Você está na página 1de 192

José das Dores

Edição 2009
2
JOSÉ DAS DORES

MISSÃO ESPIRITUAL
Edição 2009

1ª Edição impressa: Copyright 1995 José das Dores


1ª Edição Eletrônica: Copyright 2009 José das Dores

Proibida a reprodução deste livro, no todo ou em parte, de qualquer forma e


por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação,
ou qualquer sistema informático de armazenamento e consulta, sem
autorização escrita do autor.

ISBN: 85-85850-01-9

3
Nota Biográfica sobre o autor

José das Dores nasceu em Lisboa, em 28 de


Dezembro de 1943, cidade onde fez os seus es-
tudos primários e secundários. Passou por diver-
sas Faculdades e Institutos Superiores em Portu-
gal e em Inglaterra onde cursou matérias huma-
nísticas preferindo, todavia, considerar-se um
autodidata.
Prestou serviço militar obrigatório como
Oficial do Exército Português tendo cumprido
comissão na Guiné-Bissau de 1966 a 1968.
Passou à disponibilidade com a patente de
Tenente.
Sempre intimamente ligado às Letras e às
Artes, publicou artigos, ensaios, contos e poemas
em diversos jornais e revistas. Foi também autor e
intérprete de numerosas canções e baladas nas
décadas de 50 e 60. Nessa época, com o nome
artístico de Zeca do Rock, percorreu Portugal
inteiro em tournées, gravou discos e participou do
filme «Pão, Amor e Totobola», tendo atingido
bastante popularidade.
Tem exercido, entre outras, as atividades de
micro-empresário, professor de línguas e tradutor.
Estudioso, desde muito jovem, da Sabedoria
Arcana (Tradição Esotérica que está na origem de

4
todas as grandes religiões), foi co-fundador em
Lisboa, no ano de 1987, do Centro Lusitano de
Unificação Cultural. No ano seguinte, transferiu a
sua residência permanente para o Brasil onde,
para além da atividade profissional de professor de
línguas e tradutor, se dedica à divulgação dos
ensinamentos recebidos dos Mestres Ascensio-
nados da Grande Fraternidade Branca – Entida-
des existentes em planos supra-físicos, que se
comunicam por via telepática com os seus discí-
pulos. Fundou, em 1991, juntamente com diver-
sos outros estudiosos da Sabedoria Sem Idade, o
Centro Lusitano de Unificação Cultural (Brasil)
tendo sido, desde então, membro da Direção.
É co-autor do livro «Poemas Místicos», anto-
logia publicada em Lisboa (1993) pelo Centro
Lusitano de Unificação Cultural. Como canal
psicográfico, escreveu as obras “Introdução ao
Sum” e “Os Novos Diálogos Herméticos” (diversos
volumes), e participou dos diversos volumes de
“Sementes e Pérolas” e “As Novas Escrituras”.

Contato: zecadores@gmail.com

5
O Mestre Sepais Bey

6
ÍNDICE

1 - De Lisboa a Paris 9
2 - Rêves perdues... rêves gagnés 29
3 - O Conde de Saint-Germain 45
4 - Adieu Paris, Hello London! 57
5 - King's Road 67
6 - Sessão de clarividência 81
7 - Shamballa e a Hierarquia 93
8 - A Via do Discipulado 103
9 - Mediunidade ou Mediação? 113
10 - O Desafio 123
11 - A Ordem do Santo Graal 133
12 - Glastonbury 145
13 - A Missão 159
14 - Epílogo 177
Apêncice: «A Invocação Maior» 186
Bibliografia 191

7
O Mestre Paulo Veronese

8
1

DE LISBOA A PARIS

Quando o avião Caravelle da Air France le-


vantou vôo do Aeroporto da Portela de Sacavém
naquela tarde de Setembro de 1963, era como se
uma nova vida se abrisse na minha frente. Tinha
quase 20 anos.
Estava muito traumatizado com as atribula-
ções do final da adolescência. Três temas princi-
pais sucediam-se em turbilhão na minha cabeça: a
política, a religião e os amores. Em qualquer dos
três me sentia traído, ludibriado e frustrado.
Sentia-me traído e ludibriado porque julgara -
na inocência dos meus anos infantis - que o
mundo era uma coisa perfeita que fora feita para
me receber; que os adultos eram os meus irmãos
mais velhos e estavam no mundo para me ajudar;
que as instituições eram coisas solenes e confiá-
veis, aperfeiçoadas ao longo dos muitos milênios
de existência da civilização humana sobre a Terra.
Quando me apercebi da inconsistência dessas
minhas expectativas, veio-me aquele sen-timento
de ter sido apunhalado pelas costas, de me terem
servido gato por lebre ou de ter compra-do àquele
simpático cigano que me bateu à porta um frasco
de Chanel Nº 5 que afinal continha água suja. Não

9
conseguia compreender o motivo porque estava à
superfície da Terra: certamente houvera um
engano no endereço e a cegonha fizera a entrega
no lugar errado - concluía. E a frustração tornava-
se esmagadora. Sentia uma saudade imparável de
um lugar de que não me conseguia lembrar por
mais esforços que fizesse e que, embora pudesse
situar-se em algum ponto do passado - de um
impenetrável passado cósmico que a memória se
recusava a desvelar-me - podia também (quiçá
simultaneamente) encontrar-se no futuro.
Não pudera agüentar mais aquela Facul-
dade. Chegara lá com a ilusão de que - final-
mente - iria sentir-me entre gente crescida mas a
minha ilusão não durou mais do que algumas
semanas; mais concretamente, ela só durou até à
primeira prova escrita, já não me lembro de que
matéria. Lá estava eu, todo orgulhoso da minha
condição de estudante universitário (os funcioná-
rios da Faculdade, com o habitual servilismo me-
dieval português começaram a chamar-me
«Doutor» no primeiro dia de aulas), pronto para
principiar a responder às perguntas quando,
olhando em meu redor (horror dos horrores!)
constatei, estupefato, que a maioria dos meus
colegas estava descaradamente munida de todos
os instrumentos próprios para falsear o ato cívico
de que estavam em vias de participar: livros, cá-
bulas*, apontamentos, enfim, uma série de auxilia-
res ilegais e ilegítimos. E eu, pobre mortal,
confiado unicamente no poder da minha ciência,

* colas
10
sentia-me nu no meio de uma multidão trajada a
rigor...
A grande moda dos estudantes no início dos
anos 60 (já que estudar era coisa totalmente fora
da moda) era a contestação política. Vivíamos sob
um regime moderadamente fascista (se assim se
pode dizer): suficientemente fascista para nos
tolher a liberdade de ler aquilo que nos apetecesse
ou votar em quem nos aprouvesse; suficientemen-
te retrógrado para manter uma guerra colonial em
três frentes por absoluta incapacidade de acom-
panhar os ventos da história; mas suficientemente
liberal para tolerar, com um cúmplice fechar de
olhos, as atividades “subversivas” dos estudantes
que eram, afinal, os filhos dos próprios donos do
regime a que continuavam a chamar “Estado
Novo”, se bem que ele estivesse velho, podre,
caduco e oco de conteúdo.
Quando cheguei ao campus pela primeira
vez, causou sensação o meu carro novinho
conversível - nessa época ainda eram pouquís-
simos os estudantes que possuíam transporte
próprio em Lisboa. Mal me passava pela cabeça o
motivo real por que todos os colegas faziam tanta
questão em relacionar-se comigo. Ao princípio
pensei que fosse para se pendurarem no meu
carro para passeios e programas, mas cedo vim a
descobrir as verdadeiras razões.
Lutava-se então, na Faculdade em que me
encontrava inscrito, pelo reconhecimento de uma
verdadeira e autônoma Associação de Estudan-

11
tes. Havia uma organização fantoche, enquadrada
na corporação fascista denominada “Mocidade
Portuguesa” (inspirada nas Juventudes Hitleria-
nas e Mussolínicas) mas que a esmagadora mai-
oria dos estudantes rejeitava. Por isso, era a pró-
Associação clandestina que movimentava a mili-
tância estudantil e que dizia representar os seus
verdadeiros interesses. Vim a constatar mais tarde
que, muitas vezes, era exatamente o oposto que
sucedia, mas ... adiante!
A pró-Associação, naquela época, estava
principalmente engajada na convocação de ple-
nários, organização de greves e ocupações, visi-
tas aos colegas presos pela PIDE* e agitação po-
lítica em geral. Como a sua existência era ilegal,
não possuía duplicadores (mimeógrafos) ou
quaisquer outros recursos que lhe permitissem
imprimir e reproduzir meios de propaganda. Por
isso, tinha-se conseguido o apoio da Associação
dos Estudantes do Instituto Superior Técnico
(essa, legal, não sei por que motivo) que colocara
as suas máquinas e pessoal à nossa disposição -
vim a saber isto quando, muito terra-a-terra, me foi
solicitado que, com o meu carro, passasse a ir
regularmente buscar pilhas e pilhas de panfletos
ao bairro do Arco do Cego. Acedi com um sorriso
amarelo como quem acaba de aceitar um presente
envenenado. Imaginem o meu carro estacionado
entre as Faculdades de Letras e de Direito,
mesmo em frente ao edifício da Reitoria, com uma
procissão de meninas dirigindo-se ao porta-

* polícia política
12
bagagens e enfiando maços de panfletos debaixo
dos casacos e saias para posterior distribuição...
Como os contínuos eram praticamente todos
bufos*, as minhas chances de ser apanhado com
a “boca na botija” eram enormes e isso me
preocupava. Para mais, ao contrário da maioria
dos meninos e meninas meus colegas que tinham
as “costas quentes” porque as famílias, ou
pertenciam ao Governo, ou faziam parte daqueles
setores da Oposição que com ele mantinham uma
entente cordiale, eu encontrava-me totalmente
desprovido de padrinhos, já que não era íntimo
nem de gregos nem de troianos...
Havia frequentemente reuniões políticas
clandestinas na moradia de uma colega cujo pai
era um conhecidíssimo psiquiatra da nossa praça.
Juntavam-se uns 30 ou 40 estudantes no porão da
luxuosa mansão numa das mais chiques avenidas
novas de Lisboa e, após se ter dado vazão à mais
inconseqüente e irresponsável verborréia pseudo-
revolucionária, desciam as empregadas fardadas a
rigor com batas pretas, aventais brancos de folhos
(babados), rendas e bordados, colarinhos
engomados, servindo-nos os mais variados
canapés em bandejas de prata. A hipocrisia da
cena era-me totalmente chocante... insuportável!
Por estas e outras razões, comecei a sentir-
me muito mal na Faculdade.
As minhas idéias religiosas encontravam-se,
por esses tempos, em processo de grande ebuli-
ção. Tendo feito os estudos secundários no
* informadores da PIDE
13
Colégio de Clenardo, administrado pela Ordem
religiosa domiciana fui, nos primeiros anos do
ensino secundário, um interessado estudioso,
seguidor e praticante da religião católica. Todavia,
talvez até pela liberalidade da minha as-
cendência, sentia-me propenso a interpretar as
coisas de uma forma aberta e não-dogmática. Seja
dito em abono da verdade que a maioria dos
frades do Colégio, sendo alguns meus professo-
res e quase todos meus amigos, estavam longe de
ser os tiranos que o passado Inquisitorial da
Ordem faria antever. Só um deles — infeliz
exceção que confirma a regra - fazia jus a essa
herança: o Padre Jacques Laredo*. Esse, com o
seu permanente hálito de bêbado inveterado e a
sua mal disfarçada propensão pedófila, era a
imagem da intolerância, do fanatismo, do
dogmatismo e da estupidez. Por manobras es-
cusas e viscosas que as pessoas associadas a
estas últimas características sempre são tão há-
beis em encenar, acabou por chegar a Diretor do
Colégio, felizmente na ocasião em que eu acabara
de sair. Mas não esquecerei jamais a sua conver-
sa torpe e as suas armadilhas mal montadas para
tentar seduzir os alunos, espiritual e fisicamente.
No último ciclo do liceu já tinha chegado à
conclusão de que não me satisfazia unicamente
com aquilo que o Catolicismo tinha para me dar.
Ainda chegara a fazer parte da JEC, mas foi sol de
pouca dura. Por mais progressista que fosse o
grupo, havia sempre muito mais perguntas não

* nome fictício
14
respondidas do que explicações que, quando
existentes, eram quase sempre encaixadas “a
martelo”. Sentia que o Cristianismo continha, re-
almente, uma sublime Mensagem, mas que esta,
de alguma forma, havia sido deturpada e traída
pelas Igrejas, fossem elas católicas ou reformis-
tas. Por isso, respondendo a um chamamento
muito antigo que me vinha não sabia bem de que
íntima caverna da minha consciência, comecei,
pelos 16 ou 17 anos, a praticar técnicas de con-
centração, interiorização e meditação e encetei
estudos de outras religiões, bem como práticas de
espiritismo experimental e parapsicologia. Sentia
uma particular atração pelo hinduísmo, brama-
nismo e budismo, que lia avidamente.
Os amores também me traziam alguns
amargores à boca. Sempre fora um romântico, um
poeta, e a atração pelo sexo feminino corria-me no
sangue desde a hora do nascimento. Quisera ter
encontrado a donzela dos meus sonhos logo no
início da minha vida amorosa e com ela ter ficado
para todo o sempre. Mas isso não foi possível por
vários motivos, o primeiro dos quais foi a
precocidade dos meus romances. Lembro-me da
minha primeira “paixão” aos 3 anos de idade e do
meu envolvimento, quando tinha 7 anos, com uma
menina de 12 que me iniciou em muitas práticas
de alcova. Daí para a frente foi um nunca mais
acabar de experiências, sempre iniciadas com o
mais sagrado platonismo romântico, mas que fre-
quentemente acabavam por descambar para a

15
maior sensualidade. Se isso - por um lado -
satisfazia o meu lado animal, deixava - por outro
lado - o lado espiritual na mais absoluta miséria.
Nessa altura ainda mal me apercebia da enorme
luta que se trava a todo o momento e em todos os
indivíduos entre os dois opostos: o que nos tenta
amarrar à matéria e seus pretensos prazeres e o
que nos impulsiona em direção às alturas da espiri
-tualidade e da realização da nossa essência divi-
na.
Aos 15 anos conheci uma menina de 13, a
Maria do Céu, por quem me apaixonei perdida-
mente e com ela iniciei um atribulado namoro que
havia de durar mais de 4 anos. Tudo começou
com aquele agradável romantismo tão próprio dos
fins dos anos 50. Depois... veio a sensualidade
desenfreada e (sobretudo, infelizmente) a infideli-
dade. Tive então a oportunidade (e, para mal dos
meus pecados, essa não seria a única vez) de
saborear o gosto amargo do ciúme e a chaga
ardente da traição..
Também por volta dos 15 anos iniciei uma
atividade de vocalista e músico, em paralelo com
os estudos. Não pretendia muito mais do que
vencer a minha natural timidez e, naturalmente,
tornar-me popular entre as camadas juvenis fe-
mininas - o que me proporcionou vasta experi-
ência no campo das aventuras amorosas de cur-
tíssima duração. Por arrastamento, vim a sentir
também os amargores causados pelo ambiente de
inveja, mal-dizer e total falta de camaradagem que

16
grassavam nos bastidores da vida artística nacio-
nal da época. Pior ainda do que isso era a verda-
deira ditadura exercida por meia-dúzia de senho-
res privilegiados (alguns, auto-intitulados de
“maestros”) que dominavam a seu bel-prazer toda
a infra-estrutura do “show-business” português na
organização de espetáculos, programas de rádio,
televisão e cinema. Na altura em que decorriam os
acontecimentos a que se refere o presente relato
eu já tinha, todavia, gravado dois discos,
participado num filme e atuado em praticamente
todas as salas de espetáculo do país, apoiado
pelo público, mas odiado pelos donos da cena
artística. Estava disposto a virar-lhes as costas
definitivamente.
As minhas recordações desse passado re-
cente não me impediram de olhar pela janela do
avião no preciso momento em que passávamos
sobre o perímetro do santuário de Fátima. Novas
recordações afloraram então à minha mente.
Tinha passado alguns períodos de repouso e
estudo num Convento em Fátima. Os frades desse
Convento, precisamente da mesma Ordem que
regia o meu colégio secundário, eram também
responsáveis pela administração do Santuário,
Basílica, etc. Por isso, eu tinha livre trânsito em
todas as áreas do Santuário e do Convento, o que
me permitiu vivenciar experiências inolvidáveis.
Os passeios matinais por toda a região e
áreas circunvizinhas tinham sido para mim verda-
deiras fontes de inspiração espiritual. Toda aquela

17
área me impressiona de duas formas diferentes.
Quando vazia de peregrinos, a paz, o silêncio, a
imensidão das paisagens a perder de vista, a pre-
sença constante de alguma coisa telúrica e inex-
plicável que nos acaricia e conforta são pormeno-
res verdadeiramente marcantes e propícios ao re-
encontro com aquela parte desconhecida que re-
side no interior de cada um de nós. Quando lotada
de fiéis, as centenas de milhares de chamas ar-
dendo nas tochas empunhadas pelos peregrinos,
em conjunto com as centenas de milhares de
chamas presentes nos corações, as preces unís-
sonas, a Fé na intermediação de Maria, a fraterni-
dade dos sofredores, são aspectos que nos fazem
levitar a alma como se cada um de nós se trans-
formasse na autêntica Pomba do Espírito Santo.
Em ambas as circunstâncias, vazio ou pleno de
gente, fui espectador e parte integrante de gran-
des experiências místicas no santuário de Fátima.
Em ambas as circunstâncias não pude muitas ve-
zes controlar aquelas lágrimas simultaneamente
tristes e alegres, misto de saudade e de reencon-
tro, que marcam as vivências verdadeiramente
profundas a nível espiritual.
Naquele momento em que, através da escoti-
lha do Caravelle, eu revivia - como num filme -
esses momentos grandiosos, lembrei-me também
de algumas outras experiências - essas algo des-
concertantes - que também ali vivenciei. Algumas
delas saltaram, sorrateiras, à minha lembrança.

18
Certo dia de um mês de Maio, no qual em
Fátima existe a maior das peregrinações e con-
centrações humanas do ano, os frades responsá-
veis pela abertura da arca então existente na Ba-
sílica e pela conferência e recolha das oferendas
deixadas pelos peregrinos, convidaram-me para
assistir ao ato. Tinha terminado na véspera uma
grande peregrinação em que - pensava-se - se
havia reunido no santuário a mais vasta multidão
de todos os tempos. A arca era, em tamanho, di-
gna do tesouro de qualquer flibusteiro de gabarito -
pensei maldosamente. Pensei também que, no
seu interior, quando abertos os cadeados, vies-
sem a ser encontradas algumas centenas de no-
tas de 20 ou de 100 escudos, a julgar pela apa-
rência dos peregrinos, quase todos gente de pou-
cas ou nenhumas posses. Imagine-se o meu es-
panto quando, ao levantar-se a tampa, surgiu sob
os meus olhos arregalados uma das maiores ri-
quezas que já vira na minha vida (exceção feita,
talvez, à coleção das jóias da coroa britânica):
grossas e pesadas correntes de ouro, broches,
brincos, pulseiras, braceletes, tiaras e colares de
ouro e pedras preciosas, um maná incalculável
tanto no aspecto como no valor, à mistura com
muitos milhares de notas de diversos valores mas
principalmente de mil escudos, a nota de maior
valor facial então existente. Quando recuperei um
pouco a fala perguntei, titubeante:
“Que destino será dado a este tesouro?”

19
A resposta veio célere: tudo ia ser enviado
para a sede da Ordem. Daí, uma pequena parte
seria mandada para um determinado país cuja
ramificação local da Ordem tinha financiado a
construção do Convento e outras obras em Fáti-
ma. O restante seguiria para o Vaticano.
Apesar da honestidade e transparência da-
queles que, tão francamente, me estavam pondo
em contacto com tão insólita realidade, não pude
deixar de levantar no meu interior uma série de
questões sobre a legitimidade de alguém, mesmo
a Santa Madre Igreja, se apropriar de bens mate-
riais, especialmente daquela monta. Quanto a
mim, aquelas riquezas (e outras que, talvez diari-
amente, são entregues em todo o mundo a troco
de graças concedidas) não deviam ficar a perten-
cer às Igrejas como sua propriedade. São rique-
zas energéticas que devem ser recebidas em
trânsito (como por fiéis depositários) para serem
reintroduzidas no circuito social e econômico ra-
pidamente na forma de benefícios diversos às po-
pulações.
Não admira que o Vaticano seja uma das
maiores potências econômicas da Terra, perver-
tendo assim a sua função espiritual a troco do
acúmulo de tremendo potencial material. Assim foi
ao longo dos séculos; assim continuará a ser até
que essa enorme empresa comercial seja obriga-
da pela Humanidade a abandonar as atividades
mercantis e se passe a dedicar unicamente à es-
piritualidade (com um atraso de muitos séculos,

20
diga-se!). O mesmo se poderá dizer da maio-ria
das congregações protestantes - que nada lhe
ficam a dever (antes pelo contrário) na corrida aos
bolsos dos incautos fiéis.
Não é sem razão que muitos especialistas
afirmam que o Cristianismo morreu no dia em que
foi declarado religião oficial do Estado pelo Impe-
rador Constantino. Ali se transformou em teologia
dogmática e em chorudo negócio para as classes
dominantes.
As recordações continuaram a aflorar à mi-
nha mente como cenas de um filme. Lembrei-me
então daquele seminarista de Fátima, de 18 ou 20
anos, que um dia me perguntou, ingenuamente:
“É verdade que, em Lisboa, as mulheres
andam quase todas com sapatos de salto alto?”
Oh, santa ignorância! Aqueles meninos eram
ofertados pelas famílias numerosas do interior aos
7 ou 8 anos de idade para se tornarem sacerdotes
- afinal, a única maneira de receberem a educa-
ção que os seus pais de outra forma não poderi-
am custear. Isolados entre os muros dos Seminá-
rios e Conventos, desconheciam por completo o
mundo exterior, ao ponto de chegarem ao final da
adolescência naquele estado de ignorância em
relação ao mundo real...
Ficaram para sempre registrados na minha
memória os cantos gregorianos maravilhosos que
faziam parte do ritual interno da Ordem
Dominicana e a que raros forasteiros tiveram o

21
privilégio de assistir ou comparticipar. Principal-
mente o último da noite, antes da recolha aos
leitos, era um autêntico Cântico Divino!... Sublime!
Gostaria de tê-los gravado mas não creio que,
nessa época, tal autorização me tivesse sido
concedida. Não ousei sequer solicitá-la.
A proximidade de Fátima trazia até mim -
passageiro aéreo absorto no Reino da Lembrança
- a vibração fortíssima emitida pela cercana ci-
dade de Tomar, geocentro de Portugal e seu au-
têntico coração oculto. Tinha-a visitado por diver-
sas vezes e sempre ali sentira a pulsação vibrante
da sua história, principalmente daquela que os
historiadores nunca escreveram porque está para
além das disciplinas acadêmicas, residindo no
mundo das causas e não no dos efeitos, ou apa-
rências. Os Templários, detentores de segredos
iniciáticos, ali estabeleceram - não por acaso - o
seu quartel-general lusitano e a sua rampa de
lançamento para a missão planetária de que eram
precursores.
Como por milagre, materializava-se na mi-
nha mente o trio (ou triângulo) principal sobre o
qual se alicerçou em Portugal o Grande Edifício
Templário; os cavaleiros Gualdim Pais, Martim
Moniz e Mem Ramires. Via-os desembarcar, nos
idos do século XII, chegados da Terra Santa, olhos
iluminados, chispantes de Vontade de Servir,
cobertos de Glória - não da glória efêmera e
mundana dos feitos de armas, mas da Glória que
sentem aqueles que foram tocados pela Chama

22
Divina e têm algum conhecimento do papel que
desempenham no Grande Plano. Muito haviam
aprendido durante aquela estadia no Oriente. Dos
muçulmanos, dos judeus e principalmente dos
Essênios, haviam recolhido preciosos ensina-
mentos e um espírito de abertura e universalidade
que poucos ainda podiam experimentar nessa
época - exceto os iniciados. Da sua bagagem
faziam parte documentos e mapas de valor
inestimável que revelavam coisas que teriam que
ser mantidas em rigoroso segredo durante muitos
séculos porque a Humanidade ainda não estava
preparada para o seu conhecimento. Todavia, eles
haveriam de ajudar a alicerçar essas coisas de
uma forma indelével e ainda hoje a Força da sua
Vontade Espiritual se pode sentir em Tomar, em
cada canto, em cada lugar, em cada pedra dos
muitos edifícios que fizeram construir. Tocados
nos corações pelo Sagrado Coração do Cristo,
eles se transformaram em verdadeiros Lusitanos
(ou portadores de Luz) e, guiados no plano físico
pelo seu Mestre terreno, El-Rei D. Afonso
Henriques, souberam ser dignos da Missão que
incorporavam. Pelas vitórias que foram as suas
vidas, as suas imagens fazem parte da galeria das
grandes figuras da Humanidade.
Tomar veio a ser, na organização Templária,
uma das três principais sedes de província, das
nove em que aquela, no seu auge, se dividia. As
duas restantes eram Paris e Londres. Quando, por
força da bula «Vox clamantis», do papa Clemente

23
V, a Ordem dos Templários foi extinta, o rei D.
Dinis, apressou-se a fazer oficializar a Ordem de
Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo (bula «Ad
ea exquibus»), ou Ordem de Cristo, à qual foram
doados todos os bens que pertenciam à Ordem do
Templo. Não houve, praticamente qualquer
interrupção na Missão Templária em Portugal;
mudado o nome, as pessoas e as coisas con-
tinuaram como dantes. E a Cruz de Cristo, insíg-
nia da Ordem, veio a ornamentar as velas das
embarcações que - a partir do século XIV -
desbravaram os oceanos, a mando do Infante D.
Henrique - seu oitavo Grão Mestre e reencarna-
ção de D. Afonso Henriques. Essa mesma insíg-
nia ornamentava também os padrões em pedra
que iam sendo firmados nas novas terras encon-
tradas nessa Missão naval de unificação planetá-
ria assim encetada.
Paralelamente, terá sido de Tomar que
«transpirou» a informação da existência de um
hipotético reino de Prestes João, erradamente in-
terpretado como existindo na Etiópia, e que até
hoje ainda não foi descoberto. Alguns místicos
acreditam na sua localização algures no coração
do Brasil e na sua revelação durante o período
inicial do III Milênio. Poderá então arriscar dizer-se
que a “Procura do reino de Prestes João” - versão
templária e lusíada da arturiana “Demanda do
Santo Graal” - foi a mola espiritual e idealista que
impulsionou a epopéia ultramarina portuguesa,
cujo clímax está iminente. Em contrapartida, os

24
espanhóis - e os corsários mercantilistas france-
ses, ingleses e holandeses que seguiram o seu
rastro - enveredaram, nas suas lides ultramarinas,
pela “Conquista do Eldorado”, hipotético reposi-
tório de riquezas físicas nunca alcançado nem
alcançável, mas que deu origem a muito sangue,
muita destruição e muito materialismo, sendo em
grande parte responsável pelo caos em que hoje
vivemos.
Envolto nestas cogitações, quase não dava
pelo passar do tempo. Creio que terei dormitado
um pouco a seguir à passagem pelo eixo Fátima-
Tomar. Reabri os olhos na precisa altura em que o
Caravelle sobrevoava Santiago de Compostela.
Relembrei alguns passos da vida do Apóstolo e a
importância que o local representou também para
os Templários. Mas Santiago pertence ao pas-
sado, é um local pouco ativo energeticamente -
pensei - ao passo que Fátima e (principalmente)
Tomar são vórtices vivos e ativos no Plano que até
hoje continua a desenrolar-se - concluí. E voltei a
mergulhar no mundo das minhas recordações
mais recentes.
Acabara tudo com a Maria do Céu algum
tempo antes da minha viagem. Arranjara finalmen-
te forças para quebrar as amarras que me ligavam
a ela como se fora uma tentação, um vício. Não
conseguia compreender o sentimento de atração-
repulsão que por ela agora nutria; creio que nunca
o compreenderei.

25
Naquele Verão, após uma digressão artística
pelo Algarve com o meu grupo de rock, passara
uns dias de sonho na ilha de Faro na companhia
de uma moça francesa maravilhosa, a Mimi
(Mireille, de seu verdadeiro nome). Ainda soavam
nos meus ouvidos as melodias que dançáramos
nas festas à luz do quente luar algarvio: «Derniers
baisers», pelos Chats Sauvages, «Donne-moi ma
chance» e também «J'entends siffler le Train»,
pelo Richard Anthony, eram as que mais e
melhores momentos me recordavam. Os beijos
ternos e doces da Mimi eram como mel deslizando
pela minha garganta e deles não me conseguia
esquecer. Em tudo a Mimi era doçura; todos os
seus atos e carícias eram suaves, lentos e
carinhosos, tão diferentes daquela correria sexual
desenfreada dos últimos tempos com a Maria do
Céu. Sentia ainda os seus longos e macios
cabelos loiros varrendo o meu corpo como uma
carícia angélica.
Desde que regressara a Paris, a Mimi escre-
vera-me inúmeras cartas afirmando que morria de
saudades minhas e pedindo-me que a fosse visi-
tar. Embora eu soubesse por farta experiência
própria que os amores de praia sempre ficam en-
terrados na areia, achei também que, não haven-
do regra sem exceção, talvez este caso fosse a
exceção que confirmasse a regra. Por isso resolvi
- embora sem nisso depositar demasiadas espe-
ranças — dirigir-me a Paris numa primeira escala
da minha “fuga” e reunir-me à minha doce Mimi

26
para ver no que daria. Depois decidiria quando
seguir para Londres, meu próximo objetivo.
Não tinham conta as vezes que tinha ido a
Paris, desde os meus 8 ou 9 anos de idade até à
ocasião em que me encontrava. Todos os anos lá
ia, pelo menos, uma vez, na companhia dos meus
pais, que não podiam viver mais do que alguns
meses sem rever os grandiosos espetáculos do
«Casino de Paris», do «Folies Bergère» e do
«Moulin Rouge», entre outros. Como a idade não
me permitia o acesso a esses cabarets e,
francamente, não sentia o menor interesse por
esse gênero de diversão, entretinha-me a explorar,
sozinho, a cidade, a visitar museus e monumentos
e a comprar livros e revistas que, depois, no fofo
conforto do Hotel, me deleitava a ler. Havia uns 3
ou 4 anos que deixara de acompanhar os meus
pais nessas viagens porque já tinha capacidade
para ficar sozinho em casa enquanto eles
viajavem e, além disso, nunca fora um grande
apaixonado por Paris, como eles eram.
Agora, a poucos minutos de aterrissar nova-
mente na célebre “cidade da luz”, perguntava a
mim próprio como me iria sentir desta vez. Seria
que a companhia da doce Mimi iria operar em mim
uma transformação radical? Bailavam na minha
mente as suas ternas frases de amor, a sua voz
doce e melodiosa, o seu sorriso aparentemente
inocente, os seus olhos grandes azuis e
expressivos...

27
O avião pousou no Aeroporto de Orly no fim
da tarde. Após cumpridas as formalidades legais,
entrei no grande salão de chegadas e corri a pro-
curar um telefone.

28
2

RÊVES PERDUS... RÊVES GAGNÉS

Liguei, liguei, liguei, mas... nada! Da perfu-


maria onde a Mimi trabalhava, ninguém atendia.
Já tinha certamente fechado. Tentei o número de
telefone de uma vizinha do apartamento que a
Mimi compartilhava com uma amiga, igualmente
sem sucesso. “Diabos, que azar!” - pensei. Tentei
o número do Jean Pierre, outro amigo dos tempos
de férias que me oferecera várias vezes a sua
casa quando fosse a Paris. Também este, sem
resposta!
Resolvi, para ganhar tempo, dirigir-me à casa
do Jean Pierre (pelo menos esse vivia sozinho,
tanto quanto eu sabia) para passar lá essa noite e
ligar no dia seguinte pela manhã para a Mimi, a fim
de combinarmos o que fazer. Fiz algumas
perguntas no bureau de informações do aeroporto
e concluí que ele morava num subúrbio relativa-
mente distante, demasiado oneroso para ir de táxi.
Aproveitei o ônibus que me levou do Aeroporto até
à Gare de Saint Lazare e aí esperei pelo primeiro
trem para a direção pretendida.
Depois de uma longa espera e de uma não
menos longa e cansativa viagem cheia de para-
gens, cheguei à localidade pelas 11 horas da

29
noite. Perguntei na Estação onde ficava a rua
onde morava o Jean Pierre; constatei que era de-
masiado longe para ir a pé. Como não havia já
transportes públicos, entrei numa cabine telefônica
e liguei para chamar um táxi. Esperei, esperei, e...
nada! O táxi não apareceu. Voltei a telefonar e,
após outra espera, novamente... nada! Voltei a
ligar mas, desta vez, não obtive resposta. Total e
absoluto silêncio. Que fazer? - pensei. Sem outra
alternativa, resolvi tentar ir a pé.
As peripécias que se desenrolaram até que,
pelas duas e meia da manhã, bati à porta do Jean
Pierre, foram extensas e rocambolescas: passa-
ram táxis livres que não atenderam os meus ape-
los; a minha mala, que a partir de determinado
momento eu carregava à cabeça (para aliviar as
mãos extenuadas), caiu na calçada derramando
todo o seu conteúdo; para evitar danificar o violão
que sempre me acompanhou nas minhas andan-
ças, acabei por enfiar a alça do respectivo saco no
cinto, transportando-o assim, bamboleante; fui
várias vezes enganado por viandantes (não sei se
propositadamente) a quem solicitei instruções
sobre o caminho a seguir (não tinha uma planta
suburbana de Paris), etc., etc.
Era um pequeno edifício de 2 andares. Após
várias insistências minhas em tocar a campainha,
o Jean Pierre apareceu finalmente, estremunhado,
numa janela do primeiro andar. Demorou alguns
minutos até perceber que não estava a sonhar,
que eu estava ali e que devia abrir-me a porta e

30
mandar-me entrar. Quando isso, por fim, aconte-
ceu, subi as escadas aos tropeços e entrei no
“apartamento”.
Tratava-se, afinal, de um único quarto, com
toda a tralha que se possa imaginar arrumada à
força lá dentro, e contendo unicamente uma es-
treita cama de solteiro. Fiquei perplexo e envergo-
nhado. Onde iria, finalmente, dormir?
O Jean Pierre, vendo o meu embaraço,
desfez-se em desculpas, disse que estava em vias
de se mudar para um lugar mais espaçoso, que
fora a contar com isso que me tinha convidado
para passar alguns dias com ele - e apressou-se a
desfazer a cama onde até então estivera a dormir
para colocar o respectivo colchão no chão, assim
dividindo a cama em duas. Não tive outro remédio
senão aceitar (dado o adiantado da hora) e lá me
acomodei o melhor que pude no colchão enquanto
o Jean Pierre se instalou na dura parte que lhe
sobrou.
Durante a noite (ou o que restava dela, por-
que o Jean Pierre teve que se levantar incrivel-
mente cedo na manhã seguinte para ir trabalhar)
refleti sobre a forma pouco agradável como me
estavam a correr as primeiras horas em Paris.
Seria isto um mau prenúncio, ou somente aquela
forte tempestade após a qual sempre chega uma
agradável bonança? Tomei a decisão de reservar
o dia seguinte para entrar em contacto com uns
familiares do Aníbal (um colega das farras) que
também residiam nos arredores de Paris e indagar

31
se eles teriam alojamento mais amplo onde eu
pudesse ficar alguns dias, caso a Mimi também
não me pudesse alojar, dado compartilhar a
moradia com uma colega.
Assim fiz. De manhã saí com o Jean Pierre,
tomamos o autobus para a Estação e daí o trem
para o Centro. Despedimo-nos e eu tomei um táxi
para as Galerias Lafayette, local de trabalho de um
primo do Aníbal. Deixei as minhas bagagens
guardadas em local apropriado e fui procurá-lo.
Conversamos alguns minutos, durante os
quais lhe expus a minha situação. Informou-me
que residia, com os pais e uma irmã, em Gif-Sur-
Yvette, uma localidade ainda mais distante de
Paris do que o local onde o Jean Pierre morava,
mas na direção oposta. Como queria retribuir as
atenções que de mim recebera quando estivera na
minha casa da praia da Nazaré, durante as férias,
insistiu em que eu ficasse na sua casa todo o
tempo que desejasse, afirmando ter espaço
suficiente para isso. Aceitei, naturalmente, embora
ficasse de lhe dar uma confirmação após o meu
encontro com a Mimi.
Nessa mesma manhã telefonei para a bouti-
que da Mimi. Algo surpreendida por me saber em
Paris (eu não avisara ninguém sobre a minha via-
gem), disse-me que naquele dia estava terrivel-
mente ocupada, não iria sair nem para almoçar,
mas que poderíamos encontrar-nos no dia seguin-
te à hora do almoço. Deu-me o endereço do café
onde nos deveríamos encontrar para comer qual-

32
quer coisa e conversar. Confesso que não des-
cortinei na sua voz nada do entusiasmo que as
suas recentes cartas tinham revelado, mas achei
que talvez fosse pela surpresa e reservei as mi-
nhas conclusões para o dia seguinte.
Cheguei ao café (que também era restauran-
te) alguns minutos antes da hora marcada, pelo
que me sentei na esplanada externa, mandei vir
um aperitivo e dispus-me a aguardar a chegada da
Mimi. Enquanto saboreava a bebida fazia al-
gumas perguntas a mim próprio: “Por que diabo é
que eu sempre me sentia tão deprimido em Paris?
Por que razão achava os parisienses tão secos,
tão vaidosos, mal educados e cruéis?” Este
sentimento parecia não ter qualquer causa
palpável mas, no entanto, eu nutria-o e isso me
incomodava. Mais ainda me incomodava a tendên-
cia para estender por tabela esse sentimento a
todos os franceses, o que me parecia uma tremen-
da injustiça mas, mesmo assim, incontrolável. Não
podia esquecer a enorme demonstração de
covardia patenteada pelos chauffeurs de táxi dos
subúrbios que, à noite, se recusavam a servir um
turista. “É isso mesmo! Uns covardes, estes
franceses, é o que eles são!” - concluí maldosa-
mente. Devo, todavia, dizer, em abono da
verdade, que os meus sentimentos acerca dos
franceses se limitavam unicamente aos homens,
isto é: não abrangiam as francesas, que eu
considerava das mais ardentes e imaginativas
amantes do mundo.

33
Quando olhava distraidamente para o boule-
vard fronteiro à esplanada, de repente, dei um
mergulho de quase duzentos anos no tempo e vi -
naquele mesmo local - uma horda humana disfor-
me e maltrapilha que gritava, que uivava, com os
olhos chispantes de raiva, com inveja e sede de
vingança estampados nos rostos. Lá, bem no
centro do canteiro que divide em dois a avenida,
em cima de um palanque, um indivíduo bem ves-
tido, com ar de pessoa educada, discursava para a
multidão, incutindo nela os sentimentos baixos que
acabo de descrever e se podiam também ver
estampados nas faces da populaça. “Que fulano
abominável!” - pensei, sentindo interiormente uma
inenarrável repulsa pela personagem. Aproximan-
do-me de um popular, ousei perguntar: “Quem é
que discursa?” “É Marat, o amigo do povo!...” -
retorquiu entusiasmado o indivíduo.
O próprio som daquele nome me provocou
vômitos. Ao querer varrê-lo da minha consciência
comecei a ver os episódios da vida do demagogo
em movimento acelerado, rápidos, rápidos: a sua
carreira médica, a sua carreira política, a sua ob-
sessão em doutrinar o povo, o seu total fanatismo
anti-aristocrático, a sua obstinação em não fazer
concessões aos que ele - juiz infalível segundo a
sua própria perspectiva - considerava inimigos do
povo, a sua impiedade, o seu populismo fácil e ir-
responsável manobrando as massas a seu bel-
prazer. Subitamente, o correr dos episódios parou
no momento exato em que apareceu à frente dele

34
uma mulher que puxou de um punhal e o tres-
passou mortalmente. Era Charlotte Corday.
Como se tivesse sido liberto de um terrível
pesadelo corri célere em direção a essa mulher e
comecei a abraçá-la e beijá-la sofregamente,
murmurando: “C'est bon que tu es venue, c'est bon
que tu es venue”... Não sei como, dei novo salto
mortal no tempo e reencontrei-me na época
presente, agarrado à Mimi, em plena esplanada,
beijando-a nas mãos, nas faces e pescoço.
Confesso que me senti profundamente envergo-
nhado, como quem é apanhado sem roupa no
meio da rua. Tentei disfarçar e recuperar-me o
melhor que pude, indiquei à Mimi que se sentas-
se, quando constatei a presença junto a nós de
uma outra moça. Olhei para a Mimi com um esgar
interrogativo.
“É Béatrice, minha colega na boutique e
companheira de apartamento. Calculei que gos-
tasses de conhecê-la.”
Achei estranho ela trazer a amiga para um
encontro em que (em princípio) iríamos falar sobre
o nosso romance amoroso mas enguli em seco,
cumprimentei a Béatrice e sentamo-nos. A Mimi
estava belíssima. Nunca a tinha visto totalmente
maquiada como estava naquele dia porque, du-
rante as férias, ela não usava mais do que um
pouco de bâton à noite. Os seus longos cabelos
loiros, cuidadosamente “despenteados”, pareciam
autênticos fios de ouro. Os seus lábios, carnudos e
sensuais, eram um verdadeiro convite à sedução.

35
Os seus olhos, azuis e grandes como as estrelas,
falavam como um poema de amor. A sua atitude
era um misto de inocência e perversão, como se
ela fosse ao mesmo tempo uma donzela e uma
mulher-fatal. Brigitte Bardot teria que curvar-se
perante a beleza de Mimi se ali chegasse naquele
instante. Todavia, ao olhá-la, passava-se comigo
um fenômeno insólito: a sua imagem, de vez em
quan-do, começava a sair de foco e as roupas
modernas e ousadas que vestia transformavam-se
em roupas do século dezoito; o seu penteado
mudava também e, na minha frente, voltava a ver
Charlotte. “Que estranho fenômeno!” - pensei, e
não pude deixar de concluir que estava a ser
intérprete de um caso de regressão intermitente,
coisa que, se não era para mim uma total
novidade, nunca se tinha revestido das caracte-
rísticas daquele momento. Sem dúvida, Mimi era a
presente reencarnação de Charlotte Corday!
Após termos escolhido no Ménu a comida
que nos apetecia e transmitido o nosso pedido ao
empregado, a Mimi pediu desculpa e solicitou al-
guns minutos para ir ao toilette e para fazer uma
chamada telefônica.
Foi então que reparei melhor na Béatrice.
Moça de uns 22 anos (talvez um pouco mais ve-
lha do que a Mimi), era também uma verdadeira
estampa de beleza: brunette de cabelos castanho-
avermelhados, olhos verde-marinhos (daqueles
que nos fazem penetrar nas profundezas do Oce-
ano), a sua tez bronzeada não ocultava uma bem

36
semeada porção de sardas que lhe salpicavam o
rosto e davam um ar de menina travessa. O meu
coração começou a dar aquelas pancadas tão
típicas do leão caçador faminto que, de repente,
se apercebe que está na presença de uma su-
culenta gazela. Como que adivinhando os meus
pensamentos, Béatrice começou:
“Eh bien, mon cher Zeca, é possível que a
Mimi tenha que sair esta noite. Um compromisso
que já tinha, sabe? Todavia, seria interessante que
você viesse até ao nosso apartamento. Podíamos
passar o serão juntos, conhecer-nos um pouco
melhor e aguardar a chegada da Mimi. Traga a
sua guitarra: sei que canta muito bem. Inclusive,
você podia passar a noite conosco. Que acha?”
Foi o que se chama uma pedrada no charco.
O meu ritmo cardíaco dobrou o número de batidas.
Sentia agora a emoção de caçador e de presa
porque a minha presa de há minutos atrás, de
dócil gazela, se havia transformado numa ágil
pantera. Se, por um lado, me incomodava a posi-
ção de me ter transformado em presa, pelo outro,
não deixava de sentir a tentação ardente do pro-
grama em perspectiva: uma soirée à deux para
“conhecer melhor” a Béatrice e cantar-lhe algu-
mas baladas românticas, seguida de um mais do
que provável ménage à trois com dois dos mais
belos espécimes femininos que Deus ao Mundo
havia deitado...
Fiquei sem conseguir articular palavra du-
rante alguns minutos, engasgado com a antevisão

37
do gozo em perspectiva. Sentia as veias do pes-
coço a latejar e uma lasciva torrente quente-fria
que me subia e descia a espinha alternadamente.
Estava totalmente embriagado pela volúpia, presa
que quase se entrega sem luta ao predador. Não
sentia forças nem para falar; o que me apetecia
era mergulhar de imediato no seio de Béatrice e
começar a desfrutá-la naquele mesmo instante.
Mas o regresso de Mimi fez-me sair daquele
sonho erótico:
“Telefonei mas não me consegui desenven-
cilhar do compromisso que tinha para esta noite.
Vou ter que ir mesmo. C'est tant dommage, chéri!”
Não sei por que motivo absurdo, dei comigo
a responder prontamente:
“Não tem importância, chérie. Telefono-te
amanhã e veremos se estás livre.”
“Mas... e a minha sugestão?” - perguntou,
desapontada, a Béatrice.
“Ah, sim, a tua sugestão! Acho que vai ter
que ficar para outro dia. Que diabo, não tenho data
marcada para ir-me embora; teremos muitas
oportunidades...”
Fui salvo pela chegada do empregado de
mesa com as iguarias que tínhamos pedido. Co-
meçou a servir-nos.
“Bom tempo, este início de Outono!” - atirei
para descongestionar o ambiente e lançar na
mesa um tema trivial de conversação.

38
Enquanto as minhas companheiras começa-
vam a discorrer sobre as mudanças climáticas dos
últimos cinco anos, eu aproveitei para refletir sobre
a minha mudança de atitude de há minutos atrás.
Como muitas vezes me acontece, tinha sido
apanhado de surpresa por alguma coisa que
brotara de mim próprio, o que significa que sou
habitualmente bastante mais imprevisível do que a
maioria das pessoas que me rodeiam. Consigo,
com uma margem de erro bastante pequena, pre-
ver as atitudes e até palavras dos outros mas,
quando se trata de mim próprio, apanho cada
susto!... Foi então que surgiu no meu ouvido invi-
sível, naquele que eu geralmente chamo o ouvido
da alma, aquela também habitual voz esclarece-
dora:
“Parabéns, José, o espírito venceu a matéria!
É assim que tem que ser sempre, se quiseres
seguir o teu Caminho e não te perderes em qual-
quer atalho insignificante, por mais tentadores que
possam parecer os prazeres do seu trilhar. Agiste
como um verdadeiro Homem...”
Terminamos o prato principal e mandamos vir
o proverbial tabuleiro de queijos sem o qual a
França não seria la France mas sim um país
primitivo e insípido. Os queijos estavam deliciosos
(como sempre) e mereciam mais uma garrafa de
Bordeaux, que me apressei a pedir.
A conversa começou a correr mais solta,
como sempre acontece nessa fase descompro-
missada da refeição. E, quanto mais solta e desi-

39
nibida ela corria, mais se firmava na minha cons-
ciência a absoluta certeza de que havia tomado a
decisão certa, decisão de que só agora me aper-
cebia em toda a sua extensão. Não só eu não iria
encontrar-me com as moças nessa noite, como
não voltaria mais a procurá-las. Percebera que o
demo não é coisa com que se brinque sem que
restem mazelas, ou seja, que do pacto com o
prazer sempre sobra alguma dor. Já tinha experi-
mentado aquele tipo de programa anteriormente
(embora a beleza das companheiras de agora me
parecesse ultrapassar a das de então) e lembra-
va-me de que, no final, sempre me ficava um sen-
timento de culpa, uma espécie de remorso e de
auto-condenação nada agradáveis de sentir. Ti-
nha-me trazido a Paris a intenção de encontrar
(talvez na Mimi) a alma-gêmea que desde há tanto
procurava para, afinal, me defrontar com uma
requintada proposta de aventura carnal e... a três!
O tempo que elas tinham para almoçar esgo-
tara-se. Beijamo-nos e eu despedi-me com a pro-
messa (falsa) de que ligaria na manhã seguinte. A
tarde estava magnífica e eu resolvi andar a pé o
resto do dia para arrumar as idéias. Tinha a sen-
sação de que a minha voz misteriosa me voltaria a
contatar naquele dia; por isso, pretendia pôr-me à
sua disposição. Como estava muito perto, embre-
nhei-me nos Campos Elíseos.
Quando comecei a tentar relembrar a vivên-
cia daquela manhã, uma outra turba surgiu na mi-
nha frente. Eram umas poucas centenas de pes-

40
soas encabeçadas por diversos cavalheiros bem
vestidos, um dos quais sobressaía e exortava os
demais:
“Allons! Aux Tuilleries! Aux Tuilleries!”
Quis saber o nome deste outro revolucioná-
rio. Alguém me sussurrou ao ouvido:
“É Danton, o mais brilhante advogado da
França, talvez até do Mundo!”
Pareceu-me incrível que um advogado bri-
lhante - por definição um defensor da lei e da
justiça - se dedicasse ao exercício da ilegalidade
em nome de qualquer código revolucionário, por
mais tentador que fosse o seu lema. Neste caso,
pelas faixas de pano pintado e tábuas ostentadas
pela populaça, podiam descortinar-se as palavras
“LIBERTÉ, ÉGALITÉ, FRATERNITÉ.”.
Era então em nome daqueles três princípios
que se incitava a multidão ao assalto e à pilha-
gem, à violação e à usurpação? Por mais ilegítimo
que fosse o poder instituído, era justo que se
agisse dessa forma, principalmente quando esse
poder havia já sido esvaziado das suas armas
principais e o verdadeiro poder residia agora
(desgraçadamente) nas mãos dos demagogos?
Vi depois a imagem dantesca de milhares de
guilhotinas sendo construídas e instaladas em
múltiplas praças públicas, primeiro em Paris,
depois em toda a França. E vi também as
intermináveis filas de inocentes que, diariamente,

41
durante meses sem fim, alimentavam a lâmina
fatal para satisfazer invejas, calúnias, vinganças e
ambições pessoais dos demagogos e seus
acólitos.
Vi também os tribunais ad-hoc constituídos
anarquicamente por toda a espécie de aventurei-
ros sanguinários, condenando sem julgamento,
sem defesa, sem direitos, milhares de pessoas,
assim alimentando o seu insaciável ódio revolu-
cionário. Vi Danton fazendo parte de um destes
tribunais a votar pela execução do Rei, acusado
de uma traição que nunca cometeu e da qual não
foi apresentada qualquer prova de culpa.
Vi um outro demagogo, o rei dos demago-
gos, o rei dos terroristas, o herói do povo inebri-
ado por sangue, um tal Robespierre, comandando
as massas e enviando vítimas para o cadafalso
como um carniceiro, um magarefe infernal. A mi-
nha indignação atingiu o rubro.
Decidi acalmar-me um pouco, dando uma
trégua às minhas visões. E pensei: “Segundo
aquilo em que acredito, existe uma lei de causa e
efeito, ou Lei do Carma, segundo a qual, a toda a
ação corresponde uma reação de igual força e
direção, mas de sentido contrário. Para quê in-
dignar-me? Basta saber que existe a Lei e que ela
se cumprirá inexoravelmente. Não a lei dos ho-
mens (essa mesmo permanentemente violada) do
olho por olho, dente por dente, mas a LEI eterna e
imutável do a cada um segundo as suas obras”, ou
“tal como semeias, assim colherás”.

42
Vi então, bem claramente, os demagogos, os
membros ad-hoc dos tribunais fantoches e todo o
séqüito dos seus apaniguados sendo encami-
nhados até ao cadafalso, condenados e executa-
dos segundo os métodos que eles próprios havi-
am fomentado, sob o aplauso do mesmo povo se-
dento de sangue que eles tinham envenenado
com as suas teorias de révanche. Fora feita a jus-
tiça divina e, desta vez, num curto espaço de
tempo!
Voltei à minha plena consciência na dimen-
são espaço-temporal que me pertencia. Olhei os
transeuntes que passeavam despreocupados pe-
los jardins dos Campos Elíseos, os anciãos que
davam migalhas aos pombos, os casais que se
beijavam apaixonadamente, os trabalhadores que
se movimentavam rápidos nas suas lides profissi-
onais. Apesar de tudo, porque sou um apaixonado
pela vida, porque sou um amante da Humanida-
de, não podia deixar de sentir uma certa simpatia
por aquele povo outrora tão sanguinário...

43
O Mestre Hilarion

44
3

O CONDE DE SAINT-GERMAIN

Os Templos são locais onde, durante as ho-


ras de culto, se sente muito pouco a Presença di-
vina, ou seja, a integração com o Grande Todo
Universal. Nessas ocasiões, devido à presença de
muitas pessoas pouco evoluídas (como são sem-
pre os fanáticos de qualquer religião), o ambiente
fica muito contaminado com as formas-pen-
samento negativas que essas pessoas arrastam
consigo do plano astral. Porém, fora das horas de
culto, muitos Templos - designadamente aqueles
que foram construídos em locais de grande ener-
gia telúrica e segundo princípios arquitetônicos
(consciente ou inconscientemente) inspirados -
transformam-se em locais de grande poder inspi-
rativo, sendo autênticas antecâmaras de contacto
com o Mundo Espiritual. É nessas ocasiões que eu
os visito e neles fico, às vezes, horas sem fim em
autêntica ascese mística.
Durante aqueles dias passados em Paris,
usei parte do meu tempo para meditar em dois
Templos que possuem as características positivas
(fora das horas de culto) que acabo de definir: A
Catedral de Nôtre Dame de Paris e a Madeleine. A
própria existência paralela destes dois importan-

45
tes Templos revela alguma coisa das intenções
daqueles que inspiraram a sua construção.
Um destes dois templos homenageia a Mãe e
o outro a sua Esposa. Só em Paris tal coisa podia
ser feita com tão grande à-vontade, dando corpo,
talvez, à tradição de certos círculos secretos
franceses de que a dinastia merovíngia foi fundada
diretamente por Jesus e alicerçada na descen-
dência do seu casamento com Maria Madalena
após o corpo do Mestre (não morto mas em
estado cataléptico) ter sido secretamente retirado
da gruta onde tinha sido escondido. Por isso -
ainda segundo esses círculos - a realeza francesa
original (e os seus diretos descendentes) teria
verdadeira origem divina.
Mas Jesus é uma coisa e o cristianismo é
outra, por vezes tão diferente que toca as raias do
antagonismo. Por isso, em termos de coerência
católica, se a Igreja já escolheu há muito a sua
legítima esposa mística (Maria) que lugar caberia
a Madalena senão o de concubina? Esta é uma
injustiça imperdoável, se Madalena foi, de fato a
legítima esposa do grande Mestre.
A dicotomia Nôtre-Dame/Madeleine tem
inúmeros outros aspectos. Um deles é a sua
arquitetura: a Catedral de Nôtre-Dame, construída
no mais belo estilo romano-gótico, representa o
auge da arquitetura religiosa européia ocidental
Cristã; a Madeleine em estilo neoclássico, faz
lembrar a harmonia, a beleza e a austeridade dos
Templos pagãos da antiga Atenas.

46
Outro aspecto ainda dessa complementari-
dade é a simbologia de Maria com a duplicidade
esposa-mãe (o que faz com que o amor por ela só
possa ser, ou platônico ou incestuoso) e a
simbologia de Madalena como a mulher-pecado
(com quem se pode, enfim, praticar o amor total).
A união destas três características (amante-
esposa-mãe) forma o Grande Triângulo do
aspecto feminino humano e solar.
Foi talvez por causa destas e de várias ou-
tras complementaridades que eu passei grande
parte daqueles dias indo de Herodes para Pilatos,
que é como quem diz, de Nôtre-Dame para a Ma-
deleine e vice-versa. Era como se, com isso, unis-
se em mim duas partes ainda separadas mas que
precisavam aprender a coabitar em harmonia.
Naquela manhã encontrava-me na Catedral
de Nôtre-Dame. Absorto em profundos pensa-
mentos refletia ainda sobre as visões que tivera de
episódios violentos da Revolução Francesa e
compreendia que a razão do meu ocasional sen-
timento de antipatia pelos franceses se devia à fú-
ria sanguinária das massas parisienses e, princi-
palmente, à sanha demagógica do triângulo Ma-
rat-Danton-Robespierre. De alguma forma eu
captava a ambiência dessa época na memória dos
tempos e era afetado por ela. Quando refletia
sobre o castigo que a implacável Lei do Carma
infligira aos três demagogos, perguntava-me: «E a
turba? Sim, e a turba raivosa?». Ao meu lado, uma

47
voz de homem, ao mesmo tempo doce e enérgica,
proferiu:
«Quando as tropas de Hitler entraram em
Paris e ocuparam praticamente toda a França, a
turba teve o seu castigo!»
Dei um salto de surpresa. Primeiro, não me
apercebera de que alguém se tinha instalado ao
meu lado; quando ali chegara e iniciara a minha
concentração, ninguém mais se encontrava na-
quela fila e pouquíssimas pessoas estavam no
Templo. Segundo, não estava a compreender
como aquele sujeito lera os meus pensamentos ao
ponto de dar resposta a uma pergunta que eu es-
tava a formular mentalmente naquele exato mo-
mento. Seria que eu estivera a pensar em voz
alta?
«Não, você não esteve a pensar em voz
alta.» - voltou a falar o meu misterioso compa-
nheiro, adivinhando de novo a minha pergunta
mental.
Aproveitei para olhar melhor para ele, tanto
quanto mo permitiam a semi-obscuridade do local
e a posição lateral em que me encontrava
ajoelhado ao lado dele. Era uma pessoa que
impressionava pelo seu porte simultaneamente
jovial e majestoso. Elegantemente vestido,
aparentava uns 35 a 40 anos. Soergui-me da
posição genufletida, sentando-me no banco, no
que fui acompanhado por ele.

48
«Mas quem é o senhor? Como pode ler os
meus pensamentos?» - acabei por conseguir in-
quirir quando me certifiquei de que não estava na
presença de mais uma visão etérica mas sim de
uma pessoa de carne e osso, bem física e bem
palpável.
«Sou o Conde de Saint-Germain. Posso ler
os seus pensamentos e os de qualquer pessoa
com a maior facilidade por motivos que, noutra
ocasião e noutro local, eu, ou qualquer outra enti-
dade que se encontre no mesmo nível que eu, lhe
explicará. Tenha calma porque vim até si por bem
e estou aqui para ajudá-lo a encontrar algumas
das respostas que vem procurando para antigas
perguntas.»
Como que para pôr à prova o meu enigmáti-
co interlocutor, resolvi ficar alguns minutos em si-
lêncio e mentalizar a pergunta das perguntas, que
desde há muito me intrigava. Tratava-se de saber
se uma presença que me acompanhava, falava e
aconselhava desde os meus tempos de infância,
era real ou não passava de um fruto da minha
imaginação. Habituara-me a chamar a essa pre-
sença o Senhor Jorge e a considerá-lo como o
meu melhor amigo — aquele que tudo me dava e
nada me pedia em troco. Mal tinha iniciado a for-
mação desta imagem no meu pensamento, já o
Conde começava:
«Real, muito real! O Senhor Jorge é a pes-
soa mais real que você conhece e, certamente, o

49
seu maior e melhor amigo. Não tenha a menor
dúvida: ele é o seu Mestre!»
«Meu Mestre? Mas Mestre de quê?» - inquiri.
«Mais uma vez lhe digo: tudo isso são coi-
sas que você irá aprender noutros lugares, de ou-
tras formas e talvez com outras pessoas. Não foi
para isso que vim aqui hoje encontrá-lo.»
«Porque motivo veio, então, além de ler os
meus pensamentos e responder a perguntas que
não lhe fiz?»
«Porque você estava a cometer uma injus-
tiça em relação aos parisienses e em relação à
França e à sua Revolução. Como fui o principal
causador da eclosão dessa Revolução resolvi vir
aqui para me defender diretamente das suas
acusações.»
«Defender-se? Das minhas acusações? Que
diferença isso lhe faz?»
«Muita, meu caro irmão. Você mais tarde
saberá por quê.»
«Mas... espere um pouco! O senhor disse
que foi o principal causador da Revolução Fran-
cesa. Está a referir-se a alguma reencarnação
anterior, ou então a algum antepassado seu, cer-
tamente?»
«Não. Realmente não estou. Acontece que
mantenho este mesmo corpo físico há algumas
centenas de anos... Ele é o mesmo que tinha

50
nessa época e até muitos anos antes. Já há muito
tempo que terminei o meu ciclo cármico de
desencarnações e reencarnações...»
A minha razão dizia-me que aquele homem
era doido. Todavia, a minha intuição garantia-me
que se tratava de um ser muito evoluído, muito
sábio, muito bom, e não conseguia evitar sentir
uma enorme atração por ele. Estava ainda muito
atordoado com a surpresa daquela misteriosa
aparição mas, a pouco e pouco, ia recobrando a
minha calma, reatando o diálogo:
«Muito bem. Admitamos que eu acredite que
o senhor tem um corpo com centenas de anos de
idade, que (não sei bem como) foi responsável
pela eclosão da Revolução Francesa e que tem
interesse em demonstrar que alguns dos meus
pensamentos, dúvidas e conclusões a respeito
dela são injustos. Já me demonstrou que a Lei do
Carma funcionou a posteriori com o povo parisi-
ense durante a invasão hitleriana. E agora?»
«Agora, para lhe afastar definitivamente as
ideias negativas acerca do povo francês, quero
apresentar-lhe três franceses que você admira,
para contrabalançar a má impressão que julga ter
de Marat, Danton e Robespierre.»
«Alto lá! Um momento! A má impressão que
julgo ter, não! A má impressão que tenho mesmo e
ainda não há muitas horas tive a oportunidade de
confirmar os motivos ao vivo e a cores!»

51
«E se eu lhe disser que esses três homens
são, na realidade, seus condiscípulos no ashram
do seu Mestre? E se eu acrescentar que eles exa-
geraram na sua ânsia revolucionária mas, na ge-
neralidade, cumpriram muito bem as missões que
os trouxeram à Terra naquela época? E se eu lhe
disser que você cometeu excessos semelhantes
em reencarnações suas e não está livre de que
isso possa voltar a acontecer?»
Fiquei engasgado com estas perguntas. No
íntimo sentia que eram totalmente verdadeiras as
implicações que elas continham. Por isso sentia
uma espécie de ferro em brasa a marcar-me o
peito com as palavras: «Não julgues e não serás
julgado!». Senti remorsos pela forma como, levia-
namente, julgara, afinal, com a mesma ligeireza
com que os meus réus haviam condenado os
seus. Senti vergonha de mim próprio. O Conde,
conhecendo os meus pensamentos e querendo
aliviar a minha angústia, disse:
«Não se mortifique, meu irmão! A sua lição
está aprendida! Como dizia, vou-lhe apresentar
três franceses que você admira. Isso vai fazer com
que se sinta muito melhor!»
«Onde estão eles, Mestre?» — Fiquei
surpreendido por ter proferido esta palavra. No
entanto, ela parecia-me a única possível de utilizar
para me dirigir àquela fascinante individualidade.
Começava agora a compreender o que é um
Mestre...

52
«Dois deles virão encontrar-se consigo aqui
mesmo, agora mesmo. O terceiro, você mesmo o
encontrará no próximo domingo. Devo dizer-lhe
que nenhum dos três se encontra reencarnado,
pelo que irá vê-los em corpos etéricos. Olhe à sua
esquerda (o Conde encontrava-se à minha direi-
ta): o primeiro já está ao seu lado. Apresento-lhe o
Cardeal Richelieu!»
Quando virei a cabeça, ele estava lá. Trajado
a rigor, com o seu longo manto debroado, a sua
camisa de colarinhos gigantes, o seu enorme
crucifixo pendurado ao peito, o seu pequeno
barrete social, o seu olhar perspicaz e profundo.
Era magnífico, o seu porte! Fiquei deslumbrado e
sem saber o que dizer. Olhei-o nos olhos e ele
sorriu para mim com uma bondade de que o teria
julgado incapaz.
«Não vale a pena conversarem!» - apres-
sou-se a afirmar o Conde - «Em breve terão
oportunidade de começar uma longa conversa,
uma conversa que durará muitos anos embora as
vossas relações nem sempre venham a ser fá-
ceis! Você, José, será o seu pai na reencarnação
dele (em corpo feminino) que se aproxima...»
Olhei de novo para a esquerda e ele ainda lá
estava, com o mesmo sorriso. Abraçamo-nos e
beijamo-nos mentalmente, com um «Até breve!».
Não perguntei ao Conde como se iria processar
essa relação, já que eu nem sequer era ainda ca-
sado nem tinha noiva em vistas. Passara a confiar
totalmente nas suas palavras e sentia que ele era

53
uma face de expressão da Verdade. Logo, as suas
afirmações passaram a ser indiscutíveis para mim.
«E agora, - cortou o Conde - a segunda
individualidade de que lhe falei. Apresento-lhe o
Mestre Trasgo, aliás, Michel de Nostradamus!»
Mal Saint Germain acabou de proferir estas
palavras, como por milagre, materializou-se na
minha frente o meu muito admirado e amado autor
das célebres Centúrias proféticas.
«Nostradamus? Trasgo? Mestre?»
«Sim. Sou eu. Encontro-me, tal como o Bem-
Amado Mestre Saint-Germain, já liberto do ciclo
cármico de reencarnações; por isso nos chamam
Mestres, ou Adeptos. Nós aceitamos esses epíte-
tos com gratidão mas consideramo-nos ainda
muito longe da maestria. Mestres muito mais sá-
bios do que nós nos ensinam as coisas que ou-
tros Mestres ainda mais sábios do que eles lhes
ensinam e assim sucessivamente. Nessa grande
escada, nada mais subimos ainda do que o pri-
meiro degrau...»
«Todavia, — atalhei sem saber exatamente o
que estava a dizer — pelos vistos, pessoas tais
como eu estão ainda muito longe de subir esse
mesmo primeiro degrau...(?)»
«Não tão longe quanto você hoje pensa, meu
irmão! Ao longo de muitas e muitas reencar-
nações, cada um vai prestando as mais diversas
provas até que — literalmente — seja aprovado

54
em todas as matérias. Posso dizer-lhe que, tal
como muitos outros irmãos hoje reencarnados,
você já está aprovado numa boa parte das maté-
rias do curso. Podemos dizer que o seu pé já se
levantou em direção ao degrau. Em breve pousa-
rá sobre ele. Quanto tempo isso demorará depen-
de unicamente de si e ninguém poderá fazer nada
nem para ajudá-lo nem para impedi-lo de dar esse
passo.»
«Quer dizer que isso pode acontecer no de-
curso - ou no final - da minha presente reen-
carnação?» — inquiri.
«É perfeitamente possível (olhe que eu não
disse provável!) embora seja igualmente possível
que isso venha a acontecer daqui a n reencarna-
ções. Como disse, isso depende unicamente de si,
da qualidade e da quantidade do Serviço que
prestar, da quantidade de carma negativo que
consiga resgatar e da quantidade de carma positi-
vo novo que consiga ou não gerar. Você é Senhor
absoluto do seu destino e o seu livre-arbítrio pode
conduzi-lo aos destinos que escolher, com a rapi-
dez que desejar, compreende?»
«Certamente, Mestre; é totalmente lógico que
assim seja!» - disse eu, já perfeitamente à-von-
tade com o tratamento por Mestre àqueles dois
sábios homens que naquele momento me acom-
panhavam (Richelieu já se tinha desmaterializa-
do).
Saint-Germain voltou a falar:

55
«E no domingo, encontrará - pelos seus
próprios meios - a terceira individualidade que
admira e assim resgatará definitivamente a má im-
pressão que ainda lhe possa sobrar sobre o povo
francês. A talhe de foice, sempre lhe vou dizendo
que você próprio ajudou - noutras reencarnações -
a firmar este país e a nele consolidar a religião
cristã. Por isso, não se considere estrangeiro ao
assunto; você não é um mero observador!»
Despedimo-nos. Não ousei perguntar se (e
quando) nos voltaríamos a encontrar. Sabia que
isso viria a acontecer quando eu o merecesse e
não adiantava querer respostas antecipadas.
A sensação de plenitude e de graça que eu
sentia era maior do que a de uma criança que
acaba de fazer a primeira comunhão e se aperce-
be, pela primeira vez, de que tem Deus dentro de
si. Levantei-me e saí da Catedral andando sobre
nuvens...

56
4

ADIEU PARIS, HELLO LONDON!

Comecei a fazer planos para abandonar Pa-


ris. Afinal o caso Mimi já estava definitivamente
encerrado no meu coração (já quase nem me re-
cordava dela) e uma voz me dizia que o verdadei-
ro motivo da minha ida ali estava quase totalmente
revelado. Faltava — na verdade — encontrar a
terceira personagem de que me falara o Mestre
Saint-Germain, mas não me parecia ser necessá-
rio prolongar a minha estadia para que esse en-
contro tivesse lugar.
Os tios do Aníbal queriam que eu ficasse até
domingo para ter a oportunidade de conhecer a
filha deles que se casara com um engenheiro
francês. Eles viriam buscar-nos pela manhã para
passarmos o dia juntos, levando-nos para um
passeio de automóvel pelos arredores de Paris.
Parece que, no roteiro planejado, se encontrava o
Palácio de Versalhes. Não quis dizer que já havia
visitado aquele local muitas vezes antes, para não
parecer ingrato. De qualquer forma, como o tempo
estava excelente naquele fim de Verão, calculei
que fosse bastante agradável passear pelos exu-
berantes jardins do Palácio. E (quem sabe?) tal-
vez o meu terceiro encontro ali viesse a aconte-

57
cer... Assim sendo, marquei passagem aérea para
Londres para segunda-feira.
Os dois dias que faltavam até domingo de-
correram sem história. Como combinado, o jovem
casal veio buscar-nos a casa pelas 9 horas da
manhã. Ambos eram a personificação da simpa-
tia. O dia estava esplendoroso e o passeio come-
çou em pura alegria. Deambulamos por estradi-
nhas campestres estreitas e cheias de curvas que
nunca mais saberei encontrar, deliciando-nos com
a beleza da paisagem. Depois de umas duas ho-
ras neste despreocupado ziguezaguear automobi-
lístico vi surgir na minha frente o imponente por-
tão do Palácio de Versalhes.

Perguntaram-me se estava interessado em


visitar o interior, ao que respondi, sinceramente,
que já o conhecia bem, preferindo ficar pelos
imensos jardins e fazer algumas fotos.
Gastei um rolo inteirinho de diapositivos fo-
tografando estátuas, lagos, canteiros, recantos,

58
enfim, ex-libris daquele verdadeiro jardim do pa-
raíso.

Saímos, passava da uma hora da tarde, para


irmos almoçar a um restaurante caseiro que ficava
numa localidade a poucos quilômetros de distân-
cia. Após o almoço - que foi absolutamente delici-
oso - perguntaram-me se conhecia Port-Royal.
«O nome não me é estranho. - disse - Mas
confesso que não conheço o local. De que se
trata?»
«É um palacete, igreja e convento jansenitas
onde, no Século XVII, Pascal escreveu a grande
maioria dos seus Pensamentos. Fica aqui perto.
Gostaria de visitar o local? Tem também uma
natureza exuberante e ainda não estragada pela
civilização.» - respondeu o meu simpático
cicerone.»
«Vamos a isso!» - ripostei entusiasmado.

59
Não sei como poderei algum dia agradecer o
presente com que fui homenageado ao ser-me
proporcionada aquela visita. Fiquei totalmente
deslumbrado com Port-Royal. Que lugar maravi-
lhoso, inspirativo, calmo, profundo, completo! Foi
sugerido que nos separássemos, para que cada
um de nós pudesse dar mais atenção aos locais
que mais lhe aprouvessem. Combinou-se uma
hora para nos reunirmos mais tarde no carro.

Mergulhei de cabeça em Port-Royal. Deixei-


me guiar pela intuição e penetrei em todos os
lugares, dentro e fora das construções, fundindo-
me com todos os recantos, todos os ângulos,
todas as sutilezas daquela autêntica obra de arte.
E, sem querer, comecei a comparar Port-Royal
com Versailles. O que Versailles tem de sofistica-
ção, Port-Royal tem de espontaneidade. O que
Versailles tem de gigantismo volumétrico, Port-
Royal tem de suficiência equilibrada. O que

60
Versailles tem de riqueza e esbanjamento, Port-
Royal tem de austeridade e contenção. Versailles
é um desafio do Homem à Natureza; Port-Royal é
a integração do Homem com a Natureza. Versai-
lles é o Templo Pagão do Prazer; Port-Royal é o
Templo Espiritual da Sabedoria.

Absorto nestas minhas deduções entrei numa


pequena sala sem saída. Em frente, uma janela
aberta de par em par, deixava entrar a Natureza. À
esquerda, sentado a uma escrivaninha, pena na
mão, maços de papel semeados por sobre o
tampo, o físico, o matemático, o geômetra, o filó-
sofo, o teólogo, o espiritualista BLAISE PASCAL,
olhava-me sorridente!
«Esperava-o, meu irmão! Seja bem vindo a
Port-Royal! Espero que esteja a gostar!»

61
«Meu Deus, se estou a gostar! Estou total-
mente encantado por este lugar maravilhoso!
Como soube que eu vinha, se eu próprio não o
sabia até poucos minutos atrás?» Ri-me da
inutilidade da minha pergunta e prossegui: «Você
é Pascal e, claro, é o terceiro homem de que me
falou Saint-Germain?...»
«Sim. De fato, o Mestre convocou-me para
me encontrar aqui consigo hoje. Como deve ter
percebido, estou em corpo etérico, reproduzindo a
aparência que tinha na encarnação do século
XVII.»
«Diga-me, meu irmão: Saint-Germain é o
meu Mestre? Não ousei perguntar-lhe isto a ele
mesmo; será que você me poderá responder?»
«Todas as pessoas têm — ou virão a ter —
um Mestre, um professor responsável pela sua
preparação espiritual superior, quando chegam ao
final do período geralmente conhecido como aspi-
ração à Sabedoria. Eu, por exemplo, sou discí-
pulo desse Grande Ser que é conhecido pelo
nome de Mestre Hilarion e que, numa reencarna-
ção anterior, foi o Apóstolo São Paulo. Você é
discípulo de uma outra Excelsa Entidade, de
acordo com a nota, ou raio, da sua Alma. Posso
adiantar-lhe que essa Entidade não é o Mestre
Saint-Germain, mas é tudo o que estou autorizado
a dizer-lhe. Você próprio encontrará, ou melhor,
reencontrará o seu Mestre muito brevemente.»

62
«Interessante, o que me conta. Todavia, sinto
uma tão grande ligação a Saint-Germain... »
«É perfeitamente natural que assim seja.
Repare: primeiramente, você tem grandes liga-
ções cármicas com Ele, pois reencarnou em si-
multâneo nalgumas das encarnações anteriores à
ascensão dele a Mestre, numa das quais Saint-
Germain foi até seu pai! Noutras tiveram também
laços de muita afinidade. Por outro lado, todos os
discípulos do Mundo estão agora muito ligados ao
trabalho do Mestre cujo raio entra em atuação
predominante pelos próximos dois mil anos. É o
caso do 7º Raio, cujo patrono é Saint-Germain e
que regerá a Terra por toda a Nova Era de Aquá-
rio. Compreende? Outra coisa: o lema de Saint-
Germain é Liberdade-Igualdade-Fraternidade,
sabia?»
«Ah, agora compreendo o que ele disse so-
bre a Revolução Francesa...»
«E o Hino do 7º Raio, cuja música foi escrita
por Ele próprio, é “A Marselhesa”.»
«Ah, sim? Então sempre se compreende que
ele dissesse ter sido o principal causador da
eclosão da Revolução!...»
«A chamada Revolução Francesa, bem como
a independência das colônias da América do
Norte, são dois marcos históricos, impulsionados
por Saint-Germain, que marcam o início da
manifestação preponderante do 7º Raio sobre a
Terra neste ciclo evolutivo. Marcos precoces (que

63
não prematuros), são a semente donde brotará a
Nova Era de Ouro que se aproxima. Por isso, não
podem ser vistos - principalmente a Revolução
Francesa - pelos seus aspectos negativos, mas
sim pelo seu vanguardismo e pela sua ação
profilático-preventiva pois foram as primeiras duas
doses de uma vacina tripla contra os excessos. A
terceira (e última) dose - cuja reação ainda decorre
- foi a Revolução Russa!...»
«A Revolução Russa! Não me diga! Olhe que
me deixou sem fala! E o que é que ela teve de
positivo?»
«Ainda é muito cedo para que seja visto o
verdadeiro alcance da Revolução Russa. Mas não
se passarão trinta anos sem que isso não comece
a ser conhecido! Você sabe muito mais destas
coisas do que eu, garanto-lhe, pois a sua linha de
serviço está ligada diretamente às transformações
políticas e sociais do Mundo. Só precisa trazer
para o cérebro físico a recordação dos seus
trabalhos nos planos mais sutis e entrar em
contato com a memória das suas reencarnações
anteriores. Então compreenderá como Marat,
Danton e Robespierre têm inúmeras afinidades
consigo e talvez se sinta feliz por ter sido o grande
inspirador (e Guia Espiritual) de Vladimir Ilyich
Lénin...»
«Cruzes, canhoto! Pode ser que tenha ra-
zão, meu irmão mas, por enquanto, custa-me a
encaixar a idéia! Temos que dar tempo ao tempo.
A propósito: enquanto isso não acontece, o que

64
me aconselha a fazer em termos de leituras, ou
outras práticas que me possam ajudar a avivar
essas recordações?»
«Continue a ler o que puder de origem orien-
tal. Encontrará em Londres material de muito re-
cente tradução extraído dos Vedas, Upanishads,
etc., bem como obras budistas de grande valor.
Aconselho-o a procurar nas livrarias que ficam nas
imediações do Museu Britânico. A sua intuição lhe
indicará o que deve comprar, mas não deixe de ler
as obras fundamentais da Sociedade Teosófica:
Helena Blavatsky, Leadbeater, Annie Besant, etc..
Termine lendo todas as obras de Alice A. Bailey;
elas são o maior monumento de Sabedoria escrito
na nossa época.
A Inglaterra é um potentíssimo foco difusor
de energias do 1º Raio - aquele a que você está
ligado e que é a mola propulsora dos grandes
vanguardismos. Por isso lá você encontrará mais
facilmente os elos que o ligam ao seu verdadeiro
Eu: ao seu passado, ao seu presente e, principal-
mente, ao seu futuro. Lá, você poderá melhor
descobrir o que veio fazer à Terra na presente re-
encarnação, quais as principais linhas que deve
desenvolver, quais as tendências de que deve
afastar-se e como poderá, melhor e mais rapida-
mente, atingir os seus objetivos. Por outras pala-
vras, você poderá tornar-se consciente da sua
MISSÃO ESPIRITUAL!»

65
«Mas o que o leva a crer que eu tenho uma
Missão a cumprir? Porque havia de ser diferente
dos demais?»
«Precisamente porque não é diferente dos
demais, você tem - como todos - uma Missão a
cumprir. Conscientize-se disso!»
«Muito bem, meu Irmão Blaise Pascal. Ten-
tarei não me esquecer das suas palavras e dos
seus conselhos. Amanhã estarei em Londres e
começarei uma nova busca orientado pelos dados
que agora possuo.»
Enviei um forte sentimento de Amor em
direção à imagem de Pascal que, sorridente, se
começou a desmaterializar suavemente até que
desapareceu por completo. Mas a influência das
vivências tidas em Paris e os encontros com Ri-
chelieu, Nostradamus, Pascal e, principalmente,
Saint-Germain, mudaram completamente a minha
vida. E quando, na tarde do dia seguinte,
desembarcando no aeroporto de Heathrow, me
defrontei com o célebre London fog, não sei por
que, em vez de me sentir um estrangeiro que pisa
pela primeira vez um país desconhecido, senti-me
como o filho pródigo que regressa à casa paterna.

66
5

KING'S ROAD

Todos os acontecimentos relevantes da mi-


nha vida estão associados a músicas que, por al-
gum motivo, se tornaram parte integrante desses
mesmos acontecimentos. Quando ouço (ou inter-
preto) essas músicas, os acordes desencadeiam
um processo que revela as imagens, os movimen-
tos, os sons originais e, principalmente, as emo-
ções desses acontecimentos, como um sinal de
decodificação que faz abrir perante os meus
sentidos um registro completo que se encontra ar-
quivado com toda a força e colorido originais. A
minha relativamente vasta coleção de discos é
uma prova cabal desta realidade. Trata-se do meu
Álbum de Recordações, que só é sonoro na apa-
rência. Para mim, ele é completo, total na sua
abrangência.
Como é natural, dentre as recordações ar-
quivadas nesse acervo musical, contam-se as mi-
nhas múltiplas experiências amorosas da infância
e adolescência. Não me refiro à maioridade por-
que a entrada nesta marcou o fim da fase aventu-
reira da minha vida e a entrada numa fase matri-
monial assumida e responsável, logo monogâmi-
ca. Todavia, gosto ainda hoje de relembrar o pas-

67
sado através da música. Não se trata de qualquer
saudosismo mórbido; antes pelo contrário, é o
saudável reviver de momentos que foram agradá-
veis e inesquecíveis porque vividos na época
certa. Hoje, eles não teriam cabimento e seriam
absurdos.
Cabe, a propósito, dizer que todos os perío-
dos que vivi, quer eles sejam vistos em segmen-
tos anuais, quer em grandes grupos de sete anos
(que sempre foram fases bem marcadas e com
propósitos bem definidos na minha vida), foram
vividos intensamente e com muita alegria. Nunca
os teria trocado por outros. Nunca, em qualquer
momento, desejei estar vivendo outros momentos
que não fossem aqueles, quer esses outros mo-
mentos pertencessem ao passado ou ao futuro.
Sempre assumi o presente como algo de impor-
tância insubstituível e o vivenciei como tal. Por
isso, gosto de recordar o passado, não com a ilu-
sória intenção de voltar o tempo para trás, mas
com a plena satisfação de contemplar a origem do
presente, tal como sei que o presente que vivo
agora é o alicerce do futuro que virá. Toda essa
perspectiva é, portanto, uma função do presente e
é esse que quero continuar a viver com a profun-
didade que me permitirá, amanhã, recordá-lo com
a mesma intensidade e prazer com que hoje re-
cordo os idos dos anos 50 e 60.
No capítulo amoroso recordo, no início da
adolescência, a paixão que tive (na praia, nas fé-
rias grandes, claro!) por aquela linda moça de

68
Santarém com quem compartilhei o Verão de
1956... Ao ouvir os acordes de With the Wind and
the Rain in your Hair, do Pat Boone, vejo cada um
dos bailes em que dançamos, face na face,
sentindo o calor dos nossos corpos, escaldantes e
colados até quase se fundirem; os banhos de sol
na areia fervente da Nazaré onde, à socapa, olhá-
vamos pelo canto do olho o corpo bronzeado um
do outro e sonhávamos com a impossível aventu-
ra da mútua posse; os passeios noturnos de mão
dada na Estrada da Foz, enquanto as famílias fi-
cavam no eterno cavaqueio mesclado de tricô na
esplanada do Tá-Mar; os serões no Cine-Casino
Paraíso, onde tínhamos que dançar muito bem
comportados perante os olhos inquisitoriais das
mamãzinhas, sentadas em redor da pista como
corujas e sempre dispostas a fazer abortar qual-
quer aproximação indecente; o Inverno que se
seguiu e com ele aquela saudade dilacerante que
me fazia imaginar o vento e a chuva nos cabelos
dela - imagem absolutamente poética, já que
nunca a vi nessas circunstâncias - e me fazia rolar
aquelas deliciosas lágrimas salgadas pelas faces
cujo sal me trazia de novo à lembrança as ondas
da Nazaré...
Quando ouço o Sweet and Innocent, do Roy
Orbison, relembro o dia em que conheci a Maria
do Céu, naquele baile de aniversário na Rua
Bartolomeu Dias, bem perto da Torre de Belém.
Dançamos essa música dezenas de vezes até que
ela se tornou na nossa música. Todos os bons

69
momentos do nosso longo e atribulado namoro de
mais de quatro anos podem ser revividos a par e
passo nos exatos dois minutos e quinze segundos
que demora a execução do disco: o primeiro beijo,
a primeira intimidade, o Diário apaixonado de
centenas de páginas que escrevíamos, as tardes
nas grutas da Serra de Sintra onde, nus como
Adão e Eva, fingíamos ser o único homem e a
única mulher existentes sobre a Terra e mutua-
mente explorávamos os nossos corpos, desco-
brindo todas as formas de prazer e reinventando o
amor...
Uma das minhas namoradinhas favoritas foi a
Mercês. Conhecera-a porque ela fora figurante no
filme em que eu entrara. A nossa música era o
Runaway, do Del Shannon. Ela nada exigia de
mim senão o prazer de compartilharmos alguns
momentos agradáveis de doce companhia, tem-
perados com longos e complicados beijos e carí-
cias. Não havia penetração nos nossos jogos
sensuais. Ela era virgem e eu respeitava essa
condição - que ela desejava manter.
A Mercês decidira, em determinada altura,
para afastar-se de alguns problemas familiares e,
simultaneamente, aperfeiçoar o inglês, ir para
Londres trabalhar num kindergarten. Segundo me
informara por carta, estava a viver num
apartamento pago pela própria escola, em
companhia de uma colega sueca, no bairro de
Chelsea, numa ruazinha chamada Radnor Walk,
transversal de King's Road. Tinha espaço para

70
mim, segundo a sua informação e convite, pelo
que, quando saí da estação de metropolitano de
Sloane Square e comecei a percorrer King's Road
em busca da transversal, eu estava plenamente
certo de que não iria ter, em Londres, a mesma
decepção que me aguardara em Paris quanto a
alojamento. Enquanto caminhava lentamente e
olhava, interessado, as montras vistosas e ilumi-
nadas dos estabelecimentos pelos quais ia
passando, ia cantando baixinho o Runaway, mal
adivinhando que me encontrava numa rua que iria
ficar na História como o ponto central da anti-moda
dos anos 60: a hoje celebérrima KING'S ROAD!

Quando cheguei ao meu destino já passava


das seis da tarde - já era noite cerrada em Lon-
dres. Olhei, desconfiado para o prédio: era uma
casa muito antiga, tipicamente inglesa. O aparta-
mento era numa cave, mas daquelas caves ingle-
sas que têm janelas para a rua porque ficam num

71
recesso em relação ao passeio. Um vão de es-
cadinhas dava acesso à porta de entrada.

Desci-o, cansado de carregar a mala, sobre-


carregada com alguns presentes que recebera em
Paris e alguns discos que havia comprado, nomea
-damente o último LP do Charles Aznavour (que
continha uma música que eu adorava: o Il faut sa-
voir) e um LP que marcava o début de Brigitte
Bardot como cançonetista (que continha outra
música que eu também adorava: o La Madrague).
Toquei a campainha e, segundos depois, a porta
abriu-se, surgindo do meio da escuridão de um
longo corredor a linda face de boneca de porce-
lana da Mercês.
Abraçamo-nos e beijamo-nos efusivamente.
Há meses que não nos víamos e a alegria do re-
encontro era genuína. A Mercês não cabia em si

72
de contente. Entrei. Fui conduzido a uma sala pela
primeira porta que se encontrava à esquerda no
corredor. Nela havia dois divãs transformados em
sofás. Uma imitação de lareira alimentada a gás
estava acesa e dava ao ambiente um calor agra-
dável. Várias poltronas e cadeiras se encontravam
espalhadas pela sala, uma das quais, em frente ao
aquecedor, tinha penduradas diversas peças de
vestuário feminino, interior e exterior, natural-
mente para aquecerem. Olhei para a Mercês com
um olhar inquiridor quando ouvi uns rápidos
passos vindos do corredor e, pela porta da sala,
fez a sua súbita aparição, nuazinha como veio à
Terra, uma escultural e exótica mulher de uns
vinte (benditos!) anos, um metro e oitenta de
altura, totalmente ruiva (totalmente significa em
todas as regiões onde existem tufos pilosos), olhos
azul-royal, com vários oásis de caprichosas sardas
semeados pela face e corpo. Em inglês, a Mercês
apressou-se a apresentar:
«Esta é a Mónica; este é o Zeca.»
A Mônica (assim se chamava a deusa Viking)
avançou para mim e beijou-me com a maior
naturalidade. Fiquei colado ao chão, mudo de
espanto. Ela, começou a pegar nas peças de
roupa da cadeira e a vestir-se com total descon-
tração. Nada nos seus gestos era provocante ou
premeditado e era precisamente a sua espantosa
naturalidade que me impressionava.
A Mercês, entretanto, começou a informar-
me de que o apartamento, por ser muito antigo,

73
possuía unicamente uma casa de banho no
exterior, com acesso através de um pequeno
saguão existente nas traseiras, mas que a
banheira e o esquentador de águas ficavam na
cozinha. Era de lá que vinha agora a Mônica, após
o seu banho. Ambas me puseram ao corrente de
que não iriam alterar os seus hábitos pela minha
presença e que, portanto, me devia ir habituando
àquelas cenas de nudez e preparando para
proceder da mesma forma, se não queria dificultar
a minha vida nem a delas. Compreendi, aderi de
imediato e instalei-me para ali ficar alguns meses.
Mais tarde vim a perceber que a cozinha,
além de quarto de banho, era também lavanderia
e sala de refeições, pelo que tive de me habituar,
não só à presença de ninfas nuas pela casa, como
também a cozinhar e comer enquanto alguma
delas se servia da banheira. Aprendi também a
conviver dentro da mais absoluta camaradagem
inter-sexual porque, embora tivesse algumas
vezes dormido na cama de uma ou outra das
moças, nunca tive nem forcei relações sexuais
com qualquer delas. Algumas noites, regressando
a casa já quentes pela farra, sempre nos subor-
dinamos ao nosso auto-imposto voto de castidade
após darmos o último beijo antes de dormir.
As moças trabalhavam no kindergarten das 9
às 5. Que fazia eu durante o dia? De manhã re-
cebia aulas de Estudos Ingleses num Instituto
onde me matriculara. À tarde, na minha busca pela
cultura, visitava museus, monumentos, castelos e

74
palácios e procurava livros e discos que, depois,
lia e ouvia em casa. À noite, a rotina era o pub da
esquina seguido da discoteca (o Café des Artistes,
em South Kensington, era dos mais freqüentados
por nós); às vezes ia ao balé, ao concerto ou à
ópera com colegas do Instituto, já que as minhas
camaradas de apartamento não se interessavam
muito por essas atividades — que eu adoro.

Mercês e Mónica em South Kensington

Nessa época, na área da música popular,


estava-se na transição da era dos artistas a solo
para a era dos conjuntos. Nos dez anos anteriores
tinha-se assistido ao aparecimento e expansão do
rock and roll no mundo através, primeiro, dos
grandes monstros negros americanos que fizeram
a ponte entre o rhythm and blues e o rockabilly.
Para mim, o triângulo básico original (refiro-me aos
que ganharam fama mundial) era constituído por
Chuck Berry, Fats Domino e Little Richard
(curiosamente, todos ainda vivos à data em que

75
escrevi estas linhas), logo seguidos por um
segundo triângulo, mais ligeiro, constituído por
Sam Cooke, Ray Charles e Ben E. King. Depois
vieram os brancos eternos: Buddy Holly, Pat
Boone, Roy Orbison, Neil Sedaka, Ricky Nelson,
Paul Anka, Del Shannon e o Rei Elvis Presley, o
maior intérprete musical popular do século XX. Na
Inglaterra, pontificaram Tommy Steele e Cliff
Richard, acompanhados de efêmeros ídolos como
Terry Deene, Marty Wilde e Billy Fury. Ídolos pré-
fabricados, de qualidade menor, foram lançados
publicitariamente nos Estados Unidos sem
sucesso duradouro, como Fabian, Frankie Avalon
e Johnny Restivo.
Por alturas da minha chegada a Inglaterra,
tinham já saído os primeiros singles dos Beatles,
que povoavam os Hit Parades. Confesso que, à
primeira vista, os considerei extremamente desa-
finados e dissonantes e não aderi à sua música
nem subscrevi a sua popularidade. Estava então
em voga o Twist and Shout, que aparecia nas
classificações de sucessos em duas interpreta-
ções diferentes: a dos Beatles e a dos Tremeloes,
com o vocalista Brian Poole. Eu preferia a última,
embora considerasse a música um escandaloso
plágio da melodia mexicana La Bamba, que tinha
aparecido num filme da Brigitte Bardot e numa
interpretação fabulosa do falecido Ritchie Vallens.
Além dos Tremeloes que, com o seu vocalista
Brian Poole tinham nos tops uma outra música, o
Do you love me?, agradavam-me alguns outros

76
conjuntos, como Gerry and the Pacemekers, cujos
singles “How do you do it?” e “I like it” se tocavam
nas boates até gastar o vinil.

Tive a oportunidade, durante esses meses de


permanência em Londres, de assistir a shows com
muitos desses solistas e conjuntos e testemunhar
o fenômeno de histeria coletiva que a revolução
musical dos anos 60 desencadeava. Com o correr
do tempo, vim a apreciar a música escrita pelos
Beatles e a aderir também a ela. Porém, no
aspecto interpretativo, sempre preferi a maravilho-
sa tonalidade e afinação polifônica dos Beach
Boys, meu conjunto preferido em termos vocais.
Foi uma época fertilíssima em música popular de
qualidade, época que eu, por paródia, me habituei
a cognominar de «os anos A.B.». Estas iniciais, ao
contrário do que parece, não significam «antes do
Buda», mas «antes do B». Refiro-me ao «lado B»
dos singles que, realmente, nesses tempos, não

77
tinha ainda sido inventado, ou seja, as indústrias
de gravação ainda não presenteavam o consumi-
dor com um disco em que, num dos lados, se im-
prime um trecho musical intragável, como veio a
acontecer depois. Por isso se assistia ao milagre
(mais tarde impensável) de ver no primeiro e se-
gundo lugar do Hit Parade de Londres duas mú-
sicas pertencentes aos dois lados do mesmo sin-
gle. Nessa época também, os artistas eram aquilo
que aparecia nas gravações e não o produto de
técnicas eletrônicas de fabricação de talentos,
como acontece hoje em tantos casos.
De qualquer maneira, à data em que escrevo
este relato, já o single, o EP e o LP fazem parte
unicamente dos acervos dos colecionadores,
substituídos (em boa hora) por essa maravilhosa
tecnologia digital que veio abolir os chatíssimos
riscos e ruídos de fundo dos discos de vinil, o que,
sobretudo para a música erudita, é uma conquista
inestimável.
Para além do campo musical, os anos 60 fo-
ram um marco também no campo da luta pelas li-
berdades e aniquilação dos tabus. E o palco prin-
cipal onde essas lutas se encenaram foi precisa-
mente Londres e não Woodstock, como muitos
pensarão: a razão por que esse festival acabou
por se efetuar nos Estados Unidos foi as autori-
dades inglesas se terem recusado a autorizar a
sua realização nos diversos locais do Reino Unido
que foram sendo sugeridos. Todo o fenômeno que
conduziu a ele teve raiz na Inglaterra, embora com

78
apoios muito relevantes nos Estados Unidos,
como no resto do Mundo. O lema Make Love, Not
War tornou-se o símbolo de uma geração e não
Sex, Drugs and Rock and Roll, degeneração que
eu me recuso e sempre recusei a perfilhar.
A substituição das armas pelas flores foi ou-
tro dos símbolos então surgidos, dando origem ao
lema pacifista Flower Power, que correu mundo.
Londres tem uma Tribuna permanente onde
todas as pessoas e todas as idéias se podem ex-
primir livre e publicamente. No parque florestal
mais extenso da cidade, o Hyde Park, existe uma
área especialmente reservada para tal: o Spe-
akers' Corner.

79
O Mestre Maitreya

80
6

SESSÃO DE CLARIVIDÊNCIA

Fiquei pasmado com aquele local. Habituado


como estava à falta de liberdade de reunião e de
expressão que vigorava em Portugal desde muito
antes do meu nascimento, costumava contar aos
meus estupefatos amigos estrangeiros que, em
Lisboa, na principal artéria da cidade — a Avenida
da Liberdade - quem desse um grito de «viva a
Liberdade!» - seria imediatamente detido pela
polícia e remetido para a PIDE para interrogatório.
Imagine-se. portanto, a minha surpresa quando
me defrontei pela primeira vez com o Speaker's
Corner!...
Oradores de todas as partes do mundo da-
vam o seu recado político, social, religioso, mo-
ral... Separatistas de várias regiões hindustânicas,
refugiados de vários países do leste europeu,
monges budistas do Laos, do Camboja e do
Vietnam, mórmons, quakers e católicos, dirigen-
tes dos movimentos de libertação feminina, ho-
mossexuais assumidos, candidatos à política, li-
bertadores e ditadores em tirocínio, discursavam,
às vezes para duas ou três pessoas, às vezes
para vinte ou trinta, às vezes só para as moscas...

81
Ali conheci pessoas ligadas à Oposição ao
regime de Salazar e aos movimentos de libertação
africanos que, desde 1961, tinham enveredado
pela luta armada contra a dominação colonial
portuguesa. Pude então, com absoluta liberdade,
ouvir o outro lado - aquele que sempre me tinha
sido vedado - e fazer o meu próprio juízo sobre os
fatos, as situações, as pessoas e as ideias.
Preocupava-me sobremaneira o caso africano,
uma vez que estava em idade militar e tinha já
sido aprovado na respectiva inspeção. O mais
certo era que, mais cedo ou mais tarde, fosse
incorporado e mobilizado à força para uma das
três frentes da guerra de África (Angola,
Moçambique e Guiné-Bissau). Essa idéia deixava-
me gelado porque a minha natureza era (e
continua a ser) totalmente contrária a todos os
tipos de violência, com absoluta recusa pelo uso
de armas. Viria a ter de cumprir três anos de
serviço militar, dois dos quais na Guiné-Bissau,
onde, felizmente, nunca precisei de disparar uma
arma.
Fiquei impressionado ao saber que Salazar
recusara durante anos um franco diálogo à mesa
de negociações com os dirigentes dos partidos
africanos. Fiquei, igualmente, surpreendido, com a
modéstia das reivindicações iniciais dos africanos
que, se compreendidas e negociadas nessa fase,
teriam evitado muita tragédia, muito sangue, muito
extremismo e muita dor que se arrastaram durante
décadas.

82
Inteirei-me das idéias de Amílcar Cabral,
Mário de Andrade, Agostinho Neto, Eduardo
Mondlane e outros, e perfilhei a grande maioria
delas. Amílcar Cabral, principalmente, impressio-
nou-me pelo seu humanismo. Todos, pela sua
moderação. Creio que, mais tarde, foi essa mesma
moderação a causa do assassínio traiçoeiro de
alguns deles, já que passaram a constituir um
obstáculo à ascensão dos radicais que visavam
unicamente o poder e não o bem das populações.
A História o confirmou, para desgraça dessas
mesmas populações que, após a proclamada a
independência, se viram envolvidas em guerras
civis, disputas pelo poder por parte de grupos
sectários, durante décadas.
Li muitas das obras marxistas proibidas em
Portugal e pude comparar a teoria tentadora da
igualdade comunista com os relatos amargos tra-
zidos pelos refugiados das ferozes ditaduras
“comunistas” de leste. Reforcei a minha opção
pela Democracia e a minha rejeição pelos extre-
mismos, fossem eles de direita ou de esquerda.
Admirei imenso o civismo do povo inglês e a
força das suas instituições democráticas. Mante-
nho até hoje essa admiração e lamento que todo o
mundo não possa possuir regimes semelhantes
àquele. Infelizmente, eles não podem ser instituí-
dos por decreto e a educação cívica de um povo
não se faz de um dia para o outro...
Procurei (e encontrei) os livros que me ti-
nham sido recomendados por Pascal. Na área do

83
Museu Britânico, em Great Russel Street, havia
uma livraria da Sociedade Teosófica e, numa
transversal, a Museum Street, havia uma livraria e
alfarrabista (que existe até hoje) que tinha tudo o
que imaginar se possa sobre Sabedoria Oculta.
Passei dias e semanas absorto na leitura.
Cada página abria um novo capítulo na minha
mente e os horizontes da minha percepção inter-
na alargavam-se a cada dia. Foi um período de
expansão acelerada de consciência. Um livrinho
de 60 páginas comprado nessa altura acompa-
nha-me até hoje em todos os lugares para onde
me desloque. Chama-se Sayings of Buddha e é
uma compilação extremamente bem escolhida de
palavras do Grande Mestre que se encontram
originalmente dispersas por vários livros. Ali en-
contrei aquilo a que chamo «Os dez mandamen-
tos do Buda» (os dez males que se devem evitar)
cujo décimo preceito diz:
«Liberta a mente da ignorância e aspira
aprender a verdade, senão cairás como refém, ou do
cepticismo ou do erro. O cepticismo levar-te-á à
indiferença e o erro alienar-te-á, por forma a que
não possas encontrar o nobre caminho que conduz
à vida eterna.»
Jurei fazer deste preceito o meu lema.
Essa busca permanente da verdade, ou
melhor, de parcelas cada vez mais abrangentes da
Verdade, é, simultaneamente, a mola que im-
pulsiona a minha existência e a Luz que me guia
no horizonte e para a qual me dirijo a todo o mo-

84
mento. A dinâmica do buscador da Verdade não
permite a tentação do fanatismo porque este é
estático e acomodado, portanto, a antítese da-
quela dinâmica.
  
Naquela manhã apeteceu-me comprar o jor-
nal. Li os cabeçalhos e as notícias principais e
depois dei uma vista de olhos nas páginas de
anúncios. Quase casualmente, deparei com um
anúncio que dizia: «Esta tarde, às 15 horas, de-
monstração de clarividência. Entrada: 15 xelins,
com direito a chá. Colégio de Ciências Psíquicas,
morada tal e tal, South Kensington, Londres».
Senti um apelo para ir. E, nessa tarde, alguns mi-
nutos antes da hora anunciada, lá estava.
Na sala, aguardando o início da sessão, uni-
camente dez pessoas: nove senhoras inglesas de
idade mais ou menos avançada, vestidas muito
formalmente com os inevitáveis vestidos de flores,
e um jovem português de casaco e calças de
couro preto muito justo: eu. Reparei que as nove
senhoras tinham, pelo menos, um traço comum:
um certo ar de mistério compartilhado, como quem
guarda um segredo comum de grande valia cujo
conhecimento e posse as tornasse diferentes -
quiçá superiores - ao comum dos mortais.
Sentávamo-nos em diversos sofás dispostos
em ferradura, no centro da qual se encontrava
uma cadeira e uma mesa de pé de galo sobre a
qual havia um tabuleiro com uma garrafa de água

85
e um copo. À esquerda, um pequeno estrado com
uma mesa de orador e um microfone. Todas as
senhoras me olhavam com olhares curiosos e
simpáticos, como querendo confirmar se podiam
alargar até mim o conceito de cumplicidade que as
unia. Uma delas, mais afoita, veio, sorridente, em
minha direção e sentou-se ao meu lado. Tentou
saber quem eu era, o que fazia, se era a primeira
vez que participava de uma sessão daquele
gênero, etc. Respondi-lhe com evasivas, pois não
queria dar nenhuma pista que, de uma forma ou
de outra, pudesse ser usada na sessão. Fui
informado de que a médium era de excelente
qualidade e que, se porventura nela incorporasse
algum espírito que se quisesse dirigir a mim, eu
deveria responder alto e claramente SIM ou NÃO
às perguntas que me fossem feitas e não com
movimentos de cabeça.
Durante esta breve conversa foram entrando
mais pessoas na sala, mas, entre elas, só um
homem apareceu, também de idade bastante
avançada. Porém, o ar de cumplicidade comparti-
lhada manteve-se na assistência alargada aos re-
cém-chegados. As luzes diminuíram, a médium
entrou e a sessão principiou.
Sucessivamente, a médium foi incorporando
espíritos de diversos defuntos entes-queridos dos
presentes, dirigindo-se a todas as pessoas, uma a
uma, e com elas dialogando longamente. Muitas
lágrimas de saudades foram vertidas, mas a ale-
gria advinda do contacto com os finados superou

86
todos os outros sentimentos. Enquanto aqueles
diálogos decorriam, eu perguntava a mim mesmo
o que iria acontecer em relação à minha pessoa.
Primeiro, não tinha ido ali com a intenção de falar
com nenhum defunto; segundo, não tinha morrido
nos últimos anos ninguém que me fosse muito
chegado ou querido; terceiro, mesmo que isso ti-
vesse acontecido, não via porque motivo os defun-
tos precisariam da intermediação de alguém se
podiam dirigir-se a mim diretamente. Por isso,
estava bastante curioso com os momentos que se
aproximavam. Seria que a médium não se dirigiria
a mim? Conforme ela ia falando com mais e mais
pessoas, mais eu me convencia dessa suposição.
Até que falou com a penúltima pessoa que restava
na sala; só faltava eu. «E agora?» Então ela veio
até mim e disse:
«Sei que você se defronta com um problema
que precisa resolver rapidamente, dentro dos
próximos dois meses. Da resolução desse pro-
blema depende a construção do seu futuro e a
consecução da sua Missão. Use a força da sua
mente, da sua Alma, e não se deixe atrair pelas
coisas aparentemente fáceis. Se assim fizer, ven-
cerá. Frequentemente, na sua vida, se deparará
com caminhos bifurcados em que terá que fazer
opções. Não escolha nunca o caminho do dinhei-
ro, da matéria, da abundância. Prefira o caminho
do espírito porque esse é o seu verdadeiro rumo e
só ele o conduz à meta que procura. A sua aura

87
está envolvida por uma música maravilhosa, uma
música maravilhosa!...»
Ditas estas surpreendentes palavras, a mé-
dium deu meia volta e retirou-se. A assistência
explodiu em aplausos e eu fiquei perplexo. Nada
me tinha sido perguntado e nem sequer tinha tido
a oportunidade de falar. Não sabia se as palavras
que ouvira provinham da própria médium ou de
qualquer entidade que, por seu intermédio, se
manifestara. Nesse caso: quem?
Passados alguns minutos, as luzes voltaram
à potência máxima, o chá começou a ser servido e
a médium veio para junto de nós conversar. Tentei
esclarecer as minhas dúvidas mas ela logo me
informou que toda a sessão decorrera em estado
de transe e que não se lembrava de absolu-
tamente nada do que se tinha passado. Fiquei
frustrado e pensei para comigo que afinal tinha
sido a única pessoa da assistência que ouvira
palavras de um desconhecido. A menos que tudo
aquilo não tivesse passado de uma mistificação,
de uma tremenda charlatanice... Todavia, cada um
dos presentes tinha ouvido palavras de uma certa
intimidade que lhes garantiam a autenticidade da
comunicação. E eu, porque tinha que ficar na dú-
vida?
A resposta veio nessa mesma noite, naquilo
que me pareceu um sonho. Apareceu-me uma
entidade de luminosidade muito irradiante, que me
disse:

88
«Sou o teu Guia Espiritual e fui eu que te falei esta
tarde através de uma médium. Tenho a especial
incumbência de te ajudar a dar os primeiros passos
conscientes no plano astral e de te guiar até áreas mais
elevadas de manifestação enquanto não o puderes fazer
sozinho. Vem comigo. Vou-te mostrar o Mundo.»
Pegou-me pela mão e, com a velocidade do
vento, levantamos vôo até nos colocarmos a uma
distância de onde se podia ver perfeitamente a
totalidade do planeta Terra.
«Olha: esta é a Terra no plano físico denso, tal
como poderá ser observada pelo Homem quando
construir naves que lhe permitam subir até aqui. Vê
agora!»
Como se tivesse sido posto um filtro na
objetiva de uma máquina fotográfica, a Terra mu-
dou de aspecto. As cores brilhantes e contrasta-
das anteriormente visíveis transformaram-se numa
mancha escura, viscosa e disforme, como a névoa
de um cenário de um filme de horror. Entidades de
vários tamanhos e feitios podiam ser vistas em
grande atividade, recolhendo formas-pensamento
torpes e negras geradas pelas mentes dos
homens ímpios e egoístas e com elas construindo
enormes balões de energias negativas que depois
eram lançados em determinados pontos onde
havia focos de guerra, de injustiça, de imoralidade
e desamor para fortalecer esses focos como lenha
em fogueira. A imagem era dolorosa de contem-
plar, angustiante.
«Este é o plano astral. É nele que se travam as
grandes batalhas, Como vês, a Luz, nele, é quase

89
inexistente. Todavia, a forma como certos homens o
vêem não é esta, é outra totalmente diversa, Vê!»
Novamente como se um outro filtro tivesse
sido posto na objetiva, tudo voltou a mudar. As
cores tornaram-se avermelhadas, acastanhadas,
aveludadas e quentes. As entidades negras mu-
daram de forma e transformaram-se em atraentes
e tentadoras feiticeiras desnudas. O ambiente
convidava à lascívia e ao prazer desmesurado.
Tudo era um convite à posse, à conquista e ao
poder. Barrigudos burgueses, nus, sentados em
enormes tronos de ouro e púrpura, rodeados de
escravas que lhes satisfaziam os mais repugnan-
tes e torpes desejos, punham a sua assinatura de
juízes no final de longos rolos de pergaminho que
continham milhares, milhões de nomes de pesso-
as condenadas à tortura, à fome, à humilhação, à
mutilação, ao longo e penoso sofrimento. As in-
termináveis filas daqueles que eram conduzidos,
agrilhoados, às câmaras de tortura - em conse-
qüência da vontade dos burgueses - eram gros-
sas e perfeitamente visíveis e a sua contemplação
dava muito gozo àqueles. O sofrimento de uns era
fonte de prazer para outros. Os executantes das
ordens dos gordos burgueses eram lacaios farda-
dos, com muitos botões de metal brilhante, botas
muito luzidias, galões muito dourados, muitas,
muitas condecorações ao peito, bonés empinados
como cristas de galos poderosos e machões mas
que realmente eram castrados como eunucos para
mais servilmente cumprirem as ordens dos seus
senhores.

90
Os burguesões alimentavam-se de quanti-
dades brutais de comida e, quanto mais eles en-
gordavam, mais as multidões emagreciam porque
lhes eram subtraídas as parcas migalhas de que
se deviam alimentar e que iam engrossar os pra-
tos dourados dos algozes. E, quanto mais as mul-
tidões gritavam de dor e de desespero, mais os
lacaios dos gordões se requintavam na tortura e
na agudeza da lenta maceração.
Esta cena apocalíptica causou-me vômitos,
convulsões e estertores. Ao ver-me naquele esta-
do o Guia disse:
«Precisas de encarar os fatos. Embora sendo
chamado o Mundo de Maya, ou das ilusões, o plano astral
é um mundo bem real, mais até do que o plano físico, que
oculta o que acabaste de ver sob uma capa de
normalidade que, realmente, não existe. O que, de fato,
existe, é o que viste na segunda e terceira visões,
mascarado pela capa do que viste na primeira. Tu és um
dos membros da multidão agrilhoada; não queiras nunca
passar-te para o lado dos gordos dominadores porque
isso seria a perdição da tua Alma. Precisas de aprender a
resistir à dor, a não perder o fio do teu destino e o tino da
tua meta, a acender um foco de Luz no meio da escuridão
para levares outros na tua esteira luminosa. Em seguida,
precisas de ensinar outros a acenderem os seus próprios
fachos de Luz e a ensinarem outros ainda a fazerem o
mesmo, até que a rede de Luz que existe neste planeta
(que hoje é tão tênue que mal se vislumbra) passe a ser
tão vasta e tão potente que se torne visível em todo o
Universo. Então, entraremos na Idade de Ouro da
Humanidade!»
«Mas como é que eu vou fazer isso tudo?
Sozinho?»

91
«Sozinho? De maneira nenhuma. Somos poucos
mas existimos e temos muita força. Muito mais do que
podes imaginar! Terás quem te ajude e em quem te
deverás apoiar para melhor servires. Eis-nos agora no
plano da Mente Superior!»
Olhei para a Terra e vi-a, branca e dourada,
de uma luminosidade maravilhosa, rodeada por
um halo que era um grande arco-íris, com todas as
cores bem marcadas e bem presentes. Então
descemos e entramos numa grande cidade, ma-
ravilhosamente desenhada, onde todos os edifí-
cios se fundiam com a própria rocha da crosta ter-
restre, numa harmonia total de integração.
Entramos pelo enorme portal de um grande
palácio que parecia uma gigantesca Catedral e
dirigimo-nos a um salão de reuniões oval, como se
fosse uma grande sala de Parlamento. Estávamos
em Shamballa, a capital do Governo Oculto do
Mundo, o local onde a Vontade de Deus é co-
nhecida!

92
7

SHAMBALLA E A HIERARQUIA

A sala era uma grande elipse e tinha muitas


cadeiras, dispostas como se fossem bancadas de
um estádio desportivo, em linhas concêntricas.
Todavia, nos dois topos, ou cabeceiras, onde o
arco da elipse pertence a uma circunferência de
raio menor, os assentos eram diferentes e em
muito menor número. No topo Norte, havia uma
poltrona como um trono, totalmente envolvida e
rodeada por flores, principalmente rosas, lótus e
lírios, de 7 cores diferentes: azuis, amarelas, cor-
de-rosa, brancas, verdes, rubis e violeta. No trono
estava sentado um Ser de dignidade indescritível,
cujo semblante irradiava Amor na sua dimensão
mais pura e elevada e a sua aura era totalmente
dourada, de uma tonalidade como eu nunca antes
houvera visto.
«Aquele é Sanat Kumara, o Ancião dos Dias, o
Iniciador Único, o Senhor da Luz Dourada, também
conhecido como Melquizedek, já que é o Grão-Mestre da
Ordem com o mesmo nome, cuja sede é em Sírius. Ele é
um dos Kumaras que, há dezoito milhões de anos, vieram
para a Terra em Missão divina. Imagina que estás na sala
do Governo de uma grande República (que é a Huma
nidade). Sanat Kumara é o chefe de Estado; ele é o Rei de
Shamballa.» - informou-me o meu Guia.

93
«Nesse caso — retorqui — sendo Ele o Rei,
trata-se, não de uma República, mas de uma Mo-
narquia!»
«Enganas-te, José. Esta é a verdadeira República, o
modelo de todas as repúblicas terrenas, que são desta
meras cópias mal esboçadas e distorcidas. Foi nela que se
inspiraram Platão, Tomás Morus e outros filósofos e
pensadores para retratarem nos seus escritos a sociedade
ideal e a ideal forma de governo. De resto, as entidades
que se revestiram dessas personalidades têm assento
nesta Assembléia desde há muito tempo!... Sanat Kumara
é um Rei incontestado e incontestável porque ocupa essa
posição por Direito Cármico - que é indiscutível. Ele
exerce o seu divino mandato sobre Anjos e Homens.
Pode-se chamar a Shamballa uma verdadeira República
Orgânica. Nela, todos os membros se movimentam e
comportam como os órgãos de um corpo humano de
perfeita saúde. Já alguma vez se viu o coração rebelar-se
contra o fígado? Ou os rins pretenderem derrubar o
cérebro e usurpar-lhe as funções? Não. Quando começa
alguma rebeldia dentro do corpo humano é porque ele
está doente; um corpo são não sofre essas revoltas e
Shamballa é como um corpo eternamente são. Ao
conjunto de todos quantos aqui têm assento dá-se
habitualmente o nome de Grande Fraternidade Branca.»
«E aquelas duas outras grandes cadeiras,
abaixo do trono real, quem são os seus ocupan-
tes?» — inquiri.
«A cadeira que está do lado esquerdo de Sanat
Kumara é ocupada por Vaivasvata, o Manú responsável
pela 5ª Raça-Raiz, ou ariana — aquela que se encontra em
manifestação na Terra na época presente. Do lado direito
está Gautama, o Buda, o Iluminado. Ele é como um vice-
presidente do Governo Oculto do Mundo e, em breve,
assumirá o próprio trono de Ancião dos Dias, altura em
que Sanat Kumara ficará livre para reassumir as suas altas

94
funções em Vênus, planeta de onde é originário. O
momento dessa tomada de posse terá uma importância
extraordinária para a Humanidade, visto que, finalmente,
a Terra passará a ser inteiramente governada por seres
oriundos dos seus próprios quadros evolutivos, atingindo
a sua completa autodeterminação. Esse acontecimento
terá lugar ainda neste século!»
«Diz-me, Irmão: e aquele conjunto de cadei-
ras na fila mais abaixo. Quem as ocupa?»
«Aquela é a bancada do Conselho Cármico. Alguns
dos seus membros são também originários de outros
planetas mas serão substituídos por entidades da
Humanidade terrestre na mesma altura em que o Senhor
Gautama ocupar o trono de Shamballa definitivamente.
Após isso, uma Nova Shamballa será criada no
Continente Sul-Americano e as energias agora aqui
manifestas (estamos no Continente Asiático) serão
transferidas para esse novo local.»
Olhei então para o topo Sul do salão elíptico,
onde também existiam cadeiras especiais e orde-
nadas de forma diferente. Inquiri ao meu Guia:
«Vejo daquele lado duas cadeiras em lugar
de destaque, uma delas numa posição superior à
outra. De quem se trata?»
«Se estivéssemos na presença de uma sede de
governo terreno, o de cima seria o lugar do primeiro-
ministro. Lá tem assento o Bodhisattva, ou Cristo,
Maitreya. Ele é o Chefe da Hierarquia, ou executivo do
Governo Oculto do Mundo. O lugar imediatamente
abaixo pertenceria (na Terra) ao presidente do
Parlamento. Aqui, ele é ocupado pelo Mahachohan
(Grande Chohan, Grande Patrono), presentemente o
Mestre Paulo, o Veneziano. O seu cargo é também
chamado de Espírito Santo Terrestre. Portanto, a grande

95
trindade divina está aqui representada por Sanat Kumara
(Pai), Maitreya (Filho) e Paulo (Espírito Santo).
Compreendes?»
Através das leituras que já tinha feito, tudo o
que eu estava a presenciar fazia muito sentido.
Era, aliás, tão lógico como seguir o curso das
águas de um rio no sentido ascendente e, de re-
pente, encontrar a nascente. Por isso, quando fiz a
pergunta seguinte, já conhecia a resposta:
«E as sete cadeiras da fila seguinte são...»
«...os Chohans (Diretores ou Patronos) dos Sete
Raios, que são como os ministros de um governo terreno.
Eles são também conhecidos como A Hierarquia.»
A energia do Pai, tal como a luz solar, chega
até nós num feixe que se decompõe em sete
comprimentos de onda distintos mas complemen-
tares, que são os sete Raios. Três deles são cha-
mados Raios de Aspecto porque consubstanciam
a verdadeira essência da Trindade Divina:
O 1º Raio, que é de cor azul, veicula a Von-
tade e o Poder divinos e o seu Patrono é o Mestre
Morya.
O 2º Raio, que é de cor amarelo-dourada,
veicula o Amor-Sabedoria divinos e o seu Patrono
é o Mestre Kuthumi .
O 3º Raio, que é cor-de-rosa, veicula o Amor-
Atividade divino e a sua Patrona é a Mestra
Rowena.

96
Os seguintes 4 Raios são chamados Raios
de Atributo (ou Mão do Espírito Santo, em conjun-
to com o terceiro, o polegar, de que são
extensões) porque complementam as formas de
expressão do Amor-Atividade:
O 4º Raio, que é de cor branco-cristal, veicu-
la a Harmonia divina e o seu Patrono é o Mestre
Serapis Bey, decano da Hierarquia.
O 5º Raio, que é de cor verde-marinho, vei-
cula o Conhecimento Concreto divino e o seu Pa-
trono é o Mestre Hilarion.
O 6º Raio, que é de cor rubi, veicula a Devo-
ção e o Idealismo divinos e o seu Patrono é o
Mestre Jesus.
O 7º Raio, que é de cor violeta, veicula a Or-
dem Cerimonial divina e o seu Patrono é o Mestre
Saint-Germain.
Enquanto eu, embevecido, olhava para as
cadeiras e para os seus ocupantes com reverên-
cia e amor, o meu Guia informou:
«Quando o Senhor Gautama se tornar Senhor do
Mundo, muitas outras mudanças ocorrerão. Entre elas,
Maitreya passará a ocupar o lugar de Buda e o lugar que
ele próprio deixará vago passará a ser ocupado por um
triunvirato constituído pelos Mestres Jesus, Kuthumi e
Lanto.»
Ao olhar para os sete Chohans, sentia-me
particularmente ligado aos Mestres Morya, Sera-
pis Bey e Saint-Germain. Como já sabia que este
último não era o meu Mestre, tinha a certeza de

97
que um dos outros dois o era. A certeza absoluta!
E o meu Guia continuou:
«Todas as restantes cadeiras das diversas filas mais
abaixo neste topo Sul pertencem aos restantes Mestres
Ascensionados. Dá-se o nome de Mestre, Adepto ou
Asekha, a todo o Ser que atinge a 5ª Iniciação e se liberta
do ciclo cármico de regresso ao plano físico denso para
prestar provas.»
«E quanto às cadeiras em maior número, que
povoam as diversas filas dos lados oblongos da
elipse? A quem pertencem?»
«Essas pertencem a todos os discípulos aceites
pelos diversos Mestres e a todos os graduados com as 1ª,
2ª, 3ª e 4ª Iniciações. Vês aqueles dois lugares vazios, ali
no lado Oeste? — perguntou o Guia, apontando — Pois
são os nossos próprios lugares: o teu e o meu!»
«Quer dizer que eu tenho um lugar perma-
nente nesta Assembléia? Mas que honra, meu
Deus, que honra! Eu não sou digno de tal, não
sou!...»
«Não digas disparates! Todos quantos aqui têm
assento são dignos disso. Aqui não existem compadrios
nem jogos de influências. É o carma que determina quem
entra e quem sai.»
«Quem sai?! Quer dizer que alguns dos que
aqui entram podem vir a ser expulsos?»
«Sem dúvida! Somente aqueles que já atingiram a
3ª Iniciação já não são susceptíveis de se passar para o
lado contrário. Até lá, muitos, infelizmente, são aliciados
pelas forças das trevas - aquelas mesmas que viste em
pleno labor no plano astral - e se transformam em Magos
Negros ou lacaios destes, auto-expulsando-se daqui.»

98
«Quer dizer que existe uma organização ri-
val da Grande Fraternidade Branca?»
«Certamente. A Grande Loja Negra conta com
forças muito mais numerosas do que as nossas, ao serviço
do egoísmo e da involução. Eles tudo fazem para travar o
avanço da Luz, da Fraternidade, do altruísmo e da
evolução. Mas nós venceremos. O Bem sempre ganha!»
Voltando a olhar em direção aos dois lugares
vazios que nos pertenciam, perguntei:
«Quem é aquela Entidade feminina que tem
assento ao lado do meu lugar?»
«Esperava que mo perguntasses! Trata-se da Irmã
H... Ela será a tua companheira na presente encarnação.
Tendes um longo passado de ligações cármicas em
diversas encarnações mas impusestes-vos um auto-
sacrifício de não vos ligardes por laços matrimoniais
durante 1.500 anos. Esse período já expirou. Agora só
falta que vos cruzeis.»
«Como será possível cruzarmo-nos? Eu nem
sei se ela vive no meu país ou se algum dia
visitarei o país dela, ou sequer que idade ela
tem!...»
«A idade não é obstáculo. Quanto a encontrarem-
se, podes crer que - embora nascidos em países diferentes
- será impossível que não se encontrem. Vocês têm uma
Missão Espiritual conjunta nesta encarnação e, nem que
fosse preciso virar o Mundo do avesso, encontrar-se-iam!
Os Senhores do Carma velam para que assim seja!»
«Será que eu vou reconhecê-la quando o
momento chegar?» — perguntei.
«Nem que ela esteja de costas no meio de uma
multidão, serás atraído até ela, acredita!»

99
Analisada a frio e à distância, esta descrição
pode parecer fantástica, inverossímil. Porém,
quando nos encontramos libertos das correntes
que nos agrilhoam aos planos físicos (denso e
etérico, ou astral), tudo se torna tão claro e trans-
parente que compreendemos, ali e então, o real
significado da palavra Verdade — não de uma
qualquer pequena verdade assimilada pela força
mas sim da Grande Verdade cuja evidência dis-
pensa qualquer questionamento. Nesses planos,
superada a limitação dos mundos tridimensionais,
podemos vislumbrar nitidamente as razões pri-
meiras de tudo, bem como o Plano Maior a que
tudo obedece, não sendo, portanto, possível a in-
tromissão de Maya — a ilusão, a falsidade, a
mentira.
Quando o meu Guia e amigo me falou em
H... eu passei de imediato a (re)conhecê-la numa
dimensão intemporal, vislumbrando todos os
pormenores da nossa relação cármica de milênios
e também o que estava escrito no Plano comum
para o futuro. Cabe aqui clarificar que a intempo-
ralidade, no que se refere ao futuro, queda-se pe-
las linhas mestras do plano menor esboçado pe-
los próprios intervenientes - que o podem alterar
(no todo ou em parte) a todo o momento. De fato,
todos os planos menores (individuais ou de pe-
quenos grupos) vão sendo permanentemente alte-
rados e reajustados por forma a que se cumpra o
Grande Plano Maior em toda a sua integralidade,
sem que deixem de se cumprir (também integral-

100
mente) as conseqüências do exercício do livre-
arbítrio e, portanto, da Lei do Carma.
«Por que razão este Governo Oculto do
Mundo não faz prevalecer as suas leis e princípi-
os sobre as instituições humanas?» — acabei por
inquirir ao meu Guia.
«A Humanidade reencarnada tem que fazer a sua
quota-parte para que o Plano Divino se cumpra sobre a
Terra. Aqui, em Shamballa, são formados os arquétipos
da sociedade perfeita, das relações perfeitas, do compor-
tamento perfeito à luz do Amor divino. O Amor é a tônica
fundamental do sistema solar Hélios-Vesta a que
pertencemos. Por isso, todos os 7 Raios que chegam até
ao planeta Terra outra coisa não são do que 7 sub-raios
do Grande Raio Dourado Solar.
Os arquétipos aqui formados são permanen
temente precipitados sobre toda a Terra. Se não forem
receptados por discípulos reencarnados e traduzidos para
ações do plano físico denso, passarão séculos até que se
possam concretizar. Mas, se os discípulos reencarnados
estiverem alerta e no cumprimento da Missão Espiritual
de cada um deles, então esses arquétipos tornar-se-ão
realidade num curtíssimo espaço de tempo. A esse
trabalho chamamos também a “Co-Criação”.»
«Nesse caso, a Missão de cada discípulo
consciente é importantíssima — adiantei — e tor-
na-se imperioso despertar mais e mais homens
para esse Serviço!... Mas afinal, como é que se
chega a discípulo?»

101
O Mestre Kuthumi

102
8

A VIA DO DISCIPULADO

O meu Guia Espiritual transportou-nos de


volta para o plano físico denso - de onde viéra-
mos inicialmente - e eu tomei consciência de estar
de novo no flat de Chelsea, Londres. Deixando a
minha pergunta em suspenso disse-me amorosa-
mente:
«Foram muitas experiências num único dia, meu
irmão. Temos muito tempo na nossa frente para que,
gradualmente, vás encontrando respostas para todas as
tuas perguntas. Deves agora repousar e amanhã retomar
a tua vida habitual. Um discípulo tem que ser, sobretudo,
um homem normal, um ser humano que tudo partilha
com os demais. Só que, ao contrário de muitos outros, ele
vai mais além: tendo consciência da sua existência em
planos superiores ao meramente instintivo, animal, ele
busca, procura aprimorar os contatos com a sua própria
alma (seu Mestre interno) e, através desta, chega ao
ashram do seu Mestre externo aonde vai, lenta mas
seguramente, sendo instruído em parcelas mais e mais
alargadas da Grande Verdade, alargando o seu horizonte
de Sabedoria e colaborando ativamente no Plano.
Deves, por isso, continuar os teus estudos na Senda
Espiritual mas não deves descurar a busca paralela do
conhecimento científico e artístico, as experiências de
vida, a constituição de família, as atividades profissionais,
etc. Enfim, deves evitar a todo o custo tornares-te num
monge dentro da sociedade porque, dessa forma, não
poderás cumprir cabalmente a Missão de difusor de Luz

103
dentro da penumbra. Deves procurar ser querido pela
sociedade e não rejeitá-la ou ser rejeitado por ela.
Deves procurar pautar todos e cada um dos teus
atos por um código de justiça, de ética e de equidade
compatíveis com a tua condição de discípulo. Seja quem
for o teu Mestre, deves procurar agir como Ele - como
qualquer Mestre - agiria em todas as circunstâncias.
Apesar disso, muitos erros cometerás e muitas vezes
quase te esquecerás do verdadeiro rumo da tua vida até
que, um dia, venhas a encontrar o fio da meada perdida,
o elo que te liga ao trabalho que vens desenvolvendo ao
longo de todas as tuas reencarnações e, pegando nele, te
tornarás Senhor de ti próprio definitivamente.
Durante muito tempo não te irás aperceber
conscientemente da minha presença nem da dos Seres
mais elevados que hoje tiveste o privilégio de ver tão
nitidamente. Só muito raramente é permitido esse tipo de
visão e ainda não chegou o momento em que poderás
utilizá-lo a teu comando. Para que evoluas, como todos os
restantes homens, é preciso que (à partida) esteja
obstruído o elo de ligação ao teu Eu superior. É teu dever
desobstruí-lo gradativamente e transformá-lo numa
passagem permanentemente aberta. É a essa tarefa que
os orientais chamam a construção do antakarana, ou
ponte de ligação entre a personalidade humana e a alma,
que por sua vez é um veículo de expressão do Espírito, ou
Mônada.
Se é, realmente, de tua livre vontade, escolheres a
Via do Discipulado, farás isso em devido tempo e nas
devidas étapes.
Entretanto, mesmo sem que disso tenhas conheci-
mento consciente, continuarás, no período do teu sono
físico, a encontrar-te comigo, com outros auxiliares
invisíveis e com os Amados Mestres.» - assim concluiu o
meu querido Guia Espiritual as suas palavras.

104
Que a Via do Discipulado seria a minha via,
disso não tinha a menor dúvida. Desde pequeno
que pressentia haver algo de mais sublime na vida
do que a simples existência animal e tinha uma
imparável sede de conhecimento e de Sabedoria.
Sabia agora que, para atingir esse algo, o caminho
era a Via do Discipulado.
Vim a perceber que essa via não é o ca-
minho mais fácil das bifurcações que se me depa-
rariam ao longo do percurso — as tais bifurcações
de que me falara o meu Guia pela voz da simpá-
tica médium de South Kensington. Fácil é o ca-
minho da menor resistência, o caminho das nos-
sas tendências instintivas e astrais, o caminho que
qualquer astrônomo ou quiromante nos pode
decifrar porque está marcado na nossa ficha físi-
ca. Difícil é o caminho de quem quer remar contra
a maré dos instintos, das tentações, do prazer,
enfim, da exaltação da personalidade.
Muitas vezes tinha perguntado a mim próprio
como é que um horóscopo podia ser válido para
todas as pessoas nascidas numa determinada
data. Como devem ser milhares, quiçá milhões, a
minha razão dizia-me que não podiam todos,
fatalmente, ter os mesmíssimos rumos escritos
nos astros. Compreendi depois que esses rumos
marcados nas conjunturas astrológicas represen-
tam precisamente as linhas de menor resistência,
aqueles caminhos por onde um rio flui natural-
mente, contornando obstáculos e, por vezes,
fazendo desvios e recuos extensíssimos até

105
retomar a linha que, se fosse reta, o teria levado
até à foz com uma economia de dezenas, cente-
nas ou até milhares de quilômetros. Os homens
que seguem a Via do Discipulado talham a ferro e
fogo os percursos dos rios das suas vidas, derru-
bando montanhas aqui, construindo diques acolá,
de uma forma que os seus percursos sejam, o
mais possível, retilíneos e, portanto, a distância
mais curta para a foz que é o cumprimento das
suas Missões de vida.
Compreendi que as visões e experiências
que tinha tido naqueles dias (bem como as Enti-
dades com quem me fora dado contatar) consti-
tuíam uma exceção. Que teria de seguir o rumo da
minha intuição (que precisava desenvolver e
treinar) sem o privilégio desses contatos extra-
ordinários. Que esses contatos talvez voltassem a
acontecer um dia, esporádica ou permanente-
mente, como resultado do meu esforço e do meu
trabalho espiritual pessoal mas que não devia se-
quer pensar nesse tipo de experiências como um
objetivo a conquistar porque muitos discípulos não
desfrutam delas nunca e nem por isso perdem a
força da sua Fé e da sua Intuição, através das
quais escutam as inspirações vindas do Alto.
A grande decisão de que me falara o meu
Guia pela voz humana da médium e que eu
gostaria de tomar nos dois meses que se seguiam
(primeira das grandes bifurcações anunciadas) era
a de regressar ou não a Portugal.

106
Se ficasse em Inglaterra, além do prazer de
viver num país democrático onde teria direito a
exprimir-me e associar-me da forma que melhor
me aprouvesse, poderia alcançar a formatura em
Psicologia que tanto me interessava, curso que, na
época não existia em Portugal como curso
independente mas sim como uma das diversas
matérias abordadas mais ou menos superficial-
mente no curso de Ciências Histórico-Filosóficas.
Em contrapartida, isso implicaria a minha não
apresentação ao cumprimento dos deveres milita-
res e conseqüente ingresso na situação de
refratário, crime que me impediria de regressar ao
meu país e à minha família, pelo menos, por um
período de vinte anos.
Se regressasse a Portugal, iria, provavel-
mente voltar ao curso de letras que interrompera,
apresentar-me à incorporação militar em devido
tempo e (mais do que certamente) viria a ser
mobilizado para uma das três frentes em que se
desenrolava a guerra colonial com que discordava
totalmente, tal como discordava frontalmente do
regime que insistia na estúpida e hipócrita teoria
das «províncias ultramarinas».
Optei pelo caminho mais penoso. Detectei a
linha de menor resistência que era, obviamente, a
de permanecer em Inglaterra e resolvi, contrarian-
do essa linha e contrariando até uma das leis pri-
márias de todos os seres vivos, o instinto de
conservação, voltar para Portugal e enfrentar to-
das as dificuldades, contrariedades e riscos que

107
isso implicava. Estava, assim - sentia-o - a talhar o
meu próprio destino, muito mais do que eu poderia
imaginar no momento em que tomei essa decisão.
Durante os dois anos que me faltavam para
completar o terceiro setênio da minha existência
(21 anos), resolvi esgotar o meu ciclo de playboy,
de músico-cantor e de estudante. Depois,
prescindiria voluntariamente da prerrogativa de
adiamento da incorporação militar (a que me dava
direito a minha condição de estudante universi-
tário) e requerê-la-ia de imediato. Fiz isso em
grande estilo, adquirindo a maior experiência
possível dessa fase transitória. Quando chegou o
último ano, em 1965, meti os requerimentos em
Janeiro e fui incorporado em Maio, seguindo para
Mafra, onde, durante três meses, fui submetido à
sistemática tentativa de destruição do intelecto e
da vontade numa manobra de «instrução» cha-
mada C.O.M. (Curso de Oficiais Milicianos). Disso
não farei relato. Os milhares de homens que,
como eu, foram submetidos a esse humilhante
regime de tortura, conhecem-no tão bem quanto
eu. Basta que se saiba que consegui resistir, ileso,
às lavagens cerebrais.
No dia 17 do mês de Junho de 1965, durante
um fim-de-semana fora de Mafra, conheci H.
Embora ela tivesse unicamente dezassete anos de
idade, o encontro das almas foi imediato,
fulminante. Como que para corroborar as palavras
proferidas pelo meu guia dois anos antes, foi

108
reunida uma série de «coincidências» para que
nos cruzássemos:
Sendo inglesa, a família tinha acabado de se
mudar para Portugal e não falava uma palavra do
idioma de Camões; logo, tornou-se fácil o relacio-
namento comigo, que já falava a língua de
Shakespeare com bastante destreza.
Escolheram residir numa quinta na Baratã,
um lugarejo dos arredores de Sintra, mesmo em
frente à minha casa de campo.
Vi-a, pela primeira vez, de costas, mas o re-
conhecimento (como também fora previsto dois
anos antes) foi instantâneo. Era ela a «princesa
encantada» que eu, inutilmente, havia procurado
por toda a minha infância e adolescência. Além do
mais, era linda, por dentro e por fora.
Oito meses depois, em Fevereiro de 1966,
estávamos casados. Três meses depois,
estávamos na Guiné onde cumprimos dois anos
de comissão militar a dois. Nunca mais nos
separaríamos. A complementaridade da nossa
Missão evidenciou-se e continua a evidenciar-se
dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, nos muitos
anos de jornada comum que já partilhamos. E o
mais importante ainda está, certamente, por vir.
Durante dois setênios, passaram-se, o ser-
viço militar, a ancoragem profissional, e o nasci-
mento e chegada à adolescência dos frutos do
amor: duas garotas que são as meninas dos
nossos olhos.

109
Alguém menos preparado perguntaria:
«Então e a Missão Espiritual? E a Via do Discipu-
lado?». Responderei que estavam seguindo o seu
rumo normal. Tudo o que foi feito (no plano físico)
durante esses 14 anos foram os alicerces sem os
quais não poderia ser firmado o edifício (espiritual)
que se seguiria.
É preciso que fique bem claro que o que
aconteceu comigo não é necessariamente o
mesmo que aconteceu, acontece ou acontecerá
com outros discípulos ou aspirantes à Sabedoria.
Não há duas individualidades iguais; não há dois
caminhos iguais; não há duas experiências iguais.
«Na casa de meu pai há muitas moradas» disse o
Mestre. Assim é, de fato. As moradas, os cami-
nhos são muitos, e diferentes. A meta, porém, é a
mesma.
Terei, obviamente, continuado o meu traba-
lho noturno no ashram do meu Mestre e nas pa-
ragens onde, com o meu Guia e/ou outros auxilia-
res invisíveis, me terei deslocado durante o sono.
Não me sobreveio nada dessas experiências ao
cérebro físico ou à mente concreta nem disso senti
grande falta.
Ao concluir o quinto setênio, porém, a situ-
ação alterou-se totalmente. Sentindo um forte
apelo, resolvi reatar os meus estudos espirituais
com muito empenho.
Fiz uma revisão dos meus conhecimentos
religiosos, que passou por um breve reingresso na

110
Igreja Católica onde aproveitei para fazer um
Cursilho de Cristandade («De Colores!»). Nada de
substancialmente diferente se passava por ali,
pelo que passei em frente.
Entrei a fundo na Filosofia Rosacruz e apro-
fundei os estudos Teosóficos.
Trabalhei em vários Centros Espíritas, tendo
estudado em profundidade a obra de Allan Kardec.
Estava particularmente interessado no mediu-
nismo (propensão que, de certa forma, julgava
possuir) e, especialmente, na psicografia, ou
escrita inspirada, habilidade que queria desen-
volver.

111
O Mestre Djwhal Khul
(por Maria João Sacagami)

112
9

MEDIUNIDADE OU MEDIAÇÃO?

Na sua obra «O Livro dos Médiuns», diz Allan


Kardec:
«Podem-se dividir os médiuns em duas
grandes categorias:
Médiuns de efeitos físicos — Os que têm o
poder de provocar os efeitos materiais ou as
manifestações ostensivas.
Médiuns de efeitos intelectuais — Os que
são mais especialmente aptos a receber e a
transmitir as comunicações inteligentes.»
Era claramente a segunda categoria que me
parecia ser a minha. Embora a referida capacida-
de se encontrasse, no momento, em estado laten-
te, sabia poder redespertá-la em qualquer mo-
mento, após algum tempo de estudo e meditação.
Quanto à psicografia, era atividade que nunca ti-
nha tentado. Resolvi começar por ali. Ainda se-
gundo Allan Kardec, os médiuns escreventes (ou
psicógrafos) podem dividir-se em três grandes
categorias, segundo o modo de execução:
«Médiuns mecânicos — Os que escrevem
recebendo um impulso involuntário na mão, sem
ter nenhuma consciência do que escrevem.

113
Médiuns semi-mecânicos — Os que es-
crevem recebendo impulso involuntário na mão,
mas têm consciência imediata das palavras e
frases que vão escrevendo.
Médiuns intuitivos ou inspirados — Os
que recebem as comunicações dos espíritos
mentalmente mas escrevem por vontade própria.»
Restava-me descobrir qual das categorias
seria a minha, caso tivesse sucesso nas minhas
tentativas. Tinha sido informado de que o candi-
dato a psicógrafo deve pré-estabelecer um dia da
semana e uma hora para tentar os contactos. Op-
tei pelas quartas-feiras às 22 horas e solicitei a
presença de algum auxiliar invisível para a primei-
ra sessão. Fiz previamente uma operação de lim-
peza do ambiente astral da minha biblioteca (local
escolhido para as sessões), construí mentalmente
uma muralha de proteção contra as interferências
indesejáveis, pedi a proteção do meu Anjo da
Guarda, fiz as minhas orações e sentei-me, olhos
semi-cerrados, lápis em punho, com a mão
apoiada sobre o papel sem linhas. A minha expec-
tativa era enorme e esperava a todo o momento
que o braço ou a mão se começassem a mover
sozinhos e alguma coisa começasse a surgir no
papel. Passaram 15 minutos, meia-hora e... nada!
Quando já estava prestes a desistir, resolvi
prestar melhor atenção a uma espécie de eco que
ressoava numa zona indefinida do meu cérebro.
Este, foi-se tornando cada vez mais claro até que
percebi: «Eu sou J... Vá, não tenhas medo,

114
escreve!» Passados alguns minutos de surpresa
inicial, em que não sabia se estava a ser vítima de
auto-sugestão, de alucinação ou de loucura, re-
solvi começar a escrever. E a voz continuou: «Sou
o teu Guia Espiritual e tenho-te acompanhado
durante todo o tempo. Não, não se trata de su-
gestão; o que sentes é perfeitamente natural. Mas
tem calma e deixa-te guiar pela minha voz.
Esperava este teu contato. A tua evolução vem
sendo cuidadosamente observada. Em breve te
serão ditados grandes ensinamentos. É preciso
que desenvolvas esta técnica. Estarei aqui todas
as semanas a esta hora para continuarmos a
praticar.»
Como uma criança que começa a descobrir a
técnica da construção de frases, as primeiras
mensagens eram assim, cheias de sentenças pe-
quenas e sintéticas, quase primitivas. Com o tem-
po, a complexidade foi aumentando e as Entida-
des com quem passei a poder relacionar-me co-
meçaram a ser cada vez mais elevadas. Recebi
ensinamentos preciosos, complementos das leitu-
ras que continuava assiduamente a fazer, ensi-
namentos, por vezes, muito mais extensos e pro-
fundos do que as obras existentes. Fui expandin-
do a minha consciência, gradual e metodica-
mente, até horizontes insuspeitados.
Continuava sem saber se o que eu tinha era
mediunidade e se o que escrevia era psicografia
ou escrita telepática, etc. As obras de Allan Kar-
dec e de outros teóricos do Espiritismo eram-me

115
agora insuficientes. Por isso não tive grande sur-
presa quando acabei por obter a resposta às mi-
nhas interrogações diretamente dos Mestres da
Sabedoria. Para que se compreenda o que relata-
rei a seguir, é preciso que se aceite que o Homem
possui um sistema energético no seu corpo etérico
(o peri-espírito dos espíritas), que flui através de
sete centros, vórtices ou chakras principais:
1. O centro da base da coluna.
2. O centro esplênico (cerca do baço).
3. O plexo solar (na região do umbigo).
4. O chakra cardíaco.
5. O chakra laríngeo.
6. O centro Ajna, frontal ou Terceira Visão.
7. O chakra coronário (no alto da cabeça).
Genericamente falando, o desenvolvimento
evolutivo do Homem faz-se em três fases, durante
as quais o centro da sua atuação se focaliza nas
seguintes regiões:
1. Plexo solar. — Nesta fase, o principal jogo
de forças é fisico-etérico-astral. É a fase do desen-
volvimento psíquico (psiquismo inferior).
2. Centro Ajna — Corresponde ao período
de integração e controle da personalidade, em que
certas regiões cerebrais se tornam sensíveis e
começam a ser utilizadas. É a fase do desen-
volvimento mental.

116
3. Centro Coronário (envolvendo todo o cé-
rebro em volta da glândula pineal) — É a fase em
que o homem espiritual assume o controle, portan-
to, a fase do controle pela alma (psiquismo
superior).
Estava agora apto para analisar a minha
própria caminhada, pelo menos nesta encarna-
ção, através da perspectiva desta tabela.
A primeira fase correspondia claramente ao
período dos meus três primeiros setênios. Nessa
fase dá-se muitas vezes o desenvolvimento pre-
maturo e anormal dos poderes da clarividência e
clariaudiência; os níveis mais baixos do plano as-
tral revelam-se totalmente, embora o possuidor
destes poderes não consiga, nem controlar os
fenômenos de visão e audição sutis nem tampou-
co interpretar corretamente o que vê e escuta. Nas
primitivas fases animais ou selvagens, estas
faculdades são frequentemente normais, não ha-
vendo reação mental de qualquer espécie e,
portanto, não sendo exercida nenhuma pressão
indevida sobre o sistema nervoso ou sobre o cé-
rebro.
Ao mesmo tempo em que fazia como que
uma recapitulação das fases mais carnais e
primitivas da minha existência como ser indivi-
duado (pela satisfação dos instintos e focalização
no eu inferior), experimentava a posse dos pode-
res astrais correspondentes; logo, pode conside-
rar-se que usava, nessa época, de mediunidade -

117
tal como ela é entendida e desenvolvida até hoje
nos Centros Espíritas.
Quero deixar aqui bem enfatizado que a
mediunidade assim compreendida é algo de que
ninguém pode, nem orgulhar-se (pertence a uma
fase pré-histórica do desenvolvimento espiritual),
nem tentar aperfeiçoar e desenvolver (como se
faz, bem intencionada, mas erradamente, nos
Centros de Espiritismo). A mediunidade é fre-
quentemente escravizante porque o médium,
pouco preparado e quase sempre pouco evoluído,
é presa fácil de entidades enganadoras que o ob-
sidiam e dominam a seu bel-prazer, dele fazendo
seu servo dócil. Privado do seu bem mais precio-
so - o livre-arbítrio - o médium quase sempre
desperdiça o período da sua encarnação servindo
forçadamente de veículo para a expressão de en-
tidades que, se estivessem aptas, teriam elas pró-
prias obtido autorização para reencarnar. Assim, o
infeliz não só passa uma vida amargurada e se vê
privado da liberdade e da saúde (os médiuns são
quase sempre de saúde muito débil) como ainda
gera carma negativo pela negligência com que
cuidou dos seus veículos densos e etéricos.
A partir do momento em que a «consciência-
do-Eu» se evidencia, a posse dos poderes do
baixo psiquismo transforma-se, portanto, num
empecilho e numa complicação. Por isso eles
devem ser temporariamente desativados para que
o princípio mental (na segunda fase) possa
assumir o controle e a vida da Alma possa então

118
fluir numa expressão amadurecida sobre o plano
físico (na terceira fase).
Podia assim reconhecer que o período que
decorreu durante os meus quarto e quinto se-
tênios pertenceu a esta segunda fase e que, du-
rante ele, me livrei definitivamente dos empecilhos
e complicações inerentes à mediunidade (astral).
Em determinada altura da parte final do meu
quinto setênio, bati à porta que dá acesso à ter-
ceira fase e esta porta se me abriu. As circuns-
tâncias em que tal aconteceu serão relatadas no
capítulo seguinte.
É na terceira fase que as faculdades psíqui-
cas superiores surgem em atividade e que os
poderes psíquicos inferiores podem até voltar a
ser utilizados novamente — se tal for julgado ne-
cessário. Nessa fase, o iniciado (todos os inicia-
dos chegaram a ela) tem pleno controle sobre to-
das as faculdades e poderes e sabe como utilizá-
los, no momento adequado e com o mínimo dis-
pêndio de energia. Note-se, contudo, que a quase
totalidade dos modernos psíquicos ou médiuns
não se enquadra nesta categoria porque todos os
iniciados e os Mestres usam os seus poderes si-
lenciosamente e por detrás das vistas, nunca fa-
zendo disso espetáculo público. A maioria dos
psíquicos de hoje trabalha através do plexo solar,
embora uns quantos - pouquíssimos - comecem a
elevar as suas forças até ao Centro Ajna e a
desenvolver as faculdades mentais.

119
Assim como, ao abandonar a primeira fase,
deixei de ser médium, ao entrar na terceira fase,
após alguns anos de trabalho pessoal no campo
da meditação, dos contactos telepáticos, da har-
monização e do auto-conhecimento, transformei-
me naquilo que prefiro chamar um mediador - pelo
uso dos poderes da mente superior.
Como já disse, não se pense que o media-
dor não pode ter acesso ao plano astral. Pelo
contrário, ele penetra frequentemente nessa área
de grandes conflitos, onde se desenrolam, real-
mente, as maiores e mais importantes batalhas na
guerra pela ascensão e emancipação da Humani-
dade terrestre. Só que, ao contrário do médium,
que mergulha no plano astral de baixo para cima,
nele se encharcando ao ponto de se fundir com
ele, o mediador entra no plano astral de cima para
baixo, mantendo-se impermeável às contamina-
ções e ilusões que o rodeiam. Os riscos de con-
taminação, até ao momento da Transfiguração,
existem, mas são pouco freqüentes.
O mediador pode também ser chamado, com
a maior propriedade, Mago Branco.
Muitos estudiosos têm afirmado, com ênfase
e afinco, que não existe Magia Branca ou Magia
Negra, mas simplesmente Magia. Pelas informa-
ções que tenho podido obter sobre a matéria,
posso afirmar que assim não é. A Magia Negra
existe e pode reconhecer-se por defender a es-
tagnação (é associada ao conservadorismo retró-

120
grado) e os propósitos egoístas. Afirma-se que
Adolf Hitler era um Mago Negro.
Existem Magos Negros de grande poder e
que chegaram a atingir até à Segunda Iniciação
antes de se passarem para o lado contrário às for-
ças da Luz. Pontificam no Plano Astral, onde são
autênticos soberanos mas têm capacidade de
atuação até ao Plano Mental inferior. Após a
outorga da Terceira Iniciação, também chamada
Transfiguração ou Caminho-Sem-Regresso, já não
é possível uma mudança de rumo.
A Magia Branca pode reconhecer-se por
defender a evolução, a Luz e os propósitos altruís-
tas. Utiliza-se dos poderes mentais dos membros
encarnados da Grande Fraternidade Branca em
ligação com os seus mentores e auxiliares invisí-
veis. Jesus de Nazaré, Francisco de Assis e Gan-
dhi são exemplos insignes de grandes Magos
Brancos.

121
O Mestre Jesus de Nazaré

122
10

O DESAFIO

Naquele dia realizava-se o almoço comemo-


rativo do aniversário de um familiar meu. Entre os
convidados, contava-se Sabrina, uma mulher sol-
teira, de cerca de 40 anos que, sabendo da minha
ligação com assuntos espirituais, manifestara an-
teriormente a amigos comuns ter um grande inte-
resse em conhecer-me. Parece que me queria fa-
lar de diversos problemas seus, entre os quais o
fato de, até àquela idade, não ter conseguido en-
contrar noivo, parecendo provocar na maioria dos
homens um sentimento de repulsão - que atribuía
a causas provavelmente de origem espiritual.
Pensou que eu pudesse ajudá-la a descobrir a
origem e a possível cura dos seus males.
Levantara-me relativamente tarde e, quando
me sentei à mesa do Restaurante, pode dizer-se
que não me sentia no melhor dos meus dias.
Todavia, estava disposto a disfarçar o meu fraco
humor por forma a proporcionar a todos os convi-
vas (éramos 13 à mesa) o melhor ambiente pos-
sível. Apesar dos meus esforços, estava decidi-
damente pouco comunicativo, agitado, e cedo me
comecei a sentir incomodado com as vibrações
vindas do lado da mesa onde se encontrava a Sa-

123
brina. Embora tentasse concentrar a atenção nas
outras pessoas presentes, não conseguia evitar o
incômodo que me causava a onda vinda daquela
direção. Pelo canto do olho fui reparando que a
Sabrina ostentava um comportamento algo des-
controlado, que se foi agravando no decorrer da
refeição (na razão direta do meu próprio descon-
forto) notando-se uma crescente alteração na sua
face, que foi ficando avermelhada, ao mesmo
tempo que os olhos iam aumentando de volume e
adquirindo um brilho chispante. Lembro-me tê-la
ouvido, por duas ou três vezes, queixar-se de
«calores».
A minha falta de disposição comunicativa e
fraco humor iam-se agravando, tornando-se notó-
rios aos olhos de alguns dos convivas que, co-
mentando o fato, tentaram em vão incutir-me
animação através de ditos mais ou menos espiri-
tuosos que, aliás, tiveram o condão de surtir o
efeito oposto. Tinha começado a formular interi-
ormente o desejo de evitar que, ao contrário do
que estava tacitamente estabelecido, o grupo se-
guisse depois do almoço para a minha casa, onde
passaria a tarde em convívio ameno.
No final da refeição, após os brindes protoco-
lares, a distribuição das fatias do bolo de anos e
do café, a Sabrina levantou-se subitamente e,
declarando que se sentia mal, encaminhou-se
cambaleante para a porta de saída do salão em
que nos encontrávamos, seguida por alguns dos
convivas e empregados do Restaurante, que se

124
tinham apercebido de que algo não estava bem.
Alguns momentos depois, ouviam-se lá fora gritos
de «chamem uma ambulância!».
Sabendo como, habitualmente, sou o primei-
ro a correr em socorro de quem quer que se en-
contre em dificuldades e perplexos pelo meu
imobilismo, os meus familiares exortavam-me:
«Zeca, vai lá! Zeca, vai lá!». Atabalhoadamente,
eu retorquia: «Não posso, não devo; ela é mulher,
está descomposta e deve ser socorrida por outras
mulheres!» - afirmação machista e vazia de sen-
tido em que nem eu nem os meus interlocutores
acreditávamos. Fosse como fosse, o certo é que
me sentia totalmente impossibilitado de tomar
qualquer atitude ou decisão - o que me surpre-
endia a mim talvez mais do que aos outros. Entre-
tanto, vinha do exterior a notícia de que a Sabrina
estava sem consciência e que tinha vertido urinas
abundantemente. Todas as pessoas ficaram muito
consternadas, exceto eu, que me sentia cada vez
mais arrepiado com a onda vibratória que vinha
dela.
Mantive-me de dentes cerrados durante os
minutos que se seguiram, vendo pessoas que en-
travam e saíam a correr, pegavam em telefones,
toalhas, garrafas de água, álcool, enfim, todo o
cerimonial costumeiro do pânico de quem quer
ajudar e não sabe bem como.
Passado pouco tempo veio o grito de alívio:
«Já está melhor!». Vi então a Sabrina reentrar no
salão amparada por pessoas que a tentavam ani-

125
mar. O seu rosto, embora descolorado, perdera o
aspecto transtornado que eu antes vira, os olhos
estavam muito menos inchados (notei até, pela
primeira vez, que eram de um lindo tom azul) e a
sensação de repulsa que ela antes me causara
desvanecia-se sendo gradualmente substituída por
um sentimento de compaixão e simpatia e até
mesmo por um certo remorso porque, no íntimo,
parecia-me que, de alguma forma, eu teria sido o
causador involuntário de tudo o que lhe tinha
acontecido, ao deixar que germinasse em mim tal
sentimento de repulsa. Sabrina desabafava:
«Estive muito longe, muito longe daqui!» - nem ela
sabia quanto...
Aconselhei os presentes a acompanharem a
Sabrina a casa e por lá ficarem algum tempo a fa-
zer-lhe companhia. Segui para minha casa para
arrumar as idéias enquanto a minha mulher foi le-
var as nossas crianças a casa de umas colegas.
Recomendei-lhes, porém, muito cuidado em todos
os movimentos que fizessem porque me parecia
que andava alguma coisa no ar que podia voltar a
atacar...
No silêncio do meu living-room, acendi a la-
reira, sentei-me num confortável sofá e deixei que
a intuição começasse a funcionar.
Concluí que a Sabrina era, sem dúvida e sem
o saber, uma médium astral totalmente sob o
controle e poder de entidades negras. Essas enti-
dades, para poderem atingir terceiros através dos
seus veículos, obsidiavam-na e, querendo manter

126
a posse desses veículos, afastavam dela, não só
qualquer candidato a noivo, como também pesso-
as cuja intimidade ou amizade pudesse pôr em
risco esse domínio.
Pelo que já foi relatado e pelo que a seguir
relatarei se depreende que as entidades que do-
minavam a Sabrina, sabendo-me um dedicado
Servidor das Forças Brancas e sabendo que ela
tinha decidido pedir-me auxílio para os seus ma-
les, partiram para o ataque contra mim. A luta, no
plano astral, iniciou-se no momento em que nos
sentámos ambos à mesma mesa de Restaurante.
Porém, dada a eficiência, tanto da minha auto-
proteção como da colaboração dos meus amoro-
sos auxiliares invisíveis, saldou-se por uma vitória
absoluta das forças Brancas, não sem que a infe-
liz médium que servia de trampolim às forças
contrárias tivesse sofrido em si os efeitos das
energias em confronto.
Disse-me a minha intuição que tinha vencido
uma batalha mas não podia considerar-me (ainda)
vencedor da guerra. As entidades derrotadas no
primeiro embate pareciam-me demasiado ciosas
das suas áreas de domínio para se retirarem de-
finitivamente da peleja após o primeiro revés. Por
isso, pedindo proteção superior, preparava-me
para a resposta que, decerto, o inimigo não tarda-
ria em dar. Estava particularmente preocupado
pela hipótese de o inimigo tentar alguma manobra
contra os meus familiares.

127
Quando terminava estas cogitações, a minha
mulher regressou a casa e sentou-se num outro
sofá, também em frente à lareira mas em posição
simétrica a mim. Começou a tricotar enquanto eu
peguei no livro A Treatise on White Magic (Tratado
sobre Magia Branca), sabiamente ditado a Alice A.
Bailey pelo Mestre Tibetano, que eu lia pela
segunda ou terceira vez. Nada mais adequado
para quem estava a ser alvo de uma investida de
Magos Negros.
Soube através de um telefonema ao fim da
tarde que a Sabrina se tinha recuperado total-
mente das seqüelas da hora do almoço, o que me
deixou muito satisfeito, pois eu não tinha parado
de, mentalmente, construir em seu redor, uma
muralha de proteção.
Para as entidades que, habitualmente, obsi-
diam a Sabrina a minha alegria deve ter sido o
cúmulo da provocação. Por esta altura já deviam
ter reunido o seu conclave negro e deviam estar a
preparar-se para a vingança — pensei com abso-
luta certeza de que um novo confronto estava imi-
nente. E a confirmação não se fez esperar. Como
que movido por uma mola, um enorme e pesado
tronco que se encontrava (bem escorado, diga-se
de passagem) a arder na lareira, deu um enorme
salto para fora da mesma, indo cair estrondosa-
mente sobre um tapete de pêlo alto que ficava
precisamente entre o sofá da minha mulher e o
meu. Com a consciência do tremendo perigo que
estávamos correndo (o tapete era altamente com-

128
bustível, tal como todo o recheio do living), eu e
ela levantamo-nos de um salto, pegamos nos dois
cantos do tapete que ficavam mais próximos de
cada um de nós - como quem ergue uma maca - e
devolvemos o ígneo toro de volta ao fundo da
lareira; depois, corremos para a casa de banho
onde jogamos o tapete na banheira. Enquanto eu
abria as torneiras e acionava o chuveiro no meio
de grande fumarada, H., que tinha corrido de volta
para o salão, apanhava com uma tenaz as brasas
incandescentes que tinham ficado espalhadas pela
alcatifa*, queimando-a em diversos pontos.
Ela ali estava, a resposta, ou, pelo menos, o
início dela! E com efeitos físicos - note-se - sobre
um elemento que, desde há muito, os Magos
Negros tentam controlar: o Fogo. Uma vez que a
Sabrina estava segura e tranqüila em casa dela,
certamente que os irmãos das sombras se tinham
servido desta vez - como médium de emergência
para provocar efeitos físicos - de alguém residente
ou de visita ao prédio, talvez no andar de baixo, já
que o meu andar era o último e não tinha vizinhos
ao lado.
Aparadas as pontas dos pedaços de alcatifa
queimados, avaliaram-se os prejuízos materiais
que - constatou-se - tinham sido insuficientes para
constituir preocupação de vulto. Tinha sido a
segunda derrota das forças das trevas num
mesmo dia. Fui invadido por uma sensação de
alívio quando senti a certeza de que os restantes
membros da família estavam fora do alcance da

* - carpete
129
peleja. Todas as armas estavam agora assestadas
sobre mim - podia senti-lo nitidamente - e os
nossos queridos Auxiliares Invisíveis eram
proteção suficiente para os meus familiares.
Restava-me ficar preparado para o terceiro (e
certamente mais feroz) embate – que viria nessa
noite.
Expliquei pormenorizadamente à minha
mulher o que se estava a passar, dei instruções
para que a Sabrina fosse esclarecida sobre os
acontecimentos da hora do almoço, com a pro-
messa de que eu iria intervir na medida do possí-
vel no sentido de ajudá-la, ao mesmo tempo que
lhe recomendava uma consulta, o mais depressa
que lhe fosse possível, com uma médium espírita
em quem eu tinha grande confiança para a ajudar
com as entidades que a atormentavam. Fui depois
informado de que ela:
1. Já se tinha apercebido de que o que pas-
sara era de natureza não-física.
2. Tinha também já deduzido que os acon-
tecimentos desencadeados tinham tido como alvo
a minha pessoa.
3. Tinha já, em tempos, consultado uma
médium clarividente que revelara ver sobre ela
«uma sombra muito escura» sobre a qual - con-
fessara - não tinha poderes para agir.
4. Agradeceu muito as minhas intenções de
auxílio e a recomendação sobre a médium minha
conhecida.

130
À noite, antes de dormir, fiz as minhas medi-
tações e enviei as minhas vibrações mais puras
em direção à Sabrina, pedindo ajuda superior.
Pronunciei a Palavra de Poder dirigindo a Luz e a
Vibração às forças obscuras, desejando que dei-
xassem de interferir sobre a Sabrina e, através
dela, sobre outros. Adormeci rapidamente.

131
O Mestre Morya

132
11

A SAGRADA ORDEM DO SANTO GRAAL

Através dos vários anos da presente encar-


nação (e, mais incidentalmente, durante o fim da
infância e todo o período da adolescência),
freqüentes vezes me senti assaltado de noite,
duran-te o sono físico, por uma força que - tal
como hoje a interpreto - tentava impedir o meu
regresso ao corpo denso. Lutei inúmeras vezes
palmo a palmo para que esse regresso se
verificasse e, das muitas dezenas de vezes que
isso aconteceu, sobrou-me um indescritível
cansaço e um padecimento moral por essas
tentativas de violação da minha liberdade
individual e do livre acesso a todas as áreas de
manifestação. Era como se alguém se quisesse
apropriar do meu veículo denso na ausência das
contrapartes etéricas e espirituais.
Voltei a passar por essa desagradável expe-
riência na noite que se seguiu aos acontecimentos
relatados no capítulo anterior. Acordei várias ve-
zes na seqüência das costumadas pelejas pelo
regresso, num vaivém dilacerante, num fica-foge
assustador, num puxa-empurra esmagador. Con-
segui, num dos momentos de breve regresso,
emitir as invocações e mantras mais poderosos

133
que então conhecia, para depois me deixar desfa-
lecer e escorregar, no mergulho da profundidade
do sono, de novo para o lado de onde não sabia
se conseguiria retornar. Na última dessas lutas
pelo regresso, senti-me no meio de um círculo de
entidades de contornos indefinidos, que emitiam
unissonamente um som cadenciado, como o ri-
bombar de um tambor, que entrava nos meus ou-
vidos como o canto tentador de um coro de se-
reias convidativas: «Fasse qui tâne, tâne, tâne!
Fasse qui tâne, tâne, tâne! Fasse qui tâne, tâne,
tâne!» Ao mesmo tempo, este coral ritualístico re-
presentava uma tortura tremenda com o seu ma-
traquear inebriante e um apelo quase irresistível
aos instintos mais fortes, mais enraizados da mi-
nha baixa psique e da minha carne fervilhante.
Sem querer, as batidas do coração começaram a
acompanhar a cadência: «Fasse qui tâne, tâne,
tâne! Fasse qui tâne, tâne, tâne! Fasse qui tâne,
tâne, tâne!». O corpo fervia com uma sensação de
dor-prazer muito próxima de um pré-orgasmo e um
tentador convite para que juntasse a minha voz ao
coro quase me convenceu. Sentia-me rodeado de
uma nuvem quente e viscosa, ao mesmo tempo
lascivamente convidativa e visceralmente repu-
gnante.
Então, uma voz luminosa, branca, sonora e
elétrica chegou até mim vinda de outras paragens
(que me apercebi serem das proximidades da
minha própria Alma), na forma de um aviso amigo
para que voltasse daquele torpor, regressasse

134
integralmente aos veículos densos, despertando
totalmente e tomando precauções drásticas
porque o caso não era para brincadeiras. Soergui-
me na cama, fiz todo o esforço para despertar
completamente, levantei-me e escrevi sobre um
papel a satânica frase do coral; pus sobre ela um
Crucifixo e deixei ambos em cima de uma banque-
ta no quarto. Pendurei ao pescoço um fio e cruz de
prata e voltei a deitar-me, olhos fitos no teto,
disposto a não voltar a adormecer e preparado
para tudo. Deixei uma pequena fonte de luz acesa
e, pronunciando as palavras sagradas e as
fórmulas do Poder, foi-me telepaticamente re-
velado pelas hostes brancas o significado da frase
que escrevera: «Que sejas maldito, três vezes
maldito! Que sejas maldito, três vezes maldito!
Que sejas maldito, três vezes maldito! » Era uma
fórmula usada desde tempos imemoriais pelos
Magos Negros numa língua maldita, criada pelos
servos das trevas como instrumento do Mal e arti-
culada, não através do chakra laríngeo e da gar-
ganta, mas do plexo solar e dos órgãos genitais.
Configurava-se a situação mais perigosa
desta minha existência, a mais dura e difícil prova.
Um conluio de forças malignas estava a atingir em
simultâneo os veículos da minha trindade inferior
(corpo físico, emocional e mental) para, através
deles, chegar à trindade superior (corpo causal,
intuicional e espiritual) .
Sabendo que, qual guerreiro ou general, me
encontrava na posição de combate para um em-

135
bate derradeiro, magnetizei e ingeri um copo de
água pura, apelei para que, de emergência, se
mobilizassem todos os Auxiliares disponíveis e
preparei-me para a luta, de novo na posição dei-
tado de frente para o teto como descrevi anteri-
ormente. Comecei por ordenar o imediato afasta-
mento das forças negras em presença, com uma
Vontade enérgica e acutilante como nunca me ti-
nha julgado capaz de veicular. Intuído a todo o
momento das mais diversas frases de esconjuro
ao Mal e de louvores ao Deus Uno e à Corte Ce-
lestial, invoquei Anjos, Arcanjos, Santos, Mestres e
Iniciados. Senti uma tão forte vibração dimanando
de mim que a cama tremia literalmente! Quanto
mais intensa era a vibração, maior era a força que
me impelia a emiti-la e aumentá-la. Percebendo
que o medo se instalava no inimigo, intuí que a
melhor defesa é o ataque e parti desenfrea-
damente em sua perseguição (tudo isto em plena
consciência e vigília!). A força de que me sentia
possuído era absolutamente imparável! A radia-
ção que de mim saía era bem visível e luminosa!
No fim da perseguição, com o inimigo encurrala-
do, continuei desferindo golpes: ordenei-lhe que
abandonasse de uma vez e para sempre o corpo
da Irmã Sabrina (ou qualquer outro corpo) e a ele
não regressasse jamais, nem para isso utilizasse
os seus lacaios. A iniciativa era agora toda minha
e foi então que, emitindo uma luz mais intensa do
que dez estádios de futebol intensamente ilumi-
nados, me dispus a desfechar-lhe o golpe de mi-
sericórdia.

136
Com louvores a Deus, Glórias e outros gol-
pes de Luz que lhe foram tão duros de suportar, ali
o condenei à completa regeneração e à eventual
fusão com as forças do Bem, nem que para isso
fossem necessários milhões de anos. Ali lhe
garanti a certeza do sucesso dessa transmutação,
pela qual me tornei pessoal e carmicamente res-
ponsável. Rendendo-se incondicionalmente, cego
e desnudado pela Luz, o inimigo desapareceu,
esfumando-se perante a minha presença EU SOU.
Tomei de novo consciência de estar deitado
de barriga para o ar na minha cama e plenamente
acordado.
Por pouco tempo, porém. Subitamente me
senti elevado às alturas e me encontrei num lugar
maravilhoso! Era um local trino. Era simultanea-
mente uma sala austera onde reinavam tons de
azul e onde se encontrava uma grande mesa re-
donda com um cálice maravilhosamente belo no
seu centro. O cálice era grande e dele brotava,
fervilhante e irradiante, um líquido simultanea-
mente dourado e prateado. Diversas entidades
estavam de pé ao redor desta mesa e uma delas
destacava-se, de frente para mim. Das entidades
irradiava uma Luz imaculadamente branca e a
palavra AMOR coroava os ares. Mas o local era
simultaneamente outra sala, como uma sala de
trono de um deslumbrante palácio. Estava cheia
de uma atmosfera dourada, no meio da qual
despontavam a todo o momento estrelinhas lumi-
nosas de intensa vibração, que se multiplicavam

137
sempre, como fogo de artifício em noite de Verão.
As entidades que se movimentavam nesta sala
eram também muito luminosas e eram muitas,
alegres, e pareciam dar louvores. O lugar onde fui
transportado era também uma terceira sala. Nesta,
o ambiente era mais austero, não tão espartano
como o da primeira sala mas profundamente
contemplativo, onde os tons predominantes eram
o dourado-rosa e o escarlate, e as entidades que
nela se movimentavam eram muitas também.
Encontrei-me então de novo em frente da
entidade destacada da primeira sala. E, na pre-
sença simultânea das entidades que estavam à
volta da grande mesa desta sala mais as das ou-
tras duas salas, Ele me disse:
«Irmão, acabas de derrotar o
Dragão das Trevas, pelo que tens di-
reito a ser armado cavaleiro!»
A Sua voz era simultaneamente doce e po-
derosa, como até à data eu nunca ouvira outra
igual. Sentia-se um ambiente de aquiescência em
todas as entidades de todas as salas, como se
todos falassem pela boca de um só. Então, osten-
tando os símbolos do Poder, Ele me disse:
«Eu te armo cavaleiro, José, em
nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Ficarás a pertencer a esta Or-
dem por mérito e por escolha. Qual o
nome que desejas que aqui fique gra-

138
vado para te identificar?» — ao que
prontamente respondi:
«José de Castro-Leonardo!» — Então Ele me
disse:
«Repete comigo!»
As palavras que a seguir Ele pronunciou, não
foram propriamente por mim repetidas mas sim
pronunciadas em uníssono, como se eu as
conhecesse previamente, o que me surpreendeu:
«Eu, José de Castro-Leonardo
prometo ser fiel às regras desta Ordem,
oferecendo todo o meu esforço
para o bem da Humanidade;
cumprindo fielmente
os serviços que me forem distribuídos,
e não utilizarei nunca
os poderes de que sou investido
em proveito próprio ou de fins egoístas
mas sim em favor de toda a Humani-
dade
e da sua evolução ascensional;
e serei sempre fiel
à Grande Fraternidade Branca,
onde esta Ordem está filiada.
Prometo solenemente
perante Vós, Irmãos,
e também perante o Pai,

139
o Filho
e o Espírito Santo!»
A entidade vestiu-me uma armadura doura-
da e disse:
«Com esta armadura estarás
protegido da penetração dos golpes dos
inimigos do teu corpo físico. Conserva-a
sempre reluzente e limpa, tal como ela
agora te é entregue.»
A seguir, a entidade deu-me um escudo e
disse:
«Com este escudo protegerás o teu
corpo etérico dos inimigos da tua Alma.
;ele está gravado o teu antigo sinal: a
torre do Castelo com dois corvos que
simboliza também a cidade de Lisboa e,
por extensão, a terra lusitana no seu
conjunto, de que és Protetor. Por isso
fizeste bem em escolher o sobrenome de
Castro-Leonardo porque, com a força
do leão defenderás esse castelo, esse
país e o seu povo a partir dos planos em
que te encontrares. ;ele está também
gravada a cruz dos Templários, Ordem a
que pertences por inerência, da qual
brotam 7 raios, os raios da presença di-

140
vina em ti e em todos. Sobre o conjunto,
o elmo de pluma escarlate que simboliza
a tua antiga origem oriental e também o
uso da mente como dirigente dos
veículos inferiores.»
E dizendo isto, Ele colocou na minha cabeça
um elmo dourado ornamentado com uma pluma
escarlate e acrescentou:
«Este elmo protegerá a parte mais
importante do teu ser: a mente superior,
ponte de ligação à centelha divina, a
qual aprenderás a colocar no comando
de todos os teus atos. Ele servirá,
igualmente, de veículo de transmissão
entre ti e a Ordem.»
Em seguida, pegou numa espada toda feita
de Luz, bela como um diamante e tocou-me com
ela, primeiro na cabeça, depois no ombro esquer-
do e a seguir no direito e, entregando-ma, disse:
«Esta é a espada da Virtude, da
Verdade, da Justiça e do Amor. Deves
usá-la com determinação, coragem e
verticalidade, tal como lutaste hoje
contra o Dragão das Trevas. É a arma
mais poderosa que, até hoje, possuíste;
por isso, podes, com ela, alcançar feitos

141
de grande monta. ;unca te separes da
tua Excalibur.»
Depois, mostrando-me as três salas, me in-
dicou:
«Aqui, à volta desta mesa redon-
da, estão os Cavaleiros teus confrades.
Alguns de grau superior, outros da tua
graduação ou inferior. Eles são teus
verdadeiros Irmãos e a eles podes
recorrer sempre que precises de auxílio
nas tarefas a que te entregares para o
Bem Universal. Mas não recorras a eles
senão quando for estritamente neces-
sário, pois cada um deles estará sempre
desempenhando tarefas de importância
que não convém interromper sem um
forte motivo.»
E, pegando no cálice, belo e fervilhante, que
estava em cima da mesa, levou-o aos lábios, sor-
veu um gole e, solenemente, passou-o a todas as
entidades que estavam em volta da mesa. Após
todos terem sorvido um gole e o cálice ter regres-
sado às mãos de onde partira, Ele ergueu-o pe-
rante mim e disse:
«Toma. Esta é a Sagrada Taça da
Tradição, da Sabedoria e do Amor.

142
Quem bebe dela jamais poderá deixar
de estar ao serviço de Deus. Toma.»
Então eu peguei no Cálice e, ao fazê-lo, senti
a alegria mais profunda de que me posso lembrar.
Sorvi um gole e, respeitosamente, devolvi-o.
Sabendo que a cerimônia em que estava en-
volvido significava, não um prémio à sombra do
qual pudesse repousar mas o ingresso num nível
de responsabilidades muito maior do que anteri-
ormente, perguntei:
«Mestre, qual é o nome desta Ordem a que
pertenço?» — ao que ele me respondeu:
«Esta é a Sagrada Ordem do Santo
Graal, a mais antiga de toda a tradição
ocidental, a ponte entre as tradições dos
dois hemisférios. Daqui saíram os
iniciadores de todas as outras grandes
Ordens.»
E continuando a mostrar-me as salas, pros-
seguiu:
«Esta sala que aqui vês (referindo-
se àquela que eu chamara segunda sala)
é a sala da Tradição Ocidental e aqui
estão presentes elevadas entidades que,
tal como as daquela outra sala - da
Tradição Oriental - aqui vieram para
testemunhar a cerimônia que acaba de

143
decorrer. E agora vai, Irmão. A palavra
de Poder já tu sabes pronunciar,
colorida pelo acorde vibratório das tuas
notas da Personalidade e da Alma. Leva
daqui a nossa benção e segue o teu
caminho, que agora é também o nosso
caminho.»
Acarinhado pela vibração conjunta de todas
as entidades das três salas, que eram uma só,
montei num cavalo branco que, qual Pégaso
alado, me levou de regresso ao meu quarto onde o
meu corpo físico, acordado, esperava o reencon-
tro. Recordei passo a passo todos os momentos
que decorreram durante essa memorável noite e
rezei; rezei muitas orações de louvor e glória, de
alegria e agradecimento. Lágrimas de felicidade
escorriam como rios de grosso caudal por ambas
as faces até que, extenuado e feliz, cerrei os olhos
para finalmente dormir até de manhã adiantada o
verdadeiro sono reparador que antes não pudera
conciliar.
Quando acordei tinha a certeza absoluta da
identidade da majestosa figura que servira de hie-
rofante na cerimônia da minha investidura: trata-
va-se do Senhor Jorge, aliás, São Jorge, aliás, o
Rei Arthur, aliás, El Morya — o meu Mestre!

144
12

GLASTONBURY

A minha (re-)entrada na Sagrada Ordem do


Santo Graal, tendo-se embora desenrolado no
plano mental superior, foi acompanhada conscien-
temente pelos planos inferiores e foi totalmente
marcada no meu cérebro físico - como acabo de
descrever. Uma tal concessão espiritual não é feita
muitas vezes (como já tive a ocasião de frisar
anteriormente); logo, algum objetivo muito impor-
tante estaria certamente oculto nela. Vim depois a
descobrir esse duplo objetivo.
A primeira meta a ser atingida era centrípeta,
no meu próprio interior. Completado um ciclo im-
portante, era-me agora revelado que as portas
estavam abertas para novas caminhadas, para in-
cursões em áreas até então proibidas. Simultane-
amente, a identidade do meu Mestre fora agora
totalmente desvelada e, depois que tomei conhe-
cimento consciente disso, parecia-me a coisa mais
lógica do Mundo. Nem podia imaginar como
alguma vez desconhecera a Sua identidade - de
tal forma me sentia ligado a Ele por laços sem
princípio nem fim. Nas minhas meditações, a mi-
nha aura aparecia-me agora de tal forma ligada à

145
d'Ele que não conseguia distinguir onde terminava
uma e começava a outra.
A partir daquele momento passei a receber
muitas e freqüentes mensagens, não só do meu
Mestre, como também de muitos outros distintos
membros da Hierarquia Maior. Esses escritos fo-
ram total ou parcialmente publicados em muitas
obras, embora sob total anonimato, voto que cum-
pri durante boa parte da minha Missão de Serviço
mas de que agora estou dispensado. A qualidade
das relações com os meus Auxiliares Espirituais
menores bem como com membros de outros rei-
nos - nomeadamente o Angélico - ampliou-se
notavelmente. Por motivos que não posso aqui re-
velar, foi-me também aberto o acesso a certas zo-
nas dos registros akáshicos e, em conseqüência,
pude consultar encarnações passadas, minhas e
de outras individualidades. O quebra-cabeças
começava a ficar cada vez mais completo e todas
as coisas a fazerem mais e mais sentido. Até hoje
isso nunca mais cessou de acontecer.
A segunda meta a ser atingida era centrífuga,
de caráter exterior a mim mas num círculo espiri-
tual alargado do qual eu (sem o saber) fazia parte.
Assim, tal como dentro de mim foram despoleta-
dos inúmeros mecanismos e se abriram dezenas
de portas, também ao meu redor o mesmo veio a
acontecer a outras pessoas através do conheci-
mento da minha experiência e repetida leitura
inspirativa do seu relato. Isto veio a consubstanci-
ar-se no arranque de um importante trabalho

146
grupal que cheguei a julgar o empreendimento
mais relevante de todas as minhas existências
mas que acabou por ser uma enorme decepção.
Recebi diversas comunicações referentes à
Ordem, suas origens, ramificações e objetivos
passados, presentes e futuros. Em certa ocasião,
fui contatado telepaticamente por membros da
Ordem Cósmica do Santo Graal, de Sírius, de
quem recebi, entre outras, as informações que
passo a relatar.
«O Santo Graal, veículo detentor
da mais poderosa concentração de
Energia Divina, fonte irradiante da mais
potente Luz, existe, na sua forma
originária e original, no ponto central
de Sírius. Daqui, tal como as caravelas
de Henrique levaram a Luz e o Cristo
aos vários pontos da Terra, também as
emanações do Cálice têm sido enviadas
para os vários pontos do Universo onde
(e quando) os esquemas evolutivos
demonstram a possibilidade de chegar a
metas superiores em curto prazo e se
possa antever o eventual estabeleci-
mento de mais um Entreposto que ajude
a levar a Luz ainda mais além.
;o caso Solar, um tal Entreposto
foi, há milhões de milhões de anos,

147
estabelecido em Vênus. Quando o
magnânimo Sanat Kumara e a sua
comitiva dali foram enviados em Missão
para a Terra, os Kumaras da Luz leva-
ram para lá o desdobramento do Santo
Graal que, mais tarde, viria a ser
entregue à Humanidade, tão cedo a sua
evolução o permitisse.
O Graal manteve-se em corpos
sutis durante muitos milhões de anos até
que, em determinada fase da época
Atlante, pareceu ser oportuno precipitá-
lo nos planos físicos densos e dele fazer
solene oferta à Humanidade, que assim
beneficiaria da possibilidade de encetar
um grande salto qualitativo que a
elevaria a planos de grande evolução -
mesmo se analisados em termos de
comparação cósmica.
Infelizmente, o livre-arbítrio da
Humanidade foi utilizado negativa-
mente e o Poder transmitido foi utili-
zado para fins egoístas e de conquista;
as forças do mal foram, em conseqüên-
cia, precipitadas em grande volume
sobre o planeta, com os resultados
catastróficos que conheceis.

148
Um grupo de Iniciados dedica-
díssimos conseguiu, no entanto, apo-
derar-se do Graal em devido tempo,
transportando-o para o Oriente, onde se
conservou durante o resto do período
Atlante no recato e na proteção dos seus
defensores.
Em determinada fase do atual
período Ariano, foi o Santo Graal
trazido do Oriente para o Egito, onde
lhe foi erigido um Santuário pelo grande
Avatar Hermes Trismegistus e onde foi
conservado durante muitos anos sob a
guarda de novo grupo de Iniciados (sob
a orientação do Amado Mestre Serapis
Bey, então reencarnado), aguardando o
momento de ser, de novo, entregue à
Humanidade em geral, para cumprir,
finalmente, a sua maravilhosa missão.
Foi então encarregado dessa ta-
refa um insigne membro da Raça Ari-
ana, Moisés, e um povo, o Hebraico,
que, pelo seu sofrimento em sucessivos
cativeiros e pela sua grande religiosi-
dade intrínseca, parecia reunir as
condições para ser o Povo Escolhido
para esse fim. E assim, construída a

149
simbólica Arca da Aliança, foi o Santo
Graal (acompanhado das Tábuas da Lei
que dele brotaram) transportado do
Egito para a Palestina, através de longo
e atribulado percurso.
Uma vez mais, a Humanidade
tornou a não se mostrar digna da dis-
tinção de que tinha sido alvo e, por
alturas do fim do reinado de Salomão, o
Graal tinha novamente sido trans-
formado num instrumento ao serviço da
separatividade e do egoísmo, à dispo-
sição de um grupo usurpador e não da
evolução de toda a Humanidade. Uma
vez mais se abateram desgraças sobre o
Povo que traiu o seu destino magnífico
e, uma vez mais, um grupo de
dedicadíssimos Discípulos foi encarre-
gado de proteger o Graal e de guardá-lo
secretamente até que um novo Avatar
viesse para, também uma vez mais,
tentar a Redenção da Humanidade,
fazendo-lhe nova entrega do Graal.
Foram esses Discípulos os Essênios. Foi
esse Avatar o Cristo Maitreya (pela
intermediação do Mestre Jesus, então
ainda discípulo).

150
Vitalizado pela energia avatárica
em diversos cerimoniais conduzidos
pelo Cristo, o Sagrado Instrumento de
Luz - após a Crucifixão - foi entregue
aos cuidados de José de Arimateia e de
Maria que, como é sabido, o transpor-
taram para o Ocidente, tendo então sido
fundada a Sagrada Ordem do Santo
Graal, a quem foi confiado, sob a tutela
dos Mestres Morya, Kutumi e Jesus. Foi
decidido, nessa altura, por precaução,
lançar a parte física do Santo Graal no
fundo de um poço, em Glastonbury, na
Inglaterra, num ritual simbólico, por se
tratar de uma passagem de ligação ao
centro da Terra, seu Santuário mais
íntimo e sagrado. ;essa altura o Cálice
interrompeu a sua manifestação densa
para, temporariamente, regressar a uma
forma etérica como seu veículo mais
denso de manifestação.
Pode dizer-se que, nos últimos dois
milênios, a atividade do Graal e dos
seus Cavaleiros protetores e difusores
tem sido a mais sábia e determinada
desde que o Santo Instrumento foi tra-
zido para a Terra. Por isso, acompa-

151
nhando o início da manifestação do
Avatar da Era de Aquário, far-se-á, de
novo, a materialização do Santo Graal
para, finalmente, gerar o impulso quali-
tativo que, originalmente, se pretendia.»
Durante muitos meses meditei sobre esta
comunicação e encetei buscas para complemen-
tar as informações ali contidas. Foi então que ouvi,
com aquele ouvido interior a que anteriormente já
me referi, a seguinte solicitação:
«Sou Aquele que é conhecido como
o Arcanjo Miguel. Venho convocar-te
para uma reunião no Tor de Glaston-
bury, na próxima Primavera.»
Antes de iniciar a viagem comecei a docu-
mentar-me sobre a região de Glastonbury. A
grande surpresa inicial foi a descoberta de que o
local fica a escassos quilômetros de Weston-
Super-Mare, cidade onde a minha esposa nasceu.
A segunda surpresa foi a de que o colossal
computador cósmico conhecido como Stone-
henge, se localiza também a pouca distância. A
partir dessas descobertas nada mais que viesse a
conhecer sobre o assunto me surpreenderia.
  
Glastonbury é um local verdadeiramente
mágico. Tido por muitos como sendo o sítio
original de Avalon, era, já no III Milênio AC, usado

152
pelos Celtas como local sagrado. Ali possuíam um
cemitério chamado Ynis Witrin, antigo nome
britânico que significa «Ilha de Vidro». Mas muito
antes dessa data, no V Milênio AC, floresceu
naquela região o culto da Grande Mãe Cósmica.

O Tor, colina existente na periferia da cidade


que pode ser vista a grande distância (quando o
tempo o permite) é um dos mais majestosos
elementos do conjunto de Glastonbury. Ao longo
dos tempos tem sido reconhecido como montanha
mágica, montanha de vidro das fadas, castelo
espiral, castelo do Graal, Terra dos Mortos, Hades,
centro iniciático dos Druidas, colina-fortaleza
Arturiana, foco de energia magnética, encruzilhada
de linhas-chave, centro de rituais e celebrações de
fertilidade da Grande Deusa-Mãe, e ponto de
convergência de discos voadores. Possui a forma
de um labirinto espiral, semelhante aos labirintos

153
cretenses, que foi criado muito antes de os
Druidas o usarem para os seus ritos e cerimoniais
iniciáticos.

Outro dos motivos de atração de Glastonbury


é o Poço do Cálice, local inserido num belo jardim
de enorme poder inspirativo, onde corre a água de
uma nascente que se diz ter grande poder curativo
e regenerador. Tem sido associado à Fonte da
Juventude e diz-se que Merlin, o Mágico a usou
para preparar o seu famoso elixir. É possível que
tenha sido nesse Poço que José de Arimateia e
Maria de Nazaré depositaram o Santo Graal.
Como o braço de água tem várias ligações
subterrâneas, o cálice teria ido depois alojar-se no
centro da Terra, através de um túnel existente na
base do Tor.

154
A região de Glastonbury possui, marcado nas
linhas do solo (linhas de água, estradas, ele-
vações, divisórias de terrenos, etc.), um gigantes-
co e nítido Zodíaco. A observação deste através
de fotografia aérea é espantosa! Calcule-se o meu
assombro quando verifiquei que o Tor se encontra
implantado precisamente no centro do signo de
Aquário. Concluí que, apesar da utilização do seu
poder energético pelos iniciados de diversos po-
vos ao longo de cerca de sete milênios (curiosa
coincidência numérica?) o ápice dos motivos por
que o Tor foi concebido se encontra na Era de
Aquário!...
Diz a lenda que, nos tempos mais remotos,
existia no alto do Tor um monolito de grandes di-
mensões que servia de antena cósmica na trans-
missão e recepção de energias (centrífugas e
centrípetas) entre o interior da Terra e Sírius, seu
Pai iniciático. Na Idade Média, os cristãos resolve-
ram derrubar o megalito e, no seu lugar, construí-
ram uma Igreja cruciforme com uma grande torre
no centro, dedicada ao Arcanjo Miguel, o matador
do Dragão, porque acreditavam que os seres que
povoavam a colina eram servos de Satanás.
Pouco tempo decorrido sobre a sua construção, foi
reduzida a escombros por um terremoto que
aconteceu em simultâneo com uma grande
tempestade de raios e trovões. A única parte que
ficou ereta e intocada foi a torre, erigida no pre-
ciso local do antigo monolito... Várias vezes refor-
çada e reconstruída, ali se mantém até hoje,

155
imponente e majestosa sobre o Tor, a Torre de
São Miguel.
Descobri também um outro elemento cuja
existência, como veremos no decorrer do relato
que se seguirá no próximo capítulo, não pode
atribuir-se a um mero acaso ou coincidência. Di-
zem as lendas mais antigas que a localização de
Avalon era em Glastonbury. Todavia, nessa mes-
ma época, corria também a lenda de que Avalon
(ou o Castelo do Graal) se encontrava nas lendá-
rias terras de Hy-Brasil (com esta exata grafia).
Como teremos ocasião de verificar, ambas as len-
das são verdadeiras mas complementares e com
um hiato de, pelo menos, um milênio entre as du-
as realidades.
Segundo nos revelam Janet e Colin Bord no
seu livro Mysterious Britain, «Hy-Brasil era uma
ilha fantasma assinalada próximo da costa oeste
da Irlanda em algumas cartas geográficas muito
antigas. Essa ilha encantada, onde os idosos
podiam recuperar totalmente o vigor da juventude,
era, por vezes, avistada como miragem por
pessoas na costa oeste da Irlanda»...
Munido de uma parte destas informações (o
resto viria a investigar mais tarde) parti para o en-
contro marcado.
Passei em Stonehenge no caminho para
Glastonbury e parei lá para uma visita e recolha
energética.

156
Em Glastonbury, antes de me dirigir ao Tor,
visitei as ruínas da Abadia (construída sobre os
escombros da capela original de madeira erigida
por José de Arimateia e que terá sido o primeiro
templo cristão do Ocidente), a Igreja de São João,
a Igreja de Santa Maria e, como não podia deixar
de ser, os jardins e Poço do Cálice. Ao olhar para
dentro do Poço (fenômeno testemunhado por mais
três pessoas), apareceu desenhado com nítido
recorte na superfície das águas, o mapa em forma
de coração do Brasil.
Na tampa do Poço existe uma armação em
ferrofundido (cópia exata da peça original que foi
danificada por vândalos) que reproduz a Vesica-
Piscis, símbolo de origem antiqüíssima que
representa a interpenetração dos mundos
materiais e imateriais, a união dos opostos, o
equilibro entre Yin e Yan. Foi o primeiro símbolo

157
usado pelos cristãos, antes mesmo do crucifixo.
Esse mesmo símbolo pode, em fotografia aérea,
ver-se definido na geometria de Glastonbury.

Subi a espiral do labirinto do Tor, sozinho,


com solene reverência. Quando atingi o cume,
entrei pela porta da Torre que me ficava mais
próxima. Verifiquei que a Torre tem uma única
pequena sala a que dão acesso duas portas que
ficam em lados opostos. Nos outros dois lados da
sala quadrangular, em ligeiros recessos que pro-
tegem um pouco do vento que circula entre as
portas, dois bancos de pedra que convidam a
sentar e meditar. No banco que ficava à minha di-
reita, um jovem magro, de cabelos longos, estava
sentado, olhos cerrados, posição do lótus, com
uma vela ao seu lado que ardia numa espécie de
balão de vidro que impedia que o vento a apagas-
se.
Resolvi não fazer qualquer ruído e sentei-me
no banco em frente dele. Olhei para o relógio, fe-
chei os olhos e perdi o conhecimento.

158
13

A MISSÃO

Quando, suavemente, voltei a abrir os olhos


e comecei a retomar consciência do local onde es-
tava e de tudo o que me rodeava, percebi que o
jovem tinha desaparecido do banco da minha
frente não tendo deixado qualquer rastro. Olhei de
novo para o relógio e constatei, estupefato, que se
tinham passado cerca de 40 minutos. Foi o abrir e
fechar de olhos mais longo da minha vida.
Não me recordava de nada. Tinha-se fecha-
do uma cortina por sobre a memória daqueles 40
minutos. Resolvi não atribuir importância ao as-
sunto, sabendo que, fosse o que fosse que se
passara comigo naquele local e durante aquele
período, viria a ser informado mais tarde. Nem se-
quer suspeitava de que um fenômeno semelhante
havia de voltar a suceder-me naquela mesma se-
mana.
Segui para Londres nessa tarde. No dia se-
guinte, no hotel, recebi uma mensagem assinada
pelo Mestre Djwhal Khul, o Tibetano, convocando-
me para um encontro no Museu Britânico, ala do
Extremo-Oriente, sala do Tibet, em frente a uma
vitrine já minha conhecida, onde está exposta uma
lindíssima imagem de bronze do Bodhisattva

159
Maitreya. Marcou para as dez horas da manhã do
dia seguinte.
Tinha uma particular relação de simpatia pelo
Mestre Djwhal Khul, não só pela leitura das
maravilhosas obras por ele transmitidas a Helena
Blavatsky e a Alice Bailey mas porque eu próprio
dele recebera, entre outras comunicações e ensi-
namentos, um importante mantram para a Nova
Era, intitulado «Invocação Maior».
Saí do hotel, em Marble Arch, logo após as
nove da manhã. Não esperei muito, já que pas-
sam a toda a hora ônibus que percorrem todo o
comprimento de Oxford Street. Conhecia bem
aquele caminho pois o Museu Britânico é um dos
meus locais preferidos e já o visitara dezenas de
vezes. Desci no entroncamento com Shaftsbury
Avenue e segui a pé o resto do caminho.
Enquanto percorria os quarteirões ao longo
da Great Russel Street, pensava na forma como a
Mensagem do Tibetano praticamente dava a en-
tender que o encontro se daria em corpo físico.
Embora tal não estivesse expresso em palavras,
podia sentir-se na intenção da comunicação. Ora,
sabendo eu que D.K. é um dos raros Mestres que
conservam um corpo físico desde a sua última re-
encarnação (embora não o use em permanência),
ficava ainda mais convicto dessa possibilidade. De
qualquer maneira, todos os Mestres podem, se e
quando o desejarem, construir corpos físicos
densos ou somente etéricos visíveis, tal como po-
dem tomar para si um corpo físico vítima de súbito

160
desencarne (afogamento, colapso, etc.) com auto-
rização do desencarnante, é claro, bem como po-
dem também tomar emprestado o corpo de um
discípulo. Esta última hipótese acontece muito ra-
ramente - por motivos óbvios de livre-arbítrio - e
sempre com objetivos muito importantes em vista,
como foi o caso da utilização do corpo de Jesus de
Nazaré (em períodos curtos, aliás) por parte do
Cristo Planetário (conhecido então no Oriente
como o Bodhisattva Maitreya, hoje Buda Maitreya)
para manifestar a Sua mensagem avatárica.
Entrei no Museu bastante antes da hora
marcada. Resolvi, por isso, fazer uma observação
mais detalhada da ala em questão. Detive-me nas
obras de arte religiosa da Índia, da China, do Ja-
pão, da Birmânia, do Nepal, da Indochina e, prin-
cipalmente, do Tibet. Faltavam dez minutos para
as dez horas quando parei, pela primeira vez na-
quele dia, em frente à vitrine de Maitreya. Que
maravilha! Parecia viva, aquela imagem! Olhando
em redor constatei, preocupado, que havia muita
gente circulando na sala. «Como vamos falar à
vontade — pensei — com tantos intrusos à nossa
volta?» Dei mais algumas voltas na ala e quando,
às dez horas em ponto, parei de novo naquele lo-
cal, toda a gente, como por milagre, tinha desapa-
recido. Não se via vivalma em toda a ala. Ao lon-
ge, no arco de acesso à ala, podia vislumbrar-se
um guarda fardado. E mesmo esse, de costas.
Confirmei as horas no meu relógio: dez da ma-
nhã.

161
Não vendo aparecer o Mestre, e sabendo
que a falta de pontualidade não existe para essas
Excelsas Entidades, voltei a olhar para o relógio a
fim de me certificar de que não estava enganado.
Acredite-se ou não: o relógio marcava dez horas e
trinta minutos!
Dentro da minha cabeça, uma voz soava no
ouvido interior: «Podes ir-te embora. A reunião
terminou!»
Senti-me um pouco frustrado. Tinha estado à
espera de um encontro físico, semelhante ao de
dois encarnados, e acabei por passar outra vez
por uma experiência de que não recordava rigoro-
samente nada. Meia hora inteirinha tinha sumido
da minha consciência. A voz voltou a soar: «Vai
para o Hotel. Receberás lá uma Mensagem.» Saí
do Museu com um ligeiro amargo na boca.
Resolvi percorrer a pé todo o caminho de
volta ao Hotel para descarregar a tensão. Em boa
hora o fiz porque me comecei a descontrair gra-
dualmente ao longo do percurso ao ponto de,
quando cheguei ao meu quarto, já ter substituído a
quase decepção por uma agradável sensação de
plenitude e alegria.
Antes mesmo de esperar as primeiras pala-
vras da Mensagem, escrevi no papel: «Mestre,
porque não me apareceu em corpo físico?» A
resposta veio célere e em forma de pergunta:
«Tens a certeza?...»

162
Confuso, veio-me à lembrança um indivíduo
que esteve sentado em minha frente no banco dos
palermas do «double-decker» que eu tomara
naquela manhã em Marble Arch. Tinha um
aspecto muito fora do vulgar que me impressionou
bastante, tendo eu tido que fazer porfiados
esforços para desviar a vista de cima dele. Era
muito alto e muito magro, principalmente no rosto,
onde os ossos da face e do queixo eram muito
salientes. Olhos fundos, sobrancelhas densas e
muito marcadas, nariz adunco. Usava um fato de
três peças (terno) castanho escuro impecável.
Camisa bege de colarinho excessivamente grande
para a moda da época, com uma linda gravata de
nó enorme a condizer com o tecido do terno. Algo
nele parecia exótico, como um marciano que
tentasse passar despercebido na Terra. Ao
mesmo tempo, o seu porte era de uma dignidade
transbordante exercendo, sobre quem o encarava,
um irresistível fascínio. Aparentava entre 50 e 60
anos bem conservados e tinha cabelos castanhos
ligeiramente grisalhos.
«Éreis vós, Mestre?» - inquiri ansioso.«Quem
sabe?...» - apressou-se novamente a responder
em forma de pergunta a voz interna logo que
terminei a recomposição mental do sujeito do
ônibus. Sem me deixar refletir mais, continuou:
«Podes escrever; vou transmitir-te o que se
passou hoje de fundamental. Depois, o Bem-
Amado El Morya vai ditar-te algo sobre a reunião
em Glastonbury. Estas mensagens são unica-

163
mente chaves, resumos do esqueleto das
reuniões. Ao longo dos próximos meses ir-te-ás
lembrando do miolo, conforme essas informações
forem sendo necessárias para os diversos passos
do desenvolvimento da tua Missão.»
Vim a saber que a reunião de Glastonbury
teve a ver com a Sagrada Ordem do Santo Graal,
com as minhas funções no plano físico em relação
a ela e com os trabalhos em que está empenhada.
A meta principal da sua atividade é a mudança das
condições políticas, econômicas e sociais da
Humanidade. Soube que estavam praticamente
terminadas com sucesso as ações que levariam à
queda das mais ferozes ditaduras da Terra. Al-
guns desses resultados só viriam a precipitar-se
no plano físico denso alguns anos mais tarde,
desde a União Soviética à África do Sul, passan-
do pela Europa Central. Outros tinham já aconte-
cido, como, por exemplo, em Portugal e na Espa-
nha. Sendo assim, era agora requerido a alguns
discípulos do mundo que se mudassem para a
América do Sul porque o teatro das principais
operações futuras seria o Brasil e áreas circunvi-
zinhas. Pela minha condição de discípulo do 1º
Raio e de Cavaleiro da Ordem com uma missão
especial no plano físico, era particularmente im-
portante que aceitasse participar da iniciativa. Foi-
me dado o tempo de que precisasse para aceitar
ou rejeitar o pedido de mudar-me para o Brasil.
A reunião do Museu Britânico teve a ver com
a volta do Cristo à Terra, com as manifestações

164
avatáricas em geral e com a preparação da Hu-
manidade para a Cristificação em massa, produ-
zindo no seu seio o Avatar Grupal que a haverá de
conduzir ao Portal Iniciático Coletivo. Isto será
acompanhado (ou seguido) de uma transformação
genética que trará à luz a Raça Dourada, nova
forma do desenvolvimento humano a que muitos
chamam a do Super-Homem ou do Homem-das-
Estrelas.
Geograficamente, o local onde despontam já
os elementos primeiros desta nova Raça é tam-
bém a América Ibérica.
Aceitei a solicitação para Servir a partir do
território brasileiro. Os preparativos para a mu-
dança levaram algum tempo porque a arrumação
dos múltiplos assuntos familiares e profissionais a
isso obrigou. Foi, porém, a decisão mais acertada
que tomei na minha vida. A gratificação advinda do
trabalho que venho a desenvolver sob orientação
dos Mestres da Grande Fraternidade Branca neste
país que comparo a um fraternal e pacífico gigante
não pode descrever-se com palavras humanas. A
frase que melhor se aproximaria daquilo que sinto
será: «vivo em permanente estado de graça».
Sobre os resultados práticos do trabalho
oculto desenvolvido nos sete anos já vividos no
Brasil, transcrevo, sem comentários, uma mensa-
gem transmitida no fim do ano de 1994 e assina-
da pelo Armadíssimo Mestre Morya:

165
«Em Janeiro de 1988, assumiram
posições no Continente Sul-Americano
doze dos meus discípulos mais fiéis —
que passarei a designar pelos «Doze
Magos Pioneiros» — com a árdua in-
cumbência de propiciarem a implan-
tação, a partir do Brasil, das condições
político-sociais para o desenvol-vimento
do Plano Divino para o Planeta Terra
no que se refere à ;ova Era emergente
— em todas as suas vertentes.
Sendo o Brasil o país fulcral do III
Milênio, era necessário que recebesse
um reforço especial da energia azul do
Primeiro Raio de que estava muito
carente embora lhe sobrassem energias
de raios pares, nomeadamente do 2º e
4º, seus raios da Personalidade e da
Alma, respectivamente.
Essa carência de energias do
Primeiro Raio foi muito útil no passa-
do, tendo permitido que, no seu todo
nacional, o Brasil tivesse ficado
«virgem» de agressividade bélica (não
por acaso, a sua Personalidade é regida
pelo signo de Virgem) e tivesse
desenvolvido excepcionais qualidades

166
de tolerância e fraternidade. Foram
essas condições, entre outras, que o
tornaram alvo da escolha por parte de
Shamballa e da Hierarquia para ser o
laboratório da grande transformação
que a Humanidade está atravessando,
pela mão do seu Pastor Maior: o Cristo.
Dos «Doze Magos Pioneiros», dois
eram discípulos oriundos do próprio
Brasil e os dez restantes foram
recrutados em diversos países do
mundo. Como denominador comum, a
sua proveniência do seio de Grupos
Apostólicos, ou seja, de dez dos doze
então existentes Apóstolos Grupais do
Cristo e a sua condição de Cavaleiros
de determinada Ordem oculta. A figura
dos Apóstolos Grupais foi definiti-
vamente extinta em outubro de 1994,
tendo dado lugar a uma outra estrutura
muito mais abrangente e condizente com
o estágio atual da Humanidade e do
Plano, no anel da espiral em que nos
encontramos. Sobre essa estrutura nada
mais pode ainda ser revelado ao grande
público por se encontrar em fase de
consolidação energética.

167
Esses «Pioneiros», num gesto de
abnegação e entrega ao Serviço, dei-
xaram para trás os seus países, os seus
grupos, os seus amigos e familiares,
situações profissionais e familiares de
relativa estabilidade e, respondendo ao
meu apelo, prontificaram-se a deslocar-
se para terras longínquas e pouco
conhecidas deles, sem a promessa de
outra recompensa que não fosse o
cumprimento daquilo que sentiram ser o
seu dever de discípulos e de cavaleiros
da Ordem de que sou o máximo
responsável nos planos mais sutis.
Mantendo o mais absoluto ano-
nimato e sem qualquer contato físico
uns com os outros, os «Doze Magos
Pioneiros» assumiram os seus postos em
Janeiro de 1988 e começaram de
imediato os trabalhos energéticos que
permitiriam operar as pretendidas
mudanças. Muitos deles com enormes
dificuldades de adaptação ao novo
ambiente material e até sofrendo de
carências e problemas de subsistência,
não se deixaram intimidar pelos obs-
táculos e meteram ombros aos ciclópi-

168
cos trabalhos que agora completam um
ciclo de 7 anos. Daí a razão da presente
mensagem e do balanço que venho fazer
do empreendimento que teve lugar sob
minha orientação mas de que os
eventuais méritos ou deméritos cármicos
pertencem exclusi-vamente aos discípu-
los encarnados participantes.
Mentiria se dissesse que não houve
falhas. Sim, houve-as e de vários teores.
Entre os «Doze», houve um que cedo se
desviou dos seus rumos e que, caindo
nos braços do «reino de Maya», quase
deitou tudo a perder. Foi temporaria-
mente substituído energeticamente pela
ação de outro dos seus companheiros
até que um substituto pôde ser
encontrado e mobilizado para ocupar
fisicamente o seu lugar - o que demorou
alguns meses. Essa foi (entre os «Doze
Magos Pioneiros») a exceção que
confirma a regra.
Todavia, entre os Apóstolos Gru-
pais de onde os «Doze» dimanavam, as
falhas foram, não a exceção mas -
arrisco dizer - a regra. A maioria dos
colegas dos discípulos mobilizados não

169
compreendeu a magnitude da entrega
destes e, tomando a sua partida
praticamente como uma fuga, escamu-
teou-lhes os apoios que lhes eram
devidos (do financeiro ao moral,
passando pelo assessoramento pre-
sencial) e, em vez da necessária e de-
vida ajuda, tudo fez para dificultar a sua
tarefa. Envolvidos em brigas internas
pelo poder e influência, os agora
extintos Grupos Apostólicos acabaram
por se auto-destruir das formas mais
diversas, a mais freqüente das quais foi
deixarem-se infiltrar por elementos do
Anti-Sistema que minaram as suas
raízes. Onde ainda existiam discípulos
do Primeiro Raio a enfrentar estoica-
mente os obstáculos foi possível manter
precariamente algum tipo de funciona-
mento grupal até às vésperas da
extinção oficial. Onde tal não foi o caso,
os Grupos auto-extinguiram-se prema-
turamente, com as conseqüências cármi-
cas que se podem adivinhar.
;ão é, porém, das falhas que in-
teressa agora falar mas sim do sucesso,
do colossal sucesso conseguido pelos

170
«Doze Magos Pioneiros» nesses sete
anos de intensa atividade energética
sobre a terra brasileira. A História
registrará o setênio 1988/94 como o
período de transformação estrutural
mais radical que o Brasil alguma vez
conheceu, podendo dizer-se que, entre o
país de 88 e o país de 94 só existe uma
coisa em comum: o nome; tudo o resto
sofreu profunda e radical mudança.
Graças a essa mudança, a partir de
1995, o Brasil passará a ser, não um
país de que o mundo se envergonha, mas
um país de onde partem múltiplos
exemplos a serem seguidos pelo resto do
planeta.
A ação dos «Doze» desenvolveu-se
ao longo de duas linhas paralelas que
constituíram a baliza das confluências
energéticas (tudo isto em planos não
conscientes para a população em geral,
evidentemente).
1. A mobilização de vastos apoios
energéticos entre o anônimo povo do
Brasil, por forma a conseguir uma base
de grande amplitude sobre a qual
construir a Grande Pirâmide Brasileira.

171
Sobre essa base foram colocados os
religiosos e os médiuns de todas as
correntes, enquadrando todos os
homens e mulheres de boa vontade.
2. O trabalho energético es-
pecífico direcionado sobre os líderes ou
potenciais líderes políticos, econômicos,
sindicais, intelectuais, científicos, etc.
com vista à formação de um escol capaz
de assumir as rédeas do país com o
compromisso de efetuar as transforma-
ções pretendidas.
Com a tomada de posse, que terá
lugar em 1 de Janeiro de 1995, de um
novo governo federal e de novos go-
vernos estaduais imbuídos dos prin-
cípios de «LIBERDADE, IGUALDADE,
FRATER;IDADE» que norteiam a ;ova
Era de Aquário, e com a maioria das
funções de chefia dos mais diversos
sectores da vida nacional ocupados por
elementos já trabalhados ocultamente
pelos «Doze Magos Pioneiros», reuni-
me com eles na madrugada de hoje,
durante o seu sono físico, para lhes
expressar o meu agradecimento e louvor
pela missão cumprida com tanta

172
distinção. Após uma cerimônia em que
foram agraciados com um novo vínculo
de responsabilidade dentro da Ordem (e
não só), comuniquei-lhes que estavam
liberados das funções que ocuparam
com tanta competência nos últimos sete
anos, podendo, se quisessem, regressar
aos seus locais de origem, ou outros,
segundo a sua soberana vontade. Fui
agradavelmente surpreendi-do (?) com a
declaração unânime dos «Doze» de que
desejam manter-se nos atuais lugares
voluntariamente por (pelo menos) mais
um período suplementar de sete anos a
fim de ajudarem na consolidação do que
foi, até hoje, conseguido. Congratulo-me
e rejubilo com essa sábia decisão e
quero, publicamente, dar testemunho
destes fatos.
Aproveito a ocasião para escla-
recer que a substituição da estrutura dos
Grupos Apostólicos por outra realidade
mais abrangente teria tido lugar no
plenilúnio de outubro de 1994, quer
tivessem acontecido ou não as falhas a
que me referi mais acima porque isso
não constitui nem um prêmio nem um

173
castigo mas sim uma subida de anel na
espiral evolutiva. Já a integração de
elementos desses Grupos na nova
estrutura obedeceu, como é natural, a
critérios que levaram em conta o
comportamento anterior. Por isso,
poucos desses elementos foram integra-
dos na área mais responsável da nova
realidade. Contudo, globalmente e
durante todo o período da sua
manifestação (de 1985 a 1994) o
trabalho dos Grupos Apostólicos foi
positivo e permitiu que fossem atingidos
os objetivos desejados. Quero, portanto,
endereçar um louvor coletivo aos
antigos Doze Apóstolos Grupais.
;enhuma alteração aconteceu
quanto à consolidação do Avatar
Grupal. Pelo contrário, a presente
figura emergente da Humanidade é
conseqüência desse fortalecimento e a
interação entre essas duas vertentes
(vanguarda e retaguarda) levará a uma
cada vez mais rápida aproximação do
Avatar-Que-Vem-Do-Pai e da Sua
conseqüente exteriorização.

174
Esta é a mensagem de Ano ;ovo
que trago ao Brasil e ao Mundo. Sem
dúvida, uma mensagem de muita espe-
rança, de muita fé e de muita determi-
nação que têm base, não em expectati-
vas de sonhadorismo infundado, mas em
sólidas realidades comprovadas de um
passado concreto que projeta resultados
futuros de inevitável certeza.
Bem hajais, homens e mulheres que
tornais possível a apoteose que se
avizinha!
Morya»

Presentemente, à data da publicação da 1ª


edição eletrônica revista desta obra, os quase 15
anos passados sobre aquela mensagem do Bem-
Amado Mestre Morya demonstram como faz
sentido tudo o que ele disse, e como os
acontecimentos que vivemos agora prenunciam as
grandes transformações que Ele anunciava.
Em próximas edições farei uma exegese
mais concreta da cronologia dessas transfor-
mações, tão logo a perspectiva histórica o permita.
Entretanto, continuo a oferecer a minha
presença energética a esta Terra Prometida do 3º
Milênio!

175
A Mestra Madalena
(por Maria João Sacagami)

176
14

EPÍLOGO

Refleti muito sobre a forma de apresentar


este livro ao público. Durante os meses em que fui
rabiscando os capítulos de que se compõe
(consultando notas acumuladas ao longo de mais
de trinta anos) mudei de idéias várias vezes em
relação à sua forma final. Fui submetido a pres-
sões por parte de pessoas que achavam que não
devia sequer publicá-lo ou, então, que o fizesse
sob rigoroso pseudônimo e, ou numa edição do
autor ou através de uma editora totalmente des-
conhecida.
Acabei por decidir publicá-lo assim, da forma
que acabais de ler, sem quaisquer pseudo-intelec-
tualismos nem tampouco receios de cair no ridícu-
lo. Esta é a única forma de ação que conheço
desde os tempos em que, como cantor de música
(para a época) demasiado vanguardista, era vio-
lentamente atacado pelo establishment, que via
em mim um elemento eventualmente desestabili-
zador, ao mesmo tempo que era vibrantemente
aplaudido pelo público, afinal aquele a quem se
dirigiam as manifestações artísticas que veicu-
lava. O caso repete-se hoje, num anel infinita-

177
mente mais elevado da espiral. O público que seja
o juiz.
A minha intenção foi contribuir, com uma
parte da minha experiência e conhecimento pes-
soais, para despertar no leitor uma pequena faísca
que fosse da grande chama da espiritualidade. Se
acaso isso não puder acontecer, que lhe sobre -
pelo menos - o prazer de ter passado algumas
horas de saboroso lazer na leitura de uma obra
que lhe prendeu a atenção embora a ache, por-
ventura, fantasiosa. Se assim for, nada se perde-
rá. A semente ficará a germinar no terreno fértil
que é o ser humano e, mais tarde ou mais cedo, a
planta e os seus frutos brotarão. Se, pelo contrá-
rio, o leitor achou este livro tedioso, vazio de moti-
vos que lhe despertassem sequer a curiosidade,
se julgou o seu estilo atabalhoado ou demasiada-
mente simplista e acabou não terminando a sua
leitura ou fazendo-o a custo, então terei falhado
redondamente.
Apresentei nesta obra verdades profundas e
filosoficamente complexas de uma forma que
pretendi simples e fluente, à mistura com os tem-
peros do dia-a-dia que pretendem demonstrar que
o espiritualista, o esoterista, o ocultista, o busca-
dor das verdades primevas e dos princípios arca-
nos não precisa (nem deve, realmente) deixar de
viver a sua vida de cidadão normal deste mundo
maravilhoso em que vivemos. Ninguém precisa ser
«santo» (no sentido beato da palavra) para ser
verdadeiramente Santo (no sentido divino da pa-

178
lavra). Muitos Santos anônimos e bem vivos nos
rodeiam enquanto buscamos exemplos de santi-
dade em estátuas de fria pedra e nenhuma sen-
sibilidade.
Assino este livro com o meu verdadeiro
nome, sem pseudônimos.
Um dia, o diretor de um Instituto Superior
onde eu era finalista de um curso (o ISLA), disse,
ao ver o meu nome aparecer em relevo como
Presidente da Comissão de Alunos que promoveu
uma récita de finalistas (de cuja revista teatral eu
era, de resto, o principal co-autor de textos e de
versos para músicas em voga nesse tempo): «O
quê? José das Dores? Que nome tão pouco
sonante! Por que não põem antes, no seu lugar, o
nome do Pimenta de Castro? Se não, ele que use
um pseudônimo!» Diga-se, em abono da verdade,
que nem eu nem ninguém tínhamos nada contra o
Pimenta de Castro, nosso amigo de farras e brin-
cadeiras mas que - acontece - não contribuiu em
nada para aquela récita que foi um sucesso tão
grande que teve que ser repetida após ter es-
gotado a lotação do teatro Vasco Santana na pri-
meira apresentação, no dia 11 de Maio de 1965.
Infelizmente, não pude estar presente em qual-
quer das duas récitas por me encontrar em Mafra
desde 5 de Maio cumprindo serviço obrigatório de
recruta como soldado-cadete do Curso de Oficiais
Milicianos e não ter conseguido obter dispensa.
Mas o meu nome apareceu nos programas com o
destaque e relevo que os colegas, despidos de

179
preconceitos, insistiram em acentuar. José das
Dores, nome plebeu e simples, bem apropriado
para quem sou.
Não me desmoralizei nessa época, nem
agora, nem nunca, com a falta de sonância (leia-
se: peso social e classista) do meu nome de cris-
tão-novo de origem mourisca. Foi esse o nome do
meu pai ribatejano (de Alpiarça) e do meu bisavô
alentejano (de Beja). Porque haveria eu de rene-
gá-lo? É feio e malsonante mas faz parte da mi-
nha bagagem cármica. Dele não posso separar-
me no plano físico. O outro, aquele que possuo em
esferas mais altas de manifestação, o nome (ou o
acorde sonoro) por que sou conhecido no único
lugar onde tudo importa, ninguém o conhece; nem
eu próprio, enquanto revestido da carcaça densa
que me limita a consciência cósmica...
Com a simplicidade de quem nada tem a
temer ao mostrar-se tal qual é, ofereci ao leitor um
livro escrito com a convicção dos servidores, mais
um passo na Senda em direção às Realidades
Maiores que busco com uma sofreguidão insaciá-
vel. Para obedecer a esses requisitos, alguns epi-
sódios foram relatados de uma forma bastante
romanceada e não foi seguida uma ordem crono-
lógica rigorosa. Não é uma autobiografia, embora
contenha imensos pormenores autobiográficos.
Da mensagem que se pretendia transmitir,
quedei-me pela rama. Tentarei, em futuras obras
(já elaboradas na minha mente), ilustrar melhor
aquilo que agora me limitei a esboçar. À guisa de

180
conclusão, gostaria de deixar expressas algumas
afirmações, quanto a mim, axiomáticas, destina-
das a todos quantos pretendam colaborar
ativamente no plano das causas em lugar de
serem meros peões ao sabor das correntes e dos
modismos. Assim, poderão assumir as rédeas que
levarão a Missão Espiritual de cada um a uma
satisfatória conclusão.
• A via do discipulado requer um estado de
espírito aberto a uma permanente
mudança.
Este conceito de «revolução permanente»
significa que aquilo que hoje parece ser uma rea-
lidade indiscutível poderá ser amanhã um dado
ultrapassado, eventualmente a descartar.
Logo, qualquer tipo de cristalização de qual-
quer revolucionária revelação que se possua hoje
pode conduzir amanhã a uma postura dogmática e
anti-sistêmica.
Discípulos há que, após terem sido canais na
exteriorização de importantes comunicações das
esferas superiores, se esqueceram de aplicar os
princípios recebidos a si próprios e acabaram por
se transformar em pedras-mortas de edifícios
ultra-conservadores, verdadeiros fantasmas de si
próprios.
Aqueles que, por comodismo ou inércia, se
atêm, no campo dito espiritual, a situações -
melhores ou piores - das quais se recusam a abrir

181
mão são, certamente, exemplos do tipo que não
segue este axioma.
Para seguir este princípio necessita-se do
mais profundo e total desapego. Muitos, ao fim de
anos de auto-disciplina e treinamento, atingem o
ponto de desprendimento em que não mais se
sentem amarrados a bens materiais nem a hábitos
fundamentados em falsas compensações. Toda-
via, poucos são aqueles que, tendo atingido
conscientemente um certo grau de expansão de
consciência através da prática ocultista, não ficam
presos nas amarras das suas próprias verdades
provisórias em algum ponto do percurso. O
desapego em relação às nossas próprias conquis-
tas espirituais é, indubitavelmente, o mais difícil de
praticar e, por isso, constitui uma armadilha mais
poderosa do que os bens materiais - cuja
dispensabilidade é óbvia.
• Não se deve procurar obter a abastança
através da espiritualidade mas não se
pode pensar que, como mendigos, a
nossa voz poderá fazer-se ouvir.
Este é outro dos princípios de difícil observa-
ção. De um lado encontram-se os «vendilhões do
Templo», os agiotas religiosos, aqueles que fazem
das coisas do espírito objeto de ilícito comércio e
enriquecimento, esquecendo (quando não escar-
necendo de) aquilo que apregoam. Quase todas
as religiões do mundo enfermam dessa doença
(embora muitos dos seus ministros se rebelem,
inutilmente, contra isso). No lado oposto, estão os

182
eremitas e marginalizados que julgam poder
afirmar-se por um exemplo de frugalidade radical
despida de sentido na época em que nos encon-
tramos. É preciso encontrar a nobre via do meio
(como nos ensinou Siddharta) onde é legítimo
assegurar a sobrevivência sem abusos econô-
micos e, ao mesmo tempo, garantir a dignidade
que permita o acesso a todos os meios sem
descriminação. Já há dois mil anos, as classes
dominantes desprezaram o humilde Nazareno.
Imaginai se fosse hoje...
• Deve ser rejeitada toda a idéia de
separatismo pseudo-patriótico ou religi-
oso, compreendendo que todos somos
compatriotas numa grande aldeia global
chamada Terra.
Não me parece difícil entender nem aceitar
esta premissa. Todavia, olhai quantas regiões do
mundo se encontram em permanente estado de
guerra pela afirmação de pequenos nacionalis-
mos... Atentai quantas mortes de homens, mulhe-
res, crianças e anciãos se verificam para, no fim,
se atingirem objetivos separatistas que, afinal, em
nada beneficiam os territórios em litígio nem os
seus habitantes, antes atrasam o seu direito ao
bem-estar e à paz.
O Mundo caminha para a unificação plane-
tária. Essa unificação será a todos os níveis, des-
de o político até ao religioso. Que me perdoem os
radicais, se puderem, mas o Avatar que todas as
religiões esperam é a mesma entidade. Muçulma-

183
nos e Cristãos, Judeus e Budistas, Hindus e Brâ-
manes, todos terão que se unir perante Ele e com
Ele. Da mesma maneira, o sistema político-social
que vingará terá que juntar as liberdades da so-
ciedade capitalista com as conquistas sociais do
sistema socialista, desprezando o materialismo de
ambos para substituí-lo pelo espiritualismo da
Nova Era, aquele que já alastra imparavelmente
nos corações da maioria da Humanidade, princi-
palmente das novíssimas gerações. LIBERDADE,
IGUALDADE E FRATERNIDADE são as notas-
chave dos novos tempos. Chegou a hora de com-
preender este lema em toda a sua profundidade e
extensão. Tudo começa e acaba na poética e ma-
ravilhosa palavra LIBERDADE! Saibamos, final-
mente ser dignos dela, garantindo o seu usufruto a
todos os nossos irmãos em vez de querermos
usurpá-la só para nós próprios.
• Precisamos acreditar que a nossa infinita
pequenez só é comparável à nossa infinita
grandeza.
Na realidade, não somos nada, não valemos
nada, não contamos nada. Existem milhões,
bilhões de seres exatamente iguais a nós e melho-
res do que nós. Sem a nossa presença, o mundo
não pára. Nada pára. Somos insignificantes. To-
davia, temos dentro de nós a divindade, que é
Onipresente. E, como a divindade é Una e Indi-
visível, Onipotente e Onisciente, também nós
possuímos esses atributos na sua totalidade. Por
essa razão, somos deuses; só nos resta descobri-

184
lo e vivenciar essa descoberta dando cumprimen-
to à nossa Missão Divina.
O Homem não nasceu para esgotar-se na vã
competição contra os seus irmãos. Ele foi criado
para cumprir a Missão divina que o levará de re-
gresso à casa paterna, de onde veio. Essa Missão
realiza-se na harmonia com os outros homens, na
absoluta tolerância e no perdão dos seus erros, na
compreensão da divindade intrínseca a cada ser
humano.
Assim é. E porque assim é, assim somos!

Campinas, Fevereiro de 2009 (2ª edição)

José das Dores

185
A INVOCAÇÃO MAIOR

Esta invocação foi-me transmitida pelo


mestre Djwhal Khul com o título de «Máxima
Invocação» e recebida na biblioteca do meu
apartamento em Alfragide, arredores de Lisboa,
entre as 21 e as 22 horas do dia 3 de Junho de
1985. Foi traduzida para várias línguas e é hoje
utilizada em todo o Mundo, sendo um patrimônio
da Humanidade. Foi publicada em primeiro lugar
no livro «As Novas Escrituras, Vol. I» do Centro
Lusitano de Unificação Cultural. O título original foi
alterado para «Invovação Maior» pela vontade
majoritária dos membros do grupo a que eu
pertencia, na época, à revelia da minha própria
vontade e sem o consentimento do Mestre que
concebeu e transmitiu este mantram destinado a
ser, realmente, a «Máxima Invocação» a ser
usada pela Humanidade antes da vinda do
Messias.
Todavia, dado que acabou se popularizando
com este nome, achei por bem mantê-lo aqui.
Segue-se o original em Português e as versões
para Castelhano, Francês e Inglês.

186
INVOCAÇÃO MAIOR

Da presença sublime em nossos corações,


Ó Cristo, ó Redentor,
Recebe a chama ardente do nosso grande Amor!

Da presença real que coroa as nossas Mentes,


Ó Cristo, ó Potentado,
Acolhe a Luz nascente e o Poder despertado!

Do tímido embrião da nossa inteligência,


Ó Redentor, ó Santo,
Fabrica o teu bordão, manda tecer teu manto!

Porque queremos fechar para sempre a porta ao mal,


Ó Cristo, ó nosso Irmão,
Mostra-nos tua face e estende-nos a mão!

Que a Luz, o Amor e o Poder do Pai,


Se manifestem por teu intermédio
Sobre nós, em nós e por nós,
Eternizando o Plano sobre a Terra!

AUM!
SUM!

187
INVOCACIÓN MAYOR

De la presencia sublime en nuestros corazones,


¡Oh Cristo, oh Redentor,
Recibe la Llama Ardiente de nuestro gran Amor!

De la Presencia real que coroa nuestras mentes,


¡Oh Cristo, oh Potentado,
Acoge la Luz naciente y el Poder despertado!

Del tímido embrión de nuestra Inteligencia,


¡Oh Redentor, oh Santo,
Fabrica tu bordón, manda tejer tu manto!

Porque queremos cerrar para siempre la puerta al mal,


¡Oh Cristo, oh nuestro Hermano,
Muestranos tu faz y extiéndenos la mano!

¡Que la Luz, el Amor y el Poder del Padre,


Se manifesten por tu intermedio
Sobre nosotros, en nosotros y por nosotros,
Eternizando el Plan sobre la Tierra!

¡AUM!
¡SUM!

188
INVOCATION MAJEURE

De la présence sublime en nos coeurs,


Ô Christ, ô Rédempteur,
Reçois la flamme ardente de notre grand Amour!

De la présence réelle qui couronne nos Esprits,


Ô Christ, ô Tout Puissant,
Acueilles la Lumière naissante et le Pouvoir éveillé!

Du timide embryon de notre intélligence,


Ô Redempteur, ô Saint,
Fabriques ton bourdon, fais tisser ton manteau!

Car nous voulons fermer pour toujours la porte au mal,


Ô Christ, ô notre Frère,
Montres-nous ta face et tends-nous la main!

Que la Lumière, l'Amour et le Pouvoir du Père,


Se manifestent par ton intermédiaire
Sur nous, en nous et par nous,
Éternisant le Plan sur la Terre!

AUM!
SUM!

189
THE GREATER INVOCATION

From the sublime presence in our hearts,


O Christ, O Redeemer,
Receive the burning flame of our great love!

From the real and royal presence that crowns our minds,
O Christ, O Mighty One,
Gather the dawning light and the power awakened!

From the timid embryo of our intelligence,


O Redeemer, O Saint,
Forge thy staff and cause thy cloak to be woven!

Because we wish to seal forever the door where evil


dwells,
O Christ, O Brother of ours,
Show us thy face and stretch out thy hand to us!

May the Light, the Love and the Power of the Father
Reveal themselves through thee
Upon us, in us, and through us,
Thus making the Plan eternal upon Earth!

AUM!
SUM!

190
BIBLIOGRAFIA

Livros recomendados a todos os que querem


aprofundar o tema da Via do Discipulado e da Sa-
bedoria das Idades:
A Bíblia de Jeru-salém, Novo Testamento, Edições Paulinas, 1976
Apócrifos, Os Proscritos da Bíblia, Editora Mercuryo, São Paulo
As Exortações de S. Francisco, Editorial Franciscana, 1980
Bhagavad Gîtâ, Editora Pensamento
The Apocryphal New Testament, Oxford University Press, 1983
The Gospel of the Essenes, The C.W. Daniel Company Ltd, 1976
The Tibetan Bo-ok of the Dead, Oxford University Press, 1980
The Upanishads, The Vedanta Society of Southern California, 1957
Anrias, David, Through the eyes of the Masters, George Routle-dge & Sons
Ltd, 1932
Atteslis, Stylianos, Os Ensinamentos Esotéricos, Editora Ground Ltda,1994
Bailey, Alice A., A Treatise on Cosmic Fire, Lucis Publishing Company
Bailey, Alice A., A Treatise on White Magic, Lucis Publishing Company
Bailey, Alice A., Esoteric Psychology, Vols. I & II, Lucis Publishing Company
Bailey, Alice A., From Bethlehem to Calvary, Lucis Publishing Company
Bailey, Alice A., Initiation, Human and Solar, Lucis Publishing Company
Bailey, Alice A., The Externalisa-tion of the Hie-rarchy, Lucis Publishing
Company
Bailey, Alice A., The Reappea-rance of the Christ, Lucis Publishing
Company
Besant, Annie ,H.P.Blavatsky and The Masters of the Wisdom, The
Theosophi-cal Publishing House, 1962
Besant, Annie, O Cristianismo Esotérico, Editora Pensamento
Besant, Annie, O Homem e os seus corpos, Editora Pensamento
Blavatsky, H. P., The Secret Doctrine, Vols. I & II, Theosophical University
Press, 1977

191
Chenique, François, O Yoga Espiritual de São Francisco de Assis, Editora
Pensamento
Collins, Mabel, A Luz no Caminho, Editora Pensamento
Gautama, Sayings of Budha, Peter Pauper Press, 1957
Heindel, Max,Conceito Rosa-cruz do Cosmos,Fraternidade Rosacruz do
Brasil, 1977
Hubbard, Barbara Marx, The Revelation, Our Crisis is a Birth, The
Foundation For Conscious Evolution, 1993
Jinarajadasa, C., Fundamentos de Teosofia, Editora Pensa-mento, 1984
Kempis, Tomás, Imitação de Cris-to, Editorial Verbo
Krishnamurti, J., Aos Pés do Mestre, Editora Pensamento
Le Cour, Paul, O Evangelho Esotérico de São João, Editora Pensamento
Leadbeater, C. W., A Mônada, Editora Pensa-mento
Leadbeater, C. W., Os Mestres e a Senda, Editora Pensamento, 1990
Leadbeater, C. W., The Chakras, The Theosophical Publishing House, 1980

192

Você também pode gostar