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TUCO TUCO
Rio Grande não esteve à margem do processo desencadeado a partir de 1º de abril de 1964. Ao contrário:
a cidade portuária, foco de efervescentes manifestações dos trabalhadores, esteve nos planos da ditadura
desde o início. E com destaque. Ao menos é isso que apontam quatro pesquisas recentes sobre a cidade
naquele período. Os trabalhos de Eduardo Gandra (1999), Leonardo Kantorski (2011), Lidiane
Friderichs (2013) e Leandro da Costa (2014), todos historiadores, abordam o período por diferentes
óticas, mas utilizando Rio Grande como cenário (veja as referências completas ao final do texto). As
quatro dissertações – nenhuma delas produzida no âmbito da FURG, que mantém larga tradição em
silenciar sobre temas “espinhosos” – mostram a ditadura sob o prisma dos trabalhadores (portuários,
professores, ferroviários e músicos, respectivamente). Mais do que isso, estes trabalhos remontam os dias
difíceis de uma cidade que, hoje, prefere lembrar com saudades dos tempos da “Revolução”.
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4/11/2018 Rio Grande e a ditadura: um texto necessário* | TUCO TUCO
Pichação no pórtico de entrada de Rio Grande: o “perigo comunista” serve de pretexto para o Golpe
(Arquivo Público do Rio Grande do Sul/ Rio Grande – Cidade Histórica)
Agora eu (1980) é um documento quase esquecido. Seu autor, o capitão da Brigada Athaydes Rodrigues,
o escreveu para que seus conterrâneos não se alijassem do próprio passado. O livro, que hoje é peça rara
pelas bibliotecas do município, conta como foram aqueles dias que antecederam o Golpe, em Rio
Grande. Ao relembrar o clima de tensão que dominava a cidade, Rodrigues parece abrir caminho para
as mesmas constatações obtidas em pesquisas mais recentes: Rio Grande, que tinha prefeito e maioria de
vereadores pertencentes ao PTB de Jango, era vista pelas elites conservadoras (locais e de fora) como um
ninho de comunistas, mar vermelho de barbudos prontos para levar a cidade (e o país) a uma ditadura
do proletariado.
Localmente, o alvo era Farydo Salomão, professor e prefeito eleito, homem de boa reputação que gozava
de grande popularidade nos idos de 64. Para os oposicionistas, Salomão era uma ameaça, político ligado
a João Goulart e Leonel Brizola, os dois maiores exemplos do “comunismo em marcha” que seria
implantado no Brasil (vale lembrar que, em 64, a dialética capitalismo versus comunismo convencia
muito mais gente do que hoje, fator amplamente utilizado pelos golpistas). Os sete vereadores que
apoiavam o prefeito (todos do PTB) também eram considerados assim.
O maior jornal da cidade à época, o Rio Grande, encabeçava a campanha contra o prefeito do PTB. Anos
mais tarde, pesquisas revelariam que este mesmo periódico mantinha vínculos estreitos com o
IPES/IBAD, braço civil do processo de desgaste e desestabilização do Governo Goulart e seus
seguimentos. Este jornal, que depois desapareceria, noticiou com alegria a realização da Marcha com
Deus pela Família local – que acabaria acontecendo só depois do Golpe. Da mesma maneira, a folha
condenou Farydo Salomão por não apoiar a Marcha, preferindo defender as Reformas de Base da
política de Jango. A propósito: poucos dias depois do célebre Comício da Central, para muitos o
momento-chave da política janguista, o prefeito de Rio Grande realizaria seu próprio comício em defesa
da democracia e das Reformas. Neste dia, conforme conta Athaydes Rodrigues, Farydo Salomão
defendeu a encampação da Refinaria de Petróleo Ipiranga, maior ícone da industria local naquela
primeira metade da década de 60. Conforme o relato do capitão da Brigada, dias depois, a refinaria
fundada pelo “ilustre” Francisco Martins Bastos (que enriqueceu muito durante os anos de
autoritarismo) cederia caminhões e combustível para que os militares levassem a cabo o Golpe em Rio
Grande.
O combate aos petebistas que dominavam a política local riograndina tinha como objetivo maior atacar
o movimento organizado dos trabalhadores em suas diferentes categorias. Eduardo Gandra e Lidiane
Friderichs contam, com riqueza de detalhes, os meandros que levaram a ditadura – depois do Golpe – a
destruir as organizações sindicais e associações de classe, reprimindo e eliminando instituições inteiras,
como a Sociedade União Operária – que foi literalmente exterminada da vida papareia. Tempos
sombrios se anunciavam…
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Navio Canopus: das pesquisas na costa a “gaiola” de presos políticos (Marinha do Brasil)
O Golpe de 64 chegou com eco em Rio Grande. Preocupados com a possibilidade de resistência, os
militares focaram suas atenções no domínio de praças mais “tensas”, sobretudo as capitais. Porém, tão
logo João Goulart abriu mão da luta, começaram as ações locais. De acordo com Leandro da Costa e
Lidiane Friderichs, nos primeiros dias pós-Golpe as Forças Armadas iniciariam duas operações: a
limpeza (que visava retirar os opositores do Golpe de cena) e a gaiola (que tinha por objetivo prender
líderes de setores que pudessem oferecer algum “perigo” à recém-implantada ditadura).
Athaydes Rodrigues foi uma das primeiras vítimas das operações. Ele foi preso dias depois do Golpe, de
pijama, em casa. Não ofereceu resistência, porque não acreditava ter feito algo de errado (e de fato não
fizera; na época ele apenas exercia seu cargo de vereador eleito). Junto com o capitão da Brigada, líderes
sindicais também foram aprisionados. De acordo com Friderichs, dos 242 presos políticos gaúchos de
“primeira hora”, 20 foram detidos em Rio Grande (o maior contingente no interior do Estado). A
limpeza havia chegado à Noiva do Mar.
Em 24 de abril de 1964, pouco mais de duas semanas depois do Golpe, o prefeito Farydo Salomão foi
cassado pela operação limpeza e aprisionado pela gaiola. Seu vice, Álvaro Pereira, preferiu não assumir.
O comando do Executivo local foi entregue ao capitão Martinho de Oliveira, depois de uma eleição
indireta na Câmara de Vereadores – que também já havia sido “limpa” e, agora, era controlada pelo
capitão do Exército Mário Rodrigues da Costa. O novo vice-prefeito da cidade seria o professor Loréa
Pinto. Dali por diante, até 1985, os riograndinos não elegeriam mais o chefe do Executivo.
Farydo Salomão teve o mesmo destino de Athaydes Rodrigues e dos líderes operários perseguidos pelo
novo regime. Um IPM (Inquérito Policial Militar) foi instalado para investigar suas participações no
regime recém-derrubado. Salomão e os demais acabaram presos no navio hidrográfico Canopus, que se
tornaria uma “lenda” local. De acordo com informações obtidas junto à Marinha, o Canopus era um
navio destinado a realizar pesquisas na costa brasileira. A belonave foi utilizada durante mais de seis
décadas, mas, naqueles idos de 1964, os militares preferiram deixar as pesquisas cartográficas de lado
para transformar o navio em prisão política. Como seriam levados até Porto Alegre, os principais
“subversivos” locais – dentre eles o agora ex-prefeito – foram aprisionados no barco. Um destes presos
teria se suicidado e há relatos de que, nas caldeiras do barco, alguns dos presos foram submetidos a
graves torturas em condições desumanas, já que as altas temperaturas da sala de máquinas teriam sido
utilizadas para piorar a condição dos interrogatórios.O novo regime dava às caras.
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A título de curiosidade e de resgate de memória, vale lembrar que o capitão do Canopus, nesta época,
era ninguém menos que o Almirante Maximiano da Fonseca, que hoje dá nome a uma das muitas
avenidas de Rio Grande, num ato de descalabro com a História.
A visão de guerra dos militares brasileiros – incentivada por doutrinas importadas dos Estados Unidos –
pregava que os problemas brasileiros se resolveriam por duas vias: desenvolvimento e segurança. Assim
rezava a cartilha da Doutrina de Segurança Nacional que, poucos anos depois do Golpe, fecharia por
completo a torneira da liberdade para investir no terrorismo de Estado e naquilo que o historiador
Leandro da Costa denominou de “sensação de amparo”.
Rio Grande exemplifica bem esse processo. Limpa e engaiolada a oposição ao novo governo, os novos
interventores municipais começam a investir pesado em velhas reivindicações locais. Pouco tempo depois
de instalada a ditadura, o conjunto de escolas de nível superior criadas para atender a demanda de mão-
de-obra exigida pela Refinaria Ipiranga é transformado em universidade federal, dando origem à FURG
(injeção de dinheiro público na formação de trabalhadores especializados para o capital privado);
também nesta época, tem início algumas obras emblemáticas, dentre as quais aquela que transformaria
o Canal São Gonçalo na principal fonte de água do município.
(h ps://tucotucorg.files.wordpress.com/2014/03/medici-outubro-72-leandro.png)
O ditador Emilio Garrastazu Médici visita Rio Grande, em 1972 (foto publicada por Leandro da Costa
em sua dissertação de mestrado)
A propósito deste episódio, Leandro da Costa traz dados que ilustram de que forma as decisões eram
tomadas na ditadura. De acordo com o historiador, havia forte oposição ao uso das águas do Canal São
Gonçalo, sobretudo em virtude da existência de um serviço municipal de água e esgoto que fazia frente à
CORSAN. Riograndino, poderoso e pouquíssimo afeito aos valores democráticos, Golbery do Couto e
Silva (um dos artífices da ditadura que esteve às sombras do poder durante duas décadas) fazia coro aos
militares papareias e queria que o serviço municipal deixasse de existir. Como havia resistências na
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Câmara de Vereadores, o interventor Cid Scarone decidiu apelar ao “ilustre” Couto e Silva. Num
arroubo de autoritarismo, a Câmara foi fechada, o projeto do canal foi aprovado (por decreto) e, no dia
seguinte, o Legislativo voltou a funcionar.
As águas do São Gonçalo ajudariam a dar vida ao projeto do Super Porto, implantado pela ditadura no
início dos anos 70. Através do Super Porto e da corrupção inveterada e irrefreável advinda dos dólares
investidos na região, alguns riograndinos fizeram fortuna do dia para a noite, ao passo que outras
famílias mais tradicionais – no afã por manter o poder concentrado durante anos – simplesmente se
valeram de toda e qualquer forma de benefício oferecida pela ditadura. É bom lembrar que o “Milagre
Econômico” brasileiro, aclamado pelos defensores do regime, foi um dos projetos mais desastrosos dos
Anos de Chumbo. Para que se tenha uma ideia, neste período a dívida externa do país se multiplicou em
várias vezes. Em 64, ela era de cerca de 3 milhões de dólares; no início dos anos 80, já passara de cem
milhões.
Da época de ouro das intervenções e canetaços de Golbery em Rio Grande, data também o início da
derrocada ambiental. O Super Porto, a Ipiranga e a indústria pesqueira foram, em larga escala, agentes
de destruição das riquezas naturais do município. Nos anos 80, um estudo da FURG chegou a ser notícia
em todo o país, depois de alertar para o alarmante número de crianças natimortas nas vilas do entorno
do Porto Novo e da Barra.
A sensação de amparo se mistura com a de medo. Ao falar em segurança, muitas testemunhas daquele
tempo confundem a autoridade com autoritarismo. Quiçá este seja um dos maiores saldos negativos da
ditadura: com a imprensa livre, hoje sabemos que há corrupção, violência e desmandos, inclusive (e
principalmente) do Estado. Naqueles tempos, a alienação não era uma opção.
Difundida por toda a vida brasileira, a violência de Estado implantada pela ditadura de 64 marcou
presença constante em Rio Grande. A proscrição de várias organizações sindicais, a implantação de
dispositivos que garantissem a ineficácia das entidades de classe, a destruição dos mecanismos de
participação cidadã e a violência nua e crua das salas de interrogatório, dos atestados de bons
antecedentes, da exigência de uma carteira de trabalho assinada e da censura eram parte do cotidiano
nacional, ainda mais em uma cidade considerada (desde 1968) Área de Segurança Nacional, como era o
caso de Rio Grande.
Casos desta violência não faltam. Leandro da Costa, que entrevistou agentes da repressão, colheu
depoimentos arrepiantes sobre aquele período. Em um deles, um policial civil conta que os presos –
mesmo os comuns, que eram transformados em “comunistas” e “subversivos” quando havia interesse
por parte da polícia – eram espancados e levados à Praia do Cassino. No mar, o detido era submetido a
interrogatórios violentos, simulações de afogamento (o famoso “caldinho”) e choques elétricos com cabos
ligados ao dínamo do “Opalão” – numa referência ao automóvel utilizado pela polícia na época. Para
garantir a “segurança”, violência.
O clima de terror e medo, no entanto, não impediu que houvessem contestações. No trabalho de
Leandro da Costa, que aborda o papel dos músicos em Rio Grande, há provas cabais de que existiam
vozes dissonantes na universidade, entre os compositores e cantores e até na imprensa local. A propósito
disso, é no mínimo surpreendente perceber que, naqueles tempos, um dos meios de comunicação menos
ligados ao discurso oficial era o ainda jovem jornal Agora – que nasceu em oposição ao Rio Grande e que
fazia um jornalismo sério e envolvente, característica perdida ao longo dos anos.
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Das contestações, vieram as vozes das ruas, que se levantaram contra a ditadura a partir da distensão.
Quando a luta pelas eleições diretas tomou conta do país, no início dos anos 80, Rio Grande recebeu um
dos tantos comícios liderados por Leonel Brizola, Lula, Mário Covas, Fernando Henrique Cardoso e
outros nomes que, mais tarde, adotariam diferentes discursos e formas de interpretar a democracia.
Naquele momento, com o Milagre Econômico arruinado, Golbery alijado do poder e os militares em
franca decadência, os riograndinos perceberam que era possível ir mais além. Em 1985, depois de vinte
anos sem votar para prefeito, os papareias voltaram às urnas, demonstrando que o medo ainda era
maior que o anseio por mudanças. Devotados aos “gloriosos” períodos de suposta bonança dos anos 70,
23 mil papareias elegeram o empresário Rubens Emil Corrêa como o primeiro prefeito depois da
ditadura. Correa já havia sido Interventor nomeado pela ditadura, no auge do Milagre. Seu segundo
governo, porém, foi desastroso. Em 1988, finalmente a mudança venceu o medo. O partido que a
ditadura legou ao Brasil como herança, o famigerado PDS, havia desaparecido para dar espaço a siglas
menores, como o PFL, que ficou em último nas eleições daquele ano. PT, PDT e PMDB, as maiores
agrupações anti-ditadura, dominaram o pleito que elegeu Paulo Vidal ao Paço Municipal. Nunca mais
um partido com passado ligado diretamente à ditadura voltaria ao Executivo rio-grandino.
(h ps://tucotucorg.files.wordpress.com/2014/03/tse-eleicoes-76.jpg)
Ata das eleições municipais de 1976 mostra que votar para prefeito não era uma opção em Rio Grande
(Tribunal Regional Eleitoral/RS).
Em 2011 a Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi criada para elucidar os crimes cometidos pelo
Estado durante a ditadura. Três anos depois, o projeto inicia sua fase final. Embora condenado por
tribunais internacionais – principalmente por manter viva uma Lei de Anistia que protege assassinos que
atuaram à serviço do Estado – o Brasil caminha a passos lentos no que diz respeito à condenação dos
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responsáveis – civis e militares – pelas atrocidades cometidas naqueles tempos. O lobby das Forças
Armadas e da sociedade civil conservadora é grande e, mesmo tendo reconhecido passado de lutas, a
presidente Dilma Rousseff ainda não conseguiu virar a página da impunidade no Brasil.
Isso não significa, porém, que estes crimes estejam isentos na História e na memória brasileiras. Em
2011, mesmo ano de criação da CNV, o então vereador Renato Albuquerque (ex-Arena, ex-PDS, atual
PMDB), criou uma série de projetos para homenagear Golbery do Couto e Silva com nomes de bairro,
rua e até um busto a ser instalado na Praça Tamandaré. O prefeito da ocasião, Fábio Branco, autorizou a
instalação da homenagem ao artífice da ditadura e mentor da versão tupiniquim da Doutrina de
Segurança Nacional, mas a grita de blogueiros, jornalistas, historiadores e cidadãos que se sentiram
desrespeitados pela reverência fez com que a Prefeitura Municipal desistisse do preito. Na época, o chefe
de gabinete do prefeito, Edes Cunha (uma das figuras mais alinhadas aos militares durante a ditadura)
afirmou que Branco aprovara a lei levado pela História que lhe fora contada, afinal “não era nem
nascido” na época da ditadura.
A fala de Edes Cunha nos remete à importância de relembrar e pesquisar aquele período. O suposto
desenvolvimento (há que se questionar a que preço) e a “sensação de amparo” daqueles tempos não
servem como justificativa para a implantação do regime de terror e violência vigentes na ditadura e nem
isentam militares e civis do passivo de corrupção e destruição das instituições democráticas. É preciso
estar atento ao fato de que, se hoje engatinhamos nos preceitos básicos da democracia, é porque vivemos
durante mais de vinte anos sem tê-los.
Além disso, é necessário também questionar até que ponto o alardeado “desenvolvimento” trazido pela
ditadura a Rio Grande foi mesmo tão benéfico à cidade. Uma reportagem do jornal Correio do Povo,
publicada em 1983, noticiava que, a cada mil recém-nascidos na cidade, quarenta morriam antes de
completar um ano de vida – o maior índice de mortalidade infantil do Estado, então. Na mesma ocasião,
o cientista Paulo Croccia (da Virginia University) denunciou que Rio Grande contava com um dos mais
altos índices de infecções pulmonares do mundo (1500 casos para cada cem mil habitantes).
Analfabetismo, desemprego (principalmente depois da quebra da indústria pesqueira) e crise de
infraestrutura básica são heranças daqueles tempos.
Por estas e tantas outras razões, rememorar é preciso. Com calma, serenidade e, principalmente,
seriedade. Os documentos estão aí. Cabe aos historiadores e às pessoas comuns interessadas no resgate
da memória o papel de lançar luzes sobre a escuridão, como fizemos em 2011, quando Renato
Albuquerque e seus companheiros se aproveitaram do desconhecimento histórico alheio para lançar o
projeto de homenagem a Golbery. É preciso estar atento. Há uma bibliografia “especializada” em
limpar a barra de figurões que contribuiram, em muito, com a ditadura e seus crimes. A História,
documentada e crítica, serve para desmenti-los.
Saiba mais:
“Saindo dos trilhos: os ferroviários riograndinos durante a Ditadura Civil-Militar (1960-1970), por
Lidiane Friderichs (link (h p://ich.ufpel.edu.br/ppgh/publicacoes/dissertacao-lidiane-
friderichs.pdf));
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4/11/2018 Rio Grande e a ditadura: um texto necessário* | TUCO TUCO
“O cais da resistência: a trajetória do sindicato dos trabalhadores nos serviços portuários de Rio Grande
no período de 1959 a 1969”, por Eduardo Gandra.
“Festivais de música em área de segurança nacional: a periferia da Música Popular Brasileira na cidade
do Rio Grande (1970-1976), por Leandro da Costa.
“(…) o conjunto de escolas de nível superior criadas para atender a demanda de mão-de-obra exigida
pela Refinaria Ipiranga é transformado em universidade federal, dando origem à FURG (injeção de
dinheiro público na formação de trabalhadores especializados para o capital privado) …”
1) O texto dá a entender que ter “criado” a Furg foi uma coisa “ruim”, porque a origem foi atender a
demanda que a refinaria precisou pra funcionar em Rio Grande.
2) Hoje, a Furg ampliou o número de engenharias (são 11, né?) pra, justamente, atender a
necessidade do polo naval. E todo mundo exalta isso como algo positivo.
Abraço
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apenas um registro. Posso estar sendo ingênuo, ou talvez a discussão esteja impregnada de
subjetividades que desconheço. Aí é com vocês, kkkkk.
Não considero a criação da FURG um erro, antes pelo contrário. A pressão para que as escolas que
existiam na cidade fossem unificadas numa universidade foi enorme e de vários setores.
A iniciativa privada, em especial a Ipiranga (maior empresa local à época), foi quem mais definiu
para que lado a balança penderia. Como sabemos, daí nasceu a URG, depois FURG.
Os militares atenderam ao anseio do capital. Não critico a criação da universidade em si. Só que, na
minha visão, escolas de ensino superior não devem nascer tendo por fim a formação de mão-de-obra
para o capitalismo. Universidades, antes de tudo, são centros de formação cidadã, onde se criam
profissionais com pensamento crítico (independente da área de atuação) que, consequentemente,
atuarão em suas comunidades (ou em outras).
Não foi este o caso da universidade na época da ditadura, altamente tecnicista e muito aferrada à
formação pura e simples de operários qualificados. Até hoje a universidade brasileira não se
desvencilhou dessa tradição.
Mas este tema dá margem para outras linhas. Quem sabe numa próxima colaboração!
fnvgsdc
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