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Brasil,
uma
economia
que não
aprende
Novas perspectivas para
entender nosso fracasso

Paulo Gala e André Roncaglia


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Este livro foi editado por financiamento coletivo
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Brasil,
uma
economia
que não
aprende
Novas perspectivas para
entender nosso fracasso

Paulo Gala e André Roncaglia


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Copyright @ 2020 by André Roncaglia de Carvalho e Paulo Gala

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa de 1990.

Capa e Projeto Gráfico: Antonio Carlos Castro


Revisão: Valéria Palma

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Carvalho, André Roncaglia de


Brasil, uma economia que não aprende : novas
perspectivas para entender nosso fracasso / André
Roncaglia de Carvalho, Paulo Gala. -- 1. ed. --
São Paulo : Edição do Autor, 2020.

Bibliografia
ISBN 978-65-991040-0-8

1. Brasil - Condições econômicas 2. Brasil -


Condições sociais 3. Economia 4. Economia - Brasil
5. Indústria 6. Industrialização - Brasil
7. Macroeconomia - Estudo e ensino 8. Política
econômica I. Gala, Paulo. II. Título.

20-36254 CDD-338.981
Índices para catálogo sistemático:

1. Brasil : Política econômica : Economia 338.981

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

2020

Todos os direitos desta publicação reservados aos autores da obra.


Paulo Gala
@PSGala1
https://www.paulogala.com.br/
André Roncaglia
@andreroncaglia
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A quem se destina o livro

Este livro se dirige a iniciantes nos estudos de economia,


economistas profissionais e policy makers que se interessam pelo tema
do Desenvolvimento Econômico. O texto tem um tom informal para in-
centivar o leitor a pesquisar mais sobre os temas tratados, estimular o
debate e tornar a leitura mais interessante. As análises e discussões são
simples, diretas e atuais, mas com forte embasamento teórico e empírico,
além de trazerem recomendações de leitura adicional. O objetivo é moti-
var o leitor a seguir explorando os conceitos e ideais apresentados a partir
da discussão de temas do dia a dia. Além de tratar de debates correntes da
economia brasileira e mundial, o livro aborda temas teóricos de maneira
aplicada, buscando sempre a conexão entre teoria e prática.

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Agradecimentos

Este livro só se tornou possível graças a colaborações e


contribuições de uma infinidade de pessoas que conhecemos e com as
quais pudemos estudar e debater ao longo de nossa vida acadêmica. Se-
ria impossível nomear todos e agradecer os comentários e sugestões re-
cebidos. Fazemos aqui uma tentativa de listar os nomes aos quais deve-
mos inspiração e a paternidade de muitas das ideias discutidas no livro:
Luiz Carlos Bresser-Pereira, José Marcio Rego, Yoshiaki Nakano, Al-
bert Fishlow, Ha-Joon Chang, José Gabriel Palma, Luiz Gonzaga Belluz-
zo, Roberto Frenkel, Lance Taylor, Erik Reinert, Jose Antônio Ocampo,
Gilberto Tadeu Lima, Mark Setterfield, Peter Skott, Raul Cristóvão dos
Santos, Jorge E. C. Soromenho, Fernando Postali, José Francisco Gonçal-
ves, Venilton Tadini, Luís Eduardo Assis, Walter Appel, Ramon Garcia
Fernandez, Codrina Rada, Nelson Barbosa, Gilberto Libanio, K. S. Jomo,
José Luis Oreiro, Nelson Marconi, Fernanda Graziella Cardoso, Luciana
Rosa, André Gal Mountian, Daniel Pereira da Silva, Ivan Salomão, Mar-
co Cavalieri, Fábio Terra, Luiz Fernando de Paula, Lilian Furquim, Már-
cio Holland, Elias Jabbour, Rogério Mori, Jhean Camargo, André Levy,
Rodrigo Medeiros, Alex Alves, Felipe Augusto Machado, Alberto Carlos
Almeida, Ligia Zagato, Fernando Ferro, Paulo Morceiro, Fausto Oliveira,
Marina Liuzzi, Rodrigo Medeiros, Luiz Eduardo Simões, Gabriel Galípo-
lo, Danilo Fernandes Araújo, Igor Rocha, Guilherme Magacho, João Gui-
lherme Machado, Eliane Araujo, João Romero, Elton Freitas, Dominik
Hartmann, Renata Fialho de Oliveira, Wilson Andrade, Gustavo Serra,
Guilherme Klein, Pedro Luiz Aprigio, Cristiano Caris, Kaleb Menezes,
Henrique Alvarez, Allan Nacif, Patricia Albizu, Daniel Bispo, Luís Felipe
Giesteira, Uallace Moreira, Vinicius Pedote, Pietro Parronchi e todos os
nossos leitores do Blog, Twitter, Facebook e Instagram. Sem essas pes-
soas este livro não seria possível. Nosso obrigado a todos!

8 Paulo Gala e André Roncaglia


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Índice

Apresentação.................................................................................................. 13

Prefácio Luiz Gonzaga Belluzzo................................................................... 15

1. Introdução.................................................................................................. 25

2. O segredo da riqueza das nações está na fábrica de alfinetes............ 35

3. Breve história da origem do pensamento


sobre desenvolvimento econômico....................................................... 49

4. Um mundo com centro e periferia........................................................ 63

5. Quem sai na frente costuma ganhar o jogo industrial ....................... 73

6. Estruturas produtivas sofisticadas enriquecem países....................... 83

7. Redes complexas são necessárias


para se produzir bens sofisticados......................................................... 97

8. A sofisticação produtiva depende


da geração e acúmulo de ideias.............................................................. 111

9. Os países ricos têm alto conteúdo tecnológico proprietário............ 125

10. O desenvolvimento econômico depende da ação do estado


e do mercado.......................................................................................... 139

11. Economias complexas são menos desiguais........................................155

12. Erros e acertos no Brasil........................................................................169

13. Conclusão................................................................................................. 179

Lista de siglas e acrônimos........................................................................ 187

Apêndice: Manufaturas no mundo............................................................. 193

Referências Bibliográficas......................................................................... 197

Apoiadores....................................................................................................217

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Para Vitoria, Tomás e Lucas (in memoriam)
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indústria
substantivo feminino
1. habilidade ou aptidão para realizar algo;
2. arte, destreza, perícia.
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Apresentação

Luiz Carlos Bresser-Pereira

T erão razão Paulo Gala e André Roncaglia de Carvalho ao


afirmar no título do seu livro que o Brasil não aprende? Têm, mas
talvez fosse melhor mudar um pouco a pergunta: Por que o Brasil dei-
xou de aprender? De fato, entre 1930 e 1980 a nação brasileira adotou
um regime de política econômica desenvolvimentista e foi o país que
mais se desenvolveu no mundo. Com quem aprendeu? Com os paí-
ses ricos e as revoluções industriais e capitalistas que esses países rea-
lizaram no século XIX. Por que a nação brasileira deixou de aprender a
partir de 1990? Este livro nos dá bons argumentos para responder essa
questão. Resumo-os em uma frase: porque os brasileiros continuaram a
querer aprender com os mesmos países ricos, que adotaram um libera-
lismo econômico radical e passaram a crescer muito pouco. Outra teria
sido a história destes últimos 40 anos se tivessem se inspirado nos paí-
ses do Leste da Ásia que continuaram desenvolvimentistas, mantiveram
suas contas fiscais e suas contas externas equilibradas, não permitindo
que o Estado ou o país se endividassem, e, assim, experimentaram um
crescimento extraordinário e se tornaram ricos.

João Sayad

O livro de Paulo Gala e André Roncaglia nos leva a um incrível


passeio pelo Brasil e pelo mundo dos últimos 30 anos. O traba-
lho atualiza e mostra a relevância dos conceitos e ideias da antiga CE-
PAL para entender o Brasil e o Mundo no século XXI. Nos traz uma vi-
são atualizada da chamada “globalização”. Na grande imprensa e para
o público em geral, a globalização é vista como a vitória do mercado, o
resto é passado. Será que chegamos ao fim da história? O que é globa-

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lização? Apesar de você poder comprar vinhos franceses no armazém


da esquina, o comércio de mercadorias nos anos 1990 era ainda me-
nor, com relação à produção mundial, do que os níveis observados no
final do século XIX. Até o final dos anos 1920, a ampliação do comér-
cio e internacionalização do capital financeiro também foi muito gran-
de. Em 1930, o mundo passou por profunda crise de desemprego que
mudou o curso da história. No período 1945-1979, por causa da Grande
Depressão de 30 e pela ameaça comunista, o mundo capitalista modi-
ficou a política econômica intervindo nos mercados financeiros, regu-
lando as relações entre capital e trabalho, restringindo a conversibilida-
de das moedas e praticando juros menores. O crescimento foi rápido, o
desemprego baixo, e a inflação, crescente. Nazismo na Alemanha, New
Deal e Plano Marshall no pós-guerra, Getúlio no Brasil. Essa fase foi su-
perada. A partir das ideias dos monetaristas, o mundo passou a conside-
rar a inflação como problema mais sério do que o desemprego, que pas-
sou a ser considerado “natural” e cresceu muito. Nesse mesmo período
a Ásia do Leste floresceu seguindo as mesmas políticas usadas na época
de Bretton Woods e New Deal. O Ocidente perdeu espaço, o Oriente
avançou de forma vigorosa. Hoje, Japão, Coreia e China, juntos, já são
maiores do que toda a Europa ou EUA em termos econômicos.
O Japão tem organização muito parecida com mercado, mas
muito diferente, com bancos de desenvolvimento, proteção comercial,
subsídios, oligopólios e cooperação entre empresas e bancos. A melhor
coisa dos países do Sudeste Asiático – que, aliás, poderíamos copiar –
foram os investimentos em tecnologia e educação, que não foram de-
terminados pelo mercado, mas pela visão estratégica dos seus gover-
nantes e pela tenacidade dos orientais. A China tem sido muito citada
como caso de sucesso. Soube aprender os segredos tecnológicos do Oci-
dente e agora cria os seus próprios. O Brasil que já ensinou muitas coi-
sas ao mundo precisa agora voltar a aprender. Este livro de Paulo Gala e
André Roncaglia é uma leitura necessária para a retomada dessa cons-
ciência no Brasil. Uma leitura indispensável para entender nosso fracas-
so e os possíveis caminhos a trilhar para os próximos governos.

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Prefácio
Luiz Gonzaga Belluzzo

P
aulo Gala e André Roncaglia oferecem aos leitores
interessados um livro com um título instigante: Brasil, uma
economia que não aprende. Já na casa dos 77 anos, arrisco a pele
para sugerir que o Brasil já foi uma economia que ensinou. Nos idos de
1978, uma missão chinesa aportou às terras de Pindorama para obser-
var e indagar das façanhas brasileiras na caminhada para a industrial-
ização e o desenvolvimento. Nesse momento, fumegavam no Império
do Meio as reformas de Deng Xiaoping e o Brasil liderava com folga
a marcha da industrialização entre os países então ditos “em desen-
volvimento”, hoje apelidados de “emergentes”. A visita chinesa ocor-
reu um ano antes do gesto americano empunhado por Paul Volcker
em outubro de 1979. A elevação da taxa de juro pelo Federal Reserve
deu impulso à “nova expansão americana”. À sombra do fortalecimen-
to do dólar, os Estados Unidos impuseram a liberalização financeira
Urbi et Orbi, assim como impulsionaram a metástase produtiva para o
Pacífico dos pequenos tigres, e do Novo Dragão chinês.
No livro Os antecedentes da tormenta ousei escrever que, em
todas as etapas, o capitalismo em seu movimento engendra transfor-
mações financeiras, tecnológicas, patrimoniais e espaciais que decor-
rem da interação de duas forças: 1) o processo de concorrência movido
pela grande empresa, sob a tutela das instituições nucleares de “gover-
nança” do sistema: a finança e o Estado hegemônico; e 2) as estratégias
nacionais de “inserção” das regiões periféricas. As transformações que

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hoje observamos são impulsionadas pelo jogo estratégico entre o “polo


dominante” – no caso a economia americana, sua capacidade tecnoló-
gica, a liquidez e profundidade de seu mercado financeiro, o poder de
seigniorage de sua moeda – e a capacidade de “resposta” dos países em
desenvolvimento às alterações no ambiente internacional.
É desnecessário dizer que as economias periféricas dispõem de
estruturas e trajetórias sociais, econômicas e políticas muito desseme-
lhantes, o que dificulta para umas e facilita para outras a chamada “in-
tegração competitiva” nas diversas etapas de evolução do capitalismo.
Assim, por exemplo, a trajetória de sucesso do Brasil, até o início dos
anos 1980, foi interrompida pela crise que iria provocar o seu reiterado
“fracasso” na tentativa de se ajustar às novas condições internacionais.
No polo oposto, o fracasso chinês até os anos 1980 propiciou condi-
ções iniciais mais favoráveis para o sucesso das reformas empreendi-
das a partir de então. A globalização, ao operar nas órbitas financeira,
patrimonial e produtiva, engendrou dois tipos de regiões: aquelas cuja
inserção internacional se faz pelo comércio e pela atração do investi-
mento direto destinado aos setores produtivos afetados pelo comércio
internacional, e aquelas, como Brasil e Argentina, que buscaram sua in-
tegração mediante a abertura da conta de capitais.
Não há como compreender a trajetória da economia brasileira
nas últimas décadas sem mencionar as “visões” que informaram as ca-
madas dirigentes a respeito das razões da crise da dívida externa. O mal,
como sempre, foi atribuído ao intervencionismo do Estado, ao poder
dos interesses corporativos, ao protecionismo, à “repressão financeira”,
aos obstáculos ao livre movimento de capitais. Tais dissonâncias cogni-
tivas nos levaram às políticas econômicas dos anos 1990. Na esteira de
um novo ciclo de liquidez internacional, o Brasil alcançou a almejada
estabilização do nível geral de preços. As classes conservadoras e con-
versadoras não aprendem e ­– ao contrário dos Bourbons – tampouco
se lembram de coisa alguma. Diante da pletora de dólares, passaram a
salivar com intensidade e patrocinar as visões mais grotescas a respeito
das relações entre desenvolvimento econômico, abertura da economia
e relações entre política fiscal e monetária. Aproveitaram a abundân-
cia de dólares para matar a inflação, mas permitiram a valorização do
câmbio, sob a alegação primária (exportadora?) de que a liberalização
do comércio e dos fluxos financeiros promoveria a alocação eficiente
dos recursos. Nesta visão, os ganhos de produtividade decorrentes das
mudanças no comportamento empresarial diante do câmbio valoriza-

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do seriam suficientes para dinamizar as exportações, atrair investidores


externos e deslanchar um forte ciclo de acumulação.
Depois da bem-sucedida estabilização de 1994, os “reformistas
liberais” brasileiros apoiaram sua estratégia em cinco pontos: 1) a esta-
bilidade de preços criou condições para o cálculo econômico de longo
prazo, estimulando o investimento privado; 2) a abertura comercial im-
poria disciplina competitiva aos produtores domésticos, forçando-os a
realizar ganhos substanciais de produtividade; 3) as privatizações e o in-
vestimento estrangeiro removeriam os gargalos de oferta na indústria e
na infraestrutura, reduzindo custos e melhorando a eficiência; 4) a libe-
ralização cambial, associada à previsibilidade quanto à evolução da taxa
real de câmbio, atrairia “poupança externa” em escala suficiente para
complementar o esforço de investimento doméstico e para financiar o
déficit em conta corrente; 5) o gotejamento da renda promovida pela
acumulação de riqueza na camadas superiores – auxiliada pela ação das
políticas sociais “focalizadas” – seria a forma mais eficiente de reduzir a
desigualdade e eliminar a pobreza.
Na verdade, a privatização desarticulou um dos mecanismos
mais importantes de governança e de coordenação estratégica da eco-
nomia brasileira. O setor produtivo estatal – num país periférico e de
industrialização tardia – funcionava como um provedor de externali-
dades positivas para o setor privado: 1) o investimento público era o
componente “autônomo” da demanda efetiva (sobretudo nas áreas de
energia, transportes e telecomunicações) e corria à frente da demanda
corrente; 2) as empresas do governo ofereciam insumos generalizados
em condições e preços adequados; e 3) começavam a se constituir – ain-
da de forma incipiente – em centros de inovação tecnológica.
Os celebrados efeitos da privatização sobre a eficiência da eco-
nomia não se concretizaram. Senão, vejamos: 1) a indexação das tarifas
e preços das empresas privatizadas produziu um aumento expressivo
dos custos dos insumos de uso generalizado e 2) o investimento em
infraestrutura passou a correr atrás da demanda, gerando pontos de
estrangulamento; 3) as grandes empresas “exportaram” os seus departa-
mentos de Pesquisa e Desenvolvimento e os escritórios de engenharia
reduziram dramaticamente seus quadros; e 4) iniciativas importantes,
como o Centro de Pesquisas da Telebras, foram praticamente desa-
tivadas. No debate em curso sobre a situação da indústria brasileira,
há quem proclame desdenhosamente que a desindustrialização é um
“mito”. Mal sabem que a encrenca vai além dos problemas criados pelas

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importações predatórias, danosas à produção corrente e à ocupação da


capacidade já instalada. A abertura comercial com câmbio valorizado e
juros altos suscitou o desaparecimento de elos das cadeias produtivas
na indústria de transformação, com perda de valor agregado gerado no
país, decorrente da elevação dos coeficientes de importação – sem ga-
nhos nas exportações – em cada uma das cadeias de produção. Para jun-
tar ofensa à injúria, esta forma anacrônica de abertura afastou o Brasil
do engajamento nas cadeias produtivas globais.
Com essa estratégia, o crescimento da economia brasileira foi
pífio. O investimento estrangeiro buscou as fusões e aquisições das em-
presas públicas oferecidas pelo festival de privatizações. No outro lado
da cerca, a construção de nova capacidade produtiva na manufatura
deslocou-se para regiões mais atraentes, como a China, onde as políti-
cas cambial e monetária favoreceram as iniciativas de política industrial
e construíram o caminho para o rápido crescimento da exportação de
manufaturados. Os dados da OMC mostram que a China avançou ve-
lozmente na sua participação nas exportações mundiais. Suas vendas
externas evoluíram de menos de 2% em 1998 para 10,4% em 2019. A
China figura em primeiro lugar no ranking dos grandes exportadores,
superando a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos.
A partir de 2003, ainda à sombra de uma política monetária ex-
cessivamente conservadora, o Brasil executou uma política fiscal pru-
dente com queda das dívidas bruta e líquida como proporção do PIB.
A acumulação de reservas construiu defesas para prevenir os efeitos de
uma eventual crise de balanço de pagamentos. Isto foi proporcionado
por uma conjuntura internacional excepcionalmente favorável que
levou às alturas os preços das commodities. Nas condições descritas
acima, seria desejável buscar uma combinação câmbio-juro real mais
estimulante para o avanço das exportações e para o investimento nos
setores mais dinâmicos do comércio mundial. Estes seriam passos de-
cisivos para a integração do país nos fluxos de exportação e importação
exigidos pela nova configuração da indústria global.
A dilaceração das cadeias produtivas pelo “real forte” e a es-
tagnação dos investimentos só serão reparadas com o aumento dos
gastos na formação da nova capacidade, sobretudo nos setores no-
vos e intensivos em tecnologia. Isto vai demandar, sim, o exercício do
animal spirits dos dirigentes empresariais, a centralização do capital,
agora disperso em empresas sem a escala requerida para participar
do atual estágio da concorrência global, e a elevação do gasto autô-

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nomo do Estado. O salto de escala e tecnológico das indústrias brasi-


leiras não vai ocorrer sem políticas adequadas que recuperem o papel
do BNDES. A experiência chinesa demonstra que é incontornável a
constituição de um sistema financeiro formado pela interação virtuo-
sa entre grandes bancos comerciais públicos e privados articulado a
bancos de desenvolvimento de grande porte, rigorosamente regulados
e supervisionados, capazes de desenvolver instrumentos financeiros
destinados para o crédito de longo prazo.
O esperado efeito “acelerador” decorrente desse arranjo vai dina-
mizar os setores já existentes, cuja “proteção” não deve ser concedida sem
contrapartidas de desempenho nas exportações, na inovação tecnológica
e na substituição de importações. A economia mundial está diante de ca-
pacidade de oferta excedente em quase todos os setores, e isso vai tornar
ainda mais acirrada a conquista de mercados. É natural, portanto, que
essas novas relações entre investimento e comércio exigissem uma maior
flexibilidade na importação de insumos, componentes, partes e peças. De
outro lado, a abertura pura e simples às importações não seria suficiente
como fator de atração do investimento externo, na ausência de um regi-
me cambial e de incentivos favorável às exportações. A abundante litera-
tura sobre o desenvolvimento das economias do Leste Asiático demons-
tra inequivocamente que a forte promoção de exportações antecedeu e
combinou-se virtuosamente com a abertura comercial.
A crise de 2008 acirrou a concorrência mundial na proporção
em que os mercados se contraíam. Isto deixou ainda mais patente a
fragilidade da inserção externa da economia brasileira. Não por acaso,
as medidas de incentivo tributário perdem eficácia, neutralizadas pelo
pecado original da valorização da moeda. Isso, além de comprometer
o crescimento, o equilíbrio fiscal e a conta-corrente do balanço de pa-
gamentos, coloca pressão sobre a taxa de juro. Para quem tem um co-
nhecimento elementar dos processos de industrialização e de expansão
industrial das economias emergentes, a manutenção do câmbio sobre-
valorizado ao longo de muitos anos é um erro crasso de política econô-
mica que afeta negativamente a política fiscal e a política monetária.
Além dos fatores sistêmicos favoráveis como câmbio adequado, custo
de capital reduzido e infraestrutura eficiente, a competitividade depen-
de de certas características da estrutura empresarial, particularmente
da capacidade de inovação em empresas com estratégias agressivas de
conquista de mercados ou da competência de redes de pequenas e mé-
dias empresas na ocupação de nichos de mercado.

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É bastante reconhecida a necessidade da intervenção do Esta-


do em processos que envolvam externalidades positivas e negativas, in-
formação assimétrica, incerteza, risco elevado e concentração do poder
econômico. Entre as externalidades positivas estão a construção de in-
fraestrutura e outros bens públicos, como a geração de conhecimento
científico e tecnológico. A existência de assimetria de informação afeta
particularmente os mercados de crédito e de capitais e o mercado de
câmbio, podendo dar origem não só à alocação ineficiente de crédito, à
marginalização de pequenas empresas, bem como ensejar episódios es-
peculativos. A incerteza, por sua vez, além de provocar volatilidade recor-
rente nos mercados de valores mobiliários, tem, por isso mesmo, efeitos
adversos sobre o investimento produtivo, sobretudo aquele que envolve
inovação. O risco elevado inibe operações de longo prazo de maturação.
As falhas de mercado até agora analisadas recomendariam ape-
nas a adoção de políticas “horizontais” e minimalistas. As condições de
concorrência nas áreas mais dinâmicas da moderna economia indus-
trial impõem, no entanto, intervenções estratégicas e concebidas de
forma a abranger cadeias industriais inteiras. Isso diz respeito às van-
tagens competitivas construídas pelas empresas em suas relações com
fornecedores e clientes. O novo paradigma industrial vem acentuando
sobremaneira a importância destas vantagens. Entre elas, devemos des-
tacar: 1) processos cumulativos de aprendizado – learning by doing – na
produção flexível, no desenvolvimento de produtos; 2) economias de
escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendi-
zado; 3) estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que
maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (eco-
nomia de capital de giro, sobretudo minimização de estoques, de custos
de transporte e de armazenagem; 4) novas economias de aglomeração
(centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de co-
nhecimentos técnicos e gerenciais; 5) economias derivadas da coopera-
ção tecnológica e do codesenvolvimento de produtos e processos.
A literatura relevante na área de estratégias empresariais (Por-
ter, Drucker) ou no âmbito da economia industrial (Dosi, Freemann,
Arcangeli, Zysman, Tyson, Malerba) reconhece o caráter decisivo des-
ses processos e, sem exceção, observa que conformam um padrão de
concorrência radicalmente distinto do paradigma anterior. Este último
era baseado em produção padronizada, tecnologia codificada, escalas
rígidas, aversão à cooperação. Os autores, em sua maioria, assinalam
que a coordenação do Estado foi muito importante para acelerar a mu-

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dança de paradigmas, particularmente nas economias que estavam em


processo de industrialização rápida. A nova concepção de políticas in-
dustriais ou de competitividade coloca no centro das preocupações a
indução daquelas sinergias baseadas no conhecimento e na capacidade
de resposta à informação. O novo papel do Estado deve estar concen-
trado na indução da cooperação, na coordenação dos atores e na redu-
ção da incerteza. Sua tarefa não é a de “escolher vencedores”, mas a de
criar condições para que os vencedores apareçam.
A relativa complexidade do fenômeno torna difícil sua com-
preensão e comunicação no debate público devido à disseminação de
simplificações midiáticas e à partidarização das posições em confron-
to. Por isso, é mais que oportuno o empenho de Paulo Gala e André
Roncaglia em construir uma exposição, ao mesmo tempo acessível e
conceitualmente rigorosa, a respeito dos sucessos e percalços da indus-
trialização brasileira. A regressão industrial brasileira foi escoltada por
um retrocesso de igual intensidade no debate econômico. Contingente
expressivo de economistas conservadores empreendeu uma campanha
de desqualificação das ideias que proclamavam a importância crucial da
indústria nas economias contemporâneas. Paulo Gala e André Ronca-
glia registram o fenômeno: “No Brasil e no mundo, muitos economistas
ainda não acreditam na potência da indústria para gerar o desenvolvi-
mento econômico. Isso se deve a um longo engessamento intelectual
na fé ingênua do espontaneísmo de mercado e do livre comércio em
promover o progresso material das nações, bastando apenas produzir
aquilo que se faz de melhor”.
Sou obrigado a recorrer aos ensinamentos do grande historia-
dor Carlo Cipolla. Ele afirmou que a vida dos Homens atravessou dois
momentos cruciais: o neolítico e a Revolução Industrial. No neolítico,
os povos abandonaram a condição de “bandos selvagens de caçadores”
e estabeleceram as práticas da vida sedentária e da agricultura. Entre as
incertezas e brutalidades da “vida natural”, tais práticas difundiram con-
dições mais regulares de subsistência dos povos e assentaram as bases
da convivência civilizada. Podemos afirmar que ao longo de milênios as
sociedades avançaram lentamente nas técnicas de gestão da terra, desen-
volvidas à sombra de distintos regimes sociais e políticos e, portanto, sob
formas diversas de geração, apropriação e utilização dos excedentes.
Às vésperas da Revolução Industrial, os fisiocratas consideravam
“produtiva” somente a classe de agricultores. A manufatura era a ativida-
de da classe estéril que conseguia apenas repor seus custos por meio das

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trocas e, assim, preparar-se para o período de produção seguinte. A agri-


cultura era, neste sentido, “produtiva, ou seja, a única atividade capaz de
gerar excedente. “A Revolução Industrial”, escreveu Cipolla, “transformou
o Homem agricultor e pastor no manipulador de máquinas movidas por
energia inanimada”. A ruptura radical no modo de produzir introduziu
profundas alterações no sistema econômico e social. Aí nascem, de fato,
o capitalismo, a sociabilidade, a urbe moderna e seus padrões culturais.
A diferença entre a vida moderna e as anteriores decorre do surgimento
do sistema industrial que não só cria novos bens e os bens instrumentais
para produzi-los como suscita novos modos de convivência, de “estar no
mundo”. Deste ponto de vista, a indústria não pode ser concebida como
mais um setor ao lado da agricultura e dos serviços.
A ideia da Revolução Industrial como um momento crítico
trata da constituição histórica de um sistema de produção e de rela-
ções sociais que subordinam o crescimento da economia à sua capaci-
dade de gerar renda, empregos e criar novas atividades. O surgimento
da indústria como sistema de produção apoiado na maquinaria endo-
geniza o progresso técnico e impulsiona a divisão social do trabalho,
engendrando diferenciações na estrutura produtiva e promovendo
encadeamentos intra e intersetoriais. Além de sua permanente auto-
-diferenciação, o sistema industrial deflagra efeitos transformadores
na agricultura e nos serviços. A agricultura contemporânea não é mais
uma atividade “natural” e os serviços já não correspondem ao papel
que cumpriam nas sociedades pré-industriais. O avanço da produtivi-
dade geral da economia não é imaginável sem a dominância do siste-
ma industrial no desenvolvimento dos demais setores. Os autores do
século XIX anteciparam a industrialização do campo e perceberam a
importância dos novos serviços gestados nas entranhas da expansão
da indústria. Não há como ignorar, por exemplo, as relações umbilicais
entre a Revolução Industrial, a revolução nos Transportes e as trans-
formações dos sistemas financeiros no século XIX. São reconhecidas
as interações entre a expansão da ferrovia, do navio a vapor e o desen-
volvimento do setor de bens de capital apoiado no avanço da indústria
metalúrgica e da metalomecânica e na concentração da capacidade de
mobilização de recursos líquidos nos bancos de negócios.
A história dos séculos XIX e XX pode ser contada sob a ótica
dos processos de integração dos países aos ditames do sistema mer-
cantil-industrial originário da Inglaterra. Essa reordenação radical
da economia exigiu uma resposta também radical dos países incor-

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porados à nova divisão internacional do trabalho. Para os europeus


retardatários, para os norte-americanos e japoneses e, mais tarde,
para os brasileiros, coreanos, chineses, russos e outros, a luta pela in-
dustrialização não era uma questão de escolha, mas uma imposição
de sobrevivência das nações, de seus povos e de suas identidades. Pa-
radoxalmente, a especialização de alguns países na produção de bens
não industriais é fruto da própria diferenciação da estrutura produti-
va capitalista à escala global comandada pela dominância do sistema
industrial. Este é o caso de países dotados de uma relação população e
recursos naturais favorável, como Austrália, Nova Zelândia, Uruguai,
Chile. Essa especialização decorre da própria divisão do trabalho sus-
citada pela expansão do sistema industrial.

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1. Introdução

O
desenvolvimento econômico é uma transformação
estrutural que leva pessoas da agricultura para a indústria e
depois para os serviços modernos, um processo conhecido
como Revolução Industrial. Trata-se, no jargão dos economistas, de
uma mudança do lado da oferta da economia ou, nos termos de Bres-
ser-Pereira (2014), uma sofisticação tecnológica do tecido produtivo.
Países que têm uma estrutura produtiva complexa e sofisticada têm
empresas que investem muito em pesquisa e desenvolvimento de pro-
dutos e serviços (P&D). Empresas de países de estrutura produtiva po-
bre não têm porque investir nessas áreas. O Brasil passa cada vez mais
para esse segundo grupo de economias, uma vez que parou seu pro-
cesso de industrialização no meio do caminho. Viramos reféns do que
os economistas chamam de armadilha de renda média, um ponto em
que o país esgota seu estoque ocioso de mão de obra antes de atingir
um estágio de sofisticação produtiva mais avançado. Vale dizer, ocu-
pamos nossos trabalhadores em atividades de baixa produtividade, es-
pecialmente serviços não escaláveis, agropecuária, commodities e in-
dústrias de baixa intensidade tecnológica.
O Brasil conseguiu avançar muito em sua transformação es-
trutural até os anos 1980; chegou na metade da jornada, parou e depois
começou a regredir. Nosso sistema produtivo caminhou no sentido de
diversificação e aumento da complexidade até os anos 2000, depois re-
grediu e voltou a se especializar em produtos menos complexos. Quase
conseguimos nos desenvolver, faltou pouco. No início dos 1980 a pro-
dução industrial brasileira era maior do que a chinesa e a coreana soma-

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das. Exportávamos todo ano mais do que esses dois países, hoje ícones
de sucesso de desenvolvimento econômico no mundo. Por que para-
mos? Uma explicação simples: perdemos o bonde da sofisticação pro-
dutiva mundial. Sabíamos fazer muitas coisas, hoje não sabemos mais.
A indústria brasileira quase chegou a padrões mundiais e quase con-
quistou mercados lá fora; os anos 1980 foram o ápice de nosso desen-
volvimento tecnológico relativo. Desde então, as indústrias brasileiras
foram perdendo espaço no mundo e no mercado interno e hoje somos
capazes de fazer bem menos produtos. Nossa capacidade tecnológica
está minguando. Nossa sofisticação produtiva vai pelo ralo e a comple-
xidade do tecido produtivo brasileiro só diminui.
A era Vargas, depois JK, o milagre econômico e o II PND, apesar
de todos seus problemas, coroaram o salto tecnológico e de complexida-
de da economia brasileira do período desenvolvimentista. A Petrobras,
a CSN, o BNDES e tantos outros marcos do Brasil foram criados nessa
fase. O plano de metas de JK lançou as bases de infraestrutura rodoviá-
ria, ferroviária e energética que usamos até hoje. A construção de Brasí-
lia iniciou a integração da região central do país com o arco litorâneo das
cidades da época colonial. A exploração do Planalto Central e hoje nossa
agricultura de ponta no centro-oeste se devem a esses passos ousados da-
dos nessa época. Foi também um período de excessos, com endividamen-
to público, emissão monetária inflacionária e desequilíbrios internos e
externos. Nos anos 1960 as importantes reformas institucionais (moder-
nização da lei trabalhista, reforma do sistema financeiro, criação da cor-
reção monetária, do SFH etc.) lançaram as bases para o crescimento do
país nas décadas subsequentes. As exportações de produtos manufatura-
dos cresceram a um ritmo explosivo no milagre econômico, o crédito se
ampliou fortemente. As manufaturas brasileiras começaram a conquistar
mercados no mundo e finalmente o Brasil melhorou seu perfil exporta-
dor, reduzindo a dependência de café e bens agrícolas. Lembremo-nos da
importância dada às exportações de manufaturas nos 1970 e da política
de minidesvalorizações cambiais do ministro Delfim Netto. Após o pri-
meiro choque do petróleo, os militares lançam o II PND, que logrou ain-
da produzir crescimento em um período de instabilidade. Itaipu, Rodovia
dos Bandeirantes, polos petroquímicos, obras todas dessa época.
Os desequilíbrios causados pelo II PND foram ainda maiores
do que na era pós-JK. Grande parte dos investimentos foi apoiada em
estatais com dívida externa. Pagamos a conta nos anos 1980. Essa fase
ficou conhecida como a década perdida da economia brasileira: hiper-

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-inflação, caos monetário e financeiro. Como mostraram Carvalho,


Sampaio e Garcia (2017), houve uma completa desorganização de nos-
so sistema de preços que atrapalhou enormemente o funcionamento
do sistema financeiro e, portanto, de toda a estrutura produtiva. A cri-
se foi principalmente fruto de nossa dívida externa após o choque do
petróleo e choque de juros nos Estados Unidos promovido por Paul
Volcker. A reposta das autoridades brasileiras foi mais fechamento do
país para economizar divisas externas. Passamos por fuga de capital,
calotes na dívida externa, grandes desvalorizações cambiais, inúmeras
trocas de moedas e corte de zeros, um verdadeiro caos econômico e fi-
nanceiro. Tudo isso já sabemos. O aumento de protecionismo gerou
mais ineficiência nas empresas domésticas e a resposta para o Brasil no
final dos anos 1980 passou a ser: abertura econômica e estabilização
do sistema de preços. Na década de 1990 iniciamos uma nova transi-
ção econômica. A abertura da economia, o controle da inflação, a pri-
vatização, uma melhora fiscal e novos marcos regulatórios prepararam
o país para um novo ciclo de crescimento. O período que vai de 1990
até 1999 ficará na história como uma grande fase de ajustamento com
crescimento baixo, mas importantes reformas institucionais da econo-
mia brasileira. O paralelo aqui com os anos 1960 é evidente.
Adiantou? Um outro lado menos apreciado de nossa econo-
mia nessa época foi a capacidade de aprender a produzir coisas, pro-
dutos que hoje não sabemos mais fazer. O Brasil avançou muito em
termos de capacidades produtivas locais desde os anos 1960. Nos anos
1980, a economia brasileira atingiu seu auge em termos de sofistica-
ção produtiva. Éramos capazes de produzir muito do que existia no
mundo: cilindros de mergulho, prensas, carros, motos, motores, tur-
binas, computadores etc., tudo com ineficiência e alguma precarieda-
de, mas sabíamos produzir ainda que de modo incipiente. A Gurgel e
várias outras marcas brasileiras produziam carros domesticamente. A
Mafersa foi a maior fabricante nacional de material ferroviário do Bra-
sil, produzia vagões, caminhões-betoneira, usinas de concreto, cami-
nhões-basculantes etc. A Engesa produzia tanques de guerra e veícu-
los de combate. A Villares S/A, hoje uma mera subsidiária da austríaca
Voestalpine AG, foi um grupo industrial riquíssimo, desenvolvendo
motores, elevadores e escadas rolantes por sua subsidiária Atlas Ele-
vadores. Produzia máquinas e equipamentos pesados fazendo frente,
em alguns segmentos, a Caterpillar, Komatsu e John Deere. E tantas
outras incríveis empresas brasileiras do passado.

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A Engesa é um belo exemplo da excelência de engenharia que


foi cultivado no Brasil nos anos 1960 e 1970 e morreu nos anos 1980.
Em 1958, a empresa foi criada por José Luiz Whitaker Ribeiro. Em 1968,
produzia componentes para a exploração de petróleo para a Petrobras.
Ao ter seus caminhões enfrentando estradas de terra e barro para che-
garem ao destino no litoral, desenvolveu uma caixa de transferência
com tração especial, depois aplicada com sucesso em seus veículos na-
cionais. Em 1970 o Exército brasileiro passou a usar seus veículos. O
Osório, tanque de guerra produzido pela empresa, foi um dos primei-
ros do mundo a usar um computador de 21 bits embarcado com um
giroscópio integrado, produção 100% nacional, que conseguia andar
e manter a mira no seu alvo. Os tanques americanos tinham que pa-
rar para mirar e atirar; o Osório tinha uma vantagem tecnológica ím-
par. Na época, estavam em desenvolvimento os blindados Cascavel e
Urutu. A Engesa aceitou associar-se ao projeto e em 1974 a empresa foi
capaz de vender à Líbia o blindado Cascavel, com canhão de 90 milí-
metros. Começou a exportar e em poucos anos vendeu este blindado
a 18 países do Oriente Médio, África, América do Sul e Mediterrâneo.
Ampliou sua produção para vários tipos de modelos, mas não conse-
guiu sobreviver às fortes instabilidades econômicas dos 1980. Em 1990
a empresa entra em concordata. Em 1995 decretou-se a falência da En-
gesa. Todo o material do acervo tecnológico e bélico foi transferido
para a fábrica de Piquete, na região de São José dos Campos. Em 2005,
essa fábrica foi vendida à Embraer. O acervo tecnológico do jipe Mar-
ruá foi incorporado pela empresa Agrale e segue em produção até hoje.

Da indústria para o Uber no Brasil

Na abertura comercial e estabilização dos anos 1990 a maioria dessas


empresas com grande acervo tecnológico brasileiro quebrou. Perdemos
milhares de capacidades produtivas que poderiam ter sido desenvolvi-
das para conquistar o mundo; jogamos o bebê fora junto com a água do
banho. A ancoragem cambial da era FHC e Gustavo Franco controlou
nossa inflação, mas desferiu um golpe quase mortal em nossas indús-
trias domésticas. A economia brasileira “desaprendeu”, nossa estrutu-
ra produtiva regrediu e perdemos enorme espaço para nossos concor-
rentes do mundo emergente, especialmente no Leste Asiático, China e
Coreia do Sul. Controlamos a inflação, reduzimos as tarifas e nos abri-

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mos para o exterior. Tudo isso a um custo altíssimo de sobrevaloriza-


ção cambial e altíssimas taxas de juros. Matamos nossa própria com-
plexidade econômica, sofisticação produtiva e capacidades técnicas. O
que temos hoje? Inflação baixa e regressão tecnológica e produtiva. Jo-
seph Stiglitz mostra em seu livro Creating a learning society (Stiglitz e
Greenwald, 2014) a importância das capacidades produtivas locais para
gerar desenvolvimento econômico e prosperidade, algo que os econo-
mistas desenvolvimentistas e estruturalistas sempre souberam e defen-
deram. Nossas capacidades tecnológicas foram sendo perdidas princi-
palmente para a Ásia do leste ao longo do tempo. Nossa sofisticação
produtiva se perde a cada dia e, com ela, vão embora “bons” empregos e
o principal meio de transformar conhecimento, educação e capital hu-
mano em produtos, serviços e renda. Na atual tendência, restará no país
um pequeno setor de serviços altamente sofisticado e complexo e algu-
ma produção industrial inseridos em um mar de empregos de serviços
não sofisticados, uma economia dual, como veremos.
Em interessante trabalho, McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo
(2014) mostram como a rodada de abertura comercial e melhora insti-
tucional ocorrida na América Latina e África dos anos 1990 acabaram
por não produzir o resultado esperado de aumento da produtividade
agregada dos países dessas regiões. O argumento e as evidências empí-
ricas mostradas por Rodrik no trabalho são relativamente simples de se
entender. O pequeno aumento de produtividade promovido dentro das
empresas sobreviventes foi bem menor do que a transferência de traba-
lhadores de setores de alta produtividade (indústria e serviços empresa-
riais) para setores de baixa produtividade intrínseca. Os trabalhadores
da América Latina e África saíram de empregos de manufaturas e servi-
ços relativamente sofisticados e foram parar em serviços não sofistica-
dos (varejo, restaurantes, padarias, cabeleireiros etc.). Os autores mos-
tram que o movimento oposto ocorreu na Ásia, dinâmica que ganhou
enorme produtividade com a transferência de trabalhadores para os se-
tores “certos”. Rodrik critica as análises microeconômicas feitas para
Brasil e outros países de América Latina e África por não responderem
a questão mais importante de todas: onde foram parar os trabalhadores
que foram demitidos das empresas sobreviventes (para não mencionar
a grande maioria das empresas que sumiu)? Rodrik responde: no setor
de serviços não sofisticados. Houve regressão tecnológica e produtiva.
Na Ásia, a “abertura” funcionou, na América Latina e África não. Os da-
dos empíricos que Rodrik mostra são avassaladores. No Brasil, a aber-

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tura comercial produziu aumento de produtividade dentro dos setores


existentes mas destruiu setores produtivos e dinâmicos e várias de nos-
sas capacidades produtivas, ainda que incipientes.
No início da era Lula, a indústria brasileira passou por um re-
nascimento e boom de produção a partir de 2003. A primeira fase do
governo foi caracterizada por forte expansão e exportação de manufa-
turas graças ao câmbio muito desvalorizado do final de 2002 e o for-
te impulso de demanda interna que veio com a expansão do crédito. A
segunda fase do governo Lula e todo o governo Dilma, por outro lado,
se caracterizaram por grande expansão das importações de bens ma-
nufaturados e retração das manufaturas na pauta de exportação. A cri-
se mundial de 2008 interrompeu a bonança de crescimento externo e
cortou a demanda mundial por manufaturas. A resposta expansionis-
ta do governo da China à crise causou explosão do preço de commo-
dities e reforçou a trajetória de apreciação da moeda brasileira, que já
vinha com força desde 2006. Até 2007, a indústria brasileira conseguiu
acompanhar o boom de demanda aumentando a produção, ainda na
esteira da desvalorização cambial de 2002. A partir da crise de 2008, a
nossa indústria sucumbiu à concorrência internacional, aos aumentos
de custo de produção em reais, principalmente salários, e à forte apre-
ciação da taxa de câmbio nominal e real. A expansão de PIB observada
após 2008 foi toda baseada em serviços. A demanda interna por bens
industriais passou a ser suprida por importações. Sem estímulos para
produzir domesticamente por conta do câmbio muito apreciado e sem
condições de se lançar na competição mundial, o empresário industrial
brasileiro passou a ser importador, montador (maquilador) ou simples-
mente encerrou seu negócio. Houve enorme perda de sofisticação pro-
dutiva da economia brasileira pós-2010. Houve desindustrialização e
reprimarização da pauta exportadora, com avanço das commodities.
Em 2014, por exemplo, cinco produtos responderam por quase 50% das
exportações brasileiras: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes.
Desde a abertura comercial dos 1990, as indústrias brasileiras fi-
caram viciadas em nosso mercado interno. O que deveria ter sido uma
catapulta para conquistar o mercado mundial, como fizeram os asiáti-
cos, virou fim em si mesmo. As apreciações cambiais da era FHC e da
era Lula reforçaram o sinal da produção para abastecer o mercado na-
cional e tiraram o ímpeto exportador de nossas empresas. A implosão
da economia brasileira em 2015 arrastou nossa indústria (que já vinha se
arrastando) para o buraco. O desaparecimento do crédito e da deman-

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da interna tiveram efeitos diretos e violentos na produção doméstica de


carros, motos, caminhões, móveis, eletrodomésticos, bens de consumo
em geral, matérias da construção civil, aço, entre outros. Nossa produ-
ção industrial colapsou com queda de 20% entre 2014 e 2016. Na era
Lula e Dilma, a alavancagem de crédito (imobiliário e não imobiliário)
provocou um boom de consumo e um boom de construções imobiliárias,
resultando em grande aumento de endividamento e oferta de imóveis.
Os investimentos foram primordialmente direcionados para o setor de
bens non-tradables (prédios comerciais, residenciais e shopping centers).
As desonerações de impostos da era Dilma agravaram o pro-
blema injetando demanda agregada e complicando a situação de con-
tas públicas. O represamento de preços administrados como energia,
gás e gasolina contribuiu na mesma direção. Em 2015, essas políticas
foram revertidas de forma brusca e a bolha que já vinha desinflando
estourou. O choque de juros, o realinhamento de preços livres e ad-
ministrados e a forte desvalorização cambial, também decorrente do
estouro da bolha de commodities, deram o tiro de misericórdia na
atividade econômica e estouraram a bolha de crédito e consumo no
Brasil. A grande maioria dos empregos gerados nesses anos foi em se-
tores com baixa produtividade intrínseca: construção civil, serviços
não sofisticados em geral (lojas, restaurantes, cabeleireiros, serviços
médicos, call centers, telecom etc.), serviços de transporte (motoris-
tas de ônibus, caminhões e táxis), entre outros. Os empregos indus-
triais ficaram estagnados e depois de 2015 mergulharam (para uma
ótima análise desse período, ver Carvalho, 2018). Nossa indústria en-
trou em estagnação e, depois de 2015, mergulhou para uma queda de
US$ 100 bilhões de produção industrial em relação a 2014. O Brasil
passa hoje por um dos maiores processos de desindustrialização em
valores absolutos do mundo (para uma análise crítica das políticas in-
dustriais da era Lula e Dilma, ver Machado, 2019).
Em face desta tendência, costuma-se dizer agora, no Brasil, que
“o engenheiro virou motorista de Uber”. É cada vez mais comum en-
contrar motoristas de Uber e táxi que vieram do setor industrial brasi-
leiro; muitos vêm também do setor derivado de serviços empresariais
(marketing, design, TI, logística, finanças). O efeito da destruição do
tecido industrial e produtivo do Brasil é visível a olhos nus. Viramos a
economia das padarias, dos cabeleireiros, das manicures e dos lojistas
de shopping: serviços não escaláveis, sem produtividade, sem desenvol-
vimento tecnológico. A indústria brasileira que já chegou a representar

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quase 25% do PIB caiu para 10% em 2018. Países como Coreia de Sul, Ja-
pão e Alemanha têm ainda hoje setor industrial na casa de 25% do PIB.
Tailândia e China chegam a 30% de indústria no PIB. Na Índia, Vietnã,
Turquia e países do Leste Europeu, o setor industrial segue conquistan-
do espaço. Até mesmo países que desenvolveram muito o setor de ser-
viços sofisticados como EUA, Canadá e Austrália, com renda per capita
na casa de US$ 50 mil, têm indústria que representa 10% do PIB, mas em
termos de renda per capita têm produção industrial de 3 a 4 vezes maior
do que a brasileira; tanto EUA quanto Austrália quando mais pobres
já tiveram mais de 20% do PIB em indústria (ver apêndice estatístico).
O Brasil se desindustrializou antes de ficar rico. Claro que nos-
so setor agropecuário e minerador são potencias, mas por si só serão
insuficientes para trazer desenvolvimento econômico ao Brasil. Todas
potências agrícolas no mundo são também potências industriais. A mi-
neração e a agropecuária nunca representam mais do que 10% do PIB
de qualquer país rico, e empregam em média somente 5% das pessoas
em idade de trabalhar. Países muito pobres têm contingentes enormes
de pessoas ainda na agricultura de subsistência não produtiva, muitas
vezes acima de 25% da força de trabalho. No mundo todo, 50% dos em-
pregos está concentrado em serviços não escaláveis que têm baixa pro-
dutividade. A diferença entre países ricos e pobres está nos outros 50%;
quanto mais pessoas trabalhando em indústrias medium e high tech
e serviços empresariais escaláveis, mais próspera a nação. Países ricos
produzem serviços sofisticados como Uber, Netflix e Amazon; nós diri-
gimos Uber, assistimos Netflix e compramos na Amazon.
Veremos neste livro que Eugênio Gudin estava errado ao de-
fender nossa vocação agrícola como o caminho para o enriquecimen-
to, e que Roberto Simonsen estava correto ao destacar a importância
da indústria (Simonsen e Gudin, 2010). Ao desenvolver seu potencial
produtivo, países vão aprendendo a fazer produtos mais sofisticados
e complexos. Os bens industrializados e serviços sofisticados são mais
ricos em conteúdo tecnológico e demandam mais capital humano em
sua produção. Em geral, são feitos com máquinas modernas e têm
economias de escala e escopo que trazem mais produtividade; quan-
to mais se produz, menor é o custo unitário de produção e maiores
podem ser os lucros e salários envolvidos no processo produtivo. As
empresas que produzem esses bens conquistam, via patentes, marcas
e conhecimento proprietário, poder de monopólio, e conseguem in-
fluenciar os preços nos mercados onde vendem seus produtos. Seus

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trabalhadores encontram, portanto, empregos com melhores condi-


ções de aproveitamento intelectual e menor esforço físico.
Quem estuda e obtém um diploma encontra oportunidades
que recompensam o esforço de assimilar conhecimentos novos e de
melhorar o ambiente em que vive. Além disso, as pessoas consomem
mais e melhor e tornam rentáveis os negócios que dão oportunidades
a outras pessoas esforçadas e talentosas. É uma rede de relações mútu-
as que nutre uma vida econômica e social mais sofisticada e mais rica,
em todos os sentidos, para todos os envolvidos. Quanto mais inteligên-
cia é aplicada ao processo produtivo, menor é o desgaste físico e men-
tal, menor é o desperdício (de esforço inclusive), menor é a poluição e
menores são os malefícios à qualidade de vida dos que habitam o nosso
planeta. Por isso, o desenvolvimento é uma força inclusiva que coloca
na equação não só o bem-estar humano, mas o de todas as espécies que
habitam o planeta. Pensar o desenvolvimento econômico no Brasil e no
mundo não é um luxo. É uma necessidade.
No Brasil e no mundo, muitos economistas ainda não acreditam
na potência da indústria para gerar o desenvolvimento econômico. Isso
se deve a um longo engessamento intelectual na fé sobre a capacidade do
mercado e do livre comércio em promover o progresso material das na-
ções. No entanto, após o incrível sucesso recente da China e dos países
do Leste Asiático, com suas políticas industrialistas e dirigistas, essa men-
talidade está mudando. Abre-se agora a oportunidade para uma revisão
crítica dessa perspectiva liberal ingênua e uma busca por alternativas re-
correndo a antigas receitas, mas em novos moldes. As novas políticas de
promoção industrial na Alemanha, França, Reino Unido, Estados Unidos
e de outros países ricos mostram que o ocidente acordou em relação à
China e às suas próprias estratégias de sucesso no passado. Rodrik e Ai-
ginger (2020) fazem um importante levantamento da nova literatura que
surge no mundo para explicar a importância da indústria, o papel da po-
lítica industrial no desenvolvimento econômico e o sucesso do Leste Asi-
ático. Nessa onda, importantes economistas estruturalistas no mundo e
no Brasil voltaram a ganhar força. Nas páginas que seguem exploramos
essas ideias em detalhe, trazendo contribuições recentes para nos ajudar
a pensar o Brasil. A boa notícia é que o conhecimento teórico e empírico
sobre o tema melhorou muito e pode agora nos ajudar com novas pers-
pectivas para entendermos o empobrecimento da sociedade brasileira.
Este breve livro explora essas ideias de maneira simples e didática com o
objetivo de tentar contribuir com o debate sobre o tema no Brasil.

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2. O segredo da riqueza das nações


está na fábrica de alfinetes

O
processo de desenvolvimento sempre intrigou os
economistas. Pensadores do passado como o italiano Antonio
Serra, de Nápoles, no início do século XVII; John Cary, de Bris-
tol, no final do século XVII; ou Duarte Ribeiro de Macedo, de Portugal,
na mesma época se indagavam sobre o que fazer para acelerar o progres-
so do reino e alcançar riqueza para todos. Veneza se tornou poderosa aos
olhos de Antonio Serra porque conseguiu criar um cluster de indústrias,
inovação, aprendizagem, comércio e pessoas qualificadas, num processo
de “cumulação causativa”. Estes fatores juntos colocaram Veneza numa
trajetória diferente daquela em que Nápoles se encontrava. Para Serra,
Nápoles com sua estrutura agrária não seria capaz de resolver seus pro-
blemas econômicos sem criar uma base produtiva semelhante à de Ve-
neza. Para o embaixador português em Madri, Duarte Ribeiro de Mace-
do, a pobreza de Portugal nos anos 1600 estava relacionada à ausência de
manufaturas e indústrias no Reino (o termo usado na época era artes);
um pouco disso se observava na Espanha, que perdeu suas manufaturas
da região de Segóvia para outros países. Para Duarte Ribeiro de Macedo,
o atraso de Portugal estava ligado à ausência de processos produtivos
mais sofisticados como o que se via nas manufaturas inglesas e holande-
sas. John Cary, grande comerciante de Bristol, explicou a dinâmica das
manufaturas da Inglaterra em seu belíssimo livro de 1695 An essay on the
state of England in relation to its trade, its poor, and its taxes, for carrying on
the present war against France (Cary, 2010). Muito antes de Adam Smith

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ter escrito o livro A riqueza das nações que se tornou clássico, esses eco-
nomistas já estudavam a questão da riqueza e da pobreza das nações, que
perdura até hoje e continua inflamando corações e mentes.
A divisão do trabalho, “causa do aprimoramento das forças
produtivas”, aparece na obra de Smith (2003) como um dos pilares do
avanço produtivo e, portanto, dos ganhos de produtividade. O famoso
exemplo da fábrica de alfinetes mostra em detalhe como a especializa-
ção produtiva e a divisão de tarefas traz ganhos de produtividade. Para
Adam Smith, a divisão do trabalho encontrada nas manufaturas era da
maior importância para explicar os aumentos de produtividade dos tra-
balhadores devido a três motivos: I) aperfeiçoamento e aumento de ha-
bilidade decorrente da concentração em uma única atividade, destreza,
nas palavras de Smith, II) economia de tempo relativo a mudanças de
local e de atividades em casos de divisão do trabalho, e III) mecanização
do processo produtivo ou utilização de máquinas inventadas pelos tra-
balhadores, fabricantes de máquinas e “filósofos”.
Smith fornece contas específicas para as fábricas de alfinetes
que visitou e conjectura que um trabalhador sozinho talvez fosse ca-
paz de produzir uns 20 alfinetes por dia, ou talvez até mesmo um só
por dia se tivesse que conduzir o processo do começo ao fim. Enquan-
to numa pequena fábrica de alfinetes com 10 pessoas, graças ao pro-
cesso integrado de produção e a grande divisão do trabalho, um tra-
balhador era capaz de produzir até 4.800 alfinetes por dia na média.
Uma produtividade individual monumentalmente maior do que no
caso de produção sem divisão do trabalho. Smith menciona que as
atividades não são neutras do ponto de vista de potencial de geração
de divisão do trabalho; algumas atividades são mais propícias, outras
menos. Serviços não sofisticados, agricultura e recursos naturais ten-
dem a promover menor divisão do trabalho, como veremos adiante.

Divisão do trabalho e retornos crescentes de escala

Manufaturas e produtos mais complexos apresentam maior potencial


de promoção de especialização produtiva e divisão do trabalho dentro
das empresas e entre as empresas. Bens produzidos em grandes redes
geram maiores oportunidades de ganhos de produtividade. Logo, os ga-
nhos “smithianos” de produtividade não são setor neutro, dependem
do tipo de atividade produtiva desenvolvida no espaço econômico em

36 Paulo Gala e André Roncaglia


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questão. A fábrica de alfinetes de Adam Smith era, antes de mais nada,


uma fábrica. Segundo Smith (2003, p. 42-43), “a natureza da agricultu-
ra não comporta tantas divisões do trabalho, nem uma diferenciação
tão grande de uma atividade para outra, quanto ocorre nas manufa-
turas”. Ou ainda: “As nações mais opulentas geralmente superam to-
dos seus vizinhos na agricultura como nas manufaturas: geralmente,
porém, distinguem-se mais pela superioridade na manufatura do que
na agricultura”. No jargão atual, manufaturas exibem em geral retor-
nos crescentes de escala, agricultura não. O setor industrial se destaca
por sua complexidade; de todos os subsetores produtivos é o que mais
exerce efeitos de encadeamento para frente e para trás sobre os outros
subsetores e em seu próprio subsetor. Isso ocorre porque a indústria de
transformação demanda insumos e oferta produtos de e para todos os
demais setores da economia, como também porque os elos entre os se-
tores produtivos dentro da indústria são mais densos. Movimentos de
expansão ou contração no setor manufatureiro afetam mais o conjunto
da economia do que impulsos observados fora desse setor.
Até o final dos anos 1980, era relativamente consensual entre
economistas das mais variadas linhagens teóricas a premissa de que a
possibilidade de mecanização e especialização é maior na indústria do
que em outros setores por conta da maior possibilidade de divisão do
trabalho intraindústria e entre a indústria e outros setores. Este con-
senso foi alcançado após uma longa história de contribuições teóri-
cas que foram refinando o nosso entendimento sobre a importância
dos processos de sofisticação produtiva que a experiência histórica da
manufatura tão claramente encarnava. Assim, os insights originais de
Adam Smith sobre as manufaturas e a fábrica de alfinetes foram am-
pliados no trabalho de Allyn Young, Divisão do trabalho e retornos cres-
centes, nos anos 1920, e também elaborados no pensamento austríaco
de Eugen von Böhm-Bawerk; por isso, para alguns austríacos inspi-
rados por este autor, o setor industrial também é chave. Na vertente
keynesiana preocupada com o crescimento de longo prazo, Nicholas
Kaldor partiu dos trabalhos de Allyn Young e da divisão do trabalho
dentro das empresas e entre as empresas para destacar a importância
dos retornos crescentes de escala na indústria.
Essa característica da indústria e das possibilidades de divisão
do trabalho ficaram conhecidas entre os seguidores da escola austrí-
aca como as economias de “produção indireta” (roundaboutness), que
diz o seguinte: se o Robinson Crusoé estiver sozinho numa ilha, vale

Brasil, uma economia que não aprende 37


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mais a pena gastar tempo fazendo um barco e uma vara de pesca do


que sair nadando para pescar peixes. Ou seja, se ele dividir a tarefa de
pesca e “mecanizá-la” será bem mais produtivo do que se sair a nado
para pescar. Nessa linha, Allyn Young destacou a importância da co-
operação entre as etapas de produção (ou roundaboutness) que Smith
tão bem sacou e Böhm-Bawerk aprofundou. As atividades industriais
são as mais propícias para se aplicar o roundaboutness (divisão do tra-
balho, especialização e mecanização) e, portanto, são o motor da pro-
dutividade de uma economia.
Este foi um assunto explorado e discutido com bastante deta-
lhe a partir dos trabalhos de Nicholas Kaldor e Gunnar Myrdal nos anos
1960 e 1970. Para os autores heterodoxos, o objeto adequado da análise
econômica não era a alocação ótima de recursos escassos, como defen-
de a abordagem neoclássica (ou ortodoxia). Ao contrário, a economia
se ocupava de compreender como se dá a produção destes recursos ao
longo do tempo. Afinal, como disse Keynes certa vez, o economista é o
guardião das possibilidades materiais da sociedade. A história da eco-
nomia real revelava a luta da humanidade para fugir das limitações im-
postas pela natureza e não sua submissão “ótima” às escassezes que en-
frentava. Por isso mesmo, Karl Marx havia definido a economia política
como a “histórica crítica da tecnologia”, muito embora o tenha feito
apenas numa nota de rodapé de sua obra magna O Capital. A industria-
lização revelou como nenhuma outra invenção humana a determina-
ção da nossa espécie de fugirmos das desvantagens comparativas evolu-
cionárias a que Thomas Malthus nos havia sombriamente sentenciado.
Desde os primeiros capítulos da Revolução Industrial no século
XVII, a manufatura expunha os efeitos de realimentação positiva do in-
vestimento, ocasionando processos desestabilizadores e cumulativos de
crescimento da capacidade produtiva, com amplos poderes de difusão so-
bre vastas áreas do conhecimento técnico e produtivo da humanidade.
Por isso, economistas interessados na dinâmica da produção entendiam
que o investimento em capital produtivo trazia incorporado em si o pro-
gresso técnico. Este último era uma espécie de externalidade positiva, na
medida em que potencializava simultaneamente a produtividade do ca-
pital e do trabalhador que operava agora uma máquina mais sofisticada.
Daí nasce a chamada Lei de Kaldor-Verdoorn (Oreiro, 2016), que estabe-
lece uma relação entre a taxa de crescimento do estoque de capital e a
taxa de crescimento da produtividade do trabalho. No plano mais geral,
este era o segredo ao qual as nações avançadas chegaram antes: ao apro-

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veitar os retornos crescentes à escala, seus efeitos amplificaram as dife-


renças com relação àqueles setores, regiões e países que mantiveram sua
produção pouco indireta e pouco sofisticada. O problema central não era
tanto entender estes mecanismos, mas sim como operar uma mudança
tão profunda e abrangente na matriz estrutural das economias atrasadas.
Isso nos leva ao problema central da economia do desenvolvimento e as
alternativas que os intelectuais pioneiros neste campo ofereceram.

Desenvolvimento balanceado ou desequilibrado?

A primazia da indústria como motor do desenvolvimento pode ser facil-


mente observada nas economias mundo afora a partir da análise das ma-
trizes insumo-produto de cada país. Desenvolvida por Wassily Leontief
nos anos 1950, esta metodologia abriu o caminho para a exploração dos
mecanismos ocultados pelo véu dos agregados macroeconômicos. Esta
ferramenta permitiu significativos avanços na programação econômica,
de forma a permitir a identificação dos setores mais dinâmicos da econo-
mia e com efeitos indutores mais fortes sobre o dinamismo dos outros
setores da economia. As matrizes insumo-produto oferecem uma visão
“anatômica” e “fisiológica” da estrutura produtiva de um país. Trata-se de
uma forma de visualização das interdependências produtivas internas à
economia. Com ela, podemos saber quanto um setor é importante para
que a produção de outro seja viável. Por exemplo, um aumento na produ-
ção agrícola pode aumentar a demanda pelo setor de transportes, o qual
eleva a demanda dos setores produtores de pneus, de combustíveis, de
serviços mecânicos e assim por diante. O desenvolvimento deste tipo de
análise ofereceu um suporte empírico importante para os economistas
preocupados com a heterogeneidade estrutural das economias atrasadas,
que se manifestava em uma rígida dualidade que fazia coexistirem seto-
res de alta produtividade com setores de baixíssima eficiência. Devido à
sua preocupação com as “estruturas”, estes economistas foram rotulados
de “estruturalistas”, os quais se dividem em duas tradições de pensamen-
to econômico: uma europeia e a outra latino-americana.
Na linhagem europeia, Paul Rosenstein-Rodan, Ragnar Nurk-
se, Arthur Lewis, H. Singer, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal e Hollis
Chenery formam o grupo de pensadores econômicos associados ao es-
truturalismo original ou pioneiros da teoria do desenvolvimento. Estes
pensadores definem o desenvolvimento econômico como uma trans-

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formação radical na estrutura produtiva das economias no sentido de


sofisticação do tecido produtivo. Assim, a Economia do Desenvolvi-
mento trata dos mecanismos econômicos, sociais, políticos e institu-
cionais, públicos e privados, necessários para promover melhorias per-
sistentes no bem-estar social das economias retardatárias. Em essência,
a preocupação deste campo de pesquisa foca a mudança estrutural
como parte essencial desse processo de descoberta e aproveitamento do
potencial produtivo de um país sem perder de vista a centralidade dos
mecanismos distributivos que acompanham a sofisticação produtiva.
Com base na hipótese de que a estrutura produtiva indus-
trial de um país afeta tanto o ritmo quanto a direção do desenvolvi-
mento econômico, a literatura estruturalista destaca a importância
da mudança estrutural, pela via da industrialização, como o melhor
caminho para o desenvolvimento das nações. Sem um processo de in-
dustrialização robusto não é possível aumentar o emprego, a produti-
vidade e a renda per capita de um país. Sem estes movimentos, reduzir
a pobreza se torna inviável. Neste sentido, o processo de desenvolvi-
mento implica necessariamente uma realocação da produção de se-
tores de baixa produtividade para setores de alta produtividade, nos
quais prevalecem os retornos crescentes de escala.
Ao longo das décadas de 1940 e 1960, este novo campo de pes-
quisa se dividiu em dois polos. De um lado estavam os teóricos que de-
fendiam o desenvolvimento balanceado entre os setores; do outro,
aqueles que não entendiam como realista (ou até mesmo desejável) um
desenvolvimento equilibrado, alegando a existência (e mesmo os benefí-
cios) do desenvolvimento desequilibrado como motor central da trans-
formação estrutural em países retardatários. No primeiro grupo, Ro-
senstein-Rodan (1943) elabora o primeiro “modelo” de desenvolvimento
baseado na experiência do Leste Europeu, salientando-se a importância
de um esforço maciço e abrangente de investimento multissetorial (o
big push) de forma a turbinar as interdependências setoriais (tecnológi-
cas e de demanda) que garantiriam sustentação à imensa estrutura in-
dustrial que seria sobreposta a uma matriz produtiva dominantemente
rural. Cerca de uma década mais tarde, Nurkse e Lewis demonstrariam
com rigor e objetividade a importância da disponibilidade de poupança
para destravar os investimentos nestes países. Para Nurkse, uma armadi-
lha da pobreza mantinha os países pobres exata e simplesmente porque
sua pobreza impedia o acúmulo de poupança para viabilizar a mudança
estrutural; com efeito, o autor afirmava que “um país é pobre porque é

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pobre” (Nurkse, 1953, p. 8). Nurkse e Lewis concordavam em que a supe-


ração deste círculo vicioso da pobreza seria possível por meio do apro-
veitamento do desemprego disfarçado de mão de obra no campo e do ta-
manho do mercado interno como gerador de demanda para validar um
“aumento na produção de um amplo setor de bens de consumo, equili-
brado de modo a corresponder ao esquema de preferências dos consu-
midores, cria[ndo] sua própria demanda” (Nurkse, 1953, p. 265).
Lewis (1954) foi mais conciso e formulou um modelo simplifi-
cado com conclusões muito assertivas e claras. Dividindo a economia
em dois setores com dinâmicas diferentes, ele analisa teoricamente o
problema das economias duais que diferiam de economias homogêneas
em termos da produtividade do trabalho. No modelo de Lewis, as socie-
dades rurais teriam uma “poupança oculta” (isto é, energia econômica
ociosa armazenada) na forma de contingentes de mão de obra com pro-
dutividade próxima a zero. Com efeito, uma oferta potencial “ilimitada”
de mão de obra tornava os salários reais estáveis durante as primeiras
fases de expansão industrial. Com isso, qualquer expansão da econo-
mia canalizaria os frutos do crescimento para os lucros dos empresários
das novas atividades urbano-industriais, dando suporte à posterior rea-
limentação do ciclo de investimentos. Porém, em fases mais adiantadas
da mudança estrutural, conforme os contingentes populacionais deslo-
cados do campo para a cidade fossem esgotando este exército laboral de
reserva, os salários reais passariam a crescer, de maneira a remunerar o
esforço dos trabalhadores de acordo com sua produtividade marginal.
Em suma, capital e trabalho eventualmente chegariam a um acordo,
contanto que a economia continuasse crescendo.
Os autores deste polo tinham, portanto, o entendimento de
que apenas amplos programas de desenvolvimento, financiados e diri-
gidos por governos e com o apoio do capital estrangeiro, dariam con-
ta de quebrar as armadilhas do atraso a que foram submetidas as eco-
nomias retardatárias da Revolução Industrial. A melhoria do parque
industrial viabilizaria uma pauta de exportações mais robusta e com
maiores efeitos dinamizadores sobre a economia interna. Devido à pre-
sença de indivisibilidades (isto é, custos fixos monumentais em termos
da escala das plantas e dos projetos de infraestrutura, para ficar em dois
exemplos), de externalidades pecuniárias e tecnológicas e de retornos
crescentes à escala, qualquer esforço localizado de mudança estrutural
tenderia a ser autoderrotante, por não garantir tração econômica sufi-
ciente para validar os projetos de investimento.

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Esta visão uniforme (e otimista) do desenvolvimento não foi acei-


ta incondicionalmente. Hirschman (1958) defenderia poucos anos mais
tarde que o desenvolvimento é um processo essencialmente desbalance-
ado, em que a escassez de recursos (financeiros, naturais e humanos) vai
sinalizando para a economia quais deveriam ser suas prioridades. Segun-
do o autor, este “benefício” do desequilíbrio atenuaria um problema cen-
tral em economias atrasadas, a saber: a incapacidade decisória de políticos
e empresários frente a problemas numerosos cujo diagnóstico raramente
era claro. Neste sentido, Hirschman defendia um processo sequencial de
superação de gargalos produtivos, identificando aqueles com maior po-
tencial gerador de incentivos ao investimento em outros setores, conceito
este rotulado como “encadeamentos para frente e para trás”. Assim, acei-
tava-se a ideia de que a mudança estrutural seria um caminho repleto de
fricções e desajustes temporários, como a disseminação de uma corrente
elétrica por uma rede. O problema era identificar os setores com maior
poder de difusão (tecnológico e de demanda) para neles centrar a atenção
da política de desenvolvimento e os escassos recursos disponíveis.
Aprofundar as diferenças entre estes polos da economia do de-
senvolvimento nos distrairia de nosso objetivo central, que é eviden-
ciar o desenvolvimento econômico como processo de aprendizagem
tecnológica. A despeito de suas divergências, ambas as vertentes base-
avam suas análises sobre desenvolvimento econômico em conceitos de
encadeamentos (linkages) ou ligações produtivas, complementaridades
entre setores, armadilhas de pobreza e dualismos. Uma economia dual
tem sempre um setor moderno e produtivo com bons empregos e sa-
lários que convive com um setor atrasado e arcaico com empregos de
baixa qualidade e salários. Os clássicos do desenvolvimento econômico
diferenciavam as atividades produtivas em termos de suas habilidades
para gerar crescimento e desenvolvimento. Atividades com retornos
crescentes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas e altas
sinergias decorrentes de divisão do trabalho dentro das empresas e en-
tre empresas são fortemente indutoras de desenvolvimento econômico.
Vejamos dois exemplos históricos da força da indústria.

Bangladesh e Vietnã

Bangladesh e Vietnã são casos interessantes de industrialização rápida


e recente. Ainda que em produtos low tech e de baixa sofisticação, ilus-

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tram a enorme potência da indústria para aumentar a produtividade


geral de um país e tirar pessoas da pobreza. O Vietnã já ultrapassou o
Brasil entre os maiores exportadores do mundo. É um dado chocante,
mais ainda sabendo que a população do Vietnã é metade da brasileira e
seu território é 66 vezes menor do que o nosso. Qual foi o grande acerto
do Vietnã para esse sucesso? Já tendo as mínimas condições de sobrevi-
vência, em 1986, o Partido Comunista do Vietnã, inspirado no socialis-
mo de mercado chinês e preocupado com o fim da URSS, resolveu tam-
bém abrir o país para a competição mundial, tal qual a China tinha feito
em 1978. Em 1990, o PIB per capita do Vietnã era de US$ 200, mas já em
2017 saltou para US$ 2.400. Desde as reformas, o Vietnã cresce a uma
média de 7,2%, sendo que as exportações crescem a uma média de 20%
ao ano. A indústria vietnamita tem se tornado cada vez mais complexa,
nacional e competitiva. O país também ostenta uma expectativa de vida
de 76 anos, que é maior do que a do Brasil. De sua população total, 92%
têm acesso à eletricidade e 80% à água potável. A pobreza caiu drastica-
mente, saiu de mais de 50% para 15% da população em somente 20 anos.
O Vietnã está saindo da periferia mundial para a relevância geopolítica
e competição em tecnologias, um líder regional notável.
O Vietnã é um dos casos mais bem-sucedidos de industriali-
zação com integração recente às cadeias globais de valor (CGVs). Uma
espécie de fábrica de alfinetes do século XXI. Especificamente, encai-
xa-se bem no chamado paradigma dos “gansos voadores”, o desen-
volvimento sequencial de indústrias, característica marcante da inte-
gração regional asiática. Trata-se de um processo de industrialização
liderado pelas economias mais dinâmicas da região. Teria se iniciado
com o “ganso” líder Japão, que deslocou atividades industriais mais
simples, maduras e padronizadas para um 2º nível de países segui-
dores, os tigres asiáticos. Este modelo depende do Investimento Es-
trangeiro Direto (IED) proveniente das nações mais desenvolvidas da
região. De fato, as principais origens do IED no país são os tigres asi-
áticos e o Japão. Aproximadamente um terço da produção global dos
smartphones da Samsung ocorre hoje no Vietnã. Em 1986, ano das
primeiras reformas, o país exportava apenas bens primários. Trinta
anos depois, eletrônicos e têxteis dominam a pauta exportadora.
O estágio de desenvolvimento em que se encontra um país de-
limita as alternativas de que dispõe para avançar. Para Bangladesh, por
exemplo, a adesão às cadeias globais de valor pelo elo de menor valor
agregado trouxe claros benefícios. A oferta quase ilimitada de mão de

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obra atraiu a tradicional indústria têxtil, que representa hoje mais de 90%
das exportações do país. Retirou dezenas de milhões de pessoas da agri-
cultura de subsistência, de baixa produtividade, e as colocou na indústria,
dobrou sua renda per capita de US$ 2 mil para US$ 4 mil nos últimos 20
anos. Como próximo passo, a intenção do governo é estimular ativida-
des mais complexas em outros setores e na própria indústria têxtil, como
bordados, apliques e materiais de alta performance, mas acima de tudo
desenvolver outros setores. Nesse ponto, chama a atenção a tentativa de
emular a estratégia da vizinha Índia, por meio do estímulo a serviços de
TI e farmacêuticos. Na indústria farmacêutica, Bangladesh ainda vem se
aproveitando das renúncias a tratados internacionais de propriedade in-
telectual devido ao seu status de país menos desenvolvido com o objetivo
de estimular a produção de medicamentos genéricos e a granel. Um caso
curioso de Bangladesh é que o pontapé inicial da indústria de têxteis foi
dado partir de tecnologia trazida da Coreia para se aproveitar da mão de
obra barata no país. Um empreendedor local atraiu a empresa Daewoo da
Coreia do Sul e a partir daí clusters de produção de tecidos foram se for-
mando e expandindo na região. No contexto do acordo comercial de mul-
tifibras (MFA) dos EUA com a Ásia, os coreanos aproveitaram Bangladesh
como base exportadora para se enquadrar na cota definida pelos EUA.
O MFA estabeleceu cotas firmes para a quantidade de roupas que
outros países poderiam vender para os Estados Unidos e países europeus.
As regras eram incrivelmente detalhadas: o Sri Lanka podia vender ape-
nas uma quantidade certa de sutiãs para os EUA a cada ano. A China po-
deria vender camisetas e nada mais. Empresários em Bangladesh fizeram
um acordo original com a coreana Daewoo para iniciar uma grande fábri-
ca de roupas em Chittagong, Bangladesh, com características coreanas.
Naquela época, a Daewoo era uma grande fabricante de camisetas, mas
a Coreia do Sul já havia atingido sua cota no âmbito do MFA. Isso deu às
empresas coreanas um incentivo para se instalar em outro lugar, como
Bangladesh, para poder fabricar roupas para exportação aos EUA.
Claro que esses dois países estão longe ainda de enriquecer, qui-
çá atingir o nível de renda média acima dos US$ 10 mil por ano. Para isso
precisam avançar muito na jornada da sofisticação produtiva, não bas-
tando somente se industrializar, mas migrar para produtos mais com-
plexos. As atividades industriais de baixo valor agregado e intensidade
tecnológica praticadas por Vietnã e Bangladesh podem ser caracterizadas
como “dog industries”, em geral praticadas em países pobres. Como nos
ensinam Kattel e Reinert (2010, p. 7), entender o subdesenvolvimento é

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compreender o que acontece nas indústrias onde as estratégias de Mi-


chael Porter não funcionam; as “dog industries” que ele diz a seus clientes
para se manterem longe (Porter, 1980). “Star industries”, por outro lado,
são atividades onde em geral predominam competição imperfeita e todas
as características desse tipo de estrutura de mercado: retornos crescen-
tes de escala, alta incidência de inovações tecnológicas, altas sinergias de-
correntes de divisão do trabalho dentro das empresas e entre empresas,
importantes curvas de aprendizagem, rápido progresso técnico, alto con-
teúdo de R&D, alta concentração industrial, grandes barreiras à entrada
e diferenciação por marcas. No livro A vantagem competitiva das nações,
Porter (1990) leva as conclusões tiradas da arena da competição industrial
para o nível nacional. O conselho que ele dá às nações é essencialmente
o mesmo que ele dá às corporações: cultivar “star industries” e manter-se
longe das “dog industries”. Segundo Erik Reinert, as recomendações da
estratégia nacional de Porter são essencialmente uma versão mais sofisti-
cada das recomendações das escolas de pensamento mercantilista.
O grupo de atividades industriais e serviços de alto valor agre-
gado se contrapõem às atividades de baixo valor agregado com típica es-
trutura de competição perfeita: baixo conteúdo de R&D, baixa inovação
tecnológica, informação perfeita, ausência de curvas de aprendizado e
baixas possibilidades de divisão do trabalho. A construção de um siste-
ma industrial complexo e diversificado é, portanto, a face mais visível
do processo de desenvolvimento econômico. A mera especialização em
agricultura e em atividades extrativistas, como mineração bruta, inibe
o florescimento deste tipo de evolução tecnológica. Atividades de baixa
qualidade são normalmente representadas por mercados em concorrên-
cia perfeita, em que os produtores não têm qualquer poder de monopó-
lio, ficando muito sujeitos às oscilações de mercado. Assumem a posição
de tomadores de preço e participam do sangrento “oceano vermelho” da
concorrência acirrada dentre vários produtores por bens sem muita dife-
renciação: o caso atual de Vietnã e Bangladesh. Por outro lado, as ativida-
des de alta qualidade normalmente envolvem dominar uma competên-
cia particular que as concorrentes não conseguem imitar com facilidade.
Neste sentido, falamos que setores de alta qualidade geralmente partici-
pam no “oceano azul” da concorrência imperfeita. Por definição, as ati-
vidades de alta qualidade aparecem em mercados com estruturas de oli-
gopólio e concorrência monopolíticas, o que já dificulta sobremaneira a
entrada de novos players de países emergentes. Pense num produtor de
limão tentando diferenciar seu produto de outros que concorrem com o

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dele. Agora pense na Apple ou na Microsoft. Fazer com que o carro-che-


fe de uma estrutura produtiva migre da primeira para a segunda é tarefa
de enorme dificuldade. É justamente deste salto que depende o processo
de desenvolvimento econômico. Para se desenvolver, um país precisa ser
capaz de constituir empresas nesses setores já muito bem ocupados onde
os potenciais de economias de escala e lucros são enormes: aí está a pro-
dutividade. Tarefa nada fácil para um país emergente; sem entrar nesses
mercados e ocupar espaço relevante, não há ganhos de produtividade re-
levantes e não há desenvolvimento econômico.

O setor de serviços

A contribuição dos pioneiros do desenvolvimento tinha como objetivo


compreender os entraves à – bem como os mecanismos que poderiam
levar à – transição de uma economia rural para uma economia lidera-
da pela produção industrial. Por este motivo histórico, os modelos com
heterogeneidade estrutural focados nas economias atrasadas salienta-
vam apenas o dualismo rural-urbano, sem dar centralidade aos servi-
ços. Nos estágios iniciais de desenvolvimento, entendia-se que o setor
de serviços andava a reboque da indústria de transformação, oferecen-
do suporte a todo o aparato manufatureiro, como os tradicionais servi-
ços de educação, saúde e transporte urbano e rodoviários. Os serviços
de vendas, de marketing, de comunicação etc. eram todos internaliza-
dos verticalmente pelas empresas, de maneira que faziam parte orgâ-
nica da produção manufatureira. No entanto, os economistas focados
na experiência dos países desenvolvidos foram provocados pela agen-
da da economia do desenvolvimento para refletir sobre a dinâmica en-
tre os setores industrial e de serviços. Até os anos 1960, os modelos de
crescimento não faziam distinção entre setores. Era como se a estru-
tura produtiva se ajustasse com flexibilidade, ao sabor dos preços rela-
tivos, atraindo recursos aonde fossem mais bem remunerados. Como
vimos acima, passado o ponto de inflexão de Lewis, em que a econo-
mia se tornava urbana, industrial e, portanto, desenvolvida, os mode-
los previam que seu crescimento era setorialmente balanceado e orgâ-
nico, crescendo todos à mesma taxa aproximada. Porém, o que ainda
não havia ocorrido aos teóricos do mainstream era que, uma vez que
a matriz industrial estivesse completa em suas etapas essenciais, o de-
safio das economias avançadas era o de manter o ritmo de elevação da

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produtividade do trabalho, de maneira a acomodar as crescentes aspi-


rações de consumo da massa de trabalhadores urbanos.
Daí surgiu a famosa Lei de Engel, segundo a qual o desenvolvi-
mento econômico ocasiona uma mudança qualitativa no orçamento fa-
miliar em que, inicialmente, os alimentos eram substituídos por bens ma-
nufaturados e, quando a economia se tornava industrialmente “madura”,
os serviços passariam a dominar os gastos de consumo das famílias. O
economista americano William Baumol deu uma explicação muito ele-
gante para a maior produtividade da indústria em relação aos serviços me-
nos sofisticados, isto é, não escaláveis (ou não sujeitos a economias de es-
cala): quando o trabalho é uma atividade-fim, como educação, saúde e
lazer, que são “tecnologicamente não progressivas”, fica muito mais difícil,
se não impossível, de obter a mecanização e o alcance de economias de es-
cala; ao contrário das atividades em que o trabalho é uma atividade-meio,
por exemplo, manufaturas que são “tecnologicamente progressivas” (Bau-
mol, 2012). Neste último caso, as economias de escala e de escopo estão
mais presentes, o que eleva os ganhos de produtividade dos setores.
Contudo, o leitor pode indagar: se a indústria é o motor mais
pujante do desenvolvimento, como podem as economias maduras
continuarem crescendo e se desenvolvendo se o setor de serviços não
está à altura do desafio? Esta é uma pergunta comum quando se con-
funde a indústria com a manufatura. Esta é apenas uma das repre-
sentações concretas do conceito mais amplo de “produção indireta”
associada ao termo “indústria”. O que realmente importa não é se a
produção ocorre em um chão de fábrica ou em um escritório clima-
tizado no Vale do Silício; o que vale é a densidade da rede de ativida-
des mutuamente relacionadas para produzir cooperativamente bens
e serviços complexos. Como o cardume está para os peixes e a alca-
teia para os lobos, a indústria é um coletivo para atividades produti-
vas complementares dentro de um setor. Podemos, claro, pensar em
economias de escala e escopo também em serviços mais sofisticados:
marketing, design, tecnologia da informação, finanças, advocacia etc.
O desafio é que muitos dos serviços não conseguem aumentar produ-
tividade de forma relevante e persistente pois não apresentam econo-
mias de escala nem possibilidade de mecanização: músicos, educação,
garçons, cabeleireiros etc. são iguais em todos os lugares. Como disse
Baumol (2012) em seu livro mais recente, a Nona Sinfonia de Beetho-
ven tem a mesma duração desde sua composição, mas os salários dos
membros da orquestra cresceram substancialmente desde então.

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Qual a implicação da natureza heterogênea dos setores e das


particularidades dos serviços? Para Baumol, como o aumento de pro-
dutividade ocorre principalmente no setor de bens industriais, o au-
mento de produtividade neste último acaba pressionando também os
salários dos setores de serviços. Os preços e salários do setor de servi-
ços sobem organicamente, mesmo na ausência de aumentos de produ-
tividade do trabalho. Por isso cortar cabelo em Zurich fica mais caro
do que cortar em São Paulo, apesar da produtividade de nossos ca-
beleireiros ser a mesma dos suíços (a “doença de custos” de Baumol).
Quase que simultaneamente, nos anos 1960 os economistas Paul Sa-
muelson e Bela Balassa seguiram a mesma linha da dualidade setorial,
porém recortando o problema de outra forma, associada à possibilida-
de de comercialização dos produtos no mercado internacional, a saber:
produtos transacionáveis (ou tradables) e os não transacionáveis (non-
-tradables). Novamente, os ganhos de produtividade de uma economia
ocorrem principalmente no setor de bens transacionáveis (manufatu-
ras e commodities) e não no setor de bens non-tradables (serviços). Es-
ses aumentos de produtividade no setor de tradables causam aumento
de salários que transbordam para o setor de non-tradables. Como não
há aumento expressivo de produtividade neste último setor, os pre-
ços sobem mais rapidamente do que no setor de bens comercializáveis.
O resultado da maturidade é uma inibição espontânea do di-
namismo da matriz produtiva, na medida em que a elevação de produ-
tividade dos setores manufatureiros e de serviços escaláveis nos países
ricos acaba vazando para os salários de serviços não sofisticados, en-
carecendo-os. Paradoxalmente, a produtividade da indústria acaba in-
flando o preço dos serviços. Segundo essa dinâmica, o preço interno dos
tradables cai em relação aos preços dos non-tradables. Com a elevação da
participação do setor de serviços na estrutura de produção e de preços
da economia, a inflação também tende a ser maior durante o processo
de desenvolvimento. O brutal diferencial de produtividade entre países
pobres e ricos pode ser encontrado nos preços dos bens não transacio-
náveis (serviços) convertidos em dólar. Esta é uma das forças que expli-
cam o fato empírico de a inflação média dos países em desenvolvimento
ser maior do que a inflação média nos países desenvolvidos.

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3. Breve história da origem


do pensamento sobre
desenvolvimento econômico

A
dam Smith explicou a base do funcionamento do sistema
capitalista em sua famosa passagem de A riqueza das nações: “Não
é da benevolência do outro que devo aguardar o meu sustento,
mas do interesse que os outros têm pelos produtos que posso produzir”.
Quanto mais raro e mais valioso for o que eu produzo, maior o valor que
as pessoas estarão dispostas a pagar pelo meu esforço. Por outro lado,
quem não tiver talentos que lhe diferenciem dos outros estará fadado a
concorrer com vários outros também com potencial mediano e recebe-
rá menos pelo seu esforço. O capitalismo é baseado na liberdade de in-
ciativa, no autointeresse de se ganhar a vida por meio da venda de um
bem em troca de lucro, isto é, um ganho que exceda os gastos para ma-
nutenção do capital produtivo ou financeiro. Os proprietários de terra,
de imóveis e de invenções e patentes recebem uma renda por deterem a
propriedade deste capital na forma de juros, aluguéis e de royalties. Po-
rém, como ensinou Karl Marx, uma vez que nem todos têm capital ou
propriedades resta-lhes apenas a possibilidade de oferecer sua força de
trabalho e receber um salário em troca de sua produtividade.
Goste-se ou não do capitalismo, foi o arranjo institucional que
mais desenlaçou o potencial humano para a criação e para a produção.
Mais do que isso, como nos mostra Bresser-Pereira, só é possível pen-
sarmos em desenvolvimento econômico no contexto do capitalismo.
Justamente por ter sido este o único sistema capaz de difundir o tra-

Brasil, uma economia que não aprende 49


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balho assalariado, a ideia de lucro como objetivo da atividade econô-


mica e a acumulação de capital por meio da constante incorporação
de progresso técnico. Como nos mostra Bresser-Pereira (2011), a pas-
sagem das sociedades para o modo de produção capitalista de produ-
ção foi a transformação mais importante da história humana desde a
invenção da agricultura, da passagem das sociedades nômades para
as sedentárias e a formação dos primeiros impérios. No plano social,
isso significou o surgimento de duas classes: a burguesa e a trabalha-
dora. No plano político, esse processo deu origem aos Estados-nação.
No plano econômico, isso implicou o surgimento do mercado, do tra-
balho assalariado e dos lucros. Bresser-Pereira ressalta a centralidade
do papel do Estado para o êxito do capitalismo, pois demonstra que
a consolidação do modelo político do Estado-nação foi fundamental
para o êxito do projeto do capitalismo industrial.
O mundo passou a crescer aceleradamente após a Revolução In-
dustrial capitalista no final do século XVIII. É interessante notar como o
ser humano se libertou da “maldição de Malthus”, que sentenciava a hu-
manidade à eterna luta contra a escassez de alimentos pelo fato de que a
população cresceria sempre a taxas maiores do que a produção de comi-
da. Foi o desenvolvimento tecnológico que nos livrou desta maldição. Ao
menos, na média, isto é, quando se toma a chamada renda per capita, ou
a renda total dividida pela população total. No entanto, se o capitalismo
depende do lucro esperado que resulta do oferecimento de certos bens e
serviços à sociedade, o que acontece com aqueles que não têm talentos,
nem dinheiro ou propriedades que lhes garantam um rendimento mí-
nimo para uma boa vida? Não são todas as sociedades que oferecem aos
seus cidadãos a oportunidade de ganhar a sua vida exercitando plena-
mente os seus talentos e o fruto dos seus esforços. Há pessoas talentosas
para as artes sutis da pintura e da música que, dado o atraso relativo na
cultura artística de sua sociedade, têm pouco incentivo para viver profis-
sionalmente como um pintor ou um músico. Isso nos leva a uma discus-
são sobre a estrutura produtiva das sociedades. Quanto mais complexa
forem as relações de produção, maior será a chance de talentos variados
encontrarem um lugar no sistema para oferecer seus serviços em troca
de rendimento para garantir seu sustento material e social. Podemos es-
tender esta ideia a uma ampla gama de áreas da ação humana, como li-
teratura, ciências, filosofia, engenharia etc.
A crescente eficiência produtiva do capitalismo é, infeliz-
mente, acompanhada por uma forte tendência a concentrar riqueza e

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renda nas mãos de poucas pessoas muito ricas. As melhorias em ter-


mos de bem-estar são indiscutíveis. Em média, o mundo humano vive
mais, come mais e tem maior leque de possibilidades culturais. To-
davia, tamanha potência produtiva não é capaz de garantir a todas
as pessoas a boa qualidade de vida e a longevidade que a tecnologia
pode oferecer. Uma parcela ainda substancial da população mundial
não se beneficiou deste avanço técnico geral, sofrendo desnutrição e
enfermidades de fácil prevenção, analfabetismo e restrições materiais
das mais brutais. Eis a questão da distribuição do produto nacional e
da justiça social: quem ganha o quê e por que ganha tal quantia? Em
resumo, o problema econômico envolve duas grandes perguntas. A
primeira é: como aumentar a produtividade do trabalho humano por
meio da tecnologia e da organização eficiente da produção? A segunda
questão, por sua vez, é: como repartir os resultados deste esforço cole-
tivo entre todas as pessoas da sociedade de maneira a garantir a todos
um padrão mínimo de vida material e social? De forma mais simples:
como aumentar o tamanho do bolo e como dividir o bolo?

List contra Ricardo

Desde antes de Adam Smith até meados dos anos 1960, a preocupação
central dos economistas era com a primeira pergunta, isto é, as causas
e os motores do crescimento econômico. No plano da discussão entre
economistas, o centro vai se deslocando dos metais preciosos e do co-
mércio (mercantilistas) para a qualidade produtiva da terra (fisiocra-
tas), daí migra para a combinação de máquinas e trabalho no espaço
da produção (economistas clássicos e neoclássicos), e, por fim, o mo-
tor do crescimento foi identificado na educação e na inovação tecno-
lógica (de Karl Marx, Joseph Schumpeter e Alfred Marshall em dian-
te). Mesmo quando o problema era a desigualdade, o foco da análise
recaía sobre as taxas desiguais de crescimento entre as nações, o cha-
mado problema da convergência dos níveis de renda ou catching-up.
Afinal, a organização doméstica da produção depende essencialmente
das trocas comerciais com outras nações. Nenhum sistema econômi-
co mais complexo é autossuficiente. Nenhum país pode contar apenas
com insumos produtivos domésticos e todas as competências técnicas
para produzir tudo o que precisa. A interdependência das nações é o
pano de fundo do desenvolvimento econômico.

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Numa primeira etapa do pensamento econômico moderno


entraram em conflito duas grandes abordagens sobre como organi-
zar um sistema produtivo doméstico competitivo. A primeira baseia-
-se na ideia de vantagens comparativas de David Ricardo, economista
britânico. Segundo este autor, cada país deveria concentrar seus esfor-
ços naquilo que faz melhor, isto é, produzir os bens e serviços que lhe
custam menos em termos de energia humana e de matéria-prima. Um
país que tenha amplas extensões de terras aráveis e uma volumosa po-
pulação deve concentrar seus esforços na produção de bens agrícolas.
A abundância dos recursos reduz o seu preço (salários e renda da ter-
ra), tornando os produtos domésticos atraentes aos consumidores dos
outros países por serem baratos e de boa qualidade. Em troca desta
exportação de bens agrícolas, o país em questão pode importar bens e
serviços de outro país que não contam com o território e a população
de mesma magnitude. Este último pode ter se especializado em pro-
duzir roupas ou computadores. Se cada um produzir o que lhe é mais
barato, todos os países sairão ganhando. O mundo inteiro se benefi-
ciaria dos amplos ganhos advindos do comércio internacional. A ex-
posição a concorrentes externos em um setor pode gerar o incentivo
à melhoria da tecnologia adotada na produção, bem como a qualifica-
ção dos trabalhadores engajados naquelas atividades, de sorte a gerar
melhoramentos qualitativos e quantitativos que resultem em maiores
ganhos ao país exportador. Todos ganhariam com um comércio in-
ternacional vibrante e todas as economias nacionais gozariam de alta
produtividade e, portanto, de elevado crescimento econômico.
A brilhante teoria de Ricardo é muito convincente e conquistou
a profissão do economista até os dias de hoje. É comum ouvirmos econo-
mistas pregando a necessidade de abertura comercial da economia como
uma forma de destravar o crescimento econômico e promover o desen-
volvimento da nação. Quem fala isso não está cometendo nenhum erro;
o problema reside em como fazer tal abertura. Ainda que teoricamente
muito elegante, a teoria das vantagens comparativas enfrenta muitas di-
ficuldades quando aplicada ao mundo real. Foi como crítica à teoria de
Ricardo que emergiu uma proposta alternativa. Segundo Friedrich List,
economista prussiano (hoje, Alemanha), a Inglaterra detinha elevada
competitividade comercial por ter desenvolvido antes das outras nações
todo um aparato industrial que lhe garantia a melhor vantagem compa-
rativa de todas: a de vender produtos caros (porque só ela produzia) em
troca de produtos baratos (que vários países concorrentes produziam).

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Logo, não seria à toa que seus teóricos ventilassem argumentos abstra-
tos – com verniz filosófico e científico – que reforçassem sua posição ge-
opolítica e comercial, e que negavam as práticas que a própria Inglaterra
adotou para se desenvolver. List costumava dizer que os países ricos “chu-
tavam a escada” do desenvolvimento após terem atingido um nível de
avanço econômico e tecnológico. Faziam isso para impedir que os países
atrasados desenvolvessem suas próprias forças produtivas e se tornassem
potenciais concorrentes no plano internacional.
Ciente de tal retórica ricardiana, List defendia que cada país
aplicasse tarifas comerciais sobre produtos importados que protegessem
a lucratividade de suas “indústrias infantes”, bem como lançasse mão
de subsídios que reduzissem o custo de produção dos bens a serem ex-
portados, para garantir maior competitividade. O que List propunha era
o ancestral do processo atual de incubadora tão praticado na conver-
são de uma ideia em produto comercial; observou essas políticas fun-
cionando nos Estados Unidos de Alexander Hamilton no final do sécu-
lo XVIII. Hamilton, o primeiro secretário do tesouro norte-americano
(1789-1795), está entre um dos principais formuladores de medidas pro-
tecionistas que estimularam a instalação e desenvolvimento da indústria
manufatureira norte-americana. Seu conhecido trabalho Report of the
Secretary of the Treasury of the United States, on the subject of manufactu-
res (1791) contém muitas das ideias que seriam depois formalizadas por
Friedrich List no argumento da proteção à indústria infante presente em
seu trabalho National system of political economy (1856).
Antes de List ter escrito seu famoso tratado sobre o assunto,
passou vários anos nos Estados Unidos estudando as práticas protecio-
nistas americanas. O projeto dos Estados Unidos, especialmente dos
estados do norte, se contrapunha frontalmente às recomendações do
liberalismo inglês que, segundo alguns americanos, era produzido para
exportação e não para consumo interno. Um dos exemplos do fervor
protecionista americano no século XIX encontra-se na Guerra Civil.
Além da questão da escravidão, o outro estopim do conflito foi o em-
bate entre o protecionismo da União, que representava as indústrias
do norte, e o liberalismo da Confederação, representando os interes-
ses agrícolas do sul. Abraham Lincoln foi eleito a partir do voto decisi-
vo dos estados protecionistas, especialmente New Jersey e Pensilvânia.
A vitória dos estados do norte na Guerra Civil transformou os Estados
Unidos em um dos mais assíduos praticantes da proteção à indústria
infante até a Primeira Guerra Mundial (ver DeLong e Cohen, 2016).

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Thomas Jefferson tentou até proibir a publicação dos The


principles of political economy and taxation de David Ricardo nos Es-
tados Unidos, já que, segundo análise de muitos americanos da épo-
ca, era uma obra excessivamente liberal. De fato, segundo Adam Smi-
th, a melhor estratégia de desenvolvimento para os Estados Unidos
estaria no aproveitamento da agricultura, sua vantagem comparativa
natural, e não em práticas protecionistas para o desenvolvimento da
indústria. Adam Smith ignorou a própria história da Inglaterra, que
abusou de tarifas e subsídios em seu passado até chegar à condição
de potência mundial. Os reis ingleses adotaram uma série de medidas
protecionistas nos séculos XV e XVI contra a próspera indústria de
tecidos nos países baixos, especialmente em Bruges e Ghent, no que
hoje é a Bélgica. Medidas como a proibição de exportação de lã bruta
para o continente e fortes restrições à entrada de tecidos produzidos
nos países baixos foram fundamentais para estimular as tecelagens
inglesas. A indústria têxtil que seria depois a base da revolução in-
dustrial inglesa só foi capaz de suplantar a potência dos países baixos
a partir de uma miríade de ações de proteção e estímulo industrial de
diversas monarquias inglesas, especialmente de Henrique VII (1485-
1509) e Elizabeth I (1558-1603), isso para não mencionar o mercantilis-
mo ferrenho praticado pelo primeiro ministro Robert Walpole (1714-
1727) durante o reinado de George I (1714-1727).

As manufaturas da Nova Inglaterra

O caso da economia americana é particularmente interessante para


a nossa discussão aqui: uma economia riquíssima em recursos natu-
rais, mas que se tornou a grande potência industrial do mundo duran-
te muitos anos junto com Alemanha e Japão. A industrialização ame-
ricana remonta ao final do século XVIII, antes ainda da guerra civil. A
indústria de navios e prestação de serviços da Nova Inglaterra, com
destaque para Nova York, Filadélfia, Boston e Baltimore, prosperou
durante o bloqueio continental de Napoleão. A indústria de tecelagens
que surgiu em Nova York e Filadélfia no início dos anos 1800 contri-
buiu para o avanço manufatureiro americano, como bem aponta Dou-
glass North (1966) em seu clássico trabalho sobre a história econômica
dos EUA. Nessa época, o sul ainda era a região mais dinâmica do país
puxada por exportações de algodão para a revolução industrial inglesa,

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mas a demanda por navios da Nova Inglaterra e outros bens manufa-


turados do norte cresciam criando uma nova dinâmica econômica. O
oeste se integrava como grande fornecedor de matérias-primas e agri-
cultura. Assim foi se formando a base da estrutura produtiva da econo-
mia americana. Douglass North analisa em detalhes como esse tecido
econômico evoluiu até 1860, às vésperas da grande Guerra de Secessão.
Lá já estariam presentes os elementos que fariam do norte os vence-
dores da batalha e a grande potência econômica americana em termos
regionais: a base produtiva manufatureira. Estrutura esta que serviria
de matéria-prima para os pensamentos de Hamilton e List sobre a im-
portância das manufaturas para o desenvolvimento econômico.
No início dos anos 1800, a indústria da Nova Inglaterra come-
çou a florescer: fabricação de casas com artesãos locais fornecendo para
as suas comunidades, fábricas de fiação de algodão, descaroçadores de
algodão, a indústria de armas com peças intercambiáveis, indústria de
ferro, fornos e laminadores foram rapidamente suplantando pequenas
forjas locais. Em 1804, um motor a vapor de alta pressão que era adap-
tável a uma grande variedade de fins industriais foi desenvolvido na Fi-
ladélfia. Dentro de alguns anos passou a equipar navios, serrarias, moi-
nhos de farinha, máquinas de impressão, bem como fábricas têxteis. A
construção ferroviária também desempenhou um papel importante no
transporte de pessoas e de carga para o oeste, aumentando o tamanho
do mercado americano. Com a nova infraestrutura, até mesmo partes
remotas do país ganharam a habilidade de se comunicar e estabelecer re-
lações comerciais com os centros de comércio da Nova Inglaterra. Os re-
tornos crescentes reinaram e as indústrias da Nova Inglaterra passaram
então a ser o principal fornecedor do sul agrário e do oeste agrícola du-
rante todo o período pós-guerra civil até o século XX. Numa dinâmica,
aliás, muito parecida com o que se observou no sudeste brasileiro, fazen-
do o café as vezes do algodão para a dinâmica brasileira e o estado de São
Paulo, se constituído como a nossa “Nova Inglaterra”. Claro que com um
século de atraso, já com o bonde da história perdido. Assim como a Nova
Inglaterra se tornou o polo econômico e financeiro dos EUA a partir de
sua primazia nas manufaturas, São Paulo também se tornou nosso polo
dinâmico e nossa Wall Street. Os robber barrons, barões ladrões america-
nos, reinaram nesse ambiente de pujança manufatureira e industrial do
nordeste americano. Ferrovias, aço, navios a vapor, eletricidade flores-
ceram nessa época e catapultaram os EUA para a posição de economia
mais importante do mundo já no início do século XX.

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Aço na Coreia do Sul

Nos anos 1960, o Banco Mundial sugeriu à Coreia do Sul se especia-


lizar na produção de arroz, sua vantagem comparativa. A Coreia não
ouviu, resolveu desenvolver sua indústria e recebeu muitas críticas da
comunidade internacional. O advento da indústria siderúrgica na Co-
reia é uma história de convicção do general Park Chung Hee, que go-
vernou o país entre 1961 e 1979 e via a autonomia na produção do aço
como o melhor caminho para o desenvolvimento nacional. “Aço é po-
der nacional”, afirmou, quando da celebração do décimo aniversário
da siderúrgica estatal POSCO. Dependente militarmente dos EUA e
ameaçada pelo regime comunista ao norte, a junta militar comandada
por Park colocou o desenvolvimento de uma indústria de defesa como
prioridade nacional. A produção de aço era central, já que sem uma
fonte estável deste produto a Coreia do Sul não poderia se diversificar
para outras indústrias essenciais. Além disso, pesava para Park sua ex-
periência pessoal, nutrindo um sentimento ambíguo em relação ao Ja-
pão, ao qual serviu como militar na época em que a Coreia era colônia
daquele país. Por um lado, viveu na pele o preconceito e a exploração
dos japoneses sobre os coreanos e acendeu o alerta para a necessidade
de segurança nacional. Por outro, aprendeu a admirar a modernização
empreendida pelo Estado japonês desde a Revolução Meiji. Em menos
de meio século, um Japão feudal passou a competir com as grandes po-
tências pela hegemonia global na Segunda Guerra Mudial.
Por fim, Park tinha a necessidade de legitimar o seu governo
internamente por meio de crescimento econômico, já que ascendeu ao
poder por meio de golpe de estado. A questão, portanto, não era “se”
mas “como” deveria viabilizar a construção de uma planta integrada
de aço no país. Desprovida de capital, tecnologia e mercado, a Coreia
do Sul sofreu para adquirir as condições necessárias para o empreen-
dimento. Em 1968, o Banco Mundial recusou o pedido de empréstimo
da POSCO alegando que o país não tinha vantagem comparativa para a
produção de aço. Seu aliado militar, os EUA, frequentemente recusava
apoio a projetos de desenvolvimento econômico do país considerando-
-os demasiadamente estatistas e até mesmo irresponsáveis. Foram sete
anos de intensa política externa para conseguir apoio ao projeto. No fi-
nal, após convencer líderes industriais japoneses a fazerem lobby pela
POSCO junto ao governo em Tóquio, foram as reparações de guerra e a
tecnologia japonesas que viabilizaram a construção da planta. Ao con-

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trário de outros setores importantes para o Estado coreano, Park não


conseguiu convencer os grandes conglomerados (chaebols) a construí-
rem a planta, tendo que confiar o empreendimento a uma estatal.
Também em oposição aos outros setores, nos quais o Estado
coreano incentivou uma estrutura de competição oligopolista, a POS-
CO recebeu direito de monopólio sobre a produção de aço. O risco de
captura política acabaria sendo mitigado pelo status estratégico que
Park concedeu ao projeto. Por fim, os recursos das reparações de Guer-
ra eram limitados, de forma que a POSCO não poderia contar com eles
por muito tempo. Para assegurar a sobrevivência, a empresa teve que
embarcar em uma agressiva estratégia baseada em exportações para
se tornar competitiva. Em 1987, menos de 20 anos após recusar o em-
préstimo à POSCO, o Banco Mundial acabaria reconhecendo a empre-
sa como a mais eficiente produtora de aço do mundo. Setores a jusante
como o automobilístico, o naval, o eletrônico, o de construção civil e o
de eletrodomésticos passaram a ter uma fonte estável e competitiva de
aço para se desenvolver e alavancar a renda do país.
Tendo se transformado em menos de cinquenta anos de uma
pequena economia rural em um dos países mais tecnologicamente avan-
çados do mundo, a Coreia do Sul é provavelmente o melhor exemplo de
país que realizou catching-up por meio da implantação de políticas in-
dustriais. Sob o governo do famoso general Park, entre 1963 e 1979, o país
adotou uma estratégia de desenvolvimento, embasada no planejamento
e na aplicação de diretrizes que se revelariam muito bem-sucedidas na
promoção de avanços tecnológicos. A burocracia coreana foi responsável
não apenas pela criação desses planos, mas também pela sua aplicação
por meio da adoção de medidas de eficiência. A cada nova etapa de de-
senvolvimento, o Estado reavaliava os setores a serem incentivados. No
começo da década de 1960 foram priorizados os segmentos de perucas,
brinquedos, compensado de madeira, cimento, fertilizantes e fibras sin-
téticas. No começo dos anos 1970, indústrias de base, como a química, a
siderúrgica e a de maquinário foram as prioridades, de tal modo que, ao
final da década, a Coreia do Sul já tinha setores sofisticados de constru-
ção naval e aço. Houve então uma nova onda de substituição de importa-
ções que permitiu a produção de automóveis e, depois, a de eletrônicos.
Em meados da década de 1980, a Coreia do Sul já tinha uma indústria
autônoma intensiva em tecnologia que produzia peças para o setor auto-
motivo e bens de alta tecnologia, como computadores, chips de memó-
ria, eletrônicos e semicondutores para exportação (Amsden, 1992).

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Além de ter escolhido os setores e empresas privadas a serem


auxiliados pelo Estado, o governo coreano também tinha o impor-
tante papel de decidir quais empresas manteriam seus benefícios por
meio do uso de “cenouras” e “chicotes”, para usar os termos de Rodrik
(2008). O Estado não se limitou a dar incentivos a empresas, já que as-
segurou um sistema no qual apenas empresas privadas que apresen-
tassem resultados continuassem a ser beneficiadas pelo setor público.
Isso foi crucial para evitar o problema de rent-seeking, no qual empre-
sas receberiam proteção sem contrapartidas de progresso tecnológico
e de competitividade que o desenvolvimento econômico exige. Um
dos grandes pontos fortes do Estado desenvolvimentista coreano foi
sua grande capacidade de não apenas “escolher vencedores”, mas tam-
bém “podar perdedores”, isto é, não apenas conceder benefícios a em-
presas potencialmente capazes, mas também retirar benefícios a em-
presas que se mostrassem incompetentes. O setor automotivo é um
grande exemplo desse processo: apesar de no passado algumas produ-
toras de automóveis terem sido estabelecidas na Coreia com ajuda de
subsídios estatais diretos e indiretos, hoje resta apenas uma empresa
puramente coreana no setor, a Hyundai (Studwell, 2013).
As empresas coreanas passaram por um longo período de apren-
dizagem, no qual assimilaram e adaptaram tecnologia estrangeira nas
décadas de 1960 e 1970, antes de terem começado a internalizar a reali-
zação de P&D em meados dos anos 1980. No começo de sua industriali-
zação, a Coreia do Sul desenvolvera setores tecnológicos de ciclo longo
e produção de baixo valor agregado, como têxteis e perucas. Para isso,
fiou-se principalmente em fabricantes originais de equipamento (OEMs,
em inglês) do tipo montadora, e adotou tarifas e sucessivas desvaloriza-
ções de sua moeda. Mais tarde, fez gradualmente a transição para seto-
res de tecnologia de ciclo mais breve, produzindo produtos de ponta e
alto valor agregado. No entanto, a partir de um determinado ponto des-
te processo, empresas locais passaram a adotar uma estratégia de “pular
etapas”, realizada por empresas de outros países. Isso significou produzir
produtos de design próprio efetivamente inovadores, que renderam di-
reitos de propriedade de modo a evitar a importação de produtos caros.
Na década de 1980, a LG, por exemplo, tomou um “atalho” e ao invés de
replicar a tecnologia japonesa de TVs analógicas de alta definição passou
a produzir diretamente TVs digitais de alta definição.
A Hyundai, por exemplo, lançou o primeiro carro “coreano”
em 1974, ainda com motor japonês e design italiano. Partes de plástico

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trincavam, maçanetas se rompiam, freios falhavam e a pintura enfra-


quecia em semanas. Apenas em 1991 um motor nativo foi desenvolvido
e, mesmo assim, conforme suas próprias estimativas, sua produtivida-
de não atingia metade dos da Honda e da Toyota. A reputação da marca
foi péssima por anos, mas hoje a Hyundai é a terceira maior produtora
de carros no mundo. Foram anos de prejuízo, sustentados por genero-
sos subsídios do Estado, protecionismo, ajuda das demais empresas do
grupo (como o segmento de construção civil e naval) e pelas restrições
à entrada de concorrentes (apenas Hyundai e Daewoo podiam vender
carros leves). Diante do limitado mercado coreano, regulações restrin-
giam o número de modelos que podiam ser fabricados, buscando ge-
rar economias de escala. A partir de 1985, a guerra comercial EUA-Ja-
pão facilitou o acesso coreano ao mercado norte-americano e mudou
a empresa de patamar. A Hyundai também tinha um grande programa
de integração tecnológica com os japoneses. A Samsung tentou fabri-
car carros leves, mas sem muita relevância, e a Ásia Motors também.
Concorrência interna e as metas de melhoria dos produtos foi algo exi-
gido pela ditadura coreana; os primeiros motores foram desenvolvidos
por empresas menores compradas pelo grupo Hyundai. Demorou e foi
custoso, mas o Estado e a empresa seguiram comprometidos com uma
estratégia nacional de desenvolvimento baseada em aprendizado pro-
dutivo e tecnológico (ver Lee, 2011 e Kim e Vogel, 2011).

Navios na Coreia e China

Na Ásia do Leste, especialmente na Coreia do Sul e China, o gover-


no sempre forçou a iniciativa privada na direção que julgou correta
para tentar conquistar espaço nesses difíceis mercados do mundo.
Deu incentivos, subsídios, crédito e cobrou resultados. Nunca houve
vantagem comparativa natural dos asiáticos em aço, navios, carros ou
qualquer outro bem industrial. O governo da Coreia concedeu mono-
pólio na produção de plataformas offshore e no transporte de petró-
leo à Hyundai. Também financiou a construção dos navios e a própria
subsidiária de navegação da empresa. Lucros somente seriam obtidos
mais de dez anos depois do plano de Heavy Chemical and Industry Policy
(1973), que caracterizou o setor como estratégico, e da entrega do pri-
meiro navio pela Hyundai em 1974. A empresa reinvestiria tais lucros
no seu setor automobilístico e no complexo naval.

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Nesse mercado, a China era quase tão retardatária quanto o Bra-


sil no início dos anos 2000. Desde o 11º Plano Quinquenal (2006-2010),
considerou o setor naval como estratégico. Recebendo altos volumes de
subsídios, o país se tornou um dos mais relevantes em participação no
mercado mundial. Aprendizado tecnológico leva tempo. A China come-
çou com navios com baixo conteúdo nacional e de menor tamanho e
qualidade, mas vem se sofisticando rapidamente. Mesmo assim, seus na-
vios ainda são menos eficientes e seus lucros seguem mais baixos do que
os dos vizinhos. Em 2002, uma empresa chinesa, Chinluck Holdings, de
Hong Kong, adquiriu da Ucrânia um porta-aviões que depois foi “vendi-
do” para a marinha chinesa. Na época, países ocidentais temiam que os
chineses fossem usar esse navio como porta-aviões, o que de fato cor-
reu. O empresário Xu Zengping, dono da Chinluck Holdings, que ad-
quiriu o navio, disse aos ucranianos que iria transformá-lo num cassino
flutuante em Macau. Xu foi jogador de basquete e também empresário
na área de eventos. Então a história do cassino flutuante pareceu veros-
símil. Depois, a marinha chinesa “comprou” o navio, numa história um
tanto quanto esquisita. A China comprou o que restava desse porta-avi-
ões incompleto e abandonado no estaleiro com nome Varyag. Concluí-
ram a construção do navio posteriormente, em estaleiro chinês, e depois
o colocaram em serviço ativo com o nome de Liaoning.
Desde então, os chineses estabeleceram uma velocidade im-
pressionante na modernização de sua marinha. Avançados subma-
rinos, destroieres, fragatas, corvetas e navios de desembarque mul-
tipropósitos de deslocamento estão sendo construídos em ritmo
alucinante, reduzindo ou eliminando qualquer desvantagem tecnoló-
gica chinesa rapidamente. Ou seja, não há nada de natural ou inevitá-
vel no domínio asiático da construção naval. Ele é resultado da con-
vicção destes países de que o aprendizado tecnológico é chave para o
desenvolvimento, ainda que essas políticas sejam custosas e demora-
das e que seu sucesso seja incerto. Assim funciona o Leste Asiático.
A questão que todas essas histórias nos colocam é: qual a me-
lhor forma de desenvolver o potencial produtivo de uma nação? Abrir
a economia à concorrência externa para focar os esforços apenas nas
vantagens comparativas? Ou proteger setores estratégicos contra a
concorrência mais avançada até que se consolide uma estrutura eco-
nômica capaz de concorrer no comércio mundial? As visões de Ricar-
do e List se definem a partir do entendimento que eles têm sobre o
funcionamento do mercado internacional. Ricardo adota uma visão

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harmônica, segundo a qual cada indivíduo e cada nação coopera com


o bem-estar mundial por meio de um critério técnico e abstrato, as
“vantagens comparativas”. List explicita, por sua vez, que o comércio
entre nações é uma das faces da geopolítica. Países mais ricos fazem
uso do comércio mundial para ampliar e explorar as assimetrias tec-
nológicas, militares e econômicas existentes entre economias em di-
ferentes estágios do desenvolvimento de suas forças produtivas.

Brasil, uma economia que não aprende 61


62 Paulo Gala e André Roncaglia
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4. Um mundo com centro e periferia

O
s pioneiros do desenvolvimento desafiaram a visão neo-
clássica acerca da eficiência do mercado, a flexibilidade do
sistema de preços e a elasticidade das estruturas produtivas
como forças que dirigiriam espontaneamente a mudança estrutural
que caracteriza o desenvolvimento econômico. Diferente da pretensa
universalidade das abstrações neoclássicas, a teoria do desenvolvimen-
to já nasceu cosmopolita e, portanto, reconhecia a heterogeneidade
das experiências nacionais. Dentre os nove pensadores tão bem retra-
tados por Fernanda Cardoso (2018) em Nove clássicos do desenvolvimen-
to econômico, três eram do Leste Europeu e três eram latino-america-
nos, de maneira que esses autores se preocupavam com a realidade das
economias atrasadas, isto é, com a periferia do sistema. Vários destes
intelectuais tiveram ampla experiência de emigração e exílio (Rosens-
tein-Rodan, Nurkse, Singer, Hirschman, Furtado), de forma que sua vi-
são de economia foi, assim, profundamente inspirada e motivada pela
experiência real com a pobreza e o subdesenvolvimento em seus paí-
ses. Estes aspectos conferem à teoria do desenvolvimento uma nature-
za holística, que combina aspectos sociais, históricos, políticos e insti-
tucionais, além dos eminentemente econômicos.
Além disso, esta teoria tem uma vocação imediata à sua apli-
cação na forma de políticas de desenvolvimento. Isto se deve ao fato
de que muitos destes autores foram ligados aos organismos multilate-
rais criados no pós-guerra, em sua maior parte vinculados à ONU. Na
CEPAL, Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, esta-

Brasil, uma economia que não aprende 63


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vam Raúl Prebisch, Juan Noyola Vázquez e Celso Furtado; na Comissão


Econômica para a Europa estava Gunnar Myrdal; na UNCTAD tam-
bém esteve Prebisch; o Secretariado da ONU contou com a participa-
ção de Michal Kalecki e Hans Singer; e Rosenstein-Rodan fez parte dos
quadros do Banco Mundial. Por fim, apesar de heréticos ao “establish-
ment” teórico neoclássico, estes autores alcançaram importante desta-
que nos meios acadêmico e político. Vários detinham postos acadêmi-
cos em instituições prestigiadas nos Estados Unidos, bem como, dentre
eles, figuram dois ganhadores do Prêmio Nobel, Lewis e Myrdal.
O estruturalismo latino-americano está relacionado à Comis-
são Econômica para a América Latina e o Caribe criada nos anos 1950.
À luz das experiências históricas, as principais contribuições apresen-
tadas nesta versão latino-americana estão nas obras de Raúl Prebisch,
Celso Furtado, Juan Noyola Vázquez, Aníbal Pinto, Ignácio Rangel e
Osvaldo Sunkel, dentre outros. A preocupação central destes pensa-
dores dizia respeito aos desafios específicos enfrentados por países em
desenvolvimento para crescer em uma economia mundial dividida em
dois polos: o “centro” e a “periferia”, com suas distintas estruturas pro-
dutivas (Prebisch, 1949; Furtado, 1961).
A CEPAL foi criada no imediato pós-Guerra a partir da necessi-
dade de se adequar a teoria econômica à realidade social e histórica da
América Latina. Para os cepalinos era imprescindível combinar a análi-
se das estruturas econômicas no plano nacional com a dinâmica inter-
nacional, garimpando suas diferenças e suas diferenciações, confron-
tando-as com a realidade historicamente observada. Este procedimento
levou à noção de hierarquia entre nações, isto é, a divisão entre centro
e periferia. O problema da ciência econômica mainstream como apre-
sentada na época estaria na tentativa de aplicar na periferia categorias
analíticas adequadas apenas à realidade socioeconômica dos países cen-
trais. Era preciso formular uma teoria que informasse uma nova forma
de fazer política econômica. Foi neste contexto que surgiu o manifesto
cepalino de 1949, da pena de Raúl Prebisch, trabalho fundador da esco-
la de pensamento latino-americana. Podemos resumir a visão cepali-
na sobre a dinâmica internacional que prende as economias periféricas
na armadilha da baixa renda da seguinte forma: o subdesenvolvimento
da periferia resulta da tentativa de expansão dos mercados nos países
desenvolvidos. A produtividade alcançada pelas inovações tecnológicas
das revoluções industriais se deparou com a deficiência de demanda em
seus mercados internos, bem como pela elevação dos custos de produ-

64 Paulo Gala e André Roncaglia


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ção devido ao aumento no poder de barganha dos trabalhadores. Com


vistas a elevar a rentabilidade dos investimentos, as empresas dos países
industrializados passaram então a buscar matérias-primas, trabalho ba-
rato e demanda para seus produtos no mundo subdesenvolvido. Como
nestes países não existe uma estrutura sindical organizada e raramente
as elites econômicas detêm um projeto de desenvolvimento autônomo,
nasce uma interação específica entre os interesses estrangeiros e os das
elites dirigentes. Formam-se alianças com as elites locais para bloque-
ar o avanço de forças sociais que acompanham o desenvolvimento eco-
nômico e que poderiam vir a ameaçar a estrutura social vigente. Afinal,
não é do interesse das empresas estrangeiras o desenvolvimento local,
pois isso poderia levar ao aumento do poder dos trabalhadores e con-
sequentemente à elevação dos custos das matérias-primas a serem ex-
portadas para o centro, além do surgimento de concorrência industrial.
Desta forma, não se observa a formação nem de uma “burguesia na-
cional” nem um “capitalismo autóctone”, que poderia conduzir ao que
Acemoglu e Robinson (2012) chamaram de instituições inclusivas em
seu livro Por que as nações fracassam. Ao penetrarem nos esquemas pro-
dutivos destes países, as empresas estrangeiras não promovem a mesma
modernização econômica, tecnológica e institucional que o desenvolvi-
mento do capitalismo imprimiu nos países centrais.

Países ricos são industrializados e


países pobres são primário-exportadores

Segundo Prebisch (1949), a contradição do desenvolvimento latino-a-


mericano residiria na insuficiência de acumulação de capital exigida
pela tecnologia contemporânea, em face do modo exagerado de con-
sumo do grupo das altas rendas. Se deixada à mercê do livre comércio
baseado em vantagens comparativas, tal estrutura tenderia a se agra-
var. A especialização em produtos primários deixaria os países peri-
féricos dependentes de bens cujos preços tenderiam a perder espaço
conforme o desenvolvimento econômico avançasse mundo afora: a hi-
pótese da deterioração dos termos de troca, peça central do manifesto
de 1949. Apenas a industrialização seria capaz de emancipar os países
periféricos de uma situação subordinada no contexto do capitalismo
internacional e de diminuir a distância entre centro e periferia. Como
dificilmente este processo ocorreria espontaneamente por meio do

Brasil, uma economia que não aprende 65


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mercado, a industrialização deveria ser coordenada pelo Estado. Este


seria mais autônomo com relação aos interesses das elites econômicas
e, além disso, poderia dispor de um corpo técnico eficiente, sendo cru-
cial, neste tocante, a formação de um corpo de economistas atentos
aos desafios peculiares ao desenvolvimento latino-americano.
A teoria econômica vinda do hemisfério norte ignorava os tra-
ços históricos e institucionais da região como, dentre outros, o padrão
feudal de propriedade da terra que tornava rígida a oferta de alimen-
tos, gerando pressões inflacionárias nos centros urbanos a cada fase
expansiva do ciclo de crescimento industrial (Kalecki, 1954 e Geor-
gescu-Roegen, 1968). A aplicação desta teoria tinha tudo para piorar
as coisas; o sucesso do centro se daria necessariamente às custas do
avanço da periferia. Portanto, ao abandonar o princípio da harmonia,
os estruturalistas latino-americanos viam o mundo de forma total-
mente diferente. Em vez de equilíbrio, percebiam indomáveis e persis-
tentes desequilíbrios atormentando suas economias. O pleno empre-
go dos trabalhadores e da capacidade produtiva era, por sua vez, uma
fábula que jamais haviam visto; se ocorresse de fato, os trabalhadores
poderiam contar com maior poder de barganha e demandar salários
mais elevados, como preveria mais tarde o clássico modelo de William
Arthur Lewis de 1954. A ideia de mercados e preços se ajustando de
forma fluida e desimpedida não se conformava às estruturas produti-
vas rígidas e altamente desiguais observadas na América Latina.
O que os teóricos cepalinos observavam era o atraso em todas
as dimensões das sociedades periféricas. O capitalismo pleno e moder-
no não se tornara na região a forma dominante de organizar a produ-
ção. Os setores produtivos se modernizaram de forma desigual e com
viés primário-exportador, de forma que o atraso industrial tornava es-
tas sociedades altamente dependentes do ritmo de expansão dos mer-
cados internacionais. Não demoravam, portanto, a aparecer o desem-
prego estrutural e disfarçado (Robinson, 1936 e Rosenstein-Rodan, 1943)
nas aglomerações urbanas, os grandes desequilíbrios na distribuição da
renda e a instabilidade política. Por isso não se pode abstrair o funcio-
namento das economias nacionais de toda a organicidade que carac-
teriza a relação de dependência entre centro e periferia. Como bem
colocou Furtado (1999, p. 108), “a tecnologia moderna penetrava com
intensidade no estilo de vida e muito debilmente no aparelho de produ-
ção. Essa distonia está na raiz do fenômeno que em nossa época veio a
ser conhecido como subdesenvolvimento”. A quase identificação entre

66 Paulo Gala e André Roncaglia


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capitalismo, dependência e subdesenvolvimento torna-se um elemento


indispensável para a análise da evolução econômica da América Latina.
Em resumo, podemos esquematizar o núcleo da Teoria Cepa-
lina do desenvolvimento latino-americano em duas proposições cen-
trais: I) economias latino-americanas desenvolveram estruturas pouco
diversificadas e integradas; setor primário-exportador dinâmico, po-
rém incapaz de difundir progresso técnico para o resto da economia, de
empregar produtivamente o conjunto da mão de obra e de permitir o
crescimento sustentado dos salários reais; livre comércio aprofundaria
estes traços ao longo do tempo na ausência de uma indústria dinâmica e
II) ritmo de incorporação do progresso técnico e de aumento na produ-
tividade é maior nas economias industriais (centro) do que nas especia-
lizadas em produtos primários (periferia), gerando a diferenciação secu-
lar da renda em favor do centro; os preços de exportação dos produtos
primários apresentam tendência declinante em relação aos produtos in-
dustrializados: dá-se aqui a percepção de que a tendência à deterioração
dos termos de troca levaria à transferência dos ganhos de produtividade
do setor primário-exportador para os países industrializados.
Originalmente, a abordagem cepalina se apresentou como um
corpo teórico não formal, em que a elaboração de hipóteses, conceitos
e implicações foi conduzida paralelamente à descrição dos aspectos da
realidade econômica da América Latina. Por isso, há certa ambiguida-
de na especificação das hipóteses e definições básicas das relações cau-
sais entre as variáveis e predições da teoria cepalina. Como argumentou
Colistete (2007, p. 27), as proposições requerem que se explicitem e se
verifiquem algumas hipóteses adicionais para que se possa avaliar a va-
lidez da abordagem como um todo. Supõe-se que os efeitos dinâmicos
sobre a economia seriam mais intensivos em uma economia industrial.
Logo, a diversificação industrial seria o principal meio para reverter os
efeitos negativos da especialização primária. Não há na teoria, todavia,
qualquer especificação quanto à natureza da diversificação industrial,
apenas a ênfase na indústria de bens de capital como o núcleo da gera-
ção e difusão do progresso técnico. O processo de industrialização de-
veria incorporar setores de bens de produção mais complexos e capazes
de gerar e difundir progresso técnico por toda a estrutura industrial. Já
as hipóteses adicionais postulam que a produção primário-exportado-
ra é limitada em termos de incorporação de valor agregado e, por con-
sequência, que os efeitos de encadeamento das atividades exportadoras
sobre os outros setores produtivos são limitados.

Brasil, uma economia que não aprende 67


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O café no Brasil

Uma maneira de avaliarmos, na prática, as proposições dos economistas


cepalinos e clássicos do desenvolvimento é estudar as estruturas de mer-
cado dos principais produtos do mundo revelados no comércio mundial.
Uma análise dos padrões de comércio atuais no mundo nos mostra que
países de renda per capita elevada se especializam em atividades de con-
corrência imperfeita, enquanto países pobres não conseguem se especia-
lizar senão em atividades de concorrência quase perfeita. África, América
Latina e Ásia pobre produzem e exportam os principais bens primários
do mundo, e os países ricos processam e revendem esses mesmos produ-
tos: minério de ferro, de cobre, soja, açúcar, petróleo, cacau etc. Um bom
exemplo disso é a cadeia produtiva de café no globo.
O Brasil se especializou no elo mais fraco da cadeia de valor
do café. Países especializados em commodities são tomadores de pre-
ços em um mercado que se aproxima da concorrência perfeita. O pro-
duto é homogêneo, há baixa diferenciação por marcas e P&D é pouco
relevante. Já os torradores recebem 80% do valor do grão. A ativida-
de requer P&D e know-how para harmonizar os sabores ao gosto dos
clientes. A concorrência é imperfeita: as marcas top 10 atingem 35% do
mercado mundial. Há diferenciação por marcas e produtos: Nestlé e
Starbucks estão entre os maiores. Dos 60 milhões de sacas produzidas
por ano no Brasil, 20 milhões são consumidos por aqui e o resto expor-
tado. O Brasil segue sendo um dos maiores exportadores do mundo
logo a frente de Suíça e Alemanha. Apesar de não plantarem um único
pé de café, esses dois países dominam parte relevante desse mercado
no mundo. Em termos de cápsulas e extratos, aparecem em 2014 como
exportadores relevantes também. O mercado de cápsulas ilustra bem a
pobreza do Brasil em termos de capacidade de adicionar valor aos seus
produtos básicos e subir na escada tecnológica rumo ao desenvolvi-
mento econômico, conforme alertava a CEPAL.
Em relação às cápsulas, o poder de mercado e diferenciação de
produtos é ainda maior do que na torrefação. A mais recente fábrica da
Nespresso construída na cidade alemã de Schwerin representa um dos
maiores investimentos feitos no setor nos últimos anos. A escala de pro-
dução e a localização da cidade no centro da rede consumidora europeia
tornam a competição para empresas brasileiras muito difícil. Na fábri-
ca, os 350 empregos gerados pagarão salários interessantes e adicionarão
ainda mais riqueza à região. A saca de café de 60kg que saía no Brasil a

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R$ 400 em 2018, ou seja, R$ 6,6 o quilo, se transforma numa cápsula que


é vendida no varejo brasileiro por R$ 400 o quilo. O preço remunera a
construção da fábrica e gera um fluxo de salários e produtividade lá bem
maior do que aqui. Depois, a cápsula é reexportada para o Brasil e vendi-
da por um preço 70 vezes maior do que o preço de saída. Aqui, um lojista
brasileiro ganha um salário baixo de serviço não sofisticado para vender
a cápsula. O barista consegue ainda adicionar algum valor para tentar
vender o produto um pouco mais caro. O ciclo de pobreza e riqueza do
café se fecha então. Quem ganhou dinheiro mesmo foram os alemães e
suíços que processaram o café. Algo parecido com o café ocorre também
no petróleo brasileiro: exportamos cada vez mais óleo bruto e importa-
mos derivados como querosene de aviação, nafta, solventes, coque e lu-
brificantes. Nossas refinarias vão ficando ociosas e atrasadas.
Praticamente tudo o que comemos no café da manhã, almoço
e jantar depende de gigantes multinacionais suíças, francesas, inglesas e
americanas. Países ricos importando as matérias-primas dos emergentes,
processando, colocando suas marcas e revendendo com mais valor. A Gi-
vaudan, IFF, Firmenich, quase todas suíças, compram ingredientes bá-
sicos e simples no Brasil, processam, produzem essências, condimentos
e extratos e depois vendem para a Unilever e outras gigantes. Estas, por
sua vez, adicionam isso a outras matérias-primas e produzem alimentos
processados; põem suas marcas e vendem nos supermercados brasilei-
ros. Há oligopsônio na compra dos ingredientes básicos, poucos e enor-
mes compradores, e oligopólio na venda dos alimentos processados, pou-
cos vendedores muito grandes. Onde fica o lucro? As matérias-primas da
África, Ásia e América Latina viram lucro na Suíça, Alemanha, França e
EUA –café, cacau, frutas, especiarias, condimentos. Poder de monopólio,
marcas fortes, concentração de mercado, diferenciação de produtos ga-
rantem a concentração produtiva e de lucros. Mesmo raciocínio se aplica
a aromas, fragrâncias, perfumes, desodorantes, detergentes, sabão, bebi-
das; frutas naturais para extração de óleo; especiarias como cravo e cane-
la, flores como hibisco e maracujá e extratos botânicos, e milhares de ou-
tras matérias-primas. A CEPAL segue mais atual do que nunca.

O mercado de cosméticos no mundo

Barreiras à entrada, grandes economias de escala e diferenciação por


marcas são algumas das características que dificultam muito o acesso

Brasil, uma economia que não aprende 69


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de novas empresas do mundo emergente a esses mercados industriais


de alta qualidade. Alguns exemplos ilustram facilmente o ponto e aju-
dam a entender como a economia mundial está estruturada hoje em
termos desses mercados. Aviões: Boeing, Airbus, Bombardier e Embra-
er. Automóveis: Toyota, Hyundai, GM, Ford, Fiat. Alimentos processa-
dos: Nestlé, Danone. Eletrônicos: Apple e Samsumg, e assim por diante.
Fármacos com Roche, Pfizer, Merck, Sanofi, Novartis, Bayer e Johnson
& Johnson. O mundo dos cosméticos, em outro exemplo, é domina-
do por poucas empresas europeias e norte-americanas. No entanto, al-
gumas empresas asiáticas, sobretudo japonesas, sul-coreanas e chine-
sas, têm adentrado este bilionário mercado. O mercado de cosméticos
é muito oligopolizado e sete empresas detêm cerca de 180 marcas para
cuidado da pele para o corpo e rosto, cabelo, perfume e maquiagem. A
Estée Lauder possui 24 marcas de produtos nestas categorias.
Entrar nesses mercados não é tarefa fácil. Mas algumas em-
presas de países asiáticos já conquistaram mercados globais, princi-
palmente as japonesas Bioré, Kosé, Kenzo, Issey Miyake e sul-corea-
nas como Missha, Amoré Pacific, Clio, LG (a mesma de eletrônicos).
Como estas empresas estão entrando em um mercado tão oligopoli-
zado? Com inovação e criação de patentes e crescentes investimen-
tos em P&D. A Coreia é o quinto país no mundo que mais investe em
P&D no setor. O governo destinou a esta indústria bilhões de dólares,
criando um cenário perfeito para que as marcas criem e testem suas
inovações, que incluem fórmulas, ingredientes, processos e embala-
gens. Esta estratégia também foi desenvolvida para que a Coreia do
Sul se torne uma potência mundial na indústria de biosaúde e cosmé-
tica, áreas em que as pesquisas ganharão mais investimentos nos pró-
ximos anos. O Ministério da Saúde e Bem-Estar do governo sul-co-
reano vai apoiar a expansão de investimento em P&D para produtos
antienvelhecimento e outros cosméticos. Até 2020, o governo espera
que as duas principais empresas de beleza do país entrem no top 10
das marcas globais em termos de receita.
No Brasil temos o incrível caso de sucesso da Natura Cosméti-
cos, que soube se alavancar a partir de nosso mercado doméstico para se
tornar uma gigante mundial e brigar na liga dos campeões. Atrás ape-
nas dos Estados Unidos, China e Japão, o Brasil ocupa hoje a quarta po-
sição no ranking mundial no consumo de cosméticos. Para se fortalecer
na briga com os gigantes mundiais, a Natura comprou recentemente a
Avon por meio de troca de ações. A Natura Holding, que resultará em

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combinação de negócios, operações e bases acionárias, está avaliada em


US$ 11 bilhões; com a combinação dos negócios passará a ser a quarta
maior empresa de cosméticos do mundo, com quase 70% das receitas
vindas do exterior. Embora o negócio tenha iniciado com uma primeira
loja física em 1970 na rua Oscar Freire, em São Paulo, com atendimen-
to pessoal de Luiz Seabra, foi com o modelo de negócios de venda direta
adotado a partir de 1974 que a empresa se solidificou. A venda direta é o
famoso “porta a porta”, na qual revendedores fazem a venda aos consu-
midores no ambiente doméstico ou profissional, sem envolvimento do
varejo tradicional. Caracteriza-se por margem de lucro alta, pois o con-
sumidor paga o preço do varejo sem o envolvimento deste último.
Em 2009, 40 anos após a sua fundação, a Natura registrou 1
milhão de consultoras. Com a junção de negócios com a Avon, passa-
rão a ser mais de 6,3 milhões de representantes e consultoras da Avon
e Natura. Fortemente aderente à cultura da sustentabilidade e com es-
tratégia de valorização da brasilidade, a Natura se destacou nos anos
2000 com o lançamento da linha Ekos, com ativos da biodiversidade
nacional, com a formação de fornecedores locais na Amazônia. A es-
tratégia da empresa incluiu desenvolvimento de capacidades produti-
vas nas comunidades, pesquisas sobre biodiversidade, reforma de es-
colas e construção de fábricas no Pará. O mercado internacional foi
explorado inicialmente via contrato de distribuição no Chile, em 1982.
A segunda etapa consistiu na instalação de operações na Argentina e
Peru, em 1992. Mais de uma década depois, em 2005, a Natura abriu
loja em Paris, e, em 2016, em Nova York, além de várias outras no Bra-
sil. Mais recentemente, a Natura adotou arrojada estratégia de con-
solidação com aquisição da Aesop em 2013 e The Body Shop em 2017
(esta última por €$ 1 bilhão), e agora recentemente a Avon.

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5. Quem sai na frente costuma


ganhar o jogo industrial

Q ualquer pessoa que já tenha empurrado um carro


enguiçado numa avenida sabe quanta força é necessária para
deslocar o veículo por poucos metros. Agora, quando o carro
funciona, um leve pisar no acelerador pode levá-lo em poucos segundos
a uma velocidade de mais de 100 km/h. De forma análoga, na presença
de retornos crescentes de escala, uma firma ou setor conseguem grande
acréscimo da quantidade do produto final, mais do que proporcional-
mente ao aumento da quantidade de utilização de um fator de produ-
ção (terra, capital ou trabalho). Assim, um aumento de 10% na quantida-
de de horas trabalhadas, por exemplo, pode determinar um aumento de
15%, 20% ou muito mais da produção da empresa. Este fenômeno apa-
rece quando empresas ou setores operam com complexas redes de coo-
peração, a partir de uma intrincada divisão do trabalho tanto dentro das
empresas como entre as empresas. Uma maior produção significa que
cada insumo adicionado é mais produtivo e, ao combinar-se com outros
fatores, reduz o custo de cada unidade adicional do bem produzido (o
que os economistas chamam de custo marginal). Se produzir mais sig-
nifica menores custos, as empresas e setores se aproveitam da sua pro-
dutividade e têm, portanto, fortes estímulos para expandir produção e
buscar mais lucros, e dominar maior fatia do seu mercado.
O setor manufatureiro costuma se destacar neste aspecto. Em
contraste com a maioria das empresas do setor de serviços não sofis-
ticados ou do agronegócio, as empresas industriais enfrentam custos

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marginais decrescentes ao expandir a produção; ou seja, sua ativida-


de se beneficia de retornos crescentes de escala e escopo. Adicionar
um turno à jornada de produção ou implantar uma nova máquina no
chão da fábrica pode multiplicar em muitas vezes a capacidade de pro-
dução de uma determinada indústria. Nos setores de serviços não so-
fisticados e agronegócio, a expansão da atividade tende a custar caro,
sem acrescentar na margem uma capacidade produtiva significativa.
São setores que sofrem com retornos decrescentes conforme se am-
plia a escala da produção. Atividades com retornos crescentes de es-
cala exibem também fortes externalidades de redes e dinâmicas de
aglomeração. Isso significa que quem faz a primeira jogada ou tem a
melhor ideia (os first movers) ganha posição de destaque no mercado e
tende a atrair mais atenção e maior poder sobre o mercado. A empre-
sa que sai na frente tem forte poder de aglutinar fornecedores e con-
sumidores em sua rede de influência, dando espaço à dinâmica de “ar-
madilha” (lock-in), o que torna o comportamento da rede dependente
da trajetória (path-dependent). Isto significa que as condições iniciais
determinam boa parte da história posterior do sistema; daí a impor-
tância de, como no jogo de xadrez, ser “o primeiro a jogar”. Um bom
exemplo aqui está na disputa entre os padrões VHS e Betamax dos
aparelhos videocassete dos anos 1980. Mesmo com um padrão tecno-
lógico pior, o sistema VHS ganhou a batalha pois saiu na frente e equi-
pou primeiro a casa dos consumidores (ver David, 1985).

Redes produtivas e dinâmicas de aglomeração

A produção sujeita a economias de escala e retornos crescentes também


se concentra no espaço. Por exemplo, no Brasil de 2017 quase metade do
PIB do país foi gerado por apenas 69 municípios segundo o IBGE. Jun-
tas, essas cidades reuniam mais de um terço de toda a população brasi-
leira. Outro recorte mostra que 25% de toda a economia do país estava
concentrada em apenas sete municípios. Isso se repete em todos países
do mundo, trata-se de uma característica de processos produtivos com
essas propriedades. Todos os sistemas que operam com fortes econo-
mias de escala e retornos crescentes criam centros e preferias dentro
dos países e entre países. Prebisch e Furtado apenas observaram isso na
economia mundial: os países ricos ou “centro” desenvolvem mais ativi-
dades com economias de escala do que os países pobres ou “periferia”.

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Para entender melhor o funcionamento desses processos use-


mos o que os estatísticos chamam de “urna de Polya”. Imagine uma
urna que contém inicialmente 10 bolas azuis e 10 bolas vermelhas; ago-
ra, para cada bola azul retirada aleatoriamente da urna acrescente mais
uma azul e repita o procedimento para bolas vermelhas. Depois de al-
gum tempo a urna estará mais carregada de bolas azuis ou vermelhas
dependendo da aleatoriedade dos passos iniciais do processo. Digamos
que o acaso tenha favorecido as bolas azuis no começo, depois de mui-
tas repetições deste processo a urna estará cheia de bolas azuis e com
uma proporção bem pequena de bolas vermelhas. Quanto mais bolas
azuis se coloca na urna, maior a probabilidade de se retirar novamente
uma bola azul. Se o processo continuar, as bolas vermelhas praticamen-
te desaparecerão como proporção das azuis. Esse tipo de dinâmica ilus-
tra claramente um processo de retornos crescentes e path dependent.
Poderíamos, por exemplo, dizer que Alemanha, Japão, China e
Coreia do Sul hoje seriam as indústrias sofisticadas “bolas azuis”. Faça-
mos agora o mesmo experimento com duas urnas de Polya, uma brasilei-
ra e outra alemã: cada bola azul (indústria high tech) sorteada na urna da
Alemanha implica retirar uma bola azul da urna brasileira. E assim conti-
nuamos sorteando bolas na urna alemã e cada vez que sai uma azul, tira-
mos mais uma do Brasil e mandamos para lá. Depois de algumas rodadas,
teremos muito mais bolas vermelhas (indústrias simples) para o Brasil e
mais bolas azuis para a Alemanha. Por que isso ocorre? As economias de
escala e retornos crescentes geram forças centrípetas (em relação aos po-
los já existentes), e os custos de transporte, do trabalho e de ocupação ge-
ram forças centrífugas. As gigantescas economias de escala da Alemanha
(ou de China e EUA) atrairão para si, como bombas de sucção, bolas azuis,
até que os custos de transporte e trabalho interrompam o processo.
A localização das redes produtivas ao redor do globo depende-
rá, portanto, da resultante dessas forças, trazendo importantes conse-
quências para países desenvolvidos e em desenvolvimento. No caso do
comércio internacional, esse processo cumulativo é atenuado por fric-
ções como os custos de transporte, barreiras comerciais (tarifárias e
não tarifárias), bem como políticas de administração da taxa de câmbio
e de fomento de indústrias estratégicas locais. Para mais detalhes de
experiências internacionais neste sentido, Chang e Lin (2009) é uma
leitura imperdível. Krugman, Fujita e Venables (1999) também discu-
tiram amplamente essas ideias do ponto de vista teórico em seus mo-
delos do tipo centro periferia da chamada nova geografia econômica.

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Paul Krugman teve as sacadas para modelar esses processos a partir de


uma conversa com um empresário, que contava para ele como o Japão
usou seu mercado interno para “treinar” suas empresas de carros para
depois conquistar a América (o mesmo ocorreu com TVs, cortadores
de grama, motos, semicondutores, eletrônicos em geral e outros pro-
dutos). Usando modelagem mais formal, não era difícil perceber que
com retornos crescentes de escala quem sai na frente ganha, estabele-
ce uma posição competitiva com custos decrescentes que dificilmente
poderá ser contestada no futuro (first mover advantage). Mercados não
conseguem “resolver” isso automaticamente, a distância entre países e
empresas aumenta, surgem divergências e não convergências. Assim
surgiu o que ficou conhecido como a Nova Teoria do Comércio Inter-
nacional que formalizou em modelos o que os antigos economistas es-
truturalistas e do desenvolvimento econômico sempre disseram.
Aqui o papel da inovação é essencial. Quem inova mais chega em
primeiro lugar e assume a liderança do mercado, enquanto os concorren-
tes tentam copiar as novidades. Na economia do aprendizado (learning
economy) é preciso trabalhar intensamente apenas para manter a sua po-
sição relativa. Como ocorre em muitos esportes, há muitas barreiras à
entrada nesta categoria de elite do campeonato mundial da tecnologia. É
preciso muito investimento em pesquisa e desenvolvimento apenas para
conseguir uma vaga nestes mercados, bem como para, uma vez dentro,
manter-se competitivo apenas como um imitador (ou emulador) dos lí-
deres. As atividades de produção industrial e serviços escaláveis ofere-
cem as melhores oportunidades de gerar diferenciações que se traduzem
em sofisticação produtiva. As indústrias transacionáveis mais complexas
e sofisticadas de um país e do planeta operam nesta categoria de elite;
elas são a vanguarda. Quanto maiores as economias de escala presentes
na indústria e no processo, maior a probabilidade de retornos crescentes
e de concentração da produção à la urna de Polya. Por outro lado, com-
modities e serviços não sofisticados apresentam, via de regra, retornos
decrescentes de escala e, por isso, inibem a formação de redes comple-
xas em nível similar ao da manufatura e serviços sofisticados. Como já
vimos anteriormente, setores de baixa complexidade perdem produtivi-
dade com a escalabilidade dos negócios. Uma concentração excessiva do
tecido produtivo de um país em atividades desse tipo tende a diminuir a
produtividade agregada dessa economia, bem como a capacidade do sis-
tema produtivo de absorver avanços técnicos tanto no maquinário quan-
to no conhecimento exigido dos trabalhadores, o capital humano.

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Uma outra questão fundamental sobre a relação entre redes


produtivas e o desenvolvimento econômico diz respeito à “transaciona-
bilidade” dessas redes (ou tradeability, como bem argumentou Gunnar
Myrdal em seus trabalhos pioneiros sobre o tema). Este conceito se re-
fere à dificuldade de levar tais redes para fora do país, como um quebra-
-cabeças que, uma vez montado, precisa ser transportado. Vale destacar
que as capacidades produtivas locais contidas nessas redes são insumos
não transacionáveis; as redes produtivas não “viajam bem” e, portanto,
são locais e se instalam em determinados países. Nessa perspectiva fica
evidente que uma abertura ampla e generalizada do comércio mundial
não afetaria uniformemente todos os países. Mais do que isso, o jogo
tende a ficar desequilibrado de forma persistente e as diferenças tecno-
lógicas entre países tendem a se autorreforçar. A partir da relação das
suas estruturas produtivas locais com as dos seus parceiros comerciais,
há uma tendência a se gerarem fortes concentrações regionais das in-
dústrias mais sofisticadas, com maiores retornos de escala e com menor
transacionabilidade: as redes não saem dos países. Ainda na linha de
Myrdal, o que se observa é um processo de causação cumulativa, em que
países com estruturas produtivas menos sofisticadas têm mais dificul-
dade de entrar na liga dos campeões. Esta dificuldade aumenta quanto
mais tempo permanecem fora da liga, tornando cada vez menos plau-
sível seu aprimoramento produtivo para concorrer com os campeões
mundiais (o que chamamos de catching-up).
Essa discussão já estava presente nos clássicos trabalhos de Al-
fred Marshall sobre economias de aglomeração, redes produtivas locais
e externalidades positivas presentes nas análises de “distritos indus-
triais” do final do século XIX. O desenvolvimento econômico é sempre
um fenômeno regional e local. As regiões, cidades e países que têm as
redes produtivas mais complexas e sofisticadas são ricos e desenvolvi-
dos. Os insights de economias de rede são, portanto, chave para se en-
tender a complexidade produtiva dos diversos países e sua conexão com
desenvolvimento econômico. A criação de produtos complexos requer
grandes redes produtivas, com ampla integração entre firmas. Os exem-
plos clássicos aqui são computadores, automóveis e aviões que necessi-
tam de uma infinidade de fornecedores e produtores, dentro do próprio
país de produção e fora, integrados ao processo produtivo: as chamadas
cadeias globais de valor. No caso de um avião da Boeing, por exemplo,
as turbinas são feitas na Europa e nos EUA, as asas na Ásia, o trem de
pouso no Reino Unido e partes da fuselagem no próprio Estados Uni-

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dos, China e outros países da Ásia. As portas dos compartimentos de


carga são feitos na Suécia e as portas dos passageiros na França.
A produção de carros no mundo também é um bom exemplo
do que discutimos aqui. Temos uma dinâmica industrial de aglome-
ração do tipo “Krugman” nessas indústrias. Uma abertura generaliza-
da de todos os mercados do mundo em relação a importação de car-
ros criaria alguns grandes clusters produtores (first mover advantage)
com plataformas exportadoras (Coreia, Japão, China, EUA e Europa).
Na verdade, já é assim hoje, no mundo e no Brasil. Só países de renda
alta e alguns de renda média são capazes de produzir carros. Na Áfri-
ca e Ásia central não há quem produza carros. O mesmo vale para avi-
ões, navios, helicópteros, máquinas, químicos e bens mais sofisticados
e complexos. Por outro lado, todos os países do mundo são capazes
de construir shopping centers. Um shopping nada mais é do que um
grande imóvel que abriga várias lojas de varejo, cinemas e restauran-
tes: serviços não sofisticados. Que empregos são gerados lá dentro?
Lojistas e atendentes de todos os tipos: sem necessidade de qualifica-
ção, sem aprendizado tecnológico. Empregos de baixa qualificação e
baixos salários. Os shoppings são um belo exemplo de estrutura pro-
dutiva que gera pouco ou nenhum avanço tecnológico na economia.
Vamos pensar agora em uma fábrica de automóveis de ponta: Mer-
cedes-Benz. O que fazem as pessoas lá dentro? Desenvolvimento de
inovações e tecnologias o tempo todo: motores, sistemas de transmis-
são, design, TI e controle dos carros etc. Quem trabalha numa fábri-
ca dessas? Robôs e engenheiros altamente qualificados. Salários altos
e uma busca incessante por escala e conquista de mercados locais e
mundiais. São negócios também altamente lucrativos para as marcas
de ponta: Toyota, Hyundai, BMW, Mercedes etc. Diante disso pergun-
tamos, então: faz diferença para um país se concentrar na produção
de shoppings ou fábricas de automóveis? Será que qualquer atividade
econômica promove o desenvolvimento econômico?

Shenzhen

A zona de exportação de Shenzhen na China é um belíssimo exemplo


de cluster industrial high tech que conseguiu inclusive chegar à liga dos
campeões mundiais. Vale a pena ver documentário Shenzhen: The Silicon
Valley of hardware da revista Wired sobre a região. A cidade é hoje uma das

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maiores e mais importantes da China, localizada na província de Guang-


dong, no sul do país, ao norte de Hong Kong. Era uma vila de pescado-
res com menos de 100 mil habitantes nos anos 1970, hoje tem mais de 15
milhões de moradores. Foi a primeira cidade chinesa a abrigar uma zona
econômica especial, implementada pelo governo chinês em 1979 e que
transformou radicalmente a cidade numa base exportadora de manufa-
turas high tech. Sua população cresceu mais de 5000% nesses últimos 33
anos, e sua economia, mais de 9000% desde então. O poderio econômico
apresentado por Shenzhen, figurando como um dos principais centros fi-
nanceiros, urbanos, culturais e administrativos da China atual, é fruto de
gigantescos estímulos do governo e atração de investimento estrangei-
ro. Em 2010 Shenzhen ficou na 4ª posição entre as cidades mais ricas da
China, ficando atrás somente de Xangai, Hong Kong e da capital Pequim.
A cidade virou o “Vale do Silício da China” e superou a renda
per capita do experimento liberal mais bem-sucedido do pós-guerra,
Hong Kong, seu vizinho no Delta do Rio Pérola. O feito é impressio-
nante por vários motivos. Escolhida como primeira Zona Econômica
Especial para testar as reformas na China pós-Mao, Shenzhen iniciou
seu crescimento, em grande medida, por meio de investimentos ex-
ternos diretos de Hong Kong, que na época era industrializado. Colô-
nia britânica até 1997, Hong Kong adotou uma via mais liberal ofere-
cendo sua vantagem comparativa na época, a mão de obra barata, em
troca de investimentos externos para produzir bens simples. Quando
os custos aumentaram, as fábricas partiram para lugares como Shen-
zhen. Sem indústria, e com localização e topografia apropriadas, Hong
Kong se especializou em serviços desde então. Já Shenzhen, por meio
de incessante planejamento governamental, tornou-se referência em
alta tecnologia. No início o governo constituiu uma “zona econômica
especial” dando isenção tributária geral para quem ali produzisse para
exportação; ao mesmo tempo promoveu forte política de proteção ta-
rifária protegendo as indústrias chinesas nascentes. Num segundo mo-
mento, convidou os estrangeiros para usar essa incrível base logística
na foz do Rio Pérola, repleta de mão de obra produtiva e barata. Auxi-
liou também a região e o país com uma política cambial ultracompe-
titiva para conquista de mercados no mundo. O aprendizado tecno-
lógico ali foi incrível. Nos estágios finais as tarifas foram removidas e
Shenzhen virou um filho prodígio. A cidade de Shenzhen produziu em
2010 mais de 75% dos tablets do mundo. É hoje um dos principais clus-
ters regionais que produzem novas tecnologias para o mundo.

Brasil, uma economia que não aprende 79


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Mittelstand na Alemanha

O estado alemão de Baden-Württemberg, que conta com 10 milhões de


habitantes, produz o equivalente ao PIB norueguês e três vezes mais do
que o PIB português. O que se produz lá que faz com que as pessoas se-
jam tão ricas? Ouro? Muito pelo contrário. A produção de riquezas na-
turais e agricultura é praticante irrelevante. Seriam os restaurantes, as
farmácias, hospitais, shopping centers e cabeleireiros a fonte de tanta
produtividade? Também não. A grande fonte de riqueza e produtivida-
de desse estado está na produção de bens transacionáveis sofisticados.
Aí se baseiam companhias como Porsche, Hugo Boss, Zeiss, Mercedes e
SAP e inúmeras outras pequenas e médias empresas nas áreas de mecâ-
nica de precisão, maquinaria e outros setores de ponta. A região não é
rica graças aos seus recursos naturais, é rica por conta de sua rede pro-
dutiva altamente sofisticada que abastece o mundo inteiro com bens
transacionáveis complexos. Ainda na mesma região, no estado vizinho
da Bavaria os destaques são BMW, Audi, Siemens, Continental, MAN,
Puma e Adidas. O chamado “mittelstand” alemão abastece o mundo
com seus produtos e tecnologia de ponta; aí está o segredo da riqueza
da Alemanha. Dos 80 milhões de alemães, 42 milhões trabalhavam em
2011. Dos que trabalhavam, 17,52% estavam na indústria e 15,34% nos
serviços empresariais e finanças. Ou seja, quase 36% em empregos do
tipo engenharia, design, marketing, TI, gestão, todos eles com grandes
economias de escala e alta qualificação.
No Brasil, para uma população de 200 milhões em 2011, 105
milhões (52,5%) trabalhavam. Desses, 10,6% estavam na indústria, bem
mais low tech em relação à Alemanha, e 10,5% em serviços empresa-
riais e finanças, também menos high tech do que na Alemanha. O Bra-
sil emprega muita gente em agropecuária e serviços não sofisticados,
setores onde a produtividade do trabalho tende a ser baixa. Até 2009
a indústria brasileira ocupava muita gente ainda, algo que vem sendo
revertido de maneira preocupante desde 2013. O número de pesso-
as empregadas na agropecuária brasileira de 15% (apesar de ter caído
10 pontos percentuais desde os anos 1980) ainda é muito alto quando
comparado ao que se vê em países desenvolvidos que têm aproxima-
damente 2% dos empregos nesse setor. Além de ocupar o maior nú-
mero de trabalhadores em setores de baixo desempenho em termos de
produtividade, os empregos industriais brasileiros também apresen-
tam baixa produtividade quando comparados aos seus congêneres em

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países emergentes e desenvolvidos. Ou seja, o Brasil sofre em termos


de composição setorial “ruim” para produtividade e de nível baixo de
produtividade mesmo dentro dos setores “corretos”. Temos uma con-
figuração setorial ruim no sentido de perda de espaço da manufatura
e aumento de espaço do setor de serviços tradicionais. Muitos empre-
gos ainda em agricultura familiar e subsistência, sem escala e meca-
nização. Então, nossa produtividade em agricultura é baixa quando
comparada a países ricos. Nossa indústria também é fraca e atrasada
em relação ao que se vê em países ricos desenvolvidos; o grosso que te-
mos de produção industrial é low tech, enquanto países desenvolvidos
têm indústrias middle tech e high tech. Nossos serviços tradicionais
também são ultrassimples, sem mecanização no pouco que é possível.
Em commodities somos muito produtivos, por exemplo em Petrobras
e Vale, mas esse setor ocupa menos de 2% do nosso emprego total. Em
serviços modernos também vamos bem, mas é um setor pequeno do
ponto de vista de geração de empregos. Temos, portanto, baixa produ-
tividade dentro de nossos setores econômicos e também maior parti-
cipação de setores com baixa produtividade intrínseca no PIB.

Brasil, uma economia que não aprende 81


82 Paulo Gala e André Roncaglia
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6. Estruturas produtivas
sofisticadas enriquecem países

O
tema da complexidade ganhou destaque em economia
com os trabalhos de Brian Arthur na liderança do Instituto
Santa Fé no Novo México, no final dos anos 1980. Com apli-
cações em várias frentes, a perspectiva de sistemas dinâmicos com-
plexos tem sido usada em diversos campos de pesquisa em economia
e outras ciências, tais como teoria dos jogos, ciência política, biologia,
física. Em economia, as aplicações originais modelavam o funciona-
mento de mercados financeiros, como os indivíduos tomam decisões
em variados contextos, bem como estudos sobre path dependence, isto
é, dinâmicas que dependem de sua trajetória inicial. Recentemente,
os físicos Albert Barabási e César Hidalgo e o economista Ricardo
Hausmann deram novo impulso ao estudo dos sistemas complexos
em economia ao disseminar o uso das redes complexas para o estu-
do do comércio internacional. O mais recente Altas da Complexidade
Econômica de 2011 combina avanços dessa discussão de complexi-
dade com a tecnologia de Big Data para criar um dos mais modernos e
relevantes banco de dados em economia na atualidade. A ironia é que
toda a sofisticação da metodologia de análise dos dados obtém resul-
tados empíricos incrivelmente próximos às teses defendidas por an-
tigos economistas do desenvolvimento e estruturalistas, como vimos
nos capítulos anteriores.

Brasil, uma economia que não aprende 83


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Complexidade econômica e sofisticação produtiva

Medir a sofisticação produtiva ou “complexidade econômica” de um país


não é tarefa simples; envolve uma combinação de precisão teórica e cui-
dado empírico. Ricardo Hausmann, César Hildalgo e coautores publica-
ram, em 2011, um método de extraordinária simplicidade e comparabili-
dade entre países numa parceria entre o Media Lab do MIT e a Kennedy
School de Harvard. A partir da análise da pauta exportadora de um deter-
minado país, deduziram a sofisticação tecnológica de seu tecido produti-
vo. A construção dos índices de complexidade econômica (ECI, em inglês)
exigiu o desenvolvimento de uma metodologia que culminou no Atlas da
Complexidade Econômica, que reúne extenso material sobre ampla va-
riedade de produtos e países num período de 50 anos desde os anos 1960.
A complexidade produtiva econômica é atestada por meio de
dois indicadores: a ubiquidade e a diversidade de produtos encontrados
na pauta exportadora de países. Se uma determinada economia é capaz
de produzir e exportar muito bens não ubíquos, isto é, bens raros, en-
tende-se que se trata de um sofisticado tecido produtivo. Os bens não
ubíquos devem ser divididos entre aqueles que têm alto conteúdo tec-
nológico e, portanto, são de difícil produção (aviões), e aqueles que são
altamente escassos na natureza, por exemplo, diamantes, e, portanto,
têm uma não ubiquidade natural. Isto significa que a escassez de recur-
sos naturais pode influenciar enganosamente a medição de complexi-
dade; o fato de um bem ser raro envolve um “acaso” da natureza e não o
resultado de capacitações tecnológicas e produtivas.
Para corrigir essa distorção, os autores do Atlas da Complexida-
de usam uma técnica engenhosa: combinam a ubiquidade do produto
feito em um determinado país com a diversidade de produtos que esse
país é capaz de exportar. Isso impede que o índice confunda complexi-
dade com mera exploração extrativista. Por exemplo, Botsuana e Serra
Leoa produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo, diaman-
tes brutos. Por outro lado, têm uma pauta exportadora extremamente
limitada e não diversificada. Assim, a não ubiquidade não deriva de so-
fisticação produtiva, de forma que o indicador de complexidade desses
países precisa ser corrigido para representar uma estrutura produtiva
baseada em produtos primários, com baixo valor agregado. Alternativa-
mente, produtos não ubíquos, mas de alta sofisticação, podem ser en-
contrados, por exemplo, em equipamentos médicos de processamento
de imagem, algo que praticamente só Japão, Alemanha e Estados Uni-

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dos conseguem fabricar. Neste caso, as pautas exportadoras desses pa-


íses são extremamente diversificadas. Por fim, países que tenham uma
pauta muito diversificada, mas com bens ubíquos (peixes, tecidos, car-
nes, minérios etc.), deixam a desejar em termos de complexidade eco-
nômica; não têm nenhum diferencial produtivo relevante.
A comparação entre Cingapura e Paquistão ajuda a ilustrar a
metodologia. Os dois países têm aproximadamente o mesmo tamanho
de PIB, mas o Paquistão é 34 vezes mais populoso do que Cingapura, de
forma que é muito mais pobre em termos per capita. A diversidade de
exportação do Paquistão e de Cingapura é praticamente a mesma: am-
bos os países exportaram aproximadamente 133 produtos distintos em
2014. Todavia, o indicador de complexidade econômica (ECI) é bastan-
te diferente entre os dois: em 2014 o Paquistão tinha uma complexida-
de econômica de -0.75 e Cingapura de 1.40, significando que o segundo
país era bem mais complexo do que o primeiro nesse ano. Os produtos
exportados pelo Paquistão são também exportados por países que têm
pautas de exportações pouco diversificadas, enquanto produtos expor-
tados por Cingapura são exportados por concorrentes com exporta-
ções diversificadas e não ubíquas. Paquistão exporta tecidos, toalhas e
lençóis principalmente. Cingapura exporta máquinas, computadores e
circuitos integrados majoritariamente.
A capacidade exportadora dos diversos países no mercado
mundial é medida no Atlas através da vantagem comparativa revelada,
uma comparação entre a participação de cada bem na cesta exportado-
ra de um país em relação a participação do bem no comercial mundial.
Quem exporta muito em termos relativos demonstra muita competên-
cia e vantagem na produção daquele bem. Uma das grandes virtudes
dos indicadores de complexidade é que eles trabalham com medidas
quantitativas a partir dos cálculos de álgebra linear para chegar aos re-
sultados. Isso significa que não há juízo de valor em relação ao que se
considera complexo ou não complexo. Outra vantagem interessante
está na identificação de enormes mudanças nas tecnologias produti-
vas ao longo do tempo de forma ajustada ao paradigma tecnológico de
cada era. Por exemplo, uma televisão dos anos 1970 é completamente
diferente de uma televisão de 2014. Um carro, avião ou motocicleta dos
anos 1980 não se comparam aos seus modelos atuais. Ainda assim a me-
todologia do Atlas da Complexidade captura a dificuldade relativa em
se produzir cada bem em qualquer momento do tempo. Um país capaz
de produzir uma motocicleta hoje talvez fosse incapaz de produzi-la em

Brasil, uma economia que não aprende 85


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1980, em virtude da inexistência de tecnologias transferíveis e da baixa


integração comercial. Mesmo assim, hoje, provavelmente, uma motoci-
cleta obtém no Atlas um indicador de sofisticação bem menor do que
obteria nos anos 1980. O conceito de complexidade se mantém ao lon-
go do tempo sempre como uma medida relativa entre países e produtos
ajustada por transformações tecnológicas.
Nessa linha de raciocínio, Hausmann e Hidalgo (2011) seguem
classificando diversos países e chegam a correlações impressionantes
entre níveis de renda per capita e complexidade econômica (ECI) dos
tecidos produtivos; esse indicador pode ser tomado como uma pro-
xy do desenvolvimento econômico relativo entre países. O desenvol-
vimento econômico se manifesta no domínio de técnicas de produção
mais sofisticadas que, em geral, levam à maior geração de valor adicio-
nado por trabalhador, como defendiam os clássicos do desenvolvimen-
to. Os resultados da análise empírica do Atlas apontam justamente
para esse padrão de especialização no comércio mundial: países ricos
(Europa, Ásia e EUA) produzem bens mais complexos, enquanto os
mais pobres (América Latina e África) produzem bens menos comple-
xos. Ademais, há baixa rotatividade no topo da complexidade produ-
tiva mundial: Japão, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e Suécia
estão sempre entres os 10 primeiros países nos rankings de complexi-
dade dos últimos 30 anos. Países africanos são grandes produtores de
castanha de caju, cacau, alpiste, minério de cobre e petróleo. Depen-
dem muito ainda de agricultura e atividades de extrativismo.

A escada tecnológica

A pesca de pequeno porte, por exemplo, é uma atividade extrativa que


envolve apenas extrair da natureza algo que ela produziu. O esforço
criativo é reduzido e as habilidades requeridas envolvem uma combi-
nação de conhecimento dos rios e dos mares para navegação, do fun-
cionamento do barco e como manipular as redes lançadas sobre as
águas. Não se trata de uma atividade fácil ou pouco exigente. Ao con-
trário, requer muito esforço físico e muita destreza na relação com
a natureza: lembremo-nos do filme Mar em fúria com George Cloo-
ney. Mais tempo na água é menos tempo com os livros: é muito es-
forço sem recompensa garantida. Salários de pescadores são baixos
apesar do gigantesco esforço. Conforme subimos a escada tecnoló-

86 Paulo Gala e André Roncaglia


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gica em direção a produtos processados, ao queijo e aos cosméticos


por exemplo, vamos adicionando camadas de sofisticação e etapas de
produção, envolvendo processos mais complicados e que requerem
maior conhecimento para que tudo saia como desejado pela socieda-
de e pelos consumidores. São produtos de baixa e média intensidade
tecnológica que, em geral, pagam maiores salários e trazem mais pro-
dutividade aos trabalhadores em processos fabris de produção. Mais
acima na escada encontramos a nata do conhecimento e do conteúdo
tecnológico. O último estágio dessa subida é representado por produ-
tos de alta intensidade tecnológica, fortemente industrializados e que
em geral demandam também serviços muito sofisticados. Por exem-
plo medicamentos e aparelhos de raio-X, cujas produções requerem
os mais qualificados conhecimentos e máquinas de altíssima precisão.
Nestes exemplos retirados do Atlas da Complexidade Econô-
mica podemos entender por que alguns países conseguem enriquecer e
outros não e por que o Brasil parou no tempo. A Holanda, por exemplo,
se industrializou muito, e é capaz de produzir bens de média e alta tec-
nologia como máquinas de raio-X e medicamentos (bem não ubíquos).
A Argentina, por outro lado, está no estágio da renda média, produzin-
do bens de baixa densidade tecnológica (ou low tech) e de média inten-
sidade (medium tech), como alimentos processados e ceras de sapato;
o Brasil também se encontra nesse estágio hoje. Gana, na África, é um
país muito pobre, onde a pesca ainda constitui importante fonte de ren-
da e de nutrição para a população. A Holanda também faz queijos ex-
celentes, ceras de sapato e tem um razoável setor pesqueiro. Consegue
fazer o que todos conseguem fazer, mas também faz mais coisas que
poucos países no mundo são capazes de fazer.
Áustria, Finlândia, Dinamarca e Suíça estão entre os países
mais complexos e sofisticados do mundo. Áustria está hoje na fronteira
tecnológica de produção de aço e materiais metálicos hipersofisticados.
A aldeia austríaca de Donawitz tem sido um centro de fundição de fer-
ro desde o século XIV, quando o minério era escavado de minas nos pi-
cos nevados nas proximidades. Ao longo dos séculos, Donawitz desen-
volveu-se como o centro de produção de aço do Império Habsburgo e,
no início dos anos 1900, tinha a maior planta de produção da Europa.
Com a abertura recente do novo laminador Voestalpine AG, a indústria
segue robusta e absurdamente produtiva. Nesta fábrica totalmente au-
tomatizada, 14 pessoas vão produzir 500.000 toneladas de aço por ano.
A Finlândia, pequena, rural, periférica e de renda média baixa no início

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do século, tornou-se potência industrial e gerou uma empresa de alta


tecnologia como a Nokia, que está na vanguarda das redes 5G e serviços
digitais. O limitado mercado finlandês dificilmente geraria escala para
se tornar uma campeã nacional neste setor. Foi a estatal Televa que de-
senvolveu a tecnologia que se tornaria determinante para a ascensão
posterior da Nokia: o sistema de comutação digital DX200, ideal para
o padrão GSM que seria implementado nos anos 1990, dando a ela a
vantagem de ser first mover em telefonia móvel. Hoje, Finlândia, com a
Nokia, e Suécia, com a Ericsson, são os únicos dois países em posição
para brigar com a chinesa Huawei por espaço no mercado de telefonia
5G. Nenhum outro país rico, inclusive EUA, tem capacidades técnicas
para produzir esses equipamentos rapidamente.
No caso da Ericsson, os gastos em defesa também contribuíram
para o seu desenvolvimento tecnológico e econômico. A empresa, uma
das maiores fabricantes de equipamento de rede de telefonia móvel do
mundo, desenvolveu uma série de radares e sensores avançados para o
meio militar em projetos para o governo sueco. Em 1956 foi fundada a
Ericsson Microwave Systems, dedicada principalmente à criação de sis-
temas aeronáuticos e de defesa. Entre a década de 1960 e 1970, a empresa
participou do desenvolvimento do caça Viggen, junto a outras empresas
suecas como Volvo e Saab, atendendo a demanda da Força Aérea Sueca
por um modelo próprio, com maior nacionalização da produção possí-
vel. A Ericsson contribuiu com o desenvolvimento de radares, sensores e
computadores para as diversas versões da aeronave que possuía bom de-
sempenho em relação aos similares produzidos pelas grandes potências.
No fim da década de 1970, a Força Aérea Sueca cogitava importar caças
estrangeiros para substituírem os Viggen. O Comitê da Indústria Aero-
espacial Militar da Suécia, por sua vez, alertou que 12 mil trabalhadores
eram empregados pela indústria aeroespacial sueca e que os efeitos da
importação de aeronaves estrangeiras seriam terríveis para a indústria
local, que possuía grande importância estratégica para o país.
Com o governo sueco optando por um substituto advindo
da indústria local, foi formado o consórcio JAS, tendo Ericsson nova-
mente como integrante, junto com a Volvo, Saab e FFV, para desen-
volver o JAS 39 Gripen (vendido mais recentemente ao Brasil em sua
versão mais moderna, Gripen E/F). Um sistema desenvolvido pela Eri-
csson bem conhecido dos brasileiros no mercado de defesa é o radar
Ericsson PS-890 Erieye, que equipa os aviões de alerta antecipado e
controle E-99, produzidos pela Embraer e que atualmente vêm sendo

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modernizados pela Saab. Em 2006, a Ericsson Microwave Systems foi


vendida para a Saab por US$ 521,5 milhões junto com a participação de
40% da empresa na joint venture Saab Ericsson Space. A empresa ale-
gou que a venda ajudava em seu processo de reestruturação para focar
exclusivamente no setor de telecomunicações.
A Dinamarca, com uma população de 5,5 milhões de habitan-
tes, empregava 414.000 pessoas nos setores de manufaturas, minera-
ção e agricultura e exportava US$ 88,4 bilhões em 2010 (US$ 213 mil per
capita exportado no ano). O Senegal, com 15,8 milhões de habitantes,
empregava 2.673.000 nesses mesmos três setores e exportava US$ 2,5
bilhões em 2010 (US$ 939 por ano per capita). Uma diferença de 230 ve-
zes. Claro que parte do que se exporta é importado antes, especialmen-
te na Dinamarca, então teríamos que descontar da exportação a impor-
tação direta relacionada, dados bem mais difíceis de se conseguir, além
do consumo interno. Ainda assim, percebe-se a brutal diferença de pro-
dutividade de um trabalhador dinamarquês em relação a um senegalês.
Essa diferença se encontra no setor de bens transacionáveis, especial-
mente manufaturas. O estado dinamarquês sempre se destacou por po-
líticas de fomento à inovação e hoje o país está na fronteira do mundo
na produção e inovação em robótica e drones, por exemplo.
O produto industrializado mais exportado pela Suíça em 2017
foi medicamento. O produto químico mais exportado pelo Brasil em
2017 foi óxido de alumínio, um bem que os economistas chamam de
commodity por não ser um produto sujeito a muitas diferenciações
entre produtores concorrentes. No outro extremo, a produção de me-
dicamentos envolve uma intrincada divisão de tarefas entre trabalha-
dores altamente especializados. Trata-se de um processo produtivo
muito mais indireto, encadeado e complexo do que de óxido de alu-
mínio. Medicamentos são intensivos em P&D e exigem conhecimen-
to formal, prático e organizacional de várias áreas complementares
entre si. Esta densidade de know-how custa muito caro às empresas,
levando as mesmas a solicitar patentes que garantem direitos de uso
exclusivo, a menos que se paguem royalties para usar as ideias e pro-
cessos inovadores. Como complexidade e conhecimento se retroali-
mentam, o desenvolvimento de medicamentos gera muito mais ino-
vações e transbordamentos do que a produção de óxido de alumínio.
O Brasil, com quase 210 milhões de habitantes, exporta por ano
cerca de US$ 220 bilhões. A Suécia, com 10 milhões de habitantes, ex-
porta cerca de US$ 140 bilhões. Ou seja, a Suécia tem somente 5% da

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população brasileira e um território 18 vezes menor que o nosso, mas


exporta 60% daquilo que exportamos. Como isso é possível? A Suécia
é a quinta economia mais complexa do mundo. É a pátria-mãe de em-
presas como a Electrolux, Ericsson, Scania, Volvo e Spotify. Considerá-
vel parte desse alto volume de exportação sueca são os produtos auto-
mobilísticos. A Suécia é mãe das marcas Volvo e Scania, que estão entre
as maiores fabricantes de caminhões pesados do planeta, que no Brasil
são, respectivamente, a segunda e a terceira marcas de caminhões que
mais venderam unidades em 2018. As empresas suecas colocaram 18 mil
caminhões nas estradas brasileiras neste ano. Embora haja negociações
acionárias de compra da Scania pela estatal alemã Volkswagen e de par-
te da Volvo pela chinesa Geely, a sede de ambas as empresas ainda per-
manece na Suécia e juntas geram mais de 135 mil empregos. No Brasil,
há cerca de 220 empresas suecas que movimentam mais de 30 bilhões
de coroas suecas anualmente. São Paulo é frequentemente chamada de
“a segunda maior cidade industrial da Suécia” (depois de Gotemburgo).
No Brasil observamos enorme ganho de complexidade produ-
tiva até os anos 1980. Começamos a década de 1960 com uma pauta de
exportação fortemente dependente de café e de outras commodities.
Chegamos ao final dos anos 1970 com exportações expressivas de má-
quinas, autopeças e produtos químicos. Atingimos um nível de com-
plexidade produtiva intermediária, compatível com um país de renda
média. Desde os anos 1990, nossa complexidade produtiva começou
a regredir e voltamos a nos concentrar na produção e exportação de
commodities como minério de ferro, soja e petróleo. O Brasil de hoje
tem praticamente o mesmo nível de complexidade dos anos 1980. A
dificuldade do país em escapar destas vantagens comparativas regres-
sivas inibe a diversificação do sistema produtivo nacional. O limitado
grau de complexidade da nossa economia gera um dinamismo manco
e uma potência fraca, e também ajuda a explicar nossos altos níveis de
desigualdade de renda como veremos mais adiante.

Hubs de conhecimento

Hausmann e Hidalgo (2011) nos mostram que manufaturas se caracte-


rizam em geral como bens mais complexos e commodities como bens
menos complexos. Maquinário, produtos químicos, medicamentos,
aviões, navios e eletrônicos se destacam como bens mais complexos do

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mundo. Por outro lado, pedras preciosas, petróleo, minerais, peixes e


crustáceos, frutas, flores e agricultura tropical apresentam baixíssima
complexidade. Têxteis, equipamentos para construção e alimentos pro-
cessados situam-se numa posição intermediária. A grande maioria de
patentes existentes no mundo hoje estão ligadas a bens manufaturados
(ver Schoen et al., 2012). Apenas cinco setores produtivos concentram
90% das patentes mundiais: I) engenharia elétrica, II) ótica e instrumen-
tos de precisão, III) química, Iv) fármacos, e v) engenharia mecânica e
metalurgia. Bens com muita complexidade são uma espécie de “hub de
conhecimento produtivo”. Estão carregados de potencial de conheci-
mento e de tecnologia. Produzir um desses bens aumenta a probabili-
dade de produzir algo próximo com tecnologia parecida. Produzir bens
complexos facilita a nova produção de outros bens complexos, cria-se
alto potencial multiplicativo de conhecimento.
Alguns exemplos históricos interessantes: o Tratado de Versa-
lhes proibiu a produção de aviões na Alemanha, e a BMW, que produ-
zia turbinas para os aviões, começou a produzir motores de moto, de-
pois motos e carros. Na Suécia, a Saab fazia aviões e começou depois a
produzir carros (recentemente a empresa foi vendida aos chineses). A
Rolls Royce começou a produzir carros e depois foi para as turbinas.
A Lamborghini começou produzindo tratores e depois avançou para a
produção de carros, segundo a lenda, após uma rixa do fundador com
Enzo Ferrari sobre a má qualidade das Ferraris. A Hyundai começou na
construção civil, avançou para navios e depois para carros. No Canadá,
a Bombardier começou fazendo veículos para andar na neve, o Ski-Doo,
depois avançou para aviação e trens. A divisão de veículos recreacionais
da Bombardier, a Bombardier Recreational Products, explora até hoje
produtos como Sea-Doo (jet skis) e snowmobiles.
Países que produzem motores de carros avançados provavel-
mente tem engenheiros e conhecimentos que permitem produzir uma
série de coisas similares e sofisticadas como motores de barcos, de mo-
tos e outros tipos de motores. Países que produzem somente bananas
ou frutas têm conhecimentos limitados e provavelmente serão incapa-
zes de fazer bens mais complexos no futuro. Uma turbina de avião tem
potência de pelo menos 100.000 cavalos. Inclui milhares de peças mili-
metricamente encaixadas. Um motor turbojato funciona comprimindo
o ar e fazendo sua combustão através de um compressor que mistura
combustível com o ar comprimido e um combustor que queima a mis-
tura e passa o ar quente de alta pressão através de uma turbina e um bo-

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cal. O compressor é alimentado pela turbina que extrai energia do gás


em expansão que passa por ela. O motor converte energia interna do
combustível em energia cinética produzindo empuxo, tarefa nada tri-
vial e que demanda engenharia e conhecimento técnico de várias pes-
soas e empresas. Uma bananeira é fácil de plantar.
Para produzir um avião, é preciso conhecimento para produ-
zir uma asa com superaerodinâmica, acoplá-la na fuselagem de forma
segura, pendurar duas turbinas de 100.000 cavalos cada uma para fa-
zer o avião voar; avionics para controlar todos instrumentos de voo:
angulação dos flaps, ajuste fino do leme, equilíbro do peso; sistema de
ativação e recolhimento de trem de pouso. Tudo isso tendo que fun-
cionar de maneira sincronizada, com precisão cirúrgica. Na minera-
ção pura e simples nada disso e necessário: as retroescavadeiras ca-
vam, os tratores transportam, colocam na esteira, no trem, no navio e
enviam tudo para China e Japão. O que é mais fácil “fazer”: um avião
(bem muito complexo) ou um minério de ferro (nada complexo)?

Diversificação produtiva gera complexidade

Hausmann traz um argumento da maior importância sobre comple-


xidade econômica, especialização e diversificação nas diversas socie-
dades. A especialização em nível de pessoas resulta em diversificação
em nível de cidades e países. A especialização em nível micro resulta
em diversificação em nível macro. É precisamente porque os indiví-
duos e as empresas se especializam que as cidades e os países a diver-
sificam.  Considere o exemplo de um centro médico rural e um im-
portante hospital da cidade. O primeiro provavelmente tem um único
clínico geral que é capaz de fornecer um conjunto limitado de serviços.
No hospital urbano, os médicos são especializados em diferentes áreas
(oncologia, cardiologia, neurologia, e assim por diante), o que permite
ao hospital oferecer um conjunto mais diversificado de tratamentos. A
especialização de médicos leva à diversificação dos serviços hospitala-
res. A especialização generalizada das pessoas em uma sociedade leva
à diversificação encontrada dentro das cidades. As cidades maiores são
mais diversificadas do que as cidades menores. Entre as cidades com
populações semelhantes, as mais diversificadas são mais ricas do que
as menos diversificadas. Como destaca Hausmann, as cidades maiores
tendem a crescer mais rapidamente e tornarem-se ainda mais diversi-

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ficadas, não só porque têm um mercado interno maior, mas também


porque são mais diversificadas em termos do que podem vender para
outras cidades e países (ver Balland, 2020).
As cidades são os locais onde as pessoas que se especializaram
em diferentes áreas de conhecimento se reúnem para combinar o seu
know-how. Como bem demonstram Hausmann e Hidalgo na aborda-
gem de complexidade, cidades ricas são caracterizadas por um conjunto
mais diversificado de habilidades que apoiam um conjunto mais diversi-
ficado e complexo de indústrias e, assim, proporcionam mais oportuni-
dades de emprego para os diferentes especialistas. No processo de desen-
volvimento econômico, cidades, estados e países não se especializam, se
diversificam. Evoluem de sistemas com algumas indústrias simples para
um conjunto cada vez mais diversificado de indústrias mais complexas.
As maiores economias do mundo são também as mais complexas. 
Seguindo a metáfora de Hidalgo e Hausmann, o desenvolvi-
mento econômico pode ser entendido com o uso do brinquedo Lego.
São ricos e desenvolvidos aqueles países que possuem muitas peças e
são capazes de montar “brinquedos” complexos. O que são as peças de
Lego? São as capacidades locais de produção ou competências técnicas
de um país; não das pessoas individualmente, mas das empresas e orga-
nizações de uma determinada sociedade. Quanto maior e mais diversi-
ficado o número de empresas de um país, maior a quantidade de peças
que são conhecidas e maior a quantidade de produtos que podem ser
feitos. Cada peça é uma capacidade produtiva que pode ser combina-
da com outra para gerar um produto (brinquedo). Dentro das empresas
existem, portanto, várias capacidades produtivas que podem ser usadas
em várias direções. Quanto maior a diversidade de empresas, maior a
disponibilidade de capacidades e, portanto, maior o potencial de se pro-
duzir mais coisas e mais complexa a economia.
Como consequência da lógica acima, se um país se especiali-
zar na geração de produtos simples e não caminhar na direção de com-
plexidade e diversificação não conseguirá progredir. Por isso a ideia de
vantagens comparativas deve também ser pensada em termos dinâmi-
cos. Como bem apontam os autores destacados nessas discussões, o
processo de desenvolvimento se dá num ambiente de intensa competi-
ção e nações ricas lutam para preservar suas vantagens competitivas em
relação aos países em desenvolvimento em mercados de produtos mais
sofisticados, tornando o processo de crescimento de economias muito
mais desigual e assimétrico. Países de sucesso são aqueles que conse-

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guiram construir vantagens comparativas em determinados setores ao


longo do tempo (indústria automobilística no Japão e produção de aço
na Coreia do Sul, por exemplo). Uma exploração estática das vantagens
comparativas existentes, especialmente nos setores de retornos decres-
centes de escala, como extrativismos em geral, não promove o desen-
volvimento econômico. E muitas vezes o mercado por si só não é capaz
de tirar o país desse tipo de armadilha.

Política industrial para sofisticação produtiva

Em um trabalho de 2003 com título Economic development as self-disco-


very, R. Hausmann e D. Rodrik analisam com maestria o papel da po-
lítica industrial no desenvolvimento econômico no passado e nos dias
de hoje. Eles mostram que nem a visão mainstream do Estado “hands
off” nem a visão do velho desenvolvimentismo estão certas em relação
ao papel que a política industrial exerceu e deve exercer no processo
de desenvolvimento econômico. Rodrik defende uma visão pragmáti-
ca em relação à questão; o Estado deve ajudar o setor privado a encon-
trar oportunidades produtivas novas e rentáveis que contribuam para o
desenvolvimento econômico. Não se trata então de “pick winners”. Se
trata de ajudar o setor privado na busca de novas oportunidades e fron-
teiras tecnológicas que poderão ser eficientemente exploradas. Trata-
-se de uma busca por vantagens comparativas adjacentes em relação a
novos produtos e processos produtivos mais sofisticados. Rodrik cita
como exemplos de sucesso desse tipo política industrial no Chile: sal-
mão, uvas, madeiras e móveis; no Brasil, aço e aviões, e no México a
indústria automotiva, além dos clássicos exemplos de Coreia, China e
Taiwan. Rodrik caminha num meio termo entre os extremos ortodoxos
e heterodoxos sugerindo várias medidas práticas de uma política indus-
trial intermediária. Trata-se no limite de um equilíbrio entre estímulos
(carrot) e punições (stick). Para Rodrik, a diferença fundamental entre
leste da Ásia e América Latina, por exemplo, está na calibragem do uso
desses dois instrumentos. A América Latina descambou para um prote-
cionismo estéril que só aumentou a ineficiência do sistema produtivo
depois de um determinado ponto. O leste da Ásia usou protecionismo
com pragmatismo e criou gigantes competitivos e eficientes.
A diversificação produtiva no Chile, por exemplo, não foi o re-
sultado do livre funcionamento dos mercados. No México, a indústria

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automotiva e a indústria de informática são a criação de políticas de


substituição de importações, seguidas por políticas tarifárias preferen-
ciais no âmbito da NAFTA. O papel desempenhado por essas políticas
no Leste Asiático é bem conhecido. O que é menos apreciado é a forma
como o mesmo vale também para a América Latina. Quando se deixa de
lado as exportações de commodities tradicionais, tais como cobre, pe-
tróleo bruto e bens agro, aparecem produtos que foram grandes benefi-
ciários de políticas industriais. No caso do Brasil, o aço, aviões e a indús-
tria calçadista foram criação de políticas de substituição de importações
do passado. Altos níveis de proteção, subsídios e crédito público foram
deliberadamente usados para gerar rendas para os empresários que in-
vestiram em novas áreas e para construir clusters industriais.
No caso do Chile, políticas industriais desempenharam um
grande papel nos setores de frutas, madeiras e salmão. A Fundacion
Chile é um órgão público que foi criado por fundos doados pela ITT;
começou a experimentar com salmão na segunda metade da década
de 1970 e criou uma empresa no início de 1980 usando uma tecnologia
adaptada do que se fazia na Noruega e na Escócia. A empresa foi ven-
dida para uma empresa de pesca japonesa. Antes dos esforços da Fun-
dação Chile, o país não exportava praticamente nenhum salmão; hoje
é um dos maiores exportadores de salmão do mundo. Os gastos públi-
cos em P&D para frutas foi também significativo nos anos 1960, o que
ajudou a preparar a indústria para o mercado mundial. E no caso das
madeiras, há uma história de pelo menos 60 anos de subsídios para
plantações, bem como um grande impulso a partir de 1974 para trans-
formar a madeira, papel e celulose em um cluster de móveis e madei-
ras para exportações (ver Rodrik, 2008) .
Rodrik sugere que podemos pensar em política industrial
como investimentos de Private Equity em empresas novas ou emer-
gentes. Muitos falham, mas os que acertam compensam em larga me-
dida as falhas. Na Ásia, a estratégia que se mostrou mais acertada foi
usar o mercado mundial como benchmark para medir o sucesso ou
fracasso do resultado industrial das companhias que recebem sub-
sídios e proteção tarifária. China, Japão, Taiwan e Coreia acertaram
bem. América Latina, Indonésia, Malásia e Filipinas erraram muito. Se
o governo não faz nada, dificilmente o status quo econômico muda só
por conta das forças de mercado (retornos crescentes e economias de
escala mantêm tudo como está). Idealmente os erros que resultam em
“escolher os perdedores” devem ocorrer. Estratégias públicas do tipo

Brasil, uma economia que não aprende 95


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defendido aqui são muitas vezes ridicularizadas porque podem levar à


escolha de “perdedores” em vez de vencedores. É importante, natural-
mente, construir salvaguardas contra este tipo falha. Mas uma estraté-
gia ótima para descobrir o potencial produtivo de um país envolveria
necessariamente alguns erros deste tipo. Algumas atividades promovi-
das falharão. O objetivo das políticas não deve ser minimizar as chan-
ces de que os erros sejam cometidos, o que resultaria em nenhuma “au-
todescoberta” produtiva. Esforços devem ser feitos para minimizar os
custos dos erros quando eles ocorrem. Se os governos não cometerem
erros, isso apenas significa que não estão se esforçando o bastante. As
atividades de promoção industrial precisam ter a capacidade de se re-
novar, de modo que o ciclo de descobertas de capacidades produtivas
torne-se dinâmico. Assim como não há uma fórmula única para a rea-
lização de política industrial, as próprias necessidades e circunstâncias
para as descobertas produtivas mudam ao longo do tempo. Isso requer
que as agências que realizam estas políticas tenham a capacidade de se
reinventar e se reimaginar. Nessa linha de raciocínio de Rodrik, a polí-
tica industrial adquire quase um carácter psicanalítico ou de “autodes-
coberta”, como diz o próprio título já citado de um de seus trabalhos
com Hausmann, O desenvolvimento econômico como autodescoberta.

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7. Redes complexas são necessárias


para se produzir bens sofisticados

D
esenvolvimento econômico é acúmulo de capital
humano de uma sociedade que se traduz na capacidade de
produzir bens e serviços complexos que, por sua vez, geram
poder de monopólio, “lucros excedentes” e altos salários. Para isso não
basta apenas investir em educação. É preciso que exista um setor pro-
dutivo capaz de utilizar as competências gestadas na educação. Em im-
portante passagem da mitologia que envolve a figura de Pitágoras, um
dos mais brilhantes intelectuais da Antiga Grécia, o filósofo pede a seu
escravo que entregue uma moeda a um de seus discípulos, quando este
lhe pergunta para que serve o triângulo em que Pitágoras trabalhava
naquele momento. Teria dito o filósofo a seu pupilo que ele era o tipo
de ser humano que espera um lucro por tudo aquilo que faz. A passa-
gem é marcante por revelar a histórica tensão (talvez antropológica)
entre o saber filosófico, que persegue a verdade, e o saber técnico, que
procura resolver problemas práticos, geralmente associados a alguma
relação custo e benefício. Em palestra na FEA-USP em 2012, o econo-
mista João Sayad disse que “educação não serve para nada”. Após o as-
sombro tomar conta da plateia, o professor ratificou sua declaração
dizendo que a educação é um fim em si mesmo, isto é, prescinde de
motivações práticas. É um exercício de exploração das capacidades hu-
manas cujos efeitos se desdobram não apenas sobre o setor produtivo
– preocupado com o sustento imediato dos grupos sociais –, mas tam-
bém se incorporam ao estoque cultural das sociedades, dentro do qual

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se encontra a tecnologia. Quem contempla a Monalisa de Leonardo Da


Vinci está captando os frutos do desenvolvimento da geometria analí-
tica em pleno Renascimento, a qual também serviu para informar a ar-
quitetura e as engenharias civil e naval até os dias de hoje.
Em uma interessante palestra no TED Talks Education, em
2013, o britânico nomeado cavaleiro real Sir Ken Robinson, consultor
internacional em educação, discorreu sobre os três princípios que ca-
racterizam a condição humana, a saber: a individualidade, a curiosida-
de e a criatividade. Cada ser humano é único e isso torna a humanida-
de um incrível mosaico heterogêneo de qualidades e potencialidades.
A curiosidade diz respeito à capacidade de indagar o porquê das coisas,
como o mundo funciona e, principalmente, como melhorar nossa con-
dição de vida. Por fim, a criatividade mobiliza as duas primeiras carac-
terísticas para transformar o mundo à nossa volta.
A preocupação de Robinson é, há anos, evitar que, por inércia
ou por negligência, a escola formal sufoque estes aspectos da condição
humana, levando à evasão escolar em massa. Diz o autor: “Nós temos
que reconhecer que esse é um sistema humano, e há condições sob as
quais as pessoas prosperam, e condições sob as quais elas não prospe-
ram. Nós somos afinal de contas criaturas orgânicas, e a cultura da es-
cola é absolutamente essencial. Cultura é um termo orgânico, não é?”
Para ilustrar a importância da dimensão orgânica do conhecimento, ele
conta uma parábola que vale repetir integralmente.
Robinson mora próximo a um lugar chamado Vale da Morte, no
estado da Califórnia. É o lugar mais quente e seco dos Estados Unidos. Por
isso, nada cresce neste terreno; daí, o nome Vale da Morte. Porém, no in-
verno de 2004, choveu forte no Vale da Morte. Os 17cm de chuva por um
período muito curto causaram, no verão de 2005, um fenômeno impres-
sionante: o Vale da Morte estava carpetado com flores por um período.
Conclui Robinson: “Isso prova que o Vale da Morte não está morto. Está
dormente. Logo abaixo da superfície existem estas sementes de possibi-
lidades esperando pelas condições certas para brotarem, e com sistemas
orgânicos, se as condições forem propícias, a vida é inevitável. Acontece o
tempo todo. Você pega uma área, uma escola, um distrito, você modifica
as condições, dá às pessoas um sentido de possibilidade diferente, um con-
junto de expectativas diferentes, uma ampla gama de oportunidades, você
estima e valoriza o relacionamento entre professores e aprendizes, você
oferece às pessoas o critério para serem criativas e para inovarem no que
fazem, e escolas que uma vez foram privadas desabrocharão para a vida.”

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Ken Robinson tem um olhar de fora para dentro da escola, em


como aprimorá-la e gerar modelos localmente adaptados que se apro-
ximem da cultura educacional finlandesa. Este capítulo terá como fio
condutor a ideia de organicidade do conhecimento, porém com um foco
diferente. A visão dos economistas é a partir da “escola” para o setor pro-
dutivo, mas há diferenças substanciais. A economia convencional do
capital humano, na linha da Escola de Chicago de Gary Becker, Milton
Friedman, Jacob Mincer e Theodore Schultz, enfatiza a importância da
instrução escolar como produtora de conhecimento útil ao mercado, o
qual daria conta de absorver os melhores profissionais de acordo com
sua produtividade e sua postura perante o risco. Segundo esta análise, o
sucesso profissional está fortemente ligado à dedicação do indivíduo aos
seus estudos; é a visão liberal de meritocracia. Uma segunda visão ado-
ta a mesma premissa de que a lógica de mercado operaria a “sabedoria
das massas”, mas que as instituições, isto é, as regras do jogo econômico
e político, poderiam influenciar o processo de organização via merca-
dos. Esta é a abordagem neoinstitucionalista de Douglass North e Da-
ron Acemoglu, dentre outros, segundo a qual a estrutura institucional
das sociedades define os retornos das atividades produtivas em geral,
bem como dos investimentos individuais e dos governos em educação.
Ao corrigir as distorções institucionais, o jogo econômico mediado pelo
mercado daria conta de promover o desenvolvimento econômico.
Alternativamente, defendemos que é a estrutura produtiva
e sua inserção nas redes internacionais de comércio que delimitam,
dinamicamente, o espaço de atuação conjunta de mercados e gover-
nos. Isto significa que reconhecemos a importância das instituições e
dos investimentos em educação, mas reclamamos a prioridade causal,
analítica e histórica das estruturas produtivas. Estas dependem das
condições materiais locais, como disponibilidade e diversidade de re-
cursos naturais e humanos, os quais, em conjunto com a forma de in-
teração econômica com outras nações, motivarão, informarão e ins-
pirarão as inovações produtivas, tecnológicas e institucionais; enfim,
sua cultura. Por isso, é essencial compreender as forças que colocam
a evolução das estruturas produtivas em trajetórias progressivamente
mais complexas e sofisticadas ou caminhos de regressos tecnológico
e atraso. Estes grandes movimentos estruturais determinarão a utili-
dade dos diversos tipos de atividade para a economia e, portanto, sua
remuneração relativa. Por isso, analisar o conjunto institucional sem
considerar as condições materiais das sociedades pode levar a genera-

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lizações falaciosas, cujas implicações políticas podem agravar os pro-


blemas e entraves ao desenvolvimento.
Nossa preocupação é, portanto, com os efeitos de rede sobre
a organização produtiva do mercado de trabalho, isto é, em quais con-
dições o setor produtivo absorverá os indivíduos que saem das escolas
(em todos os níveis). O desafio aqui é garantir que as oportunidades de
aplicação das competências formadas no ambiente escolar sejam não
apenas aproveitadas (em forma de maior produtividade da economia),
mas também retroalimentadas pelos desafios que a estrutura produti-
va oferece a cada pessoa. Mais especificamente, indagamos se o setor
produtivo oferece condições para o crescimento do estoque de capital
humano. E aqui entram em jogo as chamadas “externalidades em rede”,
isto é, ganhos de produtividade resultantes de efeitos de aglomeração
que resultam do aumento da sofisticação da estrutura produtiva.
Em estudo publicado no Fórum Econômico Mundial 2019, em
Davos (Suíça), o Brasil registrou importante “fuga de cérebros”. A pes-
quisa da INSEAD (Lanvin e Monteiro, 2020) mostra que o Brasil pode
ficar para trás na revolução digital caso não reaja depressa. Sem mão de
obra qualificada para atender as novas exigências do mercado, o país
voltou a cair no ranking de Competitividade Global de Talentos, fi-
cando em 80º lugar entre as 132 nações analisadas. A explicação para
este pífio desempenho reside na incapacidade do Brasil de criar, reter e
atrair novos talentos. Em apenas um ano, o país saltou da 45ª para a 70ª
posição no item “fuga de cérebros”. O que chama a atenção é o fato de
o Brasil investir somas vultosas em educação, inovação e qualificação.
Além disso, as universidades do país também estão bem avaliadas em
comparação com o resto do mundo. O problema está, é claro, no baixo
retorno destes investimentos em termos dos investimentos feitos em
educação por esses profissionais. Em outras palavras, o setor produtivo
brasileiro não dá conta de oferecer bons empregos para segurar os nos-
sos melhores cérebros. Olhar para a educação sem a conexão com a es-
trutura produtiva é a receita para o fracasso.

Educação não é tudo o que precisamos


para alcançar o desenvolvimento econômico

Sistemas produtivos mais simples baseados em agropecuária, commo-


dities e indústrias low tech demandam menos educação. São setores

100 Paulo Gala e André Roncaglia


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que demandam, mas não produzem tecnologia. Para países com boa
complexidade produtiva, por outro lado, a educação é fundamental
para avançar rumo ao topo da escada tecnológica. A educação é mui-
to importante para indústrias medium e high tech e serviços sofisti-
cados. Em países com produção focada em commodities e produtos
low tech, a educação é bem menos relevante, mas tem obviamente um
papel civilizatório fundamental. Em sociedades complexas o desafio
é outro. A educação tem que poder acompanhar as mudanças rápidas
das tecnologias mundiais e tem que haver altos investimentos em ci-
ência e pesquisa (ver Mehta e Jesus, 2014). A Europa com seus altos sa-
lários, por exemplo, não tem mais como sustentar uma sociedade com
empregos fabris de baixa qualidade; pesquisa em ciência e desenvolvi-
mento científico é a única opção de sobrevivência.
Empresas bem organizadas precisam surgir para empregar
pessoas com níveis de educação altos o suficiente para alcançar pro-
dutividade. A eficiência organizacional também se baseia no conhe-
cimento, mas é de um tipo diferente. Não é o conhecimento que um
indivíduo possui, mas o conhecimento que um grande número de in-
divíduos possui sobre como cooperar e coordenar entre si a produção
dentro de uma organização. Sem mediação empresarial e produtiva,
os investimentos em conhecimentos e habilidades codificados em li-
vros podem obter baixos retornos na sociedade. Em particular, na au-
sência de empresas capazes de empregar trabalhadores de forma pro-
dutiva, os investimentos em educação e habilidades só podem resultar
no surgimento de um grande número de pessoas desempregadas com
elevado grau de instrução e de habilidades (Khan, 2019).
Organizações eficientes permitem aos indivíduos aproveita-
rem seu estoque de conhecimento formal e tácito de sorte a realizar
plenamente seu potencial produtivo. Estes dois tipos de saberes po-
dem auxiliar na estruturação de organizações capazes de aproveitar as
externalidades e complementaridades estratégicas que caracterizam
essas atividades. Trata-se de um tipo específico de “conhecimento co-
letivo”, distinto do conhecimento codificado e do know-how incorpo-
rado nos indivíduos. “Sem capacidades organizacionais apropriadas,
os investimentos em outros tipos de conhecimento não conseguem
obter retornos adequados” (Khan, 2019). Embora muitas empresas
de países em desenvolvimento possam adquirir máquinas para mui-
tas atividades básicas de produção e tenham disponibilidade de tra-
balhadores qualificados, falta-lhes a capacidade de processar e operar

Brasil, uma economia que não aprende 101


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articuladamente todos estes fatores para uma produção competitiva.


Além de as tecnologias diferirem, sensíveis diferenças em termos de
hierarquias sociais, padrões de trabalho coletivo, estruturas externas
de governança e de controle tendem a variar sobremaneira.
Khan (2019) mostrou recentemente o quão intrincado e arredio é
o processo de assimilação de conhecimento tecnológico, o qual pode ser
assimilado pelo indivíduo ou por coletividades. No primeiro caso, o co-
nhecimento formal codificado (alfabetização, conhecimento matemático
e científico) pode ser necessário para adquirir habilidades específicas táci-
tas, associadas à prática profissional. Nesta última categoria encontra-se
o conhecimento do tipo não codificado, que se manifesta no know-how
embutido em rotinas inconscientes e muitas vezes complexas que são
compreendidas e internalizadas através da aprendizagem na prática. No
plano do conhecimento compartilhado, Khan sugere um tipo específico
de “hiato de conhecimento” que inibe a transformação estrutural condu-
cente à maior competitividade: as capacidades organizacionais.
Conhecimento tácito e capacidades organizacionais são obstá-
culos envolvidos no aprendizado tecnológico das nações e dizem res-
peito aos custos associados à assimilação das tecnologias transferidas
de parceiros comerciais posicionados na fronteira tecnológica. Amsden
(2001, p. 29) nos mostra que o desenvolvimento econômico pode ser en-
tendido como “um processo em que se passa de um conjunto de ativos
baseados em produtos primários, explorados por mão de obra não es-
pecializada, para um conjunto de ativos baseados no conhecimento, ex-
plorados por mão de obra especializada. Essa transformação exige que
se atraia capital tanto humano como físico da busca de renda do comér-
cio e da agricultura para as manufaturas, o coração do crescimento eco-
nômico moderno”. Os recursos tecnológicos que criam novos produ-
tos e novas técnicas de produção constituem ativos “invisíveis” de uma
empresa, como salientou Itami e Roehl (1987). Tais ativos são não apro-
priáveis, são intangíveis e, portanto, difíceis de se copiar, gerando lu-
cros anormais apoiados em rendas de monopólio conferidas aos seus
proprietários. A existência de fortes barreiras à difusão de tecnologias
por meio da imposição de patentes e conhecimento proprietário torna,
portanto, falaciosa a ideia de que o conhecimento seja um bem público.
É, portanto, ilusório acreditar que a mera escolarização da po-
pulação será capaz de elevar a produtividade de um país aos níveis re-
queridos pela competitividade nos mercados internacionais. A trans-
formação estrutural em tempos de acelerada evolução tecnológica

102 Paulo Gala e André Roncaglia


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requer uma estratégia de aprendizagem tecnológica eficaz. Para tanto,


é preciso identificar os hiatos de conhecimento relevantes e as políticas
que podem ser implementadas de maneira correta para lidar com essas
deficiências. Nas palavras do próprio autor: “Não se trata apenas de pro-
duzir trabalhadores com níveis de ensino secundário ou superior em
volume certo para atender às demandas projetadas. Esses trabalhado-
res também precisam ter o conhecimento adequado para poder operar
competitivamente as tecnologias existentes e emergentes”.

Externalidades em rede e topocracias

As forças de atração e de aglomeração são mecanismos cuja ação prece-


dem a compreensão humana a seu respeito. Elas explicam a formação
de grandes centros urbanos e de polos tecnológicos, como o Vale do Silí-
cio e São José dos Campos, por exemplo. Por estarem sujeitas a retornos
crescentes, estas forças promovem o que já vimos de causação cumula-
tiva, isto é, uma tendência do sistema a reproduzir indefinidamente um
comportamento, tornando-o uma “armadilha” (lock-in). Esta pode ter
natureza positiva ou negativa frente aos valores sociais vigentes. O pro-
blema é que uma vez que tais forças são acionadas torna-se muito difí-
cil desfazê-las, pois o próprio sistema vai descobrindo “benefícios” em se
manter nela. É apenas quando os “custos” superam estes benefícios que
alguma transformação mais profunda tende a ocorrer. Este é o caso das
revoluções tecnológicas e sociais que a história registra em cores fortes.
O notório historiador Yuval Harari discute de forma abrangen-
te os efeitos das tecnologias de rede em seu livro 21 lições para o século
xx1, de 2018. Diz ele: “No final do século XX as democracias superaram
as ditaduras porque são melhores no processamento de dados. A de-
mocracia difunde o poder para processar informação e as decisões são
tomadas por muitas pessoas e instituições, enquanto a ditadura con-
centra informação e poder num só lugar” (Harari, 2018, p. 94). Como
já alegou Winston Churchill, a democracia é o pior sistema político de-
pois de todos os outros, de forma que suas limitações operacionais le-
vam a imensa insatisfação, muito embora não haja alternativas à altura.
Para Harari, esta condição sub-ótima da democracia que garantia algu-
ma legitimidade para sua defesa (lock-in) estava condicionada ao padrão
tecnológico. “Dada a tecnologia do século XX, seria ineficiente concen-
trar toda a informação e poder num só lugar. Ninguém tinha capacida-

Brasil, uma economia que não aprende 103


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de para processar toda a informação com rapidez suficiente para tomar


decisões corretas” (Harari, 2018, p. 94). Este teria sido um dos motivos
pelos quais as democracias ocidentais sobreviveram ao experimento so-
viético. Todavia, a mudança no paradigma tecnológico rumo à Inteli-
gência Artificial e às técnicas de processamento da Big Data teriam a
capacidade de alterar as condições de operação do sistema econômico e
político. A era dos algoritmos e do blockchain lança mão das economias
de aglomeração no plano virtual para mobilizar o insumo da decisão
humana: a informação e o conhecimento.
Estas economias de aglomeração estão por trás também do su-
cesso das redes sociais que sobreviveram à intensa concorrência inicial.
Os mais jovens não se lembrarão dos tempos em que o Orkut impunha
um magnetismo enorme, que há anos o Facebook conseguiu superar.
O poder das redes sociais reside exatamente numa espécie de “esque-
ma de pirâmide” virtual sem qualquer promessa financeira. O objetivo
destas redes é atrair pessoas para o seu espaço. Por quê? A aglomeração
permite produzir informação mais próxima da realidade concreta em
diversos níveis de agregação: por país, por cor de pele, por etnia, por re-
ligião, por faixa de renda, por posicionamento político etc. O comparti-
lhamento constante de informações, conhecimento e experiências gera
um manancial de oportunidades de aprendizado e enriquecimento em
escala gigantesca (se for bem utilizado, é claro). No entanto, há também
perigos que nascem da concentração do poder de controlar a informa-
ção nas mãos de poucas empresas e pessoas.
Um último traço importante de retornos crescentes em decor-
rência da presença de externalidades em rede é sua vocação genética ao
monopólio. Como salienta Harari, “no século XXI, os dados vão suplan-
tar tanto a terra quanto a maquinaria como ativo mais importante, e a
política será o esforço por controlar o fluxo de dados” (Harari, 2018, p.
107). A especialização das redes sociais em dinâmicas particulares de in-
teração como Twitter, WhatsApp e Instagram geram enormes econo-
mias de escala, o que chamamos de “retornos crescentes à escala”. Isto
significa que faz sentido concentrar a informação gerada nestas três re-
des sociais em uma ou poucas empresas que geram ganhos operacio-
nais. Não à toa, a lista de aquisições do Facebook já passa de 80 em-
presas, dentre elas duas das principais redes sociais. Desta plataforma
digital, inúmeros desdobramentos se sucederam, como o Uber, o Waze,
o Google, Amazon, Alibaba, Netflix, dentre inúmeros outros. Existem
ganhos de escala na interação também, de forma que estas redes servem

104 Paulo Gala e André Roncaglia


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mutuamente umas às outras como forma de direcionar o conteúdo aos


consumidores com base em seu histórico de uso.
O nome do jogo é concentrar, aglomerar, atrair as pessoas para
o seu espaço de funcionamento, onde a empresa controla as regras do
jogo. O país mais populoso do mundo hoje se chama Facebook, com
2,4 bilhões de usuários ativos em 2019. O maior mercado do mundo
se chama Amazon, com 145 milhões de usuários em 2019, apenas nos
EUA, com vendas de 4.000 itens por minuto, com quase 120 milhões de
produtos disponíveis e mais de 2,4 milhões de vendedores usando a sua
plataforma (chamada tecnicamente de marketplace). Como veremos
abaixo, esta nova economia digital tem sua dinâmica determinada por
efeitos de rede que formam o que César Hidalgo e coautores chamaram
de topocracia. A localização de cada agente no espaço (topo) das redes
determina seu poder (cratos). A capacidade de se tornar um hub, um elo
central numa rede, uma referência de acesso e de consulta dá poder de
mercado e influência não apenas sobre a economia, mas sobre a política
também. Não deve surpreender que os polos tecnológicos de onde bro-
tam estas inovações oferecem os empregos mais bem pagos do mundo
e geram muitas das maiores riquezas pessoais do mundo.
É notável como essa lógica de aglomeração atravessou diferen-
tes paradigmas econômicos, sendo inicialmente o lugar das trocas (de-
rivados das feiras que se tornaram permanentes), para se tornar cen-
tros urbano-industriais e, mais recentemente, expulsou a indústria
para se especializar nos serviços. A título de exemplo, o Moinho Santo
Antônio, no bairro paulistano da Moóca, representa bem este proces-
so, passando de uma fábrica de processamento de alimentos na pri-
meira metade do século XX para uma badalada casa de eventos e en-
tretenimento na cidade. As forças de aglomeração vão deslocando as
atividades espacialmente, conforme as preferências dos sistemas so-
ciais evoluem. Quando falamos de indústria, não estamos necessa-
riamente nos referindo ao chão de fábrica do Moinho Santo Antônio.
Esta é apenas a manifestação concreta e localizada do sistema de rela-
ções produtivas como um todo. O sistema fabril é uma parte do que
chamamos de sistema industrial. Este representa uma forma, um mé-
todo de organizar a produção. Trata-se da formação e gestão de redes
complexas de tarefas especializadas que cooperam entre si para produ-
zir o que a sociedade necessita. Todavia, este sistema orgânico não é es-
tático. Ele funciona de forma dinâmica, evolucionária e sem um desti-
no certo; em outras palavras, é um sistema aberto (open-ended).

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Essas características estão todas condicionadas pelo grau de es-


pecialização (ou divisão do trabalho), o qual depende, por sua vez, do ta-
manho do mercado. Quanto maior for o espaço da troca, mais granular e
abstrata pode ser a contribuição de cada pessoa. Fazer carreira como you-
tuber só é possível se houver outras pessoas produzindo alimentos, com-
bustíveis, energia elétrica e apps de edição de vídeo, dentre outros itens
que fazem parte da cesta de consumo de um youtuber. O mesmo vale
para o astrofísico contemplando a imensidão do universo, enquanto en-
comenda seu almoço via aplicativo digital. Os efeitos da divisão do traba-
lho motivaram o exemplo de “indústria” que Adam Smith utilizou em sua
famosa parábola da “fábrica de alfinetes”, em A riqueza das nações. Quan-
to mais granular a atividade, maior o potencial de aprimoramentos que se
traduzem em maior produtividade e, portanto, menor custo. O que Smi-
th não salientou foi o potencial de retroalimentação deste sistema indus-
trial em termos de aprendizagem e, potencialmente, de inovação.
O setor industrial de uma economia converte o acúmulo de co-
nhecimento em produtos e serviços que geram o poder de monopólio.
Sem vagas de trabalho que demandam conhecimento, a educação gera
êxodo de pessoas qualificadas. Um relato de um pesquisador alemão que
estudava desigualdade e educação no interior da Paraíba ajuda a explicar
o que ocorre. Nessa cidade pobre e sem oportunidades todos queriam
estudar para sair dali o quanto antes; o destino principal era São Paulo,
onde os salários são altos. A universidade e o estudo eram vistos como
passaporte para emigrar para capitais ou para fora do país. Ninguém ti-
nha objetivo de ficar e aplicar os conhecimentos para melhorar o lugar; a
pobreza e falta de oportunidades era tanta que o único estímulo era par-
tir, mesmo que deixando conhecidos e família para trás. Isso foi algo que
Robert Lucas notou, em 1985, ao desenvolver a sua mecânica do desen-
volvimento econômico, publicada em 1986, ao reconhecer que, diferen-
temente do que prega a teoria do comércio internacional, é o trabalho
que procura os melhores capitais, via migração de mão de obra, e não o
contrário. A educação que não encontra respaldo em oportunidades no
mercado de trabalho promove fuga de cérebros. Sem sistema produtivo
para abrigar seus cérebros notáveis um país acaba simplesmente edu-
cando mão de obra para o mundo, o famoso brain drain.
Por isso, a forma como organizamos o modelo operacional do
sistema produtivo afeta os retornos aos investimentos em educação. Em
artigo ao jornal Folha de S. Paulo, Marcio Pochmann destacou a encru-
zilhada brasileira no momento em relação a dois modelos possíveis para

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o nosso futuro (Pochmann, 2011): o Brasil da FAMA (fazenda, mineração


e maquiladoras. Vale assistir o documentário Maquilapolis) ou o Brasil
do VACO (valor agregado e conhecimento). A FAMA nos mantém co-
piando os valores  e os impulsos estrangeiros, à mercê de modismos e
de turbulências de outras nações. O VACO nos motiva a procurarmos o
nosso próprio caminho, buscando potências internas a desenlaçar para
a nação soberana que desejamos. No VACO valeremos muito mais do
que o nosso peso, pois nossos cidadãos pensarão além do lucro imediato;
objetivarão um benefício intertemporal, forjando a herança de um país
acolhedor às futuras gerações. Como vimos até aqui, o conhecimento
gerador de aprendizagem e inovação do VACO é central para se garantir
uma estrutura produtiva capaz de aproveitar a riqueza dos recursos na-
turais e das capacidades humanas disponíveis em cada sociedade.

Ataris e supercomputadores

Além de todos esses aspectos há ainda uma importante força direcionan-


do a formação da produção em redes: as limitações cognitivas dos seres
humanos. Cada indivíduo enfrenta restrições quanto ao volume de in-
formações que consegue acumular. César Hidalgo define o conceito de
“personbyte” como a quantidade de informação máxima possivelmente
armazenada por uma única pessoa. Assim, produtos exigindo mais do
que um “personbyte” de informação para serem produzidos demandarão
necessariamente trabalhos coletivos e produção integrada em rede com
vários “personbytes”, de preferência harmonicamente, para que se possa
combinar e integrar os diversos conhecimentos entre pessoas. Conside-
remos o desafio de formar uma banda de música. É uma estratégia ruim
contratar vários músicos desconhecidos e colocá-los para tocar juntos.
Uma boa banda apresenta um entrosamento entre seus membros que
transcende a mera sobreposição das virtuosidades musicais individuais.
Harmonização envolve uma substância que excede a soma das partes.
Algo a mais é criado quando potenciais individuais se relacionam. No
caso das redes produtivas complexas, a integração harmônica entre pes-
soas e firmas é fundamental e existe uma dependência mútua generali-
zada na rede para que o processo seja bem-sucedido.
O “personbyte” é equivalente ao conceito de “firmbyte”, isto é, o
limite de informação que uma firma pode carregar. Bens complexos re-
querem muitos “personbytes” e “firmbytes”, os quais só podem ser orga-

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nizados em sofisticadas redes produtivas. O caso do avião da Boeing e os


produtos da Apple e Samsung são exemplos dessa dependência entre fir-
mas para se gerar produtos complexos. A construção do iPod só foi pos-
sível graças a um micro hard drive desenvolvido pela empresa Toshiba.
O Gorilla Glass, vidro superresistente dos iPhones, foi desenvolvido por
uma empresa de manufaturas de vidro em Nova York chamada Corning.
Qualquer computador pessoal, independentemente de sua marca, car-
rega em geral um chip da Intel ou AMD, um hard drive Quantum, Se-
agate ou Fujitsu e uma memória feita provavelmente pela Kingston ou
Corsair. Nas palavras de César Hidalgo, os computadores de hoje em dia
nada mais são do que uma salada de eletrônicos. O desenvolvimento eco-
nômico surge nessa perspectiva de Hidalgo (2015) como a capacidade de
criação de uma rede produtiva sofisticada. Assim, países ricos são aqueles
com alta capacidade computacional para processar informação e gerar
produtos em uma intrincada rede produtiva. Para Hidalgo, países desen-
volvidos funcionam como supercomputadores processando informações
para produzir bens e serviços complexos; países pobres são como antigos
videogames Atari tentando fazer alguma coisa.
Nessa perspectiva, Hidalgo e Hausmann (2009) constroem um
modelo simplificado e bastante interessante para entender o desenvol-
vimento econômico. A partir da relação entre conhecimento produti-
vo tácito e redes produtivas complexas e locais, é possível descrever a
configuração e a dinâmica das relações de comércio mundial a partir
de três simples hipóteses: I) produtos do comércio mundial necessitam
de capacidades locais não transacionáveis para serem produzidos; II)
cada país pode ser caracterizado por um conjunto dessas capacidades
locais; e III) países só podem produzir produtos para os quais tenham a
totalidade das capacidades locais produtivas necessárias. Os produtos
altamente complexos estão no centro das redes de comércio mundial e
os de baixa complexidade estão na periferia (as commodities agrícolas,
minerais e energéticas). Como mostrava a CEPAL nos anos 1950, os pa-
íses ricos produzem e exportam os produtos do centro da rede de co-
mércio mundial, enquanto os países pobres produzem e exportam os
produtos da periferia da rede. O núcleo de produtividade de um país
se nutre dessas atividades “complexas” produzidas em redes integra-
das e com elevada simbiose produtiva e tecnológica (como é o caso de
serviços sofisticados). O restante é formado por commodities e servi-
ços não sofisticados com baixos graus de diferenciação e de complexi-
dade. Alguns exemplos retirados do Atlas da Complexidade ilustram

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bem o ponto: maquinário de escavação e carros são altamente comple-


xos em termos de conhecimento produtivo; petróleo, minério de fer-
ro e soja são não complexos. Os principais produtos de exportação do
Brasil hoje são de baixa sofisticação, não demandam redes produtivas
complexas e carregam um baixo conteúdo de conhecimento.
Em suma, a história das nações mostra que quem dominou
o núcleo das atividades produtivas complexas e sofisticadas, de alto
conteúdo de capital humano e aprendizagem, ficou rico (casos dos
EUA, Japão e Europa). Muitos países tentaram, alguns conseguiram. O
leste da Ásia conseguiu. O leste da Europa também está conseguindo.
África e América Latina tentaram, mas não conseguiram. Este resulta-
do está ligado intimamente à forma como tais economias equiparam
suas estruturas estatais para oferecer suporte à configuração destas
redes produtivas calcadas no contínuo processo de aprendizagem. O
sucesso dos ricos não veio espontaneamente pelas forças de mercado
apenas. Ele foi construído a partir de uma articulada integração entre
Estado, sociedade civil e mercados locais. Quando o assunto é desen-
volvimento econômico, não há bala de prata.

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110 Paulo Gala e André Roncaglia
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8. A sofisticação produtiva depende


da geração e acúmulo de ideias

D
esde os trabalhos de Antonio Serra em Nápoles dos 1600,
os economistas se preocupam com as causas do crescimen-
to econômico e rotas a perseguir para a prosperidade. Até os
anos 1970, as preocupações giravam em torno da acumulação de ca-
pital, uma expressão pomposa que significa “aumentar a quantidade
de tecnologia à disposição de cada trabalhador”. O foco no crescimen-
to do maquinário e dos equipamentos que constituíam as estruturas
produtivas dos países ficou conhecido como “fundamentalismo do ca-
pital”. Ao longo das décadas, os modelos econômicos foram elabora-
dos para responder à pergunta: se todos os países investirem em má-
quinas e equipamentos e abrirem as suas economias à concorrência
externa, todos eles convergirão ao mesmo nível de renda per capita?
O famoso modelo de crescimento de Robert Solow, publica-
do em 1956, é um marco na busca por esta resposta. A bala de prata do
crescimento se resumiria a dotar os trabalhadores com suficiente quan-
tidade de máquinas para aumentar sua produtividade. Quanto mais po-
bre um país, maior seria o efeito de qualquer adição de capital (pense
no efeito de um trator numa pequena propriedade rural) e, portanto,
maior seria a taxa de crescimento da economia na trajetória até o esta-
do estacionário. Nesta situação, as novas oportunidades de crescimento
se esgotariam e os investimentos deveriam ser suficientes para cobrir o
desgaste das máquinas (depreciação, no jargão) e o crescimento da po-
pulação. Afinal, as máquinas ficam obsoletas ou quebram e precisam ser

Brasil, uma economia que não aprende 111


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trocadas, bem como mais trabalhadores entrando no mercado de traba-


lho requerem aumento na quantidade de máquinas, para que nenhum
fique com menos capital, perdendo produtividade perante os outros.
Solow criou uma teoria simples que mostrava a importância da
acumulação de capital para que um país atinja o seu estado estacioná-
rio. Este seria determinado, por sua vez, pelo crescimento populacio-
nal. Quanto mais trabalhadores, maior a quantidade de capital exigida e
maior o incentivo dos empresários para investir em máquinas e equipa-
mentos. Assim, países pobres com amplos contingentes populacionais
e famílias numerosas teriam enormes oportunidades de investimentos,
enquanto países industrializados e com famílias menores não encon-
trariam tantas formas de incrementar o capital por trabalhador. Sob a
força da rentabilidade do capital, a mão invisível do mercado dirigiria
os recursos para onde fossem mais escassos e o crescimento econômico
resultaria da força empreendedora dos capitalistas. Eventualmente, to-
dos os países atingiriam o seu estado estacionário com níveis de renda
similares. Esta é a tese otimista da convergência dos níveis de renda en-
tre países que emerge do modelo de Solow.
Contudo, havia um problema a resolver: a mobilidade dos fa-
tores produtivos entre países. Os recursos produtivos (terra, trabalho
e capital) estão esparramados de forma desigual pelo planeta. Alguns
países possuem mais terras, outros mais pessoas, outros mais capital;
a maioria dos países obviamente possui alguma combinação interme-
diária destes fatores produtivos. Mas, como podem estes fatores che-
gar onde são mais necessários? Uma vez que Deus ou o acaso jogaram
as peças sobre o tabuleiro, definindo as dotações iniciais de fatores de
cada país, caberia aos preços informar onde o fator é mais escasso. O
país que puder pagar por ele atrai o recurso para si, diminuindo a dispo-
nibilidade do recurso para quem tem menos capacidade de pagamento.
Onde há mais terras e pouca gente, o valor da terra tende a ser baixo e o
valor do trabalho, elevado. Em países onde há muita terra e muita mão
de obra, o capital tende a valer muito, devido à sua escassez. Neste últi-
mo caso, a rentabilidade do capital seria mais elevada do que em países
industrializados, cuja população já se encontra quase saturada de capi-
tal. Os capitais correriam, portanto, dos mais ricos para os mais pobres.
Eventualmente, as taxas de retorno do capital se igualariam em
todos os países, conforme os retardatários alcançassem seus estados es-
tacionários, os quais convergiriam aos níveis dos países ricos. Todavia,
nem sempre o país já saturado com capital optará por deslocar seus re-

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cursos a um país mais pobre. Como a mão de obra é escassa em países


ricos, os salários tendem a ser muito altos, atraindo trabalhadores qua-
lificados de países pobres que não encontram bons empregos em seus
países justamente por falta de investimentos em máquinas e equipa-
mentos. Esta “drenagem de cérebros” (brain drain) que os países pobres
sofrem se traduz em imigração nos países ricos, que podem continu-
ar sua expansão e investir muito em capital. Adicionalmente, surgirão
nos países ricos oportunidades para trabalhadores pouco qualificados, à
medida em que a população local é absorvida pelos melhores empregos
e deixa as atividades menos sofisticadas serem ocupadas por imigrantes
de países pobres. Mesmo estas atividades oferecem salários mais eleva-
dos aos imigrantes do que eles obteriam em sua terra natal. Graças à
produtividade dos setores industriais e de serviços sofisticados, como
vimos na explicação de Baumol, Balassa e Samuelson, a produtividade
transborda para os salários de toda economia.
A narrativa que surge do modelo de Solow é muito esperanço-
sa quanto às virtudes do capitalismo em fazer uma eficiente distribui-
ção dos fatores produtivos via sistema de preços entre países. Quan-
do o autor testou seu modelo, um ano mais tarde, em 1957, ele notou
que apenas 25% do crescimento econômico é explicado pela intensi-
dade de capital por trabalhador. O resto se devia a um emaranhado de
variáveis não observáveis, como progresso tecnológico, característi-
cas institucionais, ambiente de negócios, qualidade das empresas. So-
low chamou este “resíduo” não explicado de “a medida da nossa igno-
rância”. Os modelos teóricos tentaram estender a sabedoria embutida
no modelo de Solow, buscando compreender o que determinava este
“resíduo” inexplicado, mas que parecia explicar toda a prosperidade
almejada pelas nações. O trabalho de Mankiw, Romer e Weil (1992)
conseguiu mostrar que o capital humano era uma variável-chave. Ao
ampliar o conceito de “capital” para englobar o conhecimento pro-
dutivo ou “capital humano”, os autores mostraram que usando uma
“densidade” maior de capital por trabalhador conseguem resultados
empíricos que se assemelham mais aos dados colhidos da realidade.
Todavia, um pequeno revés se impunha ao otimismo de Solow: o ca-
pital humano determinava diferenças persistentes entre os níveis de
renda per capita que os países conseguiriam atingir, ou seja, cada país
convergiria ao seu próprio estado estacionário. A feliz descoberta para
a ciência econômica significava uma dura e sombria revelação da rea-
lidade concreta dos países atrasados.

Brasil, uma economia que não aprende 113


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As ideias de Paul Romer

A aspereza da desigualdade econômica havia mostrado sua face mais


pungente poucos anos antes, quando Paul Romer (Romer, 1986 e 1990) e
Robert Lucas (Lucas, 1988) abriram a caixa de pandora dos “retornos cres-
centes à escala”. Até então, todos os modelos convencionais funcionavam
no mundo dos retornos constantes. O efeito desta premissa é a obtenção
de uma taxa de crescimento em um estado estacionário ao qual eventual-
mente todas as nações convergiriam. Ao incorporar ao modelo de Solow
à produção do conhecimento, Romer expandiu as fronteiras convencio-
nais da teoria do crescimento e revelou que o abismo que separa os países
ricos dos pobres é ainda maior do que acreditávamos até então.
Romer mostrou que o principal motor da prosperidade das
nações era a produção de ideias, as quais geravam bens e serviços cada
vez mais sofisticados como aqui mostramos. No entanto, o setor pro-
dutor de inovações competiria pelos “recursos” usados por outros se-
tores, em particular a mão de obra qualificada que, em vez de ser ab-
sorvida pelo corpo a corpo das atividades produtivas cotidianas dos
mercados, destinaria sua energia à produção de conhecimento. Há,
contudo, um “pequeno” detalhe conhecido por todos havia muito
tempo, mas que nenhum economista convencional ousara confrontar
como o fez Romer: o conhecimento não era um bem como qualquer
outro. Ao contrário dos bens e serviços privados, o conhecimento se
encaixava numa categoria desconfortável ao propósito de obtenção de
lucro, o qual exige que o bem seja rival (o consumo por alguém dimi-
nui o quanto outra pessoa pode consumir) e excludente (por exemplo,
quem não consegue pagar fica sem consumir).
Até então, o conhecimento vinha sendo tratado pela teoria do
crescimento como um bem público, livremente acessível por qualquer
indivíduo ou empresa desejosa de assimilá-lo. Sua transmissão entre
nações seria desimpedida e, por isso, eventualmente todo o conheci-
mento seria absorvido por todos, garantindo a convergência das nações
ao mesmo patamar de prosperidade, ainda que em ritmos diferentes.
Romer colocou o dedo na ferida e mostrou que o bem “conhecimento”
pode ser excludente por meio da emissão de patentes ou processos pro-
dutivos proprietários, mas sua não rivalidade seria difícil de contornar.
O que isso significa? Uma vez produzida a ideia, sua disseminação não
seria restringida por qualquer limite quantitativo. Pense no teorema de
Pitágoras ou no cálculo de variações de Isaac Newton: a ideia pode ser

114 Paulo Gala e André Roncaglia


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“consumida” por todas as pessoas virtualmente, sem que o “estoque” da-


quela ideia sofra qualquer redução. É possível cobrar pelo uso comercial
da mesma (eis a função da patente, marcas e processos produtivos pro-
prietários), mas não é possível impedir a sua replicação; afinal, se uma
pessoa produziu uma ideia, qualquer outro ser humano dotado do mes-
mo poder cognitivo básico pode assimilá-la e reproduzi-la, ainda que
com variados graus de dificuldade (ver Amsden, 2001).
À primeira vista, este pode parecer um problema desprezível.
A teoria econômica mostra, entretanto, que a não rivalidade do conhe-
cimento torna sua produção menos lucrativa pois há dúvidas quanto a
possibilidade de apropriação futura dos ganhos gerados pela ideia. Por
outro lado, uma boa ideia proprietária tem muito valor. As patentes ali-
viam o problema, mas não o resolvem. Romer enfatizou que a concor-
rência imperfeita e as externalidades para a descoberta de novas ideias
são importantes. A concorrência imperfeita fornece os lucros que in-
centivam os empreendedores a inovar. Mais tarde, inventores e pes-
quisadores se beneficiam do conhecimento daqueles que vieram antes.
Ideias, embora não sejam rivais, não são bens públicos. Um bem públi-
co puro é algo que não é rival nem é excludente, como vimos. Embora
a não rivalidade seja uma propriedade do conhecimento, a exclusão é
uma função das decisões que as empresas e sociedades tomam. Segre-
dos comerciais e conhecimento proprietário podem permitir que ideias
sejam apropriadas privadamente por empresas, pelo menos por um de-
terminado período de tempo. É possível cobrar bem caro por novas e
boas ideias. As ideias não fluem naturalmente para países mais pobres
para se aproveitar de mão de obra barata, como se imaginava em mode-
los mais simplistas. Elas se concentram em países ricos e geram produ-
tos caros e com alto conteúdo tecnológico que pagam bons salariais lo-
calmente em sua produção, e depois são vendidos para os países pobres
por multinacionais mundo afora (ver Warsh, 2006).

Produzir conhecimento não é tarefa para qualquer um

A vida é dura para quem é pobre. Produzir conhecimento é proibitiva-


mente caro e, como tal, só os países ricos conseguem financiá-lo a con-
tento. O modelo de Romer (1990) ilustrou com elegância que vantagens
na produção de ideias ampliam e sustentam as desigualdades entre os
níveis de renda per capita das nações. Em essência, a receita para se ob-

Brasil, uma economia que não aprende 115


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ter prosperidade é deslocar o máximo de trabalhadores possível para a


produção de ideias, sem sacrificar a disponibilidade de trabalhadores
nos outros setores. O deslocamento destes recursos seria motivado pela
rentabilidade dos investimentos em inovação, a qual depende da pro-
dutividade do setor de pesquisa que tende a diminuir conforme o esto-
que de conhecimento acumulado vai crescendo. Vale a pena, portanto,
nos determos brevemente e de forma bem simplificada nos aspectos
econômico-financeiros da produção de inovações.
Uma inovação tecnológica enfrenta muitos custos para ser des-
coberta. É preciso um conjunto de trabalhadores e pesquisadores al-
tamente qualificados e, por isso, muito caros. A depender do conteú-
do tecnológico acumulado no setor em questão, mais máquinas e mais
equipamentos serão necessários para dar suporte aos pesquisadores.
Pense na diferença entre obter uma nova receita de tapioca assada e um
medicamento de combate ao câncer, em que componentes químicos ou
microrganismos vivos precisam atacar apenas as células cancerígenas.
Note que ambas são úteis, mas a segunda requer um grau de complexi-
dade tecnológica muito mais elevado e... muito mais caro. Este ponto
é particularmente importante: a produção de conhecimento enfrenta
custos fixos elevados e que são indivisíveis.
A indivisibilidade da produção de inovações se manifesta da se-
guinte forma: considere o custo de desenvolver o Windows da Micro-
soft. Foram anos de dedicação de um time muito seleto de programado-
res, especialistas em marketing, designers gráficos etc., em que a empresa
teve de pagar mensalmente pelo trabalho deles, sem ter qualquer retor-
no na forma de vendas. Assim, a primeira unidade de cada inovação tem
um custo monumental de milhões, ou até de bilhões de dólares. Este
custo fixo elevado é uma barreira à entrada nestes mercados, pois ame-
aça qualquer competidor em busca de pegar uma “carona” naquela onda
por meio de imitação ou espionagem industrial. Afinal, com um traba-
lho colaborativo tão complexo, meticuloso e com qualificações tão di-
versas, decompor o produto final como este em suas partes é uma tarefa
quase impossível. Para fazer isso, um competidor teria de, pelo menos,
contratar uma equipe similar, com custo também elevado. Por isso a es-
pionagem e a cópia são quase constantes na história da tecnologia.
Ainda que o custo fixo elevado seja um inibidor das inovações,
o maior desafio às descobertas diz respeito à incerteza. Note que não
estamos falando de risco, uma medida de probabilidade com base no
histórico de um problema. A inovação é a fronteira da humanidade

116 Paulo Gala e André Roncaglia


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com o desconhecido. Para além desta linha, o inventor está em territó-


rio totalmente desconhecido. Para inovar ele depende das ferramentas
acumuladas no passado para, passo a passo, desbravar sempre de for-
ma muito cautelosa as possibilidades abertas pelo horizonte agora am-
pliado. Não há como calcular a probabilidade de sucesso e os esforços
acabam sendo mais frequentemente frustrados do que bem-sucedidos.
Somando os dois problemas acima, o resultado da conta é: cus-
to elevado por tempo indeterminado. A este resultado, soma-se um ter-
ceiro: uma vez obtida a inovação, nada garante que seu usufruto seja o
suficiente para pagar pelos custos enfrentados. Imitadores podem au-
mentar a concorrência, aproveitando-se de um acesso ao conhecimen-
to acumulado para vender os bens finais a preços muito mais baixos;
ou mesmo o conhecimento obtido pode não se tornar um produto in-
teressante aos consumidores e, por isso, nenhuma empresa se encarre-
gar de transformar aquela inovação em um bem ou serviço. Além disso,
a inovação pode ser cara demais para quem realmente dela necessita,
de forma que o mercado apenas pode não dar conta de gerar demanda
o suficiente para remunerar o esforço inovativo. Estes e vários outros
problemas constituem o que os economistas chamam de incentivos à
inovação. É exatamente para tentar amenizar estes problemas que os
empresários desenvolveram o mecanismo jurídico das “patentes”. Com
elas, o inventor tem algum poder de monopólio para encarecer a imita-
ção de competidores. Quem quiser usar um conhecimento registrado,
deverá pagar um “pedágio” por isso, na forma de royalties.
Porém, um caso interessante pode ilustrar como a presença
de patentes não garante a viabilidade da inovação. Em artigo publica-
do no prestigioso periódico American Economic Review, Budish, Roin
e Williams (2015) tentaram compreender por que os grandes laborató-
rios farmacêuticos focavam seus esforços para desenvolver tratamentos
contra o câncer apenas para estágios muito avançados da doença. Eles
notaram que havia um problema de proteção à inovação. Pelas regras da
agência de vigilância sanitária dos EUA, a Food and Drug Administra-
tion (FDA), um tratamento contra o câncer em estágios iniciais precisa
cumprir testes clínicos que duram, no mínimo, 18 anos, uma vez que os
desdobramentos da enfermidade nestes estágios podem ser muito va-
riados e ter muitas implicações. Acontece que o registro da patente de
20 anos do novo medicamento deve ser feito logo antes de se iniciarem
os testes clínicos, quando o conhecimento novo obtido pela pesquisa é
revelado ao público. Portanto, sendo 18 anos o tempo mínimo de dura-

Brasil, uma economia que não aprende 117


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ção dos testes, as empresas teriam apenas dois anos para usufruir seu
poder de monopólio de forma a remunerar todo o esforço de pesqui-
sa e desenvolvimento. Qual é o resultado desta “distorção” nos incen-
tivos? Como a duração mínima é de apenas alguns anos para estágios
mais avançados da doença, os laboratórios preferem se concentrar nas
descobertas mais lucrativas, diminuindo a oferta de inovações para es-
tágios iniciais da doença, quando o tratamento tende a ser mais eficaz
e, portanto, a salvar mais vidas, em particular das pessoas em pior con-
dição econômica. Falhas de mercado como esta emergem do desalinha-
mento entre os lucros privados e os interesses coletivos.
No início de 2020, os temores de uma nova pandemia de gri-
pe emergiram com força e rapidez com a identificação do novo corona-
vírus que causou a morte de dezenas de pessoas na cidade de Wuhan,
na China. Devido à interconectividade planetária, o vírus rapidamente
chegou à costa oeste dos EUA, no estado de Washington. Como lidar
com uma crise de saúde pública quando as vacinas são produzidas por
multinacionais espalhadas mundo afora? Isso nos remete aos incenti-
vos à produção de conhecimento especializado, neste caso no setor de
vacinas. Um interessante trabalho de Smith, Lipsitch e Almond (2011)
mostrou uma forte concentração de mercado na produção de vacinas
de interesse global. Entre as grandes empresas farmacêuticas multina-
cionais, apenas duas, a Sanofi Pasteur (parte do grupo Sanofi-Aventis) e
a GlaxoSmithKline, fabricavam uma ampla gama de vacinas geralmen-
te patenteadas para uso em todo o mundo. Outros laboratórios, como
Merck, Pfizer e Novartis, ofereciam uma gama mais restrita de produtos
(associados a indicações específicas de doenças ou nichos de mercado
específicos). Diferentemente de outras fatias do mercado farmacêutico,
em que as receitas foram reduzidas pela expiração de patentes, o setor
de vacinas teve razoável estabilidade no crescimento do faturamento.
Um dos motivos é que vacinas contendo agentes biológicos são muito
mais difíceis de produzir e de patentear “genericamente” do que as dro-
gas com componentes químicos. Além disso, fortes investimentos em
P&D e know-how industrial, bem como os custos associados à formu-
lação do produto final, fornecem altas barreiras à entrada de possíveis
novos participantes, mesmo para vacinas não patenteadas.
Estes exemplos de natureza microeconômica apenas ilustram
casos de produtos ou empresas individuais. No entanto, uma descoberta
como um novo princípio químico ativo ou um método de cortar chapas
de aço com mais precisão abrem novas possibilidades de avanços adicio-

118 Paulo Gala e André Roncaglia


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nais. O conhecimento é uma construção coletiva, em que uma descober-


ta se apoia na que veio antes, de forma cumulativa. Cada inovação que
deixa de ver a luz do dia por falta de alguém que assuma o risco da em-
preitada está condenando à obscuridade toda uma série de avanços fu-
turos. E isso nos leva ao problema da pesquisa básica, a qual muitas vezes
não gera produtos e serviços comerciais imediatamente. Sem este co-
nhecimento básico acumulado, a pesquisa e desenvolvimento mais pró-
ximos aos consumidores não conseguem inovar. Usando o exemplo do
tratamento contra o câncer citado acima, observa-se que as empresas
privadas dependem das pesquisas básicas feitas por universidades e ins-
titutos de pesquisa e que são em grande parte financiadas por dinheiro
público. Vejamos um exemplo curioso de como estes incentivos podem
gerar alianças políticas, à primeira vista, inusitadas.
Logo no início do mandato presidencial de Donald Trump em
2017, montou-se uma forte oposição dos laboratórios farmacêuticos
norte-americanos contra a proposta do governo de cortar o financia-
mento dos Institutos Nacionais de Saúde (National Institutes of Heal-
th – NIH) e a Fundação Nacional da Ciência (National Science Foun-
dation – NSF), responsáveis pela pesquisa biomédica básica nos EUA.
Não deveriam os laboratórios terem ficado contentes com a tentativa
do governo de reduzir a participação do Estado, abrindo espaço para
que a iniciativa privada pudesse prosperar? A realidade é mais complexa
do que o nosso senso comum. Um estudo do Centro de Integração da
Ciência e Indústria (CISI) mostrou que, entre 2010 e 2016, todos os 210
medicamentos aprovados para serem comercializados saíram de pes-
quisas apoiadas pelo NIH (ver Cleary et al., 2018). Dos US$ 100 bilhões
gastos nacionalmente nesse período, mais da metade – US$ 64 bilhões
– foi canalizada pelo Estado para o desenvolvimento de 84 medicamen-
tos de alta complexidade. Todavia, os institutos nacionais de saúde não
conseguem usar os lucros da venda destes medicamentos para financiar
mais pesquisas. Os laboratórios financiados pelo Estado realizam anos
de pesquisa básica para obter um grande avanço, que é então apropria-
do, modificado e patenteado pelos grandes laboratórios farmacêuticos,
que ganham bilhões com taxas de lucro enormes sobre o custo dos me-
dicamentos desenvolvidos com dinheiro do contribuinte.
Mas por que utilizar dos recursos públicos, arrecadados com o
dinheiro suado dos impostos, em vez de investir em áreas mais necessá-
rias como atendimento à saúde, educação e saneamento básico? Por que
não estimular as empresas privadas a buscar essas inovações? Não seria

Brasil, uma economia que não aprende 119


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mais razoável deixar a rentabilidade das inovações decidir para onde o di-
nheiro do público vai? Como mostramos, o setor privado não conseguiria
ocupar este espaço do setor público pelos três motivos que já vimos aci-
ma: custo fixo elevado (ou indivisibilidade), elevada incerteza da inovação
e, por fim, as externalidades positivas do conhecimento (apenas parcial e
provisoriamente protegidas pelas patentes). Trocando em miúdos, é pre-
ciso que a pesquisa com maior probabilidade de insucesso não venha co-
locar em risco a existência do agente que a executa. Um insucesso no se-
tor de inovação pode levar uma empresa à falência, mas jamais ao Estado,
que é o único agente poderoso o suficiente do ponto de vista financeiro
capaz de enfrentar o que está além do nosso horizonte conhecido.
Por fim, um quarto obstáculo se impõe: há limites “naturais” à
quantidade de ideias novas que se pode produzir. Quanto mais ideias são
produzidas, mais difícil se torna alcançar uma inovação verdadeiramen-
te disruptiva. Em geral, obtêm-se ideias incrementalmente inovadoras a
um custo cada vez maior, o que reduz a atratividade do gasto em P&D. A
solução para os rendimentos decrescentes do esforço em pesquisa é a co-
operação por meio da criação de sistemas nacionais de inovação, como
os Institutos Nacional de Saúde dos EUA mencionados acima. Contudo,
novamente se coloca o problema econômico: se uma inovação pode ofe-
recer barreiras proibitivas, imagine criar uma rede de instituições e pes-
soas em contínuo esforço em busca de novos conhecimentos.
Montar um sistema nacional de inovação é, portanto, uma mis-
são arriscada, com elevados custos de instalação, de manutenção e de
ampliação. É preciso atingir uma rede com escala mínima de institutos
de pesquisa, universidades (públicas e privadas), pesquisadores e estu-
dantes (com boa formação nos níveis de ensino básico, fundamental e
médio) para que haja produção relevante de inovações. Complementar-
mente, além de um eficaz sistema de registro e de fiscalização de paten-
tes (e um eficiente sistema judiciário que puna a violação das mesmas),
é necessário haver proximidade deste setor de pesquisa básica com em-
presas que invistam em P&D e que consigam, portanto, converter este
conhecimento em bens e serviços que possam ser comercializados de
forma massificada. Devido ao seu peculiar poder de aglutinação e mo-
bilização de recursos via tributação, as sociedades desenvolvidas desig-
naram ao Estado uma tarefa hercúlea e muito dispendiosa. Além disso,
a capacidade do Estado de coordenar e direcionar esforços em diferen-
tes etapas da inovação favorece a sociedade nos setores em que avanços
são necessários. Isso não significa que ele deve ser necessariamente o

120 Paulo Gala e André Roncaglia


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agente executor direto. O que é imprescindível é que o Estado assuma


o papel de viabilizador de última instância da inovação no país, o fiador
das nossas explorações tecnológicas.
Em face de tantos riscos e ameaças, não surpreende que os íco-
nes de quase todas as sociedades são os desbravadores, que se lançam
a terras, mares e céus desconhecidos sem qualquer garantia de suces-
so. Marco Polo, Pedro Álvares Cabral, Américo Vespúcio e Cristóvão
Colombo, para mencionar alguns, são historicamente notórios exata-
mente por este motivo. Porém, todos eles tinham algum monarca re-
presentando o maciço poder estatal para viabilizar suas ambições. Ana-
logamente, se hoje Elon Musk ou Richard Branson estão próximos de
viabilizar um sistema privado de transporte ao espaço sideral é porque
o Estado (seja o soviético ou o norte-americano) mobilizou todo o seu
poder econômico para levar o homem à lua, e com os acertos, erros
e tragédias acumulados. Enfrentou os monumentais custos fixos des-
ta empreitada e produziu conhecimento a ponto de tornar viável a ex-
ploração comercial por uma empresa privada. O Estado não expulsa o
setor privado da pesquisa. Ao contrário, sem o Estado não haveria de-
senvolvimento tecnológico sustentado. O conhecimento é o motor do
crescimento e da sofisticação produtiva que leva à desigualdade entre as
nações. E como a instalação deste setor impõe elevados custos econô-
micos, uma causação cumulativa novamente se apresenta. Se os países
ricos estão mais capacitados economicamente para produzir o motor
da riqueza, reduzem-se dramaticamente as possibilidades de os países
pobres alcançarem o mesmo nível de prosperidade.

O capital humano se distribui


de forma desigual entre atividades

Um dos principais economistas do início do século XX, Alfred Marshall


foi professor de Keynes e de toda uma geração de economistas renoma-
dos. Marshall (1996) nos relembrou que “do mesmo modo que uma ca-
tedral é algo mais que as pedras de que é feita, assim como uma pessoa é
algo mais que uma série de pensamentos e sentimentos, assim também
a vida da sociedade é algo mais que a soma da vida dos indivíduos”. Isto
significa que a forma como combinamos as partes de um todo deter-
mina o valor que este todo terá. Afinal, a diferença entre um pedaço de
carvão e um diamante resulta da forma como suas moléculas são com-

Brasil, uma economia que não aprende 121


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binadas. Em seu livro Why information grows, César Hidalgo nos mos-
tra que os produtos são “cristais da imaginação”, o que equivale a dizer
que há “capital humano” incorporado às matérias-primas que formam
os bens finais (Hidalgo, 2015). Este conhecimento significa uma forma
específica de fabricar as partes e combiná-las entre si. Hidalgo nos ofe-
rece um exemplo para iluminar esse aspecto da complexidade, pergun-
tando: Quanto vale uma Ferrari nova? Quanto valem as mesmas peças
e materiais que a compõe, se quebrados depois de um acidente? O valor
claramente está incorporado no design, no motor, na combinação de
todos os equipamentos, na engenharia e beleza de uma Ferrari. As mes-
mas peças que produzem uma Ferrari podem produzir um amontoado
de lata sem qualquer utilidade, muito menos velocidade.
Em um plano mais concreto, por trás de cada Ferrari há uma
rede industrial complexa que aprende com seus erros e usa seus acer-
tos para buscar novidades além do horizonte conhecido. Para além da
eletrizante emoção que a corrida automobilística oferece, com seus
heróis da Fórmula 1 e as histórias pessoais de superação, aquele espa-
ço é um laboratório para expandir a fronteira tecnológica do setor. É
ali que é gestada a tecnologia que eventualmente tornará a vida de mi-
lhões de motoristas mais “confortável”. Indo além, se considerarmos a
indústria automobilística como um todo, são centenas de milhares de
pessoas e empresas trabalhando nessa cadeia produtiva. Quanto mais
tecnologia e mais conhecimento, maior o valor produzido pelas em-
presas e, portanto, mais deste valor pode correr para o bolso de cada
trabalhador (ver Mehta e Jesus, 2014)
Uma das grandes contribuições do economista russo W. Le-
ontief para a ciência econômica foi o estudo das chamadas matrizes
insumo-produto. Leontief estava preocupado em entender o detalhe
das estruturas produtivas, o que cada cidade, região e país produziam.
O conceito de PIB é muito agregado e mistura laranjas, bananas, com-
putadores, reatores etc. A estrutura de oferta capaz de produzir cada
uma dessas coisas é obviamente diferente. Bens muito high tech de-
mandam uma estrutura de oferta intensiva em capital humano, com
alto conteúdo tecnológico, e paga altos salários. Para produzir bana-
nas basta bom clima. Quando olhamos PIB e PIB per capita dos paí-
ses temos que nos lembrar que lá dentro existe muita coisa diferente,
como destacava Leontief. César Hidalgo chamou essa abordagem de
“under the hood economics”; “economia por baixo do capô”. É preciso
desgregar o “PIB” até chegarmos nas estruturas produtivas microeco-

122 Paulo Gala e André Roncaglia


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nomicas, e lá vamos descobrir a riqueza e pobreza das nações: produ-


tos e serviços de baixa ou alta complexidade tecnológica.
O capital humano só é acumulado em ocupações específicas.
Profissões como cabeleireiro, manicure, pedicure, lojista, motorista
de táxi são as mesmas há milênios. O capital humano acumulado em
uma sociedade está em suas redes produtivas complexas, uma deli-
cada divisão do trabalho com absurda especialização em cada etapa.
Atividades simples não permitem esse tipo de acumulação de capital
humano, como majoritariamente no Brasil de hoje. O conhecimento
não flutua, se incorpora em produtos e serviços sofisticados e “nicha-
dos” e cria poder de monopólio. As pessoas não “flutuam” por aí, tra-
balham em algum lugar. A acumulação de capital humano em enge-
nharia é exponencial, por assim de dizer, no cabeleireiro é “linear”. O
potencial de acumulação de capital difere por ocupação. Os diferen-
ciais de salário são explicados por diferenciais de anos de estudo. Os
diferenciais de anos de estudo são explicados por diferencias de ocu-
pações. Os diferenciais de ocupações são explicados por diferenciais
de estrutura produtiva (ver Mehta e Jesus, 2014).
Os setores industriais e de serviços sofisticados são muito
mais intensivos em capital, máquinas, ideias e equipamentos do que
serviços tradicionais. As manufaturas high tech demandam muito
capital humano, algo que por exemplo uma fábrica de sapatos sim-
ples não precisa. Serviços digitais escaláveis como Uber, Google e
Netflix são infinitamente mais intensivos em capital humano do que
padarias, salões de beleza e restaurantes. Falta no mundo de Solow,
Mankiw e Romer o que sobra nos modelos cepalinos e de economis-
tas do desenvolvimento: uma desagregação do PIB em termos de se-
tores e produtos para entender a dinâmica tecnológica. Dessa ótica,
fica claro entender onde erramos no Brasil desde os 1990: trocamos
nossas atividades ricas em tecnologia, a indústria, por serviços tradi-
cionais não sofisticados; o tema principal desse livro.
O capital humano da pessoa se traduz em ganhos maiores e sa-
lários, se aplicado a uma atividade capaz de remunerá-lo. O engenhei-
ro que dirige Uber ganha o mesmo que o motorista analfabeto. A com-
plexidade produtiva é, provavelmente, a principal variável omitida que
ajuda a explicar o resíduo de Solow. O grande problema dos modelos de
Solow, Mankiw e até mesmo de Romer é que eles não levam em conta a
importância da composição setorial como determinante da intensidade
de capital físico e humano de uma economia. O PIB precisa ser desagre-

Brasil, uma economia que não aprende 123


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gado por setores e produtos. E como tudo que é ruim pode sempre pio-
rar, alguns setores têm maior vocação inovativa do que outros. Esta é
mais uma das instâncias da máxima: “o que” produzir é tão importante
quanto a quantidade produzida. Em outras palavras, o padrão de espe-
cialização da economia afeta o processo de aprendizagem da sociedade
e, portanto, de seu desenvolvimento (ver Palma, 2014).

124 Paulo Gala e André Roncaglia


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9. Os países ricos têm alto conteúdo


tecnológico proprietário

O
centro da economia mundial tem alto conteúdo
tecnológico proprietário em seus produtos, logo, tem poder
de monopólio considerável e a periferia não. Isso torna muito
difícil para países da América Latina, África e Ásia chegarem lá. Alguns
países do Leste Asiático conseguiram. O desenvolvimento econômico
pode ser entendido, então, como um processo de aprendizagem produ-
tiva. Alguns países pobres são capazes de aprender ao longo do tempo,
outros não. Essa aprendizagem leva à produção de bens e serviços com
poder de monopólio e alto conteúdo tecnológico, que dificulta o avanço
dos outros (ver Reinert, 2008). O conhecimento produtivo é o grande
valor que um país tem, isso o torna rico. Este conhecimento está nas
empresas, marcas, tecnologias e patentes de propriedade de seu sistema
produtivo. Isso nunca é transferido para os países emergentes, especial-
mente por multinacionais que protegem seu core tecnológico e muitas
vezes drenam tecnologia quando alguma empresa emergente desponta;
compram, absorvem a tecnologia e mandam para a matriz.
Alice Amsden (2001, p. 5) nos relembra que, mesmo na ausência
de patentes, a natureza tácita e proprietária das tecnologias produtivas
dificultam a aquisição de conhecimento. As características de uma dada
tecnologia não podem ser totalmente documentadas, de forma que a
otimização do processo e a especificação do produto permanecem uma
“arte”, dependendo de habilidades gerenciais que são mais tácitas do
que explícitas. Na tipologia empregada por Amsden em seu livro A as-

Brasil, uma economia que não aprende 125


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censão do resto, os grandes países emergentes podem ser divididos em


duas subcategorias: os independentes e os integracionistas. O primeiro,
composto por países como Coreia do Sul, China, Índia e Taiwan, teriam
confiado pouco nos investimentos estrangeiros e buscaram investir e
desenvolver tecnologias próprias. Já o segundo, que conta com Brasil,
Argentina, Chile, México e Turquia, confiaram muito no investimen-
to externo, no efeito transbordamento de multinacionais, e contaram
com a compra de tecnologia estrangeira.
O que fazem as multinacionais ao redor do mundo? Constroem
suas bases produtivas perto dos mercados consumidores e em bases ex-
portadoras com mão de obra barata; uma lógica econômica quase pura.
Os centros de pesquisa e desenvolvimento de produtos, marcas, conte-
údo tecnológico e centros de inovação ficam em geral nas bases princi-
pais dessas empresas, na matriz em países ricos. Nesses locais estão os
melhores cérebros, as melhores capacidades produtivas e o grosso do
capital humano, patentes e conhecimento acumulado por essas empre-
sas, o centro nervoso. A parte produtiva high tech e de serviços empre-
sariais fica nos países ricos. Por que então as bases produtivas em outros
países? Por conta dos custos de transporte para alcançar mais mercados
ou de mão de obra superbarata para construir bases de exportação. A
parte “nobre” da rede produtiva e de inovação fica sempre no país-mãe,
em geral por questões meramente econômicas mesmo.
Muitas das empresas domésticas que começam a despontar e
conseguem desenvolver conteúdo tecnológico proprietário são com-
pradas por multinacionais. Foi o caso da Embraer e de tantas outras
belas empresas no Brasil. Por exemplo, o caso da empresa brasileira de
turbinas Celma: nascida como fabricante de ventiladores, a Celma co-
meçou ainda nos anos 1950 a fazer manutenções superficiais de hélices
para a Varig, graças a estímulos públicos no governo JK. Nos anos 1970
participou no desenvolvimento do avião a jato Xavante, e a seguir, no
âmbito do Projeto AMX, foi uma das beneficiárias nas encomendas para
o avião Alenia. A Celma se preparou com investimentos pesados para
o porte da companhia à época para fabricar motores a jato completos
para o caça A1, o primeiro caça ítalo-brasileiro. A demanda foi muito
menor do que o esperado e no início dos anos 1990 a Celma, apesar do
notável sucesso na absorção de tecnologias sofisticadas, estava pesada-
mente endividada e acabou pedindo concordata. Ao contrário de outras
empresas de alto nível tecnológico como a Engesa, a Celma foi adquiri-
da por outra empresa, a GE. Um duro golpe para os planos ambiciosos

126 Paulo Gala e André Roncaglia


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da Força Aérea Brasileira (FAB), mas uma vitória para Petrópolis e para
as famílias dos trabalhadores. Hoje a Celma, que exporta US$ 2 bilhões
por ano em serviços industriais de alto valor agregado, é a mais eficiente
das unidades de manutenção da GE globalmente.

Setor automobilístico na China, México e Brasil

As estratégias de desenvolvimento do setor automobilístico de Brasil,


México, Índia e China nos ajudam a entender melhor essa dinâmica. O
Brasil atraiu montadoras estrangeiras para construir sua cadeia de for-
necimento. O México abriu a economia para se integrar às cadeias glo-
bais e se inseriu montando maquilas que importam produtos do Leste
da Ásia e vendem nos EUA. A China, assim como a Índia, exigiu joint
ventures (JVs) com empresas nacionais e mirou nos carros elétricos. Al-
guns dos maiores desafios de quem depende de investimento externo
são: convencer as multinacionais a realizarem P&D localmente, expor-
tarem a partir de suas filiais e criar ligações com a economia local. O
Brasil foi parcialmente bem-sucedido apenas no último quesito. A Chi-
na exigiu até 2018 joint ventures com no máximo 50% de participação
estrangeira para acessar o seu imenso mercado. Rotulada como transfe-
rência forçada de tecnologia pelos EUA, a estratégia parece estar surtin-
do efeito. Desde 2008 ja é a maior produtora mundial de carros. Porém,
seu maior acerto foi ter se preparado para os veículos elétricos (EVs).
Enquanto seus concorrentes lutam para superar a dependência da rota
tecnológica dos motores de combustão interna, a China já desenvolveu
uma cadeia doméstica de baterias e EVs. A BMW, por exemplo, vai pro-
duzir seu X3 elétrico na China não para extrair o máximo da mão da obra
barata, mas para usufruir da capacidade produtiva de ponta desenvolvi-
da com apoio crucial do Estado chinês e utilizar o país como plataforma
de exportação. No Brasil, a multinacional BMW decidiu produzir no país
para driblar o IPI de 30% sobre os importados se valendo do Programa
Inovar-Auto, mas não gerou ligações locais e não exportou.
No Brasil, o Programa Inovar-Auto ajuda a ilustrar o ponto. Co-
meçou a ser desenhado em 2011 para conter a importação de automó-
veis diante da reclamação de grandes montadoras instaladas por aqui.
Por incrível que pareça, elas se sentiam ameaçadas pela chegada de nova
leva de automóveis importados, incluindo as marcas chinesas. Naque-
le ano os modelos trazidos do exterior tiveram participação de 23,6%

Brasil, uma economia que não aprende 127


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no mercado nacional, índice que despencou para 13,5% em 2015, não só


pela sobretaxação imposta pelo regime, mas também por causa da nova
relação cambial, com profunda desvalorização do real. Naquela época, a
primeira iniciativa foi impor adicional de 30 pontos porcentuais no IPI
de carros importados, que já pagam Imposto de Importação de 35%, a
maior alíquota permitida pela OMC (para cota de mais de 4.800 carros
importados por ano). Na realidade, a OMC via o Programa Inovar-Auto,
que exige alto conteúdo nacional em carros fabricados no país para ter
diferenciação de imposto, como “protecionismo exagerado”. Para mon-
tadoras que têm fábrica aqui não há adicional de 30% do IPI e a alíquota
de importação é mantida (ver Lima, 2016).
Em autopeças, a história foi similar. Na estrutura de produção
automotiva no Brasil, o setor de autopeças ganha destaque pois possui
25% do faturamento total por companhias de capital nacional, e ain-
da mais relevante é verificar-se que 40% do total dos investimentos
realizados são justamente feitos por essas empresas brasileiras. Dessa
forma, os impactos do programa tornam-se mais relevantes por exis-
tir um potencial significativamente maior, ante aos das montadoras,
na estrutura e complexidade produtiva brasileira de autopeças. Os re-
sultados verificados pelo Programa Inovar-Auto na indústria de au-
topeças brasileira são ambíguos, pois o foco do programa implantado
pelo governo residiu sobremaneira nas montadoras, o que a princípio
poderia nos levar a concluir que tal estímulo teria um efeito “dominó”
no setor de fornecimento de autopeças. No final das contas tal efeito
parece ter sido parcial, ajudou as multinacionais a arbitrar produção
em diversas regiões para maximizar lucros.
Entre 2014 e 2016, instalaram-se ou ampliaram sua capacida-
de nove novas fábricas de carros no Brasil. Segundo as próprias empre-
sas, todos os investimentos foram estimulados pelo Inovar-Auto e pelo
vigor do mercado interno. Entre essas empresas, temos: I) Cherry, lo-
calizada em Jacareí (SP), com um investimento de R$ 1,2 bilhão, aber-
ta em agosto de 2014; II) Jeep, localizada em Goiana (PE), com um in-
vestimento de R$ 4 bilhões; III) Nissan, instalada em Resende (RJ), com
investimento de R$ 2,6 bilhões; Iv) BMW, instalada em Araquari (SC),
com investimento que ultrapassa R$ 1 bilhão; v) Jaguar Land Rover, em
Itatiaia (RJ), com um investimento de R$ 750 milhões; vI) Honda, ins-
talada em Itirapina (SP), com investimento de R$ 2 bilhões; vII) Merce-
des-Benz, em Iracemápolis (SP), com investimento de R$ 510 milhões;
vIII) Audi, em São José dos Pinhais (PR), com investimento de R$ 450

128 Paulo Gala e André Roncaglia


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milhões; e Ix) Hyundai CAOA, em Anápolis (GO), fábrica já existente


com ampliação do investimento em R$ 600 milhões.
No próprio projeto do Inovar-Auto não constavam regras rígi-
das que exigissem que seus parâmetros e exigências fossem cumpridos.
O programa até promoveu alguma internalização de tecnologia estran-
geira, mas isso não significa necessariamente que o setor logre ganho
de competitividade. Seria necessário promover o aprofundamento da
capacidade de geração e difusão de inovações para poder ampliar a im-
portância das filiais de empresas estrangeiras no Brasil. Também seria
importante e necessário que as suas corporações mundiais, por trans-
bordamentos, favorecessem as empresas fornecedoras nacionais nas
bases inferiores da pirâmide, fato que não foi contemplado no pro-
grama. O Inovar-Auto estava mais associado a uma política de caráter
emergencial de curto prazo do que a uma política industrial setorial de
longo prazo que proporcionasse transformações estruturais. Não tinha
o objetivo claro de estimular o upgrading no desempenho das indús-
trias existentes que conectam as empresas nacionais com a economia
global. Não direcionou os investimentos para aumentar a posição de
agregação de valor do país nas cadeias globais de valor.
A indústria de autopeças na China, por outro lado, foi forte-
mente promovida através de requisitos de conteúdo local. O governo
chinês exigia que as montadoras estrangeiras investissem no mercado
doméstico para alcançar um nível relativamente elevado de conteúdo
nacional dentro de um curto período de tempo (normalmente 70%
no prazo de três anos). Isto obrigou as empresas multinacionais a co-
operar estreitamente com os fornecedores locais no desenvolvimento
e utilização de novas tecnologias. Na cadeia de abastecimento de au-
tomóveis na China, os próprios fabricantes estrangeiros continuaram
a comprar dos fornecedores locais depois que a obrigatoriedade de
conteúdo local foi abolida em conformidade com as regras da OMC,
numa prova de que o sistema foi capaz de criar produtores domésticos
eficientes. As fontes locais de abastecimento se mostraram superiores
em termos de combinação de custo e qualidade quando comparadas
às alternativas importadas. Caminho muito parecido seguiu a Índia e
também teve enorme sucesso. O coeficiente importado da indústria
automobilística da China foi de apenas 5% em 2013/2014. O 2º maior
produtor, EUA, teve 27%, não muito acima do Brasil, com 22%. O 3º
maior produtor, Japão, apresentou apenas 10% de coeficiente impor-
tado. O México teve 56%. A integração mexicana aos EUA aumentou

Brasil, uma economia que não aprende 129


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suas exportações de carros ao mercado vizinho. Porém, a principal ati-


vidade exercida naquele país é a de montagem, de baixo valor adicio-
nado, baixo P&D, baixos encadeamentos domésticos e competitivida-
de via compressão dos salários.
A atração feita pela China de empresas estrangeiras no setor
automotivo teve sempre o objetivo de fomentar as capacidades internas
e locais de produção. Para isso, o governo sempre usou uma série de po-
líticas para assegurar que a transferência de tecnologia teria lugar e que
uma indústria local forte e competitiva fosse criada. O governo chinês
usou um sistema de estímulos e controles para tentar promover efici-
ência e competitividade. Os investidores estrangeiros foram obrigados
a entrar em joint ventures com empresas nacionais para ter acesso aos
mercados nacionais. Houve fraca aplicação das leis de proteção intelec-
tual, habilitando produtores domésticos a praticar engenharia reversa
e imitar tecnologias estrangeiras sem punições relevantes. Os governos
regionais tiveram autonomia e investiram na criação de clusters indus-
triais em áreas específicas do país. Claro que muitas empresas locais fra-
cassaram e nem tudo deu certo, mas no geral essas estratégias parecem
ter sido acertadas na medida em que várias empresas chinesas amadu-
receram e foram capazes de competir no mercado mundial e interna-
mente com concorrentes estrangeiros.
Hoje, existem seis grandes empresas estatais que produzem
carros na China. Quatro pertencem e são administradas por governos
municipais e duas pertencem ao governo central. Cada empresa esta-
tal fabrica produtos com sua própria marca e realiza parcerias de joint
ventures separadas com montadoras globais: Corporação da Indústria
Automotiva de Pequim com Daimler e Hyundai; Corporação da In-
dústria Automotiva de Xangai com GM e Volkswagen; Corporação da
Indústria Automotiva de Guangzhou com Honda, Toyota e FCA; Au-
tomóveis de Changan com Suzuki, Ford e Mazda; First Auto Works
com Toyota, Volkswagen e Audi; Motores de Dongfeng com Nissan,
PSA, Honda e Kia. Os Seis Grandes da China (e suas joint ventures es-
trangeiras) representaram cerca de 75% do total de veículos fabricados
e vendidos na China em 2017, ou cerca de 23 milhões de veículos. Eles
competem ferozmente por participação de mercado e lucros. As três
grandes empresas privadas são a Geely que comprou a Volvo, a BYD
que tem investimentos de Bill Gates e de Warren Buffett e a Great
Wall. A Geely Motors adquiriu em 2010 a renomada fabricante sueca
Volvo, absorveu seu know-how e o prestígio da marca, concedeu li-

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berdade total para a engenharia e o departamento de design e hoje é


referência de um case de sucesso de investida chinesa no setor auto-
motivo. Pequim tem dado suporte financeiro para aquisições capita-
neadas por suas fábricas automotivas na compra de players ocidentais
com rede de distribuição consolidada na Europa e EUA. Com marcas
de boas reputações e centros de P&D com importantes patentes em
motores energeticamente eficientes e tecnologia embarcada, porém
carentes de recursos financeiros, essas companhias parecem ser alvos
perfeitos para as empresas chinesas ricas e com sede de crescer.
A Great Wall Motors fundada em 1984 é outro belo exemplo
de firma doméstica que prosperou nesse ambiente criado pelo gover-
no chinês. Hoje a maior empresa manufatureira de pickups e SUVs da
China, foi listada na bolsa de valores de Hong Kong em 2003 e na bolsa
de valores de Shangai em 2011.Também em 2011, a fabricação teve um
resultado de quase 500 mil unidades, sendo a produção de 2019 a dé-
cima maior da China. A companhia começou suas vendas na Europa
a partir de 2006, oferecendo vans de porte pequeno. Os produtos da
Great Wall foram disponibilizados pela primeira vez no mercado aus-
traliano em 2009, e a empresa era, a partir de 2010, o único fabricante
chinês de automóveis a vender na Europa.

Gurgel

No Brasil dos 1980, época da Gurgel, as multinacionais trabalharam


para desbancar nossas empresas domésticas, um comportamento es-
perado dentro do capitalismo; o governo brasileiro nada fez a respeito.
No momento de auge da empresa, o lobby das montadoras multina-
cionais conseguiu a isenção de impostos para carros de até 1.0 ou com
motor refrigerado a ar. Isso permitiu às quatro montadoras usar veícu-
los de sua linha para atender a demanda de carro urbano popular en-
contrada pela Gurgel. A ideia era abastecer toda a demanda reprimida
antes que a Gurgel tivesse sua fábrica pronta. As montadoras estran-
geiras fizeram pressão sobre fornecedores de autopeças, proibindo a
venda de peças criadas para elas para a Gurgel. A empresa aproveita-
va muitas peças de outros veículos e isso nunca tinha sido problema.
Com a proibição de compartilhamento de muitas dessas peças, a Gur-
gel teve que desenvolver seus próprios projetos para poder continuar
produzindo seus veículos. O BNDES também atrasou sistematicamen-

Brasil, uma economia que não aprende 131


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te a liberação dos recursos que haviam sido aprovados para a constru-


ção da fábrica nova. A soma desses fatores levou a Gurgel à falência. Na
Ásia do leste este tipo de coisa não ocorre. Em 1997, quando a Kia que-
brou na Coreia do Sul com provável venda para estrangeiros, o gover-
no coreano fez uma jogada em que só autorizou empresas nacionais a
comprar a Kia, que acabou na mão da Hyundai. Hoje a Hyundai ocupa
quase 80% do setor automobilístico do país. O governo japonês ajudou
a Toyota por mais de uma década, até que a empresa conseguiu final-
mente amadurecer e conquistar o mundo. Nos EUA o governo tam-
bém ajudou a salvar a Ford e a GM da crise de 2008.
A Gurgel começou a incomodar as grandes montadoras multi-
nacionais ainda nos anos 1980. Primeiramente foi a Volkswagen, quan-
do esta perdeu mercado para o Gurgel X12 no Caribe. Logo incomodou
também todas as outras quando conseguiu uma redução do imposto
IPI para 5%. Ali já deixava de ser uma marca nascente e começava a pre-
ocupar por um motivo simples: seus carros vendiam muito bem para
uma empresa iniciante. Quando o governo abre a isenção para todos
os carros com motor 1.0 e corta todo e qualquer tipo de financiamento
para a Gurgel inovar, começa a derrocada. Quando foi reduzida a alí-
quota para as outras montadoras, a Fiat usou o motor Fiasa do antigo
Fiat 147 e do dia para a noite conseguiu enquadrar o motor como 1.0 e
abocanhar a redução tributária. A Fiat não era a grande montadora que
é hoje. Foi muito apoiada pela relação entre Itália-Brasil. No final, o
governo brasileiro acabou fazendo políticas públicas que auxiliaram as
montadoras multinacionais, por incrível que pareça.

Automóveis na Índia

A incrível história do setor automotivo da Índia ajuda a mostrar um ou-


tro caminho que poderia ter sido seguido por aqui. Na última década,
a indústria automobilística indiana emergiu como uma das indústrias
de crescimento mais rápido no mundo, com níveis crescentes de sofis-
ticação tecnológica entre os países emergentes. Este setor é fundamen-
tal na economia indiana, pois proporciona emprego em massa à popu-
lação local do país e suas receitas de exportação ajudam a impulsionar
o comércio exterior. Ao contrário de outros países emergentes, como o
Brasil, a África do Sul e a Argentina, a indústria automobilística india-
na consiste de empresas domésticas com capacidades tecnológicas e de

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inovação por empresas de capital nacional. Em 2008, a empresa india-


na Tata Motors projetou e desenvolveu o carro mais barato do mundo,
o Tata Nano. No mesmo ano, outras empresas indianas como Mahin-
dra & Mahindra lançaram carros de passageiros concebidos e feitos do-
mesticamente como por exemplo o Scorpion, um produto de design
e desenvolvimento nacional. Estes desenvolvimentos pegaram outras
empresas automotivas globais de surpresa, uma vez que as expectativas
quanto ao sucesso indiano eram muito baixas.
Na era pós-independente, a política industrial e econômica da
Índia era dominada por uma ideologia de substituição de importações,
na qual as intervenções e regulamentações do Estado desempenhavam
um papel fundamental na direção do desenvolvimento de capacidades
tecnológicas locais. O governo indiano estabeleceu várias políticas fo-
cadas em regulamentar e restringir rigorosamente as importações de
tecnologia para proteger o esforço técnico local das empresas indianas.
No entanto, em 1990, a crise do balanço de pagamentos desencadeou
grandes mudanças na orientação da política industrial e econômica. De
um conjunto de políticas relativamente voltado para o mercado inter-
no que estava em vigor até o final da década de 1980, o regime adotado
em 1991 buscava derrubar os muros de proteção dentro dos quais a in-
dústria indiana operava. A partir de 1991, houve uma mudança para a
industrialização com foco numa economia mais aberta e voltada para a
promoção de exportações, inclusive no setor automotivo.
O IDE (Investimento Direto Estrangeiro) no setor de auto-
móveis foi autorizado pela primeira vez em 1983, quando a Suzuki foi
convidada para uma joint venture com o governo indiano. O Estado
permitiu que quatro empresas japonesas – Toyota, Mitsubishi, Mazda
e Nissan – entrassem no mercado indiano de veículos comerciais le-
ves por meio de joint ventures com empresas indianas. Na década de
1980, essas quatro empresas colaboraram com empresas indianas pri-
vadas e algumas participações compartilhadas com governos de nível
estadual. Em 1971, Sanjay Gandhi, filho de Indira Gandhi, fundou a
Maruti Motors Limited com a missão de desenvolver um carro acessí-
vel, econômico, de baixa manutenção e baixo consumo de combustí-
vel. No entanto, apesar do apoio do governo, a Maruti não conseguiu
desenvolver o “carro do povo” e subsequentemente, em 1980, o gover-
no da Índia assumiu a empresa. Em 1983, a Maruti formou uma joint
venture com a Suzuki Motor Corporation do Japão. Inicialmente, o
governo indiano foi a favor de uma joint venture com a Volkswagen e

Brasil, uma economia que não aprende 133


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o VW Golf foi o carro escolhido. No entanto, o governo sentiu que o


Golf era um carro caro para o mercado indiano e decidiu ir à Europa e
ao Japão para procurar parceiros. O governo queria que o parceiro no
exterior trouxesse 40% de participação e teve conversas com a Nissan,
Mitsubishi, Daihatsu e Suzuki. Apenas a Suzuki estava disposta a as-
sumir 26% do capital com a opção de aumentar para 40%.
O estabelecimento da Maruti Udyog Limited (MUL) marcou
uma nova fase para a indústria automobilística na Índia. Em uma déca-
da, a produção de automóveis de passageiros aumentou cinco vezes e a
MUL passou a ocupar mais de 50% do mercado doméstico. O governo
indiano estabeleceu a Maruti Udyog Limited em 1981 com o objetivo de
modernizar a indústria automobilística indiana e produzir carros de-
senvolvidos para atender às necessidades da população em crescimen-
to. O contrato de joint venture foi assinado com a Suzuki Motor Com-
pany em 1983, pelo qual a Suzuki adquiriu 26% do capital e concordou
em fornecer as mais recentes tecnologias, bem como práticas de gestão
japonesas. A MUL criou história ao conseguir lançar em 13 meses seu
primeiro veículo, o Maruti 800, em 1984. Este foi o primeiro carro pro-
duzido no país com tecnologia moderna completa. No início o Maruti
800 tinha 97% de conteúdo importado e apenas pneus e baterias eram
feitos localmente. O governo estabeleceu uma meta de 93% de conteú-
do nacional dentro de cinco anos e, assim, a empresa começou a desen-
volver fornecedores locais a partir do zero. A empresa atraiu empreen-
dedores oferecendo-lhes espaços nos complexos da empresa e forneceu
eletricidade de sua própria usina. Além disso, os engenheiros da Suzuki
ajudaram os novos fabricantes com práticas de automação e gerencia-
mento, como a fabricação just-in-time. Até 1990, a MUL dominou o
mercado indiano, com o Maruti 800 ocupando 62% de participação de
mercado. Antes da chegada da MUL, o setor automotivo da Índia vinha
há décadas oferecendo apenas dois modelos para a população; com des-
taque para o famoso Hindustan Ambassador.
A liberalização econômica em 1991 iniciou uma fase signifi-
cativa no desenvolvimento da indústria automobilística indiana. O
licenciamento para importação de veículos foi abolido em 1991 e a
tarifa média ponderada foi reduzida de 87% para 20,3% em 1997. Em
2001, o governo indiano removeu as cotas de importação de auto-
móveis e permitiu 100% de IDE no setor. O governo reduziu os im-
postos especiais de consumo para 24% em automóveis de passagei-
ros e concentrou-se no desenvolvimento de infraestrutura de apoio.

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Neste período, a Mahindra & Mahindra fez uma transição de ‘trator


e jeep maker’ para um moderno fabricante de automóveis de passa-
geiros. Em 2002, lançou o Scorpio como um veículo utilitário espor-
tivo (SUV), produto do esforço e desenvolvimento interno. Em 1989,
a Suzuki aumentou sua participação acionária para 40% na empressa
Maruti Suzuki e três anos depois para 50%. Além disso, a Suzuki pa-
gou um prêmio de controle de R$ 10 bilhões ao governo indiano para
controle total da administração. Em 2003, a Cummins JV, uma em-
presa produtora de motores americana, ajudou a Telco (Tata Engine-
ering and Locomotive Company, depois renomeada para Tata) a de-
senvolver motores a diesel em conformidade com rigorosas normas
de emissão e a introduzir uma versão a diesel de carros e caminhões.
A Tata Motors decidiu realizar atividades-chave internamente, como
fabricação de motores e transmissões, soldagem e pintura de painéis
de carroceria e montagem de carros. Todas as outras atividades foram
terceirizadas. A Tata Motors envolveu os principais fornecedores no
processo de design, tornando-os parceiros iniciais. Os fornecedores
menores foram agrupados em dois níveis: nível 1 e nível 2. Os forne-
cedores de nível 2 forneceram peças aos fornecedores de nível 1, que
montaram e forneceram os motores à Tata. Em 1997, a Telco investiu
na Tata Autocomp Systems Limited (TACO), uma empresa promo-
vida pela Tata Industries para estabelecer uma série de joint ventu-
res com fabricantes de componentes internacionalmente aclamados.
Posteriormente, a TACO formou uma joint venture com os
principais fabricantes de componentes automotivos, que se torna-
ram fornecedores-chave da Tata Motors. A Tata Motors importou vá-
rios itens importantes de equipamentos de fornecedores estrangeiros,
como centros de usinagem de alta velocidade da Alemanha e EUA e
máquinas de corte de engrenagens da Alemanha e da Itália. Em 1995, a
Telco comprou a fábrica australiana da Nissan por US$ 20 milhões. Esta
fábrica estava produzindo o Nissan Bluebird e posteriormente fechou.
A fábrica da Nissan com 21 robôs foi embarcada para a divisão de má-
quinas da Telco e instalada em uma fábrica na cidade de Pune, na Ín-
dia. Três prensas para montar os painéis para o modelo do carro Indica,
da Tata, foram encomendadas da Alemanha; uma nova e duas usadas,
compradas da Mercedes-Benz e modificadas para atender as necessida-
des do modelo. A Tata Motors está hoje no negócio de carros de luxo
e caminhões e comprou as marcas Jaguar e Land Rover da Ford Motor
Company por US$ 2,3 bilhões em 2008 (ver Kale, 2011).

Brasil, uma economia que não aprende 135


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A incrível sofisticação produtiva da China

O resultado dessas estratégias de transferência tecnológica e joint ven-


tures forçadas pode ser visto também na indústria chinesa de eletrô-
nicos, hoje com uma estrutura bem diferente do que se vê no México,
por exemplo. As empresas nacionais desempenham um papel signifi-
cativo na China, além do número elevado de joint ventures entre em-
presas estrangeiras e nacionais. A interação das empresas multinacio-
nais com empresas nacionais criou uma genuína história de sucesso
global na China. Os carros e os smartphones chineses estão à prova
em boa parte do mundo já para confirmar isso. Isto também ocorreu
no mercado de eletrodomésticos. Grandes empresas surgiram neste
mercado: Midea, TCL, Gree Electric, Xiaomi, Haier, a estatal Hisen-
se, Galanz, Kelon e mais centenas de outras médias e pequenas empre-
sas. Além disso, as empresas chinesas adquiriram divisões de empresas
europeias e americanas de eletrodomésticos. Hoje, as marcas chinesas
são grandes concorrentes das maiores fabricantes de eletrodomésticos
em todo o mundo. O papel do Estado Chinês foi preponderante para
que as empresas ganhassem o mundo, como afirmam Gilmar Masie-
ro e Diego Bonaldo Coelho no artigo A política industrial chinesa como
determinante de sua estratégia going global, para a Revista de Economia
Política: “Um modelo produzido e articulado pelo Estado, no qual as
empresas receberam tecnologia, as quais foram implementadas e de-
senvolvidas em parceria, propiciando aprendizado rápido, capacitan-
do-as a gerar inovações”. Com isso, o país não se torna apenas a fábri-
ca do mundo (Masiero e Coelho, 2014), mas um player competitivo em
tecnologia, inovação e valor agregado (ver Mescollotto, 2018).
Essa tendência já pode ser verificada em casos tais como: a ex-
pansão da Haier no mercado mundial de eletrodomésticos; a Galanz
com mais da metade do mercado global de micro-ondas; a China Me-
dical como líder mundial no desenvolvimento de ultrassom; a BYD
como segunda maior fabricante do mundo de baterias recarregáveis; a
Vimicro com mais de 60% do mercado internacional de processadores
multimídia. Em 1991, a Haier se tornou a maior companhia de refrige-
radores da China, e a partir de 1995 começou a se expandir com joint
ventures em outros países. Em 1997 entrou no mercado americano, e
em 2005, já havia conquistado 26% do mercado de pequenos refrige-
radores e 50% do mercado de adegas, ocupando boa parte das prate-
leiras de grandes varejistas como a Walmart. Em 2016, a Haier adqui-

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riu a subdivisão de eletrodomésticos da General Electric por US$ 5,4


bilhões. Com a Galanz não foi diferente. Hoje, a empresa produz um
quarto dos micro-ondas no mundo.
No mercado dos smartphones, as empresas chinesas têm in-
vadido o mercado global com seus produtos. Huawei, Honor (sub-
sidiária da Huawei), Xiaomi, OPPO, Vivo, One Plus, Lenovo, ZTE,
Meizu, LeEco, entre outras, são empresas que surgiram no segmen-
to. Algumas delas em pouco tempo de história já se colocam entre as
principais marcas vendidas globalmente. É o caso da Xiaomi, empre-
sa criada em 2010 e que se tornou a queridinha dos chineses, inclu-
sive com um exército de fãs que divulgam e consomem a marca. A
Huawei, que não é tão nova quanto a Xiaomi, é uma das marcas mais
vendidas na Europa, com 23% da participação no comércio de smar-
tphones. As outras marcas chinesas completam, juntamente com a
Huawei, cerca de 32% do mercado europeu, com mais de 42 milhões
de celulares vendidos em 2018.
O que se viu na China dos últimos 30 anos foi o contrário do
ocorrido no Brasil. A China protegeu, nutriu e fortaleceu suas indús-
trias, depois lançou-as para conquistar o mundo. O não respeito à pro-
priedade intelectual, falsificações e dumpings de várias naturezas deram
incrível vantagem à China nessa luta. A política cambial ultra-agressiva
chinesa foi encontrada no Brasil com sobrevalorização de nossa moe-
da graças ao boom de preços das commodities provocado pela própria
China. Podemos até dizer que a China deu dois golpes fatais no Brasil
nos últimos anos. Por um lado, desalojou nossa indústria no mercado
interno e no mercado mundial com preços baratos, câmbio ultracom-
petitivo e escalas de produção sem precedentes. Por outro lado, ao con-
sumir nossa soja e nosso minério de ferro forçou nossa especialização
produtiva neste sentido, ampliando os mecanismos de maldição dos re-
cursos naturais e doença holandesa, fenômenos que explicaremos nas
próximas páginas. Desmontamos nossas indústrias e nos tornamos me-
ros fornecedores de matérias-primas brutas e importadores de bens in-
dustriais da China. Lembrando que em 1980 nossa produção industrial
era maior do que a chinesa e coreana somadas, e que individualmente
exportávamos mais do que cada um desses países.

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138 Paulo Gala e André Roncaglia
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10. O desenvolvimento econômico


depende da ação do estado
e do mercado

A
complexidade econômica se manifesta no grau de
sofisticação produtiva de um país que, por sua vez, reflete o
ritmo de progresso técnico das sociedades. Investimentos em
Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e o número de patentes registradas
são ambas medidas indiretas desses processos. Estudo recente do Ban-
co Mundial mostrou que grande parte da inovação na América Latina
é capitaneada pelo Estado. O trabalho descobriu que nenhum país da
América Latina e do Caribe exibe um nível de patentes que se aproxime
dos países de alta renda. Além disso, a maioria dos países da América
Latina e do Caribe (AL&C) teve menos patentes aprovadas pelo órgão
dos EUA quando comparados a outros países de renda média. O Bra-
sil, por exemplo, registrou apenas cinco patentes por milhão de pessoas
entre 2006 e 2010, metade do número per capita da China (10) e pouco
menos de um quarto do número per capita da Bulgária (22).
Na marcha do desenvolvimento, é preciso correr para se man-
ter no mesmo lugar, já disse o ex-ministro Delfim Netto. Concorrer
no mercado internacional implica se expor ao “estado da arte da tec-
nologia mundial”. É o equivalente a uma versão tecnológica da Copa
do Mundo: só os melhores entram em campo. Manter-se entre os me-
lhores requer investimentos constantes em estratégia, pesquisa e de-
senvolvimento de produtos. Por isso, a conquista de novos mercados
no mundo através do comércio é, sem dúvida, uma manifestação cla-

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ra de “empreendedorismo transformacional”. Implica em se expor a


riscos enormes e a se submeter a uma rigorosa disciplina de mercado.
Com exceção de empresas que se beneficiam da possibilidade de ex-
trair altas rendas de monopólios naturais, apenas aquelas com desem-
penho superior podem prosperar nos mercados de exportação.
O processo de internacionalização das empresas domésticas
envolve expô-las a um acirrado ambiente competitivo, mas com ga-
nhos robustos que podem ser revertidos ao país de origem na forma
de maior produtividade e sofisticação tecnológica. A internacionali-
zação pode dar às empresas acesso a tecnologias e know-how dispo-
níveis em mercados estrangeiros, o que pode impulsionar seu próprio
potencial de inovação. Abrem-se possibilidades de acesso a um gran-
de pool de trabalhadores qualificados, bem como a mercados finan-
ceiros mais desenvolvidos, o que pode remover alguns dos obstáculos
à inovação que enfrentam em casa. Todavia, todo este maravilhoso
potencial parece um sonho distante para a AL&C. As empresas mul-
tinacionais criadas na região, as multilatinas, investem muito pouco
em inovação quando comparadas a outras regiões. As multilatinas do
setor industrial investem, em média, apenas US$ 0,06 para cada US$
1.000 de receita, cerca de 400 vezes menos do que a média dos países
desenvolvidos e cerca de 30 vezes menos do que o EAP4, o grupo de
países do Leste Asiático que investe menos em P&D.

Novo Desenvolvimentismo

Na construção de um notável corpo de pensamento teórico e empíri-


co chamado Novo Desenvolvimentismo, Bresser-Pereira (2018) defende
um conjunto de políticas econômicas nacionais que não sejam autoder-
rotistas que vêm ao encontro do que defendemos nesse livro. Apesar de
muitos atribuírem à “mão invisível” os avanços alcançados com o capi-
talismo, em verdade todos os países que até hoje conseguiram ascender
à condição de “desenvolvidos” contaram não apenas com um mercado
eficiente, mas também com um Estado preocupado com a promoção de
desenvolvimento econômico. Não foi o liberalismo, mas o desenvolvi-
mentismo o modelo dominante de teoria e prática econômica nos paí-
ses de sucesso. Coube ao Estado desenvolvimentista não apenas garan-
tir que suas nações fossem capazes de inovar e terem setores cada vez
mais tecnológicos e competitivos, mas também assegurar um ambien-

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te macroeconômico que não colocasse em risco a competitividade das


melhores empresas nacionais (Zagato, 2019).
Existem problemas de gestão macroeconômica fundamentais
que precisam ser administrados pelo governo. O mais grave de todos,
a crônica sobre apreciação da taxa de câmbio, anula a lucratividade das
exportações de bens complexos em favor de bens ubíquos e pouco so-
fisticados como as commodities e o agronegócio. Ao não neutralizar
os efeitos da apreciação da moeda sobre os setores nacionais alinhados
ao “estado da arte da tecnologia mundial”, o Estado acaba impedindo a
participação das empresas industriais nacionais na categoria de elite do
comércio mundial. O resultado é uma regressão tecnológica da pauta
de exportação, com efeitos danosos sobre a sofisticação produtiva das
empresas nacionais que, sob esta restrição, competem apenas nos cam-
peonatos locais e regionais. Cabe à política macroeconômica, portanto,
remover esta inibição cambial autoimposta, evitando-se assim dificul-
tar ainda mais uma concorrência por si só já muito desafiadora.
Sobrevalorizações cambiais são especialmente nocivas para
processos de desenvolvimento econômico, pois reduzem substancial-
mente a lucratividade da produção e investimento nos setores de bens
comercializáveis manufatureiros. Ao realocar recursos para os setores
não manufatureiros, especialmente para a produção de commodities
e para setores não comercializáveis, as sobrevalorizações cambiais aca-
bam por afetar toda a dinâmica tecnológica da economia. Subvaloriza-
ções, por outro lado, estimulam a produção e investimento nos setores
manufatureiros onde retornos crescentes de escala são preponderan-
tes. Ao definir a rentabilidade da produção de manufaturas através da
relação de preços tradabels e non tradabels, o câmbio real acaba por defi-
nir a viabilidade de setores econômicos importantes para o aumento da
produtividade geral da economia. Sobrevalorizações podem impedir a
transferência de mão de obra dos setores de baixa produtividade para os
de alta produtividade já que o preço dos bens não comercializáveis fica
artificialmente elevado. Um dos canais importantes de progresso técni-
co e aumento de produtividade fica assim bloqueado, impedindo a eco-
nomia de transitar da situação de imaturidade para a maturidade, nos
termos do economista Nicholas Kaldor. Uma moeda competitiva, por
outro lado, pode ser um estímulo adequado para a integração de tra-
balhadores em atividades de alta produtividade e retornos crescentes.
Países pobres e em desenvolvimento com muitos recursos natu-
rais acabam virando vítimas de vantagens comparativas sendo somente

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capazes de exportar recursos naturais e produtos agropecuários para o


mundo. Sofrem do que os economistas chamam de doença holandesa,
um termo criado para descrever os problemas da economia da Holanda
nos anos 1970 resultantes da descoberta do enorme campo de gás e pe-
tróleo de Groningen. A apreciação da moeda holandesa decorrente do
fluxo de divisas do gás e óleo exportados atrapalhou o avanço do setor
manufatureiro holandês, prejudicando a economia como um todo. Bres-
ser-Pereira (2018) nos mostra como esse problema tomou conta do Brasil
e América Latina, a partir dos anos 1980. Toda estrutura tarifária monta-
da para proteger nossa indústria dessa maldição, o excesso de vantagens
comparativas em recursos naturais, foi desfeita. Bresser-Pereira nos ajuda
a entender o fracasso latino-americano e brasileiro com essa perspectiva.
Os mecanismos de neutralização da doença holandesa foram desmonta-
dos. Quando se usam tarifas de importação para neutralizar a doença ho-
landesa em relação ao mercado interno, estas tarifas deverão ser manti-
das enquanto a doença existir; devem ser aumentadas ou diminuídas de
acordo com a variação do preço das commodities. Sem esse auxílio do Es-
tado nossas indústrias sucumbiram, e junto foram nossa sofisticação pro-
dutiva, complexidade econômica e capacidades tecnológicas.

A política econômica cujo nome não pode ser pronunciado

Diante de resultados frustrantes de crescimento econômico de países


mais pobres da América Latina e África, o próprio FMI vem questionan-
do recentemente o sucesso das promessas feitas pelas doutrinas de corte
mais liberal. Ainda mais recentemente, a mesma instituição resolveu ra-
dicalizar de vez e publicou o trabalho intitulado O retorno da política cujo
nome ninguém ousa pronunciar: princípios de política industrial. O FMI re-
colocou sobre a mesa a importância da política industrial, políticas de
estado para ajudar a sofisticação produtiva de países pobres e emergen-
tes. A motivação do trabalho é a seguinte: “A evidência empírica mostra
que são muito baixas as chances de países pobres ou de renda média al-
cançarem elevados níveis de renda dentro de algumas gerações. Entre
1960 e 2014, menos de 10% das economias (16 de 182) atingiram altos ní-
veis renda. Em contraste com os milagres asiáticos, os outros que conse-
guiram chegar lá ou descobriram grandes quantidades de petróleo ou se
beneficiaram da adesão à União Europeia” (Cherif e Hasanov, 2019, p. 2).
A pesquisa conclui que “as prescrições padrão de política de crescimento

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não são suficientes”, de forma que não se pode “ignorar o papel proemi-
nente da política industrial”. A experiência dos países asiáticos que vive-
ram seus “milagres” do desenvolvimento mostra que não apenas “con-
seguiram alcançar o mundo avançado, como o modelo econômico dos
milagres asiáticos resultou em uma desigualdade de renda muito menor
do que na maioria dos países avançados” (Cherif e Hasanov, 2019).
O trabalho propõe três princípios-chave que constituem a “Po-
lítica Industrial Verdadeira”, no original, em inglês, os autores definem
como True Industrial Policy, também descrita como Technology and In-
novation Policy (TIP). A saber: (I) intervenção estatal para corrigir falhas
de mercado que impedem o surgimento de produtores domésticos em
indústrias sofisticadas desde o início, para além da vantagem compara-
tiva inicial; (II) orientação para exportação, em contraste com a típica
“política industrial” falida dos anos 1960-1970, que foi principalmente
industrialização por substituição de importações (ISI); e (III) a busca de
mais concorrência tanto no exterior quanto no mercado doméstico com
rigorosa responsabilidade e com transparência. Além disso, “a importân-
cia do salto tecnológico para as indústrias sofisticadas logo no início e a
ampliação da criação de tecnologia pelas firmas domésticas”, bem como
“políticas que enfatizem inovação e tecnologia em todas as etapas do
processo de desenvolvimento” são determinantes do sucesso na forma
de crescimento sustentado de longo prazo. Por fim, espera-se que, ao
seguirem esta política industrial verdadeira, os países exportadores de
bens primários logrem diversificar e elevar a sofisticação dos seus seto-
res de bens comercializáveis (Cherif e Hasanov, 2019, p. 6).
O Estado é e sempre foi peça central no desenvolvimento tec-
nológico dos países hoje ricos. Exatamente por conta de sua ampla ca-
pacidade de mobilizar recursos via orçamento público, bancos de desen-
volvimento e variadas formas de poupança forçada, o Estado consegue
enfrentar os assombrosos riscos de insucesso envolvidos na pesquisa
básica em inovação tecnológica no estado da arte em cada campo do
saber. Uma vez superada a fase em que os investimentos geram apenas
despesas e nenhum retorno financeiro, as inovações são então apro-
veitadas pelo setor privado que as transforma, por meio de desenvolvi-
mentos acessórios e agregados, em bens ou serviços proprietários co-
mercializáveis na economia. Não é à toa que as histórias em quadrinhos
e o cinema frequentemente retratam cientistas que se tornam vilões,
sob a pressão de prazos de contratos de desenvolvimento tecnológico
com as forças armadas, bem como agências governamentais secretas

Brasil, uma economia que não aprende 143


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(como o MI-6 de James Bond – 007) desenvolvendo tecnologia militar


de ponta que, eventualmente, são adaptadas para as necessidades do
mercado consumidor, como o PC (computador pessoal) ou o iPad, da
Apple (ver Mazzucato, 2014).

O Estado empreendedor

Mariana Mazzucato mostra em seu interessante livro de 2014 o papel


do Estado empreendedor tanto na qualidade de fomento dos estágios
iniciais de empresas como Apple, quanto no financiamento e desenvol-
vimento de tecnologias que depois são apropriadas pela iniciativa pri-
vada com grandes lucros. Algumas das tecnologias usadas no novo Bo-
eing 787 foram testadas e desenvolvidas pela NASA. Em um processo
recente na Organização Mundial do Comércio sobre subsídios na avia-
ção, a Airbus chamou o novo Boeing 787 Dreamliner de “subsidyliner”:
o avião que mais recebeu subsídios do governo na história da aeronáu-
tica: US$ 5 bilhões do tesouro americano em subsídios diretos e indi-
retos segundo o processo.  Na Europa, o aprendizado com o Concor-
de e os enormes gastos públicos feitos nessa área pelo governo francês
e do Reino Unido foram importantes para o futuro desenvolvimento
dos aviões da Airbus; os sistemas de fly-by-wire, piloto automático para
voo, pouso e decolagem, hidráulica de alta pressão, freios de carbono, e
outras técnicas avançadas para manufaturas ligadas à aviação vêm desse
projeto. No filme Ford vs Ferrari (direção de James Mangold, 2019), es-
trelado por Matt Damon e Cristian Bale, vemos os inúmeros incêndios
causados em carros de corrida nos anos 1960 por conta do superaqueci-
mento do sistema de freios anteriores ao uso do carbono.
Certa vez um engenheiro da empresa americana Raytheon, a
gigante privada que desenvolve as demandas militares do Pentágono,
deixou um saco de milho para pipoca na frente de um radar de magné-
tron; a pipoca começou a estourar! Em 1947 a Raytheon vendeu seu pri-
meiro forno de micro-ondas para um restaurante e depois o primeiro
para uso caseiro, mas perdeu completamente a corrida para os asiáticos.
Algo parecido aconteceu com o avião 707, grande hit da Boeing, que
nasceu como subproduto de um avião militar para reabastecimento de
caças encomendados pelo governo americano à Boeing. Ou ainda a gi-
gante Westinghouse que nasceu como grande fornecedora do governo
no campo de energia nuclear e elétrica. Assim foi também com a indús-

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tria de semicondutores, de computadores e nuclear. Papinha de bebê,


solado dos tênis Nike Air, óculos Ray-Ban, bolas de golf, aspirador de pó
são todos produtos privados que se beneficiaram de inovações tecnoló-
gicas que vieram do dinheiro público da NASA, especialmente ligados
ao projeto Apollo para colocar o homem na Lua.
Um ótimo exemplo aqui é a empresa Apple e seus produtos.
O iPhone, por exemplo, funciona a partir de internet e GPS, duas tec-
nologias essenciais desenvolvidas a partir de investimentos públicos e
militares nos EUA e depois aproveitadas com maestria por Steve Jobs
com design e integração de software e hardware. Até mesmo o primei-
ro iPod só foi possível por conta de avanços de tecnologias fomentadas
e financiadas por investimentos públicos na Europa e nos EUA, que de-
pois acabaram resultando nos hard drives magnéticos de tamanho ínfi-
mo com capacidade de armazenagem absurda. A agência estatal de pes-
quisa americana, Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA),
teve participação direta ou indireta na pesquisa dos seguintes compo-
nentes hoje essenciais para a existência do iPhone: memórias DRAM,
microprocessadores, micro hardrives, a Siri e comandos de voz. Ou seja,
como mostra Mazzucato, o estado empreendedor tem papel fundamen-
tal no desenvolvimento tecnológico. Como aliás sempre foi o caso desde
a marinha bélica e mercante holandesa, por exemplo, e as inúmeras ino-
vações tecnológicas feitas na cidade de Delft dos 1600 e arredores.
Smith, Lipsitch e Almond (2011) nos mostram que a produção
de vacinas oferece barreiras naturais aos países pela variabilidade cul-
tural e genética das populações mundo afora e pelo fato de lidar com
micro-organismos biológicos de elevada complexidade e de difícil pa-
tenteamento. Há, no entanto, um fator adicional que inibe a produção
com variedade, qualidade e quantidade suficientes destas. Para produ-
zir uma vacina é preciso muita pesquisa básica acumulada em universi-
dades e institutos de pesquisa, uma estrutura muito cara de se manter,
mas que é decisiva para o sucesso no setor. A ciência formal permitiu
nas últimas décadas avanços expressivos nas áreas de imunologia e mi-
crobiologia, o que ampliou nossa compreensão sobre a formação das
doenças trazendo ao alcance da humanidade tratamentos para uma sé-
rie de enfermidades anteriormente intratáveis. No caso da produção de
vacinas contra o recente surto de gripe causada pelo novo coronavírus,
a política industrial foi novamente utilizada para lidar com uma ques-
tão estratégica para a saúde pública dos EUA. As vacinas são produzidas
por multinacionais sediadas em outros países, logo, fora da jurisdição

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do Estado americano. Para contornar este problema de alinhamento


entre incentivos privados e interesse público, o Departamento de Saú-
de e Serviços Humanos dos EUA emitiu, em pouco tempo, um novo
contrato de US$ 226 milhões para aumentar a capacidade doméstica de
produção de vacinas contra a gripe. Essa decisão decorreu de uma or-
dem executiva de setembro de 2019 para “incrementar a segurança na-
cional, aprimorando as capacidades de vacinas dos EUA” (Cowen, 2020).
Por estes motivos, o sucesso da política industrial em promover
o binômio inovação-competitividade dependerá de uma adequada ar-
ticulação entre Estado, mercado e sociedade civil. A combinação entre
sinais de mercado e a mão visível do Estado pode direcionar trabalho e
capital a atividades que o mercado não necessariamente empreenderia
(Cherif, Hasanov e Kammer, 2016). Na ausência desta ação coordenada,
os recursos e as habilidades humanas (inatas ou adquiridas) podem ser
mal utilizados ou mesmo não encontrar emprego adequado, reduzindo,
portanto, o que a teoria econômica convencionou chamar, com Mincer
(1958), de retornos ao investimento em capital humano.

Israel, Cingapura e Irlanda

A história bem-sucedida do setor de TI de Israel é também um belo exem-


plo de sucesso de ação combinada entre Estado e mercado. Durante as
décadas de 1950 e 1960, o Estado israelense adotou planejamento de lon-
go prazo e políticas industriais tradicionais, em geral protecionistas, para
fomentar setores e indústrias específicos, como os de têxteis e defesa. Na
época, o desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia não era uma
meta e as políticas de Ciência e Tecnologia (C&T) decorreram principal-
mente de esforços de instituições públicas de pesquisa, enquanto as ativi-
dades de pesquisa e desenvolvimento dos setores civis privados eram pra-
ticamente inexistentes (Breznitz, 2007). No entanto, como as demandas
altamente tecnológicas da defesa do país aumentaram, o desenvolvimen-
to do setor de TI contou com a externalidade positiva do incentivo gover-
namental. O setor privado começou a representar um papel importante
depois da criação da agência pública Office of the Chief Scientist (OCS),
do Ministério da Indústria e do Comércio, lançada em 1968.
Desde o princípio, as políticas industriais promovidas pela OCS
focavam quase que exclusivamente no desenvolvimento de capacitação
para a criação de novos produtos baseados em P&D. As políticas estatais

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de P&D em Israel passaram a progressivamente considerar as empresas


do setor privado como principais agentes de P&D e o Estado como for-
necedor de capital para essas atividades. A partir dessa visão, o papel da
agência passou a ser disseminar know-how de universidades e do setor
de defesa para setores industriais civis, de modo a promover o desenvol-
vimento de capacidade tecnológicas no mercado privado. Além disso,
cabia à OCS coordenar negociações entre representantes de P&D priva-
da e pública. Com isso, em menos de vinte anos, Israel despontou como
protagonista na produção mundial de TI, tendo empresas locais como
pioneiras em muitos nichos de hardware e software: protocolo de voz
sobre internet (VoIP), encriptação, inspeção de circuitos, proteção e an-
tivírus, impressão digital e firewalls (Breznitz, 2007).
Na Irlanda, a implantação de políticas industriais promoveu a
diversificação da economia por meio de exportações ainda nos 1980.
O governo irlandês decidiu desenvolver e adotar uma política indus-
trial focada na atração de investidores estrangeiros dos setores mais
dinâmicos da economia mundial na época, como computação, quími-
ca e petroquímica. A estratégia foi implantada pela Autoridade de De-
senvolvimento Industrial, a Industrial Development Authority (IDA).
A IDA foi eficiente, atraindo diversas grandes empresas, como Intel,
IBM, Motorola e Microsoft (Godoi, 2007). Em poucas décadas, a eco-
nomia irlandesa passou de predominantemente agrícola e de manu-
faturas tradicionais para uma economia baseada na produção de alta
tecnologia e na oferta de serviços internacionais sofisticados. Com
isso, o país se tornou um dos maiores exportadores de software do
mundo, e é altamente competitivo em setores como o de produtos
químicos e de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), que
representaram 35% das exportações nacionais em 2014, apesar de ser
hoje ainda quase totalmente dependente de multinacionais.
Cingapura é mais um belo exemplo dessa interação virtuosa. O
processo de catching-up do país pode ser considerado como trabalho in-
tensivo na década de 1960, voltado para exportações na década de 1970,
competitivo em custos na década de 1980, e voltado para o desenvolvi-
mento empreendedor na década de 1990, período no qual o país mais
avançou na construção de complexidade econômica. A primeira fase de
industrialização foi, como costuma ocorrer em países em desenvolvi-
mento, baseada no uso da mão de obra barata como meio pragmático
de solução dos graves problemas de desemprego que afetavam o país. A
isso se seguiu a adoção de uma estratégia comum entre países asiáticos

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à época de implantar um modelo de industrialização voltado para ex-


portações. Para atrair mais empresas multinacionais (EMNs), a ilha ex-
plorou sua localização comercial estratégica, investiu em infraestrutura
física e em uma força de trabalho cada vez mais qualificada. Ao contrá-
rio da maioria dos países da região, como a Coreia do Sul, o país deixou
de lado o desenvolvimento de empresas nacionais nas fases iniciais e
não criou empresas locais, o que teria consequências profundas em ter-
mos do desenvolvimento de tecnologia nativa.
Na década de 1980, a industrialização estava estabelecida em
setores avançados, com manufatura de componentes eletrônicos, enge-
nharia e construção civil, logística e finanças com multinacionais. De-
pois que Cingapura começou a se desenvolver economicamente, sua
vantagem competitiva em custos diminuiu em termos comparativos e
países como China, Indonésia e Tailândia começaram a oferecer cus-
tos operacionais mais atraentes. Por isso o país precisou novamente al-
terar sua estratégia de desenvolvimento na década de 1990, e passou a
focar em empreendimentos locais. Para isso, o governo introduziu po-
líticas industriais para maximizar o potencial de crescimento econômi-
co. Investiu em pesquisa pública e incentivou o empreendedorismo das
empresas do setor privado na conquista de vantagens competitivas de
nicho na economia global, dominada por agentes maiores e oligopolis-
tas (Goh, 2006). Além disso, foram lançados diversos planos nacionais,
como o SME Master Plan, de 1998, e o Technopreneurship 21, de 1999
(Yue, 2005). Esse esforço de promoção de P&D nativo ainda está em
curso e é crucial para compreender o atual êxito econômico dos países.
Cingapura representa mais um belo caso do modelo de sucesso asiático:
Estado e mercado para conquistar o mundo.

Os campeões internacionais da China

O projeto Made in China 2025 também dá um belo exemplo de como as


coisas funcionam na Ásia do Leste. O governo chinês elegeu 10 setores
como prioritários para investimentos públicos e esforços de desenvol-
vimento local: I) equipamento marítimo e embarcações de alta tecno-
logia; II) ferrovias e equipamento avançado; III) maquinaria e tecnolo-
gia agrícola; IV) equipamentos aeronáuticos e aeroespaciais; V) produtos
biofarmacêuticos e equipamentos médicos de ponta; VI) circuitos inte-
grados e novas tecnologias de informação; VII) tecnologia e equipamen-

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tos de geração de energia elétrica; VIII) robótica; IX) veículos de baixa


poluição e novas energias; e X) materiais novos e avançados. O progra-
ma representa um incentivo à inovação autóctone, especialmente em
setores-chave. A execução da iniciativa Made in China 2025 está sen-
do liderada pelo Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação,
com foco na promoção do uso de produção integrada e digital, especial-
mente em tecnologia de manufatura inteligente. O lançamento do pro-
grama é um resposta do governo à perda potencial de competitividade
da indústria chinesa, dado que o país enfrenta concorrência crescente
tanto de países em desenvolvimento, com custos de mão de obra igual-
mente competitivos, como de países desenvolvidos, que se beneficiam
de ganhos de eficiência baseados em tecnologias inovadoras. 
Em equipamentos médicos a China também avança com rapidez.
Um hospital em Xangai usou recentemente tecnologia 5G para transmitir
ao vivo uma cirurgia feita com avançado sistema robótico que facilita in-
tervenções complexas ao usar método minimamente invasivo. No caso,
foi realizada uma cirurgia em paciente com diagnóstico de câncer de in-
testino, em Ningbo, na província de Zhejiang. A área da saúde é uma das
mais importantes para qualquer país. Por isso os chineses estão investin-
do pesadamente em inovação, novas patentes, produtos com qualidade,
e já são exportadores na área de equipamentos hospitalares e médicos,
sendo o Brasil um dos principais importadores. Produtos que requerem
maiores pesquisas e tecnologia e mais sofisticados têm sido o caminho
escolhido pelo governo chinês para escapar da dependência tecnológica,
inovar e competir globalmente na área da saúde. Neste setor, o país tam-
bém foi capaz de realizar o catching-up, passou a produzir equipamentos
médicos nacionais com qualidade, alto valor agregado e mesmo nível de
tecnologia dominada por países ricos (Mescollotto, 2018).
Algumas empresas chinesas têm se destacado na produção des-
ses equipamentos que envolvem a simbiose indústria e universidade.
Na província de Shandong, no litoral leste da China, surgiu a empresa
Biobase que, em conjunto com a Acadêmia de Ciências de Shandong,
foca na produção de equipamentos médicos e dispositivos experimen-
tais. Seus produtos já são vendidos para mais de 190 países. A empresa
colabora com cientistas na criação de máquinas para o desenvolvimen-
to de células-tronco. Além disso, possui 186 patentes com certificações
na Europa e EUA. As gigantes China Medical, a Alibaba com a sua fin-
tech Ant Financial e a Tencent com a WeDoctor (chamada de “Ama-
zon da Saúde” na China) também entraram neste mercado de trilhões

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de dólares. A Alibaba lançou um software de Inteligência Artificial (IA)


que pode ajudar a interpretar uma tomografia computadorizada em la-
boratórios médicos para ajudar nos diagnósticos dos pacientes. A Ten-
cent lançou, na região sudoeste de Guangxi o Miying, um programa de
imagens médicas que ajuda a detectar sinais precoces de câncer. Este
programa já é usado em cerca de 100 hospitais em toda a China. Além
destas gigantes, centenas de startups de saúde surgem como desenvol-
vedoras de IA para melhorar a eficiência do sistema de saúde da China.
A campeã nacional chinesa, Huawei, é o outro exemplo de su-
cesso. Fundada em 1987 por Ren Zhengfei (ex-membro do exército chi-
nês, o PLA), a multinacional tem sede em Guangdong e se destaca hoje
como a segunda maior produtora mundial de smartphones, superan-
do a Apple e perdendo apenas para a Samsumg. A Huawei se tornou a
maior empresa de equipamentos de telecom do mundo. Especialistas
a consideram a empresa mais avançada no desenvolvimento da tec-
nologia 5G, crítica para um futuro baseado em Inteligência Artificial
e Internet das Coisas (IoT). Os contratos militares com o governo chi-
nês foram desde o início combustível importante para a sua expansão.
Um dos empréstimos recebidos do banco estatal China Development
foi da ordem de US$ 30 bilhões. O foco inicial da empresa foi a fabri-
cação e o desenvolvimento de switches e roteadores de telecom para
atender as necessidades do exército chinês desde os anos 1990, e os
aportes do governo para a companhia foram o pilar para o seu desen-
volvimento. Teve inúmeras proteções contra empresas estrangeiras no
início e uma série de benesses do governo chinês. Em 10 anos, foram
pelo menos US$ 1,6 bilhões de subvenções reconhecidas nos balanços
da empresa. Ainda, engenheiros seus receberam centenas de milhares
de dólares e enormes terrenos foram concedidos por apenas 1/10 do
valor de mercado pelo governo de Shenzhen. Acusada de proximidade
com o governo chinês, a empresa, cujas ações seriam controladas pe-
los empregados, afirma ter total autonomia. Contudo, 99% das ações
são controladas pelo Comitê do Sindicato e estes são todos submetidos
à supervisão do Partido Comunista Chinês (PCC). Financiamentos de
dezenas de bilhões de dólares foram fornecidos por bancos chineses a
estrangeiros que contratassem bens e serviços da empresa.
Aproveitando a vanguarda do sucesso, a Huawei quer ser tam-
bém a pioneira no 6G e já estipula que em 2030 a tecnologia terá plena
aplicação real. O 6G permitirá mirar em uma velocidade de conexão de
1 terabyte por segundo, operando no espectro de frequência de 1 THz

150 Paulo Gala e André Roncaglia


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(terahertz). Uma empresa estatal chinesa, a China Mobile, disponibili-


zou cerca de 10 mil pessoas para o desenvolvimento da tecnologia, com
um gasto anual em ciência que passa dos 20 bilhões de yuans. Outros
países também já estão investindo muito em pesquisas para desenvol-
ver o 6G. As sul-coreanas Samsung e LG trabalham juntas do instituto
estatal KAIST (Instituto Avançado de Ciência e Tecnologia da Coreia)
para não ficar para trás na corrida. Equivalente à ANATEL dos EUA, a
agência estatal FCC (Comissão Federal de Comunicações) já abriu as
frequências entre 95 GHz e 3 THz para fins experimentais, dando um
passo importante na corrida pelo pioneirismo do 6G. Mais uma vez, o
Estado na frente das inovações e nas pesquisas de longo prazo.
Na produção de aviões a China avança também. A empresa ae-
roespacial estatal chinesa COMAC, fundada em 2008, já começa a pre-
ocupar a centenária estadunidense Boeing e a vanguardista europeia
Airbus. Ela é formada por um consórcio de empresas mas controlada
pelo governo chinês. Contou com a ajuda de 19 grandes fornecedores
de componentes europeus e americanos, como a General Electric que
fornecerá as turbinas, para construir um avião comercial na tentativa
de reduzir a dependência por aeronaves da Boeing e Airbus. A grande
concentração de venda dessas empresas são os grandes jatos, principal-
mente os de até 200 lugares. A família 737 da Boeing é a mais vendida
da empresa, com mais de 10 mil aeronaves entregues em média por ano.
Na Airbus, a família mais vendida é a A320, que em 2019 completou 9
mil aeronaves entregues. Um mercado gigante que os chineses querem
adentrar com a COMAC, lançando o avião C919.
O novo jato chinês virá com preço bem mais barato do que os
concorrentes. Cada unidade do C919 custará em torno de US$ 50 mi-
lhões, enquanto a família Airbus A320 tem o preço de US$ 100 milhões
e a família 737 da Boeing tem o preço unitário de US$ 120 milhões. O
C919 é baseado nos rígidos requisitos de segurança e operação oci-
dentais. Os aviões deverão passar por aproximadamente 700 testes,
em solo e em voo, acumulando mais de 4.000 horas no ar. O avião,
que tem expectativa para ser entregue em 2021, já conta com 970 en-
comendas, a maioria feita por empresas chinesas, num dos maiores
mercados consumidores de grandes jatos do planeta. As autoridades
chinesas afirmam que o foco do C919 será o mercado doméstico chi-
nês. Se a COMAC obtiver pelo menos um terço do mercado domésti-
co chinês, deverá garantir mais 3.000 encomendas nos próximos anos.
Caso a China opte por mercados de países subdesenvolvidos, a CO-

Brasil, uma economia que não aprende 151


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MAC também apresenta crédito mais flexível concedido por Pequim a


países sem acesso aos bancos europeus e estadunidenses.
A empresa foi fundada em 2008, na cidade de Xangai, pelo ór-
gão governamental Comissão de Supervisão e Administração de Ati-
vos do Conselho de Estado (SASAC). Com investimento inicial de US$
2,7 bilhões do governo chinês, o governo central é o principal acionis-
ta, juntamente com o governo de Xangai. O ambicioso projeto pessoal
de Xi Jinping quer enfrentar o duopólio da aviação mundial: Airbus e
Boeing. A COMAC quer agora se aproveitar dos problemas ocorridos
com a Boeing em seu avião 737 Max, visto que muitas companhias aé-
reas estão preocupadas com os acidentes ocorridos com a aeronave da
empresa norte-americana. O primeiro voo de sucesso do C919 ocor-
reu em 2017. As autoridades chinesas estão buscando acordo para ae-
ronavegabilidade do C919 com a Europa e EUA, e assim a COMAC po-
derá vender seu avião fora da China. O governo chinês quer aproveitar
a Rota da Seda (One Belt One Road) e colocar o avião para sobrevoar
o Sudeste Asiático e a África. O mercado chinês precisará de mais de
10 mil aeronaves novas até 2038 para apoiar o rápido crescimento do
tráfego aéreo doméstico. A China já é o terceiro país em uso de aero-
naves, atrás apenas dos EUA e da União Europeia. O C919 é um dos
expoentes do plano governamental Made in China 2025.
A ideia da China como indústria da cópia barata e da mão de
obra “escrava” está obviamente bem longe da realidade. O país já dis-
puta a liderança mundial na produção de tecnologias da informação e
comunicação (Huawei, Xiaomi e ZTE), trens de alta velocidade (China
South Locomotive, Rolling Stock), energias renováveis (Trina Solar e
Yingli Green Energy), energia solar e eólica (Goldwind, United Power
e MingYang) e supercomputadores (Sunway Systems), escavadeiras e
máquinas de construção pesada (Sany, XCMG) e uma infinidade de
produtos manufaturados high tech. A formação desses grandes con-
glomerados acompanhou o surgimento de empresas em segmentos
não tradicionais, como a Baidu (Google chinesa), a Tencent (que fez
o WeChat, WhatsApp chinês), a Alibaba (Amazon chinesa) e a Didi (a
Uber chinesa). Terá a China dado o salto final rumo a sofisticação pro-
dutiva e enriquecimento?
A China praticou uma política cambial com moeda ultracom-
petitiva, não respeitou patentes e forçou transferência tecnológica de
empresas do ocidente para suas próprias como condição para acesso a
seu mercado e mão de obra barata. Fez isso durante 30 anos e deu cer-

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to. EUA, Japão e Alemanha finalmente perceberam o truque e come-


çaram a tentar proteger suas empresas agora com tarifas, fundos esta-
tais de proteção e proibição de controle estrangeiro em setores-chave.
Foi o mesmo truque que Alemanha, Japão e EUA usaram para derrubar
a Inglaterra no século XIX; que também deu certo, só que se esquece-
ram disso. A Inglaterra, por sua vez, fez a mesma coisa para derrubar os
holandeses dos anos 1600. Quando um país fica rico, a defesa do “livre
mercado” passa a ser a posição natural para evitar a subida dos mais fra-
cos. Os ricos chutam a escada para defender seu domínio do core tecno-
lógico mundial. A China não respeitou essas “instituições do ocidente”.

Brasil, uma economia que não aprende 153


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11. Economias complexas


são menos desiguais

S
e é difícil subir a escada do desenvolvimento para alcançar o
enriquecimento é igualmente desafiadora a tarefa de manter a so-
fisticação e complexidade das estruturas produtivas em face de
grandes mudanças na estrutura global de produção. Recentemente o
historiador do MIT, Peter Temin, mostrou em seu livro The vanishing of
the middle class (O desaparecimento da classe média) que os EUA vêm
passando por um longo processo regressivo em sua estrutura produti-
va com claros e nefastos efeitos concentradores da renda e da riqueza.
Haveria um setor de Finanças, Tecnologia e Eletrônica (FTE) respon-
sável por concentrar grande parte dos rendimentos totais do país, dei-
xando uma parcela muito pequena do produto nacional para um vas-
to contingente de trabalhadores não qualificados alocados em setores
de baixa densidade tecnológica. Para Lance Taylor, da New School for
Social Research, em trabalho recente com a economista Özlem Ömer,
esta dualidade resulta de um retorno da economia norte-americana a
uma estrutura econômica muito desigual, em face de mudanças insti-
tucionais e tecnológicas profundas e da expansão chinesa. A China con-
seguiu deslocar para si grande parte dos empregos industriais de mé-
dia complexidade dos EUA. A pesquisa mostra que a combinação dos
efeitos das mudanças na produção e na produtividade fez que os “seto-
res estagnados” (de baixa produtividade) absorvessem a maior parte da
criação de empregos. A “aniquilação de empregos” se concentrou em se-
tores como tecnologia da informação, atacado, varejo, agricultura e ma-

Brasil, uma economia que não aprende 155


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nufatura. A robotização, fruto do processo de automação que ocorre há


mais de dois séculos, também teria contribuído para um crescimento
mais lento do emprego, principalmente ao bloquear o acesso de jovens
ingressantes na força de trabalho industrial (Taylor e Ömer, 2019). Este
desemprego industrial contribuiu com a compressão salarial de toda a
economia e com a deterioração de numerosos centros urbanos depen-
dentes da produção industrial, como Detroit e Flint, no estado de Mi-
chigan. A desigualdade econômica que daí resultou fez florescerem os
recortes raciais e étnicos da polarização social e política que estaria por
trás da eleição de Donald Trump. Daí decorre sua plataforma eleitoral
de reconstrução da indústria americana que busca a volta dos bons em-
pregos para o país. “Make America Great again”!
O filme American factory que ganhou o Oscar de melhor docu-
mentário de 2020 foi feito pela produtora de Barack Obama e sua mu-
lher Michelle. Conta a história de uma fábrica em Dayton, Ohio, que
foi comprada por chineses para instalar uma planta de produção de vi-
dros para a indústria automotiva. No filme os chineses são “capitalistas
vorazes” e os americanos “quase comunistas”. Com investimentos de
US$ 500 milhões, os chineses da empresa Fuyao compram as antigas
instalações da GM que empregava 10.000 pessoas no local para fazer
carros e SUVs e que havia sido fechada em 2008. O filme gira em torno
do choque de cultura entre 200 funcionários chineses e 1.300 ameri-
canos. O drama maior do filme está na tentativa de sindicalização dos
trabalhadores americanos para se protegerem da “exploração” chinesa.
O alto comando chinês começa contratando gerentes e diretores ame-
ricanos, mas a estratégia não funciona. Em um segundo momento, o
presidente mundial da companhia coloca um chinês para gerir a Fuyan
América. O filme tem inúmeras nuances, vale muito assistir. No final
da história, os próprios americanos votam contra a possiblidade de sin-
dicalização por medo de perderem o emprego. Na China, o sindicato é
praticamente sócio da empresa, que tem membros do partido comu-
nista em seu comando. O cunhado do presidente da Fuyao diz que sem
ajuda do governo central nada daquilo teria acontecido.
Várias questões perpassam o enredo do documentário. Como
bem observa Obama comentando o filme, não há linha editorial. Dele
emerge uma realidade incrível, honesta e contraditória. O desempre-
go causado pela automação, a invasão dos chineses e asiáticos. Talvez
o mais interessante do filme seja observar uma das voltas da “globaliza-
ção”. Na antiga fábrica da GM, o salário-hora era de US$ 29,00 para en-

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trantes, além de todos benefícios de plano de saúde e regras sindicais. A


GM não aguentou o tranco da concorrência dos carros asiáticos (Hyun-
dai, Toyota) e quase quebrou em 2008. Foi socorrida por Obama, que
depois produziu o filme para mostrar um pouco deste mundo. Uma em-
presa chinesa que produz vidros para carros se instalou no mesmo lu-
gar e paga salários de US$ 14,00 a hora para americanos. A empresa high
tech GM que pagava ótimos salários quase quebrou. A empresa low tech
chinesa avançou e entrou inclusive nos EUA para se aproveitar da mão
de obra barata em próprio solo americano. A destruição da classe média
americana aparece de forma clara no filme. A ascensão de uma classe
média chinesa é o reverso da medalha. Os salários nos EUA nunca mais
subiram na mesma proporção da produtividade; na Ásia não param de
subir. Muitas empresas americanas sucumbem, as asiáticas avançam. O
American Dream vira “nightmare” e desperta o sonho dos chineses.

Gini, complexidade e desigualdade

Para entender melhor o fenômeno da desigualdade, precisamos de al-


guns conceitos. Em primeiro lugar é preciso diferenciar entre nível de
renda per capita, que é uma média do que todos os cidadãos ganham,
e o nível de desigualdade, o qual reflete o grau de concentração da
renda. Vejamos alguns exemplos: a Noruega e os Emirados Árabes ofe-
recem ao seu cidadão médio uma renda per capita próxima dos US$
70.000 por ano. No entanto, quando olhamos o grau de concentração
desta renda observamos que a Noruega é um país menos desigual, isto
é, uma parcela expressiva da população vive com renda próxima à mé-
dia nacional. Quando olhamos para os Emirados Árabes, a concentra-
ção de renda é bem mais elevada, o que sinaliza que uma pequena par-
cela (mais rica) da população consegue atrair grande parte da renda
nacional para si, obtendo um nível de renda muito superior à média
nacional. A Noruega é um país rico e igualitário, enquanto os Emira-
dos Árabes são também ricos, muito embora produzam disparidades
enormes entre os rendimentos dos seus cidadãos.
No início do século XX um estatístico italiano chamado Cor-
rado Gini desenvolveu um método simples para avaliar a concentração
de renda em um país. Partiu da referência abstrata do que seria uma so-
ciedade perfeitamente igualitária: como todos ganham exatamente o
mesmo valor nesta sociedade idealizada, se dividíssemos a população

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desta sociedade em dez grupos de igual tamanho (os chamados decis,


pois representam 10% da população), cada grupo deveria obter o equi-
valente a 10% da renda nacional. Reduzindo a escala, podemos dividir a
população em 100 grupos de pessoas, gerando os percentis populacio-
nais. Cada 1% da população deveria obter 1% da renda nacional. Gini
então definiu um índice mostrando que, nesta situação, a concentração
de renda seria nula (seu índica marcaria zero), pois todos os cidadãos
receberiam rigorosamente a renda média nacional. Alternativamente,
Gini imaginou uma sociedade em que uma única pessoa detivesse toda
a renda nacional. Neste caso, seu índice registraria o valor de 1. A vida
real encontra-se entre estes extremos da igualdade plena e da concen-
tração total da renda. Vejamos como funciona.
Ordene a população de um país de acordo com a renda anual
obtida por cada cidadão ou família, indo do mais pobre para o mais rico.
Em seguida, divida esta população em 10 categorias com mesmo número
de pessoas. O que notaremos é que os 10% mais pobres não conseguem
obter 10% da renda. O segundo decil mais pobre (porém mais “rico” que
o primeiro) também não consegue atingir os 10% da renda nacional e, se
somado ao primeiro decil, também não consegue atingir os 20% da ren-
da nacional. O padrão normalmente se repete até o nono decil; ou seja,
90% da população não consegue obter 90% da renda nacional. O decil
mais rico é formado pelos 10% no topo da distribuição de renda. Quan-
to maior for a distância entre estas duas medidas (real e ideal), maior é
a concentração de renda e mais próximo do 1 estará o índice. No nosso
exemplo acima, os Emirados Árabes eram muito mais desiguais (Gini de
0,4) em 2018 do que a Noruega (Gini de 0,27). Não se surpreenda o leitor
ao descobrir que a Noruega tem uma economia mais complexa. Metade
do que os Emirados Árabes exportam para o mundo é formado por pro-
dutos primários, como petróleo e outros bens com baixo conteúdo tec-
nológico, enquanto a Noruega exporta, além de petróleo e gás natural,
manufaturas e máquinas complexas, serviços sofisticados de tecnologia
da informação e comunicação e de transportes.
Em um instigante trabalho que conecta complexidade, institui-
ções e desigualdade, Dominik Hartmann e Cesar Hidalgo (Hartmann et
al., 2017) se uniram a outros pesquisadores para demonstrar de maneira
robusta que países mais complexos e sofisticados apresentam níveis de
desigualdade menores. Os autores constroem uma criativa metodolo-
gia que combina o índice Gini que mede desigualdade entre países e os
índices de complexidade (ECI) do tecido produtivo. Chegam a resulta-

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dos impressionantes em termos de correlações entre o que se produz e


quão desigual, internamente, é um país. Todos os países produtores de
cobre no mundo, por exemplo, são mais desiguais do que todos os paí-
ses produtores de máquinas e peças de maquinário. A comparação que
os autores fazem entre Chile e Malásia é bem ilustrativa. Chile tinha
renda per capita PPP (PIB per capita) de US$ 21.044 e escolaridade mé-
dia de 9,8 anos, com Gini de 0,49 e posição 72 no ranking de comple-
xidade produtiva em 2012. Malásia com praticamente a mesma renda
per capita de US$ 22.314 PPP, 9,5 anos de escolaridade média, tinha um
índice Gini de 0,39 e posição de 24 no ranking de complexidade eco-
nômica, patamar bem melhor do que o chileno. O trabalho desses au-
tores mostra que países especializados em produção de commodities
são mais desiguais, como o Chile. Países apenas agrícolas e mineradores
têm os maiores índices Gini do mundo. São países que têm uma estru-
tura produtiva de baixa sofisticação que não estimula acúmulo de capi-
tal humano, inovação e complexidade produtiva.
Finlândia, Noruega, Áustria, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Suí-
ça e Japão estão entre os menos desiguais do mundo com Gini em torno
de 0,30. São também os países mais complexos e sofisticados do mundo
com indicadores ECI acima de 1,0. A complexidade econômica é a me-
diação, o meio pelo qual o capital humano é incorporado ao processo
produtivo. Este passo lógico essencial – que falta à análise econômica
convencional – nos permite entender os efeitos das diferentes estrutu-
ras produtivas sobre a atividade humana e seu bem-estar. Posto de for-
ma muito simples, países em que a maioria da população trabalha em
atividades high tech e serviços sofisticados terão uma qualidade de vida
melhor do que países cuja população carrega sacos de cimento nas cos-
tas ou passa seus dias sob o sol escaldante na lavoura. Vale repetir: não se
trata de desmerecer estes ofícios e profissões; ao contrário, na ausência
da complexidade, estas trabalhadoras e trabalhadores são heroicos guer-
reiros que fazem muito esforço, descansam pouco e, infelizmente, mor-
rem cedo. A sofisticação produtiva, por outro lado, reduz a desigualda-
de. Afinal, como vimos, uma maior coleção de produtos sofisticados ou
complexos na pauta de exportação de um país gera maior “transborda-
mento” salarial para outros setores e empregos. É verdade que as trans-
ferências de renda via aumentos de salário mínimo e programas sociais
como Bolsa Família, por exemplo, ajudam a promover mais igualdade de
oportunidade nos países. Porém, sem avanços na sofisticação produtiva
não haverá redução de desigualdade de forma sustentável.

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O aumento da sofisticação produtiva permite um desenvolvi-


mento mais inclusivo da economia, contribuindo para criação de cir-
cuitos virtuosos que se retroalimentam para formar uma rede produtiva
mais sustentável. Uma vez que os ganhos de produtividade sejam dis-
tribuídos entre os elementos da rede, cria-se o ambiente propício para
o desenvolvimento comum onde as inovações e ganhos de eficiência, o
desenvolvimento cultural, social e tecnológico promovem os ganhos de
produtividade. Hartmann et al. (2016) mostram que o enorme avanço
em termos de redução de desigualdades da Ásia dinâmica, por exemplo,
está relacionado ao aumento da sofisticação produtiva e complexidade
econômica dos últimos 30 anos. A manutenção da desigualdade da Amé-
rica Latina se deve a uma estrutura produtiva ainda “arcaica”, baseada
em commodities, de baixa complexidade e que agora regride. O Chile,
por exemplo, apesar de ter elevada renda per capita, continua ainda com
uma estrutura produtiva de baixa sofisticação que não estimula acúmu-
lo de capital humano, inovação e complexidade produtiva.
O Chile tem 18 milhões de habitantes e um território 11 vezes
menor que o do Brasil. Exporta, em valor, cerca de US$ 70 bilhões todos
os anos. Em termos de América Latina, um país com quase US$ 25 mil de
PIB per capita, como é o Chile, está em uma situação confortável. Porém
o país é ainda extremamente dependente da exportação de minérios. Só
em 2017, as exportações minerais responderam por quase 60% do to-
tal das exportações. A maior exportadora de minérios do país é ainda a
estatal CODELCO. Um exemplo dessa dependência: de 2017 para 2018
houve um aumento internacional do preço do cobre que foi suficiente
para fazer o país mais que duplicar sua taxa de crescimento de um ano
para o outro, saindo de 1,7% para 3,5%. O Chile é um país rico em relação
a América Latina, porque tem uma enorme quantidade de riqueza natu-
ral para distribuir seus benefícios entre poucas pessoas e tem uma mí-
nima complexidade econômica, principalmente fomentada pelo Esta-
do. O Brasil, assim como o Chile, é muito desigual pois tem um sistema
produtivo ruim, com baixa complexidade e pouca sofisticação. Faltam
oportunidades, faltam bons empregos e faltam bons salários: não temos
nem empresas nem produtos para gerar essas oportunidades. Um pro-
duto sofisticado ou complexo requer maiores habilidades produtivas e,
portanto, gera salários mais altos. Um produto sofisticado ou complexo
gera uma divisão de trabalho relativamente extensa e isso leva à criação
de empregos. Assim, um produto sofisticado ou complexo constrói uma
classe média forte e gera longas “escadas de carreira”.

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A curva de Kuznets

As relações entre desigualdade e complexidade levantam uma questão


provocativa: por quais mecanismos os frutos do crescimento econômi-
co (ou da falta deste) são distribuídos dentro de cada país? Esta pergun-
ta dirigiu a atenção dos economistas para a distribuição de renda entre
residentes de um mesmo país, um tema que começou a ser explorado,
no século XIX, por David Ricardo, Karl Marx e Vilfredo Pareto. Ganhou
rigor com os estudos de Simon Kuznets a partir dos anos 1940 e obteve
ampla notoriedade com os esforços mais recentes de Thomas Piketty,
Anthony Atkinson, Joseph Stiglitz, Branko Milanovic, dentre inúmeros
outros autores. Um dos modelos mais influentes desta literatura foi o
de Kuznets (1955). Em seu discurso de posse na Associação America-
na de Economia (American Economic Association), o autor descreveu
uma relação entre crescimento e desigualdade em formato de U-inver-
tido. Nas fases iniciais do desenvolvimento econômico, com predomi-
nância do setor rural de baixa produtividade, a desigualdade entre as
pessoas seria baixa, pois a baixa renda nacional estaria bem dividida
entre uma população uniformemente pobre.
Conforme a acumulação de capital ganhasse força nos centros
urbanos, os salários mais altos atrairiam a mão de obra do campo e os
lucros elevados enriqueceriam mais rapidamente os empresários in-
dustriais, aumentando a desigualdade durante as fases de aceleração
do crescimento. A maior participação da indústria na produção total
elevaria gradativamente os salários dos trabalhadores da cidade (pelo
aumento da produtividade) e do campo (pela crescente escassez de
mão de obra devida ao êxodo rural). A elevação dos custos do trabalho
eventualmente diminuiria, sob condições de maior concorrência nos
mercados, os lucros dos empresários. Esta mudança na composição da
estrutura produtiva seria capaz de elevar o crescimento econômico e,
em seu devido tempo, reduzir a desigualdade que permitiu a fase de
aceleração ao redistribuir os frutos do crescimento econômico antes
concentrados nos lucros empresariais.
Segundo este modelo, os fatores recebem de acordo com sua
produtividade marginal. Assim, os rendimentos do trabalho também
estariam sujeitos a uma dispersão correspondente aos diferentes níveis
de produtividade e de escassez relativa. Por exemplo, durante a fase de
implantação de setores industriais haveria elevada demanda por um
conjunto de ocupações, tais como engenheiros, administradores, con-

Brasil, uma economia que não aprende 161


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tadores, operários especializados e toda uma gama de atividades espe-


cíficas, levando os salários destas categorias a crescerem mais do que as
outras atividades apenas indiretamente afetadas pelo surto de investi-
mentos. Afinal, quanto mais escasso é um tipo de competência, maior
o preço que o mercado paga ao profissional que a detém. Conforme o
desenvolvimento progredisse, a demanda por todos os tipos de traba-
lho se elevaria, pressionando todos os salários para cima. O aumento
do poder de barganha dos trabalhadores levaria a um aumento na fatia
da renda nacional apropriada pelos trabalhadores, levando a uma re-
dução da concentração da renda nas classes sociais mais abastadas. O
crescimento econômico resultaria da mudança estrutural de uma eco-
nomia agrária e pouco sofisticada para uma economia urbano-indus-
trial complexa. Ao longo desta mudança, a desigualdade seria gradual-
mente reduzida a patamares socialmente aceitáveis.
O processo de sofisticação produtiva não é linear e o caminho
para a evolução da complexidade pode ser bastante tortuoso. Do ponto
de vista regional, um aumento de complexidade e produtividade resul-
ta sempre em aumento de desigualdade num primeiro momento. A re-
gião que passa por aumento de complexidade apresenta enorme salto de
renda em relação às regiões ou cidades que não passaram por esse pro-
cesso. Num segundo momento a desigualdade de renda dentro dos cen-
tros complexos diminui muito, conforme mostram os dados de Hidalgo
e Hartmann e também um recente trabalho de Hausmann, Cheston e
Santos (2015) com análises detalhadas para municípios e estados no Mé-
xico. Nas comparações entre as regiões complexas e não complexas a de-
sigualdade explode, o que está de acordo com as dinâmicas geográficas e
regionais de retornos crescentes e redes produtivas. Ou seja, o aumento
de complexidade dentro de uma região causa redução de desigualdade
interna, mas aumenta a desigualdade externa na comparação com outras
regiões. Alguns exemplos clássicos aqui são norte e sul da Itália, região
da Nova Inglaterra nos EUA e a cidade e o estado de São Paulo no Brasil.

Desigualdade e crescimento econômico

Da ótica dos trabalhadores e empresas, o aumento de produtividade e


complexidade permite aumentos relevantes e sustentados de salários
reais; sem populismos que levam a descontroles fiscais e no balanço
de pagamentos. O caminho da distribuição de renda deve ser conjunto

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com o do aumento de produtividade, criando um ciclo virtuoso de au-


mento de produção e repartição dos ganhos produtivos; uma rede ou
sistema onde as inovações e ganhos de eficiência promovem os ganhos
de produtividade que, bem distribuídos, promovem novas ondas de ga-
nhos de produtividade e complexidade, num ambiente geral de criação
de riquezas. Os arranjos produtivos criativos, inovadores e complexos
podem favorecer o avanço de produtividade e vice-versa. Ou seja, a re-
dução da desigualdade pode funcionar como motor da inovação e ga-
nhos de produtividade com “trabalho e capital” alinhados na mesma di-
reção. Exemplos interessantes desse alinhamento são encontrados nas
relações trabalhistas na Alemanha, Japão, países nórdicos e norte de Es-
panha.  O que importa aqui é atingir ganhos de produtividade e ino-
vações que possam ser distribuídas de forma justa e sustentada. A de-
sigualdade de oportunidades produtivas significa enorme obstáculo à
esse progresso: significa falta de acesso às possibilidades de produzir.
Aqui, o Estado tem papel fundamental para tentar contribuir na cons-
trução e nas possibilidades de acesso a essas redes produtivas que levam
ao avanço da complexidade das cidades, regiões e países.
Desigualdade e desenvolvimento são processos sociais comple-
xos e que se afetam mutuamente. Cabe agora indagar os efeitos da de-
sigualdade sobre o crescimento e, em última instância, sobre o desen-
volvimento econômico. Em seu livro Rethinking economic development,
growth and institutions, Jaime Ros mostra que nem toda a desigualdade
é danosa ao crescimento econômico (Ros, 2013, cap. 16). O autor dife-
rencia as desigualdades funcionais daquelas disfuncionais ao desenvol-
vimento. Segundo Ros, ao desconsiderar as interações entre nível de
renda e desigualdade (em oposição ao crescimento e desigualdade de
renda) a literatura mais recente falha em distinguir essas duas fontes de
desigualdade, bem como seus efeitos sobre o desenvolvimento. Toda-
via, alerta o autor, cada uma dessas duas fontes de desigualdade de ren-
da pode ter efeitos diferentes sobre o crescimento econômico, tanto em
tamanho quanto em sinal. Além disso, o nível de desigualdade também
é importante para determinar a magnitude dos efeitos sobre o cresci-
mento. Em suma, não há resultados simples e decisivos.
As desigualdades funcionais dependem da composição das do-
tações de fatores e de como esta afeta a estrutura de recompensa para
cada fator de produção. Por exemplo, o capital físico e humano tende
a ser mais desigualmente distribuído do que o fator “mão de obra” em
todos os países. Isso significa que há maiores rendimentos para o capi-

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tal físico e para o capital humano (conhecimento, habilidades e tecno-


logia) do que para o vasto volume de trabalhadores sem qualificações
diferenciadas. Como estes últimos são mais abundantes e de difícil di-
ferenciação, o “preço” do fator “trabalho” é menor. Não deve surpreen-
der o leitor o fato de os países menos desenvolvidos contarem com me-
nor estoque de máquinas e de conhecimento e, por isso, tenderem a ser
mais desiguais (especialmente os países de renda média) do que países
ricos, os quais têm abundância de capital físico e humano. No entanto,
justamente pela escassez relativa desses fatores, os efeitos deste tipo de
desigualdade sobre o crescimento tendem a ser positivos; afinal, altos
rendimentos para capital físico e mão de obra qualificada incentivam
investimentos tanto em maquinário e tecnologia quanto na aquisição
de habilidades e competências técnicas (educação). Por este motivo, pa-
íses menos desenvolvidos podem se aproveitar desta desigualdade nas
dotações de fatores para alavancar o seu crescimento e, ao longo de sua
trajetória de desenvolvimento, sofisticar a sua estrutura produtiva, de
forma a reduzir este nível de desigualdade conforme se aproxima dos
níveis mais elevados de desenvolvimento.
A segunda fonte de desigualdade está associada à “estrutura
de propriedade”, ou seja, ao grau de concentração da riqueza em um
país. Assim, um país com uma concentração anormalmente alta da
propriedade de terras ou de capitais (ativos financeiros, empresas, pa-
tentes etc.) tenderá a ter maior desigualdade de renda – mantendo-se
tudo o mais constante – do que um país com uma distribuição mais
igualitária de riqueza. Este segundo componente tem maior proba-
bilidade de ter efeitos negativos no crescimento, seja pelas taxas de
acumulação de capital e aquisição de habilidades, seja pela eficiência
no uso de dotações de fatores. A desigualdade disfuncional emerge,
portanto, das diferenças de “condições iniciais” entre indivíduos, di-
ferenças estas que nada têm a ver com a competência potencial e com
o esforço dos mesmos, mas que derivam da concentração da rique-
za pessoal e do poder político e econômico nas mãos de poucos gru-
pos sociais e do escasso acesso a serviços públicos básicos, como sa-
neamento, saúde e educação. Este tipo de desigualdade joga contra a
prosperidade vislumbrada por Adam Smith, pois impede que o poten-
cial produtivo de cada indivíduo venha a contribuir com o bem-estar
coletivo. Como vimos acima, a complexidade produtiva permite re-
duzir a desigualdade de natureza disfuncional e potencializar as desi-
gualdades funcionais ao desenvolvimento.

164 Paulo Gala e André Roncaglia


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Considerando estes dois tipos de desigualdade, é importante


analisarmos como eles afetam o crescimento econômico de longo prazo.
Os dados revelam que o “nível inicial” de desigualdade em que se encon-
tra um país tem um efeito positivo sobre o crescimento populacional.
Assim, sociedades originalmente mais desiguais, com níveis semelhan-
tes de renda, tendem a ter uma maior taxa de crescimento populacional.
Quanto mais cresce a população, maior deve ser o investimento para
manter (ou aumentar) a quantidade de capital por trabalhador. Porém,
isso apenas ocorrerá se o nível da desigualdade disfuncional não for bai-
xo o suficiente para causar taxas mais elevadas de acumulação de capi-
tal (para cada nível de renda). Infelizmente, países pobres costumam ter
elevada desigualdade disfuncional. Neste caso, a elevada concentração
de riqueza no topo da distribuição de renda implica uma baixa taxa de
investimento produtivo como parcela da renda dos 10% mais ricos da so-
ciedade. A ausência de incentivos ao investimento pode estar associada à
propensão de sociedades desiguais a gerar muitas oportunidades de cap-
tura da renda (rent-seeking), bem como por serem mais instáveis ​​política
e socialmente. Além destes aspectos, há também evidências consistentes
de que a desigualdade gera demanda insuficiente nos setores de retor-
nos crescentes, pois os trabalhadores não têm renda suficiente para ad-
quirir os bens e serviços mais sofisticados. A demanda restringida limita
a rentabilidade destes setores, o que torna o esforço de sofisticação da
matriz produtiva intermitente. Como resultado, em países com baixos
níveis de renda per capita os efeitos positivos da desigualdade funcional
sobre o crescimento tendem a ser suplantados pelos efeitos nocivos da
desigualdade disfuncional associada à concentração de riqueza.
O principal desafio do desenvolvimento é potencializar os efeitos
distributivos do crescimento por meio da sofisticação da estrutura pro-
dutiva. O aumento da complexidade do tecido econômico eleva a pro-
dutividade de todos os trabalhadores, ainda que de forma gradual. Toda-
via, superar este desafio é uma tarefa hercúlea em que posições binárias,
como a polarização ingênua entre Estado e mercado, são pouco promis-
soras. A literatura econômica recente tem tentado compreender as for-
ças que produzem estas desigualdades funcionais e disfuncionais ao de-
senvolvimento e como as duas se retroalimentam ou se repelem entre si.
Trata-se de uma vasta produção acadêmica, de forma que citaremos ape-
nas alguns trabalhos mais expressivos como introdução a este instigante
campo de pesquisa. A seguir, analisamos essencialmente três forças prin-
cipais: as instituições, o mercado de trabalho e o comércio internacional.

Brasil, uma economia que não aprende 165


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Daron Acemoglu e James Robinson (2012) mostraram em seu


notável livro Por que as nações fracassam a inquestionável importância
das instituições políticas e econômicas para a prosperidade das nações.
A experiência de desenvolvimento dos países ricos estaria associada a
instituições inclusivas, em que os indivíduos teriam a liberdade para
exercer suas competências no ambiente de mercado, com direitos de
propriedade bem definidos e um governo eficiente na oferta de bens
públicos. Instituições inclusivas inibem a expropriação de renda por
parte de elites com base em seu poder econômico e político, permitin-
do uma remuneração apropriada do esforço produtivo de indivíduos
e empresas. Alternativamente, aqueles países que desenvolveram insti-
tuições predatórias acabaram sofrendo uma “reversão da fortuna”, que
acompanhava a disponibilidade de recursos naturais e humanos. A in-
fluência nociva de elites extrativistas se daria na forma de I) corrupção e
desvios de recursos (privilégios e rendas anormais), II) geração de distor-
ções na estrutura de rentabilidade das atividades mais sofisticadas, e III)
eliminação de incentivos econômicos que justificassem o investimento
nestes setores. O resultado seria o desenvolvimento de estruturas eco-
nômicas desiguais e com limitado potencial de crescimento econômico.
Como salientou Thomas Piketty em artigo de 2015, a desigual-
dade deve ser recolocada no centro das reflexões da ciência econômica.
Neste artigo ele respondeu a inúmeras críticas feitas ao seu monumen-
tal livro O capital no século XXI, publicado em 2014, e disparou contra
Acemoglu e Robinson por tentarem explicar a desigualdade por meio
de duas grandes categorias genéricas de instituições. Para Piketty, há
inúmeras instituições e políticas que canalizam renda e riqueza para os
mais ricos, em detrimento dos trabalhadores e das famílias mais vulne-
ráveis às mudanças no mercado de trabalho. Uma combinação de ta-
xação de grandes fortunas em escala global e a retomada de políticas
fiscais redistributivas e de restauração do estoque de capital do Estado
e de sua oferta de bens e serviços públicos seriam, na visão de Piketty,
uma boa forma de conter o avanço da desigualdade.
No plano do mercado de trabalho, Milberg e Winkler (2013) do-
cumentaram a intensa desarticulação do movimento sindical no ociden-
te a partir dos anos 1980, o que levou à flexibilização das leis trabalhistas,
reduzindo o poder de barganha dos trabalhadores em face do aumento
do poder de mercado das grandes corporações em escala planetária. Sob
o peso da desindustrialização de vários países (efeito Leste Asiático) e da
inovação tecnológica desacompanhada de acesso à educação superior e

166 Paulo Gala e André Roncaglia


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à qualificação profissional, aumentaram os contingentes de trabalhado-


res alocados em empregos “inúteis”, como argumentou David Graeber
(2018) em seu livro Bullshit jobs: a theory. Sensível às evidências abun-
dantes de aumento na parcela de empregos precários, o mesmo Daron
Acemoglu (2019) veio a reconhecer a importância da qualidade do em-
prego em artigo recente intitulado It’s good jobs, stupid! e publicado pelo
Economics for Inclusive Prosperity. Disse o autor que uma boa política
pública que objetive a redução da desigualdade deve promover “a cria-
ção de ‘bons’ empregos, com altos salários”. Segundo Acemoglu, empre-
gos “bons” fornecem não apenas um salário consistente com um padrão
de vida confortável de “classe média”, mas também uma certa estabilida-
de e proteção contra condições de trabalho precárias e perigosas e poder
excessivo dos empregadores sobre os empregados. Acemoglu reconhe-
ce, entretanto, que o mercado sozinho não dá conta de criar uma oferta
adequada de bons empregos, sendo necessária a atuação estatal para in-
duzir a criação dos mesmos. No entanto, os efeitos da presença de em-
pregos de qualidade vão muito além da queda da desigualdade de renda
e da pobreza, afetando a participação cívica e política dos cidadãos. A es-
cassez de bons empregos dificulta o engajamento cívico e torna a parti-
cipação política, se houver, mais sensível a insatisfações e dificuldades
econômicas, abrindo as portas para o populismo e as políticas clientelis-
tas. Bons empregos ajudam a manter a estabilidade política dos países.
Por fim, no plano do comércio internacional e reforçando o
argumento de Milberg e Winkler acima, Luiz Carlos Bresser-Pereira
(2019) mostrou, em artigo publicado no periódico Challenge, que su-
bordinar o desenvolvimento nacional às impessoais vontades do mer-
cado internacional levou a América Latina, em especial o Brasil, a um
aprisionamento da matriz produtiva em setores de baixo conteúdo tec-
nológico devido à desindustrialização, o que ele chamou de “armadilha
da liberalização”. Central neste processo foi a opção, a partir do final
dos anos 1980, pela poupança externa como forma de financiamento da
estratégia de crescimento, levando a uma apreciação cambial de longo
prazo, a qual favorece os setores primário-exportadores enquanto blo-
queia a viabilidade econômica dos setores industriais mais complexos.
Ao renderem-se às vantagens comparativas, os países em de-
senvolvimento reforçam os elos de uma estrutura produtiva dual, em
que setores de alta produtividade (com elevados salários e lucros) co-
existem com setores de baixa produtividade e precárias condições de
trabalho, cuja rentabilidade é limitada e os salários são relativamente

Brasil, uma economia que não aprende 167


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muito baixos. Como resultado, a dualidade estrutural pode abrir um


abismo social e econômico sem qualquer força automática que leve ao
seu fechamento. A economia fica presa numa “armadilha da renda mé-
dia”, por se ver incapaz de continuar difundindo a prosperidade obti-
da para uma parte da sociedade nas fases iniciais do desenvolvimento.
Nesta estrutura dual, a economia do conhecimento que vimos acima
tende a não gerar frutos para toda a sociedade, mas tão somente para
aquela parte que conseguiu entrar no “clube da produção sofisticada”
no “oceano azul” da concorrência imperfeita. Ao restante dos trabalha-
dores e empresários resta o conjunto de atividades pouco sofisticadas e
de baixa diferenciação, em que se obtêm baixos rendimentos a partir de
um esforço enorme de sobrevivência no “oceano vermelho” da concor-
rência perfeita. Neste mundo de baixa qualificação, um amplo espectro
de atividades gera rendas muito diferentes entre si, mas com nível mé-
dio muito inferior ao clube da sofisticação produtiva.

168 Paulo Gala e André Roncaglia


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12. Erros e acertos no Brasil

P
ara a perspectiva aqui apresentada, o papel do Estado é
fundamental para escapar da armadilha do subdesenvolvi-
mento. A importância das chamadas políticas de ITT (Indus-
trial, Trade and Technology) e de política macroeconômica adequa-
da (Novo Desenvolvimentismo) aparece na discussão como uma das
principais explicações do sucesso dos países hoje considerados ri-
cos. Obviamente que apenas o uso de políticas protecionistas para
desenvolver a indústria nascente não garante o sucesso de empresas e
países. São exemplos de fracasso a tentativa de desenvolver a indústria
aérea na África do Sul e na Indonésia, bem como a lei da informática
e Zona Franca de Manaus no Brasil dos anos 1980 e 1990 e inúmeros
outros exemplos. A história recente da política industrial mostra que
a quantidade de fracassos supera o número de sucessos. Não basta
fomentar uma indústria. Ela precisa crescer, amadurecer e se tornar
eficiente para lutar no cenário internacional, como se observou no
Japão, Inglaterra, EUA e países do Leste Asiático. 

Zona Franca de Manaus

Nossa Zona Franca de Manaus (ZFM) seguiu a mesma lógica de “maquila


de importação” usada no setor automotivo brasileiro: o “filet mignon tec-
nológico” vem do exterior e aqui adicionamos os componentes mais sim-
ples. A ZFM foi criada para estimular a ocupação territorial de uma área

Brasil, uma economia que não aprende 169


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remota do país. O objetivo principal era atrair empresas para produzir e


abastecer o mercado interno brasileiro e, por tabela, ocupar a região. Não
havia e não há metas de exportação, de upgrade tecnológico e tentativas
de conquistar mercados no mundo. A Zona Franca de Manaus é um polo
industrial na cidade de Manaus. Foi criada pelo decreto-lei número 3.173
de 6 de junho de 1957 e depois aprimorado por nova lei de 1967. Com o
propósito de impulsionar o desenvolvimento econômico da Amazônia
e administrado pela Superintendência da Zona Franca de Manaus (SU-
FRAMA), o polo industrial abriga hoje cerca de 600 indústrias concentra-
das nos setores de eletroeletrônicos, químico e motocicletas.
Nos últimos anos, o polo recebeu um novo impulso com os in-
centivos fiscais para a implantação da tecnologia de televisão digital no
Brasil. Entre os produtos fabricados destacam-se: aparelhos celulares de
áudio e vídeo, televisores, motocicletas, concentrados para refrigerantes,
entre outros. Há também um polo agropecuário que abriga projetos vol-
tados à atividades de produção de alimentos, agroindústria, piscicultura,
turismo, beleza, beneficiamento de madeira, entre outras. As indústrias
instaladas na Zona Franca de Manaus recebem os seguintes benefícios
fiscais: isenção do imposto de importação e exportação, isenção de IPI,
desconto no ICMS e isenção temporária de IPTU. A Zona Franca de Ma-
naus sempre teve o formato do processo de substituição de importações
com foco no mercado interno. Trata-se de uma zona de processamento
de importação, uma maquila introvertida, que sequer chegou perto do
que se viu em termos de sofisticação produtiva na Índia e China.
Claro que tudo isso tem muito a ver com o fato de seu modelo
industrial ter se baseado sempre no mercado interno e não para a busca
de mercados externos baseados em novas tecnologias. A tendência foi e
continua sendo o desenraizamento completo do seu parque industrial
em relação à realidade e aos verdadeiros potenciais ligados à biodiversi-
dade da região amazônica. Investe-se muito em plantas industriais liga-
das à mineração (no Pará) e produtos eletroeletrônicos (como na ZFM),
enquanto se esquece do potencial da biodiversidade da floresta. Um di-
ferencial em termos de potencial de criação de uma base industrial re-
almente diversificada que poderia ser enraizada socialmente. Em outras
palavras, em vez de construirmos um modelo ousado de floresta indus-
trializada, moderna, competitiva e inovadora, preferimos um modelo
mais simples de imitação, sem aprendizado, e baseado na construção
de ilhas de produção industrial desconectadas da realidade regional. Ou
ainda, enclaves de grandes projetos de exportação de recursos naturais.

170 Paulo Gala e André Roncaglia


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Embraer

Temos também no Brasil exemplos de muito sucesso. Vale citar alguns


aqui para mostrar que é possível avançarmos apesar de todas as difi-
culdades elencadas neste livro. Por exemplo a Embraer, talvez o maior
símbolo dessa feliz articulação entre Estado e mercado em terras bra-
sileiras. A empresa nasceu como uma iniciativa do governo; um proje-
to estratégico para se implementar a indústria aeronáutica no país. São
considerados os precursores da Embraer o antigo Centro Técnico Aero-
espacial (CTA), que em 2009 passou a ser denominado Departamento
de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), e o Instituto Tecnológico
de Aeronáutica (ITA). Ambas as instituições foram criadas, respectiva-
mente, em 1946 e 1950 pela Força Aérea Brasileira. Em 1946, foi criada a
Comissão de Organização do Centro Técnico de Aeronáutica (COCTA),
com sede temporária no Campo de Marte (zona norte de São Paulo, SP)
com o objetivo de viabilizar o início da execução do plano geral de es-
tabelecimento do Centro Técnico de Aeronáutica. Após pouco mais de
quatro anos de atuação, em 1950, a COCTA concluiu a implantação na
cidade paulista de São José dos Campos das duas primeiras unidades do
Centro Técnico de Aeronáutica: o Instituto Tecnológico da Aeronáutica
(ITA) e o Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD). Embora ainda
sob a gestão da COCTA e sem todas as unidades implantadas, em pouco
tempo o Centro Técnico de Aeronáutica se tornou o principal centro de
pesquisas aeronáuticas do Brasil. O IPD absorveu grande parte dos en-
genheiros aeronáuticos formados pelo ITA, especialmente os militares.
No IPD foram projetados três dos quatro primeiros aparelhos fa-
bricados pela Embraer: o Bandeirante, o avião agrícola Ipanema e o pla-
nador Urupema. A própria criação da Embraer foi uma iniciativa de um
grupo de engenheiros militares que atuava no IPD. Dessa forma, pode-se
estabelecer as origens da Embraer na própria implantação do CTA, de
onde saíram os principais projetistas e dirigentes da indústria aeronáuti-
ca brasileira da década de 1970. Fundada no ano de 1969 como uma socie-
dade de economia mista vinculada ao então Ministério da Aeronáutica, a
Embraer teve inicialmente a maior parte de seu quadro de funcionários
formado com pessoal oriundo do Instituto Tecnológico de Aeronáutica,
que fazia parte do então CTA. De certo modo, a então Embraer nasceu
dentro do CTA. Durante as décadas de 1970 e 1980 a Embraer conquistou
importante projeção nacional e internacional com os aviões Bandeirante,
Xingu e Brasília. Ao iniciar uma parceria com a Itália em 1981, foi possível

Brasil, uma economia que não aprende 171


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elaborar o avião de ataque ar-terra AMX, considerado um importante sal-


to tecnológico para a elaboração de novos projetos.
Em 1988 teve início o desenvolvimento de um avião binacional
que seria projetado e construído tanto pela então Embraer quanto pela
argentina Fábrica Militar de Aviones (FMA). A aeronave teve a designa-
ção de CBA-123, sendo CBA a sigla para Cooperação Brasil-Argentina. Em
1990 o primeiro protótipo voou, mas seu alto preço, além da crise eco-
nômica e política da época, acabou com o projeto. O final da década de
1980 foi marcado por crises financeiras que abalaram a economia brasi-
leira e atingiram em cheio a Embraer, que quase fechou. Em 1994, duran-
te o governo Itamar Franco, a empresa foi leiloada para depois passar por
um longo processo de reestruturação e apresentar novos projetos que a
tornariam uma gigante do setor. Antes de ser privatizada, a companhia
estava à beira da falência. Depois de alguns anos da privatização e com a
fundamental ajuda financeira do BNDES no final dos anos 1990, a em-
presa passou a ser a terceira maior fabricante de jatos comerciais do mun-
do. Essa recuperação de mercado após a privatização foi resultado do su-
cesso do programa ERJ-145, uma aeronave concebida para acompanhar
a tendência mundial na aviação regional na época, que era de utilizar
aviões de maior porte, com propulsão a jato. O sucesso continuou com os
modelos ERJ-170 e ERJ-190. Uma das áreas em que a empresa mais inves-
tiu nessa época foi em Pesquisa e Desenvolvimento. Outro incrível suces-
so da companhia foi o recente cargueiro de guerra KC-390 (agora Boeing
Milennium). O projeto é fruto de contrato assinado em 2009 entre a For-
ça Aérea Brasileira e a Embraer. Os investimentos requeridos para o seu
desenvolvimento integraram o Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC), garantindo priorização em sua execução orçamentária.
A Embraer Defesa e Segurança foi criada em 2011 como o bra-
ço da empresa encarregado do desenvolvimento de projetos militares.
Com o KC-390, a grande aposta da empresa, a Embraer busca ocupar
um espaço importante no mercado mundial de transportes militares,
passando a competir diretamente com empresas como a estaduni-
dense Lockheed Martin, a europeia AirBus e a ucraniana Antonov. A
empresa busca se inserir nesse novo nicho de mercado a partir de um
modelo de baixo custo aquisitivo e operacional. Este elevado grau de
competitividade apoia-se na ampla utilização de componentes da tra-
dicional família de jets regionais da empresa. O custo de desenvolvi-
mento do projeto foi de R$ 5 bilhões, valor muito baixo quando compa-
rado com os € 20 bilhões gastos pela Airbus no desenvolvimento de seu

172 Paulo Gala e André Roncaglia


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cargueiro A400M Atlas. O mercado potencial do KC-390 é extrema-


mente atrativo, pois em muitos países do Ocidente a vida útil de seus
cargueiros se aproxima do término. Os novos modelos do Hércules e
do AirBus A400, seus concorrentes diretos, possuem custos significa-
tivamente superiores, e a aquisição de cargueiros russos ou orientais é
descartada por ampla parcela das Forças Armadas do Ocidente devido
ao seu elevado custo de adaptação. Adicionalmente, a aeronave dife-
rencia-se de seus competidores em outros pontos: é um avião com pro-
pulsão a turbina e não a hélice, como a maioria dos competidores dessa
categoria, reduzindo o tempo de voo das aeronaves; tem menor custo e
tempo de manutenção; utiliza tecnologias e equipamentos conhecidos
e disponíveis no mercado, reduzindo custos e riscos.
Uma das coisas incríveis do novo cargueiro militar da Embraer
é o trem de pouso capaz de suportar o peso de cargas gigantes. Quem
produziu foi uma empresa brasileira chamada ELEB, hoje já uma joint
venture alemã com Embraer. São trens de pouso capazes de suportar
as 84 toneladas do novo avião militar; para se ter uma ideia a família
de jatos Embraer E-145 suporta 24 toneladas. A ELEB nasceu em 1984
para produzir, sob licença, os trens de pouso dos caças ítalo-brasileiros
A1-AMX para a FAB. A experiência adquirida com os italianos a capa-
citou para produzir o trem de pouso da aeronave de caça leve A-29 Su-
per Tucano. No caso do KC-390, os pousos em regiões extremamente
inóspitas como Amazônia ou Antártida demandaram a criação de um
sistema inédito de distribuição do peso do avião no trem de pouso. A
patente da nova tecnologia foi depositada nos Estados Unidos. Dife-
rentemente das opções existentes no mercado, esse produto faz com
que o impacto no pouso seja absorvido de maneira mais eficaz de for-
ma distribuída na estrutura do trem e rodas. Para suportar mais peso
foi necessário que a empresa entrasse na usinagem de titânio e aço,
matérias-primas de alta densidade e com mais resistência para as pe-
ças. Para outras aeronaves de menor porte, predomina o uso de alumí-
nio. Foi necessário rever processos e adquirir novas máquinas para a
planta industrial onde trabalham 600 funcionários. As peças do trem
de pouso nascem de um grande bloco de metal que pode pesar até 4,5
toneladas. O material é tratado termicamente para triplicar a resistên-
cia. Depois de passar horas em fornos a 470º C e receber choque térmi-
co na água, o valor de resistência do aço aumenta bem até ser capaz de
suportar todo o peso requerido do trem de pouso. São poucas as em-
presas no mundo capazes de fabricar um componente desses. A ELEB

Brasil, uma economia que não aprende 173


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se junta à americana Gooddrich e à francesa Messier Dowty no peque-


no grupo que domina todo o processo de desenvolvimento de trens de
pouso de um avião. Resta ver como a aquisição da Embraer pela Boeing
afetará esse projeto como um todo e se a empresa se tornará mais uma
história de sucesso no Brasil vendida para uma multinacional.
Os projetos mais importantes das Forças Armadas brasileiras
hoje são a fragata classe Tamandaré, os submarinos Prosub, os caças
Gripen NG e o sistema de lançamento de mísseis Astros. O míssil de
cruzeiro é a arma contemporânea por excelência: um foguete guiado
em tempo real, com precisão de até 10 m. Nosso modelo tem um mo-
tor inicial a combustível sólido e depois é propulsado por uma turbina
nacional da empresa Polaris; terá alcance de 300 a 500 km. Esses pro-
jetos são feitos com produção doméstica e transferência relevante de
conteúdo tecnológico de parceiros do exterior no caso do Gripen sue-
co. A onda de cortes orçamentários a partir de 2015 prejudicou bastan-
te o projeto para a modernização dos navios da marinha brasileira. No
momento, o projeto da corveta Tamandaré ainda está de pé e já foi es-
colhido o vencedor para a construção dos navios: o consórcio entre a
Embraer e a Thyssenkrupp, o Meko-100, que irá fazer quatro corvetas
por US$ 400 milhões e terá conteúdo nacional de 40%. O programa
Prosub assinado com os franceses prevê a construção de cinco subma-
rinos, sendo um nuclear e quatro a diesel por R$ 35 bilhões, incluindo
a construção de um estaleiro para submarinos da marinha. O proble-
ma é que o submarino Scorpène é um projeto antigo dos anos 1970 e
já foram gastos R$ 21 bilhões com entrega de apenas um submarino.
Com 20% de conteúdo nacional, cada submarino irá custar aproxima-
damente US$ 700 milhões. O programa Prosub para desenvolvimento
de submarinos movimentou 700 empresas civis nacionais, 18 univer-
sidades e institutos de pesquisa e foi responsável pela geração 4,8 mil
empregos diretos e 12,5 mil empregos indiretos. Será que esses proje-
tos vão sobreviver aos cortes orçamentários?

Weg

Outro caso interessante de sucesso no Brasil é a empresa WEG. Em abril


de 1961, na cidade de Jaraguá do Sul, estado de Santa Catarina, a WEG
surgiu de uma avaliação mercadológica que os três amigos Werner, Eg-
gon e Geraldo identificaram. A partir do fato de que frigoríficos da re-

174 Paulo Gala e André Roncaglia


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gião estavam tendo problemas com pequenos motores elétricos para re-
frigeração vindos de São Paulo, viram espaço para uma nova empresa.
Dada a demanda existente, decidiram produzir tais equipamentos a fim
de atender as necessidades locais, que se inseriam em um contexto nacio-
nal de política industrial de substituição de importação. Adotando desde
o início uma boa política de governança, investimento em capacitação de
recursos humanos e Pesquisa & Desenvolvimento, a empresa elevou so-
bremaneira sua produção e porte corporativo. Em 1970, após visita à Ale-
manha, eles viram que existiam dois tipos de empresas no mercado: as
grandes e dominantes, e as pequenas e fadadas as fracasso. Os empresá-
rios optaram por uma política de não acomodação e decidiram interna-
cionalizar a empresa, iniciando as vendas para o Uruguai, Guatemala, Pa-
raguai, Equador e Bolívia. Dessa forma sabiam que o arranjo do mercado
interno deveria servir de suporte para uma exposição constante ao mer-
cado externo e, assim, evoluir de forma qualitativa e quantitativa.
Na década de 1980, a WEG inicia um processo de diversificação
de sua produção apoiada no constante investimento em pesquisa e de
seu extenso know-how no segmento de motores elétricos. Cria a WEG
Transformadores, WEG Energia, WEG Automação e WEG Química,
que iniciou a fabricação de tintas especiais e verniz eletroisolante. Por
toda a década de 1990 a WEG seguiu investindo constantemente em
pesquisa e na internacionalização constante de suas operações, expor-
tando por ano cerca de 30% de sua produção. Em 2010 a empresa reali-
zou mais uma grande investida estratégica ao participar ativamente do
processo de leilão de energia eólia em parceria com a espanhola MTOI,
e forneceu os aerogeradores do parque eólico de Ibiapina, no Ceará.
Mais uma vez a empresa encadeou um novo segmento produtivo a par-
tir de seu conhecimento “core” em motores e geradores elétricos. A par-
tir da demanda por produção de energias por fontes renováveis provo-
cada pelo Governo Federal, a WEG se posicionou competitivamente em
um setor complexo e na vanguarda mundial de energia. Se associou aos
espanhóis e depois a uma empresa americana, que acabou comprando
para absorver know-how na produção de grandes aerogeradores.
Fundamental destacar o papel do Governo Federal para o flores-
cimento desse novo e promissor mercado de aerogeradores no Brasil. A
partir do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Ener-
gia Elétrica), decreto nº 5.025, de 2004, foi estabelecido um marco regu-
latório que viabilizou a contratação de fontes alternativas em nossa ma-
triz energética e sobretudo a vinculação de 60% de nacionalização dos

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empreendimentos. A regulação governamental ofereceu segurança para


que a WEG solidificasse suas expectativas de retornos aos investimentos
nessa nova fronteira tecnológica e o Brasil foi alçado ao 4º mercado com
maior crescimento da produção elétrica de fonte eólica em 2014. Hoje
possui um player competitivo no mercado internacional de aerogerado-
res. O parque eólico brasileiro já representa 10% da geração de toda ener-
gia do país, superando até mesmo a usina de Itaipu.
Outro aspecto que é importante apontar neste caso de suces-
so foi a capacidade de verificação e revisão da política de desenvolvi-
mento promovida pelo Governo Federal. No caso específico da norma
de contrapartida de 60% de nacionalização do empreendimento exi-
gido pelo Proinfa, notou-se que o índice vinha sendo alcançado com-
putando a fabricação local das pás e da torre dos equipamentos de
geração de energia eólica, sendo a parte complexa e importante do
maquinário importada. A partir disso estabeleceu-se novas metas fí-
sicas por etapas e com um cronograma gradual para a elevação efeti-
va da produção local dos aerogeradores. O resultado disso foi que em
meados de 2014 a WEG anunciou a oferta de um produto com 100%
de tecnologia nacional, em parceria com a Tractebel e investimentos
na ordem de R$ 160 milhões. A WEG é um belo exemplo de diversifi-
cação e sofisticação produtiva no Brasil. A partir de motores elétricos
para frigoríficos no sul do país, avançou até os sofisticados aerogera-
dores de parques eólicos. Soube “construir” complexidade e hoje usu-
frui de uma excelente posição em vários mercados no Brasil e no mun-
do. Hoje é uma das mais bem posicionadas empresas brasileiras para
surfar a onda de motores elétricos para carros e caminhões.

A lei dos genéricos

Um outro exemplo de sucesso é a lei brasileira dos genéricos que pro-


vocou grande impulso em nossa indústria. Um medicamento genérico
tem o mesmo princípio ativo, a mesma dose e forma farmacêutica do
medicamento de referência sem ter o mesmo nome comercial. São mais
baratos porque os fabricantes de genéricos produzem os medicamentos
usualmente após o período de proteção de patente ou outros direitos de
exclusividade terem vencido ou terem sido renunciados. Diferentemen-
te dos medicamentos inovadores que envolvem investimentos represen-
tativos em pesquisas clínicas – o que pode levar anos –, a produção de

176 Paulo Gala e André Roncaglia


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genéricos envolve apenas ensaios de equivalência farmacêutica, os quais,


embora rigorosos, possuem custos muito mais reduzidos. Por lei o medi-
camento genérico deve custar 35% menos do que o de referência.
A história da legislação de genéricos no Brasil inicia-se em
1991 pelo Deputado Federal Eduardo Jorge, que apresentou o Projeto
de Lei 2022 e planejava remover marcas comerciais dos medicamen-
tos. Em 1993 o presidente Itamar Franco publicou o Decreto nº 793
que determinava apresentação da denominação genérica – e portanto
apenas do componente ativo – na embalagem do medicamento. Em
1999, mesmo ano da criação da Anvisa, os medicamentos genéricos
foram efetivamente introduzidos no Brasil, durante o governo FHC,
época na qual José Serra era o Ministro da Saúde. Já a Lei 9.787 via-
bilizou a comercialização por qualquer laboratório de medicamentos
cujas patentes estivessem expiradas. As embalagens deveriam ser pa-
dronizadas, mostrando uma tarja amarela e um grande “G” de genéri-
co. Todo aparato regulatório decorrente de tal lei, visando qualidade,
segurança e eficácia de genéricos de forma a garantir a sua intercam-
bialidade com o medicamento de referência, foi importante também
para aprimorar a indústria como um todo.
Não só os consumidores foram beneficiados com a política de
genéricos que permitiu acesso a medicamentos seguros por preços mais
acessíveis. As empresas farmacêuticas brasileiras se beneficiaram forte-
mente dessa regulação aproveitando suas bases produtivas já existentes
aqui e ampliando-as com recursos de iniciativas de apoio à indústria
nacional desenvolvidas, entre outros, pelo BNDES. Enquanto no início
dos anos 2000 a estrutura produtiva no país era predominantemente
multinacional, hoje grande parte das maiores farmacêuticas atuantes
no Brasil em termos de faturamento tem capital de origem nacional.
Gigantes do setor, tais como EMS Pharma, Neo Química, Eurofarma,
Cimed, Aché, abastecem o mercado interno e nele figuram como líde-
res de vendas. Algumas dessas também com apoio do BNDES migraram
para o segmento de biofármacos, que é mais lucrativo. As farmacêuticas
brasileiras estão em processo de internacionalização. Com crescimen-
to impulsionado pela lei de genéricos há 20 anos, hoje, mais robustas,
passam a investir também em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Importante dizer que a legislação brasileira de proteção da pro-
priedade intelectual, inclusive no que se refere a patentes de medica-
mentos, atende aos padrões exigidos pelo acordo TRIPS da OMC. O
Brasil destacou-se por sua política de medicamentos genéricos por ser

Brasil, uma economia que não aprende 177


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o primeiro país da América Latina a implantar o registro de medica-


mentos genéricos inspirado em sistemas avançados. Em termos mui-
to simplificados, o acordo TRIPS impõe padrões mínimos de proteção
de direitos de propriedade intelectual que os países membros da OMC
devem incorporar em suas respectivas leis nacionais; é uma “padroni-
zação mínima” em nível mundial dos direitos de propriedade intelec-
tual. Em 2017, houve emenda no TRIPS que permitiu a exportação de
genéricos produzidos sob regime de “licença compulsória” para paí-
ses sem ou com capacidade limitada de produção. Licença compulsó-
ria existe quando há uma patente vigente, porém o Estado obriga que
ela seja licenciada (ou seja, suspende a exclusividade a ela relativa) para
que outros possam fabricar o remédio em situações específicas, como
emergência nacional, interesse público, abuso pelo detentor da patente,
entre outras. Em uma situação extrema, se houvesse apenas um fabri-
cante no mundo com direito de fabricar certo remédio e esse fabricante
impusesse preços exorbitantes ou agisse de forma abusiva com respei-
to à sua patente, o Estado poderia obrigar a licença compulsória para
permitir à população acesso ao medicamento. O aditamento ao TRIPS
de 2017 é positivo para a indústria de genéricos brasileira pois possibi-
lita a exportação de medicamentos produzidos sob regime de licença
compulsória para países ainda menos favorecidos. De qualquer manei-
ra, vale ressaltar que a licença compulsória é regime de exceção, a regra
é a proteção patentária de forma a assegurar investimentos em desen-
volvimento de novas moléculas que serão, por sua vez, remuneradas
pela exclusividade garantida pela patente.

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13. Conclusão

E
xistem no Brasil atual duas grandes correntes de
economistas com visões de mundo bem distintas acerca do de-
senvolvimento e crescimento. Para o grupo dos economistas
ortodoxos ou “mainstream”, o desenvolvimento econômico tende a
ser um processo espontâneo guiado pelo mercado e que depende ba-
sicamente de boas políticas internas, tais como: governo parcimonio-
so que não tribute demais, bom funcionamento da justiça, controle
da inflação, educação de qualidade, defesa da concorrência. Se es-
sas políticas forem perseguidas, o desenvolvimento será apenas uma
questão de tempo. Seria o equivalente a esperar um bom desempe-
nho de um atleta, garantindo-lhe apenas sua integridade física e a
alimentação diária de sua preferência. Bastaria submetê-lo sistema-
ticamente à “disciplina” das competições de mercado mundial, sem
necessidade de treino, planejamento ou condicionamento físico. Na
metáfora futebolística, os países ricos teriam ficado ricos porque des-
cobriram seus “Romários” em cada posição do campo de futebol, mas
sem um técnico que definisse uma estratégia de jogo. Os exemplos de
Marta (Brasil) e de Salah (Egito) mostram que talento sem estrutura
não garantem a vitória. Os economistas ortodoxos defendem, por-
tanto, a educação e as instituições “corretas” como elementos cen-
trais para o desenvolvimento. Basta descobrir seu talento e jogar sem
a necessidade do técnico (no caso, a política industrial) que os cam-
peonatos e as medalhas virão, mais cedo ou mais tarde. Se não de-
sempenhar bem, troque de esporte.

Brasil, uma economia que não aprende 179


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Para o grupo dos desenvolvimentistas ou heterodoxos, o pro-


cesso de desenvolvimento econômico se dá num contexto de interação
estratégica entre nações. Especialmente no que diz respeito ao domí-
nio de técnicas produtivas e capacidade de aprendizagem em setores
específicos. Aquilo que o economista convencional vê como causa do
desenvolvimento é tido como resultado. Por exemplo, em um estudo
recente Carvalho, Ribeiro e Marques (2018) mostraram como os vários
aspectos estruturais do desenvolvimento estão relacionados às taxas de
inflação mais altas em países em desenvolvimento. Aspectos de longo
prazo, como sofisticação produtiva, densidade tecnológica das exporta-
ções, participação da indústria no PIB, volatilidade cambial, dentre ou-
tros, ajudam a explicar o comportamento de longo prazo da inflação.
Por trás deste resultado encontra-se a premissa de que é a estrutura
produtiva que delimita a qualidade das instituições econômicas e polí-
ticas e, por meio destas, seus resultados.
Além disso, não se pressupõe qualquer harmonia automática
entre os interesses econômicos e comerciais das nações. As multina-
cionais e os governos dos países ricos defendem com unhas e dentes
seus mercados e suas tecnologias de produção. O padrão de especiali-
zação produtiva perseguido por estas nações significa dominar tecno-
logias avançadas de produção e criar capacidades e competências locais
proprietárias nos setores mais nobres. Significa fazer o melhor uso dos
recursos da nação, mas de forma estratégica. Produzir castanhas de caju
ou chips de computador, carros ou havaianas, bananas ou computado-
res faz diferença. Ou seja, o processo de desenvolvimento não é setor-
-neutro, depende da composição agricultura, serviços e indústria do PIB
e do tipo de produto que um país é capaz de produzir. A produtividade
da economia deixa de ser algo que depende dos indivíduos, como na vi-
são ortodoxa, e passa a ser algo sistêmico, que depende da configuração
setorial e produtiva de uma economia conforme vimos. Trabalhadores
inseridos em setores tecnologicamente sofisticados serão produtivos
devido às características intrínsecas do setor e não a dos trabalhadores.
A empregada doméstica que é retreinada para trabalhar numa fábrica
tem sua produtividade aumentada enormemente, por exemplo. A edu-
cação num país com uma matriz produtiva sofisticada oferece ao traba-
lhador estudioso o devido retorno pelo seu esforço intelectual. A desin-
dustrialização brasileira criou uma geração de trabalhadores com um
ou mais diplomas universitários que viraram cozinheiros de hambúr-
gueres em redes de fast food ou entregadores e taxistas de aplicativo.

180 Paulo Gala e André Roncaglia


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Produzir bananas é diferente de produzir carros

O processo de desenvolvimento se dá num ambiente de competição em


que nações ricas lutam para preservar suas vantagens competitivas em
relação aos países em desenvolvimento em determinados mercados,
tornando o processo muito mais desigual e assimétrico. A harmonia de
interesses prevalece na medida em que a periferia se resigna em ficar
em seu devido lugar. Na conhecida expressão do economista alemão
Friedrich List, após atingirem um elevado estágio de desenvolvimento
os países ricos “chutam a escada”, tentando impedir que países pobres
percorram o mesmo percurso; são estratégias de maximização de lucro
das próprias empresas multinacionais. A visão ortodoxa de mundo tem
uma postura mais individualista e menos sistêmica; são essenciais para
esta corrente as características intrínsecas do homem, em particular, o
grau e a qualidade média da instrução escolar e acadêmica.
Alternativamente, a visão desenvolvimentista entende que as
ocupações em si e tipos de vagas de trabalho são mais importantes do
que a qualificação. Se não houver postos de trabalho qualificados, não
adianta qualificar a população. E por este motivo o desenvolvimento
decorre do tipo de atividade praticada e do bem que se produz; ou seja,
para a visão inspirada em List, “o que” e “como” se produz são essenciais
para se gerar o desenvolvimento econômico. Um alto nível de produção
per capita só pode ser atingido a partir da sofisticação do tecido produ-
tivo de uma economia. E para isso ocorrer não basta se expor à enor-
me competição existente no mercado mundial. Os first movers de paí-
ses ricos têm vantagens gigantescas sobre seus concorrentes em países
pobres e em desenvolvimento no que diz respeito a domínio de merca-
dos, propriedades de tecnologias, escala de produção etc. Eles não fa-
zem tudo isso porque são ricos, mas, ao contrário, por terem chegado
antes e protegerem suas conquistas econômicas e tecnológicas é que
conseguem se manter na liderança do mundo.
Na perspectiva desenvolvimentista não existe objetivo maior
do que criar uma indústria local, competente, capaz de produzir para
o mercado mundial com grande excelência tecnológica. Como esses
campeões internacionais não surgem naturalmente do dia para a noi-
te, o governo deve ajudar com subsídios, tarifas e financiamentos até
que essas empresas atinjam escala e força suficiente para competir no
mercado doméstico e mundial. Trata-se da velha ideia da indústria
infante, cujo conceito precisa ser constantemente atualizado para os

Brasil, uma economia que não aprende 181


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movimentos tecnológicos e comerciais do jogo econômico, para que


capacidades obsoletas não sejam nutridas por políticas rígidas e iner-
ciais. Não basta ter as “instituições certas” em dado momento do tem-
po. É preciso que as próprias instituições econômicas e políticas sejam
suficientemente flexíveis para incorporar as inovações de forma sóli-
da e direcionada ao desenvolvimento social e econômico. Muitos dos
gigantes asiáticos de hoje surgiram de estratégias desse tipo, envol-
vendo políticas industriais e direcionamento estatal que se somaram
a uma competentíssima iniciativa privada, aguerrida e eficiente. Mas
não se engane o leitor ao pensar que este é um jogo de cartas marcadas
e resultados garantidos. Há muitos exemplos de fracasso, corrupção
desenfreada e má alocação de recursos que demonstram a dificuldade
estratégica em articular entre si forças internas e externas em prol do
desenvolvimento nacional. Tanto a história brasileira quanto diversas
experiências internacionais mostram que a economia política das re-
formas não é um jogo para amadores.
A narrativa das vantagens comparativas na produção de bens
e serviços deriva de uma noção emprestada da astronomia do século
XVIII, em que os planetas participam de órbitas estáveis e bem-com-
portadas e todos desempenham um papel dentro do concerto inter-
planetário. Como isso se traduziu para a economia? Sabemos que todo
mundo não pode ser bom em tudo o que faz. Assim, David Ricardo de-
duziu, de forma rigorosa, porém parcial, que se cada um se concentrar
em fazer o que é melhor, sua vantagem comparativa, o comércio in-
ternacional se daria entre as estruturas produtivas mais eficientes. A
história é a seguinte: Ao produzir bens “baratos” para o mundo, meus
parceiros comerciais também poderiam se ocupar daquilo que fazem
melhor, oferecendo-me também produtos “acessíveis” a partir da ven-
da dos meus. É o que a literatura econômica chama de “ganhos de co-
mércio” que resultam dos “ganhos da especialização”.
O argumento da CEPAL nos anos 1950 era exatamente de que
o desenvolvimento econômico das nações levaria a resultados viesa-
dos em favor daqueles que produziam os bens com maior conteúdo
tecnológico. Por isso, o comércio internacional não poderia resultar
da especialização vocacional de cada nação, mas da transformação
tecnológica de suas matrizes produtivas. Isso requeria alterar ativa e
deliberadamente a estrutura de produção para desenvolver as “voca-
ções” inibidas pelo esquema “vocacional” passivo – porque ditado pe-
los concorrentes – que levava à subutilização dos recursos internos às

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nações. A diversificação oferecia ganhos de comércio muito mais in-


tensos se combinados à especialização setorial estratégica, que pode-
riam gerar condições para novas rodadas de transformação produtiva.

Política industrial para o século XXI

As breves histórias de Embraer, WEG, lei dos genéricos, de programas


militares brasileiros e diversos outros exemplos deste livro ilustram de
forma prática o funcionamento de um “Sistema Nacional de Inovação”
(Lundvall, 2010); um grupo articulado de instituições dos setores pú-
blico e privado (agências de fomento e financiamento, instituições fi-
nanceiras, empresas públicas e privadas, instituições de ensino e pes-
quisa etc.) cujas atividades geram e difundem novas tecnologias, sendo
a inovação seu aspecto crucial. O nível de articulação entre os diver-
sos atores que compõem um sistema desses determina a capacidade de
uma cidade, região ou país em gerar inovações. Um Sistema Nacional
de Inovação compõe-se do envolvimento e integração entre três prin-
cipais agentes: o Estado, responsável por aplicar e fomentar políticas
públicas de ciência e tecnologia; universidades e institutos de pesquisa
responsáveis por criar e disseminar o conhecimento e empresas respon-
sáveis pelo investimento na transformação do conhecimento em pro-
dutos. Nestes sistemas, o investimento público e a ação do Estado como
fomentador, financiador e aglutinador são sempre essenciais.
O fomento e a proteção da política industrial requerem disci-
plina no seu uso, para que se gerem as contrapartidas. Caso contrário,
recursos públicos são desperdiçados ao atender aos interesses econô-
micos de grupos de pressão sem beneficiar a coletividade. Neste senti-
do, o “intervencionismo” do governo não é uma panaceia, muito pelo
contrário. Traz consigo o risco de ocorrência de inúmeros problemas
associados ao rent-seeking, bem como distorções na aplicação das po-
líticas. A tentativa de se criar complexidade não é, portanto, isenta de
custos, nem de riscos. Na política industrial, o governo age como um
técnico de futebol, articula os jogadores, escala o time mas não entra
em campo. O técnico não sabe quem vai fazer gol, quando e como.
Mas a presença dele aumenta a probabilidade de sucesso e vitória. O
mesmo ocorre com países, estados e empresas. Política industrial não
é uma questão de onisciência do planejador central; trata-se na ver-
dade de uma função de articulação que melhora o funcionamento dos

Brasil, uma economia que não aprende 183


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mercados. Mazzucato e Penna (2016), por exemplo, fizeram um inte-


ressante plano para o Brasil nos moldes da postura “mission oriented”
do Estado defendida pela autora.
Em trabalho de 2004 com o título Política industrial para o sé-
culo XXI, Dani Rodrik (2004a) discute como desenhar uma política
industrial eficiente. Por um lado, existe o claro risco de uma proxi-
midade excessiva entre os burocratas e empresários que dê margem
à “captura” do estado. Surgem processos de corrupção e rent-seeking
que desvirtuam a articulação e coordenação da política industrial, tor-
nando-a mero instrumento de rent-seeking, busca de “enriquecimento
fácil”. A reposta de desenho institucional para tentar evitar esse tipo
de comportamento seria o isolamento dos burocratas e criação de dis-
tância em relação aos empresários regulados e coordenados. Confor-
me argumenta Rodrik, essa boa estratégia para evitar corrupção vai
exatamente na contramão de outra necessidade da política industrial
que é justamente aproximar o setor público e privado para que juntos
encontrem soluções produtivas mais rentáveis e promissoras. O equi-
líbrio entre esses dois aspectos constitui para Rodrik o que seria uma
política industrial ideal. Como fazer isso?
Rodrik enumera algumas medidas práticas que podem aju-
dar neste sentido. Primeiro: o status da política industrial deve ser
elevado no governo e contar com ministro ou instância de poder de
primeira ordem para lidar com esses assuntos, equiparado inclusive à
importância do Ministério da Fazenda e do Banco Central ao ente de
governo que deveria comandar a política industrial. O cargo pode ser
de ministro, vice-presidente ou até mesmo o presidente da república,
como destacada Rodrik em relação ao general Park Chung Hee na Co-
reia do Sul. Segundo: criação de conselhos e fóruns de coordenação
entre setor público e iniciativa privada; agências de fomento, organi-
zações privadas sem fins lucrativos, além dos próprios organismos de
representação de classe. São fóruns onde a troca entre setor público
e privado pode fluir melhor, com as demandas do setor privado sen-
do apresentadas e as opções de caminhos públicos a seguir podem ser
melhor discutidas. Terceiro: criação de mecanismos de transparência
e “accountability”. A política industrial deve ser enxergada pela socie-
dade como uma ferramenta para promoção de avanço tecnológico e
desenvolvimento de novas atividades produtivas e não um canal para
apropriação de ganhos fáceis de rent-seeking e oportunidades de cor-
rupção. As decisões dos conselhos de política industrial e os recursos

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públicos destinados a esses políticas devem ser totalmente transpa-


rentes e sujeitas a crítica permanente da sociedade.
O setor público pode e deve contribuir com políticas de estímu-
lo à inovação e educação adequadas além da manutenção de preços ma-
cro adequados (equilíbrio fiscal, inflação baixa e estável, câmbio com-
petitivo, prêmio de risco e juros baixos). O protecionismo à indústria
infante pode ser usado em casos específicos, mas com metas de ganhos
de produtividade e prazos bem definidos, como se fez no Leste Asiático.
Sempre haverá, no entanto, o risco de captura da agência pública pelo
regulado, o que desvirtua completamente o processo. Por outro lado,
desregular os mercados e abrir a economia de forma indiscriminada
tampouco resolverá o problema do desenvolvimento. Economias com
empresas fracas, sujeitas a fulminante concorrência internacional, es-
pecialmente no setor de bens transacionáveis complexos, verão seu te-
cido produtivo ser dizimado rapidamente em condições de abertura in-
discriminada e preços macroeconômicos errados; como se viu no Brasil
das últimas décadas. Ainda sobre essa questão da abertura comercial, é
importante observar que o nível da taxa de câmbio real é chave. Sobre-
valorizações muito intensas equivalem a zeragem de tarifas: um pouco
do que vimos no Brasil da era FHC e também da era Lula e Dilma.
Para concluir este breve livro, gostaríamos de destacar final-
mente que a perspectiva aqui apresentada tem um propósito muito mais
ilustrativo sobre o potencial dessas abordagens. Trata-se de um convite
para engajar estudantes e pesquisadores em trabalhos e estudos futuros
nesta linha. A ótica da complexidade econômica revela que não há ca-
minho possível para o desenvolvimento sem que se siga a rota da sofis-
ticação do tecido produtivo. Todos os países ricos amadureceram suas
economias na direção de maior complexidade, enquanto todos os países
pobres falharam em tal propósito. Como chegar lá continuará sendo ob-
jeto de acaloradas disputas teóricas e políticas. O que realmente impor-
ta é não desviar do propósito e do destino de todo este debate, os quais
foram tão bem colocados por Celso Furtado (1998, p. 47): “Quando a ca-
pacidade criativa do homem se volta para a descoberta de suas poten-
cialidades e ele se empenha em enriquecer o universo que o gerou, pro-
duz-se o que chamamos de desenvolvimento”. O Brasil se perdeu, mas
sempre é possível reencontrar a rota para um futuro melhor.

Brasil, uma economia que não aprende 185


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Lista de siglas e acrônimos

AL&C - América Latina e Caribe


Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
C&T - Ciência e Tecnologia
CBA - Cooperação Brasil-Argentina
CEPAL - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe
CGV - Cadeia Global de Valor
CISI - Centro de Integração da Ciência e Indústria
COCTA - Comissão de Organização do Centro Técnico de Aeronáutica
CODELCO - Corporación Nacional del Cobre de Chile
COMAC - Commercial Aircraft Corporation of China
CSN - Companhia Siderúrgica Nacional 
CTA - Centro Técnico de Aeronáutica
DARPA - Defense Advanced Research Projects Agency
DCTA - Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial
DRAM - Dynamic Random Access Memory
EAP - East Asia and the Pacific
ECI - Economic Complexity Index
ELEB - Embraer Divisão Equipamentos 
EMNs - Empresas Multinacionais 
Engesa - Engenheiros Especializados S.A.
EV - Electric Vehicle
FAB - Força Área Brasileira
FCA - Fiat Chrysler Automobiles

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Lista de siglas e acrônimos

FCC - Federal Communications Commission


FDA - Food and Drug Administration
FEA-USP - Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade
e Atuária da Universidade de São Paulo
FTE - Finanças, Tecnologia e Eletrônica 
FMA - Fábrica Militar de Aviones
IA - Inteligência Artificial
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
IDA - Industrial Development Authority
IED - Investimento Estrangeiro Direto
IFF - International Flavours and Fragrances
Inovar-Auto - Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e
Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores
INSEAD - Instituto Europeu de Administração de Empresas
IoT - Internet of Things
IPD - Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento
IPI - Imposto sobre Produtos Industrializado
IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano
ISI - Industrialização de Substituição de Importações
ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica
ITT - Industrial Trade and Technology
KAIST - Korea Advanced Institute of Science and Technology
Mafersa - Material Ferroviário S/A

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MFA - Multifiber Agreement


MIT - Massachusetts Institute of Technology
MUL - Maruti Udyog Limited
NAFTA - North American Free Trade Agreement
NASA - National Aeronautics and Space Administration
NIH - National Institutes of Health
NSF - National Science Foundation
OCS - Office of the Chief Scientist
OEM - Original Equipment Manufacturer
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONU - Organização das Nações Unidas
PAC - Programa de Aceleração do Crescimento
PCC - Partido Comunista Chinês
P&D - Pesquisa e Desenvolvimento
Petrobras - Petróleo Brasileiro S.A.
PIB - Produto Interno Bruto
PLA - Exército de Libertação Popular da China
POSCO - Pohang Iron and Steel Company
PND - Plano Nacional de Desenvolvimento
PPP - PIB per capita 
Proinfa - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica
Prosub - Programa de Submarinos
R&D - Research & Development

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Lista de siglas e acrônimos

SASAC - State-owned Assets Supervision and Administration


Commission of the State Council
SFH - Sistema Financeiro da Habitação
SUFRAMA - Superintendência da Zona Franca de Manaus
SUV - Sport Utility Vehicle
TACO - Tata AutoComp Systems
Telco - Tata Engineering and Locomotive Company
Telebras - Telecomunicações Brasileiras S/A
TI - Tecnologia da Informação
TIC - Tecnologia da Informação e Comunicação
TIP - Technology and Innovation Policy 
TRIPS - Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights
UNCTAD - Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
e Desenvolvimento
VHS - Video Home System
VoIP - Voz sobre Protocolo de Internet
WIPO - World Intellectual Property Organization
ZFM - Zona Franca de Manaus

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Apêndice: Manufaturas no mundo


Manufatura População Manufatura total
PAÍS
p/c* 2017, em US$ 2017 2017, em US$
Irlanda 22.049 4.807.388 106.000.117.832
Suíça 14.709 8.451.840 124.314.040.774
Cingapura 11.379 5.612.253 63.860.453.328
Alemanha 9.097 82.657.002 751.905.498.188
Coreia do Sul 8.201 51.466.201 422.064.505.673
Áustria 8.008 8.797.566 70.450.452.654
Japão 7.945 126.785.797 1.007.330.720.000
Dinamarca 7.332 5.764.980 42.269.758.925
Suécia 7.054 10.057.698 70.948.985.113
Finlândia 7.004 5.508.214 38.577.980.042
EUA 6.684 325.147.121 2.173.319.535.000
Bélgica 5.522 11.375.158 62.817.288.708
Oman 5.465 4.829.480 26.391.157.347
Holanda 5.367 17.131.296 91.935.133.076
Catar 5.322 2.724.724 14.501.373.626
República Tcheca 4.904 10.594.438 51.952.587.375
Israel 4.894 8.713.300 42.639.578.289
Eslovênia 4.835 2.066.388 9.991.718.580
Itália 4.833 60.536.709 292.571.280.723
Noruega 4.832 5.276.968 25.498.730.606
Bahrein 4.394 1.494.074 6.564.574.468
Canadá 4.393 36.540.298 160.531.130.000
Nova Zelândia 3.917 4.794.066 18.778.650.000
França 3.866 66.865.144 258.470.437.875
Reino Unido 3.625 66.058.859 239.432.918.823
EAU 3.558 9.630.000 34.262.136.689
Espanha 3.210 46.593.236 149.560.948.505
Eslováquia 3.137 5.439.232 17.061.075.049
*p/c: per capita
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Manufatura Manufatura total


PAÍS População 2017
p/c 2017, em US$ 2017, em US$
Austrália 3.133 24.601.860 77.072.931.594
Lituânia 2.858 2.828.403 8.084.151.621
Hungria 2.825 9.787.966 27.655.128.143
Estônia 2.748 1.317.384 3.620.821.205
Arábia Saudita 2.682 33.099.147 88.773.671.033
Portugal 2.646 10.300.300 27.253.628.898
China 2.567 1.386.395.000 3.558.403.858.673
Polônia 2.437 37.974.826 92.561.320.880
Malásia 2.241 31.105.028 69.712.584.876
Romênia 2.155 19.587.491 42.204.861.197
Uruguai 1.924 3.436.646 6.611.344.878
Argentina 1.875 44.044.811 82.603.486.998
Turquia 1.849 81.101.892 149.990.124.318
Tailândia 1.797 69.209.858 124.382.995.775
Grécia 1.784 10.754.679 19.182.310.423
Croácia 1.731 4.124.531 7.139.074.247
México 1.601 124.777.324 199.811.300.029
Chile 1.577 18.470.439 29.121.586.053
Costa Rica 1.441 4.359.692 6.283.300.000
Rússia 1.335 144.496.740 192.870.358.827
Bielorrússia 1.246 9.498.264 11.836.878.332
Bulgária 1.208 7.075.947 8.547.565.543
Paraguai 1.091 6.956.070 7.586.021.832
Rep. Dominicana 1.073 10.513.131 11.276.416.920
Cazaquistão 1.043 18.037.776 18.815.956.086
Brasil 1.041 207.833.831 216.435.420.192
Argélia 1.002 41.389.199 41.463.240.000
Sérvia 948 7.020.858 6.657.776.759
Panamá 898 4.176.870 3.749.000.000
Equador 893 16.785.361 14.983.046.000

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Manufatura Manufatura total


PAÍS População 2017
p/c 2017, em US$ 2017, em US$
Peru 870 31.444.297 27.369.421.868
Indonésia 774 264.645.886 204.748.965.608
África do Sul 737 57.000.451 41.986.118.727
Colômbia 728 48.901.066 35.593.475.668
Sri Lanka 655 21.444.000 14.046.683.809
El Salvador 632 6.420.000 4.057.000.000
Filipinas 580 105.173.264 61.014.842.932
Tunísia 515 11.433.443 5.883.566.173
Marrocos 484 35.581.294 17.219.149.814
Hong Kong 470 7.451.000 3.502.925.627
Egito 401 96.442.593 38.702.939.740
Vietnã 363 94.596.642 34.308.986.384
Bolívia 352 11.192.854 3.935.972.504
Ucrânia 302 44.831.135 13.530.564.057
Índia 292 1.352.617.330 394.398.167.553
Bangladesh 271 159.670.593 43.203.829.626
Angola 270 29.816.748 8.036.418.688
Uzbequistão 265 32.388.600 8.577.022.757
Senegal 260 15.419.381 4.013.236.581
Gana 221 29.121.471 6.426.777.456
Camarões 215 24.566.045 5.281.711.942
Azerbaijão 195 9.854.033 1.920.462.468
Costa do Marfim 192 24.437.469 4.683.333.259
Paquistão 176 207.896.686 36.543.620.429
Zimbábue 173 14.236.745 2.459.491.712
Nigéria 172 190.873.311 32.847.645.980
Quênia 126 50.221.473 6.337.163.316
Zâmbia 125 16.853.688 2.102.379.327
Congo, Rep. Dem. 91 81.398.764 7.408.828.771
Etiópia 48 106.400.024 5.058.822.417
Fonte: Banco Mundial (https://data.worldbank.org/indicator/NV.IND.MANF.CD

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façam seu catching up no século XXI? Revista de Economia Política, v.
39, n. 3 (156), p. 527-543, jul./set.
_________. et al. (2019a). A armadilha da renda média e os obstáculos
à transformação estrutural: a curva S da complexidade econômica. São
Paulo: ANPEC.

  

214 Paulo Gala e André Roncaglia


Brasil, uma economia que não aprende 215
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216 Paulo Gala e André Roncaglia
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Apoiadores

E
ste livro só foi possível graças aos 786 apoios recebidos
durante a campanha de financiamento coletivo realizada entre os
dias 11 e 25 de maio de 2020 na plataforma Benfeitoria (https://
benfeitoria.com/brasilnaoaprende). Gostaríamos de agradecer a cada
uma e cada um de vocês que acreditou e se interessou pelo conheci-
mento que compartilhamos agora. Esperamos que da mesma forma que
0 livro nos entusiasmou, inspire e incentive todas e todos no compro-
misso de sempre buscar um país melhor e mais justo. Muito obrigado!

Adans Hans Abad Alan Damasceno Alexandro Silva Ferreira


Adilson Roberto Rodrigues Aline Martini Pontes Vidal
Gonçalves Fernandes Alan Eleutério Allan Lelis Pinheiro
Adílson Simão Alan Guizi Allan Nacif
Adria Gimenes Alberto Teixeira Allan Patrick Medeiros
Adriana Paiva Mancini Alessandra Galasso Lucas
Adriana Raich Alessandro Ribeiro Almir Delon dos Santos
Adriano Andrade Alessandro Serafin Alvaro Rios
de Mattos Octaviani Luis Alyson Ribeiro
Adriano Cunha Alex Alves Tolkmitt Amanda Corcelli Jorri
Adriano Pescarmona Alexandre Anselmo Ana Barbara Tavares
Adriano Savitras Alexandre Cavalieri Lopes
Adriano Slompo Scarante Alexandre de Paula Ana Carolina Cardoso
Agda Ferreira Rodrigues Baptista Lobo Ribeiro
da Cunha Reis Alexandre Gouveia Gama Ana Carolina da Silva
Agnaldo Dos Santos Alexandre Grimmer Camilo
Ahrends & Ahrends Davis Ana Huber
Advogados Associados Alexandre Oliveira Ana Karolina Oliveira Silva
Airton Saboya Alexandre Simões Ana Maria Barufi
Alan Broner Alexandre Torres Ana Maria Bianchi
Alan Coaglio Silva Alexandre Zatkovskis Ana Paula Ribeiro
Menezes Carvalho Pimentel Weiler

Brasil, uma economia que não aprende 217


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Ana Paula Vieira Augusto Silva Carlos Andre Santos


Ana Tereza Lanna Augusto Tundis Ferreira Carlos Araújo
Figueiredo Barbara Marques Carlos Augusto Rodrigues
Anderson de Freitas Vietro Beatriz Mioto Alvarenga
Anderson Rossi de Sousa Beatriz Momente Miquelin Carlos Augusto Terras
André Avelino da Silva Bernardo de Carvalho Carlos Eduardo Bellini
André Carvalho Frankenberg Borenstein
André Cruz França Bernardo Leão Carlos Eduardo Garcia
Figueiredo
André de Mattos Marques Bernardo Martins
Carlos Eduardo Grando
André Ferraz Bernardo Rocha Carvalho Rocha
Andre Gabriel Bruna Coelho Jaeger Carlos Eduardo Metidieri
André Luis dos Santos Brunno Henrique Sibin Menegozzo
Soares Bruno Bis Abbade Carlos Watanabe Seane Sa
André Luis Squarize Bruno Cordeiro Carolina Amaral
Chagas
Bruno Ferreira Carolina Zanatta
André Luiz Ribeiro
Bruno Ferreira da Silva Cássio Flauzino
André Mellini
Bruno Ferreira de Oliveira Cássio Lima
Andre Montano Reis
Bruno Ferreira Santos Celso Barbosa Massola
André Morais
Bruno Guerra Timm César Augusto Morais
André Mountian Costa
Bruno Passamani
André Pontes Machado Cezar Augusto Miranda
Ângelo Bonvenuto Guedes
Bruno Saggiorato
Antonio Chacar Hauaji Cezar Vasquex
Bruno Stival Silva
Neto Charles Savaris
Bruno Turetto Rodrigues
Antonio Dantas de Freitas Christian Velloso Kuhn
Filho Bruno Vinicius Lopes
da Silva Clara Castilho Oliveira
Antonio Luiz Ribeiro
Caick Purificação  Claudio S. de Almeida
Monteiro
Machado
Antonio Marcos Machado Caio Alexandre Grigoli
Cleber Dias
Antonio Vieira Caio Cardozo
Clemilton Gomes de Sousa
Aquiles Chaves Caio Correa Salero 
Clesio Lourenco Xavier
Arandi Ginane Bezerra Jr. Caio Correia
Clinton Junior Geoege
Ariana Cericatto Caio Henrique Ferreira
Amancio Cristiano Bezerra Lara
Ariete Mendonça
Caio Leonardo Cristiano de Barros Caris
de Andrade
Caio Souza Leão Cristiano de Carvalho
Armando Moraes da Silva
Camila do Carmo Cristina Cavoto
Arthur Pentagna
Hermida Dalton Cardillo Macedo
Arthur Romanzini
Lazzarotto Camila Pinatto Daniel Arruda Coronel
Artur Ribeiro Contrucci Carina Garcia Daniel Batista de Freitas
Artur Sampaio de Andrade Carlos Alexandre Abreu Daniel do Vale Rocha

218 Paulo Gala e André Roncaglia


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Daniel Lopes de Freitas Edson Santos Fabio de Brito Orsini


Daniel Moura da Costa Eduardo Oliveira Fabio Henrique Bittes
Teixeira Eduardo Calil Tannus Terra
Daniel Nicolau Ferrara de Oliveira Fabio Peroba Esteves
Daniel Penariol Eduardo Kimura Fábio Pompeo Parreira
Daniel Pereira da Silva Eduardo Lanna Fábio Santos
Daniel Ruiz Romano Eduardo Londero Fabricio Mancini
Daniel Salles da Silva Eduardo Lopes de Oliveira Fausto Oliveira
Daniela Giovana Siqueira Eduardo Martorelli Felipe Augusto Machado
Danielly Sugino Eduardo May Zaidan Felipe de Andrade Neves
Danilo Miranda Eduardo Paiva Lavratti
Danilo Oliveira Eduardo Roncaglia Felipe de Paiva Lima
de Carvalho Felipe Duarte
Danilo Tavares
Eduardo Souza Brasileiro Felipe Hygor Barbosa
Danilo Vieira
Edwilson J. S. Costa Felipe Lanhi
Daphine Americano
Edyarley Kyn Santos Felipe Levi
Davi Augusto Santana
Sanches
de Lelis Felipe Lima Brito
Elder Leandro
David Camoleze Felipe M. Rosseto
Elder Pereira da Silva
David Eduardo Rodrigues Felipe Matos Lima Melo
Eliane Cristina de Araujo
Dayse Vianna de Carvalho Felipe Pires Coelho
Eliane Teixeira dos Santos
Demetrius Martins Felipe Rampazzo
Elias Cavalcante Filho
Denio Nogueira Jr. Felipe Ribeiro Pereira
Elias da Gloria Braga
Diana Cabral Siqueira Felipe Rubinatto Rosolem
Élida Graziane
Diego Batista Guerra Felipe Smolski
Elionardo Moraes pintas
Diego Dgyovane Felipe Soares de Carvalho
Bonacolsi Eliseth Roncaglia Parra
Diego Dias da Cruz Eliseu Ribeiro Gomes Felipe Souza
Diego Luiz Souza Martins Eloiza Regina Ferreira Felipe Takeshi
de Almeida
Diego Matos Felipe Teixeira
Elson Perez
Dillion Arpis Braz Ferreira Felipe Toledo Duarte
Emerson Amorim Cortes
Diogo Ferraz Felipe Zagnoli Vieira
Emerson de Moraes Alves
Domingos Roberto Todero Fernanda Cardoso
Emerson Maria
Dora Isabel Paiva da Costa Fernanda Rocha Veras
Emilu Ellen Beserra e Silva
Douglas Municelli Damasceno
Edimara Lucia Rupolo Fernando Amorim
Emily Oliveira de Souza
Edmilson Celso Fernando Brunetti
Érica Patente Nascimento
Edmilson Gomes Fernando Camilo Ramalho
Evandro Felicio
Edmir Denis Diniz Fernando de Barros Ribeiro
Everton G. de Freitas
Ednilson Ribeiro Fernando Garcia
Ewerton de Souza
Edson de Carvalho Junior Henriques Fernando Mendonça

Brasil, uma economia que não aprende 219


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de Oliveira Junior Gabriel Rabello Yoshida Gustavo Tonheiro Palmeira


Fernando Padilha Avena Gabriel Silva Garcia Gustavo Vieira de Azevedo
Fernando Piva Gabriel Vidal Dias
Fernando Rovigatti Gabriel Vieira Fernandes Hélber Gonçalves
Filipi Melo Gabriela de Andrade Neves Helder Evandro de
Medeiros Alves Filho
Flávia Morales Alves Gabriela de Brelàz
Helvio Lima carvalho
Flávio Camilo Luz Gerardo Neto
Hely Lembi Ferreira Junior
Flavio Matos Ferreira Gil Lopes
Henning Menke
Flávio Pereira Cruz Gilberto Martins da Silva
Hermes Moreira Junior
Flavio Saldanha Gilberto Senechal
Hernani Macedo
Flavio Teixeira Barbosa de Goffredo Filho
Hildete Nunes Damasceno
Francisco Agustin Gilson Jacob Bergoc
Machado Echalar Hugo Chu
Giordano Spencer e Souza
Francisco Ailson Alves Hugo Silva
Giovanna Gonçalves
Severo Filho Iago Luiz
Giovanna Padilla Bortoto
Francisco Cezar de Luca Ícaro Felipe
Giovanna Tonzar
Pucci Igor Campos
dos Santos
Francisco Ebeling Barros Igor Nardo
Giovanne Vilela Morais
Francisco José Araújo Irineu Brinker
Gui Peçanha
Bezerra
Guilherme Ataides Isabella Lofrano
Francisco Mendes Costa
de Matos Ítalo Nogueira Soares
Francisco Mourão
Guilherme Batista Ivan Lahr Furquim
Francisco Rolim de Morais de Camargo
Junior Guilherme de Menezes
Guilherme De Oliveira Ivy Vilela Lima
Francisco Samuel Ferreira
Santos Izabella Bonato Marques
Francisco Santana
Guilherme Henrique Kurz Jacob Marques da Silva
Francisco Thainan Neto
Guilherme Klein Martins
Frank Marçal Jailson Cândido Pereira 
Guilherme Lutti
Franklin de Oliveira Jaime Pedro Folster
Lacerda Guilherme Pires Souto
Javier Toro
Guilherme Ribeiro
Franklin Peixoto Jean Mistrelli
de Souza
Goncalves
Guilherme Riccioppo Jéferson Soares Damascena
Frederico Krepe da Silva
Magacho Jesse Pacheco
Frederico Mazzucchelli
Guilherme Sivieri Pompeu Joana Campinho R. C. R.
Frederico Papini de Sousa Brasil Delgado
Gabriel Daudt Gustavo Augusto Keusch João Barros
Gabriel de Paula Richa Albano Nogueira João Cid Campelo
Gabriel Guedes Meira Gustavo Caniatti João Guilherme Rocha
Gabriel Moralez Gustavo Pereira da Silva Machado
Gabriel Mounzer Gustavo Pereira Serra Joao Jorge
Gabriel Nicolau Silva Gustavo Tavares da Costa João Miranda

220 Paulo Gala e André Roncaglia


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João Paulo Pínola Juliana Tramandinoli Leone Oliveira Ferraz


João Paulo Ribeiro Juliano Canuto Leônidas Paixão
de Carvalho Juliano Tom Letice Praia Lima
Joao Romero Julinho Bersot Leticia Aparecida Daniel
Joao Urbano Dias Julio Matheus Donato da Silva
João Victor Meneses Silva da Costa Lidia Gimenez
Leal Julio Pereira Silva Lindemberg Lopes Areias
Jocelio Santos Karen Morais Dos Santos Neto
Joelson Oliveira Sampaio Karina Aparecida Lopes Loki Hermes
Jonas Isaac Silveira Barreto da Costa Lucas Alessandro Pires
Jorge Humberto Silva Elias Karina Herrera Silva Lucas Cordeiro dos Santos
Jorge Luis Fernandes Karla Karoline Lira Martins Lucas Correa Mendes
Jorge Rabello Katia Morinaga Honda Lucas de Almeida Borges
Nemoto Lucas França Louvera
José Alves Júnior
Kauã Pinna Lucas Gabriel Gonçalves
José Anderson Soares
Barros Kelson Rabelo Barros
José Cardoso Junior Kimura Mauricio Lucas Linhares
José Carlos da Cunha Jr. Kleber de Vasconcellos Lucas Melo Moitinho
Viana Lucas Penteado
José Celso Júnior
Larissa Iafelix Ferreira Lucas Squarize Chagas
Jose Cleverson Santos
Fraga Leandro Andre Cardoso Lucas Stauffer Costa
de Souza
José de Paula Galvão Jr. Lucas Thixbai Freitas Fraga
Leandro Oliveira
Jose Eduardo Rodrigues Lucas Yamauchi Torres
Leandro Penedo Manzoni
José Francisco Lima Lucas Zambon Adami
Gonçalves Leandro Salman Torelli
Luccas Calheirani
José Godoy Leo P. do Amaral
Luciana Onusic
Leonam Bueno Pereira
José Luís Rabelo Luciano Galicki
de Santana Leonardo Afonso
Luciano Pereira da Silva
Jose Manoel de Arruda Leonardo Esteves Pinto
Alvim Netto Ludmila Macedo Correa
Leonardo Fernandes
Justino Luis Felipe Fernandes
José Massonetto
Barros
Jose Oreiro Leonardo Furtado
Machado Luis Felipe Soares
José Quintella dos Santos
Leonardo Guimaraes
Joseane Mariano de Lima Motola Luis Fernando da Silva
Santos Beck
Leonardo Oliveira
Juan Abreu dos Santos Silva Luís Guilherme Oliveira
Juarez Barroso Ferreira Leonardo Palharini Luis N. Meloni
Juci Oliveira Leonardo Prado Ribeiro Luis Paulo Bueno
Julia Torracca Leonardo Sosinski Luiz Alberto Marangoni
Juliana Franco Leonardo Vieira de Melo Luiz Antonio da Silva
Juliana Santos Oliveira Abreu Barros

Brasil, uma economia que não aprende 221


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Luiz Antonio Rodrigues Marcos Avelino Michel Barros Felippe


Luiz Bonfim Marcos Lopes de Abreu Jabour
Luiz Bruno Dantas Marcos Vinicius Gomes Miguel Alkmim
Luiz Felipe Bruzzi Curi Januario Milena Correa Ferrari
Luiz Gonzaga Chiavegato Marcus Alves Abreu Moreno Zaidan Garcia
Filho Oliveira Neila Soares da Silva
Marcus Mattei Nelson Caprini Junior
Luiz Guilherme da Cunha
Mello Marcus Mello Rego Nelson L. M. Macedo
de Amorim
Luiz Paulo Diniz Nery Agenor Silva
Marcus Zoega Bueno
Luiz Paulo dos Santos Neuza R. Fioravante
Maria Amelia Silva
Luli Ramalho Nicholas Charles Bezerra
Maria Clara Pecorelli
Luzimar de Oliveira Nicole Stephanie
Coutinho Maria Eugênia Reis Florentino de Sousa
Maiara Sarmento Rufino Maria José Galdino Carvalho
Manoel Fernandes Garcia Mariana Soares Silveira Nildes Raimunda Pitombo
Neto Bueno Leite
Marcel Bertti Mariane Rodrigues Nilma Almeida
Mariel Liberato Schwartz do Nascimento
Marcello Pilar
Marimelia Porcionatto Nilson Figueiredo Filho
Marcelo A. M. de Carvalho
Marina Liuzzi Nilson Lourenço
Marcelo Augusto Alves de Araujo
Moreira Filho Mario Luis de Almeida
e Silva Coelho Braga Olivar Pedro Alves Moraes
Marcelo Bernardineli Papanikolopoulos
Mário Salerno
Marcelo Dantas Falcão Orlando Ramos
Marta do Espirito Santo
Marcelo de Almeida Pontes Osvaldo Agripino
Matheus de Alvarenga de Castro Junior
Marcelo Luís Neis
Catta Preta Rocha
Marcelo Pereira Osvaldo Irineu Lopes
Matheus Dias Gonçalves de Araújo Costa
Marcelo Pinho
Matheus dos Santos Oswaldo Junqueira
Marcelo Siqueira Campos Carvalho
Otávio Spinace
Marcelo Sobreiro Maciel Matheus Fernandes Gama
Pablo Henrique Fortaleza
Marcelo Souza Basilio
de Oliveira
Marcelo Teles de Lima Matyas Laszlo Abeling
Paolo Lima
Szabo
Marcio dos Reis Uno Patricia Helena Fernandes
Márcio Ricardo Maurício Martinelli Luperi  Cunha
Márcio Valério Alves Mauricio Oliveira Paula Silva de Carvalho
da Costa Maurício Sampaio Vidor Pauline Sebok de Siqueira
Marcio Yuji Matsumoto Mauricio Simões Vargas
Gonçalves Júnior Paulo Andre Miranda Lima
Marco Brancher
Mauro Thury de Vieira Sá Paulo Arruda
Marco Cavalieri
Mauro Zacher Paulo Augusto Franke
Marco Túlio de Melo Vieira
Max F. Lutkemeier Paulo Fernando Cirino
Marcos Antônio Alves
de Araújo Melania Pereira de Farias Mourao

222 Paulo Gala e André Roncaglia


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Paulo Frediani Urruth Rafael Barisauskas Ricardo Batista


Paulo Markowski Rafael Botelho Mota de Siqueira Xavier
Paulo Monteiro dos Reis Rafael Brisque Neiva Ricardo Escorse
Paulo Morceiro Rafael Campos Facundes Ricardo Faustino
Paulo Prado Rafael de Almeida Soares Ricardo Jorge Pires
dos Anjos
Paulo Roberto Agrizzi Rafael do Vale Martins
Nacaratti Mesquita Ricardo José da Silva
Paulo Roberto de Souza Rafael Franco de Lima Ricardo Neves Streich
Trajano da Silva Rafael Jose Duraes Ricardo Pimenta Bertolla
Paulo Sérgio de Andrade dos Santos Rinaldo Faria
Paulo Sobral Rafael Junio Andrade Rinaldo Lima da Silva
Alves
Paulo Victor Roberto Carlos de Araújo
Rafael Pinho Silva
Paulo Vitor Gurtler
Rafael PIzzato Vier Roberto Dalle Molle Filho
Pedro Augusto
Rafael Pratti do Vale Roberto Rocha
Pedro Bara Zanotto
Rafael Sousa Oliveira Robson Antonio Grassi
Pedro de Paula
Raimundo Jorge Rodemarck Castello
Pedro Demarchi Gomes
Nascimento de Jesus Branco
Pedro Eduardo Soto
Ramon Garcia-Fernandez Rodney Mota
Penhalver
Ramon Pereira Lopes Rodolfo Augusto
Pedro Galvão
Ramon Silva Motta Bravo de Conto
Pedro Henrique Siqueira
Soares Ramon Wolf Rodolfo Lima Ribeiro
Pedro Henrique da Silva Raphael Neves Rodolfo Vaz
Pedro Henrique Lopes Raphael Reis Anacleto Rodolpho Santos
Ribeiro de Vasconcelos
Raul Carvalho Silva
Pedro Henrique Zanoni Rodrigo Bedin de Lima
Raul Ribeiro
Filho Rodrigo Costa
Ray Rabelo
Pedro Luiz Aprigio Rodrigo Cunha
Remo Bastos
Pedro Luiz Costa Rodrigo Dutra Vaz
Renan Augusto Batista
Cavalcante de Souza Araujo Rodrigo de Brito Antunes
Pedro Porto Renan Komavczewski Rodrigo Mineiro
Pedro Pregioni de Souza Renan Soldani Rodrigo Moreira Lopes
Pedro Procianoy Schissi de Carvalho Rodrigo Ribeiro
Pedro Scucuglia Renata D’Elia Roger Melo
Pedro Viscardi Renato Alves Roger Tavares
Pedro Waldecildo de Matos Renato Borges Rogerio da Silva Junior
Philipe Dias Renato Henrique de Gaspi Rogerio Dias
Poliana Dalpra Renato Moredo Ormeni Rômulo Manzatto
Priscila Hernandes Renato Rezende Ronaldo de La Pena Lobo
Rafael Antunes Campos Renatta Christina Toledo Vianna Felipe
Rafael Arosa deMattos Rene da Silva Bastos Ronaldo Rollin Pinheiro

Brasil, uma economia que não aprende 223


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Rosa Helena Barin Thales Fernando de Souza Vanio Morais Correa


Rubens Freire Ribeiro Thalita Alves Lins Veronica Rios Eufrasino
Rubens Júnior Thamirys Figueredo de Pinho
Ruy da Costa Val Evangelista Vicente Ronaldo Coelho
Camargos Thays Viana Ishikawa Correia Junior
Thiago Augusto Casotti Victor Albuquerque
Ryan Saad de Simas
de Melo
Sabrina Vieira Lima Thiago Chagas Bezerra
Victor Alves
Sabriny Pedrosa Thiago de Deus Rodrigues do Nascimento
Salvador Correa de Sá Thiago dos Santos Victor Stefanelli
e Benevides Santana
Victor Teles
Sammuel Augusto Ramos Thiago Drumond Moraes
Vinicius Barroso de Matos
Pereira Thiago Dutra Hollanda
de Rezende Vinicius Leandro
Samuel Araujo da Silva dos Santos Silva
Samuel Borges Thiago Pacatuba
Vinícius Pereira Oliveira
Sandro Henrique Thiago Paranhos
Vitor Cezario Lima
Sarita Marie Cavalcanti Thiago Piffer
Vitor De Santis Tavares
de Souza Thiago Possiede
Vitor Fernandes Verdi
Saul Ramos de Oliveira Thiago Soares de França
Vitor Keland Leite
Sergio Diniz Thiago Souza Onofre de Sousa
Sergio Granville Thiago Tauyl Barreiro Vitor Rosar
Sérgio Lopes Thiago Yamasaki Kawase Wagner Emanuel Aiello
Shan Ping Tsai Tiago Castro Wagner Rocha Mendes
Sidney Oliveira Tiago Couto Walber de Moura Agra
Silvio Cezar Arend Tiago da Silva Pinz Wallace Rodrigues de Melo
Silvio Sales Lima Tiago de Oliveira Loiola Welder Henrique
Simão Luiz Stanislawski Tiago Nicolosi Vasconcelos dos Santos
Simone Mandim Tiago Nogueira Weliton Rodrigues
de Noronha Wellington Carrilho
Solon Campos Sampaio
Tiago Santos Werner Fernandes Piana
Stefani Bertuccelli Vilella
Ton Melo Wesley Damiani
Stefany Osorio
Tsuyoshi Fukuda Willame Parente Mazza
Stephanie Lucas Sousa
Tulio Chiarini William Herrera
Tadeu Braga
Túlio Freitas Wilson Andrade
Taís Maria Lima
Uallace Moreira Lima Wilson Carvalho
Tarcisio Rodrigues Botelho
Uriel Garber Wlademir José
Tarcisio Romero
de Oliveira Valdoir Luiz do de Santis Junior
Nascimento Silva Wonder Bettin
Tarciso Gouveia da Silva
Vanderson Henrique
Tatiane Cristina Ribeiro dos Passos
Tauan Manieri Vanessa Cristina Barragan
Telpo Cargnin Tacchi

224 Paulo Gala e André Roncaglia


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Notas do editor:

1. Os nomes listados anteriormente seguem as grafias dos cadastros


preenchidos pelos próprios apoiadores e apoiadoras na plataforma Benfeitoria.

2. Alguns apoiadores ou apoiadoras não encontrarão seus nomes nesta lista


porque não preencheram esta informação em seu cadastro no site Benfeitoria
e, posteriormente, também não responderam às nossas tentativas de contato
por e-mail até o dia 03 de junho de 2020. Nossas mais sinceras desculpas.

Brasil, uma economia que não aprende 225


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Esta obra foi composta em Calluna e impressa pela gráfica Burti


em ofsete sobre papel pólen bold para o financiamento coletivo
dos autores na plataforma Benfeitoria em maio/junho de 2020.
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Brasil, uma economia que não aprende, percorre a


história das ideias econômicas sobre a riqueza “invisível”
das nações: o conhecimento. O incrível avanço da ciência
e da tecnologia nos levou do motor a vapor à eletricidade,
do computador à inteligência artificial. O conhecimen-
to foi fundamental para os saltos qualitativos na organiza-
ção econômica. E a partir de experiências internacionais de
sucesso de políticas industriais e de pesquisa e desenvolvi-
mento, o livro aponta os erros que o Brasil cometeu, bem
como os acertos que não prosperaram e por quê.

“De forma didática e fluida, Paulo Gala e André Ronca-


glia se debruçam, neste livro, sobre os caminhos e desca-
minhos do desenvolvimento econômico brasileiro à luz da
história das ideias e da experiência internacional. Pensar
o desenvolvimento e seus dilemas distributivos e ambien-
tais no século XXI não é tarefa fácil. Passados cinco anos
de crise econômica e várias décadas de perda de densidade
industrial no Brasil, o livro abre frentes essenciais de re-
flexão sobre o que nos falta aprender." Laura Carvalho

“Gala e Roncaglia apresentam um excelente panorama das


teorias de desenvolvimento econômico, de Antonio Serra
no século XVII a Dani Rodrik nos dias de hoje. Os autores
analisam como produtividade, complexidade produtiva e
distribuição de renda estão ligadas, e ilustram suas propo-
sições com diversos exemplos de sucesso e fracasso de polí-
ticas industriais ao redor do mundo. Leitura fundamental
para quem deseja se atualizar sobre o papel do Estado e do
mercado no desenvolvimento." Nelson Barbosa

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