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Brasil,
uma
economia
que não
aprende
Novas perspectivas para
entender nosso fracasso
Brasil,
uma
economia
que não
aprende
Novas perspectivas para
entender nosso fracasso
Bibliografia
ISBN 978-65-991040-0-8
20-36254 CDD-338.981
Índices para catálogo sistemático:
2020
Agradecimentos
Índice
Apresentação.................................................................................................. 13
1. Introdução.................................................................................................. 25
Referências Bibliográficas......................................................................... 197
Apoiadores....................................................................................................217
indústria
substantivo feminino
1. habilidade ou aptidão para realizar algo;
2. arte, destreza, perícia.
Licenciado para - Roselaine Navarro Barrinha - 02260165958 - Protegido por Eduzz.com
Apresentação
João Sayad
Prefácio
Luiz Gonzaga Belluzzo
P
aulo Gala e André Roncaglia oferecem aos leitores
interessados um livro com um título instigante: Brasil, uma
economia que não aprende. Já na casa dos 77 anos, arrisco a pele
para sugerir que o Brasil já foi uma economia que ensinou. Nos idos de
1978, uma missão chinesa aportou às terras de Pindorama para obser-
var e indagar das façanhas brasileiras na caminhada para a industrial-
ização e o desenvolvimento. Nesse momento, fumegavam no Império
do Meio as reformas de Deng Xiaoping e o Brasil liderava com folga
a marcha da industrialização entre os países então ditos “em desen-
volvimento”, hoje apelidados de “emergentes”. A visita chinesa ocor-
reu um ano antes do gesto americano empunhado por Paul Volcker
em outubro de 1979. A elevação da taxa de juro pelo Federal Reserve
deu impulso à “nova expansão americana”. À sombra do fortalecimen-
to do dólar, os Estados Unidos impuseram a liberalização financeira
Urbi et Orbi, assim como impulsionaram a metástase produtiva para o
Pacífico dos pequenos tigres, e do Novo Dragão chinês.
No livro Os antecedentes da tormenta ousei escrever que, em
todas as etapas, o capitalismo em seu movimento engendra transfor-
mações financeiras, tecnológicas, patrimoniais e espaciais que decor-
rem da interação de duas forças: 1) o processo de concorrência movido
pela grande empresa, sob a tutela das instituições nucleares de “gover-
nança” do sistema: a finança e o Estado hegemônico; e 2) as estratégias
nacionais de “inserção” das regiões periféricas. As transformações que
1. Introdução
O
desenvolvimento econômico é uma transformação
estrutural que leva pessoas da agricultura para a indústria e
depois para os serviços modernos, um processo conhecido
como Revolução Industrial. Trata-se, no jargão dos economistas, de
uma mudança do lado da oferta da economia ou, nos termos de Bres-
ser-Pereira (2014), uma sofisticação tecnológica do tecido produtivo.
Países que têm uma estrutura produtiva complexa e sofisticada têm
empresas que investem muito em pesquisa e desenvolvimento de pro-
dutos e serviços (P&D). Empresas de países de estrutura produtiva po-
bre não têm porque investir nessas áreas. O Brasil passa cada vez mais
para esse segundo grupo de economias, uma vez que parou seu pro-
cesso de industrialização no meio do caminho. Viramos reféns do que
os economistas chamam de armadilha de renda média, um ponto em
que o país esgota seu estoque ocioso de mão de obra antes de atingir
um estágio de sofisticação produtiva mais avançado. Vale dizer, ocu-
pamos nossos trabalhadores em atividades de baixa produtividade, es-
pecialmente serviços não escaláveis, agropecuária, commodities e in-
dústrias de baixa intensidade tecnológica.
O Brasil conseguiu avançar muito em sua transformação es-
trutural até os anos 1980; chegou na metade da jornada, parou e depois
começou a regredir. Nosso sistema produtivo caminhou no sentido de
diversificação e aumento da complexidade até os anos 2000, depois re-
grediu e voltou a se especializar em produtos menos complexos. Quase
conseguimos nos desenvolver, faltou pouco. No início dos 1980 a pro-
dução industrial brasileira era maior do que a chinesa e a coreana soma-
das. Exportávamos todo ano mais do que esses dois países, hoje ícones
de sucesso de desenvolvimento econômico no mundo. Por que para-
mos? Uma explicação simples: perdemos o bonde da sofisticação pro-
dutiva mundial. Sabíamos fazer muitas coisas, hoje não sabemos mais.
A indústria brasileira quase chegou a padrões mundiais e quase con-
quistou mercados lá fora; os anos 1980 foram o ápice de nosso desen-
volvimento tecnológico relativo. Desde então, as indústrias brasileiras
foram perdendo espaço no mundo e no mercado interno e hoje somos
capazes de fazer bem menos produtos. Nossa capacidade tecnológica
está minguando. Nossa sofisticação produtiva vai pelo ralo e a comple-
xidade do tecido produtivo brasileiro só diminui.
A era Vargas, depois JK, o milagre econômico e o II PND, apesar
de todos seus problemas, coroaram o salto tecnológico e de complexida-
de da economia brasileira do período desenvolvimentista. A Petrobras,
a CSN, o BNDES e tantos outros marcos do Brasil foram criados nessa
fase. O plano de metas de JK lançou as bases de infraestrutura rodoviá-
ria, ferroviária e energética que usamos até hoje. A construção de Brasí-
lia iniciou a integração da região central do país com o arco litorâneo das
cidades da época colonial. A exploração do Planalto Central e hoje nossa
agricultura de ponta no centro-oeste se devem a esses passos ousados da-
dos nessa época. Foi também um período de excessos, com endividamen-
to público, emissão monetária inflacionária e desequilíbrios internos e
externos. Nos anos 1960 as importantes reformas institucionais (moder-
nização da lei trabalhista, reforma do sistema financeiro, criação da cor-
reção monetária, do SFH etc.) lançaram as bases para o crescimento do
país nas décadas subsequentes. As exportações de produtos manufatura-
dos cresceram a um ritmo explosivo no milagre econômico, o crédito se
ampliou fortemente. As manufaturas brasileiras começaram a conquistar
mercados no mundo e finalmente o Brasil melhorou seu perfil exporta-
dor, reduzindo a dependência de café e bens agrícolas. Lembremo-nos da
importância dada às exportações de manufaturas nos 1970 e da política
de minidesvalorizações cambiais do ministro Delfim Netto. Após o pri-
meiro choque do petróleo, os militares lançam o II PND, que logrou ain-
da produzir crescimento em um período de instabilidade. Itaipu, Rodovia
dos Bandeirantes, polos petroquímicos, obras todas dessa época.
Os desequilíbrios causados pelo II PND foram ainda maiores
do que na era pós-JK. Grande parte dos investimentos foi apoiada em
estatais com dívida externa. Pagamos a conta nos anos 1980. Essa fase
ficou conhecida como a década perdida da economia brasileira: hiper-
quase 25% do PIB caiu para 10% em 2018. Países como Coreia de Sul, Ja-
pão e Alemanha têm ainda hoje setor industrial na casa de 25% do PIB.
Tailândia e China chegam a 30% de indústria no PIB. Na Índia, Vietnã,
Turquia e países do Leste Europeu, o setor industrial segue conquistan-
do espaço. Até mesmo países que desenvolveram muito o setor de ser-
viços sofisticados como EUA, Canadá e Austrália, com renda per capita
na casa de US$ 50 mil, têm indústria que representa 10% do PIB, mas em
termos de renda per capita têm produção industrial de 3 a 4 vezes maior
do que a brasileira; tanto EUA quanto Austrália quando mais pobres
já tiveram mais de 20% do PIB em indústria (ver apêndice estatístico).
O Brasil se desindustrializou antes de ficar rico. Claro que nos-
so setor agropecuário e minerador são potencias, mas por si só serão
insuficientes para trazer desenvolvimento econômico ao Brasil. Todas
potências agrícolas no mundo são também potências industriais. A mi-
neração e a agropecuária nunca representam mais do que 10% do PIB
de qualquer país rico, e empregam em média somente 5% das pessoas
em idade de trabalhar. Países muito pobres têm contingentes enormes
de pessoas ainda na agricultura de subsistência não produtiva, muitas
vezes acima de 25% da força de trabalho. No mundo todo, 50% dos em-
pregos está concentrado em serviços não escaláveis que têm baixa pro-
dutividade. A diferença entre países ricos e pobres está nos outros 50%;
quanto mais pessoas trabalhando em indústrias medium e high tech
e serviços empresariais escaláveis, mais próspera a nação. Países ricos
produzem serviços sofisticados como Uber, Netflix e Amazon; nós diri-
gimos Uber, assistimos Netflix e compramos na Amazon.
Veremos neste livro que Eugênio Gudin estava errado ao de-
fender nossa vocação agrícola como o caminho para o enriquecimen-
to, e que Roberto Simonsen estava correto ao destacar a importância
da indústria (Simonsen e Gudin, 2010). Ao desenvolver seu potencial
produtivo, países vão aprendendo a fazer produtos mais sofisticados
e complexos. Os bens industrializados e serviços sofisticados são mais
ricos em conteúdo tecnológico e demandam mais capital humano em
sua produção. Em geral, são feitos com máquinas modernas e têm
economias de escala e escopo que trazem mais produtividade; quan-
to mais se produz, menor é o custo unitário de produção e maiores
podem ser os lucros e salários envolvidos no processo produtivo. As
empresas que produzem esses bens conquistam, via patentes, marcas
e conhecimento proprietário, poder de monopólio, e conseguem in-
fluenciar os preços nos mercados onde vendem seus produtos. Seus
O
processo de desenvolvimento sempre intrigou os
economistas. Pensadores do passado como o italiano Antonio
Serra, de Nápoles, no início do século XVII; John Cary, de Bris-
tol, no final do século XVII; ou Duarte Ribeiro de Macedo, de Portugal,
na mesma época se indagavam sobre o que fazer para acelerar o progres-
so do reino e alcançar riqueza para todos. Veneza se tornou poderosa aos
olhos de Antonio Serra porque conseguiu criar um cluster de indústrias,
inovação, aprendizagem, comércio e pessoas qualificadas, num processo
de “cumulação causativa”. Estes fatores juntos colocaram Veneza numa
trajetória diferente daquela em que Nápoles se encontrava. Para Serra,
Nápoles com sua estrutura agrária não seria capaz de resolver seus pro-
blemas econômicos sem criar uma base produtiva semelhante à de Ve-
neza. Para o embaixador português em Madri, Duarte Ribeiro de Mace-
do, a pobreza de Portugal nos anos 1600 estava relacionada à ausência de
manufaturas e indústrias no Reino (o termo usado na época era artes);
um pouco disso se observava na Espanha, que perdeu suas manufaturas
da região de Segóvia para outros países. Para Duarte Ribeiro de Macedo,
o atraso de Portugal estava ligado à ausência de processos produtivos
mais sofisticados como o que se via nas manufaturas inglesas e holande-
sas. John Cary, grande comerciante de Bristol, explicou a dinâmica das
manufaturas da Inglaterra em seu belíssimo livro de 1695 An essay on the
state of England in relation to its trade, its poor, and its taxes, for carrying on
the present war against France (Cary, 2010). Muito antes de Adam Smith
ter escrito o livro A riqueza das nações que se tornou clássico, esses eco-
nomistas já estudavam a questão da riqueza e da pobreza das nações, que
perdura até hoje e continua inflamando corações e mentes.
A divisão do trabalho, “causa do aprimoramento das forças
produtivas”, aparece na obra de Smith (2003) como um dos pilares do
avanço produtivo e, portanto, dos ganhos de produtividade. O famoso
exemplo da fábrica de alfinetes mostra em detalhe como a especializa-
ção produtiva e a divisão de tarefas traz ganhos de produtividade. Para
Adam Smith, a divisão do trabalho encontrada nas manufaturas era da
maior importância para explicar os aumentos de produtividade dos tra-
balhadores devido a três motivos: I) aperfeiçoamento e aumento de ha-
bilidade decorrente da concentração em uma única atividade, destreza,
nas palavras de Smith, II) economia de tempo relativo a mudanças de
local e de atividades em casos de divisão do trabalho, e III) mecanização
do processo produtivo ou utilização de máquinas inventadas pelos tra-
balhadores, fabricantes de máquinas e “filósofos”.
Smith fornece contas específicas para as fábricas de alfinetes
que visitou e conjectura que um trabalhador sozinho talvez fosse ca-
paz de produzir uns 20 alfinetes por dia, ou talvez até mesmo um só
por dia se tivesse que conduzir o processo do começo ao fim. Enquan-
to numa pequena fábrica de alfinetes com 10 pessoas, graças ao pro-
cesso integrado de produção e a grande divisão do trabalho, um tra-
balhador era capaz de produzir até 4.800 alfinetes por dia na média.
Uma produtividade individual monumentalmente maior do que no
caso de produção sem divisão do trabalho. Smith menciona que as
atividades não são neutras do ponto de vista de potencial de geração
de divisão do trabalho; algumas atividades são mais propícias, outras
menos. Serviços não sofisticados, agricultura e recursos naturais ten-
dem a promover menor divisão do trabalho, como veremos adiante.
Bangladesh e Vietnã
obra atraiu a tradicional indústria têxtil, que representa hoje mais de 90%
das exportações do país. Retirou dezenas de milhões de pessoas da agri-
cultura de subsistência, de baixa produtividade, e as colocou na indústria,
dobrou sua renda per capita de US$ 2 mil para US$ 4 mil nos últimos 20
anos. Como próximo passo, a intenção do governo é estimular ativida-
des mais complexas em outros setores e na própria indústria têxtil, como
bordados, apliques e materiais de alta performance, mas acima de tudo
desenvolver outros setores. Nesse ponto, chama a atenção a tentativa de
emular a estratégia da vizinha Índia, por meio do estímulo a serviços de
TI e farmacêuticos. Na indústria farmacêutica, Bangladesh ainda vem se
aproveitando das renúncias a tratados internacionais de propriedade in-
telectual devido ao seu status de país menos desenvolvido com o objetivo
de estimular a produção de medicamentos genéricos e a granel. Um caso
curioso de Bangladesh é que o pontapé inicial da indústria de têxteis foi
dado partir de tecnologia trazida da Coreia para se aproveitar da mão de
obra barata no país. Um empreendedor local atraiu a empresa Daewoo da
Coreia do Sul e a partir daí clusters de produção de tecidos foram se for-
mando e expandindo na região. No contexto do acordo comercial de mul-
tifibras (MFA) dos EUA com a Ásia, os coreanos aproveitaram Bangladesh
como base exportadora para se enquadrar na cota definida pelos EUA.
O MFA estabeleceu cotas firmes para a quantidade de roupas que
outros países poderiam vender para os Estados Unidos e países europeus.
As regras eram incrivelmente detalhadas: o Sri Lanka podia vender ape-
nas uma quantidade certa de sutiãs para os EUA a cada ano. A China po-
deria vender camisetas e nada mais. Empresários em Bangladesh fizeram
um acordo original com a coreana Daewoo para iniciar uma grande fábri-
ca de roupas em Chittagong, Bangladesh, com características coreanas.
Naquela época, a Daewoo era uma grande fabricante de camisetas, mas
a Coreia do Sul já havia atingido sua cota no âmbito do MFA. Isso deu às
empresas coreanas um incentivo para se instalar em outro lugar, como
Bangladesh, para poder fabricar roupas para exportação aos EUA.
Claro que esses dois países estão longe ainda de enriquecer, qui-
çá atingir o nível de renda média acima dos US$ 10 mil por ano. Para isso
precisam avançar muito na jornada da sofisticação produtiva, não bas-
tando somente se industrializar, mas migrar para produtos mais com-
plexos. As atividades industriais de baixo valor agregado e intensidade
tecnológica praticadas por Vietnã e Bangladesh podem ser caracterizadas
como “dog industries”, em geral praticadas em países pobres. Como nos
ensinam Kattel e Reinert (2010, p. 7), entender o subdesenvolvimento é
O setor de serviços
A
dam Smith explicou a base do funcionamento do sistema
capitalista em sua famosa passagem de A riqueza das nações: “Não
é da benevolência do outro que devo aguardar o meu sustento,
mas do interesse que os outros têm pelos produtos que posso produzir”.
Quanto mais raro e mais valioso for o que eu produzo, maior o valor que
as pessoas estarão dispostas a pagar pelo meu esforço. Por outro lado,
quem não tiver talentos que lhe diferenciem dos outros estará fadado a
concorrer com vários outros também com potencial mediano e recebe-
rá menos pelo seu esforço. O capitalismo é baseado na liberdade de in-
ciativa, no autointeresse de se ganhar a vida por meio da venda de um
bem em troca de lucro, isto é, um ganho que exceda os gastos para ma-
nutenção do capital produtivo ou financeiro. Os proprietários de terra,
de imóveis e de invenções e patentes recebem uma renda por deterem a
propriedade deste capital na forma de juros, aluguéis e de royalties. Po-
rém, como ensinou Karl Marx, uma vez que nem todos têm capital ou
propriedades resta-lhes apenas a possibilidade de oferecer sua força de
trabalho e receber um salário em troca de sua produtividade.
Goste-se ou não do capitalismo, foi o arranjo institucional que
mais desenlaçou o potencial humano para a criação e para a produção.
Mais do que isso, como nos mostra Bresser-Pereira, só é possível pen-
sarmos em desenvolvimento econômico no contexto do capitalismo.
Justamente por ter sido este o único sistema capaz de difundir o tra-
Desde antes de Adam Smith até meados dos anos 1960, a preocupação
central dos economistas era com a primeira pergunta, isto é, as causas
e os motores do crescimento econômico. No plano da discussão entre
economistas, o centro vai se deslocando dos metais preciosos e do co-
mércio (mercantilistas) para a qualidade produtiva da terra (fisiocra-
tas), daí migra para a combinação de máquinas e trabalho no espaço
da produção (economistas clássicos e neoclássicos), e, por fim, o mo-
tor do crescimento foi identificado na educação e na inovação tecno-
lógica (de Karl Marx, Joseph Schumpeter e Alfred Marshall em dian-
te). Mesmo quando o problema era a desigualdade, o foco da análise
recaía sobre as taxas desiguais de crescimento entre as nações, o cha-
mado problema da convergência dos níveis de renda ou catching-up.
Afinal, a organização doméstica da produção depende essencialmente
das trocas comerciais com outras nações. Nenhum sistema econômi-
co mais complexo é autossuficiente. Nenhum país pode contar apenas
com insumos produtivos domésticos e todas as competências técnicas
para produzir tudo o que precisa. A interdependência das nações é o
pano de fundo do desenvolvimento econômico.
Logo, não seria à toa que seus teóricos ventilassem argumentos abstra-
tos – com verniz filosófico e científico – que reforçassem sua posição ge-
opolítica e comercial, e que negavam as práticas que a própria Inglaterra
adotou para se desenvolver. List costumava dizer que os países ricos “chu-
tavam a escada” do desenvolvimento após terem atingido um nível de
avanço econômico e tecnológico. Faziam isso para impedir que os países
atrasados desenvolvessem suas próprias forças produtivas e se tornassem
potenciais concorrentes no plano internacional.
Ciente de tal retórica ricardiana, List defendia que cada país
aplicasse tarifas comerciais sobre produtos importados que protegessem
a lucratividade de suas “indústrias infantes”, bem como lançasse mão
de subsídios que reduzissem o custo de produção dos bens a serem ex-
portados, para garantir maior competitividade. O que List propunha era
o ancestral do processo atual de incubadora tão praticado na conver-
são de uma ideia em produto comercial; observou essas políticas fun-
cionando nos Estados Unidos de Alexander Hamilton no final do sécu-
lo XVIII. Hamilton, o primeiro secretário do tesouro norte-americano
(1789-1795), está entre um dos principais formuladores de medidas pro-
tecionistas que estimularam a instalação e desenvolvimento da indústria
manufatureira norte-americana. Seu conhecido trabalho Report of the
Secretary of the Treasury of the United States, on the subject of manufactu-
res (1791) contém muitas das ideias que seriam depois formalizadas por
Friedrich List no argumento da proteção à indústria infante presente em
seu trabalho National system of political economy (1856).
Antes de List ter escrito seu famoso tratado sobre o assunto,
passou vários anos nos Estados Unidos estudando as práticas protecio-
nistas americanas. O projeto dos Estados Unidos, especialmente dos
estados do norte, se contrapunha frontalmente às recomendações do
liberalismo inglês que, segundo alguns americanos, era produzido para
exportação e não para consumo interno. Um dos exemplos do fervor
protecionista americano no século XIX encontra-se na Guerra Civil.
Além da questão da escravidão, o outro estopim do conflito foi o em-
bate entre o protecionismo da União, que representava as indústrias
do norte, e o liberalismo da Confederação, representando os interes-
ses agrícolas do sul. Abraham Lincoln foi eleito a partir do voto decisi-
vo dos estados protecionistas, especialmente New Jersey e Pensilvânia.
A vitória dos estados do norte na Guerra Civil transformou os Estados
Unidos em um dos mais assíduos praticantes da proteção à indústria
infante até a Primeira Guerra Mundial (ver DeLong e Cohen, 2016).
O
s pioneiros do desenvolvimento desafiaram a visão neo-
clássica acerca da eficiência do mercado, a flexibilidade do
sistema de preços e a elasticidade das estruturas produtivas
como forças que dirigiriam espontaneamente a mudança estrutural
que caracteriza o desenvolvimento econômico. Diferente da pretensa
universalidade das abstrações neoclássicas, a teoria do desenvolvimen-
to já nasceu cosmopolita e, portanto, reconhecia a heterogeneidade
das experiências nacionais. Dentre os nove pensadores tão bem retra-
tados por Fernanda Cardoso (2018) em Nove clássicos do desenvolvimen-
to econômico, três eram do Leste Europeu e três eram latino-america-
nos, de maneira que esses autores se preocupavam com a realidade das
economias atrasadas, isto é, com a periferia do sistema. Vários destes
intelectuais tiveram ampla experiência de emigração e exílio (Rosens-
tein-Rodan, Nurkse, Singer, Hirschman, Furtado), de forma que sua vi-
são de economia foi, assim, profundamente inspirada e motivada pela
experiência real com a pobreza e o subdesenvolvimento em seus paí-
ses. Estes aspectos conferem à teoria do desenvolvimento uma nature-
za holística, que combina aspectos sociais, históricos, políticos e insti-
tucionais, além dos eminentemente econômicos.
Além disso, esta teoria tem uma vocação imediata à sua apli-
cação na forma de políticas de desenvolvimento. Isto se deve ao fato
de que muitos destes autores foram ligados aos organismos multilate-
rais criados no pós-guerra, em sua maior parte vinculados à ONU. Na
CEPAL, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, esta-
O café no Brasil
Shenzhen
Mittelstand na Alemanha
6. Estruturas produtivas
sofisticadas enriquecem países
O
tema da complexidade ganhou destaque em economia
com os trabalhos de Brian Arthur na liderança do Instituto
Santa Fé no Novo México, no final dos anos 1980. Com apli-
cações em várias frentes, a perspectiva de sistemas dinâmicos com-
plexos tem sido usada em diversos campos de pesquisa em economia
e outras ciências, tais como teoria dos jogos, ciência política, biologia,
física. Em economia, as aplicações originais modelavam o funciona-
mento de mercados financeiros, como os indivíduos tomam decisões
em variados contextos, bem como estudos sobre path dependence, isto
é, dinâmicas que dependem de sua trajetória inicial. Recentemente,
os físicos Albert Barabási e César Hidalgo e o economista Ricardo
Hausmann deram novo impulso ao estudo dos sistemas complexos
em economia ao disseminar o uso das redes complexas para o estu-
do do comércio internacional. O mais recente Altas da Complexidade
Econômica de 2011 combina avanços dessa discussão de complexi-
dade com a tecnologia de Big Data para criar um dos mais modernos e
relevantes banco de dados em economia na atualidade. A ironia é que
toda a sofisticação da metodologia de análise dos dados obtém resul-
tados empíricos incrivelmente próximos às teses defendidas por an-
tigos economistas do desenvolvimento e estruturalistas, como vimos
nos capítulos anteriores.
A escada tecnológica
Hubs de conhecimento
D
esenvolvimento econômico é acúmulo de capital
humano de uma sociedade que se traduz na capacidade de
produzir bens e serviços complexos que, por sua vez, geram
poder de monopólio, “lucros excedentes” e altos salários. Para isso não
basta apenas investir em educação. É preciso que exista um setor pro-
dutivo capaz de utilizar as competências gestadas na educação. Em im-
portante passagem da mitologia que envolve a figura de Pitágoras, um
dos mais brilhantes intelectuais da Antiga Grécia, o filósofo pede a seu
escravo que entregue uma moeda a um de seus discípulos, quando este
lhe pergunta para que serve o triângulo em que Pitágoras trabalhava
naquele momento. Teria dito o filósofo a seu pupilo que ele era o tipo
de ser humano que espera um lucro por tudo aquilo que faz. A passa-
gem é marcante por revelar a histórica tensão (talvez antropológica)
entre o saber filosófico, que persegue a verdade, e o saber técnico, que
procura resolver problemas práticos, geralmente associados a alguma
relação custo e benefício. Em palestra na FEA-USP em 2012, o econo-
mista João Sayad disse que “educação não serve para nada”. Após o as-
sombro tomar conta da plateia, o professor ratificou sua declaração
dizendo que a educação é um fim em si mesmo, isto é, prescinde de
motivações práticas. É um exercício de exploração das capacidades hu-
manas cujos efeitos se desdobram não apenas sobre o setor produtivo
– preocupado com o sustento imediato dos grupos sociais –, mas tam-
bém se incorporam ao estoque cultural das sociedades, dentro do qual
que demandam, mas não produzem tecnologia. Para países com boa
complexidade produtiva, por outro lado, a educação é fundamental
para avançar rumo ao topo da escada tecnológica. A educação é mui-
to importante para indústrias medium e high tech e serviços sofisti-
cados. Em países com produção focada em commodities e produtos
low tech, a educação é bem menos relevante, mas tem obviamente um
papel civilizatório fundamental. Em sociedades complexas o desafio
é outro. A educação tem que poder acompanhar as mudanças rápidas
das tecnologias mundiais e tem que haver altos investimentos em ci-
ência e pesquisa (ver Mehta e Jesus, 2014). A Europa com seus altos sa-
lários, por exemplo, não tem mais como sustentar uma sociedade com
empregos fabris de baixa qualidade; pesquisa em ciência e desenvolvi-
mento científico é a única opção de sobrevivência.
Empresas bem organizadas precisam surgir para empregar
pessoas com níveis de educação altos o suficiente para alcançar pro-
dutividade. A eficiência organizacional também se baseia no conhe-
cimento, mas é de um tipo diferente. Não é o conhecimento que um
indivíduo possui, mas o conhecimento que um grande número de in-
divíduos possui sobre como cooperar e coordenar entre si a produção
dentro de uma organização. Sem mediação empresarial e produtiva,
os investimentos em conhecimentos e habilidades codificados em li-
vros podem obter baixos retornos na sociedade. Em particular, na au-
sência de empresas capazes de empregar trabalhadores de forma pro-
dutiva, os investimentos em educação e habilidades só podem resultar
no surgimento de um grande número de pessoas desempregadas com
elevado grau de instrução e de habilidades (Khan, 2019).
Organizações eficientes permitem aos indivíduos aproveita-
rem seu estoque de conhecimento formal e tácito de sorte a realizar
plenamente seu potencial produtivo. Estes dois tipos de saberes po-
dem auxiliar na estruturação de organizações capazes de aproveitar as
externalidades e complementaridades estratégicas que caracterizam
essas atividades. Trata-se de um tipo específico de “conhecimento co-
letivo”, distinto do conhecimento codificado e do know-how incorpo-
rado nos indivíduos. “Sem capacidades organizacionais apropriadas,
os investimentos em outros tipos de conhecimento não conseguem
obter retornos adequados” (Khan, 2019). Embora muitas empresas
de países em desenvolvimento possam adquirir máquinas para mui-
tas atividades básicas de produção e tenham disponibilidade de tra-
balhadores qualificados, falta-lhes a capacidade de processar e operar
Ataris e supercomputadores
D
esde os trabalhos de Antonio Serra em Nápoles dos 1600,
os economistas se preocupam com as causas do crescimen-
to econômico e rotas a perseguir para a prosperidade. Até os
anos 1970, as preocupações giravam em torno da acumulação de ca-
pital, uma expressão pomposa que significa “aumentar a quantidade
de tecnologia à disposição de cada trabalhador”. O foco no crescimen-
to do maquinário e dos equipamentos que constituíam as estruturas
produtivas dos países ficou conhecido como “fundamentalismo do ca-
pital”. Ao longo das décadas, os modelos econômicos foram elabora-
dos para responder à pergunta: se todos os países investirem em má-
quinas e equipamentos e abrirem as suas economias à concorrência
externa, todos eles convergirão ao mesmo nível de renda per capita?
O famoso modelo de crescimento de Robert Solow, publica-
do em 1956, é um marco na busca por esta resposta. A bala de prata do
crescimento se resumiria a dotar os trabalhadores com suficiente quan-
tidade de máquinas para aumentar sua produtividade. Quanto mais po-
bre um país, maior seria o efeito de qualquer adição de capital (pense
no efeito de um trator numa pequena propriedade rural) e, portanto,
maior seria a taxa de crescimento da economia na trajetória até o esta-
do estacionário. Nesta situação, as novas oportunidades de crescimento
se esgotariam e os investimentos deveriam ser suficientes para cobrir o
desgaste das máquinas (depreciação, no jargão) e o crescimento da po-
pulação. Afinal, as máquinas ficam obsoletas ou quebram e precisam ser
ção dos testes, as empresas teriam apenas dois anos para usufruir seu
poder de monopólio de forma a remunerar todo o esforço de pesqui-
sa e desenvolvimento. Qual é o resultado desta “distorção” nos incen-
tivos? Como a duração mínima é de apenas alguns anos para estágios
mais avançados da doença, os laboratórios preferem se concentrar nas
descobertas mais lucrativas, diminuindo a oferta de inovações para es-
tágios iniciais da doença, quando o tratamento tende a ser mais eficaz
e, portanto, a salvar mais vidas, em particular das pessoas em pior con-
dição econômica. Falhas de mercado como esta emergem do desalinha-
mento entre os lucros privados e os interesses coletivos.
No início de 2020, os temores de uma nova pandemia de gri-
pe emergiram com força e rapidez com a identificação do novo corona-
vírus que causou a morte de dezenas de pessoas na cidade de Wuhan,
na China. Devido à interconectividade planetária, o vírus rapidamente
chegou à costa oeste dos EUA, no estado de Washington. Como lidar
com uma crise de saúde pública quando as vacinas são produzidas por
multinacionais espalhadas mundo afora? Isso nos remete aos incenti-
vos à produção de conhecimento especializado, neste caso no setor de
vacinas. Um interessante trabalho de Smith, Lipsitch e Almond (2011)
mostrou uma forte concentração de mercado na produção de vacinas
de interesse global. Entre as grandes empresas farmacêuticas multina-
cionais, apenas duas, a Sanofi Pasteur (parte do grupo Sanofi-Aventis) e
a GlaxoSmithKline, fabricavam uma ampla gama de vacinas geralmen-
te patenteadas para uso em todo o mundo. Outros laboratórios, como
Merck, Pfizer e Novartis, ofereciam uma gama mais restrita de produtos
(associados a indicações específicas de doenças ou nichos de mercado
específicos). Diferentemente de outras fatias do mercado farmacêutico,
em que as receitas foram reduzidas pela expiração de patentes, o setor
de vacinas teve razoável estabilidade no crescimento do faturamento.
Um dos motivos é que vacinas contendo agentes biológicos são muito
mais difíceis de produzir e de patentear “genericamente” do que as dro-
gas com componentes químicos. Além disso, fortes investimentos em
P&D e know-how industrial, bem como os custos associados à formu-
lação do produto final, fornecem altas barreiras à entrada de possíveis
novos participantes, mesmo para vacinas não patenteadas.
Estes exemplos de natureza microeconômica apenas ilustram
casos de produtos ou empresas individuais. No entanto, uma descoberta
como um novo princípio químico ativo ou um método de cortar chapas
de aço com mais precisão abrem novas possibilidades de avanços adicio-
mais razoável deixar a rentabilidade das inovações decidir para onde o di-
nheiro do público vai? Como mostramos, o setor privado não conseguiria
ocupar este espaço do setor público pelos três motivos que já vimos aci-
ma: custo fixo elevado (ou indivisibilidade), elevada incerteza da inovação
e, por fim, as externalidades positivas do conhecimento (apenas parcial e
provisoriamente protegidas pelas patentes). Trocando em miúdos, é pre-
ciso que a pesquisa com maior probabilidade de insucesso não venha co-
locar em risco a existência do agente que a executa. Um insucesso no se-
tor de inovação pode levar uma empresa à falência, mas jamais ao Estado,
que é o único agente poderoso o suficiente do ponto de vista financeiro
capaz de enfrentar o que está além do nosso horizonte conhecido.
Por fim, um quarto obstáculo se impõe: há limites “naturais” à
quantidade de ideias novas que se pode produzir. Quanto mais ideias são
produzidas, mais difícil se torna alcançar uma inovação verdadeiramen-
te disruptiva. Em geral, obtêm-se ideias incrementalmente inovadoras a
um custo cada vez maior, o que reduz a atratividade do gasto em P&D. A
solução para os rendimentos decrescentes do esforço em pesquisa é a co-
operação por meio da criação de sistemas nacionais de inovação, como
os Institutos Nacional de Saúde dos EUA mencionados acima. Contudo,
novamente se coloca o problema econômico: se uma inovação pode ofe-
recer barreiras proibitivas, imagine criar uma rede de instituições e pes-
soas em contínuo esforço em busca de novos conhecimentos.
Montar um sistema nacional de inovação é, portanto, uma mis-
são arriscada, com elevados custos de instalação, de manutenção e de
ampliação. É preciso atingir uma rede com escala mínima de institutos
de pesquisa, universidades (públicas e privadas), pesquisadores e estu-
dantes (com boa formação nos níveis de ensino básico, fundamental e
médio) para que haja produção relevante de inovações. Complementar-
mente, além de um eficaz sistema de registro e de fiscalização de paten-
tes (e um eficiente sistema judiciário que puna a violação das mesmas),
é necessário haver proximidade deste setor de pesquisa básica com em-
presas que invistam em P&D e que consigam, portanto, converter este
conhecimento em bens e serviços que possam ser comercializados de
forma massificada. Devido ao seu peculiar poder de aglutinação e mo-
bilização de recursos via tributação, as sociedades desenvolvidas desig-
naram ao Estado uma tarefa hercúlea e muito dispendiosa. Além disso,
a capacidade do Estado de coordenar e direcionar esforços em diferen-
tes etapas da inovação favorece a sociedade nos setores em que avanços
são necessários. Isso não significa que ele deve ser necessariamente o
binadas. Em seu livro Why information grows, César Hidalgo nos mos-
tra que os produtos são “cristais da imaginação”, o que equivale a dizer
que há “capital humano” incorporado às matérias-primas que formam
os bens finais (Hidalgo, 2015). Este conhecimento significa uma forma
específica de fabricar as partes e combiná-las entre si. Hidalgo nos ofe-
rece um exemplo para iluminar esse aspecto da complexidade, pergun-
tando: Quanto vale uma Ferrari nova? Quanto valem as mesmas peças
e materiais que a compõe, se quebrados depois de um acidente? O valor
claramente está incorporado no design, no motor, na combinação de
todos os equipamentos, na engenharia e beleza de uma Ferrari. As mes-
mas peças que produzem uma Ferrari podem produzir um amontoado
de lata sem qualquer utilidade, muito menos velocidade.
Em um plano mais concreto, por trás de cada Ferrari há uma
rede industrial complexa que aprende com seus erros e usa seus acer-
tos para buscar novidades além do horizonte conhecido. Para além da
eletrizante emoção que a corrida automobilística oferece, com seus
heróis da Fórmula 1 e as histórias pessoais de superação, aquele espa-
ço é um laboratório para expandir a fronteira tecnológica do setor. É
ali que é gestada a tecnologia que eventualmente tornará a vida de mi-
lhões de motoristas mais “confortável”. Indo além, se considerarmos a
indústria automobilística como um todo, são centenas de milhares de
pessoas e empresas trabalhando nessa cadeia produtiva. Quanto mais
tecnologia e mais conhecimento, maior o valor produzido pelas em-
presas e, portanto, mais deste valor pode correr para o bolso de cada
trabalhador (ver Mehta e Jesus, 2014)
Uma das grandes contribuições do economista russo W. Le-
ontief para a ciência econômica foi o estudo das chamadas matrizes
insumo-produto. Leontief estava preocupado em entender o detalhe
das estruturas produtivas, o que cada cidade, região e país produziam.
O conceito de PIB é muito agregado e mistura laranjas, bananas, com-
putadores, reatores etc. A estrutura de oferta capaz de produzir cada
uma dessas coisas é obviamente diferente. Bens muito high tech de-
mandam uma estrutura de oferta intensiva em capital humano, com
alto conteúdo tecnológico, e paga altos salários. Para produzir bana-
nas basta bom clima. Quando olhamos PIB e PIB per capita dos paí-
ses temos que nos lembrar que lá dentro existe muita coisa diferente,
como destacava Leontief. César Hidalgo chamou essa abordagem de
“under the hood economics”; “economia por baixo do capô”. É preciso
desgregar o “PIB” até chegarmos nas estruturas produtivas microeco-
gado por setores e produtos. E como tudo que é ruim pode sempre pio-
rar, alguns setores têm maior vocação inovativa do que outros. Esta é
mais uma das instâncias da máxima: “o que” produzir é tão importante
quanto a quantidade produzida. Em outras palavras, o padrão de espe-
cialização da economia afeta o processo de aprendizagem da sociedade
e, portanto, de seu desenvolvimento (ver Palma, 2014).
O
centro da economia mundial tem alto conteúdo
tecnológico proprietário em seus produtos, logo, tem poder
de monopólio considerável e a periferia não. Isso torna muito
difícil para países da América Latina, África e Ásia chegarem lá. Alguns
países do Leste Asiático conseguiram. O desenvolvimento econômico
pode ser entendido, então, como um processo de aprendizagem produ-
tiva. Alguns países pobres são capazes de aprender ao longo do tempo,
outros não. Essa aprendizagem leva à produção de bens e serviços com
poder de monopólio e alto conteúdo tecnológico, que dificulta o avanço
dos outros (ver Reinert, 2008). O conhecimento produtivo é o grande
valor que um país tem, isso o torna rico. Este conhecimento está nas
empresas, marcas, tecnologias e patentes de propriedade de seu sistema
produtivo. Isso nunca é transferido para os países emergentes, especial-
mente por multinacionais que protegem seu core tecnológico e muitas
vezes drenam tecnologia quando alguma empresa emergente desponta;
compram, absorvem a tecnologia e mandam para a matriz.
Alice Amsden (2001, p. 5) nos relembra que, mesmo na ausência
de patentes, a natureza tácita e proprietária das tecnologias produtivas
dificultam a aquisição de conhecimento. As características de uma dada
tecnologia não podem ser totalmente documentadas, de forma que a
otimização do processo e a especificação do produto permanecem uma
“arte”, dependendo de habilidades gerenciais que são mais tácitas do
que explícitas. Na tipologia empregada por Amsden em seu livro A as-
da Força Aérea Brasileira (FAB), mas uma vitória para Petrópolis e para
as famílias dos trabalhadores. Hoje a Celma, que exporta US$ 2 bilhões
por ano em serviços industriais de alto valor agregado, é a mais eficiente
das unidades de manutenção da GE globalmente.
Gurgel
Automóveis na Índia
A
complexidade econômica se manifesta no grau de
sofisticação produtiva de um país que, por sua vez, reflete o
ritmo de progresso técnico das sociedades. Investimentos em
Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e o número de patentes registradas
são ambas medidas indiretas desses processos. Estudo recente do Ban-
co Mundial mostrou que grande parte da inovação na América Latina
é capitaneada pelo Estado. O trabalho descobriu que nenhum país da
América Latina e do Caribe exibe um nível de patentes que se aproxime
dos países de alta renda. Além disso, a maioria dos países da América
Latina e do Caribe (AL&C) teve menos patentes aprovadas pelo órgão
dos EUA quando comparados a outros países de renda média. O Bra-
sil, por exemplo, registrou apenas cinco patentes por milhão de pessoas
entre 2006 e 2010, metade do número per capita da China (10) e pouco
menos de um quarto do número per capita da Bulgária (22).
Na marcha do desenvolvimento, é preciso correr para se man-
ter no mesmo lugar, já disse o ex-ministro Delfim Netto. Concorrer
no mercado internacional implica se expor ao “estado da arte da tec-
nologia mundial”. É o equivalente a uma versão tecnológica da Copa
do Mundo: só os melhores entram em campo. Manter-se entre os me-
lhores requer investimentos constantes em estratégia, pesquisa e de-
senvolvimento de produtos. Por isso, a conquista de novos mercados
no mundo através do comércio é, sem dúvida, uma manifestação cla-
Novo Desenvolvimentismo
não são suficientes”, de forma que não se pode “ignorar o papel proemi-
nente da política industrial”. A experiência dos países asiáticos que vive-
ram seus “milagres” do desenvolvimento mostra que não apenas “con-
seguiram alcançar o mundo avançado, como o modelo econômico dos
milagres asiáticos resultou em uma desigualdade de renda muito menor
do que na maioria dos países avançados” (Cherif e Hasanov, 2019).
O trabalho propõe três princípios-chave que constituem a “Po-
lítica Industrial Verdadeira”, no original, em inglês, os autores definem
como True Industrial Policy, também descrita como Technology and In-
novation Policy (TIP). A saber: (I) intervenção estatal para corrigir falhas
de mercado que impedem o surgimento de produtores domésticos em
indústrias sofisticadas desde o início, para além da vantagem compara-
tiva inicial; (II) orientação para exportação, em contraste com a típica
“política industrial” falida dos anos 1960-1970, que foi principalmente
industrialização por substituição de importações (ISI); e (III) a busca de
mais concorrência tanto no exterior quanto no mercado doméstico com
rigorosa responsabilidade e com transparência. Além disso, “a importân-
cia do salto tecnológico para as indústrias sofisticadas logo no início e a
ampliação da criação de tecnologia pelas firmas domésticas”, bem como
“políticas que enfatizem inovação e tecnologia em todas as etapas do
processo de desenvolvimento” são determinantes do sucesso na forma
de crescimento sustentado de longo prazo. Por fim, espera-se que, ao
seguirem esta política industrial verdadeira, os países exportadores de
bens primários logrem diversificar e elevar a sofisticação dos seus seto-
res de bens comercializáveis (Cherif e Hasanov, 2019, p. 6).
O Estado é e sempre foi peça central no desenvolvimento tec-
nológico dos países hoje ricos. Exatamente por conta de sua ampla ca-
pacidade de mobilizar recursos via orçamento público, bancos de desen-
volvimento e variadas formas de poupança forçada, o Estado consegue
enfrentar os assombrosos riscos de insucesso envolvidos na pesquisa
básica em inovação tecnológica no estado da arte em cada campo do
saber. Uma vez superada a fase em que os investimentos geram apenas
despesas e nenhum retorno financeiro, as inovações são então apro-
veitadas pelo setor privado que as transforma, por meio de desenvolvi-
mentos acessórios e agregados, em bens ou serviços proprietários co-
mercializáveis na economia. Não é à toa que as histórias em quadrinhos
e o cinema frequentemente retratam cientistas que se tornam vilões,
sob a pressão de prazos de contratos de desenvolvimento tecnológico
com as forças armadas, bem como agências governamentais secretas
O Estado empreendedor
S
e é difícil subir a escada do desenvolvimento para alcançar o
enriquecimento é igualmente desafiadora a tarefa de manter a so-
fisticação e complexidade das estruturas produtivas em face de
grandes mudanças na estrutura global de produção. Recentemente o
historiador do MIT, Peter Temin, mostrou em seu livro The vanishing of
the middle class (O desaparecimento da classe média) que os EUA vêm
passando por um longo processo regressivo em sua estrutura produti-
va com claros e nefastos efeitos concentradores da renda e da riqueza.
Haveria um setor de Finanças, Tecnologia e Eletrônica (FTE) respon-
sável por concentrar grande parte dos rendimentos totais do país, dei-
xando uma parcela muito pequena do produto nacional para um vas-
to contingente de trabalhadores não qualificados alocados em setores
de baixa densidade tecnológica. Para Lance Taylor, da New School for
Social Research, em trabalho recente com a economista Özlem Ömer,
esta dualidade resulta de um retorno da economia norte-americana a
uma estrutura econômica muito desigual, em face de mudanças insti-
tucionais e tecnológicas profundas e da expansão chinesa. A China con-
seguiu deslocar para si grande parte dos empregos industriais de mé-
dia complexidade dos EUA. A pesquisa mostra que a combinação dos
efeitos das mudanças na produção e na produtividade fez que os “seto-
res estagnados” (de baixa produtividade) absorvessem a maior parte da
criação de empregos. A “aniquilação de empregos” se concentrou em se-
tores como tecnologia da informação, atacado, varejo, agricultura e ma-
A curva de Kuznets
P
ara a perspectiva aqui apresentada, o papel do Estado é
fundamental para escapar da armadilha do subdesenvolvi-
mento. A importância das chamadas políticas de ITT (Indus-
trial, Trade and Technology) e de política macroeconômica adequa-
da (Novo Desenvolvimentismo) aparece na discussão como uma das
principais explicações do sucesso dos países hoje considerados ri-
cos. Obviamente que apenas o uso de políticas protecionistas para
desenvolver a indústria nascente não garante o sucesso de empresas e
países. São exemplos de fracasso a tentativa de desenvolver a indústria
aérea na África do Sul e na Indonésia, bem como a lei da informática
e Zona Franca de Manaus no Brasil dos anos 1980 e 1990 e inúmeros
outros exemplos. A história recente da política industrial mostra que
a quantidade de fracassos supera o número de sucessos. Não basta
fomentar uma indústria. Ela precisa crescer, amadurecer e se tornar
eficiente para lutar no cenário internacional, como se observou no
Japão, Inglaterra, EUA e países do Leste Asiático.
Embraer
Weg
gião estavam tendo problemas com pequenos motores elétricos para re-
frigeração vindos de São Paulo, viram espaço para uma nova empresa.
Dada a demanda existente, decidiram produzir tais equipamentos a fim
de atender as necessidades locais, que se inseriam em um contexto nacio-
nal de política industrial de substituição de importação. Adotando desde
o início uma boa política de governança, investimento em capacitação de
recursos humanos e Pesquisa & Desenvolvimento, a empresa elevou so-
bremaneira sua produção e porte corporativo. Em 1970, após visita à Ale-
manha, eles viram que existiam dois tipos de empresas no mercado: as
grandes e dominantes, e as pequenas e fadadas as fracasso. Os empresá-
rios optaram por uma política de não acomodação e decidiram interna-
cionalizar a empresa, iniciando as vendas para o Uruguai, Guatemala, Pa-
raguai, Equador e Bolívia. Dessa forma sabiam que o arranjo do mercado
interno deveria servir de suporte para uma exposição constante ao mer-
cado externo e, assim, evoluir de forma qualitativa e quantitativa.
Na década de 1980, a WEG inicia um processo de diversificação
de sua produção apoiada no constante investimento em pesquisa e de
seu extenso know-how no segmento de motores elétricos. Cria a WEG
Transformadores, WEG Energia, WEG Automação e WEG Química,
que iniciou a fabricação de tintas especiais e verniz eletroisolante. Por
toda a década de 1990 a WEG seguiu investindo constantemente em
pesquisa e na internacionalização constante de suas operações, expor-
tando por ano cerca de 30% de sua produção. Em 2010 a empresa reali-
zou mais uma grande investida estratégica ao participar ativamente do
processo de leilão de energia eólia em parceria com a espanhola MTOI,
e forneceu os aerogeradores do parque eólico de Ibiapina, no Ceará.
Mais uma vez a empresa encadeou um novo segmento produtivo a par-
tir de seu conhecimento “core” em motores e geradores elétricos. A par-
tir da demanda por produção de energias por fontes renováveis provo-
cada pelo Governo Federal, a WEG se posicionou competitivamente em
um setor complexo e na vanguarda mundial de energia. Se associou aos
espanhóis e depois a uma empresa americana, que acabou comprando
para absorver know-how na produção de grandes aerogeradores.
Fundamental destacar o papel do Governo Federal para o flores-
cimento desse novo e promissor mercado de aerogeradores no Brasil. A
partir do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Ener-
gia Elétrica), decreto nº 5.025, de 2004, foi estabelecido um marco regu-
latório que viabilizou a contratação de fontes alternativas em nossa ma-
triz energética e sobretudo a vinculação de 60% de nacionalização dos
13. Conclusão
E
xistem no Brasil atual duas grandes correntes de
economistas com visões de mundo bem distintas acerca do de-
senvolvimento e crescimento. Para o grupo dos economistas
ortodoxos ou “mainstream”, o desenvolvimento econômico tende a
ser um processo espontâneo guiado pelo mercado e que depende ba-
sicamente de boas políticas internas, tais como: governo parcimonio-
so que não tribute demais, bom funcionamento da justiça, controle
da inflação, educação de qualidade, defesa da concorrência. Se es-
sas políticas forem perseguidas, o desenvolvimento será apenas uma
questão de tempo. Seria o equivalente a esperar um bom desempe-
nho de um atleta, garantindo-lhe apenas sua integridade física e a
alimentação diária de sua preferência. Bastaria submetê-lo sistema-
ticamente à “disciplina” das competições de mercado mundial, sem
necessidade de treino, planejamento ou condicionamento físico. Na
metáfora futebolística, os países ricos teriam ficado ricos porque des-
cobriram seus “Romários” em cada posição do campo de futebol, mas
sem um técnico que definisse uma estratégia de jogo. Os exemplos de
Marta (Brasil) e de Salah (Egito) mostram que talento sem estrutura
não garantem a vitória. Os economistas ortodoxos defendem, por-
tanto, a educação e as instituições “corretas” como elementos cen-
trais para o desenvolvimento. Basta descobrir seu talento e jogar sem
a necessidade do técnico (no caso, a política industrial) que os cam-
peonatos e as medalhas virão, mais cedo ou mais tarde. Se não de-
sempenhar bem, troque de esporte.
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Acesso em: 18 maio 2020.
PORTER, M. E. (1980). Competitive strategy: techniques for analyzing
industries and competitors. New York: Free Press.
Apoiadores
E
ste livro só foi possível graças aos 786 apoios recebidos
durante a campanha de financiamento coletivo realizada entre os
dias 11 e 25 de maio de 2020 na plataforma Benfeitoria (https://
benfeitoria.com/brasilnaoaprende). Gostaríamos de agradecer a cada
uma e cada um de vocês que acreditou e se interessou pelo conheci-
mento que compartilhamos agora. Esperamos que da mesma forma que
0 livro nos entusiasmou, inspire e incentive todas e todos no compro-
misso de sempre buscar um país melhor e mais justo. Muito obrigado!
Notas do editor: