a
sérias dificuldades financeiras.
Mas estas dificuldades pouco representavam diante das que estavam por advir
em 1789, com a eclosão da Revolução Francesa. Lyon era uma cidade leal aos
monarquistas e defendia o “ancien régime”. Por isso, em 1793, foi
impiedosamente destruída. Como Joseph Marie Jacquard havia sido membro de
um regimento monarquista, havendo mesmo perdido um filho em ação, evadiu-
se e somente pôde retornar à sua cidade natal dois anos depois.
Mas não há mal que sempre dure (nem bem que sempre perdure...) No final do
século dezoito, com a economia da França seriamente abalada pelos anos de
luta, Napoleão Bonaparte, empenhado na reconstrução do país, soube dos
trabalhos de Jacquard em busca de um processo de mecanização dos teares,
trabalho que ele havia retomado na sua volta a Lyon com a ajuda financeira de
alguns industriais ávidos por recuperar suas tecelagens destruídas na revolução,
e convidou-o para dar seguimento a suas pesquisas no “Conservatoire des arts
et métiers”, agora com o patrocínio do Governo.
Acima do conjunto dos ganchos há uma segunda barra (barra “A”) capaz de girar
se afastando ou se aproximando dos ganchos, presa a duas chapas verticais que
podem se deslocar para cima e para baixo levando com elas a barra “A”.
Cada vez que isso acontece, um novo fio da trama é introduzido abaixo dos fios
levantados da urdidura e acima dos que permaneceram na posição horizontal.
Isto feito, o procedimento recomeça, novo cartão se move para a frente das
hastes verticais, novos fios da urdidura são levantados, mais um fio de trama é
introduzido pela lançadeira e a faina continua, fio a fio. Ainda lenta e trabalhosa,
porém agora inteiramente mecanizada.
Com o advento do Tear de Jacquard já não mais era preciso apelar para o odioso
trabalho dos “draw boys”. Tudo pôde ser automatizado, inclusive o trabalho do
próprio tecelão que, em vez de enganchar fio a fio a ser levantado, pôde exercer
suas habilidades simplesmente olhando para o desenho da tessitura e escolhendo
em um cartão, linha de trama por linha de trama, os locais das perfurações. Ou
seja: efetuar a programação que resultará na transferência do desenho para a
tessitura. Cada linha de trama corresponde a um cartão perfurado.
Achou trabalhoso ter que perfurar um cartão para cada linha de trama? Bem,
estamos falando em uma programação efetuada há duzentos anos atrás em uma
máquina rudimentar para tecer pano. Se você pensar um pouco verá que a coisa
não é assim tão anacrônica. Afinal, os computadores pessoais só se
disseminaram há vinte e cinco anos. Antes disso o que havia eram os
“mainframes”, máquinas de grande porte.
Ao morrer, em 1834, Joseph Marie Jacquard não poderia saber de nada disso,
naturalmente. Mas há de ter morrido contente. Porque, afinal, ele foi um dos
poucos homens a realizar, em sua plenitude, seu maior sonho, o desejo que
carregava consigo desde a infância e cuja consecução talvez o tenha feito mais
feliz que qualquer outras de suas muitas realizações: acabar com o infame ofício
do “draw boy”.