Você está na página 1de 15

Internet:

< Coluna em ForumPCs >


< Analytical
21/08/2006 Engine V: O Tear
de Jacquard >

Terminamos a coluna anterior falando sobre Joseph Marie Jacquard, filho de


tecelões, um jovem “draw boy” que – compreensivelmente – odiava seu
trabalho.

Odiava tanto que, tão logo cresceu o suficiente para abandoná-lo, aprendeu o
ofício de encadernador de livros e a ele se dedicou. Mas ninguém contraria o
destino: a vida fez com que aos vinte anos, com a morte do pai em 1772, Joseph
Marie voltasse à tecelaria que herdou e assumisse a responsabilidade de mantê-
la em funcionamento. Mister no qual não foi muito bem sucedido.

Com a experiência que havia adquirido nos seus tempos de “draw boy” e com
sua inteligência superior, Joseph Marie logo percebeu que embora complexa, a
tarefa do tecelão era repetitiva por natureza. E tarefas assim são ideais para
serem mecanizadas e automatizadas. Por isso, em vez de dedicar-se a obter
lucro com a produção de sua tecelagem, Jacquard dedicou-se a desenvolver
técnicas para mecanizar o processo de fabricação, o que acabou levando-o a
sérias dificuldades financeiras.

Mas estas dificuldades pouco representavam diante das que estavam por advir
em 1789, com a eclosão da Revolução Francesa. Lyon era uma cidade leal aos
monarquistas e defendia o “ancien régime”. Por isso, em 1793, foi
impiedosamente destruída. Como Joseph Marie Jacquard havia sido membro de
um regimento monarquista, havendo mesmo perdido um filho em ação, evadiu-
se e somente pôde retornar à sua cidade natal dois anos depois.

Mas não há mal que sempre dure (nem bem que sempre perdure...) No final do
século dezoito, com a economia da França seriamente abalada pelos anos de
luta, Napoleão Bonaparte, empenhado na reconstrução do país, soube dos
trabalhos de Jacquard em busca de um processo de mecanização dos teares,
trabalho que ele havia retomado na sua volta a Lyon com a ajuda financeira de
alguns industriais ávidos por recuperar suas tecelagens destruídas na revolução,
e convidou-o para dar seguimento a suas pesquisas no “Conservatoire des arts
et métiers”, agora com o patrocínio do Governo.

Foi assim que Jacquard concebeu a primeira máquina programável de todos os


tempos, a pioneira, antecessora dos computadores modernos: o “Tear de
Jacquard”. O primeiro artefato a usar, no início do século dezenove, cartões
perfurados como dispositivos de entrada e armazenamento de programas. Um
prodígio.

Vamos ver como esta maravilha funciona.

Você, que vem acompanhando a urdidura deste texto (urdidura e trama de


narrativas, tecelão, tecelagem, tecer, tecido, tessitura, textura, texto; palavras
com a mesma raiz por uma boa razão: criar um texto é tecer idéias...)
certamente percebeu que toda a dificuldade de criar tessituras complexas
consiste em escolher que fios da urdidura serão levantados e que fios
permanecerão abaixados antes de entremear cada fio da trama. Fazendo isto,
quando se introduz um novo fio da trama, alguns fios da urdidura ficarão acima e
outros abaixo dele e escolhendo judiciosamente a cor dos fios, em operações
sucessivas de inserção de fios de trama de cores diferentes, pode-se criar o
desenho que se desejar sobre um fundo formado pelos fios da urdidura. Na
verdade, nos teares tipo “draw loom”, este era justamente o trabalho do tecelão:
prender, fio a fio da urdidura a ser levantado, nos ganchos pendentes da barra a
ser levantada pelo “draw boy”.

Como automatizar isto?

Como toda a idéia genial, a de Jacquard é bastante simples. Examinemos um


esquema de seu tear na Figura 1, que representa o primeiro passo, ou posição
inicial, da automatização.

Figura 1: Diagrama esquemático do tear de Jacquard.


Na figura, os fios da urdidura saem de um carretel à esquerda e se estendem
para a direita através do tear. Na medida que o tecido vai sendo produzido (ou
seja, que as linhas que formam a trama são entremeadas na urdidura), o
carretel gira liberando mais fio. Cada fio da urdidura atravessa uma anilha (ou,
em alguns casos, um pequeno gancho) presa a uma haste vertical articulada. No
topo de cada haste há um gancho.

O trecho superior de cada haste vertical, acima da articulação, é ligado a uma


segunda haste, esta horizontal, presa a uma barra lateral (barra “B”) por uma
mola. A barra “B” é capaz de se deslocar horizontalmente, puxando a mola e
trazendo com ela as hastes horizontais, o que faz com que as hastes verticais se
dobrem em sua articulação, movendo os respectivos ganchos para baixo (veja
Figura 2). Quando a barra “B” ocupa sua posição mais à esquerda, como
mostrado na Figura 1, as extremidades opostas das hastes horizontais se apóiam
em um anteparo vertical

Acima do conjunto dos ganchos há uma segunda barra (barra “A”) capaz de girar
se afastando ou se aproximando dos ganchos, presa a duas chapas verticais que
podem se deslocar para cima e para baixo levando com elas a barra “A”.

Figura 2: Tear de Jacquard - segundo passo da automatização.


O segundo passo da automatização é representado esquematicamente pela
Figura 2. Nele, são realizados dois movimentos.

O primeiro consiste no deslocamento da barra “B” para a direita, o que provoca


dois efeitos: além de afastar do anteparo as extremidades das hastes verticais,
que acompanham o movimento da barra “B” puxadas pelas molas, abaixa todos
os ganchos devido à articulação do trecho superior das hastes verticais.

O segundo consiste na inserção de um cartão perfurado no espaço agora


existente entre as hastes verticais e o anteparo. Embora sua ação hoje em dia
pareça óbvia, este cartão é a base de toda a concepção do Tear de Jacquard, o
fruto da genialidade de seu inventor, o “segredo do negócio”. É ele, através da
presença ou ausência de uma perfuração em frente a cada haste horizontal, que
selecionará os fios da urdidura que serão levantados. Para entender a razão disto
basta examinar a Figura 3 que representa o terceiro passo da automatização.
Figura 3: Tear de Jacquard - terceiro passo da automatização.
Nele é realizado um único movimento: a barra “B” volta à sua posição original, o
que tende a empurrar as hastes horizontais de volta até encostarem no
anteparo. Agora, no entanto, nem todas podem alcançá-lo, uma vez que entre
suas extremidades e o anteparo intrometeu-se o cartão perfurado. Assim,
apenas as hastes que encontram um orifício neste cartão podem cruzá-lo e se
apoiar no anteparo. As demais, não podendo atravessar o cartão, são por ele
retidas, o que faz com que suas molas se contraiam, mantendo os ganchos
correspondentes abaixados. Somente retornam para sua posição ereta original
os ganchos ligados às hastes horizontais situadas em frente a um orifício do
cartão.
Figura 4: Tear de Jacquard - quarto passo da automatização.
O quarto passo da automatização, mostrado na Figura 4, consiste em um único
movimento: a barra “A” oscila e ocupa uma posição situada imediatamente
abaixo dos ganchos da extremidade superior das hastes verticais. Note que ela
apenas consegue “enganchar” nas hastes situadas em frente aos orifícios do
cartão, já que os ganchos das demais hastes não puderam retornar à posição
original e permanecem abaixados, fora do alcance da barra “A”.

Figura 5: Tear de Jacquard - quinto passo da automatização.


O quinto é último passo da automatização consiste em mover para cima a barra
“A”, levando com ela as hastes verticais situadas em frente aos orifícios do
cartão, as únicas que foram nela “enganchadas”. Isto levanta os fios
correspondentes da urdidura e abre espaço para que uma lançadeira mecânica
introduza um novo fio da trama entre eles e os fios que permaneceram
abaixados.

Resumindo: como dito anteriormente, toda a dificuldade da automatização


consistia justamente em escolher que fios da urdidura levantar. Este era o
trabalho do tecelão, o segredo da execução de tessituras complexas. Pois bem:
basta examinar as figuras acima para entender que no Tear de Jacquard são
levantados os fios situados abaixo de cada furo do cartão perfurado.

Cada vez que isso acontece, um novo fio da trama é introduzido abaixo dos fios
levantados da urdidura e acima dos que permaneceram na posição horizontal.
Isto feito, o procedimento recomeça, novo cartão se move para a frente das
hastes verticais, novos fios da urdidura são levantados, mais um fio de trama é
introduzido pela lançadeira e a faina continua, fio a fio. Ainda lenta e trabalhosa,
porém agora inteiramente mecanizada.

Com o advento do Tear de Jacquard já não mais era preciso apelar para o odioso
trabalho dos “draw boys”. Tudo pôde ser automatizado, inclusive o trabalho do
próprio tecelão que, em vez de enganchar fio a fio a ser levantado, pôde exercer
suas habilidades simplesmente olhando para o desenho da tessitura e escolhendo
em um cartão, linha de trama por linha de trama, os locais das perfurações. Ou
seja: efetuar a programação que resultará na transferência do desenho para a
tessitura. Cada linha de trama corresponde a um cartão perfurado.

Achou trabalhoso ter que perfurar um cartão para cada linha de trama? Bem,
estamos falando em uma programação efetuada há duzentos anos atrás em uma
máquina rudimentar para tecer pano. Se você pensar um pouco verá que a coisa
não é assim tão anacrônica. Afinal, os computadores pessoais só se
disseminaram há vinte e cinco anos. Antes disso o que havia eram os
“mainframes”, máquinas de grande porte.

E, se você é daquele tempo, provavelmente ainda lembra como eram


programados os mainframes: com cartões perfurados, um a um, como no Tear
de Jacquard. Eu mesmo vi pilhas e pilhas dos tristemente famosos “cartões de
oitenta colunas” (veja um deles na Figura 6, obtida no
< http://www.cs.nott.ac.uk/~ef/ComputerXHistory/Peripherals/1967-PunchedCard-1329.htm >
“Eric’s Computer Museum”) nas mãos de sisudos operadores de centros de
processamento de dados. Aquelas pilhas eram os programas que “rodariam” nos
mainframes. Tudo em cartão perfurado. Nada muito diferente dos tempos de
Jacquard...
Figura 6: Cartão perfurado de um computador “moderno”.
Mas, se apesar de tudo isso você ainda acha o Tear de Jacquard complicado, não
se impressione: é complicado mesmo. Veja, na Figura 7, obtida no Sítio de <
http://www.dehora.net/journal/2006/01/the_draw_boy.html > “Bill de Hóra”, uma foto tirada
no interior de um Tear de Jacquard (sim, ainda existem alguns em
funcionamento; este usa cabos e não hastes para alçar as linhas da urdidura). A
câmara foi introduzida entre os cartões que se movem para tecer cada linha de
trama e os cabos que levantam as linhas da urdidura. Se você examinar as fotos
seguintes que mostram outros teares em funcionamento irá reparar que esta
foto foi tirada na vertical, com a câmara dentro do tear, lente voltada para cima;
os cartões estão atrás do fotógrafo e os cabos na sua frente. Parece uma
confusão dos diabos. E é...

Figura 7: Tear de Jacquard: cartões.


Parte desta confusão deve-se ao fato de que, se você tem uma figura com
padrões que se repetem no sentido transversal do tecido, como a belíssima
tapeçaria de Sigrid Piroch mostrada na Figura 8 (cuja imagem foi obtida em   <
http://www.artsstudio.org/jacquard_weaving.htm > seu sítio), pode fazer com que, em vez
de uma única haste vertical, como mostrado na Figura 5, cada gancho acione
diversos cabos, como na Figura 7, cada cabo levantando um fio da urdidura (por
isso a Figura 7 parece tão diabolicamente complicada). Assim, basta fazer com
que os furos no cartão correspondam a uma única faixa longitudinal da tessitura,
faixa esta que se repete ao longo de toda a largura do tecido já que o mesmo
“furo” levanta diversos cabos, presos a fios da urdidura separados pela mesma
distância. Repare, na Figura 8, nas três faixas verticais idênticas que se repetem.
Em um caso como este, basta criar as perfurações para executar a tessitura de
uma única faixa e fazer com que ela se repita lateralmente prendendo em cada
gancho acionado por um furo do cartão o número de cabos correspondente ao
número de repetições (no caso, três cabos por furo).

Figura 8: “Mountain Mist”,


de Sigrid Piroch.
Este procedimento repete uma tessitura ao longo da largura do tecido. Repeti-la
ao longo do comprimento é simples: basta fazer com que os cartões voltem a
passar na frente das hastes, indefinidamente, na mesma ordem, prendendo os
cartões uns nos outros (como se vê na Figura 7) de tal forma que o último cartão
fique preso ao primeiro, em um ciclo que se repete à exaustão enquanto houver
fio no carretel (se isto lhe soa familiar, é porque é mesmo: este é o conceito de
“loop” na programação moderna). Se tem dúvidas, não se preocupe: você
entenderá isto melhor examinando as outras fotos de Teares de Jacquard
mostradas adiante.

A invenção de Jacquard data de 1801. Com ela, segundo a Wikipedia, “mesmo


tecelões amadores podiam tecer figuras complexas”. Napoleão ficou tão
impressionado com o feito que concedeu ao antigo “draw boy”, além de uma
pensão vitalícia, a comenda da “Legion d’Honneur”, a maior honraria concedida
pela nação francesa e tentou, através de um decreto datado de 1806, tornar o
uso de seu tear obrigatório em Lyon. Mas encontrou forte resistência.

É da natureza humana reagir a tudo o que é novo, principalmente quando a


novidade implica risco para o trabalho de uma numerosa categoria profissional.
Mesmo hoje em dia há quem reclame da informática aplicada à automação
industrial alegando que ela “rouba” empregos dos operários, esquecendo-se dos
empregos que ela cria para os técnicos de manutenção dos equipamentos de
automação, os profissionais de informática em geral e para programadores em
particular, empregos estes com maior nível de remuneração do que aqueles que
foram perdidos, embora requerendo maior especialização e um grau de educação
formal mais avançado.

Protestos desta natureza, organizados por cocheiros receosos de que o novo


“cavalo mecânico” roubasse seus empregos, ocorrem desde que James Watt
aperfeiçoou o invento de Thomas Newcomen e patenteou a máquina a vapor. E
pelas mesmas razões, no início dos anos 800, Teares de Jacquard foram
queimados em Lyon por tecelões que se rebelaram contra a novidade. Mas o
mercado tem suas razões: tão logo o uso dos Teares de Jacquard começou a se
disseminar na Inglaterra, a França, lutando pela liderança industrial,
pressurosamente os adotou em massa.

Teares de Jacquard passaram então a se espalhar por todo o mundo. A Figura 9,


obtida na < http://www.columbia.edu/acis/history/jacquard.html > “Columbia University
Computing History”, mostra uma reconstituição do tear original conforme
concebido pelo inventor, em exibição no Shelburn Museum. O tear funciona
perfeitamente ainda hoje e pode-se perceber ao centro (no alto) e à esquerda
(na lateral) o conjunto de cartões encadeados.
Figura 9: Ter de Jacquard (reconstituição).
Já a Figura 10 é uma reprodução de xilogravura de 1858 obtida no <
http://www.deutsches-museum.de/ausstell/meister/e_web.htm > Deutsches Museum que
mostra uma grande tecelagem com diversos teares de Jacquard. Os teares estão
do lado direito da gravura e os cartões são perfeitamente visíveis na frente das
máquinas.
Figura 10: xilogravura mostrando tecelagem do século dezenove.
O Tear de Jacquard foi o primeiro dispositivo a usar cartões perfurados para
armazenar uma seqüência de ações previamente concebidas, ou seja, o primeiro
dispositivo programável da história da humanidade. Embora ele mesmo não
efetuasse qualquer cálculo ou “computação”, teve uma importância considerável
na história da informática, sobretudo porque, como veremos na próxima coluna
desta série, foi nele que se inspirou Charles Babbage para criar o dispositivo de
entrada de dados de sua Analytical Machine, esta sim o primeiro “computador”
digno do nome.

Um conjunto de cartões perfurados com proficiência podia “armazenar” uma


complexa combinação de ações do tear cujo resultado seria um tecido com uma
tessitura intrincada, cujo valor dependia de sua beleza. E toda a dificuldade
consistia na criação da textura, ou seja, na perfuração dos cartões. Pois a
fabricação propriamente dita, ou seja, a tecelagem, era simples, já que não era
necessário ser um tecelão habilidoso para reproduzi-la: qualquer pessoa de
posse do jogo de cartões poderia fazê-lo em qualquer Tear de Jacquard. Por isso
os jogos de cartões eram guardados cuidadosamente pelas tecelagens e era
relativamente comum seu furto ou cópia não autorizada. Portanto, engana-se
quem pensa que pirataria de software é uma atividade de vanguarda: trata-se de
um delito praticado há pelo menos duzentos anos.

Com o invento de Joseph Marie a produtividade das tecelagens aumentou


extraordinariamente. Um bom Tear de Jacquard, mecanizado, poderia tecer
diariamente dez metros lineares de um tecido de seda com uma tessitura
complexa, em vez dos 12,5 centímetros quadrados da era não mecanizada. Além
disto, basta um olhar para a Figura 10 para entender que a produção poderia ser
multiplicada quantas vezes se quisesse reproduzindo o jogo de cartões
correspondente à tessitura desejada e instalando um jogo em cada tear, um
arremedo daquilo que hoje conhecemos por “computação paralela”.

Os Teares de Jacquard funcionaram durante quase dois séculos (alguns


funcionam até hoje) sem qualquer alteração conceitual significativa, apenas
aproveitando melhorias na técnica de fabricação industrial. Veja, na Figura 11,
duas vistas de exemplares mantidos no Deutsches Museum, de Munich,
Alemanha (fotos obtidas em http://www.victorianweb.org/index.html “The Victorian Web”).
Note, no exemplar da esquerda, a quantidade de cartões que formam sua
programação e o grande número de cabos que descem para movimentar os fios
da urdidura. Veja, no exemplar da direita, a complexidade da programação dos
cartões perfurados.
Figura 11: Teares de Jacquard.
Hoje, Teares de Jacquard são raros e usados apenas em tecelagens artesanais.
Se você entrar em uma tecelagem moderna verá máquinas poderosíssimas,
inteiramente automatizadas, tecendo milhares de metros de pano com
intrincadas tessituras, mas não verá sinal de cartões perfurados. Eles foram
substituídos. E o mais irônico é que foram substituídos justamente por seu
descendente longínquo, porém direto: o computador. O que você vê na Figura 12
é justamente o esquema de uma tessitura complexa (uma manta ou cobertor) na
tela do computador usado para ajustar os parâmetros do programa que
controlará o tear que a irá tecer.

Figura 12: tessitura complexa e programa para tecê-la.


O Tear de Jacquard teve imensa importância. Sua disseminação, embora
reduzindo significativamente o número de emprego dos velhos tecelões, fez com
que aparecesse um novo profissional: aquele especialista em engendrar
complexas tessituras e transcrevê-las diretamente em cartões perfurados, o
predecessor de duas importantes atividades humanas: a de “industrial designer”
(desenhista ou engenheiro industrial) e a de programador. Como a produtividade
das tecelagens aumentou extraordinariamente, os preços do tecido se reduziram
e permitiram que mais pessoas tivessem acesso a tecidos de boa qualidade para
suas roupas. Os reflexos se desdobraram em ondas que levaram desde a criação
das grandes cadeias de roupas “pret-a-porter” até a vigorosa indústria da moda.
E se você pensar um pouco verá que o próprio conceito de “moda” só foi possível
graças à revolução causada pelo Tear de Jacquard na indústria têxtil, já que
antes dele o tecido era tão caro que não se concebia deixar de usar uma roupa
apenas porque seu modelo “saiu de moda”. Isso sem falar na possibilidade da
reprodução de criações artísticas em tapeçaria, como os trabalhos de Sigrid
Piroch mostrados nesta coluna e na anterior e na bonita peça exibida na Figura
13: a estampa do próprio Joseph Marie Jacquard tecida em um Tear de Jacquard
a partir de um retrato seu, talvez a mais bela homenagem que se lhe possa
prestar.

Figura 13: Joseph Marie Jacquard.


Mas a influência do Tear de Jacquard vai muito além da indústria têxtil. Pois, com
o conceito dos cartões perfurados, ele criou as bases do controle de programas
em que se apóia toda a informática moderna. Foi o responsável direto pelas
fundações daquilo que, quase um século depois, permitiu a Hermann Hollerith
patentear a máquina (de cartões perfurados, naturalmente) que tabularia os
resultados do censo de 1890 dos Estados Unidos da América em apenas dois
anos e meio, fundar a Tabulating Machine Company, mais tarde Industrial
Business Machines, que se tornou conhecida pelas iniciais IBM, e lançar as bases
da industria da informática moderna.

Ao morrer, em 1834, Joseph Marie Jacquard não poderia saber de nada disso,
naturalmente. Mas há de ter morrido contente. Porque, afinal, ele foi um dos
poucos homens a realizar, em sua plenitude, seu maior sonho, o desejo que
carregava consigo desde a infância e cuja consecução talvez o tenha feito mais
feliz que qualquer outras de suas muitas realizações: acabar com o infame ofício
do “draw boy”.

Você também pode gostar