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O PRÍNCIPE DESENCANTADO

O primeiro beijo foi dado em uma princesa que estava dormindo encantada havia cem anos.
Assim que foi beijada, ela acordou e começou a falar:

PRINCESA: Muito obrigada, querido príncipe. Você por acaso é solteiro?


PRÍNCIPE: Sim, minha querida princesa.
PRINCESA: Então nós temos que nos casar, já! Você me beijou, e foi na boca, afinal de contas não fica bem, não é mesmo?
PRÍNCIPE: É… querida princesa.
PRINCESA: Você tem um castelo, é claro.
PRÍNCIPE: Tenho...princesa.
PRINCESA: E quantos quartos tem o seu castelo, posso saber?
PRÍNCIPE: Trinta e seis.
PRINCESA: Só? Pequeno, hein. Mas não faz mal, depois a gente faz umas reformas...deixa eu pensar quantas amas eu vou ter que contratar... umas quarenta eu
acho que dá!
PRÍNCIPE: Tantas assim?
PRINCESA: Ora, meu caro você não espera que eu vá gastar minhas unhas varrendo, lavando e passando, não é?
PRÍNCIPE: Mas quarenta amas!
PRINCESA: Ah, eu não quero nem saber. Eu não pedi para ninguém vir aqui me beijar, e já vou avisando que quero umas roupas novas, as minhas devem estar
fora de moda, afinal passaram-se cem anos, não é mesmo? E quero uma carruagem de marfim, sapatinhos de cristal e... e... joias, é claro! Eu quero anéis,
pulseiras, colares, tiaras, coroas, cetros, pedras preciosas, semipreciosas, pepitas de ouro e discos de platina!
PRÍNCIPE: Mas eu não sou o rei das Arábias, sou apenas um príncipe...
PRINCESA: Não me venha com desculpas esfarrapadas! Eu estava dormindo e você veio e me beijou e agora vai querer que eu ande aí como uma gata
borralheira? Não, não e não, e outra vez não e mais uma vez não!
Tanto a princesa falou que o príncipe se arrependeu de ter ido e beijado. Então teve uma ideia. Esperou a princesa ficar distraída, se jogou sobre ela e
deu outro beijo, bem forte. A princesa caiu e imediatamente em sono profundo, e dizem que até hoje está lá, adormecida. Parece que a notícia se espalhou, e os
príncipes passam correndo pela frente do castelo onde ela dorme, assobiando e olhando para outro lado.

(FONTE: SOUZA, Flávio de. Príncipes e princesas, sapos e lagartos: histórias modernas de tempos antigos. São Paulo: FTD, 1989.)
SENHORITA CHAPEUZINHO

Chapeuzinho Vermelho era a mais solteira das amigas da Dona Branca e uma das poucas que não era princesa. A história dela tinha terminado dizendo
que ela ia viver feliz para sempre ao lado da Vovozinha, mas não falava em nenhum príncipe encantado. Por isso, Chapeuzinho ficou solteirona e encalhada ao
lado de uma velha cada vez mais caduca.
Com a cestinha pendurada no braço e com o capuz vermelho na cabeça, Dona Chapeuzinho entrou com o lacaio atrás. Dona Branca correu para abraçar
a amiga.
_ Querida! Há quanto tempo! Como vai a Vovozinha?
_ Branca! - As duas deram-se três beijinhos, um numa face e dois na outra, porque o terceiro era para ver se a Chapeuzinho desencalhava.
_ Minha amiga Branca! Por que você tem esses olhos tão grandes?
_ Ora, deixa de besteira, Chapéu!
_ Ah... quer dizer... desculpe, Branca. É que eu sempre me distraio... atrapalhou-se toda a Chapeuzinho. _ Sabe? É que eu estou sempre pensando na minha
história. Ela é tão linda, com o Lobo Mau, tão terrível, e o Caçador, tão valente...
_ Até que a sua história é passável, Chapéu _comentou Dona Branca, meio despeitada. _ Mas linda mesmo é a minha, que tem espelho mágico, maçã
envenenada, bruxa malvada, anõezinhos e até caçador generoso.
_Questão de gosto, querida...
Dona Chapeuzinho sentou- se confortavelmente, colocou a cestinha ao lado (ela não largava aquela bendita cestinha!), tirou um sanduíche de mortadela
e pôs-se a comer (aliás, Dona Chapeuzinho tinha engordado muito desde aquela aventura com o Lobo Mau).
_ Aceita um brioche? - ofereceu a comilona de boca cheia.
_ Não, obrigada.
_ Quer uma maçã?
_ Não! Eu detesto maçã. [...]
Dona Branca jogou para trás os cabelos cor de ébano e tomou uma decisão:
_ Vou convocar uma reunião de todas nós!
_ Boa ideia! Chame os príncipes também!
_ Os príncipes, não adianta chamar. Estão todos gordos e passam a vida caçando. Além disso, príncipe de história de fada não serve para nada. A gente tem de
se virar sozinha a história inteira, passar por mil perigos, enquanto eles só aparecem no final para o casamento.
Chapeuzinho concordou:
_ É... Os únicos decididos são os caçadores. Eu devia ter casado com o caçador que matou o Lobo...
Dona Branca tocou a companhia de ouro. Imediatamente, Caio, o lacaio, estava à sua frente.
_ Às ordens, princesa!
_ Caio, monte o nosso melhor cavalo. Corra, voe e chame todas as minhas cunhadas de todos os reinos encantados para uma reunião aqui no castelo. Depressa!

BANDEIRA, Pedro. Coleção Tecendo Linguagens: O fantástico mundo de Feiurinha. p.154.


São Paulo:FTD,1987.

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