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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais


Faculdade de Serviço Social

Ana Maria Almeida da Costa

O processo de expropriação das terras do Açu e a trajetória de


lutas dos camponeses impactados pelo projeto Minas-Rio

Rio de Janeiro
2018
Ana Maria Almeida da Costa

O processo de expropriação das terras do Açu e a trajetória de lutas dos


camponeses impactados pelo projeto Minas-Rio.

Tese apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Doutor, ao
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Serviço Social, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Trabalho,
Relações Sociais e Serviço Social.

Orientadora: Profª. Dra. Marilda Villela Iamamoto

Rio de Janeiro
2018
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

C837 Costa, Ana Maria Almeida da


O processo de expropriação das terras do Açu e a trajetória de lutas
dos camponeses impactados pelo projeto Minas-Rio / Ana Maria Almeida
da Costa – 2018.
266 f.

Orientadora: Marilda Villela Iamamoto.


Tese (doutorado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Faculdade de Serviço Social.
Bibliografia.

1. Norte Fluminense, Região (RJ) – Aspectos sociais – Teses. 2.


Trabalhadores rurais – São João da Barra (RJ) - Teses. 3. Movimentos
sociais - São João da Barra (RJ) - Teses. I. Iamamoto, Marilda Villela. II.
Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. III.
Título.
CDU 304(815.3)”2011/2017”

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial


desta tese, desde que citada a fonte.

______________________________ ___________________________
Assinatura Data
Ana Maria Almeida da Costa

O processo de expropriação das terras do Açu e a trajetória de lutas dos


camponeses impactados pelo projeto Minas-Rio.

Tese apresentada, como requisito parcial


para obtenção do título de Doutor, ao
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Serviço Social, da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração: Trabalho,
Relações Sociais e Serviço Social.

Aprovada em: 23 de janeiro de 2018.


Banca Examinadora:

___________________________________________
Profa. Dra. Marilda Villela Iamamoto (Orientadora)
Faculdade de Serviço Social - UERJ

_________________________________________
Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro
Universidade Federal Fluminense

_________________________________________
Profa. Dra. Leda Regina de Barros Silva
Universidade Federal Fluminense

_________________________________________
Prof. Dr. Ney Luiz Teixeira de Almeida
Faculdade de Serviço Social - UERJ

__________________________________________
Prof. Dr. Paulo Roberto Raposo Alentejano
Faculdade de Formação de Professores - UERJ

Rio de Janeiro
2018
DEDICATÓRIA

À minha amada filha Mariana.


Às companheiras e companheiros de lutas e partilhas no Açu.
AGRADECIMENTOS

À vida, “que é o sopro do Criador numa atitude repleta de amor”.


É Ele que me faz acreditar “que a vida devia ser bem melhor e será”.
À Mariana, pela companhia, companheirismo e carinho.
Aos meus pais, pela coragem, determinação e pela relação amorosa com a
terra e com os frutos que ela nos presenteia em cada colheita.
Foi nesse lugar, no trabalho na roça, que pude, ainda muito menina, do alto
dos morros, avistar o horizonte...
Aqueles momentos, mesmo que de forma aligeirada, junto às minhas irmãs,
me ajudaram a compreender que a vida... o mundo... era para além daquele vale
que insistia em me prender.
Aos meus irmãos, em especial a Sílvia, que durante esse processo,
acompanhou de perto, por meio da leitura cuidadosa e carinhosa os meus escritos.
À Carolina Abreu, por tudo que temos partilhado nas lutas, nos debates,
leituras e contribuições a esse trabalho, na poesia e na vida.
À Marina dos Santos, amiga querida, solidária e companheira de vida, lutas e
sonhos.
À Alba Lívia Travassos, essa que me escolheu e acolheu por tantas décadas.
Que reforçou em mim o gosto pela leitura, que me desafiou a ler os clássicos da
literatura, mesmo que fosse a luz de lamparina; que suplantou todos os óbices para
que eu conquistasse o meu sonho, que era de continuar estudando. Como ótima
professora de português que é, corrige os meus trabalhos até hoje, quando termino
em tempo hábil, claro.
À Professora Marilda Villela Iamamoto, um presente em minha vida. A alegria
de ter você como orientadora, amiga, colega de pesquisa que fomos no Projeto de
pesquisa sobre a Repressão no campo, as trocas, o estímulo, as partilhas, não
tenho como escrever nesse espaço o quanto aprendi com você, nos ensinos
acadêmicos, mas de forma especial na vida.
À minha turma/2013, em especial à Fabiana e a Jose.
A querida Professora Isabel Cardoso do PPGSS, pelos ensinamentos,
compromisso e carinho na condução do seu trabalho.
Aos meus amigos e amigas de caminhadas no Açu, pessoas que partilhei
saberes, experiências, lutas e sonhos, em especial ao Alcimaro, Carol, Delma,
Dione, Edu, Francisco, Gazzinelli, Marcelo, Nívia, Roberto, Soffiati e Viviane.
À ASPRIM, a associação criada pelos moradores do 5º Distrito para fortalecer
a organização e as lutas por eles travadas. Em especial a Dona Noêmia, pela
dedicação, coragem e a capacidade de se reinventar a cada dia. Sua ousadia me
encanta, sua motivação e garra me contagiam e o seu compromisso me faz
acreditar que um outro mundo é possível. Ao Rodrigo, presidente da ASPRIM, que
junto aos demais membros da associação, vem desenvolvendo um trabalho
importante de organização e mobilização junto aos demais agricultores, pescadores
e moradores e moradoras do Açu.
À Patrícia Generoso, que reduziu a distância entre as montanhas e os mares
desde o processo de organização dos encontros das resistências em 2013.
Essencial nas articulações e participação, junto aos movimentos sociais e a
religiosos em escala nacional e internacional, espraiando as denúncias de violação
de direitos e buscando nesses espaços garantir os direitos dos atingidos no âmbito
do Projeto Minas-Rio.
Ao Seu Reinaldo, Dona Luzia e a todos os seus filhos, noras e netos, em
especial a Kevinha, a menina mais sabida do Açu.
À minha amiga Ivanete, ao Zé, ao Pinduca, à Francisca, a Dona Georgina, ao
Rafael e a toda a família. Obrigada por me acolher com tanto carinho.
Ao saudoso amigo Cícero, assassinado em 2013 na luta pela terra na região,
e a todas e todos companheiros do MST e CPT pela luta e pelo impressionante
exemplo de solidariedade de classe, demonstrado em toda essa trajetória na Região
NF e no fortalecimento da luta junto aos trabalhadores camponeses atingidos pelas
expropriações de suas terras no Açu, em especial, nos cem dias no Acampamento
Aloisio e Maura a partir de abril de 2017. Bravo!
À FAPERJ, pelo financiamento de minha pesquisa. Esse apoio foi
fundamental.
À UFF de Campos, mas principalmente aos amigos e colegas do
Departamento de Serviço Social, pela convivência e partilha durante tantos anos.
Ao Professor José Luiz Vianna da Cruz, pela participação e contribuição na
banca de qualificação do projeto de tese.
À Professora Ana Maria Motta Ribeiro, por ter aceito o nosso convite para
participar da banca de qualificação e da defesa da tese. Suas contribuições e
sugestões foram fundamentais.
Ao Professor Paulo Roberto Raposo Alentejano, sua participação e
contribuição durante todo esse processo, foram valiosos.
À Professora Leda Regina de Barros Silva, obrigada por ter aceito o nosso
convite para participar da banca da defesa da tese.
Ao Professor Ney Luiz Teixeira de Almeida, que prontamente aceitou o
convite para a banca de defesa da tese.
À Professora Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro, do Departamento de
História da UFF, que gentilmente aceitou o nosso convite para a suplência na banca
examinadora. Obrigada!
À UERJ e ao PPGSS, meu muito obrigada. Lutaremos para que esse seja
apenas um momento difícil que esta valiosa universidade esteja passando, mas que
ela possa retomar em breve o seu protagonismo, como espaço de excelência no
ensino, na pesquisa e na extensão, bem como, na garantia da inclusão dos alunos e
alunas trabalhadoras, como pioneira que foi da Política de cotas, que ela possa
continuar a formar a classe trabalhadora.
À Patrícia Andrade, que transcreveu os áudios e vídeos da pesquisa, com
uma escuta atenta e solidária.
À Nívia e a Vera, obrigada por dividir comigo algumas tarefas importantes
para me possibilitar concluir este trabalho.
À Ana e Patrícia da Defensoria Pública, o compromisso e a partilha foram
fundamentais para as lutas e conquistas em 2017.
Ao Diogo, pela atenção e padronização cuidadosa do trabalho.
A terra é nossa
Patativa do Assaré

A terra é um bem comum


Que pertence a cada um
Com o seu poder além,
Deus fez a grande natura
Mas não passou escritura
Da terra para ninguém

Se a terra foi Deus quem fez


Se é obra da criação
Deve cada camponês
Ter uma faixa de chão.

Sei que o latifundiário


Egoísta e usuário
Da terra toda se apossa,
Causando crises fatais
Porém nas leis naturais
Sabemos que a terra é nossa.

Quando um agricultor solta


O seu grito de revolta
Tem razão de reclamar,
Não há maior padecer
Do que um camponês viver
Sem terra pra trabalhar.
RESUMO

COSTA, Ana Maria Almeida da. O processo de expropriação das terras do Açu e a trajetória
de lutas dos camponeses impactados pelo projeto Minas-Rio. 2018. 266 f. Tese (Doutorado
em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.

A tese O processo de expropriação das terras do Açu e a trajetória de lutas dos


camponeses impactados pelo projeto Minas-Rio tem como objeto de estudo as formas
específicas de lutas e resistências dos camponeses ao processo de expropriação de suas
terras, para a implantação do Porto do Açu, na relação com o Estado e o grande capital
expresso nos grupos da EBX até 2013, e em seguida pela Prumo Logística S.A., na região
Norte Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. A análise se baseou no estudo
empírico dos trabalhadores camponeses e pescadores moradores do 5º Distrito/Açu do
município de São João da Barra, sujeitos sociais privilegiados desta pesquisa, no período de
2011/2017, e em fontes documentais 2006/2017, como decretos; portarias; relatórios;
processos judiciais; representações encaminhadas ao Ministério Público Estadual e Federal;
atas; notificações dos oficiais de justiça; termos de imissão de posses; EIA-Rimas;
levantamento de dados estatísticos/IBGE; mapas, reportagens e entrevistas de
jornais/blogs, com cobertura local, regional e nacional; documentários; vídeos com registros
realizados pelos próprios atingidos das violências vivenciadas na comunidade; documentos
de arquivo pessoal dos moradores; fotografias. Outra fonte foi o registro do processo de
lutas e resistências no período de 2009/2017, por meio de observação participante e de
assessoria a esses trabalhadores. A pesquisa de caráter quantitativo e qualitativo foi
desenvolvida numa perspectiva histórico-crítica, contextualizando o campo de estudo e
explorando particularidades de seu objeto, tendo como foco principal, os camponeses do
Açu e as formas assumidas pela resistência ao processo de expropriação das terras,
considerando a complexidade dos impactos decorrentes da construção do CIPA. São 7.036
hectares de terras desapropriadas. O esforço investigativo se complexifica perante as ações
do Estado, não só na viabilização do empreendimento apoiado no crédito estatal – oriundo
do fundo público – que desonera de impostos os grupos empresariais, mas ao garantir-lhes
a renda da terra desapropriada e repassada aos representantes do capital com finalidades
rentistas. Os eixos principais da tese são a intervenção do Estado articulado ao grande
capital, objetivando criar as condições gerais de produção e reprodução capitalistas no
processo de superacumulação desse mesmo capital e a luta dos trabalhadores, - os
camponeses e pescadores do Açu. O texto atribui visibilidade ao conjunto de circunstâncias
na implantação do CIPA, no âmbito do Projeto Minas-Rio, e mostra como esse
megaempreendimento foi favorecido pelo Estado na modalidade de parcerias público-
privado, por meio do processo de expropriação das terras e pela garantia do crédito via
fundo público, viabilizando as condições gerais de produção nesse processo de
superacumulação do capital. Ao final, são registrados e analisados os conflitos que
permeiam a implantação do Complexo Industrial e Portuário do Açu, tratando as lutas
políticas e jurídicas, e os processos de enfrentamento vivenciados pelos atingidos,
expressos na linha do tempo, traçada com os sujeitos em luta. O centro da análise dessas
lutas foram os trabalhos de campo realizados no período de 2011/2017, o acompanhamento
direto às famílias atingidas e os processos de resistência, lutas e denúncias nas escalas
local, regional, nacional e internacional.

Palavras-chave: Expropriação de terras, Estado e capital, lutas camponesas, experiências


coletivas, violação de direitos.
ABSTRACT

COSTA, Ana Maria Almeida da. The expropriation process of the Açu lands and the
trajectory of struggles of the peasants impacted by the Minas-Rio project. 2018. 266 f. Thesis
(Doctorate in Social Work) - Social Work College, Rio de Janeiro State University, Rio de
Janeiro, 2018.

The expropriation process of the Açu lands and the trajectory of peasant struggles
impacted by the Minas-Rio project aims at the study of the specific forms of struggles and
resistances of the peasants and the expropriation of their lands, in the implantation of the
Açu Port, and the capital expressed in the groups of EBX and Prumo Logística SA, in the
North Fluminense region, State of Rio de Janeiro, Brazil. The analysis was based on the
empirical study of the workers of the 5th District / Açu, municipality of São João da Barra,
privileged social subjects of this research, in the period of 2011/2017, and documentary
sources: decrees; ordinances; reports; court lawsuits; representations sent to the Public
Ministry; minutes; notifications of bailiffs; terms of immission of possessions; EIA-Rhymes;
collection of statistical data / IBGE; maps, reports and newspaper / blog interviews, with
local, regional and national coverage; documentaries; videos; personal documents;
photographs. Another source was the recording of the process of struggles and resistance,
through participant observation and advice to workers. The quantitative and qualitative
research was developed in a historical-critical perspective, contextualizing the field of study
and exploring particularities of its object, having as main focus the peasants of Açu and the
forms assumed by the resistance to the process of expropriation of the lands, considering the
complexity of the impacts arising from the construction of the CIPA. There are 7,036
hectares of expropriated land. The investigative effort is complicated by the actions of the
State, not only in the viability of the enterprise supported by the state credit - from the public
fund - that dumps corporate groups, but by guaranteeing the income of the land expropriated
and passed on to the representatives of the capital for rentier purposes. The main axes are
the intervention of the State articulated to the great capital, aiming to create general
conditions of capitalist production and reproduction. In the historical antecedents of these
processes of occupation / invasion, it is sought to understand the land issue, its conflicts and
simultaneously recover the protagonism of the subjects dispossessed in the conflicts of the
Goitia Plain. Visibility is given to the set of circumstances in the implementation of the CIPA,
within the scope of the Minas-Rio Project, and shows how this mega-project was favored by
the State in the form of public-private partnerships, expropriation of lands and credit
guarantee through public fund, enabling the general conditions of production in this process
of over-accumulation of capital. At the end, the conflicts that permeate the implantation of the
Açu Industrial and Port Complex are analyzed and analyzed, dealing with the political and
legal struggles and the confrontation processes experienced by those affected, expressed in
the time line, drawn with the struggling individuals. At the center of the analysis of these
struggles were fieldwork, direct monitoring of affected families, and processes of resistance,
struggles and denunciations at local, regional, national and international scales.

Keywords: Land expropriation, state and capital, peasant struggles, collective experiences,
violation of rights.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Mapa dos atingidos do Açu/SJB............................................. 23


Figura 2 - Trabalho de Campo realizado em dezembro de 2011............ 32
Figura 3 - Registros fotográficos dos plantios do Sr. Totonho no verão
de 2011. Antes de o ’monstro’ destruir a plantação................ 33
Figura 4 - Os cercamentos do século XXI............................................... 36
Figura 5 - Registros fotográficos da invasão da Polícia Militar às terras
de três camponeses no Açu.................................................... 37
Figura 6 - Mapa: Uso e ocupação do solo no Litoral Norte Fluminense,
conforme O ZEE-RJ................................................................ 39
Figura 7 - Repressão à Greve São Paulo 1917. Cotidiano da cidade de
São Paulo Julho 1917............................................................. 46
Figura 8 - Invasão da Polícia Militar às terras dos camponeses no Açu. 49
Figura 9 - Mapa: Alberto Ribeiro Lamego (1954).................................... 50
Figura 10 - O Petróleo e o Porto do Açu: localização estratégica............. 66
Figura 11 - Mapa: Mosaico do Distrito Industrial de São João da Barra... 69
Figura 12 Mapa: Macrozoneamento Municipal – Plano Diretor de São
João da Barra.......................................................................... 71
Figura 13 - Mapa: Projeto Minas-Rio: no caminho do mineroduto............ 80
Figura 14 - “Laudo de avaliação” da CODIN à uma família em Água
Preta/Açu................................................................................ 102
Figura 15 - Sr. Pinduca e o sal na terra e na água.................................... 106
Figura 16 - Protesto contra a salinização das águas e do solo no Açu -
fechamento da rodovia RJ- 240.............................................. 116
Figura 17 - Placa fincada nas terras dos camponeses após o bloqueio
da área pela EBX.................................................................... 122
Figura 18 - Mapa: Atingidos de Conceição de Mato Dentro...................... 126
Figura 19 - Lançamento da Pedra Fundamental do Porto do Açu............ 150
Figura 20 - Reunião do barão Eike com a baronesa Carla em São João
da Barra.................................................................................. 151
Figura 21 - Porto em construção............................................................... 153
Figura 22 - Protesto das comunidades atingidas pelo Porto do Açu......... 154
Figura 23 - “Como nascem os monstros”.................................................. 156
Figura 24 - Autorização para construção do canal e especulação
fundiária.................................................................................. 156
Figura 25 - Guindaste coloca estacas no fundo do mar: obras de
montagem dos berços de atracação no Porto do Açu............ 157
Figura 26 - Prefeita Carla Machado e o Governador Luiz Fernando
Pezão em reunião sobre Açu.................................................. 158
Figura 27 - Estradas do Açu são bloqueadas em protesto dos
agricultores do Açu................................................................. 158
Figura 28 - Protestos contra as irregularidades no processo de
desapropriação das terras no Açu.......................................... 159
Figura 29 - Bombeiros apagam chamas e agricultores realizam mística
após o encerramento do protesto ........................................... 159
Figura 30 - Hospital de papel.................................................................... 160
Figura 31 - Agricultores protestam e registram BO na 145ª DP sobre a
invasão de suas terras............................................................ 160
Figura 32 - Os atores anunciam: Super porto é bom para o Brasil e para
quem vive no Açu.................................................................... 161
Figura 33 - Dona Maura (in memorian) vítima de deslocamento forçado
pelo Eike Batista e a CODIN................................................... 162
Figura 34 - Primeira Audiência pública na ALERJ.................................... 162
Figura 35 - Protesto dos jovens à Imprensa campista.............................. 163
Figura 36 - Seminário: “Complexo do Porto do Açu, CODIN e a
expulsão dos agricultores de suas terras”.............................. 164
Figura 37 - Seminário em Água Preta/Açu................................................ 164
Figura 38 - Parte do efetivo da repressão para expulsar e destruir a
casa e o quintal dessa família................................................. 166
Figura 39 - Expulsão de Maura Xavier e sua filha Maraína de sua
moradia................................................................................... 166
Figura 40 - Ao centro, o Bravo companheiro Cícero Guedes, liderança
do MST, assassinado em 26/01/2013..................................... 167
Figura 41 - Tudo que Seu Totonho conseguiu tirar de sua roça, no
momento da invasão de suas terras, pela CODIN e a LLX 168
Figura 42 - Expulsão de Juarez e Seu Totonho........................................ 169
Figura 43 - Com Rodrigo Santos - ASPRIM; Pinduca - Camponês e
Carolina Abreu – CPT............................................................. 170
Figura 44 - Coleta de água para análise no canal Quintigute/Ministério
Público.................................................................................... 172
Figura 45 - Campanha contra a Salinização no Açu................................. 173
Figura 46 - Campanha contra a Desertificação do Açu............................. 174
Figura 47 - Protesto dos camponeses em Água Preta/Açu...................... 176
Figura 48 - Encontro das Resistências em Conceição de Mato Dentro.... 176
Figura 49 - Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas
Gerais (ALMG)........................................................................ 177
Figura 50 - Audiência Pública da ALMG em Conceição do Mato
Dentro/MG............................................................................... 178
Figura 51 - Protocolo da Queixa Crime apresentada ao STJ.................... 178
Figura 52 - II Encontro das Resistências: Conceição de Mato
Dentro/MG e Açu/RJ............................................................... 179
Figura 53 - Segunda Audiência Pública na ALERJ................................... 180
Figura 54 - De atingidos a massacrados: poder de destruição da Anglo
American................................................................................. 181
Figura 55 - Imagem da invasão do mar em Barra do Açu......................... 182
Figura 56 - Montagem guindaste gigante Mammoet................................. 183
Figura 57 - Agricultor denunciando a morte do gado por falta de água.... 184
Figura 58 - A instalação do quebra-mar e a invasão do mar na Barra do
Açu.......................................................................................... 185
Figura 59 - A especulação fundiária e os lucros da Prumo logística......... 186
Figura 60 - As denúncias de violações de direitos no âmbito do Projeto
Minas-Rio, ecoam para além mar........................................... 187
Figura 61 - Seu Reinaldo Toledo de Almeida, símbolo de resistência e
luta no Açu.............................................................................. 187
Figura 62 - Ocupação em Água: protesto contra à empresa Prumo
Logística e a CODIN por impedir que os proprietários
deixassem o gado nas terras em litígio................................... 188
Figura 63 - Plateia da Audiência Pública em São João da Barra/RJ........ 189
Figura 64 - XV Romaria da Terra em Campos dos Goytacazes............... 190
Figura 65 - Faz escuro, mas eu canto por que amanhã vai chegar.......... 192
Figura 66 - Luta, História e Memória: os 21 anos de impunidade do
Massacre de Eldorado dos Carajás........................................ 192
Figura 67 - Reocupação das terras dos agricultores do Açu.................... 193
Figura 68 - Mineração em Conceição do Mato Dentro denunciada na
assembleia da Anglo American em Londres........................... 194
Figura 69 - Debate na UFF de Campos.................................................... 195
Figura 70 - O grupo do Açu após a Terceira Audiência Pública na
ALERJ..................................................................................... 197
Figura 71 - Terceira Audiência Pública na ALERJ: A voz dos atingidos... 197
Figura 72 - Reintegração da segunda área ocupada - Água Preta........... 198
Figura 73 - Temporalidades: etapas do plantio......................................... 198
Figura 74 - O Frei Rodrigo Peret, denuncia na ONU os impactos do
Projeto Minas-Rio.................................................................... 200
Figura 75 - As torres sem fio e mais expropriações no Açu...................... 221
Figura 76 - Mapa-mosaico das áreas desapropriadas e dos usos atuais
do DISJB................................................................................. 227
Figura 77 - Mapas com pontos de coleta de água para análise................ 266
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AGB Associação dos Geógrafos Brasileiros


AJD Associação Juízes para a Democracia
ALERJ Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro
ALMG Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
ANA Agência Nacional de Águas
ASPRIM Associação dos Proprietários de Imóveis e Moradores de
Pipeiras, Barcelos, Cajueiro e Campo da Praia
BM&FBOVESPA Fusão da Bolsa de Mercadorias e Futuros e Bolsa de Valores de
São Paulo
CCX Companhia do Grupo EBX com Negócios na Área de Mineração
de Carvão
CIPA Complexo Industrial e Portuário do Açu.
CODIN Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de
Janeiro.
COPASA Companhia de Saneamento de Minas Gerais.
CPT Comissão Pastoral da Terra.
EBX Nome da Holding Brasileira de Eike Batista.
EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental.
FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional.
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz.
FUNDENOR Fundação Norte Fluminense de Desenvolvimento Regional.
GATE Grupo de Apoio Técnico Especializado para a Área Ambiental.
GTP Grupo Temático de Pesquisa
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IFF Instituto Federal Fluminense.
LLX Companhia do Grupo EBX com Negócios na Área de Logística.
MINTER Ministério do Interior
MMX Companhia do Grupo EBX com Negócios na Área de Mineração
e Metálicos S.A.
MPA Movimento dos Pequenos Agricultores.
MPE Ministério Público Estadual.
MPF Ministério Público Federal.
MPX Companhia do Grupo EBX com Negócios na Área de Energia.
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
NF Norte Fluminense.
OGX Companhia do Grupo EBX com Negócios na Área de Petróleo.
OSX Companhia do Grupo EBX com Negócios na Área de Indústria
Naval Offshore.
PPGSS Programa de Pós-Graduação em Serviço Social.
PUC Pontifícia Universidade Católica.
SERSE Secretaria Especial da Região Sudeste.
UENF Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro.
UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora.
UFF Universidade Federal Fluminense.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................. 18
1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS: PROCESSO DE
EXPROPRIAÇÃO DA TERRA NA PLANÍCIE GOITACÁ............ 28
1.1 Raízes fincadas e as ameaças de destruição pelo invasor:
uma saga na Planície Goitacá.................................................... 31
1.2 A terra como valor de uso e valor de troca: uma tentativa de
diálogo entre o passado e o presente....................................... 37
1.2.1 Os direitos e a lei: as classes em luta no decorrer da história...... 41
1.3 Processo de colonização e especulação: o território em
disputa.......................................................................................... 48
1.4 Luta e resistência dos “despossuídos”.................................... 59
1.5 Expropriação do território por decreto..................................... 63
2 MEGAEMPREENDIMENTO: CONTEXTUALIZANDO O
PROJETO MINAS-RIO................................................................. 77
2.1 Um histórico da implantação do Porto do Açu........................ 77
2.2 Os Interesses econômicos e políticos do projeto Minas-Rio
e a crise hídrica........................................................................... 104
2.3 Cidadania e luta por direitos no mundo moderno e
contemporâneo............................................................................ 111
3 CONFLITOS: LUTAS E RESISTÊNCIAS NO ÂMBITO DO
COMPLEXO INDUSTRIAL E PORTUÁRIO DO AÇU.................. 118
3.1 Das montanhas aos mares: o percurso nas terras atingidas. 124
3.1.1 O primeiro encontro: os dos mares vão para as montanhas......... 124
3.1.2 O segundo encontro: os das montanhas descem aos mares....... 129
3.2 Desapropriação das terras e os marcos legais........................ 133
3.3 Projeto Minas-Rio e o Complexo Industrial e Portuário do
Açu: um alinhavo no tempo (2006 – 2017)................................ 149
3.4 Algumas considerações analíticas sobre a linha do tempo... 200
3.4.1 Uma tragédia anunciada: o Estado como parteiro desse
monstro, designado Porto do Açu................................................. 201
3.4.2 Organização e resistências: de Água Preta às escalas
internacionais, as lutas do Projeto Minas-Rio espraiam-se........... 209
3.4.3 Quando o solo está fértil, a semente cresce................................. 216
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... 229
REFERÊNCIAS............................................................................. 234
Anexo A - Ata do 3º encontro na OAB/RJ, sobre impactados
pelo complexo portuário do Açú.................................................... 256
ANEXO B - Carta do Açu.............................................................. 258
ANEXO C - Carta Aberta das Comunidades Socialmente
Atingidas pelo Empreendimento Minas-Rio à sociedade............. 261
ANEXO D – Relatório Técnico sobre “Amostragem de água e
avaliação da condutividade elétrica e salinidade São João da
Barra............................................................................................... 263
18

INTRODUÇÃO

Esta tese intitulada: “O processo de expropriação das terras do Açu e a


trajetória de lutas dos camponeses impactados pelo projeto Minas-Rio”, tem como
objeto de estudo, as formas específicas de lutas e resistências dos camponeses ao
processo de expropriação de suas terras para a implantação do Porto do Açu.
O contato com a problemática das violações dos Direitos Humanos, por meio
dos moradores do Açu, as preocupações acadêmicas e militantes estavam
centradas na questão da erradicação do trabalho escravo na região, o que me levou
a integrar e participar do Comitê Popular de Erradicação do Trabalho Escravo no
Norte Fluminense, bem como criar, em parceria com este Comitê, um projeto de
pesquisa e extensão sobre esta temática.
Este trabalho possibilitou-nos uma incursão pelos estudos do processo de
assalariamento dos trabalhadores rurais e a necessidade de compreender tal
fenômeno. Não só pelo eixo da ausência de garantia de direitos desses
trabalhadores, mas, sobretudo, pela sua condição de trabalhadores expulsos da
terra pelos usineiros e fazendeiros, gerando tentativas de destruição do modo de
vida camponesa, para muitos deles e também dos seus antepassados.
Tais questões suscitaram outra necessidade, qual seja, a de trazer a questão
agrária, como uma determinação fundante no projeto de estudo e intervenção, não
só no referido Comitê, mas também em incluir, como disciplina no currículo do curso
de Serviço Social na UFF de Campos.
Nesse processo, foi possível identificar ainda que esse é um debate
embrionário no Serviço Social. Portanto, a preocupação com as pesquisas e
intervenções voltadas à questão agrária e às demais contradições que esta
problemática apresenta, foram fundamentais no processo da pesquisa e de todo o
trabalho de campo.
No artigo publicado pelo Grupo Temático de Pesquisa-GTP Questão Agrária,
Urbana, Ambiental e Serviço Social (2014), as autoras afirmam: “a partir de debates
e reflexões realizados sobre um documento base, foi aprovada a constituição de
Colóquios no ENPESS de 2010, possibilitando a criação dos GTPs em sete eixos
temáticos” (BEZERRA et al., 2014, p. 216). Momento em que “as temáticas agrária,
urbana e ambiental se constituem em um GTP.
19

Segundo Stédile (2012), a história da bibliografia brasileira sobre a questão


agrária também é muito recente. “A rigor, o primeiro grande debate de ideias e teses
que interpretavam, de maneira diferente, as origens e as características da posse,
da propriedade e do uso da terra no Brasil somente aconteceu na década de 1960”.
Ele destaca ainda, que esse processo aconteceu “não pelo desenvolvimento da
ciência nas universidades, nas academias – embora as universidades tenham
também sido envolvidas por esse debate – mas, sim, pela necessidade política e
sociológica dos partidos políticos” (STÉDILE, 2012, p. 18).
Tal fato apontou, por um lado, a importância de aprofundamento desta
temática, ou seja, da questão agrária considerando a lacuna observada na produção
do Serviço Social. Por outro, permite o reencontro com a vivência da pesquisadora,
que nasceu e viveu no campo e teve, durante sua infância e adolescência, seus
costumes influenciados e determinados intensamente por esta prática e, portanto,
constituintes de sua história, de sua vida e de suas escolhas.
Apesar da pesquisa teórica e empírica sobre a problemática do trabalho
escravo estar avançada em 2012, assim como o projeto de pesquisa para o
doutorado, (a) o envolvimento junto aos atingidos do Açu, (b) a possibilidade de um
estudo mais sistemático da questão agrária e o processo de expropriação dos
atingidos e (c) as diferentes formas de resistirem na terra, mesmo com todas as
violências sofridas, fizeram com que fosse retomada a experiência vivida no meu
primeiro trabalho profissional como Assistente Social. Tal experiência ocorreu no
Projeto de Apoio Econômico-Social às Famílias dos Pequenos Produtores do Norte
e Noroeste Fluminense, através do levantamento das demandas existentes, da
mobilização e organização desses pequenos produtores, trabalhadores com terra e
sem-terra, na região Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, entre os anos de
1987/1989 no Convênio MINTER/SERSE/FUNDENOR.
Essas são algumas das questões que justificaram o foco no objeto de
pesquisa para inscrição no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da
UERJ em 2012.
O envolvimento com as questões relacionadas a este estudo, por vezes
dificulta o distanciamento crítico, que Gramsci (2000) afirma ser tão necessário no
processo de conhecimento. Mas, ao mesmo tempo pode–se perceber que a
proximidade e a identificação com o objeto de pesquisa podem contribuir com a
compreensão de algumas questões metodológicas, analisadas por Martins (1993),
20

no seu livro “A chegada do Estranho”, de fundamental importância para o


pesquisador, como: a espera, o tempo, o silêncio e a linguagem. Elementos
assimilados, neste trabalho, no Açu, exatamente como resultados das experiências
e da cultura vividas na área rural.
Foi primordial participar, desde a década de 1980, na condição de militante e
apoiadora dos movimentos identificados com a luta pela terra e pela garantia de
políticas públicas, como a reforma agrária. O trabalho desenvolvido, junto aos alunos
da Universidade Federal Fluminense - UFF de Campos e aos movimentos sociais,
com ações relacionadas ao ensino, pesquisa e extensão com os camponeses do 5º
Distrito no Açu, em São João da Barra, em apoio à construção de táticas e
estratégias de lutas e resistências aos impactos do Complexo Industrial e Portuário
do Açu – CIPA, foram também contribuições motivadoras e importantes para a
escolha desta temática.
Esse processo vivenciado junto aos camponeses e pescadores do Açu
iniciou-se com as demandas identificadas pelos trabalhadores da reforma agrária do
maior assentamento do Estado do Rio de Janeiro – o Zumbi dos Palmares. Ele foi
conquistado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, por meio
da ocupação das terras da Usina São João, e articulados aos assentados do Che
Guevara, em Campos dos Goytacazes, anteriormente pertencente à Usina Baixa
Grande.
Os assentados estavam preocupados com os impactos provocados pela
Companhia do Grupo EBX1, com Negócios na Área de Logística - LLX, empresa
responsável pela implementação do Complexo Industriário e Portuário do Açu, do
grupo EBX. Naquele momento ele estava atingindo, de forma mais violenta, os
camponeses e pescadores do Açu, devido às possíveis obras do corredor logístico e
à mudança do traçado da BR 101, que então passaria dentro do Assentamento
Zumbi dos Palmares. Logo, um conjunto de famílias das áreas acima citadas
também sofreriam com os impactos do empreendimento. Por causa dessas
questões, os assentados procuraram a UFF de Campos, por intermédio da
Coordenação de Extensão, solicitando espaço para se reunirem, e também apoio
em suas lutas.

1
O "x" presente no nome de cada uma de suas empresas é símbolo da multiplicação de riqueza,
ousadia, criatividade e capacidade de execução (BATISTA, 2011).
21

A mobilização envolveu outros pesquisadores e um conjunto de


entidades/movimentos sociais, como a Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB;
Sindicatos de Trabalhadores; Movimentos Sociais, como o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST; a Comissão Pastoral da Terra - CPT e a
Associação dos Proprietários de Imóveis e Moradores de Pipeiras, Barcelos,
Cajueiro e Campo da Praia - ASPRIM, que é a associação fundada em 22 de agosto
de 2010, para trabalhar as reivindicações e fortalecer a luta e resistência dos
pequenos agricultores e comerciantes, pescadores e moradores do Açu/5º Distrito
de São João da Barra/RJ.
Os encontros foram importantes para dar visibilidade às questões trazidas
pelos assentados, que têm uma trajetória de mais de quinze anos de organização e
conquistas importantes na região; e ao mesmo tempo, para incorporar as
experiências que estavam sendo vividas pelo grupo do Açu, que desde 2009
buscavam estratégias de lutas e resistências a esse projeto e a todos os impactos
sociais, políticos, ambientais e econômicos dele advindos, trazendo-lhes
consequências desastrosas.
As reuniões na universidade, a ampliação dos sujeitos coletivos envolvidos
nas demandas por eles impactadas, nas diferentes escalas – seja na local, regional
e estadual – e também a divulgação nas mídias alternativas (blogs, sites etc.) –
foram fundamentais para potencializar a visibilidade dos problemas dos
trabalhadores e para mobilizar alguns pesquisadores vinculados às Universidades.
Estes deixam de ser apenas interlocutores a distância desses camponeses,
pescadores e suas famílias. No que tange à UFF de Campos, realizaram-se as
primeiras aproximações àquele território denominado de Açu.
A estrutura da tese será apresentada, a partir do seu marco analítico, do
universo empírico da pesquisa, o marco teórico e a formação do inventário utilizado,
como diferentes documentos, jornais, revistas, documentários audiovisuais e
fotografias.
A análise se baseou no estudo empírico dos trabalhadores camponeses e
pescadores moradores do 5º Distrito/Açu, sujeitos sociais privilegiados desta
pesquisa, no período de 2011 a 2017, e em documentos e jornais referentes à
pesquisa, do ano de 2006, (data do lançamento da pedra fundamental) até 2017,
(ano de início de funcionamento do porto).
22

Uma outra questão importante para a tese foi o registro do processo de lutas
e resistências identificados no período de 2009 a 2017, quando eles tomam
conhecimento do empreendimento e se mobilizam e se organizam para o
enfrentamento do “monstro”, que começa a rondar a região: a construção e
implementação do Complexo Industriário e Portuário do Açu. O que Martins (1993)
classifica de estranho, para ele “não é apenas esse outro dominado, mas é também
o invasor de terras e de tribos, aquele que expulsa os camponeses, quebra
linhagens de família, destrói relações sociais [...]” (Schindler, 1994, p. 150).
Com caráter quantitativo e qualitativo, a pesquisa foi desenvolvida, numa
perspectiva histórico-crítica, contextualizando o campo de estudo. Este teve como
universo empírico o Município de São João da Barra, e como foco principal, os
camponeses do Açu, no 5º Distrito, em função de toda a complexidade que os
impactos na construção do CIPA provocaram e a forma como eles buscaram resistir
ao processo de expropriação de suas terras.
23

Figura 1 - Mapa dos atingidos do Açu/SJB

Fonte: GT Agrária AGB Rio e Niterói, 2013.


24

O universo empírico da pesquisa está centrado no município de São João da


Barra, com uma área de 455,044 km², localizado no Norte Fluminense do Estado do
Rio de Janeiro, à margem direita da foz deltaica do rio Paraíba do Sul, e
inteiramente situado na área de restinga2. Possui bolsões de Mata Atlântica de
transição para a vegetação de restinga. O Município fica na parte mais baixa da
planície goitacá, a uma altitude de seis metros acima do nível do mar. Do total da
população de 32.747 habitantes, 78,5% reside na área urbana e 21,5%, na área
rural.
No 5º Distrito/Açu, 7.036 hectares de terras foram desapropriadas para a
implantação do Porto do Açu. Foi, portanto, o lugar em que o processo de
expropriação se concentrou e onde os conflitos e lutas tiveram maior visibilidade nas
diferentes escalas. Também é o espaço em que os esforços da pesquisa vêm se
concentrando há aproximadamente sete anos, ou seja, é o lugar em que todo o
complexo portuário do Açu e do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB),
vem se implantando.
É uma região socioambientalmente diferenciada, e com algumas
particularidades destacáveis: é uma área formada por planícies costeiras
fluviomarinhas e domínios litorâneos de dunas, cordões arenosos e restingas, com
156.995 hectares, de um total de 455,044 km².
Compõem ainda este domínio um complexo mosaico de lagunas, charcos,
pequenos córregos, lagoas em ambientes estuarinos, brejos costeiros, vegetação
arbustiva fixadora de dunas, formações geológicas sedimentares, formações
herbáceas e graminoides associadas a faixas de praia, além de um conjunto de
comunidades rurais, composta de: agricultores familiares (proprietários e posseiros),
pescadores artesanais e pequenos comerciantes dos produtos locais, principalmente
alimentos, pescados e outros artesanatos.
As transformações ocorridas na sociedade brasileira, a partir, principalmente,
da década de 1990, a decadência do capitalismo industrial, a ascensão do

2
Restinga, segundo Freire (1990), é ambiente geologicamente recente e as espécies que a
colonizam são principalmente provenientes de outros ecossistemas (Mata Atlântica, Tabuleiros
e Caatinga), porém com variações fenotípicas devido às condições diferentes do seu ambiente
original. Essa vegetação possui importante papel na estabilização do substrato (LAMÊGO 1974;
PFADENHAUER 1978; COSTA et al., 1984). As plantas colonizam a areia logo à linha de maré alta,
amenizando, no caso de planícies arenosas, a ação dos agentes erosivos sobre o ecossistema
LAMÊGO 1974), protegendo o substrato principalmente da ação dos ventos, importante agente
modificador da paisagem litorânea (apud ASSUMPÇÃO, J. & NASCIMENTO, M. T. 2000, p. 302).
25

capitalismo financeiro internacionalizado e as diferentes e acirradas formas de


acumulação expandida do capital (CHESNAIS, 1996 e IAMAMOTO, 2008), têm nos
processos de concentração e centralização do capital e na renda da terra
determinações fundantes, para compreender as ações parceiras entre o capital e o
Estado. Eles justificam as desapropriações e a consequente acumulação por
espoliação. Tal debate já foi atualizado por Harvey (2012) e Fontes (2010) da
acumulação primitiva ou originária conforme estudos do Marx (2013 e 2008), Lenin
(2012).
A importância do Estado nos processos de acumulação do capital tem sido,
historicamente, preocupação de pesquisadores, tanto para a legitimação da ordem
burguesa, como para a construção das condições necessárias para superá-la. Neste
trabalho, o esforço investigativo se torna complexo, pelas ações particulares que o
Estado vem desempenhando. Isso acontece não só na viabilização do
empreendimento em que se aprova o crédito – oriundo do fundo público – e
desonera os grupos empresariais dos impostos a serem pagos, mas também
quando se garante ao grupo empresarial uma de suas maiores fontes de renda: a da
terra por ele desapropriada e repassada aos representantes do capital com
finalidades rentistas. Neste diálogo, a leitura de Mandel (1982); Harvey (2005; 2008);
Fontes (2010); Agamben (2004); Netto (1992), dentre outros, têm sido fundamentais.
Os eixos centrais da tese são: a) a intervenção do Estado, articulado ao
grande capital objetivando criar as condições gerais de produção e reprodução
capitalistas no processo de superacumulação desse mesmo capital e b) a luta dos
trabalhadores nesse processo de enfrentamento, tendo como foco os camponeses e
pescadores do Açu em São João da Barra/RJ.
A pesquisa documental foi realizada em fontes como: relatórios, cartas,
pareceres, fotografias, atas, notas, diários, projetos de lei, ofícios, discursos, mapas,
testamentos, inventários, informativos, depoimentos (verbais e escritos), certidões,
correspondência (pessoal ou comercial), documentos informativos de órgãos
públicos, dentre outros. Nas análises desses documentos buscou-se desvelar
aspectos novos e complementares aos que já foram estudados.
Estão incluídos: levantamento de documentos técnicos como decretos;
portarias; relatórios; representação encaminhada ao Ministério Público Estadual e
Federal; atas; notificações dos oficiais de justiça, termos de imissão de posses;
Ações Civis Públicas Judiciais; EIA-Rimas; levantamento de dados estatísticos do
26

censo agropecuário, com dados referentes a área cultivada, produção e


produtividade; mapas. Na pesquisa documental, reuniu-se ainda um conjunto de
reportagens e entrevistas de jornais com cobertura local, regional e nacional;
documentários; vídeos com registros realizados pelos próprios atingidos das
violências vivenciadas na comunidade; fotografias, dentre outros.
No primeiro capítulo, intitulado: Antecedentes históricos: processo de
expropriação da terra na Planície Goitacá, apresentam-se os antecedentes
históricos que marcam e demarcam os processos de ocupação/invasão da região
em que a desapropriação de terras foi realizada, reconstituindo brevemente os
diferentes formatos objetivados pelos sujeitos e sua condição de classe em
momentos históricos distintos. O objetivo foi compreender a questão fundiária desde
a invasão dos colonizadores, seus conflitos, e recuperar o protagonismo por meio
das lutas pela terra na Planície Goitacá, dos sujeitos despossuídos, ou como
denomina Fernandes (1973), classes não possuidoras.
No segundo capítulo: Megaempreendimento: contextualizando o Projeto
Minas-Rio, buscou-se apresentar e discutir o conjunto de circunstâncias em que
ocorre e como ocorre a implantação do Complexo Portuário e Industrial do Açu, no
âmbito do Projeto Minas-Rio. Mesmo que ainda incompleta, esta contextualização já
revela uma de suas principais contradições, ou seja, como esse
megaempreendimento, favorecido pelo Estado na modalidade de parcerias público-
privado, vem por meio do processo de expropriação das terras e a garantia do
crédito via fundo público, viabilizando as condições gerais de produção nesse
processo de superacumulação do capital.
No terceiro capítulo: Conflitos: lutas e resistências no âmbito do
Complexo Industrial e Portuário do Açu, é o momento em que se trata das lutas
políticas e jurídicas e dos processos de enfrentamento vivenciados pelos atingidos
do Açu, problematizando a linha do tempo, traçada com os sujeitos em luta. O centro
da análise foram os trabalhos de campo realizados, o acompanhamento direto das
famílias atingidas e os processos de resistência, luta e disputa nas diferentes
escalas: local, regional, nacional e internacional.
Durante o período de implantação do Complexo Portuário e Industrial do Açu,
as principais ações foram audiências públicas; protestos diversos; aulas públicas;
seminários; caminhada pela terra; cursos de formação política; reunião da ASPRIM
e finalmente, as lutas jurídicas, apresentando e analisando algumas ações,
27

representações, liminares oferecidas à Defensoria Pública, ao Ministério Público (do


idoso, da criança e do adolescente, do meio ambiente) e ao Judiciário. O objetivo
destas ações foi denunciar e solicitar providências sobre as violações e violências
causadas aos trabalhadores, camponeses, pescadores e moradores.
Para as considerações finais, pretende-se apresentar uma síntese das
principais questões analisadas, apontar as limitações do estudo e as implicações
teóricas e empíricas, bem como sugestões para futuras pesquisas, além de uma
conclusão geral mostrando as contribuições do estudo para uma maior
compreensão, atuação e envolvimento dos pesquisadores, estudantes e militantes
dos Movimentos Sociais, na luta dos segmentos expropriados da classe
trabalhadora, em especial, os expropriados da terra.
Em uma das dimensões da pesquisa, a modalidade mais indicada foi o
trabalho de campo. Como afirmam Marconi e Lakatos, a observação, como técnica
de pesquisa, “não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos e
fenômenos que se deseja estudar” (2007, p. 88). Nas circunstâncias dessa
investigação, ou seja, “a observação efetuada no local” (MARCONI E LAKATOS,
2007, p. 89), ela obriga o pesquisador a um contato cada vez mais direto com a
realidade estudada, com os sujeitos protagonistas do universo empírico da pesquisa.
A outra modalidade de pesquisa foi a documental, realizada em fontes como:
relatórios, cartas, pareceres, fotografias, atas, notas, diários, projetos de lei, ofícios,
discursos, mapas, testamentos, inventários, informativos, depoimentos (verbais e
escritos), certidões, correspondência (pessoal ou comercial), documentos
informativos de órgãos públicos, dentre outros.
Durante o período do trabalho de campo 2011-2017, o processo de
expropriação das terras das famílias camponesas residentes no Açu e os conflitos
por elas vivenciados exigiram de nós uma participação muito intensa, junto a este
processo. Esta participação articula dimensões de um trabalho como assistente
social e como militante envolvida nas ações políticas de sujeitos individuais e
coletivos. Sujeitos estes preocupados na construção de uma contra-hegemonia a
essa ordem societária, que tem na divisão social do trabalho e, portanto, na
propriedade dos meios de produção, na exploração e na extração de mais-valia da
força de trabalho, a fonte constante de sua riqueza e de superacumulação de capital
- a razão de todas as coisas.
28

1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS: PROCESSO DE EXPROPRIAÇÃO DA TERRA


NA PLANÍCIE GOITACÁ

As lutas e conflitos pela terra nessa região e os consequentes processos de


concentração e desconcentração, conforme registros encontrados na literatura
pesquisada (COUTO REIS, 2011; FEYDIT, 2004; LAMEGO, 1945; SOFFIATI, 2012;
dentre outros), são apresentados em processos de continuidades e rupturas
ocorridas, desde que aqui chegaram os primeiros donatários em 1538 para se
apossarem da Capitania de São Tomé.
O diálogo com a história e a geografia, nesse sentido, foi fundamental.
Mesmo contendo omissões, possibilitou recuperar o chão deste estudo, tecendo um
longo alinhavo entre o passado e o presente, por meio das lutas e disputas por
terras, na região da Planície Goitacá.
Afinal, por que a interlocução com referenciais de outras disciplinas? Por que
esta tentativa de compreender o fenômeno da expropriação da terra e das lutas dos
camponeses, resgatando, por meio da história, os processos de resistência dos
índios Goitacá, dos negros no período da escravidão, e no século XXI, dos
camponeses?
Com a geografia, por meio da Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB –,
a interlocução foi mais intensa, pois ela se inicia no processo de construção do arco
de alianças formado com a ASPRIM, somado a um conjunto de entidades, para
contribuir e apoiar todo o processo de organização, lutas e resistências às famílias
atingidas no Açu. Tal processo possibilitou um maior diálogo durante o trabalho de
campo e uma proximidade entre o universo empírico da pesquisa e algumas
referências teóricas importantes no momento de tratamento analítico dos dados
cotejados. Diálogo que se estabeleceu também no apoio àquelas lutas, por meio de
acompanhamento direto aos camponeses envolvidos e atingidos pelos impactos do
empreendimento; de sistematização de documentos de denúncias aos órgãos
competentes; de estudos sobre aquela realidade, transformados em relatórios,
utilizados como instrumento para fundamentar ações políticas e jurídicas dos
atingidos do Projeto Minas-Rio.
Essas são algumas das caraterísticas desafiantes deste estudo, que se
propõe a trabalhar com um objeto em constante movimento, numa relação que
29

dinamiza e extrapola a simples presença do pesquisador em campo, e o trabalho


analítico do material coletado e inventariado. Inclui ainda o envolvimento político e
militante junto ao grupo de famílias atingidas, nesses anos. Outra questão instigante
foi a reduzida participação da produção acadêmica do Serviço Social, na temática da
questão agrária, e a oportunidade de contribuir com esse debate no interior das
entidades representativas da categoria e dos movimentos de luta pela terra.
O processo de sistematização da pesquisa e as escolhas por este ou aquele
relato ou registro são sempre momentos difíceis, mesmo com todas as
preocupações consideradas no processo de construção e elaboração dos caminhos
metodológicos definidos anteriormente. Num esforço contínuo de manter o
distanciamento necessário para cotejar o material reunido, alguns óbices insistem
em se manifestar e, como são frutos da convivência de tantos anos, aguçam a
memória de fatos violentos, vivenciados com as famílias atingidas, teimando em se
apresentar e, sem se isentar da dor alheia, que foi profundamente testemunhada,
partilhada e sentida pela pesquisadora.
Percebe-se que são estas questões que singularizam a pesquisa de campo,
pois a memória no processo de reunir os dados, documentos, entrevistas e os
resquícios do trabalho de campo realizado contribui para vivificar processos e ações
do grupo, assim como para registrar que, apesar do tamanho do “monstro que
invadiu aquele lugar”, seus ocupantes não se intimidaram e, com suas “armas”, vêm
lutando e resistindo ao processo de “deslugarização” imposta pelo sistema
capitalista.
Os camponeses vitimados pelo megaempreendimento do porto passam a
compor o “grupo dos atingidos” que, para Vainer (2008), é um conceito em disputa, e
afirma que “ao abordar a discussão acerca do conceito de atingido é necessário
compreender que se está discutindo acerca do reconhecimento e legitimação de
direitos”. O “conceito” vem se ampliando nas últimas décadas, em função do
processo de organização, lutas e conflitos deste grupo social, mas também “em
certa medida, parece reproduzir a evolução sofrida pela própria noção de direito
humano ao longo da história moderna. Para este autor,

[...] a noção de atingido diz respeito, de fato, ao reconhecimento, leia-se


legitimação, de direitos e de seus detentores. Em outras palavras,
estabelecer que determinado grupo social, família ou indivíduo é, ou foi
atingido por certo empreendimento significa reconhecer como legítimo – e,
em alguns casos, como legal – seu direito a algum tipo de ressarcimento ou
30

indenização, reabilitação ou reparação não pecuniária (VAINER, 2008, p.


40, grifo da autora).

Vale destacar que se trata de um estudo de caso que objetiva o entendimento


da participação, organização, lutas e resistências dos trabalhadores camponeses e
pescadores situados numa determinada área rural da região Norte Fluminense.
Por região, nesta pesquisa, compreende-se um conceito que leva em
consideração as particularidades da “reprodução do capital, nas formas que o
processo de acumulação assume, na estrutura de classes peculiar a essas formas e,
portanto, também nas formas da luta de classes e do conflito social em escala mais
geral” (OLIVEIRA, 1981, p. 27).
Procurou-se, assim, percorrer o território abrangido em termos político-
administrativos correspondente ao 5º Distrito do Município de São João da Barra,
identificado por esses trabalhadores, como Açu. Acompanhando os passos dos
sujeitos em luta, pretende-se apresentar os impactos desse projeto naquele espaço
e, nesta caminhada, perscrutar o sentido e o sentimento dos trabalhadores a partir
do processo de invasão àquele território, pelo grande capital, representado
inicialmente pelo empresário Eike Batista – “o brasileiro que se tornou o oitavo
homem mais rico do mundo. Ninguém no planeta ganhou (literalmente) tanto
quanto ele no ano de [2009]”3 – e pelo Estado, tendo como referência a
Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro – CODIN.
Pretende-se, assim, resgatar o ponto de vista dos atingidos, e também o seu
modo de ouvir, na tentativa de assuntar melhor esses homens e mulheres
trabalhadores, especialmente os camponeses, para a compreensão do processo de
lutas e resistências que esses sujeitos vêm protagonizando.

3
O dono desse dinheiro todo teria à sua disposição R$ 3.375.000,00 para gastar por dia, todos os
dias, nos próximos 40 anos. São R$ 140.600,00 por hora. Essa fortuna significa ter R$ 2.343 para
serem gastos a cada minuto da vida. E o dinheiro só acabaria daqui a quatro décadas (Fonte: Jornal
O Globo de 14/03/2010, com notícias do Fantástico). Eike Batista foi de sétimo homem mais rico do
mundo, com uma fortuna estimada de US$ 30 bilhões, para a cadeia de Bangu 9, sem direito à cela
especial. Foi denunciado na Justiça por crimes contra a economia e preso pela Operação Lava Jato,
acusado de ter pago propina de US$ 16,5 milhões ao ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral
(FOLHA DE SÃO PAULO, 15/02/2017).
31

1.1 Raízes fincadas e as ameaças de destruição pelo invasor: uma saga na


Planície Goitacá

O sol era de primavera e naqueles campos, diferente do que canta Beto


Guedes, muitos já não podiam mais semear juntos, nem mesmo os sonhos. Agora o
que restava, era resistir, organizar-se e construir a luta.
A cada passo dado, as temporalidades se diversificavam, porque recorriam à
memória, às lutas travadas por seus antepassados, num contexto histórico, social,
econômico e ambiental que, de certa forma, explicava suas origens e condições de
classe.
Naquelas narrativas a um grupo, ainda de fora, docente e discentes da
UFF/Campos, e eles, sabiamente, mesmo desconhecendo o debate sobre classe
social ou lutas de classe, foram logo sinalizando, se não os interesses comuns de
classe, mas certamente quem eram aqueles contrários aos seus interesses, os
invasores – os representantes do capital – que, naquela etapa, era Eike Batista.
Se o assalariamento e logo, as condições de precariedade no corte da cana e
a violação de seus direitos, podem ser uma relação importante – que perpassa
diversas narrações dentre os camponeses atingidos, a honra e satisfação
manifestada pelo acesso ou conquista da terra, e o consequente processo de uma
relativa autonomia, – e que parece apontar para uma costura final.
Garantir a sua subsistência e a de seus familiares, por meio do cultivo da
terra, num passado bem presente, mostra que a terra para eles é fundamentalmente
um bem da natureza, que foi capaz de lhes assegurar, até agora, uma vida com
trabalho, dignidade e fartura.
Foi assim que tudo começou em três de dezembro de dois mil e onze. Com o
verão que já se avizinhava, o sol brilhava e resplandecia naquela terra encantada da
planície Goitacá, sendo possível vê-lo refletido nos fecundos e verdes plantios.
Como diria o saudoso filósofo, José Américo Motta Pessanha, “muitas vezes nosso
olhar, (...) escapou por esses vãos e navegou acima dos telhados, a planície não
oferecendo obstáculo à busca de largos horizontes” (1980, p. 109).
Lembranças que trazem à memória imagens e sons ainda muito presentes,
quando, ao caminhar pela roça do Seu Totonho, ele dizia, apontando para a área
32

plantada: “observe que a área tem o formato de um coração” e em seguida foi-nos


mostrando e explicando a sua forma peculiar de cultivar a terra.

Figura 2 - Trabalho de Campo realizado em dezembro de 2011

Foto: Acervo pessoal em 2011.

Aqui planto tipos diferentes de alimentos: feijão, banana, abacaxi, melancia,


milho, aipim, amendoim, e vários outros. Além de muitas frutas em volta
Mas isso é nosso (SEU TOTONHO, DEPOIMENTO À AUTORA,
03/12/2011).

Nestes momentos, o invasor era esquecido; a alegria e a satisfação em saber


cultivar a terra tão bem e plantar, parecia transportá-lo da realidade dura e violenta
por eles vivenciada, com a chegada do megaempreendimento, o Complexo
Portuário e Industrial do Açu. E ele repetia:

Isso aqui é nosso, quando voltar aqui e o milho já tiver espiga, entra e pega
(SEU TOTONHO, DEPOIMENTO À AUTORA, 03/12/2011).
33

Figura 3 - Registros fotográficos dos plantios do Sr. Totonho no verão de 2011. Antes de o ’monstro’
destruir a plantação

Fonte: Acervo pessoal, 2011.

Para esse simples camponês, plantar, colher e repartir não é um lema, mas
uma vivência cotidiana. Daí o seu inconformismo com a invasão das terras, que à
época, era a representação maior e concreta do capital e do seu processo de
acumulação ampliada. E então, esses camponeses atingidos do Açu, se
perguntavam a todo momento: por quê o Açu? A empresa LLX, justifica a escolha do
Açu, da seguinte forma:

Na escala regional, a localização do novo distrito respondeu à perspectiva


expressa na Constituição Estadual de que se promova a desconcentração
espacial da indústria e o melhor aproveitamento das potencialidades locais
e regionais do território estadual. (...). Quanto à viabilidade ambiental
analisou-se no estudo das alternativas, principalmente, a disponibilidade
de grandes áreas de retro porto para implantação das indústrias, com
disponibilidade de recursos hídricos e suprimento de energia e capacidade
de suporte ambiental, especialmente de bacia aérea. Analisando-se os
portos existentes do Rio de Janeiro verifica-se que a localização junto ao
Porto do Açu é a que atende com maior propriedade aos fatores de decisão
locacional acima enumerados (RIMA - RELATÓRIO DE IMPACTO
AMBIENTAL, LLX, p. 14)

Observa-se nas falas dos sujeitos desta pesquisa o estranhamento pela


escolha do 5º Distrito, em São João da Barra para implantação desse projeto
gigante. A própria localização geográfica do Açu contribui para demonstrar a
pergunta – “por quê o Açu?” – É importante para revelar o que significa a
implementação das obras deste porto àquele pacato povoado, demonstrando, em
certa medida, o caráter invasivo e impactante na vida social e no ambiente daquelas
famílias. Afinal, esta localidade por séculos, esteve afastada, e por que não dizer,
isolada dos centros urbanos mais dinâmicos da região.
Segundo Neves (1982, p. 13), só a partir da década de 1970 é que estradas
de rodagem foram construídas, visando interligar esses povoados com a cidade de
34

Campos. “Saídas regulares de ônibus e o tráfego de caminhões, de automóveis e


carretas permitiram um contato mais intenso e frequente dos moradores desses
povoados com a região abrangente.”
Portanto, as mudanças relativas ao acesso ao V Distrito, e, por conseguinte, o
deslocamento dessa população, estão relacionadas às demandas de parte de setor
econômico à escassez de matéria-prima, no caso a cana-de-açúcar para as usinas
da região. Deste modo, as usinas,

Tomam como alternativas de atendimento à expansão de sua capacidade


industrial, a oferta de estímulos à produção de cana e de condições mais
vantajosas de comercialização e de transporte aos produtores,
especialmente aqueles localizados em áreas distantes, não totalmente
voltadas para esta atividade (NEVES, 1982, p. 9).

Para esta autora, apesar de alguns agricultores terem se integrado à proposta


governamental da produção de cana, “eles vivem esse processo como
consequência da imposição da vontade do governo federal” (NEVES, 1982, p. 15).
Neves apresenta algumas questões relativas à resistência desses produtores à
cultura da cana, como a criação de “uma série de dependências ou vinculações
que os produtores não as controlam plenamente” à própria forma como definem
essa atividade produtiva: “trabalho de malandro, de preguiçoso ou de velho. Plantar
cana não dá trabalho: entrega a terra, espera a cana crescer e espera o dinheiro”
(id, p. 28). Esse é um comentário recorrente, ainda hoje, principalmente junto aos
assentados da Reforma Agrária, oriundos de terras desapropriadas de usinas, na
região, e também por alguns camponeses do Açu.
A pesquisa realizada por Neves junto aos agricultores do Açu, em 1982, há
mais de três décadas, apresenta alguns elementos importantes ao nosso estudo
sobre o processo de expropriação de terras dos camponeses e pescadores do Açu,
como o sentimento de pertencimento à terra, como germes das formas de
resistências que têm sido experienciadas na lida com a terra, com a pesca, e na
relação dos camponeses com o território, chamado, por uns, de Açu e, por outros,
de 5º Distrito4.

4
O distrito é uma subdivisão do município, que tem como sede a vila, que é um povoado de maior
concentração populacional. [...] O distrito tem a mesma denominação de sua vila e, somente pode ser
criado por meio de lei municipal. No entanto, os requisitos exigidos para a criação de um distrito são
estabelecidos por meio de lei estadual. [...]. Faz-se necessário que um povoado atenda todas as
35

Em dez de janeiro de mil novecentos e noventa e cinco, pela Lei Estadual n. º


2.379, foram desmembrados de São João da Barra os distritos de Itabapoana,
Maniva e Barra Seca, para formar o novo município com a denominação de São
Francisco de Itabapoana. Este fato altera política e economicamente o município de
São João da Barra, principalmente no que tange à sua extensão territorial rural, que
foi drasticamente reduzida.
Atualmente a área total do município é de 455,044 km², constituído de 6
Distritos: São João da Barra, Atafona, Barcelos, Cajueiro, Grussaí e Pipeiras. Este
último, o 5º Distrito fora da sede, é a região do município em que concentra o maior
número de comunidades impactadas pelo megaempreendimento e, portanto, o
espaço em que as desigualdades e contradições desse sistema capitalista ganham
visibilidade, e os conflitos são mais vivenciados, porque é o território em que o
Estado, por meio do Governo estadual, desapropriou 7.036 hectares de terra para a
instalação do Complexo Portuário do Açu.
Souza (2013, p. 78), numa primeira aproximação ao tema, afirma que
território é “fundamentalmente, um espaço definido e delimitado por e a partir de
relações de poder”. Em diálogo com Arendt (1983), ele salienta que, ao refletir sobre
a natureza do poder, a autora lamenta “que esse conceito fosse, tão frequentemente
confundido indevidamente vinculado à violência, à força e ao vigor, e também à
dominação” (ARENDT apud LOPES, 2013, p. 79).
O poder não é uma “coisa”, algo que possa ser estocado; ele “não pode ser
armazenado e mantido reservado para casos de emergência, como os instrumentos
de violência: só existe em sua efetivação” (ARENDT, 1983, p. 212). Arendt resume a
distinção do conceito de poder e violência da seguinte forma: “politicamente falando,
é insuficiente dizer não serem o poder e a violência a mesma coisa. O poder e a
violência se opõem: onde um domina de forma absoluta, o outro está ausente” (apud
LOPES, 1985, p. 29-30). “[...] o espaço territorializado é, em última análise, um
instrumento de exercício de poder, (...), quem domina, quem governa ou influencia
quem nesse espaço, e como?” (SOUZA, 2013, p. 87).
Outra questão fundamental na compreensão da relação do território e do
espaço, trazida pelo aludido autor, e que contribui para melhor entendimento da

exigências determinadas pela legislação estadual para que o município, por meio de uma lei
municipal aprovada pela Câmara de Vereadores local, o eleve à categoria de distrito (PINTO, 2003, p.
57).
36

questão, diz respeito à necessidade da “referência a um território e, muito


frequentemente, por meio de um território” (idem) para que o poder seja exercido.
“Não há influência que seja exercida ou poder explícito que se concretize sem que
seus limites espaciais (...), igualmente sejam menos ou mais perceptíveis” (SOUZA,
2013, p. 87).

Mesmo quando se exerce poder a grandes distâncias, por meio das


modernas tecnologias de comunicação e informação, o alvo ou destinatário
jamais é um grupo social “flutuando no ar”, mas sempre um grupo social em
conexão com um espaço (a ser [des] territorializado, portanto) (SOUZA,
2013, p. 87).

Dentre as práticas espaciais observadas e registradas no universo empírico


da pesquisa, neste processo de territorialização ou [des] territorialização realizada
por meio dos responsáveis pela implantação do Projeto Minas-Rio, aqui,
particularmente, do Complexo Portuário do Açu, as restrições de acesso e
locomoção, o cercamento dos sítios expropriados e as placas ali fincadas são
marcas que comprovam as razões da territorialização do espaço e a manutenção do
poder.

Figura 4 - Os cercamentos do século XXI

Fonte: Blog do Pedlowski, 2014.

São essas práticas espaciais ilustradas acima, bem como, “o manuseio de


signos inscritos na paisagem e ressignificação de lugares, modificação de fronteiras”
dentre outros, que envolvem a instrumentalização e alteração do território, este
como “campos de força”, portanto, um conceito político e não econômico (SOUZA,
2013).
37

Como fenômenos exemplificadores deste processo os deslocamentos


forçados das famílias camponesas e pescadoras de suas casas, para que as
empresas - EBX, inicialmente, e hoje, a PRUMO Logística -, pudessem invadir as
terras - que são instrumentos e meios de produção das mesmas -, são elementos
comprobatórios do quão presente estão as relações de poder e violência como
modus operandi de processos de territorialização daquele espaço social, este que “é
apropriado, transformado e produzido pela sociedade” (SOUZA, 2013, p. 22).
Portanto, a princípio, o espaço social é “algo material, tangível, palpável.
Campos de cultivo, pastagens; casas; prédios; cabanas; ocas; estradas; ruas; vielas;
picadas; barragens; represas; usinas... A lista é imensa, quase indefinida” (SOUZA,
2013, p. 32).

Figura 5 - Registros fotográficos da invasão da Polícia Militar às terras de três camponeses no Açu

Fonte: Acervo de Dênis Toledo, 2012.

Frente à desapropriação dos 7.036 hectares de terras de plantio para


viabilizar a implantação do Complexo Portuário, buscamos entender se as relações
de poder e violência estariam de alguma forma relacionadas às lutas travadas
contra, atualmente, os impactos do Complexo Industrial e Portuário do Açu-CIPA.

1.2 A terra como valor de uso e valor de troca: uma tentativa de diálogo entre
o passado e o presente

Trata-se de compreender e mostrar que a concepção da terra, para os


atingidos, é um bem natural, e que é valorada em função da qualidade e da
quantidade de alimentos que ela produz e eles colhem, seja para sua subsistência,
seja para presentear, trocar, vender ou retroalimentar o ciclo da produção.
Entendimento distinto do que preconiza que a terra é equivalente à mercadoria que
38

o Estado, através da CODIN e da LLX, insiste em transformá-la. Para Moreira (1999,


p. 94): “A terra, enquanto mercadoria produzida em uma sociedade capitalista,
possui as características peculiares e contraditórias da toda mercadoria
apresentando um duplo caráter: valor de uso e valor de troca.”
No sistema capitalista, para que a terra seja “uma efetiva mercadoria deve
estar vazia” de qualquer uso que não seja aqueles de interesses do capital.
Portanto, o valor está na natureza destruída, em que “os índios e as populações
tradicionais são (...) considerados entraves ao livre desenvolvimento capitalista”
(SOUZA FILHO, 2015, p. 57).
A agressão permanente à natureza, que foi e, processo contínuo, é
sistematicamente devastada, é constitutiva da ordem societária capitalista. Portanto,
não há preocupação se a integridade e a diversidade de formas de vida, que são o
sustento da biodiversidade, estejam ameaçadas. E, muito menos, se a própria vida
humana está ameaçada (STÉDILE et al., 2006b), pois no século XXI, segundo
Souza Filho, o espaço vazio é a mercadoria ideal, portanto, “tudo o que tornar a terra
permanentemente ocupada”, obstaculiza o exercício do direito de propriedade (2015,
p. 57).
Em função da maioria das famílias atingidas ter adquirido aquelas terras, por
herança, suas habilidades e modos de viver também vêm sendo reproduzidos de
geração em geração. É natural.
O processo de desapropriação e consequente concentração de terras
oportunizados pela prefeitura de São João da Barra e pelo Governo Estadual, não
apenas expulsam essas pessoas de seus ninhos, mas as impedem de, caso
recebam indenizações, comprarem outros sítios nos arredores, pois o que sobrou da
área que é considerada rural na região não é suficiente para assentá-los. O mapa
abaixo é ilustrativo desta afirmação:
39

Figura 6 - Mapa: Uso e ocupação do solo no Litoral Norte Fluminense, conforme O ZEE-RJ. Destaque para A faixa contínua de Restinga e as áreas previstas
do Distrito Industrial de São João da Barra (DISJB) e Zona Industrial Portuária do Açu – Projeto MG-RJ

Fonte: GT Agrária AGB Rio e Niterói, 2011.


40

Representando uma tendência geral de reconcentração de terras, Monteiro


(1996) mostra em sua pesquisa sobre a produção do espaço na Barra do Açu,
desde a ação inicial dos proprietários fundiários até a atuação na área do capital
imobiliário, no 5º Distrito de São João da Barra que:

O processo de ocupação do Açu remonta ao século passado [século XIX],


porém, a área foi o caminho natural para a baixada campista, desde os
primórdios de nossa colonização, quando as tropas se deslocavam pela
restinga (MONTEIRO, 1996, p. 37).

Mas de acordo com o texto Manuscritos Manoel Martins do Couto Reis 1785,
(2011) e Soffiati (2012), a colonização pelos portugueses da planície aluvial do
futuro Norte Fluminense ocorreu com a pecuária, em 1633, onde os primeiros currais
foram fincados. Portanto, a cana não foi a primeira cultura dos colonos, como pensa
o senso comum. Até porque o gado era a força necessária para mover os engenhos
nessa época, o que demonstra que só nesse no século, a produção da cana vai
expulsar a criação de gado para áreas mais elevadas.
Nesse período, a ocupação e desenvolvimento da região pelos Sete Capitães
tornou a criação de gado, aliada à cultura da cana, a “principal fornecedora de carne
bovina para a cidade do Rio de Janeiro” (SOFFIATI, 2012, p. 10). Uma questão
interessante, que Oliveira Vianna (2005) apud Soffiati (2012), apresenta é o curral
como o sinal da posse. “Depois vem a fazenda, o engenho, o arraial, a povoação, a
vila. [...] O vaqueiro é, então, em nossa história o vanguardeiro da civilização”.
(SOFFIATI, 2012, p. 11).
Os Sete Capitães são identificados por Lamego como senhores de engenho
na Guanabara, e que em função de alguns deles terem lutado “contra franceses,
tamoios e tupinambás no Rio de Janeiro, em fins do século XVI”, foram nomeados
“capitães de vários troços”. São eles: Miguel Aires Maldonado, Miguel da Silva
Riscado, Antônio Pinto Pereira, João de Castilho, Gonçalo Correia de Sá, Manuel
Correia e Duarte Correia, que “requerem e obtêm, em 1627, sesmarias na capitania
abandonada, realizando a primeira visita em 1632 (LAMEGO, 1945, p. 81).
A divisão de seus quinhões, partindo de marcos de pedra fincados na costa,
indo até a serra, ocorrerá na segunda visita, em 1633, dos Sete Capitães, momento
em que os dois currais foram levantados. Para Lamego é quando nasce
definitivamente a pecuária em Campos.
41

Em oito de dezembro de 1633, o primeiro curral é erguido em Campo Limpo,


ao norte da lagoa Feia. “Levantam uma choupana coberta de palha para o índio
Valério Corsunga, vindo com êles de São Vicente, e ao seu cuidado ficam três
novilhas, uma vaca e um touro”. O segundo curral foi levantado na ponta de São
Tomé, com cinco novilhas e um touro, tendo o escravo Antonio Dias como curraleiro.
“Bem próximo dêste, o terceiro curral de São Miguel é construído, ficando aos
cuidados do índio Miguel” (LAMEGO, 1945, p. 82).
Neste trajeto histórico de volta ao Açu, a representação do curral era vista ora
como controle da produção do gado bovino, ora como curral eleitoral dos coronéis
de outrora, e dos comerciantes e políticos na contemporaneidade. Questão essa que
apresenta semelhança com processos vivenciados, ainda hoje, na região, e que se
mostra nas ações autoritárias realizadas pelo poder político municipal e estadual no
Açu, quando impõe mudanças nas legislações.
Esse conflito ocorreu também no processo de Zoneamento e no Plano Diretor
do Município, que foi modificado e votado pelos vereadores no último dia do ano de
2008, convertendo quase 50% do território do município em terras de uso industrial.
Com isso, excluem-se os pequenos agricultores que teriam suas terras expropriadas
de qualquer discussão ou entendimento possível. Ou ainda, quando o Governador,
por meio de decretos, instrumento autoritário, desapropria 7.036 hectares de terras,
com a justificativa da construção do porto.
Dentre outras medidas arbitrárias aplicadas, merece destaque a tributação
moderada ou inexistente para as empresas que se instalam naquele território e a
impunidade em fraudes e crimes ambientais. Tais ações ocorrem sem consulta
àquela comunidade, negando-lhes a condição de sujeito e de portadores de direitos
da população atingida. O estabelecimento de limites e escolha do Açu pelos
empreendedores apresentam-se como marcas do controle, do autoritarismo e da
posse dos colonizadores que ali fincaram seus currais.

1.2.1 Os direitos e a lei: as classes em luta no decorrer da história

O século XIX foi o marco da incorporação do direito de associação ao status


de cidadania, proporcionando as bases para a classe trabalhadora adquirir o direito
42

político. Apesar de algumas teorias terem apresentado uma conotação individual aos
direitos humanos, não se pode esquecer de que todos os direitos, inclusive os civis,
tiveram sempre suas primeiras manifestações coletivas. Para Coutinho (1997), são
as demandas trazidas pelas classes ou por grupos sociais em determinado
momento histórico que expressam a sua face coletiva, ou melhor, que caracterizam
os direitos como “fenômenos sociais”, logo como “resultado da história”.
Mas os direitos sociais trazem o selo do século XX, com os processos de
ampliação do Estado nos termos gramscianos (COUTINHO, 2003), tendo como
tônica o valor da igualdade, enquanto os direitos civis e políticos tinham por
referência a liberdade. Eles incluem, entre outras dimensões, o direito ao trabalho, à
organização sindical, à greve, à estabilidade no emprego, à segurança no trabalho, à
previdência social, à saúde, à educação gratuita e ao acesso à cultura e moradia.
Conquistas históricas da classe trabalhadora que os representantes do
capital, fundamentados em sua lei geral abaixo descrita, insistem em negar
desconstruindo-as, na busca de ampliar o processo de superacumulação da riqueza,
por um lado, e da extrema pobreza, por outro.

(...) todos os métodos para elevar a força produtiva social do trabalho,


surgidos sobre esse fundamento, são ao mesmo tempo métodos para
elevar a produção da mais-valia ou do produto excedente, que por sua vez
é o fator constitutivo da acumulação. São, portanto, ao mesmo tempo
métodos para produzir capital com capital ou métodos para acelerar sua
acumulação. [...]. Com a acumulação do capital, desenvolve-se o modo de
produção especificamente capitalista, e, com o modo de produção
especificamente capitalista, a acumulação do capital. Esses dois fatores, na
proporção conjugada dos impulsos que se dão mutuamente, modificam a
composição técnica do capital, e, desse modo, a parte variável se torna
cada vez menor em relação à constante (MARX, 2013, p. 735-736).

Em 1848, Marx e Engels apresentaram a ideia central no Manifesto do Partido


Comunista de que entre a classe operária e a burguesia haveria uma luta
permanente, afirmando que, com “o desenvolvimento da burguesia, isto é, do
capital, desenvolve-se também o proletariado” (MARX e ENGELS, 1998, p. 5),
constituindo-se, desta forma, as classes fundamentais desta organização social.
Fernandes (1977) afirma que o conceito de classe social tem sido empregado
em diferentes sentidos. Dentre as diversas formas empregadas, alguns autores
ainda o utilizam como equivalentes do conceito mais amplo de "camada social", para
definir qualquer tipo de estrato social, independente de ser hierarquizado ou não. E
outros, que de forma mais restrita, irão usá-lo para caracterizar o conceito de classe,
43

“pela existência de uma comunidade de interesses, mais ou menos percebidos


socialmente, e que se sempre associados a relações de dominação, de poder
político e de superposição” (FERNANDES, 1977, p. 173).
Em artigo intitulado Classes sociais e luta de classes: a atualidade de um
debate conceitual, Mattos, três décadas seguintes à análise de Fernandes, em 1977,
apresenta a importância desse debate conceitual, ou seja, de classe social e o seu
par correlato, a luta de classes “para o entendimento da vida social, passada e
presente” (2007, p. 33). A expressão classe, “remete à ideia de parte específica de
um conjunto maior, de grupo ou de categoria. Sua utilização para definir grupos
sociais é anterior, mas, para os termos deste ensaio, basta recuar ao fim do século
XVIII” (MATTOS, 2007, p. 33).

Ao longo do século XIX, os franceses passaram a se referir à expressão em


termos de relações entre grupos baseadas em desigualdades: “classe
dominante”, “classe burguesa” ou “classe trabalhadora”. (...) Na Inglaterra, o
termo classes trabalhadoras (working classes) era amplamente utilizado no
início do século XIX, num sentido semelhante ao do uso do termo classe na
França, para designar o conjunto de trabalhadores pobres em suas diversas
categorias profissionais (MATTOS, 2007, p. 33).

Thompson, ao descrever as experiências da revolução industrial e do


radicalismo popular insurgido e derrotado, chamado por ele de experiências
gêmeas, afirma que “esses anos calmos foram os de luta de Richard Cardile pela
liberdade de imprensa; do aumento da força sindical e da revogação das Leis de
Associação; do crescimento do livre pensamento, da experiência cooperativa e da
teoria owernista” (THOMPSON, 2012a, p. 413).
No período anterior a 1820, denominado por Thompson de anos radicais, e os
anos cartistas que o sucederam, a década de 1820, particularmente, pareceu,
segundo ele, estranhamente calma.
A luta entre a “velha corrupção” e a reforma atingiu o seu clímax, em final da
década de 1820. Para Thompson (2012a, p. 414), só então “é possível falar de uma
nova forma de consciência dos trabalhadores em relação aos seus interesses e à
sua situação enquanto classe”. Momento que esse autor, também destaca a
importância das técnicas elementares de alfabetização que propiciaram aos
trabalhadores poder aprender "por conta própria, individualmente ou em grupo". Fato
que teria contribuído para que a classe operária, que tivesse tido acessado ao
Antigo Testamento, aprendesse a ler. Em seguida, iria se aperfeiçoar com a Idade
44

da Razão, ou ainda com aqueles que "reuniam pilhas de periódicos radicais e


aprenderiam a usar as publicações oficiais do Parlamento, dentre outros citados pelo
autor (THOMPSON, 2012a, p. 414).
É com esta “experiência própria e com o recurso à sua instrução errante e
arduamente obtida que os trabalhadores formaram um quadro fundamentalmente
político de organização da sociedade”, na Inglaterra (THOMPSON, 2012a, p. 414).
Segundo o autor, só a partir de 1830 é que o processo de consciência de
classe ocorrerá de forma mais definida, nos termos de Marx, ou seja, só então que
os trabalhadores passaram a ter ciência de poder “prosseguir por conta própria em
lutas antigas e novas” (THOMPSON, 2012a, p. 415). Outro assunto a que ele chama
atenção é com relação a "generalizações sobre o grau de alfabetização nos
primeiros anos do século. Nas chamadas "classes industriosas", havia em torno de
um milhão ou mais de analfabetos, e "no outro extremo, estavam indivíduos com
realizações intelectuais consideráveis". No entanto, Thompson alerta, que a baixa
escolaridade não excluía esses trabalhadores do discurso político, o que os levava a
andar quilômetros de distância "para ouvir um orador radical".
Outra experiência interessante narrada por este autor são as leituras dos
periódicos e jornais em voz alta. As dinâmicas das reuniões políticas e demais
processos de formação da consciência de classe dos trabalhadores levavam em
consideração todas essas particularidades, gastando-se “um tempo imenso com a
leitura de discursos e a aprovação de longas séries de resoluções” (THOMPSON,
2012a, p. 415).
Estudos recentes vêm esclarecendo muito a situação do leitor operário
daqueles anos, evidenciando que, nas primeiras décadas do século XIX, dois em
cada três operários conseguiam ler de alguma forma, mas os que sabiam escrever
era em número bem menor. Isto impunha dificuldades encontradas com argumentos
abstratos e sucessivos que deveriam ser “descobertos à custa de grandes
dificuldades, como a falta de tempo livre; o preço das velas (ou dos óculos), além
das carências de formação” (THOMPSON, 2012a, p. 416).
Fraga afirma que “enquanto para Thompson, a classe operária se formou de
1780-1832, para Hobsbawm isso somente ocorreu bem mais tarde, de 1870 a 1914”
(2008, p. 01). No processo de reação dos tecelões e artesãos à implementação do
regime capitalista, Thompson apresenta os costumes, as tradições e os valores que
45

tinham em comum, como elementos fundamentais de aproximação na luta contra o


trabalho assalariado.
Desde 1840, as discussões políticas entre os trabalhadores já apontavam a
importância e a necessidade da criação de partidos operários, que viessem a
defender seus interesses de classe, pois a burguesia, já havia se antecipado à esta
iniciativa. Segundo Marx e Engels no Manifesto Comunista (1998, p. 12),

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da


propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os
meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A
consequência necessária dessas transformações foi a centralização política.

O “breve século XX”, como denominado por Hobsbawm (1995), foi marcado,
principalmente, por duas grandes guerras mundiais, tendo a primeira ocorrida no
período de 1914-1918, considerada a Grande Guerra, não só pelo extenso tempo de
duração, mas também pelos seus efeitos devastadores, e pelo envolvimento de um
número grande de países. Como os motivos estão relacionados às disputas
imperialistas do final do século XIX, esta guerra causaria profundas mudanças no
espaço geográfico mundial, logo no começo do século XX. Um fato histórico da
maior importância, ocorrido neste intervalo, foi a Revolução Russa em 1917,
realizando transformações importantes nas relações sociais daquele país.
A Segunda Guerra tem início com as tentativas da Alemanha de ampliar seu
território, descumprindo cláusulas impostas pelo Tratado de Versalhes. O objetivo
era expandir o domínio alemão sobre outros países europeus. O conflito envolve os
países do Eixo formado pela Alemanha, Itália e Japão, e os países Aliados, formado
pela Inglaterra, França e posteriormente pelos Estados Unidos e União Soviética.
No Brasil, o início do século XX é marcado pelos rebatimentos de
acontecimentos mundiais, como as guerras, mas também por um conjunto de
demandas apresentadas pela classe trabalhadora no contexto do processo
embrionário da industrialização. O acirramento das contradições vivenciadas por
esses trabalhadores e o seu consequente processo de organização e de tomada de
consciência da condição de superexplorados, com péssimas condições de trabalho,
jornadas excessivas, dentre outras, até então concebidas e tratadas como questão
de polícia pelo Estado para manter assim o status quo, passam por mudanças
46

fundamentais. Dentre elas, a organização da classe trabalhadora. Segundo


Iamamoto e Carvalho,

A luta reivindicatória estará centrada na defesa do poder aquisitivo dos


salários [...] na duração da jornada normal de trabalho, na proibição do
trabalho infantil e regulamentação do trabalho de mulheres e menores, no
direito às férias, seguro contra acidente e doença, contrato coletivo de
trabalho e reconhecimento de suas entidades [...]. As duas primeiras
décadas[...] serão marcadas pela ocorrência intermitente de greves e
manifestações operárias (1985, p. 133).

5
Figura 7 - Repressão à Greve São Paulo 1917 . Cotidiano da cidade de São Paulo Julho 1917

Fonte: Revista Ipea, 2013, ano 10 n. 76.

Portanto, estas mudanças ocorridas durante o século XX foram significativas


nesta fase.
A substituição da base econômica que tinha um perfil agroexportador e com
um grande peso na agricultura para o processo de industrialização contribuiu para a
transformação no processo de deslocamento das populações do campo para a
cidade, evidenciando o fenômeno da urbanização e o surgimento da classe operária,
entendida como os trabalhadores urbanos que trabalham em atividades industriais
ou ligadas à indústria (GIANOTTI, 2007).
Iamamoto e Carvalho (1985) afirmam, que para o “Estado e setores
dominantes ligados à agroexportação, as relações de produção são um problema da

5
Em junho de 1917, uma greve geral paralisa totalmente a cidade de São Paulo por oito dias. Os
trabalhadores, organizados, entram com uma nova qualidade na agenda política nacional. Vitorioso,
o movimento por melhores salários assusta as elites e demonstra que os limites institucionais da
primeira República estavam se tornando estreitos para enquadrar uma nova complexidade social.
47

empresa”, o que de certa forma, limitava a luta dos trabalhadores. Ao mesmo tempo,
“o movimento operário também não conseguirá estabelecer laços politicamente
válidos com outros segmentos da sociedade, especialmente os trabalhadores do
campo, que nesse momento constituem a imensa maioria da população”
(IAMAMOTO; CARVALHO, 1985, p. 136).
Assim, “a classe operária, apesar de seu progressivo adensamento,
permanece sendo uma minoria fortemente marcada pela origem europeia, estando
social e politicamente isolada, inclusive das outras classes dominadas” (IAMAMOTO;
CARVALHO, 1985, p. 136-137).
O reconhecimento da cidadania do proletariado ocorreu no marco da
redefinição das relações entre o Estado e as diferentes classes sociais e foi
acompanhado de mecanismos destinados a integrar e controlar os interesses dos
assalariados como recurso para o enfrentamento do processo de organização e
lutas autônomas do movimento operário. Em síntese, os eixos da intervenção do
Estado são a repressão à organização autônoma dos trabalhadores, o
reconhecimento dos direitos do trabalho e o sindicalismo controlado (IAMAMOTO;
COSTA, 2016).
No cenário atual em que o realinhamento ao projeto neoliberal assume um
perfil cada vez mais distinto, envolvendo uma combinação e atrelamento da
economia, modos de vida e funcionamento do Estado às determinações do capital
internacional, o modus operandi e o seu consequente discurso tornam-se cada vez
menos reveladores dos propósitos em jogo. O primeiro a ter que se ajustar às novas
modalidades de gestão neoliberal do capitalismo é o Estado, devendo,
primeiramente, reduzir os gastos sociais através da adoção de medidas político-
econômicas de privatização, mercadificação, financialização, administração e
manipulação de crises e redistribuições, via Estado. Como afirma Harvey,

O Estado neoliberal também redistribui renda e riqueza por meio de


revisões dos códigos tributários a fim de beneficiar antes os retornos sobre
o investimento do que a renda e os salários, a promoção de elementos
regressivos nos códigos tributários (como impostos sobre o consumo), a
imposição de taxas de uso (ora disseminadas nas regiões rurais da China) e
o oferecimento de uma vasta gama de subsídios e isenções fiscais a
pessoas jurídicas (HARVEY, 2008, p. 177).

Harvey, ao discutir as principais características do processo de “acumulação


por espoliação”, apresenta a “privatização e mercadificação como aquelas que têm o
48

objetivo de abrir novos campos à acumulação do capital, considerados até então


fora do alcance da lucratividade”. Do tipo utilidade pública, cabe destaque “água,
telecomunicações, transporte”, e à “crescente dilapidação dos bens comuns
ambientais globais: terra, ar e água” (HARVEY, 2008, p. 172-173). Para ele, a
acumulação por espoliação é uma das formas de resolução pelo capital de suas
contradições, tentando eliminar ou alterar tais contradições, ao mesmo tempo que
cria e recria novas contradições.

Tal como no passado, o poder do Estado é empregado com frequência para


impor esses processos mesmo contra a vontade das populações. A
reversão de quadros regulatórios destinados a proteger o trabalho e o
ambiente da degradação tem implicado a perda de direitos (HARVEY, 2008,
p. 173).

1.3 Processo de colonização e especulação: o território em disputa

Apesar do termo ocupação ser encontrado em grande parte da literatura


pesquisada para registrar a chegada dos portugueses à região Norte Fluminense,
neste estudo, será empregado como a noção de colonização. Tal escolha se justifica
pela constatação da presença de várias tribos indígenas ocupando essas terras,
quando os colonizadores aqui chegaram. No processo de colonização, que tem
início com a doação da Capitania de São Tomé, feita por Martim Afonso de Souza a
Pero Góis da Silveira, em 1534, e aprovada por D. João III, em 28 de janeiro de
1536, o que ocorre é uma invasão dos portugueses em áreas já dominadas por
essas populações.
Pero Góis da Silveira, após vários anos de investimento do trabalho de
colonos, de plantarem cana e construir dois engenhos, a cavalo, associa-se, “por
falta de recursos, com Martim Ferreira em Lisboa, pede-lhe sessenta negros de
Guiné", "logo neste primeiro ano", e reclama contra a má qualidade da ferragem
inútil que o judeu lhe manda” (LAMEGO, 1945, p. 54). Após várias conquistas, o
processo de colonização fracassa, os índios se revoltam, em função de suas
tentativas de domesticá-los e de violências a eles também cometidas. Em 1619, Gil
de Góis renuncia à Capitania e as terras são devolvidas à Coroa.
49

Neste caminhar histórico, por aquela planície, uma curiosidade manifestada é


a possível diferença entre o olhar do continente para o oceano, por vezes até
romantizado, e o olhar do oceano para o continente que, desde as primeiras visitas
dos colonizadores portugueses, – cujo marco de propriedade e domínio estão no Rio
Iguaçu e nas grandes áreas de restinga –, conforme registros no Documento,
denominado, “Roteiro dos Sete Capitães”.
É esta a orientação que está presente em todo o processo de construção e de
funcionamento, não só no complexo portuário do Açu, mas em todo o Projeto Minas-
Rio. Estes se fundamentam no aparato repressivo do Estado, através das
organizações militares e da milícia privada das empresas envolvidas, na utilização
da força e repressão, para viabilizar algumas de suas ações. Afinal, “Não há
alternativa”, é a frase definitiva que os neoliberais da autodenominada “world class”
cunharam para expressar, em toda a circunstância, uma inevitabilidade e justificar
suas decisões (SANTOS, 1999, p. 291).

A frase sempre soa como um ponto final no debate e, ao mesmo tempo,


como uma espécie de isenção de responsabilidade pelos efeitos das
medidas tomadas, por mais negativas e predatórias que elas sejam. Os que
resistem ou se opõem, os inconformados e os excluídos são, assim,
desafiados, com cinismo e desprezo, a construírem alternativas e a
comprovarem a sua consistência (SANTOS, 1999, p. 291).

Figura 8 - Invasão da Polícia Militar às terras dos camponeses no Açu

Fonte: Ururau.com, 2013.

Durante o trabalho de campo, junto aos trabalhadores atingidos pelos


impactos do Projeto Minas-Rio e em particular, no Açu, pelo complexo portuário,
observaram-se as diversas ações realizadas no sentido de tentar impedir a invasão
de suas terras e os deslocamentos forçados, bem como os demais rebatimentos
dessas ações sobre as suas vidas e suas histórias, naquele território.
50

Figura 9 - Mapa: Alberto Ribeiro Lamego (1954)

Legenda: 1- Rio Paraíba do Sul; 2- Lagoa do Taí Pequeno; 3- Lagoa dos Jacarés; 4- Lagoa de
Bananeira; 5- Lagoa do Pau Grande; 6- Brejo do Riscado; 7- Lagoa do Taí Grande; 8- Lagoa do
Quitingute; 9- Lagoa da Ostra; 10- Lagoa Salgada; 11- Lagoa de Gruçaí; 12- Lagoa de Iquipari; 13-
Lagoa do Veiga; 14- Rio Iguaçu.

Fonte: Arthur Soffiati, In: Blog Roberto Moraes (2015).


51

Quando Os Sete Capitães, sabedores que dois donatários, João Gomes


Leitão e Gil de Góes da Silveira haviam abandonado uma donataria fazem, por meio
de petição, pedido por sesmaria, “desde o Rio de Macaé, correndo a costa, até o rio
a que chamam Iguaçu, ao Norte do cabo de São Tomé” (...) ao Senhor Governador
Martim de Sá; “a qual nos foi concedida, a dezenove de agosto de mil seiscentos e
vinte e sete, em recompensa de nossos serviços guerreiros, segundo a nossa
petição rezava, no decurso de trinta anos de serviços que prestamos ao Estado. Os
serviços prestados à Coroa, eram fundamentalmente, o extermínio e a expulsão de
índios e a defesa contra os “invasores estrangeiros” (ROTEIRO DOS SETE
CAPITÃES, 2012).
Desde a primeira viagem para o reconhecimento e ocupação das terras aqui
recebidas por colonizadores, na perspectiva desses invasores – os índios já
habitavam essa região – salientava-se a importância do lugar, dada à sua grande
extensão para a criação de gado, para o funcionamento dos engenhos e o
abastecimento das vilas próximas, e da cidade do Rio de Janeiro. Em seguida foi
para a cultura da cana de açúcar, com a possibilidade de transformar os nativos em
força de trabalho escrava, os fatores que mais os motivaram (KNAUSS; SANTOS,
2012, p. 93).
Um registro importante dessa história é a capacidade de resistência dos
índios da Planície Goitacá e do seu entorno à invasão das terras por eles ocupadas.
A primeira tentativa data de 1539, com a construção da Vila Rainha, na margem do
rio Itabapoana.

Depois de obter os primeiros resultados da produção do açúcar, Pero de


Góes embarcou em 1543 para Lisboa, a fim de angariar fundos para dar
continuidade à empresa colonizadora de São Tomé (...), mas ao voltar à
América, encontrou tudo destruído pelos índios goitacá (KNAUSS;
SANTOS, 2012, p. 117).

Toda a insistência dos colonizadores, em reconstruir os engenhos e demais


estabelecimentos para retomar suas atividades, não foi suficiente para impedir a
repetição dos insucessos. “Passados três anos, novos ataques dos índios arrasaram
as benfeitorias realizadas pelo donatário e levaram muitos colonos à morte”
(KNAUSS; SANTOS, 2012, p. 117). Fato que levou o seu donatário a abandonar o
empreendimento e retirar-se de “suas” terras, evidenciando processos de lutas e
resistências dos guerreiros habitantes da planície, principalmente dos Goitacá.
52

No final do século XVI, eram constantes os ataques dos goitacá na longa


extensão que compreendia Cabo Frio, Macaé, Campos, e Espírito Santo.
Mas, se por um lado alguns grupos indígenas eram inimigos dos
colonizadores portugueses, por outro lado, serviram como importante
reserva de mão de obra para a lavoura. Em suma, nas palavras de Jucá, ‘o
controle sobre a terra e a posse inicial de uma mão de obra servil, eram,
sem dúvidas, condições essenciais para a consolidação de sociedade
colonial que nascia em torno da baía de Guanabara’ (KNAUSS; SANTOS,
2012, p. 121).

Assim, o processo de colonização da região só terá início a partir do século


XVII. Em 1677, em meio a desavenças e diferentes contendas, é fundada a Vila de
São Salvador e também a de São João da Barra, poucos dias depois. Tal período é
conhecido na história por acaloradas disputas e lutas, estando de um lado, o
Donatário (Asseca) e de outro os proprietários locais, revoltosos pelas cobranças
abusivas de elevados impostos e por questões ligadas à posse da terra. Mas a
produção do açúcar e a sua mercantilização vai ocorrer somente no século XVIII. “O
próprio crescimento da indústria açucareira, aliado ao crescimento do comércio de
outros produtos, como o café, motivará a expansão do comércio” (RIBEIRO, 2012, p.
32).
Alberto Lamego em “O homem e o brejo”, ao analisar o processo de
ocupação e desenvolvimento da produção do açúcar na região, suplantando a
criação de gado, com tanta pungência econômica, até então, destaca “a fascinação
do homem pela terra, pela qual lutara contra os donatários. Por outro lado, há fome
geral de açúcar” (1945, p. 101).

A imigração ativada é quase exclusivamente portuguêsa até o século XX. O


camponês minhoto, beirão ou transmontano, impossibilitado de melhoria de
vida em suas glebas minúsculas, - quando as possuem -, ou cansados de
cavar braças de solo exhausto entre avassalantes e desanimadoras
penedias de granito, alí chega e pasma de ver a terra fecunda, de posse e
crédito facilitados. E logo também se lança na corrida para o açúcar
(LAMEGO, 1945, p. 102).

Este autor, afirma ainda, que somente ao final do século XVIII, que a Planície
será totalmente dividida e que, no século XIX, o clima de paz instalado com o fim
daquelas primeiras disputas por terra, fará grande progresso a cultura diversificada
desses lavradores que tem na terra o seu instrumento valioso de trabalho e
reprodução de suas vidas e de seus familiares. “Com o estímulo extraordinário da
lavoura, a planície é tão instigada de iniciativas, que, já em 1785, os dados de Couto
53

Reis impressionam pelo contraste com os de pouco mais de trinta anos antes”
(LAMEGO, 1945, p. 104).
Dentre os dados, destaca-se o açúcar, a aguardente, o gado bovino, o gado
cavalar, o feijão, a farinha; o milho, o arroz e o algodão. Informa ainda a existência
de 218 currais; 245 engenhos e engenhocas; 99 teares de tecidos e 3160
fazendeiros com 12.085 escravos, número aproximado ao da população total dos
meados do século XVIII, quando começara o "Ciclo do Açúcar". Lamego observa
que nesse período,

O número de casas construídas pode ser imaginado pelas 51 olarias, que


também fazem tijolos para o gasto e exportação. Mas toda a civilização de
Campos é exclusivamente rural. Toda essa rude sociedade de senhores de
engenho mora no campo. A cidade, ainda um vilarejo, continua lentamente
a progredir com sua casaria térrea de pau-a-pique e tejolos (LAMEGO,
1945, p. 104).

Importante é a trajetória apresentada por Lamego com relação aos


imigrantes. Quando chegam à Guanabara, entre aqueles que sobem as cordilheiras
à procura do ouro, onde a terra é cortada e usada na tentativa de encontrar grandes
tesouros e os que descem a costa e se assentam na planície com o objetivo de
cuidar da terra para então plantar e colher os frutos diversificados que ela
possa oferecer.

É êsse estranho amor à terra, compartido desde a chegada com os


predecessores que por ela havia lutado contra os donatários, que
ergue a cultura da planície. O homem não a quer apenas para esburacá-
la, arrancando-lhe os tesouros das entranhas e abandonando-a logo após,
empedrada de montões de catas e rasgada de buraqueiras inúteis
(LAMEGO, 1945, p. 104, grifo da autora).

Para Lamego, “as formações geológicas de Campos impedem a existência de


bons portos de mar e mesmo de simples ancoradouros ao sul do Paraíba” (1945, p.
81), fato que explicaria o desconhecimento dessas terras por tanto tempo.

Enquanto ao norte e ao sul a colonização se vai espalhando ao abrigo dos


portos de mar, a grande planura excepcionalmente indicada para a cultura
do açúcar permanece invisível. Ao norte da foz do Paraíba, é ainda viva a
memória dos infelizes donatários que fundearam nas mesquilhas enseadas.
Ao sul do rio, o pavor dos pilotos ante o banco de São Tomé distancia a
navegação da planície estéril de areais costeiros que oculta a planície
interna de solo ubérrimo. É só com a passagem dos jesuítas, em fins de
1619, e o seu êxito com os indígenas que nasce a cobiça da terra com o
54

seu conhecimento. E os "Sete Capitães" requerem e obtêm, em 1627,


sesmarias na capitania abandonada (LAMEGO, 1945, p. 81).

Nos séculos seguintes, o processo de “concentração e fragmentação das


terras”, termo cunhado por Lamego (1945), será determinado pelas potenciais lutas
travadas, ora entre os próprios donatários e a população indígena, ora quando “Os
sete capitães” vêm em missão para reconhecimento de sua capitania, após terem
suas solicitações de terras aceitas pelo Senhor Governador6 Martim de Sá, que
recebera de el-Rei uma Ordem Régia, para que todas as donatarias que ficassem
abandonadas fossem concedidas por sesmaria, segundo a necessidade de criação
de gado.
Essa missão tem como objetivo tentar domar os índios e nativos da planície –
pois não adiantariam tantas terras sem mão-de-obra abundante – quando
aparentava consolidado o processo de colonização. Deparam-se com a reação de
Salvador Correia de Sá e Benevides, que assumiu o cargo de governador em 1647.
Apoiado por jesuítas e beneditinos, inicia-se um longo período de violências, revoltas
e crimes na história da Região (LAMEGO, 1945, p. 80-81).
O autor citado, afirma que a luta entre a Igreja, Nativos e Estado durou cem
anos, motivada pela posse do solo fértil, das aluviões fecundas, do cobiçado
"massapê". O combate se inicia com o domínio dos Assecas – àqueles
descendentes da família Correia de Sá – tornando-se:

Complexa de interesses egoísticos, de sutilezas de juristas sem escrúpulos,


de sentenças de juízes venais, de impassibilidades cínicas de régulos
mandatários de atos tenebrosos, em toda ela ressalta, sôbre o fragor das
repressões sanguinolentas, sobre os uivos dos chefes flagelados, sôbre os
lamentos das masmorras no destêrro, o brado vivo do povo inquebrantável,
unido e ululante contra a tirania num tumultuar consecutivo de motins
(LAMEGO, 1945, p. 84).

Feydit (2014), no seu importante ensaio “Subsídios para a história dos


Campos dos Goytacazes: desde os tempos coloniais até a Proclamação da

6
Salvador Correia de Sá e Benevides foi um militar e político português durante a Guerra da
Restauração ao serviço do reino de Portugal,. Destacou-se no comando da frota que, em 1647,
reconquistou Angola e São Tomé e Príncipe, terminando a ocupação holandesa. Foi por três vezes
governador da capitania do Rio de Janeiro (1637-1642, 1648 e 1659-1660); governador da capitania
do Sul do Brasil (1659-1662); governador de Angola (1648-1651) e Almirante da Costa do Sul e Rio
da Prata com superintendência em todas as matérias de Guerra; administrador de todas as Minas
do Brasil e Conselheiro dos Conselhos de Guerra e Ultramarino.
55

República”, afirma que, a partir desse período, os beneditinos utilizaram-se de


expedientes os mais escusos para aumentar seu patrimônio na região dos Campos
dos Goytacazes. O documento elaborado por Salvador Correia de Sá, para tentar
legalizar essas terras que sempre foram alvo de litígios, foi chamado por Feydit de
“escritura diabólica”. Com um longo período de disputas e lutas entre os Assecas
religiosos e colonizadores. Para este autor,

Tal ocupação inaugurou uma era de violência pela rica terra da planície
campista que perdurou até o século XIX, quando os descendentes do
governador Correia de Sá foram definitivamente expulsos da região com o
fim do regime dos morgadios. A raiz dessas lutas foi a oposição entre duas
noções de direito de propriedade, de um lado os que arrogam seus direitos
sobre o solo com base no trabalho e nas marcas deixadas por ele e de
outro os que mantêm suas propriedades baseados nos títulos oriundos,
muitas vezes, de fontes duvidosas e chancelados pelo estado. Os primeiros
que obtêm seu sustento pela terra e dela necessitam para sobreviver em
contraposição aos que se utilizam de suas posses para a obtenção de
rendas, aluguéis e foros enriquecendo de maneira ilegítima e fácil. Entre
legítimos ocupantes e trabalhadores e homens que tornaram sua
propriedade ilegítima perante o olhar do autor pela forma violenta e ilegal de
7
tomada de seus quinhões (GOMES, 2014, p. 4-5) .

Segundo os autores pesquisados, as tentativas de legitimação de propriedade


das terras, aos sete capitães são constantes.

Vemos, pois, numa exceção singular, uma região brasileira vantajosamente


prosperar com o domínio da pequena propriedade em sua evolução
econômico-social sob a indústria açucareira, quando está justamente obriga
todo o resto do litoral ao regime feudal dos grandes latifúndios. Mais uma
vez a imposição do meio geográfico. O desmembramento natural da terra
em faixas de terreno entre lagoas condiciona a dispersão do homem. A
planície inteira é subdividida em numerosas faixas agrícolas, onde a aluvião
cultivável por toda parte se rodeia de águas paradas. A disseminação do
brejo e da lagoa dificultando as comunicações, num ambiente camponês
onde a população tende a multiplicar-se, partilha providencialmente o solo
para a cultura individual. E é tão forte a predestinação do meio com suas
riquíssimas possibilidades para a lavoura, que, não obstante a existência de
quatro grandes senhores donos dessa gleba, o atrativo da terra continua e
continuará chamando o colono para o esfacelamento dos latifúndios.
Assim é que nasce em Campos a indústria do açúcar. Da engenhoca de 4 a
6 fôrmas de açúcar diárias é que nasce o engenho de 30 a 40 caixas. Com
essa multiplicidade individual de iniciativas é que enxameiam as pequenas
fábricas. O desejo da terra acirrado na luta contra os ASSECAS é que leva

7
A preocupação com as fontes primárias, como os documentos encontrados nas bibliotecas,
cartórios e arquivos particulares de Campos é o principal destaque do livro “Subsídios para a História
de Campos dos Goytacazes”, de Julyio Feydit. Outra característica salientada, é a forma crítica de
sua narrativa. Este trabalho vem sendo, “cada vez mais redescoberto pelas novas gerações de
historiadores dedicados a região de Campos dos Goitacazes, jaz praticamente esquecido em poucos
arquivos e bibliotecas do estado” (GOMES, 2014, p. 02).
56

o pequeno foreiro a construir moendas próprias em suas fazendas


penosamente adquiridas. Dessa maneira é que, de 1769 a 1783, no espaço
apenas de 14 anos, se levantam na planície 223 novos engenhos e
engenhocas (LAMEGO, 1945, p. 124).

Do final do século XVII ao século XVIII, Lamego afirma que ainda não havia
os ricaços do açúcar nem de solares grandiosos, a não ser o Colégio de São Bento.
Portanto,

A luta é individual e áspera. Mas é esta luta justamente que nos mostra o
caráter essencial da cultura da planície. A divisão da terra. O equilíbrio
social com a pequena propriedade. A produção é distribuída entre a
população, não obstante "as ciladas", tramas e persuasões dos
negociantes", que se assemelham em todos os tempos (LAMEGO, 1945, p.
107).

Lamego (1945) destaca também que no início do século XIX, as 60.000 almas
da Planície Goitacá ainda são muito apegadas ao solo, tendo como grande desejo a
conquista de algumas braças de terras boas para serem cultivadas. A seguir, ele
chama a atenção sobre esse apego à terra, quando afirma que foi exatamente ele, o
apego, que elevou o número de engenhos nesse período, alcançando um total de
700. Nesse contexto, os lavradores, assim denominados por Lamego, foram
expulsos de suas terras por conta das primeiras usinas a vapor.
O fato estudado nesta tese – os impactos da implantação do maior porto das
Américas na vida de agricultores dessa mesma região – revela que mais uma vez os
camponeses estão impedidos de cultivar e prover, pois suas terras estão sendo
expropriadas.
Para compreensão do processo de expropriação na atualidade é fundamental
analisar as lutas e resistências das famílias atingidas pelos impactos da implantação
e funcionamento do porto, contextualizada sócio- historicamente na produção deste
espaço. Desde as tentativas frustradas dos colonizadores durante mais de um
século, enfrentando a resistência da população nativa, os bravios índios Goitacá não
conseguiram expropriar as terras e os demais recursos naturais.
O eixo importante, nesses diferentes períodos históricos, é o surgimento do
capitalismo numa ponta junto às protoformas das relações capitalistas no campo da
Planície Goitacá, iniciando o processo de industrialização e de acumulação primitiva,
em que a máquina a vapor se destaca no desenvolvimento das forças produtivas, na
concentração de terras e de capital. Na outra ponta, apesar de suas características
57

modernas de desenvolvimento, a persistência do genuíno modus operandi do


capitalismo, como a acumulação primitiva, apenas se adequam. Encontrando-se
presente em todo o processo de acumulação capitalista ampliada e, portanto, nas
etapas de implantação do Porto do Açu.
Neste resgate histórico em que a violência dos processos vivenciados pelos
camponeses guarda interessantes semelhanças com as protoformas desse sistema,
Martins (1991) apresenta uma diferenciação da forma e do sentido que a terra tem
para os sujeitos que lutam por ela. Para ele, a) no processo de invasão dos
portugueses – quando esses espaços já eram ocupados pelos seus antigos
habitantes, denominados por eles de índios; b) nas distribuições de terras por meio
das capitanias reais – sesmarias em que a Coroa, tentava garantir a posse da terra
pelo cultivo e o povoamento como forma de ocupação do território; c) quando se
proíbe o tráfico de escravos e a terra torna-se de fato e de direito uma mercadoria,
que impede a sua posse por esses homens e mulheres libertos, sendo uma das
justificativas a garantia do trabalho livre para a manutenção do trabalho nas
fazendas. Assim, distingue o autor:

A distinção que faço entre terra de trabalho e terra de negócio foi resgatada
da distinção subjetiva que os próprios trabalhadores fazem entre as terras
que eles próprios utilizam e terras que o patrão e proprietário utilizam para
explorar o trabalhador e para especular – para negar o trabalho (MARTINS,
1991, p. 12).

A partir do último quartel do século XIX, o rústico senhor de engenho que


trabalhava de sol a sol na lavoura, envolvendo toda a sua família, e em alguns
casos, incorporava também de três a quatro escravos em suas lidas, tivera um fator
novo a refrear as possibilidades, chamadas pelo autor, de dispersivas. Qual seria
este fator novo a que Lamego se refere? É exatamente a “Era máquina”, o motor se
apresentando como algo que viria a “ajudar o homem e impulsionar o
desenvolvimento coletivo”, na sua visão.
Este motor terá uma função importante no processo de concentração das
terras, no estímulo à monocultura da cana e na redução do número de engenhos
para a criação das usinas de açúcar nesse período (LAMEGO, 1945, p. 128). É o
nascente processo de industrialização, marca fundamental do capitalismo que,
diferente de outros países, aqui será implementado mesmo sem uma sequência de
acontecimentos conflitantes.
58

A manutenção do sistema escravista, no entanto, polariza o país entre uma


estrutura heteronômica (cujo protótipo é a grande lavoura de exportação) e
uma dinâmica autonomizante (centrada no mercado interno). Socialmente,
os agentes burgueses, em simbiose com o quadro vigente, organizam-se
antes como estamento do que como classe, uma situação que só será
rompida com o surgimento do imigrante e do fazendeiro do café na fronteira
agrícola (MUSSE, 2014, p.1).

A revolução burguesa, nos países intitulados de subdesenvolvidos, aconteceu


dentro da ordem existente do sistema colonial, incapaz de irromper elos de
dependência existentes. No Brasil, estabeleceu-se a ordem social competitiva,
comprometida com o capitalismo dependente, a partir de uma burguesia inápta para
realizar a revolução nacional democrática e promover a integração nacional. “O
estatuto colonial foi condenado e superado como estado jurídico-político. O mesmo
não sucedeu com o seu substrato material, social e moral, que iria perpetuar-se e
servir de suporte à construção de uma sociedade nacional” (FERNANDES, 1987, p.
29).
Segundo este autor, as classes possuidoras, ao impor seus interesses à
sociedade, foram capazes de compensar as instabilidades inerentes às condições
de dependência por meio das transferências de renda do “setor arcaico” para o
“setor moderno’, baseadas na superexploração do trabalho e na superexpropriação
dos recursos naturais. Deste modo,

A acumulação originária de capital associou-se, em termos de interesses


comuns defendidos conscientemente, mesmo no nível político, ao fluxo
permanente do capital externo, sem nunca disputar com os centros
hegemônicos sequer as posições estratégicas de controle do crescimento
econômico interno (FERNANDES, 2008, p. 45).

No século XIX, dando continuidade ao processo de repartição das terras a


particulares, ocorridas desde 1532, mesmo após a chamada Independência do
Brasil – e, portanto, já no Império –, até a aprovação da Lei número 601/1850, as
terras foram ocupadas de forma ilegal, ou seja, foram invadidas.
A lei de terras de 1850 no Brasil foi inspirada no plano de colonização da
Austrália, amplamente discutida na Câmara dos Deputados desde 1843, que tinha
como objetivo regularizar a questão fundiária, propondo a compra de terras
devolutas – desocupadas – por meio de pagamento à vista, em dinheiro e sob altos
valores. E ainda objetivava: a legalização das sesmarias doadas até 1822, e das
áreas que, a partir daquela data, estivessem ocupadas por mais de um ano; o
59

registro de todas as terras num prazo de seis meses, sob pena de confisco; a
medição e demarcação dos terrenos, sob risco de serem considerados áreas
devolutas, e a criação de um imposto sobre as terras, que seriam confiscadas em
caso de não pagamento por três anos consecutivos ou alternados. O fracasso foi
inevitável.

Do projeto original, os senadores suprimiram o imposto territorial e a


ameaça de expropriação, substituída por multas. As mudanças
evidenciaram a força política dos grandes proprietários de terra,
especialmente da província fluminense, descontentes com os termos da
proposta inicial (ANGELO, 2007, p. 3, grifos da autora).

Como traço permanente no contexto da questão agrária no Brasil, em


particular, na região Norte Fluminense, destacam-se dois elementos fundamentais
na análise e compreensão do objeto desta pesquisa: a expropriação das terras e a
violência perpetrada aos segmentos despossuídos, como denomina Fernandes
(1973). Isto ocorre, nos processos de lutas e disputas dos índios e senhores de
engenhos (LAMEGO, 1945), escravos libertos (RIBEIRO, 2012), pequenos
produtores e fornecedores de cana (NEVES, 1991); e, neste estudo, os camponeses
e pescadores do Açu em São João da Barra.
Assim se caracteriza o processo de acumulação primitiva ou originária (Marx),
ou acumulação por espoliação, como explica Harvey, com a sua característica
constituinte – a violência.

No Brasil, aos libertos não foram dadas nem escolas, nem terras, nem
empregos. Passada a euforia da libertação, muitos ex-escravos
regressavam a suas fazendas, ou a fazendas vizinhas, para retomar o
trabalho por baixo salário (CARVALHO, 2001, p. 52).

1.4 Luta e resistência dos “despossuídos”

Na tecitura desta análise, as lutas e resistências se apresentam como fios


matizados de uma trama permanente nos diferentes contextos históricos. Desde à
invasão das terras da Planície goitacá, pelos colonizadores europeus, - quando aqui
encontram a população nativa, por eles denominada de índios, - os processos de
luta e resistência podem ser identificados.
60

Embora os invasores tenham exterminado os tamoios e expulsado os


tupinambás na região de Cabo Frio, eles temem os Goitacá por seus atributos
indômitos registrados nas primeiras tentativas, ocorridas no século anterior. Lamego,
afirma que “bem armados guerreiros portugueses não conseguem desalojá-los em
século e meio de penetração” (LAMEGO, 1945, p. 66).

A razão dêste fato está em serem os Goitacases os mais cultos indígenas


do Rio de Janeiro, como os descreve NORBERTO DE SOUSA E SILVA a
página 125 do tomo 17 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, e o seu espírito de altivez para com os outros são disso prova...
São êsse espírito de altivez pela indomabilidade racial e a superioridade
intelectual, demonstrados linhas acima, que nos põe ante o olhar, em
princípios do século XVII, já quase toda a costa brasileira dominada, e
ainda a planície do Paraíba inacessível (LAMEGO, 1945, p. 68).

A luta pela terra na região não foi restrita apenas às classes possuidoras e as
não possuidoras, ou entre os sem-terra e os com terra, mas também com os
"Hereos", que são os herdeiros dos Sete-Capitães e demais pioneiros, com os
colonos-campeiros e com os vaquejadores das boiadas primitivas, de um lado; do
outro, com os grandes senhores que no Rio ou em Lisboa, comodamente, usufruíam
a renda dos territórios usurpados (LAMEGO, 1945, p. 83-84).

Das questões de terras vão nascer despejos, confiscos, conflitos,


sublevações e morticínios. Vão começar as devassas, as prisões e os
degredos. Mas, paralelamente, vai crescer a resistência. Bastaram poucos
anos de contacto, para que entre a terra e o homem se firmasse uma união
indissolúvel.

Com os negros escravizados não foi diferente. O que altera em cada contexto
são as formas de luta e resistência. Na Planície, o “corpo mole”, os incêndios nos
canaviais, as fugas e a organização por meio dos quilombos, as rebeliões contra os
senhores, tendo casos em registro na historiografia de atendados sobre a vida de
capatazes e dos próprios senhores8, são alguns exemplos que comprovam que,
apesar de toda violência e subordinação sofridas, a população negra construiu suas
próprias táticas e estratégias de resistências individuais e coletivas, as rebeliões, às
vezes silenciosas, outras, nem tanto.
Na década de 1870, presencia-se o aumento nos índices da criminalidade
escrava em que se inaugura uma nova fase de rebeldia dos negros. Os processos
8
Para aprofundamento cf: LARA (1988).
61

de resistência e contestação que eram individuais passam a ações coletivas,


alcançando seu apogeu na década de 1880. O aumento das manifestações
escravas indica o descontentamento dessa camada da população com a solução
emancipatória gradualista, e a recusa à ideia de consenso. Destaque-se ainda que,
o aumento da consciência escrava nesse período está intimamente associado à
atuação do movimento abolicionista.
Para Ribeiro (2012, p. 207),

(...) as ações de autonomia e negação ao trabalho dos negros foi entendida


como tendência ao ócio e à vadiagem, já que para os ex-escravos “(...) para
os quais a abolição representara apenas o direito de ser livre para escolher
entre a miséria e a opressão em que viveu (e ainda vive) grande número de
trabalhadores brasileiros”, o direito de escolher viver longe do ideal de
trabalho proposto pela sociedade, antes por ela veementemente atacada,
foi sim a continuação da resistência da luta negra no pós-Abolição.

Para esta autora, o movimento abolicionista não esteve ao lado do liberto na


luta que continuava no pós-1888. Realizada a Abolição, o negro estaria fadado a
lutar apenas com seus próprios meios, sendo inclusive, criticado e vilipendiado pelos
antigos companheiros de luta contra a escravidão (RIBEIRO, 2012, p. 207)

No entanto cabem aqui algumas ressalvas. O cerne do desenrolar da


questão emancipacionista, não residiu na atitude dos fazendeiros com a
realização do Congresso Agrícola, mas sim na pressão gerada pela onda de
queimadas dos canaviais e fugas em massa das fazendas empreendidas
pelos escravos. Foram eles os reais agentes a imprimir pressão tamanha,
responsável pelo completo processo de desorganização do trabalho em que
se via a lavoura campista às vésperas da colheita. Os fazendeiros não
tinham outra opção (RIBEIRO, 2012, p. 23).

As estratégias utilizadas secularmente nos processos de expropriação dos


recursos naturais e, particularmente, da terra, são marcadas pela violência, como é
característica do processo de acumulação primitiva (MARX, 2013) sendo
reinventadas, atualizadas e adequadas aos diferentes contextos históricos,
econômicos e sociais. Para Fontes,

Esse solo social – a expropriação – pode parecer a muitos como


excessivamente simples, até mesmo simplório, para compreender o
capitalismo. De fato, mesmo insuficiente para explicar a totalidade das
relações capitalistas, é, entretanto, sua condição necessária (2010, p. 44).
62

Verifica-se, portanto, a possibilidade de um diálogo permanente entre o


passado e o presente, tendo a terra e todo o processo de expropriação pelas elites –
ou classe possuidoras, para Fernandes (1973) – em constante luta e disputa com os
despossuídos, como os índios, escravos, imigrantes, quilombolas, enfim, com todos
os sem terras, como são chamados hoje pelo MST – Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra.
Para Geiger (1956),

Muitos dos proprietários de terra e cultivadores descendem de agricultores


que ocupavam no passado, as mesmas terras. As lutas passadas pela
posse da gleba, o trabalho contínuo, de gerações, na agricultura da cana
formam no lavrador campista uma tradição e uma consciência tal que, no
caso, se pode falar de verdadeiros camponeses no Brasil (apud
MONTEIRO, 1996, p. 29)

Em sua pesquisa, Monteiro afirma que o processo de ocupação da Barra do


Açu remonta ao século XIX, mas só no meado do século seguinte é que se
intensificou, apesar de se constituir um caminho natural para a Região Norte, desde
os séculos XVI e XIX (1996, p. 16).
Outra questão que o autor chama a atenção e é fundamental para explicar os
fenômenos ocorridos hoje, com a implantação do Porto do Açu, é o fato da região
possuir um ecossistema frágil, e por esse motivo, não suportaria os impactos que a
“proliferação de loteamentos e a expansão urbana promoveram”. Destaca ainda que
essa é a área do Estado do Rio mais importante para a reprodução da tartaruga
marinha (MONTEIRO, 1996).
Destarte, a produção do espaço sobre todo o ecossistema local tem alterado
as qualidades ambientais da região. Nas décadas de 1960 e 1970, ocorreu o
processo de parcelamento da terra urbana pelos próprios proprietários fundiários, e
na de 1980, mediante a atuação de empresas imobiliárias de Campos (MONTEIRO,
1996).
No caso dos camponeses do Açu identificamos o vínculo sociocultural afetivo
que têm com a terra e o território. A relação com a terra, com as roças plantadas,
colhidas, com os animais estabelece um sentido de pertencimento que não se
identifica nos grandes proprietários de terra.
63

1.5 Expropriação do território por decreto

Monteiro (1996) ao analisar a produção do espaço na região de São João da


Barra verificou como era antes do capital imobiliário se efetivar, afirmando que uma
determinada realidade não é fruto apenas de um momento, sendo, portanto,
consequência de uma ação social, historicamente construída.
O atual município de São João da Barra em 1819, tinha 355 casas e 2500
habitantes e em 1825, 4910 habitantes, sendo a maioria mulheres, 2464 contra 2246
homens. No entanto, o desmembramento de São João da Barra de Campos, só
ocorreu em 1850 (MONTEIRO, 1996, p. 30).
Em Campos, a explicação para o acentuado crescimento da sua população,
neste mesmo período, teria sido em função da importação da mão-de-obra escrava
e da vinda de imigrantes.
Para Monteiro, o fenômeno urbano no Norte Fluminense, assume um
comportamento característico, principalmente em São João da Barra, onde um
percentual significativo da população urbana não mora na sede do município, mas
nas vilas e adensamentos litorâneos.
Este autor aponta que uma das possíveis explicações para essa proliferação
de pequenas localidades estaria na estrutura fundiária, especialmente em São João
da Barra, composta de pequenas propriedades rurais.
Outra questão importante para análise é a existência de dois povoados, na
região ao sul do Paraíba e no meio da restinga, desde o final do século XVIII:
Barcelos9 e Pipeiras. Para Monteiro, a maior densidade demográfica nestas áreas
rurais acaba favorecendo a instalação de uma pequena estrutura de serviços de
apoio, ainda mais quando próximas de estradas vicinais (1996, p. 29)

O primeiro engenho central construído no Brasil é o de Quissamã, em 12 de


setembro de 1877. Segue-se-lhe Barcelos no ano seguinte, inaugurado
pelos Imperadores. Entre 1879 e 1880, o do Limão. Em 1880 e 81, os de
Figueira, Conceição, Queimado e Cupim. E pouco depois, em 1885, além
desses, já se encontram fumegando os de São José, Mineiros, Santa-Cruz,
Colégio, Cláudio, Limão, Coqueiros, Fazenda-Velha, Santo-Antônio, São-
João e Pedra-Lisa. Ao todo 17 usinas e mais 6 grandes engenhos
(LAMEGO, 1945, p. 137).

9
Onde se localiza o segundo engenho do Brasil, implantado em 1888.
64

Pipeiras, no censo de 2010, possuía uma população de 5.574 habitantes,


representando 17,02% da população total do município de São João da Barra, que
neste mesmo ano somava 32.747 habitantes. É neste distrito que se localizam as
comunidades rurais e urbanas mais atingidas pelos impactos do Porto do Açu.
Em estudo realizado por Xavier e Quinto Júnior, em 2013, com a finalidade de
apresentar um panorama dos pequenos núcleos urbanos do entorno do Complexo
Logístico Industrial do Porto do Açu – CLIPA – em função das questões territoriais e
ambientais, eles afirmam que:

Segundo o Atlas dos Remanescentes Florestais da Mata Atlântica - 2013 do


INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espacial) ocorreu em São João da
Barra o maior desmatamento na vegetação de restinga no período de
2011 e 2012, num total de 937 hectares (9370000 m²), para implantação do
CLIPA (XAVIER E QUINTO JUNIOR, 2013, p. 119).

Nas mudanças operadas no Plano Diretor do município de São João da


Barra, para viabilizar a implantação do Porto, a passagem do mineroduto, o corredor
logístico e o distrito industrial, o governo municipal, criou um novo zoneamento, em
que transformou quase toda a área de Pipeiras, em macrozona de desenvolvimento
econômico, tomando dos agricultores e pescadores quase todas as terras deste
distrito, que é rural e com altos índices de produtividade no cultivo de alimentos de
subsistência, e também para comercialização.
A terra é um dos recursos naturais, que desde a Revolução Industrial no
século XVIII na Inglaterra, e no Brasil no século XIX, com o consequente
desenvolvimento capitalista, tornou -se passível de apropriação privada.
Para Harvey, o espaço é fundamental para pensar estratégias para saídas
para as crises de acumulação. Assim, as questões da financeirização do capital e a
contradição da ausência ou incapacidade de produção têm na terra rural ou no solo
urbano elementos concretos e fundamentais para o processo de acumulação.
Portanto, as especulações fundiárias e imobiliárias ganham destaque como forma de
garantir investimentos mais sólidos em situações de crise.
Neste contexto, a alteração no Plano Diretor de São João da Barra, tornou-se
imprescindível para o megaempreendimento, que é o Porto do Açu, criando as
condições técnicas e políticas, para a expropriação das terras de camponeses,
pescadores e demais moradores, para entregar para o capital financeiro
internacional, que hoje é representado pela PRUMO Logística, empresa
65

multinegócios criada em 2007, planejada para otimizar o desenvolvimento dos


setores de energia e infraestrutura brasileiros. Desde 201310, “controlada pelo EIG
Global Energy Partners, fundo americano que atua nos setores de energia e
infraestrutura, a Prumo desenvolve um dos mais eficientes e seguros complexos
porto indústria do mundo, o Porto do Açu”11.
A renda de monopólio, considerada como lucro extraordinário de um preço de
monopólio, é definida pelo desejo de consumir certa mercadoria produzida em áreas
restritas pelas condições naturais, como é o caso da região do 5º Distrito de São
João da Barra, particularmente o Açu, na construção do Porto. Este quadro
apresentado na página da empresa PRUMO Logística Global é um dos dados
comprobatórios dos rendimentos extraordinários retirados das terras do 5º distrito,
em São João da Barra.
O Porto do Açu está estrategicamente localizado no norte do estado do Rio
de Janeiro, a aproximadamente 150 km da Bacia de Campos, onde 85% do
petróleo brasileiro é produzido, conforme demonstrado pelo quadro abaixo.

10
Fato relevante, publicado no Diário oficial do Estado do Rio de Janeiro: A LLX Logística S.A.
("Companhia" ou "LLX"); (Bovespa: LLXL3), empresa privada brasileira responsável pela construção
do Porto do Açu, complexo industrial integrado que contempla os terminais T1 e T2, em cumprimento
ao disposto no art. 157 da Lei nº 6.404/76 e no art. 3º da Instrução da Comissão de Valores
Mobiliários nº 358/02, comunica aos seus acionistas e ao mercado em geral que: Em Assembleia
Geral Extraordinária realizada em 10 de dezembro de 2013, foi aprovada a alteração da razão social
da Companhia, que passa a ser denominada PRUMO LOGÍSTICA S.A. com CNPJ/MF:
08.741.499/0001-08, especificada como Companhia Aberta (Ano XXIX, n° 232, parte V de
12/12/2013).
11
Disponível em: http://prumo.riweb.com.br/show.aspx?idCanal=aPTeJS1GrlWgz15OZlz2lg.
66

Figura 10 - O Petróleo e o Porto do Açu: localização estratégica

12
Fonte: Prumo Logística Global, 2014 .

12
Disponível em: http://prumo.riweb.com.br/show.aspx?idCanal=J+nL+S8dBeUoIxUawJygZg==&linguagem=pt.
67

Outro elemento importante foi extraído de uma entrevista ao jornal O Estado


de São Paulo, depois de comprar o ativo de Eike Batista, do presidente da
companhia americana. “Blair Thomas disse que o porto era a joia da coroa do grupo
X, graças à localização privilegiada: ‘O Açu será o ‘hub’ logístico para o
desenvolvimento do pré-sal’” (MARIANA DURÃO, In: JORNAL O ESTADO DE S.
PAULO, 2015).
Para Malagodi (1993, p. 262), a renda fundiária capitalista, mesmo que
apropriada pelo dono da terra, não é decorrência da “terra”, nem do proprietário,
obviamente, porque o produto da terra não é mais o efeito da “ação econômica da
terra. Em seguida observa que “uma coisa é seu “produto da terra, o que
obviamente são todos os produtos agrários, o trigo e o arroz, as frutas e as verduras,
o algodão e a seda, como também as matas e o mel silvestre”. Para este autor,
“outra coisa muito diferente é ser “produto da ação econômica da terra”, distinguindo
do produto da terra, como “tudo que nasce do solo, inclusive sem a intermediação
do trabalho humano” e produto da ação econômica da terra, como sendo
“aqueles produtos que surgem quando os fatores econômicos de produção são
mobilizados pelo poder econômico centralizado da terra”.
Verificadas essas condições, o pacto produzido entre o local e o global na
dinâmica das formas de flexibilizar legislações para a mobilidade do capital avançar
e garantir sua forma de transitar, tem-se no Estado uma função fundante na
produção capitalista deste espaço.
Como afirma Harvey (2005, p. 82), o “Estado capitalista não pode ser outra
coisa que instrumento de dominação de classe, pois se organiza para sustentar a
relação básica entre capital e trabalho”. Ele chama a atenção para uma questão
fundamental no debate e evidenciada no percurso desta pesquisa, que são os
conflitos resultantes dos processos de expropriação das terras e a consequente
expulsão dos camponeses e demais moradores atingidos pelos
megaempreendimentos, condensados no Porto do Açu. Tais fatos são comprovados
nas mudanças das legislações e sua consequente flexibilização para viabilizar o
Complexo portuário.
Na esfera municipal, o Estado apresentou o Projeto de Lei nº 39/2008, que
dispõe sobre o ordenamento distrital do Município de São João da Barra, bem como
sobre seu macrozoneamento, no que tange às áreas de especial interesse, em que
determina:
68

Art. 2° - O território do Município de São João da Barra, no que tange ao


seu macrozoneamento, passa a ser dividido nas seguintes áreas de
especial interesse, detalhadas no Anexo II desta lei:
I - Área Industrial;
II - Área de Interesse Agroindustrial;
III - Área de Interesse Pesqueiro:
IV - Área de Interesse Ambiental. (Lei nº 39/2008 de 31/12/2008).

Como afirmam os atingidos do Açu, a Lei Municipal nº 115/2008 foi publicada


e modificou o ordenamento distrital de São João da Barra, em favor do Distrito
Industrial, acompanhando o decreto estadual de desapropriação. Esta Lei foi
aprovada “na calada da noite, no dia 31 de dezembro de 2008, quando as atenções
estavam voltadas para a comemoração do Ano Bom”. Conforme denúncia realizada
pelo presidente da ASPRIM em exercício, Rodrigo Santos:

O produtor rural perdeu seu sossego de vez, perdeu sua expectativa de


trazermos a esta Casa da sociedade brasileira, (...) as agressões que, do
nosso ponto de vista, estão acontecendo no 5º Distrito de São João da
Barra, por parte dos decretos do Estado, que se iniciaram em 5 de
dezembro de 2008, quando foi uma área decretada como de utilidade
pública para a implementação do distrito industrial, área de
aproximadamente três mil hectares, que continha cerca de 1.408 lotes de
terreno e 77 propriedades.
Esse decreto se tornou sem base porque o que valeria para o decreto seria
a intenção de utilidade pública, mas o município ainda não tinha feito o
zoneamento do solo, que ainda era área rural. Como diz na Constituição, o
poder público municipal tem que determinar onde vai ser a desapropriação,
onde vai ser a área de interesse rural, ou social, ou cultural, ou industrial.
Com essa necessidade, em 31 de dezembro do mesmo ano, quando o
pessoal estava se preparando para comemorar o fim do ano [2008],
iniciando um próspero ano, os produtores rurais foram apunhalados com a
lei de zoneamento, fazendo com que 47% do município fosse destinado
para a área industrial. Só não foi mais de 50% porque o regimento do
município não deixaria, proibiria.
Essa área veio a ser zoneada como área industrial e, quando chegou em 19
de junho de 2009, mais dois decretos do estado foram publicados,
aumentando essa área para 7.032 hectares (ATA DA AUDIÊNCIA PÚBLICA
DA COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA
DA ALERJ, REALIZADA, 13/09/2011).
69

Figura 11 – Mapa: Mosaico do Distrito Industrial de São João da Barra

Fonte: 2ª Vara Comarca de São João da Barra/RJ, Processo de 2010.


70

Tais informações comprovam que esta iniciativa da Prefeita de São João da


Barra foi fundamental para o empreendimento, criando as condições necessárias
para que o governo estadual desapropriasse 7.036 hectares de terra dos
agricultores e pescadores do Açu e, amparada nesse Decreto, os repassasse à
iniciativa privada, no caso, às mãos do empresário Eike Batista, para que assim,
fosse garantida a escolha e permanência do empreendimento neste lugar.
No mapa abaixo, é possível visualizar a reduzida área do município, e
particularmente, do 5º Distrito de Pipeiras, onde o Açu está localizado, reservada às
atividades rurais.
71

Figura 12 – Mapa: Macrozoneamento Municipal – Plano Diretor de São João da Barra

Fonte: Prefeitura Municipal de São João da Barra, 2009.


72

A partir da necessidade apontada pelos atingidos de Conceição de Mato


Dentro em Minas Gerais e do Açu em São João da Barra/RJ, foi elaborado, em
2014, um relatório com a intenção de ser um instrumento que respaldasse algumas
lutas travadas no âmbito do Projeto Minas-Rio.
A avaliação dos participantes dos Encontros das Resistências concluiu que a
Lei Municipal n° 115/2008 – que revisou a Lei Municipal nº 050/2006, que dispõe
sobre o Plano Diretor Municipal de São João da Barra, e estabeleceu o zoneamento
do território municipal, de acordo com as suas perspectivas para o desenvolvimento
do uso do solo –, radicalizou as condições e possibilidades de ocupação do
território, convertendo quase 50% de sua área rural para uso industrial.
O Estado, nas suas três esferas, se antecipa na criação das condições gerais
de produção, seja na alteração e flexibilização das legislações ambientais, seja nas
mudanças operadas no Plano Diretor, retirando as áreas denominadas rurais –
destinadas até então à agricultura e pecuária – e transformando-as em industriais.
Essa concepção facilitou a desapropriação das terras dos camponeses,
possibilitando seu repasse legal aos empreendedores; de início, à LLX,
representada por Eike Batista; atualmente à PRUMO Logística S/A, principal holding
de capital transnacional.
Para Lencioni (2007, p. 5), as condições gerais de produção “articulam [...] o
particular ao geral”. E como afirma a autora, elas são “denominadas de gerais
porque dizem respeito a condições que viabilizam não apenas um capital em
particular, mas um conjunto de capitais”.
A análise do processo de desapropriação das terras do Açu, tomadas dos
camponeses e pescadores, como área destinada à criação de uma Reserva
Particular do Patrimônio Natural-RPPN, como aconteceu, pode ser entendida como
expropriação, processo caracterizado por Marx (2013) como acumulação primitiva e
que Harvey, ao buscar atualizar este conceito, o chamará de acumulação por
espoliação (2012).
Fontes, afirma que:

(...)as expropriações são a contraface necessária da concentração


exacerbada de capitais e que, menos do que a produção de externalidades,
são a forma mais selvagem da expansão (e não do recuo) do capitalismo.
Não se trata de um processo de retorno a modalidades anteriores,
primitivas, mas de um desenvolvimento do capital que é, ao mesmo tempo,
o aprofundamento da tragédia social. Essa é a marca original do capital –
73

seu desenvolvimento propulsa a socialização da existência em escala


sempre ampliada, mas somente pode ocorrer impondo processos
dolorosos de retrocesso social (2010, p. 93).

Em audiência Pública organizada pela Comissão de Defesa dos Direitos


Humanos e Cidadania, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro –
ALERJ realizada em 13/09/2011, o Presidente em exercício da ASPRIM, Rodrigo
Santos denuncia:

O próprio impacto da área de compensação ambiental é maior do que o


impacto do próprio condomínio industrial que está sendo desapropriado dos
produtores rurais. Porque não somente ela, conforme a reserva do Açu, que
vai do Distrito de São João da Barra até o Distrito de Campos, é uma área
equivalente maior do que a área desapropriada de 7.032 hectares (ATA
DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DA COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS
HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ, 13/09/2011).

A soma dos domínios territoriais concentrados pelo Complexo Portuário e


Industrial do Porto do Açu, conforme tabela abaixo, comprova tal análise. Mesmo
retirando a área do Parque Estadual da Lagoa do Açu13 – 8.251 hectares –, já que a
maior parte se encontra no município de Campos dos Goytacazes, ainda se tem um
total de 15.673 hectares, ou seja, mais que o dobro da área desapropriada, que é de
7.036 hectares.

Quadro 1 - Trecho Rio de Janeiro/Norte Fluminense


TRECHO RIO DE JANEIRO/NORTE FLUMINENSE

Fazenda Caruara São João da Barra 4.234 ha


Fazenda Saco Dantas São João da Barra 1.935 ha
Fazenda Pontinha São João da Barra 1.141 ha
Fazenda do Meio São João da Barra 382 ha
Fazenda Palacete São João da Barra 945 ha
Parque Estadual da Lagoa do Açu Campos dos Goytacazes 8.251 ha
Distrito Industrial de São João da Barra São João da Barra 7.036 ha
TOTAL RJ 23.924 ha
Fonte: AGB, 2011.

13
Segundo o EIA/RIMA do empreendimento, a criação deste parque seria para proteger alagados
rasos. No entanto, no projeto original foram retirados: 1.667 ha do corredor logístico, 2,100 do distrito
industrial e mais 5.000 hectares da Fazenda Caruara, destinada a RPPN – Reserva Particular do
Patrimônio Natural, totalizando, 21.882 hectares retirados de área rural, e, que em tese seria utilizado
pelo Porto e o retroporto.
74

A dimensão da investigação além de ser o principal elemento, foi de grande


importância para decifrar alguns “enigmas do capital” nesse processo. Para Marx
(2013), “a história da expropriação que sofreram [os camponeses] foi inscrita a
sangue e fogo nos anais da humanidade” (p. 837). Harvey (2012), em seu livro O
novo imperialismo, afirma que a acumulação “primitiva” já ocorreu, e seu processo
agora tem a forma de reprodução expandida (p. 120).
Tal questão tem gerado interessantes polêmicas, como a protagonizada por
Fontes (2010). Para esta autora, se a acumulação primitiva já ocorreu, como o
afirma Harvey, ela deixaria de ser processo, tornando-se uma etapa superada no
processo de acumulação, denominada por ele de “reprodução expandida”. No
entanto, logo em seguida, no mesmo texto citado, Harvey acrescenta que “parece
estranho qualificar de “primitivo” ou “original” um processo em andamento. Assim, é
mister substituir, daqui em diante, tais termos pelo conceito de “acumulação por
espoliação” (2012, p. 121). Esse processo, como vem ocorrendo em diversos
países e nas regiões brasileiras, com a mundialização dos bens econômicos, tem
possibilitado restabelecer a rentabilidade dos investimentos do capital e “liberar um
conjunto de ativos, (incluindo força de trabalho) a custo muito baixo (e, em alguns
casos, ao custo zero)” (HARVEY, 2012, p. 124).
É o caso do Projeto Minas-Rio, com trabalho escravo, denunciado pelos
Sindicatos de Trabalhadores no Estado do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

No caso da acumulação primitiva que Marx descreveu, isso significa tomar,


digamos, a terra, cercá-la e expulsar a população residente para criar um
proletariado sem-terra, transferindo então a terra para a corrente principal
privatizada da acumulação do capital. A privatização (da habitação social,
das telecomunicações, do transporte, da água etc. na Inglaterra, por
exemplo) tem aberto em anos recentes amplos campos a serem
apropriados pelo capital sobreacumulado (HARVEY, 2012, p. 124).

Lamego, no registro sobre a “Idade da Máquina”, em seu livro O homem e o


brejo, assinala que, quando as moendas de ferro substituem os rolos de madeira, a
instalação do pequeno senhor de engenho vai tornar-se impotente. “Toda a sua
floresta de chaminés vai ser aos poucos derrubada. Toda essa multidão de
"cozinhas de cozinhar açúcar" já eleva, entretanto, a sua produção a cêrca de
10.000.000 de quilos. Mas é uma colmeia comprimida” (1945, p. 135), afirma o
autor.
75

O restante é de proprietários poderosos, que possuem grandes matas


desertas, sesmarias "que nem seus netos as povoarão por si". Sesmarias
que, embora caducas pelo abandono, são retidas por donos fictícios, que
não permitem que um palmo de terra seja cultivado por adventícios. "Tão
grandes sesmarias, que seus terrenos podem admitir de 20 a 30 engenhos".
É quase visível que, sem a máquina, tais latifúndios acabariam partilhados
entre novos senhores de engenhocas. Tão grandes são as possibilidades
do açúcar, que ninguém recua, e, como no passado, nova luta explodiria
pela posse do terreno. E, plantados que fôssem novos canaviais, não mais
sairia dêles o colono (LAMEGO,1945, p. 135, grifo nosso).

Interessante observar na elaboração desta análise os alinhavos que vão


sendo pontilhados entre passado e presente, salientando-se a visão do processo de
industrialização e da consequente divisão social do trabalho realçado pelo autor,
como a possibilidade de finalmente o trabalho coletivo ser realizado em detrimento
do trabalho dos pequenos senhores de engenho, em que produziam o açúcar de
forma individualizada.
Portanto, para ele, chegara, mesmo que tardiamente, o progresso na região.
E no século XXI, são os grandes, os megaempreendimentos que chegam e
transformam a paisagem, as relações sociais, os modos de vida. Novamente, a força
de trabalho que estava imobilizada para o capital, por meio da cultura camponesa, é
proletarizada, contribuindo para aumentar o exército de reserva, como define Marx
(2013), ou o exército de sobrantes14, como afirma Castell (1995).
Para Martins (1994), é o moderno contra o arcaico, desconsiderando que a
industrialização, principalmente no caso das usinas de açúcar, não só fortaleceria a
monocultura, como também a concentração; no caso em tela, da reconcentração
das terras na região. Desconsidera-se, assim, a importância da transformação das
relações sociais no campo.
Deste modo, uma questão que se apresenta novamente é a do
desenvolvimento capitalista, que garante continuidades e rupturas desde o século
XIX ao momento atual. A visão presente em todo o processo de implantação do
Porto do Açu e legitimada pelos representantes dos três Poderes do Estado –
Executivo, Legislativo e Judiciário – abrangendo as três esferas – municipal,
estadual e federal – é que este megaempreendimento traria a redenção para São

14
Para Castel (1995), os sobrantes representam a terceira expressão da nova questão social, é a
constituição [...] de uma população de inúteis para o mundo, no sentido da desintegração destes
indivíduos.
76

João da Barra, Campos dos Goytacazes e demais cidades do entorno do porto,


porém não é isto que apontam os resultados do impacto.
77

2 MEGAEMPREENDIMENTO: CONTEXTUALIZANDO O PROJETO MINAS-RIO

Neste capítulo, o intuito é realizar a contextualização do Complexo Portuário e


Industrial do Açu, no âmbito do Projeto Minas-Rio, mesmo que ainda incompleta,
mas já revelando uma de suas principais contradições, ou seja, como esse
megaempreendimento oferecido pelo Estado na modalidade de parcerias público-
privado, vem por meio do processo de expropriação das terras e a garantia do
crédito via fundo público, viabilizando as condições gerais de produção neste
processo de superacumulação do capital.

2.1 Um histórico da implantação do Porto do Açu

A construção do Porto do Açu, foi capitaneada inicialmente pela empresa


LLX, empresa logística, pertencente ao Grupo EBX, de propriedade do mega-
bilionário Eike Batista.
Este empreendimento, da forma violenta com que foi concebido e está sendo
implementado, vem transformando, não apenas as características naturais dessa
região, mas, sobretudo a história e o modo de vida de seus moradores.
O Complexo Portuário e Industrial do Açu, concebido como um condomínio
industrial, foi em seu projeto original composto por diferentes unidades produtivas,
dentre elas: indústrias siderúrgicas; unidades petroquímicas; unidades cimenteiras;
montadoras de automóveis e usinas termoelétricas. Até o momento, todo o
investimento concentrou-se no porto. A área ocupada pela Unidade de Construção
Naval na implementação do porto é inferior a dez por cento dos 7.036 hectares
desapropriados.
Passada uma década do lançamento da pedra fundamental do
empreendimento, muitas mudanças ocorreram. Uma das mais importante, foi o
processo falimentar do grande idealizador do projeto e responsável pela realização
de todas as parcerias entre os investidores privados e o Estado, à época
considerado o homem mais rico e influente do Brasil e o sétimo mais rico do mundo.
Atualmente encontra-se privado de liberdade, por meio de denúncias de ilicitude e
78

corrupção em todo o processo de articulação e implementação do Projeto Minas-


Rio, e, particularmente no Porto do Açu.
Atualmente quem controla toda a PRUMO Logística e os negócios do Porto
do Açu é o fundo americano EIG, o acionista majoritário (74,6%). É ainda acionista o
Banco Itaú que ficou com uma parte herdada da dívida da LLX e ainda o fundo
árabe de Abu Dhabi, o Mubadala.
A PRUMO em seu site15 afirma que o Porto do Açu consiste em dois grandes
terminais:

Terminal Onshore (T2):


•Cais de 90 km² de retroárea capaz de hospedar diversas indústrias e
movimentar diversos tipos de cargas;
•Technip, NOV, Intermoor e Wartsila, operando desde 2014;
•Edison Chouest – Maior base de suporte offshore do mundo: Operacional
em novembro de 2015;
•BP: Terminal de Bunker disponível no 1S de 2016;
•T-Mult: Operando Bauxita desde 2015 e, Coque, e Container a partir de
2016.

Terminal Offshore (T1):


•Dedicado a minério de ferro e petróleo, com ponte de acesso de 3km de
extensão, 9 piers, canal de acesso e bacia de evolução;
•Minério de Ferro: Anglo American operando desde 2014 - capacidade atual
de 30 Milhões de Toneladas por ano;
•Transbordo de Petróleo: BG começará a operar no início de 2016,
capacidade para 1.2 milhões de barris por ano. Em agosto de
2015, Oiltanking adquiriu 20% da subsidiária do Terminal de Petróleo do
Porto do Açu, a empresa vai operar o terminal de transbordo de petróleo e o
armazenamento em terra no futuro.

O Mineroduto é parte integrante do Sistema Minas-Rio, que liga a mina e


unidade de beneficiamento de minério de ferro da Anglo Ferrous Brazil, em Minas
Gerais, ao Porto do Açu, no Rio de Janeiro. Este é o maior investimento mundial da
mineradora Anglo American, atualmente – US$ 3,6 bilhões – localizado no Brasil.
Trata-se do Sistema Minas-Rio, da Anglo Ferrous Brazil (criada pela Anglo American
em agosto de 2008), que inclui uma mina de minério de ferro em Conceição do Mato
Dentro e uma unidade de beneficiamento em Alvorada de Minas, em Minas Gerais;
um mineroduto com 525 km de extensão.
Ele atravessa um total de 32 municípios, 27 mineiros e 7 fluminenses; e ainda
a participação de 49% no terminal de minério do Porto do Açu, uma joint-venture
com a LLX, uma das empresas do grupo EBX, de Eike Batista, situado em São João

15
Disponível em: http://prumo.riweb.com.br/show.aspx?idCanal=aPTeJS1GrlWgz15OZlz2lg==.
79

da Barra (RJ). Era previsto que em 2012, quando o Sistema Minas-Rio entrasse em
operação, deveria produzir 26,5 milhões toneladas anuais de minério de ferro.
Segundo a Portal Metálica construção civil, para atravessar os 525 km entre a
unidade de beneficiamento e o porto, o mineroduto encontrou muitas interferências,
principalmente rios, além da geografia montanhosa de Minas Gerais. Em alguns
pontos foi necessário “utilizar a técnica de Furos Direcionais Horizontal (HDD), bem
como túneis, entre os quais se destaca o localizado em Sem Peixe (MG), com 1.200
m de extensão”.
Para instalação da tubulação foram abertas “valas com 1,06 m de largura,
utilizando escavadeiras hidráulicas para terreno de 1ª categoria e fresas nos locais
onde houve material de 2ª e 3ª categorias”. A cobertura da tubulação com 0,76 m,
no mínimo. O projeto do mineroduto contém duas estações de bombeamento e uma
estação de válvulas redutoras de pressão. “A polpa contendo o minério de ferro
percorre todo o trajeto do mineroduto em aproximadamente 85 horas e 14 minutos”
(PORTAL METÁLICA CONSTRUÇÃO CIVIL, 2016)
80

Figura 13 - Mapa: Projeto Minas-Rio: no caminho do mineroduto

Fonte: Eduardo Barcelos, 2016.


81

A instalação desse complexo impactou 1.500 famílias de pequenos


agricultores, somente no Açu, município de São João da Barra, com a sua remoção
compulsória; a destruição de grandes áreas de restinga protegidas por lei; a violação
dos direitos constitucionais (art. 265 da Constituição Estadual) da população
residente; as intimidações de agentes públicos e privados, do 8° Batalhão da Polícia
Militar de Campos dos Goytacazes e da segurança da empresa LLX, além de
impactos sobre os assentamentos de Reforma Agrária existentes na Região.

Para garantir os investimentos e a implantação desse projeto, os governos


estaduais [Rio de Janeiro e Minas Gerais] e federal tomaram várias medidas
e criaram uma série de incentivos fiscais. No caso de Minas Gerais,
declarou-se de utilidade pública para desapropriação, em favor da empresa
Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S.A., as faixas de terras necessárias à
construção das instalações complementares ao empreendimento
mineroduto Minas-Rio e à implantação das minas de minério de ferro e da
usina de beneficiamento, localizadas nos municípios de Conceição do Mato
Dentro e Alvorada de Minas respectivamente. Desapropriou também 752
propriedades nos 25 municípios por onde passará o mineroduto. Para
instalação das obras e demais atividades de infraestrutura, decretou serem
de utilidade pública as áreas para intervenção e supressão de vegetação
primária ou secundária, em qualquer estágio de regeneração, localizadas no
Bioma Mata Atlântica, áreas de preservação permanente ou em outros
espaços especialmente protegidos (REPRESENTAÇÃO MPF, 2012, p. 03).

O Projeto Minas-Rio da forma autoritária como vem sendo implementado,


sem a participação da comunidade local, legitimado por Decretos, pode ser
classificado como de total desrespeito àqueles pequenos agricultores, pescadores e
suas famílias, que vivem uma espécie de Estado de exceção (AGAMBEN, 2004).
Este, é a

Prevalência de uma força de lei sem lei, uma força de lei discricionária que,
no entanto, permitida na própria lei, a suspende a fim de preservá-la e, para
isso, rompe com o pacto entre Estado e cidadãos, sujeitando-os à toda
sorte de privação de direitos em nome de uma necessidade qualquer
exterior ao direito (...). Logo, é evidente que os cidadãos sofrem de um ato
de violência perpetrado pelo Estado por razões completamente alheias à
sua própria constituição, a saber, a defesa de seus direitos naturais e de
sua cidadania (LUIZ, 2015, p. 51).

Concepção presente em todo o processo de construção e de funcionamento,


não só no complexo portuário do Açu, mas em todo o Projeto Minas-Rio. Esses se
fundamentam no aparato autoritário do Estado, através das organizações militares e
de suas milícias privadas que se valem da força para reprimir e viabilizar algumas de
suas ações. Como afirma Benjamin (1994, p. 226), “a tradição dos oprimidos nos
82

ensina que o “estado de exceção” em que vivemos é na verdade a regra geral”. O


autor estava vivendo os horrores da ditadura de Hitler naquele período, tendo que
recorrer ao disfarce de pseudônimos; e em seguida, em 1935, se refugia em Paris
(BENJAMIN, 1980).
Entretanto, percebe-se a atualidade de sua crítica no estágio atual de
financeirização do capital, cujo processo de acumulação por espoliação ganha
contornos e semelhanças, tanto na acumulação primitiva, identificada por Marx na
Inglaterra dos séculos XIV e XV, como nos horrores do nazi-fascismo, e hoje na fase
mais consolidada do imperialismo.
Publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, no dia 08 de
dezembro de 2008, o Decreto n° 41.584.

Declara de Utilidade Pública, para fins de Desapropriação, em favor da


Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de janeiro –
CODIN - a área que menciona, situada no Município de São João da Barra,
para o fim de implantar no local um Distrito Industrial.
O Governador do Estado do Rio de Janeiro, no uso de suas atribuições
legais, com fundamento no art. 5º, alínea “i” do Decreto-Lei nº 3.365 de 21
de junho de 1941, e tendo em vista o que consta do Processo
Administrativo n° E-11/30229/2008, decreta:
Art. 1º - Ficam declarados de Utilidade Pública, para fins de desapropriação,
em favor da Companhia de Desenvolvimento Industrial do estado do Rio de
Janeiro – CODIN, todos os imóveis descritos e caracterizados nos Anexos I,
II, III e IV ao presente Decreto, e que se encontram localizados na área de
terras situada no Município de São João da Barra, Estado do Rio de
Janeiro, necessários à instalação do Distrito Industrial de São João da Barra
(DECRETO N° 41.584 de 05/12/2008).

Neste mesmo decreto de 2008, em seu art. 3°, o Governador autoriza a


desapropriação, alegando urgência para fins de obtenção de imissão provisória na
posse, em caso de propositura de medida judicial própria. No entanto, o que se
observa é que toda a área desapropriada está totalmente improdutiva.
Em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo de 15 de fevereiro de
2015, a manchete é bem ilustrativa: Após 7 anos, Porto do Açu fica pronto em abril,
mas só 10% da área está ocupada (Jornal O Estado de São Paulo, de 15 de
fevereiro de 2015).

Até hoje, cerca de 400 pequenas glebas foram desapropriadas.


Aproximadamente, 60% delas foram liquidadas com pagamento do valor ao
proprietário. Outros 150 pequenos produtores resistem aos preços
apresentados, em papeis, segundo eles, “não oficiais” (PESSANHA,
02/02/2015).
83

Com o Decreto número 41.584 de 05/12/2008 foram desapropriados noventa


por cento (90%) das terras do 5º Distrito/Açu impactando 1500 famílias. Isso implica
que, se elas fossem retiradas ao mesmo tempo, mesmo sendo indenizadas pela
desapropriação de suas terras conforme determinado, as famílias estariam
impossibilitadas de permanecerem nas proximidades, abstendo-se das relações
pessoais com familiares e vizinhos, e de cooperação com os demais camponeses. E
ainda, não haveria terra disponibilizada para comprarem e se reassentarem.
Em função da maioria das famílias atingidas ter adquirido aquelas terras por
intermédio de heranças, suas habilidades e modos de viver também vêm sendo
reproduzidos de geração em geração. Portanto, o processo de desapropriação e
consequente concentração de terras oportunizados pela prefeitura de São João da
Barra e pelo Governo Estadual, não apenas expulsam essas pessoas de seus
ninhos, mas as impedem de, caso recebam a sua indenização, comprar outros sítios
nos arredores, pois o que sobrou da área que é considerada rural na região, não é
suficiente para assentá-los.
O espaço criado pela LLX, chamado de Vila da Terra para o reassentamento
compulsório dos camponeses, pescadores e suas famílias, não tem a situação
fundiária legalmente definida e conta apenas com trinta e quatro (34) casas
construídas, com uma pequena área de dois (2) hectares no entorno, para serem
destinadas ao plantio. Além de não garantir toda a infraestrutura necessária para a
produção agrícola, os reassentados foram orientados a não iniciar o plantio, em
especial a de culturas permanentes – como árvores frutíferas – em função da
empresa ainda não ter a propriedade dessa área. Essas terras pertenciam ao grupo
OTHON/Usina Barcelos e se encontram em litígio, e pelas informações dos
moradores, existem dívidas trabalhistas com os ex-empregados da referida usina.
No entanto em matéria publicada em blog, no dia 25 de outubro de 2011, a
representante da CODIN em São João da Barra, Marisa Souza, afirma que:

As desapropriações estão sendo feitas em comum acordo com os


proprietários e que as famílias estão sendo reassentadas em propriedades
iguais ou maiores a que eles viviam. “Além da propriedade, as pessoas
ganham o dinheiro da venda do terreno antigo, recebem a casa com mobília
completa e as propriedades estão preparadas para cultivo com o solo
tratado, adubado e sementes.”

A CODIN, [inacreditavelmente, assegura que] o local criado para reassentar


as pessoas, possui fornecimento de energia, água potável, saneamento,
creche, escola e posto de saúde e 31 casas já foram concluídas e 5 estão
84

em fase de finalização. Os valores pagos pelas desapropriações giram em


torno de R$ 130 milhões (SIDNEY REZENDE, In: BLOG SRZD,
25/10/2011).

A expressão do casal quase octogenário na fotografia abaixo, ao chegar na


terra prometida, dispensa análise das informações dos representantes da CODIN. É
importante observar que usufruem de sua moradia e sua terra, onde plantaram e
cuidaram durante uma vida inteira, cujos quintais se encontram repletos de fruteiras,
em alguns casos, árvores quase da idade dos proprietários, pois são herdeiros, e
acompanharam seu plantio. Agora se veem nesse processo de deslocamento
forçado, empurrados para uma terra inóspita.
Os registros fotográficos têm sido fundamentais nessa pesquisa, pois
contrariamente aos documentos investigados, aos trabalhos de campo realizados, o
acompanhamento às famílias e todo o material de audiovisual analisado, o Estado,
através da CODIN e da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico, bem
como da prefeitura de São João da Barra, insiste em propagar informações
inverídicas da dura realidade vivenciada pela população do 5º Distrito de São João
da Barra.

Esta área, adquirida pelos empreendedores, foi urbanizada e dividida em


lotes com área mínima de 2 ha, nos quais estão sendo edificadas as casas.
Os poucos enquadrados neste critério, [os ocupantes do local, detentores
de direitos sobre a área e que lá residem efetivamente, em lotes inferiores a
10 ha, recebem a proposta de serem reassentados na Fazenda Palacete],
num projeto piloto que está numa área de 1000 hectáres e que é
denominado Vila da Terra recebem casas novas, cujas áreas variam de 68
a 84 e a 109 metros quadrados, mobiliadas, situadas em lotes
urbanizados, com pomares para autoconsumo e área para cultivo (ATA
DA REUNIÃO DE ENCERRAMENTO DA COMISSÃO ESPECIAL RES.
125/2011, ALERJ, 11/04/2012).

A ata da reunião de encerramento da Comissão Especial para estudar e


acompanhar as obras e investimentos do Porto do Açu e seus impactos nos
municípios vizinhos, bem como a construção do corredor logístico, presidida pela
Deputada Estadual Clarissa Garotinho, foi estruturada de forma a manter os
depoimentos dos diferentes atores envolvidos no conflito e que foram coletados
durante o trabalho. Procedimento que contribui para elucidar as contradições desse
projeto, que é o Porto do Açu. Como pode ser observado nesses excertos abaixo:
85

No mais, sem qualquer programa de readaptação, diversas famílias que


optaram pela aquisição de novas residências, foram removidas para os
imóveis prometidos antes mesmo da sua conclusão, bem como deixaram de
plantar em suas terras antes de terem os novos lotes entregues. Algumas
delas, posteriormente removidas para o suposto projeto de reassentamento
denominado “Vila da Terra”, até hoje não receberam o valor da indenização.
Diante das arbitrariedades das ações supostamente provocadas pela
empresa LLX, e possivelmente legitimadas pelo governo do estado do Rio
de Janeiro é evidente que a integridade física e moral dos pequenos
agricultores e pescadores de São João da Barra encontram-se ameaçadas
(ATA DA REUNIÃO DE ENCERRAMENTO DA COMISSÃO ESPECIAL
16
RES. 125/2011, ALERJ, 11/04/2012) .

Segundo a CODIN, na Fase 1 da desapropriação, foram identificadas 151


propriedades rurais, sendo 16 famílias residentes. As residentes foram
remanejadas para a Vila da Terra, onde receberam casas equipadas com
mobília completa, eletrodomésticos e solo próprio para plantio. Cada família
receberá no mínimo 2 hectares de terra, além de um auxílio produção (ATA
DA REUNIÃO DE ENCERRAMENTO DA COMISSÃO ESPECIAL RES.
125/2011, ALERJ, 11/04/2012).

De acordo com o relatório elaborado em 2011, pela Associação de Geógrafos


Brasileiros - AGB:

(...) as garantias previstas no “reassentamento” dos atingidos foram pautas


ocultas e pouco esclarecedoras nas audiências públicas promovidas pelo
INEA e CODIN. Segundo a ASPRIM a discussão sobre os preços
praticados nas indenizações e a nova condição de vida e trabalho já foram
apresentadas às famílias como dadas, inclusive o novo “arranjo
habitacional” do tipo “condomínio rural” previsto na fazenda Palacete e o
preço a ser pago pelo metro quadrado na desapropriação, menos de R$
2,00. Trata-se, neste caso de uma política de reassentamento compulsória,
muito comum nas ações de “compensação” de grandes projetos de
desenvolvimento, onde acredita-se que a troca de “terra por terra” atende
aos critérios de sustentabilidade dos empreendimentos, se eximindo de
considerar os efeitos destes deslocamentos nos modos de vida das
populações e em suas relações afetivas, simbólicas, culturais (2011, p. 44).

Considerando-se a hipótese de que todas as famílias aceitem ser


transferidas, primeiramente não haveria casas e terras para todas e, em segundo
lugar, elas poderiam ser novamente expulsas a qualquer momento.
No entanto, é preciso considerar que estamos falando de agricultores que têm
uma relação afetiva e de real pertencimento à terra, que vem há anos cultivando e
que em nenhum momento colocaram as suas terras à venda. Então, mesmo se a
Vila da Terra oferecesse todas as condições necessárias para continuar a viver e

16
Comissão Especial para estudar e acompanhar as obras e investimentos do Porto do Açu e seus
impactos nos municípios vizinhos, bem como a construção do corredor logístico, presidida pela
Deputada Estadual Clarissa Garotinho (ALERJ, 2011).
86

trabalhar (plantar, colher e viver do fruto do seu trabalho), haveria resistência em


função dessa consciência de pertencimento, da tradição familiar, com uma pertinácia
digna de admiração dos valores culturais, afetivos e simbólicos, que estão sendo
desrespeitados.
No Relatório elaborado pela AGB (2011), além dos produtores da agricultura
familiar, outro grupo apresentado e muito impactado foi o dos pescadores
artesanais. Devido às dimensões do Complexo do Açu e a destruição das áreas de
restinga e lagoas naturais, vem ocorrendo uma limitação de acesso ao mar. É
importante destacar que 58% do perímetro costeiro do município será controlado
pelo grupo X. Além do mais, haverá alteração na rota e na distribuição das áreas de
pesca, com medidas de ajustamento e disciplinamento da pesca artesanal; aumento
de fluxo e tráfego das megaembarcações; deslocamento dos cardumes e pescados;
construção de jaquetas e plataformas de petróleo; provável instalação de empresas
de pesca industrial e possível derramamento de óleos e águas de lastro, além do
impacto em toda a biota.
No próprio Relatório de Impacto Ambiental-RIMA, que objetiva auxiliar no
processo de licenciamento ambiental para emissão da Licença Prévia (LP) para
construção e operação das Infraestruturas do Distrito Industrial de São João da
Barra (DISJB), é descrito os impactos sobre o meio socioeconômico. Com o
subtítulo: “Alteração do Modo de Vida da População Local e das Formas de
Apropriação e Uso da Terra”, na página 77, é salientado que:

A área do DISJB é atualmente ocupada por pequenas, médias e grandes


propriedades agrícolas, e por residências. Toda essa área, que compreende
aproximadamente 7.036 hectares está sendo objeto de desapropriação,
seguida de indenização e/ou realocação. Segundo os estudos da LLX, na
área há atualmente 581 famílias proprietárias ou inquilinas de lotes, os
quais são utilizados para fins residenciais e/ou produtivos. Resumidamente,
o impacto sobre os modos de vida e economia local encontram-se
circunscritos pelo:

●Rompimento de relações de vizinhança e comunitária existentes;


●Desestruturação de relações simbólicas da população com o lugar;
●Desestabilização da estrutura agrária local pela mudança dos padrões de
apropriação da terra;
●Interrupção de práticas locais de produção e de subsistência (RIMA, 2011,
p. 77).

A concepção e execução do Complexo se fundamentam no autoritarismo de


suas ações. A presença do Estado tem sido mais forte por meio dos órgãos de
87

repressão com maior visibilidade no 5º Distrito/Açu, em São João da Barra,


principalmente, no momento de expulsão desses agricultores de suas terras, ao
invés de garantir-lhes os direitos constitucionais.
O processo de remoção forçada viola tanto o art. 6º da Constituição Federal,
que prevê o direito à moradia, ora infringido pelos decretos de desapropriação em
curso, como a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, com destaque para o seu
artigo 265. Ele garante que os projetos governamentais da administração direta ou
indireta, que exijam a remoção involuntária de contingentes da população, deverão
cumprir, dentre outras, as seguintes exigências:

I – Pagamento prévio e em dinheiro de indenização pela desapropriação,


bem como dos custos de mudança e reinstalação, inclusive, neste caso,
para os não-proprietários, nas áreas vizinhas às do projeto de residências,
atividades produtivas e equipamentos sociais;
II – Implantação, anterior à remoção, de programas socioeconômicos que
permitam às populações atingidas restabelecerem seu sistema produtivo
garantindo sua qualidade de vida;
III – Implantação prévia de programas de defesa ambiental que reduzam ao
mínimo os impactos do empreendimento sobre a fauna, a flora e as
riquezas naturais e arqueológicas.

O descumprimento do que determina a Lei, pode ser observado na forma


como a repressão e a violência vêm sendo utilizadas pelo Poder Público e pelo
grupo LLX, para tomarem as terras dos agricultores e expulsá-los de suas roças,
casas e plantações. O caso de Dona Rute, uma senhora com quase 100 anos à
época, que morava sozinha, numa área próxima à Barra do Açu, é trágico e ao
mesmo tempo emblemático, para elucidar os processos de remoção forçada
vivenciados no Açu.

Quando foi um dia, apareceu uma turma, até Assistente Social apareceu aí,
dizendo que eu ia sair de lá, aí, quando passou uns dias, um tio dela ali me
levou para São João da Barra enganada, eu não sabia não. Aí chegou lá,
eles me botaram sentada, eu conversando com o advogadozinho novinho e
uma moça, aí toca jogar conversa pra cima de mim, mas não sei tudo, o que
é o bom, o que é o ruim, aí fui só escutando, aí daqui a pouquinho vieram
com um cafezinho assim... aí depois que eu tomei um cafezinho, o
advogado veio com um negocinho assim, todo cheio de pauzinho do lado,
aqui em cima era uma coisa e aqui embaixo era outra, aí o negócio, um
potezinho assim, redondinho. Pegaram meus dedos à força, começaram a
molhar os meus dedos e manchar no papel (DONA RUTE, 2011).
88

Este depoimento consta no documentário “Ignorados”17, ela conta que foi


convidada para uma conversa e um “café” na sede da CODIN, na tentativa de que
ela aceitasse ser reassentada na Vila da Terra. Mas, ao retornar à sua casa - após
ter sido forçada a “fichar” com suas digitais um documento de aceitação ao
programa - encontrou sua casa onde morou por toda a vida, demolida. Ela nos
contou também, que em seguida ao procurar as empresas responsáveis, para ser
reassentada, eles negaram a sua inclusão no programa. Em depoimento para o
documentário, Rodrigo Santos Silva - Vice-Presidente da ASPRIM, afirma:

Na questão da Dona Rute, a gente percebeu que ela tem quase cem anos,
a gente constatou que ela vai fazer [cem anos agora em setembro de 2012],
e, a filha dela, ela foi sondada e procurada pela CODIN junto com a LLX,
para poder dar uma nova casa pra ela. Eles convidaram eles a irem na sede
da CODIN, em São João da Barra, Dona Rute foi sem saber muito bem do
que se tratava. Quando chegou lá, falou pra ela que era pra ela fechar o
documento que ela ia ganhar uma nova casa e a filha dela teve que assinar
dizendo que seria bom pra eles ganharem um novo lar, com tudo
estruturado, com toda mobília, com todo conforto. Quando ela chega em
casa, a casa já estava derrubada, ela já sem o seu lar e quando foi procurar
a empresa, a empresa disse que não tinha casa para ela, que era pra ela
correr com o seu direito de justiça, porque a casa dela estava sendo
demolida para dar local, para dar lugar ao Complexo Industrial
(DOCUMENTÁRIO IGNORADOS, 2012).

Nesse mesmo documentário, o caso da remoção da família de Dona Maura,


que foi acompanhado pela autora, considerado o ato mais violento e arbitrário já
presenciado, comprova, não apenas a violação ao artigo 265 da Constituição
Estadual, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1989), o Art. 5º da
Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: inciso XV - é livre a locomoção no território
nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens; dentre outros.”
Após todo tipo de pressão psicológica da equipe que reúne profissionais da
CODIN e da LLX, na época, para que a família fosse afastada de suas terras e de
sua moradia, uma máquina gigante, escavadeira, entrou na propriedade e foi
cavando uma vala bem profunda em torno da casa, no sentido de insular os

17
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dpM_QLX9svM&t=227s.
89

moradores, desrespeitando o direito de ir e vir forçando-os a abandonar suas


propriedades.
Outra forma de terrorismo praticada é a cercadura das propriedades com
arame farpado, prática comum nas invasões realizadas pela parceria CODIN e LLX,
nesses oito anos que sucederam a promulgação dos decretos de desapropriação do
V Distrito em São João da Barra. No caso de Dona Maura, ela e a família foram
obrigadas a andar uma distância enorme para sair da área expropriada. Este fato
agravou a expulsão e o despejo de sua casa, tornando-se ainda mais cruel.
Com um efetivo descomunal de repressão em torno de cem homens,
englobando policiais militares e milicianos18 e mais a cerca que impedia a saída livre
da família e de nossa entrada, as máquinas utilizadas para a destruição das
moradias, das árvores frutíferas e de todo o quintal, eram monstruosas. Elas
compunham um cenário apavorante, além de imbuído de muita dor. No depoimento
dessa mãe, a violência do ato dessa remoção forçada, torna-se, ainda mais bárbaro
e desumano, como pode ser comprovado aqui:

Chegou uma mulher lá e disse que ia me dar cinco minutos para mim sair
da casa. Aí eu disse que não saía não, porque a casa era minha. Aí ela
disse, mas vai sair agora, se não invado aí, meto o pé pra dentro e apanho
à força. Aí eu disse, não saio! Aí ela disse, vai sair, porque vocês invadiram
aqui, aí eu disse... não, não invadi não, porque a casa é do meu pai. Aí ela
disse que invadi, invadi. Aí eu disse que não saía não. Aí, ela entrou pra
dentro, agarrou as crianças e carregou pro sol, ficou tudo cheio de cocô lá
no sol, as crianças, e disse que...eu mandei meu irmão sair do sol com as
crianças, aí o policial cercou, quatro policial cercou ele, pra ele não entrar.

A polícia foi entrando e apanhando tudinho, botou os empregados dele pra


apanhar tudo. Saiu tombando leite no meio da casa... tudinho... O remédio
da senhora? O remédio meu apanhou tudinho, levou...aí disse que ia deixar
aqui, que era pra nós embarcar no carro deles...em carro de ladrão eu não
embarco não, eu embarco no carro dos meus irmãos, mas não embarco em
carro de ladrão. Aí tá bom, vou levar lá pro depósito. Pra apanhar vai ter
que ir pra justiça, pro juiz e tudo... e como que não teve juiz pra eles roubar
a gente?

18
Em tese de doutoramento, intitulada “Discursos sobre a milícia:
nomes, vozes e imagens em movimento na produção de sentidos”, Costa (2011, p. 7) afirma que na
Wikipédia milícia tem seu sentido atualizado enquanto grupo criminoso. Nessa mesma enciclopédia,
encontra-se milícia (do latim militia) como a designação genérica
das organizações militares ou paramilitares, ou de qualquer organização que apresente grande grau
[1]
de atuação. Stricto sensu, o termo refere-se a organizações compostas por cidadãos comuns
armados (apelidados de milicianos ou miliciantes), ou com poder de polícia que, teoricamente, não
integram as forças armadas ou a polícia de um país. As milícias podem ser organizações oficiais
mantidas parcialmente com recursos do Estado e em parceria com organizações de carácter privado,
muitas vezes de legalidade duvidosa (WIKIPEDIA, 2015).
90

Levaram o leite da minha filha, levou mamadeira... minha filha agora não
quer mamar porque tava acostumada com aquela mamadeira, levou o leite
todinho, levou as carnes, carne seca do sol, levou carne assada, levou
feijão que eu tinha cozinhado na quarta-feira, daí ninguém jantou, ninguém
queria jantar, aí levou meu feijão cozinhadinho que eu cozinhei, minha
carne assada, levou minha roupa todinha, levou tudo... levou minhas
calcinhas, as cuecas dos meus filhos...tudinho. [...] Meus cobertores, meus
tapetes... O cobertor também? É.…tudo! Levou tudo, meu fogão, dois
botijões de gás, cinco galões de água, eu comprei um galão d’água, o
homem queria o galão, aí teve que botar nos depósito pra poder dar o
galão... (DOCUMENTÁRIO IGNORADOS, 2012).

Logo após esse processo violento vivenciado com sua família no ato de
expulsão, tendo toda a sua mobília, eletrodomésticos, roupas, alimentos, objetos
pessoais, dentre outros retirados violentamente por agentes do poder público e
levado para o depósito, essa senhora, após ser acometida por uma depressão
profunda, teve sua saúde agravada e foi internada em um hospital psiquiátrico em
Campos dos Goytacazes, com transtornos mentais graves. Dona Maura faleceu em
20/01/2017.
Tal processo é apreendido pelos sujeitos envolvidos como um “monstro” que
ronda e desestabiliza a vida pacata, honesta e de trabalho que eles sempre tiveram.
Isso tem levado esses camponeses a achaques e adoecimento físico e mental,
impossibilitando até que alguns deles sobrevivam aí, e se mantenham as atividades
na lavoura. As ações políticas de luta em curso, visam a resistir aos descalabros
desse processo expropriatório de suas terras, patrocinado pelo Estado e pelo capital
financeiro.
As desapropriações no 5º Distrito/Açu devem ser entendidas, não apenas
pela necessidade de aquisição das terras para implantação do Complexo Industrial e
Portuário do Açu, como tentam passar os meios de comunicação. As
desapropriações são muito superiores às necessidades operacionais do Complexo.
Elas fazem parte do mecanismo de concentração de terras, que intensifica o
processo de acumulação de capital fundiário. Este processo de acumulação
realizado por tal empreendimento vem tentando destruir o processo de construção
da autonomia dos pequenos agricultores e pescadores, na tentativa de reduzir suas
ações de resistência, separando-os do seu meio fundamental de produção, que é a
terra. Vera Telles (1998, p. 04) afirma que,

Colocar os direitos na ótica dos sujeitos que os pronunciam significa, de


partida, recusar a ideia corrente de que esses direitos não são mais do que
a resposta a um suposto mundo das necessidades e das carências. Pois
91

essa palavra que diz o justo e o injusto está carregada de positividade, é


através dela que os princípios universais da cidadania se singularizam no
registro do conflito e do dissenso quanto à medida de igualdade e à regra
de justiça que devem prevalecer nas relações sociais. Para além das
garantias formais inscritas na lei, os direitos estruturam uma
linguagem pública que baliza os critérios pelos quais os dramas da
existência são problematizados em suas exigências de equidade e
justiça (grifos da autora).

Nos primeiros anos, a ideia difundida na mídia, repassada pelos responsáveis


do empreendimento aos pequenos produtores e pescadores artesanais, foi a
desistência da luta pela terra. Na concepção desses segmentos, o trabalho nela
desenvolvido era penoso e desvalorizado. Assim, a implantação do Complexo seria
uma excelente oportunidade para que fossem transformados em “operários
industriais”, tendo em vista as novas perspectivas econômicas e os novos postos de
trabalhos que surgiriam com o empreendimento.
De fato, na fase inicial, em que as obras de implantação do Complexo ainda
estavam ocorrendo, eles poderiam ser até operários da construção civil e de outras
atividades precarizadas. E depois da conclusão das obras, eles serão incorporados
no processo de operação do porto? Os meios de comunicação divulgavam de forma
massificada, que o Complexo traria o “desenvolvimento” para uma região
considerada “atrasada”, porque ocupada apenas pela agricultura familiar e pela
pesca artesanal. E hoje, depois das sucessivas crises?
Essa região, com a chegada do porto e de todo o complexo, que os ditos
formadores de opinião denominavam de “moderna”, tida como geradora de trabalho
e renda, teria seu centro econômico na atividade industrial de ponta, partindo do
processamento e exportação de produtos primários, minérios, e chegando à
fabricação de automóveis, destinados à exportação. De outro lado, a organização
dos trabalhadores, camponeses e pescadores que vêm insistindo em permanecer na
terra e lutando pela manutenção de suas formas de vida passadas de geração em
geração, é considerada uma luta contra o progresso da Região, do Município, do
Estado e do País.
No entanto, como nos ensina Martins (1993, p. 54-55),

Tradicional e moderno não estão polarizados, mas contraditoriamente


combinados. Essa é a forma que a acumulação capitalista assume nesta
sociedade, que se dá, também, através dos incentivos fiscais, das isenções,
das doações do Estado, da transferência da riqueza pública para o
particular. (...). Um capitalismo que vive, ainda, da renda da terra, que é
forma absolutamente irracional de acumulação.
92

Neste contexto, pode-se afirmar que o CIPA se apresenta como uma


armadilha, uma violenta forma de pressão sobre os pequenos agricultores familiares
e pescadores. Alguns segmentos da sociedade, motivados apenas por interesses
econômicos no empreendimento, utilizam-se dos meios de comunicação e tentam
criar e reproduzir a visão de que as lutas travadas pelos atingidos no 5º Distrito, seja
considerada uma ação antiprogresso, isolada, e, por conseguinte, contra o
desenvolvimento, particularmente, regional.
Devido à nossa inserção na área, em função dos trabalhos de campo e do
acompanhamento às famílias camponesas e pescadoras, foi possível identificar que
há sítios centenários naquela região, sob os cuidados de um mesmo núcleo familiar.
Eles vêm conquistando uma produtividade cada vez mais alta, comparada a outros
municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo o relatório elaborado em 2011, pela Associação dos Geógrafos
Brasileiros - AGB, as práticas agrícolas familiares no município de São João da
Barra se mostram,

De significativa importância para a reprodução social dos agricultores e


pescadores artesanais. Em 2009, foram 4.600 mil frutos de abacaxi, 200
toneladas de batata-doce, 179.200 toneladas de cana, 600 toneladas de
mandioca, 100 toneladas de melão, 100 toneladas de tomate, 35 toneladas
de banana, 1.600 mil frutos de coco da baía, 2.100 toneladas de goiaba, 54
toneladas de laranja, além de ser o maior produtor de maxixe e quiabo do
estado do Rio de Janeiro” e o “terceiro maior produtor de pescado” (2011, p.
40).

Por meio do acúmulo de saberes e das habilidades adquiridas no manejo do


solo para o cultivo, na compreensão e adequação às variações ambientais,
climáticas ou pluviométricas, e ainda às peculiaridades do solo, mesmo se tratando
de um terreno altamente arenoso, numa área de restinga, todas essas práticas
agrícolas têm sido desenvolvidas, respeitando o meio ambiente, em primeiro lugar.
Mesmo a restinga, que é considerada muito jovem, pois possui em torno
3.000 anos, inscreve-se numa relação harmoniosa com a agricultura e a pecuária
em pequenas propriedades, sem causar maiores danos a todo aquele complexo
sistema. Como demonstram esses dados:

Segundo o Censo Agropecuário 2006, registrou-se 279 hectares de


horticultura/floricultura e 9.641 hectares disponíveis para criações diversas
(muares, bovinos, equinos, caprinos) nos estabelecimentos rurais. Nos
aspectos conservacionistas, as práticas de uso pouco impactaram o
93

município, registrando-se em 2006 apenas 109 hectares de pastagens


degradadas e nenhum registro para terras erodidas, desertificadas e/ou
salinizadas (Censo IBGE, 2006). Ademais, o município é também o terceiro
maior produtor de pescado do estado (AGB, 2011, p. 40).

Outro dado significativo para este estudo é que na produção de alimentos


para o grupo de proprietários atingidos, além de uma atividade de reprodução da
vida e de comercialização dos produtos colhidos, percebe-se também uma sensação
de pertencimento e permanência dessa população naquele território.
O Relatório de visita à Região do Porto do Açu, elaborado pelo Núcleo de
Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (2013), afirma:

É sempre bom lembrar que a agricultura familiar é de grande importância,


responsável por 80% (oitenta por cento) do total de alimentos produzidos no
Estado do Rio de Janeiro, embora apenas 20% da população do Estado
estejam radicadas no campo (p. 07)

Tratando-se de responsabilidade do Estado adotar ações necessárias para


promover e garantir a segurança alimentar foi editada a Lei Orgânica de
Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), lei 11.346 de 15/09/06, que
criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) (p.
11).

Neste sentido, é importante destacar também o que discorre o artigo 225 da


Constituição Federal de 1988, que garante a qualidade de vida ao povo.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,


bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
IV - Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente,
estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (BRASIL,
1988).

Constata-se, pois, o desrespeito permanente aos direitos desses sujeitos


sociais. Eles foram preteridos, em favor da consolidação de um plano econômico
que viola os direitos inerentes às comunidades tradicionais, bem como as condições
de vida das famílias atingidas que estão sendo violentamente transformadas. O
processo de separação das terras dos pequenos agricultores rurais, de seus meios
de produção, tende a convertê-los em potenciais trabalhadores assalariados.
94

No citado “Relatório de visita à Região do Porto do Açu”, elaborado pelo


Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro,
(2013), os Defensores públicos advertem:

De todo o exposto, tem-se que a desapropriação das terras dos agricultores


do 5º distrito com a perda da área de plantio, sem uma contrapartida
adicional robusta além da indenização pela terra, caracteriza violação à
segurança alimentar dessas famílias, porque lhes tolhe a possibilidade de
subsistência, forçando seus integrantes a migrar para outras ocupações e,
na sua impossibilidade, até mesmo para as ruas ou programas assistenciais
(2013, p. 10).

Tal processo é um “monstro”, no dizer de alguns camponeses ao se referirem


ao porto, “que ronda e desestabiliza a vida pacata, honesta e de trabalho” que eles
sempre tiveram. Para Jeha (2007, p. 7)

Os monstros desempenham, reconhecidamente, um papel político como


mantenedor de regras sociais. Grupos sociais precisam de fronteiras para
manter seus membros unidos dentro delas e proteger-se contra os inimigos
fora delas. (...). O monstro é um estratagema para rotular tudo que infringe
esses limites culturais.

Quanto à natureza dos impactos do CIPA e o retorno à população dos


resultados de estudos socioeconômicos – dentre outras exigências dos órgãos
responsáveis pela liberação das licenças, principalmente as ambientais – estas
questões não fazem parte das agendas, nem das classes dirigentes e muito menos
dos setores que representam o conjunto das mídias, como os canais de TV, os
jornais impressos e digitais e alguns sites e blogs. No entanto, os projetos
relacionados aos grandes investimentos econômicos, voltados para o chamado
“progresso” e para “desenvolvimento regional”, são incorporados nos discursos
difundidos pela mídia e transformados em verdadeiras panaceias, ganhando
destaques nos meios de comunicação.
Acosta afirma, que o desenvolvimento é um fantasma inalcançável, apesar da
maioria das pessoas não acreditarem em fantasmas, mas que certamente, em
algum momento acreditou no “desenvolvimento”, se deixou influenciar pelo
“desenvolvimento”, perseguiu o “desenvolvimento”, trabalhou pelo
“desenvolvimento”, viveu do “desenvolvimento”... E é muito provável que siga
fazendo isso ainda hoje (2012, p. 198).
95

Portanto, um modelo de desenvolvimento onde (a) “o ser humano sujeito de


direitos esteja no centro dos processos; (b) a economia seja considerada pelo que
ela é, um instrumento, e não um fim em si mesmo, desvinculada de valores”
(RODRIGUEZ, 2009, p. 8), é incompatível com os estudos técnico-científicos
produzidos pelas universidades e demais órgãos técnicos competentes, que
indicavam um conjunto de problemas, ou seja, de impactos que estes projetos
poderiam provocar. Fatos que este estudo vem confirmar.
O próprio conceito de desenvolvimento é uma questão que necessita de uma
reflexão mais aprofundada, pois neste trabalho se relacionada não apenas às
expectativas iniciais dos trabalhadores camponeses, pescadores e demais
moradores com a chegada do megaempreendimento, mas principalmente, com as
lideranças políticas, pesquisadores e os meios de comunicação em geral. Para
Acosta, o desenvolvimento como proposta global, foi institucionalizado em 20 de
janeiro de 1949. Nesta época, o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, no
“quarto ponto” de seu discurso perante o Congresso, definiu a maior parte do mundo
como sendo “áreas subdesenvolvidas”. E anunciou que todas as sociedades teriam
que perseguir uma só meta: “o desenvolvimento” (2012, p. 198). Com esta
perspectiva, segundo este autor, desde o início da Guerra Fria, do discurso da
necessidade de superação do atraso, das condições de subdesenvolvimento de
alguns países e regiões, surgem planos, programas, projetos, e até metodologias e
manuais são criados, dentre outras ações, “para alcançar o desenvolvimento. (...) A
corrida em busca deste objetivo ansiado e esquivo ainda não terminou” (2012, p.
198).
No presente caso, a articulação realizada pelo Estado, o Capital e o Direito
para viabilizar o Projeto Minas-Rio e, particularmente, o Complexo Industrial e
Portuário do Açu, tem o desenvolvimento e o progresso como as justificativas para a
utilização e realização de todos os arbítrios contra a população residente no local e
as violações socioambientais. Isto ocorre depois de quase 70 anos que o grande
capital, representado pelos Estados Unidos da América institucionalizaram, o que já
ocorria desde o período colonial, “que é a taxa mais alta de exploração do trabalho
nas colônias e que Truman passou a denominar de países subdesenvolvidos. O que
Marx já havia revelado em seus estudos da renda diferencial. Em seguida ele
completa: “a grande produção de produto excedente não se deve à fertilidade da
terra, mas à divisão internacional do trabalho”.
96

Com uma área de 7.036 hectares próxima à costa do continente, com obras
de abastecimento de água, esgoto, drenagem, além de vias de acesso aos lotes do
porto, estão previstas para o DISJB: unidade de construção naval; fábrica de
automóveis; fábricas de cimento; fábricas de peças pré-moldadas de concreto;
indústrias mecânicas; fábricas de máquinas e equipamentos; fábricas de autopeças
e eletrodomésticos; unidades siderúrgicas; outras fábricas e serviços associados às
atividades industriais e portuárias.
O que se tem presenciado é que o respeito e a garantia dos direitos humanos
que deveriam se “constituir como uma nova “condicionalidade” nas opções
econômicas [e que fosse] imposta à busca simultânea das grandes prioridades,
como o emprego, o respeito ao meio ambiente e das comunidades (...) e a
distribuição da riqueza” (RODRIGUEZ, 2009, p. 08), não têm sido o eixo das
preocupações do Estado, do Grupo EBX/LLX e nem dos setores da sociedade que
se mantêm alheios às expropriações das terras dos camponeses do Açu, às
violações aos direitos humanos e a todos os desrespeitos a que eles estão
submetidos.
Assim como Rodriguez (2009), que busca conciliar um modelo de
desenvolvimento e o respeito aos direitos humanos e a garantia da distribuição da
riqueza, Cruz (2016), também discute as dinâmicas econômica e espacial atuais do
estado do Rio de Janeiro, “com o objetivo de contribuir para a elaboração de
políticas públicas adequadas ao enfrentamento dos problemas histórico-estruturais
do seu desenvolvimento”. Cruz apresenta a seguinte questão: “Quais as
características das novas contradições, dos novos conflitos, e que questões colocam
para o desafio de elaboração de políticas públicas orientadas por um padrão de
desenvolvimento justo e equitativo?”.
Para Acosta, o conceito de “desenvolvimento”, como toda crença, nunca foi
questionado, mas simplesmente redefinido. Afirma, portanto que:

Quando os problemas começaram a minar nossa fé no “desenvolvimento”,


passamos a buscar alternativas de desenvolvimento, demos nomes para
diferenciá-lo do que nos incomodava, mas seguimos no caminho do
desenvolvimento: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social,
desenvolvimento local, desenvolvimento rural, desenvolvimento sustentável,
ecodesenvolvimento, desenvolvimento em escala humana, desenvolvimento
endógeno, desenvolvimento com equidade de gênero, codesenvolvimento
(ACOSTA, 2012, p. 199).
97

Informações institucionais da LLX, afirmavam que, no início das obras em


2009, foram oferecidas 1.109 oportunidades de trabalho. Em 2010, o potencial de
emprego foi de 15,6 mil pessoas, sendo que diretos e indiretos, apenas 29%. No
final de 2025, a previsão é que serão cerca de 89 mil oportunidades de trabalho, só
em São João da Barra, representando 51% do total que na cidade vizinha Campos
dos Goytacazes, (75 mil) 43%, concentrando quase a totalidade no Norte
Fluminense.
Os dados do IBGE revelam que apesar de São João da Barra apresentar um
percentual de ocupados elevado, chegando a 82,8% em 2010, o rendimento nominal
revela um quadro de desigualdade bem acentuado. Do total de 28.416 pessoas que
auferem rendimentos, 32,5% recebem até um salário mínimo, enquanto que 59%
têm um rendimento nominal de até três salários mínimos.
Tais números contribuem para desvelar alguns fatos que governantes e
empresários insistem em afirmar que todo o processo de desapropriação das terras
agricultáveis das regiões – em que esses megaempreendimentos são instalados,
provocando um conjunto de impactos às populações tradicionais e ao meio ambiente
– seriam justificados em função do número de empregos gerados e,
consequentemente, seriam portadores do “desenvolvimento”. Verifica-se, que são
postos de trabalhos precários, temporários, com baixíssimos salários, e que só são
fundamentais para o processo de crescimento ampliado da riqueza e a consequente
ampliação da pobreza.
Com o aumento da população esperada, São João da Barra passaria de
32.747 habitantes (censo de 2010) para um total de 232.243 em 2025, decorrente do
CIPA, o que indica a necessidade de prever uma extensão acelerada das demandas
para o setor residencial. O próprio estudo da LLX, apresentou estimativas de
necessidades habitacionais, em função do aumento populacional, que estaria
entorno de 50 mil unidades, num primeiro momento, e de até 168 mil unidades, com
a totalidade do Complexo construído e em funcionamento. Mantendo-se o perfil de
renda de 2000 (IBGE, 2010), a demanda por moradias sociais de São João da Barra
estaria entre 46%, compreendendo que as populações que auferem até três (3)
salários mínimos, precisariam estar inseridas em programas especiais.
No Brasil, no que tange à região norte do estado do Rio de Janeiro, tanto o
Legislativo quanto o Executivo corroboram com uma cultura política das decisões
pelo alto, ignorando, e mesmo excluindo, os verdadeiros sujeitos do processo de
98

participação: aqui, os pequenos agricultores familiares, pescadores, pequenos


comerciantes e suas famílias. Alguns avanços foram conquistados pelos
movimentos sociais consubstanciados na Constituição Federal de 1988,
relacionados com o processo de democratização do Estado e da sociedade. Mas
eles não impedem a compreensão de que aumentando a cidadania – esse
progressivo e permanente processo de construção dos direitos democráticos, que
caracteriza a chamada modernidade – termina por se chocar com a lógica do capital,
como aponta Coutinho (1997).
Nesse quadro, a perspectiva de milhares de camponeses e pescadores é a
de serem transformados de proprietários dos seus meios de produção em
proletários. E sujeitos a se tornarem tutelados por políticos eleitoreiros e clientelistas
que invadem essa região, e alteram a autonomia desse grupo.
Como costumam dizer: “Sempre vivemos com dignidade sem depender de
políticos e de prefeitura e tudo isso com o suor do nosso trabalho” (Sr. Totonho,
2011, depoimento à pesquisadora.)
Os dados do IBGE, referentes à colheita realizada em 2009, pelos moradores
do Açu que estão sendo expulsos, confirmam essa assertiva. São eles: 4.600 mil
abacaxis, 200 toneladas de batatas-doces, 179.200 toneladas de canas-de-açúcar,
600 toneladas de mandiocas, 100 toneladas de melões, 100 toneladas de tomates,
35 toneladas de bananas, 1.600 mil cocos-da-baía, 2.100 toneladas de goiabas, 54
toneladas de laranjas, além de ser o maior produtor de maxixes e quiabos do estado
do Rio de Janeiro. Tais dados confirmam uma dimensão significativa deste estudo,
ou seja, a produção de alimentos para eles é mais que uma atividade de reprodução
da vida e de comercialização, mas de pertencimento e permanência daquelas
famílias, naquele território.
Resistentes a uma concepção de políticas públicas, se é que podemos
classificá-las assim, onde a ausência de direitos na sua implementação é o modus
operandi utilizado junto aos segmentos excluídos da riqueza, e os pequenos
agricultores em tom de revolta e lamento, afirmam,
“Que não se pode permitir que a areia branca retirada do fundo do mar,
causando todos os danos ambientais possíveis, para a criação do estaleiro, continue
a cobrir aquele solo fértil e muito menos destrua todas aquelas plantações”
(CADERNO DE CAMPO, 2012).
99

Afinal, todos precisam de alimentos saudáveis para se nutrir, seja o povo da


cidade ou do campo, e não desse chamado "desenvolvimento”, que destrói o meio
ambiente e, para concentrar mais e mais riquezas, expulsam os pequenos
agricultores de suas roças, sugando deles não só o seu pedacinho de terra – o seu
instrumento de trabalho e sua fonte de subsistência –, mas a sua história, sua
cultura e seu modo de viver, sua alma! Como salienta Martins (1993, p. 12),

Como a devastação da floresta destrói definitivamente espécies vegetais


úteis, a devastação ou a mutilação de grupos sociais diferentes do nosso
suprime modos de viver e de pensar, bem como destrói saberes que
representam um germe de alternativa para a desumanização acelerada que
estamos vivendo.

Na tentativa de reduzir as possibilidades de conflitos regionais, onde se


implanta o Complexo, os técnicos a serviço da empresa LLX e do poder público
realizam um trabalho de desvalorização da lida com e na terra. Reforçam o discurso
do “rural” como o “lugar do atraso”, ao mesmo tempo em que as atividades
desenvolvidas no entorno do empreendimento ganham relevância, não só por esses
profissionais, mas inclusive pelo próprio gestor da Secretaria de Assistência Social
do município de São João da Barra. Ele declarou que o seu sonho, seria trocar as
enxadas dos camponeses pelos macacões usados nas obras do CIPA. E ainda, na
fala do Secretário de Desenvolvimento Industrial e Econômico do Estado do Rio de
Janeiro, quando afirma: “É muito mais importante fazer aço do que plantar maxixe,
com todo respeito a quem planta maxixe”, afirmou ele, em referência à futura
instalação de uma siderúrgica do grupo ítalo-argentino Terniun no parque industrial
do Açu (JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, 19/01/2012).
Essa concepção do referido Secretário de Governo e as ações do Estado
naquele território podem ser consideradas tentativas de destituir o sentido e a
valoração da memória social daqueles sujeitos. Como também uma tentativa de
transformar esses pequenos agricultores em mão de obra barata, precarizada e
temporária, para a construção do porto e das demais obras do retroporto. Ou ainda,
buscar reproduzir e reforçar junto aos camponeses, pescadores e moradores, a
desqualificação do trabalho e das demais atividades da agricultura familiar, numa
estratégia do Estado, da LLX e de demais empresas, incluindo as prestadoras de
100

serviços tradicionais, como a Ampla19, de facilitar o processo de expropriação de


suas terras.
Em seguida, se o processo de lutas e resistências não obtiverem êxito e os
agricultores já expulsos das terras, - e não sendo necessário que faça o trabalho
para operar o complexo, passariam a contar nas estatísticas dos programas sociais,
de caráter clientelista, tratados como se não fossem capazes de garantir a sua
dignidade, através do trabalho, manejo e cultivo na terra.
Em seguida, se o processo de lutas e resistências não obtiver êxito, os
agricultores já expulsos das terras, – sendo desnecessário ao trabalho para operar o
complexo –, seriam incluídos nas estatísticas dos programas sociais, de caráter
clientelista, e tratados como incapazes de garantir a sua dignidade, através do
trabalho, manejo e cultivo na terra.
Um dos desafios postos é convencer a sociedade de que os problemas
sofridos, hoje, pelos moradores do Açu e, principalmente, pelos agricultores e
pescadores, não são ações isoladas. E que esse processo faz parte de um novo
ciclo de mundialização do capital, que tem na exploração e expropriação, na
concentração e acumulação do capital, suas dimensões principais. Para Chesnais
(1996, p. 34),

A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos, estreitamente


interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais
longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo
conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de liberalização,
de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de
conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da
década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan.

É esse processo geral – no Brasil apoiado pelas ações dos governos Federal,
Estadual e Municipal – que torna possível a realização da fantasia do Senhor Eike
Batista de transformar-se num dos homens mais ricos do mundo. É mister destacar
que essa tentativa de transformação do filho de Eliezer Batista, presidente da Vale,
uma empresa estatal à época, e ministro das Minas e Energias do Governo João
Goulart, num midas, se deu num curto espaço de quatro anos (2008/2012). Ele

19
A Ampla Energias e Serviços, distribuidora de Energia elétrica no Rio de Janeiro até novembro de
2016, atualmente Enel.
101

tornou-se o sétimo homem mais rico do mundo e o primeiro mais rico do Brasil. Com
o seu poder político e econômico e,

Conhecendo e tendo, notoriamente, informações privilegiadas dos mapas


geológicos brasileiros, encaminhar requerimentos para exploração de
minérios ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM)
identificando jazidas, vem sendo o grande “X” para a multiplicação da
riqueza de Eike Batista (DUQUE, 2009).

Esse senhor foi capaz, a um só tempo, de utilizar-se dos avanços


tecnológicos do século XXI e de processos de expropriação de terras,
experimentados pela sociedade nos séculos XVI a XVIII, tal como estudado por
Marx na Inglaterra.
Diante do que se tem acompanhado, a consequência das aventuras deste
empresário, com o apoio do Estado e a falta de segurança e as dificuldades
enfrentadas por pequenos agricultores, pescadores e suas famílias para
assegurarem, a duras penas, as condições de vida que, historicamente, sempre
tiveram, realizando as atividades de que mais se ufanam: a lida com a terra e com o
mar.
Assim, agricultores e pescadores do município, bem como a associação de
moradores e entidades de defesa dos direitos humanos vêm se manifestando
publicamente contrários às arbitrariedades e injustiças cometidas na condução das
negociações com as famílias envolvidas. No caso das áreas que estão sendo
desapropriadas pela CODIN, os problemas envolvem a forma de notificação, os
erros de vistoria, a subavaliação, o assédio moral, dentre outros.
Fato é que o Governo do Estado, por meio da intervenção da CODIN, insiste
em negar e em divulgar informações inverídicas, como pode ser observada nessa
citação abaixo, necessária nesse contexto do trabalho.

Uma equipe da CODIN, apoiada por empresas contratadas desenvolve todo


o processo com vistas à desapropriação, efetuando o levantamento e
cadastramento das propriedades, dos seus ocupantes e da situação
fundiária, efetiva as providencias relativas à elaboração dos memoriais
descritivos, laudos de avaliação dos terrenos e benfeitorias e os
entendimentos junto aos moradores que são atingidos para a consecução
do processo. Os laudos de avaliação efetuados pelos técnicos das
empresas contratadas - que se regem pela Norma Técnica Brasileira Nº
14.653 - são assinados pelos técnicos da CODIN, para o quê têm a
delegação da Procuradoria Geral do Estado (Ata da reunião de
encerramento da comissão especial res. 125/2011 realizada em 11/04/2012,
ALERJ, grifos da autora).
102

Figura 14 - “Laudo de avaliação” da CODIN à uma família em Água Preta/Açu

Fonte: Acervo pessoal, 2011.

Desde 2009, que esses pequenos agricultores vêm se organizando,


acumulando forças para os enfrentamentos necessários, visando a impedir todas as
violações dos seus direitos, bem como à anulação dos decretos das
desapropriações.
Dentre as ações realizadas, verificamos: a produção do “Relatório dos
Impactos Socioambientais do Complexo Industrial Portuário do Açu” (GTA/AGB,
2011); Audiência Pública acompanhada da Comissão de Direitos Humanos da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ (2011); Audiência
Pública Comissão Especial do Porto do Açu - ALERJ. (2011); Ações Civis Públicas
pelo Ministério Público Federal-MPF de Minas Gerais (2008); Ação Civil Pública pelo
MPF no Rio de Janeiro (2011); Inquéritos Civis Públicos pelo MPF em Campos dos
Goytacazes-RJ (2011); Estudos prospectivos do GATE Ambiental – Ministério
Público Estadual-RJ (2011); Audiência Pública Popular, organizada pela ASPRIM
(2011); Representação junto ao Ministério Público Estadual do Idoso, visando a
impedir as violações acometidas contra os camponeses e camponesas daquelas
comunidades, seja no momento das expropriações ou nas visitas realizadas pelos
técnicos da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro
– CODIN, da LLX e da Prefeitura de São João da Barra (2011) e Representação
103

junto ao Ministério Público Estadual da Criança e do Adolescente, como medida


preventiva, prevista pela Lei 8.069/90 (2012);
Em um contexto de concentração de riquezas e de mundialização do capital
em que o aprofundamento das desigualdades sociais ganha contornos cada vez
mais perversos, camponeses, pescadores e os demais atingidos por estes
megaempreendimentos, como o CIPA, realizam uma importante organização. Ela foi
capaz de ultrapassar os domínios local e regional, e através de articulações com um
conjunto de Movimentos Sociais e ONGs, identificadas com a luta pela terra e por
Direitos Humanos, ASPRIM, CPT, MST; Associação Juízes para a Democracia -
AJD, o Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA, o Comitê Popular de
Erradicação do Trabalho Escravo do Norte Fluminense e Movimentos
Socioambientais, Justiça Global, pesquisadores de Universidades públicas, AGB,
Mandatos legislativos, dentre outros.
Esses trabalhadores estão resistindo e vêm construindo durante esse período
uma agenda de lutas, que foi pautada à época, pela relatora especial da
Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada. Como na
Conferência “Rio + 20”, por meio, da participação direta na Cúpula dos Povos,
denunciou-se o desrespeito aos marcos legais existentes no Brasil, seus acordos
internacionais de que o país é signatário a todo tipo de violência acometida nesse
processo de implantação do CIPA e das expulsões desses camponeses.
O documento final da Cúpula dos Povos sintetiza os principais eixos
discutidos durante as plenárias e assembleias, e expressa as intensas mobilizações
ocorridas durante o período de 15 a 22 de junho de 2012.

Ele aponta as convergências em torno das causas estruturais e das falsas


soluções, das soluções dos povos frente às crises, assim como as principais
agendas de luta para o próximo período. As sínteses aprovadas nas
plenárias e as convocatórias para a Cúpula integram e complementam este
documento político para que os povos, movimento e organizações possam
continuar a convergir e aprofundar suas lutas e a construção de alternativas
em seus territórios, regiões e países em todos os cantos do mundo (p. 01).

Durante a plenária, foram expressos vários direitos e propostas de soluções


dos povos que devem ser asseguradas e promovidas como forma a
defender os bens comuns e lutar contra a mercantilização e a
financeirização da vida e da natureza. O primeiro grande bloco é o direito à
terra e ao território, expresso por meio de diversas lutas em defesa do
ordenamento territorial e por regularização fundiária com a participação
ativa dos povos, que tem como importante instrumento a Cartografia Social
para que as comunidades possam ter controle de seu território; pela
Reforma Agrária, promoção da Soberania Alimentar e da Agroecologia; pela
104

criação de políticas públicas estruturantes para fortalecimento dos sistemas


de tecnologias sociais e sustentáveis construídas pelos povos; pela
proteção ao conhecimento tradicional e pelo combate à biopirataria; pela
defesa da pesca artesanal; pela defesa das florestas e da biodiversidade;
promoção das lutas locais contra os megaprojetos, em especial contra
as grandes barragens e as indústrias extrativas do qual saíram propostas de
aprovação de uma moratória aos empreendimentos de mineração; pela não
exploração das areias betuminosas (tarsands) e pela garantia da
integridade das áreas naturais prioritárias no mundo como forma a
defender os direitos da natureza; a existência obrigatória de consultas
prévias e informadas, com mecanismos de participação direta das
comunidades em áreas de desenvolvimento urbano e rural, que
garanta a participação e decisão pública, inclusive o direito a dizer não
a um determinado projeto; bem como e a extensão da Convenção 169
da OIT para outros povos tradicionais (p. 11).

Confirmando a necessidade e a importância de fortalecer os movimentos de


resistência à ordem social contemporânea e também de compreender, como afirma
Netto que “não é a primeira vez, (...), que a humanidade se encontra no limite da
barbárie. E não será a primeira vez que, para a surpresa de muitos, ela se recuse a
caminhar bovinamente para o matadouro” (NETTO, 2007, p. 164). Observa-se que,
para garantir o direito de propriedade no Brasil – um dos poucos garantidos e
respeitados neste país – violam-se os direitos humanos fundamentais, como o
direito à vida, à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho; criminalizam-se os
movimentos sociais e transformam em réus os que são vítimas desse sistema;
processo este que os atingidos do Açu estão compulsoriamente vivenciando.

2.2 Os Interesses econômicos e políticos do projeto Minas-Rio e a crise hídrica

A expansão de projetos minerários no Estado de Minas Gerais - Brasil e o


processo utilizado no transporte dos minérios explorados envolvem oito grandes
minerodutos: quatro já em operação e outros quatro que ainda aguardam as licenças
ambientais. Tais projetos têm consequências diretas na tão discutida crise hídrica e
nos territórios ao longo de seu trajeto. O projeto Minas-Rio atinge 32 municípios
situados entre Conceição de Mato Dentro em Minas Gerais e o Açu, em São João
da Barra, no Norte Fluminense.
Os minerodutos constituídos de tubulações e estações que bombeiam o
transporte de minério de ferro à distância vêm provocando conflitos de diversas
105

dimensões: do ponto de vista socioambiental, na intervenção em terras produtivas e


tradicionais, na destruição de mananciais, na poluição de rios e lagoas, no descarte
de efluentes no ambiente marinho e no desperdício e subtração de água, desde as
áreas visadas pela mineração e pontos de partida dos minerodutos até os locais da
exportação a diferentes portos do sudeste e nordeste brasileiro, alguns implantados
e outros projetados.
Com a justificativa de gerar riqueza, a mineração tem devastado o meio
ambiente e impactado a vida de muitos mineiros e dos demais trabalhadores
atingidos em diferentes Municípios e Estados, por onde se estendem os projetos de
transposição de águas e exportação de minérios. Se somarmos todas as áreas
rurais atingidas em nome dos interesses dessas grandes empresas – nacionais ou
internacionais – constata-se que a atividade minerária tem impactado milhares de
pessoas em dezenas de Municípios em vários Estados brasileiros, e nos demais
países como em Moatze/Moçambique, em que cerca de 30 mil pessoas são
atingidas severamente pela poluição do carvão mineral.
Em nome do “progresso” e da geração de empregos temporários e
precarizados, em muitos casos considerados análogos ao trabalho escravo, esse
modelo extrativista de bem primário tem alterado negativamente a sociabilidade de
muitas regiões e comunidades, principalmente as camponesas e as de culturas
tradicionais.
Além dos inúmeros danos e prejuízos ambientais, estão sendo violados
direitos e princípios estabelecidos na Convenção sobre a Proteção e Promoção da
Diversidade das Expressões Culturais (33ª Conferência Geral da UNESCO, Paris,
2005) e na Convenção 169 (sobre povos indígenas e tribais), aprovada pela
Conferência Geral da OIT, realizada em 1989 em Genebra.
A concentração de riquezas, a exportação de minérios e a destruição
socioambiental generalizada, a construção de Minerodutos impõem sobre a
economia camponesa das montanhas e dos mares. Afinal, trata-se da outorga de
utilização de água pela Agência Nacional de Águas-ANA e pelo governo de Minas
Gerais, para aproximadamente oito minerodutos, só nesse Estado.
A maior obra portuária das Américas (AGB, 2011) inclui a construção do
maior mineroduto já visto em toda a história do setor mineral, com 525 km de
extensão, integrando desde a mina e as unidades de beneficiamento de minério, em
MG, ao condomínio industrial misto do Superporto do Açu, no Rio de Janeiro. Ela
106

provocou impactos diretos em 32 municípios de Minas Gerais e Rio de Janeiro, por


serem cortados por somente um destes minerodutos.
E no âmbito do Projeto Minas-Rio ocorreu não apenas o desperdício de água
para o transporte do minério, mas também a salinização das águas no processo de
implantação do Porto. Em 2012, um estudo do Laboratório de Ciências Ambientais
da Universidade Estadual do Norte Fluminense - UENF constatou um grave e
acelerado processo de salinização da planície Goitacá, localizada na região do Porto
do Açu, em decorrência das obras de construção do estaleiro da OSX, abertura do
canal de acesso e formação de aterro hidráulico sobre o leito da restinga, com
material salinizado.
O estudo observou a salinização das águas subterrâneas e superficiais para
consumo humano e para irrigação – do Canal Quitingute à Lagoa de Iquipari – na
ordem de 5 a 7 vezes superior à do rio Paraíba do Sul; e na comunidade de Água
Preta, a salinidade encontrada em água de pastagem seria semelhante à água do
mar, 820 vezes maior que a água doce.

Os primeiros sinais do problema foram identificados no fim de outubro


(2012), quando o agricultor João Roberto de Almeida, 50, o Pinduca, viu
parte de sua plantação de abacaxi nascer queimada. “Sempre usei essa
água e nunca tive problemas. Não sou contra o desenvolvimento. Mas o
que está acontecendo é desrespeito” (EDITORIA DE ARTE/FOLHAPRES,
POR ÍTALO NOGUEIRA, 18/12/2012).

Figura 15 - Sr. Pinduca e o sal na terra e na água

Fonte: Daniel Marenco, 2012 (In: FOLHA DE SÂO PAULO, 2013).

Um outro produtor que também teve a sua propriedade toda salinizada, foi o
agricultor Durval Ribeiro Alvarenga, cuja propriedade fica bem perto das obras do
107

porto. Ele afirma que se livrou das desapropriações, mas teve as suas terras
invadidas pelas águas salgadas e até hoje não conseguiu recuperar a sua plantação
e nem a criação de gado.

Segundo ele, o solo continua com uma quantidade excessiva de sal. “Os
agentes do Inea estiveram na minha casa em dezembro, confirmaram
para mim a contaminação e depois sumiram. O problema continua e
estou sendo muito prejudicado, porque perdi a minha plantação de cana,
abacaxi e a minha criação de gado está sentindo demais os efeitos da água
contaminada”, contou ele. Durval disse que vai entrar, ainda esta semana,
com processo contra o Estado, pedindo indenização pelos danos causados
pelas obras do grupo de Eike Batista (CLÁUDIA FREITAS, JORNAL DO
BRASIL DE 04/09/2013, grifos da autora).

Outra preocupação é com a planejada captação de água para abastecer o


Distrito Industrial de São João da Barra – DISJB e o estaleiro da OSX, que poderá
trazer grandes impactos à região.
Para se ter uma ideia da magnitude deste projeto, segundo o Plano de
Recursos Hídricos, em 2005 a demanda industrial de todos os municípios do Estado
do Rio de Janeiro, situados na bacia do Paraíba do Sul, era de 11,14 m3/s, na
equivalência de consumo de 1.206 empresas industriais. Se traçarmos um paralelo,
só o Distrito Industrial de São João da Barra – DISJB – tem uma previsão de
consumo para 1.082 unidades industriais de pequeno, médio e grande porte. No
caso do DISJB e do Porto do Açu, a vazão de projeto estimada foi de 10m3/s, o que
equivale ao consumo de uma população de 2.816.000 habitantes, ou mesmo 85
vezes a população do município de São João da Barra (AGB, 2011).
Na inter-relação de circunstâncias relativas à crise hídrica brasileira, nos
Estados da região Sudeste, principalmente, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais, os mais populosos e afetados do país, apesar de os governantes afirmarem
que não há racionamento, nos bairros periféricos das capitais a população pobre já
vem vivenciando a falta d’água há tempo.
Os registros de volume de água nos grandes reservatórios e sistemas de
abastecimento público nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte – respectivamente, 21, 12 e 6 milhões de habitantes – estiveram
muito abaixo do que registravam há menos de dois anos. O apelo das autoridades
repetido pelos meios de comunicação de massa é que “tem que economizar água”.
No entanto, os grandes projetos de irrigação do agronegócio, as indústrias e, neste
caso, os minerodutos são pouco ou quase nada questionados. Enquanto novos
108

projetos de minerodutos e mineração em mananciais são licenciados, a indústria e


empresas de mineração dizem que qualquer racionamento irá penalizá-las.
Em matéria publicada em uma revista de circulação nacional, afirma-se que a
situação se agrava em Minas Gerais. Segundo a empresa de saneamento Copasa,
os reservatórios de região metropolitana de Belo Horizonte poderiam entrar em
colapso em junho ou julho de 2015. Em um dos sistemas de abastecimento mais
afetados na região da capital mineira, o do rio Paraopeba, 1.400 m³/hora já estão
outorgados para um dos minerodutos em licenciamento – o da empresa Ferrous
Resources. A distância de cerca de 60 km da capital mineira, outra mineradora,
Samarco (Vale/BHP Billiton), capta 2.000 m³/hora para seu terceiro mineroduto.
Embora em outra bacia, é a reserva de água da região que sofre com a atual crise
da água.
Os atingidos pelas violações e violências provocadas por este sistema e
modelo de desenvolvimento só têm a denunciar e lamentar a devastação da
natureza, a expropriação de seus instrumentos de trabalho, como a terra de cultivo
para a maioria deles, a poluição das águas potáveis, a mortandade de peixes, a
destruição de um modo de vida, que tem na terra, nos rios e na natureza de um
modo geral, suas referências.
Este modelo de “desenvolvimento”, que se apresenta totalmente incompatível
com a garantia e efetivação de vários direitos humanos, especialmente do usufruto e
proteção do bem comum, decorre de um sistema que produz e reproduz
desigualdade, e que tem na transformação dos recursos naturais como a água e a
terra, em mercadoria, sua premissa central.
Os pesquisadores e intelectuais são também desafiados a lutar para impedir,
senão simplesmente para reduzir, a violência sofrida por homens e mulheres nas
áreas de conflito por água, por terra e pelos demais recursos naturais que vêm
sendo usurpados e expropriados pelo grande capital, com o apoio de organizações
governamentais, como o Estado.
Recente publicação do Instituto Brasileiro de Mineração – alega que os
minerodutos representam somente 8% do meio de transporte de minério de ferro,
commodity chefe das exportações brasileiras e que tem em Minas Gerais mais de
dois terços da atual produção brasileira. Ocorre que os últimos grandes projetos de
mineração de ferro, licenciados ou em licenciamento naquele Estado, lançam mão
do uso de minerodutos como meio de transporte até os pontos de exportação no
109

litoral brasileiro. É o caso dos projetos situados nas áreas de expansão da fronteira
da mineração no Estado, situados na região Norte e Meridional da cadeia
montanhosa do Espinhaço em Minas Gerais, como os casos dos projetos da Anglo
American, SAM e Manabi.
A reação do segmento das empresas de mineração às críticas dos
movimentos sociais, sobre os abusos do uso de água pela atividade de mineração
de ferro, particularmente, pelo uso de minerodutos, frente à atual situação de
escassez de água, foi imediata e visa a preservar um modelo de transporte que se
quer consolidado para incrementar a lucratividade de seus negócios.
Menos de dez por cento (10%) pode ser rapidamente alterado para num
próximo 30%, 40% ou proporção maior da atividade da exploração de minério de
ferro, que já busca jazidas com menor teor de pureza em diferentes regiões do
Brasil. Nesta situação, o uso do mineroduto seria apresentado, então, como uma
tendência a justificar a sua aplicação e legitimação, que se quer também
reproduzido em outros Estados, visados por número crescente de pedidos e
autorizações de pesquisas geológicas, a exemplo do Estado da Bahia, também
cortado pela cadeia do Espinhaço.
A concepção aqui relatada reflete o estado da arte do modus operandi de
grupos empresariais e agentes especuladores que, a exemplo do Projeto Minas-Rio,
aqui mais comentado, associaram esse caso de acumulação e jogo capitalista ao
desdobramento de outras iniciativas com igual perfil e que vem causando grande
prejuízo ao país.
É curioso notar que as empresas que estão sendo criadas para fazer
exploração de minério de ferro e uso de minerodutos, como meio de transporte, são
empresas com poucos anos de existência e que replicam seu modelo de negócios e
política de interação com atores políticos e governamentais num sistema
autorreprodutivo. Assim, gestores e técnicos da Samarco, juntamente com de outras
empresas, emprestaram sua expertise para a criação e negociação do Projeto
Minas-Rio, de onde saíram vários que vieram aportar seu know how ao projeto da
Manabi e assim sucessivamente. Minas Gerais é conhecida como um celeiro de
artimanhas jurídicas para viabilização destes negócios e modos de implantá-los em
outros Estados do Brasil, e em países da África e América Latina.
110

Com relação aos minerodutos, os projetos de mineração do Estado de Minas


Gerais consomem o suficiente para suprir uma cidade de 2.900.000 habitantes. São
eles:
§ MINERODUTO Anglo American, (MINAS-RIO) – Trajeto: Conceição de Mato
Dentro/MG a São João da Barra/RJ – Porto do Açu com 525 quilômetros de
extensão e uma vazão de 2.500 m³/hora do Rio do Peixe, passando por 32
municípios. No site da Notícias de Mineração Brasil, a Anglo American afirma que
teria ficado tão satisfeita com o custo das primeiras cargas transportadas no Projeto
Minas-Rio, cerca de US$ 26 por tonelada para minério de ferro do tipo sinter-feed
premium, posta no porto, que pensa em voltar a estudar a duplicação do mineroduto.
§ MINERODUTO SAMARCO – Três minerodutos paralelos. Trajeto:
Mariana/MG a Ubu/Anchieta/ES – com 398 quilômetros de extensão e uma vazão de
4.399 m³/hora do córrego Santarém/Rio Piracicaba, passando por 25 municípios;
§ MINERODUTO Ferrous Resources, – Trajeto: Congonhas/MG ao Porto
Presidente Kennedy/ES com 400 quilômetros de extensão e uma vazão de 1.400
m³/hora do rio Paraopeba e passará por 22 municípios. A Licença Prévia foi
solicitada ao IBAMA. Esta é uma das empresas de capital estritamente estrangeiro.
§ MINERODUTO Manabi – Trajeto: Morro do Pilar/MG a Linhares/ES com 511
quilômetros de extensão e uma vazão de 2.584 m³/hora no rio Santo Antônio e 363,6
m³/hora no rio Preto, passando por 23 municípios. Este está em vias de receber a
Licença Prévia do IBAMA.
§ MINERODUTO Sul Americana de Metais-SAM – Trajeto: Grão Mogol/MG a
Ilhéus/BA com 482 quilômetros de extensão e uma vazão de 6.200 m³/hora na
barragem de Irapé, construída no rio Jequitinhonha, região do semiárido. Ele
passará por 21 municípios e será o segundo maior mineroduto do país, atrás apenas
do Minas-Rio, da Anglo American, que é também o maior do mundo, mas vai ser o
campeão em uso de água. Mais um que está para receber a Licença Prévia do
IBAMA.
Siqueira (2015) afirma que em Minas, há hoje diversos minerodutos de
pequeno porte, como o caso do projeto da MMX em São Joaquim de Bicas, que
provocou grandes transtornos na região, destruindo nascentes e prejudicando
produtores rurais e o abastecimento de água.
Verifica-se desta forma, que em Minas Gerais, os casos relacionados à
questão dos recursos hídricos, variam desde (a) a diminuição da vazão hídrica dos
111

cursos d’água; (b) o desaparecimento de nascentes; (c) a inviabilidade de uso da


água para recreação, banhos, lazer e lavagens de roupas; (d) o comprometimento
do abastecimento para consumo humano e aumento de turbidez; até (a) os impactos
nos quintais produtivos e na soberania alimentar das famílias atingidas; (b) na
marginalização e (c) na invisibilidade dessas comunidades (DIVERSUS apud
BARCELOS; COSTA; MILANEZ; ALENTEJANO; MORAES, 2014.)
As denúncias que demonstram esta realidade fazem parte de inúmeros
relatórios, trabalhos acadêmicos e inquéritos civis no âmbito de promotorias e
procuradorias de meio ambiente e em comarcas de diferentes municípios e regiões
de Minas Gerais, assim como dos Estados-destino dos minerodutos para
escoamento da produção – destacadamente os do Rio de Janeiro, Espírito Santo e
Bahia.
Na atualidade, o Brasil atravessa momentos de crise e de dificuldades com
algumas instituições, no âmbito dos poderes legislativo, executivo e judiciário. A
comunicação de massas no país é também concentrada em poucos grupos
privados, que silenciam boa parte das suas editorias econômicas e ambientais sobre
os escândalos da mineração e da violação de direitos, o que resulta na invisibilidade
real dos atingidos e dos impactos ambientais causados nessas regiões, frente a um
marketing intenso sobre a suposta sustentabilidade e a capacidade de alavancar o
desenvolvimento de tais projetos.

2.3 Cidadania e luta por direitos no mundo moderno e contemporâneo

A noção de cidadania não nasceu no mundo moderno, embora tivesse


encontrado nele a sua máxima expressão, tanto no plano teórico, quanto nas ações
políticas. Segundo Coutinho (1997, p. 146), “as principais teorias sobre a cidadania,
sobre o que significa ser cidadão, surgiram na Grécia clássica, nos séculos V – IV
antes da era cristã, correspondendo ao fato de que os gregos conheceram na
prática as primeiras formas de democracia”.
Para Aristóteles, cidadão era todo aquele que tinha o direito e,
consequentemente, o dever de contribuir para a formação do governo, participando
ativamente das assembleias. Coutinho acrescenta que os direitos de cidadania na
112

Grécia “envolviam somente o que chamamos “direitos políticos”, ou seja, os direitos


de participação no governo” (1997, p. 147). No mundo moderno, a noção e a
realidade da cidadania também estão organicamente ligadas à ideia de direitos
individuais ou “civis”.
A revolução francesa, na era das consolidações (1794–1815), caracterizada
pelo empenho da alta burguesia em estabilizar as conquistas burguesas, incorporou
definitivamente em sua legislação os princípios liberais burgueses, através do
Código Civil, iniciado em 1800 e promulgado em 1804.
Depois do Direito Romano, o Código Civil é a maior fonte do Direito da
civilização cristã ocidental capitalista. Este Código traduzia concretamente os
princípios da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: liberdade individual,
liberdade de trabalho, liberdade de consciência, Estado leigo, igualdade perante a
Lei, conquanto protegesse a fortuna adquirida e mantivesse e defendesse a
propriedade privada.
Ao compreender que os direitos são fenômenos sociais e são construídos
historicamente, evidencia-se o grande equívoco que foi pensar os direitos como um
fenômeno natural – até porque os indivíduos não nascem com os direitos já prontos
e definidos.
A construção histórica e social dos direitos civis, políticos e sociais manifesta
as contradições do sistema capitalista. Neste caso, a sua maior contradição são as
desigualdades que o sistema gera acirrando a luta de classe. Entender que os
direitos são resultado da luta da classe trabalhadora, de suas pressões, de suas
manifestações, de sua organização, enfim, da utilização de um conjunto de
instrumentos experienciados pelos trabalhadores há séculos, é fundamental para
entendermos os direitos como conquista e não somente como uma evolução por
etapas, como sugeria Marshall (1967).
Estamos, destarte, diante de mais um episódio da histórica trajetória de lutas
dos trabalhadores pela ampliação dos espaços públicos, extensão da democracia,
garantia de direitos e reinvenção da cidadania. No seu fazer político, diferentes
gerações de trabalhadores viveram e vivem diferentes dimensões da luta de classes;
fizeram, fazem e poderão fazer da negociação do conflito inerente à sociedade
capitalista uma fonte de energia para a crítica da legitimidade burguesa.
O critério central para a resolução da crise, segundo Coutinho, “é a iniciativa
dos sujeitos políticos coletivos, a capacidade de fazer política, de envolver grandes
113

massas na solução de seus próprios problemas (...), ou seja, o de promover


transformações de estrutura que ponham fim à formação econômico-social-
capitalista” (2003, p. 155).
Saes (2003) afirma que as preocupações de Marshall com relação à
concretização dos direitos de cidadania e ao processo evolutivo, como os direitos
são apresentados por ele, como a ausência de um esquema teórico preciso,
possibilitavam a definição dos papéis respectivos das classes trabalhadoras, das
classes dominantes e da burocracia de Estado. Mesmo assim, percebe-se também
que o lugar ou a visão de mundo com que Marshall parte e desenvolve suas
análises não são o espaço da luta de classe e muito menos das demais
contradições próprias da sociedade capitalista, bem como daquelas contradições
experimentadas pelas classes trabalhadoras. Neste caso, evidencia-se um limite
também ideológico na análise de Marshall, embora ele (apud Saes, 2003, p. 12)
chegue, por vezes a constatar, “de modo inadvertido, a coexistência, num processo
de concretização de direitos, da pressão popular em prol desses direitos da
“outorga” desses direitos ao povo pelas classes dominantes e pela burocracia de
Estado.”
Uma outra questão interessante nesta análise, é que Marshall não considera
ou subestima o papel político dos trabalhadores, como também, segundo Saes
(2003) e Coutinho (1997), o potencial do processo revolucionário na destruição do
status feudal, inclusive a função da Revolução Gloriosa de 1688 na instauração da
liberdade civil que, para a Inglaterra, naquele momento, foi emblemática.
Coutinho (1997) defende que a ideia dialética dos direitos sociais como
conquista dos trabalhadores, e não como simples instrumento da burguesia, já está
presente nas obras do próprio Marx. Neste sentido, é preciso compreender o Poder
Judiciário como constitutivo do Estado, e como todas as demais esferas da vida
social, determinadas pela luta de classes. Para ele, nessa formulação “Marx
fundamentou a legitimidade e a possibilidade concreta de obter transformações
sociais substantivas através de reformas” (1997, p. 158).
Portanto, a socialização da política, através da participação cada vez maior de
pessoas que fazem política, não só por meio do voto, “mas também por meio do
ingresso e da militância de amplos segmentos da população nas múltiplas
organizações, como sindicatos, partidos, movimentos etc., contribui para fazer
114

desaparecer progressivamente aquele ‘Estado restrito’ que exercia seu poder sobre
uma sociedade atomizada e despolitizada” (COUTINHO, 1997, p. 162).
Logo, a ampliação efetiva da cidadania política, conquistada de baixo para
cima, confirma a assertiva de Coutinho, ou seja, “essa nova concepção marxista do
Estado [...] parece ligada organicamente aos processos de ampliação e construção
de cidadania” (1997, p. 164).
Então, quando este autor afirma que democracia é sinônimo de soberania
popular, apreendem-se as articulações profundas entre democracia e cidadania
apontadas por ele “como a presença efetiva das condições sociais e institucionais
que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do
governo e, em consequência, no controle da vida social” (COUTINHO, 1997, p. 145).
Nesta perspectiva, o processo de participação dos camponeses, pescadores
e demais moradores das áreas atingidas pelos megaempreendimentos aqui
tratados, tem-se constituído em óbices ao desenvolvimento pleno e rápido neste
estágio do capital em que se objetiva a redução máxima de sua rotação. Se o tempo
de rotação é constituído da soma do tempo de produção e do tempo de circulação
do capital, as ações realizadas pelos atingidos – em que estradas foram
interrompidas, as obras do porto paralisadas, por exemplo – revelam que processos
de “socialização da política” e de cidadania política vêm contribuindo para que estes
possam contestar a violação aos seus mais elementares direitos, mesmo quando a
legislação prevê que o indivíduo não pode contar com a lei para se defender. Em
bom português, pode-se falar de estado de exceção (OLIVEIRA, 2015).
Telles (1998) lembra que desde a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, da ONU, em 1948, “os direitos sociais foram reconhecidos, junto com os
direitos civis e os direitos políticos, no elenco dos direitos humanos”.

Mas isso também significa dizer que ao revés da versão hoje corrente que
os reduz [os direitos] a meras defesas corporativas de interesses, em torno
dos vários sujeitos que reivindicam direitos abrem-se horizontes de
possibilidades que, desenhadas a partir da singularidade de cada um, não
se deixam encapsular nas suas especificidades, pois a conquista e o
reconhecimento de direitos têm o sentido da invenção das regras da
civilidade e da sociabilidade democrática (TELLES, 1998, p. 4).

Ao mesmo tempo, não é possível ignorar que a institucionalização dos direitos


depende, em grau, de elevada regulamentação do Estado (ainda que em bases
restritas). Para tanto é necessário que o Estado goze de liberdade, soberania e
115

participação popular, princípios que num contexto de reestruturação produtiva em


curso, distancia-se cada vez mais do horizonte das classes trabalhadoras.
Considerando a forma subordinada com que o Brasil se insere no contexto da
mundialização do capital, o processo de reestruturação produtiva ganha contornos
ainda mais dramáticos. O aprofundamento da dependência econômico-financeira,
política, tecnológica e cultural, na realidade, sob o mito da modernidade e da
competitividade encobre nessas plagas um fabuloso aprofundamento da exploração
e da exclusão.
Para Iamamoto (2008) “nesses tempos orquestrados pelo grande capital
financeiro, a generalização de seus fetichismos alastra-se em todos os poros da vida
social: impregna a sociabilidade e impulsiona um profundo desmonte das conquistas
civilizatórias dos trabalhadores.”
O que aponta limites ao processo de democratização do Estado, e em
particular, do Estado brasileiro, pois se a relação entre “capitalismo e Estado se
estabelece a partir de uma penetração do econômico no político, num processo de
implicação recíproca; as duas regiões do todo social se erigem e se estruturam
conjuntamente”, como afirma Mascaro (2013, p. 111), a resistência e luta a este
ordenamento passa necessariamente pela inserção dos segmentos esbulhados da
sociedade nos espaços públicos, como os sindicatos, partidos, associações,
conselhos, dentre outros, para que se possa restituir a fala aos trabalhadores e o
seu poder de julgar, decidir e deliberar, sobre as questões relacionadas às suas
vidas. Ou seja,

Quanto mais as forças progressistas comprometidas com a democratização


da sociedade vislumbram a possibilidade de assumir a direção do Estado
brasileiro, tanto mais urgente se coloca a tarefa de adquirir e exercitar a
competência (política e técnica) de transcender a pedagogia da resistência
e passar a alternativas demarcadas pela transparência e, portanto, pelo
exercício efetivo da democracia. Isto significa dizer que a direção das
propostas e práticas educativas devem germinar no interior dos movimentos
e organizações da classe trabalhadora e de suas lutas concretas
(FRIGOTTO, 1996, p. 192).

No entanto, neste cenário os óbices impostos às classes trabalhadoras são


vivenciados em função do desemprego, precarização, redução de direitos, dentre
tantos outros, que vem contribuindo para uma maior dificuldade nos processos de
organização e participação nas agendas de combate à esta ordem societária.
116

São os trabalhadores organizados que estão fazendo falta no cenário político-


econômico e social contemporâneo, o que Oliveira (1994) chama de “revolução dos
Zés”, a revolução dos de baixo. Até porque, “pelo alto”, as classes possuidoras vêm
invadindo os territórios e tomando o poder desde a invasão europeia ou colonização
do Brasil e não foram capazes de apresentar soluções para os problemas que
afetam as classes trabalhadoras ou despossuídas, como nomeia Fernandes.
Para Telles, “o que provoca escândalo e desestabiliza consensos
estabelecidos é quando esses personagens comparecem na cena política como
sujeitos portadores de uma palavra que exige o seu reconhecimento de sujeitos
falantes” (1998, p. 5).
Os protestos realizados pelos trabalhadores camponeses do Açu são
elucidativos desses processos de busca de reconhecimento, salientados por Telles
(1998). Como esta manifestação contra a salinização, realizada no final da tarde de
dezenove de dezembro de dois mil e doze, quando os produtores rurais fecharam, a
rodovia RJ–240, que dá acesso ao Complexo Portuário do Açu em São João da
Barra, inserindo-se na cena política para discordar e denunciar o processo de
salinização das águas e “desertificação” de suas terras, em decorrência das obras
do Porto. As fotos abaixo compõem os registros efetuados durante o trabalho de
campo da presente pesquisa.

Figura 16 - Protesto contra a salinização das águas e do solo no Açu - fechamento da rodovia RJ-
240

Fonte: Acervo pessoal, 2012.

Com base em Rancière (apud Telles, 1998), pode-se dizer de forma breve,
que política é o rompimento do consenso através da fala, da reivindicação. É
conflito, dissenso ou consenso negociado, processo que indica mudanças de
lugares. Portanto, o exercício da política possibilita a construção de processos que,
117

na relação do Estado/sociedade civil, publicizam carências, necessidades e afirmam


direitos.
Para Coutinho,

As duas funções estatais, de hegemonia ou consenso e de dominação ou


coerção, existem em qualquer forma de Estado moderno, mas o fato de que
um Estado seja menos coercitivo e mais consensual (ou que se imponha
menos pela dominação e mais pela hegemonia) ou vice-versa, isso irá
depender sobretudo do grau de autonomia relativa das esferas, bem como
da predominância no Estado em questão dos aparelhos pertencentes a uma
ou a outra. E essa predominância, por sua vez, depende não apenas do
grau de socialização da política alcançado pela sociedade em tela, mas
também da correlação de forças entre as classes que disputam a
“supremacia” (2008, p. 57).

Ao perseguir o caminho da política, existe a possibilidade de demandar a


participação social como conquista da classe trabalhadora ou como afirma Houtart
(2001), “a sociedade civil [dos] de baixo” e comprometida com os interesses
coletivos dos "despossuídos”. O que se pretende é o reconhecimento desses
“sujeitos falantes”, no sentido de eles ocuparem e construírem os espaços na
sociedade, em que as elites historicamente tentam alijá-los dos processos
decisórios, seja por meio de sua participação em sindicatos, nos movimentos sociais
e nas lutas diárias em que as denúncias da superexploração do trabalho, das
expropriações de suas terras de trabalho e de um conjunto de relações sociais
pautadas em processos de desigualdades e injustiças sociais são sempre destaque.
Processos que podem ser comprovados nesta pesquisa e em vários momentos
históricos da sociedade brasileira.

Neste sentido, na construção da hegemonia popular, dar transparência ao


discurso e ‘dizer a verdade’ (L’ Ordine Nuovo, p. 90) é pressuposto
inquestionável para ‘as classes subalternas [que] querem educar a si
mesmas para a arte do governo' (Q 3 § 42). (...) A democracia, para ser
verdadeira e hegemônica, deve promover a gestão realmente popular do
poder suscitando o maior grau de subjetividade no maior número da
população (SEMERARO, 2001, p. 4).
118

3 CONFLITOS: LUTAS E RESISTÊNCIAS NO ÂMBITO DO COMPLEXO


INDUSTRIAL E PORTUÁRIO DO AÇU

Neste terceiro capítulo, o objetivo é analisar as lutas políticas e jurídicas e os


processos de enfrentamento vivenciados pelos atingidos do Açu, problematizando a
linha do tempo, traçada com os sujeitos em luta. O centro da análise são os
trabalhos de campo realizados, o acompanhamento direto das famílias atingidas e
os processos de resistência, luta e disputa nas diferentes escalas: local, regional,
nacional e internacional.
Durante esse período de implantação do Complexo Portuário e Industrial do
Açu, as principais ações da ASPRIM, foram: audiências públicas; protestos diversos,
aulas públicas, seminários, caminhada pela terra, cursos de formação política;
reuniões, e finalmente, as lutas jurídicas, apresentando e analisando algumas ações,
representações, liminares oferecidas à Defensoria Pública, ao Ministério Público (do
idoso, da criança e do adolescente, do meio ambiente) e ao Judiciário. O alvo
destas ações foi denunciar e solicitar providências sobre as violações e violências
causadas aos trabalhadores; camponeses; pescadores e moradores.
Esses pequenos agricultores, familiares e pescadores artesanais e atingidos
vêm se organizando, tentando acumular forças para os enfrentamentos necessários
ao Projeto Minas-Rio, desde 2008, tendo em vista impedir as violações dos seus
direitos, bem como tornar sem efeito os decretos das desapropriações.
No Rio de Janeiro, visava-se à organização e mobilização das comunidades
do entorno das obras para resistir e denunciar as violações sofridas em função dos
decretos desapropriatórios de cerca de 7.036 hectares. Esta área pertencia até
então a 1.500 famílias, envolvidas diretamente com a lida na terra, no plantio e
colheita de produtos alimentícios para alimentar as suas famílias, e comercializar o
restante para possibilitar novos cultivos. Em vinte e dois de agosto de dois mil e dez,
os camponeses, pescadores e moradores da região atingida pelos impactos
causados com a implantação do Complexo, criam a ASPRIM – Associação dos
Proprietários de imóveis e Moradores de Pipeiras, Barcelos, Cajueiro e Campo da
Praia.
Nos últimos anos, esse processo de resistência se ampliou com a formação
de uma grande Frente de Movimentos Populares e Pesquisadores de várias
119

universidades e institutos de pesquisas presentes no processo de organização e


fortalecimento das lutas pelos seus direitos, na constituição do poder popular dos
atingidos na região do Açu.
A construção desse grande arco de alianças, envolveu apoiadores das
diferentes igrejas; MST; CPT; MPA; Justiça global; pesquisadores de diversas
universidades, Instituto Federal Fluminense (IFF); AGB, Associação Juízes para a
Democracia (AJD); alguns vereadores e deputados; sindicatos, dentre outros.
Nesse contexto de articulação de forças expressivas da sociedade civil, as
ações políticas dos camponeses do Açu/RJ se materializam e conquistam maior
visibilidade, ampliando os processos de resistências à implementação e construção
do Complexo Portuário do Açu, como vem sendo popularmente chamado.
Conceição do Mato Dentro, localizada a 167 km de Belo Horizonte, e com
aproximadamente 20 mil habitantes, até bem pouco tempo se orgulhava de ser um
recanto para os amantes do turismo ecológico, em função de suas belezas naturais,
como montanhas, cachoeiras e um povo superacolhedor. Hoje amarga ser o ponto
de partida do Projeto Minas-Rio, como afirmou um dos atingidos num dos encontros
de resistência realizado naquele município em maio de 2013:

Depois que começou esse empreendimento, isso aqui virou uma desgraça;
no início eu pensava por que tinha que ser em Conceição do Mato Dentro,
por que não foi para outro lugar. Mas hoje, eu digo: isso não tinha que
existir, pois o que não é bom para nós daqui, não pode ser bom para
trabalhador de nenhum LUGAR (JOSÉ ADILSON MIRANDA, CONHECIDO
POR SR ZÉ PEPINO).

O objetivo destas expropriações em Conceição de Mato Dentro foi a


exploração das jazidas de minério que serão transportadas pelo mineroduto, para
então serem exportadas através do porto que está sendo construído, destruindo
tudo ao seu redor, transformando áreas férteis e cultiváveis em solos desertificados
e águas salinizadas.
Para Marx,

A expropriação do produtor direto é levada a cabo com o vandalismo mais


implacável, sob o impulso das paixões mais infames, mais vis e mais
mesquinhamente odiosas. A propriedade privada, obtida com o esforço
pessoal, baseada, por assim dizer, na identificação do trabalhador individual
isolado e independente com suas condições de trabalho, é suplantada pela
propriedade capitalista, fundamentada na exploração do trabalho alheio,
livre apenas formalmente (2013, p. 883).
120

Os fatos relatados em Minas Gerais e no Rio de Janeiro vêm ocorrendo nas


diversas regiões brasileiras e em vários países no marco da chamada
“mundialização do capital”. Ele possibilita ao grande capital restabelecer a
rentabilidade dos seus investimentos, num quadro, em que a concorrência entre as
regiões, bem como as vantagens oferecidas pelo Estado, como isenções fiscais,
subsídios, rebaixamento de salários, dentre outros, contribuem para a escolha e
permanência desses grupos empresariais, independente de quaisquer limites, sejam
eles geográficos, culturais ou econômicos, determinados pelos países em seus
diferentes e complexos territórios.
É importante observar como o Estado burguês contemporâneo tem se
caracterizado como o grande agente financiador dos megaempreendimentos e “se
apresenta como de fundamental importância no processo de ampliação e
acumulação do capital”. Portanto, o Estado é condição sine qua non para o capital
em tempos de mundialização financeira, privatizando o fundo público a favor dos
interesses do grande capital, nacional e internacional, altamente concentrado e
centralizado.
Como afirma Marx, no Manifesto Comunista: “o poder do Estado moderno não
passa de um comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como
um todo” (1998, p. 10). Em seu livro “El hombre de hierro”, Bartra (2008) destaca
que entre o final do século XVIII e o início do XIX, com a transformação capitalista
da tecnologia, criam-se as condições fundamentais para a privatização e controle de
todas as esferas da vida, com desdobramentos que, a seu ver, inviabilizam a
perpetuação da espécie humana.
Para esse autor, o grande monstro não é mais o Estado-nação como pensava
Nietzsche, mas o capitalismo planetário, que alguns autores insistem em chamar de
globalização. Portanto, Bartra reforça sua análise, quando afirma:

El más frío de los monstruos fríos” (Nietzsche) ya no es el Estado-nación,


sino la bestia global. Nuestro ogro desalmado es el capitalismo planetario y
rapaz del nuevo siglo: un sistema predador, torpe y fiero; un orden
antropófago; un imperio desmesurado que, como nunca, espanta; un
asesino serial con arsenales nucleares (BARTRA, 2008, p. 22).

No caso do Brasil, Coutinho (1997) afirma que o Estado “moderno brasileiro


foi quase sempre uma ‘ditadura sem hegemonia’. Assim, a presença do aparato
policial, tem sido a face do Estado com maior visibilidade no 5º Distrito/Açu, em São
121

João da Barra/RJ, e em Conceição de Mato Dentro/MG, principalmente, no


momento de expulsão desses agricultores de suas terras, da demolição de suas
casas e destruição de seus quintais e demais plantações. Observa-se, que o
emprego de alguns instrumentos coercitivos pelas instituições, representantes do
Estado, guardam semelhanças em determinadas ações, àquelas praticadas no
período histórico estudado por Marx, na Inglaterra, no momento da expropriação das
terras dos camponeses, visando à criação de uma força de trabalho livre para a
produção de matérias primas para alavancar o processo de industrialização.
Em Conceição de Mato Dentro, os procedimentos utilizados pela Anglo
American e demais empresas, na apropriação das minas e a consequente
expropriação dos agricultores, até então proprietários dessas terras, mantêm
semelhanças às práticas realizadas na época das primeiras descobertas de ouro no
Brasil, no século XVIII. Nesse período, o país deteve o monopólio da produção. O
território foi demarcado e se chamou o Distrito Diamantino. Segundo Prado Júnior,

Na área do Distrito ninguém podia estabelecer-se, nem ao menos penetrar


ou sair sem autorização especial do Intendente, e a vida de seus habitantes
(que no final do séc. XVIII montavam a 5 mil pessoas) achava-se
inteiramente nas mãos daquele régulo que punha e dispunha dela a seu
talante. Seus poderes iam até o confisco de todos os bens e a decretação
da pena de morte civil sem forma de processo ou recurso algum (2008, p.
63).

Em nota de rodapé, o autor registra que “essa pena desapareceu do direito


moderno; não vai até a execução capital, mas significa a cessação de todos os
direitos do indivíduo ‘como se a pessoa deixasse de existir’, definem as leis da
época” (PRADO JÚNIOR, 2008, p. 63).
O cerceamento das populações atingidas – sejam elas das alterosas ou das
planícies Goitacá – vêm sofrendo, quando suas terras são invadidas pelos
representantes da empresa ou do próprio Estado, assim se expressa no caso da
CODIN/RJ. Placas são fincadas, demarcando como propriedade privada da LLX e
hoje da PRUMO; casas são insuladas por valas profundas em seu entorno; áreas de
servidão são fechadas e pessoas são impedidas de circularem em trajetos por elas
realizados, secularmente. Veículos, mesmo carros oficiais das Universidades, com
representantes das instituições, são impedidos de visitar famílias atingidas e áreas
públicas, como ocorre com o acesso às praias e lagoas do Açu. Pessoas idosas e
analfabetas são compelidas a registrar suas digitais em documentos, a entregarem
122

suas terras, e têm o acesso impedido ou dificultado; e tantas outras penalidades,


comprovadas por documentários e por vídeos gravados pelos próprios moradores. É
possível compreender as continuidades de processos vividos no século XVIII no
Distrito Diamantino em Minas Gerais, que Caio Prado Júnior, apresenta em seu livro.
A foto a seguir é ilustrativa desse fato.

Figura 17 - Placa fincada nas terras dos camponeses após o bloqueio da área pela EBX

Fonte: Acervo pessoal, 2013.

Se o espaço tem o formato que é produzido de forma cronológica, e se a


história política vem sendo construída hegemonicamente. Alterar esta estrutura ou
mudar o seu curso significa, assim, adensar ação política às classes
subalternizadas, no chão em que estão fincadas, no seu cotidiano. Deste modo, é
fundamental atentar para o fato de que não basta mudar corações e mentes; é
preciso que as mudanças sejam acompanhadas dos movimentos desses corpos,
nos diferentes espaços temporais.
A formação da consciência política na direção de um projeto que aponte para
a superação desta ordem societária – que “condensa a banalização do humano, que
atesta a radicalidade da alienação e a invisibilidade do trabalho social – e dos
sujeitos que o realizam” (IAMAMOTO, 2008, p. 125) – deverá vir acompanhada das
123

ações concretas na realidade vivida e sentida, nos espaços da produção e


reprodução de suas existências.
No entanto, a reação burguesa teve na reestruturação produtiva, na
“globalização” e no neoliberalismo os elementos centrais que caracterizam essa
dinâmica mais recente do capital. Ela é acompanhada de uma visão naturalizada do
desemprego estrutural, da reestruturação do mercado de trabalho com precarização
das relações de trabalho, e a consequente fragmentação da classe trabalhadora,
dentre outros (BEHRING, 2002) – fato que aponta para um momento de inflexão na
luta e organização das classes trabalhadoras e dos demais movimentos populares.
Para Antunes, “esta configuração do mercado de trabalho revela uma
processualidade contraditória que combina a desproletarização do trabalho industrial
fabril com uma subproletarização (com aumento do assalariamento)” (BEHRING
apud ANTUNES, 2002, p. 179).
Harvey (2015) apresenta algumas questões fundamentais para pensar as
mudanças políticas nos discursos quando a “globalização” se torna uma palavra-
chave para a organização dos nossos pensamentos (p. 79-80).

• Por que a palavra “globalização” entrou recentemente em nossos


discursos da maneira como o fez? (...) E que importância tem o fato de,
mesmo entre muitos “progressistas” e “esquerdistas” do mundo capitalista
avançado, palavras bem mais carregadas politicamente, como
“imperialismo”, “colonialismo” e “neocolonialismo”, terem passado
crescentemente a ter um papel secundário diante de “globalização” como
forma de organizar pensamentos e de explorar possibilidades políticas?
• Como o conceito de globalização tem sido usado politicamente? Terá
a adoção do termo indicado uma confissão de impotência da parte de
movimentos nacionais, regionais e locais da classe trabalhadora ou de
outros movimentos anticapitalistas? (...) (HARVEY, 2015, p. 79-80).

Essa mudança generalizada do discurso da política, tanto em segmentos de


“direita” como da “esquerda”, como vem ocorrendo, para Harvey, estaria voltada a
criar, nos sujeitos coletivos que resistem à sua lógica capitalista, uma atitude ou
comportamento imobilizante diante das complexidades com que se defrontam. Neste
sentido, articular as questões afetas ao processo de expropriação do chão onde eles
se fincaram, sejam (a) as expropriações de terras nos processos de trabalho, (b)
sejam os bens naturais como a água, os minerais, (c) sejam os serviços públicos
(como a saúde, a educação, dentre outros), com os processos mais gerais e
complexos, nesta etapa da financeirização do capital, tornam-se estratégias
fundamentais para as populações atingidas nesses processos de enfrentamentos.
124

3.1 Das montanhas aos mares: o percurso nas terras atingidas

3.1.1 O primeiro encontro: os dos mares vão para as montanhas

Vivenciar uma situação de conflito onde o que se enxerga é apenas minério e


um porto que parece banalizar o que vem se apresentando, desde então nas
montanhas do município de Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerais e nas
planícies litorâneas de São João da Barra, no Rio de Janeiro, são grandes histórias
de vida e muitos aprendizados.
É nestes lugares que, historicamente, vive uma fração dos “camponeses” do
Brasil que aprenderam, mais do que ninguém, a manejar e cuidar das terras
ferruginosas e pedregosas da Serra da Ferrugem e do Sapo, nos arredores da Serra
do Cipó, em Minas, e das terras arenosas, os cordões de areia, no 5º Distrito de São
João da Barra, no Rio de Janeiro.
Também é nesses lugares que se produz muita vida, que a terra fecunda
muitos alimentos: maxixe, abacaxi, quiabo, milho, aipim, feijão, amendoim, pescado,
frutas, arroz, café, farinha, cana-de-açúcar, cachaça, queijos, doces, quitandas, ovos
e criações. Vive-se nas terras do bolo da família, como se diz lá nas montanhas de
Conceição, ou na forma como os muxuangos, desde o século XVIII, praticam a
pesca e a agricultura nas restingas do litoral Fluminense (COSTA, BARCELOS e
GENEROSO, 2014).
Produz-se ainda uma cultura camponesa que experimenta conviver, há muito
tempo, com áreas ecologicamente sensíveis, como é o caso da restinga de São
João da Barra – a maior e a última faixa contínua do país –, e as serras e vales de
Conceição do Mato Dentro, na Serra do Espinhaço, considerada patrimônio mundial
pela UNESCO por suas belezas, riquezas e sua gente.
Enquanto os atingidos dos mares orgulhavam-se de ter a amplidão do céu
para admirar e sonhar, a restinga para proteger, e aquele mundaréu de água para se
banhar e se refrescar; os das montanhas distinguiram-se pela luta para preservar a
Serra do Espinhaço. Afinal é lá, em Conceição de Mato Dentro, que fica a terceira
Cachoeira mais alta do Brasil, sendo o município nacionalmente conhecido pelo seu
turismo ecológico.
125

Três de maio de dois mil e treze. Eles iam para longe. Quase seiscentos
quilômetros e um trajeto pouco preciso, o que fez com que se perdessem pelo
caminho entre São João da Barra e Conceição do Mato Dentro. Os atingidos do Rio
de Janeiro gastaram quase um dia inteiro para chegar a Conceição. A gentileza dos
motoristas e a importância daquela experiência em suas vidas corroboraram para
que todos chegassem animados; foram recebidos de forma calorosa pelos
camponeses afetados em Conceição de Mato Dentro.
Na Câmara dos Vereadores da cidade, ao anoitecer, uma primeira roda de
conversa aproximou as comunidades atingidas, junto a uma mesa farta de
alimentos.
Era outono, e o clima perfeito para que os visitantes do Açu, ao encontrarem
os conceicionenses, pudessem desfrutar das belezas daquele lugar distante e belo.
Mas o objetivo era outro: buscavam, nesse intercâmbio, a unificação dos processos
de resistências e o fortalecimento de suas lutas. Eles queriam conhecer o ponto de
partida do Projeto Minas-Rio, as cavas onde se exploram os minérios que
transportáveis por aqueles tão comentados 525 km de mineroduto, que impactam 35
municípios.
126

Figura 18 - Mapa: Atingidos de Conceição de Mato Dentro

Fonte: GT Agrária AGB Rio e Niterói, 2013.


127

Acreditar que após tanto sofrimento e luta dos camponeses do Açu, hoje
atingidos pelos choques provocados pela implementação do Porto, que ansiavam
por ver, ouvir e sentir como os moradores, trabalhadores e demais atingidos não
apenas pela mineração, como também pelo Projeto Minas-Rio, estavam vivenciando
e enfrentando as violações dos seus direitos mais elementares – como o de plantar
seus próprios alimentos, com qualidade; para pescar o peixe que até então era de
águas límpidas; para trabalhar na terra e viver ali...
Passada a primeira noite, depois da viagem intensa, naquele sábado de sol,
no dia 4 de maio de 2013 ao tentar percorrer a área dominada e insulada pelo
Projeto Minas-Rio, o grupo foi surpreendido e depois seguido por veículos com o
logotipo da Anglo American, que permaneceram, durante todo o tempo, monitorando
o ônibus da universidade, onde se encontravam os estudantes, os professores-
pesquisadores, os moradores atingidos pelo Minas-Rio, os defensores públicos, os
promotores de justiça, os representantes de entidades apoiadoras, dentre outros.
Durante esse percurso espreitado, foi realizada uma visita às margens do
Córrego Passa Sete para verificação, in locu, da degradação do curso d’água. Daí,
rumou-se em direção à propriedade de uma moradora antiga daquela comunidade,
cujas terras foram invadidas pela Anglo, sem autorização da família ou ordem
judicial. O carro perseguidor ultrapassou o ônibus que conduzia o grupo, e de forma
brusca, atravessou e fechou a estrada que possibilitava a passagem ao sítio. Os
seguranças utilizaram câmeras fotográficas como se fossem armas, filmando as
pessoas e registrando todas as falas de um jeito agressivo, na tentativa de intimidar.
A empresa impediu a passagem do grupo e da moradora-anfitriã, além de ter
acionado veículos para reforçar a barreira.
O ônibus seguia pela MG 10, rodovia Conceição/Serro, onde parte das
comunidades do entorno do empreendimento Minas-Rio, como a do Turco e
cabeceira do Turco eram observadas pelos visitantes e atingidos do Açu/RJ. A
equipe se deslocou à comunidade de Água Quente onde permaneceu por algumas
horas conversando com os moradores, visitando suas casas e escutando o relato
sobre seu modo de vida, antes da mineradora chegar à região. Logo depois eles
passaram a relatar os impactos advindos das obras do Projeto, em razão do
assoreamento e degradação do Córrego Passa Sete – curso d’água que foi o
estruturador da comunidade.
128

Na localidade de Água Quente foi denunciado que o uso da água para


consumo humano, recreação, irrigação de suas hortas e plantações, e
dessedentação animal foi totalmente impossibilitado, em razão da degradação
do curso d’água. Após alguns depoimentos individuais, essa comunidade reuniu-se
com todo o grupo dos visitantes, atingidos do Açu, pesquisadores, estudantes e
ativistas para uma conversa coletiva. A comunidade fica à jusante da barragem de
rejeito, barramento realizado no mesmo Córrego Passa Sete. Também foi narrado o
temor de acidente com o rompimento de barragem e muitos descreveram-no como
algo insuperável em razão da própria empresa Anglo ter reassentado um vizinho –
morador que residia a menos de 500 metros de parte da comunidade da Água
Quente – depois de reconhecido tal morador como “Atingido emergencial.”
Saindo de Água Quente, rumou-se para uma área mais alta, já na serra, onde
foi possível observar parcialmente todas as estruturas do empreendimento e, neste
local, as lideranças que residiam próximo dali, identificaram as estruturas e relataram
os impactos gerados às diversas comunidades. Esse foi um dos momentos em que
a solidariedade se manifestou de forma intensa. Os atingidos do Açu conseguiam
visualizar as violações sofridas pelos moradores locais olhando as estruturas; e
concluíram que aquele processo não era isolado: fazia parte de um todo, do grande
capital, representado ali pela Anglo American e as demais empresas ali instaladas.
Posteriormente, parte das comunidades da Água Quente, Jassem, Gondó,
Córregos, Quatis e Beco seguiram com o grupo para o almoço e uma roda de
conversa para relato de vivências e trocas de experiência de resistências entre os
atingidos de Açu e Conceição do Mato Dentro. Foi um agrupamento de pessoas
emocionadas, com falas preocupadas, com necessidades, com cobranças
direcionadas à defensoria pública, à promotoria de meio ambiente do Ministério
Público Federal, aos advogados populares, aos assessores ali presentes. Houve
uma troca de muitas histórias de vida, de superação, de perdas, e de conquistas.
Foi neste momento que os atingidos do Açu e Conceição de Mato Dentro
compreenderam que se trata de um projeto bem maior e mais complexo que as
informações e relatórios a que se tem acesso, e que os estragos causados à
natureza e aos seres humanos ao seu redor são tão violentos nos mares como nas
montanhas, sendo valioso organizarem-se para receber os atingidos lá de cima. Foi
com essa percepção e determinação que os atingidos do Açu desceram as
montanhas, no dia 05 de maio, bem cedo.
129

3.1.2 O segundo encontro: os das montanhas descem aos mares

Chegou o inverno e com ele a necessidade e urgência das articulações dos


atingidos do Açu para organizar o II Encontro das Resistências. Afinal, depois da
recepção calorosa dos mineiros, era preciso se preparar e receber bem os
companheiros serranos. Como “atingido” é um conceito construído na luta, dotado
de uma dimensão política muito forte, percebeu-se que, nesta etapa, ele fora
enriquecido por outros sentidos e sentimentos, como o afeto, a generosidade, a
solidariedade, a amizade e tantos outros.
O final de semana entre 23 a 25 de agosto de 2013, foi o período para
retornar e rever a “companheirada”. Do mesmo modo em que chegaram os atingidos
do Açu em Conceição, os atingidos de MG viajaram, então, no sentido-litoral. O
relógio já quase marcava 22:00 horas quando o ônibus de MG chegou à sede da
ASPRIM, na comunidade Campo da Praia, em São João da Barra. Foram
recepcionados pela brisa noturna das planícies litorâneas e, mesmo cansados,
dispuseram-se à roda de conversa de reapresentação. Atualizar o conflito, mostrar
as mudanças ocorridas desde maio, os avanços e as perspectivas do II Encontro
conduziram às falas. Exibiram-se novos mapas, fotos, informações e também falas
de solidariedade.
Na manhã do sábado, 24 de agosto, o grupo se encontrou novamente na
sede da ASPRIM, que acabou se transformando no espaço de referência para os
atingidos de MG. Daí, partiu-se então, durante toda a manhã para uma jornada de
visitas e observação no entorno das obras do Complexo Industrial Portuário do Açu,
percorrendo as áreas destruídas, escombros das casas demolidas, o estrago
ambiental, o adoecimento dos moradores nas comunidades impactadas, as áreas
salinizadas, as guaritas da segurança até a praia.
No sentido-praia, às margens da RJ-240, foram observados escombros e
áreas de casas demolidas durante os atos desapropriatórios coordenados pelo
Governo Estadual; placas fixadas por todos os lados indicando “Propriedade
Privada: Não Ultrapasse” ou de forma mais intimidadora “Propriedade Privada: Para
a sua segurança não ultrapasse”; veículos da ronda de segurança privada do Porto;
cercas com arame farpado e valas profundas ao redor das casas e de alguns
130

terrenos, indicativos do quão penoso é viver naquelas condições de intimidação, de


medo e de vigilância.
Percorridas algumas estradas do 5º Distrito, já na comunidade litorânea de
Barra do Açu, o grupo pôde observar o píer do porto, a estrutura pela qual se dá a
logística de exportação do minério produzido em Minas. Ao seu lado, mais à frente,
na entrada próxima ao canal de acesso ao estaleiro, por meio de uma pequena
caminhada pela areia, paramos próximo à lagoa do Veiga e fizemos uma aula
pública, com educadores e ambientalistas da região.
Ao mesmo tempo em que passávamos pelas estradas do 5º Distrito, uma
movimentação intensa de caminhões, de máquinas e veículos de segurança, de
carros e ônibus de operários foi marcando o percurso pelas terras do Açu. Passando
pelas comunidades de Água Preta e Mato Escuro, já na volta do litoral observamos
as lavouras de abacaxi, de quiabo, algumas criações, roças de aipim e algumas
manchas de canaviais. E foi ali mesmo, em Água Preta, que visitamos uma pequena
propriedade familiar, cujas terras marginais dos canais tributários do canal
Quitingute estavam salinizadas.
O solo estava branco e com aspecto de sal. Discutiu-se o impacto da
salinização nas terras do Açu e os riscos à saúde ocasionados por esse processo
nas águas. Expressando indignação e perplexidade, os atingidos de Minas Gerais
sentiram, de forma semelhante aos atingidos do Açu, o significado das violações no
outro. “Pensávamos que o que estamos vivendo lá era o que tinha de mais cruel e
violento, mas não, percebemos que aqui é ainda pior”, afirma uma atingida de Minas
sobre as violações e impactos do Porto do Açu” (CADERNO DE CAMPO, AGOSTO
DE 2013).
Em meio a tantos problemas, era nítida a busca da solidariedade. Era preciso
então parar para almoçar e renovar as energias, conversar um pouco de tudo, trocar
impressões. Almoço farto de comida, de cansaço, de expectativas e de esperanças!
Foi quando, no turno da tarde, optou-se por realizar uma plenária dos atingidos.
A plenária, na sede da ASPRIM assumiu vida própria e foi desde o início
marcada por várias intervenções das comunidades atingidas. Assessores populares,
professores, advogados, lideranças comunitárias, assentados, pescadores, várias
pessoas foram se posicionando, de forma que, aos poucos algumas semelhanças
foram sendo identificadas, aumentando sobremaneira a apreensão e dimensão dos
impactos e violações sofridas.
131

Cresceu também a necessidade de sistematizar, já de forma articulada, as


violações, os riscos e os impactos do Projeto Minas-Rio, na forma de um Dossiê dos
Impactos. Ganhou espaço também a ideia de uma denúncia internacional, nas
cortes interamericanas e uma carta política, que mais tarde foi chamada de “Carta
do Açu”, que deu unidade e sentido coletivo a esta luta.
Findada esta etapa, a noite do dia 24, regada a viola, bebidas e comidas, deu
o tom da alegria e do anúncio, a manifestação da identidade de sentimentos e de
ideias. A noite de confraternização serviu para selar amizades, compromissos,
esperança e culminou com as despedidas.
Após o intercâmbio entre os povos das montanhas e dos mares, todos
vitimados pelo Projeto Minas-Rio, os atingidos, pesquisadores e lideranças dos
Movimentos Sociais, – na defesa da dignidade da pessoa humana, e, em especial,
da garantia dos bens essenciais à vida como a água e o território, reunidos no Açu,
foi elaborada uma carta com o objetivo de tornar público os grandes desafios e
questões desse coletivo.
A carta anuncia:

– Violação do direito de liberdade de reunião, associação e expressão:


durante a realização do intercâmbio, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais,
os veículos que transportavam os atingidos foram seguidos e monitorados
pelos empreendedores;
– Mascaramento dos impactos socioambientais: os danos e impactos
ambientais provocados pelo empreendimento nos Estados de Minas Gerais
e Rio de Janeiro foram subdimensionados ao longo dos processos de
licenciamento, fracionados de forma indevida. Não constam dos EIA-RIMAs
os impactos conexos mina-mineroduto;
– Porto e os efeitos do empreendimento no estado vizinho do Espírito
Santo;
– Área costeira, poluição, óleo, poluição sonora marinha, erosão do solo
marinho. Degradação dos mananciais e cursos d’água, tornando-os
impróprios para uso humano, dessedentação de animais, a pesca, e para os
usos sociais, tais como plantios da agricultura familiar e recreação. No Açu,
a gravíssima salinização nas águas e nas terras, ameaça transformar o 5º
Distrito/SJB e toda a Baixada Campista, em um verdadeiro deserto;
– Não reconhecimento dos Atingidos: em Minas Gerais; empreendedor e
Estado se recusam a reconhecer a amplitude do universo de comunidades
atingidas, que resta indefinido no licenciamento, apesar da existência de
estudo independente realizado para esse fim. No Rio de Janeiro, tampouco
são reconhecidas as famílias atingidas pelos impactos gerados pela
salinização;
– Violação do direito de propriedade: os atingidos denunciam as pressões e
formas diversas de coação a que vem sendo submetidos. Em Minas Gerais,
o violento assédio a herdeiros de terras familiares deflagrou processos
conflituosos e desagregadores nas famílias, agravados por práticas como
intervenções não autorizadas nos terrenos. No Rio de Janeiro, são
recorrentes os despejos violentos de agricultores familiares e pescadores,
sem indenização e aviso prévios. Em ambos os Estados, o empreendedor
132

derruba cercas, casas, fecha caminhos, finca placas, forçando o abandono


das terras, das criações e lavouras;
– Tais pressões inviabilizam o direito à justa negociação e ao tratamento
isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;
– Violação do direito de ir e vir;
– Em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, caminhos seculares que
interligavam comunidades foram fechados. No Açu, os pescadores se
encontram impedidos de acessarem as lagoas e realizarem suas pescas
durante a semana;
– Violação dos direitos das comunidades tradicionais em MG e RJ: a
reprodução de práticas e modos de vida tradicionais foi inviabilizada pelo
empreendimento, assim como o acesso e a preservação de bens culturais.
Em Minas Gerais, territórios familiares e lugares de memória foram
fragmentados ou tornaram-se inacessíveis às comunidades locais. A
mineração inviabilizou o turismo cultural. No Rio de Janeiro, conhecimentos
tradicionais acumulados pelas famílias no manejo da restinga foram
desconsiderados e inviabilizou-se a pesca artesanal;
– Violação do direito de proteção à família e aos laços de solidariedade
social e comunitária: Procedimentos de negociação fundiária obscuros e
violentos fragmentam as famílias, enquanto os reassentamentos já
realizados não atendem à necessidade de manter os laços de solidariedade
preexistentes;
– Violação da dignidade e bem-estar de grupos vulneráveis, com direito à
proteção especial: idosos vêm sendo alvo de pressão e sujeitados a
reassentamentos compulsórios que não permitem a reprodução de seus
modos de vida. E, por fim, a plenária final do intercâmbio propôs que fosse
elaborado um relatório, reunindo os estudos até então realizados e matérias
jornalísticas e que fosse recuperada parte da memória, construindo,
portanto, uma linha do tempo, com registro dos processos de resistências
dos atingidos do Projeto de Conceição de Mato Dentro e também do
Açu/SJB. Esforço contido no “Projeto Minas-Rio e seus impactos
socioambientais: olhares desde a perspectiva dos atingidos” (CARTA
ELABORADA NO FINAL DO II ENCONTRO, AGOSTO DE 2013).

Entre tantas dificuldades, mesmo assim pode-se nesta experiência de


encontros conversar, visitar, trocar, aprender mais, observar, fotografar, chorar junto,
escutar e festejar com todos. Enfim pode-se mais do que nunca compreender
sentidos e sentimentos humanos, a “solidariedade de atingido”. Se o território educa,
nos ensina, é nestes lugares que nos tornamos mais conscientes de nossa prática,
mais sensíveis aos dilemas dos povos das montanhas e dos mares, destes povos
que vivem nas brechas, nos rincões de vales, restingas e serras, de pessoas que
portam o sentido da produção da vida (COSTA; BARCELOS, 2015).
133

3.2 Desapropriação das terras e os marcos legais

Ao apresentar e relacionar alguns aspectos do processo de implantação do


Projeto Minas-Rio, comandado pela Anglo American e, inicialmente, pelo Grupo
EBX, percebe-se a relação constituinte do Estado com o capital financeiro no
processo de acumulação/espoliação de capital. O Estado como produto da divisão
social do trabalho surge da autonomia crescente de certas atividades
superestruturais, mediando a produção material, em que uma de suas funções seria
a de sustentar uma estrutura de classe e relações de produção.
O Estado cria e recria as condições materiais para que este projeto, que é o
maior projeto de mineração e o maior mineroduto do mundo, acoplado à estrutura
portuária e logística. Ele vai desde Minas Gerais até o Rio de Janeiro e se viabiliza
com recursos de fundo público. O Porto do Açu, um dos seus maiores investimentos,
pode ser analisado como um empreendimento característico do modo como opera e
funciona o sistema capitalista na contemporaneidade.
Ao analisar a lei geral da acumulação capitalista, Marx (2013, p. 738) afirma
que à medida que se desenvolve a produção e acumulação capitalista, na mesma
medida desenvolvem-se concorrência e crédito, as duas mais poderosas alavancas
da centralização de capitais. O crédito tem a função de transformar a crise aquilo
que parecia abstrato, em realidade necessária e capital fictício, etapa mais complexa
do capital dinheiro, em financeirização do capital, tornando-se um facilitador da
produção.
“O crédito, apesar de ser dívida e penhora sobre o futuro, uma vez
despendido na produção, permite a obtenção de mais valia maior, reproduzindo o
capital de forma ampliada, o que viabiliza seu pagamento” (MOLLO, 2011, p. 453).
Uma de suas particularidades está relacionada à autonomização do valor, no
que diz respeito ao seu conteúdo material, – o valor de uso. Essa é uma contradição
que se acirra e, ao mesmo tempo, torna-se cada vez mais complexa com o
desenvolvimento desse sistema. Para Marx,

As crises do mercado mundial têm de ser concebidas como a convergência


real e o ajuste à força de todas as contradições da economia burguesa. Os
diversos fatores que convergem nessas crises têm, portanto, de ser
destacados e descritos em toda esfera da economia burguesa, e, quanto
mais nesta nos aprofundarmos, têm de serem detectadas novas
134

características desse conflito, e ainda é mister demonstrar que as formas


mais abstratas dele são interativas e se contêm nas mais concretas (1980,
p. 945).

Destarte, a dívida pública, que representa o direito de apropriação de receitas


tributárias futuras, exerce um papel fundamental nos processos de acumulação
máxima de capital, ao mesmo tempo em que a ausência de relação material com a
produção de valor é incrementada e as condições para os efeitos da crise são
criadas.
Neste trecho de O Capital, Marx afirma que:

A dívida pública converte-se numa das alavancas mais poderosas da


acumulação primitiva. Como uma varinha de condão, ela dota o dinheiro de
capacidade criadora, transformando-o assim em capital, sem ser necessário
que seu dono se exponha aos aborrecimentos e riscos inseparáveis das
aplicações industriais e mesmo usurárias. Os credores do Estado nada dão
na realidade, pois a soma emprestada converte-se em títulos de dívida
pública facilmente transferíveis, que continuam a funcionar em suas mãos
como se fossem dinheiro. A dívida pública criou uma classe de
capitalistas ociosos, enriqueceu, de improviso, os agentes financeiros
que servem de intermediários entre o governo e a nação. As parcelas de
sua emissão adquiridas pelos arrematantes de impostos, comerciantes e
fabricantes particulares lhes proporcionam o serviço de um capital caído do
céu. Mas, além de tudo isso, a dívida pública fez prosperar as sociedades
anônimas, o comércio com os títulos negociáveis de toda a espécie, a
agiotagem, em suma, o jogo de bolsa e a moderna bancocracia (MARX,
2013, p. 876, grifos da autora).

Portanto, os processos de acumulação capitalista caracterizado por Marx,


desde a acumulação primitiva ou originária - ou acumulação por espoliação, como
define Harvey - convivem com as formas sofisticadas e mais avançadas da
atualidade. Estas não são excludentes, uma vez que dialogam entre si e com os
demais sujeitos envolvidos no processo.

Todas as características da acumulação primitiva que Marx menciona


permanecem fortemente presentes na geografia histórica do capitalismo até
os nossos dias. A expulsão das populações camponesas e a formação de
um proletariado sem-terra tem se acelerado em países como o México e a
Índia nas três últimas décadas; muitos recursos antes partilhados, como a
água, têm sido privatizados (com frequência por insistência do Banco
Mundial) e inseridos na lógica capitalista da acumulação; formas
alternativas (autóctones e mesmo, no caso dos Estados Unidos,
mercadorias de fabricação de caseira) de produção e consumo têm sido
suprimidas. Indústrias nacionalizadas têm sido privatizadas. O agronegócio
substituiu a agropecuária familiar. E a escravidão não desapareceu
(particularmente no comércio sexual) (HARVEY, 2012, p. 121).
135

O Estado tem se caracterizado como o grande agente financiador dos


megaempreendimentos, torna-se, fundamental no processo de ampliação e
acumulação do capital. Com “monopólio da violência e suas definições de
legalidade, [o Estado] tem papel crucial no apoio e na promoção” dos processos de
privatização das terras; na expulsão violenta de camponeses; na supressão de
formas alternativas de produção e consumo, dentre tantas outras espoliações
vivenciadas pelas populações atingidas nos territórios em que estes
megaempreendimentos são instalados (HARVEY, 2012, p. 123).
Este autor chama a atenção para uma questão fundamental no debate sobre
a teoria marxista do Estado. Questão que se encontra presente em todo o percurso
do estudo que está sendo realizado, em torno dos conflitos resultantes da
desapropriação e consequente expulsão dos camponeses e demais moradores
atingidos pelo Projeto Minas-Rio.
E Harvey afirma que o Estado capitalista não pode ser outra coisa que
instrumento de dominação de classe, pois se organiza para sustentar a relação
básica entre capital e trabalho. Se fosse diferente, o capitalismo não se sustentaria
por muito tempo (2012, p. 82)
Uma das premissas que sustenta essa função do Estado é de que quanto
maior for a exploração da força de trabalho, maior será o valor, a acumulação e,
consequentemente, a geração e apropriação da riqueza. Faz-se necessário refletir
sobre este cenário atual em que a expropriação da terra e sua reconcentração,
operada em alguns países, como o Brasil, não só desapropria, mas fomenta a
implementação desses megaempreendimentos através de financiamentos de fundos
públicos e dos bancos oficiais como o BNDES, a Caixa Econômica e outros.
Em outubro de dois mil e dez, a revista Exame publica em letras enormes:
“LLX Logística obtém financiamento de R$ 1,3 bilhão do BNDES”:

A LLX Minas-Rio, uma subsidiária da LLX Logística, assinou os contratos de


financiamento com o BNDES e os bancos Unibanco e Itaú, num total de
1,321 bilhão de reais. Os recursos serão utilizados para construir toda a
estrutura de escoamento de minério de ferro no Porto de Açu, no Rio de
Janeiro, incluindo uma ponte, píer e pátios de estocagem (EXAME/
NEGÓCIOS, 10/10/2010).
136

Para Mandel (1982), essa é a primeira das principais funções do Estado: a de


criar as condições gerais de produção que não podem ser asseguradas pelas
atividades privadas dos membros da classe dominante.

Essas condições gerais de produção, (...) podem ser definidas como


materiais e imateriais. (...) no primeiro caso temos as vias de circulação
material para o transporte de mercadorias e pessoas, os oleodutos para
transporte do petróleo e de seus derivados, as hidrovias, as rodovias, os
aeroportos etc. E, no segundo caso, as condições gerais de produção
imateriais, como as redes de energia e telecomunicações, que embora
requeiram infraestrutura material que lhe dão suporte, possuem uma
dinâmica que não se consubstancia em formas corpóreas, como são os
fluxos de informações e comunicações (LENCIONI, 2007, s/p).

Assim, o Estado burguês, representado nas suas diferentes escalas, cumpre


com eficácia a função de criar as condições necessárias para o processo de
superacumulação capitalista e para que o capital financeirizado possa, através das
grandes empresas, se instalar em determinado território.
Este é o caso do Complexo Portuário do Açu, em que a União, através da Lei
Federal n° 11.033 de 21 de dezembro de 2004, altera a tributação do mercado
financeiro e de capitais e institui o Regime Tributário para Incentivo à Modernização
e à Ampliação da Estrutura Portuária – REPORTO, que altera as Leis anteriores e
dá outras providências.
As disputas entre os Estados são acirradas e as vantagens oferecidas pelos
seus representantes: isenções fiscais, subsídios e desapropriações, tornam-se atos
frequentes, como os identificados neste estudo, quando os diferentes governos do
Estado do Rio de Janeiro, encomendam estudos de viabilidade técnicas para a
possibilidade do empreendimento, ou nos diversos decretos publicados. Como pode
ser conferido nesse decreto promulgado pela Governadora Rosinha Garotinho, em
22 de dezembro de 2006, que segue:

20
DECRETO N. º 40.456, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2006
Concede Tratamento Tributário Especial ao empreendimento que
especifica, e dá outras providências.

20
De acordo com o Decreto 40.456 de 22/12/2006, que concede tratamento tributário especial ao
Grupo MMX, todas as empresas onde o grupo tiver participação de no mínimo 10%, receberão por 20
anos, isenção diversas quanto às taxas de exportação, aquisição de insumos, transportes, entre
outras (AAE – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA, 2009).
137

A GOVERNADORA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas


atribuições legais e, tendo em vista o que consta do processo administrativo
n. º E-28/000.219/2006,
D E C R E T A:
Art. 1.º Fica concedido às sociedades MMX MINERAÇÃO E METÁLICOS
S.A., MMX MINAS-RIO MINERAÇÃO E LOGÍSTICA LTDA, MMX
METÁLICOS BRASIL LTDA, MPC – MINERAÇÃO, PESQUISA E
COMÉRCIO LTDA e suas controladas e coligadas, doravante denominadas
Grupo MMX, todas empreendedoras do Sistema MMX Minas-Rio, o
seguinte tratamento tributário, nas fases de construção, pré-operação e
operação do Sistema MMX Minas-Rio no complexo minero-siderúrgico e
unidades de apoio, a ser implantado no Município de São João da Barra e,
para toda a logística e infraestrutura de apoio no Estado:
(a) diferimento na importação e aquisição interna de máquinas,
equipamentos, partes, peças e demais bens móveis destinados a compor o
ativo imobilizado das sociedades integrantes do Grupo MMX, para o
momento de eventual saída dos bens;
(b) diferimento na aquisição interestadual, relativamente ao diferencial de
alíquota, de máquinas, equipamentos, partes, peças e demais bens móveis
destinados a compor o ativo imobilizado das sociedades integrantes do
Grupo MMX, para o momento de eventual saída dos bens;
(c) diferimento na importação e aquisição interna de insumos e produtos
intermediários para uso e aplicação no processo industrial das unidades
industriais no Estado do Rio de Janeiro;
(d) diferimento nas operações internas integrantes da cadeia produtiva no
Rio de Janeiro, do minério de ferro e de seus derivados, desde que sejam
os produtos destinados à exportação; e
(e) diferimento na prestação dos serviços de transporte interestadual e
intermunicipal de insumos e produtos intermediários, de máquinas,
equipamentos, partes, peças e demais bens móveis destinados a compor o
ativo imobilizado das sociedades empreendedoras do Sistema MMX Minas-
Rio.
§ 1.º As sociedades controladas e coligadas a que se refere o caput deste
artigo são aquelas em que as empresas nomeadas tenham participação
societária mínima de 10% do capital.
§ 2.º O Sistema MMX Minas-Rio, referido no caput, será composto por
unidades instaladas no Estado do Rio de Janeiro englobando o complexo
minero-siderúrgico, unidades destinadas à pelotização e posteriormente na
transformação de minério de ferro em produtos siderúrgicos, e demais
empreendimentos referentes ao transporte e beneficiamento de minério de
ferro, metalurgia, geração e consumo de energia elétrica, logística de
transporte, e estrutura portuária.
§ 3.º O imposto diferido será pago englobadamente com o imposto devido
na saída dos produtos.
§ 4.º O diferimento também deverá abranger as operações internas
realizadas entre estabelecimentos da mesma empresa e entre empresas
distintas, desde que sejam integrantes do Grupo MMX, conforme o caput
deste artigo e localizadas no complexo minero-siderúrgico a ser instalado
região do Porto do Açu.
§ 5.º O disposto nos incisos a e b deverá abranger as sociedades e
consórcios de sociedades que vierem a ser contratados para a execução de
projetos de construção e implantação do Sistema MMX Minas-Rio, ficando o
imposto incidente sobre as respectivas operações realizadas pelas
contratadas, diferido para a eventual saída dos bens dos estabelecimentos
das sociedades integrantes do Grupo MMX.
§ 6.º O prazo de concessão do diferimento é de 20 (vinte) anos, contados a
partir do início da construção do Porto do Açu.
Art. 5.º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas
as disposições em contrário. (DECRETO n. º 40.456, de 22/12/2006)
138

A concorrência entre os países, estados e regiões, bem como as vantagens


oferecidas, como isenções fiscais, subsídios, rebaixamento de salários – ou como no
caso em tela, a transformação do 5º Distrito no Açu, de área rural para área
industrial, realizada pelo poder executivo e aprovada pelo poder legislativo de São
João da Barra, criaram as condições necessárias para que o governo estadual
desapropriasse 7.036 hectares, por meio de vários Decretos estaduais – que
colaboraram para a escolha e permanência desses grupos empresariais.
Para Mandel (1982), o capitalismo tardio se caracteriza por dificuldades
crescentes de valorização do capital, o que o autor vai chamar de
(supercapitalização e superacumulação). Ele ressalta que,

O Estado resolve suas dificuldades, ao menos em parte, proporcionando


oportunidades adicionais, numa escala sem precedentes, para
investimentos lucrativos desse capital na indústria de armamentos, na
indústria de proteção ao meio ambiente, na ajuda a países estrangeiros, e
obras de infraestrutura (onde lucrativo significa tornado lucrativo por meio
da garantia ou subsídio do Estado) (MANDEL, 1982, p. 340).

Uma outra característica do capitalismo tardio, segundo Mandel (1982) é a


“suscetibilidade crescente do sistema social a explosivas crises econômicas e
políticas que ameaçam diretamente todo o modo de produção capitalista” (p. 340)
Em consequência disso,

A “administração das crises” é uma função tão vital do Estado na fase tardia
do capitalismo quanto sua responsabilidade por um volume enorme de
“condições gerais de produção” ou quanto seus esforços para assegurar
uma valorização mais rápida do capital excedente (MANDEL, 1982, p. 340).

As expropriações de terras constituem, sem dúvida, uma das mais violentas


medidas realizadas pelo Estado na vida de milhares de famílias no âmbito do Projeto
Minas-Rio, implicando em deslocamentos compulsórios, fragmentação da vida
comunitária e das relações afetivas com o ambiente nos quais as famílias
trabalhavam e reproduziam suas vidas. No entanto, para os investidores,
representantes do capital, foi uma medida fundamental do Estado no processo de
criação das condições gerais de produção, para o empreendimento, como comprova
um dos executivos da PRUMO Logística. Parente afirma que “em 2013, a Prumo
teve receita líquida de R$ 56 milhões com o aluguel de áreas para seis empresas no
Açu: Technip, NOV, Intermoor, Wartsilla, OSX e Eneva. A receita líquida caiu 18,4%
139

em relação aos R$ 68,7 milhões registrados em 2012” (JORNAL VALOR


ECONÔMICO, 26/03/2014).
Segundo Moraes (2012),

A renda total do porto do Açu prevista em 2014 foi de 400 milhões, sendo
R$ 313 só de aluguel de terras. Em 2017, uma renda total de 1,6 bilhão,
sendo R$ 481 milhões de aluguel de áreas. Para 2023, daqui [a 6 anos], a
receita total prevista será de 4,8 bilhões, sendo 1,1 bilhão só de aluguel de
terrenos.
Assim, em doze anos, a LLX, pela estimativa feita pelo Bank of America
Merril Linch em (12/09/2012), terá faturado só em aluguel de terreno a
quantia de R$ 7,3 bilhões, aproximadamente 25% de toda a receita prevista
(BLOG ROBERTO MORAES, 23/11/2012).

Gráfico 1 - Previsão de receitas com a movimentação de cargas e aluguel de área no Porto do Açu

Fonte: Blog de Roberto Moraes, 2012.


140

Gráfico 2 - Avaliação da LLX prevê em 12 anos receita de R$ 7,3 bilhões com aluguel de terrenos no
Açu

Fonte: Blog de Roberto Moraes, 2012.

Em matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo de 15 de fevereiro de


2015, a manchete é bem ilustrativa: “Após 7 anos, Porto do Açu fica pronto em abril,
mas só 10% da área está ocupada” (JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO,
15/02/2015).
Tais fatos não são exclusivos desse Estado. Vêm ocorrendo nas diversas
regiões brasileiras e em vários países com a chamada mundialização do capital.
Elas possibilitam ao grande capital restabelecer a rentabilidade dos seus
investimentos, num quadro em que a concorrência entre as regiões, bem como as
vantagens oferecidas contribuem para a escolha e permanência desses grupos
empresariais, superpondo-se quaisquer limites, sejam eles geográficos, culturais ou
econômicos, determinados pelos países em seus diferentes e complexos territórios.
Mandel (1982), partindo das contribuições de Marx, compreende o Estado
como produto da divisão social do trabalho, portanto, como uma expressão das
relações sociais de produção existente na sociedade capitalista. Para o autor,

Os monopólios propriamente ditos dispõem de um poder financeiro e


econômico tão grande que podem intervir diretamente por direito na
formulação e constituição das decisões políticas a nível do Estado e do
governo. Nos casos concretos, sempre é necessário verificar como essas
várias formas de influências privadas que o capital exerce sobre o Estado
se ligam, se cruzam e se chocam (...). Essa “reprivatização” não oficial, por
assim dizer, da articulação dos interesses de classe da burguesia é uma
contrapartida da concentração e centralização crescentes do capital
(MANDEL, 1982, p. 344).
141

A segunda das principais funções do Estado, segundo Mandel, é “reprimir


qualquer ameaça das classes dominadas ou de frações particulares das classes
dominantes ao modo de produção corrente através do exército, da polícia, do
sistema judiciário e penitenciário” (MANDEL,1982, p. 333). Fato presente, através do
aparato policial, que tem sido a face do Estado com maior visibilidade no 5º
Distrito/Açu, em São João da Barra – RJ, principalmente, no momento de expulsão e
remoção desses agricultores de suas terras, da demolição de suas casas e
destruição de seus pomares e demais plantações.
Quando Marx inicia seus estudos sobre as questões referentes à forma de
acúmulo de capital, faz uma crítica aos economistas burgueses. Afirma a
incapacidade desse segmento em perceber a forma como a acumulação se
apresentava nessa etapa do desenvolvimento capitalista, ou ainda, por questões em
que o interesse no entesouramento, ganha maior relevo. Este “fecha os olhos ao
fato de constituir ainda hoje exceção o fundo de trabalho sob a forma de capital, se
consideramos todo o mundo habitado” (MARX, 2013, p. 672).
E a terceira das principais funções do Estado é integrar as classes
dominadas, garantir que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe
dominante e, em consequência, que as classes exploradas aceitem sua própria
exploração, sem a necessidade do exercício direto da repressão contra elas, para
que venha a acreditar que isso é inevitável, ou que é “dos males o menor”, ou a
“vontade suprema” ou porque nem perceberam a exploração (MANDEL, 1982, p.
333).
Para Mandel, essa última função “difere-se das duas anteriores, por
relacionar-se diretamente com a esfera da produção, assegurando uma mediação
direta entre a infra e a superestrutura” (MANDEL, 1982, p. 334).
Tendo como premissa que o Estado precede o capitalismo, Mandel salienta:
ele “é mais antigo que o capital”. No entanto, suas funções nessa etapa são bem
“diferentes daquelas que garantem o tipo de segurança necessário ao
desenvolvimento da produção de mercadorias”. Assim, a “origem do Estado coincide
com a origem da propriedade privada e associa-se, em certa medida, à separação
das esferas privada e pública da sociedade (...)” (1982, p. 335).
No entanto, o governo do capital se distingue de todas as formas pré-
capitalistas de governo, pelo fato de não se basear em relações extraeconômicas de
coerção e dependência, mas em relações “livres” de troca que dissimulam a
142

dependência e a sujeição econômicas do proletariado (separação entre meios de


produção e subsistência), e lhe dão a aparência de liberdade e igualdade (MANDEL,
1982, p. 335).
O pressuposto de Mandel (1982), é que o Estado é produto da divisão social
do trabalho e que surge, assim, da autonomia crescente de certas atividades
superestruturais, mediando a produção material, e com a função de sustentar uma
estrutura de classe e relações de produção.
A partir daí, buscou-se trazer e relacionar alguns aspectos do processo de
implantação do Projeto Minas-Rio, comandado pela Anglo American e pelo Grupo
EBX e agora também pela PRUMO Logística, no sentido de indicar a atualidade da
concepção de Estado, deste autor.
Sendo assim, alguns elementos comuns ao processo de acumulação primitiva
estudados por Marx nos séculos XIV e XV, na Inglaterra, se reiteram e se reeditam
sob outras faces, sob o slogan “o futuro se constrói hoje”; “tudo é para a melhoria da
sociedade”; e podem ser identificados na atual fase da “globalização da economia”,
como: apropriação da terra privada dos pequenos camponeses e pescadores, e das
terras comuns; conversão dos pequenos produtores e pescadores em trabalhadores
assalariados; concentração do capital fundiário, objetivando a garantia de
financiamentos públicos e privados; a violência no processo de expulsão das
famílias, dentre outros.
A concepção e execução do Complexo se fundamentam: a) no autoritarismo;
b) na expulsão imposta pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da
desapropriação de terras, apoiada no interesse público, sem possibilidade de
contestação pelos atingidos; c) nos deslocamentos forçados dos camponeses, pelo
poder dos megaempreendedores e sua milícia privada, agregada às forças policiais
estatais e ao apoio da mídia, associada ao grande capital.
Todo esse processo ocorre, sem que os atingidos, enquanto cidadãos,
possam garantir que seus direitos constitucionais – direito à terra, à moradia e a um
meio ambiente adequado, dentre tantos outros –, sejam necessariamente
preservados. As lutas travadas desde o início do empreendimento em diversas
escalas e os processos de resistências vivenciados por esses pequenos agricultores
não têm sido suficientes para que o decreto de desapropriação seja revisto, ou
anulado, e as terras devolvidas a seus legítimos proprietários. Este depoimento
143

apresenta parte das articulações entre os poderes legislativos, executivos e de certa


forma, o judiciário.

Começou a se buscar o entendimento junto aos órgãos do município, junto


aos órgãos do estado. Viemos três vezes fazer reuniões junto à CODIN,
junto à Secretaria de Infraestrutura, sem sucesso. Ouvimos que o estado
não estava solidário ao grupo de produtores do 5º distrito porque não era
mais a visão do estado aquela área como rural, mas sim área industrial para
poder beneficiar um suporte para o Porto do Açu, porto público que foi
questionado pelo Ministério Público Federal, na pessoa do Eduardo Santos,
aqui presente, que seria de grande valia para a população local, mas que
respeitasse a natureza, que respeitasse as leis da Constituição Federal, um
porto público, e não um porto privado, onde que a gente vê somente a
necessidade de formatar e visualizar um empresário, que se diz
megaempresário, fazendo todas as atrocidades possíveis, com a
cumplicidade do estado. E nós, produtores rurais, estamos sofrendo essa
cumplicidade entre essas pessoas, entre esse aparelhamento do poder
público estadual, municipal e empresa privada (ATA DA AUDIÊNCIA
PÚBLICA NA ALERJ, 13/09/2011).

Contraditoriamente, a CODIN e o judiciário os transformam de vítimas pela


expropriação de suas terras e moradias, em “réus”, e em alguns processos, em “réus
ignorados”.
Os trabalhadores atingidos com essa identificação de réu ignorado, utilizada
pela CODIN e pelo Poder Judiciário, – quando, de fato, são vítimas desse processo
de desapropriação – indignados e revoltados afirmam que nos documentos constam
seus nomes, endereços e outros comprovantes que os identificam. Isso provocou a
necessidade de pesquisar alguns processos dos agricultores atingidos, no âmbito do
judiciário, na tentativa de compreender a razão do caráter desse termo que está
sendo amplamente usado sem preceder o advérbio de lugar, como nessa referência,
“a citação por edital prescinde de comprovação de que foram usados todos os meios
e tentativas para localização do réu. Para tanto, basta a afirmativa do autor de que o
réu se encontra em local ignorado, incerto ou inacessível” (JUSBRASIL, 2008).
No processo número 0004771-08.2010.8.19.0053 no Cartório da 2ª Vara de
São João da Barra/RJ sobre desapropriação por Utilidade Pública/DL
3.385/1941/Intervenção do Estado na Propriedade, tendo como autor a Companhia
de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro - CODIN e como réus:
Juarez Alves da Silva e Lucinéia Barreto Alvarenga, assistidos pela Defensoria
Pública, a CODIN os identifica como réus ignorados, mesmo sendo apresentados
diversos documentos de identificação, endereço de moradia e da terra que está
144

sendo expropriada. Tais informações constam nas páginas 93 a 101 do referido


processo.
No entanto, no pedido da CODIN de imissão na posse do imóvel
desapropriado em requerimento de 14/04/2011, o juiz solicita esclarecimento à
requerente sobre divergência entre as fls. 93 e 102 do processo em voga. Os
esclarecimentos, a CODIN, também por meio do requerimento com data de
22/02/11, requer ao Cartório do 1º Ofício de São João da Barra.
Em 23 de fevereiro de 2011, o cartório acima mencionado, através do ofício nº
27/1, responde a CODIN que:

O Indicador Real de Registro de Imóveis circunscrito ao 1º Ofício de São


João da Barra foi escriturado, em época anterior a atual Titular, de forma a
impedir a respectiva efetividade da utilização do Livro.
A inexistência de Plano Diretor na municipalidade propiciou o crescimento
urbano a partir de logradouros conhecidos apenas como “Rua Projetada A
Rua Projetada B, Rua Projetada C” e, desta forma, foram trasladados para o
Livro do Indicador Real.
Não obstante, verifica-se também endereços como: “área de terreno
medindo...” ou, simplesmente, “porção de terra que se confronta pelo lado
esquerdo...”
Isto posto, não é possível a localização de imóveis onde é fornecido apenas
o endereço do imóvel (PROCESSO Nº 0004771-08.2010.8.19.0053, p. 108).

Durante a pesquisa nesse processo, a celeridade do Poder Judiciário em


emitir as decisões requeridas pela CODIN, para a imissão na posse dos réus Juarez
Alves da Silva e Lucinéia Barreto Alvarenga, e a ausência de questionamentos sobre
a qualificação dos mesmos de “réus ignorados”, ser justificado pela autora, no caso
a CODIN, não em função dos mesmos não serem encontrados, mas pela
inexistência do Plano Diretor no município e por questões cartoriais, indica a
inobservância do artigo 7º do Código do Processo Civil, quando prevê: “É
assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e
faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação
de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório” (CPC,
art. 7º).
Ou ainda quando em 23 de maio de 2011 a CODIN, autora da ação em
análise, encaminha ao Juízo requerimento em que tenta dirimir divergência entre as
fls. 93 e 102 e, ao mesmo tempo, reitera o pedido contido na ação inicial, de que
seja concedida a imissão na posse do imóvel desapropriado, mediante o depósito do
145

valor oferecido, e utilizando o ofício do Cartório já referido, a CODIN justifica o


motivo da proposta ser elaborada contra réu ignorado, como segue:

A presente ação de desapropriação, primeiramente, foi proposta contra réu


ignorado, uma vez que, apesar de identificada a área a ser desapropriada,
não foi possível identificar o proprietário do imóvel expropriado, em
especial pelo fato de que o cartório do 1º Ofício de São João da Barra não
tem condição de expedir certidão de propriedade de área rural, com base
em dados exclusivamente geográficos, calcado em localização do imóvel ou
coordenadas geográficas, sem indicação de nome de proprietário e/ou
fazenda (PROCESSO Nº 0004771-08.2010.8.19.0053, p. 105).

Em seguida os advogados da autora destacam que os documentos


apresentados pelos réus,

Não impedem o deferimento da liminar, visto que, deferida a medida


pleiteada, o valor ofertado na inicial ficará depositado em Juízo em conta
vinculada a este processo. O levantamento da quantia depositada se
dará em momento posterior com comprovação daquele que
efetivamente sustente a qualidade de proprietário da área objeto da
presente.
Nesse contexto, sendo certo que a discussão sobre a quem cabe o
levantamento do montante indenizatório não interfere no conhecimento e
deferimento da medida pleiteada sem a oitiva da parte contrária, e ainda,
considerando a urgência na desapropriação de no início das obras, a autora
desde já reitera a V. Exa. O pedido contido na inicial, de que seja concedida
a imissão na posse do imóvel desapropriado, mediante o depósito do valor
ofertado (PROCESSO Nº 0004771-08.2010.8.19.0053, p. 106).

Ao estudar o processo, percebe-se que o pedido de urgência da CODIN ao


Juízo, e o seu cumprimento garantindo a imissão na posse em apenas treze dias
úteis, evidencia a celeridade e as condições desiguais em sua aplicação, como pode
ser comprovada na decisão publicada em 09 de junho de 2011:

1. Recebo a emenda à inicial. Incluam-se no polo passivo da ação o Sr.


Juarez Alves da Silva e a Sra. Lucinea Barreto Alvarenga. Anote-se. 2.
Presentes os pressupostos legais, defiro a liminar de imissão de posse
do imóvel descrito na inicial, o que deverá ser efetivado após o depósito
do valor total apurado no laudo. 3. Expeça-se guia de depósito judicial. 4.
Cite-se. Intimem-se. Dê-se ciência ao Ministério Público. 5. Após, venham
os autos conclusos para designação de perito (PROCESSO Nº 0004771-
08.2010.8.19.0053, p. 109).

O depósito foi efetuado em seguida, mas de acordo com a declaração


expedida pela gerente do Banco do Brasil de São João da Barra ao Juiz de Direito
da 2ª Vara Estadual, no dia 21 de junho de 2011, a CODIN efetuou depósito em
conta judicial naquela agência em nome de RÉU IGNORADO. Portanto, sem a oitiva
146

da parte contrária, que sequer pode contestar o valor imposto pela avaliação da
CODIN, e competindo aos camponeses (réus nesta ação) a comprovação da
qualidade de proprietário e o gravame financeiro.
Nas análises realizadas pelo grupo de pesquisadores do HOMA da
Universidade Federal de Juiz de Fora (2017), uma das grandes dificuldades de
efetivação do acesso à justiça, destacada – além da questão da falta de informação
dos atingidos – foi a “deficiência na formação dos magistrados em uma cultura de
Direitos Humanos e de valorização da vítima”. Em uma pesquisa realizada pelo
Conselho Nacional de Justiça, afirma-se que “o perfil dos magistrados brasileiros os
coloca em posição extremamente distanciada das vítimas e, mediante essa
ausência de proximidade e alteridade [...]” (HOMA, p. 29-30), os obstáculos ao
acesso aumentam.
Numa entrevista ao jornal O Globo, o advogado Rodrigo Pessanha, se
posiciona assim:

Segundo o advogado Rodrigo Pessanha, [...] que defende ao menos 150


famílias afetadas, a quantidade de produtores que permaneceriam sem o
dinheiro [das indenizações] alcançaria a maioria dos atingidos.
- Perderam as terras, mas não receberam. Para ter acesso às indenizações,
os agricultores precisam cumprir critérios, como obter certidões negativas
da Justiça e publicar um edital sobre o pagamento. Os custos desses atos
processuais deveriam ser da CODIN. Mas, com a crise no estado, a
companhia não tem verba para pagá-los. Quem tem melhores condições
financeiras, paga por conta própria. Mas esses são a minoria (O GLOBO,
29/09/2016).

Tomando os dados de análise da pesquisa realizada pelo HOMA (2017), com


referência à desigualdade na defesa técnica com os processos de violação de
Direitos Humanos, os dados comprovam as avaliações e reclamações da população
atingida na sua lide com a justiça. O documento apresenta várias disparidades como
essa da família do Senhor Azual Rodrigues, Adriano de Almeida e Giliar Alves
Xavier, apresentada a seguir,

[...] a desigualdade foi observada na ação de reintegração de posse


0000076-40.2012.8.19.005330, em que a autora CODIN contou com o
apoio de 08 advogados e a autora LLX Açu Operações Portuárias S.A, com
32, que incluem a equipe Fichtner, Fitchtner, Mainnheimer, Horta e Perez
advocacia e consultoria. Os réus, moradores de São João da Barra,
contaram com o auxílio de 02 advogados (HOMA, 2017, p. 35).
147

As violações aos direitos fundamentais e aos Direitos Humanos nesse


processo de desapropriação é desigual e violenta em todas as relações e no acesso
à justiça, pela ausência de controle social desse Poder e das relações complexas
estabelecidas entre o Estado – que deveria zelar pela garantia de uma assistência
judiciária equânime e deveria, ainda, ser ele, o Estado, por meio da CODIN, o
espaço privilegiado da violação de todos os direitos, do esbulho e da violência –
porque é dele o controle das forças repressoras e do aparato policial, e o poder
econômico do grande capital representado até então pelo empresário Eike Batista e
hoje acusado de crimes de corrupção.

A coordenadora de projetos da Codin, Mariza Souza, explicou que a


documentação dos proprietários dos terrenos é muito frágil e, para que eles
não demorem a receber o valor da terra, a LLX tem entrado em contato
com cada um e oferecido pagamento antecipado à liberação do valor,
que é depositado pela Codin em juízo justamente por conta da
fragilidade da documentação.
Os recursos da Codin só são liberados depois que todos os documentos
relativos à posse da terra são regularizados. Dessa forma, a LLX passa a
ser dona das terras e só recebe de volta o valor pago quando a
documentação de posse é regularizada e o depósito da Codin é liberado
(NOGUEIRA, MARTA, In: JORNAL O VALOR, 2012).

A pressão exercida sobre os atingidos pelo grupo da CODIN, na tentativa de


persuadi-los, para que aceitassem o valor imposto e deixassem rapidamente suas
terras, era que sendo assim, o pagamento seria imediato, porque seria efetuado pela
empresa LLX.
A Emenda Constitucional nº 45/2004 inseriu o princípio da razoável duração
do processo dentro das garantias fundamentais asseguradas a cada indivíduo,
inscrito no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, com o seguinte
teor: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação”.

Os princípios da celeridade e a duração do processo devem ser aplicados


com observação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade,
assegurando que o processo não se estenda além do prazo razoável, nem
tampouco venha comprometer a plena defesa e o contraditório (WELSCH,
2008, s/p).

Numa análise realizada pelo HOMA – Centro de Direitos Humanos e


Empresas, da Faculdade de Direito da UFJF, foram pesquisados 18 processos em
148

curso sobre violações de Direitos Humanos ocorridas durante o período implantação


do Complexo Portuário e Industrial do Açu, e concluiu-se:

Ficou claro, após o exame desta documentação, que a condução das


ações, em parte em decorrência da forma como agentes do poder judiciário
se relacionam com a temática de Direitos Humanos, não põe em destaque a
necessidade de se salvaguardar os direitos dos afetados, garantindo-lhes a
oportunidade adequada de acesso à justiça, em face de relações jurídicas e
processuais tão desiguais (HOMA, 2017, p. 6-7).

E são estes “réus” que, em função do decreto de desapropriação, não têm


sequer a possibilidade de contestação das violações contra eles praticadas. São
medidas de exceção, ou seja, é a suspensão do Estado de Direito, pelo direito, ou
ainda, como afirma Agamben (2004), “é a prevalência de uma força de lei sem lei”.
O empreendimento foi concebido sem a participação da comunidade local,
com todos os procedimentos para as desapropriações realizados, e está sendo
implementado e respaldado nos diversos Decretos do Governador do Estado do Rio
de Janeiro, violando um conjunto de direitos humanos fundamentais àqueles
pequenos agricultores, pescadores e suas famílias, que vivem hoje uma espécie de
Estado de Exceção. Como afirma Oliveira e Chacon (2013), historicamente, as
constituições burguesas incluem normalmente esse recurso [do Estado de exceção]:
no caso de “ameaça à ordem pública”, “à nação”, “ao povo” etc., o direito é suspenso
para que o Executivo possa agir com “presteza”, “prontidão”, “energicamente” etc.
Na conjuntura atual, na troca de investidores, através das vendas de ações a
grupos diferenciados, verifica-se apenas a alteração dos países de origem desses
capitais. No mais, o modus operandi do Capital e do Estado se mantêm com as
desapropriações, imissões de posse, remoções forçadas, salinização das águas,
dentre tantas outras violências que vem ocorrendo em todo o âmbito do
megaempreendimento.

O Estado, com seu monopólio da violência e suas definições da legalidade,


tem papel crucial no apoio e na promoção desses processos
[mercadificação, expropriação, taxação etc.], havendo, (...) consideráveis
provas de que a transição para o desenvolvimento capitalista dependeu e
continua a depender de maneira vital do agir do Estado. O papel
desenvolvimentista do Estado começou há muito tempo, e vem mantendo
as lógicas territorial capitalista do poder sempre interligadas, ainda que não
necessariamente convergentes (HARVEY, 2012, p. 121).
149

Para Fontes (2010, p. 88), “a expropriação não pode ser considerada como
um fenômeno apenas econômico, uma vez que é propriamente social (...)”. Esta
autora afirma que “trata-se da imposição – mais ou menos violenta – de uma lógica
da vida social pautada pela supressão de meios de existência ao lado da
mercantilização crescente dos elementos necessários à vida”. Tais fatos não são
exclusivos do Estado brasileiro, após a chamada mundialização do capital,
possibilitando ao grande capital restabelecer a rentabilidade dos seus investimentos.
Segundo Pessanha (2016), pode-se caracterizar esse porto e o seu projeto de
complexo industrial e seus impactos, como o movimento da “Geografia das
Corporações”, previsto dentro dos grandes ciclos econômicos e vinculados aos
ciclos das commodities. Estes agem sobre o espaço, constituindo circuitos espaciais
de produção, que possui bases em MG e Rio, e se constituem dos investimentos em
capital fixo sobre o território. Para Santos,

[...] os atores hegemônicos, armados com uma informação ade quada,


servem-se de todas as redes e se utilizam de todos os territórios. Eles
preferem o espaço reticular, mas sua influência alcança também os espaços
banais mais escondidos. Eis por que os territórios nacionais se transformam
num espaço nacional da economia internacional e os sistemas de
engenharia mais modernos, criados em cada país, são mais bem utilizados
por firmas transnacionais que pela própria sociedade nacional. Em tais
condições, a noção de territorialidade é posta em xeque [...] (SANTOS,
2006, p. 163).

3.3 Projeto Minas-Rio e o Complexo Industrial e Portuário do Açu: um alinhavo


no tempo (2006 – 2017)

Os conflitos e enfrentamentos ao Projeto Minas-Rio em que as ações de


resistência, denúncia e mobilização foram tomando contornos variados, desde o
início das obras, assim como os processos de licenciamento ambiental,
manifestações, audiências públicas geraram brados de repulsa de todo tipo. Para
uma retrospectiva desta linha do tempo que caminha de forma contraditória, junto às
pessoas, paisagens e vidas inteiras, apresentar-se-á abaixo uma síntese dos
principais fatos que marcaram esta experiência junto aos povos do campo e dos
mares.
150

Tais informações foram compiladas do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde


no Brasil, elaborado pela FIOCRUZ/FASE, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental,
do Relatório: O Projeto Minas-Rio e seus impactos socioambientais: olhares desde a
perspectiva dos atingidos e da linha do tempo produzida pelo Laboratório de
Cenários Socioambientais LABCEN/PUC MINAS. Além de sites, blogs e
atualizações diversas com base no acompanhamento e vivência in loco dos
conflitos, desde 2008 e da colaboração generosa de Patrícia G. Guerra e Gustavo
Gazinelli, de Conceição de Mato Dentro/MG, e de Noêmia Magalhães e Rodrigo
Santos, do Açu. Dentre as ações e acontecimentos mais relevantes, destacaremos
as lutas políticas, sociais e jurídicas.

2006
27/Dez – Lançamento da pedra fundamental do Complexo Logístico e Industrial do
Porto do Açu, pela Governadora Rosinha Garotinho, o empresário Eike Batista e a
prefeita de São João da Barra, Carla Machado. Segundo a governadora, será o
maior investimento na história do Norte/Noroeste do Estado.

Figura 19 – Lançamento da Pedra Fundamental do Porto do Açu

Fonte: Blog de Roberto Moraes, 2013.

2007
Outubro
151

- Concessão da Licença Prévia para o Porto (pela FEEMA) e para o Mineroduto


(pelo IBAMA).
- Início da construção do Porto do Açu, em São João da Barra (RJ). 21

2008
25/jun. O novo barão de São João da Barra, Eike Batista, hoje durante entrevista
coletiva no gabinete da prefeita Carla Machado. A ex-governadora Rosinha também
esteve presente ao lado do presidente da Cedae, Wagner Victer (BLOG RICARDO
VASCONCELOS, 2008).

Figura 20 - Reunião do barão Eike com a baronesa Carla em São João da Barra

Fonte: Juarez Fernandes, 2008.

30/jul – Entrega da licença prévia do Porto do Açu, numa solenidade no Palácio das
Laranjeiras com o Governador Sergio Cabral, Eike Batista e sua família, e diversas
autoridades.
05/ago – Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) libera licença prévia da
Usina Termoelétrica Porto do Açu.
13/ago – O Ministério Público Federal (MPF) ajuíza ação civil pública perante a
Justiça Federal em Belo Horizonte, para impedir a continuidade das obras de

21
Disponível em: http://www.prumologistica.com.br/SitePages/sobre-o-porto/historico.aspx.
152

instalação do Mineroduto Minas-Rio. São réus na ação o IBAMA, o Estado de Minas


Gerais, a MMX Minas-Rio Mineração e Logística Ltda., a Anglo Ferrous Minas-Rio
Mineração, a LLX Açu Operações Portuárias S/A, a LLX Minas-Rio Logística
Comercial Exportadora S/A e o Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Rio de
Janeiro. O MPF pede que a Justiça conceda liminar determinando a paralisação
imediata de qualquer atividade de construção do Mineroduto Minas-Rio e
suspendendo os efeitos da licença prévia da Mina Sapo-Ferrugem, das licenças
prévias e de instalação do Mineroduto e das licenças prévias e de instalação do
Porto de Açu. Pede ainda que, ao final da ação, seja decretada a nulidade dos
procedimentos de licenciamento e das licenças concedidas até o momento, e que
seja declarada a atribuição do IBAMA para realizar o licenciamento do
empreendimento, considerando-o como um todo único e indissolúvel formado pelo
conjunto Mina-Mineroduto-Porto.
17/ago – Ministério Público Federal (MPF) ajuíza ação civil pública na Justiça
Federal pedindo liminar para que sejam paralisadas as obras do Porto do Açu, em
São João da Barra/RJ.
Dezembro – Governo do Estado do Rio de Janeiro publica o decreto de
desapropriação de uma área de terra de 7.036 hectares no 5º Distrito de São João
da Barra para construção do Condomínio Industrial do Complexo Portuário do Açu.
Moradores do local serão expropriados de suas terras.

2009
21/jan – Governador do Estado do Rio de Janeiro assina decreto declarando de
utilidade pública imóveis e benfeitorias situadas nas faixas de terra necessárias à
construção e passagem do Mineroduto Minas-Rio.
Fevereiro – Em entrevista ao jornal Valor Econômico, o presidente da Colônia de
Pescadores Z-2 afirma estar apreensivo quanto aos impactos da construção do
Porto do Açu, na pesca do camarão na região. Obras do porto estariam afetando a
principal área de pesca do crustáceo no município.
Abril – Após BNDES Participações adquirir cerca de 12,5% das ações da LLX e
integrar projeto do Porto do Açu, Governo Federal aceita incluir projeto no Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC).
20/maio – Grupo EBX anuncia início de negociações com a Wuhan Iron and Steel
Co (WISCO) para instalação de usina siderúrgica chinesa no Condomínio Industrial
153

do Complexo Portuário do Açu e participação da mesma como acionista de várias


empresas do grupo.
01/jul – Governo do Estado do Rio de Janeiro anuncia concretização das
negociações entre o Grupo EBX e a WISCO. A previsão é que a siderúrgica se
instale no Complexo Portuário de Açu com investimentos da ordem de R$ 4 bilhões.
A siderúrgica é considerada como principal investimento na área.
17/ago - O MPF em Campos entrou com ação civil pública contra a LLX Açu
Operações Portuárias e LLX Minas-Rio Logística Comercial Exportadora por causa
da construção irregular do Complexo Portuário do Açu, em São João da Barra. A
ação, com pedido de liminar, foi movida pelos procuradores da República em
Campos dos Goytacazes Eduardo Santos e Carmen Sant'anna e tramita na 1ª Vara
Federal de Campos (proc. 20095103002048-8).

Figura 21 - Porto em construção

Fonte: Juarez Fernandes, 2009.

26/ago – Comissão Estadual de Controle Ambiental (CECA) libera licença para


construção do pátio logístico do Porto do Açu. O pátio permitirá o armazenamento e
a movimentação, principalmente de carga própria do Grupo EBX, mas também de
carga de outras empresas, como produtos siderúrgicos, carvão, granéis líquidos e
sólidos (VALOR ECONOMICO, 2008).
154

27/ago – Comissão de Minas e Energia da Câmara Federal realiza audiência pública


para discutir projetos e impactos do projeto do Complexo Portuário do Açu. Prefeita
de São João da Barra defende o projeto durante a audiência.
28/ago – Manifestação das comunidades atingidas pelo Complexo do Porto do Açu,
no centro de São João da Barra. Produtores da Região do 5º Distrito de SJB
chegaram por volta das 16 horas em passeata até o prédio da Câmara Municipal de
SJB onde promoveu uma manifestação pacifica para protestar contra o decreto de
desapropriação de terras consideradas por eles produtivas. “Utilizando caminhões e
caminhonetes os produtores trouxeram para frente da prefeitura o que produz em
suas terras: abacaxi, coco, bananas, abóbora, pimentão, tomate, cana de açúcar e
muitas faixas com mensagens apelativas de socorro sem citar a quem era dirigido o
apelo”22.

Figura 22 – Protesto das comunidades atingidas pelo Porto do Açu

Fonte: Blog do Noel, 2009.

Setembro – LLX e a Votorantim Cimentos fecham acordo para realizar estudos de


viabilidade para implantação de uma unidade de produção de cimento no Porto do
Açu.
10/set – Anglo Ferrous Brazil anuncia projeto de ampliar a capacidade do sistema
Minas-Rio para uma produção anual de 80 milhões de toneladas de minério de ferro
até 2015.
16/out – INEA concede licença de instalação UTE Porto do Açu.

22
Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2009/08/blog-do-paulo-noel-cobre-
manifestacao.html.
155

10/nov – Membros da Comissão Especial de Aquicultura e Pesca da ALERJ visitam


canteiros de obras de Porto do Açu e defendem compensações financeiras aos
pescadores de São João da Barra.

2010
Abril – Justiça Federal nega pedido de liminar em julgamento de ação movida pelo
MPF/RJ.
22/ago – Fundação da ASPRIM – Associação dos Proprietários de Imóveis e
Moradores de Pipeiras, Barcelos, Cajueiro e Campo da Praia.
Setembro – Ternium adquire controle acionário da Siderúrgica Norte Fluminense
(então sob controle da LLX).
16/set – INEA concede licença de instalação para Unidade de Tratamento de
Petróleo da LLX.
29/out – Representação ao Ministério Público Federal, que propiciou a instauração
de dois Inquéritos Civis: um, sobre o Corredor Logístico, e o outro, sobre o desvio da
BR 101 e as implicações para os assentamentos da Reforma Agrária e também para
os demais agricultores.
15/nov - Presidente da Hyundai visita Super Porto do Açu em São João da Barra. A
Secretaria de Comunicação da PMSJB noticia que Jai Seong Lee, foi recepcionado
pela prefeita Carla Machado e pelo presidente da OSX Brasil, Luiz Eduardo Carneiro
e que o convidado ficou encantado com a magnitude do projeto (PREFEITURA
MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DA BARRA, 2010).
156

23
Figura 23 - “Como nascem os monstros”

Fonte: Blog Ambiente Cult, 2010.

Dezembro
17/dez – A LLX e a OSX, empresas do Grupo EBX controlado por Eike Batista,
anunciaram nesta sexta-feira que a Marinha do Brasil emitiu autorização para o
desenvolvimento do canal onshore no Terminal 2 (T2) do Porto do Açu, em que a
OSX construirá a sua Unidade de Construção Naval (EXAME, 2010).

Figura 24 - Autorização para construção do canal e especulação fundiária

Fonte: Revista Exame, 2010.

23
Reproduzindo a ideia do filme “Como nascem os anjos”, dirigido por Murilo Sales em 1996.
157

2011
30/mar – Operários do Porto do Açu bloqueiam estrada de acesso a obras em pleito
por melhores salários e condições de alojamento. São trabalhadores da empreiteira
ARG Civil Port, contratada pela LLX, do empresário Eike. As reivindicações afetam a
construção do terminal marítimo do Porto do Açu. A estrada fechada é a RJ 240, que
liga a BR 356 ao Porto do Açu.

Figura 25 - Guindaste coloca estacas no fundo do mar: obras de montagem dos berços de atracação
no Porto do Açu

Fonte: Fabrizia Granatieri, 2011.

06/abr. – Em reunião no Rio, a prefeita de São João da Barra, Carla Machado e o


governador em exercício, Luiz Fernando Pezão, vão estabelecer um cronograma de
ações para colocar em prática os termos de compromisso firmados entre a
Prefeitura, o Estado e o Grupo EBX. Estiveram presentes o subsecretário de Estado
de Urbanismo, Vicente Loureiro, os vereadores Jonas de Barcelos e Aluízio
Siqueira, da bancada de apoio ao Governo, o secretário de Assistência Social,
Trabalho e Direitos Humanos, José Amaro Martins, o Neco, e o vereador Alexandre
Rosa (PPS) (BARRA FM NOTÍCIAS, 2011).
158

Figura 26 - Prefeita Carla Machado e o Governador Luiz Fernando Pezão em reunião sobre Açu

Fonte: Barrafmnoticias, 2011.

25/abr – Pequenos Agricultores e pescadores fecham via de acesso às obras do


complexo portuário para protestar contra falta de transparência e diálogo na
condução das desapropriações de suas terras e sobre as indenizações. Um grupo
de proprietários que tiveram suas terras desapropriadas impediu a entrada dos cerca
de 2 mil empregados que trabalham na construção do porto.

Figura 27 - Estradas do Açu são bloqueadas em protesto dos agricultores do Açu

Fotos de Bernardo Tabak/G1, 2011. Fonte: Acervo de Noêmia Magalhães, 2011.

26/abr- Obras param no Porto do Açu.


Agricultores bloquearam estradas que levam ao canteiro de obras do terminal
portuário. Eles denunciam as irregularidades no processo de desapropriação de
suas terras (CARTA CAPITAL, 2011).
159

Figura 28 - Protestos contra as irregularidades no processo de desapropriação das terras no Açu

Fonte: Leonardo Berenge, 2011.

26/abr – Os camponeses desbloqueiam o acesso ao Porto do Açu.


Depois de uma reunião que durou o dia inteiro entre representantes dos produtores
rurais e da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro,
os manifestantes voltaram ao local do protesto. “Não comemos aço, nem energia
elétrica. Somos produtores rurais e alimentamos nossas famílias e muitos outros
irmãos”, disse Rodrigo Santos, presidente da Associação de Produtores Rurais e
Imóveis, do Município de São João da Barra, em discurso aos presentes (TABAK, In:
Blog do Paulo Noel, 2011).

Figura 29 - Bombeiros apagam chamas e agricultores realizam mística após o encerramento do


protesto

Fonte: Fotos de Bernardo Tabak/G1, 2011.


160

31/mai – Pequenos agricultores promovem novamente manifestação na


estrada de acesso ao Porto do Açu.
08/jun – No Jornal “Folha da Manhã”, é divulgado em destaque: MD.X, do grupo
EBX projeta hospital de primeiro mundo entre Campos e São João da Barra. Na
matéria, aparece foto da reunião ocorrida com o médico e empresário Ney Artiles,
que seria o responsável pela direção médica do hospital do primeiro mundo.

Figura 30 - Hospital de papel

Fonte: Jornal Folha da Manhã, 2011.

30/junho - Porto do Açu na mira: Agricultores da localidade Água Preta no V Distrito


de SJB, fizeram protesto e registraram Boletim de Ocorrência (BO) na 145ª
Delegacia de Polícia, acusando a LLX e a CODIN por invasão às suas
propriedades. Eles reagiram e durante o protesto, cortaram os cadeados e correntes
colocados pelos invasores, retiraram as placas, representando a demarcação do
esbulho, e em seguida, as mesmas foram destruídas com seus instrumentos de
trabalho, que é o machado, para depois queimá-las.

Figura 31 - Agricultores protestam e registram BO na 145ª DP sobre a invasão de suas terras

Fonte: Acervo de Victor Almeida, 2011.


161

01/set – O Ministério Público Federal, em Campos dos Goytacazes, instaurou


inquérito civil público para acompanhar as obras do Distrito industrial de São João
da Barra e do corredor logístico do Norte Fluminense, projetos de apoio ao Porto do
Açu, verificando o devido licenciamento ambiental e o respeito à legislação de
proteção ao meio ambiente (MPF, 2011).
09/set – Grupo de Eike Batista lança primeira campanha publicitária com o ator
global Luigi Barricelli e Vitoria Albinante Gaiato, 7anos, moradora de São João da
Barra para divulgar o Porto do Açu (BRASIL247, 2011).

Figura 32 - Os atores anunciam: Super porto é bom para o Brasil e para quem vive no Açu

Fonte: Foto de divulgação, 2011.


162

Figura 33 - Dona Maura (in memorian) vítima de deslocamento forçado pelo Eike Batista e a CODIN

24
Fonte: Documentário “Ignorados, 2012” .

11/set – Primeira Audiência Pública na ALERJ, para discutir a questão das


desapropriações de terras efetuadas pela CODIN e LLX, para a construção do
Complexo portuário e industrial do Açu. Essa foi realizada pela Comissão de Direitos
Humanos da ALERJ, por iniciativa dos Deputados Paulo Ramos e Marcelo
Freixo/PSOL.

Figura 34 - Primeira Audiência pública na ALERJ

Fonte: Acervo da ALERJ, 2011.

24
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dpM_QLX9svM.
163

29/set – Assembleia no Assentamento Zumbi dos Palmares contra a duplicação da


BR-101 e a passagem do mineroduto.
Outubro – VIII Seminário sobre Trabalho Escravo Contemporâneo do Norte
Fluminense, que ampliou a compreensão da questão agrária e sua relação com o
trabalho e os megaempreendimentos na região, tendo como expositores
representantes dos atingidos do Açu.
06/Dez – Moradores do Açu, 5º Distrito de São João da Barra, fazem manifestação
na Estrada Saco Dantas, na localidade de Água Preta, contra as desapropriações. A
via é interditada com galhos de árvores e pneus.
14/dez – Estudantes protestam durante festa oferecida pela empresa LLX/Grupo
EBX à imprensa campista no Piccadilly Bar na cidade de Campos. Entre palavras de
ordem, “imprensa vendida, palavra corrompida”, os estudantes questionaram as
desapropriações e as remoções truculentas na região do 5º Distrito de SJB,
expulsando famílias camponesas e pescadores.

Figura 35 - Protesto dos jovens à Imprensa campista

Fonte: Carolina Abreu, 2011.

17/dez – Seminário: “Complexo do Porto do Açu, CODIN e a expulsão dos


agricultores de suas terras” em Água Preta/Açu. Organizado pela ASPRIM e todas
164

as entidades apoiadoras. O evento foi realizado no quintal de uma família dos


camponeses da luta, o Senhor Reinaldo e Dona Luzia. Com aulas e debates
públicos envolvendo a participação como debatedores, de pesquisadoras da UFF e
da AGB, com participação dos camponeses, pescadores, moradores atingidos pelos
impactos da implantação do complexo portuário, movimentos sociais, alunos e
professores das universidades públicas da região.

Figura 36 - Seminário: “Complexo do Porto do Açu, CODIN e a expulsão dos agricultores de suas
terras”

Fonte: Arte do cartaz - Marcelo Vianna, 2011.

Figura 37 - Seminário em Água Preta/Açu

Fonte: Acervo pessoal de Carolina Abreu, 2011.


165

19/dez – MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES (ASPRIM, CPT, MST,


pesquisadores da UFF de Campos), protocolam CARTA DE REPÚDIO em relação à
forma de condução do processo de licenciamento ambiental do “Complexo Portuário
do Açu”, bem como as desapropriações de imóveis para finalidade de formação do
complexo industrial.
23/dez - Ações protocoladas no Ministério Público Federal e Estadual.
— ASPRIM e demais entidades de apoio aos atingidos do Açu, protocolam
representação no Ministério Público Federal e Estadual, com a finalidade de informar
e requerer providências investigativas com relação ao processo de desapropriação
das terras do Açu e as consequentes violações aos Direitos Humanos.
— Ministério Público Federal anuncia instauração de inquérito para investigar
denúncias de violações dos direitos humanos no processo de desapropriação
conduzido pela CODIN.
27/dez – Ministério Público Estadual obtém liminar junto à Justiça Estadual para
impedir arbitrariedades cometidas contra moradores idosos do 5º Distrito de São
João da Barra.

2012
3/jan – A ASPRIM, CPT, MPA, professores da UFF de Campos e as famílias de
pequenos agricultores do 5º Distrito de São João da Barra protocolam representação
por atos de responsabilidade e ofensa aos direitos assegurados à criança e ao
adolescente, em face dos fatos narrados à Promotora de Justiça da Infância e da
Juventude de São João da Barra.
18/jan – Manifesto de pequenos agricultores e pescadores sobre intimidação e
violência sofridas no Complexo Industrial Portuário do Açu.
19/jan – A violência na expulsão da família de Maura Xavier de sua casa no
loteamento Costa Mar, no 5º Distrito/Açu, acompanhada de três crianças pequenas
e dois adolescentes, iniciada às cinco horas da madrugada e só concluída quase ao
meio dia. Manifestação concreta e visível do poder repressivo e violento do Estado,
representada naquele ato pelas esferas municipal e estadual. Nesse processo de
expropriação e expulsão dessa família, para a empresa invadir, foram
arregimentados em torno de 80 policiais militares, oficiais de justiça, corpo de
bombeiros, conselho tutelar, funcionários da CODIN e os “seguranças” da LLX e,
ainda, os operadores de máquinas gigantescas, que em menos de meia hora,
166

entraram derrubando a casa e destruindo todo o quintal, com árvores frutíferas


centenárias. Em instantes, sobraram apenas escombros e assombros.

Figura 38 - Parte do efetivo da repressão para expulsar e destruir a casa e o quintal dessa família

Fonte: Rafael Andrade/Jornal Folha de São Paulo de 20/01/2012.

Figura 39- Expulsão de Maura Xavier e sua filha Maraína de sua moradia

Fonte: Carlos Grevi/Ururau, 2012.

19/jan – Protestos contra construção do Porto de Açu se intensificam (VALOR


ECONOMICO, 2012). O interesse de empresas na instalação de grandes
167

empreendimentos do Complexo Industrial do Porto do Açu, no município de São


João da Barra, no norte do estado do Rio de Janeiro, pode ser abalado. A avaliação
é da presidente da CODIN, Conceição Ribeiro.
Jan. Início da construção do quebra-mar do Terminal 2 (T2), terminal onshore do
Porto do Açu.
21/jan – Caminhada pela terra com o apoio e presença do Bispo Dom
Roberto Francisco Ferrería Paz, da Diocese de Campos, Pastores, Representantes:
ASPRIM, MST, CPT, MPA, Movimento Fé e Política, Pesquisadores da UFF, UENF,
UFSCAR, dentre outras entidades e mais centenas de pessoas participaram,
percorrendo o trajeto da sede da ASPRIM em Campo da Praia, até a Barra do Açu.

Figura 40 - Ao centro, o Bravo companheiro Cícero Guedes, liderança do MST, assassinado em


25
26/01/2013

Fonte: Acervo pessoal, 2012.

26/jan – A Associação dos Produtores Rurais e Imóveis do Município de São João


da Barra – ASPRIM, promove Audiência Pública sobre a instalação do Terminal
Portuário e do Distrito Industrial do Açu, às 14:00 horas, em sua sede, situada na RJ
- 240 s/n em Campo da Praia, no 5º Distrito do Município de São João da Barra,
RJ26. Atividade amplamente divulgada pela ASPRIM.

25
Disponível em: http://g1.globo.com/rj/serra-lagos-norte/noticia/2013/01/lider-do-mst-e-encontrado-
morto-em-campos-dos-goytacazes-rj.html; http://ururau.com.br/cidades26951_Sem-terras-se-
despedem-de-l%C3%ADder-e-pedem-justi%C3%A7a-durante-cerim%C3%B4nia.
26
Além da comunidade local e do entorno do Município de São João da Barra, foram convidados a
participar da audiência popular: os diretores da LLX, OSX e OGX, o Conselho de Sustentabilidade
das referidas empresas e os diretores das empresas de consultoria ambiental contratadas. E ainda o
Presidente do Instituto Nacional do Ambiente – INEA e equipe técnica, assim como o Governador do
Estado do Rio de Janeiro e o Presidente do Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do
Rio de Janeiro – CODIN, empresa de economia mista também responsável pelas desapropriações
dos imóveis rurais. Apesar da ausência destas autoridades mencionadas, a audiência contou com a
participação da Defensoria Pública estadual, pesquisadores da UFF, UENF, IFF, vereadores,
representantes de Movimentos sociais, dentre outros.
168

28/fev – Trabalhadores do complexo portuário realizam manifestação por melhores


condições de trabalho e pagamento de horas extras.
12/mar – Expulsão do Sr. Totonho de suas terras em Água Preta. Ele conta que ao
acordar e caminhar para molhar o seu plantio, como fazia todas as manhãs, é
impedido pela PM (Polícia Militar) de se aproximar da sua roça. Então ele diz: “ –
Nunca recebi nada do Estado, mas hoje acabei recebendo sim, mas foi a polícia.” O
que os camponeses querem apenas é sua terra para continuar a lida do dia a dia,
plantando, colhendo, comercializando seus produtos, distribuindo com seus vizinhos
e visitantes, e não testemunhar aquelas máquinas monstruosas, que destroem
plantações, tombam árvores plantadas há décadas e claro, devastam suas histórias
e suas vidas.

Figura 41 - Tudo que Seu Totonho conseguiu tirar de sua roça, no momento da invasão de suas
terras, pela CODIN e a LLX

Fonte: Ana Costa, 2012.

12-14/mar – 1ª Conferência Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural,


realizada no SESC/Grussaí/SJB, elabora manifesto de repúdio e solicita a imediata
169

suspensão dos despejos impetrados contra os pequenos agricultores do 5º Distrito,


conforme lista de assinaturas.
13/março - Prisão de Juarez Alves (In memorian), um dos agricultores que resistiu a
invasão das suas terras, a de Seu Totonho e de mais um agricultor. Em poucos
minutos depois, uma vida inteira de trabalho e dedicação foram totalmente
destruídos, casas, pomares e plantios de quiabo, maxixe, jiló, abóbora e tantos
outros produtos, que eram consumidos diariamente e o restante levados
semanalmente para o CEASA no Rio. Juarez Alves, chegou por volta das dez horas
da manhã e acabou sendo preso pela Polícia por desobediência e resistência. Ele
gritava: “Quero minha terra de volta para trabalhar e sustentar minha filha! Sou
trabalhador!”.

Figura 42 - Expulsão de Juarez e Seu Totonho

Fonte: Frame de Patrícia Andrade, 2017.

21/abr – Agricultores, professores, estudantes, sindicalistas e moradores participam


de seminário em Barra do Açu, com aula pública e reconhecimento, em campo, dos
impactos da instalação do Porto de Açu.
Abr-Julho – Organização e realização do curso de Formação Política, para
preparação e fortalecimento de Lideranças Camponesas, objetivando ampliar e
aprofundar as ações de resistência dos atingidos em todo o território de Açu.
Depoimento de pessoa participante do curso, durante a reunião de avaliação: “– Eu
aprendi a resistir mais, bater de frente. Que é preciso unir forças. A importância da
denúncia para animar os agricultores do Açu. Falar com as pessoas que estão
desanimadas. Sei que não vai ser fácil, mas dá para resistir. Foi bom, muita coisa eu
ignorava, o domínio que eles querem ter sobre os agricultores, escravizando-os. [...]
quanto mais humilde a pessoa, mais eles pisam. Se a pessoa tem um pouco mais
de conhecimento, eles tentam negociar...”
170

1º/maio – Trabalhadores rurais, atingidos por empreendimentos da EBX e


movimentos sociais, realizam ato no centro do Rio de Janeiro, em protesto contra os
impactos dos empreendimentos do grupo, no Estado, e pela política de
financiamento do BNDES de conceder recursos do FAT para tais projetos.
02/maio – Carta aberta da Plenária dos Movimentos Sociais, reunidas na
organização da Cúpula dos Povos, ao Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social – BNDES.
16/maio – Realizada a mesa redonda “5º Distrito de São João da Barra: Impactos e
Violações de Direitos dos Pequenos Agricultores e Pescadores do Açu/SJB/RJ”,
durante a VII Semana Acadêmica, na UFF de Campos. O evento contou com a
participação dos atingidos do Açu, de representante da ASPRIM, e foi marcado pela
indignação e emoção dos presentes, representantes de movimentos sociais, alunos
e professores.

Figura 43 - Com Rodrigo Santos - ASPRIM; Pinduca - Camponês e Carolina Abreu – CPT

Fonte: Acervo pessoal, 2012.

30/maio – Reunião dos trabalhadores, atingidos pelos impactos do Porto do Açu


com a defensora pública, Dra. Samanta, na Defensoria Pública de São João da
Barra, com o objetivo deste órgão apresentar uma ação coletiva dos casos de
desapropriação de suas terras, com a nossa participação como pesquisadora e
apoiadora do grupo.
11/jun – 3º Encontro na OAB/RJ, sobre IMPACTADOS PELO COMPLEXO
PORTUÁRIO DO AÇU, momento em que foi apresentado um conjunto de demandas
à Presidente da OAB, na época, Drª Margarida Pressburger. (Cf. ata em anexo).
171

15/jun – Participação dos atingidos no seminário IMPACTOS DE GRANDES


EMPREENDIMENTOS NO LITORAL CAPIXABA/FLUMINENSE: ideias para a
compreensão de um fenômeno recente.
15-22/jun – Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro: representante da UFF de
Campos, CPT, representantes da ASPRIM e demais camponeses participam de
vários debates, denunciando os impactos e violações dos direitos humanos em Açu,
em função da instalação do Complexo Portuário.
13/set - Audiência especial com a Juíza, Dra. Luciana Cesário de Melo Novaes, a
representante do Ministério Público, Dra. Patrícia Monteiro Alves Moreira Baranda e
a representante da Defensoria Pública, Dra. Gabriela Chaves Frota, advogados
apoiadores, pesquisadora da UFF de Campos e toda a família de Dona Jorgina,
filhos, filhas, genros, noras e netos, sobre o processo de desapropriação das áreas
referidas no trajeto para a instalação das torres que levariam a energia elétrica de
Furnas ao Porto do Açu, denominada de linhão. Essa ação foi movida pela então
Companhia de energia elétrica, AMPLA.

Quadro 2 - Audiência especial contra a imissão de posse da Ampla energia


Processo nº: 0006680-51.2011.8.19.0053

Tipo do Movimento: Audiência Especial

Descrição: Aos 13 de setembro de 2012, na sala de audiências, presente a Drª. LUCIANA CESARIO DE
MELLO NOVAIS, juiz titular. Feito o pregão às 13:50 horas compareceram as partes,
acompanhadas pelos seus respectivos patronos. Ficou acordado entre as partes que a AMPLA
não cumprirá a liminar de imissão de posse antes do prazo de 45 dias. Os réus se reunirão e
apresentarão uma proposta de acordo, assim que possível. Pelo MM. Juiz de Direito foi dito
que: Venham os autos conclusos. Intimados os presentes. Nada mais havendo, foi encerrada
a presente às 15:45 horas. Eu, [...] mat. [...], digitei.

Fonte: Processo nº 0006680-51.2011.8.19.0053/2012.

13/set – Manifestação de proprietários rurais fecha, no início da madrugada, a


rodovia RJ-240, que liga a rodovia BR-356 (Campos–São João da Barra) às obras
do Porto do Açu. Eles protestam contra a desapropriação de terras para a
implantação do empreendimento. O protesto acontece por volta de 1h. O grupo
ateou fogo a galhos de árvores, pedaços de madeira e pneus velhos, na RJ–240, na
altura da localidade de Água Preta (5º Distrito de SJB), bloqueando a passagem de
veículos.
17/set – Balanço do MPF identifica 33 ações e investigações contra o Grupo EBX,
das quais 13 são relativas ao Porto do Açu.
172

22/out – O Promotor de Justiça, Dr. Leandro Manhães, visita sítio de Dona Noêmia
Magalhães, uma das atingidas do Açu, e faz pronunciamento público, através de um
vídeo, em apoio à luta dos camponeses, pescadores e moradores do Açu.
28/nov – Fiscais do Ministério Público do Trabalho (MPT), acompanhados do
Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, realizam fiscalização em um
alojamento de trabalhadores que prestam serviços no Porto do Açu. Na pousada, na
praia de Grussaí, litoral de São João da Barra, estavam abrigados 180 trabalhadores
de duas empresas.
06/dez – MPF/RJ instaura inquérito para apurar impacto ambiental das obras do
Porto do Açu, em função do processo de salinização das águas que vem causando
danos à saúde da população e prejuízos nas plantações dos pequenos agricultores.
17/dez – Divulgado resultado da análise realizada por pesquisadores da UENF que
confirma salinização de canal em São João da Barra. O relatório dos pesquisadores
poderá ser consultado no (Cf. anexo)

Figura 44 - Coleta de água para análise no canal Quintigute/Ministério Público

Fonte: Acervo pessoal, 2012.

19/dez – Protesto contra salinização paralisa estrada no Açu. Produtores rurais do


Açu, 5º Distrito de São João da Barra, fecham, no final da tarde, a rodovia RJ–240,
que dá acesso ao Complexo Portuário do Açu. Protesto realizado para denunciar o
173

processo de salinização das águas e “desertificação” das terras do Açu, em


decorrência das obras do Porto.

Figura 45 - Campanha contra a Salinização no Açu

Fonte: Acervo próprio, 2012.

20/dez – MPE–RJ apresenta denúncia contra técnicos e empresas que atuaram


irregularmente no licenciamento ambiental da Siderúrgica Ternium S/A.

2013
16/jan – As autoridades ambientais do Estado do Rio de Janeiro confirmaram, nesta
quarta-feira (16), que as obras de construção do Porto do Açu, do empresário Eike
Batista, causaram a salinização da água doce usada por agricultores em São João
da Barra.
20/jan – Ação de denúncia e conscientização realizada na BR 101, parando e
conversando com motoristas e passageiros em direção às praias de São João da
Barra, em um domingo de verão e sol brilhante. O Trabalho de campo envolveu a
ASPRIM, representada pelos camponeses do Açu, alunos da UFF, professores e
alunos da FAETEC e lideranças dos movimentos sociais, como a CPT, MST, dentre
outros. Com repressão da Polícia Rodoviária Federal ao final da atividade.
174

Figura 46 - Campanha contra a Desertificação do Açu

Fonte: Acervo pessoal, 2012.

31/jan – Índice de Salinidade da água no Norte Fluminense é sete vezes maior que o
permitido para consumo humano. “O Ministério Público Federal (MPF) em
Campos dos Goytacazes (RJ) moveu ação civil pública com pedido de liminar contra
as empresas EBX, OSX e LLX, do empresário Eike Batista, pedindo o fim das obras
de instalação do Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu em São João da
Barra (RJ), sob pena de multa diária de R$ 100 mil. Segundo a ação, há indícios de
que as obras para construção do Porto do Açu causaram a salinização em
áreas do solo, de águas doces em canais e lagoas e de água tratada para o
consumo humano. (Processo n° 0000133-13.2013.4.02.5103)31/jan – MPF move
ação civil pública contra OSX, LLX, INEA e IBAMA por danos socioambientais
decorrentes da salinização dos canais.
01/fev – INEA multa OSX em mais de R$ 1 milhão por danos causados pela
salinização no Açu.
08/fev – Justiça Federal suspende supressão de restingas em área de preservação
permanente que estavam sendo destruídas pelas obras do estaleiro da OSX
Construção Naval S/A do Açu, sob pena de pagamento de multa diária de R$100 mil
reais. Intima também o IBAMA para que no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da
175

intimação desta decisão, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 10.000,00


(dez mil reais), realize auditoria no local do referido empreendimento.27
08/março – MPF/RJ: Justiça determina que OSX preserve restingas em obra do
Complexo do Açu.
A Justiça – 1ª Vara Federal de Campos de Goycatazes (RJ) concedeu liminar
determinando que a OSX Construção Naval S/A abstenha-se de suprimir as
restingas localizadas em área de preservação permanente durante, onde a
instalação da Unidade de Construção Naval do Açu (UCN Açu), sob pena de multa
diária de R$ 100 mil. A UCN Açu é um empreendimento dedicado à construção,
reparos e manutenção de embarcações e faz parte do Complexo Logísitico
Industrial do Porto do Açu, localizado em São João da Barra, no Norte Fluminense.
(Processo 0000149-98.2012.4.02.5103). Ação Civil Pública movida pela ASPRIM e
demais entidades apoiadoras do movimento de resistência.
12/mar – Pequenos agricultores articulados à ASPRIM e ao MST apresentaram
denúncias, questionamentos e propostas para revisão do PD – Plano Diretor de
SJB-II, durante a Audiência Pública realizada em Barra do Açu com representantes
do escritório do arquiteto e ex-governador do Paraná, Jaime Lerner. O presidente da
ASPRIM questionou a inexistência no PD de um Plano de Contingenciamento de
Desastres, tendo em vista o crescimento dos riscos, com a implantação do
empreendimento logístico e industrial. O representante do MST denunciou o uso
destas terras num processo de concentração fundiária, possibilitada pela
intervenção do governo estadual, que favoreceu unicamente ao grupo empresarial
EBX.
13/mar – A LLX Logística, empresa de logística portuária de Eike Batista, recebeu do
Instituto Estadual do Ambiente (Inea) a licença prévia e de instalação para a
construção de terminal de gás natural liquefeito (GNL) no porto do Açu (FOLHA DE
SÃO PAULO, 2013).
27/mar – Agricultores e moradores do 5º Distrito de São João da Barra impedem
ações de desapropriação na comunidade de Água Preta.

27
Disponível em: http://cristianopacheco.com/wp-content/uploads/2013/02/LIMINAR-ASPRIM.pdf.
176

Figura 47 - Protesto dos camponeses em Água Preta/Açu

Fonte: Acervo pessoal, 2013.

02/abr – Greve de trabalhadores da empresa espanhola Acciona, que presta


serviços nas obras do Porto do Açu e do estaleiro da OSX.
16/abr – Manifesto Público de denúncia dos atingidos pelo Projeto Minas-Rio,
empreendimento minerário da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro e
Alvorada de Minas, delata o governo de Minas, que não se dispõe a reconhecer os
atingidos pela mineração.
03-04/maio – Atingidos de Conceição de Mato Dentro/MG e do Açu/SJB/RJ,
pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior de Minas Gerais e Rio de
Janeiro, e representantes de movimentos sociais realizam o I Intercâmbio das
Resistências ao Projeto Minas-Rio, organizado pelo IBASE, o Grupo de Estudos em
Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (Gesta/UFMG), a
UFF de Campos, AGB, CPT e ASPRIM.

Figura 48 - Encontro das Resistências em Conceição de Mato Dentro

Fonte: Acervo pessoal, 2013.


177

06/mai – Audiência Pública realizada na 17ª Reunião Extraordinária da Comissão de


Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) recebe e
discute denúncias sobre danos aos direitos fundamentais causados pela atividade
mineradora no Município de Conceição do Mato Dentro, com a presença de
liderança dos Atingidos do Açu.

Figura 49 - Audiência Pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG)

Fonte: Noêmia Magalhães, 2013.

08/mai – Trabalhadores da empresa de montagem industrial ICEC paralisam


atividades nas obras do Porto do Açu, por falta de salário.
26/mai – Ministério do Trabalho e Emprego divulga relatório com 254 autuações em
25 empresas de um universo de 150 que atuavam no Complexo do Açu, em função
de problemas referentes a pagamento de salários e benefícios, falta de segurança
no trabalho, excesso de jornadas e condições de alojamento.
06/jun – Ato público nas escadarias da ALERJ denuncia impactos dos megaprojetos
e megaeventos sobre as comunidades tradicionais do Estado do Rio de Janeiro.
Porto de Açu é um dos casos denunciados.
05/jul – Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da ALMG é realizada
no município de Conceição do Mato Dentro. Os participantes exigem a paralisação
das obras, por conta dos prejuízos econômicos, sociais e ambientais provocados
pelo empreendimento.
178

Figura 50 - Audiência Pública da ALMG em Conceição do Mato Dentro/MG

Fonte: Patrícia Generoso, 2013.

27/jul – Moradores do 5º Distrito de São João da Barra apresentaram queixa-crime


ao Superior Tribunal de Justiça, pedindo o afastamento imediato do governador e do
presidente do BNDES.

Figura 51 - Protocolo da Queixa Crime apresentada ao STJ

Fonte: Blog do Pedlowski, 2013.

23-24/ago – Atingidos de Conceição de Mato Dentro/MG e do Porto do Açu/SJB/RJ,


pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior nos Estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, e representantes de Movimentos Sociais realizaram o 2ª
Intercâmbio das Resistências ao Projeto Minas-Rio, organizado pelo Instituto
Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), o Grupo de Estudos em
179

Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas Gerais (GESTA/UFMG), a


Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes e a Associação dos
Produtores Rurais e Imóveis Município de São João da Barra – ASPRIM. Aprovada
a elaboração da Carta de Açu.

Figura 52 - II Encontro das Resistências: Conceição de Mato Dentro/MG e Açu/RJ

Fonte: Acervo pessoal, 2013.

12/set – Atingidos de Conceição de Mato Dentro/MG e do Porto do Açu/SJB/RJ,


pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior nos Estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, e representantes de movimentos sociais publicam carta
aberta, denominada Carta de Açu (Cf. anexo), após a realização do 2º Intercâmbio
das Resistências, realizado em agosto. O documento denuncia os inaceitáveis
danos e violações de direitos ocorridos, tanto nos municípios mineiros quanto na
região do Norte Fluminense, promovida pelos empreendedores – Anglo American e
LLX –, com a participação dos governos estaduais de Minas Gerais e Rio de
Janeiro.
18/out – Registro de atentado a bala contra agricultora do 5º Distrito de São João da
Barra.
11/nov – Segunda Audiência Pública na ALERJ sobre os impactos causados pelo
Porto do Açu e organizada pela Comissão de Direitos Humanos, por iniciativa do
Deputado Marcelo Freixo-PSOL/RJ.
180

Figura 53 - Segunda Audiência Pública na ALERJ

Fonte: Blog do Roberto Moraes, 2013.

2014
10-14/fev - VI Congresso Nacional do MST, realizado em Brasília com participação
como convidadas de professora da UFF e uma representante da ASPRIM. Além dos
importantes debates e das trocas de experiências com lideranças de todo o Brasil,
foi uma oportunidade única de ampliar as escalas das denúncias das violações
vivenciadas pelos impactos sociais, econômicos, políticos e ambientais provocados
pela desapropriação de 7036 hectares de terras e pelas obras no processo de
construção do Porto do Açu, para uma Delegação Internacional de 175 delegados,
representando 30 diferentes países, que também participaram do VI Congresso do
MST. Essa reunião articulada e organizada pela Direção Nacional do MST, parceiros
e apoiadores das lutas dos trabalhadores atingidos do Açu há mais de uma década.
11/fev - Reunião com a Equipe Técnica Federal/ETF do Programa de Proteção aos
Defensores de Direitos Humanos/PPDDH da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República/SDH/PR e entrega de relatório e documentos
comprobatórios das violações sofridas pelas famílias atingidas no Açu, com a
participação da representante da ASPRIM, da CPT e da professora da UFF. Nessa
ocasião, foi solicitada uma audiência pública da SDH e que esta pudesse também
contribuir e pressionar para que a Ouvidoria Agrária Nacional agilizasse a realização
da audiência no V Distrito/Açu, conforme relatório encaminhado àquele órgão.
181

24/fev – Publicação da Carta Aberta dos Atingidos do Projeto Minas-Rio,


reconhecendo-se como comunidades socialmente atingidas na região de Conceição
do Mato Dentro (Cf. anexo).

Figura 54 - De atingidos a massacrados: poder de destruição da Anglo American

Fonte: Blog do Pedlowski, 2014.

26/abril-Encontro na sede da Anistia Internacional, em Laranjeiras/RJ com


participação do Prof. Sheldon Leader (Universidade de Essex); com representante
do HOMA/UFJF; UFF de Campos; AGB; ASPRIM; FGV; Anistia Internacional DH. O
professor Sheldon Leader iniciou explicando sobre o “Projeto Empresas e Direitos
Humanos” da Universidade de Essex e quais suas principais atividades. Ele
esclareceu que o ‘projeto’ em Essex trabalha com auxílio à litigância internacional
em casos envolvendo violações de direitos humanos por empresas e deu exemplos
de casos por eles trabalhados, como o caso da Shell na Nigéria, e casos no Senegal
e em Bangladesh.
25/set – Ministério Público Federal (MPF) de Campos apura invasão do mar no Açu.
O Geógrafo e Professor Eduardo Bulhões, da Universidade Federal Fluminense
(UFF), a quem o MPF solicitou a pesquisa na área do estaleiro no Açu, concluiu que
há um obstáculo no caminho – dois espigões de pedras construídos no canal, na
transposição da areia flutuante – que atrapalham o fluxo. “A erosão é crescente no
local, por causa desse bloqueio,” avalia o Ambientalista e também Professor da UFF
Aristides Soffiati. Segundo o ambientalista, desde as primeiras audiências públicas
em 2011 e 2012, era prevista a erosão, concluiu. O morador e comerciante local,
182

Denis Toledo, afirma que acompanha desde o início a construção do estaleiro, e que
nenhum tipo de monitoramento é feito sobre o impacto ambiental que já vem
ocorrendo desde 2012. “Nas audiências realizadas aqui pela Unidade de Construção
Naval (UCN), eles documentaram que a erosão aconteceria, mas disseram que o
monitoramento seria constante e que criariam soluções”, lembra (Franco, In: Mega
Brasil, 2014).

Figura 55 - Imagem da invasão do mar em Barra do Açu

Fonte: Danielle Macedo, 2014.

27/out – Inauguração do Porto do Açu. Anglo faz 1º embarque de minério do Minas-


Rio. A carga de mais de 80 mil toneladas de minério de ferro está a caminho de
clientes na China, a partir do Porto de Açu, no Estado do Rio de Janeiro. O terminal
portuário de Açu é gerenciado pela joint venture Ferroport, com participação de 50
por cento da Anglo e 50 por cento da Prumo Logística (ex-LLX). "Este primeiro
embarque marca o início das operações do Porto do Açu", disse a Prumo Logística,
em nota (ESTADÃO, 2014).

2015
16/jan – A possibilidade de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, como é
o caso da Mendes Junior, rescindirem contratos cria insegurança no Consórcio
Integra no Açu. Dos 600 funcionários, restam apenas 150 e o clima é de tensão. Por
lá estão sendo montados os módulos das plataformas P-67 e P-70. Os módulos 2 e
14 da P-67 estão quase finalizados, faltando apenas pequenos detalhes de
183

montagem na área de eletricidade e pintura. Já os módulos da P-70 apenas


começaram a ser montados (BLOG ROBERTO MORAES, 2015).

Figura 56 – Montagem guindaste gigante Mammoet

Fonte: Blog de Roberto Moraes, 2015.

06/fev – Prumo Logística S/A impede que decisão judicial seja cumprida no
Açu. Após a morte de dezenas de gado, por meio do Processo número 0000214-
022015.8.19.0053, o Juiz autoriza "a entrada de maquinário da Prefeitura de São
João da Barra para efetuar a limpeza/abastecimento dos poços secos e sujos das
terras informadas na petição inicial”, para garantir água para os animais.
Infelizmente, mesmo estando os proprietários com a ordem judicial em mãos, o
Secretário de Agricultura, um vereador, em torno de quatro viaturas, dezenas de
policiais (mobilizados pela empresa) e a segurança privada bloquearam a entrada,
tendo sido o embaraço resolvido mais tarde.
184

Figura 57 - Agricultor denunciando a morte do gado por falta de água

Fonte: Dênis Toledo, 2015.

27/fev - Encontro com pesquisadores do HOMA/UFJF, FGV, UFF, AGB e ASPRIM


no Núcleo de Pesquisa na UFF de Campos.
28/fev - Trabalho de campo com contato às famílias atingidas e visita para conhecer
as áreas desapropriadas e os impactos causados pela implantação do Porto no V
Distrito/Açu com toda a equipe acima referida.
20/março – Situação do avanço do mar na praia do Açu continua, mesmo com
barragem de areia. O pesquisador do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico
(LEEA) da Universidade Estadual Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro, Marcos
Pedlowski, informou que além do fenômeno natural o avanço do processo de erosão
da faixa de praia, que vem ocorrendo há alguns meses naquela região, teria
começado depois da instalação do quebra-mar do Terminal 2 (T2) no Complexo
Portuário do Açu (URURAU, 2015).
185

Figura 58 - A instalação do quebra-mar e a invasão do mar na Barra do Açu

Fonte: Blog de Roberto Moraes, 2015.

26/abril - Reunião no escritório da Anistia Internacional sobre os Impactos do


Complexo Industrial e Portuário do Açu. Com o objetivo de formular denúncia aos
acionistas investidores no empreendimento. Com a participação da Anistia
Internacional; Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas - Universidade
Federal de Juiz de Fora; Ibase; TNI; UFF de Campos; AGB; Fundação Ford; MPRJ;
ASPRIM e Universidade de Essex.
04/mai – Porto do Açu lucrará com gargalo logístico. Matéria surpreendente: clientes
instalados garantem à Prumo uma receita anual de R$ 100 milhões, com aluguel. Já
o terminal de minério, em funcionamento desde outubro do ano passado, acrescenta
R$ 300 milhões. “Fazendo uma conta absolutamente de padaria, começamos a
poder pagar dívida na hora em que passarmos de R$ 400 milhões em receita”
(BRASIL ECONOMICO, 2015).
186

Figura 59 - A especulação fundiária e os lucros da Prumo logística

28
Fonte: Infográfico da Prumo, 2015 .

17-19/julho - Comunidades afetadas pela mineração chegaram em Roma, para uma


reunião com o Conselho Pontifício Justiça e Paz. Com o título "Em União com
Deus, Ouvimos um Apelo", participam cerca de trinta representantes de
comunidades afetadas por atividades de mineração da África do 'Ásia e
Américas. Das reflexões e discussões sobre questões das minerações, seus
impactos e violações de direitos humanos e resistências das comunidades atingidas,
participaram do Brasil, três lideranças, dentre elas, Patrícia Generoso Thomas
Guerra, de Conceição do Mato Dentro (MG), além de dois Freis da Rede “Igreja e
Mineração”, apresentando os impactos e violações de direitos humanos cometidos
pela Anglo América no âmbito do Projeto Minas-Rio. Portanto, os impactos relativos
ao Porto do Açu, são denunciados novamente em escala internacional (FALA
CHICO, 2015).

28
Segundo Roberto Moraes, “é a primeira vez que a Prumo destaca, junto da base portuária da
empresa americana Edison Chouest Offshore, na área do terminal 2, a logomarca da presença da
Petrobras (BR), em função do contrato recém-assinado, após licitação conturbada e cheio de
disputas com o governo do estado do Espírito Santo e com a Prefeitura de Macaé” (BLOG ROBERTO
MORAES, 2015).
187

Figura 60 - As denúncias de violações de direitos no âmbito do Projeto Minas-Rio, ecoam para além
mar

Fonte: Patrícia Generoso Thomas Guerra, 2015

02/set -– Agricultores do Açu ocupam área desapropriada pela CODIN, em Água


Preta, em protesto pela expulsão de suas terras. Em 2010, Sr. Reinaldo, assim
como dezenas de minifundiários e pequenos produtores rurais, tiveram suas terras
desapropriadas. Eles questionaram e não aceitaram o valor oferecido à época. O
caso até hoje corre na justiça, no entanto, já destituídos das propriedades, muitos
agricultores, após cinco anos, não receberam suas indenizações ou sequer foram
procurados para novas negociações (URURAU, 2015).

Figura 61 - Seu Reinaldo Toledo de Almeida, símbolo de resistência e luta no Açu

Fonte: Ururau, 2015.


188

04/set – Moradores de Barra do Açu protocolam no Ministério Público Federal


Manifestação de nº 2015053502, denunciando a ocorrência de erosão na Praia do
Açu, no município de SJB, em consequência das obras do quebra-mar, construída
em função do empreendimento denominado Porto do Açu. Os manifestantes
apresentaram documentação composta por abaixo-assinado, extratos de estudo de
impacto ambiental e fotografias, como elementos comprobatórios da denúncia.
06/set - Em visita a ocupação ocorrida em dois de setembro, de um grupo de
agricultores em terreno desapropriado na localidade de Água Preta, eles disseram
que aquela ação foi a forma encontrada de pressionar a empresa, a Prumo Logística
e a CODIN, a devolverem as terras ou pagar as indenizações. Segundo os mesmos,
além de não ter pago as indenizações das terras, casas derrubadas e demais
benfeitorias, a empresa que detém grande parte das terras no Açu, estaria
impedindo que os proprietários deixassem o gado nas terras em litígio, pois com as
desapropriações, os currais teriam sido destruídos.

Figura 62 - Ocupação em Água: protesto contra à empresa Prumo Logística e a CODIN por impedir
que os proprietários deixassem o gado nas terras em litígio

Fonte: Blog do Pedlowski, 2015.

2016
27/jan – Audiência Pública em São João da Barra para discutir a ampliação do
Terminal 1 no Porto do Açu. A ampliação prevê o aumento da profundidade do
terminal (de 21 m para 25 m), da largura (de 230 m para 280 m) e do canal de
189

acesso (de 13,2 km para 19,3 km). Com o aumento do T1, o porto pode vir a receber
navios com capacidade para transportar até 320 mil toneladas. O objetivo da Prumo
é conseguir o licenciamento do projeto para a dragagem29.

Figura 63 - Plateia da Audiência Pública em São João da Barra/RJ

Fonte: Acervo pessoal, 2016.

24/jun – Participação na XV Romaria da Terra em Campos dos Goytacazes,


organizada pela CPT e mais um conjunto de Movimentos Sociais, envolvendo
trabalhadoras e trabalhadores vindos da Baixada Fluminense e das Regiões: Sul,
Serrana, Metropolitana, Noroeste e Norte do Estado. O objetivo foi orar, rezar, trocar
experiências, saberes, propostas e se comprometer com o clamor da terra e das
águas feridas, reafirmando a crença na Luta do Povo em busca da justiça. Esse
compromisso exige uma nova consciência ecológica e política, conforme declarado
na carta da XV Romaria da Terra.

29
Participação da autora como observadora nessa audiência. Ver ainda: Blog Roberto Moraes
(2016).
190

Figura 64 - XV Romaria da Terra em Campos dos Goytacazes

Fonte: Wellington Cordeiro, 2016.

30/junho - Visita ao Açu com representante da AGB e equipe do Instituto Nacional


do Câncer - INCA para conhecer e realizar registros fotográficos das experiências
agroecológicas de algumas famílias atingidas para participarem de uma exposição
sobre a importância da agricultura de subsistência livre dos agrotóxicos, numa
campanha de prevenção ao câncer.
17/nov – Prisão do ex-Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, foi realizada
hoje pela Polícia Federal na Zona Sul do Rio. Esse ato pode ser considerado a
culminância de um processo iniciado por Cabral desde 2008, no caso dos decretos
de desapropriações de terras dos agricultores, para entregar ao empresário à época,
Eike Batista, para instalação do Porto do Açu. Sob suspeita de receber milhões em
propina para fechar contratos públicos, Sérgio Cabral é alvo de uma operação que
apura desvios em obras do governo estadual. O prejuízo é estimado em mais de R$
220 milhões (G1, 2016).

2017
26/jan – Mandado de prisão para Eike Batista é publicado. Segundo o jornal O Globo
(2017), agentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal realizam uma
operação para cumprir mandados de prisão preventiva na Operação Eficiência,
desdobramento da Lava Jato no Rio de Janeiro, na manhã desta quinta-feira (26).
Entre os principais alvos com mandados de prisão expedidos está o
empresário Eike Batista, dono do grupo EBX. O empresário é acusado de pagar
propina para conseguir facilidades em contratos com o governo, quando o
governador era Sérgio Cabral. A Revista Veja (2017) afirma que Porto do Açu era a
contrapartida de Cabral para Eike e que o Grupo X pagou 37,5 milhões de reais por
terra que valia 1,2 bilhão.
19/fev – Assembleia da ASPRIM.
191

26/mar – Assembleia da ASPRIM, em Campo da Praia, em que após amplo debate


sobre a prisão do governador Sérgio Cabral e Eike Batista e as difíceis situações
vivenciadas junto a CODIN e a Prumo Logística, S/A, empresa responsável – hoje –
pelo Porto do Açu, discute-se e decide-se por unanimidade, realizar uma ocupação
em um dos lotes tomado pela empresa e pela CODIN. Ação de resistência e
protesto às violações de direitos, sofridas por meio dos governos estadual e
municipal, a CODIN e as empresas representadas pelo presidiário Eike Batista e a
atual Prumo Logística S/A.
31/março - Reunião com MST no Rio de Janeiro para discutir uma agenda com os
parlamentares apoiadores e com o grupo da mídia alternativa para garantir a
estrutura necessária para a ocupação.
06/abril - Reunião com lideranças da ASPRIM, MST, CPT, AGB, IFF em casa de
uma representação da UFF para organização do processo de ocupação.
12/abril - Reunião de mobilização na sede da ASPRIM às 18 horas.
17/abril - Reunião com MST, CPT, AGB, IFF e ASPRIM em casa de uma
representação da UFF para organização da ocupação.
18/abril - Reunião dos grupos de trabalhos para preparação dos últimos detalhes
para a ocupação.
19/abr – Ocupação realizada às 04:45 horas da manhã de quarta-feira, em área ao
lado da RJ 240, acesso principal ao porto do Açu.
192

30
Figura 65 - Faz escuro, mas eu canto por que amanhã vai chegar

Fonte: Ana Costa, 2017.

Figura 66 - Luta, História e Memória: os 21 anos de impunidade do Massacre de Eldorado dos


Carajás

Fonte: Pablo Vergara/MST, 2017.

30
Poesia do amazonense Thiago de Mello. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo (2016) o
autor do emblemático poema Os Estatutos do Homem, que foi sua resposta ao AI-5, afirmou que
ainda acredita na construção de uma sociedade mais justa (ESTADÃO, 2016).
193

Figura 67 - Reocupação das terras dos agricultores do Açu

Fonte: Pablo Vergara/MST, 2017.

20/abr – Primeira assembleia no Acampamento Aloisio e Maura. Esse nome foi em


homenagem aos dois companheiros de luta que adoeceram, e após um quadro
grave de depressão e transtorno mental, vieram a óbito, recentemente. A invasão de
suas terras e destruição de suas casas, pomares e jardins, e a forma violenta da
expulsão, no caso de Dona Maura, foi o ato mais violento e covarde presenciado
pela pesquisadora. (Cf. doc. IGNORADOS)
25/abr – Assembleia no Acampamento Aloisio e Maura.
26/abril - Com o apoio de uma rede de 30 organizações da Inglaterra, durante a
Assembleia Geral da Anglo American, em Londres, foram feitas denúncias dos
impactos do Projeto Minas Rio, em Conceição do Mato Dentro. Os questionamentos
levados à direção global da Anglo e aos investidores pelo frei franciscano Rodrigo
Péret da Rede Igrejas e Mineração e por Patrícia Generoso, atingida pelo projeto
membro da Rede de Articulação e Justiça Ambiental dos Atingidos do Projeto Minas
Rio. Ambos foram a Inglaterra a convite da Rede de Mineração de Londres (London
Mining Network), em seguida deram uma entrevista na BBC.
194

Figura 68 - Mineração em Conceição do Mato Dentro denunciada na assembleia da Anglo American


em Londres

Fonte: Blog falachico, 2017.

27/abr – Reunião na sede da Defensoria Pública em São João da Barra para discutir
– a partir dos dados das pesquisas e análises já realizadas, e a correlação de forças
do movimento, junto aos apoiadores – a repressão e ameaças da empresa/estado
por meio da polícia militar e sua relação, no mínimo suspeita, com a segurança
privada da empresa e qual seria a linha de defesa que seria construída, para
reverter a liminar de reintegração de posse que a empresa ajuizou, no mesmo dia da
ocupação – 19 de abril.
28/abr – Participação no Ato “Fora Temer” organizado pela Frente Brasil Popular e
Frente sem Medo, no Calçadão, no centro de Campos dos Goytacazes, para
denunciar a repressão da polícia militar, no Acampamento, e mobilizar movimentos
sociais e demais pessoas presentes para apoio e solidariedade ao Acampamento no
Açu.
01/mai – Comemoração pelo do Dia do Trabalhador no Acampamento.
04/mai – Reunião no NETRAD/UFF com ASPRIM, MST, Defensoria Pública, AGB e
UFF, para organização da Audiência de Conciliação, no Fórum de São João da
Barra, no dia 12/05/17, e da mobilização dos parlamentares e demais apoiadores
para um ato, pela manhã, no Acampamento, para depois seguir até o Fórum, no dia
da audiência.
195

05/mai – Participação em evento na UFF, organizado pelo CRESS, em que uma


representação da ASPRIM e uma do MST puderam apresentar a experiência de luta
vivenciada, e ainda, sensibilizar os presentes para o apoio ao Acampamento.

Figura 69 – Debate na UFF de Campos

Fonte: Acervo pessoal, 2017.

12/maio -mai – Audiência de Conciliação, realizada com o Juiz, na sala de


audiências no Fórum de São João da Barra, perante o MM. Juiz de Direito, Dr.
PAULO MAURÍCIO SIMÃO FILHO. A participação foi restrita, só permitida a entrada
dos autores, os advogados, os réus, no caso, ASPRIM e MST, e uma representação
dos parlamentares, da UFF, IFF e AGB. Enquanto a audiência acontecia, a rua foi
impedida de transitar carros, porque os trabalhadores e trabalhadoras atingidas,
sindicalistas, parlamentares e demais apoiadores aguardavam do lado de fora, já
que o Fórum estava fechado. As tentativas de negociação, foram insatisfatórias para
garantir o acesso das pessoas naquele espaço público. Ao término da audiência,
quando o movimento acenou que as propostas das autoras eram insuficientes, para
não dizer risíveis, as defensoras públicas e a advogada do MST, negociou com o
Juiz um prazo de 45 dias para a decisão final. Portanto, nesse período, o
Acampamento permaneceria, mas seria revista a repressão e o incômodo causados
pela polícia e pela segurança particular, no entorno da área ocupada. Ao término, foi
realizada uma assembleia em praça pública para compartilhar as informações e
decisões da audiência.
196

25/mai – Assembleia da ASPRIM no Acampamento para partilhar as propostas de


intervenção na Audiência na ALERJ, e a mobilização dos camponeses e
camponesas atingidas para participarem da audiência no Rio. A animação de
pessoas que nunca haviam saído do Açu foi marcante. Evidencia-se a importância
da experiência de recusa, organização e luta na formação e elevação da consciência
para os enfrentamentos que o movimento da realidade indica e exige. Iniciada,
aproximadamente às dezessete horas, a reunião só terminou às vinte e uma horas,
tamanha a participação ativa dos presentes.
04/junho - Assembleia da ASPRIM no Acampamento Aloisio e Maura.
08/junho - Terceira Audiência Pública na ALERJ sobre os impactos causados pelo
Porto do Açu.
10:00 h – Audiência Pública na ALERJ, às dez horas. Com participação de várias
forças políticas e com representação de parlamentares de todos os partidos de
esquerda, segundo eles, essa teria sido a melhor audiência. A mais organizada e de
maior qualidade, nas intervenções dos oradores.
17:00 h – Reunião na ALERJ, com o líder do governo, Deputado Albertassi, os
deputados Marcelo Freixo, Flavio Serafini, Waldeck Carneiro, Rosângela Zeidan,
representantes da ASPRIM, IFF, UFF, AGB, MST e a Defensoria Pública, para
apresentar os dados das pesquisas dos apoiadores e o mapa elaborado a partir
desse estudo, e discutir a necessidade e urgência em revogar o decreto de
desapropriação dos 7.036 hectares de terras no Açu. A questão que surpreendeu o
líder do governo foi que, passados nove anos da desapropriação, a área utilizada
para a construção do porto, da Unidade de Construção Naval e a implantação das
diversas empresas, foi inferior a dez por cento (10%) do total. O líder avaliou e
sugeriu, depois de várias ponderações e de um debate técnico muito interessante,
que fosse pensada uma proposta de revisão do decreto, pois acreditava na
dificuldade da CODIN em concordar com em alterar o decreto. Mesmo assim, se
dispôs a marcar uma conversa com os setores do governo, inclusive a Procuradoria,
e que a ASPRIM também pudesse, por meio dos apoiadores, apresentar uma
proposta de revisão.
197

Figura 70 - O grupo do Açu após a Terceira Audiência Pública na ALERJ

Fonte: Acervo pessoal, 2017.

Figura 71 - Terceira Audiência Pública na ALERJ: A voz dos atingidos

Fonte: Acervo da ALERJ, 2017.

11/jun – Reunião da ASPRIM no Acampamento e em seguida uma oficina com os


atingidos, pelo Grupo de Trabalho de Agrária, da AGB.
13/jun – Reintegração de uma outra área ocupada em Água Preta, pelos atingidos
mais jovens, filhos dos agricultores que tiveram suas terras expropriadas pela
198

CODIN e pela empresa. Esse grupo, durante a experiência no Acampamento, junto


ao MST, vem se descobrindo e se identificando como sem-terra.

Figura 72 - Reintegração da segunda área ocupada - Água Preta

Fonte: Acervo Pessoal, 2017.

Agosto - Após a expulsão da área em Água Preta, uma família reocupou uma terra
de sua propriedade e desapropriada pela CODIN e pela LLX. Em agosto a Prumo e
a CODIN tentaram expulsá-los novamente, mas eles resistiram e iniciaram o preparo
da terra para o plantio. Segundo o Alex, “eles iam resistir plantando e que as
colheitas em 120 dias iriam ocorrer” e as fotos abaixo, comprovam.

Figura 73 - Temporalidades: etapas do plantio

Fonte: Acervo pessoal, 2017.


199

18/junho - Reunião da ASPRIM no acampamento e visita as comunidades para uma


avaliação prévia da Audiência e dos encaminhamentos propostos.
19/junho - Reunião com ASPRIM, MST, AGB, UFF e IFF para avaliação da
audiência pública na ALERJ e discussão e planejamento das novas etapas de
trabalho para elaboração da proposta de revisão do decreto em casa de
representante da UFF. A tarde a Defensoria Pública realizou uma oficina no
Acampamento para orientação sobre as competências desse órgão, bem como
recebeu as diversas demandas apresentadas pelas famílias.
25/junho - Assembleia com a ASPRIM no Acampamento.
28/jun – Reunião com o líder do governo, Deputado Edson Albertassi, com uma
comissão definida pela ASPRIM e apoiadores para apresentar a proposta de revisão
do decreto. Além dele, os parlamentares apoiadores da luta também participaram da
conversa. Nesse dia, foi agendada uma nova reunião com o líder para o dia
11/07/17, mas foi desmarcada pelo Deputado Edson Albertassi.
30/junho - A Prumo Logística S/A entra com petição no Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, solicitando revogação da decisão do Juiz Dr. Paulo Maurício, que havia
negado pedido de reintegração de posse da CODIN e da Prumo em 19 de abril de
2017.
02/julho - Assembleia da ASPRIM, durante a tarde, no Acampamento.
08/julho - Reunião durante o sábado com a ASPRIM, CPT, AGB, Defensoria Pública,
IFF e UFF para avaliação dos processos políticos e judiciais envolvendo os cem dias
de resistência e luta no Acampamento Aloisio e Maura e pensar e planejar os
desdobramentos.
09/julho - Reunião da ASPRIM, pela manhã, no Acampamento.
26/julho - A reintegração de posse foi realizada pela manhã, com os acampados
negociando e impedindo qualquer ato de violência. Em seguida durante a retirada do
gado, ocorre um conflito em que três pessoas do Acampamento são detidas, um
representante do MST e os proprietários de fato da área onde estava sendo
ocupada há cem dias.
27/set - A ONG Franciscans International apresentou na sede das Organizações das
Nações Unidas - ONU, em Genebra, na Suíça, um painel de denúncia sobre os
efeitos do extrativismo no território e na população de Conceição do Mato Dentro,
em Minas Gerais no âmbito do Projeto Minas-Rio, denunciando os 7.036 hectares de
terras expropriados no Açu/RJ.
200

Figura 74 - O Frei Rodrigo Peret, denuncia na ONU os impactos do Projeto Minas-Rio

Fonte: Rádio Vaticano, 2017.

3.4 Algumas considerações analíticas sobre a linha do tempo

Só para efeito de análise, a linha do tempo, que traça os principais momentos


que marcaram esta experiência desastrosa de desenvolvimento será analisada em
três momentos: o primeiro, que compreende os anos de 2006, data do lançamento
da pedra fundamental até 2009. Este período foi marcado pela intervenção do
Estado, na criação nas condições fundantes para a implantação do
megaempreendimento.
O segundo momento inicia em 2010, quando o processo de organização dos
atingidos ganha centralidade com a criação da ASPRIM, até 2013, ano em que a
luta se espraia e se fortalece com as partilhas de vivências e experiências entre os
atingidos do Açu/RJ e Conceição de Mato Dentro/MG, no âmbito do Projeto Minas-
Rio.
Os anos de 2014 a 2017, que compõem o terceiro e último momento, pode
ser considerado um período de articulação e resistências, portanto, de ações mais
silenciosas e de continuidade dos processos de resistência dos sujeitos ali
envolvidos. A culminância desse processo, considerado como conquistas para os
trabalhadores atingidos do Açu, em quase uma década de lutas e resistências, inicia
em novembro de 2016 com a prisão de Sérgio Cabral. Fato que, ao fortalecerem a
201

luta, revelam diferentes formas de denúncias e possibilidades de enfrentamento


naquele território.

3.4.1 Uma tragédia anunciada: o Estado como parteiro desse monstro, designado
Porto do Açu

Nos dicionários consultados, monstro aparece com diferentes significados,


mas sempre como algo aterrorizante e assustador, como “tudo aquilo que é contra a
ordem regular da natureza; pessoa cruel, feroz, desumana, perversa. No sentido
figurado, coisa gigantesca e colossal”31. Nas diferentes culturas, ele também é
encontrado, seja em suas mitologias, folclores e lendas, ou nos livros, filmes e
teatro, tornando-se humano, quase sempre, representando a figura do Mal, que é
derrotada por um herói ou cavaleiro que representa o Bem e as virtudes.32
Nesta primeira etapa, o Estado, nas suas diferentes esferas, tem uma
importância fundante e estratégica no processo de acumulação, concentração e
centralização do capital. Atuando na criação das condições gerais de produção para
o Projeto Minas-Rio e, em particular, na implementação do Porto do Açu.
Em 28 de junho de 1999, por meio do Decreto nº 25.455, o Governador à
época, Anthony Garotinho, declara de utilidade pública, para fins de desapropriação,
área de terras desmembrada do imóvel rural denominado "Saco D'antas" ou
"Pontinhas", situada no 5º Distrito do município de São João da Barra/RJ, com área
total de 498,24 alqueires. Os imóveis, objeto do presente decreto, serão utilizados
na construção, implantação e exploração de terminal marítimo e portuário, com
participação da iniciativa privada, incluindo, ainda, retroárea de apoio (JUSBRASIL,
1999).
Em junho de 2016, no ato de inauguração dos terminais do Porto do Açu, em
uma deferência à Prefeita de Campos dos Goytacazes, a Prumo Logística S/A
concede a palavra ao casal Garotinho e o então Secretário de Governo, Anthony
Garotinho, reafirma o seu apoio e entusiasmo com o empreendimento:

31
Disponível em: https://www.dicio.com.br/monstro/.
32
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Monstro.
202

Quando fui governador, as terras da Fazenda Saco Dantas estavam sendo


levadas ao leilão pelo Banco do Brasil, que era credor da Usina Baixa
Grande. Baixei decreto tornando a fazenda da Usina como sendo de
interesse público. Para evitar o leilão, mobilizei a Procuradoria Geral do
Estado, que acionou a Justiça e foi mandado a Campos, um oficial de
Justiça para impedir que as terras fossem vendidas - recordou o secretário
Garotinho, que fez considerações sobre o empreendimento para a região
(DELFINO, In: PMCG/SECOM, 2016).

A solenidade do lançamento da pedra fundamental em 2006, para o início das


obras do porto e o registro em que aparece a Rosinha Garotinho, então
Governadora do Rio de Janeiro, a prefeita de São João da Barra, Carla Machado e o
empresário Eike Batista – que logo em 2012, se tornaria o homem mais rico do
Brasil e 8º mais rico do mundo, tendo a fortuna pessoal, estimada neste mesmo ano
em mais de US$ 34 bilhões – são representativas destas relações entre o público e
o privado que se instituiria neste empreendimento. Padre Vieira tem uma reflexão
que ilustra essa ganância irracional e compulsiva, quando diz: “(...) o homem,
monstro e quimera de todos os elementos, em nenhum lugar para, com nenhuma
fortuna se contenta, nenhuma ambição, nem apetite o farta; (...) tudo perverte, tudo
excede, e como é maior que o mundo não cabe nele” (apud COELHO, 2003, p. 01).
A liberação das licenças ambientais, compreendida como um importante
instrumento de gestão da Política Nacional de Meio Ambiente, e que segundo o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA,
é por meio dele, que a “administração pública busca exercer o necessário controle
sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais”33, não tem
sido respeitada. O licenciamento ambiental do Projeto Minas-Rio foi iniciado em
2006 e fragmentado em 3 processos perante três instâncias distintas: i) complexo
minerário, licenciado no Sistema de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado
de Minas Gerais – SISEMA; ii) mineroduto, licenciado pelo Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA; iii) o Porto do Açu,
licenciado pelo Instituto Estadual do Ambiente – INEA, do Estado do Rio de
Janeiro34.

33
O licenciamento é um poderoso mecanismo para incentivar o diálogo setorial, rompendo com a
tendência de ações corretivas e individualizadas ao adotar uma postura preventiva, mas proativa,
com os diferentes usuários dos recursos naturais (MMA/IBAMA, 2017).
34
Conforme despacho do Inquérito Civil n.0 1.22.000.000564/2011-91 instaurado nesta Procuradoria
da República no Estado de Minas Gerais, no âmbito do Núcleo dos Direitos do
Cidadão/BH-MG.
203

Dentre as iniciativas para apoiar o empreendimento, o Estado, por meio de


seus representantes, garantiu todas as facilidades no licenciamento ambiental, no
apoio logístico e na liberação de empréstimos via BNDES35. Em matéria publica pela
revista Exame em 27/06/2017, na coluna negócios, anuncia que a OSX vai iniciar
em julho as obras do estaleiro no Porto do Açu, o jornalista constata que:

A licença de instalação foi concedida pouco depois de o empresário Eike


Batista, presidente do conselho da OSX, ter emprestado um avião para
uma viajem particular do governador do Rio, Sérgio Cabral. O fato foi
revelado pelo acidente [em 18/06/2011] de helicóptero na Bahia que matou
a namorada de um dos filhos do governador.
Eike negou ligação entre seus negócios e a relação pessoal com Cabral,
dizendo-se livre para selecionar amizades e gastar seu dinheiro. O
argumento não convenceu deputados estaduais, que cobram explicações
do governador sobre a inconveniência da relação de intimidade e favores
que ele mantém com empresários cujos negócios dependem de ações do
governo estadual (REVISTA EXAME, 27/06/2011).

Segundo o Instituto Estadual do Ambiente (INEA) para a concessão da


Licença Ambiental (FIOCRUZ/ICICT, on-line) deverá ser comprovada pelo
empreendedor a conformidade do empreendimento ou atividade à legislação
municipal de uso e ocupação do solo, mediante certidão ou declaração expedida
pelo município.
Nesse empreendimento, o descumprimento à Constituição Federal e
Estadual, bem como às leis ambientais foi o modus operandi das empresas com a
conivência das diversas esferas dos governos. Logo, é o Estado que decreta a
desapropriação das terras, também é ele que na esfera municipal altera a lei do
Plano Diretor para transformar em área industrial, as áreas que eram agricultáveis,
assim como as isenções fiscais e diferimento tributáveis.
Marx no livro I de O capital, quando apresenta no capítulo XXIV a gênese do
capitalista industrial no processo chamado de acumulação primitiva, se utiliza da
metáfora do parto ao abordar a passagem do feudalismo para o capitalismo,
momento que evidencia o Estado como agente fundamental para ativar, segundo o
autor, artificialmente, esse processo de transformação, afirmando que “todos
utilizavam o poder do estado, a força centrada e organizada” (MARX, 2013, p. 872).
Ele mostra como, a partir de determinado momento, que varia de lugar para lugar e
depende de contextos específicos, a força oficial coloca-se a serviço do avanço do

35
Disponível em: https://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php?cod=121.
204

capital. E por fim, afirma que “a força é o parteiro de toda a sociedade velha que
traz uma nova em suas entranhas. Ela mesma é uma potência econômica” (MARX,
2013, p. 872).
Essa metáfora pode representar também a relação promíscua entre o capital
e o Estado, na constituição do Projeto Minas-Rio, e particularmente, no Complexo
Portuário e Industrial do Açu. Produto de uma união promíscua, ou seja, algo que foi
“agregado sem ordem nem distinção; misturado, confuso, indistinto”36. E ainda
abarcando “elementos desonestos; que contém imoralidade ou degradação moral”.
No caso em questão, a força para parir o monstro, expropriou “(...) as duas fontes de
onde emana toda riqueza: a terra e o trabalhador” (MARX, 2013).

Esse domínio funcional do Estado inclui essencialmente: assegurar os pré-


requisitos gerais e técnicos do processo de produção efetivo (meios de
transporte ou de comunicação, serviço postal etc); providenciar os pré-
requisitos gerais e sociais do mesmo processo de produção (como, por
exemplo, sob o capitalismo, lei e ordem estáveis, um mercado nacional e
um Estado territorial, um sistema monetário) (MANDEL, 1982 p. 334).

A utilização do monstro como representação do gigantismo que os


empreendedores e o Estado atribuem ao projeto Minas-Rio e, em particular, ao
Porto do Açu, por meio de suas campanhas publicitárias e a reprodução pelos
diferentes meios de comunicação, pode sinalizar uma tentativa de que este
empreendimento, concebido e implementado de cima para baixo, numa relação
autoritária e de desrespeito aos mais elementares direitos da população
expropriada, pode ser analisado, não só como forma de mostrar força para atrair
grandes aportes financeiros, como também uma estratégia de imobilizar e
amedrontar a população atingida, visando a dificultar, ou mesmo a tentar impedir
que esses trabalhadores pudessem se organizar e lutar contra todas as violações e
violências provocadas, demonstradas nessa linha do tempo.
No entanto, após uma década do lançamento da pedra fundamental, os
estudos e vivências naquele espaço demonstraram que todo esse processo vem
contribuindo para uma maior consciência da necessidade da organização,
construção de estratégias e instrumentos que possibilitem àqueles trabalhadores
camponeses e pescadores, o fortalecimento da luta para reaverem as suas terras.

36
Cf: Aurélio (1999).
205

Bartra (2008) no prefácio de seu livro “El hombre de hierro”, afirma que “Los
momentos de crisis producen una vitalidad redoblada en los hombres. O más
sucintamente quizá: los hombres sólo empiezan a vivir plenamente cuando se
encuentran entre la espada y la pared (apud Auster, 2011, p. 255).
Durante a pesquisa em jornais, sites, blogs dentre outros materiais de
divulgação, essa narrativa, reveladora das relações contraditórias e desiguais, que
constituem a lei geral da acumulação capitalista, é reproduzida de forma a ocultar os
conflitos e, logo, os interesses dos trabalhadores que tiveram suas terras, águas,
trabalho, saúde e vida impactados com esses diversos monstros. Para Bartra
(2008), o surgimento dos monstros estaria relacionado aos processos de
desenvolvimento das forças produtivas no sistema capitalista, sendo a ciência e a
técnica de importância fundamental.
Paulino (2013, p. 153), em resenha publicada sobre esse livro do Bartra,
sintetiza da seguinte forma a ideia de monstro apresentada por esse autor:
“artificialidade dos processos de produção e a voracidade desses para com os bens
naturais e o trabalho humano o fará estabelecer correlações com monstros
figurativos que comparecem como estruturantes em sua análise.”
Em trecho de uma reportagem publicada no jornal Folha da Manhã, tendo
como título “Estaleiro do Açu vai entrar em cena com o maior guindaste naval das
Américas”, em maio de dois mil e onze, essa questão do agigantamento dos
assuntos que envolvem e são de interesse do Porto do Açu se evidencia em escala
regional e em seguida, mais uma vez o próprio Eike Batista em seu tuitter, compara
o Porto do Açu ao de Roterdã, que atualmente é considerado o maior porto de toda
a Europa:

Quando se fala no progresso que aporta na região, não dá para pensar


pequeno. A Unidade de Construção Naval da OSX do Super Porto do Açu
vai sair do papel com o maior guindaste naval das Américas, com 125
metros de altura (equivalente a um prédio acima de 40 andares), 186
metros de distância entre os pilares (duas vezes o comprimento do
campo de futebol do Maracanã), e capacidade para 1,6 mil toneladas (o
que corresponde ao peso de 2 mil carros populares). A OSX, empresa
de indústria naval offshore do Grupo EBX, assinou carta de intenções com a
Hyundai Samho, subsidiária da Hyundai Heavy Industries - que é sócia e
parceira tecnológica da OSX Construção Naval, para aquisição desse
equipamento, semelhante ao já instalado na divisão offshore da Hyundai,
na Coreia do Sul. (...) O equipamento permitirá a montagem de grandes
blocos de navios. (...) A Unidade de Construção Naval da OSX já obteve
Licença Ambiental Prévia. Com a obtenção da Licença de Instalação, a
206

OSX poderá, ainda nesse semestre, iniciar as obras de construção do


maior estaleiro das Américas (ESDRAS, 13/05/2011, grifos da autora).

Hoje temos quase 8 mil brasileiros construindo o porto do Açu! Vai se


tornar a Roterdã dos Trópicos, disse o dono do grupo EBX no site (EIKE
BATISTA em seu twitter 25/03/13, In: Valor econômico, 2013).

Ou ainda, quando Eike Batista, um dos principais alvos dos protestos


realizados pela Cúpula dos Povos, responde a acusações, utilizando “o auditório da
exposição Humanidade 2012, no Forte de Copacabana, para expor as iniciativas
socioambientais de seu polo de empresas – uma espécie de defesa contra as
críticas, afirma que:

(...) sua empresa desenvolve 170 projetos socioambientais - diz que


investe R$ 150 milhões apenas no norte fluminense. No Rio, o empresário
doa R$ 20 milhões anuais para o sistema de unidades de polícia
pacificadora (UPP) implantado em várias favelas antes dominadas pelo
tráfico de drogas.
"A gente faz estes investimentos porque acredita. Tenho certeza que todo
mundo aqui teve o seu imóvel valorizado, dobrado de preço, por causa
destas iniciativas no Rio de Janeiro".
"Temos o projeto de um bairro com 270 mil moradias planejado pelo
Jaime Lerner. Vai ficar a 10 quilômetros do Porto do Açu. Será a Veneza
dos trópicos", respondeu Eike. "Já esperamos que aquela região vá
receber 500 mil pessoas até 2025 e estamos preparados". Entre os
projetos mencionados pelo empresário, está um assentamento
sustentável, que irá produzir o suficiente para abastecer a região com
produtos hortifrutigranjeiros (JB, 21/06/2012).

A narrativa dos representantes do Estado aponta sempre para a


desqualificação, não só dos meios de produção e instrumentos de trabalho, utilizado
pelos camponeses e pescadores, mas sobretudo, sobre o modo de vida, o saber
herdado de seus antepassados na lida na roça com a agricultura e nas lagoas, com
a pesca artesanal, esvaziando de sentido e materialidade sua cultura e modos de
vida.
Portanto, a proposta de “qualificação profissional” dirigida a essa população
atingida, tendo em vista seu ingresso no mercado de trabalho, refere-se aos
“projetinhos” da CODIN e da empresa, no município. Eles são representativos dessa
parceria entre a Prefeitura e a Empresa, confirmada no discurso da prefeita em
2010, por ocasião da visita do presidente da HYUNDAI ao Porto, quando ela afirma:

Estamos recebendo executivos de uma das maiores empresas na área


naval do mundo. O estaleiro do Açu será mais um empreendimento que
gerará empregos para nossa população. Vamos continuar no forte trabalho
207

de qualificação profissional para que a mão de obra local seja absorvida


por todo este crescimento. Fomos um grande porto no século dezenove e
queremos voltar a estes áureos tempos, tendo sempre à frente um
planejamento estratégico que gere melhoria na qualidade de vida de todos
(PREFEITA CARLA MACHADO, In: Prefeitura Municipal de São João da
Barra, 15/11/2010, grifos da autora).

A questão da qualificação profissional junto ao conceito de empregabilidade


surge no sentido de reduzir e relativizar a crise de desemprego, justificado pela falta
de preparação dos trabalhadores, para acompanharem as mudanças existentes no
mundo do trabalho. Desse modo, para Oliveira (2008) o movimento contínuo de
eliminação de postos de trabalho e a diminuição acentuada da intervenção estatal
nos campos sociais e econômicos, no que tange à garantia da reprodução da força
de trabalho, passa a ser de responsabilidade dos indivíduos. São eles que terão que
estabelecer estratégias capazes de os inserirem ou reinserirem no mercado de
trabalho. Portanto, o desemprego é justificado pela sua falta de preparação para
acompanharem as mudanças existentes no mundo do trabalho.
Esse caráter ideológico da qualificação profissional presente desde os anos
de 1990, pelas agências multilaterais, tais como o Banco Mundial e a Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), já apresentavam
preocupações com uma melhor articulação entre a educação e a melhoria
da qualificação dos trabalhadores37. Paul Singer (1996, p. 6) contribui para a
compreensão desse termo no contexto de contrapartida do megaempreendimento,
quando afirma que “se todos os trabalhadores desempregados incrementassem o
seu nível de qualificação, o único resultado seria uma concorrência entre eles, com
provável queda dos salários pagos”.
Ora, ao expropriar as terras dos pequenos agricultores do Açu, retirando
deles as condições materiais de sua reprodução social, que é a terra e o trabalho na
agricultura familiar, as empresas e a CODIN vem insistentemente oferecendo, em
contrapartida, os chamados cursos de “qualificação”, como ocorreu na audiência de
conciliação com o Juiz da Comarca de São João da Barra, em doze de maio de dois
mil e dezessete, quando os advogados representantes da CODIN e do Porto do Açu

37
Para Rodrigues (2007), existem duas formas básicas de os empresários encararem esse mercado
educacional. A primeira é chamada pelo autor de “educação-mercadoria”, acontece quando o capital
empresarial cresce através da venda de serviços educacionais. Nesse caso, os apropriadores desse
capital são os empresários do comércio educacional. A segunda forma se efetiva quando a educação
e o conhecimento são tidos como insumos necessários e indispensáveis à produção de novas
mercadorias.
208

ofereceram “qualificação” aos agricultores e pescadores da área ocupada em 19 de


abril de 2017, cursos técnicos para que ao final do mesmo, eles tivessem
preferência na contratação de mão de obra por parte dos autores e de seus
parceiros38.
É nessa perspectiva que, ao proceder a análise deste primeiro momento da
linha do tempo, se entende o Estado como parteiro e parceiro privilegiado na criação
das condições necessárias para a implantação do Complexo portuário do Açu. Os
elementos que fundamentam tal análise são: as desapropriações de terras, por
meio de decretos; as licenças concedidas em âmbito estadual, mesmo que a
instalação desse empreendimento envolva a maior área de restinga do país; o
acesso e impactos ao oceano; bem como a violação à Lei nº 11.346 de 15 de
setembro de 2006 que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
– SISAN, com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada,
regulamentada pelo decreto nº 7.272, de 25 de agosto de 2010 que institui a Política
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN (2016-2019), dentre tantos
outros, já apresentados no decorrer desse trabalho.
No relatório do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria
Pública do Estado do Rio de Janeiro, elaborado em 2012, a violação ao direito
humano à segurança alimentar é corroborada.

De todo o exposto, tem-se que a desapropriação das terras dos


agricultores do 5º distrito com a perda da área de plantio, sem uma
contrapartida adicional robusta além da indenização pela terra,
caracteriza violação à segurança alimentar dessas famílias, porque lhes
tolhe a possibilidade de subsistência, forçando seus integrantes a migrar
para outras ocupações e, na sua impossibilidade, até mesmo para as ruas
ou programas assistenciais (p. 10).

Em 2009, o Ministério Público Federal – MPF ajuizou Ação Civil Pública na 1ª


Vara da Justiça Federal em Campos dos Goytacazes, pedindo liminar para que as
obras do Porto do Açu fossem paralisadas. Empreendimento avaliado em R$ 6
bilhões, localizado no Açu, 5º Distrito de São João da Barra, no litoral Norte
Fluminense. Em liminar, o MPF pede,

38
Afirmação descrita na assentada da audiência de conciliação.
209

que sejam anuladas as licenças ambientais e a autorização fornecidas pelo


Inea e a Antaq, bem como a imediata paralisação de qualquer atividade por
parte dos empreendedores. Para o MPF, outra irregularidade é a falta de
licitação para a construção do complexo, avaliado em R$ 6 bilhões. A
licitação seria obrigatória se o empreendimento tivesse sido corretamente
enquadrado como porto público. O porto está previsto para ser o maior da
América Latina.
O MPF investiga ainda se houve também desapropriação de terras de uma
fazenda por meio de decreto do Estado. Em 2007, o governo do Rio de
Janeiro declarou as obras e as atividades de infraestrutura para a instalação
do porto como de utilidade pública. "Como o Porto do Açu escoará as
cargas que bem entender o seu proprietário, pode-se dizer que o Brasil terá
uma nova e grande porta de entrada e que a chave foi entregue pela União
a um de seus cidadãos em detrimento e à revelia de todos os demais",
afirma o procurador da República Eduardo Santos em nota divulgada pelo
MPF.
O professor da Universidade Federal Fluminense, Aristides Soffiati, que
analisou o EPIA, aponta diversos danos ambientais do complexo, como
uma grande mortandade de peixes, camarões e tartarugas marinhas devido
à dragagem em andamento. Além dos prejuízos à pesca na região, poderá
haver destruição dos ecossistemas de várias lagoas, entre elas, a Lagoa
Salgada, que poderá ser considerada monumento paleontológico da
39
humanidade pela Unesco .

3.4.2 Organização e resistências: de Água Preta às escalas internacionais, as lutas


do Projeto Minas-Rio espraiam-se

Esse segundo momento tem na luta pela criação da ASSOCIAÇÃO DOS


PROPRIETÁRIOS DE IMÓVEIS E MORADORES DO AÇU, CAMPO DA PRAIA,
PIPEIRAS, BARCELOS E CAJUEIRO (“ASPRIM”), associação civil sem fins
lucrativos, inscrita no 1º Cartório de Registros de São João da Barra, sob o nº A-9,
fls. 267 C, nº 1291, em 22 de agosto de 2010, com sede na BR 240, s/n, Campo da
Praia, São João da Barra/RJ – marco importante no processo de ascensão do
movimento de resistência, organização e luta dos trabalhadores e trabalhadoras
camponesas, atingidos pelo empreendimento.
A implementação dessas entidades regidas pelo direito comercial não
costuma levar em consideração a participação social dos grupos que se verão
diretamente atingidos. Na instalação do Projeto Minas-Rio e, em particular, na
construção do Porto do Açu, mesmo violando as Constituições, desrespeitando os

39
Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3925759-EI6578,00-
MPFRJ+pede+paralisacao+de+obra+de+porto+de+Eike.html.
210

direitos da população a manterem as suas tradições, costumes e histórias, as ações


desenvolvidas pela empresa e pelo Estado foram na tentativa, num primeiro
momento, de cooptação e desmobilização e em seguida, de repressão e violência.
Portanto, criar as condições necessárias nessa fase, para que os atingidos,
homens e mulheres, pessoas idosas e jovens pudessem se organizar e se fortalecer
foi, além de estratégica, necessária. Até porque, “ao organizar-se livre e
criativamente, os sujeitos não desenvolvem apenas suas potencialidades individuais,
mas também suas dimensões públicas e coletivas” (SEMERARO, 1999, p. 160).
Uma passagem do livro “A formação da classe operária inglesa” em que
Thompson escreve: “as pessoas imaginam que, quando tudo está quieto, está se
estagnando. O propagandismo continua apesar disso. É quando tudo está quieto
que a semente cresce (1987a, p. 416)”. Como se vê, essa citação representa
significativamente o período analisado acima. Nesses quatro primeiros anos, só
foram encontrados dois registros de manifestações públicas dos camponeses e
pescadores. Percebe-se que eles observavam e tentavam se organizar desde os
primeiros movimentos e articulações do Estado nas diferentes esferas e,
particularmente no município, tentando compreender e resistir a chegada daquele
monstro que já despontara feroz e, ao invadir aquelas terras, a princípio, aparentava
deixar apenas lastros de destruição.
Tempo que foi aproveitado para preparar a terra, separar as plantas daninhas
e regar os canteiros, para que tivessem uma colheita farta e pudessem se fortalecer
e se prepararem para as lutas e disputas que se iniciaram desde 2008, mas que
neste momento, esses pequenos agricultores e atingidos veem a necessidade de
intensificar o processo de organização, tentando acumular forças para os
enfrentamentos necessários ao Projeto de Implementação do Porto do Açu, numa
tentativa de defender seus direitos, bem como tornar sem efeito os decretos das
desapropriações até agora publicados.
O que se propõe ainda, nessa análise da trajetória das lutas e resistências
dos atingidos do Açu, nesse ínterim, é que por meio da linha do tempo se
apresentem também algumas informações que foram importantes para o
entendimento e a identificação de quais seriam os inimigos comuns nesse conflito
entre Estado, representado pelo governo municipal e estadual, o setor privado, em
que a LLX do grupo EBX teve centralidade na disputa daqueles sujeitos, no seu
processo de organização e elevação de consciência.
211

No Brasil, pelo menos até o final da década de 1960, a luta pela democracia e
pelo socialismo foi por muito tempo concebida como uma luta em dois tempos:
tratava-se, num primeiro momento, de realizar uma ‘revolução democrático-
burguesa’, cujo conteúdo (...) era a “superação da dependência ao imperialismo e
dos supostos ‘restos feudais’ na agricultura (...); só num segundo momento, após a
realização dessa ‘etapa democrática’, é que seria possível pensar na luta pelo
socialismo (...)” (COUTINHO, 1991, p. 93).
A concepção de que a democracia era o caminho e não um caminho para o
socialismo fez suplantar a visão etapista da esquerda brasileira, bem como fazer
com que esta esquerda compreendesse que “o Brasil já se tornou ‘moderno’ e
plenamente capitalista, através dos tradicionais processos de transformação ‘pelo
alto’ que marcaram nossa história” (id.).
Segundo Coutinho (1991, p. 98), “se examinarmos as sociedades ‘ocidentais’,
veremos que elas apresentam – quando abstraímos suas várias particularidades e
nos concentramos no essencial – dois ‘modelos’ principais de estruturação do poder
e de apresentação dos interesses”: ‘modelo’ liberal-corporativo e de democracia de
massas. Ainda para Coutinho, no Brasil estes dois projetos podem ser presenciados
de forma conflitiva, constituindo-se no eixo da ação prática dos blocos sociais em
disputa no País, envolvendo a esfera política, social e mesmo cultural.
Para caracterizar o que seria esse projeto ‘liberal-corporativo’ ou
simplesmente ‘neoliberal, é importante entender a análise de Coutinho (1991), pois
segundo ele, é preciso ter clareza, que os setores dominantes, no caso o Estado e
os empreendedores “reconhecem e até em parte estimulam a auto-organização da
sociedade civil, mas buscam orientá-la para a defesa de interesses puramente
corporativos, privatistas” (p. 99), como se pode verificar nas estratégias e táticas
utilizadas pela empresa, no caso das audiências, denominadas de públicas, que são
realizadas, no caso do Porto, fora do Distrito e sem o conhecimento e participação
efetiva de toda a população vitimada.
Em entrevista concedida pelo Presidente da ASPRIM, quando os
trabalhadores e camponeses atingidos conseguiram paralisar as obras do
Superporto, por mais de 24 horas, através do bloqueio da RJ 240, Rodrigo Santos,
Presidente em exercício da ASPRIM, denuncia:
212

Os proprietários rurais de pequenos lotes, ligados à agricultura familiar, não


estão sendo respeitados. Estão entrando, imitindo posse nas propriedades
e tirando o proprietário, deixando sem sua terra, sua lavoura, sua plantação.
Em momento nenhum houve acordo com o pequeno proprietário (CARTA
CAPITAL, 2011, s/p).

Este excerto, retirado de um noticiário, à época, contribui para o entendimento


dessa perspectiva em que as decisões são tomadas nos gabinetes, de forma
autoritária e, portanto, sem que os trabalhadores atingidos pelos decretos de
desapropriação e que estão tendo suas terras e trabalhos expropriados, participem
dos espaços de discussão e decisão. Como consta em reportagem com a Prefeita,
em abril de 2011:

A prefeita de São João da Barra, Carla Machado e o governador em


exercício, Luiz Fernando Pezão, vão estabelecer um cronograma de
ações para colocar em prática os termos de compromisso firmados
entre a Prefeitura, o Estado e o Grupo EBX. Carla e Pezão se reuniram
na segunda-feira, no Rio, juntamente com o subsecretário de Estado de
Urbanismo, Vicente Loureiro, os vereadores Jonas de Barcelos e Aluízio
Siqueira, da bancada de apoio ao Governo, o secretário de Assistência
Social, Trabalho e Direitos Humanos, José Amaro Martins, o Neco, e o
vereador Alexandre Rosa (PPS) ((BLOG BARRAFMNOTICIAS, 2011, grifos
da autora).

Demonstra-se que esse “reconhecimento” e até estímulo dos grupos que


representam os megaempreendimentos são “regulados pela lógica do mercado e,
onde isso não for possível, arbitrados por uma burocracia estatal ‘racionalizadora’ –
[que] terminam por reproduzir a ordem capitalista” (COUTINHO, 1991). Interessante
observar o discurso da Chefe do Executivo Municipal, quando ela defende que todos
devem ser integrados ao processo de desenvolvimento em curso, e foi a sua gestão
a que mais contribuiu para criar as condições favoráveis à desapropriação das terras
dos agricultores. Excluiu, dessa forma, e expropriou esse conjunto de trabalhadores
dos seus meios de produção, que é a terra. Retirou, também, a possibilidade de
garantir a sua subsistência e de seus familiares, por meio do trabalho até então
realizado. Observe a ênfase da prefeita:

Enfatizou a importância da união de forças para que os moradores da


região sejam integrados ao processo de desenvolvimento. “Nós
sabemos que o porto e o distrito industrial são muito importantes para São
João da Barra e para a região Norte do Estado, porque mudarão o perfil
econômico da nossa região (BLOG BARRAFMNOTÍCIAS, 2011).
213

E ainda segundo Coutinho, “a expressão econômica do projeto ‘liberal-


corporativo’ é a apologia da privatização, ou seja, o empenho em atribuir ao
mercado – e não à esfera pública – a tarefa de dar solução aos conflitos de
interesses e às demandas sociais” (1991, p. 100).
Além disto, é importante salientar que a busca desenfreada para privilegiar as
formas de representação puramente corporativas e setorizadas, eliminando as
possibilidades de participação política, ou ainda permitindo apenas – mas de forma
dissimulada – uma participação consentida da população. Para Coutinho (1991)
significa que “a apatia é vista como condição para evitar o congestionamento das
demandas”. Essa é uma das questões que vem ocorrendo em todo o âmbito do
Projeto Minas-Rio, e particularmente, no processo de implantação do Superporto do
Açu, como afirma uma das atingidas e integrante da direção da ASPRIM, Dona
Noêmia Magalhães:

[...] eles [Empresa] fazem parceria com a conivência do governo, né,


quando eles fazem, no nosso caso lá, o governo parece que é sócio, é
conivente, eles fazem parceria também com as universidades, por isso que
a gente tem dificuldade, porque eles montam laboratório, a gente então tem
as universidades divididas, a quantidade de terras lá do Porto do Açu que
eles pegaram, o que entrou dentro do Projeto pelo Governo Estadual, é...
então, pra lei é legal, tão agindo dentro da legalidade. Quanto a gente... não
existe diálogo, existe monólogo, porque nas audiências públicas não nos é
permitido falar, tudo que a gente vai argumentar, eles...daqui a dez dias,
anotam, escrevem...só eles falam. Passam filmes de uma empresa, que
você vendo aquele filme te dá vontade mesmo de pertencer àquela
empresa, passa uma história linda (DEPOIMENTO GRAVADO DE UMA
REUNIÃO COM A ANISTIA INTERNACIONAL EM SEU ESCRITÓRIO NO
RIO DE JANEIRO, 2014).

Ao apresentar e discutir os dois ‘modelos’ principais de estruturação do poder


e representação dos interesses e colocá-los em confronto, Coutinho (1991, p. 100)
chama a atenção para o primeiro resultado do processo de ‘ocidentalização’, ou
seja, “a consolidação de uma sociedade civil pluralista e relativamente articulada”, o
que na verdade cria as condições para inibir ou tentar eliminar as formas arcaicas de
resolução dos conflitos sociais e políticos, através da coerção, como golpes e
regimes militares.
Em oposição a esse modelo, “as classes subalternas – ou, mais amplamente,
os atores políticos e sociais que propuseram e batalharam por uma transição ‘forte’ –
têm apontado para um outro projeto de sociedade ‘ocidental’, aquele que
poderíamos chamar de ‘democracia de massas” (COUTINHO, 1991, p. 100).
214

Semeraro reconhece a atualidade e força do pensamento de Gramsci e


afirma que nos aspectos mais cruciais de seu pensamento, ele nos ajuda, com

(...) a originalidade de suas perspectivas, a operar a passagem “de um


século para o outro” com a tarefa, ainda a ser realizada, de democratizar os
diferentes setores da sociedade e de enfrentar o desafio mais provocante
apresentado à política moderna, que é o de abrir caminho à ação das
massas, a personagem principal que há tempo pressiona as portas para
entrar na história e, como sujeitos livres e autônomos, decidir os rumos do
próprio destino (1999, p. 80).

Contudo, ao retomar os registros das ações políticas realizadas pelos


trabalhadores atingidos no Projeto Minas-Rio, mas particularmente, as ações
desenvolvidas pelo grupo no Açu em São João da Barra, a interlocução com
Thompson tornou-se fundamental por contribuir na compreensão de uma questão
importante do trabalho de campo, que foi a articulação das formulações teóricas
numa relação direta com a experiência em acompanhar o processo de formação
política dos sujeitos da pesquisa.
A participação compreendida como “processo de criação do homem ao
pensar e agir sobre os desafios da natureza e sobre os desafios sociais, nos quais
ele próprio está situado – como tal, é um processo dinâmico e contraditório” (Souza,
1987, p.81), que se alastra, adensando ao mesmo tempo, de forma paradoxal:
avanços/recuos; coragem/medo; alegrias/tristezas; vitórias/derrotas e tantos outros
sentimentos. No entanto, a participação nessa perspectiva apontada, vem regando
aquele solo de combate, favorecendo o fortalecimento das ações políticas dos
sujeitos que vivem essa experiência.
Para Benjamin (1994) no advento da ciência moderna,

A perda da experiência (Erfharung) é situada pelo privilégio que o


“experimento” passa a ter. Nessa virada – da experiência ao experimento –
se produz uma ruptura, inédita na cultura ocidental, entre o sujeito que vive
(que tem a experiência) e aquele que conhece (que faz a experiência) (apud
ROSA e POLI, 2009, p. 2).

Nesse processo de análise das ações realizadas por esses sujeitos, observa-
se o desenvolvimento de uma consciência coletiva entre os camponeses e o
reconhecimento da sua capacidade de organização, força e união, o que confere
legitimidade à luta, às suas demandas. Também aglutina Movimentos Sociais do
campo e da cidade, grupos de pesquisadores de diversas universidades,
215

pesquisadores da AGB, religiosos, a mídia alternativa e até mesmo jornalistas dos


meios de comunicação comercial, no enfrentamento dos conflitos vivenciados
naquele território.

O interesse de empresas na instalação de grandes empreendimentos do


Complexo Industrial do Porto do Açu, no município de São João da Barra,
no norte do Estado do Rio de Janeiro, pode ser abalado. A avaliação é da
presidente da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio
de Janeiro (Codin), Conceição Ribeiro.
De acordo com Conceição, as manifestações regionais contra os
projetos passam por seu momento mais tenso e podem afugentar os
planos de alguns empresários (JORNAL O VALOR, 2012).

Quando Thompson (1987d) afirma que “a classe operária não surgiu tal como
o sol numa hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se”. Logo no
início do prefácio, o autor não só contribui para a compreensão das experiências
vividas, como também, aponta o importante debate que acompanha toda a sua
trajetória como militante e historiador, que são as críticas à concepção estruturalista
da obra de Marx, representada principalmente por Althusser. Thompson rejeita a
perspectiva de tratar a experiência e a cultura apenas no terreno ideológico, fincado
na superestrutura.
Para ele, “a experiência entra sem bater à porta e anuncia mortes, crises de
subsistência, guerra de trincheira, desemprego [...]. Pessoas são presas: na prisão
pensam de modo diverso sobre as leis (THOMPSON, 1981, p. 17). O contexto em
que as lutas são travadas e vivenciadas pelos sujeitos num determinado momento
histórico, constitui e é constituído por uma cultura ancorada nos processos e nas
relações de produção.
Contrariamente aos estruturalistas, em destaque o francês Althusser, que ao
extrair e cindir a base e a superestrutura na leitura e análise das obras de Marx,
desconsidera o movimento dialético da história, retirando algo que é essencial no
materialismo histórico dialético, que é a história como relação e processo, e a classe
trabalhadora como sujeito da história, (portador das mudanças e transformações).
Thompson afirma que a classe precisa existir realmente para mostrar sua
objetividade, ela tem que acontecer em um determinado tempo e lugar nas relações
humanas. Portanto, ele insiste que:

A analogia base e superestrutura é radicalmente inadequada. Não tem


conserto. Está dotada de uma inerente tendência ao reducionismo ou ao
216

determinismo econômico vulgar, classificando atividades e atributos


humanos ao dispor alguns destes na superestrutura (lei, arte, religião,
“moralidade”), outros na base (tecnologia, economia, as ciências aplicadas),
e deixando outros ainda a flanar, desgraçadamente, no meio (linguística,
disciplina de trabalho) (THOMPSON, 2012b, p. 256).

E então, surge o questionamento: quando a classe acontece? Para o autor, a


classe acontece quando “alguns homens, como resultado de experiências comuns
(herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre
si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos
seus (THOMPSON, 1987a, p.10).
Durante essa experiência de quase uma década, partilhada e analisada com
os trabalhadores camponeses atingidos pelos impactos provocados com a
implantação do Porto do Açu, observam-se, nesse segundo momento da luta, as
mudanças, conquistas e visibilidade que o movimento alcançou. Como assegura,
Iamamoto (2001),

É o tratamento do trabalhador como “sujeito criativo vivo” que torna possível


salientar o papel da luta de classes na modificação e nos rumos imprimidos
ao processo de trabalho, reconhecendo nos trabalhadores a condição de
autores de sua própria história, que resistem às dilapidações do capital
(IAMAMOTO, 2001, p. 86).

Ou ainda, quando Bartra anuncia que,

En todo caso la Gran Crisis es un llamado a la acción: ante lo duro y lo


tupido de las calamidades que nos aquejan nadie pude hacerse el sordo ni
mirar para otro lado. El presente desgarriate no es un tropezón más, está en
peligro la especie humana. En la lucha por salir del atolladero y encontrar un
rumbo nuevo que nos lleve a un mundo más habitable y soleado habrá sin
duda avances y retrocesos, pero ésta es una batalla que no podemos
darnos el lujo de perder (BARTRA, 2008, p. 233).

3.4.3 Quando o solo está fértil, a semente cresce...

Na perspectiva desse trabalho está em curso, em São João da Barra, um


processo de expulsão de pequenos agricultores e pescadores de suas terras
tradicionais, que se assemelha, guardadas as devidas diferenças históricas e
temporais, ao processo de acumulação primitiva, descrito por Marx, no século XIX.
217

No processo de acumulação primitiva que dá origem ao capitalismo, na


Inglaterra nos séculos XIV, XV e XVI, onde a expropriação dos camponeses de suas
terras, criava a um só tempo, capital, capitalistas e trabalhadores assalariados,
transformando a terra em propriedade privada para a produção de ovelhas e lã às
manufaturas nascentes. Diferentemente do processo descrito por Marx, em São
João da Barra, no século XXI, a expropriação dos camponeses e pescadores
ocorreu para a construção de um Complexo Portuário e Industrial do Açu. Portanto,
é uma ação expropriatória promovida pelo capital já concentrado. É o capital
nacional/internacional unificado que expropria camponeses para a construção do
Porto do Açu, e um complexo industrial para exportação de matérias primas e
produtos manufaturados para o mundo.
Esse processo no Açu é muito diferente da expropriação da terra na
Inglaterra, onde ela foi utilizada como meio de produção para a atividade pastoril. No
caso do Açu, a terra é expropriada, não para a produção agrícola em bases
capitalistas, mas como base (substrato) de um empreendimento comercial/industrial
e como reserva de valor para a estabilidade do capital nacional e internacional, que
no capitalismo contemporâneo, na sua etapa de financeirização exacerbada, ainda
necessita de base física (terra e meios de produção) e uma base variável, força de
trabalho livre, para se valorizar.
Numa ação do Ministério Público Federal de 2009, com pedido de liminar
movida pelos procuradores da República em Campos dos Goytacazes, Dr. Eduardo
Santos e Dra. Carmen Sant’Anna, na 1ª Vara Federal de Campos (proc.
20095103002048-8), foi depositada muita esperança de reversão dos problemas
enfrentados pelos camponeses do Açu. Até porque o objetivo desta ação foi a
paralisação das obras do porto. É nela também, que os procuradores tornam pública
a existência de outras irregularidades, como pode ser verificada nesse excerto:

Outra irregularidade apontada na ação é a falta de licitação para a


construção do complexo, avaliado em R$ 6 bilhões. [...]. Em 2007, o
governo do Rio de Janeiro declarou as obras e as atividades de infra-
estrutura para a instalação do porto como de utilidade pública. “Como o
Porto do Açu escoará as cargas que bem entender o seu proprietário, pode-
se dizer que o Brasil terá uma nova e grande porta de entrada e que a
chave foi entregue pela União a um de seus cidadãos em detrimento e
à revelia de todos os demais”, afirma o procurador da República Eduardo
Santos, que lamenta a forma como esse empreendimento foi projetado e
autorizado (MPF, CAMPOS DOS GOYTACAZES/RJ, 17/08/2009).
218

Além dessas questões apresentadas, os procuradores questionaram ainda a


fragmentação das licenças ambientais, que foram “concedidas pelo INEA sem a
aprovação do Estudo Prévio de Impactos Ambientais” – EPIA e contra a ANTAQ,
porque “autorizou a exploração do porto, por tempo indeterminado, alegando que ele
seria de pequeno porte”. Em liminar, “o MPF pede que sejam anuladas as licenças
ambientais e as autorizações fornecidas pelo INEA e a ANTAQ, bem como a
imediata paralisação de qualquer atividade por parte dos empreendedores.”
(MPF, Campos dos Goytacazes/RJ, 17/08/2009)
O porto é o principal empreendimento do Complexo Industrial Portuário do
Açu e foi concebido como um condomínio industrial, composto por diferentes
unidades produtivas, como proposta já apresentada no decorrer da pesquisa.
Importante ressalva que essas unidades não se instalaram e que uma das
siderúrgicas, pertencente a um grupo Chinês, não obteve autorização do IBAMA,
pelo fato de ser uma empresa de tecnologia ultrapassada que geraria forte impacto
ambiental.
A negação da autorização pelo IBAMA deve ter tido influência dos
questionamentos efetuados pelo Ministério Público Estadual do Meio Ambiente,
conforme pronunciamento do promotor responsável, Dr. Vinícius Lameira na
segunda Audiência Pública na ALERJ:

Na ação civil pública, então, o objeto era: paralisem as obras, suspendam


as licenças concedidas, complementem o estudo de impacto ambiental.
Tinham dois grandes problemas nesse estudo de impacto ambiental, um era
a falha do diagnóstico ambiental de fauna, de flora, da questão ambiental, e
em segundo, da tecnologia que seria utilizada para implantar essa
siderúrgica que, ao ver da nossa equipe, ela produziria uma emissão muito
maior do que a outra tecnologia disponível de benzeno, que é um poluente
altamente cancerígeno, então, essas duas eram os nossos grandes pontos,
complementação do diagnóstico ambiental e que se avaliasse a troca da
tecnologia (ATA DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DA COMISSÃO DE DEFESA
DOS DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ, 11/11/2013).

A preocupação com as questões ambientais tem sido constante desde o início


da implantação do Projeto Minas-Rio, mobilizando comunidades atingidas,
ambientalistas, e pesquisadores a moverem ações com denúncias de destruição aos
sistemas socioambientais. Das montanhas aos mares, percorrendo os 525 km do
mineroduto, as violações às leis ambientais foram amplamente denunciadas, como
219

alguns casos registrados na linha do tempo, e com farto material publicado nos
jornais de abrangência nacional e nas mídias alternativas.
Esses dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais –
INPE e pela ONG SOS Mata Atlântica, nessa reportagem do Jornal O Globo, tornam
público o que essas populações já vêm denunciando há tempos. “Desmatamento na
Mata Atlântica é o maior desde 2008. Minas foi o estado que mais desmatou,
responsável por derrubar 107 km² de floresta”.
Com relação à perda de restingas e manguezais, Pernambuco foi o único
estado que perdeu área de manguezal, ecossistema que funciona como berçário
marinho. Trata-se de áreas importantes para atividades como a pesca.
Mas como tudo no Açu é sempre agigantado, “o maior desmatamento na
vegetação de restinga, ocorreu no estado do Rio de Janeiro, na região de São
João da Barra.”
Nos dois casos, “segundo a SOS Mata Atlântica, o impacto ambiental foi
causado por obras de infraestrutura, como a construção dos portos de Suape (em
PE) e do Açu (no RJ).”

(...) se destacam pela presença de comunidades ecológicas marcadas pela


singularidade botânica e faunística, reconhecidamente classificadas como
de extremo interesse biológico para a conservação da biodiversidade
(RIMA, 2010). Os próprios diagnósticos apresentados nos EIA/RIMA das
unidades industriais confirmam esta complexa estrutura paisagística, com
testemunhos de espécies ameaçadas de extinção e de distribuição
biogeográfica restrita (AGB, 2011). Segundo o Ministério do Meio Ambiente,
o litoral norte fluminense é uma área prioritária para a conservação de
quelônios marinhos, por representar o extremo sul das áreas de desova de
tartarugas marinhas do litoral brasileiro e por abrigar pelo menos 4 espécies
em extinção, classificadas como “em perigo”. O trecho que vai de Grussaí a
Lagoa Feia, classificado como MC-805, pelo Ministério do Meio Ambiente
(MMA, 2004), é de prioridade extremamente alta para a conservação. Este
mosaico se destaca num continuum litorâneo (verde claro no mapa) que se
estende desde a porção centro-sul do município de São Francisco do
Itabapoana, atravessando todo o litoral de São João da Barra, intercalado
por faixas de mangues e áreas úmidas na porção costeira do município de
Campos dos Goytacazes, seguindo por toda a extensão da linha de costa
que acompanha os municípios de Quissamã e Carapebus, e por fim
atingindo a porção extremo litoral norte do município de Macaé (AGB, 2011,
p. 37).

O elemento apresentado tem os objetivos de mostrar a complexidade do caso


do Açu e de recuperar as lutas no que diz respeito às denúncias encaminhadas
tanto ao Ministério Público Estadual e Federal como também ao Poder Judiciário,
por meio de dezenas de representações, em que as conquistas sempre foram
220

parciais e momentâneas. Apesar do debate sobre a parcialidade da justiça,


compreende-se que este também é um espaço de luta e disputa, numa sociedade
de classes junto aos moradores do Açu e aos atingidos pelos impactos do projeto.
Este espaço de ação contribuía para que não se perdesse a dimensão da luta
política em todo o processo.
Os anos de 2014 a 2016 compõem o terceiro e último momento dessa
análise. Eles podem ser considerados um período de articulação e resistências,
portanto, de ações mais silenciosas, inicialmente, e de ascenso do movimento em
2017.
A espera e a expectativa, nem sempre bem sucedidas, de que as ações
protocoladas no Ministério Público Estadual e Federal e também no âmbito do
Judiciário pudessem impedir os esbulhos praticados, os cercamentos das terras
desapropriadas e repassadas ao empresário Eike Batista para a construção de um
porto privado, as violências sofridas com os despejos e expulsões de suas terras e
moradias, o adoecimento mental e físico de muitos deles – foram fatores
importantes de inflexão do movimento, nesse período. Pode-se citar, a título
ilustrativo o caso de Dona Georgina, que adoeceu, apresentando um quadro de
transtorno mental, narrando a todo tempo os problemas sofridos, sentindo-se
ameaçada, aterrorizada e depressiva. Tais problemas iniciaram-se com a chegada
do “monstro” naquele lugar, e se intensificaram após vivenciar os momentos de dor,
luta e resistência, com sua família na ação de instituição de servidão administrativa
que a AMPLA ENERGIA E SERVIÇOS S/A moveu para requerer a imissão na posse
de uma faixa de suas terras, situadas numa faixa de 30 m de largura. Cita-se ainda o
fato da derrubada da moradia, onde reside com o seu filho de 40 anos, uma pessoa
com deficiência física, intelectual e com graves problemas de saúde. A justificativa
apresentada era que o trajeto para a passagem de linha de transmissão de energia
elétrica, interligando a subestação de Campos ao Porto do Açu, teria que ser no
local onde estava fincada a sua casa há mais de 60 anos. Caso semelhante ocorreu
com o sr. Irineu Toledo.
Após uma ação vitoriosa na Defensoria Pública e uma grande articulação na
esfera estadual, por meio da Comissão de Direitos humanos na ALERJ, envolvendo
o Deputado Marcelo Freixo e os apoiadores dos Movimentos Sociais,
pesquisadores, o poder de luta e resistência da família e vizinhos impediram que a
AMPLA derrubasse a casa sem antes construir outra. Exigiu-se também que o valor
221

da indenização das terras expropriadas fosse negociado com os familiares. Mas as


vitórias obtidas são insuficientes para amenizar o sofrimento dessa senhora de 80
anos, que vem se debilitando mais e mais, e perdendo a alegria de viver.
Como afirma o pesquisador Marcos Pedlowski (2014),

Alguém devia ter avisado a Eike Batista e à Ampla que a eletricidade não
chega só com a colocação das torres de sustentação. Há que haver fiação
e, mais importante, eletricidade para ser transmitida. Agora, essas torres
ficam lá no Açu como símbolos maiores da falta de planejamento básico
para um empreendimento de tamanha envergadura. Com tanta
incompetência, não é preciso nem que existisse críticos.
Entretanto, não custa nada lembrar que um número imenso de famílias,
como por exemplo a do falecido José Irineu Toledo, tiveram suas terras
expropriadas justamente para a passagem dessa linha de transmissão.
(BLOGPEDLOWSKI, 2014).

Figura 75 - As torres sem fio e mais expropriações no Açu

Fonte: Blog do Pedlowski, 2014.

Mesmo após as denúncias, dezenas de representações, relatórios elaborados


pela ASPRIM e seus apoiadores, estudos e pesquisas com o objetivo de
desconstruir os EIA/RIMAS encomendados, os decretos de desapropriação de terras
e de renúncia fiscal; a lei que regulamenta os portos brasileiros (Lei 8.630/93) e que
permite a privatização sem fiscalização do poder público; a mudança no Plano
Diretor do município, como já foi apresentado nesse trabalho e tantas outras
denúncias, num primeiro momento, não foi possível impedir o crescimento do
monstro ou a sua total destruição. No entanto, contribuíram para somar esforços,
fortalecer a resistência e ampliar uma consciência mais crítica e coletiva dos
processos de lutas. Para Fabrini, “o amadurecimento da consciência política não
vem necessariamente pela modernização das relações de produção e inserção no
222

mundo da mercadoria, mas do fortalecimento das forças sociais, organizadas nos


movimentos” (FABRINI, 2006, p. 69).
Dentre as conquistas significativas dos processos de resistências dos sujeitos
ali envolvidos, em quase uma década de lutas, e os avanços políticos obtidos tem-
se: a visibilidade de suas denúncias, a articulação e parceria construída com os
atingidos no âmbito do projeto Minas-Rio em Minas Gerais, a realização de três
importantes Audiências Públicas na ALERJ. Para os trabalhadores atingidos do Açu,
a prisão do ex-governador Sérgio Cabral, em novembro de 2016, e a do empresário
Eike Batista, em janeiro de 2017, são as mais simbólicas, até então. Tais fatos
contribuíram para que ocorresse, ainda no primeiro trimestre do ano em curso, todo
o processo de mobilização à criação de estratégias na retomada das lutas para
anulação dos decretos de desapropriação das terras no Açu, culminando com a
ocupação organizada pela ASPRIM e pelo MST de uma área expropriada pela
CODIN e LLX, de um agricultor também da resistência, em 19 de abril de 2017. Com
a solidariedade e apoio dos movimentos sociais, dos pesquisadores, dos religiosos e
dos estudantes, e a capacidade de luta desses homens e mulheres da restinga, eles
conseguiram permanecer por cem dias acampados. Resistiram e travaram uma luta
árdua contra o Estado, por meio do poder judiciário, da repressão e da violência da
polícia militar, e contra a empresa Prumo Logística que se apropriou do poder de
Estado e conduziu a repressão, junto aos seus “seguranças privados.”
A confirmação da enorme área desapropriada de 7.036 hectares, impactando
mais 1500 famílias – e que após uma década, já com o porto em pleno
funcionamento e sua capacidade ampliada, como pode ser confirmado em audiência
pública em São João da Barra no início de 2017, – apenas dez por cento das terras
foram utilizadas. Faz-se necessário expor algumas representações da dimensão de
todas as terras expropriadas.
Na pesquisa de tese de doutorado de Roberto Moraes Pessanha (2017) ele
apresentou o quadro abaixo, no sentido de mostrar o desenvolvimento dos tipos de
portos no Brasil:
223

Quadro 3 – Gerações de Portos no Brasil

Fonte: PESSANHA, 2017.

No seguinte, o autor traz os diferentes portos, suas características e a área


em que foram implantados. Eles comprovam, portanto, a desnecessidade da área
desapropriada no Açu em São João da Barra, com a justificativa de implantar o
porto. No entanto, para a especulação fundiária da empresa, milhares de pessoas
foram arrancadas de suas terras; a natureza destruída, as leis e os direitos violados
e 7.036 ha de terras expropriadas e entregues, naquele momento, ao homem mais
rico do Brasil.
224

Quadro 4 – Empreendimentos Portuários-Industriais

Legenda: As áreas estimadas no quadro em asteriscos:


* Área estimada a partir da soma das áreas das indústrias mais extensivas em área.
** No Complexo de Suape 59% dos 13,5 Km² são de áreas de conservação ambiental.
*** A área atualmente usada pelas empresas do cluster de óleo e gás em Macaé foi estimada em
5 Km², incluindo base operacional da Petrobras em Imbetiba, Parque dos Tubos em Imboassica;
UTGCAB (Cabiúnas); 2 UTEs + áreas do Parque Industrial de Cavaleiros, Polo Industrial de
Cabiúnas e áreas de outras empresas. Outros 10 Km² são de condomínios logísticos-industriais
em fase de licenciamento ou instalação em Macaé.

Fonte: BLOGROBERTOMORAES, 16/07/2017.

Na ocasião da última Audiência Pública na ALERJ o pesquisador do IFF,


Roberto Moraes Pessanha, afirmou:

Se nós analisarmos tecnicamente esses empreendimentos da Prumo e da


CODIN, é possível afirmar que, num cenário de pelo menos duas décadas,
não há viabilidade técnica e econômica que viabilize a instalação de uma
refinaria ou um complexo petroquímico. São duas áreas extensivas em
áreas, são dois tipos de empreendimentos que demandam muitas áreas. As
refinarias ficam aí em torno de cinco, sete quilômetros quadrados.
Os estudos da ANP [...]sobre fluxos de derivados de petróleo no Brasil
indicam que, nas próximas décadas, o Brasil precisando de mais duas
refinarias, elas têm que ser instaladas no centro-oeste ou no máximo no
oeste mineiro e no nordeste. [...]. Não faz sentido imaginar, não faz sentido
projetar que o cluster de óleo e gás que existe lá no distrito industrial do Açu
possa vir a ser acompanhado desses empreendimentos que são extensivos
em áreas.
[...] considerando ainda as dinâmicas econômico-espaciais [...] não há
perspectivas de a base operacional de exploração de petróleo migrar toda
de Macaé para o Açu. Elas devem dividir e se complementar em atividades.
[...] Então, nem aquela hipótese de que Macaé inteira for para o Açu, não
demandaria a área do distrito industrial de São João da Barra. [...] Então,
mesmo que duas unidades sejam instaladas, elas ocupam áreas
relativamente pequenas, no máximo um quilômetro quadrado cada uma.
Ainda assim você não teria necessidade de utilizar tudo isso. Também, num
cenário maior que duas décadas, não há a possibilidade de retomada dos
projetos de siderurgia, que foi o que originou esse gigantismo de uma área
225

do distrito industrial. Por que não há? Porque era ele que puxava toda uma
demanda de cadeia produtiva, de montadora, de setor metalomecânico, de
polo cimenteiro, etc., e há uma sobra de capacidade instalada de produção
de aço no mundo de aproximadamente 40%.[...]. Então, não há a
perspectivas de que o projeto antigo possa ser retomado mais adiante. Se
não há perspectiva, não há também imediatamente como o polo automotivo
metalomecânico e cimenteiro possam ser resgatados no futuro. Aliás, nem a
Prumo nem a CODIN colocam isso em seus documentos mais recentes,
enquanto perspectivas – é bom que se diga.
Esses dois exemplos de empreendimentos a que me referi, do setor de
petróleo, petroquímica, gás e siderurgia não estão projetados e nem seriam
viáveis num horizonte de tempo razoável, para qualquer planejamento,
reforçando a tese, que já foi aqui falada, pelos donos da terra. A reserva de
72 quilômetros quadrados de área para o distrito industrial de São João da
Barra é um completo despropósito. Essa é a principal conclusão de estudos
com fundamentação técnica e científica nos apontam, fruto desde o marco
inicial da colocação do Porto do Açu, acompanhada todo esse tempo,
contato com os produtores, contato com o setor produtivo, porque não foi
exclusivamente com um e com outro, acompanhar durante todo esse
tempo, verificar o que acontece em outros sistemas logísticos portuários, no
Brasil e no mundo, para chegar a essa conclusão de que esse decreto não
se sustenta e tem uma completa perda de objeto e finalidade (ATA
DA AUDIÊNCIA PÚBLICA DA COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS
HUMANOS E CIDADANIA DA ALERJ, 08/06/2017).

A violência ao retirar estas áreas das mãos dos agricultores da região do Açu,
em São João da Barra fez com que, em apenas seis anos (2009 para 2015), o
número de produtores rurais do município caísse para quase a metade (735). A
produção agrícola foi reduzida de 185 mil para apenas 30 mil toneladas e a área
colhida cai de 3.755 hectares para 1.001 hectares. Assim, a redução da produção de
abacaxi, cana, maxixe e goiaba entre outras, encurtou, enormemente, a circulação
de dinheiro na comunidade afetando também o comércio.

Tabela 1 - Produção agrícola em São João da Barra entre 2009 e 2015.


Produção agrícola de SJB entre 2009 e 2015
Ano Nº produtores Produção (mil T) Área colhida (ha) Faturamento (R$ milhões)
2009 --- 185 mil 3.755 ---
2011 1.110 148 mil 3.392 19 milhões
2013 670 60 mil 1.627 22 milhões
2015 735 30 mil 1.001 23 milhões

Fonte: Emater-RJ, 2017.

Portanto, a retomada das terras com a revisão dos decretos não impede o
funcionamento dos terminais portuários e dos empreendimentos a ele ligados e
ainda garante uma utilização mista da área, bem de acordo com a desejada
sustentabilidade socioambiental, e assim pode deixar de ser apenas discurso.
226

Por fim, a desapropriação das terras dos agricultores do 5º Distrito com a


perda da área de plantio caracteriza violação à segurança alimentar dessas famílias,
retirando-lhes as condições de garantir a própria subsistência. Assim sendo, a
implantação do suposto Distrito Industrial no Açu evidencia a disputa desigual entre
dois projetos de desenvolvimento distintos: o projeto camponês, da agricultura
familiar, e o projeto do capital financeiro, que além da grande concentração de terras
vem destruindo histórias, culturas e modos de vida.
Por todas estas razões, a luta dos atingidos do Açu continua. E o grande
desafio atual é que seja votado na ALERJ o Projeto de Decreto de Lei revisando os
decretos nº 41.585 e 41.586 de 05/12/2008; n° 41.915 e 41.916 de 05/06/2009 e o
decreto n° 41.998 de 19/08/2009.
227

Figura 76 – Mapa - Mosaico das áreas desapropriadas e dos usos atuais do DISJB

Fonte: UFF de Campos e AGB/Niterói, 2017.


228

Com a perda do objeto e da finalidade dessas desapropriações, com o


processo de estrangeirização daquelas terras – que não se sustentam para que o
porto possa continuar a funcionar, sem que essas terras precisem ficar sob a
propriedade da empresa ou mesmo da CODIN, o grande desafio dos camponeses é
anular ou revisar os decretos.
Das montanhas aos mares, o momento é de continuidade das lutas e
enfrentamentos ao Projeto Minas Rio. O capital construiu o maior mineroduto do
mundo, ligando Conceição do Mato Dentro/MG ao Açu/São João da Barra, e os
trabalhadores camponeses e os apoiadores estão criando os maiores laços de
solidariedade entre os atingidos.
Um ciclo de luta importante a partir do acampamento e das pesquisas que
estão sendo realizadas – aliadas a todas as denúncias de corrupção envolvendo os
articuladores desse processo expropriatório no Açu – pode apontar, caso a
correlação de forças se modifique, na aprovação desse Projeto de Decreto de Lei,
que revisaria ou até mesmo anularia os decretos anteriores.
229

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em tempos de globalização, o conhecimento dos fatos do que ocorre nas


bordas do mundo é plenamente visível – o que, contudo, pode contribuir para
ampliar nossa impotência, mesmo diante do que nos está próximo.
Ao finalizar este trabalho, fruto de quase uma década de pesquisas e
acompanhamento às famílias do Açu, as considerações finais salientam o enorme
desafio que foi trabalhar a dimensão teórica, técnica e política no processo da
pesquisa.
Thompson, adverte, que “se detemos a história num determinado ponto, não
há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de
experiências” (1987a, p. 11). Essa é uma questão fundante deste trabalho, não no
recorte do objeto de estudo feito por caminhos essencialmente teóricos, mas por ser
impelida por meio da luta política, a contribuir com o descortinar de alguns
fenômenos que se apresentavam como se verdadeiros fossem. A condição
enigmática das relações sociais que foram se estabelecendo impulsionava a que
não se contentasse só com a aparência. “Decifra-me ou te devoro” não foi só o
desafio imposto aos moradores pela Esfinge no portal da cidade grega de Tebas,
mas também ao grupo do Açu. Tornava-se imprescindível a todos ali envolvidos
tentar saber quantas patas tinha aquele monstro; que relações foram constituídas e
constituintes para autorizar a invasão e a destruição de todo aquele ambiente,
repleto de vidas humanas e não humanas, de recursos naturais, que jamais poderão
ser encontrados em outras plagas. E como aquela população estava enfrentando
todas as violações aos seus direitos, provocadas pela desapropriação das terras, e a
forma como o Estado e o capital se colocavam entre os conflitos por eles vividos.
Para o historiador inglês, “a classe é definida pelos homens enquanto vivem sua
própria história e, ao final, esta é sua única definição” (THOMPSON, 1987a, p. 12).
Assim, a intervenção do Estado articulado ao grande capital objetivando criar
as condições gerais de produção e reprodução capitalistas, no processo de
superacumulação desse mesmo capital, e a luta dos trabalhadores no processo de
enfrentamento – os camponeses e pescadores do Açu em São João da Barra/RJ –
formam os eixos principais da tese.
230

Nesse sentido, os cortes e recortes manifestados no trabalho têm como


finalidade o aprofundamento das questões evidenciadas no decorrer de sua
formulação, não somente para a titulação acadêmica, mas, fundamentalmente,
como instrumento na luta dos camponeses e moradores do Açu e demais atingidos;
e também para permitir que outros estudantes possam prosseguir a pesquisa sobre
temas derivados, que não foi possível abordar nesse trabalho.
Na incursão pela história, buscando reconstituir os antecedentes históricos -
processo de expropriação da terra na Planície goitacá, apresentam-se os
antecedentes relativo aos fatos dos processos de ocupação da região. Onde a
desapropriação de terras foi decretada -, o objetivo foi compreender a questão
fundiária desde a invasão dos colonizadores europeus, seus conflitos, e
principalmente, recuperar o protagonismo por meio das lutas pela terra na Planície
Goitacá, dos sujeitos despossuídos, como denomina Fernandes (1973). Verificou-se
o quanto ainda se pode avançar nessa pesquisa, por outros pesquisadores.
A contextualização do Complexo Portuário e Industrial do Açu, no âmbito do
Projeto Minas-Rio, a orientação no momento da qualificação do projeto de tese foi
de trabalhar de forma mais direta com as questões relacionadas ao projeto do Porto
do Açu, deixando espaço para que novos estudos possam ser desenvolvidos no
âmbito do projeto Minas -Rio, podendo inclusive ser um desdobramento da tese.
Ao se tratar dos processos de lutas e resistências e dos enfrentamentos
vivenciados pelos atingidos do Açu, a linha do tempo, traçada com os sujeitos em
luta, contribuiu sobremaneira, não só para salientar a visibilidade da experiência,
mas principalmente, para encorajá-los e contribuir para que eles se sentissem
sujeitos daquele longo processo. As diferentes escalas ali identificadas e os registros
fotográficos, mapas, referências a matérias jornalísticas locais, regionais, nacionais
e mesmo internacionais, podem preencher lacunas da memória e ajudar a tornar
mais coletiva e fortalecida toda luta em curso.
Como o trabalho é fruto de muitos anos de partilhas, há uma expectativa
quanto ao seu retorno e à sua apropriação pelos atingidos. Nesse sentido, discute-
se a proposta de utilização de parte da pesquisa na elaboração de uma publicação
em que a linha do tempo seja mais detalhada por meio de reuniões nas
comunidades, no sentido de aguçar a memória e o trabalho complementado.
231

Uma outra possibilidade para dar continuidade a pesquisa, é a retomada dos


registros que foram realizados sobre a linha do tempo das lutas em Minas Gerais,
sua atualização e análise, proposta a ser apresentada em breve.
A partir do trabalho de campo e das leituras de autores chaves neste tema,
como Thompson, a experiência passou a ter uma centralidade, ou talvez possa se
afirmar que essa seja o diferencial deste estudo. Na perspectiva de tentar unir os
sujeitos que têm, e, portanto, viveram a experiência e a contribuição do pesquisador
acadêmico que participou da experiência e pôde, através de uma revisão literária,
fundamentar-se teoricamente e sistematizá-la.
Nas observações realizadas durante o trabalho de acompanhamento às
famílias atingidas, destacou-se a forma de como elas se relacionavam com a terra,
com as lagoas, com os rios e com o mar; tanto da parte dos camponeses, como dos
pescadores artesanais – atividades desenvolvidas por muitos deles, ao mesmo
tempo. Eles vêm esses recursos como um bem da natureza e, nesse sentido, são
utilizados por eles em uma perspectiva a ser preservada e mantida nas próximas
gerações.
Portanto, a desapropriação de suas terras por decreto, mesmo com a
promessa de indenização, vem sendo combatida e negada. Os processos de
resistências e lutas desenvolvidos em quase uma década são reveladores de que
aquela terra nunca esteve à venda e, portanto, não é mercadoria.
Esse momento foi extremamente complexo, porque além da relação
imperiosa dos agentes do Estado e do Capital na fase mais intensa das invasões
naquele território, o instrumento de desapropriação por decreto, que por si só, é
autoritário –, nesse caso, até os artigos 6º da Constituição Federal e o 265 da
Constituição Estadual foram violados por não garantir a participação e o acesso às
informações de perdas e danos, que seriam causados pelas desapropriações.
Outra questão que aponta a condição desfavorável dos proprietários das
terras no Açu foi a atuação rápida do Poder Judiciário. Os Decretos foram
publicados no final de 2008 e meados de 2009, e, logo em 2010, foram autorizadas
146 desapropriações pela Justiça, sendo que imediatamente a CODIN e a LLX
realizaram as invasões das terras, com destruição das casas, currais, chiqueiros e
plantações.
Observa-se a celeridade do Poder Judiciário nas autorizações requeridas pela
CODIN e a LLX e das imissões na posse das terras dos agricultores, retirando um
232

total de 2.300 hectares de suas propriedades. Destarte, em um ano


aproximadamente, 146 famílias perderam seu instrumento de trabalho, que é a terra,
sua moradia, os animais, os plantios e suas histórias vivas. Essa foi considerada
pela CODIN como a primeira fase das desapropriações.
Na segunda fase, iniciada em dezembro de 2011, foram 4.700 hectares de
terras desapropriadas, num total de 250 propriedades, atingindo oitenta famílias
residentes no local. Registre-se que esses são dados “oficiais” do governo do
Estado, difundidos por meio do portal da CODIN.
Uma conclusão a ser considerada é que no conflito acontecido no Açu, em
São João da Barra, e repercutido nas diferentes escalas – do local ao regional, do
Estado do Rio de Janeiro a Minas Gerais, como em vários outros Estados da
federação, e mesmo internacionalmente – é a eficácia do Poder Judiciário na
operacionalização da Lei.
Ressalta-se que, no caso estudado, em menos de dois anos, a Justiça em
São João da Barra, foi capaz de autorizar a “invasão” de parte da CODIN e da
empresa LLX em 302 propriedades, das quais apenas cinco aguardavam a decisão
da Justiça para os próximos meses.
Os dados apresentados ilustram a importância que a desapropriação por
decreto de 7.036 hectares de terras no Açu, e todas as relações ilegais identificadas
e denunciadas pela ASPRIM e as demais entidades apoiadoras do Ministério
Público e do Poder Judiciário, sem que uma decisão deste último considerasse os
estudos e pesquisas encaminhadas, bem como os elementos probatórios juntados,
como fotos, documentários, reportagens, laudos de laboratórios, como no caso de
salinização, dentre tantos outros. Isto corrobora com Mascaro (2016), quando ele
afirma que,

O capital só existe com o direito e o Estado – sendo a legalidade a


40
resultante da conformação dessas formas –, mas, ao mesmo tempo, toda
ordem estatal e legalidade só existem em função do capital. Com isso, o
poder do capital e as estratégias da acumulação atravessam negativamente
o solo da legalidade que é, também, sua própria condição de existência
(MASCARO, 2016, p. 7).

40
Cf. MASCARO (2013).
233

Na atualidade, e particularmente, a partir desse estudo, as reflexões de


Thompson (1987c), presentes em “O Domínio da Lei”, são provocativas. Ele
apresenta o contexto do século XVI no âmbito do embrionário capitalismo inglês,
quando a Lei Negra é promulgada na Inglaterra. O autor afirma que a lei precisa ao
menos aparentar-se justa, para que possa se legitimar perante a sociedade. No
entanto, na fase de superacumulação capitalista, sequer essa preocupação tem sido
levada em conta. Essa é uma outra questão, que abre possibilidades de novos
estudos no âmbito do Projeto Minas-Rio, bem como a outros procedimentos do
Poder Judiciário.
Essas são algumas das considerações que esta pesquisa, por suas
peculiaridades, pôde apontar: tanto as limitações dos estudos realizados como as
implicações teóricas e empíricas que, ao mesmo tempo, abrem um conjunto de
possibilidades para futuras pesquisas. Também, pretende-se continuar contribuindo
para uma maior compreensão, atuação e envolvimento dos pesquisadores,
estudantes e militantes dos movimentos sociais, na luta dos segmentos
expropriados da classe trabalhadora, em especial, os expropriados da terra, pela
profunda dívida social que o Brasil tem com os despossuídos desse instrumento de
trabalho, ao ter-se negado, historicamente, a realizar a Reforma Agrária.
234

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Documentos públicos e jornais consultados

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promotor Luiz Cláudio Carvalho de Almeida, através do Ministério Público Estadual,
Vara da infância, juventude e do Idoso e réu o município de São João da Barra e
outro. Esta representação foi formulada e apresentada em razão do elevado número
de pessoas idosas na área desapropriada e os desrespeitos aos direitos humanos a
que estavam sendo submetidos e consequentemente violando a constituição e o
Estatuto da pessoa Idosa. 2011.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONTRA O INEA (Instituto Estadual do Ambiente) para


suspender licenças ambientais concedidas, visando impedir a implantação da
Siderúrgica TERNIUM S/A.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELA ASPRIM, em decorrência de


inconformidades legais relativas ao licenciamento ambiental do empreendimento
denominado terminal portuário - Distrito Industrial do Açu. Processo protocolado em
08/02/2012, na Justiça Federal de Campos dos Goytacazes. Número do processo é
0000149-98.2012.4.02.5103. 2012.

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Socioambientais do Complexo Industrial Portuário do Açu. Relatório Técnico. Rio de
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realizada, 13/09/2011.

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João da Barra – RL. Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania. Rio de
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especial da ALERJ para estudar e acompanhar as obras e investimentos do porto do
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__________. Hyundai vai construir maior guindaste das Américas no Açu. Folha da
Manhã Guindaste gigante no Açu: manchete da Folha confirma antecipação do blog.
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__________. Marinha autoriza OSX e LLX a construir canal onshore do Superporto


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dez. 2011.

__________. Nissan só aguarda incentivos fiscais para montar fábrica de carros


elétricos no Açu. Disponível em:
<http://fmanha.com.br/blogs/esdras/category/estaleiro/page/17/>. Acesso em: 26 jan.
2011.

__________. OSX apresenta sua primeira unidade de produção ao mercado


internacional. Disponível em:
<http://fmanha.com.br/blogs/esdras/category/estaleiro/page/17/>. Acesso em: 10
mar. 2011.

__________. OSX recebe navio para ser convertido em unidade de produção de


petróleo (FPSO). Disponível em:
<http://fmanha.com.br/blogs/esdras/2011/01/18/osx-recebe-navio-para-ser-
convertido-em-unidade-de-producao-de-petroleo-fpso/>. Acesso: 18 jan. 2011.

__________. Outra liminar bloqueia obras no Mineroduto Minas-Rio. Campos dos


Goytacazes/RJ., 14/08/2012.

__________. Projeto do Corredor Logístico do Açu será apresentado após o


Carnaval. Disponível em:
<http://fmanha.com.br/blogs/esdras/category/estaleiro/page/17/>. Acesso em: 22 fev.
2011.

__________. Reintegração de posse à LLX: secretário Júlio Bueno diz ignorar


denúncias de maus-tratos. Jornal Folha da Manhã, p. 7, em 20/01/2012. Campos
dos Goytacazes/RJ.

__________. Super Porto do Açu: Audiência Pública do Estaleiro da OSX em SJB


tira dúvidas. Disponível:
<http://fmanha.com.br/blogs/esdras/category/estaleiro/page/18/>. Acesso em: 12 jan.
2011.

__________. Supervia cortará toda a Baixada. A Baixada Campista será tomada


pelo Corredor Logístico e muitos produtores rurais terão que deixar suas terras.

FOLHA DE SÃO PAULO. A galeria de fotos da reportagem e o documentário,


ilustram um pouco a violência do ato, sendo legitimada pelo Conselho Tutelar e pela
Secretaria de assistência Social de São João da Barra. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2012/01/1036949-pm-atua-em-reintegracao-
em-area-de-eike-batista-no-rio.shtml>. Acesso: 10 mar. 2014.

FOLHA DE SÃO PAULO. Estudo diz que porto de Eike salgou região no Rio.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/84432-estudo-diz-que-
obra-de-eike-salgou-regiao-no-rio.shtml>. Acesso em: 18 dez. 2012.

__________. PM atua em reintegração em área de Eike, 20/01/2012. Folha de São


Paulo, São Paulo, 20 jan. 2012.
250

__________. LLX, de Eike, recebe licença prévia para instalar terminal de GNL no
porto do Açu. 19/03/2013. Disponível em:
<http://m.folha.uol.com.br/mercado/2013/03/1248682-llx-de-eike-recebe-licenca-
previa-para-instalar-terminal-de-gnl-no-porto-do-acu.shtml>. Acesso em: 09 fev.
2016.

__________. Porto de Eike causou salinização de água doce, confirmam


autoridades. Venceslau Borlina Filho, 16/01/2013. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2013/01/1215695-porto-de-eike-causou-
salinizacao-de-agua-doce-confirmam-autoridades.shtml>. Acesso em: 10 fev. 2016.

G1. Eike Batista é alvo de mandado de prisão da Lava Jato e é procurado pela PF.
26/01/2017. Disponível em: <https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/policia-
federal-e-mpf-cumprem-mandados-de-prisao-na-nova-fase-da-operacao-lava-jato-
no-rj.ghtml>. Acesso em: 26 jan. 2017.

__________. Ex-governador Sérgio Cabral é preso pela PF na Zona Sul do Rio.


Carlos Brito e Cristina Boeckel, 17/11/2016. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-
de-janeiro/noticia/2016/11/ex-governador-sergio-cabral-e-preso-pela-pf-na-zona-sul-
do-rio.html>. Acesso em: 17 nov. 2016.

__________. Líder do MST é encontrado morto em Campos dos Goytacazes.


26/01/2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/rj/serra-lagos-
norte/noticia/2013/01/lider-do-mst-e-encontrado-morto-em-campos-dos-goytacazes-
rj.html;%20http://ururau.com.br/cidades26951_Sem-terras-se-despedem-de-
l%C3%ADder-e-pedem-justi%C3%A7a-durante-cerim%C3%B4nia>. Acesso em: 13
fev. 2016.

IHU. UNISINOS. Porto de Açu e os equívocos da desapropriação de terras.


Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/508033-a-unica-presenca-do-
poder->. Acesso em 02 abr. 2012.

JORNAL DO BRASIL. A LLX e a OSX esclarecem ainda que a alteração do índice


de salinidade do Canal do Quitingute foi pontual, prevista nos estudos de impacto
ambiental (...). Disponível em: <http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/09/05/llx-e-
osx-emitem-nota-sobre-salinidade-na-agua-de-sao-joao-da-barra>. Acessado em 20
nov. 2015.

__________. Documento vazado por fontes da empresa desmente versão que


salinidade na água está sanada. Acessado em 20/11/2015. Disponível em:
<http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/09/04/porto-do-acu-salinidade-na-agua-
persiste-segundo-relatorio-da-llx/>. Acesso em: 14 mar. 2014.

__________. LLX e OSX emitem nota sobre salinidade na água de São João da
Barra. Disponível em: <http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/09/05/llx-e-osx-
emitem-nota-sobre-salinidade-na-agua-de-sao-joao-da-barra/>. Acesso em: em 05
set. 2013.
251

__________. Moradores desapropriados pelo governo no Porto do Açu


denunciam Cabral e Eike. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 ago. 2013.

__________. Segundo a população do distrito, irregularidades e violência são


cometidas pelo governo. Disponível em:
<http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/08/10/moradores-desapropriados-pelo-
governo-no-porto-do-acu-denunciam-cabral-e-eike/>. Acesso em: 20 nov. 2015.

__________. Porto do Açu: salinidade na água persiste, segundo relatório da LLX.


Cláudia Freitas, 04/09/2013. Disponível em:
<http://www.jb.com.br/rio/noticias/2013/09/04/porto-do-acu-salinidade-na-agua-
persiste-segundo-relatorio-da-llx/>. Acesso em: 03 out. 2015.

__________. Eike Batista responde a acusações da Cúpula dos Povos. 21/06/2012.


Disponível em: <http://m.jb.com.br/pais/noticias/2012/06/21/eike-batista-responde-a-
acusacoes-da-cupula-dos-povos/>. Acesso em: 22 jun. 2015.

JORNAL O VALOR. Protestos contra construção do Porto de Açu se intensificam.


Marta Nogueira, 19/01/2012. Disponível em:
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de-acu-se-intensificam>. Acesso em: 18 jan. 2016.

JUS BRASIL. Decreto 25455/99 | Decreto nº 25455 de 28 de junho de 1999.


Disponível em: <https://gov-rj.jusbrasil.com.br/legislacao/230243/decreto-25455-99>.
Acesso em: 24 maio 2016.

__________. Réu em Local Incerto ou Ignorado. 2008. Disponível em:


<https://www.jusbrasil.com.br/topicos/3145044/reu-em-local-incerto-ou-ignorado>.
Acesso em: 05 jul. 2016.

MASCARO, Alysson Leandro. Crise brasileira e direito. 2016. Disponível:


<https://blogdaboitempo.com.br/2016/02/29/crise-brasileira-e-direito/>. Acesso em:
31 mar. 2016.

MEGA BRASIL. MPF apura invasão do mar no Açu. Sérgio Franco. 25/09/2014.
Disponível em: <http://megabrasil.tv/2014/09/25/mpf-apura-invasao-do-mar-no-
acu/>. Acesso em: 06 mar. 2017.

MMA/IBAMA. Licenciamento ambiental. 17/04/2017. Disponível em:


<http://www.ibama.gov.br/perguntas-frequentes/licenciamento-ambiental>. Acesso
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MPF. MPF investiga licenciamento de obras de apoio ao Porto do Açu. 01/09/2011.


Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/rj/sala-de-imprensa/noticias-rj/noticias-
migradas/201108312100000300-noticia_983>. Acesso em: 24 jan. 2014.

MUSSE, Ricardo. A revolução burguesa no Brasil (resenha). 2014. Disponível:


<https://blogdaboitempo.com.br/2014/03/28/a-revolucao-burguesa-no-brasil/>.
Acesso em: 13 set. 2015.
252

NEVES, Delma Pessanha. Os produtores agrícolas da Região do Açu (São João da


Barra). Relatório preliminar de pesquisa encaminhado ao CNPQ como comprovação
de gastos de recursos financeiros concedidos para o trabalho de campo, 1982.
mimeo.

O DIÁRIO. Aula de campo em prol de agricultores; alunos da UFF e Faetec foram


conhecer de perto o processo de desapropriação e salinização do 5º distrito. Jornal
O Diário. Campos dos Goytacazes, 20 jan. 2013.

__________. CODIM avança na área do Açu com desapropriações. Segundo a


Presidente da CODIN, Conceição Ribeiro, que visitou o Jornal, na 1ª fase, das 89
propriedades a serem desapropriadas para formar a área industrial do Porto do Açu,
apenas 11 famílias que moram nas terras vão precisar ser removidas. Jornal O
Diário, Campos dos Goytacazes, 08 abr. 2011, p. 7.

__________. Sessão de ontem foi marcada por bate-boca e troca de farpas entre
vereadores da oposição e situação em São João da Barra. Jornal O Diário, Campos
dos Goytacazes, 03 jun. 2011.

O GLOBO. Ação Civil Pública do MPE sobre a representação apresentada pela


ASPRIM e demais entidades apoiadoras, sobre as violações de direitos dos idosos
cometidas pela CODIN e LLX e a ausência de Assistência aos afetados por
desapropriação no Porto do Açu, conforme interpretação da promotoria. Jornal O
Globo, Rio de Janeiro, 27 dez. 2011.

__________. Eike Batista lança manual para aspirantes a empreendedores.


Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/eike-batista-lanca-manual-para-
aspirantes-empreendedores-3378375>. Acesso em: 03 dez. 2011.

__________. Produtores rurais bloqueiam acesso ao Porto do Açu. Obras são


suspensas. Jornal O Globo, Rio de Janeiro, 26 dez. 2011, p. 24.

__________. Porto do Açu: um megaempreendimento cercado de impasses.


29/09/2016. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/porto-do-acu-um-
megaempreendimento-cercado-de-impasses-20197027>. Acesso em: 29 set. 2016.

OAB-RJ. Ata da reunião de 03/05/12 na sede da OAB- Ordem dos Advogados do


Brasil no Rio de Janeiro. 2012.

OLIVEIRA, Pedro Rocha de e CHACON, Clarice. Estado de exceção: o que é, e


para que serve. 2013. Disponível em:
<https://blogdaboitempo.com.br/2013/12/20/estado-de-excecao-o-que-e-e-para-que-
serve/>. Acesso em: 15 out. 2016.

PARANÁ ONLINE. Astúcia do Midas brasileiro. Disponível em: <http://www.parana-


online.com.br/colunistas/opiniao-acessado
empessoal/70319/ASTUCIA+DO+MIDAS+BRASILEIRO>. Acesso em: 07 fev. 2016
253

PMCG/SECOM. Prefeita Rosinha Garotinho faz considerações sobre Porto do Açu.


08/06/2016. Disponível em:
<https://www.campos.rj.gov.br/exibirNoticia.php?id_noticia=36095>. Acesso em: 08
jul. 2016.

PORTAL METÁLICA CONSTRUÇÃO CIVIL. Sistema Minas-Rio: maior Mineroduto


do mundo está sendo construído no Brasil. Disponível em:
<http://wwwo.metalica.com.br/sistema-minas-rio-maior-mineroduto-do-mundo-no-
brasil/>. Acesso em: 15 fev. 2015.

PREFEITURA DE SÃO JOÃO DA BARRA. Presidente da Hyundai visita Super Porto


do Açu em São João da Barra. 15/11/2010. Disponível em:
<http://www.sjb.rj.gov.br/noticia-1199/presidente-da-hyundai-visita-super-porto-do-
acu-em-sao-joao-da-barra>. Acesso em: 27 jun. 2015.

PRESIDENCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Lei nº 11.346, de 15 de setembro de


2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com
vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras
providencias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11346.htm>. Acesso em: 12 set. 2015.

RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL-RIMA. Infraestruturas do Distrito Industrial


de São João da Barra. Ecologus/Engenharia Consultiva e Agrar. LLX/Grupo EBX,
maio de 2011. Disponível em: <http://ceivap.org.br/downloads/eia-rima-distrito-
industrial-de-sao-joao-da-barra.pdf>. Acesso em: 02 de jun. de 2012.

RELATÓRIO SOBRE O CONFLITOS E VIOLÊNCIAS NO AÇU, encaminhado à


Ouvidoria Agrária Nacional, 2013. Impresso.

RELATÓRIO SOBRE O LEVANTAMENTOS DOS MINERODUTOS EM MINHAS


GERAIS E O DESPERDÍCIO DE ÁGUA. Carta Denúncia Encaminhada via
Secretaria do Comitê Italiano Mundial da Água, 31/03/2015.

RELATÓRIO SOBRE O PROJETO MINAS RIO E SEUS IMPACTOS


SOCIOAMBIENTAIS. Olhares desde a Perspectiva dos Atingidos, Campos dos
Goytacazes-RJ., 2014.

RELATÓRIO TÉCNICO SOBRE “AMOSTRAGEM DE ÁGUA E AVALIAÇÃO DE


CONDUTIVIDADE ELÉTRICA E SALINIDADE – SÃO JOÃO DA BARRA”, elaborado
por Marina Suzuki, pesquisadora da UENF. Dia de amostragem: 28/09/2012.

RELATÓRIO DO NÚCLEO DE DIREITOS HUMANOS DA DEFENSORIA PÚBLICA


SOBRE AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS NO AÇU. O enfoque recaiu
sobre o processo de desapropriação em que os proprietários passaram a ser
submetidos, 2013.

REPRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, Vara da infância,


juventude e do Idoso, em razão do elevado número de pessoas idosas na área
desapropriada e os desrespeitos aos direitos humanos a que estavam sendo
submetidos. A partir dessa denúncia, protocolada em 19/12/2011 e de uma visita em
254

que acompanhamos os promotores da Vara da infância, juventude e do Idoso de


Campos e de São João da Barra às famílias atingidas no Açu, uma Ação Civil
Pública foi levada a efeito, conforme processo nº 0066070-69.2011.8.19.0014.

REPRESENTAÇÃO AO MPE, por atos de responsabilidade por ofensa aos direitos


assegurados à criança e ao adolescente. Promotoria de Justiça da Infância e da
Juventude de São João da Barra em 03/01/2012.

REPRESENTAÇÃO NO MPE – Ministério Público Estadual. Protocolo n° MPE:


601558.2012 em 23/10/12, sobre a salinização das águas e solo do Açu.

REPRESENTAÇÃO NO MPF – Ministério Público Federal, Procurador Eduardo


Santos de Oliveira, protocolo MPF: PRM-CAM-RJ-00004645/2012 em 23/10/12,
sobre a salinização das águas e solo do Açu.

REPRESENTAÇÃO NO MPF – Ministério Público Federal. Cf. denúncia e Inquérito


Civil Público levado a efeito, conforme processo nº 1.30.000.000180/2011-86,
19/12/2011. Assunto: Investigar eventual formação de milícia armada no Complexo
Portuário do Açu. Inquérito arquivado em 28/06/2013.

RODRIGUEZ, Maria Elena. In.: Os Impactos dos Grandes Projetos e a Violação dos
DHESCA: Estudos de Caso PAD Brasil. Rio de Janeiro, 2009.

SÃO JOÃO DA BARRA. Câmara Municipal de São João da Barra. Projeto de Lei n°
39/2008 que dispõe sobre o Ordenamento Distrital do município de São João da
Barra de 15/12/2008 e aprovado em 31/12/2008. As terras do Açu deixam de ser
área rural de Interesse Agrícola e se transforma em Área de Interesse Industrial.
Neste projeto, o estado, através da prefeitura de São João da Barra, cria as
condições necessárias e fundamentais para a promulgação do Decreto de
desapropriação de 7.036 hectares de terras daqueles agricultores camponeses.

SRZD. Porto do Açu deve começar operar até 2013. 25/10/2011. Disponível em:
<http://www.srzd.com/brasil/porto-do-acu-deve-comecar-a-operar-ate-2013/>.
Acesso em: 13 dez. 2015.

URURAU. LLX e OSX rebatem denúncia e dizem que salinização foi pontual. Jornal
Ururau.com.br, CIDADES E REGIÃO. Disponível em:
<http://www.ururau.com.br/cidades35628>. Acesso em: 20 nov. 2015.

__________. PM e oficiais de Justiça atuam em desapropriação de terra no Açu em


19/01/2012. Disponível em: <http://www.ururau.com.br/cidades10812>. Acesso em:
02 nov. 2017.

__________. Mesmo com barragem de areia, mar continua a avançar na Praia do


Açu. 20/03/2015. Disponível em: <http://ururau.com.br/cidades54663_Mesmo-com-
barragem-de-areia-mar-continua-a-avan%C3%A7ar-na-Praia-do-A%C3%A7u>.
Acesso em: 20 mar. 2015.

__________. Sem terras e sem indenizações a agricultores do 5º distrito ocupam


área da Codin em SJB. 03/09/2015. Disponível em:
255

<http://novosite.ururau.com.br/cidades/309a70471277d3b98415f5a093a74b18737d5
7d8_sem_terras_e_sem_indenizacoes_agricultores_do_5__distrito_ocupam_area_d
a_codin_em_sjb>. Acesso em: 03 set. 2015.

VALOR ECONOMICO. Eike reage e classifica porto do Açu como ‘Roterdã dos
Trópicos’. 25/03/2013. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/empresas/3058736/eike-reage-e-classifica-porto-do-acu-
como-roterda-dos-tropicos>. Acesso em: 25 mar. 2013.

__________. LLX obtêm licença ambiental para construir pátio no Porto do Açu.
27/08/2009. Disponível em: <http://www.valor.com.br/arquivo/631019/llx-obtem-
licenca-ambiental-para-construir-patio-no-porto-do-acu>. Acesso em: 28 maio 2015.

__________. Protestos contra construção do Porto de Açu se intensificam. Marta


Nogueira, 19/01/2012. Disponível em:
<http://www.valor.com.br/empresas/2489640/protestos-contra-construcao-do-porto-
de-acu-se-intensificam>. Acesso em: 14 ago. 2014.

VEJA. Porto do Açú era a contrapartida de Cabral para Eike Batista. 26/01/2017.
Disponível em: <https://veja.abril.com.br/blog/radar/porto-do-acu-era-a-contrapartida-
de-cabral-para-eike-batista/>. Acesso em: 26 jan. 2017.

WELSCH, Gisele Mazzoni. A razoável duração do processo (art. 5ª, LXXVIII, da


CF/88) como Garantia Constitucional. Disponível em:
<http://www.tex.pro.br/home/artigos/64-artigos-jun-2008/5939-a-razoavel-duracao-
do-processo-art-5o-lxxviii-da-cf88-como-garantia-constitucional>. Acesso em: 25 out.
2013.

WIKIPEDIA. Milícia. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Mil%C3%ADcia>.


Acesso em: 19 nov. 2016.

XAVIER, Luis Gustavo de Souza e QUINTO JUNIOR, Luis de Pinedo. Os núcleos


urbanos no entorno imediato do Complexo Industrial do Porto do Açu: alterações na
paisagem. Boletim do Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego, Campos dos
Goytacazes/RJ, v. 7, n. 2, p. 119-145, 2013.
256

ANEXO A - Ata do 3º encontro na OAB/RJ, sobre impactados pelo complexo


portuário do Açú

SÍNTESE DOS ASSUNTOS ABORDADOS:

1 - REPASSE DA SITUAÇÃO DOS ENCAMINHAMENTOS, DA REUNIÃO


ANTERIOR (OFÍCIOS) PARA OS ORGÃOS ENVOLVIDOS NO PROJETO DO
COMPLEXO PORTUÁRIO E DEMAIS ORGÃOS DO GOVERNO ESTADUAL E
FEDERAL.

2 - SUGESTÃO DA ELABORAÇÃO DE UM PAINEL, PARA AGRUPAR E


QUANTIFICAR IMPACTOS E IMPACTADOS, PELO PROJETO DO COMPLEXO
PORTUÁRIO DO AÇÚ;

3 - SUGESTÃO DA CRIAÇÃO DE UM GRUPO DE APOIO JURÍDICO, ENTRE AS


ORGANIZAÇÕES PARCEIRAS, PARA PRESTAR ASSISTÊNCIA AS FAMÍLIAS
IMPACTADAS DO 5º DISTRITO DE SÃO JOÃO DA BARRA;

4 - SOLICITAÇÃO À PRESIDENTE DA OAB (DRª MARGARIDA PRESSBURGER)


PARA OFICIAR LEVANTAMENTO DE DADOS A COMARCA DE SÃO JOÃO DA
BARRA (EM SUAS DUAS RESPECTIVAS VARAS CÍVIS) DO NÚMERO DE
PROCESSOS DE DESAPROPRIAÇÃO NO 5º DISTRITO, DESTE MUNICÍPIO
EXINTENTES E EM FASE DE DISTRIBUIÇÃO E OU PREVISTOS, MOVIDOS
PELOS AUTORES DO PROJETO DO COMPLEXO PORTUÁRIO E DEMAIS CO-
PARCEIROS;

5 - SOLICITAÇÃO À PRESIDENTE DA OAB (DRª MARGARIDA PRESSBURGER)


PARA OFICIAR LEVANTAMENTO DE DADOS DOS PROCESSOS
TRABALHISTAS DO GRUPO OTHOM DA EXTINTA USINA BARCELOS E CIA,
BEM COMO SITUAÇÃO JURÍDICA (EXECUÇÃO, PENHORA, DOAÇÃO
ARRENDAMENTO, ETC...) DA ÁREA DA FAZENDA PALACETE, ONDE ESTÁ
SENDO INSTALADA VILA DA TERRA, PARA REASSENTAMENTO DE FAMÍLIAS
DESAPROPRIADAS;

6 - SOLICITAÇÃO À PRESIDENTE DA OAB (DRª MARGARIDA PRESSBURGER)


PARA OFICIAR OS JUÍZES DA COMARCA DE SÃO JOÃO DA BARRA, DA
NECESSIDADE DE UMA AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO, EM FACE AS FAMÍLIAS
ATINGIDAS PELA DESAPROPRIAÇÃO, QUE SE QUER SÃO HOUVIDAS E OU
RESPEITADAS, PELOS PROCESSOS EXPROPRIATÓRIOS EM CURSO NESTE
MUNICÍPIO;

7 - FOI INFORMADO PELA DRª NARA (REPRESENTANTE DA OAB) QUE ESTA


ENTIDADE, INTEGRA O CONSELHO ESTADUAL DIREITOS HUMANOS E QUE
EXISTE UM ANSEIO, DESTE CONSELHO EM VISTOREAR AS ÁREAS DO 5º
DISTRITO, QUE FORAM DESAPROPRIADAS EM FAVOR DA CODIN, QUE POR
SUA VEZ REPASSOU ESTAS PARA AS EMPRESAS (EBX E DEMAIS
SUBSIDIÁRIAS) DO SR. EIKE BATISTA.

8 - FICOU MARCADO UM NOVO ENCONTRO (DIA 18/07/2012 ÁS 14:00) ENTRE


OS INTEGRANTES DOS GRUPOS QUE ESTAVAM PRESENTES, NESTA
257

REUNIÃO NA SEDE DA OAB/RJ, E OS CITO ABAIXO:

PELA OAB/ RJ - DRª NARA SARAIVA

PELA AGB - LUIZA

PELA UFF/ CAMPOS - PROF. ANA COSTA

PALA CPT - CAROLINA ABBREU

PELA ASPRIM - RODRIGO SANTOS

PELO MPA - DIONE.

RIO DE JANEIRO 11 DE JUNHO DE 2012.


258

ANEXO B - Carta do Açu

Atingidos de Conceição de Mato Dentro/MG e do Porto do Açu/SJB/RJ,


pesquisadores de diversas Instituições de Ensino Superior nos Estados de Minas
Gerais e Rio de Janeiro, e representantes de Movimentos Sociais realizaram, nos
meses de maio e agosto de 2013, o intercâmbio das resistências ao Projeto Minas-
Rio, organizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), o
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas
Gerais (Gesta/UFMG), a Universidade Federal Fluminense em Campos dos
Goytacazes e a Associação dos Produtores Rurais e Imóveis Município de São João
da Barra – ASPRIM.

O intercâmbio possibilitou a visita dos atingidos do Açu às comunidades atingidas


pela mineração em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas e, em um
segundo momento, a visita de representantes das comunidades mineiras às
comunidades atingidas pelo Porto do Açu e demais estruturas localizadas no 5º
Distrito de São João da Barra – Açu/RJ.

Após este intercâmbio, nós, atingidos, pesquisadores e lideranças dos Movimentos


Sociais, na defesa da dignidade da pessoa humana, e, em especial, da garantia dos
bens essenciais à vida como a água e o território, vimos a público, pela presente,
denunciar os seguintes e inaceitáveis danos e violações de direitos ocorridos tanto
nos municípios mineiros quanto na região do Norte Fluminense, promovida pelo
empreendedor – Anglo American e LLX, – com a participação dos respectivos
Governos Estaduais.

· Violação do direito de liberdade de reunião, associação e expressão: durante


a realização do intercâmbio, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, os veículos que
transportavam os atingidos foram seguidos e monitorados pelos empreendedores;

· Mascaramento dos impactos socioambientais: os danos e impactos


ambientais provocados pelo empreendimento nos estados de Minas Gerais e Rio de
Janeiro foram subdimensionados ao longo dos processos de licenciamento,
fracionados de forma indevida. Não constam dos EIA-RIMAs os impactos conexos
mina-mineroduto-porto e os efeitos do empreendimento no estado vizinho do
Espírito Santo - área costeira, poluição, óleo, poluição sonora marinha, erosão do
solo marinho;

· Degradação dos mananciais e cursos d’água, tornando-os impróprios para


uso humano, dessedentação de animais, a pesca, e para os usos sociais, tais como
plantios da agricultura familiar e recreação. No Açu, a gravíssima salinização nas
águas e nas terras ameaça transformar o 5o Distrito/SJB e toda a Baixada
Campista, em um verdadeiro deserto;

· Não reconhecimento dos Atingidos: em Minas Gerais, empreendedor e


Estado se recusam a reconhecer a amplitude do universo de comunidades atingidas,
que resta indefinido no licenciamento, apesar da existência de estudo independente
realizado para esse fim; no Rio de Janeiro, tampouco são reconhecidas as famílias
atingidas pelos impactos gerados pela salinização;
259

· Violação do direito de propriedade: os atingidos denunciam as pressões e


formas diversas de coação a que vem sendo submetidos. Em Minas Gerais, o
violento assédio a herdeiros de terras familiares deflagrou processos conflituosos e
desagregadores nas famílias, agravados por práticas como intervenções não
autorizadas nos terrenos. No Rio de Janeiro, são recorrentes os despejos violentos
de agricultores familiares e pescadores, sem indenização e aviso prévios. Em ambos
os Estados, o empreendedor derruba cercas, casas, fecha caminhos, finca placas,
forçando o abandono das terras, das criações e lavouras.

· Tais pressões inviabilizam o direito à justa negociação e ao tratamento


isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;

· Violação do direito de ir e vir – Em Minas Gerais e no Rio de Janeiro,


caminhos seculares que interligavam comunidades foram fechados; no Açu, os
pescadores se encontram impedidos de acessarem as lagoas e realizarem suas
pescas durante a semana;

· Violação dos direitos das comunidades tradicionais em MG e RJ: a


reprodução de práticas e modos de vida tradicionais foi inviabilizada pelo
empreendimento, assim como o acesso e a preservação de bens culturais. Em
Minas Gerais, territórios familiares e lugares de memória foram fragmentados ou
tornaram-se inacessíveis às comunidades locais; a mineração inviabilizou o turismo
cultural. No Rio de Janeiro, conhecimentos tradicionais acumulados pelas famílias
no cultivo da restinga foram desconsiderados, e inviabilizou-se a pesca artesanal;

· Violação do direito de proteção à família e aos laços de solidariedade social e


comunitária: procedimentos de negociação fundiária obscuros e violentos
fragmentam as famílias, enquanto os reassentamentos já realizados não atendem à
necessidade de manter os laços de solidariedade preexistentes;

· Violação da dignidade e bem estar de grupos vulneráveis, com direito à


proteção especial: idosos vêm sendo alvo de pressão e sujeitados a
reassentamentos compulsórios que não permitem a reprodução de seus modos de
vida.

Os protestos, as diversas denúncias, as sérias objeções ao Projeto Minas-Rio, já


relatadas em órgãos e audiências públicas e nas instâncias administrativas
responsáveis pelos licenciamentos,não têm sido suficientes para barrar a
implantação desse empreendimento, que se sustenta pelo uso da violência e pela
afronta às leis, aos direitos e à dignidade da pessoa humana.

Chamamos a sociedade brasileira a se indignar com essa situação de arbítrio e a


aprofundar a solidariedade ativa com os agricultores e pescadores, de modo a
impedir a continuação de todos esses crimes.

Assinam esta carta:

Associação dos Produtores Rurais e Imóveis do Município de São João da Barra –


ASPRIM;
Atingidos pelo Projeto Minas - Rio;
260

Brigadas Populares;
Coletivo Margarida Alves – Assessoria Popular;
Comissão Pastoral da Terra – CPT;
Comitê Popular de Erradicação do Trabalho Escravo/NF.
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de Minas
Gerais – GESTA/UFMG;
Grupo de Trabalho em Assuntos Agrários - Associação dos Geógrafos
Brasileiros/AGB, Seção Rio de Janeiro e Niterói;
Grupo Políticas, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade da Universidade
Federal de Juiz de Fora - PoEMAS/UFJF;
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – IBASE;
Laboratório de Cenários Socioambientais da Pontíficia Universidade Católica /PUC
Minas Gerais;
Mariana Criola - Centro de Assessoria Popular
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB;
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Núcleo de Estudos Rurais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense –
NERU/UFF;
Núcleo de Estudos em Estratégias e Desenvolvimento do Instituto Federal
Fluminense – NEED/IFF;
Núcleo de Estudos Socioambientais da Universidade Federal Fluminense
– NESA/UFF;
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da
Universidade do Estado do Rio de janeiro - PPFH/UERJ;
Rede Nacional de Advogado/as Populares – RENAP.
Associação dos Docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense – Aduenf.

São João da Barra/Açu, Agosto de 2013.


261

ANEXO C - Carta Aberta das Comunidades Socialmente Atingidas pelo


Empreendimento Minas-Rio à sociedade

As comunidades do Distrito de São Sebastião do Bom Sucesso, Sapo – Água


Quente, Beco, Cabeceira do Turco, Ferrugem, Quatis, Turco, e de Córregos –
Gondó e do Jassém se reconhecem como COMUNIDADES SOCIALMENTE
ATINGIDAS pelo empreendimento Minas-Rio, na região de Conceição do Mato
Dentro.
Nós, comunidades socialmente atingidas, vimos a público manifestar o nosso
repúdio às práticas violadoras de direitos humanos e ambientais impostas pela
empresa Anglo American com a conivência e omissão do poder público municipal,
estadual, federal e todas as instâncias responsáveis pela fiscalização e promoção do
bem comum.
Exigimos que as comunidades sejam esclarecidas sobre as condições reais a que
estão e estarão submetidas e que sejam paralisadas as práticas desrespeitosas,
excludentes e geradoras de conflitos sociais tais como:
• Não reconhecimento dos atingidos;
• Fragmentação das famílias e das relações entre os membros da comunidade
e marginalização dos atingidos;
• Desigualdade nos critérios de negociação com ausência de tratamento
isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados;
• Não cumprimento das condicionantes, sobretudo às de reestruturação
fundiária e produtiva;
• Embaraços e impedimentos à liberdade de expressão, reunião e associação,
além de ameaças veladas por meio de perseguição de pesquisadores, movimentos
sociais e atingidos com carros de segurança da Anglo American;
• Inviabilização do uso dos cursos d’água por degradação provocada pelo
empreendimento;
• Interrupção de caminhos e, consequentemente, do direito de ir e vir;
• Desrespeito ao modo de vida tradicional, à preservação dos bens culturais e
sua reprodução;
• Utilização de mão de obra em condição análoga à de escravo e tráfico de
pessoas;
262

• Degradação das condições de saúde, violação aos direitos dos idosos, de


grupos vulneráveis e que necessitam de proteção especial.
A par desses problemas, conclamamos a todos os cidadãos, movimentos sociais e
entidades de defesa dos direitos humanos, sociais e ambientais a se unirem aos
atingidos para denunciar as irregularidades do Projeto Minas-Rio da Anglo American
e para exigir:
• A fiscalização dos órgãos responsáveis pelo licenciamento ambiental –
IBAMA, SEMAD, SUPRAM-Jequitinhonha, IGAM, CBH-Santo Antônio, com a
participação dos atingidos e das instituições responsáveis pela fiscalização e
promoção do bem comum – Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria
Pública, Polícia Ambiental.
• A presença do Prefeito de Conceição do Mato Dentro em uma reunião com as
comunidades socialmente atingidas para esclarecimentos sobre a postura da
prefeitura em relação aos problemas, conflitos ambientais e o futuro das
comunidades e distritos do entorno do empreendimento.
• Audiência Pública da Câmara Municipal de Conceição do Mato Dentro como meio
de dar visibilidade aos problemas e conflitos vivenciados pelas comunidades
socialmente atingidas.
• Audiência com o representante do Ministério Público Estadual para solicitar
explicações e conhecer os encaminhamentos que foram realizados sobre as
demandas apresentadas pelas comunidades durante as reuniões da REASA.
• Que sejam cumpridas as definições do processo de trabalho da DIVERSUS,
conforme metodologia aprovada na URC-Jequitinhonha, especificamente, no que se
refere à realização da reunião geral com as comunidades para apresentação dos
objetivos e critérios de ação.
• Que seja respeitado o direito à melhoria contínua da vida.

São Sebastião do Bom Sucesso, 22 de fevereiro de 2014.


Comunidades Socialmente Atingidas.
263

ANEXO D – Relatório Técnico sobre “Amostragem de água e avaliação da


condutividade elétrica e salinidade São João da Barra
264
265
266

Figura 77 – Mapas com pontos de coleta de água para análise

Fonte: Google Eart/Laboratório de Ciências Ambientais/UENF, 28/12/2012.

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